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BAITELLO JUNIOR, Norval.

A serpente, a maçã e o hologroma: esboços para uma


teoria da mídia. São Paulo: Paulus, 2010.

Explicando o texto Da Gula de Vilém Flusser (1963)

[...] uma transição da “economia da fome” para a “economia da gula” nas sociedades
contemporâneas; enquanto países ricos constituem sociedades gulosas, os pobres ainda
se debatem em sociedades famintas. Expõe a diferença entre as estratégias orientais e
ocidentais de se entender e para se combater a fome: enquanto nós ocidentais matamos a
fome comento, os sábios orientais ensinariam que quanto mais se come, tanto mais
faminto se estará, pois a fome é um desejo e os desejos crescem quando são satisfeitos
(BAITELLO JUNIOR, 2010, p. 13-14).

“filosofia da gula” – “apreciação ética, estética e principalmente existencial da gula”

A captura pela inversão, pelo olhar ao avesso e subterrâneo, pelo enfrentamento


canibalizante dos objetos tratados, instaura uma lógica dos saltos, uma linha que
interrompe bruscamente para se retomar logo adiante, com mais força e ainda mais
surpresa, demonstrando que o salto no vazio contém infinitos e explosivos passos
(BAITELLO JUNIOR, 2010, p. 16).

A devoração proposta pelos modernistas possui intenções de promover assepsia, quer


eliminar o outro por meio do metabolismo, incorporando seletivamente sua herança
vigorosa, descartando a cultura subserviente e colonialista tanto quanto aquela tacanha
de visão estreita e nacionalista. Assim, o comportamento a ser combatido é o
colonialista, importador de modismos, mas também é o nacionalista, defensor folclórico
de um conceito mesquinho de pátria. Ambos não conseguem metabolizar nem a
novidade cultural que vem de outras culturas, nem a herança histórica da própria culutra
(BAITELLO JUNIOR, 2010, p. 17).

[...] se define o trabalho da comunicação e da mídia, assim se define o trabalho da


tecnologia: devorar para criar vazios devoradores (BAITELLO JUNIOR, 2010, p. 29).
A devoração é gulosa porque tende à desmensura, em um crescimento exponencial e
obsessivo. Não visa satisfazer as necessidades da fome apenas, mas visa a produzir mais
e mais fome, para que se justifique o crescimento permanente e exponencial da
produção (BAITELLO JUNIOR, 2010, p. 38).

A gula, portanto, seria a forma de devoração excessiva, que não apenas produz excesso
de excrementos, mas que passa a devorá-los igualmente, tal qual já faz com a natureza.
Torna-nos tão dependentes da devoração que já uma reversão do processo: são os
excrementos que devoram seus devoradores. Tal reversão já está presente na
antropofagia ritual, segundo a qual não somos nós comedores os agentes ou sujeitos de
uma ação, mas ao contrário, ao comermos um pedaço de carne ou um pedaço de pão,
estamos sendo devorados pelos mesmos, sucumbindo à força de sua materialidade e de
sua imaterialidade, de seu sabor e de seus saberes, diante dos quais apenas somos um
elo a alimentar uma história (BAITELLO JUNIOR, 2010, p. 38-39).

O consumo consome a todos (BAITELLO JUNIOR, 2010, p. 41).

A grande vítima sacrificial é, portanto, o espaço, habitat do corpo. A perda do primeiro


significará a aniquilação do segundo. Um grande vácuo se abre, um espaço de saudades
do espaço (BAITELLO JUNIOR, 2010, p. 43).

Toda mediação com o mundo se processava na tridimensionalidade do gesto e do corpo,


da presença e no presente. No momento em que o homem começou a depositar suas
marcas sobre objetos e sobre as paredes das cavernas – marcas que se transformaram em
representações imagéticas – desencadeia-se uma revolução de consequências
imprevisíveis: suas imagens criam um novo olhar e uma nova percepção do tempo, um
tempo circular que permite ao observador retornar sempre a um ponto inicial. A
circularidade do olhar cria um tempo mágico do eterno retorno. Mas uma das três
dimensões do espaço se perde nesta passagem. A dimensão da profundidade (que dá a
materialidade palpável, corpórea) perde-se no universo das imagens planas, das
tradicionais representações imagéticas sobre superfícies (BAITELLO JUNIOR, 2010, p.
53).
Eletricidade e serpente, imaterialidade e imagem, oralidade, gesto e corpo, escrita e
história, memória e aparições, presença de ausências e presença de presenças, coisas e
não coisas, tais aproximações ou distanciamentos nos permitem pensar a comunicação
como ponte que se constrói sobre abismos. Mas também nos obrigam a entrevê-la como
abismos que se constroem sob as pontes (BAITELLO JUNIOR, 2010, p. 67).

A cultura se constitui, portanto, como um campo de permanente conflito e tensões e


jamais como um sucessão ou um fluir de momentos, tal qual se concebe na
historiografia. E isto se estampa na força e na “pós-vida” das imagens, e em sua
natureza paradoxal. Como consequência, mesmo as imagens mais contemporâneas
possuem um lastro e um rastro daquele conflito de vetores (BAITELLO JUNIOR, 2010,
p. 76).

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