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DE EVIDÊNCIAS NO BRASIL
conceitos, métodos, contextos e práticas
Organizadores
Natália Massaco Koga
Pedro Lucas de Moura Palotti
Janine Mello
Maurício Mota Saboya Pinheiro
Governo Federal
Ministério da Economia
Ministro Paulo Guedes
Presidente
Erik Alencar de Figueiredo
Diretor de Desenvolvimento Institucional (substituto)
Carlos Roberto Paiva da Silva
Diretor de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia (substituto)
Fabio Schiavinatto
Diretor de Estudos e Políticas
Macroeconômicas (substituto)
Marco Antônio F. de H. Cavalcante
Diretor de Estudos e Políticas Regionais,
Urbanas e Ambientais
Nilo Luiz Saccaro Júnior
Diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação
e Infraestrutura (substituto)
José Gustavo Feres
Diretor de Estudos e Políticas Sociais (substituto)
Herton Ellery Araújo
Diretor de Estudos e Relações Econômicas
e Políticas Internacionais (substituto)
José Eduardo Malta de Sá Brandão
Assessor-chefe de Imprensa e Comunicação
André Reis Diniz
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
URL: http://www.ipea.gov.br
Brasília, 2022
© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2022
As publicações do Ipea estão disponíveis para download gratuito nos formatos PDF (todas)
e EPUB (livros e periódicos). Acesse: http://www.ipea.gov.br/portal/publicacoes
As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores,
não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ou do Ministério da Economia.
É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte.
Reproduções para fins comerciais são proibidas.
A obra retratada na capa deste livro, Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil: conceitos,
métodos, contextos e práticas, é a tela Conchas e Hipocampos, de Candido Portinari (1903-1962),
datada de 1941. Além da inegável beleza e expressividade de suas obras, Portinari tem importância
conceitual para um instituto de pesquisas como o Ipea. O “pintor do novo mundo”, como já foi
chamado, retratou momentos-chave da história do Brasil, os ciclos econômicos e, sobretudo, o
povo brasileiro, em suas condições de vida e trabalho: questões cujo estudo faz parte da própria
missão do Ipea.
AGRADECIMENTOS..................................................................................11
PREFÁCIO..................................................................................................13
Justin Parkhurst
APRESENTAÇÃO.......................................................................................33
Natália Massaco Koga
Pedro Lucas de Moura Palotti
Janine Mello
Maurício Mota Saboya Pinheiro
SEÇÃO I
ESTADO, EVIDÊNCIAS E POLÍTICAS PÚBLICAS:
ASPECTOS TEÓRICO-CONCEITUAIS
CAPÍTULO 1
POLÍTICAS PÚBLICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS: UM MODELO
MODERADO DE ANÁLISE CONCEITUAL E AVALIAÇÃO CRÍTICA....................59
Maurício Mota Saboya Pinheiro
CAPÍTULO 2
INTUITION, REASONING AND CAPACITY IN POLICYMAKING: BUILDING
A COGNITIVE MODEL OF KNOWLEDGE AND EVIDENCE UTILISATION..........85
Kidjie Saguin
CAPÍTULO 3
MAPEAMENTO E CARACTERIZAÇÃO DO MOVIMENTO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS NO BRASIL........................................107
Carlos Aurélio Pimenta de Faria
André Emilio Sanches
SEÇÃO II
DISCUSSÃO SOBRE MÉTODOS E ABORDAGENS NA PRODUÇÃO
DE EVIDÊNCIAS
CAPÍTULO 4
CONECTANDO PESQUISA A GESTÃO MUNICIPAL: AVALIAÇÕES DE
IMPACTO INFLUENCIAM A FORMULAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA?............149
Diana Moreira
Juan Francisco Santini
CAPÍTULO 5
SIMULAÇÕES COMPUTACIONAIS APLICADAS À TOMADA
DE DECISÃO PÚBLICA...............................................................................195
Bernardo Alves Furtado
Antonio Lassance
CAPÍTULO 6
INSTITUIÇÕES PARTICIPATIVAS E EVIDÊNCIAS HÍBRIDAS: DELIBERAÇÃO,
RELAÇÕES FECUNDAS E ECOLOGIA DE SABERES......................................223
Igor Ferraz da Fonseca
Natália Massaco Koga
João Cláudio Basso Pompeu
Daniel Pitangueira de Avelino
CAPÍTULO 7
ETNOGRAFIA COMO EVIDÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES E DESAFIOS
DO USO DE ESTUDOS ETNOGRÁFICOS PARA A ANÁLISE
DE POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS.........................................................251
Isabele Villwock Bachtold
Rut Rosenthal Robert
CAPÍTULO 8
EM BUSCA DO PADRÃO-OURO? O PERCURSO HISTÓRICO DO USO
DE EXPERIMENTOS NA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS.......................285
Luciana de Souza Leão
Gil Eyal
SEÇÃO III
USO DE EVIDÊNCIAS NAS DIFERENTES ESFERAS E
NÍVEIS DE GOVERNO
CAPÍTULO 9
COMO OS BUROCRATAS FEDERAIS SE INFORMAM?
UMA RADIOGRAFIA DAS FONTES DE EVIDÊNCIAS
UTILIZADAS NO TRABALHO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS..............................313
Natália Massaco Koga
Pedro Lucas de Moura Palotti
Rafael da Silva Lins
Bruno Gontyjo do Couto
Miguel Loureiro
Shana Nogueira Lima
CAPÍTULO 10
ATUAÇÃO DOS AUDITORES DA CONTROLADORIA-GERAL
DA UNIÃO: COMO ATUAM E QUE INFORMAÇÕES UTILIZAM.....................343
Tiago Chaves Oliveira
Wagner Brignol Menke
CAPÍTULO 11
OS USOS E NÃO USOS DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS PELA
BUROCRACIA DISTRITAL: UMA PRIMEIRA ANÁLISE...................................369
Daienne Machado
Tatiana Sandim
Pedro Jorge Holanda Alves
Isabela Harumi Lopes Motoki
Júlia Andrade Vivas
CAPÍTULO 12
HETEROGENEIDADE DE PREFERÊNCIAS E O USO DE EVIDÊNCIAS
NA CÂMARA DOS DEPUTADOS.................................................................407
Acir Almeida
CAPÍTULO 13
ESTATATIVISMO INSTITUCIONAL E OS EPISÓDIOS EM TORNO DAS
CAUSAS DA MAGISTRATURA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA BRASILEIRA..........427
Maricilene Isaira Baia do Nascimento
João Paulo Dias
SEÇÃO IV
O ESTADO COMO PRODUTOR DE EVIDÊNCIAS
CAPÍTULO 14
PRODUÇÃO ESTATAL DE EVIDÊNCIAS E USO DE REGISTROS
ADMINISTRATIVOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS............................................457
Janine Mello
CAPÍTULO 15
ESTATÍSTICAS PÚBLICAS E O COMBATE À FOME E À POBREZA:
AFINIDADES ELETIVAS QUE FIZERAM DIFERENÇA
NOS RESULTADOS DA AÇÃO GOVERNAMENTAL........................................495
Paulo de Martino Jannuzzi
CAPÍTULO 16
POLICY DESIGN E USO DE EVIDÊNCIAS:
O CASO DA PLATAFORMA GOV.BR............................................................521
Fernando Filgueiras
Pedro Lucas de Moura Palotti
Maricilene Isaira Baia do Nascimento
CAPÍTULO 17
O CADASTRO ÚNICO PARA PROGRAMAS SOCIAIS E A CONFIGURAÇÃO
DA POBREZA: ANALISANDO A CONSTRUÇÃO DE EVIDÊNCIAS
A PARTIR DA TEORIA DO ATOR-REDE........................................................551
Natália Massaco Koga
Rafael Viana
Bruno Gontyjo do Couto
Isabella de Araujo Goellner
Ivan da Costa Marques
CAPÍTULO 18
INICIATIVAS PARA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO USO DE EVIDÊNCIAS
NO PROCESSO REGULATÓRIO NA ANEEL – UM ESTUDO DE CASO
DE AGÊNCIA REGULADORA......................................................................579
André Ramon Silva Martins
Carmen Silvia Sanches
Thelma Maria Melo Pinheiro
SEÇÃO V
USO DE EVIDÊNCIAS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
CAPÍTULO 19
AVALIAÇÃO E DECISÃO SOBRE TECNOLOGIAS EM SAÚDE
NO SUS: UMA ANÁLISE DE FATORES DE INFLUÊNCIA
SOBRE O PROCESSO DECISÓRIO...............................................................609
Fabiola Sulpino Vieira
Sérgio Francisco Piola
Luciana Mendes Santos Servo
CAPÍTULO 20
USO DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS PARA A TOMADA DE DECISÃO
DIANTE DA PANDEMIA DE COVID-19: UMA APROXIMAÇÃO
À ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE....................................................653
Michelle Fernandez
CAPÍTULO 21
IGNORÂNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: REFLEXÕES SOBRE A
REGULAÇÃO DE CANNABIS PARA USO MEDICINAL NO BRASIL.................673
Milena Karla Soares
CAPÍTULO 22
POLÍTICAS MACROECONÔMICAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS SÃO
POSSÍVEIS? A DIFÍCIL RELAÇÃO DA MACROECONOMIA
COM AS EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS..............................................................697
Ronaldo Fiani
CAPÍTULO 23
PROTEÇÃO AMBIENTAL BASEADA EM EVIDÊNCIAS?
EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL, PLANEJAMENTO
E EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA NO IBAMA................................................725
Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo
CAPÍTULO 24
USO DE EVIDÊNCIAS EM POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS DE INCLUSÃO
PRODUTIVA RURAL NA AMÉRICA LATINA.................................................747
Vahíd Shaikhzadeh Vahdat
Arilson Favareto
Cesar Favarão
CAPÍTULO 25
O USO DAS EVIDÊNCIAS NAS POLÍTICAS BRASILEIRAS
DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO...................................................771
Flávia de Holanda Schmidt
Adriana Bin
Lissa Vasconcellos Pinheiro
Fernanda De Negri
CAPÍTULO 26
E O NÍVEL SUBNACIONAL? OS (NÃO) USOS DAS POLÍTICAS
INFORMADAS POR EVIDÊNCIAS NA POLÍTICA EDUCACIONAL
ESTADUAL BRASILEIRA.............................................................................805
Catarina Ianni Segatto
Fernando Burgos Pimentel dos Santos
Mario Aquino Alves
Pedro Peria
CAPÍTULO 27
AVALIAÇÃO ESCOLAR E USO DE DADOS E EVIDÊNCIAS
NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA......................................................................829
Ricardo Ceneviva
Felipe Macedo de Andrade
Mariane Campelo Koslinski
Carolina Portela Núñez
CAPÍTULO 28
O USO DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS NO ENFRENTAMENTO
À PANDEMIA DE COVID-19 NO BRASIL: UMA COMPARAÇÃO
DAS POLÍTICAS DOS GOVERNOS ESTADUAIS.............................................859
Rodrigo Fracalossi de Moraes
AGRADECIMENTOS
1. Associate professor of global health policy at the London School of Economics and Political Science.
14 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
also a growing optimism over the roles that certain kinds of evidence – in particular
programme evaluations – could play in guiding policy decision makers’ choices of
public interventions. An explosion of social policy experiments and evaluations
grew around the idea that rigorous testing would allow society to find ‘what works’
for key issues in education, healthcare, or criminal justice reform (Nutley, Walter
and Davies, 2007; Pawson and Tilley, 1997). This initial optimism, however, soon
hit a number of challenges, as it became clear that for many social interventions
there was no single intervention that ‘works’ for everyone in all settings – and even
if a piece of evidence could be found that something worked in one setting for
one issue, it does not necessarily follow that it will work for everyone, everywhere
(Cartwright and Hardie, 2012; Pawson and Tilley, 1997). Policy scholars of the
time further identified that evidence or research could be ‘used’ in many different
ways – not just to inform choices between competing interventions, but to delay
decisions, to support pre-established choices (regardless of impact), or in broader
diffuse ways shaping societal thinking (Weiss, 1977; 1979).
By the 1990s, however, a renewed focus on rigorous use of evidence could
be seen. This was in part inspired by the medical profession’s formal embrace of
‘evidence-based medicine’. Said to reflect the “conscientious, explicit, and judicious”
(Sackett et al., 1996, p. 71) use of scientific evidence, evidence-based medicine
typically meant using experimental trials and systematic reviews or meta-analyses
of trials to guide clinical practice. The launch of the Cochrane Collaboration in
1993 formalised a global network for evidence synthesis around clinical practice
(Starr et al., 2009), and was seen by many as providing a ‘gold standard’ of evidence
use. The medical field’s efforts thus inspired other sectors as well, which aimed to
emulate the scientific rigour of the clinical sciences, and avoid the trappings of
political bias through the application of methods such as experimental trials and
systematic reviews (Smith, 1996; Haynes et al., 2012). This push for following evi-
dence again filtered into the policy sector. In the UK, for instance, the government
of the time declared “what counts is what works”,2 which for some commentators
represented the birth of the modern ‘evidence-based’, or ‘evidence-informed’, policy
movement that continues to inform academic research and government planning
and practice today (Boaz et al., 2019; Smith, 2013).
Within these recent developments, the use of the language of searching for
‘what works’ has proliferated, despite the fact that authors increasingly pointed out
that evidence for policy is decidedly different to its use in clinical medicine (Black,
2001). One difference is that medical decision making often takes for granted
the ultimate goal being pursued – assuming a shared understanding of stakehold-
ers that the goal will be to improve patient outcomes or the cost-effective use of
resources in the health system. Clinical interventions typically also assume that
medical treatments work in similar ways (through the same mechanisms of causal
effect) in different people given shared human biology and anatomy. Yet in the
policy realm, these assumptions rarely hold.
The availability of pieces of evidence says nothing about the desirability or
consensus over the agreed goals of policy action; and the diverse mechanisms
through which policy interventions cause effects means that an intervention which
can produce a social result in one setting might not necessarily work in the same
way elsewhere (Cartwright and Hardie, 2012; Parkhurst, 2017). As such, the evi-
dence and policy literature has come to note that methods of evaluation or review
cannot themselves eliminate political considerations from policy decisions. Indeed,
the decision on which outcomes to evaluate are fundamentally linked to decisions
about what social outcomes to pursue – and these in turn are decidedly political.
Indeed, even within medicine there have been debates about the evidence-based
approach and its focus purely on outcomes-based research data; as opposed to an
incorporation of consideration of patient perspectives and values on what is in their
best interest (Pinheiro and Nogueira, 2021). Policy scholars of evidence use thus
note that focusing solely on a method of evidence generation (such as experimental
trials or systematic reviews) risks depoliticizing critical political choices, rendering
obscure the trade-offs made by decision makers – trade-offs and value judgments
which typically must be transparent and contestable in democratic societies (Wes-
selink, Colebatch and Pearce, 2014; Pielke Junior, 2007; Parkhurst, 2017).
There might be some concern, then, that the renewed embrace of searching
for ‘what works’ risks repeating the over-optimism (and over-simplification) of
some mid-20th century thinking. And while it has been important for scholars to
call this out from time to time (Russell et al., 2008), the past two decades has also
seen a proliferation of work that has greatly expanded our understanding of the
nature of evidence use itself within policy settings. The renewed focus on evidence
to inform policy has not therefore just been a political slogan. It has in turn gen-
erated a range of conceptual and practice-oriented work as well. Such work has
engaged with the complex nature of social interventions, the institutional realities
of policy decision making settings, and the politically contested nature of policy
decision making itself.
itself. From this starting point, recent authors have applied a range of theories from
political science, cognitive psychology, science and technology studies, and other
areas to better understand the dynamics of evidence use in public policy spaces.
These works have considered issues such as: how cognitive limitations and biases
of decision makers shape which evidence is seen or used (Lin and Gibson, 2003;
Cairney, 2016; Parkhurst, 2012; 2016); how the arrangements and functioning of
institutional systems linking research to policy can influence which evidence is seen
for what problems (Hoppe, 2009; 2010; Liverani, Hawkins and Parkhurst, 2013;
Lavis et al., 2008); the ways that the dynamic nature of policy change processes
over time provides windows of opportunity for certain evidence to be taken up
(Cairney, 2016; Lewis, 2003); how dominant policy ideas and discursive fram-
ings shape how pieces of evidence are seen as policy-relevant (Smith, 2013; Lewis,
2006); and how the institutional logics and strategic goals of bureaucratic bodies
can shape which forms, sources, and uses of evidence are seen to be appropriate
to their goals (Parkhurst et al., 2020). As a whole, such work provides a wealth of
understanding of the policy stakeholders, systems, structures, and functions that
can influence which evidence is used, by whom, when and for what goals within
policy-formulating spaces.
A second major thrust of work in recent years has been to try to understand
how to increase or the ‘impact’ evidence will have on policymaking. ‘Bridging the
gap’ work of this nature can also build on insights provided in the above research
to guide individuals to more ‘successful’ strategies of research ‘uptake’. Some ef-
forts look specifically for interventions that increase the use of evidence in decision
making in a measurable way (Langer, Tripney and Gough, 2016). Others seek to
identify so-called barriers or facilitators to evidence use (Oliver et al., 2014; van
der Arend, 2014). And a number of strategies or guidelines have been developed
to inform individuals aiming to achieve greater impact or uptake of their own
research evidence (Green and Bennett, 2007; Bazalgette, 2020; Straus, Tetroe and
Graham, 2013; Shucksmith, 2016; Lavis et al., 2003; Reed, Bryce and Machen,
2018; Cairney, Oliver and Wellstead, 2016). Typically works of this nature highlight
the importance of efforts that focus on: training researchers to more effectively
provide or communicate evidence (‘push’ strategies); training decision makers to
better understand or know how to access evidence (‘pull’ strategies); or building
links to bridge the two groups.
These works have provided a wealth of suggestions on ways one might work
to increase the chances that a piece of evidence is seen, selected, or taken-up by
a targeted decision maker. However, there are some key conceptual issues with
efforts focused on evidence uptake or bridging the research-policy gap in this way.
For one thing, there has been little reflection on the question of which evidence
should be taken up for what ends. Public policy scholars have noted for decades
Improving Evidence Use in Public Policy | 17
that policymaking involves choices between competing interests, goals, and values.
Yet advice on evidence utilization typically avoids consideration of what is the right
goal to pursue, or whether the taken-up evidence leads in the right direction. In-
deed, after reviewing the evidence-to-policy literature, Oliver and colleagues were
highly critical of the existing work pushing for research uptake that is based on a
problematic underlying assumption that ‘more’ use of evidence is assumed to be
‘better’ – regardless of consideration of political goals and processes (Oliver, Lorenc
and Innvaer, 2014). Smith similarly has explained that the guidelines to increase
impact often assumes that any use of research is by definition a good thing (Smith,
2013) – while noting that efforts to increase the use of research is not the same as
efforts to improve the use of research (op. cit., p. 23). It is this fundamental distinc-
tion between using research evidence, and improving the use of research evidence,
that presents an important gap in the literature, and allows a critical next step to
be taken in the evidence informed policy movement.
embrace randomized trials as the ‘best’ evidence based on their ability to illustrate
causal effect of an intervention, others note that public policy decisions are not
simply concerned with choices between interventions based solely on their ef-
fects – and as such the right evidence for policy must alternatively be judged on
its appropriateness to the issues being addressed (Parkhurst and Abeysinghe, 2016;
Petticrew and Roberts, 2003). In a recent paper, colleagues and I have further
explored what this concept of appropriateness would mean for bureaucratic
agencies – defining a programmatic approach as one that uses the goals and tasks
of a bureaucratic agency as a starting point to reflect on which forms, sources,
and uses of evidence best serve those goals (Parkhurst et al., 2020).
This shift to appropriateness provides an opportunity for key scientific best
practices principles to be applied within the policy sphere to help identify what
good evidence for policy would look like. Given that applying an incorrect or
inappropriate method to solve a problem would be a violation of basic scientific
principles, we can hold that it would also be problematic to apply inappropriate
methods in relation to a particular goal (or knowledge need). So, for instance, if
the social desirability or willingness to pay for an intervention was the evidence
needed to inform a decision, an experimental trial might not be appropriate. An
example such as this illustrates that requiring experimental trials would, in fact,
not be providing ‘good’ evidence for that particular policy need.
Good evidence, however is not just evidence that is appropriate to the policy
question. It must also be evidence of high quality. This is another fundamental sci-
entific principle of course, but the quality criteria of different forms of evidence, will
depend on the methods by which they are generated. Assessing social desirability (to
continue the example above) might require a survey, rather than a clinical trial, to
generate appropriate evidence. But survey evidence can be of higher or lower quality
based on factors such as sample size and representativeness. A good piece of evidence
for policy, then, can potentially be defined as evidence appropriate to the policy deci-
sion that is also judged to be of high quality according to its method of generation.
There is one more scientific principle, however, to apply when considering
the question of what constitutes good evidence for policy. Science is not a search
for one perfect truth, as much as the accumulation of knowledge (Bird, 2007). As
such, rather than applying single pieces of evidence to justify policy action, evidence
must be synthesized from bodies of knowledge to ensure the best-informed decisions
can be made. It is critical then for evidence synthesis to ensure it reviews evidence
in comprehensive ways, to avoid selective uses of evidence that lead to incorrect
or misleading outcomes. This final scientific principle then allows us to come to
a working definition to answer the first of the three critical questions above: good
evidence for policymaking can be seen as rigorously synthesized evidence of high
quality that is appropriate to the policy consideration at hand.
Improving Evidence Use in Public Policy | 19
A first principle required to ensure evidence is being used in the public interest
is that of goal clarification for the policy action being undertaken (and for which
evidence is being marshalled). Critics of overly-technical perspectives of evidence
use have often noted that policymaking involves making choices between multiple
competing social priorities or values, and thus the right body of evidence to review
will depend on which goals are being pursued. Indeed, in Lasswell’s ‘problem
orientation’ of the policy sciences, goal clarification is the first intellectual task
to undertake – requiring policy actors to make an explicit consideration about
which social values to pursue in policy action (Lasswell, 1970). In reality, it may be
that politicians do not always wish to be so explicit about the goals they pursue –
preferring to play different objectives off against different constituencies, or to ret-
rospectively highlight goals achieved after any series of policy actions is complete.
But from the perspective of evidence use, knowing which goals are being pursued
at the start is fundamental and critical to know both what body of evidence (in
relation to different outcomes) should be synthesized to inform choices, and which
forms of evidence are most appropriate to the decisions made.
Goal clarification is, in fact, particularly essential to build into evidence use
systems, yet it is rarely discussed or considered within works looking to improve
evidence use. Cairney, Oliver and Wellstead (2016) touch on this when they note
that much work in evidence use aims at reducing data uncertainty (by searching
for more information on a given question), but fails to address policy ambiguity
(around how problems are conceived). Some may be hesitant to ask evidence advisors
to clarify social goals – out of a concern that science or evidence advice should not
be making the political choices on which social values to embrace, or what social
outcomes to pursue. But goal clarification is not the same as goal selection. It is
fundamentally different to having science advisors select social goals and having
them request – indeed even require – clarification of social goals from political
leaders. Indeed, without such clarification it can never be clear if the evidence be-
ing provided is appropriate, and thus impossible to judge if it is being used well.
Other democratic principles, however, are equally crucial to apply if one
wishes to ensure evidence is being used in service of the public interest. Within
systems of evidence utilization, politicians and bureaucratic actors will be both
shaping when evidence is used, as well as for what goals it is applied. To serve
the public interest, there must be some mechanisms through which the public’s
values are represented, and the political agents acting on behalf of the public can
be held to account. Thus, better uses of evidence for policy can be seen as those
which ensure both accountability and public representation throughout the process.
A final principle, however, which can be particularly important to judge if
evidence is being used well is that of transparency. Transparency itself is sometimes
seen as a tool that ensures or builds accountability, allowing the public to see
Improving Evidence Use in Public Policy | 21
the political decisions being made on their behalf (Meijer, 2014). Transparency
is also critical, however, in relation to the use of evidence in two ways. First,
Elliot and Resnik (2014, p. 648) explain that “transparency can promote public
trust by helping lay people understand how both empirical evidence and value
assumptions enter into scientific decision making and policy formation”. In ad-
dition, however, transparency is also necessary when experts review or synthesise
evidence to inform policy so that scientific peers are able to provide scrutiny
and oversight (Bornmann, 2013) – to help ensure rigor and quality in line with
scientific principles discussed above.
If we accept the premise that the good use of evidence in policy is that which
serves the public interest – these principles allow further consideration of what
might be needed to achieve this. In particular through: clarification and specifica-
tion of goals pursued; accountability to and representation of the public and their
values; and transparency in the evidence utilization process to enable scientific and
democratic scrutiny.
3.3 How can countries build systems to ensure the right evidence is used in
better ways?
We can now turn to the final question of how to bring about improved uses of
evidence for policy in national systems. While the above two sections highlight
normative principles that can be used to conceptualise what an improved use of
evidence would be for policymaking, the final step is to consider how this can be
brought about systematically. This requires shifting thinking away from individual
pieces of evidence, training of particular leaders, or influencing specific policy
choices, to instead consider the systems of evidence and science advice operating
within countries – systems that function across policy decisions, and across any
particular research study or finding. In essence, it requires a shift to consideration
of the institutionalisation of evidence use, and how to improve institutional ar-
rangements in line with these principles.
Some authors have already begun to consider the steps needed to institu-
tionalise evidence use within national policy decision making structures. Stewart,
Langer and Erasmus (2019), for instance, have described this as ‘spiral’ process
involving the steps of: raising awareness, developing capability, and using evi-
dence – all taking place across a set of levels building up from the individual, to
the team, organization, and ultimately institutional level. The authors argue that
institutionalization of evidence use is a long-term process that cannot be judged
by the use of evidence in anyone decision point. Rather they explain: “[t]he deci-
sion itself is not an endpoint… there are many incremental shifts, as you move
around the spiral, all of which are important. We recognise that big changes are
the result of multiple small steps, and that the larger changes can take many years
22 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
to accumulate” (op. cit., p. 7-8). Koon et al. (2013) have further highlighted the
importance of the ‘embeddedness’ of research organizations within health poli-
cymaking systems – with embeddedness capturing the centrality and strength of
connections that research organizations can have. This is ultimately seen to affect
the influence that research organizations may have on other organizations within
the system (and thus increase the uptake of research in policymaking).
Such frameworks help to identify what institutionalised systems of research
and evidence use might look like, as well as steps one can take at different points
to develop the systems of evidence use. However, these approaches typically work
from the logic that what matters is use or take-up of research; without necessarily
engaging with the normative principles discussed previously of what constitutes
good evidence for policymaking, or the good use evidence within policy processes.
And yet, institutionalisation is a decidedly normative process. Selznick (1957)
famously described institutionalisation as a process by which organisations are
‘infused’ with values. That is to say institutionalisation sets the structures, rules,
and processes that prioritise particular values and pursue certain goals. Building
on Selznick in relation to public sector organisations, Boin, Fahy and ‘t Hart
(2021, p. 2) further explain: “[i]nstitutions embody and safeguard certain values
that are important to a society” – describing public institutions as ‘guardians of
public value’ (op. cit., p. 7).
Previous work of my own has described the institutionalised arrangements
of evidence advice as governing the use of evidence in policy making – with the
normative principles discussed here allowing further consideration of what the good
governance of evidence would look like (Parkhurst, 2017). In that work I argue that
the good governance of evidence is achieved through “the institutionalisation of
structures, rules, processes and practices that work to ensure that rigorous, valid
and relevant bodies of evidence are utilised through transparent and deliberative
processes to inform decisions that ultimately remain representative of, and ac-
countable to, local populations” (op. cit., p. 170).
Ultimately, there is no single template to follow when considering how to
build evidence advisory systems that ensure good evidence for policy is being
used in ways that serve the public interest. Halligan (1995) has noted, there can
be pros and cons for any given policy advisory system arrangements – looking
at the location of advisors (internal or external to government) and the level of
control held by government officials. Combinations of these are seen to affect the
performance of the advisory system in relation to its flexibility, policy suitability
or effectiveness of advice given – with Halligan concluding “the verdict is still out
on what structure works best for policy advice” (op. cit., p. 162).
Improving Evidence Use in Public Policy | 23
use in these bodies, however, has often taken on different concerns to the largely
technocratic approach assumed to underlie planning of many public sector bu-
reaucratic bodies. Work in the US, for instance, has explored the evolving criteria
used by courts – and the specific role of trial judges – for admitting scientific evi-
dence: finding tensions around how much judges can or should be able to assess
the reliability or validity of scientific evidence (Walsh, 1999; Improving…, 1997).
There have also been studies in Colombia and Germany that have analysed how
courts can consider health-related evidence differently to public health bodies.
These studies find that courts often utilise evidence in relation to legislative and
constitutional principles (such as the right to health). This was found to lead to
different conclusions (and policy implications) when health-provision decisions
fall to courts, as opposed to ministries of health or affiliated public health bodies
(Ettelt, 2018a; Hawkins and Alvarez Rosete, 2019). In this volume, the chapter
by Nascimento and Dias also considers evidence use within the judicial arm of
government, yet provides a novel approach to the question. Rather than focussing
on how evidence is used to decide in specific court cases, it looks at the role of
evidence in advocacy (‘ativismo com as estatísticas’ [activism with statistics]) for
reform of the working conditions within judicial system itself.
In contrast to judiciaries, legislatures often hold a different position in relation
to scrutinising, approving, or setting public policy. The roles played by legislatures
in different countries has been found to vary considerably – from oversight and
approvals (of budgets, for instance), to the direct formation of policy through
the creation of laws and regulations (Ettelt, 2018b); and it has been argued that
legislatures have not yet been widely studied in relation to their uses of evidence
to inform policy (Rose et al., 2020). In one analysis, however, Ettelt (2018b)
explored the ways that parliaments in a set of countries used evidence for health
policymaking – finding the role of evidence to be limited, and noting that party
politics could dominate evidence use processes.
The role of partisan politics within legislatures – and its subsequent impacts
of evidence use – can, therefore, be an important area for further work. In Weiss’
(1979) classic typology of research use for policy, she describes a ‘political model’
of research use as reflecting situations where “the constellation of interests around
a policy issue predetermines the positions that decision makers take” and research
“becomes ammunition for the side that finds its conclusions congenial and sup-
portive” (op. cit., p. 429). It has been further argued that the greater the levels of
political contestation or polarisation faced, the greater the chance for bias in the
creation, selection, or interpretation of evidence (Parkhurst, 2016).
Indeed, political competition and polarisation are often no more visible than
in national legislatures, and in this volume, the chapter by Almeida explores this
very question of how the political make up of legislative committees influences
26 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
the type of evidence used. The chapter undertakes an empirical analysis of bills
considered by committees within the Chamber of Deputies to consider when
information of different quality was used. It finds overall that information of high
evidentiary quality was not often used. It further analyses correlations between
quality of information and the make-up of the committees themselves, finding
initial indications that greater heterogeneity of preferences within committees can
lead to improved quality of information shared.
This preface, however, raised a set of key questions to guide thinking around
how we can work to improve the use of evidence for policymaking. And indeed,
several chapters speak more directly to the three sub-questions discussed above. For
example, Pinheiro explores what is termed a ‘modelo moderado’ [moderate Model] –
in which evidence is defined in relation to policymaker action – fundamentally
analogous to the programmatic approach that the needs and goals of bureaucratic
decision makers can serve to establish what forms, features, and applications of
evidence are appropriate or policy relevant (Parkhurst et al., 2020).
Other chapters are decidedly institutional in their approach. Araújo, for in-
stance, considers how the policy process and nature of planning institutionalized
particular information that would be used for prevention of forest fires. While
Segatto, Santos, Alves e Peria study whether evidence use was institutionalized
for education policymaking at state level (finding only one state actually having
institutional structures for this). Works such as these can enable critical reflection
on the institutional evidence advisory systems in place, and whether they provide
the most appropriate evidence for this policy need in the best possible ways.
Finally, one of the most explicit discussions in this volume of whether evidence
was used well comes in the chapter by Moraes, who compares Brazilian state govern-
ments responses to the current covid-19 pandemic. The chapter presents a key set of
criteria by which to judge good uses of evidence in relation to pandemic response –
whether it was: timey, comprehensive and precise, involving expert participation, inter-
disciplinarity, transparent, and proximate to the political process. These principles may
differ somewhat from those discussed above, but the ultimate approach is similar – an
explicit consideration of normative concerns by which to judge the use of evidence.
5 FINAL THOUGHTS
While the use of knowledge to inform decisions dates back to antiquity, it has been
in the past century that the structures and functioning of public administrations
has become a well-developed field of study. Consideration of the ways that science
and evidence are used to improve public services has grown alongside this. In the
past few decades, we have seen an expansion in academic and applied work that
directly analyses evidence use within policymaking spaces drawing on a range of
Improving Evidence Use in Public Policy | 27
disciplinary and conceptual approaches. However, despite this growth, gaps still
remain. Recent work has begun to understand how features of the state shape
the use of evidence – yet this knowledge base still requires expansion to differ-
ent country contexts and different policy issues. As such, this volume provides a
wealth of insights into evidence use in Brazil specifically, cutting across a range of
key public concerns. This preface, however has also raised the challenge of what it
means to use evidence well, and how to build systems within countries to ensure
this is done. This remains an emerging area to consider for many in the field, but
again there are chapters in this volume which can help to develop these ideas in
Brazil – and ultimately inform future decisions and debates about the structures
of evidence advice best suited to serve the public interest.
At the time of writing, the covid-19 pandemic is providing an urgent chal-
lenge to many countries in the use of science and evidence to inform policymak-
ing. And while this might appear to be raising new considerations for the use
of evidence, in many respects, such issues have existed throughout time. The
appropriate evidence in response to a novel pandemic may indeed look different
to using evidence for routine health concerns, or other long term public policy
considerations requiring science advice (be it transportation, forest management,
or climate policy). Yet ultimately, using evidence well – for any policy challenge –
requires establishing systems that can marshal appropriate scientific research, data,
and information, to serve public needs. Doing so requires explicit reflection on
the goals of policy action – as well as the criteria by which good evidence, and the
good use of evidence, can be judged at a national level.
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30 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
1 INTRODUÇÃO
O uso de evidências como subsídio à atuação governamental não é tema novo no
debate sobre a produção e legitimação da ação do Estado. Nas últimas décadas,
no entanto, o movimento das políticas públicas baseadas em evidências (PPBEs)
tem intensificado a defesa de que mais e melhores evidências sejam produzidas
como instrumentos capazes de orientar a produção de políticas públicas. Em
contrapartida, diferentes autoras e autores têm chamado a atenção para os limites
analíticos e conceituais de noções restritas de evidências, apoiadas em pressupostos
da racionalidade instrumental presentes no cerne do papel atribuído ao conheci-
mento científico na modernidade (Parkhurst, 2017; Cairney, 2019; Nutley, Walter
e Davies, 2007; Jasanoff, 2012).
Este livro se inscreve nesse debate e visa suprir duas lacunas. Em primeiro
lugar, reduzir a escassez de estudos sobre o uso de evidências em diferentes áreas e
níveis governamentais no Brasil. Em segundo lugar, e principalmente, fornecer uma
análise das dinâmicas de uso de evidências a partir de uma concepção ampliada
do que constitui ou não evidência em políticas públicas. Faria e Sanches, no capí-
tulo 3, mostram que essa agenda de estudos é relativamente recente no país, com
poucas publicações, e tardia em relação à abordagem das PPBEs, que se difundiu
internacionalmente a partir dos anos 1990. Nos trabalhos analisados pelos autores,
predomina, de modo geral, a defesa dos princípios, objetivos e métodos das PPBEs.
Apesar de essa defesa ser, aqui e ali, “temperada por críticas mais tópicas”,5 ainda
falta no Brasil um diálogo mais maduro com a já apreciável literatura crítica, ana-
lítica e propositiva produzida em nível internacional. Como resultado da pesquisa
O que Informa as Políticas Públicas Federais: o uso e o não uso de evidências pela
burocracia federal brasileira, coordenada pela Diretoria de Estudos e Políticas do
Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea, em esforço conjunto
1. Especialista em políticas públicas e gestão governamental em exercício na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea. E-mail: <natalia.koga@ipea.gov.br>.
2. Especialista em políticas públicas e gestão governamental em exercício na Diest/Ipea. E-mail: <pedro.palotti@ipea.gov.br>.
3. Especialista em políticas públicas e gestão governamental em exercício na Diest/Ipea. E-mail: <janine.mello@ipea.gov.br>.
4. Técnico de planejamento e pesquisa na Diest/Ipea. E-mail: <mauricio.saboya@ipea.gov.br>.
5. Conforme o capítulo 3 deste livro, de Faria e Sanches.
34 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
podem levantar uma massa de dados e informações que, uma vez organizados e
analisados, poderão fazer avançar o conhecimento, inclusive de ordem causal, sobre
certos fenômenos sociais. Aqui, o estabelecimento de analogias e “semelhanças de
família wittgensteinianas” entre os diferentes casos pode ser fundamental.
Deve estar claro que o conhecimento contextual, sumariamente caracterizado
nas linhas anteriores, é diferente daquele obtido por meio de análises estatísticas,
análises de impacto, experimentos aleatórios controlados e modelagem matemática.
Sem embargo, há que se procurar usar estes tipos de análises – considerados mais
científicos, objetivos e rigorosos – de forma cooperativa e intercomplementar com
outros métodos. Objetos de estudo diferentes reclamarão o uso de métodos diferentes
de produção de evidências para as decisões de políticas públicas.
Por fim, vários dos estudos trouxeram fatores relacionais e sistêmicos que foram
aventados como condutores ou inibidores do uso de diferentes fontes de evidências.
Estes fatores dizem respeito não apenas à atuação ou estruturação isolada dos entes
estatais, sejam eles burocratas, sejam organizações, mas aos efeitos das interações
formais ou mesmo informais que estes estabelecem com entes de comunidades de
políticas públicas e comunidades epistêmicas dos campos de conhecimento afeitos.
A análise abrangente elaborada por Schmidt, Bin, Pinheiro e De Negri (capítulo
25) no campo da ciência, tecnologia e inovação (CT&I), área estruturante para a
configuração da capacidade de produção de conhecimento científico de um país,
revela distintas facetas da relação entre demanda e oferta de evidências. Além da
existência de instrumentos de incentivo da política (subvenções, crédito e incentivos
fiscais) e de avaliações de políticas, assim como a capacidade elevada dos burocratas
que atuam no campo, o estudo aponta a importância da criação de ambiente ins-
titucional que facilite acesso a informações e propicie o melhor uso das avaliações
para acompanhamento e aprimoramento das políticas. Em que pese a tendência
favorável com iniciativas como o Conselho de Monitoramento e Avaliação de
Políticas Públicas (CMAP), as autoras concluem que medidas nesse sentido ainda
são escassas e que os resultados das ações recentes ainda estão por ser estudados.
Outros relatos importantes foram produzidos acerca da relação profícua
entre órgãos e instituições estatais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), no capítulo 23; o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), o Ipea e o Ministério da Cidadania, nos capítulos 15 e 17; o Ministério
da Economia (ME) e a Universidade de Brasília (UnB), no capítulo 16, em que
diferentes dinâmicas interacionais se estabelecem ao longo do tempo para produ-
ção conjunta de conhecimento e fortalecimento mútuo de capacidades. Por sua
vez, também são problematizados os desafios interacionais, como a influência de
organismos internacionais na narrativa da hierarquia das evidências (capítulo 8)
e a dificuldade do reconhecimento e da absorção da voz e percepção da sociedade
e dos beneficiários sobre os problemas e as medidas públicas (capítulos 6 e 7).
A extrapolação de elementos interacionais para um nível estrutural-sistêmico
é aventada no conjunto dos trabalhos quando tocam em questões como a estrutura
de justificação do Estado brasileiro atrelada a um regime de autoridade racional-
-legal (capítulos 9 e 14), o papel do conflito no uso de evidências na Câmara dos
Deputados (capítulo 12), a questão democrática e a pressão societal na recepção
dos diversos saberes (capítulo 6), a resistência da comunidade epistêmica em
reconhecer novas evidências empíricas que desafiem a teoria dominante, como
demonstrado por Fiani na macroeconomia (capítulo 22), e as várias formas de
recusa ou omissão do uso do conhecimento científico expostos mesmo na área
da saúde em que arranjos institucionais e capacidades já se constituíram há mais
Apresentação | 45
tempo (capítulos 19, 20, 21 e 28). Como bem argumentado por Soares (capítulo
21), tanto o processo de aceitação de evidência como de declaração da ignorância,
isto é, de reconhecimento da existência ou ausência de conhecimento, dependem
do contexto histórico e social em que as duas facetas se imbricam, assim como
podem incentivar ou inibir o desenvolvimento científico. No caso da avaliação pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do uso da cannabis para fins
medicinais, a autora retrata a pressão social e o ativismo das famílias que confron-
taram o contexto histórico de regime de proibição da cannabis e influenciaram o
processo decisório da agência reguladora.
No desenho da moldura contextual, na qual se pode entender o uso das
evidências para as políticas públicas, as dimensões temática (área de política),
interacional e sistêmica se mesclam no capítulo 22, de autoria de Ronaldo Fiani.
O autor apresenta um panorama do uso das evidências em macroeconomia, en-
focando as complexas relações entre empiria, teoria e política nesse campo, sem
esquecer certos fatores genericamente culturais ou sociológicos. Para isso, Fiani
descreve brevemente a história das ideias no chamado mainstream da ciência eco-
nômica, desde os anos 1930 até os dias atuais, com destaque para o debate entre
diferentes escolas (keynesiana e novo-clássica) e as consequências desse debate para
a forma como os economistas relacionam evidências empíricas, teoria e política
macroeconômica (monetária e fiscal). Apoiado em autores como Summers (1991)
e Romer (2016), Fiani defende que os participantes da corrente principal da ciência
econômica lidam com uma teoria macroeconômica cujas relações com as evidências
empíricas são bastante problemáticas. Entre as razões disso, citam-se a crescente
complexidade das técnicas estatísticas necessárias para corroborar hipóteses e a
“falta de protocolos geralmente aceitos sobre a forma cientificamente adequada do
emprego dessas técnicas estatísticas, tendo-se em vista corroborar uma proposição
teórica”.8 Consequentemente, a definição de quais políticas macroeconômicas seriam
as mais adequadas para certos objetivos passa a depender menos das evidências em
si e mais de outros fatores, tais como a sofisticação matemática dos modelos teóricos
e/ou a autoridade acadêmica de quem propõe e testa esses modelos. Portanto, o
capítulo 22 lança uma nova luz sobre a complexidade dos fatores interacionais e
sistêmicos que condicionam a moldura contextual do uso de evidências em uma
área epistemologicamente madura de política pública. Nesse sentido, o trabalho
de Fiani pode inspirar estudos sobre o mesmo tema em outras áreas de política.
Em diálogo com o modelo analítico de Saguin (capítulo 2), argumentamos
que boa parte dos fatores levantados nos capítulos desta publicação se encontra
na seara das chamadas capacidades de políticas públicas (policy capacity), isto é,
habilidades, competências e recursos necessários para o desempenho das diversas
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta apresentação buscamos refletir, em alguma medida, a pluralidade analítica
e a riqueza metodológica e empírica dos estudos produzidos pelas autoras e pelos
autores deste livro. Vários temas e questões mereceriam ser levantados para agendas
de pesquisas futuras, seja em decorrência da reflexão do conjunto dos capítulos, seja
porque não puderam ser cobertos por esta já extensa obra. Contudo, destacamos
dois temas que emergem do diálogo com o prefácio elaborado por Parkhurst no
que se refere à localização da publicação no debate internacional sobre evidências
para políticas públicas. Enquanto o primeiro volta-se a uma proposição explora-
tória, o segundo busca contribuir com uma agenda de recomendações aplicadas.
Para se responder às questões sobre O que deveria ser considerado boa evidência
para a produção de políticas? e O que significa usar evidências de uma melhor forma?
no caso do Brasil, entendemos que é necessário avançarmos conjuntamente na
compreensão sobre se existiria um jeito especificamente brasileiro de usar evidên-
cias em políticas públicas. Esta publicação traz, a nosso ver, os primeiros passos
neste sentido. Contudo, embora tenhamos buscado uma cobertura ampliada da
pluralidade de molduras contextuais do uso de evidências, reconhecemos que se
Apresentação | 53
REFERÊNCIAS
AMARA, N.; OUIMET, M.; LANDRY, R. New evidence on instrumental, con-
ceptual, and symbolic utilization of university research in government agencies.
54 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo objetiva elucidar o conceito de evidência no âmbito da abordagem
das políticas públicas baseadas em evidências (PPBEs) e, com base em um modelo
moderado – a ser explicitado neste texto –, apresentar uma crítica a certa interpre-
tação tradicional dessa abordagem.
Em uma perspectiva tradicional, concebem-se as evidências como um instru-
mento de racionalização de processos decisórios em políticas públicas. Nessa visão,
evidências confundem-se com evidências científicas, designando os conhecimentos
gerados a partir de métodos sistematizados e reprodutíveis, tendo como modelo
o conhecimento produzido nas ciências naturais.
A literatura corrente sobre as PPBEs dificilmente esclarece as condições de
aplicação do conceito de evidências em políticas públicas, limitando-se a estipular
definições válidas para contextos bem específicos ou dando caracterizações muito
gerais e descontextualizadas. Logo, é preciso contribuir para um entendimento
mais profundo dessa questão.
A análise do conceito de evidência, proposta neste capítulo, baseia-se em um
método que culmina na formulação do que denominamos de modelo moderado,
em referência a seus critérios e pressupostos moderados, razoáveis e pragmáticos.
Tal modelo levará a uma perspectiva mais abrangente, realista e profundamente
avaliativa das PPBEs, na qual as evidências serão definíveis somente em um de-
terminado contexto de ação. Essa perspectiva servirá de base para a elucidação
conceitual das evidências e, ao mesmo tempo, para a construção de uma crítica à
visão tradicional das PPBEs.
A fim de atingir seus objetivos, este capítulo divide-se em sete seções, contando
com esta introdução. A seção 2 apresenta os fundamentos e métodos de elucidação
do conceito de evidência. A seção 3 descreve a perspectiva tradicional das PPBEs.
1. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia
(Diest) do Ipea. E-mail: <mauricio.saboya@ipea.gov.br>.
60 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
2 FUNDAMENTOS E MÉTODOS
O conceito de evidência tem uma forte conotação normativa e, em parte por isso,
é intrinsecamente vago e multidimensional.2 Tanto no senso comum (evidência do
investigador policial, do jornalista, do médico) quanto na teoria do conhecimen-
to, o termo evidência denota coisas diferentes, pertencentes a classes ontológicas
distintas (Pinheiro, 2020a, p. 31). Por isso, não se presta a uma definição exata, à
maneira de um conceito lógico ou matemático.
Isso não quer dizer, porém, que tal conceito seja imune a análises racionais
de elucidação, ou que a sua operacionalização empírica não possa buscar níveis
relativamente elevados de precisão. De fato, podem-se estipular contextos em que
o conceito de evidência tenha aplicações relativamente precisas e, muitas vezes,
esse procedimento é desejável, dependendo dos objetivos da pesquisa. No entanto,
neste capítulo, em vez de fazer estipulações ad hoc, propomos um método filosófico
da análise.
Para elucidar um conceito precisa-se, em primeiro lugar, de um conjunto de
pressupostos epistemológicos de fundo. Uma maneira intuitiva de se apreender tal
conjunto é considerar que conceitos nunca se aplicam sozinhos, mas conectam-
-se semanticamente em redes. Por exemplo, o conceito de um dia típico de verão
articula-se a vários outros, como os de sol, calor, lazer, praia, férias, cerveja gelada,
sorvete etc. Nessa rede, não há lugar, por exemplo, para um conceito geométrico,
como o de triângulo isósceles. Simplesmente não associamos o entendimento e/ou
a correta aplicação do conceito de um dia típico de verão ao conceito de triângulo
isósceles. Assim, é forçoso concluir que a rede conceitual de um dia típico de verão
tem limites ou fronteiras com outras redes conceituais. Esses limites são o que
chamamos intuitivamente de pressupostos epistemológicos de fundo.
No que se refere ao conceito de evidência em políticas públicas, seus pressupos-
tos epistemológicos dizem respeito tanto à forma como se concebem os processos
socioeconômicos (políticos, culturais etc.) sobre os quais incidem as políticas
2. Conceito vago é aquele em que seu campo de aplicação não tem fronteiras nítidas; ou ainda, a extensão do conjunto
de objetos que são designados pelas expressões linguísticas desse conceito não é dada de antemão nem pode ser
determinada de modo absoluto. Por sua vez, um conceito multidimensional é aquele em que seus vários aspectos não
pertencem a uma única esfera ontológica, nem se prestam a uma única métrica ou sistema de coordenadas.
Políticas Públicas Baseadas em Evidências: um modelo moderado de análise | 61
conceitual e avaliação crítica
públicas quanto aos fundamentos das decisões dos policymakers. Chamemos tais
pressupostos, considerando sua dupla face, de pressupostos de política pública. Ora,
há uma relação entre os pressupostos de política pública, por um lado, e a forma
como se definem, usam e ranqueiam as evidências empregadas na tomada de de-
cisões pelos policymakers, por outro.
Se os processos de política pública forem concebidos como eminentemente
racionais, em que seus componentes e mecanismos sejam claros e suas ações pre-
visíveis, então as evidências usadas para apoiar a tomada de decisões terão como
modelos os dados empíricos que funcionarão como inputs de modelos quantitativos,
à maneira daqueles usados nas ciências naturais. Neste caso, chamemos o modelo
de decisão de racionalista, posto que é baseado em pressupostos que qualificam a
decisão do policymaker como puramente racional. Contudo, se a realidade social
sobre a qual atuam as políticas públicas for concebida como um processo interativo
entre agentes cujas decisões e motivações não são previsíveis – pois surgem em
ambiente de incerteza irredutível –, então o leque de evidências empregáveis em
políticas públicas se amplia bastante, abrangendo até elementos subjetivos, como
crenças, juízos e valores pessoais. Neste segundo caso, chamemos o modelo de
construcionista, uma vez que o contexto de decisão é construído pelas ações mais ou
menos imprevisíveis e interessadas ao conjunto de atores-partícipes das políticas
públicas, ao qual pertence o próprio policymaker.
Ao caracterizar os modelos racionalista e construcionista, baseio-me em uma
vasta literatura recente sobre PPBEs. Vários autores (Sanderson, 2002; Marston
e Watts, 2003; Amara, Ouimet e Landry, 2004; Nilsson et al., 2008; Freiberg e
Carson, 2010; entre outros) empregam, em suas análises acerca do uso de evidên-
cias em políticas públicas, a ideia da oposição entre as abordagens genericamente
racionalistas e construtivistas. Lejano (2006), porém, merece destaque pela forma
cristalina e historicamente situada com que caracteriza os modelos racionalista e
construcionista, embora não use sempre essa terminologia.
Em primeiro lugar, Lejano (2006) salienta a forma como os conceitos dos
filósofos iluministas, racionalistas e empiristas clássicos foram adotados pela analítica
aplicada às políticas públicas. Em especial, destaca-se o modelo de escolha, a partir
do trabalho de Neumann e Morgenstern (1944). Aqui, o juízo social é modela-
do segundo a escolha da melhor alternativa entre um leque de opções possíveis,
existentes e conhecidas. Trata-se de um modelo dedutivo em sua essência, o qual
pressupõe que todos os fatores envolvidos para julgar os méritos de uma alterna-
tiva de ação sejam comparáveis e comensuráveis, em termos de utilidade ou valor.
Contraposto a esse modelo clássico de escolha, que coincide em linhas gerais
com aquilo que chamamos de modelo racionalista, há toda uma ordem de ideias que
Lejano (2006) rotula de “pós-positivista”. No século XIX, Marx, Weber e Nietzsche
62 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
podem ser contados como precursores de uma reação àquele modelo clássico e
que se intensificaria no século seguinte. Particularmente as obras de Wittgenstein,
Thomas Kuhn, a teoria crítica da Escola de Frankfurt, Foucault, a pedagogia de
Dewey e Piaget, a fenomenologia de Husserl e Heidegger constituíram marcos
importantes desse movimento crítico ao modelo racionalista.3 Conceitos como
alienação, vontade de poder, dominação, racionalidade instrumental, tecnocracia,
dialética negativa, comunicação intersubjetiva, gênero, colonialismo, aprendizado
na prática, fenomenologia, psicanálise, entre outros, procedentes das mais diversas
áreas do saber, constituem uma rede conceitual que forma o que Lejano (2006)
chama de pensamento “pós-positivista”. Esse pensamento rejeita o logocentrismo
e a reificação dos significados das expressões linguísticas e do conceito de verdade.
Ademais, defende o caráter socialmente construído, linguisticamente interpretado
e politicamente disputado das realidades sociais em geral e das várias formas de
conhecimento em particular. A própria ciência, como apenas uma entre várias outras
formas de conhecimento, não escapa desse diagnóstico. As disputas de poder (em
sentido amplo) entre os atores sociais ganham aqui um papel de destaque. Essa
rede conceitual pós-positivista, na expressão de Lejano (2006), ajusta-se bastante
bem ao que estamos chamando aqui de modelo construcionista.
Na prática, prevalece um modelo intermediário entre os tipos puros do con-
tinuum racionalismo-construtivismo.4 Assim, supõe-se que um modelo interme-
diário seja mais realista do que quaisquer dos extremos. Um dos desafios que este
capítulo procura vencer é qualificar esse modelo, explicitando seus pressupostos
epistemológicos de fundo.
3. Especificamente nas ciências sociais, há autores que também contribuíram para a perspectiva construcionista, tais
como Karl Mannheim, Edgar Morin, Yehezkel Dror e Carlos Matus. Agradeço a um parecerista pela menção a estes
importantes autores.
4. A ideia básica desse continuum, devo-a ao excelente artigo de Marston e Watts (2003). Nilsson et al. (2008, p.
343-344) também se serve dessa ideia.
5. Ver, por exemplo, certos documentos oficiais do governo britânico (United Kingdom, 1999a; 1999b; 2001) que, pratica-
mente, constituíram os fundamentos conceituais do que viria a ser conhecido como políticas públicas baseadas em evidência.
Políticas Públicas Baseadas em Evidências: um modelo moderado de análise | 63
conceitual e avaliação crítica
7. O pano de fundo de incerteza que normalmente recobre os processos decisórios em políticas públicas também se
deve ao fato de ser impossível o conhecimento de todas as variáveis atuantes nesses processos. Ademais, por se tratar
de um jogo interativo, as decisões de certos atores somente se podem conhecer após as decisões de outros atores com
quem aqueles interajam de modo significativo. Agradeço a um parecerista por chamar-me a atenção para este aspecto
do problema da incerteza.
8. Sanderson (2002), Parkhurst (2017) e Saltelli e Giampietro (2017) são exemplos dessa literatura. Para um resumo
desses trabalhos, ver Pinheiro (2020a, p. 20-21).
9. Uma excelente discussão conceitual e apresentação do potencial do uso de sistemas complexos às políticas públicas
pode ser encontrada em Furtado, Sakowski e Tóvolli (2015). Ver, também, nesta coletânea, o capítulo 5, intitulado
Simulações computacionais aplicadas à tomada de decisão pública, de Bernardo Alves Furtado e Antonio Lassance.
Políticas Públicas Baseadas em Evidências: um modelo moderado de análise | 65
conceitual e avaliação crítica
10. Atualmente, cada vez mais as evidências usadas na concepção, implementação e avaliação de políticas são obtidas
por meio de sensíveis sistemas de captação e processamento de informações gerenciais específicos para cada política
ou programa. Agradeço a um parecerista por esta observação.
11. Ao falar-se aqui de racionalidade de processos decisórios em políticas públicas, faz-se referência tão somente à
sua cognoscibilidade, à sua inteligibilidade. Essas propriedades tornam esses processos passíveis de representação e
análise por meio de conceitos, juízos e raciocínios. Não pertence à racionalidade qualquer conexão com a verdade
dos enunciados usados naqueles processos, seja como premissas, seja como conclusões. Por exemplo, um processo de
política pode ser racional – ou seja, cognoscível, inteligível e passível de análise –, porém baseado em premissas falsas,
isto é, desconectadas com a realidade factual.
12. Na enumeração a seguir, são citados exemplos, sem qualquer pretensão de citar casos paradigmáticos, muito
menos esgotar o assunto.
66 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
13. Um interessante exemplo aqui é fornecido pelo filósofo canadense Ian Hacking. O indivíduo humano, ao perceber-se
como um objeto de certa classificação, é capaz de reagir mudando seu comportamento e assim alterando a extensão
da própria classificação (Hacking, 1995; 1999). Esse aspecto, segundo Hacking, constitui uma marcada diferença entre
as tipologias das ciências sociais e das ciências naturais – nestas últimas, a extensão das categorias classificatórias
tende a ser mais estável, muito embora recentes desenvolvimentos na física tenham relativizado esse entendimento.
Políticas Públicas Baseadas em Evidências: um modelo moderado de análise | 69
conceitual e avaliação crítica
14. Se isso acontecesse, seria o fim da política e o império dos algoritmos, na feliz expressão de um parecerista.
70 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
15. Essa ideia já está presente no trabalho pioneiro de Weiss (1979) e nos de diversos outros autores que procuraram
explicar o papel ou o uso das evidências de pesquisas acadêmicas nas políticas públicas. Ver, por exemplo, Sanderson
(2002) e Young et al. (2002). Freiberg e Carson (2010), por sua vez, proveem uma crítica a esse modelo.
Políticas Públicas Baseadas em Evidências: um modelo moderado de análise | 71
conceitual e avaliação crítica
que tais expressões sejam caracterizadas. Assim como qualquer instrumento que
possa causar benefício ou dano, dependendo de seus modos e propósitos de uso,
as evidências na política também podem ser objetos de bom ou mau uso – isso,
a despeito do rigor científico com o qual tais evidências possam ter sido produzi-
das. Logo, é possível uma leitura deontológica do uso das evidências em políticas
públicas, segundo a qual estas devem ser usadas com prudência e expertise, nunca
de forma casual, irresponsável ou mal-intencionada. Nessa linha de pensamento,
a qualidade das decisões em políticas públicas – isto é, seu impacto positivo no
bem comum – é tanto uma função da qualidade epistêmica das evidências usadas
quanto do modo mais ou menos sensato como estas são usadas.
Por seu turno, segundo Bamberger (2008, p. 128), o principal problema da
utilização da informação em políticas públicas é que a crescente disponibilidade
dessa informação, nos dias de hoje, parece não ter redundado em melhores decisões
nas políticas públicas. De acordo com certa visão, o problema de Bamberger teria
sua raiz no fato de que as PPBEs ainda se encontrariam em uma fase emergente
(ou de transição), na qual as ferramentas requeridas para a aplicação efetiva das
evidências em políticas públicas ainda não teriam atingido sua maturidade. Essa
visão tende a apontar os meros avanço tecnológico e capacidade computacional
como as principais fontes de uso das evidências científicas em políticas públicas.
Contudo, o problema do uso (inclusive o não uso ou uso inadequado) das
evidências em políticas públicas é mais complexo do que fazem supor os men-
cionados enfoques deontológico e de inadequação tecnológica ou analítica. Tais
enfoques são incompletos, ignorando, por exemplo, o fato de que as evidências
são usadas de muitas maneiras e com propósitos diferentes, frequentemente obe-
decendo a critérios que pouco têm a ver com a eficiência, eficácia e efetividade das
políticas, muito menos com o grau de avanço tecnológico das ferramentas analíticas
e computacionais. Muitas vezes as evidências servem de instrumentos simbólicos
de poder político, defesa de posições ideológicas e manutenção do status de certas
carreiras da burocracia pública. Fatores como esses não devem ser negligenciados
em nossa análise conceitual, sendo fundamentais para a definição e a relevância
das evidências empregadas nas políticas públicas.
Procurando fornecer uma visão mais ampla do assunto, a abordagem prag-
mática seguida neste texto aponta para a necessidade de se entender o uso das
evidências dentro de um modelo ou de uma estrutura das ações (decisões) em
políticas públicas. As evidências desempenham aqui o papel de meios para a tomada
de decisões em políticas públicas, sendo que a expressão meios não é inequívoca,
podendo designar diferentes realidades, desde técnicas específicas até teorias, con-
ceitos, modelos, disciplinas etc. Métodos, instrumentos e ferramentas, entre outros,
são termos usados na literatura para designar os meios dos quais se servem o(s)
ator(es) interessado(s) em suas tomadas de decisões no cenário das políticas públicas.
72 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
16. Exemplos de tais regras, conforme Stevens (2011, p. 244): “Não se especialize muito; seja útil e encontre superiores
que o apoiem”.
74 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
concreto. Nesta seção, veremos alguns desses casos, que iluminarão aspectos
diferentes do conceito e do uso das evidências em políticas públicas, segundo
o modelo moderado.17
Um primeiro caso interessante é o da Comissão Nacional de Incorporação
de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), analisado por Vieira, Servo
e Piola (2020). Embora a Conitec tenha normas claras sobre como tomar suas
decisões na avaliação das tecnologias de saúde a serem usadas no Sistema Único
de Saúde (SUS), pautando-se por evidências científicas do mais elevado grau de
confiança possível, o trabalho mostra que há contextos em que as decisões dessa
comissão são tomadas mesmo em desconformidade com aquelas normas. Ou
seja, nem sempre as ações se baseiam nas melhores evidências, havendo marcada
diferença na qualidade destas, conforme o tipo de medicamento ou a intervenção
terapêutica sob avaliação. Apurou-se que, além das evidências científicas stricto
sensu (baseadas em ensaios clínicos randomizados – ECRs), as decisões da Conitec
também são sensíveis a outros tipos de informações, tais como aquelas oriundas
de audiências públicas e decisões judiciais.
A complexidade do quadro de decisão dos agentes públicos é exemplificada,
de forma surpreendente, no trabalho de Soares (2020). A autora mostra que a
ausência de conhecimentos sobre determinado problema de política que demande
uma decisão urgente pode ser instrumentalizada estrategicamente para motivar
essa decisão. Examinando o caso das decisões da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) em torno de questões relativas ao plantio, à regulação, à comer-
cialização e ao uso da cannabis para fins medicinais no Brasil, Soares (2020) relata
como os diretores da Anvisa pautam suas decisões. Em um contexto de ausência de
informações confiáveis, as decisões baseiam-se em boa medida nas formas como os
agentes concebem os problemas e com base em suas visões de mundo, seus valores
e seus princípios. Em outras palavras, o acervo de crenças e conhecimentos prévios
do policymaker pode desempenhar o papel de informação vicária, em contextos
decisórios de ignorância – ou seja, de ausência de conhecimentos assentados e
relevantes para a decisão dos agentes sobre determinada questão.
Uma faceta diferente do conceito de evidência como instrumento de uso
em políticas públicas nos oferece o trabalho de Koga, Viana e Marques (2020).
Os autores investigam os diferentes usos e significados do Cadastro Único para
Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único) como instrumento ou
fonte de informações para os gestores de programas sociais federais. Eles concluem
que o Cadastro Único, em suas operações técnicas (estratificação, criação de cri-
térios de inclusão, rotinas de cruzamento de dados etc.), interage com a aplicação
17. Os exemplos a seguir foram extraídos do Boletim de Análise Político-Institucional (Bapi), número 24, editado pelo
Ipea, que versou exclusivamente sobre as PPBEs no Brasil (Pinheiro et al., 2020).
Políticas Públicas Baseadas em Evidências: um modelo moderado de análise | 77
conceitual e avaliação crítica
de conceitos como família, renda, pobreza, domicílio, entre outros. Dito de outro
modo, as manipulações técnicas do Cadastro Único afetam e são afetadas pela
semântica das políticas sociais. Consequentemente, esse instrumento tem um uso
não neutro do ponto de vista das narrativas não apenas dos gestores dos programas
sociais, mas também de vários outros atores interessados nas políticas sociais federais.
Santos, Silveira e Rocha (2020) exemplificam a possibilidade de divergências
no uso e na interpretação de evidências científicas por diversos atores envolvidos
em uma política. No caso, foram verificadas divergências entre os auditores da
Controladoria-Geral da União (CGU), os gestores do Programa Cartão Reforma –
cujo objetivo é mitigar o deficit habitacional qualitativo no Brasil – e outros atores
sociais (empreiteiros, governadores, membros da sociedade civil etc.). Discordâncias
sobre quais índices de deficit habitacional usar e sobre como tais índices deveriam
apoiar a alocação de recursos públicos ao Programa Cartão Reforma estiveram no
centro das disputas entre os técnicos da CGU e os gestores desse programa. O
caso ilustra que o pomo da discórdia do uso de evidências pode não estar na qua-
lidade destas – pois, no caso em apreço, os índices usados por auditores e gestores
eram de qualidade equivalente, aliás, produzidos por uma instituição de elevada
reputação técnico-científica, a Fundação João Pinheiro (FJP) –, mas em visões e
interesses conflitantes dos atores em relação ao programa. Discussões sobre este ou
aquele índice, esta ou aquela metodologia, podem ser uma espécie de fachada para
oposições intestinas, motivadas por interesses econômicos e políticos.
Por sua vez, Oliveira e Menke (2020), em estudo do tipo survey com auditores
internos à CGU, constataram, entre outras coisas, que os artigos científicos não
são o tipo de informação mais usada nas decisões daqueles auditores. Tais artigos
são considerados de menor relevância e, quando aplicáveis, têm maior uso como
inspiração metodológica ou confirmação externa de dados. Um resultado corro-
borado mais de uma vez em pesquisas junto à burocracia federal brasileira (Enap,
2018) é um uso mais amplo de informações normativas (leis e normas formais) do
que de resultados de pesquisas científicas. O trabalho de Oliveira e Menke (2020)
apurou – embora sem aprofundar o argumento – que, na opinião do público-alvo
da pesquisa, os estudos acadêmicos podem conter vieses que poderiam comprometer
a objetividade das auditorias.
Vamos a um último exemplo – hipotético, porém plausível. Seja um gestor
de política atuando no Banco Central do Brasil (BCB) ou na Secretaria do Tesouro
Nacional (STN), responsável por elaborar políticas de administração da dívida
pública brasileira – notadamente a dívida mobiliária federal – em uma trajetória
sustentável. Ele dispõe de um sistema de modelos, de natureza contábil e eco-
nométrica, o qual lhe permite calcular a trajetória estimada da relação da dívida
pública em proporção do produto interno bruto (PIB), dados alguns parâmetros
78 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
(por exemplo, taxas de juros, câmbio, taxa de variação estimada do PIB, inflação
etc.). Suponhamos também que, em um dado período, o gestor roda seus mo-
delos e chega à conclusão de que a trajetória da relação dívida/PIB é sustentável
para os próximos doze meses. Consultando opiniões de acadêmicos e experts em
política fiscal, o gestor constata que os resultados de seus modelos convergem com
aquelas opiniões. Consequentemente, apoiado por esses resultados e secundado
pelas opiniões externas, o gestor decide não alterar a política corrente de gestão
da dívida pública, porquanto ele julga ter boas razões para crer que a dita política
está no caminho certo.
No exemplo citado, em um sentido estrito, a evidência imediata, que serve
de instrumento para a tomada da decisão do gestor de política, constitui-se dos
resultados do sistema de modelos do gestor. Contudo, é fácil ver que esses resultados
não se produzem sem o concurso de outras informações, tais como os parâmetros
macroeconômicos, as relações e os coeficientes dos modelos, a montagem de cenários
futuros para as variáveis relevantes, as opiniões de outros agentes etc. Evidentemente,
o uso dessas informações envolve um conjunto de escolhas e hipóteses auxiliares que
não são observáveis em algum sentido razoável, mas estão sujeitas a uma boa dose
de arbitrariedade do analista. Os próprios modelos são construídos com base em
inúmeros pressupostos pragmáticos acerca do comportamento da dívida pública,
em suas várias modalidades, tipos de títulos, indexadores etc.
Em um sentido estrito, portanto, as escolhas e informações que, por assim
dizer, circundam e se conectam aos outputs do sistema de equações da dívida pública
não são evidências, mas poderiam ser chamadas mais propriamente de pressupostos,
parâmetros ou subsídios para a política de administração da dívida pública. É o caso
das opiniões de certos agentes externos (acadêmicos e experts em política fiscal),
que servem de checkpoints para calibrar o modelo em vários aspectos. Não obstante,
o exemplo ilustra bem dois pontos para os quais se quer chamar a atenção neste
capítulo: i) as evidências pertencem a um conjunto de escolhas e informações –
tais como pressupostos, parâmetros, expressões funcionais e outras coisas –, com
variados graus de formalidade e rigor metodológico; esse conjunto constitui uma
tal unidade, que, em um sentido lato e derivado, pode-se chamar cada elemento
deste conjunto de evidências; e ii) os membros desse conjunto se mantêm unidos
por um pano de fundo de crenças e práticas compartilhadas pela comunidade de
analistas e gestores – no caso, sobre como se faz uma política de administração
da dívida pública nacional –, no centro do qual está uma armadura conceitual,
metodológica e teórica.
As ilustrações anteriores, extraídas de diferentes contextos decisórios de polí-
ticas públicas no Brasil, e tomadas de distintas áreas e temas de políticas públicas,
bem como de diversos seguimentos da burocracia, ressaltam as variedades dos
Políticas Públicas Baseadas em Evidências: um modelo moderado de análise | 79
conceitual e avaliação crítica
usos das evidências, em seus múltiplos tipos. Os exemplos revelam diferentes pos-
sibilidades para o emprego de evidências técnico-científicas, conforme a moldura
contextual que envolve os agentes da decisão.
Embora não se possa afirmar a representatividade estatística de casos isolados,
estes pelo menos indicam, entre outras coisas, que o uso racional-instrumental das
evidências científicas – preconizado pela visão tradicional das PPBEs – é apenas um
dos usos possíveis. Há uma multiplicidade de fatores não diretamente relacionados
aos métodos de cognição da realidade, que condicionam naturalmente as decisões
de políticas públicas, e que tornam o uso de evidências científicas uma tarefa muito
mais complexa do que simplesmente rodar um modelo ou levantar um conjunto
de números ou dados quantitativos que indicam ao policymaker o que funciona,
tal como parece supor a dita visão tradicional.
Finalmente, em nenhum dos casos citados nesta seção, o uso de evidências
(científicas ou de outros tipos) é neutro ou puramente racional-instrumental, mas
sempre é condicionado pelos propósitos, pelas visões de mundo e pelos interesses
dos diversos atores da política.
Os exemplos desta seção esclarecem, portanto, certas características do
modelo moderado (variedade de evidências, papel do(s) ator(es) interessado(s)
como possíveis fontes de evidências, complexidade da estrutura decisória do
policymaker, interpenetração de condicionantes epistemológicos, políticos e
institucionais/organizacionais). Com isso, os casos também sugerem fortemen-
te o caráter parcial e incompleto da visão tradicional das PPBEs, marcada pela
priorização descontextualizada das evidências científicas, pelo caráter meramente
instrumental do uso das evidências e pela pressuposta objetividade e neutralidade
político-ideológica das evidências científicas.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na literatura, vários autores, por exemplo, Oliver et al. (2014), queixam-se do
fato de que poucos estudos fornecem definições claras de evidência. Assim, seria
difícil descrever o papel desempenhado pela evidência e por outros fatores que
afetam as decisões de políticas públicas. Ora, esses autores parecem demandar
uma definição clara do que seja evidência como condição prévia para se descrever
o papel desempenhado pela evidência nas decisões em políticas públicas. Con-
tudo, a perspectiva adotada neste capítulo é diferente e, de certo modo, oposta:
define-se evidência a partir dos seus contextos de uso concretos e se estabelecem as
semelhanças de família entre os diversos tipos, fontes e usos dessas evidências. Em
outras palavras, este texto não tem como ponto de partida uma resposta pronta à
pergunta – à primeira vista tão óbvia e natural: “o que é evidência?”, mas se chega
a esta resposta após um processo de elucidação conceitual, em que tem lugar a
80 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
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82 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
1 INTRODUCTION
The evidence-based policy (EBP) movement reinvigorated the demand for greater
instrumental rationality in the affairs of the government. It emerged within the
larger context of declining trust on governments and increasing availability of
research evidence (Davies and Nutley, 2000). The growing body of research evi-
dence on what works can be used to improve the effectiveness of policy initiatives
and measures that could ameliorate loss of public trust (Sanderson, 2002). EBP
sought to increase take up of these forms of evidence in order to “find the most
reliable, most objective, most relevant evidence available and make the most out
of it within practical constraints” (Bédard and Ouimet, 2016, p. 2). Evidence
utilisation has been reinforced to promote instrumental rationality as a hallmark
of a modern government. It represents the shedding of the vestiges of traditional,
affective irrationality in favour of instrumental rationality. But just as EBP derives
its legitimacy from its emphasis for objective analysis of scientific evidence, it is
also the reason for its failures as a movement to foster better policymaking.
Much of the criticism EBP received came from its almost singular concern
with scientific research evidence, making it largely ignorant of other factors that
policymakers consider during decision-making. Evidence of what works about
public policy grew as a result of the experimental turn in social sciences inspired
by medical science (Banerjee and Duflo, 2009). For instance, it gave rise to the
use of systematic reviews to appraise and synthesise evidence that exist in order
to simplify the search for evidence (Young et al., 2002). Randomised control tri-
als (RCTs) in development economics also became widespread and supported a
bias towards counterfactual analysis as the ‘golden standard’ in policy research.
However, RCTs are replete with practical problems that diminish their epistemic
claims of effectiveness (Deaton, 2009). Because of this tendency to equate evidence
with scientific research, the EBP movement neglected the fact that other forms
introduce policies through a process where “the end, the means, and the secondary
results are all rationally taken into account and weighed” (Weber, 1968, p. 26).
A cadre of professional analysts motivated to find the best solutions for the most
pressing policy problems, particularly for developing countries, should be trained
and bestowed the knowledge of policy sciences (Lasswell, 1965). The policy sci-
ences was envisioned to be fundamentally concerned with fostering instrumental
rationality in how the government conducts its affairs (Dunn, 2019).
Such conception of a knowledge-driven problem-solving process set off a
debate about the extent to which the generation and deployment of knowledge
can truly lead to rational decisions. On one end, the Lasswellian notion of public
policymaking approaches problem-solving through a systematic way of putting
together governmental instrument to achieve certain goals (Dunn, 2018; Howlett,
2010; Linder and Peters, 1987). Following the traditions of policy analysis and
policy design, the fundamental concern is to drive instrumental rationality through
a careful generation and assessment of policy alternative and selection of the best
solution to address a well-defined policy problem (Howlett, Ramesh and Perl,
1995; Weimer and Vining, 2011). This techno-rational assessment of public policy
approaches it from a normative angle, that is, the identification of the best and
most effective instrument should be based on a systematic assessment of evidence
about each of the option’s ability to achieve the goal.
At the other end of the debate are scholars who argue for the almost impos-
sibility of achieving instrumental rationality. Rittel and Webber (1973) earlier
lamented about how rational ‘cognitive styles’ have proven to be insufficient in
truly understanding wicked social issues confronting government planners. Rec-
ognising the complexity of structuring problems, Herbert Simon developed the
notion of bounded rationality to better elaborate the cognitive processes involved
in problem solving and the constraints to fully processing information to make
rational decisions about ill-structured problems (Fernandes and Simon, 1999;
Simon, 1967; 1997). Because of limitations to time and resources, Lindblom
(1959) argued that most policy-makers are just muddling through in the assess-
ment of policy alternatives, resulting in policy choices that are only marginal to
the status quo. Such arguments identify the limits of human cognition to squarely
face the complicated and often conflict-laden environment as the main source of
sub-optimal policy outcomes.
This broader debate about the limits of human cognition for effective policy-
making is central to what the EBP movement is trying to change. Given bounded
rationality, evidence may exist but may be difficult to understand or too complex to
be used for decision-making. Tools such as meta-analysis and systematic reviews form
a key part of facilitating evidence use by a temporally and cognitively constrained
88 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
through intuition but it is often done rather poorly, inevitably making erroneous
judgments. Conditions within the policy environment such as limited informa-
tion, time and complex stimulants require quick decisions, making the activation
of the slower and deliberative reasoning very challenging.
Much of the models of government decision-making privileges reasoning
as the ideal cognitive process as it demands drawing from scientific knowledge.
While intuition is often triggered unconsciously, it also depends on some form of
knowledge. In his two-minds recasting of the dual systems theory, Evans (2010,
p. 316) posited that System 1 processes draw on experiential knowledge while Sys-
tem 2 processes require manipulation of “explicit representations through working
memory”. Both systems promote instrumental rationality – employing rational-
ity to achieve some goals – but they differ in the temporality of goals. Intuition
can generate effective judgments when personal experience and logic are used to
satisfy immediate concerns and achieve short-term goals with means found from
experience. Reasoning seeks to anticipate the future and involves the generation
and analysis of alternatives based on deliberate processing of information. Rea-
soning provides a wider latitude for the use of scientific knowledge because of its
inherent deliberative nature.
However, what EBP failed to recognise is the interdependence between system
1 and 2 processes in generating the observable outcome of cognition: judgments.
One could conceive intuition as a precursor to reasoning (Myers, 2004; Shapiro
and Spence, 1997). In fact, as Simon (1987) had earlier suggested, it is rare for
decision-makers to rely on one system alone and most of the time, good decisions
are based on a mix of intuition and rational processes. Accessibility, or the “ease
with which particular mental contents come to mind” (Kahneman, 2003, p. 452),
is central to understanding the relationships between intuition and reasoning.
As a default, intuition is easily accessible because the mind computes automatically
a representation set of the object observed. Kahneman (2003, p. 453) noted that
the “the acquisition of skill selectively increases the accessibility of useful responses
and of productive ways to organise information”. As such, the capacity to draw
in reasoning can be trained and different forms intuitive judgments that combine
intuition and reasoning can be made depending on the extent to which intuition
and reasoning are triggered. Even without system 2 endorsement, intuitive judg-
ments are made only with system 1. Intuitive judgments can also be temporarily
made but this could be adjusted by system 2 as information becomes available.
Deliberative judgements are made when system 1 processes are not accessible or
when system 2 corrects a wrong judgment by system 1. In this interactive cognitive
model of decision-making, both scientific and experiential knowledge are used to
make the best judgments given environmental constraints.
90 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
evidence includes causal stories and supporting factors to build a convincing argu-
ment about how a policy can work as intended. This is partially the reason for the
conceptual confusion evidence in the EBP context as a causal argument is a form
a specific of policy knowledge. Policy knowledge is broadly defined as “the body
of human knowledge available to assist policy makers in their understanding of
the causes and consequences of the outputs of government and the subsequent
society impact” (Webber, 1991, p. 11). Policy knowledge and empirical evidence
becomes inextricably linked with reasoning because such a cognitive processes
allows for associative elements that policymaking demands. One needs to make
the connections between specific governmental action with societal outcomes that
may not exactly be intuitive. Knowledge from scientific research and professional
experience are crucial sources of information about past performance of similar
actions and how it may materialise in the future for other similar endeavours.
EBP’s conflation of evidence and knowledge dismisses the critiques received
by the techno-rational approach to policy analysis, particularly from democratic
theorists. These scholars have long lamented the tendency of reliance on scientific
knowledge to undermine democratic values (Dryzek, 1989; Jenkins-Smith, 1988).
Solutions identified by evidence as the best may not necessarily be legitimate and
effective given the prevailing policy context. Second-best solutions may be more
appropriate in solving vexing societal problems when citizens were engaged in the
analysis. This process folds in the concerns for instrumental rationality along with
democratic rationality that addresses underlying issues of political legitimacy of many
modern governments. The role of policy analysts or those traditionally perceived to
be responsible for marshalling policy evidence should take the form of ‘interpretive
mediator’ of knowledge and practical considerations on the ground (Fischer, 1993).
This goes against the exhortation of Lasswell (1965) for policy scientists to possess
professional knowledge of and knowledge for policy process because, as many of
these scholars argued, ineffective policies emerge because of the widening gap in the
preferences between the bureaucratic experts and the citizens who are the supposed
beneficiaries of the policy. DeLeon (1992, p. 127) suggests for the policy analysts
to “devise and actively practice ways”, such as policy polling and public hearing,
“to recruit and include citizen’s personal views into the policy formulation process”.
The participatory turn in public policy challenged expert knowledge’s claim
to epistemic superiority. Governments, particularly from developing countries,
actively collect information from other political actors thought to be crucial in
the design and implementation of policies (Saguin, Ramesh and Howlett, 2018).
Participatory processes can be used to improve not only the technical components
(or the causal theory) of the policy but also the value judgments by the participants
(Stewart, Dennis and Ely, 1984). Citizen-derived valuation of policies can also
enhance substantive elements of policy as well as improve its qualitative features
92 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
(Walters, Aydelotte and Miller, 2000). Participation and deliberation can generate
democratic rationality by generating a broad-based understanding of knowledge not
just among individuals who are involved in the process but also in terms of collective
judgments. Embedding citizens into government decision-making acknowledges
the potential of citizens to “contribute policy-relevant information, learn to judge
the results of technical analysis, and engage in debate about what to do” (Stivers,
2010, p. 256). Democratic knowledge, as Sadiki (2015, p. 706) emphasised, blurs
the distinction between “intuitive/spiritual, intellectual and practical know-how”
and favours “a holistic approach”. Participatory processes have thus given rise to a
different form of knowledge that must be incorporated in decision-making. Public
knowledge or policy knowledge derived from public deliberative processes between
actors can be seen as an alternative form of evidence that can be used in policymaking.
Such distinction between scientific, expert/experiential and democratic
knowledge is consistent with the Aristotelian categories of knowledge. In Flyvb-
jerg’s (2001) elaboration of these knowledge types, distinction is made between
episteme (science), techne (art) and phronesis (practical wisdom). Epistemic
knowledge follows the ontology of natural sciences and “concerns universals and
the production of knowledge which is invariable in time and space, and which
is achieved with the aid of analytical rationality” (Flyvbjerg, 2001, p. 54-55).
Policy knowledge that is epistemic holds claim about causal linkages between an
action and a consequence. For instance, it is widely accepted that requiring seat
belts would significantly reduce deaths from road accidents. Technical knowledge
refers to the knowledge gained from the practice of the art and craft of policy
work. As it is gained from actual professional expertise, it can also be referred to
as tacit knowledge, which Thompson (2003, p. 121) describes as the knowledge
“which cannot be explicitly codified but which rests very much in implicit per-
sonal or institutional practices often associated with craft like skills, awareness of
reputations, hands on techniques, etc”. Lastly, phronetic knowledge is a “sense
of the ethically practical rather than a kind of science” (Flyvbjerg, 2001, p. 57).
Phronetic knowledge is akin to Lindblom and Cohen’s ordinary knowledge that
is based on “common sense, casual empiricism, or thoughtful speculation and
analysis” (Lindblom and Cohen, 1979, p. 12). As Tenbensel (2006) would argue,
“phronetic knowledge claims…[involves] problem definition” and is about strategic
decision (where are we going?) and normative action (what should be done?). It is
fundamentally about “what stakeholders are supposed to bring to…governance”
by drawing on their own experiences and practical knowledge (Linke and Jentoft,
2014, p. 155). Ultimately, Flyvberg suggested that phronetic knowledge is the
most important in policymaking as it is most sensitive to context and local power
relations, although integration of the knowledge triad remains key in finding the
second-best policy designs. This integration of scientific evidence with framing and
persuasion can address uncertainty (lack of information) and ambiguity (unclear
Intuition, Reasoning and Capacity in Policymaking: building a cognitive model of | 93
knowledge and evidence utilisation
BOX 1
Types of policy knowledge
Type of policy Characteristic of
Type of evidence Reasoning strategies Role of expert intuition
knowledge knowledge claim
Scientific or research Approximation of kno-
Epistemic (episteme) Universalistic, causal Backward reasoning
evidence wledge
Context-dependent,
Phronetic (phro-
practical wisdom, Lay evidence Conditional reasoning Affective
nesis)
problem definition
Source: Tenbensel (2006).
Author’s elaboration.
94 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
science research orientation at the heart of government affairs. Under this model,
Weiss (1979, p. 430) argued that the research “sensitises decision-makers to new
issues and helps turn what were non-problems into problems”. Arguably, Weiss
favoured the enlightenment model because “without any special effort, truth will
triumph” because research diffuses without obstruction in the government.
From a cognitive angle, these models can be conceived as schema or cogni-
tive structure. A schema is “a cognitive structure that represents knowledge about
a concept or type of stimulus, including its attributes and the relations among
those attributes” (Fiske and Taylor, 1991). Individuals hold their own pre-existing
schemas that allow them to relate to organisations and other individuals differ-
ently (Larson, 1994). Herbert Simon (1958) treated decision-making as schema to
better understand how government conducts its business. The models that Weiss
identified are essentially influenced by one’s own schema because it is a theory or a
preconception of the world (Fiske, 1994). Schemas “help the individual to construct
meaning out of the environment” (Larson, 1994, p. 22) as well as guide one’s reac-
tion to events, and thus pay particular focus on the relationship between intuition
and reasoning and as this relationship interfaces with evidence. As Fiske (1994,
p. 166) had argued, “the normal, default option is to go with the schema, the cat-
egory, the preconception, the theory”. Utilisation of data or scientific knowledge
through reasoning would thus require awareness of the ‘diagnosticity of the data’ and
one’s motivation for data-driven, piecemeal processes, Fiske (1994, p. 166) added.
The schemas will differ across domains depending on the policy functions
needed to be performed. These functions, as Wu, Ramesh and Howlett (2015)
suggested in their discussion about policy capacity, refer to managerial, political/
relational and analytical functions that are expected of a modern government (Saguin
and Ramesh, 2020). At the level of organisation, these functions are consistent
with organisational processes that correspond to specific behavioural aspects of
administration which are information processing, affective bonding and action
generation (Beyer and Trice, 1982). Depending on the configuration of functions
of the sector and the salience of each organisation processes, the schema would
represent the ability of the policymaker to access intuition and reasoning as the
circumstance would allow.
Two types of schemas are identified by Dane and Pratt (2007) that relate
specifically to decision-making: heuristic schema and expert schema. A cognitive
structure that often privileges heuristics or mental shortcuts tend to rely more on
intuition or theory-driven thinking. Heuristics simplify complex concepts into its
constituent elements based on critical, rather than comprehensive, information
(Tversky and Kahneman, 1974). Expert schema, on the other hand, brings in
expertise as the ability to match patterns based previously encoded data, triggered
96 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
by an external stimuli (Chase and Simon, 1973; Simon, 1996). The likelihood of
these schemas to be accessed depend on one’s domain, training and capacity as
well as external stimulus. In other words, the dominant schema for evidence use
will be different across policy sectors and across organisational types (Head, 2016).
As Dane and Pratt (2007) further elaborated, macro-variables can determine
what kind of decision-making schema an individual can take, which in turn
will affect the type of evidence that will be used and its effectiveness (figure 1).
A policymaker’s schema will intermediate the relationship between these variables
with evidence and knowledge use. Schema as a pre-existing cognitive construct is
shaped by a set of individual, organisational and environmental factors that can
be collectively understood as policy capacity. Policy capacity refers to the necessary
skills and resources to perform policy function that exists at the individual, organ-
isational and systemic levels (Wu, Ramesh and Howlett, 2015). Policy capacity can
be viewed both as stock that exists at each level and a flow that influences the stock
of other levels (Saguin, Tan and Goyal, 2018). One’s schema would determine the
nature of evidence and knowledge use as a reaction to a stimuli and is contingent
upon one’s policy capacities.
FIGURE 1
Relationship between policy capacity and utilisation of evidence
Task characteristics
Intellective vs
judgmental task
Utilisation of evidence
Learning structure Organisational Domain-specific schemas •Type of evidence
• Availability of evidence Policy Capacity • Heuristic vs expert •Effectiveness of
evidence use
Environmental factors
•Uncertainty Systemic Policy
•Complexity Capacity
•Conflict
Author’s elaboration.
Some stimuli that are external to policy capacity such as new mandates,
policy changes, demographic shifts can characterise task characteristics. A stimulus,
that can be envisioned as largely exogenous to the decision to be made, can pose
different degrees of structuring of a problem. As earlier discussed, policymaking
often involves determining which evidence can be used to solve wicked or ill-
structured problems but there are government agencies that are concerned with
Intuition, Reasoning and Capacity in Policymaking: building a cognitive model of | 97
knowledge and evidence utilisation
tame or structured problems. For such kind of problems, the task of evidence use
is supposed to be intellective that requires “definite objective criterion of success
within the definitions, rules, operations, and relationships of a particular con-
ceptual system” (Laughlin, 1980, p. 128). On the other hand, wicked problems
would involve judgmental tasks that are inherently “political, ethical, aesthetic,
or behavioural” in nature “for which there is no objective criterion or demon-
strable solution” (idem, ibidem). The cognitive nature of evidence use may differ
according to the nature of tasks that permeates a certain sector or organisation.
Judgmental tasks related to complex problems would require more intuition and
thus will be characterised by greater use of professional expertise and lay evidence
than scientific research. Intellective tasks related to tame problem would entail
greater use of reasoning and thus will usually require epistemic knowledge.
The earlier discussion about expertise points to the importance of professional
practice and its duration (or individual policy capacity) in determining what form
of evidence will be used. Expert intuition can be effective once a significant amount
(usually ten years) of problem-solving experience is accumulated by a policy workers
(Chase and Simon, 1973; Khatri and Ng, 2000). Holding other things constant,
experienced public managers that hold generalist expertise will most likely rely
on tacit knowledge and use past professional experience as evidence (Howlett and
Wellstead, 2011). Individuals with domain knowledge and appreciation of what
evidence should be evaluated like doctors or lawyers have higher levels of policy
analytical capacity and will most likely use scientific evidence. Policy workers
whose function require higher levels of political capacity will most likely rely on lay
evidence, particularly as most of their tasks would be characterised as judgmental.
A learning structure or an environment that fosters feedback and reflexivity is
largely a function of organisational capacity. Organisational policy capacity refers
to “all assets, capabilities, organisational firm attributes, information, knowledge”
(Barney, 1991, p. 101; Daft, 1983) that can be used to foster better use of evidence.
If scientific evidence is available and organisational commitment exists to ensure
that only scientific evidence is used, most likely scientific evidence will be used
more than tacit or lay evidence. This is the case for high levels of organisational
analytical capacity. When an organisation requires managerial expertise of their
policy workers, tacit knowledge from managers will be predominantly used. Lastly,
politically oriented organisations would most likely use ordinary knowledge as it
tends to build on public engagement and political management for its legitimacy.
Abstract environmental factors such as complexity, conflict and uncertainty
feed into the likelihood of the problem being unstructured. However, the existence
of systemic level interventions can reduce uncertainty and complexity. For Chris-
topher Hood, systemic policy capacity is fundamentally about authority or the
98 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
“possession of legal or official power” (Hood, 1983, p. 201). But such power can
be used to control, exhort and even suggest evidence use. Systemic policy capacity
roughly pertains to the existence of an enabling environment that allows for the
differentiated use of evidence according to context and case. For example, as it
relates to health policy, centralised political systems have less space for pluralised
discussion through evidence discourse and rely more on professional expertise
(Klein, 1990). The absence of independent source of research evidence like think
tanks or universities can also encourage governments to use evidence more symboli-
cally or rely on ordinary knowledge in order to make decisions (Liverani, Hawkins
and Parkhurst, 2013). The existence of a competitive and diversified marketplace
of ideas can truly bolster the supply (and in turn, demand) of available scientific
evidence (Anderson, 1996; Boston, 1994; Tiernan, 2011). These systemic level
interventions suggest greater policy capacity to perform system-level functions
that shapes how and what kind of evidence will be used.
The relationships highlighted in figure 1 only provides an indicative direc-
tionality in the complex interdependencies between the different levels of policy
capacity, schema and evidence use. Evidence use and its effectiveness in policymak-
ing is triggered by certain exogenous task requirements that may be intellective
or judgmental. Task characteristics determine the intensity of the cognitive tasks
required but do not purely determine the nature of evidence use. One’s decision-
making schema would determine the cognitive processes that will be triggered and
the ability to perform a certain tasks will be based on the set of policy capacity that
exists. Evidence use is thus not just a function of individual-level characteristics
but macro-variables shape the likelihood of evidence that can be used in terms of
the cognitive process that will be triggered. Such relationships would be difficult
to predict as concrete hypothesis but it could be expected that they will drive the
difference across policy domains, organisations and even individuals in the use
of evidence.
6 CONCLUDING REMARKS
This chapter sought to provide a cognitive approach to understanding the paradox
of knowledge utilisation and the crises that beset the EBP movement. It argues
that research on the subject should be motivated in understanding why certain
knowledge are used, by whom and it what context. It draws on the recent litera-
ture on policy sciences and behavioural public policy to suggest factors that shape
knowledge utilisation from the perspective of policy capacity (Wu, Ramesh and
Howlett, 2015). More specifically, in order to understand the cognitive nature of
evidence research must examine individual factors that may affect the likelihood of
a policymaker to use what type of evidence (micro-level), organisational dimensions
that shape how the demand and supply of policy knowledge interact (meso-level)
Intuition, Reasoning and Capacity in Policymaking: building a cognitive model of | 99
knowledge and evidence utilisation
and the characteristics of the policy advisory system that determines the ‘supply’
of policy knowledge (macro-level). These levels of policy capacity militate the
accessibility of intuition and reasoning, which determines the nature of evidence
that will be used in particular policy sector or organisation.
In bringing together the literature on policy capacity and cognitive science,
the chapter hopes to guide future research on evidence use in three ways. First,
future research must examine the interaction of the different evidence and how
the conflicting ontological origins of each evidence are grappled with and resolved
by policy workers. The idea of knowledge integration is seen to be the most ideal
type of research-policy interface as suggested various scholars like Weiss, Boston
and Flyvberg. Second, the relationship between cognitive processes of intuition
and reasoning with the use of evidence must be understood more systematically.
Survey research can inform the different factors that influence the use of evidence by
policy-makers but experimental methods can potentially unlock micro-perspective
of individual behaviour, attitudes and cognitive process that link evidence use with
policy environment (James, Jilke and van Ryzin, 2017). Lastly, the propositions
identified briefly in this chapter must be tested to identify whether capacity can
shape the likelihood of using research evidence vis-à-vis other forms of evidence.
Attention must be given to the degree to which individual, organisational and
systemic capacities exist to perform managerial, analytical and political functions
(Mukherjee and Bali, 2019; Ramesh, Howlett and Saguin, 2016; Ramesh et al.,
2016). Whether or not the capacity for utilisation of different forms of evidence
or the ability to access reasoning can truly be developed should also be a matter
of future research. The cognitive approaches to public policy and administration
possess a promising space in locating the role of evidence (in whatever form) within
the messy world of policymaking. It is incumbent upon for future research to
examine systematically whether there is truly a merit to reinvigorating the desire
to better understand human cognition in policy research.
REFERENCES
ANDERSON, G. The new focus on the policy capacity of the federal government.
Canadian Public Administration, v. 39, n. 4, p. 469-488, 1996. Retrieved from:
<https://bit.ly/2Zc18sO>.
BANERJEE, A. V.; DUFLO, E. The experimental approach to development eco-
nomics. Annual Review of Economics, v. 1, n. 1, p. 151-178, 2009.
BARGH, J. A.; CHARTRAND, T. L. The unbearable automaticity of being.
American Psychologist, v. 54, n. 7, p. 462-479, 1999.
100 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
1 INTRODUÇÃO
À medida que a pandemia de covid-19 se alastrava pelo mundo, o desempenho dos
governos negacionistas no combate ao novo coronavírus foi se revelando cada vez
mais deficiente. Nesse contexto, em que se esperava que as soluções recomendadas
pela comunidade científica, baseadas em evidências, se tornassem virtualmente
consensuais, parece não ter havido, mundo afora, uma plena superação de posturas
negacionistas, lastreadas em crenças diversas e na aposta política por uma crescente
polarização. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana
de Saúde (Opas), por seu turno, alertaram quanto aos efeitos perversos da chamada
“infodemia”, ou seja, do “excesso de informações, algumas precisas e outras não, que
tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa”
(Opas/OMS, 2020, p. 2). Ainda segundo a Opas/OMS:
A palavra infodemia se refere a um grande aumento no volume de informações
associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em
pouco tempo devido a um evento específico, como a pandemia atual. Nessa situação,
surgem rumores e desinformação, além da manipulação de informações com intenção
duvidosa. Na era da informação, esse fenômeno é amplificado pelas redes sociais e
se alastra mais rapidamente, como um vírus (idem, ibidem).
Mas esse excesso não é problemático apenas em função dos boatos e notícias
falsas (fake news), uma vez que apenas em seus primeiros meses, mais especifica-
mente até meados de junho de 2020, a “covid-19 inspirou mais de 23 mil artigos
científicos, e urgência traz problemas: periódicos tradicionais encurtam prazo de
publicação e textos sem revisão por outros cientistas monopolizam repositórios
digitais” (Santos, 2020, p. 1).
1. Os autores agradecem a Henrique Gomes e Silva o auxílio na tabulação de parte dos dados.
2. Professor dos departamentos de ciências sociais e de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC-Minas). E-mail: <carlosf@pucminas.br>.
3. Consultor independente e analista de informações. E-mail: <asanches@gmail.com>.
108 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
4. Do original: “such calls for policies to be evidence-based have proliferated so widely in the past few decades as to
become a movement unto itself”.
5. Do original: “basada en investigación, que aplica procedimientos rigurosos y sistemáticos para la recolección de datos
y se preocupa por la transformación de éstos en conocimiento formal de carácter utilizable para la toma de decisiones”.
Mapeamento e Caracterização do Movimento das Políticas Públicas Baseadas em | 109
Evidências no Brasil
uma fotografia dos dados naquele momento, porém sem a informação completa
do histórico de criação, alteração e exclusão até então.
TABELA 1
Ano de defesa das teses e dissertações sobre PPBEs
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Total
1 0 2 0 1 3 3 4 2 7 23
6. Uma outra fonte importante, não consultada nesta pesquisa, é a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDBTD), do IBICT, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
112 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
porque é bem sabido que o próprio movimento das PPBEs teve como uma de suas
principais fontes a chamada medicina baseada em evidências (MBE), que mundo
afora continua tendo grande capilaridade no campo da saúde (Baron, 2018). A tabela
3 apresenta a distribuição destes 23 trabalhos de conclusão de acordo com as áreas e
subáreas do conhecimento a que pertencem os PPGs em que eles foram defendidos.
TABELA 2
Teses e dissertações brasileiras relacionadas ao MPPBE: distribuição geográfica
Pará = 1
Norte 2
Tocantins = 1
Nordeste 0 -
Centro-Oeste 1 Distrito Federal = 1
São Paulo = 10
Sudeste 16 Rio de Janeiro = 5
Minas Gerais = 1
Rio Grande do Sul = 3
Sul 4
Paraná = 1
Total 23 -
TABELA 3
Áreas do conhecimento dos PPGs em que foram defendidas as teses e dissertações
relacionadas ao MPPBE
Área do conhecimento Número de T&Ds Subárea do conhecimento
Saúde coletiva = 4
Ciências da saúde 14
10 outras subáreas, com 1 trabalho cada
Economia = 2
Ciências sociais aplicadas 5 Gestão = 2
Direito = 1
Ciências humanas 2 Ciências sociais = 2
Política científica e tecnológica = 1
Interdisciplinar 2
Ciência, tecnologia e sociedade = 1
Total 23 -
TABELA 4
Análise de conteúdo das teses e dissertações sobre PPBEs do catálogo da Capes
Frequência
Categorias analíticas Número de sim
(%)
Defende que as políticas públicas sejam informadas por evidências? (Sim ou
1 21 de 23 91
pouco claro)
das PPBEs. Mundo afora, a MBE continua gozando de grande prestígio e ampliando
sua penetração entre os profissionais, instituições e políticas da área da saúde, sendo
a saúde um campo do conhecimento que, ao mesmo tempo em que fomenta as
abordagens multidisciplinares, produz também um forte efeito gravitacional. Assim,
não chega a surpreender a nossa descoberta de que 39% das teses e dissertações sobre
as PPBEs da área da saúde dialogam apenas com a MBE, e não com o movimento
mais amplo das PPBEs (terceira linha da tabela 4).
De maneira para nós surpreendente, a quarta linha da tabela 4 revela que
somente 35% das teses e dissertações que analisamos teorizam sobre o manejo das
evidências ou sobre a produção das PPBEs. Tratando-se de trabalhos de conclu-
são da pós-graduação stricto sensu, talvez a nossa expectativa seja a de uma quase
obrigatoriedade da mobilização dos arcabouços teóricos disponíveis. Contudo,
a grande maioria dos trabalhos de nossa amostra parece ter preocupações mais
pragmáticas, tendo prescindido de maiores teorizações sobre o movimento das
PPBEs, o que reflete a chamada “guinada utilitária” da ciência e da produção
do conhecimento (Solesbury, 2001). Essa perspectiva parece encontrar respaldo
nos dados da sétima linha da tabela 4, que nos mostram que 65% dessas T&Ds
exploram ou desenvolvem instrumentos específicos para a produção das PPBEs.
Esses instrumentos serão apresentados adiante. Antes, porém, devemos explorar
com mais cuidado os dados apresentados nas quinta e sexta linhas.
De uma maneira geral, o movimento das PPBEs reconhece que a busca pela
melhoria da qualidade da ação governamental envolve tanto a necessidade de fazer
com que o processo de produção das políticas seja mais permeável às evidências
científicas quanto, igualmente, o reconhecimento da importância de fazer com que
os produtores do conhecimento compreendam as necessidades e especificidades
dos tomadores de decisões e de seu contexto. Por isso, as quinta e sexta questões
procuram aferir se as T&Ds da amostra enfatizam a produção das evidências (83%
delas o fazem) e/ou enfatizam o uso das evidências ou a interação entre gestores
públicos e produtores do conhecimento (apenas 43% delas o fazem). Fica claro,
assim, que a maioria das T&Ds se concentra na questão da produção das evidên-
cias, negligenciando, em maior ou menor medida, os fatores que obstaculizam a
sua efetiva utilização no processo de produção das políticas públicas. Vale ressaltar,
não obstante, um dado que não consta da tabela 4: dessas 23 T&Ds, seis enfatizam
tanto a produção como o uso das evidências, abarcando, assim, uma gama bem
mais ampla de questões e problemas específicos do campo.
Por fim, cabem alguns comentários rápidos sobre os 65% das T&Ds que ex-
ploram ou desenvolvem instrumentos para a produção das PPBEs (sétima questão).
Mais especificamente, as quinze T&Ds que tiveram essa preocupação mais destacada
exploraram oito tipos de instrumentos, quais sejam: revisão sistemática; experimentos
Mapeamento e Caracterização do Movimento das Políticas Públicas Baseadas em | 115
Evidências no Brasil
7. Para uma visão geral, ainda que não exaustiva, dos instrumentos do MPPBE ou de seus métodos e técnicas, ver
Faria (2021).
116 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
TABELA 5
Ano de publicação dos artigos relacionados às PPBEs
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
0 0 0 4 0 0 2 0 0 0 2
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 Total
2 1 0 5 3 3 4 7 7 1 41
TABELA 6
Áreas do conhecimento dos periódicos brasileiros em que foram publicados os artigos
relacionados às PPBEs
Área do conhecimento Número de artigos Subáreas
Ciências biológicas 2 Biodiversidade, genética
Ciências da saúde 17 Saúde pública, saúde coletiva, genética, enfermagem
Administração pública, administração de empresas, agricultura e socieda-
Ciências sociais aplicadas 16
de, ciências econômicas, turismo, educação, ciência da informação
Ciências humanas 5 Sociologia, filosofia, políticas públicas
Interdisciplinar 1 Comunicação, saúde, educação
Total 41
Esses 41 artigos foram escritos por 108 autores e publicados por 25 perió-
dicos diferentes, das cinco áreas do conhecimento apresentadas na tabela 6. Esses
dados evidenciam que, também no Brasil, o MPPBE vai se constituindo como
um movimento francamente multidisciplinar.
Vale destacar que quase 15% dos autores dos artigos aqui sob análise, ou de-
zesseis deles, são estrangeiros. Na grande maioria dos casos, esses autores estrangeiros
publicaram em parceria com brasileiros, fato que revela algumas das formas pelas
quais o MPPBE, fortemente transnacionalizado (Faria, 2021), vai ganhando capilari-
dade no país (apenas três dos artigos são assinados exclusivamente por estrangeiros).
Observar a frequência com que determinados periódicos e autores apareceram
em nosso mapeamento nos permite avançar um pouco mais em nossa caracteri-
zação do MPPBE no Brasil. Se os dados que apresentaremos a seguir não revelam
nenhuma concentração que nos pareça anormal ou capaz de sugerir que, no país,
o MPPBE está concentrado em uns poucos periódicos ou autores, esses dados por
certo nos mostram que alguns deles têm maior centralidade.
Mapeamento e Caracterização do Movimento das Políticas Públicas Baseadas em | 117
Evidências no Brasil
No que diz respeito aos periódicos, dezessete dos 25 que publicaram artigos sobre
as PPBEs o fizeram apenas uma única vez. Dos demais, cinco publicaram dois artigos
cada; um publicou três (Revista de Administração Pública); outro publicou quatro (Boletim
de Análise Político-Institucional, três deles em um número especial, cujos outros artigos
não foram detectados por nossa metodologia); e o último, que publicou nada menos
do que sete artigos, dispersos por seis números diferentes (Ciência e Saúde Coletiva).
No que concerne aos autores, a concentração é menor, mas acreditamos que
ela não é menos importante. Isso porque, dos 108 autores, apenas cinco assinam
mais de um artigo. Se três deles são parceiros em dois artigos e um outro escreveu
dois artigos sozinho, uma outra autora, Maria José Carneiro, da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), assina sozinha ou em parceria nada
menos do que quatro dos artigos aqui sob avaliação. Cabe destacar, também, que
essa pesquisadora foi orientadora de duas das dissertações de mestrado analisadas
na seção anterior. Fica claro, assim, que quando o universo de análise é tão restrito
quanto o nosso, um único pesquisador pode fazer uma diferença significativa.
No entanto, a nossa análise dos artigos brasileiros vinculados ao MPPBE
não seria satisfatória sem uma apreciação, ainda que genérica, de seu conteúdo.
Para tanto, empregamos as mesmas categorias analíticas que utilizamos na nossa
discussão sobre as teses e dissertações. A tabela 7 apresenta uma síntese da nossa
análise de conteúdo dos 41 artigos (no apêndice E, esses dados são apresentados
de maneira desagregada).
TABELA 7
Síntese da análise de conteúdo dos artigos relacionados às PPBEs publicados no Brasil
Categorias analíticas Número de sim Frequência (%)
A tabela 7 nos mostra, em sua primeira linha, que, a exemplo do que vimos nas
T&Ds, a maioria dos artigos (63%) defende com clareza que as políticas públicas sejam
informadas por evidências. Essa constatação revela que, na sua vertente acadêmica, o
118 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
“braço brasileiro” do MPPBE tem um forte viés normativo, que é mais acentuado no
caso das T&Ds (91% delas, conforme a tabela 4). Sendo o movimento assumidamente
propositivo, uma tal constatação não deveria ser surpreendente.
A segunda linha da tabela 7 nos mostra que, ao contrário do que vimos no
caso das T&Ds, uma pequena maioria (56%) dos artigos dialoga diretamente
com o MPPBE (43% das teses e dissertações o fazem). No que diz respeito aos
artigos da área da saúde que dialogam apenas com a MBE (terceira linha), apenas
33% deles o fazem. Assim, a maior parte dos artigos da área da saúde dialoga mais
amplamente com o MPPBE.
Na seção anterior, vimos que apenas 35% das teses e dissertações teorizam
sobre o manejo das evidências ou sobre a produção das PPBEs. Essa cifra sobe
vertiginosamente no caso dos artigos, atingindo 80% (quarta linha). Essa diferença
talvez seja explicada pelo fato de que, normalmente, autores de artigos publicados
são mais maduros e experientes do que pós-graduandos.
As quinta e sexta linhas, por sua vez, nos mostram que uma porcentagem se-
melhante de artigos enfatiza a produção das evidências (66%) e o uso das evidências
ou a interação entre gestores públicos e produtores do conhecimento (68%). Assim,
se a maioria das T&Ds, como vimos, se concentra na questão da produção das
evidências, negligenciando, em maior ou menor medida, os fatores que dificultam
a sua efetiva utilização no processo de produção das políticas públicas, o mesmo
parece não acontecer com os artigos.
Por fim, cabe destacar que, a exemplo do que tínhamos visto, mas com maior
intensidade no caso das T&Ds (65%), a maioria dos artigos (51%) explora ou
desenvolve instrumentos para a produção das PPBEs. Se, como vimos, as T&Ds
enfatizaram oito tipos diferentes de instrumentos, os artigos, que são um número
bem maior, dão destaque a onze tipos de instrumentos, quais sejam: avaliação de
políticas públicas; revisão sistemática; monitoramento de horizonte tecnológico;
aprendizagem de máquina; translação do conhecimento; diálogos deliberativos;
elaboração de listas de produtos estratégicos; evidências comportamentais; projeto
descentralização on-line; mapa causa e efeito; e avaliação de impacto na saúde (health
impact assessment). Vale destacar, ainda, que a exemplo do que constatamos no caso
das teses e dissertações, as revisões sistemáticas foram amplamente privilegiadas
nos artigos, visto que, dos 21 daqueles que exploraram mais cuidadosamente ins-
trumentos para a produção das PPBEs, quase a metade deles (dez) deu destaque
às revisões sistemáticas.
Tendo discutido até aqui duas das vertentes acadêmicas do MPPBE no Brasil,
o capítulo trata, a seguir, da institucionalização do movimento no país e do que tem
sido feito em outros âmbitos para promovê-lo por estas latitudes. Antes, porém,
devemos deixar registrada aqui uma lacuna importante de nosso mapeamento: dada
Mapeamento e Caracterização do Movimento das Políticas Públicas Baseadas em | 119
Evidências no Brasil
TABELA 8
Ano de criação das instituições ou de realização dos eventos e promoções relacionadas
às PPBEs no Brasil
2007 2008 - 2013 2016 - 2018 2019 2020 2021 Total
1 1 - 1 2 - 6 7 13 1 32
Acreditamos que a cifra de 32 surpreende, uma vez que a nossa expectativa era
de encontrar um universo muito mais vicejante, mesmo levando-se em consideração
as limitações do método de busca. Não obstante, essas 32 instituições, eventos e
120 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A conclusão mais geral de nosso mapeamento é que o enraizamento do movimento
das PPBEs no Brasil é recente, frágil e tardio. Ele é recente porque a maioria das
teses e dissertações, dos artigos, das instituições e dos eventos e promoções asso-
ciados é datada da segunda metade da década de 2010 e do ano de 2020. Frágil,
porque o seu número é modesto, ainda que, também no país, o MPPBE mobilize
atores e instituições de grande prestígio. Ele pode ser considerado tardio quando
se recorda que o movimento foi deslanchado na década de 1990. Os dados que
apresentamos e discutimos nos permitem afirmar ainda que, também no Brasil, o
MPPBE é acentuadamente multidisciplinar, ainda que prevaleçam os aportes das
ciências da saúde e das ciências sociais aplicadas, como nos parece natural. Não
obstante, nosso questionamento acerca das interlocuções estabelecidas nas teses e
dissertações e nos artigos evidenciou que, se o MPPBE tem ganhado capilaridade
no universo acadêmico brasileiro, ele normalmente dialoga de maneira restrita
com toda a fortuna analítica e propositiva do movimento.
Certamente não surpreende a descoberta de que parte significativa dos traba-
lhos acadêmicos que entendemos como compondo o “braço brasileiro” do MPPBE
tem preocupações mais pragmáticas, tendo prescindido de mais teorizações sobre
a produção das PPBEs (65% das teses e dissertações e 20% dos artigos). No nosso
entender, se o viés era esperado, ele não deixa de refletir também um fenômeno mais
geral: a chamada “guinada utilitária” da ciência e da produção do conhecimento.
No que concerne aos instrumentos para a promoção das PPBEs explorados mais
frequentemente, ganharam destaque, no plano acadêmico, como visto, as revisões
sistemáticas. Vimos também que, se a maioria das teses e dissertações privilegia a
produção das evidências, negligenciando em alguma medida os fatores que dificultam
a sua efetiva utilização no processo de produção das políticas públicas, isso parece
não acontecer com os artigos.
Nossa análise das instituições, dos eventos e das promoções associados ao
MPPBE no país, ainda que restrita a um universo que consideramos modesto,
revelou que também nessa seara o movimento tem ganhado certa capilaridade
no país, ainda que apenas em anos mais recentes. Vimos também que, em sua
faceta governamental, as iniciativas, de diversas ordens, concentram-se no plano
federal, sendo escassas as iniciativas dos governos subnacionais. No âmbito federal,
ganhou destaque o trabalho realizado pela Enap, que talvez possamos considerar a
principal promotora do MPPBE no país, pelo menos no âmbito governamental.
Nosso mapeamento também mostrou uma grande diversidade de instituições não
governamentais atuando nesse campo, muitas vezes de maneira articulada. No
mundo universitário, parece se destacar a FGV, descoberta que não surpreende
quando levamos em consideração todos os esforços feitos pela instituição para
atuar e ser reconhecida também como um think tank.
Mapeamento e Caracterização do Movimento das Políticas Públicas Baseadas em | 123
Evidências no Brasil
REFERÊNCIAS
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Academy of Political and Social Science, v. 678, n. 1, p. 40-50, 2018.
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formada e objeto de investigación. In: MERINO, M.; CEJUDO, G. M. (Eds.).
Problemas, decisiones y soluciones: enfoques de política pública. México: FCE/
CIDE, 2010. p. 291-320.
CAIRNEY, P. Three habits of successful policy entrepreneurs. Policy and Politics,
v. 46, n. 2, p. 199-215, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/3kqbehV>. Acesso
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FARIA, C. A. P. de. Produção e manejo de evidências para as políticas públicas:
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lizadas. Cadernos ENAP, 2021. No prelo.
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ências Sociais, v. 20, n. 59, p. 97-110, out. 2005. Disponível em: <https://bit.
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policy making? Bristol: The Policy Press, 2011.
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NIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Entenda a infodemia e a desinformação na
luta contra a Covid-19. Página Informativa, n. 5, 2020. Disponível em: <https://
bit.ly/3Czn5QX>. Acesso em: 20 set. 2021.
PARKHURST, J. The politics of evidence: from evidence-based policy to the
good governance of evidence. New York: Routledge, 2017.
SANDIM, T. L.; MACHADO, D. A. O paradigma das políticas públicas baseadas
em evidências na gestão pública brasileira: uma análise das publicações acadêmicas.
Boletim de Análise Político-Institucional, n. 24, p. 41-47, nov. 2020. Disponível
em: <https://bit.ly/3Czny5F>. Acesso em: 20 set. 2021.
124 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
APÊNDICE A
APÊNDICE B
APÊNDICE C
APÊNDICE D
QUADRO E.1
Análise detalhada de conteúdo das teses e dissertações sobre PPBEs do catálogo da Capes
Número da tese ou dissertação
Categorias analíticas
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 Total
Defende que as políticas públicas
1 sejam informadas por evidên- PC PC Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim 21 sim
cias? (Sim ou pouco claro)
Dialoga diretamente com o
2 Sim Sim Não Não Sim Não Não Não Não Sim Sim Não Sim Não Não Sim Não Não Não Não Sim Sim Sim 10 sim
MPPBE? (Sim ou não)
Dialoga apenas com a medicina
7 de
3 baseada em evidências? (Não se NA NA NA Não Não Sim Sim Não Sim Não Não Não Não Sim Não Não Sim NA Sim Sim NA Não Não
18
aplica, sim ou não)
Teoriza sobre o manejo das
4 evidências ou sobre a produção Sim Sim Sim Não Sim Não Não Não Não Sim Sim Não Não Não Não Sim Não Não Não Não Sim Não Não 8 sim
das PPBEs? (Sim ou não)
Enfatiza a produção das evidên-
5 Não Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim 19 sim
cias? (Sim ou não)
Enfatiza o uso das evidências
ou a interação entre gestores
6 Sim Não Não Não Sim Não Não Não Não Sim Sim Não Sim Não Não Sim Não Não Sim Não Sim Sim Sim 10 sim
públicos e produtores do conhe-
cimento? (Sim ou não)
Explora ou desenvolve instru-
7 mentos para a produção das Não Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Não Sim Não Não Sim Não Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Não 15 sim
PPBEs? (Sim ou não)
Tipo de instrumento enfatizado
8 NA a b c d a a e f NA a NA NA g NA a a NA a a a h NA –
ou defendido
Obs.: PC = pouco claro; NA = não se aplica; índice da linha 8: a = revisão sistemática; b = experimento aleatório controlado; c = revisão de escopo; d = capacitação de técnicos e mudança na cultura
organizacional; e = análise de custos; f = avaliação de impacto; g = escore de políticas municipais públicas; e h = tradução do conhecimento.
QUADRO E.2
Análise ampliada de conteúdo dos artigos relacionados às PPBEs publicados no Brasil
Número do artigo
Categorias analíticas
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 Subtotal
Número do artigo
Categorias analíticas
24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 Total
Defende que as políticas públicas sejam infor-
1 Sim Sim Sim Sim PC PC Sim PC Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim 26 sim
madas por evidências? (Sim ou pouco claro)
Dialoga diretamente com o MPPBE? (Sim ou
2 Não Não Não Sim Sim Sim Sim Não Não Não Sim Sim Sim Não Sim Não Sim Sim 23 sim
não)
Dialoga apenas com a medicina baseada em 7 sim;14
3 NA Não Sim Não NA NA Não NA NA Sim NA Não NA NA Não Não NA Não
evidências? (Não se aplica, sim ou não) não
Teoriza sobre o manejo das evidências ou sobre
4 Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim 33 sim
a produção das PPBEs? (Sim ou não)
Enfatiza a produção das evidências? (Sim ou
5 Sim Sim Sim Não Não Não Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim 27 sim
não)
Enfatiza o uso das evidências ou a interação
6 entre gestores públicos e produtores do conhe- Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Não 28 sim
cimento? (Sim ou não)
Explora ou desenvolve instrumentos para a
7 Sim Sim Não Não Não Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Não Sim Sim Sim 21 sim
produção das PPBEs? (Sim ou não)
8 Tipo de instrumento enfatizado ou defendido d e NA NA NA NA b+f a a g h i NA a+j NA k b b -
1 INTRODUÇÃO
O processo pelo qual políticas são escolhidas e postas em prática é complexo. En-
volve vários atores com interesses diversos, muitas vezes com objetivos que pouco
se relacionam com o bem-estar do público atingido pela política. Mas mesmo
quando a política pública é concebida com a melhor das intenções, objetivando
sanar um problema do público, a solução não é facilmente atingida.4 Apenas a boa
intenção não faz uma boa medicina. A boa medicina requer uma série de passos
que, em conjunto, levam ao progresso e à melhora do paciente.
Antes de propor o tratamento, consulta-se o que já comprovadamente fun-
cionou em uma parcela grande de pacientes e se tem conhecimento dos eventuais
efeitos colaterais. Uma vez que o tratamento é dado, o acompanhamento continua,
observando-se erros de percurso, alterando-se o tratamento até que o problema seja
sanado ou ao menos suavizado. Nem sempre existe um tratamento comprovado,
e a médica trata o paciente de forma ainda mais cautelosa com doses menores e
maior acompanhamento, às vezes até construindo essa comprovação do tratamento.
A resolução de problemas depende desse processo sistemático de busca de acertos e
erros de tentativas passadas, e contínuo acompanhamento de acertos e erros futuros.
A vida do gestor público é bem mais difícil, mas a formulação de política pública
poderia funcionar assim, de forma integrada com evidência empírica.
1. Agradecemos os comentários de Diana Kaplan Barbosa e Richard Martins da Cunha, que contribuíram para melhoria
deste capítulo. Em conjunto com Diana Moreira e Juan Francisco Santini, Gautam Rao (Harvard University e National
Bureau of Economic Research – NBER) e Jonas Hjort (Columbia University, NBER, The Bureau for Research and Economic
Analysis of Development – Bread e Centre for Economic Policy Research – CEPR) são também autores do artigo original
em inglês no qual este capítulo se baseia. Qualquer referência a este capítulo deve citar o artigo original (Hjort et al.,
2021). Erros nas análises adicionais apresentadas, adaptações e tradução devem ser atribuídos apenas aos autores
deste capítulo.
2. Professora assistente na Universidade da Califórnia, Davis, Estados Unidos. E-mail: <dsmoreira@ucdavis.edu>.
3. Pesquisador na Innovations for Poverty Action (IPA). E-mail: <jsantini@poverty-action.org>.
4. Além dos objetivos dos agentes envolvidos na tomada de decisão, existem, claro, restrições. Desde a falta de recursos
financeiros e rigidez de processos na máquina pública até a falta de pessoal qualificado. Este capítulo procura discutir se,
na prática, a falta de conhecimento da efetividade das diferentes soluções é de fato uma restrição relevante adicional.
150 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
pública.5 Entretanto, o gráfico 1B oferece uma visão promissora, pois indica que
universidades e instituições de pesquisas foram indicadas pelos prefeitos entrevis-
tados como as fontes mais confiáveis (diferença para outras fontes estatisticamente
significantes) para obtenção de informação.
Apesar do potencial das avaliações de impacto de mudar a prática de formular
política pública, o quanto de fato muda ou pode mudar depende de fatores adicio-
nais. Até que ponto os líderes políticos estão interessados e abertos a pesquisas de
avaliações de impacto? E, na medida em que “consomem” pesquisas, eles conseguem
agir com base nas novas descobertas? Considerando o volume enorme de estudos
e aprendizados “comprovados”, o entendimento dessas questões é fundamental
para que essa capacidade em potencial seja realizada: se os líderes políticos valo-
rizam essas pesquisas; se isso muda suas crenças sobre a efetividade de políticas;
e se os líderes implementam políticas públicas a que, de outra forma, não teriam
acesso, em resposta às novas descobertas científicas. Em suma, a falta de (acesso a)
informações provindas de pesquisas de avaliações de impacto é uma restrição na
tomada de decisão de políticas públicas?
Neste capítulo, damos um primeiro passo para responder a essas perguntas,
fornecendo evidências de dois experimentos. Em parceria com a Confederação
Nacional de Municípios (CNM) no Brasil, a pesquisa descrita a seguir atingiu
prefeitos(as) e gestores por todo o Brasil, em um total de 2.150 municípios. Faz-se
importante notar que grande parte das análises aqui apresentadas apareceu origi-
nalmente no artigo publicado na revista acadêmica American Economic Review e
vários trechos foram traduzidos e adaptados do artigo original de Hjort et al. (2021).
GRÁFICO 1
Utilização e grau de confiança em fontes de informação
1A – Obtenção de informação por fonte (%)
70,4
66,7
61,1
50,0
33,3
22,2
14,8
7,4
1,82
FIGURA 1
Experimento de adoção de política: municípios da amostra
60% possuem pelo menos um diploma de bacharel e 16% estão em seu segundo
e último mandato.6 O município médio da amostra tem uma população de cerca
de 21 mil habitantes.
TABELA 1
Experimento de adoção de política: estatísticas descritivas e balanceamento
Linha de base final Linha final
Variáveis Média controle Média controle
tratamento P-valor tratamento P-valor
(%) (%)
População com ensino superior 5,17 -0,15 0,25 5,47 -0,14 0,31
Funcionário público com ensino superior 32,50 0,89 0,21 33,32 0,25 0,74
Receitas de impostos municipais (2010-2015) 6,06 0,09 0,68 6,40 0,08 0,75
Atrito
6. Esta baixa participação de prefeitos em seu segundo mandato é explicada, em parte, pela crise política que o Brasil
estava passando na época das eleições municipais de 2016, o que levou a uma diminuição na proporção de políticos
em exercício vencendo a reeleição.
156 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
7. A aleatorização foi estratificada com base: no nível de escolaridade do prefeito, se o prefeito estava no segundo
mandato, no nível médio de educação entre os funcionários públicos municipais, no tamanho da população do município,
no coeficiente de Gini e na região geográfica. Uma parcela um pouco maior de municípios foi designada para o grupo de
controle devido a questões logísticas associadas à nossa capacidade de gerenciar um grande número de participantes
do grupo de tratamento e à capacidade da sala que a CNM designou para o experimento.
8. Durante os quinze minutos reservados para perguntas, os prefeitos fizeram questionamentos interessantes sobre
cartas-lembrete e outras políticas alternativas sobre conformidade tributária: por exemplo, se os efeitos seriam os mes-
mos se as mensagens fossem enviadas por e-mail ou mensagens de texto, em vez de enviadas por cartas em papel; se
a política podia ser usada para encorajar os devedores de impostos a pagar seus débitos; e se incentivos financeiros,
como descontos ou loterias para pagamento dos impostos em dia, são políticas efetivas. Evitamos fornecer respostas
claras a essas perguntas.
Conectando Pesquisa a Gestão Municipal: avaliações de impacto influenciam a | 157
formulação de política pública?
2.4 Dados
Para medir se o fornecimento de informações sobre estudos de avaliações de im-
pacto afetou as crenças dos líderes políticos e a adoção de políticas, conduzimos
um questionário 15 a 24 meses após a sessão de informação, por telefone, com
funcionários relevantes da administração pública dos municípios de tratamento e
controle. Procuramos entrar em contato com o gestor responsável pela execução
da política tributária de cada município e com o próprio prefeito.9
A aplicação do questionário foi supervisionada por um assistente de pesquisa e
conduzida por uma equipe de nove entrevistadores que desconheciam a atribuição
dos municípios aos grupos de tratamento e controle e as hipóteses do experimento.
Após dez meses de telefonemas, entrevistamos com sucesso pelo menos uma pessoa
em 81% de nossa amostra de municípios – 75% dos gestores tributários e 51%
dos prefeitos da amostra. Não conseguimos fazer nenhum tipo de contato com
10% dos municípios da amostra, por não termos conseguido localizar um número
de telefone em funcionamento.10 Não houve atrito diferencial entre os grupos de
tratamento e controle, e as características observáveis dos municípios contatados
com sucesso são semelhantes em ambos os grupos, conforme relatado na tabela 1.
9. Normalmente, os secretários de finanças são os responsáveis pela divisão tributária dos municípios brasileiros. No
entanto, solicitamos especificamente aos atendentes do telefonema que passassem a chamada para o responsável
pela divisão de impostos. Assim que fomos transferidos, confirmamos se a pessoa realmente ocupava aquele cargo ou
solicitamos o número de telefone do responsável pela administração da política tributária municipal.
10. Em média, muitas horas de trabalho foram necessárias para que pudéssemos falar com os gestores tributários e
prefeitos, principalmente para coletar os números de telefone dos municípios. Nem todos os municípios brasileiros
publicam ou têm informações de contato atualizadas em seus sites, então coletamos números de telefone por meio de
pesquisas no Google e no Facebook e ligamos para outras instituições locais, como hospitais e escolas.
158 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
2.5 Resultados
11. Os dados demográficos são disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e podem ser
encontrados em: <https://bit.ly/3ewUhi3> e <https://bit.ly/3EEZHlo>. O Tribunal Superior Eleitoral do Brasil fornece
dados sobre resultados eleitorais e características dos prefeitos (disponível em: <https://bit.ly/3HZQPsQ>). Os dados
sobre a escolaridade da administração pública foram obtidos da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que é
coletada e compilada anualmente pelo Ministério do Trabalho (disponível em: <https://bit.ly/3pCbmgN>). Os dados
orçamentários foram obtidos do Tesouro Nacional, que compila e divulga anualmente registros contábeis autorrelatados
de todos os municípios brasileiros (disponíveis em: <https://bit.ly/34EB7Vy> e <https://bit.ly/3FxhYlq>).
Conectando Pesquisa a Gestão Municipal: avaliações de impacto influenciam a | 159
formulação de política pública?
TABELA 2
Experimento de adoção de política: preditores individuais e municipais de participação
na sessão de informação
(1) (2) (3)
Variável
Sessão de informação Sessão de informação Sessão de informação
Características dos prefeitos
0,0157 -0,0014
Homem -
(0,0546) (0,0560)
-0,0719 -0,0771
Idade -
(0,0328) (0,0336)
0,1616 0,1562
Ensino superior ou mais -
(0,0328) (0,0333)
-0,0007 0,0057
Segundo mandato -
(0,0448) (0,0456)
0,0265 0,0231
Margem de vitória eleitoral -
(0,0326) (0,0330)
0,0314 0,0379
Partido político de esquerda -
(0,0347) (0,0352)
Características dos municípios
-0,0079 -0,0141
População -
(0,0343) (0,0340)
0,0634 0,0492
População com ensino superior -
(0,0466) (0,0463)
-0,0345 -0,0442
Funcionário público com ensino superior -
(0,0339) (0,0337)
-0,1015 -0,0753
Pobreza -
(0,0903) (0,0926)
0,0449 0,0462
Gini -
(0,0382) (0,0382)
0,0258 0,0593
Grande sul -
(0,0662) (0,0660)
-0,0762 -0,0663
Renda per capita -
(0,0839) (0,0854)
-0,0245 -0,0166
Receitas de impostos municipais (2010-2015) -
(0,0459) (0,0454)
0,2876 0,4343 0,3376
Constante
(0,0631) (0,0937) (0,1124)
Observações 874 878 871
12. A pergunta de verificação de atenção foi: “Os lembretes tributários enviados aos contribuintes os informaram de
que a constituição brasileira foi reformada em 1988”. Uma vez que consideramos isso extremamente improvável como
texto para um lembrete tributário, inferimos que os participantes que responderam “sim” a esta pergunta simplesmente
não estavam prestando atenção ou compreendendo as perguntas.
Conectando Pesquisa a Gestão Municipal: avaliações de impacto influenciam a | 161
formulação de política pública?
TABELA 3
Experimento de adoção de política: lembretes tributários
(1) (2) (3) (4) (5)
Variável
Adotou Adotou Adotou Adotou Adotou
0,1031 0,1065 0,1024 0,1177 0,1094
Sessão de informação
(0,0531) (0,0526) (0,0546) (0,0791) (0,0653)
Observações 2.271 2.239 2.027 898 1.341
Respondentes Todos Todos Todos Prefeitos Gestores tributários
Sem desatentos Não Não Sim Não Não
Características dos prefeitos Não Sim Sim Sim Sim
Características dos municípios Não Sim Sim Sim Sim
Municípios 1.465 1.447 1.395 898 1.341
Média do grupo controle 0,317 0,314 0,294 0,364 0,280
embora este último tipo de mensagem tenha um efeito maior em termos relati-
vos, uma vez que é particularmente improvável que seja usado nos municípios do
grupo de controle.
TABELA 4
Experimento de adoção de política: características dos lembretes tributários
TABELA 5
Experimento de adoção de política: incentivos financeiros e pregão eletrônico
(1) (2)
Variável
Incentivos financeiros Pregão eletrônico
0,0033 0,0153
Sessão de informação
(0,0557) (0,0644)
GRÁFICO 2
Adoção de política: resultado principal
0,7
0,6
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
0
Lembrete de pagamento Incentivos financeiros Pregão eletrônico
de impostos
2.5.3 Crenças
Por meio do questionário final, também medimos as crenças dos participantes
sobre a efetividade da política de cartas-lembrete. Crenças sobre a efetividade da
política é um mecanismo plausível por meio do qual o impacto da sessão informa-
tiva sobre a adoção de cartas-lembrete poderia operar. Perguntamos aos prefeitos e
aos gestores tributários qual seria o efeito da política caso fosse implementada em
seu município, independentemente se a política foi de fato implementada ou não.
Comparamos suas crenças com um efeito estimado de 12%, que foi a principal
estimativa de cartas-lembrete que compartilhamos com os prefeitos durante as
sessões de informação.
O painel A da tabela 6 mostra que comparecer à sessão de informação – ins-
trumentalizada usando a atribuição aleatória ao tratamento – aumentou a “precisão”
das crenças, mesmo 15 a 24 meses após o tratamento. Especificamente, o desvio
absoluto das crenças no grupo de tratamento em relação ao tamanho do efeito
mencionado na sessão de informação é 20% menor do que no grupo de controle.
Comparando as colunas 4 e 5, podemos ver que as crenças se tornaram mais pre-
cisas não apenas entre os prefeitos, mas também entre os gestores tributários, o que
sugere a existência de um fluxo de informação dentro do governo municipal. Isso
talvez tenha sido facilitado ao fornecer aos prefeitos participantes um documento
compartilhável contendo o resumo da nossa sessão.
Conectando Pesquisa a Gestão Municipal: avaliações de impacto influenciam a | 165
formulação de política pública?
TABELA 6
Experimento de adoção de política e precisão das crenças: lembretes tributários
Painel A (1) (2) (3) (4) (5)
Variável Precisão das crenças Precisão das crenças Precisão das crenças Precisão das crenças Precisão das crenças
Sessão de informação 1,3975 (0,5209) 1,3541 (0,5201) 1,5031 (0,5589) 1,1923 (0,7396) 1,5125 (0,6839)
Precisão das crenças 0,0856 (0,0500) 0,0935 (0,0537) 0,0819 (0,0483) 0,1344 (0,1084) 0,0799 (0,0562)
3 EXPERIMENTO DE CRENÇAS
Nesta seção, descrevemos um experimento que foi desenhado para medir: i) se os
formuladores de políticas municipais no Brasil possuem interesse em se informar
sobre estudos de avaliação de impacto; e ii) como tais informações afetam suas cren-
ças em relação à efetividade de políticas. A área de política em que este experimento
se concentrou foi em programas de desenvolvimento na primeira infância (DPI),
um tópico muito estudado nas ciências sociais. Observamos que os formuladores
de políticas públicas valorizam os resultados de estudos científicos sobre os efeitos
de programas de DPI e que atualizam suas crenças substancialmente em resposta
às informações dos estudos. A descrição do experimento e de seus resultados é
fornecida a seguir.
13. As conferências compreenderam duas conferências nacionais realizadas em Brasília (maio de 2017 e 2018) e doze
conferências regionais Diálogo Municipalista organizadas de agosto a dezembro de 2017 em Alagoas, na Bahia, no
Ceará, no Espírito Santo, no Maranhão, em Mato Grosso do Sul, em Minas Gerais, no Paraná, no Piauí, no Rio Grande
do Sul, em Santa Catarina e em São Paulo. Além disso, outro grupo de 134 funcionários municipais de 117 municípios
completou um questionário descritivo sobre as vantagens e desvantagens dos diferentes estudos usados neste experimento.
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conceitos, métodos, contextos e práticas
FIGURA 2
Experimento de crenças: municípios da amostra
TABELA 7
Experimento de crenças: estatísticas descritivas e balanceamento
Média controle
Variáveis ∆ desenvolvimento P-valor ∆ grande P-valor
(%)
Características dos prefeitos
Homem 91,46 -1,32 0,38 -4,04 0,00
Idade 48,61 -0,11 0,82 -0,49 0,28
Ensino superior 57,62 2,80 0,20 0,13 0,95
Segundo mandato 18,29 0,44 0,82 -0,07 0,97
Margem de vitória eleitoral 14,19 0,18 0,81 0,36 0,55
Partido político de esquerda 38,72 -0,99 0,64 1,80 0,42
Características dos municípios
População 24,49 1,45 0,48 1,24 0,40
População com ensino superior 4,915 -0,07 0,52 0,02 0,87
Funcionário público com ensino superior 34,16 -0,97 0,09 -0,85 0,17
Pobreza 26,45 0,48 0,55 0,41 0,61
Gini 49,48 0,48 0,09 0,44 0,13
Grande sul 51,22 -0,75 0,74 -1,07 0,63
Renda per capita 457,1 -8,79 0,40 1,02 0,93
Crianças na escola (0-3 anos) 19,88 -1,04 0,04 0,08 0,87
Crianças na escola (4-5 anos) 78,34 -0,41 0,54 0,16 0,83
Características questionário etapa introdutória
Prefeito 49,70 -0,16 0,94 -1,33 0,55
Político de carreira 29,27 0,74 0,72 -0,47 0,81
Esquerdista 23,78 -2,37 0,19 -1,79 0,35
Implementou DPI 41,77 0,40 0,85 -3,02 0,17
Ouviu sobre DPI 26,22 -0,81 0,68 -0,11 0,95
Recrutamos 38% dos prefeitos presentes, 49% dos vice-prefeitos, 35% dos
secretários municipais e 41% dos vereadores. A participação foi limitada pelo
número de tablets disponíveis e pelo número de intervalos na programação das
conferências, mas os participantes também poderiam ter se autosselecionado para
o experimento com base no incentivo de participação que oferecemos (bilhetes de
um sorteio) ou por seus interesses em políticas educacionais.14 Este último motivo,
potencialmente, poderia enviesar para cima nossas estimativas de demanda por
informações de estudos científicos. Não obstante, a única diferença observada entre
os prefeitos participantes do experimento e aqueles que não participaram – mas
que estavam presentes nas conferências – é que os prefeitos participantes tinham
maior probabilidade (7 p.p.) de serem de partidos de esquerda (tabela de resultados
não reportada neste capítulo).
14. Bilhetes de sorteio são para participar de um evento que debate o Brasil e tem grande visibilidade política. Por
vezes, chamamos de bilhete de loteria apenas neste texto para torná-lo menos repetitivo. O termo bilhete de loteria, e
a conotação que traz, nunca foi usado no trabalho de campo com os gestores.
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formulação de política pública?
FIGURA 3
Experimento de crenças: estrutura
Levantamento das crenças iniciais sobre
o tamanho do efeito do programa de DPI
15. Para simplificar, e devido ao tempo limitado com cada participante, levantamos apenas previsões pontuais (sobre
os efeitos nas habilidades cognitivas), em vez de levantar crenças probabilísticas completas. Essa é uma limitação
importante do estudo, a qual discutiremos posteriormente.
172 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
TABELA 8
Características dos estudos
Atributos Amostra pequena Amostra grande
País em desenvolvimento Jamaica (n = 130) Colômbia (n = 1.420)
País rico Michigan (n = 123) Estados Unidos (n = 4.667)
16. Não usamos os rótulos “país em desenvolvimento” ou “país rico”, nem “amostra pequena” ou “amostra grande”.
Simplesmente apresentamos a localização e o tamanho da amostra.
Conectando Pesquisa a Gestão Municipal: avaliações de impacto influenciam a | 173
formulação de política pública?
17. Cada bilhete com uma chance de ganhar uma viagem gratuita para participar de um evento com grande visibilidade
política debatendo o Brasil na Universidade de Harvard nos Estados Unidos, onde também participava de um passeio
pelo campus da universidade.
18. Em um procedimento BDM, um indivíduo relata um lance para um item. O preço do item é logo sorteado aleato-
riamente. Se o lance for superior (ou igual) ao preço sorteado, o indivíduo recebe o item e paga o preço sorteado. Se o
lance for inferior ao preço sorteado, o indivíduo não recebe o item e não faz pagamento nenhum.
19. Isso elimina a possibilidade de que ser questionado uma segunda vez causaria uma mudança sistemática nas
crenças, por exemplo, devido a pensar mais profundamente na questão. Sob nossa suposição, a mudança de crenças é
o efeito de ter recebido os resultados do estudo.
174 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
participantes que declarassem sua DAP para cada estudo, de forma a comparar a
DAP com o preço sorteado caso o estudo em questão fosse escolhido aleatoriamente
para venda. Desse modo, obtivemos DAPs incentivo-compatíveis para cada um
dos três estudos. Revelamos os resultados do estudo correspondente seguindo o
mesmo procedimento anteriormente descrito e, novamente, perguntamos sobre
suas crenças (posteriores).
Ter essa segunda rodada nos permite observar uma segunda instância de
atualização de crenças por participante, aumentando o poder estatístico da aná-
lise. Também nos permite entender como o peso atribuído às informações sobre
estudos de avaliação de impacto diminui (ou não) do primeiro para o segundo
aprendizado sobre o tema.
3.3 Resultados
Interpretamos os resultados através de uma estrutura simplificada de aprendiza-
gem bayesiana. Suponha que o formulador de política i tenha uma crença inicial
, em que é a média das crenças iniciais de i e , a variância
percebida ou incerteza de sua crença inicial sobre o provável efeito da política de
DPI, se implementada em seu município. O resultado (ou seja, o tamanho do
efeito) do estudo informado pode ser considerado um sinal ruidoso ,
extraído de uma distribuição centrada em torno do valor verdadeiro , mas com
variância , em que indexa características do estudo, como seu tamanho de
amostra ou localização. Então, um formulador de política bayesiana que pretende
ter crenças precisas (de forma de minimizar o erro quadrático médio) formará uma
crença atualizada :
,
com o parâmetro de ponderação . Ou seja, a crença posterior
de um indivíduo com aprendizado bayesiano será uma combinação convexa de
sua crença inicial e do “sinal” (ou seja, o resultado do estudo), com ponderação
proporcional à precisão relativa percebida de cada componente. Embora não pos-
samos testar as suposições deste modelo – particularmente que as crenças sigam
uma distribuição normal –, uma vez que medimos apenas crenças pontuais, esta
estrutura fornece uma referência útil para o processo de atualização de crenças que
estudamos com o experimento.
Podemos pensar nos atributos do estudo – localização e tamanho da amos-
tra – como fatores que afetam a precisão percebida ou a informatividade do sinal
ruidoso. Se os participantes pensarem que os estudos de amostras maiores são
mais informativos , eles colocarão um peso maior no sinal de
estudos de amostra grande ao formar sua atualização de crenças. É importante
Conectando Pesquisa a Gestão Municipal: avaliações de impacto influenciam a | 175
formulação de política pública?
,
(1)
em que é a DAP (em termos de bilhetes do sorteio) do formulador de política
i, na rodada , para comprar o resultado do estudo Michigan, Estados
Unidos, Jamaica, Colômbia. é uma variável dummy igual a 1 para
estudos na Jamaica ou na Colômbia, e 0 em outros lugares. é uma variável
dummy igual a 1 para os dois estudos de amostra grande (Colômbia com n = 1.420
e Estados Unidos com n = 4.667), e 0 para caso contrário (Jamaica com n = 130
e Michigan com n = 123). Os erros-padrão são agrupados no nível individual.
20. É claro que parte do desacordo nas crenças iniciais pode refletir ruído no processo de obtenção de crenças imple-
mentado no experimento.
176 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
21. Os leitores talvez se perguntem por que os participantes simplesmente não consultam os resultados por sua pró-
pria conta. Embora isso possa acontecer até certo ponto, acreditamos que a falta de familiaridade com as fontes de
informação de estudos de avaliação de impacto, as barreiras linguísticas e a dificuldade de interpretação da redação
acadêmica são fatores que tornam essa estratégia difícil para os participantes do experimento. Nossas estimativas
podem ser interpretadas como capturando a DAP por informações simplificadas e convenientemente apresentadas.
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formulação de política pública?
TABELA 9
Experimento de crenças: DAP por atributos dos estudos
(1) (2) (3)
Variável
DAP DAP DAP
3,8221 2,3554 4,4182
Grande
(0,7912) (2,3944) (1,0152)
0,3783 1,5948 -0,2735
Desenvolvimento
(0,7907) (2,3951) (1,0039)
Observações 2.573 764 1.809
Rodada 1e2 1 2
Indivíduos 764 764 604
Média 44,62 48,39 43,03
Desvio-padrão 31,77 33,06 31,09
TABELA 10
Experimento de crenças: DAP por outros determinantes
(1) (2) (3) (4)
Variável
DAP DAP DAP DAP
Características dos prefeitos
Homem 6,74 (3,16) - - 6,33 (3,11)
Idade -0,82 (2,10) - - -0,93 (2,11)
Ensino superior 1,12 (2,16) - - 2,45 (2,21)
Segundo mandato 1,16 (2,59) - - 1,47 (2,88)
Margem de vitória eleitoral 1,08 (2,13) - - 1,45 (2,09)
Partido político de esquerda 0,98 (2,15) - - 0,45 (2,22)
Características dos municípios
População - 2,64 (2,22) - 2,05 (2,20)
População com ensino superior - -0,52 (2,65) - -0,67 (2,68)
Funcionário público com ensino superior - 2,09 (2,27) - 0,74 (2,29)
Pobreza - -1,41 (5,13) - 0,32 (5,14)
Gini - -0,61 (2,53) - -0,88 (2,51)
Grande sul - 1,93 (4,94) - 4,93 (5,00)
Renda per capita - -5,21 (4,59) - -3,80 (4,51)
Crianças na escola (0-3 anos) - 1,19 (2,34) - 0,74 (2,34)
Crianças na escola (4-5 anos) - 2,31 (2,45) - 2,20 (2,41)
(Continua)
Conectando Pesquisa a Gestão Municipal: avaliações de impacto influenciam a | 179
formulação de política pública?
(Continuação)
(1) (2) (3) (4)
Variável
DAP DAP DAP DAP
Características questionário etapa introdutória
Prefeito - - -1,07(2,08) -0,98(2,16)
Político de carreira - - -0,50(2,34) -1,40(2,49)
Esquerdista - - 0,06(2,50) 0,37(2,54)
Implementou DPI - - 11,45(2,39) 11,90(2,47)
Ouviu sobre DPI - - 6,84(2,68) 6,89(2,75)
Observações 2.542 2.573 2.573 2.542
Indivíduos 754 764 764 754
Média 44,27 44,62 44,62 44,27
TABELA 11
Experimento de crenças: atualização de crenças
(1) (2) (3) (4) (5)
Variável
Posterior Posterior Posterior Posterior Posterior
0,6824 0,5902 0,7902 0,6528 0,6813
Inicial
(0,0214) (0,0295) (0,0237) (0,0280) (0,0224)
0,3230 0,3749 0,2607 0,3622 0,3209
Sinal
(0,0194) (0,0261) (0,0234) (0,0293) (0,0203)
Observações 1.240 700 540 543 1.131
Rodada 1e2 1 2 1 1e2
Estudo
Crenças sobre Município Município Município Município
aleatório
Recebeu estudo gratuitamente Não Não Não Não Sim
Indivíduos 755 700 540 543 731
(3)
TABELA 12
Experimento de crenças: atualização de crenças por atributos dos estudos
(1) (2) (3) (4) (5)
Variável
Posterior Posterior Posterior Posterior Posterior
Estudo
Crenças sobre Município Município Município Município
aleatório
P-valor inicial * desenvolvimento = sinal * desenvolvimento 0,791 0,755 0,742 0,142 0,869
P-valor inicial * grande = sinal * grande 0,001 0,002 0,064 0,069 0,001
GRÁFICO 3
Experimento de crenças: atualização de crenças
3A – Amostra completa
6
0,4
(Posterior - Inicial)
0,2
-0,2
Coef. = 0,319
-0,4 EP = 0,019
N = 1.240
-0,6
0,4
(Posterior - Inicial)
0,2
0,4
(Posterior - Inicial)
0,2
0
Coef. país desenv. = 0,290
-0,2 EP = 0,036
N = 624
-0,4 Coef. país rico = 0,274
EP = 0,036
N = 616
-0,6
GRÁFICO 4
Experimento de crenças: distribuição das atualizações de crenças
(Em %)
30
25
20
15
10
0
-0,5 0 0,5 1 1,5
(Posterior - Inicial) / (Sinal - Inicial)
22. Os resultados não mudam se eliminarmos os participantes que nunca atualizam (π = 0), ou que têm π ≤ 0 ou π
≥ 1 (tabela de resultados não reportada neste capítulo).
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formulação de política pública?
TABELA 13
Experimento de crenças: DAP por reporte de implementação
MQO MQ2E
(1) (2)
Variável
Reporte de implementação Reporte de implementação
16,4909 41,1943
Crença posterior final
(5,2677) (21,0608)
Observações 737 737
Instrumentalizou posterior final Não Sim
Indivíduos 737 737
Média 59,72 59,72
Desvio-padrão 33,69 33,69
4 CONCLUSÃO
Políticas públicas são fundamentais para o desenvolvimento econômico. Qual
o papel que a pesquisa científica sobre a efetividade de políticas públicas pode
desempenhar para estimular a disseminação de políticas efetivas e o abandono de
políticas não efetivas? Uma possibilidade é que a falta de (acesso a) informações
Conectando Pesquisa a Gestão Municipal: avaliações de impacto influenciam a | 189
formulação de política pública?
23. Estes correspondem aos custos de cem horas de um pesquisador com mestrado – considerando o salário-hora pago
por organizações internacionais de desenvolvimento – e de desenho do documento-resumo por parte de um designer
profissional. As horas do pesquisador se distribuíram aproximadamente em sessenta horas para revisão de literatura,
vinte horas para escritura de documento resumo e vinte horas para elaboração de dispositivos para a apresentação.
190 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
24. Nessa categoria incluíram, entre outros, a contratação de um instrutor brasileiro com experiência internacional
por dez dias – considerando o salário-hora pago por organizações internacionais de desenvolvimento –, o aluguel de
uma sala privada dentro da conferência para implementar as sessões de informação, as cópias do documento-resumo
utilizando uma impressão de alta qualidade e gastos de viagem do instrutor (passagem área, hotel etc.).
25. Note que um aumento de conformidade tributária não implica necessariamente um aumento de arrecadação. É possível
que apenas a data em que os tributos são pagos se modifique, aumentando a conformidade sem aumentar arrecadação.
Conectando Pesquisa a Gestão Municipal: avaliações de impacto influenciam a | 191
formulação de política pública?
26. Para simplificar a estimativa dos custos de implementação da política de cartas-lembrete, consideramos um custo
fixo igual a zero – uma suposição bastante plausível, tendo em conta o tipo de política. Para estimar os custos variáveis,
pressupomos que as prefeituras enviam uma carta-lembrete a todos os domicílios do município. Segundo o IBGE, em
cada domicílio brasileiro, moram, em média, aproximadamente três pessoas. Como o município médio da amostra do
experimento tem uma população de 21 mil habitantes, pressupomos que as prefeituras enviam 7 mil cartas-lembrete.
Levando em conta, em preços de 2016, um custo de R$ 0,13 por carta impressa, de R$ 0,85 por envelope tipo comercial
e de R$ 1,5 por carta enviada, o custo total de enviar uma carta-lembrete a todos os domicílios de um município é de
aproximadamente R$ 17.360.
27. Disponível em: <https://bit.ly/3z9qxkv>.
28. Ver o site da iniciativa A Ponte: <https://bit.ly/34gSzz8>.
192 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
REFERÊNCIAS
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program to deliver a scalable integrated early child development program in Co-
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BENJAMIN, D. J. Errors in probabilistic reasoning and judgment biases. In:
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CASTRO, L.; SCARTASCINI, C. Tax compliance and enforcement in the Pampas
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tion, v. 116, p. 65-82, 2015.
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EIL, D.; RAO, J. M. The good news-bad news effect: asymmetric processing of
objective information about yourself. American Economic Journal: Microeco-
nomics, v. 3, n. 2, p. 114-138, 2011.
FELLNER, G.; SAUSGRUBER, R.; TRAXLER, C. Testing en- forcement strategies
in the field: Threat, moral appeal and social information. Journal of the European
Economic Association, v. 11, n. 3, p. 634-660, 2013.
Conectando Pesquisa a Gestão Municipal: avaliações de impacto influenciam a | 193
formulação de política pública?
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste capítulo é apresentar algumas das inúmeras possibilidades da
utilização de simulações computacionais em apoio à tomada de decisão de políticas
públicas. Em assuntos complexos, multicausais, submetidos ao crivo simultâneo de
várias arenas decisórias e expostas à diversidade de pontos de vista e a confrontos
intensos, não raro de cunho ideológico, simulações desse tipo podem ajudar os
contendores a visualizar os impactos de suas escolhas e a reagir aos efeitos que elas
podem acarretar. De forma prática, um gestor pode testar alternativas de políticas
habitacionais, por exemplo, e observar se uma política de subsídio ao aluguel ou de
compra e repasse de imóveis resulta em maior ou menor desigualdade, ao mesmo
tempo que gera impactos na produção e no consumo. A cobertura da modelagem
e da simulação poderia indicar, ainda, se um montante de investimento fixo traria
melhores resultados se investidos na melhoria da qualidade da educação ou na
política habitacional.
Adicionalmente, para além da capacidade de simulações de sistematizarem
a racionalidade de planejamento e sua capacidade de antecipar efeitos de políticas
públicas, métodos computacionais adicionais atuam em conjunto para que os
resultados das políticas sejam mais bem detalhados, factíveis e permitam aos in-
terlocutores compreender efeitos e participar do processo decisório, antes que as
decisões sejam tomadas. Fundamentalmente, observam-se os resultados antes de
implementar, de olhos cerrados, políticas públicas.
Gestores da coisa pública, técnicos da burocracia e representantes do povo – os
políticos – realizam diagnósticos, identificam problemas, melhorias, necessidades
sob sua jurisdição, priorizam e atuam para minimizar entraves e otimizar soluções.
1. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura (Diset)
do Ipea. E-mail: <bernardo.furtado@ipea.gov.br>.
2. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia
(Diest) do Ipea. E-mail: <antonio.lassance@ipea.gov.br>.
196 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
e sistemas de apoio à decisão (Allison, 1971; Neustadt e May, 1986; Bekman e Neto,
2009; Berger, 2013) são todos sistemas complexos. As ciências sociais que os estudam
buscam, justamente, entender tal complexidade e dar tratamento às incertezas que
os cercam, ou, de outra forma, sistematizar em fluxos, quantidades, probabilidades,
trajetórias e resultados das alternativas e intervenções realizadas por gestores públicos.
Sistemas complexos começaram a ser conceituados, compreendidos e des-
critos como tais, de forma paulatina, a partir da metade do século XX (Furtado e
Sakowski, 2014). São sistemas que contêm partes múltiplas e descentralizadas que
interagem entre si, que não estão necessariamente em equilíbrio, cuja interação
promove propriedades emergentes do sistema (inovações) e que podem não ser
plenamente deduzíveis a partir da estratégia mais cartesiana de análise individual
de seus componentes (Anderson, 1972).
Sistemas complexos se adaptam, aprendem, evoluem e entram em crise, como
se fossem eles próprios organismos vivos. Os atores emprestam muitos de seus atri-
butos quando, no processo de interação, reagem, se retroalimentam e demonstram
resiliência (Simon, 1959), erram, ganham, perdem e aprendem.
A tomada de decisão e a manutenção (ou não) da decisão tomada – espe-
cialmente para as questões de políticas públicas – situam-se nesse contexto de
características complexas. Ainda mais quando se somam aspectos de criticidade,
urgência, dimensão (amplitude do problema a um grande público-alvo), multicau-
salidade, multiplicidade político-institucional das arenas decisórias e limitações de
prazo de implementação (por exemplo, a um mandato dos dirigentes ou a trocas
de comando de pastas encarregadas de coordenar as soluções).
Em suma, tanto o processo de tomada de decisão quanto a política em si e seu
contexto podem ser considerados como sistemas complexos, compostos pelos agentes
promotores e os beneficiários da política (ou os que foram excluídos por ela), que in-
teragem entre si, de forma não simétrica; e cuja interação pode resultar em alterações
na política, ou desvios na sua observância, que geram efeitos de retroalimentação, que
podem resultar em efeitos, novamente, não ótimos, por exemplo.
A constatação de que políticas públicas são sistemas complexos (Mueller, 2015)
não significa um convite à inação. De forma alguma. Significa que o processo em si
deve ser abordado incorporando sua complexidade, e não simplificando essa tarefa
a partir de sua repartição em compartimentos menores e estanques.
O que se buscará expor, doravante, é que há um repertório de métodos e me-
todologias que, em conjunto com a compreensão do fenômeno, podem contribuir –
de forma marcantemente significativa – na condução do processo na direção de
resultados socialmente mais benéficos, com base em decisões melhor informadas,
inclusive em relação a opções que signifiquem algo diferente ao jogo de soma zero.
198 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
5. Haldane e Turrel (2018) ilustram o exercício feito por Enrico Fermi no início do século XX, à mão, para simular o
comportamento de neutros individualmente feito de forma mecânica, uma vez que a solução analítica da equação
era impraticável.
6. Veja, a título de exemplo, a avaliação oficial do Programa Minha Casa Minha Vida e a avaliação do conjunto de
técnicos e pesquisadores.
Simulações Computacionais Aplicadas à Tomada de Decisão Pública | 201
. (2)
Além de formal e computável, a ABM pode ser inspecionável. Isto é, para
além da descrição algorítmica, as linhas do código de programação podem ser
verificadas e validadas. Aliás, a recomendação padrão de boas práticas entre a
comunidade científica ABM é que o código esteja sempre disponível (Edmonds
et al., 2019; Grimm et al., 2020).
A grande vantagem da ABM é que seus resultados não dependem de resolução
analítica das equações. Dadas as regras de comportamento, descritos os estados dos
agentes e do ambiente, é possível apenas deixá-los interagir e observar o resultado.
Nesse sentido, não é necessário impor restrições matemáticas, tais como que a “curva
seja bem-comportada”, convexa, ou que a segunda derivada seja positiva, por exemplo.
7. A equação informa que o estado dos agentes (A) em t+1 é função do estado dos agentes e do ambiente (E) em t.
O ambiente, por sua vez, em t+1, é função também do estado dos agentes e do ambiente em t (Epstein e Axtell, 1996).
202 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
8. De todo modo, há ABM que busca exatamente avançar na contribuição teórica e simular regras hipotéticas, observando
se, como resultado, o sistema se comporta como observado empiricamente.
Simulações Computacionais Aplicadas à Tomada de Decisão Pública | 203
9. Tradução livre do original, em inglês: “a possible causal chain from a set-up to its consequences in terms of mecha-
nisms in a simulation”.
204 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Existe, ainda, toda uma tradição de publicações em várias áreas das ciências
naturais e exatas, com especial atenção nas áreas de epidemiologia, ecologia e
comunicação e cognição.
FIGURA 1
Ilustração do processo de simulação para o caso do PolicySpace2
13. Para interessados, recomendamos, em especial, os artigos publicados no Journal of Artificial Societies and Social
Simulation. Disponível em: <http://jasss.soc.surrey.ac.uk>.
210 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
14. Tradução livre do original em inglês: “it mimics the world as closely as possible along a limited, but clearly specified,
number of dimensions”.
15. Do original em inglês: Directed Acyclic Graph.
16. Machine Learning, em inglês.
212 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
4.3 Redes
A grande contribuição de redes, estudos de redes e até “ciência de redes” para a
análise de fenômenos e mecanismos é a compreensão de que redes trazem conceitos
de estrutura para análise, caminhos e conexões entre agentes (ou instituições, por
exemplo) que são facilmente representados matematicamente (Clauset, Moore e
Newman, 2008; Newman, 2010; Newman, Barabási e Watts, 2006). A melhor
definição de redes é um conjunto de nós ou nódulos e conexões (vertices e edges,
em inglês) que estão conectados. Essa estrutura subjacente pode contribuir na
análise de conexões entre pessoas (todas partes de uma seita, por exemplo) ou de
terminais de computador ligados a uma central.
O interessante é que, dada sua descrição matemática – por meio de uma ma-
triz de adjacências, por exemplo –, várias medidas e definições contribuem com a
descrição e a compreensão da rede. A noção de redes oferece suporte ao raciocínio
de como ocorrem as interações e as conexões entre partes (agentes) de um sistema.
De forma ilustrativa, pense em um modelo espacial que localiza os agentes.
A rede pode tornar a análise mais detalhada, especificando quais pontos estão
efetivamente interligados por vias transitáveis. É possível, com isso, dar mais con-
cretude à análise abstrata inicial.
4.4 DSGE
Equilíbrio Geral Estocástico e Dinâmico (DSGE, do inglês Dynamic Stochastic
General Equilibrium) refere-se ao método computacional preferencial para análise
macroeconômica, com vistas à compreensão de ciclos econômicos e crescimento
econômico, inserido na classe de Ciclos Reais de Negócios (Kydland e Prescott,
1982). Baseados no equilíbrio geral walrasiano, DSGEs descrevem a economia
por meio de agentes representativos que operam em mercados competitivamente
perfeitos. Estabelecido o modelo, é possível inserir choques exógenos e observar o
comportamento econômico resultante.
O DSGE básico inclui: i) mercados perfeitos e competitivos; ii) ajuste de
preços instantâneo; iii) expectativas racionais; iv) informação perfeita; e v) firmas
tomadoras de preços, bem como famílias que vivem indefinidamente.
Várias críticas foram realizadas em relação aos modelos DSGE, o que acabou
resultando em ajustes e melhorias no processo, com incorporação paulatina, por
exemplo, de agentes heterogêneos, mercados imperfeitos, preços com ajuste lento
e até comportamento subótimo. Há críticas ferrenhas aos modelos DSGE, de or-
dem teórica, procedural e empírica (Fagiolo e Roventini, 2017), ao mesmo tempo
em que também há defensores que argumentam que modelos novo-keynesianos
também seriam insuficientes (Chari, Kehoe e Mcgrattan, 2009).
Simulações Computacionais Aplicadas à Tomada de Decisão Pública | 213
5 DISCUSSÃO
Uma das mais importantes possibilidades de aplicação da ABM é poder incidir sobre
a montagem e o refinamento de sistemas de apoio à decisão em políticas públicas.
Decisões de Estado de alta complexidade, tomadas sobre questões de grande
envergadura, rodeadas por fatores críticos, sensíveis a impactos prolongados no
longo prazo e premidas pela urgência e incerteza, exigem altos custos ao processo
de construção das decisões (Lassance, 2021).
Para tornar esse tipo de problema melhor conhecido e manuseável pelos
dirigentes, as organizações públicas buscam apoio interno ou externo para que as
circunstâncias e a formulação de alternativas sejam antecedidas por processos de
apoio à decisão.
Isso permite que o problema possa ser esmiuçado em parte menores, mas
interligadas. São recolhidas informações – de dados quantitativos a percepções
e suposições prospectivas – e oferecidas recomendações mais consistentes, com
alguma simulação de prós e contras.
Tradicionalmente, dirigentes valem-se de apoio técnico especializado externo
e de assessoria própria para contar com o devido o apoio à decisão. Conforme
lembra Lassance (2021, p. 52):
a existência ou inexistência prévia de estruturas montadas tornam o apoio à decisão
mais estruturado, profissionalizado e especializado ou, ao contrário, os dirigentes terão
que se valer de processos precários, mais amadorísticos, genéricos, menos capazes
de oferecer recomendações igualmente mais estruturadas sobre grandes problemas.
O uso de ABM permitiria pelo menos três avanços significativos. Primeiro,
o de dar tratamento técnico especializado capaz de simular impactos das decisões
com maior precisão. Não necessariamente em relação a todo e quaisquer aspectos,
mas àqueles que estejam afetados por maior incerteza e que possam contar com
recortes de objeto e especificações capazes de oferecer simulações minimamente
bem parametrizadas.
A segunda vantagem seria reservar à assessoria o papel mais estratégico e
analítico de suporte. Muitas decisões exigem informações de natureza qualitativa,
sondagens de bastidores, tratamento de problemas conforme casos similares já
ocorridos, entre outros aspectos. Em problemas de natureza política, a relação
entre as dimensões – qualitativa e quantitativa; objetiva e subjetiva; entre a lógica
da reiteração (dos jogos com estratégias repetitivas) e a opção de surpreender o
adversário e provocar mudanças de rumo – precisa ser harmoniosa. O uso da
ABM, de modo criterioso e parcimonioso, cumpre o papel de proporcionar um
convite a que diferentes tradições de pesquisa se unam em torno da solução de
problemas complexos.
214 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
essas simulações como parte das alternativas dispostas em mesa, e não como meros
exercícios de geração de famílias de cenários sem a possibilidade de serem devida-
mente digeridos como insumo pelos dirigentes.
Para além da utilização de ABM em contextos de políticas públicas, a abor-
dagem de sistemas complexos, vista de maneira mais ampla, contribui com o
argumento que questiona a rigidez e a certeza esperada pela burocracia.
Não há, de fato, alternativa simples que não seja prever, por meio legal, os
efeitos, o modo, os resultados, os custos e as entregas de uma determinada proposta
de política pública. Entretanto, qualquer política que estabeleça efeitos pressupõe,
de forma peremptória, que se conheçam os mecanismos, que todo o sistema, desde
a publicação da lei – qual seja: a implementação, a liberação de recursos, a reação
dos beneficiários, a reação dos não beneficiários, a magnitude dos resultados e a
capacidade da política de alterar elementos do sistema – seja conhecido. E isso não
é verdade para uma grande parte das políticas (Mueller, 2015).
Como já ilustrado, é possível que essas previsões e essa compreensão do fenô-
meno sejam mais completas, por exemplo, na engenharia de tráfego.17 Claramente,
todavia, não há consenso científico explícito de que reduzir taxas de juros gera
inflação, por exemplo. Ainda que se concorde com a relação entre taxas básicas
de juros da economia e inflação, seus modos de transmissão e, mais relevante, sua
magnitude são desconhecidas.
Essas constatações não implicam a imediata inação dos dirigentes e de suas
burocracias. De maneira alguma. Todavia, seria interessante se as certezas fossem
abandonadas e se as metas fossem probabilísticas, com intervalos plausíveis de
variação e orientadas a momentos bem mais curtos no tempo.
Nesse sentido, especificamente, a ABM pode contribuir com a produção
de: i) melhor compreensão de mecanismos que afetam sistemas e fenômenos;
e ii) indicativos sobre a magnitude e a probabilidade de efeitos resultantes
após a interação de múltiplos fatores, agentes e mudanças de ambiente.
Sugere-se, portanto, entendimentos mais amplos (embora não menos preci-
sos) de prováveis desdobramentos de implementação de políticas, a partir da
melhor compreensão dos mecanismos, sua descrição e exercícios de geração
de efeitos quantificáveis.
17. Exceto, talvez, pela criticalidade do ponto de densidade que desemboca em congestionamentos. Também se excluem
aspectos mais gerais de mobilidade urbana e distribuição de redes de transportes, tais como preferências dos usuários
na escala metropolitana, por exemplo.
216 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo caracteriza as políticas públicas essencialmente como sistemas com-
plexos que, como tal, exigem cuidados adicionais na sua compreensão e em pos-
síveis propostas de intervenção. Sistemas complexos envolvem a interação, a ação
e a reação de agentes heterogêneos no tempo e no espaço, não necessariamente
de forma coordenada ou hierárquica, mas que possuem informações localizadas
ou restritas, imperfeitas, e que, em conjunto, como sistema, se modificam, se
adaptam, não necessariamente da mesma forma e sempre. Em especial, sistemas
complexos se distinguem de problemas complicados que possuem várias fases, mas
cujos resultados são conhecidos, as interações descritas e o comando é seguido,
literalmente, da entrada à saída.
Métodos computacionais, adicionalmente, podem ser muito úteis para lidar
com panoramas múltiplos, detalhados, imbricados. Especialmente, o texto apre-
senta em mais detalhes a ABM, seus propósitos, vantagens e múltiplas aplicações.
A vantagem primordial para aplicação em políticas públicas parece ser a de
fornecer um ambiente formal (computacional, determinístico, equações, código)
sobre o qual vários stakeholders (partes interessadas) podem se debruçar e esmiuçar,
questionar, validar, comunicar compreensões distintas de como o processo se
desenvolve. É rápido e barato para servir de protótipo concreto e ambiente de
comunicação para a análise de possíveis efeitos esperados de implementação de
determinada política pública.
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220 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
NICOLESCU, B. Transdisciplinarity: theory and practice. New York: Hampton
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CAPÍTULO 6
1 INTRODUÇÃO
A literatura sobre políticas públicas baseadas em evidências (PPBEs) tradicional-
mente enfatiza a conexão (e a influência) de evidências científicas no ciclo de gestão
de políticas públicas. No entanto, mais recentemente, o diálogo entre a PPBE
e as diferentes abordagens epistemológicas que emergiram nas últimas décadas
no campo de análise de políticas públicas tem aberto espaço para a inclusão de
uma perspectiva contextual, para que outras lógicas e saberes possam também ser
considerados evidências (Fischer, 2000; Yanow e Schwartz-Shea, 2006; Lejano,
2006; French, 2019; Peres, Boullosa e Bessa, 2020; Pinheiro, 2020a; 2020b).
Nesta seara, as instituições participativas (IPs) passam a ser vistas como lócus de
produção de conhecimento.
Neste capítulo, argumentamos que, por um lado, as IPs promovem a inclusão
de subsídios baseados em diferentes formas de saber para a gestão de políticas públi-
cas. Por outro lado, discutiremos como tais subsídios são debatidos, transformados
e ressignificados para que seja possível gerar evidências híbridas, que são aquelas
oriundas dos encontros, dos debates, das deliberações, dos acordos operacionali-
záveis e dos conflitos manifestados nesses espaços. São conhecimentos que surgem
das relações fecundas travadas por distintos atores, que dificilmente interagiriam
fora das IPs (Abers e Keck, 2008).
É nesse arcabouço que se situa o objetivo geral deste capítulo, que é discutir
duas perguntas-chave, a saber: i) se as IPs produzem ou não evidências para as
1. Os autores e a autora agradecem os valiosos pareceres de Ricardo Fabrino Mendonça e Mário Aquino Alves.
2. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia
(Diest) do Ipea. E-mail: <igor.fonseca@ipea.gov.br>.
3. Especialista em políticas públicas e gestão governamental na Diest/Ipea. E-mail: <natalia.koga@ipea.gov.br>.
4. Especialista em políticas públicas e gestão governamental na Diest/Ipea. E-mail: <joão.pompeu@ipea.gov.br>.
5. Especialista em políticas públicas e gestão governamental na Diest/Ipea. E-mail: <daniel.avelino@ipea.gov.br>.
224 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
mencionado. Podemos dizer que o movimento da PPBE traz uma nova roupagem
ao debate clássico sobre a separação entre a técnica e a política no âmbito das
discussões sobre políticas públicas em contexto democrático.6
Enquanto a PPBE revisita a ideia de que esta separação é desejável, aborda-
gens pós-positivistas, como a inaugurada pela Virada Argumentativa, rejeitam a
possibilidade dessa separação e propõem discutir meios para considerar valores,
crenças e políticas na análise do policymaking (Fischer, 2000; Yanow e Schwartz-Shea,
2006; Lejano, 2006; Spink, 2019; Pinheiro, 2020a; 2020b; Peres, Boullosa e Bessa,
2020). Desta forma, em que pese alguns desses trabalhos terem sido produzidos
antes mesmo de o termo PPBE ter sido cunhado, os argumentos por eles levanta-
dos valem ser resgatados por trazerem subsídios relevantes para discutir o papel da
participação social na produção de evidências, entendidas essas de maneira mais
alargada, isto é, como forma de conhecimento que possa ser utilizado na produção
de políticas públicas.
O segundo ponto diz respeito à diversidade de concepções de participação
social dada nos diferentes contextos de análise dessa literatura. Em alguns casos,
como nos teóricos que enfatizam o conceito de democracia participativa, a parti-
cipação é trazida como um fenômeno mais abrangente, como um dos processos
geradores de transformação social e construção democrática (Pateman, 1970, 2012;
Macpherson, 1977; Barber, 2003). Nesta vertente, a participação social possui um
fim em si mesmo, independente de seus resultados em decisões ou políticas públicas.
Outros teóricos, ligados à citada vertente argumentativa, abordam a participa-
ção social a partir da ótica da democracia deliberativa, em que o caráter deliberativo
da participação enfatiza a construção de fóruns onde teriam debates pautados pela
racionalidade comunicativa entre o conjunto de atores interessados das políticas
públicas, em tentativas de reproduzir e potencializar as esferas públicas (Habermas,
1992; 1997; 2002; Calhoun, 1996; Cohen, 1999). A participação passa a ter um
fim ligado à produção coletiva de decisões e à sua legitimação social. A ênfase
empírica passa a ser o desenho institucional de fóruns (que vão desde instâncias
pontuais como referendos, audiências públicas, reuniões com grupos de interesse,
reuniões de associações de bairro, até instâncias mais estáveis e estruturadas como
conselhos de políticas públicas, orçamento participativo e conferências nacionais).
Considerando o nosso objetivo de identificar as potencialidades e os limites
da participação como fonte de evidência para as políticas públicas, interessa-nos
examinar o conceito em diversos significados. Pelo foco comum na racionalidade e
pela crença que é necessário reformular o diálogo entre técnica e política, o debate
entre PPBE e participação tem sido feito, na literatura especializada, a partir do
6. Para uma análise mais aprofundada sobre esse debate, ver, por exemplo, Schumpeter (1961), Bobbio (1997), Dahl
(2001; 2012), Brenan (2016) e Sandel (2020).
Instituições Participativas e Evidências Híbridas: deliberação, relações fecundas e | 227
ecologia de saberes
como meios capazes de apoiar a política pública, como, por exemplo, o uso da
participação para elucidar contextos desconhecidos pelos burocratas ou especialistas.
Uma outra frente de análise da relação entre participação e produção de
evidência ressalta as diferenças entre evidências científicas e os conhecimentos e
subsídios produzidos por meio da participação social. Os resultados das experiências
deliberativas, que, em geral, são pesquisados e analisados a partir de metodologias
qualitativas de investigação de estudos de casos específicos, são muitas vezes des-
cartados ou pouco considerados por serem avaliados como desprovidos de rigor
ou robustez empírica que garanta a replicabilidade ou confirmações teóricas.
A predominância da lógica positivista e quantitativa para a definição da chamada
hierarquia de evidências – isto é, dos parâmetros de valoração dos tipos de evi-
dência científica7 – relega a deliberação a um segundo plano de fonte de evidência
(Pallett, 2020).
A análise das diferenças epistemológicas entre o neopositivismo e o
pós-positivismo permite-nos identificar distintas contribuições que as evidências
produzidas a partir de cada uma dessas epistemologias podem gerar (Fischer,
2000). Enquanto a abordagem neopositivista busca generalizações a partir de um
consenso construído por meio da reprodução de testes empíricos e confirmação
estatística, a abordagem pós-positivista parte do conhecimento contextualizado e
busca produzir análises de políticas por meio do exame dos processos discursivos
estabelecidos entre visões distintas no campo (Danziger, 19958 apud Fischer, 2000;
Dryzek, 2016; Yanow e Schwartz-Shea, 2006).
Em que pese a permanente busca pela objetividade científica na perspectiva
positivista e neopositivista defendida pela PPBE, seus críticos demonstram a ra-
cionalidade limitada dos agentes (Simon, 1956) e argumentam que os processos
de construção de conhecimento também são carregados de julgamentos e escolhas
que não são exclusivamente técnicas, mas permeados por valores e fatores sociais
(Fischer, 2000). Neste sentido, as deliberações teriam o condão de trazer à tona os
valores e as visões distintas sobre as questões e problemas públicos, assim como o
conhecimento local (Fischer, 2000; Pallett, 2020). Ao contextualizar as questões
e incentivar a deliberação, a participação permitiria, ainda, revelar a dimensão
política – com seus interesses, recursos e jogos de poder –, na qual os problemas
públicos estão inexoravelmente inseridos (Fischer, 2000).
Desta forma, diversas vantagens e subprodutos podem ser apontados na
promoção do encontro e da deliberação entre cidadãos, burocratas e especialistas.
7. Ainda que não haja consenso sobre todos os níveis dessa hierarquia, é possível dizer que os experimentos aleatórios
controlados, as meta-análises e as revisões sistemáticas encontram-se no topo da pirâmide da hierarquia de evidências.
8. Danziger, M. Policy analysis postmodernized: some political and pedagogical ramifications. Policy Studies Journal,
v. 23, n. 3, p. 435-450, 1995.
Instituições Participativas e Evidências Híbridas: deliberação, relações fecundas e | 229
ecologia de saberes
que seus atributos e suas potenciais contribuições para a política pública não são
distintos, mas sim complementares.
O desafio, portanto, é o de aproximar e construir ligações entre conhecimento
especializado e opinião pública, considerando que tanto os constrangimentos téc-
nicos como as preferências públicas condicionam a produção da política pública.
A interação com os cidadãos tem o condão de alimentar os especialistas com as
experiências, as preferências e os valores presentes no contexto de política pública.
Ignorar estes valores implica a perda de subsídios importantes para os decisores e
produtores da política e dificulta a legitimidade social das decisões, que é funda-
mental em um sistema democrático. O alerta levantado por Fischer (2000, p. 9)
quanto aos perigos da exacerbação de um modo tecnocrático de tomada de decisão
não poderia ser mais acertado: “alguns autores sugerem até que a divisão entre os
que têm e os que não têm conhecimentos especializados será uma das fontes básicas
de conflito social e político no novo século”.9
9. Esse dilema invade, por exemplo, o campo da filosofia política. Brenan (2016) defende um regime que ele chama de
epistocracia, ou seja, o domínio das pessoas que têm conhecimento. Ele argumenta que o cidadão médio americano
é pouco instruído, despreparado. As decisões do eleitor são baseadas na emoção e há pouca racionalidade nas suas
escolhas. Para o autor, as decisões políticas devem ser tomadas pelos especialistas. Em um registro oposto, o filósofo
Michael Sandel, discutindo a meritocracia, alega que um dos grandes problemas da política americana é que, desde
a década de 1960, a participação da população trabalhadora vem diminuindo cada vez mais na elite decisória. Isto
faz com que essa elite seja insensível aos problemas que afetam a maioria da população. Desde a década de 1970, a
desigualdade de renda aumenta constantemente nos Estados Unidos e há poucas propostas concretas para resolver
esse problema (Sandel, 2020).
232 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
10. Como destaca Ramos (1989) em sua análise sobre a visão de Habermas acerca da racionalidade: “na ‘sociedade
industrial de larga escala, a pesquisa, a ciência e a tecnologia e a utilização industrial fundiram-se num sistema’ (Ha-
bermas, 1968, p. 104), levando assim a uma forma repressiva de estrutura institucional, em que as normas de mútuo
entendimento dos indivíduos estão absorvidas, num ‘sistema comportamental de ação racional de propósito determi-
nado’ (op. cit., p. 106). Em outras palavras, num ambiente desse tipo a diferença entre a racionalidade substantiva e a
pragmática torna-se irrelevante e chega a desaparecer. De fato, a sociedade técnico-industrial legitima-se através da
escamoteação objetiva dessa diferença” (Ramos, 1989, p. 13).
Instituições Participativas e Evidências Híbridas: deliberação, relações fecundas e | 233
ecologia de saberes
11. Decreto no 8.243, de 23 de maio de 2014, revogado pelo Decreto no 9.759, de 11 de abril de 2019.
Instituições Participativas e Evidências Híbridas: deliberação, relações fecundas e | 241
ecologia de saberes
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, debatemos as possíveis contribuições da participação social como fonte
de evidências para a produção de políticas públicas. Partindo da análise da literatura
que discute os preceitos e as críticas do movimento das PPBEs, mostramos que o
tema ainda é pouco explorado nesses trabalhos e, quando o é, toma-se a participação
social em uma visão circunscrita a alguns aspectos da perspectiva deliberativa.
Tendo em vista o caráter polissêmico do termo participação social, procura-
mos analisar as principais abordagens teóricas que o conceituam, considerando
aspectos que interessam ao debate das evidências para as políticas públicas. Três
abordagens foram destacadas neste capítulo: da democracia deliberativa, da de-
mocracia agonística e da ecologia de saberes. Elas apresentam diferentes formas
de compreender ou conceber: i) a natureza do conhecimento; ii) o objetivo do
processo participativo; iii) as formas de interação entre os atores envolvidos; e
iv) as características das evidências produzidas pela participação.
Não obstante suas diferenças, argumentamos que as três abordagens ofe-
recem contribuições para o argumento da participação social como potencial
geradora do que nomeamos de evidências híbridas, ou seja, evidências originadas
do encontro entre diferentes atores e grupos, seja por meio de debates, delibe-
rações, acordos operacionalizáveis ou mesmo conflitos manifestados no interior
dos espaços participativos.
Na visão deliberativa, a participação social seria entendida como um meio
de organizar a chegada dos diferentes substratos da racionalidade ao processo
decisório. A busca por acordos operacionalizáveis desta abordagem colocaria o
fenômeno participativo como um meio de alcance de complementaridade entre
o conhecimento científico, burocrático e do cidadão comum por meio de pro-
cessos dialógicos.
A abordagem agonística, por sua vez, parte do pressuposto de que o conflito
é inerradicável e inerente às relações sociais e, portanto, à esfera política. A pers-
pectiva agonística sustenta que o não reconhecimento do conflito traz ameaça à
democracia, uma vez que exclui posições e identidades minoritárias e discordantes
que, ao não serem reconhecidas na esfera política, terminam por encontrar vazão
apenas em outras esferas da vida, tais como a religiosa ou a privada. Dentro dessa
compreensão, os espaços participativos tornam-se, para a abordagem agonística,
potencial lócus da manifestação democrática no sentido pluralista, isto é, de garantia
242 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
(Avelino, Ribeiro e Machado, 2018), foram acatados pela Câmara dos Deputados
ao aprovar o PDL, que não concluiu sua tramitação no Senado Federal.
O segundo ato começou no governo de Michel Temer, que editou a Medida
Provisória no 744, de 1o de setembro de 2016, eliminando o Conselho Curador
da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). A exposição de motivos enviada ao
Congresso Nacional justifica que a extinção do colegiado “deve-se à necessidade de
agilizar as decisões no âmbito da EBC, em observância ao princípio da eficiência”
(Oliveira e Padilha, 2016). Os riscos por trás dessa tendência também já foram
analisados (Avelino, Alencar e Costa, 2017).
Por fim, no governo de Jair Messias Bolsonaro, o argumento da eficiência
casa com o da economicidade para justificar várias medidas de restrição do fun-
cionamento de espaços participativos, como o Decreto no 9.759, de 11 de abril de
2019, que “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da
administração pública federal” (Brasil, 2019). Quando esse ato teve a sua consti-
tucionalidade questionada perante o Supremo Tribunal Federal, a Advocacia-Geral
da União fez uso desses argumentos para defender o ato presidencial, “à medida
em que (sic) implementa uma melhor racionalização da utilização dos recursos,
estrutura e mão de obra públicos ao reduzir a exorbitante quantidade de colegiados
que, na prática, acabava por onerar a máquina pública e embaraçar o alcance do
seu melhor funcionamento” (AGU, 2019, p. 4). O efeito dessas medidas sobre
os espaços de participação e o fenômeno da concentração do poder de agenda
governamental também já foram discutidos (Avelino, Fonseca e Pompeu, 2020).
Analisando tal percurso, é possível perceber que o movimento contrário à
participação social é iniciado com argumentos abertamente político-partidários
para, ao longo do tempo, incorporar um discurso aparentemente mais técnico e
sofisticado, que usa argumentos de eficiência e economicidade para justificar o
fechamento decisório da administração pública. Com os ataques à participação
social, é importante tentar identificar, além do anunciado retrocesso democrático, o
que se perde também em termos de aporte de evidências para as políticas públicas.
A percepção é que o fechamento político esconde também um fechamento
epistêmico, em linha diametralmente oposta às evidências híbridas discutidas ao
longo deste capítulo. Ficariam assim expurgadas, naquele primeiro ato, todas as
manifestações e os conhecimentos provenientes de grupos sociais não necessa-
riamente apoiadores do governo de ocasião. Além disso, como ficou evidente do
segundo ato em diante, não bastava silenciar os grupos opositores: era necessário
encerrar os diálogos “ineficientes”, assim considerados como qualquer interpelação
à administração pública que embaraçasse “o alcance do seu melhor funcionamento”
(AGU, 2019, p. 4). Esse discurso, embasado na racionalidade instrumental, mos-
trou que havia um projeto a ser cumprido pela administração pública e qualquer
Instituições Participativas e Evidências Híbridas: deliberação, relações fecundas e | 245
ecologia de saberes
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CAPÍTULO 7
1 INTRODUÇÃO
Como parte do rol de metodologias qualitativas, a pesquisa etnográfica ainda é
pouco utilizada no campo da análise de políticas públicas (Pacheco-Vega, 2020).
A obtenção de dados a partir de pesquisas quantitativas é comumente preferível,
entre os gestores públicos, aos dados obtidos por meio de pesquisas qualitativas,
nem sempre quantificáveis e fáceis de interpretar. Segundo Pires (2010), os métodos
qualitativos possibilitam a compreensão do funcionamento de projetos e progra-
mas por meio da apreensão de processos cotidianos, atividades organizacionais e
comportamentais, além das narrativas e práticas de seus agentes e do público aos
quais são direcionados. Nesse sentido, os métodos qualitativos podem ser vistos
não só como meio para auxiliar a tomada de decisão, mas também como forma
crítica de compreender ações e comportamentos que influenciam o cotidiano
operacional dos atores públicos.
Nos últimos anos, tem sido crescente, entre gestores e técnicos do governo
federal, a busca por informações e pesquisas contextualizadas, in loco, que reflitam
as complexidades, os múltiplos interesses, as perspectivas e os desafios da imple-
mentação de políticas públicas junto a cidadãos, usuários e trabalhadores da ponta.
Entender como as políticas são compreendidas, apropriadas e reproduzidas por
seus beneficiários e atores locais nos processos de implementação é fator relevante
para a construção e readequação das políticas públicas (Pires, 2019).
Segundo Howlett e Mukherjee (2018), entre os métodos qualitativos existen-
tes, a etnografia é o que melhor proporciona insights sobre o comportamento de
grupos e indivíduos, os quais podem ser utilizados como informações relevantes
no processo de desenho de políticas. A utilização de etnografia como método
3. Ainda que o estudo de caso analisado seja uma pesquisa de avaliação de políticas públicas (policy evaluation), o
debate sobre o uso de etnografias como evidência trazido neste capítulo não se pretende esgotar nessa etapa do
ciclo de políticas públicas. Assim sendo, o termo “avaliação de políticas públicas” (policy evaluation) será empregado
para se referir especificamente à pesquisa etnográfica discutida e/ou à etapa específica de avaliação da execução e
implementação de uma política. O termo “análise de políticas públicas” (policy analysis) será mantido em sentido
amplo, nas hipóteses em que a discussão se referir ao processo geral de políticas públicas, envolvendo outras etapas
que não apenas a avaliação.
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 253
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras
outros órgãos quanto quando interagimos com a sociedade civil, por meio de suas
organizações e contato individualizado com os cidadãos (Robert, 2020). Feita
essa consideração, é importante frisar que, como pesquisadoras, nos preocupamos
com a produção de dados científicos, os quais tratam tanto de questões teóricas
quanto empíricas, na busca do conhecimento dos processos sociais inerentes ao
campo estudado.
Com o objetivo de analisar o processo de produção de evidências etnográficas
pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), por meio da pesquisa inti-
tulada Estudos etnográficos do Programa Bolsa Família entre os povos indígenas, este
capítulo lança mão de três estratégias metodológicas: i) levantamento documental,
que engloba não só a referida pesquisa, mas também a análise de documentos
institucionais que se referem ao objeto em estudo; ii) realização de entrevistas
semiestruturadas com atores que participaram do processo analisado neste capítulo;
e iii) autoetnografia,4 abordagem de pesquisa que busca descrever e sistematizar, de
forma analítica, a experiência pessoal, para a compreensão da experiência cultural
(Maso, 2001).
Para o levantamento documental, foram considerados os relatórios elabora-
dos pelos antropólogos durante a pesquisa e os relatórios finais publicados pelo
MDS (Brasil, 2015; 2016); além de notas, e-mails, relatórios e demais registros
documentais. Ademais, foram realizadas cinco entrevistas com gestores e técnicos
que faziam parte do quadro de quatro secretarias do MDS, a Secretaria Nacio-
nal de Assistência Social (SNAS); a Secretaria Nacional de Renda de Cidadania
(Senarc); a Secretaria Nacional de Superação da Extrema Pobreza (Sesep) e a Secre-
taria Executiva (SE), à época da pesquisa e da Funai, sendo duas delas concedidas
em função da pesquisa para a dissertação de uma das autoras (Robert, 2020).
Não obstante, com vistas a apresentar a moldura contextual que permeou a
elaboração dos Estudos etnográficos do Programa Bolsa Família entre os povos indí-
genas, bem como a elaboração das respostas institucionais aos achados da pesquisa
e a validação dos resultados como evidências para os gestores, as autoras deste
capítulo entenderam que não bastaria analisar documentos e realizar entrevistas
com os atores que participaram do processo. Era importante também considerar
4. A autoetnografia é uma abordagem de pesquisa que busca descrever e sistematizar, de forma analítica, a experiência
pessoal, para a compreensão da experiência cultural. Enquanto se consolida como método científico para a análise de
políticas públicas, alguns pesquisadores que utilizaram essa abordagem afirmam que a autoetnografia é tanto o pro-
cesso quanto o produto da pesquisa (Ellis, Adams e Bochner, 2011). Assim, o pesquisador que se intitula autoetnógrafo
usa técnicas tanto da autobiografia quanto da etnografia no estudo das práticas relacionais de determinada cultura,
seus valores e crenças, por meio da observação participante, na qual o pesquisador divide sua experiência entre as
perspectivas nativas (insiders) e externas (outsiders).
254 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
5. Isabele Villwock Bachtold é analista técnica de políticas públicas no Ministério da Cidadania (ex-Ministério do
Desenvolvimento Social) desde 2013, mestre em antropologia pela Universidade de Brasília (UnB) e em estudos do
desenvolvimento pela Universidade de Sussex. Rut Rosenthal Robert é indigenista especializada na Funai desde 2010
e mestre em desenvolvimento e governança pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap).
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 255
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras
esta pesquisa, quais informações que deveriam ser levantadas para o entendimento
de como a política afetava os povos indígenas em estudo e como o conhecimento
das especificidades dessas populações, narradas em peças monográficas de cunho
etnográfico, poderiam contribuir para a proposição de ações que visassem à resolução
dos problemas apresentados em cada comunidade estudada; e ii) outro ex-post, em
que se propõe debruçar sobre como o MDS recepcionou os dados apresentados,
a dificuldade da gestão pública em traduzir os dados etnográficos em linguagem
próxima à utilizada pelos gestores públicos para a avaliação de políticas, dada a
sua natureza descritiva e subjetiva, e ainda as questões políticas que envolviam a
imagem do programa perante a sociedade e os gestores das demais políticas públicas.
Para tal, este estudo está estruturado em quatro seções. Além desta introdução,
na seção 2, apresentamos as discussões sobre o que é etnografia e um breve histórico
a respeito da relação entre etnografia e políticas públicas, com vistas a introduzir
parte da literatura sobre o uso de etnografias pelo Estado. Ainda que esse histórico
não esteja enquadrado na discussão sobre PPBEs, buscamos argumentar que o uso
de etnografias como evidência para atores estatais não é recente e faz parte do desen-
volvimento da antropologia como disciplina e da etnografia como método. Na seção
3, será apresentada a moldura contextual dos dois momentos antes mencionados,
ex-post e ex-ante, com foco nos contextos político e institucional/organizacional que
influenciaram a demanda pela pesquisa e o período de recepção e interpretação dos
dados etnográficos. Por fim, na seção 4, apresentaremos os fatores epistemológicos
que envolveram a análise dos dados etnográficos, enquanto propomos enquadrá-los
como evidências de caráter complexo, que necessitam ser devidamente traduzidas
para o seu efetivo uso de informar e aprimorar as políticas públicas.
2 SOBRE A ETNOGRAFIA
A resposta à pergunta o que é etnografia está longe de ser consensual. De modo
simples, a etnografia pode ser entendida como um método de pesquisa que envolve
o estudo de determinada cultura, seus valores e suas crenças, por meio do exercício
da observação continuada e descrição detalhada do modo de vida nativo. No senso
comum, predomina a visão de que a etnografia presume o deslocamento a áreas
distantes, o estudo de populações não ocidentais e a vivência em comunidades
nativas por um longo período de tempo. Esta visão não é apenas embasada em sua
origem etimológica,6 mas também na própria gênese do método e do campo da
antropologia, que se consolidou em resposta às demandas de estados coloniais por
entender e colonizar o outro que habitava os territórios além-mar (Dubois, 2015).
Como método, a etnografia é composta de “técnicas e de procedimentos de
coletas de dados associados a uma prática do trabalho de campo a partir de uma
desses povos às regras e leis nacionais (Dubois, 2015). Na Inglaterra dos anos
1920, etnógrafos eram empregados pelo Império Britânico em territórios coloni-
zados, cumprindo, assim, um papel consultivo e colaborativo para a empreitada
colonialista (Dubois, 2015; Bennet, 1996). Buscava-se obter conhecimento sobre
populações ditas primitivas, que estariam fadadas à extinção, conforme fossem
incorporadas à sociedade ocidental. Nos Estados Unidos, os estudos de comunidade
(ECs) estiveram em voga entre 1920 e 1950, período em que etnografias passaram
a ser utilizadas para analisar o impacto socioeconômico de políticas sociais do New
Deal, em comunidades rurais que faziam parte de programas de desenvolvimento
(Bennet, 1996).
Os ECs realizados nos Estados Unidos (1920-1950) tiveram papel fundamental
na institucionalização das ciências sociais no Brasil nos anos 1940 e 1950 (Maio e
Oliveira, 2010), refletindo o cenário global da disciplina. No caso brasileiro, entre
as décadas de 1940 e 1960, realizou-se uma série de estudos etnográficos, denomi-
nados à época de ECs, com a intenção de se conhecer o povo brasileiro por meio
de retratos de diferentes comunidades e regiões, os quais, juntos, deveriam nos dar
uma ideia de como era organizada a sociedade brasileira. Nas palavras de Nogueira
(2018, p. 130), em discurso na I Reunião Brasileira de Antropologia, em 1953,
os estudos de comunidades oferecerão ao administrador, ao político, ao homem de
gabinete, aos habitantes das capitais e das grandes cidades, um quadro realista da vida
dos pequenos e rústicos aglomerados do interior e da população rural, mostrando
o seu lado dramático e humano, seus problemas e suas dificuldades, suas condições
reais e suas aspirações, seus recursos e sua experiência. Em outras palavras, à medida
que se multiplicarem, em que se divulgarem seus resultados e se obtiver, através de
sua síntese, uma visão panorâmica mais adequada da realidade nacional, os estudos
de comunidades poderão contribuir para concentrarem os recursos disponíveis na
solução de problemas que afetam as populações.
Segundo Nogueira (2018),7 os estudos de comunidades se referem a estudos
de um grupo local, de base territorial, integrado em uma estrutura social complexa,
que é tomado como amostra para o conhecimento de determinadas situações ou
problemas. Os ECs, no Brasil, também receberam o incentivo da Organização
das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), que, entre
1951 e 1952, patrocinou uma série de pesquisas sobre as relações raciais no Brasil
(Maio, 1999). Essa pesquisa possibilitou o surgimento de novas leituras acerca da
sociedade brasileira, destacando a existência de complexa rede de relações sociais
7. Na década de 1950, esses estudos de comunidades ainda não recebiam o nome de estudos etnográficos, mas sim de
estudos monográficos, pois o seu resultado era uma monografia, em forma de livro, cuja metodologia abarcava tanto
a observação participante quanto a realização de entrevistas. Entre esses estudos, podemos destacar a obra de autores
como Oracy Nogueira, Emílio Willems, Charles Wagley, Antônio Cândido, entre outros.
258 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
que organizam dada comunidade delimitada, cuja análise engloba aspectos sociais,
regionais, ambientais e raciais (Maio, 1999).
Apesar disso, na década de 1960, o Estado começa a ser retratado de modo
crítico nas etnografias, em um contexto de crescente questionamento acadêmico e
político das práticas governamentais com resquícios coloniais. A investigação dos
impactos de ações estatais em sociedades nativas, indígenas e rurais, e dos fatores
de desestabilização e dominação decorrente dessas ações se tornam, então, foco das
etnografias nesse período (Spiess, 2016; Dubois, 2015). Ao mesmo tempo, a con-
solidação do campo da cooperação internacional e da indústria do desenvolvimento
fomentaram projetos de pesquisa, como o referido projeto da UNESCO, sobre o
impacto de intervenções em populações tradicionais em países do terceiro mundo
(Souza Lima e Castro, 2015). Até esse momento, no entanto, os estudos etnográ-
ficos restringiam-se, a priori, à pesquisa e descrição de populações não ocidentais,
isoladas, ou aos efeitos disruptivos do Estado em realidades consideradas exóticas.
No caso brasileiro, não foi diferente a consolidação da antropologia como
campo disciplinar. Isso ocorreu em meio ao fortalecimento do regime militar, cujos
projetos desenvolvimentistas atingiam violentamente os territórios de populações
indígenas e camponesas (Machado, Motta e Facchini, 2018; Spiess, 2016). Segundo
Leirner (2013), a “situação colonial de lá correspondia à situação nacional daqui”,
e muitas das etnografias realizadas nesse período tinham como objeto de análise as
frentes de expansão territorial e as consequências avassaladoras dos projetos estatais
em populações indígenas e tradicionais. Não obstante, as consequências do êxodo
rural e o crescimento desordenado trazia à tona discussões sobre favelas, migração,
trabalho assalariado; começam a surgir etnografias realizadas na cidade de grupos
considerados marginais e minoritários (Bevilaqua e Leirner, 2000).
Seja no contexto brasileiro, seja no global, etnógrafos e antropólogos tende-
ram a trabalhar com políticas sociais, partindo da análise do ponto de vista nativo,
observando “a percepção, o uso e os mecanismos de defesa com que os setores de
classes populares encaram os serviços do Estado” (Souza Lima e Macedo, 2015,
p. 29). Até então, as etnografias eram, em grande parte, permeadas por uma tensão
inerente entre o Estado e os nativos (Leirner, 2013), sendo estes não mais apenas
as comunidades indígenas e tradicionais, mas também o pobre, o dominado, o
subalterno, o conquistado (op. cit.). A partir das décadas de 1980 e 1990 e com o
avanço dos debates pós-coloniais e do pensamento crítico sobre Estado e poder,8 o
Estado passa a ser visto como “parte nativa a ser explicada” (Leirner, 2013, p. 74) e
os pesquisadores etnógrafos passam também a se voltar para os que estão acima9 –
8. Souza Lima e Macedo (2015) apontam alguns fatores que tiveram importância decisiva para essa mudança: a dis-
seminação das obras de Michel Foucault e de Pierre Bourdieu; a crítica pós-moderna e pós-colonial; a crítica feminista;
os estudos sobre nacionalismos, desenvolvimento, subalternidade, globalização e transnacionalismo, entre outros.
9. Uma das obras precursoras é o texto Up the anthropologist: perspectives gained from studying up, de Nader (1972).
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 259
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras
ou seja, para o estudo não apenas dos efeitos da ação estatal sobre a população e
os grupos específicos, mas a partir da perspectiva das instituições, dos processos
e dos atores que compõem a burocracia estatal e a formulação de políticas públicas.10
Nas últimas décadas, a relação entre Estado, políticas públicas, etnografia e
antropologia tem se tornado cada vez mais imbricada, seja pela crescente deman-
da por estudos etnográficos que avaliem a implementação de políticas públicas,
seja pelo interesse dos etnógrafos em trazer o Estado para dentro de suas análises.
A presença de antropólogos na esfera pública se intensificou a partir da Constituição
de 1988 (CF/1988).11 Os antropólogos passaram a se dedicar à promoção e à defesa
dos direitos de populações indígenas e tradicionais, tanto de dentro do Estado,
da academia ou em organizações da sociedade civil (Machado, Motta e Facchini,
2018). A produção de dados etnográficos como evidências é uma proposta que
vem sendo solidificada ao longo dos anos, juntamente com a atuação de antropó-
logos na esfera pública, que contribuem na elaboração de laudos antropológicos e
demais peças que compõem e instruem os processos administrativos ou judiciais,
em especial no campo de atuação junto aos povos e às comunidades tradicionais.
Nesse contexto, cumpre destacar que, por parte de atores estatais, a demanda
por estudos etnográficos está, em sua maioria, vinculada às questões afetas a grupos
indígenas e populações tradicionais, principalmente para a confecção de laudos e
perícias antropológicas para a demarcação de terras (Helm, 2011), ou para o em-
basamento de decisões judiciais (Rego, 2007) envolvendo povos indígenas.12 Em
geral, tanto as pesquisas etnográficas sobre a implementação de políticas públicas
in loco quanto as realizadas nas instituições governamentais são conduzidas por
pesquisadores autônomos, servidores e consultores contratados por instituições
públicas que utilizam esses profissionais na sua esfera de atuação, como a Funai e
o Ministério Público Federal (MPF). Porém, ainda há aquelas que são realizadas,
independentemente, por estudantes de mestrado ou doutorado, ou por grupos de
pesquisa financiados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq),13 a fim de compreender determinado problema social,
10. No campo da antropologia, podem-se destacar duas tendências em resposta a essas demandas: i) o fortalecimento
da antropologia aplicada, que busca atender a questões específicas de governos e instituições financiadoras, de modo
a prover informações aos formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão; e ii) o surgimento do campo da
antropologia da política, ou antropologia do Estado, que questiona as próprias premissas, símbolos, relações de poder
e discursos das políticas públicas e do fazer estatal.
11. A colaboração de antropólogos foi notável na elaboração da CF/1988. Segundo Helm (2011, p. 3), “durante os
trabalhos realizados na Assembleia Nacional Constituinte, ocorreu uma aproximação mais forte entre antropólogos,
juristas e povos indígenas. Foram elaboradas as propostas, contendo os termos adequados, para que os parlamentares
pudessem redigir o capítulo que foi incorporado à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”.
12. No âmbito do direito à convivência familiar e comunitária, está previsto no inciso III, do art. 28 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), que é necessária a intervenção do órgão indigenista em ações de destituição do poder
familiar de crianças indígenas, e de antropólogos, que deverão integrar a equipe multidisciplinar que avaliará o caso.
13. Uma exceção é a etnografia realizada no Ipea entre 2013 e 2015 (Teixeira e Lobo, 2018).
260 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Roteiro Básico Comum15 (RBC), o qual deveria ser seguido pelos antropólogos
contratados para a realização da pesquisa. O direcionamento proposto por esse
roteiro buscava abarcar diferentes aspectos da vida social indígena, que iam desde
as percepções e os significados atribuídos ao PBF pelas comunidades estudadas,
possíveis efeitos sobre as atividades produtivas e a segurança alimentar, questões
de gênero, modalidades de uso do recurso, percepção sobre as condicionalidades
do PBF e seu acompanhamento, até questões estruturais e logísticas relacionadas
diretamente à elegibilidade, ao recebimento e aos gastos do benefício (Robert, 2020).
Os contratos firmados com os antropólogos previam quatro etapas de pesquisa.
Ao fim de cada uma delas, um relatório deveria ser apresentado: o primeiro, sobre
a proposta de trabalho e metodologia; dois relatórios preliminares sobre o trabalho
de campo, a serem produzidos enquanto os antropólogos ainda estavam nas TIs;
e o último, um relatório analítico, com análise dos dados coletados, principais
resultados e recomendações para a gestão, a ser apresentado em até três meses após
o fim da pesquisa.
Conforme acordado com a Funai, os consultores e as lideranças indígenas das
terras pesquisadas – e em atendimento à Convenção no 169 da Organização Inter-
nacional do Trabalho (OIT) –, os resultados da pesquisa e as respostas às demandas
dos indígenas deveriam ser apresentados in loco por meio de ações devolutivas.
Concluída a pesquisa em 2014, seus resultados só vieram a público em 2016, por
meio do Relatório final dos estudos etnográficos sobre o Programa Bolsa Família entre
povos indígenas (Brasil, 2016), compilado pelo antropólogo Ricardo Verdum, que
apresenta um resumo dos principais aspectos tratados nos relatórios específicos,
os quais estão, até hoje, sob sigilo. As ações devolutivas foram realizadas apenas
quatro anos depois, em 2017 e 2018 (Brasil, 2019).
Antes de prosseguirmos com a análise dos períodos ex-ante e ex-post dos
estudos etnográficos, cumpre uma ressalva. A opção por separar os fatores que com-
puseram a moldura contextual destes dois momentos entre fatores: i) político;
ii) institucional/organizacional; e iii) epistemológico é uma tentativa de organizar
as narrativas trazidas nas entrevistas e rememorada por nós. É inegável, no entanto,
que os fatos e as percepções narradas se entrelaçam nessas categorias, muitas vezes,
sobrepostas e indissociáveis.
15. O RBC era composto pelos seguintes temas: percepções e significados do PBF para os povos indígenas; atividades
produtivas e comerciais locais; segurança alimentar; acessibilidade ao Sistema Único de Assistência Social (Suas);
logística de pagamento/recebimento do benefício; utilização do benefício financeiro; Cadastro Único para Programas
Sociais do Governo Federal (Cadastro Único); condicionalidades; formas de relação dos indígenas com o poder público
e a sociedade local; questões de gênero.
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 263
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras
16. O termo fricção interétnica é utilizado aqui para chamar a atenção à relação que se estabelece entre os povos
indígenas, representados por seus membros individuais; e a sociedade nacional, representada tanto pelos agentes
públicos quanto pelos demais cidadãos brasileiros. O conceito tem origem em Roberto Cardoso de Oliveira e traz em
si noções de conflito e interesses antagônicos em uma totalidade dialética, para esclarecer uma realidade específica: o
contato entre grupos indígenas e a sociedade nacional (Peirano, 1997, p. 18).
17. Participaram desse grupo: Sagi, Senarc, SNAS, Secretaria Nacional de Segurança Alimentar (Sesan) e Sesep.
264 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
18. “O termo ‘ponta’ é comumente utilizado nos órgãos públicos, sediados em Brasília, para referir-se aos locais nos
quais os programas, ações e políticas públicas são implementados” (Bachtold, 2017), ou seja, fora dos centros de decisão,
nos municípios, nas periferias, áreas rurais, áreas onde a política pública é, de fato, implementada.
19. Como citado anteriormente, o RBC apresentava temas a serem abordados pelos pesquisadores a partir do método
etnográfico que, apesar de previamente definidos, não indicavam quais categorias deveriam ser utilizadas para tratar
cada uma das questões propostas. Assim, apesar da definição de eixos temáticos, a forma de abordagem era livre, tendo
em comum unicamente o método etnográfico como premissa.
266 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
20. Muitos desses servidores haviam chegado recentemente no ministério, quando da criação do cargo de analista
técnico de políticas sociais (ATPS).
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 267
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras
21. Apesar de serem tratados como povos e comunidades tradicionais na linguagem institucional, os povos indígenas
têm resistência em se considerar como povos tradicionais, tendo em vista a questão da etnicidade. Sendo assim, o
movimento indígena brasileiro usa a terminologia povos indígenas para se referir aos povos originários do Brasil.
22. Lançado em 2011, o BSM era composto de um conjunto de cerca de cem programas e ações voltados ao atendi-
mento de um público específico, os extremamente pobres, ou seja, população que vivia com renda per capita mensal
inferior a R$ 77,00, à época. Sob a coordenação do MDS, o BSM envolveu 22 ministérios e a parceria de outros entes
federados (estados e municípios), da sociedade civil e do setor privado.
23. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013 apontavam uma taxa de extrema pobreza
em cerca de 3% de população brasileira. Indicadores de pobreza multidimensional do Banco Mundial apontavam para
0,5% de pessoas em situação de pobreza severa, enquanto os indicadores do Human development report indicavam
2,8% de pessoas em situação de extrema pobreza (Falcão e Costa, 2015).
268 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
3.2 Análise ex-post: recepção dos dados e seu uso (ou não) como evidência
para embasar mudanças na política pública
Logo após o fim do trabalho de campo e antes mesmo da conclusão dos relatórios
finais, o MDS convidou os consultores a Brasília para apresentação dos resultados
aos servidores do órgão. Durante dois dias, representantes de todas as secretarias
participaram da Oficina de sistematização dos resultados: Bolsa Família entre povos
indígenas, na qual cada um dos antropólogos relatou os principais achados da
pesquisa. Para a maioria dos servidores, era a primeira vez que visualizavam as
24. De acordo com a Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), povos e comunidades tradicionais são
“grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,
que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral
e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Brasil, art. 3o, I, 2007).
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 269
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras
dificuldades dos povos indígenas em acessar não apenas o PBF, mas também outros
serviços e políticas públicas. Os relatos, os vídeos e as fotografias apresentados em
PowerPoint traziam concretude às demandas que a Funai costumava apresentar
ao ministério nas reuniões interministeriais e salas de situação.
A sensação de que a pesquisa caiu como uma bomba foi comum entre todos
os entrevistados. Os dados sobre a realidade da população indígena que a pesquisa
trazia à tona eram consideravelmente piores do que se esperava. Acostumados,
de certa forma, a ouvir e enaltecer os impactos positivos das políticas sociais co-
ordenadas pelo ministério, os servidores se depararam com situações de extrema
pobreza, vulnerabilidade, exploração, preconceito e racismo institucional; relatos
de tratamento desumano e abuso por parte de atores locais; denúncias de crimes
e casos de polícia. Diferentemente de outros estudos divulgados pelo ministério,
eram situações que não poderiam ser solucionadas com a chegada do Estado, visto
que, muitas vezes, era o próprio Estado o causador e perpetuador das desigualdades
e violências narradas. Como relatado por uma servidora:
Eu lembro que eu fiquei muito apavorada. Por mais que a gente soubesse que a situação
era crítica, eu lembro que alguns relatos me pegaram pesado. Ver as imagens me pegou.
Aí veio esses relatos de como a população fica à mercê de uma série de restrições, e
amarras em função de serem populações indígenas, em função de suas especificidades.
Dessa forma, durante cinco meses, no primeiro semestre de 2014, os relatórios
de campo eram enviados à Sagi e encaminhados às áreas finalísticas. Considerando
que os dados apresentados eram extremamente sensíveis, optou-se por manter
os relatórios restritos ao âmbito interno, evitando seu compartilhamento com a
Funai antes que o ministério pudesse absorver e sistematizar os dados e elaborar
estratégias de resposta, incluindo a devolutiva à população pesquisada.
Indubitavelmente, a apresentação dos dados preliminares na oficina gerou
muita ansiedade entre técnicos e gestores, que buscavam acessar aos relatórios finais
e organizar tentativas de diálogo para coordenar uma resposta aos problemas apre-
sentados. Conforme as pesquisas avançavam, mais detalhados e densos tornavam-
-se os textos que chegavam aos e-mails e pen drives dos gestores. Se o número de
páginas dos relatórios aumentava, o número de pessoas que tinham acesso aos
relatórios tornava-se cada vez mais reduzido, visto que crescia a preocupação sobre
a divulgação dos dados e a inexistência de respostas para os problemas relatados,
dada a complexidade das questões por eles abordadas.
Não raro, os técnicos (em sua maioria, servidores da carreira de analista de
políticas sociais e com formação em ciências sociais e áreas correlatas) eram insta-
dos a resumir os relatórios e organizá-los para apresentar os pontos principais às
instâncias superiores. Segundo uma entrevistada:
270 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
25. Senarc, Sesan, SNAS, SE e, à época, a Sesep. Parte dos achados foi também debatida com representantes da Funai,
do Ministério da Saúde (MS) e do Ministério da Educação (MEC) (Brasil, 2018).
26. A justificativa apresentada pela Senarc, à época, foi a dificuldade de operacionalização da Caixa Econômica Federal
(Caixa) e o fato de que a taxa de saque atual dos indígenas é semelhante à de outros grupos.
27. Como consequência da pesquisa do PBF junto a povos indígenas, a SNAS contratou nova pesquisa etnográfica para
aprofundar as análises relativas ao atendimento da rede de assistência social.
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 271
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras
28. Para mais informações, ver cartilha Trabalho social com famílias indígenas na proteção social básica (Brasil, 2017).
29. Para mais informações, ver cartilha Atendimento à população indígena na proteção social especial. Disponível em:
<https://bit.ly/3llviCs>.
30. Estão documentadas na publicação da Sagi, Caderno de Estudos: desenvolvimento social em debate, n. 32 (Brasil, 2018).
272 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
i) a estrutura operacional do PBF, que preza por soluções universais com vistas ao
atendimento de um amplo público; ii) o fator de sucesso do PBF e o quadro de
servidores da Senarc; e iii) a preferência por métodos quantitativos ou mistos para
estudos de monitoramento e avaliação de políticas públicas coordenados pela Sagi.
Com relação ao primeiro fator, à época da pesquisa, o Bolsa Família completava
dez anos desde seu surgimento e se consolidava como a principal política social
brasileira, sendo reconhecido internacionalmente como referência em transferência
de renda condicionada e como um caso de sucesso no combate à pobreza, ainda
que entre a sociedade brasileira esse reconhecimento era oscilante, como argumen-
taremos adiante. À época, o programa atendia a 13,8 milhões de famílias, cerca de
um quarto da população do país. Ainda que se reconhecesse que, para combater a
extrema pobreza residual, era necessário elaborar estratégias específicas para a in-
clusão do público mais vulnerável ainda ausente da rede de proteção social – entre
eles, povos e comunidades tradicionais –, havia certa resistência em modificar o
Bolsa Família, seja pela dificuldade de operacionalização, seja pelo pequeno im-
pacto nos números finais do programa. Justamente pelo seu reconhecimento entre
a burocracia estatal, alterações no Bolsa Família eram constantemente propostas
por outros órgãos. Cabia aos gestores, portanto, blindar o programa e evitar que
soluções específicas prejudicassem seu atendimento universal. Como alegado por
um gestor à época, “não dá para ficar colocando penduricalhos no Bolsa Família, o
programa não é árvore de Natal”. Esta postura de gestores da Senarc foi levantada
pelos entrevistados, conforme segue:
a Senarc sempre foi muito mais reativa com relação ao Bolsa, porque o Bolsa é super
complexo, todo mundo chega lá e quer dar uma ideia. Naquela época tinha uma
resistência a propor alterações no Bolsa, porque é uma operação muito difícil.
Tem uma questão quantitativa: a gente tem um programa desenhado para um país
com o grau de desigualdade do Brasil e que funciona muito bem. Mas ele conseguiu
chegar nas pessoas de uma maneira que talvez nenhum outro programa tenha con-
seguido chegar, nem a aposentadoria. E aí a gente traz o panorama da diversidade,
ainda que só a pontinha do iceberg, de fato não se faz tanto sentido em mudar algo
do programa se a gente está falando em menos de 10%. Só que ao mesmo tempo a
angústia que gerou a pesquisa era exatamente essa: será que a gente está atendendo, de
maneira adequada, a população indígena deste país? Então não importa se representa
1% do programa?
No tocante ao segundo fator, a postura defensiva da Senarc em relação ao
programa é também reflexo do quadro de servidores que, à época, ocupavam os
cargos de médio e alto escalão da secretaria. Dentro do ministério, a Senarc era
vista como uma secretaria com baixa rotatividade dos gestores, elevada profissio-
nalização, cujos cargos eram ocupados majoritariamente por servidores de carreira,
com alta qualificação e experiência em administração pública (Oliveira, Lotta e
Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 273
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras
31. O sentido strictu sensu de evidência pode ser entendido aqui como aquele que aponta as causas e os efeitos de
determinada situação. No sentido lato sensu, as evidências podem trazer informações de variados matizes, as quais
concorrem, juntas, para a compreensão dos efeitos de dada situação.
276 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
REFERÊNCIAS
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Etnografia como Evidência: contribuições e desafios do uso de estudos | 279
etnográficos para a análise de políticas sociais brasileiras
1 INTRODUÇÃO
Poucas coisas moldaram o campo da avaliação de políticas sociais de forma tão
significativa quanto o uso de métodos de avaliação experimentais, também conhe-
cidos como métodos de avaliação de impacto randomizados (randomized control-
led trials – RCTs), nas últimas duas décadas. Inicialmente utilizada por poucos
pesquisadores, o número de avaliações dessa natureza cresceu exponencialmente
nos últimos anos. Quando o Abdul Latif Jameel Poverty Action Lab (J-PAL),
laboratório de pobreza no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT – Mas-
sachusetts Institute of Technology), voltado a ações de combate à pobreza por meio
de RCTs, foi fundado, em 2003, sua equipe era formada por quatro professores
afiliados, os quais conduziam 33 projetos. Em 2017, o laboratório contava com
161 professores afiliados, envolvidos em 902 projetos de avaliação de políticas so-
ciais em 72 países, incluindo cinco professores no Brasil. O recente Prêmio Nobel
de 2019 dado aos fundadores do J-PAL – conhecidos como randomistas (Deaton,
2006) – demonstra a proeminência dos RCTs. Na fala de uma das lideranças do
J-PAL, Esther Duflo: “[RCT] tornou-se uma marca (...) tanto na academia como
em outras organizações” (Parker, 2010, tradução nossa).
Mas qual a explicação para o crescimento dos RCTs na avaliação de políticas
sociais? Segundo os randomistas, esse fenômeno se dá pelos méritos intrínsecos do
método. Eles comparam as avaliações randomizadas aos testes clínicos em medicina,
sugerindo que o sucesso dos RCTs se deve ao fato de compartilhar o status de padrão-
-ouro dos testes clínicos na hierarquia de evidências: “Não é mais a Idade Média,
é o século 21 (...). Os RCTs revolucionaram a medicina ao permitir a distinção
entre drogas que funcionam e drogas que não funcionam. O mesmo tipo de teste
randomizado pode ser aplicado a política social” (Duflo, 2010, tradução nossa).
1. Este capítulo é uma versão modificada e traduzida do nosso artigo, intitulado The rise of randomized controlled trials in
international development in historical perspective, publicado na revista Theory and Society (de Souza Leão e Eyal, 2019).
2. Professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Michigan. E-mail: <lsleao@umich.edu>.
3. Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Columbia. E-mail: <ge2027@columbia.edu>.
286 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
No entanto, essa não é uma explicação convincente e não precisamos nos deter
muito tempo com ela. Os econometristas têm questionado, e de forma bastante
convincente, a alegação de que os RCTs produzem evidências melhores e mais sólidas
do que outros métodos (Rodrik, 2006; Deaton e Cartwright, 2016). Tal ceticismo
é corroborado por evidências de que os próprios testes experimentais na medicina
estão sujeitos a inúmeras deficiências metodológicas (Demortain, 2011, p. 53-57),
bem como pelo fato de que aspectos políticos tiveram um papel fundamental na
adoção das RCTs médicas (Carpenter, 2010; Marks, 1997). As objeções apontadas
estão alinhadas à noção básica dos estudos sobre ciência e tecnologia (Science and
Technology Studies – STS) de que o sucesso de uma inovação científica não pode
ser explicado a partir de sua presumida superioridade sobre outras, uma vez que
tal superioridade não é ainda evidente nas primeiras fases de sua adoção. Assim,
trata-se de uma primazia que se atribui somente após o fenômeno ocorrido, ou
seja, representa uma versão da falácia retrospectiva. Seguindo o insight básico do
campo do STS, para explicar sucesso científico, é preciso examinar as estratégias
retóricas e políticas pelas quais os defensores dessas inovações recrutam aliados e
convencem o público de que houve tal superioridade (Latour, 1987; Pinch e Bijker,
1984; Barnes, Bloor e Henry, 1996).
Há ainda outro problema com a explicação oferecida pelos randomistas. Em-
bora o burburinho em torno dos RCTs tenha ocorrido seguramente a partir dos
anos 2000, a suposição de que a abordagem experimental é nova nos campos da
avaliação de políticas sociais e da ajuda ao desenvolvimento internacional está in-
correta. Na realidade, observa-se atualmente uma segunda onda de RCTs no campo
da ajuda ao desenvolvimento internacional, sendo que houve uma primeira onda
de experimentos nas áreas de planejamento familiar, saúde pública e educação em
países em desenvolvimento iniciada na década de 1960 e encerrada no início dos
anos 1980. A sequência da primeira e da segunda ondas pode ser estudada como
casos de “reiterada resolução de problemas” (Haydu, 1998, tradução nossa) em que,
em vez de perguntar: “por que os RCTs estão aumentando agora?”, perguntamos:
“por que os RCTs não foram disseminados da mesma forma na década de 1970 e
por que foram descontinuados?” Em outras palavras, a maneira como explicamos
o sucesso da segunda onda deve ser consistente com a maneira como explicamos o
fracasso da primeira.
Neste capítulo, baseamo-nos na análise de conteúdo de 123 RCTs e em
fontes secundárias sobre avaliações experimentais de políticas sociais – detalhes
sobre os dados e a estratégia empírica podem ser encontrados em de Souza Leão
e Eyal (2019) – para demonstrar que a recente adoção generalizada de RCTs não
se deve a seus méritos técnicos inerentes ou exclusivamente a estratégias retóricas
e organizacionais de seus propositores. A adoção generalizada de RCTs reflete a
capacidade dos randomistas de superar a resistência política à randomização de polí-
Em Busca do Padrão-Ouro? O percurso histórico do uso de experimentos na | 287
avaliação de políticas sociais
ticas sociais que prejudicou a primeira onda. Além desta introdução, este capítulo
está dividido em mais quatro seções. A seção 2 apresenta os referenciais teóricos
adotados. A seção 3 parte para a análise histórica comparativa das duas ondas em
que os RCTs foram usados para avaliar projetos de desenvolvimento internacio-
nal. A seção 4 explica os processos políticos e históricos que permitiram que esse
tipo de avaliação experimental fosse bem-sucedida nos anos 2000, ao contrário
do ocorrido nos anos 1960 e 1970. Embora o foco deste capítulo seja o uso de
RCTs nos campos da ajuda ao desenvolvimento internacional e das ciências eco-
nômicas, o arcabouço teórico adotado aqui é útil para revelar mecanismos mais
amplos que visam unir as ciências sociais e a política pública. Na conclusão, seção
5, demonstramos como essa estrutura conceitual oferece insights para entender a
política contemporânea de hierarquia de evidências no Brasil.
gerados pelos RCTs sobre as políticas avaliadas inspiram confiança entre tomadores
de decisão e doadores. No entanto, não é nada simples aleatoriamente alocar os
indivíduos em um grupo de controle (sem receber nenhum tipo de intervenção),
como pode-se observar na contestada história dos testes clínicos na medicina (Car-
penter, 2010). Como as intervenções no campo do desenvolvimento internacional
necessariamente envolvem alguma forma de assistência social, qualquer tentativa
de alocar pessoas aleatoriamente em um grupo de controle sem receber nenhum
benefício incorre em forte resistência política dos participantes, da burocracia
responsável pela implementação e dos políticos. Como fazer com que as pessoas
participem de tal experimento por conta própria, sem a certeza de que teriam
algum ganho com isso?
Para Gueron (2017, p. 5, tradução nossa), essa situação torna os RCTs uma
metodologia avaliativa “difícil de vender”: “por que um político ou administrador
arriscaria uma publicidade adversa, um potencial processo judicial, resistências
burocráticas ou mesmo uma revolta da equipe?” A tentativa de implementar RCTs
no campo do desenvolvimento internacional, portanto, só teria algum sucesso em
condições muito especiais. A tensão entre as diferentes lógicas na academia – na
qual o RCT é considerado uma “intervenção” sujeita a avaliação – e no campo
da ajuda ao desenvolvimento – no qual esse tipo de avaliação experimental pode
ser interpretado como uma forma de “assistência” para um grupo em detrimento
de outro (Rayzberg, 2019) – torna extremamente difícil a construção de uma
“dobradiça” que seja operacional. Na seção 3 deste capítulo, mostramos que as
diferenças na composição da rede de expertise necessária para realizar RCTs e
nas características dos projetos avaliados explicam, em grande parte, por que os
RCTs não funcionaram como uma “dobradiça” na primeira onda e por que foram
descontinuados: porque suas vantagens foram superadas pela resistência política
à alocação randomizada dos indivíduos em grupos de tratamento ou controle.
A abordagem de Abbott (2005), no entanto, apresenta limitações no que diz
respeito ao porquê e como surgem as “dobradiças”. Dadas as tensões entre os dois
campos sociais, as razões para os atores tentarem construir uma “dobradiça” não
são evidentes. Esse ponto pode ser melhor explorado a partir da abordagem praxe-
ológica de Bourdieu (1977), com seu conceito de homologias. Nessa perspectiva,
a construção bem-sucedida de “dobradiças” não é o resultado de uma estratégia
formulada conscientemente (ou até oportunistamente), mas de predisposições e
esquemas perceptivos compartilhados por atores em diferentes campos sociais.
As percepções dos atores sobre seus interesses são moldadas em base a estrutura
relacional e disputas por capital nos campos em que atuam, enquanto a homolo-
gia entre essas estruturas relacionais atua para criar afinidades eletivas permeando
fronteiras e aproximando atores. Assim, a seção 3 complementa o conceito de
290 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
“dobradiça” com uma análise das homologias que aproximaram os campos das
ciências econômicas e do desenvolvimento internacional.
A seguir, ilustramos a utilidade desse arcabouço teórico para explicar o atual
apelo para que os RCTs sejam considerados como o padrão-ouro da avaliação de
políticas sociais. Começamos apresentando as características das redes de especia-
listas envolvidos no uso de RCTs nos dois períodos históricos.
com um grupo ainda maior (30%) proveniente da área de saúde pública (médicos,
epidemiologistas etc.). A tabela 1 também lista um grupo menor (18,3%), que se
refere a funcionários de organizações internacionais cuja afiliação disciplinar não
foi identificada. As lideranças na segunda onda, portanto, demonstram maior
coesão e autonomia. Isso é importante quando se considera a negociação com fi-
nanciadores, a busca por recursos e manutenção de um controle rígido sobre outras
partes envolvidas, bem como a capacidade de converter o trabalho relacionado a
políticas públicas em capital acadêmico e científico.
TABELA 1
Disciplinas às quais os autores das duas ondas de RCTs estão afiliados
(Em %)
Primeira onda1 Segunda onda2
Economia 0 80,1
ganhadores do Prêmio Nobel em 2019. Ao longo dos anos, o J-PAL vem servindo
como um eixo central para outros laboratórios do gênero em algumas universi-
dades, como Universidade da Califórnia em Berkeley, Harvard e Universidade
de Stanford. O J-PAL é uma estrutura organizacional complexa com escritórios
centrais em instituições acadêmicas de prestígio nos Estados Unidos e unidades
regionais em todos os continentes, incluindo uma no Brasil. Os escritórios são
administrados por uma equipe de pesquisa com professores seniores e juniores,
a maioria com formação em economia. Eles formulam a pergunta de pesquisa e
o desenho experimental, constroem questionários, analisam dados e publicam
artigos, bem como negociam com os parceiros de implementação e financiadores.
Na primeira onda, a maioria dos autores ocupava cargos administrativos ou de
pesquisa em organizações sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos, estreita-
mente ligadas a fundações privadas norte-americanas e ao governo daquele país. Assim,
o centro de coordenação da primeira onda, onde os procedimentos operacionais e os
relatórios eram elaborados, estava localizado nas mesmas instituições que também
ofereciam os recursos financeiros, a tecnologia e as equipes de pesquisa. Era um
conjunto de instituições estreitamente alinhadas com o governo, em que havia uma
afinidade entre “cooperação para o desenvolvimento internacional” e a extensão da
influência global dos Estados Unidos (Heydemann e Kinsey, 2010, p. 222).
Esse aspecto é essencial para compreender as diferenças entre as duas ondas.
Os pesquisadores no centro de coordenação nas décadas de 1960 e 1970 não des-
frutavam dos benefícios da estrutura organizacional dos poverty labs, especificamente
da autonomia (e do capital simbólico) associada às prestigiadas universidades nos
Estados Unidos. Essa nova entidade organizacional permite que os randomistas
da segunda onda, como eles próprios admitem (Rotemberg, 2009), atraiam suas
próprias fontes de financiamento e seus parceiros de implementação, negociando
com eles a partir de uma posição privilegiada, relativamente isolada de pressões
políticas. Consequentemente, foi possível obter grandes somas para financiar não
apenas projetos específicos, mas também para viabilizar infraestrutura – como a
criação de escritórios regionais e a contratação de uma grande equipe de campo.
Com isso, os randomistas passaram a ser parceiros extremamente atraentes para as
organizações da sociedade civil (OSCs).
O RCT de fato é conduzido por uma equipe de campo que fica no local do
projeto. Aqui, mais uma vez, há uma grande diferença entre as duas ondas. Na
atual fase, o poverty lab emprega um grande grupo de recém-formados oriundos de
universidades americanas em seus escritórios regionais. Esses colaboradores fazem
a mediação entre o centro de coordenação e uma variedade de atores locais cuja
cooperação é necessária para a implementação. Em contraste, as equipes de campo
que trabalhavam na primeira onda, mesmo quando lideradas por pesquisadores
Em Busca do Padrão-Ouro? O percurso histórico do uso de experimentos na | 293
avaliação de políticas sociais
TABELA 2
Parceiros de implementação: primeira e segunda ondas dos RCTs
(Em %)
Primeira onda1 Segunda onda2
TABELA 3
Fontes de financiamento: primeira e segunda ondas de RCTs
(Em %)
Primeira onda1 Segunda onda2
TABELA 4
Duração da intervenção: primeira e segunda ondas de RCTs
(Em %)
Primeira onda1 Segunda onda2
1 mês ou menos 4,9 52,6
2-12 meses 31,7 8,8
1 ano ou mais 63,4 38,6
O fato de os estudos da primeira onda durarem mais explica muito por que
avaliações experimentais não foram tão difundidas como na segunda onda e por
que acabaram sendo abandonadas. Os RCTs da década de 1970 não foram apenas
muito mais longos, mas, o mais importante, eles tentaram avaliar sistemas completos
de serviços em amplas áreas de política social. Frequentemente, essas experiências
não compararam uma intervenção com uma não intervenção, mas, sim, diferentes
níveis de intervenção com o objetivo de determinar qual era a mais econômica. Por
exemplo, um estudo do Population Council (1986) fez com que médicos viajassem
para clínicas comunitárias remotas para inserir dispositivos intrauterinos (DIUs),
fornecer serviços ginecológicos e tratar clientes com relatos de efeitos colaterais
do uso de anticoncepcionais. O estudo distribuiu aleatoriamente uma, duas ou
quatro consultas médicas por mês entre as diferentes clínicas, para determinar o
nível ideal de tratamento. Foi uma avaliação de política pública realizada durante
vários anos, fornecendo relatórios a cada seis meses.
298 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
empiricamente orientadas (Angrist et al., 2017), das quais as mais relevantes para
nossa discussão aqui foram: i) os debates na economia do desenvolvimento sobre
a identificação causal; e ii) a ascensão da economia comportamental.
Na economia do desenvolvimento, o novo clima empírico apareceu na forma
de uma mudança de seu foco anterior nas teorias macroeconômicas do comércio
internacional, capital humano, políticas fiscais e suas inter-relações, para um in-
teresse intensivo pela questão da identificação causal, a saber, “como (...) separar
o impacto causal de uma política ou fator específico de potenciais fatores corre-
lacionados”, na fala de Michael Kremer em Ogden (2016, p. 1, tradução nossa).
Vários observadores, tanto críticos dos RCTs quanto seus adeptos, citam o debate
que se seguiu como o contexto formativo para o surgimento dos RCTs, segundo
Pritchett em Ogden (2016, p. 140) e Deaton (2006). Esses observadores descre-
vem um meio em que jovens economistas foram treinados para encontrar uma
variável instrumental (VI), para então neutralizar fatores correlacionados e, assim,
localizar o impacto de uma variável com um alto grau de confiança. Ao mesmo
tempo, eles também foram treinados a demonstrar um grande ceticismo em relação
a esse exercício, pois “viram diversas apresentações e artigos empíricos (...) serem
altamente criticados devido a questões de identificação causal”, conforme explica
Murdoch em Ogden (2016, p. 51-53, tradução nossa). Para nós, o ponto crucial
desses debates metodológicos é que eles desestabilizaram a objetividade mecânica da
disciplina econômica. Os observadores descrevem uma situação anômica, na qual
“pode-se participar de um seminário em Cambridge e para qualquer instrumento
que você propor, alguém propõe uma razão pelo qual o seu instrumento está erra-
do”, segundo a fala de Pritchett em Ogden (2016, p. 141, tradução nossa). Nesse
contexto, os RCTs ofereceram um meio de escapar dessa situação. Semelhante ao
seu papel em trazer um “fechamento” a debates acalorados no campo da ajuda
ao desenvolvimento internacional, os RCTs se mostraram uma ferramenta muito
poderosa para jovens economistas adentrarem o grupo empiricamente orientado
que ganhava espaço no campo da economia (Angrist e Pischke, 2010).
A ascensão paralela da economia comportamental na década de 1990, ata-
cando o paradigma neoclássico do homo economicus (Mullainathan e Thaler,
2000), serviu como um ímpeto adicional para o surgimento dos RCTs. Quando
os economistas comportamentais criticaram a falta de realismo na teoria micro-
econômica padrão, eles acabaram abrindo as comportas para a crítica às teorias
microformais. No entanto, eles também eram vulneráveis às críticas de que suas
investigações careciam de realismo, porque eram conduzidas no ambiente artificial
dos laboratórios experimentais (Guala, 2007). Ao mesmo tempo, ficaram expos-
tos ao contra-ataque dos teóricos microeconômicos de que suas pesquisas eram
puramente descritivas, sem valor teórico, uma vez que não conseguiam explicar
como os mercados operam apesar da racionalidade limitada dos participantes.
304 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
5 CONCLUSÕES
Neste capítulo, estamos argumentando que o sucesso contemporâneo das avaliações
de políticas públicas com desenho experimental (RCTs) é melhor compreendido
como um produto de processos históricos e institucionais que mudaram o contexto
político e científico no qual os RCTs são implementados, em vez de ser considerado
evidência de sua qualidade padrão-ouro. Ao mobilizar os conceitos de “dobradiça”
e homologia entre campos, mostramos como a fragmentação do campo da ajuda
306 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
gias sem um estrategista são formadas e se tornam coordenadas no curso das lutas
paralelas em campos homólogos. Essa abordagem oferece uma forma de estudar
as conexões entre os campos e o surgimento de conhecimentos especializados em
políticas públicas, sem sobrecarregar o significado causal imputado às intenções
estratégicas e às construções sociais dos atores envolvidos.
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308 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
1 INTRODUÇÃO
O uso do conhecimento científico para subsidiar políticas públicas é uma questão
debatida desde o surgimento do campo de análise de políticas públicas (Lasswell
e Lerner, 1951; Weiss, 1979). Mais recentemente, a abordagem das políticas pú-
blicas baseadas em evidências (PPBEs) retoma e amplia este debate ao defender a
utilização pelos decisores públicos das evidências científicas sobre “o que funciona”
para melhorar as políticas públicas.
Por um lado, a PPBE renova a convicção nos preceitos da racionalidade ins-
trumental e da neutralidade científica como forma de embasamento das decisões
de políticas públicas (Davies, Nutley e Smith, 2000). Contudo, por outro, catalisa
críticas provenientes de diferentes correntes analíticas, tais como a argumentativa
e a pós-estruturalista, que dão base a diferentes argumentos sobre o que de fato
informaria e embasaria as políticas públicas.
Este capítulo busca explorar alguns destes argumentos. O primeiro deles diz
respeito ao reconhecimento da não linearidade e da rejeição ao modelo etapista do
processo de produção de políticas públicas. Como os trabalhos empíricos na área de
1. Especialista em políticas públicas e gestão governamental em exercício na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea. E-mail: <natalia.koga@ipea.gov.br>.
2. Especialista em políticas públicas e gestão governamental em exercício na Diest/Ipea. E-mail: <pedro.palotti@ipea.
gov.br>.
3. Pesquisador do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diest/Ipea. E-mail: <rafael.
lins@ipea.gov.br>.
4. Pesquisador do PNPD na Diest/Ipea. E-mail: <bruno.gontyjo@ipea.gov.br>.
5. Pesquisador sênior no Institute of Development Studies. E-mail: <m.loureiro@ids.ac.uk>.
6. Alumni no Institute of Development Studies. E-mail: <shannalima@gmail.com>.
314 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Esta seção tem como objetivo, então, resgatar e discutir a literatura que dis-
corre sobre o contexto de atuação dos burocratas, em especial o trabalho efetuado
no âmbito das políticas públicas nas administrações públicas modernas. Ademais,
objetiva-se associar o tipo de atuação dos burocratas com outros fatores contextu-
ais que podem se apresentar como condicionantes da utilização de determinados
instrumentos informacionais pelos burocratas, tais como as capacidades analíticas
necessárias ao desenvolvimento desse trabalho, as áreas de políticas públicas e as
características individuais. Vale destacar que, embora reconheçamos que a litera-
tura traga diversos fatores que possam caracterizar molduras contextuais distintas
da atuação do burocrata, esta pesquisa buscará focar no debate sobre o trabalho
na política pública e capacidade analítica, por serem fatores analisados com mais
intensidade pela literatura internacional recente e ainda pouco explorados no Brasil.
Definir o trabalho realizado nas políticas públicas (policy work) não é uma
tarefa trivial. Além da dificuldade de se traçar conceitos comuns para distintos
contextos político-institucionais, de forma a se permitir uma comparação, há
diferenças substantivas a depender da definição de processo de políticas públicas
utilizada (Colebatch, 2006). Outro elemento primordial é o tipo de vinculação com
a máquina pública, como as nomeaç-mpo das políticas públicas se concentraria na
“familiarização com ferramentas técnicas padrão, como análise de oferta-demanda,
custo-efetividade e custo-benefício, com o estudo de casos, workshops, simulações
ou projetos do mundo real” (Howlett e Wellstead, 2011, p. 615, tradução nossa).
Outras formas de inserção no campo das políticas públicas, inclusive a atuação de
generalistas, estaria afeita a uma atuação mais propriamente “política”. O funciona-
mento real das administrações públicas contemporâneas, entretanto, comportaria
esse tipo de interpretação?
Pesquisas recentes no campo têm apontado para uma visão menos dicotômica
dos profissionais atuantes dentro do governo. Howlett e Wellstead (2011), a partir
de um survey abrangente com a burocracia subnacional canadense, argumentam
que os analistas entrevistados realizam nove diferentes funções, entre as quais
formulação, implementação, comunicação, gestão de bases de dados e análise da
legalidade, às quais podem ser reunidas em quatro tipos principais de funções nas
políticas públicas: i) apresentação de opções e cursos de ação; ii) implementação;
iii) assessoramento e consultoria; e iv) avaliação de políticas. Por consequência, há
uma variação relevante nas técnicas utilizadas, no formato de interação com atores
internos e externos, além das diferentes questões (issues) de políticas em que esses
profissionais se envolvem. Cenário similar a esse, apontando uma diversidade nos
tipos e formatos de inserção na máquina pública, são observados em contextos tão
diversos como o do governo federal canadense (Wellstead e Stedman, 2010), da
República Tcheca (Veselý, 2014), das Filipinas (Saguin, Ramesh e Howlett, 2018),
da Holanda (Hoppe e Jeliazkova, 2006) e do Brasil (Filgueiras, Koga e Viana, 2020).
318 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Nessa mesma linha, outros estudos empíricos têm demonstrado que o trabalho
analítico na política pública, em geral, ocorre associado a outros trabalhos, como
os de tipo “relacional”, tais como as funções de negociação intergovernamental,
consultas públicas, tradução e até mesmo de democratização (Meltsner, 1976;
Colebatch, Hoppe e Noordegraaf, 2010; Kohoutek, Nekola e Novotný, 2013;
Olejniczak, Raimondo e Kupiec, 2016). Sendo assim, há que se reconhecer a
possível permeabilidade de diversas fontes de conhecimento que são trazidas pelos
diferentes atores que participam da política pública (Colebatch, Hoppe e Noorde-
graaf, 2010) com os quais a burocracia interage em seu trabalho (Cairney, 2019).
Esta abordagem relacional já vem sendo reconhecida e explorada em pesquisas
sobre a burocracia federal brasileira, em especial no nível federal (Cavalcante e
Lotta, 2015; Pires, Lotta e Oliveira, 2018).
Um outro conceito utilizado nos estudos sobre os burocratas e as organizações
públicas diz respeito às capacidades de políticas públicas (policy capacities) que
podem ser conceituadas como o conjunto de habilidades e recursos necessários
para o desempenho de funções e a produção de políticas públicas (Wu, Ramesh
e Howlett, 2015). Conforme sustentado por Filgueiras, Koga e Viana (2020), os
conceitos de capacidade e trabalho na política pública estão mutuamente relacio-
nados. As capacidades, na medida em que são acúmulos de recursos e habilidades,
condicionam o desempenho dos trabalhos, isto é, a realização de determinadas
funções nas políticas públicas demanda a existência de condições estruturais para
tanto. Por sua vez, nada adianta a existência de habilidades e recursos se estes não
são acionados. O trabalho permite que capacidades sejam mobilizadas, desenvol-
vidas e transformadas.
Como apontam Wu, Ramesh e Howlett (2015), o desempenho das funções
de políticas públicas por burocratas e organizações públicas demanda capacidades
de natureza distintas, tais como administrativas, relacionais e analíticas. Para a
discussão deste capítulo, interessa-nos as capacidades em sua dimensão analítica
remete mais especificamente “à aquisição de conhecimento e sua utilização nos
processos desenvolvidos nas políticas públicas” (Howlett, 2009, p. 162). A lite-
ratura especializada toma a capacidade analítica tanto dos burocratas como das
organizações públicas como condicionante fundamental para viabilizar o fluxo
da inteligência sobre e para as políticas públicas para as instâncias decisórias das
políticas públicas (Olejniczak, Raimondo e Kupiec, 2016).
Três dimensões parecem ser relevantes para se pensar as capacidades analí-
ticas. A primeira remete ao processamento de evidências: coleta de dados; leitura
e análise das pesquisas científicas; formulação de modelos e uso de estatística;
pesquisa aplicada; avaliação dos mecanismos associados ao atingimento de metas;
e design do programa. A segunda consiste em comunicar mensagens relacionadas
Como os Burocratas Federais se Informam? Uma radiografia das fontes de | 319
evidências utilizadas no trabalho das políticas públicas
3 MODELO ANALÍTICO
Diante da literatura apresentada anteriormente, esta seção propõe o modelo analítico
sintetizado na figura 1, a seguir, para investigar as relações de fatores que configu-
ram o contexto de atuação dos burocratas federais e o uso de diferentes fontes de
evidências. Quatro tipos de condicionantes são identificados no modelo. O primeiro
Como os Burocratas Federais se Informam? Uma radiografia das fontes de | 321
evidências utilizadas no trabalho das políticas públicas
FIGURA 1
Diagrama de caminho
Tipo de evidência
Características
individuais
Área de
política pública
setas sólidas e não pelas setas tracejadas. Sustentamos que a análise proposta neste
capítulo é relevante, na medida em que permite avanços na construção de um modelo
explicativo completo acerca da escolha das fontes de informação pelos burocratas.
4 METODOLOGIA
Os dados aqui analisados foram coletados em um survey, no contexto da pesqui-
sa O que informa as políticas públicas federais: o uso e o não uso de evidências pela
burocracia federal brasileira, produzido pela Diest/Ipea. O questionário on-line
(autoadministrado) foi enviado, por e-mail, a uma amostra selecionada a partir de
um universo de 96.543 servidores civis lotados em órgão da administração direta.
A primeira amostra continha 6.055 servidores. Foram então realizadas mais duas
rodadas de seleção utilizando exatamente o mesmo método, chegando ao número
final de 18.165 servidores (Koga et al., 2020). Assim, obtiveram-se 2.180 registros
completos válidos, representando uma taxa de resposta de 12% da amostra.9
O questionário contém as variáveis referentes às dimensões apresentadas na figura
1, isto é, tipo de evidência, trabalho na política pública, área de política pública, capacidade
analítica organizacional, capacidade analítica individual e características individuais,
além das variáveis: como ocupar cargo de DAS, Unidade da Federação (UF) em que
está lotado, idade e sexo (todas as variáveis analisadas estão listadas no apêndice A).
As hipóteses testadas correspondem aos efeitos das variáveis em questão
sobre o uso de determinados tipos de informação pelos servidores públicos fede-
rais, principalmente as variáveis trabalho na política pública, capacidade analítica
individual e capacidade analítica organizacional. Para tal, optou-se pela modelagem
de equações estruturais (MEE), uma técnica estatística de análise multivariada de
dados usada para examinar relações entre variáveis observáveis e variáveis latentes
(ou construtos). Essa técnica permite testar proposições teóricas sobre como as
variáveis latentes estão formadas,10,11 as relações entre elas, assim como a direção
de tais relacionamentos, em uma suposição entre causas e efeitos.
Nesse sentido, a análise especifica e valida uma MEE derivada de abordagens
teóricas da literatura com o objetivo de investigar como os tipos de trabalho na
política pública e outros determinantes relacionados ao contexto de atuação dos
5 RESULTADOS DA ANÁLISE
A tabela 1 apresenta um resumo dos achados do modelo de equações estruturais.12
No que diz respeito às estimativas, vale ressaltar que os coeficientes se encontram
padronizados para as variáveis latentes.13 Isso significa que elas seguem uma dis-
tribuição aproximadamente normal padrão (com média 0 e variância igual a 1).
Quanto às demais variáveis (observáveis), os resultados podem ser interpretados
em suas escalas originais (descritas no apêndice A).
12. As correlações encontradas entre as variáveis latentes (por exemplo, trabalho na política pública) e respectivas
cargas fatoriais estão descritas no apêndice A. Apesar de serem parte importante do modelo estatístico, do ponto de
vista teórico e descritivo elas não acrescentam nada a respeito das relações aqui analisadas.
13. No que tange à significância estatística, os asteriscos ao lado das estimativas descrevem o respectivo p-valor (*
p-valor < 0,05; ** p-valor < 0,01; *** p-valor < 0,001). Assim, a presença de asteriscos indica significância estatística
e, do mesmo modo, a ausência indica que não há significância estatística. Por sua vez, a magnitude da relação/influência
entre as variáveis deve ser observada através do valor do coeficiente estimativa.
324 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
TABELA 1
Resultados do modelo de equações estruturais (2019)
Tipo de evidência
Analítico/
0,818*** 8,554 -0,056 -0,723 0,229** 3,135 0,345*** 3,796
controle¹
Trabalho Relacional¹ -0,820*** -9,260 0,727*** 10,503 0,352*** 5,891 -0,144 -1,842
na política
pública Contrato/
0,478*** 4,943 -0,160* -2,224 -0,231** -3,183 0,132 1,581
fiscalização¹
Capacidade Recursos 0,029 1,656 0,140*** 7,761 0,184*** 11,292 0,147*** 7,063
analítica Unidade
organizacional especializada -0,145** -2,900 0,09 1,766 0,123** 2,655 -0,062 -1,070
Capacidade Habilidades 0,015 1,850 0,038*** 4,583 0,050*** 6,785 -0,007 -0,684
analítica
individual Experiência
na política 0,019 0,95 -0,025 -1,246 -0,009 -0,454 0,065** 2,834
pública
Área de polí- Infraestrutura -0,061 -0,821 -0,076 -1,013 0,025 0,373 -0,11 -1,288
tica pública
Meio am-
0,142 1,258 0,408*** 3,617 0,085 0,751 -0,032 -0,252
biente
DAS 1-3 0,285*** 3,903 0,005 0,065 -0,046 -0,697 0,185* 2,192
DAS 4-6 0,393*** 4,417 0,352*** 3,816 0,091 0,973 0,269** 2,632
Trabalha
Características
no Distrito 0,148** 3,015 0,213 *** 4,164 0,118** 2,620 -0,017 -0,292
individuais
Federal (DF)
TABELA 2
Resultados MME: trabalho na política pública versus tipo de evidência (2019)
Tipo de evidência
Interno¹ Externo¹ Acadêmico¹ Experiencial¹
Estimativa Valor z Estimativa Valor z Estimativa Valor z Estimativa Valor z
Analítico/
0,818*** 8,554 -0,056 -0,723 0,229** 3,135 0,345*** 3,796
controle¹
Trabalho na Relacional¹ -0,820*** -9,260 0,727*** 10,503 0,352*** 5,891 -0,144 -1,842
política pública Contrato/
0,478*** 4,943 -0,160* -2,224 -0,231** -3,183 0,132 1,581
fiscalização¹
Administrativo 0,180*** 12,614 0,097*** 6,479 0,005 0,404 0,152*** 8,900
TABELA 3
Resultados da MME: capacidades analíticas organizacional e individual versus tipo
de evidência (2019)
Tipo de evidência
Interno¹ Externo¹ Acadêmico¹ Experiencial¹
Estimativa Valor z Estimativa Valor z Estimativa Valor z Estimativa Valor z
Capacidade Recursos 0,029 1,656 0,140*** 7,761 0,184*** 11,292 0,147*** 7,063
analítica Unidade
organizacional especializada -0,145** -2,900 0,090 1,766 0,123** 2,655 -0,062 -1,070
científicas (Pattyn e Brans, 2015; Howlett, 2015; Cherney et al., 2015). Neste
mesmo sentido, a existência de tais unidades voltadas à mobilização do conhe-
cimento científico poderia implicar o maior uso de evidências científicas e uma
demanda menor por fontes internas, como sugerido pelos dados da tabela 3.
Um avanço importante para o entendimento dos efeitos das capacidades
analíticas no uso especialmente das evidências científicas seria o aprofundamento
da relação entre as capacidades individuais e organizacionais, buscando analisar
como elas se afetam. Como reconhece a literatura (Pattyn e Brans, 2015), para que
as capacidades analíticas dos burocratas sejam mobilizadas, não basta capacitá-los. É
necessário, ainda, que as organizações demandem e deem condições institucionais
para o uso de evidências científicas e também de outras fontes informacionais.
Compreender que dinâmicas e combinações de capacidades propiciam um maior
uso, demonstra-se um caminho profícuo de aprofundamento deste debate.
Quanto aos resultados da tabela 4, cabe mencionar que, do ponto de vista da
MME, não foram encontradas muitas relações com significância estatística entre
a área de política pública14 e o tipo de evidência utilizado pelos burocratas. As áreas
social (+0,28), econômica (+0,31) e controle (+0,85) estão associadas a um maior uso
de evidências de cunho interno, com destaque para a forte associação no caso da área
controle. Essa área também está positivamente associada ao uso de evidências externas.
TABELA 4
Resultados MME: área de política pública versus tipo de evidência (2019)
Tipo de evidência
14. Na análise, a variável área de política pública foi recodificada enquanto uma variável dicotômica. Assim, para esta
variável, os respondentes ligados à área central foram escolhidos como grupo de referência para as demais áreas. Ou
seja, os valores indicam um maior ou menor uso por parte dos respondentes de cada área sempre em comparação com
os respondentes da área central (para lista dos órgãos que compõem cada área, ver o apêndice A).
330 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
TABELA 5
Resultados MME: características individuais versus tipo de evidência (2019)
Tipo de evidência
Interno¹ Externo¹ Acadêmico¹ Experiencial¹
Estimativa Valor z Estimativa Valor z Estimativa Valor z Estimativa Valor z
DAS 1-3 0,285*** 3,903 0,005 0,065 -0,046 -0,697 0,185* 2,192
DAS 4-6 0,393*** 4,417 0,352*** 3,816 0,091 0,973 0,269** 2,632
Características
Trabalha no DF 0,148** 3,015 0,213 *** 4,164 0,118** 2,620 -0,017 -0,292
individuais
Idade -0,007** -3,279 0,006** 2,738 -0,006** -2,920 -0,007** -2,935
Sexo (masculino) -0,046 -1,017 -0,102* -2,213 0,03 0,717 -0,014 -0,278
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo buscou apresentar uma radiografia dos tipos de evidências utilizados
pelos burocratas e sobre quais fatores contextuais de sua atuação na política pública
se associam ao consumo e à utilização dessas fontes informacionais. Tendo como
referência a proposta de Pinheiro (2020b) do modelo moderado de evidência,
este trabalho sustenta-se no entendimento de que um instrumento informacional
se torna evidência a depender da moldura contextual na qual é utilizada, o que
justificaria então expandir a observação do uso dos instrumentos informacionais
para uma maior diversidade de contextos de atuação dos usuários.
A fim de retratar esta maior diversidade, foi proposto um modelo analítico
que considera quatro tipos de condicionantes contextuais da ação dos burocratas
federais, assim como as possíveis relações entre eles, a saber: o trabalho desempe-
nhado na política pública; as capacidades analíticas acumuladas por burocratas e
órgãos; as áreas de políticas em que atuam; e as características funcionais e socio-
demográficas dos indivíduos.
Em 2019, momento da coleta dos dados via survey, quatro tipos de recursos
informacionais eram utilizados pelos burocratas da administração federal direta:
i) interno – fontes produzidas pela própria administração pública federal; ii) externo
acadêmica – pesquisas e fontes acadêmico-científicas; iii) externo não acadêmica –
pesquisas produzidas por outros atores externos à administração pública federal
e não acadêmicos; e iv) experiencial – fontes oriundas da própria experiência do
burocrata ou de colegas de trabalho.
Como os Burocratas Federais se Informam? Uma radiografia das fontes de | 333
evidências utilizadas no trabalho das políticas públicas
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MACEDO, A. S.; VIANA, R.; NASCIMENTO, M. I. B. do. Capacidades analíticas
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Como os Burocratas Federais se Informam? Uma radiografia das fontes de | 337
evidências utilizadas no trabalho das políticas públicas
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
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340 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
APÊNDICE A
QUADRO A.1
Tipos de evidência e indicadores (questões)
Variável latente Questão Pergunta no questionário
D1 Leis e normas.
Sistemas informacionais e bases de dados governamentais (por exemplo, Siafi, Cadastro Único,
D6
dados IBGE etc.).
QUADRO A.2
Tipos de trabalho e indicadores (questões)
Variável latente Questão Pergunta no questionário
Elaborar relatórios, pareceres, notas técnicas e outras informações para subsidiar a tomada de
C1
decisões.
C2 Coletar e analisar dados e informações relacionadas à política pública.
Analítico/
controle C4 Elaborar textos normativos (por exemplo, projetos de lei, decretos, portarias etc.).
C6 Captar e negociar recursos financeiros para viabilizar ações, projetos e programas da política pública.
C8 Coordenar equipe.
Relacional Representar seu órgão, negociar e pactuar ações e políticas junto a outros entes governamentais
C9
(por exemplo, outros ministérios, estados e municípios etc.).
C11 Consultar e atender grupos interessados da sociedade sobre questões que envolvam a política pública.
QUADRO A.3
Variáveis observáveis (questões)
Variáveis observáveis Questão Pergunta no questionário
Administrativo Realiza atividades administrativas, tais como agendamento de reuniões, tramitação
C13
(tipo de trabalho) de processos, compra de passagens, elaboração de ofícios e memorandos?
Área A14 Em que ministério ou órgão superior você trabalha atualmente?
Minha organização dispõe de meios e recursos suficientes para obter informações
Recursos D49
produzidas por pesquisas e estudos científicos?
Em relação à estrutura do seu ministério/órgão, há uma unidade organizacional
Institucionalização/
D50 (assessoria, coordenação, departamento ou secretaria) especializada na utilização
governança
de pesquisas e estudos científicos?
Formação F4 Qual foi o curso de nível mais elevado que você concluiu?
Utiliza novas ferramentas e tecnologias de processamento de dados e de análise
Habilidades E4
estatística (programação em R, stata, python ou java etc.)?
Experiência na política pública B2 Há quanto tempo você trabalha nesta política pública?
Possui cargo de direção e
A5 Qual o nível do cargo DAS ou equivalente que você ocupa atualmente?
assessoramento (DAS)
Trabalha no Distrito Federal A16 Em que Unidade da Federação você trabalha atualmente?
Idade F2 Qual a sua idade?
Sexo F1 Qual o seu sexo?
Raça/cor/etnia F3 Qual a sua raça/cor/etnia?
QUADRO A.4
Divisão em seis grandes áreas de políticas públicas
Área de política pública Órgão
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo tem por objetivo explorar as fontes informacionais de preferência
dos auditores da Controladoria-Geral da União (CGU) em função da forma como
atuam e descrever, com mais profundidade, os motivos dessas preferências.
No Brasil, uma das principais representantes das instituições de accountability,
estabelecidas para assegurar legalidade e legitimidade a governos e burocracias, é a
CGU. Esta instituição atua ao lado do Tribunal de Contas da União (TCU), do
Ministério Público e da Polícia Federal (PF) (Filgueiras, 2018).
Desde a sua criação, a CGU elevou o seu prestígio perante a sociedade ao
revelar e prevenir grande parte dos casos de corrupção que tomaram conta dos
noticiários nacionais do período (Marinho e Silva Junior, 2018).
A CGU é a instituição que está à frente da atividade de auditoria interna
governamental no Poder Executivo federal, tendo a sua Secretaria Federal de Con-
trole Interno (SFC) como órgão central do Sistema de Controle Interno (SCI) do
Poder Executivo federal (Marinho e Silva Junior, 2018).
A atuação dos auditores internos governamentais no Brasil é regida pela Lei
n 10.180/2001, a qual estabelece, além da função típica de realização de audi-
o
seja, atuam livres de interferências e tomam decisões com base em suas experiências
e conhecimentos. Esses pressupostos são estabelecidos nas normas técnicas inter-
nacionais e nacionais que regem a profissão (IIA, 2017; CGU, 2017a).
A importância da atuação dos auditores governamentais no Brasil foi cons-
tatada em estudo sobre as capacidades do serviço federal na produção de políticas
públicas. O estudo registrou indícios de que as recomendações de órgãos de con-
trole são relevantes fontes de informações para as políticas públicas (Enap, 2018).
Segundo Gomide e Pires (2014), as instituições de controle, atuando em seu
papel de garantia da legalidade, compõem os arranjos institucionais estabelecidos
para a entrega de políticas públicas.
A academia registra uma série de estudos indicando que a atuação das instituições
de controle gera efeitos não intencionais danosos ao governo e à sociedade (Power,
1997; 2000; Campana, 2017; Nogueira e Gaetani, 2018). Em contraponto, Hum-
phrey e Owen (2000) indicam que os citados efeitos advêm de movimento maior,
relacionado com a demanda crescente por medição de desempenho na sociedade.
Olivieri (2016) concluiu que os órgãos de controle “enxugavam gelo”, por
auditarem problemas recorrentes, “trancam portas arrombadas”, por identifica-
rem problemas quando são muito graves, e os gestores “ficam a reboque”, por se
tornarem reféns dos critérios definidos pelos órgãos de controle, e tentam “correr
atrás do prejuízo”, saneando problemas, em vez de promover mudanças sistêmicas
de prevenção de problemas.
Sobre o trabalho dos auditores internos, observa-se falta de interesse da
academia (Almeida, 2013; Souza, 2017; Oliveira, 2018; Grey, 2018), o que con-
tribui para a existência de certa obscuridade sobre como os auditores conduzem
seu trabalho (Power, 2000; Grey, 2018, p. 83).
Nesse contexto, este estudo se justifica em função da forte influência do tra-
balho dos auditores nas políticas públicas do Brasil, inclusive com possíveis efeitos
danosos; da autonomia com que os auditores definem os trabalhos que vão realizar
e a forma como vão atuar; e da baixa quantidade de estudos acadêmicos sobre os
trabalhos dos auditores. Este estudo pode contribuir com a discussão sobre o papel
das instituições de controle nas políticas públicas.
O modelo de análise deste trabalho baseou-se nas conclusões de Pires (2009),
o qual analisou a atuação dos auditores fiscais do Trabalho, identificando dois
diferentes estilos: abordagem repressiva, exclusivamente punitiva; e abordagem
pedagógica, prioritariamente educativa, orientando empresas a cumprirem a lei.
Assumiu-se como pressuposto que as auditorias (avaliações e consultorias) podem
ser comparadas com a abordagem pedagógica e as apurações podem ser compa-
radas à abordagem repressiva. A pesquisa avançou na identificação dos principais
Atuação dos Auditores da Controladoria-Geral da União: | 345
como atuam e que informações utilizam
3. Mandzila, E. E. W. Organisation et méthodologie de l'audite interne. In: Bertin, E. (Org.). Audit interne: enjeux et
pratiques à l'international. Prefácio de Loius Vaurs. Paris: Eyrolles, 2007. p. 17-51.
346 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
FIGURA 1
Competências do Sistema de Controle Interno, segundo a IN SFC/CGU no 03/2017
Avaliação Consultoria
Auditoria Apuração
Operação especial
podem ser compartilhados com os gestores para apoiá-los na elevação de sua ma-
turidade (CGU, 2020a).
FIGURA 2
Jornada do auditor interno governamental
JORNADA DO DIRETRIZES DA
ALTA ADMINISTRAÇÃO
AUDITOR INTERNO GOVERNAMENTAL
DEFINIR O PLANEJAMENTO ANUAL BASEADA EM RISCOS
Risco: Realizar
Realizar análise
planejamento de Planejamento Definir objetivos Elaborar programa
preliminar do objeto
auditoria individual da Auditoria específicos e escopo de trabalho
de auditoria
inadequado
Execução
da Auditoria
Riscos:
Risco: Utilizar
Comunicar resultados da
indevidamente
RELATÓRIO auditoria de forma ineficaz
resultados ou informações Apresentar objetivos
PRELIMINAR Realizar busca Elaborar relatório Estruturar e validar Realizar a coleta Emitir recomendação
da auditoria e critérios de inadequada
AVALIADO PELO conjunta de soluções preliminar os achados e análise dos dados
auditoria ao auditado
Emitir opinião inadequada
AUDITADO
RELATÓRIO
Comunicação Elaborar relatório Avaliar se existe Publicar relatório
FINAL
dos resultados final sigilo final da auditoria
PUBLICADO
Risco: Contabilizar
inadequadamente os
benefícios da auditoria MONITORAR AS RECOMENDAÇÕES DA AUDITORIA
Por fim, para conferir mais transparência aos resultados alcançados, cada
unidade de auditoria interna governamental deve medir e registrar os benefícios
financeiros e não financeiros obtidos por intermédio da implementação pelos gesto-
res das recomendações emitidas pelos auditores (CGU, 2017b). Este registro deve
estar lastreado em evidências que comprovem o nexo causal entre a recomendação
emitida e os benefícios observados. A evidenciação desse momento pode se dar, por
exemplo, por meio de manifestações dos gestores e publicações que comprovem a
adoção da medida recomendada (Brasil, 2020b).
As práticas descritas anteriormente, grande parte delas instituídas em 2017,
alteraram substancialmente a forma de trabalho dos auditores. A mudança normativa
fortaleceu o processo de planejamento e estabeleceu a necessidade da utilização
formal das avaliações de riscos para guiar os trabalhos dos auditores. No entanto,
conforme apontam Diniz (2017) e Oliveira (2019), as novas práticas focalizadas
em riscos ainda não estavam institucionalizadas na época de suas análises.
Apesar das dificuldades na implementação do processo de auditoria instituído
em 2017, a SFC julga que o novo procedimento guarda relação com a substancial
elevação na aprovação de benefícios financeiros e não financeiros, principalmente
após 2017, conforme demonstrado no gráfico 1, que ilustra os valores de benefícios
financeiros aprovados de 2013 a 2020 (CGU, 2021b).
GRÁFICO 1
Histórico de benefícios financeiros aprovados pela SFC/CGU (2013-2020)
(Em R$ 1 bilhão)
20
17,89
18
16
14 12,94
12
10
7,54 7,30
8
6 4,61
4 2,74 2,38 2,87
2
0
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Fonte: CGU (2021b).
4. O mesmo conceito é adotado pelo International Federation of Accountants (Ifac), por meio do normativo International
Standard on Auditing (ISA) 200.13.l. Disponível em: <https://bit.ly/3Bd9Kxr>. Acesso em: 18 maio 2019.
Atuação dos Auditores da Controladoria-Geral da União: | 353
como atuam e que informações utilizam
FIGURA 3
Modelo de variáveis determinantes do ceticismo profissional nas auditorias
Resultado
Entrada evidencial Julgamento cético Ação cética
evidencial
Incentivos
Características pessoais
Conhecimento
Experiência em auditoria
e treinamento
3 METODOLOGIA
Dada a forte influência exercida pelos auditores nas políticas públicas do Brasil,
assim como a independência profissional que possuem para definir os trabalhos
que vão realizar e a forma como vão atuar, este estudo visa entender os principais
tipos de informações que utilizam, as razões dessa utilização e os meios com os
quais obtêm acesso a elas.
A obtenção dos dados se dividiu em duas etapas: primeiro aplicou-se survey
eletrônico com questões definidas a partir do referencial teórico, para avaliação
quantitativa das respostas; e, em seguida, foram realizadas entrevistas com gestores
da SFC para aprofundar o entendimento sobre os principais fatores que influen-
ciam as decisões.
A população total dos servidores que realizaram auditorias de janeiro de
2018 a julho de 2019 é de 1.054. A partir do desenho da pesquisa e da população,
foram sorteados 564 servidores por amostragem aleatória simples. Destes, 277
responderam completamente o questionário, o que representa uma taxa de 49%
de resposta (Oliveira, 2020).
Os entrevistados foram escolhidos em função de seu perfil e por apresentarem
destacada atuação e visão abrangente da área em que atuam.
TABELA 1
Amostra das entrevistas em profundidade
Perfil Descrição População Amostra
Colegiado Secretários (secretário e adjunto) e diretores da SFC 8 4
Policy makers Médio escalão do gabinete da SFC 4 2
Médio escalão Coordenadores-gerais de auditoria da SFC e superintendentes regionais da CGU 47 5
4 RESULTADOS
Em princípio, o estudo esclareceu que, conforme ensinamentos de Lindblom
(1959), também no ambiente da auditoria interna governamental, o contexto das
decisões é rico e multifacetado, vinculado a redes de compromissos, interesses e
poderes estruturados em torno de um conjunto de instituições formais e informais.
A seguir serão descritos os resultados apresentados por Oliveira (2020), de-
monstrando que foi possível comprovar que 67% dos auditores internos da CGU
preferem atuação didática com auditorias (51%, avaliações e 16%, consultorias)
e 33% preferem realizar atuação repressiva, com apurações.
Atuação dos Auditores da Controladoria-Geral da União: | 355
como atuam e que informações utilizam
FIGURA 4
Tipos de serviços preferidos pelos auditores da CGU
(Em %)
Consultoria
16
Apuração
33
Atuação didática Atuação repressiva
67 33
Avaliação
51
5. Informações a respeito dos custos ou valores envolvidos nas diversas questões auditadas.
356 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
GRÁFICO 2
Importância dos tipos de dados e informações
(Em %)
Artigos científicos 54 95 128
Materialidade 250 18 9
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
6. Robô que emite alertas, a partir de trilhas de auditorias rodadas sobre os textos de editais de contratação publicados
no sistema Comprasnet.
Atuação dos Auditores da Controladoria-Geral da União: | 357
como atuam e que informações utilizam
GRÁFICO 3
Importância dos meios de acesso às informações e aos dados
(Em %)
Think tanks 27 78 172
Postagens nas midias sociais 39 89 149
Grupos de interesse 45 78 154
Bases de livros, artigos e estudos acadêmicos 71 97 109
Conferências e seminários 80 102 95
Consulta a especialistas 81 88 108
Notícias na midia normal 81 124 72
Livros e artigos acadêmicos 89 102 86
Institutos de pesquisa do governo 100 95 82
Índices e alertas de risco 120 74 83
Base de conhecimento CGU 151 68 58
Consulta a colegas de trabalho 185 71 21
Outras instituições de controle 185 67 25
Macros 198 51 28
TCU 203 56 18
Reuniões com unidades gestoras 203 58 16
Denúncias 207 49 21
Pesquisas na internet 221 46 10
Cruzamentos de bases de dados 228 37 12
Solicitação de auditoria 242 26 9
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
GRÁFICO 4
Motivo de utilização das bases de dados pelos auditores
Sistema Integrado de Administração
de Serviços Gerais (Siasg) 43 41 26 40 19
Falta de opção. É a base que está disponível Não consultei bases de dados
A respeito das justificativas indicadas para a seleção das bases de dados pelos
auditores, destaca-se, segundo ilustra a tabela 2, a grande importância da experi-
ência prévia e da facilidade de acesso aos dados, confirmando os apontamentos
de Olsen e Gold (2018).
TABELA 2
Justificativas para a seleção das bases de dados
Total
Justificativa Quantidade
(%)
Não consultei bases de dados 19 4
Faltam opções 61 12
Há qualidade dos registros 85 16
Há credibilidade da base 115 22
Há facilidade de utilização 116 22
Tenho experiência prévia 130 25
TABELA 3
Outras justificativas apontadas para a seleção das bases de dados
Total
Justificativa Quantidade
(%)
Necessidade do trabalho 16 69,6
Falta de correção direta com objeto de trabalho 1 4,3
Maior adequação para escopo do trabalho 5 21,7
Relevância 1 4,3
5 CONCLUSÕES
Este estudo foi realizado em função da grande influência que os auditores possuem
nas políticas públicas do Brasil, atrelado à independência que possuem para defi-
nirem os trabalhos em que se envolvem e a forma como atuam.
O objetivo desta pesquisa foi entender os principais tipos de informações
que os auditores internos da CGU utilizam, as razões dessa utilização e os meios
com os quais obtêm acesso a elas. Buscou-se também entender as preferências
dos auditores quanto à forma como atuam, se didaticamente ou repressivamente.
Observou-se que a maior parte dos participantes preferem atuações didáticas,
com avaliações e consultorias.
Atuação dos Auditores da Controladoria-Geral da União: | 361
como atuam e que informações utilizam
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Atuação dos Auditores da Controladoria-Geral da União: | 363
como atuam e que informações utilizam
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
REIS, S. R. G. Evolução do controle interno no Poder Executivo federal brasileiro:
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Boletim de Análise Político-institucional, n. 12, p. 81-90, 2017.
366 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
ANEXO A
QUESTIONÁRIO DO SURVEY
QUADRO A.1
Perfil social do participante
Variável Opções
Gênero Masculino/feminino
Ano de nascimento De 1946 a 1989
Ano que entrou na CGU De 1973 a 2019
Maior nível de formação acadêmica Ensino médio; graduação; especialização; mestrado; e doutorado.
Exerce função comissionada? Sim/não
Qual função comissionada exerce? DAS ou FCPE 1; DAS ou FCPE 2; DAS ou FCPE 3; DAS ou FCPE 4; DAS 5; e outros.
Ciências agrárias (por exemplo: agronomia, veterinária, zootecnia etc.); ciências
biológicas (por exemplo: biologia, farmacologia, genética etc.); ciências da saúde
(por exemplo: medicina, farmácia, odontologia, nutrição etc.); ciências exatas e da
Qual a área de formação acadêmica da terra (por exemplo: física, matemática, química etc.); ciências humanas (por exemplo:
sua maior titulação? educação, ciência política, história, antropologia, filosofia, sociologia etc.); ciências
sociais aplicadas (por exemplo: administração, economia, arquitetura, demografia,
direito, comunicação, ciência da informação etc.); engenharias (todas as engenharias,
tais como civil, elétrica, mecatrônica, naval etc.); linguística, artes e letras; e outros.
Lotação Coordenação-geral de auditoria na SFC; Superintendência Regional da CGU; e outros.
QUADRO A.2
Pesquisa
Variável Opções
Na sua opinião, qual é o potencial de
cada tipo de serviço de auditoria interna Apuração; avaliação; e consultoria
governamental de adicionar valor e
melhorar as operações das organizações (Escala likert muito alto; alto; nem alto nem baixo; baixo; muito baixo).
públicas auditadas?
Trabalho de apuração, indicado pelo Ministério Público Federal, de possível desvio de
recursos com fortes indícios de autoria por parte de autoridade de alto escalão de
uma instituição pública respeitada, de materialidade não alta, mas relevante. Caso
Imagine que foram disponibilizados
comprovado, possui grande possibilidade de virar notícia nacional.
à sua escolha as seguintes opções de
Avaliação de governança, riscos e controles internos de política prioritária ao governo e
possíveis próximos trabalhos. Você deve
à sociedade, com alta materialidade. A avaliação possui o potencial de indicar caminhos
selecionar apenas 1.
para melhoria da eficiência e da qualidade da entrega dos serviços públicos ao cidadão.
Qual trabalho você executaria?
Consultoria, solicitada à CGU por ministro de pasta de grande importância política para
o governo, para atuar na facilitação do processo de formulação de política de abrangên-
cia nacional e de grande impacto na vida cotidiana da sociedade como um todo.
Opção menos complexa; opção com maior possibilidade de agregação de valor;
opção na qual possuo maior experiência; opção na qual a CGU possui maior tradição;
Por qual motivo você selecionou a opção existe alguma pressão da CGU para realizar esse tipo de trabalho; existe alguma
anterior? pressão de meus colegas de trabalho para realizar esse tipo de trabalho; opção
representa a maior necessidade do governo federal atualmente; opção é a que meus
colegas de trabalho se sentem mais confortáveis ao fazer; e outros.
(Continua)
Atuação dos Auditores da Controladoria-Geral da União: | 367
como atuam e que informações utilizam
(Continuação)
Variável Opções
Secretário federal de controle interno; equipe do gabinete da SFC (antiga DC);
diretores de auditoria da SFC; coordenadores-gerais de auditoria da SFC; superinten-
Indique o grau de influência dos atores dente de regional da CGU; chefe de divisão; chefe de núcleo; gestores das unidades
abaixo na definição dos trabalhos que auditadas; colegas de trabalho e especialistas; e minha própria decisão.
você realiza.
(Escala likert muito influente; influente; mais ou menos influente; de pouco influência;
sem influência).
Achados serem objeto de notícia nos meios de comunicação locais, nacionais e inter-
Na sua opinião, qual dos seguintes nacionais; os resultados do trabalho renderam premiações dentro e fora da CGU, os
possíveis resultados das auditorias é o resultados do trabalho renderem benefícios financeiros e/ou não financeiros; a proba-
mais importante? bilidade de se desvendar esquema de desvio de recursos públicos; a probabilidade de
recomendar melhorias estruturantes às políticas públicas; e outros.
Leis, decretos e normas; pareceres, notas técnicas e demais referenciais técnicos
aplicáveis às unidades auditadas; matérias ou notícias jornalísticas; percepções
empíricas (por exemplo: conhecimento da equipe sobre o histórico de certo gestor a
ser auditado); intuição pessoal; direcionamento dado pelo superior hierárquico; temas
Indique o grau de importância dos do plano tático da SFC; mapeamento de riscos feito pelo gestor da unidade a ser
seguintes tipos de dados e informações auditada; e avaliação de riscos feita pela própria CGU.
para a definição dos trabalhos que você Estratégias, objetivos e metas das unidades que serão auditadas; prioridades indica-
realiza: das pelo gestor a ser avaliado; materialidade dos recursos geridos pelas unidades a
serem auditadas; e artigos científicos.
(Continuação)
Variável Opções
Não usei bases de dados; abono salarial – pagamentos do benefício do abono
salarial; Análise de Licitações e Editais (Alice); Cadastro Informativo de Créditos não
quitados do Setor Público Federal (Cadin); Cadastro Único para Programas Sociais do
Governo Federal (Cadastro Único); Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(Caged); Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis); Cadastro
de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas (Cepim); Censo de Educação
Superior (CES); Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP); Cadastro Nacional
de Estabelecimentos de Saúde (CNES); Cadastro Nacional de Informações Sociais
(CNIS); Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ); Cadastro Nacional de Pessoa
Física (CPF).
Dados de sistemas corporativos da CGU; Declaração de Aptidão (DAP) ao Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf); garantia safra – bene-
ficiários; Cadastros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – microdados
censo escolar – região Nordeste/Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV); ordens
bancárias – pagamentos realizados por OB; portal da transparência – banco de da-
Da lista de bases de dados a seguir, dos original do ano de 2018; Programa Bolsa Família; Programa Nacional de Inclusão
indique aquelas que utilizou nos últimos de Jovens (Projovem); Programa Universidade para Todos (Prouni); Relação Anual de
dois anos para a definição do escopo ou Informações Sociais (Rais); Registro Nacional de Carteira de Habilitação (Renach);
da amostra dos trabalhos. Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam); Registro Geral da Pesca (RGP);
Dados do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic); Seguro Defeso
– beneficiários do Seguro Defeso; Seguro Desemprego – Beneficiários do Seguro
Desemprego; Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal
(Siafi); Tesouro Gerencial; Sistema Integrado de Administração Patrimonial (Siapa);
Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape); Sistema Integrado
de Administração de Serviços Gerais (Siasg); Sistema de Informações Ambulatoriais do
SUS (Siasus); Sistema de Convênios (Siconv); Sistema de Operações do Crédito Rural
(SICOR) e do Proagro; Sistema de Informações da Estatais (Siest); Sistema Integrado
de Gestão Financeira (Sigef/web); Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-
SUS); Sistema de gerenciamento dos Projetos de Reforma Agrária (Sipra); Sistema de
Benefícios (Sisben); Sistema de Controle de Óbitos (Sisobi); Sistema de Transferência
de Informações; Sistema S – base com dados de licitações, pessoal, contratações,
convênios, contabilidade das Entidades do Sistema S; Sistema de Gestão dos Imóveis
de Uso Especial da União (Spiunet); Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – prestação de
contas de campanhas, candidatos, filiados a partidos políticos; Yggdrasil – banco com
informações de vínculos; outros.
Considerando as bases de dados acima Não consultei bases de dados; em função da qualidade dos registros; em função da
indicadas, selecione abaixo o(s) motivo(s) facilidade de utilização; em função da credibilidade da base;
da escolha. em função de experiência prévia; falta de opção. É a base que está disponível; outros.
CAPÍTULO 11
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo apresenta e discute os primeiros resultados encontrados com o survey O
que informa as políticas públicas distritais?, aplicado entre servidores(as) públicos(as)
e empregados(as) do Distrito Federal, para entender o uso ou não uso de evidências
e a que elementos e insumos eles(as) recorrem no seu cotidiano de atribuições e
decisões. Este estudo foi realizado tanto pela relevância da agenda de pesquisas
sobre políticas baseadas em evidências no Brasil – para a qual espera-se que ele
contribua – como também por sua pertinência para o desenvolvimento da missão
institucional da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan),
empresa pública responsável pela produção de estatísticas, estudos e pesquisas
sobre o território, a população e as políticas públicas do Distrito Federal, da Área
Metropolitana de Brasília e da Região Integrada de Desenvolvimento Econômico
do Distrito Federal, por assessorar a gestão pública distrital, organização à qual as
autoras e autor deste texto estão vinculados.
Importa registrar que, além de integrar o projeto de pesquisa O que Informa
as Políticas Públicas Federais: o uso e o não uso de evidências pela burocracia fe-
deral brasileira, proposto pelo Ipea, este estudo também faz parte de uma agenda
de pesquisas e ações da Codeplan.6 Desde 2019, a organização não apenas produz
evidências científicas, como faz há anos, mas também tem buscado promover a
7. Por “processo de produção de políticas públicas” aqui, é designado o conjunto amplo de atividades para conhecer
problemas públicos, formular alternativas, tomar decisões, implementá-las e avaliá-las, incluídas as microdecisões
tomadas pelos atores durante a implementação de políticas que constantemente as reformulam.
Os Usos e Não Usos de Evidências Científicas pela Burocracia Distrital: | 371
uma primeira análise
2 REVISÃO DE LITERATURA
educação, destacando que algumas questões fundamentais são mais bem equalizadas
por meio dos processos sociais.
Em um levantamento usando categorias analíticas mais amplas, apresentado
neste livro, Faria e Sanches (2021) encontraram dez teses e dissertações e 28 arti-
gos que tratavam de uso das evidências ou da interação entre gestores públicos e
produtores do conhecimento, fosse esse o ponto principal dos trabalhos ou não.
Quase todas as teses e dissertações encontradas tratavam do uso/não uso de evi-
dências em um tipo específico de política pública, geralmente a de saúde. Entre
os artigos, quatro coletaram dados de percepção de gestores públicos sobre uso de
evidências (Carneiro e Rosa, 2018; Silva e Fonseca, 2015; Carneiro e Sandroni,
2018; Koga et al., 2020), quatro analisaram tipos de uso de evidências científicas
(Carneiro e Rosa, 2018; Tolosana, 2015; Pinheiro, 2020b; Koga et al., 2020) e
outros sintetizaram facilitadores e barreiras de uso de evidências.
Na literatura nacional, dois trabalhos se destacam. Koga et al. (2020) con-
duziram um survey junto à burocracia federal para explorar diferentes tipos de uso
de evidências, tomando evidência em um sentido mais amplo. Por sua vez, Hjort
et al. (2019) conduziram um experimento junto a prefeitos, com o intuito de co-
nhecer a disposição a pagar para conhecer o resultado de avaliações de políticas e
se a evidência sobre a eficácia de uma política alavancaria sua adoção por gestores.
8. Em inglês: i) the knowledge-driven model; ii) the problem-solving model; iii) the interactive model; iv) the political
model; v) the tactical model; vi) the enlightenment model; vii) research as part of the intellectual enterprise of society.
Os Usos e Não Usos de Evidências Científicas pela Burocracia Distrital: | 373
uma primeira análise
de duas vias entre pesquisa e gestão – pesquisa pode influenciar políticas públicas,
como o contrário – e ambas são influenciadas por outros macro elementos sociais.
Ao atentar para diferentes utilizações de evidências, para caminhos que visam
à realização desses usos e para como a própria decisão sobre conduzir ou não a
pesquisa pode ser mobilizada, a tipologia de Weiss tornou-se muito sofisticada
(Nutley, Walter e Davies, 2007). Ainda assim, serviu para analisar a utilização de
pesquisas por parte de servidores de políticas sociais – inclusive do nível de rua –,
na Suécia (Sunesson e Nilson, 1988), e no desenvolvimento da política de prisões
por drogas, no Reino Unido (Duke, 2001 apud Nutley, Walter e Davis, 2007). O
modelo segue merecendo destaque também pelo pioneirismo.
Outro conjunto de modelos que merece menção é o que designa fases. Ao
analisarem o uso de pesquisas por servidores públicos canadenses, Landry, Amara
e Lamari (2001) adaptaram o modelo de Knott e Wildavsky (1980) e chegaram a
uma tipologia com seis estágios para o uso de evidências: i) transmissão dos achados;
ii) recebimento e entendimento pelos recebedores; iii) referências aos achados em
relatórios e planos pelos servidores; iv) esforço para uso dos achados; v) influência
nas decisões; e vi) aplicação das decisões embasadas nos achados. De um lado, os
modelos de estágio são limitados ao supor um caminho linear e com requisitos e uma
postura passiva dos policymakers, o que muitas vezes não corresponde à realidade;
de outro, eles destacam positivamente o caráter cumulativo dos processos de uso de
conhecimento científico em produção de políticas (Nutley, Walter e Davies, 2007).
Muito citados são os usos instrumental e conceitual (Caplan, 1979; Beyer,
1997; Nutley, Walter e Davies, 2007). O primeiro designa o uso de evidências
científicas na tomada de decisões sobre um determinado problema, como na defi-
nição da rota a ser seguida. O segundo seria um uso mais indireto e difuso, em que
evidências influenciariam a ascensão de um problema à agenda pública ou a forma
como atores políticos enxergam e atuam sobre um problema. Fala-se também em
uso tático ou estratégico (ou simbólico), em que evidências científicas são usadas
como instrumentos de persuasão para apoiar decisões existentes ou questioná-las.
Nesse sentido, podem inclusive ser usadas (e selecionadas propositalmente) para
legitimar publicamente decisões já tomadas (Nutley, Walter e Davies, 2007).
Citado mais especificamente na literatura sobre avaliação de políticas, há
também um “uso do processo”, que sublinha como o desenho e o processo de pro-
dução de pesquisas, estudos e análises – e não apenas os seus resultados – também
podem ser usados pelos policymakers engajados nessas atividades para aprender
sobre o objeto em estudo (Nutley, Walter e Davies, 2007).
Este capítulo dialoga sobretudo com a tipologia de uso instrumental, concei-
tual e simbólico (Caplan, 1979; Beyer, 1997), por considerá-lo abrangente, mas
também simples. Importa registrar que as tipologias são úteis para analisar o uso
374 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
FIGURA 1
Modelo analítico para explorar usos de evidências científicas pela burocracia distrital
Atributos da evidência
• Natureza das pesquisas
• Adaptação das evidências
• Enfoque das pesquisas
Capacidades analíticas
organizacionais
• Serviços informacionais Capacidade de absorção
• Infraestrutura de pesquisa
• Recrutamento e capacitação
Reconhecer Mudanças ou
Aquisição Utilização Aplicação manutenção
o valor
Capacidades analíticas individuais do status quo
• Conhecimentos e habilidades; e
• Experiência profissional
seguir aos elementos anteriores ou não e que poderia ser aferida de diversas formas,
a depender do entendimento de “uso”; e iv) aplicação, quando o conhecimento é
mobilizado no processo de produção de políticas públicas.
Esses elementos – e a própria absorção de conhecimento – ocorreriam ou
não em função de diferentes aspectos sublinhados pelas três diferentes perspec-
tivas trazidas por Rich e Oh (2000, apud Ouimet et al., 2009). A perspectiva
racionalista considera a relevância de características individuais dos burocratas.
Na versão adotada por Ouimet et al. (2009), Koga et al. (2020) rejeita a ideia da
racionalidade ilimitada dos agentes e, portanto, supostos como a relação imediata
entre disponibilidade de informações e seu entendimento/uso pela gestão, mas
reconhece que habilidades e conhecimentos dos servidores influenciam o uso
de evidências. Essas habilidades e conhecimentos estariam ligados ao percurso
acadêmico que fizeram, a treinamentos específicos como formação continuada
ou em serviço. Koga et al. (2000) acrescentam, nessa categoria de características
individuais, o tipo de trabalho executado, valores e motivações dos burocratas,
trazidos de abordagens construtivistas.
A perspectiva organizacional aponta para condições e elementos postos
pelas próprias organizações públicas como infraestrutura tecnológica para acesso
a evidências científicas, políticas explícitas de desenvolvimento profissional que
oportunizem o aprendizado de metodologias ou ferramentas de pesquisa, seleção
e recrutamento de servidores com expertise ou unidades de tradução do conheci-
mento, e/ou de promoção da relação entre gestão e pesquisadores.
A terceira perspectiva considera a relação e a comunicação entre produ-
tores de evidências e os burocratas, assumindo que são grupos com diferentes
backgrounds, visões de mundo, linguagens e, sobretudo, objetivos e horizontes
temporais de suas funções distintos (Caplan, 1979). O modelo adaptado de
Koga et al. (2020) incorporou atributos das evidências, como o tipo de estudo,
sua fonte, tamanho etc.
O modelo adaptado por Koga et al. (2020) foi discutido com alguns dos
autores deste trabalho durante o desenvolvimento dos estudos e foi adotado por
se mostrar bastante completo, contemplando boa parte da literatura sobre o tema.
Oliver et al. (2014), em sua revisão, apontaram essencialmente os mesmos elementos
dos modelos fundidos. Apesar de os trabalhos de Ouimet et al. (2009) e Koga et
al. (2020) terem explorado o uso de evidências no nível federal, considerou-se que
os modelos servem à exploração do tema junto a burocracias subnacionais. Por
fim, registra-se que, como não foram identificadas normas distritais ou orientações
sobre uso de evidências ou avaliação de políticas públicas, optou-se por não agregar
nenhum componente ao modelo para uso no Distrito Federal.
376 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
3 METODOLOGIA
Para atingir os objetivos deste estudo, optou-se pela coleta de dados primários por
meio de um survey com burocratas dedicados à produção das políticas públicas.
Essa forma de coleta permite testes em proposições complexas envolvendo, em
interação simultânea, diversas variáveis, o que possibilita a identificação de fontes de
informação, motivações e padrões no uso de evidências com outros dados coletados
(Babbie, 1999). Além disso, um survey tem três funções principais: i) exploração,
indicado para trabalhar objetos de pesquisa desconhecidos; ii) descrição, utilizado
para caracterizar com dados o fenômeno estudado e produzir fontes de informação
para outros estudos; e iii) explicação, ideal para testar hipóteses orientadas pela
teoria (Paranhos, 2014).
O survey foi disponibilizado para servidores e servidoras do Distrito Federal,
vinculados à administração direta e indireta, por quase dois meses, com o envio
de e-mail com link individual para o questionário na plataforma LimeSurvey. Essa
plataforma garante o sigilo dos respondentes, fundamental para a confiabilidade
das respostas e do atendimento aos princípios éticos de pesquisa.
QUADRO 1
Seções do questionário
Seção Temas
Localização funcional Local de trabalho, vínculo com a administração pública e tempo na carreira.
Política pública Eixo do plano plurianual (PPA) e tempo na atividade.
Função Competências sob responsabilidade do respondente.
Fontes de informação Principais fontes de informações utilizadas, formas de acesso e finalidades.
Conhecimentos, habilidades, valores Grau de formação, habilidades e conhecimentos específicos.
Perfil demográfico Perfil sociodemográfico.
QUADRO 2
Filtros aplicados na base de registros de servidores(as) e empregados(as)
Número de
Variável Operação
registros
Situação funcional
Selecionar pessoas com vínculos celetário, magistério e servidor estatutário. 95.632
específica
Situação Selecionar pessoas com vínculo de trabalho normal, incluídos no mês ou requisitados. 86.869
Lotação Excluir da lista pessoas cujas lotações são relacionadas com atendimento ao público. 48.741
em que o número total de servidores públicos no Distrito Federal (N) usado foi
46.394, com a variância máxima de uma distribuição binomial (PQ), nível de
confiança de 95% e tamanho de amostra n de 1109. Isto é, para uma amostra
probabilística de mesmo tamanho da amostra do estudo, a margem de erro é de,
aproximadamente, 3% para representatividade dos 46.394 servidores do GDF.
4 RESULTADOS
Esta seção se organiza em três subseções. A primeira apresenta o perfil dos res-
pondentes. A segunda aborda questões relacionadas à rotina de trabalho e às
funções desempenhadas pelos respondentes. A terceira subseção reúne as respostas
mais relevantes do estudo: padrões de acesso e utilização de diferentes tipos de
informação; e fatores pessoais e organizacionais que impactam no uso ou não de
evidências científicas.
GRÁFICO 1
Gênero dos(as) servidores(as)
(Em %)
6,6
1,2
2,9
0,5
44,7
44,0
0,2
Homem Cis Homem Trans Mulher Cis Não binário Não sei
Outros Prefiro não responder
GRÁFICO 2
Distribuição dos(das) respondentes, por cor/raça
(Em %)
Branca 51,3
Parda 40,4
Preta 6,0
Amarela 1,7
Outros 0,5
Indígena 0,1
TABELA 1
Perfil etário dos servidores(as) e empregados(as) participantes do survey e total –
Distrito Federal (2020 e 2021)
Participantes do survey GDF
Faixa etária
Frequência % Frequência %
Até 30 anos 89 8,0 12.695 15,4
De 31 a 42 anos 401 36,2 36.397 44,3
De 41 a 54 anos 435 39,2 28.367 34,5
De 54 a 60 anos 129 11,6 3.572 4,3
Mais de 60 anos 55 5,0 1.195 1,5
Total 1.109 100 82.226 100
TABELA 2
Nível de escolaridade dos(das) servidores(as) respondentes
Participantes do survey GDF
Escolaridade
Frequência % Frequência %
Ensino Fundamental Incompleto 0 0,0 1.356 1,6
Ensino Fundamental Completo 2 0,3 312 0,4
Ensino Médio/Técnico 73 7,1 15.640 19,0
Graduação 245 22,1 32.094 39,0
Especialização (pós-graduação lato sensu) 611 53,6 29.086 35,4
Mestrado 156 14,5 3.164 3,8
Doutorado/Pós-doutorado 22 2,4 574 0,7
Total 1.109 100 82.226 100,0
TABELA 3
Área de formação do título mais alto do(a) servidor(a)
Área de formação Frequência %
Engenharias 73 7,1
Outros 14 1,4
TABELA 4
Vínculo do(a) servidor(a) com a administração do Distrito Federal
Tipo de vínculo Frequência %
GRÁFICO 3
Carreira atual do(a) servidor(a): quinze mais recorrentes
(Em %)
Assistência pública à saúde 21,22
Outros 5,22
Socioeducativa 3,67
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
GRÁFICO 4
Tempo de trabalho, por tipo de organização
(Em %)
1,7
0,9
1,2
0 20 40 60 80 100
TABELA 5
Órgão dos(as) servidores(as) com vínculo empregatício
Órgão Frequência %
Secretarias de estado 756 68,2
Autarquia 140 12,6
Empresa pública 94 8,5
Órgãos especializados (PCDF, PMDF, CBMDF, Controladoria ou Procuradoria) 1
54 4,9
Fundação 32 2,9
Casa Civil2 28 2,5
Defensoria Pública do Distrito Federal 5 0,5
TABELA 6
Vinculação dos(as) respondentes, por eixos do PPA
Eixo do PPA Frequência %
GRÁFICO 5
Distribuição de servidores, por tempo de trabalho na política pública atual
(Em %) Muito difícil Difícil Nem fácil, nem difícil Fácil Muito fácil
40,0
34,1
35,0
30,0 27,1
25,0
20,5
20,0
15,0
9,7
10,0 8,6
5,0
0,0
Até 6 meses Entre 6 meses Entre 1 ano 1 mês Entre 5 anos 1 mês Mais de 10 anos
e 1 ano e 5 anos e 10 anos
GRÁFICO 6
Frequência de realização de atividades pelos(as) servidores no âmbito da política pública
(Em %)
Realizar atividades administrativas 29,7 24,0 14,2 9,3 22,8
Elaborar relatórios e notas técnicas 25,2 28,1 19,0 11,5 16,2
Realizar assessoramento de dirigentes 19,3 19,5 17,3 14,8 29,0
Coordenar equipe 17,7 15,2 17,3 13,9 35,9
Coletar e analisar dados relacionados à política pública 13,2 22,1 20,3 17,9 26,5
Atender demandas dos órgãos de controle 11,1 20,7 26,8 17,8 23,6
Elaborar, negociar, gerir e fiscalizar contratos 10,3 13,7 14,9 11,5 49,6
Fiscalizar o cumprimento das normas da política pública 10,3 18,8 13,4 12,4 45,2
Consultar e atender grupos da sociedade 3,7 8,5 16,3 20,2 51,3
Elaborar textos normativos 3,6 8,3 16,2 14,2 57,6
Contratar e validar estudos de avaliação de política pública 3,16,3 9,3 14,7 66,6
Representar seu órgão junto a outros entes do governo 2,97,1 13,7 15,9 60,4
Captar e negociar recursos financeiros 1,8 4,2 9,1 78,3
6,6
Organizar eventos 1,6 13,2 17,3 63,1
4,8
0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0 100,0
TABELA 7
Análise fatorial das atividades realizadas pelos(as) servidores(as) no âmbito da
política pública
Analítico/ Gerência/
Função/atividade Relacional Administrativo
controle fiscalização
11. A análise fatorial é útil para situações em que os respondentes apresentam correlação elevada nas questões. Os altos
coeficientes de correlação permitem estabelecer novas variáveis que captem o comportamento conjunto das variáveis
originais. Cada variável é chamada de fato, que pode ser chamado também como o grupamento de variáveis a partir
dos critérios definidos (Fàvero e Belfiore, 2017).
388 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
(Continuação)
Analítico/ Gerência/
Função/atividade Relacional Administrativo
controle fiscalização
Realizar atividades administrativas 0,13 0,17 0,60 0,14
Elaborar, gerir e fiscalizar contratos 0,18 0,18 0,29 0,86
KMO: 0,21; X² = 28678,13; df = 91 ; p < 0,001
Alfa de Cronbach: 0,93
Variação total explicada 0,44 0,24 0,59 0,7
ss loadings 2,84 3,3 2,05 1,67
TABELA 8
Distribuição do tempo semanal de trabalho dos(as) respondentes
Faixa de horas semanais trabalhadas %
Menos que quarenta horas 17,4
Quarenta horas 60,3
Mais que quarenta horas 19,8
Dados faltantes 2,4
TABELA 9
Distribuição do tempo semanal em reuniões e leitura de pesquisas
(Em %)
Faixa de horas semanais Em reuniões Em leitura de pesquisas
Menos de uma hora 32,1 30,1
De duas a cinco horas 21,7 23,8
De seis a dez horas 13,6 15,8
Onze horas ou mais 11,0 10,1
Dados faltantes 21,6 20,2
GRÁFICO 7
Interação dos atores/organizações para executar o seu trabalho
(Em %)
Outras áreas do meu órgão ou entidade 26,69 32,37 17,58 11,27 12,08
Outros órgãos ou entidades do governo distrital 9,83 18,58 27,77 22,45 21,37
Setor privado e/ou empresas públicas ou de economia mista 3 7 15,69 22,81 50,59
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
TABELA 10
Leitura de documentos em língua estrangeira, por nível de escolaridade
Quantidade
Não 2 69 208 495 81 9 864
Sim 0 4 37 116 75 13 245
%
Não 100,0 94,5 84,9 81,0 51,9 40,9 77,9
Sim 0,0 5,5 15,1 19,0 48,1 59,1 22,1
GRÁFICO 8
Nível de dificuldade/facilidade em realizar tarefas
(Em %)
Utilizar novas ferramentas e tecnologias de
processamento de dados e de análise estatística 33,4 36,3 20,8 7,02,4
(programação em R, STATA, Python ou Java etc.)
0 20 40 60 80 100
Muito difícil Difícil Nem fácil, nem difícil Fácil Muito fácil
Ao serem questionados se, nos últimos doze meses, “realizaram algum treinamento
ou capacitação de formação continuada” (cursos de aperfeiçoamento, especialização,
mestrado ou doutorado), 57,5% dos servidores responderam “sim” e 42,5%, “não”
(tabela 11). Para os que responderam sim, foi perguntado o curso envolveu a leitura de
pelo menos uma pesquisa ou estudo científico, ao que 72,7% dos servidores afirmaram
ter lido ao menos uma pesquisa e estudo científico durante o curso.
TABELA 11
Realização de treinamentos e capacitação e leitura de artigos
Realização de treinamentos e capacitação Frequência %
GRÁFICO 9
Informações utilizadas para o trabalho dos(as) servidores(as)
(Em %)
Leis e normas 57,5 25,3 9,6 4 3 0,5
Consulta a colegas de trabalho 33,7 38,1 17,1 3,5 5 2,8
Notas técnicas produzidas por órgãos distritais 31,0 29,0 19,5 12,4 7 0,6
Experiência pessoal 29,8 26,9 20,4 11,0 10 2,3
Recomendações de órgãos de controle 26,9 24,7 23,0 12,1 12,4 0,9
Pareceres legais e decisões judiciais 25,8 25,7 22,7 13,0 12,2 0,6
Sistemas informacionais e bases de dados governamentais 25,0 23,7 20,9 14,0 15,8 0,6
Boas práticas produzidas pela União, estados e Municípios 14,9 17,7 25,5 18,8 22,2 0,9
Artigos, capítulos ou livros produzidos por pesquisadores 10,0 13,1 25,5 24,3 26,3 0,8
Matéria jornalística 6 10,5 18,7 26,7 37,2 0,9
Relatórios de pesquisa científica 6 10,6 19,7 27,2 36,0 0,8
Recomendações de instâncias participativas 4 8,9 17,8 25,2 43,5 0,8
Experiência e opiniões de beneficiário 3 6,3 18,7 27,7 43,2 1,1
Informações geradas por grupos de interesse 3 5,9 15,9 24,8 49,2 1,5
Recomendações de organismos internacionais 3 6,3 13,3 22,1 54,8
0 20 40 60 80 100
TABELA 12
Análise fatorial dos tipos de informação utilizados no trabalho com políticas públicas
Tipo de informação Interno Externo Acadêmico Pessoal
Notas técnicas produzidas por órgãos distritais 0,80 0,11 0,19 0,17
Boas práticas e iniciativas produzidas pelos estados e municípios 0,59 0,33 0,27 0,10
Artigos, capítulos ou livros produzidos por pesquisadores 0,32 0,33 0,67 0,17
GRÁFICO 10
Tipos de pesquisas e estudos científicos versus frequência de utilização
(Em %)
TABELA 13
Meios de acesso a pesquisas e estudos científicos relevantes
Fonte de acesso Frequência %
Google/ferramentas de busca on-line 752 67,8
Imprensa 496 44,7
Busca em sites de instituições de pesquisa 484 43,6
Indicação de conhecidos 432 38,9
Eventos, seminários ou congressos científicos 404 36,4
Portal de periódicos ou banco de teses e dissertações 318 28,7
Citações em estudos acadêmicos 271 24,4
Redes sociais 268 24,2
Plataformas de compartilhamento de áudio e vídeo 229 20,6
Sites de organismos internacionais 192 17,3
Busca presencial/sites de bibliotecas 183 16,5
Não quer responder 93 8,4
Outros 18 1,6
Secretarias ou órgãos do GDF 16 1,4
GRÁFICO 11
Características influentes na utilização de pesquisas e estudos científicos
(Em %)
Credibilidade e prestígio da fonte 29,6 31,8 25,0 5 4 5
Atratividade (leitura fácil, gráficos, cores etc.) 12,4 21,6 36,7 13,7 9 7
0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0 100,0
GRÁFICO 12
Rotina de trabalho e funcionamento da organização
(Em %)
Minha organização dispõe de meios e recursos
suficientes para obter informações produzidas por 6,5 12,3 17,3 22,5 25,0 16,5
pesquisas e estudos científicos
TABELA 14
Servidores(as) cujo órgão/entidade/empresa tem unidade organizacional voltada para
utilização de evidências científicas
Servidores Frequência %
TABELA 15
Atribuições da unidade especializada em uso de evidências científicas
Atribuições Frequência %
GRÁFICO 13
Contribuição do uso de pesquisas e estudos científicos no seu contexto de trabalho
(Em %)
4,1
O uso de pesquisas e estudos científicos serve
21,0 52,8 14,2
para confirmar escolhas já feitas 2,9
5,0
4,7
O uso de pesquisas e estudos científicos leva a
20,7 45,9 18,1
ações concretas
4,7 5,9
0 20 40 60 80 100
5 DISCUSSÃO
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo apresentou e discutiu um panorama do uso e não uso de evidências
científicas pelos servidores e empregados públicos do Distrito Federal. Os dados
foram levantados por meio de survey realizado entre dezembro de 2020 e janeiro
de 2021, totalizando 1.109 respostas válidas. Neste diagnóstico, observou-se que
o uso de evidências científicas é baixo – com exceção de evidências produzidas
pela própria burocracia distrital.
A análise dos dados apresentados sugere que, no Distrito Federal, há um longo
percurso a se percorrer para transmitir os achados científicos a gestoras e gestores,
incorporar essas evidências ao ciclo das políticas públicas de forma a influenciar
decisões, bem como gerar intervenções mais eficazes e efetivas. As transformações
devem ocorrer nas organizações públicas, com a criação de uma “cultura de uso das
evidências”, que envolve a aproximação dos institutos de pesquisa e a implantação
de estratégias para disponibilizar as evidências necessárias de forma acessível, tem-
pestiva e adequada para o uso. As pessoas devem ser envolvidas no processo que, por
sua vez, também deve se tornar mais “permeável” ao uso de evidências científicas.
Os dados indicam que há espaço para explorar diferentes formas de promo-
ção do uso de evidências científicas no Distrito Federal. Também há espaço em
secretarias, fundações e empresas no Distrito Federal para atividades e serviços
de tradução do conhecimento, de aproximação entre produtores de evidências e
seus consumidores no serviço público. As atividades de tradução, como o nome
sugere, buscam aproximar as duas comunidades, que operam com pressupostos,
expectativas, linguagens, prazos e incentivos diferentes (Caplan, 1979; Gaudreau e
Saner, 2014; Oliver et al., 2014). No Distrito Federal, esse tipo de atividade ganha
mais relevância dado o reduzido percentual de pessoas respondentes que leem em
outros idiomas (tabela 7).
Os Usos e Não Usos de Evidências Científicas pela Burocracia Distrital: | 403
uma primeira análise
REFERÊNCIAS
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E. Métodos de pesquisa de survey. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
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404 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
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PARKHURST, J. The politics of evidence. London; New York: Routledge, 2017.
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CAPÍTULO 12
1 INTRODUÇÃO
O movimento o qual defende que políticas públicas devem basear-se na melhor
evidência disponível tem grande dificuldade em conciliar essa prescrição técnica com
a dimensão inerentemente política do processo decisório democrático. Sobre esta,
é preciso reconhecer que sempre haverá debates públicos motivados por diferenças
irreconciliáveis, porém legítimas, de interesses ou valores, que o conhecimento
científico disponível não será capaz de aplacar. Tais divergências naturalmente
incentivam o uso seletivo de evidências, com o objetivo de enviesar decisões, o
que é contrário àquela prescrição e, supõe-se, implica políticas públicas de menor
eficácia (Parkhurst, 2017). Todavia, uma limitação importante da abordagem das
políticas públicas baseadas em evidência (PPBEs) é não oferecer um modelo do
processo decisório com base no qual se possa especificar como divergências políti-
cas incentivam o uso estratégico de evidência e como isso afeta decisões coletivas
(Cairney, 2016).
Neste capítulo, recorre-se à literatura econômica sobre aquisição e compar-
tilhamento de informação para elucidar o uso estratégico de evidências na fase
legislativa da produção de políticas públicas. Por incluir múltiplos atores com inte-
resses conflitantes e pouco ou nenhum conhecimento especializado sobre políticas,
o Legislativo é um ambiente muito propício ao uso estratégico de informação. O
capítulo propõe-se, assim, a contribuir para a identificação dos condicionantes
políticos do uso de informação na arena legislativa e, mais especificamente, para a
compreensão de como o conflito de interesses afeta o uso de evidências.
A fim de oferecer algum suporte empírico à discussão, apresento resultados
preliminares de uma análise original da relação entre a heterogeneidade das prefe-
rências parlamentares e a qualidade da informação que as comissões da Câmara dos
Deputados compartilham com o plenário, com base em uma amostra de 86 projetos
1. O autor agradece a Bernardo Furtado e Vitor Vasquez por sugestões que aprimoraram o texto.
2. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia
(Diest) do Ipea. E-mail: <acir.almeida@ipea.gov.br>.
408 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
medida, espelham as dos ministérios setoriais. No caso de projeto cujo mérito seja
da competência de mais de três comissões permanentes, o regimento determina a
constituição de comissão especial em substituição àquelas, porém composta por
pelo menos metade dos seus titulares. Para produzir o parecer de mérito, o presi-
dente da comissão designa um relator entre seus membros, que, por sua vez, pode
valer-se do órgão de assessoramento técnico-legislativo da Câmara e de consultas
a especialistas externos, do governo ou da sociedade.
No entanto, a frequência elevada com que os deputados aprovam políticas
governamentais à margem do sistema de comissões permanentes – no caso, por
meio de medida provisória ou em regime de urgência – depõe contra a visão de
que essas arenas são relevantes para subsidiar o plenário com informação espe-
cializada. Isso se depreende de explicações do processo legislativo brasileiro que
enfatizam: i) as motivações distributivas paroquiais dos deputados (Ames, 1995);
ii) os fortes poderes regimentais dos líderes dos partidos, especialmente quando se
organizam em coalizão majoritária (Figueiredo e Limongi, 1999); e iii) os fortes
poderes constitucionais do presidente da República (Pereira e Mueller, 2000). Da
primeira perspectiva, conclui-se que as comissões não têm incentivos para subsidiar
o plenário simplesmente porque este não demanda informação especializada. Das
demais, infere-se que, se as comissões exercem algum papel informacional, este
deve estar subordinado aos interesses da maioria governista ou da sua liderança.
Estudos mais recentes, contudo, apontam para a operação da lógica infor-
macional nas comissões permanentes da Câmara; por exemplo, na seleção de
relatores (Santos e Almeida, 2011, cap. 4), no uso da assessoria legislativa (Santos
e Canello, 2016) e na relação com grupos de interesse (Resende, 2019). Também
há evidência de que motivações informacionais condicionam a aceitação de medi-
das provisórias e a aprovação de urgência regimental, mecanismos de priorização
do plenário e marginalização das comissões permanentes (Almeida, 2018, cap. 5;
Santos e Almeida, 2011, cap. 2). Menos claro, no entanto, é se as comissões são
agentes informacionais do plenário ou da maioria governista. Em qualquer caso,
importa destacar a existência de fortes indícios de uso seletivo e estratégico de
informação pelos deputados. Como concluem Santos e Canello:
os incentivos informacionais postos ao Legislativo brasileiro não são lineares ou
caminham necessariamente de forma progressiva. Não se trata de sempre mais e
melhor [informação], em qualquer situação. Ao contrário, a produção endógena
de informações se dá num contexto estratégico mais matizado (Santos e Canello,
2016, p. 1160).
410 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
3. O teorema do eleitor mediano autoriza reduzir a decisão coletiva do plenário do Legislativo à decisão do seu membro
mediano.
Heterogeneidade de Preferências e o Uso de Evidências na Câmara dos Deputados | 411
em torno do resultado esperado.4 Por sua vez, a perda esperada de todo outro
indivíduo é , em que Di é a distância entre o resultado ideal de i e o do
mediano. O componente expressa a parcela da perda de i que decorre da sua
divergência com o mediano. Este tem natureza distributiva, no sentido de que
sua redução necessariamente implica aumento da perda de outro indivíduo. Por
exemplo, a escolha de uma política à direita do status quo beneficia indivíduos com
preferências à direita ou mais próximas da nova política e prejudica os demais, com
preferências à esquerda ou mais próximas do status quo. Por sua vez, o componente
tem natureza informacional, por expressar a parcela da perda que decorre da
incerteza do mediano. Ao contrário do primeiro, este não depende da distribuição
de preferências e sua redução beneficia a todos igualmente. Assim, não obstante o
conflito distributivo decorrente da heterogeneidade de preferências, a redução da
incerteza do decisor é um bem coletivo.
Suponha que um especialista mais bem-informado (geralmente, uma comissão
permanente ou o Executivo) recomenda uma política ao mediano do plenário, sendo
que este não é capaz de verificar as informações que embasam a recomendação.
Em razão dessa incapacidade, um especialista enviesado – isto é, cuja preferência
ideal é diferente da preferência do mediano – tem incentivo para ser estratégico
no uso das suas informações, omitindo as que possam levar o mediano a escolher
uma política que lhe seja menos favorável (ao especialista).5 Ciente da preferência
e do incentivo do especialista, o mediano não toma as informações compartilha-
das pelo valor de face, levando em conta apenas o que considera crível, tendo em
mente o viés do especialista.6
Duas implicações teóricas desse modelo são especialmente interessantes.
A primeira é que o especialista é capaz de compartilhar tanto mais informação
crível quanto menor a magnitude do seu viés – ou seja, quanto menor a distância
entre sua preferência ideal e a do legislador mediano. A outra é que o especialista
não é capaz de reduzir sua perda distributiva às custas do mediano. Essa implicação
deriva de o mediano escolher – em equilíbrio – a política cujo resultado esperado
é igual ao que este considera ideal dada sua incerteza.7 Assim, a decisão implica
perda distributiva somente para quem diverge do mediano, sendo crescente na
4. Supondo, sem perda de generalidade, que o resultado ideal para o mediano é igual a zero (ym = 0), então este escolhe
a política que maximiza , em que f(u), a função de distribuição de probabilidade de u, é igual a
1 porque u é uniformemente distribuído. A política escolhida é p*= , em que é o valor esperado de u. Nesse caso, a
utilidade esperada do mediano é = e a do indivíduo i é
= , em que Di = yi ‒ ym.
5. Supõe-se que o especialista pode omitir, mas não falsificar informação. No contexto legislativo, esse pressuposto se
justifica pelo fato de as interações se repetirem e, por conseguinte, haver incentivo para cultivar uma boa reputação.
6. Supondo que um especialista enviesado não é capaz de comprometer-se em compartilhar toda sua informação, o
mediano sempre desconta o viés ao considerar a recomendação.
7. Como a decisão se baseia em expectativas racionais, o decisor não incorre em perda distributiva ex ante – isto é,
antes de conhecer o resultado.
412 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
8. Na Câmara dos Deputados, qualquer titular da comissão pode oferecer recomendação alternativa à do parecer da
maioria, na forma de voto em separado.
Heterogeneidade de Preferências e o Uso de Evidências na Câmara dos Deputados | 415
quando a política pública é examinada por comissões cujas preferências são antagônicas,
ou por uma comissão composta de grupos cujas preferências são antagônicas. A seguir,
realiza-se uma análise empírica preliminar do suposto efeito positivo da heterogenei-
dade de comissão sobre a qualidade da informação compartilhada por essas arenas.
4 ANÁLISE EMPÍRICA
Para avaliar a relação entre heterogeneidade de preferências e qualidade da infor-
mação, selecionou-se uma amostra de PLs, classificou-se a heterogeneidade com
base no tipo de comissão que emitiu parecer de mérito ao projeto, avaliou-se a
qualidade da informação contida nos pareceres e, por fim, comparou-se estatis-
ticamente o nível da qualidade entre diferentes tipos de heterogeneidade. Esses
passos são detalhados a seguir.
Como não existem dados que permitam identificar diretamente as prefe-
rências políticas das comissões, selecionou-se uma amostra não aleatória de PLs
com base em critérios que, supõe-se, permitem construir proxies válidas dos tipos
de heterogeneidade de comissão. Os projetos são os de iniciativa do Executivo,
apresentados à Câmara dos Deputados no período 1989-2018, que receberam
parecer de mérito de pelo menos uma comissão – até o fim de 2019, quando
cessou a coleta de dados – e que versam sobre matéria regulatória acerca de pelo
menos uma das seguintes áreas temáticas: agricultura; indústria; minas e energia;
telecomunicações; transportes; defesa do consumidor; meio ambiente; e trabalho.
A restrição a projetos do Executivo justifica-se por serem politicamente
mais relevantes e receberem mais atenção dos deputados. O foco em matéria
regulatória – ou seja, que disciplina atividade ou direitos – é em razão do seu
maior potencial de conflituosidade quando comparada a outras, como as que
concedem benefícios ou tratam de aspectos estritamente jurídicos. As oito áreas
temáticas listadas estão no centro de importantes e frequentes conflitos políticos,
que contrapõem, de um lado, a defesa de interesse econômico setorial e, de outro,
a proteção de direito difuso; no caso, do consumidor, do meio ambiente ou do
trabalho. Na Câmara, cada uma dessas áreas temáticas encontra representação em
uma comissão permanente.
Com base nesses critérios, selecionaram-se inicialmente 93 PLs, mas teve-se
de descartar alguns poucos por falta de dados, o que resultou em uma amostra final
de 86 projetos.9 No que diz respeito ao tema, 26 projetos (30%) são sobre trabalho;
24 (28%), a respeito de meio ambiente; 18 (21%), sobre direito do consumidor;
e os outros 18 (21%), a respeito de interesses econômicos setoriais.
9. A identificação dos PLs e o acesso aos pareceres ocorreram por meio da ferramenta de pesquisas do portal da Câmara
dos Deputados, disponível em: <https://is.gd/D8bY6B>. Os projetos estão listados no apêndice deste capítulo, com
outras informações relevantes a seu respeito.
416 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
QUADRO 1
Distribuição dos projetos da amostra, por tipo de heterogeneidade de comissão
Grupo Tipo de comissão que emitiu parecer Projetos
QUADRO 2
Exemplos de qualidade da informação de pareceres da comissão do meio ambiente
Qualidade Projeto e matéria Trecho do parecer
10. A hierarquia de evidências científicas é um critério mais restritivo, que, nos casos da amostra, tem baixa capacidade
de diferenciação.
11. A codificação foi realizada pelo próprio autor mediante leitura dos pareceres. Não foi realizado procedimento
de validação.
418 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
(Continuação)
QUADRO 3
Distribuição dos projetos da amostra, por nível de qualidade da informação
Qualidade Natureza da informação Projetos
GRÁFICO 1
Distribuição das probabilidades marginais da qualidade da informação, pelos grupos
da amostra
(Em %)
100
80
60
40
20
0
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3
Câmara aumentou ao longo dos pós-1988 (Santos e Canello, 2016), sendo razo-
ável supor que também a própria disponibilidade de evidências sobre diferentes
questões de política pública. Análises complementares revelaram que, na amostra,
tanto a qualidade da informação quanto a incidência relativa de projetos nos gru-
pos 2 e 3 aumentaram ao longo dos anos. Isso impõe que se controle pelo tempo
decorrido, mais precisamente, pelo número de anos desde janeiro de 1989 até a
conclusão do parecer.
O outro fator potencialmente relevante é a posição do relator do projeto
ante o governo. Com base na literatura que enfatiza a centralidade do conflito
entre governo e oposição (Figueiredo e Limongi, 1999; Pereira e Mueller, 2000),
pode-se argumentar que relatores oposicionistas têm mais incentivo para coletar e
compartilhar informação de qualidade quando o projeto é de iniciativa do governo.
De fato, análises adicionais revelaram associação positiva, mas não significativa,
entre o relator de oposição e a qualidade da informação, e que a ocorrência desse
tipo de relator é mais frequente no grupo 2. Logo, é aconselhável que também se
controle pela posição do relator perante o governo.
Para avaliar a robustez da evidência do gráfico 1 na presença desses controles,
estimou-se um modelo de regressão probit ordinal multivariado que inclui, além de
indicadores da heterogeneidade de comissão, o tempo decorrido e um indicador de
relator de partido oposicionista. Com relação à heterogeneidade, combinaram-se os
grupos 2 e 3 em apenas um, em razão de a evidência ter corroborado a hipótese de
que não há diferença de qualidade entre estes. O grupo 1, por sua vez, foi separado
em dois subgrupos, sendo um de projetos que receberam parecer de comissão de
direito difuso e o outro, de projetos que receberam parecer de comissão de interesse
econômico setorial. Essa separação se justifica pelo fato de análises complementares
(não reportadas) terem revelado, naquele grupo, uma diferença (inesperada) no
nível da qualidade entre os dois tipos de comissão.
O gráfico 2 ilustra os resultados do modelo multivariado, sendo que, nesse
caso, as estimativas (pontos do gráfico) expressam a mudança na probabilidade de
a qualidade da informação ser muito alta. Também nesta análise se observa que a
probabilidade é significativamente maior quando há preferências antagônicas entre
comissões ou intracomissão (grupos 2 e 3). Em relação ao grupo de projetos sem
heterogeneidade de comissão e com parecer de comissão de interesse econômico
setorial (a categoria de referência), a diferença estimada é igual a 0,237, sendo
fortemente significativa (p-valor < 0,01). No que concerne ao grupo de projetos
sem heterogeneidade de comissão e com parecer de comissão de direito difuso
(grupo 1: difusa), a diferença estimada é de apenas 0,087 (0,237‒0,150), sendo
moderadamente significativa (p-valor = 0,018).
Heterogeneidade de Preferências e o Uso de Evidências na Câmara dos Deputados | 421
GRÁFICO 2
Mudança estimada na probabilidade de a qualidade da informação ser muito alta,
por variável
0,5
0,4
0,3
0,237
0,2
0,150
0,1
0,042
0,020
0,0
-0,1
Grupos 2 e 3 Grupo 1: difusa Tempo (Δ=22 anos) Relator da oposição
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É salutar a prescrição de que políticas públicas devem basear-se na melhor evi-
dência disponível. A premissa de que decisões mais bem-informadas aumentam
o bem-estar geral é consistente com os resultados dos modelos teóricos revisados
neste capítulo, especificamente no que diz respeito à redução da parcela da perda
de utilidade associada à incerteza do decisor. É necessário reconhecer, contudo,
que a própria lógica da representação democrática em uma sociedade altamente
plural como a brasileira implica processo decisório permeado de interesses con-
flitantes e assimetrias informacionais. Nesse contexto, é natural que atores-chave
levem em conta os efeitos distributivos de políticas públicas alternativas e façam
uso estratégico de evidências.
Contrariamente ao pessimismo que parece reinar no movimento da PPBE,
conclui-se deste capítulo que há boas razões para crer que, dependendo da forma
como se organiza o processo decisório, o conflito de interesses pode favorecer
o uso de evidências. Em realidade, parece ser isso o que ocorre na Câmara dos
Deputados, como indicam os resultados, não obstante preliminares, da análise
empírica realizada neste capítulo: a aquisição e o compartilhamento de informa-
ção de qualidade por comissões permanentes é mais frequente em proposições
que colocam em lados opostos interesses organizados. De forma mais ampla, isso
sugere que a organização do sistema de comissões da Câmara – com seu número
elevado de colegiados multipartidários especializados em áreas distintas de política
pública – é consistente com o modelo de advocacia concorrencial analisado em
Dewatripont e Tirole (1999), que promove decisões mais bem-informadas, por
meio da concorrência entre defensores de interesses ou causas específicas.
Não se trata de sugerir que as decisões coletivas dos deputados federais sobre
políticas relevantes são geralmente bem-informadas. O que se deseja destacar, à guisa
de conclusão, é simplesmente que: é inevitável o uso político de evidências; inexiste
contradição necessária entre conflito de interesses e decisões bem-informadas; e,
por fim, que a correta identificação das condições e incentivos que favorecem o uso
da melhor evidência disponível em decisões coletivas requer que se compreenda
melhor como se organiza o processo decisório, quais são os atores importantes e
suas respectivas preferências.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, A. S. Governo presidencial condicionado: delegação e participação
legislativa na Câmara dos Deputados. 2018. Tese (Doutorado) – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
Heterogeneidade de Preferências e o Uso de Evidências na Câmara dos Deputados | 423
APÊNDICE A
TABELA A.1
Projetos da amostra e características selecionadas
Projeto Área Grupo Quali Comissão Projeto Área Grupo Quali Comissão
PL n 1.924/1989
1 o
MA 3
2 4 Ceic
7
PL n 4.828/1998
o
MA 3 1 Cesp
PL no 2.008/1989 MA 1 0 CDCMAM8 PL no 1.165/1999 DC 1 0 CDCMAM
PL n 2.114/1989
o
MA 2 1 CDCMAM PL n 1.615/1999
o
DC 3 1 Cesp
PL no 2.115/1989 MA 2 1 CDCMAM PL no 1.616/1999 MA 1 1 CDCMAM
PL n 2.277/1989
o
SE4
1 0 CME 9
PL n 1.617/1999
o
MA 3 1 CME
PL no 2.951/1989 SE 1 0 CME PL no 2.222/1999 TB 1 1 CTASP
PL no 3.654/1989 SE 1 0 CVTDUI10 PL no 2.329/2000 SE 1 0 CAPR
PL n 4.586/1990
o
SE 1 0 CVTDUI PL n 2.845/2000
o
TB 1 0 CTASP
PL no 4.643/1990 SE 1 0 CDEIC11 PL no 3.242/2000 SE 1 1 CAPR
PL n 4.789/1990
o
TB 5
1 0 CTASP 12
PL n 3.392/2000
o
TB 1 0 CTASP
PL no 5.653/1990 SE 1 0 CME PL no 3.523/2000 TB 1 1 CTASP
PL n 5.883/1990
o
SE 1 0 Ceic PL n 3.811/2000
o
TB 2 1 CAPR
PL no 638/1991 TB 1 4 CTASP PL no 3.846/2000 DC 3 1 Cesp
PL n 1.231/1991
o
TB 1 0 CTASP PL n 7.372/2002
o
TB 1 1 CTASP
PL no 1.232/1991 TB 1 0 CTASP PL no 1.248/2003 TB 1 0 CTASP
PL no 2.018/1991 TB 1 0 CTASP PLP no 210/2004 TB 3 1 Cesp
PL n 2.160/1991
o
MA 3 1 Cesp 13
PL n 3.303/2004
o
MA 2 0 CDCMAM
PL no 2.249/1991 MA 1 1 CDCMAM PL no 4.186/2004 MA 1 2 CMADS15
PL n 2.501/1992
o
SE 1 0 CME PLP n 249/2005
o
SE 1 0 CDEIC16
PL no 2.530/1992 DC6 2 1 CDCMAM PL no 4.776/2005 MA 3 1 Cesp
PL n 2.892/1992
o
MA 1 4 CDCMAM PL n 5.821/2005
o
MA 1 1 CDCMAM
PL no 3.155/1992 SE 1 0 CAPR14 PL no 5.870/2005 DC 1 0 CDC17
PL no 3.156/1992 DC 1 0 CDCMAM PL no 5.877/2005 DC 3 4 Cesp
PLP n 170/1993
2 o
SE 1 0 Ceic PL n 6.320/2005
o
DC 2 1 CDEIC
PL no 3.498/1993 DC 1 0 CDCMAM PL no 6.529/2006 SE 1 1 CDEIC
PL n 4.109/1993
o
MA 2 4 CDCMAM PL n 6.601/2006
o
TB 1 4 CTASP
PL no 4.259/1993 MA 2 1 CDCMAM PL no 6.673/2006 DC 3 1 Cesp
PL n 4.268/1993
o
SE 1 0 CAPR PL n 7.009/2006
o
TB 2 2 CTASP
PL no 4.376/1993 DC 3 1 Cesp PL no 7.029/2006 DC 2 1 CDEIC
PL n 4.677/1994
o
TB 1 2 CTASP PL n 7.505/2006
o
TB 2 0 CTASP
PL no 4.768/1994 TB 2 2 Ceic PL no 7.708/2006 MA 1 3 CDCMAM
PL no 40/1995 SE 1 0 CME PL no 1/2007 TB 3 2 Cesp
PL n 1.155/1995
o
DC 2 2 CDCMAM PLP n 388/2007
o
MA 2 1 CMADS
PL no 1.457/1996 SE 1 0 CAPR PL no 3.498/2008 DC 2 1 CFT18
(Continua)
426 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
(Continuação)
Projeto Área Grupo Quali Comissão Projeto Área Grupo Quali Comissão
PL no 2.660/1996 TB 2 2 CTASP PL no 3.571/2008 MA 1 0 CDHM19
PL n 3.125/1997
o
DC 2 1 Ceic PL n 5.892/2009
o
MA 2 0 CAPADR20
PL n 3.512/1997
o
SE 1 0 Ceic PL n 5.938/2009
o
MA 3 0 Cesp
PL no 3.747/1997 TB 1 0 CTASP PL no 5.941/2009 MA 3 3 Cesp
PL n 3.748/1997
o
TB 1 0 CTASP PL n 6.961/2010
o
DC 3 1 Cesp
PL no 3.964/1997 MA 2 3 CDCMAM PL no 7.326/2010 MA 2 3 CMADS
PL n 4.257/1998
o
DC 2 1 CDCMAM PL n 5.196/2013
o
DC 1 1 CDC
PL no 4.302/1998 TB 1 0 CTASP PL no 5.278/2016 TB 2 0 CTASP
PL n 4.694/1998
o
TB 1 0 CTASP PL n 6.787/2016
o
TB 3 3 Cesp
1 INTRODUÇÃO
“[N]ós, do CNJ, o presidente Gilmar Mendes, os conselheiros, nós todos sabemos que
nós estamos vivendo num país de extrema, profunda, injusta e odiosa desigualdade
social. E as desigualdades também estão inseridas no âmbito do Poder Judiciário!”
(CNJ, 2008a), exclamou o então ministro Gilson Dipp, corregedor nacional do
CNJ, no II Encontro Nacional do Poder Judiciário, em fevereiro de 2009. Mas a
fala do ministro, ao que poderia parecer, não se referia às desigualdades de acessar a
Justiça. Referia-se às desigualdades estruturais intramagistratura, às “desigualdades
entre as instâncias”, às desigualdades entre os “tribunais inflados” e a “Justiça de pri-
meiro grau abandonada”: “A Justiça brasileira é tão desigual quanto a desigualdade
entre as pessoas” (op. cit.), em tom de denúncia, concluía o ministro. Já havia um
pouco mais de quatro anos de existência do órgão que centralizaria a coordenação
da organização administrativa e financeira do Poder Judiciário brasileiro (o CNJ ),
e, como que em uma coalizão discursiva, parece que já estavam claras as teses sobre
as causas da morosidade da Justiça, nos discursos proferidos no evento: “Embora se
diferenciem em relação às competências, os órgãos jurisdicionais brasileiros formam
um só Poder Judiciário, daí se dizer comumente que o Poder Judiciário é um poder
nacional, cuja imagem é de imediata atingida se a menor das varas fraqueja” (CNJ,
1. Agradecemos os debates, as inquietações e as sugestões de Rebecca Neaera Abers, professora do Instituto de Ciência
Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB), aos conceitos propostos neste capítulo, parceria esta que muito nos fez
refletir sobre as desigualdades da burocracia judicial brasileira.
2. Pesquisadora na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea. E-mail:
<maricilene.nascimento@ipea.gov.br>.
3. Investigador auxiliar do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, em Portugal.
4. Fala do então ministro Joaquim Barbosa, na época presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, em discurso de
abertura no VII Encontro Nacional do Poder Judiciário, em Belém do Pará, em novembro de 2013. Disponível em CNJ (2013c).
428 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
2008b), declarava o então presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes. Era tam-
bém um discurso-denúncia: “tal como ocorre numa bem ajeitada máquina, se uma
parte não funciona, por mínima que seja, é o todo que sai prejudicado” (op. cit.).
Destacando uma das estatísticas mais impactantes do último relatório Justiça em
Números, criado pelos estatísticos do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ),
destaca ainda o presidente:
pouco importa que a taxa de congestionamento de determinado tribunal esteja regular,
ou se mostra regular, se nas comarcas acumulam-se processos. (...) Muitas vezes, pode
ocorrer exatamente isto: um dado tribunal pode estar dando a resposta adequada no
segundo grau, exatamente porque o primeiro grau está com um índice elevado de taxa
de congestionamento. [Por isso, tem] de existir equilíbrio nas condições de trabalho
oferecidas às instâncias de modo a se mostrarem adequadas às demandas que nelas
transitam, é preciso haver distribuição adequada de recursos entre o segundo grau e
o primeiro grau (CNJ, 2008b).
Seis dias antes da ocorrência do já referido II Encontro Nacional do Poder
Judiciário, onde seria aprovado o primeiro Planejamento Estratégico do Poder Ju-
diciário, chegava nas mãos do presidente Gilmar Mendes, para somar às evidências
estatísticas do relatório Justiça em Números, os recentes resultados estatísticos da
1a Pesquisa sobre as Condições de Trabalho dos Juízes, realizada pela Associação
dos Magistrados Brasileiros (AMB), na presidência pioneira de um magistrado de
primeira instância da região Nordeste, o juiz Airton Mozart Valadares Pires, do
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE). No relatório, a conclusão era
que “as condições de trabalho dos magistrados revela[vam] uma situação preocupante
e ajuda[vam] a entender a morosidade reclamada pelo cidadão quando recorre à
Justiça” (AMB, 2009, p. 4-5): o “número de juízes no Brasil é insuficiente para
a quantidade de processos”; “apenas 15% das unidades tramitam até mil processos –
número considerado aceitável”. “Além do número insuficiente de magistrados, a
pesquisa revela que a quantidade de pessoal técnico é praticamente a metade do
que seria necessário para atender à demanda do Judiciário”; temos “falta de trans-
parência na forma como os recursos do Poder Judiciário são administrados”; “quase
[a] totalidade dos magistrados desconhece o percentual do orçamento do Tribunal
que é repassado para sua unidade”; e “mais de dois terços dos juízes afirmam que
os recursos destinados são insuficientes” (op. cit.).
Esta investigação propõe destacar como a ecologia estatística foi central para
embasar uma onda de protestos intraburocracia contra as desigualdades estruturais
entre as instâncias da magistratura brasileira. O trabalho aqui realizado explora
a forma como os atores e os defensores da magistratura de primeira instância no
Brasil mobilizaram estatísticas para tentar alcançar reivindicações históricas dessa
classe, situadas em diferentes episódios, desde a instalação do CNJ, em 2005,
como, entre outras existentes: i) a busca pela padronização de critérios objetivos
na movimentação de carreira da magistratura; ii) o direito ao voto na escolha da
Estatativismo Institucional e os Episódios em torno das Causas da Magistratura | 429
de Primeira Instância Brasileira
direção dos tribunais; e iii) a construção de uma política distributiva para subsidiar
melhorias nas condições de trabalho da magistratura de base.
Para ajudar nessa proposta de investigação, dialogamos com a proposta
conceitual de Bruno, Didier e Vitale (2014), que argumentam que o ativismo
com as estatísticas, o que denominam de estatativismo, é um repertório de ação
de movimentos sociais em episódios contenciosos pela busca por representação
e afirmação da realidade que lhes é vivida, assim como para embasar críticas e
denúncias a essa realidade. Com inspirações no conceito de ativismo institucio-
nal de Abers (2017), propomos caracterizar os episódios em torno das causas da
magistratura de primeiro grau como estatativismo institucional, um movimento
ativista com as estatísticas pelos atores das próprias instituições. A partir disso,
buscamos identificar o que chamamos de práticas de mobilização das estatísticas,
um termo referente à construção de significados com os princípios, as técnicas e
os resultados estatísticos para embasar e justificar causas políticas. A metodologia
seguida privilegia a consulta de fontes oficiais e institucionais, produzida pelos
atores sociais, profissionais e institucionais, envolvidos nos episódios em torno
das reivindicações da magistratura de primeira instância no Brasil, cujos dados e
análises foram tratados no software Atlas.ti.
Conforme segue, após esta introdução, a seção 2 traz as inspirações teóricas
e os argumentos propostos; a seção 3 centraliza os episódios propostos; e, por fim,
a seção 4 apresenta as considerações finais.
5. Órgão criado pela Emenda Constitucional (EC) no 45/2004, com a missão de coordenar a gestão administrativa e
financeira dos tribunais brasileiros.
Estatativismo Institucional e os Episódios em torno das Causas da Magistratura | 431
de Primeira Instância Brasileira
2001, p. 95). As “estatísticas estão situadas em discursos mais amplos onde podem
ser invocadas para avançar uma agenda” (op. cit., p. 95). E isso é uma forma de
ativismo. Mais especificamente, é estatativismo.
Bruno, Didier e Vitale (2014) propõem que estatativismo, um termo formado
pela contração de estatística e ativismo, é uma forma particular de ação em um
amplo repertório usado pelos movimentos sociais contemporâneos (a mobilização
de estatísticas); “ele deve ser entendido talvez como slogan a ser brandido em bata-
lha, mas também um termo a ser empregado na descrição daqueles experimentos
objetivados em reapropriar o poder das estatísticas de denunciação e emancipação”
(Bruno, Didier e Vitale, 2014, p. 199). Tradicionalmente usado por movimento de
trabalhadores, conforme afirmam Bruno, Didier e Vitale (2014), o estatativismo está
se movendo para muitos campos de ação e por muitos tipos de atores, e presente,
principalmente, em matéria de reestruturação do Estado. Nesse repertório de ação,
há dois papéis que os atores concedem às estatísticas: representação da realidade e
crítica à realidade. Sendo assim, Bruno, Didier e Vitale (2014) propõem que, na
produção de leitura compartilhada da realidade, podemos encontrar duas dimen-
sões do estatativismo: a denúncia e a afirmação. “Em outras palavras, veremos o
papel de estatativistas em denunciar um certo estado da realidade e, também, nos
esforços para usar estatísticas na criação de equivalência entre condições díspares
e na cimentação de categorias sociais emergentes” (op. cit., p. 198).
Mas, diferentemente do que propõem focar Bruno, Didier e Vitale (2014),
situando a mobilização de estatísticas em causas contenciosas como parte de um
amplo repertório de ação de movimentos sociais, propomos mostrar que o esta-
tativismo também é um repertório de ação de movimentos intraburocracia, uma
espécie de repertório de ação que sugerimos conceituar de estatativismo institucional.
Este último termo é inspirado na proposta conceitual de ativismo institucional6
de Abers (2017) – uma ação proativa que envolve a busca de oportunidades pela
burocracia estatal, sendo o objeto dessa ação a defesa de uma causa contenciosa,
“mesmo quando ela é oposta às demandas de seus superiores” (op. cit., p. 26).
No caso dos episódios que serão narrados aqui, uma coalizão em defesa às rei-
vindicações da magistratura de primeira instância no Brasil mobilizou estatísticas
oficiais, em especial para tentar avançar causas em denúncia às práticas distributivas
orçamentária e de pessoal, aos critérios e às práticas na movimentação de carreira
e ao sistema de eleição das cúpulas administrativas dos tribunais no país.
Bruno, Didier e Vitale (2014) chamam atenção sobre a urgência em “reconhe-
cer o quanto movimentos sociais usam estatísticas e a quantificação como parte de
6. Reconhecemos que nos inspiramos de modo ultra-adaptado no conceito de ativismo institucional proposto pela Abers
(2017), que situa o ativismo nas relações da burocracia com causas sociais. No entanto, ousamos propor que o conceito
nos ajuda a pensar repertórios de ação em causas que julgamos contenciosas no interior das relações intraburocracia,
viagem conceitual que, concordamos, requer refinamentos e justificações ao debate proposto neste capítulo.
432 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
seus repertórios de ação, na crítica a certas estatísticas, assim como no uso de outras
como poderosos instrumentos em lutas políticas” (op. cit., p. 202). O estatativismo,
sugerem os autores, “designa aquelas práticas estatísticas que são utilizadas para criticar
e libertar de qualquer autoridade”, mas também concordam que a quantificação,
às vezes, desempenha um papel crucial na construção de autoridade, de domina-
ção: “poderíamos também afirmar que dificilmente hoje existe melhor exemplo
de autoridade capaz de desarmar qualquer crítica do que um número ou nexos de
números” (op. cit., p. 200). Uma diferenciação importante que esses autores trazem
é que estatísticas é sobre representar – sinteticamente – a realidade e estatativismo é
sobre desafiar a representação da realidade com as próprias estatísticas. Desse modo,
para avançar nesse reconhecimento instrumental que fazem das estatísticas esses mo-
vimentos, e isso vale também para a natureza de movimento com a qual propomos
analisar neste capítulo, concordamos que um aspecto importante a ser investigado
diz respeito às práticas de mobilização de estatísticas que, assim como os propósitos
para os quais são mobilizadas, podem ajudar na compreensão de como essa forma
de ativismo se desenvolve.
Os exemplos dos episódios contenciosos, em torno das causas da magistra-
tura de primeira instância no Brasil, os quais iremos relatar na seção 3, permitem
situar as práticas de mobilização de estatísticas referentes à construção de sistemas
de significados com os elementos da ecologia estatística, como princípios, técnicas,
fórmulas e resultados, entre outras dimensões, para embasar, justificar e representar
causas políticas. No campo de batalha, às vezes, a mobilização de estatísticas se dá
em reação a critérios que foram estabelecidos; “em outros casos, estatativismo não
é contra indicadores, mas consiste em quantificar dados para tornar uma questão
visível e relevante” (Bruno, Didier e Vitale, 2014, p. 200). Sobre esse aspecto, Nas-
cimento e Abers (2020) também mostram que, a depender de onde os atores estão
situados na disputa política intraburocracia, diferentes estratégias de mobilização das
estatísticas podem ser observadas: atores produtores das estatísticas podem mobilizar
técnicas estatísticas cujos indicadores resultantes são constituídos de modo a induzir
mudanças organizacionais, ao classificar melhores e piores. De outro modo, os atores
afetados por tais técnicas de classificação – em especial, aqueles que alcançam baixas
posições em índices e indicadores –, para mitigar perdas socioinstitucionais, criam
e divulgam novas interpretações, “ora abandonando, ora recombinando alguns
(...) elementos [constitutivos das estatísticas], para proporem trilhas interpretativas
positivas de si” (op. cit., p. 138), que é o caso que trazem da criação do controverso
Índice de Produtividade Comparada da Justiça (IPC-Jus), pelo DPJ/CNJ, para aferir
a eficiência produtiva comparada dos tribunais brasileiros.
Adicionalmente, propomos também mostrar que, às vezes, as estatísticas
são mobilizadas para, simultaneamente, criticar e representar, para denunciar e
Estatativismo Institucional e os Episódios em torno das Causas da Magistratura | 433
de Primeira Instância Brasileira
afirmar. Nos episódios que serão trabalhados em torno das causas da magistratura
de primeira instância no Brasil, esta prática simultânea será explicitada.
3.1 E
pisódio 1: “O merecimento não está recaindo para aquele que mais
trabalha” (AMB, 2010): questionando os critérios de movimentação da
carreira na magistratura
“Essa é uma data histórica para a magistratura brasileira”, destaca a comemoração
do presidente da AMB, o juiz Rodrigo Collaço, ao site Migalhas (CNJ acolhe...,
2005). A comemoração era referente ao acolhimento do pedido de providências
submetido pela AMB ao CNJ, o qual reivindicava que o voto nas promoções por
merecimento de magistrados do primeiro grau ao segundo grau deveria ser aberto
e fundamentado. “É o reconhecimento da importância do mérito, a introdução de
princípios constitucionais, como a transparência, a impessoalidade e a publicidade
na promoção por merecimento. Isso contribuirá para a valorização do juiz perante
a sociedade” (op. cit.), afirmava o juiz situando o significado da sua comemoração.
No requerimento submetido ao CNJ, a AMB argumentava que a Emenda
Constitucional no 45/20047 – que trazia mudanças conhecidas como a reforma
do Judiciário, entre as quais criava o CNJ – estabeleceu “quatro critérios objetivos
para fins de aferição do merecimento de magistrados visando à promoção na car-
reira”,8 e a reivindicação era que “mostrava-se necessária a observância imediata
desses parâmetros, mediante voto aberto e fundamentado, por todos os tribunais
nacionais, nos atos de promoção de magistrados”. A prática aberta e fundamentada
do voto era tão importante para o cumprimento da adoção de critérios objetivos no
processo de promoção porque “até o momento que antecedeu à EC no 45/2004,
as promoções por merecimento eram feitas, nos tribunais nacionais, por meio de
votação secreta, na qual os magistrados integrantes da lista não tinham acesso à
motivação da promoção”; por isso, “o critério subjetivo prevalecia sobre o objetivo”,
denuncia a AMB.
Outra reivindicação que acompanhava a da prática aberta e fundamentada
do voto para a ascensão ao segundo grau era a observância dos tribunais ao que já
previa a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), em matéria de promoção:
a regulamentação pelos tribunais da apuração e aferição dos critérios de promoção.
QUADRO 1
A estrutura de parametrização e operosidade quantificada para aferição de merecimento
na movimentação de carreira do primeiro para o segundo grau
Avaliação da produtividade Avaliação da presteza
I – Estrutura de trabalho I – Dedicação
a) compartilhamento das atividades na unidade a) assiduidade ao expediente forense;
jurisdicional com outro magistrado (titular, substituto b) pontualidade em audiências e sessões;
ou auxiliar); c) gerência administrativa;
b) acervo e fluxo processual existente na unidade d) atuação em unidade jurisdicional definida previamente pelo tribunal de
jurisdicional; difícil provimento;
c) cumulação de atividades; e) participação efetiva em mutirões, em Justiça itinerante e em outras
d) competência e tipo do juízo; e iniciativas institucionais;
e) estrutura de funcionamento da vara (recursos f) residência e permanência na comarca;
humanos, tecnologia, instalações físicas e recursos g) inspeção em serventias judiciais e extrajudiciais e em estabelecimentos
materiais). prisionais e de internamento de proteção de menores sob sua jurisdição;
II – Volume de produção h) medidas efetivas de incentivo à conciliação em qualquer fase do
a) número de audiências realizadas; processo;
b) número de conciliações realizadas; i) inovações procedimentais e tecnológicas para incremento da prestação
c) número de decisões interlocutórias proferidas; jurisdicional;
d) número de sentenças proferidas, por classe proces- j) publicações, projetos, estudos e procedimentos que tenham contribuído
sual e com priorização dos processos mais antigos; para a organização e a melhoria dos serviços públicos do Poder Judiciário;
e) número de acórdãos e decisões proferidas em e
substituição ou auxílio no segundo grau, bem como k) alinhamento com as metas do Poder Judiciário, traçadas sob a coordena-
em turmas recursais dos juizados especiais cíveis e ção do Conselho Nacional de Justiça.
criminais; e II – Celeridade na prestação jurisdicional
f) o tempo médio do processo na vara. a) observância dos prazos processuais, computando-se o número de
Operacionalização da avaliação da produtividade: processos com prazos vencidos e os atrasos injustificáveis;
a média do número de sentenças e audiências em b) o tempo médio para a prática de atos;
comparação com a produtividade média de juízes de c) o tempo médio de duração do processo na vara, desde a distribuição até
unidades similares, utilizando-se, para tanto, dos ins- a sentença;
titutos da mediana e do desvio-padrão oriundos da d) o tempo médio de duração do processo na vara, desde a sentença até
ciência da estatística, privilegiando-se, em todos os o arquivamento definitivo, desconsiderando, nesse caso, o tempo que o
casos, os magistrados cujo índice de conciliação seja processo esteve em grau de recurso ou suspenso; e
proporcionalmente superior ao índice de sentenças e) o número de sentenças líquidas prolatadas em processos submetidos ao
proferidas dentro da mesma média. rito sumário e sumaríssimo e de audiências prolatadas em audiências.
Avaliação da adequação da conduta ao Código de Ética da Magistratura
Avaliação do aperfeiçoamento técnico
Nacional (CEMN)
I – Frequência e aproveitamento em cursos oficiais a) independência, imparcialidade, transparência, integridade pessoal e
ou reconhecidos pelas escolas nacionais respectivas, profissional, diligência e dedicação, cortesia, prudência, sigilo profissional,
considerados os cursos e eventos oferecidos em conhecimento e capacitação, dignidade, honra e decoro;
igualdade a todos os magistrados pelos tribunais e b) processo disciplinar administrativo aberto contra o magistrado e sansões
conselhos do Poder Judiciário, pelas escolas dos tribu- aplicadas no período da avaliação.
nais, diretamente ou mediante convênio; Avaliação da qualidade das decisões
II – Diplomas títulos ou certificados de conclusão
de cursos jurídicos ou de áreas afins e relacionados a) redação.
com as competências profissionais da magistratura, b) clareza.
realizados após o ingresso na carreira; e c) objetividade.
III – Ministração de aulas em palestras e cursos d) pertinência de doutrina e jurisprudência.
promovidos pelos tribunais ou conselhos do Poder e) respeito às súmulas do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais
Judiciário, pelas escolas da magistratura ou pelas ins- superiores.
tituições de ensino conveniadas ao Poder Judiciário
Avaliação do merecimento (pontuação máxima dos critérios)
I – desempenho: 20 pontos.
II – produtividade: 30 pontos.
III – presteza: 25 pontos.
IV – aperfeiçoamento técnico: 10 pontos.
V – adequação da conduta ao CEMN: 15 pontos.
Fonte: CNJ (2010).
Estatativismo Institucional e os Episódios em torno das Causas da Magistratura | 437
de Primeira Instância Brasileira
respectivos tribunais, a fim de que todos os juízes e juízas vitalícios do primeiro grau
também tivessem direito ao voto para escolher a presidência e a vice-presidência
dos tribunais (Diretas Já..., 2014). Era também uma velha reivindicação que já
vinha de tempos mais remotos e que ganhou força com a chegada de integrantes
da magistratura de primeiro grau na presidência das associações (Magalhães, 2008):
“Não há democracia interna no Poder Judiciário (...)”, “(...) juízes de primeiro grau
são membros do Poder Judiciário e têm que participar da administração deste po-
der”, “Queremos um Judiciário mais acessível, feito para servir à população e não a
juízes, desembargadores e ministros”, “Nós queremos boas condições de trabalho,
prédios funcionais e não luxo” (op. cit.), denunciava e reivindicava, na época de sua
presidência na AMB, o juiz do primeiro grau pernambucano Mozart Valadares.
FIGURA 1
Imagem de campanha do movimento Diretas Já nos tribunais brasileiros
de mostrar que, 50 anos depois do golpe militar de 64, ‘o Judiciário ainda não
atingiu a democracia em sua plenitude’,(...) somente os desembargadores, que
representam 17% dos magistrados de todo país, podem votar” (Diretas Já..., 2014).
Aliás, a abertura das eleições para todo o Judiciário “possibilitará uma melhor
qualificação do Poder Judiciário e a melhoria da nossa prestação jurisdicional”
(Santos e Romão, 2014), publicava no site da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), regional do Ceará, um magistrado de segundo grau do Tribunal de Justiça
do Estado do Ceará (TJCE) em favor à causa. Segundo Santos e Romão (2014):
“diversos tribunais brasileiros abandonam a primeira instância, conferindo boas
condições de trabalho apenas ao segundo grau; e isso nada mais é do que um
reflexo do processo eleitoral para a administração da corte”, por isso, “mediante
uma eleição direta, os juízes monocráticos terão como cobrar dos desembargadores
eleitos, exigindo uma gestão voltada ao primeiro grau” (op. cit.). Não é somente
uma causa da magistratura, “a eleição direta revela uma forma de inserir a gestão
democrática no âmbito do Poder Judiciário, porque a democracia possibilita uma
direção comprometida com os anseios dos jurisdicionados e com os resultados
almejados pela instituição” (op. cit.). Sendo assim, o magistrado faz a seguinte afir-
mação: “Ninguém melhor do que o julgador de primeiro grau para diagnosticar as
necessidades da comarca destinatária de seu labor, em virtude de sua aproximação
das partes e dos advogados” (op. cit.).
A questão é que
não se trata apenas de democratizar a estrutura administrativa do Poder Judiciário,
mas, principalmente, de permitir a escolha daquele magistrado que, para a maioria
dos membros da magistratura, se apresente o melhor gestor, o melhor administra-
dor da coisa pública, (...) enquanto o processo de escolha dos cargos de direção
estiver estrito ao colégio eleitoral formado por magistrados que integram a segunda
instância, ficará a administração da primeira instância relegada à vontade particular
do magistrado eleito (...) pelos membros exclusivamente da segunda instância.
[Por isso] a partir do momento em que o processo de escolha tiver de passar também
pela manifestação de vontade dos magistrados de primeira instância, passará a haver,
em princípio, uma tendência de se fazer uma administração voltada também para a
primeira instância (AMB, 2014, p. 2).
“Afinal, não é crível que apenas 17% da magistratura seja admitida a definir
os destinos do Poder Judiciário” (AMB, 2014, p. 9), reivindicava o presidente da
AMB, no pedido de providências ao CNJ, protocolado em 8 de abril de 2014,
como símbolo nacional da coalizão pelas Diretas Já nos tribunais brasileiros, solici-
tando que o conselho expedisse “recomendação a todos os tribunais de Justiça para
que estes alterem seus regimentos internos, visando ampliar o colégio de eleitores
de modo a alcançar todos os magistrados vinculados aos tribunais, no processo de
escolha dos presidentes e vice-presidentes” (op. cit., p. 10).
440 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
O movimento pelas eleições diretas nos tribunais invoca a velha relação que
há entre os princípios estatísticos e a democratização. Mais de 80% dos integrantes
do Poder Judiciário sem direito ao voto para a escolha da direção dos tribunais, que
é a porcentagem dos integrantes da magistratura nacional de primeira instância,
justifica a crítica de que não há democracia no Poder Judiciário, de que não há
um sistema de representação da maioria, de que a proporção vigente não significa
democracia. Somente 17% dos integrantes da magistratura e pertencentes a outro
grau de jurisdição com direito ao voto foi a representação proporcional usada
pelos atores para caracterizar o sistema de governo organizacional dos tribunais
como ditaduras, conforme indica o simbolismo da campanha Eu quero votar para
presidente. Diretas Já nos tribunais brasileiros.
E chegou o dia de votação pelo deferimento ou não do pedido de providências
submetido pela AMB, especificamente na 238a Sessão Ordinária do CNJ, ocorrida
em 28 de setembro de 2016. Apesar de, no pedido documentado, submetido em
2014, não haver a mobilização de estatísticas para embasar os argumentos pela
democratização dos tribunais estaduais, ela foi deixada para o momento crucial das
plenárias do conselho, que é a sustentação oral da parte interessada. Em defesa à
reivindicação, o juiz presidente da AMB, Ricardo Costa, lembra ao plenário que essa
luta vem do período pré-democratização do país, e acabou que a Constituição de
[19]88 não contemplou uma democratização plena dos três poderes da República
e ficou pendente o Judiciário. Nós fizemos esse pedido baseado na possibilidade de
o Conselho Nacional de Justiça, como gestor de políticas nacionais para o Poder
Judiciário, emitir uma recomendação, (...) é uma recomendação que nós estamos
propondo, no sentido de os tribunais progredirem nessa questão da participação
integral da magistratura na escolha das mesas diretivas (...). Eu gostaria de tratar aqui
desse tema sob a ótica da gestão do sistema de Justiça brasileiro: uma das maiores difi-
culdades que nós temos hoje, talvez o problema maior, talvez não, o maior problema
do sistema de Justiça brasileiro, é o congestionamento, são os serviços demorados
que o Poder Judiciário tem prestado para a sociedade brasileira. [N]esses dez anos de
CNJ, nós não conseguimos ainda avançar nesse aspecto, e entendemos que um passo
importante para avançarmos seria colocarmos esses mais de 80% dos membros do
Poder Judiciário como protagonistas da gestão do sistema de Justiça (CNJ, 2016a).
A correlação entre a não participação eleitoral dos quase 80% de integrantes
da magistratura do Judiciário brasileiro e os problemas do Judiciário era íntima,
na visão dos atores reivindicadores
são muito visíveis as dificuldades que nós temos para dar, para conceber uma política
nacional na base do sistema de Justiça, onde se recebe toda a demanda por justiça no
país (...) essas dificuldades (...) notadamente se dão em função das políticas vertica-
lizadas que são concebidas pelos tribunais. E isso se deve à forma que se constitui a
representação da Justiça brasileira (CNJ, 2016a).
Estatativismo Institucional e os Episódios em torno das Causas da Magistratura | 441
de Primeira Instância Brasileira
3.3 Episódio 3: “basta dizer, não vou me alongar em números, que 90% dos
processos no brasil estão no primeiro grau de jurisdição” (CNJ, 2013b):
A Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição
A luta continuava mesmo tendo o plenário do CNJ indeferido o pedido da AMB
pela expedição de recomendação aos tribunais da inclusão da magistratura de
primeira instância no processo eleitoral. Em tempos de projeção do que ficaria
conhecido como o ápice do movimento das associações pela democratização das
estruturas administrativas do Poder Judiciário, de dentro do CNJ também nascia
outra mobilização em torno da causa, na construção de uma política pública
institucional judiciária que tentaria mudar os rumos do significado da Justiça de
primeira instância na estrutura organizacional do sistema de Justiça:
Ontem também recebemos, com muita alegria, a constituição desse grupo de tra-
balho, (...) algo inovador por parte do ministro Joaquim Barbosa, de um grupo
para apresentar a ele, ao Conselho Nacional de Justiça, (...) propostas que venham
a consolidar e a concretizar uma futura, mas já lançada, política de priorização do
primeiro grau de jurisdição (CNJ, 2013b).
Esse foi um anúncio entusiasmado, na Reunião Preparatória para o VII
Encontro Nacional do Poder Judiciário, do conselheiro representante da magistratura
de primeiro grau da Justiça do Trabalho, o juiz Rubens Curado Silveira, um dos
atores centrais na idealização dessa política e coordenador do grupo de trabalho
instituído pela Portaria CNJ no 155, de 6 de setembro de 2013 (CNJ, 2013a).
“E o que fez o Conselho Nacional, em especial o presidente, propor esse grupo
de trabalho, em uma sinalização de uma política permanente nacional voltada à
Estatativismo Institucional e os Episódios em torno das Causas da Magistratura | 443
de Primeira Instância Brasileira
QUADRO 2
Fórmulas de operacionalização da distribuição equitativa da força de trabalho
proporcional ao tamanho processual entre primeiro e segundo grau
Fórmula: proporção para o primeiro grau Fórmula: proporção para o segundo grau
Glossário
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
[A]qui eu sou tentado a invocar o poeta e dramaturgo Bertolt Brecht, que diz o se-
guinte: “que tempos são esses em que precisamos defender o óbvio?”. Toda vez que
eu vou falar desse assunto, eu invoco o Brecht (...): parece tão natural que tenha
que existir a priorização do primeiro grau de jurisdição, que parece até um contras-
senso nós estarmos tratando disso como uma política pública institucional e termos,
principalmente, que explicar o que significa isso! (STM, 2016).
Essa foi a fala do então conselheiro do CNJ e juiz da primeira instância da
Justiça do Trabalho, Carlos Eduardo Oliveira Dias, em seus primeiros momentos
de palestra na Escola de Formação da Justiça Militar, intitulada Efetivo Significado
e Sentido da Priorização do Primeiro Grau de Jurisdição, em novembro de 2016.
Era o óbvio porque as estatísticas mostravam isso, segundo Carlos Eduardo Oliveira
Dias, no decorrer da sua palestra. Mas a declaração do magistrado conselheiro era
também a ressonância temporal de um movimento de burocracia do significado
construído para aquelas estatísticas – o novo olhar à primeira instância: “melhorar
o judiciário = melhorar o primeiro grau” (CNJ, 2015), já difundia o conselheiro
Rubens Curado em sua apresentação na 1a Reunião da Rede de Priorização do
Primeiro Grau, em 2014.
Inspirado pela existência de uma ação peculiar no repertório de batalha no
campo dos movimentos sociais, que é a mobilização de estatísticas, e pelo fato de
que a burocracia estatal também se mobiliza para defender causas internas que
lhes são caras, o objetivo desta investigação foi mostrar como as estatísticas foram
centrais para embasar uma onda de movimentos intramagistratura contra as desi-
gualdades historicamente existente entre as instâncias. Especialmente, as práticas
de mobilização estatística (construção de sistemas de significados com os elementos
da ecologia estatística, como princípios, técnicas, fórmulas, entre outras dimensões,
para embasar, justificar e representar causas políticas) nos ajudaram a compreen-
der esta centralidade em diferentes episódios, que marcaram os movimentos pela
democratização das estruturas administrativas dos tribunais.
No primeiro episódio apresentado (subseção 3.1), a busca por merecimento
àquele que mais trabalha – ou seja, por novos critérios de avaliação para fins de
movimentação na carreira da magistratura de primeiro grau ao segundo grau –, a
Estatativismo Institucional e os Episódios em torno das Causas da Magistratura | 449
de Primeira Instância Brasileira
REFERÊNCIAS
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______. CNJ aprova Resolução no 106 e estabelece critérios objetivos para
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BOURDIEU, P. Sobre o Estado, cursos no Collège de France (1989‑92). 1.
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Estatativismo Institucional e os Episódios em torno das Causas da Magistratura | 451
de Primeira Instância Brasileira
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CARDOSO, R. Amapar solicita ingresso como interessada em pedido de provi-
dências no CNJ que trata das eleições diretas nos tribunais. Amapar Notícias, jul.
2014. Disponível em: <https://bit.ly/3a5xWpn>.
CNJ – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução no 6, de 13 de
setembro de 2005. Dispõe sobre a aferição do merecimento para promoção de
magistrados e acesso aos Tribunais de segundo grau. Diário da Justiça Eletrônico
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na Gestão Estratégica. In: ENCONTRO NACIONAL DO JUDICIÁRIO, 2.
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______. Palestra do ministro Gilmar Mendes. Planejamento estratégico no
Judiciário. In: ENCONTRO NACIONAL DO JUDICIÁRIO, 2. Parte 1 de 2.
YouTube, 16 fev. 2008b.
______. Resolução no 106, de 6 de abril de 2010. Dispõe sobre os critérios ob-
jetivos para aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos
tribunais de segundo grau. Diário da Justiça Eletrônico (DJe), Brasília, 6 abr.
2010. Disponível em: <https://bit.ly/3uIOn4H>.
______. Portaria no 155, de 6 de setembro de 2013. Designa grupo de trabalho
para elaborar estudos e formular propostas para a implementação de Política
Nacional voltada à priorização do primeiro grau de jurisdição dos tribunais brasi-
leiros. Diário da Justiça Eletrônico (DJe), Brasília, 6 set.2013a. Disponível em:
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rização do Primeiro Grau de Jurisdição. Relatório final. Brasília: CNJ, dez. 2013c.
Disponível em: <https://bit.ly/3iyHDRV>.
______. Resolução no 194, de 26 de maio de 2014. Institui a Política Nacional
de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição e dá outras providências.
Diário da Justiça Eletrônico (DJe), Brasília,26 maio 2014a. Disponível em:
<https://bit.ly/3uIvpuN>.
______. 1a Audiência Pública sobre Eficiência do Primeiro Grau de Jurisdição.
Primeiro dia completo. Brasília: CNJ, 17 fev. 2014b. Arquivo de vídeo.
452 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
AMB ENTREGA ao CNJ pesquisa sobre as condições de trabalho dos juízes.
Agência CNJ de Notícias, Brasília, 10 fev. 2009. Disponível em: <https://bit.
ly/3Aaj5EL>.
Seção IV
1 INTRODUÇÃO
O debate sobre o uso (ou não uso) de evidências para subsidiar a atuação governa-
mental, apesar de não constituir novidade enquanto prática voltada para a organiza-
ção e legitimação da ação do Estado, tem sido cada vez mais incorporado à literatura
do campo de políticas públicas. Nas últimas décadas, a defesa da necessidade de que
mais e melhores evidências sejam produzidas como instrumentos capazes de balizar
a produção3 de políticas públicas tem se intensificado. Em contrapartida, diferentes
autoras e autores têm chamado a atenção para os limites analíticos e conceituais
de noções restritas de evidências entendidas fundamentalmente como represen-
tações da verdade, a partir de pressupostos de racionalidade técnico-instrumental
presente no cerne do papel atribuído ao conhecimento científico na modernidade
(Parkhurst, 2017; Cairney, 2019; Nutley, Walter e Davies, 2007; Jasanoff, 2012).
De maneira concomitante, a produção de informações públicas e estatísticas
oficiais assumiu contornos de maior amplitude, escopo e complexidade. Aqui reside
também o caráter dual das interpretações sobre o fenômeno. Há tanto argumentos
centrados na potencialidade do uso desses dados visando ao aprimoramento das
intervenções estatais e, consequentemente, sobre as condições de bem-estar das
populações, quanto reflexões sobre os limites éticos atrelados ao uso dessas infor-
mações pelos governos (como questões de consentimento e privacidade), além
do papel efetivamente exercido por esses registros na configuração de elementos
que delimitam determinados temas ou problemas sociais, na definição de quais
parcelas da população serão ou não atendidas por políticas específicas, ou ainda
em avaliações sobre o desempenho de estratégias governamentais a partir de dados
físico-financeiros dos programas e políticas (Penner e Dodge, 2019; Poel, Meyer
e Schroeder, 2018; Silveira, 2017).
1. A autora agradece os comentários atentos e generosos feitos por Paulo Jannuzzi e Isabele Bachtold sobre este capítulo.
Eventuais erros e omissões são de inteira responsabilidade da autora.
2. Especialista em políticas públicas e gestão governamental em exercício na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea. E-mail: <janine.mello@ipea.gov.br>.
3. O uso do termo produção abarca as fases de formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas.
458 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
O diálogo mais óbvio entre os dois debates está centrado em como esses dados
são utilizados pelo Estado no planejamento de suas intervenções e em processos
mais amplos de produção de políticas públicas. Apesar de reconhecer a relevância
dessa dimensão de análise, a proposta deste texto é abordar a discussão de evidên-
cias a partir do papel assumido pelo Estado como produtor de evidências capazes de
balizar a atuação governamental sobre determinados temas/agendas/políticas, e não
apenas enquanto usuário de dados e informações que possam subsidiar sua atuação.
Reconhecendo a heterogeneidade4 que caracteriza os diferentes registros ad-
ministrativos existentes, suas diferentes origens, especificidades e principalmente
a função que assumem para as políticas públicas, figuram como objetivos deste
capítulo: i) mapear as principais fontes de dados, sob a forma de registros admi-
nistrativos, existentes no governo federal; ii) categorizar os diferentes registros
administrativos, conforme possíveis funções a serem desempenhadas; e iii) avaliar
sua articulação como potencial fonte de evidência para subsidiar políticas públicas.
Metodologicamente, a análise terá caráter exploratório e qualitativo e será apoiada
pela categorização dos casos selecionados em razão de suas especificidades e múl-
tiplos usos nas etapas das políticas públicas.
Serão mapeados registros administrativos sob a responsabilidade do governo
federal5 que atendam aos seguintes critérios:
• abrangência nacional;
• disponibilidade de dados para consulta;
• atuação do Executivo federal na gestão dos registros;
• grau de consolidação da base de dados (tempo de existência, caráter
oficial da base de dados, mecanismos de gestão da base, atualizações
periódicas, entre outros); e
• diversidade temática entre áreas governamentais.
Feito o mapeamento e a identificação das principais características dos casos
selecionados, as bases serão classificadas segundo seus usos e funções nas seguintes
categorias: i) subsídio para formulação de políticas públicas; ii) instrumento para
orientar a implementação; iii) mecanismo de acompanhamento e monitoramento
das ações; iv) apoio a ações de fiscalização e controle da execução físico-financeira;
e v) mecanismos de prestação de contas, transparência e controle social.
4. Apesar da multiplicidade de informações geradas pelo aparato estatal, optou-se por limitar a análise ao conjunto
de dados provenientes de registros administrativos gerenciados no âmbito federal, como, por exemplo: Cadastro Único
para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único); Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde
(Datasus); Censo Escolar; Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(Caged); Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra); Declaração de Aptidão ao Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP); entre outros.
5. O que não significa que os demais entes subnacionais não participem ou tenham funções específicas em processos
de cadastramento, atualização e qualificação de informações, entre outros.
Produção Estatal de Evidências e Uso de Registros Administrativos em Políticas Públicas | 459
como Pinheiro (2019), Nutley, Walter e Davies (2007), Oliver, Lorenc e Innvær
(2014), entre outros. De forma geral, estes estudos abordam as evidências como
uma entre várias fontes informacionais mobilizadas para subsidiar processos de
tomada de decisão apontando a necessidade de um alargamento conceitual do que
poderia ser entendido como evidência válida no âmbito do debate de produção de
políticas públicas. Além disso, o caráter contingencial e inacabado das evidências
assume posição explicativa central como chave para compreender a relação entre
as configurações de poder, interesses, visões de mundo e valores compartilhados
em um determinado tempo sócio-histórico e processos de produção e significação
do que é classificado como evidência.
A partir dessa perspectiva, evidências podem ser entendidas como dados gerados
no âmbito de pesquisas científicas realizadas por universidades e institutos de pesquisa,
assim como podem resultar de avaliações internas feitas pelos próprios governos sobre
suas políticas. Podem ainda ser encontradas em auditorias de órgãos de controle, em
relatórios e notas técnicas produzidas pela burocracia estatal ou ainda como resultado
de avaliações externas de consultorias especializadas contratadas pelo poder público.
Evidências são produzidas dentro e fora do arcabouço estatal. Dentro do
Estado podem estar compiladas como relatórios de acompanhamento de execu-
ção físico-financeira, avaliações de desempenho, cadastros, censos populacionais,
registros administrativos, entre outros. Fora dele, são produzidas pelos centros de
pesquisa, universidades e think tanks, podem estar dispersas em materiais de veí-
culos de comunicação ou serem o resultado empírico da vivência profissional de
pessoas envolvidas com determinado tema.6 Evidências podem assumir viés mais
científico ou técnico, dependendo de como, por quem e para que são produzidas.
Indo além, o que diferencia evidências científicas e técnicas de conjuntos de
valores, crenças e convicções que as pessoas possuem sobre determinada questão?
Em que medida as noções que temos de ciência e técnica não constituem elas
mesmas formas de interpretar o mundo e a realidade que nos cerca assim como
valores ético-morais ou crenças religiosas? Qual a diferença entre usar essas dife-
rentes fontes de informação (se considerarmos todas como legítimas sob o ponto
de vista epistemológico), na medida em que expressam tentativas de construção
de explicações para os acontecimentos que preenchem a vida humana? No limite,
por que evidências científicas e técnicas seriam mais adequadas do que crenças e
convicções pessoais para balizar a produção de políticas públicas?
A compreensão contemporânea sobre funções e sentidos do conhecimento
técnico-científico está calcada em pressupostos iluministas próprios do período da
modernidade no Ocidente sobre as condições de possibilidade do conhecimento, as
6. Para mais detalhes sobre como experiências pessoais adquirem status de conhecimento e/ou evidências nos processos
de produção de políticas públicas, ver Mazanderani et al. (2020) e Smith-Merry (2020).
Produção Estatal de Evidências e Uso de Registros Administrativos em Políticas Públicas | 461
7. Essa questão é amplamente discutida nos estudos de filosofia da ciência e da sociologia do conhecimento, entre
outras áreas. Para mais detalhes, ver, por exemplo, Latour (1994), Bachelard (2004) e Langer (2004).
8. Embates sobre os dados de desmatamento divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as formas
de contagem dos óbitos decorrentes da covid-19 e as métricas de desemprego adotadas pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Na mesma linha, o aumento de pedidos de acesso a dados governamentais via Lei de
Acesso à Informação (LAI) ou os questionamentos acerca da atribuição de sigilo a documentos que subsidiem reformas
como nos casos da previdenciária e administrativa mais recentemente, entre outros exemplos.
9. Diferentes estudos defendem que a melhor alternativa para aumentar o uso de evidências se daria a partir da adoção
de estratégias específicas de disseminação do conhecimento (Dias et al., 2015). No entanto, trabalhos como o de Hall
e Battaglio (2019) problematizam explicações centradas apenas nas barreiras e dificuldades de acesso às evidências
por partes dos gestores públicos.
464 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
10. Estudos mais recentes têm proposto adotar cocriação ou coprodução como termos mais adequados para abarcar as
estratégias de aproximação entre pesquisa e prática. Para mais informações, ver Metz, Boaz e Robert (2019).
Produção Estatal de Evidências e Uso de Registros Administrativos em Políticas Públicas | 465
11. Também conhecidas como interpretativas, ideacionais, cognitivas, construtivistas, entre outros termos correlatos.
Ver mais em Fischer et al. (2015).
466 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
associados à ação pelo rol heterogêneo de atores que transita em torno dos processos
de produção das políticas e que não pode ser desvinculado das condições sociais,
econômicas e políticas que constituem o momento histórico ao qual pertencem.
A segunda premissa é a de que políticas públicas também poderiam ser concebidas
enquanto produtoras de referenciais específicos sobre determinado tema, problema ou
grupo. A compreensão das políticas, dessa forma, requer que elas sejam consideradas
parte e produto do contexto institucional do qual emergem, ao mesmo tempo em
que desempenham, elas próprias, papel similar ao constituírem matrizes cogni-
tivas12 a partir das quais múltiplos atores significam a realidade social e pautam
suas ações e interações com outros sujeitos sociais. As políticas públicas seriam, a
partir dessa perspectiva,
processos através dos quais são elaboradas representações que uma sociedade se faz
para compreender e agir sobre o real. A elaboração de uma política pública envolve
primeiramente a construção de uma representação da realidade sobre a qual se in-
tervém e é através desta imagem que os atores interpretam o problema, confrontam
possíveis soluções e definem sua ação (Grisa, 2010, p. 106).
Recorrentemente adotada pelos estudos associados à abordagem cognitiva das
políticas públicas (Jobert, 1989; Braun, 2015; Hajer e Laws, 2006), essa noção
permite que sejam incorporados ao bojo da análise: os elementos ligados à necessi-
dade de enfatizar como ocorrem as relações entre a produção de políticas; os atores
inseridos nesses processos; o conjunto de ideias mobilizado no decorrer das etapas
de formulação e implementação; e as múltiplas representações que permeiam essas
interações e podem ou não se estabelecer enquanto referenciais de compreensão
dos sentidos, objetivos, justificativas e intenções de uma dada ação governamental.
Considerando o foco da análise, assumir que políticas desempenham um papel
relevante no estabelecimento das formas mobilizadas pelos indivíduos para conceitua-
lizar e simbolizar relações sociais, a partir das quais organizam suas vidas e estruturam
a realidade social, estaria diretamente vinculado ao papel assumido pelas ideias na
constituição de múltiplas representações ou visões presentes nas políticas públicas.
Interpretadas não como resultados inequívocos ou inexoráveis de processos pautados
pela assimetria de poder, mas como uma teia de significações a partir da qual conjun-
tos de ideias, ou representações, são mobilizados, de maneira estratégica, consciente,
intencional ou não, para delimitar as possibilidades de ação em um dado momento.13
12. Também definidas como frames, referenciais ou quadros, entre outras possibilidades. Para mais informações sobre
isso, ver Goffman (2007). Análises baseadas na abordagem cognitiva defendem a compreensão das políticas públicas
enquanto “matrizes cognitivas e normativas, constituindo sistemas de interpretação do real, no interior dos quais os
diferentes atores públicos e privados poderão inscrever sua ação” (Muller e Surel, 2002, p. 44).
13. O que não significa que não ocorram mudanças nas condições de produção desses referenciais e em suas formas
de uso. Para mais informações, ver Tomazini (2021).
468 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
14. Nestes estudos, assim como em parte das análises que constituem a sociologia da ação pública, a noção foucaultiana
de governamentalidade assume papel central como chave explicativa das condições de possibilidade para a ação estatal.
15. Do original: “are not simply external, generalized or constraining force, nor are they confined to texts. Rather, they
are productive, performative, and continually contested. A policy finds expressional through sequences of events; it cre-
ates new social and semantic spaces, new sets of relations, new political subjects and new webs of meaning” (Shore,
Wright e Però, 2011, p. 1).
Produção Estatal de Evidências e Uso de Registros Administrativos em Políticas Públicas | 469
17. Diferentes capítulos desta publicação evidenciam os múltiplos usos e estágios de desenvolvimento desses registros
na administração pública federal. Ver, por exemplo, os capítulos 7, 17, 20, 23, 26 e 27.
18. Para mais informações, acessar o link: <https://dados.gov.br/>.
19. Vale mencionar que não há um mapeamento consolidado de todos os registros administrativos sob a responsabilidade
do governo federal e que, apesar de dar início a uma sistematização preliminar nesse sentido, este estudo não tem
intenção de abarcar a totalidade dos sistemas e bases de dados produzidos no interior da estrutura técnico-gerencial do
nível federal. Em função do caráter disperso e diverso que caracteriza essas informações, um estudo posterior focado em
aprofundar os detalhes e principais características dessas bases se faz necessário. A maior parte desses registros pode
ser identificada a partir dos sítios eletrônicos dos órgãos da administração pública federal e do portal de Dados Abertos.
472 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
QUADRO 1
Registros administrativos por órgão e usos e funções
Número Nome Sigla Órgão gestor Usos e funções
1 Relação Anual de Informações Sociais Rais MTE i), ii), iii), iv)
2 Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal Cadastro Único MCidadania i), ii), iii)
3 Cadastro Geral de Empregados e Desempregados Caged MTE i), ii), iii)
Sistema Integrado de Planejamento, Orçamento e
4 Simec MEC i), ii), iii), iv), v)
Finanças
5 Sistema de Benefícios da Previdência Social Sisben MPS ii), iii), iv)
6 Sistema Nacional de Informações de Registro Civil Sirc MMFDH i), iii)
Sistema de Cadastramento de Usuários do Sistema Único
7 Cadsus MS i), ii), iii), iv)
de Saúde
8 Sistema de Controle de Óbitos Sisobi MS i), ii), iii), iv)
9 Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária Sipra Incra i), ii)
Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortale-
10 DAP Mapa i), ii)
cimento da Agricultura Familiar
Sistema de Informações das Famílias em Unidades de
11 SISFamílias ICMBio i), ii), iii)
Conservação Federais
12 Sistema de Análise e Monitoramento de Gestão SAMGe ICMBio i), ii), iii)
13 Sistema Nacional de Gestão de Fauna Silvestre Sisfauna Ibama i), ii), iii)
14 Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia Prodes Inpe iii), v)
15 Detecção de Desmatamento em Tempo Real Deter Ibama iii), iv), v)
16 Terraclass Não se aplica Inpe/Embrapa iii), iv), v)
(Continua)
474 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
(Continuação)
Número Nome Sigla Órgão gestor Usos e funções
Sistema de Cadastro do Sistema Único de Assistência
17 Cadsuas MCidadania i), ii), iii)
Social
18 Sistema de Benefícios ao Cidadão Sibec MCidadania ii), iii), iv)
19 Sistema de Gestão do Programa Bolsa Família SIGPBF MCidadania ii), iii), iv)
20 Sistema de Condicionalidades Sicon MCidadania ii), iii), iv)
Sistema de informação do Programa de Aquisição de
21 SIS/PAA MCidadania i), ii), iii), iv)
Alimentos
22 Sistema de Informações Gerenciais do Programa Cisternas SIGCisternas MCidadania ii), iii), iv)
23 Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica Sisab MS i), ii), iii), iv)
24 Sistema de Informações sobre Mortalidade SIM MS i), iii), v)
Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único
25 SIH/SUS MS ii), iii)
de Saúde
26 Sistema de Informações de Nascidos Vivos Sinasc MS i), iii)
27 Sistema de Informação de Agravos de Notificação Sinan MS i), iii), iv), v)
Sistema de Informações do Programa Nacional de
28 SI/PNI MS i), ii), iii)
Imunização
Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único
29 Siasus MS ii), iii), iv)
de Saúde
30 Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde CNES MS i), ii), iii)
31 Sistema de Informações Energéticas SIE-Brasil MME i), ii), iii), v)
32 Cadastro Ambiental Rural CAR MMA i), ii), iii), iv), v)
33 Sistema Indigenista de Informações Não se aplica Funai i), ii), v)
34 Censo Escolar Não se aplica Inep i), ii), iii), iv), v)
35 Sistema Educacional Brasileiro SEB Inep/MEC i), ii), iii), iv)
36 Censo da Educação Superior Não se aplica Inep i), ii), iii), iv), v)
37 HÓRUS Não se aplica Minfra i), ii), iii)
38 Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente Sinima MMA i), ii), iii), iv), v)
39 Comunidades quilombolas certificadas Não se aplica FCP i), ii), v)
40 Sistema de Registro Nacional de Emissões Sirene MCTI i), ii), iii)
Elaboração da autora.
Obs.: MTE – Ministério do Trabalho e Emprego; MCidadania – Ministério da Cidadania; MEC – Ministério da Educação; MPS –
Ministério da Previdência Social; MMFDH – Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; MS – Ministério
da Saúde; Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária; Mapa – Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento; ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; Ibama – Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária; MME – Ministério
de Minas e Energia; MMA – Ministério do Meio Ambiente; Funai – Fundação Nacional do Índio; Inep – Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; Minfra – Ministério da Infraestrutura; FCP – Fundação Cultural
Palmares; MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
ser adotados como ponto de partida para delimitar e identificar o público poten-
cial a ser atendido por determinada política; assim como podem funcionar como
parâmetro para orientar a atuação no território e direcionar entregas de serviços e
implantação de equipamentos públicos. Indo na mesma direção, vários registros
permitem ainda a identificação de lacunas de atendimento ou vazios assistenciais
e desigualdades populacionais ou regionais no acesso a serviços essenciais.
Outro uso recorrente dos registros materializa-se sob a forma de instrumentos
que servem para fins de operacionalização dos processos de implementação de
políticas. Esses sistemas não apenas apoiam a gestão das políticas, mas configuram,
em muitos casos, os canais de formalização de demandas, submissão de propostas,
aprovação de projetos, entre outras possibilidades, garantindo o cumprimento de
etapas e requisitos previstos na implementação das políticas.
Os dados gerados no decorrer desses múltiplos processos podem se tornar
importantes subsídios, na medida em que permitem visualizar as subsequentes
etapas de implementação das políticas e as possíveis lacunas, dificuldades e restri-
ções que perpassam esses processos servindo, dessa forma, como instrumentos para
orientar a implementação.
Sob essa ótica, informações sobre execução físico-financeira, grau de adesão
de atores subnacionais ou não estatais a determinadas iniciativas, dificuldades de
acesso ao rol de ações ofertadas pelo Estado se tornam evidências estratégicas que
podem ser aplicadas na resolução de problemas e eventuais correções de rumo
durante os processos de execução das políticas.
O debate sobre uso de evidências possui uma longa trajetória de associação
com as discussões sobre a relevância das estratégias e ferramentas de monitoramento
e avaliação de políticas para qualificação das políticas governamentais.23 Dados
sobre o alcance de metas previstas, impactos decorrentes das intervenções estatais
e outros indicadores sobre o desempenho de iniciativas do poder público têm
sido largamente adotados como subsídio para aperfeiçoar as diferentes etapas de
produção de políticas a partir de mecanismos de acompanhamento e monitoramento
das ações (Howlett et al., 2013).
Os sistemas de monitoramento geridos no âmbito governamental produzem
um quantitativo massivo de informações usados, principalmente, para fins geren-
ciais ou para informar dirigentes e outras lideranças do status atual de políticas em
andamento; no entanto, informações dessa natureza também constituem evidências
capazes de aprimorar políticas existentes e futuras intervenções tendo como base
aprendizados oriundos de experiências pregressas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A intenção deste capítulo foi entender o Estado não apenas enquanto potencial
usuário de evidências, mas também como instância produtora de evidências,
observando em que medida recursos informacionais – neste caso materializados
sob a forma de registros administrativos – gerados ao longo de diferentes proces-
sos constituidores da atividade burocrática podem ser utilizados na produção de
políticas públicas.
A análise apoiou-se sobre pressupostos que ampliam o escopo de compreensão
a respeito da dinâmica de produção de políticas públicas e de evidências no âmbito
da atuação estatal. O primeiro deles está centrado na noção de que evidências e
políticas públicas não são neutras e estão perpassadas por relações de poder que
configuram suas condições de possibilidade e sentidos assumidos dentro e fora do
aparato estatal. O segundo é o de que dados informacionais usados para subsidiar
decisões acerca de intervenções governamentais podem ser entendidos a partir de
suas múltiplas origens e naturezas, não estando restritos apenas a determinado
campo de produção do conhecimento.
A adoção desses pressupostos tem como implicação a problematização tanto
de visões apoiadas em um arcabouço restritivo sobre o que constitui uma evidência
válida, quanto daquelas perspectivas ancoradas por um relativismo radical, inca-
pazes de abrir espaço para que sejam vislumbradas as diferenças existentes entre as
múltiplas formas de manifestação do conhecimento e explicações sobre o mundo e,
de maneira ainda mais grave, as múltiplas repercussões produzidas pela adoção de
diferentes tipos de conhecimentos construídos acerca da realidade sócio-histórica.
478 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
A forma com que evidências são entendidas, nesse sentido, contribui para
alargar ou restringir as perspectivas reconhecidas como válidas ou mesmo aptas a se
pronunciar como posições consideradas no debate público. Nessa linha, é crucial
que, ao mobilizarem fontes informacionais sobre determinada temática, gestores e
dirigentes reconheçam as múltiplas possibilidades de produção de conhecimento
sem que sejam ignoradas as especificidades e os contextos de construção de cada
um desses referenciais. Aqui o argumento é de que não seria adequado eleger
apenas um tipo de conhecimento como possível e subalternizar todos os demais,
dados os ganhos de considerar não apenas o saber científico, mas também aqueles
produzidos por instâncias técnico-burocráticas ou pelos públicos-alvo das políticas
e seus saberes locais e vivências como informações que contribuem para entender
a implementação de políticas e seus efeitos sobre a realidade.
Dentro deste arcabouço, os registros administrativos foram elencados como
uma das formas por meio da qual as instâncias estatais produzem evidências poten-
cialmente úteis para subsidiar sua própria atuação. Uma das questões decorrentes
dessa análise reside no fato de que, comumente, esses registros não são entendidos
como evidências por não responderem a requisitos específicos atribuídos ao saber
científico e, consequentemente, sua mobilização e uso como subsídio capaz de
influenciar as diferentes etapas de produção de políticas públicas também não são
lidos pela ótica da burocracia pública como adoção de mecanismos para melhor
informar as políticas sob sua responsabilidade.
Entretanto, como exposto ao longo deste texto, esses registros perpassam dife-
rentes etapas da produção de políticas públicas assumindo funções de diagnóstico,
controle, operacionalização e publicidade da ação pública e têm sido objeto de
aperfeiçoamento constante e melhoria em suas práticas de gestão. Nesse sentido, o
uso dessas informações sob a forma de evidências já é algo que ocorre na prática em
diferentes áreas de políticas, sem que, no entanto, esse processo seja reconhecido
como tal ou ganhe visibilidade a partir desse enquadramento.24
Há um espaço enorme para ampliação dessas práticas a partir do reconheci-
mento da importância dos registros administrativos como ferramentas de gestão
interna das instâncias governamentais e como formas de estruturar a percepção
estatal sobre os problemas públicos e as diferentes possibilidades de intervenção
sobre estes temas. Para tornar esse movimento possível, os registros administrativos
precisam constituir um corpo de ferramentas conhecido e disseminado no âmbito
da administração pública, dirimindo riscos, inclusive, de que transições de poder
ou mudanças de gestão impliquem em perdas ligadas aos custos de aprendizagem
sobre quais dados já existem, estão disponíveis, suas formas de constituição e como
podem ser utilizados pelos atores governamentais e não governamentais.
informar as políticas públicas, tornam-se essenciais para que o debate sobre o me-
lhor uso de insumos produzidos pelo aparato estatal sirvam como subsídios cada
vez mais consistentes e robustos para uso do próprio Estado.
REFERÊNCIAS
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Produção Estatal de Evidências e Uso de Registros Administrativos em Políticas Públicas | 481
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
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SEARLE, J. R. The construction of social reality. New York: Free Press, 1995.
APÊNDICE A
QUADRO A.1
Lista detalhada de registros administrativos selecionados na análise
Data de Órgão Usos e
Nome Sigla Descrição
criação gestor funções
A gestão governamental do setor do trabalho conta com o importante instrumento de coleta de dados denominado de Rais.
Instituída pelo Decreto no 76.900, de 23 de dezembro de 1975, a Rais tem por objetivo:
o suprimento às necessidades de controle da atividade trabalhista no país,
Relação Anual o provimento de dados para a elaboração de estatísticas do trabalho e a disponibilização de informações do mercado de trabalho
i), ii), iii),
de Informações Rais às entidades governamentais. 1975 MTE
iv)
Sociais Os dados coletados pela Rais constituem expressivos insumos para atendimento das necessidades da legislação da nacionaliza-
ção do trabalho; de controle dos registros do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); dos Sistemas de Arrecadação e de
Concessão e Benefícios Previdenciários; de estudos técnicos de natureza estatística e atuarial; de identificação do trabalhador com
direito ao abono salarial do Programa Integração Social e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep).
O Cadastro Único é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, permitindo que o governo conheça
melhor a realidade socioeconômica dessa população. Nele são registradas informações como: características do domicílio, identifi-
cação de cada pessoa, escolaridade, situação de trabalho e renda, entre outras.
Desde 2003, o Cadastro Único se tornou o principal instrumento do Estado brasileiro para a seleção e a inclusão de famílias de bai-
Cadastro Único xa renda em programas federais, sendo usado obrigatoriamente para a concessão dos benefícios do programa Bolsa Família (PBF),
para Programas Cadastro da Tarifa Social de Energia Elétrica, do Programa Minha Casa Minha Vida, entre outros. Também pode ser utilizado para a seleção MCidada-
2003 i), ii), iii)
Sociais do Gover- Único de beneficiários de programas ofertados pelos governos estaduais e municipais. Por isso, ele funciona como uma porta de entrada nia
no Federal para as famílias acessarem diversas políticas públicas.
A execução do Cadastro Único é de responsabilidade compartilhada entre o governo federal, os estados, os municípios e o Distrito
Federal. Em nível federal, o Ministério da Cidadania (MCidadania) é o gestor responsável, e a Caixa Econômica Federal é o agente
operador que mantém o Sistema de Cadastro Único.
O Cadastro Único está regulamentado pelo Decreto no 6.135, de 26 de junho de 2007, e em outras normas.
O Caged foi criado como registro permanente de admissões e dispensa de empregados, sob o regime da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT).
Cadastro Geral
É utilizado pelo Programa de Seguro-Desemprego, para conferir os dados referentes aos vínculos trabalhistas, além de outros
Produção Estatal de Evidências e Uso de Registros Administrativos em Políticas Públicas
(Continua)
(Continuação)
Data de Órgão Usos e
Nome Sigla Descrição
486 |
O Simec é um portal operacional e de gestão do MEC que trata do orçamento e monitoramento das propostas on-line do governo
federal na área da educação. É no Simec que os gestores verificam o andamento dos Planos de Ações Articuladas em suas cidades.
Sistema O MEC oferece aos estados, aos municípios e ao Distrito Federal um ambiente virtual do Simec, para elaboração do Plano de Ações
Integrado de Articuladas e acompanhamento das obras pactuadas com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
i), ii), iii),
Planejamento, Simec Os módulos de Plano de Ações Articuladas (PAR e PAR) 2011-2014 do Simec constituem ferramenta que oferece um instrumento 2005 MEC
iv), v)
Orçamento e de diagnóstico e planejamento de política educacional, concebido para estruturar e gerenciar metas definidas de forma estratégica,
Finanças contribuindo para a construção de um sistema nacional de ensino.
O módulo Obras 2.0 do Simec constituí uma ferramenta de acompanhamento e controle das obras pactuadas com o FNDE englo-
bando construções, reformas e ampliação dos espaços educacionais.
O Sisben é responsável pela concessão mensal de milhões de benefícios e, com isto, torna-se muito importante a questão da segu-
Sistema de
rança e auditoria nas agências e unidades de atendimento avançadas da previdência social que concedem estes benefícios e nas Sem infor-
Benefícios da Sisben MPS ii), iii), iv)
gerências que supervisionam e, por fim, na Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev), que é quem executa os mações
Previdência Social
serviços de armazenamento e manutenção destes dados.
O Sirc faz a captação e o tratamento dos dados dos registros civis de nascimento, casamento, óbito e natimortos.
Sistema Nacional Com o Sirc, essas atividades são realizadas com o apoio de uma plataforma digital, em um fluxo que conecta os cartórios aos
de Informações Sirc ambientes de governo eletrônico do Estado brasileiro. Além de contribuir para a erradicação do sub-registro no país, ampliando o 2019 MMFDH i), iii)
de Registro Civil exercício pleno da cidadania, o Sirc busca promover melhorias na prestação dos serviços públicos, facilitando o acesso a direitos e
benefícios sociais.
Sistema de
O Cadsus permite a geração do Cartão Nacional de Saúde (CNS), que facilita a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e contribui
Cadastramento
para o aumento da eficiência no atendimento direto ao usuário. Sem infor- i), ii), iii),
de Usuários do Cadsus MS
O cadastramento permite a construção de um banco de dados para diagnóstico, avaliação, planejamento e programação das ações mações iv)
Sistema Único de
de saúde.
Saúde
O Sisobi é responsável por colher informações de óbitos dos cartórios de registro civil de pessoas naturais do Brasil.
Sistema de Con- i), ii), iii),
Sisobi No Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), os dados do Sisobi são utilizados para cancelar benefícios por meio de cruzamentos 2001 MS
trole de Óbitos iv)
com o Sistema Unificado de Benefícios (SUB).
Sistema de
Informações O Sipra é o sistema informatizado que tem como objetivo tratar, sistematizar e recuperar dados sobre os Projetos de Reforma Sem infor-
Sipra Incra i), ii)
de Projetos de Agrária, bem como dos seus beneficiários. mações
Reforma Agrária
(Continua)
conceitos, métodos, contextos e práticas
Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
(Continuação)
Data de Órgão Usos e
Nome Sigla Descrição
criação gestor funções
Declaração de
Aptidão ao Pro- Instrumento utilizado para identificar e qualificar as Unidades Familiares de Produção Agrária (UFPA) da agricultura familiar e suas
grama Nacional formas associativas organizadas em pessoas jurídicas. Consideram-se beneficiários de DAP a UFPA composta por: agricultores/ Sem infor-
DAP Mapa i), ii)
de Fortalecimento as familiares, pescadores artesanais, aquicultores, maricultores, silvicultores, extrativistas, quilombolas, indígenas, assentados da mações
da Agricultura reforma agrária e beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário.
Familiar
Sistema de Infor-
mações das Famí- Ferramenta on-line de gerenciamento de dados lançada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
SISFamí-
lias em Unidades em abril de 2015. Além de reunir as informações já coletadas, o SISFamílias fornece fotos, imagens de satélite e relatórios sobre 2013 ICMBio i), ii), iii)
lias
de Conservação cada unidade, permitindo atualizações, correções e incorporações de novas famílias no sistema.
Federais
O SAMGe é uma ferramenta que visa analisar e monitorar a efetividade de gestão de nossas Unidades de Conservação.
O SAMGe se pauta nas relações entre recursos e valores alocados em objetivos, suas inter-relações com a sociedade por meio dos
Sistema de usos e como a instituição responde aos desafios territoriais de gestão. Esses elementos determinam a efetividade de gestão, que
Análise e é o cumprimento da política pública dentro de um espaço territorialmente protegido. A ferramenta já vem servindo como subsídio
SAMGe 2016 ICMBio i), ii), iii)
Monitoramento para a elaboração e revisão dos Planos de Manejo, bem como para a tomada de decisão em diferentes setores da Instituição. Da
de Gestão mesma forma, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem se valido do SAMGe como instrumento para medir a efetividade de
gestão das unidades de conservação sob o guarda-chuva de diversos projetos, além de estar avaliando outras formas de aplicação
da metodologia como ferramenta de auxílio na alocação de recursos e de esforços de gestão.
O Sisfauna é um sistema eletrônico de gestão e controle dos empreendimentos e atividades relacionadas ao uso e manejo da fauna
Sistema Nacional
silvestre em cativeiro em território nacional. Existem duas versões deste sistema: o Sisfauna 1.0 – Gestão de Fauna, dedicado à Sem infor-
de Gestão de Sisfauna Ibama i), ii), iii)
emissão de Autorização Prévia, de Instalação e de Manejo; e o Sisfauna 1.2 – Recadastramento, direcionado ao recadastramento mações
Fauna Silvestre
de empreendimentos já autorizados e ao controle de plantel.
Programa de
Cálculo do Serve para contabilizar anualmente o que foi perdido de mata nativa, para que o governo, a partir desses dados, elabore políticas
Prodes 1988 Inpe iii), v)
Desflorestamento públicas.
da Amazônia
Detecção de Sistema responsável por fornecer alertas preliminares de áreas com sinais de devastação, levantamento rápido, quase em tempo
Desmatamento Deter real, para dar suporte à fiscalização e ao controle do desmatamento realizados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos 2004 Ibama iii), iv), v)
Produção Estatal de Evidências e Uso de Registros Administrativos em Políticas Públicas
Sistema usado para medir as mudanças no uso do solo e aferir se o terreno da floresta desmatada está sendo usado para pecuária,
Inpe/Em-
Terraclass agricultura, mineração ou pasto, por exemplo. Mapeamentos detectaram o estado do solo em 2004, 2008, 2010, 2012 e 2014 – 2004 iii), iv), v)
brapa
possibilitando uma análise da década.
Sistema de
Cadastro do
Sistema de cadastro do Suas, que comporta todas as informações relativas a prefeituras, órgão gestor, fundo e conselho municipal Sem infor- MCidada-
Sistema Único Cadsuas i), ii), iii)
e entidades que prestam serviços socioassistenciais. mações nia
de Assistência
Social
Sistema de Ges-
Com o objetivo de aperfeiçoar e integrar a gestão de seus principais processos, foi desenvolvido o SIGPBF que permite o acompa- Sem infor- MCidada-
tão do Programa SIGPBF ii), iii), iv)
nhamento de todas as ações de gestão relativas ao PBF e ao Cadastro Único. mações nia
Bolsa Família
O Sicon é uma ferramenta de apoio à gestão intersetorial que integra as informações do acompanhamento de condicionalidades
nas áreas de Saúde e Educação, promovendo a interoperabilidade a partir da integração e consolidação das informações de frequ-
ência escolar, do calendário de vacinação e das consultas pré-natais oriundas dos sistemas específicos desenvolvidos e gerenciados
Sistema de Con- pelos Ministério da Educação (MEC) e Ministério da Saúde (MS), e das informações de atendimento/acompanhamento familiar da Sem infor- MCidada-
Sicon ii), iii), iv)
dicionalidades Secretaria Nacional de Assistência Social de forma a auxiliar no acesso aos serviços sociais e monitoramento das famílias beneficiá- mações nia
rias do PBF para uma gestão mais eficiente e eficaz do PBF.
Trata-se de um sistema multiusuário para gestores federais, estaduais e municipais e membros do controle social, acessível via
internet.
Sistema de Infor- Todas as cisternas construídas são cadastradas no SIG Cisternas. Cada cadastro apresenta os dados de localização geográfica
mações Geren- SIG Cis- (georreferenciamento) da tecnologia, dados do beneficiário e das etapas de construção. Também é anexado à documentação um Sem infor- MCidada-
ii), iii), iv)
ciais do Programa ternas termo de recebimento assinado pela família, documento com foto que tem como objetivo comprovar a entrega da tecnologia ao mações nia
Cisternas beneficiário. O SIG Cisternas é a garantia do controle e transparência do programa.
(Continua)
conceitos, métodos, contextos e práticas
Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
(Continuação)
Data de Órgão Usos e
Nome Sigla Descrição
criação gestor funções
O Sisab foi instituído em 2013, passando a ser o sistema de informação da Atenção Básica vigente para fins de financiamento e de ade-
Sistema de Infor- são aos programas e estratégias da Política Nacional de Atenção Básica, substituindo o Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab).
mação em Saúde O Sisab integra a estratégia do Departamento de Saúde da Família (DESF/SAPS/MS) denominada e-SUS Atenção Primária (e-SUS APS), i), ii), iii),
Sisab 2013 MS
para a Atenção que propõe o incremento da gestão da informação, a automação dos processos, a melhoria das condições de infraestrutura e a melho- iv)
Básica ria dos processos de trabalho. Com o Sisab, será possível obter informações da situação sanitária e de saúde da população do território
por meio de relatórios de saúde, bem como de relatórios de indicadores de saúde por estado, município, região de saúde e equipe.
O SIM foi criado pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) para a obtenção regular de dados sobre
Sistema de In-
mortalidade no país. A partir da criação do SIM, foi possível a captação de dados sobre mortalidade, de forma abrangente, para
formações sobre SIM MS i), iii), v)
subsidiar as diversas esferas de gestão na saúde pública. Com base nessas informações, é possível realizar análises de situação,
Mortalidade
planejamento e avaliação das ações e programas na área.
Criado em agosto de 1981, em Curitiba, substituindo em 1982 o sistema Guia de Internação Hospitalar (GIH), o popularmente
conhecido Sistema AIH passou por várias plataformas em mainframes UNISYS e ABC-BULL, na fase de processamento centralizado.
Foi o primeiro sistema do Datasus a ter captação implementada em microcomputadores (AIH em disquete – 1992) e descentra-
lizada nos próprios usuários, encerrando a era dos polos de digitação. O processamento das AIHs continuou centralizado até ser
Sistema de
descentralizado para os gestores de secretaria de Saúde em abril de 2006, usando plataforma Windows, SGBD Firebird e linguagem
Informações
de programação delphi – que é o estado em que se encontra atualmente.
Hospitalares do SIH/SUS 1981 MS ii), iii)
A finalidade do AIH (Sistema SIHSUS) é registrar todos os atendimentos provenientes de internações hospitalares que foram financia-
Sistema Único de
das pelo SUS e, a partir deste processamento, gerar relatórios para que os gestores possam fazer os pagamentos dos estabelecimen-
Saúde
tos de saúde. Além disso, o nível federal recebe mensalmente uma base de dados de todas as internações autorizadas (aprovadas ou
não para pagamento) para que possam ser repassados às secretarias de Saúde os valores de produção de média e alta complexida-
de, além dos valores de Central Nacional de Regulação da Alta Complexidade (CNRAC), Fundo de Ações Estratégicas e Compensação
(FAEC) e de hospitais universitários – em suas variadas formas de contrato de gestão.
Sistema de
O Datasus desenvolveu o Sinasc visando reunir informações epidemiológicas referentes aos nascimentos informados em todo Sem infor-
Informações de Sinasc MS i), iii)
território nacional. mações
Nascidos Vivos
O Sinan é alimentado, principalmente, pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos que constam da lista nacional
de doenças de notificação compulsória (Portaria de Consolidação no 4, de 28 de setembro de 2017, anexo V, capítulo I), mas é
facultado a estados e municípios incluir outros problemas de saúde importantes em sua região. Sua utilização efetiva permite a
Sistema de
realização do diagnóstico dinâmico da ocorrência de um evento na população, podendo fornecer subsídios para explicações causais
Informação de i), iii),
Sinan dos agravos de notificação compulsória, além de vir a indicar riscos aos quais as pessoas estão sujeitas, contribuindo, assim, para a 2005 MS
Produção Estatal de Evidências e Uso de Registros Administrativos em Políticas Públicas
Agravos de iv), v)
identificação da realidade epidemiológica de determinada área geográfica. O seu uso sistemático, de forma descentralizada, contri-
Notificação
bui para a democratização da informação, permitindo que todos os profissionais de saúde tenham acesso à informação e as tornem
disponíveis para a comunidade. É, portanto, um instrumento relevante para auxiliar o planejamento da saúde, definir prioridades de
| 489
Sistema de
Objetivo fundamental do SI/PNI é possibilitar aos gestores envolvidos no programa uma avaliação dinâmica do risco quanto à
Informações
ocorrência de surtos ou epidemias, a partir do registro dos imunos aplicados e do quantitativo populacional vacinado, que são Sem infor-
do Programa SI/PNI MS i), ii), iii)
agregados por faixa etária, em determinado período de tempo, em uma área geográfica. Em contrapartida, possibilita também o mações
Nacional de
controle do estoque de imunos necessário aos administradores que têm a incumbência de programar sua aquisição e distribuição.
Imunização
O Siasus foi criado em 1992 e implantado a partir de julho de 1994 nas secretarias estaduais que estavam substituindo os sistemas
Guia de Autorização de Pagamento (GAP) e Sistema de Informações e Controle Ambulatorial da Previdência Social (Sicaps) para
financiar os atendimentos ambulatoriais. Em 1996, foi largamente implantado nas secretarias municipais de Saúde – então
chamadas de gestão semiplenas – pela Norma Operacional Básica (NOB) 96. Em 1997, o aplicativo passou a processar, além dos
Sistema de tradicionais Boletim de Produção Ambulatorial (BPA), um documento numerado e autorizado chamado Autorização de Procedimen-
Informações to de Alta Complexidade (Apac).
Ambulatoriais do Siasus O Siasus recebe a transcrição de produção nos documentos BPA e Apac, faz consolidação e valida o pagamento contra parâmetros 1992 MS ii), iii), iv)
Sistema Único de orçamentários estipulados pelo próprio gestor de saúde, antes de aprovar o pagamento – para isto utiliza-se do sistema Ficha de
Saúde Programação Orçamentária (FPO). Mensalmente os gestores, além de gerar os valores devidos a sua rede de estabelecimentos, en-
viam ao Datasus-RJ uma base de dados contendo a totalidade dos procedimentos realizados em sua gestão. Também mensalmente
o Datasus-RJ gera arquivos para tabulação contendo estes atendimentos. Complementando as informações do sistema Sihsus,
fornece ao Secretaria de Atenção à Saúde/Departamento de Regulação, Avaliação e Controle (SAS/Drac) os valores do teto de
financiamento a serem repassados para os gestores.
Sistema de informação oficial de cadastramento de informações de todos os estabelecimentos de saúde no país, independentemen-
te de sua natureza jurídica ou de integrarem o SUS. Trata-se do cadastro oficial do MS no tocante à realidade da capacidade insta-
Cadastro
lada e mão de obra assistencial de saúde no Brasil em estabelecimentos de saúde públicos ou privados, com convênio SUS ou não.
Nacional de
CNES O CNES é a base cadastral para operacionalização de mais de noventa sistemas de base nacional, tais como: Sistema de 2000 MS i), ii), iii)
Estabelecimentos
Informação Ambulatorial (SIA), Sistema de Informação Hospitalar (SIH), e-SUS Atenção Primária (e-SUS APS), entre outros. É uma
de Saúde
ferramenta auxiliadora que proporciona o conhecimento da realidade da rede assistencial existente e suas potencialidades, de
forma a auxiliar no planejamento em saúde das três esferas de governo, para uma gestão eficaz e eficiente.
Registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informa-
ções ambientais das propriedades e posses rurais referentes às áreas de preservação permanente (APPs), de uso restrito, de reserva
legal, de remanescentes de florestas e demais formas de vegetação nativa, e das áreas consolidadas, compondo base de dados
para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico, e combate ao desmatamento.
Cadastro Am- i), ii), iii),
CAR A inscrição no CAR é o primeiro passo para obtenção da regularidade ambiental do imóvel e contempla: dados do proprietário, 2012 MMA
biental Rural iv), v)
possuidor rural ou responsável direto pelo imóvel rural; dados sobre os documentos de comprovação de propriedade e ou posse;
e informações georreferenciadas do perímetro do imóvel, das áreas de interesse social e das áreas de utilidade pública, com a
informação da localização dos remanescentes de vegetação nativa, das APPs, das áreas de uso restrito, das áreas consolidadas e
das reservas legais.
Sistema
Não se Este módulo permite pesquisar sobre as terras indígenas localizadas no território brasileiro e suas etapas no processo de demarca- Sem infor-
Indigenista de Funai i), ii), v)
aplica ção: em estudos; delimitadas; declaradas; homologadas; e regularizadas. mações
Informações
O Censo Escolar é o principal instrumento de coleta de informações da educação básica e a mais importante pesquisa estatística
educacional brasileira. É coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e realizado
em regime de colaboração entre as secretarias estaduais e municipais de Educação e com a participação de todas as escolas
públicas e privadas do país.
Ele abrange as diferentes etapas e modalidades da educação básica e profissional:
ensino regular (educação infantil, ensino fundamental e médio);
educação especial – modalidade substitutiva;
Não se educação de jovens e adultos (EJA); e i), ii), iii),
Censo Escolar 2007 Inep
aplica educação profissional (cursos técnicos e cursos de formação inicial continuada ou qualificação profissional). iv), v)
A coleta de dados das escolas tem caráter declaratório e é dividida em duas etapas. A primeira etapa consiste no preenchimento
da matrícula inicial, quando ocorre a coleta de informações sobre os estabelecimentos de ensino, gestores, turmas, alunos e
profissionais escolares em sala de aula. A segunda etapa ocorre com o preenchimento de informações sobre a situação do aluno e
considera os dados sobre o movimento e rendimento escolar dos alunos, ao final do ano letivo.
O Censo Escolar é regulamentado por instrumentos normativos que instituem a obrigatoriedade, os prazos, os responsáveis e suas
responsabilidades, bem como os procedimentos para realização de todo o processo de coleta de dados. Toda a legislação relativa
ao Censo Escolar está disponível para consulta no menu Documentos e Legislação.
(Continua)
Produção Estatal de Evidências e Uso de Registros Administrativos em Políticas Públicas
| 491
(Continuação)
Data de Órgão Usos e
Nome Sigla Descrição
492 |
O SEB é um cadastro contínuo, preenchido e atualizado por instituições de educação básica (educação infantil, ensino fundamental
e ensino médio) de educação superior, federais, estaduais e municipais, públicas e privadas, assim como instituições federais de
educação profissional e tecnológica.
O SEB reúne dados do corpo docente e discente dos estabelecimentos de ensino; matrícula e frequência do estudante; e histórico
escolar do estudante. Os dados podem ser compartilhados com órgãos e entidades da administração pública federal direta,
Sistema Educa- autárquica e fundacional interessados, e com outras entidades, para fins de formulação, implementação, execução, avaliação e MEC ou i), ii), iii),
SEB 2019
cional Brasileiro monitoramento de políticas públicas. Devem ser observadas normas e procedimentos de segurança, proteção e confidencialidade. Inep iv)
Os serviços oferecidos a partir do SEB beneficiarão tanto as instituições quanto os estudantes. A primeira iniciativa é a Identidade
Estudantil (ID Estudantil), gratuita, digital e destinada aos estudantes da educação básica, tecnológica e superior. A emissão da ID
poderá ser feita por meio de aplicativo de celular. Em breve, novos serviços serão viabilizados por meio do SEB.
O cadastro de informações no SBE não segue um cronograma específico. A qualquer momento as instituições de educação básica e
as instituições de ensino superior (IES) podem definir novos gestores para o SEB e incluir ou alterar informações dos estudantes.
O Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Inep, é o instrumento de pesquisa mais completo do Brasil sobre as IES
que ofertam cursos de graduação e sequências de formação específica, além de seus alunos e docentes. Essa coleta tem como ob-
jetivo oferecer à comunidade acadêmica e à sociedade em geral informações detalhadas sobre a situação e as grandes tendências
do setor.
O Censo da Educação Superior reúne informações sobre as instituições de ensino superior, seus cursos de graduação presencial ou
Censo da Educa- i), ii), iii),
a distância, cursos sequenciais, vagas oferecidas, inscrições, matrículas, ingressantes e concluintes e informações sobre docentes 1997 Inep
ção Superior iv), v)
nas diferentes formas de organização acadêmica e categoria administrativa.
Os dados são coletados a partir do preenchimento dos questionários, por parte das IES e por importação de dados do Sistema
e-MEC. Durante o período de preenchimento do questionário, os pesquisadores institucionais podem fazer, a qualquer momento,
alterações ou inclusões necessárias nos dados das respectivas instituições. Após esse período, o Inep verifica a consistência das
informações coletadas. O sistema do censo é então reaberto para conferência e validação dos dados pelas IES.
Sistema da Secretaria Nacional de Aviação Civil que apresenta informações, em um formato ágil e interativo, sobre a aviação civil Sem infor-
HÓRUS Minfra i), ii), iii)
brasileira. Estão disponíveis dados de infraestrutura, operação e desempenho relativos aos aeródromos do país. mações
(Continua)
conceitos, métodos, contextos e práticas
Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
(Continuação)
Data de Órgão Usos e
Nome Sigla Descrição
criação gestor funções
O Sinima é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, previsto na Lei no 6.938/1981. É considerado pela Política
de Informação do MMA como a plataforma conceitual baseada na integração e no compartilhamento de informações entre os
diversos sistemas existentes ou a construir no âmbito do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), conforme Portaria no
160/2009. O Sinima é o instrumento responsável pela gestão da informação no âmbito do Sisnama, de acordo com a lógica da
gestão ambiental compartilhada entre as três esferas de governo, tendo como forma de atuação três eixos estruturantes:
eixo 1 – desenvolvimento de ferramentas de acesso à informação;
Sistema Nacional
eixo 2 – integração de bancos de dados e sistemas de informação. Esses dois eixos são interligados e tratam de ferramentas de
de Informação i), ii), iii),
Sinima geoprocessamento, em consonância com diretrizes estabelecidas pelo governo eletrônico (e-Gov), que permitem a composição de 1981 MMA
sobre Meio iv), v)
mapas interativos com informações provenientes de diferentes temáticas e sistemas de informação. São desenvolvidos com o apoio
Ambiente
da Coordenação Geral de Tecnologia da Informação e Informática (CGTI) do MMA; e
eixo 3 – fortalecimento do processo de produção, sistematização e análise de estatísticas e indicadores relacionados com as
atribuições do MMA. Este é o eixo estratégico do Sinima cuja função precípua é fortalecer o processo de produção, sistematização
e análise de estatísticas e indicadores ambientais; recomendar e definir a sistematização de um conjunto básico de indicadores
e estabelecer uma agenda com instituições que produzem informação ambiental; e propiciar avaliações integradas sobre o meio
ambiente e a sociedade.
Comunidades
Não se Base com dados sobre as comunidades quilombolas certificadas composta pelas certidões expedidas às comunidades remanescen- Sem infor-
quilombolas FCP i), ii), v)
aplica tes de quilombos (CRQs). mações
certificadas
Conjunto de dados sobre os resultados de emissões de gases de efeito estufa no país (Decreto no 9.172/2017). A série temporal de
Sistema de
emissões é referente aos últimos resultados publicados no Inventário Nacional, como parte da Terceira Comunicação Nacional do
Registro Nacional Sirene 2017 MCTI i), ii), iii)
Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, e das terceira e quarta edições das estimativas anuais,
de Emissões
cujos dados dos gráficos e das tabelas podem ser exportados para Excel.
Elaboração da autora.
Obs.: 1. MTE – Ministério do Trabalho e Emprego; MPS – Ministério da Previdência Social; MMFDH – Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; Incra – Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária; Mapa – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais; Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária; Funai –
Fundação Nacional do Índio; Minfra – Ministério da Infraestrutura; FCP – Fundação Cultural Palmares; MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
2. Os usos e as funções dos registros analisados foram divididos em cinco grandes grupos: i) subsídio para formulação de políticas públicas; ii) instrumento para orientar a implementação; iii) mecanismo
de acompanhamento e monitoramento das ações; iv) apoio a ações de fiscalização e controle da execução físico-financeira; e v) mecanismos de prestação de contas, transparência e controle social.
Produção Estatal de Evidências e Uso de Registros Administrativos em Políticas Públicas
| 493
CAPÍTULO 15
1 INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, as políticas públicas brasileiras tornaram-se conhecidas e
reconhecidas no contexto internacional pelos impactos que geraram em diversas
dimensões da realidade social no país. Diversas publicações nacionais e interna-
cionais lançadas nos últimos anos destacaram os avanços do país com relação a
mitigação da fome, redução da pobreza e desigualdade, universalização da educação
básica, ampliação de acesso à água, à energia elétrica e aos bens de consumo, bem
como inclusão universitária de estudantes negros e mobilidade social, entre os
aspectos mais citados.3 Nesses relatórios, em especial os produzidos pelas agências
das Nações Unidas, o Brasil é citado como modelo referencial para países pobres
e de renda média pela estruturação do conjunto de políticas públicas – universais,
redistributivas e de reconhecimento sociocultural – desde meados dos anos 1990
e, sobretudo, nos anos 2000. Com as limitações e ambiguidades desse sistema de
políticas, os resultados até então evidenciados pareciam promissores, considerando
que a experiência brasileira havia percorrido apenas duas décadas, muito menos que
os oitenta anos de estruturação do Estado de bem-estar em Alemanha, França e
Suécia, ou que os quarenta anos em Portugal e Espanha (Castro e Pochmann, 2020).
Os avanços sociais no Brasil seriam explicados, segundo vários analistas
e instituições de pesquisa, pela centralidade da Estratégia Fome Zero (Aranha,
2010) e do Plano Brasil Sem Miséria (BSM) (Campello et al., 2014) na agenda
prioritária de governo, pelo volume crescente de recursos em um amplo leque de
1. O autor agradece as valiosas sugestões dos pareceristas a uma primeira versão deste capítulo, acolhidas no texto
segundo a capacidade reflexiva do autor.
2. Professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ence/IBGE)
e bolsista de produtividade em pesquisa no projeto Informação Estatística e Políticas Públicas no Brasil: uma análise
comparativa internacional, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: <paulo.
jannuzzi@ibge.gov.br>.
3. Ver PNUD (2011), Osório, Soares e Souza (2011), PNUD (2013; 2014), FAO (2014), Ipea (2014), CEPAL (2015), IBGE
(2016), Jannuzzi (2016), World Bank (2016), Campello (2017), FGV (2018), Gonzalez, Prado e Deak (2018), Jannuzzi
e Montagner (2020), Castro (2020), entre outros.
496 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
4. Sistema estatístico refere-se ao conjunto de levantamentos estatísticos, registros administrativos, cadastros públicos e
outras fontes de dados oficiais, conduzidos ou compilados por instituições públicas, com o objetivo de prover informação
periódica e qualificada para retratar a realidade social, econômica e ambiental – e as políticas públicas relacionadas –
em diferentes escalas territoriais.
Estatísticas Públicas e o Combate à Fome e à Pobreza: afinidades eletivas que | 497
fizeram diferença nos resultados da ação governamental
pela qualificação do corpo funcional nas últimas décadas. Como revela o Atlas do
Estado brasileiro, do Ipea, o funcionalismo público dobrou entre 1986 e 2014, pas-
sando de 5,1 milhões para 11,5 milhões de colaboradores (Lopez e Guedes, 2019).
Não menos significativa foi a mudança do perfil de escolaridade e qualificação do
funcionalismo nessas três décadas: servidores com nível superior respondiam por
20% do total em 1986, 27% em 2002 e 45% em 2014. Foi a esfera municipal
a que mais expandiu seu corpo funcional, em especial a partir de 2003: de 1986
a 2002, o quantitativo de servidores municipais passou de 1,7 milhão para 3,7
milhões; ao longo das décadas de 2000 e 2010, foram incorporados 2,8 milhões
de funcionários municipais, totalizando cerca de 6,5 milhões de pessoas em 2014.
Vale destacar, ainda, nesse processo, a mudança do perfil de qualificação na esfera
municipal: em 1986, os profissionais com nível superior nos municípios represen-
tavam 10% do total e, em 2014, eram 40% da força de trabalho. Esse era o efeito
da estruturação das políticas e programas pelo país ao longo das últimas décadas,
com contratação de professores e profissionais da saúde (em especial entre 1986 e
2002) e de um conjunto mais diversificado de técnicos nos anos que se seguiram,
como assistentes sociais, psicólogos, além de professores da educação infantil,
equipes multiprofissionais na saúde etc.
De forma concomitante à expansão do escopo e escala das políticas públicas
e do corpo técnico e gerencial para implementá-las país afora, presenciou-se a
institucionalização de mecanismos de participação popular de acompanhamento,
para o qual as estatísticas eram recursos instrumentais importantes, visando ga-
rantir legitimação de demandas, transparências das ações e evidenciação de seus
efeitos. Experiências de orçamento participativo e participação em conselhos e
conferências em níveis local e nacional floresceram nos anos 1990 e atingiram o
cume nas primeiras gestões federais petistas, como aponta Avritzer (2013). Em
um contexto de redemocratização e de maior participação popular, sindicatos e
movimentos sociais passaram a fazer uso crescente de estudos e indicadores para
fundamentar demandas por políticas. É revelador, nesse sentido, a produção e o
uso de estatísticas de reconhecimento identitário de negros, indígenas, quilombolas,
bem como da população em situação de rua.
Esse contexto dinâmico de formulação, gestão e participação social ensejado
pela estruturação de políticas públicas acabou tendo repercussões sobre o sistema
estatístico. De modo a responder às demandas de informação mais específicas e
regulares de governos, academia, sociedade civil e agências internacionais, o IBGE
introduziu no seu programa de trabalho, entre começo dos anos 1990 e 2014, um
502 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
5. Entre outros, cabe destacar: Munic, Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic), Pesquisa Nacional de Saúde,
Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos e Pesquisa de Entidades da
Assistência Social. Foram replicados levantamentos já tradicionais – como a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF)
e a PNAD – com amostras redesenhadas, questionários mais densos e suplementos temáticos inéditos. Nesse período,
realizaram-se três levantamentos censitários (1991, 2000 e 2010), com questionários ampliados, em alguma medida,
dialogados com sociedade civil, academia e governo, com inovações tecnológicas na coleta e processamento. Em meio
a esse esforço, o IBGE implantou, a partir de 2012, a PNAD Contínua e iniciou a reformulação de suas pesquisas econô-
micas e da agropecuária. Essas inovações estão registradas em relatórios anuais de gestão do IBGE e em depoimentos
orais de vários ex-presidentes da instituição. Ver, entre outros, o depoimento de Wasmália Bivar (2017), que presenciou
e protagonizou várias dessas inovações em pesquisas (disponível em: <https://bit.ly/3Gj0z1o>).
6. Dados extraídos do Portal Siga Brasil, do Senado, realizando pesquisa no painel especialista, acerca da evolução das
despesas executadas da União e do IBGE em valores deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA) para dezembro de 2019 (disponível em: <https://bit.ly/3vvZvSG>).
Estatísticas Públicas e o Combate à Fome e à Pobreza: afinidades eletivas que | 503
fizeram diferença nos resultados da ação governamental
7. Como apresentado em livro de memória institucional de dez anos da Sagi (Brasil, 2016), o BIRD contribuiu para a
contratação de várias pesquisas e de consultores em gestão da informação, monitoramento e avaliação de programas,
conforme previsto no acordo de empréstimo do banco e do então MDS. A pesquisa “Avaliação de Impacto do Bolsa
Família” (rodadas I e II) foi uma dessas pesquisas.
504 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Nas decisões em políticas públicas, há quem ganhe e há quem perca, seja a es-
colha orientada por um princípio benthamiano de “maximização da utilidade
para o máximo de pessoas”, paretiano de “beneficiar a todos ou parte deles, sem
prejudicar os demais”, meritocrático de “privilegiar o esforço individual, qualquer
que seja a situação”, ou solidário de “garantir a todos um mínimo de dignidade”.
Esses princípios de justiça orientam diferentes escolhas no desenho de políticas:
universais ou focalizadas, alocativas ou redistributivas, regulatórias ou indutivas.
Eles também influenciam, inclusive, quais são as demandas reconhecidas ou os
problemas sociais a serem enfrentados, terceiro “dilema” entre a vontade política
e a razão técnica na decisão em políticas públicas em contextos democráticos.
Diagnósticos baseados em estudos e informação exaustiva não resolvem quais
devem ser a lista e a prioridade dos problemas a serem encampados na agenda
de políticas públicas. Acesso à educação, saúde universal, desigualdade, pobreza
e baixa qualificação profissional são demandas ou questões sociais priorizadas de
forma diferente segundo cada um dos princípios de justiça ou entendimento do
interesse público anteriormente apontados.
Por fim, como último argumento em defesa da precedência da política em
detrimento da “análise científica”, o autor lembra que a decisão política tem seu
tempo e custo; não pode esperar indefinitivamente a produção de estudos baliza-
dores, nem implicar em alocação de recursos despropositados. O capital político se
esvai com o tempo, a menos que seja mantido ou reforçado com decisões acertadas
no momento requerido. Adiar decisões em busca de análises mais aprofundadas
pode fazer sentido no contexto da ciência, mas não parece ser uma alternativa ao
tempo da política.
É preciso reconhecer que, em tempos “terraplanistas” e obscurantistas, é grande
o desconforto da comunidade epistêmica e de práticas das estatísticas públicas –
como também dos econometristas e sociometristas – em aceitar que a observação
da realidade não é neutra, mas sim social e previamente construída, que podem
existir várias “verdades” e não uma “verdade” científica, que pesquisadores são não
necessariamente altruístas e voltados ao bem comum. A comunidade científica não
é o grupo “neutro e desinteressado” que por vezes ela imagina ser; é um segmento
da classe média, com seus preceitos, conceitos e preconceitos, como bem coloca
Fourez (1995). Como bem lembra Marcuse (2009, p. 162), a ciência puritana,
praticada sem consciência de valores éticos e políticos, “colabora na construção da
mais eficiente maquinaria de aniquilamento da história”.
É preciso assumir, sem que isso represente um desprestígio ao método e à
“boa” técnica e, muito menos, uma rendição ao relativismo pós-moderno de que
“todas verdades são discursivamente constituídas e que todos os discursos são iguais”
(Ling, 2011, p. 64), que o discurso científico é menos uma demonstração cabal
hipotético-dedutiva e mais uma narrativa de achados derivados de um programa
506 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
8. Ver: <https://bit.ly/3AZZ4kG>.
Estatísticas Públicas e o Combate à Fome e à Pobreza: afinidades eletivas que | 507
fizeram diferença nos resultados da ação governamental
de políticas com movimento social e sociedade, além de crucial para a gestão mais
técnico-política dos assuntos complexos do Estado.
Censos demográficos constituem a base de qualquer sistema estatístico e,
nesse sentido, têm grande relevância para políticas públicas de modo geral. De
fato, esse foi o caso para as PDSCF, em especial as informações coletadas sobre
mercado de trabalho e rendimento coletadas nos Censos Demográficos 2000 e
2010. Afinal, o censo é a única fonte de dados capaz de captar integralmente o
perfil de ocupação e a base produtiva nos municípios brasileiros, contribuindo para
formulação de programas de inclusão produtiva e de trabalho decente, bem como
projetos de desenvolvimento local e de combate ao trabalho infantil. Não fossem
as informações coletadas sobre ocupação exercida, situação urbana/rural e idade,
não teria sido possível caracterizar situações típicas de trabalho infantil e trabalho
“não decente” com precisão estatística suficiente para compor diagnósticos orien-
tadores e pactuação de compromissos da ação governamental (Guimarães, 2012).
Também foi muito relevante às PDSCF o detalhamento no Censo 2010 acerca
do acesso a programas sociais, como o Programa Bolsa Família (PBF), o Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e o Benefício Assistencial de Prestação
Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC/Loas). A ampliação de
quesitos relacionados às diferentes fontes alternativas de rendimento, associada ao
aumento da cobertura da população suscetível a recebê-las, proporcionou expressiva
melhora na estimativa de renda domiciliar per capita e permitiu a identificação
microterritorializada da extrema pobreza nos municípios.9 Com um aplicativo na
web – Identificação de Domicílios Vulneráveis (IDV)10 –, viabilizou-se a construção,
para cada município, dos mapas de pobreza e de outras vulnerabilidades referidos a
setores censitários ou áreas de ponderação nos Censos Demográficos 2000 e 2010
(Jannuzzi et al., 2014).11
Esses mapas permitiram que equipes municipais do Cadastro Único e da as-
sistência social pudessem chegar aos públicos-alvo das políticas de desenvolvimento
social, no campo e nas periferias das maiores cidades. De fato, há relatos12 de que o
aplicativo foi usado, como se esperava, para dirigir esforços de busca ativa de famílias
no território municipal para inscrição no Cadastro Único, assim como foi utilizado
no planejamento da logística de carros de som para informar a população de baixa
9. Contudo, pela natureza mais simplificada da captação em relação às outras pesquisas do IBGE, como a PNAD e a POF,
as estimativas de população em situação de pobreza e extrema pobreza pelo Censo eram substancialmente mais altas.
10. Vale registar que esse aplicativo se inspirou em outro anteriormente desenvolvido pelo IBGE, a pedido do então
MDS, com a plataforma Estatcart, com base no Censo 2000.
11. Setor censitário é a unidade geográfica básica para operacionalização da coleta de dados nos Censos Demográficos
e também de disseminação dos resultados do questionário básico. No meio urbano corresponde, em geral, a um conjunto
de cerca de 300 domicílios particulares. As áreas de ponderação são agregações de setores censitários, usadas para
divulgação de estimativas de variáveis levantadas no questionário da amostra do Censo.
12. Ver Brasil (2016).
508 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
16. Ver: Pereira, M. Fome política. O Globo, 22 dez. 2004. Disponível em: <https://bit.ly/3Gb2pRG>.
512 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância das estatísticas para as PDSCF esteve, naturalmente, associada à
relevância destas na agenda de governo no período em análise. Por meio de ações
estratégicas como Fome Zero e BSM, as PDSCF estiveram no centro dos esforços
governamentais durante doze anos. Como “vitrines” do governo, era fundamental
que dessem certo e garantissem fôlego ao projeto político-social progressista que
se dizia implementar. Era preciso garantir recursos e instrumentos de gestão –
e informação qualificada – para que os programas pudessem entregar o que
prometiam. Se o sistema estatístico já atendia, em boa medida, as demandas de
informação para as políticas de trabalho, educação e saúde, nas áreas conexas das
PDSCF – assistência social, transferência de renda, segurança alimentar e inclusão
produtiva – havia muito por fazer. Eram novas políticas, com novas demandas de
informação para diagnósticos de públicos-alvo, desenho de programas e gestão.
Como políticas centrais na pauta de governo, com orçamento “blindado”,
reconhecidas como áreas de melhor desempenho do governo nas pesquisas de
opinião, não bastava que as PDSCF produzissem resultados efetivos, reconhecidos
por quem as usufruía concretamente.17 Se eram reconhecidas como efetivas no
combate à fome, conviviam cotidianamente sob o “fio da navalha” quanto à sua
legitimidade mais geral, em relação à população. Era necessário também convencer
outros segmentos da opinião pública sobre a veracidade dos impactos sociais das
PDSCF, no que as estatísticas do IBGE poderiam “emprestar” alguma credibili-
17. Nas pesquisas periódicas de avaliação do governo federal da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Instituto
Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), a área de combate à fome e à pobreza manteve, desde 2004, níveis
de aprovação entre 55% e 65% da população até maio de 2013, quando caíram para o patamar de 50%, refletindo a
queda generalizada – mas menos intensa – dos índices de aprovação do governo com as jornadas de 2013. Para mais
informações, ver: <https://bit.ly/3C6a2X4>.
Estatísticas Públicas e o Combate à Fome e à Pobreza: afinidades eletivas que | 513
fizeram diferença nos resultados da ação governamental
18. Para diferenciar de judicialização, Lynch (2017) propôs o termo judiciarização para designar o fenômeno de exacer-
bação do protagonismo que juízes e promotores passaram a ter na vida política nacional nos últimos quinze anos, como
reação à corrupção na gestão pública, à baixa efetividade das políticas públicas e às distorções de representatividade
parlamentar. Esses agentes – “tenentes togados” – precisariam iluminar os caminhos para o “avanço civilizacional”
e a “superação do atraso nacional” (Lynch, 2017, p. 163) a que os políticos e gestores públicos, invariavelmente des-
compromissados, inaptos ou corruptos, haviam condenado o Brasil.
19. Ver, entre outros, Lavinas (2013) e Gonçalves (2014).
514 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
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específicas para a gestão estadual e do Distrito Federal e os compromissos do go-
verno federal, estabelecidos na Resolução no 17, de 18 de novembro de 2010, da
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516 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
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Debate, Brasília, n. 18, 2014.
CAPÍTULO 16
1 INTRODUÇÃO
A utilização de novas tecnologias de coleta, armazenamento, processamento e
compartilhamento de dados e, também, de novas plataformas para prestação de
serviços públicos tem alterado a dinâmica de funcionamento dos governos (OECD,
2019). Plataformas são espaços virtuais que oferecem serviços de forma integrada
e estabelecem modelos de interação com diferentes tipos de usuários. Uma plata-
forma digital é um conjunto de subsistemas e interfaces que moldam um modelo
de negócio e compartilham uma estrutura comum, em que as tecnologias digitais
podem conectar quem produz com quem consome, possibilitando uma relação
de troca entre ambos (Frischmann e Selinger, 2018).
Plataformas são essenciais na estratégia de governos digitais, o que constitui
uma diferença importante em relação ao conceito de governo eletrônico. Governo
eletrônico é o uso de tecnologias de informação e comunicação para digitalizar ser-
viços públicos (Veale e Brass, 2019). Governo digital vai além da ideia de governo
eletrônico. Ele incorpora a digitalização de serviços públicos – ou o governo eletrô-
nico – para realizar a coleta, armazenamento, processamento e compartilhamento
de dados com o objetivo de antecipar demandas dos cidadãos, promover não só a
crescente automação e personalização de serviços, mas também a utilização dos dados
1. Este capítulo aprofunda a investigação apresentada em uma versão anterior no Boletim de Análise Político-Institucional
(BAPI), número 24, de novembro de 2020, intitulada Policy design e múltiplas evidências: proposta analítica da dinâmica
da política de transformação digital dos serviços públicos da administração pública federal brasileira.
2. Nossos agradecimentos a Bianca Soletti Teixeira, estagiária do Ipea, que nos ajudou na fase de transcrição das
entrevistas realizadas nesta pesquisa.
3. Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); professor do
mestrado profissional em governança e desenvolvimento e do doutorado profissional em políticas públicas da Escola
Nacional de Administração Pública (Enap); affiliate faculty do Ostrom Workshop on Political Theory and Policy Analysis,
da Indiana University; e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Democracia Digital (INCT-DD).
E-mail: <fernandofilgueiras@hotmail.com>.
4. Especialista em políticas públicas e gestão governamental em exercício na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia (Diest) do Ipea. E-mail: <pedro.palotti@ipea.gov.br>.
5. Pesquisadora do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diest/Ipea. E-mail: <mari-
cilene.nascimento@ipea.gov.br>.
522 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
6. Nesta pesquisa adotamos o recorte temporal a partir de 2016. Este recorte se justifica pela dinâmica de mudança
institucional em função da adoção de governo digital, indo além da ideia de governo eletrônico.
524 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
YouTube, Twitter, entre outras, para promover a interação entre duas ou mais partes
distintas nas transações governamentais. As plataformas fornecem um novo modo
de comunicação entre governos e sociedade, especialmente no que diz respeito a
serviços e políticas públicas, envolvendo camadas de inteligência artificial e novos
parâmetros computacionais para modificar a experiência do usuário (O’Reilly,
2010). Elas representam o progresso natural das tecnologias digitais para resolver
problemas coletivos, por meio das quais os cidadãos têm as habilidades necessárias
para resolver problemas locais e nacionais. Os governos fornecem informações e
serviços exigidos pelos cidadãos, os quais têm poderes para estimular a inovação que
irá melhorar a governança com base em princípios de cocriação de serviços públicos.
A plataformização dos governos tem um pré-requisito essencial: o uso de
ferramentas de big data que estimulam essa cocriação de serviços e uma crescente
personalização dos serviços para os usuários. Para isso, as plataformas de governo
devem coletar dados dos seus usuários a fim de manter um processo permanente
de redesenho dos serviços para que eles sejam cada vez mais personalizados e ba-
seados em uma lógica de autosserviço (Jeffares, 2021; Williamson, 2014; Desouza
e Jacob, 2017). A dataficação da sociedade é uma consequência dos processos
massivos de coleta de dados no mundo digital. Dataficação é a transformação
das atividades diárias da ação social em dados quantificados on-line, permitindo
assim o monitoramento em tempo real, rastreamento, análise preditiva e otimi-
zação (Kitchin, 2014; Mayer-Schonberger e Cukier, 2014). No caso dos serviços
públicos pensados na dinâmica das plataformas, a coleta dos dados dos usuários é
central para promover análise preditiva e conhecer o interesse dos usuários e uma
série de facilitações na prestação do serviço público, possibilitando antecipação de
demandas, automação, simulação e capacidades aumentadas do serviço público
para tomar decisão de forma mais rápida e eficiente (Jeffares, 2021).
Basicamente, a melhoria dos serviços públicos por meio das ferramentas digitais
ocorre pelo processo de digitalização e mudança nos padrões de governança (Dunleavy
e Margetts, 2013). De um lado, a digitalização de serviços públicos ocorre pela adoção
de sistemas de automação. A automação de serviços públicos ocorre por meio de um
processo baseado em regras, em que os serviços têm os seus trâmites redesenhados
para que possam ser realizados pela transação entre o usuário e a máquina. De outro
lado, o processo de digitalização ocorre pela adoção de sistemas que aumentam as
capacidades de entrega dos serviços. Essa perspectiva de prestação de serviços públi-
cos ocorre por meio da adoção de sistemas que promovam novas experiências aos
usuários e melhorias contínuas por meio de machine learning (Veale e Brass, 2019).
O uso de ferramentas digitais oportuniza um meio para as organizações enfren-
tarem problemas de interrupção, concorrência e incentivos (Dunleavy e Margetts,
2013). As ferramentas digitais levaram a mudanças organizacionais decorrentes
de mudanças na sociedade civil e do posicionamento político e institucional dos
Policy Design e Uso de Evidências: o caso da plataforma Gov.br | 525
7. Este é um marcador importante do governo digital em relação ao governo eletrônico. Os governos digitais representam
uma nova estratégia de reforma das organizações públicas porque modificam atributos institucionais da nova gestão
pública. Além disso, promovendo uma concepção holística e reintegradora do serviço público, combatem a tendência
de agencificação, diluição e concorrência dos serviços prestados pelas organizações públicas.
526 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
digital, a construção de um modelo analítico é central para guiar essa busca. Esse
modelo será apresentado e discutido na próxima seção.
3P
OLICY DESIGN, MÚLTIPLAS EVIDÊNCIAS E PROPOSTA DE
FRAMEWORK ANALÍTICO
A utilização da terminologia e do conceito de design decorre de estudos clássicos
no campo da administração pública e de políticas públicas. Um dos trabalhos
pioneiros é de autoria de Simon (1996), que associa a função do designer à “ciên-
cia do artificial”, dedicada a projetar como as coisas devem ser para atingir seus
objetivos e cumprir sua funcionalidade. Peters (2018) destaca que o processo de
desenho de políticas envolve a tentativa de integrar entendimentos do problema a
ser enfrentado aos instrumentos que serão usados na produção de intervenções dos
governos na sociedade para que as políticas possam atingir seus objetivos formu-
lados. Howlett e Mukherjee (2017) destacam também que policy design envolve a
tentativa intencional de governos ligarem instrumentos de políticas aos objetivos que
buscam realizar. Envolve, além disso, a compreensão das vantagens e desvantagens
dessas ferramentas, no intuito de aumentar a efetividade da política contemplada.
Sobre outros aspectos envolvidos, Peters (2018) acrescenta que o desenho da
política está inserido em um contexto político, que chama atenção para o fato
de que não apenas a visão técnica importa no processo, envolve ainda: i) a intera-
ção de múltiplos atores; ii) o conhecimento sobre como a área de política afetada
funciona para a produção de um denominador comum; e iii) a consideração das
consequências políticas da escolha da política pública. Além disso, o desenho de uma
política pública envolve uma abordagem complexa da ligação entre instrumentos
e objetivos, pela qual os instrumentos devem ser constantemente calibrados por
policymakers para atender a requisitos institucionais e políticos. O desenho de uma
política pública envolve a convergência setorial, a temporalidade, a conexão entre os
instrumentos escolhidos e ideias e paradigmas, fazendo com que a conexão entre ins-
trumentos e objetivos seja permeada de complexidade baseada em diferentes interesses
e paradigmas que orientem a construção da política (Capano e Howlett, 2020).
Nesse processo, mudanças respondem aos balanços avaliativos da efetividade
da política conhecida como situações de redesenho: uma resposta do desenho atual
a adaptações que foram julgadas necessárias. Somado a isso, o desenho tem de
considerar em quais comportamentos humanos a implementação resultará (Schneider
e Ingram, 1990). Para isso, saber manipular símbolos e informações é crucial para
tornar a política aceitável aos seus afetados. Muitas das adequações necessárias são
referentes a aspectos dos comportamentos e dos valores humanos impactados pela
política desenhada. Essas adequações também são resultantes do conhecimento
mais aprofundado do limite da área que deveria ser atingida pela política.
Policy Design e Uso de Evidências: o caso da plataforma Gov.br | 527
8. No original: “Simple technical solutions by experts are unavailable or unworkable. In these circumstances, a ‘negotiated’
and ‘relational’ approach to problem-solving may emerge”.
9. No original: “Networks and partnerships bring to the negotiation table a diversity of stakeholder ‘evidence’, ie, relevant
information, interpretations and priorities”.
Policy Design e Uso de Evidências: o caso da plataforma Gov.br | 529
FIGURA 1
Elementos teórico-conceituais da relação entre policy design e múltiplas evidências
para a política de transformação digital de serviços
Fiscal
Janela de oportunidade
(justificação) Social
Problema público
interseccionado
Implicações Implicações
políticas administrativas
4 MÉTODO DE PESQUISA
Para a realização da pesquisa empírica, foram constituídos dois esforços principais.
O primeiro foi o de coleta e análise dos principais normativos da política de 2016
a 2020. Esse método possibilitou a compreensão dos instrumentos efetivamente
desenhados pelos formuladores da política, apontando evidências mobilizadas ou
a necessidades de se constituir tais evidências. O segundo se deu por meio de um
conjunto de entrevistas com os formuladores e implementadores da política de
transformação digital de serviços públicos no governo federal, com especial enfoque
no processo de mobilização de evidências.
Entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021, foram realizadas nove entrevistas
semiestruturadas com gestores da política de transformação digital, de maneira
que pudéssemos identificar, no design da política, o uso e não uso de diferentes
fontes de evidências. O conjunto de entrevistados foi composto pela alta gestão
da Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia (SGD/ME), como
coordenadores e ex-coordenadores, diretores e assessores. As entrevistas duraram
em média uma hora, sendo realizadas por videoconferência, em razão da neces-
sidade de isolamento social imposta pela pandemia do novo coronavírus. Para
fins de identificação das falas dos atores entrevistados, adotamos a identificação
codificada como “Entrevistado 1”, “Entrevistado 2” e assim por diante, de modo a
preservar a identidade dos atores. A estratégia de coleta obedeceu à lógica da “bola
de neve”, encerrando-se a etapa de entrevistas quando as informações fornecidas
pelos entrevistados deixaram de apresentar novas contribuições para a pesquisa.
As entrevistas foram conduzidas a partir de questionamentos sobre a trajetória
profissional dos atores, sobre como vem se constituindo a política de transforma-
ção digital desde o início, sobre as interações com diferentes atores estatais e não
estatais, sobre a mobilização de diferentes fontes de informação e sobre o uso dessas
diferentes fontes. Evidentemente, estamos tratando da perspectiva dos gestores da
política e não dos seus afetados. Queríamos entender como evidências incidiram
na dinâmica do design da política de transformação digital de serviços públicos.
Não foi feita, portanto, uma avaliação da política de transformação digital de
forma a entender seus impactos ou efeitos positivos ou negativos. O tratamento
das entrevistas foi inspirado no processo de codificação in vivo.
Policy Design e Uso de Evidências: o caso da plataforma Gov.br | 531
10. Science diplomacy é o uso de colaboração científica para resolver problemas da sociedade, moldando políticas
públicas baseadas em cooperação internacional e construção de parcerias. A esse respeito, conferir Stone (2019).
Policy Design e Uso de Evidências: o caso da plataforma Gov.br | 533
QUADRO 1
Normativos, instrumentos e evidências para a transformação digital
Normativos ou
Evidências mobilizadas para a proposta ou previstas para
documentos Instrumentos previstos
serem produzidas
norteadores
11. Um aspecto importante, destacado pela literatura de policy design, é que interferências políticas ou construções
ideológicas podem criar situações de não design. Policy design é uma atividade política, em que capacidades técnicas
e políticas interagem de forma dinâmica para desenhar uma política pública. A esse respeito, ver Capano (2017) e
Howlett e Mukherjee (2014).
Policy Design e Uso de Evidências: o caso da plataforma Gov.br | 539
existia, que seria desenhada ainda. (...) A gente precisava fazer algumas conversas com
stakeholders, às vezes é uma rede ali vinculada [com] aquela política, [com] aquele
programa, então a gente precisava fazer algo assim. [Entre as estratégias metodoló-
gicas de pesquisa], a gente (...) buscava mesclar um pouco as ferramentas quando
necessário: às vezes, a gente fazia grupos focais, às vezes, a gente fazia entrevistas, às
vezes, a gente aplicava um survey.
O uso de surveys, grupos focais ou conversas com usuários de serviços públi-
cos moldaram as atividades de redesenho de serviços e o redesenho constante da
própria política de transformação digital de serviços públicos. Interessante cons-
tatar nas entrevistas que o uso dessas metodologias de pesquisa social alinham-se
com a coleta de dados a partir do uso da própria plataforma, a qual ocorre com o
uso de ferramentas de big data, em particular ferramentas do Google Analytics. A
implementação destes mecanismos para a coleta de dados sobre a experiência do
usuário constitui uma situação de construção de feedbacks que alimentam a instru-
mentação da política de transformação digital. Nesse sentido, o uso de evidências,
em particular da experiência do usuário, incide nas opções de desenho e redesenho
de serviços e na própria estratégia de transformação digital.
A SGD conta com uma diretoria de avaliação que atua não apenas no monito-
ramento da qualidade dos serviços digitais, mas também na produção de evidências
que mobilizem o desenho da política. Segundo a entrevistada 1:
a gente tinha muita proximidade com a equipe [de qualidade] para pensar essas fer-
ramentas de escuta desses usuários, (...) buscava fazer isso tudo muito rapidamente,
sem buscar um número muito grande de pessoas ouvidas, para dar um feedback
rápido com uns insights relevantes para aquele gestor do serviço.
A proximidade com a equipe de avaliação da qualidade complementava a
abordagem de aferição da experiência com o usuário, destaca a entrevistada 1:
eles olhavam mais para os dados em grande volume, e a gente olhando mais nos
detalhes, entrando para conversar com o usuário; mas, muitas vezes, a gente mesclava
e precisava deles, (...) e [nós ajudávamos] a pensar o modelo de qualidade, os critérios
do modelo de qualidade que serão olhados.
Ainda sobre as estratégias de pesquisa adotadas com usuários, também relata
o entrevistado 5:
às vezes, a gente verticaliza completamente, profundamente – vai pra rua com
o usuário. A gente já fez mais de 2.300 entrevistas com usuários, isso permitiu
[mensurar] até algo interessante. (...) Na primeira vez, a gente conseguiu construir
as “top oito dores do usuário” (...), que são as dores mais citadas nessas mais de 2 mil
entrevistas. Essas entrevistas foram com cada indivíduo, então foi muito micro para
entender a jornada daquele usuário no detalhe. (...) Mas é óbvio que esse tipo de
análise é muito focado num serviço específico, num protótipo específico que a gente
tem [para] averiguar e intensificar. Pesquisas com usuários começam com a pergunta
que o gestor quer responder, e aí a gente vai investigar no campo.
542 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Para dar conta do desafio de desenhar pesquisas com usuários para diferentes
fases da transformação digital dos serviços, “a gente procurou se capacitar muito em
metodologias de testes com usuários, de pesquisas usadas em serviços e produtos
digitais mesmo. A equipe tem um olhar, uma experiência muito [da metodologia]
de redes sociais, e também [com] pessoas, [com] vivências” (Entrevistada 1). Apesar
da busca por capacitação metodológica, a imensidão de tipos de serviços trazia
desafios para além da capacidade metodológica que se buscava, conforme ainda
destaca a entrevistada 1:
muitas vezes, a gente precisava de uma multiplicidade de níveis técnicos para conseguir
[desenvolver a pesquisa com usuário], porque, às vezes, a gente estava tentando
entender um serviço para estudante e, [em outra oportunidade] a gente buscava
entender um serviço para idosos; (...) então, era muito diferente, até pela forma
de chegar nessas pessoas, de ouvi-las, a gente precisava entender um pouco dessa
necessidade, para o desenho se ajustar ao longo da pesquisa; (...) às vezes, a gente
via que com um perfil era melhor fazer um grupo focal do que fazer uma entrevista
individual, a gente ia sentindo e fazendo da melhor forma que a gente achava ser
necessário, a gente ia fazendo aquele mix de técnicas mesmo para ver o que era
mais adequado.
Exemplificando, o entrevistado 6 relata que, na “pesquisa de usabilidade
[da] nova carteira de trabalho digital, [a gente] foi pra rua e ouviu as pessoas”.
“[Na] carteira de trabalho digital, a gente fez várias rodagens de pesquisas antes
do lançamento, ela foi muito importante no período de pandemia”, complementa
a entrevistada 1. Outro exemplo: “uma pessoa com deficiência no passe livre: a
maioria das pessoas conseguia iniciar o processo, mas não terminava. A gente viu
que era um serviço bom, mas complicado, a gente via que pessoas com deficiência
visual, que é o público da política, não conseguiam acessar, aí a gente foi lá, fez as
pesquisas”, relata o entrevistado 6.
As pesquisas com usuários também foram instrumentos para convencimento
dos órgãos da necessidade de melhoria dos serviços digitais:
a gente percebeu que a forma como a gente apresentava os dados era muito impor-
tante (...) por exemplo, antes, a gente fazia um relatório (...) e percebeu que não
dava, tinha que fazer algo mais visual, precisa gravar algumas falas do usuário para
levar, para ser algo bem impactante, a gente precisa usar citação de usuário, precisa
colocar “olha essa pessoa tá passando duas horas pra fazer uma solicitação do seu
serviço” (Entrevistada 1).
Além disso, citando como um ator relevante para ajudar no convencimento,
“a gente foi também aprendendo que precisava sempre ter a SEME [Secretaria
Especial de Modernização do Estado] por perto, porque, sendo da Presidência,
traz uma autoridade, traz uma cobrança”. Entre outros aprendizados que ajudaram
no redesenho da política de transformação digital ao longo do tempo, “a gente
Policy Design e Uso de Evidências: o caso da plataforma Gov.br | 543
internacionais, tais como o BID e a OCDE. Este papel das organizações interna-
cionais nas políticas de transformação digital sedimenta a dinâmica de diplomacia
científica, fazendo com que a construção do problema dependa de interações das
agências governamentais para o desenvolvimento de tecnologias para enfrentar
problemas nacionais e internacionais (Stone, 2019).
Esses diversos atores utilizam evidências para construir a justificação da política.
Narrativas são potentes para construir dinâmicas institucionais, possibilitando identi-
ficar os principais objetivos de políticas. No caso da política de transformação digital
de serviços públicos no Brasil, a relação entre custos e benefícios de serviços digitais é
um catalisador do processo de mudança institucional de serviços públicos.
A busca dos policymakers por mensuração e comparação de custos e benefícios
de serviços digitalizados e não digitalizados é central no argumento de justificação
desenvolvido para a política. A construção do problema é interseccionada entre
política e administração, configurando uma relação complexa que pretenda, por
um lado, reconstruir a confiança dos cidadãos na estrutura de serviços e, por outro
lado, contribuir para resolver problemas administrativos relacionados com os custos
dos serviços dentro da estrutura orçamentária.
Esta intersecção de problemas políticos e administrativos proporciona aos
policymakers mobilizar evidências para calibrar os instrumentos da política, como
demonstra o quadro 1. Por exemplo, a busca por indicadores internacionais e
métricas de satisfação dos usuários de serviços públicos direciona a narrativa no
jogo de efetividade e eficiência da política.
As conexões e parcerias construídas pelos policymakers da política de transfor-
mação digital de serviços públicos visam constituir um conhecimento complexo,
com perspectivas políticas, científicas e práticas, configurando uma relação que
perpassa o desenho da política. As múltiplas evidências mobilizadas pelos poli-
cymakers são utilizadas para a escolha dos instrumentos, nos processos de avaliação,
causação e construção das intervenções de políticas com o público-alvo.
A política de transformação digital de serviços públicos do governo federal
tem como público-alvo a própria burocracia. O uso de múltiplas evidências e cons-
trução de problemas e intervenções formulam diferentes templates que refletem o
desenho da política e suas diferentes abordagens. A identificação e classificação dos
serviços públicos, o desenho dos templates de intervenção e mudança, as métricas de
satisfação dos usuários, os índices internacionais e de custos de serviços cimentaram
as narrativas e guiaram o processo de formulação e implementação da política.
Nessa dinâmica de instrumentação, contida no desenho da política, as evi-
dências são mobilizadas de maneira também instrumental, considerando a con-
veniência política, o conhecimento científico acumulado e o aprendizado gerado
Policy Design e Uso de Evidências: o caso da plataforma Gov.br | 545
7 CONCLUSÃO
A plataforma Gov.br pretende transformar a estrutura dos serviços públicos por
um desenho de política que promova automação e aumento das capacidades e
novas experiências para o usuário. A escolha das ferramentas e o design da política
de transformação digital mobilizaram evidências múltiplas para construir uma
narrativa que possa justificar o processo de mudança dos serviços públicos, com
especial enfoque nos benefícios da automação, para o enfrentamento da crise fiscal
do Estado, e na maior agilidade do governo, para prestar serviços e ser coerente
com os interesses dos usuários.
Essa narrativa baseada em evidências possibilitou um processo de mudança
calcado na experiência do usuário como feedback que alimenta a política, justifica
a calibração dos instrumentos e o processo de mudança institucional da oferta
de serviços pelo governo federal. Este capítulo teve como objetivo compreender
quais os tipos mais recorrentes e de que forma as evidências são utilizadas no
âmbito da política de transformação digital do governo federal brasileiro para a
instrumentação de mudanças institucionais que incidam diretamente no processo
de plataformização dos serviços públicos.
O caso da construção da plataforma Gov.br permite a conclusão de que evi-
dências são usadas de maneira instrumental, convergindo conhecimento político,
científico e prático-profissional para desenhar políticas. O recorte que adotamos
a partir da EGD revela que os policymakers relacionaram evidências para instru-
mentalizar a política de transformação digital de serviços públicos e a decorrente
546 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
12. Ações particularmente relacionadas ao compartilhamento de dados pessoais têm suscitado críticas de movimentos
da sociedade civil preocupados com a proteção de dados e construção de uma transformação digital segura e confiável
para o cidadão. A esse respeito, conferir: <https://bit.ly/3EZbdJg>.
Policy Design e Uso de Evidências: o caso da plataforma Gov.br | 547
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and scholars. Administration and Society, v. 49, n. 7, p. 1043-1064, 2017.
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quasi- paradigm for government on the web. Philosophical Transactions of the
Real Society, v. 371, p. 1-17, 2013.
548 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
1 INTRODUÇÃO
Estudos recentes têm apontado um uso expressivo dos registros administrativos
como fontes de informação para a atuação dos burocratas federais brasileiros (Enap,
2018; Koga et al., 2020; Oliveira e Menke, 2020). Tais registros são construídos pelas
burocracias estatais, em dinâmicas internas próprias, como uma forma de traduzir
o contexto social para dentro do aparato estatal. Desta forma, eles conformam a
maneira pela qual burocratas e organizações públicas enxergam a sociedade e os
problemas sociais e, portanto, produzem as políticas públicas.
Este capítulo aborda o caso de um desses registros administrativos em suas
dinâmicas interacionais no interior da administração federal. Trata-se do Cadastro
Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadastro Único), criado em
dezembro de 2001, que hoje reúne um amplo espectro de informações socioeco-
nômicas de cerca de 29 milhões de famílias brasileiras com rendimento per capita
menor ou igual a meio salário mínimo.6
Conforme o Decreto no 6.135, de 26 de junho de 2007, o Cadastro Único
traz em sua previsão normativa vigente o caráter de instrumento de políticas públi-
cas para duas finalidades principais: i) criar um público-alvo pela “identificação e
1. Especialista em políticas públicas e gestão governamental na Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições
e da Democracia (Diest) do Ipea. E-mail: <natalia.koga@ipea.gov.br>.
2. Integrante do grupo de pesquisa Repensando a Relação Sociedade e Estado (Resocie), do Instituto de Ciência Política
da Universidade de Brasília (Ipol/UnB).
3. Pesquisador do Subprograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diest/Ipea. E-mail: <bruno.
gontyjo@ipea.gov.br>.
4. Pesquisadora do PNPD na Diest/Ipea. E-mail: <isabella.goellner@ipea.gov.br>.
5. Professor do programa de Pós-graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (HCTE/UFRJ).
6. Dado extraído do VisData, aplicativo disponibilizado pelo Ministério da Cidadania, disponível em: <https://bit.ly/3B3NYuS>.
552 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
2 CONCEITUAÇÕES DA POBREZA
Como descreve Tomazini (2017), três principais comunidades epistêmicas dispu-
tavam no Brasil, nos anos 1990 e início dos anos 2000, a orientação do debate
sobre a formulação do PBF, quais sejam, a da renda incondicional, a do capital
humano e a da segurança alimentar. De forma resumida, podemos dizer que as três
comunidades partiam de compreensões distintas acerca da origem da pobreza e,
portanto, sustentavam formas distintas para atacá-la.
A primeira visão, ligada ao projeto de renda mínima encabeçado pelo então
senador Eduardo Suplicy, partia da compreensão da pobreza como um resultado da
violação do direito dos cidadãos em dividir a riqueza nacional. Portanto, defendia
a distribuição universal de uma renda básica a todos os indivíduos e se opunha a
condicionalidades incluídas nos programas de combate à pobreza e à focalização
a segmentos específicos da população. A segunda visão entendia que a explicação
fundante para a pobreza estaria na insegurança alimentar. A fome limitaria a ca-
pacidade de aprendizagem e de produtividade do indivíduo, assim como afetaria
sua saúde. Além de entender o direito ao acesso à alimentação como um elemento
central para o programa de transferência de renda em questão, enxergava-se que
este deveria ser implementado com as medidas para promoção de transformações
sociais mais amplas, como a reforma agrária, e a mudança da matriz produtiva de
alimentos no Brasil, por meio do apoio à agricultura familiar. Por fim, a terceira
visão pró-capital humano associava às causas da pobreza a incapacidade de geração
de renda. Portanto, o foco deste entendimento estaria em complementar – e não
substituir – os esforços individuais a fim de quebrar o ciclo intergeracional de
transmissão da pobreza, originário da privação do conhecimento educacional e do
acesso à saúde, que tornaria estes indivíduos menos produtivos (Tomazini, 2017).
Como bem detalhado por Moura (2013), elementos dessas três visões são
percebidos nos embates das primeiras reuniões, ocorridas em 2003, da Câmara de
Políticas Sociais (CPS), espaço de articulação e integração entre os órgãos responsáveis
554 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
4 POBREZA E RENDA
Como apontado por Soares (2009), o Brasil não conta com uma definição oficial de
pobreza, isto é, com uma linha ou metodologia oficial a ser adotada por todas as
políticas públicas ou mesmo pelas pesquisas oficiais. Isto quer dizer que alguns dos
que são considerados pobres para algumas políticas públicas ou pesquisas podem
não o ser para outras (Soares, 2009). A criação e a atuação de instrumentos infor-
macionais como o Cadastro Único são imprescindíveis para a boa administração
da diversidade da pobreza.
8. Ao falar de movimentos, estamos nos referindo à busca de novas inscrições por diversos meios adotados pelos agentes
e instrumentos do Estado. Embora tenham acontecido visitas de campo das quais participaram servidores federais,
especialmente no período da estratégia de busca ativa, estes movimentos deram-se e dão-se primordialmente por meio
dos formulários e do sistema informatizado do Cadastro Único, ou seja, não em encontros presenciais entre o centro
de cálculo e os pobres. A respeito da busca ativa, ver nota de rodapé n. 12 deste capítulo.
O Cadastro Único para Programas Sociais e a Configuração da Pobreza: | 561
analisando a construção de evidências a partir da teoria do ator-rede
da pobreza como algo que está lá, a priori, independentemente de quem queira
conhecê-la e agir sobre/com ela e sobre a qual poderíamos falar e tomar decisões
coletiva e racionalmente.
Metáforas como chegar aonde a pobreza está são muito úteis para mobilizar
as pessoas e podem ir muito longe politicamente. Mas podem ser enganosas se
tomadas como indicadoras da existência a priori de determinados lugares ou situa-
ções que podem ser descobertos e mapeados onde a “pobreza” pode ser encontrada
como “em si mesma”, como em sua forma pura (Shapin, 2013). Podemos dizer
que sem instrumentos informacionais, como o Cadastro Único, não teremos
mais do que nossas vivências e opiniões pessoais sobre a pobreza e essas são muito
difíceis de transitarem para um coletivo que queira agir de forma racional, como
os servidores da burocracia governamental, justamente por não resultarem de
um processo de múltiplas viagens (até “lá”) e análises (do que vem de “lá”) para
sustentar racionalmente (com o auxílio da lógica) proposições que circulem entre
os que querem agir (implementadores de políticas públicas e também organizações
de beneficiários).
9. Vale o exemplo banal de um simples contrato de aluguel. Assim como o espaço e o tempo de uma negociação são
sempre finitos, um contrato de aluguel de um apartamento também é. Ele pode ter uma, dez ou mil páginas, mas
não mais. Então ele não poderá prever a infinitude de possibilidades do mundo da vida que ele não especificou. Se
uma delas acontece, as partes poderão se reunir para refazer o contrato. Aqui são os advogados que têm mais antiga
familiaridade com a aproximação do tema, os contratos contingentes.
O Cadastro Único para Programas Sociais e a Configuração da Pobreza: | 563
analisando a construção de evidências a partir da teoria do ator-rede
FIGURA 1
O ator-rede Cadastro Único no nível da administração pública federal
Gestão
federal do
cadastro
Instituições de TCU
pesquisa (avaliação
(Ipea, IBGE) externa)
Cadastro
Único
CGU
Sagi (avaliação
interna)
Programas
usuários
federais
10. Vale esclarecer que, embora tenha se questionado aos entrevistados acerca da existência de eventual interação com
qualquer universidade ou instituição de pesquisa ou pesquisador, as respostas enfatizaram a presença especialmente
do IBGE, do Ipea e de pesquisadores dessas instituições.
566 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
De todo modo, vale destacar também o efeito reflexivo dessa interação. Isto
é, à medida que o cadastro faz uso das pesquisas e dos recursos providos por entes
como IBGE e Ipea, ele também passa a absorver, em seu modo de atuação, esse
tipo de conhecimento e a funcionar como um instrumento de mediação e validação
destes para toda a rede de indivíduos, os sistemas informacionais e os programas
sociais que o utilizam. Ter conhecimento desta dinâmica e deste papel dos regis-
tros administrativos é relevante para refletir sobre os desafios para aproximação
da academia e da gestão, assim como para explorar formas de ampliar o acesso da
produção científica nas políticas públicas.
Também nessa dimensão da interlocução do Cadastro Único com o campo
científico, foi mencionada a atuação da Sagi, tanto no apoio da qualificação dos
dados do cadastro, por meio de análises e contratação de pesquisas de avaliação e
no desenvolvimento da ferramenta Cecad,11 que viabilizou a utilização dos dados
do cadastro por gestores públicos nas três esferas de governo, quanto na promoção
do uso dos dados do Cadastro Único pela comunidade científica, como as falas
abaixo de gestores do cadastro retratam.
[A Sagi...] teve a importância de conduzir pesquisa, avaliação de impacto do bolsa
(...), no início ajudou bastante a abrir a base de dados quando a gente conseguiu pela
primeira vez uma cópia da base com a Caixa. Eles nos auxiliaram nesse processo (...).
Posteriormente, em outros aspectos sim, houve atividades muito relevantes na Sagi,
não só nas avaliações, como a avaliação de impacto (...). Depois houve um processo
importante: o desenvolvimento do Cecad, o desenvolvimento das pesquisas. Nesse
processo, ela é muito importante (Entrevistado 6).
[A Sagi...] fez todo aquele trabalho com a Capes, com o CNPq de chamar os
pesquisadores falando “vem estudar o cadastro”, a gente quer que vocês estudem
e desenvolvam trabalhos sobre o Bolsa Família, sobre o cadastro (Entrevistado 2).
Da perspectiva dos que atuavam na Sagi, interessante destacar como um
dos entrevistados que atuaram previamente como pesquisador dos dados do Ca-
dastro Único relata a mudança de sua percepção sobre o cadastro após começar a
utilizá-lo e a interagir com ele a partir da Sagi. Ele deixa de entendê-lo como um
instrumento restrito a fornecimento de dados administrativos e passa a perceber
suas complexidades, interfaces e alcances para o agenciamento da ação estatal que
permitiria caracterizá-lo, em seu entendimento, como um programa público per se:
Entendia [o cadastro] muito mais como uma fonte de dados, que certamente é, mas
não via o que estava por de trás de toda a sistemática de levantamento de informação e
11. Cecad é uma ferramenta desenvolvida pela Sagi “para o planejamento e a implementação de programas sociais
nas três esferas de governo. Por meio dele, é possível visualizar dados de pessoas e famílias registradas no Cadastro
Único e tabular as informações a partir de uma variável ou pelo cruzamento de duas variáveis presentes nos formulários
do Cadastro Único. As informações do Cecad são extraídas mensalmente da base do Cadastro Único e da folha de
pagamentos do Programa Bolsa Família” (Brasil, s.d., p. 4).
568 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
atualização e também do uso instrumental que isso tinha por parte do MDS nas suas
quatro grandes áreas, além de outras políticas. Eu fui me dar conta de que o Cadastro
Único era de fato um programa público, com uma complexidade operacional de
gestão e com impacto significativo do ponto de vista do seu significado para outras
políticas só estando dentro da Sagi (Entrevistado 3).
Observa, ainda, o entrevistado que, entre as diversas funções do Cadastro
Único, está a de funcionar como um meio de reconhecimento identitário de
grupos e demandas sociais perante o Estado. E podemos ressaltar que isso se dá,
também, diante de modos de inscrição adotados pelo cadastro como a busca ativa12
e a captação das informações no formulário por meio da autodeclaração no cadas-
tramento no Centro de Referência da Assistência Social (Cras) nos municípios.
Isto é, o reconhecimento identitário acontece tanto pela inscrição por meio da
ida do agente público, do Estado, até o inscrito, como pela ida do inscrito até o
Estado, via o Cras.
A informação que está depositada ali [no Cadastro Único] é uma informação que
tem um valor simbólico muito importante. Porque ali tem o reconhecimento do
Estado da condição de vulnerabilidade daquele indivíduo, de que falta água, de que
falta luz, falta alimento (...). Veja que o Cadastro Único é mais avançado no reconhe-
cimento identitário do que o próprio Censo. Porque ele reconhece lá todos aqueles
dezesseis ou vinte grupos de povos e comunidades tradicionais específicos. Ali você
tem o movimento social reconhecido como tal. Não é só um banco de dados (...),
o Cadastro Único, na medida em que há uma busca ativa, um agente público indo
atrás, há um reconhecimento de que naquele município existem essas demandas e
essas demandas estão visíveis ao Estado (Entrevistado 3).
Um outro ente que merece grande destaque nas relações interacionais do
Cadastro Único são os órgãos de controle, em especial o TCU e a CGU que, como
estudos anteriores já apresentaram (Vieira, 2011; Bachtold, 2017), atuaram desde
o início da existência do Cadastro Único e que, de acordo com as entrevistas,
continuam a ter grande presença na configuração e na dinâmica do ator-rede.
A literatura sobre a atuação do controle tem apontado uma tendência geral
na administração pública brasileira de crescente influência ou mesmo interferência
desses entes na atuação da gestão e na produção das políticas públicas (Nogueira
e Gaetani, 2018; Grin, 2020). Esta influência tem se demonstrado de diversas
formas, inclusive por meio do uso expressivo de recomendações desses entes pelos
burocratas no policy making, como discutido em outro capítulo desta publicação.13
12. A busca ativa foi uma estratégia adotada pelo Plano Brasil Sem Miséria que, segundo o Ministério do Desenvolvimento
Social (MDS), visava “levar o Estado ao cidadão, sem esperar que as pessoas mais pobres cheguem até o poder público.
Um dos grandes desafios do Brasil Sem Miséria é alcançar a população considerada invisível, aquela que não acessa
serviços públicos e vive fora de qualquer rede de proteção social (...). A busca ativa refere-se à localização, inclusão
no Cadastro Único e atualização cadastral de todas as famílias extremamente pobres, assim como o encaminhamento
destas famílias aos serviços da rede de proteção social”. Acesso em: <https://bit.ly/3bCLTMx>.
13. Ver capítulo 9 deste livro.
O Cadastro Único para Programas Sociais e a Configuração da Pobreza: | 569
analisando a construção de evidências a partir da teoria do ator-rede
Este fenômeno é claramente percebido nas falas levantadas por esta pesquisa, as
quais demonstram que a atuação dos entes do controle, assim como as inscrições
que esses entes produzem, são elementos que interagem com as inscrições de ou-
tros entes, especialmente da gestão do Cadastro Único e dos programas usuários,
modificando-as e afetando-as mutuamente.
As entrevistas trazem, ainda, relatos importantes das percepções da gestão
acerca do escopo e da relevância da atuação dos entes e suas inscrições – notada-
mente, as recomendações produzidas a partir dos processos de auditoria –, assim
como dos usos que a própria gestão do cadastro fazia e faz dessas inscrições.
Os entrevistados, em geral, entendiam que os entes do controle não traziam
novidades quanto a recomendações de melhorias técnicas para a gestão do cadastro,
como a seguir explicitado.
TCU e CGU não vejo importância não (...). Aconteceu um fenômeno ao longo
dos anos, os órgãos de controle que se esqueceram da esfera de atuação dele que é o
controle e tentaram passar para a gestão (...). Então eles começaram a fazer muitas
prescrições sobre gestão, basicamente o que eles prescreveram ou prescrevem, a gen-
te já sabe, já estava fazendo. Não acho. Não tem valia em termos de adensamento
técnico. A discussão que os órgãos de controle têm feito ao longo dos últimos, não
tem valia tecnicamente (Entrevistado 6).
Os entrevistados avaliavam que a própria gestão muitas vezes já tinha co-
nhecimento do que deveria ser feito, mas não tinha condição de fazê-lo e, nessas
situações, dois tipos de interação se davam. O primeiro tipo de interação corres-
pondia a buscar o apoio técnico desses entes para operacionalizar o que não era
possível ser feito pela própria gestão até mesmo pela falta de acesso a outras bases
de dados, como descrito a seguir.
A grande maioria das coisas que eles pontuam, a equipe já tinha identificado ou já
tinha pensado. Ou talvez até a gente não tinha conseguido fazer da forma como um
cruzamento de dados. A gente sabe que isso precisa ser feito porque é indício de
subdeclaração de renda. Mas a gente tem um desafio, por exemplo, das bases de dados
dos municípios de mercado de trabalho de funcionário público do município, que
não existe no governo federal, uma base unificada desses dados. E o TCU consegue
acesso à informação. Então ele tem um trabalho, eles nos ajudam muito porque ele
tem acesso a dados pormenorizados que nós não temos. Ele consegue fazer processos
de cruzamento de dados com informações que nós não temos acesso e nos ajudar
nesse processo de qualificação (Entrevistado 6).
O segundo tipo de interação ocorria quando do uso das recomendações do
controle para servir de recurso legitimador de posições que a própria gestão sustenta-
va, mas que não tinha a força para emplacar junto às instâncias decisórias. Isto é, as
inscrições do controle, por vezes, serviam de mediador entre a gestão e os decisores
políticos, demonstrando que as diferentes inscrições – como a estatística-analítica
570 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
14. Embora a autodeclaração seja uma forma de coleta de dados utilizada por outros registros administrativos, como o
Imposto de Renda ou mesmo o recente cadastro para o Auxílio Emergencial (criado durante a pandemia da covid-19), tal
procedimento tem sido questionado em diversos momentos da histórica do Cadastro Único sob diferentes argumentos,
como a desconfiança da subdeclaração ou da omissão de renda pelos cadastrados, ou mesmo em relação à mediação
da inclusão dos dados seja no formulário, seja no sistema, pelos entrevistadores nos Cras. Contudo, diferentes estudos
já demonstraram a boa cobertura do cadastro, os riscos e a baixa efetividade de técnicas que poderiam substituir a
autodeclaração como os proxy means test (PMT) como preditores de renda (Mostafa e Santos, 2016). Ademais, como
também apontam esses estudos, a autodeclaração é combinada a estratégias de averiguação cadastral, por meio de
cruzamento de dados com outras bases do governo federal, como as geridas pelo Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), que permitem identificar erros e avaliar a acurácia do cadastramento. Novamente, chama a atenção o fato de
não ser questionada a qualidade dos dados dessas outras bases. Em outras palavras, está subjacente neste debate
a desconfiança em relação ao próprio inscrito e aos agentes inscritores que tem contato presencial com os inscritos.
15. A identificação dos GPTEs é resultado de um movimento de maior permeabilidade do Estado às demandas e vozes
de diferentes atores nos anos 2000. Em diálogo com os movimentos sociais e as instâncias participativas, expande-se
uma estratégia de cadastramento diferenciado para “famílias com caraterísticas específicas em relação ao seu modo
de vida, cultura, crenças e costumes, e ainda, em relação a contextos de condições críticas de vulnerabilidade social”,
tais como indígenas, quilombolas, extrativistas, assentadas da Reforma Agrária, atingidas por empreendimentos de
infraestrutura, entre outros. Para mais detalhes, ver Brasil (2014).
572 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Hoje eu acho que esse olhar de consistência dos dados ganhou importância por conta
do volume de dados. E aí essa questão dos conceitos dos campos. Eu acho que ficou
secundária (...). Parece que os conceitos já estão consolidados do jeito que estão e o
processo agora é a consistência, uma melhor fonte para que dado (Entrevistado 1).
Quanto às interações com os programas usuários, ao analisarmos as entrevistas
realizadas com burocratas que operam os quatro programas examinados – PBF,
Tarifa Social, BPC e MCMV –, é possível observar que esses programas também
possuem suas inscrições acerca da pobreza, especialmente a partir da manutenção
de sistemas informacionais concorrentes em razão do cadastro não conseguir dar
conta de fornecer informações específicas dos programas, conforme se depreende
das entrevistas a seguir.
Olha, a gente utiliza outros cadastros habitacionais, alimentados pelos municípios,
porque o Cadastro Único não fornece alguns elementos importantes de caracterização
do público-alvo. O cadastro é utilizado apenas na etapa final, para confirmação de
elegibilidade do cidadão (Entrevistado 7).
No caso do BPC, até 2016, ele era utilizado como um instrumento acessório, para
tentar trazer o público do programa para dentro da assistência social, o aproximando
de outros programas e serviços. A partir de 2016, com a obrigatoriedade, outro olhar
passa a ser lançado sobre o cadastro, como um instrumento de controle do benefício.
Atualmente, o uso do cadastro é somente administrativo, voltado à concessão e revisão
do benefício (Entrevistado 8).
Das narrativas, é importante destacar que, para além de usos instrumentais,
a operação do Cadastro Único também envolve a construção de públicos-alvo das
políticas, a qual está em permanente disputa entre os atores imbricados na rede.
Os dados inscritos no cadastro permitem ler a situação das famílias – elegibilidade –,
possibilitando a criação de categorias que serão decisivas na definição de quem
entra e quem não entra, quem é público-alvo e quem não é de um determinado
programa. Nesse sentido, essa tese problematiza a noção corrente de que existe um
público e a política pública surge para atendê-lo. Mas, na verdade, as entrevistas
sugerem que essa lógica pode ser invertida, refletindo-se sobre como políticas pú-
blicas e instrumentos podem criar públicos (Schneider e Ingram, 2004) ou como
a construção das políticas e a criação dos públicos acontecem ao mesmo tempo,
de maneira interativa e relacional (Dewey, 1927).
Ainda no que diz respeito aos públicos-alvo, várias entrevistas chamam a
atenção para a temática da autodeclaração de renda como um campo de contro-
vérsia acerca do uso do Cadastro Único pelos programas-usuários, conforme se
observa das narrativas a seguir: “Há um problema de confiabilidade nos dados
por ele ser autodeclaratório, né. A gente faz o cruzamento com outras bases para
fins de cadastramento habitacional” (Entrevistado 7). “A gente não pode se basear
apenas na autodeclaração para conceder o benefício. A gente percebe que pode
O Cadastro Único para Programas Sociais e a Configuração da Pobreza: | 573
analisando a construção de evidências a partir da teoria do ator-rede
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, buscamos apontar algumas possibilidades analíticas de aproximação
entre o campo dos estudos de CTS e a abordagem de políticas públicas baseadas em
evidências (PBBEs), a partir da análise do caso de um dos registros administrativos
mais importantes da administração pública federal, o Cadastro Único.
Partimos da exploração do Cadastro Único como um instrumento informa-
cional de uma trajetória de intensificação de uso pelas políticas sociais federais.
Sabemos que, neste momento, há um importante debate sobre a sua continuidade
574 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
REFERÊNCIAS
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mobile (for) development project. Science, Technology, & Human Values, v. 44,
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ceptual, and symbolic utilization of university research in government agencies.
Science Communication, v. 26, n. 1, p. 75-106, 2004. Disponível em: <https://
bit.ly/3r1aa7r>.
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BACHTOLD, I. V. Precisamos encontrá-los! Etnografia dos números do Cadastro
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Dissertação (Mestrado) – Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
BRANDMAYR, F. How social scientists make causal claims in court: evidence
from the l’aquila trial. Science, Technology, & Human Values, v. 42, n. 3,
p. 346-380, 2016.
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Oficial da União, Brasília, 27 jun. 2007.
______. Diversidade no Cadastro Único: respeitar e incluir. Brasília: MDS, 2014.
Disponível em: <https://bit.ly/2Zjgo74>.
576 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste capítulo é apresentar as iniciativas da Aneel para a instituciona-
lização do uso de evidências no processo de regulação.
A Aneel é uma autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas
e Energia (MME) e foi instituída por meio da Lei no 9.427, de 26 de dezembro de
1996. Posteriormente, o Decreto no 2.335, de 6 de outubro de 1997, dispôs sobre
a constituição da agência e aprovou sua estrutura regimental (Brasil,1996; 1997).
As principais atribuições da Aneel são:
• regular a geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica;
• fiscalizar as concessões, as permissões e os serviços de energia elétrica;
• implementar as políticas e diretrizes do governo federal relativas à explo-
ração da energia elétrica e ao aproveitamento dos potenciais hidráulicos;
• estabelecer tarifas de energia elétrica;
• dirimir as divergências, na esfera administrativa, entre os agentes e entre
esses agentes e os consumidores; e
• promover as atividades de outorgas de concessão, permissão e autori-
zação de empreendimentos e serviços de energia elétrica, por delegação
do governo federal.
1. Este material expressa exclusivamente a posição dos autores, não representando a instituição para a qual trabalham.
2. Analista de infraestrutura da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). E-mail: <ramon_br@yahoo.com>.
3. Especialista em regulação da Aneel e superintendente adjunta da Superintendência de Pesquisa e Desenvolvimento
e Eficiência Energética (SPE) da Aneel. E-mail: <cssanches@aneel.gov.br>.
4. Especialista em regulação da Aneel, coordenadora de monitoramento e procedimentos de rede da Superintendência
de Regulação dos Serviços de Transmissão (SRT) e secretária executiva da Comissão Técnica de Apoio às Boas Práticas
Regulatórias (CT-REG) da Aneel. E-mail: <tpinheiro@aneel.gov.br>.
580 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
2 METODOLOGIA
Neste capítulo, que apresenta o estudo de caso de evidências no processo de regu-
lação da Aneel, foi adotado o que Yin (2001) denomina de “estudo de caso único”,
o qual enfoca um único caso, justificando as causas do estudo, de natureza crítica
e única, dada a peculiaridade do sujeito e do objeto de estudo.
Iniciativas para a Institucionalização do Uso de Evidências no Processo | 581
Regulatório na Aneel – um estudo de caso de agência reguladora
5. O PRO-REG foi instituído em março de 2007 pela Casa Civil, em conjunto com o então Ministério da Fazenda e o
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Suas principais finalidades incluem a contribuição para a melhoria
do sistema regulatório nacional, da coordenação entre as instituições que participam do processo regulatório exercido
no âmbito do governo federal, dos mecanismos de prestação de contas e de participação e monitoramento por parte da
sociedade civil e da qualidade da regulação de mercados (Decreto no 6.062/2007, alterado pelo Decreto no 8.760/2016).
582 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
FIGURA 1
Ciclo regulatório
Agenda
ARR
regulatória
Participação
social
Monitoramento AIR
Intervenção
regulatória
Umas das atividades mais importantes nesse sentido foi a realização do curso
de especialização em análise de impacto regulatório, realizado pela Universidade
de Brasília (UnB) para a Aneel, com carga horária de 405 horas, entre 2015 e
2017. As disciplinas do curso foram divididas em dois grupos. O primeiro grupo
envolvia a capacitação em ferramentas a serem utilizadas no desenvolvimento das
AIRs, como estatística, matemática, modelos de regressão, microeconomia e análise
de dados em R. O segundo, a aplicação prática dessas ferramentas, em disciplinas
como modelo de custo padrão, análise custo-benefício, análise multicritério e
AIR na prática. Ao final do curso, os alunos desenvolveram análises de impacto
regulatório completas sobre temas relevantes para a agência.
A realização desse curso de especialização permitiu a Aneel dar um salto de
qualidade nas suas AIRs e envolveu um expressivo número de servidores, difun-
dindo entre as áreas de regulação as boas práticas para a realização da análise de
impacto regulatório.
Outra atividade que trouxe significativos avanços na qualidade das análises
de impacto regulatório desenvolvidas na agência foi a aplicação de princípios e
ferramentas originárias da abordagem de design thinking no desenvolvimento das
AIRs. O design thinking é uma abordagem que combina um conjunto de princípios,
ferramentas e processos extraídos da prática do desenho industrial para permitir
que pessoas consigam desenvolver soluções inovadoras e efetivas para problemas
complexos. As etapas típicas propostas pela abordagem do design thinking (enten-
dimento e definição do problema, ideação e implementação) podem ser facilmente
transpostas para um estudo de AIR.
Um marco nesse sentido foi a apresentação realizada na Aneel pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), intitulada O Design Thinking Aplicado à
AIR na Anvisa, na qual foi abordado o conjunto de ferramentas de design thinking
para AIR.6 A aplicação dessas metodologias em AIR na Aneel em temáticas como
segurança cibernética, adequações regulatórias para implantação de usinas híbridas
e aprimoramento da regulação relacionada à contratação de acesso de múltiplas
centrais geradoras trouxe significativos ganhos no processo de elaboração das análises,
seja em termos de prazo de realização, seja na construção coletiva do documento.
Um elemento fundamental para o desenvolvimento das AIRs e essencial para
a obtenção e discussão das evidências sobre determinado problema regulatório é a
realização de atividades de participação pública ao longo do desenvolvimento das
análises. O diálogo com a sociedade é fundamental para identificar evidências e
validar as hipóteses levantadas na definição do problema e da proposta de inter-
venção regulatória.
7. Para mais informações sobre a Evidência Express, ver: <https://bit.ly/3ChKGpi>. Acesso em: 25 out. 2021.
8. Lei no 13.848, de 25 de junho de 2019.
9. Lei no 13.874, de 20 de setembro de 2019.
Iniciativas para a Institucionalização do Uso de Evidências no Processo | 589
Regulatório na Aneel – um estudo de caso de agência reguladora
competente, além dos custos que devam ser incorridos pelo órgão ou pela entidade
competente para monitorar e fiscalizar o cumprimento dessas novas exigências e
obrigações por parte dos agentes econômicos e dos usuários dos serviços prestados.
Para apoiar o desenvolvimento das AIRs e já alinhado às disposições do
decreto, foi publicado o Guia para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório
(Brasil, 2021b) pela Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade
(Seae) do Ministério de Economia.
Sobre o uso de evidências, esse guia destaca, por exemplo, o documento
Recomendação sobre Melhoria da Qualidade Regulatória (Recommendation of the
council on improving the quality of government regulation) da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 2021, que propõe um
roteiro segundo o qual a boa regulação deve, entre outros, ser fundamentada em
evidências e proporcional ao problema identificado (OECD, 2021).
Considerando as disposições do Decreto no 10.411, de 30 de junho de 2020,
e possíveis impactos sobre as atividades exercidas pela Aneel, a NO no 40 passou
por uma adequação ao texto do decreto, implementada por meio da REN no 941,
de 6 de julho de 2021, e está prevista sua revisão de mérito (Aneel, 2021a).
Para tanto, inicialmente será realizada uma ARR sobre a NO no 40, buscando
verificar se a norma cumpriu seus objetivos e se ainda há problemas regulatórios
a serem enfrentados. Em seguida, será realizada uma AIR buscando identificar as
alternativas mais adequadas para o enfrentamento dos problemas então especifica-
dos. Após a conclusão dos dois estudos, que serão submetidos à ampla participação
social, será definido então o texto normativo de revisão da NO no 40.
Cabe destacar que uma das grandes vantagens da análise de impacto regu-
latório é a ampla discussão sobre as evidências do problema regulatório, o que
pode inclusive levar à conclusão de que o problema em análise não existe ou não
é relevante a ponto de necessitar da intervenção da agência reguladora.
Por exemplo, no caso da AIR Estudo sobre Sobrecontratação de Montante de
Uso do Sistema de Distribuição na Conexão entre Distribuidoras, a análise concluiu,
entre outros pontos, que
a hipótese inicialmente formulada de que a ausência de regras específicas sobre o tema
poderia estar incentivando a sobrecontratação de MUSD por parte das distribuidoras
acessantes não se confirmou na prática, tendo sido observado que a sobrecontratação
não é um problema generalizado entre as distribuidoras.10
10. O trecho citado faz parte do voto que motivou o Despacho SRD/SRE/Aneel no 2.794, de 25 de agosto de 2015
(disponível em: <https://bit.ly/3D2VY11>).
590 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
5 MONITORAMENTO DA REGULAÇÃO
O monitoramento da regulação busca gerar evidências sobre as atividades e os im-
pactos de uma intervenção ao longo do tempo de maneira contínua e sistemática.
Segundo a Comissão Europeia, os objetivos do monitoramento da regulação são,
FIGURA 2
Modelo híbrido de governança de dados e informação
Curador corporativo
Conselho de curadores
18. “Business and IT leaders react favourably to the demand for consistent, accurate and faster information across key busi-
ness units. They take corrective measures to address immediate needs” (Gartner Introduces the EIM Maturity Model, 2008).
596 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Ela considera porque algo ocorreu e, se possível, o quanto mudou como conse-
quência dessa intervenção. Ela considera também a oportunidade de aprendizado
a partir da trajetória de um regulamento e garantia de que estes permaneçam
adequados aos propósitos desejados.
A ARR, enfim, encerra o ciclo regulatório e deve permitir a reformulação do
ato normativo original, se aplicável. Para tal, requer uma análise crítica baseada
em evidências, utilizando dados robustos e confiáveis, extraídos de uma variedade
de fontes e analisados de maneira apropriada.
A experiência com a ARR em agências reguladoras é ainda incipiente, mesmo
em países onde a prática de avaliação da regulação está estabelecida. Como destaca
relatório da OCDE, “a avaliação dos regulamentos é realizada principalmente ex
ante através da AIR, enquanto a avaliação ex post continua a ser a menos desen-
volvida das ferramentas regulatórias” (OECD, 2015, p. 119). Essa posição foi
ratificada posteriormente, quando se constatou, por exemplo, que alguma forma
de avaliação ex post foi registrada como obrigatória por apenas 60% dos países
membros da OCDE, em comparação com cerca de 90% que exigem a avalição
ex ante (OECD, 2018).
Na Aneel, até o presente foram realizados quatro relatórios de ARR e, con-
forme citado anteriormente, o GT-Monitoramento está desenvolvendo o guia de
boas práticas para o monitoramento e avaliação de resultado regulatório. Esse guia
será fundamental para a promover ações internas para subsidiar a realização das
avaliações regulatórias subsequentes.
O primeiro relatório de ARR foi uma consolidação temática e tratou da ava-
liação do desempenho da regulação por incentivos no segmento de distribuição de
energia elétrica. Essa ARR estava prevista no item no 31 da Agenda Regulatória da
Aneel para o biênio 2018/2019, e foi levado à consulta pública por mais de 120
dias, a partir de 25 de fevereiro de 2019 (CP no 3/2019), em anexo à Nota Técnica
no 27/SRM/SGT/SPE/SRD-2019/Aneel, de 22 de fevereiro de 2019.
A ARR da regulação, por incentivos do segmento de distribuição de energia
elétrica, foi assinada por quatro superintendências de regulação da agência (SRM,
SGT, SPE e SRD) e teve como objetivo analisar o ambiente regulatório quanto
à utilização de tecnologias na melhoria do serviço, na eficiência energética e no
desenvolvimento do negócio de distribuição.
Diferentemente das análises de normas específicas, essa ARR partiu de seis
normativos em que se baseiam os mecanismos de regulação por incentivos da Aneel
para o segmento de distribuição, analisando seu nível de entrega mediante a análise
de incentivos regulatórios no contexto de transformação tecnológica e discutindo
a transição tecnológica no setor elétrico no contexto dos objetivos regulatórios
598 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
19. Tomada de subsídio é o momento inicial de estudo e prospecção por parte das superintendências da Aneel ou de apro-
fundamento de estudo já realizado, no qual se dará a coleta de dados e informações sobre tema de interesse da agência.
Além do envio de documentos por parte dos interessados (intercâmbio de documentos), pode contar com a realização de
reuniões técnicas (presenciais ou via internet). A tomada de subsídios na Aneel segue diretrizes quanto ao processo decisório
e controle social das agências reguladoras dadas pela Lei no 13.848/2019, também conhecida como Lei das Agências.
Iniciativas para a Institucionalização do Uso de Evidências no Processo | 599
Regulatório na Aneel – um estudo de caso de agência reguladora
dos casos em que houver dispensa de AIR em razão de urgência. Nessas situações,
estabelece o decreto, os atos normativos serão objeto de ARR no prazo de três
anos, contado da data de sua entrada em vigor. Ainda que o estoque regulatório da
Aneel esteja sendo revisado e normas sem efeito já tenham sido revogadas, a agência
publica cerca de 46 resoluções normativas anualmente. Estabelecer avaliações ex
post de cada uma delas pode inviabilizar as atividades das áreas técnicas mediante
a capacidade institucional de recursos humanos, além de se constituir em um
fardo regulatório desnecessário para a sociedade. Por sua vez, a norma infralegal
determina a instituição de uma agenda de ARR, que deverá incluir, no mínimo,
um ato normativo de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos
serviços prestados de seu estoque regulatório.
Iniciativas para a Institucionalização do Uso de Evidências no Processo | 601
Regulatório na Aneel – um estudo de caso de agência reguladora
8 RESULTADOS ESPERADOS
A qualidade da regulação depende em grande parte de como as regulações são
concebidas e implementadas. As iniciativas da Aneel para a institucionalização
do uso de evidências no processo de regulação sintetizadas neste documento vêm
contribuindo para a melhoria da qualidade da regulação dos serviços de energia
elétrica no Brasil.
O processo regulatório da Aneel evoluiu muito nos últimos anos, mas tem
ainda um longo caminho pela frente, especialmente diante das diversas mudanças
tecnológicas do setor elétrico.
O benefício esperado da institucionalização do monitoramento da regulação
é a implantação de processo padronizado e incorporado à rotina da agência regula-
dora, que possa confirmar o atingimento dos objetivos ou antecipar a necessidade
de revisão de atos normativos, aprimorando o processo regulatório e aumentando
a qualidade das intervenções regulatórias propostas pela agência.
602 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
REFERÊNCIAS
ANEEL – AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA. Resolução
Normativa no 233, de 14 de julho de 1998. Dispõe sobre os procedimentos para
o funcionamento, a ordem dos trabalhos e os processos decisórios da Agência Na-
cional de Energia Elétrica (Aneel) nas matérias relativas à regulação e à fiscalização
dos serviços e instalações de energia elétrica. Diário Oficial da União, Brasília,
p. 60, 20 jul. 1998. Seção 1.
______. Nota Técnica no 73/2011-SRD-CGA-ASS-SPG-SPE-SMA/Aneel.
Brasília: Aneel, 2011. (Nota Técnica).
______. Resolução Normativa no 540, de 12 de março de 2013. Aprova a Norma
de Organização Aneel no 40, que dispõe sobre a realização de análise de impacto
regulatório (AIR) no âmbito da agência. Diário Oficial da União, Brasília, v. 150,
n. 66, p. 75, 8 abr. 2013. Seção 1.
______. Despacho no 2.794, de 25 de agosto de 2015. Diário Oficial da União,
Brasília, v. 152, n. 197, p. 393, 1o set. 2015. Seção 1.
______. Portaria no 4.823, de 28 de novembro de 2017. Diário Oficial da União,
v. 154, n. 230, p. 131, 1o dez. 2017a. Seção 1.
Iniciativas para a Institucionalização do Uso de Evidências no Processo | 603
Regulatório na Aneel – um estudo de caso de agência reguladora
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ANEEL – AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA. Portaria
no 6.243, de 28 de janeiro de 2020. Diário Oficial da União, v. 61, n. 26, p. 40,
6 fev. 2020. Seção 2.
Iniciativas para a Institucionalização do Uso de Evidências no Processo | 605
Regulatório na Aneel – um estudo de caso de agência reguladora
1 INTRODUÇÃO
Com o avanço da pesquisa em saúde e a consequente multiplicação de alternativas
para diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças, um grande desafio se impôs
aos tomadores de decisão nos sistemas de saúde: a seleção daquelas mais adequa-
das em termos clínicos, sociais e econômicos. É nesse contexto que se desenvolve
a avaliação de tecnologias em saúde (ATS), um processo de sistematização das
informações disponíveis a respeito dos benefícios, riscos, custos e impactos das
tecnologias em saúde4 para a sociedade, dos pontos de vista da ética e da equidade
(Silva, Silva e Elias, 2010).
No Brasil, atualmente, a ATS possui papel central para as políticas de saúde,
especialmente para a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (Brasil, 2004),
na medida em que ela é utilizada para a definição ou atualização dos principais
instrumentos dessas políticas em relação ao acesso da população às tecnologias
com finalidades diagnósticas, preventivas e terapêuticas. Entre esses instrumentos,
destacam-se a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – Rename (Brasil,
2019a), a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde – Renases (Brasil, 2012)
e protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas (PCDTs) diversos.
A ATS foi instituída no Sistema Único de Saúde (SUS) há mais de uma dé-
cada, tendo sido regulamentada posteriormente pela Lei no 12.401, de 2011, que
dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologias em saúde no
sistema (Brasil, 2011a), e pelo Decreto no 7.646, de 2011, que trata da Comissão
1. Especialista em políticas públicas e gestão governamental na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea.
E-mail: <fabiola.vieira@ipea.gov.br>.
2. Especialista em saúde pública e pesquisador do projeto Acompanhamento e Análise da Política de Saúde na Disoc/
Ipea. E-mail: <sergiofpiola@gmail.com>.
3. Técnica de planejamento e pesquisa na Disoc/Ipea. E-mail: <luciana.servo@ipea.gov.br>.
4. Tecnologias em saúde são medicamentos, equipamentos, procedimentos técnicos, sistemas organizacionais, infor-
macionais, educacionais e de suporte, programas e protocolos assistenciais (Brasil, 2010).
610 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
5. Medicamentos essenciais são aqueles que satisfazem às necessidades prioritárias de cuidados da saúde da população
(WHO, 2002a).
Avaliação e Decisão sobre Tecnologias em Saúde no SUS: uma análise de fatores | 613
de influência sobre o processo decisório
Nessa área, é ponto pacífico que o acesso e o uso da evidência como subsídio
ao processo de formulação e implementação de políticas demandam tradução
do conhecimento científico. Ainda que o desenvolvimento de instrumentos para
facilitar o uso de evidências científicas na formulação de políticas de saúde re-
monte à década de 1980, a exemplo da ferramenta Tools for Evidence-Informed
Health Policymaking (Support), sua disseminação ocorreu de forma mais intensa
a partir dos anos 2000, com atuação importante da OMS nesse processo (Hanney
e González-Block, 2009). Essa disseminação foi beneficiada pela difusão dos
conceitos usados pela MBE, bem como pela aprovação de resolução da OMS,
tendo como objetivo estimular os países a fortalecerem ou estabelecerem meios
para promover o uso do conhecimento científico na área da saúde (Whichmann,
Carlan e Barreto, 2016; Pantoja, Barreto e Panisset, 2018).
Outra iniciativa voltada à tradução do conhecimento foi desenvolvida pela
OMS a partir de 2006. Trata-se da Rede de Políticas Informadas por Evidências
(EVIPNet), uma plataforma destinada a facilitar a incorporação dos resultados
da pesquisa científica na formulação de políticas de saúde (Whichmann, Carlan
e Barreto, 2016; Pantoja, Barreto e Panisset, 2018). No Brasil, a Organização
Pan-Americana da Saúde, que é o escritório para as Américas da OMS, promoveu,
em parceria com o MS, a EVIPNet a partir dos anos 2010, tendo entre as suas
principais ações a realização de cursos de capacitação6 e a produção de sínteses
de evidências para as políticas públicas de saúde (Dias, Barreto e Souza, 2014;
Pantoja, Barreto e Panisset, 2018). No caso dos cursos, o conteúdo deixa clara a
relevância das evidências científicas na identificação das alternativas de políticas
que podem ser utilizadas para a solução dos problemas de saúde.
O debate internacional sobre a relevância da ATS e do uso de evidências na
formulação de políticas de saúde influenciou a agenda brasileira, especialmente
no primeiro caso. Na seção 3, apresenta-se o estado da arte do processo decisório
sobre tecnologias em saúde no SUS.
6. Ver Curso Introdutório: Políticas Informadas por Evidências (autoinstrutivo). Disponível em: <https://bit.ly/2Ri6ZZG>.
Acesso em: 20 abr. 2021.
Avaliação e Decisão sobre Tecnologias em Saúde no SUS: uma análise de fatores | 615
de influência sobre o processo decisório
FIGURA 1
Fluxo de avaliação de tecnologias em saúde da Conitec
Secretaria Executiva da Conitec (SE) Plenário SE
Recebe as Analisa o Submete parecer
Analisa os Solicita estudos
solicitações e relatório, faz à consulta
estudos e pesquisas
avalia a recomendações pública e
apresentados complementares,
conformidade e parecer avalia as
pelo demandante se necessário
documental conclusivo contribuições
Fonte: Dados de Conitec, consultas públicas encerradas. Disponível em: <https://bit.ly/3nULhaO>. Acesso em: 20 abr. 2021.
Os critérios que devem ser observados pela Conitec em suas análises foram
estabelecidos pela Lei no 12.401 (Brasil, 2011a): i) evidências científicas da eficácia,
acurácia, efetividade e segurança do medicamento, produto ou procedimento re-
gistrado ou com autorização de uso emitida pela Anvisa; e ii) avaliação econômica
comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas.
10. Os processos específicos se referem às solicitações de avaliação de uma única tecnologia. Por exemplo, um único
medicamento, ainda que o produto se apresente como combinação de dois ou mais fármacos (princípios-ativos). No
caso dos PCDTs, é comum que sejam recomendados vários medicamentos em um único protocolo.
11. O sítio eletrônico da Conitec é: <https://bit.ly/3GNvLpO>. Os relatórios estão disponíveis em: <https://bit.
ly/3CBLMMZ>.
12. Os relatórios excluídos se referem a procedimento diagnóstico; vacinas, que são medicamentos utilizados com
finalidade profilática; equipamento; e órtese, prótese e materiais especiais (OPME).
13. O PCDT sobre a prevenção da transmissão vertical do HIV, da sífilis e das hepatites virais foi mantido na relação
para a amostragem, visto que a finalidade principal dos medicamentos que são recomendados consiste no tratamento
das pessoas infectadas por vírus, no caso do HIV e das hepatites virais, e por bactéria, no caso da sífilis.
618 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
14. Na literatura, faz-se uma diferenciação entre evidências de especialista, que são fatos provenientes de trabalho
feito por um especialista, e opinião de especialista, que é a visão ou julgamento de um especialista sobre algo, não
necessariamente baseado em fatos. As evidências de especialistas são admissíveis na elaboração de PCDTs, durante
a fase prévia à realização dos painéis para a discussão dos achados científicos. Para tanto, elas devem ser coletadas
sistematicamente e disponibilizadas aos participantes desses painéis (Schünemann, Zhang e Oxman, 2019).
Avaliação e Decisão sobre Tecnologias em Saúde no SUS: uma análise de fatores | 619
de influência sobre o processo decisório
5.1 Nível das evidências sobre a eficácia e/ou efetividade das tecnologias
A amostra do estudo foi composta por doze PCDTs e dezessete processos espe-
cíficos de avaliação de medicamentos. No caso dos PCDTs, consideraram-se as
tecnologias com indicação de uso pela Conitec em cada documento, as quais pas-
saram a ser tratadas como “recomendadas” pela comissão. Ao todo, os protocolos
e diretrizes totalizam 25 medicamentos,15 20 procedimentos e 1 alimento para fins
especiais (fórmula de aminoácidos). Assim, a classificação preliminar16 dos níveis
15. Para a contabilização dos medicamentos, considerou-se como um único produto o medicamento com um ou dois
fármacos, assim como a classe terapêutica como um todo – por exemplo, estatinas.
16. A classificação dos níveis de evidência foi considerada preliminar porque não foi feita a análise da qualidade de
cada estudo utilizado pela Conitec para fundamentar as suas recomendações. Considerando que, por essa razão,
qualquer classificação dos níveis de evidência traria um certo grau de incerteza, preferiu-se trabalhar com intervalos
de categorias, por exemplo, ao invés de classificar o nível das evidências como “alto” ou “moderado”, decidiu-se
classificá-lo como “moderado a alto”.
620 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
TABELA 1
Classificação preliminar dos níveis de evidência para medicamentos recomendados
em PCDTs e em processos específicos de avaliação pela Conitec1
Medicamentos Medicamentos avaliados em processo específico por recomendação final
recomendados em PCDTs Incorporar/ampliar o uso Não incorporar/não ampliar o uso
Níveis de evidência
Total Total incorporado/ Total não incorporado/uso não ampliado
N N N
recomendado (%) uso ampliado (%) (%)
Alto - - - - 1 16,7
Moderado a alto 6 24,0 5 50,0 3 50,0
Moderado 2 8,0 2 20,0 - -
Baixo a moderado 4 16,0 1 10,0 1 16,7
Baixo 5 20,0 1 10,0 1 16,7
Muito baixo a baixo 5 20,0 - - - -
Muito baixo 3 12,0 - - - -
Sem classificação - - 1 10,0
Total 25 100,0 10 100,0 6 100,0
Fonte: Dados de Conitec, recomendações sobre as tecnologias avaliadas. Disponível em: <https://bit.ly/3G39V0l>.
Elaboração dos autores.
Nota: 1 Análise feita para uma amostra de relatórios de recomendação de PCDTs e de medicamentos.
em aumento da oferta dessas tecnologias no SUS (Caetano et al., 2019). Esse com-
portamento cumulativo das tecnologias em saúde foi há muito reconhecido como
um elemento importante do aumento dos custos no setor (Santos, 2010). Outra
questão que tem sido apontada pela literatura é a variabilidade do rigor adotado
no uso de evidências pela Conitec em suas avaliações, a qual foi considerada um
indício de problema no seu processo decisório (Yuba, Novaes e Soárez, 2018).
Em relação ao nível baixo das evidências de alguns medicamentos reco-
mendados em PCDTs, na amostra analisada, o nusinersena chama a atenção por
se tratar de um produto de preço elevado. Embora haja um relatório prévio de
avaliação da tecnologia pela Conitec, os estudos que embasaram a recomendação
não foram citados no PCDT, como já observado em análise anterior (Vieira, Servo
e Piola, 2020). Isso compromete a qualidade do protocolo. Ainda que em pouco
tempo o MS tenha sido capaz de organizar os processos de trabalho da Conitec e
de produzir PCDTs com maior qualidade e transparência do que as guias de prá-
tica clínica elaboradas por sociedades de especialidades e pela Associação Médica
Brasileira, o órgão ainda não obteve o nível mais elevado de qualidade para esses
PCDTs (Molino et al., 2019).
Em síntese, o nível das evidências é um fator importante de influência sobre
as recomendações da Conitec. Entretanto, o rigor na fundamentação dessas re-
comendações é maior para as avaliações de incorporação ou ampliação de uso de
medicamentos do que para a recomendação de uso desses produtos nos PCDTs.
Além disso, como várias decisões favoráveis à incorporação foram tomadas conside-
rando evidências de nível “moderado” e não apenas de nível “alto”, é provável que
outros fatores também influenciem seu processo de avaliação, como se verá a seguir.
17. No formulário da consulta pública, os participantes são instados a dar sua opinião sobre a proposta de PCDT ou de
diretriz terapêutica. As respostas possíveis, nesse caso, são: muito boa, boa, regular, ruim e muito ruim. Não fica claro
se esse julgamento diz respeito à forma ou ao conteúdo da proposta. Entretanto, é provável que o conteúdo tenha um
peso maior nessa avaliação, especialmente em relação aos critérios de inclusão de pacientes para o uso da tecnologia
e quanto às próprias tecnologias recomendadas no PCDT ou na diretriz.
18. O MS considera a doença como rara aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3
pessoas para cada 2 mil indivíduos. Dados disponíveis em: <https://bit.ly/3gJpP6z>. Acesso em: 20 abr. 2021.
Avaliação e Decisão sobre Tecnologias em Saúde no SUS: uma análise de fatores | 625
de influência sobre o processo decisório
19. Em 2019, os participantes se manifestavam sobre a recomendação inicial da Conitec respondendo “concordo
totalmente”, “concordo parcialmente”, “discordo totalmente” e “discordo parcialmente”. As duas primeiras respostas
foram consideradas favoráveis à recomendação e as duas últimas desfavoráveis. Em 2020, a Conitec mudou as cate-
gorias de resposta para “concordo”, “discordo” e “não concordo e não discordo”. Esta última foi considerada como
posicionamento “neutro” a respeito da recomendação inicial da comissão.
626 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
20. O número de participantes das consultas públicas apresentado neste estudo pode ter diferença em relação ao relatado
pela Conitec em seus relatórios de recomendação. Observou-se que, no geral, essa diferença foi muito pequena. A maior
delas ocorreu para a consulta pública sobre o relatório de recomendação do lumacaftor/ivacaftor. A Conitec informou
um total de 12.304 participantes, sendo que 388 utilizaram o formulário técnico e 11.916 o formulário experiência
(ver link para o relatório no apêndice A). Não houve divergência no número de participantes do formulário técnico.
Contudo, houve divergência no que tange ao formulário de experiência, com a contabilização de 11.302 participações
(diferença de 5%). Tais diferenças podem ser explicadas pela perda de informações quando o arquivo dos relatórios
das consultas é transformado do formato PDF para o Excel. Contribuições textuais muito longas, que ultrapassam mais
de uma página do arquivo PDF, têm maior probabilidade de serem perdidas na conversão do formato dos arquivos.
Contribui para isso também a extensão do arquivo. O relatório das participações com o uso do formulário experiência
para o lumacaftor/ivacaftor tem 2.145 páginas no formato PDF.
Avaliação e Decisão sobre Tecnologias em Saúde no SUS: uma análise de fatores | 627
de influência sobre o processo decisório
GRÁFICO 1
Participantes que apresentaram oposição à recomendação inicial da Conitec sobre a
sua incorporação
(Em %)
1A – Lumacaftor/ivacaftor: contrários a “não incorporar” (total de participantes: 11.690)
Sociedades médicas (n=4) 100,0
88 90 92 94 96 98 100
Empresas (n=5) -
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
75 80 85 90 95 100
628 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
91 92 93 94 95 96 97 98 99 100
TABELA 2
Posicionamentos dos participantes sobre a recomendação inicial da Conitec
Posicionamentos
Recomendação inicial Total
Favoráveis Desfavoráveis
Incorporar/ampliar o uso 4.030 108 4.138
Não incorporar/não ampliar o uso 1.075 21.235 22.310
Total 5.105 21.343 26.448
desfavoráveis se revela muito alto, o que significa que, para o conjunto de medica-
mentos considerados, a chance de uma manifestação desfavorável à recomendação
da Conitec foi muito maior quando esta indicou a não incorporação/não ampliação
do uso da tecnologia.
Quanto à segunda constatação, não incorporar/não ampliar o uso, é inte-
ressante notar que as pessoas jurídicas (sociedades médicas, secretarias de saúde,
instituições de saúde, associações de pacientes e empresas) tiveram posicionamento
mais alinhado na discordância em relação à recomendação inicial da Conitec do que
as pessoas físicas (profissionais de saúde, pacientes, interessados no tema e familiares,
amigos ou cuidadores de pacientes), à exceção da consulta sobre a empagliflozina
e a dapagliflozina (gráfico 1B). Os percentuais de desaprovação do primeiro grupo
foram de 100%, enquanto para as pessoas físicas houve variação dos percentuais
entre as categorias de atores. Nesse caso, como a decisão foi pela incorporação
da dapagliflozina e não incorporação da empagliflozina, duas das oito sociedades
médicas e uma das duas empresas fabricantes discordaram da decisão. No caso
da empresa, a fabricante da empagliflozina defendeu a superioridade, em termos
clínicos, de seu produto em relação à dapagliflozina. E, no caso das sociedades
médicas, uma queixou-se do uso do critério econômico na opção de recomendação
de um dos medicamentos por parte da Conitec e a outra equivocou-se quanto ao
objeto da consulta pública. Manifestou-se a respeito do medicamento sibutramina.
Em relação à terceira constatação, a participação das secretarias municipais
e estaduais de saúde nas consultas públicas da amostra foi muito baixa. Como as
recomendações da Conitec e as consequentes decisões sobre tecnologias do MS
impactam o SUS como um todo, é preocupante o pouco interesse dessas secretarias
nos processos, ainda que estejam representadas na comissão pelos seus conselhos,
o Conass e o Conasems. É provável que muitos medicamentos avaliados pela
Conitec estejam sendo judicializados e as secretarias estejam sendo compelidas
a adquiri-los. Além disso, em princípio, elas só podem ter processos próprios de
ATS apenas para as tecnologias com indicação de uso não prevista em protocolos
de âmbito nacional, conforme estabelece a Lei no 12.401 (Brasil, 2011a).
Ainda em relação às consultas públicas, do total de quinze medicamentos
avaliados, houve quatro casos (26,7%) de mudança da recomendação da Conitec
após a sua realização, de não incorporar para incorporar: baricitinibe (nível de evi-
dência de moderado a alto), certolizumabe (baixo a moderado), insulinas análogas
(moderado a alto) e sacubitril/valsartana (moderado).
Parece ter havido uma mudança na posição da Conitec em relação aos resul-
tados das consultas públicas nos dois anos analisados. Em 2019, quando a posição
do público em geral foi desfavorável à recomendação inicial, a tendência foi de a
Conitec mudar sua recomendação. Apenas em um caso a recomendação inicial
630 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
(Caetano et al., 2017). Por isso, para a análise a seguir, fez-se um recorte da
recomendação da Conitec, antes e após a realização das consultas públicas, por
demandante. Os resultados são apresentados na tabela 3.
TABELA 3
Recomendação da Conitec, antes e após a realização da consulta pública, para a amostra
de processos específicos de medicamentos, de acordo com o demandante da avaliação
Demandante da avaliação Ampliar o uso Não ampliar o uso Incorporar Não incorporar Total
Antes da consulta pública (recomendação inicial)
Empresa fabricante - - - 8 8
SUS/MS 1 1 3 - 5
SUS/Secretaria Estadual de Saúde - - - 1 1
Sociedade médica - - 1 - 1
Total 1 1 4 9 15
Após a consulta pública (recomendação final)
Empresa fabricante - - 3 5 8
SUS/MS 1 1 3 - 5
SUS/Secretaria Estadual de Saúde - - 1 - 1
Sociedade médica - - 1 - 1
Total 1 1 8 5 15
Fonte: Dados de Conitec, recomendações sobre as tecnologias avaliadas. Disponível em: <https://bit.ly/3G39V0l>.
Elaboração dos autores.
TABELA 4
Tempo de análise das demandas de avaliação de medicamentos pela Conitec, segundo
demandante
(Em dias)
Demandante/medicamento Tempo1 Média Mediana
Empresa fabricante 312 333
Baricitinibe 244
Certolizumabe pegol 208
Ixequizumabe 430
Lumacaftor/ivacaftor 351
Riociguate 314
Sacubitril/valsartana 371
Secuquinumabe 209
Tofacitinibe 369
SUS/MS 119 103
Abiraterona 120
Dasatinibe 93
Empagliflozina e dapagliflozina 277
Levotiroxina sódica 103
Naproxeno 156
Simeprevir 4
Tetraciclina 83
SUS/Secretaria Estadual de Saúde - -
Insulinas análogas 419
Sociedade médica - -
Bortezomibe 240
Fonte: Dados de Conitec, recomendações sobre as tecnologias avaliadas. Disponível em: <https://bit.ly/3G39V0l>.
Elaboração dos autores.
Nota: 1 O tempo foi contado a partir do protocolo da solicitação na Conitec até a publicação da portaria de decisão pela
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE).
TABELA 5
Menção/influência dos custos nas recomendações da Conitec, segundo demandante
da avaliação, recomendação final, medicamento e classificação preliminar do nível
de evidência
Menção ao custo do medicamento
Classificação preliminar do
Demandante/recomendação final/ Sim
nível de evidência sobre a Total
medicamento Não
eficácia/ efetividade Pesou a favor da Pesou contra a
solicitação solicitação
Empresa fabricante 3 2 3 8
Incorporar
Baricitinibe Moderado a alto X
Certolizumabe pegol Baixo a moderado X
Sacubitril/valsartana Moderado X
Não incorporar
Ixequizumabe Moderado a alto X
Lumacaftor/ivacaftor Moderado a alto X
Riociguate Baixo a moderado X
Secuquinumabe Alto X
Tofacitinibe Moderado a alto X
SUS/MS 4 3 - 7
Ampliar o uso
Naproxeno Baixo X
Desincorporar
Simeprevir Sem classificação X
Incorporar
Abiraterona Moderado a alto X
Empagliflozina e dapagliflozina Moderado a alto X
Levotiroxina Sem classificação X
Tetraciclina Moderado X
Não ampliar o uso
Dasatinibe Baixo X
SUS/Secretaria Estadual de Saúde - 1 - 1
Incorporar
Insulinas análogas Moderado a alto X
Outro - 1 - 1
Incorporar
Bortezomibe Moderado a alto X
Total 7 7 3 17
Fonte: Dados de Conitec, recomendações sobre as tecnologias avaliadas. Disponível em: <https://bit.ly/3G39V0l>.
Elaboração dos autores.
Obs.: Verificou-se a menção aos custos dos medicamentos na seção “recomendação final” dos relatórios.
636 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Os três medicamentos para os quais houve consideração dos custos nas reco-
mendações pesando contra a solicitação foram o ixequizumabe, o lumacaftor/iva-
caftor e o riociguate. Sobre o ixequizumabe, a Conitec se pronunciou nesses termos:
a partir das estimativas de efetividade comparativa disponíveis, por meio de meta-análises
em rede, é possível observar que o secuquinumabe, tratamento disponível no SUS,
se destaca como a melhor opção de tratamento na indicação dessa submissão quando
comparado a outras opções, inclusive o ixequizumabe, que foi considerada a pior opção
para o tratamento da artrite psoríaca na relação geral do desempenho nos desfechos de
efetividade e segurança. Além disso, estima-se que a incorporação do ixequizumabe
possa implicar um impacto incremental de mais de R$ 58 milhões (Brasil, 2020b, p. 8).
Com relação ao lumacaftor/ivacaftor, o posicionamento foi de que:
o plenário da Conitec ponderou a respeito dos resultados modestos de eficácia do
lumacaftor/ivacaftor, assim como da razão de custo-efetividade incremental e do
impacto orçamentário que foram considerados elevados. Sendo assim, os membros
da Conitec presentes na 92ª reunião ordinária, no dia 5 de novembro de 2020,
deliberaram, por unanimidade, recomendar a não incorporação do Lumacaftor/
Ivacaftor para o tratamento da fibrose cística em pacientes com idade ≥ 6 anos que
são homozigotos para a mutação F508del no gene CFTR. Foi assinado o registro de
deliberação no 575/2020 (Brasil, 2020c, p. 9).
Por fim, em relação ao riociguate, a Conitec considerou que “as incertezas
nas evidências apresentadas em relação à eficácia, principalmente a longo prazo, e
fragilidades nos estudos econômicos apresentados” (Brasil, 2020d, p. 9) e que “o
elevado impacto orçamentário da incorporação não se justificaria frente às incertezas
supracitadas” (op. cit., p. 37).
Os estudos sobre esses três medicamentos aportaram níveis mais elevados de
confiança de que o efeito medido se aproxima do verdadeiro em relação à eficácia
de dois deles, classificados como “moderado a alto”, e nível mais baixo para um
deles, classificado como “baixo a moderado”. Como se vê nos excertos anteriores, a
Conitec avaliou que as evidências sobre a eficácia/efetividade desses medicamentos
revelam benefícios modestos e os custos também lhes foram desfavoráveis.
Um caso interessante é o da avaliação dos medicamentos empagliflozina
e dapagliflozina que foi feito no mesmo processo. Nesse caso, os custos foram
determinantes para a decisão da Conitec de recomendar o segundo, ao invés
do primeiro, como se vê a seguir: “no entendimento da plenária, com base nas
evidências apresentadas, a efetividade da dapagliflozina e da empagliflozina é
semelhante, devendo ser incorporado o medicamento com menor preço” (Brasil,
2020e, p. 15-16).
Outro caso curioso é o do baricitinibe, que teve recomendação inicial de não
incorporação e manifestação em relação aos custos nos seguintes termos:
Avaliação e Decisão sobre Tecnologias em Saúde no SUS: uma análise de fatores | 637
de influência sobre o processo decisório
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, quatro fatores de influência sobre o processo de avaliação de tec-
nologias pela Conitec foram identificados e discutidos, a partir da análise de uma
amostra de relatórios de recomendação produzidos pela comissão, e de dados sobre
esse processo para as tecnologias por ela recomendadas ou avaliadas, especialmente
medicamentos. São eles: i) o nível das evidências sobre a eficácia/efetividade das
tecnologias; ii) a manifestação de atores interessados nas tecnologias avaliadas; iii)
os demandantes das avaliações; e iv) os custos das tecnologias.
Observou-se que o nível das evidências influencia as recomendações da
Conitec, porém, o rigor na fundamentação dessas recomendações é maior para
as avaliações de incorporação ou ampliação de uso de medicamentos do que para
a recomendação de uso desses produtos nos PCDTs. Além disso, o nível das evi-
dências é considerado em conjunto com outros fatores, uma vez que nem sempre
as recomendações se pautaram por níveis mais altos de evidência.
Entre esses outros fatores encontra-se a manifestação de atores interessados
nas tecnologias avaliadas. Isso porque ela foi capaz de alterar o posicionamento
inicial da Conitec com base na apresentação de relatos de experiência do uso
dos medicamentos e em casos nos quais o nível de evidências variou entre mo-
derado e baixo.
Avaliação e Decisão sobre Tecnologias em Saúde no SUS: uma análise de fatores | 639
de influência sobre o processo decisório
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640 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
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nov. 2020.
644 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
APÊNDICE A
QUADRO A.1
Relação de relatórios de recomendação da Conitec que compõem a amostra do estudo
Número do
Ano Título Endereço eletrônico
relatório
2019 248 Simeprevir para o tratamento da hepatite C <https://bit.ly/3vq8yn8>
2019 364 Transplante de fígado para Insuficiência Hepática Hiperaguda relacionada à Febre Amarela <https://bit.ly/3noxloC>
2019 401 Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas de Neoplasia Maligna Epitelial de Ovário <https://bit.ly/32PEQvd>
2019 425 Diretrizes Brasileiras para diagnóstico e tratamento das intoxicações por agrotóxicos – capítulo 3 <https://bit.ly/3gIGyXB>
2019 440 Insulinas análogas de ação prolongada para o tratamento de diabetes mellitus tipo I <https://bit.ly/32vvKDF>
Sacubitril/valsartana para o tratamento de pacientes adultos com insuficiência cardíaca crônica
2019 454 <https://bit.ly/2QEaHMZ>
sintomática (NYHA classe II-IV) com fração de ejeção reduzida
2019 455 PCDT Esclerose Múltipla <https://bit.ly/3tXZoOi>
2019 458 Tetraciclina 500 mg para o tratamento de hidradenite supurativa leve <https://bit.ly/3vh8khQ>
Abiraterona para câncer de próstata metastático resistente à castração em pacientes com uso
2019 464 <https://bit.ly/3dXJnlX>
prévio de quimioterapia
2019 465 PCDT Fenilcetonúria <https://bit.ly/3nqYNCe>
Secuquinumabe como primeira etapa de terapia biológica para o tratamento da espondilite
2019 484 <https://bit.ly/3eDGdTt>
anquilosante ativa em pacientes adultos
2019 486 Certolizumabe Pegol para o tratamento da artrite psoríaca <https://bit.ly/3gJm7JV>
2019 492 PCDT – Atrofia Muscular Espinhal 5q Tipo 1 <https://bit.ly/3dSCXEC>
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Mucopolissacaridose Tipo IV A (Síndrome de
2019 494 <https://bit.ly/3vfeqiS>
Morquio A)
2020 498 Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Paget <https://bit.ly/32U9wf8>
2020 510 Baricitinibe para pacientes com Artrite Reumatoide ativa, moderada a grave <https://bit.ly/3gPBtwu>
2020 512 Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Síndrome Nefrótica Primária em Adultos <https://bit.ly/3dSU88S>
Riociguate para Hipertensão Pulmonar Tromboembólica Crônica Inoperável ou Persistente/Recor-
2020 519 <https://bit.ly/3tYmS5V>
rente após Tratamento Cirúrgico
2020 524 Empagliflozina e Dapagliflozina para o tratamento de diabetes mellitus tipo 2 <https://bit.ly/3dVyGA7>
2020 527 Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Esclerose Lateral Amiotrófica <https://bit.ly/3gEDuvC>
Ixequizumabe para tratamento de pacientes adultos com artrite psoríaca ativa com resposta
2020 536 insuficiente ou intolerante ao tratamento com um ou mais medicamentos modificadores do curso <https://bit.ly/3dVu2C6>
da doença
Citrato de tofacitinibe para o tratamento da retocolite ulcerativa moderada a grave em pacientes
2020 538 adultos com resposta inadequada, perda de resposta ou intolerantes ao tratamento prévio com <https://bit.ly/3aIQ3Ct>
medicamentos sintéticos convencionais ou biológicos
12,5 e 37,5 mcg de levotiroxina sódica para o tratamento de pacientes com hipotireoidismo
2020 544 <https://bit.ly/3gJLviS>
congênito
Bortezomibe para o tratamento do mieloma múltiplo em pacientes adultos, não previamente
2020 558 <https://bit.ly/2PqBk7x>
tratados, elegíveis ao transplante autólogo de células-tronco hematopoiéticas
2020 562 Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Insuficiência Adrenal <https://bit.ly/3sWCuph>
2020 564 Naproxeno para o tratamento de pacientes com artrite reativa <https://bit.ly/3dRLBDb>
Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical do HIV, Sífilis
2020 568 <https://bit.ly/3gIHDi7>
e Hepatites Virais
Lumacaftor/Ivacaftor para tratamento de fibrose cística (FC) em pacientes com 6 anos de idade
2020 579 ou mais e que são homozigotos para a mutação F508del no gene regulador de condutância <https://bit.ly/3vnmnme>
transmembrana da fibrose cística (CFTR)
Dasatinibe para adultos com leucemia linfoblástica aguda cromossomo Philadelphia positivo
2020 584 <https://bit.ly/3gHB6Ev>
resistentes/Intolerantes ao mesilato de imatinibe
QUADRO B.1
Classificação preliminar dos níveis de evidência,1 segundo o sistema Grade, sobre a eficácia de intervenções recomendadas pela Conitec
em PCDTs
Tipos de estudo sobre tratamento (quantidades) Níveis de Evidência
Recomendação
PCDTs e tecnologias recomendadas Revisões sistemáticas Ensaios clínicos de Estudos observacionais Outros (séries de caso, relato de (Grupo Grade
final
com e sem metanálise fase III (coorte, caso e controle) casos, diretrizes, entre outros) Preliminar)
2019
Relatório no 494 – PCDT Mucopolissacaridose Tipo IV A (Síndrome de Morquio A) Aprovar PCDT
Transplante de células-tronco hematopoiética - - - 3 Muito baixo
Terapia de reposição enzimática - 1 - 3 Moderado
Relatório no 492 – PCDT – Atrofia Muscular Espinhal (AME) 5q tipo 1 Aprovar PCDT
Nusinersena - 1 1 Baixo
Terapia não farmacológica (cuidados nutricional, ortopédicos e respiratórios) - - - 6 Muito baixo
Relatório no 465 – PCDT Fenilcetonúria Aprovar PCDT
Dieta restritiva em fenilalanina - 2 - 10 Moderado
Fórmula de aminoácido isenta de fenilalanina 1 1 - 3 Moderado
Dicloridrato de sapropterina - - - 2 Muito baixo
Relatório no 455 – PCDT Esclerose Múltipla Aprovar PCDT
Acetato de glatirâmer 1 5 - 1 Moderado a alto
Relatório no 425 – Diretrizes Brasileiras para Diagnóstico e Tratamento das Intoxicações por
Aprovar diretrizes
Agrotóxicos – capítulo 3
Descontaminação da pele e mucosas - - - 3 Muito baixo
Hemoperfusão Direta ou Hemodiafiltração Venovenosa Contínua - - - 3 Muito baixo
Hemodiálise - - - 2 Muito baixo
Terapia adjuvante (administração parenteral de emulsão lipídica) - 1 - 2 Baixo
Relatório no 401 – Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas de Neoplasia Maligna Epitelial de
Aprovar diretrizes
Ovário
Cirurgia 3 3 3 1 Alto
Quimioterapia neoadjuvante 6 2 3 - Alto
Quimioterapio adjuvante 2 - - - Moderado a alto
Quimioterapia intraperirtoneal 1 - 2 1 Moderado
Tratamento da recidiva tumoral 4 1 2 Alto
conceitos, métodos, contextos e práticas
Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
QUADRO C.1
Classificação preliminar dos níveis de evidência,1 segundo o sistema Grade, sobre a eficácia de medicamentos e procedimentos técnicos
avaliados pela Conitec
Tipos de estudo sobre tratamento (quantidades) Níveis de evidência
Recomendação
Tecnologias, relatórios e intervenções Revisões sistemáticas com Ensaios clínicos de Estudos observacionais Outros (séries de caso, relato de (grupo Grade
final
e sem metanálise fase III (coorte, caso e controle) casos, diretrizes, entre outros) preliminar)
2019
Relatório no 486 – Certolizumabe Pegol (CZP) para o tratamento
Incorporar 1 7 1 - Baixo a moderado
da artrite psoríaca (PzA)
Relatório no 484 – Secuquinumabe como primeira etapa de
terapia biológica para o tratamento da espondilite anquilosante Não incorporar 5 - - - Alto
ativa em pacientes adultos
Relatório no 454 – Sacubitril/valsartana para o tratamento de
pacientes adultos com insuficiência cardíaca crônica sintomática Incorporar 2 1 2 - Moderado
(NYHA classe II-IV) com fração de ejeção reduzida
Relatório no 464 – Abiraterona para câncer de próstata
metastático resistente à castração em pacientes com uso prévio Incorporar 1 2 - - Moderado a alto
de quimioterapia
Relatório no 458 – Tetraciclina 500 mg para o tratamento de
Incorporar - 1 1 4 Moderado
hidradenite supurativa leve
Relatório no 440 – Insulinas análogas de ação prolongada para o
Incorporar 7 - 5 2 Moderado a alto
tratamento de diabetes mellitus tipo I
Relatório no 364 – Transplante de fígado para Insuficiência Hepáti-
Incorporar - - - - Sem classificação2
ca Hiperaguda relacionada à Febre Amarela
Relatório no 248 – Simeprevir para o tratamento da hepatite C Desincorporar - - - - Sem classificação2
2020
Relatório no 584 – Dasatinibe para adultos com leucemia
Não ampliar
linfoblástica aguda cromossomo Philadelphia positivo resistentes/ - 1 - 2 Baixo
o uso
Intolerantes ao mesilato de imatinibe
Relatório no 579 – Lumacaftor/Ivacaftor para tratamento de
fibrose cística (FC) em pacientes com 6 anos de idade ou mais e
Não incorporar - 6 - 1 Moderado a alto
conceitos, métodos, contextos e práticas
Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
2
Nenhum estudo foi citado no relatório.
| 649
650 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
APÊNDICE D
TABELA D.1
Posicionamento dos participantes de consultas públicas realizadas pela Conitec sobre
propostas de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas1
Participantes Participantes
Protocolos submetidos à consulta pública (N) (%)
Total Favoráveis Desfavoráveis Neutros Favoráveis Desfavoráveis Neutros
2019
401 – DDT Neoplasia maligna de ovário 60 59 - 1 98,3 - 1,7
425 – Diretrizes intoxicação por
4 4 - - 100,0 - -
agrotóxicos
455 – PCDT Esclerose múltipla 442 361 26 55 81,7 5,9 12,4
465 – PCDT Fenilcetonúria 287 131 87 69 45,6 30,3 24,0
492 – PCDT Atrofia espinal muscular 1.531 1.039 65 427 67,9 4,2 27,9
494 – PCDT Mucopolissacaridose 618 85 491 42 13,8 79,4 6,8
2020
498 – PCDT Doença de Paget 27 21 3 3 77,8 11,1 11,1
512 – PCDT Síndrome Nefrótica 9 9 - - 100,0 - -
527 – PCDT Esclerose lateral amiotrófica 592 549 12 31 92,7 2,0 5,2
544 – PCDT Hipotireoidismo 5 5 - - 100,0 - -
562 – PCDT Insuficiência Adrenal 268 123 9 136 45,9 3,4 50,7
568 – PCDT Prevenção da Transmissão
73 68 5 - 93,2 6,8 -
Vertical do HIV, Sífilis e Hepatites Virais
TABELA E.1
Posicionamento dos participantes de consultas públicas sobre a recomendação inicial da Conitec para medicamentos avaliados1
Recomendação Formulário da Participantes (N) Participantes (%) Decisão final do
Relatório de recomendação Recomendação final
inicial consulta pública Total Favoráveis Desfavoráveis Neutros Favoráveis Desfavoráveis Neutros Ministério da Saúde
2019
Experiência 5 - 5 - - 100,0 -
458 – Tetraciclina para tratamento de hidradenite
Incorporar Técnico 21 13 8 - 61,9 38,1 - Incorporar Incorporar
supurativa leve
Total 26 13 13 - 50,0 50,0 -
Experiência 25 25 - - 100,0 - -
464 – Abiraterona para câncer de próstata metastático
resistente à castração de pacientes com uso prévio de Incorporar Técnico 20 20 - - 100,0 - - Incorporar Incorporar
quimioterapia
Total 45 45 - - 100,0 - -
Experiência 1.363 73 1.290 - 5,4 94,6 -
484 – Secuquinumabe para o tratamento da espondilite
Não incorporar Técnico 145 10 135 - 6,9 93,1 - Não incorporar Não incorporar
anquilosante ativa em pacientes adultos
Total 1.508 83 1.425 - 5,5 94,5 -
Experiência 43 4 39 - 9,3 90,7 -
486 – Certolizumabe para o tratamento de pacientes
Não incorporar Técnico 38 6 32 - 15,8 84,2 - Incorporar Incorporar
adultos com artrite psoríaca ativa, moderada a grave
Total 81 10 71 - 12,3 87,7 -
2020
Experiência 745 132 416 197 17,7 55,8 26,4
Avaliação e Decisão sobre Tecnologias em Saúde no SUS: uma análise de fatores
monar tromboembólica crônica inoperável ou persistente/ Não incorporar Técnico 183 10 168 5 5,5 91,8 2,7 Não incorporar Não incorporar
recorrente
Total 3.542 218 3.132 192 6,2 88,4 5,4
(Continua)
(Continuação)
652 |
1 INTRODUÇÃO
No final de janeiro de 2020, o mundo presenciou o surgimento de uma nova epi-
demia na China que, em pouco tempo, transformou-se em pandemia, chegando
a todos os lugares. Somado a isso, surge um cenário repleto de medos, dúvidas e
incertezas. Esses sentimentos também estiveram refletidos no processo de tomada
de decisão em saúde pelo mundo, afinal não se sabia como lidar com um vírus
recém-descoberto e com uma doença até então desconhecida. De fevereiro de 2020
a abril de 2021, entre as questões mais importantes estão as perguntas sobre a forma
verdadeiramente eficaz de atuar para diminuir a probabilidade de disseminação
do vírus na população, diminuindo assim o risco de adoecimento das pessoas, e
sobre a forma de cuidar das pessoas já adoecidas pela covid-19.
Na discussão sobre eficácia e efetividade das políticas públicas de saúde, as
evidências científicas ocupam um lugar relevante. Ainda que o processo das polí-
ticas públicas seja inseparável dos valores políticos, da persuasão e da negociação,
acredita-se que, quando se trata de políticas de saúde, as evidências científicas
possuem maior relevância que posicionamentos políticos (Ramos e Silva, 2018).
Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é analisar a atuação do Ministério da Saúde
durante a pandemia da covid-19, colocando luz sobre as decisões que ignoram
evidências científicas robustas. Para isso, serão analisadas duas ações concretas
do governo federal que demonstram a não consideração de evidências científicas
robustas para atuar diante da covid-19: a opção por recomendações de enfrenta-
mento à pandemia desconsiderando a de adoção das medidas não farmacológicas;
e a adoção do tratamento precoce para covid-19.
Esse processo é definido como uma atividade dinâmica e interativa, que inclui a
síntese, disseminação, troca de experiências e aplicação ética do conhecimento
para melhorar a saúde, fornecer serviços e produtos de saúde mais eficazes, bem
como fortalecer o sistema de saúde. Nesse sentido, as políticas informadas por
evidências são o resultado de processos de tradução do conhecimento aplicados à
formulação, implementação e avaliação de políticas de saúde. Assim, a elaboração
de sínteses de evidências científicas é uma das propostas promissoras para a tradução
do conhecimento (Straus, Tetroe e Graham, 2009).
Superados os desafios apresentados, logramos incorporar as evidências cien-
tíficas no processo de tomada de decisão em políticas públicas de saúde e, assim,
podemos produzir políticas que têm a capacidade de entregar resultados mais
eficazes e eficientes para a sociedade por meio de evidências de qualidade.
As políticas informadas por evidências devem apoiar-se na ideia de que o
conhecimento científico é produzido por meio da pesquisa de alta qualidade e
também desenvolver-se sob o reconhecimento dos problemas prioritários em saú-
de, podendo melhorar o desempenho dos sistemas públicos de saúde e impactar
a vida dos usuários desse sistema. Assim, as políticas informadas por evidências
são resultados de processos sistemáticos, transparentes e equilibrados, para acessar,
avaliar, adaptar e aplicar evidências científicas na tomada de decisões em diferentes
contextos. De forma geral, essas políticas objetivam que uma decisão considere as
melhores evidências disponíveis como subsídios da tomada de decisão e da deli-
beração pública sobre um problema de política prioritário (Brasil, 2015). Nesse
contexto, a contribuição e a promoção da utilização do conhecimento científico
são fundamentais não só na tomada de decisão, mas também no desenvolvimento
de métodos e estratégias inovadoras em saúde, na oportunidade de articulação
eficaz entre atores e na cooperação técnica entre instituições, sejam elas federais,
estaduais ou municipais.
QUADRO 1
Medidas não farmacológicas mencionadas pelas diretrizes do Ministério da Saúde
Medidas Ações
Ao espirrar, cobrir nariz e boca com lenço ou braço.
Evitar tocar olhos, nariz e boca com as mãos não lavadas.
Manter as mãos limpas.
Manter pelo menos dois metros de distância com pessoas que
estão tossindo ou espirrando.
Etiqueta respiratória e higienização de mãos Evitar contato próximo (abraço, beijo, aperto de mão).
Higienizar com frequência superfícies (celular, brinquedos das
crianças).
Não compartilhar objetos de uso pessoal.
Evitar aglomerações e manter ambientes ventilados.
Caso esteja doente, evitar contato com outras pessoas.
Distanciamento social ampliado.
Medidas de distanciamento social Distanciamento social seletivo.
Bloqueio total.
Fonte: Ministério da Saúde. Disponível em: <https://bit.ly/3GszCbz>. Acesso em: 7 jul. 2021.
Elaboração da autora.
7. Os três princípios que regem a MBE são: a busca da verdade é mais bem cumprida ao examinarmos a totalidade
das evidências; nem toda evidência é igual, um conjunto de princípios pode identificar evidências mais confiáveis; e
apenas evidências não são suficientes, sendo assim, os tomadores de decisões devem avaliar riscos e benefícios de
estratégias alternativas de manejo no contexto dos valores e preferências dos pacientes (Pedrosa e Fernandez, 2022).
8. O RT-PCR é um dos testes atualmente utilizados para diagnosticar pacientes com covid-19.
664 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
5 CONCLUSÃO
As práticas baseadas em evidência, apesar de não estarem isentas de críticas, contri-
buem para a fundamentação de decisões clínicas ou de saúde pública (Brasil, 2014).
Sabe-se que, em um contexto de pandemia, com as incertezas impostas pelo cenário
de emergência sanitária, muitas vezes não estão à disposição dos atores políticos
as melhores evidências a serem seguidas. Ainda assim, é fundamental vincular ao
processo de tomada de decisão as melhores evidências disponíveis, visto que é de
suma importância, nesse contexto, melhorar o desempenho do sistema de saúde
e evitar iniquidades provenientes de políticas mal formuladas.
A partir dos dois casos de atuação do Ministério da Saúde analisados neste
capítulo, percebemos que a ação desse ministério durante a pandemia está marcada
pelo esvaziamento das evidências científicas no processo de tomada de decisão para
a formulação e/ou implementação de políticas e ações em saúde. Nos processos
analisados, foi possível reconhecer que as decisões informadas por evidências deram
lugar às decisões estritamente vinculadas aos valores políticos do governo federal.
Apesar de reconhecermos que o processo das políticas públicas é inseparável dos
valores políticos, da persuasão e da negociação, sabemos da importância das evi-
dências científicas para embasar o processo de tomada de decisão em saúde.
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CAPÍTULO 21
1 INTRODUÇÃO
A planta Cannabis spp. e seus derivados foram proibidos no Brasil em 1932, em
decorrência de compromissos internacionais.2 Porém, ao contrário do senso co-
mum, a proibição não é – e nunca foi – absoluta. O emprego para fins medicinais,
científicos e industriais permaneceu amparado pelo direito nacional e internacional.
Trata-se do mesmo regime aplicável a outras substâncias entorpecentes, a exemplo
da papoula, planta da qual se produz medicamentos – como morfina e codeína –
com aplicação médico-terapêutica, mas proscritos para uso recreativo.
Entretanto, diferentemente da reconhecida utilidade terapêutica da papoula,
a cannabis foi mantida à margem dos usos medicinais. Em grande parte, isto se
deve à temporalidade das descobertas científicas: no momento das primeiras nego-
ciações internacionais sobre controle de drogas, o uso de medicamentos derivados
da papoula já estava consolidado, mas pouco se sabia sobre o potencial da cannabis
(Berridge, 2013). Em 1952, o comitê sobre drogas viciantes da Organização Mun-
dial de Saúde (OMS) se posicionou dessa forma: “A questão da justificação do uso
de preparações de cannabis para propósitos medicinais foi discutida pelo comitê.
Ele foi da opinião de que preparações de cannabis são praticamente obsoletas. Até
onde se pode ver, não há justificativa para uso médico de preparações de cannabis”
(UN, 1952, tradução nossa).3,4
5. A palavra ignorância é aqui entendida como um fenômeno social, ou seja, uma situação em que se percebe ou se
alega ausência de conhecimento; e não um atributo ou qualidade individual. O referencial teórico sobre ignorância
será apresentado na seção 2.
6. Eficácia, segurança e qualidade são as máximas do rigor científico para aprovação de medicamentos pela Anvisa.
Isso significa que uma substância pode ser comercializada como medicamento apenas se provar-se eficaz, segura e de
qualidade. Compete à Anvisa verificar se esses requisitos são cumpridos antes da concessão do registro do medicamento.
Para uma discussão sobre o significado e as implicações desses parâmetros no processo de regulação de cannabis para
uso medicinal, ver Rodrigues, Mourão e Lopes (2020).
Ignorância e Políticas Públicas: reflexões sobre a regulação de cannabis para uso | 675
medicinal no Brasil
7. A Lei no 11.343/2006 dispõe que “consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar
dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo
da União” (Brasil, 2006, art. 1o, Parágrafo Único).
8. Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial estabelecido pela Portaria no
344/1998 da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS).
9. Canabidiol e tetrahidrocanabinol são substâncias presentes na planta cannabis. Ao contrário do THC, o CBD não
possui propriedades psicoativas.
676 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
O texto está organizado em cinco seções, além desta introdução e das conside-
rações finais. A seção 2 apresenta uma revisão da literatura relativa a estudos sobre
ignorância. A seção 3 traça a cronologia dos acontecimentos que serão discutidos
ao longo do texto. A seção 4 analisa as decisões regulatórias e judiciais sobre a
importação de produtos à base de cannabis e a reclassificação do CDB. A seção 5
analisa os argumentos judiciais para determinação da reclassificação do THC. A
seção 6 trata da regulação do cultivo e da flexibilização do registro de produtos à
base de cannabis.
10. Para uma discussão sobre o conceito de evidências na abordagem das políticas públicas baseadas em evidências,
ver Pinheiro (2020).
11. Para uma revisão sobre as diversas tipologias de ignorância, ver Smithson (2015).
Ignorância e Políticas Públicas: reflexões sobre a regulação de cannabis para uso | 677
medicinal no Brasil
QUADRO 1
Tipologia da ignorância
Coisas que não devemos saber, mas que poderiam ser úteis se soubésse-
Tabu
mos. Conhecimento proibido ou perigoso (Kerwin 1993).
Coisas que são difíceis de aceitar, portanto escolhemos ignorar. Por exem-
Negação plo, ignorar evidências que coloquem dúvidas sobre a validade de crenças
partilhadas unanimemente por um grupo de pessoas (Roberts 2015).
Ignorância pela supres-
são de conhecimento
Conhecimento mantido oculto por motivos estratégicos, a exemplo dos
Segredo
segredos industriais (Roberts, 2015).
12. No original: “what we know or do not know at any one time or place is shaped by particular histories, local and
global priorities, funding patterns, institutional and disciplinary hierarchies, personal and professional myopia, and
much else as well”.
13. Essa terminologia foi proposta pelo historiador Robert Proctor (Pinto, 2015).
14. No original: “in an economy where planters sought to breed ‘Negroes’ like horses and cattle, refusal to breed
became a political act”.
Ignorância e Políticas Públicas: reflexões sobre a regulação de cannabis para uso | 679
medicinal no Brasil
QUADRO 2
Cronologia das decisões regulatórias e judiciais sobre cannabis medicinal
Data Acontecimento
1a Reunião Ordinária Pública (ROP) da Anvisa sobre o tema (9a ROP, de 29 de maio de 2014, em pauta, a reclassi-
29/5/2014
ficação do CBD).
22/4/2015 Anvisa define regras para importação (8a ROP, de 22 de abril de 2015).
18/3/2016 Anvisa excepciona THC da lista de substâncias proibidas (Circuito deliberativo no 208, de 17 de março de 2016).
Aprovado registro do Mevatyl® (composto por THC e CBD), primeiro medicamento à base de cannabis registrado
16/1/2017
no Brasil.
Nov.-dez. Primeiras decisões judiciais favoráveis ao cultivo de cannabis para uso medicinal próprio, em habeas corpus
2016 preventivos (Cancian, 2017).
Anvisa aprova a inclusão de Cannabis sativa L. na Lista de Denominações Comuns Brasileiras (9o ROP, de 18 de
18/4/2017
abril de 2017).
Decisão judicial favorável ao cultivo de cannabis para fins medicinais pela Associação Brasileira de Apoio Cannabis
27/4/2017
Esperança (Abrace).
Anvisa debate simultaneamente proposta de regulação cultivo e proposta de flexibilização do registro de produtos
15/10/2019
à base de cannabis (23a ROP, de 15 de outubro de 2019).
Anvisa arquiva proposta de regulação do cultivo e aprova flexibilização do registro de produtos à base de cannabis
3/12/2019
(29a ROP, de 3 de dezembro de 2019).
Elaboração da autora.
25. Processo no 24632-22.2014.4.01.3400, da 3a Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. A decisão liminar
foi posteriormente confirmada, pelos mesmos fundamentos, por sentença, em 12 de dezembro de 2016.
26. Encefalopatia epilética infantil precoce tipo 2, ou Síndrome de Rett.
27. Processo no 24632-22.2014.4.01.3400, da 3a Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.
28. Processo no 24632-22.2014.4.01.3400, da 3a Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.
Ignorância e Políticas Públicas: reflexões sobre a regulação de cannabis para uso | 683
medicinal no Brasil
Por sua vez, considerou-se que, embora as evidências da eficácia do CBD não
fossem conclusivas, a literatura demonstrava crescente consistência dos benefícios
de sua utilização. Nas palavras dos diretores, os principais efeitos da reclassificação
seriam simbólicos (retirada do estigma da ilegalidade), sinalizando positivamente
aos médicos, às famílias dos pacientes e à academia, como incentivo à pesquisa,
no sentido de que pudessem responder às questões colocadas pela própria Anvisa
e de que, no futuro, fosse possível oferecer medicamentos eficazes, seguros e de
custo mais acessível (Anvisa, 2015a).
No que tange à demanda por importações, era necessária outra solução.
Nesse sentido, foi apresentada proposta de regulação com vistas a simplificar e
conferir celeridade ao procedimento administrativo de autorizações excepcionais,
estabelecendo “critérios e procedimentos para importação de produto à base de
canabidiol por pessoa física, para uso próprio”, frisando tratar-se de “produtos” e
não “medicamentos”, posto que carentes de comprovação de eficácia e segurança.
Tal proposta foi aprovada, também por unanimidade, em reunião de abril de 2015
(Anvisa, 2015c).
Prevaleceu o entendimento de que “uma vez prescrito, não está proibi-
do” (Anvisa, 2015c). O procedimento tornou-se mais célere para os produtos
comumente demandados e já analisados pela Anvisa. A resolução parte do
pressuposto de que é prerrogativa dos médicos e pacientes fazerem uso desses
produtos com vistas à preservação da saúde, a despeito da inexistência de
registro na Anvisa e da falta de evidências conclusivas sobre sua eficácia e
segurança. Nesse sentido, a responsabilidade é deslocada: médicos e pacientes
devem apresentar termo de responsabilidade compartilhada, ao passo que o
Estado brasileiro e a Anvisa se eximem dos riscos não dimensionados do uso
desta substância (Anvisa, 2015d).
Em síntese, o posicionamento da Anvisa coaduna-se ao da decisão judicial:
reconhece a existência da ignorância científica sobre as propriedades da substância,
é otimista quanto à probabilidade de que as expectativas sobre eficácia e seguran-
ça se confirmem, e mobilizam a existência da ignorância em favor da produção
de mais conhecimento, recorrendo ao efeito simbólico de sua decisão. Ademais,
admite o direito ao uso excepcional da substância para preservação da saúde em
casos específicos, imputando aos médicos e pacientes a responsabilidade pelos
riscos não dimensionados.
5 RECLASSIFICAÇÃO DO THC
Ainda no ano de 2015, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com Ação
Civil Pública contra a União Federal e a Anvisa, solicitando a exclusão do THC
da lista de substâncias proscritas, e sua inclusão na lista de substâncias sujeitas à
Ignorância e Políticas Públicas: reflexões sobre a regulação de cannabis para uso | 685
medicinal no Brasil
32. Além da reclassificação do THC, o MPF pediu: i) permissão do uso, posse, plantio, cultura, colheita, exploração,
manipulação, fabricação, distribuição, comercialização, importação, exportação e prescrição, exclusivamente para fins
médicos e científicos, da Cannabis sativa L. e de quaisquer outras espécies ou variedades de cannabis, bem como dos
produtos obtidos a partir destas plantas; ii) permissão provisória da importação de quaisquer produtos ou medicamentos
à base de cannabis por qualquer brasileiro, com isenção de impostos e possibilidade de entrega no endereço escolhido
pelo comprador; iii) permissão provisória da importação de sementes para plantio com vistas a uso medicinal próprio,
com isenção de impostos e possibilidade de entrega no endereço escolhido pelo comprador; iv) início de estudos técnicos
para avaliação de segurança e eficácia dos medicamentos e suplementos já existentes no mercado internacional, à
base de canabinoides, especialmente o canabidiol e o THC, a exemplo do Sativex, do Marinol e do Cesamet; v) início de
estudos técnicos para avaliação de segurança, eficácia e qualidade do uso medicinal da cannabis in natura (mediante
inalação, infusão, etc), para as doenças indicadas na demanda, com vistas a enquadrá-la no Formulário Nacional de
Fitoterápicos (planta medicinal); e vi) confecção de modelos de formulário e de termos de esclarecimento e responsa-
bilidade, que deverão ser apresentados pelos pacientes para importação de sementes, produtos ou medicamentos à
base de cannabis. Apenas o pedido de reclassificação do THC foi deferido.
33. Ação Civil Pública no 0090670-16.2014.4.01.3400, da 16a Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.
A decisão liminar, que antecipa os efeitos da tutela judicial, foi parcialmente reformada por embargos de declaração.
Embargos de declaração têm como objetivo esclarecer contradições ou omissão na decisão original. A decisão liminar
foi confirmada por sentença de 15 de junho de 2018.
34. Ação Civil Pública no 0090670-16.2014.4.01.3400, da 16a Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.
686 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
nada obstante, certo é que, justamente em razão da omissão dos outros poderes, aparen-
temente resultante da postura proibicionista do Estado brasileiro, é que o Poder Judiciário
tem precisado intervir a fim de garantir, sobretudo, a dignidade da pessoa humana
(art. 1o, inciso III, da CF/88) e o direito à saúde (art. 196, da CF/88)35 (grifo nosso).
Por fim, tal qual a decisão judicial no caso Anny Fischer, a ignorância científica
sobre as propriedades terapêuticas da substância aparece como algo temporário
e localizado, passível de ser corrigido com estudos técnicos da Anvisa e eventual
registro de medicamentos. Ademais, a proibição da substância é apontada como
obstáculo aos avanços científicos. Enquanto não concluídos estes estudos, cabe
tutela judicial para resguardar o direito à saúde e dignidade dos pacientes que
precisam dessas substâncias.
Concluo, assim, que o risco da permissividade, da utilização da cannabis para fins
medicinais, atingir fins ilícitos, bem como a existência de vedação legal de incor-
poração de tecnologia sem registro da Anvisa, através do esgotamento dos seus estudos
técnicos, não podem ser impedimento à oferta de tratamento às pessoas que, por essa via,
poderiam obter sensível melhora da qualidade de vida – sobretudo quando inegável
a possibilidade de existir efetiva e adequada fiscalização, consoante já ocorre em
relação a outros medicamentos à venda no Brasil –, sob pena de malferimento aos
primados constitucionais do direito social à saúde e do princípio da dignidade da
pessoa humana, além de obstaculizar avanços científicos sobre o tema, o que autoriza
a intervenção do Poder Judiciário, haja vista que, enquanto pendente a conclusão das
análises sobre a segurança e a eficácia das substâncias em comento e, assim, enquanto
perdurar o pronunciamento definitivo pelas Rés sobre o tema, milhares de brasileiros
continuarão a sofrer intensamente, ou mesmo virem a óbito, em razão de doenças
graves, degenerativas, progressivas, incuráveis e/ou fatais, alheias aos tratamentos
atualmente disponíveis no mercado brasileiro36 (grifo nosso).
Ao final, o juiz determina a exclusão do THC da lista de substâncias psicotró-
picas de uso proscrito para incluí-lo na lista de substâncias sujeitas à notificação de
receita. Note-se que, a pedido da Anvisa e da União, essa decisão foi ligeiramente
modificada em embargos de declaração: em lugar da exclusão da lista de proscrição,
a inserção de um adendo para permitir exclusivamente o uso medicinal.37
Essa determinação judicial foi cumprida pela Anvisa, após aprovação dos
diretores em março de 2016, por meio eletrônico (circuito deliberativo), prescin-
dindo de debates e argumentações na instância regulatória. Estava assim preparado
o terreno para a aprovação e registro do primeiro medicamento à base de cannabis
no Brasil, o Mevatyl® (composto por THC e CBD), em janeiro de 2017.
35. Ação Civil Pública no 0090670-16.2014.4.01.3400, da 16a Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.
36. Ação Civil Pública no 0090670-16.2014.4.01.3400, da 16a Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.
37. Ação Civil Pública no 0090670-16.2014.4.01.3400, da 16a Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.
Ignorância e Políticas Públicas: reflexões sobre a regulação de cannabis para uso | 687
medicinal no Brasil
38. Processo no 0800333-82.2017.4.05.8200, da 2a Vara Federal da Seção Judiciária de João Pessoa. A decisão liminar
foi confirmada por sentença de 19 de novembro de 2017.
39. Processo no 0800333-82.2017.4.05.8200, da 2a Vara Federal da Seção Judiciária de João Pessoa.
40. Processo no 0800333-82.2017.4.05.8200, da 2a Vara Federal da Seção Judiciária de João Pessoa.
688 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
46. Conforme discutido na seção 2, referencial teórico, a respeito do tema ignorância e políticas públicas, em particular,
a abordagem interpretativa proposta por Smithson (2015).
Ignorância e Políticas Públicas: reflexões sobre a regulação de cannabis para uso | 691
medicinal no Brasil
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste capítulo, buscou-se aplicar o referencial teórico de estudos sobre
ignorância para compreender o desenrolar recente da regulação de cannabis para
uso medicinal no Brasil, a partir de uma abordagem interpretativa dos funda-
mentos de decisões regulatórias e judiciais. Tal abordagem permitiu identificar
quais ignorâncias são reconhecidas e como estas são mobilizadas nos argumentos
dos tomadores de decisão. Nesse sentido, destacamos três linhas argumentativas.
Na primeira, destaca-se o reconhecimento de que o regime proibicionista con-
tribui para a perpetuação da ignorância científica, ao impor obstáculos à pesquisa e
ao desenvolvimento de medicamentos, tanto do ponto de vista simbólico (estigma
692 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
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Ignorância e Políticas Públicas: reflexões sobre a regulação de cannabis para uso | 693
medicinal no Brasil
1 INTRODUÇÃO
O padrão estabelecido para a avaliação empírica de políticas macroeconômicas
envolve examinar relações teoricamente determinadas a partir de modelos econo-
métricos. Esse padrão teve seus fundamentos lançados na década de 1940, com os
trabalhos da Fundação Cowles para a Pesquisa em Economia (Cowles Commission
for Economic Research, 1946) nos Estados Unidos, e foi consagrado após a Segunda
Guerra Mundial, com sua difusão nos Estados Unidos e na Europa Ocidental.
A crítica de Lucas (1976) produziria uma inflexão nesse padrão, levando
à construção de modelos macroeconométricos com parâmetros estruturais (em
inglês, deep parameters); ou seja, parâmetros que refletissem o comportamento de
agentes racionais maximizadores, não apenas diante das possibilidades de escolha,
como também em relação às próprias políticas adotadas, na abordagem que ficou
conhecida como expectativas racionais.
Essa inflexão acabaria por resultar na tendência atual de desenvolvimento de
modelos duramente criticada por Summers (1991) e Romer (2016). Esses dois
autores não possuem a mesma ambição teórica e, portanto, o mesmo alcance em
termos de repercussão acadêmica de Lucas (1976), mas se concentram justamente
em avaliar a prática de produção e análise de evidências empíricas por meio de
modelos econométricos em macroeconomia.
Desse modo, este capítulo se organiza nas seguintes seções. Após esta seção de
introdução, a segunda seção aborda a evolução e o papel dos modelos econométricos
nas primeiras décadas do século XX, como instrumento de análise e comparação
de políticas macroeconômicas baseadas em evidências. A terceira seção aborda a
crítica de Lucas (1976), o maior desafio teórico lançado a esse tipo de abordagem
empírica. A quarta seção discute a crítica de Summers (1991), voltada principal-
mente aos modelos estruturais que foram desenvolvidos a partir da crítica de Lucas
(1976). A quinta seção aborda a crítica de Romer aos modelos econométricos
mais recentes, cuja complexidade muitas vezes impede uma avaliação precisa do
valor dos seus resultados, o que é frequentemente agravado pela manipulação dos
parâmetros por parte do analista. A seção de conclusão examina as possibilidades
de uma macroeconomia mais baseada em evidências, à luz do que foi discutido nas
seções anteriores. Será argumentado que é possível estabelecer as linhas gerais de
uma macroeconomia mais baseada em evidências, parafraseando Julian Reiss (2008).
É importante enfatizar que não se pretende fazer uma revisão exaustiva do
tema do uso das evidências na macroeconomia, o que seria impossível nos limites
deste trabalho. Objetiva-se apenas apresentar um rápido panorama do tratamento
das evidências no campo da macroeconomia, como introdução ao debate sobre
políticas macroeconômicas baseadas em evidências no país.
negligenciava o problema da identificação, de tal forma que não era possível dizer
se o autor tinha estimado uma curva de demanda ou alguma combinação linear
de funções de demanda e oferta (Dimand, 2019, p. 3). Seria a segunda geração da
Comissão Cowles, com nomes como Jacob Marschak e Tjalling Koopmans, que
enfrentaria o problema da identificação.
Curiosamente, as preocupações da primeira geração da Comissão Cowles,
que incluía nomes como o próprio Alfred Cowles, o matemático Harold Thayer
Davis e Charles F. Roos, eram, em geral, muito diferentes do que se tornaria mais
tarde o padrão de pesquisa em econometria. Nessa primeira fase, destacavam-se a
preocupação com a previsão das variações dos preços das ações – notadamente, o
próprio Alfred Cowles – e o estudo de ciclos econômicos.3
No que diz respeito à análise de ciclos, um papel de destaque coube a Harold
T. Davis, que, de forma irônica – quando se consideram os desenvolvimentos
posteriores –, descartou a teoria geral de Keynes de modo surpreendentemente
superficial (em uma nota de rodapé), mas mostrava grande interesse na teoria de
Stanley Jevons acerca da influência das manchas solares nos ciclos econômicos
(Dimand, 2019, p. 4).
Eugene Slutsky – que não participava da Comissão Cowles – teve um papel
fundamental para retirar o foco de interesse da comissão do estudo dos ciclos, a
partir da tradução de seu trabalho The Summation of Random as the Source of Cyclic
Processes – originalmente publicado em Moscou –, no periódico Econometrica, em
função de suas críticas metodológicas aos métodos estatísticos utilizados para a
análise dos ciclos (Dimand, 2019, p. 5-6).4 Foi um caso raro de solução de con-
trovérsias empíricas em macroeconomia, em que a discussão metodológica alterou
o foco de interesse teórico.
Esse enfoque em ciclos vai ser abandonado definitivamente quando Jacob
Marschak assume o cargo de diretor de pesquisa da Comissão Cowles em 1943.
Sua atuação promoveria uma mudança importante nas linhas de pesquisa da
comissão, que vai estabelecer os estudos econométricos como principal método
de pesquisa empírica em macroeconomia. Com a indicação de Marschak para a
direção de pesquisa, uma das preocupações centrais da comissão será o estudo das
propriedades estatísticas da estimação de equações simultâneas com erros aleatórios
3. Charles Roos e Harold Davis, diretores de pesquisa da Comissão Cowles em sua origem, antes da mudança de Colo-
rado Springs para a Universidade de Chicago em 1939, eram matemáticos interessados em ajuste de curvas e técnicas
para decompor séries temporais em: i) tendências; ii) múltiplos ciclos coincidentes com periodicidades e amplitudes
diferentes; e iii) movimentos erráticos (Dimand, 2019, p. 7).
4. Eugene Slutsky foi o primeiro professor de Jacob Marschak – que então assinava Jakob – em Kiev, antes da Primeira
Guerra Mundial. Em sua crítica, Slutsky apontava o fato de que as técnicas empregadas pelos analistas de ciclos da
comissão geravam ciclos aparentes, mesmo que não houvesse nenhum ciclo nos dados originais (Dimand, 2019, p. 5-6).
700 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
5. The Statistical Implications of a System of Simultaneous Equations, publicado no periódico Econometrica em 1943, e
The Probability Approach in Econometrics, também publicado no Econometrica em 1944 (Dimand, 2019, p. 8).
6. Stochastic Models of Economic Fluctuations, publicado no Econometrica de 1944 (Dimand, 2019, p. 8).
7. A dissertação Linear Regression Analysis of Economic Time Series, de 1936, de Tjalling Koopmans, foi publicada no
ano seguinte (Dimand, 2019, p. 8).
Políticas Macroeconômicas Baseadas em Evidências São Possíveis? A difícil relação | 701
da macroeconomia com as evidências empíricas
8. “Their Cowles Commission Monographs, respectively Nos. 8 and 7, both published in 1944, Price Flexibility and Employ-
ment, and General-Equilibrium Theory in International Trade, were the first ones to deal with formalized economic theory”.
702 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
publicou Economic Forecasts and Policy (Theil, 1958), em que discutiu métodos
econométricos voltados para previsão dos efeitos e estudo de políticas econômicas.
O uso crescente de modelos macroeconométricos foi acompanhado de oti-
mismo que se expressava em modelos cada vez mais extensos, cercados de expec-
tativas crescentes, que se materializavam na ideia de que seria possível desenhar o
que seria uma política macroeconômica ótima baseada em evidências, sendo que
por evidências se entendiam os resultados desses modelos econométricos. Isso levou
“os economistas, munidos de seus modelos dinâmicos, a se verem até mesmo em
uma posição semelhante àquela de engenheiros chamados a dirigir otimamente a
trajetória de um foguete” (Malinvaud, 1998, p. 330, tradução nossa).9
Essa expectativa otimista com relação às possibilidades de os modelos eco-
nométricos fornecerem as evidências empíricas para a adoção de uma política
macroeconômica ótima seria duramente abalada nos anos 1970. Naquele período,
houve a experiência combinada de estagnação econômica e inflação nos Estados
Unidos, que se tornou conhecida em termos jornalísticos como estagflação.
Como será visto mais adiante, a incapacidade dos modelos keynesianos para
lidar inicialmente com essa conjuntura até então inédita motivará a crítica de
Lucas (1976), a primeira a colocar em xeque de forma teórica o uso de modelos
econométricos para avaliar o alcance de políticas macroeconômicas. Essa crítica
foi a de maior alcance e motivou a busca de parâmetros estruturais (deep para-
meters) que refletissem as escolhas de agentes racionais maximizadores perante as
possibilidades de escolha e as próprias políticas adotadas, na abordagem que ficou
conhecida como expectativas racionais.
3 A CRÍTICA DE LUCAS
A discussão dos problemas com relação ao uso de evidências em macroeconomia
inicia-se com a crítica de Lucas aos modelos econométricos keynesianos (Lucas,
1976), pois essa crítica foi uma das primeiras a afetar significativamente uma
das principais fontes de evidências no debate macroeconômico: os resultados de
modelos econométricos. Ao mesmo tempo, a crítica de Lucas oferece oportuni-
dade ímpar para o estudo das dificuldades do debate macroeconômico com as
evidências empíricas.
A crítica de Lucas, tal como apresentada em Econometric Policy Evaluation:
a critique (Lucas, 1976, p. 41), encontra-se sintetizada no final do capítulo, em
que é apresentada como “um simples silogismo” (a single syllogism): dado que a
estrutura de um modelo econométrico é constituída pelas regras de comportamento
9. “Des économistes, dotés de leurs modèles dynamiques, se virent même dans une position semblable à celle d’ingénieurs
appelés à diriger au mieux la trajectoire d’une fusée”.
Políticas Macroeconômicas Baseadas em Evidências São Possíveis? A difícil relação | 703
da macroeconomia com as evidências empíricas
10. Como é sabido, a origem da curva de Phillips é seu artigo The Relation between Unemployment and the Rate of
Change of Money Wage Rates in the United Kingdom, 1861-1957 (Phillips, 1958). Embora possam ser encontradas
evidências na literatura de algumas passagens em que autores anteriores tenham identificado alguma relação inversa
entre desemprego e inflação, que possivelmente, de acordo com Humphrey (1985), remontariam a John Law (1621-
1729), é geralmente aceito (Gordon, 2011) que a ligação entre desemprego e inflação foi estabelecida formalmente
pela regressão estimada por Phillips, dada por: (Phillips, 1958, p. 290), sendo a taxa anual
de mudança do salário nominal em percentual e U a taxa de desemprego.
Essa identificação empírica produziu uma onda de inovações teóricas, ainda que algumas vezes tornando a relação
ineficaz, como no caso da versão da curva de Phillips com expectativas racionais, que anula o trade-off entre inflação
e desemprego até mesmo no curto prazo. Discutir as revisões dessa curva desde seu surgimento seria impossível no
âmbito deste trabalho. Recomenda-se ao leitor interessado consultar, entre várias possíveis referências, Gordon (2011).
Políticas Macroeconômicas Baseadas em Evidências São Possíveis? A difícil relação | 705
da macroeconomia com as evidências empíricas
11. Sergi (2018, p. 2) identifica os modelos DSGE como parte da nova síntese neoclássica que busca responder à crítica
de Lucas. Ver a respeito, também, Hurtado (2013; 2014).
706 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
12. “The failure of empirical work to deliver facts in a form where they can be apprehended by theory”.
710 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
13. “The results are rarely an important input to theory creation or the evolution of professional opinion more generally”.
14. Como explicam Low e Meghir (2017, p. 35), modelos estruturais plenamente especificados adotam hipóteses ex-
plícitas sobre os objetivos dos atores econômicos, seu ambiente e seu conjunto de informação, também especificando
as escolhas que podem ser feitas; dessa forma permitindo a solução do problema de otimização individual em função
do conjunto de informação.
Políticas Macroeconômicas Baseadas em Evidências São Possíveis? A difícil relação | 711
da macroeconomia com as evidências empíricas
15. É importante destacar que não se trata aqui de questionar as bases teóricas desses modelos; por exemplo, a
hipótese de consumidor representativo, ante à heterogeneidade óbvia dos consumidores. A discussão neste trabalho
restringe-se à questão da utilização de evidências empíricas em macroeconomia, aceitando-se os modelos que são
considerados mainstream.
16. “Hansen and Singleton’s work creates an art form for others to admire and emulate but provides us with little
new knowledge”.
17. “To test a highly restricted and surely incorrect structure using elaborate methods which do not shed light on the
cause of any deviations of data from theory”.
712 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
18. Summers cita apenas Sims (1980a) como referência fundamental para a modelagem baseada em VARs, mas Canova
(1995) cita também Sims (1972; 1980a; 1980b) e Sims, Goldfeld e Sachs (1982).
Políticas Macroeconômicas Baseadas em Evidências São Possíveis? A difícil relação | 713
da macroeconomia com as evidências empíricas
19. “The only firm conclusion reached is that structural interpretations of VARs are very sensitive to the model one assumes”.
714 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
A seguir, será abordada uma crítica ainda mais radical aos modelos estruturais,
em que esse tipo de modelo é considerado um retrocesso em relação ao desenvolvi-
mento do caráter científico da macroeconomia, apesar das aparências em contrário.
20. Exceto em momentos extraordinários, a que Thomas Kuhn (1998) chamou de revoluções científicas.
21. ”Progress in the field is judged by the purity of its mathematical theories, as determined by the authorities”.
716 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Com efeito, até mesmo um autor empirista como Reiss (2008, p. 2) é obri-
gado a reconhecer que, no que diz respeito à economia, até um conceito básico
como firma não pode ser observado diretamente, sendo algo de natureza comple-
tamente distinta de uma coleção de máquinas, construções, diretores executivos
etc. A recomendação de Reiss (2008, p. 3), portanto, é a de reconhecer que há
pluralidade de métodos de construir e reunir evidências, que envolve, além da obser-
vação direta de evidências a partir dos sentidos, também métodos estatísticos, tais
como: números-índices; regressões econométricas; análise de variância (Anova);
modelagem matemática; modelos de simulações em computador; economia ex-
perimental; experimentos mentais; opiniões de especialistas etc. Por conseguinte,
a possibilidade de políticas fiscais e monetárias baseadas em evidências depende
antes de uma valorização dos vários tipos de evidências no debate com relação aos
fundamentos macroeconômicos básicos.
Qualquer perspectiva empirista ingênua, que minimize a complexidade na
construção das evidências em macroeconomia, esbarra no fato de que as evidências
econométricas amplamente utilizadas no debate são construídas a partir de técnicas
que oferecem muitos graus de liberdade para o analista, talvez até mesmo graus
de liberdade excessivos, que podem permitir manipulações pouco rigorosas dos
resultados, especialmente quando não há protocolos geralmente aceitos quanto ao nível
adequado de utilização desses graus de liberdade. Esses problemas são inicialmente
ilustrados por Romer (2016), com o conhecido problema de identificação. A esse
respeito, criticando os economistas que não possuem compromisso com evidências
históricas, esse autor observa que estratégias de modelagem que permitam mais
variáveis e mais choques imaginários (imaginary shocks) fornecem graus de liber-
dade adicionais, uma vez que mais variáveis pioram o problema da identificação
(Romer, 2016, p. 10).
Romer (2016, p. 11-12) discute o problema da identificação com um mo-
delo simples de oferta e demanda de trabalho log-lineares com choques aleatórios.
Para prever o efeito de uma mudança de política, é preciso estimar a elasticidade
da demanda de trabalho. Como é sabido, nesse caso, a solução para o problema
de identificação é impor alguma restrição sobre a curva de oferta. Romer (2016,
p. 10-11) impõe duas restrições alternativas: uma em que a curva de oferta é
perfeitamente inelástica; e outra em que esta possui inclinação positiva e passa
pela origem. Cada restrição produz resultados muito diferentes para a curva de
demanda. Portanto, sem informações adicionais, nenhum resultado possui qualquer
significado. Aqui, reside a possibilidade de manipulações arbitrárias, ao sabor das
preferências do pesquisador.
Romer (2016) cita ainda outros exemplos de estimação de modelos econo-
métricos que conferem excessiva liberdade à arbitrariedade do analista. Menciona,
Políticas Macroeconômicas Baseadas em Evidências São Possíveis? A difícil relação | 717
da macroeconomia com as evidências empíricas
por exemplo, o modelo de Smets e Wouters (2007), que possui sete variáveis e
49 parâmetros para estimar, com apenas sete equações, de forma que 42 dos 49
parâmetros têm de ser estimados com outras informações que não a série temporal
de x (Romer, 2016, p. 12). A inclusão de expectativas racionais agrava ainda mais
o problema de identificação, aumentando o número de parâmetros, que têm de
ser especificados com base em outras informações que não as séries temporais das
variáveis independentes (op. cit., p. 12).
Em função dessa excessiva liberdade concedida à arbitrariedade dos analistas,
as soluções encontradas têm se tornado cada vez mais opacas: “um debatedor ou
parecerista não consegue dizer se a hipótese para a identificação não é crível, se ele
não consegue imaginar qual é esta e se sente constrangido a perguntar (Romer,
2016, p. 15, tradução nossa).22 Essa opacidade na utilização dos graus de liberda-
de proporcionada pelos modelos vem aumentando com o tempo. Romer (2016)
prossegue afirmando que as hipóteses quanto à distribuição dos termos de erros são
um bom lugar para “esconder coisas” (bury things), simplesmente porque “quase
ninguém presta atenção a estas” (hardly anyone pays attention to them) (op. cit., p. 15).
Também no caso do emprego de métodos bayesianos, há problemas. Voltando
ao exemplo da estimação da elasticidade da curva de demanda por trabalho, no
caso do emprego de um método bayesiano, Romer (2016, p. 15) observa que,
manipulando as prioris para a curva de oferta, é possível alterar as posterioris para
a elasticidade da demanda, até conseguir aquela que se deseja.23
Em face de todos esses problemas, Romer conclui que:
Talvez, desta vez, os macroeconomistas devam admitir que a destruição atingiu tão
fundo que eles devem abandonar a busca pelo sagrado modelo de equações simul-
tâneas. Pode ser mais sábio adotar os métodos bagunçados (messy methods) que os
pesquisadores médicos têm usado para fazerem as descobertas, que foram implemen-
tadas e efetivamente melhoraram a saúde (Romer, 2016, p. 19, tradução nossa).24
Ou seja, em vez de uma fidelidade dogmática a um método particular de
análise empírica – como os modelos estruturais –, pode ser mais produtivo con-
siderar uma gama mais ampla de evidências de naturezas distintas, mesmo que o
método resultante não seja formalmente elegante. As diferentes evidências podem
reforçar-se mutuamente ou, alternativamente, fornecer resultados diferentes e,
22. “A discussant or referee cannot say that an identification assumption is not credible if they cannot figure out what
it is and are too embarrassed to ask”.
23. Romer (2016, p. 15) cita vários autores para corroborar sua crítica aos métodos bayesianos na produção de
evidências empíricas em macroeconomia, especialmente em relação ao modelo de Smets e Wooters (2007); entre
eles, Iskrev (2010) e Komunjer e Ng (2011), que mostram que, sem informação sobre as prioris, o modelo de Smets e
Wooters (2007) não é identificado.
24. “Perhaps this time, macroeconomists should admit that the wreckage runs so deep that they should abandon the
quest for the sacred simultaneous equation model. It might be wiser to adopt the messy methods that medical researchers
have used to make discoveries that were implemented and actually improved health”.
718 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
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722 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
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CAPÍTULO 23
1 INTRODUÇÃO
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) pode ser considerado a principal agência de cunho operacional no Sistema
Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). Criado pela Lei no 7.735/1989, reuniu
atribuições de quatro órgãos: Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema) do
Ministério do Interior, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF),
Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe) e Superintendência da
Borracha (Sudhevea).
Sua lei de criação, atualizada em 2007, confere basicamente as seguintes
atribuições à autarquia: exercer o poder de polícia ambiental; executar atribuições
federais na Política Nacional do Meio Ambiente referentes ao licenciamento
ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos
naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental; e executar ações
supletivas de competência do governo federal, o que ocorre sobretudo na fiscali-
zação ambiental e com foco especial na Amazônia Legal. O Ibama tem enfrentado
problemas sérios para assegurar o cumprimento de suas tarefas institucionais,
tanto pela redução progressiva do número de servidores quanto pelos recursos
orçamentários insuficientes.
A autarquia contava com 2.618 servidores em atividade em junho de 2020.
Uma nota técnica desse ano (Ibama, 2020) apresentou demanda de concurso para
provimento de 2.311 cargos na autarquia, sendo 970 de analista ambiental, 336
de analista administrativo e 1.005 de técnico administrativo. O gráfico 1 mostra
a evolução e as perspectivas do quadro de servidores.
1. Urbanista e advogada, professora do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e da Universidade
de Brasília (UnB). E-mail: <suely@oc.eco.br>.
726 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
GRÁFICO 1
Servidores do Ibama (2002-2023)
2 REVISÃO DE LITERATURA
Há um conjunto grande de fatores que influenciam a produção das políticas
públicas, entre eles a disponibilidade e a utilização de evidências. A abordagem das
políticas públicas baseadas em evidências (PPBEs) tem gerado crescente interesse
dos acadêmicos e outros pesquisadores e analistas. Nesse âmbito, é importante
compreender que a expressão “evidências” pode ganhar vários sentidos quando
relacionada aos processos decisórios em políticas públicas: pode se referir a
evidências científicas, experiências pessoais dos gestores, experiências organizacionais
anteriores, opiniões dos beneficiários sobre as políticas públicas e outros atores.
Na prática, as evidências também podem ser utilizadas para justificar decisões já
tomadas (Koga et al., 2020, p. 7-8).
Pinheiro (2020) propõe-se a elucidar o conceito de evidência, elemento
central da perspectiva das PPBEs. De forma geral, afirma-se nas abordagens sobre
o tema que as evidências de pesquisas devem assumir papel central na formulação
e implementação das políticas públicas, mas se abre espaço para outras formas de
conhecimentos e interesses. Pinheiro (2020, p. 17) problematiza e lança a seguinte
questão: “Já que não estamos falando apenas de evidências científicas, como se
definiriam, então, as informações usadas nas ações e decisões de policymakers e
outros atores interessados (stakeholders)?”.
Para Pinheiro (2020, p. 18), a análise do conceito de evidência demanda mé-
todo, fundamentado em critérios moderados, razoáveis e pragmáticos. Seguindo sua
análise, o autor também explica que o conceito de evidência em políticas públicas
728 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
pode se situar em diferentes pontos de um continuum, em que os dois polos são dois
modelos gerais, o racionalista e o construtivista. Em face das limitações de pender-se
de forma simplista para um desses dois extremos, o autor propõe um meio-termo – o
modelo moderado – que assume os seguintes pressupostos epistemológicos:
P1) apreender o social, o econômico e o político como sistemas complexos, porém
racionalmente analisáveis; P2) considerar os limites do conhecimento em geral, a
falibilidade do conhecimento científico e as especificidades do conhecimento em ci-
ências sociais; P3) considerar o status epistemológico (científico) da disciplina ou área
de política sob questão; e P4) entender o uso das evidências dentro de uma estrutura
geral de ação do policymaker ou de outros stakeholders (conforme o caso), a qual, por
sua vez, se especifica dentro de uma moldura contextual. (Pinheiro, 2020, p. 21).
Ao concretizar uma decisão, o agente público usa informações diversas,
influenciadas por suas crenças e conhecimentos, seus objetivos e o caminho esco-
lhido para atingi-los. Essa estrutura é influenciada, por sua vez, por um contexto
em que devem ser considerados fatores políticos, epistemológicos e normativos,
institucionais e organizacionais (Pinheiro, 2020, p. 23).
Neste estudo, adotamos essa perspectiva de Pinheiro (2020), que enxerga as
evidências as quais lastrearão as PPBEs inclusas em processos sociais e decisórios
que necessitam ser compreendidos no âmbito de um enquadramento contextual,
não como parâmetros externos e neutros.
O modelo moderado apresentado pelo autor é epistemologicamente com-
patível com a visão de subsistema de políticas públicas apresentado por Sabatier
e parceiros no ACF (Sabatier, 1988; Sabatier e Jenkins-Smith, 1999; Sabatier e
Weible, 2007). Os diferentes atores, individuais e coletivos, públicos e privados,
que atuam sistematicamente ao longo dos anos tentando influenciar as decisões em
determinado tema de políticas públicas, são movidos por crenças, as quais também
refletem diferentes tipos de interesse. Ademais, a dinâmica dessa rede de atores
é influenciada por fatores externos, estruturais e conjunturais. A racionalidade é
trabalhada no ACF sob a perspectiva da racionalidade limitada (Simon, 1985), que
também parece caracterizada no modelo moderado de Pinheiro (2020).
Os conflitos entre as coalizões de defesa trabalhadas pelo ACF encontram-se
inseridos em determinado contexto social, político, econômico, histórico e setorial
(pressuposto do conflito inserido). As crenças dos atores, por sua vez, são endógenas
e dinâmicas, variando de forma estruturada a partir desses conflitos (pressuposto
do aprendizado socialmente induzido). O aprendizado orientado às políticas
públicas constitui elemento importante no ACF. Ele virá das informações técnicas,
mas também das relações de conflito e coordenação entre os atores (Araújo, 2013).
Vicente e Calmon (2011, p. 2) salientam que, na perspectiva do ACF, a evolução
do conhecimento técnico-científico é importante para compreender o aprendizado
Proteção Ambiental Baseada em Evidências? Evolução institucional, | 729
planejamento e execução orçamentária no Ibama
2. Entre as crenças dos desenvolvimentistas tradicionais, estão: visão sobre os recursos naturais que tende ao utilitarismo
puro; valorização dos aspectos culturais (ou, em certas manifestações extremadas, desconsideração do conhecimento
como valor); e oposição aos instrumentos de política ambiental e às unidades de conservação. Entre as crenças dos
desenvolvimentistas modernos, estão: foco no uso sustentável dos recursos naturais; defesa de um Estado mínimo;
prioridade para o conhecimento técnico-científico; e valorização enfática dos instrumentos econômicos de política am-
biental. Entre as crenças dos socioambientalistas, estão: foco na conciliação entre uso sustentável e preservação; ênfase
nos processos democráticos e participativos das decisões estatais; valorização do saber tradicional, sem desconsiderar
o conhecimento técnico; defesa enfática das populações indígenas e outras populações tradicionais; e valorização dos
diferentes tipos de instrumentos de política ambiental. Por fim, entre as crenças dos tecnocratas esclarecidos, estão:
prioridade para a preservação dos recursos naturais; defesa de um Estado caracterizado mais por sua atuação vigorosa
do que por seus aspectos democráticos; prioridade para o conhecimento técnico-científico; tendência ao entendimento de
que as decisões governamentais devem estar centralizadas na União; ênfase nos instrumentos regulatórios; e prioridade
para as unidades de conservação de proteção integral (Araújo, 2007; 2013).
730 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
QUADRO 1
Tipologia de mudanças graduais
Mudança por Mudança por
Mudança em Mudança por
deslocamento conversão
camadas (layering) deslizamento (drift)
(displacement) (conversion)
Remoção de regras antigas Sim Não Não Não
Negação das regras antigas - Não Sim Não
Mudança no impacto/na
- Não Sim Sim
aplicação das regras antigas
Introdução de novas regras Sim Sim Não Não
3 A EVOLUÇÃO INSTITUCIONAL
3. Conferir Decretos nos 3.179/1999 (disponível em: <https://bit.ly/3D1kKOl>) e 6.514/2008 (disponível em: <https://
bit.ly/3rojt1E>), com redação atualizada.
4. Conferir o Decreto no 7.957/2013 (disponível em: <https://bit.ly/3FXbz3j>).
732 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
GRÁFICO 2
Taxas de desmatamento na Amazônia brasileira (1988-2020)
(Em km²)
Foi enfatizado por três entrevistados o uso dos dados do Inpe também pela
equipe do Centro de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do
Ibama. O Prevfogo acompanha toda a história da autarquia,5 tendo sido transfor-
mado em centro especializado em 2001.
Com a organização do banco de dados de queimadas do Inpe,6 a equipe de
coordenação do Prevfogo e seus brigadistas passaram a combater os eventos com
mais precisão e rapidez. Os entrevistados relatam que o Prevfogo adota tecnologias
7. Conferir Lei no 9.605/1998, art. 73 (disponível em: <https://bit.ly/2ZAjlRj>) e Decreto no 6.514/2008, art. 13 (dis-
ponível em: <https://bit.ly/3D1nTxD>).
8. Conferir art. 72, § 4o, da Lei no 9.605/1998.
736 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
10. A primeira versão do projeto Profisc 1 no Fundo Amazônia foi contratada em novembro de 2016. Disponível em:
<https://bit.ly/3xhWhTV>. Acesso em: 15 abr. 2021.
11. Ver respectivamente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no 760 (disponível em: <https://
bit.ly/3liWelW>), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) no 59 (disponível: <https://bit.ly/3o6cpEI>)
e ADPF no 755 (disponível: <https://bit.ly/3CZZXut>).
12. Ação Popular no 5008035-37.2021.4.03.6100, em curso na 14ª Vara Cível Federal de São Paulo. Disponível em:
<https://bit.ly/3d1RKvi>.
738 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
13. Os dados desta seção foram consolidados em 15 de abril de 2021, anteriormente à sanção da Lei Orçamentária de
2021. Também não está computada proposta de complementação orçamentária apresentada pelo Poder Executivo ao
Congresso Nacional em 20 de maio de 2021, decorrente da promessa feita pelo presidente da República de aumentar
os recursos para política ambiental, externada no encontro organizado pelo presidente norte-americano nos dias
22 e 23 de abril de 2021.
Proteção Ambiental Baseada em Evidências? Evolução institucional, | 739
planejamento e execução orçamentária no Ibama
GRÁFICO 3
Orçamento discricionário do Ibama (2015-2021)
(Em R$ 1 milhão)
A ação 21BS foi criada para abrigar R$ 280 milhões oriundos do acordo
anticorrupção da Lava Jato, sendo que R$ 230 milhões foram repassados aos
estados em 2020 – na condição de restos a pagar de 2019 –, e R$ 50 milhões
foram internalizados no Ibama, também em 2020. Deve ficar claro que se trata
de uma ação orçamentária temporária, a qual não se repetirá nos anos seguintes.
Mesmo no governo Bolsonaro, que reduziu a atenção para a fiscalização
ambiental a cargo do Ibama, com empoderamento dos militares em operações
especialmente na Amazônia, as ações 214M e 214N continuam sendo as ações
discricionárias com maior volume de recursos da autarquia, só perdendo para
a administração da unidade (ação orçamentária 2000), que abrange os recursos
da sede e os repassados para as superintendências estaduais. Para se ter uma
ideia, em 2019, foram efetivamente autorizados R$ 46 milhões na ação 214M
e R$ 103 milhões na 214N, em valores nominais. A ação finalística com maior
volume de recursos após essas duas foi a relativa à gestão do uso sustentável da
biodiversidade (214O), com pouco mais de R$ 18 milhões autorizados. Esses
valores tiveram redução considerável em 2020, quadro que ficará mais compli-
cado ainda se considerado o PLOA 2021, mas a 214M e a 214N continuam a
apresentar total mais elevado do que as demais ações finalísticas do Ibama. A
tabela 1 mostra a situação da ação orçamentária 214M entre 2016 e 2020.
TABELA 1
Dotação e execução na ação orçamentária 214M (2016-2020)
(Em R$ 1 milhão)
Ano Dotação Inicial Autorizado Empenhado Liquidado Pago + RP¹ pagos
2016 66.521.601 66.723.084 55.251.809 46.863.414 46.683.016
2017 57.492.477 50.645.920 36.388.637 24.211.500 30.556.115
2018 60.843.645 43.212.653 41.468.806 34.203.475 41.829.959
2019 49.568.647 50.025.027 43.423.405 39.051.593 43.936.778
TABELA 2
Dotação e execução na ação orçamentária 214N (2016-2020)
(Em R$)
Ano Dotação Inicial Autorizado Empenhado Liquidado Pago + RP pagos
2016 80.301.164 93.292.162 84.292.629 81.073.046 80.608.513
2017 112.817.193 101.235.805 97.121.448 85.933.570 87.198.932
2018 124.421.192 103.576.349 100.250.400 92.236.761 96.622.436
2019 112.088.291 112.088.291 104.534.589 90.375.940 93.124.878
2020 80.336.103 67.632.816 67.504.035 61.163.640 60.385.224
TABELA 3
Dotação e execução na ação orçamentária 21BS (2019-2020)
(Em R$)
Ano Dotação Inicial Autorizado Empenhado Liquidado Pago + RP pagos
2019 0 293.380.424 240.991.062 0 240.407.785
2020 0 52.474.184 50.721.431 32.680.869 31.610.789
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada procurou descrever e analisar o processo de institucionalização
das ações de fiscalização ambiental e de prevenção e combate aos incêndios flores-
tais no Ibama, combinando a perspectiva teórica das PPBEs, na conformação do
modelo moderado apresentado por Pinheiro (2020), elementos do ACF, aplicado
anteriormente pela autora em relação à política ambiental, e a classificação de
mudanças graduais apresentada por Mahoney e Thelen (2010).
Nas mais de três décadas de existência da autarquia, pelas informações constantes
em documentos públicos e na legislação, está caracterizada uma evolução gradual,
com mudanças principalmente na categoria da mudança em camadas – layering
(Mahoney e Thelen, 2010). Essa é a conclusão a que se chega, também, a partir das
respostas dos entrevistados, servidores com ampla experiência de atuação na autarquia.
Verificou-se na fala dos entrevistados a ênfase ao uso progressivo de informações
técnicas e evidências científicas, na perspectiva das PPBEs (Pinheiro, 2020), bem como
ao aprendizado orientado a políticas públicas (Sabatier, 1988; Sabatier e Jenkins-Smith,
1999; Sabatier e Weible, 2007). São exemplos o destaque ao trabalho conjunto com
o Inpe, a relevância do Cenima e da coordenação de inteligência ambiental, tal como
as inovações – como as operações de fiscalização por via remota. Essas manifestações
são coerentes com os registros formais sobre a atuação do Ibama constantes no sítio
eletrônico da autarquia e nos relatórios anuais de gestão.18
Com a entrada do governo Bolsonaro, o subsistema da política ambiental
passa a ser dominado, pelo menos formalmente, pelos desenvolvimentistas tra-
dicionais. Com isso, o gradualismo cede lugar à ruptura (Capelari et al., 2020).
Ainda não sabemos a extensão dos efeitos das mudanças radicais em curso. Além
do esforço de desregulamentação, no plano orçamentário tem ocorrido redução
dos recursos destinados à política ambiental, o que preocupa bastante aqueles
que atuam nesse campo de políticas públicas. Por fim, preocupa nesse quadro o
enfraquecimento do valor dado às evidências técnico-científicas, caracterizado, por
exemplo, no abandono do PPCDAM e de outros planos e programas que vinham
sendo implementados, independentemente de mudanças no governo, até 2018.
Espera-se que esse processo de ruptura seja revertido e haja espaço para maior
equilíbrio no âmbito do subsistema da política ambiental, com a valorização da
expertise dos servidores públicos que atuam nesse campo e o reforço do aprendizado
orientado às políticas públicas e da perspectiva das PPBEs, assumindo todos os
desafios dela decorrentes. A ruptura institucional em curso na política ambiental,
nela inclusas as regras e a prática da atuação do Ibama, tem implicado, também,
fragilização de circuitos de produção de informações passíveis de serem usadas
como evidências, com efeitos negativos que provavelmente demorarão anos para
serem solucionados. Reconstruir não será simples.
REFERÊNCIAS
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não uso de evidências pela burocracia federal brasileira. Brasília: Ipea, dez. 2020.
(Texto para Discussão, n. 2619).
Proteção Ambiental Baseada em Evidências? Evolução institucional, | 745
planejamento e execução orçamentária no Ibama
1 INTRODUÇÃO
O desafio de reduzir a pobreza e incluir as pessoas na vida econômica pela via
do trabalho tem recebido atenção crescente dos formuladores de políticas. Entre
os fatores que têm impulsionado esse debate estão os limites enfrentados pelas
políticas de transferência de renda (World Bank, 2020); as crises econômica e do
emprego vividas pelos países emergentes (World Bank, 2019); a dinâmica recente
do capitalismo mundial, apoiado em tecnologias e setores poupadores de trabalho
(Albuquerque et al., 2019); e o aprofundamento e a intensificação de problemas
anteriores devido ao impacto da pandemia do novo coronavírus (Vahdat et al.,
2020). É diante desse contexto que diferentes programas têm sido desenhados com
objetivos como aprimorar a capacitação da população, conectar trabalhadores com
vagas de emprego e oferecer crédito e outros recursos para o estabelecimento de
pequenos negócios. Esse conjunto de intervenções tem sido criado muitas vezes sob
a denominação de intervenções de inclusão produtiva ou de inclusão econômica.
Ainda que muitas vezes o debate público seja dominado pelos desafios vividos
nos centros urbanos, grande parte das ações empreendidas nessas intervenções se
dá nas áreas rurais, onde ainda se concentra a maior parte das pessoas em situação
de pobreza. Na escala mundial, quase dois terços da população que se encontra
nessa situação vivem nas áreas rurais. No caso do Brasil, ao passo que 84% da
população vivia em áreas consideradas urbanas, entre as pessoas em situação de
1. As informações e análises reunidas neste texto foram mobilizadas pelos autores nos marcos de atividades conduzidas
no âmbito da Cátedra Itinerante sobre Inclusão Produtiva Rural, iniciativa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
(Cebrap), em parceria com as fundações Arymax e Tide Setubal e com o Instituto Humanize.
2. Diretor de projetos e articulação institucional do Instituto Veredas; e membro da Equipe de Coordenação da Cátedra
sobre Inclusão Produtiva no Brasil Rural e Interiorano. E-mail: <vahid@veredas.org>.
3. Professor da Universidade Federal do ABC (UFABC); pesquisador do Cebrap e do Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (CNPq); e membro da Equipe de Coordenação da Cátedra sobre Inclusão Produtiva no
Brasil Rural e Interiorano. E-mail: <arilson.favareto@ufabc.edu.br>.
4. Membro da Equipe de Coordenação da Cátedra sobre Inclusão Produtiva no Brasil Rural e Interiorano. E-mail:
<cesarfavarao@gmail.com>.
748 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
pobreza, 50% delas se encontram nas áreas rurais (IBGE, 2012). No que se refere
às intervenções promovidas no campo da inclusão produtiva em nível mundial,
segundo o mapeamento da Partnership for Economic Inclusion (PEI), impulsionada
pelo Banco Mundial, 88% das iniciativas dão atenção às áreas rurais (PEI, 2021).
Ao analisar o estado dos programas de inclusão produtiva ao redor do mun-
do, a PEI identifica que o estabelecimento de uma base de evidências ampla é
uma questão crucial para a maior efetividade daquilo que vem sendo feito. Nesse
sentido, o relatório reforça que é preciso continuar a aprender sobre as experiên-
cias de primeira mão que estão sendo produzidas pelos países, que também têm
tido de responder a mudanças nos contextos de pobreza e a diferentes tendências
sociais (Andrews et al., 2021). Para que essa aprendizagem ocorra e resulte em
aprimoramentos constantes das intervenções, é fundamental aprofundar a reflexão
sobre como vem se dando e o que pode ser aprimorado no uso de evidências neste
campo específico.
Apesar da crescente valorização do uso de evidências na elaboração de polí-
ticas públicas, a literatura disponível destaca, sob o ângulo da formulação teórica,
o caráter plástico do conceito – ele envolve muitas dimensões e comporta certa
diversidade de interpretações. Uma das definições disponíveis descreve as evidên-
cias como quaisquer instrumentos informativos, mobilizados pelos policymakers e
outros atores sociais interessados, empregados nas decisões de políticas públicas,
dada uma determinada moldura contextual (Pinheiro, 2020). Koga et al. (2020)
destacam que, ao abordar o uso de evidências, é importante evitar tanto a posição
racionalista – que assume que o simples recurso às evidências permitiria a devida
instrução da ação pública com base na melhor informação disponível, sem se
preocupar com outros condicionantes da tomada de decisão – como a posição
hiperpolitizante – que defende que a prática do planejamento e da gestão de polí-
ticas poderia prescindir de uma justificativa apoiada no conhecimento a respeito do
problema abordado e no aprendizado obtido desde outras formas de intervenção
sobre realidades similares. Pinheiro (2020) sugere que seja adotada uma posição
intermediária, em que as evidências são levadas em consideração, mas sem perder
de vista a moldura contextual dentro da qual operam.
Este capítulo tem um objetivo duplo – um de natureza teórica e outro de
natureza empírica. Sob o ângulo teórico, trata-se de mostrar que, para que o
uso de evidências cumpra o seu propósito de informar o processo de tomada de
decisão, é necessário responder a três perguntas interdependentes. Primeiro, é
preciso perguntar: Evidências sobre o quê? Não se trata apenas de definir a área de
uma intervenção ou política. O que se quer enfatizar com esta pergunta é que há
diferentes maneiras de definir o problema sobre o qual se quer atuar. Usando a
mesma denominação – por exemplo, inclusão produtiva rural –, pode-se delimitar
as causas do problema em diferentes aspectos da realidade: a tecnologia disponível,
Uso de Evidências em Políticas e Estratégias de Inclusão Produtiva Rural | 749
na América Latina
na maioria dos casos. Tal adaptação, como se irá demonstrar, moldou o repertório
de ações postas em prática em cada um dos países. Por isso, na seção 3, é abordada
a questão evidências para quê? Nessa parte, a discussão demonstra que, apesar de
reconhecer a necessidade de abordagens multicomponentes, as intervenções tiveram
grande dificuldade para superar a fragmentação dos componentes mobilizados. Eles
foram implementados de maneira justaposta, pouco ou nada coordenada e inte-
grada. Isso se refletiu na maneira como as evidências envolvendo a implementação
das políticas foram sendo mobilizadas na implementação das iniciativas, com um
monitoramento separado para cada componente, privilegiando seus aspectos isolados
(número de famílias atendidas por iniciativa, valores gastos), mas sem dar atenção
às formas de combinação do mix de componentes viabilizado por meio das políticas
e dos programas ou aos resultados que indicariam mudanças efetivas na condição
produtiva (aumento da produtividade, das ocupações, da renda pelo trabalho).
Como deve ter ficado claro, a resposta à questão que evidências foram ou
precisariam ter sido mobilizadas é um desdobramento das respostas obtidas para as
duas perguntas anteriores. Por isso, ao final de cada uma das seções, são discutidos
os desdobramentos das considerações apresentadas para o uso de evidências pelos
programas. Adicionalmente, a seção 4 traz as considerações finais deste texto, dis-
cute as lacunas identificadas e indica a necessidade de mobilizar outras evidências,
a fim de potencializar intervenções no campo da inclusão produtiva de uma forma
mais coerente e consistente, com uma abordagem multidimensional e relacional,
isto é, apoiada em interdependências. É justamente isso que permitirá evitar certo
tecnicismo na discussão sobre uso de evidências, e também uma versão hiperpo-
litizante ou mesmo voluntarista.
5. Apesar de o programa brasileiro não adotar uma lógica territorial no seu planejamento, houve uma preocupação
em dar atenção às necessidades que diferentes regiões apresentavam. O programa Água para Todos, por exemplo, era
um dos que compunham o mix presente na Rota de Inclusão Produtiva Rural do Brasil Sem Miséria, e tinha como foco
especial os estabelecimentos da região Nordeste. O mesmo se pode dizer a respeito do programa Bolsa Verde, que estava
direcionado para a região da Amazônia. O desenho e a implementação desses programas exigiram a mobilização de
diferentes tipos de informações para planejar as intervenções, desde um melhor mapeamento da infraestrutura existente
até a identificação do público-alvo. Também é preciso lembrar que houve no mesmo período uma política territorial
nacional, mas a execução da política de inclusão produtiva não passava pelos espaços de governança daquela iniciativa.
758 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
6. A definição de economia de subsistência tem como base o indicador de utilização das terras, que deve ser predo-
minantemente voltado ao uso agrícola, e famílias com propriedade com menos de 1,3 hectare que utilizam ao menos
75% da mão de obra doméstica nessas atividades (Asensio, 2021).
Uso de Evidências em Políticas e Estratégias de Inclusão Produtiva Rural | 759
na América Latina
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomando as ambições anunciadas para este capítulo, o intuito principal consistia
em oferecer reflexões de cunho teórico e, principalmente, empírico sobre uso de
evidências, tendo por base a análise de experiências selecionadas da atuação de
governos latino-americanos na promoção de inclusão produtiva rural.
Sob o ângulo teórico, tentamos desenvolver o argumento de que o uso de
evidências opera nas interdependências entre decisões técnicas e cognitivas. Isto
é, há um ponto de partida que é dado pelo viés cognitivo dos agentes, ao emol-
durar o problema foco das intervenções públicas de uma determinada maneira,
o que, por si, já condiciona o tipo de evidências a serem buscadas. Isso cria uma
espécie de dependência de caminho, na qual tal escolha de evidências condiciona,
por sua vez, o repertório de ações a compor os programas. No que diz respeito
à implementação das ações, pesam tanto o viés cognitivo dos agentes como o
tipo de cultura institucional, que pode privilegiar mais evidências que permitam
acompanhamento e transparência (accountability) sobre gastos e metas, ou algum
tipo de construtivismo e geração de aprendizados institucionais apoiado em mo-
nitoramento de resultados ou de eficácia de ações.
A consequência de tudo isso para as análises sobre evidências é que não se
pode compreender as formas de sua produção e uso descontextualizadas destas
dimensões políticas, cognitivas e institucionais. Mas isso não significa hipervalorizar
a dimensão política e cultural, e sim chamar a atenção para as interdependências
entre isso e como os aspectos técnicos provocados pelas evidências atuam no sentido
de reforçar ou desafiar aqueles vieses. Por tudo isso, é preciso antepor à pergunta
que evidências, as perguntas evidências sobre o quê e evidências para quê. Porque
elas elevam o nível de reflexividade não só sobre o uso de evidências, mas sobre as
práticas dos gestores e sobre os objetos de suas intervenções, reconectando aquilo
que certos automatismos ou tecnicismos associados a evidências podem gerar.
Ainda sobre essa dimensão conceitual, é importante destacar que o termo
evidências tem sido utilizado para fazer referência a diferentes tipos de informações.
Estão entre os tipos de evidências mais comuns: dados cadastrais, informações sobre
a infraestrutura existente, diagnósticos de assistentes sociais, dados sobre a execução
de políticas e resultados de avaliações de impacto. Deve-se reconhecer o papel que
cada um desses tipos desempenha nas intervenções sociais, mas é igualmente im-
portante diferenciá-los e entender o propósito do seu uso e as implicações que eles
têm para a gestão pública. Especialmente no que se refere à análise da efetividade
das intervenções, é essencial dar atenção à validade das evidências, ao que tem sido
discutido mais amplamente ao redor do conceito de evidências científicas, as quais
são caracterizadas por maior rigor e reflexividade.
766 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Para ampliar seu uso, dois desafios se impõem. Do lado dos gestores, criar
condições para o uso de evidências científicas nas várias fases de elaboração e ges-
tão das políticas, para além da consulta a especialistas. Isso envolve a promoção
ou incorporação de bons estudos sobre os aprendizados de experiências similares
anteriormente implementadas, diagnósticos e caracterização situacional de famí-
lias, elaboração de linhas de base apoiadas no conhecimento de fronteira sobre
os problemas e a complexidade que envolve suas interdependências. Da parte de
pesquisadores e da comunidade científica, é preciso melhorar a adaptabilidade dos
métodos que garantem o rigor do conhecimento produzido às condições de tempo
e às necessidades concretas dos gestores públicos. Isso envolve modelar linguagem
e foco das pesquisas, priorizar a abordagem por problemas, entre outros aspectos.
Sob o ângulo empírico, deve ter ficado claro como o uso de evidências, particular-
mente em alguns países, é pouco reflexivo. O grande esforço para chegar a populações
tradicionalmente não atendidas pelas políticas públicas, sobre quem muitas vezes
não havia informações, parece ter limitado as possibilidades para um esforço mais
deliberado e estruturado de uso de evidências ao longo das etapas de planejamento,
implementação e avaliação das políticas. Nesse sentido, o não uso de evidências em
alguns casos não foi uma opção, mas uma contingência a ser enfrentada. Muitos dados
sobre os públicos-alvo tiveram que ser produzidos ao longo da execução, e com isso
prevaleceu a atenção à focalização e ao acompanhamento de cada intervenção, enquan-
to a avaliação da efetividade das intervenções recebeu pouca ou nenhuma atenção.
Além disso, a análise apresentada revelou também uma lacuna crucial: para
o melhor desenho das iniciativas, faltam evidências que ajudem a identificar os
bloqueios e fatores que têm favorecido, efetivamente, a saída da pobreza e a inclu-
são produtiva. É curioso que, em tudo o que foi levantado de análises e avaliações
sobre os programas, não existam lições consolidadas que buscassem evidenciar, por
exemplo, de que forma as famílias conseguiram romper a exclusão produtiva. Não
há acompanhamento sistemático de egressos dos programas de inclusão produ-
tiva. Faltam evidências sobre como alcançar níveis mais elevados de coordenação
entre níveis e áreas de governo ou entre diferentes programas. Em uma palavra,
concentra-se muito esforço nos meios e pouco nos fins das iniciativas.
Tudo isso é especialmente importante pelo momento vivido por estas expe-
riências e pela relevância crescente que o uso de evidências vem tendo na gestão
pública. Os vários estudos aqui mencionados, e também algumas sínteses, como
aquela produzida pela PEI, parecem sugerir que é necessário inaugurar uma nova
geração de iniciativas de inclusão produtiva rural (Andrews et al., 2021). Quem
sabe as evidências sobre o que funcionou ou não nestes programas possam criar
um ambiente favorável a um melhor uso deste instrumento nos novos programas
que serão moldados nos próximos anos.
Uso de Evidências em Políticas e Estratégias de Inclusão Produtiva Rural | 767
na América Latina
REFERÊNCIAS
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768 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
1 INTRODUÇÃO
As expectativas em torno dos resultados das políticas científicas, tecnológicas e de
promoção da inovação costumam ser altas e, por vezes, ultrapassam os próprios
objetivos para as quais foram desenhadas. Espera-se que essas políticas gerem
avanços significativos do conhecimento, mais inovação e, consequentemente, mais
crescimento econômico e ganhos de produtividade. Não é por acaso, portanto,
que os resultados efetivamente obtidos pelo gasto público em ciência, tecnologia e
inovação (CT&I) tenham ganhado centralidade no debate público recente (Dosso,
Martin e Moncada-Paternò-Castello, 2018).
Avaliar adequadamente os resultados das políticas de CT&I tem alguns de-
safios específicos. Em primeiro lugar, o horizonte temporal de interesse dos policy
makers tende a ser de curto prazo, em contraste claro com o horizonte de resposta
dos investimentos das políticas de desenvolvimento científico e tecnológico, cujos
retornos esperados frequentemente são de longo prazo. Isso torna o ambiente
institucional pouco compatível com uma agenda governamental de longo prazo
realmente comprometida com o tema. Em segundo lugar, a própria compreensão,
pela sociedade, do que é e de como pode ser mensurada a produção de conheci-
mento é limitada, assim como o entendimento dos seus efeitos de longo prazo
sobre a economia e a qualidade de vida da população. Os próprios elementos que
fazem parte das políticas ou do mix de políticas de CT&I são complexos, e uma
1. Técnica de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas de Estado, Instituições e Democracia (Diest)
do Ipea. E-mail: <flavia.schmidt@ipea.gov.br>.
2. Professora doutora da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (FCA/Unicamp) na área
de administração; docente permanente dos programas de pós-graduação em administração (PPGAs) da FCA/Unicamp e
do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (DPCT/IG) da Unicamp; e coordenadora
associada do Laboratório de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (Lab-GeopiI).
3. Mestranda em política científica e tecnológica no DPCT/IG/Unicamp.
4. Técnica de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura
(Diset) do Ipea e coordenadora do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Ipea.
772 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
cujos objetivos, contudo, são muito mais diversificados e vão desde a geração de
empregos no setor até o investimento em P&D, passando por requisitos de con-
teúdo local mínimo para a indústria nacional.
Historicamente, o crédito subsidiado tem sido utilizado como instrumento
de políticas de desenvolvimento no país, principalmente pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O crédito subsidiado, voltado
explicitamente para inovação é, contudo, um instrumento mais recente. Em 2013,
foi lançado um amplo programa de crédito para inovação, operado pela Financia-
dora de Estudos e Projetos (Finep), principal agência de fomento à CT&I no país
e responsável pela operação do FNDCT e pelo BNDES.
Além disso, o Brasil estabelece obrigações de investimento em P&D para
empresas que atuam em setores regulados, particularmente no setor de petróleo e
no setor elétrico. Embora sejam recursos investidos pelas próprias empresas con-
cessionárias, esses programas são gerenciados pelas respectivas agências regulatórias:
Agência Nacional do Petróleo (ANP) e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
TABELA 1
Recursos disponibilizados em programas de suporte à inovação no Brasil (2018)
(Em R$ 1 milhão)
Programa Responsável Valor disponível
BNDES 1.800
Crédito subsidiado para inovação Finep 2.430
Total 4.230
Lei do Bem (inovação) 2.131
Incentivos fiscais para inovação Lei de Informática 5.745
Total1 10.207
Aneel 805
P&D compulsório ANP 2.016
Total 2.821
Federais 13.502
Investimentos públicos em P&D – exceto pós-graduação Estaduais 3.588
Total 17.090
Total geral – recursos disponibilizados para as políticas de CT&I 34.348
Fontes: Relatório anual do BNDES (2018), disponível em: <https://is.gd/UFXIQp>; Demonstrações financeiras da Finap (2018);
Indicadores nacionais de C&T do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), da ANP, da Aneel e demonstrativo
de gastos tributários da RFB (2018).
Nota: 1 O total inclui outros incentivos fiscais de menor valor, não reportados na tabela.
Obs.: 2018 é o último ano para o qual há informações sobre os orçamentos federal e estaduais em P&D.
setoriais como diversos outros programas e instituições criadas ao longo dos últimos
anos. Nesse orçamento, estão, por exemplo, os recursos destinados aos institutos
públicos de pesquisa vinculados ao MCTI (dezesseis unidades de pesquisa da
administração direta e seis organizações sociais regidas por contratos de gestão) e
a outros ministérios, tais como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A mais recente dessas instituições
é a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), organização
social (OS) criada em 2014, que funciona como uma espécie de agência de fomento
e cujo modelo se inspirou na bem-sucedida fundação Fraunhofer, da Alemanha.
A Embrapii apoia projetos de pesquisa de interesse de empresas, aportando, na
forma de subvenção, recursos de até um terço do valor do projeto, que deverá ser
desenvolvido por instituições de pesquisa credenciadas. Embora com orçamento
relativamente baixo, esse foi um modelo inovador no arcabouço das instituições
de suporte à P&D no país.
No orçamento federal, também estão incluídos os recursos destinados a bolsas
de graduação e pós-graduação, concedidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Muitos programas e políticas de suporte à CT&I criados e por vezes extintos
ao longo dos últimos anos foram financiados com base nesses recursos orçamentá-
rios. O programa Ciência sem Fronteiras, por exemplo, criado em 2011 e extinto
em 2017, utilizou recursos do orçamento do CNPq e dos fundos setoriais. Assim,
foram vários outros programas criados ou modificados ao longo de vários governos.
Esse quadro geral dos recursos disponíveis para a P&D no país fornece, portan-
to, um contexto mais geral para as avaliações de diferentes políticas e programas
realizadas nos últimos anos.
Vale notar também alguns instrumentos que são menos frequentes no caso
brasileiro, embora amplamente utilizados em outros países. O uso do poder de
compra do governo para estimular a inovação, por exemplo, ainda é incipiente no
país. As encomendas tecnológicas, embora tenham sido previstas na Lei de Ino-
vação, em 2004, ainda são muito pouco utilizadas.5 A recente mudança pela qual
passou a lei de licitações criou novos mecanismos pelos quais se pode utilizar as
compras públicas como instrumento de estímulo à inovação (Rauen, 2021), entre
os quais: i) as margens de preferência, pelo qual o poder público pode aumentar
em até 20% os preços de produtos e serviços cujo desenvolvimento tecnológico
tenha sido realizado no país; ii) diálogos competitivos, que preveem a apresentação
de soluções diferenciadas para um problema a ser resolvido pelo poder público e;
iii) os prêmios para inovação.
6. O Decreto no 9.203, de 22 de novembro de 2017 (Brasil, 2017), dispõe sobre a política de governança da administração
pública federal direta, autárquica e fundacional.
7. Portaria Interministerial no 102, de 7 de abril de 2016.
778 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Desde o início dos anos 2000, a agenda de pesquisas sobre políticas de CT&I –
uma entre diversas áreas de pesquisa da instituição, considerado o principal think
tank governamental do país – desenvolvida no Ipea tem sido bastante robusta e
consistente ao longo do tempo.
Além do Ipea, o Brasil conta ainda com o CGEE, uma OS que tem como
objetivo “a promoção e realização de estudos e pesquisas prospectivas na área de
ciência e tecnologia e atividades de avaliação de estratégias e de impactos econô-
micos e sociais das políticas, programas e projetos científicos e tecnológicos”,9 cujo
contrato de gestão é firmado com o MCTI. Originalmente constituído para realizar
prospecção tecnológica e dar suporte às secretarias técnicas de cada fundo setorial,
passou – na prática e com o passar do tempo e das reconfigurações do ambiente
institucional em que se desenrola a política de CT&I – a funcionar mais como
um think tank vinculado às diretrizes que emanavam do MCTI e menos ligado
diretamente aos comitês gestores. Com efeito, a missão atual do CGEE – “subsi-
diar processos de tomada de decisão em temas relacionados à ciência, tecnologia e
inovação, por meio de estudos em prospecção e avaliação estratégica baseados em
ampla articulação com especialistas e instituições do Sistema Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação (SNCTI)”10 – é, em grande medida e de modo focado ao
interesse do SNCTI, bastante aproximada à do Ipea no que concerne ao foco na
produção de conhecimento voltado ao assessoramento governamental.
Há, assim, um quadro nacional que, para além das universidades públicas
e particulares, conta com duas instituições na esfera governamental federal com
papéis claramente ligados à produção de conhecimento, com o objetivo de subsidiar
a produção de políticas públicas na área. Adicionalmente, outras instituições do
governo, como o BNDES, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, além dos
próprios órgãos do SNCTI (MCTI e Finep), desenvolvem estudos sobre avaliação
da política de CT&I e de seus instrumentos.
Considerando-se que a existência dessas instituições indicaria uma condição de
oferta de evidências, poderia parecer razoável supor que os potenciais demandantes
(policy makers) estariam assim prontos e ávidos por usar esse conhecimento para
produzir políticas mais efetivas. Contudo, se a literatura em políticas de CT&I já
avançou no que concerne ao modelo no qual a transformação do conhecimento
científico em tecnologia e sua apropriação pela sociedade são concebidas de forma
linear, analogamente Boswell e Smith (2017) argumentam que esperar esse modelo
linear no processo de produção de políticas seria simplista e pouco adequado para
captar a complexidade da relação entre conhecimento e políticas públicas, como
já discutido na seção 2 deste capítulo.
esforço, do ponto de vista das políticas públicas, muitas vezes este é o resultado
esperado. Muitas das políticas de CT&I têm como objetivo explícito ampliar os
investimentos empresariais em P&D.
A formação de pesquisadores e cientistas talvez seja o resultado mais facilmente
mensurável dessas políticas, por meio da quantificação do número de mestres e
doutores formados pelas instituições brasileiras em várias áreas. Nesse sentido, o
resultado da política é seu próprio investimento. O número de bolsas de mestrado
e doutorado concedidas pelo CNPq todos os anos é, ao mesmo tempo, indicador
de gasto e resultado. É claro que, pelo número total de mestres e doutores forma-
dos, não é possível inferir a qualidade dessa formação, que também é um aspecto
relevante na avaliação das políticas. Por sua vez, a qualidade da formação de pessoal
qualificado também é resultado de diversos outros fatores, tais como as políticas
educacionais do país e até mesmo do perfil socioeconômico da população.
De toda forma, aqui já temos um conjunto de indicadores imediatos comu-
mente utilizados para a avaliação das políticas de CT&I, quais sejam: i) número
de patentes depositadas; ii) número de empresas inovadoras; iii) investimentos
empresariais em P&D; iv) número de publicações científicas; v) citações – ou im-
pacto – dessas publicações; e vi) número de mestres e doutores formados. De modo
geral, políticas de CT&I bem-sucedidas terão efeitos em algumas dessas variáveis.
O segundo desafio diz respeito ao nível em que se espera que a política tenha
resultados e impactos – ou seja, se a política deve afetar, entre dois extremos, o de-
sempenho dos beneficiários ou do país como um todo. De modo geral, a forma de
aferir se uma política foi bem-sucedida é comparar o desempenho dos beneficiários
diretos daquela intervenção com um grupo de controle de não beneficiários. Se o
desempenho do primeiro grupo for melhor, em qualquer dos indicadores medidos,
significa que a política teve o efeito desejado. Essa é a opção usual nas avaliações por
razões óbvias. Ampliar a inovação no país ou sua participação na produção científica
mundial, por exemplo, depende de múltiplos fatores além da política a ser avaliada.
Da mesma forma, não se pode esperar das políticas de CT&I que sejam capazes de,
diretamente, aumentar a competitividade do país no comércio internacional ou a
produtividade da indústria nacional. Esses resultados não são outcomes diretos das
políticas avaliadas, e sim efeitos de diversos outros fatores intervenientes, tais como
a infraestrutura, a taxa de câmbio, o ambiente de negócios etc.
Por fim, o terceiro desafio diz respeito à existência de dados e informações
sobre a execução da política e seus beneficiários, que deveriam ser transparentes
e divulgados de maneira consistente, com o objetivo de facilitar o processo de
avaliação. Os principais indicadores divulgados pelo MCTI, em seu portal, são
indicadores nacionais, tais como investimentos em P&D (públicos e empresariais),
produção científica do país, recursos humanos disponíveis, patentes, dados gerais
sobre inovação, entre outros. São absolutamente necessários, mas não têm o objetivo
782 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Optou-se também, para esta pesquisa, por limitar as buscas a avaliações de de-
terminada política de CT&I, excluindo-se avaliações de organizações de pesquisa ou
de agências de fomento à CT&I. Tal decisão se pautou na natureza significativamente
distinta desse segundo tipo de avaliação, mais orientada ao planejamento e aprendi-
zado de uma organização que aos insumos para a realimentação do ciclo de políticas.
Os documentos foram buscados em quatro fontes principais, a saber:
• sites institucionais de ministérios, órgãos governamentais e agências de
fomento ligadas à CT&I;
• revistas científicas relacionadas aos temas de políticas de C&T e avaliação
em CT&I indexadas na Web of Science, Scopus e Scielo, esta última
tendo em vista a necessidade de consideração de conteúdo local;
• sites de grupos acadêmicos, institutos de pesquisa públicos ou privados, ou
empresas que se dedicam ao estudo ou à prática de avaliação de CT&I; e
• world wide web em geral.
Para orientar as buscas, empregaram-se distintas combinações de palavras
que caracterizam tipos de políticas de CT&I, em consonância com as definições
da subseção anterior, incluindo-se: incentivos fiscais a P&D e inovação; apoio
direto a P&D e inovação; capital de risco e crédito a P&D e inovação; formação e
qualificação, abrangendo-se bolsas; empreendedorismo e inovação; colaboração em
P&D e inovação; compras públicas; e acordos pré-comerciais para P&D e inovação.
Cada um dos resultados das buscas foi analisado, tendo-se em vista o aten-
dimento das condições descritas. Esse esforço resultou em 54 documentos. Um
ponto que chamou atenção é o fato de que vários documentos que usam o termo
avaliação em seus títulos, resumos ou palavras-chave não são de fato avaliações,
mas análises – igualmente importantes – sobre políticas de CT&I. São documentos
que geralmente: i) verificam o perfil de indivíduos, empresas ou outras institui-
ções beneficiadas – que pode ser conferido, por exemplo, em Zucoloto (2010),
Matias-Pereira (2013) e CGEE (2018), sobre a Lei do Bem; ii) realizam síntese
de avaliações realizadas anteriormente – como é o caso, por exemplo, de Araújo
(2012), que apresenta e discute, entre outros aspectos, artigos que avaliam o im-
pacto dos instrumentos de apoio direto da Finep; ou iii) discutem a consolidação
e a evolução de determinada política – consulte-se, por exemplo, Prochnik et al.
(2015), sobre a Lei de Informática.
Entende-se que o número obtido é bastante representativo dos esforços de
avaliação de políticas e programas de CT&I no Brasil para o período considerado,
especialmente quando se consideram os critérios de inclusão de detalhamento
metodológico e apresentação e discussão de resultados. No entanto, há de se
O Uso Das Evidências nas Políticas Brasileiras de Ciência, Tecnologia e Inovação | 785
destacar que o objeto aqui tratado é um alvo móvel, uma vez que novos estudos
são divulgados de forma contínua, sendo difícil garantir uma análise exaustiva do
universo real de avaliações.
Ademais, outras três ressalvas são necessárias. A primeira é que nem sempre
ocorre a divulgação pública de resultados de avaliação, em especial quando estamos
tratando de relatórios (literatura cinza). A segunda é que por vezes as publicações –
em especial no caso de artigos científicos – apresentam recortes dos resultados de
uma avaliação, sem mencionar explicitamente sua relação com um esforço de ava-
liação mais abrangente e estruturado. A terceira é que há um conjunto relevante de
trabalhos de avaliação apresentados em eventos, mais difíceis de serem rastreados.
Não há nenhuma tendência evidente ao longo do período que possa in-
dicar aumento ou diminuição do número de avaliações por ano. Há três picos
ao longo do período: sete avaliações em 2008, onze em 2012 e onze em 2019.
Sobre as políticas estudadas, há grande predomínio de avaliações de políticas de
financiamento direto a empresas, incluindo-se auxílios, subsídios e crédito – em
especial, as que têm como objeto programas que usam recursos do FNDCT – e
de políticas de incentivo fiscal; particularmente, a Lei de Informática e a Lei do
Bem, fundamentalmente realizadas ex post. Há também um conjunto relevante de
pesquisas de programas variados da Fapesp, instituição que se destaca não apenas
em termos de investimentos estaduais em CT&I, mas também em seus esforços
de sistematização da avaliação de resultados e impactos de seus programas. Um
detalhamento das políticas estudadas é apresentado na tabela 2.
TABELA 2
Tipo de política avaliada – Brasil (2006 e 2020)
Políticas avaliadas Quantia
(Continuação)
Políticas avaliadas Quantia
Compras governamentais 1
Mix de políticas para inovação em empresas 2
Bolsas (iniciação científica, mestrado e doutorado) 3
Programa Ciências Sem Fronteiras 2
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Empresa Nacional (Adten) 2
Programa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (PDTI) 1
Fonte: Dados do projeto Avaliação de Políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação na América Latina.
Elaboração das autoras.
14. O planejamento e a aplicação do survey foi coordenado pela Diest/Ipea e por pesquisadores das demais instiuilções
que são parceiras no projeto (Escola Nacional de Administração Pública – Enap, Companhia de Planejamento do Distrito
Federal – Codeplan-DF, cluster de governança do Institute of Development Studies – IDS do Reino Unido, e Lee Kuan
Yew School of Public Policy da National University of Singapore – LKY/NUS).
15. À época da coleta dos dados, o MCTI ainda era nomeado MCTIC, tendo tido em junho de 2020, pela Medida
Provisória (MP) no 980/2020, suas competências cindidas com a recriação do Ministério das Comunicações (MC), para
onde foram remanejadas as antigas Secretaria de Radiodifusão e Secretaria de Telecomunicações. A MP no 980/2020
foi posteriormente convertida na Lei no 14.074/2020.
790 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
GRÁFICO 1
Escolaridade (PPA-CT&I)
(Em %)
44,7
26,6
14,9
11,7
2,1
Fonte: Ipea.
Elaboração das autoras.
GRÁFICO 2
Funções desempenhadas no âmbito da política pública (PPA-CT&I)
(Em %)
Elaborar relatórios e notas técnicas 38,5 27,5 16,5 13,2 4,4
Atender demandas dos órgãos de controle 13,5 16,9 34,8 22,5 12,4
Representar seu órgão junto a outros entes
11,4 18,2 29,5 10,2 30,7
do governo
Consultar e atender grupos da sociedade 5,7 23,0 27,6 25,3 18,4
Elaborar textos normativos (ex. projetos de lei) 6,8 8,0 17,0 14,8 53,4
0 20 40 60 80 100
Fonte: Ipea.
Elaboração das autoras.
GRÁFICO 3
Atores/organizações com os quais o servidor interage (PPA-CT&I)
(Em %)
792 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
0 20 40 60 80 100
Fonte: Ipea.
Elaboração das autoras.
GRÁFICO 4
Tipos de informação utilizados no trabalho com políticas públicas (PPA-CT&I)
(Em %)
Consulta a colegas de trabalho 45,8 35,4 13,5 3,1 2,1
Notas técnicas produzidas por órgãos federais 24,0 21,9 27,1 16,7 8,3
2,1
Pareceres legais e decisões judiciais 17,7 13,5 24,0 17,7 22,9 4,2
Informações geradas por grupos de interesse 11,5 17,7 22,9 42,7 5,2
(ex. ONGs)
Experiência e opiniões de beneficiário 3,1 7,3 16,7 27,1 42,7 3,1
Boas práticas e iniciativas produzidas pelos
8,3 13,5 25,0 47,9 5,2
estados e municípios
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Fonte: Ipea.
Elaboração das autoras.
794 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
TABELA 3
Fontes de acesso a pesquisas e estudos científicos (PPA-CT&I)
(Em %)
Fonte de acesso Simples1
Fonte: Ipea.
Elaboração das autoras.
Nota: 1 O respondente poderia marcar mais de uma opção.
meiras opções, que apontam para o uso conceitual e instrumental, foram iguais
(92,7%) e superiores ao uso simbólico (83,4%). Esses resultados tão próximos
e tão positivos sobre o uso conceitual e instrumental indicam a existência de
ambiente organizacional favorável, em que, como posto por Weiss (1998b), o
uso conceitual pode concretizar o uso instrumental. Soma-se a isso o fato de
que o percentual de usos conceitual e instrumental foi, entre os burocratas de
CT&I, muito maior que o da amostra geral (73,7% e 67,2%, respectivamente).
Ainda no campo da comparação entre os dois grupos, observa-se nos resultados
que, ainda que próximos, o percentual de respondentes que indicaram concordar
totalmente com os usos foi superior aos que indicaram a opção concordo, com
percentuais bastante distintos do observado na amostra ampla, em que a con-
cordância se manifestou de forma muito mais intensa com a opção concordo e
não em concordo totalmente. Ainda assim, mesmo que em magnitude inferior,
foi alta a indicação do uso simbólico.
TABELA 4
Contribuição do uso de pesquisas e estudos científicos no seu contexto de trabalho
(PPA-CT&I)
(Em %)
Concordo Discordo
Tipo de pesquisa Concordo Indiferente Discordo Não sei
totalmente totalmente
Fonte: Ipea.
Elaboração das autoras.
GRÁFICO 5
Fatores determinantes na utilização de pesquisas e estudos científicos (PPA-CT&I)
(Em %)
1,0
Credibilidade e prestígio da fonte 33,3 42,7 20,8 2,1
1
Pertinência e aplicabilidade da informação 35,4 33,3 29,2
1
2,1
Atratividade (leitura fácil; gráficos; cores; etc.) 9,4 21,9 40,6 21,9
4,2
0 20 40 60 80 100
Fonte: Ipea.
Elaboração das autoras.
Outro ponto investigado sobre o uso das fontes de informação foi sobre os
aspectos individuais e organizacionais que impactam nas práticas de utilização de
pesquisas. A questão listava uma série de situações ligadas à atuação do indivíduo
ou da organização a que está vinculado, e cabia ao respondente indicar a frequência
com que cada situação ocorria. Novamente nessa questão, e em contraste com o
caso anteriormente analisado, tanto o ordenamento quanto os percentuais foram
muito diferentes da amostra ampla. Todas as situações relatadas tiveram altos per-
centuais de respostas sempre ou frequentemente (entre 59,4% e 66,7%) no recorte
para CT&I, exceção feita ao item Durante minha jornada de trabalho, há tempo
suficiente para leitura de pesquisas e estudos científicos relevantes, apontando assim
para a existência de condições favoráveis ao uso de pesquisas e estudos científicos
não apenas no nível organizacional, como também no individual. Tome-se por
referência, por exemplo, a situação proposta Na minha rotina de trabalho, eu faço
pessoalmente esforços para entrar em contato com pesquisadores e acadêmicos: na amostra
ampla, nesse sentido, 65,28% dos respondentes afirmaram que não sabiam ou nunca
ou raramente faziam esforços pessoais para entrar em contato com pesquisadores
e acadêmicos, o que indica um significativo afastamento entre os membros dos
O Uso Das Evidências nas Políticas Brasileiras de Ciência, Tecnologia e Inovação | 797
GRÁFICO 6
Aspectos individuais e organizacionais e sua relação com a utilização de pesquisas e
estudos científicos (PPA-CT&I)
(Em %)
Minha organização oferece oportunidades
para construir relacionamentos com 4,2
35,4 31,3 17,7 10,4
pesquisadores de universidades e institutos 1,0
de pesquisa
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Fonte: Ipea.
Elaboração das autoras.
no ministério em que atuam, 34% informaram que não sabiam se unidade com esse
propósito existia na estrutura da organização, o que sugere que, ainda que existente,
essa estrutura não parece ser intensamente mobilizada pelos servidores que atuam
na política de CT&I. Ponderando-se que a amostra em análise é predominante-
mente de respondentes da mesma organização (MCTI), esses resultados indicam
um entendimento interno bastante heterogêneo sobre qual seria essa unidade.
Ainda se tratando sobre unidade especializada na utilização de pesquisas, na
premissa da pesquisa de que tais estruturas voltadas ao estímulo e à disseminação da
PPBE na burocracia federal seriam importantes no uso de evidências, perguntou-se
a seguir, para os respondentes que haviam confirmado a existência de tal unidade,
quais seriam as atribuições. Os resultados não foram substantivamente diferentes da
amostra ampla, tendo indicado, contudo, percentuais mais baixos para as atribuições
de Contratar pesquisas (47,5% na amostra ampla versus 33% em CT&I) e Traduzir os
resultados de pesquisa em recomendações (37,3 versus 33,1%). Reforça-se que a disper-
são das respostas também aponta, como na questão anterior, para uma compreensão
internamente pouco compartilhada sobre a existência e as atribuições dessa unidade.
TABELA 5
Atribuições da unidade especializada (PPA-CT&I)
(Em %)
Atribuições Válido1
Fonte: Ipea.
Elaboração das autoras.
Nota: 1 O respondente poderia marcar mais de uma opção.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como funcionam a oferta e a demanda por evidências sobre políticas voltadas para
o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil? Buscou-se aqui ir além de
uma abordagem prescritiva de tipo ideal sobre o “como deveria ser”, para, a partir
de um olhar realista sobre as características da política e do ambiente institucional
em que esta está inserida, avançar no entendimento sobre a interação entre a oferta
e a demanda por evidências em CT&I.
O foco do trabalho, ao revisitar a literatura e analisar a oferta de evidências,
foi nas avaliações de políticas e instrumentos de políticas. Analisou-se um recorte
de uma base de dados inédita produzida para o projeto maior em que este capítulo
O Uso Das Evidências nas Políticas Brasileiras de Ciência, Tecnologia e Inovação | 799
se encaixa (Koga et al., 2020), como insumo para avançar na compreensão do uso
de evidências pela burocracia envolvida no processo de produção de CT&I. A
análise da demanda foi feita sob lentes ampliadas, que incorporaram outras fontes
de informação e estudos científicos além das avaliações.
A análise da oferta de evidências foi feita considerando o ambiente institucional
para a avaliação de políticas públicas no governo federal, a disponibilidade de dados
e informações transparentes sobre políticas públicas e, por fim, a disponibilidade
de avaliações de políticas publicadas entre 2006 e 2020.
Em relação ao ambiente institucional, a análise aponta para um momento
favorável à produção de mais avaliações, ao considerar especialmente o consistente
movimento de institucionalização da avaliação de políticas públicas em âmbito
federal. Esse movimento é inserido em tendência mais ampla, observada desde
2016. No âmbito do CMAP, por exemplo, entre as principais políticas de CT&I
no país, foram contempladas a Lei de Informática, no ciclo de 2019, e o FNDCT,
selecionado para o ciclo de 2021.
Até mesmo antes da instituição e configuração mais atual do CMAP, contudo,
o país contava com instituições que já atuavam de forma consistente na avaliação
de políticas de CT&I, como o Ipea e o CGEE, vinculados à estrutura do Executivo
federal e com competências diretamente ligadas à produção de conhecimento para
subsidiar a produção de políticas públicas. Trata-se de condição que, como sugere
a literatura, é necessária, mas não suficiente para sua plena utilização pelos atores
de interesse e tomadores de decisão.
No entanto, como ficou evidenciado pelo levantamento de avaliações de po-
líticas de CT&I no país entre 2006 e 2020, grande parte dos exercícios realizados
decorreu de esforços pontuais protagonizados por universidades. O quanto esse
quadro vai efetivamente se modificar nos próximos anos ainda é uma incógnita.
No momento da elaboração deste trabalho, ainda não foi possível, pela ausência de
tempo decorrido, avaliar se a realização de mais avaliações no âmbito do CMAP e
diretamente ligadas aos movimentos do Estado aqui descritos terão impactos reais
na formulação, na reformulação ou até mesmo na extinção de políticas.
Outro aspecto a ser considerado nesse sentido é o fato de que os critérios e
as operacionalizações respectivas adotados em 2020 e 2021 pelo conselho para
a seleção de políticas tendem a privilegiar a realização de políticas que já foram
avaliadas em momentos anteriores, sem que tais avaliações tenham resultados
em aperfeiçoamentos substantivos das políticas. Tal situação apenas confirma a
tendência anterior evidenciada no levantamento das avaliações no período até
2020, de preponderância de avaliações dos mesmos instrumentos de políticas
(notadamente, subvenção econômica, Lei do Bem e Lei de Informática).
800 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, B. C. Políticas de apoio à inovação no Brasil: uma análise de sua
evolução recente. Brasília: Ipea, 2012. (Texto para Discussão, n. 1759).
802 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BRASIL. Decreto no 9.834, de 12 de junho de 2019. Diário Oficial da União,
13 jun. 2019.
COZZENS, S. E. Frameworks for evaluating S&T policy in the United States. In:
SHAPIRA, P.; KUHLMANN, S. (Eds.). Learning from science and technology
policy evaluation: experiences from the United States and Europe. Cheltenham;
Northampton: Edward Elgar, 2003. p. 54-64.
WEISS, C. H.; GRAHAM, E. M.; BIRKELAND, S. An alternate route to policy
influence: how evaluations affect D.A.R.E. American Journal of Evaluation,
v. 26, n. 1, p. 12-30, 2005.
CAPÍTULO 26
1 INTRODUÇÃO
A discussão sobre o uso de evidências nas políticas públicas ganhou centralidade
no debate político e acadêmico em diversos países, incluindo no Brasil, nas últimas
décadas. Em um primeiro momento, as evidências fizeram parte de mudanças que
buscavam fortalecer o foco no desempenho e nos resultados das políticas públicas
e, consequentemente, na adoção das “melhores” políticas (Cairney, 2016; Howlett
e Craft, 2013). No entanto, nos últimos anos, as evidências têm sido incorporadas
em discursos de resistência contra governos populistas e movimentos conservadores
e ganharam ainda mais visibilidade no mundo e no Brasil, especialmente desde o
início da pandemia da covid-19, a partir do crescimento de correntes políticas de
pós-verdade, se tornando uma estratégia de resistência de diversos grupos sociais.
Ainda que o uso de evidências seja chave para a construção das políticas, em
especial em momentos de luta na esfera pública, sua defesa está atrelada à ideia
de que os processos decisórios são racionais e lineares, o que contraria uma boa
parte da literatura de políticas públicas, sobretudo a recente literatura, calcada na
virada argumentativa da análise de políticas públicas (Fischer e Gottweiss, 2012;
Hansson e Hadorn, 2016).
A partir dessa reflexão, este capítulo busca compreender em maior profundidade
como as evidências são usadas no processo decisório a partir de uma análise da política de
1. Analista de informações no Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR do Centro Regional de Estudos para
o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (NIC.br/Cetic.br). E-mail: <catarina.segatto@gmail.com>.
2. Professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP/FGV); e pesqui-
sador do Centro de Estudos em Administração Pública (CEAPG). E-mail: <fernando.burgos@fgv.br>.
3. Coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração Pública e Governo da EAESP/FGV. E-mail:
<mario.alves@fgv.br>.
4. Doutorando em administração pública e governo da EAESP/FGV. E-mail: <p.v.g.peria@gmail.com>.
806 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
educação nos estados brasileiros, com ênfase para a experiência do estado de São Paulo.
O caso de São Paulo foi analisado em maior profundidade, pois este é o único estado
em que houve a institucionalização do uso de evidências no processo decisório na Secre-
taria da Educação do Estado de São Paulo, que ocorreu a partir da criação de um órgão
específico para a produção e o uso de evidências nessa política, o chamado Escritório
de Evidências. A análise está dividida em três partes: i) análise documental, usando
os websites das 27 secretarias estaduais de educação; ii) análise documental dos planos
estaduais de educação; e iii) entrevistas semiestruturadas com gestores e ex-gestores da
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
A premissa é que se o uso de evidências é um enorme desafio no governo
federal, a tendência é que seja maior ainda nos níveis estadual e municipal, onde
as capacidades e os recursos são menores. Considerando que a implementação da
educação depende dos níveis estadual e municipal, este capítulo também mostra
que há uma grande heterogeneidade no uso de evidências na esfera subnacional
brasileira. Se em alguns estados, como São Paulo, estruturas organizacionais
complexas foram implementadas, em outros, sequer este debate está presente no
cotidiano das equipes de governo. Neste sentido, em um país com tantas desi-
gualdades educacionais, o bom uso de evidências conectado com as condições
sociopolíticas locais poderia ser positivo, mas pode também ser um elemento de
aprofundamento das desigualdades.
Este capítulo está dividido em quatro seções, além desta introdução. Na seção 2,
é apresentada uma breve sistematização da literatura sobre o uso de evidências
e seu papel nas diferentes abordagens explicativas sobre o processo decisório.
Na seção 3, discutem-se as mudanças históricas em relação ao uso de evidências na
política de educação brasileira. Na seção 4, são apresentadas a descrição e a análise
dos estados brasileiros, incluindo o mapeamento do uso das evidências na política
educacional das 27 Unidades da Federação (UFs) e a análise em maior profundidade
do caso de São Paulo. Por fim, na seção 5, são apresentadas as considerações finais,
que mostram grandes heterogeneidades e desafios relacionados à institucionalização
do uso das evidências no processo decisório, aos tipos de evidências usadas e às
mudanças nesses processos ao longo do tempo.
como são produzidas e, acima de tudo, como essas evidências são elementos
importantes, mas não únicos e isolados, para a construção de políticas públicas.
Em relação à imprecisão conceitual, Pinheiro (2021, p. 17-18) aponta que
“o conceito de evidência é intrinsecamente vago e multidimensional, não se
prestando a uma definição exata”. O início do debate sobre o uso de evidências
no processo decisório reflete uma visão positivista que caracterizou os campos de
ciência política e economia em diferentes países, especialmente, nos anglófonos.
Para esse debate, evidências são resultados de pesquisas sistemáticas conduzidas por
institutos de pesquisa, universidades e consultorias, que, portanto, são adotadas
por gestores no processo decisório.
Especificamente no caso brasileiro, o próprio uso da expressão evidências
aumenta a confusão em torno desse debate, visto que o termo evidence-based foi
traduzido para o português ao pé da letra como baseado em evidência. A tradução
caiu no problema do emprego de um falso cognato, uma vez que a palavra inglesa
evidence não significa algo que é evidente, para a qual não cabe a irrefutabilidade,
mas sim constitui uma prova, algo que se constrói a partir de indícios – alguns
mais fortes, outros mais fracos, para os quais cabe a refutabilidade. O uso dessa
tradução nos leva a desenvolver erroneamente a ideia de que há uma superioridade
ontológica em políticas baseadas em evidências, uma vez que estas seriam irrefutá-
veis, quando também dependem da capacidade de criação de um argumento que
retoricamente combine fatos e informações que levem ao processo de validação de
uma afirmação (Solesbury, 2002). O que dá força aos argumentos em políticas
baseadas em evidências não são os seus dados, mas o fato de serem produzidos
por um método científico. Entretanto, não há método científico que não permita
a refutação, sob pena de se tornar um dogma (Kuhn, 1963).
Essa presunção de superioridade ontológica promove um efeito sobre o debate
de políticas baseadas em evidências: governos que adotam políticas baseadas em
evidências são aqueles que implementam as melhores políticas e de que, conse-
quentemente, os processos de construção de políticas e de tomada de decisão são
sempre racionais (Cairney, 2016; Howlett e Craft, 2013). Isso porque uma parte
da produção sobre o tema defende que o uso das evidências produz políticas mais
eficientes, eficazes e efetivas, tendo em vista que seriam formuladas e implementadas
a partir da discussão sobre quais políticas funcionam, ou seja, produzem melhores
resultados em determinados contextos, indicando que “governos devem evitar
falhas nas políticas e aplicar novas técnicas, ou novas informações, para resolver da
melhor maneira os diferentes problemas públicos” (Howlett e Craft, 2013, p. 27).
Cairney (2016) aponta que evidências científicas são entendidas, nessa
corrente positivista, como informações produzidas de forma sistemática, usando
métodos reconhecidos, para as quais haveria, inclusive, uma hierarquia entre os
808 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
5. A importância do uso de informações e conhecimento, no processo decisório, também aparece em outras análises,
como de ativismo institucional (Olsson e Hysing, 2012) e comunidades epistêmicas (Haas, 1992), por exemplo.
810 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
estão inseridos (Koga et al., 2020), especialmente em contextos de crises, que exigem
respostas imediatas (Howlett e Craft, 2013).
Sobre alguns deles, Cairney (2016) aponta que os tomadores de decisão são
influenciados, por sua vez, por valores sociais, julgamentos emotivos e morais que
podem reforçar determinados enquadramentos e categorizações do público-alvo, por
exemplo, e vieses cognitivos, como a superestimação da frequência e probabilidade
de determinados eventos, reforçar decisões anteriores, manutenção do status quo,
expectativas irreais e viés de confirmação. Neste sentido, Dente e Subirats (2014)
trazem um exemplo prático da área de educação. Segundo os autores, algumas
políticas educacionais da Grã-Bretanha previam a formação de classes escolares
com homogeneidade. As teorias que sustentavam esta ideia argumentavam que o
aprendizado de um aluno melhorava se ele estivesse em um contexto com colegas
nem muito mais e nem muito menos inteligentes que ele. Obviamente, eram
teorias controversas que favoreciam a segregação de estudantes oriundos de famílias
mais pobres, minorias étnicas ou contextos socioculturais desvantajosos. Somente
com novos estudos científicos, os quais mostravam que os estudos que embasaram
a teoria anterior eram completamente inconclusivos, e com uso de metodologias
estatísticas frágeis é que o modelo foi alterado.
Newman, Cherney e Head (2016) também chamam a atenção para a
manipulação das evidências ou tendências de usar evidências selecionadas
estrategicamente para dar suporte a decisões previamente tomadas, dificuldades em
adotar evidências quando há, ainda, interpretações conflitantes e diferenças entre
produtores e consumidores de evidências. No entanto, para os autores, além das
dinâmicas políticas, das diferenças culturais e dos diferentes frames interpretativos,
há diversidade nas capacidades de acessar, interpretar e usar diferentes formas
de conhecimento.
A partir desse debate, este capítulo se baseia nas abordagens mais construtivistas
sobre o processo decisório, compreendendo o uso de evidências como importante
para uma tomada de decisões mais bem informadas, buscando avançar na discussão
sobre o processo decisório nos governos subnacionais brasileiros e o uso de
evidências nesses processos; dois temas pouco explorados pela literatura nacional.
A análise desse tema nos governos subnacionais é central, não só porque eles são
responsáveis pela implementação de diversas políticas, mas também porque há
grandes heterogeneidades em suas capacidades fiscais e administrativas. Compre-
ender os processos decisórios no nível subnacional em contextos caracterizados
por capacidades diversas é fundamental para a discussão de como as políticas são
formuladas no Brasil.
E o Nível Subnacional? Os (não) usos das políticas informadas por evidências na | 811
política educacional estadual brasileira
6. Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul. Disponível em: <https://bit.ly/3IZNzPg>. Acesso em: 13 fev. 2021.
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9. Estrutura organizacional da Secretaria de Estado da Educação do Piauí. Disponível em: <https://bit.ly/3F7nECX>.
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10. Departamento de Planejamento e Gestão Financeira (DPGF)/Secretaria de Estado de Educação do Amazonas.
Disponível em: <https://bit.ly/3sejqWw>. Acesso em: 13 fev. 2021.
11. Assessoria de Planejamento da Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura do Estado de Sergipe.
Disponível em: <https://bit.ly/3mdTvdY>. Acesso em: 13 fev. 2021.
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conceitos, métodos, contextos e práticas
12. DPGF/Secretaria de Estado de Educação do Amazonas. Disponível em: <https://bit.ly/3sejqWw>. Acesso em: 13
fev. 2021.
13. Estrutura organizacional da Secretaria de Estado da Educação do Piauí. Disponível em: <https://bit.ly/3F7nECX>.
Acesso em: 13 fev. 2021.
14. Coordenadoria de Informação, Tecnologia, Evidências e Matrícula da Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo. Disponível em: <https://bit.ly/30AMgFf>. Acesso em: 13 fev. 2021.
E o Nível Subnacional? Os (não) usos das políticas informadas por evidências na | 817
política educacional estadual brasileira
15. Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul. Disponível em: <https://bit.ly/3IZNzPg>. Acesso em: 13 fev. 2021.
16. DPGF/Secretaria de Estado de Educação do Amazonas. Disponível em: <https://bit.ly/3sejqWw>. Acesso em: 13
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17. Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul. Disponível em: <https://bit.ly/3IZNzPg>. Acesso em: 13 fev. 2021.
18. Estrutura organizacional da Secretaria de Estado da Educação do Piauí. Disponível em: <https://bit.ly/3F7nECX>.
Acesso em: 13 fev. 2021.
818 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
Nesses três exemplos, fica evidente a presença das parcerias, como fonte
de dados e estatísticas, de forma transversal nos planos. Parte das informações a
serem utilizadas advém de outras fontes que não a própria instância estadual e,
para efetivar a divulgação e a atualização dos dados, a presença de outros atores
governamentais ou não também figura como central. Como pode ser visto em
trecho da meta 2.4 do Plano Estadual de Educação do Espírito Santo – “em
colaboração com as famílias e com órgãos públicos de assistência social, saúde e
proteção à infância, à adolescência e à juventude” (Espírito Santo, 2015, p. 3) –,
o acompanhamento dessas informações levantadas também se faz por meio dos
beneficiários da política educacional.
Nesse sentido, se há muita disparidade entre as estruturas organizacionais, em
relação à utilização de dados para subsidiar decisões, a análise dos planos estaduais
de educação mostra uma dominância da temática, colocando-a como estratégia
central e praticamente unânime. Nos anos 2014 e 2015, durante os quais a maioria
dos projetos base dos planos foram construídos, a questão da gestão da informação
parece ter sido bastante discutida, sendo incorporada de forma transversal nas
leis. Se os planos estaduais de educação estabeleceram diretrizes inequívocas sobre
o uso de dados para a melhoria da política educacional, o que a análise mostra
é que essas propostas não foram incorporadas de forma abrangente na estrutura
organizacional das secretarias. Se não restam dúvidas quanto à presença da busca
pelo uso de dados e evidências no campo da educação pública, não podemos ter
a mesma certeza sobre a institucionalização desse modelo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas últimas décadas, houve um movimento crescente de produção de dados e da
adoção de mecanismos de controle por resultados na política educacional brasileira.
Além da centralidade dos resultados das avaliações e do foco no desempenho, houve,
nos estados brasileiros, uma disseminação dessas ideias, influenciando a criação
de estruturas organizacionais que produzem informações às equipes gestoras e o
direcionamento da política a partir de metas relacionadas à produção e ao uso de
dados nas decisões.
No entanto, a realidade sobre o uso de evidências – encontrada em outras
áreas apresentadas neste livro e, especialmente no nível federal – ainda não está
presente no nível estadual, pelo menos na área educacional. Ainda que o uso de
dados tenha ocorrido em graus variados, tanto por gestores das secretarias quanto
por gestores escolares (Carrasqueira et al., 2015), a análise realizada neste capí-
tulo mostra que houve pouco avanço no uso mais sistemático desses dados – por
exemplo, comparando resultados educacionais para compreender os fatores que
afetam diferenças nos resultados com controle de variáveis socioeconômicas – e,
em menor medida ainda, no uso de evidências para a tomada de decisão. Ademais,
os tipos de dados e evidências utilizadas ainda estão muito relacionadas ao des-
empenho e à proficiência dos alunos, ou seja, ao resultado e impacto da política,
e pouco aos insumos e recursos necessários para a melhoria da qualidade, redução
de desigualdades e promoção de equidade.
Na análise, pudemos perceber três tipos de desafios. O primeiro deles está ligado
ao que a literatura de processo decisório chama atenção: processos decisórios não são
lineares e racionais e, portanto, o uso de dados e evidências não ocorre de maneira
imediata e simples. De um lado, ainda é um desafio produzir evidências dentro dos
governos e usá-las para informar decisões. De outro, há muito conhecimento sendo
produzido a partir dos dados e este conjunto de informações, muitas vezes externos
à estrutura organizacional estatal, é um elemento a mais a ser considerado na
formulação de políticas e alocação de recursos públicos. Reestabelecer essa ponte entre
agentes estatais e agentes externos é muito importante, mas requer que academia
e governo alinhem minimamente as suas agendas, e também a sociedade civil, que
realizam ou financiam estudos e pesquisas, reconheçam que as redes não são meros
objetos de pesquisa ou fornecedores de dados e que comecem a fazer uma coprodução
efetiva de políticas educacionais.
O segundo desafio é organizacional e está muito presente no nível subnacional.
O tratamento e a análise de dados, assim como a produção de evidências, é uma
tarefa de alta complexidade e que requer equipes qualificadas e capacitadas para tal.
No entanto, muitos dos servidores que ocupam cargos técnicos nas secretarias
824 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
de educação, seja no nível estadual, seja no municipal, são pessoas sem formação
específica para isso e que não estão preparadas tecnicamente para lidar com dados
quantitativos, e mesmo com softwares simples de análises estatísticas. Como o volume
de informações da área de educação é enorme, mesmo em municípios de pequeno
porte, essa ausência de capacidade impacta nas atividades de acesso, interpretação e
uso dos dados, assim como na produção de evidências. Além disso, mesmo no caso
da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, embora a criação do Escritório
de Evidências seja um passo importante, a equipe é muito pequena e os recursos
disponíveis são muito limitados. Outro ponto é a necessidade de institucionalizar
estas estruturas organizacionais criadas, evitando que elas sejam descontinuadas
facilmente a partir da troca de gestão. Por fim, há que reconhecer a dificuldade
de realização de mudanças na cultura organizacional das equipes de educação, de
maneira a atualizar práticas administrativas e pedagógicas, incorporando novas
ações cujas evidências parecem demonstrar que são promissoras.
O terceiro desafio é a desigualdade entre os estados brasileiros. Enquanto São
Paulo possui recursos para a criação de um Escritório de Evidências, outros estados,
com menor disponibilidade de recursos financeiros e humanos, talvez não tenham as
mesmas condições de criar este tipo de estrutura, mesmo que haja vontade política
do secretário. A desigualdade também é de acesso ao investimento social privado,
capaz de financiar estudos e pesquisas, mas que está concentrado em estados das
regiões Sudeste e Sul, além de alguns poucos estados das demais regiões do Brasil.
O esforço de redução das desigualdades educacionais, também no acesso às evi-
dências e no seu uso, deveria ser uma prioridade do MEC, assim como de outros
órgãos produtores de pesquisas e conhecimento no âmbito federal, com apoio de
organizações, como o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e
a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), para que as
políticas informadas por evidências pudessem estar disponíveis nas 27 UFs e 5.570
municípios brasileiros.
Sem enfrentar esses três desafios de maneira consistente, a área educacional
brasileira tende a ficar refém de discursos negacionistas disseminados nos últimos
anos e de práticas retrógradas, enquanto ilhas de excelência e de resistência vão
sendo criadas em outra parte. Ou seja, o uso das evidências pode ser um mecanismo
importante de resistência a esses discursos negacionistas, mas não basta apenas
incorporar a noção de uso de evidências educacionais no nível local, é preciso de-
bater seriamente quais dados e evidências são usadas, quem participa – e em que
condições participa – desses processos de coleta de dados e quais conhecimentos
estão sendo gerados.
E o Nível Subnacional? Os (não) usos das políticas informadas por evidências na | 825
política educacional estadual brasileira
REFERÊNCIAS
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Rio de Janeiro. Jornal de Políticas Educacionais, v. 9, n. 17 e 18, p. 75-89, 2015.
826 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
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de Educação do estado do Maranhão e dá outras providências. Diário Oficial do
Estado do Maranhão, São Luís, 11 jun. 2014.
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Estadual de Educação, em cumprimento ao Plano Nacional de Educação (PNE),
aprovado pela Lei Federal no 13.005, de 25 de junho de 2014. Diário Oficial do
Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 25 jun. 2015.
RONDÔNIA. Lei no 3.565, de 3 de junho de 2015. Instituiu o Plano Estadual
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STONE, D. A. Causal stories and the formation of policy agendas. Political
Science Quarterly, v. 104, n. 2, p. 281-300, 1989.
CAPÍTULO 27
1 INTRODUÇÃO
Depois de mais de trinta anos das primeiras experiências de avaliação padronizada
em larga escala no Brasil, hoje o país dispõe de um sistema nacional de avaliação
da educação básica, além de iniciativas estaduais e municipais voltadas, principal-
mente, mas não apenas, para a avaliação do rendimento escolar das redes públicas
e privadas. No contexto latino-americano, o Brasil ocupa posição de destaque no
campo da avaliação escolar (Brooke, 2005).
Decisores políticos, burocratas, gestores escolares e professores dispõem de
uma miríade de informações administrativas, dados de contexto sociodemográfico
e índices de desempenho acadêmico de alunos, escolas e redes de ensino, com o
objetivo de monitorar resultados, informar sua decisão e lhes auxiliar no desenho
de programas e políticas pedagógicas nos estados e municípios brasileiros.
Contudo, cabe perguntar se esses dados vêm, de fato, sendo utilizados como
instrumento de gestão educacional pelos burocratas e decisores políticos para infor-
mar suas deliberações ou guiar suas escolhas relacionadas às políticas educacionais
nos estados e municípios? Ou pelas equipes escolares para informar e orientar a
aprendizagem dos alunos? Ou, pelo contrário, se as avaliações em larga escala se
1. Este capítulo contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), em seu
Edital Humanidades. As pesquisas aqui descritas foram realizadas sob acordos de uso de dados entre a Secretaria Municipal
de Educação do Rio de Janeiro (SME) e o Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (LaPOpE/UFRJ). Agradecemos a secretaria e a seus funcionários por compartilharem os dados e cederem
seu tempo para atenderem às nossas solicitações.
2. Departamento de Ciência Política, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (Iesp/UERJ). E-mail: <ceneviva@iesp.uerj.br>.
3. Colégio de Aplicação da UFRJ. E-mail: <felipema8@gmail.com>.
4. Faculdade de Educação da UFRJ. E-mail: <mckoslinski@gmail.com>.
5. Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da/UFRJ. E-mail: <carolinaportela13@gmail.com>.
830 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
6. Brooke e Cunha (2011) fizeram um balanço dos usos da avaliação educacional nos estados brasileiros e identifica-
ram alguns programas das secretarias de educação que se valiam dos dados das avaliações para orientarem decisões
relacionadas às escolas, aos alunos e a seus familiares, bem como às equipes escolares. A classificação, embora não
seja exaustiva, serve de parâmetro para entendermos melhor como os dados das avaliações estão sendo aproveitados
pelos gestores educacionais nos estados: i) para avaliar e orientar a política educacional; ii) para informar as escolas
sobre a aprendizagem dos alunos e definir estratégias de formação continuada; ii) para informar o público; iv) para a
alocação de recursos; v) para políticas de incentivos salariais; vi) como componente da avaliação docente; e vii) para a
certificação dos alunos e das escolas. De acordo com o levantamento realizado pelos autores, o uso para políticas de
incentivos salariais foi mais frequentemente adotado pelos estados brasileiros.
7. Ver estudos do observatório realizados no município do Rio de Janeiro.
Avaliação Escolar e Uso de Dados e Evidências na Educação Brasileira | 831
8. A Prova Brasil é um teste padronizado para estudantes do 5o e do 9o anos do ensino fundamental, que serve para
avaliar o rendimento das escolas públicas do país. Esta testa o conhecimento dos alunos em LP e MT. A partir de 2019,
passou a ter o nome de Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb); sistema que existe desde os anos 1990 e
que, agora, nomeia o conjunto de avaliações da educação básica.
Avaliação Escolar e Uso de Dados e Evidências na Educação Brasileira | 835
9. O Inep é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC), responsável por avaliações e exames,
por estatísticas e indicadores, bem como pela gestão do conhecimento e de estudos educacionais.
10. Disponível em: <https://is.gd/HT2W6t>. Acesso em: ago. 2021.
Avaliação Escolar e Uso de Dados e Evidências na Educação Brasileira | 837
15. Grande parte dos programas e das políticas educacionais está intimamente ligada ao período de gestão de Eduardo
Paes como prefeito do Rio de Janeiro (2009-2016) e de Cláudia Costin como secretária de Educação (2009-2014).
Com a eleição do prefeito Marcelo Crivella, em 2017, parte considerável das políticas e dos programas educacionais
foi revogada gradativamente.
840 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
4 DADOS E MÉTODOS
Na análise da implementação e do impacto do programa Escolas em Foco, nos
valemos de uma combinação de abordagens quantitativas e qualitativas, a fim de
aprofundar nosso conhecimento sobre os usos dos dados e das informações geradas
com base nos sistemas de avaliação educacional dos governos federal e da SME
pelas equipes escolares.
As políticas de avaliação e uso de dados na educação são, evidentemente,
políticas complexas, que não podem ser adequadamente compreendidas pela abor-
dagem qualitativa ou pela abordagem quantitativa de maneira isolada. Recorremos,
Avaliação Escolar e Uso de Dados e Evidências na Educação Brasileira | 841
16. Mais especificamente, foram entrevistados: os gestores de nível médio responsáveis pelas decisões de trabalho na
gestão educacional e no planejamento de trabalho das escolas; equipes escolares – isto é, diretores e professores; e
coordenadores pedagógicos, quando presentes.
842 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
TABELA 1
Número de escolas de 3o ano (2013-2016)
Ano 2013 2014 2015 2016
5 RESULTADOS
Como apenas um conjunto específico de escolas, baseado em critérios específicos e
não aleatórios – participou do programa –, é possível definir um grupo de controle
(que não recebeu a intervenção) e outro de tratamento (que recebeu a intervenção).
Dessa forma, por tratar-se de análise preliminar, investigamos a variação no desem-
penho e no fluxo escolar apresentado pelos dois grupos (controle versus tratamento)
ao longo dos anos.
GRÁFICO 1
Comparação dos grupos de tratamento e controle (2013-2016)
17. Selecionamos no total cinco escolas que apresentavam trajetória ascendente no Ideb e no IDE-Rio desde a imple-
mentação do programa e cinco escolas que apresentavam trajetória estagnada ou descendente para o mesmo período
(2013-2015). A intenção por trás dessa seleção era ter perfis diferentes de escolas que poderiam ser sugestivos de
recepção e execução diferentes do programa. No entanto, após inúmeras tentativas, não foi possível agendar as entre-
vistas com uma das escolas escolhidas. As entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2016.
844 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
QUADRO 1
Descrição e fonte das variáveis utilizadas
Nome Tipo Descrição Fonte
Variáveis dependentes
Variáveis explicativas
Termo interativo
DiD Dicotômica
(Pré/pós escola foco)
Sexo Contínua Alunos de sexo masculino por escola (%) Dados da SME (SCA, 2014)3
(Continuação)
TABELA 2
Comparação ano a ano dos grupos de controle e tratamento (resultados estimados
via ordinary least squares – OLS) (2014-2016)
Variáveis dependentes
Matemática Língua portuguesa Fluxo
(1) (2) (3)
TABELA 3
Resultados dos modelos de DiD (estimados via OLS)
Variáveis de dependentes
Matemática Língua portuguesa Fluxo
(Continuação)
Variáveis de dependentes
Matemática Língua portuguesa Fluxo
R 2
0.536 0.391 0.237
Residual std. error 20.676 (df = 2751) 17.454 (df = 2751) 8.884 (df = 2738)
F statistic 397.499 (df = 8; 2751) 220.525 (df = 8; 2751) 106.155 (df = 8; 2738)
Então, a gente alugou o Sul América e fez uma espécie de seminário. A gente con-
tou essa história que eu estou te contando, foi contada para as CRES, e aí as CRES
receberam esse material e a listagem pra contar essa história para as escolas. E con-
tando essa história, a ideia é essa, contando essas histórias para a escola, elas seriam
convidadas a vir aqui pra gente apresentar essa história, mas é um pouco que tirar as
dúvidas, e um pouco que também tirar aquele “putz, que é isso”, né? No fim, é isso.
Então, o que aconteceu? Bota os quatrocentos [diretores de escola] aí...
Aí chegam os ônibus, né? Teve CRE que alugou ônibus pra mandar os diretores.
E olha qual é a nossa surpresa, né? A gente chega com algumas diretoras que não
sabiam nada do projeto (coordenadora do programa Escolas em Foco na SME).
A secretaria esperava que as CREs ajudassem no processo inicial, mas não
interferissem escolhendo as escolas que participariam do programa ou mediando
outras informações. Uma funcionária da gestão central declarou, também, que houve
resistência ao programa, tanto por parte de escolas como de algumas CREs. Ainda
segundo o relato da gestora da SME, algumas CREs chegaram a incentivar um
“boicote” ao programa, dizendo para as escolas não fornecerem informações aos PAEs.
Dessa forma, os diretores das escolas participantes chegaram à reunião promovida
pela secretaria com poucas informações sobre o programa, seus objetivos ou seu
funcionamento. Até mesmo depois da reunião, embora os diretores soubessem relatar os
critérios utilizados para a seleção das escolas, não demostravam conhecer os objetivos do
programa, ou as funções que deveriam ser exercidas pelos PAEs com as escolas escolhidas.
Os professores deveriam ser informados sobre o programa pelos diretores.
No entanto, os relatos dos professores indicam que eles permaneciam confusos e
desconheciam tanto os objetivos como o funcionamento do programa:
Olha, eu vou te falar que eu não entendo muito bem o que é o Escolas em Foco.
(...) Eu acho assim, eu acho que a escola em foco aqui tá muito mais na direção.
Ninguém veio me perguntar qual era a minha maior dificuldade, ninguém me deu
uma orientação (professora da escola A, 3o ano do ensino fundamental).
É pelo que parece, pelo que eu sei, nada foi me dito muito formal, mas eles escolhe-
ram algumas escolas que o índice ficou baixo no Ideb. Ou que tem..., é porque aqui
na escola I têm vários projetos, né? O que me afeta no terceiro ano, e eu tenho uma
professora, uma orientadora da Paulo Freire18 que vem uma vez por mês, duas vezes
por mês acompanhar o rendimento da turma e, enfim, traçar a meta de planejamento
pra essa turma. (...) E aí ela enfim trabalha junto comigo, mas eu não sei definir o
que é uma “escola em foco”, não sei, não. Eu sei que eu tenho um acompanhamento
do pessoal da Paulo Freire, mas o que é certinho eu também não sei, nunca foi dito
oficialmente: “olha escola I, é isso, isso e isso.” Eu cheguei chegando, entendeu? A gente
chega e entra na sala de aula (professora da escola I, 3o ano do ensino fundamental).
Aí o que é passado é que é uma escola que pode crescer mais. Entendeu? Por algum
motivo, né, ela não está crescendo tanto quanto deveria. Então, tem esse projeto aí
pra que a gente consiga desenvolver esse trabalho (professora da escola J, 3o ano do
ensino fundamental).
As falas dos professores entrevistados não indicam que eles tivessem uma
compreensão adequada sobre o objetivo do programa, sobre seu caráter formativo
para promover o uso de dados e evidências para tomada de decisões ou planeja-
mento pedagógico.
Ademais, a análise das entrevistas com os diretores de escolas indica que os
procedimentos seguidos pelos professores de acompanhamento escolar variavam
consideravelmente, o que se explica pela discricionariedade que foi atribuída a atuação
deles com as escolas do programa. Enquanto alguns diretores relataram que os PAEs
os auxiliavam diretamente na analise os dados das escolas e pouco acompanhavam
o trabalho dos professores, outros informaram que eles realizavam seu trabalho com
os diretores e os professores do 3o ano. Vale ser destacado, ainda, um terceiro grupo
de diretores de escola, que mencionou o fato de os PAEs realizarem seu trabalho
semanal somente com os professores, e em sala de aula, onde “tomavam leitura” dos
alunos, e até mesmo aplicavam simulados para as turmas; ações que não estavam
previstas nas diretrizes da SME para atuação dos PAEs com as escolas.
FIGURA 1
Quadro de ações previstas e não previstas dos PAEs
Projeto Escolas em Foco
Tipos de ações Professores de Acompanhamento Estratégico (PAE)
PAE
1. Apresentar/discutir relatórios (DESESC)
2. Tirar dúvidas sobre indicadores e avaliações
3. Sugerir ações com base nos resultados da turma
4. Participar de centro de estudos e reuniões de planejamento docente
Professores
5. Trazer materiais didáticos (livros, sugestões de atividades)
6. Tirar alunos de sala de aula (“tomar leitura” ou reforço)
7. Aplicar simulados
8. Auxiliar o professor em sala de aula
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O programa Escolas em Foco estabeleceu iniciativas de capacitação das equipes
escolares, dos gestores da SME e das CREs, que são unidades de gestão intermedi-
árias, para uso dos dados das avaliações como instrumento de gestão educacional.
A análise do desempenho acadêmico dos alunos e das escolas indica que houve
impacto muito pequeno sobre os indicadores de qualidade analisados. A análise
qualitativa revela que as equipes escolares tinham uma compreensão imprecisa do
programa e de seus objetivos, bem como enfrentaram dificuldades em se valer dos
dados das avaliações para o planejamento educacional.
A partir da verificação dos resultados, é possível estabelecermos algumas hipó-
teses para o efeito tênue do programa sobre as escolas que receberam a intervenção.
A primeira dessas hipóteses refere-se à curta linha histórica analisada neste
trabalho. É possível que o pequeno período de análise não tenha sido suficiente
para captar o impacto do programa. Além disso, esse programa pretendia uma
mudança de comportamento das esquipes escolares. Considerando-se que, de
acordo com a bibliografia de DDDM, o uso efetivo dos dados requer diversas
habilidades, conhecimento e disposição dos professores – por exemplo, habilida-
des para a formulação de problemas; e capacidade de coletar, analisar, sintetizar
e interpretar dados e capacidade de agir e encontrar uma solução adequada – o
objetivo de mudança de comportamento (isto é, de mudança das práticas escolares)
talvez apenas possa ser alcançado por meio de intervenção e treinamento mais
prolongado dos agentes escolares (Mandinach e Gummer, 2016; Marsh, Bertrand
e Huguet, 2015; Schildkamp et al., 2017). Além disso, o efeito positivo pequeno,
porém significante, no fluxo escolar e a ausência de efeito significativo ou relevante
no desempenho em LP e MT sugerem que os esforços do programa não foram
capazes de promover maior pedagogical literacy entre os atores escolares.
Avaliação Escolar e Uso de Dados e Evidências na Educação Brasileira | 855
REFERÊNCIAS
BAUER, A. P. C. O.; HORTA NETO, J. L.; SOUSA, S. Z. Avaliação em larga
escala em municípios brasileiros: o que dizem os números? Estudos em Avaliação
Educacional, v. 26, n. 62, p. 326-352, maio-ago. 2015.
BROOKE, N. Accountability educacional en Brasil, una visión general.
PREAL, 2005
BROOKE, N.; CUNHA, M. A. A. A avaliação externa como instrumento
de gestão educacional nos estados. Estudos & Pesquisas Educacionais, v. 2,
p. 3-64, 2011.
856 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
MARSH, J. A. Interventions promoting educators’ use of data: research insights
and gaps. Teachers College Record, v. 114, n. 11, p. 1-48, Nov. 2012.
CAPÍTULO 28
1 INTRODUÇÃO
Decisões na área de saúde pública devem se basear em “evidências científicas sobre
a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou
procedimento” (Brasil, 2011).4 Para tanto, é preciso reunir informações e conhe-
cimentos de fontes e disciplinas diversas (Donnelly et al., 2018), utilizando-se
“dados científicos da mais alta qualidade, obtidos de forma aberta e objetiva”
(CDC, 2019). Decisões não devem se basear, portanto, em trabalhos, pesquisadores
ou especialistas tomados individualmente, mas, sim, em um universo amplo de
conhecimento científico, a partir do qual se filtra, destila ou sintetiza o essencial
para se resolver um dado problema. E uma “síntese precisa, concisa e imparcial das
evidências disponíveis é indiscutivelmente uma das contribuições mais valiosas que
uma comunidade de pesquisa pode oferecer a tomadores de decisão” (Donnelly
et al., 2018).
Para que isso seja possível, é preciso um conjunto de pessoas e organizações
que sintetize conhecimentos científicos e os transformem em algo útil para os que
desejam utilizá-los. Estes são denominados na literatura como intermediários,
pontes ou knowledge brokers (Smith, 2013; Lomas, 2007; Ward, House e Hamer,
2009; Meyer, 2010). Eles prestam um serviço essencial à efetiva incorporação de
conhecimento científico em políticas públicas, traduzindo conhecimentos cientí-
ficos e, neste processo, adaptando-os para que possam ser diretamente utilizados
por não experts (Meyer, 2010).
1. Uma versão expandida deste capítulo será publicada como texto para discussão do Ipea com o título de Ciência
e pseudociência durante a pandemia de covid-19: o papel dos “intermediários do conhecimento” nas políticas dos
governos estaduais no Brasil.
2. O autor agradece a Adriano Matias da Silva, Carolina Miranda Futuro e Gabriela da Costa Silva pelo auxílio na coleta
de parte das informações e na revisão do texto.
3. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais (Dinte)
do Ipea. E-mail: <rodrigo.moraes@ipea.gov.br>.
4. Evidências são consideradas neste trabalho como os resultados de “investigações sistemáticas voltadas ao aumento
do estoque de conhecimento” (Davies, Nutley e Smith, 2000).
860 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
FIGURA 1
Produção e filtros de evidências científicas
3 MÉTODO E DADOS
O objetivo deste capítulo é estimar o quanto governos estaduais no Brasil incorpo-
raram evidências científicas em políticas de enfrentamento à covid-19 e entender
como isso ocorreu. Esta seção explica os critérios e as fontes usadas para se com-
parar as características dos arranjos institucionais criados e utilizados por governos
estaduais no enfrentamento da pandemia. Estes arranjos foram compostos por
secretarias de saúde, órgãos a elas subordinados, comitês científicos, gabinetes de
crise e conselhos de crise ou equivalentes, muitos dos quais criados especificamente
para enfrentar a pandemia. Estes foram criados e mantidos em todas as Unidades
da Federação (UFs), embora com características e formas de atuação variadas,
permitindo assim uma análise comparativa.
Cada uma destas quatro categorias foi adaptada para a análise feita neste
estudo, adotando-se as seguintes: i) expertise dos integrantes dos arranjos institu-
cionais; ii) grau de interdisciplinaridade; iii) grau de transparência dos trabalhos;
iv) grau de influência sobre as políticas de enfrentamento à pandemia. Foram ainda
adicionadas duas outras: v) data de criação ou mobilização de comitês ou grupos
de trabalho, o que indica a velocidade da resposta dos governos à pandemia; e vi)
escopo e grau de precisão das atribuições dos arranjos institucionais, ou seja, a
abrangência e clareza das suas funções.
Para cada uma destas seis dimensões da análise foram atribuídos valores de 2,
1 ou 0, conforme os critérios apresentados a seguir. O período avaliado se inicia em
1o de janeiro de 2020 e termina no dia 11 de março de 2021, quando se comple-
tou um ano da declaração pela OMS de que a covid-19 era uma pandemia. Caso
as características analisadas tenham sido observadas em apenas parte do período
analisado, foi feito um cálculo proporcional. Como exemplo, se um comitê teve
um escopo limitado e vago por cinco meses, mas abrangente e preciso pelo restante
do período analisado, atribuiu-se um valor de 1.
Os comitês (ou equivalentes) não necessariamente precisavam ser externos às
secretarias estaduais de saúde, podendo estar institucionalmente localizados dentro
das secretarias. Além disso, os conselhos estaduais de saúde foram considerados na
análise desde que tenham se envolvido na formulação de recomendações de políticas
de enfrentamento à pandemia. Em alguns casos, governos também mantiveram
espaços voltados à articulação com os municípios, seja com prefeitos, seja com
secretários municipais de saúde, os quais também foram considerados.
A avaliação feita neste capítulo abrange apenas políticas e práticas voltadas à con-
tenção da epidemia; arranjos voltados a minimizar danos econômicos (apoio a empresas,
por exemplo) não foram analisados. Todos os conhecimentos úteis à contenção da
epidemia foram considerados, ainda que não tivessem origem na área de saúde stricto
sensu. Por exemplo, conhecimentos das áreas de ciências comportamentais, ciências de
dados ou economia são fundamentais para o enfrentamento adequado da pandemia.
Durante a análise, encontrou-se uma característica dos arranjos institucionais
que dificultou a sua avaliação: enquanto alguns estados criaram apenas um comitê
(ou equivalente), a maior parte criou múltiplos comitês. Alguns destes comitês
foram compostos apenas por secretários estaduais, alguns por representantes do
setor privado e outros foram majoritariamente compostos por cientistas. Para lidar
com estes casos, foram considerados os trabalhos dos comitês dentro de um mesmo
estado em seu conjunto. Ou seja, caso tenham sido criados um comitê científico e
um gabinete de crise, por exemplo, um não “anulou” o outro na análise. A exceção
são os comitês com atribuições concorrentes, mas graus de influência distintos:
nestes casos, o comitê considerado na análise é o que possuía maior influência.
O Uso de Evidências Científicas no Enfrentamento à Pandemia de Covid-19 no | 867
Brasil: uma comparação das políticas dos governos estaduais
BOX 1
Critério 1: data de criação ou mobilização dos arranjos institucionais
Reações tempestivas por governos são essenciais. A criação ou mobilização de arranjos institucionais nos primeiros
dias ou semanas da pandemia aumentou a probabilidade de que governos e sociedade se preparassem de forma
adequada. Ou seja, ganhou-se tempo para que adaptações fossem feitas antes de que a epidemia se manifestasse
(potencialmente) de forma grave. Isto ampliou a probabilidade de que governos contribuíssem para a redução das
taxas de transmissão e para o tratamento adequado dos que porventura contraíssem a doença. Como a covid-19
foi declarada uma pandemia pela OMS em 11 de março de 2020, considerou-se que a criação ou mobilização
de arranjos institucionais para o seu enfrentamento deveria ter ocorrido até 18 de março de 2020 (uma semana
após a declaração).
Na maior parte dos casos, governos criaram mais de um espaço, ou seja, mais de um comitê, comissão, gabinete de
crise ou equivalente. Nestes casos, considerou-se a data de criação ou mobilização do primeiro comitê (ou equivalente).
Valor = 2: arranjos institucionais de enfrentamento à pandemia foram criados até 18 de março de 2020; ou, caso
a UF já possuísse um comitê (ou equivalente) voltado ao enfrentamento de emergências em saúde pública, este foi
mobilizado e adaptado para enfrentar a epidemia de covid-19 até esta data.
Valor = 1: arranjos institucionais de enfrentamento à pandemia foram criados entre 19 de março e o fim de abril de
2020; ou, caso a UF já possuísse um comitê (ou equivalente) voltado ao enfrentamento de emergências em saúde
pública, este foi mobilizado e adaptado para enfrentar a epidemia de covid-19 neste mesmo período.
Valor = 0: arranjos institucionais específicos não foram criados ou foram criados a partir de 1o de maio de 2020;
ou, caso a UF já possuísse um comitê (ou equivalente) voltado ao enfrentamento de emergências em saúde pública,
este não foi mobilizado e adaptado para enfrentar a epidemia de covid-19.
Elaboração do autor.
BOX 2
Critério 2: escopo dos arranjos institucionais e grau de precisão de suas atribuições
A influência de um comitê (ou equivalente) sobre a gestão da epidemia depende em parte do seu escopo e do
grau de precisão das suas atribuições. Um comitê que tenha como atribuição propor vários tipos de medidas de
contenção da epidemia (definidas de forma precisa) tende a ter – tudo o mais constante – um impacto maior do
que um comitê que possua objetivos vagos ou cujo escopo seja limitado.
Se consideraram as seguintes possíveis atribuições de um comitê: acompanhamento da evolução da pandemia;
acompanhamento da infraestrutura de saúde disponível; adoção de medidas não farmacológicas (por exemplo,
distanciamento social, uso de máscaras); protocolos para áreas, setores ou atividades específicas (como funerais,
escolas, estabelecimentos comerciais); acompanhamento da saúde mental de profissionais da saúde e da população
em geral; e comunicação com a sociedade (por exemplo, campanhas de incentivo ao uso de máscaras, combate
à desinformação). Outros temas observados durante a análise – e que não foram antecipados – também foram
considerados.
Dada a centralidade de políticas de distanciamento social como forma de prevenção, considerou-se que um comitê
deveria ter, necessariamente, a elaboração de tais políticas entre suas atribuições para que este critério fosse
plenamente atendido.
Valor = 2: os arranjos institucionais possuem atribuições claras em quatro ou mais temas, incluindo necessariamente
políticas de distanciamento social.
Valor = 1: os arranjos institucionais possuem atribuições claras em um, dois ou três temas, não necessariamente
incluindo políticas de distanciamento social.
Valor = 0: nenhum arranjo institucional foi criado ou mobilizado; ou, caso o tenha sido, suas atribuições são vagas.
Elaboração do autor.
868 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
BOX 3
Critério 3: participação de especialistas nos arranjos institucionais
Para que evidências sejam incorporadas em políticas, é preciso que existam especialistas capazes de filtrar evidências
científicas úteis e de qualidade, e sintetizá-las conforme as necessidades de uma dada situação. Muito embora
a seleção de integrantes dos arranjos institucionais de enfrentamento à pandemia não esteja isenta de possíveis
vieses (por exemplo, escolha apenas de cientistas que concordassem com a autoridade), especialistas são sempre
preferíveis a pessoas com pouca ou nenhuma experiência na área em questão.
Valor = 2: pelo menos metade dos participantes dos arranjos institucionais possui formação em pesquisa e experi-
ência em saúde pública, ou em outras áreas importantes para a contenção da epidemia (ciências comportamentais
ou economia da saúde, por exemplo).
Valor = 1: menos da metade dos participantes dos arranjos institucionais possui formação em pesquisa e experiência
em saúde pública, ou em outras áreas importantes para a contenção da epidemia.
Valor = 0: nenhum arranjo institucional foi criado ou mobilizado; ou, caso tenha sido, a participação de pessoas
com formação em pesquisa e experiência em saúde pública, ou em outras áreas importantes para a contenção da
epidemia, é inexistente ou apenas simbólica (um membro em um comitê com 25 pessoas, por exemplo).
Elaboração do autor.
BOX 4
Critério 4: interdisciplinaridade dos arranjos institucionais
Uma política efetiva requer a participação de especialistas de diversas áreas. Para além de profissionais das áreas de
epidemiologia, infectologia e virologia, a participação de especialistas de outras áreas é importante, pois questões
sociais, econômicas e comportamentais podem reduzir ou ampliar os impactos de políticas de saúde pública. Se
considerou que outras áreas importantes (além das de epidemiologia, infectologia, virologia ou áreas próximas a
estas) eram as seguintes: gestão da saúde pública, gestão de risco, logística, ciências comportamentais, ciência de
dados, e economia da saúde. Além destas, outras áreas observadas durante a análise – e que não foram antecipa-
das – também foram consideradas.
Valor = 2: os arranjos institucionais possuem pessoas de quatro ou mais disciplinas.
Valor = 1: os arranjos institucionais possuem pessoas de duas ou três disciplinas.
Valor = 0: nenhum arranjo institucional foi criado ou mobilizado; ou, caso o tenha sido, possui especialistas de
apenas uma disciplina.
Elaboração do autor.
O Uso de Evidências Científicas no Enfrentamento à Pandemia de Covid-19 no | 869
Brasil: uma comparação das políticas dos governos estaduais
BOX 5
Critério 5: transparência dos trabalhos dos arranjos institucionais
A transparência dos trabalhos do governo no enfrentamento à pandemia é importante para que políticas possam
ser submetidas ao escrutínio da comunidade científica e, assim, ser corrigidas caso necessário. Para este critério,
considerou-se o quanto os trabalhos dos comitês (ou equivalentes) foram divulgados ao público. A análise incluiu
tanto a disponibilidade de discussões internas (divulgação de atas de reunião, por exemplo) como dos resultados
dos trabalhos do comitê (notas técnicas, por exemplo).
Valor = 2: as discussões e os resultados dos trabalhos foram todos (ou quase todos) divulgados ao público.
Valor = 1: as discussões e os resultados dos trabalhos foram parcialmente divulgados ao público. Por exemplo: os
trabalhos de um comitê foram divulgados, mas não os de outros; ou decisões de uma área foram divulgadas, mas
não as de outras.
Valor = 0: as discussões e os resultados não foram divulgados ou o foram de forma vaga ou muito limitada (por
exemplo, apenas uma ata de reunião ao longo de um ano). Também se atribuiu o valor zero caso o comitê tenha
feito apenas trabalhos muito pontuais, ou não exista informação sobre o seu funcionamento.
Elaboração do autor.
BOX 6
Critério 6: influência dos arranjos institucionais
A existência de um comitê (ou equivalente) com especialistas capacitados e de várias áreas é de pouca valia se suas
recomendações não são seguidas. Para este critério, foi avaliado se – e em que medida – os trabalhos do comitê foram
incorporados em políticas. Alguns exemplos são: recomendações para medidas de distanciamento social, protocolos
setoriais (para escolas e unidades industriais, por exemplo), planos de comunicação para com a sociedade e recomen-
dações sobre como induzir mudanças no comportamento da população (uso de máscaras e higienização das mãos, por
exemplo). Caso decisões de governo tenham se baseado em recomendações oriundas dos comitês (ou equivalentes),
este critério foi atendido. Considerou-se que isto ocorreu quando documentos de governo ou declarações de autoridades
tenham explicitamente citado comitês científicos (ou equivalentes) como fonte para a decisão.
Casos nos quais ocorreram recomendações pseudocientíficas ou sem base em evidências científicas (como o chamado
“tratamento precoce”) não foram considerados no cálculo desta variável.
Valor = 2: o governo tomou decisões com base em recomendações feitas no âmbito do arranjo institucional de
enfrentamento à pandemia em quatro ou mais tópicos, necessariamente incluindo medidas de distanciamento social.
Valor = 1: o governo tomou decisões com base em recomendações do arranjo institucional de enfrentamento à
pandemia em um, dois ou três tópicos.
Valor = 0: um arranjo institucional não foi criado ou mobilizado, não há evidências de que suas recomendações foram
seguidas pelo governo, ou recomendações foram seguidas de forma muito limitada (em um caso apenas, por exemplo).
Elaboração do autor.
de -1. Um valor negativo nestas variáveis não implica que o governo tenha realizado
um trabalho deficiente em outras áreas de contenção da epidemia. Como exemplo,
um governo pode ter adotado uma política efetiva de distanciamento social ao
mesmo tempo em que recomendou o “tratamento precoce”.
Por fim, deve-se considerar que os resultados dos trabalhos realizados pelos
comitês (ou equivalentes) foram sempre na forma de recomendações. Decisões
relacionadas a normas de distanciamento social, uso de máscaras e ampliação da
infraestrutura hospitalar, por exemplo, cabiam sempre ao governador do estado
ou ao secretário de saúde.
QUADRO 1
Arranjos institucionais de enfrentamento à pandemia criados ou mobilizados por
governos estaduais
UF Comitês científicos (ou equivalentes) Data de criação
(Continuação)
UF Comitês científicos (ou equivalentes) Data de criação
Minas Gerais Comitê Gestor do Plano de Prevenção e Contingenciamento em Saúde da Covid-19 15/3/2020
(Continua)
874 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
(Continuação)
UF Comitês científicos (ou equivalentes) Data de criação
Comitê de Crise -
Sergipe
Comitê Técnico-Científico e de Atividades Especiais -
Elaboração do autor.
Obs.: 1. Na última coluna, os traços indicam que o comitê (ou equivalente) era preexistente à pandemia ou que sua data de
criação não pôde ser identificada.
2. Secretarias estaduais de saúde e conselhos estaduais de saúde não estão incluídos.
TABELA 1
Avaliação do trabalho de arranjos institucionais para o enfrentamento da covid-19
nos governos estaduais
Interdis- Medidas
Tempesti- Especia- Transpa-
Escopo ciplinari- Influência não cien- Total
UF vidade listas rência
(0 a 2) dade (0 a 2) tíficas (-6 a 10)
(0 a 2) (0 a 2) (0 a 2)
(0 a 2) (-6 a 0)
Paraíba Rápida (2) Amplo (2) Sim (2) Sim (2) Alta (2) Alta (2) 0 10,0
Rio Grande do Sul Rápida (2) Amplo (2) Sim (2) Sim (2) Alta (2) Alta (2) 0 10,0
Santa Catarina Rápida (2) Amplo (2) Sim (2) Sim (2) Alta (2) Alta (2) 0 10,0
São Paulo Rápida (2) Amplo (2) Sim (2) Sim (2) Alta (2) Alta (2) 0 10,0
Espírito Santo Rápida (2) Amplo (2) Sim (2) Parcial (1) Alta (2) Alta (2) 0 9,2
Rio Grande do Norte Média (1) Amplo (2) Sim (2) Sim (2) Alta (2) Alta (2) 0 9,2
Ceará Rápida (2) Amplo (2) Parcial (1) Parcial (1) Alta (2) Alta (2) 0 8,3
Goiás Rápida (2) Amplo (2) Parcial (1) Parcial (1) Alta (2) Alta (2) 0 8,3
Paraná Rápida (2) Médio (1) Sim (2) Sim (2) Média (1) Alta (2) 0 8,3
Sergipe Média (1) Médio (1) Sim (2) Sim (2) Alta (2) Alta (2) 0 8,3
Piauí Rápida (2) Médio (1) Sim (2) Parcial (1) Média (1) Alta (2) 0 7,5
Tocantins Rápida (2) Médio (1) Sim (2) Sim (2) Média (1) Média (1) 0 7,5
Distrito Federal Média (1) Amplo (2) Sim (2) Parcial (1) Alta (2) Alta (2) -1 7,3
Amazonas Rápida (2) Amplo (2) Sim (2) Sim (2) Média (1) Alta (2) -2 7,2
Pernambuco Rápida (2) Médio (1) Parcial (1) Parcial (1) Média (1) Alta (2) 0 6,7
Bahia Rápida (2) Médio (1) Parcial (1) Parcial (1) Alta (2) Alta (2) -1 6,5
Pará Rápida (2) Amplo (2) Sim (2) Parcial (1) Média (1) Alta (2) -2 6,3
Minas Gerais Rápida (2) Médio (1) Parcial (1) Não (0) Alta (2) Alta (2) -1 5,7
Mato Grosso do Sul Rápida (2) Médio (1) Parcial (1) Parcial (1) Média (1) Alta (2) -1 5,7
(Continua)
876 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
(Continuação)
Interdis- Medidas
Tempesti- Especia- Transpa-
Escopo ciplinari- Influência não cien- Total
UF vidade listas rência
(0 a 2) dade (0 a 2) tíficas (-6 a 10)
(0 a 2) (0 a 2) (0 a 2)
(0 a 2) (-6 a 0)
Acre Rápida (2) Médio (1) Parcial (1) Parcial (1) Média (1) Média (1) -1 4,8
Rio de Janeiro Rápida (2) Médio (1) Parcial (1) Parcial (1) Média (1) Média (1) -1 4,8
Maranhão Rápida (2) Médio (1) Parcial (1) Parcial (1) Média (1) Alta (2) -2 4,7
Rondônia Rápida (2) Médio (1) Parcial (1) Parcial (1) Média (1) Alta (2) -2 4,7
Alagoas¹ Rápida (2) Baixo (0) Sim (2) Parcial (1) Baixa (0) Baixa (0) -1 3,2
Amapá Rápida (2) Médio (1) Sim (2) Parcial (1) Baixa (0) Baixa (0) -2 3,0
Roraima Média (1) Baixo (0) Parcial (1) Não (0) Baixa (0) Baixa (0) -1 0,7
Mato Grosso Rápida (2) Baixo (0) Não (0) Não (0) Baixa (0) Baixa (0) -2 -0,3
Média 1,9 1,3 1,6 1,2 1,3 1,6 -0,7 6,6
Fontes: Para o Acre, Acre (2020a; 2020c; 2020d; 2020e; 2020f; 2020g; 2021) e Portal de Informações sobre o Combate à
2
Covid-19 (disponível em: <https://bit.ly/3nVXWL>); para Alagoas, Alagoas (2020a; 2020c) e SAI (2020); para o Amapá,
Amapá (2020a; 2020b; 2020c) e MP-AP (2021); para o Amazonas, Amazonas (2020a; 2020b; 2021a; 2021c); para a
Bahia, Bahia (2020a; 2020b) e Portal do Governo da Bahia: Planos Estaduais e Comunicados (disponível em: <https://
bit.ly/3HXZIEb>); para o Ceará, Ceará (2020) e Portal do Governo do Ceará: Documentos Oficiais, Coronavírus Ceará
(disponível em: <https://bit.ly/3p63rH5); para o Distrito Federal, Distrito Federal (2020a; 2020b; 2020c; 2021); para o
Espírito Santo, Espírito Santo (2020a; 2020b; 2020c; 2020d); para o Goiás, Goiás (2020a; 2020b; 2021); para o Maranhão,
Maranhão (2020a); para Mato Grosso, Mato Grosso (2020) e Celestino (2020); para Mato Grosso do Sul, Mato Grosso
do Sul (2020a; 2020b; 2020d) e Centro de Operações de Emergências (disponível em: <https://bit.ly/3o4teAe>); para
Minas Gerais, Minas Gerais (2020) e Resoluções, Portarias, Deliberações e Outros: Comitês Extraordinários Covid-19
(disponível em: <https://bit.ly/3pgm9fk>); para o Pará, Pará (2020; 2021) e Portal da Transparência Covid-19 (disponível
em: <https://bit.ly/3o1d1eU>); para o Paraná, Paraná (2020a; 2020b; 2020c) e Portal Coronavírus (disponível em: <ht-
tps://bit.ly/3rfuuCt>); para Pernambuco, Pernambuco (2020a; 2020b; 2020c) e Tôrres (2021); para o Piauí, Piauí (2020a;
2020b; 2021) e Saiba... (2020); para o Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro (2020a; 2020b; 2020c; 2020d); para o
Rio Grande do Norte, Rio Grande do Norte (2020a; 2020b) e Comitê Científico do Rio Grande do Norte: Documentos
e Recomendações Publicados Sobre a Covid-19 (disponível em: <https://bit.ly/3D742x9>); para o Rio Grande do Sul,
Rio Grande do Sul (2020a; 2020b) e Portarias da SES/RGS (disponível em: <https://bit.ly/3ou5XHP>); para Rondônia,
Rondônia (2020a; 2020b; 2020c; 2020d; 2021) e Portal do Governo do Estado de Rondônia: Notas Técnicas (disponível
em: <https://bit.ly/3rlHhmR>); para Roraima, Roraima (2020); para a Paraíba, Paraíba (2020a; 2020b) e Evidências
Científicas (disponível em: <https://bit.ly/3E3jg7K>); para Santa Catarina, Santa Catarina (2020a; 2020b; 2020c),
Portarias Publicadas Covid-19 (disponível em: <https://bit.ly/3o4FCAa>) e Documentos e Notas para Profissionais da
Saúde (disponível em: <https://bit.ly/31cvQTu>); para São Paulo, Estado de São Paulo (2020a; 2020b; 2020c; 2020d);
para Sergipe, Sergipe (2020a; 2020b; 2020c; 2020d; 2020e), Decretos e Portarias Covid-19 (disponível em: <https://
bit.ly/3I7mqK8) e Sergipe Contra o Coronavírus: Estudos Técnicos (disponível em: <https://bit.ly/3FVJ1ak>); para o
Tocantins, Tocantins (2020a; 2020b; 2020c; 2020d) e Relatórios Situacionais (disponível em: <https://bit.ly/3D9YLF8).
Notas: 1 Embora não haja muita clareza sobre o papel do comitê de Alagoas, ele é interno à Secretaria de Saúde, a qual foi a
principal formuladora do Plano de Distanciamento Social do Estado. É possível que o comitê tenha tido uma participa-
ção importante neste processo, mas não se encontraram evidências e, portanto, atribuiu-se um valor de 0 às variáveis
transparência dos trabalhos e influência sobre políticas.
2
Exceto para medidas não científicas, as quais são detalhadas na tabela 2.
Obs.: 1. Em alguns estados (Bahia, Ceará e Distrito Federal, por exemplo), os governos criaram comitês voltados a lidar com a
pandemia, mas também criaram ou utilizaram grupos preexistentes para lidar com temas específicos (sistema prisional,
saúde mental etc.). Estes espaços foram considerados na atribuição de valores para as variáveis.
2. Foram consultados também os websites sobre a pandemia mantidos pelos governos estaduais e um website do Conass
que continha todas as normativas estaduais (https://bit.ly/3JvbJ3B). Os documentos consultados nestes websites não
são discriminados aqui dado seu número bastante extenso.
Observa-se que doze UFs tiveram valores iguais ou superiores a 7,5 e dezenove
tiveram valores superiores a 5. As UFs nas quais menos se observaram características
de um arranjo institucional capaz de processar evidências científicas de qualidade
O Uso de Evidências Científicas no Enfrentamento à Pandemia de Covid-19 no | 877
Brasil: uma comparação das políticas dos governos estaduais
foram Mato Grosso, Roraima, Alagoas, Amapá, Maranhão, Rio de Janeiro e Acre.
No caso do Rio de Janeiro, isto se deveu à desmobilização de arranjos criados no
início da pandemia, os quais se mantiveram em operação por poucos meses. Cada
um dos seis critérios avaliados é brevemente analisado a seguir, apresentando-se
também alguns exemplos do que foi observado.
Primeiro, todas as UFs criaram um arranjo institucional ou mobilizaram
arranjos preexistentes até o final de março de 2020, indicando uma resposta
relativamente rápida à pandemia. Assim, a falta de tempestividade na criação de
arranjos de enfrentamento à pandemia não foi observada. E, em vez de apenas
utilizarem o que já existia, governos criaram arranjos específicos ou adaptaram
arranjos pré-existentes.
Segundo, o escopo das atividades dos comitês (ou equivalentes) foi claro e
abrangente em onze UFs. Nestas, os arranjos trabalharam com pelo menos quatro
temas distintos, os quais foram definidos com precisão e incluíram políticas voltadas
ao distanciamento social. Isto não significa, é claro, que os resultados tenham sido
necessariamente satisfatórios. Por exemplo, um comitê pode ter tido a atribuição
de fazer recomendações em diversas áreas, mas, como o governador tomava as
decisões finais, o comitê poderia ser usado apenas para atribuir uma imagem
de cientificidade às políticas. Apesar de esta ser uma possibilidade, decisões que
contrariassem as recomendações do comitê teriam um custo político, reduzindo
a probabilidade de sua ocorrência. Alguns exemplos de atribuições precisas dos
comitês são listados a seguir.
1) “A avaliação sobre a necessidade de permanência ou progressão do ciclo
[de medidas de distanciamento social] deverá ocorrer semanalmente,
obedecendo à matriz de risco elaborada pela FVS/AM e outros” (Ama-
zonas, 2020b).
2) “Definir critérios epidemiológicos e relacionados à oferta de serviços de
saúde na Bahia que possam orientar com segurança e de forma regional
a adoção de estratégias de flexibilização das medidas de distanciamento
social” (Bahia, 2020b).
3) “Padronizar as informações repassadas aos estabelecimentos industriais,
comerciais e de prestadores de serviços que busquem a preservação da
saúde dos colaboradores envolvidos e seus familiares, a fim de mitigar a
propagação de contágio da covid-19” (Goiás, 2020b).
4) “Decidir sobre a confirmação ou alteração das atividades comerciais nas
respectivas fases, com critérios sanitários, econômicos e sociais, realizando
o enquadramento dos territórios de planejamento nas respectivas fases
de forma individualizada” (Sergipe, 2020e).
878 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
TABELA 2
Recomendações sem base em evidências científicas para o enfrentamento à covid-19
Desincentivo ao distan-
“Tratamento precoce” com Métodos supostamente
ciamento ou busca da
UF um ou mais medicamentos preventivos ou outras formas Total
imunidade de rebanho via
do “kit-covid” de tratamento da doença
transmissão da doença
Fontes:1 Para o Acre, Acre (2020b); para Alagoas, Alagoas (2020b); para o Amapá, Cruz (2020), Borges (2020) e Amapá (2020d);
para o Amazonas, Amazonas (2021b); para a Bahia, Bahia autoriza... (2020); para o Distrito Federal, Ibaneis... (2020);
para o Maranhão, Maranhão (2020b); para Mato Grosso, Gabriel e Celestino (2020) e Rodrigues (2020); para Mato
Grosso do Sul, Mato Grosso do Sul (2020c); para Minas Gerais, Ronan (2021); para o Pará, Frias (2020) e Menezes
(2020); para o Piauí, Governador... (2020); para o Rio de Janeiro, Nunes (2020) e Maioria... (2021); para Rondônia,
Holanda (2020) e Moura (2021); para Roraima, Costa (2021).
Nota: 1 Medidas não científicas.
O Uso de Evidências Científicas no Enfrentamento à Pandemia de Covid-19 no | 881
Brasil: uma comparação das políticas dos governos estaduais
REFERÊNCIAS
ACRE. Plano de Contingência Estadual para a Infecção Humana pelo novo
coronavírus (covid-19). 5. ed. Rio Branco: Sesacre, 2020a. Disponível em: <ht-
tps://bit.ly/3laeduM>.
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Rio Branco: Sesacre, 2020b. Disponível em: <https://bit.ly/3cSOgvb>.
______. Decreto no 5.465, de 16 de março de 2020. Dispõe sobre medidas tem-
porárias a serem adotadas, no âmbito do estado do Acre, para enfrentamento da
emergência de saúde pública decorrente da doença covid-19, causada pelo coro-
navírus (Sars-COV-2). Diário Oficial do Estado do Acre, Rio Branco, 17 mar.
2020c. Disponível em: <https://bit.ly/3p5xYoa>.
______. Portaria no 33, de 17 de março de 2020. Dispõe sobre o Comitê de
Acompanhamento Especial da Covid-19, instituído pelo Decreto no 5.465, de 16
de março de 2020. Diário Oficial do Estado do Acre, Rio Branco, p. 3, 18 mar.
2020d. Disponível em: <https://bit.ly/3HXIIxR>.
______. Decreto no 6206, de 22 de junho de 2020. Dispõe sobre a criação do
Pacto Acre sem Covid e prorroga prazos previstos no Decreto no 5.496, de 20 de
março de 2020, que estabelece medidas para enfrentamento da emergência de saúde
pública decorrente da doença covid-19. Diário Oficial do Estado do Acre, Rio
Branco, p. 1, 22 jun. 2020e. Disponível em: <https://bit.ly/3138BLV>.
______. Pacto Acre Sem Covid: sociedade, economia e estado saudáveis. Rio
Branco: Sesacre, 2020f. Disponível em: <https://bit.ly/3CU8bo5>.
______. Resolução no 2, de 3 de julho de 2020. Rio Branco: Comitê de Acom-
panhamento Especial da Covid-19, 3 jul. 2020g. Disponível em: <https://bit.
ly/3CVzI8L>.
886 | Políticas Públicas e Usos de Evidências no Brasil:
conceitos, métodos, contextos e práticas
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