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Um rapaz de quatro anos, aborrecido porque a sua festa de anos estava a chegar ao fim,
irrompeu pela sala depois do último convidado ter saído e, com toda a força, deitou duas
pesadas cadeiras ao chão. Os pais ficaram atónitos, mas a criança não conseguia aceitar
o facto de que aquele dia tão especial tinha de terminar. O relato está incluído no livro
Compreender a Agressividade na Criança, de T. Berry Brazelton e Joshua D. Sparrow,
escrito com o objectivo de ajudar os pais a compreender e a lidar com os
comportamentos agressivos nos mais novos.
Ao contrário do que se possa pensar, a adolescência não é a fase em que as crianças são
mais agressivas. Segundo um estudo canadiano, realizado por Richard Tremblay, é entre
o primeiro e o quarto ano de vida que se verifica o maior índice de agressividade. O
investigador procurou desvendar se a violência é ou não uma característica intrínseca do
ser humano e incidiu a pesquisa na forma como a interacção da genética com os factores
ambientais contribuem para desencadear comportamentos agressivos ou anti-sociais.
Entre as conclusões, Tremblay descobriu que, aos 17 meses, metade das variações nas
respostas agressivas estavam relacionadas com factores genéticos e que a violência
diminui à medida que a criança cresce e aprende a controlar o seu comportamento. «Os
nossos estudos demonstram que é essencial que se ensine às crianças, durante os
primeiros anos de vida, a controlar os comportamentos violentos», defende o
investigador, que realça a idade pré-escolar como a etapa chave para entender o
aparecimento e posterior desenvolvimento de comportamentos violentos no ser humano.
A situação tende a fugir ao controlo dos pais quando a agressividade começa a ser uma
constante. Filomena Lopes, educadora de infância há 26 anos, já lidou com vários casos,
mas, ainda assim, não acredita que se possa falar de crianças agressivas. «Trata-se da
expressão de emoções não organizadas, não acolhidas e que, de algum modo, encontram
como veículo uma atitude mais impulsiva, um comportamento menos correcto.
Manifestações que frequentemente por não terem quem possa ‘ver’ ou acolher – no
sentido de compreender – se repetem até que alguém perceba que aquela criança está a
solicitar que olhem para ela, que a ajudem a crescer bem», diz.
A origem com causas diversas é igualmente defendida por Fernando Santos. «Talvez a
conclusão mais correcta seja que a agressividade é o resultado de factores genéticos em
interacção com o meio, num contexto temporal específico», explica. «Quando as
condutas agressivas persistem no tempo, isso está ligado às interacções familiares e ao
ambiente social. Podemos falar de várias ‘condutas de risco’ da parte dos pais, que
podem estimular o desenvolvimento de padrões comportamentais agressivos nos filhos,
como a inconstância no estabelecimento de limites. Quando um comportamento é
punido num determinado momento e ignorado no momento seguinte, é difícil para a
criança distinguir o certo do errado». Segundo o pedopsiquiatra, é fundamental os pais
«definirem claramente o que a criança pode ou não fazer e serem coerentes em termos
das medidas educativas e comportamentais».
Castigar ou ignorar?
A ausência de regras e limites também é apontada por Cristina Camões como uma das
causas da agressividade. «Quando os progenitores adoptam uma postura passiva na
educação dos filhos, isto é, com ausência de regras e limites, resulta numa excessiva
tolerância que em nada contribui para a estruturação da personalidade dos mais novos,
que crescem com dificuldades em controlar os impulsos e de lidar com a frustração».
De acordo com a sua experiência clínica, «este factor é o que mais se encontra nas
crianças que são sinalizadas com comportamentos violentos. Os pais, quando sentem
que já não conseguem controlar a situação, procuram ajuda de um especialista na área
da psicologia ou pedopsiquiatria», revela Rosa Gouveia.
E os castigos, será que ajudam a controlar a agressividade ou apenas deitam mais lenha
para a fogueira? Fernando Santos defende-os, caso aplicados de forma adequada, ou
seja, «se forem coerentes, perto da acção que os motivou e de curta duração. Podem
contribuir para que a criança perceba a dimensão negativa do comportamento». No
entanto, o pedopsiquiatra sublinha a necessidade de perceber que disciplinar não se
limita às punições e castigos. «Devem igualmente ser ensinadas formas de resistir ao
impulso, de aprender a esperar e estratégias alternativas para a resolução dos problemas.
A relação de confiança entre a criança e o adulto deve ser também estimulada».
Filomena Lopes sempre tentou perceber o que se estava a passar com a criança para
justificar comportamentos agressivos. «As estratégias dependiam muito do contexto, ou
seja, se as agressões ocorriam em grandes ou pequenos grupos, já que existem variáveis
a ter em conta como a gestão do poder, a auto-estima da criança e a resolução daquela
emergência», adianta a educadora. A estratégia de «dar a volta» foi uma das
experimentadas. «‘Queres ver, aqui há espaço, os amigos ajudam ou há outras peças,
esta pode ser?’ Quando implicava magoar amigos, fazia uma pausa para conversar
individualmente, perceber o que estava a acontecer e depois conversávamos em grupo.
Se fosse preciso e se não existisse regra escrita, criava-se uma e era partilhada por
todos». Em qualquer dos episódios, a educadora de infância falou com os pais das
crianças em causa «uma vez que podem dar ou não pistas sobre o que está a acontecer.
Por outro lado, também poderão ficar alerta sobre algumas manifestações que ainda não
tinham tido disponibilidade para observar sobre outro ângulo», explica.
Agressividade vs violência
E o que podem fazer os pais para contrariar este comportamento? «A acção segura e
firme, porém carinhosa, dos pais ajuda a criança a estruturar o seu comportamento de
forma mais rápida», diz Fernando Santos. Já Rosa Gouveia defende que pode ser
necessário aos pais recorrerem a apoio psicológico «de modo a desenvolver estratégias,
geralmente baseadas no reforço positivo, para lidar com a criança no dia-a-dia». O
pedopsiquiatra prefere centrar a atenção nas causas do problema. «Muitas crianças que
são agressivas ou têm comportamentos de oposição constante, podem utilizar este meio
para mascarar outros sentimentos e emoções tais como tristeza ou incapacidade em lidar
com dificuldades a nível do ambiente familiar.
Tal como em outras situações, o importante é agir o mais cedo possível para contrariar
atitudes agressivas desajustadas, prevenindo a consolidação de problemas de
comportamento e permitindo à criança um desenvolvimento harmonioso. Ajudá-la a
utilizar palavras para exprimir as dificuldades e ensiná-la a falar do que a preocupa é um
início para a resolução da situação», explica. «É igualmente importante estar disponível
e atento de forma a poder ter uma supervisão e intervenção eficazes, não nos
esquecendo que temos de lidar com um mau comportamento e não com uma criança
má», conclui Fernando Santos.
As idades da fúria
Até 1 ano
Através do choro, birras, destruir brinquedos ou empurrar e tirar objectos das mãos das
outras crianças
É frequente atribuir a culpa dos comportamentos agressivos nos mais novos aos jogos
de computador cada vez mais violentos. No entanto, o pedopsiquiatra Fernando Santos
tem várias reticências em fazer esta ligação de forma directa. «Os jogos de computador
têm seguramente um lado positivo ao estimular o raciocínio, a criatividade, a atenção, a
memória e a coordenação motora». Quando existe um equilíbrio emocional, o jogo é
utilizado pela criança durante algum tempo, mas rapidamente deixa de influenciar a sua
vida real, a relação com a família, com a escola e os amigos. «Não são os jogos que
incitam à violência, mas sim o meio em que está inserido», diz Fernando Santos. «O
comportamento violento depende da forma como a criança é educada e da conduta que
os pais - como modelos que são - têm e da influência do meio em que estão inseridas.
Quando aparece, essa violência traduz questões mais complexas e ligadas à forma como
a criança se sente. Deverá haver algum cuidado de forma a evitar que o jogo se
transforme na única actividade de lazer, interferindo nas obrigações da criança,
nomeadamente familiares, escolares e sociais» Já a psicóloga Cristina Camões não é da
mesma opinião por considerar que os jogos violentos afectam não só o comportamento
das crianças, como as suas crenças e valores acerca do mundo e da realidade,
promovendo a agressividade. «Perante os jogos ou filmes violentos, os mais novos
chegam a confundir a ficção com a realidade. Algumas crianças em atendimento
psicológico afirmam ‘se tiver uma pistola, dou tiros e não morro, tal como acontece no
meu jogo».