Você está na página 1de 24

experiências

negras

1
O CORPO NEGRO NA PRÁTICA EDUCATIVA DE
MUSEUS E INSTITUIÇÕES CULTURAIS
ÍNDICE

experiências
negras
4 O aprendizado do corpo da instituição
Felipe Arruda
6 Participação na equipe de Ação e Pesquisa Educativa
Melina Martinho

10 Apresentando o projeto Experiências Negras


Jordana Braz | Luciara Ribeiro

14 Reflexões de vivência em arte-educação:


Quais os caminhos para a luta antirracista e decolonial
na arte-educação em museus e instituições culturais?
Luciara Ribeiro
20 Da observação à ação: a subjetividade preta
como prática educativa
Jordana Braz
24 O estar e o não estar nas instituições culturais
Ana Paula Lopes
30 Considerações sobre autoidentificação, saber-fazer e
registro de memória da negritude brasileira
Uilton Júnior
36 Reflexões de uma educadora negra periférica bissexual
Juba Duarte

43 Comentários do público
44 Biografias

CAPA
JULIANA DOS SANTOS CATIRINA 2012
NANQUIM SOBRE FOTOGRAFIA 42X29CM
2 3
O APRENDIZADO DO CORPO
DA INSTITUIÇÃO
Internamente, essa busca se revela nas conversas e dinâmicas que
FELIPE ARRUDA realizamos sobre racismo, mediadas por psicanalistas e pesquisadores
Diretor do Núcleo de Cultura e Participação do negras e negros, na contratação, ainda insuficiente, mas em curso, de
Instituto Tomie Ohtake mais colaboradores negras e negros, e no combate a práticas racistas
veladas ou não. Em nossos programas, coloca-se no convite a artistas e
profissionais negras e negros para protagonizarem mediações,
exposições, debates, cursos, oficinas, comissões de júri de nossos
prêmios anuais, curadorias e outras contribuições de destaque. Entre as
reverberações dessas iniciativas está a de Histórias Afro-Atlânticas,
No Brasil, país erguido por mais de quatro milhões de africanos mostra realizada em parceria com o MASP, eleita a melhor exposição do
escravizados, a população negra enfrenta, ainda hoje, a desigualdade mundo em 2018 pelo The New York Times.
secular que tolhe direitos e restringe o acesso a espaços e oportunidades
em todas as dimensões da vida. No sistema das artes e nas instituições É nesse contexto que surge Experiências Negras, um projeto que
de cultura a mesma dinâmica se reflete, sendo o privilégio branco e a apresenta e debate o protagonismo de pessoas negras nas instituições
consequente disparidade social marcada pela cor tão flagrantes quanto culturais. Idealizado pelas educadoras Jordana Braz e Luciara Ribeiro,
motivo de reparação urgente. consiste em uma série de encontros com profissionais negras e negros
(educadores, produtores, pesquisadores, curadores e artistas), além de
Por exemplo: entre os 2.443 artistas que figuram em 11 livros largamente uma websérie e uma publicação com as contribuições das convidadas e
utilizados em cursos de graduação de Artes Visuais no Brasil, apenas 22 convidados aos debates. É enorme o contentamento de ver esse projeto
são negros ou negras1, dos quais nenhum é brasileiro – fato que revela nascer, liderado com consistência e energia por duas profissionais cujas
não apenas a exclusão histórica, mas a perpetuação das narrativas pesquisas e engajamento se somam à propriedade de fala que só a
únicas, pautadas por critérios de um grupo social hegemônico. Da experiência é capaz de prover, como manifestam seus relatos.
mesma forma, basta verificar as composições dos principais museus e
espaços culturais no país para constatar a presença ínfima de Assim como esse, todos os projetos do Núcleo de Cultura e Participação
afrodescendentes entre os cargos de liderança, contraste radical com um do Instituto Tomie Ohtake são construídos pelo empenho de muitas
país cuja população é formada por 54,9%2 de negros e que deve a riqueza mãos, pela colaboração de diversas equipes. Se habitar um corpo é
de sua cultura à contribuição vasta e diversa dos povos africanos. assimilar as vivências sociais e emocionais de cada dia – uma
experiência pessoal, singular e intransferível –, habitar o corpo de uma
Se cabe a todos os que acreditam em uma democracia plena confrontar instituição é criar vizinhanças e alianças entre os corpos que nela atuam,
as desigualdades, ainda mais imprescindível é o papel das instituições considerando os repertórios e subjetividades desses diferentes corpos
de arte, que, por definição, devem provocar o que a cultura sedimentou, como força política e transformadora, numa soma de vivências com as
romper com a repetição cega de certas crenças, projetar novas visões de quais temos a chance de aprender. Que aqui, e sempre, estejamos
mundo, e às vezes reinventá-lo. Eis o tamanho do desafio, porque aprendendo.
profundas e complexas são as sombras estruturais que definem uma
sociedade; no nosso caso, em primeiro plano, o racismo.

Nos últimos anos, temos buscado tratar do tema a partir do 1. Dados apresentados pelo projeto A HISTÓRIA DA _RTE, concebido por Amália dos Santos,
reconhecimento de nossa responsabilidade. Isso passa por encarar as Bruno Moreschi e Gabriel Pereira. Mais informações em: http://historiada-rte.org/.
2. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), coletados pelo PNAD (Pesquisa
incoerências próprias da instituição e, sobretudo, por colocar em Nacional por Amostra de Domicílios) em 2017. Pesquisa divulgada em: https://agenciadenoticias.
movimento a potência de transformação que, de alguma forma, em todos ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-populacao-chega-a-205-5-
reside. Ou seja, mesmo frente às limitações, agir. milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos.

4 5
PARTICIPAÇÃO NA
EQUIPE DE AÇÃO E
PESQUISA EDUCATIVA
MELINA MARTINHO
Coordenadora de Ação e Pesquisa
Educativa do Instituto Tomie Ohtake

Participação, substantivo relativo a tomar parte; Por considerar as particularidades e interesses de cada integrante,
só é parte algo que foi partido. Dividir a parte; torna-se fundamental a construção de uma equipe constituída por
compartilhar. Parte pode ser cisão, parte pode ser pessoas que agregam e promovem conhecimento no campo da cultura,
partilha. É necessário um sujeito para participar artes e educação, contribuindo para um debate amplo e em conexão com
num espaço de partilha; participação só existe a cidade, com instituições culturais, sociais e escolas. O projeto
quando acontece. Sem o sujeito, o substantivo Experiências Negras, oriundo das pesquisas de Jordana Braz e Luciara
não vira verbo, e assim participar vira poética Ribeiro, está integrado ao posicionamento do Instituto Tomie Ohtake de
sem práxis. Participar é um verbo que se conjuga inserir em suas exposições, programação e na formulação das equipes
no coletivo. pautas que ajam em favor de uma sociedade antirracista e participativa.
Dessa forma, suas pesquisas contribuem internamente com esse
Dentro da equipe de Ação e Pesquisa Educativa1 buscamos construir um processo da instituição.
espaço de participação através do fomento a investigações e interesses
da equipe, onde cada educador e educadora é entendido como Como programa, Experiências Negras possui em sua origem o desejo de
pesquisador no campo da educação, cultura e arte. Por meio de pesquisas buscar e promover outras pesquisas, experiências de pessoas negras em
desenvolvidas, elaboramos processos de diálogo e ação para diversos terrenos originalmente brancocêntricos. No meio de tantas ausências, as
públicos mediante programas para professores, assistentes sociais, educadoras-pesquisadoras perguntam pelas presenças de educadorxs,
público escolar, artistas, especialistas e interessados em geral. Dentre os artistas e pensadorxs negrxs no campo das artes e em diálogo com as
programas realizados, destaca-se o Experiências em Mediação, instituições culturais. Por meio da criação de um espaço de partilha e
desenvolvido conjuntamente com Divina Prado e Priscila Menegasso em abertura para outros protagonismos, os encontros geram conhecimento e
2018, onde exploramos o conceito de mediação para além das visitas reconhecimento, além de publicações periódicas que contribuem para o
mediadas nas exposições. debate e para as mudanças necessárias nos terrenos da cultura e
educação.
Para tanto, a equipe elabora pesquisas que atravessam as mostras em
cartaz e desdobram-se em atividades que buscam fornecer Experiências
que variam de tema, textura, tempo e espaço. A relação entre pesquisa e
experiência se dá por meio de um processo retroalimentativo, uma vez
que cada projeto realizado gera conhecimentos que aprimoram o
entendimento e questionamentos, alimentando, assim, as pesquisas -
dessa forma, mantemos o ritmo do aprendizado constante. Atualmente a
equipe desenvolve Experiências para diferentes públicos através de Nota
1 Atualmente nossa equipe é formada por Melina Martinho, Divina Prado e Priscila Menegasso
cursos, seminários, formações, grupos de estudosv, parcerias, podcast, na coordenação e desenvolvimento, e pelxs educadorxs-pesquisadorxs Bruno Coltro Ferrari,
publicações, encontros, ateliês e outras práticas que, juntas, constroem Emol, Jordana Braz, Julia Cavazzini, Luara Carvalho, Lucia Abreu Machado, Luciara Ribeiro e
parte da programação gratuita fornecida pelo Instituto Tomie Ohtake. Pedro Costa.

6 7
O PROJETO EXPERIÊNCIAS NEGRAS
VISA APRESENTAR UM DEBATE
PROTAGONIZADO POR PESSOAS
NEGRAS QUE ATUAM EM DIVERSAS
ÁREAS NAS INSTITUIÇÕES
ARTÍSTICAS E CULTURAIS.
REGISTRO DO ENCONTRO “O CORPO NEGRO NA PRÁTICA EDUCATIVA DE MUSEUS E INSTITUIÇÕES CULTURAIS”
24 NOVEMBRO 2018 | INSTITUTO TOMIE OHTAKE

8 9
APRESENTANDO O PROJETO
EXPERIÊNCIAS NEGRAS
JORDANA BRAZ E LUCIARA RIBEIRO
Educadoras do Instituto Tomie Ohtake

O que significa falar de “experiências negras” em instituições culturais? Como parte da proposta para repensar os modelos e as práticas
Utilizamos aqui o termo “experiência” para nos referirmos às vivências educativas desenvolvidas nas instituições culturais e suas maneiras de
que pessoas negras adquirem em trânsitos pelas instituições culturais. E lidar com os profissionais negros, o primeiro encontro possibilitou, em
onde as experiências negras em uma instituição cultural são geradas? 2019, o desenvolvimento do projeto Experiências Negras, ação que visa
Geralmente, os profissionais negros que atuam em uma instituição apresentar um debate protagonizado por pessoas negras que atuam em
cultural parecem seres solitários nas áreas de atuação com maior diversas áreas nas instituições artísticas e culturais. O intuito é refletir a
visibilidade e poder. Entretanto, as pessoas negras não são únicas em presença e permanência de profissionais negras nas instituições e
áreas de atuação com menos alcance econômico e notoriedade diante da compartilhar experiências realizadas em museus e instituições culturais
sociedade. As experiências de vida de pessoas negras devem ser que trazem a desconstrução de práticas artísticas, curatoriais e
escutadas caso a caso, pois independente das posições profissionais educativas hegemônicas e a ressignificação das narrativas oficiais. O
carregamos uma subjetividade observadora e questionadora devido às projeto prevê encontros de debate, além de publicações digitais e uma
inúmeras demandas que nossa vivência pessoal e profissional trazem e websérie que será exibida no nosso canal do IGTV2.
que o espaço que elas ocupam não acolhe.
Este material é resultado do primeiro encontro de 2018, já mencionado,
Nos últimos anos, o debate sobre a presença e ausência de pessoas não que reuniu cerca de 20 profissionais de diferentes instituições da cidade
brancas dentro das instituições culturais do país aumentou. No Instituto e do estado de São Paulo. A publicação reúne textos das idealizadoras e
Tomie Ohtake o ano de 2018 foi um marco porque a instituição, em dos três educadores convidados para compor uma mesa de debate: Ana
parceria com o MASP, exibiu a exposição Histórias Afro-Atlânticas nos Paula Lopes, Juba Duarte e Uilton Jr. Assim, apresenta reflexões que
meses de julho a outubro. No mês de novembro de 2018, o Instituto Tomie surgiram a partir das discussões realizadas e pretende contribuir com a
Ohtake, em parceria com o British Council e a Feira Preta, recebeu a divulgação e ampliação do debate.
instalação Race Cards, da artista inglesa Selina Thompson. No dia 24 de
novembro do mesmo ano, promoveu o evento “O corpo negro nos museus Apesar de um tema presente, as experiências negras em espaços
e instituições culturais”, idealizado por Jordana Braz e Luciara Ribeiro, institucionais ainda são poucas e enfrentam os desafios do racismo
educadoras-pesquisadoras da equipe de Ação e Pesquisa Educativa do institucional, estrutural e diário para não serem apagadas. A iniciativa
Núcleo de Cultura e Participação do Instituto Tomie Ohtake. desta publicação é compartilhar e discutir experiências educativas que
têm como objetivos a desconstrução de práticas museais artísticas,
Inicialmente, a ideia de fazer o encontro surgiu por reflexões sobre o curatoriais, organizacionais e educativas hegemônicas e a
setor educativo, por ser a área que lida diretamente com os públicos e ressignificação das narrativas oficiais em busca de uma sociedade
aplica conceitos relacionados às relações étnico-raciais, como a lei antirracista.
10.639/03 que institui a obrigatoriedade do ensino das culturas e histórias Nota
africanas e afro-brasileiras em todos os âmbitos do ensino. O evento 1. Entendemos o termo “corpo” a partir do campo das artes, como um espaço de suporte para o
surgiu também do incômodo sentido por Jordana e Luciara diante de diálogo e a vivência artística, um lugar de acúmulo de práticas e que, portanto, é impossível falar
experiências profissionais vivenciadas por elas em primeira pessoa e de experiência sem passar por ele. Não utilizamos o termo “corpo negro” alinhado ao pensamento
cientificista do século XIX nem às ideologias racialistas e racistas que derivaram dele.
por relatos de outros educadores negros1. 2. O canal do IGTV do Instituto Tomie Ohtake pode ser acessado através da página oficial no
Instagram. Link: https://www.instagram.com/institutotomieohtake/channel/
10 11
REGISTRO DE VISITA REALIZADA COM ALUNOS DA E.E. PRESIDENTE
TANCREDO NEVES NA EXPOSIÇÃO HISTÓRIAS AFRO-ATLÂNTICAS

QUAL O PAPEL DA ARTE-EDUCAÇÃO


NA LUTA ANTIRRACISTA E DECOLONIAL?
COMO A PRÁTICA DA ARTE-EDUCAÇÃO
EM MUSEUS E INSTITUIÇÕES CULTURAIS
SETEMBRO 2018 | INSTITUTO TOMIE OHTAKE PODE ATUAR NA CONSTRUÇÃO DE UMA
SOCIEDADE MAIS JUSTA?
QUAL A RESPONSABILIDADE DOS
SETORES EDUCATIVOS NA
DESCOLONIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO?
QUAIS PRÁTICAS ANTIRRACISTAS,
ANTI-XENOFÓBICAS E ANTI-HOMOFÓBICAS
TÊM SIDO ADOTADAS PELOS SETORES
EDUCATIVOS DE MUSEUS E
INSTITUIÇÕES CULTURAIS?
12 13
REFLEXÕES DE VIVÊNCIA
EM ARTE-EDUCAÇÃO: Atuo há quase 10 anos como arte-educadora O trabalho na arte-educação na instituição
QUAIS OS CAMINHOS PARA em museus e instituições culturais de São onde tive a minha primeira experiência
Paulo. Durante esse tempo, vivi experiências também foi a primeira experiência da
A LUTA ANTIRRACISTA diversas que tocam o campo da racialização. maioria das pessoas que participaram
E DECOLONIAL NA Ter sentido essas violências fez com que hoje
eu pense sobre tal temática tanto como
daquele processo. Estávamos todos em um
longo processo seletivo para uma vaga de
ARTE-EDUCAÇÃO EM MUSEUS E educadora-pesquisadora e como um corpo estágio que envolveu uma primeira fase de
que sofre e sente. Nunca é fácil habitar um análise de currículos, depois uma entrevista
INSTITUIÇÕES CULTURAIS? corpo que luta para estar em lugares que e, por último, a participação em um curso de
foram estruturados para rejeitarem-no. formação de 4 horas diárias onde eram pagos
LUCIARA RIBEIRO Talvez tenha sido por isso que a artista 400 reais por mês.
Educadora do Instituto Tomie Ohtake plástica não binária Raylander Mártis, em
parceria com Janaína Carvalho, tenha criado Éramos 500 jovens sonhadores passando por
a obra lugar errado, da série Trabalhos um longo processo seletivo de dois meses.
escolares: eu não preciso provar nada para Durante esse tempo, passávamos por uma
ninguém, que consiste em uma pintura sobre formação introdutória sobre arte-educação,
madeira onde foi escrita a frase “Você tem visitávamos e conhecíamos os setores
que parar de achar que está no lugar errado”1. educativos dos diversos museus da cidade,
Qual o papel da arte-educação na luta Não é de hoje que os museus, as instituições fazíamos atividades de ateliês, escrevíamos
antirracista e decolonial? Como a prática culturais, os centros de artes, as galerias e o A obra de Raylander Mártis é muito relatórios, enfim, um preparo educativo
da arte-educação em museus e instituições mercado de arte são criticados e cutucados inspiradora e produz força para que os corpos misturado com avaliação. No final desse
culturais pode atuar na construção de por vozes não hegemônicas e por aqueles que que incomodam e se sentem rejeitados processo seriam selecionados 300, dos 500
uma sociedade mais justa? Qual a foram deixados de fora deles, aqueles que dentro dos espaços culturais sigam resistindo educadores, para seguirem e trabalharem
responsabilidade dos setores educativos na sonharam e sonham com o dia em que esses e persistindo. Mas não é fácil ser o corpo que em tal instituição.
descolonização da educação? Quais práticas espaços receberão as suas verdadeiras incomoda. Não é fácil ser o corpo que insiste.
antirracistas, anti-xenofóbicas e anti- ressignificações. E ao pensar sobre isso me recordo de algumas Como já comentado, eram pagos 400 reais
-homofóbicas têm sido adotadas pelos setores memórias do início da minha carreira de durante essa fase de pré-seleção. Nesse
educativos de museus e instituições culturais? Sobre isso me pergunto: quanto tempo mais arte-educadora. período eu morava sozinha em uma casa de
Essas são algumas perguntas que têm precisaremos para entender que não fundos, alugada e localizada no bairro dos
habitado a minha mente nos últimos anos. renovaremos os espaços artísticos mantendo Iniciei a minha prática educativa em 2010. Pimentas, periferia de Guarulhos. A casa de
os poderes nas mãos de determinada classe e Naquele momento, eu cursava o segundo ano dois cômodos custava 200 reais de aluguel.
Tenho vivenciado um processo intenso de pensamento artístico? Quanto tempo mais do recém-inaugurado curso de História da Os meus gastos com passagem custavam em
reflexão sobre as responsabilidades que os continuaremos sustentando estas estruturas e Arte na Unifesp - Guarulhos. Eu ainda não média 120 reais (com uso do bilhete de
setores educativos dos museus e das privilégio? entendia muito bem o que isso significava, estudante). As contas de luz e água custavam
instituições culturais possuem perante as mas sabia que enquanto mulher, negra, em torno de 30 reais, a internet custava 30
violências sociais e pedagógicas que Seguindo a reflexão sobre as lutas não pobre, nordestina, periférica e sem amparo reais. Fazendo as contas, com os 400 reais
estruturam o sistema museal e educacional. hegemônicas, antirracistas, decoloniais, da família, ser pertencente àquele lugar era pagos pelo estágio eu pagava as minhas
O espaço do museu não foi feito para o não antissexistas nas artes, torna-se desafiar as regras da sociedade brasileira. contas e sobravam 20 reais para a minha
ocidental, o não “branco” e o não hegemônico. indispensável refletirmos sobre as anulações Eu sabia que estar ali era simbólico, porém, alimentação. Mesmo sabendo que este era o
Tornou-se um espaço limitado, e a cada vez violentas que as instituições culturais e com apenas 20 anos de idade, eu não tinha meu panorama financeiro, onde eu ficaria
que continuamos limitando o acesso às suas museus fazem quando optam por não consciência do quanto aquilo era desafiador. sem dinheiro para a minha sobrevivência
estruturas estamos contribuindo para que mudarem suas estruturas. básica, eu resolvi deixar o emprego de
continuem reforçando tal estrutura. operadora de telemarketing e me aventurar
na experiência da arte-educação.

14 15
15
O meu horário de estágio era das 8h às 12h e Muitas lembranças ficaram em minha mente, Lembro de outros momentos cruciais durante Ouvi aquilo com o corpo parado, gelado.
os locais de encontro variavam a cada dia. A pois aquelas quatro horas diárias eram essa fase de seleção. Um deles foi quando Aquelas palavras me paralisaram. Lembro
maioria desses espaços estava na região sempre uma mistura de felicidade por ter o tínhamos que fazer o debate de texto em que não consegui falar mais nada sobre o
central, oeste e sul da cidade de São Paulo. privilégio de vivenciar aquelas experiências conjunto. Eu fazia parte de um subgrupo com texto. Desejei sumir dali e eu me culpei por
Regiões distantes do bairro do Pimentas, com um incômodo constante por saber que eu cerca de 20 educadores. Entre eles, apenas não conseguir ser um deles ou por acreditar
lugar onde eu morava. Geralmente eu não era dali, que não me sentia parte daquele quatro pessoas eram negras. Estavam ali, que eu poderia ser um deles, por acreditar
acordava às 5h da manhã para conseguir grupo, e por saber que as minhas chances de todos se sentindo em um grande ringue, que eu poderia participar do mundo das
pegar o primeiro horário da lotação que ia seguir eram sempre menores que as dos todos sendo avaliados e um querendo artes. Eu respondi ao supervisor e disse que
em sentido à estação de trem de São Miguel demais. Eu tinha que fingir que eu estava tão demonstrar mais conhecimento que o outro. entendia o que ele me falou, mas que eu
Paulista. Chegava na estação por volta das bem quanto eles, afinal, os meus problemas Todos gritavam por cima da voz do outro e eu tinha um outro modo de me relacionar com o
6h. Pegava o trem sentido Brás por volta das pessoais não poderiam se misturar com o olhava atenta. Nenhum dos educadores mundo: eu precisava escutar e ser escutada.
6h15. Por ser horário de pico, esse trajeto trabalho. Lembro de ter dividido por algumas negros conseguia falar. Levantei a minha Falei que, para mim, uma conversa em grupo
demorava cerca de uma hora e o trem estava vezes as minhas inquietações com algumas mão como símbolo de pedido de fala. Fiquei era como uma roda de capoeira onde eu
sempre lotado. A cada parada e abertura de das “amizades” realizadas ali e que depois cerca de 20 minutos com a mão levantada e sinalizo sempre que desejo entrar na roda e
porta, espremíamos os nossos corpos para me falaram que eu era muito negativa e ninguém sinalizou o espaço de fala. Essa é quem está no centro da roda precisa estar
ver se cabia sempre mais um. Chegando no reclamava demais da vida. Ou seja, era uma das situações que se repetiram muitas atento para dar espaço para eu entrar e, ao
Brás, o alívio de sair daquele vagão só melhor eu guardar os meus problemas para vezes em minha vida, não apenas naquela mesmo tempo, deve deixar o centro da roda.
durava o caminho até a baldeação do metrô. mim mesma e não estragar a boa “vibe” da ocasião. A negação do direito de falar Mas se a pessoa que está no centro da roda
Novamente espremíamos mais um pouco até vida dos meus colegas de trabalho. A costuma ser chamada de racismo velado, não me dá espaço, eu continuarei ali
eu chegar na estação Sé. Depois disso, estrutura racista sobre a qual as instituições mas acredito que não tem nada velado sinalizando para ela que quero entrar, que eu
geralmente, havia mais uma baldeação, um mantêm os seus educativos faz com que quando se define quem pode ou não falar e também quero brincar.
ônibus ou uma caminhada até chegar ao corpos negros internalizem essas angústias ser ouvido em um debate.
local de encontro. caso queiram ter a possibilidade de fazer Ele não entendeu a minha fala naquele
parte dessas equipes. Naquele dia eu insisti e continuei ali com a momento e pediu para que o grupo
Recordo-me que a pontualidade era um mão levantada. Até que finalmente uma continuasse com a conversa. Eu me senti
critério de seleção e eu sempre tentava fazer Mas nem tudo era apenas algo interno educadora que estava ao meu lado gritou e humilhada e descapacitada enquanto ser
esse trajeto o mais rápido possível para comigo mesma. Quando não se pensa em falou: “gente, a Luciara está com a mão humano, mas resisti. Fiquei ali sentada
conseguir chegar antes das 8h. Já chegava uma educação antirracista na base, haverá a levantada há um tempo, acho que ela quer segurando as lágrimas. Meus olhos
cansada e ofegante dessas três horas de convivência diária com ações e práticas falar”. Eu olhei para ela e agradeci. Em demonstravam o meu desejo de chorar, meu
viagem. Mas, geralmente, eu encontrava ali racistas que são imperceptíveis para os que seguida, antes de eu começar a falar, o coração palpitava e minha garganta secava.
os meus colegas de trabalho sentados na não sentem, mas para os que sentem tais supervisor do grupo começou a fazer o seu No final do debate corri para o banheiro e
grama comendo suas frutas secas. E eu tinha violências, elas nunca foram veladas, elas sermão e disse: “precisamos lembrar que chorei ali sozinha, sozinha na minha solidão.
que fingir que eu estava tão bem e relaxada agridem, e sabem a quem devem agredir. estamos em um processo formativo para que
quanto eles, pois sabia que era assim que vocês se tornem educadores. Durante uma Voltei para a segunda parte das atividades
funcionava a competição. Lembro de um dia visita vocês precisam saber se colocar, do dia. Fiquei calada. Durante a fala de
em que a lotação quebrou no meio do precisam conseguir seus próprios lugares no encerramento do dia, o meu supervisor voltou
caminho e eu tive um atraso de quase uma grupo. Não podem depender que alguém ao tema. Disse que pensou no que eu tinha
hora. Fui conversar com o meu supervisor da diga que vocês precisam falar. Se alguém falado sobre uma conversa ser uma roda de
época e ele me disse que eu poderia sair não consegue impor a sua voz aqui no grupo, capoeira e que concordava comigo. Pediu
mais cedo de casa para garantir esses como conseguirá em uma visita com 20 desculpas e disse que aprendeu algo com
possíveis incidentes. Lembro como hoje do crianças?” aquele dia e com a minha fala. Apesar de tal
nó na minha garganta e do desejo de chorar demonstração de reconhecimento, aquilo
ao ouvir aquilo. Segurei firme e só pedi não desfazia a ferida aberta em mim, aquilo
desculpas pelo atraso. Mas, na minha cabeça, não desfazia a violência sentida pelo corpo.
eu me perguntava: como eu poderia sair mais Em geral, o pedido de desculpas alivia de
cedo de casa? Eu pegava o primeiro horário imediato a dor de quem ofendeu, mas não de
da lotação, isso já não era o suficiente? quem foi ofendido. A dor que um corpo negro
sente nessas situações afeta toda a sua
integridade humana, psicológica e sensível.

16 17
Lembro que nos dias seguintes eu observava Para finalizar os meus relatos dessa Meses depois, já durante a exposição, este A partir de então, a minha experiência em
o grupo para verificar se aquele ocorrido experiência, lembro que no último dia desse mesmo supervisor me chamou para uma arte-educação tem sido pensar um mundo em
realmente tinha provocado algo. Acho que processo de avaliação o mesmo supervisor conversa onde falou que acompanhou uma que eu posso caber, em que muitos como eu
deve ter durado apenas alguns dias de convocou cada um dos educadores para uma visita minha de longe e que ficou possam caber. Pensar a descolonização da
reflexão (ou culpa), mas logo voltaram a ser conversa individual em que ele daria um impressionado com o envolvimento do grupo. arte-educação nos museus e instituições
como antes e o lugar de escuta era apenas feedback. Lembro que durante a conversa ele Disse que via ao meu redor outros educadores culturais não é uma opção, é uma urgência.
uma teoria bonita. disse que não tinha certeza se eu poderia gritando para conseguir a atenção dos seus Quantos corpos mais terão que ser marcados
seguir para o trabalho na exposição. Segundo grupos, mas que olhava e me via falando e sangrados por essas violências? Quantos
Outro momento dessa formação que ficou ele, eu demonstrava pouca confiança na baixo e de maneira cativante, o que fazia o mais? Quantos anos mais? Enfim, não há
marcado em mim foi em uma visita ao minha postura, pois eu não encarava as grupo se aproximar e se concentrar para me resposta para essas perguntas, mas sempre
educativo de outra instituição cultural, onde pessoas nos olhos, o que demonstrava uma ouvir. Agradeceu por eu ter lhe ensinado que há a possibilidade de reflexão.
o educador responsável pela atividade postura de dúvida, incerteza e não precisamos gritar para sermos ouvidos,
sempre se referia aos adolescentes de grupos descredibilidade. E que além disso eu falava que não somos sempre o centro das atenções
de periferia e de escola pública, ou aqueles baixo demais, que não tinha muita força na e que precisamos de novas formas de se fazer
que “deram problema”, como os “neguinhos”. projeção da minha voz para conseguir a arte-educação.
Lembro exatamente de uma frase em que ele atenção de um grupo de 20 pessoas durante
dizia: “É foda, porque a gente tenta deixar a 1h30 de visita. Aquela conversa foi finalizada Essa experiência ocorreu em 2010, porém,
molecada livre, mas daí vem neguinho aqui e com ele comentando que ainda não tinha marcou a minha vida e a minha carreira
acha que pode fazer o que quiser”. tomado uma decisão, mas que preferia me profissional. Eu sempre me pergunto: e se
dizer aquilo para que eu melhorasse. naquele ano tivessem sido debatidas
Após essa visita, houve um momento de relações étnico-raciais junto à formação
conversa no grupo para comentá-la. Eu Lembro que naquele dia fui para casa daqueles estagiários? E se houvesse mais
decidi expor o meu incômodo. Expliquei o arrasada, sentindo-me um fracasso humano. supervisores negros naquela equipe, pois me
quanto aquilo me atingiu enquanto pessoa Na minha cabeça, eu só pensava que eu lembro que entre os cerca de 15 profissionais
negra periférica, pois eu sou um daqueles não queira voltar para o trabalho no atuando nessa função, eu reconhecia como
“neguinhos”. Entretanto, por unanimidade, telemarketing. Toda a minha aposta para negro apenas um deles? E se aquela
todos reprovaram a minha fala e comentaram entrar em um mundo que não me queria instituição entendesse que não se faz
que eu estava exagerando, pois aquela parecia ter ido por água abaixo. Aqueles educação com competição? E se entendessem
palavra era apenas um modo de expressão. dois meses de processo seletivo foram dias que pagar 400 reais por mês para um estágio
em que me alimentei mal, tive, inclusive, fazia com que pessoas como eu tivessem que
Em outro momento, quando visitamos o que pedir dinheiro emprestado para poder colocar a vida e a saúde em risco para poder
Museu Afro Brasil, durante a conversa em fazer uma refeição justa pelo menos uma conseguir participar de tal experiência?
grupo a maioria das pessoas colocou aquele vez por dia. E se os meus colegas de grupos tivessem
como o museu que elas menos gostaram, pois consciência dos seus privilégios? E se os
o consideravam racista por falar apenas de Passei uma semana de inquietação, meus colegas de grupo soubessem que a
pessoas negras e pelo fato da sua equipe angústia, desespero, ansiedade, medo. Não linguagem utilizada por eles não é apenas
educativa da época ser formada por maioria conseguia parar de pensar em como eu iria uma forma de expressar ideias, mas também
de educadores negros. Aquela tinha sido a pagar as minhas contas, como iria comer, de manter ideologias de exclusão? E se o
minha visita favorita, pela primeira vez eu como seguiria vivendo. Depois de uma bairro dos Pimentas tivesse transporte
senti que haveria possibilidade de eu fazer semana de desespero, o supervisor me ligou público de qualidade e que facilitasse o
parte do mundo da arte. Foi o museu em que e falou que depois de pensar muito decidiu acesso a bens culturais? E se existissem Nota
eu me senti representada e que os meus me aprovar. Disse que tinha tomado tal museus e instituições culturais no bairro dos 1 Tal trabalho foi resultado da residência artística realizada
colegas diziam não gostar. decisão porque o meu exemplo da capoeira o Pimentas, ou na Zona Leste e na Zona Norte no ano de 2018 no Instituto Tomie Ohtake. Atualmente a obra
faz parte do acervo do quilombo urbano Aparelha Luzia.
tinha feito repensar a sua própria atuação de São Paulo, na mesma proporção que na A frase que compõe a obra foi retirada de uma conversa com
enquanto educador. Zona Oeste e Zona Sul dessa cidade? o artista Rafael RG.

18 19
Além da subjetividade preta em relação à
observação sobre os locais de convivência,
existem as ações racistas às quais os corpos
pretos são expostos a todo momento. Uma
vez (e na mesma exposição sobre arte
afrodiaspórica) uma mulher branca que
visitava a mostra me silenciou, sem nenhum
constrangimento, enquanto eu mediava
uma obra da exposição com dois jovens
DA OBSERVAÇÃO À AÇÃO: pretos. Mesmo meu corpo vestindo uma
A SUBJETIVIDADE PRETA COMO Aliás, o “eu preciso dar conta deste
camiseta com identificação da instituição e
do setor em que eu atuo, a mulher foi até
PRÁTICA EDUCATIVA conteúdo” é sintomático. Durante uma mim, colocou a mão no meu braço sem
exposição em que 90% dos artistas presentes permissão e disse de modo ríspido: “você
eram pretos, eu ouvi com muita naturalidade está falando alto demais e está atrapalhando
JORDANA BRAZ o público.” E com o olhar irônico encerrou a
de uma pessoa, que também atuou na
Educadora do Instituto Tomie Ohtake frase com desdém: “se a própria moça da
mesma função que eu, a seguinte frase: “eu
não sei dar visita nesta exposição!”. Na exposição está falando desse jeito...” E saiu
hora, eu fiquei pensativa sobre o lugar de como se nada tivesse acontecido. O meu tom
fala e suas associações com as artes. de voz é baixo e suave, não sou uma pessoa
“Jô é o apelido da minha babá!” O questionamento não é sobre posição Quando a exposição é sobre arte europeia e que fala alto. Às vezes eu penso que o
dentro de uma instituição cultural, pois eu repleta de artistas europeus e brancos, incômodo da mulher foi a gargalhada que
Uma vez eu ouvi isso de um garoto que sou qualificada e possuo repertório pessoal todos sabem falar com propriedade, um dos jovens deu dentro da sala, mas,
estava em um grupo escolar durante o e acadêmico que me possibilita conversar inclusive eu. Quando a exposição é sobre convenhamos, uma gargalhada é violenta?
acolhimento para uma visita mediada. Eu com diversos públicos que visitam as artistas afrodiaspóricos ou africanos, as Eu creio que não. Talvez a presença de uma
confesso que, em mim, soou de duas exposições. Porém, eu sempre me questiono temáticas raciais acabam surgindo como profissional e dois jovens pretos numa sala
maneiras. A primeira como “ah, isso pode se a minha aparência será colocada à prova uma questão difícil, e a frase “eu não sei dar de exposição com arte afrodiaspórica
indicar que o garoto terá afeição por mim ao quando eu estiver com tranças no cabelo ou visita nesta exposição” pode ser dita com incomode. Ou talvez a gargalhada feliz de
longo da visita e do ateliê”, o que seria com meu cabelo com volume colorido. Às tranquilidade porque será acolhida com uma pessoa preta incomode. Nós estávamos
positivo, pois as atividades no ateliê vezes, eu penso se minhas roupas com cores “tudo bem”, deixando os aspectos estéticos ali como ela, não estávamos subalternizados.
causam euforia em grupos escolares, e vibrantes e estampados serão condizentes da obra em segundo plano. Afinal, artes O racismo desta mulher me causou tristeza
favoreceria a atenção para a atividade. A com a estética minimalista que boa parte africanas e afrodiaspóricas são recortes e medo de que situações semelhantes
segunda maneira foi “será que a babá das pessoas que visitam as exposições específicos e não tratados como temas acontecessem, então eu escrevi para os
também é uma mulher preta como eu?”, e vestem. Quase sempre eu penso: “será que comuns nas artes. Quantas vezes eu senti responsáveis do setor educativo. A resposta
esta pergunta está em mim até hoje, pois me se eu estiver de tranças em uma visita VIP insegurança em dar visita em alguma foi atenciosa e preocupada com o meu bem-
questiona sobre o meu papel como arte alguém irá reclamar?”. Fora isso tudo, exposição e tive que engolir seco porque estar e das outras pessoas pretas que
educadora em uma instituição cultural. internamente, eu me cobro em todo início de tenho a certeza que meu sentimento não trabalham na instituição e visitantes.
estudos para exposições com pensamentos seria compreendido? Desde a época escolar, Porém, essa acolhida evidenciou que havia
de “eu preciso dar conta deste conteúdo!”. ser uma pessoa preta é ter contato com um poucas pessoas pretas em setores onde o
conteúdo teórico que não te contempla; grau de escolaridade era mais alto. No setor
muitas vezes, quando mencionados ainda educativo eu era a única preta até aquele
somos os selvagens, o “outro”, aqueles cujas momento. A partir daí, a instituição passou
subjetividades não foram levadas em a rever suas práticas e procura adotar uma
consideração por décadas. postura antirracista em sua estrutura.
20 21
A partir dessas reflexões sobre a
subjetividade de uma profissional preta e
minha experiência prática enquanto
profissional de educativo, eu percebo que o
corpo preto, enquanto uma pessoa não
branca, é um corpo educativo, pois quando
uma pessoa preta assume um lugar que
historicamente lhe foi negado (por falta de
acesso à informação e formação
qualificada), o olhar naturalizado se rompe.
O surgimento da primeira fissura é um
caminho sem volta e depende muito da
subjetividade de quem percebe a mudança
de perspectiva: uns se abrem para uma
revisão sobre suas práticas racistas
naturalizadas, outros agem com truculência Ser uma mulher preta em uma instituição
por não aceitarem tais mudanças. cultural é um desafio constante, é um
ensinamento constante para os outros e
SER UMA MULHER PRETA EM UMA para nós mesmos. Eu percebi a força da
união entre pessoas negras, não é à toa que
INSTITUIÇÃO CULTURAL É UM a entrada de outra pessoa preta para o setor
DESAFIO CONSTANTE, É UM educativo potencializou os debates étnico-
raciais na instituição. E eu notei também
ENSINAMENTO CONSTANTE PARA que só o fato de estar ao lado de outro preto
OS OUTROS E PARA NÓS MESMOS. é motivo para olhares dos colegas de
trabalho e ouvir comentários aparentemente
A percepção do meu corpo preto atuando em inocentes como “o que vocês estão
uma instituição cultural se baseou nas aprontando?”. O corpo preto é um corpo
minhas experiências pessoais, mas também educativo e por isso um corpo cansado. Os
foi motivada por duas obras de arte que corpos pretos juntos não existem com leveza
ressignificaram a imagem submissa e dócil e são observados o tempo inteiro. Os corpos
das mulheres pretas como mulheres pretos juntos são um motim, não podem
autossuficientes e livres. Tais obras afro- estar juntos por afetos e diálogos. Pessoas
estadunidenses são A liberação da Tia pretas juntas são um quilombo... será que
Jemima, de Betye Saar (1926), e Quem tem por isso existem poucos pretos em
medo de Tia Jemima, de Faith Ringgold instituições que carregam em si uma
(1930), que trouxeram a representação da estrutura europeia? Eu tenho a minha
personagem Aunt Jemima (muito próxima certeza, eu espero que questionamentos
do que é a Tia Anastácia para a cultura assim sejam práticas constantes, assim
brasileira) de forma empoderada e como o apoio por parte das instituições,
autossuficiente. De certo modo, a independentemente de sua natureza, para o
ressignificação da Tia Jemima representa profissional preto. A sociedade ainda não
todas as pessoas pretas que ascendem percebeu que a inclusão da população preta
socialmente e ocupam lugares de poder. e de origem pobre em áreas de destaque é
Quando uma pessoa racista vê um corpo reparação histórica.
preto empoderado pela educação escolar e
acadêmica, em lugares que legitimam sua
fala, ela se enfurece e necessita colocar esse
corpo à prova a todo momento. É uma fúria
que ocorre de forma explícita ou velada.

22 23
O ESTAR E O NÃO ESTAR
NAS INSTITUIÇÕES CULTURAIS
ANA PAULA LOPES
Curadora, crítica, educadora e pesquisadora em História da Arte

Ao poeta que nos nega No dia 24 de novembro de 2018 ocorreu o O fato é que de quatro anos para cá os
encontro “O corpo negro na prática educativa debates de questões étnicas e raciais
Enquanto a inquisição de museus e instituições” no Instituto Tomie tomaram conta das instituições culturais,
Interroga Ohtake, do qual fiz parte. O convite partiu bienais e galerias nacionais e internacionais,
a minha existência das educadoras Jordana Braz e Luciara e com isso artistas negros e artistas que
e nega o negrume Ribeiro, profissionais com as quais tive o tratam do tema ganharam cada vez mais
do meu corpo-letra privilégio de trabalhar em um projeto, e espaço. Já os agentes da arte, como
travamos discussões importantes sobre este educadores e curadores negros, obtiveram
na semântica corpo negro atuante nas instituições, seja no poucas entradas e voz no campo da arte.
da minha escrita, campo da curadoria, educativo, produção, Apesar de tais aberturas, ainda somos o
prossigo. montagem e comunicação, mas que ainda corpo mais “barato” e delicado. Ainda mais
“nega, o negrume do meu corpo-letra”1. falando da área do educativo, pois sabemos
Assunto não mais que quando as instituições passam por
E destas reflexões e indagações se instaurou qualquer tipo de problema financeiro, o
o assunto a mesa que, aliás, foi de grande relevância educativo é o primeiro a ser desestruturado
dessas vagas e dissentidas em tempos onde questões étnicas e raciais ou desmantelado.
falas. estão sendo debatidas ferozmente nas
instituições, mesmo que ainda sejamos o E mesmo examinando a pequena entrada
corpo mais frágil. Contudo, mesmo a fala se desse “corpo negro” nos mais variados
Prossigo e persigo
fazendo presente em muitos debates entre campos das artes, ainda somos uma pequena
outras falas, amigos e textos, o medo bateu! E me indaguei: parcela. Entretanto, somos a maioria quando
aquelas ainda úmidas, o que vou dizer? se trata de cargos que compõem a base da
vozes afogadas, pirâmide trabalhista de uma instituição
da viagem negreira. Fui convidada a discursar de forma sucinta cultural, como a segurança e a limpeza. Já
sobre a minha trajetória no campo da arte, quando se trata do topo da pirâmide somos
passando pelas galerias até a minha sempre a minoria.
Conceição Evaristo, Inquisição chegada na coordenação do educativo das
mostras “Mãe Preta” e “Bestiário Nordestino” Indago-me sobre o porquê de não temos
na FUNARTE-SP2. Entretanto, a minha fala foi negros atuando em grandes cargos de
para além disso. instituições culturais. Se fizermos uma
simples pesquisa no Google sobre
Ao entramos em debate sobre “a carne mais instituições culturais no país, examinaremos
barata do mercado”3, não faltam inquietações que as diretorias das mesmas são,
e reflexões! E a verdade é que estamos geralmente, formadas por “corpos brancos” e
falando de um corpo atuante no campo da nós, “corpos negros”, estamos atuando em
arte que ainda, como em outras áreas, briga cargos de base. Isso surpreende mais ainda
por seu espaço e reconhecimento. quando pensamos que estamos falando do
Brasil, onde mais da metade da população é
negra ou indígena.
24 25
Agora pergunto: quantos negros e negras Nestes levantamentos que tenho realizado é Dentro desse debate, um outro problema que Acredito no valor da união para nosso
estão à frente de um setor de curadoria importante também mencionar os debates, vejo é a essencialização das pessoas negras fortalecimento e a propagação da nossa
dessas instituições? Vejam, por exemplo, em termos de Brasil, no campo expositivo em relação aos seus interesses de estudo. Se criação. Só assim poderemos ampliar
agora já temos o nome do próximo curador da sobre os corpos negros na arte, assim como a todos podem estudar qualquer coisa, por que oportunidades no campo das artes e parar
34ª Bienal de São Paulo4, que será o curador problematização em torno dos acervos das vocês (pessoas brancas) indagam uma com a “política do amiguinho”, que é o que
independente de origem italiana Jacopo instituições culturais, e os debates e temas pessoa negra quando ela não opta por prevalece hoje no campo das artes. Espero
Crivelli Visconti. Ou seja, mais uma vez de suas exposições. Um exemplo para estudar teoricamente questões raciais? Por que olhem para as pessoas negras e que
teremos um homem branco e hétero à frente refletirmos foi o caso das exposições: que é subentendido que nós, pessoas negras, realmente as mirem como alvo para
de uma Bienal de São Paulo. “Histórias Afro-Atlânticas”, no Museu de Arte temos sempre que falar sobre racismo? Por realizarem práticas críticas, tanto de
de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) e que pedem sempre para nós referências de linguagem quanto curatoriais. Só assim
E, meu Deus, quando teremos uma pessoa no Instituto Tomie Ohtake; “Ocupação Ilê artistas negros? Como disse, somos livres teremos boas indagações e inquietações de
negra ou indígena como curador-chefe da Aiyê”, no Itaú Cultural; “Rubem Valentim – para pesquisar sobre o azul5, o vermelho ou artistas e curadores que percebam que as
Bienal de São Paulo? Que, aliás, é Construção e Fé”, Caixa Cultural São Paulo; sobre a Arte Povera. Posso estudar o que eu pesquisas étnicas, raciais e sexuais não são
considerada a segunda bienal mais e também “Rosana Paulino: a costura da quiser, como qualquer indivíduo humano. práticas temáticas de uma exposição anual
importante do mundo. Questiono-me se será memória”, na Pinacoteca de São Paulo. Além Então parem de nos perguntar se estudamos ou uma pilhagem de obras de pessoas
necessário que nós, curadoras e curadores dessas instituições terem trabalhado com apenas questões negras nas artes, ok? E racializadas, mas dilatações e
negros, tenhamos que ir a outros países para tais questões, trouxeram para o seu time também não nos questionem quando nossos problematização do espaço das instituições
sermos reconhecidos. E que provavelmente artistas e produtores negros. Apesar disso, interesses de pesquisa forem para além do culturais perante a sociedade que vivemos.
tenha que ser em algum país na Europa ou questiono: quantas pessoas à frente da racial!
América do Norte. direção/coordenação de pesquisa, curadoria Os trabalhos de Antônio Obá
e educativo dessas exposições foram pessoas É bom lembrarmos que não é de hoje que a Trago a relação dos trabalhos do artista
O mesmo questionamento vale quando se negras? Não quero com essa pergunta nossa história é escrita pelos vencedores e Antônio Obá em diálogo com o texto, pois
trata de profissionais na diretoria/ menosprezar ou desqualificar o trabalho formulada, em sua maioria, por pessoas uma das questões travadas na dissertação é
coordenação à frente das galerias de arte ou daqueles que atuaram nelas, toda pesquisa brancas. Assim, indago: por que a nossa a presença e não presença desses corpos
educativos. Por que ainda nós, negros, somos é de tamanha importância, mas, por que o história foi escrita por nós? Ou pelos que negros nas instituições. Eles marcam como
a minoria em tais cargos? Será porque não delinear que define a exposição ainda é estão à margem na história? Já no ponto da em um santo sudário, mas de forma sutil, com
temos profissionais negros qualificados para liderado, em sua maioria, por pessoas linearidade histórica, também saliento que a uma violência incisiva, como permeia a obra
tais ocupações? É óbvio que não! brancas? história não é feita de começo, meio e fim, “Mártir” (2016) de Obá, além da brutalidade
mas é de lacunas que de tempos em tempos que esses corpos sofrem e acabam indo para
O ponto-chave dessas indagações é que Vejam, acredito que o estudo é livre e que são escovadas a contrapelo. o “sacrifício”, da forma mais expandida que
vivemos em um país racista e heteronormativo todos e qualquer um podem pesquisar o que se pode ter dessa palavra, sendo como
e, pior, com um racismo velado em que o quiserem. E não tenho nada contra “pessoas Bom, todas essas questões permearam cordeiros. Assim, se cruza com a menção que
colonialismo e a “república do café com brancas” estudarem sobre nós (pessoas minha cabeça e minha fala naquele encontro! faço da música “A carne” e que Antônio Obá
leite” continuam prevalecendo. Pois não é negras), afinal, são eles que precisam E como disse naquele dia, a trajetória de denomina no seu trabalho de “Agnus Dei”
por acaso que somos o país que mais mata entender nossas histórias, perceber como a pessoas negras nas artes não é fácil, pois (2017).
negros, indígenas e homossexuais. escravidão afetou e continua nos afetando, nós, negros, latinos, mulheres, homossexuais
Lembremos do caso de Marielle Franco, que ver que o racismo não é piada e muito menos e indígenas, vivemos na política da falta.
segue sem nenhuma resolução e acredito “mimimi”! O que cobro é que os debates e Sempre parece que nos falta algo para
que provavelmente nunca terá. investigações sejam embasados não apenas ocupar cargos de valorização nos campos
Indígenas morrem todos os dias de modo pelo conhecimento de pessoas brancas. das artes: línguas, cursos, pós-graduação,
velado... Mais uma barragem rompida da viajar etc. Pergunto-me: e depois de tudo isso, Notas
Vale. Foi apenas imprudência de alguém? o que mais faltará? O que faltará para nós 1 Poema de Conceição Evaristo, Inquisição.
2 Tais exposições estiveram em cartaz no ano de 2018, na
Para mim, é óbvio que não. É claro que que estamos à margem para ocuparmos os FUNARTE/SP.
sabiam e que fizeram isso para matar. lugares que merecemos? Saibamos que 3 Trecho da música “A Carne”, que foi composta por Seu
Vivemos numa grande faixa territorial e me quando uma pessoa negra sai da base da Jorge, Marcelo Yuca e Ulisses Cappelletti, e conhecida na
pergunto: agora, neste exato momento, pirâmide, provavelmente a sua trajetória não voz de Elza Soares.
4 A 34ª Bienal de São Paulo ocorrerá no ano de 2020.
quantos casos como esse estão ocorrendo em foi fácil, mas a duras penas, pois geralmente 5 Quando cito o estudo do Azul faço menção à pesquisa
regiões como Acre, Amazonas e outros não é só por uma questão de competência. sobre o azul da artista Juliana dos Santos.
estados distantes do eixo Rio-SP que não são
noticiados?

26 27
ANTONIO OBÁ AGNUS DEI 2017 ANTONIO OBÁ MÁRTIR 2016
CARVÃO E NANQUIM SOBRE TELA 60X55CM MONOTIPIA SOBRE LONA DE ALGODÃO, CARVÃO EM PÓ 103X68CM
29
Dentro deste extenso campo de diálogos, a
arte ocupa expressivo lugar discursivo. Seu
aspecto representativo gerou incontáveis
debates no estudo cultural1 e seu recente
papel articulador dos debates socioculturais
CONSIDERAÇÕES SOBRE em iniciativas autônomas e institucionais
tem destinado a ela um frutífero espaço de
AUTOIDENTIFICAÇÃO, inquietações e reconsiderações. Atentas a
SABER-FAZER E REGISTRO isso, as educadoras Jordana Braz e Luciara
Ribeiro (Instituto Tomie Ohtake) convidaram
DE MEMÓRIA DA as educadoras e pesquisadoras Ana Paula
Lopes, Juba Duarte e a mim para pensarmos
NEGRITUDE BRASILEIRA no “Corpo negro na prática educativa de
museus e instituições culturais”2; indicado em
UILTON JÚNIOR seu texto de apresentação3 como um momento
destinado a (re)pensar as experiências
Educador e pesquisador de imagens
educativas e a ressignificação das narrativas
oficiais. Deixo aqui minha contribuição por
escrito.

QUE NEGRINHO BONITO


Dentre todos debates germinantes no Brasil, o
racial certamente ocupa o lugar mais quem usa branco é pai de santo
mitificado de todos, seja por seu caráter
secular ou por sua massificada presença. Ele amanhã tem festa, vai cortar o cabelo!
significa para o brasileiro o descaso mais pele bonita
estampado de ignorância e dissimulação; um você gosta de ter um bocão?
tipo de filho malcriado que é ocultado nos
momentos e decisões fundamentais, SEGUNDA MAIOR POPULAÇÃO NEGRA DO MUNDO5
ocasionalmente, assistindo à fresta. É bem
verdade que a <malcriação brasileira>1 se
expande às relações de gênero, classe e
Numa entrevista à Folha de São Paulo, em Isso porque para que haja uma necessidade
mobilidade, para citar as mais usuais, e de
2000, a ex-diplomata Dulce de Maria Pereira de localização é necessário um desarranjo
maneira alguma me coloco à disposição de
já mencionava uma desvalorização da externo, obrigando seus atingidos a lidar com
posicioná-las umas contra outras. Na
negritude sob a ótica de uma <identidade seus desdobramentos e, consequentemente, a
contramão da hierarquização das opressões,
mestiça> que o Brasil foi adquirindo ao longo refletir sobre eles. Com isso, se torna
pretendo chamar atenção a seus cruzamentos
do século XX. Num contexto de ”celebração” fundamentalmente ingênuo buscar
e manutenções coletivas. É perceptível o
ao quinhentismo brasileiro, Dulce nos compreender essa dinâmica de
quanto a lógica de intersecção modificou
lembrou que “todo negro, daquele menos reconhecimento do próprio corpo no tempo-
nossa maneira de construir raciocínios sobre
informado ao mais politizado, sabe que, como espaço como algo simples, sobretudo se as
esses temas; o que, para as/os pensadoras/es
coletivo humano, levou a pior na história”5. informações de tráfico, aculturação e
da raça, significou reanálises discursivas,
Consinto com ela, também, no que se refere autoritarismo religioso, direcionado aos
sobretudo quando a mesma figura racista da
às especificidades brasileiras para o enredo índios e negros escravizados na história do
colonização começa a se apresentar machista,
de localização temporal, geográfica e social. Brasil, ocuparem seus devidos lugares como
ecocida, execravelmente política e etnocida.
Localização negra, para ser mais específico. medulares.
Se considerarmos os séculos escravagistas
enquanto fundamentais para a construção da
<nação> brasileira, os debates sobre as
malcriações no Brasil cruzam nosso mito do
início do parágrafo.
30 31
Localizar, então, o território brasileiro como
um tipo de pivô político colonial destinado à
exploração e relacionar suas estratégias de
ocupação e funcionamento com as
metodologias racistas com as quais lidamos
até hoje, nos permite começar a descortinar o
que, decerto, seria o primeiro e mais frequente
acometimento da população negra: sua
própria identidade. É merecida uma seriação
das ramificações culturais, identitárias, NA AUSÊNCIA DE MEMÓRIA, QUALQUER RESPOSTA CABE
religiosas e expressivas que perpassam a amanhã é dia de branco! serviço de preto
trajetória da negritude no/do Brasil, NÃO SOU TUAS NEGAS
notadamente pelo envolvimento que elas
quando não está preso está armado?
possuem com as inquietações identitárias
presentes desde antes da abolição6. A questão barriga suja inveja branca
se torna mais complexa quando elencamos negro de alma branca
as diferenças regionais influentes destes de
marcadores sociais. O antropólogo Manuel negro branca
Diégues Jr. já propunha em 1952 uma leitura
identitária que fosse operada segundo uma
percepção regional da cultura, com A relativização dos processos aqui citados Existem momentos em que a negritude e a Se validarmos, então, a questão étnico-racial
contribuição ativa de seus habitantes, a aflui numa mediocridade social no que tange interpretação da negritude se chocam. Numa brasileira a partir da compreensão que a
saber: indígenas, negras/os e portugueses7. às questões de construções identitárias. ocorrência de possíveis sequelas irreparáveis, concede historicamente enquanto mutável e
Bem sabemos o quanto o raciocínio intelectual Quem falta compreender que as racializações o processo de autoidentificação encara seu complexa, deslocaremos a <identidade
da antropologia brasileira do século XX estão fundamentalmente associadas às protótipo, pronto, com roupa adequada, negra> de um lugar fixo e presumível a um
encontrou na democracia racial uma válvula políticas <formais e informais> de eleição dos profissão adequada e religião adequada. subjetivo e específico. Chegamos, assim, ao
de funcionamento que nos tensiona a corpos? O que o colorismo nos diz sobre a crucial neste debate. De qual modo é possível
perceber a abordagem da <contribuição> de complexidade racial no Brasil?8 Qual a razão O que parece nos restar é uma demanda romper com a ideia na qual as identidades
maneira amistosa e romântica. Todavia, de se estabelecer uma nomenclatura para os semelhante às ofertas de mercado, num sejam construídas a partir de uma lógica
interessa-nos aqui destacar sua tons de peles entre o negro e o branco quando funcionamento fast-food identitário. Um jogo homogênea? Qual sensibilidade é necessário
especificidade discursiva na concepção dos esses corpos cotidianamente são expostos às simbólico de representações das identidades alcançar para nos atermos às nuances
processos de formação da cultura e, logo, da mesmas concepções raciais baseadas na que gostaríamos de legitimar. De um lado, a decorrentes das identidades assumidas
identidade. Eleger, então, uma única inferiorização da negritude? Quais negritude como uma invenção branca; do coletivamente e das remetidas
possibilidade de performance da negritude é manutenções contribuem diretamente para a outro, a negritude essencialista; e no meio as individualmente? Esses apontamentos nunca
ignorar essas evidências. Isto acontece nos permanência da prática do racismo, negras/os. Nesse sentido, os indutos estiveram para além das/os brancas/os como
dois extremos; entre os que insistem em sobretudo em relação às/aos retintas/os? iluministas da racionalização do debate a está hoje. É necessário falarmos sobre nós a
manter um entendimento raso e confortável Essas questões convocam debates entendidos ponto de localizá-lo fora dos corpos partir da experiência de sermos quem somos;
acerca do que significa a negritude em nosso rotineiramente como externos aos processos permanecem palpáveis até hoje. A realidade e não somos todos iguais.
país e entre os que investem numa individuais, numa lógica de reconhecimento é cotidiana e pouco intelectual9. Mantemos
autoidentificação encontrada nas lacunas a partir do outro. Não é o que tento fazer aqui. um enorme vácuo entre o que somos e o que
históricas. queremos ser, como numa corrida infindável
atrás de si mesmos. Embora a <diferença>
seja crucial para a validação e legitimação
das identidades10, atenho-me à urgência de
ampliarmos nossas reflexões às
minuciosidades da trama. Os estudos sobre a
branquitude podem ser compreendidos,
nesse caso, como uma reconsideração
indispensável.
32 33
Alguns dos desdobramentos aqui comentados Desse modo, chegamos à problemática do <ser É inferível conceber a memória, portanto, 8.Para tal, verificar matéria sobre o aumento da
autodeclaração negra no Brasil. Disponível em https://g1.
funcionaram – e ainda funcionam – como negro> no produto moderno-masculino-hétero- como uma condição indispensável para globo.com/economia/noticia/populacao-que-se-declara-
disparadores de autenticidade e, mais branco-cristão-neoliberal que é o Brasil. Decerto pensarmos nas lógicas de configuração preta-cresce-149-no-brasil-em-4-anos-aponta-ibge.ghtml.
específico, da experiência negra. Uma o caso da Cia. Brasiliana11, iniciado em 1949, identitária nos grupos racializados durante e Acesso em 18 de janeiro de 2019.
espécie de <saber-fazer> direcionado à maior seja uma elucidação disto. A Brasiliana foi uma depois do processo colonial no Brasil. Refiro- 9.Em entrevista ao Programa Roda Viva, em 2017, o cientista
social Hélio Menezes afirma que a “feição pública do racismo
parte da população brasileira num raciocínio companhia de teatro-musical ramificada do me à memória ordinária presente no é bastante evidente”, mas que “seu âmbito privado é
que reconhece identidades fechadas, tanto no Teatro Experimental do Negro que participou do movimento da negritude na – ou da, é difícil bastante profundo”, com intento de se referir ao “racismo
processo individual como no coletivo. Isso movimento mais amplo do século XX em dar definir – sociedade brasileira. É necessário dissimulado” presente nos diálogos, internet, nos olhares e
nos pequenos comentários e escolhas. Disponível em https://
justifica nossa necessidade de adjetivar os corpo, forma, voz e cor a essa identidade ultrapassarmos a percepção genérica, que, www.youtube.com/watch?v=8Zcv7ghxTfE&t=9s. Acesso em
caráteres, situações, escolhas, religião e cultural em constante tensão direcionada à embora importante, não funcionará 20 de janeiro de 2019.
estilo musical com símbolos determinantes: população negra. O grupo era composto por qualitativamente enquanto os registros forem 10.FERNANDES, Viviane Barboza; SOUZA, Maria Cecília
afro, negra, negro, preto, negrume etc. Parece- atrizes e atores que, antes de integrarem a Cia., triunfais e capitulares. A/O negra/o brasileiro Cortez Christiano de. Identidade negra entre exclusão e
liberdade. Rev. Estud. Bras. [online], N. 63, pp. 103-120, USP.
nos que apenas desse modo a prática e exerciam diferentes profissões e, por isso, foram emerge da necessidade que ultrapassa o São Paulo, 2016.
identificação são suportáveis à consciência convidadas/os a participar, já que era intuito do conhecimento sobre a África e sobre os 11.A Cia. Brasiliana ainda ocupa um lugar bastante
brasileira, em suas tendenciosas projeto ser executado por <pessoas negras>, sequestros coloniais. Não somos mais os desconhecido na memória brasileira. Como um dos
precursores desse resgate, Itamar Dantas pesquisa o começo,
classificações. Ocorre-me, entretanto, que ao com experiências negras12. Um tipo de mesmos transeuntes escravizados, mas desenvolvimento e processo de preservação da coleção
ignoramos etapas dessa maneira, pois não há organização comum à época, onde a atenção somos por causa deles. Mas também somos herdada dos anos de atividade da companhia. Disponível em
como nos ocuparmos de uma racionalização era voltada à compreensão cotidiana e as dissidências das Guerras de Guararapes, http://albumitaucultural.org.br/secoes/ a-historia-esquecida-
das identidades quando elas ainda não forem encorpada do que seriam essas identidades. dos Quilombos, do Bandoleirismo, dos Malês, de-jose-prates/. Acesso em 25 de janeiro de 2019.
12.Segundo LIMA, Nelson. Dança Afro e Brasilidade no Rio de
palpáveis aos indivíduos relacionados a ela, Naquele mesmo momento, Gilberto Freyre e da Capoeira, da Imprensa Negra Paulista, do Janeiro. São Paulo: Multifoco, 2012, APUD DANTAS, Itamar. A
tornamo-nos seguimento da perspicácia sua escola da antropologia brasileira já Teatro Popular do Negro, da Frente Negra história esquecida de José Prates. Disponível em http://
colonial em defender posições sociais, encontravam fundamento metodológico para Brasileira, da Marcha Zumbi, da Lei Caó de albumitaucultural.org.br/secoes/a-historia-esquecida -de-
jose-prates/. Acesso em 25 de janeiro de 2019. “Os primeiros
culturais, religiosas e políticas como comentar sobre as etnias/raças/culturas do que 89, do Sistema de Cotas, da Lei 10.639/03, do bailarinos e músicos do Teatro Folclórico Brasileiro foram
elementares num processamento de ele chamará de <trópicos>13, onde busca dia 20 de novembro e até do Black is beautiful. recrutados por Haroldo Costa nas escolas de samba, nos
exploração e funcionalidade; e não por seus compreender quais características Não enquanto eventos isolados e marcantes, terreiros de macumba, nos cabarés, nos morros e nos bairros
motivos óbvios de reconhecimento próprio, fundamentam uma identidade nacional, a mas antes como um desdobramento de populares da cidade.”
13.Para consultas mais endossadas sobre o conceito de
experiência coletiva e afetuosa. partir de pressupostos geográficos e relacionais. continuidade entre eles, entre os que Tropicologia freyreana, verificar FREYRE, Gilberto. Novo
acontecem até hoje. Mundo nos Trópicos. Rio de Janeiro: TOPBOOKS Editora, 2000.
O que destaco, todavia, são as
Obs: Os sinais gráficos < e > foram utilizados como modo de
desterritorializações simbólicas mantidas Notas
sinalização que serve para destacar as palavras que, neste
sob este aspecto mais amplo. Como a 1.Destaco, pelo extensivo esforço de catalogação e
texto, possuem significado estrutural para os argumentos
designações temáticas da representação dxs negrxs nas
negritude brasileira está relacionada a artes, os X volumes do The Image of the back in Western Art e
apresentados.
muitos outros fatores excedentes à o volume The image of the black in African and Asian Art de
simplificação da cor da pele, nossos John e Dominique de Menil, disponíveis em http://www.
mecanismos serão insuficientes se lidarmos imageoftheblack.com. Acesso em 22 de janeiro de 2019.
2.Encontro ocorrido no dia 24 de novembro de 2018 no Instituto
com os marcadores sociais para além do Tomie Ohtake.
fenótipo, por exemplo. Ela está associada ao 3.Disponível em https://www.institutotomieohtake.org.br/
<saber-fazer> de cada indivíduo que, quando programacao/interna/ao-corpo-negro-na-praitica-educativa-
de-museus-e-instituiasames-culturaisa. Acesso em 22 de
realocado de modo a considerar a realidade janeiro de 2019.
histórica brasileira, poderá variar de acordo 4.Disponível em https://www.camara.leg.br/sileg/
com sua região, religião, conhecimento sobre integras/356294.pdf. Acesso em 15 de janeiro de 2019.
5
PEREIRA, Dulce Maria. Mais de 66 milhões em desvantagem.
negritude, classe social, mobilidade, gênero e
Folha de São Paulo, São Paulo, 22 fev. 2000, Caderno
orientação sexual. O modo como a <nação> Ilustrado.
brasileira foi sendo construída destinou à 6.Destaco como momento exemplar a Revolta dos Malês,
afrodescendência feitios complexos de ocorrida em Salvador na virada do dia 24 para 25 de janeiro
de 1835. Por ter sido organizada majoritariamente por negros
autoidentificação, relação e posicionamento. muçulmanos, a revolta causou imbricações entre religião e
Tensionar essa construção aos fatores identidade étnica. Para tal, verificar REIS, João José. Rebelião
históricos é compreender a/o negra/o como escrava no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
elaboração, por conseguinte, também 7.DIÉGUES, Manuel. Etnias e Culturas no Brasil, São Paulo:
Círculo do Livro, 1975. Para discussão sobre percepções
histórica. regionais da cultura ver capítulo A ocupação humana e a
formação de regiões culturais, pp. 37-50.

34 35
Não longe deste cenário estamos nós, Dentre os relatos que ouvimos e
trabalhadorxs negrxs da cultura e educação, compartilhamos em uma rede informal de
que também buscamos entender e identificar educadorxs de museus, alguns deles
nossos papéis, modos de atuação e inserção noticiados por alguns veículos de informação,
enquanto profissionais e sobretudo como o caso de racismo sofrido por um dos
indivíduos. E enquanto nos compreendemos educadorxs do Museu de Arte do Rio (MAR)
neste espaço também investigamos como ele ocorrido em setembro de 2018, verificamos
nos compreende e enxerga. que em nossas trajetórias público e
instituição, ora de modo velado, ora
E este é um dos lugares de opressão em que a abertamente, cometem práticas racistas e
população negra mais sofre processos de racializantes.
silenciamento, apagamento e não
pertencimento. É neste ambiente de crítica e Ao observar o baixo número de funcionárixs
REFLEXÕES DE UMA EDUCADORA contemplação estética que o racismo negrxs desempenhando protagonismo nos
estrutural e as mazelas da desigualdade setores de criação e gestão, verificamos o
NEGRA PERIFÉRICA BISSEXUAL brasileira se fazem evidentes. Ao frequentar racismo institucional atuando. Ao se atentar
aberturas de exposições, galerias de arte e para os olhares, verificações quanto à
JUBA DUARTE instituições culturais percebe-se a pouca ou informação ou mesmo ofensas raciais
nenhuma presença do corpo negro nesses proferidas gratuitamente a profissionais da
Educador e pesquisador de imagens
contextos. educação em visitas mediadas, vemos como
os corpos negros trazem questões para um
Parece contraditório, ao pensar que museus e público não acostumado a conviver, enxergar
ONDE ESTÃO XS NEGRXS¹? As políticas públicas de inserção de jovens instituições culturais carregam, ou deveriam e dialogar com igualdade com pessoas não
Frente 3 de Fevereiro pobres, em sua maioria negrxs, no ensino carregar, em seu cerne a pluralidade de brancas.
superior, nas quase duas últimas décadas, linguagens, expressões, modos de existir, de
Por que esse questionamento se faz além de provocarem um choque nas produzir e apreender conhecimento. No Pensando nos múltiplos significados do
necessário nos museus e instituições estruturas acadêmicas e nos modelos de entanto, o que se vê ao longo de décadas é, termo corpo nos encontramos em rede,
culturais? Por que os atravessamentos na produção de conhecimento há muito majoritariamente, a ocupação desses identificando-se dentro dos espaços,
atuação de educadorxs negrxs se distinguem legitimados, provocam também, como um espaços por um perfil de público advindo de compreendendo os sentidos, movimentos,
dos demais educadorxs de museus e efeito de reação em cadeia, a chegada de classe média, de cor branca, estrangeiros sonhos e dores deste organismo que carrega
instituições culturais? Quais são as inúmeros profissionais negrxs e/ou de origem europeus ou estadunidenses e moradorxs de em si ancestralidade e memórias.
experiências estéticas, sociais e psíquicas pobre em equipes de trabalho de grandes zonas centrais e/ou elitizadas das principais
que uma educadora de museus vive dentro empresas e instituições para ocupar cargos capitais de circulação artística do país. Um Por outro lado, e a fim de garantir a
desse espaço e como as suas impressões e que quase nunca, ou nunca, foram exercidos perfil definido por marcadores sociais de democratização e o direito à arte e aos
reflexões são absorvidas dentro do por pessoas negras. classe e raça. Homogêneo e hermético. patrimônios nacionais e mundiais, existem
pensamento educativo/institucional? Quais instituições preocupadas e engajadas,
são as contribuições epistemológicas Reconhecido por poucos em seu interior e por Não à toa coletivos que lutam por mesmo que tardiamente, na incrementação
advindas do marcador racial de educadorxs muitos fora do país, de herança escravista e representatividade e valorização de artistas de programas, políticas internas, exposições,
negrxs e como ele pode ser refletido na escravocrata, o racismo no Brasil é negrxs, além de fazerem crítica às políticas espaço de fala e escuta, em suas diversas
prática educativa museológica e/ou na responsável pelo extermínio de jovens curatoriais dos museus e instituições linguagens, pensando no acesso, atuação,
fruição artística? Muitas perguntas! Dentre negrxs, pela subalternização e racialização culturais, como o coletivo A Presença Negra, reflexão e produção de artistas, intelectuais e
tantas que nos fazemos diariamente da pessoa negra, por imputar sobre pessoas um grupo formado por artistas, curadorxs, educadorxs negrxs, não somente seguindo o
enquanto corpo-mente negrxs dentro dos negras estigmas de dor, violência, pesquisadorxs e afins, organizam visitas em calendário de comemoração do mês da
estabelecimentos culturais e museais. agressividade, hipersexualização e mais grupos a galerias e vernissages para consciência negra no Brasil, mas promovendo
uma série de práticas e ideias racistas, massivamente demarcar espaço e ações e atividades a longo prazo.
veladas ou não, que são encarregadas de pertencimento no universo de apreciação e
impedir o pleno desenvolvimento da fruição das artes visuais.
experiência humana dessa população.

36

NEGRXS 37
REGISTRO DA AÇÃO PERFORMÁTICA TRANSIÇÃO
Todas essas problematizações acerca da A PROPOSTA DA AÇÃO SURGIU A PARTIR DA EXPERIÊNCIA Amanda Carneiro
representação e representatividade dx negrx DE TRÊS EDUCADORAS NEGRAS NA INSTITUIÇÃO, Ana Musidora
no campo das artes, sobretudo visuais, em COM INSPIRAÇÃO NOS TRABALHOS DO FOTÓGRAFO Ana Paula Lopes
seus múltiplos modos de atuação, vêm Anderson Costa
NIGERIANO OKHAI OJEIKERE E DA ARTISTA VISUAL
possibilitando também a nós, educadorxs, a Aretha Sadick
inserção de práticas pedagógicas PRISCILA REZENDE Bruno Lourenço dos Santos
antirracistas e a utilização de uma episteme Carlos Alberto Moreno
afrodiaspórica do saber e viver no mundo. Cidinha da Silva
Com um olhar que também perpassa as Claudinei Roberto da Silva
violências sofridas pela população negra, Dalton Paula
nós, educadorxs e mediadorxs, trazemos Diane Lima
contribuições que diversificam os modos de Emanoel Araújo
pensar e apreender história, cultura e Edinho Santos
saberes. Fabiana Lopes
Gracielle Savio
Profissionais negrxs de museus e instituições Helbert de Almeida
culturais pensam a ocupação desse espaço Hélio Menezes
por si e por seus pares em todos os âmbitos, Janaína Santos
enquanto público, enquanto gestores, Jordana Braz
enquanto produtores de conteúdo e também Juliana dos Santos
enquanto corpo operacional (mas não Luciane Ramos Silva
exclusivamente), onde somos maioria em Luciara Ribeiro
qualquer empresa. Essa tomada de Michelle Mattiuzzi
posicionamento hoje se faz mais articulada e Midien Tomaz
potente por todo o histórico de diversos Mirella Santos Maria
caminhos que nos fizeram chegar a lugares Moisés Patrício
antes não possíveis às e aos nossxs iguais. Pedro Ricardo
O discurso universalista e hipócrita frente ao Priscila Rezende
tratamento dado à pessoas negras deve ser Rafael Ribeiro
questionado e debatido. A opressão e Raquel Luanda
exclusão sofridas por minorias em museus, Renata Bittencourt
centros culturais, galerias e institutos de arte Robinho Santana
necessita chegar ao fim. Utilizando-se do Robson Romano
conceito de uma das mais influentes Roger Ramos
escritoras da atualidade, Djamila Ribeiro, os Giselda Perê
lugares de fala necessitam ser revisados Rosana Paulino
para que em pleno século XXI possamos pôr Rosangela Malachias
um fim ao olhar colonial, fetichizado, e à Sidney Amaral
herança racista sobre o corpo negro. Stephanie Oliveira
Que x negrx ao adentrar neste espaço possa Talita Gouveia
se reconhecer e ser reconhecido como um ser Tiago da Paixão
humano digno e integral. Uilton Júnior
Vinícius Nonato
Por fim, agradeço aos inúmeros artistas,
intelectuais e educadorxs que resistem e me … e tantxs outrxs que mesmo desconhecidxs
dão respaldo para continuar atuando em por mim reformulam e escrevem novas
uma profissão que amo e em um espaço que, narrativas.
apesar das várias opressões sofridas
diariamente, ainda me garante encontro,
aprendizado e troca.

38 16 JULHO 2018 | MOSTRA EX ÁFRICA | CCBB-SP 39
REGISTRO DO ENCONTRO “O CORPO NEGRO NA PRÁTICA EDUCATIVA
DE MUSEUS E INSTITUIÇÕES CULTURAIS

24 NOVEMBRO 2018 | INSTITUTO TOMIE OHTAKE


40 41
ESTIVERAM PRESENTES NO ENCONTRO COMENTÁRIOS DO PÚBLICO
O CORPO NEGRO NA PRÁTICA EDUCATIVA DE
MUSEUS E INSTITUIÇÕES CULTURAIS

ANA CLAUDIA LOPES Carlos Eduardo Gonçalves da Silva


O compartilhamento de assuntos profissionais e
ANDRÉ BISPO experiências que envolvem o corpo negro e não branco
CARLOS EDUARDO GONÇALVES DA SILVA dentro de encontros como este é um caminho de
articulação e também estratégia, por meio da troca e
CARMELITA NOVAIS DOS SANTOS também pelo afeto.
Artista visual, produtor e educador. Bacharel em Artes
CADU GONÇALVES Visuais no Centro Universitário Belas Artes de São
Paulo. Atualmente responsável pela produção e
DANIELA SOARES COSTA pesquisa da Janaina Torres Galeria.
DIVINA PRADO

ELENICE MÁXIMO Elidayana Alexandrino


Criar espaços de fala e escuta sobre o “corpo negro”,
ELIDAYANA ALEXANDRINO seja ele em qualquer espaço que por anos lhe foi
negado, já é um ato de revolução. Trazer tais discussões
FELIPE ARRUDA é urgente, é necessário pensar que ser negro no Brasil
não é uma experiência simples, é preciso visibilizar
FERNANDO SANTOS ações de enfrentamento contra o racismo e criar uma
ITÁLO GALIZA política da memória ativa. Ouvir as diferentes vozes
protagonistas de ações antirracistas foi algo inspirador
JOSÉ DANIEL para continuar na luta pela mudança.
Educadora, pesquisadora independente e artista
LUARA CARVALHO visual. Graduada em Artes Plásticas, Licenciatura em
Educação Artística. Profissional autônoma.
LUCIANA APARECIDA FERREIRA

MAYARA SOARES Vicente Alves


O encontro foi muito importante para me sentir
ROSEANE VILAS BOAS BONFIM
representado entre pessoas que traziam os mesmos
SAMANTA PAIXÃO questionamentos, que passaram pelas mesmas
situações, poder ouvi-las, compartilhar experiências.
STEPHANE OLIVEIRA Como minha atuação se concentra em Itu, interior de
São Paulo, a presença de pessoas negras nesses espaços
TIAGO ALMEIDA é pequena, ou quase inexistente.
Artista-educador e produtor educativo. Trabalha na
VICENTE ALVES Fábrica de Arte Marcos Amaro, em Itu-SP.
42 43
BIOGRAFIAS Luciara Ribeiro é
educadora,
pesquisadora e curadora

Luciara Ribeiro
independente. Trabalha
desde 2010 com
arte-educação em
museus e instituições
culturais. Interessa-se
por questões
relacionadas à
Jordana Braz é descolonização da
educadora e fotógrafa. educação e das artes e

Juba Duarte
Pós-graduada em pelo estudo das artes
Jordana Braz
Gestão de Projetos não ocidentais, em
Culturais pelo CELACC- especial as africanas,
USP e graduada em afro-brasileiras e
Letras pela Unifesp. ameríndias. É graduada
Ana Paula Lopes é Juliana dos Santos é

Uilton Júnior
Integrou o projeto em História da Arte pela
pesquisadora, graduada Juba Duarte é bacharela artista visual, mestra Unifesp, mestra em
em Arte: História, Crítica VISURB da Unifesp e em arte-educação, arte/
recebeu menção em Ciências Sociais História da Arte pela
e Curadoria pela pela PUC-SP desde 2015. educadora, doutoranda Universidade de
PUC-SP. Atuou como arte honrosa no concurso no departamento de
fotográfico no Festival Atualmente é Salamanca e pelo
educadora na 30ª Bienal educadora referência no técnicas e Programa de Pós-
de Artes de São Paulo, de Avanca em Portugal, procedimentos
realizado com o suporte CCBB-SP, com atuação Graduação em História
SESC-SP, Centro de mais de sete anos em artísticos pelo Instituto da Arte da Unifesp. Uilton Júnior é
Cultural São Paulo, da UNESCO (2012). Atua de Artes da Unesp. soteropolitano, bixa e
em educativos desde projetos e instituições
Museu de Arte Brasileira culturais na cidade de Realizou recentemente historiador da arte em
2014, incluindo as
Ana Paula Lopes

(MAB-FAAP) e na mostra São Paulo. Trabalhou a sua primeira formação, dedicado a


Made by… Feito por instituições Fundação exposição individual no investigar pesquisas e
Bienal de São Paulo como supervisora
brasileiros. Trabalhou educativa em diversas Brasil, a mostra “Entre o ações que construam
nas galerias White Cube (2014-2015), URBE Mostra Azul e o Que Não Me diálogos decoloniais
de Arte Pública (2016) e exposições. Na área da
São Paulo, Mendes pesquisa, participou de Deixo/Deixam acerca da construção da
Wood DM e Jaqueline Oficina Cultural Esquecer”, contemplada identidade negra na
Oswald de Andrade diversos cursos sobre
Martins. Foi supervisora Arte Afro Brasileira e no edital Temporada de população brasileira. Já
de educativo no SESC (2016-2017). Desde 2017 é Projetos do Paço das atuou como pesquisador
educadora do Instituto história da África e tem
Vila Mariana e na movido ações em torno Artes 2019 (18/06-18/08). e educador artístico
FUNARTE-SP. Realizou a Tomie Ohtake. Em 2018 É autora da obra social em museus e

Juliana dos Santos


iniciou uma pesquisa da acessibilidade
produção da exposição cultural desde 2016, Catirina, presente na instituições culturais,
“Paisagens Expandidas” em relações étnico- capa desta publicação. como MAM-SP, Museu
-raciais na educação e especialmente ligadas
de Sandra Mazzini, no à comunidade surda. Lasar Segall e Museu da
Museu Nacional da práticas de mediação Diversidade Sexual.
em arte. É ainda batuqueira e
República, DF. participa de grupos e Esteve envolvido em
ações junto à cultura debates e rodas de
popular. conversa sobre ações
educativas e
diversidades em
instituições como o
SESC, SENAC e Núcleo
Luz.
44 45
INSTITUTO TOMIE OHTAKE

Presidente Negócios e Comunicação


Ricardo Ohtake Ivan Lourenço diretor
Núcleo de Cultura e Negócios
Participação Flavio Silva
Felipe Arruda diretor Henrique Lourenço
Agata Harumi Takiya Kelly Lima
Rodriguez Comunicação
Amanda Porto Eloise Martins
Bruno Coltro Ferrari Ricardo Miyada audiovisual
Claudio Rubino Arthur Taques e Silva aprendiz
Divina Prado
Elisabeth P. Barboza Design Gráfico
Emol Monica Pasinato
Fernanda Beraldi Camila Noriko Ueki
Isadora Borges Brito Nazareth Baños
Isadora Mellado Assessoria de Imprensa
Jane Santos Pool de Comunicação
Jordana Braz Marcy Junqueira
Julia Cavazzini Martim Pelisson
Luara Carvalho Ana Junqueira
Lucia Abreu Machado Informática
Luciara Ribeiro André Biacca
Maiara Paiva
Mauricio Homma Yoneya Documentação e Compras
Melina Martinho Marcos Massayuki Sutani
Natalia Vinhal Felipe Alves Ferreira dos Santos aprendiz
Natame Diniz Secretaria
Patricia Limeira Maria de Fátima da Silva Rocha
Pedro Amaral Deolinda Correia de Almeida
Priscila Menegasso
Thiago Zati Coordenação Operacional
Alexandre Lopes
Produção Wagner Antônio Barbosa supervisor
Vitoria Arruda diretora
Apoio
André Luiz Bella
Cícera Medeiros
Carla Ogawa
Daniel Soares
Carolina Brunelli
Edmilson Pereira
Carolina Pasinato
Edson José
Karina Mignoni
Elcio Borges
Lucas Fabrizzio
Everton Alves
Patricia Castilho
Fábio Araújo
Rodolfo Borbel
Gilmar Batista
Núcleo de Pesquisa e Curadoria Marcelo Mariano
Paulo Miyada coordenador Marina Neves
Diego Mauro Orlando Rodrigues
Luise Malmaceda Raiana Ramos
Luana Fortes Silvia Regina
Priscyla Gomes Wellington Araújo
Theo Monteiro Técnica
Administração e Finanças Adilson Oliveira
Roberto Souza Leão Veiga Jacildo de Paula
diretor executivo Pedro Mario
Bruno Damaceno Silvio Santos Lima
Carlito Oliveira Junior Manutenção
Fabiana Cristina de Almeida Camila Gonçalves
Joseilda Conceição Carolina Neres
Moises Silva Mello Elizandro Ferreira
Renê Rossignol Elza Santos
Sergio Santos Souza Luciene Monteiro
Willian dos Santos Valdir Ramos
47

Você também pode gostar