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Espaços sagrados: o que os cemitérios podem dizer sobre nossa

história e sociedade?

Escrito por Camilla Ghisleni

07 de Fevereiro de 2021 Compartilhar

Memento mori é uma antiga expressão em latim que significa “lembre-se de que você é mortal”. Ao
contrário do que parece à primeira vista, os romanos a usavam não para representar uma visão fatalista da
morte, mas sim, como uma forma de valorização da vida.

Alguns séculos depois, chegando ao nosso contexto atual, quando o mundo atinge a aterrorizante cifra de
2 milhões de mortos em decorrência da pandemia de Covid-19, o memento mori está mais presente do que
nunca.
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Reforçado pela trágica realidade, este artigo se dedica a um passeio – histórico e simbólico – por estes
espaços que são a materialização
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do estado implacável
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da nossa finitude.Pastas
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Os cemitérios são vistos como lugares que acolhem diferentes identidades, representando uma cultura.
Eles são, sobretudo, lugares de memória ancorados na experiencia espacial, temporal e corporal
fomentada pelo local. Não são apenas o descanso do corpo, mas um lugar de ação onde o tempo da morte
é processado, onde o próprio morto ganha um espaço social no qual o acontecimento ritualístico substitui
o biológico. [1]

Para muitas culturas, os cemitérios são lugares sagrados que requerem uma conduta específica ao serem
percorridos. Uma paisagem silenciosa que implica em uma preparação e uma mudança de postura quando
se cruza seus portões e é, justamente por isso, que o conhecido filósofo francês Michel Foucault os
considera como espaços heterotópicos.

Como forma de contextualização, a palavra heterotopia vem da junção de hetero (diferente, outro) e topos
(lugar). É um termo empregado na medicina e na biologia a partir de 1920, para se referir à formação de
tecidos orgânicos em lugares não usuais, que não interferem no funcionamento e desempenho dos órgãos
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nos quais se desenvolve. Seguindo esse conceito, os cemitérios seriam considerados, portanto, espaços
que escapam de classificações ordinárias, exercendo uma função de desvio, deslocando as nossas
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experiências habituais e instigando uma atmosfera peculiar, mesmo estando inseridos dentro de um
contexto urbano. [1]

Porém, antes mesmo desses lugares fazerem parte da paisagem das cidades, se tornando um elemento
caracterizador do espaço urbano, tal qual conhecemos hoje, existiam outras maneiras de celebrar e
enterrar os mortos. Muitos estudos comprovam que desde a era neolítica já havia a preocupação com os
cadáveres que, por sua vez, eram colocados em cavernas fechadas por uma rocha. Foi apenas séculos mais
tarde, com o avanço do cristianismo, precisamente até o final do século XVIII, que os cadáveres passaram a
ser enterrados próximos ou no interior das igrejas, representando principalmente a continuidade espiritual
que se desejava no além vida.

Vale ressaltar que, é neste período, como Foucault mesmo afirma, que se desenvolve o que ele chama de
“medo urbano”, uma angústia generalizada diante da cidade que implicou no início da reconfiguração dos
cemitérios. Havia um medo das oficinas e fábricas que estavam sendo construídas, do amontoamento da
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população, das casas altas demais, da população numerosa demais, medo das epidemias urbanas e,
principalmente, dos cemitérios que, além de se tornarem cada vez mais numerosos, invadindo pouco a
pouco Início
a cidade, acreditava-se que eles também representavam
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contaminação de doenças
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epidêmicas. Foi quando nasceu a “obsessão da morte como doença". São os mortos, supõe-se, “que
trazem as doenças aos vivos, e é a presença e a proximidade dos mortos bem ao lado das casas, bem ao
lado da igreja, quase no meio da rua, é essa proximidade que propaga a própria morte”. [2]

Esses inúmeros pequenos pânicos que atravessavam a vida urbana das grandes cidades do século XVIII
cobraram, por sua vez, políticas sanitárias envolvendo a remoção dos cemitérios para a periferia das
cidades. Ou seja, se inicia um processo de análise desses locais urbanos que poderiam provocar doenças,
lugares de formação e difusão de fenômenos epidêmicos ou endêmicos para que as primeiras grandes
emigrações de cemitérios para a periferia da cidade acontecessem. Nesta época surge o cemitério
individualizado, isto é, o caixão individual, as sepulturas reservadas para as famílias, onde se escreve o
nome de cada um. Um modelo consolidado principalmente a partir do século XIX quando, como Foucault
afirma, “cada indivíduo teve direito à sua caixinha para sua pequena decomposição pessoal”. [2]

Neste contexto, surgem nas periferias das cidades “um verdadeiro exército de mortos tão bem enfileirados
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quanto uma tropa que se passa em revista. Pois é preciso esquadrinhar, analisar e reduzir esse perigo
perpétuo que os mortos constituem. Eles vão, portanto, ser colocados no campo e em regimento, uns ao
lado dos outros, nas grandesProjetos
Início planícies que circundam as cidades” [2]. A partir
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instaura o
cemitério do tipo monumental, com grandes construções repletas de simbolismo em cruzes, altares e
outros elementos religiosos. Um lugar que representa também o status da família e reforça o legado e
memória deixados pelo ente querido.

Apesar dessa tipologia de cemitério ter persistindo por muitas décadas, recentemente é possível notar uma
mudança de rumo quanto a esses equipamentos urbanos, tanto na criação de novas estratégias para se
apropriar de antigos cemitérios - que já não estão mais nas periferias das cidades -, quanto nas maneiras
de projetar e criar novos espaços como estes.

Hoje em dia, muito tem se falado sobre os cemitérios-parques que ganham destaque e apontam para a
elaboração de cemitérios cada vez mais secularizados, onde não se encontram resquícios de símbolos
religiosos. O próprio conceito de cemitério e a visão das pessoas que frequentam o local vem mudando,
sendo possível perceber a intenção e o desejo de assumir esses amplos espaços como parques públicos
onde se oferece uma variedade de funções importantes para socialização e recreação. Uma mudança de
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postura que desmistifica a fatalidade da morte e – por que não – reforça o memento mori de cada visitante.

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O Congressional Cemetery de Washington nos EUA, por exemplo, passou a incluir em sua programação
atividades de lazer como ioga, degustação de vinho, cinema ao ar livre, caminhada guiada, entre outros.
Segundo os organizadores, suas atividades chegam a atrair cerca de 45 mil pessoas por ano. Aqui, vale a
também reflexão de que essa mudança de paradigma reflete, principalmente, no modo como encaramos a
própria cidade, mostrando que talvez estejamos mais interessados em de espaços de lazer do que de culto.

Nessa breve reflexão sobre a história e formação dos cemitérios ao longo dos séculos é possível perceber o
quanto seus simbolismos, formas e inserção no tecido urbano contam também sobre a nossa própria
história como civilização. De pequenas lápides no entorno das igrejas, intrinsecamente relacionadas ao
culto religioso, a quarteirões milimetricamente alinhados e afastados das cidades, até os modelos mais
recentes, como os cemitérios-parque e outros formatos tais quais espaços de cremação e usinas de
compostagem de cadáveres (que refletem principalmente nossa atual preocupação ambiental), cada
modelo alinhado com as urgências e modos de viver de sua época.

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Referências bibliográficas

1. FUCHS, Felipe. Espaços de cemitério e a cidade de São Paulo. Dissertação de mestrado, FAU-USP. São
Paulo, Início
2019.
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2. FOUCAULT, Michel. De espaços outros. Publicado pela revista francesa Arquitetura /Mouvement /
Continuité. Paris, 1984.

3. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: Graal, 2012.

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