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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA E CULTURA

CARLA CECÍ ROCHA FAGUNDES

DEOLINDO CHECCUCCI E O TEATRO INFANTIL BAIANO NO CONTEXTO


DA DITADURA MILITAR: ARQUIVO, EDIÇÃO E ESTUDO CRÍTICO-
FILOLÓGICO

Salvador
2019
CARLA CECÍ ROCHA FAGUNDES

DEOLINDO CHECCUCCI E O TEATRO INFANTIL BAIANO NO CONTEXTO


DA DITADURA MILITAR: ARQUIVO, EDIÇÃO E ESTUDO CRÍTICO-
FILOLÓGICO

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Letras,


do Programa de Pós-Graduação em Literatura e
Cultura (PPGLitCult), da Universidade Federal da
Bahia (UFBA), como requisito para a obtenção do
grau de Doutora.

Orientadora: Profa. Dra. Rosa Borges

Salvador
2019
Fagundes, Carla Cecí Rocha.
Deolindo Checcucci e o teatro infantil baiano no contexto da ditadura militar: arquivo, edição e
estudo crítico-filológico / Carla Cecí Rocha Fagundes. - 2019.
307 f.: il.

Orientadora: Profª. Drª. Rosa Borges dos Santos.


Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2019.

1. Checcucci, Deolindo, 1948 - - Crítica e interpretação 2. Checcucci, Deolindo, 1948 - - Arquivos


3. Teatro infantojuvenil (Literatura) - Bahia - História e crítica. 4. Teatro infantojuvenil (Literatura) -
Bahia - 1964-1985. 5. Filologia. 6. Crítica textual. 7. Arquivos pessoais. I. Santos, Rosa Borges dos
II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. III. Título.

CDD - 809.2
CDU - 801.73
A minha mãe, Astéria, minha estrela.
AGRADECIMENTOS

A Deus, meu sustento em todos os momentos.

A minha família, principalmente ao meu pai Ubirajara Fagundes, por confiar sempre no
meu sucesso, aos meus amados irmãos Ubirajara Luiz, Eduardo e Vinicius, pela
fraternidade e apoio constantes. A minha cunhada Débora pelos momentos de riso e de
união familiar. As minhas sobrinhas Manuela e Heloisa, fontes de amor incomensurável
na minha vida.
A minha tia Rita, por sempre se orgulhar dos meus feitos. As minhas primas Fabiana e
Laila, pelo esteio familiar e ao meu sobrinho João, por trazer doçura para os meus dias.

A Rosa Borges, por ter guiado a minha formação acadêmica nesses 10 anos de
orientação, nos quais foi generosa em partilhar os seus conhecimentos, sempre
buscando fazer de mim uma pesquisadora melhor. Agradeço pelo acolhimento ao me
considerar “uma dos seus” e jamais me abandonar nos percursos da academia e da vida.

A Deolindo Checcucci, pela disponibilidade em colaborar com essa pesquisa. A


potência discursiva da sua dramaturgia tornou esse trabalho possível

A Ivo Falcão, meu amigo querido, por ter me incentivado a iniciar esse doutorado e me
ajudado nos momentos de angústia, quando o cansaço dificultava o avanço dos meus
passos.

A Débora Souza, amiga com a qual o doutorado me presenteou, agradeço pelo exemplo
de determinação e pelo apoio na divisão das dores e alegrias durante esses quatro anos
de estudo.

A minha amiga Liliam Lima, meu par científico, ou, nas palavras dela, minha alma
gêmea científica, por ter feito da universidade um lugar de felicidade para mim.

Aos integrantes da Equipe Textos Teatrais Censurados – ETTC, pelo exemplo.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia – FAPESB, pela bolsa para a


realização desta pesquisa.

Aos meus alunos, por darem sentido a essa caminhada.


RESUMO

O teatro, durante as décadas de 1970 e 1980, teve notável desenvolvimento, mesmo em


uma sociedade controlada pela Ditadura Militar, que foi instaurada em território
nacional entre 1964 e 1985, restringindo a liberdade de expressão, através da censura.
Nesse contexto, destacamos a dramaturgia de Deolindo Checcucci, autor que produz na
Bahia desde a década de 1970. Caracterizando-se como um artista multifacetado,
Checcucci assume no cenário teatral baiano os papéis de diretor, professor e
dramaturgo. Através de suas produções infantis, buscou desenvolver um teatro crítico e
inovador, capaz de promover a reflexão e a mudança social. Podemos observar essas
características através do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC-TI),
organizado no âmbito da Equipe Textos Teatrais Censurados – ETTC, coordenada pela
professora Dra. Rosa Borges, na Universidade Federal da Bahia – UFBA, desde 2006.
A presente tese terá como enfoque o estudo da dramaturgia infantil de Deolindo
Checcucci, a partir da organização do acervo, da edição e do estudo crítico-filológico de
textos selecionados, reunidos em um Arquivo Hipertextual. Desse modo, mediante o
diálogo entre a Filologia, a Arquivística e as tecnologias informáticas, podemos analisar
criticamente a produção dramatúrgica de Deolindo Checcucci e, a partir dela, configurar
os caminhos percorridos pelo teatro infantil baiano durante a Ditadura Militar na Bahia.

Palavras-chave: Filologia. Teatro infantil. Deolindo Checcucci. Arquivo Hiperextual


ABSTRACT

Theater, during the 1970s and 1980s, had a remarkable development, even in a society
controlled by the Military Dictatorship, which was established in the national territory
between 1964 and 1985, restricting freedom of expression through censorship. In this
context, we highlight the dramaturgy of Deolindo Checcucci, author who has been
producing in Bahia since the 1970s. Characterized as a multifaceted artist, Checcucci
takes on the roles of director, teacher and playwright in the Bahian theatrical scenario.
Through his children's productions, he sought to develop a critical and innovative
theater, able to promote reflection and social change. We can observe these
characteristics through Deolindo Checcucci's Collection - Children's Theater,
organized by the Team of Censored Theatrical Texts, coordinated by Professor Rosa
Borges, at the Federal University of Bahia, since 2006. This thesis will focus on the
study of the children's dramaturgy of Deolindo Checcucci, from the organization of the
collection, the edition and the critical-philological study of selected texts, gathered in a
Hypertextual Archive. Thus, through a dialogue among Philology, Archivistics and
computer technologies, it is possible to analize critically the dramaturgical production
of Deolindo Checcucci and configure the paths taken by Bahian children's theater
during the Military Dictatorship in Bahia.

Keywords: Philology. Children's Theater. Deolindo Checcucci. Hypertextual Archive.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – Página de registro do usuário 19


FIGURA 2 – Página de primeiro acesso 19
FIGURA 3 – Direcionamnto para alteração de senha 20
FIGURA 4 – Página de alteração de senha 20
FIGURA 5 – Matéria de jornal sobre premiação aos melhores artistas de 1978 50
FIGURA 6 – Matéria de jornal sobre encenação do texto teatral A viagem de um 52
barquinho
FIGURA 7 – Matéria de jornal sobre as atividades do grupo TATO 54
FIGURA 8 – Matéria de jornal sobre o filme Akpalô 56
FIGURA 9 – Matéria de jornal com divulgação do filme Akpalô 58
FIGURA 10 – Divulgação da encenação de Julinho contra a bruxa do espaço 60
FIGURA 11 – Divulgação do espetáculo Julinho contra a bruxa no espaço 61
FIGURA 12 – Matéria de jornal divulgando o espetáculo À Procura do brinquedo perdido 64
FIGURA 13 – Matéria sobre a atuação de Deolindo Checcucci como colunista teatral 65
FIGURA 14 – Arquivo Hipertextual: fac-símile e descrição (visão geral) 77
FIGURA 15 – Visualização da colação Heat Map 78
FIGURA 16 – Visualização da colação no modo side-by-side-view 79
FIGURA 17 – Estrutura da edição crítica do Arquivo Hipertextual da obra de Jurema 80
Penna
FIGURA 18 – Página inicial do Arquivo Hipertextual e página inicial da edição 81
FIGURA 19 – Capa do Arquivo Hipertextual de A Escolha ou O Desembestado 83
FIGURA 20 – Estrutura do Arquivo Hipertextual 84
FIGURA 21 – Módulos do menu Edição 85
FIGURA 22 – Visualização da colação entre ED.AM.68 e ED.AM.70 no modo side-by- 87
sideview, do Juxta Commons
FIGURA 23 – Interface do acervo digital e hiperedição Roberto Athayde: dramaturgia 89
censurada
FIGURA 24 – Interface do acervo digital e hiperedição Roberto Athayde: dramaturgia 89
censurada
FIGURA 25 – Uso de links hipermídia no texto do menu Sobre o autor 90
FIGURA 26 – Uso de links hipermídia no texto do menu Sobre o autor 90
FIGURA 27 – Menu O Acervo, ícone de acesso ao dossiê Os Desinibidos 91
FIGURA 28 – Menu O Acervo, ícone de acesso ao dossiê Os Desinibidos 91
FIGURA 29 – Opções de leitura do Reconhecimento Óptico de Caracteres (OCR) 92
FIGURA 30 – Fragmento do texto A roupa nova do rei 94
FIGURA 31 – Fragmento do texto A roupa nova do rei 94
FIGURA 32 – Fragmento do texto teatral A Bela e a Fera 95
FIGURA 33 – Ficha-catálogo para texto teatral 98
FIGURA 34 – Ficha-catálogo para documentação censória 99
FIGURA 35 – Ficha-catálogo para matéria de jornal 100
FIGURA 36 – Organização do ADC-TI 103
FIGURA 37 – Organização do ADC-TI 103
FIGURA 38 – Organização do ADC-TI 104
FIGURA 39 – Arquivo Hipertextual ADC-TI 106
FIGURA 40 – Interface do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC – TI) 110
FIGURA 41 – Interface do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC – TI) 111
FIGURA 42 – Interface do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC – TI) 111
FIGURA 43 – Interface do menu apresentação do ADC – TI 112
FIGURA 44 – Página do menu O Autor 113
FIGURA 45 – Página do submenu O papel de professor: um artista em exercício 113
FIGURA 46 – Página do submenu Um diretor potente no cenário baiano 114
FIGURA 47 – Página do submenu Deolindo Checcucci: um dramaturgo em cena 114
FIGURA 48 – Página do submenu Sobre o autor: entrevistas e textos de imprensa 115
FIGURA 49 – Página do menu O Acervo 116
FIGURA 50 – Página do menu Consulta 116
FIGURA 51 – Página do menu Edições 117
FIGURA 52 – Página do menu Edições 117
FIGURA 53 – Página do menu Edições 119
FIGURA 54 – Folha 4 do testemunho 1 de A roupa nova do rei. 123
FIGURA 55 – Folha 4 do testemunho 2 de A roupa nova do rei. 123
FIGURA 56 – Folha 4 do testemunho 3 de A roupa nova do rei. 124
FIGURA 57 – Solicitação de exame censório do espetáculo A Galinha dos ovos de ouro 165
FIGURA 58 – Parecer censório do espetáculo A Bela e a Fera 166
FIGURA 59 – Relatório de ensaio geral do espetáculo A galinha dos ovos de ouro 168
FIGURA 60 – Anverso do certificado de censura de A Galinha dos ovos de ouro. 169
FIGURA 61 – Verso do certificado de censura de A Galinha dos ovos de ouro 169
FIGURA 62 – Divulgação do espetáculo O futuro está nos ovos. 173
FIGURA 63 – Solicitação de avaliação censória de Julinho contra a Bruxa do Espaço 176
FIGURA 64 – Fragmento da folha 2 de Julinho Contra a Bruxa do Espaço 181
FIGURA 65 – Fragmento da folha 2 do texto teatral Julinho contra a Bruxa do espaço 183
FIGURA 66 – Excerto da folha 3 do texto teatral Julinho contra a bruxa do espaço. 186
FIGURA 67 – Fragmento da folha 7 do texto teatral Julinho contra a Bruxa do espaço 187
FIGURA 68 – Matéria de jornal sobre o aparecimento de um disco voador na cidade de 188
Varginha (MG)
FIGURA 69 – Folha 1 do texto teatral Um dia, um sol 190
FIGURA 70 – Folha 3 do texto teatral Julinho contra a Bruxa do espaço 192
FIGURA 71 – Excerto da folha 2 do texto teatral Um dia, um sol 192
FIGURA 72 – Excerto da folha 3 do texto teatral Um dia, um sol 193
FIGURA 73 – Fragmento da folha 5 do texto teatral Um dia, um sol 194
FIGURA 74 – Fragmento da folha 7 do texto teatral Um dia, um sol 196
FIGURA 75 – Fragmento da folha 8 do texto teatral Um dia, um sol 197
FIGURA 76 – Matéria de jornal sobre o espetáculo Um, dois, três, alegria 198
FIGURA 77 – Folha 1 do texto teatral Um, dois, três, alegria 199
FIGURA 78 – Folha 1 do texto teatral Um, dois, três, alegria 200
FIGURA 79 – Folha 5 do texto teatral Um, dois, três, alegria 200
FIGURA 80 – Folha 15 do texto teatral Um, dois, três, alegria 201
FIGURA 81 – Fragmento da folha 15 de A Roupa nova do rei 210
FIGURA 82 – Fragmento da folha 19 de A Roupa nova do rei 211
FIGURA 83 – Fragmento da folha 21 de A Roupa nova do rei 211
FIGURA 84 – Fragmento da folha 7 de Um dia, um sol 212
FIGURA 85 – Fragmento da folha 8 de Um dia, um sol 212
FIGURA 86 – Fragmento da folha 15 de Um, dois, três, alegria 214
FIGURA 87 – Parecer censório de Julinho Contra a Bruxa do Espaço 219
FIGURA 88 – Folha 2 do parecer censório do texto teatral Julinho Contra a Bruxa do 220
Espaço
FIGURA 89 Fragmento da folha 3 do texto teatral Um dia, um sol 224
FIGURA 90 Fragmento da folha 3 do texto teatral Um dia, um sol. 225
FIGURA 91 Fragmento da folha 5 do texto teatral Um dia, um sol. 226
FIGURA 92 Fragmento da folha 9, do texto teatral Um, dois, três, alegria. 227
FIGURA 93 Parecer 8811/75 de avaliação censória do texto teatral Um dia, um sol 228
FIGURA 94 Ofício pertencente ao processo censório de A Roupa nova do Rei 230
FIGURA 95 Fragmento da folha 13 do texto teatral A Roupa Nova do Rei. 232
FIGURA 96 Parecer censório 1401/77 de A roupa nova do rei 233
FIGURA 97 Parecer 1153/77, do texto teatral A Roupa nova do rei 235
FIGURA 98 Recorte de jornal abordando a crise da produção teatral infantil 242
FIGURA 99 Fragmento da folha 8 do texto teatral A Galinha dos ovos de ouro 244
FIGURA 100 Fragmento da folha 9 do texto teatral A Galinhos dos ovos de ouro 244
FIGURA 101 Matéria sobre a montagem dos espetáculos Dadadadada e A Bela e a Fera 246
FIGURA 102 Matéria sobre a montagem dos espetáculos Dadadadada e A Bela e a Fera 247
FIGURA 103 Encarte de apresentação do espetáculo A Bela e a Fera 249
FIGURA 104 Matéria de jornal sobre a encenação do texto teatral A Bela e a Fera. 251
FIGURA 105 Representação do processo de construção de conhecimento através dos 265
documentos do ADC-TI
FIGURA 106 Recorte de jornal sobre o espetáculo O Romance dos dois soldados de 267
Herodes
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Catalogação dos documentos dos acervos por SÉRIES 40


QUADRO 2 – Informações sobre os textos adultos de Deolindo Checcucci 42
QUADRO 3 – Informações sobre os textos infantis de Deolindo Checcucci 45
QUADRO 4 – Modelos editorais elaborados pela ETTC a partir das ferramentas 75
informáticas
QUADRO 5 – Seções do Arquivo Hipertextual da obra de Jurema Penna 76
QUADRO 6 – Edições do texto teatral A Escolha ou O Desembestado 86
QUADRO 7 – Ficha com informações sobre os textos teatrais e paratextos 102
QUADRO 8 – Documentação Censória 103
QUADRO 9 – Inventário dos documentos de A roupa nova do rei 104
QUADRO 10 – Trechos do texto teatral A Roupa nova do rei 202
QUADRO 11 – Cortes censórios do texto teatral A Roupa Nova do Rei 234
QUADRO 12 – Cortes censórios do texto teatral A Roupa Nova do Rei 236
QUADRO 13 – Fragmentos do texto teatral A Bela e a Fera 250
QUADRO 14 – Confronto entre o testemunho 1 e o testemunho 4 do texto teatral A 255
Bela e a Fera
QUADRO 15 – Referências utilizadas por Deolindo Checcucci nos textos teatrais do 264
ADC- TI
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC-TI: Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil

AI-5: Ato Institucional no 5

APEB: Arquivo Público da Bahia

Art.: artigo

ATTC: Arquivo Textos Teatrais Censurados

BF: A Bela e a Fera

BPEB: Biblioteca Pública do Estado da Bahia

Cf.: Conferir

CONARQ: Conselho Nacional de Arquivos

DCDP: Divisão de Censura de Diversões Públicas

DCDP/DPF: Divisão de Censura de Diversões Públicas do Departamento da Polícia Federal

DF: Distrito Federal

DPF: Departamento da Polícia Federal

DS: Um dia, um sol

ed.: edição

ETTC: Equipe Textos Teatrais Censurados

EVE-DQ: Eletronic variorum edition of the Quixote

EXB: Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia

f.: folha

GOO: A Galinha dos ovos de ouro

HTML: HyperText Markup Language

JCBE: Julinho contra a Bruxa do espaço

OCR: Optical Character Recognition (Reconhecimento Óptico de Caracteres)

PDF: Portable Document Format

Qtd.: Quantidade

RNR: A Roupa nova do rei

SBAT: Sociedade Brasileira de Autores Teatrais

SCDP: Serviço de Censura de Diversões Públicas


sd: Sem data

SR: Superintendência Regional

SIGD-RA: Sistema Informatizado de Gerenciamento de Documentos

T: Testemunho

TCA: Sala de Documentação e Pesquisa do Teatro Castro Alves

TTC: Textos Teatrais Censurados

TVV: Nós, por exemplo – Centro de Documentação e Memória do Teatro Vila Velha

UDTA: Um, dois, três, alegria

UFBA: Universidade Federal da Bahia


SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 15

2 UMA FILOLOGIA DO ACERVO 23

2.1 FILOLOGIA E SEUS ENTRELACES COM A ARQUIVÍSTICA E A 28


INFORMÁTICA

2.2 ACERVO DEOLINDO CHECCUCCI 38

2.3 DEOLINDO CHECCUCCI E SEUS MÚLTIPLOS PAPEIS 47

3 A DRAMATURGIA INFANTIL DE DEOLINDO CHECCUCCI: 67


ARQUIVO HIPERTEXTUAL E EDIÇÃO

3.1 O USO DA TECNOLOGIA INFORMÁTICA NA PREPARAÇÃO DE 67


EDIÇÕES

3.2 ACERVO DEOLINDO CHECCUCCI – TEATRO INFANTIL (ADC-TI): 93


ORGANIZAÇÃO DO DOSSIÊ

3.3 CONSTRUÇÃO DO ARQUIVO HIPERTEXTUAL 105

3.3.1 O Acervo 110

3.4 EDIÇÕES 119

3.4.1 A roupa nova do rei: edições e critérios adotados 122

4 ENTRE DOCUMENTOS E EDIÇÕES: EXERCÍCIOS DE CRÍTICA 162


FILOLÓGICA

4.1 LEITURA SOCIOLÓGICA DO ACERVO DEOLINDO CHECCUCCI: 163


DRAMATURGIA INFANTIL DE DELINDO CHECCUCCI

4.1.1 Retalhos do tecido estampado nas relações da cena infantil baiana da 175
década de 1970

4.1.2 Uma década de censuras: o teatro infantil como espaço de resistência 217

4.1.3 Dez anos em cinco: a dramaturgia infantil de Deolindo Checcucci em 240


1980

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 263

REFERÊNCIAS

APÊNDICE
14

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os textos teatrais são objetos de estudo da Equipe Textos Teatrais Censurados


– ETTC, sob a coordenação da profa. Dra. Rosa Borges. Muitos trabalhos, como
artigos, trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses têm explorado tais textos,
desde 2006. A presente tese terá como enfoque o estudo da dramaturgia infantil de
Deolindo Checcucci, a partir da organização do acervo, da edição e do estudo crítico-
filológico de textos selecionados, reunidos em um arquivo hipertextual.
Nessa perspectiva, iniciamos o nosso trabalho ancorados em uma reflexão de
Hissa (2013, p. 14), que nos diz: “[...] A pesquisa é compartilhada, ainda que isso, nem
sempre se dê a ver, entre leitor, intérprete, autor, estudioso, pesquisador, professor,
tradutor, cientista, artista. Aprende-se a fazer com o outro”. Concordamos com o autor e
defendemos que essa tese foi gestada em um espaço marcado por gestos colaborativos,
pautados na valorização das potencialidades do diálogo crítico para a construção do
conhecimento científico.
Em 2009, foi dado o primeiro passo para a produção intelectual desse trabalho de
doutoramento. No período que abrange agosto de 2009 até julho de 2010, foram
exercidas atividades de pesquisa visando a organização de um quadro com informações
sobre os espetáculos trazidos pela dramaturga Aninha Franco em seu livro O Teatro na
Bahia Através da Imprensa – Séc. XX. Publicado em 1994, o livro apresenta uma rica
contextualização do teatro baiano em todas as décadas do século XX. A nossa
organização enfocou a busca de dados sobre os espetáculos produzidos e encenados
durante a ditadura militar.
A partir dos elementos oferecidos por Franco (1994) foram plantadas sementes
que contribuíram para a elaboração do presente trabalho. As informações coletadas ao
longo de 10 anos de pesquisa, da Iniciação Científica até o doutorado, foram trazendo
elementos para pensar e estudar primeiro o teatro amador, com a produção da
dissertação Edição e crítica filológica de Pau e Osso S/A do Amador Amadeu: o teatro
amador em cena, depois o teatro infantil. O direcionamento para a organização de
informações, que foi, filologicamente, iniciado em 2009 assumiu papel importante ao
longo do percurso acadêmico que culmina nessa tese, com a organização do Acervo
Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC-TI).
Da primeira atividade de Iniciação Científica, surgiu um questionamento quanto
15

ao lugar ocupado pelo teatro infantil na Bahia, tendo em vista a observação da grande
quantidade de peças infantis encenadas durante as décadas de 1970 e 1980. Tal pergunta
só seria respondida 10 anos depois, nessa tese, na qual, através da dramaturgia
checcucciana, investigamos o espaço político/ideológico/comercial ocupado pela
produção teatral infantil. E, em meio à nossa investigação do teatro infantil, voltamos a
dialogar com Franco (1994), pois o livro O Teatro na Bahia Através da Imprensa – Séc.
XX nos forneceu elementos indispensáveis para entender os caminhos percorridos pela
classe teatral baiana
Entre 2010 e 2011, desenvolvemos o plano de trabalho O Acervo de textos da
imprensa baiana relativos ao teatro e à censura no período da ditadura, que teve como
objetivo principal a organização de um Catálogo Descritivo Digital contendo os textos
de imprensa relativos ao teatro e à censura. As atividades visando organizar documentos
ganhou maior espaço na nossa trajetória acadêmica, proporcionando-nos um
amadurecimento teórico e metodológico.
Nesse subprojeto trabalhamos com os textos de imprensa e os tomamos como
fontes para o trabalho filológico. As matérias de jornal se mostraram importantes para
estudar os processos de produção, transmissão, circulação e recepção textuais. Nesse
período, foi lançada mais uma semente para a construção dessa tese, pois fortalecemos a
visão de que o trabalho filológico só é plenamente realizado quando colocamos os
textos em diálogo.
Entre 2012 e 2014 desenvolvemos o trabalho de dissertação de mestrado Edição e
Crítica Filológica de Pau e Osso S/A, do Amador Amadeu: O Teatro Amador em Cena.
Os conhecimentos construídos com as atividades anteriores foram postos em prática
através do estudo e da edição de um texto teatral produzido por um grupo amador.
Destacamos aqui o nosso interesse em configurar a produção de uma parte da classe
teatral que ainda não havia sido estudada de modo aprofundado, tanto no âmbito da
ETTC quanto no contexto acadêmico. A abordagem do teatro amador nos abriu
perspectivas para o direcionamento de um trabalho calcado na investigação/construção
de um objeto que ainda não estava delimitado, dando voz a grupos artísticos que não
possuíam visibilidade social.
No doutorado, iniciado em 2015, essa busca se perpetuou, propusemo-nos a
caracterizar o teatro infantil baiano por meio da dramaturgia de Deolindo Checcucci,
organizada e apresentada em um Arquivo Hipertextual. A ETTC tem desenvolvido
16

pesquisas, no âmbito da Filologia e suas diversas abordagens críticas, tendo em vista a


edição de textos teatrais submetidos à Censura Federal. Entre os autores estudados,
destacam-se João Augusto, Jurema Penna, Nivalda Costa, Cleise Mendes, Ariovaldo
Matos, dentre outros. Entretanto, percebemos que os textos teatrais destinados ao
público infantil e a produção do dramaturgo Deolindo Checcucci não haviam sido
estudados ainda por parte da ETTC.
No que tange às pesquisas envolvendo o teatro infantil, no contexto nacional,
elencamos os seguintes trabalhos de mestrado/doutorado: Teatro infantil: um olhar para
o desenvolvimento da criança (PEREIRA, 2005); Construção atoral para o teatro
infantil: Uma proposta de criação cênica (ASSIS, 2011); Teatro infantil, crianças
espectadoras, escola - Um estudo acerca de experiências e mediações em processos de
recepção (FERREIRA, 2005); Um Olhar sobre o Teatro para Crianças no Algarve
(TERRA, 2009); Aspectos da formação do teatro infantil no Brasil: Para uma revisão
da história mal contada do teatro para crianças e jovens no país (SANTOS NETO,
2016).
Dentre os trabalhos apresentados, há uma lacuna no que se refere ao estudo do
teatro infantil baiano. Esta pesquisa veio para ocupar esse espaço, reforçando a
importância que a arte teatral infantil teve, social e politicamente, durante a ditadura
militar. A nossa leitura foi realizada a partir do diálogo estabelecido entre os
documentos e também entre pesquisadora e dramaturgo, pois Checcucci teve o seu
discurso valorizado, tanto no que tange à abordagem dos seus textos teatrais quanto no
que se refere aos depoimentos e entrevistas que auxiliaram na construção das nossas
reflexões.
Por fim, destacamos o último e mais importante elo colaborativo para a construção
dessa tese, a orientação da profa. Dra. Rosa Borges. Desde 2009, seus gestos afetuosos e
firmes guiaram o desenvolvimento de uma identidade científica baseada na ética e nas
potencialidades que a crítica filológica nos oferece enquanto intelectuais. Em sua
orientação, Borges sempre ressaltou a importância das atividades realizadas no contexto
da Iniciação Científica, chamando a atenção para o aspecto colaborativo que tais ações
possuíam no âmbito dos trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores da ETTC.
No mestrado, a orientadora possibilitou a compreensão de que o trabalho
filológico se locupleta na relação entre os diferentes documentos. No doutorado houve o
incentivo pela busca de conhecimentos arquívisticos e informáticos para a construção de
17

um discurso responsável, sempre pautado na interpretação crítica dos textos, em


perspectiva rizomática, colocando os saberes em rede.
Compartilhando a ótica de Hissa (2013), assumimos que essa tese é fruto de um
trabalho colaborativo entre pesquisadora e orientadora, entre diferentes documentos e
entre a Filologia e as áreas da Arquívistica e da Informática. Com a apresentação do
Arquivo Hipertextual Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC-TI)
esperamos conseguir democratizar o acesso ao conhecimento desses diálogos de forma
mais direta, pois, ao apresentarmos a teia de documentos que compuseram essa
pesquisa, em todas as etapas da sua elaboração, oferecemos ao público um panorama
das relações dialógicas que pautam o fazer filológico.
A presente tese se organiza em 5 seções. Na primeira, CONSIDERAÇÕES
INICIAIS, contextualizamos a pesquisa empreendida e delineamos a sua estrutura. Na
segunda, UMA FILOLOGIA DO ACERVO, procuramos refletir sobre a práxis
filológica, caracterizando as teorias da edição desenvolvidas ao longo do tempo,
perspectivando as duas vertentes que podem guiar o trabalho editorial, a teleológica e a
pragmática. A seguir, enfocamos a relação estabelecida entre a Filologia, a Arquivística
Literária e a Informática, objetivando novas possibilidades de leitura, organização e
apresentação documental, para produzir o acervo, para fins de edição e de crítica
filológica. A partir desse diálogo, apresentamos o Acervo Deolindo Checcucci –
Teatro infantil (ADC-TI), tomando como ponto de partida os papéis que o sujeito
Deolindo Checcucci assume no contexto da sua produção dramatúrgica, sendo possível,
através da massa textual que constitui o acervo, apresentá-lo como professor, diretor e
autor de textos teatrais infantis.
Na terceira seção, A DRAMATURGIA INFANTIL DE DEOLINDO
CHECCUCCI: ARQUIVO HIPERTEXTUAL E EDIÇÃO, através de um arquivo
hipertextual, apresentamos o acervo e as edições elaboradas para os seis textos que
compõem o ADC-TI. Foram produzidas edições fac-similares para todos os textos e
uma edição interpretativa, apresentada em suporte papel e em meio digital.
Consideramos a produção e a transmissão dos textos nas suas relações com outros
textos (documentos/testemunhos e monumentos), explorando-os entre as rasuras
decorrentes de atos de censura, impostos pelo Governo Militar do Brasil, durante a
década de 1970 (BORGES; SOUZA, 2012).
18

Esses procedimentos metodológicos foram realizados coadunados à criação de


um Arquivo Hipertextual, em meio digital, que se deu nos moldes do que Lucía Megías
(2012) classifica como bibliotecas digitais textuais, que possibilitam o acesso a outros
meios virtuais, por congregar, num mesmo espaço, textos, imagens, documentos e
áudios. As propostas editoriais, nessa perspectiva, permitem que os filólogos repensem
a sua prática, partindo de uma vertente platônica (teleológica) para uma vertente
pragmática (KASTAN, 2001), e, ao mesmo tempo, considerando os resultados da
prática editorial nas duas vertentes aqui expostas, uma vez que, reúne em um arquivo,
“a edição crítica, as versões que possam haver, as transcrições de cada um dos textos e
sua reprodução fac-similar [...] proporciona[ndo] ao mesmo tempo um produto, o texto
ideal, e o processo que permitiu chegar até ele” (MORRÁS, 2003, p.227, tradução
nossa).1
Na quarta seção, ENTRE DOCUMENTOS E EDIÇÕES: EXERCÍCIOS
DE CRÍTICA FILOLÓGICA, fizemos a leitura da documentação do ADC-TI. Os
documentos do acervo nos ofereceram informações à propósito do perfil biográfico do
intelectual Deolindo Checcucci, e também fazem referência a aspectos sociais e
políticos. A análise das relações estabelecidas entre os documentos que compõem o
ADC-TI nos possibilitou configurar o teatro infantil baiano, produzido durante a
ditadura militar e também conhecer, através do tecido textual, as características sociais e
culturais da Bahia das décadas de 1970 e 1980.
Nas CONSIDERAÇÕES FINAIS, voltamos ao dossiê para reforçar que a
caracterização do teatro infantil foi realizada de acordo com pressupostos teórico-
metodológicos da Filologia, em diálogo com a Arquivística e a Informática. Além disso,
traçamos caminhos que ainda podem ser explorados em outros estudos, a partir da
dramaturgia checcucciana, no tocante à análise do processo de produção do autor e
também no que se refere à investigação das características do teatro adulto produzido
pelo dramaturgo.
O Arquivo Hipertextual, fruto desse trabalho de tese, poderá ser acessado
através do domínio www.acervodeolindocheccucci.com. No primeiro acesso, o usuário
deverá entrar na página login (Cf. figura 1) com o seu usuário e senha.

1
“la ediction crítica, las versiones que pueda haber, las transcripciones de cada uno de los textos y su
reproductión fac-similar [...] proporciona a la vez un produto, el texto ideal, y el proceso que ha permitido
llegar hasta él”
19

Figura 1 – Página de registro do usuário

Fonte: Preparado pela pesquisadora.

Ao inserir os dados de usuário e senha, conforme mencionado acima, deve-se


clicar em login. O usuário será então direcionado para a página “Primeiro Acesso” (Cf.
figura 2).

Figura 2 – Página de primeiro acesso

Fonte: Preparado pela pesquisadora.


20

Esta página será exibida apenas uma vez, após o primeiro acesso do usuário
(avaliador/orientador), para que ele possa informar seu nome e e-mail, a fim de termos o
controle sobre qual usuário está acessando a edição e também tecendo os comentários. É
obrigatório que sejam informados o nome e um e-mail válido para salvar as
informações. Após o salvamento dos dados de primeiro acesso haverá o
encaminhamento para a página principal do site e poderá acessar todo o conteúdo do
Arquivo Hipertextual.
Caso deseje, o usuário poderá alterar a senha inicial. No canto superior direito da
tela, após a saudação ao usuário, há um link para a página de alteração de senha,
conforme demonstrado nas figuras 3 e 4:

Figura 3 – Direcionamnto para alteração de senha

Fonte: Preparado pela pesquisadora.

Figura 4 – Página de alteração de senha

Fonte: Preparado pela pesquisadora.


21

Para alteração, o usuário deverá fornecer as senhas, antiga e nova, junto à


confirmação da senha escolhida, nos campos correspondentes, e clicar em Salvar. Ao
final, será exibida uma mensagem, informando que a mudança foi realizada com
sucesso.
22

2 UMA FILOLOGIA DO ACERVO: DEOLINDO CHECCUCCI EM CENA

A Filologia se caracteriza como uma ciência de estudo do texto, linguístico ou


literário, o que, em sua mais ampla acepção, significa analisar a cultura de um povo
através dos documentos escritos. Essa compreensão é importante para iniciarmos as
discussões teóricas e metodológicas deste trabalho de tese, no qual se busca através do
estudo e da edição dos textos teatrais infantis, produzidos por Deolindo Checcucci,
durante a ditadura militar, caracterizar a produção dramatúrgica infantil do período e do
autor em questão.
Para tanto, circunstanciamos o trabalho com os textos teatrais, que se
caracterizam pela sua especificidade. A autoria, em tais textos, representa o resultado de
uma colaboração, pois está, em especial, sujeita a várias modificações, que podem ser
realizadas tanto pelo próprio dramaturgo, quanto por outros agentes como o diretor, os
atores e, no caso do texto teatral censurado, também pelo censor.

O texto é, no teatro, uma obra aberta, sempre sujeito às transformações de


várias mãos, a começar pelas mãos do dramaturgo e do diretor. Não tem o
rigor de outras produções literárias que resultam do labor de um
autor/escritor. O texto teatral apresenta as seguintes características: é pensado
e escrito como texto para a representação, independentemente de ser ou não
representado; o autor desaparece, cedendo voz a suas personagens, que serão
interpretadas por atores, com figurino, iluminação, música, efeitos especiais,
entre outros aspectos, seguindo as instruções que o dramaturgo idealizou
(SANTOS, 2008, p. 2665).

Os textos teatrais se caracterizam, portanto, por participarem de um constante


processo de transformação. O que pode ser observado, no que tange ao texto
dramatúrgico, de modo mais latente, nas possíveis reescritas a cada encenação.
Portanto, estes textos guardam peculiaridades, carregando em si uma dupla
característica, pois se destinam à leitura e à encenação e, a cada apresentação, assumem
novos sentidos.
Magaldi (2004, p. 16) afirma que, ao escrever o texto, “[...] o dramaturgo
autêntico já supõe a encenação, da qual participa obrigatoriamente o público. Se ele
quisesse prescindir da representação, preferiria outro gênero literário”. Mendes (1995),
ao abordar a questão atinente à escritura cênica, na perspectiva da Literatura e do
Teatro, afirma que:
23

[...] construiu-se para o drama um destino patético: fruto duplamente


rejeitado e duplamente desejado. A crítica literária fala dele com pudor, como
se o roubasse a outro domínio; na prática teatral, o adjetivo literário tem o
peso de uma ameaça, o que é, no entanto, compreensível, dado o fato de que
em períodos como o da tragédia clássica francesa e do drama realista-
naturalista, de modelo Ibsen/Tchecov – exatamente os dois períodos mais
puramente dramáticos na evolução do gênero –, a supremacia do texto
sufocou os demais elementos da linguagem teatral [...] (No entanto, é curioso
observar que a literatura não se ressente da adjetivação oriunda das outras
artes, mas se enriquece com ela; os termos cênico, pictórico, musical,
cinematográfico são sempre benvindos à crítica e à criação literária)
(MENDES, 1995, p. 27).

Notamos que, para os teóricos da literatura, o drama em seu caráter duplo,


leitura e encenação, se dá “[...] pela linguagem e é de recursos linguísticos que ele
recebe sua dimensão primordial de cena” (MENDES, 1995, p. 39).

O texto, enquanto literatura, é um texto que não tem, digamos assim, a força
que tem ao ser representado, eu acho que só passa a existir no momento que o
ator interpreta, que existe uma ação levando aquela situação, quer dizer, o
texto de teatro tem [...] essa característica de que ele passa realmente a existir
no momento em que ele é encenado [...]. O visual é texto, a música é texto, a
dança é texto, quer dizer, a encenação em si passa a ser um texto, não é só a
palavra que é o texto do espetáculo, da forma, [...] A maneira como você usa
o figurino, a maneira como você usa o cenário, a maneira como usa elemento
de cena, tudo isso, tá falando, tá dizendo alguma coisa [...] (CHECCUCCI,
2006, informação verbal)2.

Colocada essa dimensão plural, no que tange ao fenômeno teatral, ao estudo


filológico, interessa-nos, especialmente, o texto, parte principal do drama, ainda que não
mais importante que os outros elementos que compõem a arte dramática. Tomamos,
desse modo, o tecido textual, norteados pelo que postula Ryngaert (1995, p. 35): “[...]
toda obra dramática pode ser apreendida, em primeiro lugar, no modo como a sua
organização de superfície se apresenta sob a forma de obra escrita”. Cabe ao filólogo, ao
lidar com textos tão diversos, assumir uma postura pautada na

[...] construção de uma unidade textual a partir da diversidade de


testemunhos. Da angústia pela reconstrução do texto original ou autoral
passa-se à construção dum texto provisório, gestado a partir de um sujeito
que precisa evidenciar as marcas editoriais do processo. Trata-se de um editor
crítico ‘fora do armário’ e que não precisa buscar a estratégia do autor como
‘presença’ [...] ou a origem como lugar de verdade inicial (SOUZA, 2010, p.
1937, grifo do autor).

2
Entrevista concedida por Deolindo Checcucci à ETTC, em 2006.
24

Nessa direção, na qual “[...] cada leitor deve [...] sentir-se livre para encontrar
sua própria trajetória de leitura” (GUMBRECHT, 2007, p. 20, tradução nossa) 3,
requisita-se que o editor assuma primeiro seu lugar de leitor, encontrando um caminho
de leitura ao se ocupar do trabalho com textos. A seguir, ao longo do estudo e da
edição, o editor passará a realizar escolhas e conjecturas que caracterizarão sua ação
interventiva.
Logo, o texto crítico apresentado deve ser compreendido como uma tessitura
textual marcada pela mediação editorial. As mudanças no processo de transmissão
encaminham, consequentemente, o editor a assumir o seu lugar nesse processo de
produção de sentidos que é resultante da edição de textos, pois,

[...] o trabalho filológico produz inevitavelmente um papel de editor, e [...] tal


papel de editor pressupõe, em sua prática, a produção de um hipotético papel
de autor [...]. Ao mesmo tempo, não é demais esclarecer que o papel de editor
contém por sua vez múltiplos papéis de leitor (GUMBRECHT, 2007, p. 43,
tradução nossa)4.

Temos, então, um continuum que nos apresenta o editor ocupando, inicialmente,


o lugar de leitor dos textos que visa estudar e editar. Na sequência, porém, tal editor, ao
produzir, através de sua leitura filológica, uma edição direcionada a um leitor
especializado, apresenta-se também como autor (SANTOS, 2016), pois é “[...]
responsável intelectual pela edição do texto, pelas escolhas que realiza para trazer ao
conhecimento do público o texto marcado por suas intervenções críticas, lido e
comentado, o(s) texto(s) crítico(s)” (SANTOS, 2016, p. 47).
O editor deve, assim, reclamar o seu lugar de autor no processo editorial, espaço
que se torna ainda mais tangível quando objetivamos uma abordagem crítica aos textos
de escritores modernos e contemporâneos, que podem ser tratados teórica e
metodologicamente a partir de uma perspectiva social e pragmática (KASTAN, 2010).
Considerando as especificidades de textos a serem editados, valorizando os
aspectos colaborativos da produção e publicação dos mesmos, “[...] entram na cena da
discussão aspectos, como: a instabilidade textual, o significado das versões, que
compreende a concepção, recepção, transmissão, publicação do texto” (BORGES, 2016,

3
[...] cada lector debe [...] sentirse libre de encontrar su propia trajectoria de lectura (GUMBRECHT,
2007, p. 20).
4
[...] el trabajo filológico produce inevitablemente un papel de editor, y que tal papel de editor presupone
y en parte da forma a la producción de un hipotético papel de autor […]. Al mismo tiempo, no hace falta
aclarar que el papel de editor contiene a su vez múltiples papeles de lector ((GUMBRECHT, 2007, p. 43).
25

p. 49). Nesse sentido, é importante apresentar todas as versões do texto, entendendo-o


como evento social (MCGANN, 1983).
Devemos, pois, considerar a tradição5 e a transmissão textual em sua
complexidade para guiar o pesquisador e suas escolhas. As formas de editar um texto
coexistem e são escolhidas a partir dos propósitos do editor e dos textos com os quais
ele trabalha, e essa coexistência foi construída gradativamente.
Nessa direção, o autor deixa de ser o único responsável pelo sentido do texto,
aquele detentor de uma versão fidedigna que será transmitida através da sua produção.
Pois ao longo do processo de produção, de transmissão e de circulação os documentos
se relacionam com outros sujeitos que participam da construção de sentidos. Podemos
considerar então o texto como fonte de significação, espaço de relações, que não estão
condicionados à intenção autoral.
Na perspectiva da teoria social da edição, o texto deixa de ser visto como um
produto que tem seus sentidos atrelados somente à intenção do autor e passa a ser
entendido como resultado de um processo colaborativo, que envolve diversos sujeitos,
além de ser influenciado pelo seu contexto social e histórico de produção, transmissão e
circulação.
Proposta por Donald F. McKenzie, a Sociologia dos textos abandonou “[..] a
pretensão de estabelecer uma verdade que pudesse ser definida pela intenção do autor
[...] e busca registrar e mostrar uma leitura à luz dos interesses de uma história de
mudança cultural” (MCKENZIE, 2005, p.46). Como definiu Marquilhas (2010, p. 65),

[...] os proponentes inicias da sociologia dos textos [...] só tiveram que


equilibrar a importância relativa dada à produção original do texto e à da sua
recepção: defenderam que o estudo da recepção e seu contexto social
ganhasse importância em contraste com a valorização tradicional das
intenções do autor. Propuseram também que fosse dada redobrada atenção
aos aspectos materiais dos textos a editar por serem portadores de um valor
comunicativo que o estudioso deveria considerar ao lado do texto verbal [...].

Nessa perspectiva sociológica, prevalece a valorização da multiplicidade de


discursos, e, consequentemente, de textos. Uma edição que traga o texto unívoco e fixo
submerge, no contexto pós-estruturalista, sob a perspectiva rizomática (DELEUZE;
GUATTARI, 1995).

5
“[...] totalidade dos testemunhos, manuscritos ou impressos, conservados ou desaparecidos, em que um
texto se materializou ao longo da sua transmissão” (APL, 1990, apud DUARTE, 1997, p. 88).
26

[...] as diretrizes que surgiram frente às críticas contemporâneas ao fazer


filológico tradicional não implicam a configuração de um novo modelo para
a práxis filológica; mas, sim, a impossibilidade de um modelo universal, que
possa ser uma estrutura uniforme para todas as tradições textuais. É a
impossibilidade do modelo. Assim, cada projeto de edição precisa ser
planejado para objetivos específicos, conforme o estudo que se pretende fazer
(SOUZA, 2010, p. 1937, grifo nosso).

Nesse sentido, ao longo da história da edição de textos, destacamos duas


vertentes editoriais, a platônica (teleológica) e a pragmática (KASTAN, 2010), e,

[d]iante do objeto e da finalidade da pesquisa, o editor pode comportar-se


pelo viés platônico, orientado pela busca do sentido original ou
representativo do ânimo autoral, ou pelo viés pragmático, no qual, ainda que
se estabeleça um texto, ele não será a recuperação de um texto perdido ou
ideal, ou ainda uma autoridade de uma voz historicamente reconstruída, mas,
sim, um centro provisório, um testemunho posto em evidência, não por
privilégio ou merecimento, mas por estratégia de leitura e crítica (BORGES;
SOUZA, 2012, p. 22-23).

Nesse movimento de descentramento, o papel do editor passa por importantes


reconfigurações. Abre-se espaço para uma postura editorial que difere daquela calcada
em uma Filologia oitocentista (MARQUILHAS, 2010), isso porque o filólogo passa a
lidar com textos de escritores modernos e contemporâneos, que podem se apresentar de
formas diversificadas.
O estudo e a edição de tais textos, nas diferentes formas em que eles possam se
apresentar, interrogam o editor crítico e sua metodologia, solicitando que ele não
assuma tão somente a missão de trabalhar com o texto sob a lógica do “[...] desfazer,
remontando à origem, a acumulação das memórias que transpareciam na tradição
textual” (MARQUILHAS, 2010, p. 365), mas que considere o texto como um produto
de determinada configuração social e cultural6, portador de diferentes e múltiplos
sentidos, engendrado por diversos sujeitos, atores, que participam da sua produção,
transmissão e recepção.
A questão essencial que [...] deve ser colocada por qualquer história do livro,
da edição e da leitura é a do processo pelo qual os diferentes atores
envolvidos com a publicação dão sentido aos textos que transmitem,
imprimem e lêem. [...] é preciso lembrar que as formas que permitem sua [do
texto] leitura, sua audição ou sua visão participam da construção de seus
significados [...] (CHARTIER, 2002, p. 61).

6
Pasquali (1934) merece destaque ao propor observar os testemunhos como indivíduos históricos, pois
lançou um novo olhar sobre as variantes, distinguindo-as entre variantes de copistas e variantes autorais,
no que se denominou como crítica das variantes, com fundamentação desenvolvida por Gianfranco
Contini (1947) e Michele Barbi (1938), com a proposição de uma “nova filologia” que considerasse como
objeto de estudo tanto os autores de textos medievais quanto os modernos.
27

Das diversas teorias editoriais, resultaram diferentes métodos para a edição de


textos. Da edição alemã, histórica e crítica, tomamos de empréstimo o modelo que
apresenta nos aparatos sinópticos a análise, o comentário e a interpretação genéticos
(BORGES, 2016). No que se refere à edição genética, o modelo que visa “[...] fornecer
ao pesquisador uma simples ferramenta, apresentando-lhe na ordem da gênese os
testemunhos transcritos e acompanhados de um comentário escritural do dossiê em
questão” (GRÉSILLON, 2007, p. 258).
Por fim, da edição social, devemos considerar a proposta de investigação “[...]
dos diversos atores envolvidos com a produção e a transmissão do texto, suas ações e
gestos de leitura, o que explica versões distintas de um texto, que testemunham um
conjunto de significações em sucessivos momentos da história” (BORGES, 2016, p.
50).
Em resumo, fica cada vez mais claro que os diferentes trabalhos e experiências
editoriais têm modificado a visão acerca da edição de textos, principalmente no que
tange ao tratamento dispensado às múltiplas versões textuais, que representam, por sua
vez, as diferentes formas através das quais uma sociedade considerou e ressignificou um
texto ao longo do tempo. Nessa direção, é profícuo o diálogo com “[...] a crítica
genética e a sociologia dos textos [, que] consideram a pluralidade de estados de um
texto, de uma obra, seja pelos movimentos de gênese, seja pela ação dos diversos atores
sociais no processo de transmissão textual” (BORGES, 2016, p. 50).
As diversas abordagens críticas têm se mostrado proveitosas para o campo
editorial, pois vêm enriquecendo a prática do filólogo editor, que, contemporaneamente,
pode assumir uma postura de, ao editar um texto, considerá-lo em sua multiplicidade,
apresentando centros provisórios (ou não) e se mostrando cada vez mais criterioso no
que tange ao trabalho empreendido com o tecido textual. Desse modo, os textos podem
ser lidos e inseridos em diferentes tempos e espaços, seja em perspectiva teleológica ou
pragmática.
No trabalho aqui desenvolvido, os textos serão tomados criticamente, no espaço
de um arquivo, representado pelo Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil,
ADC-TI, que põe em evidência uma massa documental, explorada criticamente,
considerando os processos de produção e transmissão dos textos que compõem o ADC-
TI. Para o trabalho filológico, valemo-nos das ferramentas arquivísticas e informáticas
28

para montar o dossiê dos textos (e paratextos), realizado por meio da recensio, e
apresentar o trabalho editorial no que tange aos textos teatrais infantis produzidos por
Deolindo Checcucci através de um Arquivo Hipertextual, proporcionando materiais
para o exercício da crítica filológica.

2.1 FILOLOGIA E SEUS ENTRELACES COM A ARQUIVÍSTICA E A


INFORMÁTICA

Com o intento de organizar o Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil,


estudar e editar criticamente os textos é que trazemos a relação da crítica textual com as
práticas arquivística e informática, fazendo interagir saberes de diferentes campos do
conhecimento.
Inicialmente, é importante definirmos o arquivo como um “[...] conjunto
orgânico de documentos, produzidos ou recebidos por uma pessoa jurídica, singular ou
coletiva ou por um organismo público ou privado, [...] e conservado [...] a título de
prova ou informação, qualquer que seja a data, a forma ou o suporte material” (FARIA,
2008, p. 67). O arquivo é então caracterizado como a reunião de documentos, que
podem ser tomados como meio para provar ou informar/ensinar/instruir, visto que
possuam marcas tanto comprobatórias quanto pedagógicas. Isso se explica, pois, o
termo documento tem sua definição na forma latina documentum, que, por sua vez,
deriva de docere ‘ensinar’.
Ao longo do tempo, esse viés pedagógico, relacionado à ideia de documento
como informação, dividiu espaço com a noção de prova, bastante utilizada no âmbito
legislativo. “O documento que, para a escola histórica positivista [...] será o fundamento
do fato histórico, ainda que resulte da escolha, de uma decisão do historiador, parece
apresentar-se por si mesmo como prova histórica” (LE GOFF, 2003, p. 563).
O pesquisador, no decorrer da história, vem agindo na transformação desses
sentidos, transformando os documentos em monumentos, na medida em que eles
passam a ser analisados como produtos da sociedade que os produziram, conforme as
relações de poder instituídas. Essa transmutação do documento em monumento é o que
propicia a sua recuperação, pois, para que isso ocorra, parte-se da memória coletiva (LE
GOFF, 2003).
29

Tal memória faz “[...] parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e
das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes
dominadas, lutando todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção”
(LE GOFF, 2003, p. 475). Nesse processo, a valorização da memória coletiva se faz
ainda mais necessária, visto que, entre outras propriedades, ela conserva determinadas
informações, possibilitando uma atualização do passado, produzindo materiais que
cumprem uma dupla função, pois figuram como documentos/monumentos7.
São eles documentos na medida em que ocupam o lugar de prova, mas também
podem ser vistos como monumentos, pois transmitem às futuras gerações a memória de
acontecimento(s) ou de determinada(s) pessoa(s). Tomamos como exemplo os textos
teatrais produzidos e encenados no período da ditadura militar na Bahia, que, ao mesmo
tempo em que são provas que documentam os produtos de uma determinada época e
lugar, são também monumentos, pois representam objetos artísticos que merecem ser
transmitidos.
Tais documentos/monumentos resultam da construção das sociedades que
permitiram que eles existissem e sobrevivessem, impondo ao futuro uma imagem de si
próprias e [...] “nasce[ndo] para a [...] para crítica textual como lugares de memória
privilegiados” (OLIVEIRA, 2007, p. 374). Os documentos que compõem o arquivo, no
caso do ATTC, em especial do ADC-TI, figuram, portanto, como fontes para o
trabalho filológico.
O arquivo assume, nesse contexto, um importante papel, tomado como espaço
de memória, enquanto a tradição textual se destaca como lugar de investigação. “Os
arquivos e documentos de criação, portanto, são fontes para a crítica e a história da arte,
assim como o são os arquivos da literatura para a filologia e crítica literárias”
(SANTOS, 2005 apud CIRILLO, 2012, p. 148). Para tratamento desses documentos
propõe-se a sua organização em dossiês, e, para tanto, firmam-se diálogos entre a
Filologia e outras áreas, como a arquivística.
A constituição dos dossiês cumpre papel importante, posto que, enquanto
conjunto documental, oportuniza a reunião de documentação textual e paratextual.
Através do dossiê, é possível “[...] interrogar as práticas de escrita e o seu fazer
intertextual ou interdiscursivo, exibindo a relação [...] entre o texto do escritor em

7
“[...] materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herança do
passado, e os documentos, escolha do historiador (LE GOFF, 1990, p. 526, grifo do autor).
30

processo e as coisas lidas, sabidas, ouvidas, vistas e entendidas de uma cultura, de uma
época” (BALDWIN, 2010, p. 5).
Quando se trata da análise do texto teatral censurado o dossiê reúne materiais
para além dos textos teatrais, como recortes de jornal e documentos censórios, que
contribuem tanto para elucidar o processo de criação autoral, quanto para dar conta da
transmissão e circulação dos textos, que carregam em si uma historicidade.
O dossiê arquivístico permite, a partir da sua documentação, relacionar a história
social “com os elementos, processos e convenções que resultam na obra literária”
(BORDINI, 2004, p. 262), neste caso da obra dramatúrgica. Para proceder à
organização da massa documental de determinado arquivo, dando acesso aos
documentos, faz-se necessário o conhecimento de algumas práticas arquivísticas.
Nesse sentido, a proveniência se destaca como um importante princípio
arquivístico que, desde o século XIX, é a base do discurso científico da área. No âmbito
da Arquivologia, esse princípio

[...] pode ter uma aplicação externa, ou seja, respeitar o fundo tal como foi
produzido, seja por um indivíduo, por um grupo ou por uma instituição como
um todo. Chamamos isso de Respect des fonds. O princípio da Proveniência
também pode ser aplicado internamente, respeitando a ordem original dada
aos documentos que os criou (HORSMAN, 1996, p. 51, grifo do autor).

A proveniência é o princípio através do qual se considera de onde vieram os


documentos e como eles se apresentam. Ao longo da história, na teoria arquivística, a
proveniência assumiu diferentes sentidos, sendo tomada como princípio organizador,
como constructo físico e intelectual e como contexto sociocultural.
Nesse caminho, pensando a proveniência enquanto contexto sócio-histórico,
temos uma ampliação desse conceito, relacionando a organização documental ao seu
entorno social e histórico.
Dessas denominações se nota que a variedade das relações estabelecidas pelos
documentos passou a ser respeitada, e, o fundo começou a ser visto como um constructo
intelectual. Tal conceito vem sendo compreendido não apenas como uma forma de
organizar documentos, mas como uma construção, que se configura a partir da análise
das relações existentes entre os documentos, os criadores e suas funções. De acordo
com Nesmith (1999, p. 146),
31

[a] proveniência de um dado documento ou corpo de documentos consiste


nos processos técnicos e sociais da produção, transmissão, contextualização e
interpretação desses documentos, o que explica sua existência, suas
características e sua história em evolução.

Deixando mais clara a valorização do contexto de produção por parte dos


teóricos arquivistas, Douglas (2016, p. 60), afirma que

Nesmith e outros arquivistas que defendem a ampliação do principio de


proveniência chamam atenção para os contextos sociais e culturais da criação
do documento e enfatizam que a criação ocorre dentro de uma série contínua,
que inclui a autoria original, a guarda, o uso, a interpretação, a representação
e a intervenção arquivística. Como tal, a proveniência continua a ser
associada ao contexto de criação de um documento, mas esse contexto se
expandiu consideravelmente.

Compartilhamos dessa visão de arquivo, como princípio organizador, como


constructo físico e intelectual e, ao mesmo tempo, como contexto sociocultural.
Considerando o arquivo como uma construção que prioriza as conexões existentes entre
os textos e o seu contexto de produção, transmissão, circulação e recepção.
Ao organizarmos o ADC-TI, visamos, portanto, estabelecer uma ordem para os
documentos que respeite em primeiro lugar sua classificação em séries, e, em segundo
lugar, por em perspectiva uma teia de relações estabelecidas entre textos teatrais,
documentos censórios e matérias de jornal.
No estabelecimento da relação com a Arquivística, cabe a nós filólogos,
apoiados nos conceitos supracitados, desenvolver o estudo crítico e a edição dos textos,
ao passo que os arquivistas assumem a responsabilidade pela proteção do patrimônio
documental e pelas políticas de acesso aos arquivos (SANTOS, 2014).
Tais posturas contribuem para o desenvolvimento científico, posto que as
relações com a Arquivística têm permitido uma reconfiguração dos estudos literários,
propiciando-se a revitalização da história da literatura e o redimensionamento da crítica
biográfica, promovendo o questionamento de importantes instâncias da teoria literária
(texto, autor, obra, valor estético), proporcionando, assim, uma dinâmica
transdisciplinar entre os saberes (MARQUES, 2007).
No bojo dessas relações entre saberes, outro diálogo muito importantemerece
destaque, pois, contemporaneamente, filólogos e arquivistas se apoiam no diálogo com
a informática para a realização de suas práticas. De acordo com Lucía Megías (2012), o
meio digital se caracteriza como único espaço capaz de comportar, de forma qualificada
32

e funcional, os diferentes documentos responsáveis por delinear, para editores e leitores,


a história social do texto. E entre os pontos positivos se podem destacar: maior
capacidade de armazenamento, facilidade de difusão e menor custo.
Da relação entre a Filologia e a Informática, somando-se àquela da Arquivística,
observamos movimentos que caracterizam uma modificação na prática editorial. A
disseminação dos recursos digitais, como computadores e smartphones, tem feito
emergir novos produtos, outros e novos textos, que representam a cultura e a escrita de
uma sociedade influenciada pelo desenvolvimento tecnológico. Para além disso, o
desenvolvimento de novas tecnologias digitais fornece aos pesquisadores ferramentas
para tratar e estudar os dados levantados, bem como os documentos/monumentos ali
reunidos.
O trabalho com o suporte digital exige que estratégias sejam postas em prática
para que as características materiais dos textos sejam preservadas. A Filologia, em seu
caráter interdisciplinar, relacionada à informática, coloca-se como disciplina capaz de
resolver tais problemas, visto que, conforme Lucía Megías (2012), as edições digitais
nos oferecem a possibilidade de relacionar documentos, de uma maneira que seria
impensável em outros suportes. Porém, de acordo com o autor, as múltiplas
possibilidades trazidas pela organização de documentos em rede somente têm validade
se forem desenvolvidas tendo como base os procedimentos teórico-metodológicos da
Filologia.
A utilização das tecnologias computacionais no âmbito filológico, desde a
segunda metade do século XX, se relaciona ao campo das Humanidades Digitais.
Podemos definir as Humanidades Digitais como um espaço de transdisciplinaridade,
que põe em diálogo as Ciências humanas e sociais, as Artes e as Letras, centrando sua
reflexão em torno das condições de produção e de divulgação dos conhecimentos face
ao surgimento das Tecnologias de Informação e Comunicação.
As Humanidades Digitais nos apresentam uma variedade de propostas editoriais
em meio digital. De acordo com Paixão de Souza (2013), teríamos, a partir daí, a
abertura de um novo campo, denominado como “Digital Philology”, que liberta “as
técnicas de representação editoriais das limitações colocadas anteriormente pela
tecnologia do impresso” (PAIXÃO DE SOUZA, 2013, p. 114).
33

O trabalho pioneiro foi apresentado em 1942, quando o jesuíta Roberto Busa


construiu Corpus Thomisticum18, que visou trazer a reunião, a indexação e
a anotação linguística da obra de S. Tomás de Aquino. Esse projeto editorial passou por
diferentes etapas de tecnologia, que contemplam desde o “uso de quilômetros de fichas
de papel perfurado, ao uso das mais recentes tecnologias de difusão virtual dos textos
[...]” (PAIXÃO DE SOUZA, 2013, p. 113).
Outros projetos editoriais desse porte surgiram na segunda metade do século
anterior, entre eles o Thesaurus Linguae Graecae29, apresentado em 1972, que reúne
uma coleção de edições eletrônicas de textos gregos, que contemplam a época clássica
até a queda de Bizâncio. Porém, no século XXI, com o avanço das tecnologias
computacionais, é que temos um maior volume de trabalhos visando a construção de
repositórios e ferramentas para a edição, além de periódicos enfocando as edições
eletrônicas.
Dentre tais iniciativas, citamos o Digital Classisist10 (2005), que se apresenta
como uma comunidade descentralizada e internacional de acadêmicos e estudantes
interessados na aplicação de métodos e tecnologias digitais inovadores para pesquisar
sobre o mundo antigo.
Temos também o Rossetti Archive511, que facilita o estudo acadêmico da obra
de Dante Gabriel Rossetti, pintor, designer, escritor e tradutor da Grã-Bretanha. Iniciado
em 1993 e concluído em 2008, o Arquivo dá acesso a todas as obras pictóricas e
textuais de Dante Rosseti e a um grande corpus contextual de materiais, a maioria
retirada do período em que o trabalho do autor surgiu, aproximadamente entre 1848 e
1920, mas alguns remontam às fontes do século XIV de suas traduções italianas.
O Digital Variants12 é um arquivo digital de autores contemporâneos, fundado
em 1996 por Domenico Fiormonte e Jonathan Usher no Departamento de Italiano da
Universidade de Edimburgo. O objetivo do projeto é disponibilizar na Internet textos de
autores como Vincenzo Cerami e José Antonio Millán, em diferentes estágios da
escrita. O DV fornece ferramentas úteis para explorar o processo de escrita literária

8
Disponível em: http://www.corpusthomisticum.org/
9
Disponível em: http://stephanus.tlg.uci.edu/
10
Disponível em: http://www.digitalclassicist.org/
11
Disponível em: http://www.rossettiarchive.org/
12
Disponível em: http://www.digitalvariants.org/
34

através da digitalização de rascunhos de escritores e pré-textos nos formatos de texto e


imagem.
O Digital Medievalist13 é formado por uma comunidade internacional baseada
na web para os medievalistas que trabalham com mídia digital. Foi criado em 2003, está
hospedado na Universidade de Lethbridge para ajudar os acadêmicos a atender às
demandas cada vez mais sofisticadas enfrentadas pelos designers de projetos digitais
contemporâneos.
Destacamos ainda o DigiPal14 (2011), um recurso para o estudo da escrita
medieval, especificamente produzida na Inglaterra durante os anos 1000-1100. Ele
permite o acesso a amostras de caligrafia do período, possibilitando a sua comparação
de forma ágil e rápida. Contém em torno de 1675 registros de manuscritos e cartas, 986
imagens manuscritas, 63880 imagens de cartas (gráficos), 1477 registros de mãos de
escribas. Financiado pelo Sétimo Programa-Quadro da União Europeia (FP7), é
gerenciado pelo Departamento de Humanidades Digitais do King's College London.
Observando esse panorama de trabalhos relacionados ao contexto digital,
notamos que,

[c]omo traço comum, os projetos nesse campo apresentam o objetivo de


desenvolver tecnologias computacionais de última geração aplicadas ao
trabalho filológico, às disciplinas afins tradicionais da filologia (notadamente,
a paleografia e a diplomática), e à elaboração dos instrumentos tradicionais
da investigação crítica (como os glossários, os catálogos, e as próprias
“edições críticas”) (PAIXÃO DE SOUZA, 2013, p. 114, grifo do autor).

Portanto, no campo das Humanidades Digitais, temos visto trabalhos que


relacionam áreas como a Filologia, a Arquivologia e a Informática, através de projetos
editoriais com grande volume documental, incluindo múltiplas perspectivas, que
coadunam com o que objetivamos ao criarmos o Arquivo Hipertextual da dramaturgia
infantil de Deolindo Checcucci.
Vale observar, portanto, que temos diante de nós um desafio, relacionado à
escolha de quais procedimentos computacionais adotar para lidar com diferentes
tradições textuais, sem importar tecnologias utilizadas para outras tradições e em outros
suportes. Ressaltamos porém que os desafios contemporâneos são semelhantes aos
enfrentados em outros momentos da história dos estudos filológicos.

13
Disponível em: http://www.digitalmedievalist.org/
14
Disponível em: http://www.digipal.eu/
35

Isso se verifica quando pensamos que “[a] filologia [...] vem mantendo por
séculos seu foco principal de atenção: o texto, como um sistema de raízes que pode ser
escavado nele próprio (nas magistrais palavras de Rosa Borges S. Carvalho (2003)”
(PAIXÃO DE SOUZA, 2013, p. 130, grifo do autor). Mesmo tendo esse foco, e sem
prejudicá-lo, podemos acompanhar uma adaptação a novos objetos, tendo em vista os
diferentes suportes criados pelas sociedades ao longo do tempo para a difusão do texto.
Logo, é necessária também uma adaptação no que tange ao uso das tecnologias
computacionais, o que vem ocorrendo de forma lenta até então.
A modificação do suporte, do papel ao computador, trouxe mudanças para as
práticas editoriais. Os editores críticos têm lidado com textos que se apresentam em
estados e suportes cada vez mais diversos, isso porque “ao mudar os códigos
bibliográficos, os sentidos dos textos são naturalmente alterados” (BARREIROS, 2014,
p. 167), ou seja, quando se modificam os suportes de produção, transmissão e
circulação, mudam-se também os sentidos e, consequentemente, os procedimentos
editoriais também.

A página do panfleto, do livro e a tela do computador não funcionam da


mesma forma, pois obedecem a diferentes lógicas. [...] Desse modo, surge a
necessidade da preservação dos códigos bibliográficos, linguísticos e
contextuais nas edições, já que os textos vinculam-se a realidades sociais que
têm suas próprias regras, razões pelas quais os editores precisam dar a devida
atenção aos aspectos materiais e históricos em que os textos foram escritos e
difundidos (BARREIROS, 2014, p. 169).

Nas últimas décadas, grande parte das edições filológicas que fizeram uso da
tecnologia computacional “[...] eram simulacros de técnicas anteriores, e encontravam-
se, ainda, inteiramente imersas na lógica do papel. A lógica do papel é uma lógica
espaço dependente e visual” (PAIXÃO DE SOUZA, 2013, p. 131, grifo do autor). Em
outras palavras, continua-se aproveitando o espaço físico determinado pela folha de
papel, codificando todos os elementos indicativos de uma edição apresentada em meio
impresso. Assim, “[...] ao menos, o caso do Brasil: em larga medida, ainda seguimos as
técnicas e normas de edição filológica ligadas às tecnologias do impresso” (PAIXÃO
DE SOUZA, 2013, p. 132). Dentro dessa perspectiva, as propriedades do texto digital,
mesmo que amplamente reconhecidas, ainda não têm sido potencialmente explorada
pelos trabalhos filológicos.
36

Nas edições eletrônicas, a apresentação final é uma etapa paralela à


transcrição e ao estabelecimento do texto – ou seja: as apresentações para
leitura final resultam da formação de documentos paralelos ao documento-
base onde se codificou a preparação (PAIXÃO DE SOUZA, 2006, [sem
paginação]).

A solução para essa questão reside em uma mudança de abordagem do texto


digital, e essa modificação impacta na formação do filólogo, que, para lidar com as
diferentes perspectivas, precisa dominar o seu instrumento de trabalho, entendendo, por
exemplo, sobre o funcionamento de um processador de textos e suas linguagens. O
domínio dessas novas técnicas se faz urgente pois são elas também as novas técnicas de
produção textual.

Precisamos dominar essas técnicas, em última análise, para não sermos


dominados por elas: para continuar sendo os sujeitos desse processo. Volto
aqui a [...] citar Rosa Borges Carvalho: a filologia não é só mais antiga e mais
tradicional que a “cultura digital”; é também mais antiga e mais tradicional
que a cultura impressa. No entanto, adaptou-se a ela, aproveitou-se dela,
construindo, dentro de sua lógica, importantes instrumentos de edição e de
crítica. A mesma passagem precisa se dar agora, da lógica impressa para a
lógica digital (PAIXÃO DE SOUZA, 2013, p. 133, grifo do autor).

Enquanto alguns editores se valem das tecnologias informáticas apenas como


ferramentas para auxiliar sua elaboração de edições convencionais, realizando, na
prática, uma transposição de edições em papel para o suporte digital, outros optam por
explorar os recursos da informática para produzir e publicar a chamada edição
eletrônica, “[...] uma tendência da crítica textual no século XXI, dado o seu caráter
interativo e multidimensional, dando a ler todos os textos, todas as transformações por
que passa o texto em uma edição em hipertexto” (BORGES, 2016).
O trabalho ora desenvolvido se posiciona nesse espaço de reflexão e mudança de
paradigmas em torno da noção de texto, que vem gerando modificações na metodologia
da edição de textos modernos e contemporâneos. Inseridos na vertente pragmática da
Crítica Textual, valemo-nos do exercício das críticas textual, genética e sociológica,
compreendendo que as várias formas em que um texto foi produzido e disseminado
constituem diferentes estados históricos que merecem ser editados e tomados em sua
multiplicidade. As edições devem oportunizar a leitura de todos os textos da tradição,
considerando-os em seu processo de transmissão, suas transformações, de cunho autoral
e/ou textual (ALMEIDA; BORGES, 2017).
37

Ao lidar com o suporte digital, portanto, o filólogo deve perceber o campo de


possibilidade que se abre para o seu trabalho, ultrapassando o suporte material
impresso, que, por vezes, limita o trabalho editorial. Nesse caminho, destacamos, em
primeira medida, os benefícios que o uso de links e hiperlinks oferece às edições e
projetos editoriais.
O editor pode então decidir apresentar propostas editoriais mais dinâmicas, nas
quais os textos sejam considerados em sua multiplicidade, postos como centros
provisórios ou não. Desse modo, o alcance de tais trabalhos pode ser maior, pois,
através do uso do meio digital, cada vez mais cotidiano na contemporaneidade, garante-
se que o trabalho seja acessado e compreendido tanto pelo público especializado quanto
pelo leigo.
Contudo, não basta apresentar os textos em suporte digital, a organização e
disposição de tais textos, de acordo com os objetivos editoriais se faz necessária. Desse
modo, nessa relação com a informática, cabe ao filólogo-editor orientar a leitura do
trabalho desenvolvido e apresentado, principalmente quando se trata de um público não
especializado. De acordo com Almeida (2016, p. 103, grifo do autor),

[...] disponibilizar a massa documental oriunda da recensio e os diferentes


tipos de edição, em suporte virtual, não é suficiente, fazendo-se necessário
organizá-la, conforme os propósitos editoriais. A estrutura da edição em meio
digital, dessa forma, deve orientar o leitor na exploração do ambiente virtual,
a fim de que se possa dispor de uma referência para se navegar por ela.

Diante disso, compreendemos a necessidade de uma organização para a


apresentação dos projetos editoriais. Propomos, então, para tratamento do objeto de
estudo em questão, o desenvolvimento de um Arquivo Hipertextual, pois essa
organização permitirá o trabalho com diferentes textos em uma perspectiva mais
dialógica, que pode ser retroalimentada no decorrer do tempo.

A estrutura da edição em meio digital, dessa forma, deve orientar o leitor na


exploração do ambiente virtual, a fim de que se possa dispor de uma
referência para se navegar por ela. Além disso, a flexibilidade do suporte
digital permite que diferentes produtos editoriais sejam adicionados ao longo
do tempo, não havendo necessidade de se publicar apenas o produto final,
sendo possível apresentar as diferentes propostas editoriais como resultados
parciais de uma pesquisa (ALMEIDA, 2016, p. 103).
38

A partir desse diálogo entre a Filologia e a Informática, notamos que o trabalho


editorial pode ter seus horizontes de produção, transmissão e circulação ampliados,
adaptando o labor editorial a uma contemporaneidade marcada pelo uso das tecnologias
informáticas. Concluímos que o suporte digital permite ao filólogo lidar melhor com os
diferentes textos que surgem à medida que os modos de transmissão se modificam. Com
isso, é possível produzir diferentes tipos de edição, encontrando um espaço ideal para
sua apresentação e divulgação a diferentes leitores, desde pesquisadores da área até o
público não especializado.
Portanto, nesse lugar de aproximação entre a Filologia, a Arquivística e a
Informática, a Arquivística cumpre importante papel, direcionando os modos de
organização dos documentos/monumentos estudados e editados pelos filólogos.
Enquanto isso, a Informática oferece o suporte digital, como meio de apresentação
ideal, através do Arquivo Hipertextual, para a apresentação do trabalho editorial, que
colocará em rede os textos (documentos/monumentos) que integram o ADC-TI.
Tais enlaces são profícuos para a pesquisa acadêmica em geral e para esse
trabalho de doutoramento em específico, posto que reuniremos e organizaremos os
documentos relacionados ao teatro infantil produzido por Deolindo Checcucci, nas
décadas de 1970 e 1980, na Bahia, e, a seguir, procederemos a sua apresentação em um
Arquivo Hipertextual.

2.2 ACERVO DEOLINDO CHECCUCCI

Comecemos por situar o Arquivo Textos Teatrais Censurados (ATTC) para,


então, trazer o Acervo Deolindo Checcucci (ADC), caracterizando-o conforme a massa
textual que o compõe. Buscando aliar organização documental e apresentação em meio
digital, damos a conhecer o ATTC, preparado a partir do Projeto Edição e estudo de
textos teatrais produzidos na Bahia no período da ditadura, que, sob a coordenação
da professora Dra. Rosa Borges (UFBA), atua com o objetivo de estudar e editar textos
teatrais censurados, considerando também os textos de imprensa, documentação
censória e demais documentos a eles relacionados.
39

Através do ATTC15 pretendemos proceder a organização dos textos teatrais,


documentos censórios, matérias de jornal, entrevistas e demais materiais que
caracterizam a produção dramatúrgica na Bahia, no contexto da ditadura militar. Essa
organização é feita a partir de acervos provenientes de diferentes instituições e de
acervos pessoais.
Os principais acervos são: Coordenação Regional do Arquivo Nacional no
Distrito Federal (Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas, Série Teatro) –
COREG-AN-DF (DCDP); Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia (EXB); Centro de
Documentação e Memória – Teatro Vila Velha (TVV); Escola de Teatro da UFBA
(ETUFBA); Teatro Castro Alves – TCA (Sala de documentação e pesquisa do Teatro
Castro Alves); APEB (Arquivo público do Estado da Bahia), BPEB (Biblioteca Pública
do Estado da Bahia) e os Arquivos Pessoais dos autores.
A organização de acervos tem como uma de suas mais importantes funções a
difusão dos documentos, favorecendo a circulação do conhecimento. Com essa
finalidade são produzidos catálogos e edições críticas, entre outros meios de
disseminação. O ATTC é composto por documentos digitalizados, textos teatrais,
certificados de censura, rascunhos, matérias de jornais, etc. Tais documentos,
provenientes dos acervos aqui listados, apresentam-se tradicionalmente em papel,
sendo, a seguir, fotografados ou digitalizados, passando, desse modo, para o campo
digital.
Na organização do ATTC, propusemos uma catalogação dos documentos em
10 séries: 01 Produção intelectual, 02 Publicações na imprensa e em diversas
mídias, 03 Documentação censória, 04 Esboços, notas e rascunhos, 05 Documentos
audiovisuais e digitais, 06 Correspondência, 07 Memorabilia, 08 Adaptações e
traduções, 09 Estudos e 10 Varia. Em cada série, destacam-se as subséries (Cf. quadro
1).

15
O ATTC será organizado para apresentação em suporte digital, com acesso limitado das informações
relacionadas aos textos teatrais, assegurando uma disponibilização responsável das informações contidas
nos acervos acima citados, com as indicações da proveniência de cada documento, possibilitando o acesso
à informação por parte dos pesquisadores.
40

Quadro 1 – Catalogação dos documentos dos acervos por SÉRIES


01 PRODUÇÃO INTELECTUAL 02 PUBLICAÇÕES NA IMPRENSA E 03 DOCUMENTAÇÃO CENSÓRIA
EM DIVERSAS MÍDIAS
01a Texto teatral 02a Publicações sobre o autor e suas 03a Solicitação/Requerimento
01b Contos produções 03b Ofício
01c Romance 02b Publicações autorais (coluna teatral) 03c Texto teatral
01d Discurso 02c Divulgação dos espetáculos 03d Parecer
01e Artigo 02d Entrevistas (com o autor e feitas 03e Memorando
01f Texto autobiográfico pelo autor) 03f Radiograma
01g Prefácio, Texto de apresentação, 03g Relatório
Programa 03h Ficha de protocolo
01h Poesia 03i Certificado de Censura
01i Canção (individual, coletiva) 03j Outros documentos (capa de
01j Depoimento (entrevistas) processo, registro do espetáculo)
01l Dossiê (projetos, relatórios,
oficinas, programação de seminários,
apostilas de aula)
04 ESBOÇOS, NOTAS E 05 DOCUMENTOS AUDIOVISUAIS E 06 CORRESPONDÊNCIA
RASCUNHOS DIGITAIS
04a Datilografados e manuscritos em 05a Fotografias 06a Cartas do autor
folhas soltas 05b Programa do espetáculo 06b Cartas ao autor
04b Notas manuscritas: lista de 05c Panfletos e Cartazes 06c Cartas de terceiros
personagem, marcação cênica, ficha 05e Gravações 06d Telegrama
técnica, rascunho do programa, lista de 05f Disco 06e Bilhete
textos.
04c Cenário: desenho, caricatura
07MEMORABILIA 08 ADAPTAÇÕES E TRADUÇÕES 09 ESTUDOS
07a Certificados de premiações, 08a Literatura 09a Fortuna Crítica
Prêmios 08b Televisão 09b Produções acadêmicas
07b Homenagens (espetáculos, 08c Cinema 09c Recepção do texto e espetáculo
eventos) 08d Dança teatrais
08e Teatro

10 VARIA
10a Livros, revistas e folhetos
(Biblioteca) ARQUIVO TEXTOS TEATRAIS CENSURADOS
10b Edital (concurso de peça teatral)
10c Paratexto (texto do programa da TEXTOS TEATRAIS CENSURADOS-ILUFBA
peça, texto da contracapa do disco)
10d Documentos de outras instituições SISTEMA DE CATALOGAÇÃO POR SÉRIES
(SBAT, Arquivo Nacional) e projetos
do governo (MOBRAL)
10e Documentos administrativos
Fonte: SANTOS, 2018, p. 107.
A catalogação por séries leva em conta a diversidade de documentos que
compõem o ATTC. Conforme Bellotto (2012, p. 108),

[o] documento de arquivo, não importa o suporte, inclusive o eletrônico, é


um produto social. E, em cada época, não tem deixado de ser parte de um
processo de comunicação, seja testemunhal ou meramente informativa.

Nessa direção, tomando o documento como fonte e ao mesmo tempo como


ponte para a construção de novas relações e conhecimentos, Lucía Megías (2012)
apresenta dois tipos de organização de textos na era digital. De um lado, temos as
41

bibliotecas digitais virtuais, impulsionadas pelo apoio internacional, em que prevalece a


reprodução do objeto físico, o suporte. De outro, temos as bibliotecas digitais textuais,
que permitem o acesso a outros meios virtuais, caso do Projeto Gutenberg e do Google
Livros.
De acordo com Lucía Megías (2012), cada vez mais a organização dos
documentos deve ser pautada no segundo tipo de bibliotecas, pois, acredita-se que as
instituições governamentais e as universidades devem apoiar projetos que não se
limitem à simples acumulação de objetos digitais. O aplicativo da Web ideal para o
alcance desse objetivo pode ser denominado como "plataforma de conhecimento",
através do qual se torna possível analisar e relacionar textos, explorando o aprendizado,
lançando mão de recursos multimídias e incentivando a interatividade, através da
criação de diferentes áreas de trabalho.
Tomamos, portanto, os materiais organizados no ATTC como testemunho,
documento/monumento e como forma de conhecimento (SANTOS, 2007), que se
constrói na relação com outros documentos, em meio digital. Para que isso aconteça é
“preciso que cada documento seja recuperado, estudado, criticado, arquivado, publicado
de forma a tornar a história uma forma de resistência” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p.
16), auxiliando na disseminação da memória de uma sociedade.
A pesquisa com acervos de escritores e fontes primárias é necessária e
caracterizada por um esforço de, através do estudo, crítica, arquivamento e publicação
desses documentos, promover a atualização da memória de uma sociedade. “[...] [E]m
suma, o arquivo deixa de ser apenas meio para a consecução de um fim – ou seja, deixa
de ser visto unicamente como repositório de informações – para ser também objeto de
pesquisa” (HEYMANN, 2012, p. 24).
A organização do ATTC busca dar a conhecer os acervos de dramaturgos
baianos, sobretudo, que produziram durante a ditadura militar, possibilitando a
preservação de documentos que representam a memória de uma dramaturgia censurada
na Bahia. Os documentos que fazem parte desses acervos podem apresentar a gênese do
texto teatral, ou ainda testemunhar os processos de transmissão, circulação e recepção
das produções dramatúrgicas.
O ADC traz documentos sobre Deolindo Checcucci. São 12 os textos teatrais de
sua autoria, entre adultos e infantis; 63 matérias de jornal; 101 documentos censórios e
2 entrevistas.
42

Os textos teatrais escritos por Deolindo Checcucci constituem o Acervo


Deolindo Checcucci – ADC, que, por sua vez, faz parte do ATTC. No ADC se
encontram vários documentos e textos teatrais, que se dividem em Teatro Adulto (TA) e
Teatro Infantil (TI). Para fim de estudo e edição da dramaturgia de Deolindo Checcucci
apresentamos em um Arquivo Hipertextual o Acervo Deolindo Checcucci – Teatro
Infantil (ADC-TI), valendo-nos das práticas filológica, arquivística e informática.
Os textos produzidos para o teatro adulto são: Nosso céu tem mais estrelas
(1971); Lula mete bronca (1974); Bang Bang em Xique-Xique (1975); O Banquete
(1975); Abre mais (1980) e Curra (1986). O quadro 2 traz informações sobre os
referidos textos, quanto à quantidade de testemunhos, localização e documentação
paratextual.
Quadro 2 – Informações sobre os textos adultos de Deolindo Checcucci
Texto teatral Testemunhos Localização Documentação paratextual
Nosso céu tem mais 2 - Arquivo Nacional no Distrito Federal 1 solicitação;
estrelas (1971) (Fundo Divisão de Censura de Diversões 1 recibo;
Públicas, Série Teatro); 2 pareceres;
- Núcleo de Acervo do Espaço Xisto 1 ofício;
Bahia. 1 memorando
1 certificado de censura.
Bang Bang em 1 - Arquivo Nacional no Distrito Federal 1 ofício;
Xique-Xique (Fundo Divisão de Censura de Diversões 1 protocolo;
(1974) Públicas, Série Teatro). 1 parecer
1 certificado de censura
Lula mete bronca 1 - Arquivo Nacional no Distrito Federal 1 encaminhamento;
(1975) (Fundo Divisão de Censura de Diversões 2 pareceres;
Públicas, Série Teatro). 1 protocolo;
1 radiograma;
2 recibos
1 solicitação
O Banquete 2 - Arquivo Nacional no Distrito Federal 2 solicitações;
(1975) (Fundo Divisão de Censura de Diversões 3 ofícios;
Públicas, Série Teatro). 1 autorização;
- Núcleo de Acervo do Espaço Xisto 2 fichas de protocolos;
Bahia. 4 pareceres;
2 relatórios
1 certificado.
Abre mais 1 - Arquivo Nacional no Distrito Federal 1 matéria de jornal;
(1980) (Fundo Divisão de Censura de Diversões 1 ofício;
Públicas, Série Teatro). 1 ficha de protocolo
8 pareceres.
Curra 2 - Acervo da Escola de Teatro da UFBA
(1986) (ETUFBA).
- Núcleo de Acervo do Espaço Xisto
Bahia.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
43

Nosso céu tem mais estrelas foi escrito por Checcucci em 1971, em parceria
com Rose Rudner. Sob a forma de um show musical, teatro de revista, o espetáculo
apresenta uma série de quadros, através dos quais vedetes e travestis, de maneira
humorística, abordam características do Brasil e de diferentes países, como Itália e
Alemanha. Para tanto, são utilizadas composições de Caetano Veloso, Carlos Gardel,
Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga e dos Beatles. Após passar pelo processo de análise
censória, o texto foi liberado, sem cortes, para apresentação. Contudo, sua exibição foi
permitida apenas para público maior de 18 anos, posto que, de acordo com os técnicos
de censura, mesmo não apresentando excessos, a peça exigia público mais amadurecido.
Bang Bang em Xique-Xique, produzida em 1974, conta a história de homens
brancos que invadem terras indígenas e raptam uma índia, com anuência do xerife do
lugar. Porém, a seguir, o delegado é desmascarado e toda a situação se transforma em
uma grande e animada festa. O espetáculo foi liberado para encenação. Conforme
avaliação dos técnicos de censura, o texto apresenta tom descontraído e faz críticas aos
meios de comunicação da época, que utilizavam de violência para fazer
sensacionalismo.
Lula mete bronca foi encaminhada, em 1975, à Divisão de Censura de
Diversões Públicas. O enredo apresenta dois jovens, Lula e Beto. O primeiro, recém-
chegado de Nova York, não se conformava com a realidade brasileira, considerada por
ele como retrógrada. O segundo é um artista falido, que mesmo em má situação
financeira insiste em fazer arte. Ao longo da história, Lula e Beto discutem questões
existenciais, como o sentido da vida, a família, a religião, a política e a sociedade. Após
análise dos órgãos censórios, Lula mete bronca teve sua encenação proibida. De acordo
com o texto dos pareceres, o espetáculo foi vetado porque não apresentava mensagem
positiva e a temática da obra ia de encontro aos princípios da moral e dos bons costumes
da sociedade brasileira de então.
O Banquete foi escrita em 1975 e sua história trata de uma interação entre dois
casais, que se encontram sentados em privadas, em torno de uma mesa. Ao longo do
texto são debatidos assuntos cotidianos, em meio a referências a atos sexuais. A peça foi
encenada, após exame censório, ainda que, curiosamente, quatro pareceres indicassem o
total veto ao espetáculo. O certificado de censura atesta a sua liberação para público
maior de 14 anos.
44

O texto teatral Abre mais foi escrito em 1980 e aborda o processo de abertura
política do governo brasileiro. Através de um monólogo, em um ato, faz-se, de forma
satírica, uma relação entre o referido marco político com a liberalização sexual. O
espetáculo foi vetado, em razão de, conforme texto do parecer censório, constituir-se em
uma produção insolente, que pretendia criticar de maneira debochada uma atitude de
poder constituído.
Curra foi escrito em 1986 e apresenta a história de Marcos e Ricardo, dois
jovens liberais quanto ao sexo e às drogas. Marcos e Ricardo tentam convencer uma
colega de colégio, Isabela, a ter uma relação sexual a três, mas a garota não cede.
Cansado, Ricardo parte para a agressividade, a garota desmaia e acaba sendo estuprada.
Após acordar, Isabela pega um revólver, que estava na moto de Marcos, atira contra
Ricardo e foge do local.
Além desses seis textos, Deolindo Checcucci16 colaborou, junto com Carlos
Sarno, na produção de Bocas do inferno, peça escrita por Cleise Mendes em 1978. O
texto, através de canções e danças relacionadas à cultura baiana, traz trechos da obra de
Gregório de Matos. As remissões ao poeta são feitas relacionando-o a um padre, e nesse
momento são apresentadas críticas ao comportamento da igreja em geral. Após análise
censória, foi deliberado que Bocas do inferno deveria ter sua encenação liberada para
espectadores maiores de 18 anos. Foram também indicados cortes a alguns de seus
trechos. De acordo com os censores, o texto do espetáculo era contundente, porém,
como foi apresentado de forma cômica, poderia ser liberado, desde que fossem
eliminados fragmentos em que a igreja era atacada de modo mais contumaz.
A produção de Checcucci não contemplou apenas o público adulto, fez parte da
sua produção também os textos teatrais sob a rubrica de teatro infantil. É nesse lugar
que se centra a organização do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro infantil (ADC-
TI). Compõem o nosso dossiê de estudo: 57 documentos censórios, 20 matérias de
jornal, 2 entrevistas e 6 textos teatrais, são eles: Julinho contra a bruxa no espaço
(1970); Um dia, um sol (1975); Um, dois, três alegria (1975); A Roupa nova do rei
(1977); A Galinha dos ovos de ouro (1981) e A Bela e a Fera (1985).
O quadro 3 apresenta informações sobre os textos, no que se refere à quantidade
de testemunhos, localização e documentação paratextual.

16
Deolindo Checcucci também dirigiu a peça Bocas do Inferno.
45

Quadro 3 – Informações sobre os textos infantis de Deolindo Checcucci


Texto teatral Testemunhos Localização Documentação paratextual
Julinho contra a bruxa 1 - Arquivo Nacional no 3 matérias de jornal
no espaço Distrito Federal (Fundo 3 solicitações
(1970) Divisão de Censura de 2 pareceres
Diversões Públicas, Série 2 ofícios
Teatro). 1 encaminhamento
1 relatório
1 ficha de protocolo
2 certificados de censura
Um dia, um sol 2 - Arquivo Nacional no 1 matéria de jornal
(1975) Distrito Federal (Fundo 1 solicitação
Divisão de Censura de 2 ofícios
Diversões Públicas, Série 1 ficha de protocolo
Teatro). 1 parecer
- Núcleo de Acervo do Espaço 1 certificado de censura
Xisto Bahia.
Um, dois, três alegria 2 - Arquivo Nacional no 1 matéria de jornal
(1975) Distrito Federal (Fundo 1 solicitação
Divisão de Censura de 2 ofícios
Diversões Públicas, Série 1 parecer
Teatro); 1 ficha de protocolo
- Núcleo de Acervo do Espaço 1 certificado de censura
Xisto Bahia (EXB)
A Roupa nova do rei 3 - Arquivo Nacional no 2 capas de processo
(1977) Distrito Federal (Fundo 2 solicitações
Divisão de Censura de 5 ofícios
Diversões Públicas, Série 2 pareceres
Teatro). 1 ficha de protocolo
- Núcleo de Acervo do Espaço 1 certificado de censura
Xisto Bahia.
- Acervo da Escola de Teatro
da UFBA (ETUFBA).
A Galinha dos ovos de 2 - Arquivo Nacional no 1 capa de processo
ouro Distrito Federal (Fundo 2 ofícios
(1981) Divisão de Censura de 1 requerimento
Diversões Públicas, Série 1 registro de espetáculo
Teatro). 1 relatório
- Núcleo de Acervo do Espaço 1 ficha de protocolo
Xisto Bahia. 1 certificado de censura
A Bela e a Fera 4 - Arquivo Nacional no 4 matéria de jornal
(1985) Distrito Federal (Fundo 1 capa de processo
Divisão de Censura de 1 requerimento
Diversões Públicas, Série 2 ofícios
Teatro). 1 registro de espetáculo
- Núcleo de Acervo do Espaço 4 pareceres
Xisto Bahia. 1 ficha de protocolo
- Núcleo de Acervo do Espaço 2 certificados de censura
Xisto Bahia.
- Núcleo de Acervo do Espaço
Xisto Bahia.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Julinho contra a bruxa no espaço foi escrito em 1970 e conta a história de um


garoto que vai para outro planeta encontrar um amigo cientista. Lá, ele se defronta com
46

uma mulher, a bruxa do espaço, que tenciona destruir a Terra, porém, ele consegue
derrotá-la e salvar o nosso planeta. O texto teatral foi enviado duas vezes para análise
censória, uma vez em 1970 e outra em 1972. De acordo com os dois pareceres, o
espetáculo deveria ser liberado, pois passava uma mensagem positiva, que poderia ser
transmitida a diferentes públicos, tendo, portanto, classificação livre.
Um dia, um sol é um texto de 1975 que narra a história de um ator que está à
procura da sua amiga, Vida. Para ajudá-lo em sua busca, ele recebe o auxílio de
elementos humanos e sobrenaturais, e termina por encontrar o que anseia na figura do
Amor. De acordo com os órgãos de censura, o espetáculo era ingênuo, não
representando nenhum perigo à sociedade, por isso, poderia ter sua encenação liberada
para os públicos de todas as idades, através de classificação livre.
O texto Um, dois, três alegria foi escrito em 1975. O espetáculo aborda a
história de quatro crianças que vivem em uma cidade chamada Papelópolis. Insatisfeitas
com a vida na cidade, elas abandonam o local, em busca de uma vida sem regras. Após
pedidos de habitantes e familiares, eles aceitam retornar à cidade, porém, fazem uma
série de exigências, que são aceitas pela população. Conforme atesta o parecer, o
técnico de censura considerou o espetáculo sem implicações para o gênero, destinado ao
público infantil, por isso deveria ter classificação livre.
A Roupa nova do rei data de 1977, é uma adaptação do clássico de Andersen,
publicado em 1837. Na história, dois camelôs baianos, Bodó e Bodin, com a intenção de
obterem vantagens, dizem conseguir confeccionar para o rei Bruguelau uma roupa que
só poderia ser vista por aqueles que fossem inteligentes. Inicialmente, todos fingem ver
a roupa do rei e elogiam sua beleza, mas, depois de um tempo, revela-se a mentira, a
partir de uma observação de uma criança, de que o rei está nu e um ensinamento moral é
transmitido.
De acordo com um dos pareceres censórios, o espetáculo apresenta forte crítica
política e social, mas, desde que feitos os cortes indicados a algumas folhas, poderia ser
liberado para todas as idades. Já em outro parecer, recomenda-se classificação para a
faixa etária de 10 anos para a peça, após a realização de cortes a alguns trechos, e afirma
que, apesar de se valer de temática infantil, o autor faz adaptação com críticas
irreverentes a personalidades políticas locais. No certificado de censura, a peça teve
encenação liberada para maiores de 10 anos.
47

A peça A Galinha dos ovos de ouro foi escrita em 1981 e conta a história de
Joãozinho e sua mãe, que são enganados por um gigante e sua esposa, pois os dois
afirmam, para toda a cidade, que têm uma galinha que põe ovos de ouro. No entanto, tal
feito não passa de uma estratégia de venda, já que os ovos são simplesmente pintados de
dourado. Ao final, a farsa é descoberta e o gigante é entregue à polícia. Conforme
relatório, o espetáculo respeita às regras estabelecidas, transcorrendo dentro da
normalidade, por essa razão, foi classificado com apresentação livre para todas as
idades.
Por fim, A Bela e a Fera foi escrita em 1985, é uma adaptação do tradicional
clássico infantil, um conto de fadas francês 17 Na história, um pai tem a incumbência de
levar presentes para suas três filhas. Para uma delas, Teresina, ele deve encontrar uma
rosa branca, com um perfume capaz de fazê-la sonhar. A fim de conseguir tal presente,
ele invade o castelo da Fera, é capturado e só tem liberação após prometer trazer o
primeiro ser vivo que encontrar para viver no Castelo. Ao chegar em casa, depara-se em
primeiro lugar com Teresina e a leva para viver com a Fera, que por ela se apaixona. No
final, a moça também se descobre apaixonada e beija o seu amado, que acaba voltando a
ser o príncipe, que era antes de ser amaldiçoado. De acordo com avaliação censória, o
texto apresentava linguagem infantil, e passava uma mensagem positiva, podendo,
portanto, ter classificação livre.
Através da organização, com o auxílio de ferramentas arquivísticas e
informáticas, tornou-se possível dar tratamento aos documentos do Acervo Deolindo
Checcucci – Teatro Infantil (ADC-TI), auxiliando-nos nas atividades de edição e de
estudo dos textos teatrais que integram o acervo.

2.3 DEOLINDO CHECCUCCI E SEUS MÚLTIPLOS “PAPÉIS”

No ATTC, damos visibilidade ao ADC-TI, organizando os materiais que lhe


constituem, essa ação nos permite ler Deolindo Checcucci em seus “papéis”, bem como

17
No século XVIII surgiu o conto de fadas A Bela e a Fera, em uma publicação anônima de Gabrielle-
Suzanne Barbot de Villeneuve, mais conhecida como Madame de Villeneuve, que em 1740 publicou em
um jornal francês voltado para contos, a história original de A bela e Fera. A história da Bela e Fera foi
reescrita em 1757 por Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, conhecida como Madame Leprince de
Beaumont (MAIA, 2017).
48

caracterizar a sua produção dramatúrgica infantil, a partir da prática filológica, dando a


conhecer os textos teatrais infantis. De acordo com Marques (2012, p. 61), a
organização dos arquivos privados possibilita a construção de imagens do escritor, que

[...] se decompõe em diversas figurações: o artista da palavra


testemunhada pela obra; o intelectual que representa um ponto de vista
para a audiência, capaz de dizer verdades ao poder; o polemista, que
ataca de forma contundente posições antagônicas, tornando o debate
mais animado; fragmentos de vida disseminados em entrevistas,
depoimentos, bate-papos, reportagens.

Hoisel (2012) ressalta a característica biográfica de textos produzidos por


intelectuais, que, na contemporaneidade, guardam uma peculiaridade que os diferencia,
posto que eles exerçam múltiplas atividades. Nesse caso, a denominação autor não
encerra a imagem de uma figura distanciada do discurso que produz, mas determina, em
lugar disso, uma função autoral (FOUCAULT, 2011), “[...] típica do modo de
existência, circulação e funcionamento de certos discursos na sociedade. [...] longe de
simplesmente se referir a um indivíduo real, a função autoral comporta,
simultaneamente, uma pluralidade de eus ou de sujeitos” (MARQUES, 2012, p. 161).
No bojo dessa concepção de intelectual múltiplo, situa-se Deolindo Checcucci.
Nascido em Salvador, Bahia, Deolindo Checcucci Neto. Entre 1967 e 1968, foi
aluno do Curso de Formação do Ator na Escola de Teatro da Universidade Federal da
Bahia – UFBA. Concluiu o Bacharelado em Direção Teatral na Escola de Teatro da
UFBA em 1978. Tornou-se Mestre em Direção Teatral na Universidade do Kansas,
Estados Unidos, em 1983 e foi professor da Universidade Federal da Bahia
(CHECCUCCI, 2003)18.
Destacamos a primeira das funções desempenhadas por esse sujeito múltiplo, a
de professor universitário, ressaltando sua atuação diferenciada no contexto acadêmico,
pois, de acordo com Hoisel (2012, p. 162):

Ainda que a postura acadêmica e o projeto intelectual de cada um desses


sujeitos tenham abrangências e ressonâncias muito distintas – alguns com
expressivas repercussões a nível nacional e internacional, outros mais
localizados – o que nos permite ler comparativamente as questões biográficas
referentes a estes intelectuais é a produção de uma rede de escritas (a do
ficcionista, do teórico, do crítico, do docente) através da qual eles se

18
Currículo extraído da plataforma Lattes, disponível em: <http://lattes.cnpq.br/5102355413646539>.
49

inscrevem e se produzem, delineando questões teóricas e pedagógicas que


rompem fronteiras e saberes constituídos, estabelecendo uma cumplicidade
entre biografia, ficção e teoria.

Nesse caminho, as contribuições de Checcucci à Escola de Teatro da UFBA


são significativas. Professor no Bacharelado em Direção Teatral, entre os 1980 e 1990,
pode-se afirmar sua influência sobre o ensino da instituição, principalmente no que se
refere a disciplinas como Cenografia, Prática de Ensaio, Direção e Montagem.
Na década de 1980, Checcucci trouxe para Salvador inovações nos
procedimentos de cenografia, por conta dos estudos realizados por ele nos Estados
Unidos, com planos diferenciados de ação, que modificavam as ideias de plateia e de
cena. Em seus projetos expressa o interesse por montar regularmente autores brasileiros,
sobretudo baianos, valorizando a cultura local. No ambiente acadêmico, Checcucci
assumiu cargos, tais como: Chefe de Departamento de Técnicas do Espetáculo da
Escola de Teatro da UFBA, no período de 1988 a 1992, e Diretor da Escola de Teatro
da UFBA, de 1996 a 2000 (CHECCUCCI NETO, 2003)19.
Além de docente, Checcucci participou de mais de sessenta espetáculos teatrais
(MENDES, 2014). Na organização dos documentos do ADC, percebemos que a sua
atuação foi muito vasta e contemplou diferentes funções no teatro baiano. Dentre elas,
destaca-se a de diretor teatral. Das sessenta e três matérias de jornal reunidas no acervo,
trinta e sete fazem referência à sua atuação como diretor teatral.
Essa maioria de matérias jornalísticas relacionada à atuação de Checcucci
como diretor teatral expressa a importância dessa função na sua trajetória. Conforme o
próprio artista, sua participação no teatro baiano privilegiou por certo tempo o
desempenho da função diretor, “[...] na verdade assim, eu não [...] escrevi tantos textos
nesse período [ditadura militar], eu fiz mais montagens e [...] muita parceria com Cleise
[Mendes], no sentido de sugerir coisas a ela, como ‘Boca do inferno’, ‘Castro Alves’,
etc.” (CHECCUCCI, 2006). Uma matéria de jornal (Cf. figura 1) publicada em 14 de
março de 1979 noticia uma premiação recebida por Checcucci, relacionada à direção de
espetáculos, atestando o seu sucesso.

19
Currículo do sistema currículo Lattes, disponível em: <http://lattes.cnpq.br/5102355413646539>.
50

Figura 5 – Matéria de jornal sobre premiação aos melhores artistas de 1978

Fonte: Entrega..., 14 mar., 1979. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.

Nessa empreitada, Checcucci foi um dos nomes mais ativos e premiados do


teatro baiano. Trabalhou em parceria com personalidades do cenário teatral, como
Cleise Mendes, Armindo Bião, Guido Guerra e Aninha Franco.
As atividades como diretor teatral começaram em 1968, com o espetáculo
infantil A Bela Adormecida, adaptado por Raimundo Blumetti. “A encenação é
51

recomendada pelo colunista Jurandir Ferreira. O ator-colunista posiciona-se de forma


favorável com relato das inovações ‘pra frente’ e ‘revolucionárias’ que percebe na cena”
(LEÃO, 2009, p. 121). Sobre a adaptação dirigida por Checcucci, o colunista afirma que

Deolindo e Blumetti, ao tomarem o conto de Grimm, introduzem elementos


contemporâneos, trazendo a ação para um reino próximo da realidade do
espectador. Sem nomear onde se passa ação, fornece ao público uma série de
signos, para que o espectador relacione o que se passa em cena com a
realidade brasileira. Junto aos personagens tradicionais do conto, coloca o
Bruxo caracterizado de Chacrinha, a Bruxa como uma grã-fina. O Príncipe
entra em cena em uma motocicleta, acompanhado de um escudeiro fraco e
atrapalhado chamado Maciste, numa referência pardica aos atletas de luta
livre, popularizados pelos programas de televisão e pelo cinema italiano.
Cenários, figurinos e objetos de cena fazem referência não só a atualidade,
mas aos típicos, enfim, ao Brasil (FERREIRA, 1986 apud LEÃO, 2009, p.
122).

Deolindo Checcucci mostra-se inovador na função de diretor teatral, tendo em


vista as modificações propostas em seus trabalhos, destacando-se o objetivo de, através
dos seus espetáculos, promover a reflexão política e social.

Desde 1968, quando mostra seus primeiros trabalhos em Salvador, o jovem


[...] aparece na cena incorporando os aspectos inovadores apontados pelas
teorias do teatro que rondam a cena no poente da década de 60 e firmam-se
na seguinte. Suas incursões pelo teatro destinado a crianças e jovens
demonstram uma capacidade inventiva que se amplia nas encenações de O
Futuro Está nos Ovos, de Eugene Ionesco, ou em Rito do Amor Amargo,
roteiro de sua autoria (LEÃO, 2009, p. 190).

A respeito de O Futuro está nos ovos, de Eugene Ionesco, em matéria publicada


no Jornal da Bahia, em 09 de abril de 1970, noticiando a estreia do espetáculo, Deolindo
Checcucci é caracterizado como um diretor que “[...] para o seu trabalho tem
congregado tôdas as fôrças, pois a sua concepção do espetáculo requer uma posição
diante do texto” (JORNAL DA BAHIA, 1970). Em entrevista apresentada na matéria,
Checcucci reforça que vê o teatro como espaço de transformação e questionamento.

Meu nome é Deolindo, tenho 21 anos e isso basta. O que fiz ou deixei de
fazer pouco importa. No momento estou fazendo um espetáculo, um trabalho,
‘O Futuro está nos ovos’ é uma peça de Ionesco, um autor montado
internacionalmente, de renome, mas isso não tem tanta importância. A
escolha do texto não é pelo nome do autor, longe de mim negar seus méritos,
muito pelo contrário, mas o espetáculo é dinâmica, é movimento, é cor.
Chega do teatro impostadinho [sic], bem marcado com angulos [sic] e
diâmetros e outras milongas mais (JORNAL DA BAHIA, 9 abr. 1970).
52

Temos então um diretor que buscava fazer um teatro distanciado do tradicional,


“impostadinho”. A proposição era de que fosse produzido um teatro dinâmico, que
envolvia o público e os atores
No que tange ao público como elemento marcante Checcucci afirma: “um aviso
ao público: ‘não sentem na platéia subam no palco’” (JORNAL DA BAHIA, 9 abr.
1970. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia). Em A Viagem de um barquinho,
encenada em 1978 e também dirigida por Checcucci, observamos a mesma tendência
(Cf. figura 6).

Figura 6 – Matéria de jornal sobre encenação do texto teatral A viagem de um barquinho

Fonte: A Tarde, 24 abr. 1978. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia

De acordo com o texto da matéria, “[o] espetáculo envolve a platéia convidando-


a a participar das aventuras em que se envolvem os personagens na procura do
barquinho perdido” (A TARDE, 24 abr. 1978. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto
Bahia). A participação do público nas apresentações teatrais, presente tanto em O
Futuro está nos ovos quanto em A Viagem de um barquinho, representa a busca por
uma maior aproximação entre palco e plateia, o que, consequentemente, possibilitava
que as mensagens contidas nos textos teatrais fossem transmitidas de modo mais
contundente.
Entre os espetáculos dirigidos por Checcucci listamos: A Bela Adormecida
(1968), Pinóquio (1968), A Procura do brinquedo perdido (1969), Navegando para
53

Bizâncio (1969), Ulisses (1969), O Futuro está nos ovos (1970), Cordel II (1973), O
Arquiteto e o imperador (1973), O Pique dos índios ou A Espingarda do Caramuru
(1973), A viagem de um barquinho (1978), Dorotéia (1978), O Patinho preto (1978),
Bocas do inferno (1979), Abre mais (1980), Cândido ou otimismo (1980), entre outros.
Nestes e nos demais trabalhos por ele dirigidos ocorre a consolidação da sua atuação
como diretor teatral.
Em 1975, Deolindo começou a desempenhar mais uma função, diretor de um
grupo teatral, o TATO. Junto a Checcucci, faziam parte do grupo os artistas Eduardo
Calazans, Nonato Freire, Silvio Varjão, Rui Brasileiro, Marta Oliveira, Milton Luiz,
Eduardo Nascimento, Genival e Eloi. A estreia do TATO deveria ter acontecido em
1975, com a encenação do espetáculo adulto Lula mete bronca, porém, a produção foi
censurada e sua encenação proibida. De acordo com matéria de jornal divulgada pela
Tribuna da Bahia, em 27 de janeiro de 1975, mesmo com o julgamento negativo,
Checcucci ainda acreditava em uma posterior liberação do espetáculo.

Mesmo com o parecer da censura federal sendo irrevogável a proibição de


Lula Mete Bronca, Deolindo – autor do texto e produtor da montagem –
pretende rever o texto, adaptando algumas passagens e submeter a reexame
na Censura Federal. Dessa forma ele acredita que poderá estrear Lula Mete
Bronca ainda no primeiro semestre (O TATO..., Salvador, 27 jan. 1975.
Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia).

Em entrevista, Checcucci dizia acreditar que o motivo da censura se devesse à


caracterização do personagem, Beto, que reagia de modo alienado diante de fatos
políticos, sociais e culturais. Conforme assegurou o diretor: “[...] [i]ndependente de
qualquer coisa, eu acho que a interpretação do texto de Lula pode ser feita de várias
maneiras, dependendo da moral e da sensibilidade, e por isso censurou. Eu sinceramente
acho que a interpretação devida seria outra” (O TATO..., 27 jan. 1975. Núcleo de
Acervo do Espaço Xisto Bahia).
54

Figura 7 – Matéria de jornal sobre as atividades do grupo TATO

Fonte: O Tato..., 27 jan. 1975. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia

Deolindo se destaca mais uma vez como diretor, agora de um grupo teatral,
preocupado em fazer suas ideias circularem, promovendo questionamento e reflexão
social. Sua postura, ao demonstrar insistência e desejo de reenviar o texto Lula mete
55

bronca para análise censória com algumas reformulações delineia a imagem de um


sujeito que não se conforma diante das situações de cerceamento encontradas naquelas
circunstâncias políticas no Brasil.
Enveredando nesse espaço de direção, destacamos outra incursão feita por
Checcucci, dessa vez na seara cinematográfica. Em 1972, o filme Akpalô, com
fotografia de Vito Diniz, direção e produção de José Frazão, e co-direção de Deolindo
Checcucci, foi finalizado e levado à público. Em entrevista concedida ao Jornal da
Bahia, em maio de 1971, Checcucci e Frazão caracterizaram Akpalô como um filme que
tinha a proposta de ser um documentário, através do qual seria possível mostrar as
idiossincrasias da cidade de Salvador e do seu povo.
De acordo com Checcucci, era “toda uma conotação assim de uma sociedade,
todos os pormenores, os detalhes, a maneira de ser [...] de um povo, de uma sociedade
contemporânea, atual” (JORNAL DA BAHIA, 30-31 maio, 1971. Núcleo de Acervo do
Espaço Xisto Bahia). Em explicação ao título do filme, afirmou Checcucci, “[é] um
termo africano, Akpalô, e é exatamente referente a isso, uma maneira de ser. A um
costume de uma tribo, de um povo em geral. Tribo é uma coisa mais pormenorizada”
(JORNAL DA BAHIA..., 30-31 maio, 1971. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia).
Matérias de jornal da época noticiavam que o contexto cinematográfico, àquela
época, vivia uma crise, pois estava permeado pela industrialização, que dificultava a
produção de criação fílmica. José Humberto, em sua coluna publicada no Jornal da
Bahia, afirmou que naquele momento do cinema baiano e nacional,

[m]uito se fala, pouco se diz, muito se filma, pouco se acrescenta de


importante no cinema brasileiro. A coqueluche do momento é a
industrialização, o aumento da produção, a conquista do mercado e neste
circuito fechado nós penetramos por uma porta mercantilista, grosseira,
lixo/colorido. As tentativas de cinema marginal redundaram em declínio de
produção. Havia liberdade de produção, mas inconsistência ideológica.
Salvam-se poucos e no mais o suicídio (HUMBERTO, 16-17 abr. 1972.
Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia).

Com um filme que se propunha a ser em parte um documentário, Frazão e


Checcucci buscaram apresentar a realidade da Bahia, através de uma narrativa sem
roteiro fixo.
56

Figura 8 – Matéria de jornal sobre o filme Akpalô

Fonte: HUMBERTO, Salvador, 16-17 abr. 1972. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia
57

Por conta dessa peculiaridade, de acordo com Humberto (1972), a fotografia de


Vito Diniz merecia muitos elogios e destaque, porém, no que tange aos demais
aspectos, ressalvas deveriam ser feitas, posto que, conforme Humberto (Cf. figura 4),
“[q]uiseram fazer um filme de cor, pessoas, som e mar, mas tudo isso junto merecia
maior ênfase [...] Akpalô é um filme indefinido” (HUMBERTO, 16-17 abr. 1972.
Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia).
Ainda assim, de acordo com o colunista, Akpalô poderia ser considerado como
um testemunho do nosso tempo. Em sua crítica ele pontuou: “Deolindo e Frazão
fizeram um filme bonito, com seu personagem místico, mostram uma cidade (no caso
Salvador) de maneira nova” (HUMBERTO, 16-17 abr., 1972. Núcleo de Acervo do
Espaço Xisto Bahia). Mais uma vez ressaltamos a valorização da cidade de Salvador e
dos elementos constitutivos da cultura baiana como uma marca constante das produções
de Checcucci.
O jornalista Guido Araújo, em matéria de jornal publicada no jornal Tribuna da
Bahia, também em abril de 1972 (Cf. figura 9), abordou as dificuldades econômicas
pelas quais os envolvidos na produção do filme passaram. Semelhante ao que ocorria
com os espetáculos teatrais, a cena fílmica sofria com falta de verba econômica e
investimento público.
58

Figura 9 – Matéria de jornal com divulgação do filme Akpalô

Fonte: ARAÚJO, 12 abr. 1972. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia


59

Araújo (1972) afirma não pretender, naquele momento, fazer uma análise crítica
do filme, mas sim destacar o seu lançamento comercial e o fato do cinema baiano ter
ganhado um novo filme. Diante dos problemas enfrentados, Checcucci e Frazão são
parabenizados pelo simples ato de conseguir finalizar e comercializar Akpalô.

Sabemos que a produção foi difícil e acidentada, não contando com nenhuma
ajuda oficial, esta só aparece para os forasteiros, principalmente os
estrangeiros [...]. Os obstáculos de ordem financeira e as limitações que todos
nós que pretendemos fazer cinema nos defrontamos aqui na Bahia, fizeram
com que entre o início das filmagens de Akpalô e sua primeira exibição,
transcorresse mais de um ano (ARAÚJO, Salvador, 12 abr. 1972. Núcleo de
Acervo do Espaço Xisto Bahia).

A partir daí, de acordo com a crítica, seria travada uma outra difícil batalha, a
fim de conseguir distribuir o filme. Tais transtornos se assemelhavam aos enfrentados
pelos grupos teatrais, que, por vezes, precisavam utilizar espaços alternativos para
encenar suas produções, apresentando-se em locais como clubes, escolas, praças de
bairros populares e igrejas. A situação crítica se devia ao parco incentivo do Estado, “os
impostos cobrados e a falta de investimentos públicos na atividade faz com que a vida
dos grupos oscile, num recomeçar constante” (LEÃO, 2006, p. 95).
A participação de Deolindo Checcucci em uma direção fílmica nos oferece mais
uma nuance desse artista múltiplo. Em um contexto politicamente instável, Checcucci
não se furtou a participar de produções que investissem na caracterização e apresentação
do povo e dos lugares da Bahia, mesmo que para tanto enfrentasse dificuldades e
entraves, muitas vezes de cunho econômico. Esses diferentes papéis desempenhados
assinalam Checcucci como um artista disposto a se colocar na cena da discussão social e
política, em contextos que extrapolam o circuito teatral, aproveitando toda a sua
potencialidade artística.
Outra função se destaca na sua atuação, a de dramaturgo. Conforme Mendes
(2014, p.197), “[f]oi [...] sua produção como dramaturgo a que mais se desenvolveu em
paralelo e em colaboração estreita com a atividade de diretor”.
Na dramaturgia de Checcucci há uma temática recorrente, a transgressão. Para
ele, o teatro deve ser associado à reflexão, ao debate. As encenações visando o mero
entretenimento impediriam o teatro de cumprir plenamente a sua função. Assim, mesmo
produzindo espetáculos atentos às possibilidades de divertimento, Checcucci procurava
marcar as suas produções com a reflexão e o questionamento. Desde a década de 1960
60

buscou estabelecer diálogo, através do teatro, com tendências, temas de interesse,


comentários sobre Salvador e seus problemas, cumprindo a função de provocar o
público teatral (LEÃO, 2009).
Nessa relação, ao falar da sua própria dramaturgia, Checcucci afirmou:
“[v]ivemos numa época conturbada de crimes, de assassinatos, de raptos e débuts. Há
uma transformação constante e a arte, ora, ela principalmente, passa por esse processo”
(JORNAL DA BAHIA, 9 abr. 1970. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia). Na
encenação de Julinho contra a bruxa do espaço, notamos tais características do fazer
teatral de Deolindo Checcucci (Cf. figura 10).

Figura 10 – Divulgação da encenação de Julinho contra a bruxa do espaço

Fonte: Jornal da Bahia, 6 jun. 1974. Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia.
61

O texto se aproxima do universo da história em quadrinhos. O enredo apresenta


um garoto que parte para outro planeta, à procura de um cientista e lá encontra uma
bruxa que quer destruir a terra, ele consegue resolver a situação derrotando a bruxa do
espaço. O espetáculo infantil se diferenciava dos demais, pois não seguia

[...] uma concepção de que os textos infantis devem ser apresentados com
uma roupagem nova que negue o próprio linguajar floreado, romântico e
metafórico que geralmente informa as peças infantis que se levam à cena no
teatro brasileiro (JORNAL DA BAHIA, 6 jun. 1974. Acervo da Biblioteca
Pública do Estado da Bahia).

Nesse espetáculo, Checcucci assumia os dois papéis, de diretor e de dramaturgo,


“Deolindo escreveu o texto e dirige ‘Julinho’, trabalhando com Rosa Maciel, Milton,
Luísa, Keka, Teresa, Vera, Sílvio Varjão, Cristina e Eduardo” (Julinho..., Salvador, 8
maio 1974) (Cf. figura 11).

Figura 11 – Divulgação do espetáculo Julinho contra a bruxa no espaço

Fonte: JULINHO..., 8 maio 1974. Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia

O espetáculo, segundo Checcucci: “desenvolve uma nova linguagem de som,


movimento e cores” (JULINHO..., 8 maio 1974. Acervo da Biblioteca Pública do
Estado da Bahia). Em outro espetáculo de sua autoria, A Roupa nova do Rei, encenado
em 1977, o dramaturgo assume também uma postura inovadora.
62

A Roupa nova do Rei é uma adaptação do clássico publicado em 1837 pelo


dinamarquês Hans Christian Andersen. No texto de 1837, um bandido, disfarçado de
alfaiate, engana um rei, afirmando que poderia fazer uma roupa muito bonita e cara,
mas que apenas as pessoas mais inteligentes e astutas poderiam vê-la.
Na adaptação de Deolindo Checcucci, as personagens Zé Bodó e Zé Bodin,
camelôs baianos que vendem seu mais interessante produto, a camisa de Bodó e Bodin.
Notamos que há na adaptação do dramaturgo baiano modificações que envolvem tempo,
espaço e personagens, com elementos relacionados à cidade de Salvador da década de
1970. Em entrevista concedida à ETTC, em 2006, Checcucci nos fala que

[...] [a] roupa nova do rei, uma peça pra [...] criança, que é um clássico da
literatura infanto-juvenil, e naturalmente, que eu contextualizei o espetáculo
dentro de uma realidade [que] era nossa, né? O rei era um militar, [...] o pai
vivia sob uma ditadura, e houve esse problema [...] tivemos cortes. Uma
outra peça que eu fiz também é a “Bela adormecida” que tinha no contexto
bem tropicalista na forma de encenação [...] (CHECCUCCI, 2006,
Informação verbal).

Desse modo, identificamos na dramaturgia de Checcucci um trabalho de


adaptação das histórias, atualizando-as para a realidade do momento e do lugar de
encenação dos textos. As práticas teatrais entre as décadas de 1950 e 1970 deixaram
como legado textos “nos quais [há] a preocupação social, onde o povo é o personagem
principal” (LINS, 1979, p.59). Cansados das encenações abstratas que se reportavam
aos problemas europeus, os autores priorizaram as necessidades locais, buscando,
através do realismo crítico, trazer à cena os problemas brasileiros. Segundo Pavis (2007,
p. 328),

O realismo crítico [...] não se limita à produção de aparências, nem a cópia do


real. [...] Não se trata de fazer com que a realidade e sua representação
coincidam, mas de fornecer uma imagem da fábula e da cena que permita ao
espectador ter acesso à compreensão dos mecanismos sociais dessa realidade,
graças à sua atividade simbólica e lúdica. Essa oposição se aproxima do
procedimento brechtiano, que não se limita a uma estética particular, mas
funda um método de análise crítica da realidade e da cena baseada na teoria
marxista do conhecimento.

Nos termos em que define Pavis (2007), os autores teatrais priorizavam o


tratamento das questões regionais e nacionais, principalmente no que tange ao período
da ditadura militar. Esse recurso foi usado por Deolindo Checcucci, principalmente nas
63

suas adaptações, abordando os problemas sociais baianos em lugar das questões


europeias.
Checcucci também participou de espetáculos teatrais na função de ator, ainda
que essa atuação tenha tido menor proeminência quando comparada com suas
atividades como diretor e dramaturgo. Um dos espetáculos nos quais o artista atuou foi
À procura do brinquedo perdido, escrito por Carlos Petrovich e dirigido por Carlos
Ribas. A história, encenada em 1976, se passava nos anos 2001, nela, Ivan é um garoto
que vive em outro planeta e, em determinado momento, vê todos os seus brinquedos
eletrônicos sumirem misteriosamente. Com o auxílio dos pais cientistas e de amigos, ele
consegue desvendar esse intricado mistério. Contando com uma nave espacial em cena,
À procura do brinquedo perdido se particularizava por propor uma nova linguagem,
que, de acordo com Petrovich, buscaria alcançar tanto as crianças quanto os
adolescentes e adultos.
O diretor Carlos Ribas, afirmou em entrevista ao jornal Tribuna da Bahia, em 29
de outubro de 1976 (Cf. figura 12), que quanto à recepção por parte das crianças
esperava que o espetáculo fosse “suficientemente comunicativo, não só para tocá-las no
nível da sensibilidade, mas ao nível mais profundo de um comportamento crítico à
maneira delas ou à maneira dos adultos que não deixaram morrer neles, elas” (À
PROCURA..., 29 out. 1976. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia). Notamos que
essa peça teatral, a exemplo dos outros empreendimentos artísticos dos quais participou
Checcucci, também era dotada de uma lógica inventiva e transformadora, portando um
discurso crítico.
64

Figura 12 – Matéria de jornal divulgando o espetáculo À Procura do brinquedo perdido

Fonte: À procura..., Salvador, 29 out. 1976. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia

Por fim, destacamos a função de colunista teatral, desempenhada durante as


décadas de 1970 e 1980. Como outros artistas, tais como Nilda Spencer, Cleise Mendes
e João Augusto, Checcucci publicou colunas teatrais em jornais, com destaque para o
jornal A Tarde. Nessas publicações era comum a divulgação de espetáculos que estavam
em cartaz na cidade, com alguma resenha crítica.
Além desse tipo de matérias, havia também aquelas de tom mais crítico, tratando
dos rumos do teatro baiano. Destacamos uma publicação com esse teor, na qual
Checcucci, em 27 de dezembro de 1979, publicou um “manifesto ao ator”, escrito por
Cleise Mendes, que versava sobre o fazer teatral e suas características. Em um dos
trechos, podemos ler:
65

Por que queremos ser um teatro-vida, não no sentido de imitação realista [...].
Qualquer proposta que leve um ator a dar seu corpo em chama diante de uma
multidão anestesiada. Porque o teatro – um velho artesão – não está no seio
da sociedade industrial. Está, antes, em suas unhas. Está como um incômodo
alfinete cravado na medula. Não está no seio da jovem megera,
multiplicativa, anti-passional e anti-humana. Não está no seio porque não é
seu filho. É um secular e teimoso bastardo (CHECCUCCI, 27 dez. 1979,
Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia).

Segue matéria de jornal com o manifesto apresentado de modo completo.

Figura 13 – Matéria sobre a atuação de Deolindo Checcucci como colunista teatral

Fonte: CHECCUCCI, Salvador, 27 dez., 1979. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
66

Em face das interpretações tecidas até aqui, através da leitura dos documentos do
Acervo Deolindo Checcucci – ADC, é possível concluirmos que esse artista
desempenhou múltiplas funções no cenário teatral, “[...] em atividades que fatalmente
convergiam para o seu ofício de encenador, como produtor, figurinista, cenógrafo”
(MENDES, 2014, p. 197). Corroboramos essa perspectiva diante das palavras do
próprio Checcucci, que nos diz:

[...] eu diria que eu sou um autor, um dramaturgo e um encenador, não tem


um nome ainda pra esses tipos de coisa mas, quando eu escrevo um texto, na
verdade, não estou escrevendo somente um texto, eu tô escrevendo uma
encenação, eu tô pensando na montagem do espetáculo e nos diversos signos
que eu possa usar para dizer aquilo que eu quero com aquele espetáculo
(CHECCUCCI, 2006, Informação verbal).

Tais papéis, assumidos por Checcucci, entrelaçam-se na sua prática textual.


Essa leitura crítica do acervo reforça a importância do nosso trabalho com os acervos
literários, visto que, “[...] o estatuto biográfico de textos produzidos por intelectuais
contemporâneos que exercem múltiplas atividades – ficcional, teórica, crítica, docente –
[...] constroem redes de escritas através das quais dramatizam questões pessoais e
culturais” (HOISEL, 2012, p. 161). Enfim, um acervo documental, como este, apresenta
possibilidades de conhecer e dar a ler um sujeito, em seus diferentes papéis.
A partir dos documentos do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil
(ADC-TI) uma gama de perspectivas se abrem para análises, tanto no âmbito biográfico
e pessoal, com a configuração do intelectual múltiplo Deolindo Checcucci, quanto no
viés sociológico, posto que uma época e um lugar possam ser lidos através da
documentação organizada, bem como discorrer sobre o teatro infantil baiano.
Nessa conjuntura, os textos teatrais, matérias de jornal, documentos censórios e
entrevistas assumem o papel de documentos/monumentos, que testemunham a história
de uma sociedade, na Bahia, durante a ditadura militar, contemporizados a partir da
memória. Cabe ao pesquisador, ao lidar com a organização e estudo desses documentos,
atualizar essa memória, por meio de gestos de deslocamento e (re)construção.
67

3 A DRAMATURGIA INFANTIL DE DEOLINDO CHECCUCCI: ARQUIVO


HIPERTEXTUAL E EDIÇÃO

Nesse trabalho, lidamos com uma diversidade de documentos que foram


marcados por modificações e intervenções textuais em seus processos de produção e
circulação, por isso, optamos pelo meio digital como suporte para a apresentação da
edição dos textos teatrais infantis, produzidos por Deolindo Checcucci, durante a
ditadura militar, através de um arquivo hipertextual. Discutiremos os aspectos teóricos e
metodológicos relativos à elaboração do arquivo hipertextual. Apresentaremos edições
fac-similares dos seis textos teatrais que compõem o ADC – TI e edição interpretativa,
em suporte papel e em meio digital do texto teatral A roupa nova do rei.

3.1 O USO DA TECNOLOGIA INFORMÁTICA NA PREPARAÇÃO DE EDIÇÕES

A contemporaneidade é marcada pelo acesso a um grande número de


informações, disponibilizadas de modo cada vez mais amplo e rápido. Nesse contexto,
as práticas de leitura e de escrita passam também por transformações, tendo em vista
estarmos progressivamente situados em um novo espaço de comunicação, no qual os
textos impressos convivem, lado a lado, com suportes como smartphones e tablets. Tais
aparelhos eletrônicos permitem uma interatividade que vem remodelando as práticas da
leitura e da escrita.
As mudanças trazem desafios para o trabalho editorial, mas é importante
ressaltar que essa renovação cultural e tecnológica não gera uma extinção do impresso,
haja vista que o surgimento desse último também não ocasionou a superação do
manuscrito, de acordo com Chartier (2009, p. 7-9):

[...] um livro manuscrito (sobretudo nos seus últimos séculos, XIV e XV) e
um livro pós-Gutenberg baseiam-se nas mesmas estruturas fundamentais do
códex. Tanto um como outro são objetos compostos de folhas dobradas um
certo número de vezes, o que determina o formato do livro e a sucessão dos
cadernos. Estes cadernos são montados, costurados uns aos outros e
protegidos por uma encadernação. A distribuição do texto na sua superfície
de páginas, os instrumentos que lhe permitem as identificações (paginação,
numeração), os índices e os sumários: tudo isto existe desde a época do
manuscrito. [...] Há, portanto, uma continuidade muito forte entre a cultura
do manuscrito e a cultura do impresso, embora durante muito tempo se tenha
acreditado numa ruptura total entre uma e outra.
68

Logo, observamos que, assim como ocorreu na relação entre manuscritos e


impressos, temos um cenário que indica uma convivência entre duas culturas, a do
impresso e a do digital, que guardam entre si uma diferença primordial. De acordo com
Chartier (2002), na cultura impressa, a nossa percepção associa uma classe de textos e
usos particulares com uma ordem dos discursos estabelecida a partir da materialidade
intrínseca aos suportes (carta, livro, etc.). Enquanto isso, na cultura digital, os textos,
independentemente de sua natureza, são oferecidos ao leitor através de um mesmo
suporte, a tela dos equipamentos eletrônicos.
Isso traz, para ambas as produções, diferentes acepções, posto que o texto
impresso seja, em grande parte, tomado como espaço fechado, com divisões de gêneros
ou repertórios textuais, enquanto o texto digital seja considerado um espaço de
produção mais móvel e aberto a modificações.
A convivência entre as duas culturas, impressa e digital, com intenso
crescimento desta última, demanda dos filólogos-editores a adoção de um olhar ainda
mais criterioso no que tange às características da transmissão textual, considerando os
processos de produção, circulação e recepção.
Conforme assevera Lucía Megías (2012), os textos, em suas múltiplas
possibilidades, somente serão aproveitados de forma produtiva se considerados de
acordo com os pressupostos do labor filológico. O trabalho editorial encontra no diálogo
com a Informática diversos recursos, entre eles, destacamos o hipertexto, proposto em
1981, por Theodor Nelson, e que pode ser definido como a escrita digital que, diferente
de outras, se locupleta na descentralização e na não-linearidade. O documento
convencional, em papel, constitui-se como uma sequência linear de palavras, divididas,
por questões práticas, linhas e páginas.

A estrutura lógica do documento também é linear: combinam-se as palavras


para formar frases, as frases, parágrafos, os parágrafos, capítulos, etc. Se o
documento apresentar uma estrutura lógica hierarquizada, como acontece
com muitos documentos científicos, esta hierarquia será reproduzida de
forma linear: resumo, introdução, primeiro parágrafo, segunda parte, e assim
por diante até conclusão (LE COADIC, 1996, p. 59).

Em contrapartida, a informação no documento hipertexto se encontra


armazenada numa rede, que por sua vez se conecta através de ligações, que tornam
possíveis a construção de “arquivos hipertextuais” ou “hipermídias”.
69

A hipermídia é um desenvolvimento do hipertexto, designando a narrativa


com alto grau de interconexão, a informação vinculada [...] Pense na
hipermídia como uma coletânea de mensagens elásticas que podem ser
esticadas ou encolhidas de acordo com as ações do leitor. As idéias podem
ser abertas ou analisadas com múltiplos niveis de detalhamento
(NEGROPONTE, 1995, p. 66).

O ambiente da hipermídia permite, assim, o estabelecimento de relações entre


vários documentos, armazenados em espaços diversos, por meio de links, “[...] ligações
[que] unem essas entradas entre si: do texto lido aos textos a ler, da ilustração ao trecho
de música [sendo] sempre possível modificá-los ao contrário do documento impresso”
(LE COADIC, 1996, p. 60).
Portanto, nesse espaço de diálogo com a Informática, a edição se constrói
pautada em uma escrita digital que prevê a conexão de documentos pertencentes a
diferentes lugares (acervos ou instituições), com o aproveitamento de toda a potência
discursiva e material que lhes constituem. O hipertexto, por meio de associações,
permite a reunião e organização, em um mesmo espaço, de documentos materialmente
dispersos. Essa organização pode ser apresentada através de um arquivo hipertextual.
A organização de um arquivo hipertextual, de acordo com Lucía Megías (2012,
p. 120, tradução nossa)20, é a que permite lidar com diferentes textos, dando “conta de
sua [...] complexidade (em sua gênese, sua transmissão, sua recepção), [...]”. Assim,
torna-se possível o oferecimento ao leitor de diferentes níveis de leitura e de análise
crítica, proporcionando autonomia ao público, que se torna independente quanto ao
itinerário de leitura a ser adotado, tendo à sua disposição textos diversos, matérias de
jornal, documentos censórios, entrevistas, entre outros materiais.

[...] [A] criação de acervos, documentais e literários, em um arquivo digital


evita a manipulação, e, portanto, o desgaste material do texto, além de torná-
lo acessível a qualquer leitor/navegador. É importante também, no que se
refere à organização arquivística, levar em conta, na prática editorial,
entrevistas com escritores/dramaturgos, matérias jornalísticas, textos que
tratem do autor e de sua produção artística, entre outros materiais que se
liguem aos textos editados (SANTOS, 2013).

Ao usar um novo suporte para a edição de textos, a Filologia alcança resultados


mais efetivos, pois tem vantagens no que se refere às limitações que o meio impresso
possui, principalmente no que tange aos limites de espaço da página impressa, que não

20
[…] dar cuenta de su complejidad (en su génesis, su transmisión, su recepción) […]” (LUCÍA
MEGÍAS, 2012, p. 120).
70

atende de modo produtivo à diversidade e à quantidade de documentos que compõem


algumas tradições textuais e a apresentação dos aparatos de notas e comentários das
edições.
Portanto, a interação entre arquivo e edição ganha ainda mais potência quando se
relaciona aos recursos oferecidos pelo hipertexto em meio eletrônico, mobilizando o
leitor. E cabe ao editor mediar esse processo, guiando o leitor “entre a dispersão dos
testemunhos e dos dados que proporcionam o seu exame” (MORRAS, 2003, p.227).
No que tange à produção de edições nesses moldes, destacamos primeiramente o
trabalho desenvolvido por Urbina et al. (2005), que propôs o desenvolvimento de uma
Edición variorum electrónica del Quijote (EVE-DQ). Neste trabalho, são apresentados
todos os textos de Dom Quixote, obra de Miguel Cervantes, em sua diferença e
multiplicidade. Foram preparadas as seguintes edições para os textos: edição fac-similar
digital de trinta e dois exemplares das nove edições concedidas pela Biblioteca
Nacional; edições diplomáticas eletrônicas dos textos bases; e a edição variorum
eletrônica del Quijote, feita a partir das edições fac-similares e diplomáticas. Essa
última foi elaborada

[...] a partir dos textos e cotejos das edições anteriores, com classificação e
anotação de variantes, incorporação de emendas, anotações textuais, relações
hipertextuais com as edições fac-similares e documentais, e interface
interativa para a composição de edições virtuais (URBINA et al, 2005, p.
226, tradução nossa)21.

Na Bahia, no contexto da ETTC, destacamos que o labor editorial se caracteriza


pelo trabalho com a produção dramatúrgica censurada durante a ditadura militar. Há
uma grande diversidade documental, mostrada, aqui, através de textos teatrais,
documentos censórios, matérias de jornal, entrevistas, entre outros documentos. Ao
lidar com tal variedade, o uso do meio digital tem sido um caminho capaz de
contemplar um trabalho que busca estabelecer diálogos entre os diferentes documentos,
sem hierarquias e eleições.
A ETTC tem proposto para os textos teatrais censurados a elaboração de edições
de diversos tipos, quais sejam: fac-similar, crítica, crítico-genética, genética, histórico-

21
[…] elaborada a partir de los textos y cotejos de las anteriores ediciones, con clasificación y anotación
de variantes, incorporación de enmiendas, anotaciones textuales, enlaces hipertextuales a las ediciones
facsímiles y documentales, e interfaz interactivo para la composición de ediciones virtuales (URBINA et
al, 2005, p. 226).
71

crítica, sinóptico-crítica e eletrônica/digital. Junto às edições, têm sido desenvolvidos


estudos crítico-filológicos relacionando a Filologia com as práticas arquivísticas e
informáticas22. De acordo com Santos (2018, p. 103-104),

[o] trabalho com os materiais desses acervos oferece elementos para discutir
os fundamentos teóricos e metodológicos que orientam a práxis filológica,
fazendo interagir a crítica textual, a crítica genética e a crítica sociológica, a
arquivística com a informática, a partir do legado documental.

Em 2006, inicialmente, a ETTC concentrou esforços no exercício de reprodução


digital dos documentos, depositados em diferentes instituições, com o objetivo de
criar/alimentar um banco de dados. A princípio, essa organização constava de três
partes, a saber: texto teatral adulto, texto teatral infantil e matérias de jornal. Através de
tal processo de digitalização cumprimos a primeira etapa para tornar possível o acesso a
documentos advindos da cultura impressa (modo analógico de produção) para o meio
eletrônico.
Lucía Megías (2012, p. 117) observa a importância de tal etapa ao afirmar que
“a digitalização de fundos […] é um passo necessário para poder contar em um novo
meio digital com o nosso passado, com o conhecimento que nos permita seguir
aprofundando e aprendendo.” Porém, a digitalização, arquivamento e disponibilização
dos textos analógicos não é suficiente, conforme assevera Lucía Megías (2012, p. 117),
“é necessário que esses dados digitalizados sejam universalizados, estejam relacionados,
permita-se ao novo meio se organizar de forma a tentar imitar os compartimentos do nosso
cérebro [...].
Nessa direção, os pesquisadores da ETTC têm construído edições e arquivos
eletrônicos, objetivando “[...] relacionar texto, imagem, informações enciclopédicas,
descrição, transcrição e edição dos textos, [...], jornais, estudos acadêmicos, entre outros
materiais [...]” (SANTOS, 2018, p. 104).
Destacamos Isabela Almeida, que, em 2011, defendeu a sua dissertação de
mestrado, intitulada Três fios bordados de Jurema Penna: leituras filológicas de uma
dramaturgia baiana, com o objetivo principal de apresentar Jurema Penna em sua
faceta de dramaturga. Para tanto, foram estudados e editados os textos Bahia livre

22
Traremos a seguir os trabalhos desenvolvidos (dissertações e teses) a partir do artigo Arquivo e edição
digital no campo da Filologia publicado por Borges (2014) nos Cadernos do Congresso Nacional de
Linguística e Filologia.
72

exportação, Negro amor de rendas brancas e Auto da barca do rio das lágrimas de
Irati. Após serem submetidos ao método filológico, foram produzidas edições críticas
para Bahia livre exportação e Negro amor de rendas brancas, e para Auto da barca do
rio das lágrimas de Irati foi elaborada uma edição interpretativa, apresentada em meio
digital. Através do trabalho de Almeida (2011) teve início, de modo mais sistemático, o
trabalho da ETTC relacionando as práticas editoriais aos meios informáticos.
Débora de Souza, em 2012, apresentou em sua dissertação, intitulada: Aprender
a nada-r e Anatomia das feras, de Nivalda Costa: processo de construção dos textos e
edição, a edição crítica em meio digital dos referidos textos teatrais de Nivalda Costa.
Nesta edição, foi possível ao leitor/navegador ter o acesso aos fac-símiles dos textos, a
documentos do processo censório e a fotos. A pesquisadora elaborou ainda a edição dos
textos selecionados em suporte papel, apresentando o estudo e considerações acerca do
processo de construção do texto teatral.
Williane Silva Corôa apresentou em 2012 a dissertação Edição do texto e estudo
da linguagem proibida em Malandragem made in Bahia, de Antônio Cerqueira. Nesse
trabalho, Côroa elaborou a edição interpretativa em suporte papel e digital de
Malandragem Made in Bahia, de Antônio Cerqueira. O trabalho consta de: a) a
apresentação, contendo orientações para a navegação; b) a edição fac-similar, contendo
os fac-símiles de Malandragem Made in Bahia; c) a edição interpretativa em meio
digital, na qual se apresentam o texto crítico e o aparato de variantes e notas; d) o
arquivo do autor, com os recortes de jornais reunidos por Antônio Cerqueira e
depositados no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia; e) os documentos da
Coordenação Regional do Arquivo Nacional do Distrito Federal, fundo Divisão de
Censura de Diversões Públicas (DCDP): requerimento de censura, pareceres e
certificado de censura. Fazendo uso dos hiperlinks, possibilita o acesso aos documentos
da tradição textual.
Mabel Meira Mota defendeu, em 2012, a dissertação intitulada: Da trama do
arquivo à trama detetivesca de Irani ou as interrogações, de Ariovaldo Matos: leitura
filológica do arquivo e edição do texto. Mota preparou duas edições para o texto Irani
ou As Interrogações, uma interpretativa, que também foi apresentada em suporte papel,
e outra fac-similar. Constam no trabalho as seguintes seções: a) a apresentação,
contendo orientações para a navegação; b) o dossiê de Irani ou As Interrogações,
contendo os recortes de jornais e os documentos da Censura: requerimento de censura,
73

pareceres e certificado de censura; c) as edições: uma edição interpretativa do texto de


Ariovaldo Matos, abrangendo: texto crítico e aparato de variantes e notas; e lista de
materiais audiovisuais.
A dissertação O Desabrochar de uma flor em tempos de repressão: edição e
crítica filológica de Apareceu a margarida de Roberto Athayde, defendida por Fabiana
Prudente Correia, em 2013, apresentou duas edições: a fac-similar e a sinóptica, em
arquivo digital, utilizando o Prezi, para uma construção e apresentação em suporte
digital e também o suporte papel.
Destacamos também o trabalho de Ludmila Antunes de Jesus (2014), em sua
tese, Teatro de cordel de João Augusto entre arquivo(s), edição e estudos. Jesus (2014)
fez a edição e o estudo de textos do dramaturgo João Augusto, adaptados da literatura
de cordel, em relação com a documentação censória. Os textos editados foram: O
exemplo edificante de Maria Nocaute ou Os valores do homem primitivo, Felismina
engole-brasa, As bagaceiras do amor e O marido que passou o cadeado na boca da
mulher. A edição teve o objetivo de mostrar a história da dramaturgia de João Augusto,
enfocando o processo de adaptação do folheto para o texto teatral, além de dar atenção
também a outros documentos que fizeram parte da circulação dos textos selecionados,
como pareceres, matérias de jornal, fotografias, entre outros, reunidos e apresentados
em um Arquivo Hipertextual.
Nas tramas de Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá: crítica filológica e
estudo de sexualidades é o título da tese de Arivaldo Sacramento de Souza, finalizada
em 2014. O trabalho primou pela investigação da tradição textual e da recepção do texto
de Fernando Mello, Greta Garbo quem diria acabou no Irajá. Tendo em vista
apresentar uma leitura plural da tradição textual editada, houve a apresentação de uma
edição sinóptico-crítica, em suporte papel e eletrônico.
Hugo Leonardo Pires Correia defendeu, em 2014, a dissertação Bemvindo
Sequeira e a cena política nas tramas de me segura que eu vou dar um voto: edição e
crítica Filológica do Texto Teatral. Foi apresentada, em um Arquivo Hipertextual, dois
tipos de edição para o texto selecionado, uma interpretativa e uma fac-similar, junto a
toda documentação relacionada ao texto, oferecendo ao leitor a possibilidade autônoma
de interpretação textual.
Também em 2014, destacamos a tese de Isabela Santos de Almeida, intitulada A
crítica filológica nas tessituras digitais: Arquivo hipertextual e edição de textos teatrais
74

de Jurema Penna. Almeida (2014) elaborou três tipos de edição: fac-similar, sinóptica e
crítica, que foram apresentadas em um Arquivo Hipertextual. Os textos editados foram:
Iemanjá – Rainha de Aiocá, O Bonequeiro Vitalino ou Nada é impossível aos olhos de
Deus e das crianças, Bahia Livre Exportação e Negro amor de rendas brancas. O
objetivo do trabalho foi discutir o exercício da prática editorial e da crítica filológica no
ambiente virtual.
Mota, em 2017, defendeu a tese intitulada Filologia e arquivística em tempos
digitais: o arquivo hipertextual e as edições de A escolha ou o desembestado de
Ariovaldo Matos. Nesse trabalho, foi lançado um olhar sobre os acervos pessoais de
autores modernos e a interferência de diferentes sujeitos nos mesmos. Conjugando
Crítica Textual, Arquivística e Informática, Mota (2017) desenvolveu um Arquivo
Hipertextual (URBINA et. al. 2005), de orientação pragmática, disponibilizado através
da Internet no domínio www.ariovaldomatos.com. A edição elaborada apresenta um
módulo “leitura” e um módulo “mediação”, neles se organizam três diferentes modelos
editoriais – edição sinóptica, interpretativa e fac-similar.
Correia, em 2018, defendeu a tese Filologia e Humanidades digitais no estudo
da dramaturgia censurada de Roberto Athayde: Acervo e edição de Os desinibidos.
Baseando-se nas pesquisas documental e bibliográfica, Correia (2018) trabalhou com
sete produções teatrais de Roberto Athayde e organizou um dossiê referente a um dos
textos, Os Desinibidos. No contexto da Filologia, relacionada às Humanidades Digitais,
foi colocado em prática a análise da história cultural das práticas de escrita e
transmissão do texto teatral censurado. A partir daí, construiu-se uma hiperedição,
disponibilizada na Internet, através do domínio www.acervorobertoathayde.com.
intitulada Roberto Athayde: dramaturgia censurada. A hiperedição integra edições e
acervo digital, em que se inclui o dossiê Os Desinibidos. Para o referido texto são
apresentadas duas modalidades editoriais: uma edição fac-similar e uma edição
sinóptico-crítica hipermídia.
A seguir, apresentamos, no quadro 4, alguns dos trabalhos desenvolvidos pelos
integrantes da ETTC, com o suporte do meio digital.
75

Quadro 4 – Modelos editorais elaborados pela ETTC a partir das ferramentas informáticas
EDITOR/ANO DRAMATURGO TEXTOS(S) EDITADOS PROGRAMA(S) TIPO DE MODELOS
UTILIZADO(S) PUBLICAÇÃO EDITORIAIS
ALMEIDA (2011) Jurema Penna Auto da Barca do rio das lágrimas de Web Pager Maker Offline Fac-similar; Interpretativa
Irati
SOUZA (2012) Nivalda Costa Aprender a nada-r; Anatomia das feras Microsoft Word: Offline Fac-similar; Interpretativa
Adobe Reader
COROA (2012) Antônio Cerqueira Malandragem made in Bahia NVU, Microsoft Word Offline Fac-similar; Interpretativa
MOTA (2012) Ariovaldo Matos Irani ou as interrogações Antena Beta; Adobe Offline Fac-similar; Interpretativa
Dreamweaver CS5
CORREIA (2013) Roberto Athayde Apareceu a Margarida Prezi Online Fac-similar; Sinóptica
CORREIA (2014) Bemvindo Sequeira Me segura que eu vou dar um voto Microsoft FrontPage Offline Fac-similar; Interpretativa
SOUZA (2014) Fernando Mello Greta Garbo, que diria, acabou no Irajá NVU (Versão 1.0 PR) Offline Fac-similar; Sinóptico-
crítica
ANTUNES (2014) João Augusto O exemplo edificante de Maria Nocaute Microsoft FrontPage Offline Fac-similar; Interpretativa
ou Os valores do homem primitivo;
Felismina Engole-Brasa; As bagaceiras
do amor, O marido que passou o
cadeado na boca da mulher
ALMEIDA (2014) Jurema Penna Iemanjá – rainha de Aiocá, O bonequeiro Adobe Fireworks CS5; Online Fac-similar; Sinóptica;
Vitalino ou Nada é impossível aos olhos Adobe Dreamweaver CS5; Crítica
de Deus e das crianças; Bahia Livre Juxxta Commons.
Exportação; Negro amor de rendas
brancas
MOTA (2017) Ariovaldo Matos Filologia e Arquivística em tempos Abbyy FineReader Online Fac-similar
digitais: o Arquivo Hipertextual e as Juxta Commons Interpretativa
edições de A escolha ou o desembestado front-end
de Ariovaldo Matos
CORREIA (2018) Roberto Athayde Filologia e Humanidades digitais no Abbyy FineReader Online Fac-similar
estudo da dramaturgia censurada de Juxta Commons Sinóptico-crítica
Roberto Athayde: Acervo e edição de Os front-end
desinibidos
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Mota (2017).
76

Dentre os trabalhos desenvolvidos pela ETTC, destacamos três para análise mais
específica, um deles diz respeito à tese defendida por Isabela Almeida, em 2014. A
pesquisadora apresentou o trabalho em dois volumes, o primeiro trouxe as análises
críticas e edições em suporte papel, enquanto o segundo volume, em suporte digital,
dispôs de um Arquivo Hipertextual. Na terceira seção da tese, intitulada O arquivo
hipertextual da obra de Jurema Penna, foi apresentado o arquivo organizado pela
pesquisadora. Foram elaborados três tipos de edição: fac-similar, sinóptica e crítica,
apresentadas em um Arquivo Hipertextual.
De acordo com Almeida (2014), determinados aspectos, como a diversidade de
documentos, modificações textuais e intervenções de sujeitos no processo de escrita,
justificam a opção pelo uso do meio digital como suporte para o desenvolvimento e a
apresentação da edição dos textos teatrais de Jurema Penna.
O Arquivo Hipertextual proposto por Almeida (2014) foi desenvolvido com os
softwares Adobe Fireworks para a elaboração da interface gráfica e Adobe
Dreamweaver CS5, para construção da arquitetura digital e os hiperlinks, fazendo uso
também da linguagem HTML. O arquivo foi proposto sob a seguinte composição:

Quadro 5 – Seções do Arquivo Hipertextual da obra de Jurema Penna


Edição fac-similar Reprodução digital dos documentos, acompanhados de sua
descrição física.
Edição sinóptica Confronto entre duas versões do texto, utilizando-se o software
Justa Commons.
Edição crítica Apresentação do texto crítico acompanhado do aparato de notas
de natureza diversa.
Organização e apresentação da documentação que indica a
Documentos da recepção recepção dos textos, relacionando-a com as demais partes do
Arquivo Hipertextual.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Consistiu na apresentação dos fac-símiles dos textos, seguidos das suas


descrições diplomáticas. Essa escolha foi importante pois, a partir dela, encontrou-se um
modo de tornar a descrição dos documentos mais funcional e, consequentemente,
integrada à prática editorial. Isso auxiliou também no posterior exercício da crítica
filológica, feito pela pesquisadora. De acordo com Almeida (2014, p. 118), tal
procedimento de descrição se mostrou

[...] produtivo por evidenciar certas marcas materiais [...] fundamentais para
entender a produção, recepção e circulação desses textos, abrangendo desde
erros de datilografia, que dão a entender a produção, até a representação do
77

modelo de língua escrita que os sujeitos da cena teatral possuíam no período,


perpassando pelos diferentes usos e sentidos que o script, como suporte
físico, recebia nesse momento.

Almeida (2014) destacou também a importância da descrição dos documentos,


tendo em vista o fato de os fac-símiles serem considerados, por muitas vezes, uma
representação fidedigna do texto, desconsiderando a mediação editorial, o que é um
equívoco.
Com isso, dois movimentos são assegurados, em primeiro lugar, o editor sana a
dificuldade que leitores não especializados poderiam encontrar ao lidar com tais
edições. Em segundo, permite-se ao leitor especialista estabelecer o confronto entre a
lição do manuscrito com a transcrição feita pelo editor, vendo, com isso, aspectos não
observados no processo editorial.

Figura 14 – Arquivo Hipertextual: fac-símile e descrição (visão geral)

Fonte: ALMEIDA, 2014, p. 135.

A edição sinóptica se caracteriza, metodologicamente, por trazer, lado a lado, a


comparação de dois ou mais testemunhos. A partir dessa disposição textual é possível
observarem-se as modificações realizadas na trama textual.
Para o desenvolvimento da edição sinóptica, Almeida utilizou o software Justa
Commons, pois este programa permite a colação de diferentes testemunhos. De acordo
com Almeida (2014), o Justa se destaca por possuir uma interface acessível, que oferece
78

ao usuário a possibilidade de navegar pelo espaço virtual de forma intuitiva. Além


disso, há também a possibilidade de visualizar as mudanças nos testemunhos, fazendo
uma alternância entre texto de base e texto escolhido. São dois os modos de
visualização, o Heat Map e o side-by-side view. Na figura 11, apresentada a seguir,
ilustra-se o modo de visualização Heat Map.

Figura 15 – Visualização da colação Heat Map

Fonte: ALMEIDA, 2014, p. 123.

Na figura 15, o Justa apresenta as diferenças entre os testemunhos tomando um


deles como base. Porém, essa escolha não é fixa e pode ser modificada quando o leitor
clica em outro testemunho do witness list. As diferenças entre os testemunhos estão
destacadas em azul. No momento em que se clica sobre os destaques uma janela pop-up
surge apresentando a modificação (ALMEIDA, 2014).
Já no modo side-by-side view, os dois testemunhos podem ser visualizados, um
de cada vez, lado a lado. As diferenças são sinalizadas na cor azul e através da barra de
rolagem se torna possível movimentar os dois testemunhos de forma simultânea, basta o
cadeado estar habilitado (Cf. figura 16, letra b).
79

Figura 16 – Visualização da colação no modo side-by-side-view.

Fonte: ALMEIDA, 2014, p. 124.

No ângulo superior direito dos testemunhos há o botão “Change”, que altera


qual deles será visualizado em cada um dos quadros. A diferença entre os
testemunhos, também, é evidenciada por meio das flechas azuis na coluna
central. Ao se passar o mouse sobre um determinado trecho, o azul fica meio
opaco, indicando a relação entre as versões. Clicando-se sobre um dos
testemunhos, automaticamente, ambos se alinham, permitindo a visualização
da modificação textual (ALMEIDA, 2014, p. 124).

Através desse modo de apresentação a leitura dos testemunhos pode ser feita em
contraste. Os destaques, em diferentes cores, orientam os leitores, oportunizando uma
maior facilidade na observação das diferenças textuais. Além disso, o trânsito ao longo
do texto se torna mais autônomo pois o leitor pode identificar as mudanças ocorridas
nos testemunhos de forma individual.
Refere-se à edição crítica, que possibilita o pleno exercício da crítica filológica,
pois contempla todas as etapas do método filológico. A edição crítica proposta nesse
Arquivo Hipertextual vai de encontro a algumas definições que consideram esse modelo
editorial como um lugar de estabilidade, pois lida com um objeto de estudo peculiar, o
texto teatral censurado, que se caracteriza pela mutabilidade e transformação. Conforme
Almeida (2014, p. 129), a edição crítica, nesse caso, deve ser “capaz de representar esta
80

diversidade de maneira legível, o que constitui um dos grandes desafios da apresentação


dessa edição”.
A edição crítica foi apresentada mediante uma subdivisão, em três partes. Cada
página da edição crítica contou com três modos de visualização, o acesso a tais modos
ocorre através de um menu horizontal, localizado acima do texto. As três partes são:
texto crítico, revisões ao texto e construção do texto (Cf. figura 17).

Figura 17 – Estrutura da edição crítica do Arquivo Hipertextual da obra de Jurema Penna

Fonte: ALMEIDA, 2014, p. 130.

Em Revisões ao texto foram apresentadas as alterações relacionadas a erros de


datilografia, desvios de ortografia, mudanças na pontuação e intervenções do editor com
o objetivo de adequar o texto a normas linguísticas, entre outras modificações. A
apresentação dessas mudanças textuais “[...] dão a ler a relação que Jurema Penna
mantinha com a língua, suas representações sobre a norma culta, sobre os usos da língua
em um script de teatro, além das modalidades de língua de personagens populares nas
suas peças” (ALMEIDA, 2014, p. 130).
Na aba Construções do texto são enfocados outros tipos de modificações.
Registram-se intervenções relacionadas à substituição de palavras, deslocamentos,
supressões e acréscimos de fragmentos textuais, os cortes realizados pela Censura
Federal, e também os documentos da recepção e a intervenção de outros sujeitos que
colaboram com a elaboração do espetáculo. Essa parte do arquivo é muito importante
pois permite estabelecer conjecturas sobre as alterações feitas durante o processo de
encenação, além de possibilitar a construção de leituras referentes à relação entre
dramaturgo e texto elaborado (ALMEIDA, 2014).
81

Em Texto crítico, apresenta-se o texto editado, sem aparatos. De acordo com


Almeida (2014), essa disponibilização oferece uma referência para o leitor,
possibilitando a leitura mais fluida do texto, além de, caso haja interesse, oportunizar
seu posterior estudo e encenação.
Por fim, em Documentos da recepção, foi apresentado o dossiê. Nessa etapa, é
trazida a documentação relativa à recepção dos textos: documentos de censura,
fotografia, panfletos, cordéis, etc. Com o objetivo de facilitar o acesso aos textos,
constituindo-os como objetos de leitura e fontes de pesquisa, foi criado um diretório
dentro do Arquivo Hipertextual, que colocava os documentos em rede, de acordo com a
peça à qual fazem referência e por ordem alfabética.
Na figura 18 temos a representação do Arquivo Hipertextual, à esquerda, vemos
a sua página inicial, no menu, na parte de cima, temos a possibilidade de escolher clicar
em cada um dos textos teatrais editados. Na sequência, temos a representação da página
inicial da edição de Bahia livre exportação, na qual há a disponibilização de dois
menus, no principal, localizado na parte superior, temos as partes nas quais se
subdividem o Arquivo Hipertextual, a saber: fac-símile e descrição, Confronto
sinóptico, Edição crítica e Documentos de recepção.

Figura 18 – Página inicial do Arquivo Hipertextual e página inicial da edição

Fonte: ALMEIDA, 2014, p. 133.


82

Os recursos informáticos foram usados por Almeida (2014) de modo funcional


para a criação do arquivo hipertextual da obra de Jurema Penna. Ao longo da descrição
do trabalho ficou evidente a relação entre a utilização das ferramentas digitais e a
perspectiva crítica do filólogo-editor. Tornou-se clara também a preocupação em
conceder ao leitor, especializado ou não, uma posição mais autônoma no que tange aos
itinerários de leitura e de interpretação textual. Dessa forma, foi assegurada a
disponibilização acessível dos textos e documentos, considerados em sua diversidade.
Avançando, destacamos outro trabalho da ETTC que se pautou na produção de
um arquivo hipertextual, trata-se da tese defendida em 2017, por Mabel Meira Mota.
Diferente do arquivo proposto por Almeida (2014), com quatro textos teatrais e
documentos a eles relacionados, Mota (2017) construiu seu trabalho tendo como base
somente um texto teatral, A escolha ou o desembestado, que possui uma tradição
complexa, pois sua gênese textual não é linear. “ED.AM.AJ.80, texto encenado em
1980, toma como base o texto registrado por Ariovaldo Matos na SBAT, e não o texto
impresso publicado em Teatro I (1970), como o fizeram ED.AM.OS.70 e
ED.AM.JA.77” (MOTA, 2017, p. 125).
Diante dessa situação textual, Mota (2017) justifica que se vale da noção
deleuziana de rizoma, posto que esta tome como ponto de partida a dispersão e a
multiplicidade para se organizar, desestabilizando, assim, a construção de possíveis
hierarquias. Esse diálogo entre a teoria deleuziana e a crítica textual, em sua vertente
pragmática, permite que, no momento do estabelecimento de um texto, seja possível
tomá-lo como “centro provisório, um testemunho posto em evidência [...] estabelecido
por estratégia de leitura e crítica” (BORGES; SOUZA, 2012, p.24). De acordo com
Mota (2017, p. 125-126),

[...] buscamos dar visibilidade às modificações textuais decorrentes da ação


dos sujeitos envolvidos no processo de produção, transmissão e circulação do
texto teatral de Ariovaldo Matos, quais sejam: dramaturgo, encenador e
censor. Optou-se, deste modo, pelo desenvolvimento de um Arquivo
Hipertextual, que contemple a dinamicidade e instabilidade da criação teatral,
ao mesmo tempo em que torna possível o diálogo com o arquivo pessoal do
dramaturgo, possibilitando o registro e o compartilhamento de múltiplas
narrativas, imagens e sons.

Assim, foi estabelecida para o texto teatral uma edição capaz de contemplar
todas as suas versões, possibilitando vê-las individualmente ou em confronto sinóptico,
através de um Arquivo Hipertextual. Em razão do volume do dossiê arquivístico
83

construído para o texto teatral em questão, foi proposta uma base de dados integrada e
relacional, composta por fac-símiles e por textos digitais. Tal base poderá ser acessada
através do Sistema Informatizado de Gerenciamento de Documentos (SIGD-ED,
construído especificamente para apresentação do dossiê de A Escolha ou O
Desembestado (MOTA, 2017).
Na edição de A escolha ou O Desembestado, foi utilizado um design que pôs em
evidência os documentos do acervo. Desse modo, desde a página inicial da edição,
foram usadas animações relacionando trechos de entrevistas do dramaturgo Ariovaldo
Matos, assim como também imagens dos documentos que compõem o dossiê (Cf. figura
19).

Figura 19 – Capa do Arquivo Hipertextual de A Escolha ou O Desembestado

Fonte: MOTA, 2017, p. 129

Quanto ao design, a arquitetura digital acabou encontrando um desafio, a


questão dos direitos autorais. Como não havia autorização dos herdeiros, não foi
possível dar acesso a todos os documentos do dramaturgo. Por essa razão, a edição tem,
até o momento, acesso restrito para fins da pesquisa científica desenvolvida no âmbito
do Programa de Pós-graduação em Literatura e Cultura. Para tanto, foram registrados
cinco usuários, além do editor. Portanto, inicialmente, o trabalho tem uma circulação
restrita a apenas seis pessoas, previamente autorizadas. O Arquivo Hipertextual de A
Escolha ou O Desembestado encontra-se estruturado da seguinte forma:
84

Figura 20 – Estrutura do Arquivo Hipertextual

Fonte: MOTA, 2017, p. 131

Na tela inicial há a disponibilização de quatro menus. O primeiro, denominado


Escritor, caracteriza Ariovaldo Matos, fazendo referência à apresentação dos seus
campos de atuação, nas funções de: jornalista, escritor, dramaturgo, militante e
empresário. Essa apresentação é realizada através de um texto no qual se encontram
também links que levam o leitor para diversas partes do Arquivo Hipertextual, como o
interior da edição, o menu Acervo ou páginas externas de outros acervos. Esse recurso
orienta a leitura do artista Ariovaldo Matos de uma forma também rizomática, o que se
relaciona à ideia central de Mota (2017) ao produzir o seu Arquivo Hipertextual.
O menu Acervo apresenta o dossiê de A Escolha ou O Desembestado, “cujos
itens documentais foram digitalizados, indexados e armazenados no Sistema
Informatizado de Gerenciamento de Documentos (SIGD-ED)” (MOTA, 2017, p. 131-
132), que tem como objetivo disseminar a informação, através da busca simples e
avançada dos textos, sincronizada com os seus fac-símiles digitalizados (URBINA et.
a., 2005) dos documentos. Esse trânsito ocorre por meio da divisão interna do dossiê em
seguintes partes: Processo de criação, Documentação censória, Divulgação,
Repercussão e Correspondências.
O terceiro menu é o da Edição, que abrange os diferentes modelos editoriais
elaborados para A Escolha ou O Desembestado. Essa parte do Arquivo Hipertextual é
dividido em dois módulos: leitura e mediação (Cf. figura 21).
85

Figura 21 – Módulos do menu Edição

Fonte: MOTA, 2017, p. 132

Para a construção do módulo leitura, Mota (2017) se valeu do programa VERI


(URBINA, 2005), módulo de leitura e edição virtual proposto para a edição dos
testemunhos do Dom Quixote, utilizado por Urbina. “Trata-se de uma interface
interativa que nos permite, no caso dos textos teatrais, o acesso individual à base de
dados constituída a partir de Ariovaldo Matos.” (MOTA, 2017, p. 132).
De acordo com Urbina (2005), O VERI fornece várias opções de acesso, entre
elas podemos citar: o enlace entre textos e documentos, comentários e referências; o
acesso aos resultados dos cotejos dos textos de base com os outros testemunhos e a
capacidade de compor edições virtuais personalizadas, utilizando os materiais gerando
por um ou mais editores, tanto em uma edição fac-similar quanto em uma edição crítica.
Das opções de acesso fornecidas pelo VERI, o Arquivo Hipertextual de A
Escolha ou O Desembestado privilegia a navegação por imagens digitalizadas e textos
eletrônicos, segundo o testemunho e página selecionada; e a visualização individual ou
sincronizada, com apresentação do texto crítico e fac-símile, lado a lado. Desse modo,
são oferecidos ao leitor, comum ou especializado, diferentes modos de visualização
documental.
Por fim, o módulo mediação apresenta as diferentes edições para o texto teatral
A Escolha ou O Desembestado (Cf. quadro 6).
86

Quadro 6 – Edições do texto teatral A Escolha ou O Desembestado


Reprodução digital de todos os testemunhos de A Escolha ou O
Edição fac-similar Desembestado, acompanhados de sua descrição física.
Elaborada para todos os testemunhos de A Escolha ou O
Desembestado. É permitido o acesso aos textos críticos
estáticos de todos os testemunhos, com exceção de ED.AM.68
Edição Interpretativa e ED.AM.70, a partir das quais serão apresentadas notas de
cunho biográfico, linguístico, textual, histórico-cultural e
artístico
Contempla o confronto entre os textos críticos da versão da
peça registrada por Ariovaldo Matos na SBAT (ED.AM.68) e a
Edição Sinóptica versão impressa (ED.AM.70), uma vez que o principal objetivo
é demonstrar o processo de adaptação elaborado por Ariovaldo
Matos, quando da publicação do texto teatral.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora

O confronto entre as versões dos textos foi feito utilizando o software livre, o
Juxta Commons, que torna possível a colação de testemunhos, desenvolvido pela
Performant Sofware Solutions. Almeida (2014) usou esse mesmo programa, como
vimos anteriormente, na elaboração do Arquivo Hipertextual da obra de Jurema Penna,
estabelecendo-o como a interface da sua edição sinóptica. Porém, Mota (2017) fez uso
do programa apenas no que tange à ferramenta Edition Starter e o módulo de
visualização side-by-side-view (Cf. Figura 22), tendo o objetivo de colacionar as versões
e observar as diferenças entre elas marcadas em azul. “As diferenças observadas serão
exportadas e registradas nas referidas versões em DOC e disponibilizadas
posteriormente em PDF, no espaço destinado à edição sinóptica no Arquivo
Hipertextual” (MOTA, 2017, p. 137).
87

Figura 22 – Visualização da colação entre ED.AM.68 e ED.AM.70 no modo side-by-sideview,


do Juxta Commons

Fonte: MOTA, 2017, p. 137.

Apesar de reconhecer que o Juxta envolve o leitor na dinamicidade dos


movimentos de leitura, Mota (2017) optou por não incorporá-lo à interface da sua
edição – com exceção de um link que conectará a edição sinóptica ao programa, caso
seja do interesse do leitor observar o cotejo no módulo de visualização side-by-side-
view. De acordo com a filóloga-editora, a opção por não utilizar o Juxta incorporado ao
Arquivo Hipertextual de A Escolha ou O Desembestado advém, principalmente, da
menor agilidade que tal recurso oferece à edição. Tendo em vista o alcance do trabalho,
perspectivou-se que uma edição lenta poderia trazer desinteresse ao público leitor.
Por fim, Correia, tendo em vista “estabelecer um padrão para os diferentes
acervos de textos teatrais censurados preparados pela ETTC” (PRUDENTE, 2018, p.
158), tomou o modelo de Mota (2017) como base dos princípios e recursos do seu
trabalho. Por conta disso, o dossiê e a edição hipermídia de Os Desinibidos integram a
hiperedição Roberto Athayde: dramaturgia censurada. Ambos são apresentados em
meio digital, formato .html, sendo permitido o seu acesso por diferentes navegadores
(Google Chrome, Internet Explorer, Mozilla Firefox, Opera Mobile e Safari).
88

O site é composto por uma tela inicial, na qual se insere uma barra de menus
com os itens listados a seguir:

i. Apresentação: funciona como um guia de navegação, apresentando o site como


um todo e o projeto de pesquisa que lhe deu origem, e orienta o leitor sobre o
funcionamento da página;
ii. O autor: situa o leitor sobre a vida e a obra de Roberto Athayde, enfocando sua
carreira dramatúrgica durante o golpe militar;
iii. O acervo: apresenta os critérios de organização do conjunto documental
empregados no site e expõe os dossiês estudados como links126, de modo
que, ao clicar sobre eles, o usuário poderá acessar a documentação de cada
dossiê isoladamente em modo de leitura, isto é, em página com uma
apresentação descritiva do conjunto documental e links para as fichas
catálogo e visualização dos documentos;
iv. Consulta: direciona ao Sistema Informatizado de Gerenciamento de
Documentos (SIGD-RA), ferramenta de busca para pesquisa de todos os
documentos;
v. Edições: apresenta ícones referentes às obras e, em cada uma delas, direciona o
usuário às diferentes edições digitais realizadas;
vi. Contato: expõe um espaço dialógico em modelo chat com vistas a acolher
sugestões, avaliações, dúvidas, impressões e críticas sobre a edição, além de
endereço eletrônico para contatar a editora responsável pelo projeto e
créditos de elaboração do site.

De acordo com Correia (2018), houve, em seu trabalho, a opção por apresentar o
acervo pela descrição dos itens que compõem os dossiês e pela ferramenta de
pesquisa, meio através do qual o usuário tem a possibilidade de fazer a sua própria
busca, a partir de diferentes indexadores. Tais tomadas de decisão tiveram os princípios
estabelecidos por Shillingsburg (1999) como norteadores.
A seguir, podemos observar de que modo se apresenta a tela inicial do site e a
barra de menus.
89

Figura 23 - Interface do acervo digital e hiperedição Roberto Athayde: dramaturgia censurada

Fonte: CORREIA, 2018

O site contou com a elaboração de telas, especialmente produzidas para tal


empreendimento, pela designer gráfica Mila Carol. Na parte superior, encontramos os
menus início, apresentação, o autor, o acervo, consulta, edições e contato. Na tela
inicial vemos a sopreposição de imagens do que compõem o próprio arquivo, deixando
clara, já de antemão, o conceito relacional que guia esse projeto. Mais quatro telas,
apresentadas de modo dinâmico flash player, são apresentadas, alternadamente. Em tais
telas, são reproduzidas imagens e citações de trechos de textos teatrais censurados de
Roberto Athayde. Podemos ver a representação de uma dessas telas através da figura
24.

Figura 24 - Interface do acervo digital e hiperedição Roberto Athayde: dramaturgia censurada.

Fonte: CORREIA, 2018.


90

Os hiperlink são usados em todos os textos apresentados na barra de menus “seja


para elucidar algum conceito, seja para apresentar conteúdo hipermídia, ou mesmo para
conduzir o leitor a outro site ou a outro menu da hiperedição” (PRUDENTE, 2018, p.
168). Isso demonstra o aspecto multifuncional da tecnologia digital, configurada
através dos hiperlinks. A seguir, podemos ver como se apresentam alguns links
hipermídia no texto do menu Sobre o autor.

Figura 25 – Uso de links hipermídia no texto do menu Sobre o autor

Fonte: CORREIA, 2018

Figura 26– Uso de links hipermídia no texto do menu Sobre o autor

Fonte: CORREIA, 2018


91

No que tange ao menu O Acervo, o arquivo possibilita a leitura dos dossiês por
meio de um caminho preestabelecido. Inicialmente, o leitor tem contato com um texto
de apresentação e, na sequência, são disponibilizados, através de ícones, os dossiês de
Apareceu a Margarida e Os Desinibidos (Cf. figura 27).

Figura 27 – Menu O Acervo, ícone de acesso ao dossiê Os Desinibidos

Fonte: CORREIA, 2018

O menu Edições é apresentado de modo semelhante, com ícones fazendo


referência às edições elaboradas.

Figura 28 – Menu O Acervo, ícone de acesso ao dossiê Os Desinibidos

Fonte: CORREIA, 2018


92

O menu Consulta possui uma ferramenta de pesquisa, que dá acesso aos


documentos armazenados no SIGD-RA. Prudente seguiu o modelo proposto por Mota
(2017). O Contato propõe uma interação entre usuário e Arquivo Hipertextual.
No que se refere às edições, tencionando proporcionar a leitura das duas versões
do texto teatral Os Desinibidos, Correia (2018) preparou, além das edições fac-
similares, uma edição sinóptico-crítica hipermídia e em modelo de impressão.

Este modelo foi escolhido por possibilitar o confronto direto das lições
divergentes entre versões (e, por isso, é sinóptica), assim como evidenciar
uma mediação editorial com correções de gralhas de datilografia e
comentários editoriais (e, por isso, é crítica) (CORREIA, 2018, p. 178).

Após converter os textos em formato PDF, foram isoladas as versões D82 e D83
e utilizado o OCR pelo software PDF Element 6 Pro. O programa, que identifica o
idioma e o tipo de caracteres gráficos, assim como o tamanho da fonte, apresenta a
possibilidade de, após a leitura do OCR, apresentar uma imagem de texto pesquisável
ou um texto editável (CORREIA, 2018). Segue figura com desempenho do OCR.

Figura 29 – Opções de leitura do Reconhecimento Óptico de Caracteres (OCR)

Fonte: CORREIA, 2018, p. 179

A seguir, após selecionar o texto editável, foram obtidas as transcrições de D82


e D83 em formado DOC, manipulável em programas de texto como o Word, do pacote
Windows Office. De acordo com Prudente (2018), o processamento do OCR teve
93

melhor desempenho em D83, advindo da digitalização de livro impresso, do que em


D82, produto de reprografia de datiloscrito, submetida à digitalização por scanner.
Após a execução do OCR houve a colação das versões, o que foi feito a partir do
software Juxta Commons, desenvolvido pela empresa Performant Software Solutions e
utilizado por Almeida (2014), como interface de apresentação de edição, e por Mota
(2017), somente para comparação das versões.
Os últimos trabalhos foram comentados porque eles trarão, por meio de suas
práticas, as orientações adotadas para o Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil
(ADC – TI). Reafirmamos que a escolha por esse tipo de organização, que relaciona o
labor filológico às tecnologias arquivísticas e informáticas, tem sido o caminho
percorrido pela ETTC pois representa um meio capaz de evidenciar a dinâmica do
processo de produção, de transmissão e de circulação textual pelos órgãos censórios
durante a ditadura militar.

3.2 ACERVO DEOLINDO CHECCUCCI – TEATRO INFANTIL (ADC-TI):


ORGANIZAÇÃO DO DOSSIÊ

Os textos teatrais produzidos e encenados no período da ditadura militar são


considerados por nós como importantes registros históricos do teatro baiano, sendo
tomados para estudo como testemunhos, documentos e monumentos (SANTOS, 2007).
Tal consideração, de acordo com Duarte (2007), tem lugar, pois leva em conta as
atividades de escrita, reescrita, edição, reedição, que guiam os processos de produção,
transmissão e circulação textuais, posto que os textos figurem como testemunhos do
processo criativo do autor e da ação dos diversos agentes sociais e culturais que atuam
na constituição do texto, monumentos representativos do patrimônio cultural e
documentos que portam marcas diversas e configuradoras de uma sociedade.
Nos textos de Deolindo Checcucci identificamos, no processo de circulação
textual, as marcas censórias, tanto no que se refere aos carimbos de corte quanto às
anotações manuscritas, como vemos nos trechos das folhas 4 e 20 do texto teatral
infantil A roupa nova do rei, que seguem apresentadas, respectivamente, nas figuras 30
e 31.
94

Figura 30 – Fragmento do texto A roupa nova do rei

Fonte: CHECCUCCI, 1977, f. 4

Figura 31 – Fragmento do texto A roupa nova do rei

Fonte: CHECCUCCI, 1977, f. 20

No que tange ao processo de produção, identificamos marcas manuscritas que


nos fornecem indícios do processo de elaboração do texto teatral, permitindo interpretar
alguns dos movimentos de escritura do dramaturgo Deolindo Checcucci. Encontramos
tais marcas no texto A Bela e a Fera (Cf. figura 32).
95

Figura 32 – Fragmento do texto teatral A Bela e a Fera

Fonte: CHECCUCCI, 1985, f. 20

O fragmento apresentado pertence a um dos quatro testemunhos de A Bela a


Fera, depositado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia. Acreditamos que esse
texto foi utilizado durante os ensaios teatrais, pelo que observamos nas anotações
manuscritas, relativas a indicações cênicas (rubricas) e modificações de passagens
textuais. Tais divergem daquelas deixadas pelos técnicos de censura no tecido textual;
nesse caso, são relacionadas à produção cênica. Para estudar textos com tais
características,

[...] a filologia torna-se procedimento para a leitura crítica [...], cruzando as


perspectivas material, sócio-histórica e político-cultural, e, por sua vez, a
crítica textual fornece os princípios teórico-metodológicos para a elaboração
de edições (ALMEIDA; BORGES, 2017, p. 20).
96

Nessa direção, propomos realizar o estudo e a edição crítica de textos teatrais


censurados, refletindo sobre as especificidades desse objeto de estudo que se modifica,
tanto por conta das suas encenações quanto pela ação dos sujeitos envolvidos no
processo de sua feitura e disseminação. O texto deixa de ser considerado como uma
forma fixa e fechada, passando a representar uma potencialidade (ALMEIDA;
BORGES, 2017).
Procuramos adotar um tratamento editorial capaz de dar conta desse objeto,
propondo a elaboração de um Arquivo Hipertextual para trazer o acervo e a edição dos
textos de Deolindo Checcucci, construído com o objetivo de ser um suporte de leitura,
capaz de tornar acessíveis os textos teatrais, os documentos a eles relacionados e as
edições.
O Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC-TI) possui, até o
momento, 06 textos teatrais, 20 matérias de jornal; 57 documentos censórios e 2
entrevistas, totalizando 85 itens documentais. Os documentos foram separados em
pastas-arquivo e, a partir daí, houve a classificação em séries, através das quais foi
organizado o ADC-TI, são elas:
01. Produção intelectual23: na qual se encontram os textos datilografados
englobando produções individuais e coletivas de acordo com a própria natureza do
objeto de estudo: o texto teatral.
02. Publicações na imprensa e em diversas mídias: que inclui textos
publicados em jornais da Bahia, sobre o autor e suas produções, entrevistas com o autor,
realizadas pelo Grupo de Pesquisa, e materiais de divulgação dos espetáculos.
03. Documentação censória: que conta com documentos que caracterizam o
percurso dos textos teatrais pelos órgãos censórios: solicitações, ofícios, vias do texto
teatral, pareceres, memorandos, radiogramas, relatórios, fichas de protocolo,
certificados de censura, entre outros.
A organização proposta considerou os textos teatrais, as matérias de jornal, as
entrevistas e a documentação censória. Para os textos teatrais, documentos censórios e
matérias de jornal foram preparadas fichas-catálogo, que poderão ser acessadas no
arquivo digital.
Quanto à metodologia de organização dos acervos que compõem o ATTC,
procedemos à criação de um sistema de identificação para os textos teatrais censurados,

23
As numerações correspondem às séries propostas na organização do ADC – TI.
97

por meio das iniciais do nome do autor ou do grupo de teatro, do título do texto e do
acervo físico no qual os textos se encontram (DC.RNR. (COREG-AN-DF(DCDP):
Deolindo Checcucci (autor), A roupa nova do rei (título da peça), Coordenação
Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal (Fundo Divisão de Censura de
Diversões Públicas (DCDP), Série Teatro), (acervo/lugar onde se encontra armazenado
o texto). Para as matérias de jornal, são indicadas as iniciais que correspondem ao nome
do jornal, a data de publicação (no caso de matérias longas, as partes do texto, conforme
recorte dado pela fotografia, são numeradas), e, por fim, o acervo de origem
(JB.01.11.72.TCA: Jornal da Bahia, 01 nov. 1972, Teatro Castro Alves).
Os textos foram digitalizados24 e, para eles, preparamos resumos e descrições
que deverão constar da ficha-catálogo, como se pode ver a seguir, nas figuras 33, para
textos teatrais, 34, para documentos censórios, e 35, para matérias de jornais.

24
Os textos digitalizados somente poderão ser divulgados, na íntegra, com a autorização de seus autores
ou responsáveis legais.
98

Figura 33 – Ficha-catálogo para texto teatral

Fonte: Elaborado pela pesquisadora


99

Figura 34 – Ficha-catálogo para documentação censória

Fonte: Elaborado pela pesquisadora


100

Figura 35 – Ficha-catálogo para matéria de jornal

Fonte: Elaborado pela pesquisadora


101

Todos os acervos integrarão o fundo Textos Teatrais Censurados – Instituto


de Letras da Universidade Federal da Bahia (TTC-ILUFBA). Na organização de
cada acervo, o material é arquivado por ITEM, dentro de uma SÉRIE, identificado por
um CÓDIGO. Seguem as informações consideradas para a construção do código: As
SÉRIES, apresentadas em algarismos arábicos (01,02...), com dois dígitos; as
SUBSÉRIES, são informadas por letras do nosso alfabeto (a, b, c...); segue-se
NÚMERO DO ITEM, em algarismos arábicos, com quatro dígitos (0001, 0002....);
ANO, abreviado nos dois últimos dígitos (quando não houver registro da data no
documento, colocar a informação sem data (sd)). O código seria assim construído:
01a0001-85: 01= Série Produção intelectual; a = Subsérie Texto teatral; 0001 = número
do item no acervo; 85 = ano 1985.
Inicialmente, faremos a identificação do dramaturgo, com destaque para as letras
iniciais do nome e sobrenome (Deolindo Checcucci (DC), da Série, Produção
intelectual (01), Subsérie, Texto teatral (a), número do item no acervo (0001, 0002...);

data (1972, 1978..., considerando os últimos dígitos), ficando assim: DC01a0001-


85 (Deolindo Checcucci, Série Produção Intelectual, Subsérie Texto teatral, número do
item que equivale a cada texto teatral apresentando em ordem alfabética (A Bela e a
Fera), e a data. Para cada texto teatral, listam-se seus testemunhos, identificados por
“T” (abreviatura para testemunho) e numerados sequencialmente (T1, T2, T3), tal
informação completa o código.
A fim de possibilitar o acesso, a consulta e a divulgação dos materiais reunidos
no ATTC, preparamos como instrumento de pesquisa um INVENTÁRIO25. Nele, uma
ficha trará as seguintes informações: AUTOR (que será apresentado ao público
leitor/navegador por meio da construção de um perfil), QUANTIDADE, CÓDIGO,
TÍTULO do texto teatral (em ordem alfabética), ANO, ACERVO de origem (onde os
textos estão arquivados), FICHA-CATÁLOGO (Deolindo Checcucci. A roupa nova do
rei = DC.RNR), VISUALIZAR IMAGEM (relacionar código para os diversos
testemunhos dos textos teatrais), considerando a folha inicial e a última para os textos
que não tiveram autorização para divulgação e, na íntegra, para os textos autorizados, e
OUTROS DOCUMENTOS (categorizados conforme as séries) que se relacionam ao
texto teatral em estudo (também serão disponibilizadas as imagens (de domínio público

25
O inventário completo, em formato PDF, será disponibilizado em apêndice.
102

ou autorizadas) ou a indicação de link para acesso ao documento, no caso dos trabalhos


acadêmicos realizados por integrantes do grupo de pesquisa). Por fim, constarão, na
última coluna, os documentos de acordo com a sua tipologia (TUTORIAL..., 2016),
com links para tais documentos, os quais poderão ser visualizados a partir do código
constante do INVENTÁRIO.

Quadro 7 – Ficha com informações sobre os textos teatrais e paratextos

Deolindo Checcucci (link p perfil) – DC


Qtd. Código Título Ano Acervo Ficha Visualizar imagem Outros
catálogo documentos
1 DC01a0001-85 A Bela e a Fera 1985 COREG-AN-DF- DC.BF DC03c0001-85T1 Documentação
DCDP Censória.
DC01a0001-85T2 Matérias de jornal
EXB
EXB DC01a0001-85T3
EXB DC01a0001-85T4
2 DC01a0002-81 A galinha dos ovos 1981 COREG-AN-DF- DC.GOO DC03c0002-81T1 Documentação
de ouro DCDP Censória
EXB DC01a0002-81T2
3 DC01a0003-77 A roupa nova do rei 1977 COREG-AN-DF- DC.RNR DC03c0003-77T1 Documentação
DCDP Censória
EXB DC01a0003-77T2
ETUFBA DC01a0003-77T3
4 DC03c0004-70 Julinho contra a 1970 COREG-AN-DF- DC.JCBE DC03c0004-70 Documentação
bruxa no espaço DCDP censória.
Matérias de jornal.
5 DC01a0005-75 Um dia, um sol 1975 COREG-AN-DF- DC.DS DC03c0005-75T1 Documentação
DCDP Censória.
DC01a0005-75T2 Matérias de jornal.
EXB
6 DC01a0006-75 Um, dois, três, 1975 COREG-AN-DF- DC.UDTA DC03c0006-75T1 Documentação
alegria DCDP censória,
DC01a0006-75T2 Matérias de jornal.
EXB

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

A seguir, apresenta-se outra ficha, que traz os documentos paratextuais, no caso,


documentação censória, identificados por códigos, de acordo com a série pertencente
(Cf. quadro 8).
103

Quadro 8 – Documentação Censória


Outros documentos (A roupa nova do rei)
Documentação Censória
DC03j0021-sd
DC03a0022-77
DC03b0023-77
DC03d0024-77
DC03d0025-77
DC03b0026-77
DC03b0027-77
DC03b0028-77
DC03b0029-77
DC03h0030-77
DC03i0031-77
DC03b0032-77
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Organizamos os documentos correspondentes a cada uma das séries em pastas


de arquivos no computador, dentro de cada uma das pastas referentes às peças teatrais,
como apresentado a seguir nas figuras 36, 37 e 38.

Figura 36 – Organização do ADC-TI

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Figura 37 – Organização do ADC-TI

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.


104

Figura 38 – Organização do ADC-TI

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Organizamos também uma lista dos documentos inventariados, considerando as


seguintes informações: quantidade de documentos, referência, e código de
arquivamento. Ao final, traz o número total de documentos por dossiê de cada peça.
Podemos ver, a seguir (Cf. quadro 9), um exemplo dessa organização no que se refere
ao texto teatral infantil A roupa nova do rei. A partir do código, no Arquivo
Hipertextual será visualizada a imagem correspondente ao documento.

Quadro 9 – Inventário dos documentos de A roupa nova do rei

Qtd. Referência Código


A roupa nova do rei
Texto Teatral
01 CHECCUCCI NETO, Deolindo. A roupa nova do DC03c0003-77T1
rei. 1977, 23 folhas. Acervo da Escola de Teatro
da UFBA.
02 CHECCUCCI NETO, Deolindo. A roupa nova do DC01c0003-77T2
rei. 1977, 23 folhas. Acervo do Arquivo Nacional
– Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de
Diversões Públicas – DCDP– Peças Teatrais.
03 CHECCUCCI NETO, Deolindo. A roupa nova do DC01c0003-77T3
rei. 1977, 23 folhas. Núcleo do Acervo do Espaço
Xisto Bahia.
Documentação censória
01 CAPA do processo de avaliação censória do DC03j0021-77
Serviço Público Federal, Protocolo n. 9359/77.
Brasília, 1977.
105

02 SOLICITAÇÃO de exame censório. Salvador, 07 DC03a0022-77


mar. 1977. Assina Deolindo Checcucci Neto.
03 OFÍCIO 010013 - DCDP/77. Encaminhado pela DC03b0023-77
Divisão de Censura de Diversões Públicas.
Brasília, 16 mar. 1977. Assina Maria Helena
Guerreiro da Cruz.
04 PARECER 1153/77. Brasília, 28 mar. 1977. DC03d0024-77

05 PARECER 1401/77. Brasília, 13 abr. 1977. DC03d0025-77

06 OFÍCIO 591 – DCDP/77. Encaminhado pela DC03b0026-77


Divisão de Censura de Diversões Públicas.
Brasília, 19 abr. 1977. Assina Rogério Nunes.
07 OFÍCIO 01597 – DCDP/77. Encaminhado pela DC03b0027-77
Divisão de Censura de Diversões Públicas.
Brasília, 25 abr. 1977. Assina Maria Helena
Guerreiro da Cruz.
08 SOLICITAÇÃO, Protocolo 8855. Salvador, 25 DC03a0028-77
abr. 1977. Assina Deolindo Checcucci Neto.
09 OFÍCIO 1.507 – DCDP/77, Protocolo 13.386/77. DC03b0029-77
Encaminhado pela Divisão de Censura de
Diversões Públicas. Brasília, 29 abr. 1977. Assina
José Rafael da Silva.
10 FICHA DE PROTOCOLO. Acham-se preenchidos DC03h0030-77
os itens 1, 2, 3 e 5. Datas: 23 mar. 1977, 28 mar.
1977, 4 maio 1977 e 6 maio 1977.
11 CERTIFICADO DE CENSURA 7588/77. DC03i0031-77
Validade de 09 maio 1977 a 09 maio 1982.
12 OFÍCIO 664/77. Encaminhado pela DC03b0032-77
Superintendência Regional do DPF na Bahia.
Salvador, 04 maio 1977. Assina Rogério Nunes.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Mediante essa organização apresentamos o Acervo Deolindo Checcucci –


Teatro Infantil (ADC-TI) e as edições elaboradas para os textos teatrais selecionados
em um Arquivo Hipertextual, com o intento de fazer dialogar através de uma rede, os
vários textos reunidos, a partir dos pressupostos teórico-metodológicos da Filologia.

3.3 CONSTRUÇÃO DO ARQUIVO HIPERTEXTUAL

A estrutura do arquivo contará com seis menus, apresentados na página inicial,


são eles: a) Guia de navegação, b) O Autor, c) O Acervo, d) Edições, e) Consulta e f)
Contato.
106

Figura 39 – Arquivo Hipertextual ADC-TI

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

No primeiro menu, O Autor, construímos um perfil de Deolindo Checcucci, em


um texto, no qual faremos menção aos diversos campos em que atuou Checcucci. Ao
longo do texto, links direcionam o leitor para documentos do ADC – TI, além de
também remeter para páginas externas de sites da internet.
No menu Acervo, apresentamos o dossiê da dramaturgia infantil de Deolindo
Checcucci, composto por textos teatrais, matérias de jornal e documentos censórios. Os
documentos foram digitalizados, indexados e armazenados no Sistema Informatizado de
Gerenciamento de Documentos (SIGD-RA), que objetiva promover a disseminação da
informação. Para alcançar esse objetivo, a arquitetura digital do Arquivo contempla a
divisão interna do dossiê nas séries.
No menu Edições trazemos as edições preparadas para os textos teatrais do
dossiê, a saber:
a) Edição fac-similar digital: reprodução digital de todos os seis textos teatrais
que compõem o ADC-TI. A edição fac-similar se faz necessária, pois dá a ler os
textos em características mais próximas daqueles trazidos em sua materialidade,
107

definindo-se uma configuração cultural específica do documento em suas


especificidades;
b) Edição interpretativa em meio digital: para o texto A roupa nova do rei, que
possui tradição singular. A escolha desse modelo editorial para este texto se
justifica pela riqueza doa aspectos sociais, culturais e políticos explorados pelo
dramaturgo, em RNR como também pela leitura crítico-filológica do editor,
externada por meio de notas e comentários elucidativos. O texto crítico que
resulta dessa edição será apresentado também em suporte papel e em modelo de
impressão.

Buscamos, aqui, apresentar uma arquitetura digital que permita relacionar o


dossiê arquivístico, com os documentos reunidos, e as edições, de modo mais flexível e
dialógico, respeitando a especificidade do texto teatral censurado, e oferecendo ao
leitor, através do recurso do hipertexto, um papel mais autônomo no que tange à
interpretação textual. Para a elaboração e a apresentação editorial, tendo em vista o
objetivo de colocar em diálogo a edição e o dossiê do ADC-TI nos pautamos nos
princípios trazidos por Shillingsburg (1993) para a elaboração de edições eletrônicas.
A usabilidade é o primeiro princípio definido pelo autor. Para ele, a
construção de uma edição eletrônica se baseia na democracia, isso quer dizer que o seu
acesso deve ser ágil e facilitado. As edições devem se constituir em bases de dados
anexadas a uma rede e a um servidor, desse modo as atualizações realizadas serão
automaticamente transmitidas ao usuário, que, por sua vez, tem a possibilidade de
acessar a todos os arquivos da edição, através de um software de navegação.
A transportabilidade é o segundo princípio. A partir dele, temos a indicação de
como resolver problemas de incompatibilidade da edição com determinados sistemas
operacionais e plataformas digitais. A publicação via web garante que o usuário obtenha
o acesso independente do sistema operacional usado. A edição dos textos teatrais
infantis de Deolindo Checcucci será disponibilizada através de um site, e, portanto,
poderá ser acessada por meio de diferentes navegadores, como Google Chrome, Mozila
Firefox, Internet Explorer e Safari.
O terceiro princípio se relaciona ao design. Shillingsburg (1993) acredita que as
edições em meio digital devem ser atraentes, apresentando, de forma integrada e
dinâmica, textos, imagens, sons e cor, proporcionando ao usuário uma experiência
108

autônoma e interativa na leitura da edição, pois ele fará os seus próprios trajetos. Na
edição do ADC-TI, utilizamos um design que põe em destaque os documentos do
acervo, além disso, no menu Contato, daremos aos usuários a possibilidade de realizar
comentários sobre a edição, o que amplia o viés interativo do Arquivo Hipertextual
elaborado.
O quarto e o quinto princípios se relacionam, são, respectivamente, Seguridade
e Integridade do arquivo original (BARREIROS, 2018) refere-se à confiabilidade das
informações existentes no sistema.

As edições digitais baseadas em princípios científicos diferenciam-se dos


outros conteúdos difundidos na Web por conta dos critérios adotados para
disponibilização dos textos. Esse tipo de edição deve manter a integridade
das informações para que os usuários possam confiar nos conteúdos
disponíveis (BARREIROS, 2014 apud BARREIROS, 2018, p. 290).

Consideramos que os princípios e métodos que pautam a construção,


apresentação e divulgação da edição, norteados pelo tratamento filológico aplicados aos
textos do ADC – TI, garantem a integridade e a confiabilidade das informações
apresentadas.
O sexto princípio refere-se à expansibilidade e indica que o sistema deve
permitir o acréscimo de novos materiais e o estabelecimento de outras relações,
informando suas ações aos usuários, através de um campo específico. A possibilidade
de alteração editorial é desejável e no ADC – TI será posta em prática, pois
tencionamos alimentar o sistema, expandindo os seus limites, a partir da adição de mais
documentos, referentes aos textos teatrais infantis e também adultos produzidos por
Deolindo Checcucci, dando origem, futuramente, ao Arquivo Hipertextual Deolindo
Checcucci.
O sétimo princípio corresponde à Capacidade de impressão. “Embora esse
recurso seja importante, o editor deve definir quais arquivos serão destinados para a
impressão, porque numa edição digital existem documentos que não são imprimíveis e
outros que não teriam utilidade caso fossem impressos (BARREIROS, 2018, p. 291).
Ressaltamos, assim, que em uma edição digital o objetivo principal não é possibilitar a
impressão dos documentos, mas sim aproveitar ao máximo as potencialidades do meio
digital. Nesse sentido, cabe ao editor escolher quais documentos podem ser oferecidos
ao público para impressão. No Arquivo Hipertextual aqui apresentado
109

disponibilizaremos um modelo de impressão da edição interpretativa do texto teatral A


Roupa nova do rei.
Um “sistema de navegação amigável” é o último princípio de
Shillingsburg. De acordo com ele, o editor tem que guiar o leitor através da edição,
oferecendo-lhe sinalizações, pistas, por meio de botões, animações, entre outros
recursos, garantindo uma maior facilidade de acesso do usuário.
Levando em consideração tais princípios, propomos o menu Consulta, através
do qual o leitor pode encontrar informações sobre o Arquivo Hipertextual,
estabelecendo o diálogo entre leitor e trabalho editorial, em um ambiente virtual, que
permite relacionar diferentes textos a imagens, documentos e áudios.
A seguir, apresentaremos a estrutura do Arquivo Hipertexual e os critérios
usados para a elaboração das edições elaboradas para os textos do ADC – TI.
Ressaltamos que a elaboração do Arquivo Hipertextual aqui proposto visa organizar e
disponibilizar diferentes documentos relacionados à dramaturgia infantil produzida por
Deolindo Checcucci, permitindo, em uma perspectiva crítico-filológica, a realização de
leituras e estudos sobre os diferentes papéis assumidos por Checcucci no cenário teatral
e evidenciando os vieses sociológicos que a sua produção assumiu na Bahia no contexto
da ditadura militar.

3.3.1 Acervo

O Acervo Deolindo Checcucci (ADC – TI) apresenta uma diversidade de


documental. O sistema Acervo Digital Deolindo Cecchucci é composto de um front-
end, que é uma codificação de tudo que o usuário vê, e um back-end, que é uma
codificação de todos as ações que o usuário pode tomar no sistema e também de um
banco de dados, que armazena os dados do sistema.
O Front-end foi desenvolvido em HTML5, JavaScript e CSS. Todas as edições
foram desenvolvidas com uso destas três linguagens de programação. As três
linguagens são open source, ou seja, não são comercializadas e podem ser usadas por
qualquer um sem custos. O back-end do sistema foi desenvolvido em C#, que é uma das
linguagens que incorporam o .NET, que é um framework (conjunto de códigos de vários
projetos, promovendo várias funcionalidades genéricas) criado e mantido pela Microsoft
e que é gratuito para desenvolvimento.
110

Toda o GED (Gestão Eletrônica de Documentos) do acervo e parametrizações


do sistema, como parametrização de usuário, de perfil de acesso, de séries, de dossiês,
de procedências e etc., foi desenvolvido em C#. Para armazenamento dos dados do
sistema (parametrizações do sistema, gerenciamento dos documentos e comentários, por
exemplo), foi usado o banco de dados Microsoft SQL Server. Este banco de dados tem
versões gratuitas para desenvolvimento, mas geralmente são pagos à parte na
hospedagem (dependendo da hospedagem). O sistema foi hospedado na GoDad, que é
uma plataforma de hospedagem paga e que fica nos Estados Unidos.
Exemplificamos, nas figuras a seguir, como se apresenta a tela inicial do site e a
barra de menus, na figura 40, utilizamos o navegador Google Chrome, apresentado em
computador pessoal com sistema operacional Windows 10.

Figura 40 – Interface do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC – TI)

Fonte: Preparado pela pesquisadora.

A barra de menus se apresenta na parte superior da tela, com os ícones Início,


Apresentação, O Autor, O Acervo, Consulta, Edições e Contato. A tela inicial teve
arte elaborada a partir da sobreposição e edição de imagens dos documentos
111

armazenados no ADC – TI e tem exibição alternada com outras duas telas em efeito
dinâmico, produzido por flash player. As telas que se alternam à tela inicial também
tiveram o seu desenvolvimento pautado na sobreposição de imagens dos documentos do
acervo, com citações de trechos de entrevistas de Deolindo Checcucci, conforme figuras
41 e 42, apresentadas a seguir:

Figura 41 – Interface do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC – TI)

Fonte: Preparado pela pesquisadora.

Figura 42 – Interface do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC – TI)

Fonte: Preparado pela pesquisadora.


112

O primeiro menu é o de Apresentação (Cf. figura 43), através dele o leitor tem
acesso a informações sobre a elaboração do Arquivo Hipertextual e especificações
gerais sobre o que cada um dos menus apresenta.

Figura 43 – Interface do menu apresentação do ADC – TI

Fonte: Preparado pela pesquisadora.

A seção O Autor (Cf. figura 44) é dividida em quatro submenus, através dos
quais caracterizamos Deolindo Checcucci em seus múltiplos papéis. Trazemos
informações sobre a sua atuação como professor (Cf. figura 45), diretor (Cf. figura 46) e
dramaturgo (Cf. figura 47).
113

Figura 44 – Página do menu O Autor

Fonte: Preparado pela pesquisadora.

Figura 45 – Página do submenu O papel de professor: um artista em exercício

Fonte: Preparado pela pesquisadora.


114

Figura 46 – Página do submenu Um diretor potente no cenário baiano

Fonte: Preparado pela pesquisadora.

Figura 47 – Página do submenu Deolindo Checcucci: um dramaturgo em cena

Fonte: Preparado pela pesquisadora.

No último submenu, entrevistas e textos de imprensa (Cf. figura 48),


apresentamos matérias de jornal relacionadas a outras atividades exercidas por
115

Checcucci, tais como: como colunista e cineasta. Além disso, disponibilizamos


entrevista realizada com o autor.

Figura 48 – Página do submenu Sobre o autor: entrevistas e textos de imprensa

Fonte: Preparado pela pesquisadora.

O recurso hiperlink é utilizado nos textos da barra de menus para apresentar


conteúdo hipermídia ou direcionar o leitor a outro site. Após clicar no hiperlink, ocorre
o encaminhamento para outras páginas, que podem conter desde arquivos em PDF de
matérias de jornal até sites de internet, como o da plataforma Lattes.
O menu O Acervo oferece a possibilidade de leitura dos dossiês através de um
percurso estabelecido previamente. Ao acessar esse menu o usuário é conduzido a um
texto explicativo (Cf. figura 49). Através de um hiperlink, apresentado ao final do texto,
o leitor pode ser direcionado ao inventário (disponibilizado em PDF), no qual há
informações (quantidade, referência e código) sobre os documentos do ADC – TI.
116

Figura 49 – Página do menu O Acervo

.
Fonte: Preparado pela pesquisadora.

Através do menu Consulta pode ocorrer a pesquisa e o acesso aos itens


documentais, os dossiês de cada texto teatral, armazenados no Sistema Informatizado de
Gerenciamento de Documentos (SIGDRA) após o cumprimento das etapas de
digitalização e indexação de cada documento. Na figura 50 podemos identificar os
campos de pesquisa possíveis, são eles: Nome do documento, Série, Procedência,
Autor, Subséries e Dossiê. O leitor pode escolher qual caminho percorrerá no acesso aos
documentos.

Figura 50 – Página do menu Consulta

Fonte: Preparado pela pesquisadora.


117

O menu Edições (Cf. figuras 51 e 52) traz as edições preparadas para os seis
textos teatrais que compõem o ADC – TI.

Figura 51 – Página do menu Edições

Fonte: Preparado pela pesquisadora.

Figura 52 – Página do menu Edições

Fonte: preparado pela pesquisadora.


118

Ao passar o cursor sobre cada ícone da figura 52, o usuário visualizará


informações sobre os tipos de edições apresentadas para cada texto. Em visualizar, são
apresentado links que conduzem o usuário às apresentações das diferentes edições
elaboradas (Cf. figura 53).

Figura 53 – Página do menu Edições

Fonte: preparado pela pesquisadora.

O último item da barra de ferramentas é o menu Contato, que representa a


possibilidade de diálogo entre o usuário e Arquivo Hipertextual. Esse contato é
estabelecido no formato de um chat, conforme demonstramos através da apresentação
da figura 53:
119

Figura 53 – Página do menu Contato

Fonte: preparado pela pesquisadora.

A estrutura usada no desenvolvimento do Acervo Deolindo Checcucci –


Teatro Infantil (ADC – TI) foi estabelecida com apoio de uma equipe técnica que
utilizou o modelo estabelecido por Mota (2017) e Correia (2018), com os ajustes
relacionados às particularidades dos dossiês estudados nessa pesquisa. Pautados na
arquitetura cliente-servidor, padrão de sistemas de informação na web, o Arquivo
Hipertextual possibilitará que o cliente (a máquina com acesso à internet) interaja com o
sistema, dialogando por meio da internet, através de login e senha; links e ferramentas
de busca.

3.4 EDIÇÕES

Os textos teatrais que editamos portam marcas de processos censórios, haja vista
sua produção e circulação na Bahia durante a década de 1970, momento em que a nossa
sociedade vivia a ditadura militar.
120

Colocamos em destaque, em nossa prática editorial, “a dinamicidade e a


progressiva transformação do texto no âmbito de uma tradição” (BORGES, 2016, p. 1),
pois a “materialidade escrita traz diversas formas de inscrição da linguagem, devendo os
estudiosos ficar atentos a elas, proporcionando, em suas análises, diferentes textos e
leituras” (BORGES, 2016, p. 1).
Preparamos dois tipos de edição para os textos teatrais selecionados para estudo:

i. Edição fac-similar digital, para todos os seis textos teatrais: A Bela e a


Fera; A Galinha dos ovos de ouro; A Roupa nova do rei; Julinho contra
a Bruxa do espaço; Um dia, um sol e Um, dois três, alegria.
ii. Edição interpretativa em suporte papel e em meio digital do texto teatral
A Roupa nova do rei

Para os seis textos, fizemos a edição fac-similar, cujo o objetivo principal é o de


oferecer conhecimento sobre a materialidade na qual o texto foi produzido, para fins de
estudo. Para tanto, contemporaneamente,

[d]evido ao avanço tecnológico, tem-se optado pela edição fac-similar,


fazendo-se a simples reprodução fotográfica, transferindo-se a imagem do
documento para o meio digital, ou convertendo a imagem ou sinal dialógico
para o código digital, realizando-se a digitalização dos textos. Adverte-se,
porém, que, mesmo sendo o tipo de edição que reproduz o texto de forma
mais aproximada, ainda assim há, nela, intervenção do editor, que manipula a
captura da imagem e a apresentação por meio da edição (BORGES; SOUZA,
2012, p. 33).

Visamos mostrar, por meio do estudo crítico-filológico realizado, a dramaturgia


infantil de Deolindo Checcucci. Optamos, portanto, pelo modelo editorial interpretativo,
pois este traz o texto, em seus mais variados aspectos, através de uma leitura crítica-
filológica do editor, externada por meio de notas e comentários explicativos.
Produzimos os fac-símiles realizando a captura da imagem com o uso de máquina
fotográfica digital, sem a utilização do flash. Para a edição das imagens, usamos o
programa foxit reader para ajustar brilho e contraste, a fim de tornar a imagem mais
nítida. Não foram feitas outras modificações que pudessem alterar as marcas do suporte.
Os critérios usados para a elaboração da edição fac-similar foram:

a) apresentar todos os testemunhos, de forma integral;


121

b) disponibilizar os fac-símiles para visualização em formato Portable Document


Format (PDF), antecedidos de ficha-catálogo e termo de responsabilidade
determinando as condições de acesso e de reprodução documental.

Dada a natureza do texto, de cunho social, político e cultural, selecionamos A


Roupa nova do rei e produzimos uma edição interpretativa do mesmo, com o propósito
de ilustrar o modo singular de Deolindo Checcucci fazer teatro, pois RNR representa,
no nosso modo de ver, o teatro infantil em sua vertente político-ideológica de forma
mais ativa.
Tratamos aqui da edição de um texto que se apresenta em uma única versão,
com uma matriz original e duas cópias, geradas a partir dessa matriz. Tomaremos como
base o testemunho encaminhado à Coordenação Regional do Arquivo Nacional no
Distrito Federal (Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas, Série Teatro) –
COREG-AN-DF (DCDP). Essa escolha se dá pois esse testemunho porta cortes
censórios que relacionam RNR aos pareceres elaborados pelos técnicos de censura ao
longo do seu processo de circulação, tais relações foram abordadas, de forma crítica, na
edição interpretativa.
De acordo com Duarte ([1997 -]), a edição interpretativa é uma “edição crítica
de testemunho único ou de um determinado testemunho isolado de uma tradição”, na
qual se estabelecerá também, através dos comentários interpretativos, um diálogo entre
textos teatrais e documentação censória, enfocando as diferenças referentes ao processo
de circulação, isso por que, “[...] há um componente de crítica na edição interpretativa,
que pode mesmo passar pelo confronto entre o texto do testemunho único e os passos
correspondentes de fontes do texto” (DIONÍSIO, 2007, p. 120). Preparamos duas
edições interpretativas, uma para o suporte papel e outra para o suporte digital.
Escolhemos o suporte digital, pois,

[...] [p]ensar uma edição para este meio implica a possibilidade de


experimentar ferramentas e recursos informáticos que ultrapassam as
limitações impostas pelo suporte papel. Ao contrário de se usar o computador
como uma máquina de datilografia sofisticada, o filólogo apropria-se das
ferramentas eletrônicas para propor uma estrutura menos rígida e mais
relacional para a apresentação do texto crítico, mais próxima, portanto, da
dinâmica que se estabelece no processo de produção e transmissão de textos
(ALMEIDA, 2012, p. 138).
122

Por meio da edição interpretativa em meio digital tivemos a possibilidade de


apresentar o texto editado junto à sua tradição. Relacionamos à edição paratextos
(documentos censórios, entrevistas e páginas de internet) que conferem significados aos
processos de produção, transmissão e circulação textual de A Roupa nova do rei.

O texto não é mais o centro do processo editorial, antes é o ponto de partida e


também de chegada para entender a sua circulação social, os diálogos
estabelecidos com a tradição litrária. O paratexto, sob essa ótica, entrecorta a
leitura do texto de maneira a apontar múltiplos caminhos interpretativos para
o editor crítico (ALMEIDA, 2012, p. 184).

No estudo e edição dos textos selecionados, levamos em conta, pelo viés da


produção e da transmissão do texto, aspectos relativos à sua construção e ao suporte que
o transporta; pelo viés da circulação, as marcas deixadas pelos censores; e, pelo viés da
recepção, os diversos espectadores, críticos, entre outros.

3.4.1 A roupa nova do rei: edições e critérios adotados

Nesse trabalho de edição e de estudo crítico-filológico serão considerados os


documentos que se relacionam aos processos de transmissão e de circulação do texto
teatral A roupa nova do rei (RNR) (1977).
A roupa nova do rei é um datiloscrito, reproduzido através de uma matriz que dá
origem a duas cópias. Temos, portanto, no ADC-TI um mesmo texto, que se apresenta
em três testemunhos que reproduzem, pois estes se diferenciam por conta do seu
processo de circulação. O testemunho 1 está depositado no Acervo da Escola de Teatro
da UFBA não possui nenhum carimbo. O testemunho 2 se encontra na Coordenação
Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal (Fundo Divisão de Censura de
Diversões Públicas, Série Teatro) – COREG-AN-DF (DCDP). Por fim, o testemunho 3
está localizado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia (EXB). São as três vias do
texto encaminhado para avaliação censória, sendo que somente duas delas trazem os
registros da ação dos censores, através dos cortes e carimbos.
A adaptação A roupa nova do rei foi submetida à Censura Federal, a partir de 7
de março de 1977, através de solicitação encaminhada pelo dramaturgo Deolindo
Checcucci à Divisão de Censura de Diversões Públicas. No ADC-TI constam 12
documentos relacionados ao seu processo censório. Entre eles, há dois pareceres,
1153/77 e 1401/77, nos quais os técnicos de censura afirmam que o espetáculo
123

apresenta uma forte crítica às autoridades, ao governo e ao contexto socioeconômico. A


peça A roupa nova do rei foi considerada imprópria para menores de 10 anos, com
indicação de cortes às folhas 04 e 20 do texto, e encenação condicionada ao exame do
ensaio geral.
Quanto à avaliação, conforme identificamos, o testemunho 1 (COREG-AN-DF
(DCDP) apresenta diferentes marcas censórias – comentários escritos –, relacionadas
aos dois pareceres do texto teatral, 1153/77 e 1401/77. O testemunho 2 (ETUFBA) não
apresenta marcas censórias; enquanto o testemunho 3 (EXB) possui apenas marcas
relacionadas ao parecer 1401/77. Para ilustrar essa diferença, apresentamos a folha 4
dos testemunhos 1, 2 e 3, nas figuras 54, 55 e 56, respectivamente.

Figura 54 – Folha 4 do testemunho 1 de A roupa nova do rei.

Fonte: CHECCUCCI, 1977, f. 4.

Figura 55 – Folha 4 do testemunho 2 de A roupa nova do rei.

Fonte: CHECCUCCI, 1977, f. 4.


124

Figura 56 – Folha 4 do testemunho 3 de A roupa nova do rei.

Fonte: CHECCUCCI NETO, 1977, f. 4.

Caracterizamos a adaptação de A roupa nova do rei como texto censurado, que


se apresenta no ADC-TI como uma única versão, que possui 3 testemunhos, com
diferenças entre si quanto ao processo de circulação.
As edições propostas levaram em consideração a situação textual encontrada,
por meio de práticas editoriais adequadas, respeitando cada texto como o produto
histórico que este se constitui (TAVANI, 1988). Ao longo do tempo, as práticas
filológicas, “[...] têm evidenciado as ações de pesquisadores que, provocados pelos
textos ou criações artísticas de natureza diversa, produtos e/ou processos, atualizam
teorias e métodos no tratamento de seu objeto de estudo” (BORGES, 2016, p. 1).
Nesse sentido, tendo em vista caracterizar os sentidos produzidos ao longo do
processo de circulação, exploramos as relações estabelecidas entre o texto teatral e a sua
documentação censória, identificando, através do exercício da crítica filológica, “prática
interpretativa que objetiva a leitura dos textos a partir das coordenadas e diretrizes
histórico-culturais que os tornaram possíveis” (BORGES; SOUZA, 2012, p. 58-59), a
ação de cada um dos sujeitos históricos que atuam nos processos de transmissão e
circulação textual.
Tratamos aqui da edição de um texto que se apresenta em uma única versão,
com uma matriz original e duas cópias, geradas a partir dessa matriz.
125

Na edição apresentada em suporte papel, adotamos os critérios seguidos pela ETTC,


fazendo alguns ajustes quando necessário, a saber:

1. Trazer o título da peça em negrito, centralizado e em caixa alta;


2. Respeitar o seccionamento do texto em atos;
3. Numerar as linhas de cinco em cinco;
4. Apresentar os atos em caixa alta e no centro da página;
5. Usar itálico para indicar os estrangeirismos;
6. Indicar os nomes das personagens na íntegra, em caixa alta à esquerda da folha;
7. Atualizar a grafia, conforme a ortografia vigente, fixada em 2008, pelo decreto
nº 6.584; exceto para as grafias de palavras que correspondem ao uso da língua
em sua modalidade oral que, neste contexto, serão mantidas conforme aparecem
no texto;
8. Usar devidamente as letras maiúsculas em nome de pessoas, lugares e após a
pontuação, conforme regra em gramáticas normativas da língua portuguesa,
mantendo apenas os casos em que são utilizados para dar destaque à expressão;
9. Acentuar conforme as normas vigentes, salvo quando se tratar de registros da
oralidade, apresentados pelas personagens;
10. Inserir espaço entre o signo de pontuação e as palavras subsequentes;
11. Corrigir a pontuação somente quando justificável, como a substituição de !.. por:
!...
12. Proceder à correção do que for comprovadamente erro, deslize ou contrassenso,
conservando as marcas da oralidade;
13. Corrigir os erros de datilografia;
14. Utilizar o itálico e parênteses para representar as rubricas/indicações cênicas;
15. Manter a pontuação original, exceto nos casos de erro, para os quais se fará a
correção;
16. Manter os estrangeirismos da mesma forma que se registram nos textos e
corrigir somente o que for rasuras de datilografia;
17. No texto crítico, os trechos censurados no texto teatral serão identificados
através de sublinha;
18. No aparato de notas serão apresentadas as observações contidas nos textos de
censura e os comentários interpretativos do editor.
126

Para a edição interpretativa em meio digital, seguindo as orientações de Almeida


(2012), os critérios gerais adotados foram:

a) Ortografia
– Acentuar de acordo com as normas vigentes, salvo quando quando se tratar de
registros da oralidade;
– Utilizar as letras maiúsculas em nomes de pessoas, lugares e após a pontuação,
mantendo apenas os casos em que o uso ocorre para pôr em destaque à
palavra/expressão.
b) Gralhas e erros
– Corrigir o que for comprovadamente erro, deslize ou contrassenso;
– Corrigir os erros de datilografia.

c) Opções tipográficas
– Colocar o título da peça em negrito e em caixa alta;
– Respeitar o seccionamento do texto em réplicas;
– Apresentar as informações as informações de rubrica em parênteses e em
itálico;
– Registrar os nomes dos personagens em caixa alta;
– Utilizar travessões antes das réplicas.
d) Pontuação
– Inserir espaço entre o signo de pontuação e as palavras subsequentes;
– Recuperar a pontuação, somente quando for necessário e justificável.

Para a apresentação em meio digital, usamos o hiperlink, pois a edição que se


utiliza de hipertextos, conforme Dionísio (2006, p. [3]), “se presta a resolver a
incomunicação entre estudos textuais e estudos literários [...]. De facto, o hipertexto
permite juntar lado a lado texto os textos editados e comentários de críticos literários.
[...]”. Com esse recurso temos a ampliação dos sentidos e dimensões da edição. Os
critérios estabelecidos para a utilização dos hiperlinks foram:

1. Usamos os hiperlinks em dois níveis: no primeiro, através do recurso tooltips, as


informações são apresentadas de modo simultâneo ao momento da passagem do
127

mouse sobre a palavra destacada, através de pequenas caixas flutuantes. No


segundo nível, um clique sobre uma palavra ou trecho destacado ativará uma
caixa de texto ao lado da mancha escrita, não sobreposta a esta; ou abrirá uma
nova aba no navegador, que direcionará o leitor para o documento apresentado.
2. Os hiperlinks localizados no texto crítico, sublinhados e na cor azul, se
relacionam ao texto de base de A roupa nova do rei, localizado na Coordenação
Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal (Fundo Divisão de Censura
de Diversões Públicas, Série Teatro) – COREG-AN-DF (DCDP) e armazenado
no ADC – TI com o código DC03c0003-77T1. Os hiperlinks localizados no
aparato à direita do texto crítico, sublinhados, na cor vermelha, estabelecem
relação com os documentos censórios (pareceres).
3. No texto crítico serão apresentados hiperlinks, em negrito, que direcionarão o
leitor a páginas de internet, documentos em PDF e a vídeos do site Youtube, que
trarão informações sobre o contexto de produção do texto teatral.
A seguir, apresentamos a edição interpretativa em suporte papel.
128

A ROUPA NOVA DO REI

ADAPTAÇÃO EM DOIS ATOS DE DEOLINDO CHECCUCCI

5 PERSONAGENS
− ZÉ BODÓ
− ZÉ BODIN
− D. ITU
− JOÃOZINHO
10 − D. GRINGA
− PETER
− BAIANA
− MÃE BENEDITA
− JORNALEIRO
15 − REI BRUGUELAU
− RAINHA BRUGUELAU
− CORROIDO DA PAIXÃO E DO DISLUMBRE
− PRIMEIRO MINISTRO
− FIGURANTES
20
Fevereiro – 1977

Salvador – Bahia – Brasil


129

25 CENÁRIO (Dois telões de fundo com uma igreja e uma casa de arquitetura
colonial, o semblante de uma rua bastante movimento, buzinas
de carros, transeuntes que passam apressadamente, corre corre
geral. Uma placa onde se lê “mais espaço para o homem”. Pela
plateia entram dois camelôs, também alfaiates, apregoando suas
30 mercadorias.)

ZÉ BODÓ – Olha lá, quem vai querer? Último lançamento de Zé Bodó e Zé Bodin
o verão! Quem vai? Quem vai?
ZÉ BODIN – Vista a camisa de Bodó e Bodin e chegue na festa prontinho!
ZÉ BODÓ – O melhor corte da Praça! Vista uma camisa do Bodó e Bodinho
35 e ganhe o mundo!
ZÉ BODIN – E por um preço quase de graça!... Quem vai querer? Quem vai? Made
in Bahia!...
ZÉ BODÓ – Costurada com tanto carinho que ao passar na esquina a morena vai
dizer – “Xuxú vem cá benzinho!...”
40 ZÉ BODIN – Aproveitem que está acabando!... Olha lá!... Olha lá!...
ZÉ BODÓ – As camisas de Bodó e Bodin são ótimas para dançar o Rock!...
ZÉ BODIN – O baião!...
ZÉ BODÓ – O bolero!...
ZÉ BODIN – O sambão!...
45 ZÉ BODÓ – E está em preço de ocasião!...
ZÉ BODIN – Tira qualquer baixo astral!...
ZÉ BODÓ – Se você está triste, ela lhe deixa alegre!...
ZÉ BODIN – Se você precisa de alguém para um namorinho, ela é mesmo
que buzina do Chacrinha! Comunica na hora!... Chacrinha26
50 ZÉ BODÓ – Vamos ver! Vamos ver!... Você aí!... Uma é cinquenta, três é

26
Chacrinha foi um comunicador brasileiro, chamava-se José Abelardo Barbosa de Medeiros, nasceu em Surubim, Pernambuco, em 30 de setembro de 1917. Entre as décadas
de 1950 e 1980 apresentou programas populares de grande sucesso na televisão. Por conta do seu comportamento anárquico, Chacrinha teve diversos problemas com a
Censura Federal ao longo da Ditadura Militar no Brasil (GLOBO, 2017).
130

cem!... é pra acabar mesmo!... (Os transeuntes começam a parar


em torno deles).
ZÉ BODÓ E ZÉ BODIN – (cantando) todo mundo vai ao circo, menos eu, menos eu! como
pagar o ingresso se eu não tenho nada!... Fico de fora escutando a
55 gargalhada!...
ZÉ BODÓ – As famosas camisas de Bodó e Bodin são ótimas para ir ao teatro!...
ZÉ BODIN – Ao cinema, ao parque da cidade!...
ZÉ BODÓ – Para assistir Caetano Veloso, Gal Costa, Novos Baianos, Rita Lee, Caetano Veloso27 Gal
Costa28 Novos Baianos29
Batatinha, Riachão!... Rita Lee30 Batatinha31
Riachão32
60 ZÉ BODIN – Você ai, não quer experimentar? Como? Não tem dinheiro?
ZÉ BODÓ – É... Os tempos tão difíceis para todo mundo!... Quer dizer É...gastar!...33
prá a maioria, porque o rei e os amigos do rei não passam dificuldade!
ZÉ BODIN – Prá eles sobra. Não sabem é em que gastar!...
ZÉ BODÓ – E a senhora aí?
65 D. ITU – Euuuuu? ... Não faço compras no meio da rua. Estou aqui porque este
menino é muito teimoso e insiste em ficar, senão já tinha ido embora.
Ora vejam só!... Eu sou amiga do rei!... Vamos andando Joãozinho, para

27
Cantor brasileiro, nascido em Santo Amaro, na Bahia. Faz sucesso na música brasileira desde a década de 1960. Em 1969, foi preso pelo regime militar e exilado em
Londres (GUERRA, 2017).
28
Gal Costa é uma cantora de sucesso no Brasil, que tem carreira profícua no cenário musical, desde a década de 1960 (PRETO, 2015).
29
Grupo formado na Bahia nos anos 60 por Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, Moraes Moreira, Dadi, Galvão, Jorginho, Baixinho, Bolacha e Baby, estreou com o show
"Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio Universal" em 1968. [...] O grupo [...] influenciou de forma decisiva os rumos musicais do conjunto, numa guinada do rock para
a MPB. No ano seguinte mudaram-se para um sítio em Jacarepaguá, onde levavam uma vida comunitária, e lançaram "Acabou Chorare", disco que, com sua mistura de rock,
samba, frevo e choro, influenciou intérpretes, compositores e bandas dali em diante. O grupo se desfez em 1978 [...] (UOL, 2017).
30
Rita Lee é uma cantora brasileira, começou sua carreira na década de 1970 e desde esse período vem influenciando a música brasileira, considerada a rainha do rock
nacional (SAMORA, 2017).
31
Oscar da Penha, mais conhecido como Batatinha, foi um importante sambista baiano, de grande sucesso durante as décadas de 1970 e 1980 (BOECHAT, 2012).
32
Riachão, Clementino Rodrigues, é um sambista respeitado no Brasil, nascido em Salvador, Bahia (MEDEIROS, 2013).
33
“02 – Referências deseducativas às autoridades e seus agentes;” (PARECER 1157/77).
131

não nos confundirem!...


ZÉ BODÓ – Gente fina é outra coisa! Só veste roupa importada, não é madame?
70 D. ITU – Ahnnn???? Alguma dúvida???? Audácia!... Da Índia meu bem!... dos
Estados Unidos e da França. Vamos embora Joãzinho!... Que menino
levado!...Olha a hora do meu chá!...
JOÃOZINHO – Ah, titia, compra uma para mim, compra!...
D. ITU – Ora, vejam só!... Suas roupas são compradas em importadoras meu
75 filho!... Imagine comprar em mãos de camelô!... E na baixa do
sapateiro!...
ZÉ BODIN – Que é que a senhora está fazendo aqui madame?
D. ITU – É o trafego meu bem! É o trafego!... Com o racionamento da gasolina,
o chofer do táxi me deixou aqui perdida! Sem eira nem beira! Vamos
80 Joãozinho!... Vamos táxi!... táxi!... (sai correndo com Joãozinho).
ZÉ BODÓ – Olha o rapa!... Olha o rapa!... (todos correm esbaforidos. Ouve-se uma Olha34...falam)35.
marcha nupcial e entra o rei e a rainha ridiculamente vestidos em
“poses reais”, acenando para os transeuntes: Olham com
superioridade e amabilidade a todos, atravessando a cena da esquerda
85 para a direita. Zé Bodó e Zé Bodin imitam-nos se divertindo, riem
muito, depois falam).
ZÉ BODÓ – É... Não está mole não, viu meu irmão!...
ZÉ BODIN – Pois é... Santo de casa não faz milagres!...
ZÉ BODÓ – Mas na hora do aperto todo mundo corre pra macumba!...
80 Só vendo do Terreiro da Mãe Benedita quanta gente fina!...
(surgem dois turistas com máquinas fotográficas em mãos, óculos
escuros. Ele de bermuda, ela com um chapelão florido. Falam com
um sotaque muito carregado).
D. GRINGA – Aqui ser a Baixa do Sapateiro?

34
“02 – Referências deseducativas às autoridades e seus agentes;” (PARECER 1157/77).
35
“Opinamos pela liberação aos maiores de 10 anos, chamando a atenção da equipe / que procederá ao ensaio geral para as passagens assinaladas / nas fls. 02 e 05”
(PARECER 1401/77).
132

85 ZÉ BODÓ – É sim? Minha senhora.


D. GRINGA – Mas que exótico!... Que bela arquitetura!...
ZÉ BODÓ – Pois é... Construída pelos escravos no século XVII...
D. GRINGA – Peter, veja que lindo... Vamos tirar umas fotografias?
PETER – Claro querida!... Recordação do nosso passeio encantado a esta boa
90 terra!...
D. GRINGA – (Dirigindo-se aos camelôs) poderiam tirar uma fotografia para nós?
D. GRINGA – Oh!... Que exótico!... (Fazem pose, enquanto Bodó bate a foto. Depois
dirigem-se a Bodin) Tira uma fotografia com a gente? Sim?
Fantástico!... comprando em mãos de camelô na Baixa do Sapateiro!...
95 PETER – Gostar muito de Bahia!... Que povo simpático!... Amável!...
Hospitaleiro!... O povo baiano é um povo feliz!...
ZÉ BODÓ – (Ironicamente) a Bahia vai bem, como vai meu bem querer?
a Bahia vai bem, obrigado a você...
PETER – Muito verde, muitas morenas!... Muito petróleo!... (Entra uma baiana
100 com um tabuleiro na cabeça e uma imagem de Santa Bárbara nos
braços).
BAIANA – Uma ajuda para Santa Bárbara!... (Os turistas fotografam-na e dão-lhe
algum dinheiro).
ZÉ BODÓ – Tá russo minha santa!... Só podemos lhe dar isto!... (tirar umas duas
105 moedas e dão para ela. Entra uma outra com um tabuleiro de acarajé e
se instala no proscênio).
MÃE BENEDITA – Olha o acarajé!... Olha o acarajé!...
D. GRINGA – Acarajé? Que ser isto?
ZÉ BODIN – Produto da Casa Milady!... Olha aí!... Já tou até falando inglês.
110 (o casal de turistas aproximam-se sempre fotografando tudo e
pedem à baiana):
PETER – Uma acarajé por favor!..
MÃE BENEDITA – Uma não!... Um meu senhor ... É turista?
PETER – Sim, ser turista!..
133

115 MÃE BENEDITA – Tá na cara!... E parrê iansan!... Ebabá oxalá!...


D. GRINGA – Iansan?
MÃE BENEDITA – Sim. Dos raios e das tempestades e oxalá meu pai!...
ZÉ BODÓ – É... Só pedindo mesmo a proteção deles todos!...
D. GRINGA – Gostoso!... Ser muito gostoso acarajé!... Tem ketchup?
120 MÃE BENEDITA – (Estranhando) – Tem o que moça?
D. GRINGA – Ketchup...
MÃE BENEDITA – Tem sim (pisca o olho para a plateia e pega a pimenta)
Muito ou pouco?
D. GRINGA E PETER – Muita!... Muita!... (Ela enche o acarajé de pimenta. Eles comem e
125 começam a se sentir mal: Correm gritando). Coca-cola!... Coca Cola!...
Help me!... Help me!...
MÃE BENEDITA – Eh, esqueceu de pagar!... (Eles pagam e continuam gritando)
Coca-cola!... Coca-cola!... (os três caem na gargalhada. O Casal sai
correndo à procura da coca cola).
130 Ora vejam só!... Esses gringos tão pensando que isto aqui é o que?
(pausa) Uma acarajezinho meu fio?
ZÉ BODÓ − Querer, a gente quer minha tia. Mas a nota tá curta e aí a vontade
encurta também!...
MÃE BENEDITA − Toma aqui, oh!... Feito com gosto!... A gente tem mais é que se ajudar
135 uns aos outros!... Não tiveram bom resultado hoje?
ZÉ BODIN − Não minha tia!... Quem quer não tem grana. E quem tem só quer
comprar importado! Das oropa, dos state!...
MÃE BENEDITA − (Ironizando) A baiana deles tá assando!... (entra um jornaleiro,
vendendo jornais, anunciando as manchetes).
JORNALEIRO − Olha o jornal!... Olha o jornal!... Novo aumento do feijão!... O rei Olha...jornal!...36
140 recebe o Presidente das Arábias!... Gasolina aumentando mais um
pouquinho!...(enfático) o pão diminuiu!... Quer dizer de tamanho!...
Minha gente!... Mais um hotel para receber os turistas, que cada dia
36
“04 – (01) problemas socioeconômicos influenciáveis;” (PARECER 1157/77).
134

aumenta mais. Quem vai querer? Quem vai querer? Desabrigados da


chuva continuam à espera de uma solução... São muitas famílias sem
145 sem emprego! O rei se reunirá com os ministros mais uma vez para
estudar o problema!... Expulsos de uma invasão, moradores do
Marotinho!... No local a imobiliária Correa na Ribeira construirá um Marotinho37
ótimo prédio com vistas para o mar, que apesar de estar longe pode
ser visto com um potente binóculos!... Olha o jornal, olha o jornal!...
ZÉ BODÓ − Eh, jornaleiro!... Me dá um!... (pega um jornal e paga ao garoto).
150 JORNALEIRO Olha o jornal!... Olha o jornal!...
ZÉ BODIN − Deixa ver!... Deixa ver!... Guerra no Sul, no Norte, no Leste, no
Oeste!... Puxa vida!... Quanta guerra!...
ZÉ BODÓ − No ar também!... Disse que essa se não tiver cuidado acaba tudo!...
É nuclear!... Energia atômica!...
155 MÃE BENEDITA − Eu num sei não. Os home ao invés de se unir, tão cada vez mais uns
contra os outros. É fim de mundo!... Cruz credo!... te desconjuro!...
ZÉ BODÓ − Olha só!... Padre vendendo as imagens dos santos nas igrejas!...
MÃE BENEDITA − Eu tô dizendo!... É fim de mundo meu fio!... É fim de mundo!...
ZÉ BODIN − Pagou, estudou!... Quem não tem dinheiro fica sem educação Quem38...pago!..39
160 mesmo!... Até nas escolas públicas agora é pago!...
ZÉ BODÓ − Chá de titia na mansão do morro dos ventos sussurrantes. Morro...sussurrantes40
Todos em bege prateado, esnobando frescura!... (pausa leem outras
notícias, encontram uma que é de seu interesse). Ihhhh!... Olha aqui!...

37
Bairro de Salvador, com grande incidência de desabamento, desde a década de 1970. “Nestes 45 anos a mais desoladora das tragédias aconteceu em 27 de abril de 1971. Por
ironia, o dia coincide exatamente com o mesmo que há um ano matou 11 no Barro Branco e quatro no Marotinho. Em ambas oportunidades, os soteropolitanos em áreas de
risco olhavam para o céu e viam o céu desabar. Embaixo, a terra já não era tão firme” (MENDES, 2016).
38
“04 – (02) contraria a Lei Básica do Ensino nº 5692/71;” (PARECER 1157/77). A lei visava à profissionalização do então ensino secundário, na tentativa de unificar os
antigos ensino primário e médio, eliminando as diferenças entre os ramos secundário – agrícola, industrial, comercial e normal.
39
“Apesar de basear-se em temática infantil, o autor desenvolve críticas irreverentes a situações e personalidades de projeção na política soteropolitana, o que justifica nossos
cortes às fls. 04 e 20” (PARECER 1401/77).
40
Referência ao romance Morro dos ventos uivantes, lançado em 1847, pela escritora britânica Emily Bronté. A história recebeu adaptações fílmicas em 1939, 1992 e 2011.
135

Um edital de concorrência pública! ...


165 MÃE BENEDITA − O que é isto?
ZÉ BODÓ − O rei publica uma nota no jornal como esta. Convidando os
profissionais da corte para prestarem um serviço.
ZÉ BODIN − Tendo em vista a visita do presidente das Arábias, o rei Bruguelau
está
abrindo concorrência para os alfaiates da boa terra lhe prepararem uma
170 roupa a rigor para a cerimônia. Deve ser diferente de tudo que já foi
visto no baile municipal ou em qualquer cerimônia oficial!... Quem não
tiver competência, favor não se apresentar!...
ZÉ BODÓ – (Completando): Os Interessados deverão fazer inscrição no órgão
central de planejamento, com o seu diretor Ronaldo do Russo ou sua
175 secretária Vera Capivara da Moita: Esta é nossa Bodin!...
ZÉ BODIN – Nem a loteria esportiva seria tão boa!... É a nossa chance!...
ZÉ BODÓ – Vamos tirar o pé da lama!... Vamos tirar o pé da lama!...
MÃE BENEDITA – Home!... Vê só a pretensão dos bonecos!...
ZÉ BODÓ – Mas tá aqui minha tia. Tá aqui ó!...
180 MÃE BENEDITA – Vocês acham que nestes trajes alguém lá do palácio vai receber vocês?
ZÉ BODÓ – Aí é que está minha tia!... Nós somos da família de Pedro Malazarte,
de canção de fogo!... Amarelo e franzino, mas esperto e atrevido!...E
além do mais malandro!...
ZÉ BODIN – Claro!... Nos tempos em que a gente vive, há de se ter os olhos bem
185 abertos para não ser engolido pelos tubarões!
ZÉ BODÓ – Tái!.. É hora de eu entrar para a história!...
ZÉ BODIN – Vamos pregar uma peça neste rei e na patota dele?...
ZÉ BODÓ – Cadê o poeta popular?
ZÉ BODIN – Vamos fazer um cordel?
190 ZÉ BODÓ – Exatamente!... A incrível história de Zé Bodó e Zé Bodin no reino das
mentirinhas e das mentironas!...
ZÉ BODIN – Prá ser cantada nas feiras livres, na boca do povo e prá todo mundo
136

ficar sabendo que se engana uma vez, mas um dia a gente acorda e vê
tudo diferente!.. Com os olhos da verdade e da sabedoria!..
195 ZÉ BODÓ – Tá na hora de mostrar o rei como ele é...
ZÉ BODIN – Mas meu irmão para falar com o rei a gente tem que virar príncipe!...
ZÉ BODÓ – Não seja por isto!... Nós seremos os príncipes da Escola de samba
“Unidos da Liberdade”!...
ZÉ BODIN – Unidos da Liberdade?
200 ZÉ BODÓ – É sim. Nós não desfilamos no carnaval?
ZÉ BODIN – Pois sim...
ZÉ BODÓ – Pois então?...
ZÉ BODIN – Vamos pegar a fantasia!...
ZÉ BODÓ – Claro! Isto aqui é teatro!... viver os personagens que vão nos levar à
205 outra ação!...
MÃE BENEDITA – É bom não esquecer as origens!...
ZÉ BODÓ E ZÉ BODIN – Ora, minha tia, não tem perigo!...
MÃE BENEDITA – Pera aí, deixa eu rezar os dois prá fechar o corpo!... Pera...firme!41
(pega umas folhas e passa neles, enquanto reza baixinho, terminando
210 entrega um pó para eles). Toma aqui, oí... vai firme...Este é para abrir
os
caminhos!...
ZÉ BODÓ – A benção!...
MÃE BENEDITA – Deus te abençoe meu fio!... Oxalá que te proteja!... (Zé Bodin beija ela
também, fazem um cumprimento de filho. Para mãe de santo, batendo
215 ombro com ombro). Vai firme!
ZÉ BODIN – Vamos buscar a fantasia?
ZÉ BODÓ – Na Liberdade.
ZÉ BODIN – Na Liberdade!...
ZÉ BODÓ – É com ela que nós vamos chegar ao reino das mentirinhas e das

41
“Opinamos pela liberação aos maiores de 10 anos, chamando a atenção da equipe / que procederá ao ensaio geral para as passagens assinaladas / nas fls. 02 e 05”
(PARECER 1401/77).
137

220 mentironas para fazer a roupa nova do rei!..


ZÉ BODIN – Tecida com fios invisíveis!...
ZÉ BODÓ – E com poderes mágicos!...
ZÉ BODIN – Mas isto é história para daqui a pouco!...
ZÉ BODÓ – (À plateia) podemos contar com vocês?
225 ZÉ BODIN – Podemos? Então vamos nesta!...
ZÉ BODÓ – Vamos mudar o cenário que agora vai se transformar no palácio real
de sua majestade hipócrita Bruguelau primeiro e único, muito embora
haja muitas cópias dele por este mundo afora (ouve-se de fundo uma
batucada que acompanha as fala de Zé Bodó vem crescendo, quando
ele
termina de falar o som aumenta, enquanto eles fazem a mudança do
230 Cenário auxiliado pelo jornaleiro. Usando dois telões, vê-se o interior
do palácio real).
ZÉ BODIN – Com licença meus amigos! Daqui a pouco nós voltaremos!...(ouve-se
uma valsa, entram o rei, a rainha e o poeta erudito. o rei e a rainha
dançam, terminando por se colocarem frente a um espelho. O poeta
235 declama).
CORROIDO – Nosso céu tem mais estrelas Nosso...amores42
Nossas vidas mais amores
(o rei e a rainha ainda no espelho aplaudem-no, embora não lhe dessem
muita atenção. Ele diz mais um verso).
240 Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
As aves que aqui gorjeiam

42
Excerto se encontra destacado, à lápis, com a inscrição de corte. Ao lado, segue anotação manuscrita na qual se lê, à esquerda: não, e à direita: Hino Nacional? Lei 5443, em
referência à lei 5.443/68, que dispõe sobre a forma e apresentação dos símbolos nacionais. Marcação se relaciona ao parecer 1153/77. (O outro parecer, 1401/77, não faz
referência a essa informação).
138

Não gorjeiam como lá


Ai que saudades que tempo
245 Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais Onde...mais43
(O rei cortando debiloide)
REI – Lindo!... Lindo!... Lindo!... Very beautiful!... Maravilheuse! não é
250 querida?
RAINHA É querido!... Se você gostou é porque é bom!... E se é bom é ótimo!...
Ih! Ih! Ih!
REI – Certamente!... E então meu poeta tudo pronto para receber o nosso
querido amigo e presidente as arábias?
255 CORROIDO – A programação está completa!...
REI – Já falou com o grupo folclórico?
CORROIDO – Já sim. Eles vão se apresentar vestidos com a cor da bandeira árabe
em
homenagem a sua excelência última e única, o rei arabesco.
Vão dançar um candomblé das arábias. Bem no estilo das candomblé das arábias44
260 mil e uma noites!... Com violinos e tudo!...
REI – Maravilha!... É o máximo do exotismo!
CORROÍDO – Haverá também um recital com poemas de Carlito acanhado, Ildásio
Atravesado e outros poetas locais de primeira!...
REI – Tem alguma peça programada?
265 CORROIDO – Não. O diretor de departamento de cultura não tem visto com bons
olhos os atores e atrizes. Acha que eles fazem muito drama. Achou
melhor excluí-los da programação.

43
Referência ao poema Canção de exílio, de Gonçalves Dias, publicada em 1847 no livro Primeiros contos.
44
Faz-se referência ao sincretismo religioso, próprio da cultura baiana. “A variedade de igrejas, templos, terreiros e a diversidade de crenças conferiram a Salvador o status de
cidade marcada pela religiosidade. Existem também igreja católica maronita, sinagogas, igrejas presbiterianas, mesquitas e outros templos, convivendo em harmonia”
(SALVADOR, 2017).
139

REI – Quer dizer que a ciumara, o haril dos dedas, o malvindo não virão à ciumara...malvindo45
recepção?
270 CORROIDO – Não. O pessoal de teatro tem dito umas coisas que não tem agradado
ao departamento.
REI – Como assim?
CORROIDO – Nós eruditos, gostamos muito dos clássicos e atualmente a classe
teatral está numa de teatro popular que não está com nada! Além do
275 mais o teatro oficial está num estado de miséria. Sem luz, sem ar
condicionado e o mato já dá pra fazer até mise en plis...
REI – Esquece... Esquece... O que está mesmo me preocupando é a minha
roupa. Precisa ser algo especial!...
CORROIDO – Já foi lançada a concorrência pública. Todos os jornais já
280 divulgaram!... É grande o número de alfaiates que V. Sa. terá de
atender!...
REI – Suspenda todos os compromissos. Não vejo a hora de começar a
escolha!...
RAINHA – Eu já resolvi!... Quem vai me vestir é o Dené. Êle chega hoje no
aeroporto às quinze horas e tenho que ir recebe-lo!...Portanto querido
285 com licença!... Até mais tarde!...Ah, como é difícil ser rainha...Ainda Ainda...Duca!46
mais com estes desabrigados a me encher a paciência!... Irmã Duca
com estas obras de caridade!... Oh!... Meu Deus, já ia me esquecendo,
Veja a minha cabeça... Querido assine um cheque para comprar um
feijãozinho para os desabrigados. Eu prometi à Irmã Duca!... Deixe-me
290 ir. Não posso me demorar por mais tempo. Au revoir!...Ai preciso
treinar o meu inglês!... Ui, ui, ui!... What is this? This is an apple.

45
Nesse momento, Checcucci faz referência, através de um jogo de palavras (nomes), aos atores baianos: Yumara Rodrigues, Harildo Deda e Bemvindo Sequeira. Por meio
desse recurso, o dramaturgo tece críticas ao teatro baiano.
46
“07 – (01) desajuste sócio-econômico evidenciado;” (PARECER 1157/77). Irmã Duca faz referência a Irmã Dulce, que foi uma importante religiosa brasileira (1914-1992),
disseminadora da fé católica, dedicou a sua vida a ajudar os doentes, os mais pobres e necessitados. Foi beatificada pelo Papa Bento XVI em 10 de dezembro de 2010,
assumindo o título de "Bem-aventurada Dulce dos Pobres" (FRAZÃO, 2017).
140

REI – Vai azar!... pé de pato, mangalô três vezes!... Chegando os alfaiates Vai...vezes!...47
mandem que me esperem sim?
CORROIDO – Pois não majestade, às ordens...
295 REI – Ah, ia me esquecendo. Mande um lacaio ao departamento de
turismo e peça a D. Idalina das Fortalezas que encomende
um berimbau de ouro, ornado de diamantes e rubis que será
oferecido à sua majestade arabesco das arábias com
votos de estima e consideração.
300 CORROIDO – Pois não excelência! Assim se fará
REI – Adquira também um quadro de um desses pintores maiores
aí. Um casario, bem feito é claro, de preferência num
tom verde e rosa choque que enviaremos a arabesca última,
esposa do presidente arabesco!.. Ah, estou tão preocupado
305 com a minha imagem!... Meu quarto já não tem mais
onde colocar roupa!.. Denner, Clodovil, Pasco Rabane... Denner48Clodovil49
de todos tenho peças especialmente confeccionadas para Pasco50
mim. Mas nenhuma realmente me satisfaz.
CORROIDO – Majestade e o problema dos desabrigados? Majestade...Duca.51
310 REI – Isto é com a Irmã Duca. Preciso ainda ir a sauna, ao cabeleleiro.
Ah sim, reserve horário para mim no senhor e
senhora!.. Como cansa ser rei meu Deus!... Com licença!...
(entra a batucada de fundo e surge Bodó e Bodin fazendo
gags. Batem-se. Assustam-se, cumprimentam-se, arrumam as
315 perucas, como num filme de chanchada nacional. Terminam
47
“07 – (02) expressões próprias entre travestis” (PARECER 1153/77).
48
Dener Pamplona de Abreu, falecido em 1978, foi um importante costureiro brasileiro, considerado o primeiro a alcançar maior fama e talvez o maior que o país já viu
(PACCE, 1998).
49
Clodovil Hernandes foi um importante estilista brasileiro, que atuou, desde a década de 1970, nos campos da moda e da televisão (MDEMULHER, 2009).
50
Referência a Paco Rabanne, um estilista espanhol de muito sucesso. Desde a década de 1960 se mostrou um costureiro à frente do seu tempo, produzindo peças icônicas que
fazem parte da história da moda. Suas criações foram vestidas por atrizes como Jane Fonda, Audrey Hepburn e Brigitte Bardot (SEPHA, 2015).
51
“08 - caracteriza desajuste sócio-econômico;” (PARECER 1153/77).
141

por esbarrar em Corroido que declama).


CORROIDO – Voa colibri, voa Voa...voa52
Denuncia ao infinito
Esta dor invisível!...
320 Quão insensível vagueias
A procurar teu destino
Ouve a flor da ameixeira
Chorando teu canto infinito!...
ZÉ BODÓ – Que poema maravilhoso!...
325 ZÉ BODIN – Quem é o autor de tão bela obra?
CORROIDO – Ambrosina embevecida do arcanjo. Uma poetisa da academia
baiana de letras!.. Muito amiga do ator Mário Gadelha e Mário Gadelha53
da escritora Haidil Linhares!... Haidil Linhares54
ZÉ BODÓ – Permita que nos apresentemos!...
330 ZÉ BODÓ – Jossé Bodoh
ZÉ BODIN – Jossé Bodan
CORROIDO – Não entendi bem a pronuncia!...
ZÉ BODÓ – Bodoh, dobrando a língua. Assim – Ôhhh
ZÉ BODIN – E Jossé Bodan. Pronuncia-se Ahnnn, Bodan.
335 ZÉ BODÓ – Com quem temos a honra de falar? Certamente que um poeta!...
CORROIDO – Oh, sim... Corroido da Paixão e do Vislumbre, poeta erudito
com um livro de poemas editado pelo grêmio cultural
do Estado...
ZÉ BODÓ – Falam tão mal dele e no entanto ele está aí, proporcionando
340 aos nossos ouvidos sons tão harmoniosos e imagens
tão belas aos nossos olhos!...

52
Referência à música Voa Colibri, de João Guará e Ilson Itabira.
53
Referência ao ator paraense, atuante na Bahia, Mário Gadelha “Gadelha participou de mais de 60 espetáculos em seus 52 anos de carreira” (BRASKEM, 2008).
54
Referência à atriz baiana Haydil Linhares. “Considerada a primeira dama do teatro na Bahia [...] No teatro, trabalhou com grandes diretores, entre eles Deolindo Checcucci
("O Futuro está nos ovos"), Martim Gonçalves ("Véspera de reis"), Edwald Hackler ("A Mulher sem Pecado") e João Augusto (MEMORIAL, 2017).
142

BODIN – Bem, nós não temos tamanho talento para as letras, mas no trato!...
CORROIDO – Quer dizer então que vieram à concorrência para vestir
sua majestade?
345 ZÉ BODÓ – Certamente meu caro poeta!...
ZÉ BODIN – Compensamos a nossa deficiência poética, confeccionando
tecidos com cores e desenhos de um beleza fabulosa, e ainda
por cima um poder mágico: São invisíveis para toda e qualquer pessoa
que ocupe um cargo para o qual não tenha competência!...
350 Assim como para os imbecis, os babacas!...
ZÉ BODÓ – Obviamente que não é o seu caso, nem o desta corte, pois
pelo visto todos aqui são muito competentes e de uma inteligência
rara!
CORROIDO – Chamarei sua majestade, imediatamente. Aguardem um minuto
355 por favor!... Acho que é isto mesmo que o rei está precisando.
Minha sensibilidade o diz. Com licença!...
ZÉ BODÓ – Parece que o papo colou!...
– Terra de cego, meu irmão
– Quem tem olho é rei!...
360 – Pois é. Vamos em frente!...
– Que aí vem gente!...
(ouve-se uma marcha marcial. Entra o rei compenetradíssimo
e se coloca no centro do palco. Bodó e Bodin após cumprimentarem
sua majestade).
365 ZÉ BODÓ – Com vossa permissão excelência, permita que nos apresentemos
Jossé Bodoh e
ZÉ BODIN – Jossé Bodan.
OS DOIS – Às suas ordens:
REI – Meus senhores, disse-me o meu amigo Corroído da Paixão,
370 que os senhores podem fabricar um tecido com desenhos e
cores de uma beleza fabulosa e ainda com poderes mágicos,
143

que o torna invisível a toda e qualquer pessoa que ocupe


um cargo para o qual não tenha competência, assim como
para os imbecis.
375 ZÉ BODÓ E ZÉ BODIN – Exatamente majestade!...
REI – (Em tom de discurso) senhor Bodoh e senhor Bodan, conforme
é de vosso conhecimento eu sou o rei mais bem vestido
de todas as cortes da terra. Os mais altos nomes da costura
nacional e internacional me vestem. Como o rei das
380 arábias tem um interesse especial em tudo que é regional,
eu achei por bem valorizar a prata da casa, daí a concorrência.
Confesso que diante do que os senhores me prometem
eu estou sensibilizado e tudo farei para o bom andamento
das coisas. Sendo assim aceitem os meus votos de
385 boa vinda e vamos partir para a construção desta roupa
maravilhosa que vai mostrar a todos a imagem de um rei
consciente de seus deveres para com a comunidade e os cidadãos
de seu país: prá frente Bodoh e Bodan. Mãos à obra
em nome do progresso e da civilização! Tenho dito!...
390 Ufa! Cansei. Pensei que estava num palanque fazendo comício!
É que com a aproximação das eleições agente começa
a fazer discurso!
ZÉ BODÓ – Ora, ora majestade. Esteja à vontade!...
ZÉ BODIN – A gente entende muito bem essas coisas...
395 REI – Preciso desta roupa com a maior urgência. Assim quando
me vestir com ela poderei descobrir quem em meu reino
ocupa cargos sem merecer e poderei ainda distinguir entre
os sábios e os burros! É simplesmente maravilhoso! Os
senhores caíram do céu!
400 CORROIDO – O senhor acha realmente interessante majestade?
REI – Claro Corroido, claro!
144

CORROIDO – Eu acho um tanto perigoso!...


REI – De forma alguma! De forma alguma! E por quanto ficaria
isto meus senhores?
405 ZÉ BODÓ – Bem, como nós estamos mudando, precisamos de um terreno
para fazer uma chacara e uma quantia em dinheiro,
pois temos uma família numerosa para abrigar. Afora os
gastos com o material para a confecção do tecido.
REI – Certamente que o desejo dos senhores será atendido!...
410 Corroido, por favor, bata um contrato nos termos pedidos
pelos senhores e proíba que alguém mais use esta fazenda.
Só as roupas do rei poderão ser confeccionadas com ela.
De hoje em diante este pano chamar-se-á o tecido exclusivo
do rei. Nem mesmo a rainha poderá usá-lo!...
415 CORROIDO – Assim se fará majestade!...
REI – Providencie também para que os senhores Bodan e BODOH sejam
confortavelmente instalados e deem-lhe todas as condições
necessários para que o trabalho se realiza satisfatoriamente
e dentro da mais perfeita ordem.
420 CORROIDO – Pois não majestade!...
REI – Vamos. Com licença! senhores!
ZÉ BODO E ZÉ BODIN – À vontade
CORROIDO – Vou preparar o contrato.
(os dois caem na gargalhada, se abraçam. Entram em samba.
425 Eles pegam duas placas onde se lê “nós não temos comerciais”.
Vão saindo). Fim do primeiro ato.

2º ATO
(O mesmo cenário do primeiro ato. Ao som do batuque entram Bodó e
Bodin, um com um tear e o outro com uma máquina de costurar e se
425 instalam. Os dois em mímica representam a confecção do tecido,
145

exagerando nos detalhes. Cessa a música, eles falam:)


ZÉ BODÓ – Bodin, quer me passar a agulha por favor?
ZÉ BODIN – Pois não Bodó!...
ZÉ BODÓ – O que você acha de usarmos os fios de esmeralda para o tecido
430 do manto?
ZÉ BODIN – Acho ótimo!... Ótimo!...
ZÉ BODÓ – Você esta botando o que para as calças?
ZÉ BODIN – Os fios de cristal!...
ZÉ BODÓ – O rei Bruguelau nunca se vestiu tão bem!... Vai fazer sucesso
435 com esta roupa!...
ZÉ BODIN – Pode ir até agora para o próximo baile do municipal!... Evandro
e Bornay que se segurem!...
(Todas estas falas são ditas num tom de muito deboche pelos
dois que se divertem com a situação. Entra o jornaleiro
440 comentando):
JORNALEIRO – Atenção!... Atenção!... Aproxima-se a grande data da visita
do rei arabesco das arábias a nosso país!... Dois alfaiates
especialmente contratados preparem a roupa de nosso
rei com cores e desenhos de uma beleza fabulosa!... E com
445 um poder mágico! É invisível para toda e qualquer pessoa
que ocupe um cargo para o qual não tenha competência.
É também invisível para todos os imbecis!... Reina grande
expectativa em torno do tecido do rei!... Será que haverá
nesta corte alguém incompetente ocupando algum cargo? Será
450 que há algum imbecil servindo ao rei? Comenta-se que
nem mesmo a rainha pode usar do famoso pano! Muito embora
toda a corte manifestasse o desejo de usar o tecido exclusivo,
o rei proibiu terminantemente que alguém mais o use,
o que tem provocado protestos de seus amigos. Sobre o assunto
455 diz o colunista Aléxis ao gosto! Sua majestade, o
146

Rei, apesar de seus princípios democráticos, está tomando


uma atitude antipática frente a seus admiradores. Atitudes
como esta só tomam os egoístas e os pobres de espirito.
Mas enquanto os cães ladram, a caravana passa!... Até logo
460 garotada!... Deixa eu ir em frente porque atrás vem gente!...
Um bom divertimento para vocês. (sai, entram Corroido
e o primeiro ministro Bodó e Bodin observam os dois).
CORROIDO – Senhor primeiro ministro, este é um momento em que precisamos
confiar. Afinal de contas nós todos corremos perigo.
465 Atravessamos um momento crítico em nossa história. Já pensou
se não enxergamos o tecido e perdemos nossos postos?
É o fim... É o fim...
PRIMEIRO MINISTRO – Concordo plenamente meu caro amigo, mas estou tranquilo,
pois não tenho medido esforços para servir à sua majestade.
470 naturalmente que antes de tudo está em jogo meus interesses.
Mas creio ter sido competente no meu cargo e atuado
com sabedoria....
CORROIDO – Então, meu caro colega gostaria que o senhor mandasse uma
nota aos jornais esclarecendo o problema da invasão do Marotinho,
475 pois os jornalistas tem feito severas críticas
ao acontecido.
PRIMEIRO MINISTRO – Ora meu amigo, o que houve foi uma necessidade de evacuar
a área em função do progresso e da civilização!... como é
de vosso conhecimento eu sou um dos sócios da Correa na
480 Ribeira imobiliária e então resolvemos construir um espigão
no local, daí ter sido necessário afastar a população
de lá. Além do mais aqueles casebres caindo aos pedações
comprometiam a imagem de nossa boa terra!... Um turista
chegava lá o que via? Um postal nada digno de nossas tradições!...
485 CORROIDO – Certamente, senhor ministro!... Certamente!...
147

PRIMEIRO MINISTRO – Mas já está resolvido o problema. O bando nacional de habitação O...novamente.55
vai construir. Claro que eles morarão bem mais
distante, casas populares e aí fica tudo em paz novamente.
Jornalista quer é sensação para vender jornal! Deixe comigo,
490 que eu enviarei ao chefe de reportagem uma boa soma e
tudo acabará bem. Afinal nosso reino prima pelo happy end.
Sempre se dá um jeitinho!
CORROIDO – Eu espero, eu espero!...
PRIMEIRO MINISTRO – Fique calmo!... Vá fazer uns versos!... Aproveite que o dia
495 está claro e isto facilita a inspiração!...
CORROIDO – Ah, é verdade, vou terminar meu último poema que eu inclusive
já dei um título. É meu pé de unha encravado!...
PRIMEIRO MINISTRO – Que lindo meu poeta!... Muito romântico!... Muito romântico!
(Saem. Bodó e Bodin comentam)
500 ZÉ BODÓ – Viu só Bodin, como é que as coisas se resolvem neste reino!...
ZÉ BODIN – Cada um puxando a brasa para sua sardinha!...
ZÉ BODÓ – Ai de nós, se não fosse a nossa esperteza!...
ZÉ BODIN – Mas escuta, o que é que a gente vai fazer com todo esse
dinheiro? (Pegando uns sacos com moedas).
505 ZÉ BODÓ – Ora, meu irmão, metade agente divide com a La Benedita,
com o pessoal do terreiro, com o grêmio dos trovadores,
que é para o pessoal imprimir um cordel contando todo o
acontecido, e aí todo mundo sabendo das coisas tomam uma
atitude em conjunto!...Porque eu não sou herói e o que
510 eu quero mesmo é correr mundo!.. O terreno a gente faz uma
casa para descansar de nossas viagens...
ZÉ BODIN – Com o que ficar pra agente, vamos descobrir outras terras,
outros mares nunca dantes navegados, não é mesmo?
ZÉ BODÓ – Isto aí.
55
“12 – Induz a conotações governamentais;” (PARECER 1153/77).
148

515 ZÉ BODIN – Será que vai dar certo mesmo Bodó?


ZÉ BODÓ – Se vai!... Não tenho dúvidas. Quem é que vai querer passar
por burro ou incompetente? Mentindo como eles mentem não
vão ter coragem de dizer nada para o rei... Vão achar que
ele nunca vestiu uma roupa tão bonita!.. (ouvem-se vozes)
520 ZÉ BODIN – Parece que alguém vem vindo. Ao trabalho Bodin!... Ao trabalho!...
(cantam)
Eu não sou cachorro não, para viver tão humilhado!... Eu...humilhado!...56
(Entram pela direita o rei e a rainha. Os dois brigam em tom de ópera).
RAINHA – És um tirano!... Um traidor!...
525 REI – Querida minha, tinha que ser!... Tens tantos panos, por
que temer?
RAINHA – Estou profundamente irritada!... Nunca fui tão humilhada!.
REI – Não me enche o saco! Deixa-me em paz! Não...saco!57
RAINHA – Não seja estúpido!... Eu sou uma lady! Me trate bem!...
530 REI – Que lhe fiz eu? Não me aporrinha!... Não...aporrinha!...58
RAINHA – (Voltando a falar naturalmente) não admito!... É uma ofensa
à sua esposa!.. Onde é que estão os direitos da mulher!
Proibir-me de usar do tecido!... Vou entrar para a women’s
liberation!..
535 REI – Mas você não trouxe o Denê para lhe vestir?
RAINHA – Mas agora eu queria o tecido invisível para me vestir. O
que é que você está pensando? Eu também sou vaidosa!... Além
do mais preciso manter a minha liderança na lista das
dez mais. Estes dois alfaiates põem qualquer um desses
540 costureiros no chinelo. Não tem Clodovil que se compare a
êles. Com oito ou com oitocentos!...

56
Referência à música Eu não sou cachorro não, de Waldick Soriano.
57
“13 – quatro citações de gírias de baixo nível, inadequadas ao público infantil;” (PARECER 1171/77).
58
“13 – quatro citações de gírias de baixo nível, inadequadas ao público infantil;” (PARECER 1171/77).
149

REI – Não, não e não! Está decidido. Fique na sua e não me encha encha...saco!...59
o saco!... Falou?
RAINHA – Ihhh... Veja a sua linguagem!... Com este papo de gíria
545 prá cima de moi... Corte essa!...
REI – Ai Deus que pode, não fazei de mim um bode!...
RAINHA – Eu estou uma pilha!... Nunca estive tão nervosa!...
REI – Relaxe meu bem, relaxe. Por que não vai ao seu psiquiatra?
RAINHA – É o que vou fazer mesmo. Só ele me entende. Prepara um
550 cheque!...
REI – (Dando o cheque para ela). Escute uma coisa: eu tenho que
receber arabesco de cabeça fria. Saiba que ele simplesmente
quer industrializar o acarajé!.. Você sabe o que isto
significa? Dinheiro para nossos bolsos. Entende? Não me Não...juízo!60
560 aporrinhe o juízo! Já pensou no acarajé em embalagem plástica
nos supermercados? Vai ser a glória acabar com esta
coisa de baiana com fugareiro no meio da rua!... Sujando
tudo!... Ao menos trouxessem um fogão a gás!... Vai vai cuidar
das tuas tapeçarias!... (A rainha olha-o com indiferença,
565 faz uma cara de muxoxo e sai).
RAINHA – Vou agora mesmo para o meu analista!... Só ele me entende, só
ele!...
REI – Vai. Vai. (pausa) ai como morro de curiosidade!... Não vejo a
hora de por a nova roupa. (anda como se a tivesse vestido).
570 Estou mesmo tentado a ir até onde os dois estão. Mas que dúvida!...
Não sei mesmo se devo ir até lá. Não que eu não seja
competente!... Tampouco imbecil!... Mas por via das dúvidas é
bom se precaver!.. Nunca se sabe!... Ahhhh... Já sei. Mandarei
o primeiro ministro!.. Todo mundo na cidade está ansioso

59
“13 – quatro citações de gírias de baixo nível, inadequadas ao público infantil;” (PARECER 1171/77).
60
“13 – quatro citações de gírias de baixo nível, inadequadas ao público infantil;” (PARECER 1171/77).
150

575 para ver até onde vai a imbecilidade do vizinho! (Toca uma
campainha entra o primeiro ministro).
PRIMEIRO MINISTRO – (Assustadíssimo) muito me honra a missão majestade, mas V.
Sa. não acha melhor enviar o Corroído? Tenho uns assuntos a
tratar aqui e não gostaria de me ausentar agora do palácio!.
580 REI – É muito importante o que o senhor tem a tratar, Primeiro Ministro?
PRIMEIRO MINISTRO – Importantíssimo!...
REI – (Gritando) Corroido!... (Entrando esbaforido).
CORROIDO – Pronto majestade!...
REI – Como o Primeiro Ministro não pode ausentar-se e o senhor é
585 uma das pessoas que como ele é muito inteligente, eu o encarrego
da sublime missão de ir até ao atelier do senhor Bodó
e do Senhor Bodan para julgar a qualidade do tecido real que
os mesmos estão fazendo.
CORROIDO – Mas majestade... Eu... Eu...
590 REI – Eu... Eu... o que? O senhor ocupa um cargo muito importante
em meu governo. Cuida das artes e da cultura! Logo é inteligente!
ninguém melhor que o senhor para ir até lá.
CORROIDO – Que eu sou competente, não tenho dúvidas e inteligente, também.
Tenho diploma universitário, curso de pós-graduação, fui
595 sempre o primeiro da turma, mas agora, neste exato momento
estou escrevendo o poema que vou declamar para o rei arabesco
e se sair agora vou perder a inspiração!....
REI – Sem essa Corroido!...
CORROIDO – Majestade, o artista não é um ser qualquer. É um iluminado!
600 E quando baixa a luz ele tem que aproveitar a luminosidade
REI – Que papo de espiritismo é este seu Corroido? Pois bem, vão
os dois. O ministro e o senhor. Aliás, aproveite a sua luz e
confira direitinho a obra de arte que os alfaiates estão confeccionando.
Tenho dito. Felicidades na missão. (O rei toma
151

605 uma pose e fica estático. Sem terem outra saída vão até Bodó
e Bodin. A partir deste instante a batucada vai sempre servir
de fundo para a ação).
ZÉ BODÓ – Senhor primeiro ministro!... Quanta honra!...
ZÉ BODIN – Meu nobre poeta, como vão os versos?
610 CORROIDO – (Desconfiado e muito tímido) não tenho andado muito inspirado
Ultimamente!... Estou precisando pesquisar mais!...
ZÉ BODÓ – A que devemos o prazer de tão ilustres presenças? Alguma novidade?
PRIMEIRO MINISTRO – É que gostaríamos de ver como andam os trabalhos...
CORROIDO – Toda a cidade comenta a confecção do tecido real!...
615 ZÉ BODÓ – Pois sim...
PIRMEIRO MINISTRO – Caiu até a vendagem da feira dos tecidos!...
ZÉ BODÓ – Foi providencial a presença dos cavalheiros aqui. Principalmente
do senhor primeiro ministro, pois estamos precisando
de mais dinheiro para comprar uns fios de ouro que faltam.
620 PRIMEIRO MINISTRO – Pois não cavalheiros. Tomem aqui em cheque. Preencham com a
quantia necessária.
ZÉ BODÓ – Muito obrigado, queiram aproximar-se. Sintam-se à vontade!...
(Pegando juntamente com Bodin o tecido imaginário) eis aqui
o tecido!...
625 (os dois se aproximam temerosos e desconfiados. Olham e dizem
para o público):
PRIMEIRO MINISTRO – (Arregalando os olhos) meu Deus!... Eu não estou vendo nada!.
CORROIDO – (Assustadíssimo) Ohhh!.. Mas é inacreditável!... Não vejo nada!...
PRIMEIRO MINISTRO – Serei assim tão incompetente?
630 CORROIDO – Serei assim tão imbecil?
PRIMEIRO MINISTRO – É claro que não vou confessar que não estou vendo!... Imaginem
se descobrem que sou incompetente!. . Adeus meus status!...
CORROIDO – Imaginem se descobrem que sou burro!... Adeus meu posto como
é que vou pagar a prestação do meu corcel, meu apartamento?
152

635 minha geladeira? meu secador de cabelo?


ZÉ BODIN – Olhem sem medo cavalheiros. Ninguém melhor que os senhores
para serem os primeiros a examinar o nosso trabalho!...
ZÉ BODÓ – Então, o que acham?
PRIMEIRO MINISTRO – É... É... realmente é muito bonito!... Nunca vi nada igual...
640 CORROIDO – Merece até um poema!...
Tão lindas as tuas listas
Tão formosa a tua textura
Tecido do imperador
Melhor do que seda pura!...
645 ZÉ BODIN – Eu fico comovido com estas coisas senhor Corroido!...
ZÉ BODÓ – Realmente é de comover qualquer um...
ZÉ BODIN – Um momentinho senhores, vamos mostrá-lo detalhadamente para
que apreciem melhor...
ZÉ BODÓ – (Ajudando a Bodin) queiram afastar-se um pouco meus senhores,
650 por gentileza!..
ZÉ BODIN – Vejam!... Que acham desta estamparia?
CORROIDO – Exuberante!
PRIMEIRO MINISTRO – Fantástico!...
ZÉ BODÓ – E o que dizem das cores?
655 CORROIDO – Fantásticas!... geniais!... Este verde aqui é único!...
PRIMEIRO MINISTRO – Direi ao imperador que fiquei encantado com o que vi!
CORROIDO – Eu também...
ZÉ BODIN – Sabíamos que os senhores tão inteligentes e capazes gostariam
do nosso trabalho!...
660 ZÉ BODÓ – Este brocado é de essência de rubi!.. Este trançado é de fio de ouro!..
PRIMEIRO MINISTRO – Irei agora mesmo falar com o rei. Serei o primeiro a dar-lhe
a notícia, vamos Corroido!... (Saem o primeiro ministro e Corroído.
Os dois caem na gargalhada, refazendo a cena. O rei
sai da sua posição estática e anda em círculo fazendo um clichê
153

665 de personagem preocupado).


ZÉ BODIN – Veja este brocado: Feito com essência de rubi!...
ZÉ BODÓ – E esta lista, com fios de esmeralda!...
ZÉ BODIN – Gente esperta é outra coisa em bodó?
ZÉ BODÓ – Pois é meu amigo!... Vamos descansar um pouco! Este pano nos
670 tem dado muito trabalho!... (Black. Os dois dormem. Entram
o primeiro ministro e Corroido na sala do rei)
REI – (Curiosíssimo) E então senhores?
PRIMEIRO MINISTRO – Majestade, o senhor realmente é um grande soberano!...
CORROIDO – Não poderia ter escolhido com maior sabedoria que lhe vestisse!...
675 O tecido é qualquer coisa de fantástico!
PRIMEIRO MINISTRO – Se o senhor tivesse escolhido um artista plástico local para
fazer a estamparia não sairia tão belo!...
(O rei não cabe em si de contente).
REI – (Emocionadíssimo) Então... então... realmente eu serei vestido
680 como um rei? oh! oh! oh!...
(Desmaia. Neste momento vem entrando a rainha que assusta-se
ao ver o esposo carregado pelos dois. Julga ser um atentado
e começa a gritar).
RAINHA – Socorro!... Socorro!... Acudam!... O rei está sendo raptado!...
685 (corre para um lado e para o outro aos berros. Os dois largam
o rei que cai e se encaminha para ela).
Socorro!... Traição!... Agora querem me pegar!... Guardas do
serviço secreto!.. Acudam (os dois conseguem segurá-la)
690 PRIMEIRO MINISTRO – Que escândalo é este majestade?
RAINHA – Escândalo uma pinoia!... Não vão me levar assim não!...
PRIMEIRO MINISTRO – E quem vai querer levar vossa majestade para algum lugar?
RAINHA – É o que não falta!... é quem queira!... Larguem-me!... Larguem-me!...
695 Estão querendo nos levar!...
REI – (Depois de um berro) Ai! ai!.. ai meu bum bum! Mas que escândalo
154

é este mulher?
RAINHA – O primeiro ministro e Corroído queriam nos raptar!...
REI – Deixe de bobagem mulher!... Você está louca?
700 RAINHA – Eu vi!... Eu vi!... Você nos braços deles sendo levado!...
REI – Ora vejam só! Não se pode mais nem desmaiar de emoção!... Você
anda vendo coisas que não existem! É no que dá esta sua análise!...
RAINHA – Oh, eu confundo tudo!... E o que foi que lhe emocionou tanto?
REI – O que poderia ter sido? Use a cabeça mulher!... O primeiro ministro
705 e o poeta foram ver o tecido e disseram que é qualquer
coisa de fantástico!...
RAINHA – Ah, eu quero ver também!... Eu quero!... Eu quero ver o tecido
que vão fazer a roupa do meu maridinho!... Não é querido?
REI – Mesmo sabendo que os incompetentes e os imbecis não veem?
710 (A rainha começa a chorar e fazer drama) O que foi agora meu
Deus?
RAINHA – É uma afronta!... É uma afronta!... Você quer dizer que eu sou
burra e incompetente? Tantos anos juntos e você me faz uma
grosseria destas! Meu coração não aguenta!.. Ai minha frescurite!...
715 Ai, ai, ai!...
REI – Acalme-se querida!... Eu não quis dizer isto!... Só queria lhe
prevenir!...
RAINHA – Eu vou!... Eu vou!... O primeiro ministro e Corroido não foram?
Não vejo porque eu não posso ir!... E vou mostrar para
720 você como sou inteligente!... Com licença!... (Entra uma música.
Ela sai dando voltas. Os três se reúnem e conversam sobre
o tecido com muito entusiasmo a rainha desloca-se até os
alfaiates que acordam assustados).
RAINHA – Com licença!... Com licença senhores!...
725 ZÉ BODÓ E ZÉ BODIN – Sua majestade!... A rainha brugueloa!... Primeira e única!...
RAINHA – Única não. Tem muita gente por aí como eu! Vamos dispensar
155

as formalidades que eu vim ver o tecido real! Já soube que é


algo mais em originalidade e bom gosto!...
ZÉ BODÓ – Certamente majestade!... Certamente!...
730 RAINHA – E como eu sou uma pessoa de muito bom gosto, quero primeiro
ver, segundo: concordar ou discordar!...
ZÉ BODIN – Queira aproximar-se majestade!...
ZÉ BODÓ – Faz favor!... Por obséquio!... (Estendem o pano invisível para
ela que faz uma cara de espanto e dirige-se à plateia).
735 RAINHA – Mas eu não vejo nada! Será que eu sou tão idiota? Será? Eu já
fui júri do Silvio Santos!... Ai, ai, ai... Quer dizer Sílvio Santos61
então que sou incompetente para ser a primeira dama? E quem
vai sustentar meus caprichos se eu disser que não estou vendo
nada? Ora, é claro que eu vou achar o tecido algo de extraordinário!
740 De sensacional! (Voltando-se para os dois, que
se olham cumplicemente). Mas é fantástico meus senhores! olhem
que eu tenho bom gosto! Minhas tapeçarias são de fazer
inveja a qualquer madame da corte!... E nunca vi nada igual
em toda minha vida!... Meu esposo vai brilhar com este tecido!
745 É simplesmente genial!... Lindo! Lindo de morrer! Um luxo!...
ZÉ BODÓ – Majestade, gostaríamos que a senhora transmitisse um recado
nosso ao rei.
RAINHA – Claro, senhores, claro.
ZÉ BODÓ – É que o tecido já está pronto e gostaríamos de cortar a roupa
750 para costurá-la...
RAINHA – Com todo prazer!... Irei imediatamente! Agora mesmo, meus
senhores!...
Com licença!... (Sai. Os dois caem na gargalhada).

61
Senor Abravanel, mais conhecido como Sílvio Santos, é um famoso apresentador de televisão brasileiro. Em 1977, ele apresentava o Programa Sílvio Santos, transmitido
pela Rede Tupi até a década de 1980 (TERRA, 2017)
156

ZÉ BODÓ – Viu só? Ninguém quer ser incompetente!...


ZÉ BODIN – Muito menos burro!...
755 ZÉ BODÓ – São capazes de mentir para si mesmo, para não aceitar a verdade!...
ZÉ BODIN – Vamos agora à sua majestade (ouve-se a marcha nupcial).
ZÉ BODÓ – Que por sinal já se aproxima. (Entram o rei, a rainha, o primeiro
ministro e Corroido).
ZÉ BODIN – Quanta honra majestade!...
760 ZÉ BODÓ – É com muito prazer que lhe informamos que o tecido real está
pronto!...
REI – (Satisfeitíssimo) Já soube senhores! e segundo as pessoas de
minha confiança é realmente qualquer coisa de sensacional!
Por favor, eu não aguento mais de curiosidade! Mostrem-me o
765 famoso tecido!...
ZÉ BODÓ – Com todo prazer majestade (os dois estendem o tecido imaginário).
ZÉ BODIN – Ei-lo!... (o rei arregala os olhos assustado. Enquanto a rainha,
o primeiro ministro e corroído examinam o tecido, ele
fala para o público):
770 REI – (Estarrecido) Mas... O que se passa? Eu não vejo nada! Será
que sou tão burro e incompetente? É bem verdade que eu não
estou nem aí para os problemas do povo. Mas... Não, não posso
demonstrar que não estou vendo. O primeiro ministro viu,
o poeta viu, a rainha também. Não serei o único a não ver. É
775 claro que vou dizer que o tecido é lindo e ficarei feliz em
me vestir com ele... Não vou perder meu poder!...
ZÉ BODÓ – E então majestade?
REI – Eu... Eu (todos se olham assustados) estou deslumbrado! (todos
suspiram aliviados). Nunca vi nada igual!... Vou ficar
780 muito bem nele!... E ficou comprovada a competência e a sabedoria
de nós todos. Não é mesmo?
RAINHA – Claro meu querido!...
157

PRIMEIRO MINISTRO – Certamente excelência!...


CORROIDO – Naturalmente que sim meu rei!...
785 ZÉ BODÓ – Majestade, gostaríamos de tirar suas medidas para cortar o
pano!...
REI – Pois não!... Pois não!... (Abrindo os braços). À vontade! (Bodó
e Bodin pegam uma fita métrica e um caderno medem e anotam).
ZÉ BODÓ – cintura – 170, ombros 180, busto 210, cumprimento 98. (Bodin
790 anota as medidas). Obrigado majestade. Amanhã a roupa estará
pronta!
REI – Meus senhores, não sei como agradecer-lhes!...
ZÉ BODIN – Ora majestade! O prazer é todo nosso em servir a V. Alteza.
Nosso ibope agora vai estourar!...
795 REI – Eu amei o tecido!... Realmente é muito lindo!... Vocês receberão
mais um cheque extra pelo trabalho!... É dever do governo
auxiliar os verdadeiros artistas!... Vamos meus senhores
para não atrasar o trabalho!... Não vejo a hora de vestir a
roupa!... Com licença... (Saem. Os dois alfaiates riem às gargalhadas).
800 ZÉ BODÓ – É demais...
ZÉ BODIN – Nunca pensei em me divertir tanto!... Viu só como as pessoas
são competentes neste reino?
ZÉ BODÓ – Apoiando a mentira e a tolice!... Vamos cortar a roupa nova
do rei. (Pegando o tecido). Segura lá Bodin. (Pegam uma grande
805 tesoura e cortam o tecido imaginário às gargalhadas). (Enquanto
os dois cortam o tecido e confeccionam a roupa, a direita
vem chegando o rei, a rainha, o primeiro ministro e
Corroído que comentam o tecido, cada um traz um saco de confetes
que se jogam mutuamente).
810 RAINHA – Querido, juro a você que nunca vi nada igual em toda a minha
vida!...
REI – Certamente, meu amor!...
158

CORROIDO – Majestade, o tecido real foi a melhor coisa até agora que
o senhor fez em seu governo!...
815 PRIMEIRO MINISTRO – Superou mesmo os estádios, os viadutos... Tudo! Tudo!
REI – Meus súditos está é uma iniciativa nossa. Ela não é só minha!...
Então, os aplausos, merecemos nós todos!... Sobretudo
porque demonstrou a nossa competência e sabedoria! Não
tem uma serpentina aí não? Estou cansado de jogar confétis.
820 CORROIDO – Tão linda as tuas listas
Tão formosa a tua textura
Tecido do rei
Melhor do que seda pura!...
(Aplausos gerais. Saem eufóricos, enquanto entra o Jornaleiro,
825 agora como um apresentador de TV. Entra o som da batucada
de fundo enquanto ele fala por um microfone):
JORNALEIRO – Extra!... Extra!... Extra!... Senhoras e senhores é chegado o
grande dia!... A roupa nova do rei está pronta! Já se encontra
nesta cidade o rei arabesco das Arábia! O rei convida
830 a todos para a grande recepção quando todos poderão vê-lo
com a incrível roupa de poderes mágicos!... Hoje na rua toda
a população poderá admirá-lo ao lado de sua majestade
arabesco último único. Aproximem-se senhores! (Começam a
entrar os figurantes) dizem os integrantes da corte que o
835 tecido da roupa nova do rei é qualquer coisa de sensacional!
E o modelo confeccionado pelos senhores Bodoh e Bodan
põe no chinelo qualquer costureiro famoso!.. Vai haver pão
e circo!.. E eis que chega o grupo folclórico Oxum para
dançar o candomblé das arábias! (o grupo entra com uma roupa
840 que é uma mistura de afro com oriente). Numa homenagem
ao rei arabesco último e único!... Pois até agora todos os que
viram a estranha roupa tem comprovado a sua competência e
159

sabedoria!... É a vez do povo! Pois até agora só os mais


próximos de sua majestade viram a sua roupa maravilhosa!...
845 O fantástico show da vida vai mostrar tudo para você telespectador fantástico show da vida62
que está em sua casa, comodamente instalado, mas
que de qualquer forma participa desta grandiosa festa!... A
sua TV Brucutú em mais uma sensacional reportagem!.. É grande
a expectativa!.. e atenção meus senhores que se aproximam
850 a comitiva real, tendo à frente o representante das artes
e da cultura, o poeta Corroido da Paixão e do Vislumbre
seguido do senhor primeiro ministro Antônio Carlos dos Mais Antônio63...Galhões64
Galhões os alfaiates reais Josse Bodoh e Josse Bodan!.
O rei arabesco das arábias, a rainha brugueloa primeira e
855 variada!.. E finalmente sua majestade Bruguelau em sua nova
roupa. (aumenta o som. O rei acena para todos. Veste
com outras peças, dado a seus gestos e a maneira como se
locomove. Todos aplaudem).
TV BRUCUTU – Documentando toda a cerimônia para o fantástico show da vida!...
860 Vamos ouvir as opiniões de todos em relação a nova
roupa da sua majestade!... Por favor, por favor, minha senhora
(aproximando-se de uma figurante) A sua opinião para
os nossos telespectadores!..
MULHER – Eu acho realmente real a indumentária de sua majestade. Algo
865 de mais mesmo!... Um luxo!...
JORNALISTA – E assim meus senhores tiveram a opinião de uma senhora de

62
Programa dominical em forma de revista eletrônica, o Fantástico é um painel dinâmico do que é produzido em uma emissora de televisão: jornalismo, prestação de serviços,
humor, dramaturgia, documentários, música, reportagens investigativas, denúncia, ciência, além de um espaço para a experimentação de novas linguagens e formatos
(MEMÓRIA GLOBO).
63
“família governante tradicional na Bahia (Mais Galhões, substituindo, Magalhães)” (PARECER 1157/77).
64
“Apesar de basear-se em temática infantil, o autor desenvolve críticas irreverentes a situações e personalidades de projeção na política soteropolitana, o que justifica nossos
cortes às fls. 04 e 20” (PARECER 1401/77). Referência ao político Antônio Carlos Magalhães, político que, ao longo das décadas de 1970 foi governador da Bahia.
160

nossa sociedade. Vamos ouvir agora a ilustre professora do


departamento de letras da nossa querida universidade, professora
Eliana dos Senões Besteiras. Por favor!...
870 ELIANA – Bem, segundo Aristóteles, a poética...
JORNALISTA – (Cortando) não professora Eliana. Gostaríamos que a senhora
falasse sobre a roupa nova do rei...
ELIANA – Ah, sim. É muito bela... Lembra os gregos. Linda! Maravilhosa!...
JORNALISTA – Todos aplaudem a roupa nova do rei que está muito feliz e
875 posudo!... Bravos senhores! (Neste momento, o entrevistador
pode dirigir-se à plateia e conforme a resposta das crianças
levar a conclusão da história ou então dirige-se a uma
criança da figuração).
JORNALISTA – E você aí garoto? O que acha da roupa nova do rei?
880 JOÃOZINHO – Roupa? Que roupa?
JORNALISTA – A roupa que o rei está desfilando!...
JOÃOZINHO – Eu não estou vendo roupa nenhuma. O rei está nu, quer dizer
de ceroulas...
(Vexame geral. Todos esbugalham os olhos e começam a concordar).
885 JORNALISTA – Nu? De ceroulas... É... Realmente... Corta... Corta... Tira
a TV do ar!...
FIGURANTE – Realmente...
FIGURANTE 2 – É... É verdade. Eu não estou vendo roupa nenhuma...
FIGURANTE 3 – Nem eu (Todos começam a rir)
890 JORNALISTA – Senhoras e senhores a recepção está se tornando um vexame.
Saímos do ar por alguns instantes até que as coisas se normalizem,
o que parece vai ser um tanto difícil!... (A corte percebendo
o vexame começa a se olhar desconfiada. Brugueloa desmaia.
Bruguelau tenta em vão esconder a nudez. As risadas
895 aumentam. Bodó e Bodin a esta altura já estão dando no pé).
ZÉ BODÓ – Meu irmão, vamos dar no pé!...
161

ZÉ BODIN – Tá na hora de saltar!...


PRIMEIRO MINISTRO – Fomos enganados! Os alfaiates reais não passam de dois farsantes!...
ZÉ BODÓ – Alto lá!... Respeito é bom e eu gosto (todos escutam o diálogo
900 dos dois). Nós não enganamos ninguém. Vocês é que enganaram
a si mesmos!... Nós dissemos que a roupa seria confeccionada
com fios invisíveis. Podem notar que os fios não são
visíveis. E quanto à burrice e incompetência ficou provada
com a série de mentiras que vocês se enganaram, com medo de
905 perder seus postos. De não ter o dinheiro para pagar as
prestações, as análises. Estão tão acostumados à propaganda
de mentira que não sabem mais ser verdadeiros nem para vocês
mesmos!
ZÉ BODIN – Se vocês tivessem realmente conscientes de seus papéis não
910 teriam comprado gato por lebre. E sabe do que mais. Aceite
os nossos agradecimentos com votos de boas festas, feliz natal
E próspero ano novo!...
ZÉ BODÓ – Terra de cego quem tem olho é rei!... E aqui começa o nosso
reinado! Com o pé na estrada!... Esse mundo é nosso! Bodó de
915 quem não o conquista!...
ZÉ BODIN – Adeus, eu quero é correr mundo, correr perigo!... quero...perigo!...65
ZÉ BODÓ – Descobrir... Arriscar!...
ZÉ BODIN – Pé quente... Cabeça fria!... Vamos em frente!...
ZÉ BODÓ – Que atrás vem gente!... (A batucada recomeça e todos dançam
920 como numa escola de samba. Pegam uma faixa onde se lê: Qualquer
semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência!...).

65
Relação com trecho da música Você não entende nada, do cantor baiano Caetano Veloso, lançada em 1970.
162

4 ENTRE DOCUMENTOS E EDIÇÕES: EXERCÍCIOS DE CRÍTICA


FILOLÓGICA

O Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC-TI) possui uma


documentação que oferece informações a propósito do perfil biográfico do importante
intelectual baiano Deolindo Checcucci, como observamos nas reflexões tecidas até aqui.
Não obstante, para além do aspecto biográfico, destacamos também outros materiais
que se apresentam na documentação do acervo, atinentes a aspectos sociais e políticos.
Isso porque os textos teatrais, documentos censórios e matérias de jornal foram
produzidos, transmitidos e circularam na Bahia das décadas de 1960, 1970 e 1980,
período em que a sociedade vivia sob o jugo do governo militar e da censura.
Nesse contexto, “[...] os acervos assumem o status de um campo povoado por
sujeitos, relações e práticas suscetíveis à análise sociológica” (BRITTO, 2015, p. 265).
Porém, esses lugares ainda são pouco explorados no que se refere a uma reflexão crítica
dos documentos, que os tome como artefatos dotados de historicidade, marcados por
interferências configuradoras e investidos de uma série de atributos igualmente
conformadores de sentidos (HEYMANN, 2009).
Ressaltamos que o tratamento desses documentos requer especial cuidado, já
que, muitas vezes, os acervos envolvem o pesquisador, tal como um “feitiço”, devido ao
encanto trazido pelos documentos com suas “ilusões de verdade” (BRITTO, 2015, p.).
De acordo com Antelo (2011), o arquivo seria pautado por duas ilusões, a tautológica e
a de crença. A primeira “consiste em julgar que o texto conservado diz o que diz e que
nele vemos o que se vê. Esse duplo caráter poderia ser assim resumido: o que vemos
não nos olha, o que lemos não nos lê” (ANTELO, 2011, p. 157). Em contrapartida, a
ilusão de crença reside em “encontrar modos de contornar a angústia que provoca o
vazio da significação, ultrapassar a questão, colocar-se para além da cisão aberta por
aquilo que nos devassa enquanto o lemos” (ANTELO, 2011, p. 158).
Há perigo em assumirmos ambas as posturas, visto que devemos compreender
que um documento não encerra uma verdade, em contrapartida, também não devemos
contornar o texto, interpretando informações que não estejam nele ou a ele relacionadas.
163

No que tange às duas ilusões, é necessário que o estudioso abandone a ideia de que as
fontes sejam provas incontestáveis e/ou totalizantes, pois,

[a] diferença da noção de arquivo [...] é a insistência na materialidade dos


restos, a obstinada conservação dos vestígios e resíduos que na preservação e
insistência conduzem ao surgimento de outras histórias, de outra ‘realidade’
construída com esses fragmentos do passado [...] (GARRAMUÑO, 2011, p.
207-208).

É preciso, portanto, que nós pesquisadores tomemos os documentos de arquivo


como fragmentos, que devem ser trabalhados em uma lógica de (re)construção, em prol
de uma leitura crítica, relacionada à história e à sociedade que os produziram. Não há,
dessa forma, a noção de resgate do passado, mas sim de atualização da memória. Nessa
direção, de reconfiguração, realizamos a organização e o estudo crítico do Acervo
Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC-TI), que possui
documentos/monumentos, representativos do regime militar no Brasil e que
possibilitam a caracterização do teatro infantil baiano.

4.1 LEITURA SOCIOLÓGICA DO ACERVO DEOLINDO CHECCUCCI:


DRAMATURGIA INFANTIL DE DELINDO CHECCUCCI

[...] foi um período de muito desafio, era muito arriscado você escrever
qualquer coisa, e ter este texto garantido numa produção, numa montagem
[...] (CHECCUCCI, 2006, Informação verbal).

O período ao qual se refere Checcucci, em entrevista concedida à ETTC, diz


respeito aos chamados “anos de chumbo” da história política, social e cultural do Brasil.
A ditadura militar, instaurada entre 1964 e 1985, representou a interrupção de um
processo de embrionária democratização da sociedade brasileira. Houve o
fortalecimento do processo censório relacionado a diversas áreas, entre elas, o teatro. “A
censura prévia foi reativada no final dos anos 60, produzindo efeito nos 70, com
eficácia” (FRANCO, 1994, p. 197).

[...] [O] golpe de 1964 veio interromper o fluxo de desenvolvimento e fixar


as novas regras do jogo para o futuro caminho, o teatro estava no auge de
164

uma sucessão de movimentos renovadores, que há cerca de quatro séculos


vinham modificando radicalmente a sua face (MICHALSKI, 1989, p.10).

A ação da Censura Federal determinou limites às produções teatrais. De


acordo com depoimentos de dramaturgos, atores, diretores e demais artistas houve
muita perseguição, prisão e tortura naquele período. Os mecanismos de censura se
apoiavam, invariavelmente, na noção de Estado como mantenedor e responsável pela
ordem social. De acordo com Fagundes (1974, p. 23),

[a] missão fundamental do governo [era], então, a de organizar e orientar o


povo, disciplinando as relações dos indivíduos entre si e com o Estado. Sua
ação [era] orientada no sentido de proporcionar ao cidadão o máximo de
liberdade possível, para que este [pudesse] exercitar o direito inalienável de
procurar a felicidade, mas [era] também, e, sobretudo, a obrigação de
restringir essa liberdade, sempre que a conduta individual [fosse] perniciosa a
outrem ou à sociedade. É aí que nasce, no campo do entretenimento coletivo,
a necessidade de um órgão estatal, com a atribuição de exercer a censura.

A censura, então, tinha uma atuação norteada pela defesa dos interesses
governistas. Era objetivo dos censores, portanto, “[...] vetar total ou parcialmente, todo
[...] conteúdo de obscenidade, de violência, de doutrinação política exótica, de
desrespeito às instituições como a seus agentes, [e que] resulte em mensagem contrária
à cultura e às aspirações nacionais” (FAGUNDES, 1974, p. 24).
A censura aplicada a espetáculos teatrais, em âmbito federal, passava por
algumas etapas e procedimentos. Após requerer da Sociedade Brasileira de Autores
Teatrais (SBAT) autorização para a apresentação da peça, o interessado deveria enviar
os documentos necessários para julgamento censório do texto em Brasília. Podemos ver
esse movimento na figura 57, no requerimento de exame censório para o espetáculo
infantil A Galinha dos ovos de ouro, de autoria. O documento foi encaminhado por José
Reynaldo Vieira de Azevedo, diretor do espetáculo.
165

Figura 57 – Solicitação de exame censório do espetáculo A Galinha dos ovos de ouro

Fonte: SOLICITAÇÃO, 1981, f.1.


166

A partir de então, a Censura Federal estabelecia o prazo de até 20 dias para


emissão do certificado de censura. Cabia à SBAT, nesse trânsito, registrar e armazenar
os textos.
O primeiro exame do texto era realizado por três censores. Caso os três
pareceres apresentassem uma similaridade quanto ao veredito, o dirigente censório
aceitava as sugestões e emitia a portaria. Em caso de divergência entre os pareceres,
nova comissão deveria ser convocada a fim de realizar uma outra análise do texto teatral
(GARCIA, 2008). Temos, na figura 58, o parecer do espetáculo infantil A Bela e a
Fera, indicando a liberação da peça para encenação.

Figura 58 – Parecer censório do espetáculo A Bela e a Fera

Fonte: PARECER 050/85, 1985, f.1.


167

Após a análise censória, o texto teatral poderia ser liberado ou vetado, total ou
parcialmente. Os cortes, realizados pelos técnicos de censura, eram de cunho: moral,
político, social e religioso (COSTA, 2006). Como censura moral temos o veto a:

[...] palavrões, cenas atentatórias ao pudor; striptease, xingamentos; palavras


que designam partes do corpo, especialmente as sexuais e referências a atos
de natureza sexual e a comportamento libidinoso. O adultério, especialmente
o feminino, bem como cenas de sedução. Nessa categoria estão incluídos os
cortes que visam à chamada defesa dos bons costumes (COSTA, 2006, p.
232, grifo do autor).

No que tange à censura política, a proibição ocorria a insinuações a respeito


do país, de ordem social e política, além disso, censuravam-se referências a países
considerados inimigos do Brasil. Havia ainda censura religiosa, que vetava referências
à religião e à Igreja Católica de modo geral. Por fim, há registros também da censura
social, que interditava textos teatrais que tratassem de assuntos e questões sociais
controversos para a sociedade, entre esses assuntos contava: menções a racismo,
preconceito étnico e xenofobia (COSTA, 2006).
Os textos tinham classificação de acordo com a faixa etária, consoante a Lei nº
5.536, Art. 1º., eram “proibidos para menores de 10 (dez), 14 (quatorze), 16 (dezesseis)
ou 18 (dezoito) anos (CENSURA FEDERAL, 1971, p. 180). Notamos na figura 40 que
o espetáculo A Bela e a Fera foi liberado, sem cortes, classificado com a categoria livre.
Caso a peça fosse totalmente vetada, o dirigente da censura solicitava que as
instâncias regionais devolvessem duas cópias do texto teatral e comunicassem ao
interessado sobre a interdição; se a peça fosse liberada, com ou sem cortes,
encaminhava-se o script do espetáculo e autorizava-se os órgãos regionais a designar
dois técnicos de censura para examinar o ensaio geral. Estes, após assistirem o ensaio,
elaboravam relatórios a respeito da encenação da peça e da obediência dos artistas às
decisões do órgão censório central (GARCIA, 2008). O relatório do ensaio geral do
espetáculo A Galinha dos ovos de ouro (Cf. figura 59) informa sobre o exame do ensaio
geral do espetáculo.
168

Figura 59 – Relatório de ensaio geral do espetáculo A galinha dos ovos de ouro

Fonte: RELATÓRIO, 1981, f. 1.

Confirmamos através do relatório, emitido em 22 de abril de 1981, que o ensaio


transcorreu de acordo com o que estava previsto no texto encaminhado para análise
censória e liberado para encenação. Conforme técnico de censura, “[t]endo transcorrido
tudo dentro da normalidade no que diz respeito a vestuário, cenário, música e
iluminação, opino pela liberação na categoria de LIVRE. É o relatório” (RELATÓRIO,
1981, f.1).
A seguir, era emitido e encaminhado ao responsável pelo espetáculo, através da
Divisão de Censura e Diversões Públicas – DCDP, um certificado de censura, com
validade de cinco anos. O certificado de censura do texto A Galinha dos ovos de ouro
169

(Cf. figuras 60 e 61) estabelece a liberação da peça para encenação durante o período
compreendido entre 18 de maio de 1981 e 18 de maio de 1986.

Figura 60 – Anverso do certificado de censura de A Galinha dos ovos de ouro.

Fonte: CERTIFICADO DE CENSURA, 1985, f.1.

Figura 61 – Verso do certificado de censura de A Galinha dos ovos de ouro.

Fonte: CERTIFICADO DE CENSURA, 1985, f.1.


170

Após o cumprimento de todas essas etapas, cabia à Seção de Fiscalização


realizar a inspeção censória nas casas de espetáculos, assegurando o cumprimento das
determinações dos órgãos de censura. Em relação a esses trâmites, ressaltamos ainda
que um texto liberado poderia ser encenado por qualquer outro grupo ou empresa
teatral, enquanto fosse válido o certificado de censura.
Esse processo teve lugar em 1968, quando da publicação, em 13 de dezembro,
do Ato Institucional número 5 – AI-5, assinado pelo general-presidente Arthur da Costa
e Silva.

[O] AI-5 fazia parte de uma estratégia da chamada “linha dura” do regime
militar que se encontrava descontente com os rumos da política brasileira.
Composto por 12 artigos que instauraram um regime de exceção ainda mais
violento do que aquele que estava em vigor, o ato conferiu poderes
excepcionais ao Executivo e praticamente eliminou todas as liberdades
individuais e institucionais ainda existentes no País (DOMINGUES et al.,
2008, p. 33).

A partir de então, o governo aumentou o controle sobre a sociedade, “as prisões


se multiplicaram, as torturas se intensificaram, com métodos aperfeiçoados, e as
execuções secretas tornaram-se prática comum” (MACIEL, 2005, p. 105). Naquele
momento, o AI-5 representou o nível máximo da repressão e da censura que o regime
militar poderia alcançar.
Notamos, assim, que o estado de exceção, iniciado em 1964, assumiu contornos
mais cruéis no final daquela década. Contudo, face às adversidades, o teatro continuou a
se desenvolver. Mesmo tendo um arrefecimento em 1969, em detrimento do AI-5, o
fazer teatral ganhou fôlego e voltou a se disseminar de modo mais acentuado a partir da
década de 1970. “Houve nesse momento, além da questão da formação, uma tomada de
posição do pessoal de teatro, uma coisa de resistência mesmo, de produzir, de divulgar,
de não se abater” (ALVES, 2008, p. 15).
Os artistas passaram a se imbuir de uma potência questionadora frente aos
desmandos do regime ditatorial e os espetáculos voltaram a ser montados com mais
frequência. Nossas reflexões encontram eco nas afirmações de Checcucci (2006,
informação verbal):
171

[...] o fato de sermos censurados, na realidade, terminava sendo um desafio,


porque provocava na gente algo como... ah, eu estou sendo censurado? Pois
agora que eu vou fazer. De uma certa forma houve uma atitude positiva, diria
até que [...] muito texto saiu como uma forma de contestação dessa censura, e
não foi um período pobre na dramaturgia, foi um período muito rico, porque
uma vez provocado, o artista queria expressar aquilo que pensava sobre a
realidade que vivíamos.

Fiel às suas palavras, Checcucci produziu um espetáculo considerado bastante


questionador, Natal em Gotham City, o primeiro a ser encenado em Salvador em 1970
(FRANCO, 1994). A peça possuía influências de Artaud e Grotowski e, de acordo com
Leão (2008, p. 05), tinha “um lirismo impressionante [...] era um roteiro, não era uma
peça com um texto dramatúrgico dentro dos moldes que conhecemos, era uma colagem
de textos, e sofre uma crítica muito séria por parte do Francisco Barreto”. O colunista, à
época, afirmou que [...] “[a] Escola de Teatro [...] e a própria censura foram muito
liberais [...] concedendo o palco do Sto. Antônio e a liberação de uma aberração, uma
imoralidade que fere nossos princípios morais e cristãos” (BARRETO, 1970 apud
FRANCO, 1994, p. 205). Em contraponto, João Augusto, artista renomado do circuito
teatral do momento, saiu em defesa do espetáculo.

[...] Infelizmente não vi Gotham City [...]. Não vi, mas já gostei. Um voto de
louvor à censura e ao Departamento de Teatro da UFBa [...] por prestigiarem
um espetáculo jovem e vanguardista, que deve ter sido (dado os estertores
com que os velhos, os burgueses, e os reaças o comentam até agora) o que eu
imaginava. E só! E Viva o Jegue” Abaixo a cultura oficial e oficiosa [...]
(JOÃO AUGUSTO, 1970 apud FRANCO, 1994, p. 205).

A publicação de Francisco Barreto aponta o moralismo de alguns críticos, que


não valorizavam as novas configurações que a cena teatral baiana vinha assumindo.
Como bem observado por Franco (1994, p. 204), “[o] teatro soteropolitano iniciou os
anos 70 sob o signo dos ritos, dos rituais e do experimentalismo, com dezenas de
adeptos e alguns críticos severos”. O depoimento de João Augusto, em outra medida,
reforça que novos caminhos estavam sendo trilhados, e eles seguiam as indicações do
experimentalismo, disseminado na Europa desde a década anterior. Torna-se evidente
que, mesmo diante da censura, um processo de renovação estava em curso.
Assim, a década de 1970 pode ser caracterizada como um momento de
efervescência, apesar do contexto censório. Orientados por uma ideologia marxista, os
artistas vão, esteticamente, questionar os princípios do nacional e do popular, refletindo
172

sobre a potência das individualidades. “Nós vamos, bafejados pela contracultura,


continuar defendendo a mudança, mas não é do ponto de vista [...] do engajamento
coletivo, mas da transformação individual” (LEÃO, 2008, p. 06). A crença dos artistas
era de que, diferente da década anterior, quando a mudança era defendida pela via
coletiva, agora, os esforços deveriam se concentrar em propor a reflexão social e
individual, pois, para transformar o mundo, cada um deveria transformar-se primeiro.
Em 17 de março de 1970, Jurandir Ferreira publicou, em sua coluna teatral, no
Diário de Notícias, uma matéria de jornal fazendo referência ao espetáculo Os
Complexos dos outros, de Roberto Assis, aclamado pela crítica, e à divulgação da peça
O Futuro está nos ovos, adaptação de Eugène Ionesco, dirigida por Checcucci. A
década de 1970 foi iniciada com a apresentação de muitos espetáculos, nos primeiros
três meses do ano Checcucci já tinha participado da produção de três peças: Natal em
Gotham City e Julinho Contra a Bruxa do Espaço, como dramaturgo, e O Futuro está
nos ovos, na função de diretor.
Jurandir Ferreira trouxe notícias sobre um importante movimento do teatro
baiano, o Plano Piloto Clator – Classe Teatral Organizada. O Clator se relacionava à
ideologia renovadora e organizada que guiava a classe teatral em meio ao acirramento
das ações censórias, proposto pelo AI-5, desde 1968.
173

Figura 62 – Divulgação do espetáculo O futuro está nos ovos.

Fonte: FERREIRA, Salvador, 17 mar. 1970. Acervo do Teatro Castro Alves.

Conforme Ferreira, “[...] o ano de 1970 para o teatro baiano começou ‘nas
alturas’, não só com o aparecimento da ideia do PLANO PILÔTO como pelo repertório
que se inicia”. O Plano Piloto Clator, liderado por João Augusto, Carlos Petrovich,
Jesus Chediak e Sóstrates Gentil, tinham a proposta de “zerar a vida cênica da cidade
para começar tudo de novo, de maneira organizada e profissional” (FRANCO, 1994, p.
205).
De acordo com publicação de Jurandir Ferreira, no Diário de Notícias,
“[d]urante dez meses, experimentações diversas vão acontecer nos diversos laboratórios
que compõem o Plano Piloto. Estamos no Ano Zero da vida teatral baiana [...]. É pra
frente que se anda, bicho!” (FERREIRA, Salvador, 11 mar. 1970). Nesse âmbito, não
174

haveria espaço para segregações, a proposta era a união. “[...] Não haverá mais lugar
para os grupos isolados [...] Todos seremos uma tribo só [...]. Os egoístas, os
exploradores, os cegos, os deslumbrados é que podem cair nessa de trabalhar sozinhos
[...]” (Jornal da Bahia, 08 mar. 1970).
Os teatros Santo Antônio, Vila Velha e TCA foram postos à disposição do
Clator para as encenações propostas. O projeto exigia disciplina na participação das
atividade de oficinas, laboratórios e cursos. Além disso, os artistas receberiam salários
fixos. O objetivo principal era melhorar e oferecer maior visibilidade à produção teatral
que sofria com questões como a falta de público, problema enfrentado desde 1969.
Porém, ainda que muitos artistas tenham aderido ao Plano Piloto, o projeto
fracassou. A realidade é que o mesmo desejo que fomentou a criação do Clator, a
necessidade de fazer um teatro diferente, viria a provocar o seu fim. A ideia de
regulamentar a atividade teatral pareceu conformadora demais para alguns. Os grupos
amadores, por exemplo, encontravam-se em estado de efervescência no momento e não
se sentiam contemplados por iniciativas como essa, tendo em vista a sua sazonalidade e
busca por espaços que iam além das paredes dos teatros.
Os chamados grupos amadores defendiam a emergência de um teatro mais
voltado para o popular, com engajamento social e político.

É inegável o papel dos amadores e dos estudantes no processo de mudança


por que passou o teatro no Brasil. Por meio dos grupos teatrais de amadores e
de estudantes é que se deram os passos mais seguros no caminho da
renovação do teatro brasileiro. A partir da década de quarenta, surgem de
Norte a Sul do país grupos de artistas interessados em fazer teatro com
preocupações idênticas: colocá-lo noutro patamar formal e temático. Com
suas ações, terminam deflagrando uma nova prática que resulta na
transformação consistente da cena brasileira (LEÃO, 2006, p. 70).

De acordo com Silva (2012), a denominação teatro amador abrangeria todo o


teatro produzido sem pretensões de retorno financeiro ou mesmo de distribuição dos
recursos entre seus realizadores. Os grupos amadores encontraram um meio para atrair a
atenção do público, através da produção de um teatro mais artístico, sem preocupações
financeiras e com objetivos mais profundos do que apenas o mero entretenimento. “A
arte de representar e a dramaturgia nacional precisavam de menos, e não de mais
175

profissionalismo” (PRADO, 2001, p. 38). Notamos assim que os amadores tinham


pretensões e características que iam de encontro a algumas das proposições do Clator.
“Desfeito o sonho do Clator, tudo voltou a ser como dantes no quartel de
Abrantes” (FRANCO, 1994, p. 208). Os espetáculos voltaram a ser produzidos em
grande escala. Nessa movimentação, emerge, com proeminência, o teatro infantil. A
busca pela renovação estética continuava sendo a tônica da cena teatral baiana, e

[n]as tramas e nas transas em que ela se constitui, há espaço para


que esse filão, o ‘teatro infantil’, se realize de maneira regular, encontrando
um público receptivo e interesse por parte dos que o produzem. Na década de
sessenta, foram levados à cena 45 textos destinados às crianças, num total de
262 montagens. Nos setenta, houve um aumento na produção,
contabilizando-se 104 textos, no universo de 327 encenações (LEÃO, 2009,
p. 101).

No contexto nacional, a arte teatral destinada às crianças, em atividade há cerca


de um século no país, figura como uma das manifestações artísticas mais difundidas
nessa época. Contemporaneamente, cabe-nos configurar esse teatro, por meio dos
documentos do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC – TI). Faremos
uma leitura crítica dos caminhos percorridos pela/na dramaturgia de Deolindo
Checcucci, atualizando assim a história do teatro infantil na Bahia durante a ditadura
militar.

4.1.1 Retalhos do tecido estampado nas relações da cena infantil baiana da década
de 1970

Lembre-se: ninguém pode destruir ninguém, nem tão pouco manter ninguém
sob o seu controle (CHECCUCCI, 1970, p. 15).

Assim nos diz o personagem Bonik, em Julinho contra a bruxa do espaço


(JCBE), após ser sequestrado pela bruxa Malik, que planejava produzir uma arma para
exterminar o planeta Terra. Em meio a monstros interplanetários, Deolindo Checcucci
produziu JCBE, que estreou em 1970. “Das montagens planejadas pelo Clator, apenas
Julinho Contra a Bruxa do Espaço conseguiu chegar ao palco” (FRANCO, 1994, p.
208). O espetáculo foi encenado em um momento de tensão entre os artistas, com o fim
176

do Plano Piloto Clator, e disputou espaço com o sucesso de crítica da peça adulta O
Futuro está nos ovos, escrita e encenada por Deolindo Checcucci no mesmo ano.
De acordo com Franco (1994, p.209), “[n]a seleção dos melhores de 1970, O
Futuro está nos ovos e A Ilha do Tesouro receberam todos os prêmios”. Checcucci,
como artista múltiplo, que desenvolvia atividades diversas em paralelo, e se dedicava ao
trabalho com o teatro adulto e infantil. Nas palavras do autor, “sempre estava com uma
peça, ou adulta ou infantil, eu não tinha esse preconceito por uma coisa e por outra”
(CHECCUCCI, 2016, informação verbal)66. Apresentamos na figura 63 a solicitação de
avaliação censória para os espetáculos O Futuro está nos ovos e Julinho contra a Bruxa
do Espaço, encaminhada por Raimundo Blumetti. Através desse documento,
confirmamos a concomitância das produções das duas peça.

Figura 63 – Solicitação de avaliação censória de Julinho contra a Bruxa do Espaço

Fonte: SOLICITAÇÃO, 1970, f. 1.

66
Entrevista concedida por Deolindo Checcucci à ETTC, em 2016.
177

Julinho Contra a Bruxa do Espaço teve elenco composto por Jackson Santa
Bárbara, Júlia Maria, Waldemar Nobre, Antonia Veloso, Haydill Linhares e Mário
Tabaréo. Narrava-se a história de Julinho, um garoto que parte para outro planeta em
busca do seu amigo cientista Bonik. Ao chegar lá, encontra a bruxa Malik, que tem o
objetivo de destruir a Terra. Julinho não permite que isso aconteça e luta contra Malik, a
bruxa do espaço, frustrando as suas pretensões malignas.
O espetáculo, que inaugura a dramaturgia infantil produzida por Checcucci em
1970, é pautado na fantasia.

Pode-se dizer que a arte como conhecimento intuitivo vai ter na imaginação e
no sentimento o seu lastro. [...] é pela ludicidade que se encontra o fio
invisível que sintoniza espectador e artista. [...] essa sintonia é mais
suscetível de ser encontrada no espectador infantil, pois ele lida com a
expressão lúdica com maior liberdade, posto que é percebida como
manifestação ‘natural’ da infância’ (GONÇALVES, 2002, p. 44).

Esse é o principal mote para a constituição do teatro infantil, que pode ser
conceituado, ao longo do tempo, como produção cênica, envolvendo artistas
profissionais e/ou amadores adultos, tendo as crianças como público-alvo. Essa forma
de fazer teatro, com foco na atuação, dramaturgia e técnicas específicas, é
cronologicamente recente. Considerando “[...] a história milenar do teatro, é apenas nos
meados do século XX que se tem referência de algo no gênero como prática sistemática,
compreendida como dotada de especificidade no interior da produção teatral”
(GONÇALVES, 2002, p.26).
Ainda que o teatro tenha se desenvolvido artisticamente desde a Antiguidade, é
somente entre o final da década de 1940 e início da década seguinte, em meio à
renovação pela qual passava todo o teatro brasileiro, com a profissionalização de
algumas companhias e o reconhecimento de grupos teatrais, que as crianças passaram a
ter espetáculos produzidos especificamente para elas.
Lúcia Benedetti, com a encenação de O casaco encantado, em 1948, se
destacou como uma das pioneiras na configuração da modalidade teatral infantil no
Brasil. O discurso de Benedetti era justamente calcado na valorização da fantasia face à
realidade, principal signo utilizado pelo teatro infantil.
178

Essa postura, que continuou influenciando o teatro infantil até a década de


1970, é herdeira dos preceitos difundidos pela literatura infantil, incentivados por obras
como Narizinho arrebitado, de Monteiro Lobato, publicada na década de 1920. É a
partir dessa relação com a literatura infantil que o teatro estabelece um dos seus
principais pilares, a recorrência à imaginação, relacionando fantasia e ensinamentos
morais. Esse vai ser o caminho que tanto Benedetti quanto outros autores vão seguir, a
partir da década de 1950.

O vínculo estreito da literatura infantil/juvenil com a pedagogia desde o seu


surgimento, [...] resultou de uma necessidade da ordem burguesa em
estabelecer normas de convivência, comportamentos, modos de ser, de viver
e de fazer, com vistas a preparar as crianças para o ingresso futuro no sistema
produtivo. Para tanto, os contos da tradição oral [...] se constituíram,
posteriormente, em histórias exemplares para crianças burguesas [...]
(MENEZES, 2011, p. 32-33).

Ao longo da década de 1950, as ideias de Jean Piaget, que vinham sendo


disseminadas desde 1920 no Brasil, ganharam força e a criança passou a ser entendida
como um indivíduo, com pensamento autônomo. “De início, teatro infantil era,
sobretudo, aquele feito para criança e não pela criança” (NAZARETH, 2012, p. 92). A
partir de então, valorizou-se a imaginação como uma lógica que fazia parte da realidade
infantil. Lúcia Benedetti vai se destacar nesse contexto, pois “trata da criança como
ator; a criança, como agente do ato de representar” (NAZARETH, 2012, p. 92). Os
autores de então modificaram as suas temáticas, mas continuaram a usar a fantasia de
forma acentuada em seus textos.
Nessa perspectiva, ainda que Checcucci priorizasse o recurso da fantasia na
construção da história de Julinho contra a Bruxa do Espaço no uso da fantasia, ele
defendia que a linguagem utilizada na dramaturgia infantil deveria ter uma roupagem
nova, sem o linguajar floreado e romântico que marcava as produções da época
(TEATRO..., 6 jun. 1974).
Essa busca por fazer um teatro infantil diferente já vinha sendo posta em prática
na Bahia desde 1968. Nesse caminho, Roberto Duarte dirigiu Pluft, O fantasminha,
adaptação do texto de Maria Clara Machado, propondo a modernização da peça.
179

[...] [O] diretor se opõe ao teatro infantil ancorado nas lições de moral, de
boas maneiras e de educação doméstica. Para essa infância que, em contato
com o cinema e a televisão, vê se alterarem as visões do bem e do mal, o
caminho é mostrar que tais conceitos não estão pré-estabelecidos (LEÃO,
2009, p. 103).

Roberto Duarte defendia que a cada momento, em meio às transformações


ocorridas no mundo, podíamos pender para diferentes lados, dessa forma, as noções de
bem e de mal vão se ampliar, na mesma medida em que se ampliam os temas abordados
no teatro infantil. As histórias, de acordo com o diretor, deveriam prender a atenção do
público, alcançando as crianças, porém, para conseguir tal intento, os artistas não
precisavam fazer “uma série de palhaçadas e piruetas de mau gosto, as quais costumam
usar para fazer rir a criança [...]. Tenho para mim que [...] com uma linguagem
inteligível qualquer gênero de teatro pode ser encenado para crianças”. (A TARDE,
1968).
Outro exemplo dessa nova roupagem temática e artística é o espetáculo Ali Babá
e os Quarenta Ladrões, texto de Manoel Lopes Pontes, adaptado por João Augusto,
também em 1968. A peça infantil foi considerada como um trabalho estruturado de
acordo com uma nova linha teatral. Em meio ao espetáculo, a criança é lembrada de que
está diante de uma encenação, remissão clara ao teatro brechtiano, o espetáculo é então
construído em toda a sua mágica metalinguística.

A cena é elaborada de maneira a revelar a ‘teatralidade’ do teatro, seus efeitos


apontam para a desconstrução das formas tradicionais de se fazer teatro para
crianças. Os diretores procuram afastar-se dos clichês, das montagens
apressadas, mal cuidadas e, sobretudo, de uma visão maniqueísta (LEÃO,
2009, p. 105).

As mudanças nos textos teatrais infantis, iniciadas em 1968, vão, portanto, tomar
forma ao longo dos anos. De um modo geral, a proposição era de que se fizesse um
teatro mais reflexivo e participativo. Essa tendência chegou ao teatro infantil pela
influência das ideias brechtianas, que já vinham provocando mudanças no teatro
produzido para adultos e contribuíam para a sua renovação. Conforme Checcucci (2016,
informação verbal) “O teatro que nós fazíamos era [...] muito mais ligado à atividade
política. Era uma forma de nós nos manifestarmos contra a ditadura militar vigente.
[...]”.
180

Durante esse período, o teatro, em sua modalidade infantil, contribuiu para o


questionamento de modelos de comportamento, assumindo uma função que não perdeu
o seu viés pedagógico, mas se reforçou como cada vez mais problematizadora. “O
cenário político na década de 1970, embora fosse marcado pela atuação implacável da
censura, beneficiou a renovação da linguagem teatral infantil, que criativamente
garimpou novas formas de representação” (GONÇALVES, 2002, p. 40).
Em 1970 encontramos, em Julinho contra a Bruxa do Espaço, as inspirações de
Checcucci, que coadunam com o cenário da representação teatral infantil configurado
até aqui. Julinho é um garoto à procura do professor Bonik, que está preso em um outro
planeta. Em entrevista ao jornal Diário de Notícias, de 27 de setembro de 1970, o
dramaturgo reforça o uso dos elementos fantásticos em seus textos.

É através da ação, da aventura que a criança se identifica com seus heróis e


vive as emoções. Julinho vai além do real, chega ao fantástico. O texto serve
de base para a criação de um espetáculo rico em plasticidade e cores, dando
elementos para um maior desenvolvimento da capacidade criadora da criança
em choque num mundo conflitante e condicionante do adulto (Diário de
Notícias, Salvador, 27 set. 1970)

Assim, não assistimos mais a luta de três porquinhos contra um lobo ou


acompanhamos a saga de João e Maria perdidos em uma floresta. A produção do teatro
infantil vai passar a requerer

[...] intimidade com autores da literatura infantil e, sobretudo [...] o


conhecimento adequado da vivência da criança no seu momento histórico.
Afinal é através da realidade social que a criança se forma para o convívio
humano. E é sobre as suas experiências, sobre as suas vivências que o artista
cria e realiza o seu trabalho voltando-o e oferecendo-o ao seu público, no
caso um ser em formação (A Tarde, 21 set. 1976)

Os dramas levados para os palcos devem perspectivar uma criança semelhante às


outras que compõem a plateia, e a relação com a fantasia fica por conta das inovações
científicas que agitavam a sociedade dos anos 1970.
Entre tais inovações destacamos o surgimento da tecnologia laser, a criação dos
computadores pessoais, dos videogames e da fibra ótica (ALLYSON, 2009, p. 1). A
relação com os acontecimentos/eventos da época é facilmente identificável, posto que
em 20 de maio de 1969, um ano antes da encenação de Julinho Contra a Bruxa do
181

Espaço, o astronauta norte-americano Neil Armstrong tenha se tornado o primeiro


homem a pisar na Lua, acompanhado por Edwin Buzz Aldrin e Michael Collins
(OLIVEIRA, 2014, [sem paginação]).
À folha 2 de JCBE, a personagem Maria, parceira de viagem de Julinho, nos diz
“[q]ualquer dia desses eu vou dar um pulinho na lua, aliás, o Armstrong, o Collins e o
Audray me chamaram para ir com eles, eu não pude ir porque estava fazendo uma peça
infantil aqui no Castro Alves” (CHECCUCCI, 1970, f. 2). Essa é a primeira fala do
espetáculo, Maria é a responsável por iniciar a história e assume grande importância no
decorrer da história, possuindo um maior número de falas e ações do que o personagem
principal, Julinho.

Figura 64 – Fragmento da folha 2 de Julinho Contra a Bruxa do Espaço

Fonte: CHECUCCI, 1970, f. 2.

Ainda na folha 2, no trecho em que descreve o cenário, identificamos a remissão


ao planeta Gaitux, relação direta com as novas empreitadas humanas no espaço sideral.
Temos também acesso à lista de personagens do espetáculo e à descrição do cenário, a
partir desse fragmento já encontramos dois importantes elementos a destacar, em
primeiro plano, atentemos para a manutenção de alguns signos relacionados às fábulas e
contos maravilhosos, entre eles a vilã da história, representada por uma bruxa, Malik.

[s]ó partindo para o mundo é que o herói dos contos de fada (a criança) pode
se encontrar; e fazendo-o, encontrará também o outro com quem será capaz
de viver feliz para sempre; isto é, sem nunca mais ter de experimentar a
ansiedade de separação. O conto de fadas é orientado para o futuro e guia a
182

criança - em termos que ela pode entender tanto na sua mente inconsciente
quanto consciente – a abandonar seus desejos de dependência infantil e
conseguir uma existência mais satisfatoriamente independente
(BETTELHEIM, 2002, p. 11).

Dessa forma, ainda que modificações tenham sido propostas, alguns recursos
relacionados à formação do teatro para crianças se mantém, como a recorrência à figura
da bruxa má na posição de vilã. “Por esse viés, mágicos e bruxas são constantes na
produção desse período” (GONÇALVES, 2002, p. 30).
É importante ainda que nos detenhamos nas escolhas onomásticas. Entre os
personagens principais temos a já citada bruxa má, Malik, ela quer destruir a terra e,
para tanto, rapta o professor Bonik, o cientista, Julinho e seus amigos ficam nesse
contexto diante dos dois lados, claramente configurados pela noção de bem (Bonik) e de
mal (Malik).
A dramaturgia de Checcucci, nesse âmbito, contrapõe as interpretações que
guiavam alguns autores, no que tange ao afastamento da visão maniqueísta, pois a cena
dramatúrgica de Deolindo Checcucci ainda se enquadrava, em certa medida, nos moldes
tradicionais do conto maravilhoso.
Essa adequação, porém, não impediu que a dramaturgia infantil produzida por
Checcucci buscasse apresentar uma relação com a sociedade para a qual e na qual ela
foi encenada. Conforme o dramaturgo, “[e]u sempre procurei montar espetáculos que
fossem ligados à nossa cultura.” (CHECCUCCI, 2016, informação verbal). Essa
preocupação é notada em seus textos, que nos apresentam referências a elementos
regionais e nacionais da sociedade dos anos 1970.
Em Julinho contra a Bruxa do espaço há exemplos desse exercício autoral, pois
identificamos alusões a elementos culturais do Brasil e da Bahia da época, esse
movimento é percebido desde a folha 2 do texto (Cf. figura 65), na primeira fala da
personagem Maria, a dona do mundo.
183

Figura 65 – Fragmento da folha 2 do texto teatral Julinho contra a Bruxa do espaço

Fonte: CHECUCCI, 1970, f. 2.

No início da fala da personagem, onde lemos “[a]ndo meio desligada, já nem


sinto meus pés no chão” (CHECCUCCI, 1970, p.2), é estabelecido um diálogo com a
canção Ando meio desligado, lançada em 1970, interpretada pela banda Os Mutantes e
fruto de uma parceria entre Rita Lee e Sérgio Dias. A canção foi escrita para compor o
espetáculo “O Planeta dos Mutantes”, dirigido por Maria Esther e Zé Agripino. A peça
ficou um curto período em cartaz e como esse espaço de tempo foi concomitante à
realização da quarta edição do Festival Internacional da Canção, isso levou a banda Os
Mutantes a inscrevê-la na competição (CALADO, 1995).
Carlos Calado, no livro A Divina Comédia dos Mutantes (1995), relata que a
canção surgiu após um ensaio do grupo no quarto de um dos integrantes, quando
Sérgio Dias mostrou ao grupo um trecho melódico que desencadearia a produção da
canção. A seguir, uma linha de baixo inspirada em Time Of The Season, do conjunto
The Zombies, foi incorporada aos acordes. A sensação de “desligamento”, latente no
184

som, encontrou eco no texto verbal que Rita Lee produziu ao compor a letra da
música.
Ando meio desligado assumiria, assim, um duplo sentido, podendo, em
determinados momentos, ser entendida como uma mensagem romântica e em outros
como um conteúdo místico, praticamente alucinógeno, como podemos observar a
partir da leitura da letra da canção.

Ando meio desligado Eu nem sinto meus pés no chão


Olho e não vejo nada
Eu só penso se você me quer
Eu nem vejo a hora de lhe dizer.
Aquilo tudo que eu decorei
E depois o beijo que eu já sonhei
Você vai sentir, mas...
Por favor, não leve a mal
Eu só quero que você me queira
Não leve a mal (OS MUTANTES, 1970).

Compreendemos que a remissão a versos da canção no texto teatral,


considerando o seu caráter lisérgico, tenha ocorrido porque temos diante de nós uma
história na qual a fantasia está ligada a outro planeta, relação que, no período, era
tida como alucinação e até mesmo loucura para muitos. Além disso, na tessitura
textual de Julinho contra a Bruxa do espaço, essa alusão à canção Ando meio
desligado nos encaminha para a formação de outros elos, nesse caso, estamos diante
da relação com o movimento hippie.
De acordo com Calado (1995), Os Mutantes tiveram uma forte ligação com a
formação e a disseminação do movimento hippie no Brasil, que, desde a década de
1960, ganhava espaço na sociedade brasileira.

Nos Anos 60 nasceu um novo modo de viver, sonhar e morrer, no qual o que
importava era a revolução em benefício do homem, em nome da liberdade.
Nesta onda surgiu a proposta do movimento hippie, diversa e ampla, que
buscava um questionamento existencial muito abrangente, que ia além das
considerações econômicas, sociais e políticas: visava ao ser integral em face
da vida e do mundo (NASSIF, 2011, p. 1).

É importante trazermos à tona esse movimento, posto que no contexto da


formação teatral da década de 1970, em meio aos movimentos de contracultura, uma
nova configuração tenha sido instaurada e, atrelada a ela, viria a contestação da
185

racionalidade ocidental e do capitalismo, opondo-se à valorização do hedonismo e do


misticismo. “[A] manifestação contracultural traz[ia] para a cena o impulso do
movimento hippie, [...] aquele que, diante do sistema injusto, salta fora dele e propõe a
transformação interna dos indivíduos” (LEÃO, 2009, p. 108).
Uma nova postura de convivência no mundo era a proposta dos adeptos do
movimento, e essa mudança abrangia desde as roupas e os cortes de cabelo utilizados
até uma visão menos racional e positivista. A fuga da realidade proporcionada por esses
aspectos é análoga à evasão por meio pela fantasia. Temos, portanto, nesse diálogo,
estabelecido entre o texto Julinho contra a Bruxa do espaço e Ando meio desligado,
uma representação que condensa tanto a remissão à fantasia, presente na produção
teatral infantil de Checcucci em 1970, quanto à postura desse autor como um sujeito
construtor de relações culturais e sociais.
Essas relações ganham mais fôlego ao longo do texto. Ainda na folha 2 (Cf.
figura 48) temos referência a outros elementos da nossa cultura quando a personagem
Maria nos diz “Olá, minha gente, tudo bom com vocês? Comigo vai tudo azul! [...]
Meu nome não é Gal e nem nasci na Barra Avenida” (CHECCUCCI, 1970, p. 2,
grifo nosso).
Em primeiro plano, temos a associação à canção Sem pecado e sem juízo, de
Baby Consuelo [atualmente Baby do Brasil], lançada no mesmo ano do espetáculo, em
alguns dos versos, lemos “[t]udo azul, Adão e Eva e o paraíso. Tudo azul, sem pecado e
sem juízo” (BABY CONSUELO, 1970). A letra era uma ode à liberdade e também
estabelecia ponte com as ideias do movimento hippie, do qual a cantora era adepta à
época.
Destacamos em seguida a alusão a outra canção, interpretada pela cantora baiana
em ascensão no mercado cultural brasileiro do momento, Gal Costa. A canção,
composta por Erasmo Carlos e Roberto Carlos, foi lançada em 1969 e fazia referência
ao nome da cantora, Meu nome é Gal. No texto, lemos “Meu nome é Gal, tenho 24
anos. Nasci na Barra Avenida, Bahia” (CARLOS; CARLOS, 1969).
Buscando produzir o riso, Checcucci inverte o discurso e, para apresentar Maria,
faz o contraponto bem humorado dizendo que “[m]eu nome não é Gal e nem nasci na
Barra Avenida” (CHECCUCCI, 1970, f.. 2, grifo nosso). Dessa forma, observamos a
186

promoção de uma produtiva identificação do público, através do humor e das relações


com aspectos relativos à época da apresentação do espetáculo.
À folha 3, temos uma referência a Glauber Rocha (Cf. figura 66), importante
cineasta baiano, quando a personagem Maria, ao negar-se a acompanhar Julinho,
afirma, “Tem um problema também, é que eu tenho que fazer um filme com o Glauber
Rocha e não sei se dará tempo de fazer essa viagem no espaço...[...]” (CHECCUCCI,
1970, p.3, grifo nosso).

Figura 66 – Excerto da folha 3 do texto teatral Julinho contra a bruxa do espaço.

Fonte: CHECCUCCI, 1970, f. 3.

Glauber Pedro de Andrade Rocha nasceu em Vitória da Conquista, na Bahia.


Cineasta e escritor, durante o ensino médio em Salvador frequentou o Clube de Cinema
da Bahia, dirigido pelo crítico Walter da Silveira. Esse seria o pontapé inicial para a
formação de um profissional de sucesso, que despontaria para o contexto nacional,
consolidando-se como um célebre representante do cinema novo.

O diretor é reconhecido por se apropriar de inovações formais do cinema


moderno europeu, para formular filmes políticos que expressem a realidade
dos chamados “países subdesenvolvidos”. O uso da câmera na mão, a
montagem descontínua, a teatralização do espaço e da encenação, a presença
cênica da natureza, o improviso dos atores, entre outros recursos formais,
incorporam-se às manifestações da cultura popular, sobretudo religiosas,
distanciando os filmes de Glauber das fórmulas do cinema comercial
produzido em estúdio (ENCICLOPÉDIA, 2018, [p. 1]).

Glauber notabilizou o seu trabalho com a produção do filme Deus e o Diabo na


terra do sol, em 1964. Após a estreia, tendo em vista o início da ditadura militar, a
película teve sua exibição proibida (GOMES, 1997). Ao longo da década de 1970, o
187

cineasta alcançou ainda maior reconhecimento, inclusive no âmbito internacional, com


grande prestígio na Europa. Glauber representava o sucesso da intelectualidade baiana
da época, o que dá relevância à referência ao seu nome em obras de cunho artístico,
como em um texto teatral infantil.
À folha 7, encontramos outra referência musical de 1970. Essa relação pode ser
notada ao analisarmos a fala de Malik (Cf. figura 67), quando esta descobre a presença
de Julinho e de Maria no planeta Gaitux.

Figura 67 – Fragmento da folha 7 do texto teatral Julinho contra a Bruxa do espaço

Fonte: CHECCUCCI, 1970, f. 7.

Nas palavras de Malik, “Hoje o meu localizador automático estava registrando


alguma coisa estranha, algum objeto não identificado” (CHECCUCCI, 1970, p. 7,
grifo nosso). A remissão a um “objeto não identificado” se contextualiza ao espetáculo,
que trata da viagem a outro planeta e também pode dizer respeito à música não
identificado, composta e cantada por Caetano Veloso, importante cantor baiano, que
despontava naquele momento.
Por produzir letras contestadoras, Caetano foi perseguido pelo governo militar,
tendo que se exilar em Londres, entre 1969 e 1971. Sobre esse movimento de
cerceamento, promovido pelo governo vigente, e que afetava tanto o teatro quando a
outras produções, levando o artista ao exílio, Checcucci afirma,

[...] nem só as obras eram censuradas mas também muitos artistas foram
convidados a saírem do país [...] para que [...] não colocassem em cena [...] o
que todo mundo, queria ouvir, queria ‘ver dito’. [...] E a censura foi não só às
artes [...], enfim, toda e qualquer obra que ousasse mais tinha, de qualquer
188

forma, o ‘dedo’ da censura em cima para impedir que ela fosse exibida. Toda
e qualquer obra que falasse sobre a nossa realidade e apontasse aspectos que
cerceassem a liberdade eram tidos como subversivos e automaticamente você
virava um autor maldito, ou virava uma pessoa que feria o sistema
(CHECCUCCI, 2006, informação verbal).

Durante os primeiros meses de exílio, Caetano compôs Não identificado. Em


alguns dos versos, o autor prometia “Eu vou fazer uma canção de amor, para gravar um
disco voador” (VELOSO, 1969). A letra da canção abre margem para outras hipóteses,
pois faz referência a acontecimentos que marcavam a década de 1970, relacionados ao
aparecimento de óvnis, fato que foi noticiado por jornais da época (Cf. figura 50)
principalmente na cidade de Varginha, em Minas Gerais (MG).

A manchete do jornal era clara: ‘Disco voador queria descer na cidade’. Era o que
o jornalista e então dono do jornal, Oscar Pinto, tinha ouvido das testemunhas. A
reportagem falava do pânico gerado em centenas de pessoas depois de terem visto
o Ovni. Na época, a publicação trouxe até a história de uma mulher que desmaiou
por causa do susto. Moradores também relataram por onde o suposto disco voador
teria passado, bem perto das casas (G1 SUL DE MINAS, 2014, [sem paginação]).

Figura 68 – Matéria de jornal sobre o aparecimento de um disco voador na cidade de Varginha (MG)

Fonte: G1 SUL DE MINAS, 2014.


189

Esse viés fantasioso é trazido ao palco de forma lúdica.

Constata-se que, no teatro para crianças, a linguagem se faz através do


equilíbrio dos elementos lúdicos, mágicos e reais. Ou seja: o jogo, as
brincadeiras, o encantador, o extraordinário, as transformações fantásticas, a
imitação, a capacidade de realizar e pôr em prática, a evidência de tudo que
existe de fato etc. A recriação constante destes conteúdos apontará para uma
linguagem que poderá expressar o universo da criança (ORTIZ, 2003, p. 60).

Na dramaturgia de Checcucci essa linguagem se caracteriza pelos uso de tais


elementos lúdicos e se retroalimenta na constituição de relações de ordem cultural,
social e política. Este discurso faz coro ao de outros autores do cenário teatral de 1970.
Sobre o assunto, Leão (2009, p. 121) comenta uma matéria divulgada por Jurandir
Ferreira, em 9 de maio de 1969, no Diário de Notícias, na qual já se defendia que:

[...] o teatro infantil – que também é teatro e não só pedagogia – deve


informar realidades que não são estranhas a nossa criança, tão
subliminarmente viciada pela TV [...] por que evitar determinados conteúdos
no palco, se as crianças, a todo instante, entram em contato com eles,
tomando conhecimento do mundo, das pessoas e das coisas?

Portanto, além do viés pedagógico, lançando mão da fantasia, temos um terreno


fértil para o fazer teatral que buscará imitar situações mais próximas do real, trazendo
elementos que aproximem o palco da vida pragmática, “o mimetismo das situações
cotidianas mais o componente fantasioso provocam a convicção de que o teatro e a vida
possuem relação muito estreita” (GONÇALVES, 2002, p. 46).
Essa postura continuará a marcar a década de 1970, o que ocasionou um
crescimento qualitativo da atividade teatral infantil, pois “os encenadores investiram
criativamente na escolha dos textos, na construção da realidade cênica, como também
nos efeitos pedagógicos da recepção” (LEÃO, 2009, p. 123).
Avançando temporalmente, temos, em 1975, a produção de Deolindo Checcucci
centrada em dois textos teatrais infantis. O primeiro deles é Um dia, um sol e o segundo
é Um, dois, três, alegria. Em ambos os espetáculos observamos a recorrência da postura
autoral estabelecendo elos entre fantasia e realidade.
Um dia, um sol marca a trajetória do dramaturgo, pois é a partir desse texto que
ele se sente mais impelido a produzir teatro para crianças. De acordo com Checcucci, o
incentivo “foi um prêmio que eu ganhei pela Fundação Catarinense de Florianópolis,
190

uma peça chamada Um dia, um sol. [...] Eu tirei o primeiro lugar na categoria infantil.
Talvez isso tenha me estimulado a escrever mais para crianças.” (CHECCUCCI, 2016).
Na história, é narrada a busca de um ator teatral por sua amiga Vida, ao longo da
sua procura ele vai encontrando a ajuda de personagens que se ligam ao real e ao
ficcional, pois temos como auxiliares desde um violeiro e um locutor até o vento azulão
e o arco-íris. Sua procura se finda ao encontrar a Vida através da figura do Amor.
Ao analisar o tecido textual, notamos que a temática de Um dia, um sol enfoca a
ludicidade, o trabalho teatral sendo constituído através do jogo ente cena e palco,
público e plateia, real e ficcional. A apresentação da história, à folha 1 (Cf. figura 69),
fornece indicações que corroboram nossa interpretação.

Figura 69 – Folha 1 do texto teatral Um dia, um sol

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 1.


191

Essa relação lúdica, que toma o teatro como um jogo, vai permear o espetáculo e
ganhar contornos mais visíveis quando se relacionar a uma nova visão sobre o público
infantil, característica que também marcava a dramaturgia infantil na década de 1970.
Checcucci buscava uma maior aproximação com a plateia, inclusive dessacralizando, de
certo modo, a figura do ator, o que se permite verificar, na figura 51, no excerto: “[o]
termo ator entra por ser teatro o nosso ponto de partida, poderíamos também chamar de
pessoa, num encontro com seu eu, se expressando e se comunicando com o outro”
(CHECCUCCI, 1975, p. 1). Nesse caminho, “enfatiza[-se] que as situações e o enredo
devem inspirar a comunicação entre o palco e a plateia” (LEÃO, 2009, p. 125).
De acordo com Humberto Eco (1997), quando um autor escreve um texto ele
prevê um “leitor-modelo”, ao qual se destinaria a sua obra. Consoante Eco, essa relação
se constrói através de uma base de cooperação, posto que, por um lado existam os
objetivos do autor e, do outro, a compreensão do leitor, que só ocorre através de
inferências desse último. “À medida que passa da função didática para a estilística, o
texto quer deixar ao leitor a iniciativa interpretativa, embora costume ser interpretado
como uma margem suficiente de univocidade. Todo texto quer alguém que o ajude a
funcionar” (ECO, 1997, p. 37).
Transpondo esse conceito para a encenação teatral, entendemos que o
dramaturgo também prevê um modelo de espectador e utiliza referências para promover
a interação do público com o texto interpretado. Nesse sentido, em lugar de ter um texto
“fechado em si mesmo”, elabora-se um espetáculo que necessita da colaboração do
público para ser atualizado. “A ideia de espectador contemplativo, portanto, cede o
lugar às características da atuação, um esforço pessoal de entendimento do que está
sendo encenado, que provoca reações, às vezes, imprevisíveis” (GONÇALVES, 2002,
p. 58).
Esse comportamento assumido por Checcucci em Um dia, um sol vai marcar sua
dramaturgia desde 1970, como podemos observar em Julinho contra a Bruxa do espaço
(Cf. figura 70).
192

Figura 70 – Folha 3 do texto teatral Julinho contra a Bruxa do espaço

Fonte: CHECCUCCI, 1970, f. 3.

A personagem Maria é colocada no mesmo plano do público espectador quando


diz a Julinho que ao invés de segui-lo em sua viagem espacial irá se juntar à plateia,
para acompanhar o espetáculo. Do mesmo modo, na folha 2 (Cf. figura 71) de Um dia,
um sol, enquanto descreve o cenário, Checcucci propõe similar aproximação, ao indicar
que “[a]o entrar no teatro, o público encontra os atores conversando entre si, se
aproximam da plateia estendendo o papo (CHECCUCCI, 1975, f. 2)

Figura 71 – Excerto da folha 2 do texto teatral Um dia, um sol

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f.2.

Temos reforçada, então, a noção de que as separações entre atores e público são
diminuídas em prol da melhor compreensão e participação dos espectadores. Trazemos
para a cena da discussão dramatúrgica de Checcucci outra característica, que é
responsável por configurar os caminhos percorridos pelo autor em sua busca por um
fazer teatral mais reflexivo e crítico.
193

Contudo, essa visão diferenciada do público, pondo-o em diálogo com a cena,


depende ainda da referencialidade, e Um dia, um sol mantém fidelidade ao
estabelecimento de relações com elementos da realidade cultural da sociedade baiana e
brasileira de então. Destacamos primeiramente a referência ao filme 007, à folha 3 (Cf.
figura 72).

Figura 72 – Excerto da folha 3 do texto teatral Um dia, um sol

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 3.

Os filmes envolvendo o personagem James Bond, o 007, faziam parte da cultura


da época e cada vez ganhavam maior público espectador, haja vista o avanço da
produção cinematográfica e televisiva na sociedade. O primeiro filme da franquia foi
lançado em 1962, e era intitulado 007 contra o satânico Dr. NO. “O elemento central
nas sinopses dos filmes de Bond nas décadas de 1970 e 1980 costumavam ser a
“batalha” contra o Império Soviético na Guerra Fria” (GALAXIE, 2015, p. 1). Na
década de 1970, os filmes que podem ter inspirado de forma direta a citação promovida
por Checcucci foram os título: 007 – Os diamantes são eternos (1971), 007 – Viva e
deixe morre (1973), 007 contra o homem da pistola de ouro (1975).
A seguir, há referências, na folha 5 (Cf. figura 73), ao cantor Roberto Carlos e
suas composições musicais, e à canção Aquele abraço, de Gilberto Gil.
194

Figura 73 – Fragmento da folha 5 do texto teatral Um dia, um sol

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 5.

Aquele abraço é referida no texto a partir da fala da personagem Maria Bonita


quando esta diz que “[n]ão adianta, porque eu canto mesmo. Quem sabe de mim sou eu
e aquele abraço” (CHECCUCCI, 1975, f. 5). Essa canção foi composta por Gilberto Gil,
cantor baiano, que, junto a Caetano Veloso, modificou os rumos da música baiana a
partir da difusão das ideias tropicalistas.
Aquele abraço foi produzida em meio à efervescência cultural promovida em
1969 e fazia parte do Cérebro eletrônico, terceiro disco de Gil. O álbum é marcado por
apresentar um rock psicodélico, contextualizado à Tropicália e ao movimento Hippie.
Os críticos e o público não aceitaram tão bem toda a obra, mas Aquele abraço alcançou
grande sucesso.

Escrito durante um período de ditadura militar e censura cultural no Brasil,


Aquele Abraço foi composta em 1969, e menciona pessoas, bairros, clubes,
escolas de samba e figuras da cultura popular do Rio de Janeiro. Ele introduz
195

a canção para Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso, todos os


grandes cantores e compositores do Brasil (SOLID, 2013, p. 1).

Dividindo as paradas de sucesso com Gilberto Gil, Roberto Carlos também


referenciado na figura 56, quando Maria Bonita afirma “Isto mesmo. Como vai você?
Eu preciso saber da sua vida, peço a alguém pra me contar sôbre o seu dia. Anoiteceu e
eu preciso só saber como vai você?”. Como vai você? foi lançada em 1972. Porém, o
início da carreira de Roberto Carlos ocorreu ainda em 1957, com a formação da banda
The Sputniks, em parceria com Tim Maia, Arlênio Lívio e Wellington Oliveira
(FRAZÃO, 2016). Desde a década de 1960 o artista mantém uma trajetória de sucesso.
Para além das referências musicais, merece destaque o fato da personagem
Maria Bonita, ter o mesmo nome da companheira do chefe do cangaço Virgulino
Ferreira da Silva, o Lampião. Nascida em um município que hoje corresponde à cidade
de Paulo Afonso, Maria Bonita teve importante atuação na história do Nordeste, pois foi
a primeira mulher a ingressar no principal bando de cangaceiros nordestino. O cangaço,
junto aos movimentos messiânicos, representava a resistência aos grupos republicanos,
principalmente, nas primeiras décadas do século XX.
À folha 7, outra referência se apresenta (Cf. figura 74), dessa vez o diálogo é
estabelecido com Charles Chaplin.
196

Figura 74 – Fragmento da folha 7 do texto teatral Um dia, um sol

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 7.

Zé Bodó, em meio à sua apresentação do Gran Circo, nos diz que “[...] trazemos
o internacional Picolim, numa homenagem ao gênio do século. Ao homem que desafiou
o nosso tempo, fazendo rir” (CHECCUCCI, 1975, p. 7). A relação com o cinema ganha
espaço, os holofotes de Um dia, um sol estão agora sobre um dos mais importantes e
simbólicos nomes da sétima arte, Charles Chaplin.
Chaplin é trazido no texto de Checcucci como o gênio que representava para a
sociedade da época. Ganhou destaque no âmbito do cinema mudo e ficou conhecido por
197

um personagem emblemático, o Carlitos, um vagabundo, criado e interpretado por ele


mesmo (FRAZÃO, 2017).
Por fim, na folha 8 (Cf. figura 75), no trecho em que Zé Bodó, ao se despedir,
solicita que toquem Danúbio Azul, nas palavras do personagem, “Tá bom. Toca aí o
danúbio azul, que é para eu ir embora dançando” (CHECCUCCI, 1975, f. 8).

Figura 75 – Fragmento da folha 8 do texto teatral Um dia, um sol

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 8.

Danúbio azul, originalmente, é uma valsa, de Johann Strauss, dedicada a um


extenso rio austríaco que na verdade é verde acinzentado e é um sucesso, em escala
mundial. O título foi tomado de empréstimo, em 1968, no Rio Grande do Sul, para a
criação de uma banda, a homônima Danúbio Azul.

O nome Danúbio Azul surgiu através de uma enquete feita nas emissoras de
rádio da região no ano de 1968, vários nomes foram apontados, mas o nome
vencedor foi indicado por Isolde Focking. Danúbio Azul foi escolhido até
porque a banda interpretava músicas de origem Germânica. A valsa Strauss
Danúbio Azul teve influência no nome assim como o Rio Danúbio que é o
segundo rio mais longo da Europa depois do Volga, sua nascente está situada
na Floresta Negra, na Alemanha, e deságua no Mar Negro (LAST.FM, 2014,
p. 1).

O diálogo intertextual promovido em Um dia, um sol vai se perpetuar na


dramaturgia checcucciana, através de um outro espetáculo infantil, Um, dois, três,
alegria. Produzido em 1975, a peça, escrita e dirigida por Deolindo Checcucci, foi
encenada, no Teatro do ICBA, em 1976. No elenco tivemos os atores Paulo Barata,
198

Guido Lima, Sueli Ribeiro, Cláudia, Sônia e Jesus Vivas. A cenografia e o figurino
ficaram sob a responsabilidade de Guido Lima. A montagem ficou sob o encargo do
grupo Tato.
Na narrativa, crianças habitam o vilarejo de Papelópolis e estão descontentes
com o lugar onde moram, pois o consideram permeado de relações humanas
superficiais, e, por essa razão, resolvem fugir. Para retornar ao convívio dos pais e
amigos, impõem certas condições, entre elas se destacam os pedidos por mais espaço
para brincadeira, áreas verdes, instrumentos musicais e melhores condições de trabalho
para alguns pais. Com o compromisso dos adultos e das autoridades de atenderem às
reivindicações, as crianças retornaram a Papelópolis.
Em Um, dois, três, alegria o uso da ludicidade e a aproximação com o público
conferem sentido à cena, através do “jogo teatral”. Em matéria de jornal publicada no
Tribuna da Bahia, em 3 de julho de 1976 (Cf. figura 76), Checcucci avisou que “o
espetáculo parte de uma estrutura onde o [lúdico] serve de estímulo para uma dinâmica
entre palco e plateia” (Um..., 3 jun. 1976).

Figura 76 – Matéria de jornal sobre o espetáculo Um, dois, três, alegria

Fonte: Um..., 3 jun. 1976. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.


199

A partir da leitura, observamos que, semelhante ao ocorrido em Um dia, um sol,


um trabalho de elaboração teatral que reconfigura a noção de cenário, confere ao fazer
teatral um caráter laboratorial. Conforme Checcucci, em Um, dois, três, alegria,

[t]odo o trabalho de elaboração do espetáculo foi desenvolvido através de


laboratórios criativos, onde o grupo, usando material de consumo, (caixas,
out-doors, papel jornal, etc.) elaborou uma recriação, dando-lhe uma função
cênica e proporcionando ao público uma identificação com o material usado
(TRIBUNA DA BAHIA, 1976).

Na primeira folha do espetáculo (Cf. figura 77), o autor confirma que não
deveria haver cenário fixo, pois a formação desse ambiente ocorreria a partir da
necessidade demandada pela ação teatral. “Não existe cenário fixo. Usando-se caixas de
papelão, o elenco forma os ambientes necessários para a ação” (CHECCUCCI, 1976,
f.1).

Figura 77 – Folha 1 do texto teatral Um, dois, três, alegria

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 1


200

Essa visão diferenciada do espaço cênico coaduna com uma noção mais
ampliada das funções dos atores no palco e na cena. Um, dois, três, alegria possuía 2
elencos, um fixo e outro assistente, o texto servia de base para a atuação, que, a seguir,
deveria ser complementada, pois, “[a] partir dessa atuação de base, os atores levantam
questões a serem solucionadas pelo elenco assistente” (TRIBUNA DA BAHIA, 1976).
O elenco principal é composto pelos personagens: Palhaço, Joãozinho, Estrela,
Paulo, Toinho e Jane. O elenco assistente é representado por personagens sem
nomeação específica, são eles: Ator (Cf. figura 78); Bonecos 1, 2 e 3 (Cf. figura 79); e
Habitantes (Cf. figura 80).

Figura 78 – Folha 1 do texto teatral Um, dois, três, alegria

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 1.

Figura 79 – Folha 5 do texto teatral Um, dois, três, alegria

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 5.


201

Figura 80 – Folha 15 do texto teatral Um, dois, três, alegria

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 15.

O elenco assistente atribui um caráter universal ao discurso apresentado na peça,


posto que, não havendo personificação estabelecida, oferece-se a ideia de que diferentes
pessoas, do palco ou da plateia, poderiam dar voz ao Ator, aos Bonecos, ou a um dos
Habitantes da cidade de Papelópolis. A identificação do público com a história é, então,
tecida através de uma costura envolvente que se intensifica com o estabelecimento das
relações sociais.
Em 1977, encaminhando-nos para o final da década, temos a produção de A
Roupa nova do rei. Encenada no Teatro Castro Alves, a peça teve em seu elenco os
atores: Silvio Brandão, Haydil Linhares, Jurandyr Ferreira, Carlos Ribas, Octávio
Navarro, Mário Gadelha, Maria Idalina, Vieira Neto, Antonio Pedra e Fátima Pedra. A
cenografia e o figurino ficaram por conta de Hélio Costa e a produção foi do grupo
Tato.
O espetáculo se constitui em uma adaptação da história homônima, escrita por
Hans Christian Andersen, em 1837. Mesmo mantendo alguns elementos semelhantes à
narrativa de base, o dramaturgo promoveu adaptações no que tange a aspectos
geográficos, culturais e sociais. A respeito dessa produção, Checcucci afirmou em
entrevista: “[e]u sempre procurei montar espetáculos que fossem ligados à nossa
cultura” (CHECCUCCI, 2016, informação verbal). Na tessitura textual temos várias
passagens onde flagramos a construção desse processo dialógico. Tendo em vista a
profusão de referências sociais e culturais que o texto nos oferece, organizamos as
ocorrências em um quadro (Cf. quadro 10).
202

Quadro 10 – Trechos do texto teatral A Roupa nova do rei

Excerto textual Folha Diálogo intertextual


f. 1 Remissão à Chacrinha, apresentador da
televisão brasileira, de grande sucesso
nas décadas de 1970 e 1980.

f. 1 Referência a artistas que possuíam


grande projeção naquele momento, são
eles: Caetano Veloso, Gal Costa, Novos
Baianos, Rita Lee, Batatinha e Riachão

f.2 Alusão à Baixa dos Sapateiros, bairro de


Salvador no qual se desenvolve o
comércio informal.
203

f.3 Santa Bárbara, cultuada na religião


católica e relacionada, por conta do
sincretismo religioso, a Iansan.
Alude-se também ao acarajé, comida de
origem africana, típica na Bahia,

f. 3 Iansan, divindade cultuada pelas


religiões de matriz africana.
204

f. 3 Faz referência à coca cola, refrigerante


fabricado por uma empresa norte-
americana, que alcançava grande
sucesso, na década de 1970, no Brasil.

f. 4 Alusão aos bairros do Marotinho e da


Ribeira, localizados em Salvador.

f.5 Referência ao bairro da Liberdade,


pertencente à cidade de Salvador.
205

f. 6 Hino Nacional brasileiro e ao poema


Canção de exílio, de Gonçalves Dias.

f.7 Crítica irreverente aos atores Carlos


Ribas, Ildásio Tavares, Harildo Déda,
Yumara Rodrigues e Bemvindo
Sequeira.
206

f.7 Possível referência a Irmã Dulce67,


religiosa católica brasileira, responsável
por ações de caridade.

f.7 Referência indireta a famosos nomes da


moda nacional da década de 1970.
Alude-se aos estilistas Denner Pamplona
de Abreu, Clodovil Hernandes e Paco
Rabanne.

67
Em 2006 e 2007, Deolindo Checcucci escreveu e dirigiu o espetáculo Irmã Dulce. Após uma temporada de sucesso em Salvador, a peça, que narrava a história da religiosa,
foi encenada pelo nordeste brasileiro.
207

f. 8 Atores baianos, que faziam parte do


elenco do espetáculo A Roupa nova do
rei, Mário Gadelha e Haildil Linhares.

f.11 Referência aos carnavalescos Evandro


de Castro Lima e Clóvis Bornay.
Durante a década de 1970 ambos
alimentaram uma intensa rivalidade.

f.14 Alusão à canção Eu não sou cachorro


não, interpretada pelo cantor Waldick
Soriano.
208

f.17 Sílvio Santos, famoso apresentador da


televisão brasileira, fundador do canal
SBT.

f.20 Referência indireta ao político baiano


Antônio Carlos Magalhães (ACM). No
momento de produção e de encenação
do espetáculo, ACM ocupava o cargo de
presidente da Eletrobrás, indicado pelo
então presidente Ernesto Geisel.
209

f..21 Aristóteles, importante filósofo grego, e


à sua mais famosa obra, A Poética.

f. 22 Menciona a canção Você não entende


nada, composta por Caetano Veloso e
lançada em 1972.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.


210

Em A Roupa nova do rei Checcucci continua nos apresentando um cenário


repleto de analogias. Temos referências a apresentadores, cantores, atores, músicas,
estilistas, políticos, bairros, e figuras religiosas. Nesse espetáculo, a fantasia, tão
pulsante nos textos anteriores, ganha contornos mais relacionados à reflexão crítica que,
durante o espetáculo, apela para o senso moral.
Bodó e Bodin são dois camelôs que resolvem costurar uma roupa que só poderia
ser vista por quem fosse competente/inteligente/honesto. Porém, a roupa não existia, e,
ao longo da narrativa, Checcucci vai, diante de olhos infantis e adultos, mostrando ao
público que a moral daquela sociedade é precária. Descortinam-se as atitudes de dois
sujeitos que agem lançando mão da malandragem, por percebem que esse discurso
ganha legitimidade em um contexto no qual a ética é sobrepujada pelos interesses
financeiros e sociais.
Os personagens, um a um, vão evidenciando as suas falhas de caráter ao
afirmarem, para si mesmos, que não podem ser considerados incompetentes, por não
verem a roupa costurada por Bodó e Bodin. O primeiro ministro e o poeta Corroído não
querem ser tomados como burros ou incompetentes (Cf. figura 81), o rei Bruguelau
também abomina tal destino (Cf. figura 82).

Figura 81 – Fragmento da folha 15 de A Roupa nova do rei

Fonte: CHECCUCCI, 1977, f. 15.


211

Figura 82 – Fragmento da folha 19 de A Roupa nova do rei

Fonte: CHECCUCCI, 1977, f. 19.

Assim, todos concordam que veem o que na verdade não existe. Somente o
garoto Joãozinho foi capaz de assumir não haver roupa alguma no corpo do rei, que
estava de ceroulas, na rua (Cf. figura 83).

Figura 83 – Fragmento da folha 21 de A Roupa nova do rei

Fonte: CHECCUCCI, 1977, f. 21.

Em meio às falhas de caráter dos adultos, tomados pelos interesses individuais, a


verdade será apresentada ao público através do olhar infantil. Desse modo, inocência da
212

interpretação da criança finaliza a história com um ensinamento moral, elemento que


compõe as narrativas infantis e se destaca na última produção de Checcucci da década
de 1970.
Acompanhamos, por meio das produções de Deolindo Checcucci, um panorama
que nos permite caracterizar a cena infantil baiana dos anos 70. Configuramos um teatro
que se lançava nos palcos através do jogo, da ludicidade e da fantasia. Contudo, esses
recursos eram postos em prática por meio de uma linguagem diferenciada, que buscava
maior aproximação com o público, provocando a reflexão em relação à sociedade por
meio de ações políticas e interventivas.
Em uma sociedade marcada pelas inovações tecnológicas e pela disseminação
do cinema e da televisão – ainda concorrentes da arte circense, notamos que a escrita
dos dramaturgos apelava para exemplos atinentes a essas áreas a fim de tornar o fazer
teatral mais atraente ao público. Indo além do palco, através do texto temos acesso a
uma Bahia que, naquele momento, era permeada por novos signos de entretenimento.
Nesse contexto, o circo, de forma análoga ao teatro, resistia ao avanço cada vez
maior do cinema e da televisão. No texto teatral Um dia, um sol (Cf. figuras 84 e 85),
Checcucci apresenta fragmentos que abrem margem para essa reflexão, pois o
personagem Zé Bodó reclama da falta de público nos circos.

Figura 84 – Fragmento da folha 7 de Um dia, um sol

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 7.

Figura 85 – Fragmento da folha 8 de Um dia, um sol

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 8.


213

Essa relação de resistência se torna perceptível na denominação que, durante a


década de 1970, fundia as duas áreas, no que era chamado de circo-teatro (SILVA,
2012b). Apoiando-se nas similaridades entre as artes, as duas linguagens relacionam a
realidade e a fantasia em sua produção, circo e teatro apresentam, portanto, elos de
aproximação.
O circo tem uma história de mais de 150 anos no Brasil. Durante a década de
1950, o labor circense possuía uma maior aproximação com o público popular,
representado pelos operários e suas famílias. Contudo, com o avanço dos novos meios
de comunicação e entretenimento, o circo foi perdendo espaço. A linguagem teatral foi
uma das primeiras, principalmente durante a década de 1970, a diminuir o número das
apresentações dos circos, fossem eles itinerantes ou não (PASCHOA JÚNIOR, 1978).
No teatro baiano, essa relação é notável, pois muitos espetáculos fazem
referência ao circo. Isso ocorre desde a denominação das peças, como observamos em
espetáculos como: Circo de bonecos (Manoel Lopes Pontes, 1975); Gran Circo Rayto
de Sol ou Gran Circo Latino Americano (Amador Amadeu, 1976); Circo Rataplan,
Cordélia Brasil (Antônio Bivar, Eduardo Cabús, 1979).
Os autores utilizavam o espaço do circo para apresentar suas produções, foi
assim com o espetáculo Bocas do inferno, adaptado por Cleise Mendes, em parceria
com Deolindo Checcucci. Ressaltando o sucesso de público, Franco (1994, p. 239, grifo
do autor) informa que “[o] primeiro espetáculo do ano uniu outra vez Deolindo
Checcucci e Cleise Mendes em Bocas do inferno [...] que estreou no Circo Renascente
– armado nos Barris – e obteve um estrondoso sucesso de público, recebendo 30 mil
espectadores pagantes”.
Além disso, alguns grupos adotavam um fazer teatral de viés itinerante, o que
tornava as duas modalidades, teatro e circo, semelhantes. José Possi Neto, um dos
integrantes do grupo de teatro Oficina, ao tratar dos seus deslocamentos e
reformulações, afirmou que a itinerância acontecia pois ele “[...] não sabia se queria
fazer circo ou teatro” (LEÃO, 2009, p. 184). Nesse cenário, encontramos produções que
se valiam dos elementos circenses, tanto no que tange à forma, quanto ao conteúdo.

Os conteúdos expressos pelas histórias levadas ao palco falam sobre a


insatisfação, a falta de assistência, o desassossego, a carestia da vida, os
impostos, a corrupção, os hábitos e comportamentos da comunidade com
214

relação aos tabus [...], religiosos, morais e outros, afirmando-os ou negando-


os. Essas informações são ampliadas pelos elementos da encenação: gestos,
movimentos, diálogos, entonações, objetos cênicos e o próprio “estilo” de
interpretação que remete ao circo, aos grupos mambembes de feira com suas
raízes na commedia del’arte, nos folguedos e autos populares (LEÃO, 2009,
p. 235).

A relação entre o teatro e o circo é notável na trama textual infantil, alusões ao


espaço do circo, à entonação circense e a personagens como os palhaços (Cf. figura 86),
entre outros elementos se fazem presentes.

Figura 86 – Fragmento da folha 15 de Um, dois, três, alegria

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 15

Semelhante ao que ocorre com o circo, o cinema e a televisão também


estabeleceram uma relação de concorrência com o teatro. A expansão do cinema e da
televisão no Brasil assumiu maior proporção a partir da década de 1950. Entretanto,
principalmente no que se refere à televisão, somente a partir de 1964, após o golpe
militar, é que a disseminação se intensificou.

A ditadura militar contribuiu para o impulso no desenvolvimento da


TV no Brasil, ao criar vários órgãos estatais que lidavam com a
produção cultural, ao formular leis e decretos, ao congelar as taxas dos
serviços de telecomunicação, ao dar isenção das taxas de importação
para compra de equipamento, ao proporcionar uma construção de uma
estrutura nacional de telecomunicações em redes e ao fazer uma
política de crédito facilitado (LEAL, 2009, p. 8).
215

Do mesmo modo, o cinema teve incentivo estatal, com a criação de uma


empresa que gerenciaria a produção cinematográfica brasileira, para que a mesma
produzisse filmes de acordo com os interesses governamentais. “A criação da
Embrafilme é emblemática desse casamento de interesses. A empresa estatal insere-se
perfeitamente no Plano Nacional de Cultura, que foi produzido tendo como horizonte o
controle e a administração do campo da cultura com o intuito de gerenciar e garantir o
processo de modernização do país” (NOVAIS, 2003, p. 44).
Assim, no que alude à televisão e ao cinema, o governo assumiu uma postura
incentivadora, perspectivando a modernização brasileira, porém, a censura às produções
continuava presente, por isso, os produtos televisivos e fílmicos deveriam coadunar com
os interesses governistas.
Com o avanço de outros meios de comunicação, o teatro passou a sofrer com a
falta de público. Em 13 de outubro de 1976, o jornal Tribuna da Bahia publicou uma
matéria na qual interrogava “Cadê o público?”. Diversos artistas teatrais responderam
ao questionamento, entre eles o ator baiano Nonatho Freire, que afirmou:

[...] [h]á público na Bahia para um determinado shopping center ou


supermercado do Canela, as duas vedetes de Salvador, no momento. O teatro
é um templo à procura de fieis; [...] O grande público é consumidor das
novelas de TV. O acômodo nas almofadas, a energia dos poucos interessados
que se tinha no nosso teatro. Agora é a espera. Vamos continuar fazendo o
nosso trabalho que nos cabe fazer. Ativar [...] (Cadê..., 13 out. 1976).

Nesse contexto de dificuldades, a ativação foi posta em prática através do


diálogo com o cinema e com a TV. Muitos artistas desses meios de comunicação são
referenciados nos textos teatrais baianos, como o Chacrinha, grande comunicador da
televisão das décadas de 1960 e 1970. Segundo Leão (2009, p. 81), Álvaro Guimarães
afirmava que queria fazer um teatro

[...] para provocar uma atividade social. Um teatro que não descarte os
programas de Chacrinha, Roberto Carlos e Caetano Veloso. As referências a
Chacrinha e a seu programa de televisão passam a ser vistas como um dado a
ser considerado pelos artistas e intelectuais, não apenas como objeto para
analisar as influências desse apresentador e desse veículo da cultura de massa
no Brasil.
216

Nesse caminho, os dramaturgos vão considerar a televisão como um interlocutor


que traz para os brasileiros elementos da sua cultura. Em todas as obras de Checcucci
da década de 1970 há alusões à televisão e ao cinema, através de seus personagens, os
exemplos são variados e contemplam nomes como: Chacrinha, Sílvio Santos, Glauber
Rocha e Charles Chaplin, entre outros. A cena teatral evoca a sociedade baiana,
demonstrando a disseminação dos discursos televisivos e fílmicos, dominantes naquele
momento. Destacam-se ainda as remissões às canções e seus artistas.
Desde a década de 1960, os artistas tinham um canal especial de comunicação
com o público, os festivais de música. Era através desses eventos que a população
entrava em contato com os artistas, de maneira mais direta e entusiasta. Em um contexto
de restrições, a escolha de canções e artistas, proporcionada pelos festivais, figurava
como o exercício de uma autonomia, que, politicamente, estava comprometida.

Os festivais brasileiros eram inspirados no festival de San Remo, da


Itália, e no festival do Mercado Internacional do Disco e da Edição
Musical (MIDEM), da França. Diferentemente dos festivais europeus
– ainda que também tenham sido concebidos primariamente para
apresentar novos talentos aos profissionais da indústria musical –, os
festivais brasileiros eram estruturados como competições de músicas,
com prêmio em dinheiro para as melhores composições, letras,
interpretações e arranjos (TINHORÃO, 1981, p. 175-176).

As competições musicais eram transmitidas através da televisão e, dessa forma,


atingiam uma grande parcela do público. “A televisão foi imprescindível nas
manifestações em que a música estava envolvida, pois fora através dela que os Festivais
de Música Popular Brasileira foram veiculados para todo o Brasil” (JESUS, 2015, p.
25). Artistas como Elis Regina, Wilson Simonal e Geraldo Vandré foram revelados
pelos festivais, que eram exibidos pelas redes Excelsior, Record e Globo.
No final dos anos 1960, os eventos foram tomados pelo movimento tropicalista,
ganhando uma conformação mais contestadora, alinhada ao modernismo. “A MPB
possuía uma carga simbólica e política muito forte e fora utilizada, juntamente com os
festivais e as canções de protesto pelos meios de comunicação de massa para se
abastecer de novos artistas e novos públicos consumidores” (JESUS, 2015, p. 25).
Nesse contexto, cantores baianos como Gilberto Gil e Caetano Veloso ganharam espaço
no cenário nacional.
217

O Tropicalismo musical assimilou as guitarras elétricas do rock inglês,


falando das festas de largo da Bahia, dos anseios de um jovem
estudante classe média brasileiro ou mesmo de nossa poética miséria.
E o movimento, que passou pelo teatro de Zé Celso Martinez, pelo
cinema de Glauber Rocha, e pelas artes plásticas, instalou-se na
música popular, até aquele momento dividida entre a dor de corno do
samba-canção e a felicidade interminável da bossa-nova (FRANCO,
1994, p. 138).

Com efeito, a Bahia da década de 1970 pode ser configurada como um espaço
no qual transitam diferentes linguagens artísticas. Aquela sociedade, ao mesmo tempo
em que se deslumbrava com a sétima arte, assistia pela televisão as novelas e os
festivais musicais. Em virtude disso, temos uma década na qual o circo e o teatro
tentaram manter o seu espaço preservado, diante das novas modalidades de arte e
entretenimento.
Essa sociedade, controlada pela censura e marcada pela assimilação das
inovações tecnológicas, fez com que o teatro se (re)ativasse, em uma incessante busca
por “chamar a atenção” do público, esforço alcançado através do diálogo com os
elementos culturais que caracterizavam a Bahia de então. A trama textual se apresentou
para nós, até aqui, como espaço pródigo para a interpretação, que, filologicamente,
permitiu-nos ler tanto as costuras da cena teatral infantil, quanto os aspectos da vida
social e cultural baiana, a partir da dramaturgia infantil de Deolindo Checcucci.

4.1.2 Uma década de censuras: o teatro infantil como espaço de resistência

[...] O teatro deve ter uma função social, o teatro está ali para abrir as mentes.
O que o teatro quer é abrir corações e mentes (CHECCUCCI, 2016,
informação verbal).

Até aqui, pautados na historicidade, trazida pelos textos estudados, abordamos as


relações sociais e culturais, interpretadas a partir da materialidade do texto. Entretanto,
para além disso, o texto é atravessado por uma prática discursiva, que, por sua vez, é
percebida e potencializada quando amalgamamos o viés discursivo à sua época e ao seu
lugar de produção (CHARTIER, 2002). Na Bahia da década de 1970, o discurso
presente na dramaturgia, de maneira geral, não se aprisionou aos ditames censórios.
A censura, imposta pelo ditadura militar, atuou sobre as produções teatrais de
diversificadas formas, indo desde a mutilação dos textos com cortes a palavras e/ou
218

cenas até a restrição do espetáculo, por meio da censura prévia; vetando-os ou retirando
as peças de cartaz (FICO, 2004).

Os anos 70 foram anos marcados por uma censura muito intensa, a todas as
formas de manifestação artística, principalmente às obras de arte que
questionavam toda a estrutura do regime militar e questionavam as relações
sociais [...] que se estabeleciam e lutavam por um regime de liberdade, um
regime onde o artista pudesse ter livre expressão (CHECCUCCI, 2016,
informação verbal).

No que alude a tal processo, o teatro infantil ocupa um espaço peculiar.


Observamos que a maioria dos espetáculos conseguiam liberação para a encenação,
muitas vezes pautados no discurso de estarem levando aos palcos produções com um
conteúdo mais inocente, haja vista ser destinado ao público infantil.
Diante desse contexto, entre os quatro textos teatrais de Deolindo Checcucci,
produzidos na década de 1970, somente um deles, A roupa nova do rei, enfrentou um
caminho diferente em sua circulação censória. As outras três peças – Julinho contra a
Bruxa do Espaço; Um dia, um sol e Um, dois, três, alegria – foram liberadas para
encenação sem questionamentos, cortes ou proibições.
JCBE foi o primeiro espetáculo de Checcucci a ser encenado em 1970. De
acordo com parecer censório (Cf. figura 87) emitido em 20 de fevereiro de 1970, a
mensagem transmitida pelo texto foi considerada positiva, tendo em vista que em seu
conteúdo predominava o “entretenimento, apresentando a supremacia do bem sobre o
mal” (PARECER, 1970, f. 1).
219

Figura 87 – Parecer censório de Julinho Contra a Bruxa do Espaço

Fonte: PARECER, 1970, f. 1.

O espetáculo teve sua linguagem interpretada como “simples e com alguns


vocábulos da era espacial” (PARECER, 1970, f. 1). Quanto às cenas, “não
apresenta(vam) nada que [pudesse] indicar alguma coisa de prejudicial” (PARECER,
1970, f.1). Julinho contra a Bruxa do Espaço foi então liberada para encenação, sem
cortes.
De acordo com o parecer (Cf. figura 88), a exibição do espetáculo foi permitida
apenas para público com idade igual ou superior aos 10 anos. A compreensão da
história justificou a necessidade dessa classificação etária, pois, conforme a avaliação
censória, JCBE possuía “[t]ema ficcionista dirigido a um público com maiores de 10
anos, mais pelo lado da compreensão do que outra coisa. Entretanto não há nada que
220

justifique uma restrição tão rigorosa, podendo perfeitamente classificá-la como ‘Livre’”
(PARECER, 1970, f. 2). Pautando-nos na linguagem transmitida, o texto foi
interpretado como portador de mensagem positiva, sem oferecer riscos à manutenção do
discurso governamental.

Figura 88 – Folha 2 do parecer censório do texto teatral Julinho Contra a Bruxa do Espaço

Fonte: PARECER, 1970, f. 2.

Em 1972 Julinho Contra a Bruxa do Espaço foi outra vez submetido à análise
censória, sendo novamente liberado, com a mesma classificação etária. O espetáculo,
porém, somente foi remontado em 1975. De acordo com o parecer, emitido em 10 de
novembro de 1972, o parecerista destacou que

[...] após [efetuar] o confronto com o script anterior, que as essências e as


mensagens do atual texto permanecem inalterados, houve é verdade a
tentativa de atualizar a linguagem desta, para uma melhor penetração e
aceitação por parte do público, o que não causou nenhum problema que possa
merecer nossas restrições.
221

Sugerimos que a peça seja liberada com a mesma impropriedade


anterior, ou seja LIVRE (PARECER, 1972, f.1).

Observar as avaliações positivas às montagens de JCBE pode alimentar uma


visão sobre o teatro infantil produzido naquele momento, tomando-o como um espaço
mais propício para a encenação teatral durante os anos de censura, por conta de os
textos terem suas mensagens avaliadas como mais “inocentes” em comparação aos
espetáculos produzidos para adultos.
Em um contexto, marcado pela censura, a preferência pela produção dos textos
infantis se pautava em algumas razões. Para explicar tal fato, Leão (2009, p. 126, grifo
nosso) se pauta em duas premissas, “[...] [n]as dificuldades criadas pelos censores sobre
a dramaturgia destinada ao público adulto e [n]a garantia de um público certo para os
espetáculos para crianças”.
Essa era a interpretação de alguns artistas da época e, por conta disso, entre 1972
e 1975, a produção teatral infantil sofreu intensas críticas. Em razão da constante
aprovação dos órgãos de censura aos espetáculos infantis, houve o fortalecimento de
uma lógica mercadológica em torno da modalidade infantil, as produções começaram a
se multiplicar, tendo objetivos de ordem mais voltada ao financeiro do que ao estético.

[O] gênero tornou-se uma fórmula infalível de fabricar-se dinheiro. Os


espetáculos eram feitos com o intuito de produzir fundos para as montagens
adultas, ou para obter-se lucro, sem muito trabalho. Textos imbecilizantes,
temas obsoletos, cenários e figurinos luxuosos, direções pouco criativas e
elencos desequilibrados eram os expedientes utilizados pela maioria dos
grupos envolvidos com a linguagem, há anos (FRANCO, 1994, p. 220).

Deolindo Checcucci, porém, não se enquadra nesse rol de dramaturgos que


priorizavam o retorno financeiro em detrimento da qualidade dos espetáculos.
“Seguindo outra perspectiva, mas não descuidando do acabamento formal do
espetáculo, o diretor Deolindo Checcucci investe mais uma vez o seu talento na
experimentação de novos recursos, ao colocar em cena o texto de sua autoria Julinho
Contra a Bruxa do Espaço” (LEÃO, 2009, p. 125). JCBE já possuía contornos
elaborados esteticamente, nos quais as relações eram múltiplas e produtivas. Além
disso, temos nesse texto uma história na qual o cenário e a linguagem são considerados
caracteristicamente inovadores para a década.
222

A crítica especializada reconhecia a potencialidade do discurso dramatúrgico de


Checcucci. No contexto de uma produção esteticamente questionável, a imprensa
discutiu os caminhos pelos quais seguia a cena destinada às crianças, “apontando
Deolindo Checcucci e João das Neves como responsáveis pela renovação do teatro
infantil na Bahia, depois que grupos paulistas e cariocas iniciaram o movimento no sul
do país” (FRANCO, 1994, p. 220).
Portanto, as observações quanto às características de determinadas produções
não devem nutrir a formação de uma visão estereotipada e simplista sobre o teatro
infantil produzido durante os anos de chumbo na Bahia. As produções trilhavam dois
caminhos, o comercial e o político/ideológico. Os espetáculos com fins comerciais
sustentavam o teatro adulto, pois este era mais suscetível às intervenções dos órgãos da
censura.

Se, por um lado, as superproduções, técnica e artisticamente bem


acabadas [...] angariam um público fiel e boas críticas, por outro são
também tipificadas como “teatrão”, tal a previsibilidade com que se
constrói a cena. Aponta-se a pasteurização dos efeitos grandiosos
como uma fórmula que vai se repetindo de espetáculo para espetáculo.
Apostando sempre na adaptação dos clássicos da literatura infantil
(LEÃO, 2009, p. 125).

De outro lado, tínhamos autores, como Checcucci, que acreditavam que o teatro
infantil merecia uma produção apurada, haja vista o fato de portarem uma dupla
possibilidade de comunicação, pois a plateia de espetáculos infantis é formada por
crianças e adultos. Esses artistas produziam uma dramaturgia mais afastada do
tradicionalismo, na qual o viés artístico não se dissolvia em propostas educativas
superficiais (LEÃO, 2009).
Nesse caminho, tais espetáculos se apresentavam como propostas interessantes
para os adultos que acompanhavam os pequenos espectadores, “as crianças vibram e se
distraem espontaneamente junto com seus pais, que têm a oportunidade de distrair-se
também, livrando-se da sensação de que teatro infantil é ‘um porre’, ‘coisa para criança’
apenas (LEÃO, 2009, p. 21). Essa interação, que envolve tanto crianças como adultos,
delineia, consequentemente, um panorama no qual o teatro infantil surge como um
espaço de resistência social e política, em tempos de repressão militar.
223

O teatro comercial se apresenta como um meio para promover a manutenção da


atividade teatral de maneira geral, haja vista as dificuldades que a classe teatral
enfrentava durante a década de 1970. Esse teatro era valorizado pela crítica jornalísticas
da época. Carlos Borges (BORGES, 1978), em matéria divulgada no Jornal da Bahia,
não poupou elogios ao circuito teatral baiano.

A Bahia está fazendo o melhor teatro infantil do país. Aqui existe espaço
cênico e as peças são trabalhadas pelos melhores diretores, atores, cenógrafos
e figurinistas, E o púbico infantil baiano corresponde, proporcionando a
renda que o teatro adulto raramente alcança.

As plateias dos espetáculos infantis sustentavam as produções adultas e também


permitiam a sobrevivência dos artistas, que, por não serem profissionalizados, sofriam
com problemas financeiros, tendo dificuldades para se dedicarem plenamente à
atividade cênica. Outros artistas, no entanto, ocupavam-se em produzir um teatro
promotor de reflexão crítica e política, driblando os cortes e os vetos.

Qualquer coisinha mínima era visto como subversivo e proibido, [...] O que
acontecia muito, na medida que você não podia colocar diretamente a
linguagem em cena, ou colocar as questões de uma maneira muito realista,
era que você usava muito da metáfora pra poder dizer as coisas, então, foi um
período assim, onde a metáfora era a forma de você expressar aquilo que
você queria dizer e conseguir realizar o sonho (CHECCUCCI, 2006).

A cena infantil representava para eles, um espaço de possibilidades para que


determinadas mensagens fossem transmitidas. “O teatro para criança é a brecha
encontrada para não silenciar a atividade cênica, veicular temas distantes do
acomodamento e de uma visão estreita sobre a realidade do seu público” (LEÃO, 2009,
128).
Os órgãos censórios, ao avaliarem como inofensivas as mensagens veiculadas
pelos textos teatrais infantis, perdiam de vista o público a que se destinavam tais
produções. Como as crianças não iam ao teatro sozinhas, as mensagens consideradas
inocentes para o público infantil eram potencialmente questionadoras e reflexivas para
os adultos. Trilhando esse caminho, a dramaturgia infantil de Deolindo Checcucci
assumiu, ao longo da década de 1970, uma configuração crítica e política.
224

O teatro que nós fazíamos era [...] muito mais ligado à atividade política. Era
uma forma de nós nos manifestarmos contra a ditadura militar vigente.
Montávamos [...] autores que sempre tinham uma crítica social e política
(CHECCUCCI, 2016).

Nos meados da década de 1970, a criticidade se torna mais evidente na escrita


checcucciana. Um dia, um sol (1975) e Um, dois, três, alegria (1976) são exemplos
dessa ação política que evidencia as escolhas de Checcucci. Em ambos os textos,
aborda-se o processo de urbanização e industrialização da cidade de Salvador. Desde a
década de 1950, a capital baiana, vinha passando por um desenvolvimento econômico
intenso, que, por sua vez, gerava muitas mudanças sociais.

Na Bahia, em particular, o período delimitado pelas décadas de 1950 e 1980


marca a transição de uma economia predominantemente agrário-exportadora
que vinha apresentando um desempenho inferior à média nacional para uma
economia industrializada [...] (CAVALCANTE, 2017, p.70)

O contexto urbano é apresentado sob uma ótica negativa, com destaque para
algumas características como o barulho, o cotidiano veloz, a poluição e o consumismo.
Críticas dessa natureza estão presentes tanto em Um dia, um sol (Cf. figura 89) quanto
em Um, dois, três, alegria (Cf. figura 90).

Figura 89 – Fragmento da folha 3 do texto teatral Um dia, um sol

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 3.


225

Em Um dia, um sol temos a apresentação de uma temática que já permite a


construção de uma crítica social apurada, pois um ator sai em busca da sua amiga, a
Vida. Ao procurá-la, ele vai se deparando com um mundo infeliz, no qual as pessoas
estão mais preocupadas em acumular dinheiro e seguir as regras sociais estabelecidas do
que em serem felizes.

Figura 90 – Fragmento da folha 3 do texto teatral Um dia, um sol.

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 3

Um, dois, três, alegria segue a mesma vertente, na história, quatro crianças
mudam de cidade, pois na Papelópolis em que residiam, predominavam os interesses
capitalistas, em detrimento das relações sociais.
Ao longo dos textos, diversas críticas são feitas: a uma sociedade cada vez mais
consumista, menos humanizada (DS e UDTA), ao silenciamento (DS) e às diferenças de
classes sociais (UDTA).
À folha 5 de DS (Cf. figura 91), a personagem Maria Bonita, que estava
amordaçada, é desamarrada com a ajuda do seu amigo Dondon Pensante. Ao explicar-
lhe o porquê daquela situação, ela justifica “Foi o seguinte, eu estava aqui cantando para
o pessoal, quando chegou o Dr. Cola Tudo e mandou todo mundo embora, dizendo que
minha voz era feia e eu só dizia besteiras. O resto é o que vocês já sabem.”
(CHECCUCCI, 1975, f. 5).
226

Em um contexto social no qual a censura às produções artísticas era imperativa,


uma cena que pode transmitir uma mensagem crítica ao sistema vigente, que também
buscava “calar” a voz de diversos setores da sociedade. Quando Maria Bonita conclui
com “o resto vocês já sabem.” (CHECCUCCI, 1975, f. 5, grifo nosso), esses
interlocutores podem se referir mais aos adultos do que às crianças que compunham a
plateia, reforçando a potência que o teatro infantil possuía para disseminar uma
ideologia de resistência social e política.

Figura 91 – Fragmento da folha 5 do texto teatral Um dia, um sol

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 5.

Um, dois, três, alegria, em 1976, apresenta cenas que promovem uma reflexão
sobre as diferenças de classes sociais. Na folha 9 (Cf. figura 92) do texto teatral, temos
um retrato da estratificação social na Salvador daquela época.
227

Figura 92 – Fragmento da folha 9, do texto teatral Um, dois, três, alegria.

Fonte: CHECCUCCI, 1975, f. 9.

Toinho é um menino pobre, que vende amendoim nas ruas, para ajudar os pais a
sustentar a família. Porém, sofre com a ação da polícia que confisca suas mercadorias.
O ato de controlar o comércio informal, praticado nas ruas de Salvador, é uma prática
antiga, que data de séculos anteriores. “O controle (e perseguição) exercido pelo poder
público municipal, que no século XIX, ficava por conta do corpo de polícia, e, [nas
últimas décadas] fic[ou] a cargo da polícia administrativa da prefeitura (denominado de
Rapa)” (DURÃES, 2006, p. 37).

Essa fiscalização conhecida como ‘Rapa’ é a polícia administrativa


municipal, vinculada à Secretaria de Serviços Públicos da Prefeitura (SESP).
É essa secretaria que controla e fiscaliza os informais da cidade. Inclui-se as
barracas de praia e de bairro, tradicionais da cidade, que também são
obrigadas a ter registro e pagar taxas, seguindo normas de funcionamento
(DURÃES, 2006, p. 102).

Com a intensificação do processo de urbanização, essas ações se tornaram mais


recorrentes e violentas, visto que representavam mais um mecanismo de repressão,
acentuando a estratificação social, e garantindo o controle das classes menos
228

favorecidas economicamente. No texto teatral, o grupo de amigos interpela o Sr.


Barulhos Brutamontes, questionando-o sobre aquela situação desigual, já que não
entendem por que Toinho tinha uma vida completamente diferente da deles, e, ao invés
de estudar e brincar, tinha que trabalhar para garantir a sua sobrevivência.
Diante das críticas dos meninos, o Sr. Barulhos Brutamontes responde “[o]ra,
isto não é problema meu. Meu dever é manter a ordem” (CHECCUCCI, 1976, f. 9),
João replica com mais perguntas, “[s]erá que só se pode manter a ordem com gritos?
Com ameaças? Que é que vocês acham?” (CHECCUCCI, 1976, f.9). De certa forma, o
público é convidado a participar da reflexão crítica pelas questões trazidas no texto.
Apesar de veicular mensagens capazes de promover o questionamento social e
político, os textos tiveram suas encenações liberadas e não houve cortes às cenas (Cf.
figura 93), como notamos ao analisarmos os documentos censórios dos espetáculos.

Figura 93 – Parecer 8811/75 de avaliação censória do texto teatral Um dia, um sol

Fonte: PARECER 8811/75, 1975, f. 1.

Conforme parecer 8811/75, o texto é ingênuo, pois não possuía qualquer aspecto
que pudesse prejudicar o público ao qual era destinado. De forma análoga, no parecer
9416/75 do texto teatral Um, dois, três, alegria, o técnico de censura caracteriza a peça
como “sem implicações, destinada ao público infantil” (PARECER 8811/75, 1975, f. 1).
229

De fato, as mensagens que perpassam toda a trama textual dos dois espetáculos
podem ser tomadas como ingênuas para o público infantil. Isso se explica pois as
histórias apresentavam cenas questionadoras, porém, em linhas gerais, a temática do
espetáculo coadunava com o discurso governamental, que prescrevia que os textos
teatrais infantis deveriam enaltecer “os sentimentos de amor baseados no altruísmo, na
ternura, na compreensão, na confiança recíproca e no respeito mútuo [...] exaltando os
sentimentos de amizade” (CENSURA FEDERAL, 1971, p. 218).
Desse modo, configuramos o teatro infantil como um veículo capaz de tornar o
fazer teatral resistente às intempéries daquela conjuntura social. Em 1977, Deolindo
Checcucci produziu o espetáculo infantil A roupa nova do rei. Diferente dos textos
anteriores, RNR teve uma circulação conturbada pelos órgãos de censura.
Inicialmente, houve questionamentos quanto ao título da peça, pois, de acordo
com a avaliação censória, já existia um texto com aquele nome. Em ofício,
encaminhado ao diretor da DCDP em 25 de abril de 1977, Checcucci apresentou
esclarecimentos sobre a escolha do título. No documento, o dramaturgo afirmou não
estar assinando a autoria do espetáculo, mas sim a sua adaptação, o que explicava a
manutenção do título original.
Checcucci argumentou também que havia muitos espetáculos com o mesmo
nome, justamente por este se tratar de um texto adaptado muitas vezes. Em caso de
impossibilidade de manutenção do título, foram apresentados outros para substituição,
foram eles: A roupa nova do imperador, O rei está nu, Os alfaiates do rei e Vamos fazer
uma roupa nova para o rei. (Cf. figura 94).
230

Figura 94 – Ofício pertencente ao processo censório de A Roupa nova do Rei

Fonte: OFÍCIO, 1977, f. 1.

Após resposta de Deolindo Checcucci em atendimento à solicitação do Serviço


de Censura do Departamento da Polícia Federal (DPF), o órgão censório autorizou a
manutenção do título da peça, como podemos notar no texto do ofício, “[à] vista do
esclarecimento de tratar-se de adaptação de um clássico do conhecido autor Andersen,
julgamos por bem opinar favoravelmente pela manutenção do título” (OFÍCIO 1507,
1977, f. 1).
O trânsito de RNR pelos órgãos censórios já se mostra diferente dos outros
textos infantis da dramaturgia checcucciana. A partir dessa circulação, em meio às
restrições, os artistas buscavam estabelecer uma relação de diálogo com os órgãos
231

censórios, a fim de negociar a liberação dos espetáculos. Em entrevista, o dramaturgo


afirmou que

[...] tentava dialogar, convencer de que aquilo não era uma coisa para ferir ao
sistema, que era algo [...] no sentido de falar das coisas, falar de questões que
eu achava pertinente, que eu achava importante e que [...] teria que ser feito.
Naturalmente que, aí, eu jogava a questão de produção, [...] de ensaio, todo o
trabalho que nós desenvolvemos antes [...] etc. Sempre tentava me articular
no sentido de [...] que eles permitissem e muitas vezes você não conseguia
liberar tudo que foi censurado, mas, pelo menos 60,70 por cento você
conseguia (CHECCUCCI, 2006).

Para garantir a sobrevivência da produção teatral era necessário que, muitas


vezes, fosse colocado em prática um discurso conciliatório. Esse era um dos recursos
utilizados pela classe teatral para, ao longo dos anos de ditadura, “driblar” a censura. Os
radicalismos do início da década de 1970 foram sendo substituídos por uma postura
mais dialógica.
Entre os outros recursos, havia também a prática que se caracterizava pela
mudança de trechos do texto teatral ao longo das encenações, durante ou após o ensaio
geral. Conforme Cony (2008), os artistas aproveitaram as brechas, valendo-se de
pequenas oportunidades como essa para produzirem textos teatrais criativos e com
engajamento político. Podendo-se considerar estas ações como

[...] uma série de iniciativas inteligentes, [...] [através das quais se] descobre
o difícil caminho para uma reflexão crítica sobre a atualidade nacional,
superando as limitações criadas pela censura e cristalizando um discurso
bastante claro para ser entendido pelo público, apesar do ainda necessário
recurso da metáfora (MICHALSKI, 1989, p.66).

Outro mecanismo utilizado na época era a inserção de palavras consideradas


proibidas ou de “baixo calão”. De acordo com Garcia (2008), o uso excessivo de
palavras consideradas perniciosas ou imorais se tornou uma forma de ressignificação da
linguagem, de modo a distrair os censores das mensagens políticas apresentadas
indiretamente nos textos.
Os textos infantis, em geral, não faziam largo uso desse expediente, tendo em
vista a adequação da linguagem para o seu público-alvo. Entretanto, em A Roupa Nova
do Rei, observamos a utilização de expressões consideradas pelos censores como “[...]
232

citações de gírias de baixo nível, inadequadas ao público infantil” (PARECER 1153/77,


f. 1), a saber: “Não me enche o saco”, duas vezes citada; “Não me aporrinhe” e “Não
me aporrinhe o juízo” (Cf. figura 95).

Figura 95 – Fragmento da folha 13 do texto teatral A Roupa Nova do Rei.

Fonte: CHECCUCCI, 1977, f. 13.

Verificamos, de maneira geral, os problemas encontrados pelos censores lendo


um dos pareceres (Cf. figura 96) do texto teatral.
233

Figura 96 – Parecer censório 1401/77 de A roupa nova do rei

Fonte: PARECER 1401/77, 1977, f. 1.

De acordo com o parecer 1401 (1977, f.1), “[a]pesar de basear-se em temática


infantil, o autor desenvolve críticas irreverentes a situações e personalidades de projeção
na política soteropolitana, o que justifica nossos cortes às fls. 04 e 20”.
Em A roupa nova do rei Checcucci propõe muitas inovações ao texto de origem,
problematizando questões sociais e políticas, através de uma atualização da história,
adequando-a ao contexto da cidade de Salvador da década 1970. Tal prática é observada
pelo censor, que assinala, por meio do acréscimo, a palavra "baiana" no trecho: “Os
problemas tratados no seu decorrer estão bem delimitados à realidade [↑baiana] e são
amenizados pelo clima de comicidade que reveste o espetáculo, porém, inacessíveis à
compreensão e ao interesse do público infantil” ( PARECER 1401/77, 1977, f.1.).
Ainda que o dramaturgo tenha se valido de alguns recursos, como a comicidade,
para camuflar questões de ordem política e social, o texto da peça foi considerado
234

inadequado ao público infantil. De acordo com o técnico de censura, a peça deveria ter
cortes às folhas 04 e 20 cortados e, no ensaio geral deveriam ser observadas cenas
pertencentes às folhas 02 e 05 (Cf. quadro 11).

Quadro 11 – Cortes censórios ao testemunho 1 do texto teatral A Roupa nova do rei


Testemunho 1 de RNR Folha
f. 2

f. 4

f. 5

f. 20

Quadro preparado pela pesquisadora.


235

As observações e cortes indicados no parecer se relacionavam às críticas sociais,


religiosas e políticas apresentadas por Checcucci em RNR. Após o cumprimento das
deliberações propostas pelo censor, o texto poderia ser encenado para crianças com
idade maior ou igual aos 10 anos.
Em outro parecer (Cf. figura 97) de RNR, o técnico de censura também
determina cortes a partes do texto, e expõe o seu julgamento de forma mais detalhada.
Segue figura 79 e quadro 12, com remissão direta aos trechos censurados em RNR.

Figura 97 – Parecer 1153/77, do texto teatral A Roupa nova do rei

Fonte: PARECER 1153/77, 1977, f. 1.


236

Quadro 12 – Cortes censórios do texto teatral A Roupa Nova do Rei.

Trechos do parecer 1153/77 Trechos do testemunho 1 do texto teatral A Roupa nova do rei
237

Fonte: Quadro preparado pela pesquisadora.


238

À folha 2 é indicado corte a trecho no qual há alusão, indiretamente, ao poder de


autoridade governamentais. No fragmento censurado, o personagem Zé Bodó afirma
que os tempos são difíceis para todos, menos para o rei Bruguelau, A seguir, são
indicados cortes à folha 4 de RNR pois nos trechos censurados havia a abordagem de
“[...] problemas socioeconômicos influenciáveis [...] [e] contraria[va-se] a Lei Básica de
Ensino nº 5692/71” (PARECER 1153, 1977, f. 1).
Os dois cortes da folha 4 se relacionam, pois ao longo dessa cena de RNR
discute-se de que modo a educação influenciava na estrutura social, que era marcada
pela estratificação. O ensino era pautado na formação para o trabalho, a fim de
potencializar a economia do país, por isso, em sala de aula, a Lei 5692/71 68 não visava a
formação crítica, como se pode ver em Furlan (2012, p. 2).

Aos alunos caberia realizar atividades voltadas à formação para a


atuação, e não de desenvolvimento das habilidades individuais mais
amplas e diversificadas, formando assim uma grande massa
manipulada pelas ordens políticas e econômicas. Apesar do proposto,
de abordagem profissionalizante, o próprio regime não ofereceu
condições para que esta formação profissional fosse minimamente de
qualidade e com a extensão esperada pelos industriais. Neste contexto,
a educação estava mais a serviço do ideário político-militar do que o
de responder a contento as demandas do mercado.

Assim, em uma sociedade marcada pelo controle social, a educação,


principalmente a destinada aos mais pobres, não estava à serviço da formação cidadã e
crítica, mas sim ao desenvolvimento de indivíduos capazes de contribuir
economicamente com o Brasil, através da sua força de trabalho, o que acentuava a
desigualdade social vigente (FURLAN, 2012). Nessa perspectiva, o sistema educacional
e o modelo social desigual não poderiam ser criticados, como ocorreu nas duas
passagens censuradas de RNR.

68
Lei de Diretrizes e Bases para o ensino dos 1º e 2º graus, sancionada pelo Presidente da República, em 11 de agosto
de 1971. Prescrevia em seu Art. 1º, que “[o] ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando
a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação
para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania” (DIÁRIO OFICIAL, 1971, p. 6377).
239

Na mesma medida, as referências ao hino nacional também eram alvos da


atenção dos censores nos textos teatrais. O parecer indica corte à folha 6 de RNR, pois
“cita trecho do Hino Nacional, Lei 5443/6869 (PARECER 1153/77).
Ainda que tenha mesclado o trecho do hino nacional com fragmentos do poema
Canção de Exílio, de Gonçalves Dias, a referência feita por Checcucci não passou
incólume, qualquer referência aos símbolos nacionais, como o hino e a bandeira, era
motivação para o veto. Entre as normas de avaliação censória de espetáculos infantis,
consta que, para menores, em geral, “[s]erão proibidos [...] os espetáculos que, pelo
tema, mensagem, impressão última, cenas, diálogos ou personagens, contrariem os
ideais cívicos de respeito às instituições e à Justiça e desencoragem o amor à Pátria e ao
povo brasileiro” (CENSURA FEDERAL, 1971, p. 216).
Outras partes censuradas do texto fazem alusão a desajustes socioeconômicos
ou possuem conotação governamental. Esse aspecto se torna mais exacerbado no último
corte à folha 20 de RNR. A indicação de corte ocorre em razão de referência à “família
governante tradicional na Bahia (Mais galhões, substituindo, Magalhães)” (PARECER
1153, 1977). Antônio Carlos Magalhães foi um político baiano que, na década de 1970
começou a ganhar destaque, ocupando diversos cargos importantes, tais como prefeito
de Salvador (1967) e governador da Bahia (1970/1978/1990). Seu governo, entre 1970 e
1975, sofreu críticas, por estar alinhado aos interesses ditatoriais e gerar, na visão dos
seus opositores, uma sociedade marcada por desajustes econômicos, evidenciados em
excertos de RNR que foram vetados pelos órgãos censórios.
A adaptação de RNR é marcada por forte apelo crítico, pois tratava de
problemas sociais que afligiam a população baiana daquela época. Checcucci assume
essa postura política quando afirma que

A Roupa Nova do Rei, uma peça pra [...] criança, que é um clássico da
literatura infanto-juvenil, naturalmente eu contextualizei o espetáculo
dentro de uma realidade [que] era nossa. O rei era um militar, [...] o
país vivia sob uma ditadura e houve problemas [...], tivemos cortes
(CHECCUCCI, 2006, informação verbal).

69
Lei sancionada em 28 de maio de 1968. Dispõe sobre a forma e a apresentação dos símbolos nacionais,
tais como: o hino, a bandeira, as armas e o sêlo nacionais. Seriam punidos os que:” I - Praticar, em lugar
público, ato que se traduza em menosprêzo, vilipêndio ou ultraje a qualquer dos símbolos nacionais”
(DIÁRIO OFICIAL, 1968).
240

Mesmo consciente da possibilidade de um julgamento que coibiria a divulgação


das mensagens apresentadas, o dramaturgo persistiu produzindo um teatro infantil
diverso de outros que constituíam a cena baiana daquela época, Checcucci seguiu
fazendo um teatro político, sobretudo.

[...] tudo que era diferente, qualquer coisa diferente, era algo passível de ser
censurado, de ser proibido. Você não podia ser diferente, tinha que ser igual a
todos, ou seja, a diferença não podia existir, e a sociedade só existe a partir
das diferenças. Foi um momento assim, ao mesmo tempo que você era
proibido de ser diferente, você tinha um desafio que era, exatamente, ser
diferente (CHECCUCCI, 2006, informação verbal).

A postura de Checcucci é um reflexo dos ideais que norteavam a cena teatral


destinada às crianças. O teatro infantil na Bahia da década de 1970 foi palco de
resistência política e social e esse movimento pode ser identificado tanto no teatro
comercial quanto no teatro político/ideológico. “Fazer teatro para crianças [era] também
uma forma de resistência, sabiamente aproveitada pelos encenadores” (LEÃO, 2009, p.
313).
Com efeito, o teatro infantil, principalmente durante a década de 1970, quando
a censura mostrou sua face mais violenta, apresentou-se como um espaço fértil à
apresentação de novas propostas estéticas e como um caminho para fugir da
acomodação financeira e política determinada pelas barreiras do controle censório.

4.1.3 Dez anos em cinco: a dramaturgia infantil de Deolindo Checcucci em 1980

A década de 1980 foi considerada uma “década perdida” (MARFUZ, 2008),


pois se apresentou como um período em que a sociedade estava economicamente
estagnada. As crises financeiras se aliaram ao domínio de um poder governamental
conservador e à forte retração da produção industrial para trazer à população brasileira
uma sensação de ilusão, no que tange ao desenvolvimento social brasileiro. Com isso,
instaurou-se uma era de consumismo cada vez maior. “No Brasil, particularmente, os
anos 80 ganham o simbolismo de década perdida porque desmascara o mito do milagre
econômico [...] da euforia desenvolvimentista que é expressa não só no aspecto
propagandístico do governo militar” (MARFUZ, 2008, p. 3).
241

Diante desse cenário, houve um arrefecimento do viés contestador, tão latente na


sociedade da década de 1970. Nesse momento, “[...] falar não era a maior preocupação
do povo brasileiro, quando comprar havia entrado em sua vida de uma forma tão
avassaladora, que todas as outras necessidades tornaram-se supérfluas” (FRANCO,
1994, p. 277). Nos anos 80 a arte passou a ser feita visando o alcance de um sucesso
mais econômico do que estético, “[...] se nos anos 60 a arte foi feita para o povo e nos
anos 70 para os entendidos, nos 80 ela foi feita para quem pudesse pagá-la, medindo-se
geralmente a importância de um produto artístico pelo número de seus compradores”
(FRANCO, 1994, p. 277).
No teatro infantil essa dinâmica começou a se configurar no final da década
anterior. Desde 1978, observava-se que a modalidade teatral destinada às crianças
passava por problemas no que tange à qualidade das peças, que, de acordo com a crítica,
eram produzidas de modo apressado e pouco cuidadoso. Com efeito, as temporadas
vinham sofrendo uma decadência considerável.

[...] 1978 foi um dos anos mais fracos. As peças aqui apresentadas, em
grande parte, não conseguiram sensibilizar o menos desinformado
telespectador que assistiu alguma montagem. Além de ter acontecido as
montagens de clássicos, o que se denominou de novo não passou de
especulação. Porque o tratamento dado ao texto não passou do óbvio. Ou
seja, aquela visão mambembe que muitos autores e produtores costumam ter
do público infantil (CORREIO DA BAHIA, 03 abr. 1979).

O teatro político/ideológico foi perdendo espaço para o que, na época,


denominava-se como teatrão, uma alcunha para o teatro comercial, bastante fortalecido
em uma sociedade que buscava consumir, inclusive o teatro, de modo mais capitalista
possível. Os grupos começaram a se diluir e os diretores se firmavam como os maiores
representantes dos espetáculos, assinando produções com o poder comercial do nome
artístico construído socialmente (ALVES, 2008).
Planos de ação foram pensados nos últimos anos de 1970, buscando identificar
as causas para a perda da qualidade das produções infantis. Jurema Penna e Theodomiro
Queiroz defendiam a realização de seminários, nos quais pudessem ser debatidas causas
e soluções para o problema (Cf. figura 98).
242

Figura 98 – Recorte de jornal abordando a crise da produção teatral infantil

Fonte: Em busca..., 03 abr. 1979.

Outro elemento que merece destaque nesse contexto foi a diminuição do rigor
dos órgãos censórios. “A censura perdeu o fôlego e os cinemas, teatros e livrarias
encheram-se de novidades” (FRANCO, 1994, p. 278). Com o menor controle censório,
observamos um fazer teatral que, apesar de ter sido revitalizado no início do ano de
1980, com o aumento de verbas e de promoções do Teatro Castro Alves (TCA), foi
sendo caracterizado como muito mais próximo do comercial.
No primeiro ano da década, a cena infantil ainda produziu um bom número de
espetáculos, preenchendo as férias das crianças, com bons e maus espetáculos
243

(FRANCO, 1994). Porém, o teatro, em linhas gerais, teve um arrefecimento da sua


verve crítica e combativa com a morte do multifacetado artista João Augusto, em 1979.
“[...] [O] teatro baiano perdeu seu criador mais fogoso e a Bahia um de seus grandes
artistas”. A face contundente do Teatro Livre da Bahia (TLB) e do Teatro Vila Velha
ficaram abalados, como também sofreram os artistas baianos, formados e motivados
pela força da dramaturgia de João Augusto.
Esses elementos foram caracterizando um teatro que passou a produzir
espetáculos menos questionadores e combativos, o que, no âmbito infantil, significou
uma maior disseminação do teatro comercial. Em uma época de grandes instabilidade
social, a busca pela profissionalização sobrepujava a produção de um teatro
político/ideológico. “Os anos 80 refletem [...] um esforço [...] para a profissionalização
[...]. Fazer um teatro que ganhe dinheiro, com bilheteria e patrocínios, de uma maneira
suficiente que as pessoas pudessem sobreviver de teatro” (DOURADO, 2008, p. 21). A
dramaturgia infantil de Deolindo Checcucci, na década de 1980, teve características
contextualizadas às mudanças pelas quais passou o teatro durante o período.
Em 1981, Checcucci escreveu A Galinha dos ovos de ouro. Na peça, conta-se a
história de Joãozinho e sua mãe, que passavam por dificuldades financeiras. No início
da narrativa temos uma aproximação com o conto infantil João e o pé de feijão, a
seguir, envereda-se por outro caminho, e, em meio à busca por sobrevivência, Joãozinho
conhece o gigante Douradão, que afirma possuir uma galinha que põe ovos de ouro. No
entanto, tal feito não passa de uma estratégia de venda do homem, que pinta de dourado
os ovos para fazê-los parecerem valiosos. Ao final do espetáculo, o gigante é
desmascarado por Joãozinho, que fica com as galinhas e com o dinheiro arrecadado,
melhorando as condições de vida da sua família.
O espetáculo mantém traços característicos do estilo infantil que perpassa a
dramaturgia checcucciana. A fantasia é abordada de maneira direta no texto, com a
interação entre humanos e animais (Cf. figura 99). Joãozinho conversa com a sua vaca
Esmeralda e só consegue descobrir a falcatrua de Douradão com o auxílio da galinha
explorada, que lhe conta o golpe do qual participa a contragosto.
244

Figura 99 – Fragmento da folha 8 do texto teatral A Galinha dos ovos de ouro

Fonte: CHECCUCCI, 1981, f. 8.

Além do recurso da fantasia na construção do texto, Checcucci, em menor


proporção, faz referência a elementos da sociedade baiana da década de 1980.

Figura 100 – Fragmento da folha 9 do texto teatral A Galinhos dos ovos de ouro

Fonte: CHECCUCCI, 1981, f. 9.

Primeiro, o veículo televisivo estava muito mais presente durante a década de


1980 nos lares brasileiros. O programa ao qual se alude no excerto é o Fantástico. Em
5 de agosto de 1973, a Rede Globo estreou o programa no domingo na TV (COSTA,
2018).

Segundo Boni, criador do Fantástico, ‘Show da Vida’ era o nome inicial de


trabalho do projeto, ainda em criação. “Fantástico” surgiu de um elogio do
compositor e produtor musical Ronaldo Bôscoli à ideia. Juntaram-se os dois e
estava batizado o novo programa. Nos anos 1970, o nome oficial do
programa era mesmo Fantástico – O Show da Vida, e só depois ficou só
Fantástico (COSTA, 2018 [sem paginação]).
245

Em seguida, há a referência a uma rede de televisão chamada URUTU, alusão à


Rede de Televisão Aratu, que era afiliada da Rede Globo desde 1969, data do início das
suas atividades. A Aratu foi “[...] fundada em 15 de março de 1969 em um
antigo terreiro de candomblé, que cobria o final de linha do bairro da Federação.
Naquela época foi necessária a realização de uma obrigação aos orixás para pedir
permissão e licença apara a construção da[...] TV.” (XAVIER, 2016 [sem paginação]).
O espetáculo foi encenado no Teatro Maria Bethânia e contou em seu elenco
com os atores: Neuma Ferreira, William Summers, Regina Helena, Joram Macêdo,
Ednéas Santos e Valda Moura. No que tange ao processo de circulação censória, tendo
em vista o fato de ser considerado como um espetáculo que não abordava aspectos
políticos e ideológicos, GOO não sofreu cortes e nem restrições etárias. De acordo com
o relatório de avaliação do ensaio geral, “[t]endo transcorrido tudo dentro da
normalidade no que diz respeito a vestuário, cenário, música e iluminação, opino pela
liberação na categoria livre”.
Diante do contexto dramatúrgico da década de 1980, observamos que o viés
político/ideológico não é uma marca principal de GOO. O que temos nesse texto é um
retorno à formula clássica do teatro infantil, pautado na valorização dos valores
morais/pedagógicos, pois o principal mote da história é o ensinamento de uma lição,
pautada na honestidade.
A década de 1980 apresenta uma classe artística abalada pelos rigores da censura
sentidos até ali. A força combativa perdia terreno frente à sobrevivência artística, com
isso, os grupos começaram a se dissolver e os trabalhos individuais eram mais
frequentes e pautados em uma dramaturgia menos ousada. Em face disso, muitos
praticavam inclusive a autocensura, a fim de continuar produzindo teatro na Bahia e no
Brasil.

Era muito doloroso, era muito difícil, e a gente [...] inclusive se


autocensurava. [...] houve quem já nem ousava...Tem os casos explícitos [...]
de: vamos lá, vamos atritar, vamos peitar. Mas tinham também aquelas coisas
que já saíam, nem se colocava na zona de risco de corte (ALVES, 2008, p.
32).

Essa é mais uma das ações/reações geradas pelos cerceamentos vivenciados


durante o regime militar. Os artistas, para manterem suas produções, utilizavam além da
246

autocensura, a tolerância da sociedade, o esquecimento e o silêncio (COSTA, 2008).


Nos cinco primeiros anos da década de 1980, a classe artística ocupou um espaço mais
conciliatório, consequentemente, a intervenção censória foi menor, em relação ao
movimento observado na década anterior.
Diante dessas variáveis, em 1985, último ano do regime militar no Brasil,
Checcucci, após 4 anos de afastamento dos palcos, voltou ao teatro baiano com
novidades. O artista, vindo dos Estados Unidos, onde havia cursado mestrado em
direção teatral, colocou em cena uma fórmula comum aos norte-americanos, mas
adotada por poucos na Bahia. Visando atingir, comercialmente, um público maior,
Checcucci montou concomitantemente, com o grupo TATO, dois espetáculos
diferentes, um adulto e outro infantil, respectivamente Dadadadada e A Bela e a Fera.

Figura 101 – Matéria sobre a montagem dos espetáculos Dadadadada e A Bela e a Fera

Fonte: Tato..., 18 maio 1985. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia

Essa iniciativa foi valorizada pelo grupo TATO no que se refere ao aspecto
artístico, pois os atores estariam ocupando o espaço teatral de forma qualificada e
também do ponto de vista financeiro (Cf. figura 102). A montagem dos dois
espetáculos, em paralelo, reforça o lugar ocupado pelo teatro infantil na década de 1980,
como uma fonte comercial segura.
247

Figura 102 – Matéria sobre a montagem dos espetáculos Dadadadada e A Bela e a Fera

Fonte: A Tarde, Salvador, 18 maio 1985. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
248

Na entrevista, Checcucci responde que a dupla montagem tinha

[...] muitos aspectos positivos: o fato de termos um grupo coeso e a partir da


integração do grupo fazermos uma economia de tempo e produzir melhor.
Outra coisa é do ponto de vista econômico. O fato de você poder manter dois
elencos, com um só, mesmo a nível de cachê. Trabalhamos com um ordenado
fixo e, tiradas as despesas, dividimos os lucros. Então se pode pagar melhor e
arriscar uma cooperativa (A Tarde, Salvador, 18 maio 1985),

Armindo Bião reitera que, na perspectiva empresarial, a iniciativa teatral poderia


ser uma alternativa, pois “pode[ria] baratear a produção e viabilizar a própria
continuidade da experiência de repertório. O retorno financeiro da peça infantil é mais
provável, o da outra mais improvável, isso talvez crie o equilibro necessário” (A Tarde,
Salvador, 18 maio 1985).
Nesse lugar, cada vez mais marcado pelo teatro infantil comercial, apresentamos
o último texto teatral do ADC-TI, A Bela e a Fera (BF). A história é uma atualização
do famoso conto maravilhoso. Na história, inicialmente são apresentadas três irmãs,
Cajuína, Cristalina e Teresina. A escolha da nomes das personagens se relaciona à
cultura brasileira, principalmente a nordestina. Cajuína é uma bebida preparada a partir
do suco de caju, típica de alguns estados do Nordeste, como Maranhão, Ceará e Piauí.
Teresina é a capital do estado do Piauí. Ao passo que Cristalina é uma cidade de Goiás.
Na adaptação, em meio à uma viagem, atendendo a um pedido de Teresina, que
desejava uma rosa de perfume inesquecível, o seu pai tentou roubar a flor do jardim do
castelo da Fera, mas foi capturado e apenas liberado após prometer entregar o primeiro
ser vivo que encontrasse. A primeira pessoa vista pelo pai foi Teresina, que logo voltou
ao castelo, para cumprir a promessa. Ao vê-la, a Fera se apaixonou instantaneamente e
ambos passaram a viver amigavelmente. Porém, o pai de Teresina ficou doente e ela foi
visitá-lo. No seu retorno ao castelo, percebeu que amava a Fera e ao beijá-lo o
transformou em um belo príncipe, quebrando o feitiço de uma bruxa.
Encenado, inicialmente, no Teatro do ICBA, o espetáculo misturou teatro e
música. Em seu elenco atuaram: Armindo Bião, Fernando Fulco, Raimundo Borray,
Goretti Fernandes, Chica Carelli, Tereza Oliveira, Márcia Shmalb (Cf. figura 85).
249

Figura 103 – Encarte de apresentação do espetáculo A Bela e a Fera

Fonte: BIÃO, 2011.

Os quatro pareceres censórios relacionados ao texto são unânimes em classificá-


lo como portador de uma mensagem positiva, linguagem adequada ao tema e ao público
infantil. A história alcançou sucesso de crítica por ser considerada esteticamente bela e
por contar em seu elenco com artistas que dominavam, de forma qualificada, as
diferentes formas artísticas – atuação, música e canto.
250

[A Bela e a Fera] de cara [...] leva vantagem sobre alguns espetáculos baianos
do gênero, pelo fato de colocar em seu elenco realmente atores [...]. É um
espetáculo simples, bonito, despretensioso [...]. A coreografia calçada na
brincadeira, onde atores cantam e dançam [...], aliadas às músicas singelas de
Ivan Bastos é ótima. Destaque para a sensibilidade de Tereza Gondim ao
piano [...] para Bião, Chica Carelli e Márcia Shmalb (Correio da Bahia,
Salvador, 27 nov. 1985).

As relações estabelecidas no texto contemplam os vieses literário e musical, com


referências ao cantor Caetano Veloso e aos poetas Carlos Drummond de Andrade e
Cecília Meireles (Cf. quadro 13).

Quadro 13 – Fragmentos do texto teatral A Bela e a Fera.


f. 03

f. 05

f. 17

Fonte: Preparado pela pesquisadora.

Segundo Checcucci (Cf. figura 104), tais referências enriquecem o texto e a


interpretação dos atores. O dramaturgo ressalta também que na elaboração de BF se
preocupou em produzir uma produção qualificada, com trilha sonora própria e atenta às
inovações tecnológicas.

O teatro baiano tem que ser bem realizado, bem produzido, mesmo que seja
voltado para o público infantil. Nesse espetáculo, além de nos basearmos no
enredo da estória da ‘Bela e a Fera’, procuramos atualizá-lo, propondo por
exemplo, para o espelho que Bela vê seu pai com as duas irmãs um vídeo, e
utilizando apenas máscaras em algumas cenas, e sempre com muita música, a
partir de uma trilha sonora criada especialmente para o espetáculo. ‘Shy
251

Moon’ e ‘Se Essa Rua Fosse Minha’, músicas já conhecidas, entram apenas
como referenciais, que enriquecem ainda mais o texto e a interpretação dos
atores (A Bela..., Salvador, 20 abr. 1985).

Figura 104 – Matéria de jornal sobre a encenação do texto teatral A Bela e a Fera.

Fonte: A Bela..., Salvador, 20 abr. 1985. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
252

BF é uma adaptação que investe mais no acabamento estético do que na


construção de uma linguagem crítica. Sobre esse aspecto, Francisca Carelli (A Bela...,
Salvador, 20 abr. 1985, grifo nosso), uma das atrizes do espetáculo, pontuou que

[a]s estórias infantis modernas, elaboradas a partir de discussões dos


problemas para a criança elaborar, tendem a impor uma postura adulta, a
anular a sua viagem na imaginação, o seu investimento em valores e fantasias
que fazem parte do seu mundo interior. Uma peça infantil não precisa ser
panfletária, superficial para passar sua mensagem, pelo contrário, quanto
mais sutil e fantasiosa ela for, mais profundamente ela vai atingir a criança.

O ensinamento moral – valorização dos sentimentos interiores em detrimento da


beleza exterior – é, portanto, elemento central para a construção narrativa de BF.
Reforçamos, a partir do depoimento de Carelli (1985), que na década de encenação do
texto, a temática política/ideológica era considerada mais própria aos adultos, o que
vinha perdendo espaço na cena teatral infantil.
As características presentes nesses textos os diferenciam dos demais textos da
dramaturgia produzida por Deolindo Checcucci na década anterior e os alinham ao
modelo que vinha sendo utilizado pela classe teatral durante os anos 80. O contexto no
qual A Bela e a Fera foi produzido está permeado de adaptações semelhantes, os
interesses comerciais faziam com que esse caminho, de encenação dos clássicos
infantis, fosse seguido pela maioria dos autores naquele momento.
Ao longo das décadas de 1970 e 1980, houve no cenário teatral baiano um
elevado número de adaptações infantis. Porém, no que alude ao desenvolvimento da
história há uma diferença, pois na década de 1970 as adaptações eram um recurso que
garantia maior confiabilidade quanto à ingenuidade da mensagem transmitida, mesmo
que o texto contivesse atualizações objetivando a promoção da reflexão crítica. Na
década de 1980, essas produções se tornaram, principalmente, um terreno seguro para
dramaturgos e atores, haja vista o retorno financeiro e a divulgação garantidos através
dos jornais (FRANCO, 1994).
O texto teatral se confirma assim como um veículo potente de disseminação
ideológica, pois unindo texto e encenação, o dramaturgo produz – através de diversas
linguagens – mensagens que se relacionam diretamente à sociedade na qual e para qual
serão transmitidas.
253

No que tange à tradição textual A Bela e a Fera é um datiloscrito que apresenta


quatro testemunhos. O primeiro deles (DC03c0001-85T1) está armazenado na
Coordenação Regional do Arquivo Nacional, do Distrito Federal, Divisão de Censura de
Diversões Públicas (COREG-AN-DF (DCDP)). Reprodução de datiloscrito, 30 folhas:
f.1 traz informações do texto teatral, tais como: título, adaptação, local
e data. No ângulo inferior direito da folha há o carimbo da Sociedade Brasileira de
Autores Teatrais – SBAT. A f.2 apresenta lista de personagens e indicação de cenário,
no ângulo superior direito se encontra o carimbo da Superintendência Regional da Bahia
– DPF, e no ângulo inferior direito, apresenta-se o carimbo da Sociedade Brasileira de
Autores Teatrais – SBAT, a seguir, inicia-se o texto. Numeração à margem superior
direita, a partir da folha 03. Carimbos do DPF no ângulo inferior direito de todas as
folhas. Carimbo da Superintendência Regional - DPF das folhas 2 a 30. Carimbo da
SBAT no ângulo inferior direito das folhas 29 e 30.
Os outros três testemunhos estão localizados no Núcleo de Acervo do Espaço
Xisto Bahia. Os testemunhos 2 e 3, depositados nesse acervo, reproduzem o
testemunho 1, localizado na COREG. O segundo (DC01a0001-85T3) é uma reprodução
de datiloscrito, com 30 folhas: f.1 traz informações do texto teatral, tais como: título,
adaptação, local e data. No centro, à esquerda da folha, há uma marca de grampo. Na
folha 2 apresentam-se informações sobre os personagens e cenário. O texto não
apresenta carimbos. As folhas são numeradas, à margem superior direita, a partir da
folha 3.
O terceiro (DC01a0001-85T4), também é uma reprodução de datiloscrito, 30
folhas: f.1 traz informações do texto teatral, tais como: título, adaptação, local e data.
No ângulo superior esquerdo há uma marca de grampo. Na f.2 são apresentadas
informações sobre os personagens e cenário. Em todas as folhas encontra-se o carimbo
da Superintendência Regional da Bahia – DPF. Às folhas 1, 2, 29 e 30 há o carimbo da
Sociedade Brasileira de Autores Teatrais – SBAT. As folhas são numeradas, à margem
superior direita, a partir da folha 3.
Por fim, o quarto (DC01a0001-85T2), é uma reprodução de datiloscrito que
apresenta diferenças em relação aos demais testemunhos. Contendo 28 folhas, na f.1
traz informações do texto teatral, tais como: título, adaptação, local e data. No ângulo
superior direito há um rasgo e no superior esquerdo há uma marca de grampo e
254

anotações manuscritas. O texto não traz carimbos. As folhas são numeradas, à margem
superior direita, a partir da folha 3. Há intervenções manuscritas (supressões e
acréscimos) manuscritas às folhas 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 13, 14, 16, 18, 21, 23, 25, 27 e
28.
Portanto, BF possui somente uma versão, porém as cópias (em quatro vias) são
testemunhos, provas documentais, diversos por trazerem as marcas (carimbos) que
resultam da ação dos censores no processo de julgamento por parte dos órgãos de
Censura e as marcas do processo de circulação textual. Dessa massa documental,
destacamos o testemunho 4, pois nele constam intervenções autorais manuscritas.
Através dessas marcas tornou-se possível conhecer características do processo de
encenação desse texto. Apresentamos a seguir um quadro comparativo, confrontando os
testemunhos 1 e 4 de A Bele e a Fera, identificando as diferenças existentes as duas
materialidades.
255

Quadro 14 – Confronto entre o testemunho 1 e o testemunho 4 do texto teatral A Bela e a Fera


Testemunho 1 (DC03c0001-85T1) Testemunho 4 (DC01a0001-85T4) Análise das indicações cênicas

À folha 1, ao lado dos nomes dos


personagens, há a indicação de
quem os interpretariam. Teresina
seria interpretada por Tereza
(Tetéia). O papel de pai caberia a
Betão. A Fera seria interpretada por
Gusmão. Cajuína era a personagem
de Cristiane. Lúcia interpretaria
Cristalina. Os personagens: dono
da joalheria, carteiro e Pierrot
seriam interpretados por Eduardo.
Nas indicações cênicas constam
nomes que não estão presentes no
elenco apresentando por Franco
(1994, p. 363). Essa informação
reforça a interpretação de que o
texto tenha sido encenado em outro
momento, posterior a 1985, data da
sua estreia, com um elenco
diferente.
256

À folha 4, constam observações


sobre como Cajuína deveria se
expressar, segura e demonstrando
alegria. “(Senhora de si) (Sempre
sorridente)” (CHECCUCCI, 1985,
f. 4). Abaixo, indica-se que ela fale
do seu pai de modo falso.
“CAJUÍNA – Tão cuidadoso.
(falsa)” (CHECCUCCI, 1985, f. 4).

À folha 5 do testemunho 4 há, além


257

À folha 6, acrescenta-se uma fala


ao texto do testemunho 4, que não
consta no testemunho 1. Na
anotação manuscrita lemos
“Cajuína – Me dê (desconcertada
[,] completa) que eu guardo”
(CHECCUCCI, 1985, f. 6). O
acréscimo acentua o viés negativo
atrelado à Cajuína, caracterizada,
pelas expressões das rubricas,
como interesseira e invejosa.

As outras indicações cênicas


evidenciam que o pai tinha
consciência de que a filha mais
responsável era Teresina, em uma
das passagens o pai “olha [para]
Teresina, apenas, torcendo para que
ela se pronuncie” (CHECCUCCI,
1985, f. 6). Na seguinte ele deve
demonstrar “(Alívio [por] Teresina
assumir a tarefa)” (CHECCUCCI,
1985, f. 6). O complemento ao
texto, oferecido pelas rubricas vai
configurando as características das
personagens.
258

No testemunho 4, à folha 8, há a
supressão de <milhão de
cruzados>, e substituição por [↑ mil
reais]. Com esse movimento
confirmamos que as modificações
foram realizadas após 1985, em um
período posterior a 1 de julho de
1994, quando a moeda Real passou
a ser oficial no Brasil.
259

À folha 21, a primeira anotação


manuscrita indica que Cajuína deve
demonstrar surpresa com a volta da
irmão Teresina. “Boca aberta ao
ver Teresa” (CHECCUCCI, 1985,
f. 21). A seguir, indica-se Cajuína
deve pronunciar, de forma
exagerada a sua fala, “Exagerando”
(CHECCUCCI, 1985, f. 21). 1Para
finalizar, ela deveria culpar a irmã
pela ausência, “joga a culpa em
Teresina” (CHECCUCCI, 1985, f.
21). As indicações, mais uma vez,
reforçam a relação invejosa que as
irmãs nutriam por Teresina.

Fonte: Preparado pela pesquisadora.


260

As rubricas visam tornar mais claro o modo como devem ser interpretadas as
falas, além de direcionar a postura dos atores em cena, de acordo com as emoções das
personagens. Essas são algumas das principais funções das indicações cênicas na
constituição do texto teatral, porém, ao analisar tais marcas em BF, pautados em uma
leitura crítico-filológica, identificamos também um processo de encenação posterior à
década de 1980.
Tal constatação foi possível a partir da análise do movimento de substituição de
<milhão de cruzados> por [mil reais]. A modificação autoral70 foi realizada com o
objetivo atualizar o texto para o momento histórico da encenação, provavelmente
posterior a 1 de julho de 1994, pois é a partir dessa data que a moeda brasileira passou a
ser o Real.
Checcucci reencenou, ao longo dos últimos anos, textos produzidos entre 1970 e
1980. Um dos principais exemplos é o espetáculo Um dia, um sol, que foi montado
novamente em duas oportunidades, a primeira em 1997 (RIBAS, 2018) e a segunda em
2016, em celebração aos 70 anos da UFBA e 60 anos da Escola de Teatro da
Universidade (ASCOM, 2016). Nessa perspectiva, ainda que não haja registros, a
reencenação do texto A Bela e a Fera, de 1985, evidencia-se como uma possibilidade.
Nesse sentido, as idas e vindas que perpassam a produção teatral, sempre
passível de modificação, considerando diferentes temporalidades, atestam a
especificidade do texto elaborado para o teatro, pois este alia escrita e encenação,
compondo um objeto artístico diferenciado.

O texto teatral é marcado por seu aspecto efêmero e múltiplo no que se refere
às encenações, diferenciando-se enquanto texto (escrito) e cena
(performance), porém em uma relação de interdependência entre o texto
dramático e o texto cênico, ambos se completam ou se suplementam
(ALMEIDA, BORGES, 2017, p. 23).

As indicações referentes à constituição da cena, evidenciam que os textos são


desdobrados e ressignificados durante cada apresentação. Nessa perspectiva, Grésillon
(1995, p. 271) afirma que os textos teatrais tratam-se de “[...] uma escritura a duas
mãos, isto é, produzidos por vários coautores e, no mais das vezes, resultam do encontro
70
Através da análise de assinaturas em documentos de censura do ADC-TI, concluímos que a letra
utilizada nas intervenções manuscritas do testemunho 4 pertence ao dramaturgo Deolindo Checcucci,
portanto, classificamos as modificações como autorais.
261

entre um texto escrito e dados que pertencem propriamente ao universo cênico”.


Deolindo Checcucci caracteriza o seu processo de produção dentro desse viés.

Às vezes, eu escrevo a [...] [história] toda, depois, aí, eu começo a reescrever


colocando os diálogos, ou às vezes eu [...] vou fazendo anotações, [...]
depois, eu arrumo as falas, ou, de repente escrevo o texto, um final da peça, e
aí, eu vou pro começo até chegar ao fim. [...] não tem uma fórmula precisa. A
sinopse [...] ajuda muito [...]. Então, sempre quando eu tenho uma ideia, eu
faço uma pequena sinopse e, a partir daí, eu vou jogando mais elementos na
medida que esses diálogos vão acontecendo, e aí os personagens surgem,
pede um outro personagem, você joga. [...] eu prefiro ter sempre algo que me
conduz, como a sequência das coisas. Muito embora, no processo, eu possa
reorientar ou reordenar tudo isso (CHECCUCCI, 2006, informação verbal).

O ator Gideon Rosa caracterizou Checcucci como um dramaturgo que “ouve,


acata sugestões dos atores e gosta de colaborações” (UZÊDA, 2013, [sem paginação]).
O seu processo de produção teatral nos apresenta um artista que projeta o texto como
um tecido atravessado por intenso diálogo. Esse aspecto se evidencia na trama textual,
permeada por contextualizações sociais e culturais, e também marcada pelos
movimentos de modificação, flagrados no texto examinado.
Através das colaborações foi possível para Checcucci produzir uma dramaturgia
infantil alinhada ao momento histórico e social no qual ele se encontrava inserido. Nos
anos 1970, momento em que a palavra de ordem era resistir, Checcucci se lançou nos
palcos com um discurso político e ideológico contundente. Em 1980, as características
presentes em A Bela e a Fera e também em A Galinha dos ovos de ouro diferenciam
esses espetáculos da dramaturgia produzida na década anterior e os relacionam ao
modelo que vinha sendo utilizado pela classe teatral durante os anos 1980.
Ao longo das décadas de 1970 e 1980, houve no cenário teatral baiano um
elevado número de adaptações infantis. Porém, no que alude ao desenvolvimento das
histórias há uma diferença, pois na década de 1970 as adaptações eram um recurso que
garantia maior confiabilidade quanto à ingenuidade da mensagem transmitida, mesmo
que o texto contivesse atualizações visando a promoção da reflexão crítica. Na década
de 1980, essas produções se tornaram, principalmente, um terreno seguro para
dramaturgos e atores, haja vista o retorno financeiro e a divulgação garantidos através
dos jornais (FRANCO, 1994).
262

São perspectivas diferentes que se relacionam às características de cada contexto


de produção teatral, permitindo-nos produzir um discurso intelectual sobre um mesmo
espaço – o teatro infantil baiano – em diferentes temporalidades – 1970 e 1980.
Mediante a leitura crítico-filológica das tramas costuradas pelo dramaturgo
Deolindo Checcucci configuramos os possíveis caminhos trilhados pela dramaturgia
infantil durante a ditadura militar na Bahia. Tomamos os textos teatrais, os documentos
censórios, as matérias de jornal e as entrevistas como retalhos que foram, pouco a
pouco, estampando o tecido textual do teatro infantil baiano das décadas de 1970 e
1980.
263

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A finalização desse trabalho nos confirma algumas hipóteses e aponta caminhos.


A confirmação se deve ao entendimento de que a chegada até aqui foi alicerçada em
uma visão que considera os textos teatrais, documentos da censura, matérias de jornal e
entrevistas como partes de um laboratório de produção de sentido (BORGES; SOUZA,
2012). Neste lugar de experimentações, o texto foi “compreendido como um espaço de
possibilidades relacionais, como um processo que envolve o contexto no qual é
produzido e se inscreve, e onde adquire significação” (BORGES; SOUZA, 2012, p. 25).
A crítica filológica guiou a nossa atividade interpretativa ao longo dessa
trajetória. Assim, a partir da dramaturgia checcucciana, caracterizamos o teatro infantil
produzido na Bahia durante os anos de chumbo e conhecemos também as
idiossincrasias do processo de produção de Deolindo Checcucci. Na perspectiva do
dramaturgo (CHECCUCCI, 2006, informação verbal),

[...] de uma maneira geral, o que você tem como dramaturgia é o texto, é a
palavra. Naturalmente, que o encenador pode fazer desse texto, dessa
encenação algo bastante diferente, modificar uma coisa, tirar uma outra, fazer
uma mudança naquela frase, [...] você tem uma liberdade muito grande para
pegar o texto e dar [...] um significado muito pessoal, muito particular, muito
seu.

Diante dessa subjetividade, os textos do dramaturgo são atravessados por


referências a elementos da música, da literatura, do cinema e da política, entre outros
segmentos. Nesse contexto, defendemos que “[o]s vínculos entre literatura e vida
alicerçam o fazer poético e o texto literário é um produto de um trabalho sobre outros
textos “(CARVALHO, 2004, p. 50).
Nos textos teatrais produzidos por Checcucci as fontes consultadas merecem ser
observadas, pois “a sua obra é o resultado do que ele absorveu e transformou dos textos
lidos” (CARVALHO, 2004, p. 50). A partir da verificação das referências citadas pelo
autor em seus espetáculos é possível identificar como se constituiu a formação do
sujeito intelectual em questão. Da leitura dos textos aqui estudados, foi possível
observar como Deolindo Checcucci trabalha, a partir do uso de citações (Cf. quadro 15).
264

Quadro 15 – Referências utilizadas por Deolindo Checcucci nos textos teatrais do ADC- TI
Referência artística Textos teatrais
JCBE UDTA DS RNR GOO BF
Aristóteles X X
Batatinha X
Buzz Aldrin X
Caetano Veloso X X X
Carlos Drummond de Andrade X
Cecília Meireles X
Chacrinha X
Charles Chaplin X
Clodovil Hernandes X
Clóvis Bornay X
Evandro de Castro Lima X
Gal Costa X X
Gilberto Gil X X
Glauber Rocha X
Michael Collins X
Novos baianos X
Roberto Carlos X
Rita Lee X
Fonte: Elaborado pela pesquisadora

A partir do quadro 15, identificamos a menção a artistas de várias áreas, desde a


Filosofia, com Aristóteles, até a moda com Clóvis Bornay. Atento aos signos culturais
da sua época, Checcucci procurava trazer os seus textos para a contemporaneidade em
que eram encenados, utilizando a referência a artistas do cinema, da televisão e da
música, com maior remissão a cantores baianos como Gilberto Gil, Caetano Veloso e
Gal Costa.
A leitura dos textos teatrais que compõem o ADC-TI nos proporcionou um
vislumbre do processo criativo do dramaturgo, identificando quais foram as fontes
acessadas e exploradas por Checcucci. Com efeito, as personalidades citadas aparecem
265

[...] nos [...] textos como o resultado de uma experiência, evidenciada por
meio de uma multiplicidade de vozes que dialogam com o sujeito produtor e
se manifestam na obra [...] e que, por sua vez, passam a dialogar com o
sujeito leitor, tanto aquele que escreveu e agora lê, como os outros leitores
que estão inseridos nessa tradição (CARVALHO, 2004, p. 67, grifo nosso).

Nós, enquanto leitores inseridos nessa tradição, fizemos a nossa interpretação e


construímos conhecimento, a partir das informações oferecidas pelos documentos do
ADC-TI. Assumimos o nosso lugar científico, pois, sabemos “desde o início que o
[nosso] estatuto é o do crítico” (PICCHIO, 1979, p. 212), e, nesse percurso, coube-nos
“ir além da superfície do texto, assumindo uma atitude historicista” (BORGES;
SOUZA, 2012, p. 25).
Durante o processo de elaboração desse trabalho, todas as etapas foram pautadas
em uma tomada de posição crítica, e, nesse lugar, transformamos as informações,
dispersas em diferentes arquivos, em conhecimento científico (Cf. figura 105).

Figura 105 – Representação do processo de construção de conhecimento através dos


documentos do ADC-TI

Fonte: Elaborado pela pesquisadora


266

As atividades contemplaram desde a recensão, organização e catalogação dos


documentos até a elaboração do Arquivo Hipertextual e a leitura crítica dos textos.
Nesse caminho, a Filologia guiou eticamente os estudos desenvolvidos, porque,
pautados em Sacramento e Santos (2017, p. 135), defendemos que

[a] leitura filológica é [...] uma ética, um modo de participação ativa e


deliberada na esfera mundana textual, política, cultural, que situa
necessariamente o crítico em relação às circunstâncias de produção de suas
intervenções e o coloca em um campo aberto em que não há estabilidade
previamente constituída para o empreendimento interpretativo.

Nesse contexto, a percepção subjetiva do pesquisador, por meio da tomada de


posição, é primordial para a construção do conhecimento. Esse trabalho representa uma
interpretação de como se caracterizou o teatro infantil produzido na Bahia durante a
ditadura militar, a partir da dramaturgia de Deolindo Checcucci, e o olhar de uma
pesquisadora que é atravessada por sua própria contemporaneidade, marcada pelos
dicursos culturais, sociais e científicos que a formaram intelectualmente. Portanto, no
âmbito da Filologia, apresentamos uma leitura crítica que não se pretende final e/ou
totalizante.
Outros olhares devem ser lançados sobre o teatro infantil baiano, considerando a
dramaturgia infantil de autores qu também produziram intensamente durante as décadas
de 1970 e 1980. Entre tais dramaturgos, podemos citar: Manoel Lopes Pontes, Lucia Di
Sanctis, Jurema Penna, Jurandyr Ferreira, Sostrátes Gentil, Maria Idalina, Alvinho
Guimarães, Eduardo Cabús, Raimundo Blumetti, Maria Manuela, Walter Qauglia e
Carlos Petrovich, entre outros.
Para além disso, Deolindo Checcucci apresenta, em seu perfil artístico, facetas,
brevemente expostas nesse trabalho, que merecem ser mais profundamente exploradas.
No contexto infantil, sua atuação como diretor de textos de outros autores foi
importante para o desenvolvimento do teatro baiano, desde o final da década de 1960.
Entre os muitos espetáculos dirigidos por Checcucci, podemos destacar Pinóquio
(1968), O arquiteto e o imperador (1973), A viagem de um barquinho (1978) e O
patinho preto (1978), esse último lhe rendeu o título de melhor diretor do ano de 1978 e
foi apontado por Carlos Borges (JORNAL DA BAHIA, 25 jun.. 1978) “como o mais
267

brilhante resultado dessa incansável batalha de Deolindo pela síntese entre o visual e o
não alienante”.
Ultrapassando as fronteiras da cena infantil, a dramaturgia adulta, produzida e
dirigida por Checcucci, também teve importância para a constituição do teatro baiano e
precisa ser melhor investigada. Entre os espetáculos dos quais Checcucci participou da
produção se destacam: O Futuro está nos ovos (1970), Nosso céu tem mais estrelas
(1971), O Pique dos índios ou A Espingarda de Caramuru (1973), Lula mete bronca
(1974), O Banquete (1975), Bangue-bangue em Xique-Xique (1975), Dorotéia (1978), O
Romance dos dois soldados de Herodes (1978), Bocas do inferno (1979), Abre mais
(1980), Folias do Canela (1980). Na figura 88, temos uma matéria de jornal divulgando
o espetáculo O Romance de dois soldados de Herodes.

Figura 106 – Recorte de jornal sobre o espetáculo O Romance dos dois soldados de Herodes

Fonte: Deserção..., Salvador, 6 jul. 1978. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
268

A breve análise de características de uma das peças pertencentes ao teatro adulto


checcucciano nos apresenta nuances de um aprofundamento crítico por parte do
dramaturgo. O Romance dos dois soldados de Herodes é um texto original de Osmar Lins,
dirigido por Checcucci e encenado em 1978. Narra-se a história de Murcabel, um
soldado do rei Herodes, que se recusa a cumprir uma ordem de execução. Segundo
Checcucci (Deserção..., Salvador, 6 jul. 1978) (Cf. figura 106), “[o] espetáculo
apresenta o problema do militarismo e da obediência rígida, não só no tempo da judéia,
mas em todos os tempos”.
No final do espetáculo, de acordo com Checcucci, o desertor assume a tropa,
afirmando “[s]eremos os que se recusaram a ser apenas o braço de Herodes. Um dia,
talvez, algum poeta se lembre de nós” (A TARDE, 6 jul. 1978). Tendo em vista o
intenso controle social imposto pelo regime militar à época, esse texto se configura
como crítico e transgressor. Considerando as diferenças que as modalidades teatrais –
infantil e adulta – possuem, torna-se interessante identificar de que modo o discurso
político e ideológico marcou a dramaturgia adulta produzida por Deolindo Checcucci.
Assim, a partir deste e de outros documentos, dispostos em um arquivo hipertextual,
podemos dar a ler os múltiplos papeis assumidos por Checcucci em seu fazer teatral, as
especificidades de sua dramaturgia, principalmente a infantil.
O Arquivo Hipertextual desenvolvido nessa tese foi possível a partir da
aplicação das técnicas arquivísticas na organização dos documentos e do uso do
recursos digitais para a sua apresentação ao leitor. A “Nova Filologia” (PÉREZ
PRIEGO, 1997; CERQUIGLINI, 2000) nos possibilitou, ao utilizar as ferramentas
informáticas no labor editorial, “libertar [o leitor] [d]as técnicas de representação
editoriais das limitações colocadas anteriormente pela tecnologia do impresso”
(PAIXÃO DE SOUZA, 2013, p. 114). Através desse movimento, mediante a leitura
crítica do filólogo, foi possível conhecer as idiossincrasias do teatro infantil baiano, por
meio dos textos teatrais de Deolindo Checcucci e dos documentos a eles relacionados.
Apresentamos como resultado dessa pesquisa o Arquivo Hipertextual Acervo
Deolindo Checcucci – Teatro Infantil (ADC-TI), que pode ser acessado pelo
endereço acervodeolindocheccucci.com. Futuramente, pretendemos tornar esse
trabalho mais abrangente, através da elaboração do Arquivo Hipertextual Deolindo
Checcucci, recebendo documentos que contemplem toda a atuação teatral desse artista,
269

tornando acessível ao maior público possível o conhecimento sobre a dramaturgia


checcucciana e sobre parte do teatro baiano. Nessa perspectiva, o diálogo estabelecido
com a Informática e com a Arquivística se confirma como imprescindível para a
elaboração e continuidade desse trabalho.
Alcançando as nossas últimas linhas, trazemos novamente Hissa (2013, p. 14)
para agora concluir essa tese, na qual houve a compreensão de que

[...] não há o fim das coisas. O mundo é feito de aberturas que se dão para
outras. Entre o primeiro e o último: uma infinidade de passos, tropeços,
imobilidades, esquecimentos, abandonos, prazeres sem medida ou sem
sentido de tão inexplicáveis. A pesquisa é o movimento que devemos fazer
na direção da construção da consciência das ignorâncias nossas. [...] Além de
fazer com que recuperemos o sentido do mundo com nossas pesquisas.

Nessa perspectiva, o trabalho de doutoramento aqui apresentado oferece uma


leitura possível, resultante de uma série de tomadas de decisões críticas e políticas,
relacionadas às circunstâncias de sua elaboração e pautadas no rigor ético filológico.
Reiteramos a relevância dessa pesquisa no que concerne à configuração de um teatro
infantil que, entre os seus retalhos permeados de fantasia, se caracterizou como espaço
potente de disseminação de ideias críticas e de sustentação para o teatro em diversos
aspectos, durante o período da ditadura na Bahia. Nas suas diferentes acepções –
comercial ou política/ideológica – a dramaturgia infantil baiana ocupou, nas décadas de
1970 e 1980, um lugar de resistência política e social.
270

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trajetoria-de-padre-cuja-biografia-se-confunde-com-a-historia-da-emissora-do-galinho/.
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Textos teatrais

CHECCUCCI, Deolindo. Julinho contra a bruxa no espaço. 1970, 17 folhas. Acervo do


Arquivo Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas –
DCDP– Peças Teatrais.

CHECCUCCI, Deolindo. Um dia, um sol. 1975, 21 folhas. Acervo do Arquivo Nacional


– Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP– Peças
Teatrais.

CHECCUCCI, Deolindo. Um, dois, três, alegria. 1975, 16 folhas. Acervo do Arquivo
Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP–
Peças Teatrais.

CHECCUCCI, Deolindo. A roupa nova do rei. 1977, 23 folhas. Acervo do Arquivo


Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP–
Peças Teatrais.

CHECCUCCI, Deolindo. A roupa nova do rei. 1977, 23 folhas. Acervo da Escola de


Teatro da UFBA.
283

CHECCUCCI, Deolindo. A roupa nova do rei. 1977, 23 folhas. Núcleo do Acervo do


Espaço Xisto Bahia.

CHECCUCCI, Deolindo. A bela e a fera. 1985, 30 folhas. Acervo do Arquivo Nacional


– Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP– Peças
Teatrais.

CHECCUCCI, Deolindo. A bela e a fera. 1985, 28 folhas. Núcleo de Acervo do Espaço


Xisto Bahia

CHECCUCCI, Deolindo. A galinha dos ovos de ouro. 1981, 15 folhas. Acervo do


Arquivo Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas –
DCDP– Peças Teatrais.

Matérias de jornal

A BAHIA de Akpalô. Tribuna da Bahia, Salvador, 12 abr. 1972. Cinema. Recorte de


Jornal arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia.

“A BELA e a Fera” no ICBA. Jornal da Bahia, Salvador, 20 abr. 1985. Recorte de


Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.

“A BELA e a Fera” romântico espetáculo infantil contado em imaginês. Tribuna da


Bahia, Salvador, 20 abr. 1985. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do
Espaço Xisto Bahia.

AKPALÔ: um testemunho do nosso tempo?. Jornal da Bahia, Salvador, 16-17 abril


1972. Cinema. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto
Bahia.

A TARDE. Salvador, 21 abr. 1985. Espetáculos. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo


de Acervo do Espaço Xisto Bahia.

CASTRO Alves: este teatro está em crise. Tribuna da Bahia, Salvador, 22 dez. 1977.
Caderno 2. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.

CHECCUCCI, Deolindo. A Tarde, Salvador, 27 dez. 1979. Teatro. Recorte de Jornal


arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia.

CHECCUCCI, Deolindo. A Tarde, Salvador, 10 jan. 1980. Teatro. Recorte de Jornal


arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia.

CHECCUCCI, Deolindo. A Tarde, Salvador, 06 mar. 1980. Teatro. Recorte de Jornal


arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia.

EM BUSCA da qualidade perdida. Correio da Bahia, Salvador, 03 abr. 1979. Teatro


Infantil. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
284

ENTREGA do Martins Gonçalves aos melhores de 1978. Correio da Bahia, Salvador,


14 mar. 1979. Teatro. Recorte de Jornal arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia.

FERREIRA, Jurandyr. “Julinho contra a bruxa do espaço” lança mais um autor baiano.
Diário de Notícias, 27 set. 1970. Recorte de Jornal arquivado no Acervo Pessoal.

JORNAL DA BAHIA, Salvador, 06 jun. 1974. Teatro Infantil. Recorte de Jornal


arquivado no Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia.

JULINHO contra a bruxa do espaço. Jornal da Bahia, Salvador, 08 maio 1974. Recorte
de Jornal arquivado no Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia.

MARTIN Gonçalves para os melhores do ano. Correio da Bahia, Salvador, 12 mar.


1979. Recorte de Jornal arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia.

O TATO em 75. Tribuna da Bahia, Salvador, 27 jan. 1975. Informações. Recorte de


Jornal arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia.

SPENCER, Nilda. Cadê o público?. Tribuna da Bahia, Salvador, 13 out. 1969. Teatro.
Recorte de Jornal arquivado no Acervo Pessoal.

TATO em repertório. A Tarde, Salvador, 18 maio 1985. Caderno 2. Recorte de Jornal


arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.

UM dois três alegria. TRIBUNA DA BAHIA. Salvador, 03 jun. 1973. Recorte de Jornal
arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia.

UM CINEMA com ou sem costumes. Jornal da Bahia, Salvador, 30-31 maio 1971.
Cinema. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia.

Documentos censórios

OFÍCIO 010013 - DCDP/77. Encaminhado pela Divisão de Censura de Diversões


Públicas. Brasília, 16 mar. 1977. Assina Maria Helena Guerreiro da Cruz.

OFÍCIO 1.507 – DCDP/77, Protocolo 13.386/77. Encaminhado pela Divisão de


Censura de Diversões Públicas. Brasília, 29 abr. 1977. Assina José Rafael da Silva.

PARECER 1153/77. Brasília, 28 mar. 1977.

PARECER 1401/77. Brasília, 13 abr. 1977.

SOLICITAÇÃO de exame censório. Salvador, 07 mar. 1977. Assina Deolindo


Checcucci.

SOLICITAÇÃO, Protocolo 8855. Salvador, 25 abr. 1977. Assina Deolindo Checcucci.


285

Entrevistas

CHECCUCCI, Deolindo. Depoimento, [nov. 2006]. Entrevistadores: Eduardo Dantas e


Isabela Almeida. Salvador, 2006. 1 CD.

CHECCUCCI, Deolindo. Depoimento, [abr. 2016]. Entrevistadora: Carla Fagundes.


Salvador, 2016. 1 CD.
286

APÊNDICE
Inventário dos documentos do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil
(ADC-TI)
ACERVO DEOLINDO CHECCUCCI - ADC-TI – INVENTÁRIO

Qtd. Referência Código

Produção intelectual

CHECCUCCI, Deolindo. A bela e a fera. 1985, 30 folhas. Acervo do Arquivo Nacional – DC03c0001-85T1
Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP– Peças
Teatrais.

01
CHECCUCCI, Deolindo. A bela e a fera. 1985, 30 folhas. Núcleo de Acervo do Espaço DC01a0001-85T2
Xisto Bahia.

CHECCUCCI, Deolindo. A bela e a fera. 1985, 30 folhas. Núcleo de Acervo do Espaço DC01a0001-85T3
Xisto Bahia.
CHECCUCCI, Deolindo. A bela e a fera. 1985, 28 folhas. Núcleo de Acervo do Espaço DC01a0001-85T4
Xisto Bahia.

DC03c0002-81T1
CHECCUCCI, Deolindo. A galinha dos ovos de ouro. 1981, 15 folhas. Acervo do
Arquivo Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas –
DCDP– Peças Teatrais.
02

CHECCUCCI, Deolindo. A galinha dos ovos de ouro. 1981, 15 folhas. Acervo da Escola DC01a0002-81T2
de Teatro da UFBA.

03 CHECCUCCI, Deolindo. A roupa nova do rei. 1977, 23 folhas. Acervo do Arquivo DC03c0003-77T1
Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP–
Peças Teatrais.

CHECCUCCI, Deolindo. A roupa nova do rei. 1977, 23 folhas. Núcleo de Acervo do DC01a0003-77T2
Espaço Xisto Bahia.
CHECCUCCI, Deolindo. A roupa nova do rei. 1977, 23 folhas. Acervo da Escola de DC01a0003-77T3
Teatro da UFBA.

CHECCUCCI, Deolindo. Julinho contra a bruxa no espaço. 1970, 17 folhas. Acervo do


04 Arquivo Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DC03c0004-70
DCDP– Peças Teatrais.

05 CHECCUCCI, Deolindo. Um dia, um sol. 1975, 21 folhas. Acervo do Arquivo Nacional – DC03c0005-75T1
Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP– Peças
Teatrais.

CHECCUCCI, Deolindo. Um dia, um sol. 1975, 21 folhas. Núcleo de Acervo do Espaço DC01a0005-75T2
Xisto Bahia.

CHECCUCCI, Deolindo. Um, dois, três, alegria. 1975, 16 folhas. Acervo do Arquivo
Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP– DC03c0006-75T1
Peças Teatrais.
06

CHECCUCCI, Deolindo. Um, dois, três, alegria. 1975, 16 folhas. Núcleo de Acervo do DC01a0006-75T2
Espaço Xisto Bahia.

DC01j0007-06
07 CHECCUCCI, Deolindo. Depoimento, [nov. 2006]. Entrevistadores: Eduardo Dantas e
Isabela Almeida. Salvador, 2006. 1 CD.

08 CHECCUCCI, Deolindo. Depoimento, [abr. 2016]. Entrevistadora: Carla Fagundes.


DC01j0008-16
Salvador, 2016. 1 CD.

Publicações na Imprensa
JULINHO contra a bruxa do espaço. Jornal da Bahia, Salvador, 08 maio 1974. Recorte de DC02c0001-74
01 Jornal arquivado no Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia.
02JB.08.05.74.BPEB.

JORNAL DA BAHIA, Salvador, 06 jun. 1974. Teatro Infantil. Recorte de Jornal DC02c0002-74
02 arquivado no Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia. 01JB.06.06.74.BPEB.

O TATO em 75. Tribuna da Bahia, Salvador, 27 jan. 1975. Informações. Recorte de


03 Jornal arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia. 03TB.27.01.75.EXB. DC02a0003-75

UM dois três alegria. TRIBUNA DA BAHIA. Salvador, 03 jun. 1973. Recorte de Jornal DC02c0004-76
04 arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia. 04TB.03.06.76.EXB.

SPENCER, Nilda. Cadê o público?. Tribuna da Bahia, Salvador, 13 out. 1969. Teatro. DC02a0005-69
05 Recorte de Jornal arquivado no Acervo Pessoal. 05TB.13.10.69.AP.
UM CINEMA com ou sem costumes. Jornal da Bahia, Salvador, 30-31 maio 1971. DC02a0006-71
06 Cinema. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia.
06JB.30-31.05.71.EXB.

07 A BAHIA de Akpalô. Tribuna da Bahia, Salvador, 12 abr. 1972. Cinema. Recorte de DC02a0007-72
Jornal arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia. 07TB.12.04.72.EXB.

AKPALÔ: um testemunho do nosso tempo?. Jornal da Bahia, Salvador, 16-17 abril 1972.
08 Cinema. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia. DC02a0008-72
08JB.16-17.04.72.EXB.

CASTRO Alves: este teatro está em crise. Tribuna da Bahia, Salvador, 22 dez. 1977. DC02d0009-77
09 Caderno 2. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
09TB.22.12.77.EXB.
EM BUSCA da qualidade perdida. Correio da Bahia, Salvador, 03 abr. 1979. Teatro
10 Infantil. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia. DC02d0010-79
10CB.03.03.79.EXB.

MARTIN Gonçalves para os melhores do ano. Correio da Bahia, Salvador, 12 mar. 1979.
11 Recorte de Jornal arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia. 11CB.12.03.79.EXB. DC02a0011-79

ENTREGA do Martins Gonçalves aos melhores de 1978. Correio da Bahia, Salvador, 14


12 mar. 1979. Teatro. Recorte de Jornal arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia. DC02a0012-79
12CB.14.03.79.EXB.

CHECCUCCI, Deolindo. A Tarde, Salvador, 27 dez. 1979. Teatro. Recorte de Jornal DC02b0013-79
13 arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia. 13AT.27.12.79.EXB.

14 CHECCUCCI, Deolindo. A Tarde, Salvador, 10 jan. 1980. Teatro. Recorte de Jornal DC02b0014-80
arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia. 14AT.10.01.80.TCA.

CHECCUCCI, Deolindo. A Tarde, Salvador, 06 mar. 1980. Teatro. Recorte de Jornal


15 arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia. 15AT.03.03.80.EXB. DC02b0015-80

16 “A BELA e a Fera” no ICBA. Jornal da Bahia, Salvador, 20 abr. 1985. Recorte de Jornal
arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia. 16JB.20.04.85.EXB. DC02a0016-85

17 “A BELA e a Fera” romântico espetáculo infantil contado em imaginês. Tribuna da


Bahia, Salvador, 20 abr. 1985. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do DC02a0017-85
Espaço Xisto Bahia. 17TB.20.04.85.EXB.
18 A TARDE. Salvador, 21 abr. 1985. Espetáculos. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo DC02c0018-85
de Acervo do Espaço Xisto Bahia. 18AT.21.04.85.EXB.

19 TATO em repertório. A Tarde, Salvador, 18 maio 1985. Caderno 2. Recorte de Jornal


arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia. 19AT.18.05.85.EXB. DC02a0019-85

20 FERREIRA, Jurandyr. “Julinho contra a bruxa do espaço” lança mais um autor baiano.
Diário de Notícias, 27 set. 1970. Recorte de Jornal arquivado no Acervo Pessoal. DC02a0020-70
20DN.27.09.70.EXB.

Documentação censória

A bela e fera

01 [CAPA] do processo de avaliação censória do Serviço Público Federal. Brasília, sd. DC03j0001-sd
02 SOLICITAÇÃO de exame censório. Salvador, 11 abr. 1985. DC03a0002-85

03 REGISTRO de espetáculo. Contém nome do autor, Deolindo Checcucci. Salvador, 18 DC03j0003-85


abr. 1985.

04 PARECER 049/85. Brasília, 29 abr. 1985. DC03d0004-85

05 PARECER 050/85. Brasília, 10 maio 1985. DC03d0005-85

06 PARECER 051/85. Brasília, 10 maio 1985. DC03d0006-85

07 PARECER 052/85. Brasília, 13 maio 1985. DC03d0007-85

08 [CERTIFICADO DE CENSURA] 012/85. Validade de 13 de maio de 1985 a 13 jun. DC03i0008-85


1985.

09 OFÍCIO 01455/85 – SCDP/85. Encaminhado pela Direção da Divisão de Censura de DC03b0009-85


Diversões Públicas. Brasília, 17 maio 1985.

10 [FICHA DE PROTOCOLO]. Acham-se preenchidos os itens 1, 3, 4 e 5. Datas: 22 maio DC03h0010-85


1985 e 28 de maio de 1985.

11 [CERTIFICADO DE CENSURA] da DCDP n. 13.613. Censura Federal: Teatro, DC03i0011-85


Salvador, 28 maio 1985. Prazo de validade: 28 maio 1985.

12 OFÍCIO 1.063/85 – DCDP/85. Encaminhado pela Divisão de Censura de Diversões DC03b0012-85


Públicas. Brasília, 07 jun. 1985.
A galinha dos ovos de ouro

13 [CAPA] do processo de avaliação censória do Serviço Público Federal. Brasília, sd. DC03j0013-sd

14 SOLICITAÇÃO de exame censório. Salvador, 24 mar. 1981. DC03a0014-81

15 REGISTRO de espetáculo. Contém dados pessoais do autor, Deolindo Checcucci. DC03j0015-81


Salvador, 24 mar. 1981.

16 RELATÓRIO de ensaio geral. Encaminhado pela Divisão de Censura de Diversões DC03g0016-81


Públicas. Salvador, 22 abr. 1981.

17 OFÍCIO 01219/81. Encaminhado pela Divisão de Censura de Diversões Públicas. Brasília, DC03b0017-81
08 maio 1981.

18 [CERTIFICADO DE CENSURA] 10.779. Validade de 18 maio 1981 a 18 maio 1986. DC03i0018-81

19 OFÍCIO 1.241/81. Encaminhado pela Divisão de Censura de Diversões Públicas. DC03b0019-81


Salvador, 19 maio de 1981.

20 [FICHA DE PROTOCOLO]. Acham-se preenchidos os itens 1, 3 e 4. Datas: 12 maio DC03h0020-81


1981, 18 maio 1981 e 20 maio 1981.

A roupa nova do rei

21 CAPA do processo de avaliação censória do Serviço Público Federal, Protocolo n. DC03j0021-sd


9359/77. Brasília, sd.
22 SOLICITAÇÃO de exame censório. Salvador, 07 mar. 1977. Assinada por Deolindo DC03a0022-77
Checcucci.

23 OFÍCIO 010013 -DCDP/77. Encaminhado pela Divisão de Censura de Diversões DC03b0023-77


Públicas. Brasília, 16 mar. 1977.

DC03d0024-77
24 PARECER 1153/77. Brasília, 28 mar. 1977.

25 PARECER 1401/77. Brasília, 13 abr. 1977. DC03d0025-77

26 OFÍCIO 591 –DCDP/77. Encaminhado pela Divisão de Censura de Diversões Públicas. DC03b0026-77
Brasília, 19 abr. 1977.
27 OFÍCIO 01597 –DCDP/77. Encaminhado pela Divisão de Censura de Diversões Públicas. DC03b0027-77
Brasília, 25 abr. 1977.

28 SOLICITAÇÃO, Protocolo 8855. Salvador, 25 abr. 1977. Assinada por Deolindo DC03a0028-77
Checcucci.

29 OFÍCIO 1.507 –DCDP/77, Protocolo 13.386/77. Encaminhado pela Divisão de Censura DC03b0029-77
de Diversões Públicas. Brasília, 29 abr. 1977.

30 [FICHA DE PROTOCOLO]. Acham-se preenchidos os itens 1, 2, 3 e 5. Datas: 23 mar. DC03h0030-77


1977, 28 mar. 1977, 4 maio 1977 e 6 maio 1977.

31 [CERTIFICADO DE CENSURA] 7588/77. Validade de 09 maio 1977 a 09 maio 1982. DC03i0031-77

32 OFÍCIO 664/77. Encaminhado pela Superintendência Regional do DPF na Bahia. DC03b0032-77


Salvador, 04 maio 1977.

33 CAPA do processo de avaliação censória do Serviço Público Federal. Brasília, sd. DC03j0033-sd

Julinho contra a bruxa no espaço

34 SOLICITAÇÃO de exame censório, Salvador, 13 fev. 1970. Assinado por Deolindo DC03a0034-70
Checcucci.

35 PARECER. Brasília, 20 fev. 1970. DC03d0035-70

36 SOLICITAÇÃO de análise do ensaio geral. Encaminhada pelo Serviço de Censura de DC03a0036-70


Diversões Públicas, 25 fev. 1970.
37 [CERTIFICADO DE CENSURA] 2297/70. Validade de 25 fe. 1970 a 25 fev. 1975. DC03i0037-70

38 SOLICITAÇÃO de exame censório. Rio de Janeiro, 12 out. 1972. Assinada por Deolindo DC03a0038-72
Checcucci.

39 ENCAMINHAMENTO da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Rio de Janeiro, 12 DC03a0039-72


out. 1972.

40 OFÍCIO 165/72. Encaminhado pela Superintendência Regional/GB. Salvador, 10 nov. DC03b0040-72


1972.

41 PARECER. Brasília, 10 nov. 1972. DC03d0041-72

42 [CERTIFICADO DE CENSURA] 2297/72. Validade de 20 nov. 1972 a 25 fev. 1975. DC03i0042-72


43 [FICHA DE PROTOCOLO]. Acham-se preenchidos os itens 1, 2, 3, 4 e 5. Datas: 27 fev. DC03h0043-72
1972, 03 nov. 1972, 17 nov. 1972, 21 nov. 1972 e 21 nov. 1972.

44 RELATÓRIO de ensaio geral. Encaminhado pelo Departamento de Polícia Federal, DC03g0044-75


Superintendência Regional da Bahia, ao chefe do SCDP. Salvador, 20 mar. 1975.

45 OFÍCIO 01125/75. Encaminhado pelo chefe da SCDP ao diretor da DCDP. Salvador, 25 DC03b0045-75
abr. 1975.

Um dia, um sol

46 CAPA do processo de avaliação censória do texto teatral Um dia, um Sol, do Serviço DC03j0046- sd
Público Federal. Brasília, sd.

47 SOLICITAÇÃO de exame censório do texto teatral Um dia, um sol, Salvador, 08 out. DC03a0047-75
1975. Assinada por Deolindo Checcucci.

48 OFÍCIO 2849/75. Encaminhado pelo chefe da SCDP ao diretor da DCDP. Salvador, 10 DC03b0048-75
out. 1975.

49 PARECER 8811/75. Brasília, 20 out. 1975. DC03d0049-75

50 [FICHA DE PROTOCOLO]. Acham-se preenchidos os itens 1, 3 e 5. Datas: 15 out. 1975, DC03h0050-75


21 out. 1975, 22 out. 1975.

51 [CERTIFICADO DE CENSURA] 6345/75. Contam as datas 20 out. 1975 e 22 out. 1975.


DC03i0051-75
Um, dois, três, alegria

52 CAPA do processo de avaliação censória do texto teatral Um, dois, três, alegria, do DC03j0052 -sd
Serviço Público Federal. Brasília, sd.

53 SOLICITAÇÃO de exame censório do texto teatral Um, dois, três, alegria, Salvador, 21 DC03a0053-75
out. 1975. Assinada por Deolindo Checcucci.

54 OFÍCIO 3003/75. Encaminhado pelo chefe da SCDP ao diretor da DCDP. Salvador, 25 DC03b0054-75
abr. 1975. Constam as datas: 23 out. 1975 e 27 out. 1975.

55 PARECER 9416/75. Brasília, 10 nov. 1975. DC03d0055-75


56 [CERTIFICADO DE CENSURA] 6404/75. Contam as datas 13 nov. 1975 e 17 nov. 1975. DC03i0056-75

57 [FICHA DE PROTOCOLO]. Acham-se preenchidos os itens 1, 3 e 5. Constam as datas: DC03h0057-75


31 out. 1975, 13 nov. 1975 e 18 nov. 1975.

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