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Encontros literários: discussões acerca do feminino pelo olhar das

narrativas distópicas

Ânderson Martins Pereira


Instituto Federal Farroupilha - IFFar
anderson.martins@iffarroupilha.edu.br

Ariane Avila Neto de Farias


Instituto Federal Farroupilha - IFFar
ariane.farias@iffarroupilha.edu.br

Simpósio 1 - Práticas de leitura e de literatura na EPT

Resumo: A sociedade é marcada pela desigualdade entre os gêneros; o homem


ocupa os espaços públicos de poder, enquanto as mulheres estão vinculadas ao
privado, estando submetidas à opressão de um sistema sociocultural que privilegia o
masculino. Nesse sentido, compreende-se que a literatura, como um lugar de
representação das relações estabelecidas nos diferentes contextos sociais, pode
propor alternativas que ressignifiquem o status normalizado e as relações
estabelecidas entre o masculino e o feminino. Isso posto, o presente projeto de
ensino intitulado “Seria o feminino o protagonista? O estudo das relações de gênero
através de narrativas distópicas” buscou, através da leitura conjunta de cinco obras
contemporâneas e clássicas de temática distópica, pensar acerca das convenções
sociais relacionadas aos gêneros nos espaços dessas narrativas, fornecendo uma
leitura crítica dos romances e dos contextos apresentados.

Palavras-chave: Feminismo. Distopia. Leitura literária. Estudos de gênero.

1 INTRODUÇÃO

O presente projeto surgiu do reconhecimento da necessidade de se discutir,


de maneira a ressignificar, os modos como as relações sociais estabelecidas entre
os gêneros foram definidas através da História. Comportamentos e até mesmo a
linguagem foram instituídos à guisa de subjugar a figura feminina, que foi relegada
aos papéis de mãe e esposa. Nesse âmbito, Rita Terezinha Schmidt (2017) salienta
que se faz importante a desconstrução das naturalizações acerca de papéis sociais
genderizados e ratifica a importância da literatura nesse processo de
questionamento sobre essencialismos vivenciados na sociedade.
Da mesma forma, Schmidt (2017) percebe na literatura um espaço valioso
para a desconstrução desses valores sociais, uma vez que muitos textos abrem
caminhos para a construção de um pensamento crítico dos leitores. Os apontamento
de Schmidt (2017) vão ao encontro do postulado por Rildo Cosson (2016) que
entende que a narrativa literária mostra-se como um espaço extremamente
importante e potente em termos de ensino, uma que proporciona ao discente um
dispositivo para que esse repense o seu entorno e estabeleça diálogos entre o lido e
o vivido.
O projeto atuou na formação de leitores, ao partir da necessidade do
letramento literário, a qual é respaldada pela Base Nacional Comum Curricular
(BNCC). Ainda que, enquanto arte, seja complicado atribuir à literatura uma função,
destaca-se que ela tem fundamental importância na formação do cidadão,
promovendo criticidade e permitindo ao leitor lançar luz em diversas perspetivas a
sua realidade ou a de outrem.
Nesse sentido, o presente projeto teve como objetivo a formação de um grupo
de leitura, formada pela comunidade do IFFar (discentes, docentes e técnicos),
campus Alegrete e Frederico Westphalen, para discutir as relações de gênero e suas
representações na literatura distópica clássica e contemporânea, de maneira a,
também, refletir acerca dos mecanismos que impõem padrões para os
comportamentos instituídos para os gêneros nas sociedades ocidentais.
Acreditou-se que a partir dessa temática poder-se-ia, ainda, fomentar a leitura
e o interesse pela literatura dos discentes. Nesse viés, optou-se pelo trabalho com
narrativas do gênero distopia, principalmente por acreditar-se que as obras
distópicas possuíam apelo à faixa etária a que esse projeto pretendia atingir. Da
mesma maneira, a escolha pelo trabalho com esse gênero se dá pela noção de que
a leitura dessas obras auxilia a percepção de contextos e características sociais. Por
fim, o projeto destacou o compromisso da literatura em apresentar possibilidades de
futuro e de ações no presente, de modo a fomentar a construção de uma sociedade
mais igualitária.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Rildo Cosson (2016) destaca a importância de formação dos leitores,
enfatizando a necessidade de um aprendizado que parta da realidade dos alunos e
que os permita fazer uma leitura significativa, bem como estabelecer vínculos entre
essas produções e suas vivências. Ao encontro de Cosson, Robert Scholes (2011)
pontua que novas formas de literatura têm o poder de criar conexões com os alunos.
Assim, o autor salienta que a literatura não pode ser pensada a partir de um viés
elitista ou circunscrito a cânones inalcançáveis, mas deve ser pensada como um
texto passível de crítica e comparações.
Dessarte, a escolha de narrativas distópicas para a leitura de problemáticas
de gênero, sinalizam a necessidade de se pensar essas questões embebidas na
realidade do aluno; uma vez que, como dito por Rita Schmidt, “a obra literária não
habita um mundo ideal, mas um mundo real do qual se alimenta e no qual atua,
refletindo e interpretando o mesmo e, assim, influenciando ideias, valores e ações”
(2017, p. 40). Nesse sentido, faz-se importante a percepção de que o saber é uma
construção coletiva e uma ação em constante desenvolvimento, que parte da
interação entre os sujeitos envolvidos nesse processo, compreendendo que essa é
perpassada pelos mais diversos diálogos, debates e trocas de experiências com o
espaço escolar e com o outro.
Salienta-se que a escolha pelo formato de grupo de leitura para o debate da
temática acima mencionada se deve por entender que esse é aliado da escola,
como assinalado por Raicinaluz Coeli e Maria Molina (2013) ao ser um instrumento
que auxilia na formação cidadã dos/as alunos/as, de modo que pode, ao ser
instrumento de representação das diferenças, instigá-los a assumir uma posição
questionadora e transformadora de sua realidade.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Como procedimento metodológico foram realizados encontros síncronos


(online) mensais, durante o ano de 2021, através da plataforma Google Meet, para
discussão de obras de distopia previamente selecionadas pelos professores
responsáveis pelo projeto. Os encontros eram realizados no final do mês, para que
os membros do grupo tivessem tempo hábil para a realização da leitura indicada.
Nessa perspectiva, partiu-se do um viés dos estudos de literatura comparada, o qual
entende o texto sempre em relação com o seu contexto e em diálogo ininterrupto
com outras narrativas.
As discussões giraram em torno, principalmente, do papel do feminino nos
livros O conto da aia (1985), de Margaret Atwood; Oryx e Crake (2003), da mesma
autora; Divergente (2011), de Veronica Roth; Krindred (1979), de Octavia Butler; e
Jogos Vorazes (2008), de Suzanne Collins.
Temáticas como classe social, raça e espaço, que de muitas formas
perpassam as construções de gênero foram também incluídas nos debates
propostos, de modo que se compreende a relevância dessas na constituição dos
sujeitos.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nos cinco encontros realizados para a discussão das leituras propostas, os


membros do grupo puderam debater sobre o espaço reservado ao feminino em
obras distópicas. As discussões permearam o papel feminino e a sua possível
ascensão ao papel de protagonista nas obras distópicas contemporâneas e
clássicas lidas. A partir das análises realizadas pelo grupo, foi possível desconstruir
e ressignificar o feminino pelo olhar da literatura em destaque no projeto. As
contribuições e questionamentos levantados por todos foram enriquecedoras e
importantes para pensar as relações de gênero traçadas em nossa sociedade.
Ainda, acredita-se que o grupo de leitura contribuiu para a aproximação dos
jovens à literatura, de modo que, de acordo com o relato dos envolvidos na prática,
foi possível a construção de um hábito de leitura, tendo em vista que as discussões
mensais giravam em torno de obras diferentes.
Salienta-se que para instigar a leitura dos membros do grupo de leitura foram
realizadas intervenções via grupo de whatsapp, criado pelos professores
responsáveis. Esse foi espaço das mais diversas interações e de exposição de
questionamentos para a aproximação dos sujeitos ao livro do mês. Todos relataram
considerar importante a existência desse espaço virtual para trocas e motivação à
leitura.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acredita-se que o projeto contribuiu de inúmeras maneiras para a formação
dos estudantes participantes. Primeiro, por trazer discussões que fazem parte da
formação do cidadão, enquanto indivíduo social. Ainda, sob esse prisma, ressalta-se
a necessidade da formação do leitor crítico, bem como do impacto da leitura no
processo de inserção à cidadania.
Após, justifica-se a colaboração do projeto aos estudantes por tangenciar
questões que se relacionam ao cotidiano discente, dentre elas o gênero, a
sexualidade e como elas se perpassam pelo patriarcado. O fomento à criticidade
acerca dos materiais lidos contribui de maneira singular aos alunos na
argumentação e na defesa de suas ideias, habilidades essas que são indispensáveis
para qualquer área do conhecimento.

REFERÊNCIAS

BRASIL, . Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.


COELI, Raicinaluz Leila da Silva; MOLINA, Maria de Fátima Castro de Oliveira. A
importância do ato de ler: leitura como fator primordial no processo ensino e
aprendizagem de literatura na educação de Jovens e adultos – EJA. Trem de
Letras, v. 2, n. 1, p. 1–13, 30 nov. 2013.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática.São Paulo: Contexto, 2016.
SCHMIDT, Rita T. Decentramentos/Convergências: Ensaios de Crítica Feminista.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2017.
SCHOLES, Robert. The Rise and Fall of English: Reconstructing English as a
discipline. New York: YALE, 1998.

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