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INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA E CULTURA
Salvador
2019
CARLA CECÍ ROCHA FAGUNDES
Salvador
2019
Fagundes, Carla Cecí Rocha.
Deolindo Checcucci e o teatro infantil baiano no contexto da ditadura militar: arquivo, edição e
estudo crítico-filológico / Carla Cecí Rocha Fagundes. - 2019.
307 f.: il.
CDD - 809.2
CDU - 801.73
A minha mãe, Astéria, minha estrela.
AGRADECIMENTOS
A minha família, principalmente ao meu pai Ubirajara Fagundes, por confiar sempre no
meu sucesso, aos meus amados irmãos Ubirajara Luiz, Eduardo e Vinicius, pela
fraternidade e apoio constantes. A minha cunhada Débora pelos momentos de riso e de
união familiar. As minhas sobrinhas Manuela e Heloisa, fontes de amor incomensurável
na minha vida.
A minha tia Rita, por sempre se orgulhar dos meus feitos. As minhas primas Fabiana e
Laila, pelo esteio familiar e ao meu sobrinho João, por trazer doçura para os meus dias.
A Rosa Borges, por ter guiado a minha formação acadêmica nesses 10 anos de
orientação, nos quais foi generosa em partilhar os seus conhecimentos, sempre
buscando fazer de mim uma pesquisadora melhor. Agradeço pelo acolhimento ao me
considerar “uma dos seus” e jamais me abandonar nos percursos da academia e da vida.
A Ivo Falcão, meu amigo querido, por ter me incentivado a iniciar esse doutorado e me
ajudado nos momentos de angústia, quando o cansaço dificultava o avanço dos meus
passos.
A Débora Souza, amiga com a qual o doutorado me presenteou, agradeço pelo exemplo
de determinação e pelo apoio na divisão das dores e alegrias durante esses quatro anos
de estudo.
A minha amiga Liliam Lima, meu par científico, ou, nas palavras dela, minha alma
gêmea científica, por ter feito da universidade um lugar de felicidade para mim.
Theater, during the 1970s and 1980s, had a remarkable development, even in a society
controlled by the Military Dictatorship, which was established in the national territory
between 1964 and 1985, restricting freedom of expression through censorship. In this
context, we highlight the dramaturgy of Deolindo Checcucci, author who has been
producing in Bahia since the 1970s. Characterized as a multifaceted artist, Checcucci
takes on the roles of director, teacher and playwright in the Bahian theatrical scenario.
Through his children's productions, he sought to develop a critical and innovative
theater, able to promote reflection and social change. We can observe these
characteristics through Deolindo Checcucci's Collection - Children's Theater,
organized by the Team of Censored Theatrical Texts, coordinated by Professor Rosa
Borges, at the Federal University of Bahia, since 2006. This thesis will focus on the
study of the children's dramaturgy of Deolindo Checcucci, from the organization of the
collection, the edition and the critical-philological study of selected texts, gathered in a
Hypertextual Archive. Thus, through a dialogue among Philology, Archivistics and
computer technologies, it is possible to analize critically the dramaturgical production
of Deolindo Checcucci and configure the paths taken by Bahian children's theater
during the Military Dictatorship in Bahia.
Art.: artigo
Cf.: Conferir
ed.: edição
f.: folha
Qtd.: Quantidade
T: Testemunho
TVV: Nós, por exemplo – Centro de Documentação e Memória do Teatro Vila Velha
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 15
4.1.1 Retalhos do tecido estampado nas relações da cena infantil baiana da 175
década de 1970
4.1.2 Uma década de censuras: o teatro infantil como espaço de resistência 217
REFERÊNCIAS
APÊNDICE
14
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
ao lugar ocupado pelo teatro infantil na Bahia, tendo em vista a observação da grande
quantidade de peças infantis encenadas durante as décadas de 1970 e 1980. Tal pergunta
só seria respondida 10 anos depois, nessa tese, na qual, através da dramaturgia
checcucciana, investigamos o espaço político/ideológico/comercial ocupado pela
produção teatral infantil. E, em meio à nossa investigação do teatro infantil, voltamos a
dialogar com Franco (1994), pois o livro O Teatro na Bahia Através da Imprensa – Séc.
XX nos forneceu elementos indispensáveis para entender os caminhos percorridos pela
classe teatral baiana
Entre 2010 e 2011, desenvolvemos o plano de trabalho O Acervo de textos da
imprensa baiana relativos ao teatro e à censura no período da ditadura, que teve como
objetivo principal a organização de um Catálogo Descritivo Digital contendo os textos
de imprensa relativos ao teatro e à censura. As atividades visando organizar documentos
ganhou maior espaço na nossa trajetória acadêmica, proporcionando-nos um
amadurecimento teórico e metodológico.
Nesse subprojeto trabalhamos com os textos de imprensa e os tomamos como
fontes para o trabalho filológico. As matérias de jornal se mostraram importantes para
estudar os processos de produção, transmissão, circulação e recepção textuais. Nesse
período, foi lançada mais uma semente para a construção dessa tese, pois fortalecemos a
visão de que o trabalho filológico só é plenamente realizado quando colocamos os
textos em diálogo.
Entre 2012 e 2014 desenvolvemos o trabalho de dissertação de mestrado Edição e
Crítica Filológica de Pau e Osso S/A, do Amador Amadeu: O Teatro Amador em Cena.
Os conhecimentos construídos com as atividades anteriores foram postos em prática
através do estudo e da edição de um texto teatral produzido por um grupo amador.
Destacamos aqui o nosso interesse em configurar a produção de uma parte da classe
teatral que ainda não havia sido estudada de modo aprofundado, tanto no âmbito da
ETTC quanto no contexto acadêmico. A abordagem do teatro amador nos abriu
perspectivas para o direcionamento de um trabalho calcado na investigação/construção
de um objeto que ainda não estava delimitado, dando voz a grupos artísticos que não
possuíam visibilidade social.
No doutorado, iniciado em 2015, essa busca se perpetuou, propusemo-nos a
caracterizar o teatro infantil baiano por meio da dramaturgia de Deolindo Checcucci,
organizada e apresentada em um Arquivo Hipertextual. A ETTC tem desenvolvido
16
1
“la ediction crítica, las versiones que pueda haber, las transcripciones de cada uno de los textos y su
reproductión fac-similar [...] proporciona a la vez un produto, el texto ideal, y el proceso que ha permitido
llegar hasta él”
19
Esta página será exibida apenas uma vez, após o primeiro acesso do usuário
(avaliador/orientador), para que ele possa informar seu nome e e-mail, a fim de termos o
controle sobre qual usuário está acessando a edição e também tecendo os comentários. É
obrigatório que sejam informados o nome e um e-mail válido para salvar as
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encaminhamento para a página principal do site e poderá acessar todo o conteúdo do
Arquivo Hipertextual.
Caso deseje, o usuário poderá alterar a senha inicial. No canto superior direito da
tela, após a saudação ao usuário, há um link para a página de alteração de senha,
conforme demonstrado nas figuras 3 e 4:
O texto, enquanto literatura, é um texto que não tem, digamos assim, a força
que tem ao ser representado, eu acho que só passa a existir no momento que o
ator interpreta, que existe uma ação levando aquela situação, quer dizer, o
texto de teatro tem [...] essa característica de que ele passa realmente a existir
no momento em que ele é encenado [...]. O visual é texto, a música é texto, a
dança é texto, quer dizer, a encenação em si passa a ser um texto, não é só a
palavra que é o texto do espetáculo, da forma, [...] A maneira como você usa
o figurino, a maneira como você usa o cenário, a maneira como usa elemento
de cena, tudo isso, tá falando, tá dizendo alguma coisa [...] (CHECCUCCI,
2006, informação verbal)2.
2
Entrevista concedida por Deolindo Checcucci à ETTC, em 2006.
24
Nessa direção, na qual “[...] cada leitor deve [...] sentir-se livre para encontrar
sua própria trajetória de leitura” (GUMBRECHT, 2007, p. 20, tradução nossa) 3,
requisita-se que o editor assuma primeiro seu lugar de leitor, encontrando um caminho
de leitura ao se ocupar do trabalho com textos. A seguir, ao longo do estudo e da
edição, o editor passará a realizar escolhas e conjecturas que caracterizarão sua ação
interventiva.
Logo, o texto crítico apresentado deve ser compreendido como uma tessitura
textual marcada pela mediação editorial. As mudanças no processo de transmissão
encaminham, consequentemente, o editor a assumir o seu lugar nesse processo de
produção de sentidos que é resultante da edição de textos, pois,
3
[...] cada lector debe [...] sentirse libre de encontrar su propia trajectoria de lectura (GUMBRECHT,
2007, p. 20).
4
[...] el trabajo filológico produce inevitablemente un papel de editor, y que tal papel de editor presupone
y en parte da forma a la producción de un hipotético papel de autor […]. Al mismo tiempo, no hace falta
aclarar que el papel de editor contiene a su vez múltiples papeles de lector ((GUMBRECHT, 2007, p. 43).
25
5
“[...] totalidade dos testemunhos, manuscritos ou impressos, conservados ou desaparecidos, em que um
texto se materializou ao longo da sua transmissão” (APL, 1990, apud DUARTE, 1997, p. 88).
26
6
Pasquali (1934) merece destaque ao propor observar os testemunhos como indivíduos históricos, pois
lançou um novo olhar sobre as variantes, distinguindo-as entre variantes de copistas e variantes autorais,
no que se denominou como crítica das variantes, com fundamentação desenvolvida por Gianfranco
Contini (1947) e Michele Barbi (1938), com a proposição de uma “nova filologia” que considerasse como
objeto de estudo tanto os autores de textos medievais quanto os modernos.
27
para montar o dossiê dos textos (e paratextos), realizado por meio da recensio, e
apresentar o trabalho editorial no que tange aos textos teatrais infantis produzidos por
Deolindo Checcucci através de um Arquivo Hipertextual, proporcionando materiais
para o exercício da crítica filológica.
Tal memória faz “[...] parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e
das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes
dominadas, lutando todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção”
(LE GOFF, 2003, p. 475). Nesse processo, a valorização da memória coletiva se faz
ainda mais necessária, visto que, entre outras propriedades, ela conserva determinadas
informações, possibilitando uma atualização do passado, produzindo materiais que
cumprem uma dupla função, pois figuram como documentos/monumentos7.
São eles documentos na medida em que ocupam o lugar de prova, mas também
podem ser vistos como monumentos, pois transmitem às futuras gerações a memória de
acontecimento(s) ou de determinada(s) pessoa(s). Tomamos como exemplo os textos
teatrais produzidos e encenados no período da ditadura militar na Bahia, que, ao mesmo
tempo em que são provas que documentam os produtos de uma determinada época e
lugar, são também monumentos, pois representam objetos artísticos que merecem ser
transmitidos.
Tais documentos/monumentos resultam da construção das sociedades que
permitiram que eles existissem e sobrevivessem, impondo ao futuro uma imagem de si
próprias e [...] “nasce[ndo] para a [...] para crítica textual como lugares de memória
privilegiados” (OLIVEIRA, 2007, p. 374). Os documentos que compõem o arquivo, no
caso do ATTC, em especial do ADC-TI, figuram, portanto, como fontes para o
trabalho filológico.
O arquivo assume, nesse contexto, um importante papel, tomado como espaço
de memória, enquanto a tradição textual se destaca como lugar de investigação. “Os
arquivos e documentos de criação, portanto, são fontes para a crítica e a história da arte,
assim como o são os arquivos da literatura para a filologia e crítica literárias”
(SANTOS, 2005 apud CIRILLO, 2012, p. 148). Para tratamento desses documentos
propõe-se a sua organização em dossiês, e, para tanto, firmam-se diálogos entre a
Filologia e outras áreas, como a arquivística.
A constituição dos dossiês cumpre papel importante, posto que, enquanto
conjunto documental, oportuniza a reunião de documentação textual e paratextual.
Através do dossiê, é possível “[...] interrogar as práticas de escrita e o seu fazer
intertextual ou interdiscursivo, exibindo a relação [...] entre o texto do escritor em
7
“[...] materiais da memória podem apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herança do
passado, e os documentos, escolha do historiador (LE GOFF, 1990, p. 526, grifo do autor).
30
processo e as coisas lidas, sabidas, ouvidas, vistas e entendidas de uma cultura, de uma
época” (BALDWIN, 2010, p. 5).
Quando se trata da análise do texto teatral censurado o dossiê reúne materiais
para além dos textos teatrais, como recortes de jornal e documentos censórios, que
contribuem tanto para elucidar o processo de criação autoral, quanto para dar conta da
transmissão e circulação dos textos, que carregam em si uma historicidade.
O dossiê arquivístico permite, a partir da sua documentação, relacionar a história
social “com os elementos, processos e convenções que resultam na obra literária”
(BORDINI, 2004, p. 262), neste caso da obra dramatúrgica. Para proceder à
organização da massa documental de determinado arquivo, dando acesso aos
documentos, faz-se necessário o conhecimento de algumas práticas arquivísticas.
Nesse sentido, a proveniência se destaca como um importante princípio
arquivístico que, desde o século XIX, é a base do discurso científico da área. No âmbito
da Arquivologia, esse princípio
[...] pode ter uma aplicação externa, ou seja, respeitar o fundo tal como foi
produzido, seja por um indivíduo, por um grupo ou por uma instituição como
um todo. Chamamos isso de Respect des fonds. O princípio da Proveniência
também pode ser aplicado internamente, respeitando a ordem original dada
aos documentos que os criou (HORSMAN, 1996, p. 51, grifo do autor).
8
Disponível em: http://www.corpusthomisticum.org/
9
Disponível em: http://stephanus.tlg.uci.edu/
10
Disponível em: http://www.digitalclassicist.org/
11
Disponível em: http://www.rossettiarchive.org/
12
Disponível em: http://www.digitalvariants.org/
34
13
Disponível em: http://www.digitalmedievalist.org/
14
Disponível em: http://www.digipal.eu/
35
Isso se verifica quando pensamos que “[a] filologia [...] vem mantendo por
séculos seu foco principal de atenção: o texto, como um sistema de raízes que pode ser
escavado nele próprio (nas magistrais palavras de Rosa Borges S. Carvalho (2003)”
(PAIXÃO DE SOUZA, 2013, p. 130, grifo do autor). Mesmo tendo esse foco, e sem
prejudicá-lo, podemos acompanhar uma adaptação a novos objetos, tendo em vista os
diferentes suportes criados pelas sociedades ao longo do tempo para a difusão do texto.
Logo, é necessária também uma adaptação no que tange ao uso das tecnologias
computacionais, o que vem ocorrendo de forma lenta até então.
A modificação do suporte, do papel ao computador, trouxe mudanças para as
práticas editoriais. Os editores críticos têm lidado com textos que se apresentam em
estados e suportes cada vez mais diversos, isso porque “ao mudar os códigos
bibliográficos, os sentidos dos textos são naturalmente alterados” (BARREIROS, 2014,
p. 167), ou seja, quando se modificam os suportes de produção, transmissão e
circulação, mudam-se também os sentidos e, consequentemente, os procedimentos
editoriais também.
Nas últimas décadas, grande parte das edições filológicas que fizeram uso da
tecnologia computacional “[...] eram simulacros de técnicas anteriores, e encontravam-
se, ainda, inteiramente imersas na lógica do papel. A lógica do papel é uma lógica
espaço dependente e visual” (PAIXÃO DE SOUZA, 2013, p. 131, grifo do autor). Em
outras palavras, continua-se aproveitando o espaço físico determinado pela folha de
papel, codificando todos os elementos indicativos de uma edição apresentada em meio
impresso. Assim, “[...] ao menos, o caso do Brasil: em larga medida, ainda seguimos as
técnicas e normas de edição filológica ligadas às tecnologias do impresso” (PAIXÃO
DE SOUZA, 2013, p. 132). Dentro dessa perspectiva, as propriedades do texto digital,
mesmo que amplamente reconhecidas, ainda não têm sido potencialmente explorada
pelos trabalhos filológicos.
36
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O ATTC será organizado para apresentação em suporte digital, com acesso limitado das informações
relacionadas aos textos teatrais, assegurando uma disponibilização responsável das informações contidas
nos acervos acima citados, com as indicações da proveniência de cada documento, possibilitando o acesso
à informação por parte dos pesquisadores.
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10 VARIA
10a Livros, revistas e folhetos
(Biblioteca) ARQUIVO TEXTOS TEATRAIS CENSURADOS
10b Edital (concurso de peça teatral)
10c Paratexto (texto do programa da TEXTOS TEATRAIS CENSURADOS-ILUFBA
peça, texto da contracapa do disco)
10d Documentos de outras instituições SISTEMA DE CATALOGAÇÃO POR SÉRIES
(SBAT, Arquivo Nacional) e projetos
do governo (MOBRAL)
10e Documentos administrativos
Fonte: SANTOS, 2018, p. 107.
A catalogação por séries leva em conta a diversidade de documentos que
compõem o ATTC. Conforme Bellotto (2012, p. 108),
Nosso céu tem mais estrelas foi escrito por Checcucci em 1971, em parceria
com Rose Rudner. Sob a forma de um show musical, teatro de revista, o espetáculo
apresenta uma série de quadros, através dos quais vedetes e travestis, de maneira
humorística, abordam características do Brasil e de diferentes países, como Itália e
Alemanha. Para tanto, são utilizadas composições de Caetano Veloso, Carlos Gardel,
Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga e dos Beatles. Após passar pelo processo de análise
censória, o texto foi liberado, sem cortes, para apresentação. Contudo, sua exibição foi
permitida apenas para público maior de 18 anos, posto que, de acordo com os técnicos
de censura, mesmo não apresentando excessos, a peça exigia público mais amadurecido.
Bang Bang em Xique-Xique, produzida em 1974, conta a história de homens
brancos que invadem terras indígenas e raptam uma índia, com anuência do xerife do
lugar. Porém, a seguir, o delegado é desmascarado e toda a situação se transforma em
uma grande e animada festa. O espetáculo foi liberado para encenação. Conforme
avaliação dos técnicos de censura, o texto apresenta tom descontraído e faz críticas aos
meios de comunicação da época, que utilizavam de violência para fazer
sensacionalismo.
Lula mete bronca foi encaminhada, em 1975, à Divisão de Censura de
Diversões Públicas. O enredo apresenta dois jovens, Lula e Beto. O primeiro, recém-
chegado de Nova York, não se conformava com a realidade brasileira, considerada por
ele como retrógrada. O segundo é um artista falido, que mesmo em má situação
financeira insiste em fazer arte. Ao longo da história, Lula e Beto discutem questões
existenciais, como o sentido da vida, a família, a religião, a política e a sociedade. Após
análise dos órgãos censórios, Lula mete bronca teve sua encenação proibida. De acordo
com o texto dos pareceres, o espetáculo foi vetado porque não apresentava mensagem
positiva e a temática da obra ia de encontro aos princípios da moral e dos bons costumes
da sociedade brasileira de então.
O Banquete foi escrita em 1975 e sua história trata de uma interação entre dois
casais, que se encontram sentados em privadas, em torno de uma mesa. Ao longo do
texto são debatidos assuntos cotidianos, em meio a referências a atos sexuais. A peça foi
encenada, após exame censório, ainda que, curiosamente, quatro pareceres indicassem o
total veto ao espetáculo. O certificado de censura atesta a sua liberação para público
maior de 14 anos.
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O texto teatral Abre mais foi escrito em 1980 e aborda o processo de abertura
política do governo brasileiro. Através de um monólogo, em um ato, faz-se, de forma
satírica, uma relação entre o referido marco político com a liberalização sexual. O
espetáculo foi vetado, em razão de, conforme texto do parecer censório, constituir-se em
uma produção insolente, que pretendia criticar de maneira debochada uma atitude de
poder constituído.
Curra foi escrito em 1986 e apresenta a história de Marcos e Ricardo, dois
jovens liberais quanto ao sexo e às drogas. Marcos e Ricardo tentam convencer uma
colega de colégio, Isabela, a ter uma relação sexual a três, mas a garota não cede.
Cansado, Ricardo parte para a agressividade, a garota desmaia e acaba sendo estuprada.
Após acordar, Isabela pega um revólver, que estava na moto de Marcos, atira contra
Ricardo e foge do local.
Além desses seis textos, Deolindo Checcucci16 colaborou, junto com Carlos
Sarno, na produção de Bocas do inferno, peça escrita por Cleise Mendes em 1978. O
texto, através de canções e danças relacionadas à cultura baiana, traz trechos da obra de
Gregório de Matos. As remissões ao poeta são feitas relacionando-o a um padre, e nesse
momento são apresentadas críticas ao comportamento da igreja em geral. Após análise
censória, foi deliberado que Bocas do inferno deveria ter sua encenação liberada para
espectadores maiores de 18 anos. Foram também indicados cortes a alguns de seus
trechos. De acordo com os censores, o texto do espetáculo era contundente, porém,
como foi apresentado de forma cômica, poderia ser liberado, desde que fossem
eliminados fragmentos em que a igreja era atacada de modo mais contumaz.
A produção de Checcucci não contemplou apenas o público adulto, fez parte da
sua produção também os textos teatrais sob a rubrica de teatro infantil. É nesse lugar
que se centra a organização do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro infantil (ADC-
TI). Compõem o nosso dossiê de estudo: 57 documentos censórios, 20 matérias de
jornal, 2 entrevistas e 6 textos teatrais, são eles: Julinho contra a bruxa no espaço
(1970); Um dia, um sol (1975); Um, dois, três alegria (1975); A Roupa nova do rei
(1977); A Galinha dos ovos de ouro (1981) e A Bela e a Fera (1985).
O quadro 3 apresenta informações sobre os textos, no que se refere à quantidade
de testemunhos, localização e documentação paratextual.
16
Deolindo Checcucci também dirigiu a peça Bocas do Inferno.
45
uma mulher, a bruxa do espaço, que tenciona destruir a Terra, porém, ele consegue
derrotá-la e salvar o nosso planeta. O texto teatral foi enviado duas vezes para análise
censória, uma vez em 1970 e outra em 1972. De acordo com os dois pareceres, o
espetáculo deveria ser liberado, pois passava uma mensagem positiva, que poderia ser
transmitida a diferentes públicos, tendo, portanto, classificação livre.
Um dia, um sol é um texto de 1975 que narra a história de um ator que está à
procura da sua amiga, Vida. Para ajudá-lo em sua busca, ele recebe o auxílio de
elementos humanos e sobrenaturais, e termina por encontrar o que anseia na figura do
Amor. De acordo com os órgãos de censura, o espetáculo era ingênuo, não
representando nenhum perigo à sociedade, por isso, poderia ter sua encenação liberada
para os públicos de todas as idades, através de classificação livre.
O texto Um, dois, três alegria foi escrito em 1975. O espetáculo aborda a
história de quatro crianças que vivem em uma cidade chamada Papelópolis. Insatisfeitas
com a vida na cidade, elas abandonam o local, em busca de uma vida sem regras. Após
pedidos de habitantes e familiares, eles aceitam retornar à cidade, porém, fazem uma
série de exigências, que são aceitas pela população. Conforme atesta o parecer, o
técnico de censura considerou o espetáculo sem implicações para o gênero, destinado ao
público infantil, por isso deveria ter classificação livre.
A Roupa nova do rei data de 1977, é uma adaptação do clássico de Andersen,
publicado em 1837. Na história, dois camelôs baianos, Bodó e Bodin, com a intenção de
obterem vantagens, dizem conseguir confeccionar para o rei Bruguelau uma roupa que
só poderia ser vista por aqueles que fossem inteligentes. Inicialmente, todos fingem ver
a roupa do rei e elogiam sua beleza, mas, depois de um tempo, revela-se a mentira, a
partir de uma observação de uma criança, de que o rei está nu e um ensinamento moral é
transmitido.
De acordo com um dos pareceres censórios, o espetáculo apresenta forte crítica
política e social, mas, desde que feitos os cortes indicados a algumas folhas, poderia ser
liberado para todas as idades. Já em outro parecer, recomenda-se classificação para a
faixa etária de 10 anos para a peça, após a realização de cortes a alguns trechos, e afirma
que, apesar de se valer de temática infantil, o autor faz adaptação com críticas
irreverentes a personalidades políticas locais. No certificado de censura, a peça teve
encenação liberada para maiores de 10 anos.
47
A peça A Galinha dos ovos de ouro foi escrita em 1981 e conta a história de
Joãozinho e sua mãe, que são enganados por um gigante e sua esposa, pois os dois
afirmam, para toda a cidade, que têm uma galinha que põe ovos de ouro. No entanto, tal
feito não passa de uma estratégia de venda, já que os ovos são simplesmente pintados de
dourado. Ao final, a farsa é descoberta e o gigante é entregue à polícia. Conforme
relatório, o espetáculo respeita às regras estabelecidas, transcorrendo dentro da
normalidade, por essa razão, foi classificado com apresentação livre para todas as
idades.
Por fim, A Bela e a Fera foi escrita em 1985, é uma adaptação do tradicional
clássico infantil, um conto de fadas francês 17 Na história, um pai tem a incumbência de
levar presentes para suas três filhas. Para uma delas, Teresina, ele deve encontrar uma
rosa branca, com um perfume capaz de fazê-la sonhar. A fim de conseguir tal presente,
ele invade o castelo da Fera, é capturado e só tem liberação após prometer trazer o
primeiro ser vivo que encontrar para viver no Castelo. Ao chegar em casa, depara-se em
primeiro lugar com Teresina e a leva para viver com a Fera, que por ela se apaixona. No
final, a moça também se descobre apaixonada e beija o seu amado, que acaba voltando a
ser o príncipe, que era antes de ser amaldiçoado. De acordo com avaliação censória, o
texto apresentava linguagem infantil, e passava uma mensagem positiva, podendo,
portanto, ter classificação livre.
Através da organização, com o auxílio de ferramentas arquivísticas e
informáticas, tornou-se possível dar tratamento aos documentos do Acervo Deolindo
Checcucci – Teatro Infantil (ADC-TI), auxiliando-nos nas atividades de edição e de
estudo dos textos teatrais que integram o acervo.
17
No século XVIII surgiu o conto de fadas A Bela e a Fera, em uma publicação anônima de Gabrielle-
Suzanne Barbot de Villeneuve, mais conhecida como Madame de Villeneuve, que em 1740 publicou em
um jornal francês voltado para contos, a história original de A bela e Fera. A história da Bela e Fera foi
reescrita em 1757 por Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, conhecida como Madame Leprince de
Beaumont (MAIA, 2017).
48
18
Currículo extraído da plataforma Lattes, disponível em: <http://lattes.cnpq.br/5102355413646539>.
49
19
Currículo do sistema currículo Lattes, disponível em: <http://lattes.cnpq.br/5102355413646539>.
50
Meu nome é Deolindo, tenho 21 anos e isso basta. O que fiz ou deixei de
fazer pouco importa. No momento estou fazendo um espetáculo, um trabalho,
‘O Futuro está nos ovos’ é uma peça de Ionesco, um autor montado
internacionalmente, de renome, mas isso não tem tanta importância. A
escolha do texto não é pelo nome do autor, longe de mim negar seus méritos,
muito pelo contrário, mas o espetáculo é dinâmica, é movimento, é cor.
Chega do teatro impostadinho [sic], bem marcado com angulos [sic] e
diâmetros e outras milongas mais (JORNAL DA BAHIA, 9 abr. 1970).
52
Bizâncio (1969), Ulisses (1969), O Futuro está nos ovos (1970), Cordel II (1973), O
Arquiteto e o imperador (1973), O Pique dos índios ou A Espingarda do Caramuru
(1973), A viagem de um barquinho (1978), Dorotéia (1978), O Patinho preto (1978),
Bocas do inferno (1979), Abre mais (1980), Cândido ou otimismo (1980), entre outros.
Nestes e nos demais trabalhos por ele dirigidos ocorre a consolidação da sua atuação
como diretor teatral.
Em 1975, Deolindo começou a desempenhar mais uma função, diretor de um
grupo teatral, o TATO. Junto a Checcucci, faziam parte do grupo os artistas Eduardo
Calazans, Nonato Freire, Silvio Varjão, Rui Brasileiro, Marta Oliveira, Milton Luiz,
Eduardo Nascimento, Genival e Eloi. A estreia do TATO deveria ter acontecido em
1975, com a encenação do espetáculo adulto Lula mete bronca, porém, a produção foi
censurada e sua encenação proibida. De acordo com matéria de jornal divulgada pela
Tribuna da Bahia, em 27 de janeiro de 1975, mesmo com o julgamento negativo,
Checcucci ainda acreditava em uma posterior liberação do espetáculo.
Deolindo se destaca mais uma vez como diretor, agora de um grupo teatral,
preocupado em fazer suas ideias circularem, promovendo questionamento e reflexão
social. Sua postura, ao demonstrar insistência e desejo de reenviar o texto Lula mete
55
Fonte: HUMBERTO, Salvador, 16-17 abr. 1972. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia
57
Araújo (1972) afirma não pretender, naquele momento, fazer uma análise crítica
do filme, mas sim destacar o seu lançamento comercial e o fato do cinema baiano ter
ganhado um novo filme. Diante dos problemas enfrentados, Checcucci e Frazão são
parabenizados pelo simples ato de conseguir finalizar e comercializar Akpalô.
Sabemos que a produção foi difícil e acidentada, não contando com nenhuma
ajuda oficial, esta só aparece para os forasteiros, principalmente os
estrangeiros [...]. Os obstáculos de ordem financeira e as limitações que todos
nós que pretendemos fazer cinema nos defrontamos aqui na Bahia, fizeram
com que entre o início das filmagens de Akpalô e sua primeira exibição,
transcorresse mais de um ano (ARAÚJO, Salvador, 12 abr. 1972. Núcleo de
Acervo do Espaço Xisto Bahia).
A partir daí, de acordo com a crítica, seria travada uma outra difícil batalha, a
fim de conseguir distribuir o filme. Tais transtornos se assemelhavam aos enfrentados
pelos grupos teatrais, que, por vezes, precisavam utilizar espaços alternativos para
encenar suas produções, apresentando-se em locais como clubes, escolas, praças de
bairros populares e igrejas. A situação crítica se devia ao parco incentivo do Estado, “os
impostos cobrados e a falta de investimentos públicos na atividade faz com que a vida
dos grupos oscile, num recomeçar constante” (LEÃO, 2006, p. 95).
A participação de Deolindo Checcucci em uma direção fílmica nos oferece mais
uma nuance desse artista múltiplo. Em um contexto politicamente instável, Checcucci
não se furtou a participar de produções que investissem na caracterização e apresentação
do povo e dos lugares da Bahia, mesmo que para tanto enfrentasse dificuldades e
entraves, muitas vezes de cunho econômico. Esses diferentes papéis desempenhados
assinalam Checcucci como um artista disposto a se colocar na cena da discussão social e
política, em contextos que extrapolam o circuito teatral, aproveitando toda a sua
potencialidade artística.
Outra função se destaca na sua atuação, a de dramaturgo. Conforme Mendes
(2014, p.197), “[f]oi [...] sua produção como dramaturgo a que mais se desenvolveu em
paralelo e em colaboração estreita com a atividade de diretor”.
Na dramaturgia de Checcucci há uma temática recorrente, a transgressão. Para
ele, o teatro deve ser associado à reflexão, ao debate. As encenações visando o mero
entretenimento impediriam o teatro de cumprir plenamente a sua função. Assim, mesmo
produzindo espetáculos atentos às possibilidades de divertimento, Checcucci procurava
marcar as suas produções com a reflexão e o questionamento. Desde a década de 1960
60
Fonte: Jornal da Bahia, 6 jun. 1974. Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia.
61
[...] uma concepção de que os textos infantis devem ser apresentados com
uma roupagem nova que negue o próprio linguajar floreado, romântico e
metafórico que geralmente informa as peças infantis que se levam à cena no
teatro brasileiro (JORNAL DA BAHIA, 6 jun. 1974. Acervo da Biblioteca
Pública do Estado da Bahia).
[...] [a] roupa nova do rei, uma peça pra [...] criança, que é um clássico da
literatura infanto-juvenil, e naturalmente, que eu contextualizei o espetáculo
dentro de uma realidade [que] era nossa, né? O rei era um militar, [...] o pai
vivia sob uma ditadura, e houve esse problema [...] tivemos cortes. Uma
outra peça que eu fiz também é a “Bela adormecida” que tinha no contexto
bem tropicalista na forma de encenação [...] (CHECCUCCI, 2006,
Informação verbal).
Fonte: À procura..., Salvador, 29 out. 1976. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia
Por que queremos ser um teatro-vida, não no sentido de imitação realista [...].
Qualquer proposta que leve um ator a dar seu corpo em chama diante de uma
multidão anestesiada. Porque o teatro – um velho artesão – não está no seio
da sociedade industrial. Está, antes, em suas unhas. Está como um incômodo
alfinete cravado na medula. Não está no seio da jovem megera,
multiplicativa, anti-passional e anti-humana. Não está no seio porque não é
seu filho. É um secular e teimoso bastardo (CHECCUCCI, 27 dez. 1979,
Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia).
Fonte: CHECCUCCI, Salvador, 27 dez., 1979. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
66
Em face das interpretações tecidas até aqui, através da leitura dos documentos do
Acervo Deolindo Checcucci – ADC, é possível concluirmos que esse artista
desempenhou múltiplas funções no cenário teatral, “[...] em atividades que fatalmente
convergiam para o seu ofício de encenador, como produtor, figurinista, cenógrafo”
(MENDES, 2014, p. 197). Corroboramos essa perspectiva diante das palavras do
próprio Checcucci, que nos diz:
[...] um livro manuscrito (sobretudo nos seus últimos séculos, XIV e XV) e
um livro pós-Gutenberg baseiam-se nas mesmas estruturas fundamentais do
códex. Tanto um como outro são objetos compostos de folhas dobradas um
certo número de vezes, o que determina o formato do livro e a sucessão dos
cadernos. Estes cadernos são montados, costurados uns aos outros e
protegidos por uma encadernação. A distribuição do texto na sua superfície
de páginas, os instrumentos que lhe permitem as identificações (paginação,
numeração), os índices e os sumários: tudo isto existe desde a época do
manuscrito. [...] Há, portanto, uma continuidade muito forte entre a cultura
do manuscrito e a cultura do impresso, embora durante muito tempo se tenha
acreditado numa ruptura total entre uma e outra.
68
20
[…] dar cuenta de su complejidad (en su génesis, su transmisión, su recepción) […]” (LUCÍA
MEGÍAS, 2012, p. 120).
70
[...] a partir dos textos e cotejos das edições anteriores, com classificação e
anotação de variantes, incorporação de emendas, anotações textuais, relações
hipertextuais com as edições fac-similares e documentais, e interface
interativa para a composição de edições virtuais (URBINA et al, 2005, p.
226, tradução nossa)21.
21
[…] elaborada a partir de los textos y cotejos de las anteriores ediciones, con clasificación y anotación
de variantes, incorporación de enmiendas, anotaciones textuales, enlaces hipertextuales a las ediciones
facsímiles y documentales, e interfaz interactivo para la composición de ediciones virtuales (URBINA et
al, 2005, p. 226).
71
[o] trabalho com os materiais desses acervos oferece elementos para discutir
os fundamentos teóricos e metodológicos que orientam a práxis filológica,
fazendo interagir a crítica textual, a crítica genética e a crítica sociológica, a
arquivística com a informática, a partir do legado documental.
22
Traremos a seguir os trabalhos desenvolvidos (dissertações e teses) a partir do artigo Arquivo e edição
digital no campo da Filologia publicado por Borges (2014) nos Cadernos do Congresso Nacional de
Linguística e Filologia.
72
exportação, Negro amor de rendas brancas e Auto da barca do rio das lágrimas de
Irati. Após serem submetidos ao método filológico, foram produzidas edições críticas
para Bahia livre exportação e Negro amor de rendas brancas, e para Auto da barca do
rio das lágrimas de Irati foi elaborada uma edição interpretativa, apresentada em meio
digital. Através do trabalho de Almeida (2011) teve início, de modo mais sistemático, o
trabalho da ETTC relacionando as práticas editoriais aos meios informáticos.
Débora de Souza, em 2012, apresentou em sua dissertação, intitulada: Aprender
a nada-r e Anatomia das feras, de Nivalda Costa: processo de construção dos textos e
edição, a edição crítica em meio digital dos referidos textos teatrais de Nivalda Costa.
Nesta edição, foi possível ao leitor/navegador ter o acesso aos fac-símiles dos textos, a
documentos do processo censório e a fotos. A pesquisadora elaborou ainda a edição dos
textos selecionados em suporte papel, apresentando o estudo e considerações acerca do
processo de construção do texto teatral.
Williane Silva Corôa apresentou em 2012 a dissertação Edição do texto e estudo
da linguagem proibida em Malandragem made in Bahia, de Antônio Cerqueira. Nesse
trabalho, Côroa elaborou a edição interpretativa em suporte papel e digital de
Malandragem Made in Bahia, de Antônio Cerqueira. O trabalho consta de: a) a
apresentação, contendo orientações para a navegação; b) a edição fac-similar, contendo
os fac-símiles de Malandragem Made in Bahia; c) a edição interpretativa em meio
digital, na qual se apresentam o texto crítico e o aparato de variantes e notas; d) o
arquivo do autor, com os recortes de jornais reunidos por Antônio Cerqueira e
depositados no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia; e) os documentos da
Coordenação Regional do Arquivo Nacional do Distrito Federal, fundo Divisão de
Censura de Diversões Públicas (DCDP): requerimento de censura, pareceres e
certificado de censura. Fazendo uso dos hiperlinks, possibilita o acesso aos documentos
da tradição textual.
Mabel Meira Mota defendeu, em 2012, a dissertação intitulada: Da trama do
arquivo à trama detetivesca de Irani ou as interrogações, de Ariovaldo Matos: leitura
filológica do arquivo e edição do texto. Mota preparou duas edições para o texto Irani
ou As Interrogações, uma interpretativa, que também foi apresentada em suporte papel,
e outra fac-similar. Constam no trabalho as seguintes seções: a) a apresentação,
contendo orientações para a navegação; b) o dossiê de Irani ou As Interrogações,
contendo os recortes de jornais e os documentos da Censura: requerimento de censura,
73
de Jurema Penna. Almeida (2014) elaborou três tipos de edição: fac-similar, sinóptica e
crítica, que foram apresentadas em um Arquivo Hipertextual. Os textos editados foram:
Iemanjá – Rainha de Aiocá, O Bonequeiro Vitalino ou Nada é impossível aos olhos de
Deus e das crianças, Bahia Livre Exportação e Negro amor de rendas brancas. O
objetivo do trabalho foi discutir o exercício da prática editorial e da crítica filológica no
ambiente virtual.
Mota, em 2017, defendeu a tese intitulada Filologia e arquivística em tempos
digitais: o arquivo hipertextual e as edições de A escolha ou o desembestado de
Ariovaldo Matos. Nesse trabalho, foi lançado um olhar sobre os acervos pessoais de
autores modernos e a interferência de diferentes sujeitos nos mesmos. Conjugando
Crítica Textual, Arquivística e Informática, Mota (2017) desenvolveu um Arquivo
Hipertextual (URBINA et. al. 2005), de orientação pragmática, disponibilizado através
da Internet no domínio www.ariovaldomatos.com. A edição elaborada apresenta um
módulo “leitura” e um módulo “mediação”, neles se organizam três diferentes modelos
editoriais – edição sinóptica, interpretativa e fac-similar.
Correia, em 2018, defendeu a tese Filologia e Humanidades digitais no estudo
da dramaturgia censurada de Roberto Athayde: Acervo e edição de Os desinibidos.
Baseando-se nas pesquisas documental e bibliográfica, Correia (2018) trabalhou com
sete produções teatrais de Roberto Athayde e organizou um dossiê referente a um dos
textos, Os Desinibidos. No contexto da Filologia, relacionada às Humanidades Digitais,
foi colocado em prática a análise da história cultural das práticas de escrita e
transmissão do texto teatral censurado. A partir daí, construiu-se uma hiperedição,
disponibilizada na Internet, através do domínio www.acervorobertoathayde.com.
intitulada Roberto Athayde: dramaturgia censurada. A hiperedição integra edições e
acervo digital, em que se inclui o dossiê Os Desinibidos. Para o referido texto são
apresentadas duas modalidades editoriais: uma edição fac-similar e uma edição
sinóptico-crítica hipermídia.
A seguir, apresentamos, no quadro 4, alguns dos trabalhos desenvolvidos pelos
integrantes da ETTC, com o suporte do meio digital.
75
Quadro 4 – Modelos editorais elaborados pela ETTC a partir das ferramentas informáticas
EDITOR/ANO DRAMATURGO TEXTOS(S) EDITADOS PROGRAMA(S) TIPO DE MODELOS
UTILIZADO(S) PUBLICAÇÃO EDITORIAIS
ALMEIDA (2011) Jurema Penna Auto da Barca do rio das lágrimas de Web Pager Maker Offline Fac-similar; Interpretativa
Irati
SOUZA (2012) Nivalda Costa Aprender a nada-r; Anatomia das feras Microsoft Word: Offline Fac-similar; Interpretativa
Adobe Reader
COROA (2012) Antônio Cerqueira Malandragem made in Bahia NVU, Microsoft Word Offline Fac-similar; Interpretativa
MOTA (2012) Ariovaldo Matos Irani ou as interrogações Antena Beta; Adobe Offline Fac-similar; Interpretativa
Dreamweaver CS5
CORREIA (2013) Roberto Athayde Apareceu a Margarida Prezi Online Fac-similar; Sinóptica
CORREIA (2014) Bemvindo Sequeira Me segura que eu vou dar um voto Microsoft FrontPage Offline Fac-similar; Interpretativa
SOUZA (2014) Fernando Mello Greta Garbo, que diria, acabou no Irajá NVU (Versão 1.0 PR) Offline Fac-similar; Sinóptico-
crítica
ANTUNES (2014) João Augusto O exemplo edificante de Maria Nocaute Microsoft FrontPage Offline Fac-similar; Interpretativa
ou Os valores do homem primitivo;
Felismina Engole-Brasa; As bagaceiras
do amor, O marido que passou o
cadeado na boca da mulher
ALMEIDA (2014) Jurema Penna Iemanjá – rainha de Aiocá, O bonequeiro Adobe Fireworks CS5; Online Fac-similar; Sinóptica;
Vitalino ou Nada é impossível aos olhos Adobe Dreamweaver CS5; Crítica
de Deus e das crianças; Bahia Livre Juxxta Commons.
Exportação; Negro amor de rendas
brancas
MOTA (2017) Ariovaldo Matos Filologia e Arquivística em tempos Abbyy FineReader Online Fac-similar
digitais: o Arquivo Hipertextual e as Juxta Commons Interpretativa
edições de A escolha ou o desembestado front-end
de Ariovaldo Matos
CORREIA (2018) Roberto Athayde Filologia e Humanidades digitais no Abbyy FineReader Online Fac-similar
estudo da dramaturgia censurada de Juxta Commons Sinóptico-crítica
Roberto Athayde: Acervo e edição de Os front-end
desinibidos
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com base em Mota (2017).
76
Dentre os trabalhos desenvolvidos pela ETTC, destacamos três para análise mais
específica, um deles diz respeito à tese defendida por Isabela Almeida, em 2014. A
pesquisadora apresentou o trabalho em dois volumes, o primeiro trouxe as análises
críticas e edições em suporte papel, enquanto o segundo volume, em suporte digital,
dispôs de um Arquivo Hipertextual. Na terceira seção da tese, intitulada O arquivo
hipertextual da obra de Jurema Penna, foi apresentado o arquivo organizado pela
pesquisadora. Foram elaborados três tipos de edição: fac-similar, sinóptica e crítica,
apresentadas em um Arquivo Hipertextual.
De acordo com Almeida (2014), determinados aspectos, como a diversidade de
documentos, modificações textuais e intervenções de sujeitos no processo de escrita,
justificam a opção pelo uso do meio digital como suporte para o desenvolvimento e a
apresentação da edição dos textos teatrais de Jurema Penna.
O Arquivo Hipertextual proposto por Almeida (2014) foi desenvolvido com os
softwares Adobe Fireworks para a elaboração da interface gráfica e Adobe
Dreamweaver CS5, para construção da arquitetura digital e os hiperlinks, fazendo uso
também da linguagem HTML. O arquivo foi proposto sob a seguinte composição:
[...] produtivo por evidenciar certas marcas materiais [...] fundamentais para
entender a produção, recepção e circulação desses textos, abrangendo desde
erros de datilografia, que dão a entender a produção, até a representação do
77
Através desse modo de apresentação a leitura dos testemunhos pode ser feita em
contraste. Os destaques, em diferentes cores, orientam os leitores, oportunizando uma
maior facilidade na observação das diferenças textuais. Além disso, o trânsito ao longo
do texto se torna mais autônomo pois o leitor pode identificar as mudanças ocorridas
nos testemunhos de forma individual.
Refere-se à edição crítica, que possibilita o pleno exercício da crítica filológica,
pois contempla todas as etapas do método filológico. A edição crítica proposta nesse
Arquivo Hipertextual vai de encontro a algumas definições que consideram esse modelo
editorial como um lugar de estabilidade, pois lida com um objeto de estudo peculiar, o
texto teatral censurado, que se caracteriza pela mutabilidade e transformação. Conforme
Almeida (2014, p. 129), a edição crítica, nesse caso, deve ser “capaz de representar esta
80
Assim, foi estabelecida para o texto teatral uma edição capaz de contemplar
todas as suas versões, possibilitando vê-las individualmente ou em confronto sinóptico,
através de um Arquivo Hipertextual. Em razão do volume do dossiê arquivístico
83
construído para o texto teatral em questão, foi proposta uma base de dados integrada e
relacional, composta por fac-símiles e por textos digitais. Tal base poderá ser acessada
através do Sistema Informatizado de Gerenciamento de Documentos (SIGD-ED,
construído especificamente para apresentação do dossiê de A Escolha ou O
Desembestado (MOTA, 2017).
Na edição de A escolha ou O Desembestado, foi utilizado um design que pôs em
evidência os documentos do acervo. Desse modo, desde a página inicial da edição,
foram usadas animações relacionando trechos de entrevistas do dramaturgo Ariovaldo
Matos, assim como também imagens dos documentos que compõem o dossiê (Cf. figura
19).
O confronto entre as versões dos textos foi feito utilizando o software livre, o
Juxta Commons, que torna possível a colação de testemunhos, desenvolvido pela
Performant Sofware Solutions. Almeida (2014) usou esse mesmo programa, como
vimos anteriormente, na elaboração do Arquivo Hipertextual da obra de Jurema Penna,
estabelecendo-o como a interface da sua edição sinóptica. Porém, Mota (2017) fez uso
do programa apenas no que tange à ferramenta Edition Starter e o módulo de
visualização side-by-side-view (Cf. Figura 22), tendo o objetivo de colacionar as versões
e observar as diferenças entre elas marcadas em azul. “As diferenças observadas serão
exportadas e registradas nas referidas versões em DOC e disponibilizadas
posteriormente em PDF, no espaço destinado à edição sinóptica no Arquivo
Hipertextual” (MOTA, 2017, p. 137).
87
O site é composto por uma tela inicial, na qual se insere uma barra de menus
com os itens listados a seguir:
De acordo com Correia (2018), houve, em seu trabalho, a opção por apresentar o
acervo pela descrição dos itens que compõem os dossiês e pela ferramenta de
pesquisa, meio através do qual o usuário tem a possibilidade de fazer a sua própria
busca, a partir de diferentes indexadores. Tais tomadas de decisão tiveram os princípios
estabelecidos por Shillingsburg (1999) como norteadores.
A seguir, podemos observar de que modo se apresenta a tela inicial do site e a
barra de menus.
89
No que tange ao menu O Acervo, o arquivo possibilita a leitura dos dossiês por
meio de um caminho preestabelecido. Inicialmente, o leitor tem contato com um texto
de apresentação e, na sequência, são disponibilizados, através de ícones, os dossiês de
Apareceu a Margarida e Os Desinibidos (Cf. figura 27).
Este modelo foi escolhido por possibilitar o confronto direto das lições
divergentes entre versões (e, por isso, é sinóptica), assim como evidenciar
uma mediação editorial com correções de gralhas de datilografia e
comentários editoriais (e, por isso, é crítica) (CORREIA, 2018, p. 178).
Após converter os textos em formato PDF, foram isoladas as versões D82 e D83
e utilizado o OCR pelo software PDF Element 6 Pro. O programa, que identifica o
idioma e o tipo de caracteres gráficos, assim como o tamanho da fonte, apresenta a
possibilidade de, após a leitura do OCR, apresentar uma imagem de texto pesquisável
ou um texto editável (CORREIA, 2018). Segue figura com desempenho do OCR.
23
As numerações correspondem às séries propostas na organização do ADC – TI.
97
por meio das iniciais do nome do autor ou do grupo de teatro, do título do texto e do
acervo físico no qual os textos se encontram (DC.RNR. (COREG-AN-DF(DCDP):
Deolindo Checcucci (autor), A roupa nova do rei (título da peça), Coordenação
Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal (Fundo Divisão de Censura de
Diversões Públicas (DCDP), Série Teatro), (acervo/lugar onde se encontra armazenado
o texto). Para as matérias de jornal, são indicadas as iniciais que correspondem ao nome
do jornal, a data de publicação (no caso de matérias longas, as partes do texto, conforme
recorte dado pela fotografia, são numeradas), e, por fim, o acervo de origem
(JB.01.11.72.TCA: Jornal da Bahia, 01 nov. 1972, Teatro Castro Alves).
Os textos foram digitalizados24 e, para eles, preparamos resumos e descrições
que deverão constar da ficha-catálogo, como se pode ver a seguir, nas figuras 33, para
textos teatrais, 34, para documentos censórios, e 35, para matérias de jornais.
24
Os textos digitalizados somente poderão ser divulgados, na íntegra, com a autorização de seus autores
ou responsáveis legais.
98
25
O inventário completo, em formato PDF, será disponibilizado em apêndice.
102
autônoma e interativa na leitura da edição, pois ele fará os seus próprios trajetos. Na
edição do ADC-TI, utilizamos um design que põe em destaque os documentos do
acervo, além disso, no menu Contato, daremos aos usuários a possibilidade de realizar
comentários sobre a edição, o que amplia o viés interativo do Arquivo Hipertextual
elaborado.
O quarto e o quinto princípios se relacionam, são, respectivamente, Seguridade
e Integridade do arquivo original (BARREIROS, 2018) refere-se à confiabilidade das
informações existentes no sistema.
3.3.1 Acervo
armazenados no ADC – TI e tem exibição alternada com outras duas telas em efeito
dinâmico, produzido por flash player. As telas que se alternam à tela inicial também
tiveram o seu desenvolvimento pautado na sobreposição de imagens dos documentos do
acervo, com citações de trechos de entrevistas de Deolindo Checcucci, conforme figuras
41 e 42, apresentadas a seguir:
O primeiro menu é o de Apresentação (Cf. figura 43), através dele o leitor tem
acesso a informações sobre a elaboração do Arquivo Hipertextual e especificações
gerais sobre o que cada um dos menus apresenta.
A seção O Autor (Cf. figura 44) é dividida em quatro submenus, através dos
quais caracterizamos Deolindo Checcucci em seus múltiplos papéis. Trazemos
informações sobre a sua atuação como professor (Cf. figura 45), diretor (Cf. figura 46) e
dramaturgo (Cf. figura 47).
113
.
Fonte: Preparado pela pesquisadora.
O menu Edições (Cf. figuras 51 e 52) traz as edições preparadas para os seis
textos teatrais que compõem o ADC – TI.
3.4 EDIÇÕES
Os textos teatrais que editamos portam marcas de processos censórios, haja vista
sua produção e circulação na Bahia durante a década de 1970, momento em que a nossa
sociedade vivia a ditadura militar.
120
a) Ortografia
– Acentuar de acordo com as normas vigentes, salvo quando quando se tratar de
registros da oralidade;
– Utilizar as letras maiúsculas em nomes de pessoas, lugares e após a pontuação,
mantendo apenas os casos em que o uso ocorre para pôr em destaque à
palavra/expressão.
b) Gralhas e erros
– Corrigir o que for comprovadamente erro, deslize ou contrassenso;
– Corrigir os erros de datilografia.
c) Opções tipográficas
– Colocar o título da peça em negrito e em caixa alta;
– Respeitar o seccionamento do texto em réplicas;
– Apresentar as informações as informações de rubrica em parênteses e em
itálico;
– Registrar os nomes dos personagens em caixa alta;
– Utilizar travessões antes das réplicas.
d) Pontuação
– Inserir espaço entre o signo de pontuação e as palavras subsequentes;
– Recuperar a pontuação, somente quando for necessário e justificável.
5 PERSONAGENS
− ZÉ BODÓ
− ZÉ BODIN
− D. ITU
− JOÃOZINHO
10 − D. GRINGA
− PETER
− BAIANA
− MÃE BENEDITA
− JORNALEIRO
15 − REI BRUGUELAU
− RAINHA BRUGUELAU
− CORROIDO DA PAIXÃO E DO DISLUMBRE
− PRIMEIRO MINISTRO
− FIGURANTES
20
Fevereiro – 1977
25 CENÁRIO (Dois telões de fundo com uma igreja e uma casa de arquitetura
colonial, o semblante de uma rua bastante movimento, buzinas
de carros, transeuntes que passam apressadamente, corre corre
geral. Uma placa onde se lê “mais espaço para o homem”. Pela
plateia entram dois camelôs, também alfaiates, apregoando suas
30 mercadorias.)
ZÉ BODÓ – Olha lá, quem vai querer? Último lançamento de Zé Bodó e Zé Bodin
o verão! Quem vai? Quem vai?
ZÉ BODIN – Vista a camisa de Bodó e Bodin e chegue na festa prontinho!
ZÉ BODÓ – O melhor corte da Praça! Vista uma camisa do Bodó e Bodinho
35 e ganhe o mundo!
ZÉ BODIN – E por um preço quase de graça!... Quem vai querer? Quem vai? Made
in Bahia!...
ZÉ BODÓ – Costurada com tanto carinho que ao passar na esquina a morena vai
dizer – “Xuxú vem cá benzinho!...”
40 ZÉ BODIN – Aproveitem que está acabando!... Olha lá!... Olha lá!...
ZÉ BODÓ – As camisas de Bodó e Bodin são ótimas para dançar o Rock!...
ZÉ BODIN – O baião!...
ZÉ BODÓ – O bolero!...
ZÉ BODIN – O sambão!...
45 ZÉ BODÓ – E está em preço de ocasião!...
ZÉ BODIN – Tira qualquer baixo astral!...
ZÉ BODÓ – Se você está triste, ela lhe deixa alegre!...
ZÉ BODIN – Se você precisa de alguém para um namorinho, ela é mesmo
que buzina do Chacrinha! Comunica na hora!... Chacrinha26
50 ZÉ BODÓ – Vamos ver! Vamos ver!... Você aí!... Uma é cinquenta, três é
26
Chacrinha foi um comunicador brasileiro, chamava-se José Abelardo Barbosa de Medeiros, nasceu em Surubim, Pernambuco, em 30 de setembro de 1917. Entre as décadas
de 1950 e 1980 apresentou programas populares de grande sucesso na televisão. Por conta do seu comportamento anárquico, Chacrinha teve diversos problemas com a
Censura Federal ao longo da Ditadura Militar no Brasil (GLOBO, 2017).
130
27
Cantor brasileiro, nascido em Santo Amaro, na Bahia. Faz sucesso na música brasileira desde a década de 1960. Em 1969, foi preso pelo regime militar e exilado em
Londres (GUERRA, 2017).
28
Gal Costa é uma cantora de sucesso no Brasil, que tem carreira profícua no cenário musical, desde a década de 1960 (PRETO, 2015).
29
Grupo formado na Bahia nos anos 60 por Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, Moraes Moreira, Dadi, Galvão, Jorginho, Baixinho, Bolacha e Baby, estreou com o show
"Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio Universal" em 1968. [...] O grupo [...] influenciou de forma decisiva os rumos musicais do conjunto, numa guinada do rock para
a MPB. No ano seguinte mudaram-se para um sítio em Jacarepaguá, onde levavam uma vida comunitária, e lançaram "Acabou Chorare", disco que, com sua mistura de rock,
samba, frevo e choro, influenciou intérpretes, compositores e bandas dali em diante. O grupo se desfez em 1978 [...] (UOL, 2017).
30
Rita Lee é uma cantora brasileira, começou sua carreira na década de 1970 e desde esse período vem influenciando a música brasileira, considerada a rainha do rock
nacional (SAMORA, 2017).
31
Oscar da Penha, mais conhecido como Batatinha, foi um importante sambista baiano, de grande sucesso durante as décadas de 1970 e 1980 (BOECHAT, 2012).
32
Riachão, Clementino Rodrigues, é um sambista respeitado no Brasil, nascido em Salvador, Bahia (MEDEIROS, 2013).
33
“02 – Referências deseducativas às autoridades e seus agentes;” (PARECER 1157/77).
131
34
“02 – Referências deseducativas às autoridades e seus agentes;” (PARECER 1157/77).
35
“Opinamos pela liberação aos maiores de 10 anos, chamando a atenção da equipe / que procederá ao ensaio geral para as passagens assinaladas / nas fls. 02 e 05”
(PARECER 1401/77).
132
37
Bairro de Salvador, com grande incidência de desabamento, desde a década de 1970. “Nestes 45 anos a mais desoladora das tragédias aconteceu em 27 de abril de 1971. Por
ironia, o dia coincide exatamente com o mesmo que há um ano matou 11 no Barro Branco e quatro no Marotinho. Em ambas oportunidades, os soteropolitanos em áreas de
risco olhavam para o céu e viam o céu desabar. Embaixo, a terra já não era tão firme” (MENDES, 2016).
38
“04 – (02) contraria a Lei Básica do Ensino nº 5692/71;” (PARECER 1157/77). A lei visava à profissionalização do então ensino secundário, na tentativa de unificar os
antigos ensino primário e médio, eliminando as diferenças entre os ramos secundário – agrícola, industrial, comercial e normal.
39
“Apesar de basear-se em temática infantil, o autor desenvolve críticas irreverentes a situações e personalidades de projeção na política soteropolitana, o que justifica nossos
cortes às fls. 04 e 20” (PARECER 1401/77).
40
Referência ao romance Morro dos ventos uivantes, lançado em 1847, pela escritora britânica Emily Bronté. A história recebeu adaptações fílmicas em 1939, 1992 e 2011.
135
ficar sabendo que se engana uma vez, mas um dia a gente acorda e vê
tudo diferente!.. Com os olhos da verdade e da sabedoria!..
195 ZÉ BODÓ – Tá na hora de mostrar o rei como ele é...
ZÉ BODIN – Mas meu irmão para falar com o rei a gente tem que virar príncipe!...
ZÉ BODÓ – Não seja por isto!... Nós seremos os príncipes da Escola de samba
“Unidos da Liberdade”!...
ZÉ BODIN – Unidos da Liberdade?
200 ZÉ BODÓ – É sim. Nós não desfilamos no carnaval?
ZÉ BODIN – Pois sim...
ZÉ BODÓ – Pois então?...
ZÉ BODIN – Vamos pegar a fantasia!...
ZÉ BODÓ – Claro! Isto aqui é teatro!... viver os personagens que vão nos levar à
205 outra ação!...
MÃE BENEDITA – É bom não esquecer as origens!...
ZÉ BODÓ E ZÉ BODIN – Ora, minha tia, não tem perigo!...
MÃE BENEDITA – Pera aí, deixa eu rezar os dois prá fechar o corpo!... Pera...firme!41
(pega umas folhas e passa neles, enquanto reza baixinho, terminando
210 entrega um pó para eles). Toma aqui, oí... vai firme...Este é para abrir
os
caminhos!...
ZÉ BODÓ – A benção!...
MÃE BENEDITA – Deus te abençoe meu fio!... Oxalá que te proteja!... (Zé Bodin beija ela
também, fazem um cumprimento de filho. Para mãe de santo, batendo
215 ombro com ombro). Vai firme!
ZÉ BODIN – Vamos buscar a fantasia?
ZÉ BODÓ – Na Liberdade.
ZÉ BODIN – Na Liberdade!...
ZÉ BODÓ – É com ela que nós vamos chegar ao reino das mentirinhas e das
41
“Opinamos pela liberação aos maiores de 10 anos, chamando a atenção da equipe / que procederá ao ensaio geral para as passagens assinaladas / nas fls. 02 e 05”
(PARECER 1401/77).
137
42
Excerto se encontra destacado, à lápis, com a inscrição de corte. Ao lado, segue anotação manuscrita na qual se lê, à esquerda: não, e à direita: Hino Nacional? Lei 5443, em
referência à lei 5.443/68, que dispõe sobre a forma e apresentação dos símbolos nacionais. Marcação se relaciona ao parecer 1153/77. (O outro parecer, 1401/77, não faz
referência a essa informação).
138
43
Referência ao poema Canção de exílio, de Gonçalves Dias, publicada em 1847 no livro Primeiros contos.
44
Faz-se referência ao sincretismo religioso, próprio da cultura baiana. “A variedade de igrejas, templos, terreiros e a diversidade de crenças conferiram a Salvador o status de
cidade marcada pela religiosidade. Existem também igreja católica maronita, sinagogas, igrejas presbiterianas, mesquitas e outros templos, convivendo em harmonia”
(SALVADOR, 2017).
139
REI – Quer dizer que a ciumara, o haril dos dedas, o malvindo não virão à ciumara...malvindo45
recepção?
270 CORROIDO – Não. O pessoal de teatro tem dito umas coisas que não tem agradado
ao departamento.
REI – Como assim?
CORROIDO – Nós eruditos, gostamos muito dos clássicos e atualmente a classe
teatral está numa de teatro popular que não está com nada! Além do
275 mais o teatro oficial está num estado de miséria. Sem luz, sem ar
condicionado e o mato já dá pra fazer até mise en plis...
REI – Esquece... Esquece... O que está mesmo me preocupando é a minha
roupa. Precisa ser algo especial!...
CORROIDO – Já foi lançada a concorrência pública. Todos os jornais já
280 divulgaram!... É grande o número de alfaiates que V. Sa. terá de
atender!...
REI – Suspenda todos os compromissos. Não vejo a hora de começar a
escolha!...
RAINHA – Eu já resolvi!... Quem vai me vestir é o Dené. Êle chega hoje no
aeroporto às quinze horas e tenho que ir recebe-lo!...Portanto querido
285 com licença!... Até mais tarde!...Ah, como é difícil ser rainha...Ainda Ainda...Duca!46
mais com estes desabrigados a me encher a paciência!... Irmã Duca
com estas obras de caridade!... Oh!... Meu Deus, já ia me esquecendo,
Veja a minha cabeça... Querido assine um cheque para comprar um
feijãozinho para os desabrigados. Eu prometi à Irmã Duca!... Deixe-me
290 ir. Não posso me demorar por mais tempo. Au revoir!...Ai preciso
treinar o meu inglês!... Ui, ui, ui!... What is this? This is an apple.
45
Nesse momento, Checcucci faz referência, através de um jogo de palavras (nomes), aos atores baianos: Yumara Rodrigues, Harildo Deda e Bemvindo Sequeira. Por meio
desse recurso, o dramaturgo tece críticas ao teatro baiano.
46
“07 – (01) desajuste sócio-econômico evidenciado;” (PARECER 1157/77). Irmã Duca faz referência a Irmã Dulce, que foi uma importante religiosa brasileira (1914-1992),
disseminadora da fé católica, dedicou a sua vida a ajudar os doentes, os mais pobres e necessitados. Foi beatificada pelo Papa Bento XVI em 10 de dezembro de 2010,
assumindo o título de "Bem-aventurada Dulce dos Pobres" (FRAZÃO, 2017).
140
REI – Vai azar!... pé de pato, mangalô três vezes!... Chegando os alfaiates Vai...vezes!...47
mandem que me esperem sim?
CORROIDO – Pois não majestade, às ordens...
295 REI – Ah, ia me esquecendo. Mande um lacaio ao departamento de
turismo e peça a D. Idalina das Fortalezas que encomende
um berimbau de ouro, ornado de diamantes e rubis que será
oferecido à sua majestade arabesco das arábias com
votos de estima e consideração.
300 CORROIDO – Pois não excelência! Assim se fará
REI – Adquira também um quadro de um desses pintores maiores
aí. Um casario, bem feito é claro, de preferência num
tom verde e rosa choque que enviaremos a arabesca última,
esposa do presidente arabesco!.. Ah, estou tão preocupado
305 com a minha imagem!... Meu quarto já não tem mais
onde colocar roupa!.. Denner, Clodovil, Pasco Rabane... Denner48Clodovil49
de todos tenho peças especialmente confeccionadas para Pasco50
mim. Mas nenhuma realmente me satisfaz.
CORROIDO – Majestade e o problema dos desabrigados? Majestade...Duca.51
310 REI – Isto é com a Irmã Duca. Preciso ainda ir a sauna, ao cabeleleiro.
Ah sim, reserve horário para mim no senhor e
senhora!.. Como cansa ser rei meu Deus!... Com licença!...
(entra a batucada de fundo e surge Bodó e Bodin fazendo
gags. Batem-se. Assustam-se, cumprimentam-se, arrumam as
315 perucas, como num filme de chanchada nacional. Terminam
47
“07 – (02) expressões próprias entre travestis” (PARECER 1153/77).
48
Dener Pamplona de Abreu, falecido em 1978, foi um importante costureiro brasileiro, considerado o primeiro a alcançar maior fama e talvez o maior que o país já viu
(PACCE, 1998).
49
Clodovil Hernandes foi um importante estilista brasileiro, que atuou, desde a década de 1970, nos campos da moda e da televisão (MDEMULHER, 2009).
50
Referência a Paco Rabanne, um estilista espanhol de muito sucesso. Desde a década de 1960 se mostrou um costureiro à frente do seu tempo, produzindo peças icônicas que
fazem parte da história da moda. Suas criações foram vestidas por atrizes como Jane Fonda, Audrey Hepburn e Brigitte Bardot (SEPHA, 2015).
51
“08 - caracteriza desajuste sócio-econômico;” (PARECER 1153/77).
141
52
Referência à música Voa Colibri, de João Guará e Ilson Itabira.
53
Referência ao ator paraense, atuante na Bahia, Mário Gadelha “Gadelha participou de mais de 60 espetáculos em seus 52 anos de carreira” (BRASKEM, 2008).
54
Referência à atriz baiana Haydil Linhares. “Considerada a primeira dama do teatro na Bahia [...] No teatro, trabalhou com grandes diretores, entre eles Deolindo Checcucci
("O Futuro está nos ovos"), Martim Gonçalves ("Véspera de reis"), Edwald Hackler ("A Mulher sem Pecado") e João Augusto (MEMORIAL, 2017).
142
BODIN – Bem, nós não temos tamanho talento para as letras, mas no trato!...
CORROIDO – Quer dizer então que vieram à concorrência para vestir
sua majestade?
345 ZÉ BODÓ – Certamente meu caro poeta!...
ZÉ BODIN – Compensamos a nossa deficiência poética, confeccionando
tecidos com cores e desenhos de um beleza fabulosa, e ainda
por cima um poder mágico: São invisíveis para toda e qualquer pessoa
que ocupe um cargo para o qual não tenha competência!...
350 Assim como para os imbecis, os babacas!...
ZÉ BODÓ – Obviamente que não é o seu caso, nem o desta corte, pois
pelo visto todos aqui são muito competentes e de uma inteligência
rara!
CORROIDO – Chamarei sua majestade, imediatamente. Aguardem um minuto
355 por favor!... Acho que é isto mesmo que o rei está precisando.
Minha sensibilidade o diz. Com licença!...
ZÉ BODÓ – Parece que o papo colou!...
– Terra de cego, meu irmão
– Quem tem olho é rei!...
360 – Pois é. Vamos em frente!...
– Que aí vem gente!...
(ouve-se uma marcha marcial. Entra o rei compenetradíssimo
e se coloca no centro do palco. Bodó e Bodin após cumprimentarem
sua majestade).
365 ZÉ BODÓ – Com vossa permissão excelência, permita que nos apresentemos
Jossé Bodoh e
ZÉ BODIN – Jossé Bodan.
OS DOIS – Às suas ordens:
REI – Meus senhores, disse-me o meu amigo Corroído da Paixão,
370 que os senhores podem fabricar um tecido com desenhos e
cores de uma beleza fabulosa e ainda com poderes mágicos,
143
2º ATO
(O mesmo cenário do primeiro ato. Ao som do batuque entram Bodó e
Bodin, um com um tear e o outro com uma máquina de costurar e se
425 instalam. Os dois em mímica representam a confecção do tecido,
145
PRIMEIRO MINISTRO – Mas já está resolvido o problema. O bando nacional de habitação O...novamente.55
vai construir. Claro que eles morarão bem mais
distante, casas populares e aí fica tudo em paz novamente.
Jornalista quer é sensação para vender jornal! Deixe comigo,
490 que eu enviarei ao chefe de reportagem uma boa soma e
tudo acabará bem. Afinal nosso reino prima pelo happy end.
Sempre se dá um jeitinho!
CORROIDO – Eu espero, eu espero!...
PRIMEIRO MINISTRO – Fique calmo!... Vá fazer uns versos!... Aproveite que o dia
495 está claro e isto facilita a inspiração!...
CORROIDO – Ah, é verdade, vou terminar meu último poema que eu inclusive
já dei um título. É meu pé de unha encravado!...
PRIMEIRO MINISTRO – Que lindo meu poeta!... Muito romântico!... Muito romântico!
(Saem. Bodó e Bodin comentam)
500 ZÉ BODÓ – Viu só Bodin, como é que as coisas se resolvem neste reino!...
ZÉ BODIN – Cada um puxando a brasa para sua sardinha!...
ZÉ BODÓ – Ai de nós, se não fosse a nossa esperteza!...
ZÉ BODIN – Mas escuta, o que é que a gente vai fazer com todo esse
dinheiro? (Pegando uns sacos com moedas).
505 ZÉ BODÓ – Ora, meu irmão, metade agente divide com a La Benedita,
com o pessoal do terreiro, com o grêmio dos trovadores,
que é para o pessoal imprimir um cordel contando todo o
acontecido, e aí todo mundo sabendo das coisas tomam uma
atitude em conjunto!...Porque eu não sou herói e o que
510 eu quero mesmo é correr mundo!.. O terreno a gente faz uma
casa para descansar de nossas viagens...
ZÉ BODIN – Com o que ficar pra agente, vamos descobrir outras terras,
outros mares nunca dantes navegados, não é mesmo?
ZÉ BODÓ – Isto aí.
55
“12 – Induz a conotações governamentais;” (PARECER 1153/77).
148
56
Referência à música Eu não sou cachorro não, de Waldick Soriano.
57
“13 – quatro citações de gírias de baixo nível, inadequadas ao público infantil;” (PARECER 1171/77).
58
“13 – quatro citações de gírias de baixo nível, inadequadas ao público infantil;” (PARECER 1171/77).
149
REI – Não, não e não! Está decidido. Fique na sua e não me encha encha...saco!...59
o saco!... Falou?
RAINHA – Ihhh... Veja a sua linguagem!... Com este papo de gíria
545 prá cima de moi... Corte essa!...
REI – Ai Deus que pode, não fazei de mim um bode!...
RAINHA – Eu estou uma pilha!... Nunca estive tão nervosa!...
REI – Relaxe meu bem, relaxe. Por que não vai ao seu psiquiatra?
RAINHA – É o que vou fazer mesmo. Só ele me entende. Prepara um
550 cheque!...
REI – (Dando o cheque para ela). Escute uma coisa: eu tenho que
receber arabesco de cabeça fria. Saiba que ele simplesmente
quer industrializar o acarajé!.. Você sabe o que isto
significa? Dinheiro para nossos bolsos. Entende? Não me Não...juízo!60
560 aporrinhe o juízo! Já pensou no acarajé em embalagem plástica
nos supermercados? Vai ser a glória acabar com esta
coisa de baiana com fugareiro no meio da rua!... Sujando
tudo!... Ao menos trouxessem um fogão a gás!... Vai vai cuidar
das tuas tapeçarias!... (A rainha olha-o com indiferença,
565 faz uma cara de muxoxo e sai).
RAINHA – Vou agora mesmo para o meu analista!... Só ele me entende, só
ele!...
REI – Vai. Vai. (pausa) ai como morro de curiosidade!... Não vejo a
hora de por a nova roupa. (anda como se a tivesse vestido).
570 Estou mesmo tentado a ir até onde os dois estão. Mas que dúvida!...
Não sei mesmo se devo ir até lá. Não que eu não seja
competente!... Tampouco imbecil!... Mas por via das dúvidas é
bom se precaver!.. Nunca se sabe!... Ahhhh... Já sei. Mandarei
o primeiro ministro!.. Todo mundo na cidade está ansioso
59
“13 – quatro citações de gírias de baixo nível, inadequadas ao público infantil;” (PARECER 1171/77).
60
“13 – quatro citações de gírias de baixo nível, inadequadas ao público infantil;” (PARECER 1171/77).
150
575 para ver até onde vai a imbecilidade do vizinho! (Toca uma
campainha entra o primeiro ministro).
PRIMEIRO MINISTRO – (Assustadíssimo) muito me honra a missão majestade, mas V.
Sa. não acha melhor enviar o Corroído? Tenho uns assuntos a
tratar aqui e não gostaria de me ausentar agora do palácio!.
580 REI – É muito importante o que o senhor tem a tratar, Primeiro Ministro?
PRIMEIRO MINISTRO – Importantíssimo!...
REI – (Gritando) Corroido!... (Entrando esbaforido).
CORROIDO – Pronto majestade!...
REI – Como o Primeiro Ministro não pode ausentar-se e o senhor é
585 uma das pessoas que como ele é muito inteligente, eu o encarrego
da sublime missão de ir até ao atelier do senhor Bodó
e do Senhor Bodan para julgar a qualidade do tecido real que
os mesmos estão fazendo.
CORROIDO – Mas majestade... Eu... Eu...
590 REI – Eu... Eu... o que? O senhor ocupa um cargo muito importante
em meu governo. Cuida das artes e da cultura! Logo é inteligente!
ninguém melhor que o senhor para ir até lá.
CORROIDO – Que eu sou competente, não tenho dúvidas e inteligente, também.
Tenho diploma universitário, curso de pós-graduação, fui
595 sempre o primeiro da turma, mas agora, neste exato momento
estou escrevendo o poema que vou declamar para o rei arabesco
e se sair agora vou perder a inspiração!....
REI – Sem essa Corroido!...
CORROIDO – Majestade, o artista não é um ser qualquer. É um iluminado!
600 E quando baixa a luz ele tem que aproveitar a luminosidade
REI – Que papo de espiritismo é este seu Corroido? Pois bem, vão
os dois. O ministro e o senhor. Aliás, aproveite a sua luz e
confira direitinho a obra de arte que os alfaiates estão confeccionando.
Tenho dito. Felicidades na missão. (O rei toma
151
605 uma pose e fica estático. Sem terem outra saída vão até Bodó
e Bodin. A partir deste instante a batucada vai sempre servir
de fundo para a ação).
ZÉ BODÓ – Senhor primeiro ministro!... Quanta honra!...
ZÉ BODIN – Meu nobre poeta, como vão os versos?
610 CORROIDO – (Desconfiado e muito tímido) não tenho andado muito inspirado
Ultimamente!... Estou precisando pesquisar mais!...
ZÉ BODÓ – A que devemos o prazer de tão ilustres presenças? Alguma novidade?
PRIMEIRO MINISTRO – É que gostaríamos de ver como andam os trabalhos...
CORROIDO – Toda a cidade comenta a confecção do tecido real!...
615 ZÉ BODÓ – Pois sim...
PIRMEIRO MINISTRO – Caiu até a vendagem da feira dos tecidos!...
ZÉ BODÓ – Foi providencial a presença dos cavalheiros aqui. Principalmente
do senhor primeiro ministro, pois estamos precisando
de mais dinheiro para comprar uns fios de ouro que faltam.
620 PRIMEIRO MINISTRO – Pois não cavalheiros. Tomem aqui em cheque. Preencham com a
quantia necessária.
ZÉ BODÓ – Muito obrigado, queiram aproximar-se. Sintam-se à vontade!...
(Pegando juntamente com Bodin o tecido imaginário) eis aqui
o tecido!...
625 (os dois se aproximam temerosos e desconfiados. Olham e dizem
para o público):
PRIMEIRO MINISTRO – (Arregalando os olhos) meu Deus!... Eu não estou vendo nada!.
CORROIDO – (Assustadíssimo) Ohhh!.. Mas é inacreditável!... Não vejo nada!...
PRIMEIRO MINISTRO – Serei assim tão incompetente?
630 CORROIDO – Serei assim tão imbecil?
PRIMEIRO MINISTRO – É claro que não vou confessar que não estou vendo!... Imaginem
se descobrem que sou incompetente!. . Adeus meus status!...
CORROIDO – Imaginem se descobrem que sou burro!... Adeus meu posto como
é que vou pagar a prestação do meu corcel, meu apartamento?
152
é este mulher?
RAINHA – O primeiro ministro e Corroído queriam nos raptar!...
REI – Deixe de bobagem mulher!... Você está louca?
700 RAINHA – Eu vi!... Eu vi!... Você nos braços deles sendo levado!...
REI – Ora vejam só! Não se pode mais nem desmaiar de emoção!... Você
anda vendo coisas que não existem! É no que dá esta sua análise!...
RAINHA – Oh, eu confundo tudo!... E o que foi que lhe emocionou tanto?
REI – O que poderia ter sido? Use a cabeça mulher!... O primeiro ministro
705 e o poeta foram ver o tecido e disseram que é qualquer
coisa de fantástico!...
RAINHA – Ah, eu quero ver também!... Eu quero!... Eu quero ver o tecido
que vão fazer a roupa do meu maridinho!... Não é querido?
REI – Mesmo sabendo que os incompetentes e os imbecis não veem?
710 (A rainha começa a chorar e fazer drama) O que foi agora meu
Deus?
RAINHA – É uma afronta!... É uma afronta!... Você quer dizer que eu sou
burra e incompetente? Tantos anos juntos e você me faz uma
grosseria destas! Meu coração não aguenta!.. Ai minha frescurite!...
715 Ai, ai, ai!...
REI – Acalme-se querida!... Eu não quis dizer isto!... Só queria lhe
prevenir!...
RAINHA – Eu vou!... Eu vou!... O primeiro ministro e Corroido não foram?
Não vejo porque eu não posso ir!... E vou mostrar para
720 você como sou inteligente!... Com licença!... (Entra uma música.
Ela sai dando voltas. Os três se reúnem e conversam sobre
o tecido com muito entusiasmo a rainha desloca-se até os
alfaiates que acordam assustados).
RAINHA – Com licença!... Com licença senhores!...
725 ZÉ BODÓ E ZÉ BODIN – Sua majestade!... A rainha brugueloa!... Primeira e única!...
RAINHA – Única não. Tem muita gente por aí como eu! Vamos dispensar
155
61
Senor Abravanel, mais conhecido como Sílvio Santos, é um famoso apresentador de televisão brasileiro. Em 1977, ele apresentava o Programa Sílvio Santos, transmitido
pela Rede Tupi até a década de 1980 (TERRA, 2017)
156
CORROIDO – Majestade, o tecido real foi a melhor coisa até agora que
o senhor fez em seu governo!...
815 PRIMEIRO MINISTRO – Superou mesmo os estádios, os viadutos... Tudo! Tudo!
REI – Meus súditos está é uma iniciativa nossa. Ela não é só minha!...
Então, os aplausos, merecemos nós todos!... Sobretudo
porque demonstrou a nossa competência e sabedoria! Não
tem uma serpentina aí não? Estou cansado de jogar confétis.
820 CORROIDO – Tão linda as tuas listas
Tão formosa a tua textura
Tecido do rei
Melhor do que seda pura!...
(Aplausos gerais. Saem eufóricos, enquanto entra o Jornaleiro,
825 agora como um apresentador de TV. Entra o som da batucada
de fundo enquanto ele fala por um microfone):
JORNALEIRO – Extra!... Extra!... Extra!... Senhoras e senhores é chegado o
grande dia!... A roupa nova do rei está pronta! Já se encontra
nesta cidade o rei arabesco das Arábia! O rei convida
830 a todos para a grande recepção quando todos poderão vê-lo
com a incrível roupa de poderes mágicos!... Hoje na rua toda
a população poderá admirá-lo ao lado de sua majestade
arabesco último único. Aproximem-se senhores! (Começam a
entrar os figurantes) dizem os integrantes da corte que o
835 tecido da roupa nova do rei é qualquer coisa de sensacional!
E o modelo confeccionado pelos senhores Bodoh e Bodan
põe no chinelo qualquer costureiro famoso!.. Vai haver pão
e circo!.. E eis que chega o grupo folclórico Oxum para
dançar o candomblé das arábias! (o grupo entra com uma roupa
840 que é uma mistura de afro com oriente). Numa homenagem
ao rei arabesco último e único!... Pois até agora todos os que
viram a estranha roupa tem comprovado a sua competência e
159
62
Programa dominical em forma de revista eletrônica, o Fantástico é um painel dinâmico do que é produzido em uma emissora de televisão: jornalismo, prestação de serviços,
humor, dramaturgia, documentários, música, reportagens investigativas, denúncia, ciência, além de um espaço para a experimentação de novas linguagens e formatos
(MEMÓRIA GLOBO).
63
“família governante tradicional na Bahia (Mais Galhões, substituindo, Magalhães)” (PARECER 1157/77).
64
“Apesar de basear-se em temática infantil, o autor desenvolve críticas irreverentes a situações e personalidades de projeção na política soteropolitana, o que justifica nossos
cortes às fls. 04 e 20” (PARECER 1401/77). Referência ao político Antônio Carlos Magalhães, político que, ao longo das décadas de 1970 foi governador da Bahia.
160
65
Relação com trecho da música Você não entende nada, do cantor baiano Caetano Veloso, lançada em 1970.
162
No que tange às duas ilusões, é necessário que o estudioso abandone a ideia de que as
fontes sejam provas incontestáveis e/ou totalizantes, pois,
[...] foi um período de muito desafio, era muito arriscado você escrever
qualquer coisa, e ter este texto garantido numa produção, numa montagem
[...] (CHECCUCCI, 2006, Informação verbal).
A censura, então, tinha uma atuação norteada pela defesa dos interesses
governistas. Era objetivo dos censores, portanto, “[...] vetar total ou parcialmente, todo
[...] conteúdo de obscenidade, de violência, de doutrinação política exótica, de
desrespeito às instituições como a seus agentes, [e que] resulte em mensagem contrária
à cultura e às aspirações nacionais” (FAGUNDES, 1974, p. 24).
A censura aplicada a espetáculos teatrais, em âmbito federal, passava por
algumas etapas e procedimentos. Após requerer da Sociedade Brasileira de Autores
Teatrais (SBAT) autorização para a apresentação da peça, o interessado deveria enviar
os documentos necessários para julgamento censório do texto em Brasília. Podemos ver
esse movimento na figura 57, no requerimento de exame censório para o espetáculo
infantil A Galinha dos ovos de ouro, de autoria. O documento foi encaminhado por José
Reynaldo Vieira de Azevedo, diretor do espetáculo.
165
Após a análise censória, o texto teatral poderia ser liberado ou vetado, total ou
parcialmente. Os cortes, realizados pelos técnicos de censura, eram de cunho: moral,
político, social e religioso (COSTA, 2006). Como censura moral temos o veto a:
(Cf. figuras 60 e 61) estabelece a liberação da peça para encenação durante o período
compreendido entre 18 de maio de 1981 e 18 de maio de 1986.
[O] AI-5 fazia parte de uma estratégia da chamada “linha dura” do regime
militar que se encontrava descontente com os rumos da política brasileira.
Composto por 12 artigos que instauraram um regime de exceção ainda mais
violento do que aquele que estava em vigor, o ato conferiu poderes
excepcionais ao Executivo e praticamente eliminou todas as liberdades
individuais e institucionais ainda existentes no País (DOMINGUES et al.,
2008, p. 33).
[...] Infelizmente não vi Gotham City [...]. Não vi, mas já gostei. Um voto de
louvor à censura e ao Departamento de Teatro da UFBa [...] por prestigiarem
um espetáculo jovem e vanguardista, que deve ter sido (dado os estertores
com que os velhos, os burgueses, e os reaças o comentam até agora) o que eu
imaginava. E só! E Viva o Jegue” Abaixo a cultura oficial e oficiosa [...]
(JOÃO AUGUSTO, 1970 apud FRANCO, 1994, p. 205).
Conforme Ferreira, “[...] o ano de 1970 para o teatro baiano começou ‘nas
alturas’, não só com o aparecimento da ideia do PLANO PILÔTO como pelo repertório
que se inicia”. O Plano Piloto Clator, liderado por João Augusto, Carlos Petrovich,
Jesus Chediak e Sóstrates Gentil, tinham a proposta de “zerar a vida cênica da cidade
para começar tudo de novo, de maneira organizada e profissional” (FRANCO, 1994, p.
205).
De acordo com publicação de Jurandir Ferreira, no Diário de Notícias,
“[d]urante dez meses, experimentações diversas vão acontecer nos diversos laboratórios
que compõem o Plano Piloto. Estamos no Ano Zero da vida teatral baiana [...]. É pra
frente que se anda, bicho!” (FERREIRA, Salvador, 11 mar. 1970). Nesse âmbito, não
174
haveria espaço para segregações, a proposta era a união. “[...] Não haverá mais lugar
para os grupos isolados [...] Todos seremos uma tribo só [...]. Os egoístas, os
exploradores, os cegos, os deslumbrados é que podem cair nessa de trabalhar sozinhos
[...]” (Jornal da Bahia, 08 mar. 1970).
Os teatros Santo Antônio, Vila Velha e TCA foram postos à disposição do
Clator para as encenações propostas. O projeto exigia disciplina na participação das
atividade de oficinas, laboratórios e cursos. Além disso, os artistas receberiam salários
fixos. O objetivo principal era melhorar e oferecer maior visibilidade à produção teatral
que sofria com questões como a falta de público, problema enfrentado desde 1969.
Porém, ainda que muitos artistas tenham aderido ao Plano Piloto, o projeto
fracassou. A realidade é que o mesmo desejo que fomentou a criação do Clator, a
necessidade de fazer um teatro diferente, viria a provocar o seu fim. A ideia de
regulamentar a atividade teatral pareceu conformadora demais para alguns. Os grupos
amadores, por exemplo, encontravam-se em estado de efervescência no momento e não
se sentiam contemplados por iniciativas como essa, tendo em vista a sua sazonalidade e
busca por espaços que iam além das paredes dos teatros.
Os chamados grupos amadores defendiam a emergência de um teatro mais
voltado para o popular, com engajamento social e político.
4.1.1 Retalhos do tecido estampado nas relações da cena infantil baiana da década
de 1970
Lembre-se: ninguém pode destruir ninguém, nem tão pouco manter ninguém
sob o seu controle (CHECCUCCI, 1970, p. 15).
do Plano Piloto Clator, e disputou espaço com o sucesso de crítica da peça adulta O
Futuro está nos ovos, escrita e encenada por Deolindo Checcucci no mesmo ano.
De acordo com Franco (1994, p.209), “[n]a seleção dos melhores de 1970, O
Futuro está nos ovos e A Ilha do Tesouro receberam todos os prêmios”. Checcucci,
como artista múltiplo, que desenvolvia atividades diversas em paralelo, e se dedicava ao
trabalho com o teatro adulto e infantil. Nas palavras do autor, “sempre estava com uma
peça, ou adulta ou infantil, eu não tinha esse preconceito por uma coisa e por outra”
(CHECCUCCI, 2016, informação verbal)66. Apresentamos na figura 63 a solicitação de
avaliação censória para os espetáculos O Futuro está nos ovos e Julinho contra a Bruxa
do Espaço, encaminhada por Raimundo Blumetti. Através desse documento,
confirmamos a concomitância das produções das duas peça.
66
Entrevista concedida por Deolindo Checcucci à ETTC, em 2016.
177
Julinho Contra a Bruxa do Espaço teve elenco composto por Jackson Santa
Bárbara, Júlia Maria, Waldemar Nobre, Antonia Veloso, Haydill Linhares e Mário
Tabaréo. Narrava-se a história de Julinho, um garoto que parte para outro planeta em
busca do seu amigo cientista Bonik. Ao chegar lá, encontra a bruxa Malik, que tem o
objetivo de destruir a Terra. Julinho não permite que isso aconteça e luta contra Malik, a
bruxa do espaço, frustrando as suas pretensões malignas.
O espetáculo, que inaugura a dramaturgia infantil produzida por Checcucci em
1970, é pautado na fantasia.
Pode-se dizer que a arte como conhecimento intuitivo vai ter na imaginação e
no sentimento o seu lastro. [...] é pela ludicidade que se encontra o fio
invisível que sintoniza espectador e artista. [...] essa sintonia é mais
suscetível de ser encontrada no espectador infantil, pois ele lida com a
expressão lúdica com maior liberdade, posto que é percebida como
manifestação ‘natural’ da infância’ (GONÇALVES, 2002, p. 44).
Esse é o principal mote para a constituição do teatro infantil, que pode ser
conceituado, ao longo do tempo, como produção cênica, envolvendo artistas
profissionais e/ou amadores adultos, tendo as crianças como público-alvo. Essa forma
de fazer teatro, com foco na atuação, dramaturgia e técnicas específicas, é
cronologicamente recente. Considerando “[...] a história milenar do teatro, é apenas nos
meados do século XX que se tem referência de algo no gênero como prática sistemática,
compreendida como dotada de especificidade no interior da produção teatral”
(GONÇALVES, 2002, p.26).
Ainda que o teatro tenha se desenvolvido artisticamente desde a Antiguidade, é
somente entre o final da década de 1940 e início da década seguinte, em meio à
renovação pela qual passava todo o teatro brasileiro, com a profissionalização de
algumas companhias e o reconhecimento de grupos teatrais, que as crianças passaram a
ter espetáculos produzidos especificamente para elas.
Lúcia Benedetti, com a encenação de O casaco encantado, em 1948, se
destacou como uma das pioneiras na configuração da modalidade teatral infantil no
Brasil. O discurso de Benedetti era justamente calcado na valorização da fantasia face à
realidade, principal signo utilizado pelo teatro infantil.
178
[...] [O] diretor se opõe ao teatro infantil ancorado nas lições de moral, de
boas maneiras e de educação doméstica. Para essa infância que, em contato
com o cinema e a televisão, vê se alterarem as visões do bem e do mal, o
caminho é mostrar que tais conceitos não estão pré-estabelecidos (LEÃO,
2009, p. 103).
As mudanças nos textos teatrais infantis, iniciadas em 1968, vão, portanto, tomar
forma ao longo dos anos. De um modo geral, a proposição era de que se fizesse um
teatro mais reflexivo e participativo. Essa tendência chegou ao teatro infantil pela
influência das ideias brechtianas, que já vinham provocando mudanças no teatro
produzido para adultos e contribuíam para a sua renovação. Conforme Checcucci (2016,
informação verbal) “O teatro que nós fazíamos era [...] muito mais ligado à atividade
política. Era uma forma de nós nos manifestarmos contra a ditadura militar vigente.
[...]”.
180
[s]ó partindo para o mundo é que o herói dos contos de fada (a criança) pode
se encontrar; e fazendo-o, encontrará também o outro com quem será capaz
de viver feliz para sempre; isto é, sem nunca mais ter de experimentar a
ansiedade de separação. O conto de fadas é orientado para o futuro e guia a
182
criança - em termos que ela pode entender tanto na sua mente inconsciente
quanto consciente – a abandonar seus desejos de dependência infantil e
conseguir uma existência mais satisfatoriamente independente
(BETTELHEIM, 2002, p. 11).
Dessa forma, ainda que modificações tenham sido propostas, alguns recursos
relacionados à formação do teatro para crianças se mantém, como a recorrência à figura
da bruxa má na posição de vilã. “Por esse viés, mágicos e bruxas são constantes na
produção desse período” (GONÇALVES, 2002, p. 30).
É importante ainda que nos detenhamos nas escolhas onomásticas. Entre os
personagens principais temos a já citada bruxa má, Malik, ela quer destruir a terra e,
para tanto, rapta o professor Bonik, o cientista, Julinho e seus amigos ficam nesse
contexto diante dos dois lados, claramente configurados pela noção de bem (Bonik) e de
mal (Malik).
A dramaturgia de Checcucci, nesse âmbito, contrapõe as interpretações que
guiavam alguns autores, no que tange ao afastamento da visão maniqueísta, pois a cena
dramatúrgica de Deolindo Checcucci ainda se enquadrava, em certa medida, nos moldes
tradicionais do conto maravilhoso.
Essa adequação, porém, não impediu que a dramaturgia infantil produzida por
Checcucci buscasse apresentar uma relação com a sociedade para a qual e na qual ela
foi encenada. Conforme o dramaturgo, “[e]u sempre procurei montar espetáculos que
fossem ligados à nossa cultura.” (CHECCUCCI, 2016, informação verbal). Essa
preocupação é notada em seus textos, que nos apresentam referências a elementos
regionais e nacionais da sociedade dos anos 1970.
Em Julinho contra a Bruxa do espaço há exemplos desse exercício autoral, pois
identificamos alusões a elementos culturais do Brasil e da Bahia da época, esse
movimento é percebido desde a folha 2 do texto (Cf. figura 65), na primeira fala da
personagem Maria, a dona do mundo.
183
som, encontrou eco no texto verbal que Rita Lee produziu ao compor a letra da
música.
Ando meio desligado assumiria, assim, um duplo sentido, podendo, em
determinados momentos, ser entendida como uma mensagem romântica e em outros
como um conteúdo místico, praticamente alucinógeno, como podemos observar a
partir da leitura da letra da canção.
Nos Anos 60 nasceu um novo modo de viver, sonhar e morrer, no qual o que
importava era a revolução em benefício do homem, em nome da liberdade.
Nesta onda surgiu a proposta do movimento hippie, diversa e ampla, que
buscava um questionamento existencial muito abrangente, que ia além das
considerações econômicas, sociais e políticas: visava ao ser integral em face
da vida e do mundo (NASSIF, 2011, p. 1).
[...] nem só as obras eram censuradas mas também muitos artistas foram
convidados a saírem do país [...] para que [...] não colocassem em cena [...] o
que todo mundo, queria ouvir, queria ‘ver dito’. [...] E a censura foi não só às
artes [...], enfim, toda e qualquer obra que ousasse mais tinha, de qualquer
188
forma, o ‘dedo’ da censura em cima para impedir que ela fosse exibida. Toda
e qualquer obra que falasse sobre a nossa realidade e apontasse aspectos que
cerceassem a liberdade eram tidos como subversivos e automaticamente você
virava um autor maldito, ou virava uma pessoa que feria o sistema
(CHECCUCCI, 2006, informação verbal).
A manchete do jornal era clara: ‘Disco voador queria descer na cidade’. Era o que
o jornalista e então dono do jornal, Oscar Pinto, tinha ouvido das testemunhas. A
reportagem falava do pânico gerado em centenas de pessoas depois de terem visto
o Ovni. Na época, a publicação trouxe até a história de uma mulher que desmaiou
por causa do susto. Moradores também relataram por onde o suposto disco voador
teria passado, bem perto das casas (G1 SUL DE MINAS, 2014, [sem paginação]).
Figura 68 – Matéria de jornal sobre o aparecimento de um disco voador na cidade de Varginha (MG)
uma peça chamada Um dia, um sol. [...] Eu tirei o primeiro lugar na categoria infantil.
Talvez isso tenha me estimulado a escrever mais para crianças.” (CHECCUCCI, 2016).
Na história, é narrada a busca de um ator teatral por sua amiga Vida, ao longo da
sua procura ele vai encontrando a ajuda de personagens que se ligam ao real e ao
ficcional, pois temos como auxiliares desde um violeiro e um locutor até o vento azulão
e o arco-íris. Sua procura se finda ao encontrar a Vida através da figura do Amor.
Ao analisar o tecido textual, notamos que a temática de Um dia, um sol enfoca a
ludicidade, o trabalho teatral sendo constituído através do jogo ente cena e palco,
público e plateia, real e ficcional. A apresentação da história, à folha 1 (Cf. figura 69),
fornece indicações que corroboram nossa interpretação.
Essa relação lúdica, que toma o teatro como um jogo, vai permear o espetáculo e
ganhar contornos mais visíveis quando se relacionar a uma nova visão sobre o público
infantil, característica que também marcava a dramaturgia infantil na década de 1970.
Checcucci buscava uma maior aproximação com a plateia, inclusive dessacralizando, de
certo modo, a figura do ator, o que se permite verificar, na figura 51, no excerto: “[o]
termo ator entra por ser teatro o nosso ponto de partida, poderíamos também chamar de
pessoa, num encontro com seu eu, se expressando e se comunicando com o outro”
(CHECCUCCI, 1975, p. 1). Nesse caminho, “enfatiza[-se] que as situações e o enredo
devem inspirar a comunicação entre o palco e a plateia” (LEÃO, 2009, p. 125).
De acordo com Humberto Eco (1997), quando um autor escreve um texto ele
prevê um “leitor-modelo”, ao qual se destinaria a sua obra. Consoante Eco, essa relação
se constrói através de uma base de cooperação, posto que, por um lado existam os
objetivos do autor e, do outro, a compreensão do leitor, que só ocorre através de
inferências desse último. “À medida que passa da função didática para a estilística, o
texto quer deixar ao leitor a iniciativa interpretativa, embora costume ser interpretado
como uma margem suficiente de univocidade. Todo texto quer alguém que o ajude a
funcionar” (ECO, 1997, p. 37).
Transpondo esse conceito para a encenação teatral, entendemos que o
dramaturgo também prevê um modelo de espectador e utiliza referências para promover
a interação do público com o texto interpretado. Nesse sentido, em lugar de ter um texto
“fechado em si mesmo”, elabora-se um espetáculo que necessita da colaboração do
público para ser atualizado. “A ideia de espectador contemplativo, portanto, cede o
lugar às características da atuação, um esforço pessoal de entendimento do que está
sendo encenado, que provoca reações, às vezes, imprevisíveis” (GONÇALVES, 2002,
p. 58).
Esse comportamento assumido por Checcucci em Um dia, um sol vai marcar sua
dramaturgia desde 1970, como podemos observar em Julinho contra a Bruxa do espaço
(Cf. figura 70).
192
Temos reforçada, então, a noção de que as separações entre atores e público são
diminuídas em prol da melhor compreensão e participação dos espectadores. Trazemos
para a cena da discussão dramatúrgica de Checcucci outra característica, que é
responsável por configurar os caminhos percorridos pelo autor em sua busca por um
fazer teatral mais reflexivo e crítico.
193
Zé Bodó, em meio à sua apresentação do Gran Circo, nos diz que “[...] trazemos
o internacional Picolim, numa homenagem ao gênio do século. Ao homem que desafiou
o nosso tempo, fazendo rir” (CHECCUCCI, 1975, p. 7). A relação com o cinema ganha
espaço, os holofotes de Um dia, um sol estão agora sobre um dos mais importantes e
simbólicos nomes da sétima arte, Charles Chaplin.
Chaplin é trazido no texto de Checcucci como o gênio que representava para a
sociedade da época. Ganhou destaque no âmbito do cinema mudo e ficou conhecido por
197
O nome Danúbio Azul surgiu através de uma enquete feita nas emissoras de
rádio da região no ano de 1968, vários nomes foram apontados, mas o nome
vencedor foi indicado por Isolde Focking. Danúbio Azul foi escolhido até
porque a banda interpretava músicas de origem Germânica. A valsa Strauss
Danúbio Azul teve influência no nome assim como o Rio Danúbio que é o
segundo rio mais longo da Europa depois do Volga, sua nascente está situada
na Floresta Negra, na Alemanha, e deságua no Mar Negro (LAST.FM, 2014,
p. 1).
Guido Lima, Sueli Ribeiro, Cláudia, Sônia e Jesus Vivas. A cenografia e o figurino
ficaram sob a responsabilidade de Guido Lima. A montagem ficou sob o encargo do
grupo Tato.
Na narrativa, crianças habitam o vilarejo de Papelópolis e estão descontentes
com o lugar onde moram, pois o consideram permeado de relações humanas
superficiais, e, por essa razão, resolvem fugir. Para retornar ao convívio dos pais e
amigos, impõem certas condições, entre elas se destacam os pedidos por mais espaço
para brincadeira, áreas verdes, instrumentos musicais e melhores condições de trabalho
para alguns pais. Com o compromisso dos adultos e das autoridades de atenderem às
reivindicações, as crianças retornaram a Papelópolis.
Em Um, dois, três, alegria o uso da ludicidade e a aproximação com o público
conferem sentido à cena, através do “jogo teatral”. Em matéria de jornal publicada no
Tribuna da Bahia, em 3 de julho de 1976 (Cf. figura 76), Checcucci avisou que “o
espetáculo parte de uma estrutura onde o [lúdico] serve de estímulo para uma dinâmica
entre palco e plateia” (Um..., 3 jun. 1976).
Na primeira folha do espetáculo (Cf. figura 77), o autor confirma que não
deveria haver cenário fixo, pois a formação desse ambiente ocorreria a partir da
necessidade demandada pela ação teatral. “Não existe cenário fixo. Usando-se caixas de
papelão, o elenco forma os ambientes necessários para a ação” (CHECCUCCI, 1976,
f.1).
Essa visão diferenciada do espaço cênico coaduna com uma noção mais
ampliada das funções dos atores no palco e na cena. Um, dois, três, alegria possuía 2
elencos, um fixo e outro assistente, o texto servia de base para a atuação, que, a seguir,
deveria ser complementada, pois, “[a] partir dessa atuação de base, os atores levantam
questões a serem solucionadas pelo elenco assistente” (TRIBUNA DA BAHIA, 1976).
O elenco principal é composto pelos personagens: Palhaço, Joãozinho, Estrela,
Paulo, Toinho e Jane. O elenco assistente é representado por personagens sem
nomeação específica, são eles: Ator (Cf. figura 78); Bonecos 1, 2 e 3 (Cf. figura 79); e
Habitantes (Cf. figura 80).
67
Em 2006 e 2007, Deolindo Checcucci escreveu e dirigiu o espetáculo Irmã Dulce. Após uma temporada de sucesso em Salvador, a peça, que narrava a história da religiosa,
foi encenada pelo nordeste brasileiro.
207
Assim, todos concordam que veem o que na verdade não existe. Somente o
garoto Joãozinho foi capaz de assumir não haver roupa alguma no corpo do rei, que
estava de ceroulas, na rua (Cf. figura 83).
[...] para provocar uma atividade social. Um teatro que não descarte os
programas de Chacrinha, Roberto Carlos e Caetano Veloso. As referências a
Chacrinha e a seu programa de televisão passam a ser vistas como um dado a
ser considerado pelos artistas e intelectuais, não apenas como objeto para
analisar as influências desse apresentador e desse veículo da cultura de massa
no Brasil.
216
Com efeito, a Bahia da década de 1970 pode ser configurada como um espaço
no qual transitam diferentes linguagens artísticas. Aquela sociedade, ao mesmo tempo
em que se deslumbrava com a sétima arte, assistia pela televisão as novelas e os
festivais musicais. Em virtude disso, temos uma década na qual o circo e o teatro
tentaram manter o seu espaço preservado, diante das novas modalidades de arte e
entretenimento.
Essa sociedade, controlada pela censura e marcada pela assimilação das
inovações tecnológicas, fez com que o teatro se (re)ativasse, em uma incessante busca
por “chamar a atenção” do público, esforço alcançado através do diálogo com os
elementos culturais que caracterizavam a Bahia de então. A trama textual se apresentou
para nós, até aqui, como espaço pródigo para a interpretação, que, filologicamente,
permitiu-nos ler tanto as costuras da cena teatral infantil, quanto os aspectos da vida
social e cultural baiana, a partir da dramaturgia infantil de Deolindo Checcucci.
[...] O teatro deve ter uma função social, o teatro está ali para abrir as mentes.
O que o teatro quer é abrir corações e mentes (CHECCUCCI, 2016,
informação verbal).
cenas até a restrição do espetáculo, por meio da censura prévia; vetando-os ou retirando
as peças de cartaz (FICO, 2004).
Os anos 70 foram anos marcados por uma censura muito intensa, a todas as
formas de manifestação artística, principalmente às obras de arte que
questionavam toda a estrutura do regime militar e questionavam as relações
sociais [...] que se estabeleciam e lutavam por um regime de liberdade, um
regime onde o artista pudesse ter livre expressão (CHECCUCCI, 2016,
informação verbal).
justifique uma restrição tão rigorosa, podendo perfeitamente classificá-la como ‘Livre’”
(PARECER, 1970, f. 2). Pautando-nos na linguagem transmitida, o texto foi
interpretado como portador de mensagem positiva, sem oferecer riscos à manutenção do
discurso governamental.
Figura 88 – Folha 2 do parecer censório do texto teatral Julinho Contra a Bruxa do Espaço
Em 1972 Julinho Contra a Bruxa do Espaço foi outra vez submetido à análise
censória, sendo novamente liberado, com a mesma classificação etária. O espetáculo,
porém, somente foi remontado em 1975. De acordo com o parecer, emitido em 10 de
novembro de 1972, o parecerista destacou que
De outro lado, tínhamos autores, como Checcucci, que acreditavam que o teatro
infantil merecia uma produção apurada, haja vista o fato de portarem uma dupla
possibilidade de comunicação, pois a plateia de espetáculos infantis é formada por
crianças e adultos. Esses artistas produziam uma dramaturgia mais afastada do
tradicionalismo, na qual o viés artístico não se dissolvia em propostas educativas
superficiais (LEÃO, 2009).
Nesse caminho, tais espetáculos se apresentavam como propostas interessantes
para os adultos que acompanhavam os pequenos espectadores, “as crianças vibram e se
distraem espontaneamente junto com seus pais, que têm a oportunidade de distrair-se
também, livrando-se da sensação de que teatro infantil é ‘um porre’, ‘coisa para criança’
apenas (LEÃO, 2009, p. 21). Essa interação, que envolve tanto crianças como adultos,
delineia, consequentemente, um panorama no qual o teatro infantil surge como um
espaço de resistência social e política, em tempos de repressão militar.
223
A Bahia está fazendo o melhor teatro infantil do país. Aqui existe espaço
cênico e as peças são trabalhadas pelos melhores diretores, atores, cenógrafos
e figurinistas, E o púbico infantil baiano corresponde, proporcionando a
renda que o teatro adulto raramente alcança.
Qualquer coisinha mínima era visto como subversivo e proibido, [...] O que
acontecia muito, na medida que você não podia colocar diretamente a
linguagem em cena, ou colocar as questões de uma maneira muito realista,
era que você usava muito da metáfora pra poder dizer as coisas, então, foi um
período assim, onde a metáfora era a forma de você expressar aquilo que
você queria dizer e conseguir realizar o sonho (CHECCUCCI, 2006).
O teatro que nós fazíamos era [...] muito mais ligado à atividade política. Era
uma forma de nós nos manifestarmos contra a ditadura militar vigente.
Montávamos [...] autores que sempre tinham uma crítica social e política
(CHECCUCCI, 2016).
O contexto urbano é apresentado sob uma ótica negativa, com destaque para
algumas características como o barulho, o cotidiano veloz, a poluição e o consumismo.
Críticas dessa natureza estão presentes tanto em Um dia, um sol (Cf. figura 89) quanto
em Um, dois, três, alegria (Cf. figura 90).
Um, dois, três, alegria segue a mesma vertente, na história, quatro crianças
mudam de cidade, pois na Papelópolis em que residiam, predominavam os interesses
capitalistas, em detrimento das relações sociais.
Ao longo dos textos, diversas críticas são feitas: a uma sociedade cada vez mais
consumista, menos humanizada (DS e UDTA), ao silenciamento (DS) e às diferenças de
classes sociais (UDTA).
À folha 5 de DS (Cf. figura 91), a personagem Maria Bonita, que estava
amordaçada, é desamarrada com a ajuda do seu amigo Dondon Pensante. Ao explicar-
lhe o porquê daquela situação, ela justifica “Foi o seguinte, eu estava aqui cantando para
o pessoal, quando chegou o Dr. Cola Tudo e mandou todo mundo embora, dizendo que
minha voz era feia e eu só dizia besteiras. O resto é o que vocês já sabem.”
(CHECCUCCI, 1975, f. 5).
226
Um, dois, três, alegria, em 1976, apresenta cenas que promovem uma reflexão
sobre as diferenças de classes sociais. Na folha 9 (Cf. figura 92) do texto teatral, temos
um retrato da estratificação social na Salvador daquela época.
227
Toinho é um menino pobre, que vende amendoim nas ruas, para ajudar os pais a
sustentar a família. Porém, sofre com a ação da polícia que confisca suas mercadorias.
O ato de controlar o comércio informal, praticado nas ruas de Salvador, é uma prática
antiga, que data de séculos anteriores. “O controle (e perseguição) exercido pelo poder
público municipal, que no século XIX, ficava por conta do corpo de polícia, e, [nas
últimas décadas] fic[ou] a cargo da polícia administrativa da prefeitura (denominado de
Rapa)” (DURÃES, 2006, p. 37).
Conforme parecer 8811/75, o texto é ingênuo, pois não possuía qualquer aspecto
que pudesse prejudicar o público ao qual era destinado. De forma análoga, no parecer
9416/75 do texto teatral Um, dois, três, alegria, o técnico de censura caracteriza a peça
como “sem implicações, destinada ao público infantil” (PARECER 8811/75, 1975, f. 1).
229
De fato, as mensagens que perpassam toda a trama textual dos dois espetáculos
podem ser tomadas como ingênuas para o público infantil. Isso se explica pois as
histórias apresentavam cenas questionadoras, porém, em linhas gerais, a temática do
espetáculo coadunava com o discurso governamental, que prescrevia que os textos
teatrais infantis deveriam enaltecer “os sentimentos de amor baseados no altruísmo, na
ternura, na compreensão, na confiança recíproca e no respeito mútuo [...] exaltando os
sentimentos de amizade” (CENSURA FEDERAL, 1971, p. 218).
Desse modo, configuramos o teatro infantil como um veículo capaz de tornar o
fazer teatral resistente às intempéries daquela conjuntura social. Em 1977, Deolindo
Checcucci produziu o espetáculo infantil A roupa nova do rei. Diferente dos textos
anteriores, RNR teve uma circulação conturbada pelos órgãos de censura.
Inicialmente, houve questionamentos quanto ao título da peça, pois, de acordo
com a avaliação censória, já existia um texto com aquele nome. Em ofício,
encaminhado ao diretor da DCDP em 25 de abril de 1977, Checcucci apresentou
esclarecimentos sobre a escolha do título. No documento, o dramaturgo afirmou não
estar assinando a autoria do espetáculo, mas sim a sua adaptação, o que explicava a
manutenção do título original.
Checcucci argumentou também que havia muitos espetáculos com o mesmo
nome, justamente por este se tratar de um texto adaptado muitas vezes. Em caso de
impossibilidade de manutenção do título, foram apresentados outros para substituição,
foram eles: A roupa nova do imperador, O rei está nu, Os alfaiates do rei e Vamos fazer
uma roupa nova para o rei. (Cf. figura 94).
230
[...] tentava dialogar, convencer de que aquilo não era uma coisa para ferir ao
sistema, que era algo [...] no sentido de falar das coisas, falar de questões que
eu achava pertinente, que eu achava importante e que [...] teria que ser feito.
Naturalmente que, aí, eu jogava a questão de produção, [...] de ensaio, todo o
trabalho que nós desenvolvemos antes [...] etc. Sempre tentava me articular
no sentido de [...] que eles permitissem e muitas vezes você não conseguia
liberar tudo que foi censurado, mas, pelo menos 60,70 por cento você
conseguia (CHECCUCCI, 2006).
[...] uma série de iniciativas inteligentes, [...] [através das quais se] descobre
o difícil caminho para uma reflexão crítica sobre a atualidade nacional,
superando as limitações criadas pela censura e cristalizando um discurso
bastante claro para ser entendido pelo público, apesar do ainda necessário
recurso da metáfora (MICHALSKI, 1989, p.66).
inadequado ao público infantil. De acordo com o técnico de censura, a peça deveria ter
cortes às folhas 04 e 20 cortados e, no ensaio geral deveriam ser observadas cenas
pertencentes às folhas 02 e 05 (Cf. quadro 11).
f. 4
f. 5
f. 20
Trechos do parecer 1153/77 Trechos do testemunho 1 do texto teatral A Roupa nova do rei
237
68
Lei de Diretrizes e Bases para o ensino dos 1º e 2º graus, sancionada pelo Presidente da República, em 11 de agosto
de 1971. Prescrevia em seu Art. 1º, que “[o] ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando
a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação
para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania” (DIÁRIO OFICIAL, 1971, p. 6377).
239
A Roupa Nova do Rei, uma peça pra [...] criança, que é um clássico da
literatura infanto-juvenil, naturalmente eu contextualizei o espetáculo
dentro de uma realidade [que] era nossa. O rei era um militar, [...] o
país vivia sob uma ditadura e houve problemas [...], tivemos cortes
(CHECCUCCI, 2006, informação verbal).
69
Lei sancionada em 28 de maio de 1968. Dispõe sobre a forma e a apresentação dos símbolos nacionais,
tais como: o hino, a bandeira, as armas e o sêlo nacionais. Seriam punidos os que:” I - Praticar, em lugar
público, ato que se traduza em menosprêzo, vilipêndio ou ultraje a qualquer dos símbolos nacionais”
(DIÁRIO OFICIAL, 1968).
240
[...] tudo que era diferente, qualquer coisa diferente, era algo passível de ser
censurado, de ser proibido. Você não podia ser diferente, tinha que ser igual a
todos, ou seja, a diferença não podia existir, e a sociedade só existe a partir
das diferenças. Foi um momento assim, ao mesmo tempo que você era
proibido de ser diferente, você tinha um desafio que era, exatamente, ser
diferente (CHECCUCCI, 2006, informação verbal).
[...] 1978 foi um dos anos mais fracos. As peças aqui apresentadas, em
grande parte, não conseguiram sensibilizar o menos desinformado
telespectador que assistiu alguma montagem. Além de ter acontecido as
montagens de clássicos, o que se denominou de novo não passou de
especulação. Porque o tratamento dado ao texto não passou do óbvio. Ou
seja, aquela visão mambembe que muitos autores e produtores costumam ter
do público infantil (CORREIO DA BAHIA, 03 abr. 1979).
Outro elemento que merece destaque nesse contexto foi a diminuição do rigor
dos órgãos censórios. “A censura perdeu o fôlego e os cinemas, teatros e livrarias
encheram-se de novidades” (FRANCO, 1994, p. 278). Com o menor controle censório,
observamos um fazer teatral que, apesar de ter sido revitalizado no início do ano de
1980, com o aumento de verbas e de promoções do Teatro Castro Alves (TCA), foi
sendo caracterizado como muito mais próximo do comercial.
No primeiro ano da década, a cena infantil ainda produziu um bom número de
espetáculos, preenchendo as férias das crianças, com bons e maus espetáculos
243
Figura 100 – Fragmento da folha 9 do texto teatral A Galinhos dos ovos de ouro
Figura 101 – Matéria sobre a montagem dos espetáculos Dadadadada e A Bela e a Fera
Essa iniciativa foi valorizada pelo grupo TATO no que se refere ao aspecto
artístico, pois os atores estariam ocupando o espaço teatral de forma qualificada e
também do ponto de vista financeiro (Cf. figura 102). A montagem dos dois
espetáculos, em paralelo, reforça o lugar ocupado pelo teatro infantil na década de 1980,
como uma fonte comercial segura.
247
Figura 102 – Matéria sobre a montagem dos espetáculos Dadadadada e A Bela e a Fera
Fonte: A Tarde, Salvador, 18 maio 1985. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
248
[A Bela e a Fera] de cara [...] leva vantagem sobre alguns espetáculos baianos
do gênero, pelo fato de colocar em seu elenco realmente atores [...]. É um
espetáculo simples, bonito, despretensioso [...]. A coreografia calçada na
brincadeira, onde atores cantam e dançam [...], aliadas às músicas singelas de
Ivan Bastos é ótima. Destaque para a sensibilidade de Tereza Gondim ao
piano [...] para Bião, Chica Carelli e Márcia Shmalb (Correio da Bahia,
Salvador, 27 nov. 1985).
f. 05
f. 17
O teatro baiano tem que ser bem realizado, bem produzido, mesmo que seja
voltado para o público infantil. Nesse espetáculo, além de nos basearmos no
enredo da estória da ‘Bela e a Fera’, procuramos atualizá-lo, propondo por
exemplo, para o espelho que Bela vê seu pai com as duas irmãs um vídeo, e
utilizando apenas máscaras em algumas cenas, e sempre com muita música, a
partir de uma trilha sonora criada especialmente para o espetáculo. ‘Shy
251
Moon’ e ‘Se Essa Rua Fosse Minha’, músicas já conhecidas, entram apenas
como referenciais, que enriquecem ainda mais o texto e a interpretação dos
atores (A Bela..., Salvador, 20 abr. 1985).
Figura 104 – Matéria de jornal sobre a encenação do texto teatral A Bela e a Fera.
Fonte: A Bela..., Salvador, 20 abr. 1985. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
252
anotações manuscritas. O texto não traz carimbos. As folhas são numeradas, à margem
superior direita, a partir da folha 3. Há intervenções manuscritas (supressões e
acréscimos) manuscritas às folhas 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 13, 14, 16, 18, 21, 23, 25, 27 e
28.
Portanto, BF possui somente uma versão, porém as cópias (em quatro vias) são
testemunhos, provas documentais, diversos por trazerem as marcas (carimbos) que
resultam da ação dos censores no processo de julgamento por parte dos órgãos de
Censura e as marcas do processo de circulação textual. Dessa massa documental,
destacamos o testemunho 4, pois nele constam intervenções autorais manuscritas.
Através dessas marcas tornou-se possível conhecer características do processo de
encenação desse texto. Apresentamos a seguir um quadro comparativo, confrontando os
testemunhos 1 e 4 de A Bele e a Fera, identificando as diferenças existentes as duas
materialidades.
255
No testemunho 4, à folha 8, há a
supressão de <milhão de
cruzados>, e substituição por [↑ mil
reais]. Com esse movimento
confirmamos que as modificações
foram realizadas após 1985, em um
período posterior a 1 de julho de
1994, quando a moeda Real passou
a ser oficial no Brasil.
259
As rubricas visam tornar mais claro o modo como devem ser interpretadas as
falas, além de direcionar a postura dos atores em cena, de acordo com as emoções das
personagens. Essas são algumas das principais funções das indicações cênicas na
constituição do texto teatral, porém, ao analisar tais marcas em BF, pautados em uma
leitura crítico-filológica, identificamos também um processo de encenação posterior à
década de 1980.
Tal constatação foi possível a partir da análise do movimento de substituição de
<milhão de cruzados> por [mil reais]. A modificação autoral70 foi realizada com o
objetivo atualizar o texto para o momento histórico da encenação, provavelmente
posterior a 1 de julho de 1994, pois é a partir dessa data que a moeda brasileira passou a
ser o Real.
Checcucci reencenou, ao longo dos últimos anos, textos produzidos entre 1970 e
1980. Um dos principais exemplos é o espetáculo Um dia, um sol, que foi montado
novamente em duas oportunidades, a primeira em 1997 (RIBAS, 2018) e a segunda em
2016, em celebração aos 70 anos da UFBA e 60 anos da Escola de Teatro da
Universidade (ASCOM, 2016). Nessa perspectiva, ainda que não haja registros, a
reencenação do texto A Bela e a Fera, de 1985, evidencia-se como uma possibilidade.
Nesse sentido, as idas e vindas que perpassam a produção teatral, sempre
passível de modificação, considerando diferentes temporalidades, atestam a
especificidade do texto elaborado para o teatro, pois este alia escrita e encenação,
compondo um objeto artístico diferenciado.
O texto teatral é marcado por seu aspecto efêmero e múltiplo no que se refere
às encenações, diferenciando-se enquanto texto (escrito) e cena
(performance), porém em uma relação de interdependência entre o texto
dramático e o texto cênico, ambos se completam ou se suplementam
(ALMEIDA, BORGES, 2017, p. 23).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] de uma maneira geral, o que você tem como dramaturgia é o texto, é a
palavra. Naturalmente, que o encenador pode fazer desse texto, dessa
encenação algo bastante diferente, modificar uma coisa, tirar uma outra, fazer
uma mudança naquela frase, [...] você tem uma liberdade muito grande para
pegar o texto e dar [...] um significado muito pessoal, muito particular, muito
seu.
Quadro 15 – Referências utilizadas por Deolindo Checcucci nos textos teatrais do ADC- TI
Referência artística Textos teatrais
JCBE UDTA DS RNR GOO BF
Aristóteles X X
Batatinha X
Buzz Aldrin X
Caetano Veloso X X X
Carlos Drummond de Andrade X
Cecília Meireles X
Chacrinha X
Charles Chaplin X
Clodovil Hernandes X
Clóvis Bornay X
Evandro de Castro Lima X
Gal Costa X X
Gilberto Gil X X
Glauber Rocha X
Michael Collins X
Novos baianos X
Roberto Carlos X
Rita Lee X
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
[...] nos [...] textos como o resultado de uma experiência, evidenciada por
meio de uma multiplicidade de vozes que dialogam com o sujeito produtor e
se manifestam na obra [...] e que, por sua vez, passam a dialogar com o
sujeito leitor, tanto aquele que escreveu e agora lê, como os outros leitores
que estão inseridos nessa tradição (CARVALHO, 2004, p. 67, grifo nosso).
brilhante resultado dessa incansável batalha de Deolindo pela síntese entre o visual e o
não alienante”.
Ultrapassando as fronteiras da cena infantil, a dramaturgia adulta, produzida e
dirigida por Checcucci, também teve importância para a constituição do teatro baiano e
precisa ser melhor investigada. Entre os espetáculos dos quais Checcucci participou da
produção se destacam: O Futuro está nos ovos (1970), Nosso céu tem mais estrelas
(1971), O Pique dos índios ou A Espingarda de Caramuru (1973), Lula mete bronca
(1974), O Banquete (1975), Bangue-bangue em Xique-Xique (1975), Dorotéia (1978), O
Romance dos dois soldados de Herodes (1978), Bocas do inferno (1979), Abre mais
(1980), Folias do Canela (1980). Na figura 88, temos uma matéria de jornal divulgando
o espetáculo O Romance de dois soldados de Herodes.
Figura 106 – Recorte de jornal sobre o espetáculo O Romance dos dois soldados de Herodes
Fonte: Deserção..., Salvador, 6 jul. 1978. Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
268
[...] não há o fim das coisas. O mundo é feito de aberturas que se dão para
outras. Entre o primeiro e o último: uma infinidade de passos, tropeços,
imobilidades, esquecimentos, abandonos, prazeres sem medida ou sem
sentido de tão inexplicáveis. A pesquisa é o movimento que devemos fazer
na direção da construção da consciência das ignorâncias nossas. [...] Além de
fazer com que recuperemos o sentido do mundo com nossas pesquisas.
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trajetoria-de-padre-cuja-biografia-se-confunde-com-a-historia-da-emissora-do-galinho/.
Acesso em: 28 out. 2018.
Textos teatrais
CHECCUCCI, Deolindo. Um, dois, três, alegria. 1975, 16 folhas. Acervo do Arquivo
Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP–
Peças Teatrais.
Matérias de jornal
CASTRO Alves: este teatro está em crise. Tribuna da Bahia, Salvador, 22 dez. 1977.
Caderno 2. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
FERREIRA, Jurandyr. “Julinho contra a bruxa do espaço” lança mais um autor baiano.
Diário de Notícias, 27 set. 1970. Recorte de Jornal arquivado no Acervo Pessoal.
JULINHO contra a bruxa do espaço. Jornal da Bahia, Salvador, 08 maio 1974. Recorte
de Jornal arquivado no Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia.
SPENCER, Nilda. Cadê o público?. Tribuna da Bahia, Salvador, 13 out. 1969. Teatro.
Recorte de Jornal arquivado no Acervo Pessoal.
UM dois três alegria. TRIBUNA DA BAHIA. Salvador, 03 jun. 1973. Recorte de Jornal
arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia.
UM CINEMA com ou sem costumes. Jornal da Bahia, Salvador, 30-31 maio 1971.
Cinema. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia.
Documentos censórios
Entrevistas
APÊNDICE
Inventário dos documentos do Acervo Deolindo Checcucci – Teatro Infantil
(ADC-TI)
ACERVO DEOLINDO CHECCUCCI - ADC-TI – INVENTÁRIO
Produção intelectual
CHECCUCCI, Deolindo. A bela e a fera. 1985, 30 folhas. Acervo do Arquivo Nacional – DC03c0001-85T1
Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP– Peças
Teatrais.
01
CHECCUCCI, Deolindo. A bela e a fera. 1985, 30 folhas. Núcleo de Acervo do Espaço DC01a0001-85T2
Xisto Bahia.
CHECCUCCI, Deolindo. A bela e a fera. 1985, 30 folhas. Núcleo de Acervo do Espaço DC01a0001-85T3
Xisto Bahia.
CHECCUCCI, Deolindo. A bela e a fera. 1985, 28 folhas. Núcleo de Acervo do Espaço DC01a0001-85T4
Xisto Bahia.
DC03c0002-81T1
CHECCUCCI, Deolindo. A galinha dos ovos de ouro. 1981, 15 folhas. Acervo do
Arquivo Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas –
DCDP– Peças Teatrais.
02
CHECCUCCI, Deolindo. A galinha dos ovos de ouro. 1981, 15 folhas. Acervo da Escola DC01a0002-81T2
de Teatro da UFBA.
03 CHECCUCCI, Deolindo. A roupa nova do rei. 1977, 23 folhas. Acervo do Arquivo DC03c0003-77T1
Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP–
Peças Teatrais.
CHECCUCCI, Deolindo. A roupa nova do rei. 1977, 23 folhas. Núcleo de Acervo do DC01a0003-77T2
Espaço Xisto Bahia.
CHECCUCCI, Deolindo. A roupa nova do rei. 1977, 23 folhas. Acervo da Escola de DC01a0003-77T3
Teatro da UFBA.
05 CHECCUCCI, Deolindo. Um dia, um sol. 1975, 21 folhas. Acervo do Arquivo Nacional – DC03c0005-75T1
Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP– Peças
Teatrais.
CHECCUCCI, Deolindo. Um dia, um sol. 1975, 21 folhas. Núcleo de Acervo do Espaço DC01a0005-75T2
Xisto Bahia.
CHECCUCCI, Deolindo. Um, dois, três, alegria. 1975, 16 folhas. Acervo do Arquivo
Nacional – Distrito Federal, fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas – DCDP– DC03c0006-75T1
Peças Teatrais.
06
CHECCUCCI, Deolindo. Um, dois, três, alegria. 1975, 16 folhas. Núcleo de Acervo do DC01a0006-75T2
Espaço Xisto Bahia.
DC01j0007-06
07 CHECCUCCI, Deolindo. Depoimento, [nov. 2006]. Entrevistadores: Eduardo Dantas e
Isabela Almeida. Salvador, 2006. 1 CD.
Publicações na Imprensa
JULINHO contra a bruxa do espaço. Jornal da Bahia, Salvador, 08 maio 1974. Recorte de DC02c0001-74
01 Jornal arquivado no Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia.
02JB.08.05.74.BPEB.
JORNAL DA BAHIA, Salvador, 06 jun. 1974. Teatro Infantil. Recorte de Jornal DC02c0002-74
02 arquivado no Acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia. 01JB.06.06.74.BPEB.
UM dois três alegria. TRIBUNA DA BAHIA. Salvador, 03 jun. 1973. Recorte de Jornal DC02c0004-76
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SPENCER, Nilda. Cadê o público?. Tribuna da Bahia, Salvador, 13 out. 1969. Teatro. DC02a0005-69
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UM CINEMA com ou sem costumes. Jornal da Bahia, Salvador, 30-31 maio 1971. DC02a0006-71
06 Cinema. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia.
06JB.30-31.05.71.EXB.
07 A BAHIA de Akpalô. Tribuna da Bahia, Salvador, 12 abr. 1972. Cinema. Recorte de DC02a0007-72
Jornal arquivado no Núcleo do Acervo do Espaço Xisto Bahia. 07TB.12.04.72.EXB.
AKPALÔ: um testemunho do nosso tempo?. Jornal da Bahia, Salvador, 16-17 abril 1972.
08 Cinema. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia. DC02a0008-72
08JB.16-17.04.72.EXB.
CASTRO Alves: este teatro está em crise. Tribuna da Bahia, Salvador, 22 dez. 1977. DC02d0009-77
09 Caderno 2. Recorte de Jornal arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia.
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EM BUSCA da qualidade perdida. Correio da Bahia, Salvador, 03 abr. 1979. Teatro
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MARTIN Gonçalves para os melhores do ano. Correio da Bahia, Salvador, 12 mar. 1979.
11 Recorte de Jornal arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia. 11CB.12.03.79.EXB. DC02a0011-79
CHECCUCCI, Deolindo. A Tarde, Salvador, 27 dez. 1979. Teatro. Recorte de Jornal DC02b0013-79
13 arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia. 13AT.27.12.79.EXB.
14 CHECCUCCI, Deolindo. A Tarde, Salvador, 10 jan. 1980. Teatro. Recorte de Jornal DC02b0014-80
arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia. 14AT.10.01.80.TCA.
16 “A BELA e a Fera” no ICBA. Jornal da Bahia, Salvador, 20 abr. 1985. Recorte de Jornal
arquivado no Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia. 16JB.20.04.85.EXB. DC02a0016-85
20 FERREIRA, Jurandyr. “Julinho contra a bruxa do espaço” lança mais um autor baiano.
Diário de Notícias, 27 set. 1970. Recorte de Jornal arquivado no Acervo Pessoal. DC02a0020-70
20DN.27.09.70.EXB.
Documentação censória
A bela e fera
01 [CAPA] do processo de avaliação censória do Serviço Público Federal. Brasília, sd. DC03j0001-sd
02 SOLICITAÇÃO de exame censório. Salvador, 11 abr. 1985. DC03a0002-85
13 [CAPA] do processo de avaliação censória do Serviço Público Federal. Brasília, sd. DC03j0013-sd
17 OFÍCIO 01219/81. Encaminhado pela Divisão de Censura de Diversões Públicas. Brasília, DC03b0017-81
08 maio 1981.
DC03d0024-77
24 PARECER 1153/77. Brasília, 28 mar. 1977.
26 OFÍCIO 591 –DCDP/77. Encaminhado pela Divisão de Censura de Diversões Públicas. DC03b0026-77
Brasília, 19 abr. 1977.
27 OFÍCIO 01597 –DCDP/77. Encaminhado pela Divisão de Censura de Diversões Públicas. DC03b0027-77
Brasília, 25 abr. 1977.
28 SOLICITAÇÃO, Protocolo 8855. Salvador, 25 abr. 1977. Assinada por Deolindo DC03a0028-77
Checcucci.
29 OFÍCIO 1.507 –DCDP/77, Protocolo 13.386/77. Encaminhado pela Divisão de Censura DC03b0029-77
de Diversões Públicas. Brasília, 29 abr. 1977.
33 CAPA do processo de avaliação censória do Serviço Público Federal. Brasília, sd. DC03j0033-sd
34 SOLICITAÇÃO de exame censório, Salvador, 13 fev. 1970. Assinado por Deolindo DC03a0034-70
Checcucci.
38 SOLICITAÇÃO de exame censório. Rio de Janeiro, 12 out. 1972. Assinada por Deolindo DC03a0038-72
Checcucci.
45 OFÍCIO 01125/75. Encaminhado pelo chefe da SCDP ao diretor da DCDP. Salvador, 25 DC03b0045-75
abr. 1975.
Um dia, um sol
46 CAPA do processo de avaliação censória do texto teatral Um dia, um Sol, do Serviço DC03j0046- sd
Público Federal. Brasília, sd.
47 SOLICITAÇÃO de exame censório do texto teatral Um dia, um sol, Salvador, 08 out. DC03a0047-75
1975. Assinada por Deolindo Checcucci.
48 OFÍCIO 2849/75. Encaminhado pelo chefe da SCDP ao diretor da DCDP. Salvador, 10 DC03b0048-75
out. 1975.
52 CAPA do processo de avaliação censória do texto teatral Um, dois, três, alegria, do DC03j0052 -sd
Serviço Público Federal. Brasília, sd.
53 SOLICITAÇÃO de exame censório do texto teatral Um, dois, três, alegria, Salvador, 21 DC03a0053-75
out. 1975. Assinada por Deolindo Checcucci.
54 OFÍCIO 3003/75. Encaminhado pelo chefe da SCDP ao diretor da DCDP. Salvador, 25 DC03b0054-75
abr. 1975. Constam as datas: 23 out. 1975 e 27 out. 1975.