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BENTO
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo compreender e aprofundar nosso conhecimento
a cerca da hospitalidade, tal como descrita na regra de São Bento à luz da Sagrada
Escritura. Trata-se de uma pesquisa exploratória à qual se subsidia de fontes
bibliográficas e acessos a artigos e documentos eletrônicos sobre o tema da
hospitalidade que em sua prática educa para o amor e nos coloca em constante
processo de amadurecimento humano e espiritual, enquanto abertos para acolher o
outro naquilo que ele é. Servindo-se do método indutivo, ao término do estudo, será
possível constatar que o monaquismo sempre reconheceu na hospitalidade uma das
expressões mais belas da caridade fraterna como forma de acolher na tradição
veterotestamentária. O Novo testamento dá à hospitalidade um caráter sagrado no
amor que acolhe e se faz hóspede em nossa morada humana. São Bento diz que é
normal que num mosteiro Beneditino “nunca faltem hóspedes” (RB 53,16) por isso
consagra o capítulo 53 à “recepção dos hóspedes”.
Palavras-chave:Hospitalidade. São Bento. Sagrada Escritura.
Acolhimento.Monástica.
INTRODUÇÃO.
A finalidade deste estudo é ir além da aparência do tema hospitalidade, é
fundamentar conceitos já existentes e refleti-los na visão de São Bento, sendo,
portanto, uma pesquisa teórica.
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A reflexão foi desenvolvida em três níveis: 1) Aborda a historicidade da
hospitalidade, 2) Fundamentos bíblicos: A hospitalidade na Sagrada Escritura 3) A
hospitalidade no capítulo 53 da Regra de São Bento.
1. REFERENCIAL TEÓRICO:
1.1. HOSPITALIDADE
As origens do conceito:
O tema da hospitalidade é tão antigo como o próprio deslocamento do homem
pelo planeta. É um processo que se refere a relações sociais que se desenrolam e
se relacionam com a história, com a cultura e com as sociedades de cada lugar. Na
ótica de Grinover (2007, p.20), “A história da hospitalidade é a história do homem, de
seus encontros de seus diálogos e de tudo aquilo que ele tem criado para facilitar
sua experiência com seus semelhantes”.
Durante a idade média, na Europa, o termo foi muito utilizado para designar
acomodação gratuita e atitude caridosa oferecida aos indigentes e aos que viajavam
em busca de um lugar sagrado, de um bem espiritual ou com a esperança de uma
cura. As primeiras manifestações de hospitalidade no ocidente “deram-se em
consequência das viagens, dos deslocamentos do homem por lugares que ele
nunca tinha visitado” (GRINOVER, 2007, p.35).
Sabe-se ainda, que o exercício da hospitalidade surgiu bem antes, num tempo em
que não era possível garantir a integridade física de quem viajava e pela falta de
abrigos para acolhê-los. Abrigar um estrangeiro em sua casa, atendendo-os em
suas necessidades era um ato sagrado, cheio de rituais e obrigatório entre os
gregos e depois entre os romanos, como afirma Grinover (2007,p.35):
Durante toda a estada, o estrangeiro era protegido por seu anfitrião contra
qualquer tentativa de agressão, e a violação dos direitos da hospitalidade
era considerada um ato criminoso. Dever e direito sagrado particularmente
no mundo cristão, a hospitalidade, pregada e ensinada pelos apóstolos do
antigo Testamento para fazer de cada casa cristã um “Albergue de Cristo”.
Neste sentido a ideia de Boff (2005, p.84) de que a origem da hospitalidade tem um
viés religioso ganha força. O autor define a hospitalidade com base no mito de
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Báucis e Filêmon3para defender que “quem acolhe o peregrino, o estrangeiro e o
pobre, hospeda a Deus. Quem hospeda a Deus se faz templo de Deus. Quem faz
dos estranhos seus comensais herda a imortalidade feliz”.
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Um dos mitos mais belas da tradição grega transcrito pelo poeta romano Públio Ovídeo (43-37 d.c.) em
seu livro “ As metamorfoses”, conta a trajetória de Júpter, o Deus criador, e de seu filho Hermes, na busca pelo
espírito de hospitalidade entre os humanos. Disfarçados de pobres, os dois começam a peregrinar pela terra.
Depois de serem maltratados por várias pessoas e em vários locais, os forasteiros encontraram abrigo em uma
simples choupana de um casal de velhinhos: Báucis e Filêmon. E, após uma tempestade, os deuses
transformam a choupana em um templo dourado e realiza o desejo do casal de morrerem juntos. O corpo de
Báucis se transformou em uma frondosa tília e o de Filêmon num enorme carvalho. E assim abraçados ficaram
unidos para sempre.
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Gregório Magno – encontrou más companhias, amigos viciados, que viviam ao léu.
Então, Bento deixou Roma e foi, inicialmente, para a localidade denominada Enfide
e, depois, por três anos, viveu como eremita em uma gruta, em Subiaco, que se
tornaria o centro espiritual dos Beneditinos, chamada “SacroSpeco”. Este seu
período de solidão foi uma preparação prévia para outra etapa fundamental do seu
caminho: Montecassino.
São Bento considera o ser humano em sua totalidade, para ele o monge (palavra
que vem de monos que significa um) é aquele que é unificado para ser um com
Deus. A espiritualidade beneditina pode ser compreendida pela busca plena de
Deus, através da oração, do trabalho, do acolhimento dos hóspedes e do próximo,
da vida comunitária e da paternidade espiritual. A experiência de Deus se dá na
prática da existência, no modo de pensar e de agir: é no cotidiano que a vida
monástica se desenvolve, a qualidade da oração está vinculada à qualidade da
relação do monge consigo mesmo e com o próximo. O mosteiro beneditino e
definido por São Bento como uma “escola de serviço do Senhor” (Regra de São
Bento Prol. 45) nele o monge aprende a ouvir a Deus e a pôr em pratica a sua
Palavra, tornando-se seu discípulo.
São Bento ensina aos seus filhos e filhas, desde o começo, que o caminho da vida
beneditina se percorre amando a Cristo sem restrição, Ele é o centro vital para o
qual tudo se direciona no mosteiro. Aqueles que se encontram no mosteiro: o irmão
e a irmã, o hóspede, o abade e a abadessa, o pobre, o doente, o próximo trazem a
presença viva de Cristo.
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dela ser alicerçada na Sagrada Escritura, especialmente nos Evangelhos propondo
um estilo de vida para aqueles que querem segui-lo de um modo mais intenso.
As fontes da Regra beneditina podem ser identificadas, antes de mais nada , na
Escritura e, depois, em São pacômio, em São Basílio, na Vitae Patrum, em Santo
Agostinho, Cassiano etc. O mérito principal da Regra de São Bento parece consistir,
sobretudo, no fato de ter realizado uma síntese completa das experiências
monásticas precedentes, manifestando grande sabedoria, moderação e equilíbrio na
organização da vida cenobítica.
O tema da hospitalidade está na raiz da vida nômade da era patriarcal, por isso,
a hospitalidade aflora em toda a Sagrada Escritura.
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permite identificar estas características. Na sequência, estes homens são revelados
como “anjos” – um deles é chamado de “O Senhor”. De alguma maneira, o relato
está afirmando que ao acolher o Outro, Abraão estava acolhendo o próprio Deus, o
totalmente Outro.
Recompensas:
Além deste, percebe-se grande estima por este serviço no Antigo Testamento.
Exemplos como Abraão (Gn 18,1-16), Lot (Gn19,1-14), a Sunamita ( 2Rs 4,8-17), Jó
(Jó 19,15; 31,31-32; ), ecoam fortemente na Bíblia e no monarquismo.
Punições:
Nabal (1Sm 25, 2-38). Sua morte é atribuída ao fato de ter negado ao fato de
dar hospitalidade aos homens de Davi;
O relato de Juízes nos diz que “Dirigiram-se para lá, a fim de passarem a
noite. Tendo entrado na cidade, parou o levita na praça, e ninguém lhe
ofereceu hospitalidade” (Jz 19, 15);
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No Novo Testamento (NT), podemos dizer que o tema da hospitalidade começa da
forma mais dramática possível. Antes mesmo de nascer, Jesus já experimenta o
paradigma da negação da hospitalidade. Lucas é quem nos informa que “não havia
lugar para eles na hospedaria” (Lc.2, 7). João vai dizer que “veio para os seus e os
seus não o receberam” (Jo. 1,11). Jesus desce na condição de estrangeiro,
precisando da hospitalidade dos outros ( cf. Lc 7,36-50; 19,1-10; 10,38-42; no
entanto, não é recebido pelos seus (Jo 1,11) . O Antigo Testamento apresenta Deus
como anfitrião dos homens, ao passo que no Novo testamento os homens são
anfitriões de Deus, “a morada de Deus” ( Ef 2, 19-22). Acentua a presença de Cristo
nos mais pequenos. O anfitrião o homem, recebe a Deus “ quantas vezes recebe a
seu semelhante,“ Quem vos recebe, a mim recebe” (Mt 10,40).
1Pd 4,8-10 - “ Sobretudo, mantende entre vós uma caridade ardente... Sede
hospitaleiros uns para com os outros, sem murmurar. Todos vós, conforme o
dom que cada um recebeu, consagrai-vos ao serviço uns dos outros, como
bons administradores da multiforme graça de Deus”.
Rm 12,12-13 – “Sede alegres na esperança, pacientes na tribulação e
perseverantes na oração. Socorreias necessidades dos santos. Esmerai-vos
na prática da hospitalidade”. O amor expressona acolhida aos estrangeiros e
aos pobres deve permear também o comportamento dos cristãos entre si.
No Novo testamento toda a existência de Jesus é uma presença capaz
de transformar os comportamentos mais fortes de desumanização, abandono
e traição, em gestos de proximidade e hospitalidade. Um aproximar-se
daqueles que eram tratados com indiferença pela sociedade cultural, política
e religiosa da época. Jesus é hospitaleiro até as últimas consequências,
quando no sacrifício da cruz eleva de forma plena aquilo que ele pregou em
sua vida.
Mover o olhar para o capítulo 53 da RB, marcado pelo espírito da Sagrada
Escritura, onde os destinatários são os mesmos: irmãos na fé, pobres,
estrangeiros, conduz-nos à grande motivação de que Cristo vem na pessoa
do estrangeiro (Mt 25,35). Em São Bento cada hóspede é recebido com a
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mesma dignidade, salvaguardando a honra, a cortesia e a caridade como
selos de qualidade que dão vida à hospitalidade beneditina.
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São Bento é sabiamente solícito ao pensar a recepção dos hóspedes, pois com
este uma parcela do mundo entrava no mosteiro. Sua grande preocupação era
oferecer uma acomodação digna e ao mesmo tempo não perturbar a vida monástica
na comunidade. Experimentado e profundo conhecedor das tramas diabólicasque
pode se servir de uma forma humana para causar danos ao mosteiro,não era dado
ao improviso, mas tudo na hospedaria era bem planejado e o hóspede logo inserido
no ambiente espiritual do mosteiro, na contramão do mundo que chega, oferecendo
Deus ao hóspede. Assim que um hóspede chegava, logo rezava com ele e desta
maneira exorcizava as forças do mal. A hospitalidade, do ponto de vista de São
Bento é o modo mais adequado e autêntico de fazer apostolado.A originalidade da
hospitalidade reside não apenas no que fazemos pelo hóspede, mas na forma como
ele é olhado.
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De acordo com a cerimônia de saudação, a sequência apresentada oração-paz
obedece a uma lei litúrgica fundamental: na convivência cristã, a partilha com Deus
antecipa e estabelece a comunhão fraterna, o ósculo da paz “sela” a oração
( Vogüé, 1995).
São Bento, instruído pela experiência com a chegada de hóspedes que chegavam
em horas incertas (v.16) insere essa doutrina na prática, tratando de preservar a
necessária continuidade do dia a dia no mosteiro e tudo estabelece para o exercício
da acolhida:
Fala da cozinha e do monge que exerce essa diaconia, “cuja alma deve ser
possuída pelo temor de Deus” e de uma necessária separação da comunidade com
relação aos hóspedes para que os irmãos não sejam invadidos em sua privacidade.
O tratamento cheio de humanidade (v.9)requer a boa educação. Algum irmão que
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encontre um hóspede deve cumprimenta-lo, pedir-lhe a bênção ( sinal de que
reconhece nele o Cristo) e se precisar, informá-lo que não tem permissão para
conversas. (53, 24).
Tudo está organizado, previsto e preparado de tal forma que permaneça nos
hóspedes esta salutar impressão: A casa de Deus é sabiamente administrada pro
monges sábios (53, 22). Para São Bento a hospitalidade é sagrada e passa de uma
fé e de uma caridade minuciosa a uma atitude reservada, com gravidade.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Hospedar é cuidar , acolher o outro na sua integralidade, é uma exigência
antropológica. Tendo chegado ao final deste estudo é possível constatar a bela
harmonia e coerência segundo a qual a hospitalidade na perspectiva de São Bento
concorda em profundidade com a hospitalidade bíblica.
A hospitalidade é uma das mais antigas regras da sociedade, pois nasceu de uma
necessidade. Quando se identifica uma necessidade, a virtude da hospitalidade é
convocada, uma vez que ela gera cuidado e escuta para melhor compreensão das
reais necessidades do hospede. A experiência da hospitalidade só terá êxito se o
hóspede for capaz de interagir de forma direta com o ambiente onde se encontra,
com as pessoas, com a cultura e com o espaço através do encontro com o diferente.
A hospitalidade é um dos mais significativos gestos fraternos na vida, porque supõe
acolhida e valorização das pessoas na sua individualidade, é um processo que
transforma os personagens do rito.
São Bento se preocupa com a acolhida que se deve dar a todos (4,8) com espírito
sobrenatural, sem fazer entre eles distinção sugerida pela escala social. Não é nem
aos mais ricos nem aos mais poderosos que se devem prestar as honras, mas a
todos. No hóspede que chega, nossa fé reconhece a face do Cristo e a Santa Regra
nos faz acolhê-lo com um verdadeiro rito: a comunidade, com o abade à frente,
organiza-se em procissão ao encontro do recém-chegado, prostra-se e adora o
Cristo que nele se recebe.
A hospedagem não se resume nessa acolhida ritual. Exige a partilha com o
hóspede que chega. Partilha do que se tem, por pouco que seja. Nos mosteiros,
porém, tem-se muito a oferecer: O refrigério da Palavra de Deus, da oração, da
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alegria, do clima de silêncio e de paz! O hóspede deve ser introduzido na tenda do
Senhor, para aí ter um encontro íntimo e pessoal com Ele.
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hospitalidade; pois, graças a ela, alguns hospedaram anjos, sem o perceber".
(Hebreus 13,2)."
REFERÊNCIAS
BENTO, Santo. A Regra de São Bento. Tradução João Evangelista Enout, OSB.
Nova Friburgo,RJ: Mosteiro Santa Cruz, 2009.
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo:
Paulus, 1985.
VOGÜÉ, Adalberto. O que diz São Bento. Uma leitura da Regra. Nº 25. Abadia de
Bellefontaine.
https://www.vaticannews.va/pt/santo-do-dia/07/11/s--bento-abade--padroeiro-da-
europa.html
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