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Interessante constatar que (a primeira coleção das peças do dramaturgo (Fólio) ) o

Primeiro Fólio, publicado em 1623, foi, como (no) o Velho Testamento, organizada por

gênero, tal qual seu título já indicaria: Comédias, Histórias e Tragédias de Sr. William

Shakespeare (MARX, 2013, p. 60).

Utilizaremos ainda o capítulo sete do livro de Hamlin no qual serão analisados os

ecos e as apropriações do livro de Apocalipse em Macbeth, mostrando como eles podem

ter ajudado estabelecer a atmosfera sombria da peça e o capítulo oito que discorre sobre

o paralelismo entre Lear e Jó, trazendo relatos alusivos da Bíblia para dentro do mundo

do Rei da Bretânia, destacando questões existenciais de providência, justiça e o sentido

de todo o sofrimento humano (2013, pp. 4-5).

(Sendo assim, tal exercício) O exercício do dialogismo intertextual presume o

desvendar de uma partilha dentro de um mesmo campo discursivo e dos gêneros e

figuras que lhes estão concatenados. Como bem reconheceu Maingueneau (1997,

mencionar a página por ser uma citação direta), “uma formação discursiva é associável

a certos trajetos e não a outros, e isto faz parte integrante de sua especificidade”. Para

Shakespeare seria como se todas as dimensões de discursividade pudessem estar

inseridas em suas obras. (a intertextualidade, a dêixis, etc.). retirar parte em azul) Ele se

propõe a recorrer a um tesouro cujas linhas se deslocam incessantemente, com o efeito

de executar uma reconfiguração, com diferentes reformulações possíveis para o seu

“enunciado” no interdiscurso.

E quanto à visualização, à história e ao seu processo de construtividade textual?

Sim, há de se discorrer em determinados momentos a respeito da evolução da mente e

da existência de Shakespeare como menino, homem, cidadão, gênio, pai e escritor. É

absolutamente necessário se ter um conhecimento aprofundado sobre a época, a vida e a

ambientação em que ele viveu, para assim compreender a presença da Bíblia com maior
especificidade. Para tal escopo, foram selecionados foram os livros Falando de

Shakespeare (2009), de Barbara Heliodora; bem como Shakespeare: a invenção do

humano, de Harold Bloom (2001) e Shakespeare, uma vida, de Park Honan (2001);

assim como incursões biográficas existentes em boa parte dos livros bem como em

artigos aqui apresentados onde possam ser encontradas as relações de contato entre as

tragédias do dramaturgo e a Bíblia.

Um ponto importante em recorrer ao livro de Park Honan, Shakespeare, uma vida

(2001), é que ele tenta cobrir os dez anos de trabalho, em que examinou todas as fontes

conhecidas para a elaboração de sua biografia dele, após uma abrangente e sólida,

pesquisa de artigos, livros, resenhas de peças, tudo isso ao longo de 35 anos. Ali Honan

relata ter adquirido novas e surpreendentes informações sobre o dramaturgo, algumas há

pouco descobertas, graças a estudos antigos dos documentos de William Shakespeare e

uma variedade enorme de outros trabalhos. (retirar toda essa parte em azul e vermelho).

Vale ressaltar que dar-se-á primazia ao texto bíblico na época de Shakespeare, mais

a Bíblia de Geneva, assim como à Bíblia que é usada na atualidade e em nossa própria

língua, a tradução de João Ferreira de Almeida. No apêndice uma lista de obras

consultadas e mencionadas podem ser encontradaencontradas, incluindo obras de

críticos shakespearianos significativos, como Harold Bloom. Também serão usadas

versões de tradutores diferentes, dois para cada tragédia estudada, com o intuito de

contemplar o método comparativo-analítico vigente. (retirar parte em azul)

(2.3 A IMPORTÂNCIA DA TRADUÇÃO retirar subtítulo )

Os textos do dramaturgo apresentavam, de um modo geral, três tipos de

valores: “valor gramatical, de construção e sentido lógico, valor fonético, de som e

ritmo, e valor estilístico, de emoção e qualidade espiritual” (MENEZES, 1993, p. 14).


Tais representações visam restabelecer a história, a génese e a evolução do texto, quais

as tradições onde nasceu e que assimilou, bem como quantos escritores ou tradutores

deixaram nele sua marca pessoal, e as formas literárias usadas no texto. (retirar parte em

azul)

Dentro deste estudo, conhecer os tradutores e compreender sua forma de recopiar

um texto do seu idioma original para o do próprio profissional pode trazer uma

contribuição valiosa para a interpretação das tessituras bíblicas, contudo é preciso

esclarecer que esse não será o momento de serem feitas comparações das estratégias

tradutórias. Neste momento, tem-se priorizado a roupagem que cada um dos tradutores

deu aos excertos bíblicos selecionados para o trabalho, especialmente como eles lidaram

com essas expressões.

Como as peças de Shakespeare foram, pela primeira vez, reunidas e publicadas em

1623, é de se imaginar quantas e quantas edições desses textos já foram produzidas

desde então. A cada nova edição, há o trabalho dos editores debruçando-se sobre o

texto, e assim ele se vai modificando. Para uma leitura mais clara do texto

dramatúrgico, apareceram rubricas (stage directions) quando não havia rubrica alguma

nos manuscritos de Shakespeare ou nas cópias dos textos que se usavam para os

ensaios. As pesquisas que vêm sendo feitas em historiografia dos textos shakespearianos

vêm aos poucos corrigindo essas alterações dos editores ao longo dos tempos.

Com a crescente produção tradutória de obras de Shakespeare a partir dos anos

1930, na década atual já foram lançadas 44 novas traduções e mais sete estão no prelo,

mas devido à precariedade de informações sobre essa produção em nosso país no século

XIX, não será possível identificar todas elas. Um breve histórico das traduções

shakespearianas para outras línguas mostra que até o século XVII traduzia-se para a

língua portuguesa apenas fragmentos de peças.


Somente a partir do século XVIII é que começaram a ser produzidas traduções mais

completas, a maioria das vezes a partir de um texto-fonte intermediário, geralmente em

francês (MARTINS, 2006). As traduções francesas mais utilizadas eram as de Jean-

François Ducis, que adotava uma poética neoclássica, empregando alexandrinos

rimados e introduzindo mudanças radicais na trama e (nos) na caracterização das

personagens. Tratava-se, na verdade, de um tipo de tradução denominado “imitação”,

ou imitatio, na qual se mantém apenas a ideia geral, tendo o tradutor liberdade de fazer

intervenções profundas no texto.

No Brasil não foi diferente: a introdução de Shakespeare em nosso país pela via

literária deu-se por meio de traduções, muitas vezes indiretas e também produzidas em

Portugal, de trechos de peças que se destinavam à encenação. Parte da história e da

recepção dos textos e das montagens de obras de William Shakespeare no Brasil (em

inglês e em traduções brasileiras) pode ser encontrada com as seguintes referências

básicas: Shakespeare no Brasil, de Eugênio Gomes (1961); William Shakespeare no

Brasil: Bibliografia, de Celuta Moreira Gomes, com a colaboração de Thereza da Silva

Aguiar, em três volumes, o primeiro publicado em 1961, o segundo em data

desconhecida (mas não muito posterior), e o terceiro em 1965; e William Shakespeare:

edição do IV Centenário, coletânea organizada por Barboza Mello e Olympio Monat

(1964).

Além dessas publicações, disponíveis apenas em algumas bibliotecas, há também

artigos de interesse histórico, com especial destaque para dois, ambos de Barbara

Heliodora, nos quais a estudiosa constrói uma história das encenações de textos

shakespearianos em nosso país. São esses: “Shakespeare in Brazil”, publicado em 1967,

em Shakespeare Survey, e “Shakespeare no Brasil”, que integra a coletânea de ensaios

do dramaturgo, sua época e sua obra, em um livro organizado por Marlene Soares dos
Santos e Liana de Camargo Leão (2008). Os mesmos artigos também contam um pouco

da história das traduções brasileiras do cânone shakespeariano, assim como

“Shakespeare em tradução no Brasil” (MARTINS, 2008), incluído na mesma coletânea,

e “Sotaque brasileiro” (Martins, 2006), publicado no número dedicado ao poeta inglês

da revista Entrelivros, coleção Entreclássicos.

A escolha das traduções e dos tradutores foi concebida pelas versões mais

reconhecidas pelos estudiosos. Hamlet, Rei Lear, Otelo e Macbeth trarão as versões de

Barbara Heliodora sendo que em Hamlet será utilizada a tradução da mãe de Barbara,

Ana Amélia de Queiroz Carneiro Mendonça. A outra tradução dessas obras ficou a

cargo de Millôr Fernandes (Hamlet e Rei Lear) e de Manuel Bandeira (Macbeth). Já

Otelo apresentará a tradução de Beatriz Viegas-Faria. Necessário entender o estilo de

cada tradutor para configurar suas “intervenções” mediante pontos sensíveis entre a

Bíblia e Hamlet, ou a Bíblia e Macbeth, Otelo ou Rei Lear.

Na medida em que entendemos o papel do tradutor não mais como o


do mediador autorizado que pretende resgatar o Shakespeare essencial
e produzir uma versão definitiva, mas, sim, como o do intérprete de
uma geração, de uma estética ou de uma leitura possível do autor, a
pluralidade de traduções surge como muito positiva. Há poetas que
traduzem em prosa e estudiosos que dominam a rima e o metro
decassílabo, ou até o dodecassílabo; um erudito privilegia a prosa
coloquial e não ameniza as expressões chulas, enquanto outros
especialistas priorizam a encenabilidade do texto e pouco recorrem a
notas e aparato crítico. Esses modos heterogêneos de se traduzir o
autor inglês oferecem aos leitores e espectadores a oportunidade de
escolher, dentre as versões disponíveis, aquela(s) que melhor
corresponde(m) às suas expectativas (MARTINS, 2009, p. 28).

Até porque, como sempre há diferentes e novas gerações de leitores e de

espectadores, com novas tendências, visões, linguagens e expectativas, é necessário uma

retradução contínua dos textos teatrais, então é mister uma “nova” geração de

tradutores. Cada tradutor tende a dar o seu tratamento às muitas dificuldades do texto,
atendo-se mais ou menos à superfície textual, mais ou menos às entrelinhas, mais ou

menos ao estudo da genética do texto.

Como toda tradução de texto literário é também um texto criativo, não há duas

traduções iguais de um mesmo texto – o que traz à tona justamente a riqueza poética do

original. E cada tradutor tem sua “voz” no texto – seja num texto introdutório à

tradução, seja em notas de rodapé, seja nas escolhas vocabulares ou de estruturas

frasais. No caso de Shakespeare, “retraduzir, editar” seus clássicos fica muito mais fácil,

por não depender de quaisquer contratos de direitos autorais, ou seja, a obra do

dramaturgo se encontra disponível para receber tantas e quantas traduções as editoras

quiserem publicar.

A tradutora Anna Amélia Carneiro de Mendonça (1896-1971) foi uma das

primeiras mulheres a se propor a dar nossa voz ao texto shakespeariano. Poeta

parnasiana, traduzia com facilidade tanto a poesia dramática shakespeariana quanto a

lírica. Dentre suas traduções, a mais conhecida e também a única delas com a qual

vamos trabalhar é a de Hamlet, feita por volta de 1965, publicada originalmente pela

Editora Agir em 1968 e reeditada regularmente a partir de 1995.

As traduções de Hamlet por Anna Amélia foram realizadas em um período mundial

de cultura de protesto, que teve início na segunda metade dos anos 1960 e estendeu-se

por toda a década seguinte. Anna Amélia que era uma discípula do modernismo de 22,

parecia buscar uma verve mais ideológica e formal. Seu Hamlet foi publicado nesse

momento literário, em uma edição que contava com uma introdução assinada por sua

filha Barbara, mantida nas reedições. A partir dos comentários tecidos na introdução, é

possível inferir que, para Anna Amélia, a tradução seria uma transferência de conteúdo

e de intenções – transferência que, na sua opinião, permaneceria inevitavelmente

incompleta, a partir do momento que, “na transposição para o português, é literalmente


impossível dizer tudo o que Shakespeare poderia querer dizer precisamente em suas

palavras” (HELIODORA, 2004, p. 6).

De acordo com a prefaciadora e filha Bárbara Heliodora, Anna Amélia teve por

objetivo: (i) produzir uma tradução para teatro, em que atores e diretores pudessem

sentir o fluxo da ação, mas ao mesmo tempo uma tradução de poeta, que preservasse “a

principal qualidade que deu tão monumental dimensão à literatura dramática do período

elisabetano”, e (ii) privilegiar o efeito cênico, teatral, em detrimento de uma “estrita e

indefectível erudição e fidelidade” (HELIODORA, 2004, p. 6).

Para alcançar tais objetivos, a tradutora adotou a estratégia de transformar o verso

branco elisabetano em decassílabo sem rima, mas “com ritmo autêntico”, mantendo a

mesma combinação verso branco/verso rimado/prosa do texto em inglês. Além disso,

buscou uma linguagem acessível para permitir uma compreensão imediata por parte do

público, “como o próprio Shakespeare procurou fazer, usando uma linguagem

contemporânea e popular” – mas procurando evitar tanto o extremo de uma linguagem

arcaizante quanto o de uma atualidade excessiva, com coloquialismos ou regionalismos

transitórios (HELIODORA, 2004, pp. 7-8).

A opção pelos decassílabos reflete, mais uma vez, a poética vigente no que diz

respeito às traduções de poesia em geral, e de obras shakespearianas em particular. A

linguagem mais acessível – em comparação com as traduções brasileiras precedentes – é

compatível com os objetivos de produzir um “clássico” encenável e também configura

um comportamento normativo no âmbito das traduções voltadas para o palco.

Barbara Heliodora, sempre preocupada com a “encenabilidade”, qualifica a

tradução de Anna Amélia de “não presunçosa” e “fluente” (HELIODORA, 1985).

Outros críticos como Geraldo Silos, que traduziu Hamlet também em um outro
momento, acusou Anna Amélia de centenas de erros, chegando a expô-los em artigos

publicados no Jornal do Brasil em 1985 e 1986, e intitulados, respectivamente, “O

assassinato de Shakespeare” (1985) e “Os 44 equívocos”(1986).

Entre os erros observados, Silos destaca trechos que qualifica de “versão ao pé da

letra”, muitas vezes levando ao “não-sentido, ao cômico e ao absurdo” (SILOS, 1986), e

os examina em detalhe. As observações evidenciam, por parte do comentarista, uma

preocupação com a “letra” do texto, cobrando a presença de todos os elementos lexicais

(preferencialmente, na acepção mais literal) e rejeitando licenças poéticas ou opções que

apontam em direção a uma busca de equivalência dinâmica ou funcional (MARTINS,

2009, p. 35-36).

Já Milton Viola Fernandes (1923-2012), o jornalista, desenhista, humorista,

dramaturgo, roteirista, escritor e tradutor Millôr Fernandes, que começou a traduzir

livros principalmente do inglês na década de 50 e 60, não só preferia uma vertente mais

lírica que não só mantivesse a dessacralização do verso, ocorrida no modernismo por

meio da incorporação da gíria e do coloquial (inclusive palavras de baixo calão), a fim

de aproximar a poesia da vida cotidiana, como também apoiava a desrepressão da

linguagem e a valorização da experiência social. Exagerado, Millôr defendia a falta de

“respeito” com o original e com o idioma de partida, para captar, com certo

atrevimento, o espírito da obra.

Em entrevista dada pelo escritor a Gabriel Perissé no site da revista Língua

Portuguesa, em 2012, ele afirma adotar de modo intencional um saudável pragmatismo

tradutório, “sem frescuras”, exigindo que o texto fluísse como um falar brasileiro,

recuperando e recriando aliterações, trocadilhos e outros efeitos linguísticos presentes

no original. Millôr tenta formar a escrita mais apropriada à linguagem teatral, em um

texto rico e coloquial. Para Millôr, “o tradutor deve possuir e praticar uma filosofia de
trabalho, cultivar princípios que lhe deem um norte, que fundamentem decisões e

escolhas. No seu caso, traduzir era primeiramente “pôr em português”, o que o levou a

realizar traduções com ares de adaptação” (PERISSÉ, 2012).

A tradução, para o escritor, era a mais difícil das empreitadas, maior até do que

criar originais, apesar de não tão importante quanto isso; que uma tradução também não

podia existir sem o mais amplo conhecimento do idioma para o qual vai se traduzir e

muito menos sem estilo próprio, originalidade ou tino profissional. Ele tinha como

opinião categórica era de que todo tradutor deveria também ser um escritor, lamentava

que, devido a fatores econômicos, tal arte pudesse ficar comprometida, por se arriscar a

ser imparcial, desconsiderando o talento, a graça, o estilo e o pensamento do

“mediador” por trás do idioma.

Seguindo essa linha de pensamento, a tradutora e crítica teatral Heliodora Carneiro

de Mendonça, ou Barbara Heliodora, fez o Bacharelado em Língua e Literatura Inglesas

no Connecticut College (USA) e o Doutorado em Artes na Universidade de São Paulo

(USP) e pela relevância de seu trabalho, recebeu o título de Oficial da Ordre des Arts et

des Lettres, da França, a medalha Connecticut College, nos EUA e a medalha João

Ribeiro, da ABL, concordava que a melhor tradução a ser feita é a que encontrar o

melhor equivalente na língua-alvo. Com isso, suas traduções apresentam um excelente

nível. Porque, além de domínio perfeito das línguas portuguesa e inglesa, Barbara

conhecia toda a obra do dramaturgo e poeta britânico, tendo traduzido para o português

boa parte do repertório shakespeariano.

O autor de “Hamlet”, “Rei Lear” e “Otelo” era seu alimento diário — daí as

traduções de cunho apuradíssimo. Suas versões, sem apagar a história das obras —

sempre vinculada à língua de seu tempo e ao teatro (daí o tom, digamos, quase

declamatório) —, ao tempo em que estão vinculadas, tornam Shakespeare um homem


do nosso tempo, mesmo o nosso conterrâneo. Com a publicação em português de cerca

de 40 livros de vários gêneros e de autores de língua inglesa assim como um mesmo

número de peças de teatro de autores diversos, Barbara Heliodora tornou-se,

reconhecidamente, a grande autoridade nacional em William Shakespeare, tendo

traduzido para o português boa parte do repertório do dramaturgo (ALMEIDA, 2002).

Para ela, o texto shakespeariano é "riquíssimo em imagens tiradas do cotidiano,

elaboradas com linguagem relativamente simples, ainda que por vezes ele invente

palavras". Nesses casos, "a ação facilita a compreensão", defendia Barbara, cônscia da

transposição das peças para a cena da forma como foram concebidas:

predominantemente em verso1.

Temos também a experiência da tradutora Beatriz ViegaViégas-Faria, porto-

alegrense, Formadaformada em Letras (Tradutor e Intérprete – Inglês/Português), com

Mestrado e Doutorado na área de LingüísticaLinguística Aplicada, tem um trabalho que

inclui anos dedicados à tradução e versão de textos científicos e técnicos. Seu objetivo

era trabalhar com a tradução literária. Em seu artigo “A tradução do drama

shakespeariano por poetas brasileiros” (2009), Marcia Martins revela que a tradutora

gaúcha tinha a liberdade de traduzir em prosa, o que a levava a ficar mais atrelada às

intenções de teor do texto original, possuindo ainda o cuidado em preservar uma

linguagem poética e manter os significados implícitos que havia nos diálogos. Em

relação ao complexo mundo da tradução teatral, Beatriz tem procurado apontar soluções

tradutórias que funcionem no português, como aqueles subentendidos em forma de

trocadilhos, humor, ironia, etcetc., apresentando-os como uma estratégia para que os

diálogos das obras do dramaturgo não se personificassem em uma “língua estranha”

para o leitor atual.


1
Artigo do site BOL Notícias do dia 21/05/2009, autor desconhecido,
http://noticias.bol.uol.com.br/entretenimento/2009/05/21/autoridade-em-shakespeare-barbara-heliodora-
critica-teatro-experimental.jhtm. Acesso em 07/08/2015.
Tendo Shakespeare sido um profícuo inventor de palavras e de expressões que já

tornava complicada uma tradução diacrônica em relação ao vocabulário, Beatriz ainda

se debatia com uma questão: seria necessário inventar em português, como Shakespeare

inventara em inglês? Devido às mutações características da pós-modernidade, a

linguista temia que o discurso amoroso, tido como lindo dentro da estética do teatro

elisabetano, pudesse escorregar para o brega kitsch no campo da tradução nos dias

atuais. Outras preocupações dela era saber como atualizar expressões já cristalizadas por

traduções anteriores e alcançar o significado de um verbete ou gesto que não se

encontrava no contexto da língua portuguesa.

O método de trabalho de Beatriz Viegas era austero: sem normas rígidas e sua

tradução mesmo lenta, procurava resolver todas as inconsistências ainda durante o

andamento do processo de reescritura do texto, com a ajuda de dicionários de todos os

tipos, inclusive aqueles especializados no vocabulário shakespeariano, bem como

enciclopédias, livros de história, a Internet e autores especialistas nas obras de

Shakespeare.

Entretanto, enquanto Millôr buscava conhecer e ler outras traduções da dramaturgia

shakespeariana, Beatriz Viégas evitava totalmente ler seus escritos durante o seu

trabalho de tradução, para não se deixar “contaminar”. Porém, depois de finda a sua

tradução, as outras versões passavam a ser uma boa fonte de consulta no processo de

revisão. Viegas obtém vantagem por ser uma escritora, com contos e poemas publicados

– o que a ajudou a reconhecer no trabalho de outro autor as técnicas de composição,

mediante a não invisibilidade do tradutor.

Para finalizar, a tradução de Macbeth por Manuel Bandeira. Bandeira (1886-1968),

o grande poeta que escandalizou a plateia durante a Semana da Arte Modena de 1922,

com o poema Os sapos, “pecando” pela total irreverência, com sua ausência de rimas,
apresentando-se como uma afronta irônica ao estilo parnasiano. Realmente os

elementos inesperados de construções metafóricas, os temas sociais em evidência

haviam sido características marcantes da obra de Bandeira.

Isso pode ser sentido na primorosa tradução feita por ele, daquela que é, em suas

próprias palavras, “a mais sinistra e sanguinária tragédia do autor”. Em sua tradução

pela editora Cosanaify (2009), na nota do tradutor, o escritor se detém sobre a peça em

si, as fontes, as possíveis interpolações, algumas considerações sobre o tema e a

linguagem. Nas duas páginas introdutórias, Bandeira não faz qualquer menção ao seu

modo de traduzir, dando a conhecer que tal edição não se trata de uma tradução

comentada.

Em seu artigo O verso de Manuel Bandeira em sua tradução de Macbeth (Scripta,

2009, p. 136), Martins e Brito declara que “Bandeira traduziu Macbeth em decassílabos,

equivalentes ao pentâmetro jâmbico inglês. O texto brasileiro é bonito, tendo a grandeza

de um dos poetas mais puros da língua” (MAGALDI apud MARTINS e BRITO, 2009).

Martins e Brito (2010) ainda citam o comentário do crítico Pontiero sobre a

tradução de Macbeth feita por Manuel Bandeira, mediante a análise comparada de

trechos do original e das soluções encontradas pelo poeta 2 (PONTIERO, 2002, apud

MARTINS e BRITO, 2009). Pontiero garante que “a seleção dos fragmentos é pautada

por aspectos descritivos (a atmosfera sombria, o clima sobrenatural), sintáticos,

retóricos (a poesia da oratória de Macbeth, emprego de antíteses para transmitir

emoções em conflito) e de linguagem (manutenção de onomatopeias e aliterações).

Tudo isso, segundo ele, resultou em “uma tradução moderna que, dotada de um sutil

reajustamento do tom e da ênfase, consegue guardar a perfeita essência da linguagem de


2
O verso de Manuel Bandeira em sua tradução de Macbeth. Marcia A. P. Martins e Paulo Henriques
Britto. 2009. Disponível em http://www.uniandrade.br/docs/scripta/Revista_Scripta_2009.pdf Acesso em
29/11/2015.
Shakespeare” (p. 136); que seria muito bem-sucedida “não só quanto à atmosfera e

linguagem quanto à técnica poética”(PONTIERO, 2002, apud MARTINS E BRITO,

2009, p. 138).

Manuel Bandeira sentia-se responsável pela integridade da obra traduzida,

comprometido em não a deturpar nem a distorcer. Ele optou pela tradução dos versos

em decassílabos, dando maior importância, na verdade, à regularidade da metrificação

do que ao número de versos, já que Bandeira preferiu a passagem em um número um

pouco maior de versos a fazer muitos cortes. A relação entre letra e sentido se

estabelece nas traduções, da mesma forma que acontece no original. Porém, segundo

Martins e Britto (2009, p. 140) pode-se “encontrar algumas omissões e simplificações,

mas que parecem ser ditadas menos pela necessidade de economizar sílabas do que por

outros motivos”. Com isso, Bandeira consegue traduzir de um modo muito mais livre do

que a maior parte dos tradutores shakespearianos no Brasil.

Voltando à formação do cânone, pontua-se aqui uma afirmação pertinente para

encerrarmos este capítulo, nome que ironicamente se refere tanto à religião por

representar tanto uma assembleia de religiosos, quanto sacerdotes de um colegiado ou

cónegos ou à sala onde se reúne essa assembleia, bem como à literatura, definindo-se

como “composição poética em tercetos rematados por um verso isolado que rima com o

penúltimo do último terceto”3. E é como se no interior dessa sala, Harold Bloom

testificasse sobre a razão da presença constante de tantos palimpsestos na literatura de

Shakespeare:

Os motivos para ler, como para escrever, são muito diversos, e muitas vezes
não claros mesmo para os leitores ou escritores mais autoconscientes. Talvez
o motivo último para metáfora [referência, alusão, etc.] ou para a escrita e
leitura de uma linguagem figurativa, seja o desejo de ser diferente, em estar
em outra parte. (BLOOM, 1995, p. 497)

3
Infopedia.pt Acesso dia 12/04/2016 http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/cap
%C3%ADtulo?acp=5
A imortalidade de Shakespeare é seu universalismo; o eterno da Bíblia é sua

transcendência. Natural que a transcendência se agregue ao universalismo, ainda que

por meios seculares. Apropriado lembrar que nesse caso, mediante a constatação da

intertextualidade, implícita e explícita, só se torna possível se o estudioso souber

identificar e classificar os compósitos praticados, contextualizando e recontextualizando

as tessituras que existem por trás de cada uma dessas tragédias que será apresentada nos

capítulos a seguir, nessa catalisação e exposição do tradicional com o moderno-

contemporâneo. Como bem situa o apóstolo Paulo em 2 Tessalonicenses 9: 15, 17:

“Então, irmãos, estai firmes e retende as tradições que vos foram ensinadas, seja por

palavra, seja por epístola nossa. Console os vossos corações, e vos confirme em toda a

boa palavra e obra”.

Passemos então à grande obra e à palavra pluricêntrica, imersas em Hamlet.

Como são objetos deste estudo, crê-se que limitar a Bíblia, assim como as

tragédias de Shakespeare, a apenas uma versão como parâmetro de investigação seria

um erro crasso. Então o estudo se sustentará em determinados contextos, nas versões da

Bíblia em inglês, que são a Bíblia da época de Shakespeare, a de (Genebra) de 1599,

que foi publicada na época em que o dramaturgo viveu e escreveu a King James Bible; e

em português, a Bíblia Sagrada em português, com tradução de João Ferreira de

Almeida, de 2007. O uso de versões diferentes significa maior trabalho, mas também

maior e melhor apreensão, tanto das razões que levaram Shakespeare a apropriar-se

desse universo “fora-do-texto”, quanto das funções elaboradas a partir desses excertos

na composição do processo textual do dramaturgo.

Para estabelecer dentro da teoria literária essa proximidade de Shakespeare e a

Bíblia, usaremos como escopo, estudos em livros como o “The Bible in Shakespeare”
(2013), de Hannibal Hamlin, professor em Oxford e crítico inglês, que discorre sobre a

história crítica desses dois grandes pilares da cultura inglesa, como elas se afinam e

como tais correlações afetam os escritos do dramaturgo. Hamlin concorda que,

primeiro; “todas as peças de Shakespeare fazem alusão a outras obras” e segundo;

“nenhum livro até hoje é mencionado com mais frequüência, mais

aprofundadamenteprofundamente, ou com mais complexidade e importância do que a

Bíblia” (2013, p.3).

Por isso, a escolha deste livro de Hamlin, por ser uma poderosa fonte de consulta

para a variedade de temas bíblicos usados pelo dramaturgo em suas obras, entre elas, a

provação de Rei Lear em contraste com o personagem bíblico Jó e a referência

apocalíptica em alusão à grande face da condenação encontrada em Macbeth (2013). O

mesmo pode ser dito da obra do estudioso americano Naseeb Shaheen (1931- 2009).

Porém o diferencial para esse trabalho é sua exposição histórica das várias versões

bíblicas na época de Shakespeare, (. Algo que) aspecto sobre o qual não nos

aprofundaremos já que não temos acesso a todas elas. Ele também apresenta uma

extensa e profunda lista de referências, alusões e citações bíblicas encontradas em cada

peça do dramaturgo, a fim de que essas possam ser mais compreendidas e conhecidas

pelo público (SHAHEEN, 1987, p. 8-10).

Shakespeare também usa “palimpsestos” de ambos os enunciados –

principalmente em Gênesis – para lançar luz sobre as questões de gênero, sexo,

procriação e nascimento, assim como casamento, iniquidade, renovação, providência

divina e normas de direito, corrupção, entre outros. Na verdade, tem-se em Gênesis a

combinação do “mito” da Criação, em Êxodo e nos livros que o sucederam, de Números

a 2 Reis, um ciclo de histórias da antiga Israel; em Jó, a tragédia, em Rute e Ester, as

narrativas romanescas, e em Salmos, Provérbios e Eclesiastes, a diegese poética.


Cumpre assinalar, ainda, que serão usadas versões de dois tradutores diferentes

(, dois para cada tragédia estudada,) para cada uma das quatro grandes tragédias que

compõem o corpus deste estudo, com o intuito de contemplar o método comparativo-

analítico vigente.

A escolha das traduções e dos tradutores foi concebida pelas versões mais

reconhecidas pelos estudiosos. Hamlet, Rei Lear, Otelo e Macbeth trarão as versões de

Barbara Heliodora sendo que em Hamlet será utilizada a tradução de Anna Amélia de

Queiroz Carneiro Mendonça. A outra tradução dessas obras ficou a cargo de Millôr

Fernandes (Hamlet e Rei Lear) e de Manuel Bandeira (Macbeth). Já Otelo apresentará a

tradução de Beatriz Viegas-Faria. Necessário entender o estilo de cada tradutor para

configurar suas “intervenções” mediante pontos sensíveis entre a Bíblia e Hamlet, ou a

Bíblia e Macbeth, Otelo ou Rei Lear.

Na medida em que entendemos o papel do tradutor não mais como o do

mediador autorizado que pretende resgatar o Shakespeare essencial e produzir uma

versão definitiva, mas, sim, como o do intérprete de uma geração, de uma estética ou de

uma leitura possível do autor, a pluralidade de traduções surge como muito positiva. Há

poetas que traduzem em prosa e estudiosos que dominam a rima e o metro decassílabo,

ou até o dodecassílabo; um erudito privilegia a prosa coloquial e não ameniza as

expressões chulas, enquanto outros especialistas priorizam a encenabilidade do texto e

pouco recorrem a notas e aparato crítico. Esses modos heterogêneos de se traduzir o

autor inglês oferecem aos leitores e espectadores a oportunidade de escolher, dentre as

versões disponíveis, aquela(s) que melhor corresponde(m) às suas expectativas.

(MARTINS, 2009, p. 28)


Até porque, como sempre há diferentes e novas gerações de leitores e de

espectadores, com novas tendências, visões, linguagens e expectativas, é necessário uma

retradução contínua dos textos teatrais, então é mister uma “nova” geração de

tradutores. Cada tradutor tende a dar o seu tratamento às muitas dificuldades do texto,

atendo-se mais ou menos à superfície textual, mais ou menos às entrelinhas, mais ou

menos ao estudo da genética do texto.

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