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PAUL VIRILI O

A INÉRCIA
POLAR

Tradução d e
Ana Luísa Faria

PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE


LISBOA
1993
ÍNDICE

CAPÍTULO I — A luz indirecta 11

CAPÍTULO II — O último veículo 33


CAPÍTULO III — A óptica cinemática 61

CAPÍTULO IV — O controlo do meio ambiente 85


CAPÍTULO V — A inércia polar 107
A LUZ INDIRECTA

«A luz tem por nome a sombra d a


luz viva .»
BERNARDO DE CLARAVAL,

Ainda me lembro do espanto com que há dez anos vi os ecrãs


de vídeo substituírem os espelhos nas plataformas do metro . . .
É certo que pouco depois de 1968 tínhamos visto surgir câma-
ras de vigilância à entrada das grandes escolas, das universidades ,
passando também o controlo das avenidas e dos cruzamentos da
capital a utilizar esse novo equipamento' . Hoje, o meu espanto re-
nova-se ao ver aparecer, por cima do teclado do código de acesso ,
na portaria automática dos prédios, a objectiva de uma microcâma-
ra, não bastando manifestamente já o intercomunicador para subs-
tituir os porteiros . ..
Material de substituição electro-óptico, a videoscopia encontr a
aqui, a meu ver, o seu papel principal : o de iluminar. Iluminaçã o
indirecta de um ambiente doméstico que já não se contenta com a
mera luz eléctrica, análoga à luz do dia . Aliás, a miniaturizaçã o
acelerada deste género de equipamentos aproxima cada vez mais a
câmara de vídeo e o seu monitor de controlo de uma luz-pilot o
que se acende e ilumina para dar a ver o que se encontra aqui o u
além.
Até na câmara de filmar de 35 mm, o antigo visor, a ocular ó p

' O comando deste dispositivo de vigilância electrónica encontra-se, simbolicamente, na s


caves do Hôtel de Ville (Câmara Municipal) de Paris .

tica, é agora substituído com vantagem por um monitor de exibi-


simultaneamente na sua súbita dilatação em ecrã gigante ao ar livr e
ção das imagens registadas .
(JUMBOTRON ou ecrãs dos estádios olímpicos .. .) e na sua retenção,
Como não entrever aqui o carácter essencial do vídeo : não j á
na sua dispersão por objectos banais, sem qualquer relação com o
a «representação» mais ou menos actualizada de um facto, ma s espectáculo ou a informação televisiva .
a apresentação em directo uni lugar, de um meio electro-óptico , Quem dá ainda importância aos fios eléctricos dos electrodo-
resultado aparente de uma, ondização (01) do real tornada possível pel a mésticos? Quem dará amanhã importância às fibras ópticas incor-
físicaelctro-magnéi?
poradas nos materiais, nos objectos de uso corrente ?
Nada mais lógico, p ortanto, do que não encontrarmos aqui ne- De facto, a par da retransmissão dos acontecimentos da actuali-
nhum espaço de representação, nenhuma «sala de projecção ' , mas dade, dos factos políticos ou dos eventos artísticos, o vídeo escla-
apenas umarégie . rece-nos acerca dos fenómenos de pura transmissão, transmissão
A videografia, dando lugar à imagem de um lugar, não reque r instantânea de maior ou menor proximidade que se converte, po r
em última análise outro espaço alem do do seu suporte, de urna câ- seu turno, num novo tipo de «lugar», de localização tele-topográ-
mara e de um monitor também eles integrados, por assim dize r fica. . . pois não se fala já de televisão local? Tal como a invenção d a
dissolvidos noutros aparelhos, noutros equipamentos, sem qual - lâmpada eléctrica por Edison suscitou o aparecimento de lugare s
quer relação com a representação «artística» televisiva ou cinema- diurnos em meio nocturno, também a inovação da lâmpada elec-
tográfica . tro-óptica determina a emergência de lugares perceptíveis em
Tal como não nos preocupam os mostradores e as luzes de u m meios geralmente imperceptíveis . Lugar do não-lugar da transmis-
painel de comandos ou a iluminação de uma montra, também nã o são instantânea (a maior ou menor distância), comutação das apa-
nos preocupa verdadeiramente o «lugar de difusão» do vídeo . Este rências sensíveis, análoga à percepção paróptica, sem relação algu-
lugar é simplesmente aquilo que se ilumina, sobre o qual se fa z ma com a comunicação mass-mediática habitual' .
luz, e não já esse «teatro ou lugar de uma representação cinema- Assim, a par dos efeitos bem conhecidos da «telescopia» e d a
tográfica projectada à distância . «microscopia» que revolucionaram, a partir do século XVII, a per-
A diferença é tão grande entre a videoscopia, a cinematografia e cepção do mundo, surgem os efeitos induzidos dessa «videosco-
a televisão que o próprio receptor de TV se vê ultrapassado pel a pia», cujas repercussões no campo da visão não se farão esperar, j á
incorporação de monitores nos mais banais aparelhos domésticos , que o vídeo participa activamente na constituição de uma localiza-
de que é exemplo essa 'portai ia electro-óptica» que dá a ver com o ção instantânea e interactiva, de um novo «espaço-tempo» que na -
o intercomunicador dava simplesmente a ouvir . da tem em comum com a topografia, com o espaço das distâncias
Todo o debate acerca da recente crise das salas de cinema, acer- geográficas ou simplesmente geométricas .
ca da miniaturização das salas de projecção públicas, há-de repetir - Se o problema da «encenação» das representações teatrais o u
-se em breve, sem dúvida alguma, ao nível da habitação particular , cinematográficas desemboca na organização espacial e temporal de
dessa «sala de estar» onde se encontra ainda tantas vezes o televi- um acto ou de uma narração fílmica numa sala, num espaço de re-
sor ; pois o futuro do ecrã. sio seu processo de emancipação, est á presentação pública, e se, embora em menor grau, a cenografia te -

' No original mise-en-onde, por com mise-en-scène, encenação . (N.T.) ' Leia-se a este respeito : La Vision extra-rétinienne et le sens paroptique, Jules Romain ,
Ed . Gallimard, 1964 .
tevisamplcoruneáimlugardfsã o mière, de Vertov e de alguns outros mais, o parque de diversões le -
privado (as divisões de um apartamento), com a videotransmissã o vou quase sempre a melhor (como acontece, mais do que nunca, n a
já não acontece o mesmo, resumindo-se a sua «cine-videografia» à televisão) sobre a iluminação, embora o aparecimento súbito d e
comutação de aparências mais ou menos distantes, disjuntas e, d o uma óptica ativa tenha vindo renovar as proezas da óptica passiv a
mesmo modo, à comutação de actores interactivos mais ou meno s (do vidro e dos diversos materiais transparentes das lentes) sobre a
longínquos . A comutação da emissão e da recepção do sinal víde o organização da realidade sensível . Afloramento de uma
exprime, de fato, no ecrã do terminal, a mutação-comutação da s tele--realidade presente, revolucionando a natureza, quer do objecto ,
distâncias (topologia) em potência (tele-topologia), isto é, em ener- quer do sujeito da representação tradicional, a imagem dos lugare s
gia luminosa . conjunção da cinemática relativista e da óptica ondu- sucede doravante aos lugares de imagens : salas de espectáculo o u
latória . de projecção, sendo que só o teatro, graças à sua unidade de temp o
A crise actual das saias de espectáculo cinematográfico não re- e de lugar, escapa ainda às transmutações de uma iluminação elec-
sulta pois essencialmente da difusão ao domicílio dos filmes televi- tro-óptica cujo imediatismo exclui sempre a «unidade de lugar» e m
sivos ; trai antes uma crise da noção de representação ligada à ex- benefício exclusivo da «unidade de tempo», mas de um tempo real
plosão do «directo» . Um directo em tempo real que é fruto do que afecta gravemente o espaço das coisas reais .
desenvolvimento da videoscopia, não já apenas no domicílio, ma s De facto, a par dos efeitos da radio-actividade da emissão e re-
aqui ou ali, indiferentemente, no próprio corpo de aparelhos . de cepção radiofónicas, com a sua «alta fidelidade electro-acústica» ,
equipamentos diversos onde se tem vindo a integrar de há uns vin- temos agora aquilo a que poderíamos chamar a opto-actividade d a
te anos para cá — sendo o exemplo mais marcante o do entreteci - comutação videoscópica, com os problemas de «alta definição elec-
mento de fibra óptica em diversos materiais compósitos — um a tro-óptica» que tal pressupõe .
crise da retransmissão diferida que leva, graças às técnicas da ima-
gem electro-óptica . a impor hoje a ideia, ou mais precisamente a
«ideografia» de uma verdadeira apresentação dos lugares, dos dife-
rentes meios, «apresentação» que seria, desta vez à escala humana , Quando hoje falamos, em Toulouse e noutras cidades, da pers-
o equivalente daquilo que foram no seu tempo a apresentação d a pectiva de instalar uma televisão de proximidade, uma TV local, es-
óptica telescópica à escala astronômica ou ainda a apresentação mi- tamos a tomar de empréstimo, sem disso nos darmos conta, u m
croscópica à escala das propriedades íntimas da matéria . vocábulo próprio da videoscopia ou, se se preferir, no caso das ci-
O vídeo estaria, pois, tão longe de ser a oitava arte como o ci- dades dotadas de uma rede de televisão por cabo, de uma «video-
nema esteve longe de ser a sétima . A crise do espectáculo cinema- grafia» que permite à cidade ver-se e dar-se a ver, ou, por outras
tográfico, das cadeias concorrentes de televisão, mas igualment e palavras, converter-se na sua própria «régie», no seu próprio fil-
daquilo a que se dá o nome de «vídeo-arte», resulta desse equívoc o me . . .
e da importância que assumiu, desde as origens da foto-cinemato- E este o sentido do projecto anunciado pelo município de Ren-
grafia, bem como da radio-televisão, o espectáculo dos factos o u des : realizar uma «iluminação pública electrónica» para promove r
das actividades de diversão, em detrimento da iluminação do luga r a existência política e económica do aglomerado, de onde a neces-
dos acontecimentos . Apesar de Edison, de Marey, dos irmãos Lu - sidade de uma tele-afixação municipal, da inevitável tele-venda ao
- domicílio, realização de uma gigantesca montra catódica capaz d e Com o intervalo do género «luz (sinal nulo) da nova física»' a
suplantar a imprensa local . Mas não pode já dizer-se o mesmo d a substituir repentinamente os intervalos habituais de tempo (sinal
proximidade restrita dos objectos e dos lugares do nosso ambient e positivo) e de espaço (sinal negativo), toda a superfície, seja qua l
quotidiano — terminal vídeo do metro, circuito fechado das em - for a sua dimensão, a sua amplitude, passa a só ter existência ob-
presas ou das lojas que dão a ver o rosto de quem observa as mon- jectiva na e pela interface de uma observação que não é já o resul-
tras? E isto ainda não é nada, com p arado com a disseminação des- tado aparente da simples iluminação directa do Sol ou da electrici-
sas câmaras-«tomadas eléctricas» e desses monitores-«lâmpadas d e dade, mas sim, doravante, da iluminação indirecta do camp o
iluminação» incorporados nos objectos correntes como antes dele s rádio-eléctrico de uma rede hertziana ou de um cabo de fibra
o foram o microfone e o altifalante — no rádio-despertador, n o óptica .
gravador, no walkman ou ainda nos mostradores numéricos do s Aquilo que constatamos a propósito da superfície máxima do
relógios de quartzo, nas tampas de caneta, nos isqueiros e noutro s globo, submetida ao exame, à inspecção permanente dos satélite s
objectos heteróclitos . Ao nível da visualização videoscópica , de observação (militares, meteorológicos, etc .) é igualmente válido
porém, a comutação é diferente : a televisão de «proximidade geo- para as superfícies mínimas dos objectos e dos lugares, submetidas
gráfica» e o vídeo de «proximidade geométrica» parasitam a clar a à iluminação intensa da videoscopia. Estabelece-se, efectivamente ,
percepção do aqui e agora, interpenetram e permutam teletopologi- uma misteriosa tele-ponte entre um número sempre crescente d e
camente os lugares, graças à súbita revelação do «directo», isto é , superfícies, das mais vastas às mais ínfimas, feed-back da imagem e
de um «espaço-velocidade» que suplanta momentaneamente o es- do som que desencadeia, para os observadores que somos, um a
paço-tempo das nossas actividades habituais . Confundindo-se as - tele-presença, uma tele-realidade (vídeo-geográfica ou vídeo-geo-
sim com uma iluminação para-óptica, a velocidade-limite da trans- métrica) de que a noção de tempo real é a expressão essencial .
missão em directo manifesta-se na luz indirecta da velocidade d o Aquilo que a «teoria do ponto de vista» de Albert Einstein no s
sinal vídeo . ensinava, em 1905, acerca da relatividade da extensão e da duração ,
Nem a miniaturização nem o gigantismo dos ecrãs são, portan- a existência de um frente-a-frente, de um face-a-face inseparáve l
to, ao contrário do que muitas vezes se afirma no Ocidente, mero s das superfícies observadas e do observador (interface relativista
adereços japoneses . O que se verifica aqui, no seio da física d a sem a qual a extensão não possui qualquer dimensão objectiva),
imagem, verifica-se também na astrofísica, com a próxima entrad a confirma-o visivelmente o feed-back instantâneo do vídeo : o meio
em funcionamento do telescópio espacial Edwin Hubble basead o ambiente electro-óptico sobrepõe-se doravante ao meio ambient e
nos princípios da óptica adaptativa, óptica activa onde o efeito d e «ecológico» clássico ; impõe-se assim uma «meteorologia electróni-
correcção da imagem depende das capacidades do computador e ca» sem a qual a da atmosfera terrestre depressa se tornaria incom-
não já unicamente das propriedades do vidro das lentes . preensível . Num momento em que as grandes cadeias de televisão
A escala do ecrã, da imagem, não tem por conseguinte nenhu- americanas, ABC, CBS, NBC (televisões unilaterais, não o esque-
ma influência no fenómeno . O dimensionamento dos objectos dei- çamos) obtêm resultados cada vez piores, a CNN, a cadeia d
xou de ser o essencial : o que se manifesta no ecrã catódico é o es- einformaçãdcteTurnpojalç
o News
paço de uma distância que se transmuta, diante dos nossos olhos ,
em energia luminosa, em poder de iluminação . La Matière-espace-temps, Gilles Cohen-Tannoudji e Michel Spiro, Ed . Favard, 1986 .
Hound, apelando ao milhão de telespectadores assinantes que pos- to a posição geográfica de todos os seus veículos, sendo o control o
suem um equipamento de registo vídeo . «E um milhão de hipóte- das deslocações confiado a um satélite geostacionário de navega-
ses para nos», afirmava recentemente Earl Casey, o responsável po r ção . Compreende-se assim melhor por que motivo a revista Match
esse futuro dispositivo interactivo, «um milhão de testemunhas qu e inscreveu recentemente o seu logotipo no Chott-El-Djerid (tão c
poderão fornecer-nos imagens : nós só teremos que proceder à se- convertendo-se subitamente o deserto do Sul daroBilV), a
lecção. » Tunísia numa superfície de inscrição, num ecrã, como doravant e
mesmo acontece, desta vez ao nível militar, com os progres- acontecerá com o conjunto das superfícies continentais e marítimas
sos eminentemente estratégicos da furtividade dos aviões de com - expostas ao perscrutar atento do olho orbital dos satélites .
bate . No momento em que se instaura um ambiente de detecçã o Mas este ininterrupto frente-a-frente do cima e do baixo não fi-
electromagnética complexa a escala do Globo, procuram-se activa - caria completo se omitíssemos, depois do nadir, o zénite, e a s
mente os meios para escapar à «vigilância radio-eléctrica» mediant e proezas da publicidade nas mais altas esferas, com o projecto que a
a introdução de matérias-primas especiais como o super-polímer o firma Coca-Cola tem de inscrever, no firmamento das nossas noi-
PBZ, capaz, segundo se diz, de evitar a detecção das ondas de ra- tes, a sua marca indelével' .
dar. Ao mesmo tempo, em cont rapartida, propõe-se aos fabrican- Uma vez mais, ' observamos o declínio dos lugares de represen-
tes de material aeronáutico que engastem nessas mesmas matéria s tação e de projecção — dando a sala, o palco ou o ecrã lugar, pur a
fibras ópticas capazes de auscultar, de iluminar em permanência, a e simplesmente, ao céu e ao solo, ao conjunto das superfícies, das
espessura das células e dos órgãos motores do aparelho de comba- mais ínfimas às mais vastas, expostas, ou melhor, sobre-expostas
te. aos olhares curiosos dos aparelhos de captação automática de ima-
Se para o filósofo Schopenhauer o mundo era a sua representa- gens e de transmissão instantânea . .. «superfícies», ou mais precisa -
ção, para o videasta, o electrotécnico, a matéria torna-se a su a mente «interfaces» que não têm doravante existência objectiva se -
apresentação ; «apresentação» externa directa e, simultaneamente , não graças ao exame videoscópico, à observação de materiais d e
apresentação interna e indirecta, passando o objecto a estar nã o registo e difusão em directo, tele-realidade presente, em «temp o
apenas presente a olho nu, mas também tele-presente . real», que suplanta a realidade da presença do espaço real dos ob-
Outros exemplos desta inseparabilidade física do dentro e d o jectos e dos lugares, a que os trajectos electromagnéticos tomam a
fora, do próximo e do longínquo, são-nos fornecidos quer pela in- dianteira.
dústria dos transportes quer pelo desenvolvimento da publicidad e
sideral .
A sociedade americana Geostar e, muito em breve, a sua homó-
loga europeia Locstar deverão proximamente colocar em órbita o Para Einstein, o que distinguia uma teoria verdadeira de um a
teoria falsa era apenas o seu prazo de validade: alguns anos, algu-
primeiro elemento do sistem a
mas décadas para a primeira ; alguns instantes ou dias para a segun-
.«RGadrioç-DsetmnpSvligrâcea»,(RsDd) e da.. . Não poderia dizer-se o mesmo das imagens, com esta questã o
central de uma companhia de transportes observará a cada mome n

Uma primeira prefiguração desta situação excêntrica surge no decurso dos anos 30, co m
"Caçador de Noticias ." (em inglês no original) . (N.T.) o nascimento da publicidade aérea : escrever no céu torna-se então uma prática corrente .
do prazo de validade da imagem, esta diferença de natureza entre a resista por muito tempo a esta súbita iluminação dos lugares, do s
imagem em «tempo real» e em «tempo diferido»? factos e dos acontecimentos . De facto, se a melhoria da definiçã o
Em última análise, todo o problema da «tele-realidade» (ou, s e espacial das lentes ópticas das objectivas das câmaras promove a vi -
se preferir, da tele-presença) assenta nesta mesma questão da vali- são dos contrastes e aumenta a luminosidade da imagem habitual, a
dade da curta duração, já que o valor real do objecto ou do sujeit o recente melhoria da definição temporal dos processos de captaçã o
instantaneamente presentes à distância depende exclusivamente d o de imagem e de transmissão electrónica aumenta a nitidez, a reso-
trajecto, isto é, da velocidade da sua imagem, velocidade da luz d a lução das imagens videoscópicas. Deste modo, a velocidade audio-
electro-óptica contemporânea. O mesmo sucede com visual serve para ver, para ouvir, ou por outras palavras para avan-
a«tel -acção»,graç sàscap cida esdeinteracçãoinstantâneadatel me- çar na luz do tempo real, como a velocidade automóvel do s
tria, sendo a opto-atividade e da imagem em tempo real análoga ao s veículos servia para avançar na extensão do espaço real de u mterióo
efeitos da radio-atividade do telecomando manipulador de objec- .
tos mais ou menos distantes, veículos teleguiados, máquinas da s À «transparência» acrescida dos meios de comunicação de alt a
cadeias de montagem, instrumentos diversos' . velocidade (TGV, avião supersônico . . .) vem pois somar-se esta sú-
Este advento do trajecto real em detrimento do objecto e d o bita trans-aparência (electro-óptica e acústica.. .) dos meios d
sujeito reais, tão revelador do primado da imagem sobre a coisa , . A alta fidelidade e a alta definiçã einformaçãdtlcunio o
ela própria fruto da recente supremacia do tempo sobre o espaç o da imagem contribuem, de facto, para modificar profundamente a
real, é uma manifestação significativa do carácter ondulatório d a natureza do relevo (sonoro, visual...), relevo que não é afinal mai s
realidade . Com efeito, a súbita comutação das aparências sensíveis do que a maior ou menor realidade das coisas percebidas, relevo
não é, em última instância, mais do que o sinal precursor de um a espácio-temporal que condiciona a nossa apreensão do mundo e
des-realização generalizada, consequência da nova iluminação d a do tempo presente . Efectivamente, e uma vez que toda a alteraçã o
realidade sensível . De uma realidade não já apenas «aparente», co- de intensidade da luminância é interpretada pelo olho como um a
trans-pe mo outrora, mas «transparente» ou mais precisamente aind a mudança de forma, a luz (directa ou indirecta, natural ou artificial )
. não engendra unicamente a coloração dos objectos e dos lugares ,
Fusão/confusão das aparências transmitidas e das aparência s mas igualmente o seu relevo . Daí a importância das pesquisas so-
imediatas, luz indirecta capaz de suplantar em breve a luz directa , bre a alta definição da imagem, definição simultaneamente espacial
luz artificial da electricidade, é claro, mas antes de mais e essencial - e temporal de um sinal vídeo capaz de operar, agora para o espaço
mente luz natural, com as revoluções perceptivas que tal pressu- visual, aquilo que a alta fidelidade do sinal rádio já realizara para a
põe. . . O advento do trajecto instantâneo e ubíquo é, portanto, o estereofonia dos volumes sonoros : uma verdadeira estereo-óptica
advento da luz do tempo, desse tempo intensivo da electro-óptic a integrada no ambiente doméstico .
que suplanta definitivamente a óptica passiva tradicional . Assim, e tal como a técnica de captação de imagem sideral me-
O mais provável, no entanto, é que o estatuto da realidade nã o lhora constantemente a resolução das imagens dos satélites d
et le-det cção,também elhoraconstanem nteadefinçãodasima-
' A 19 de Outubro de 1987 , o krach informático de \V A Street dava unia primeira visã o gens televisivas, de modo a aumentar não já a transparênci a
dos efeitos negativos desta inerligação instantânea dos mercados financeiros, comumment e
designada por BIG BANG . eléctrica do ambiente local, como acontecia no início do século ,
com a electrificação geral de cidades e campos, mas desta vez a grande ecrã, na célebre Galeria das Máquinas .. . em 1948, aliás ,
trans-aparência electro-óptica do meio ambiente global. Emergên- pouco antes de morrer, o pioneiro do cinema trabalhava ainda n o
cia de um novo tipo de «relevo», de volume audiovisual, aplicável à aperfeiçoamento dos faróis necessários à marinha de guerra .
totalidade das aparências transmitidas ; «estereo-videoscopia» aná- Nos nossos dias, a projecção hemisférica dos filmes de band a
loga, na escala macroscópica, àquilo que ontem representou, para a larga do Géode só é possível graças à utilização de uma lâmpada d e
revelação volumétrica do infinitamente pequeno, a criação da mi- xénon de 15 kilowatts, inicialmente concebida para iluminar a
croscopia electrónica de varrimento . Para vermos, não nos conten- de lançamento dos foguetões da NASA . splatform
tamos já com dissipar trevas, a escuridão ambiente : dissipamo s Por último, quando em 1969, no momento do regresso dos as-
também, pela comutação Lias aparências, o obstáculo da extensão, a tronautas da missão lunar Apoio XI, o presidente dos Estado s
opacidade das distâncias demasiado vastas, graças àimplacáve Unidos ordenou que se iluminassem as cidades costeiras, como s e
perspicácia de um material videoscópico análogo ao mais potent e acendem, ao cair da noite, os vulgares candeeiros de uma marginal ,
dos projectores de iluminação ...Aurora do «falso dia» da luz elec- prestava assim homenagem não só aos conquistadores da Lua, ma s
tro-óptica, de uma iluminação publica indirecta, fruto d ao nascimento de uma iluminação pública doravante capaz de reve -
o desenvolvimento da ondização do real e do figurado, luz artif cial que com- lar a presença do homem até nos mais longínquos confins da at-
pleta doravante a luz eléctrica como esta veio outrora completar a mosfera .
luz do dia. Iluminação dos teatros, das festas palacianas do século de Luí s
As 13 e 32, hora local, do dia 26 de Outubro de 1987, na bas e XIV, ou iluminação pública das cidades, no fim do século passado ,
californiana de Vandenberg, um foguetão TITAN-34D lançava u m a história do espectáculo e das representações públicas é insepará -
satélite KH11 . Colocado numa órbita polar que lhe permite visua- vel da da luz, desde os fogos de artifício, passando pela lantern a
lizar o planeta inteiro, este satélite pode, a qualquer instante, utili- mágica de Athanase Kircher e pelo Diorama de Daguerre (decora-
zar o zoom, girar sobre si próprio e transmitir imagens convertida s dor da ópera de Paris e do Ambigu Comique) até às recentes ma-
em impulsos electrônicos . . vida média desta luminária militar é nifestações de «luz e som», sendo o próprio nascimento do cinem a
de trinta e seis meses . . . inseparável do desenvolvimento da luz artificial e das famosa s
«lâmpadas de arco voltaico» necessárias tanto à captação de ima-
gens em estúdio como à projecção nas salas das obras filmadas .
O outro aspecto revelador desta repentina extensão da transpa-
Não podemos, de facto, separar a invenção do cinematograf o rência está ligado às necessidades policiais, permitindo a ilumina-
da dos projectores de iluminação, tal como não podemos separá-l a ção das ruas reforçar a segurança e assim prolongar, com a activi-
da inovação que foi a fotografia instantânea . Recorde-se que Tho- dade dos estabelecimentos comerciais, o enriquecimento da cidade .
mas Edison, inventor em 1879 da lâmpada eléctrica de incandes- E isto desde o célebre decreto do intendente de polícia La Reynie ,
cência, criou também, alguns anos mais tarde, o cinetoscópio . em 1667, origem do renome mundial de Paris como cidade-luz, até
Quanto a Louis Lumière, Marinha Nacional emprestou-lhe, para ao actual desenvolvimento da vídeo-vigilância, passando pela elec-
a Exposição Universal mais potente projector de com - trificação de cidades e campos, no início do século xx, empreendi -
bate de que dispunha, permitindo-lhe projectar os seus filmes num mento análogo à ligação por cabo dos aglomerados, já que a vídeo-
-distribuição por fibra óptica retoma os aspectos essenciais d o que esta última completou habilmente a óptica ocular da visão hu-
processo de electrificação geral do país ; com uma mutação impor- mana .
tante relativa à própria natureza dessa luz, não já apenas «artifi- Sendo a imagem a forma mais sofisticada de informação, é d e
cial», mas também «indirecta», tão dissemelhante da luz directa co- facto lógico prevermos que os progressos da informática venha m
mo a dos candelabros diferia outrora da luz dos astros . também eles a desembocar num novo desenvolvimento dessa lu z
Nesta mesma perspectiva, as inalem-se ainda a câmara (ou o s indirecta : luz numérica, agora, capaz de atravessar as trevas do rea l
binóculos) providos de um intensificador de luz, correntement e e de veicular, com as aparências mais realistas, uma transparênci a
utilizados pelo exército e permitindo ver em plena noite, a distân- desconhecida, tal como a que é já permitida pela utilização da geo-
cias consideráveis . Substituindo muitas vezes os sistemas de raios metria fractal, com efeitos de zoom numérico que não são outr a
infra-vermelhos, a "televisão de baixo nível luminoso» assemelha - coisa senão uma iluminação sintética . Os trajectos da sua
TRANS-APARÊNCIA assinalam os constituintes íntimos da forma-imagem ,
-se de certa forma a um acelerador de partículas ; com efeito, po r
muito ténue que seja a luz ambiente, este sistema amplifica-a at é forma do que não tem forma, imagem do que não tem image m
perto de cem mil vezes . . . Constituído por um tubo colocado nu m (Lao-Tsé), figura de uma dinâmica do vazio análoga à da física su-
batómica de que o pensamento oriental deixara há muito em aber-
campo eléctrico potente e contínuo, o aparelho de captação d e
to a possibilidade .
imagem comporta vários patamares sucessivos de aceleração do s
Mas voltemos à cidade, a essa «cidade-luz», foco de todas a s
fotões, que aumentam na proporção correspondente a luminosida-
iluminações históricas, desde o incêndio de Roma ou o artifício pi-
de da imagem final, vindo as partículas de luz aceleradas embater,
rotécnico do Século das Luzes até aos recentes espectáculos d
ao chegar à outra extremidade do tubo, num ecrã revestido po r
. Sendo a iluminação sinónimo de desocultação de um «cená- elasr
uma película de fósforo, de que todos os pontos se tornam assi m
rio», de uma revelação da transparência sem a qual as aparência s
luminescentes . Este tipo de material de iluminação indirecta come- nada seriam, só uma concepção restritiva poderia ainda limitar a
çou há pouco a ser correntemente utilizado pelas polícias alemã e luz à simples iluminação dos lugares . Como não adivinhar, de fac-
britânica, nomeadamente para a vigilância dos estádios . to, por trás dessas deslumbrantes manifestações electro-ópticas ,
Com efeito, quando o tempo real das teletransmissões e que a imagem pública está em vias de substituir o espaço público e
mdiretose obrepõeaoespaçorealdeumpaís,deumaregiãoef cti- que a cena política não poderá amanhã dispensar a iluminaçã
vamente atravessada . já não basta a simples distinção entre lu z ireta, tal como ontem não dispensava a iluminação directa daoind lu z
natural e artificial : há que acrescentar-lhe ainda a diferença de na- artificial? Cidade-teatro das origens, organizada em torno d
tureza entreluz directa (natural ou artificial) e luz indirecta, pois a , oesptáculúbidagor,fóum daigrej
iluminação electro-óptica substitui doravante a iluminação eléctric a cine-città da modernidade ocidental e, por último, tele-città contempo-
como esta última renovou, no seu tempo, o nascer do dia . rânea dessa comutação das aparências sensíveis que hoje se instaura
Isto enquanto aguardamos o rápido desenvolvimento das proe- graças às proezas dos satélites, das redes hertzianas e dos cabos d e
zas da infografia e da sua óptica activa : a conjugação da óptica pas- fibra óptica ... tendo cada uma destas «representações urbanas» sa-
siva das câmaras de registo de imagem com um computador capaz bido utilizar, no seu tempo, o espectáculo da transparência, a ilu-
de restituir a imagem como outrora só as lentes de vidro faziam . minação pública, para desenvolver a sua cultura, o seu imaginári o
A óptica numérica sucederá então à analógica, do mesmo modo colectivo .
_ Esta ideia é bem ilustrada por uma situação de excepção : na rências à Revolução Francesa... Outrora, a superfície da ágora o u
Primavera de 19S9, entre Maio e junho, os estudantes de Pequi m da praça de armas de uma cidade militar correspondia à «superfí-
decidem manifestar-se pela «democracia» . Para o fazer, reúnem-se, cie» dos homens armados : cidadãos-soldados da democracia antig a
invadem progressivamente a praça Tienanmen e decidem ou tropas regulares das cidades fortificadas . «Marchar separados ,
.velhapráticqumon,ã s aocupá-lrtemiado e combater unidos» — a divisa da infantaria correspondia também à
disse, ao sit-in dos anos 60, mas à cidade grega onde o espaço pú- aglomeração na praça pública dos cidadãos a quem as ruas vizinha s
blico da ágora é o garante da unidade política, do direito de cidad e davam rapidamente acesso a esse lugar onde o poder público s e
dos cidadãos reunidos contra a ameaça de um tirano . identificava com a multidão unida perante o perigo, perigo d e
A 14 de Maio, aquando da visita de Gorbatchov, são trezento s agressão estrangeira ou de guerra civil .
mil ; cinco dias mais tarde, um milhão . Tirando partido do facto d e Curiosamente, com a imagem pública de Tienanmen, retrans-
a maioria das agências internacionais ter enviados as suas câmaras , mitida no mundo inteiro, assistimos simultaneamente a uma exten-
os seus repórteres — ou mesmo os seus maiores editorialistas, co- são infinita dessa superfície, graças à interface em tempo real d o
mo Dan Rather — para cobrir a reconciliação dos dois grandes gi- ecrã de televisão, e a uma miniaturização, não permitindo o ecr ã
gantes do comunismo, os estudantes chineses exigem uma retrans- catódico de 51 cm apreender seriamente a espessura dos aconteci -
missão em directo dos acontecimentos de Tienanmen, para que a mentos retransmitidos . Daí a importância do que sucede então e m
imagem da mais célebre praça pública do país seja projectada nã o Hong Kong, nesse período crucial para o seu futuro : a utilização,
apenas, como de facto aconteceu, no mundo inteiro, graças à não apenas dos televisores privados, mas principalmente do ecrã
. mas sobretudo em Xangai, em Cantão e em stelviõrang to - gigante do estádio da cidade, para uma união colectiva com o qu e
da a China. se passa no centro da capital chinesa .
Esta exigência é rejeitada pelas autoridades, que finalmente ins- A TELETOPIA (01) é isso mesmo, suprindo a continuidade em tem-
tauram a lei marcial ; uma lei marcial que permitirá o massacre d a po real a ausência de contiguidade do espaço real, o estádio e o
população de Pequim pelos blindados do exército popular chinês . ecrã gigante de Hong Kong tornados por algum tempo insepará-
Aquilo que se passara já na Checoslováquia por ocasião da Prim a veis da praça Tienanmen, como esta última o era já dos milhões de
televisores privados do mundo inteiro. Aquilo que está nos antípo-
vera de Praga, na Polônia com a instauração do «estado de guerr a
das tornado visível, acessível, apesar dos interditos da cidade proi -
interna», reproduz-se agora na Ásia : o exército do povo esmaga o
bida, graças ao poder de uma nova iluminação urbana possibilitad a
povo .
pela energia de uma luz simultaneamente electro-óptica e acústica ,
Mas voltemos à iluminacão destes acontecimentos pelas agên- luz viva cujos efeitos sobre a sociedade serão incomparavelment e
cias do mundo inteiro : conscientes da extrema importância política
mais importantes do que o foram os da electrificação das cidades ,
da presença em Pequim de mil e quinhentos jornalistas, os estu- há mais de meio século .
dantes chineses manifestaram constantes sinais de cumplicidad e Tempo real, tempo diferido, dois tempos e dois «andamentos» :
com os seus longínquos, muito longínquos «telespectadores», redi- a 15 de Maio de 1989, os estudantes reunidos na praça Tienanme n
gindo por vezes em francês on inglês as suas faixas, multiplicand o
os símbolos exóticos, como essa «estátua da liberdade» erigida à
Veja-se a este propósito o projecto de DESCENTRALIZAÇÃO DA CAPITAL DA EUROPA, qu e
sombra do retrato de Mao Tse-Tung, ou ainda as contínuas refe entreguei no Eliseu a 14 de Julho de 1988 .
reclamam uma emissão noticiosa em directo, e é em vão que a re- Hoje esse momento já passou, um pouco por toda a parte, n a
clamam. China como no resto do mundo ; os factos são desagregados pelo s
A partir de 7 de Junho, depois dos trágicos acontecimentos d e efeitos de interactividade das telecomunicações . A realidade TELE-
Pequim, a televisão chinesa não pára de difundir em diferido se- TÓPICA leva a melhor sobre a realidade TÓPICA do acontecimento .
quências filmadas pelas câmaras de vigilância automática da polícia , A 9 de Junho de 1989, a televisão chinesa advertia solenemente qu e
mostrando as violências cometidas contra veículos e militares isola - o exército dispararia sem aviso prévio sobre todo e qualquer porta -
dos ; e isto sem nunca ter dado a ver a ocupação pacífica da praça e dor de uma câmara ou máquina fotográfica.
o massacre dos seus ocupantes pelo exército da Republica Popula r
da China . . . escolha da imagem, ou mais exactamente, escolh a
do tempo da imag em, decide pelo país da realidade política d o
momento . Como se a vastidão desse continente e a multidão do s Refira-se ainda um último aspecto, que confirma a mutação e m
que o povoam importassem afinal menos do que a duração, o ins- curso : a crise do automóvel doméstico, ou mais precisamente a su a
tante escolhido para se talar deles, para dar a ver o que aí se pass a decadência simbólica em proveito de outros objectos, de outro s
de fato :. . O tempo e o espaço reais do acontecimento da praça veículos mais excêntricos . «O automóvel será a última das sua s
Tienanmen preocupam a tal ponto os dirigentes chineses que este s preocupações» — esta frase, que coroava o stand da Ford no Salão
se vêem obrigados a atenuar os seus efeitos graças ao REPLAY . do Automóvel de 1988 em Paris, ilustra eloquentemente esse declí-
Estranha política onde o atraso calculado da imagem públic a nio . Um declínio que se reveste, como sempre, de um máximo d e
pretende impedir as consequências desastrosas, como outrora a s ornamentos, de acessórios inúteis, como a mudança de nome d o
muralhas do espaço público e as leis da cidade travavam as ameaças próprio evento : «O Mundial do Automóvel» .
de subversão ou de agressão . Não já apenas a escolha do dia e d a Na realidade, o que é efectivamente mundial nos nossos dias é
hora para agir concretamente, como noutros tempos, mas a esco- a televisão — o directo televisivo — já que o automóvel particular ,
lha, a decisão da ocultação imediata do acontecimento, uma oculta- seja desportivo, seja de transporte, nunca é mais do que um objec-
ção temporal e te mporária, paralela à repressão física dos actores , to local . Daí o êxito recente do veículo todo-o-terreno, esse famo-
ao massacre dos estudantes da praça Tienanmen . so 4 x 4 que procura escapar à rotina dos caminhos mais batidos ,
Podemos. de facto a propósito destes acontecimentos, falar d e essa personagem excêntrica que quer a todo o custo sair da estrada ,
«cerco», de um novo tipo de «estado de sítio» : não já tanto o cerco da auto-estrada .
das tropas ao espaço da cidade, mas o estado de sítio do tempo, d o Hoje em dia, como vimos, o único veículo eficaz é a imagem .
tempo real da informação pública . Não já a habitual censura, a di- Uma imagem em tempo real que vem substituir o espaço onde s e
vulgação proibida, o segredo de Estado, mas o REPLAY, desloca ainda o automóvel . Em última análise, a crise do automó-
oatrscemquidvalzosfct . ODIFER-, vel doméstico é bastante análoga à do cinema de bairro . Quantas
«Guerra do tempo dando enfim razão a Louis-Ferdinan d dessas salas escuras se viram, de resto, transformadas em garagens ,
Céline, que no fim da vida declarava, desanimado : «Neste momen- em estações de serviço, antes de estas últimas se converterem por
to só os factos contam . e mesmo esses não contarão por muito seu turno em supermercados ou, mais recentemente ainda, em es-
túdios de gravação ou sedes de editoras .
Como ainda há pouco tempo dizia Fellini : «Já não viajo Aliás, segundo dizem os próprios responsáveis, na conurbaçã o
.» De facto :limto-eardvzqunocesdlaçã . já de Osaca (20 milhões de habitantes) estão já a ser implantadas re-
não habitamos a energia motriz de um qualquer «meio de trans- des de cabos ópticos por baixo das auto-estradas, circulando a s
porte» ; é essa energia q ue . como a febre, nos habita, nos possu imagens num nível inferior ao dos automóveis . Ouçamos o cam-
intesament,deon graveiscod produt opante,da rog a peão do mundo de Fórmula 1, Alain Prost : «A verdadeir
que dá speed . cosmbatiápurleãdnov avelocidébrms -
«O cinema», declarava Alfred Hitchcock, «são cadeiras co m mos num filme em câmara lenta.» E o antigo piloto de rallyes
gente sentada .. .» Sendo embora verdade que os assentos das carro- Bernard Darniche afirmava, pouco depois de se retirar da competi-
çarias fechadas estão por enquanto menos vazios que as plateia s ção
.» : «Para mim, o carro ideal é uma régie vídeomóvel
das salas de projecção. :ião devemos ter ilusões . . . por quanto tem- Para quê tentar dissimulá-lo? A única forma de salvar o auto -
po ainda aceitaremos o tédio dos trajectos de auto-estrada ? móvel particular é introduzir nele o compressor temporal da ima -
No Japão, a televisão invadiu já os táxis e os elevadores da tor- gem vídeo : o TURBO-COMPRESSOR DA IMAGEM EM TEMPO REAL .
res mais altas . Proibido, como os cães, de circular nas praças, o au- O automóvel que fala e previne o condutor das avarias mecâni-
tomóvel deixou de frequentar as zonas para peões de certos bairro s cas é um erro, no momento em que são lançados no mercado (po r
centrais, refugiando-se no periférico, à espera do super-periféric o 100 000 francos, o preço de um veículo) simuladores de estrada pa-
parisiense ou ainda do sistema laser ultra-rápido e subterrâne ra as escolas de condução . O que interessaria realizar seria o auto-
. ondeautmóvlscfndiráomet
móvel que vê, que detecta, o veículo trans-horizonte, conciliand o
Como deslocar-se sem se mover? Como vibrar em uníssono ?
simultaneamente velocidade automóvel e velocidade audiovisual .
Perguntas que deverão desembocar em breve noutros engenhos ,
Talvez o projecto PROMETHEUS que reúne, no quadro do program a
noutros meios de transporte ou de transmissão, sem relaçã
EUREKA, os doze construtores europeus, siga com proveito esse ca -
oalgumacomoutensíliodomésticodequeaindahojenos ervimos .
minho . O «travel-pilote» da firma Blaupunkt não passa de um sis-
Observe-se que não rodamos já sequer o botão do rádio, pres-
sionamos uma tecla, carregamos no comando à distância d tema ultrapassado de condução automática, quando sabemos qu e
.eatéosnrlógidequatzoxrmpneio atelvisão s um minúsculo dispositivo electrónico com menos de um micro n
animados de um movimento giratório, tendo em seu lugar u m de comprimento poderá conter em breve o equivalente a toda a re-
mostrador numérico . de viária dos Estados Unidos.
«Isto substituirá aquilo>, escrevia outrora o velho Hugo, Num tempo em que podemos visionar num único videodisco a
. Não poderá amanhã dizer-se o aproósitdlvecar mes- totalidade dos diferentes percursos de uma cidade — como o ilus-
mo acerca do ecrã e da limusina? Até quando circularemos real- tra o exemplo de Aspen, no Colorado — como não tentar renova r
mente ? a perspectiva automóvel? Uma «perspectiva» onde a profundidad e
Pois não inventaram recentemente os japoneses (sempre eles) o temporal da imagem electrónica levaria a melhor sobre a profundi -
BO .DO .KAHN, uma alm ofada vibratória para se ouvir em cadência o dade espacial da rede de auto-estradas .
walkman? E nem a luz do sol nascente ilumina já com os seu s Um anúncio recente da máquina de lavar Thompson chamava a
raios móveis os apartamentos nipónicos, agora ensolarados por fi- esse electrodoméstico «computador de lavar» . Porque não com-
bra óptica . .. preender enfim que o engenho de transporte do futuro será antes
do mais um «com p utador de circular» onde as capacidades audio- O ÚLTIMO VEÍCULO
visuais do painel de comandos electrónico se sobreporão à
. squalideóptc,omvisualdpár-b
Tal como o pára-quedismo evolui cada vez mais no sentido d o
«voo relativo», também a deslocação automóvel evoluirá amanh ã
«Amanhã, aprender o espaço será tã o
do meio de transporte físico absoluto para um misto tecnológico ,
útil como aprender a conduzir u m
um meio de "trans p orte relativo" associando transporte e transmis- automóvel .»
sões instantâneas, com a energia cinemática da imagem vídeo-info- WERNER VON BRAU N

gráfica a completar vantajosamente a energia cinética da cilindrad a


do motor .
Há uma velocidade superior que desqualifica progressivament e
todas as outras, a nem o TGV nem o avião hipersônico pode m
contra isso o que quer que seja : a máquina para descer o temp o Existe em Tóquio uma nova piscina de corrente muito fort e

onde os nadadores procuram manter-se no mesmo lugar... Um a
não é o automóvel, mas o audiovisual e as tecnologias do temp o
real. bacia de água animada, impedindo de avançar quem nela se encon -
Há alguns anos . a Fundação Cartier de Arte Contemporâne a tra, exige do banhista uma força de deslocação para permanece r
expunha uma magnífica colecção de Ferraris ; verdadeiro simpósi o onde está . .. A maneira das bicicletas ergométricas ou dos tapete s
rolantes que utilizamos a contra-corrente, a dinâmica dos fluido s
de coupés, de berlinas e de descapotáveis, essa mostra de luxo, n o
da piscina nipónica não tem outra função além de levar o
parque de Jouv-en-josas, limitava-se, porém, a ilustrar a evoluçã o
snadorecmptiçã baersngiqutvaoespç o
do aerodinamismo, um «aerodinamismo» tão arcaico na era d a
ao seu encontro — essa energia que sucede às dimensões da piscin a
concepção e da condução assistidas por computador como o
olímpica como os rolos da bicicleta ergométrica substituem
. édeshámuitoac óvesntigo
... ovelódrm
Assim, aquele que se exercita torna-se aqui, não tanto uma en-
tidade móvel como uma ilha, um pólo de inércia . Tal como no pal-
co, tudo se concentra no mesmo lugar, tudo se joga no instant e
privilegiado de um acto, instante desmesurado que toma o lugar d a
extensão e das longas durações . Não já um campo de golfe, ma s
um jogo de vídeo; não já uma pista de automóveis, mas u
: o espaço já não se estende, o momento demsiuladorec inércia
sucede à deslocação contínua .
Observa-se, de resto, uma tendência análoga na encenação mu-
seográfica . Demasiado distantes, os mais vastos conjuntos de expo -
sição têm vindo recentemente a tornar-se redutos temporais inver-
samente proporcionais à sua dimensão global : o dobro do espaço a
percorrer, metade aceleração d a
do tempo a gastar no percurso . A perfície dos objectos mais vastos, bem como a própria natureza da s
visita mede-se pela altura das cornijas, demasiado espaço, demasia - nossas últimas deslocações . 'Deslocação sem se sair do sítio, apare -
do pouco tempo, o museu dilata-se em extensões inúteis que a s cimento de uma inércia que está para a paisagem percorrida com o
obras já não conseguem mobilar . Provavelmente porque esta a imobilização da imagem para o filme. .. advento também de um a
súltimaendpr-s,iemnaopçds última geração de veículos, meios de comunicação à distância, se m
slongí quas uperfíciesagoraprivadsdeatrctivos,àmaneirad s medida comum com os da revolução dos transportes, como se a
grandes perspectivas da era clássica . conquista do espaço se revelasse em última instância enquanto me-
Erigidos em memória de obras consideráveis e longamente con- ra conquista das imagens do espaço. Com efeito, se o final d
sideradas pelos visitantes atentos do passado, os nossos monumen- IelospriXmXandéculoxsitrmadven osécu o
tos são hoje ultrapassados pela excessiva pressa do espectador veículo automóvel, veículo dinâmico, ferroviário, rodoviário e mai s
,des«amor»quiptémer,fxapoisdu m tarde aéreo, parece evidente que o final do século anuncia um
instante, e que foge, tanto mais depressa quanto mais é imponent e próxima chegada do veículo audiovisual aúltimução,c
a vastidão dos volumes propostos . uloestáic,bdanoselcçõfíiaprong ,veíc -
Monumento de um momento em que a obra se eclipsa, mais d o mento da inércia domiciliária que acarretaria enfim o triunfo da
que se expõe, o museu contemporâneo tenta em vão congregar , sedentaridade, de uma sedentaridade agora definitiva.
reunir ante o olhar essas obras, esses trabalhos habitualment A transparência do espaço, transparência do horizonte das nos-
ersguard osn atelir,naoficna,lboratóiosdeumapercpçã o sas viagens, dos nossos percursos, sucederia então essa transparên-
aprofundada que não é nunca a do transeunte, a desse «visitante - cia catódica que não é mais do que o culminar perfeito da invenção
-passageiro» distraído peia tensão que o anima . Nessa mesma pers- do vidro, há quatro mil anos, do espelho, há dois mil, e ainda d a
pectiva de retenção, de restrição do tempo de passagem, assinale - «montra», objecto enigmático que todavia marcou a história da ar-
mos ainda um projecto manifesto : trata-se da reconstituição e m quitectura urbana, da Idade Média aos nossos dias, ou mais preci-
miniatura do Estado de Israel onde « na máxima segurança e co m samente até à recente realização dessa montra electrónica, últim o
um mínimo de deslocação física, os visitantes poderiam admirar a horizonte dos nossos trajectos, de que o «simulador de voo» re-
cópia exacta do museu do Holocausto, um fragmento do Muro da s presenta o modelo mais acabado.
Lamentações e a reconstituição em miniatura do lago de Tibería- A evolução recente dos parques de diversão prova-o, de resto, à
des, com alguns metros cúbicos de água de origem .» A tudo isto , saciedade: laboratórios de sensações físicas, com os seus tobogans ,
os directores da fundação criada para este efeito acrescentariam a as suas catapultas e as suas centrifugadoras, modelos de referênci a
exposição de materiais diversos e componentes eléctricos, produto s para o treino dos aviadores e dos cosmonautas, também a feira p o
da indústria israelita . Esta manifestação de extra-territorialidade te - pular se encaminha, no dizer dos próprios responsáveis, para a ex -
ria lugar ao largo de Douarnerez, na ilha de Tristan, sendo esta ce- perimentação colectiva das puras sensações mentais e imaginárias.
dida pela França ao Estado hebreu . .. Após ter sido, no século passado, o teatro das sensações fisiol ó
Mesmo que esta utopia não chegue a concretizar-se, não deix a gicas perdidas para uma população operária privada de actividades
de trair, de maneira exemplar, essa contração telúrica, essa súbita corporais enriquecedoras e diversificadas, o parque de diversõe s
«sobre-exposição > que hoje afeta a extensão dos territórios, a su- prepara-se para se tornar o cenário das simples ilusões de óptica, o
lugar de generalização do não-lugar da simulação, de trajectos fic- até às «fotografias aerostáticas» de Nadar (1858), origem da im-
tícios susceptíveis de proporcionar a cada indivíduo um ponderabilidade fílmica, assinalemos que só em 1910 se realizará a
perdavisão»quce alucinçãoetró,mabiguez à primeira «captação de imagem aeronáutica», a bordo de um aero-
perda das actividades físicas no século XIX . E verdade, porém, qu e plano Farman ... Quanto ao hoje tradicional «veículo travelling »
paralelamente às artes de feira do funambulismo e da vertigem, o s sobre carris, inseparável do cinema contemporâneo, surgirá quatr o
«panoramas», "dioramas" e outros cinematógrafos, tinham ele s anos mais tarde, aquando da rodagem de Cabina por Giovanni
próprios aberto caminho ao "panrama", ao «Géode», cinema he- Pastrone. Indiquemos, ainda a mulo de lembrança, os comboios d a
misférico prefigurado pelo «balão cineorama» de Grimoin-Sanson , Agit Prop, entre 1918 e 1925, a utilização da perspectiva ferroviári a
formas arcaicas dos nossos actuais veículos audiovisuais, de que o s por Dziga Vertov, admitido em 1918 no «cine-comité da
Hale 's Tours americanos viriam precisar o projecto, já que entr e 1923 promoverá a criaçãosatulide»Mocv,qum de um a
1898 e 1908 alguns deles foram efectivamente financiados por com- «secção de automóveis cinematográficos», a utilizar em caso de ur-
panhias de caminhos-de-ferro . Recorde-se que esses filmes, roda - gência para cobrir os acontecimentos importantes, antepassada da s
dos na dianteira de uma locomotiva ou na plataforma panorâmic a «equipas de exteriores» de televisão . Com este acoplament
da traseira do comboio, eram em seguida projectados para amduisteofvnl,éó- oveicular,stzçã l
opúblicemsa'qurodzifelmntascrug oviá s a nossa percepção do mundo que se modifica : a óptica e a cinemá-
da época . Algumas destas curtas-metragens foram, aliás, realizada s tica confundem-se . A teoria do ponto de vista de Albert Einstein ,
por Billy Bitzer, futuro operador-chefe de D . W. Griffith . posteriormente denominada «teoria da relatividade restrita», surgi u
Chegados a este ponto, convirá todavia remontar às origens d a em 1905 . Seguir-se-lhe-á, cerca de dez anos mais tarde, a d
ilusão motora, aos irmãos Lumière, ao filme "A chegada de u m ambas abundamentemente, para efeitos areltivdg,con de
comboio à estação de La Ciotat", de 1895, e sobretudo a essa Pri- compreensão imediata, à metáfora do comboio, do eléctrico e d o
mavera de 1896 que assistiu â invenção do travelling por Eugèn e elevador, veículos de uma teoria física que lhes deve tudo ou quas e
Promio . Ouçamo-lo : tudo ; assistiremos, com efeito:durante o mesmo período histórico ,
«Foi na Itália que me ocorreu pela primeira vez a ideia das vis - à revolução dos transportes, acompanhada por uma singular muta-
tas panorâmicas . Ao chegar a Veneza, durante o trajecto de barc o ção da chegada, com a progressiva negação do intervalo de tempo ,
da estação até ao hotel, no grande canal, via as margens fugire m a retenção acelerada do tempo de passagem que separa a partida d a
diante do esquife e pensei então que se o cinema imóvel permite re- chegada . A distância espacial cede subitamente o lugar à mera dis-
produzir objectos móveis, talvez se pudesse inverter a proposição e tância no tempo, passando as mais longínquas viagens a ser pouco
tentar reproduzir com a ajuda do cinema móvel objectos imóveis . mais do que breves intervalos . . .
Fiz em seguida um filme que enviei para Lyon, pedindo a Loui s Porém, como já antes indicámos, se o século XIX e uma bo a
Lumière para me dizer o que pensava da experiência . A resposta parte do século xx assistiram de facto ao surto do veícul
foi favorável . » dafomuretçãvsic,lánge oautmóvelsbd a r
Para compreendermos bem a importância desta inauguração d o chegado ao fim, pois conduzirá, como outrora mas mais depressa ,
«cinema móvel», ou por outras palavras, do primeiro veículo está - do nomadismo desenfreado à inércia, à sedentaridade definitiva da s
tico, recuemos ainda um pouco mais na história . Sem remontarmos sociedades.

A partir dos anos 30, com efeito, e contrariamente ao que a s até aos nossos modernos «meios de telecomunicação », à óptica ac-
aparências à primeira vista indicam, é o veículo audiovisual que s e tiva da vídeo-informática .
impõe, com a rádio, a televisão, o radar, o sonar e a óptic Deixámos, assim, de poder distinguir claramente o veículo di-
.Primeonagu,dps—earifuã aelctrônis o nâmico do veículo estático, o automóvel do audiovisual o re-
maciça do automovel individual — a seguir â guerra, na paz, ess a cente primado da chegada sobre a partida, sobre todas as partidas e
«paz nuclear» que assistirá à revolução da informáti- por conseguinte todos os trajectos, opera uma misteriosa conjun-
ca telemática indispensável à manutenção das diversas políticas d e ção — inércia do momento, de cada lugar e de cada instante do
dissuasão, militar e economica. A partir do decénio 1960-1970, o momento presente, no fundo análoga ao princípio d
essencial jogar-se-á menos no domínio das vias de comunicação d e e inseparabil dade, princípio de uma inércia que completa e coroa o da indeter-
um dado território de onde a desregulação, a desregulamentaçã o minação quântica.
tarifária dos transportes colectivos) do que no éter, o éte r Ainda que se assista hoje a uma tentativa de fusão tecnológic a
elctrôniodasmuçõe . dos dois veículos -- com a utilização sistemática no Japão, po r
Doravante, tudo acontece sem que seja necessário partir . À che- exemplo, de vídeo-paisagens nos elevadores das torres de grand e
gada restrita dos veículos dinâmicos, moveis e depois automóveis , altura — ainda que a aviação comercial, os transportes de long o
sucede bruscamente a chegada generalizada das imagens e do s curso, sejam actualmente indissociáveis da projecção durante o vo o
sons, nos veículos estáticos do audiovisual . A inércia polar começa . de filmes de longa-metragem, esta conjunção momentânea condu-
A interface instantânea toma o lugar dos intervalos de tempo da s zirá inevitavelmente à eliminação do vector menos operante e m
mais longas durações da deslocação . Após o advento, no sé- matéria de velocidade de propagação -- a actual fuga para a frente
culo XIX, da distância tempo em detrimento da distância espacial, é do comboio de alta velocidade e do avião supersónico, bem com o
agora o advento da dis dtâanscim/vgeloró : a desregulamentação de que ambos são objecto, indicam melhor d o
a imobilização da imagem sucede ao estacionamento contínuo . que qualquer previsão que o vetor veículo ameaçado, é de fact o
o da automobilidade terrestre, marítima e aérea .
A era do tempo intensivo já não é a era do meio de transporte
físico . E, contrariamente ao tempo extensivo de outrora, o domíni o
Segundo Ernst Mach, o universo estaria misteriosamente pre- exclusivo do meio de telecomunicação, ou por outras palavras, a
sente em cada lugar e em cada instante do mundo . . . Efectivamente , era da imobilidade e da inércia domiciliária .
se cada veículo móvel ou automóvel) veicula uma visão específica , Provam-no, por exemplo, a evolução recente do automóvel ,
uma percepção do mundo que não é mais do que o produto da su a bem como a das corridas de Fórmula 1 : não podendo fazer um a
velocidade de deslocação no seio do meio ambiente, marítimo o u concorrência séria às proezas do audiovisual, modificam-se cons-
aéreo, cada uma das visões, das imagens (ópticas, sonoras) d o tantemente as capacidades do automóvel de corrida, as regras d a
mundo percepcionado representa por seu turno, inversamente, u m competição, o peso dos veículos, a reserva de gasolina, chegando -
«veículo», um vector de comunicação inseparável da sua velocidad e -se ao ponto de limitar por vezes a potência dos motores, o que é
de transmissão, e isto desde a instantaneidade telescópica da resti- de facto o cúmulo !
tuição da imagem na óptica passiva das lentes da luneta de Galileu O veículo dinâmico terrestre mais sintomático desta involução
esportiva é, no fundo, o DRAGSTER (01) (e o HOT ROAD) cuja divisa A um jornalista indiscreto que lhe pedia a morada, uma actri z
poderia ser a seguinte: «Como não ir a parte nenhuma ou, pelo famosa respondeu : «Moro em toda a parte!» Podemos ter por ga-
menos, cada vez menos longe (400, 200 m) mas cada vez mais de- rantido que amanhã, com a estética, a lógica do desaparecimento
pressa? » da arquitectónica, moraremos todos em toda a parte, como esse s
A tendência extrema' desta competição intensiva acabará talve z animais dos «zoo-vídeos» presentes pela imagem apenas num ecrã ,
por fazer coincidir linha de chegada e linha de partida, realizand o imagens captadas aqui ou ali, ontem ou anteontem, em lugares sem
uma proeza análoga à do directo na interface televisiva .. . Quant o importância, subúrbios desmesurados de uma desrealização fílmic a
ao automóvel doméstico, a sua evolução é em tudo idêntica, um a onde a velocidade audiovisual será enfim, para a arquitectura d e
vez que existe agora uma espécie de auto-suficiência do automóvel interiores dos nossos apartamentos, aquilo que a velocidade auto -
que o aproxima cada vez mais de uma divisão separada da casa . móvel era já para a arquitectura da cidade, para o ordenamento d e
Daí a transferência, o desdobramento dos acessórios, d todo o território .
ombilár,apehgdtfilae,ráo-ntxvíde - Os «simuladores de solo» tomarão então o lugar do
-móvel, convertendo insensivelmente o meio de transporte à dis- pm.Eaosnctredói, simuladorev a
tância em meio de transporte imóvel, veículo do transporte d a ser os tele-atores, as tele-atrizes de um cinema vivo de que o re-
alegria, da música, da velocidade .. . cente desenvolvimento dos espectáculos de «som e luz» assinala o
De facto, se os veículos automóveis, todos os veículos, terres- advento, com o pretexto constantemente repetido, de André Mal-
tres, marítimos e aéreos, são cada vez menos «montadas» no senti - raux a Lyotard, passando por Jack Lang, de salvaguardar o nosso
do equestre do termo e cada vez mais armações' no sentido dos património imobiliário.
oculistas, dos optometristas, é porque o veículo automotor se tor- A conversão em filme parece ser, portanto, o nosso destino co-
na não tanto um vector de deslocação física como um meio de re- mum . Em particular desde que o responsável da CINÉSCÉNIE de
presentação, o suporte de uma óptica mais ou menos rápida do es- Puy-du-Fou, na Vendeia, Philippe Villiers, nomeado secretário d e
paço circundante . estado da Cultura e da Comunicação, se propõe realizar um pouc o
'A visão mais ou menos longínqua das nossas viagens, cede as - por toda a parte «percursos cénicos nos locais sob a alçada do pa-
sim a pouco e pouco o lugar à previsão mais ou menos rápida d e trimónio», numa tentativa de reavivar os atractivos dos nossos mo-
uma chegada ao destino, chegada generalizada das imagens, d numentos históricos, dos nossos museus, assim fazendo concor-
ainformação,quesbtiudoravnteasnosa deslocaçõescontíuas . rência à importação de parques do tipo da «Disney Land» no s
Daí a secreta correspondência que se estabelece entre a estática arredores de Paris ou do «Wonderworld» nos arredores de Lon-
arquitectónica dos edifícios e a inércia mediática dos veículos au- dres .
diovisuais, com o advento do edifício inteligente — mais ainda, d a Depois da cenografia teatral da ágora, do fórum, do adro d a
cidade inteligente e interactiva! — do teleporto como sucessor do igreja, acompanhamento tradicional da história das cidades, cheg a
porto, da gare ferroviária e do aeroporto internacional . agora a cine-cenografia, a mutação sequencial de uma localidade ,
de uma região, de um edifício classificado, cuja população activa se
Veículo adaptado para corridas velozes e breves (drag race, bot road). (N .T. ) metamorfoseia, temporariamente, nos figurantes de uma históri a
2O termo francês para "armação" e "montada"" é monture, de onde o jogo de palavras
que se perde na tradução . (N.T.) que importa ressuscitar . Quer se trate da guerra da Vendeia, com
Philippe Villiers, quer dos méritos multi-seculares da cidade d e homem só, o mais sofisticado de todos eles apresentará em brev e
Lyon, com Jean-Michel Jarre .. . é verdade, porém, que o actual mi- uma imagem contínua num campo de visão de quase 300° . O capa-
nistro da Cultura ha\ ia já contribuído para o fenômeno cete do piloto está, com efeito, provido de um sistema óptico d e
,inaugurandoumaprática udiovisualmais ofisticada ofinanciarnoqua- acompanhamento da retina . Para acentuar ainda mais o realismo
dro do programa -Salamandra a realização de um videodisc o do cenário, quem se treinar neste dispositivo envergará um fato
interactivo permitindo a visita guiada aos castelos do Loira . .. «so m que simulará os efeitos de pressão da gravitação, ligados
e luz ao domicílio i graças ao qual os antigos visitantes do passad o . àacelrção
turístico se tornarão video-visitantes , "«tele-amadores das velhas pe- Mas o essencial está ainda para vir, pois começou já a ser testa -
dras» que acolherão nas suas discotecas, ao lado de Mozart do um sistema de simulação derivado do oculómetro, e que pres-
. eVrdi,Chvnyambo cindirá definitivamente da esfera-ecrã — a projecção das imagen s
do combate aéreo efectuar-se-á directamente nos globos oculares do
piloto, graças à utilização de um capacete munido de fibras ópti-
cas... fenômeno de alucinação análogo ao dos estupefacientes, est e
«Não se sonha já, é-se sonhada, silêncio», constatava Henr i
futuro material de treino assinala a tendência para o desapareci -
Michaux no seu poema La Ralentie . A inversão começa . O filme mento do palco, do ecrã, em proveito do «lugar do espectador» ,
passa ao contrário . Á água volta para dentro da garrafa . Caminha - mas de um lugar/armadilha para um indivíduo cuja percepção seria
mos às arrecuas, mas cada vez mais depressa . Acelera-se a involu- antecipadamente programada pela potência de cálculo do motor de
ção que conduz à inércia . Até o nosso desejo se fixa numa distan- inferência do computador.
ciação mediática cada vez mais pronunciada : depois da montra d e
Perante a inovação deste próximo tipo de veículo estático, con-
prostitutas de Amsterdão, do strip-tease dos anos 50 e d viria, creio eu, reconsiderar a própria noção de energia, de motor .
. ope-shwdaéc70,eghojavíd-prnfi De facto, se os físicos distinguem sempre dois aspectos da ener-
Na rue St. Denis, a lista dos pecados capitais resume-se à das gética : a energia potencial e a energia cinética, a que provoca o
novas tecnologias da imagem : BETACAM, VHS, VÍDEO 2000, etc . movimento, talvez convenha, noventa anos após a invenção do tra-
. . . ,enquatoãchgrbóieta,máqundvisão velling cinematográfico, acrescentar uma terceira, a energi
O mesmo acontece no domínio dos confrontos militares : de - aquela que resulta do efeito do movimento e da sua acinemát, maio r
pois do home-trainer dos aviadores da Primeira Grande Guerra , ou menor rapidez sobre as percepções oculares, óptica e opto -
do assento giratório utilizado nos treinos dos pilotos da Segunda e -electrónica .
da centrifugadora dos futuros astronautas da Nasa, teste à dimen- Neste sentido, a recente indústria da simulação surgiria como
são real da aptidão ou inaptidão para a imponderabilidade, assiste- aplicação prática deste último recurso energético . A potência d e
-se, de há dez anos a esta parte, à criação de «simuladores» cad a cálculo dos computadores da última geração aparentam-nos, de
vez mais perfeitos, para os futuros adeptos do voo supersónico . certa forma, a um derradeiro tipo de motor, o motor cinemático .
Cúpula de projecção de oito metros de diâmetro, geode para u m Mas o essencial ficaria por dizer se não voltássemos uma ve z
mais ao primado do tempo sobre o espaço que hoje se exprime no
' Em inglês no original : simulador de voo . (N .T.) primado da chegada (instantânea) sobre a partida . Se a profundida
de temporal se sobrepõe hoje à profundidade do campo visual, é Estranhamente, esta recente inovação de um veículo para s e
porque os nossos antigos regimes de temporalidade sofreram um a avançar sem sair do sítio é um regresso aos primórdios da invençã o
mutação considerável . De facto, neste como noutros aspectos, n a do automóvel, como se a inércia crescente trouxesse tudo de volt a
nossa vida quotidiana e banal, passamos do tempo extensivo d ao ponto de partida, a essa sela, a esse assento, modelo d
ória ao tempo intensivo de uma instantaneidade sem história ,ahist automóvelnsc . erfênciado
possibilitada pelas tecnologias do momento . Tecnologias automóvel . Com efeito — automatismo doméstico aplicado à deslocaçã o
audiovisual e informática . avançando todas no sentido de um a física — o veículo particular participou inicialmente dos progresso s
mesma restrição, de uma mesma contracção das durações do mobiliário . Da antiga liteira ao palanquim e ao riquexó asiático,
.Contraçãotelúricaquepõe mcausanãosóaextensãodosteritórios , passando pela cadeira basculante, pela cadeira giratória e pela pri -
mas igualmente a arquitectura do edifício e do móvel . meira cadeira de rodas criada por Jacob em 1820 para Luís XVIII ,
Se o tempo é história, a velocidade é apenas a sua alucinação , o automóvel surgia, de facto, como herdeiro do assento qu
uma alucinação perspectiva que destrói toda a extensão, toda .mtAaoéeclnibhrosdgvf'su ó erpous l
. Alucinação espácio-temporal, resultado aparente d acronlgi não é assim exactamente a da carruagem, da mala-posta e d
denqrugiaocvímlát s aexplorçãintsvduma l adilgência,pois conf rtod veículomot rizadoaproxima-omaisde
seria hoje o motor, como o veículo móvel, e depois o automóvel, o um móvel que se move, com a extrema fragilidade dos primeiro s
foram ontem para a energia cinética, tomando enfim as imagens d e protótipos da Ford ou da Daimler-Benz a fazer-nos pensa
síntese o lugar das energias do mesmo nome, descobertas no sécul o nelumaptróscihodebé,nãms rinevta a
passado . deficiente motor...
Não se julgue, portanto, que a terceira dimensão continua a se r Hoje em dia, com as cabinas-vídeo da telepornografia e as ins-
a medida da extensão : o relevo já não é a realidade . Est talações dos artistas videastas, passando pelos diferentes
adismul-egornasp,rentaçõslvi,d e ódDesipmtAuoclaTnrfLáN,çã
onde o regresso a esse estado de sítio' dos edifícios, a essa rigide z do audiovisual traz-nos de volta,odesbratécni po r
cadavérica da casa interactiva, habitáculo em vias de suplantar intermédio das suas consolas, a esse assento, posto de controlo d o
o assento, a cadeira aextnsãodhbi,cujmóvelprnasi ambiente próximo ou longínquo, tal como o propõem aos seu s
ergonômica do deficiente motor e, quem sabe?, talvez a cama, um clientes os fabricantes de material ortopédico . O mesmo acontec e
canapé-cama para enfermo-voyeur, um divã para sermos sonhado s até com os mais recentes aviões de combate supersónicos, hoj e
sem sonhar, um banco estofado para sermos circulados se concebidos, no dizer dos próprios engenheiros, em torno d o
. . mcirula habitáculo, do cockpit, isto é, em torno do painel de comandos e d o
assento ejectável do piloto, desse «piloto de elite» que se tornou a
figura exemplar do deficiente, cuja sobrevivência depende da s
proezas motoras e audiovisuais do seu equipamento, sendo o invá-
lido equipado, paradoxalmente, o equivalente do indivíduo válido
Em francês "état de siège" : o autor joga aqui com dois sentidos diferentes de «siége» . «sí-
tio, cerco., por um lado, e por outro assento, cadeira», como de resto se percebe pelas úl-
timas linhas do parágrafo . ( .N.T L'Horizon negatif, Paul Virilio, Ed. Galilée, 1984, p. 41.
sobre-equipado ... Aguardamos, entretanto, a próxima realizaçã o nifestada por grande número de fotógrafos europeus e americano s
desse «cockpit cego» que tentará uma síntese perfeita entre o real e do século XIX — entre outros, Nadar e o seu amigo Marey, inven-
o simulado, associando ao veículo dinâmico — a máquina voadora tor, em 1882, da cronofotografia — ;estava ligado à esperança d e
mais perfeita da actualidade — um sofisticadíssimo veículo estátic o realizar «vistas aéreas», ou por outras palavras, à esperança de ad-
audiovisual, graças ao primeiro simulador embarcado, «simulado r quirir a visão específica de um meio de transporte aéreo' .
de solo» que confere ao piloto, no momento da sua missão, um a Os que então queriam voar desejavam antes de mais «elevar-se
visão indirecta e constantemente renovada da paisagem e das con- no ar» e não «ir a algum lado», objectivo posterior da aviaçã
dições climáticas das regiões efectivamente sobrevoadas . Privaçã o . A famosa «conquista do ar» foi de facto a conquista deocmerial u m
sensorial da percepção ocular, permitindo aos futuros pilotos d e espectáculo incomparável, de uma ubiquidade análoga à do olha r
guerra voar em pleno dia, quando for realmente noite, ou aind a
divino .
voar a baixa altitude, fora do alcance dos radares inimigos, como s e Não esqueçamos que Etienne-Jules Marey era em 188
fizesse tempo claro, no meio das brumas do Inverno ... O painel de «Sociedade de Navegação Aérea», sendo 4presidntmxcíoa as
comandos da régie video está pois de facto na origem do últim o suas pesquisas sobre o escoamento dos fluidos e o túnel aerodinâ-
veículo, desse veículo audiovisual que vai revolucionar a noss
mico financiadas pelo Smithsonian Institute, graças à intervençã o
arelçãocmo ei ambient,alcom veículoatmo r nte m
do aeronauta americano Langley . Esse mesmo Langley dará mai s
transmutou o território real, a geografia das cidades e dos campos' .
tarde o nome ao centro de investigação onde será construído —
Curiosamente, a convergência do cinema e da aeronáutica —
nos anos 50 — um túnel supersônico capaz de atingir MACH(02)
nascida na mesma época, sublinhe-se — arrasta sempre consig o
;túnelodserá tuda maior dseng hosnec sário,dest a
a técnica dos meios de representação e de comunicação ; ilustra-o a
vez, à «conquista do espaço» .
actual conivência que reúne a vídeo-informática e a astronáutica, o
Ainda hoje o trabalho de Graeme Ferguson, inventor do siste-
florescimento das telecomunicações por satélite que são també m
ma IMAX/OMNIMAX (realizador, entre outras obras, do filme hemi -
meios de tele-representação instantânea do mundo presente . . . co-
sférico The dream is alive) é co-financiado pela Nasa e por ess e
mo se a imponderabilidade fílmica das sequências de fotogramas e
mesmo Smithsonian Institute que outrora subsidiava o pioneiro d a
mais tarde de videogramas . e a do sobrevoo dos engenhos (espa-
cronofotografia.
ciais ou aéreos) tendessem a confundir-se, unindo definitivament e
Por último, a querela acerca das origens do cinema
o veículo da imagem e a imagem do veículo volante . A unidade as -
, escandalosamente atribuído apenas aos irmãos Lumière, contribuiu par a
sim reconhecida da óptica e da cinemática exigem, de facto, qu e
ocultar, e depois para escamotear per completo, esta correlaçã
não mais se separe o vector de deslocação física (o meio d
a da aviação . Coincidênciaoentraivçãdcmtógrafoe po-
etranspoàdiâc)uavsãoepífic—nrmação,s
rém instrutiva entre a invenção do desfilar cinematográfico das se-
enec s áriafos e,doadventodes aúltimaformade nergia téentã o
quências, a imponderabilidade fílmica das imagens do fotograma, e
inexplorada que constitui a energia cinemática .
Recorde-se aqui que a atracção pelo voo animal e humano m a a invenção de um desfilar cinemático aéreo, inauguração de um a

(01) Veja-se Robertson, Mémoires récréatifs d'un physicien-aéronaute (1831/1833) .


A revolução dos transp ortes do sécu lo XIX . (02) Gens de l'air, Marcel Jullian, Ed. Le livre contemporain, 1959.
imponderabilidade agora real, manifestada pela ascensão do ho- aviões e a necessidade de apurar os reflexos dos aviadores, veio a
mem a bordo de um aparelho motorizado, capaz de lhe permiti r era das primeiras experiências científicas sobre o estado d eimpondrabl
modificar à sua vontade a captação de imagens das sequências aé- :
reas . «Em Junho de 1918, o doutor Garsaux, então o único médic o
Teremos que es p erar por 1914-1918 para ver de novo reunido , destacado para a secção técnica da aeronáutica, foi encarregado d e
graças às necessidades da observação estratégica, aquilo que tã o determinar em oito dias, a pedido de Louis Blériot, o limite da
abusivamente havia sido dissociado, numa vã querela de prece- aceleração tolerada pelo homem. Os cardiologistas declararam-s e
dências académicas : o aparelho cinematográfico de captação d e incompetentes . O director da Ecole des Mines respondeu que nã o
imagens — a câmara — e o aparelho cinemático de captação de ima- existia qualquer limitação, por exemplo, quanto à aceleração do s
gens — o avião . Este misto, formado pelo veículo aeronáutico e elevadores . O professor Broca aceitou centrifugar cães que o pro-
pela câmara embarcada, realiza um modelo de percepçã fessor Lapicque lhe forneceria . Segue-se um episódio pitoresco, o
parimefo,dxlaçãintesvumrgao,d opanrâmic da descoberta da centrifugadora : «Lembrámo-nos de um
e
que a televisão, e posteriormente a telemática, assegurarão mai s nhoLauvPrik,cedpo«at apltformgióque e
tarde o desenvolvimento, até se atingir a percepção orbital instan- manteiga» e que media seis metros de diâmetro, fomos ao local pa-
tânea que conhecemos . Recorde-se aliás que Vladimir Zworykin , ra a adquirir, mas os responsáveis da Engenharia Militar tinha m
acabado de a comprar!», explica o Dr . Garsaux ; «foi portanto nu -
inventor do «iconoscópio», primeira denominação da televisã o
electrónica, apresentava em 1933 esta última, não como um mei o ma centrifugadora de pólvora com 1,50 m de diâmetro, que se ob-
servaram os primeiros animais. Pôde ainda assim concluir-se qu e
de comunicação de massas, mas sim como uma forma de aumenta r
os cães suportavam 30 g e só sucumbiam entre os 84 e os 97 g ,
o alcance da visão humana . chegando ao ponto de prever a instala-
consoante a sua posição relativamente ao eixo de rotação» .
ção de uma câmara num foguetão para observar o universo . . .
Voltamos a encontrar, nesta descrição original, a vocaçã
No fim da vida, desiludido, paralítico, o antigo piloto de obser-
oexperimentaldas«diversõesdef ira»,comoaperfeiçoamentodoas en-
vação da Grande Guerra, o cineasta Jean Renoir, dizia para o se u
to rotativo, da cadeira giratória e da centrifugadora, modelos d
secretário : «Empurra a minha cadeira de rodas ; sou como uma câ-
para a aviação nascente e, pouco depois, par esimuladorcân a
mara a trabalhar ao retardador» .
o estudo dos veículos supersónicos e extra-atmosféricos .
Estas pesquisas foram mais tarde retomadas na Holanda po r
Jongbloed e Noyons, na Alemanha por Koenel, Ranke e Dirings-
hofen e, finalmente, por Armstrong e Heim, nos Estados Unidos ,
Em última análise, cada avanço dos transportes não é mais d o onde desembocaram no estudo dos problemas fisiológicos levanta -
que um progresso e uma emancipação do assento . Lembremos dos pela ultrapassagem dos vários limites de aceleração, barreira d o
ainda o aparecimento do home-trainer, esse equivalente do velh o som, barreira do calor, etc .
«cavalo de pau» dos cavaleiros, onde se aprendia a pilotar numa es- «Em 1957, a centrifugadora mais potente e mais moderna ,
trutura articulada que simulava os movimentos dos aeroplano construída pela Marinha, encontrava-se em Johnsville (Pensilvânia) .
. A partir de 1914, com as novas capacidades motorassbiplano dos A gôndola de exercício estava fixa a um braço de 15 m a que o
- motor podia imprimir uma aceleração quase imediata do ponto fi- fisiológicos da ejecção a velocidades supersónicas e a grand
xo até aos 75 m/s . nMdeaosbjrvt,
d e Edwards, um tre- ealtiud)nsrjáo
«Além disso, a gôndola podia tomar quase todos os ângulos d e nó sobre carris, propulsionado por um conjunto de foguetes qu e
inclinação, e um jogo de eixos articulados inserido no comand o lhe imprimiam, assim que incendiados, uma aceleração assustadora ,
de posição permitia imprimir à gôndola sobressaltos de pequen a fazendo-o percorrer em poucos segundos 1600 m a mais de 1000 km/h.
ou grande intensidade, lentos ou rápidos, de modo a imitar os mo- Chegado ao seu destino, se assim se pode dizer, o trenó-de-reacçã o
vimentos de um avião desamparado, sujeito a uma forte aceleraçã o precipitava-se na água, sofrendo uma desaceleração não meno
(...). Para começar», prossegue o piloto Scott Crossfield, auto . O objectivo, não nos esqueçamos, era testar os futuro scatrófi s
rdest estmunho,« seng heirosintalrmnagôndolaumcokpi t assentos ejectáveis ...
completo de X .15, e depois tiveram a ideia de ligar Verificamos portanto que o veículo para avançar a alt
:
a centrifugadora a um comutador eléctrico que transcreves e as suces ivas posi- não ir a parte nenhuma possui numeroso avelocid,stépr
ções do eixo central nos mostradores do painel de comandos parques de diversões, nos campos spredconafi,s d e
.Tinha-se, im,aposibldae «pilotar vião»,n sóe m treino da levitação aeronáutica e astronáutica . Deste modo, a pa r
função das indicações reais dos instrumentos, mas levando també m dos actuais hot rodder, adeptos do dragster, o coronel Stapp
em conta, toda uma gamo de aceleração teórica ( . . .). Quando ,experimentadoràescal realde ngenhosdestinadosatesaroslimte s
a celraçãoseaproximav domáximoqueoaprelhop diasuporta r do homem, mas sobretudo o fácies do ser ejectado, representa um a
— um valor de 9 ou mesmo 1C g — eu desmaiava, cabeça caída pa- personagem necessária desta segunda «revolução dos transportes »
ra o lado, olhos revirados, a pele da cara grotescamente deformada . que nos conduz da era do veículo dinâmico automóvel à era d o
Todos os testes eram filmados por meio de uma câmara automática veículo estático audiovisual . . Os simuladores de condução teórica
instalada na gôndola» . ' suplantam hoje, em locais como o parque espacial de Huntsvill e
Da gôndola veneziana de Eugène Promio, adepto do «cinem a (Alabama), esses instrumentos de tortura dignos do
móvel» nos seus primórdios, à da centrifugadora da Marinh . sinterogaóqumsjeitoplcad vis
a merican ,se nta nosmaistarde,numtravelingondejánãosãoa s Desde o acelerador circular para aeronautas descrito pelo
margens que fogem ao longo do barco, mas sim as rugas de u m Dr. Garsaux até à centrifugadora gigante da NASA, que preparava,
rosto desfigurado, o veículo e a sua visão sofreram um cinquenta anos mais tarde, os astronautas para a conquista da Lua,
ad.cesAltirnpofzug atrnsmução m passando pelo acelerador linear do Dr. Stapp, as pesquisas sobre o s
ecrã os componentes mais ínfimos da matéria, a centrifugador efeitos da aceleração teórica não pararam de progredir
arepsntapelsuaprteumsforç análog,parfzermgirn o :asent ,revolucinadp trezosvícul,admbiáro o
fácies de um passageiro os derradeiros limites da consciência, até à basculante e assento giratório, conduzindo, por intermédio do as -
perda dos sentidos . sento giroscópico, à centrifugadora dos aeronautas e mais tard e
Todavia, muito antes deste tipo de aparelho, ciclotrão para u m dos cosmonautas ... assento provido de rodas conduzindo ao auto -
homem só, o médico e coronel J . P. Stapp (especialista dos efeito s móvel, à automobilidade doméstica dos particulares .. . assent
e, por último, assento com elevad oejtávldsaiõuprónco a
X. 15, S. Crossfield c C. Blair. Ed . Arthaud, 1960 . absorção da energia cinética para as aterragens forçadas dos heli
cópteros . . . Outras tantas mutações de um mobiliário cada vez mai s Não somos moscas», está a prevenir-nos, embora um pouco tarde ,
autónomo, que hoje mesmo se completa, diante das consolas d e contra os excessos da régie audiovisual e da cegueira que del a
óptica activa dos computadores gráficos, com o «graviassento», es - resulta; mas esquece aparentemente que : a óptica activa não visa j á
se assento com elevada absorção de energia cinemática dos simula- converter-nos em «telespectadores» - a conversão está feita —
dores de voo que . combinam, para um maior realismo dos cenários , mas fazer de nós um filme, uma emissão televisiva, isto é, sere s
movimentos mecânicos de pequena amplitude e efeito sem peso cujo destino de atravessar barreiras é tão enigmático co-
spneumáticorfçadlnti-grvequopldts mo o da sua «última morada», outra designação possível desse veí-
senvrga,demod acompensar fixdez asefrasdeprojecçãod s culo terminal destinado ao povoamento de um estacionamento de-

simuladores de combates aéreos . finitivo, de uma sedentaridade absoluta ; confinamento inercial do


«O cinema é acima de tudo cadeiras com gente sentada» lugar, de todos os lugares geográficos, que fará de cada um de nó s
... Contemporânea, não o esqueçamos, ,explicavAfrdHthok da o teleator, o habitante de um tempo que será menos o do
invenção do cinematógrafo, a «conquista do ar» do começo d do que esse tempo real mais verdadeiro srelógiocandá que a
oséculofiacm detuoacnquistadeumespctáuloinaudito, e realidade, que nos exila instantaneamente do espaço, de um espaç o
uma ubiquidade ligada ao desenvolvimento conjunto dos engenho s — esse sim — bem real que separava ainda ontem o dentro do fo-
destinados a fazerem-se aos ares (balão, avião, foguetão . . .) e do s ra, o centro da periferia, tal como as longas durações permitia m
diversos aparelhos de captação de imagens (fotográficos distinguir a causa do efeito : E precisamente nisso que consiste o
,cinematográfsvíd ico)atéàren«qusdopaç o controlo do meio ambiente.
extra-atmosférico» que não é mais, afinal, do que a conquista d o
tempo, do tempo que resta : a conquista de uma instantaneidad e
televisiva, complemento necessário da ubiquidade astronáutica . De
facto, enquanto o primeiro voo do aparelho de captação de ima- A alcova, a cama-armário da Bretanha ou da Auvergne pressa-
gens assinalava a conquista da terceira dimensão do espectáculo d o giava já o Capsule Hotel Kotobuki de Osaca, com os seus quarto s
mundo, o desenvolvimento dos engenhos espaciais e outros meio s celulares de 3 m 2, onde não se pode estar de pé, mas que em con-
de teletransmissão instantânea realizava por seu turno a conquist a trapartida possuem televisão e telefone incorporados . . .
da quarta, completando a inércia do ponto de vista dominante . Esta redução da noite às dimensões de uma caixa enquadrava-s e
Bloqueio orbital . estado de sítio de um planeta, de um glob o assim no arquétipo da câmara escura e do seu orifício .
atentamente vigiado e doravante limitado no tempo pela interacçã o Aarquitefchv-spnametrdosnh,aptd e
instantânea das «telecomunicações», outro nome desta súbita con- igualar o confinamento de uma cama .
fusão entre o próximo e o longínquo, entre o dentro e o fora, inse- Nos nossos dias, a industrialização das telecomunicações reto -
parabilidade mediática que afecta profundamente a natureza d o ma esse tema : a última morada reduz-se ante os nossos olhos a u m
edifício, figura da inércia e portanto da estabilidade morfológica d o mero cockpit cego para os sonhos acordados de uma população d e
real. sonâmbulos . Tal como a câmara funerária do tumulus, com o se u
Quando hoje um especialista dos efeitos especiais na televisã o óculo aberto à luz rasante do solstício de Inverno, inaugurou o
nos declara : «Quanto mais imagens há para ver, menos as olhamos . princípio óptico da luz dirigida, conduzindo à camera obscura dos
perspectivistas do Renascimento e suscitando uma nov electrificação das cidades e dos campos no início do século, abrin-
mauçndãoqeslvriàóptca dslen arepsnt - do a casa a uma nova luz artificial, a uma «claridade electrónica »
pois, mais recentemente, à óptica ativa da vídeo-informática, o que suplanta a luz eléctrica, como esta suplantou outrora o nascer
que faz do túmulo megalítico o antepassado das nossas «câmara s do dia.
de captação de imagem", também a cápsula do arquitecto Kuroka- De facto, as propriedades da óptica activa (da electrónica e ,
wa nos remete para o mito da câmara escura . amanhã, da fotónica), não dizem já essencialmente respeito à fun-
ção de iluminação ou, por outras palavras, à dissipação das trevas ,
Com efeito, a imagem que constituía, há muito tempo já, a ma-
mas sim à dissipação do obstáculo da distância, da imensidão de u m
téria da concepção do ,projeto» arquitectónico, torna-se nest e
dado território, levando a abertura do ecrã a substituir não j
momento o próprio material de construção do «produto acabado» ,
como antes dela o haviam feito o candeeiro dáapens«jl»,
com a preeminência rapidamente reconhecida e tolerada d
a lâmpada eléctrica de Edison, mas doravante eptrólodis tam-
. ainterfcdosãbauperfícids
bém a «porta», assim revolucionando a própria natureza do s
Por trás deste evento, ou antes, deste advento de uma nov edifícios .
aordemarquitecónia, divnham-sefacilment aspróximas utaçõe s Significativamente, no momento em que o tele-trabalho ao do-
da janela, sem dúvida , mas mais fundamentalmente ainda as qu e micílio dá os seus primeiros passos, em que surge a possibilidade d e
não deixarão de afectar a porta, esse limiar de transposiçã nos reunirmos à distância no quadro de tele-conferências, assiste-s e
o brigatóriaquegerava(quegera inda)oespaçointerior,queprograma- em paralelo a uma mutação do encarceramento : em França, com a
va — deveríamos hoje dizer — a planta, a distribuição dos volume s instalação, a partir de 1986, de televisores nas celas dos condena -
do edifício. Com efeito, quando se mexe no limite, na fronteir dos, com o objectivo confesso de combater a «síndrome do isola -
aentr ascoias,tudosed mornaoudisolveinsta neamnte a mento», mas visando sobretudo evitar o consumo excessivo de psi -
maior das confusões . Á começar pela clara distinção entre o fora e cotropos . . . Afinal pouco analisada, esta repentina decisão d e
o dentro, e por conseguinte, necessariamente, entre as noções at é instalar televisões, não já unicamente nas salas comuns mas na s
agora essenciais de entrada e saída. . . Tudo o que implicava próprias celas dos detidos, representa uma mutação reveladora . Es-
porta, mas também, desta vez à escala anecsidrqutôa ur- tamos, de facto, acostumados, desde Bentham, a identificar a pri-
banística, a do porto e do aeroporto, desaparece ante a emergênci a são com o famoso panóptico, isto é, com essa vigilância central em
do teleporto, «cadeia de fabrico» da imagem e do som à escal que os prisioneiros se encontram sempre sob o olhar, no campo de
arquitectura da era da chegada generalizada, tão revelador anciol, a visão dos seus guardas .'
hoje como o foi a gare na época do caminho-de-ferro, ou a gara- Doravante, os detidos poderão por seu turno vigiar
gem na do automóvel . ;'amenosquivrt atulide,oscnmtlvios a
Assim, neste fim de século que inaugura a segunda revoluçã o constatação demasiado evidente para sublinhar que assim que o s
dos transportes, o transporte imóvel , a iluminação electrónica da s telespectadores acendem os seus receptores são eles, presos ou nã o
câmaras, dos monitorres, reproduz especularmente os efeitos d a presos, que ficam no campo da televisão, um campo de percepçã o
sobre o qual não têm evidentemente qualquer poder, senão o de o
(01) La Troisième Fenétre, Paul Virlio. Cahiers du cinema, n. 322, 1981. interromperem . . . Certas investigações recentemente conduzidas
pelos responsáveis das cadeias de televisão privadas confirmam est a que este tipo de «baliza de alarme», acoplado a alguns satélites Ar-
inversão do ponto de vista . De facto, e contrariamente ao qu gos, foi experimentado há cerca de dez anos para seguir, nas ime-
esucdomaprátiesvçúblco,anuite diações do Pólo Norte, a migração dos ursos polares . Do mesmo
saberqumvêo spublictároêmanesdcvzmaiore , modo, mais próximo de nós, na floresta de Chizé, na
uma vez que as sondagens são demasiado aleatórias : os Ingleses do Marais Poitevin, existe uma estação sDeux-Sèvr,nãomitlge de
realizaram em Oxford uma ex p eriência : colocaram, sem que o s radio-tracking do CNRS que observa, em permanência, os com-
seus ocupantes disso o tivessem conhecimento, câmaras d portamentos diurno e nocturno da fauna local...
.umavezqosrltdãainems espionagmlure - «Vigiar e punir», escrevia Michel Foucault ... nesta libertação
do imprecisos, estudam agora um sistema eye-tracked de acompa- imaginária dos presos, que punição está em causa? Como
nhamento da retina acoplado ao receptor de TV) que captará o s éevidnt,spo«gheizaçã»mdátc,prheilónco ,
olhares dos telespectadores, a cada instante da emissão, minut o não se limita aos domínios penitenciário e militar (os detectores d o
após minuto . Ainda nesta perspectiva do encarcerament campo de batalha electrónico) ; encontramo-lo também na empresa ,
oelctrônidmío,saclnideumérscntq com a automação da produção, as tele-negociações sindicais' e so-
econduzaoimpériodoveiculoestáico, bservemosmaisumainova- bretudo, mais genericamente, no modo de desenvolvimento da ur-
ção : no Estado de Nova Iorque, seis presos de direito comu m banização «pós-industrial».
estão já equipados com pulseiras de vigilância electrónica transpon- Com efeito, a modificação das noções habituais do espaço e d o
der, aprisionados nos circuitos fechados de tele-vigilância a tempo alargou o princípio da relatividade à antiga noção d
aprisonelícuóaprtmeno,c odmicíl, psueblatnioçãí-drfc,etomal esuprfíci,lvando -
. Se estes detidos acontrl,umeãsaiínfdelocçõs , -amado que todavia instaura a superfície na sua relação mediática ,
desconfinados de um novo tipo', se afastarem muito do seu domi- convertendo-a num «face-a-face», num «frente-a-frente» . Toda a
cílio-prisão, um sinal é imediatamente transmitido ao posto d e superfície, independentemente das suas dimensões, ínfimas o
radio-tracking que os segue em permanência . Como explicam o s doravante existência objectiva senão na e ugiantesc,ãom pel a
promotores da ideia, esta prisão no local de residência permite nã o sua relação com a observação, do ponto de vista de um observado r
agravar a sobrelotação dos cárceres, evitando assim a indesejável qualquer.
privatização das casas de detenção, já que os detidos ficam priva - Não é já pois precisamente o uso que qualifica o espaço, ma s
dos de prisão, conservando o seu encarceramento um carácter p ú acima de tudo a visão, o olhar.
blico! Munido dessa pulseira fixada ao tornozelo, o preso pode f a Aquilo que era já uma prática legítima no campo d
zer as suas compras, deslocar-se do domicílio ao seu trabalh o astronmi,dfíca(beomdirfísca)p ê-logu -
habitual, com a condição de não sair de uma área de deslocação mente aqui em baixo ... E o que sucederá quando nos tivermos nó s
previamente definida Pelos juízes. . . próprios transformado em filmes, em emissões televisivas, n
Aqui, o panóptico de Bentham já não se encontra na casa d e ílio de longínquos interlocutores ? odmic
detenção, mas no apartamento, na cidade, no território inteiro, já Quando o tempo real das transmissões instantâneas prima s o

O termo "desconfinamento" em francês décloisonnement) faz parte da gíria da reform a ' Em 1982 na Citroën e em 1986 na Renault utilizou-se o vídeo para evitar o encontro fí-
prisional . sico dos parceiros sociais, por ocasião de negociações difíceis .
bre o espaço real de uma região, de um país efectivamente percor- nian Institute de Washington, participam nesta experiência de fixa -
rido, quando, por conseguinte, a imagem prima sobre a coisa e o ção domiciliária . Conforme precisa ainda a arquitecta canadian a
ser fisicamente presentes, a iluminação indirecta da image que dirige o projecto, Margaret Augustine : «BIOSPHÈRE II será um
. Pois não meltrônicasudà çãoirectald vemos , instrumento de estudo dos diversos métodos de controlo do meio
desde há pouco, as nossas cidades-luz iluminadas menos pelos seu s ambiente .» Ou, por outras palavras, um instrumento de análise das
néons, pelos seus candeeiros, do que pela instalação de câmara s condições de possibilidade de um confinamento do indivíduo e m
nos locais públicos, nos cruzamentos, nas avenidas? Com tudo análogo ao dos deficientes, dos detidos, e isto, sublinhe-se ,
ainstlçãode«cbfiraópt»,câmuoáiaes no momento em que se projecta, nomeadamente na Europa, supri-
:nãosctearm umonitrsplaãebvctrifação s mir as prisões e tratar no domicílio os grandes enfermos motores ,
já, para vermos, com dissipar a noite, as trevas exteriores : dissipa - paraplégicos ou tetraplégicos .. .
remos também a demora, a distância, a própria exterioridade. Daí «Monk's House», a casa de Virginia Woolf, era para ela «
o declínio imperceptível do limiar, dessa «porta» que dava acesso à onavi»,eícul
de uma navegação imóvel . Nos anos 30, o paquet e
arquitectura interior. era ainda, para Le Corbusier e alguns outros, o modelo da «unidade
Nesta mesma perspectiva de retenção geofísica, de miniaturiza- de habitação» ; a cabina do avião transatlântico tornar-se-ia pouc o
ção premonitória do espaço, assinalemos ainda um projecto e m depois da guerra o protótipo do equipamento doméstico. .. Mas a
curso, no sopé das montanhas de Santa Catalina, no Arizona : o metáfora está hoje ultrapassada. Com a revolução do transporte
projecto «BIOSPHÈRE II (01).Análogaprjectisdova - imóvel, vemos surgir, ao lado das divisões especializadas (cozinha ,
mento da ilha de Tristan, atrás descrito, este projecto de Edward casa de banho, escritório ou «câmara de privação sensorial» para os
Bass visa realizar, até 1990, um microcosmo habitado por oit mais privilegiados) um posto de controlo destinado a gerir a chega -
. encerrados por um período de doisopesa,hmnulr anos , da dos dados, com o apartamento a dotar-se de um painel de bor-
em condições de confinamento estanque simulando, salvo na im- do, quando não de uma cabina climatizada, posto de pilotagem da s
ponderabilidade, as de uma colónia instalada num planet imagens, reunindo os comandos e telecomandos que dirigem, gra-
adesprovitmfa,undsqexitramTdpos e ças aos órgãos motores, a viagem do edifício .
uma catástrofe nuclear . . . Num espaço de cerca de um hectare, o
ecossistema artificial incluirá : dois oceanos em miniatura, um
aflorestaropicalde imensõ reduzias,umalguna, mpântao e
um deserto . Dominando este conjunto, uma cúpula geodésic
. albergáojmntsequipaod«bfrns»
Ocontributoda opelomeioext rio aest «náufragosvoluntários»d a
Terra limitar-se-a, segundo se diz, à energia solar e à stelcomuniaçõ
.
Vários organismos oficiais, entre os quais a NASA e o Smithso -

(01) Science et vie, n. 831. Dezembro de 1986.


A ÓPTICA CINEMÁTIC A

«A relatividade do visível tornou-s e


hoje uma evidência.»
PAUL KLE E

Criação e queda do tempo, o dia ordena e rege a elasticidad e


da duração ; não apenas a do dia, da semana, do mês, do ano, mas a
da relatividade que nunca deixou de acompanhar a inteligência do
tempo, tempo dos místicos, dos políticos, de que a história,
afiloseícnrvam ,téàsecnoriad
areltivds,pogeralqudsmbcãonrie
oabsolutismotemporale spacil,naexplosã deumainf ida ed e
«tempos locais» induzidos pela constante da velocidade da luz ; luz
da velocidade que ilumina doravante de um modo novo a extensã o
e a duração, pois parece provado que a velocidade dilata o temp o
no próprio instante em que contrai o espaço .
Esta visão do mundo físico, que se aproxima de facto de um a
óptica generalizada, ou mesmo de uma estética, ao ponto de Alber t
Einstein ter encarado por algum tempo a hipótese de substituir a
designação de «teoria da relatividade» por STANDPUNKTSLEHRE ,
«teoria do ponto de vista», concorda com a visão metafísica d o
apóstolo Pedro quando afirmava que «Na presença do Senhor, u m
dia é como mil anos e mil anos como um dia .»' Com o físico e sá-
bio, esta elasticidade do ponto de vista divino passa a ser a de to -
dos nós, ao ponto de no fim da vida Einstein constatar : «Não h á
verdade científica», frase essencial que esclarece, aparentemente, o

' Segunda Epístola : 0 dia do Senhor. Os profetas e os apóstolos .


conflito de interpretação entre ele e Niels Bohr, a importância d o dem do tempo, tão cara a Kant, converte-se, com o pai da nov
princípio de incerteza que hoje rege, não apenas a nova física, ma s da velocidade . areltivd,mo
o conjunto das ciências, de onde a actual regressão da ética até a o Com a descoberta de uma multiplicidade de tempos locais ,
infinito . . . ultrapassado o tempo global caro a Newton, a ordem diferencial
Com este primado hoje concedido à luz, ou por outras pala- da velocidade abre-nos as portas a uma complexificação, a u m
vras, à sua velocidade percebida como «horizonte cosmológico » enriquecimento dos três tempos . Ao «movimento» cronológic o
inultrapassável, entramos numa nova ordem de visibilidade onde a — passado, presente, futuro — há que associar agora fenómeno s
temporalidade sofre uma mutação : o tempo que passa d de aceleração e desaceleração, «movimento do movimento», mu -
quesxpõ, acronlgiedhstóvê-ubiídoprmte e danças de velocidade que se assemelham a fenómenos d
se expõe à velocidade absoluta da luz . Esta deriva do absolutism o damexténrisãàoluzç eilumnação, xps o
científico do espaço e do tempo newtonianos até ao domínio eins- dia, uma «luz» que não anda afinal muito longe da dos metafísicos .
teiniano da velocidade da luz é em si mesma reveladora A ordem da velocidade (absoluta) é de facto uma ordem da lu
. ,«revlado»nstifgrácodem zondestrêmpcláioãentradsumiqej á
A famosa «teoria geral da relatividade» não é, portanto, um a não é exactamente o da cronologia.
teoria, ou pelo menos não é tão geral como o afirma, e o seu conti- O tempo, ordem de sucessão segundo Leibniz, torna-se com
nuum, o seu espaço-tempo, e acima de tudo um espaço-velocidad e Einstein ordem de exposição, sistema de representação de um mun-
que relativiza a duração e a extensão da matéria em proveit do físico onde futuro, presente e passado se convertem em figura s
oexclusivodaluz,deumaluzomnipotente,omnipres nte invari nten a conjuntas da sub-exposição, da exposição e da sobre-exposição .
sua prontidão absoluta, luz viva que se aproxima da de um Bernar- Esta questão da representação na física vai aliás provocar, desd e
do de Claraval quando declara : «A luz tem por nome a sombra d a muito cedo, uma grave divergência entre Niels Bohr e Einstein :
luz viva» . para o primeiro, a noção de trajectórias das partículas deixou d e
Com Albert Einstein, mas mais ainda com os adeptos da ex- fazer sentido, ou pelo menos deixou de ser útil em física quântica ,
pansão universal, esta «viva luz» permitirá retomar a questã enquanto o segundo recusa a própria ideia de uma realidade física
questão de ontlógicaprexê,domçsce, Deus com existência independente de toda e qualquer observação
de que tentarão apropriar-se a física e a astrofísic acontemprâs a importância que assumia para Einstein .Tornamsquivefc ,
. construtor com o arquitecto Mendelssohn do observatório d e
Mas voltemos ao nosso sábio profeta, de quem nos diz Kar l Potsdam, a noção de «ponto de vista».
Popper : «Embora possa ter acreditado, nos seus anos de formação , Quando sabemos a importância que tiveram os mais diversos
num determinismo cientifico, no fim da vida o seu determinism o veículos, comboio, eléctrico, elevador, etc ., nas intuições de Albert
foi francamente religioso ou metafísico»' . Para o físico Einstein , Einstein, compreendemos o que podia haver para ele de trágico n a
como para o teólogo Bonhoeffer, .o tempo é o ciclo da luz» . A or- perda da noção de trajecto, de trajectória e por conseguinte d e
geometria . Continuador da relatividade balística de um Galileu ,
Einstein não podia admitir o escamoteio inopinado da mecânic a
(01)Sir Karl Popper, L'Univers irresolu. Plaidoyer pour l'indéterminisme, Ed . Hermann ,
1984 . quântica .
Para ele, como para muitos outros antes dele, a velocidade ser- do ponto de vista», corresponde a uma espécie de «focagem» foto -
ve para ver . Grandeza qualitativa, unidade de medida primitiva , gráfica (ou, mais precisamente, fotónica) do mundo físico atómic o
anterior a qualquer outra partilha geométrica, a toda e qualque e subatómico . Se deixar passar o tempo servia outrora para ve
elocidade é a luz da .lC
uz omo o confirma- rdivsãocnméta, tempo passar, sendo a duração um progressivorindetamo de-
rão as experiências tecnológicas sobre o «tempo de exposição» , socultar dos acontecimentos, com a relatividade einsteiniana com o
desde a câmara escura de Niepce e Daguerre e a cronofotografia d e «exposição», óptica generalizada, o que dá a ver já não é o carácte r
Marey até aos actuais aceleradores de partículas elementares, au- progressivo, a extensividade do tempo ; o que desempenha ess a
tênticos telescópios do infinitamente pequeno . Como explicav função é o carácter intensivo, a intensidade máxima da velocidad e
: «O melhor meio arecntmupofsrdeíicagvtonl da luz . Doravante, a «luz do tempo» já não é a do dia solar, a de
para examinar directamente um processo físico à escala atómica o u um astro mais ou menos radioso, mas a da velocidade absoluta do s
subatómica é utilizar um feixe de partículas aceleradas . Tal como a fotões, quantum de acção da luz, critério e limite último d
luz é simultaneamente ondas e partículas (fotões) sabemos, co m . omundpercia
efeito, que a cada corpo em movimento está associada uma ond a Ao tempo que passa correspondia ontem um tempo extensivo ,
chamada "onda de probabilidade" . E essa onda, associada ao o das efemérides e calendários, que justificava plenamente a tes e
seltrõacdo,qusfíitlzamnocrsópi kantiana da invisibilidade do tempo . Ao tempo que se expõe
sel trônicospar ver,comofariamcomumaluzvulgar,osdetalhesmai s instantaneamente corresponde agora um tempo intensivo, o d
ínfimos das moléculas da matéria . Mas à medida que diminui acron scopicado«et rnopres nter lativsta»,óptica ntegralques e
adimensãofó bervados,háqutilznad aproxima da ubiquidade e da simultaneidade do olhar divino ,
ecomprintda,vezmnorusjafixdeptícl e TOTUM SIMUL onde os momentos sucessivos do tempo estã

energia cada vez mais elevada! » que faria desses momento oc-presntumaúicpção
Da luz vulgar dos aparelhos ópticos correntes (microscópio . suceivomapgdcnteimos'
.. .) a esta mais recente luz «extraordinária» da óptic ,telscópio Deste modo, a «luz do dia» da relatividade geral já não é a do
arelativstaeproba ilstadosmicroscópiosel ctrónicos,dosradiotel s- ciclo, da revolução solar, mas sim a da resolução fotónica, resoluçã o
cópios e outros aceleradores de partículas, assistimos, com efeito, a que permitiria enfim a legibilidade geral das durações,
uma mutação da representação física que deve tudo à brevidade ca - avisbldeotmp,ac odçãularfcgemd a
da vez maior do tempo de exposição (de segundo ao bilionésimo d e objectiva de grande resolução aumenta a nitidez de uma fotografi a
segundo) que nos introduz, para lá do tempo da sucessã instantânea .
ocrnlógia,umdevsbilacronópu,misexact - Compreende-se melhor a perplexidade do sábio alemão ante a s
mente,DROMSCÓPIA . premissas da física quântica : ele que sempre elaborara uma estétic a
A tese de Kant segundo a qual o tempo é impossível d da representação relativista do cosmos via-se repentinament
sdeirgucntamoq—lpé,eútimanáls eobsrva , uma estética do desaparecimento econfrtadmsupo,c
invisível — cai por terra, já que a relatividade einsteiniana, «teori a quântico que estava para a luz como a anti-matéria de Dirac estava

«La gravitation quantique, .Abhaq Ashtekar, in La Recherche, Novembro de 1984 . (01) Boécio, comentado por Louis O. Mink, citado por Ricoeur.
que avista não é uma irradiação longínqua, mas um deslumbra -
para a matéria . um escamoteio, uma «anti-luz» onde se esbatia ,
mento, uma vertigem quântica, uma pura revelação do além !
com a geometria das trajectórias das partículas elementares, o se u
Daí a actual corrida às altas energias, a construção de acelera -
famoso continuum a quatro dimensões . De facto, o princípio d e
dores gigantescos como o LEP — anel de colisão de vinte e sete
indeterminação de Heisenberg, subjacente à mecânica quântica, de-
quilómetros de circunferência, do CERN até Genebra — o SLAC ,
sembocava numa espécie de des-continuum onde o número d
acelerador linear de Stanford, na Califórnia, ou ainda a proposta d e
edimensõ nãopari deaumentar',deflutar,levandoenfimNiel s
certos físicos, preocupados com o atraso da experimentação sobr e
Bohr a decretar : Temos que renunciar em grande medida a um a a teoria : construir um acelerador de partículas que desse a volta à
descrição no espaço e no tempo . . . O desejo de uma representaçã o Terra, ou mesmo construir um no espaço circum-terrestre, de mod o
intuitiva conforme as ima g ens no espaço e no tempo não tem qual - a aumentar mais ainda o esplendor da luz da velocidade! Alvorad a
quer justificação . de uma luz subliminar sem medida comum com a trajectória d o
Tornando assim caduca a situação de um objecto existent Sol entre nascente e poente, advento de uma duração sem duração ,
eindepnde tment daobservação,ateoriadosquant desmbocav , de um tempo intensivo capaz de suplantar o tempo extensivo do s
em prejuízo de Einstein . num interdito da representação, e, por - calendários e da história.
tanto, na necessidade de renunciar aos conceitos tradicionais de es -
paço, de tempo e de causalidade .
Uma vez que os . .objectos» examinados já não eram considera -
dos como objectos reais mas sim, no dizer do próprio Heisenberg , «A perfeita objectividade do espaço-tempo e do seu conteúd o
como «objectos subjetivos», o princípio de indeterminação levav a de acontecimentos macroscópicos é muito provavelmente uma ilu-
a renunciai- ,ao princípio de realidade. . . Com efeito . se o são, tal como a objectividade que se tende a atribuir ao conceito d e
psãáamnoeonç-trlaivs,épo sfenômoquâticj - probabilidade no seu aspecto frequencial . Na realidade, nem o "es-
que já não se inscrevem numa qualquer ordem de sucessão ou d e paço-tempo" nem a " probabilidade" são totalmente objectivos .
posição espácio-temporal, mas apenas numa ordem de exposiçã o não sendo aliás também totalmente subjectivos, ma
ultra-relativista instantâneo) nos sinais das câmaras de registo do s .Ccoistad»e',Bulrg-nO sindoluvemtabs .
anéis de aceleração do CERN (03) ou de outros laboratórios Na sequência destas considerações desencantadas, Beauregard
,alucinçõesxprmtodfíicéermopaávl introduz então a ideia de uma ESTEREO-ESPACIALIDADE Cujo relev o
a lguémques conte asecom bservaecontaros inasluminos s resolveria enfim o conflito de interpretação cosmológica entre físi-
que lhe chegam durante a noite, recusando-se porém a acredita r ca quântica e relatividade einsteiniana : por um lado,
que há lá ao fundo outra ressoa a manejar a lanterna — mais ain- ESPAÇO, o espaço-tempo familiar dos acontecimento oEx-
da, afirmando que não h á qualquer Limpada eléctrica e que a lu z adoE;cNpDnOt-eSirmPAÇusqâ, smacroópi s
microscópicos. Qual o destino, aqui, da noção de grandezas físicas,
1 Veja-se, por ex emplo a teoria de Ka haluza/Klein, que procura, no quadro quântico, unifi- de dimensões do cosmo? — já que, recorde-se, a noção de energi a
car as torças fundamentais da natureza num espaço-tempo a mais de quatro dimensões .
(02) 1927.
(03) Conseil europeen pour la recherche nucléaire (Conselho Europeu para a investigação (01) La Notion de temps, Olivier Costa de Beauregard, Ed. Hermann, 1963.
Nuclear ;, criado em 1952 em Mevrin, nos arredores de Genebra . (N.T.)
substitui doravante a de distância, subentendendo-se que estas dua s instrumentos, senão mesmo do futuro telescópio espacial
quantidades estão ligadas pelo principio de indeterminação de Hei- ipnesqtauodrcf s ,enquatoifm
senberg ... . oalcne
Devemos depreender daqui que ao lado da dupla espacialidade Desdobramento do infinito onde o interdito da representação ,
sugerida por Costa de Beauregard tem cabimento uma dupla tem- a cegueira cosmológica, ocupa um lugar central. Por um lado,
poralidade, um infinitamente pequeno e um infinitamente grand e initamente «grande» do espaço-tempo relativista é, aparentemente, oinf
do tempo ? acessível aos nossos instrumentos de medida (radiotelescópio, es-
Se assim fosse ficaria esclarecida a noção intuitiva de uma dura- pectroscópio...) ; por outro, o infinitamente «pequeno» do espaço -
ção sem duração, de um tempo da intensividade situado aquém d o -velocidade ultra-relativista é para todo o sempre inacessível, já qu e
espaço-tempo einsteiniano. e a pesquisa micro-física das partícula s seria preciso, no dizer dos especialistas, construir um acelerador d e
elementares, dos bilionésimos de segundo (nano-segundo, pico - partículas do tamanho da nossa galáxia, ou mesmo do Universo ,
-segundo e femto-segundo . . .) ganharia um novo sentido, um senti - para podermos contemplar o além do tempo !
do inverso e oposto ao da actual tentativa de regressão temporal, à
Ao tentarmos reconstituir esta estranha cosmogonia, este que-
famosa investigação astrofísica dos primeiros instantes do universo . bra-cabeças onde o desdobramento do tempo provoca o do infini-
' Confirmando aparentemente esta interrogação, certos cientista s to, deparamos com uma curiosa «concepção do mundo» em que o
explicam : «Nesta perspectiva, compreender a origem do Univers o macrocosmo seria finito e o microcosmo sem fim, em que o espa-
é compreender a instabilidade de um «nada quântico» original . Há ço-tempo macroscópico seria perceptível, não apesar das suas di-
quinze biliões de anos o Universo teria pois surgido a partir d o mensões, mas devido ao seu próprio gigantismo, ao passo que o
«nada» e o nosso relógio universal teria começado a trabalhar, ma s
espaço-velocidade microscópico seria imperceptível pela razã
o tempo que esse relógio define, o tempo que se escoa no univers o
. Por um lado, observamos portanto um tempo extensivo, oinversa o
curvo, não é o tempo associado ao espaço-tempo plano do vazi o do infinitamente grande da duração (espaço-tempo), que se calcul a
original . Tal como no caso do buraco negro, a relação entre esse s em biliões de anos . Por outro, um tempo intensivo, o do infinita -
dois tempos é singular e conduz a uma conclusão paradoxal :
mente pequeno do tempo (espaço-velocidade) que se conta e
«O Universo existiria há um tempo finito e teria surgido do nad a
quântico há um tempo infinito.» ' aqui a questão teológica do Génesis mbilonésdegu, ou ,
se se preferir, a questão ontológica dos primeiros minutos do Uni -
De facto, a visão de um infinitamente «pequeno» da duração ,
tal como parecem permiti-lo as experiências de aceleração intensi- verso, tal como a formula o prémio Nobel Steven Weinberg, corr e
va, modifica a nossa percepção da temporalidade : a corrida o risco de perder o sentido, pelo menos no domínio do «começ o
àintesivdae bsolutadotempovira ealid edoaveso,cm o do tempo» .
uma luva . A medida da duração já não é realmente «a duração» , Com efeito, se existe um infinitamente pequeno do temp
mas sim, paradoxalmente, o aprofundamento infinito e constant e a teoria da relatividade assim o exige), o primeir ocmdespaç( o
do «instante» ; a origem do Universo parece estar ao alcance do s minuto do Universo é infinito e torna-se necessário procurar tam-
bém um começo do tempo no fundo da intensividade absoluta d o
instante ...
(01) «Mort et resurrection de l'horloge universelle», Edgard Gunzig e Isabelle Stengers, i n
L'Art et le Temps. Bruxelas, 1984 . Deste modo, na encruzilhada (na interface) entre o espaço-

-tempo e o espaço-velocidade, cruzar-se-iam um começo dissimu- num ponto de fuga perspectivo, mas não, como o defendiam no s
lado no infinitésimo do tempo presente e um começo igualmente anos 30 e 40 os físicos Lemaitre e Gamov, num ponto de partida
oculto no infinitamente grande da mais longa duração do temp o originário onde teriam estado um dia concentradas, capitalizadas ,
passado, dois "começos" para uma única gênese, ou duas «origen s as condições de necessidade da realidade cósmica, avatar do ov o
cosmológicas» para-dois começos? Na sua tese de 1933, Le Temp s chinês do mesmo nome, que hoje leva alguns a tentar discernir a
et l'Eternite chez Plotin et Saint A ugustin (Tempo e Eternidade e m finalidade universal, a «verdade das verdades», nos antípodas d o
Mofino e Santo . jean Guitton escrevia o seguinte : princípio de relatividade caro ao velho sábio judeu . '
«Sendo o instante por essência um ponto intermédio, é impos- Seja como for, a catástrofe torna-se o alfa e o ômega da cosmo-
sível supor um instante privilegiado que fosse fim sem ser começ o gonia contemporânea : explosão causal (BIG BANG), implosão final
ou começo sem ser igualmente fim . Nisto se vê bem como é absur- (BIG CRUNCH), os físicos caem na armadilha da sua lógica cosmoló-
do fazer nascer o tempo a maneira de Platão . » gica, obrigados a atribuir ao acidente a importância primeira qu e
E precisamente esta relatividade, esta elasticidade generalizad a ontem atribuíam à substância . Doravante, digamos o que disser -
da duração que os adeptos da experiência mística pressentem e re- mos, façamos o que fizermos, o acidente é absoluto e necessário e
velam. Se, nas palavras do apóstolo, «um dia é como mil anos e mi l a substância relativa e contingente . Para os materialistas, «anti -
anos como um dia», aos olhos do relativista convicto, um bilionési- -criacionistas» convictos, o acidente converteu-se na forma laica do
mo de segundo é como quinze biliões de anos e os quinze biliões d e milagre !
anos que nos separam, segundo se diz, da génese cósmica, não sã o
mais do que um nano-segundo, isto é, um bilionésimo de segundo .
Daí a puerilidade dessa busca astrofísica do «começo dos come-
ços», no próprio momento em que se desenvolve, nomeadament e Em Setembro de 1985, quatro astrónomos do observatório d e
na microfísica, a busca das maiores acelerações possíveis . Toulouse descobriam um Arco luminoso. Dois anos depois, em
Deste modo, a recusa de Albert Einstein em aceitar o princípi o Novembro de 1987, esses mesmos astrónomos demonstravam d e
da expansão universal, a ideologia do modelo evolucionista aplica - maneira irrefutável que se tratava na realidade de um «Anel d e
da ao cosmo, explica-se por motivos mais válidos do que a mer a Einstein», isto é, de um efeito óptico mais conhecido por LENTE
esclerose intelectual, a inércia de um velho génio determinista ne- GRAVITACIONAL e há muito previsto pela teoria da relatividade ge-

gando-se a abandonar o seu modelo «estacionário», e isto permit e ral...


dar o justo valor ã sua afirmação quase testamentária de qu enão Depois dos registos efectuados no observatório do Havai e m
há verdade científica . 1986, e sobretudo no de Silla, no Chile, a equipa científica afirma-
Efectivamente, para o teórico da relatividade geral (1915), a ex- va finalmente que o arco luminoso não era mais do que a imagem
pansão do Universo pressentida já em 1922 pelo físico russo Ale-
xandre Friedmann e confirmada, sete anos mais tarde, pelo astró- Sublinhe-se, porém, que a concepção .«evolutiva» sofreu ela própria uma evolução e qu e
os termos de expansão, de dilatação cósmica, já não parecem adequar-se à descrição da DRO-
nomo americano Edwin Hubble, conduz a uma ilusão de óptica MOSFERA . Reconhece-se hoje que a geometria do Universo, as suas medidas, evoluem de ta l

cosmológica. A fuga generalizada dos objectos celestes e o famos o forma que a distância entre quaisquer dois pontos aumenta regularmente com o tempo ,
exactamente como o prevê a relatividade geral . . Nicolas Prantzos e Michel Cassé ., no seu ar-
deslizar para o vermelho da luz das galáxias culmina, é verdade, tigo L'Avenir de l'Univers .' in La Recherche, Junho de 1984 .
deformada de uma galáxia espiral situada a seis ou sete biliões d e ções de um conjunto cosmológico mais vasto : conjunto topológic o
anos-luz . indivisível a que poderia chamar-se «Dromosfera», a esfera das ve-
Flutuaria assim entre nós e ela, a cerca de cinco biliões de anos - locidades relativas à velocidade finita e absoluta da luz, constant e
-luz, o gigantesco '<enxame de galáxias, ' ABELL 370 que desempe- universal que determina o horizonte cosmológico, ou seja o con e
nha simultaneamente o papei de uma lente deformante e de um a de visibilidade das aparências astronómicas ; a «expansão do Uni -
lupa. .. verso» é assim e apenas a ilustração mais espectacular da óptica ci-
Pouco mais ou menos como um vidro óptico desvia os raio s nemática da relatividade geral . Uma óptica onde a ilusão concreta e
luminosos, uma massa tão gigantesca de matéria pode igualment e momentânea leva sempre a melhor sobre a verdade científica, sobr e
desviar a luz de um objecto celeste qualquer . Como dizia na altura a própria realidade dos objectos celestes entrevistos aqui ou ali ,
a imprensa especializada : «Este fenómeno de óptica gravitaciona l nessa zona de emergência fenomenal possibilitada pela velocidade -
deverá permitir aos investigadores descobrir outras galáxias muit o
-limite .
distantes e até ao momento indetectáveis .»' Um Arco luminoso ,
De facto, se a velocidade não é de modo nenhum um «fenóme-
um Anel gravitacional, e porque não uma esfera, uma DROMOSF E
no», mas apenas a relação entre os fenómenos (a própria relativida-
RA?
de), poderíamos declarar por nossa vez, parafraseando Bernardo d e
Como conceber que um enxame de galáxias possa provoca
rsemlhantefiodeóptica nemática,suceptívlde ar veum a Claraval : «A luz tem por nome a sombra da velocidade absoluta» ,
galáxia comparável à nossa «via láctea», e não adivinhar que o con- ou, mais exactamente, a velocidade da luz dos raios (óptica geomé-
junto da matéria do Universo age da mesma forma sobre a noss a trica) tem por nome a sombra da luz da velocidade das ondas (óp-
visão do mundo ? tica ondulatória) electromagnéticas . Desdobrando assim a energi a
Todos sabemos que a luz, enquanto forma de energia, possu i luminosa em luz, por um lado, e por outro em velocidade de difu-
uma massa que é influenciada pelo campo gravitacional, de ond e são da referida «luz», seríamos então levados a reconhecer final -
essa curva, esse desvio dos feixes luminosos na ilusão de óptica re- mente que a luz serve para ver, mas sobretudo que ela dá a ver « a
lativista . Assim, o caminho mais curto que a luz pode seguir é luz»antes mesmo dos objectos (dos fenómenos) que esta última po r
sempre, ou uma «curva» ou um «grande círculo», determinado s sua vez ilumina. '
pela geometria não-euclidiana do campo, sendo a própria estrutur a E precisamente isto a DROMOSFERA, não tanto a expansão un i
desse campo gravitacional determinada pela massa e pela velocida- versal «iluminada» pelo famoso deslizar do espectro para o verm e
de dos diferentes «corpos em gravitação», estrela, planeta, galáxi a lho como o reconhecimento puramente relativista de que é A VE
ou enxame de galáxias . A geometria (a topologia da relatividad e LOCIDADE que ilumina o universo dos fenómenos perceptíveis e
geral), isto é, a própria estrutura do nosso universo, deve portant o mensuráveis, e não já unicamente A Luz e a sua análise espectral .
ser definida pela soma da matéria em movimento relativo nele con- Luz directa dos raios solares e das lâmpadas eléctricas, ou lu z
tida. Ora, deslocando-se a luz à mesma velocidade em todas as di-
indirecta das ondas electromagnéticas que servem mais para com u
recções, o Arco ou o Círculo visíveis nunca são mais do que se c
nicar, para pôr em relação, do que para iluminar, para trazer à lu z

(01) «Quatre astronomes toulousains prouvent I'existence d'un anneau d'Einstein», Domini-
que Leglu in Liberation, 3 de Novembro de 1987. O princípio antrópico : sem observador, não há luz .
as coisas (quantidade . qualidade . . .) dadas a apreender no instant e apenas levar a sério o carácter CINEMÁTICO da óptica relativista ,
do olhar . mas ainda e sobretudo dar o justo valor, com idêntica seriedade, à s
Não se trata aqui de uma simples metáfora acerca da velocidad e aberrações, ou antes à ilusão dromoscópica recentemente revelad a
e da sua «luz», mas sim de um verdadeiro desdobramento da per- por numerosas observações astronómicas relativas à óptica gravita-
cepção proposta no passado por Einstein e alguns outros . cional, subentendendo-se que a gravitação se propaga à mesma ve-
De facto, de ha quase um século a esta parte, salvar os locidade que os fotões .
fenômenos é salvar a sua velocidade de apercepção . Em 1905, era isso mes- Todos sabemos há muito tempo já que a noite estrelada nã o
mo a «teoria do ponto de vista einsteiniano», uma percepção d o passa de uma ilusão, não estando nenhum astrónomo em condi-
mundo físico que devia tudo ou quase tudo ao carácter absoluto da ções de nos dizer se a fonte infinitamente longínqua desta cintila-
«velocidade", limite . cosmogológico a substituir o «tempo» e o «espa- ção nocturna continua activa. Recentemente, porém, a esta primei-
ço» absolutos de Newton, em proveito de uma espécie de eter- ra ilusão da velocidade finita da luz veio juntar-se uma segunda ,
no presente dromológico, figura de uma física onde a velocidade mais estranha ainda : a das miragens dromosféricas que multiplicam ,
emerge de subiu como vida dos fenómenos, mais precisament e à maneira das miragens atmosféricas, a representação dos astros .
como sua sobrevivência , uma sobrevi v ência precária sem a qual a O «efeito de lupa» das lentes gravitacionais atrás descritas nã o
ciência se esvairia instantaneamente, cedendo a física o lugar à pur a só permite observar corpos celestes infinitamente distantes qu e
metafísica .. . nunca deveríamos avistar, como nos faz ver a dobrar! A embria-
Efração . retracção, difração, os dois termos genéricos e absolu- guez da velocidade não é já, portanto, uma palavra vã ; graças ao
tos de Isaac Newton e de muitos outros — o tempo e o espaço — desvio da luz no campo da gravidade, nas imediações de massa s
são, graças a Albert Einstein, substituídos no início do século po r cósmicas imponentes, o astrónomo já não crê nos seus olhos, ne m
mesmo nos dos telescópios ou radiotelescópios .
dois novos termos : a VE LOCIDADE e a Luz (a constante C) . Mai s
tarde, desta vez com Louis de Broglie, a aceitação do desdobra - Doravante, a demanda nocturna dos observatórios já não vis a
mento «ondas-corpúsculos» assinalará mais claramente ainda o ca- tanto o recenseamento dos astros, das estrelas, como a descoberta
dos logros, das deformações angulares múltiplas da óptica gravita-
rácter dual da física contemporânea ; carácter que a mecânica quân-
cional; o recenseamento, não já de FENÓMENOS, mas desses
tica e o princípio de indeterminação de Heisenberg prolongarã o
EPIFENÓMENOS numerosos, estrelas abusivamente desdobradas e mesm o
até ao paradoxo ,que sabemos : pode conhecer-se a velocidade d e
triplicadas, quasar ou pulsar binários, miragens gravitacionais e pu-
uma partícula mas não a sua posição . Ou inversamente : a posiçã o
ramente relativistas que hoje preocupam os astrofísicos ..., sobre -
dessa mesma partícula, mas não a sua velocidade ... pondo-se progressivamente a refracção da luz causada pela gravita-
Dicotomia fundamental, decorrente não apenas da distinção en- ção universal à luz da observação inocente das fontes cósmicas ,
tre matéria e luz, mas desta vez entre onda e partícula . enquanto se aguarda a confirmação experimental da existência da s
O que aqui pretendemos é muito simplesmente prolongar est e famosas «ondas de gravitação» e a criação de uma astronomia gra-
movimento, ao propormos designar por «dromosfera» aquilo a vitacional.
que até agora se convencionou chamar «expansão do Universo» ; De facto, não existindo nenhuma parte do céu que não mani-
instalando assim a luz indireta da velocidade, em vez e lugar d a feste uni certo desvio angular, o céu dos astrónomos e dos astrofí-
importância habitualmente atribuída à luz directa, procuramos não sicos nunca é mais do que um gigantesco «efeito de refracção»,
uma ilusão cósmica devida à relatividade dos movimentos celestes dos fenómenos (ou, se preferirem, o cone de luz) só possui um ta l
e onde, segundo se pensa, só a instalação de instrumentos mais po- «efeito de realidade» graças à aproximação relativista do campo, e
tentes permitiria aos observatórios medir a amplitude dessa defor- não em virtude de uma qualquer «objectividade» (ocular ou ópti-
mação gravitacional, assegurando assim, à maneira das lentes d e ca), derivada de uma fonte de luz exterior, como outrora exigia m
correcção ocular, a rectificação da nossa .«visão do mundo > . os experimentalistas do Século das Luzes.
«Quanto mais aperfeiçoarem os telescópios, mais estrela s Em última análise, a efração dromológica do TEMPO DA LU Z
passará a haver>, escrevia, não sem humor, Gustave Flaubert . N a (do tempo-luz) não é mais do que o prolongamento daefração
realidade, quanto mais se aperfeiçoarem os instrumentos astronó- morfológica do ESPAÇO DA MATÉRIA subsequente às descobertas d a
micos e rádio-astronómicos, mais descobriremos com assombr o física atómica e subatómica .
que a luz indirecta da velocidade é a principal fonte de iluminaçã o A forma como Minkowski pôs em causa a antiga tripartição d a
do espaço cósmico, iluminação temporal onde a astrofísica das mi- geometria, a mais recente rejeição, por Mandelbrot e alguns ou-
ragens levará provavelmente a melhor sobre a astronomia dos ob- tros, da velha noção de «dimensão inteira», tudo isto nos conduz a
jectos reais, identificando-se o universo da óptica cinemática da re- realizar uma verdadeira «desintegração dos antigos quadros con-
latividade geral e da futura «astronomia das ondas gravitacionais » ceptuais» da física e da astrofísica . Desintegração da «extensão» e
com uma gigantesca ilusão causada pela dromosfera e análoga à s da «duração», da «posição» e da «velocidade», prolongada ainda ,
ilusões, bem conhecidas, da atmosfera terrestre. na sequência da teoria multi-dimensional de Kaluza-Klein, pela d o
Podemos mesmo legitimamente supor que o aumento da reso- espaço das fases, ou, com a teoria das cordas cósmicas, pelo espaço
lução das imagens MACROCÓSMICAS culminará, à imagem do que fibroso das matemáticas mais recentes .
ontem aconteceu com o MICROCOSMO, numa nova e derradeira
«perda de vista», comparável à que a física quântica já hoje ilustra ,
e generalizando assim os termos do debate entre Niels Bohr e Al-
Por muito que isso desagrade aos materialistas, a relatividad e
bert Einstein a propósito da importância da observação na física ,
dos místicos esclarece a da física contemporânea ; «micro» ou «ma-
ou seja, em última análise, do estatuto da visibilidade experimental .
«A distinção entre passado, presente e futuro, aqui ou além , crofísica», no fundo do corredor, do túnel da ciência, não há nada
para ver! E a óptica geométrica ou ondulatória nunca é mais d o
tem tão pouco significado como uma ilusão visual», escrevia Eins-
que a encenação de uma ilusão cinemática .. . Einstein, de resto ,
tein numa carta de condolências à família do seu amigo Michel e
bem o sabia — ele que se viu obrigado a abolir o carácter absolut o
Basso . . . Condolências pela física experimental clássica — ou pel o
do TEMPO e do ESPAÇO da matéria, para instaurar, não o da luz ,
menos, sem dúvida, pelo seu regime de visibilidade !
mas o da pura celeridade, uma celeridade absoluta também parti-
Se no espaço-tempo inter-sideral não existe objectivament e
lhada, não o esqueçamos, pela gravitação universal .
nem CIMA, nem BAIXO, nem FUTURO, nem PASSADO, mas um PR E
Racionalmente falando, levar a sério a objectividade é ultrapas-
SENTE exclusivamente :lustrado pela presença num dado ponto d e
sar objectivamente o estatuto da visibilidade herdado do Século da s
um observador potencial', isso significa que a esfera de emergênci a
Luzes ; ultrapassagem que as estatísticas do «cálculo de probabili-
dades», responsáveis pelas descobertas quânticas, já haviam e m
'Como o explica Boltzmann, na sua resposta a Zermelo, em 1897 . grande medida esboçado .
Dizer, como hoje se Impõe, que a velocidade da luz no «vácuo » nossos modernos instrumentos . Mas não é tudo, pois a contingên-
é o absoluto que sucede ao da extensão e duração da matéria, e de- cia atinge por seu turno a atitude do pensamento e a progressã o
clarar indirectamente que ,a relatividade e absoluta e necessária e a das próprias teorias científicas . Se a verdade é deveras «limitada» e
verdade contingente e limitada . a relatividade absoluta e necessária (como ontem a substância aris-
Não já unicamente a verdade das aparências sensíveis da estéti- totélica), levanta-se-nos a questão de identificar essa fronteira, ess a
ca, mas ainda a existência objetiva da física, a verdade decorrent e «limitação do verdadeiro» . Ora a resposta está incluída na pergun-
das diferentes técnicas de medida e observação . ta : o que limita a verdade dos factos é ainda e sempre essa «veloci-
Ouçamos o jovem Einstein, num texto de 1916 : dade» que é a medida quer dos fenómenos quer dos fenômenos ;
«A noção de verdade não se aplica aos enunciados da geome- a relatividade não seria, assim, mais do que esse limite absolut o
tria pura, pois o termo si VERDADEIRO designa sempre para nos, e m imposto à objectividade científica pelo «enigma do tempo», não j á
última analise, a concordância com um objeto «real» . Ora a geo- apenas do tempo extensivo (do tempo que passa) dos séculos do s
metria não se ocupa da relação entre as suas noções e os objecto s séculos e da Eternidade, como em Santo Agostinho, mas doravant e
da experiência, mas apenas da relação lógica destas noções entr e
também desse tempo intensivo (tempo que se expõe) das duraçõe s
si. »(01) infinitesimais, permitido pelas novas tecnologias .
Este progressivo distanciamento relativista afectará sucessiva -
Como se a velocidade absoluta e no entanto finita fosse tam-
mente os diversos ob j ectos da experiência científica, até ao famos o
bém o acidente de transferência do tempo de um extremo ao outr o
diálogo de 1927 entre Bohr e Einstein acerca da própria utilidad e
da duração, incluindo a do saber e dos conhecimentos humanos .. .
da noção fundamental de trajectória (posições ou velocidades, co m
Escutemos ainda o velho Einstein :
certeza, mas nada a Iiga-las entre si) . O recente desenvolvimento d a
«O que distingue uma teoria verdadeira de uma teoria falsa ?
óptica estatística das imagens de síntese, aplicada àinvestgacão
científica, reforçará ainda mais este exílio, contribuindo para subs- O seu prazo de validade !» Alguns anos ou dezenas de anos para a
tituir as «experiências de pensamento» dos investigadores po r primeira, alguns dias ou meses para a segunda .. . Ora, se aceitar-
«experiências informaticas", com a óptica numérica da infografia a mos, como é legítimo fazê-lo, o papel recentemente desempenhad o
sobrepor-se a pouco e pouco à óptica analógica da visibilidade ha- pela «velocidade de cálculo», não já apenas na verificação das hipó-
bitual . teses, mas ao contribuir de forma determinante para a constituiçã o
Com efeito, se a velocidade não é um «fenómeno», mas sim a de uma óptica activa que completa a óptica passiva das lentes ; «óp-
relação entre os fenômenos, a velocidade de cálculo dos computa- tica numérica» (ou estatística) que promove não já apenas a previ-
dores realiza ho j e aquilo que desde Galileu realizava já a óptic a são, como qualquer cálculo matemático, mas a visão dos resultados
geométrica das lentes .- desses cálculos, teremos que nos decidir a enfrentar a restrição pro-
Esta primeira "máquina de velocidade absoluta" prefigurou, d e gressiva do prazo de validade das próprias teorias científicas, fican-
facto, em grande medida, a óptica ondulatória da electrónica do s do esta diminuição do valor das experiências a dever-se, não já à
incapacidade dos teóricos, mas à sobrecapacidade dos seus meios,
(01) La Théorie d e la relativité res trein te génrale.l.bGeratuEhins-VA,d , ou seja : à simples aceleração, à multiplicação dos cálculos, da me-
c ap. I p . 2 . dida da observação, uma observação «indirecta» que tudo deve a
Galileu . o p rimeiro relativista ???de onde o seu conflito com o relativis mo
religioso da Igreja romana. essa «luz» da velocidade, velocidade de controlo das hipóteses que
leva a restringir a durável validade das leis . Até chegarmos a ess e contrario, no decurso dos anos 40, o princípio da máquina de pen-
«cone», a esse limite de visibilidade da racionalidade onde desapa- sar, esboço mecânico daquilo que viria mais tarde a ser a informá-
recerá, num dia não muito longínquo, a própria verosimilhanç a tica electrónica . Mas o que Turing com certeza não adivinhava era
dos nossos conhecimentos, quer no campo da física quer no da as- que a sua famosa «máquina numérica» desembocaria trinta ano s
trofísica — declínio da própria necessidade de referências exterio- mais tarde, na emergência da máquina de ver. Automação da per-
res, tal como o prefigurava o nascimento da mecânica quântica . cepção numérica e não já apenas da produção de cálculo, que pu-
Uma «morte», ou pelo menos um desaparecimento relativista liga - nha novamente em causa, não apenas os fundamentos axiomático s
do ao descrédito da óptica (directa) passiva, em proveito de um a das matemáticas, como antes fizera Gödel, mas o próprio conjunt o
óptica (indirecta) activa ou mesmo «activista» ... A morte do olh o dos processos de aquisição do conhecimento ; a potência das «má -
do experimentador representa, assim, para os físicos, o mesm o quinas numéricas» herdeiras da de Turing, potência que se resum e
problema de consciência que a afirmação nietzscheana da famos a afinal à sua velocidade de cálculo, e que lhes permite apreender a
«morte de Deus» (o seu desaparecimento relativo) levantara ao s informação do meio ambiente, isto é, ver, avistar em vez de nós ,
metafísicos ; a renúncia relativista à fé perceptiva corresponde para faz assim do cientista, como ontem do artista, um simples «de-
os primeiros àquilo que foi para os segundos a renúnci monstrador de material», uma vez que a informática permite dora-
ràfeligéosa . aobjetivs vante aos sábios imaginar as suas teorias ...
Assim sendo, acontecerá em breve à ciência aquilo que aconte-
ceu à arte — não apenas o silêncio, como teme o astrónomo Mi-
chel Cassé, mas a cegueira(01) Umacdeguvirapoxl
oexcsodeclridaedaluz,equ nosprivaádefintvament d e «No Universo, não há distinção entre as duas dimensões d o
referentes exteriores . Com uma frase de Paulo de Tarso à maneir a tempo, do mesmo modo que no espaço não há cima e baixo . Toda-
de conclusão teleológica : «As coisas visíveis, na verdade, só têm u m via, tal como em determinados lugares da superfície terrestre pode -
tempo ; as invisíveis são eternas .» A eternidade das longas durações , mos chamar "baixo" à direcção do centro da Terra, também u m
é claro, mas também essa meta-eternidade do infinitamente peque - organismo vivo que se encontre nesse mundo num momento de -
no do tempo, dessas ultra-curtas durações que escapam ao noss o terminado pode definir a "direcção" do tempo como indo do esta -
entendimento e que as nossas diferentes tecnologias não param, n o do menos provável para o estado mais provável, sendo o primeir o
entanto, de colocar à nossa disposição ... o passado e o segundo o futuro . »
Já nessa década de 30, tão fértil em mudanças, o teorema d e Nesta resposta a Zermelo, datada de 1897 (um ano depois d a
Kurt Gödel abalara o edifício racionalista ao determinar matemati- invenção do travelling por Eugène Promio), Ludwig Boltzman n
camente a existência de proposições que, embora «verdadeiras» , identifica o PRESENTE com a presença, num determinado lugar e
não podem ser nem demonstradas nem infirmadas, já que a teori a num determinado momento, de um observador vivo. Faz, portan-
dos números contém um princípio de incompletude absoluta . E m to, corresponder a percepção da duração (do tempo que passa) à
torno desta crise lógico-matemática, Alan Turing desenvolveria, a vida, à vivacidade metabólica, como se o presente se identificasse, à
maneira bergsoniana, com a simples consciência dessa duração ...
' La Machine de vision . Paul Virilio, Ed . Galilée, 1958, último capítulo . como se, fora da esfera dos «mortais», o tempo não possuísse
qualquer duração específica, qualquer «quantidade» ou «qualida- Mas esta questão, muito recente, do infinitamente pequeno d a
de» a distinguir o Antes do Depois ; do mesmo modo que a exten- duração (nano-segundo, pico-segundo, femto-segundo), verdadeir a
são inter-sideral não distingue nem o «cima» nem o «baixo», send o desintegração do tempo da luz, comparável à desintegração do es -
o homem (ou antes, o animado) a medida de todas as coisas . paço da matéria (fissão, fusão nuclear...) é ela própria uma questã o
E ainda nesta constatação que hoje assenta aquilo a que se dá o científica que ultrapassa a interrogação filosófica clássica sobre o
nome de PRINCÍPIO ANTRÔPICO, sendo a existência de um observa - instante, na apreensão tradicional dos três tempos .
dor qualquer considerada como inseparável da existência dos fenó- O instante presente, com efeito, não é já aqui um simples «lap-
menos racionalmente observados . Mas voltemos à «seta do tempo», à so de tempo» ; entreabre a possibilidade inaudita de uma duraçã o
análise de Boltzmann : este último não evoca o problema do centro infinitamente curta contendo o equivalente daquilo que contê mjá
do tempo intensivo, só levantando claramente a questão do temp o a duração infinitamente «longa» e o espaço infinitamente «grande »
extensivo . O impasse, quanto à própria probabilidade de um infi- desse cosMo PERCEPCIONADO que (para o observador evocado) é
nitamente «pequenos da duração, é total . limitado pela velocidade absoluta e porém finita da luz no vácuo .
Teremos que esperar por 1905 e por Albert Einstein, para que a No eixo do tempo intensivo, segundo eixo paradoxal de toda a
descoberta da celeridade absoluta da luz no vácuo venha modifica r «duração», a velocidade da luz é portanto o horizonte cosmológic o
radicalmente o debate entre Zermelo e Boltzmann . Com efeito, s e inultrapassável, como o é já, no eixo do tempo extensivo, o alega -
o centro do tempo extensivo é o «presente», isto é, o vivo, há qu e do começo do espaço-tempo : o BIG BANG .
reconhecer então que esse carácter «vivaz» de um qualquer orga- O intervalo do terceiro género, o intervalo do género «luz» (si-
nismo animado (animal) é a vida, ou por outras palavras, o regim e nal nulo) toma assim lugar ao lado dos outros dois, o intervalo d o
de temporalidade do ser, a velocidade metabólica de aquisição d a género «espaço» (sinal negativo) e o intervalo do género «tempo »
informação do observador evocado . Funcionando o seu organism o (sinal positivo) para constituir a DROMOSFERA, isto é, não apenas o
vivo como centro do espaço-tempo relativista, é absolutamente im - «cone de visibilidade» anteriormente evocado, mas a esfera de per-
possível separar o observador da coisa observada, tendo assim a cepção da própria realidade dos fenómenos, a começar pelo efeit o
inseparabilidade relativista em grande medida antecipado o princípi o de realidade puramente relativista dos intervalos de espaço e d e
da inseparabilidade quântica . tempo que todavia contribuíram para a constituição da nossa his-
O «centro» do tempo extensivo é portanto, através do estado - tória e da nossa geometria .
-presente do observador, a velocidade relativa do ser animado, a O tempo da luz, ou mais exactamente ainda o TEMPO-Luz, é
sua própria vivacidade (idade, saúde, aptidões diversas) . O centro portanto o «centro do tempo» . E a partir do tempo intensivo d a
do tempo cronológico (passado-presente-futuro) é, pois, sempre o luz e da gravitação universal que deverão, pois, doravante estudar -
regime de temporalidade relativista do ser presente, aqui e agora . -se a duração e a extensão, esse tempo extensivo da matéria do s
Ora essa velocidade do presente-vivo (da presença do ser) que bali- objectos e dos lugares . E a partir deste PRESENTE INTENSIVO qu e
za o «antes» e o "depois" evocados por Boltzmann introduz-no s deveremos tentar observar aquilo a que convencionou chamar-se a
de facto naquilo a que poderíamos chamar o eixo do tempo intensi- realidade .
vo, esse segundo eixo da seta do tempo, constantemente prolonga - A velocidade absoluta da luz no vácuo, intervalo de sinal nulo ,
do pelos nossos diversos meios de aquisição da informação, óptic a é portanto a «iluminação absoluta», a revelação da extensão e d a
ou electro-óptica . acústica ou electro-acústica . duração dos fenómenos, a entrevisão do real.
Centro, ou mais precisamente meio do tempo, a prontidã O CONTROLO DO MEIO AMBIENTE
. Se a velocidade é portanto este meio, aoabslutéimedr rea-
lidade objectiva não existe senão através da sua mediação, uma me-
diação relativista que limita as noções de infinitamente grande o u
infinitamente pequeno, desse CONTINUUM de espaço e de temp o
ou, por outras palavras, desses dois intervalos que nada seriam (pa-
ra nós, observadores aqui presentes) sem o terceiro . Podemos, as - «Não procuro nada . Estou aqui . »
sim, doravante evocar legitimamente, não só esse tempo que passa PHILIPPE SOUPAUL T

da cronologia e da historia, mas também o tempo que se expõe, co-


mo o espaço, à luz da constante universal da velocidade .
Tempo de exposição de uma CRONOSCOPIA que completa o
tempo de sucessão CRONOLÓGICA clássica, contribuindo a luz d o O que acontece à transparência do ar, da água ou do vidro, ist o
tempo para expor, e em seguida para sobre-expor, a realidade físi- é, do «espaço real» das coisas que nos cercam, quando a interface
ca. em «tempo real» sucede ao intervalo clássico, e a distância cede re-
«Tudo o que é visível não passa de uma parábola», afirmava pentinamente o lugar a uma potência de emissão e de recepção ins -
Goethe . Parabólico, sim, mas como esses espelhos que fazem con- tantânea? O que sucede enfim, quando a comutação electro-óptic a
vergir a luz, graças à óptica geométrica dos seus raios, para nos da r substitui a comunicação óptica clássica ?
a ver o que é feito, em última análise, do real ; desse «instante - Se os tempos se caracterizam pelo uso repetido e abusivo d o
-presente» cuja profundidade não tem outro limite além da rapide z prefixo des, descentralização, desregulamentação, desconstrução ,
da emissão dessas «ondas de realidade» que constituem, não apena s etc., podemos acrescentar aqui um novo vocábulo : desrgulação ,
a imagem, mas também a coisa representada . . . não apenas das aparências visíveis, mas ainda da própria transpa-
rência . Uma «transparência» sem além, que nada tem em comu m
com a da espessura de um qualquer material, nem mesmo com a d a
atmosfera terrestre .
Com efeito, se a definição da palavra transparência é «o que s e
deixa facilmente atravessar pela luz», ou ainda «o que permite dis-
tinguir claramente os objectos através da sua própria densidade »
(como o vidro, por exemplo), verificamos que com a noção nova
de interface em tempo real a transparência muda de natureza, poi s
já não é a dos raios luminosos (do Sol ou da electricidade) mas a
da simples celeridade das partículas elementares (electrão, fotão . . .)
que se propagam à velocidade da própria luz.
A luz permanece portanto como o único revelador das aparên-
cias sensíveis, mas é doravante a sua velocidade que ilumina, que

dá a ver, em detrimento da claridade do dia solar ou do falso dia d a da velocidade da luz sobre as capacidades de iluminação dos seus
electricidade . raios . -
A transparência não e já, portanto, unicamente a das aparência s Por um lado, a velocidade dos electrões, dos fotões, ilumin
dos objectos dados a ver no instante do olhar : torna-se de súbito a diretamente aquilo que está longe, graças à vídeo-recepçãoain da s
das aparências instantaneamente transmitidas à distância ; de ond e aparências transmitidas (videoscopia que representa um enorm e
o termo proposto TRANSPARÊNCIA do "tempo real", e não j á progresso em relação à clássica telescopia) .
apenas TRANSPARÊN CIAdo"temporeal",ee.sAnmpãoatrçjáoandpislTRãcANSPÊCIDO" o Por outro lado, a velocidade do cálculo electrónico dos pixel s
das aparências das coisas substitui doravante a antiga transparênci a que compõem a imagem acelera a sua definição, a sua nitidez, em
do espaço real do ar, da água ou do vidro das lentes . detrimento da importância da qualidade óptica das objectivas e da s
De facto, esta superação da transparência directa dos materiai s lentes (vejam-se as lentes moles dos novos telescópios) .
deve-se, em primeiro lugar, à emergência de uma óptica nova : a Assim, o que serve para ver, para medir e portanto para conce-
óptica activa, fruto do desenvolvimento recente da opto-electró- ber a realidade das aparências, é menos a luz do que a sua celerida-
nica e das imagens radio-eléctricas, em detrimento da antiga supre - de.
macia da óptica passiva das lentes dos telescópios, microscópios o u Doravante, a aceleração serve menos para nos deslocarmos facil-
câmaras de filmar. Ou, por outras palavras, a aplicação efectiva d a mente (intervalo) do que para vermos, para entrevermos com maio r
óptica ondulatória, ao lado, mesmo ao lado, da óptica geométrica ou menor nitidez (interface), já que a «alta definição do real» de -
clássica . Assim, tal como nas imediações da geometria euclidian a pende exclusivamente da maior ou menor celeridade da transmissão
temos doravante ao nosso dispor uma geometria não-euclidiana o u das aparências, e não já apenas da transparência da atmosfera o u
topológica, também ao lado, bem ao lado da óptica passiva das len- dos diversos materiais .
tes das objectivas das câmaras, dos telescópios, surge uma óptic a Para compreendermos hoje devidamente a importância d o
activa : a da teletopologia das ondas electro-ópticas . «analisador» que a velocidade representa (em particular, a velocida-
Além disso, e paralelamente à transmissão instantânea de u m de audiovisual), há que voltar uma vez mais à sua definição filosó-
«sinal vídeo», existem, desde há pouco, propriedades ópticas liga - fica: «A velocidade não é um fenómeno, é a relação entre os fenó-
das à informática, ou seja, a numerização dos componentes da ima- menos», ou por outras palavras a própria relatividade, a
gem transmitida ; a correcção óptica das aparências deixa de se r transparência da realidade das aparências, mas uma «transparênci a
operada unicamente pela geometria das lentes das objectivas do s espácio-temporal» que sucede aqui à transparência espacial da geo-
aparelhos de captação de imagem ; é-o também agora pelo cálcul o metria linear das lentes ópticas . Daí o termo de trans-aparência pa-
ponto por ponto (pixel por pixel) da imagem, graças a um compu- ra designar as aparências electronicamente transmitidas, qualque r
tador acoplado ao transmissor, com a digitalização da imagem ví- que seja o intevalo de espaço que as separa do observador ; esse ob-
deo a garantir uma melhor definição das aparências — como no s servador doravante escravizado, tornado inseparável do objecto
mais recentes telescopios de ótica adaptativa » onde a pureza d a observado graças à própria imediaticidade da interface, desse be m
lente deixa de ser necessária, sendo a correcção óptica dos raios lu- nomeado «terminal» que coroa a extensão e a duração de um mun-
minosos assegurada pela simples velocidade de cálculo de um com- do reduzido à comutação homem-máquina, onde a «profundidad e
putador gráfico . — Tornamos pois aqui a encontrar a supremacia espacial» da geometria perspectivista cede repentinamente o lugar à
«profundidade temporal" de uma perspectiva em tempo real qu e dessas imagens radio-eléctricas em tempo real capazes de suplanta r
substitui a antiga perspectiva renascentista do espaço real . um dia a contemplação do meio ambiente . A luz directa do sol ,
das velas ou das lâmpadas eléctricas a ceder a pouco e pouco o lu-
gar a essa luz não apenas artificial, mas indirecta da electrónica ou
da fotónica, a exemplo desses apartamentos japoneses privados de
Observemos agora alguns exemplos tecnológicos desta nova e janelas e ensolarados por fibras ópticas ...
última óptica do tempo real. U m grupo de investigadores da Nasa e
do Instituto Oftalmológico da Universidade john Hopkins de Bal-
timore acabam de criar uns óculos revolucionários : duas objectiva s
miniaturizadas são fixadas aos aros e transmitem as imagens por fi- «No século xxi, quem controlar o ecrã controlará a consciên-
bra óptica a duas minúsculas câmaras de vídeo fixadas à cintura d o cia», declarava Timothy Leary .. . efectivamente, o primeiro pass o
indivíduo com problemas de visão . A imagem, tratada electronica- da interactividade é a inter-visibilidade dos diversos materiais d e
mente, é então devolvida aos óculos, onde as lentes correctoras sã o captação de imagem . Não é, ao contrário do que geralmente s e
substituídas por ecrãs . O sistema opto-electrónico está regulado d e pensa, a manipulação à distância, o tele-comando (as máquinas d a
forma a corrigir automaticamente as imagens em função dos pro- cadeia de fabrico) ou o ecrã táctil, mas antes de mais e acima de tu -
blemas de visão do portador, que tem portanto diante dos olho s do aquilo a que poderia chamar-se opto-actividade, a ligação, a
uma imagem bem luminosa e que lhe parece nítida . Esta prótes e confusão das imagens entre si : imagens virtuais da consciência,
deverá em breve ser posta à venda nos Estados Unidos . . . imagens oculares e ópticas do olhar e finalmente imagen
Testado em robôs telecomandados, este sistema electro-óptico é vídeo-infgra . selctro-ópiaudécs
um subproduto entre vários outros das pesquisas militares relativa s E disso que se trata com a noção anteriormente proposta d e
à futura «máquina de visão" . De tacto, os trabalhos recentes sobr e trans-aparência e não já de simples «transparência» .
a automação da percepção tem por objectivo declarado substituir a A luz indirecta das diferentes próteses electro-ópticas (e acústi-

percepção imediata por uma percepção assistida . Uma «percepçã o cas) entra em concorrência com a luz directa da óptica clássica .
indirecta» onde a velocidade dos electrões substituiria com vanta- A distinção corrente entre luz natural e luz artificial passa assim a
gem a luz dos raios solares ou das lâmpadas eléctricas . ser acompanhada pela distinção inabitual entre luz directa e lu zindreta
Assim, a par das pesquisas mais espectaculares ainda de u m .
Scott Fisher, actualmente a trabalhar — igualmente para a NAS A Com efeito, ao passo que a luz dos raios luminosos da lâmpad a
— no aperfeiçoamento de um capacete simulador de ambientes vir- eléctrica ou do Sol provoca uma transparência vulgar, a luz indi-
tuais interactivos (ou, por outras palavras, de um simulador portá- recta dos electrões, dos fotões, dos diversos aparelhos provoca um a
til comparável ao simulador embarcado da aviação de combate), o s transparência extra-ordinária, onde o tempo real da imagem se so-
óculos-vídeo assinalam . mais modestamente, a transformação, nu m brepõe ao espaço real da visão, sucedendo as aparências instanta-
futuro próximo, da óptica ocular numa verdadeira electro-óptic a neamente transmitidas à iluminação habitual dos lugares.
banalizada ; declínio do olhar . da visão directa, em proveito de u m Essa função de aceleração da luz manifesta-se aliás clarament e
desenvolvimento sem precedentes da industrialização da visão, nas câmaras ou binóculos providos de intensificador de luz, onde

os raros fotões são multiplicados de modo a aumentar considera- gativo a superfície de inscrição da película) apenas se inscreve m
velmente a luminosidade ambiente . graças à Luz, a esse intervalo do terceiro género cujo sinal nulo in-
A frequência-tempo da luz tornou-se assim repentinamente o dica a absoluta celeridade .
factor determinante da apercepção dos fenómenos, em detriment o O tempo de exposição da placa fotográfica não é, portanto ,
da frequência-espaço da matéria . A luz da velocidade sobrepõe-s e mais do que a exposição do tempo (do espaço-tempo) da sua maté-
doravante à luz solar, à iluminação corrente . ria fotossensível à luz da velocidade, ou seja, em última análise, à
frequência da onda portadora dos fotões .
O erro do escultor Rodin está em não se aperceber ainda d e
que é apenas a superfície da película fotográfica (intervalo negativo )
Mas voltemos agora à origem desta situação, isto é, à foto - que faz parar o tempo da representação do movimento . Com o fo-
grafia . tograma instantâneo que permitirá a invenção da sequência cine-
Nas suas conversas com Paul Gsell e a propósito do testemu- matográfica, o tempo não parará mais. A fita, a bobina do filme, e
nho irrefutável, segundo este último, da fotografia de um movi - mais tarde a cassete de registo vídeo em «tempo real» da tele -
mento, Auguste Rodin retorque : Não, quem é verídico é o artist a -vigilância permanente, ilustrarão esta descoberta inaudita de u m
e é a fotografia que mente, porque na realidade o tempo não pára e tempo-luz contínuo, ou por outras palavras, a invenção científic a
se o artista consegue produzir a impressão de um gesto que se exe- (tão crucial como a do fogo) de uma Iuz indirecta capaz de substi-
cuta em vários instantes, a sua obra é seguramente muito meno s tuir a luz directa do sol ou da lâmpada de Edison, tal como esta
convencional do que a imagem científica onde o tempo fica brusca - última substituíra a luz do dia .
mente em suspenso . » A partir dos séculos xviii e xrx, o tempo não é tanto, por con-
Esta frase capital, mais tarde retomada por Maurice Merleau - seguinte, um problema de ENVELHECIMENTO mais ou menos rápi-
-Ponty', merece uma análise atenta : o tempo a que aqui se alude é do, mas uma questão de ILUMINAÇÃO mais ou menos intensiva ...
o da CRONOLOGIA,o tempo que não pára, que corre perpetuamen- verificando-se assim de maneira evidente que o famoso Século das
te, o tempo linear habitual ; ora o que as técnicas da fotossensibili- Luzes merece bem o seu cognome !
dade traziam de verdadeiramente novo e que Rodin aparentement e Nisto reside, aparentemente, o contributo filosófico fundamen-
não percebeu, é que a definição do tempo não era já a de um tem- tal da invenção de Niepce, mas sobretudo desse instantâneo foto-
po que passa, mas antes e essencialmente a de um tempo que se ex - gráfico que permitirá a cronofotografia de um Màrey e mais tard e
põe, que — quase nos atreveríamos a dizer — vem à «superfície» , o nascimento dessas tecnologias do tempo real, o declínio dos trê s
um tempo de exposição Que sucede assim ao tempo da sucessã o tempos habituais em benefício de dois apenas : o real e o diferido ,
histórica clássica . com o futuro a situar-se, doravante, na programação dos computa -
O tempo da «captação cie imagens » é portanto, desde a origem . dores e dos sistemas especializados da futura «máquina de visão» . '
o tempo-luz . O interveio da ,i .iiiere -eidro "sinal positivo? e o in- Para tentarmos confirmar esta emergência do TEMPO-LUZ, note -
tervalo do género irs aoo ;.'. :p ec. tivo ... tal como se chama ne - mos ainda que desde a pose de várias horas das origens da fotogra -

' L ' Oeil et I'Esprit, A1au maio, .~~~~ ~~ -. La .ilaLmc ,ic i, ;id . Gaiilée, último capítulo .
fia até ao aparecimento do instantâneo, o tempo da captação d e Ora, quer num quer noutro tipo de dados, o grau de resolução
imagens diminuiu constantemente . E o mesmo se verifica também da duração tem melhorado constantemente, desde as horas do re -
na cinematografia, onde o encurtamento do tempo de passagem da s lógio de sol ou das velas graduadas, até aos minutos, aos segundos
imagens da sequência (17 i/s — 24 i/s — 30 i/s) será durante muit o dos nossos relógios de quartzo : , ioje em dia, porém, a medida d o
tempo compensado pelo alongamento do espaço da película, e po r tempo já não é unicamente a da indicação dos números nos mos-
conseguinte da projecção fílmica, e isto até ao aparecimento da te- tradores, é também a da projecção das imagens nos ecrãs, nos mo-
levisão . O alongamento da extensão do filme combina-se assi m nitores de controlo do tempo real ... Ao antigo movimento do pên-
com a diminuição da sua duração, desde os filmes da cinematogra-
dulo, à regularidade dos mecanismos de relojoaria, bem como à
fia-relâmpago ultra-rápida até aos nossos actuais vídeo-clips .
pulsação dos relógios de quartzo, sucederia assim o movimento d o
De há mais de cento e cinquenta anos a esta parte, foi, pois, a
obturador, convertendo-se as câmaras e os seus monitores noutro s
aceleração do tempo que provocou os progressos das representa-
tantos «relógios de precisão», modelos do relógio de luz .
ções foto-cinematográficas . Foi a «luz do tempo» ou, se se preferir,
Ao antigo sistema de sucessão «cronométrica», antes, durante ,
o tempo da velocidade-luz, que iluminou o nosso meio ambiente ,
ao ponto de já não surgir aos nossos olhos como um simple s depois, deveria portanto suceder o sistema cronoscópico : sub-ex-
«meio de representação» semelhante à pintura, à escultura ou ao posto, exposto, sobre-exposto . '
teatro, mas como um verdadeiro «meio de informação» . Daí o de- Ao tempo da sucessão, à duração paradoxalmente considerad a
senvolvimento da informática, desde a era das máquinas de calcula r como uma sequência de instantes sem duração — à imagem da li-
electrónicas até essas «imagens de síntese», essa numerização do si- nha geometricamente concebida como uma sucessão de pontos sem
nal vídeo (como do sinal rádio) que promove a «alta definição d a dimensão —, conviria doravante contrapor a noção de tempo d e
visão» (e a alta fidelidade do som) onde a unidade de medida é ex- exposição .. . o que nos levaria a conceber enfim o conjunto do s
clusivamente o BIT/SEGUNDO, indicativo da quantidade de informa- processos (fisiológicos e tecnológicos) de «captação de imagem »
ção veiculada por uma «mensagem», permanecendo a imagem co- como outras tantas captações de tempo.
mo a forma mais sofisticada da informação . Recorde-se ainda que a Contribuindo assim para «trazer à luz» a noção relativista da
verdadeira medida do tempo não é, ao contrário do que geralment e temporalidade, seríamos levados a rever radicalmente o estatuto
se pensa, o número de anos, meses ou horas que passam, mas sim a
das diferentes grandezas do espaço e do tempo, sobrepondo-se ho-
alternância do dia e da noite, a ordem da claridade e da sua ausên-
je o intervalo de luz aos intervalos clássicos da extensão e da dura-
cia.. . Ainda que o cálculo (astronómico ou económico) seja de cer-
ção . Ao dia do tempo astronómico deveria então logicamente so-
ta forma uma PREVISÃO, ainda que a contagem dos dias das efemé-
rides e dos calendários tenha balizado a história humana, não deix a mar-se o dia da velocidade técnica : desde o dia químico das velas ,
de ser verdade que a sombra e a luz estão na própria origem da in- passando pelo dia eléctrico da lâmpada de Edison (inventor tam-
formação do tempo, critério dessa duração que é não apenas quan- bém do cinetoscópio), até ao dia electrónico dos terminais, fals o
tificável mas também qualificável . Com a teoria da informação de dia da luz indirecta da velocidade da luz propagada pelas ondas —
Shanon e de alguns outros, observamos aliás que existem, de facto , até esses emissores/receptores e outros geradores de visão da dura-
dois tipos de informação : a informação-conhecimento e a informa- ção que são hoje, ao lado dos relógios tradicionais, a foto -
ção-organização . -cinematografia e a vídeo-infografia.
É afinal isto mesmo a LUZ INDIRECTA, fruto da fusão da óptic a Trata-se, de facto, de uma inversão da organização arquitectó-
e da cinemática relativista . fusão que confunde hoje o conjunto da s nica clássica : em vez de distribuir pelos volumes de habitação a s
representações oculares, ,grãiicas, fotogr aficas e cinematográficas , diversas funções domésticas que o habitante encontrará sucessiva -
fazendo assim de cada puna das nossas imagens corno que um a mente no decurso das suas deslocações, condensam-se, concen-
sombra do tempo, não i1 desse tempo «que passa-, da linearidad e tram-se num ponto, todas as suas actividades, graças ao tele -
habitual da história, mas do tempo «que se expõe», que 1 em ã su- -comando, de modo a evitar que o utente tenha de se deslocar ...
perfície, como dizíamos .. . «Reunir-se à distância» — o paradoxo do tele-trabalho passa a ser ,
r
Tempo da redeLicd .'o rr?togr .if ca de Niepce, tempo da roso uça o com a habitação interactiva, o de «reunir num ponto aquilo que está
cinematográfica do mov imento pios irmãos Lumiere . mas sobretu- afastado» . Este ponto, ou melhor, este centro de inércia, é eviden-
do, doravante, te?? :ao ut .i .~lía iies:nIÇaO vídeo-infogrática de Cim a temente o utente, o ocupante desse lugar de comodidade absolut a
representação cru -tcn .po real ° das aparências que abole a própri a — lugar que nada tem já em comum com a clássica distribuiçã o
utilidade da óptica passiva ioptica geométrica) em proveito de urn a das tarefas na organização doméstica habitual .
óptica activa, capaz de prov oca o declínio da transparência direct a O CENTRO DO TEMPO INTENSIVO do ser torna-se portanto o
da matéria, beneficiando de maneira exorbitante uma transparênci a centro de organização da casa. O «ponto médio» do tempo presen-
indirecta (electro-ópticai da luz, ou . mais precisamente ainda, d a te do habitante torna-se o meio preponderante do habitat, em de-
luz da velocidade da luz . trimento de uma qualquer concentração espacial ; a divisão em
Assim, depois da desintegração nuclear do espaço da matéria compartimentos sucessivos recua de súbito perante o controlo da si-
que conduziu à situação política que sabemos, chegou a desinte- multaneidade, com a emergência de uma RÉGIE central, a caixa do
gração do tempo da tr az . Esta desintegração acarretará muito pro- tele-comando, ou melhor, a voz do proprietário, se o sistema fo r
vavelmente uma matacão cultural não menos considerável, onde a suficientemente aperfeiçoado para responder à voz do dono ...
profundidade temporal 'Inará Lletinitivamente a melhor sobre ess a Um pouco como sucede no espaço, nesse meio sideral descrito
profundidade espacial da perspectiva herdada do Renascimento . por Ludwig Boltzmann, onde o presente do ser vivo em condiçõe s
de imponderabilidade se converte no único referente temporal, su-
prindo a falta do futuro e do passado, mas igualmente, não o es-
queçamos, o único referente de inércia — também no controlo am-
«Já não há distancia . Estamos tão perto das coisas que elas i á biental da habitação inteligente o AUTO-REFERENTE leva a melho r
não nos tocam sequer escrevia, em 1927 . Joseph Roth . ' sobre todas as referências externas, com o endógeno a dominar o
A influência desta constatação sobre o ordenamento do espaç o exógeno...
é, como se calcula, considerav el : onde se tratava unicamente de or- Daí aquilo a que alguns chamarão certamente um individualis-
denar o ambiente para nele aloiar as nossas actividades corporais , mo reforçado, mas que na realidade não passa de uma transferên-
trata-se agora de contt'. .~ esse mesmo ambiente, graças às técnica s cia, de um «acidente de transferência» do espaço-tempo da domici-
da interactividade erra :empo ' cal. . . liação humana : do «extensivo» onde imperavam as referências
externas (massa, extensão, clima, etc.) para o «intensivo», onde rei -
La Fuite sans tïn . na em exclusivo a auto-referência de um ser presente aqui e agora ;
o teleagir instantâneo sobre o meio ambiente sobrepõe-se assim re - mações que as periferias lhe fornecem . Se o proprietário munid o
• pentinamente ao agir comunicacional a que estamos habituados . de um tele-comando é bem recebido, desejando-lhe a sua casa,
«Habitar a energia» (térmica, Iuminosa ...) ou «ser habitado pel a com voz sintética, as boas-vindas, o intruso, em contrapartida, de-
energia» torna-se então um cruel dilema para o utilizador, mas so- sencadeia as sirenes, acende involuntariamente as luzes, enquanto a
bretudo para o realizador, o arquitecto responsável pela sincroni a central avisa a polícia . »
ou diacronia do espaço e do tempo da acção caracteristicament e Nesta central de vigilância geral está integrada uma central d e
humana . gestão das funções domésticas . Graças a esta última, e mediant e
«Esta casa tornou-se o meu próprio corpo e o seu horror, o uma simples chamada telefónica, o interessado tanto pode pôr a
meu próprio coração», exclamava o arquitecto Varelli no filme d e funcionar o aquecimento como as luzes ou o sistema de rega d o
Dario Argento : L'Inferno . . . De facto, se o meio do tempo real, o jardim . «A esta instalação-modelo é sempre possível acrescenta r
PRESENTE INTENSIVO do utilizador, leva definitivamente a melho r novas funções», acrescenta ainda o anúncio : «Em particular, e um a
sobre o meio do espaço real, a arquitectura sofre uma inquietant e vez que detecta as avarias e os principais riscos (fugas de água, d e
regressão . Se a profundidade espacial contribuiu outrora para orga- gás, etc .), o SECURISCAN pode ainda revelar-se um excelente enfer-
nizar racionalmente, do soalho até ao tecto, a habitação, graças à meiro.» '
distribuição dos vestíbulos, dos corredores e das escadas, a «pro- Lembremos, para terminar, que este servo-motor da habitaçã o
fundidade temporal» (do tempo real da imediaticidade e da ubiqui- funciona sem fios e a altas frequências .
dade) desorganiza e dissolve essa organização racional . Da ordem Se a extensão, a distância, não constituem já um limite à potên-
do sucessivo, passa-se repentinamente para a ordem do simultâ- cia, o ser presente já não está propriamente aqui e agora, está E M
neo. .. Também aqui o tempo da sucessão cede perante o da exposi- POTÊNCIA. Em « potência», isto é, EM VELOCIDADE ABSOLUTA .
ção. Mesmo que a volumetria geral do edifício permaneça inaltera- Tornamos assim a deparar com o problema insolúvel que o ar-
da para poder alojar o corpo do ocupante, perde todavia o se u quitecto e o urbanista enfrentam : o dessa paradoxal CHEGADA GE -
fundamento ergonómico, a sua relação orgânica com a acção, co m NERALIZADA (tempo real) que hoje sucede à CHEGADA RESTRITA
os movimentos necessários e com a animação caracteristicament e (espaço real) da deslocação física entre dois pontos .
humana ; a eficiência prática da habitação inteligente baseia-se na Com efeito, mesmo que esse tipo de movimento, de trajecto ,
OMNIPRESENÇA e na OMNIVIDÊNCIA de um habitante que não preci - permaneça naturalmente como uma das constantes do ordenamen-
sa já sequer de estar em casa para desencadear o funcionament o to volumétrico do espaço construído, este último perde cada ve z
dos diversos instrumentos que nela se encontram, já que basta u m mais a sua tradicional necessidade, em proveito de um puro e sim-
telefonema para que a casa responda aos seus menores desejos . ples controlo do ambiente .
Ouçamos o último grito desta interactividade domiciliária : Já no século xlx, a generalização do elevador nos prédios mai s
«A Thomson apresenta SECURISCAN, um sistema programável e altos e da escada ou do «passeio rolante» nas cidades tinha contri-
interrogável à distância, gerido por computador, que permite auto - buído para relativizar o acesso à altitude e à extensão, completan-
matizar e controlar a maioria das tarefas domésticas e proteger tan- do estas diferentes próteses da deslocação física, no domínio d o
to a habitação como as pessoas, e onde se conjugam as noções d e
conforto e de segurança . Uma central electrónica recebe as infor- ' Anúncio promocional deste produto, 1989 .
?móvel, aquilo que o caminho-de-ferro, o metropolitano ou o au- cenário do controlo do ambiente é permanente, diz respeito a cad a
tomóvel haviam realizado no domínio do móvel. instante da vida, à totalidade do dia e da noite .
Hoje, porém, a situação inverte-se, já que à famosa MOBILIZA - No centro do dispositivo técnico que lhe permite «pilotar» a
ÇÃO DOS TRANSPORTES públicos e particulares sucede, neste fina l sua casa, o ocupante dos lugares interactivos está na posição de u m
do século xx, a IMOBILIZACÀO DAS TRANSMISSÕES, essa inércia do - condutor no meio dos engarrafamentos urbanos : a actividade refle-
miciliária a que já há quem chame COCOONING ` . xa sobrepõe-se ao raciocínio e o stress prolonga os seus momento s
Tal como o «homem apressado . ' de Paul Morand não podia j á de impotência para alterar as coisas ou para avançar, por exemplo ,
investir-se naquilo que lhe exigia demasiado tempo, também o quando a circulação é mais lenta ou as vias estão obstruídas .
«homem em stress» do ambiente contemporâneo se fecha, não ape- A provação da casa inteligente é da mesma natureza : longe de si-
nas em casa, mas sobretudo em si próprio . Como um deficiente gnificar o cúmulo do conforto doméstico, a DOMÓTICA representa
motor, um paralítico do tempo real, o ocupante dessas ZONAS EN - um acidente específico que só tem equivalente na situação que su-
DÓGENAS concentra-se no seu EGO não por egoísmo ou individua- cede ao acidente de viação, a invalidez temporária ou definitiva, a
lismo, mas devido às exigências cruéis do regime de temporalidad e paralisia, mas uma «paralisia» bastante especial porque se tornou
da sua acção, ou antes da sua interacção com um «meio humano » voluntária .
que já não é um lugar, na própria medida em que a sua principa l Já com a electrificação das cidades e dos campos, ao longo do s
actividade é temporal .' anos 30, a luz eléctrica havia provocado reacções curiosas nas pes-
soas acostumadas ao candeeiro a petróleo . Como me explicava
uma camponesa: «O mais engraçado é que, quando carrego no in-
terruptor, a luz se acende atrás de mim .» Acostumada a acender o
Vítima de um grave acidente de trânsito, um arquitecto polac o candeeiro ou as velas e a levar essa chama até à mesa ou à lareira,
explicava-me que no preciso instante em que o autocarro de Varsó- a surpresa técnica da electricidade não tinha, para ela, a ver com
via embatera no seu táxi, tivera a sensação de uma projecção esféri- a iluminação, com a melhoria da luminosidade, mas com o próprio
ca, com o meio ambiente a precipitar-se sobre ele, à maneira de u m gesto de acender, com a gestualidade corporal de quem acende e le-
filme a três dimensões .. . Como um íman atrai os metais, o corp o va consigo a luz .
do meu amigo atraíra de repente a si o espaço envolvente, prédios ,
Com o controlo do ambiente electrónico o que está em causa j á
montras, automóveis .. . e até a curiosidade doentia dos transeuntes , não é a simples mutação de um gesto familiar, mas sim a ergono-
de que se apercebeu ao acordar do seu desmaio . mia comportamental no seu conjunto, exceptuando talvez os acto s
Encontrar-se no centro é sempre uma provação ; ser-se object o de comer, lavar-se, vestir-se ou ir à casa-de-banho .
da expectativa e da atenção de um público provoca o pânico, a ace- Esta súbita rarefacção da gestualidade habitual não tem, afinal,
leração espasmódica do coração do actor, como todos sabemos ; to- outro equivalente além da situação vivida por um paralítico equi -
davia, esta situação é excepcional e não diz respeito senão a raro s
pado de próteses como o KATALAVOX ou o TETRAVOX, próteses
momentos da vida, não se trata ainda de uma situação banal . Ora o
electrónicas que utilizam a voz do interessado, nisso semelhante s
àquelas de que se servem os pilotos de combate do F . 16 ou do Mi-
2
' .Encasulamento', do ingiès cornou, casulo,, . ( N .T. ) rage 2000 ; o válido sobre-equipado da aviação militar assemelha-se,
Paul Klee .
-dite facto, ponto por ponto, ao intalido equipado, paraplégico o u casa inteligente remonta à sua origem: o ser presente . Só a desor-
tetraplégico, capaz de pilotar o seu ambiente doméstico graças a dem das suas paixões, a brusquidão dos seus reflexos, organizam o
um resto de aptidão corporal : o uso do queixo, da extremidade d a espaço-tempo do domicílio . Quando se conhecem os efeitos devas -
língua. .. tadores do zapping sobre a construção de um filme, imaginam-s e
O cego e o paralítico, doravante modelos desse «deficiente do- facilmente os estragos do controlo do ambiente sobre a construção
tado de visão», desse »deficiente motor» da habitação inteligente . arquitectónica . Do mesmo modo, quando observamos os dano s
Se o espaço é aquilo que impede que tudo esteja no mesmo lu- que causam os condutores exasperados, podemos imaginar os dra-
gar, graças à domótica deixa de haver espaço doméstico, deixa d e mas secretos, os acidentes de estacionamento da futura automaçã o
haver cenário, passando a haver apenas tempo doméstico, um cert o domiciliária .
tipo de «tempo», de temporalidade usual rarefeita em extremo . A «des-construção» está sem dúvida na ordem do dia, mas não ,
Tudo, absolutamente tudo, se precipita sobre o habitante, a in- seguramente, do modo como a concebem certos arquitectos con-
terface em tempo real (o tele-comando) reveste o utente de espaç o temporâneos : a desconstrução é fruto do recente primado do temp o
interactivo, de uma espécie de roupagem de dados . Em vez de dis- sobre o espaço ; da interactividade instantânea sobre a actividade ha -
por de alguns objectos portáteis de uso corrente, relógio ou walk- bitual e da «trans-aparência» anteriormente descrita sobre a pró-
man, o ocupante vê-se reoestido do poder que lhe permitirá con- pria aparência das coisas .'
trolar o seu meio doméstico . Controlar o meio ambiente é, assim, não tanto mobilá-lo o u
Um pouco à maneira do painel de bordo, que expõe as opera- habitá-lo como ser-se habitado, fagocitado pelos órgãos domésti-
ções do motor de uma máquina, o corpo energético e locomoto r cos que o povoam ... Um pouco à maneira do condicionamento d o
do utente desencadeia o funcionamento reflexo das funções arqui- ar, sucedendo no passado ao conforto térmico das paredes, amanh ã
tectónicas clássicas . Por acedo de um dedo ou dos olhos, por veze s a totalidade do edifício será condicionada pela domótica : essa do-
até da simples voz, o conjunto arquitectónico interage, e isto inde- mótica que não é, afinal, senão o nome adoptado pela desconstru-
pendentemente da disposição ou da distribuição dos volumes e da s ção da antiga habitação doméstica .
divisões da casa . «Tele-presente», o ser, o habitante dos lugares de comodidad e
A velocidade (electromagnética) rege a arquitectura, tal como a telemática, está na posição de um taumaturgo : à omnividência da
luz (eléctrica) ilumina os seus volumes . Em última análise, o ho- súbita trans-aparência das coisas, soma-se um outro atributo divi-
mem já não está propriamente dentro da arquitectura, é a arquitec- no, a omnipresença à distância, espécie de tele-cinese electromagné-
tura do sistema electrónico que o invade, que está dentro dele, na tica . Deste modo, a casa é literalmente assombrada pelo espírito,
sua vontade de poder, nos seus reflexos, nos seus mais ínfimos de- pela vontade de poder do seu ocupante, estando este último, e m
sejos, e isto a qualquer hora do dia e da noite ... contrapartida, constantemente assoberbado pelo seu edifício .
Como viver quotidianamente com semelhante quimera às cos- Vencendo com o poder da sua vontade as antigas distâncias a
tas? Como dispor de tamanho poder, de tamanho potencial, se m percorrer, as próprias dimensões do espaço edificado, o utilizado r
que nos desmoronemos sobre nós próprios, sobre o nosso EGO, a dessa imediata morada torna-se, por isso mesmo, o realizado r
exemplo do que nos prometem para o futuro os astrofísicos ?
Tal como um boomerang volta às mãos do lançador, também a L'Espace critique, Ed . Christian Bourgois Editeur, 1984 .
'energético, o motor de um meio ambiente indiferentemente próxi- S. Fisher prepara, aliás, para as futuras missões de exploração
mo ou longínquo, numa espécie de enfeitiçamento recíproco entre do planeta Marte, um robô manipulador que disporá das mais re-
o ser e o lugar que o abriga, permitido pela simples proeza da ve- centes tecnologias interactivas . Equipado em terra com a sua rou -
locidade de um sinal rádio ou de um sinal vídeo . pagem de dados e um capacete a transmitir em directo a visão d o
O exemplo do capacete simulador de um ambiente virtual, d o solo marciano, um homem instalado na sede da NASA poderá te-
americano Scott Fisher, é particularmente revelador desta revolu- leagir o engenho que estará, a alguns anos-luz de distância, no pla-
ção. Neste «simulador portátil' (análogo a um capacete de motoci- neta vermelho.
clista), reconstitui-se, graças à informática, um ambiente virtua l O olhar vídeo do robô será efectivamente o seu, as mãos mani-
completo (volume arquitectónico, posto de pilotagem, régie e pai- puladoras do aparelho serão as suas, e, quando se mover com pre-
nel de bordo, etc .) sobre o qual o portador pode agir instantanea- caução no solo escaldante de Marte, serão de facto os pés do se u
mente através de detectores que lhe equipam as mãos (a luva de da - tele-manipulador humano que lhe permitirão avançar.
dos), os pés ou mesmo o corpo inteiro (a roupagem de dados) . Literalmente possuído pelo seu condutor, o robô de Scot t
O homem pode assim agarrar ou mudar de sítio objectos virtuais, Fisher será o DUPLO do manipulador humano que o fará agir à dis -
tância .. . o solo do planeta longínquo não será pisado pelos ho-
com as suas mãos, essas bem reais, graças à imagem do ambiente
mens, tal como o da habitação próxima e inteligente o não é pelo s
fictício que aparece no ecrã do capacete simulador.
passos de um habitante que já não precisa sequer de se mover par a
Com o nosso controlo do ambiente real, a situação é análoga :
agir .
as distâncias e os pormenores que habitualmente separam as di-
Perante esta imbricação desmesurada da acção e da tele-acção ,
ferentes funções são abolidos graças às virtudes da domótica . Des-
da presença e da tele-presença à distância, a intensidade dos sinai s
vanece-se aquilo que constituía, até agora, a própria realidade d o
de transmissão das máquinas e a intensidade dos impulsos nervo-
espaço e da sua utilização . A utilização humana já não qualifica o
sos do ser confundem-se para obliterar, juntamente com a extensã o
espaço construído, pois o telecomando virtualiza as distâncias :
do espaço sideral, a do corpo animal ... O corpo energético transfe-
o reino da medida, o espaço entre as coisas... Para se «realizar »
re-se para a máquina, ou mais precisamente, as ordens de locomo-
o controlo de ambiente da habitação interactiva, há que «des-rea- ção transferem-se de «corpo» para corpo, de aparelho para apare -
lizar» o espaço arquitectónico clássico . Torna-se assim ténue, IN - lho, sem contacto de espécie alguma com qualquer superfície : a
FRA-TÉNUE, a diferença ou distinção entre ambiente virtual (pro-
interface «homem-máquina» elimina sucessivamente todos os su-
duto de um programa de computador) sobre o qual se age com o portes físicos, realizando assim uma IMPONDERABILIDADE constan-
corpo equipado de detectores de impulsos nervosos, e ambiente te entre o ser e o lugar ; o famoso TEMPO REAL contribui para ex-
real (produzido pelo arquitecto) sobre o qual se tele-age sem com - terminar, com o espaço real, os corpos nele contidos, em duvidos o
passo de espera graças ao zapping ou ao simples comando da voz . proveito de uma virtualização integral quer da extensão, quer d a
A desrealização de um ambiente simulado sobre o qual se ag e duração .
realmente somar-se-á pois amanhã a realização de um ambient e Mas — não o esqueçamos — o inconveniente desta impondera-
efectivamente construído, sobre o qual se agirá virtualmente, gra- bilidade é a desorientação espacial e temporal, a brutal desconstru-
ças às ondas electromagnéticas . ção do ambiente real . Tornando-se equivalentes o «cima» e o «bai-
xo», como o «futuro» e o «passado», esta súbita reversibilidad e ção da personalidade, a desintegração do tempo próprio : a intensi -
devolve o lugar primeiro ao corpo como centro, centro do mund o vidade das sensações a sobrepor-se à extensividade da acção
envolvente . imediata, havendo certas situações criminais ou patológicas que
Caminhamos assim para o controlo de um espaço ECO - prefiguram a generalização deste tipo de comportamento .
-CENTRADO (introvertido) e não já, como outrora, para o ordena - «Eles não querem morrer, querem ser mortos», explicava n a
mento de um espaço EXO-CENTRADO (extrovertido) . Sucedendo a época um psiquiatra inglês...
auto-referência do indivíduo à referência clássica de uma «linha d o Hoje a situação sofreu uma nova evolução, não menos radical ,
horizonte», o ser não se refere já senão à sua própria massa ponde- provocando reacções sintomáticas ainda mais inquietantes :
ral, à sua polaridade única . «Queríamos viver intensamente o máximo de tempo possível ,
sabendo que só havia uma saída : a morte», declarava ao juiz d e
instrução de Liboume, em Janeiro de 1989, a companheira de fuga
de Norbert Tallet, após uma longa série de agressões mais ou me -
«O coma é um estado de perda de relação com o exterior», ex - nos gratuitas .
plica o Professor Lemaire, chefe do serviço de reanimação do Hos- Esta transferência, ou mais precisamente este ACIDENTE D E
pital Henri-Mondor de Créteil ; «após uma ausência de oxigenaçã o TRANSFERENCIA, de um tempo próprio extensivo para o tempo
do cérebro de três minutos, surgem lesões irreversíveis que pode m próprio intensivo, ilustra a nova e última figura da morte : não já o
ir até à morte cerebral ou coma de grau iv . Noutros casos, só a s grande sono, o esvaimento, mas o florescimento, a passagem ao li -
funções superiores, memória, palavra, motricidade voluntária sã o mite da potência do ser. Um pouco à maneira da «ascensão aos ex-
afectadas, conservando-se as funções vitais : trata-se então de u m tremos», que caracteriza, segundo Clausewitz, a guerra de massas,
estado vegetativo . » o «crescendo de potência» caracteriza hoje a paz civil, numa socie-
A interactividade doméstica, perda progressiva das relações dade de massas onde a COMUTAÇÃO INSTANTÂNEA (e a droga) fa-
com o meio exterior, é pois sem dúvida uma forma técnica do co- zem grandes estragos.
ma . Esta repentina mutação do tempo próprio arrasta insensivel-
Um «coma» que não conduziria porém a essa morte anunciada, mente a nossa espécie para uma dramática destruição do ambient e
a esse coma de grau iv que tantos problemas levanta às autorida- físico, mas mais ainda para uma desconstrução do espaço domésti-
des, mas apenas ao «estado vegetativo» da inércia domiciliária d a co, onde a tentação, o mito do abrigo absoluto, se tomará em bre-
DOMÓTICA, um «coma habitável», em suma, nos antípodas da «cir- ve uma realidade tangível, passando não só a ser inútil sair de cas a
culação habitável» do edifício tradicional . para trabalhar, para se divertir ou fazer compras, mas igualment e
Já no fim dos anos 70, o entusiasmo dos americanos pela câma- supérfluo entrar, pelo que a habitação inteligente não disporá d e
ra de privação sensorial e a tristemente célebre camera silenta das qualquer abertura, de qualquer porta de entrada . Espécie de tejadi-
prisões alemãs haviam anunciado este movimento de colagem d o lho cobrindo o corpo locomotor, como a concavidade de um sar-
sistema carcerário ao corpo do indivíduo, ilustrando menos, a o cófago ou a célula de uma carlinga abriga, ou antes, reveste, indife-
contrário do que alguns afirmaram, o advento de um Estado poli- rentemente, o corpo da múmia ou do piloto .. .
cial, ou a ascensão do individualismo, do que a súbita desintegra - O controlo do meio ambiente, próximo ou longínquo, conduz
..portanto as nossas sociedades à realização de um derradeiro mist o A INÉRCIA POLAR
tecnológico, que teria por arquétipo ergonómico o assento, ess e
TRONO, capaz de se transformar em cama, em leito de entrevado .
Observamos, aliás, nas actividades extra-veiculares do vaivém
espacial americano, uma_ idêntica deslocação do centro de gravida -
de: do corpo do astronauta para o seu posto, esse posto propulsio-
nado por jactos de gás, que substitui a motricidade natural do ho- «Párem a Terra, vou descer! »
mem, a partir do momemnto em que este sai do vaivém par a JEAN LAUD E
evoluir na imponderabilidade .
Com o primado conferido ao «tempo real» da interactividad e
sobre o espaço real da actividade corrente, estaremos a prepara r
um conjunto de actividades domiciliárias análogas, na nossa boa e
velha Terra, às dos astronautas quando evoluem em órbita alta ? «Haverá um aqui privilegiado? Sim, o zero absoluto cinestési-
co : o zero de energia», escrevia Husserl numa obra dos anos 30 .'
E bem provável, infelizmente, já que a chegada generalizada dos
«O espaço cinestésico é portanto um sistema de lugares possí-
dados e das imagens nos coloca em última análise na mesma posi-
veis como ponto de paragem, começo e fim da tranquilidade. Este
ção de inércia . Uma inércia doméstica que modificará radicalment e
primeiro mundo, constituído na imobilidade cinestésica», prosse-
a nossa relação com o mundo, as nossas relações com o ambient e
guia o mesmo autor, «é um mundo orientado fixamente em torn o
REAL, seja este terrestre ou extra-terrestre.
da minha carne corporal ou do ponto zero nela constituído . Mes-
Não se duvide : o declínio da chegada restrita que exigia aind a
mo quando a marcha entra em jogo, continua a ser verdade que to -
um movimento de deslocação física de baixo para cima, no acto d e
do o habitante do mundo presente para mim surge aos meus olho s
nos levantarmos para partir, uma circulação do próximo para o
como orientado em torno da minha carne que permanece em re-
longínquo, no acto de viajar, representa, para a humanidade, um a pouso ; orientado segundo o aqui e o ali, a esquerda e a direita, en-
mutação tão considerável como a da verticalidade. Com a diferen- quanto persiste um zero fixo da orientação, por assim dizer a título
ça de que não se trata iá de uma «evolução positiva» rumo a u m de aqui absoluto. »
novo tipo de motricidade, mas sim de uma «involução comporta - Na página 43, Husserl interrogava-se todavia, numa nota d e
mental negativa» que conduz a espécie para uma fixidez patológi- rodapé, acerca deste «zero absoluto» do movimento :
ca : o advento do homem sentado ou, pior ainda, do homem deita - «A posição deitada, sendo a mais confortável, deveria ser a Po -
do. SIÇAO ZERO ; há que levar assim em consideração o facto de o zer o
normal constituir um problema»... é o mínimo que se pode dizer !
Esta obra premonitória, uma das últimas do fenomenologista ale -
mão, ilustra a brutal ruptura que sobreveio na época entre a física e
a filosofia . Do geocentrismo da Antiguidade ao egocentrismo bus -

' La terre ne se n:eut pas, Ed . de Minuit, 1989, p. 48 .


sérliano, opera-se uma mutação : do centro da Terra, eixo de refe- Ora é precisamente isto que a logística da mobilização total vai
rência dos antigos, a esse centro do PRESENTE-VIVO, que L . Boltz - revolucionar, «revolucionar» no sentido coperniciano do termo.
mann nos dizia já, em 1897, constituir a auto-referência absoluta . A demanda dos foguetões alemães de Pennemunde vai culminar,
No preciso momento em que começam a desen volver-se as tec- finalmente, na liquidação do solo de referência ; o axis-mundi per-
nologias da «ofensiva contra o mundo» (Heidegger), o velho mes- de definitivamente o seu valor de absoluto . «Altitude zero» — es -
tre declara a sua hostilidade a tudo o que essa convulsão represen- tas palavras pronunciadas pelo piloto no fim das manobras de alu -
ta . A famosa cRtsIS EUROPEIA não é mais que o sinal da angústi a nagem da missão APOLLO XI indicam que nesse preciso instante a
de um sábio, perante a máquina de mobilização total invocada po r altitude se converteu numa pura e simples «distância», que exist e
Ernst Jünger. doravante um outro solo, um soLO POR CIMA DE NÓS . Nesse Verão
Que pertinência tem hoje esse ponto de vista fenomenológic o de 1969, contemplar uma ilha de um ponto qualquer da costa tor-
sobre a fixação fundamental : o mundo como prato -fundação d o na-se equivalente a olhar para a Lua. O céu volatilizado, o desem-
sentido?' barque do homem noutro planeta, colocavam-nos numa varanda
Estranhamente, a intuição do filósofo volta a revelar-se actual , debruçada sobre o vazio, convertendo-se de súbito os confins nu m
com uma diferença importante, porém, já que a «inércia polar » litoral sideral .. .
aqui descrita , é menos originária do que terminal . .. Mas esta brutal importância atribuída aos limites era ela própri a
De facto, na alvorada da guerra total, o mundo conhecido é comparável a uma desapropriação, tendo a partir de então o objec -
ainda um mundo solitário, o único MUNDUS da experiência huma- to celeste chamado TERRA menos interesse do que o intervalo tem-
na . O «ponto zero», a fixidez apontada por Husserl, não difere e m poral e espacial que separava os dois astros .-De facto, esta grand e
absoluto do AxIS MUNDI da época de Galileu, e teremos que espe- viragem desagregava ao mesmo tempo uma ordem de representa-
rar ainda trinta e cinco anos — mais precisamente, o dia 21 de Ju- ção do mundo e uma ordem de utilização. O acontecimento não
lho de 1969 e o desembarque na Lua — para que o solo de refe- era tanto a retransmissão de imagens televisivas a mais de 300 000
rência perca a sua importância, convertendo-se num entre-solo . 2 km da Terra como a simultaneidade de visão entre a Lua no ecrã e
Escutemos ainda Husserl : «A Terra, em si mesma, na sua for - pela janela.'
ma originária de representação, não se move nem está em repouso ; Chegava nesse dia ao fim a tentativa desesperada de Husserl
é antes de mais em relação a ela que movimentos e repouso ga- para praticar «uma inversão da doutrina coperniciana» . Com o
nham sentido .» E, mais adiante : «Enquanto eu não tiver a repre- muito mais tarde explicará o cosmologista Stephen Hawking : « A
sentação de um novo solo enquanto tal, a partir de onde a Terra, ciência tornou-se entretanto tão técnica que os filósofos se tê m
no seu curso ininterrupto e circular, possa ter sentido como corp o mostrado incapazes de a perceber e os teólogos não compreendem
compacto em movimento e repouso, enquanto não adquirir tam- suficientemente bem a ciência para poderem contradizê-la . Nã o
bém a representação de uma troca dos solos e, com ela, uma repre- querem colocar-se de novo na mesma posição em que se achou a
sentação do devir corpo dos dois solos, enquanto assim for a Terr a Igreja no tempo de Galileu .»2
em si mesma será um solo e não um corpo . A Terra não se move .» Tal é a situação de facto neste ano de 1989 que assiste simulta -

L'Origine de la géométrte, Husserl, E d . PUF, 1962 . ' Ibid.


2
L ' Insécurité du territoire, Virilio, Stock, 1976, p . 93 e segs . 2 Une brève histoire du temps, S. Hawking, Ed . Flammarion, 1989 .
neamente ao vigésimo aniversário do desembarque na Lua e à pri - mesmo que se possa detectar na nossa tentativa a mais incrível hy-
• meira tradução para francês do texto dos arquivos Husserl de Lo- bris filosófica, não recuaremos ante as consequências da nossa elu -
vaina . Não esqueçamos, todavia, a actualidade dessa indagaçã o cidação das necessidades de toda e qualquer dádiva de sentido para
fenomenológica sobre a origem da corporeidade e da espacialidad e o ente e para o mundo.»'
da natureza, no que diz respeito, em primeiro lugar, à ego - Mais adiante, a propósito da legitimação dessa ciência se m
-centragem do ser ; a perda de referência do solo originário com o consciência, Husserl constata ainda (em 1934, não se esqueça) :
«solo absoluto» tem, de facto, a temível consequência de remete r «Deparamos agora de facto com o grande problema do sentido le-
essa centragem fenomenológica para o «corpo próprio » , para a
gítimo de uma ciência universal e puramente física da «natureza» ,
corporeidade do PRESENTE-VIVO de que falava, se bem se recor-
de uma ciência astronómico-física relativa à infinidade astronómi-
dam, Ludwig Boltzmann na sua carta a Zermelo . . . «Não me deslo-
ca, no sentido da nossa física dos tempos modernos, e com o pro-
co ; quer ande quer fique parado, a minha carne é o centro e o s
blema de uma ciência da infinidade interna, da infinidade do contí-
corpos, móveis e em repouso, estão à minha volta e tenho um sol o
nuo da matéria em atomização — a física atómica . Nestas ciência s
sem mobilidade .» Mesmo que a conclusão desta frase de Husser l
esteja hoje caduca, o que a precede subsiste e reforça-se cada ve z da infinidade da natureza no seu conjunto, considera-se em gera l
mais : a perda da exo-centragem territorial desenvolve e reforça a que as carnes não passam de corpos acidentalmente singularizados ,
ego-centragem comportamental do homem, não só «no vácuo » que poderiam assim, de maneira concebível, ser inteiramente supri-
mas também cá em baixo, na própria Terra, arquétipo de toda a es- midos, e que por conseguinte é possível uma natureza sem organis-
pacialidade corporal, arca perdida da experiência do movimento . .. mos, sem animais, sem homens .» 2 Alguns anos mais tarde, ser á
Ei-la, de facto, a DESCENTRALIZAÇÃO, desconstrução não apenas do Auschwitz, em seguida Hiroxima, Nagasáqui, e muito mais tarde o
ordenamento do território e da arquitectura, mas do próprio am- desembarque na Lua, astro conquistado graças aos efeitos dess a
biente da experiência humana . ciência universal denunciada pelo velho mestre ...
Egotismo supremo, EGOCENTRISMO mais forte que todos o s Perda da extensão originária, a queda da ALMA MATER husser-
ANTROPOCENTRISMOS e GEOCENTRISMOS que outrora moldaram a liana provoca por seu turno, a partir da aquisição do solo lunar, o
história e de que Copérnico, Galileu e Kepler tentaram em vão li- declínio da duração ; desse tempo do mundo constituído que não
bertar-nos . Onde situar a referência fenomenológica, a singularida- poderia distinguir-se, ainda segundo o fenomenologista, do temp o
de absoluta, a partir do momento em que eliminámos o Criador, a psicológico :
Causa Primeira, senão ao fundo do túnel da ciência astrofísica, n o «O Ego vive e precede todo o ente efectivo e possível . O tempo
BIG BANG? . . . ou então no âmago desse «presente-vivo » , medida de do mundo constituído encerra de facto em si o tempo psicológico .»`
todas as coisas, segundo Boltzmann, Husserl e alguns outros .. . Perder o pé é assim também «perder o seu tempo» ; ou pel o
O filósofo alemão previne-nos porém da desmesura da sua ten- menos a relação, a ligação desse tempo de um mundo diminuído ,
tativa. Desmesura que enfrenta, não o esqueçamos, a de uma ciên- com o tempo, ou antes, com a duração constitutiva da psicologia .
cia técnica nascida no dealbar da guerra total :
«Haverá quem ache tudo isto um despropósito, uma perfeit a La terre ne se meus pas, p . 28.
' Id., p. 24 .
loucura, em contradição com todo o conhecimento científico . .. Ibid ., p. 28 .
A perda do solo de referência acarreta, de facto, por sua vez, u m de ver em diferido a produção de um tempo primeiro` trai melho r
declínio não menos considerável no que diz respeito ao tempo de do que qualquer discurso filosófico sobre a «invenção do tempo» a
referênc ai, como trio bem o exprimia Boltzmann . vontade de poder da ciência universal . Uma vontade, não tanto d e
A EGO-CENTRvGE:M corporal que hoje sobrevive à perda da arc a contemplar, enquanto espectador passivo, a Génese, como de ava-
originária chamada «terra «, desde a aquisição de um solo por cim a liar, enquanto actor concorrente, o modo de operar por forma a
de nós, é assim acompanhada por uma [GO-CF.NrRAGEM tempora l manipular o tempo, controlar a duração, como ontem a extensã o
em que o tempo, a duração psicológica, leva definitivamente a me- física da matéria ou ainda a intensidade o brilho da luz . Realiza r
lhor sobre a duração do mundo constituído . enfim o sonho dos sonhos do demiurgo : forjar um ersatz de dura-
Para o fenomenologista convicto, a perda das «distâncias ter- ção, sem duração, uma invenção industriosa do tempo, de um regi -
restres» resulta assim . não tanto do motor ou da potência desse s me de temporalidade que escapasse às limitações habituais .
emissores que reduzem a nada a extensão, as distâncias do mund o «Temos, a partir do zero, um foco de direcção onde todavia o
percepcionado, mas sobretudo do adoento de um tempo psicológico problema da «posição zero» permanece por elucidar . »>= Esta fras e
dominante . Mistura da relatividade do ser vivo (do presente-vivo ) de Edmund Husserl acerca da posição do ser no inundo deslocou -
com a desses vectores técnicos que ultimam a derrota do mund o -se entretanto com a astrofísica : do centro do eu para o centro d o
TEMPO ZERO da cosmologia . As questões levantadas pelo fenome-
constituído, a descentragem do ser animado .
Com o envelhecimento, tudo o que parecia à criança desmesu- nologista, pelo metafísico, levantam-se hoje ao físico e ao astrofísi-
rado e desproporcionado diminui e decresce, tudo se torna subita- co.
mente acanhado, ao alcance da mão . . . o mesmo acontece, infeliz - «Que dizer do primeiro minuto do Universo? Da intensividad e
mente, com a extensão territorial limitada e finalmente dissolvida . de uma duração sem duração, de um tempo zero?» — tais pergun-
Apesar das promessas da ecologia, a Terra esgotará em breve o tas sucederam, depois da Segunda Guerra Mundial, à interrogaçã o
conjunto dos seus recursos, incluindo o primeiro entre todos, a su a filosófica habitual : «Que dizer da consciência do instante? Da in-
tensidade do ser aqui? »
vocação de medida das actividades humanas .
Esta transposição revela um extermínio da filosofia . Como in-
A velocidade é de facto a velhice do mundo .
dicava no começo do século um especialista em logística, a propó-
Deste mundo da experiência corporal e espacial . Urna Terra, o u
sito das movimentações militares : «Quanto mais aumenta a mobi-
antes, um solo originário que se torna extremamente frágil, à ma -
lidade, mais o controlo se reforça .» E, de facto, quanto mai s
neira dessas atrofias irreversíveis devidas à senilidade orgânica . . .
aumenta a velocidade do movimento, mais absoluto e omnipresente
Cada vez mais pequenos, acanhados, mares e montanhas poluí - se torna o controlo . Quanto maior a velocidade, mais o «controlo »
dos, não tanto pela acumulacão de produtos nocivos como pela noci -
tende a suceder ao próprio ambiente, com o tempo real da interac-
vidade, denunciada por Husserl, dessa técnica derivada de um a tividade a substituir definitivamente o espaço real da actividad e
ciência pretensamente católica . universal, que extingue uma a uma corporal . ..
cada referência exótica, cada uma das nossas reverências exteriores . A velocidade é pois de facto a velhice do meio ambiente real d o
incluindo a de um «criador >, em proveito de uma singularidad e
absoluta, outro nome do acidente dos acidentes, ou seja, o nasci - Les Trois I'remieres 1Gnutes de 1'Univers, Steven Weinberg, Ed . du Seuil, I97S .
mento do tempo . Esta vontade ubíqua de observar e, porque não, La turre ne ,e ' nut 0. :s, p . O .
homem, o envelhecimento prematuro desse mundo constituído e Ordenar o espaço-real para controlar o meio ambiente foi, des -
constitutivo da realidade objectiva, de que falava Husserl . de a origem do ESTADO-CIDADE e da divisão feudal do território, o
Não apenas o envelhecimento definitivo das cidades e dos cam- objectivo confesso de toda a geopolítica; e isto até à implantação
pos «primeiros», mas ainda do conjunto da extensão ecológica co- definitiva do ESTADO-NAÇÃO . Amanhã, controlar o ambiente con-
mummente chamada «Terra», ou, se se preferir, do seu solo origi- tribuirá para realizar uma verdadeira trono-política, ou antes, uma
DROMO-POLÍTICA, na qual desaparecerá a nação, em proveito ex-
nário.
O progressivo desaparecimento do espaço de referência antro- clusivo de uma desregulação social e de uma desconstrução trans -
po-geográfico, em proveito de uma pura e simples pilotagem à vis - -política : o tele-comando substituirá progressivamente, não só o
ta, uma régie central dessas incessantes «transferências de carga » comando, a ordem imediata, mas sobretudo a ética (os Dez Man-
que em breve renovarão o horizonte da experiência humana ; a fra- damentos), como o indica já a criação dessas famosas «comissõe s
se de Werner von Braun citada em exergo — «Amanhã, aprender o de ética», nomeadamente no campo da genética, e em breve, não s e
espaço será tão útil como aprender a conduzir um automóvel» — duvide, também noutros domínios, ecológicos, económicos ou es-
ilustra perfeitamente este estado de coisas . tratégicos .
Com uma correcção, porém, porque o espaço de que nos fala o
técnico de Pennemunde não é já o espaço cheio da arca primitiva
mas sim o espaço vazio de um veículo extra-terrestre ; arca derra-
deira que enfim substitui o «espaço-tempo» da experiência habitua l Em matéria de poluição atmosférica, de «buraco» no ozono, te-
dos lugares pelo não-lugar do «espaço-velocidade » da técnica . mos sobretudo, desde há pouco, um buraco na Terra: o planeta es-
A velocidade é assim, de facto, um «acidente de transferência» , tá a fugir. Não como um bólide cósmico deslocando-se a 30 km/s ,
o envelhecimento prematuro do mundo constituído . Arrastados mas como uma bola, um balão que rapidamente se esvaziasse. . .
pela sua extrema violência, não vamos a parte nenhuma ; contenta- Quando tantas vezes ouvimos repetir que as distâncias diminuem e
mo-nos com trocar o vivo pelo VAZIO da rapidez . Como num veí- que o nosso globo não pára de encolher, seria urgente tirar daí as
culo de corrida onde o condutor deve antes do mais dominar a consequências !
aceleração, manter a máquina alinhada e não já prestar atenção ao s No limiar dos anos 60, o general Chassin declarava : «Os mili-
pormenores do espaço circundante, o mesmo sucederá amanhã , tares nunca levaram em consideração o facto de que a Terra é re-
não duvidemos, com toda e qualquer actividade humana : no DO- donda .» E que dizer dos «civis»? O problema, todavia, está mal
MICÍLIO ou em VIAGEM, indiferentemente, não se tratará já de ad - formulado . A questão não se prende tanto com a rotundidade d o
mirar a paisagem, mas apenas de vigiar os seus ecrãs, os seus mos- astro como com a passagem ao limite, o extermínio próximo de to-
tradores, a régie da sua trajectória interactiva, isto é, de u m da a avaliação territorial, a desvalorização definitiva do ambient e
«trajecto» sem trajecto, de um «tempo» sem tempo . geofísico .
Tudo o que até então se jogava no ordenamento dos acessos d o Poderá imaginar-se sequer a perda da extensão e da duraçã o
espaço real da cidade ou do campo, jogar-se-á amanhã apenas n a constitutivas do eixo de referência do corpo? Poderá conceber-s e
organização do controlo da condutibilidade das imagens e da in - seriamente o esquecimento do lugar, de todos os lugares, em pro-
formação em tempo real . veito exclusivo da ego-centragem comportamental, única polarida-
' de do ser ? — de um ser menos «no mundo» que em si mesmo . Tudo o que estava em jogo no ordenamento do corpo territo-
Muito dificilmente, dir-se-á, sem reparar que muitos de nós se es - rial joga-se hoje não apenas, como outrora, na organização do cor-
forçam já por fazê-lo, aqui ou ali, nos negócios, nas artes ou n a po social, mas no controlo do corpo animal, desse ser humano si-
guerra . Ouçamos o designer Alessandro Mendini : tuado não tanto no mundo como em si. Daí a fragilidade dess a
«O homem ele próprio um conjunto de instrumentos . Se m e « consciência de si», mais invadida pela tecnologia do que investid a
sento no chão . sou um assento . Se ando, sou um meio de transpor - por ela de responsabilidades novas.
te . Se canto, sou como um instrumento musical . O corpo é o con- O egotismo de um ser tornado quase inerte pelas capacidade s
junto primário dos obiectos à disposição do homem, ao passo qu e interactivas do seu meio não tem, de facto, nada em comum com o
os utensílios são as extensões artificiais, próteses monstruosas ... do «personalismo» filosófico, mas antes com a enfermidade, com a
O primitivo, o nómada, o indivíduo que viaia à boleia, condensa m deficiência daqueles a quem chamamos POLIDEFICIENTES .
em si mesmos os seus utensilios, coincidem com a sua própria ca- A' pergunta «O que é que mais o angustia?», uma jovem perso-
sa. Eles são uma casa, são uma arquitectura .» já sabíamos tudo is - nalidade mediática respondia recentemente : «A ideia de tudo ficar
to, é certo, desde Lerov-Gourhan, mas a questão continua a esta r estático . De a máquina parar de funcionar.. . é por esse motivo qu e
mal formulada porque aquilo que se concentra em nós não são j á nunca tiro mais de dez• dias de férias . Tenho horror ao imobilis-
apenas os «instrumentos», mas o «meio ambiente» . Aquilo qu e mo .» Este pressentimento digno de um condutor que receia um a
coincide em tempo real connosco próprios não é já, portanto, um a avaria no motor do seu carro, lima falta de gasolina, trai a hiper-
casa, uma arquitectura qualquer, mas a Ect;:MENA, o conjunto d a tensão dos nossos contemporaneos, todos eles adivinham facilmen -
terra habitada . «Fui tudo, e tudo não é nada», declarava o estóic o te a fixidez patológica que inevitavelmente os atingira, mais tard e
Marco Aurélio . . . Deveremos dizer doravante : «Sou a Terra, sou o ou mais cedo — não só a esclerose devida 'ao envelhecimento, à
homem-planeta»? Claro que nos custa reconhecê-lo, mas é de fac- perda de reflexos, mas o advento de uma inércia comportamenta l
to assim . devida à velocidade, ao declínio da espessura espacial das suas acti-
Haverá talvez quem julgue que o célebre program trading das vidades imediatas .
praças financeiras de Londres e Wall Street, comummente designad o A menos ... a menos que sç assuma plen ámente a fatalidade, o
por sIc BANO, apenas diz respeito à economia planetária, à cotaçã o carácter funesto dessa fixidez cadavenca, a maneira de Howar d
automática dos valores bolseiros, mas quem assim pensar estará a Hughes, o paralítico do Hotel Desert Inn de Las Vegas . Misto a r
cometer um erro grave . A implosão do tempo real condiciona do- quitectónico a meio caminho entre a cabina tde um veículo e a esta-
ravante a totalidade das trocas, e a experiência do krach informáti- ção de muda, o quarto de hotel ilustra hoje . melhor do que qual -
co de 1987 não é mais do que o sinal precursor de outras catástro- quer outro ambiente doméstico a evolução, do habitat humano :
fes económicas, e sobretudo de numerosas rupturas dramáticas n o não já uma «recepção», mas uma maquina que dialoga com o nos-
domínio das trocas e da comunicação social . De facto, quanto mai s so cartão de crédito . Não já um gerente de hotel, mas um códig o
aumenta a velocidade de circularão da informação, mais o control o de acesso que caduca automaticamente ao fim de vinte e quatr o
das trocas e das permutas se reforça e tende a tornar-se absoluto . horas . Não já quartos, mas «boxes» de nove ou mesmo seis metro s
A omnipresença do controlo visa fazer deste último o substituto d o quadrados . Não já uma empregada, mas uma empresa de serviço s
ambiente do homem, a sua TERRA, o seu único MEIO . de limpeza .. . Por vezes, até, como no estabelecimento da cadeia de

hotéis COCOON, situado nas imediações do aeroporto de Roissv , clara : «Ao combinarmos a'mecâni :a quântica e a relatividade geral,
nem sequer uma janela, sendo as células exclusivamente ventilada s parece surgir no horizonte uma nova possibilidade : a de o espaço e
por uma rede interna de climatização . O modelo é aqui manifesta - o tempo formarem;' no seu conjunto ; um espaço finito, a quatro di -
mente o parque de estacionamento, o depósito humano para u m mensões, sem singularidade e sem bordos, como a superfície da
viajante não muito diferente da bagagem que o acompanha . Terra mas com mais dimensões»', está a transpor o modelo do glo-
bo perdido, dessa esfera tercestrë'fechada sobre si mesma, para o
Universo inteiro, assim traindo, unia` vez mais, o velho geocentris-
mo astronómico .
«É a evidência a causa do esquecimento da interrogação . A evi-
dência original tornou-se postulado .» (Husserl) Ouçamo-lo :
Efectivamente, se a realidade do visível se tornou uma evidênci a «A condição para os limites do Universo é que não haja limite .
comum, é porque a evidência do implícito sucedeu já à do explíci- O Universo conter-se-ia inteiramente a si mesmo e não seria afec-
to. Não acreditar no que os nossos olhos vêem tornou-se uma fa- tado por nada exterior a ele, não poderia ser criado nem destruído ,
talidade . .. a perda da fé perceptiva prolonga e desenvolve até ao in - não poderia senão ser.»'
finito a perda da fé religiosa esboçada na era das Luzes . Se «Deu s Assim, segundo Stephen Hawkfng, a transferência e manifesta ,
morreu», como afirmará Nietzsche, isso significa que a omnipo- o Universo e YAVEH, é Deus, aquele que e. Procurando todavia fu-
tência do olhar (Theos) se extinguiu para sempre . Olhar absoluto gir a um possível fixismo cosmológICo, ó físico escreve ainda :
do Divino (criador) e olhar relativo do humano (observador), am- «O espaço-tempo-pode ser finitõ 'em expansão sem no entant o
bos arrastados na queda, na cegueira definitiva . ter qualquer smgulandadé,,que forme «fronteira» ou «bordo» .
A ecologia, nascida na década de 60, nos Estados Unidos, sig- O espaço-tempo sena jcomo a superfície da Terra. Se alguém corre r
nificativamente no mesmo período que o desembarque na Lua , em direcção ao Sol poente, nao caíra para fora da Terra nem se
surge pura e simplesmente como ciência de um mundo para sempre precipitará numa singularidade, posso garanti-lo, já dei a volta a o
perdido enquanto meio humano, MUNDUS privilegiado e sem limit e mundo!» 3
nl (;-,s
do ser. Esgotado, sujeito às mais diversas ameaças, o nosso astr o A crermos em Stephen Hawkung,a única diferença ,de natureza
não passa já de um resíduo, de uma «reserva» que urge preservar ; a entre a astronomia dos ¡Antigos e a sua é a questão das dimensõe s
alegada revolução do ambiente não é mais do que a proclamaçã o ou, por outras palavras, da natureza da medida . .. em última análi-
de um mundo ultrapassado, ultrapassado como BIOSFERA da espé- se, para o físico Deus é dimensão ou mais precisamente A DIMEN -
cie, em proveito não tanto de uma TECNOSFERA industrial como d e SÃO É DEUS .
uma DROMOSFERA exterminadora do CONTINUUM humano, denun - O universo é finito, sim, mas «sem bordos» — tudo reside par a
ciada por Husserl no limiar da mobilização generalizada .' Hawking neste paradoxo puramente iopológico . Escutemos aten-
Quando, hoje ainda, um físico como Stephen Hawking, deten-
tamente a sua descrição do cosmo pós-einsteiniano
p :
tor da cátedra de Newton na Universidade de Cambridge, nos de -
'2 Une breve histoire du temps, p . 211 .
' La serre ne se ntent pas foi redigido cm 1934 e publicado em 1940 por Alfred Schuetz n a Id ., p. 173 .
revista americana Phnosophy and phenonnenological research . ' Ibid ., p . 173 .
«Nessa hipótese — a auséncla de bordo — vemos que o acas o aquilo a que chamamo s' «tempo real» não passa de uma figura d a
de um Universo concebido como seguindo a maior parte das tra- nossa imaginação:» .!, ct;l ML2-t r .
jectórias possíveis é negligenciável ; mas existe uma família particu- Observa-se aqui,-como.noutros domínios técnicos, o desdobra -
lar de trajectórias muito mais prováveis do que as outras . Essas tra- mento da duração : tempo real e imaginário para o astrofísico, tem-
jectórias podem ser representadas como a superfície da Terra, com a po real e tempo diferido para o electrónico especialista das teleco-
distância até ao poio Norte a representar o «tempo imaginário» e a municações instantâneas... com a tripartição tradicional, passado,
dimensão do círculo de distancia constante a partir do pólo Norte , presente, futuro, a perder, cada.. vez mais a sua utilidade.
a dimensão espacial do Universo . Na página 180 da sua Breve História do Tempo, Hawking ex-
«O Universo começa no pólo Norte como ponto único . A me- plica-nos porquê : «Quando se tentou unificar a gravitação e a me-
dida que avançamos para Sul . os círculos de latitude a distânci a cânica quântica, houve que introduzir a noção de tempo «imaginá-
constante do pólo Norte vao-se tornando maiores, o que corres - rio». O tempo imaginário confunde-se com as direcções no espaço . »
ponde a um universo em expansão com um tempo imaginário . A esfera não é já, pois, a da terra firme, a do «mundo cheio» des-
O Universo atingiria a sua dimensão máxima no equador e con- crito por Husserl, mas unicamente a esfera das trajectórias de um
trair-se-ia com um tempo imaginário crescente até chegar a u m mundo «vazio», de um mundo esvaziado de substância.
ponto único ' no pólo Sul . Embora o Universo possa ter uma exten- O tempo «imaginário» não o é menos, afinal, do que o espaço
são nula nos pólos Norte e Sul, estes pontos não seriam singulari- aqui descrito como pura DIRECÇÃO, pura DIMENSÃO . . . Quando o
dades, tal como os pólos Norte e Sul não são singularidades n a cosmologista declara, aliás, que aquilo a que chamamos «temp o
Terra.» Já percebemos : se, com o filósofo Husserl, a Terra não s e imaginário» talvez não seja senão o tempo real, e que aquilo a qu e
move, com o físico Hawking ela avoluma-se, incha, quer fazer-s e chamamos «tempo areal» não e talvez mais do que uma figura d a
maior do que o boi da fábula ... nossa imaginação, traia atual incerteza quanto ao princípio d e
Quanto à questão crucial da seta do tempo astrofísico, ouça - realidade das noções de espaço e de tempo : não já tanto a unidade
mos a continuação : «A trajectória do Universo no tempo real pare- espácio-temporal de ün "continuum (einsteiniano) mas a reversibi-
ce, todavia, ser muito diferente . Há cerca de dez ou vinte biliões lidade de um ou outro termo, 'a partir do momento em que se acei-
de anos, teria havido uma extensão mínima igual ao raio máxim o tam estas noções hetéticàs `de'' tempo imaginário e de velocidad e
do caminho no tempo imaginário . Em tempos reais ulteriores, o virtual para as «trajectórias `que dão forma ao cosmo.
universo ter-se-ia dilatado segundo o modelo caótico inflacionári o
(...) O Universo dilatar-se-ia até atingir uma dimensão gigantesca e
acabaria por se desagregar em algo semelhante a uma singularidad e
no tempo ( . ..) A pergunta dos Antigos: «A Terra move-se? Ou permanece co-
«Só se pudéssemos descrever o Universo em termos de temp o mo o eixo, o núcleo da realidade cósmica?» foi pois recentement e
imaginário é que não haveria singularidade.» E, mais adiante : substituída pela questão .da «seta do tempo» e da presença ou au-
«Quando voltamos ao tempo real em que vivemos, todavia, sur- sência de uma singularidade original, chamada BIG BANG .
gem ainda singularidades ( .. .) tal poderia sugerir que aquilo a qu e
chamamos «tempo imaginário» é na realidade o «tempo real» e que Ibid., p . 176.

A analogia com o fixismo pré-coperniciano é manifesta, com a de dos fenómenos é seinpre limitada pela sua velocidade de apare-
diferença, porém, de que o TEMPO PRIMEIRO se sobrepõe ao ESPA- cimento. -- ~I , ; *
ÇO PRIMEIRO e de que a esfericidade ideal já não é a do globo ter- Para medirmos -convenientemente a amplitude das mutações e m
restre, mas a de uma esfera virtual que incha e se avoluma em to - curso, no que diz respeito ao meio ambiente, ao «espaço público» ,
das as direcções (segundo todas as trajectórias possíveis) enquant o ouçamos Marvin Minsky (fundador do laboratório de inteligênci a
a esfera real do mundo cheio se esvazia e decresce lamentavelmen- artificial do M. I T.), declarando, num artigo datado de 1981 :
te, perdendo, com as suas dimensões, o seu valor substancial . «Vestimos um colete confortável forrado de detectores e de moto -
E aqui que a ECOLOGIA encontra o seu próprio limite, a sua es- res funcionando como músculos, sendo que cada movimento d o
treiteza teórica, ao privar-se de uma abordagem dos regimes d e nosso braço, da nossa mão e dos nossos dedos é reproduzido nou-
temporalidade associados aos ecossistemas, em particular àquele s tro lugar por mãos mecânicas móveis . Leves, hábeis e fortes, estas
que provêm da tecnosfera industrial . Ciência do mundo finito, a mãos comportam os seus próprios detectores, por intermédio do s
ciência do ambiente terrestre priva-se, ao que parece, voluntaria- quais vemos e sentimos o que se passa . Graças a este instrumento ,
mente, da sua relação com o «tempo psicológico» . A exemplo dess a podemos "trabalhar» noutra divisão, noutra cidade, noutro país o u
ciência universal denunciada por Husserl, a ecologia não interrog a noutro planeta. O nosso representante à distância tem a força d e
verdadeiramente o diálogo «homem-máquina», a estreita interde- um gigante ou a delicadeza de um cirurgião . »
pendência entre os diferentes regimes de percepção e as prática s Prosseguindo o seu raciocínio, Minsky confirma que esta TELE-
humanas. Numa palavra, a disciplina ecológica não repercute sufi - -PRESENÇA já não é uma ficção: «Se começarmos a agir desde já em

cientemente o impacto do Tempo-Máquina sobre o meio ambien- conformidade, poderemos ter no século xxi uma economia gerida
à distância.» Alguns :üìós máis''tarde, ás bolsas de Wall Street e d e
te, deixando essa tarefa ao cuidado da ergonomia, ou mesmo d a
política ... Londres implantavam o program trading, com os resultados que s e
sabe . . . Meses depois,' Scott' Fishër'criava as Data-gloves e esboçava
Sempre esta mesma desastrosa ausência de compreensão do ca-
essa roupagem de dados tão próxima da intuição inicial de Marvin
rácter relativista das actividades do homem (industrial e pós -
Minsky. r t .
-industrial) . E aqui que doravante intervém a DROMOLOGIA . Co m
Observemos agora a desnaturaçao deste presente-vivo, caro a
efeito, a menos que se conceba a «ecologia» como administraçã o
Ludwig Boltzman e convertido, quase Um século mais tarde, e m
política de perdas e ganhos das substâncias que compõem o am-
TELE-PRESENTE-VIVO . No ifinál das suas `notas para a constituição
biente geofísico, esta não poderá desenvolver-se sem apreender a x .,
do espaço, Edmund Husserl escrevei
«economia do tempo», mais precisamente do espaço-tempo das ac- «Se a carne óptica Çunciona no campoóptico aquando de toda
tividades humanas e das suas rápidas mutações . Se, segundo Char- a percepção de corpos, se . a cmestesia esta assim «naturalizada» no
les Péguy, «não há história mas simplesmente uma duração públi- órgão quase corporal (o,olho), como ,e que o fenómeno se deix a
ca», o ritmo e a velocidade próprios do acontecimento do mund o
descrever? A carne óptica não tem então,. como corpo, o seu luga r
deveriam dar lugar, não só a uma «sociologia verdadeira», com o no espaço dos corpos, bem como a propriedade de não poder i r
propõe o poeta, mas sobretudo, em nossa opinião, a uma autêntic a mais longe no espaço, numa direcção em que outro corpo lhe bar-
dromologia pública . Não podemos esquecer, de facto, que a verda- ra o caminho? Aqui reina a seguinte lei : um corpo não pode encon-
trar-se no lugar onde está outro corpo, não podem atravessar-s e com o do espaço real (o intervalo), porque se trata desta vez do va-
mutuamente, não podem estar em repouso no mesmo lugar .» ' zio de um ambiente virtual, de um espaço-tempo de que as técni-
Manifestamente ultrapassada, esta constatação deixa todavia e m cas de comunicação são,simultaneamente a origem e o fim .
aberto a questão da necessária renovação do espaço real, perante a s Se as tecnologias veiculares. (balão, avião, foguetão .. .) nos fize-
premissas da interactividade (em tempo real) e da «presença» da s ram progressivamente descolar-do corpo cheio da Terra, eixo de
pessoas e das coisas, seja qual for a distância que as separa . referência prioritário de toda a mobilidade humana, para finalmen-
Se, de facto, a esfera de actividade do homem já não é limitad a te no-lo fazerem perder. aquando do desembarque lunar, há vint e
pela extensão, pela duração, pela própria opacidade dos obstáculo s anos, as tecnologias extra-veiculares da interactividade instantânea
que lhe barram o caminho, onde se situa então a sua presença n o exilam-nos de nós próprios e fazem-nos perder a derradeira refe-
mundo, a sua presença real? Tele-presente, sim, mas onde? A par- rência psicológica: a dessa massa ponderai do corpo locomotor, ei-
tir de que lugar, de que posição? Presente-vivo, ao mesmo tempo xo ou, mais precisamente, sede da motilidade comportamental e da
aqui e ali : onde estou eu, se estou em toda a parte ? identidade .
A minha «presença» torna-se assim tão aleatória como a dessa s
partículas fantasmas de que podemos em rigor conhecer a posiçã o
ou a velocidade, mas nunca ambas as coisas ao mesmo tempo .
Aplicando-se doravante o princípio de indeterminação à realidad e «Sou representado por um actor, ele está dentro dos meus olhos ,
do «sujeito» como à do «objecto» da experiência, a questão d a toca com as minhas mávs»,-declara ao público a única personage m
PROPRIOCEPÇÃO volta a ocupar um lugar central . da Tragédie comique,-levada à cena no Théatre des Bouffes d u
No final de um livro anterior, escrevi : «E difícil imaginar uma Nord, na Primavera de 1989 ..'Neste one-man-show, o actor Yve s
sociedade que negue o corpo, do mesmo modo que se foi progres- Hunstad ilustra na perfeição o paradoxo dessa tele-presença qu e
sivamente negando a alma, e, todavia, é para ela que nos encami- permite evitar o obstáculo; a opacidade de um qualquer parceiro, a
nhamos .»Z exemplo do que preconizava, ; há Oito anos, Marvin Minsky.
Esta dificuldade parece hoje resolvida em parte pelas novas tec- O paradoxo do comediante. vira-se então do avesso como um a
nologias da interactividade instantânea . Mais próximos daquilo qu e
luva (DATA GLOVE), a perso iagein já'não anda em busca de um pos-
.está longe do que dos nossos vizinhos imediatos, afastamo-no s
sível autor, mas de um actorà'quem parasitar, a quem fagocitar in-
progressivamente de nós próprios . Não é só o corpo cheio da terra
tegralmente. Empoleirada na Lua, perscrutando a Terra em busc a
que se perde e se desvanece aos nossos olhos; também o noss o
de um actor para «ser representada», a «personagem» avista, do al-
próprio corpo se esbate por seu turno, tornando-nos «enfermos» ,
to do seu limbo, no início da peça, uma criança inocente : será ela o
de uma enfermidade sem igual, porque a deficiência da paralisia
seu «comediante» . É fácil imaginar a continuação, tanto mais que a
(ou do autismo) nos deixa ainda no nosso lugar, com uma massa
personagem não pára dê nos convidar a fazê-lo .
ponderai imponente, ao passo que essa perda do corpo cheio d o
ser nos arrasta para o vazio, um «vazio» que nada tem em comu m Ambiente virtual, presença virtual, tempo imaginário ... o para-
lelo com as tecnologias interactivas é evidente, como se estas últi-
mas, filhas do «teatro de- operações» da guerra, não parassem d e
La teve ne se meut pus, p . 64 .
2 L'Ho~izon négatif, Ed . Galilée, 1984. regressar a ele, através do desenvolvimento do tele-comando e da
tele-vigilância civil . Mas ouçamos Yves Hunstad falar do seu ofí - -estático», destinado; a fixar` para' sempre a personalidade de um
' cio : indivíduo, ou mais precisamente -de um sujeito, cujo único movi -
«O actor, constantemente transposto para vários papéis relacio- mento será o do actor em. cena ; esse teleactor que não se precipita-
nados com a vida, tem uma personalidade fragilizada ; precipita-s e rá mais num . qualquer.•meio &deslocação física mas unicament e
de corpo e alma noutro esqueleto, noutro cérebro . Isto permite-lh e noutro corpo, um corpo óptico para ir mais longe sem sair do lu-
ir mais longe, ter mais audácia . » gar, para ver com outros olhos, tocar com outras mãos que não a s
Não já tanto avançar no espaço exterior à cena, mas ir mai s suas, para estar lá longe sem lá estar efectivamente, estranho a s i
longe em si quando se está em cena ; avançar sem sair do sítio na fi- próprio, trânsfuga do seu próprio corpo, para sempre exilado ...
xidez de um cenário qualquer, teatral ou urbano, já que a tele - Bem vistas as coisas, o teatro antigo terá representado para a
-presença à distância permite escapar à unicidade do presente-viv o AUDIOVISUALIDADE do corpo óptico do actor aquilo que o estádi o
para se ser quem se quiser, o que se quiser, onde se quiser ... tor- representava já para a AUTOMOBILIDADE do corpo físico do atleta :
nar-se indiferentemente MICROSCÓPIO ou TELESCÓPIO, fenómen o a invenção de uma motilidade imóvel em substituição da mobilida -
de uma óptica activa, ou antes de uma óptica actriz, respondend o de no espaço; os actores apenas movem a sua «personagem», ant e
assim pela afirmativa à interrogação formulada, se bem se recor- os olhos dos espectadores sentados nas bancadas, dentro dos es-
dam, por Edmund Husserl : «A carne óptica não terá, enquant o treitos limites da cena, de,uma «cena» que leva já em consideraçã o
corpo, o seu lugar no espaço dos corpos? » os limites orbitais do, olhar.., . enquanto não chega — o que s ó
Não esqueçamos porém o título desta fábula : A Tragédia Có- acontecerá mais tarde, ; muito mais tarde — a inovação do ecrã e
mica, confusão do trágico e da comédia, para um ser solitário ex- posteriormente desse terminal, que exibe em tempo real o espaç o
tremamente fragilizado, o actor carne óptica, para qualquer olhar de uma realidade exótica .e.longínqua, à maneira de uma viage m
sem viagem e de uma deslocação sem deslocação, tal como até aí s ó
minimamente atento à substituição, ao miserável milagre do palco ,
o teatro permitia, graças à:sujeição do actor e do espectador, ma s
teatral ou interactivo . Nascida da cidade e, por conseguinte, de u m
principalmente da personagem e do seu actor, como tão bem o
fenómeno de sedentarização, a encenação teatral sempre teve po r
ilustra o comediante,YXes Hunstad .
objectivo primeiro impedir o espectador de sair do lugar. A magni-
Depois da televisão,,a,tele-acção e a tele-presença vão, de facto ,
ficência dos circos e dos teatros antigos trai afinal a invenção de
retomar o fenómeno,de,possessão de um corpo próprio por um a
um primeis ssimo veículo estático, a fixação patológica de uma po- imagem, uma imagem mental. Este velho mito do desdobramento ,
pulação atenta ao espectáculo da carne óptica do actor em movi -
não apenas da personalidade frágil do actor, mas sobretudo da rea -
mento . lidade do mundo exterior, para esse «tele-actor» agindo instanta-
A nossa «civilização» nunca soube, de facto, realizar outra coi- neamente num ambiente geográfico tornado por sua vez virtual ...
sa senão um perpétuo prolongamento da sedentarização urban a A questão filosófica já não é propriamente : Quem sou eu na reali-
inicial. ,Fixação no imóvel da ínsula romana, e depois fixação no dade? — mas sim : Onde estou neste instante ?
móvel automóvel dos diferentes «meios de transporte» da moder- Esta confusão entre a ética e . a estética, entre o endótico e o
nidade europeia — as mais recentes tecnologias da interactividad e exótico, vai provocar uma derradeira inércia, uma inércia relativis-
domiciliária e da telepresença prolongarão mais ainda esse proces- ta por natureza, já que, não contente com interrogar-se acerca d a
so, graças ao próximo desenvolvimento de um derradeiro «veículo - sua posição ou da sua própria vitalidade, a exemplo dessa partícula
de 9ue nos lata Heisenberg, o ser tele-agente se torna ao mesmo
tempo (é isso mesmo o tempo real) incerto quanto à sua posição no
espaço e indeterminado quanto ao seu verdadeiro regime de tem-
poralidade, já que a endo-referência ponderai do corpo físico cede
repentinamente o lugar à exo-referência comportamental de u m
«corpo óptico», devida à simples velocidade de transmissão da vi-
são, como da acção .
Nestas condições, como não entrever o papel do DERRADEIRO
vEícuLo : fazer do seu ocupante, esse viajante sem viagem, ess e
passageiro sem passagem, o último estrangeiro, trânsfuga de si pró-
prio, simultaneamente exilado do mundo exterior, esse espaço rea l
de uma extensão geofísica em vias de desaparecer, e exilado do
mundo interior, estranho a esse corpo animal, a essa massa ponde-
ral tão ifragilizada como o está hoje em dia a do corpo territoria l
planetário em vias de extermínio acelerado ?
Uma proeza técnica ilustrará esta última ideia : em Dezembro
de 198(?, pela primeira vez na história dos transportes aéreos, u m
aparelho dava sem escala a volta à Terra . VOYAGER de seu nome, o
engenho obliterava assim a diferença de natureza entre o satélite
em órbita baixa e o avião circum-terrestre . Um objecto pilotad o
por mãos humanas escapava ao solo de referência .
Concebido pelo engenheiro Burt Rutan, irmão do piloto, este
protótipo de avião orbital não representava, porém, mais do que o
primeiro ensaio de um projecto bem mais ambicioso : o de realizar
um engenho voador movido apenas pela energia humana (à manei -
ra do GOSSAMER ALBATROSS do engenheiro Mac Ready) e capaz de
satelitizar um homem pelos seus próprios meios.
Fazer deste último, não já um ser comparável à águia, mas o
equivalénte perfeito de um astro, de um asteróide .
Atingir, graças apenas às suas forças, essa inércia onde a mass a
ponderai do corpo do homem se torna idêntica à de um planeta e m
condições de imponderabilidade . ..

Paul Virilio,
Julho de 1989.

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