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A Ação da Cruz 3

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qualquer forma ou por qualquer meio sem a autorização prévia e por escrito do
autor. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9610/98) é crime estabelecido pelo
artigo 48 do Código Penal.

1ª Edição: 2018

Texto: José Rodrigues e Regiane Ibernon Prates


Participação: Omar H. Mendes
Coordenação Editorial: Regiane Ibernon Prates
Edição e Revisão: Marcio Augusto Prates
Colaboração: Camila Vilamar, Kamilla Duarte Prehl e Sara dos Santos S. Sousa
Capa: Guilherme Sousa
Diagramação e Projeto Gráfico: Layanne Ribeiro

R696a Rodrigues, José


A Ação da Cruz 3 : as sete colunas do caráter de Jesus / José Rodrigues,
Regiane Ibernon Prates; participação Omar H. Mendes; coordenação
editorial: Regiane Ibernon Prates; edição e revisão : Marcio Augusto
Prates. – 1. ed. – Trindade (GO) : MCM, 2018.
240 p. : – (Aulas de caráter)

Inclui bibliografia
ISBN - 978-85-93530-14-2

1. Jesus Cristo – História. 2. Liderança cristã. 3. Vida religiosa.


4. Verdade. 5. Caráter. 6. Pastores – Formação. 7. Renovação da Igreja.
I. Prates, Regiane Ibernon. II. Mendes, Omar H. III. Prates, Marcio Augusto.
IV. Título. V. Série.
CDU: 248

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

MCM Publicações
Rua Santo Antônio, 230
Santo Onofre CEP: 75.388-769
Trindade - GO - Brasil
Tel. (62) 3505-7872
Eu tenho um pastor e um pai espiritual. É o pastor Neto. Seu nome
é Venâncio Gomes Neto e o de sua esposa é Ester Gomes. Durante seu
ministério na nossa cidade, São Luís de Montes Belos, nossa família co-
nheceu a Jesus. Sou profundamente grato a Deus pela sua vida!

José Rodrigues
Nota Editorial

Profundo, confrontador e desafiador. Essas são apenas três entre tan-


tas palavras que podem definir “A Ação da Cruz 3 – As Sete Colunas do
Caráter de Jesus”. Das primeiras reuniões dando início aos trabalhos até
o seu lançamento oficial, passando por roteiros, pesquisas, estudos, digi-
tações, produção textual, edição e finalização, houve mais de um ano de
trabalho. De um compensador trabalho, diga-se de passagem.

Essa é uma impressão que se torna mais evidente diante do material


pronto, em condições de oferecer aos leitores uma enriquecedora leitura.
E não seria para menos. Ao longo destas páginas, são minuciosamente
detalhadas informações a respeito das características do caráter de Jesus,
tendo como base principal textos bíblicos, além de outras bibliografias,
pesquisas e relatos de experiências pessoais em relação ao assunto.
A autoria de “A Ação da Cruz 3” é do pastor José Rodrigues, pre-
sidente da MCM, e da também pastora Regiane Ibernon Prates, que
é uma das editoras da organização. As sete colunas do caráter de Jesus
é um assunto que já vem sendo estudado e ensinado por ele há muitos
anos e, não de hoje, havia o desejo de transformar tais estudos em um
livro. Finalmente, isso foi possível e agora está disponível aos leitores.

Vale a observação de que o pastor Omar H. Mendes, diretor de en-


sino da MCM e responsável pelo prefácio desta obra, teve participação
em parte dos conteúdos aqui apresentados. “A Ação da Cruz 3”, como o
nome sugere, é o terceiro livro de uma série sobre “Aulas de Caráter” do
próprio pastor José. Aliás, todas as experiências pessoais aqui registra-
das são dele ou narradas por ele, afinal foi no seu coração que o assunto
começou a tomar forma.

Marcio Augusto Prates


Editor
Prefácio

O pastor José Rodrigues exerceu em minha vida um papel prepon-


derante, no discipulado, na mentoria, na paternidade e no referen-
cial como homem de Deus. O que me deixa confortável nessa caminhada é
o seu nível de intimidade com o Senhor e a sua capacidade de nos direcio-
nar, especialmente nós que fazemos parte da MCM, da qual é o presidente.
Ele sempre tem uma direção, uma Palavra para cada situação.

Entendo que não está sendo diferente com o lançamento de “A Ação


da Cruz 3 – As Sete Colunas do Caráter de Jesus”. A publicação está
sendo feita debaixo de direção do próprio Deus. Como pretendo explanar
adiante, este livro vem em um momento propício para a Igreja brasileira.
Embora com uma incrível aplicação atual, o assunto vem sendo funda-
mentado há muitos anos. Conheci o pastor José em 1993 e, naquele tem-
po, ele já falava sobre isso.
Trata-se de uma mensagem muito forte para a transformação e a
restauração do homem, alinhando o seu caráter ao de Jesus, a partir de
sete colunas: Santidade, verdade, justiça, bondade, fidelidade, serviço e
integridade. Esses pilares são tudo o que a Igreja brasileira precisa, pois,
apesar de dizer que está passando por um avivamento, ela ainda é muito
levada por ventos de doutrinas. Não tem profundidade na Palavra!

Certa vez, o pastor Reuel Feitosa, do Ministério Peniel, disse, com


muita propriedade, que “o conhecimento bíblico da Igreja brasileira é da
profundidade de um pires” em comparação a outras nações que têm o
Evangelho. Vivemos um tempo de evidente fragilidade bíblica. E é por
essa razão que reafirmo que o pastor José foi muito feliz em lançar, exata-
mente neste momento, “A Ação da Cruz 3”.

Há hoje uma necessidade muito grande de que a Igreja conheça e viva


a essência de Jesus. Ela precisa estar fundamentada nas colunas que com-
põem o seu caráter. Isso para que esteja firme quando a pressão vier e quan-
do os ventos de doutrina soprarem. De maneira pessoal, este livro também
traz uma mensagem essencial a todos aqueles que querem se aproximar e
ficar mais parecidos com o Senhor. É uma proposta extraordinária!

O entendimento a respeito do caráter de Jesus é algo tão forte e im-


portante que nos conduz a comportamentos e reações como se as colunas
de que se está falando estivessem funcionando em nosso ser. Quando um
cristão, por exemplo, é pressionado ou colocado diante de uma circuns-
tância em que precisa praticar a santidade, não precisa se esforçar para ser
santo. Ele é, porque Jesus é. Isso é fundamento!

Da mesma forma, alguém com o caráter de Jesus deve ter uma vida
verdadeira, porque a verdade está estabelecida em seu ser. Também não
precisa fazer esforço algum para ser justo, bom, fiel e íntegro. E não tem
dificuldades com o serviço. Perceba que cada uma das colunas ligadas ao
Senhor se manifesta naturalmente nessa pessoa, porque são fundamentos
no seu interior. Isso está arraigado, construído dentro do seu ser.

Quero citar uma história que conheço bem, pois, quando aconteceu,
já trabalhava com o pastor José. Em 1999, ele esteve na Índia e conheceu
de perto a realidade das meninas escravas sexuais. Esse contexto de injus-
tiça e sofrimento causou uma indignação muito grande no seu coração. O
detalhe é que, na época, a MCM não tinha a mínima condição de fazer
alguma coisa, financeiramente falando, em relação ao problema.

O pastor José dizia: “Precisamos fazer alguma coisa”. E assim con-


seguiu mobilizar pessoas no Brasil inteiro em favor daquelas meninas.
Hoje, como um fato palpável, podemos ver a justiça se manifestando na
vida delas. Tudo por causa da intervenção de alguém que não fez esforço
nenhum para isso. Ele foi justo simplesmente porque esse pilar estava
construído no seu interior.

É exatamente nesse sentido que caminhamos com a Escola de Ca-


ráter de Missões e a Escola de Adoradores da MCM. Trabalhamos para
gerar as colunas do caráter de Jesus nos alunos. O esforço é para formar
missionários, pastores e adoradores com esse senso e que manifestem
espontaneamente esses fundamentos no dia a dia. Entendemos que o
assunto é tão importante que os pilares dão nome a uma das principais
disciplinas de nossos cursos.

Diante disso tudo, é impossível não criarmos expectativas com rela-


ção a “A Ação da Cruz 3”. Ele é o terceiro livro da série e creio que outros
virão, mesmo porque a mensagem do pastor José nessa área é muito vasta.
Penso que esta obra deverá marcar um tempo, contribuindo para que a
Igreja brasileira não apenas aprenda como manifeste, sem esforço e natu-
ralmente, as colunas do caráter de Jesus.

O que espero é que os fundamentos aqui tratados – por sinal, frutos


de estudos aprofundados por parte dos seus autores – possam se estabe-
lecer no meio da Igreja brasileira e abençoar a atual e as futuras gerações.
Mesmo porque a mensagem trazida neste livro é realmente abençoadora!
Que o Senhor possa falar com você poderosamente através desta leitura,
assim como tem falado comigo, e que Ele te abençoe!

Omar H. Mendes
Diretor de ensino da MCM
Sumário
Capítulo 1 - A Sabedoria lavrou suas sete colunas...................... 17

Capítulo 2 - Além da mediocridade........................................... 29

Capítulo 3 - Princípios de restauração do caráter....................... 43

Capítulo 4 - Arrependimento e confissão................................... 59

Capítulo 5 - Perdão, a decisão necessária.................................... 73

C apítulo 6 - As crises revelam a cura......................................... 87


Capítulo 7 - Amor, o profundo alicerce...................................... 105

Capítulo 8 - Coluna da santidade, a viga mestra I...................... 119

Capítulo 9 - Coluna da santidade, a viga mestra II..................... 133

Capítulo 10 - Coluna da verdade................................................ 145

Capítulo 11 - Coluna da justiça.................................................. 159

Capítulo 12 - Coluna da bondade.............................................. 175

Capítulo 13 - Coluna da fidelidade............................................ 187

Capítulo 14 - Coluna do serviço................................................. 201

Capítulo 15 - Coluna da integridade.......................................... 215

Capítulo 16 (Conclusão) - Pedro, um homem construído.......... 229

Bibliografia................................................................................. 239
Introdução

A tualmente, temos vivido as terríveis consequências de uma so-


ciedade desmoralizada. Vivemos um período no qual os valores
da família e do Cristianismo são constantemente atacados de maneira
descarada. De alguma forma, coletivamente nos habituamos a um padrão
de conduta distorcido. Existe um ambiente cultural que favorece a cor-
rupção e permite que o mau caráter se revele.

Mesmo dentro da Igreja, o padrão de moralidade está terrivelmente


afetado. A sociedade nada mais é do que um grupo de pessoas que têm
interesses em comum. Então, nos tornamos uma massa que, por vezes,
tolera a corrupção moral, pois, de uma maneira ou de outra, parte de nós
se acostumou e pratica isso.

Infelizmente, essa crise de caráter na Igreja não é privilégio do Brasil.


A Ação da Cruz 3

Biblicamente, estamos caminhando para o caos. Estamos em um tempo


em que temos grandes nomes, além do de Jesus, no meio evangélico. Exis-
tem pastores e líderes que se comportam como verdadeiros “semideuses”.

Esses líderes não ensinam ou exigem de seus liderados um bom pa-


drão moral, mas grandes ofertas. Estão desfrutando de templos suntu-
osos, viagens caras, hotéis de luxo e carros importados. Por outro lado,
o Evangelho quase não chega à Somália, à Coreia do Norte, aos países
mulçumanos, entre outros povos não alcançados.

Enquanto nos embriagamos com as ilusões de usarmos nossa fé para


sermos prósperos, o diabo continua praticando aquilo que veio fazer na
Terra, matar, roubar e destruir. Muitos daqueles que comungaram da fé
cristã se tornaram adoradores de Mamon, se transformaram em servos do
deus chamado “dinheiro”.

A pregação do Evangelho genuíno é o que estabelece o caráter de


uma nação. Então, como está o caráter de nossa nação? A resposta falará
muito da qualidade da Igreja nela estabelecida. Infelizmente, suponho
que a conclusão, no nosso caso, não seja muito boa. É claro que sempre
haverá aqueles que não se dobram ao sistema e às doutrinas do diabo, que
não se curvam aos “bezerros de ouro” de seu tempo.

É chegado um momento de definição para nós, os cristãos. Precisa-


mos decidir viver nos princípios bíblicos. O padrão de caráter que ne-
cessitamos ter é o de Jesus. Ele é o modelo e temos que imitá-lo. Se nós,
Igreja, formos à sua semelhança, estabeleceremos para a sociedade em
que vivemos um exemplo.

Para alcançar esse objetivo de forma coletiva, é preciso que comece-


mos de forma individual. Necessitamos de um avivamento pessoal, de
uma intervenção divina que nos leve à perfeição de caráter, de modo que
não nos influenciemos pelos conceitos e costumes sociais distorcidos.
Aliás, todo cristão deveria iniciar sua caminhada de fé com a restauração
de sua conduta.

14
Capítulo 1
capítulo 1

A Sabedoria lavrou
suas sete colunas
“A Sabedoria já edificou a sua casa, já lavrou as
suas sete colunas.”
Provérbios 9:1

D iante da afirmação de Provérbios, imagine uma bela casa sendo


construída. Primeiramente, pense no tipo de solo em que será
alicerçada, no espaço que deverá ter e no número de cômodos que irá pos-
suir. Analise se haverá varanda ou alguma área ao redor. A estrutura dessa
construção e a sua dimensão determinarão quantas colunas ela precisará
para se sustentar.

A Bíblia afirma que nós somos “moradas de Deus”. 1 Coríntios fala que
Ele mesmo, na pessoa do Espírito Santo, veio permanecer dentro do nosso
ser. Nos Evangelhos, Jesus indica que devemos ser construídos na rocha, na
pedra angular. Outro tipo de solo não sustentará uma obra do céu.

É interessante que no capítulo 7 do livro de Mateus, onde é falado de


dois tipos de edificação, sobre a rocha ou a areia, Jesus estava ensinando aos

17
A Ação da Cruz 3

seus discípulos acerca de condutas da vida de um homem. Ele mostrava a


necessidade de prudência ao construir. Na caminhada cristã, devemos ser
minuciosos sobre onde estarão os nossos fundamentos, para que, quando as
tempestades vierem - pois elas virão - tudo em nós não vire ruínas.

Mesmo que esse ensinamento tenha cerca de 2 mil anos, ele é


muito atual. Jesus dizia para os seus ouvintes que tomassem cuidado
com os falsos profetas, com os homens disfarçados de ovelhas, mas
que por dentro eram lobos vorazes. Estes são superpredadores que
dependem da carne de outros animais para que sobrevivam. Vivem em
função de sua própria existência e segregam, dentro de sua alcateia,
todo igual que seja mais fraco.

Que advertência atual! São palavras do próprio Jesus nos dizendo:


“Tenha cuidado onde você está fundamentando sua casa espiritual. Preste
atenção quanto a quem você ouve!”. Pode ser que passemos uma vida in-
teira acreditando estar servindo a Deus e, ainda assim, sermos rejeitados
por Ele Naquele Dia e não entrarmos no Reino dos Céus.

Quando nos referimos aos lobos da fé do tempo contemporâneo, a


ideia é a de homens que perverteram o seu coração a Mamon. Eles acre-
ditam estar servindo ao Senhor, mas estão no engano e levando milhares
à mesma condição. Têm uma pregação totalmente distante do Evangelho
da Cruz. Pregam uma Igreja triunfante aqui na Terra e se esquecem dos
povos não alcançados pela Palavra de Deus. Não tenha dúvidas disto: A
porta continua sendo estreita e o caminho, apertado!

F undamentos da construção

Provérbios é um manual de boa conduta para o homem que decidiu


servir a Deus em integridade de coração. Nele, há uma exaltação à sabe-
doria, ao nobre ato de saber optar pelo melhor caminho a ser seguido, a
fazer as melhores escolhas. Mas nesse livro também Jesus se apresenta
como “A Sabedoria”. Nas Bíblias mais atualizadas, a grafia da palavra
aparece com “S” maiúsculo. É o caso de Provérbios 9:1.

18
A Sabedoria lavrou suas sete colunas

Então, a Sabedoria começou a edificar a sua casa. Ela fez uma obra na
sua morada, estabeleceu seus alicerces. Tendo definido os fundamentos da
construção, começou a lavrar as suas colunas. Estas são responsáveis por
manter a estrutura firme, promover estabilidade e determinar que tipo de
parede, piso e teto o edifício terá.

O Senhor afirma, em Provérbios 9:1, que começou a lavrar suas co-


lunas. A palavra “lavrar” é um termo muito usado na roça. Tenho expe-
riência com isso. Ela pode ter relação com o ato de preparar a terra para
receber o plantio, mas também significa talhar a madeira. É o caso do
texto citado. Existem algumas regiões onde muitas casas são construídas
em madeira e suas colunas são feitas de árvores de cerne forte, que é o
miolo do tronco, a sua parte mais rígida.

Antes de ser trabalhada, a árvore precisa ser derrubada. Hoje, já existe


motosserra, mas, quando eu era menino, todo o processo começava em
entrar no mato com um machado, escolher o tronco e derrubar. Vamos
dar o exemplo de uma boa madeira da região Centro-Oeste do Brasil, a
aroeira. Escolheríamos essa entre as outras vegetações, levaríamos nos
ombros para casa e começaríamos o processo de lavrar.

Primeiramente, retiraríamos toda a casca que envolve o tronco. Em


seguida, arrancaríamos as camadas de madeira mais frágeis até chegar
à parte maciça. A aroeira é uma árvore muito forte e chegar ao seu cer-
ne é demorado e trabalhoso ao lenhador. Atualmente, há um processo
industrializado para esse tratamento, mas antigamente, dependendo do
tamanho da viga, teríamos trabalho para mais de um dia.

Jesus era filho de um carpinteiro. Então, é de se imaginar que conhe-


cesse bem o processo pelo qual a madeira passa ao ser lavrada. Não foi à toa
que Ele escolheu esse exemplo. Sabia que, para lavrar uma coluna e poder
ter algo de qualidade, era preciso tirar toda sujeira e escória. Também sabia
que, para sustentar uma edificação forte, eram necessárias colunas fortes.

Alguns anos atrás, quando esse texto me chamou a atenção, eu bus-


cava, com todo afinco do meu coração, entender sobre o caráter de Jesus.

19
A Ação da Cruz 3

Estava muito empenhado em saber como deveria ser o comportamento


do cristão verdadeiro e qual o padrão bíblico para isso. E descobri que
todo o trabalho do Senhor está voltado à edificação do seu corpo. Seu
objetivo é que cheguemos à perfeita varonilidade, ou seja, ser como Ele é.

“E Ele mesmo deu uns para apóstolos, outros para profetas, outros
para evangelistas, outros para pastores e doutores. Querendo o
aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a
edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade
da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à
medida da estatura completa de Cristo.”
Efésios 4:11-13

Logo entendi que as colunas para a edificação da casa de Jesus se re-


feriam ao caráter. Seria impossível edificar algo grande e consistente em
vigas de má qualidade. Elas não suportariam a pressão, romperiam com
o peso e toda a estrutura viria ao chão. Imagine quanto trabalho seria
desperdiçado e quanto tempo investido seria jogado fora.

A quantidade de colunas no processo de edificação também é importan-


te. No caso da morada da “Sabedoria”, elas são sete. Esse número na Bíblia
fala de completude, de perfeição. Então, para a obra que Jesus quer construir,
esse é o volume exato para o que Ele precisa, nem a mais nem a menos.

Ainda buscando revelação quanto ao assunto, após anos de oração e


busca de entendimento, o Senhor me revelou que as sete colunas referidas
tratavam-se do caráter de Jesus. Mais do que isso, entendi que se referiam
a traços da sua conduta e essência manifesta em toda a Bíblia. São elas:
Santidade, verdade, justiça, bondade, fidelidade, serviço e integridade. So-
bre essas características, iremos ver adiante.

O caráter é um conjunto de valores que governam o comportamento


humano. De acordo com cada formação, pendemos para uma boa condu-
ta ou não. É fundamental que cada cristão entenda que, independente de
sua criação e valores adquiridos, há um padrão já estabelecido. É o bíblico.

20
A Sabedoria lavrou suas sete colunas

Todos os outros modelos que se opõem ao de Jesus são escória, lixo e


precisam passar pelo machado e talhadeira.

O processo da cruz

Como foi falado anteriormente, uma árvore não se transforma em


coluna do dia para a noite. Há um processo ao qual precisa ser submetida
até chegar à forma ideal. Após ela se tornar viga de madeira maciça, o
carpinteiro passa a talhadeira, para lhe dar o molde. Depois, usa a lixa,
aparando suas arestas.

O instrumento do Senhor para moldar o nosso caráter é o caminho


da cruz. Estamos nos referindo a uma vida de morte, não espiritual e nem
mesmo física. Falamos da negação à própria vontade humana. Tentamos
aqui discernir o que a Bíblia quer dizer com a direção de Jesus, em Ma-
teus 16:24: “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome
a sua cruz e siga-me”.

O único lugar onde a nossa vontade obstinada é quebrantada é a cruz.


Ela pode ser tipificada por circunstâncias e situações que nos levam à
humilhação espiritual, na busca para que sejamos iguais a Jesus. Quanto
mais alto queremos chegar em Deus, tanto mais profundo Ele precisará
sarar o nosso caráter. O Senhor anseia, com suas próprias mãos, lavrar
suas colunas em nós.

O propósito do Espírito Santo, desde o momento em que nos conver-


temos, é fazer com que nos tornemos parecidos com Jesus, por dentro e
por fora. Seu objetivo principal é que retornemos à imagem e semelhan-
ça do Filho de Deus. Na criação, fomos feitos assim, mas, por causa do
pecado e da resistência humana à sua vontade, perdemos essa condição.

A imagem fala das feições e a semelhança tem a ver com o caráter. Por
isso, o trabalho do Espírito Santo é esculpir em nós a aparência de Jesus e
imprimir no nosso interior a sua essência. É impossível pensar no Mestre
como uma pessoa vulgar, de palavras torpes, de moral duvidosa, relaxado

21
A Ação da Cruz 3

com seu físico ou obeso. Pelo contrário, Ele era um homem perfeito na
Terra. E é a essa perfeição que deseja nos levar.

“E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por


espelho, a glória do Senhor, somos transformados de glória em
glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito.”
2 Coríntios 3:18

Do texto que acabamos de ler, vamos nos ater ao trecho que diz que
“somos transformados”. A palavra “transformar”, ou “metamorphos”, no
grego, significa mudança completa de um formato em outro. É a raiz do
termo científico “metamorfose”, usado para descrever a transformação de
uma lagarta em borboleta. Esse processo leva tempo e gasta energia. É
algo doloroso para o inseto. Em determinado momento, ele nem é uma
coisa nem outra; é apenas um ser em um estágio ainda indefinido, cha-
mado crisálida, dentro de um casulo.

O cristão também precisa passar por uma metamorfose a cada dia.


E, quanto mais ele segue ao Senhor, respondendo positivamente ao tra-
tamento a que está sendo submetido, mais vai se transformando à sua
perfeita imagem. Mas ninguém pense que é fácil e indolor. A Bíblia nos
ensina que até Ele, Jesus, aprendeu por meio do sofrimento.

“O qual, nos dias da sua carne, oferecendo, com grande clamor e


lágrimas, orações e súplicas ao que o podia livrar da morte, foi
ouvido quanto ao que temia. Ainda que era Filho, aprendeu a
obediência, por aquilo que padeceu.”
Hebreus 5:7 e 8

Não queira pular etapas e avançar processos antes do tempo. Não


queira ajudar a Deus na formação do seu caráter. Jesus é o lavrador e tem
os instrumentos corretos para nos moldar. E, se arquitetou equilibrada-
mente todo o Universo, o que fará em nós? Toda perfeição emana dEle,
que não precisa de intervenção humana para criar o que quer que seja.

22
A Sabedoria lavrou suas sete colunas

Conta-se que, certo dia, um homem estava sentado no jardim de sua


casa, lendo um bom livro. Tudo estava agradável. Na pausa da leitura, sua
esposa lhe trouxera uma xícara de café. Enquanto saboreava a bebida e
se deliciava com seu aroma, percebeu um pequeno movimento entre as
folhas. Logo identificou uma borboleta tentando sair do casulo.

Ele passou alguns minutos observando aquilo. O processo de saída


do casulo era lento. A jovem borboleta se esforçava ao máximo para sair.
Ele via suas pequenas patas empurrarem a cápsula de seda, na tentativa
de se desvencilhar dela. Suas novas asas tentavam se abrir ainda dentro
daquela suposta prisão.

O tempo foi parecendo infindável para aquele homem. Ele começou


a exercer uma torcida íntima e uma ansiedade indescritível de ver o inseto
vencer tamanho obstáculo. Percebeu que uma de suas asas saltou para fora
e agora ela tentava, a todo custo, soltar a outra. Envolvido emocionalmen-
te com sua companheira de jardim, resolveu ajudá-la. Aproximando-se
da folha onde o casulo estava grudado, cuidadosamente o abriu. Naquele
instante, a pequena borboleta caiu ao chão.

O homem ficou esperando que a outra asa se abrisse. Mas ela não se
abriu. Na metamorfose, a borboleta necessitava daquele esforço para de-
senvolvê-la. Ela precisava que seus fluídos corporais fossem jogados para
o membro, mas isso não aconteceu. Alguém resolveu ajudá-la no proces-
so. E agora aquele inseto viveria se arrastando pelo chão. Provavelmente
morreria logo e não cumpriria o propósito para o qual nasceu.

Mesmo que aquele homem passasse o resto da vida se culpando, ele


nada poderia fazer para que o inseto voasse. O que estamos querendo di-
zer a você é: Não interrompa as ações da cruz no seu caráter! O processo
de dor e de aperto é necessário. Se não sabe o tamanho da edificação que
o Senhor quer fazer, não lhe diga nem determine o quanto Ele precisa
cortar, lavrar, entalhar e lixar você!

23
A Ação da Cruz 3

E scolha a melhor parte

Como já comentamos, a moda evangélica atual é ser uma Igreja que


vence aqui na Terra. No conceito dos novos movimentos protestantes, um
crente bem-sucedido é aquele que possui bens materiais, tem sucesso pro-
fissional ou realiza uma obra que atrai muitas pessoas. Não estamos dizen-
do que o cristão não possa ter tudo isso. É logico que pode. Porém, na pers-
pectiva de Deus, não são essas coisas que determinam quanto temos dEle.

Temos que ter cuidado com certas teologias que estão sendo ensina-
das, especialmente no Brasil, pois trazem conceitos meramente humanos.
Há muitos ministérios importantes que têm nos levado a olhar para bai-
xo, para o que é terreno. Devemos olhar para o céu! A nossa casa não é
aqui. O Espírito Santo está tentando imprimir em nós novos valores, que
são infinitamente superiores.

Nem mesmo a obra que estamos fazendo em seu nome é tão impor-
tante quanto o Senhor. A Bíblia nos dá exemplo contanto que, certa vez,
Jesus chegou a uma casa na qual gostava muito de ir, de Marta, Maria
e Lázaro, na cidade de Betânia. Estando lá, uma das irmãs trabalhou o
tempo todo para atendê-lo, bem como à sua comitiva. Nós conhecemos
bem essa história, que está descrita em Lucas 10.

Naquele dia, Marta trabalhou muito. Podemos imaginá-la passando


ao lado de Maria e lhe pedindo ajuda. Ela precisava servir. Havia muita
gente para comer e o serviço se acumulava. Nada acontecia ao chamar sua
irmã. Até que não aguentou e tomou a decisão de falar sobre o assunto
com Jesus. Sabia que a outra não desobedeceria a uma ordem do Mestre.

Tal foi a sua surpresa ao ouvir: “Deixe-a. Maria escolheu a melhor


parte e essa parte não lhe será tirada!”. O que define um cristão, da pers-
pectiva do próprio Cristo, não é o quanto ele trabalha na obra, mas é o
quanto se esforça para tê-lo. Jesus estava ensinando a Marta que nada do
que se faz importa se não houver disposição para estar em sua presença.
Todos os feitos das nossas mãos serão escória do entalhe se não decidir-
mos nos sentar aos pés do Senhor e ouvir o que Ele espera de nós.

24
A Sabedoria lavrou suas sete colunas

Não precisamos fazer sua obra para sermos melhores. A missão de


Deus é consequência na vida de quem está em sua presença. É Ele quem
está fazendo e produzindo algo em nós. E, para tanto, tem um artista
chamado Espírito Santo, que faz o que é perfeito, mas só sabe esculpir um
único modelo, o de Jesus. A forma para a escultura é a Bíblia. Para isso,
vale repetir, é necessário que nos sentemos aos seus pés, para ouvir as suas
palavras e escolher a melhor parte.

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Capítulo 2
capítulo 2

Além da mediocridade

D urante toda a história da humanidade, a cada tempo, sempre ti-


vemos homens extraordinários que sobressaíam aos outros. Eles
possuíam habilidades que os distinguiam dos demais, tais como Salomão,
Gamaliel, Sócrates, Einstein. Ao longo dos séculos, o imaginário criou he-
róis como Hércules, Heitor, Aquiles e, mais recentemente, Superman, Ho-
mem-Aranha, Batman e mais um tanto. Isso demonstra que coletivamente
reconhecemos que há algo a mais para ser alcançado pela natureza humana.

Embora a maioria das pessoas deseje intimamente ser alguém melhor,


há quem se habitue a ser apenas mais um na multidão. Acostumamo-nos
com a nossa vidinha sossegada, com rotinas estabelecidas e sem correr
riscos. É sobre isto que queremos falar neste capítulo: Que é preciso que-
rer muito mais do que os olhos veem. É necessário anelar ardentemente
por ter viver acima da média, além da mediocridade.
A Ação da Cruz 3

O interessante é que o termo “homem medíocre” nos dá uma im-


pressão de que estamos falando de seres imbecis, de pouca capacidade
intelectual, faltos de raciocínio. Mas estamos tratando de pessoas com
mentes capacitadas, dotadas de suas faculdades mentais em perfeito es-
tado e que, no dia a dia, decidem ser inexpressivas. Elas simplesmente
escolhem andar na média.

Como estamos tratando da construção do verdadeiro caráter cristão,


precisamos aqui estabelecer uma linguagem que irá conduzir nosso pen-
samento em relação ao assunto. O objetivo do Senhor ao moldar isso
em nós é nos tornar perfeitos. Esse é o seu modelo. Jesus foi um homem
extraordinário. Aquele que almeja ser igual a Ele jamais pode conceber
ter uma vida abaixo desse padrão ou na média.

Irmãos, nós já experimentamos uma vida sem Ele, uma vida com Ele
e precisamos desesperadamente ter uma vida como a dEle. O nosso mo-
delo não nos faz extraordinários na fé. Os parâmetros humanos não nos
levarão para o céu. Se Deus se inquietou em nos ensinar um novo e vivo
caminho, então, que nos apeguemos a isso.

“O mel não seria doce se os aloés não nos ensinassem o paladar


da amargura; admiramos o voo da águia, porque conhecemos o
rastejar das serpentes; o gorjeio do rouxinol encanta mais depois
de se ter escutado o silvo da cascavel.”
José Ingenieros, 1953

Jesus alcançou um nível extraordinário de aperfeiçoamento. Tanto


que é estabelecido nas Escrituras como “a plenitude”, “a medida da esta-
tura perfeita” (Efésios 4:13). Assim sendo, é o nosso parâmetro, o nosso
modelo, como citamos. Em sua pessoa foi finalizada uma inquietude de
séculos, perseguida por toda a humanidade, a perfeição. Ele tinha o corpo
perfeito, a alma e o intelecto perfeitos, o espírito perfeito!

A verdade é que Jesus sobressaiu a todos de seu tempo não porque era
Deus, mas porque decidiu explorar a bênção de ser chamado “a imagem e
semelhança dEle”. Um privilégio que também eu e você possuímos. Mas

30
Além da mediocridade

a maioria de nós abnega-se a ser aquilo que o Senhor Criador espera,


preferindo a servidão da natureza caída.

Sermos a sua imagem nos ensina que parecemos com o Senhor e não
apenas fisicamente. Foi nos dado o direito de sermos eternos. A seme-
lhança fala de termos uma conduta irrepreensível. O padrão moral de Je-
sus é altíssimo. O da justiça excede a tudo o que conhecemos como justo.
A medida do seu amor é infinita e a sua misericórdia dura para sempre.

Imagine como é difícil atingir a esse padrão. Mas, se a Bíblia diz que
é possível, fiquemos firmes em perseguir. Daniel, mesmo na Babilônia,
conseguiu; Abraão, errante pelos desertos, também; Davi se arrependeu de
suas mediocridades e conquistou o título de “homem segundo o coração de
Deus”; os apóstolos alcançaram. E eu e você também chegaremos lá.

T rês tipos de homens

Podemos identificar três tipos de homens. Na verdade, a própria


Filosofia já os analisou, com outros termos. Estamos falando do “ho-
mem comum”, do “homem medíocre” e do “homem idealista ou sá-
bio”. Eles podem ser identificados de acordo com seu estilo de vida e
seu comportamento social.

O “homem comum” é destituído de virtudes. É “sem sal”, insosso. Não


se preocupa em dar sua opinião a respeito de nada. Ele mal sabe o que
está fazendo na Terra. Não consegue acompanhar o ritmo da sociedade.
Sua incapacidade de pensar o atrapalha de fazer coisas simples, como
organizar a rotina. E sequer se mantém em um emprego.

A maioria dos homens comuns (que não são muitos, se comparados


à quantidade de medíocres) vive abaixo da moral. Alguns estão até na
ilegalidade. Não conseguem construir uma família, pois o egoísmo ani-
malesco toma conta deles. São incapazes de amar. Aliás, se assemelham
muito aos animais. Agem com instintos primitivos aguçados. A aparência
é de humanos, mas o comportamento ainda é puramente instintivo.

31
A Ação da Cruz 3

Já o “homem medíocre” tem suas capacidades intelectuais intactas,


com poder de pensar e aprender. Porém, é alguém que decide, todos os
dias, viver sem brilho, sem força, sem esperança. Não constrói para o futu-
ro. É indiferente. Para ele, se a água correr para cima, está bom; se correr
para baixo, também está bom. Em sua visão, o curso das coisas tanto faz.

Esse tipo de pessoa não consegue amar nada e ninguém, além da-
queles que sejam de seu círculo íntimo. Aliás, em termos de amor, ele e o
homem comum praticamente empatam. É alguém que não age, apenas
reage na busca por aquilo que lhe dá prazer e saciedade de sentimentos.
É, por natureza, carente e suas relações pessoais são estabelecidas com
base nas suas necessidades e não na troca.

Como nunca ou raramente é procurado, ele vai ficando ferido. Uma


das características dos medíocres é que não têm amigos profundos. Quan-
to mais temos de Deus, mais somos capazes de fazer amizades profundas.
Por isso, o homem que anda na média tem pouquíssimos ou nenhum
relacionamento dessa natureza.

O medíocre maldiz as pessoas. E a maledicência é a conduta mais vil


do espírito humano. Não há nada mais baixo para alguém do que o ato
de difamar seu próximo. Esse tipo de homem tem como uma das carac-
terísticas a inveja, que precede a calúnia. Por não se dispor a alcançar um
padrão elevado, precisa apontar os defeitos alheios. Se não consegue che-
gar a um degrau mais alto, tem a necessidade de “derrubar” verbalmente
os outros para o mesmo nível em que ele próprio está.

Quem vive na média cala-se a respeito do bem e das coisas boas que
cada um possui. Sabe difamar, mas não consegue reconhecer virtudes nas
pessoas. É capaz de admirar uma ação infame de um inimigo, mas “quei-
ma” de inveja se alguém elogia o seu melhor amigo.

Devemos ficar atentos. Todas as vezes que apontamos as falhas de


alguém ou que julgamos o pecado do nosso irmão, estamos tento atitudes
medíocres. E o Senhor abomina isso. Até porque todo maledicente tam-
bém se vale da mentira. Uma pessoa assim mente como respira.

32
Além da mediocridade

A mentira para o medíocre é como se fosse seu próprio alimento. Ele


mente tanto que em seu coração aquilo passa a ser verdadeiro. No começo
das histórias sobre si ou algo, sabe que o que vai ser falado não é verdade,
mas acaba mentindo de novo e se convencendo de que assim o é. Cami-
nha em um mundo falso. Ele mesmo é falso!

O medíocre precisa se esconder o tempo todo. Ele vive envolvido em


uma casca feita de suas mentiras e pecados. É incapaz de ser transparente
e de andar na luz. Por isso, é muito perigoso. Se parece com um tipo de
bactéria, que cria em volta de si uma cápsula de proteína tão resistente
que você pode colocá-la na água e fervê-la por meia hora que ela conti-
nuará viva. É alguém difícil de ser quebrantado.

Diferente do homem comum, que não almeja conhecimento al-


gum, o medíocre até busca isso, mas com propósitos escondidos, escu-
sos. Apenas para interesses exclusivos. E se esconde sob mil disfarces.
Ninguém nunca sabe a máscara usada, pois ele sempre está muito bem
disfarçado. Quem lida com esse tipo de pessoa precisa ter cuidado, pois
há grandes chances de ser ludibriado.

Se estiver em um ambiente espiritual, esse homem é espiritual. Se o


ambiente é carnal, ele é “bife” puro. É camaleão, se adapta em qualquer
canto. Em um lugar onde uma piadinha mais apimentada é aceita, não
perde a oportunidade de contar a sua. Se estiver em um contexto religio-
so, se mostra como um cristão sério e assim por diante.

Uma das pessoas que mais gosta de elogios é o medíocre. Quando faz
algo, raramente presta, mas levanta a bandeira, chamando a atenção de
todos para a sua obra. Se não for elogiado, fica machucado. Ele é o que
chamamos de “almático”, ou seja, alguém que vive à flor das emoções.

Sua maior caraterística é ser alguém sem ideais. Não tem sonhos e,
por isso, se firma no que é pequeno. Se, por exemplo, conseguir um bom
emprego, deve passar a vida inteira empenhado em não perdê-lo. Não irá
arriscar nada além daquilo. Se comprar uma bicicleta, ao invés de tentar
ter uma moto, passará todos os dias polindo a conquista.

33
A Ação da Cruz 3

Certa vez, aconteceu uma história interessante com um soldado,


em Goiás. Décadas atrás, existia um sistema de vigilância que recrutava
homens para o trabalho de segurança pública. Essa prática chamava-se
“sentar praça”. Qualquer um que tivesse condições físicas sentava praça. E
estava lá um soldado raso. Ele passou anos sem conseguir uma promoção
e, por um motivo qualquer, se mudou para um lugar mais longe, onde
hoje é o Estado de Tocantins.

Até que, 25 anos depois de ter sentado praça, enfim, passou a ser
cabo. E um de seus amigos foi visitá-lo e o elogiou pela conquista. Ele
gabava-se de ter dormido pouco e conseguido a promoção. Duas décadas
e meia para elevar uma patente? Foi alguém que passou um terço de sua
vida acomodado por ter um sustento, sem buscar satisfação pessoal e cres-
cimento profissional. Esse é um bom exemplo de um homem medíocre.

Um bom medidor para saber se temos características medíocres é


como aqueles que nos cercam estão sendo influenciados. Quando as pes-
soas passam pelas nossas vidas, meia hora que seja ou um dia, elas pre-
cisam ser tocadas pela nossa essência. Talvez nem nos conheçam, mas
devem ver em nós algo que as atraia e as faça querer ficar perto.

Se ainda não estamos nesse nível, eis aí um indicador de que somos


homens na média, iguais a tantos outros. Ninguém quer ficar próximo
ao medíocre. Ele não tem o que oferecer. As pessoas buscam quem lhes
aponte um caminho, que tenha opiniões claras sobre fatos da vida e saiba
avaliar as diversas situações.

Não há motivos para querermos ser medíocres. A arte não os quer,


a história desconhece seus nomes, a música não busca neles inspiração.
Seus pensamentos não viram ensinos. Suas vidas não influenciam nin-
guém. Esses homens são apenas sombras e penumbras, que passam pelo
tempo sem que sejam notados. Por outro lado, eles temem que os insti-
guem para que sejam mais do que isso.

Para que um homem medíocre saia do estado em que se encontra, é


preciso um processo total de entrega. É necessária uma submissão intensa
à ação da cruz em seu caráter. Tem que haver uma cura profunda. Isso

34
Além da mediocridade

requer muito esforço em romper com uma vida de passado, totalmente


terrena. Afinal, Jesus veio nos ensinar a sermos eternos e a andarmos se-
gundo a glória do porvir.

Por sua vez, o “homem sábio” é aquele que vive acima da média da
sociedade. Ele é ávido por seus ideais e é inimigo da mediocridade. Suas
estruturas emocionais e físicas são constantemente preparadas para pros-
seguir, sem desistir daquilo que estabeleceu como meta na vida.

Sua conduta é inflexível e seu padrão moral sobrepõe a simplicidade


do “certo ou errado”. Ele percorre caminhos retos e justos. Não busca ata-
lhos para alcançar o que se propôs a fazer. Se as trilhas forem escarpadas,
se submete, pois sabe que, além delas, haverá lugares altos. É como um rio
violento, que abre caminho para a água passar. Seus pés estão no presente,
mas seus olhos no futuro.

O homem sábio jamais se acomoda a uma rotina. Apesar de saber a


importância do dinheiro, ignora a indústria da prosperidade. Sua nobreza
não está em acumular riquezas, mas em pensar em um futuro mais igual
para o seu semelhante. Quando faz o bem, não requer publicidade.

Aliás, ele é um apaixonado pelo gênero humano. Ao contrário dos


outros dois tipos de homem, o sábio consegue amar até quem lhe é desco-
nhecido, pois sua natureza é excelente. É uma pessoa que tem prazer em
destacar as virtudes do seu próximo. Vê qualidades em todos e é capaz de
discernir em cada um algo de bom, de positivo, de virtuoso.

Os sábios jamais começam empreendimentos que não vão terminar. Suas


obras não são apenas para si. Elas são perenes. Tocam as próximas gerações.
Alguns desses homens não terão seus nomes na história, mas a nobreza dos
seus comportamentos se multiplicará muitos anos depois de sua existência.

O homem comum se importa com coisas. O medíocre fala de pessoas.


E o sábio discute ideias. O primeiro mata para ter o que quer, o segundo
sequer tem qualquer desejo e o terceiro trabalha pacientemente para alcan-
çar seu ideal. Nessa ordem, um compra bilhetes de loteria, outro cuida de
seus interesses, mas aquele que conhece e busca a sabedoria adquire livros.

35
A Ação da Cruz 3

O sábio não se fere. Suas emoções são equilibradas. Se for criticado,


se torna grato, pois considera os outros superiores a si mesmo. Em uma
profunda afronta, fica emudecido. Ele busca ensinamentos em toda críti-
ca, pois sua alma anela a perfeição.

Outra característica de alguém sábio é possuir relacionamentos profun-


dos. Suas amizades duram até o final da vida e seus casamentos são estáveis.
Por ter aprendido a arte da tolerância, se torna bem-sucedido. É paciente em
ensinar os seus filhos. Tem paciência também com os jovens. Mais do que
isso, tem compaixão dos ignorantes e é misericordioso com os miseráveis.

Esse tipo de homem é enaltecido na Bíblia. Alguém de bom caráter e


de espírito tempestuoso pode até ser um gênio. Mas, para ser um sábio, é
preciso ter o temor do Senhor, pois Ele é o princípio de toda a sabedoria.
Sua marca é estar constantemente em busca de perfeição.

O céu não é para medíocres, mas para homens aperfeiçoados. É para


aqueles que se entregam para que sejam lavrados pela sabedoria de Cristo.
Esse processo é algo que irá doer, arrancará nossas seguranças, nos fará renun-
ciar, nos levará à humilhação, mas nos conduzirá também para a eternidade.

J esus , um idealista

Em uma análise filosófica, Jesus seria o que se chama de um homem


idealista. É assim considerado aquele cujos pensamentos estão à frente do
seu tempo e cujas atitudes e comportamentos estão acima do padrão. É o
tipo de pessoa que possui dentro de si uma inquietude que o impulsiona
a buscar o novo, que transcende uma vida medíocre.

Jesus foi o mais nobre entre todos os homens já existentes. Tal como
é característico dos idealistas, não se ludibriou com os prazeres da socie-
dade de sua época. Ele não se amoldou às regras de conduta que feriam o
seu próximo, como no caso da mulher prestes a sofrer um apedrejamento.
Também não deixou de curar porque era sábado. E não deixou de amar
porque alguém era pecador.

36
Além da mediocridade

O homem acima da média não deixa que seu espírito seja dominado
pelo ambiente em que nasceu. Sua nobreza independe de fatores exter-
nos. É diferente do que acontece com os medíocres, que costumam culpar
o seu nascimento, as circunstâncias e as pessoas por serem quem são.

Gostaria que analisasse a seguir uma bela história acontecida há mais


de 2 mil anos: Era outono, ventos secos sopravam. Já caía a noite e uma
estrela em especial cintilava avidamente. Uma jovem viajante grávida co-
meçava a sentir as primeiras contrações. O cansaço e o natural descon-
forto a sujeitaria a parar sua viagem. Seu nobre esposo procurou o melhor
lugar para que pudesse repousar. Ainda com todos os esforços, tudo que
conseguira foram seguidos “Não há vagas” nas hospedarias, pois algo im-
portante acontecia na região.

Um gentil hospedeiro se compadeceu de tal situação, mas nada podia


oferecer dentro de seu estabelecimento. Lembrou-se, porém, do estábulo.
O lugar não era confortável, mas aquela jovem mãe não daria à luz ao
relento. Ali, Maria teria o seu primogênito. Entre balidos de ovelhas e
mugidos de gado, o maior de todos os homens nasceria.

Miríades de anjos celebraram, homens importantes viajaram o orien-


te para ver aquele bebê. Um governador inescrupuloso, mas medroso de
perder o seu posto, procurava encontrar a criança, pois ouvira falar que
ele seria um rei. Outros eventos aconteceram naquela noite, mas o maior
deles foi que Jesus nasceu.

Agora, imagine comigo se Jesus fosse alguém ferido com as circuns-


tâncias que envolveram seu nascimento. Sua mãe quase deu à luz na via
pública. Ele nasceu em meio aos animais. Seu colchão macio foi o feno
e sua canção de ninar foram os ruídos dos bichos. Foi caçado para ser
morto. Aliás, por sua causa, outras crianças morreram.

Jesus poderia pensar: “Pobrezinho de mim! Nasci em um curral, mi-


nha pobre mãe ou meu pobre pai...”. Mas não! Ele não deu desculpas
para que não se tornasse um homem nobre. Ainda criança, decidiu ser
diferente dos demais. Aos 12 anos, já sabia declamar e explanar toda a
Torá. E argumentava com os letrados e os mestres de sua época.

37
A Ação da Cruz 3

Essa é a nobreza de um homem sábio, ou seja, não se dobra aos in-


fortúnios da vida. Ele tem um destino. Os processos aos quais se submete
- algumas vezes involuntariamente, outras de maneira voluntária - são
meios de aperfeiçoamento. Uma terra fértil só pode ser usada para o plan-
tio depois de trabalhada. O que é importante para esse tipo de pessoa é o
propósito para o qual nasceu e não a forma como nasceu.

“O povo que andava em trevas viu uma grande luz e sobre os que
habitavam na região da sombra da morte resplandeceu a luz...
Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu e o principado
está sobre os seus ombros e se chamará o seu nome: Maravilhoso,
Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz. Do
aumento deste principado e da paz não haverá fim, sobre o trono
de Davi e no seu reino, para o firmar e o fortificar com juízo e
com justiça, desde agora e para sempre; o zelo do Senhor dos Exér-
citos fará isso.”
Isaías 9:2,6 e 7

Sobre os ombros de Jesus está um principado, que começou com


uma manjedoura, o levou para uma cruz, lhe deu um trono à direita
do Pai e estabelecerá em breve um reinado de paz, que durará para a
eternidade. A sua obra foi em extremo grandiosa, porque seu caráter
foi em extremo perfeito.

Ele construiu dentro de pessoas um ideal eterno. Nelas, estabeleceu


uma convicção do Reino do Céu. Mesmo depois que partiu para a destra
do Pai, seus ensinamentos eram tão profundos que seus discípulos dariam
a vida para poder expandi-los. Que homem extraordinário!

Jesus foi o Deus que virou gente, para nos ensinar que é possível uma vida
além da mediocridade. Sua pessoa é para ser admirada. Seus passos, para se-
rem seguidos. Sua conduta, para ser imitada. Sua resiliência, para nos inspirar.

“Há uma medida para apreciar a genialidade. Se é legítima,


reconhece-se por sua obra, profunda em suas raízes e vasta em sua

38
Além da mediocridade

floração. Se é um poeta, canta um ideal; se é um sábio, o define; se


santo, ensina; se herói, o executa.”
José Ingenieros, 1953

O padrão da vida eterna é em extremo elevado. O céu não é um lugar


para medíocres. Que desejemos ardentemente uma nova postura. Busque-
mos com afinco mudanças profundas em nosso caráter. Já nos foi mostrado
o caminho da perfeição. Podemos ser pessoas melhores do que somos.

39
Capítulo 3
capítulo 3

Princípios de
restauração do caráter

N este capítulo, falaremos de alguns princípios essenciais na for-


mação do caráter de Jesus em nós. Para tanto, precisamos come-
çar com um entendimento: Isso só será possível se realmente quisermos,
pois a medida com que nos dedicamos a conhecê-lo é o quanto iremos
nos relacionar com Ele.

No nosso processo de busca pelo Senhor é que o Espírito Santo irá nos
moldar e nos deixar parecidos com Jesus. Tudo depende da nossa disposição
de caminhar com Ele e permanecer. É um caminho de cruz pura e a carne
não gosta disso. Mas, se realmente queremos servi-lo, não temos opção.

“Então, disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após
mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me;
A Ação da Cruz 3

porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á e quem


perder a sua vida por amor de mim achá-la-á.”
Mateus 16:24 e 25

Nas últimas décadas, muitas instituições que se intitulam Igrejas têm


deturpado o Cristianismo. Devemos ter muito temor em relação a isso.
Um Evangelho que exclui o “negar a si mesmo e tomar a cruz” não é con-
fiável. Os falsos profetas da atualidade estão ensinando sequencialmente
a troca do Deus justo pela distorcida ideia de um Pai abundantemente
abençoador e que requer pequenos “preços” para abençoar.

Muitos e muitos cristãos que se converteram de forma genuína têm en-


trado por caminhos que a Bíblia não aponta. Acabam saindo da rota inicial
por não conhecerem o que as Escrituras dizem a respeito da vida cristã. Então,
aceite um conselho: Não tenha outro manual a não ser a Palavra. Conheça-a,
ame-a, examine-a. Viva segundo o que ela aponta. Essa deve ser a sua bússola!

Deixe-me contar uma história que pode ilustrar muito sobre isso. Há
alguns anos, eu e meu irmão tomamos um avião de pequeno porte para
viajarmos de Aruanã até São Luís de Montes Belos. A distância entre
uma cidade e outra, ambas em Goiás, é de mais ou menos 300 quilôme-
tros. Erámos uns cinco passageiros mais o piloto naquela aeronave.

No passado, eu havia possuído um avião e sempre fazia aquele tipo de


viagem. Então, por experiência e por se tratar de um trecho curto, sabia
que não deveria demorar. Aproximando-se da hora de chegar a Montes
Belos, percebi que havia alguma coisa errada e perguntei ao piloto:

- O que está acontecendo? Deveríamos estar nos aproximando de


Montes Belos.
- A bússola está com um probleminha! - disse o piloto.
- Probleminha? Aqui não tem acostamento, não! – ainda brinquei.

Então, assumi o comando. Não da pilotagem, é claro, porque não sou


piloto. Mas estava óbvio que eu conhecia melhor aquele trecho do que
aquele homem. Passei algumas informações sobre o caminho e dei as ca-

44
Princípios de restauração do caráter

racterísticas de onde deveríamos estar. Graças a Deus, nos encontramos.


Logo chegamos a uma cidade que não tinha campo de pouso.

O piloto disse que estávamos em Iporá, também em Goiás. Como


bons goianos, eu e meu irmão sabíamos que não se tratava desse local.
Lindolfo estava sem paciência e com muita vontade de esganar aquele
rapaz. Nós estávamos em um lugar chamado Anicuns, cerca de mais de
200 quilômetros de distância de onde ele dissera.

Eu o orientei a acompanhar a estrada de Anicuns e a viajar sobre a


rodovia que ligava as cidades. Chegamos a Montes Belos já quase escure-
cendo, muito cansados de toda aquela tensão, mas muito aliviados porque
estávamos vivos. Antes de sair da aeronave, percebi que não tínhamos
combustível para mais 10 quilômetros de voo.

O que precisamos aprender com essa ilustração são três princípios


simples. Primeiro: Se a bússola estiver avariada, não se chegará ao destino.
Segundo: Cuidado quanto a quem você está confiando a sua vida. Tercei-
ro: É preciso conhecer o mapa do caminho para chegar onde se pretende.

É necessário conhecer as Escrituras. Um erro no início da caminhada


cristã ou uma bússola apontando para o lugar errado podem levar tudo a
perder. Existem muitos pastores e ministérios com as bússolas avariadas.
Cuidado! Examine o que você crê e pensa.

Se você, caro leitor, quer chegar ao céu, que é o seu destino conquistado
por Jesus, precisa examinar sua bússola. Cuidado com o Cristianismo que
promete prosperidade e não cruz. Nosso Deus é extremamente abençoador,
mas certamente não está preocupado em que colecionemos bênçãos.

Alguns ministérios já foram muito cheios de unção e da presença de


Deus, mas agora estão tentando barganhar coisas espirituais com moeda.
Ensinam o caminho do flagelo e não da renúncia. Propõem quantidade
de tudo e não qualidade: Novos membros, novos alvos de oferta, novas
congregações, mais dias de campanhas. Pode ser que alguém até tenha
sido tocado pelo Senhor dessas formas, mas o que nos levará para o céu é
uma conduta irrepreensível.

45
A Ação da Cruz 3

S ede pela verdade

Um aspecto fundamental para quem quer ter o caráter como o de


Jesus deve ser o intenso desejo de conhecer a verdade. Quanto mais al-
guém tem de Deus, mais se revolta ao contemplar a mentira e a injustiça.
Quanto mais perto do Senhor está, mais tem vontade de andar na luz. De
andar como Ele andou.

Andar na verdade requer que nos desnudemos. Precisamos de um


intenso desejo de caminhar assim. Para alguns, o difícil não é ser ver-
dadeiro, mas fazer isso do jeito certo, sem ferir ou magoar. Paulo nos
ensinou, em Efésios 4:15, a “falar a verdade em amor”, pois, sem isso,
trata-se de puro farisaísmo.

Precisamos ser libertos por Deus de nós mesmos, das deformidades


do nosso caráter. Quando analisarmos o que quer dizer “Até que todos
cheguemos ao pleno conhecimento dEle, do Filho de Deus” (Efésios
4:13), uma pergunta precisará gritar em nossos corações: Até onde ire-
mos para alcançar esse padrão?

Nós não sabemos a distância que estamos do verdadeiro Evangelho.


A pior condição de um cristão é quando está tudo bem, a vida virou festa
e não se tem nenhuma luta. É quando se faz campanhas do tipo “7 passos
para conquistar”, “21 dias para quebrar alguma coisa” e por aí vai. Então,
as pessoas têm a sensação de dever cumprido. Mas Cristianismo de fato
se faz com transformação de caráter, com mudança de conduta.

D isposição de mudança

Quando temos total disposição de dizer para Jesus que queremos al-
cançar a plenitude dEle, recebemos uma graça especial para buscá-la. Na
verdade, é Deus quem faz, através do Espírito Santo. O Senhor conhece
nosso coração e, conhecendo, nos conduz. Não é necessário ficar ansioso.

Nesse processo, cada caso é um caso. O Espírito Santo conhece o pro-


pósito para o qual nascemos e nos moldará da maneira como precisamos

46
Princípios de restauração do caráter

ser moldados. Aquele que começou a boa obra irá terminar. O Senhor
jamais inicia algo que não tenha a intenção de concluir.

C orrer riscos

À medida que o caráter de Jesus estiver sendo formado em nosso


interior, a fé crescerá. E cada vez mais. Esse é um processo em Deus, mas
que exigirá de nós uma postura firme e, algumas vezes, ilógica. A fé só
pode crescer conforme obedecemos ao Senhor, segundo as respostas que
damos a seus mandamentos e direções.

Por vezes, temos que tomar decisões não racionais nesse processo.
Na verdade, a fé sempre exige escolhas que estão longe do alcance de
nossa visão e fora do nosso controle. Ela precisa disso para se desenvolver.
Entenda isto: Na sua estrada, nunca haverá caminhos fáceis. Esqueça a
facilidade e continue dando passos. Após alguns anos, você perceberá o
quanto ficou mais semelhante a Jesus.

No ano de 2003, fui ao Tibete pela primeira vez. Lá, havia um obrei-
ro nativo cuidando de um trabalho com a cobertura da MCM (Missão
Cristã Mundial), organização que presido. Ele tinha se convertido fazia
algum tempo, mas nunca havia lido uma Bíblia. Na ocasião em que co-
nheci o rapaz, lhe dei alguns CDs com áudios do Novo Testamento. Ao
menos, poderia ouvir uma parte das Escrituras.

No Tibete, não se vende Bíblias, especialmente na capital, Lhasa, que


é muito vigiada pela guarda chinesa. O território é uma província da Chi-
na e é considerado um povo rebelde. Na verdade, isso até faz sentido, pois
os chineses invadiram e dominaram os tibetanos, que são em extremo
revoltados. Entrar na região é muito complicado. Só conseguimos fazê-lo
com pacotes turísticos fechados, com data de chegada e de partida.

Em 2008, foi realizado o primeiro Encontro Profético no Nepal. Como


os países são vizinhos, pensei em levar Bíblias para o Tibete. Comecei a me
organizar para transportar 29 Novos Testamentos na mala. Então, recebi

47
A Ação da Cruz 3

uma carta de uma irmã de Curitiba (PR), que nada sabia da minha inten-
ção em relação aos livros. Ela dizia para que eu fosse prudente nas minhas
decisões, pois a MCM ainda não estava preparada para ficar sem mim.

Eu entendi aquilo como uma direção e obedeci. Mas orei e tomei a deci-
são de levar uma Bíblia apenas para o meu obreiro, na sua língua pátria. Uma
instituição chamada Missões Horizonte traduziu as Escrituras para a língua
tibetana. A história deles é muito linda e edificante. Sugiro que leia o livro
“Deus Chegou ao Tibete” (Editora Horizontes, 2006). Vai edificar a sua fé.

Comprei a Bíblia tibetana. Ela era bem grossa, parecida com um dicio-
nário. Eu a amarrei no fundo da mala e coloquei as roupas por cima, além de
algumas fitas K7 com canções de adoração em tibetano. Também coloquei
a minha versão em inglês das Escrituras na mala de mão. Estaria, então, en-
trando em um país que proibia o uso da Bíblia levando duas delas comigo.

Do Nepal para o Tibete não é muito distante. Não foi um voo demo-
rado. Ao chegar ao aeroporto, o avião taxiou e desci próximo ao desem-
barque. Nesse período de tempo, comecei a adorar. Não pedi que Deus
me guardasse por causa das duas Bíblias. Eu sabia que poderia ser preso,
mas não pedi nada. Só adorei a Jesus.

Ao descer pela escada rolante, vi minha mala na esteira. Passei a ba-


gagem de mão pelo raio X e a guarda não pediu para que fosse aberta.
Resgatei a outra e, quando já estava com ela na mão, pediram para eu
passar pelo equipamento também. Quando passou, um oficial de uns 60
anos disse para pegá-la e colocar no balcão.

Fiz o que mandou, enquanto chegava uma senhora, também oficial,


de uns 45 anos. Ela me pediu para abrir a mala. Peguei a chave do cade-
ado e a abri. Tamanha foi minha surpresa quando vi tudo intacto, com as
roupas bem dobradas. De Kathmandu (Nepal) para Lhasa (Tibete) é um
voo de uma hora mais ou menos. Então, não tinha porque desarrumar
mesmo. Porém, a Bíblia que coloquei no fundo estava na parte de cima.

Eu amarrei bem amarrado. Não havia nenhuma possibilidade da Bíblia


sair de onde havia colocado. Mas ela estava sobre as roupas e sem amassá-

48
Princípios de restauração do caráter

-las. Somente um anjo poderia ter feito daquela forma. Olhei aquilo e no
meu interior uma voz falou alto: “Eu sou o Senhor do Tibete!”.

Estava vendo um milagre à minha frente. Alguém havia tirado, sol-


tado a Bíblia do fundo da mala e colocado em cima da roupa. Agora, o
Espírito Santo falava para mim que era o Senhor daquele lugar. O que eu
havia feito desde que sai do avião foi adorar e não parei. Sabia que tudo
poderia acontecer comigo, mas não cessei a minha adoração.

Aquela senhora pegou a Bíblia e a abriu em várias partes. Outros


oficiais passavam por perto, mas ninguém se interessou pelo caso. Eu vi
que estava ansiosa. No seu rosto, havia uma tensão. Ela folheava o livro,
olhava, lia, até que o deixou no balcão, fora da mala. Com educação, foi
abrindo cada peça de roupa de minha bagagem.

Eu havia levado também aquelas fitas K7, que, por sinal, recebi de
um irmão tibetano, que já havia sido preso e torturado até conseguir sair
do Tibete para o Nepal. Ele foi o nosso primeiro obreiro lá. E selecio-
nou músicas tibetanas de adoração. Agora, aquela mulher achava aqueles
objetos no meio de minha roupa. Ela leu os títulos, olhou para mim e
perguntou, em inglês:
- Canções?
E respondi:
- Canções!

A mulher disse apenas uma palavra e eu respondi. Até então, ela esta-
va tensa, com o rosto fechado. Por que não fez nenhuma pergunta a res-
peito da Bíblia? Por exemplo: “O senhor lê nessa língua?”. Não mentiria,
pois não leio em tibetano. Se questionasse o motivo de ter as Escrituras
na língua do Tibete, não poderia dizer que era para o meu uso pessoal. Se
isso acontecesse, me envolveria em uma complicação séria.

Aquela oficial apenas me perguntou se aquelas fitas K7 continham can-


ções. Ela as devolveu para a mala aberta, colocou a Bíblia junto e me disse:
- O senhor pode ir!

Fazia uns cinco minutos que aquela mulher analisava tudo, mas, quando

49
A Ação da Cruz 3

disse que eu poderia ir, o seu rosto se aliviou. Ela não sorriu, porém a tensão
desapareceu. Como oficial, estava para tomar uma decisão. Poderia me reter
para examinar aquelas questões, tanto as fitas de louvor a Deus quanto a Bí-
blia. Ou tinha a opção de me liberar. Foi o que fez. Quando vi o alívio no seu
rosto de paz, ouvi a voz lá dentro: “Eu sou o Senhor do Tibete!”.

Tenho visto muitos desses milagres nas nações. Eu vivi aquilo tudo
diante de mim. Não teria como uma Bíblia bem amarrada no fundo da
mala estar em cima da roupa e sem amassá-la. Depois de uma viagem de
centenas de quilômetros? Seria impossível. Estava vivendo aquela situa-
ção bem na minha frente.

Então, às vezes, teremos que tomar decisões difíceis, quase irracionais.


Sigamos os passos que Deus mandou, porque na vida cristã é tudo pela
fé. E, quando fizermos o que Jesus mandou fazer e dermos esses passos,
saberemos que o Senhor fará a sua parte.

Naquela estação no Tibete, a temperatura chegava a zero grau. Aque-


le é um país lindíssimo, mas muito frio. Fiquei pensando: “E se for detido
nesse gelo?”. Lá, eles não costumam dar cobertor para os presos e eu sou
friorento. Em três dias, estaria morto.

Arrisque, dê passos de fé. Mas não ande sozinho. É preciso ter uma paz
100%. Iria levar quase 30 Novos Testamentos. Por causa de uma palavra de
sabedoria, retrocedi e corri somente o risco que Deus queria que eu corresse.

H onestidade

Ser honesto, às vezes, complica a vida. E custa mais. Procure pagar


cada centavo que estiver devendo. Não defraude. Vai ficar mais caro? Vai.
Não seja daquelas pessoas que deixam portas erradas abertas. Situações
virão ao longo da vida, porque é no decorrer dela que se gera um conceito
da sociedade ao seu respeito.

Vamos supor que durante 20 anos foram atados vários nós. Não estou
nem falando de pecados, mas de embaraços e situações pendentes. Ser

50
Princípios de restauração do caráter

honesto complica. E dizer a verdade chega a atrapalhar a vida da gente.


Mas, quando falamos de caráter de Jesus, estamos falando também de
perfeição, que é o proposito de Deus para cada um de nós.

D isposição de cura

Para alcançarmos um caráter perfeito, precisamos entender que o Se-


nhor usa alguns processos para nos curar. E, em determinadas situações,
vemos isso como castigo. Ele até nos castiga, mas não é o seu prazer. Para
qualquer pai amoroso, o ideal seria que um filho nunca precisasse ser
corrigido. É por amor que se aplica a disciplina.

A alegria do Senhor é curar nosso corpo, alma e espírito. Quem se


dispor irá contemplar o Espírito Santo fazer uma obra perfeita. Todos
nós, de alguma forma, sabemos o que é ter um machucado. Se ele infla-
mar ou infeccionar, o processo de cicatrização é mais dolorido. É preciso
abrir a ferida e colocar remédio.

Curar não é confortável. Mas toda ferida que não se fecha sozinha
ou não é tratada pode virar um câncer. É muito mais vantajoso sermos
tratados, ainda que seja desconfortável, do que apodrecermos sem que
experimentemos uma vida saudável.

D isposição para morrer

Quando se fala para um cristão genuíno sobre ter disposição de mor-


rer, o primeiro pensamento que vem é o de ser um mártir por amor ao
Evangelho. É claro que devemos ter em nosso coração a pretensão dessa
atitude, se um dia ela for necessária. Porém, queremos aqui falar a respeito
da morte de nossa vontade.

Morrer para a vontade da nossa carne é um estágio de maturidade a


ser alcançado. E não nos referimos apenas à morte para o pecado. Negar
atitudes pecaminosas e viver em santidade são deveres de quem nasceu

51
A Ação da Cruz 3

de novo. Mas estamos falando de abrir mão de ter razão sempre, de re-
nunciar ao direito de possuir algo. Falamos do ato de obedecer, mesmo
quando não queremos. De nos calar quando não precisaríamos fazê-lo.

Na verdade, como já citamos, ter algo sublime e perfeito como o caráter


de Jesus irá nos custar. Algumas vezes, isso custará a nossa própria vida.
Outras vezes, exigirá renúncias. Talvez de relacionamentos que não estejam
na vontade de Deus ou de sonhos e objetivos que não se enquadrem nos
propósitos do Senhor para nós. Quem sabe um dia você pode ouvir, como
Abraão ouviu, em Gênesis 12:1: “Sai da tua terra, da tua parentela!”.

Ainda que seja doído para a carne e para a vontade, decisões como
as citadas no parágrafo anterior têm um valor que pode ecoar pela eter-
nidade. Para ilustrar a afirmação, vamos usar o exemplo da pérola, que é
a única pedra preciosa feita de sofrimento e morte. Para que a joia seja
formada, a ostra tem que morrer. Ela é um molusco comum, mas acaba se
tornando portadora de algo muito valioso.

Em certo momento da vida, a ostra abre sua concha e, por algum


acidente, um grão minúsculo de areia entra. É formada uma irritação, que
vira uma inflamação. O seu próprio organismo produz uma substância
chamada “nácar”. Essa pequena química no seu interior forma a pérola.
O molusco sofre e morre, mas a pedra preciosa é produzida.

Assim é o processo de Deus em nós. Ele coloca em nosso caminho


instrumentos para tratar conosco. São as fontes de irritação. E precisamos
disso. Necessitamos de situações e pessoas para tratar com nossa paciên-
cia, capacidade de perdoar e longanimidade.

É Jesus quem manda essas pessoas para que tratem nossas vidas.
Como a longanimidade será desenvolvida em nós? Como o amor de
Deus irá se aperfeiçoar? Como seremos transformados em pérolas de
alto valor? É preciso passar por esse tratamento, que podemos chamar de
“processo da irritação”.

Jesus não veio construir prédios, mas relacionamentos. Construa ao


longo de sua vida relações profundas e duradouras. Todas as pessoas com

52
Princípios de restauração do caráter

dificuldade de estabelecer isso têm problemas sérios no caráter, os quais


estão ligados com amarguras e falta de perdão.

Quanto mais você crescer no Senhor e o caráter dEle for sendo for-
mado em sua vida, mais será capaz de possuir relacionamentos duradou-
ros e profundos. Jesus criou relacionamentos e não instituições. Estas
afastam as pessoas, estabelecem um sistema de poder onde alguns man-
dam e outros obedecem e não geram amizades.

Ao criar relacionamentos, Jesus ensinou amizade, companheirismo


e lealdade. Não precisou de regras para que fosse seguido. Apontou um
caminho perfeito a ser percorrido, pelo seu próprio exemplo. E estabe-
leceu dentro das pessoas o Reino de Deus, sem construir paredes. O que
Ele transmitiu há mais de 2 mil anos vem sendo passado de geração em
geração.

Você lembra quem foram os amigos de Jesus? Certamente, no pro-


cesso de perfeição do seu caráter, Ele passou pelas provas de suportar as
imperfeições de seus companheiros. Não temos relatos do humor de cada
um, mas, pelo temperamento descrito nas atitudes de alguns no Novo
Testamento, imagina-se que não deve ter sido fácil. Ao final, o Filho foi
aprovado pelo Pai.

A bandonar a mentira

As mentiras são os lugares mais fáceis para onde corremos. Elas nos
dão sentimento de segurança e são as fortalezas de nossas mentes onde
nos escondemos. Muitas pessoas agem assim com Deus. No Éden, Adão
ainda não tinha descoberto as ramificações do pecado. Como não sabia
mentir, se escondeu.

Descubra se você está mentindo, deixe Jesus curar sua vida e tenha
liberdade plena na presença do Pai. Às vezes, as pessoas mentem porque
é mais seguro. Na realidade, elas têm a falsa sensação de segurança. Falar a
verdade pode até custar caro, mas nos levará a perfeição. Sugiro que você

53
A Ação da Cruz 3

leia um de nossos livros, chamado “Uma Única Verdade - 20 Maneiras


pelas quais Mentimos” (MCM Publicações, 2011).

Não precisamos de seguranças. A fé cresce exatamente nas incertezas.


Entre por caminhos que você ainda não andou e abra novas perspectivas.
Imprima isso no seu espírito e no seu coração. Esqueça as coisas fáceis.
Elas existem, mas não devem ser sua decisão. A formação do seu caráter
não passa por aí. Não vá pelos atalhos.

A valiar as fontes

Um ponto importante para quem quer mudança de caráter é saber


que nem tudo em que se acredita é verdade. Pode ser que um de nós tenha
sido ensinado de maneira equivocada sobre determinado assunto funda-
mental para o crescimento cristão. Vejamos um exemplo: Já “provei” pela
Bíblia que não existia mais oração em línguas. Hoje, não só acredito como
oro em línguas constantemente. Esteja livre para mudar e tome cuidado
para não ficar enrijecido por doutrinas de homens.

Primeiramente, reexamine aquilo que pensa e ouve. De repente, você


está ouvindo e obedecendo comandos de pessoas que não estão alinha-
das com a Palavra. Como dissemos no inicio, há muitos ministérios com
suas “bússolas” avariadas. Pensam estar fazendo a coisa certa, mas estão
trilhando um caminho que não irá chegar ao céu.

Não se engane, meu irmão! A vida cristã é de cruz, não de bênçãos.


É claro que Deus quer nos abençoar, mas o principal propósito para o
qual nascemos não é que sejamos ricos e tenhamos uma vida altamente
confortável. Se acontecer dessa maneira, tudo bem. Se não acontecer, não
podemos gastar as nossas energias e vigor correndo atrás disso, empe-
nhando nossa fé nesse foco. Nascemos para manifestar a gloria de Deus e
fazer o nome de Jesus conhecido.

Há algum tempo, estive no Sudão e, para me recepcionar, a equipe lo-


cal e o grupo de órfãos acolhidos pela MCM fizeram uma apresentação.

54
Princípios de restauração do caráter

Eles entraram cantando e dançando a música “Amazing Grace”, de John


Newton. Expressavam toda sua gratidão e alegria porque tinham um lar
e um bocado de pão todos os dias. E se alegravam por serem escolhidos
de Deus para estar ali.

Quando vi aquela cena, tive um pensamento: “Não morri direito!”.


Quantas vezes esquecemos o preço da cruz? E como a Igreja brasileira se
embaraça com as coisas dessa Terra! Quantas pessoas estão por aí adqui-
rindo seus “tijolos sagrados” para conquistar uma casa? Quantos copos de
água ungido, flores consagradas, chaves das vitórias vamos precisar para
saciar nosso anseio de prosperidade?

Sendo filhos de pais mortos pelas guerras, aquelas crianças do Sudão


vivem em grupos e só tem uma à outra para viver. Até pouco tempo antes,
aqueles pequenos sudaneses que me recepcionaram estavam morrendo de
fome, fugindo da violência do exército e das militâncias. Muitas meninas
eram seguidamente estupradas. E nós aqui no Brasil nos embaraçando
com campanhas intermináveis para acumularmos mais do que já temos.

O próprio Jesus disse, em Mateus 8:20 que “o Filho do Homem não


tinha onde reclinar a cabeça”. Não estamos fazendo apologia de que os
crentes precisam ter uma vida franciscana. Não é isso! O que se está di-
zendo é que ou a Igreja desperta para cumprir o seu papel na Terra ou irá
pagar um alto preço. Individualmente falando, você precisa se mover de
compaixão pelos perdidos, como Ele andou.

A compaixão faz parte da natureza do Senhor. Se quisermos segui-lo,


precisamos ser compassivos. O Evangelho que valoriza estruturas e não
gente não é o verdadeiro. Ninguém na Terra teve um testemunho mais
extraordinário do que Jesus, que nunca levantou uma parede. Tudo o que
construiu foi dentro de pessoas. Então, abandone aquilo que não deixa
com que você se pareça com Ele. E se afaste do que te leva para longe do
Cristianismo genuíno.

"Em nada considero minha vida por preciosa para mim mesmo,
contanto que complete minha carreira e o ministério que recebi do

55
A Ação da Cruz 3

Senhor Jesus para testemunhar o Evangelho da graça de Deus."


Atos 20:24

Durante um determinado período, Elias bebeu da fonte de Queriti,


mas o ribeiro foi secando, secando e secando. Ele precisou decidir, ou ia
embora para outro lugar ou morria de sede, como vemos em 1 Reis 17.
Há verdades em que caminhamos por um tempo, mas o Espírito Santo é
dinâmico e quer nos levar a um novo nível. Não podemos viver na teimo-
sia de andar em entendimentos antigos, que não nos sustentam mais. O
Senhor tem revelações novas.

56
Capítulo 4
capítulo 4

Arrependimento e
confissão

V imos anteriormente exemplos de princípios na construção do


caráter de Jesus em nós. Há alguns fundamentais, aos quais pre-
cisamos dar uma atenção maior. Sem eles, se torna impossível qualquer
ação do Espírito Santo, pois são elementos primordiais na vida de quem
quer seguir ao Senhor.

Quando aceitamos a Jesus como nosso único e suficiente Salvador,


todos os nossos pecados são perdoados, os passados, os presentes e os
futuros. Nosso nome é escrito no livro da vida. Isso se chama salvação. E
só a perdemos se quisermos viver longe do Senhor e se decidirmos ir com
os próprios pés para o inferno. Esse é um fato consumado.

Não quer dizer que nunca mais iremos pecar. Por causa da natureza
humana, ainda pecamos. Mas isso não deve ser uma prática em nossas
A Ação da Cruz 3

vidas. Se pecarmos, tem que ser acidental, fruto de um deslize e não de


um hábito, não de uma rotina.

A rrependimento

Para falarmos de arrependimento, precisamos conceituar o que ele


significa. Primeiramente, é uma profunda consciência de que os nossos
atos pecaminosos nos afastaram de Deus. Em segundo lugar, alguém ar-
rependido tem o ardente desejo de corrigir a rota. A evidência disso é um
profundo quebrantamento. E em terceiro, há um esforço para mudança
de atitude em relação ao pecado e às pessoas contra quem pecou.

Porém, para que o arrependimento aconteça, é necessário conhecer-


mos a conduta correta em relação ao pecado. Por exemplo, na sociedade,
algumas regras já são estabelecidas naturalmente. Sabemos que não é lí-
cito furtar. Para a lei, quem comete um furto corre o risco de ser preso.
E quem agride fisicamente tem que pagar por isso. Esses são conceitos
básicos do que é certo e errado.

Na caminhada da fé, precisamos saber qual é a vontade do Pai para as


nossas vidas. E arrependimento é quando temos a clareza de que não agi-
mos segundo o que Ele espera de nós e desejamos ardentemente corrigir
isso. Por essa razão é que há a necessidade de examinarmos as Escrituras.
Ela é o nosso manual da vida cristã.

Para que cheguemos ao estado de arrependimento, é preciso o con-


fronto com a verdade. Nós só teremos consciência de que nossas atitudes
estão incorretas se conhecermos o padrão que Deus tem para elas. Quan-
do nos deparamos com as verdades espirituais, com os princípios bíblicos
estabelecidos desde a eternidade, somos levados à libertação.

No Antigo Testamento, temos alguns exemplos sobre o que estamos


falando. No período dos reis que vieram após Davi, houve muitos desvios
de Israel em relação ao que o Senhor havia estabelecido para a nação andar.
Em consequência, aquele povo experimentava frieza espiritual, prostituição
da fé através do envolvimento com práticas pagãs, miséria e cativeiro.

60
Arrependimento e confissão

Alguns reis, como Ezequias e Josias, perceberam que a nação que


governavam estava um caos, longe dos parâmetros que haviam sido es-
tabelecidos para andarem. Então, o primeiro passo que deram em seus
respectivos reinados foi examinar na lei que atitudes o Senhor esperava.
Depois disso, experimentaram um profundo quebrantamento. E, por fim,
veio a decisão de exterminar tudo aquilo que desagradava a Deus.

“E o rei se pôs em pé junto à coluna e fez a aliança perante o Se-


nhor, para seguirem o Senhor e guardarem os seus mandamentos,
os seus testemunhos e os seus estatutos, com todo o coração e com
toda a alma, confirmando as palavras desta aliança, que estavam
escritas naquele livro; e todo o povo apoiou esta aliança.”
2 Reis 23:3

O quebrantamento é fundamental no processo de arrependimento.


Ele é uma tristeza que alguém tem por causar dano à outra pessoa ou
ao Espírito Santo. É um temor desesperador de ser rejeitado por Deus e
não poder mais ter comunhão com Ele. É uma profunda necessidade de
ser diferente do que é. É um inconformismo por estar fora do padrão, ao
ponto de causar angústia e levar à humilhação.

A Bíblia declara, pela vida de Davi, que Deus não rejeita aquele que se
quebranta. A história do pecado desse rei é bem conhecida. Ele caiu em adul-
tério e depois, para esconder o seu erro, agiu de maneira vil, matando um
homem. Mas, ao ser confrontado pelo profeta Natã, tomou consciência do
que havia feito de errado, se quebrantou e se humilhou diante do Senhor.

“Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; a um


coração compungido não desprezarás, ó Deus.”
Salmos 51:17

Esse trecho bíblico confirma o que falamos sobre como Deus se move
em relação àquele que se quebranta. Mas também nos ensina que não é
pelas próprias atitudes que somos perdoados. Não há nada em nós mes-
mos que produza graça e misericórdia, atributos do Senhor que nos al-

61
A Ação da Cruz 3

cançam, independente de quem somos ou do que fazemos. Não existem


obras que nossas mãos possam executar que perdoem nossos pecados. O
que gera o perdão é o arrependimento.

Arrepender-se também é uma mudança de atitude em relação ao pe-


cado. É uma transformação genuína. Quem chora e se desespera, mas não
muda não experimentou de fato um arrependimento e sim um remorso.
O arrependido passa a ter uma conduta diferente. Ele dá passos para isso.
Ainda que lhe custe a própria vida, luta para não cair mais no mesmo erro.

Davi experimentou todas as consequências de seu pecado. É válido


lembrar que o arrependimento e o perdão de Deus não apagam os resul-
tados naturais de nossos erros. Na verdade, o que essas decisões fazem é
promover a nossa reconciliação com o Pai. Imagine, por exemplo, alguém
que tenha caído em tentação fora do casamento e tal ato tenha gerado um
filho. Ainda que a pessoa seja perdoada pelo Senhor e seu cônjuge, precisa
arcar com a situação e dar assistência à criança.

O coração genuinamente arrependido aceita as consequências. O que


ele não consegue é viver sem estar reconciliado com Deus. Davi caiu em
adultério e pecou de outras formas para esconder o seu erro. Mas, depois
de confrontado, nunca mais cometeu nesses pecados. Ele buscou inces-
santemente um lugar irrepreensível nessas áreas. O Salmo 51 expressa
essa atitude do rei:

“Esconde o rosto dos meus pecados e apaga todas as minhas ini-


quidades. Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro
de mim um espírito inabalável. Não me repulses da tua presença
nem retires de mim o teu Santo Espírito.”
Salmo 51:9-11

Chega de lutarmos com os mesmos erros todos os dias. Não foi


para isso que Jesus conquistou a anulação de nossas culpas na cruz. Foi
para que tivéssemos poder de vencer o pecado e que ele não tivesse
mais domínio sobre nós.

62
Arrependimento e confissão

C onfissão

A confissão é o ato de falar reconhecendo um erro, uma falta contra


Deus ou alguém. É trazer à luz aspectos escondidos do caráter e situações
pecaminosas que se amontoaram por um período de tempo e que gera-
ram prejuízos para a caminhada cristã. Ou ainda que tenham provocado
injustiça para com outro irmão.

Confessar pecados a Deus fala de uma purificação e é fruto de um arre-


pendimento genuíno. Não se trata de uma oração forjada, cheia de autoco-
miseração, para que o Senhor tenha pena de nós. Nem é um momento de
justificativas e desculpas, muito menos uma declaração da culpa de terceiros
em relação à nossa queda. A confissão é sim uma condição de rendição e de
reconhecimento do erro, em uma afirmação de que, embora merecêssemos
a morte, se pudermos, ainda queremos nos acertar com o Pai.

“Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos per-
doar os pecados e nos purificar de toda a injustiça.”
1 João 1:9

A Bíblia nos ensina que, quando pecamos, devemos confessar a Deus.


É preciso também que haja confissão a quem ofendemos. E ainda é ne-
cessário que confessemos uns aos outros, para sermos sarados de nossas
faltas. Precisamos ter companheiros de jugo, que estejam dispostos a ou-
vir sobre as nossas faltas, sejam elas quais forem, e a orar por nós.

“Confessai as vossas culpas uns aos outros e orai uns pelos outros, para
que sareis. A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos.”
Tiago 5:16

Vamos a um exemplo simples e corriqueiro, em que um marido ofen-


de sua esposa. Ele a trata mal, fere sua alma, peca contra ela. Ao invés de
confessar que errou, espera o problema acalmar. Depois de uma semana,
a mulher está mais calma e a situação passou. Após uns dias, pode ser que

63
A Ação da Cruz 3

aquela prática se repita. Isso vai causando um envenenamento no relacio-


namento do casal, por falta de confissão de ambas as partes.

É estatístico que 90% das crises matrimoniais surgem nos 10 primei-


ros anos de casamento. A partir do momento em que começa a morar
junto, o casal acaba acumulando pequenas ofensas, até que um dos dois
chegue ao limite da tolerância e diga: “Não aguento mais esse homem!”.
Ou: “Não aguento mais essa mulher”. E algumas situações vão sendo
provocadas. Por exemplo, param de se falar cordialmente, se tornam indi-
ferentes, passam a dormir em camas separadas. Dessa forma, a separação
acontece e, em seguida, o divórcio. Tudo porque não houve confissões.

Quem ofende comete injustiça. Se confessa para a outra pessoa e pede


perdão, também deve buscar uma mudança de atitude em relação à falta
cometida. E não basta confessar sem mudar. Confissão sem o estabeleci-
mento de uma nova rota não gera vida e não funciona nem em relação a
Deus nem em relação aos homens. O erro se torna um círculo vicioso e é
ainda mais danoso.

É a mudança de atitude que indica que houve arrependimento. Aliás,


se não confessamos nossas falhas, perante o Senhor permanecemos na
imundície do pecado. Até nossas orações se tornam inúteis, pois é criado
um bloqueio no mundo espiritual. Tudo o que o diabo quer é que não re-
conheçamos nossos erros, pois isso nos deixa à mercê dele. Na perspectiva
de Deus, a falta de confissão é algo tão sério que nos torna desabilitados a
participar de sua Ceia. Veja o que Paulo escreveu a esse respeito:

“Portanto, qualquer que comer este pão ou beber o cálice do Senhor in-
dignamente será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se,
pois, o homem a si mesmo e assim coma deste pão e beba deste cálice.”
1 Coríntios 11:27 e 28

Tomar a Ceia sem confessar pecados é o que a Bíblia chama de “indig-


namente”. Quando um cristão faz isso, se torna réu do corpo do Senhor,
acarretando um prejuízo espiritual sem tamanho. Alguém que age assim
pode morrer literalmente e espiritualmente. Pode ficar fraco e doente.
64
Arrependimento e confissão

Assim, em uma Igreja só podem participar da Ceia aqueles que re-


almente estiverem em santificação. Por exemplo, um não dizimista não
pode fazer parte desse momento. Como partilhar algo tão sério com al-
guém que a Bíblia chama de ladrão? Não é que a pessoa não possa nunca
participar disso. Poderá fazê-lo se confessar e abandonar as práticas de
pecado. É uma proteção para ela.

Não tome a Ceia sem antes resolver todos os seus problemas do


presente e do passado. A falta de confissão é tudo o que o diabo pre-
cisa para lançar enfermidades físicas, destruição financeira, doenças
emocionais, etc. Então, se pecar, confesse a quem ofendeu. E o mais
rápido possível, pois, se não o fizer, será criada uma brecha no mundo
espiritual, que só será quebrada quando confessar. Em situações assim,
pessoas passam aperto e nada o Senhor pode fazer para socorrê-las,
pois o inimigo tem legalidade para agir.

Um dos Salmos de Davi nos ensina como uma pessoa pode ficar do-
ente de morte por causa da falta de confissão. Mostra também como al-
guém é curado ao decidir confessar. Acompanhe o texto na íntegra:

“Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada e cujo pecado


é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não impu-
ta maldade e em cujo espírito não há engano. Quando eu guardei
silêncio, envelheceram os meus ossos pelo meu bramido em todo o
dia. Porque de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; o meu
humor se tornou em sequidão de estio. Confessei-te o meu pecado e
a minha maldade não encobri. Dizia eu: Confessarei ao Senhor as
minhas transgressões; e tu perdoaste a maldade do meu pecado. Por
isso, todo aquele que é santo orará a ti, a tempo de te poder achar;
até no transbordar de muitas águas, estas não lhe chegarão. Tu és o
lugar em que me escondo; tu me preservas da angústia; tu me cinges
de alegres cantos de livramento. Instruir-te-ei e ensinar-te-ei o
caminho que deves seguir; guiar-te-ei com os meus olhos. Não sejais
como o cavalo nem como a mula, que não têm entendimento, cuja
boca precisa de cabresto e freio para que não se cheguem a ti. O ím-
pio tem muitas dores, mas aquele que confia no Senhor, a misericór-

65
A Ação da Cruz 3

dia o cercará. Alegrai-vos no Senhor e regozijai-vos, vós, os justos; e


cantai alegremente, todos vós que sois retos de coração.”
Salmos 32

Outro aspecto relevante é trazermos à memória fatos do passado que,


de alguma forma, criaram uma condição de injustiça. Com certeza, ti-
vemos circunstâncias anteriores que causaram desconforto ou prejuízo
para alguém. Essas situações precisam ser resolvidas, para que os pecados
oriundos delas sejam apagados. Veja:

“Lembra-te, pois, de onde caíste, arrepende-te e pratica as primei-


ras obras; quando não, brevemente a ti virei e tirarei do seu lugar
o teu castiçal, se não te arrependeres.”
Apocalipse 2:5

Esse é um dos textos mais importantes com relação à confissão. Por


uma grande quantidade de vezes, a Bíblia diz “lembra-te”. Então, trazer
à memória fatos do passado é um assunto muito relevante. As Escrituras
nos ensinam isso, pois é certo que situações passadas podem nos parar,
nos travar e interromper um caminhar com Deus. Em circunstâncias as-
sim, você pode ser o autor ou a vítima, o ofensor ou o ofendido.

Quando era menino, brigava bastante. Era uma criança que vivia
brincando na rua. Tanto apanhava como batia muito, ao ponto de
chegar a minha casa até mesmo com o nariz machucado. Um dia levei
uma surra do Joaquim Perereca. Foi uma boa surra! Ele era chamado
assim porque tinha os braços muito compridos. Era mais forte e maior
do que eu, que era magrinho.

A situação provocou uma mágoa terrível dentro de mim. Se eu pu-


desse, compraria um revólver e mataria o Joaquim Perereca. O rancor era
muito grande, o suficiente para matá-lo. Como estudávamos no mesmo
grupo escolar, planejei como machucar aquele garoto. Peguei uma chave
de ferro e disse que bateria com ela na sua cabeça. Mas tive que perdoá-lo
e resolver as ofensas que cometi.

66
Arrependimento e confissão

Esse episódio foi citado para mostrar que cada um de nós pode ter
passado por algum tipo de agressão. Fomos ofendidos, mas, por vezes, fo-
mos ofensores. Talvez alguém que esteja lendo este livro já tenha matado
uma pessoa. Até aqui, o crime pode estar somente entre a pessoa e Deus e
ninguém mais sabe. Pode ser que a história tenha a ver com aquele corpo
que apareceu no rio sem explicação e que, mesmo após investigação, não
tenham encontrado o autor. Ou quem sabe ainda existam os restos mor-
tais da vítima em um lugar secreto.

Agora você se converteu e pensa: “Graças a Deus que eu me converti.


Vou confessar a Ele e retirar esse peso dos ombros!”. Sim, precisa dizer tudo
ao Senhor, mas vá acertar seu passado! Chegue ao delegado de polícia e diga
que é o responsável. Sofra o dano. Vá para a cadeia, mas não vá para o inferno!

Estamos dando o exemplo de um crime de homicídio. Mas quem


sabe a pessoa que está lendo já praticou pedofilia ou estupro. Ou cau-
sou um desfalque e ninguém ficou sabendo. Todos nós temos que prestar
contas do nosso passado. Lembre-se que o Senhor é fiel e justo para nos
perdoar e nos purificar. Nada lhe é oculto, Ele já sabe. O que quer é ver o
quanto nos dispomos a ser puros.

Na minha adolescência, não existia televisão e íamos ao cinema para


ver o Tarzan ou o Zorro. Meu pai era um homem de posses, mas não
me dava dinheiro. Ele me dizia que, se quisesse, teria que trabalhar. Para
garantir a entrada nas sessões de filmes, eu vendia bolo no centro da cida-
de em que morava, Goiás Velho (GO), hoje tombada como patrimônio
histórico da humanidade.

Em frente à nossa casa, havia uma mulher que fazia bolo de arroz e
entrei em um acordo com ela. Eu levantava cedo, colocava o tabuleiro na
cabeça e saia vendendo. Vendia tudo, para ver o filme. Quando não fazia
isso, vendia banana, caju. Mas, às vezes, quando chegava sábado, o dinhei-
ro não era o suficiente para comprar o ingresso.

Naquele tempo, ter uma revistinha nova do Pato Donald era “dinhei-
ro no caixa”. Fazíamos negociação de revistas na porta do cinema. E,
algumas vezes, quando não conseguíamos o valor necessário, suborná-

67
A Ação da Cruz 3

vamos o porteiro. Juntávamos uns três ou quatro colegas, dávamos o que


tínhamos e entravámos sem passar pela catraca.

Próximo ao cinema, havia uma banca de revistas de um homem que


atendia pelo apelido de Japuaçu. Eu entrava ali e fica com uma revis-
tinha do Pato Donald na mão e, quando tinha bastante gente, pegava
mais umas três ou quatro. Como o dono estava distraído com os outros
clientes, pagava a primeira e ia embora com as outras, que venderia para
garantir o dinheiro do ingresso do Tarzan ou Zorro.

Quando me converti, em Goiânia (GO), e comecei a ter consciência


de arrependimento e confissão, me senti constrangido a ir buscar con-
serto. Fui até Goiás Velho, para acertar as revistinhas do Japuaçu. Eu o
procurei por todos os lugares que pude, mas ninguém soube me dizer
nada dele. Então, pedi que o Senhor me cobrisse com o seu sangue, pois,
se algum dia o encontrasse, pagaria o que devia.

O que você fez no passado e precisa zerar? Se o desejo do seu coração


é tornar-se puro, “lembra-te de onde caíste”, para que não se retire de ti
a luz. O candeeiro ou castiçal do qual a Bíblia fala em Apocalipse 2:5 é
o Espírito Santo. Ele não pode habitar em lugares obscuros. Lute para
mantê-lo em sua vida. Há crentes cujas luzes estão quase apagadas. Um
sopro de vento mais forte pode extingui-las.

Se quisermos andar pelo caminho do Senhor, precisamos expor


nosso passado e consertá-lo. De toda forma, quando Jesus voltar, tudo
será trazido à luz, inclusive o que fizemos e não confessamos. Aquele
que não resolver isso poderá não perder a salvação, mas não alcançará
o lugar de noiva de Cristo.

Na vinda de Jesus, receberemos um novo corpo e seremos julgados.


Tudo o que confessamos estará no livro de nossas vidas escrito “co-
berto pelo sangue!”. Já o que não foi confessado virá à luz. Cada um
dará conta de suas obras, as boas e as más. Não só isso, mas também a
intenção do que realmente queria fazer.

“Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra e até tudo o que

68
Arrependimento e confissão

está encoberto, quer seja bom, quer seja mau.”


Eclesiastes 12:14

“Portanto, não os temais; porque nada há encoberto que não haja


de revelar-se, nem oculto que não haja de saber-se.”
Mateus 10:26

A confissão é a maior arma de defesa do crente. Temos que confessar!


O que devemos precisa ser pago. Se tivermos ofendido alguém, é neces-
sário que façamos um acerto com essa pessoa. Caso tenhamos sido as
vítimas da ofensa, precisamos oferecer perdão. O nosso alvo deve ser o de
corrigir e de procurar acertar as pendências, especialmente se queremos
uma vida plena e um ministério abundante.

69
Capítulo 5
capítulo 5

Perdão, a decisão
necessária

O assunto perdão é um dos mais fundamentais na construção do


caráter de Jesus em nós. Como vimos no capítulo anterior, pre-
cisamos acertar o nosso passado e não somente quando ofendemos. De-
vemos oferecer também aos outros a oportunidade de serem livres dos
pecados cometidos contra nós.

Quando conhecemos ao Senhor Jesus, somos ensinados a perdoar.


Primeiramente, porque já alcançamos nEle o maior nível de perdão que
um humano pode experimentar e não temos direito de retê-lo também a
quem precisa. Uma segunda situação é que quem o retém se torna alguém
cheio de mágoas, rancores e amargura. Certamente, o Espírito Santo não
se agradará de fazer morada em uma casa mal cheirosa e suja.

Um dos motivos pelos quais o Senhor espera que perdoemos é nos


A Ação da Cruz 3

ver livres. Alguém cheio de mágoas vive amargurado, mal humorado, des-
gostoso. A tendência é machucar quem convive mais próximo. Seu côn-
juge, seus filhos, seus irmãos geralmente são marcados negativamente por
suas atitudes. Essa pessoa tem dificuldade de fazer amigos, pois a família
até fica do lado, mas os outros não suportam e saem de sua vida.

A palavra “perdão” vem do verbo “perder”. E a natureza caída do ho-


mem não gosta disso. Naturalmente falando, não queremos abrir mão do
direito de ter razão, não queremos ceder para quem nos ofendeu. Incons-
cientemente, aquele que não perdoa sente que, se o fizer, estará dando
remissão de culpa para o seu agressor. Prefere apegar-se a um sentimento
de mágoa do que deixar o opositor livre.

Na cultura judaica, havia um ensino de que as pessoas deveriam per-


doar seus inimigos até três vezes. Esse era o limite de perdão que se po-
deria receber pelo mesmo erro cometido. Em certa ocasião, o discípulo
Pedro foi até Jesus levantar um questionamento sobre o assunto. Ele e
André não tinham muita afinidade e certamente viviam se alfinetando.
O primeiro era um calo no sapato do outro e, naquele momento, resolveu
usar a lei em seu favor, para justificar as encrencas:

“Pedro aproximou-se dEle e lhe perguntou: Senhor, até quantas vezes


pecará meu irmão contra mim e eu ei de perdoar? Até sete? Respon-
deu-lhe Jesus: Não te digo até sete; mas até setenta vezes sete.”
Mateus 18:21 e 22

Pedro quis ensinar alguma coisa a Jesus. Estava dizendo que já havia
dado o limite das faltas do irmão para com ele. Então, apontou sete vezes,
pois se tratava do dobro do que era costumeiro mais um. E esperava uma
resposta que fundamentasse toda a sua justiça própria. Mas o seu Mestre
respondeu de uma maneira que, assim acreditamos, o faça meditar até
hoje: “Não somente sete, mas 70 vezes sete!”.

Bem, 70 vezes sete totaliza 490 vezes. É bastante perdão para ser libe-
rado. E mais: No Evangelho de Lucas, capítulo 17, o escritor acrescenta

74
Perdão, a decisão necessária

um detalhe, o de que essa quantidade é a tolerância para um dia. Isso nos


ensina que não importa o tamanho da falta que tenham cometido contra
nós. Para o nosso bem, precisamos perdoar!

Após ter destruído os argumentos de Pedro, Jesus narrou a parábola


do credor incompassivo. Para ensinar sobre o assunto, Ele contou essa
história que evidencia bem como somos. Quando precisamos de perdão,
queremos a máxima misericórdia. Então, quando precisamos perdoar, não
podemos reter isso. Caso contrário, colheremos muitos frutos ruins.

A parábola do credor incompassivo, descrita em Mateus 18, cita um ho-


mem que devia um alto valor para o seu rei. Ao ser cobrado, ele clamou por
misericórdia, pediu paciência e mais tempo para que conseguisse pagar aque-
la quantia. Movido de compaixão, o monarca perdoou a dívida e o deixou ir.

Saindo da presença do rei, aquele homem encontrou um servo que


lhe devia uma quantia bem inferior. Talvez ainda chateado com a humi-
lhação, ele transferiu a frustação para o outro. O devedor implorou por
perdão, pediu paciência, solicitou um tempo, clamou por misericórdia,
mas nada conseguiu. Foi mandado para prisão até que conseguisse pagar
a sua dívida.

O assunto foi parar na sala do rei, que chamou de volta aquele a


quem havia perdoado para uma conversa. Indignado com sua atitude, o
monarca lhe deu um sermão. Em seguida, o enviou também para prisão.
Porém, o homem entraria numa situação ainda pior, pois teria verdugos
para torturá-lo até que pagasse sua dívida. Com a parábola, o Senhor quer
que vigiemos para não sermos rejeitados por Deus.

“Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdo-
ardes cada um a seu irmão.”
Mateus 18:35

M over - se pela compaixão

Ao analisarmos a parábola que acabamos de citar, percebemos que a

75
A Ação da Cruz 3

questão de perdoar está profundamente ligada à compaixão. Trata-se de


um sentimento provocado no íntimo, por reconhecer a miséria do outro
e perceber que este precisa que sejamos compassivos. Foi isso que o rei
sentiu por seu devedor.

“Então, aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo:


Senhor, sê generoso para comigo e tudo te pagarei.”
Mateus 18:26

Sentir compaixão não é se julgar melhor do que alguém. Mas é re-


conhecer que a pessoa precisa urgentemente de ajuda para mudar sua
situação. É uma consciência de que, se quem nos ofendeu precisar desse
perdão para continuar a viver, cederemos.

Exercemos compaixão quando toda a bondade de Deus se manifesta


em nós para oferecer misericórdia à vida de alguém que nos ofendeu.
Essa pessoa pode estar toda errada, mas decidimos amá-la mesmo assim.
Entretanto, nossa tendência é agir como o conservo agiu, ou seja, se al-
guém nos deve tem que pagar! Só que esse não é o princípio bíblico.

O princípio correto é o de que, se alguém falhar conosco, perdoaremos


e começaremos tudo de novo. Se errar e cometer novamente a falta, reto-
maremos do ponto onde a pessoa caiu. Se daqui a 10 anos tiver a mesma
falha, amaremos, ofereceremos perdão e recomeçaremos. E se após 20 anos
a mesma ofensa for cometida? Ainda teremos 490 vezes por dia.

Portanto, exercer compaixão é permitir que a outra pessoa comece


uma vida nova, assim como tivemos a oportunidade de um recomeço.
Se não fosse o amor de Deus e a compaixão de Jesus por nós, estaríamos
perdidos, Irremediavelmente perdidos. Mas todos os dias a misericórdia
dEle nos alcança de novo.

Perdoar é isto: Esquecer a dívida. Mesmo que o devedor não mostre


sinais de arrependimento. É oferecer a ele a possibilidade de um relacio-
namento, ainda que se saiba que está sendo dada uma oportunidade para
a pessoa ofender de novo. Não é fácil. Mas esses são os passos de Jesus.

76
Perdão, a decisão necessária

S intomas da falta de perdão

A falta de perdão é um dos problemas mais encontrados dentro da


Igreja. Precisamos vencê-la, pois ela se opõe à nova natureza proposta por
Jesus. A essência do Filho é o amor, pois Ele é reflexo do Pai. Muitas vezes,
não perdoar alimenta sentimentos rancorosos, como o ódio, por exemplo.

O ódio é um sentimento extremo e, como falamos, relacionado à falta


de perdão. Ele é muito perigoso e nocivo. Afasta quem o sente da presen-
ça de Deus. E abre precedentes para a vingança. Odiar é irracional, traz
danos para a alma e se manifesta no corpo através de doenças. Diz-se que
“odiar alguém é como tocar fogo em uma casa para matar um rato”.

Outro sintoma relacionado à falta de perdão é a impaciência. Não


estamos falando de um comportamento isolado que se manifesta sob um
ambiente de pressão e estresse. Está sendo tratado aqui de um mau hábito
contínuo contra o ofensor.

Por vezes, o ofendido nem convive com quem o ofendeu, mas só o fato de
alguém tocar no assunto já é motivo suficiente para desestabilizá-lo e deixá-
-lo impaciente. Em algumas situações, a ferida é tão profunda que uma única
lembrança pode estragar o dia e fazer com que a pessoa perca a calma.

A impaciência se manifesta também como ira exacerbada, falta de


quebrantamento, palavras agressivas, tom de voz rude, julgamento da fa-
lha do outro, irritação e desprezo. O impaciente é alguém que ainda não
aprendeu a amar, pois o amor é paciente e longânimo, ou seja, nobre,
generoso. Esse tipo de pessoa precisa submeter seus sentimentos e com-
portamentos à ação do amor.

Mais um sintoma danoso provocado pela falta de perdão é a indife-


rença, que é um sentimento sutil e enganoso. Às vezes, até quem o sente
é ludibriado por ele. O fato de não brigar, não xingar e não ser impaciente
com alguém nada simboliza se o ofendido não conseguir ter um relacio-
namento saudável com quem o ofendeu.

Uma peculiaridade de quem vive na indiferença é a frieza em relação

77
A Ação da Cruz 3

ao outro lado. Se o ofensor estiver bem ou mal, não importa. Se ele passar
por uma doença grave ou se estiver saudável, tanto faz. Não há disposição
ou ação do ofendido em interferir de alguma forma na sua vida.

A indiferença é uma máscara. Não é um sentimento saudável, pois


não é verdadeiro. Ser indiferente é ser falso. A intenção era matar, ofen-
der, xingar, machucar, se vingar. Mas, para não se expor e não dar o braço
a torcer na busca de um conserto, o ofendido “mata” seu ofensor dentro
de si. E vive rotineiramente como se o outro tivesse morrido literalmente.

Outro sinal de não perdão é o excesso de cobranças. O ato de co-


brar geralmente é insistente, constante, sem trégua. Toda conversa que
a pessoa consegue desenvolver é em torno da dívida, seja ela material ou
moral. A verdade é que a natureza de quem perdoou não exige nada do
outro. Ainda que algumas cobranças sejam legítimas, uma mulher ou um
homem sarado em Deus simplesmente prefere andar sobre o assunto e
não restringir-se à função desgastante de um carrasco.

No mesmo rio da cobrança navega a acusação, que é peculiar ao es-


pírito faccioso. É totalmente destrutível, pois afasta o ofendido de todos.
A pessoa tem sempre uma palavra crítica, por vezes sutil, por vezes com
veneno de morte. Em conformidade com forças espirituais, esse com-
portamento vai ruindo as estruturas emocionais de quem está envolvido.

A raiz de amargura

Citamos anteriormente alguns comportamentos relacionados à falta


de perdão. Mas um em particular precisa ser analisado de maneira mi-
nuciosa. Estamos falando da amargura. Uma pessoa amargurada não tem
gosto nenhum pela vida e se torna um fel para aqueles com quem convive.

O amargurado tem palavras baixas, duras, sem misericórdia. Seus


pensamentos e expressões são tristes, deprimidos. Quem convive com
essa pessoa se contamina com seu humor e seu estado de espírito. Ela
precisa acusar e desnudar as falhas alheias. Nada está bom e nunca está
satisfeita com o que tem ou com o ambiente onde está.

78
Perdão, a decisão necessária

A amargura é a pior das manifestações produzidas pela falta de per-


dão, pois cria raízes. Só para ilustrarmos melhor: A raiz tem uma função
peculiar para a árvore. Ela é responsável por firmar o tronco e, muito mais
do que isso, busca alimento para o corpo da planta. Imagine algo dessa
natureza dentro da sua alma? Pense que suas forças seriam sugadas e suas
energias catalisadas para alimentar algo tão destruidor.

Trata-se de um assunto tão sério que o apóstolo Paulo afirmou que


podemos ser privados da graça divina se mantivermos isso em nós. Você
já imaginou, irmão, quão destrutivo é não perdoar? A Bíblia nos mostra,
em Romanos 8, que nada externo pode nos afastar do amor de Deus,
nada. Nem poderes, nem principados, nem altura ou abismo, nem anjos,
nem homens ou qualquer criatura.

“Não vos priveis da graça de Deus e nem haja raiz de amargura que,
brotando, vos perturbe e, por meio dela, muitos sejam contaminados.”
Hebreus 12:15

A raiz de amargura é um estágio alcançado por um coração que já


resistiu muito à ação do Espírito Santo. Ela é o último degrau da falta de
perdão. É o nível onde o ofendido não tem paz para nada em sua vida. É
uma perturbação constante. E o pior é que quem está nesse estado agrega
outras pessoas para sofrerem a sua dor.

Esse estágio só é atingido depois de o Senhor mostrar muitas vezes


que existe uma situação a ser acertada e, ainda assim, o ofendido não ce-
der. O problema é que resistir a Deus vai gerando dentro da pessoa uma
cauterização. A atitude de que estamos falando pode provocar um endu-
recimento tão grande no coração de quem se magoou que é provável que
um dia queira fazer o caminho de volta e não consiga mais.

“Aquele que, sendo muitas vezes repreendido, endurece a cerviz


será quebrantado de repente sem que haja cura.”
Provérbios 29:1

79
A Ação da Cruz 3

Temos um exemplo citado na Bíblia, o de Esaú, que brincou com


o direito da primogenitura. Quando perdeu essa condição, de nada lhe
adiantou o quebrantamento, o choro e os pedidos de misericórdia. Ele
buscou o perdão e não achou. O fato é que existe um tempo em que se
busca correção da rota e não dá mais, pois passou da hora e não há mais
remédio. Isso é muito sério!

O Senhor atua em favor da pessoa, lhe dá inúmeras oportunidades de


acertar e promove circunstâncias para que se quebrante, se relacione com o
perdão e seja curada, mas ela resiste. Então, chega um ponto em que o Espíri-
to Santo se retira daquele coração endurecido. Foi o que aconteceu com Esaú.

“Porque bem sabeis que, querendo ele ainda depois herdar a


bênção, foi rejeitado, porque não achou lugar de arrependimento,
ainda que com lágrimas o buscou.”
Hebreus 12:17

Se você está lendo este livro e porventura tem dificuldades para per-
doar, repense as suas atitudes! Pode ser que para o seu caso ainda haja
chance. Faça como o salmista e peça a Deus para sondar-te. Deixe o
Espírito Santo entrar profundamente em sua alma. Decida resolver seu
passado e tenha a oportunidade de um novo recomeço.

Todas as vezes que caminhamos para perdoar nossos ofensores, Deus


nos honra. E sempre que procuramos resolver situações do passado e do
presente, Ele nos dá graça para o confronto e a restauração. Precisamos
disso para prosperar em nossa vida espiritual. Nada substitui a confissão
do perdão, nem mesmo jejuns, nem mesmo orações.

P erdoar é descer de nível

O perdão é uma chave para a libertação. Ninguém é liberto se não


perdoar. Há muita gente dentro das Igrejas com feridas e até endemoni-
nhadas por causa de problemas nessa área. Precisamos da ajuda do Espírito

80
Perdão, a decisão necessária

Santo para sondar nossas mentes e corações, agindo em sentimentos ruins


provocados ainda na infância ou em situações muito adversas e que nos
marcaram negativamente. Não estamos falando de regressão e sim de cura.

Iremos nos valer aqui de uma interessante e fantástica história, a de


uma mulher chamada Corrie ten Boom. Ela foi uma das pessoas mais ex-
traordinárias que viveu no século passado. Era cristã e, no período da Se-
gunda Guerra Mundial, estava vivendo na Holanda, abrigando judeus. Por
esse motivo, foi presa e levada para os centros de concentração nazista. Sua
vida é contada no livro “O Refúgio Secreto” (Editora Betânia, 1971).

Corrie vinha de uma família de caráter. Durante o período de domi-


nação nazista na Europa, seus familiares tinham um abrigo secreto, cons-
truído para esconder judeus. Quando os soldados faziam revistas, muitos
se abrigavam lá. Várias vezes, os homens de Hitler não perceberam nada.
Até que um dia, descobriram. Com isso, os responsáveis pelo lugar foram
pegos e mandados para os campos de concentração.

O pai e a mãe de Corrie morreram nos campos. Eles eram reis negros,
de uma linhagem nobre e, mais do que isso, eram cristãos generosos e
tementes a Deus. Possuíam o hábito da oração e da leitura da Palavra e
foi esse o legado que deixaram para suas filhas. Foram pessoas que glori-
ficaram o nome de Jesus.

Juntamente com sua irmã, Corrie foi enviada para um campo de mu-
lheres, em que todos os dias havia uma revista dos soldados nazistas. Elas
eram obrigadas a passar nuas na frente daqueles homens. Estes as maltra-
tavam, faziam chacotas porque estavam muitas magras e feias, por causa
das péssimas refeições que faziam. Eram submetidas a muito serviço e
pouca alimentação.

Havia um soldado em particular que maltratava Corrie de uma ma-


neira especial. Sabia como feri-la. Além dos ferimentos morais, batia
nela. Ele conhecia o caminho para ofendê-la e machucá-la. Foi o que
fez por anos. Finalmente, pela mão de Deus, aquela mulher foi solta do
campo de concentração, se tornou uma pregadora do Evangelho e passou
a viajar pelo mundo inteiro.

81
A Ação da Cruz 3

Muitos anos depois daquele sofrimento todo, Corrie havia se tornado


uma mulher madura, bonita, bem vestida e cuidada. Então, foi conduzida
pelo Espírito Santo a pregar na Alemanha, em uma pequena Igreja. Ao
subir no púlpito, viu entre os fiéis aquele soldado, que não a reconheceu,
pois no campo ela era quase uma caveira, feia e magra.

Mil pensamentos passaram por sua cabeça. Mas a mulher decidiu


pregar a Palavra, mesmo que todos os sentimentos de amargura tives-
sem vindo à tona em relação àquele homem. Seu principal carrasco se
tornara seu irmão. Ela estava no púlpito e ele, entre os fiéis. Poderia dar
qualquer rumo naquela situação.

Foi então que Corrie resolveu contar o seu testemunho. Explanou


todas as angústias que sofreu no campo. Compartilhou a história de
maus-tratos e como um daqueles soldados decidiu torturá-la de forma
particular. Desceu do púlpito, foi em direção a ele e o abraçou. Olhando
em seus olhos, disse: “Eu te perdoo, em nome de Jesus!”.

Perdão é isso. É descer de sua posição para ir até o nível da pessoa


que te ofendeu. Foi o que o Senhor fez. Desceu aqui, rebaixou-se à nossa
condição e caminhou conosco. Mesmo sabendo que não merecíamos, nos
deu a possibilidade de sermos perdoados. Quando Ele disse “Pai, perdoa-
-os, pois não sabem o que fazem”, ofereceu reconciliação para quem nem
ao menos estava pedindo.

Não buscamos esse perdão e sequer fomos em direção a isso. Pelo


contrário, foi o próprio Jesus quem veio atrás de nós. Muitas vezes, é as-
sim que temos que agir em relação àquele que nos ofendeu. Talvez quem
nos feriu nunca venha para se redimir. Mesmo assim, precisamos perdoá-
-lo, para cancelar a dívida e para dizer que ninguém nos deve nada e que,
enfim, queremos ser livres. Devemos tomar a iniciativa.

Há muitas pessoas feridas de morte em suas almas por conta de pas-


sados sofridos. Quem sabe alguém lendo este livro já tenha sido vítima
de um estupro, de abusos sexuais ou físicos de outras naturezas, de des-
mandos de autoridade, de feridas emocionais causadas por palavras duras,

82
Perdão, a decisão necessária

de humilhações, de abandono ou de rejeição. Sei que a crueldade do ser


humano pode ser muito violenta.

Mas, enquanto não se perdoa, a vida espiritual fica amarrada, debaixo


de cadeias. A pessoa que não libera perdão vive em uma prisão. Embora
tenha liberdade, segue aprisionada em seus sentimentos. Use a arma da
confissão. Ela quebra todas as amarras e o sangue de Jesus nos purifica de
toda a injustiça.

A purificação só vem pela confissão. Não tem outro jeito, nem para
nós nem para quem nos ofendeu. Acerte o passado e o presente. Ofereça
perdão e também perdoe. O caráter perdoador de Jesus é o nosso maior
exemplo. Façamos como Ele. Levemos nossas angústias para a cruz e nos
entreguemos para a morte de nossa justiça própria, para experimentar-
mos a alegria da ressurreição.

83
Capítulo 6
capítulo 6

As crises revelam a
cura
“O crisol é para a prata e o forno para o ouro;
mas o Senhor é quem prova os corações.”
Provérbios 17:3

A pesar de ser um assunto abertamente tratado nas Escrituras, es-


pecialmente no Novo Testamento, através das cartas apostólicas,
provação não é uma palavra querida entre os cristãos. Porém, não existe
outro meio pelo qual podemos saber se alcançamos progresso no cresci-
mento da nossa fé, da nossa conduta espiritual.

O que comumente chamamos de provação também pode ser deno-


minado de crise, que nada mais é do que um conjunto de circunstâncias
exteriores que influenciam diretamente no conforto físico e psicológico.
Ela se dá por uma mudança brusca ou uma alteração no desenvolvimento
do curso que escolhemos para as nossas vidas.

É difícil estabelecer o que pode ser considerado como uma situação


de crise, pois uma pessoa tem reações psicoemocionais diferentes da ou-
A Ação da Cruz 3

tra. Aspectos como cultura, comportamento familiar, cosmovisão e tem-


peramento determinam as reações de um indivíduo diante de uma ação
externa. Aliás, cada um é provado de acordo com suas fraquezas e tam-
bém segundo a área em que precisa crescer no Senhor.

Por muitas razões, Deus permite que passemos por situações difíceis.
O objetivo com isso é provar nosso caráter. O quanto temos dEle preci-
sa ser colocado em avaliação. Algumas vezes, essas provações podem ser
simples, como, por exemplo, quando a esposa se esquece de colocar sal
no feijão. Em outros casos, podem ser sérias, como acidentes, doenças,
expectativas frustradas, problemas financeiros, confusão em algum rela-
cionamento importante, no ministério ou na profissão.

As crises são necessárias e a maneira com que reagimos a elas nos


indica o quanto temos do caráter de Jesus. Na verdade, o Senhor já sabe a
nossa condição, afinal Ele é onisciente! Nós, porém, nem sempre sabemos
qual é a medida de nossa fé. Não é raro pensarmos que estamos em um
nível e a provação nos mostrar outra coisa.

O Salmo 91, por exemplo, expressa uma crise em uma situação bem
adversa. Imagine ver várias pessoas caindo ao seu lado e todo mundo
sendo vencido, derrotado. A maneira como alguém se comporta revela o
seu real relacionamento com o Pai e o quanto responde a uma dificuldade
segundo a orientação bíblica.

À medida que o caráter de Jesus vai sendo gerado em nós, podemos


passar pelas tempestades da mesma forma que Ele passou. Você se lembra
da história bíblica em que o barco estava quase afundando? O que o Se-
nhor estava fazendo? Dormia tranquilamente. A embarcação estava indo
a pique e foi preciso que os discípulos o acordassem (Mateus 8:24-26).

Deus quer nos conduzir a uma condição em que nada mais nos aba-
la, nenhuma circunstância externa ou interna. Ele deseja nos levar a um
estágio em que podem “cair mil ao nosso lado e dez mil à nossa direita”,
como propõe o Salmo 91, de que falamos, mas permanecemos do mesmo
jeito, na mesma posição.

88
As crises revelam a cura

Certa vez, eu e minha esposa, a pastora Lily, estávamos voltando de


avião de Manaus (AM), ao norte do Brasil. Passamos por uma turbulência
que nunca havia passado antes e nunca mais passei, graças a Deus! Foi algo
tão forte que as maletas do compartimento de bagagem de mão foram lan-
çadas para fora. No interior da aeronave, foi um pavor só, com gritaria e de-
sespero. Nós ficamos ali, sacudindo, atados ao cinto de segurança, orando.

São situações como essa que mostram o quanto temos de Deus. Em


um momento de crise, a forma como reagimos indica o nível de relacio-
namento que possuímos com o Senhor. Expressa exatamente o que temos
da natureza dEle em nós.

Uma crise pode durar um segundo apenas ou até mesmo um ano, uma
semana ou um mês. A forma com que determinada situação é conduzida
irá permitir que Deus nos leve ou não a um crescimento. Dependendo de
como reagimos, Ele nos fará crescer ou decrescer.

A verdade é que grande parte dos cristãos murmura na crise, porque


transfere os problemas. Vamos nos valer do exemplo de alguém em aperto
financeiro e que tenha um familiar ou amigo lhe devendo. Pode ser que o
primeiro pense que sua dificuldade esteja ligada ao devedor. É um engano
pensar assim! A pessoa é má administradora, mas busca culpados por um
transtorno provocado por ela mesma, o que não faz sentido.

Transferir a culpa não nos traz aprovação nos pontos em que estiver-
mos sendo provados. Do contrário, apenas nos faz permanecer naquele de-
grau por mais tempo. O Senhor dá muita importância à maneira com que
reagimos às situações no dia a dia. Ele permite que passemos por provações
bem delicadas, até de risco de morte, para que possamos ser testados se
realmente crescemos e se queremos continuar subindo na escada da fé.

Assim sendo, quando você estiver passando por uma situação


anormal, seja ela qual for, saiba que é o momento de crescer. Não per-
ca essa oportunidade!

89
A Ação da Cruz 3

C omo se comportar na crise

Dia após dia, somos incentivados pelo Evangelho midiático a que nos
tornemos supercrentes e usemos uma “fé mágica”. O nome de Jesus tem
se tornado um amuleto para que tudo dê certo. Mas, na prática, não é as-
sim que funciona. Temos a certeza bíblica de que passaríamos por aflições
e enfrentaríamos dias maus.

“Não serão envergonhados nos dias maus e nos dias de fome se fartarão.”
Salmos 37:19

Davi, por exemplo, passou por inúmeras crises antes de se tornar quem
deveria ser em Deus. 1 Samuel, a partir do capítulo 19, descreve uma delas.
Depois da heroica morte de Golias por suas mãos, foi perseguido pelo rei
Saul, passando a viver como fugitivo, errante pelo deserto e até em caverna.

A Bíblia fala que muitos homens que viviam em crise foram agrega-
dos a ele. Eram pessoas sem qualquer perspectiva de vida, segregados da
sociedade, muitos até entregues à marginalidade. Davi fez deles soldados
e, ao ensinar o ofício da guerra, lhes deu uma maneira de ganhar a vida.

Depois de treinar os homens que foram se achegando, o futuro rei


tinha um exército e alugava seus serviços para reinos vizinhos. Aquele
ofício não era o melhor de sua época. Mas eles sustentavam suas respec-
tivas famílias com o salário das batalhas ou com os despojos.

Fugindo de Saul, Davi e seus homens passaram a viver em terras filis-


teias. Sua tropa fazia a retaguarda do exército e já havia ganhado algumas
batalhas para o reino. O rei Aquis chegou a honrar publicamente o israe-
lita por suas habilidades de guerra.

Porém, aconteceu que a Filisteia declarou guerra a Israel. Quatro


comandantes filisteus confrontaram Aquis, por este manter uma tropa
inteira de israelitas no exército. Forçaram-no a dispensar os serviços de
Davi, desobrigando-o daquela batalha, mas deixando-o em paz para per-
manecer nas terras, especificamente na cidade de Ziclague.

90
As crises revelam a cura

Davi demonstrou chateação por ter sido dispensado, mas não sabe-
mos se estava encenando ou se realmente estava magoado. O fato é que,
naquele momento, acabou poupado de lutar contra seu próprio povo. Era
um excelente guerreiro e tinha os melhores soldados. Talvez ele mesmo
quisesse ter pedido dispensa da guerra contra Israel, pois sabia o quanto
podia, com os seus homens, ser eficaz nesse tipo de confronto.

Contudo, essa possível crise de rejeição era mínima diante do que Davi
iria passar adiante. Ao chegar a Ziclague, ele se deparou com cenas terríveis.
E, para se recompor, precisou relembrar tudo o que era em Deus. Vejamos:

“Sucedeu, pois, que, chegando Davi e seus homens ao terceiro dia


a Ziclague, já os amalequitas tinham invadido o sul e Ziclague,
tinham ferido a Ziclague e a tinham queimado a fogo. E tinham
levado cativas as mulheres e todos os que estavam nela, tanto
pequenos como grandes; a ninguém, porém, mataram, tão somente
os levaram consigo e foram o seu caminho. Davi e os seus homens
chegaram à cidade e eis que estava queimada a fogo, e suas mu-
lheres, seus filhos e suas filhas tinham sido levados cativos. Então,
Davi e o povo que se achava com ele alçaram a sua voz e chora-
ram até que neles não houve mais forças para chorar. Também as
duas mulheres de Davi foram levadas cativas, Ainoã, a jizreelita,
e Abigail, a mulher de Nabal, o carmelita.”
1 Samuel 30:1-5

Como citamos antes, o dia mau é inevitável. E chegou para Davi e sua
tropa. Após uma rejeição, aqueles homens se depararam com uma cena
de total desolação. Suas tendas e cabanas estavam destruídas e seus ali-
mentos haviam sido roubados. Mas o pior de tudo estava no fato de suas
esposas e seus filhos terem sido sequestrados e levados por um bando de
homens inescrupulosos e violentos.

Seguindo a leitura de 1 Samuel 30, podemos analisar a postura de


Davi, ou seja, a maneira como ele se comportou em um momento de caos.
Nessas horas, não podemos nos esquecer de nossa humanidade. Aquele

91
A Ação da Cruz 3

homem não se esqueceu disso. Tanto que a Bíblia diz que o futuro rei e
seus companheiros choraram até não terem mais força.

Algo importante de analisarmos em uma situação adversa é a visão


do todo. Não podemos ser traídos pelo que estamos vendo. Davi e seus
homens já estavam com a alma machucada por terem sido dispensados da
guerra e, ao chegarem ao acampamento, viram tudo destruído e queimado.

Com a visão da destruição, talvez Davi tenha chorado todas as suas


amarguras. Pode ser que tenha aproveitado o momento para demonstrar
fraqueza em relação a outros episódios da sua história. Para piorar, o povo
se voltou contra ele, o acusando de ter sido o culpado pela tragédia, da qual
também era vítima. Os seus únicos companheiros queriam apedrejá-lo. Que
momento difícil! O futuro rei teria que tomar algumas decisões a partir dali.

A primeira decisão de Davi foi parar de chorar. O choro tem seu mo-
mento e sua hora. Chega um ponto em que é preciso estancar as lágrimas e
seguir em frente. Entendendo isso, aquele homem chamou o sacerdote para
juntos consultarem a Deus. Ele foi buscar a maneira do céu para resolver a
situação delicada na qual estava envolvido. A resposta não foi outra senão
que deveria perseguir o inimigo e tomar de volta tudo o que lhes pertencia.

Aprendemos aqui que, independente de existirem motivos para cho-


ro, mesmo que amigos tenham se voltado contra nós, há uma maneira em
Deus de solucionar problemas. A atitude de Davi, de buscar ajuda junto
ao sacerdote, nos ensina que em momentos assim é melhor andarmos
com quem tem palavra de vida e não com murmuradores e acusadores. As
Escrituras nos mostram inclusive que tomamos nossas decisões de acordo
com a maneira como nutrimos nossos pensamentos.

“Como imagina na sua alma, assim é.”


Provérbios 23:7

No versículo 6 de 1 Samuel 30, a Bíblia fala que Davi orou. Irmãos, é


impossível vencermos nossas lutas sem buscarmos a face do nosso Senhor.
A oração normalmente deve ser um elemento fundamental em nossas vi-

92
As crises revelam a cura

das, quanto mais em momentos de crise. No mesmo texto, percebemos


que aquele homem “se fortaleceu no seu Deus”.

Sendo fortalecido pela oração e pelo relacionamento com o Senhor,


Davi teve forças para tomar a atitude correta. Agregou os seus 600 ho-
mens e fez com que acreditassem que poderiam recuperar suas famílias e
seus bens. Essa deve ser a atitude de um homem de Deus. Suas crises não
o tornaram alguém egoísta ou ressentido. Então, todo aquele contingente
de pessoas se armou e foi lutar para solucionar o problema.

Tendo saído atrás do bando dos amalequitas, Davi e seus homens en-
contraram um servo egípcio, que fora deixado para trás. Eles lhe serviram
água e alimento e este os ajudou a encontrarem o inimigo. Aqui temos
mais um ensinamento, o de que, independente de nossas crises, podemos
exercer misericórdia com quem precisa.

Outro fato: 200 daqueles homens não conseguiram seguir viagem, de


cansados que estavam. A ciência explica que o estresse emocional pro-
duz um cansaço anormal nas pessoas. Talvez fosse o caso. Davi, então,
os deixou tomando conta das bagagens. Entendeu que eles não tinham
condições para que fossem adiante.

A Bíblia relata que Davi alcançou o arraial dos amalequitas e os


encontrou fazendo festa com o que haviam roubado. Então, seus ho-
mens entraram naquela guerra e lutaram quase um dia inteiro até
tomarem mulheres, filhos, gados, enfim, tudo o que lhes pertencia.
Também levaram despojos. Nada ficou, a não ser algumas centenas de
jovens, que correram de medo.

No retorno para casa, Davi encontrou os 200 homens que, de cansa-


dos, não foram para a guerra. Dentre os que guerrearam, porém, havia os
que não queriam repartir os despojos. Por esse motivo, a Bíblia chega a
chamá-los de perversos. Mas o futuro rei dividiu, em partes iguais, tudo
o que haviam conquistado.

Isso indica que, independente da intensidade do nosso sofrimento,


não devemos deixar de lado nossa humanidade. Não podemos nos tor-

93
A Ação da Cruz 3

nar duros ou insensíveis apenas porque sofremos. No decorrer de nossas


provas, talvez um amigo, um pastor ou um familiar não tenha conseguido
nos ajudar da maneira esperada. Mas pode ser que esse alguém tenha vi-
giado nossa bagagem no meio do caminho. O fato de um irmão orar por
você já é motivo suficiente para que seja grato!

O episódio de Ziclague não fora o pior que Davi passou ao longo de


sua vida. Houve mais experiências ruins. Mais à frente, ele enfrentou a
traição de seu filho Absalão, como consequência de um pecado pessoal. E
muitas outras guerras sangrentas e conflitos foram vividos para estabele-
cer Israel como uma nação.

O que pretendemos na reflexão dessa história é o entendimento de que


precisamos tomar a postura correta em cada crise. Não devemos nos deixar
paralisar por aquilo que nossos olhos naturais veem. Não temos conheci-
mento do todo e, portanto, devemos confiar no Deus que é eterno e que
já tem tudo estabelecido em suas mãos. “A leve e momentânea tribulação
produz para nós um peso eterno de glória”, como propõe 2 Coríntios 4:17.

Quando estiver em crise, busque uma Palavra de Deus, um caminho.


Pode ser que a resposta demore e que a tribulação não passe. Mas mantenha
o comportamento correto. A demora poderá produzir crescimento suficiente
no Senhor. O que Ele quer com as provações é que cresçamos, amadureça-
mos e tenhamos um caráter formado, como o de Jesus. Esse é o propósito!

U m sopro da P sicologia

Há uma linha na Psicologia que explica que as crises normalmente


começam a partir de acontecimentos externos, que conflitam com nossa
estrutura emocional. De acordo com a reação que temos, podemos supor-
tar e superar tais situações.

Lidar com os fatores da crise passa por alguns estágios. O primeiro


deles está ligado a situações da própria natureza humana, enfrentadas ao
longo da vida, como a puberdade, a juventude, a meia-idade, a velhice

94
As crises revelam a cura

e, no caso das mulheres, a menopausa e a maternidade. Tais condições


causam conflitos no interior das pessoas, mas em geral não são questões
complexas de serem resolvidas.

O segundo estágio é a constatação do caos. Geralmente crises surgem


quando há situações inusitadas que interferem na rotina. Nesse sentido,
podem ser citados acidentes, catástrofes, doenças, lutos, divórcios, crises
financeiras, entre outros exemplos. Foi o que aconteceu com Davi e seus
homens. Fatos alheios à vontade daquele grupo o submeteram a uma
grande tensão emocional.

O terceiro estágio, que não é o ápice da crise, mas refere-se a um


ponto fundamental, fala da autoavaliação das situações que nos circun-
dam. Nesses momentos, internalizamos problemas, analisando-os. É
preciso, então, que aconteça uma evolução interna, partindo do sen-
timento primário, ou seja, da primeira reação emocional ao se deparar
com o caos. Daí deve-se seguir para o raciocínio lógico para que de fato
seja dimensionado o ocorrido.

Quando alguém se depara com um problema, é normal que haja de-


cepção, ira, tristeza, angústia. O anormal é esses sentimentos não evo-
luírem para algo que fará a pessoa dar passos. As emoções não podem
paralisar ninguém. Ainda que elas persistam, o saudável é que se faça uma
análise lógica da circunstância em questão.

O quarto e mais importante estágio tem a ver com a forma como o


individuo decide se comportar em situações adversas. Esse é o momento
em que ele precisa usar de todas suas vivências para tomar decisões e
mensurar suas possibilidades. É quando ouve conselhos e busca técnicas
relacionadas ao assunto. Alguns recorrem a livros de autoajuda, campa-
nhas de oração, etc. Tudo para enfrentar o problema de frente.

Depois de uma série de tentativas de mudança de rumo e de inúmeras


conversas e conselhos, se a pessoa não conseguir se estabilizar emocio-
nalmente, pode acontecer o quinto estágio, que é o estabelecimento da
crise. Nessa fase, o nível de frustação é inevitável e situações antes triviais
e insignificantes passam a ser pesadas e penosas.

95
A Ação da Cruz 3

É claro que isso varia a cada pessoa, mas é daí que surgem as pato-
logias psiquiátricas. Elas levam ao colapso dos sentidos, desencadeando
doenças como depressão, transtorno obsessivo compulsivo, síndromes do
pânico, de burnout e da ansiedade generalizada, entre outras.

Não é raro encontrarmos líderes religiosos em estado de doença emo-


cional. E no meio do povo também, é claro. Infelizmente, temos visto
inúmeros cristãos entregues ao desespero. Eles têm se tornado pessoas
frustradas e inertes no chamado, na vida do corpo. No turbilhão caótico
em que se encontra a sociedade, devemos nos preparar para tudo.

Na América Latina, especialmente no Brasil, temos vivido um caos


político, com muitos escândalos de corrupção. Graças a Deus, o que es-
tava em oculto está vindo à luz, por causa da oração da Igreja. Mas, para
manifestar a justiça, é preciso revelar o que estava na injustiça. Essa situa-
ção provoca crise no país e chega à mesa do pai de família. Nem por isso
podemos nos desesperar.

Os números das doenças psicossomáticas têm aumentado tanto no


Brasil que é necessário uma intervenção divina. É claro que não é esse
o objetivo de nossas provas. Elas não são para nos frustrar nem para nos
enfermar, mas para nos aperfeiçoar, nos tornando mais fortes.

DADOS SOBRE SAÚDE MENTAL


(Organização Mundial da Saúde)

• O Brasil é o quinto colocado em pacientes depressivos. 5,8% da


população brasileira sofre de depressão, ou seja, 11,5 milhões de
pessoas. Esses dados ficam atrás dos Estados Unidos, com índices
de 5,9%, da Austrália e da Estônia (ambas também com 5,9%) e
da Ucrânia (6,3% no total).1

• Mais de milhões de pessoas em todo o planeta sofrem de depres-

1 Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-04/no-dia-


-mundial-da-saude-oms-alerta-sobre-depressao <Acessado em setembro de 2017>

96
As crises revelam a cura

são. A patologia já é considerada a principal causa de problemas


de saúde e incapacidade em todo o mundo.2

• O Brasil é recordista mundial em casos de transtorno de ansie-


dade. 9,3% da população enfrenta o problema. Ao todo, são 18,6
milhões de pessoas.3

U ma questão de fé

Algumas de suas crises são praticamente permanentes. Sabe o porquê


disso? Porque você não respondeu como deveria. Então, Deus não tira
aquela situação de sua vida. Ela continua até que sua resposta seja conve-
niente, o que tem a ver com sua postura de fé. É necessário aprofundar-se
na oração até que Jesus fale.

O detalhe é que não é sempre que Deus fala. Ele o faz quando quer e
não quando nós queremos ou decidimos. Não podemos obrigá-lo. O que
precisamos é ficar grudados às Escrituras, buscando seus princípios para as
situações que estamos vivenciando. Então, se o Senhor não falou em meio à
crise e não deu uma Palavra, acalme-se! Fique quieto e não tente se adiantar.

Não caia no mesmo erro de Abraão. Por ter uma crise de muitos anos
– que era o fato de não possuir herdeiro de sangue – ele decidiu solucio-
nar seu problema, gerando Ismael (Gênesis 16). Sua situação ficou mais
crítica ainda, tanto que repercute até hoje. Uma ação na alma, baseada nas
emoções e não na vontade de Deus, além de não trazer solução, faz com
que tudo fique muito pior.

Não seria bom se, no segundo seguinte a cada situação que você vi-
vesse, Jesus viesse e colocasse a mão? Mas não é assim que acontece. O

2 Disponível em: https://nacoesunidas.org/depressao-afeta-mais-de-


-300-milhoes-de-pessoas-e-e-doenca-que-mais-incapacita-pacientes-diz-
-oms/ <Acessado em setembro de 2017>
3 Disponível em: https://nacoesunidas.org/oms-registra-aumento-de-casos-de-
-depressao-em-todo-o-mundo-no-brasil-sao-115-milhoes-de-pessoas/ <Acessado em
setembro de 2017>

97
A Ação da Cruz 3

Senhor vem quando decide vir. E, por vezes, isso se dá quando menos se
espera. É Ele quem decide.

A Bíblia conta a história de um homem que devia ter um problema


de locomoção, pois vivia em uma cama. Ele estava à beira de um poço.
Quando as águas se agitavam, o primeiro que se jogasse nelas ficava cura-
do de qualquer enfermidade. Mas o moço não tinha ninguém que o aju-
dasse a se lançar no tanque. Ficou ali por 38 anos. O Senhor não vinha na
sua situação e a cura não acontecia.

Toda vez, alguém era jogado primeiro nas águas e era sarado. Prova-
velmente aquele homem com problema de locomoção tinha inveja dos
outros. A cegueira era curada, o câncer era tirado, mas ele continuava lá,
ano após ano. O fato acontecia em Jerusalém, para onde Jesus sempre ia,
devido às festas. Será que, em uma de suas idas e vindas, chegou a ver o
moço doente lá? É possível que sim, mas não o curou. Até que resolveu
entrar naquela história.

“Jesus disse-lhe: Levanta-te, toma o teu leito e anda. Logo aquele


homem ficou são, tomou o seu leito e andava.”

João 5:8 e 9

Espere Jesus vir, espere-o falar. Uma coisa é certa: Ele sempre falará.
Mas no momento dEle. O Senhor é eterno, soberano e não podemos
forçá-lo a nada. Quando você estiver em uma situação em que precisa de
uma Palavra de Deus, o melhor a fazer é esperar!

Quando não reagimos adequadamente na crise, o Senhor não age.


Nesses momentos, não busque resolver seus problemas, pois Ele te dei-
xará sozinho para fazer o que pretende. Às vezes, Deus está prestes a
solucionar uma situação, mas o homem põe a mão e o impede de fazer
do seu jeito. Tome cuidado, pois Jesus e o Espírito Santo podem se
afastar, até definitivamente. Dependendo de sua maneira de conduzir
as coisas, a lâmpada pode ser apagada.

98
As crises revelam a cura

É interessante aqui contarmos a história de uma Igreja que conhecemos.


Os irmãos estavam construindo o templo e passando por uma situação finan-
ceira difícil. Foi então que a Maçonaria se propôs a ajudá-los. E eles pegaram
o dinheiro para finalizar a obra. Cuidado! Faz 45 anos que o edifício foi
construído, mas a membresia nunca passou de uma pequena quantidade de
pessoas. Isso porque buscaram uma solução e não foi em Deus.

A melhor opção para aqueles irmãos seria arrumar um trator ou uma


bomba e derrubar, arrancar os alicerces, começando tudo de novo. Eles
tentaram resolver um problema com suas próprias mãos. A reação incor-
reta apagou a lâmpada e ali se arrasta uma obra sem luz por décadas.

Deus está nos treinando para que o sirvamos de uma forma muito
maior do que podemos imaginar. É preciso que passemos pelo seu trei-
namento! Quando Paulo foi preso e conduzido a Roma, entrou em um
navio e aconteceu uma grande tempestade. Chegaram a esvaziar tudo
para deixar a embarcação mais leve.

Há todos os indícios de que Lucas estava lá, pois foi ele quem narrou
o episódio com detalhes. Isso é relatado em Atos 27. Em certo momento,
chegou a falar: “Acabou toda a esperança”. Era como se dissesse: “Agora
não tem mais jeito. Nós vamos mesmo afundar”. Um dia você também
poderá viver uma situação assim – se já não viveu - e chegar a um ponto
em que não crê mais, talvez dizendo: “Acabou!”. Ou, pior: “Eu acabei!”.

Aliás, foi isso o que Jó disse em determinado momento de suas lutas, como
é sugerido no capítulo 7 do livro que leva seu nome: “Estou no fim. A sepul-
tura é o que mais desejo!”. Ele queria morrer, em função da crise que passava.
Em situações de profundas angústias, chegamos até mesmo a desejar a morte.

Voltando ao episódio do navio que enfrentou a tempestade, quando


isso aconteceu, Paulo já tinha em torno de 35 anos de ministério. Poderia
ter dito: “Senhor, eu te servi a vida inteira. Quantos milagres já fez através
de mim! E agora vou afundar aqui. É assim que vou terminar meus dias?”.
Mas não foi isso o que ele fez.

O navio em que o apóstolo estava ficou duas semanas em situação


99
A Ação da Cruz 3

de perigo e o seu comportamento foi se apegar à oração. Apesar de


todo o sufoco, as 276 pessoas a bordo conseguiram chegar a terra firme.
Muitos eram presos que estavam sendo conduzidos para Roma. Eles se
converteram no meio da tempestade, ou seja, de uma crise nasceu uma
Igreja naquela embarcação.

Chegando à ilha, começaram a acontecer verdadeiros milagres, como


vemos em Atos 28. Paulo curou uma pessoa com disenteria. Além disso,
uma víbora picou o apóstolo e nada aconteceu. Eles ficaram três meses no
local, onde deixaram também um trabalho estabelecido. Então, podemos
dizer que duas Igrejas nasceram em uma crise na vida daquele homem,
que se comportou de acordo com o que o Senhor falou.

Deus poderia ter evitado a luta enfrentada no mar. É claro que Paulo
orou por conta daquela situação. É provável que Lucas e talvez outros
companheiros também o tenham feito. Mas a tempestade não acabou e o
navio foi destruído. Havia um propósito em tudo aquilo.

Quantas vezes, em meio à dificuldade, você ora e Deus não responde?


Se não há respostas é sinal de que ainda não é hora para isso. O propó-
sito dEle não é responder, é testar suas reações. O objetivo é ver como se
comporta em um momento de turbulência. Cresça hoje a partir das crises
que são menores. Depois, elas aumentarão, porque o Pai quer que haja
crescimento sem parar em sua vida.

Jonas estava no porão de um navio e também veio uma tempestade.


Ele dormia profundamente, enquanto a embarcação afundava. Então, o
pessoal se apavorou, lançou sortes e viu que aquilo estava acontecendo
devido à presença do judeu. Seu posicionamento foi um apenas: “É mi-
nha culpa mesmo. Podem me jogar ao mar que acabarão todos esses pro-
blemas” ( Jonas 1:12).

Este é o objetivo: Quando a tempestade passar, seu caráter estará me-


lhor formado. O Senhor quer ver seu crescimento com a crise. Além disso,
quer que saia mais fortalecido do que no momento em que entrou nela, mais
maduro, mais preparado para batalhas. Se vier uma provação e você não sair
maior do que entrou é porque não se comportou mediante uma Palavra.

100
As crises revelam a cura

Espere Deus falar e, quando isso acontecer, se transforme em um


leão, se preciso for. Fique firme e posicione-se! Segure a Palavra que Ele
der, porque ela funciona.

A fé é isto: É se comportar de acordo com o que Deus fala. Então,


espere. Ele vai falar! A pior condição que alguém pode viver é caminhando
em uma palavra que não venha do Senhor. Permita que o caráter de Jesus
seja implantado em você. Permita que Espírito Santo faça isso na sua vida!

101
Capítulo 7
capítulo 7

Amor, o profundo
alicerce

A ntes de tratarmos essencialmente da construção das sete colunas


do caráter de Jesus em nós, é necessário falarmos um pouco a
respeito do seu amor, que é a base de tudo. Porque Deus é amor, o que
construir em nós e através de nós será sobre esse alicerce. Precisamos
conhecer o que significa isso, o que somente será possível se estivermos
ligados espiritualmente ao Senhor. As coisas espirituais só podem ser dis-
cernidas pelo espírito, como diz a Palavra em 1 Coríntios 2:14.

A definição para a palavra “amor”, no dicionário, é um tanto pobre


e limitada: “Sentimento afetivo por alguém ou algo” e “atração entre
pares”. No grego clássico, língua em que o Novo Testamento foi escrito,
temos termos como “phileo”, que significa “ter afeição por alguém”, e
“agapao”, cujos significados são “admirar com profunda reverência” e
“amar de modo mais elevado”.
A Ação da Cruz 3

No hebraico, no qual o Antigo Testamento foi escrito, a palavra empre-


gada para amor é “ahava”. Cada letra nessa língua tem um significado e a jun-
ção delas é que dá o valor necessário ao termo. No caso de “amar”, o sentido
é o de “dar-se em favor do outro” ou “ter atitude incondicional para com o
outro”. Sua essência, portanto, envolve ação. No hebraico contemporâneo, o
verbo também tem a conotação de “dar sem receber nada em troca”.

Do ponto de vista da linguagem bíblica, que descreveu a criação do


mundo e os primeiros relacionamentos entre Deus e o homem, amar
não é apenas um sentimento. “Ahava”, ou amar alguém, é dar-se com-
pletamente para a outra pessoa, o que é criado com ações, a partir da-
quele que decide se doar. Isso sempre esteve tão explícito para nós que,
por ser tão óbvio, nem enxergamos:

“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho
Unigênito, para que todo aquele que nEle crer não pereça, mas
tenha a vida eterna.”
João 3:16

“Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas
em que Ele nos amou a nós e enviou seu Filho para propiciação
pelos nossos pecados.”
1 João 4:10

Em toda a Bíblia, especialmente após a descrição da queda adâmica, pa-


rece haver um clamor do Espírito de Deus para que voltemos para sua pre-
sença, pois nos ama. Em seu eterno e abundante amor, Ele criou um caminho
para que voltássemos, através de sua maior atitude de entrega e doação, Jesus,
o Cordeiro imaculado que se sacrificou pela expiação dos nossos pecados.

Jesus sabia que haveria um processo duro na Terra até chegar ao sa-
crifício. Precisaria ser examinado pelos sacerdotes e, como o cordeiro de
Levítico, deveria ser encontrado imaculado, sem defeito. Em Mateus 22,
vemos que Ele foi questionado pelos fariseus acerca de tributos, ressur-

106
Amor, o profundo alicerce

reição e outras questões. Na ocasião, faltavam 10 dias para a crucificação.


O Pai autorizou que o Filho morresse exatamente por não ter nenhuma
falha, nenhum pecado.

No verso 34 de Mateus 22, é dito: “Os fariseus, ouvindo que Ele fizera
emudecer os saduceus, reuniram-se no mesmo lugar”. Aqueles homens
tentaram emboscar Jesus, ao fazerem uma pergunta aparentemente difí-
cil, como vemos no versículo 36: “Mestre, qual é o grande mandamento
na lei?”. A sua resposta, contudo, foi muito pontual:

“E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu


coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Esse é o
primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a esse, é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamen-
tos dependem toda a lei e os profetas.”
Mateus 22:37-40

Tendo conhecimento de que sua aprovação como cordeiro o levaria à


morte, Jesus respondeu, com extrema sabedoria, que todo relacionamento
com Deus está ligado a amá-lo incondicionalmente, doar-se ao próximo
e fazer-lhe o bem, assim como fazemos a nós mesmo. Ele estava afirman-
do: “Eu amo a meu Pai ao ponto de obedecer! Eu amo ao meu próximo
ao ponto de me entregar!”.

“O qual se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do


presente século mau, segundo a vontade de Deus, nosso Pai, ao
qual seja dada glória para todo o sempre. Amém.”
Gálatas 1: 4 e 5

“Ora, antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que já era chegada a


sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia amado os
seus, que estavam no mundo, amou-os até o fim.”
João 13:1

107
A Ação da Cruz 3

“A marás o S enhor , teu D eus ”

O primeiro e maior mandamento de todos é amar a Deus. E, como


lemos antes em Mateus 22, ele é seguido de uma ordem: “De todo o teu
coração, te toda a tua alma e de todo o teu entendimento”. Talvez não
haja outra maneira de amá-lo. Isso deve se dar nas emoções, no íntimo.
Não pode ser de forma irresponsável ou imatura, mas com clareza de
quem o Senhor é para nós.

Quanto mais nos lançamos em conhecê-lo, tanto mais o amamos.


O amor a Ele nos leva ao entendimento de sua sublimidade, majestade
e grandeza esplêndida. Também nos conduz à gratidão por sua miseri-
córdia e perdão. E à consciência de que um Deus tão grande assim nos
permite amá-lo, como seus filhos.

Do ponto de vista da palavra “ahava”, que é doar-se, nenhum de nós


pode oferecer algo de valor ao Deus Eterno. Mas queremos nos dar lite-
ralmente a Ele quando constatamos que o amamos. Perdemos nossa vida
por amor ao Senhor e entregamos em seu altar os talentos, os bens, os
sonhos e tudo o que é precioso.

Amar a Deus tem a ver com adoração, devoção, entrega. Podemos


dar somente o que temos e perder somente o que possuímos. O que você
tem em si? Então, dê! Parafraseando Jim Elliot, “quem dá o que não pode
reter ganha o que não pode perder”. Abraão deu o seu filho e ganhou uma
descendência no céu e outra na Terra. Quem ama perde. Devemos querer
sempre perder para o Senhor.

Outra forma de amá-lo, Jesus mesmo descreveu: “Aquele que tem os


meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me
ama será amado do meu Pai e Eu também o amarei e me manifestarei a
ele... Se alguém me ama, guardará minha Palavra; e meu Pai o amará e
viveremos para ele e faremos nele morada” ( João 14:21 e 23). Observar a
lei do Senhor, buscar com todas as forças e caminhar em perfeição, como
está escrito, são demonstrações de amor.

Em Lucas 14:26, é dada uma descrição de como seguir os manda-

108
Amor, o profundo alicerce

mentos do Mestre. A indicação é a de que aquele que assim deseja “deve


odiar pai, mãe, irmãos, mulher e filhos”. A palavra “odiar” aí aplicada é o
contrário do amor. No parâmetro de Jesus, ser discípulo pode custar tudo.
Para amá-lo, talvez seja preciso ir ao extremo com todos. Nesse sentido,
Ele próprio deixa claro, no versículo seguinte, que é necessário a cada um
tomar a sua cruz.

Como já dissemos em outras oportunidades, uma vida de cruz requer


abnegação, morte todos os dias e anulação das próprias vontades. Sem
isso, não adiantará planejar grandes coisas. Sem amor incondicional a
Deus, jamais poderemos viver completamente seus projetos. Ele precisa
desse alicerce para construir as colunas de seu caráter em nós.

“A marás o teu próximo como a ti mesmo ”

A frase é um mandamento? É um duplo mandamento? É realmente


uma afirmação? De toda forma, descobrimos até aqui um princípio para a
vida: Devemos, em primeiro lugar, amar a Deus, mas também a nós e ao
nosso próximo. Talvez essa seja a resposta para comportamentos como difi-
culdade de autoafirmação, autoestima baixa e até complexo de inferioridade.

Há pessoas que não crescem em Deus e não se desenvolvem espiritu-


almente porque rejeitam a si mesmas. Elas fazem uma avaliação própria
que não é a que o Senhor faz. A verdade é que o Pai nos aceita como so-
mos. Entretanto, existem aqueles que passam por situações complicadas e
normalmente têm a autoestima baixa. Como resultado disso, se rejeitam,
se acham feios, gordos, magros, fracassados.

Esses complexos acontecem porque somos naturalmente egoístas e,


no processo da formação do nosso caráter, o egocentrismo vai sendo ven-
cido. As pessoas que tem autoestima baixa são muito egocêntricas e, por
isso, têm dificuldade de amar a si mesmas. No íntimo, querem ser amadas
por todos, mas não querem dar amor. O fato é que nos amamos à medida
que nos sentimos aceitos. Mas como ter essa aceitação se não cultivarmos
o princípio estabelecido de doar-se?

109
A Ação da Cruz 3

A maneira como nos rejeitamos é a mesma como rejeitamos os ou-


tros. Quando resistimos a alguém é porque dentro de nós há resistência.
Irmãos, como eu tenho descoberto que sou assim. Tenho visto que convi-
vo com muitas pessoas com as quais não me dou bem pelo fato de que as
rejeitei no meu íntimo. Isso não é amor, que não rejeita ninguém. Quem
ama simplesmente ama, como o Senhor. Na cruz, por exemplo, Jesus disse
que, no mesmo dia, o ladrão estaria com Ele no paraíso.

Nós selecionamos quem devemos amar, como fazem os compradores


e vendedores de bois. Eles apontam quem querem. Algumas vezes, temos
nos comportado assim. O Espírito Santo precisa nos despertar para esta
verdade: O amor não rejeita e não faz acepção de pessoas. Quem age com
rejeição não ama. E “aquele que não ama não conhece a Deus”, como está
escrito em 1 João 4:8.

Amar é aceitar. A falta de aceitação gera uma pessoa difícil, social-


mente instável e que não estabelece relacionamentos. Quem não conse-
gue se relacionar é porque tem dificuldade com o amor e, por isso, coloca
defeitos nos outros. Não aceita a si e também não pode aceitar quem quer
que seja. A verdade é que quem não se ama não consegue amar o próximo.

“Nós o amamos a Ele porque Ele nos amou primeiro.”


1 João 4:19

Perceba que estamos falando de algo cíclico. Só podemos conhecer ao


Senhor porque Ele decidiu se doar em nosso favor. Agora devemos fazer
o mesmo em relação a outros. Não podemos, porém, escolher o próximo
a quem amar. Ele deve ser aquele que estiver ao nosso lado no dia em que
formos provados no amor. Deve ser quem estiver machucado no caminho
quando formos passando.

Uma parábola contada por Jesus em Lucas 10:30-37 diz que certo
sacerdote ia passando por um caminho onde havia um homem machuca-
do. Ele deu a volta e foi embora. Depois, um levita viu o mesmo sujeito
e também se desviou dele. O que os levou a não cuidarem do ferido foi a
presunção de acharem que poderiam escolher a quem amar. Por isso, pre-
110
Amor, o profundo alicerce

cisamos de um entendimento justo a respeito do amor de Deus por nós.


Ele é incondicional e não podemos escolher quem é o nosso próximo.

Jesus amou os que se aproximaram: Deficientes físicos, cegos, ladrões,


prostitutas, leigos, ricos, pobres, letrados. Na sua concepção, todos eram
pessoas extraordinárias e que lhe dariam oportunidade de manifestar
amor. Conseguia ver o que o externo não mostrava. As pessoas comuns,
ao avistarem o gadareno, enxergavam apenas um endemoniado, mas Ele
viu um evangelista. Maria Madalena, para a sociedade, era uma prostituta
e, para o Senhor, uma adoradora.

Por isso, se você quer ser amável, faça apreciações positivas a respeito
das pessoas. Por mais improvável que seja. A samaritana, por exemplo,
vivia entregue à prostituição, mas, quando Jesus a encontrou, ouviu o ín-
timo dela dizer: “Um dia o Messias virá e me libertará!”. O Mestre não
passou de largo por aquela mulher. Ele tinha a cura que ela precisava. As-
sim somos nós. Deus nos aproximará de quem precisa de algo que temos.
Essa é a oportunidade de amar.

O comportamento do Senhor conosco é o mesmo do que aconteceu


com a samaritana. Ele não vê nossos defeitos, nossos vícios. 1 Samuel
2:8 diz: “Levanta o pobre do pó e desde o monturo exalta o necessitado,
para o fazer assentar entre os príncipes, para o fazer herdar o trono de
glória; porque do Senhor são os alicerces da Terra e assentou sobre eles o
mundo”. Palavras de força e de apreciação poderão levantar o seu próxi-
mo. Vamos imitar a Jesus, dando oportunidades de o amor se manifestar
através de nós.

“Nisto conhecemos o amor, em que Cristo deu a vida por nós e nós
devemos dar a vida pelos nossos irmãos”.
1 João 3:16

111
A Ação da Cruz 3

U m batismo de amor

Nos últimos anos, eu e a MCM oramos para que a nação brasileira


seja avivada. Pensando nisso, cheguei à conclusão de que avivamento é um
batismo de amor, como um oceano, inundando tudo, destruindo diferenças,
nivelando caminhos, estabelecendo santidade, verdade, justiça, integridade,
bondade, serviço e integridade. E chamando o Reino dos Céus para nós.

Algum tempo atrás, eu já tive o privilégio de uma forte experiência


com o amor de Deus. Em 24 de fevereiro de 2013, fiz uma de minhas
viagens à Somália. Esse é um país perigosíssimo, vive em guerra cível,
sofre uma violenta perseguição religiosa e não se abre aos estrangeiros
com facilidade. Mas recebi um comando claro do Senhor para pisar ali e
estabelecer um altar de oração.

Na viagem, estava comigo apenas com um intérprete, em uma cidade


de cerca de 40 mil pessoas. Como sou cardiologista, fui atender como
médico. Fiquei em um hotel, onde recebi a visita do prefeito local. Ele me
disse que, enquanto eu estivesse nos parâmetros do seu governo, tentaria
me manter vivo, mas, se saísse, não teria nenhuma responsabilidade.

Mas eu tinha ido para aquele país com uma Palavra baseada em Gê-
nesis 13:17: “Levanta-te, percorre essa terra no seu comprimento e na sua
largura; porque a ti a darei”. Tinha um comando e, àquela altura, ainda nem
havia ido ao centro da Somália. Fui, então, a esse ponto e orava muito, es-
pecialmente por chuva. Em um dos dias quase choveu, mas um vento forte
soprou as nuvens pra longe. Percebi que o céu espiritual lutava contra mim.

Fui atender em um hospital muito simples, em que apenas o centro


cirúrgico tinha piso de cimento. O restante era chão batido. Lá, havia um
médico apenas e foi muito difícil falar com ele. E não tinha como fazer
qualquer atendimento enquanto não falasse com o responsável pelo local.
Então, ele veio falar comigo e entendi o porquê da demora. Veio rapi-
damente apenas me cumprimentar. Apertou minha mão e só disse uma
coisa em sua língua: “Tome cuidado!”.

Aquele homem temia alguma aproximação, por medo de ser seques-

112
Amor, o profundo alicerce

trado ou estar envolvido em algo que o governo ou as facções terroristas


desaprovassem. Naquele país, a vida humana não vale muito. Desde a
tenra infância, as crianças aprendem a odiar e a matar. Eu nunca tinha
visto tantas balas e rajadas de metralhadoras.

Sendo escoltado por sete homens, tive a oportunidade de percorrer oito


quilômetros. Mas aquilo era insuficiente para quem tinha uma Palavra para
avançar naquela terra. Por inspiração de Deus, o interprete perguntou se eu
gostaria de continuar o trajeto. Respondi positivamente e seguimos mais
20 quilômetros. Então, naqueles lugares desérticos, orei, peguei algumas
pedras e senti que havia cumprido o que o Senhor mandara fazer.

À noite, enquanto lia, senti o Espírito Santo chegar. Já havia sido


batizado por Ele, mas estava prestes a provar outro batismo de sua par-
te. E como desejava aquilo! Foi algo notável e forte. Fui inundado por
um oceano de amor, um tsunami. Eu chorava e ria. Comecei a confessar
meus erros e, de lá da Somália, gritei pedindo perdão à minha esposa.
Um sentimento profundo de santidade penetrou meu coração e o pecado
não suportou ficar em mim. Jesus viveu isso o tempo todo. E me permitiu
também essa experiência.

Ali na Somália, aquelas ondas vinham sobre mim, uma após a outra.
Não sei quanto tempo a experiência durou, mas não foi menos de meia
hora. Deus não falou nada comigo. Ele só me visitou e me inundou com
seu amor. Realmente eu não poderia falar do tanto que o Senhor ama
cada pessoa sem viver o que vivi naquele dia.

No dia 27 de fevereiro, algo aconteceu comigo dentro do avião da


África, voltando da viagem. A aeronave estava absolutamente lotada, mas
ao meu lado havia duas poltronas que ninguém sentou. Fiquei sozinho o
tempo todo. Foi o Senhor quem permitiu. E ali, orando e ouvindo uma
canção, a mesma visitação aconteceu. Foram 15 minutos de sua gloriosa
presença. Então, Ele falou: “Agora você está pronto para partir, ficar co-
migo e ir aonde Eu te enviar!”.

Somente com esse batismo podemos ter a compreensão profunda do


que está escrito em 1 João 4:18: “No amor não há medo; antes o perfeito

113
A Ação da Cruz 3

amor lança fora todo medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele
que teme não é aperfeiçoado no amor”. Estamos falando de se arriscar.
Jesus arriscou tudo porque amou. E nos escolheu para fazer o mesmo e
também para sermos amados, assim como Ele é amado de seu Pai.

A história de A dam

Um dos livros que mais marcou minha vida trata do testemunho de


amor entre um sacerdote e um jovem deficiente. “Adam, o Amado de
Deus” (Paulinas Editora, 2010) me ensinou algumas das coisas mais pro-
fundas sobre o que é amar.

No Canadá, há uma organização católica que baseia seu trabalho nas


bem-aventuranças. Entre outras coisas, seus membros recebem pessoas
com múltiplas deficiências e cuidam delas por toda a vida. Sabendo dessa
ação, um padre holandês e que também era professor universitário de-
cidiu dedicar-se à vida pastoral naquele lugar. Foi-lhe dada a missão de
cuidar do jovem Adam, epilético desde a tenra infância.

As complicações de Adam foram se tornando piores, pois ele nunca


falou e, com o passar do tempo, seus movimentos se tornaram em extre-
mo limitados. Nesse período, o padre Henri, o holandês, devia oferecer
ao jovem cuidado por três horas ao dia. Fazia sua barba, trocava seus fral-
dões, dava-lhe banho, carregava-o para a cadeira de rodas. Por inúmeras
vezes, garantiu socorro em suas fortes convulsões.

Algum tempo atrás, como médico, eu cuidei de uma criança epilética.


Quando os pais começaram a levá-lo ao meu consultório, ele tinha dois
anos de idade. A única coisa que fiz foi dar uma receita para aquele meni-
no. Na época, talvez eu estivesse mais preocupado com o dinheiro que foi
pago na consulta do que com a saúde do pequeno paciente.

O tempo foi passando e aquela criança, só piorando. A epilepsia nun-


ca melhorou. Cuidei daquele menino durante muito tempo, até os seus
12 anos de idade mais ou menos. Cheguei a fazer certa amizade com seus

114
Amor, o profundo alicerce

pais. Mas chegou um momento em que eles não foram mais levá-lo para
mim. E perdemos contato.

Como já pedi perdão para Deus por essa história, irmãos! O que fiz
por aquele menino? Eu me arrependo profundamente e devo continuar
me arrependendo. Deus me deu a oportunidade de conhecer a Ele através
da fraqueza de outro ser humano e deixei escapar a oportunidade.

Por outro lado, aquele padre, o autor do livro, me ensinou sobre Jesus
como poucas pessoas me ensinaram. Em sua obra, não lemos a respeito
de idolatria ou doutrinas católicas, mas uma mensagem mostrando como
o amor de Deus se manifesta através de alguém tão frágil. O sacerdote
entendeu o valor do silêncio na vida de quem não podia falar. Descobriu
o mistério que se revela na fraqueza, que é a dependência. Será que se-
ríamos mais gratos ao Senhor se dependêssemos mais dEle? Adam não
tinha medo de depender, pois nunca tinha sido independente.

Nós, o tempo todo, queremos ser fortes. Mas a história daquele jovem
nos ensina coisas que não ouvimos em congressos e é necessária uma vida
inteira para aprender. Às vezes, é preciso Deus levantar um homem que
nunca andou, jamais falou ou fez qualquer façanha para impressionar. Há
um grito do Senhor em Adam tentando nos mostrar que a manifestação
do amor é simples.

A sua condição fazia com que Adam não tivesse distrações ou gran-
des ambições. Portanto, não precisava praticar disciplinas espirituais para
se esvaziar de si próprio. Nesse aspecto, já era vazio e, por isso, sabia re-
ceber amor. Queremos tantas respostas e somos os poderosos donos de
nós mesmos que, de tão cheios, nos esquecemos do quanto precisamos
uns dos outros.

A trajetória de Adam nos ensina que não há problema em ser fraco,


em não ter todas as respostas. Além disso, também nos leva a aprender
com quem parece não ter nada para ensinar. Sabe aquela pessoa que você
olha e em relação à qual se sente tão superior? Pense e tente responder: O
que ela poderia te ensinar?

Por ser livre do mundo corriqueiro, Adam também era livre das agita-

115
A Ação da Cruz 3

ções. Nunca saberemos os conflitos emocionais daquele rapaz, que jamais


conseguiu expressá-los. Mas quem conviveu com ele percebeu o privi-
légio de estar com alguém que de fato experimentava a paz. E isso, por
sinal, invadia a vida das pessoas que estavam por perto.

A verdade é que Adam não tinha medo do sofrimento, que foi seu
companheiro, algo inerente à sua condição humana. Enquanto isso, nós
sequer suportamos sofrer, muito embora as adversidades façam parte da
vida. Quantos se perdem por causa de uma tempestade? Aquele jovem
aprendeu a lidar com a dor.

Além de não ter dificuldades com o sofrimento, Adam aceitava ser amado.
Sua história nos ensina que não podemos medir o amor de Deus com nossa
própria régua. Não podemos exigir que Ele nos ame como queremos. Aquele
jovem não buscava a preservação de sua imagem ou reputação. Aliás, nenhum
de nós precisa disso. Deveríamos deixar o Senhor cuidar dessas coisas.

A Bíblia fala, em 1 Coríntios 13, que “o amor é paciente, é bondoso, não


é invejoso, não se vangloria, não se orgulha, não maltrata, não procura seus
interesses, não se ira facilmente e não guarda rancor”. O mesmo capítulo
diz também que ele “não se alegra com a injustiça, mas com a verdade; tudo
sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta... nunca acaba”. Adam experi-
mentou cada face do amor, pois era só o que ele tinha como opção.

Assuma sua identidade! Assuma que você é fraco, que não pode! As-
sim, não fará nada na força do seu braço. Um caminho para curar a falta
de amor é aprender a recebê-lo, ou seja, se deixar ser amado e também
amar. É uma troca. Aprenda a trocar!

Na verdade, tenho temor de definir o amor. Porque seria preciso ex-


plicar o Deus do Universo. E não tenho autoridade para isso!

“Não sei se estou pronto para conhecer Adam. Não sei se estou
pronto para cuidar dele. Eu acho que não estou! Mas as lições de
sua vida parecem torná-lo íntimo de quem quer conhecer a Deus e
permitir ser amado dEle”
José Rodrigues

116
Capítulo 8
capítulo 8

Coluna da santidade, a
viga mestra i

C omo falamos nos capítulos anteriores, Deus estabeleceu como


padrão para a humanidade o caráter de Jesus, que tem como
colunas sete características: Santidade, verdade, justiça, bondade, fide-
lidade, serviço e integridade. A pessoa do Mestre, seu temperamento,
suas atitudes, sua linguagem e tudo o que lhe diz respeito estão susten-
tados por esses pilares.

As colunas servem para dar sustentabilidade para uma estrutura. Já a viga


mestra tem essa função e também a de suportar as demais. É exatamente o
papel da santidade em todo esse processo. O Senhor é verdadeiro porque é
santo; é justo porque é santo; é bom porque é santo; e assim por diante.

A santidade é um atributo de Deus. Diante do seu trono, os serafins


proclamam o que Ele é. Há no Senhor outras virtudes eternas, mas, por
A Ação da Cruz 3

milhares e milhares de anos, os anjos declaram o quanto é santo. Então,


podemos dizer que se trata da coluna mais importante. Vejamos a descri-
ção da visão de Isaías:

“No ano em que morreu o rei Uzias, eu vi também ao Senhor


assentado sobre um alto e sublime trono; e a cauda do seu manto
enchia o templo. Serafins estavam por cima dEle; cada um tinha
seis asas; com duas cobriam os seus rostos, com duas cobriam os
seus pés e com duas voavam. E clamavam uns aos outros, dizen-
do: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos; toda a Terra está
cheia da sua glória. Os umbrais das portas se moveram à voz do
que clamava e a casa se encheu de fumaça.”
Isaías 6:1-4

Na língua hebraica, usar o mesmo adjetivo duas vezes equivale a su-


pervalorizar o que está se descrevendo. Repetir a palavra “santo” é como
declarar “santíssimo”. E se valer do termo três vezes eleva a qualidade ao
nível máximo. Assim, para quem escreveu o texto que acabamos de ler, a
santidade de Deus é algo indescritível na linguagem humana.

A santidade traz a consciência de que Deus é o Senhor de tudo, in-


clusive das miríades celestiais, e enche toda a Terra com sua glória. Isso
nos mostra como sua natureza transcende o Universo. Mesmo sendo tão
santo e poderoso, com seus atributos excedendo o limite humano em
todos os sentidos, ainda assim, Ele se deixa revelar para nós.

O capítulo 6 de Isaías descreve o chamamento do profeta e nos traz


alguns ensinamentos. Nele, percebemos que, quando a santidade de Deus
se manifesta, estruturas são abaladas. O templo foi estremecido, desde os
umbrais até o chão, e o profeta também. Então, aquele servo do Altíssimo
entendeu que não era apto para estar diante de Deus. A impressão que
temos é que ele pensou que sua vida tivesse chegado ao fim.

Porque viu a Deus, Isaías descreveu sua condição pecaminosa. Con-


fessou a impureza de seus lábios e as iniquidades de seu povo. Prostrou-se

120
Coluna da santidade, a viga mestra I

diante da santidade do Eterno e de sua glória, pois homem algum em


pecado consegue permanecer de pé diante dEle. O reconhecimento de
seu estado promoveu uma purificação em sua vida.

“Então, disse eu: Ai de mim! Pois estou perdido; porque sou um


homem de lábios impuros e habito no meio de um povo de impuros
lábios; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos. Porém,
um dos serafins voou para mim, trazendo na sua mão uma brasa
viva, que tirara do altar com uma tenaz. Com a brasa tocou a
minha boca e disse: Eis que isso tocou os teus lábios; a tua iniqui-
dade foi tirada e expiado o teu pecado.”
Isaías 6:5-7

A brasa viva e flamejante tirada do altar simboliza o sangue de Jesus,


que nos limpa e purifica, mas também aponta para a ação do Espírito Santo
em nós. Isso demonstra que todo aquele que vê a Deus e que se encontra
com seu Filho precisa passar pelo processo de santidade. É ela que nos tor-
na aptos a vivermos nEle e, consequentemente, a fazermos sua obra.

“Depois disso, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei


e quem há de ir por nós? Então, disse eu: Eis-me aqui, envia-me
a mim. Então, disse Ele: Vai e dize a este povo: Ouvis, de fato, e
não entendeis, e vedes, em verdade, mas não percebeis.”
Isaías 6:8 e 9

Infelizmente, a realidade de algumas comunidades evangélicas não é


assim. Santidade não é mais pré-requisito para fazer a obra de Deus. O
processo de lavagem pela Palavra e o hábito de orar não são mais ensina-
dos. Uma vida de renúncia de pecados e no caminho da cruz é excluída
dos púlpitos. Mas é somente purificado pelo fogo que nos tornamos aptos
para dizermos: “Eis-me aqui, envia-me a mim!”.

121
A Ação da Cruz 3

P rocesso da santificação

O processo de santificação inicia-se com a constatação de que so-


mos pecadores. Depois, passa por três fases de extrema importância.
Por esse motivo, dedicamos um capítulo inteiro sobre arrependimento
e confissão. É impossível sermos santos sem admitirmos nossa condição
pecaminosa diante da natureza santa do Senhor. Deus não construirá
nada santo em estruturas sujas.

Para que o caráter de Jesus seja formado em nós, é preciso, em ar-


rependimento, que clamemos e alcancemos favor de Deus em nos lavar
pelo sangue da cruz. É preciso desejar profundamente uma ação do Espí-
rito Santo em nos mudar, destruindo estruturas construídas em nós que
não vêm dEle. Para tanto, temos que estar dispostos, pois a santificação é
um processo duríssimo, muitíssimo difícil. Mas precisamos dela para que
sejamos iguais ao nosso Mestre.

Em 1 Tessalonicenses 5:23, está escrito: “O mesmo Deus da paz vos


santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados
íntegros e irrepreensíveis na vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Quan-
do Ele vier, devemos ser encontrados íntegros e irrepreensíveis nessas três
esferas de nossas vidas, ou seja, espírito, alma e corpo. Então, podemos
compreender que o processo de santificação passa por elas também.

A primeira fase do processo de santificação é o “deixar” e está ligada


ao corpo. Não basta admitir nossas áreas de fragilidade. É preciso abando-
ná-las. Quanto mais nos aproximamos de Jesus, mais tendemos a excluir
de nossas vidas hábitos que tínhamos antes de aceitá-lo como Senhor.
É nesse momento que se deve abandonar vícios, pornografias, mentiras,
roubos, palavras torpes e palavrões, programas televisivos que não testifi-
cam com a conduta cristã, dentre outras situações que não condizem com
alguém que tem o Espírito de Deus.

Para lutar contra essas questões, é necessária a morte da própria von-


tade, porque somos incrédulos e maus. Nossa tendência não é pela santi-
ficação e sim pelo pecado. Quando nos santificamos, estamos indo contra
nossa própria natureza. Pecar nos traz prazer e, muitas vezes, não perce-

122
Coluna da santidade, a viga mestra I

bemos o laço do adultério ou nos descuidamos e falamos mal do irmão,


descobrindo sua nudez. Precisamos de coragem e apego a Deus para que
deixemos as práticas pecaminosas.

A santificação no corpo está intrinsecamente ligada aos cinco sentidos


humanos. As pessoas pecam pelo paladar com a glutonaria. Não é à toa que
o Brasil hoje é um país de obesos. A audição também pode levar alguém a
tropeçar, já que inúmeros crentes ouvem músicas imorais ou que superva-
lorizam a emoção e o sofrimento. Aliás, não são poucos os cristãos que fre-
quentam shows de stand-up! Até pelo olfato alguém podem se corromper,
uma vez que o consumo de muitas drogas é através de inalação.

Os olhos, por sua vez, são a janela da alma. Eles despertam o desejo
dos outros sentidos. No nosso país, para santificar a visão, é preciso tomar
uma atitude muito forte, para não ver tudo o que aparece. Até os outdoors
de hoje são muito sensuais. Veja o que a Palavra fala:

“A candeia do corpo são os olhos. Quando, pois, os teus olhos forem


bons, todo o teu corpo será luminoso; mas, quando forem maus,
o teu corpo será tenebroso. Vê, então, que a luz que há em ti não
sejam trevas.”
Lucas 11:34 e 35

Já o tato é o sentindo que mais se aflora pela ativação dos outros. Ele
é despertado quando se sente odores agradáveis, quando se vê algo atra-
tivo e quando se ouve palavras carinhosas, maliciosas ou convidativas. E
é nesse sentindo que muitos caem em pecados carnais. Veja o que Judas
mostra a esse respeito:

“Os quais vos diziam que nos últimos tempos haveria escarne-
cedores que andariam segundo as suas ímpias concupiscências.
Estes são os que a si mesmos se separam, sensuais, que não têm o
Espírito.”
Judas 18 e 19

123
A Ação da Cruz 3

A palavra aqui empregada é “sensual”, que está relacionada aos cinco


órgãos do sentido. Também poderia ser usado “sensorial”, que tem a ver
com a sensação de pegar, de tocar, de sentir. Um termo intimamente li-
gado ao tato é “sensualidade”, que se refere ao prazer pelo toque carnal.

Judas fez o emprego dessas palavras para uma exortação à Igreja de


sua época, insistindo que não se comportassem como os sodomitas e os
moradores de Gomorra. Infelizmente, temos dados mostrando que esse
não é o caminho que o Cristianismo tem tomado nos dias de hoje. Uma
pesquisa séria foi realizada jovens evangélicos, de idade entre 16 e 24
anos. O assunto era sexualidade do solteiro cristão e o resultado nos dá
um raio X da questão. Vejamos alguns dados:

O CRENTE E O SEXO (SOLTEIROS E JOVENS)11


(Bureau de Pesquisa e Estatística Cristã)

• 40,25% dos jovens evangélicos de 16 a 24 anos entrevistados dis-


seram que já praticaram sexo;

• Entre aqueles que tiveram experiência sexual, 54,57% alegaram


que a primeira relação foi após a conversão (os dados incluem
os nascidos no Evangelho e os convertidos antes dos 16 anos de
idade);

• Dos jovens solteiros de 16 a 24 anos que se converteram ao Evan-


gelho, apenas 35,42% interromperam as rotinas sexuais; os outros
64,58% mantiveram as práticas de sexo fora do casamento;

• 67,21% dos entrevistados nessa faixa etária disseram que acessam


sites pornográficos;

• 66,54% dos jovens solteiros ouvidos (incluindo os de outras ida-


des contemplados na pesquisa) afirmaram que se masturbam re-
gularmente;

1 1Disponível em www.bepec.com.br <Acessado em setembro de 2017>

124
Coluna da santidade, a viga mestra I

• Especificamente entre os casais de namorados, também na faixa


de 16 a 24 anos, 20,55% disseram ter relações sexuais ativamente.
E 19,54% declararam ter toques íntimos, incluindo a masturba-
ção mútua.

Esse é um quadro do Evangelho sem cruz. É a constatação de que a


Igreja se desviou da Palavra. Não temos ensinado da maneira correta aos
nossos jovens que eles precisam se abster do pecado, senão vão para o
inferno. Do que vale viver dentro dos templos, ir a shows gospel, aderir a
toda moda evangélica e não se converter de fato e de verdade?

Outra pesquisa, realizada entre casais, a respeito de práticas sexuais


após a conversão também traz alguns dados alarmantes. Centenas deles,
de variadas denominações, responderam sobre suas vidas íntimas. Vejamos:

O CRENTE E O SEXO (CASADOS)2


(Bureau de Pesquisa e Estatística Cristã)

Quando perguntados se houve adultério após a conversão ao Evan-


gelho, o resultado foi que 11,96% das mulheres e 24,68% dos homens
confirmaram esse tipo de traição;

• 21,4% dos casais entrevistados praticam sexo anal regularmente;

• 4,5% deles utilizam materiais pornográficos durante o ato;

• 1% trouxe uma terceira pessoa para a relação sexual.

Em nosso meio, esses indicadores deveriam estar zerados. Os jovens


até têm a premissa da abstinência, embora isso não possa ser um baliza-
dor de pecado. Mas entre casais, que podem se satisfazer com a beleza do
sexo abençoado, por que emprestar o leito conjugal a demônios?
2 1Disponível em www.bepec.com.br <Acessado em setembro de 2017>

125
A Ação da Cruz 3

Outro dado a que tivemos acesso por um portal bem conceituado


foi que, de 71 mil entrevistados, 70% assistem os programas televisivos
de palco aos domingos. O que essas programações têm, além de mulhe-
res seminuas, sensacionalismo e músicas pobres? O que um crente está
buscando ao gastar horas de seu dia assim? Do mesmo grupo de pessoas
ouvidas, 40% afirmaram que assistem novelas. O que elas podem oferecer,
a não ser supervalorizar as obras da carne e a destruição da família?

Então, nos santifiquemos! Que triste será se passarmos uma vida in-
teira nos bancos das Igrejas e, ao final, diante do Trono Branco, sermos
rejeitados por não termos conseguido vencer a própria carne.

A segunda fase do processo de santificação é o “descontaminar” e está


ligada à alma. Para sermos encontrados íntegros e irrepreensíveis, é pre-
ciso que estejamos limpos nas emoções, na mente. Precisamos ter zerado
as dívidas do passado, sem contaminações. A Bíblia nos dá um exemplo
de como podemos nos contaminar. Vejamos:

"Não se deite com a mulher do seu próximo, contaminando-se com


ela. Não entregue os seus filhos para serem sacrificados a Moloque.
Não profane o nome do seu Deus. Eu sou o Senhor. Não se deite
com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante.
Não tenha relações sexuais com um animal, contaminando-se com
ele. Mulher nenhuma se porá diante de um animal para ajuntar-
-se com ele; é depravação. Não se contamine com nenhuma dessas
coisas, porque assim se contaminaram as nações que vou expulsar
da presença de vocês. Até a Terra ficou contaminada; Eu castiguei a
sua iniquidade e a Terra vomitou os seus habitantes.”
Levítico 18:20-25

Em Levítico 18, vimos uma série de pecados que, segundo o próprio


Deus, trazem contaminação para o homem e para a Terra. São práticas
tão ofensivas que destroem quem as comete e também atraem demônios,
que seguem a pessoa para o resto da vida e, depois, seguem seus descen-
dentes. Há uma corrente evangélica que prega que, para as pessoas serem

126
Coluna da santidade, a viga mestra I

libertas, precisam apenas levantar as mãos e aceitar Jesus que está tudo re-
solvido. Pela minha experiência e por aquilo que estudo, eu creio que não.

Em Lucas 13, vemos a libertação de uma mulher que já vinha sofren-


do havia 18 anos, pois sua coluna era curvada e, por isso, tinha dificul-
dades para se locomover. A Bíblia a chama de filha de Abraão, ou seja,
professava o Judaísmo e cumpria tudo o que a lei exigia. E Jesus a curou.
Foi, enfim, liberta daquela enfermidade.

Vamos supor aqui que alguém passou por uma relação homossexual
na infância ou na adolescência, sofreu um abuso ou teve práticas sexuais
com animais. Essa pessoa se contaminou com demônios! A partir do
momento do contato, os anjos satânicos passaram a ter direito sobre ela.
Agora aceitou Jesus e é crente. Ainda assim, pode ser que esteja sofrendo
tendências para certos pecados ou desenvolvendo um círculo vicioso de-
les. É possível inclusive que tenha desenvolvido doenças físicas e psíqui-
cas por influências espirituais.

Demos o exemplo da área sexual, mas existem inúmeras outras situa-


ções que influenciam a alma. A minha própria vida pode ser um exemplo.
Meu pai era um homem extremamente violento e temido. Por muito
tempo, também fui alguém irado e cheguei a andar com arma de fogo. Os
demônios que o acompanhavam me atormentaram também. Foi apenas o
sangue de Jesus que me libertou daqueles espíritos familiares.

Há outros problemas que podem contaminar a alma, pois ela se com-


põe de pensamentos e emoções. Pode ser que uma criança tenha sofrido
maus-tratos ou rejeição e, quem sabe, a separação dos pais. Um de nossos
leitores pode ter sofrido uma decepção amorosa ou uma traição. Inde-
pendente de quais sejam as situações, se elas levam a pecar, por falta de
perdão, ou a qualquer comportamento que Deus desaprova, essa pessoa
precisa confessar, pedir ajuda e renunciar.

A Bíblia nos ensina que somos libertos pela Palavra. À medida que
nos entregamos a Deus, abandonamos o pecado e procuramos andar se-
gundo as Escrituras, nos santificando. Mas, se o dano causado em sua
alma foi de grande proporção, sugiro que você procure ajuda. Atualmente,

127
A Ação da Cruz 3

existem muitos homens e mulheres de Deus que fazem um trabalho sério


nessa área. É melhor gritarmos por socorro do que vivermos escravizados
por um passado que não nos pertence mais.

O processo de descontaminação é profundo e necessário. Ele pode


durar mais ou menos tempo, dependendo de cada pessoa. Está ligado à
profundidade do relacionamento com Deus, ao nível de entrega e à ver-
dade ou não da conversão.

A terceira fase do processo de santificação é a “experimentação”. Em


Levítico 10:3, está escrito: “Falou Moisés a Arão: Isto é o que o Senhor
disse: Mostrarei minha santidade àqueles que se achegarem a mim”. A san-
tidade de Jesus é algo imensurável. Somente a conhecemos se a experimen-
tamos. Na verdade, nos tornamos santos apenas quando a provamos. Ao
estarmos pertos do Senhor - não eventualmente, mas morando nEle e Ele
sendo nosso abrigo - passamos a conhecer sua natureza na profundidade.

Certo dia, Jesus me revelou sua santidade. Eu passava por uma crise
ministerial e no meu coração havia muita dor. Aquilo era intenso e quase
insuportável. Estava sozinho no apartamento em que morava, em Goiânia.
Comecei a andar pelo quarto enquanto orava mais ou menos umas 18 horas.

Lá pelas 20h, o Espírito Santo me disse: “Tire os sapatos”. Estremeci


e obedeci. Naquela hora, cheguei à conclusão: “O meu Deus está aqui!”.
O Senhor estava no quarto comigo. Continuei a orar e a andar naquele
ambiente e, perto da meia-noite, a santidade de Jesus era algo tão forte
que minha carne tremia. Sua presença era tão real que a impressão era
que, se eu dissesse “Quero te ver”, Ele apareceria para mim.

Continuei orando e o temor de Deus cada vez tomava mais espaço


em meu espírito. Era algo profundo. Precisava de uma resposta naquela
noite. À meia-noite, ouvi uma direção: “Entre no banheiro”. Não tinha
nenhuma necessidade de adentrar àquele lugar, mas Ele disse e obedeci.
Quando estava lá dentro, o Senhor voltou a falar: “Abra sua boca!”. E abri.
Foi quando percebi que havia recebido quatro dentes de ouro.

O motivo pelo qual recebi aqueles dentes não ficou claro no momento.

128
Coluna da santidade, a viga mestra I

Mas o que ficou dessa experiência é que, muitas vezes, não seguimos a von-
tade de Deus. Em várias oportunidades, o Senhor já falou conosco e não
obedecemos, porque não tememos a Ele. Eu senti muito temor naquele
momento e fui inundado pela sua santidade. E é ela que atrai a sua glória.

Tal como o profeta Isaías, quanto mais nos aprofundamos no Senhor,


mais contato temos com sua glória. Quanto mais nos envolvemos com
Ele, mais entramos no descanso, no esconderijo do Altíssimo. Há menos
necessidade de satisfazer a carne e mais vontade de honrá-lo, permane-
cendo em sua presença.

Não é uma questão de pedir e dizer que quer experimentar. Também


não tem a ver com chorar em sua presença. Trata-se de desejar muito. Mais
do que tudo! É escolher uma vida de santidade, na língua, nos pensamen-
tos, no tocar, no ver. Falando nisso, quais são seus desejos? A santificação é
o primeiro passo para que o caráter de Jesus se forme em uma pessoa.

129
Capítulo 9
capítulo 9

Coluna da santidade, a
viga mestra ii

A santidade é um atributo de Deus, uma coluna de seu caráter e


um mandamento. Em Levítico 19, há a descrição de que, para
nos relacionarmos com o Senhor, precisamos ser santos. Sua natureza
pura não permite que nos acheguemos a Ele sem que haja essa busca
por nos santificar. Veja o que diz 1 Pedro:

“Mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também san-
tos em toda a vossa maneira de viver; porquanto está escrito: Sede
santos porque eu sou santo.”
1 Pedro 1:15 e 16

Se o Senhor manda que nos santifiquemos, isso é possível. Quem


deseja ser santo no mais profundo do seu íntimo desenvolve uma aversão
A Ação da Cruz 3

ao pecado. Muitas vezes, nem se trata de um ato pecaminoso em si, mas


a pessoa entende no seu espírito que determinada atitude ou decisão não
agradará a Deus. Então, ela recua, porque tudo o que quer na vida é viver
segundo a vontade do Pai.

Um bom exemplo é o de Daniel. Ao chegar ao palácio dos babilôni-


cos, ele tinha uns 15 anos mais ou menos. Com essa idade, já era ades-
trado na Palavra, temia a Deus e buscava a sua face. Tanto que decidiu
não se contaminar com a comida real. Essas refeições eram oferendas a
demônios e aquele jovem sabia. Mas sabia também que poderia morrer se
negasse uma ordem do rei.

É isto o que é santidade: Preferir a morte a pecar contra Deus. Se pu-


der, leia “A Vida de David Brainerd” (Editora Fiel). Esse homem chegou
a um momento em que temia mais o pecado do que morrer.

Para quem é santo, morrer não é um problema. Ter uma vida pecaminosa
sim. Quem não teme pecar é porque nunca teve de fato uma experiência com
Deus. Quem brinca com o pecado jamais experimentou a glória manifesta
pela sua santidade. Quando provamos realmente a Jesus, pensamos duas ve-
zes antes de tropeçar, pois isso pode nos afastar dEle para sempre.

John Wesley, um dos maiores pregadores e missionários que já existiu, nos


deu alguns ensinamentos. Mas uma célebre frase em particular deve mexer
com nossos pensamentos e convicções: “Dai-me 100 homens que nada te-
mam senão o pecado e que nada desejem senão a Deus e eu abalarei o mundo”.

Ao pecarmos, nosso sentimento deveria ser de profunda rejeição. Mes-


mo que aos olhos humanos se trate de uma falha mínima. Em situações
assim, no coração do homem santo é gerado um arrependimento genuíno
e verdadeiro. Ele se lança em uma entrega, em uma busca, até sentir-se
lavado e aceito. Santificação é algo que se faz ou não. Não há meio termo.

Sem santidade, ninguém verá a Deus


“Sem santificação, ninguém verá a Deus.”
Hebreus 12:14

134
Coluna da santidade, a viga mestra II

Quem não alcançar um nível de santificação semelhante ao que es-


tamos falando poderá até ir para o céu, mas não ficará perante o Senhor.
Aquele que não se santificar não irá morar com Deus. Ele é santo e com-
partilhará a eternidade com quem também o seja e não com profanos.

Não é interessante o que lemos em Hebreus 12:14? Alguém tem ex-


plicação para esse versículo? Porque não temos respostas para alguns textos
não podemos dar interpretações próprias para eles. Há pastores que até
fazem isso para aliviar o peso da mensagem. Mas o conselho a você é que, se
quiser ver a Deus, santifique-se. Se a Bíblia diz que, se não formos santos e
perfeitos, não o veremos, é nessa verdade que devemos acreditar. E pronto!

O capítulo que fala sobre a santidade para que se veja a Deus tam-
bém diz que Esaú perdeu seu direito de primogenitura por ser profano.
Profanar é tornar impuro aquilo que estava separado para ser santo. Ele
quis satisfazer sua carne. Ao chegar cansado e com fome da caçada, se
deparou com seu esperto irmão, Jacó, que fez uma barganha e negociou
algo espiritual por um prato de lentilhas.

A atitude de Esaú em aceitar a proposta do outro demostrou como


brincava com aquilo que era santo. Ele pensava que poderia cometer pe-
quenos erros sem afetar sua vida eterna. Por isso perdeu sua primogenitu-
ra e, mesmo que com lágrimas tenha tentado recuperá-la, não conseguiu.

“Nem haja algum impuro ou profano como Esaú, o qual por um


repasto vendeu seu direito de primogenitura. Pois sabeis também
que, querendo herdar a benção, foi rejeitado, pois não achou lugar
de arrependimento, embora com lagrimas o tivesse buscado.”
Hebreus 12:16 e 17

O texto nos dá a entender que existe um limite para nossas atitu-


des. Há um momento em que nem Deus pode mais operar no coração
do homem, por causa da vontade que este tem de pecar e brincar com
as coisas do céu. Veja o que diz Provérbios sobre quem não se dobra
para a correção:

135
A Ação da Cruz 3

“Aquele que, sendo muitas vezes repreendido, endurece a cerviz


será quebrantado de repente sem que haja cura.”
Provérbios 29:1

Precisamos pensar nisto: Pecado não é só adulterar ou cometer um ho-


micídio. Necessitamos ter uma profunda santidade nos nossos pensamen-
tos, nas mínimas coisas. Por exemplo, cada centavo que entra no seu bolso,
no caixa de sua empresa, no seu salário ou no seu consultório deve ser gasto
da maneira correta. Quem gasta fora dos propósitos de Deus está pecando.

De repente, alguém assiste a programas indevidos na TV, pensando não


estar ferindo a santidade, mas está. Cuidado para não ser um profano. Pode
ser que você esteja negociando sua herança espiritual por algo tão banal. O
mundo está cheio de pratinhos de lentilhas, disfarçados de uma rodada de
conversa maliciosa, um site sensual ou um flerte fora do casamento, entre
outras atitudes que aparentemente não trazem maiores prejuízos.

Cuidado! Se a Bíblia diz que, sem santidade, ninguém verá a Deus


é porque assim será. Já investi algum tempo estudando isso, mas resolvi
deixar as maiores explicações para os teólogos. Apenas creio e busco ser
santo, pois quero vê-lo. Acredito que existe muita gente que vai para o céu
e não verá Jesus lá. Mas não vamos entrar nesse mérito aqui.

Quando cremos assim, vem temor ao nosso coração e nos santifica.


Se tentarmos mudar o que está escrito, isso não nos santificará. Quem
quer alterar a Palavra é porque no fundo deseja adaptá-la ao que pensa.
Mas devemos pensar conforme Deus: “Sem santidade, ninguém verá o
Senhor!”. Medite nessa verdade.

Há um texto em Efésios que nos mostra o nível de santidade que


precisamos alcançar para que “nos casemos” com Jesus. Entre as doutrinas
ensinadas pelo apóstolo Paulo nessa carta, pode ser destacado como deve
ser um casamento. Vejamos:

“Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a


Igreja e a si mesmo se entregou por ela, para santificá-la, purifi-

136
Coluna da santidade, a viga mestra II

cando-a com a lavagem da água, pela Palavra, para apresentá-la


a si mesmo Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa
semelhante, mas santa e irrepreensível.”
Efésios 5:25-27

O texto fala de como deveremos nos apresentar diante do Senhor,


sem nenhum traço de pecado, ou seja, puros, santos, irrepreensíveis. Ago-
ra ainda temos tempo para nos santificar, nos preparar, buscar verdadeira-
mente a Deus. Naquele Dia, porém, isso não será possível. No julgamen-
to, será muito tarde. O momento para todas essas coisas, então, é hoje.

Efésios 5, que acabamos de ler, ainda mostra como é possível ser santo.
Jesus já se entregou como Cordeiro imaculado. Seu sacrifício foi suficiente e
tudo o que precisamos é aceitá-lo e viver uma vida de cruz, nos lavando pela
Palavra. Ou seja, seguindo o que as Escrituras nos apontam como padrão.

N ão use folhas de figueira

Há alguns irmãos, dentre os quais até mesmo pastores, que pensam


que verão a Deus por causa de suas muitas obras. Viver para servir ao Se-
nhor é algo esplendoroso e até corajoso, mas, sem santidade nas mínimas
coisas, tudo isso é obra morta. É infinitamente mais importante caminhar
debaixo de princípios do que ter preocupação com frutos do trabalho.

Mesmo que produzamos boas coisas, elas jamais justificarão nossos


comportamentos. Quando Adão resolveu tomar do fruto da árvore da
qual havia sido advertido a não comer, a primeira atitude foi fazer vesti-
mentas com folhas de figueira, para si e para sua esposa. A intenção era
cobrir a nudez.

Quando Jesus veio ao encontro de Adão e Eva, perguntou quem havia


dito que estavam nus. Eles disseram que ficaram com medo e se escon-
deram. Na verdade, temeram o juízo de Deus, pois o Senhor tinha alerta-

137
A Ação da Cruz 3

do que, se comessem do fruto, morreriam. Esconderam-se atrás daquelas


folhas para encobrirem o fato de não terem obedecido à ordem recebida.

Como não houve obediência, Adão pensou em produzir algo para


distrair a Deus. Já o primeiro homem tentava se esconder atrás de obras.
Somos assim também! Muitos de nós trabalhamos incansavelmente para
o Senhor, esperando que sejamos aceitos pelo trabalho de nossas mãos.

O Senhor poderia ter matado Adão e Eva, já que havia dito que eles
morreriam se desobedecessem. Mas, ao invés disso, matou um cordeiro,
o que nos ensina que Deus não se importa com o que produzimos. Ele
está preocupado se somos purificados em Jesus. Somente o sangue do
Cordeiro pode exercer misericórdia e nos salvar de nossas desobediências.

A obra de Deus é muitíssimo importante, mas não é fruto de uma


única mão. Ela é responsabilidade do corpo. Geralmente quem gosta de
produzir suas vestes com folhas de figueira são aqueles que não enten-
deram que o ministério é em conjunto. Por mais que alguém jejue, ore e
tenha talentos, o “Ide” não se cumpre sozinho.

No episódio de Caim e Abel, o primeiro fez um altar no qual havia


fogo. Ele era um homem trabalhador, lutador, além de exímio agricultor.
Mas o que tinha para oferecer era fruto do seu suor. E não era isso o que o
Senhor esperava, pois queria, na verdade, o que viesse do relacionamento
com Ele. Por outro lado, a oferta do segundo foi aceita porque ela conti-
nha sangue (Gênesis 4:1-5).

A oferta de um tinha esforço, ministério pessoal e a de outro, como


o Senhor queria, morte no altar. Sem o sangue do Cordeiro, não tente
se aproximar dEle, pois você não será aceito. A vida está no sangue, que
precisa ser derramado para que haja remissão de pecados (Hebreus 9:22).

A preocupação de Deus é se estamos mortos no altar, para que sejamos


aceitos por Ele. O apóstolo Paulo nos ensina que nossas obras passarão pelo
fogo. E só restará o que for construído segundo a vontade do Senhor.

“Se alguém constrói sobre esse alicerce, usando ouro, prata, pedras

138
Coluna da santidade, a viga mestra II

preciosas, madeira, feno ou palha, sua obra será mostrada, porque


o Dia a trará à luz; pois será revelada pelo fogo, que provará a
qualidade da obra de cada um.”
1 Coríntios 3:12 e 13

U ma questão de princípio e autoridade

Queremos neste ponto tratar de algo delicado e de extrema impor-


tância. Como já indicamos, há uma diferença entre ser santo e apresentar
obras. Uma pessoa santa pode trabalhar para Deus e ter frutos que per-
manecerão pela eternidade. Mas alguém profano não pode oferecer o que
é produzido pelas suas mãos. É em extremo perigoso se apresentar sem
santidade diante do Senhor.

No Pentateuco, no início do ministério coletivo relatado pela Bíblia,


temos o exemplo dos filhos de Arão, Nadabe e Abiú. Vejamos:

“Ora, Nadabe, e Abiú, filhos de Arão, tomaram cada um o seu in-


censário e, pondo neles fogo e sobre ele deitando incenso, ofereceram
fogo estranho perante o Senhor, o que ele não lhes ordenara. Então,
saiu fogo de diante do Senhor e os devorou; e morreram perante o
Senhor. Disse Moisés a Arão: Isto é o que o Senhor falou, dizendo:
Mostrarei a minha santidade àqueles que se chegarem a mim e serei
glorificado diante de todo o povo. Mas Arão guardou silêncio.”
Levítico 10:1-3

Aqueles irmãos apresentaram fogo estranho perante o Senhor, que


nunca precisou de nada produzido pelo modelo humano para se mani-
festar aos homens. Por isso, eles foram devorados pelas labaredas do que
apresentaram. Santidade ninguém imita. Ou se é santo ou se é profano.
Trabalhar no serviço sem se santificar é pedir para ter morte espiritual.

Os dois irmãos fizeram algo sem a liberação de Arão. Exerceram um

139
A Ação da Cruz 3

papel sem o consentimento do sacerdote. A verdade é que existem modelos


bíblicos para caminharmos. Para tudo o que se relaciona à natureza de Deus,
há um princípio. É por esse motivo que existem muitos crentes condenados,
porque até querem servir ao Senhor, mas fora de princípio e autoridade.

Atualmente, inúmeros pastores caminham por si. Eles criam seus


modelos de exercer o ministério e seguem sem uma paternidade espi-
ritual. Estabelecem usos e costumes para o rebanho e chamam isso de
santidade. Também criam teologias que garantem vitória financeira, entre
outros desvios. Examine bem onde você está. Compare com o que está
escrito na Palavra, para não comparecer enganado diante do Justo Juiz.

"Nem todo aquele que me diz Senhor, Senhor entrará no Reino


dos Céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai que
está nos céus. Muitos me dirão Naquele Dia: Senhor, Senhor, não
profetizamos nós em teu nome? Em teu nome não expulsamos
demônios e não realizamos muitos milagres? Então, lhes direi
claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim, vocês, que
praticam o mal!"
Mateus 7:21-23

No Dia do Juízo, Deus apartará de si aqueles que realizaram a obra


sem que estejam cobertos pelo sangue, sem que apresentem serviço santo
e sem que caminhem debaixo de autoridade.

A spectos de quem vive em santidade

Ter santidade pode ser descrito como o hábito de ser alguém de uma só
mente com Deus, de acordo com o que as Escrituras descrevem a seu res-
peito. É concordar com o julgamento do Senhor, odiando o que Ele odeia,
amando o que Ele ama e comparando tudo com o padrão de sua Palavra.

Um homem santo se esforça para evitar cada pecado conhecido e


para guardar cada mandamento revelado. A inclinação de sua mente é

140
Coluna da santidade, a viga mestra II

decisivamente direcionada para Deus. O desejo do seu coração é fazer a


vontade do Pai. Ele teme muito mais a desaprovação divina do que a do
mundo e tem o mesmo sentimento que Paulo quando disse: “No tocante
ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus” (Romanos 7:22).

Aquele que busca a santidade se esforça para ser como Jesus. Não
somente tem uma vida de fé no Senhor, mas dEle recebe paz e força para
o dia a dia. Trabalha para ter a mente de Cristo e ser conforme a sua ima-
gem, como está escrito em Romanos 8:29.

E não para por aí. Um homem santo busca pureza no seu interior.
Teme toda corrupção e impureza de espírito e tenta evitar as coisas que
possam levá-lo a se contaminar. Ele sabe que seu coração facilmente se
inflama e se aparta cuidadosamente da brasa da tentação.

Quem quer santidade busca o temor de Deus. Não estamos nos re-
ferindo à postura de um escravo, que somente trabalha para evitar a pu-
nição de ser descoberto sem fazer nada. Ao contrário, pensamos aqui no
comportamento de uma criança, que deseja viver e se locomover como se
estivesse sempre com o seu vigilante pai por perto, sabendo que ele a ama.

Por fim, um homem santo enche sua mente com coisas espirituais.
Tenta se concentrar inteiramente no que é do Alto, não se apegando ao que
é do mundo. Esforça-se por viver como alguém cujos tesouros estão no céu
e cuja permanência na Terra é a de um peregrino em viagem para casa. Sua
maior fonte de prazer está na comunhão com Deus, por meio da oração, da
leitura da Palavra e da reunião do seu povo. Ele dá valor a cada coisa, lugar
e relacionamento, fatores que o levam para mais perto do Senhor.

“Mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também
santos em toda a vossa maneira de viver.”
1 Pedro 1:15

141
Capítulo 10
capítulo 10

Coluna da verdade

A coluna mais importante depois da santidade é a verdade. E não é fácil


defini-la. Nem toda a ciência ao longo dos milênios conseguiu con-
ceituar com precisão o assunto. A Filosofia também não. Jesus se apresentou
como “A Verdade”. Os apóstolos o apresentaram assim. Isso nos deixa em mais
dificuldade ainda, pois como o definiríamos? Sabemos que nEle não havia en-
gano e tudo em que há ausência de mentira pode-se dizer que é verdadeiro.

Em um conceito bem pessoal e até mesmo limitado, podemos nos


valer da imagem de uma orquídea desabrochando. Um dia se abre um
pouco e no outro, mais um tanto. Há algumas espécies que demoram um
tempo maior para isso, mas sempre se transformam. Assim é a verdade,
que muda não porque sua estrutura é alterada e sim porque cresce. Ela,
aliás, é desafiadora. Quando a estudamos, vemos todos os dias um novo
ângulo. É algo que não termina.
A Ação da Cruz 3

A palavra no grego usada para definir verdade é “alethéia”, que signi-


fica basicamente “não oculto, não obscuro, não esquecido”. Também pode
ser traduzida como “realidade”. Foi exatamente esse o termo usado por
Jesus em João 14:6, ao ser indagado por Tomé sobre como ser encontrado
na eternidade. Ele disse: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”.

Com essa afirmação, Jesus estava fazendo uma analogia ao Tabernáculo


e, através disso, indicando uma sequência para que alguém chegue à profunda
intimidade com Ele, ou seja, à sua presença. Nesse sentido, a trajetória deve
ser iniciada no “Caminho” (Átrio), passando pela “Verdade” (Santo Lugar)
até chegar, finalmente, à “Vida” (Santo dos Santos ou Santíssimo Lugar).

Havendo uma poeira de mentira, não se pode chamar o que quer que
seja de verdadeiro. A verdade é algo que está na luz. É a manifestação do que
existe tal como é de fato, ou seja, de maneira real. Tem também a ideia de
“não esquecido”. Assim, podemos dizer que ela é aquilo que traz à memória
preceitos e valores que não podem morrer com o tempo, que são imutáveis.

Voltando à declaração de Jesus em João 14:6, é interessante conside-


rar que o Tabernáculo, desde o tempo de Moisés, apontava o caminho
para o homem chegar a Deus. Entre outros simbolismos, tanto essa tenda
quanto o templo de Salomão eram divididos em três partes. Para come-
çar, o Átrio era um lugar ao qual todo o povo tinha acesso. Ali, o cordeiro
era imolado. Seu sangue era aspergido e os pecados, perdoados.

Já o Santo Lugar não era para todos. Apenas os sacerdotes levitas ti-
nham acesso a ele. Para entrar, era preciso caminhar em santificação, con-
sagração e separação. Era necessário andar na verdade! Em seu interior,
estava a mesa com os pães da proposição, que representam a Palavra e
indicam que só podemos adentrar a esse nível por uma vida de meditação
e aplicação dela. Também estavam ali o altar do incenso, apontando para
a oração dos santos, sem a qual é impossível ter intimidade com Jesus, e o
candelabro, representando a luz do Espírito Santo.

Como o termo indica, verdade é ausência de trevas. Aliás, do ponto de


vista físico, a escuridão não existe. Ela é apenas a falta total da luz. Aquele
que quer ter seu caráter construído por Jesus jamais poderá ter obscuridades

146
Coluna da verdade

dentro de si, pois é só para os outros que essas coisas estão ocultas. O Senhor
é o Pai das Luzes, para quem tudo está desnudado. Então, deixemo-nos ser
invadidos pelo brilho dos princípios eternos e imutáveis da sua Palavra.

“Não erreis, meus amados irmãos. Toda a boa dádiva e todo o


dom perfeito vêm do Alto, descendo do Pai das Luzes, em quem
não há mudança nem sombra de variação. Segundo a sua von-
tade, Ele nos gerou pela Palavra da Verdade, para que fôssemos
como primícias das suas criaturas.”
Tiago 1:16-18

Ainda em relação aos três níveis do Tabernáculo, o último era o San-


tíssimo Lugar, apontando para a profunda intimidade com o Senhor. Era
onde estavam a arca da aliança, o propiciatório e a representação dos
querubins, indicando a presença e a santidade de Deus. Era um lugar
restrito, o mais difícil para um homem estar. Apenas o sumo sacerdote
entrava ali, uma vez por ano. Para isso, era preciso ter uma vida reta, santa
e totalmente de acordo com a lei de Moisés.

Através do sacrifício de Jesus, porém, o véu que separava o Santo Lu-


gar do Santíssimo Lugar foi rasgado, simbolizando que todos nós agora
temos acesso. Mas não se engane: Para entrar lá, os pré-requisitos são os
mesmos. Seremos provados para adentrar a esse ambiente. Se quisermos
conhecer a Deus assim como é e ainda estar com Ele na eternidade, pre-
cisaremos andar na luz da verdade.

No hebraico, a palavra para denominar a coluna que estamos estudando


neste capítulo é “emet”, que vem da raiz do verbo “aman” e significa “su-
porte” ou “sustentáculo”. Dois outros termos bem usados por nós derivam
daí. São eles “fé” e “amém”, que podem ser traduzidos por “confiabilidade”
e “garantia”. É por isso que a Bíblia diz que “a fé é o firme fundamento das
coisas que não se veem” (Hebreus 11:1). Ou seja, ela é o alicerce da verdade
estabelecida por Deus, mesmo que os homens não a vejam.

É por esse mesmo motivo que a Bíblia apresenta Jesus como o “Sim”
e o “Amém” (2 Coríntios 1:20). O último termo, aliás, é usado para defi-
147
A Ação da Cruz 3

ni-lo também em Apocalipse 3:14, onde ainda é dito que é “a testemunha


fiel e verdadeira, o princípio da criação de Deus”. Ou seja, o Senhor é o
sustentáculo de tudo o que foi criado, pois “todas as coisas foram feitas
por intermédio dEle, sem o qual nada do que foi feito poderia existir”
( João 1:3). Ele é a Verdade.

C onstruindo para a eternidade

A verdade em si significa, então, “sustentáculo” e algo “sem obscurida-


de”. Por isso, ela é uma das colunas do caráter de Jesus e uma das carac-
terísticas que devemos ter se quisermos ser como Ele. O Senhor precisa
encontrar esse pilar em nós para construir o que é eterno em nosso ser.
Mesmo porque tudo o que é construído em fundamentos falsos ou fracos
não se sustenta e, com o tempo, vem a ruir.

Em fevereiro de 1998, no Rio de Janeiro (RJ), várias famílias foram


vítimas de uma terrível irresponsabilidade. Estamos falando do episódio
com o condomínio Palace II, construído na Barra da Tijuca. Aquele era
um grupo de edifícios com 22 andares em cada bloco. Moravam ali 120
famílias. Acontece que a argamassa daquela construção civil foi feita com
areia da praia. Após dois anos de sua entrega aos moradores, as estruturas
começaram a desintegrar.

Quando aquele complexo domiciliar foi entregue, tudo era bonito e sua
aparência era impecável. Centenas de pais e mães de famílias compraram
seus apartamentos, alguns ainda na planta. Pessoas sonharam, criaram expec-
tativas e se realizaram ao pegar a chave do lar. Elas, então, se mudaram para
dentro dos imóveis e os mobiliaram. Estavam tendo uma vida normal. Hou-
ve ali ceias de Natal, viradas de ano, aniversários e tantos outros momentos.

Ninguém imaginaria que as colunas do prédio não podiam suportar o


que haveria de vir. Certo dia, alguém percebeu que as estruturas estavam
esfarelando. A princípio, uma massa taparia os pequenos buracos surgi-
dos nas paredes. Com o tempo, notou-se que as reformas e os reparos de
nada adiantavam. Aqueles edifícios estavam ruindo!

148
Coluna da verdade

Segundo o laudo técnico, dois pilares não tinham condição nenhu-


ma de sustentar um prédio daquele tamanho e 78% das outras vigas
estavam abaixo do coeficiente mínimo estabelecido pelas normas da
construção civil. Apesar de a Defesa Civil ter interditado o prédio, 30
pessoas foram aos imóveis buscar seus pertences, quando houve o pri-
meiro desabamento. 44 apartamentos ruíram e oito vítimas de morte
foram feitas. Dias depois, houve um segundo desmoronamento, sem
vítimas fatais e atingindo mais 22 apartamentos.

Após o incidente, os prédios foram implodidos. Dentro de quatro


pilares de sustentação, foram encontrados pedaços de madeira, sacos de
cimento, jornais e plásticos misturados ao concreto. 20 anos depois, as fa-
mílias buscam ainda que os culpados paguem pelo acontecido. Mas quem
há de reparar a mulher que perdeu seu marido ou a mãe que perdeu seus
filhos? Tudo aconteceu porque alguém decidiu construir um complexo
daquele porte com areia da praia e um monte de materiais inapropriados.

A história do Palace II foi realmente uma tragédia sem tamanho1. O país


ficou perplexo! Era para ser algo tão simples, uma construção sólida. Era para
ficar tudo bem. Mas não foi assim. Como também não será para qualquer um
que queira estabelecer sua vida na areia e não na rocha, que é o próprio Jesus
(Mateus 7:24-27). Não podemos mensurar os danos irreparáveis que hão de
vir se insistirmos em construir sobre fundamentos que não sejam a verdade.

Os fundamentos que nos levarão para a eternidade nos deixam nus,


sem máscaras, na luz. Por um breve momento, podem nos constranger,
mas não ruirão. Enquanto isso, ficar na obscuridade não nos custa. Assim
como aconteceu com os construtores do Palace II. Eles usaram areia por-
que era mais barato, mais fácil de extrair e de transportar. E o preço foram
vidas ceifadas pelo terrível acidente.

1 Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/02/que-


da-do-palace-2-completa-15-anos-com-indenizacoes-paradas.html > Acessado em
setembro de 2017.
Disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/cobertura/desa-
bamento-do-palace-ii/a-historia.htm > Acessado em setembro de 2017.
Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Palace_II > Acessado em setembro de
2017.

149
A Ação da Cruz 3

Por outro lado, é mais complicado construir sobre a rocha, difícil de


ser extraída e de ser quebrada. E pesada para ser carregada. Até com os
métodos mais modernos de extração, não há facilidade nesse processo
todo. Os maquinários são mais caros. E mais: As rochas não estão em
qualquer lugar. Até porque levaram milhares de anos para se formarem.
Então, também é muito mais custosa a construção dessa maneira.

Ainda assim, escolha fundamentar sua vida na verdade. Ela não entra
em ruínas. Quem não faz esforço não entra no Reino dos Céus, pois ele
é tomado por esforço. Não conhecemos seu passado, se você matou, se
roubou ou foi roubado, se foi abusado ou abusou de alguém, se traiu ou
foi traído. Nada disso importa. Venha para a luz!

Deixe o Senhor avaliar suas estruturas. Se Ele condenar, jogue


tudo no chão e construa com novos alicerces, enquanto ainda há tem-
po. É claro que andar na obscuridade é mais barato, mas dessa forma
não se pode construir nada eterno sobre você. Então, por mais que
seja difícil, ande na luz. Que isso custe sua própria vida, mas que te
conduza para a eternidade com Jesus!

C onfronto com a verdade

Antes de encerrar sua carreira como homem na Terra, Jesus teve uma
conversa com seus discípulos. O teor era um real desejo de fazê-los en-
tender que podiam viver na verdade. Em João 15, Ele explicou que era
a videira verdadeira e que aqueles homens, se quisessem a eternidade,
deveriam estar em sua presença. Só havia uma forma de tê-lo e era per-
manecendo nEle. Assim, os frutos viriam e durariam até o tempo eterno.

“Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo


em mim que não dá fruto Ele o corta. E todo ramo que produz
fruto Ele o poda, para que produza mais fruto ainda.”
João 15:1 e 2

150
Coluna da verdade

Como, então, estabelecer uma obra que dure para outras gerações?
Como construir algo que possa alimentar pessoas que virão após nós?
Nesse sentido, Jacó pode ser usado como referencial. Ele construiu em
Sicar uma fonte que saciou sua família, seu gado e seus servos. 2 mil anos
depois, Jesus e a samaritana beberam daquelas águas ( João 4:5-26). E,
em uma incrível experiência pessoal, 4 mil anos depois da construção, eu
também tive o privilégio de beber dali.

Certa vez, em uma viagem para Israel, fui até esse poço. Ele fica a 78
quilômetros de Jerusalém, em uma área bem montanhosa e atualmente
pertencente aos palestinos. Chegando lá, não me permitiram tirar foto-
grafias, mas me deixaram beber de sua água. Como é uma região desér-
tica, cheguei com muita sede. Na minha mente, era possível visualizar o
Mestre e a samaritana, que estavam naquele lugar ao meio-dia. Eu fui de
carro e cheguei sedento. Imagine, então, Jesus, que havia ido a pé.

Mas a questão é que bebi daquela água. Muitos turistas fazem a mes-
ma coisa. Gerações e gerações de famílias inteiras foram alimentadas por
aquela fonte. Milhares de animais e vegetais também. A mulher sama-
ritana falou para Jesus que os seus pais e os pais de seus pais tinham o
costume de beber dali. Jacó, portanto, conseguiu produzir um fruto que
dura pelo menos 4 mil anos.

O segredo de produzir algo assim foi o que lhe aconteceu antes de


furar esse poço. Jacó foi confrontado por Deus em suas verdades. E deu
respostas satisfatórias a respeito do que foi confrontado.

No inicio de sua vida adulta, Jacó manipulou uma situação e aprovei-


tou-se da fraqueza de seu irmão Esaú para tomar dele a primogenitura,
como está narrado em Gênesis 27. O ódio causado foi tanto que o traído
buscava matá-lo. Antes que algo acontecesse, este fugiu. Embora já fosse
casado e com filhos e tenha prosperado grandiosamente, suas lembranças
eram assombradas pelo passado.

No ocorrido, Rebeca, sua mãe, ajudou Jacó a fugir e prometeu que lhe
avisaria quando seu irmão se acalmasse. Mas ela nunca mandou um reca-
do de alívio para o filho fugitivo. Talvez a ira daquele que foi traído nunca

151
A Ação da Cruz 3

tenha se aplacado. Até o dia em que o ofendido foi atrás do seu ofensor.
Sabendo que Esaú vinha ao seu encontro, enviou-lhe muitos presentes.
Desesperado, dividiu todo o povo e o gado, no intuito de que, se fosse
atacado, não lhe fosse tirado tudo de uma vez.

Enquanto se preparava para encarar Esaú, Jacó desceu ao Vale de


Jaboque. Em Gênesis 32, a partir do versículo 22, a Bíblia fala que ele
fez suas esposas, concubinas e filhos passarem pelo ribeiro e ficou só. No
momento em que estava sozinho, um homem veio em sua direção. Im-
possível não entender que era o Senhor, que se apresentou para ter um
encontro que mudaria sua história. Os dois lutaram a noite toda.

Aquele homem que apareceu no Vale de Jaboque queria ir embora, mas


Jacó o segurava. Este queria ser abençoado. Que paradoxo! Ele era alguém
que tinha tudo, mas não se sentia assim. Os fantasmas do passado, pelo fato
de ter roubado o próprio irmão, o atormentavam. No encontro, porém, viu a
chance de mudar e foi o que aconteceu. O Senhor fez com que confessasse
seu nome, que falava de sua identidade. A partir daquele momento, então,
passou a ser chamado de “Israel”. Era uma direção do próprio Deus.

“Então, o homem disse: Não te chamarás mais Jacó, mas Israel,


porque lutaste com Deus e com os homens e prevaleceste.”
Gênesis 32:28

Dali por diante, o antigo Jacó, agora Israel, parou de fugir de Esaú.
Ele se deparou com o momento único de um encontro com o Senhor
e se deixou ser confrontado pelas verdades de sua história. Não negou
seu passado, mas se despojou dele, esperando viver o propósito que havia
para si. Lutou pela sua bênção até que seu caráter, nome e vida fossem
mudados. Então, percebendo que fora atendido, chamou aquele lugar de
“Peniel”, que significa “Vi Deus face a face e minha alma foi salva”.

Após ter uma conversa olho no olho com o Senhor e ver sua vida mu-
dada, Jacó saiu dali e se reconciliou com Esaú. Depois disso, comprou as
terras de Sicar e estabeleceu um poço. Porque um dia respondeu ao con-
fronto com a verdade, construiu uma fonte que durou milênios. Como já
152
Coluna da verdade

dissemos, depois de 2 mil anos de sua construção, o próprio Deus Eterno,


que lutara com ele, agora encarnado como homem, na pessoa de Jesus,
também bebeu daquela água.

Aliás, no dia em que Jesus decidiu tomar daquela água, um novo con-
fronto aconteceu. Chegando ao poço ao meio-dia no poço, se deparou
com uma samaritana, de certo já com seus 40, 50 anos. Estava cansa-
do, devido à região ser montanhosa. Com sede, lhe pediu o que beber.
Grande foi o espanto da mulher, pois os judeus e os samaritanos não se
falavam. Mais do que isso, ele se vestia como um sacerdote e um homem
com esse cargo jamais se dirigiria a alguém como ela.

É interessante que Deus estabelece situações em que conta conosco.


Isso não tem explicação, mas Ele quis que fosse dessa forma. Jesus não
tinha como tirar água e pediu para a samaritana. Assim como precisou
que Jacó construísse o poço. Aliás, quem já esteve lá sabe que essa obra
foi feita no meio de uma ladeira. A única razão para alguém construir tal
estrutura naquela posição era ter recebido uma direção clara do Senhor.

Daquele encontro, Jesus começou um diálogo, que incitou o espírito


da samaritana. Ele não tinha motivos para estar ali a não ser atender o
anseio de alguém que queria se libertar das estruturas de engano que ha-
via em seu interior. E disse:
- Olha, se você soubesse com quem está conversando, pediria água e
essa pessoa lhe daria água viva.
- Que história é essa de água viva? – perguntou ela, ansiosa.

Aquela mulher estava descobrindo que Jesus sabia que não se sentia
saciada. O Senhor sabe que há uma sede em nós, colocada por Ele mes-
mo e que não é suprida em qualquer outra fonte. E nos fez assim. Todas
as nossas ansiedades têm a ver, na verdade, com os nossos desejos mais
profundos de que nos encontremos com o Mestre.

Seguindo o diálogo, Jesus falou para a samaritana:


- Quem bebe dessa água do poço volta a ter sede, mas quem beber de
mim nunca mais terá sede!

153
A Ação da Cruz 3

O Senhor estava tentando arrancar do profundo daquela mulher uma


verdade, com a qual precisava ser confrontada. Não à toa, ela disse:
- O poço é fundo!
A samaritana sabia que havia algo no mais profundo do seu íntimo que
clamava por socorro, mas não sabia como buscar. E Jesus a confrontou:
- Chame a teu marido e venha cá.
Ela, então, lhe explicou que não tinha marido. E Ele arrematou:
- Filha, eu sei! Já tiveste cinco e agora esse que está contigo não é seu!

Jesus sabia que a samaritana vinha sendo escravizada pelos pecados se-
xuais. Aquela mulher tentava se suprir com uma vida entregue a relaciona-
mentos que não davam certo, porque no seu íntimo não era mesmo o que
procurava. No diálogo que acabamos de ler e que pode ser conferido na
íntegra no capítulo 4 de João, Ele estava lhe ensinando que aquilo que seu
espírito queria era se saciar em Deus. A estrutura de engano precisava ruir,
para que ela pudesse viver sua verdade: Alguém que tinha sede do Senhor.

É interessante analisarmos o exemplo da bússola. Se você verificar


uma delas, verá que sempre apontará para o norte. Isso ocorre por causa
do magnetismo terrestre, causado pela quantidade de metais no centro da
Terra. Nosso planeta hoje está desviado de sua posição original e, mesmo
assim, o ponteiro do instrumento em questão não aponta para o desvio e
sim para o eixo magnético. Assim somos nós. Deus colocou algo no nosso
interior que sempre apontará para Jesus.

Na história bíblica que acabamos de analisar, vemos Jesus tentando expli-


car para a samaritana: “Sei que o poço é fundo, pois fui Eu mesmo quem co-
locou essa profundidade aí. Somente Eu posso saciar sua sede!”. A mulher en-
tendeu e, com pouco tempo que estava perto dEle, começou a ser saciada. Seu
entendimento foi aberto e ela recebeu uma revelação pelo Espírito de Deus.
Queria adorá-lo e aprendeu uma lição poderosa ao ouvir algo do Senhor:

“Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores


adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a
tais que assim o adorem. Deus é Espírito e importa que os que o
adoram o adorem em espírito e em verdade.”
João 4:23 e 24
154
Coluna da verdade

Há uma explicação para o fato de Jesus procurar adoradores verda-


deiros: Estes o conhecem como Ele é. É impossível conhecê-lo realmente
sem que caminhemos na verdade. A mentira embaça nossa visão e cons-
trói máscaras em nós para que nos escondamos do mundo e das pessoas.
Uma vida de engano e de obscuridade consegue apenas nos cegar. Estan-
do em pecado, não podemos enxergá-lo, mas Deus consegue nos ver. E,
por isso, promove encontros à beira do poço.

Confrontada por Jesus, a mulher samaritana abandonou seu cântaro.


Entendeu que sua sede não seria saciada com água natural. Deixar aquele
objeto significava abrir mão da vida de escravidão afetiva, de relaciona-
mentos imorais, de adultérios. Ela não precisava mais daquilo. Havia des-
coberto que o Senhor podia curá-la de toda carência.

O propósito estabelecido por Deus para a samaritana não era que fos-
se uma adúltera, mas uma evangelista. Tanto que ganhou dezenas de pes-
soas para Jesus no mesmo dia. Há uma verdade em cada um de nós, que
não é conectada ao pecado e sim à razão para o qual nascemos. Deixe-se
ser confrontado nas suas fraquezas, pois isso pode trazer para a superfície
quem realmente você é para o Senhor que te criou.

Sabe o que irá acontecer quando você se deixar ser confrontado? Ele
transformará sua vida em uma fonte viva, que jorra para eternidade. Ao
invés de buscar se saciar, será resposta para muitos perdidos, que clamam
pela água da vida. Não houve uma única pessoa que tenha se permitido
ser confrontada por Jesus que não tivesse sua história mudada.

“Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca terá sede,
porque a água que Eu lhe der se fará nele uma fonte de água que
salte para a vida eterna.”
João 4:14

155
Capítulo 11
capítulo 11

Coluna da justiça

E m uma definição simples, mas verdadeira, pode-se dizer que jus-


tiça é dar a cada um o que lhe é de direito. Trata-se da terceira
coluna do caráter de Jesus, algo característico de sua natureza. Porque Ele
é santo, sua santidade não permite que seja injusto. Estamos falando do
Justo Juiz, que tem a exata medida para cada causa. O seu governo se dá
sobre esse fundamento.

“Nuvens e escuridão estão ao redor dele; justiça e juízo são a base


do seu trono.”
Salmos 97:2

A palavra em questão vem do latim “justitia”, que traz o sentido de “pro-


mover igualdade social entre todos”. Na Bíblia, o conceito está ligado à ideia
A Ação da Cruz 3

de estabelecer ordem ou ter atitudes que deem ao próximo o que lhe corres-
ponde, restaurando-o em sua devida dignidade. Quando as Escrituras decla-
ram que Deus é justo não é porque Ele deva alguma coisa ao ser humano,
mas porque seu caráter o impele a trabalhar em favor dos que necessitam.

Para que a justiça seja estabelecida, é preciso que se tenha ética. É ela
que define o que é certo e errado. E busca a verdade. Estamos falando de
um conjunto de regras ou conceitos que balizam o comportamento dos in-
divíduos. Em cada cultura, existe um código ético diferente e uma maneira
própria de aplicar o que é o justo. Por exemplo, em alguns lugares, o homem
pode ter mais de uma esposa. Já no Brasil, a poligamia não é permitida.

Para conceituarmos a justiça do ponto de vista do caráter de Jesus, é


preciso que se conheça o conjunto de regras e conceitos estabelecidos por
Ele. O padrão é a Bíblia e essa coluna, como todas as outras, está fun-
damentada no alicerce do amor. Jamais seremos justos se não amarmos
o próximo como a nós mesmos. Não daremos o que é seu direito se não
julgarmos que ele de fato o tenha.

A justiça atrai o juízo

A justiça restringe a prática do mal. Quem causa danos à sociedade


ou ao seu próximo tem que ser restringido, corrigido e, deveras, sofrer as
consequências de seu ato. Esse resultado em relação ao erro é o que po-
demos chamar de juízo, que comumente conhecemos por castigo. Fato é
que pode ser temporal ou eterno.

O juízo temporal é consequência de um pecado não confessado e não


resolvido. Por exemplo, alguém que comete falha contra um irmão não
pode deixar o sol se pôr sobre o assunto. Caso tenha falado mal, tem que
se humilhar, pedir perdão, acertar a situação, especialmente se o outro não
estava presente, porque foi desnudado sem ter como se defender.

Não havendo o conserto, a pessoa entra em juízo com Deus e abre


precedentes para que o castigo venha. São liberados, então, demônios

160
Coluna da justiça

para produzirem algum mal à sua mente, ao seu corpo. Se houvesse arre-
pendimento e confissão, o sangue de Jesus viria e cobriria aquele pecado,
porque Ele próprio já recebeu a condenação na cruz. Quem confessa está
justificado, mas quem não se arrepende fica debaixo de um jugo.

Quando a prática de não confessar pecados se torna rotina, acontece


o que está escrito em 1 Coríntios 11:30: “Por causa disso, há entre vós
muitos fracos e doentes e muitos que dormem”. Os irmãos citados por
Paulo não examinaram a própria vida e foram fadados ao juízo eterno
com Deus. Tal condição ocorre quando alguém chega ao limite da falta
de caráter. O Senhor já lhe deu todas as chances a que tinha direito e a
pessoa não se consertou. Então, seu destino é o inferno.

“Aquele que, sendo muitas vezes repreendido, endurece a cerviz


será quebrantado de repente sem que haja cura.”
Provérbios 29:1

Em Gênesis 6:3, está escrito que o Espírito de Deus não agirá para
sempre no homem. Na experiência do pastoreio, já vi inúmeras situações
em que as pessoas insistiram em viver sem repreensão. Elas prevaricavam
às escondidas e não esperavam o juízo de Deus. Conheço a história de um
pastor que foi queimado vivo. Ninguém entendeu aquela morte até uma
irmã jovem aparecer e trazer à luz um namoro. Eles ainda não haviam
tido relações sexuais, mas já tinham práticas pecaminosas.

Na Bíblia, há várias situações que registram o juízo eterno. Coré,


Datã, Abirão e mais um grupo de pessoas, por exemplo, foram engolidos
pela terra por causa do pecado de rebelião (Números 16:1-40). Ananias
e Safira mentiram diante dos apóstolos e caíram mortos (Atos 5:1-10).
Herodes Agripa se declarou deus, foi ferido por um anjo e comido por
bichos (Atos 12:21-23). Isso sem citar outros casos, que ilustram biblica-
mente o que estamos falando.

As Escrituras têm mais de 40 juízos temporais para um eterno. Isso


demonstra a misericórdia e longanimidade de Deus para com o homem.
Em sua paciência e amor pela humanidade, Ele revela sua graça.

161
A Ação da Cruz 3

Iremos abordar agora outro lado da questão “justiça”. Para tanto, vejamos
o que está escrito em Eclesiastes 8:11: “Porquanto não se executa logo o juízo
sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto
para fazer o mal”. O juízo precisa prevalecer, mas, para que isso aconteça de
maneira prática em nossa nação, é necessário que nossas leis sejam mudadas.

O problema de corrupção que há muito tempo assola a política bra-


sileira não começa no Palácio do Planalto ou no Congresso Nacional.
O seu início é na Igreja, com pastores pregando mentiras, servindo Ma-
mon, buscando, como os hedonistas, felicidade, prazer e maximização do
bem-estar e do conforto. Enquanto isso, vemos nos jornais notícias de
senadores comprando carros que custam fortunas. Por quê? Porque, pela
nossa omissão, demos esse direito para eles.

E stabelecendo justiça

Estamos vivendo um momento estrondosamente maligno, no qual


os conceitos verdadeiros perderam o sentido e não têm mais valor. Para
que a coluna da justiça seja estabelecida no nosso caráter, é preciso que
conheçamos o que é a verdade. Aliás, está escrito: “Conhecereis a verdade
e ela vos libertará” ( João 8:32).

Se a verdade não vier à luz, a justiça não poderá ser estabelecida e o juízo
não poderá ser manisfesto. E tão menos a graça de Deus poderá ser derra-
mada sobre nós. Perceba que uma situação está diretamente atrelada à outra.

O homem de caráter justo é aquele que clama pela justiça. O Senhor


precisa dele para se manifestar na Terra. No livro de Isaías, Deus falava
para o profeta que suas mãos não estavam encolhidas para seu povo nem
seus ouvidos surdos ao ponto de não poder ouvir o clamor do aflito. En-
tretanto, não havia quem intercedesse diante dEle:

“Ninguém há que clame pela justiça nem ninguém que compareça


em juízo pela verdade.”
Isaías 59:4

162
Coluna da justiça

Em pleno 2018 (ano de lançamento deste livro), particularmente no Bra-


sil, temos vivido as consequências de uma crise, decorrente de uma história
inteira de corrupção. Muita sujeira oculta no meio político tem vindo à luz.
E vários homens importantes do alto escalão do governo estão prestando
contas de suas fraudes e desvios de dinheiro público para benefício pessoal.

Fato é que estamos diante de uma pequena nuvem, do tamanho da


mão de homem, tal como aconteceu na história de Elias, em 1 Reis 18.
Mas precisamos manter o clamor para que a verdade continue aparecendo.
Precisamos da justiça se cumprindo e do juízo se estabelecendo, para, só
então, vermos a paz que almejamos para esse país. É conosco, a Igreja, que
Deus tem contado para clamar, clamar e continuar clamando diante dEle.

A Igreja Brasileira está em um momento histórico e precisará passar


por uma reforma, pois muitas corrupções que acontecem no governo são
vistas, em outra escala, é claro, também dentro das congregações. Como já
falamos, o juízo de Deus poderá vir, mas temos que preparar o ambiente
espiritual dele. Para tanto, serão necessários arrependimento, humilhação,
confissão e busca de um caráter irrepreensível e justo.

Quem determinará o juízo para os atos de injustiça será a Igreja. Deus


era com Moisés e, por isso, como vimos anteriormente, a terra se abriu
diante da rebelião de Coré e seus amigos. Ele era com os apóstolos e essa
foi a razão de mentirosos morrerem aos pés destes, como também lemos.
E era ainda com outros grandes homens, como Enoque e Noé.

Precisamos estabelecer no ambiente em que estamos princípios eter-


nos e que foram destruídos. O homem de caráter justo confronta os sis-
temas que afrontam a Palavra. Nem que isso lhe custe a própria vida. Um
dos motivos que levou Jesus à cruz foi curar no sábado. A religião impedia
que a misericórdia se manifestasse. Tal qual é hoje!

O justo tem a capacidade de desafiar ideias, paradigmas e sofismas esta-


belecidos há séculos. Isso fala de onde estamos e de onde queremos chegar.
Certos costumes malignos vão se ganhar força através da história e é preci-
so sacudi-los. Reedificar fundamentos ruídos é nosso grande desafio atual
e, por alguma razão, você está lendo um livro com esta proposta.

163
A Ação da Cruz 3

Há algum tempo, estamos pesquisando sobre os primórdios da nação


brasileira. É impressionante a quantidade de mentiras agregadas aos li-
vros da História oficial, escritos por mãos portuguesas que se dobravam
ao Catolicismo Romano. Muitas são as negligências quanto às etnias que
nos ajudaram na colonização.

Devemos honra, por exemplo, aos tantos judeus que aqui viveram e
implantaram o comércio no Brasil Colônia. Negligenciamos o grito dos
escravos, das mães negras que tinham os filhos arrancados de seus seios,
do silêncio forçado nas lavouras. Não remimos ainda a terra banhada de
sangue dos indígenas nem devolvemos a eles a pátria que lhes pertencia
antes de serem expulsos pela ganância branca. Ainda não clamamos por
justiça pelas tantas pessoas torturadas e assassinadas pela Inquisição!

Se não formos nós, a Igreja, quem clamará por justiça perante Deus
em favor dessas pessoas? Pelo Espírito da Verdade, tudo isso precisa
vir para a luz. Jeremias 5:1 diz: “Dai voltas às ruas de Jerusalém e vede
agora; informai-vos e buscai pelas suas praças, a ver se achais alguém
ou se há homem que pratique a justiça ou busque a verdade; e Eu lhe
perdoarei”. O Senhor está procurando os justos, pois quer estender seu
perdão sobre todo pecado oculto.

Quando cada um faz sua parte de maneira harmônica na sociedade, na


nação e na Igreja, é praticada a justiça. Quando interesses pessoais não estão
acima de tudo e de todos, conseguimos cumprir a vontade de Deus. Descubra
qual o seu papel nesse tempo e sirva conforme o Senhor espera que o faça.

T sedacá

Tsedacá é uma prática judaica que muitos cristãos deveriam imitar. Ela
se refere ao ato de praticar auxílio ao próximo, ajudando-o em suas necessi-
dades, carências e aflições. Não tem a ver com dar esmolas ou fazer carida-
de. É sim um pensamento de que Deus nos dá o suficiente para vivermos
e, por isso, devemos compartilhar com os menos abastados. Desse ponto de
vista, ajudar quem necessita não está ligado à bondade, mas à justiça.

164
Coluna da justiça

Como viver esse princípio em um tempo em que a Igreja está cada


vez mais ligada com a Terra e não com o céu? O Hedonismo impera em
nossos púlpitos e a supervalorização do bem-estar permeia os sermões.
Aqui reside um grande fundamento de engano: Afirmar que o homem
tem direito de usufruir o que é seu. Nada temos, irmãos! Tudo é do Se-
nhor. Somos apenas mordomos, despenseiros de seus recursos.

Pela experiência do convívio com muitos e muitos pastores, é possível


afirmar que são poucos os que realmente se importam com o social em
sua cidade, tampouco com a obra em outras nações. Mas inúmeros são os
que estão empenhando todos os seus esforços para angariar fundos para
comprar e construir, quando a Bíblia manda vender o que se tem para o
auxílio da comunidade, como vemos em Lucas 12:33, por exemplo. Será
que Jesus morreu na cruz para ver grandes e luxuosos templos?

Praticar a justiça é repartir. E isso é difícil, pois está ligado a amar ao


próximo como a si, ou seja, é dar-lhe o mesmo direito que você tem sobre
algo. Porém, quando o Senhor estabeleceu esse princípio, fez garantias de
reciprocidade vinda do céu: Quem dá sempre terá sustento de Deus para
continuar dando.

“Dai e dar-se-vos-á. Boa medida, recalcada, sacudida e trans-


bordante. generosamente te darão. Pois com a mesma medida com
que medirdes vos medirão também.”
Lucas 6:38

Ninguém é pobre demais para não repartir um bocado de pão. A falta de


recursos nunca será uma justificativa diante de Deus para que não seja ofere-
cida ajuda a quem precisa. Justiça é atender a necessidade que está à sua fren-
te. Você tomou o conhecimento dela. Então, atenda segundo as suas forças.

E tem mais: Praticar a justiça é diferente de dar oferta na Igreja ou a


alguém. Isso tem o seu valor como princípio bíblico e igualmente deve ser
cumprido. Mas a prática da qual falamos está ligada a oferecer assistên-
cia a necessidades fundamentais da vida. Quem deseja ser justo perante
Deus deve primeiramente cumprir seus deveres como cidadão e como
165
A Ação da Cruz 3

cristão, dizimando, ofertando e sendo participativo na sua comunidade.


Você precisa saber o que seus irmãos na fé precisam!

Satanás conseguiu introduzir um engano muito grande em nosso


meio, uma vez que a maioria de nós só enxerga uma obra como “bem-
-sucedida” se ela tiver mais de 500 membros. Esses números, na maioria
das vezes, nos tiram do foco. Uma Igreja pode até ser numerosa, mas o
coração dela tem que ser “um” (Atos 4:32). Não pode haver falta entre
os fiéis. Jesus já pregou para milhares de pessoas, mas repartiu, de igual
modo, cinco pães e dois peixinhos para todos (Mateus 14:13-21).

Quantas discrepâncias ainda há no nosso meio! Por vezes, ao final


do culto, vemos jovens abastados saírem com os carros luxuosos de
seus pais em direção a fast-foods e simplesmente despedirem com “a
paz do Senhor” a irmã sozinha com seus três filhos. Pode ser que ela
tenha ido à reunião daquela noite para pedir a Deus que garantisse o
pão de suas crianças e para que lhe desse forças para continuar lavan-
do roupa para fora. Talvez não tivesse se importado em ir para a Igreja
a pé no frio, por ser uma mulher de fé. O problema é que os outros
também não se importam com isso!

O que achamos que Deus irá cobrar Naquele Dia? A quem Ele dirá:
“Tive fome e não me deste de comer”? Ou ainda: “Tive frio e não me ves-
tiste”? Pode ser que o Senhor diga que havia próximos a nós pequeninos e
não os enxergamos. Quando surgir uma oportunidade, pratique a justiça.
Se não houver ambiente para tanto, crie.

Outra definição para a prática da justiça está ligada ao zelo pelas ne-
cessidades básicas do ser humano, a começar com a garantia da digni-
dade, com alimentos, vestimentas, calçados. Prestar socorro e auxiliar no
atendimento de saúde também tem a ver com Tsedacá. Ajudar na mora-
dia e segurança de quem precisa é característica do homem justo. Enfim,
irmãos, podemos ainda oferecer reforço escolar a crianças necessitadas ou
mesmo promover iniciativas de corte de cabelo e banho a moradores de
rua. Esses são apenas exemplos de ações nas quais podemos nos envolver.

Mais uma situação a ser avaliada é que, assim como o “bom samari-

166
Coluna da justiça

tano” do texto bíblico de Lucas 10, não podemos escolher quem será o
nosso “próximo”. Algumas vezes, acontecerão situações nas quais Deus
provará nosso caráter na área da justiça. Na parábola em questão, tanto o
sacerdote quanto o levita escolheram não ajudar um moribundo, mas o
homem justo não tinha escolha. Você não tem escolha!

“Qual desses três parece que foi o próximo daquele que caiu nas
mãos dos assaltantes? Ele disse: O que usou de misericórdia para
com ele. Disse Jesus: Vai e faze da mesma maneira.”
Lucas 10:36 e 37

Recentemente, passei por uma dessas provas, quando voltava de Mon-


tes Belos, onde pastoreio uma Igreja, para Trindade (GO), onde moro. Na
ocasião, estava acompanhado de um dos obreiros da MCM. Na estrada,
vimos uma moça acenando. Eram por volta das 22h e ficamos apreensi-
vos, pois em assaltos mulheres são usadas como iscas.

Como passamos rápido, perguntei ao pastor Ricardo se ela havia


acenado e sua resposta foi positiva. Decidimos voltar e, então, vimos o
problema. A mulher estava com o carro parado, sem bateria. Fizemos o
procedimento necessário e o veículo ligou. Ficamos mais uns 10 minutos
para que carregasse bem e, em seguida, acompanhamos a moça na estrada
até a próxima cidade, o que era uma garantia caso precisasse de ajuda em
qualquer outra situação.

A essa altura, já havia se passado cerca de uma hora e meia. Paramos


em um posto de gasolina e conversamos sobre o ocorrido com o frentista,
que nos disse que perto dali alguém vendia bateria de carro. Ele mesmo
telefonou e o vendedor dispôs o produto, que custava 280 reais. A questão
é que aquela moça só tinha pouco mais da metade do valor, o que não
resolveria o problema. Então, lhe abençoei com mais 200 reais. Isso é jus-
tiça. É simples: A mulher não tinha, mas eu tinha e podia repartir.

O rapaz que estava comigo a evangelizou e quase a batizou. Ao final,


a mulher não pegou nosso telefone ou algum contato. Mas isso realmente
não importa. O que aconteceu de maravilhoso naquela noite foi a oportu-
167
A Ação da Cruz 3

nidade que Deus nos deu de praticar a justiça. A moça nos agradeceu em
lágrimas e o frentista disse que nunca viu aquilo acontecer. Em nossos cora-
ções, a alegria era pelo fato de podermos servir a Jesus através da vida dela.

Deus sempre nos proporcionará a oportunidade de praticarmos a jus-


tiça. Para tanto, precisamos estar atentos. Quando o Senhor nos coloca em
situações como a citada é somente porque deseja abençoar os necessitados.
Mas também porque quer nos deixar parecidos com Ele. Não houve uma
só pessoa que tenha conhecido a Jesus em sua vida terrena que não tivesse
provado do seu caráter justo. E é assim que deseja que sejamos.

V estindo - nos dos atos de justiça

Apesar de conceitualmente serem semelhantes ao Tsedacá, os atos de


justiça têm para nós da MCM um significado especial e importante. Eles
representam um dos pilares que sustentam nossa missão e se tratam de
um pré-requisito para as vestes nupciais da noiva no casamento com Je-
sus. Ao final de tudo, o que queremos é nos casar com o Cordeiro e viver
ao seu lado por toda a eternidade. Como está escrito em Apocalipse 19:

“Regozijemo-nos, exultemos e demos-lhe a glória! Pois são che-


gadas as bodas do Cordeiro e já a sua noiva se aprontou. Foi-lhe
dado que se vestisse de linho fino, resplandecente e puro. O linho
fino são os atos de justiça dos santos.”
Apocalipse 19:7 e 8

Os atos de justiça devem estar arraigados no caráter de cristãos ge-


nuínos, que realmente se importam com seu semelhante, estando ele
próximo geograficamente ou não. A questão é que existem lugares tão
assolados por Satanás que as pessoas sofrem e vivem de forma sub-
-humana. São inúmeros os casos de mulheres, crianças, adolescentes,
prisioneiros, órfãos e viúvas de guerra nessa condição. A maioria grita
no silêncio de suas lágrimas e boa parte nem sabe que existe um tipo
de vida além da dor.

168
Coluna da justiça

Nós, a Igreja, somos os embaixadores de Cristo na Terra exatamente para


proclamar liberdade a esses cativos. Como cidadãos do céu e representantes do
Reino, devemos estabelecer a justiça celeste em culturas estruturadas nas trevas.

No ano de 2012, uma jovem paquistanesa por nome Malala foi vítima
de um tiro na cabeça em um atentado por parte de um integrante do gru-
po extremista mulçumano Talibã. O motivo foi sua luta pelo direito de
continuar estudando. Deus a poupou da morte, com o propósito de que o
mundo visse o sofrimento de várias mulheres mulçumanas.

Paquistanesas, afegãs, somalis e mulheres de outras nações islâmicas


não têm vida. Sobrevivem para ter filhos, de preferência até os 18 anos.
Elas chegam a ser açoitadas se ousarem sair de casa sem a presença de
um homem. Apanham se por acaso olharem feio para seus maridos. Seu
nascimento não é celebrado. Um camelo vale mais do que dezenas delas.
São sombras respirando atrás de burcas.

No Brasil, especialmente no Nordeste e no Norte, são inúmeros os


casos de incesto legitimado pela cultura. Recentemente, um de nossos
missionários relatou que em determinada comunidade do sertão cearense
é dado ao pai o direito de deflorar a primeira filha mulher. Caso ele já
tenha falecido ou seja incapaz, o direito passa para o irmão mais velho
ou para o parente mais próximo. Que crueldade satânica! Essas meninas
precisam que a Igreja acorde e vá lá resgatá-las.

Há muitas pessoas que provam todos os dias do veneno maligno. Na


Ásia, especialmente no Sudeste, centenas de meninas entre oito e 12 anos
são traficadas anualmente para a Índia e a Tailândia. O objetivo é tor-
ná-las escravas sexuais. Elas são subjugadas e obrigadas a vender seus
frágeis corpos por pouco dinheiro, que sequer chega às suas mãos. E, caso
se rebelem ou fiquem mais lentas por cansaço, são açoitadas e drogadas.

Durante o tempo em que morei na região, vi uma dessas meninas


morta, jogada em uma calçada. Em vida, ela não tinha valor algum.
Morta, teve o corpo levado por um caminhão de lixo. Naquele dia, senti
que Deus estava me chamando para ser um instrumento de sua justiça
para a vida daquelas garotas.

169
A Ação da Cruz 3

Ao retornar para o Brasil, empreendi uma meta de resgatá-las. Então,


orei por três anos para que Deus enviasse um casal para aquela região. O
Senhor nos deu a direção de abrir uma casa de acolhimento de meninas
resgatadas do tráfico e foi quando levantou os pastores Silvio e Rose para
liderarem essa obra. Nascia, naquele início dos anos 2000, o programa
“Meninas dos Olhos de Deus” (“The Apple of God’s Eyes”), hoje atuan-
do no Nepal, Camboja, Bangladesh, Romênia e Tailândia.

Começamos com uma casa de acolhimento e já temos várias delas,


uma vez que o programa se expandiu para outras nações. Mas não pense
que, por ser uma obra de Deus, foi fácil de ser estabelecida. Muitas vezes,
ganhamos no resgate de meninas. Outras, não. Por isso, carecemos de
muita oração! Hoje, além daquele casal, contamos com outros missioná-
rios e cada um deles tem histórias de perigo para contar. Nossa equipe
passou, por exemplo, pelos terríveis terremotos de 2015 no Nepal.

Já as moças resgatadas se renderam a Jesus. Após anos de trabalho,


muitas são pastoras e missionárias. Eram escravas e agora são adoradoras.
Deus fez delas adoradoras! A justiça chegou através de homens e mulhe-
res que se dedicaram em levantar recursos em suas Igrejas e dobraram
seus joelhos por aquelas vidas. E também através da disposição dos que
abriram mão de sua pátria para estarem no campo missionário. É dessas
coisas que tratam os atos de justiça.

Em boa parte das vezes, os atos de justiça podem nos custar apenas
repartir tempo, dinheiro, recursos ou pessoas. Mas, em alguns casos, pode
custar tudo. Aquele que quer se parecer com Jesus precisa ter disposição
de entregar a totalidade de sua vida. Deus não espera isso de todos, mas
pode ser que de você Ele espere. Se esse é o seu caso, esteja disposto a
entregar-se por inteiro.

Recentemente, o pastor Silvio esteve no Brasil e pedimos que desse


uma palavra de encorajamento para os obreiros que trabalham no Es-
critório Central da MCM, lugar de onde empreendemos estratégias de
oração, enviamos recursos e preparamos missionários para o campo. Sua
mensagem foi simples e devastadora, ao compartilhar sobre as crises que
passamos na lida de nosso ministério.

170
Coluna da justiça

Como todo cristão, o pastor Silvio contou que, por vezes, é tentado
a retroceder no seu chamado. Ele compartilhou que, em dado momento,
sentia-se vencido pelo Nepal, pensando que sua ida até ali não havia sido
relevante. Chegou a imaginar que seu objetivo não estava sendo cumprido
de maneira correta. Ainda por cima, depois de anos no campo, não tinha
patrimônio para deixar para seus filhos. Para mandar um deles estudar
fora, teve que vender o carro. Além disso, o sítio que tinha comprado e
onde edificou uma casa para a missão foi destruído por uma tempestade.

No auge daquela crise, o pastor Silvio e sua família foram até o Cam-
boja, para ajudarem no processo de repatriamento de moças cambojanas
que haviam sido traficadas para a Índia. Naquela nação, há outro casal de
missionários muito próximos. Em um hotel, ele conversava com o amigo
e abria o seu coração. Lembrou-se da grande quantidade de meninas que
são traficadas todos os anos e constatou que, ao longo de seu ministério
no Nepal, conseguiu resgatar e dar uma vida digna para apenas 400 delas.

Foi então que ouviu passos rápidos no corredor do hotel. Estava ali
um homem alto, de aproximadamente 30 anos, careca e obeso. Ele era
um estrangeiro no Camboja. Talvez fosse americano, australiano ou de
qualquer outro país ocidental. O detalhe é que desfilava de mãos dadas
com uma menina cambojana, uma mocinha de seus 12 ou 13 anos.

Ao ver os missionários ali, o homem apavorou-se e tentou depressa


entrar no seu quarto. Por estar aparentemente preocupado, demorou a
colocar a chave na fechadura. Aquela menina, então, olhou para os dois
amigos que conversavam. Foi quando aquele estrangeiro conseguiu abrir
a porta e a colocou para dentro.

Fato é que o olhar da garota trouxe o pastor Silvio de volta à sua


verdade: Foi chamado para levar justiça para aquelas meninas. Ainda que
fosse uma por uma. Em uma experiência incrível, ouviu no seu espírito o
Senhor dizer: “É por causa delas que te trouxe para esse mundo!”. Deus
traçou um plano para ele e para nós. Nossos interesses não serão priori-
dade, mas Jesus sempre estará conosco.

Estabelecer a justiça não tem a ver com o que sentimos e sim com

171
A Ação da Cruz 3

uma convicção de que somos a imagem de Jesus na Terra. Diz respeito a


olhar as situações de aflição da maneira como o Senhor olharia e de es-
tender as mãos como Ele estenderia. Fala de se entregar por inteiro, como
o Filho se entregou, a fim de que o direito do injustiçado venha para a luz.

A Igreja foi chamada exatamente para dar de comer a quem tem fome
e de beber a quem tem sede. É sua incumbência calçar os descalços, cobrir
os nus, abrigar os órfãos e cuidar das viúvas. Ela tem as armas contra a
violência e a escravidão sexual de crianças, como acontece, por exemplo,
com o programa “Meninas dos Olhos de Deus”. Aliás, se você quiser
conhecer essa e outras iniciativas da MCM na prática dos atos de justiça,
nossa sugestão é que entre em nosso site (mcmpovos.com).

172
Capítulo 12
capítulo 12

Coluna da bondade

A bondade está entre as sete colunas que sustentam o caráter e a


pessoa de Jesus. Ela é um atributo de Deus ligado à inteireza do
seu ser. O Senhor é santo, justo e fiel, mas também é bom, desde a eterni-
dade E, por causa dessa característica, manifesta sua graça e misericórdia
sobre nós.

Pode-se dizer que a bondade tem dois significados que correspondem ao


próprio Deus. O primeiro conceito é o da perfeição, ou seja, Ele é bom por-
que exerce muito bem sua função, cumpre plenamente o que é exigido, espe-
rado ou desejado para a sua natureza. É muito bom Senhor, muito bom Pai,
muito bom Salvador. É completo em tudo o que se propõe a ser ou a fazer.

O segundo conceito está ligado à sua benevolência, que é a bondade


em ação. Tem a ver com o fato de ser piedoso, caridoso e magnânimo.
A Ação da Cruz 3

A palavra hebraica que se refere a essa característica no Antigo Testa-


mento é “chesed”, que pode ser traduzida como “graça”, favor imerecido
e expressão máxima da misericórdia de Deus para com o homem. E isso
quando poderia exercer o direito de lançá-lo no inferno.

Tendo como base os dois conceitos citados, é importante que cons-


truamos um pensamento sobre essa face do Senhor. Por muitos anos,
fomos levados pela crença romanizada de um Deus “bonzinho”. Acre-
ditávamos na ideia de um Senhor com pena de nós e que, por isso, não
permitiria que o mal se achegasse. Também pensávamos que, por causa
de nossas muitas obras, Ele olharia e não julgaria nossos pecados.

Pecávamos, errávamos, quebrávamos princípios e imaginávamos que,


se pagássemos nossas promessas com sacrifícios ou caridade, o Senhor
nos perdoaria. Que mentira! Deus não é negligente para simplesmente
“passar a mão na cabeça” de seus filhos. Aliás, por ser um bom Pai, Ele
nos corrige, duramente se for preciso. Não quer que o nosso destino seja
o inferno. A sua bondade não fere o fato de ser santo e justo.

É comum ouvirmos indagações do tipo: “Se o Senhor é bom,


por que pessoas morrem de fome?”. Ou ainda: “Onde o Pai estava quando
ocorreu o tsunami na Tailândia?”. Há também questionamentos como:
“Por que existem servos dEle que sofrem?”.

Bem, há respostas para essas perguntas. A humanidade submeteu a


Terra ao pecado, ao ponto de a criação clamar pela manifestação dos
filhos de Deus. O Senhor, contudo, não tem a ver com as catástrofes
naturais provocadas pela ação destrutiva do homem. Tampouco com o
egoísmo daqueles que não compartilham o que possuem com os neces-
sitados. Quanto ao sofrimento de quem o serve, já vimos anteriormente
que essa é uma das maneiras de o Pai lapidar nosso caráter.

É por ser bom que Deus levantou Jesus para remir a humanidade
e, através desse sacrifício vicário, dar a chance de arrependimento. Suas
promessas quanto à desigualdade que acontece entre os homens irão se
cumprir quando Ele reinar sobre essa Terra. Se não fosse a bondade do

176
Coluna da bondade

Senhor, nosso planeta e nossa espécie já teriam desaparecidos.

O projeto do Senhor é fazer com que os homens conheçam sua bon-


dade. E o canal para que isso aconteça somos nós, a Igreja. A humanidade
precisa conhecer essa face de Deus e a maneira que Ele planejou foi nos
levantando como agentes de transformação.

B ondade , fruto do E spírito S anto

A bondade no homem é manifesta através de suas ações, ou seja,


é preciso que tenha atitudes correspondentes às que Jesus teria. Os
gestos e as motivações do coração de uma pessoa devem ser parecidos
com os dEle. Mas ninguém é bom por si mesmo. Somente pelo Espí-
rito de Deus alguém pode expressar isso de forma real. Veja o que o
próprio Mestre nos ensinou:

“E, perguntou-lhe certo príncipe, dizendo: Bom Mestre, que hei


de fazer para herdar a vida eterna? Jesus lhe disse: Por que me
chamas bom? Ninguém há bom, senão um, que é Deus.”
Lucas 18:18 e 19

A perfeição de Jesus fala do conjunto de tendências e instintos ineren-


tes ao seu ser, seu comportamento, índole e caráter. É preciso que tenha-
mos relacionamento com o Senhor para que possamos conhecer e absorver
essa essência. De nós mesmos jamais poderemos manifestar a bondade, por
exemplo. Nossa natureza é caída e má. Enquanto isso, “Ele é bom e sua
misericórdia dura para sempre”, como lemos em Salmos 106:1.

A maneira que temos para nos relacionar com Deus hoje é espiritu-
almente. “Ele é Espírito e importa que os que o adoram o adorem em
espírito e em verdade” ( João 4:24). Em 1 Coríntios 2:11 e 12, é dito:
“Por que qual dos homens sabe as coisas do homem senão o espírito do
homem que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus
senão o Espírito de Deus. Mas nós não recebemos o espírito do mundo,

177
A Ação da Cruz 3

mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o


que nos é dado gratuitamente por Deus”.

Isso é extremamente importante para nós que queremos conhecer ao


Senhor. Aliás, a única forma para tanto é nos relacionando com Ele. O ca-
minho é o relacionamento com o Espírito Santo, que comunica com nosso
espírito todas as propriedades da natureza, do caráter e da essência do Pai.

Ter intimidade com o Senhor é priorizá-lo na dinâmica da vida. As-


sim como nos programamos para trabalhar, estudar, comer, descansar, é
necessário um tempo diário para que nos relacionemos com a Palavra, a
oração, a adoração, a oração em línguas e outras práticas espirituais. Se
entrarmos no ativismo e não tivermos esse nível de relacionamento, difi-
cilmente conheceremos a mente de Deus.

O problema é que nossa alma resiste ferrenhamente para que não


tenhamos tais práticas. Isso porque, no momento em que estamos na pre-
sença do Senhor, somos confrontados nas nossas debilidades. A carne não
gosta de santidade. Por essa razão, temos resistência dentro de nós todos
os dias. Tanto é que a mente tenta mostrar que há outras prioridades no
dia a dia e não dá tempo de parar. Mas persista, pois “não somos dos que
retrocedem” (Hebreus 10:39).

Se o que queremos é ser como o Senhor e se desejamos um caráter como


o dEle, precisamos nos render. À medida que você se relacionar com o Espíri-
to Santo, Ele se manifestará na sua vida através do fruto descrito em Gálatas:

“Mas o fruto do Espírito é: Amor, gozo, paz, longanimidade,


benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas
coisas não há lei. E os que são de Cristo crucificaram a carne com
as suas paixões e concupiscências. Se vivemos em Espírito, ande-
mos também em Espírito.”
Gálatas 5:22-25

178
Coluna da bondade

Andar no Espírito crucifica nossa carne e nos confronta, mas também


nos faz ficar semelhantes ao Nosso Senhor. Se nos parecermos com Ele,
seremos mais misericordiosos com os que erram, mais pacientes com os
que nos perseguem, mais longânimos nas adversidades e mais dispostos a
compartilhar das dádivas que temos recebido. Todas essas características
estão ligadas à bondade.

Note que não está sendo falado de um ato de caridade propriamente.


Já vimos no capítulo sobre a justiça que cuidar do próximo está mais liga-
do a ser justo do que a ser bom. Estamos tratando do caráter da bondade
e ela expressa graça e misericórdia.

Dar pão para quem precisa é dispendioso, mas, de certa forma, fácil. Difí-
cil é perdoar o ofensor. Como exemplos, podemos citar um pai liberar perdão
para o assassino de seu filho, uma mulher perdoar seu estuprador ou uma
esposa aceitar de volta seu marido traidor. Foi isso o que o Pai manifestou na
cruz ao dar seu Filho por nós. Sem o Espírito de Deus, é impossível que se
manifeste esse tipo de bondade. Então, deixemos Ele nos ensinar!

L uz na escuridão

“Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do Alto, descendo do


Pai das Luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação.”
Tiago 1:17

Um aspecto que devemos considerar sobre a bondade de Deus é que,


para sermos alcançados por ela, não podemos ter trevas em nossa vida.
Como as colunas do caráter de Jesus precisam uma da outra para sus-
tentar a estrutura dEle em nós, já vimos algo semelhante no capítulo da
verdade. Mas queremos enfocar o fato de que, se não andarmos na luz,
seremos privados das boas dádivas de Deus e não refletiremos sua glória.

O apóstolo João declarou: “Deus é luz e não há nEle trevas nenhu-


mas” (1 João 1:5). A bondade opera fundamentalmente na luz. O Senhor

179
A Ação da Cruz 3

irá iluminar a sua escuridão através daquilo que revelar para você. E trará
clareza nos aspectos em que havia obscuridade. Se houver trevas em seu
coração, não será possível que Ele manifeste o quanto é bom.

Já quando Tiago falava das boas dádivas, como lemos há pouco, trou-
xe uma exortação aos seus irmãos em Cristo, incentivando-os a não ce-
derem ao pecado. E chamou a Deus de Pai das Luzes, ou seja, Criador
de todos os astros, do sol, da lua, das estrelas e dos planetas. Em seguida,
disse que somos as primícias da criação. Estava afirmando que o Senhor,
diante de tanto poder criativo, na sua bondade, nos fez semelhantes a Ele.
Não podemos desprezar tal privilégio em detrimento de desejos carnais.

Não há possibilidades de Deus se revelar para nós se houver situações


de escuridão em nossos corações. Existe uma absoluta perfeição na natu-
reza do Senhor. Não há o que lhe falte e não existe nEle defeito algum.
Nada pode ser tirado ou acrescentado no seu ser. Aliás, não existe uma
forma de melhorá-lo, pois Ele é perfeito.

Então, irmãos, a bondade de Deus não pode ser questionada. Algumas


vezes, na nossa pequenez, pensamos que, devido às ações que tem a nosso
respeito ou à forma como segue o curso de nossas vidas, o Senhor este-
ja sendo incoerente conosco. Na verdade, muitas escolhas nossas não têm
nada a ver com Ele. Estamos no exato lugar que escolhemos para estar.

Deus não tem responsabilidade com escolhas erradas nem com con-
sequências de pecados. Mesmo que julguemos que não esteja sendo bom
o suficiente conosco, Ele não erra. Pelo contrário, é pleno, desde a eter-
nidade. Aquilo que o Senhor tem proporcionado a nós está totalmente
ligado com uma plantação que fizemos tempos atrás. Nesse sentido, é
muito interessante a frase: “Você está no degrau da vida ao qual subiu!”.

Então, se estamos bem é porque cumprimos princípios eternos. Se


não estamos é sinal de que precisamos rever eventuais situações de trevas
que ainda impedem que a bondade divina nos alcance. Mas não se enga-
ne: Não está sendo falado de bem-estar financeiro. Pode ser que a bênção
de ser próspero te encontre, mas nos referimos aqui especialmente ao
relacionamento com o Senhor, o que nos levará à salvação. Essa é a maior

180
Coluna da bondade

expressão do quanto Ele é bom.

Caso não consigamos entrar na direção que o Senhor nos deu, co-
lheremos frutos amargos. Quem segue a sugestão da sua alma é inevita-
velmente direcionado pelo diabo. Por outro lado, quando fazemos aquilo
que Deus nos orienta, o fim é a vitória. Daí a necessidade de estarmos na
presença dEle em todo o tempo e todos os dias.

Essa postura deve ser adotada para que o Senhor possa se revelar e nos
direcionar, seja através da Palavra, do testemunho interior, do conselho de
uma liderança. A Bíblia fala, em Provérbios 11:14, que “na multidão dos
conselhos há sabedoria”. Temos que encontrar esse lugar de direção. Para
tanto, será necessário um esforço para que saiamos de situações de trevas.

Vamos imaginar um quadro negro e que alguém o tenha limpado, mas,


devido à pouca luz na hora da limpeza, tenha ficado um pontinho de giz
escondido no canto. Quando há iluminação, aquele ponto obscurecido é
ressaltado e o que está sujo aparece. Assim é Deus conosco! Ele revela o que
está incoerente em nós, para que sua bondade possa se manifestar.

Quando o brilho da glória do Senhor vem, sentimos a necessidade


de retratação com nosso passado e de confissão. Ao nos arrependermos,
confessamos que Ele é bom. Por outro lado, ficamos privados da bondade
de Deus se guardamos situações no coração. Estas estruturam uma base
para que outras continuem acontecendo.

Talvez alguns levem uma vida de pecados escravizadores. Então, a


mente tende a questionar a bondade do Senhor: “Onde Ele está que não
liberta?”. Abra a cortina e deixe a luz entrar. Porque Deus é bom, derrama
sobre nós correção e juízo, para nos purificar e nos livrar do inferno.

Você se lembra da história do sacerdote Eli? Ele era negligente, pois


não repreendia seus filhos e deixava que estes praticassem seus pecados
dentro do templo. Não reagia às suas ações, contrárias à lei dos levitas.
Pode-se dizer que era um pai “bonzinho” e por ser assim foi que perdeu o
seu direito sacerdotal. Seu fim foi morrer com o pescoço quebrado e sem
honra na sua nação (1 Samuel 4:18).

181
A Ação da Cruz 3

Não encare a bondade de Deus como o ato de apagar as consequên-


cias do seu erro! Isso seria negligência dEle. A Bíblia é muito clara ao
dizer, em Hebreus 12:6, que o Pai corrige sim ao filho a quem ama. Se
Ele estabelece correção na nossa vida é porque nos tem nessa condição.
Se não a aceitamos, somos bastardos e não legítimos (Hebreus 12:7 e 8).
Não se engane: O Senhor não é “bonzinho”. Ele é bom.

B ondade fala de aprovação

“E viu Deus tudo quanto tinha feito e eis que era muito bom.”
Gênesis 1:31

Toda a criação de Deus foi baseada naquilo que Ele considerava bom.
Determinou que houvesse luz, separou as águas, expandiu a Terra e o
espaço sideral, limitou o que seria dia e noite, criou animais, vegetais e as
primícias da criação, o homem. Tudo isso foi feito em seis dias. No séti-
mo, o Senhor descansou.

A bondade de Deus nesse aspecto está ligada à perfeição. Tudo no


Universo está em perfeita harmonia, pois o Senhor investiu tempo e em-
penho para fazer. Aquilo que está desarmônico foi por obra humana. En-
tão, ser bom implica em ser aprovado no que foi proposto.

Um dos diretores da MCM, o pastor Omar, responsável pela Escola


de Caráter e Missões, nos contou uma história de quando era menino que
ilustra muito bem o que estamos falando. Sua mãe trabalhava fora e, antes
de sair, determinava as tarefas domésticas para cada um dos filhos. No
dia do episódio que compartilhou, ele ficou responsável por lavar a louça.

Era um garoto e, na ansiedade de brincar, fez o serviço de qualquer


jeito. As louças ficaram muito mal lavadas. O problema não era apenas
esse. Era que ele já havia aprendido a maneira certa de fazer aquela tarefa.
Por causa da pressa de criança, não se empenhou como deveria. Quando
sua mãe chegou, ela o interpelou:
- Meu filho, a louça está bem lavada?
182
Coluna da bondade

- Não, mamãe, não está! - disse ele, concordando com a reprovação.


- Meu filho, se você mesmo se reprova naquilo que faz, quem vai te
aprovar algum dia?
O pastor Omar costuma testemunhar essa história e a decisão que
tomou em seu coração a partir daquele dia: Nunca mais seria reprova-
do por si mesmo. Poderia ter a reprovação de qualquer homem, menos
dele próprio. Foi uma repreensão dura, mas aquela mãe estava ensi-
nando ao seu filho que, para ser bom em qualquer empreendimento,
precisaria se esforçar para alcançar um padrão. Teria ao menos que
chegar ao seu próprio nível de excelência.

Quantos de nós não agimos como meninos? Comprometemo-nos


com algo e fazemos sem perfeição, de qualquer jeito. A quem estamos
enganando? O Senhor submeteu a sua criação a uma avaliação e viu que
tudo o que tinha feito era bom. Assim sendo, será que Ele não analisará
também as obras de nossas mãos?

Não nos referimos às boas obras que nos levem para o céu. Isso é
crendice. Estamos falando a respeito de ser excelente. Trataremos desse
assunto no capítulo de serviço, mas cabe aqui conversarmos sobre ser
bom em tudo. Se você é um pastor, que seja o melhor, à luz da Bíblia. Se
é um discípulo, também. Se é um estudante ou mesmo um profissional,
que se apresente como um padrão para os que vierem depois.

1 Timóteo 4:4 diz: “Porque toda criatura de Deus é boa e não há nada
que rejeitar, sendo recebido com ações de graças”. Ou seja, é muito bom
quando as pessoas glorificam ao Senhor pela sua vida, o que está ligado
com o caráter da bondade. Porém, se você faz tudo de forma relaxada,
dando um mau testemunho, ninguém enxergará Jesus no seu dia a dia.
Diante disso, a pergunta que fica é: O seu trabalho é aceitável ou as pes-
soas o recusam?

Podemos analisar esse ponto por outro aspecto. Algumas vezes, você
pode ser muito bom em algo, mas tem um temperamento insuportável ou
um humor que ninguém aguenta conviver. Não era evidentemente o com-
portamento de Jesus. Os Evangelhos falam que Ele era querido entre os seus,

183
A Ação da Cruz 3

pois era um bom amigo, um bom líder, um bom pastor, um bom Mestre.

O Senhor era gentil. Aliás, uma das palavras gregas para definir bon-
dade é “cherostotes”, que significa “ternura, gentileza”. Quem quer que
Jesus seja glorificado através de sua vida precisa ser agradável com as
pessoas. Existe uma canção infantil que nos dá uma lição:

“Todo filho se parece com seu pai...”


(Maurão)

“Todo filho se parece com o pai,


Todo filho se parece com seu pai...
Será que as pessoas quando olham para você
Podem dizer que você é a cara do Pai?”

Quem convive conosco pode ver a bondade expressa em nosso ser,


seja nas palavras, seja nos comportamentos? As outras pessoas precisam
dar graças a Deus pelas nossas vidas, pois tudo o que Ele criou é bom e
nada é recusável. Devemos, então, nos esforçar para que sejamos exata-
mente aquilo que o Senhor planejou desde a criação, ou seja, homens ou
mulheres muito bons!

184
Capítulo 13
capítulo 13

Coluna da fidelidade

E ntre os temas mais preponderantes tratados nas Escrituras, está


a fidelidade divina. De Gênesis a Apocalipse, os enredos passam
pelo fato de Deus se empenhar em cumprir o que prometeu à humani-
dade. De forma geral, ser fiel é isto: Cumprir aquilo que falou. Aliás, o
Senhor tem enorme satisfação em revelar-se a seu povo dessa maneira.

Desde a Antiguidade, de eternidade em eternidade, Ele é fiel. Como


homens, temos dificuldade até de compreender essas coisas. Nossa natu-
reza nos torna frágeis e influenciáveis. Quando nos determinamos a um
propósito, nos mantemos nele com dificuldade. Muitos elementos inter-
ferem nisso, como temperamento, relacionamentos, crenças, cosmovisão
e falta de disciplina. O Senhor, contudo, não é assim, pois “nEle não há
mudança nem sombra de variação”, como já vimos em Tiago 1:17.
A Ação da Cruz 3

“Saibam, portanto, que o Senhor, o seu Deus, é Deus; Ele é o Deus


fiel, que mantém a aliança e a bondade por mil gerações daqueles
que o amam e guardam os seus mandamentos.”
Deuteronômio 7:9

O caráter do Senhor é o mesmo ontem, hoje e será para sempre. Da


mesma forma como se mostrava nos tempos em que os livros bíblicos
foram escritos é agora (Hebreus 13:8). Seus propósitos não mudam (Sal-
mos 33:11). O que Ele começou irá terminar, até porque trabalha para
cumprir aquilo que se determinou em fazer. Seus projetos atingem na-
ções, mas também alcançam seus filhos de forma individual (Atos 9:15).

“Retenhamos firmes a confissão da nossa esperança; porque fiel é o


que prometeu.”
Hebreus 10:23

Nas Escrituras, há registros de muitos cumprimentos de promessas


feitas pelo Senhor, como a descendência ao ancião Abraão e à sua estéril
esposa Sara (Gênesis 21:1). Ele também deu a terra que manava leite e mel
para um povo escravizado por mais de 400 anos no Egito ( Josué 21:43).
Deus ainda salvou a Raabe, uma mulher de valores morais duvidosos, mas
que decidiu abrigar os espias, como é narrado ao longo de Josué 2. Aliás,
mostrou-se fiel a ela, não somente salvando sua vida, mas fazendo com que
aparecesse como uma das matriarcas da genealogia de Jesus.

O Senhor foi quem salvou um menino da morte em um cestinho de


vime e fez dele um grande libertador. Este, mais tarde, abriria ousada-
mente, com sua fé, o Mar Vermelho para que Israel se livrasse das mãos
de Faraó (Êxodo 14). Foi Deus também quem treinou Davi atrás dos
pastos e o levantou como rei de Israel (2 Samuel 7:8). E respondeu com
fogo à oração de um profeta temente, honrando aqueles que permanecem
inabaláveis em meio à idolatria (1 Reis 18:38). Além disso, cumpriu a
profecia de Joel na vida de Pedro e da Igreja em Pentecostes de Atos 2.

Mas a principal prova de que Deus é fiel foi a vinda do Messias para

188
Coluna da fidelidade

resgatar a humanidade da morte do pecado. Todos os seus outros atos são


enredos para proclamar a vida através de Jesus. E ainda aguardamos sua
segunda vinda, fato que nos tornará um com Ele na eternidade. Trata-se de
uma promessa maravilhosa, mas condicionada à nossa fidelidade ao Senhor.

Somos feituras de Deus, que sempre desejou que fôssemos como


Ele é. Por isso, enviou Jesus para nos provar que é possível ter um
caráter irrepreensível. Eu e você podemos deixar o Senhor lavrar a
coluna da fidelidade em nosso ser.

E xperimentando a fidelidade

O apóstolo Paulo afirma, em 2 Timóteo 2:13, que nem mesmo a infide-


lidade humana pode alterar a fidelidade divina. Deus continuará eternamente
fiel. Porém, sermos infiéis poderá nos custar que vivamos longe dEle para
sempre. Para que isso não aconteça, o próprio Senhor nos coloca em situações
em que possa provar aquilo que falamos e também o nosso comprometimento.

Um bom exemplo do que estamos falando é a história dos judeus. O


Senhor fez uma promessa a Abraão e, mais tarde, aos outros patriarcas de
que daria uma terra e um nome para seu povo. E, em toda história, Ele se
esmerou em cumprir isso. Quando Israel pecava, Deus castigava aquelas
pessoas e permitia que fossem espalhadas. Mas, quando elas se arrepen-
diam, as aninhava novamente.

Se formos estudar a história, veremos que, entre os anos 70 dC e 1948


dC, os israelitas viveram fora de seu território. Por séculos, foram como
estrangeiros pelas nações. Por causa da confiança em Deus e de seu for-
te costume religioso e cultural, conseguiram manter sua identidade como
povo. Mas se passaram quase 1900 anos até possuírem novamente o direito
de viver na terra que lhes fora prometida. E, mesmo depois de a esperança
ter desfalecido, o Senhor, em sua misericórdia, deu a eles um lugar.

“Pois a tua misericórdia é grande até aos céus e a tua fidelidade


até às nuvens.”
Salmos 57:10

189
A Ação da Cruz 3

Esse salmo é um dos mais importantes para os judeus. Ele foi lido
enquanto a ONU (Organização das Nações Unidas) votava a formação
do Estado de Israel, fato ocorrido em 29 de novembro de 1947. Naquela
época, não havia transmissão ao vivo pela TV e muito menos internet. Os
rabinos ficaram lendo o texto em questão o tempo todo, enquanto aguar-
davam notícias pela rádio. Aquele povo provou da fidelidade de Deus e
hoje vive em uma nação reconhecida e com território delimitado.

Pessoalmente, o Salmo 57 é muito importante. Em 1983, fui pela


primeira vez ao continente africano. Eu estava indo a Moçambique e, na
época, o país passava por uma terrível guerra civil. O regime era comunis-
ta e o partido opositor pleiteava a liderança política local. Embarquei no
avião com algumas caixas de medicamentos e uma caixa cheia de exem-
plares do Novo Testamento. Não sabia ao certo se conseguiria entrar com
aqueles objetos e não dava tempo para averiguar. Então, arrisquei e levei.

Na caixa de Novos Testamentos, coloquei roupas por cima. Caso


a abrissem no aeroporto, era o que veriam e estaria resolvido o pro-
blema. Ao passar pela esteira, havia algumas caixas rasgadas no fundo.
Uma delas era a que levava as Bíblias. Acredito que foi um anjo quem
as rasgou. Quando passei com o carrinho, o encarregado perguntou o
que havia ali e respondi que eram livros. Faltava-me coragem! Naque-
le tempo, eu ainda tentava ajudar a Jesus.

O Senhor permitiu que isso acontecesse para me provar sua fidelida-


de. Eu levaria a sua Palavra para as nações e Ele é fiel. O oficial não deu
muita atenção para os Novos Testamentos, mas, depois de ter seguido
por alguns metros, fui chamado de novo por aquele homem, que me per-
guntou o que havia em outra caixa. Eram medicamentos. Na condição de
médico, arrisquei levá-los. Então, precisei abrir e mostrar. A situação se
complicou, porque ele disse que no país não entravam drogas em com-
primidos. Estava com uma porção deles. Como explicaria que não eram
tóxicos ou alucinógenos?

O oficial pediu que o acompanhasse até uma sala e lá fez todos os ti-
pos de ameaça. Disse que poderia me prender, me processar e que eu teria
que ficar preso até o processo chegar ao final. O que o sargento queria,

190
Coluna da fidelidade

na realidade, era dinheiro, o que não dei. Finalmente, me perguntou se


possuía remédio para reumatismo e eu tinha. Era o que mais tinha, pois
levei muitas unidades de “AAS”. Dei para ele e fui liberado.

À noite, ao chegar ao quarto onde fiquei hospedado, fui ler a Bíblia


e acabei profundamente ministrado pelo Salmo 57. Deus é fiel e provei
disso na minha primeira viagem missionária para a África. Ainda que
na minha fé vacilante tenha tentado ajudá-lo, fui alcançado pela sua fi-
delidade e misericórdia. Poderia ter sido preso ou mesmo morto, mas o
Senhor me guardou. Nunca se esqueça desta verdade: Se Ele falou, pode
caminhar, pois irá cumprir aquilo com o que se comprometeu.

Davi escreveu esse salmo quando fugia de Saul e estava escondi-


do com seus homens. Caso tenha feito essa composição na caverna de
Adulão, como se supõe, a tropa já teria 400 membros sendo discipulados
por ele. Quando lemos as Escrituras, temos a falsa sensação de que tudo
aconteceu muito rápido com o jovem ascendente ao trono. Mas foram 17
anos de perseguição! O salmista precisou se lançar em Deus e experimen-
tar de fato sua fidelidade.

C onstruindo um caráter fiel

Ser fiel não é fácil na atual conjuntura, especialmente no nosso país,


onde é cultural o famoso “jeitinho brasileiro”. Aqui, já se convencionou
nos adaptarmos a pequenas fraudes ou “mentirinhas de leve”. Ou mesmo
contarmos com um facilitador para que consigamos um benefício que por
vias normais demandaria tempo. O caráter da fidelidade em nossa nação
é corrompido desde a tenra idade.

Quando encontramos a Jesus, a questão da fidelidade é uma área di-


fícil de ser trabalhada. Até mesmo na Igreja, há indícios dessa cultura
maldita. Viajo por todo o país para ministrar aos pastores e a dinâmica é
que, antes de eu chegar às cidades programadas, uma equipe vai à frente
para agendar com os líderes locais um encontro comigo. Geralmente or-
ganizamos um café da manhã para falarmos sobre unidade do corpo de

191
A Ação da Cruz 3

Cristo e missões. Sempre há uma média de 100 pessoas comprometidas


em comparecer à reunião, mas muitos sequer aparecem ou dão satisfação.

Não haveria problema no fato dessas pessoas não irem. Algumas de-
las podem não ter identificação com nossa visão. É normal. Anormal é
ver cristãos se comprometerem e não cumprirem um trato. Não estamos
falando desse assunto porque temos mágoa. Não é nada disso. Mas tal
comportamento nos dá um diagnóstico do Evangelho no Brasil. Se os
pastores não cumprem a palavra, imagine os irmãos que estão debaixo de
sua autoridade. A Igreja de Atos tinha um caráter aprovado nessa área.
Veja a fidelidade descrita nas Escrituras:

“E sucedeu que, enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo, tendo


passado por todas as regiões superiores, chegou a Éfeso; achando
ali alguns discípulos, disse-lhes: Recebestes vós já o Espírito Santo
quando crestes? E eles disseram-lhe: Nós nem ainda ouvimos que
haja Espírito Santo.”
Atos 19:1 e 2

Aquele povo havia sido discipulado e ganho para Jesus por Apolo, quan-
do este pregava o Evangelho. Porém, eram pessoas que não tinham sido ba-
tizadas no Espírito Santo. O Senhor conhecia o coração daqueles homens e
mulheres e sabia que precisavam disso para que fizessem o que lhes ordenou.
Aliás, ninguém nunca conseguirá avançar sem Ele. Talvez seja por essa razão
que precisamos de uma nova unção e um novo batismo. Sem o último, o
caráter de fidelidade não se manifesta e tudo fica muito normal.

Como Igreja do Senhor, precisamos ter a disposição de sofrer o


dano sem que sejamos infiéis com o que foi falado. O mundo precisa
ver o caráter de Jesus manifesto em nós. Não é fácil, mas, se Ele con-
seguiu, também podemos vencer a infidelidade! Certa vez, vendi uma
fazenda e o processo de venda iria gerar um custo de 30 mil reais para
um advogado, pela legalização do imóvel. Combinei com o comprador
que ele pagaria essa despesa e eu, a escritura. O acordo verbal foi feito
uma semana antes do trato finalizado.

192
Coluna da fidelidade

No dia de finalmente fechar o negócio, me esqueci do valor que seria


pago pela outra parte ao advogado. Depois do contrato assinado, lembrei
o comprador desse detalhe que havíamos combinado verbalmente, mas
ele não aceitou. O que alegou foi que isso tinha sido conversado antes e
que eu deveria ter dito novamente. Depois de termos apertado a mão e
fechado a transação, aquilo não era mais válido. Engoli em seco e paguei
a quantia. Se tivesse batido o pé, o homem pagaria, mas já estávamos
apalavrados. Isto é fidelidade: Tornar-se escravo do que falou.

“Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o diabo lança-
rá alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma
tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte e dar-te-ei a coroa da
vida. Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às Igrejas: O
que vencer não receberá o dano da segunda morte.”
Apocalipse 2:10 e 11

Embora aquela experiência tenha sido amarga em dado momento,


afinal fiquei com um prejuízo, Deus provou meu caráter. Espero ter agido
em fidelidade, ou seja, cumprido com minha palavra. É assim que deve-
mos ser: Fiéis até a morte!

Já pensou se eu tivesse insistido para que aquele homem pagasse de-


pois do acordo? Qual seria a minha posição perante Deus? Às vezes, te-
mos que entrar em um processo de perda, pois Cristianismo é isso. Paulo,
por exemplo, perdeu todas as coisas, mas ficou com Jesus. E o que dizer
do texto de Apocalipse 2, que acabamos de ler? É algo tão sério que só
quem vencer tem garantias. Qualquer um pode perder a salvação, menos
o vencedor. Quantos a têm perdido por causa da infidelidade? E quantos
já a perderam por esse mesmo motivo?

Mais à frente, o Senhor fala que o vencedor não terá o nome riscado
do livro da vida. Se Ele diz que não irá riscar é porque isso seria possível.
Veja Apocalipse 3:5: “O que vencer será vestido de vestes brancas e de
maneira nenhuma riscarei o seu nome do livro da vida; confessarei o seu
nome diante de meu Pai e diante dos seus anjos”. Apenas a pessoa que

193
A Ação da Cruz 3

alcançar a vitória terá garantida a salvação. Hoje, nenhum de nós tem essa
certeza. Então, é melhor nos santificarmos para sermos encontrados fiéis
no Tribunal de Cristo.

F idelidade exige humilhação

Algo fundamental de se falar a respeito de fidelidade é que ela será


provada. Enquanto fizermos o que nossa alma deseja e tomarmos nossas
próprias decisões, tudo irá bem, no sentido de não sermos confrontados.
Mas, quando decidirmos caminhar com o Espírito Santo, travaremos lu-
tas terríveis com o nosso próprio “eu”, com os homens e com o inferno.
Isso é necessário para crescermos em Deus. Porém, haverá momentos em
que teremos certeza de que Ele estará descarregando sua ira sobre nós.

Bons exemplos disso são Rute e Noemi. A segunda, que era a matriar-
ca da família, chegou a declarar que Deus estava irado com ela: “Amargo
me é a mim do que a vós mesmas; porquanto a mão do Senhor se des-
carregou contra mim” (Rute 1:13). Assim como ela, às vezes, temos essa
certeza, mas é preciso reconhecer que certas atitudes do Pai são para nos
consertar e nos colocar na direção correta. Hebreus 12:6 diz: “O Senhor
corrige o que ama e açoita a qualquer que recebe por filho”.

Um aparente castigo, uma adversidade ou, como costumamos cha-


mar, uma provação não invalidam a fidelidade divina para conosco. Do
contrário, essas coisas colocam à prova o nosso coração em relação àquilo
que dizemos crer. Embora a amargura de Noemi a tenha levado a fazer
uma declaração tão dura, a sequência de sua história mostra uma mulher
temente e fiel ao Deus de Israel. Ela possuía um caráter tão seguro nEle
que uma de suas noras decidiu servir o Senhor que reluzia em sua vida.

“Disse, porém, Rute: Não me instes para que te abandone, e deixe de


seguir-te; porque aonde quer que tu fores, irei eu; onde quer que pousa-
res, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus.”
Rute 1:16

194
Coluna da fidelidade

A escolha de Rute aponta para a fidelidade do seu caráter, mas tam-


bém para o testemunho de Noemi. Será que sua nora a teria seguido se
sua conduta fosse infiel? Essa deve ser uma reflexão sobre o relatório que
existe a nosso respeito. Quantas pessoas querem te seguir? O que elas têm
visto na sua vida? Andariam ao seu lado para qualquer lugar? O Deus que
você apresenta é desejado por aqueles que te rodeiam?

Voltando para a questão, Rute estava tomando uma atitude que to-
dos nós, mais cedo ou mais tarde, devemos tomar: Deixar tudo para trás.
Orfa, a outra nora de Noemi, não conseguiu abandonar a família, Moabe
e seus deuses. Ainda deu os primeiros passos, mas, na insistência da sogra
para que voltasse, ela não resistiu. Não resistiu à prova da sua fé.

Há algo importante que precisamos entender no livro de Rute: Tudo


aquilo que ocupa o lugar de Jesus na nossa vida é um deus que temos.
Pode ser qualquer coisa, esposa ou esposo, filho, TV, emprego, patrimô-
nio, ministério, relacionamento, vontade própria. É preciso que examine-
mos se existe algum fator que possa nos fazer olhar para trás quando o
Senhor pedir que tomemos nossa cruz e o sigamos.

Ao contrário do que aconteceu com a concunhada, a Bíblia fala que


Rute se apegou a Noemi: “Então, levantaram a sua voz e tornaram a cho-
rar; e Orfa beijou a sua sogra, porém, Rute se apegou a ela” (Rute 1:14).
A expressão “se apegou” aqui utilizada é a mesma que está em Gênesis
2:24: “Portanto, deixará o homem o seu pai e a sua mãe, apegar-se-á à sua
mulher e serão ambos uma carne”.

No original, o significado dessa expressão que aparece nos dois textos


é “foi usado um betume”, que é uma espécie de cola que não solta e não
soltará. Nada iria desligar aquelas duas (Rute e Noemi) como nada pode
desligar um casal que se une como uma só carne. Tal é também a ideia de
fidelidade para com Deus, ou seja, apegar-se ao ponto de absolutamente
nada fazer você desistir dEle e de seu propósito para sua vida.

Em 1993, passei pela experiência de perder tudo. Foram provas por


cima de provas. Nem pregava mais em lugar algum. Foram três anos de
puro deserto. Em 1996, fui convidado para ministrar em Belo Horizonte

195
A Ação da Cruz 3

(MG). Na ida, fiquei sozinho em uma fileira do avião, sentei ao lado da


janela e chorei. Ali, perguntava ao Senhor o que eu estava fazendo. Não
tinha mais um ministério e tudo havia se acabado.

Ao chegar, fui convidado a ir também para outra Igreja, que ministra-


va o culto em um horário mais cedo. Ao término, a pastora que havia me
levado para Minas Gerais foi me buscar e, já na saída, ouvi uma oração
em línguas vindo do fundo daquele templo. Vi um diácono sendo tomado
pelo espírito e tremi na hora. Eu sabia que aquela mulher tinha o dom de
profecia e que iria interpretar as línguas estranhas. Então, ela colocou a mão
no meu ombro e falou: “Por que você chorava naquele avião? Por que dizia
que não tinha mais ministério?”. E foi falando tudo o que eu havia orado.

Não havia contado sobre a minha oração para ninguém, nem para
minha esposa. Também não tinha dito o que aconteceu no avião à cole-
ga que me recebia. Mas Deus conheceu meu coração e sabia que estava
em profunda angústia. Quando você larga tudo e o ministério faz algum
sentido, ainda que seja difícil, existe um motivo para ficar. Naquele mo-
mento, eu não tinha nada e nada também o Senhor me oferecia. É em
situações assim que precisamos agir como Rute: “Não me instes para
que te abandone e deixe de seguir-te”. Quando o pensamento for o de
retroceder, permaneça nEle e fique lá.

Fidelidade fala de a pessoa permanecer firme em um propósito, mes-


mo que isso custe muita humilhação. Rute decidiu seguir o Deus de
Noemi sem saber ao menos se iria entrar em Israel. Sendo uma jovem,
moabita, viúva e sem filhos, sofreria vergonha multiplicada na terra dos
judeus. Sem qualquer recurso para sobrevivência, ela se dispôs a rebuscar
os campos, ou seja, colher aquilo que caía dos cestos durante as colheitas.

Havia uma lei em Israel que indicava que as espigas que caíssem dos
cestos na hora da colheita deveriam ser destinadas para os pobres. E era
a essa condição que Rute se lançaria. Fortes indícios históricos, contudo,
apontam aquela mulher como filha de nobres em Moabe. Ela teria aberto
mão de um posto de princesa para conhecer um Deus verdadeiro.

A atitude requereu dela primeiramente humilhação profunda. De-

196
Coluna da fidelidade

pois, submissão à sogra. Ser submisso vai além de ser obediente. Tem a
ver com não ter mais escolha. E é melhor mesmo que não se tenha essa
opção. Orfa, por exemplo, escolheu voltar e sua história deixou de ser
contada ali. Eva e Adão preferiram comer do fruto e trouxeram queda
para toda a humanidade. Rute, porém, só quis ficar e ser fiel. Deus, então,
deu-lhe um segundo casamento maravilhoso. E ela se tornou a avó do rei
Davi e uma das matriarcas do grande Rei Jesus.

Quando o Senhor te chamar, esteja preparado para ser fiel sem dar
desculpas. No episódio em que Jesus chamou seus discípulos pescadores,
não vemos que eles foram pagar seus cartões de créditos ou que espera-
ram até que os filhos entrassem na faculdade. Estavam dispostos a seguir
ao Mestre. Pedro estava pronto e, no momento em que foi chamado,
imediatamente largou a rede e abandonou o barco. Fidelidade é isso. É
apegar-se a Deus, crendo que, mesmo sem nada, está sendo dado início a
uma caminhada para a eternidade com Ele.

197
Capítulo 14
capítulo 14

Coluna do serviço

A sexta coluna do caráter de Jesus é o serviço. Ela poderia até mesmo


ser colocada em outra ordem em relação às demais, pois é em extre-
mo importante. Muitos de nós começamos nossa caminhada com o Senhor
firmando essa viga na construção da nossa fé. Porém, pretendemos falar aqui
não somente a respeito de como servir, mas sobre como ser servo. Aliás, o
Filho de Deus quando veio à Terra foi o maior exemplo nesse sentido.

“Antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo,


tornando-se em semelhança de homens e, reconhecido em f igu-
ra humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até
a morte e morte de cruz.”
Filipenses 2:7 e 8
A Ação da Cruz 3

Nas Escrituras, a palavra “servo” é a mesma usada para “escravo”. Am-


bas trazem a ideia de alguém que perdeu o direito de escolha, de identi-
dade. No primeiro livro desta série, “A Ação da Cruz 1” (MCM Publi-
cações, 2006), dedicamos um capítulo falando da vida de Jesus antes de
seu ministério e como seu caráter fora formado na carpintaria de José, seu
pai. Embora carpinteiro fosse uma das profissões mais nobres da época,
isso exigia muito esforço físico, exposição ao sol e extrema paciência para
talhar as madeiras. Ele sabia o que era trabalhar duro.

Infelizmente, vivemos em um tempo em que o serviço braçal é tido


como vil, ao mesmo tempo em que se tem a ideia errada de um Deus
mágico, que concede nossos pedidos se nós determinarmos com fé o que
queremos. Na prática, já percebemos que não é bem assim. O Senhor
continua tendo princípios: Quem não planta não colhe; quem não tra-
balha não come; quem quiser ser o primeiro que sirva seus irmãos. O
trabalho na Bíblia sempre foi visto como algo muito honroso.

Indicativos históricos apontam que, após o batismo por João Batista,


Jesus abandonou suas sandálias ao lado do rio Jordão. Qualquer pessoa
da época poderia entender aquele gesto, que expressou que Ele estava
abdicando dos seus títulos de Deus, Rei e Senhor para assumir a forma
de servo, pois os escravos andavam descalços. Andaria o resto de sua vida
de pés no chão para mostrar a nós que um homem de caráter vive para
ser conservo de seus irmãos.

Às margens do rio Jordão e batizado pelo Espírito Santo, Jesus inau-


gurou publicamente seu ministério, assumindo a forma de servo. De igual
modo, a maioria de nós inicia a caminhada assim, sem direitos. Todo
cristão é chamado para servir e esse serviço envolve muito mais do que
fazer votos de pés descalços. Trata-se de ter uma vida abnegada e disposta
a muitos extremos por amor ao Senhor.

Na MCM, temos uma escola de formação de missionários. Por causa da


natureza do nosso chamado, enviamos pessoas para os lugares mais inóspi-
tos da Terra. Quando esses irmãos chegam a tais campos, eles precisam ter
suas almas e corpos treinados para situações de extrema pressão. Na nossa
experiência ao longo dos anos, o serviço é o melhor lugar de treinamento.

202
Coluna do serviço

Aprendemos isso com Jesus. Deu certo com Ele e com muitos que
passaram por nossa organização. Nós usamos essa ferramenta com res-
ponsabilidade e de forma dirigida também. O serviço revela o coração das
pessoas, expõe o quanto elas estão realmente dedicadas a dar sua vida pela
obra e nos dão a oportunidade de corrigir as motivações erradas.

Quando uma espada é forjada, ou mesmo outro instrumento, o metal


é submetido a altíssimas temperaturas para que fique maleável e tome
forma. Somente assim ele ficará como foi planejado, ou seja, apenas dessa
maneira é que estará preparado para cumprir o propósito para o qual veio
à existência. E, dependendo do tipo de objeto, o ferreiro ainda tem que
usar de força para bater e lixar.

É provável que Deus levante um ferreiro para forjar sua vida. Pode
ser um pastor, um líder, quem sabe até um chefe. Não se engane: Todo
obreiro que almeja ser aprovado será levado a níveis extremos de pressão!
A uniformidade do caráter que o Senhor deseja estabelecer em nós é para
que, quando formos lançados no propósito para o qual nascemos, nada
nos tire desse lugar ou da sua presença, nem fome, nem nudez, nem peri-
go, nem espada ou qualquer outra coisa, como segure Romanos 8:38 e 39.

Quando treinamos nossos alunos para missões, os submetemos a ex-


tremos, pois é melhor que desistam durante o treinamento, que joguem a
toalha aqui do que fazê-lo no campo missionário. Muitos irmãos cheios
de boa vontade têm ido para as nações ou mesmo abraçado a obra de
tempo integral e têm voltado para trás! São muitos os casos. Há aqueles
que, por terem um bom nível de conhecimento, pensam que isso basta!
Nada contra o “conhecer”, mas, no exercício do ministério, ele só não é
o suficiente. Um guerreiro do Reino de Deus precisa ser experimentado.

Não se engane: Ministério não é poesia. Ele é serviço, muito servi-


ço! Se você for alguém sem experiência em servir, não inicie uma vida
ministerial, pois as pressões e as lutas espirituais virão e a sua alma não
estará preparada. Comece lavando o banheiro da sua Igreja, carpindo o
estacionamento, limpando as cadeiras. Não conheço um homem sequer
que seja bem-sucedido na obra e que tenha o caráter aprovado sem ter
começado pelo primeiro degrau.

203
A Ação da Cruz 3

Já há alguns anos, funcionam na base da MCM, no município de Trin-


dade, a Escola de Caráter e Missões e a Escola de Adoradores. Muitas pes-
soas que passaram por elas têm dado fruto. Uma boa parte está nas nações
ou exercendo o ministério pastoral no Brasil. Porque o tempo mostrou que
a ênfase ao serviço deu certo, os alunos continuam sendo submetidos a ela.

O pastor Omar, aliás, costuma dizer algo interessante: “Trabalho não


é enfado, é oportunidade de promoção!”. O Senhor deu a ele essa frase
quando estudava a vida de José. Este foi um patriarca que entrou para a
história não apenas de Israel, mas também do Egito porque tinha um es-
pírito diligente, era trabalhador e nunca desistia. Nem mesmo debaixo de
cansaço, se dava por vencido. Sua história é contada a partir do capítulo
37 de Gênesis. Fato é que ninguém pode vencer a corrida sem passar pela
faixa de chegada. É preciso ir até o fim. Para tanto, tem que estar disposto
a fazer o que deve ser feito.

Tivemos um aluno que nos marcou de uma maneira especial por sua
postura de servo. Ele foi enviado para fazer o treinamento e, na época, o
curso durava um ano e meio. No decorrer do processo, a Igreja que o enviou
o abandonou na base, parou de mandar a mensalidade e o sustento pessoal.
Mas aquele rapaz tinha um espírito nobre. Nas folgas da escola, carpia e
rastelava o terreno da MCM, além de procurar fazer reparos onde precisava.
Quem conhece nossa sede sabe que estamos falando de um lugar grande.

O jovem gastava seus finais de semana trabalhando. Os colegas, os


professores e até mesmos os diretores pediam para que descansasse, pois
o ritmo do treinamento em si já era muito pesado. Mas ele sentia que,
de alguma forma, deveria colaborar com a escola, uma vez que permiti-
mos que continuasse o curso apesar de não conseguir custear as despesas.
Aquele aluno também alegava que não podia voltar, pois tinha um sonho
e uma Palavra de Deus para ir à África.

Faltando apenas dois meses para que encerrasse o treinamento na


base e fosse para o período prático, o jovem não tinha nenhuma perspec-
tiva em relação a ser enviado. Mas se dispôs em oração. Certo dia, a escola
recebeu um telefonema com uma proposta: Um grupo de sul-coreanos
estava procurando alguém disposto a ir para determinado país africano

204
Coluna do serviço

com todas as despesas pagas, incluindo passaporte e visto. Também ha-


veria uma oferta por dois anos para quem fosse enviado. Os diretores do
curso se lembraram, então, do empenhado aluno e o indicaram. Ele serviu
naquela nação por um período determinado.

Deus não se esquece de nós! Pelo contrário, observa e procura os


fiéis da Terra. E está observando o trabalho de nossas mãos. Aquele
jovem trabalhou de forma despretensiosa e o Senhor o honrou. Ele re-
alizou o seu sonho de pisar na África e nós tivemos a oportunidade de
mandar o melhor para as nações.

Esse exemplo nos ensina que, mesmo que haja grandes expectativas
no nosso coração, Deus agirá conforme as respostas que damos para elas.
Uma pessoa que não extrai de si o nível que pode dar é um servo inútil,
como diz a Palavra. Nesse sentido, o nosso conselho é: Ofereça acima
do que é exigido, alcance e rompa seus limites. Avalie sua vida. Como já
citamos antes, você está exatamente no degrau da vida ao qual subiu.

“Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado,
dizeis: Somos servos inúteis; fizemos somente o que devíamos fazer.”
Lucas 17:10

A s características do servo

Embora seja custoso, o serviço do cristão traz grandes recompensas.


Para compreender melhor o que significa servir, precisamos inicialmente
começar fazendo um levantamento das características de quem servia no
primeiro século depois de Jesus e até antes dele. A primeira delas é que “o
servo não tinha posse alguma”.

O ministério é algo bem assim. É um lugar onde se trabalha muito


e, embora haja raras exceções, não se acumula riquezas. Quem se lança a
isso precisa saber dessa verdade. O Senhor sempre cuidará de nós e nada
nos faltará. Seremos supridos de todas as nossas necessidades, mas a nos-
sa recompensa será no céu e não aqui.

205
A Ação da Cruz 3

Se você tem um chamado para estar em tempo integral na obra,


não coloque expectativas em coisas, nem mesmo em adquirir o que
quer que seja. Os sacerdotes não tinham posses na Terra. A Bíblia
diz que sua porção era o Senhor e ainda é assim hoje. E do que mais
precisamos? A graça dEle nos basta!

Entenda algo: Se no seu ministério você depender de um carro, o


próprio Deus irá providenciar. Se precisar de recursos tecnológicos, Ele
irá trazer às suas mãos. Não se preocupe. O Senhor é o maior interessado
em que a causa do Evangelho dê certo. Está escrito, em 1 Timóteo 3:1,
que “quem almeja o episcopado excelente coisa almeja”. Então, podemos
nos lançar sem temor. Ainda que existam momentos de deserto e pressão,
o Pai nos recompensará na eternidade.

A segunda característica a ser observada aqui é que “o servo não pos-


suía autonomia”. Ele não tinha poder sobre o próprio corpo, além de não
mandar em ninguém e em nada. Não mandava nem mesmo em si próprio.
Tudo era do seu senhor. Servir, portanto, é estar no nível de negar a própria
vontade. Foi o que aconteceu com Jesus no Getsêmani: Abriu mão do di-
reito de não querer ir para a cruz e se entregou para morrer por nós.

“Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia, não se faça a


minha vontade, mas a tua.”
Lucas 22:42

Isso quer dizer que o seu Senhor irá submeter você a fazer coisas que
não quer e a ir para onde não deseja. Normalmente Deus pede para que
façamos algo contrário ao que queremos. Não é porque Ele seja sádico
ou não nos queira bem. É porque é soberano, eterno e conhece o que é
melhor para nós. Assim, prefere que passemos uma vida negando nossa
própria vontade para, Naquele Dia, não negar a nós.

Em Colossenses, Paulo admoestava uma Igreja onde havia muitos se-


nhores, mas muitos escravos também. Vários servos se converteram naquela
época. Ele falava de obediência inquestionável, pois a condição de servidão é
essa. Quem quer alcançar esse caráter não pode escolher o que vai obedecer.

206
Coluna do serviço

Por algum motivo, esse é o modo de Jesus fazer discípulos. Ele não
deseja nos humilhar por humilhar. O que quer é nos provar o quanto po-
demos nos submeter por amor do seu nome. O pastor Omar conta que,
na época dos “Encontros Tremendos”, viveu uma história interessante e
que ilustra bem o que estamos falando.

Ao realizar o evento em Belo Horizonte, vieram várias caravanas de


outras cidades e Igrejas ali da região. Por algumas horas, ele precisou sair
do acampamento para resolver um problema. Nesse ínterim, houve a che-
gada de um grupo grande para fazer o “Encontro” e outras pessoas para
trabalharem na organização. Os obreiros se apresentaram e um dos líde-
res distribuiu as tarefas. De forma aleatória, mandou um deles para carpir
um campo onde seria a programação da noite.

Quando o pastor Omar chegou ao acampamento, viu o pastor-presiden-


te de umas das Igrejas participantes carpindo o mato. Ao perguntar o que ha-
via acontecido para seu encarregado, este disse ter escolhido aquele homem
para carpir e também para montar uma fogueira. Ele devia ter carpido uns
200 metros de área. Passou a manhã toda trabalhando com afinco e ainda
improvisou uns bancos para as pessoas não precisarem se sentar no chão.

O pastor presidia uma Igreja de umas 2 mil pessoas, mas o obreiro


não sabia. E que bom que não sabia, pois Deus desejava revelar o coração
do servo. Aquele homem poderia ter dito “não” ou ter dado ordem para
que um dos seus liderados fizesse em seu lugar o trabalho penoso, fisi-
camente falando. Mas suas motivações internas eram corretas e ele fora
aprovado quando o Senhor quis sondar o seu íntimo.

Não importa o grau de liderança que você tenha alcançado. O serviço


irá provar se a humildade em sua vida é verdadeira. Irá mostrar também
se o que está construindo é para o Reino de Deus ou se é um império
pessoal. Quem não é servo não se humilha. Por outro lado, quem o faz
será exaltado. Talvez não aqui, talvez nunca aqui, mas essa pessoa verá o
Senhor por toda a eternidade.

A terceira característica observada antigamente é que “a identidade


do servo pertencia ao seu senhor”. Era ele quem dava o seu nome. Caso

207
A Ação da Cruz 3

já houvesse um antes de pertencer ao atual dono, este tinha o direito


de trocá-lo. Lembra-se de Daniel na Babilônia? Passou a ser chamado
de Beltessazar. O objetivo disso era apagar a história da pessoa e no-
miná-la de uma forma que combinasse com sua personalidade no novo
ambiente em que foi inserida.

Embora os fins babilônicos fossem malignos, o princípio de mudança


na maneira como alguém é chamado tem a ver realmente com um novo
tempo. Assim como o Senhor mudou o nome de Jacó para Israel, de
Sarai para Sara, de Abrão para Abraão, também determinará um novo
nome para cada um de nós. Talvez não faça isso literalmente, mas, se nos
submetermos, Ele mudará nossa história. As pessoas olharão para nós e
saberão que somos do Senhor.

Foi literalmente uma luta desconstruir a personalidade deturpada de


Jacó, que já havia mentido uma vez, dizendo que seu nome era Esaú.
No fundo, ele tinha a perspectiva de ser Israel, pois havia uma profecia
que apontava para o primogênito de Abraão. O próprio Deus veio lutar
com esse homem no Vale de Jaboque. Lutou até que extraísse dele uma
confissão de quem realmente era e isso possibilitou que se tornasse o que
deveria ser. Como já vimos antes, a história é encontrada em Gênesis 32.

A verdade é que o Senhor permite que passemos pelo seu senhorio


para que aquilo que é ruim em nós seja transformado. À medida que nos
entregamos ao serviço, Ele constrói em nosso ser a exata forma para a
qual nascemos. Não estamos falando de algo mascarado por obras feitas
de qualquer jeito, mas de uma entrega de coração, corpo, alma e enten-
dimento. Ninguém consegue mentir para Deus. Ele sabe exatamente o
limite e o melhor que cada um pode dar.

A quarta característica a ser destacada é que no passado “um escravo era


visto como um bem móvel”. Isso significava que o senhor poderia vendê-lo
a qualquer momento. Valia não para si mesmo, mas para os outros. Foi nes-
ses moldes de servo que Jesus veio ao mundo. Sua vida não foi tida como
valorosa por Ele próprio e, por isso, se entregou para sofrer e fazer com que
seu valor fosse para as demais pessoas (Isaías 52:13, 53:10 e 11).

208
Coluna do serviço

A Bíblia diz, em Mateus 16:25, que aquele que perder sua vida pelo
Senhor achá-la-á. Então, o serviço ao qual nos dispomos aqui na Terra
é voluntário, ou seja, nos entregamos para morrer para nossas vontades.
Mas isso deve ser motivado pela herança que receberemos do Senhor no
céu. Há uma justa recompensa para cada boa obra que realizamos nesse
mundo e devemos estar cientes de que ela não é aqui.

A segunda milha

Quando falamos a respeito de serviço, não estamos dizendo que preferi-


mos o trabalho a estar aos pés de Jesus. O objetivo, na verdade, é apontar para
um espírito disposto a servir, como foi o caso de Davi, que era um adorador,
mas também um guerreiro. Quando tratamos especificamente da formação
do servo, é preciso que se tenha um olhar profundo sobre o que isso significa.

Os crentes do Antigo Testamento não eram chamados de filhos de Deus,


mas de servos. A exceção ficou por conta de dois deles, Adão e Salomão. En-
tretanto, ambos perderam essa condição por causa da insensatez. Nós, contu-
do, através do Evangelho da Graça, recebemos de fato tal filiação.

Depois de conviver um tempo com seus discípulos, Jesus lhes disse: “Vós
sereis meus amigos se fizerdes o que Eu vos mando. Já não vos chamarei de
servos” ( João 15:14 e 15). O texto deixa a impressão de que aqueles homens
alcançaram uma nova condição após alguma aprovação, como se tivessem
feito um curso. E entendemos que eles fizeram mesmo. Foram formados
servos e, por terem sido promovidos, seriam chamados de amigos.

Jesus foi formado durante 30 anos na carpintaria de José. Hebreus


5:8 fala que, “ainda que era Filho, aprendeu a obediência por aquilo que
padeceu”. O trabalho de carpinteiro ficou para trás quando Ele foi bati-
zado pelo Espírito Santo, após descer as águas batismais de João Batista.
Nunca deixou de servir, mas a descida do Espírito de Deus o habilitou
para um novo tempo e uma nova caminhada.

Da mesma forma, Jesus conduziu seus discípulos a servirem por três in-

209
A Ação da Cruz 3

tensos anos. Depois de sua partida, permitiu que o Espírito Santo os tomasse
em Pentecostes e os levasse a outro nível de fé, de vida em Deus, de expan-
são do Cristianismo e de manifestação da glória divina. Este é o objetivo de
passarmos pelo estágio do serviço: Manifestarmos o Evangelho com poder.

Não se engane. No Evangelho, ninguém pula etapas! Jesus não


pulou: “Antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de ser-
vo, tornando-se em semelhança de homens” (Filipenses 2:7). Ele não
ocupou o seu lugar antes da hora. Não quis uma posição que não havia
alcançado. Por isso, ensinou sobre a segunda milha, que, obviamente,
só existe depois que se anda a primeira.

O texto de Mateus 5:41 diz: “Se alguém te obrigar a andar uma mi-
lha, vai com ele duas”. William Barclay, um excelente estudioso da Bíblia,
interpretou e fez uma ampliação do sentido original da palavra “obrigar”:
“Se alguém extorquir de ti o serviço mais desagradável e humilhante, se
alguém te obrigar a fazer algo que invada seus direitos e que ele não te-
nha o direito de pedir, se fores tratado como uma vítima indefesa em um
país ocupado, não te ressente disso. Faze o que é pedido; faze ainda mais,
faze-o com boa vontade, porque este é o meu modo de fazer”.

Quando um cristão alcança a segunda milha, todos os seus argumen-


tos se vão. Esse é o principal indicador de que alguém aceitou o processo
da cruz em si. Enquanto há razões, motivos e justificativas para que não
aceitemos o que foi pedido, ainda não rompemos para a próxima etapa.

A primeira milha é a lei, o sacerdócio levítico. A segunda é a graça, o


sacerdócio de Melquisedeque. Um não existe sem o outro. O objetivo, po-
rém, é romper do primeiro para o segundo. Jesus morreu no regime da lei,
mas sua ressurreição possibilitou a graça. Estamos dando esse exemplo,
mas essa transição se aplica até mesmo a situações corriqueiras da vida.

Lembro-me de um episódio no qual consegui andar a segunda milha.


Certa vez, dei carona a um soldado da Polícia Rodoviária. Eu estava indo
do interior para a capital de Goiás, em uma distância de mais ou me-
nos 120 quilômetros. Confesso que evito essa prática, pois, quando tenho
oportunidade de viagens assim, aproveito para meditar e orar. Mas, na-

210
Coluna do serviço

quele dia, o rapaz de quem falei pediu para ir junto e cedi. Pensei comigo:
“Vou falar de Jesus o trajeto inteirinho!”. E assim o fiz.

Ao chegar a Goiânia, o soldado avisou que eu poderia deixá-lo no


primeiro ponto de ônibus. Perguntei para que lugar de fato iria e me
ofereci para levá-lo. O rapaz se admirou e disse que não precisava, mas
insisti. Chegando ao destino, o convidei para ir à Igreja no domingo
seguinte. Ele foi e se converteu naquele dia. Depois, se tornou diácono
na Assembleia de Deus.

É impossível pensar na segunda milha sem me lembrar desse caso.


Poderia ter deixado o rapaz no ponto de ônibus. Já havia dado carona de
uma cidade para outra. Já havia servido! Mas foi o fato de eu ter ido além
do que poderia que constrangeu o coração dele, ao ponto de ir ao culto e
lá ter um encontro com Jesus. Sem a caminhada a mais, provavelmente
essa história não estaria sendo contada aqui.

O processo da fé está totalmente ligado com a graça de Deus e com


a busca por alcançar uma porção maior dela. É bíblico: “Se alguém te
obrigar a andar uma milha, vai com ele duas”. A formação do servo tem a
ver com a primeira milha, que você tem que percorrer. Quanto à segunda,
é preciso tomar uma decisão sobre ir ou não. O fato é que, na caminhada
além do que era esperado ou previsto, todo o peso desaparece.

211
Capítulo 15
capítulo 15

Coluna da
integridade

A integridade, sétima e última coluna aqui abordada, está direta-


mente ligada com a perfeição do caráter de Jesus que Ele deseja
forjar em nós. O termo “íntegro” quer dizer “inteiro; que não foi dividido,
não sofreu alteração; que está ileso”. Outra palavra que poderia nomear
essa coluna é “retidão”, que é a característica daquele que anda no que é
reto e desse caminho não se desvia.

No primeiro volume desta série, no livro “A Ação da Cruz 1” (2006),


falamos sobre como acontecia o processo de fabricação de vasos preciosos
na Antiguidade. Ao serem submetidos ao calor de até 1000°C, alguns
deles trincavam e o artesão passava cera para encobrir as pequenas ra-
chaduras. Após a pintura, era praticamente impossível distinguir as peças
“sem cera” das “com cera”. Daí surgiu a palavra “sincero”. Ao ser posto à
A Ação da Cruz 3

venda, o produto que era ileso recebia o código de “íntegro” e logicamente


seu valor era muito maior do que os outros.

Também é assim conosco. Somente o Espírito Santo é perito em


analisar o quanto somos íntegros em nosso caráter. Ele é quem conhece
as fissuras que ainda existem em nosso ser. Diferente dos artesãos que
usavam cera para esconder pequenas falhas, nosso Deus é o oleiro, que
quebra tudo e faz de novo. Ele espera que sejamos como Jesus foi, pois
somente os que alcançarem a integridade serão chamados a participar
das Bodas do Cordeiro. Veja:

“E disse-me: Escreve: Bem-aventurados aqueles que são chama-


dos à ceia das Bodas do Cordeiro.”
Apocalipse 19:9

A Bíblia possui centenas de mandamentos que apontam direções que


salvarão nossa alma do inferno e nos farão alcançar as promessas do Se-
nhor. Porém, tudo isso pode ser resumido na seguinte direção do Senhor:
“Anda na minha presença e sê perfeito” (Gênesis 17:1). Essa ordem fala
de um aperfeiçoamento contínuo do caráter, até que alcancemos “a per-
feita varonilidade, a estatura de varão perfeito”, assim como Jesus alcan-
çou em sua vida terrena e vemos em Efésios 4:13.

Alcançar esse padrão não é fácil como parece. Não se trata apenas de
levantar a mão em um apelo do pastor. É uma luta intensa contra a carne,
contra a alma e contra o inferno. Paulo, várias vezes, citou em suas cartas
a agonia e o desespero. Ele desejou perder a própria vida para não perder
a Jesus. Ser íntegro pode nos custar tudo!

“Então, disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após
mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me.”
Mateus 16:24

Imagine o preço que o profeta Elias pagou. Ele foi a mando de Deus
entregar um recado e, após isso, passou a ser jurado de morte, tendo se

216
Coluna da integridade

tornado o homem mais procurado da Palestina. Precisou viver escondido


por pelo menos seis meses, comendo do bico dos corvos e bebendo da
água do ribeiro, como lemos em 1 Reis 17:1-7. E sabendo que dezenas
e dezenas de profetas estavam morrendo por amor a Deus. Mas esta é
a vida que o Senhor propõe: “Qualquer de vós que não renuncia a tudo
quanto tem não pode ser meu discípulo” (Lucas 14:33).

Você já analisou o que significa a palavra “tudo”? Pode parecer redun-


dante ou mesmo sem sentido, mas o significado de “tudo” é “tudo”. Ou seja,
inclui a vida inteira. O preço para servir a Deus tem a ver com toda sua
jornada na Terra. Mas ela é só o primeiro passo. É, na verdade, o pré-re-
quisito inicial para segui-lo. Quando decidimos por isso, o Senhor vê nosso
coração e derrama uma graça para alcançar o padrão de Jesus. Trata-se de
um mistério não revelado e pessoal. Não busque revelação a esse respeito
antes da hora. Chegará o tempo, mas continue perseguindo a integridade.

D ando respostas a D eus

“Senhor, quem habitará no teu santuário? Quem poderá morar no


teu santo monte? Aquele que é íntegro em sua conduta e pratica o
que é justo, que de coração fala a verdade e não usa a língua para
difamar, que nenhum mal faz ao seu semelhante e não lança calú-
nia contra o seu próximo.”
Salmos 15:1-3

Esse salmo é muito importante para quem quer alcançar a integrida-


de e o caráter perfeito, além morar com Jesus no céu. É para quem quer
experimentar o que é dito em Apocalipse 3:21: “Ao que vencer lhe con-
cederei que se assente comigo no meu trono; assim como Eu venci e me
assentei com meu Pai no seu trono”. O padrão do qual estamos falando é
para os vencedores. É alto demais, mas pode ser alcançado. Se o Senhor
disse que é possível, acredite!

Embora pareçam diferentes, os textos de Salmos 15:1-3 e Apocalipse

217
A Ação da Cruz 3

3:21 falam da mesma perspectiva: Viver eternamente perto do Senhor.


Mas no primeiro há uma pergunta retórica, ou seja, já se sabe a resposta.
Nem todos morarão com Ele. É óbvio que não é todo mundo. Existe uma
peneira: O privilégio será para quem for íntegro em sua conduta. Algu-
mas versões bíblicas falam que chegará a essa condição aquele que “anda
sinceramente”, que pratica a justiça e fala a verdade de todo o seu coração.

Uma pessoa íntegra é aquela que alcançou as sete colunas do caráter


de Jesus (santidade, verdade, justiça, bondade, fidelidade, serviço e inte-
gridade) de uma só vez. Isso significa que quem chegou à retidão tocou
todos os aspectos do padrão moral do Senhor. Ela é o arranjo final que
precisamos para a perfeição.

É válido ressaltar que não importa quanto tempo estamos andando


na fé cristã, pois um longo período dentro da Igreja não fala do nosso
caráter. Alcançar a integridade não está ligado aos anos que frequentamos
os cultos e sim às respostas que damos aos mandamentos de Deus.

Na minha experiência como obreiro, pastor, pai, enfim, no alto dos meus
80 anos de vida, completos em 2018, ano do lançamento deste livro, se al-
guém me perguntar qual é a maior dificuldade de crescer espiritualmente,
eu direi que é, sem dúvida, obedecer. É o ponto mais importante e difícil da
caminhada cristã. De modo geral, não sabemos corresponder a esse princípio.

Para exemplificar, vale citar um episódio ocorrido em uma de nossas


viagens ao Oriente. Logo no início dos dias previstos de visita, eu orientei
aos participantes do grupo que, ao usarem suas máquinas de fotografia, se
valessem da alça, pois esta protege e evita transtornos, como quedas e até
mesmo furtos rápidos em pontos turísticos. Já aconteceu, algumas vezes, de
pessoas perderem suas câmeras e de todos nós termos que voltar a deter-
minado lugar para procurar. E isso evidentemente era só perda de tempo.

Nessa viagem específica, em média ficamos com o grupo por 15 dias.


Já nos preparando para o retorno, indo para o van rumo ao aeroporto,
tiramos fotos com todos os irmãos juntos. E percebi que alguns deles não
estavam passando a mão pela alça de suas máquinas fotográficas. Foram
duas semanas orientando algo tão simples e, ao final, alguns não puderam

218
Coluna da integridade

dar uma resposta mínima a um pedido também mínimo. Não foi uma
atitude de rebeldia, mas uma dificuldade em obedecer.

Talvez algumas pessoas não tenham atitudes propriamente rebeldes


nem dificuldades em relação às autoridades em suas vidas. Mas, por al-
gum motivo, acabam pensando que obedecer é relativo e que se escolhe
quando se deve andar em obediência.

Há um bloqueio em nossa mente, gerado desde quando éramos crian-


ças, com resistência em relação às ordens que recebemos. Para alcançar
a integridade, contudo, será preciso abrir mão desse conceito. Perfeição
passa por todos os aspectos de nossa vida. Não podemos esquecer que
temos que ser perfeitos em tudo.

I ntegridade não é legalismo

É muito comum que os cristãos, especialmente os novos na fé,


estabeleçam para si ou aceitem a orientação de um líder na adoção
imediata de uma nova conduta em suas vidas. O Cristianismo faz
mesmo com que adotemos novas posturas e novo testemunho, mas es-
sas atitudes não podem ser forçadas. Nossa mudança precisa começar
no coração e não no exterior.

Quando uma conduta ou mesmo um comportamento é imposto, blo-


queamos a ação libertadora do Espírito Santo e a liberdade conquistada
por Jesus. Isso é legalismo. A Bíblia nos ensina que o cristão é justificado
pela fé e não pelas obras de suas mãos (Gálatas 2:16). Uma pessoa que
se rende a ter uma vida exterior que ainda não vive no seu interior está
firmada fora da sinceridade, da luz e da verdade. É apenas uma questão
de tempo para o retorno de velhas práticas pecaminosas.

A hipocrisia e a falsidade fazem pessoas legalistas. Esse comporta-


mento é o que popularmente chamamos no meio cristão de “religiosida-
de”. Ser religioso é ser mais preocupado com a aparência, com os ritos e
com as doutrinas do que com o próximo. Alguém assim é expert em julgar

219
A Ação da Cruz 3

a partir de si. Um exemplo é quando determinado cristão que jejua por


períodos longos considera o outro pecador, por não conseguir o mesmo.

Alguém preso nas cadeias da religiosidade não consegue se enxergar


como pecador. Para ele, todo o esforço próprio em mudar exteriormente
já o tornou alguém mais santo do que os outros. O religioso senta na ca-
deira de juiz e, por sua conduta aparentemente “impecável”, dá a sentença
para aquele que não consegue se firmar na fé.

“Dois homens subiram ao templo para orar. Um era fariseu e o


outro, cobrador de impostos. O fariseu, posto em pé, orava consigo
desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os de-
mais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este
cobrador de impostos. Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos
de tudo o que possuo. O cobrador de impostos, porém, estando em pé,
de longe, nem ainda queira levantar os olhos ao céu, mas batia no
peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador” Digo-
-vos que este desceu justificado para sua casa e não aquele.”
Lucas 18:10-14

O legalista tem outra característica bem peculiar: Suas atitudes de fé


não acontecem para agradar ao Pai e sim para provar para os outros que
é um homem ou uma mulher de Deus. Em 1 Samuel 15, vemos o relato
de alguém que se preocupou mais com o que as pessoas pensariam a seu
respeito do que com a vontade divina. Trata-se do rei Saul, que estava em
guerra. Por meio do profeta Samuel, o Senhor mandou que ele destruísse
todos os amalequitas e não tomasse despojos.

A história conta que, diferente da direção recebida, Saul não matou o


rei dos amalequitas, Agague. Naquela época, era desonroso para o oposi-
tor matar a família real do reino vencido. Só que havia uma ordem dada
pelo Senhor para aquele homem, que se preocupou muito mais com sua
reputação. Todos saberiam se acaso ele matasse seu adversário na guerra.
Pensando na (má) fama, decidiu desobedecer a Deus.

Outra desobediência nessa história foi a tomada de despojos. A cidade


220
Coluna da integridade

de Amaleque era próspera, com muitos gados, bens e cereais. Em 1 Samuel


15:9, percebemos que Saul e seus homens destruíram somente o que era
desprezível aos olhos. O que julgaram bom, não destruíram, mas tomaram
para si. Por algum motivo, talvez para provar seu coração, Deus havia dito
para o rei que não deveria tomar daqueles animais e objetos. Ele, contudo,
decidiu se render à tentação de agradar ao povo e de enriquecer mais.

Quando o profeta Samuel chegou ao acampamento, ouviu o bali-


do dos animais. Ao perguntar para Saul do que se tratava aquilo, sua
resposta foi: “Guardamos para oferecer em holocausto para Deus” (1
Samuel 15:15). Quanta hipocrisia! Mas é assim que o legalista age. Ao
final de tudo, ainda diz que suas condutas erradas e desobediências são
para honrar ao Senhor.

“Porém, Samuel disse: Tem porventura o Senhor tanto prazer em


holocaustos e sacrifícios como em que se obedeça à Palavra do Se-
nhor? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar; e o atender
melhor é do que a gordura de carneiros.”
1 Samuel 15:22

A integridade faz com que a pessoa perca tudo, mas se mantenha fiel
a Deus. Ela não negocia. Pelo contrário, cumpre fielmente uma ordem.
O íntegro não se deixa influenciar e não se preocupa com sua fama ou
reputação. Se tiver que escolher entre ser sincero ou perder sua posição
social, ele perde, mas mantém o caráter ileso.

Ao ser repreendido por Samuel, Saul se desesperou, dramatizou toda


uma cena de pesar e, se lançando aos pés do profeta, rasgou suas próprias ves-
tes. Então, recebeu a sentença que da mesma forma seu reino seria rasgado.
Por causa daquelas atitudes na guerra, o Senhor já o havia rejeitado e agora
tomava o que aquele homem tinha por mais precioso: A posição de rei.

Ao invés de cair em arrependimento por ter sido rejeitado, Saul


até reconheceu seu pecado, mas desejou ser honrado na frente de to-
dos (1 Samuel 15:30). No seu entendimento, ele o profeta podiam
saber que o Senhor não estava mais sobre o seu reinado, mas o povo e
221
A Ação da Cruz 3

as autoridades eclesiásticas, não. Estamos falando de legalismo e hi-


pocrisia, coisas que Deus abomina! Se, ao final de toda nossa carreira
cristã, o objetivo é ter a Jesus na eternidade, do que valerá para nós
sermos aceitos por homens e não por Ele?

O íntegro está em contínua formação

“O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espíri-


to, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na
vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo.”
1 Tessalonicenses 5:23

Precisamos analisar com temor esse versículo. O livro de Tessaloni-


censes foi escrito para nos ensinar sobre o arrebatamento. Paulo estava
falando que precisamos do Espírito Santo para nos conduzir à integri-
dade completa em três esferas: Espírito, alma e corpo. É um pré-requi-
sito para sermos arrebatados.

Por muitos anos, acreditamos que Deus não se importava com a


integridade do nosso corpo. Alguns achavam o mesmo em relação
aos nossos sentimentos. Mas não é o que o texto que lemos propõe.
Ele fala que, além de buscar a retidão, é preciso conservá-la. Isso trata
de uma busca constante e cada vez mais intensa por santidade. E em
todos os aspectos. Quem não tem esse desejo de ser mais santo, puro e
íntegro precisa entregar de fato a sua vida para Jesus, pois essa é uma
característica daquele que quer ser salvo.

Há pessoas que aprenderam a ser crentes, mas não se tornaram cristãs


de fato. Isso porque não permitiram a cruz entrar em suas vidas. Deus não
opera em mortos espiritualmente, mas em espíritos vivificados. Quem não
alcançar essa condição até a vinda do Senhor Jesus não subirá com Ele. Se-
remos julgados não por aquilo que pensamos, mas de acordo com a Palavra.

Muitas vezes, não levamos a sério o que está escrito porque vivemos
sob a graça de Deus. Pecamos, confessamos, somos perdoados e, pasmem,

222
Coluna da integridade

tornamos a pecar. E assim vamos levando a vida e não mudamos. Mas, no


Grande Dia do Tribunal de Cristo, não haverá manifestação da graça ou
da misericórdia, somente da justiça estabelecida pelas Escrituras.

Todos nós estamos passando por esse processo de cura e de transforma-


ção. A possibilidade de que sejamos pessoas melhores é uma dádiva que Deus
nos dá diariamente. Assim, precisamos analisar, por exemplo, se nosso corpo
está correspondendo àquilo que é exigido em Tessalonicenses 5:23, pois um
dia apresentaremos tudo ao Senhor, inclusive nossa integridade física.

Perceba que não estamos falando sobre ser alguém vaidoso ao extremo
ou narcisista e sim sobre cuidar do templo do Espírito Santo. É ser uma
pessoa que se alimenta bem, sem excessos, que faz exercícios físicos e que
dá atenção à saúde. Nosso corpo é um instrumento de Deus aqui na Terra.
Como alguém será vaso de honra na obra se viver doente ou enfadado?

A mesma regra se aplica às emoções, sentimentos e motivações. A ma-


neira como esses fatores estão hoje em nossa vida correspondem ao que o
Senhor espera de nós? Na caminhada, vemos muitas pessoas com talentos
e potenciais incríveis e que poderiam servir a Deus de forma extraordinária,
mas que, por inúmeros problemas de deformidades da alma, não conseguem.
A ira, a baixa autoestima, a desonestidade, a ganância e a falta de caráter são
algumas das questões que têm embaraçado a tantos no tempo atual.

A verdade é que a negligência com as práticas espirituais é o motivo


de pessoas não romperem nessas áreas de queda, tanto do físico quanto
da alma. É impossível alguém se envolver em um relacionamento íntimo
e verdadeiro com o Espírito Santo e não ser mudado. A oração, a leitura
da Bíblia, os jejuns, a oração em línguas, a adoração e tudo o que nos deixa
próximos de Deus são necessários para nos tornarmos puros e santos como
Ele é. O Senhor vem quando vê em nós o desejo de que sejamos mudados.

Outro instrumento de transformação usado por Deus para nos mu-


dar é o confronto. E o íntegro se dispõe a ele. Ser confrontado é deixar
que outra pessoa coloque em sua frente um espelho, que refletirá quem
realmente você é. Não é fácil nem confortável se submeter a isso, mas
quem deseja ter um caráter aprovado precisa dessa ferramenta.

223
A Ação da Cruz 3

Esopo, escravo grego que viveu 600 anos antes de Cristo, escreveu
algumas fábulas para levar as pessoas da época a reflexões sobre os com-
portamentos humanos. Algumas delas, eu conheci ainda adolescente.
Uma em especial se chama “Os Dois Alforjes” e diz que Júpiter, ao criar
os homens, colocou neles duas bolsas. A primeira, pendurada nas costas,
continha os defeitos de quem a carregava. A segunda, com as falhas dos
demais, ficaria na parte da frente, no peito. Então, era fácil enxergar as
debilidades de terceiros, mas impossível de ver os próprios erros. Logo
precisaríamos uns dos outros para conhecer as nossas deformidades.

Embora seja uma fábula, há muita verdade nela. Temos realmente


dificuldade de enxergar nossos erros. Precisamos de alguém que nos diga
quem realmente somos. É claro que, para que uma exortação nos alcance,
é necessário que aquele que exorta tenha autoridade a respeito do que
está confrontando. Por esse motivo, tenha alguém de confiança, como
um pai, um líder ou um pastor, que ame sua vida ao ponto de trazer seu
caráter à luz. Veja o que diz a Palavra:

“Assim como o ferro afia o ferro, o homem afia o seu companheiro.”


Provérbios 27:17

O íntegro constrói para a eternidade

Uma das passagens mais lidas da Bíblia está no Evangelho de João,


capítulo 4. Inclusive já a estudamos neste livro. No encontro de Jesus com
a samaritana, houve uma citação dela para o Mestre que deve nos intrigar:
“És tu maior que nosso pai Jacó, que construiu esse poço?”. O patriarca
viveu quase 2 mil anos antes de Cristo. Não faz muito tempo que eu vi-
sitei esse lugar, que continua jorrando água. Faz em torno de 4 mil anos
que a fonte serve aos palestinos daquela região. É uma obra que abençoa
gerações, como dissemos antes.

Qual foi o segredo de Jacó? Como gerar uma obra que durará por
gerações sem se corromper? Como criar um fato novo que despertará

224
Coluna da integridade

o desejo dos outros em conhecer o que temos? Quando seu nome é


citado, que conceito as pessoas têm? O que foi construído a seu res-
peito? Qual posição você alcançou?

Há alguns anos, tive o privilégio de ser apresentado a alguém daquele


tipo que a Bíblia diz que “o mundo não é digno de conhecer”. Eu conheci
uma butanesa que participou da tradução do Novo Testamento para o
Chöke, um dos idiomas falados no Butão. O país fica nas montanhas do
Himalaia e tem menos de um milhão de habitantes. Mesmo sendo muito
pequena, a nação tem várias línguas e a que citamos é a mais popular.

O trabalho de tradução demorou cerca de 33 anos. Nesse período,


com exceção da butanesa que conheci, toda a equipe participante morreu.
A irmã adquiriu um problema na coluna, pois eles trabalhavam sentados
no chão. Ela dedicou anos preciosos para essa obra e talvez nunca verá
quantas pessoas serão abençoadas por isso. Daqui a 200 anos, se Jesus não
voltar, vidas serão salvas por causa da sua dedicação.

Em 2007, a butanesa foi levar seu filho para estudar no Nepal. Ajudamos
a família com as passagens e eu os conheci. Confesso que, contemplando a
face daquela mulher, fiquei com vergonha do crente que tenho sido. Os pas-
tores que a receberam em sua chegada me contaram que, quando ela entrou
na casa, a glória de Deus encheu o lugar com muita intensidade. A tradutora
não falou nada, coisa alguma. Somente sua presença atraiu ao Senhor.

Queremos deixar um desafio a você: Tenha um caráter tão íntegro


que te leve a fazer uma obra que permanecerá daqui a 100 anos. Assim
como aquele Novo Testamento está salvando vidas no Butão e como sal-
vará daqui mais um século. Esse é o propósito de Deus em nos transfor-
mar. Ele deseja que sejamos instrumentos para tocar as futuras gerações
com obras que entrarão pela eternidade.

Não se preocupe com a sua reputação e sim com a sua integridade. Não
proclame o seu próprio nome, mas o de Jesus. Não invista os melhores anos
de sua vida naquilo que vai ficar aqui na Terra quando você partir. Faça uma
obra que durará para sempre! O Reino de Deus é construído dentro de pesso-
as. E Ele nos elegeu para que participemos dessa construção. Que privilégio!

225
Capítulo 16
(Conclusão)
capítulo 16 - Conclusão

Pedro, um homem
construído

A cruz é um processo contínuo em nossas vidas. O fato é que nos


submetemos porque amamos ao Senhor e queremos a Ele, em
uma necessidade de estar junto. É isso, aliás, o que dá sentindo às nossas
vidas. O apóstolo Pedro é um dos maiores exemplos citados na Bíblia de
alguém que se submeteu e a quem Jesus transformou o caráter e a história.

Pedro deixou a cruz penetrar em todas as esferas da sua alma. Isso fez
dele um dos homens mais extraordinários do Cristianismo e não somente
na história da Igreja na Terra. Seus feitos ecoam pela eternidade. Ele está
relatado no Apocalipse juntamente com outros mártires. Tudo porque de-
cidiu que seria não quem podia ser, mas quem o Senhor propôs que fosse.

Uma das características de Pedro era que se tratava de um homem


visivelmente teimoso. Só para começar, as crenças de seu irmão, André, ao
A Ação da Cruz 3

seguir ao profeta João Batista não foram suficientes para fazer com que se
devotasse a uma causa espiritual. Embora fosse um seguidor, não havia se
tornado de fato um discípulo.

Um dia André chegou a ele com a notícia: “Achamos o Messias!”


( João 1:41). Só acha quem está procurando e aqueles homens buscavam
por algo mais em Deus. O fato é que Jesus deu a Pedro um sentido maior
do que este possuía: Até então, pescava para seu sustento, mas o Mestre
afirmou que faria dele um pescador de almas (Mateus 4:19). Já nos pri-
meiros encontros, o Senhor não só lhe ofereceu um destino, mas também
lhe ensinou como chegar a isso.

“Olhando Jesus para ele, disse: Tu és Simão, o filho de João; tu


serás chamado de Cefas (que quer dizer Pedro).”
João 1:42

O nome Simão quer dizer “poeira” e Cefas significa “pedra”. Naque-


le encontro, começou um processo de transformação na vida de Pedro.
A nossa história não foi diferente da dele. Antes de nos convertermos,
erámos pó, uma leve poeira, levada pelo vento e arrastada por qualquer
sopro. Mas o Senhor nos deu um corpo espiritual mais robusto e não
somos mais removidos de nossas convicções com facilidade. Ainda assim,
é importante que se diga, precisamos ser lapidados.

Pedro é pedra que foi trabalhada. Para serem formadas, as pedras


preciosas passam por dois momentos. Primeiramente, são submetidas a
grandes pressões. Depois, a altíssimas temperaturas. É preciso saber se
transformar em algo de valor! O grafite, por exemplo, tem o mesmo peso
atômico que o diamante, mas não é um. No processo de sua formação, se
tornou útil, porém, não precioso.

Se o grafite fosse submetido a pressões mais altas, poderia vir a ser


uma pedra preciosa. Nesse aspecto, Jesus é perito. Lembra-se de quando
foi extremamente duro ao repreender a Pedro? Chegou a chamá-lo de
Satanás e o mandou calar a boca. Além de não ser chamado de diamante,
o discípulo foi tratado como pedra de tropeço (Mateus 16:23). Isso por-
230
Pedro, um homem construído

que sugeriu que o Mestre buscasse um caminho menos dolorido. Não há


facilidades para quem quer produzir frutos eternos.

Deus começou a trabalhar em minha vida desde criança para poder


me confiar o que Ele está confiando hoje. Assim, percebo que as pressões
foram crescentes, especialmente durante os três anos de deserto que pas-
sei e já citei aqui. Havia um vento que soprava de um lado para o outro.
Eu tentava me levantar e era jogado novamente. Quando pensei que iria
parar, o Senhor mandou um terremoto.

Veja como o Pai é bom: Parou o vento e mandou um terremoto. E


Ele sabe que precisamos do fogo também. No tempo de Elias, houve
calor. Algo precisou queimar para que a nação de Israel soubesse que o
Senhor era sobre Baal. Aquelas pessoas tiveram que conhecer o Deus que
queima: “Então, caiu fogo do Senhor e consumiu o holocausto, a lenha,
as pedras e o pó e ainda lambeu a água que estava no rego” (1 Reis 18:38).

Uma pedra completamente trabalhada é a posição final. Ela não deixa


de ser o que era, mas está totalmente transformada. É isto o que Deus
quer: Transformar nossas vidas. Em Apocalipse 2:17, está escrito: “Ao
que vencer, darei Eu a comer do maná escondido; dar-lhe-ei uma pedra
branca e na pedra um novo nome escrito, o qual ninguém conhece senão
aquele que o recebe”. Esse tratamento do Senhor é um segredo que so-
mente Ele e quem estiver no processo precisam saber.

Após o pó se transformar em pedra, esta precisa se tornar preciosa e,


mais do que isso, ser lapidada. A pedrinha do diamante é branca. Ela só
toma a forma luminosa depois de ser trabalhada. Passado esse processo,
absorve a luz do sol e a acumula. É nessa transformação que a luz de Deus
está sendo depositada dentro de cada um de nós, iluminando o mundo e
os lugares em que formos.

O propósito do processo é mudar nosso nome, pois só assim será


possível assentar-se junto de Deus no trono. Então, não busquemos faci-
lidades. O próprio Jesus foi aperfeiçoado pelo que sofreu, como podemos
conferir em Hebreus 5:8.

231
A Ação da Cruz 3

C omo obra de artista

“O Tabernáculo farás de dez cortinas de linho fino torcido, de estofo


azul, púrpura e carmesim; com querubins as farás, obra de artista.”
Êxodo 26:1

Somos transformados de pó em pedras. Quando Deus chamou Moisés e


lhe deu a visão do Tabernáculo, sabia exatamente como cada peça deveria ser,
tanto que deu as descrições dos elementos necessários. Foi detalhista, pois sua
glória estaria naquele lugar. Já depois de Pentecostes, passou a habitar dentro
de nós. O mesmo Espírito que deu sabedoria ao homem para fazer as artes
daquela tenda é quem mora em nosso interior. Ele tem a capacitação e os
instrumentos para esculpir uma obra de artista em nosso caráter.

É preciso dar toda a liberdade para que esse escultor possa entalhar Jesus
em sua vida e para que você se torne cada vez mais parecido com Ele. No sé-
culo passado, quando a perseguição na Rússia estava no auge, um evangelista
foi preso porque distribuía Bíblias, o que era totalmente proibido. Na cadeia,
os carcereiros e o diretor queriam matá-lo de uma forma diferente.

Em outra cela, estava um assassino frio. Ele era muito forte e ficava
sozinho. Quando o diretor da penitenciária queria que um detento mor-
resse, o jogava naquele espaço, onde era morto pelo perigoso bandido. O
próprio matador já sabia que era isso o que os responsáveis pela cadeia
queriam quando colocavam alguém junto dele. Então, colocaram o evan-
gelista lá. Foi quando começaram a conversar:
- Você já sabe o motivo pelo qual te colocaram aqui? Sabe que eu
vou te matar?
- Eu sei que quando os presos vêm para cá é para morrer. Sei que você
espera me matar. Mas vou te pedir algo: Preciso de três dias. Só me mate
daqui três dias – disse o evangelista.
- Mas por quê? - indagou o preso.
- Apenas mais três dias, me dê mais três dias - insistiu.
- Está bem. Você morrerá mesmo. Que diferença farão três dias? -
concluiu o outro.

232
Pedro, um homem construído

No terceiro dia, o assassino falou para o evangelista:


- Escute, se você me mostrar o Senhor, não vou te matar. Quero ver
esse Jesus de quem está falando há três dias. Se isso acontecer, não te mato.
- É simples: Olhe para mim! - falou o evangelista.
- Se Jesus é como você, eu o quero na minha vida – respondeu.

O assassino se convertia ali. Isso aconteceu porque o evangelista deu


plena liberdade para o artista, que é o Espírito Santo, trabalhar. Preci-
samos entender que há momentos bons no propósito, mas há pressões
também. Mateus 13, a partir do versículo 45, pode nos fazer entender
algo importante. Trata-se de uma parábola, onde é dito que o Reino de
Deus é semelhante a um negociante que procura boas pérolas. Então, ele
sai e vende tudo o que possui para poder comprá-las.

Entenda que é exatamente desse jeito que acontece com a sua vida.
Jesus abriu mão de tudo o que tinha para buscar você. O que Ele vem
buscar é uma boa pérola. E, para que ela seja formada, a ostra é submetida
a muita dor e sofrimento.

A s duas fogueiras

Queremos nos atentar especialmente a duas fogueiras relatadas nos


Evangelhos. A primeira está descrita em João 18, na passagem que mos-
tra Pedro negando a Jesus três vezes, razão pela qual, depois, choraria
amargamente. A segunda está em João 21, onde há o relato do Cristo
ressurreto voltando para encontrar seus discípulos e dar-lhes direção.

Desde o dia em que foi transformado por Jesus de poeira em pedra,


Pedro havia andado com Ele por mais de três anos. Juntos, tinham mui-
ta história para contar. Não era para menos, pois o conheceu intima-
mente. Serviu sua mesa, andou sobre as águas para encontrá-lo e o viu
ressuscitando sua sogra. Foram muitas experiências. Em determinado
episódio, o Mestre perguntou aos discípulos o que as multidões diziam
a seu respeito. E eles responderam:
- Uns dizem que tu és João Batista. Há aqueles que acham que és

233
A Ação da Cruz 3

Elias e outros que és Jeremias ou mais um profeta.


E Jesus os interrogou mais uma vez:
- Para vocês, quem sou?
- Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo! - afirmou Pedro.

O Senhor se agradou da resposta. Aquele homem o conhecia de ver-


dade. A multidão sabia o que Jesus fazia, mas Pedro sabia quem Ele era.
Essa história está descrita em Mateus 16:13-20.

No dia em que o Mestre foi preso e entregue para morrer, um pavor


caiu sobre os discípulos, que fugiram. Pedro, pelo contrário, o acompa-
nhava a certa distância. Estava frio e haviam acendido uma fogueira. Ao
ser reconhecido como companheiro de Jesus, ele negou. As pessoas insis-
tiam que era parecido com o Cristo, mas de pronto deu uma nova nega-
tiva. Até dizer pela terceira vez que nem o conhecia. Então, uma profecia
recente se cumpriu e o galo cantou ( João 18:27).

Que dia triste para Pedro! A Bíblia relata que aquele homem chorou
amargamente. Se pudesse, voltaria no tempo por alguns minutos, mas
não podia. Estava feito. Sua alma se amargurou tanto que as lágrimas
foram poucas para a frustação que ele mesmo promoveu. Encontrava-se
sem Jesus, sem ministério e sem direção!

Com suas emoções esmagadas pela situação, Pedro desistiu de ser pe-
dra. Sem Jesus, o sentido de sua vida acabara. E decidiu que voltaria a ser
pó. Para ele, a promessa de ser um grande ganhador de vidas fora embora
quando o galo cantou. Desolado, tomou sua velha rede, parada havia três
anos, e seu barquinho, dizendo: “Vou pescar!” ( João 21:3).

Jesus havia morrido e ressuscitado alguns dias antes. Talvez Pedro


estivesse com saudades ou quisesse ao menos estar no mesmo ambien-
te em que estava quando se encontrou com o Mestre pela primeira
vez. No meio dessa turbulência, ele e os amigos foram pescar e, em-
bora fossem especialistas em pescaria e tenham ficado no mar a noite
inteira, não pegaram um peixe sequer.

Quando amanhecia, aqueles homens ouviram uma voz: “Ei, lancem

234
Pedro, um homem construído

as redes do lado direito do barco!” ( João 21:6). Mas eles já tinham feito
aquilo a noite inteira e não tiveram resultado. Porque estavam na sua pró-
pria força, capacitação e inteligência, os pescadores deram o melhor que
tinham. Só que não conseguiram retorno algum.

Então, decidiram obedecer tal qual ouviram e as redes foram cheias


de peixes. A voz que os direcionou lhes era familiar. Eles já tinham ou-
vido comandos assim antes e visto aquele tipo de ordem dar certo no
passado. Dois dos discípulos se olharam e o amado João balançou a ca-
beça, confirmando: “É o Senhor!”. Pedro imediatamente se preparou e se
lançou ao mar. Tente imaginar o homem impulsivo dando braçadas na
água, desesperado para ver Jesus novamente.

Ao chegar à praia, esbaforido e com frio, encontrou Jesus, cheio de


vida. O Senhor já tinha acendido uma fogueira e havia ali brasas, peixes e
pão. Pedro ajudou seus companheiros e foram tirados 153 peixes sem que
a rede se rompesse. O Mestre os convidou para comer. Havia um silêncio
entre eles, porque foram tomados de temor. Mas sabiam: Era o Cristo!

Vamos apenas abrir um rápido parêntese aqui para falar de uma


beleza extrema e eterna que há no caráter do Mestre: Mesmo já tendo
cumprido seu propósito de morrer na cruz e sendo ressurreto, Ele não
parou de servir: “Veio Jesus, tomou o pão e lhes deu, e semelhantemente
o peixe” ( João 21:13).

Em seguida, a partir do versículo 15 de João 21, vemos que o Senhor


levantou seus olhos, fitou-os em Pedro e, por três vezes, perguntou: “Tu me
amas?”. Ele sabia que o discípulo precisava daquela cura. Por três vezes, ha-
via negado a Jesus, como lemos anteriormente. Agora, por outras três vezes,
foi levado a dizer: “Eu te amo”. Após responder com toda a convicção de
sua alma, foi-lhe feito um pedido: “Apascenta minhas ovelhas!”.

O Mestre estava devolvendo Pedro para o propósito para o qual o


chamou no primeiro dia. Aliás, seu maior objetivo conosco é nos devol-
ver para o nosso destino profético. Aquele era um pedido especial, que só
poderia ser atendido por alguém que amasse ao Senhor. Não era e não é
algo fácil de ser cumprido. Jesus ama suas ovelhas e tem compaixão delas.

235
A Ação da Cruz 3

Seu interior se agita e suas entranhas se comovem para salvá-las. Veja o


que a Bíblia diz a esse respeito:

“Vendo as multidões, teve grande compaixão delas, porque anda-


vam cansadas e desgarradas, como ovelhas que não têm pastor.”
Mateus 9:36

Quando vemos alguém na rua, um parente que não conhece a Deus


ou um mendigo, qual é o nosso sentimento? No hebraico, a palavra “com-
paixão” é a mesma para “intestino” e “ventre”. Analisando no original o
texto de Mateus 9:36, em que Jesus viu as pessoas como ovelhas sem
pastor, sabe o que Ele sentiu? Um frio na barriga. Na verdade, havia algo
muito mais intenso do que isso acontecendo no seu íntimo. Era uma re-
volução. Seu interior se contorcia pela salvação dos perdidos.

Naquele dia, naquele olhar, Jesus pediu a Pedro que amasse suas ove-
lhas como Ele próprio fazia. Quanto mais alguém ama, mais tem de Deus
e mais serve. Em relação ao amor, a Bíblia diz, em 1 Coríntios 13:7, que
ele “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. É isso, aliás, o que
mede o quanto temos do Senhor. O tanto que amamos é o quanto o dei-
xaremos entalhar a pedra.

O Espírito Santo está dentro de nós fazendo essa obra. O que fomos
ou somos não importa. O que importa é como ficaremos ao final de tudo.
Jesus passou três anos e meio discipulando pessoalmente a Pedro. Depois,
continuou moldando seu caráter. No decorrer de sua vida, esse discípulo
se expôs às maiores pressões. Já não era aquele homem assustado da pri-
meira fogueira. Tinha a convicção do “Eu te amo” da segunda.

Na sua velhice, Pedro foi preso por Nero. Seus braços ficaram levan-
tados, amarrados a um poste e suas pernas presas a correntes. Era naquela
posição que tinha que comer e fazer as necessidades fisiológicas. Além
de não poder tomar banho, em alguns dias da semana, o esgoto da cidade
passava por dentro do cárcere. Com isso, os prisioneiros ficavam com
fezes e urina até a cintura por horas. Mas, no decorrer de nove meses ali,
todos os presos e carcereiros se converteram ao Evangelho.
236
Pedro, um homem construído

Martirizado e morto pelo Império Romano, Pedro cumpriu sua car-


reira. De pó virou pedra. Ele se deixou ser moldado. O Senhor o levou a
um lugar em que somente quem se deixa moldar chegará. Aquele homem
foi posto junto aos fundamentos da cidade celestial.

“Do lado do levante, tinha três portas, do lado do norte, três por-
tas, do lado do sul, três portas, do lado do poente, três portas. E o
muro da cidade tinha doze fundamentos e neles os nomes dos doze
apóstolos do Cordeiro.”
Apocalipse 21:13 e 14

É impossível concluir esta obra sem dizer que o processo de Pedro


nos ensina. Somos pó, mas o Senhor nos dá um destino. Ele deseja fa-
zer de nós fundamentos, alicerces para quem precisa. Seja um diamante
lapidado, uma pedra que brilha onde estiver. Seja âncora para alguém
à deriva. E entenda que as colunas do caráter de Jesus que estão sendo
formadas dentro de você são para que Ele olhe em seus olhos e diga:
“Apascenta as minhas ovelhas”.

237
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