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HOSPITALIDADE: UMA ABORDAGEMDO CAPÍTULO 53 DA REGRA DE SÃO

BENTO

SILVA, Cleusiomar Oliveira1


RU 2580504
SOBRENOME, Nome do professor orientador2

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo compreender e aprofundar nosso conhecimento
a cerca da hospitalidade, tal como descrita na regra de São Bento à luz da Sagrada
Escritura. Trata-se de uma pesquisa exploratória à qual se subsidia de fontes
bibliográficas e acessos a artigos e documentos eletrônicos sobre o tema da
hospitalidade que em sua prática educa para o amor e nos coloca em constante
processo de amadurecimento humano e espiritual, enquanto abertos para acolher o
outro naquilo que ele é. Servindo-se do método indutivo, ao término do estudo, será
possível constatar que o monaquismo sempre reconheceu na hospitalidade uma das
expressões mais belas da caridade fraterna como forma de acolher na tradição
veterotestamentária. O Novo testamento dá à hospitalidade um caráter sagrado no
amor que acolhe e se faz hóspede em nossa morada humana. São Bento diz que é
normal que num mosteiro Beneditino “nunca faltem hóspedes” (RB 53,16) por isso
consagra o capítulo 53 à “recepção dos hóspedes”.
Palavras-chave:Hospitalidade. São Bento. Sagrada Escritura.
Acolhimento.Monástica.

INTRODUÇÃO.
A finalidade deste estudo é ir além da aparência do tema hospitalidade, é
fundamentar conceitos já existentes e refleti-los na visão de São Bento, sendo,
portanto, uma pesquisa teórica.

A hospitalidade era um dos traços marcantes da sociedade judaica, onde o hóspede


sempre foi acolhido com grande honra e alegria, e tornou-se também uma
característica da espiritualidade cristã.

Trata-se de uma pesquisa exploratória à qual se subsidia de fontes bibliográficas e


acessos a artigos e documentos eletrônicos. Toda a pesquisa foi embasada em
1
Aluna do curso de Teologia Católica do Centro Universitário Internacional UNINTER. Relatório
apresentado como Trabalho de conclusão de Curso. 07/21.
2
Professor Orientador do Centro Universitário Internacional UNINTER.
1
revisão teórica de obras e autores relacionados ao tema da hospitalidade, para
realização de uma reflexão dos resultados.
Na Sagrada Escritura, enquanto livro balizador e orientador, a hospitalidade é uma
prática ordenada e recomendada para os cristãos. Na Regra de São Bento essa
prática é elevada a um nível de sacralidade que pode parecer até estranho para o
homem de hoje tão marcado pelo egoísmo.
No hoje de nossas vidas a hospitalidade se tornou um grande desafio, um valor
ausente. O que predomina é o isolamento, o fechamento, o individualismo, a falta de
tempo e o distanciamento nas relações humanas. A tecnologia aproximou as
barreiras geográficas, mas criou abismos nas relações de convivência fraternas.
A espiritualidade beneditina, em particular, dá grande valor à hospitalidade, que tem
como raiz o próprio Evangelho onde Jesus se nos apresenta na pessoa de quem
bate à nossa porta.
Honrar todos os homens (Regra 4,8) pede São Bento. Cada um é acolhido assim
que bate à porta. E todos os irmãos, a começar pelo abade, precipitam-se para
saudá-lo e para “honrar neles o Cristo, uma vez que é Ele que se recebe neles”
(Regra, 53). Uma só exceção em favor: para os pobres e os peregrinos, “pois é
neles, sobretudo – comenta São Bento – que se recebe a Cristo”.
Ser terra de hospitalidade não é graça particular da vida monástica; é a graça da
Igreja quando ela se desprende dos entraves de parcialidade que a paralisam e que,
às vezes, a dilaceram e, em todo caso, sempre desfiguram sua fisionomia e sua
capacidade de amor. Poderá a Regra de São Bento oferecer um roteiro para o
cumprimento do apostolado da hospitalidade na época atual?
È justamente nessa questão que se situa a problemática dessa pesquisa cujo
objetivo é Compreender a hospitalidade proposta pelo capítulo 53 da RB sobre o
pano de fundo da Sagrada Escritura ao nos propor uma prática de hospitalidade
humano-cristã como caminho para o amadurecimento humano e espiritual capaz de
educar para o amor escondido na prática da hospitalidade.
O referencial teórico foi baseado principalmente nos autores: Enout(2009),
Böckmann (1990), Boff (2005), Grinover (2007), Vogüé (1995).

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A reflexão foi desenvolvida em três níveis: 1) Aborda a historicidade da
hospitalidade, 2) Fundamentos bíblicos: A hospitalidade na Sagrada Escritura 3) A
hospitalidade no capítulo 53 da Regra de São Bento.

1. REFERENCIAL TEÓRICO:

1.1. HOSPITALIDADE

As origens do conceito:
O tema da hospitalidade é tão antigo como o próprio deslocamento do homem
pelo planeta. É um processo que se refere a relações sociais que se desenrolam e
se relacionam com a história, com a cultura e com as sociedades de cada lugar. Na
ótica de Grinover (2007, p.20), “A história da hospitalidade é a história do homem, de
seus encontros de seus diálogos e de tudo aquilo que ele tem criado para facilitar
sua experiência com seus semelhantes”.
Durante a idade média, na Europa, o termo foi muito utilizado para designar
acomodação gratuita e atitude caridosa oferecida aos indigentes e aos que viajavam
em busca de um lugar sagrado, de um bem espiritual ou com a esperança de uma
cura. As primeiras manifestações de hospitalidade no ocidente “deram-se em
consequência das viagens, dos deslocamentos do homem por lugares que ele
nunca tinha visitado” (GRINOVER, 2007, p.35).
Sabe-se ainda, que o exercício da hospitalidade surgiu bem antes, num tempo em
que não era possível garantir a integridade física de quem viajava e pela falta de
abrigos para acolhê-los. Abrigar um estrangeiro em sua casa, atendendo-os em
suas necessidades era um ato sagrado, cheio de rituais e obrigatório entre os
gregos e depois entre os romanos, como afirma Grinover (2007,p.35):
Durante toda a estada, o estrangeiro era protegido por seu anfitrião contra
qualquer tentativa de agressão, e a violação dos direitos da hospitalidade
era considerada um ato criminoso. Dever e direito sagrado particularmente
no mundo cristão, a hospitalidade, pregada e ensinada pelos apóstolos do
antigo Testamento para fazer de cada casa cristã um “Albergue de Cristo”.

Neste sentido a ideia de Boff (2005, p.84) de que a origem da hospitalidade tem um
viés religioso ganha força. O autor define a hospitalidade com base no mito de

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Báucis e Filêmon3para defender que “quem acolhe o peregrino, o estrangeiro e o
pobre, hospeda a Deus. Quem hospeda a Deus se faz templo de Deus. Quem faz
dos estranhos seus comensais herda a imortalidade feliz”.

A acolhida do viajante era tarefa, principalmente dos hospícios, hospitais, dos


conventos e mosteiros. A hospitalidade monástica na visão de Grinover (2007) se
assemelha á hospitalidade da história ocidental, uma vez que os monges e demais
religiosos exerciam a hospitalidade com absoluta competência. Em sua gratuidade a
acolhida era exercida de todas as formas, oferecendo desde os aspectos materiais
da hospitalidade até os aspectos espirituais relacionados à incitação à prece, a
meditação e ao silêncio.

A Regra de São Bento e a tradição deram à hospitalidade monástica um especial


realce, sendo o hóspede acolhido com todas as honras.

Todos os hóspedes que chegarem ao mosteiro sejam recebidos como o


Cristo [...] E se dispense a todos a devida honra [...] Em todos os
hóspedes que chegam e que saem, adore-se, com a cabeça inclinada ou
com todo o corpo prostrado por terra, o Cristo que é recebido na pessoa
deles [...]

1.2. São Bento e sua espiritualidade

“Houve um homem de vida venerável, Bento pela graça e pelo


nome, que ainda muito jovem, retirando os pés que quase
colocara no mundo desejando só a Deus agradar, abandonou
bens da casa paterna, para viver vida monástica e buscar
somente a Deus” (II livros dos Diálogos- São Gregório Magno
eleito papa em 490 d.C.)
Para São Gregório, Bento é “um astro luminoso” em uma época dilacerada por uma
grave crise de valores. Ele pertencia a uma nobre família da região de Núrsia.
Segundo a tradição, no lugar, onde se encontrava a casa natal do Santo, foi
construída a Basílica de São Bento.
Sua vida, desde a juventude, era dedicada à oração. Seus pais, bastante ricos,
mandaram-no a Roma para garantir-lhe uma boa formação. Ali, porém, - narra São

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Um dos mitos mais belas da tradição grega transcrito pelo poeta romano Públio Ovídeo (43-37 d.c.) em
seu livro “ As metamorfoses”, conta a trajetória de Júpter, o Deus criador, e de seu filho Hermes, na busca pelo
espírito de hospitalidade entre os humanos. Disfarçados de pobres, os dois começam a peregrinar pela terra.
Depois de serem maltratados por várias pessoas e em vários locais, os forasteiros encontraram abrigo em uma
simples choupana de um casal de velhinhos: Báucis e Filêmon. E, após uma tempestade, os deuses
transformam a choupana em um templo dourado e realiza o desejo do casal de morrerem juntos. O corpo de
Báucis se transformou em uma frondosa tília e o de Filêmon num enorme carvalho. E assim abraçados ficaram
unidos para sempre.
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Gregório Magno – encontrou más companhias, amigos viciados, que viviam ao léu.
Então, Bento deixou Roma e foi, inicialmente, para a localidade denominada Enfide
e, depois, por três anos, viveu como eremita em uma gruta, em Subiaco, que se
tornaria o centro espiritual dos Beneditinos, chamada “SacroSpeco”. Este seu
período de solidão foi uma preparação prévia para outra etapa fundamental do seu
caminho: Montecassino.
São Bento considera o ser humano em sua totalidade, para ele o monge (palavra
que vem de monos que significa um) é aquele que é unificado para ser um com
Deus. A espiritualidade beneditina pode ser compreendida pela busca plena de
Deus, através da oração, do trabalho, do acolhimento dos hóspedes e do próximo,
da vida comunitária e da paternidade espiritual. A experiência de Deus se dá na
prática da existência, no modo de pensar e de agir: é no cotidiano que a vida
monástica se desenvolve, a qualidade da oração está vinculada à qualidade da
relação do monge consigo mesmo e com o próximo. O mosteiro beneditino e
definido por São Bento como uma “escola de serviço do Senhor” (Regra de São
Bento Prol. 45) nele o monge aprende a ouvir a Deus e a pôr em pratica a sua
Palavra, tornando-se seu discípulo.
São Bento ensina aos seus filhos e filhas, desde o começo, que o caminho da vida
beneditina se percorre amando a Cristo sem restrição, Ele é o centro vital para o
qual tudo se direciona no mosteiro. Aqueles que se encontram no mosteiro: o irmão
e a irmã, o hóspede, o abade e a abadessa, o pobre, o doente, o próximo trazem a
presença viva de Cristo.

1.3. A Regra de São Bento


Escrita por volta do ano 530 d.C. Trata-se de um Manual, um código de orações
para a vida monacal. Seu estilo, desde às primeiras palavras, é muito familiar: desde
o prólogo até o últimos dos 73 capítulos, Bento exorta os monges a “ouvirem com o
coração” e a “jamais perderem a esperança na misericórdia de Deus”. De fato,
escreveu: “Ouça, filho, os ensinamentos do Mestre; dê-lhe ouvidos com o coração;
receba, com agrado, os conselhos de um pai que lhe quer bem, para se dirigir, com
o rigor da obediência, Àquele do qual você se distanciou por causa da negligência e
da desobediência”.O segredo da vitalidade da Regra de São Bento se dá pelo fato

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dela ser alicerçada na Sagrada Escritura, especialmente nos Evangelhos propondo
um estilo de vida para aqueles que querem segui-lo de um modo mais intenso.
As fontes da Regra beneditina podem ser identificadas, antes de mais nada , na
Escritura e, depois, em São pacômio, em São Basílio, na Vitae Patrum, em Santo
Agostinho, Cassiano etc. O mérito principal da Regra de São Bento parece consistir,
sobretudo, no fato de ter realizado uma síntese completa das experiências
monásticas precedentes, manifestando grande sabedoria, moderação e equilíbrio na
organização da vida cenobítica.

2. Hospitalidade na Sagrada Escritura

O tema da hospitalidade está na raiz da vida nômade da era patriarcal, por isso,
a hospitalidade aflora em toda a Sagrada Escritura.

2.1. NO ANTIGO TESTAMENTO

O Antigo Testamento está repleto de relatos, onde personagens que se defrontam


com momentos cruciais de suas vidas encontram na hospitalidade uma resposta
decisiva. Neste cenário, podemos incluir relatos que falam de forasteiros,
estrangeiros, peregrinos e migrantes. A questão da migração é tão central na
tradição judaica e cristã quanto o tema da hospitalidade. A hospitalidade é uma
marca dos povos do deserto, visto ser uma necessidade comum entre as tribos
nômades.

A experiência de hospitalidade de Abraão e Sara (cf. Gn.18,1-16) mostra o lugar da


hospitalidade na vida das famílias nômades. Diante da chegada de três homens,
Abraão vai até eles para oferecer acolhida. Para os viajantes cansados, sujos, com
sede e com fome; Abraão oferece alívio, descanso, água para se lavarem e para
beber e alimento para saciar a fome. Abraão e Sara preparam um banquete para
reafirmar que hospitalidade anda junto com o ato de comer juntos. Comer juntos,
partilhar da mesma mesa é o ato mais significativo de convivência na maior parte
das culturas. É a expressão de comunhão, de convivência, de partilha da vida, de
partilha do que se tem, é uma experiência de gratuidade. O relato de Gênesis 18

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permite identificar estas características. Na sequência, estes homens são revelados
como “anjos” – um deles é chamado de “O Senhor”. De alguma maneira, o relato
está afirmando que ao acolher o Outro, Abraão estava acolhendo o próprio Deus, o
totalmente Outro.

Nota-se que no Antigo Testamento a lei da hospitalidade é amplamente


desenvolvida, e por sua vez tem um caráter de obrigação religiosa,que traz por meio
de sua execução ou não, recompensas e castigos divinos:

Recompensas:

 Abimeleque (Gn 20). Foi recompensado porque facilitou boa hospedagem a


Abraão em Gerara;
 A viúva de Sarepta (I Rs 17,8-24.), com a ação da hospitalidade oferecida a
Elias, livrou seu filho da morte;
 Os pais de Sansão (Jz.13), por sua decisão em receber um desconhecido ,
que era um anjo, puderam ver Deus.

Além deste, percebe-se grande estima por este serviço no Antigo Testamento.
Exemplos como Abraão (Gn 18,1-16), Lot (Gn19,1-14), a Sunamita ( 2Rs 4,8-17), Jó
(Jó 19,15; 31,31-32; ), ecoam fortemente na Bíblia e no monarquismo.

Punições:

Diante de todo discurso voltado para a prática da hospitalidadeo Antigo Testamento


faz questão de registrar situações inospitaleiras, cujo caráter de pecado merece as
suas devidas punições:

 Nabal (1Sm 25, 2-38). Sua morte é atribuída ao fato de ter negado ao fato de
dar hospitalidade aos homens de Davi;
 O relato de Juízes nos diz que “Dirigiram-se para lá, a fim de passarem a
noite. Tendo entrado na cidade, parou o levita na praça, e ninguém lhe
ofereceu hospitalidade” (Jz 19, 15);

2.2. NO NOVO TESTAMENTO

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No Novo Testamento (NT), podemos dizer que o tema da hospitalidade começa da
forma mais dramática possível. Antes mesmo de nascer, Jesus já experimenta o
paradigma da negação da hospitalidade. Lucas é quem nos informa que “não havia
lugar para eles na hospedaria” (Lc.2, 7). João vai dizer que “veio para os seus e os
seus não o receberam” (Jo. 1,11). Jesus desce na condição de estrangeiro,
precisando da hospitalidade dos outros ( cf. Lc 7,36-50; 19,1-10; 10,38-42; no
entanto, não é recebido pelos seus (Jo 1,11) . O Antigo Testamento apresenta Deus
como anfitrião dos homens, ao passo que no Novo testamento os homens são
anfitriões de Deus, “a morada de Deus” ( Ef 2, 19-22). Acentua a presença de Cristo
nos mais pequenos. O anfitrião o homem, recebe a Deus “ quantas vezes recebe a
seu semelhante,“ Quem vos recebe, a mim recebe” (Mt 10,40).

Destaca-se aqui, textos característicos da hospitalidade no NT:

 Mt 25,35 - “Fui hóspede e me recebestes”.

 1Pd 4,8-10 - “ Sobretudo, mantende entre vós uma caridade ardente... Sede
hospitaleiros uns para com os outros, sem murmurar. Todos vós, conforme o
dom que cada um recebeu, consagrai-vos ao serviço uns dos outros, como
bons administradores da multiforme graça de Deus”.
 Rm 12,12-13 – “Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação e
perseverantes na oração. Socorreias necessidades dos santos. Esmerai-vos
na prática da hospitalidade”. O amor expressona acolhida aos estrangeiros e
aos pobres deve permear também o comportamento dos cristãos entre si.
No Novo testamento toda a existência de Jesus é uma presença capaz
de transformar os comportamentos mais fortes de desumanização, abandono
e traição, em gestos de proximidade e hospitalidade. Um aproximar-se
daqueles que eram tratados com indiferença pela sociedade cultural, política
e religiosa da época. Jesus é hospitaleiro até as últimas consequências,
quando no sacrifício da cruz eleva de forma plena aquilo que ele pregou em
sua vida.
Mover o olhar para o capítulo 53 da RB, marcado pelo espírito da Sagrada
Escritura, onde os destinatários são os mesmos: irmãos na fé, pobres,
estrangeiros, conduz-nos à grande motivação de que Cristo vem na pessoa
do estrangeiro (Mt 25,35). Em São Bento cada hóspede é recebido com a
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mesma dignidade, salvaguardando a honra, a cortesia e a caridade como
selos de qualidade que dão vida à hospitalidade beneditina.

3. DA RECEPÇÃO DOS HÓSPEDES (RB 53)


[1] Todos os hóspedes que chegarem ao mosteiro sejam recebidos como o Cristo, pois Ele
próprio irá dizer: "Fui hóspede e me recebestes". [2] E se dispense a todos a devida honra,
principalmente aos irmãos na fé e aos peregrinos. [3] Logo que um hóspede for anunciado,
corra-lhe ao encontro o superior ou os irmãos, com toda a solicitude da caridade; [4] primeiro,
rezem em comum e assim se associem na paz. [5] Não seja oferecido esse ósculo da paz
sem que, antes, tenha havido a oração, por causa das ilusões diabólicas. [6] Nessa mesma
saudação mostre-se toda a humildade. Em todos os hóspedes que chegam e que saem,
adore-se, [7] com a cabeça inclinada ou com todo o corpo prostrado por terra, o Cristo que é
recebido na pessoa deles. [8] Recebidos os hóspedes, sejam conduzidos para a oração e
depois sente-se com eles o superior ou quem esse ordenar. [9] Leia-se diante do hóspede a
lei divina para que se edifique e depois disso apresente-se-lhe um tratamento cheio de
humanidade. [10] Seja o jejum rompido pelo superior por causa dos hóspedes; a não ser que
se trate de um dos dias principais de jejum, que não se possa violar; [11] mas os irmãos
continuem a observar as normas de jejum. [12] Que o Abade sirva a água para as mãos dos
hóspedes; [13] lave o Abade, bem assim como toda a comunidade, os pés de todos os
hóspedes; [14] depois de lavá-los, digam o versículo: "Recebemos, Senhor, vossa
misericórdia no meio de vosso templo". [15] Mostre-se principalmente um cuidado solícito na
recepção dos pobres e peregrinos, porque sobretudo na pessoa desses, Cristo é recebido; de
resto o poder dos ricos, por si só, já exige que se lhes prestem honras. 33 [16] Seja a cozinha
do Abade e dos hóspedes separada, de modo que os irmãos não sejam incomodados, com a
chegada, em horas incertas, dos hóspedes, que nunca faltam no mosteiro. [17] Entrem todos
os anos para o trabalho dessa cozinha dois irmãos que desempenhem bem esse ofício. [18]
Sejam-lhes concedidos auxiliares quando precisarem, para que sirvam sem murmuração; e
do mesmo modo, quando têm menos ocupação, deixem esse ofício, para trabalhar no que
lhes for ordenado. [19] E não só em relação a esses, mas em todos os ofícios do mosteiro,
seja este o critério: se precisarem de auxiliares, [20] sejam-lhes concedidos; por outro lado,
quando estão livres, obedeçam ao que lhes for ordenado. [21] Do mesmo modo, cuide do
recinto reservado aos hóspedes um irmão cuja alma seja possuída pelo temor de Deus: [22]
haja ali leitos suficientemente arrumados e seja a casa de Deus sabiamente administrada por
monges sábios. [23] De modo algum se associe ou converse com os hóspedes quem não
tiver recebido permissão: [24] se encontrar ou vir algum deles, saúde-o humildemente, como
dissemos, e, pedida a bênção, afaste-se, dizendo não lhe ser permitido conversar com os
hóspedes.

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São Bento é sabiamente solícito ao pensar a recepção dos hóspedes, pois com
este uma parcela do mundo entrava no mosteiro. Sua grande preocupação era
oferecer uma acomodação digna e ao mesmo tempo não perturbar a vida monástica
na comunidade. Experimentado e profundo conhecedor das tramas diabólicasque
pode se servir de uma forma humana para causar danos ao mosteiro,não era dado
ao improviso, mas tudo na hospedaria era bem planejado e o hóspede logo inserido
no ambiente espiritual do mosteiro, na contramão do mundo que chega, oferecendo
Deus ao hóspede. Assim que um hóspede chegava, logo rezava com ele e desta
maneira exorcizava as forças do mal. A hospitalidade, do ponto de vista de São
Bento é o modo mais adequado e autêntico de fazer apostolado.A originalidade da
hospitalidade reside não apenas no que fazemos pelo hóspede, mas na forma como
ele é olhado.

Todos dentro, do mosteiro são convidados ao exercício da hospitalidade,


guardando-a na convivência interna de modo a refleti-la para com aqueles que
chegamsegundo desígnio próprio. Quanto ao modo de praticar a hospitalidade São
Bento nos exorta a exercê-la com humildade (v.6) e humanidade (9), apontado para
gestos concretos: inclinação da cabeça ou prosternação do corpo. Pedir a bênção é
o movimento primeiro do hospedeiro ( v.24) em relação ao hospede e não o
contrário, uma vez que neste é o Cristo que chega.

3.1 . Recepção e equilíbrio


“Todos os hóspedes que chegarem ao mosteiro sejam recebidos como
o Cristo”... (Regra, cap.LIII)

As ideias deste capítulo desenvolvem-se muito sistematicamente. O acolhimento


ésem dúvida uma das marcas mais fortes do carisma monástico beneditino.

O capítulo já começa ressaltando: a hospitalidade do mosteiro é aberta a todo


tipo de gente. Tem uma linguagem que convoca para uma prática profundamente
inclusiva, quando em seus poucos versículos aparece por três vezes a palavra
todos.

A Palavra de Deus contida na Sagrada Escritura, regra do monge por excelência,


é o fundamento de todas as práticas na vida monástica. Nela a exigência da
acolhida aos hóspedes é um aspecto fundamental da caridade fraterna. Receber,
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honrar e vestir os peregrinos e visitantes é uma atitude sagrada da vida cotidiana, o
que faz da hospitalidade um critério de julgamento no último dia. (Mt 25,35-43).

A Bíblia e a regra de São Bento comungam o serviço espiritual e o social numa


mesma perspectiva. Valoriza a pessoa como centro de tudo ao se preocupar com
um tratamento cheio de humanidadena acolhida, na convivência e no respeito às
diferenças, onde o amor se revela na prática da hospitalidade.

O capítulo 53 traz, numa só unidade o mundo e o mosteiro, organizado em seu


princípio sobrenatural em duas partes muito distintas:

a) Teologia da hospitalidade (RB 53, 1-15)

Nestes versículos encontra-se a fundamentação bíblica do exercício da


hospitalidade.

Podemos perceber nesta passagem as insistentes recomendações de São Bento


para com os hóspedes, quando aponta para um rito de acolhimento repleto de
sacralidade e sacramentalidade: Todos os hóspedes que chegarem ao mosteiro
sejam recebidos como o Cristo [...] E se dispense a todos a devida honra [...] Em
todos os hóspedes que chegam e que saem, adore-se, com a cabeça inclinada ou
com todo o corpo prostrado por terra, o Cristo que é recebido na pessoa deles [...].

Quanto ao ritual a regra prescreve elementos essenciais para o acolhimento do


hóspede aos quais devem ser praticados com caridade solícita (53,3), humildade
(53,6), e humanidade (53,6), capaz de reconfigurar a hospitalidade como expressão
sublime do amor.

No momento em que recebemos o hóspede, nossa fé nos projeta naquela situação


narrada por São Mateus, em que o Cristo nos dirá, ao encontrar-se conosco face a
face: “Era forasteiro e me acolhestes” (Mt 25,35). A este deve ser dedicado toda
atenção e delicadeza no acolhimento.

Cerimônia de saudação, à porta:


 cumprimentos respeitosos;
 oração;
 ósculo da paz.

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De acordo com a cerimônia de saudação, a sequência apresentada oração-paz
obedece a uma lei litúrgica fundamental: na convivência cristã, a partilha com Deus
antecipa e estabelece a comunhão fraterna, o ósculo da paz “sela” a oração
( Vogüé, 1995).

O hóspede depois que chega toma parte na:


 Oração;
 Leitura;
 Refeição, na qual não se observa o jejum;
 Ablução dos pés e das mãos. (ato de extrema delicadeza àqueles que
chegavam cansados e famintos depois de longa caminhada.)
Ao hóspede é dada a suprema honra de homem espiritual. A leitura da
Sagrada Escritura precede a refeição, assim como a oração precedia ao
ósculo da paz.

b) A organização da hospitalidade ( RB 53, 16-24)

Esta segunda parte do capítulo regulamenta o exercício da


hospitalidade ,harmonizando o espírito de fé dos monges com a recepção dos
hóspedes, aos quais devem servir sem murmuração (v.18), de modo a não
perturbar a ordem, o silêncio e a oração da comunidade.

São Bento, instruído pela experiência com a chegada de hóspedes que chegavam
em horas incertas (v.16) insere essa doutrina na prática, tratando de preservar a
necessária continuidade do dia a dia no mosteiro e tudo estabelece para o exercício
da acolhida:

 Uma cozinha especial para o Abade eos hóspedes (v. 16)


 Cuidado com a habitação e tratamento dos hóspedes
 Nenhum contato entre os hóspedes e os monges.

Fala da cozinha e do monge que exerce essa diaconia, “cuja alma deve ser
possuída pelo temor de Deus” e de uma necessária separação da comunidade com
relação aos hóspedes para que os irmãos não sejam invadidos em sua privacidade.
O tratamento cheio de humanidade (v.9)requer a boa educação. Algum irmão que
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encontre um hóspede deve cumprimenta-lo, pedir-lhe a bênção ( sinal de que
reconhece nele o Cristo) e se precisar, informá-lo que não tem permissão para
conversas. (53, 24).

Tudo está organizado, previsto e preparado de tal forma que permaneça nos
hóspedes esta salutar impressão: A casa de Deus é sabiamente administrada pro
monges sábios (53, 22). Para São Bento a hospitalidade é sagrada e passa de uma
fé e de uma caridade minuciosa a uma atitude reservada, com gravidade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Hospedar é cuidar , acolher o outro na sua integralidade, é uma exigência
antropológica. Tendo chegado ao final deste estudo é possível constatar a bela
harmonia e coerência segundo a qual a hospitalidade na perspectiva de São Bento
concorda em profundidade com a hospitalidade bíblica.
A hospitalidade é uma das mais antigas regras da sociedade, pois nasceu de uma
necessidade. Quando se identifica uma necessidade, a virtude da hospitalidade é
convocada, uma vez que ela gera cuidado e escuta para melhor compreensão das
reais necessidades do hospede. A experiência da hospitalidade só terá êxito se o
hóspede for capaz de interagir de forma direta com o ambiente onde se encontra,
com as pessoas, com a cultura e com o espaço através do encontro com o diferente.
A hospitalidade é um dos mais significativos gestos fraternos na vida, porque supõe
acolhida e valorização das pessoas na sua individualidade, é um processo que
transforma os personagens do rito.
São Bento se preocupa com a acolhida que se deve dar a todos (4,8) com espírito
sobrenatural, sem fazer entre eles distinção sugerida pela escala social. Não é nem
aos mais ricos nem aos mais poderosos que se devem prestar as honras, mas a
todos. No hóspede que chega, nossa fé reconhece a face do Cristo e a Santa Regra
nos faz acolhê-lo com um verdadeiro rito: a comunidade, com o abade à frente,
organiza-se em procissão ao encontro do recém-chegado, prostra-se e adora o
Cristo que nele se recebe.
A hospedagem não se resume nessa acolhida ritual. Exige a partilha com o
hóspede que chega. Partilha do que se tem, por pouco que seja. Nos mosteiros,
porém, tem-se muito a oferecer: O refrigério da Palavra de Deus, da oração, da

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alegria, do clima de silêncio e de paz! O hóspede deve ser introduzido na tenda do
Senhor, para aí ter um encontro íntimo e pessoal com Ele.

O capítulo 53 da Regra de São Bento estabelece as principais diretrizes norteadoras


desta hospitalidade monástica, merecendo especial destaque a atenção total ao
hóspede sem que o ambiente da abadia seja substancialmente alterado. Faz-se
mister, portanto, o destacamento de pessoas específicas para o serviço aos
hóspedes, bem como cômodos apartados de forma a permitir uma maior liberdade
aos abrigados e a privacidade aos monges.
A hospitalidade é um dom de Deus que alarga o coração e aproxima os estranhos,
fazendo-os partilhar do seu tempo e da sua história. Transforma os indiferentes em
pessoas que vivem a unidade, mesmo no ambiente da hostilidade e da diversidade.
A hospitalidade é uma disposição da alma, um ato de amor que não discrimina
ninguém. Todos têm o direito de serem acolhidos, independente da condição social
e moral. Durante sua vida pública Jesus sofreu e ainda sofre a inospitalidade. A
hospitalidade não é uma prática do passado, mas um chamado atual para o mundo,
para a Igreja. No acolhimento beneditino trata-se de pôr em prática a virtude da
hospitalidade, tão proclamada na Sagrada Escritura, e que a tradição monástica
considerou sempre como uma exigência, constituindo-a antes de tudo como um jeito
de ser, antes de constituir um serviço de caridade.

Pensar a hospitalidade num mundo onde o deus do ter e do poder é cultuado em


detrimento do ser, requer aquela mesma motivação dada por Jesus: “Eu era
forasteiro e me recebestes em casa” (Mt 25,35), capaz de sensibilizar o homem pelo
desamparo do outro e conduzi-lo a uma constante superação de preconceitos,
capaz de ultrapassar aquelas atitudes, cheias de reservas e de receios.
O presente capítulo da Regra aponta caminhos para a humanização capaz de
realizar grandes milagres por meio da hospitalidade, num mundo gelado de afetos e
a recepção de hóspedes requer muita cautela.

Na hospitalidade acontece a aproximação nas relações de convivência, pois


pressupõe a prática do acolhimento e do cuidado numa perspectiva
antropológica.No gesto da acolhida e da hospitalidade, então, a pessoa revive e se
torna sensível ao amor de Cristo pelo humano. Diz São Paulo: "Não descuides da

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hospitalidade; pois, graças a ela, alguns hospedaram anjos, sem o perceber".
(Hebreus 13,2)."

Ao viajar pela historicidade da hospitalidade nota-se que ela é um valor


verdadeiramente ausente em nosso século, um valor bíblico desvirtuado de seu
sentido espiritual, considerado mais como um favor social, e ainda assim, precário.
Na hospitalidade desejada por São Bento temos de reaprender a abrir nossas
mentes e coraçôes, desinstalar de nossos comodismos, ir ao encontro...avançar!

REFERÊNCIAS

BENTO, Santo. A Regra de São Bento. Tradução João Evangelista Enout, OSB.
Nova Friburgo,RJ: Mosteiro Santa Cruz, 2009.

BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo:
Paulus, 1985.

BÖCKMANN, A. Perspectivas da Regra de São Bento. Rio deJaneiro: Lumen


Christi, 1990.

BOFF, Leonardo. Virtudes para um outro mundo possível. Volume I:


Hospitalidade: direito e dever de todos.Petrópolis,RJ: Vozes, 2005

GRINOVER, Lúcio. A hospitalidade, a cidade e o turismo. São Paulo: Aleph,


2007.

VOGÜÉ, Adalberto. O que diz São Bento. Uma leitura da Regra. Nº 25. Abadia de
Bellefontaine.

https://www.vaticannews.va/pt/santo-do-dia/07/11/s--bento-abade--padroeiro-da-
europa.html

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