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BAITELLO JUNIOR, Norval.

Existências penduradas: selfies, retratos e outros


penduricalhos. Por uma ecologia das imagens. São Leopoldo/RS: Ed. UNISINOS, 2019.

Estamos em um mundo em que as coisas se volatilizaram em suas certezas: os meios de


comunicação servem mais à incomunicação e à desinformação; as instâncias de justiça
se tornaram lacaias das mais flagrantes injustiças; os Estados, que deveriam cuidar do
cidadãos, que pagam pesados impostos, se transformaram em demolidores da
seguridade social e do futuro de seus cidadãos; as nações, que deveria proteger as
riquezas de um povo, assegurando sua prosperidade, tornaram-se entregadoras
descaradas e deslavadas destas mesmas riquezas; a sustentabilidade tão necessária para
o planeta virou slogan publicitário daqueles mesmos que continuam destruindo e
devastando; a técnica, que pretendia facilitar nossa vida, terminou nos escravizando aos
seus aparatos e produtos; o discurso científico, que deveria corrigir nossa maneira de
gerir o mundo e a vida, também ele foi muitas vezes comprado para garantir lucros de
grandes empresas que vendem a morte (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 11).

[...] quando falo de imagem não me refiro apenas à visualidade, mas a todas as
sensorialidades. Assim como hoje guardamos imagens visuais e sonoras nas nuvens, as
outras sensorialidades (tato, olfato, paladar) não podemos “pendurar”, elas nos ancoram
ainda no chão. Foi por isso que o jornalista e comunicólogo espanhol Vicente Romano
defendeu até o fim da vida a comunicação de proximidade em um mundo que apostou
todas as fichas nas telecomunicações (comunicações de distância) (BAITELLO
JUNIOR, 2019, p. 13).

Assim nos fotografamos, de cima para baixo, como se estivéssemos pendurados à mão
que fotografa a nós mesmos lá embaixo. Nosso corpo, lá embaixo, nossa foto, lá em
cima dentro do celular. O mundo está inteiro nesta caixinha elegante e portátil, cada vez
mais indispensável, obrigatória, que guarda todos nossos segredos, nossa vida social,
nossos olhos para o mundo, nossos afetos, nossas contas bancárias, nosso despertador,
nossos passatempos, nossa atividade física, nossa frequência cardíaca e a pressão
arterial, nossa biblioteca e nossa filmoteca, rádio e televisão, espelho e lanterna,
máquina fotográfica e álbum de fotos e filmes, calculadora e caderneta de endereços,
previsão meteorológica e cartografia do céu, suas estrelas e suas constelações, mapa-
múndi e enciclopédia, guia turístico e consultor astrológico, aplicativo para pedir
comida, localizador para tudo o que existe aqui e agora, tradutor instantâneo para todas
as línguas, agenda e calendário para toda a eternidade, microscópio e telescópio e, por
último, telefone com som e imagem ao vivo ou com sons e imagens para serem vistos e
lidos depois (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 14-15).

Selfie chegou como um conceito, um gesto e uma palavra, todos juntos. É tão universal
o gesto como a palavra em inglês. E tão universal como os próprios celulares. Será
ocioso fazer uma estatística dos celulares, como algo que surgiu e viralizou em poucos
anos, tornando obsoletos os telefones fixos, os telefones públicos, daqui a pouco
também o e-mail e talvez também o próprio computador pessoal, o celebrado PC dos
anos 1990. É ocioso fazer estatísticas de celulares, como também é inútil computar as
avalanches de fotos que os celulares fazem no mundo (muito embora tais números
sejam impressionantes!). A estatística estará obsoleta no minuto seguinte, tamanha é a
velocidade em que estes objetos e estas ações conquistam o mundo. E talvez esta
estimativa nos dê resposta para a pergunta logo acima: onde estamos? No celular
guardados como imagem ou no mundo olhando as imagens de nós mesmos?
Estatitisticamente estamos infinitamente mais nas imagens que no mundo. Há milhares
de nós mesmos lá dentro da caixinha enquanto há só um no mundo. Este só um, além do
mais, é mortal, adoece, envelhece e morre. Já as imagens, que lá estão penduradas,
fazem a promessa de resistir ao passar do tempo, de não morrer, não adoecer nem
envelhecer. Este é o paradoxo das imagens: estamos nelas mas continuamos fora delas.
O que é uma imagem afinal? Um paradoxo de presença e ausência? (BAITELLO
JUNIOR, 2019, p. 16-17).

O segundo olhar é o que acontece quando a lente nos olha. Este é o olhar que fica
registrado na foto. É o olhar do celular em posição superior que ficará para a eternidade.
O deslocamento do olhar da imagem que nos olha, de cima para baixo, é o ponto de
vista aéreo, dos seres alados, dos seres suspensos, mas também dos seres inefáveis,
anjos, deuses e imagens. O olhar de cima é o olhar do poder. O olhar da selfie é o olhar
de um destes seres aos quais atribuímos vida simbólica e poder, a quem entregamos
nossa alma, nossa vida e nossa morte, a quem confiamos nossa imagem. É a esta
divindade, adorada ao mais alto grau das adorações contemporâneas, o celular, que
entregamos nossas memórias, nossa história, nossos sonhos, nossa glória (BAITELLO
JUNIOR, 2019, p. 17).
As selfies, feitas por um gesto de levantar o braço, estarão nas nuvens duplamente
penduradas no ar. Se nos identificamos com nossas próprias fotos (e seria possível não o
fazermos?), então há nas nuvens uma versão de nós, lá estamos nós, duplamente
pendurados, pelo braço e pela nuvem (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 18).

Toda selfie é a mais pura expressão de um desamparo (BAITELLO JUNIOR, 2019, p.


19).

O totem forma uma comunidade de pertencimento a um grupo social que escolhe como
imagem identificadora um determinado animal ou um objeto na natureza em uma
relação vertical de entrega e renúncia. Hoje não seria o animal, nem a natureza, mas a
imagem e seu aparato, desde o celular ou à câmera até a intrincada alquimia digital de
armazenamento “nas nuvens”. Há os clãs totêmicos de determinadas marcas de
celulares, de computadores, de carros, de grifes. Mas onde ficamos nós na sociedade
neototêmica? (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 19).

Adorar aparelhos (os celulares) ou as aparências (arquivos nas nuvens) tornou-se


grandes totemismos (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 20).

O rosto é o centro da foto, seu objeto maior, sua razão de ser. Todo o resto é necessário
e figuração. O conjunto de gestos, o braço estendido para o alto, o rosto virado para lá, o
sorriso largo, todos querem mostrar uma emoção, como todo gesto. Emoção é uma
palavra que vem de “movere”, do latim, que significa mover, mexer, colocar em
movimento. Uma emoção é, portanto, algo que se mexe e que nos mexe ou mexe
conosco. Mas qual é a emoção que estaria aí se mexendo ou nos mexendo? Vamos olhar
para outros gestos para tentar entender este nosso gesto da selfie. Os gestos exacerbados
de jogadores de futebol logo após um gol possuem algo em comum. Saltos para o alto,
murros no ar, corridas disparadas e rostos voltados para cima. Este é o gesto da vitória,
da emoção de uma difícil conquista. Tal gesto tem uma longa trajetória na história
humana. Desde sempre a vitória foi celebrada com explosões gestuais ou encenações. O
retorno de uma tropa vitoriosa sempre foi uma explosão de movimentos exteriores e
interiores. E sempre foi festejado de todas as formas e registrado com as possibilidades
de cada época, com narrativas, com música, com esculturas e estátuas, com relevos,
com pinturas, com desenhos, com fotos, com filmes (BAITELLO JUNIOR, 2019, p.
22).

Um gesto é sempre uma emoção do corpo. Emoção é movimento interno que se


manifesta para fora, contaminando o entorno. E a vitória é sempre um momento que
exige um gesto, uma manifestação, um externamento explosivo das emoções
(BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 25).

Quem se manifesta, levanta o braço. É sinal de presença e de existência. Levantar o


braço já quer dizer por si só “eu estou aqui”. E só por isso já podemos entender o que
dizem os braços levantados das manifestações de protestos e passeatas. Demonstram
que as pessoas que ali estão existem de fato e não querem ser ignoradas. O que faz a
força de uma passeata, manifestação ou de um protesto é a presença física das pessoas,
com a força de seus gestos e corpos, vozes e movimentos, atitudes afirmativas e
reivindicativas ou de rejeição a algo, braços levantados (BAITELLO JUNIOR, 2019, p.
25-26).

O próximo componente de uma selfie é o sorriso aberto. Não é um simples e discreto


sorriso de mera simpatia. Não se trata também do riso, resultado de uma situação
cômica ou uma trapalhada. Não, uma selfie é sempre um assunto da máxima seriedade.
As pessoas se levam muito a sério quando fazem selfie, pois esta é o desmanche da
pose, uma explosão de sons e gestos que se expande par ao corpo todo. Mas a seriedade
não pode se expressar como dureza no rosto, ela tem que mostrar uma felicidade muito
explícita, quase esfuziante! É uma séria encenação de felicidade do tipo: “Estou muito
feliz de estar aqui! Quero que todos vejam isto, mas sobretudo eu mesmo quero que eu
veja minha própria felicidade estampada no rosto!”. O sorriso bem aberto para não
restar dúvidas quanto à felicidade do momento. Uma felicidade obrigatória,
compulsória, que me convença a mim mesmo primeiro (BAITELLO JUNIOR, 2019, p.
30).

Com os celulares equipados de câmeras iniciou-se uma nova ordem das prioridades.
Fotograva-se, facilmente e a qualquer hora, qualquer objeto. E as fotos raramente saem
dos celulares, são vistas ali mesmo (ou nem mesmo são vistas de novo, nunca mais),
sem a necessidade de outro aparelho estranho, sem grandes dificuldades no domínio das
regras. Ou são envaidas para outros celulares. Aí sim, serão vistas, por outros. Ou ainda
vão para as redes sociais, onde se exporão para existirem. E, quando restritas aos
próprios celulares, se miniaturizaram, dificultando a visão dos detalhes ou então
restringindo o detalhe procurado individualmente pelo uso do “zoom” (BAITELLO
JUNIOR, 2019, p. 33).

A era da proliferação das imagens trouxe a dificuldade de diferenciar o que somos nós
mesmos de o que são nossas imagens. As imagens se tornam constitutivas da existência
das pessoas. Por isso ficamos nós mesmos aqui embaixo achando que estamos lá em
cima. E as imagens lá em cima se achando verdadeiras existências, produzidas a partir
de um suporte inferior (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 34).

As grandes telas de cinema penduradas frontalmente ao público sentado, ofereciam a


sensação de suspensão, elevação acima do chão duro da realidade, prometendo que a
vida suspensa seria muito mais glamourosa. As bombas vinham de cima, mas também
os sonhos eram bombados (no sentido de inflados) pelo alto das antenas transmissoras
do rádio, pelas telas de cinema e depois pelas antenas de televisão. Do alto vinham as
imagens, um bombardeio de sonhos devidamente pré-sonhados de amores
arrebatadores, de famílias perfeitas, de vidas exemplares, de heróis (BAITELLO
JUNIOR, 2019, p. 35).

A ideia de eternidade está desde então associada às imagens, graças às suas núpcias com
as pedras das paredes, com uma existência mineral (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 38).

Se 30 milhões seguem um youtuber e gastam com ele uma hora por semana, seu valor é
de 30 milhões de horas por semana. Seu valor é equivalente às horas de 50 vidas de 70
anos, apenas em uma semana (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 42).

[...] contam-se em horas de seguidores de Twitter, de youtubers, likes de Facebook e de


Instagram. A autoestima (e, a partir de um certo número muito alto deles, também a
conta bancária) se mede pelos penduricalhos. E não necessariamente pelo talento, pela
inteligência, pela novidade, pela relevância social, pela inovação e pela criatividade,
pela contribuição para a melhoria do mundo (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 42).
Um retrato é a imagem de uma pessoa ou de um grupo de pessoas. A maioria dos
estudiosos de retratos parte de classificações formais, apenas rosto, rosto e ombros,
rosto, ombros e bustos, meio corpo, corpo inteiro etc. Ou então os separam por sua
técnica: escultura, máscara, desenho, pintura, fotografia, cunhagem. Apenas poucos
dizem algo a respeito da gestualidade estereotipada dos retratos, sempre com as mesmas
poses (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 44).

As imagens sempre afirmam e confirmam seus valores (BAITELLO JUNIOR, 2019, p.


47).

O corpo não se eleva, o que se eleva é sua imagem (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 49).

“Existir” é uma palavra curiosa, significa estar vivo, estar presente, possuir
corporeidade em um entorno de espaço e de tempo. Não é apenas ser ou estar, é muito
mais! É algo mais da natureza do “ter” que do “ser”. A gente é pai, mãe, filho, filha,
professor, vendedor, estudante etc., mas existir significa mais que isso, significa possuir
algo que nos finca num tempo e num espaço, nos marca como presentes e nos iguala aos
outros existentes. Mas de onde tiramos esta palavra? Qual é sua história mais remota, de
onde nasceu essa ideia de existência? Originariamente vem de uma raiz indo-europeia
que quer dizer “estar de pé” [...] (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 58).

Existir, ao pé da lera, significa então estar de pé se exibindo. Isso pressupõe a existência


de um Outro, pois nos mostramos para que alguém nos veja. Assim, nossa existência é
por princípio social. Existir é sair para fora de si mesmo e estar na vertical, de pé, o que
quer dizer vivo, significa possuir a força para estar de pé. Esta foi a matriz de
significado que nos ofereceu uma família inteira de significado que nos ofereceu uma
família inteira de palavras derivadas do “sta” indo-europeu, que deu o verbo latino
“sistere” mas também deu o verbo ser-estar, principalmente, e seus derivados todos
(BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 60).

A queda é uma imagem de ameaça e risco. Por isso é forte. Diferentemente da leitura
puramente formal e lógica da frase do filósofo austríaco, uma leitura imagética nos
levaria para outro rumo. O mundo é tudo o que é perigo, risco, ameaça. O mundo
desaba! (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 62).
Uma cartografia não possui vida pulsante, não possui seres que vivem e morrem, ela é
retrato congelado de um cenário já imóvel e sem vida (BAITELLO JUNIOR, 2019, p.
67).

As imagens do alto foram também utilizadas pela máquina de propaganda alemã


nazista. Os noticiários cinematográficos da guerra, feitos pelos funcionários
comandados por Goebbels, nunca mostravam destruição em seus ataques e vitórias.
Apenas exibiam belos voos rasantes que semeavam bombas sobre um longínquo chão
desabitado, com casas e ruas, mas não se viam pessoas que eram reduzidas a pontos,
sem dimensão, eram reduzidas a zeros. Abstração máxima! Subtração da vida por meio
da imagem que se faz a partir da altura. Quanto mais alto, mais abstratas se tornam as
paisagens, elas viram imagens, tornam-se apenas cenários, sem vida (BAITELLO
JUNIOR, 2019, p. 68).

Aqui nasceram os drones, pequenos artefatos com aparência de brinquedos que podem
penetrar e bisbilhotar, filmar, fotografar ou visualizar, com pouquíssimo alarde, o
espaço do outro. O olhar que vem do alto ganhou novos recursos técnicos. O olhar
suspenso é sempre mais poderoso (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 74).

Nossos pensamentos na era das imagens mediáticas são programados para serem
orbitais e repetitivos. E toda órbita possui o destino da obsolescência por exaustão,
continuando, porém, em movimento depois da morte (BAITELLO JUNIOR, 2019, p.
75).

Hoje vivemos nas imagens, a moda das selfies é apenas uma de suas manifestações. O
que significa isso, viver nas imagens? Quando ouvimos uma história, lemos um livro,
vemos um filme, entramos no universo desenhado e oferecido pela história, pelo livro,
pelo filme, temos a capacidade de nos transferir para um mundo imagético, mergulhar
nele de corpo e alma e depois retornar enriquecidos de novas experiências, trazendo-as
para o nosso mundo primeiro. As imagens (que não são apenas as visuais, mas também
aquelas auditivas, olfativas, táteis e gustativas) possuem uma força enorme, elas nos
movem, comovem e mobilizam (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 82).
A interação com os celulares cria indubitavelmente um encapsulamento isolante do
entorno. Isolante e apenas aparentemente protetor. Temos a impressão de não sermos
vistos quando nos escondemos na relação íntima com o celular, onde quer que
estejamos, no ônibus, no metrô, no espaço público, num restaurante, no elevador. A
sensação de cápsula reproduz aquela que temos quando estamos dentro de um carro
(BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 88).

Vivemos em tempos capsulares. O contemporâneo é inapreensível na sua totalidade e,


por isso, passamos a viver em ilhas, sem que a chamada civilização tivesse
desenvolvido mecanismos para nos ensinar a todos que temos uma só casa, o planeta.
Ao contrário, a chamada civilização desenvolve ferramentas cada vez mais eficazes para
nos convencer de que cada homem é sua própria ilha, contrariando o poeta metafísico
inglês John Mayra Donne (1571-1631), que escreveu: “nenhum homem é uma ilha”
(BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 88).

A lógica da organização da chamada mídia social reúne pessoas pelos critérios da


similaridade e não da diversidade. Diferentemente da vida prática, os confrontamentos
são evitados, as diferenças são eliminadas. Formam-se tribos homogêneas de um tipo de
pensamento, aspirações iguais, idênticas atitudes de vida. Toda discordância soa áspera
e indesejável, causa rejeição imediata e eliminação sumária, do tipo “o que está fazendo
este estranho na minha ‘time-line’ o no meu ‘mailing list’, tão limpo e coerente com
meus princípios e crenças?”. “Estrangeiros” ao meu ideário não são bem-vindos. Não
quero ter o trabalho de convencer ninguém, mesmo porque ninguém está aberto a
quaisquer argumentos (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 92).

Sempre que as imagens (e palavras são também imagens!) se impõem insistentemente


querendo demonstrar algo, elas podem se tornar armas de grande poder (BAITELLO
JUNIOR, 2019, p. 93).

As selfies são, em sua grande maioria, fotos de caras e muito raramente fotos de corpo
inteiro. Por uma razão muito simples, aparentemente: não cabe o corpo na tela quando a
distância do celular é a distância do braço estendido. Aparentemente apenas! Há uma
motivação mais forte para isso. O rosto (humano) possui uma magia inegável. De onde
vem esta força de atrair o olhar do outro? Neste caso, do outro eu-mesmo, para o rosto
de mim-mesmo? Já que a maioria das selfies ficará no celular mesmo ou, no máximo,
será transferida para um arquivo na nuvem, ainda mais alto que o celular levantado pelo
braço, guardado por uma senha individual e segura, apenas para mim-mesmo, então
raramente haverá um outro (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 94).

O rosto é o nosso primeiro e maior display para a construção de alteridade. Nas selfies
ocorre o oposto: o rosto é sempre a imagem do eu-mesmo, dizendo para mim-mesmo:
“eu vejo o eu-aqui”. Há uma inflação de “eus” que se dispersam em infinitas imagens de
“eus”. Se nos lembramos que onde há inflação há desvalor, concluímos que o “eu”
nunca esteve tão desvalido (BAITELLO JUNIOR, 2019, p. 94).

Onde não há alteridade, não sabemos quem somos. E se não sabemos quem somos, não
temos noção sequer de que seremos os prejudicados pelos atrasos e retrocessos que
provocamos nos outros e em nós mesmos, com nossas escolhas (BAITELLO JUNIOR,
2019, p. 97).

Somos tão ativos como formigas, nosso tempo é picotado por muitos entrecruzamentos
e demandas de centenas de outros tempos. Por isso sempre sentimos que não temos
tempo. Tudo tem o seu tempo, só nós que não temos tempo (BAITELLO JUNIOR,
2019, p. 103).

Nunca fomos tão fechados em nós mesmos como somos hoje (BAITELLO JUNIOR,
2019, p. 104).

As imagens exógenas só param de pé se estiverem sobre um suporte, apoiadas em uma


parede ou penduradas. Se existir é ficar de pé, então elas só ganham existência quando
se apropriam de um sustentáculo. Quem visita o Museu de Arte de São Paulo, o belo
MASP, em um prédio da ousada Lina Bo Bardi, tem uma surpresa: os quadros ali não
estão pendurados em paredes, mas estão de pé sobre blocos de concreto (BAITELLO
JUNIOR, 2019, p. 120).

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