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O DIVINO NO JOVEM

ELEMENTOS TEOLOGAIS
PARA A EVANGELIZAÇÃO DA CULTURA JUVENIL

PRÓLOGO
Numa praia linda e simples, numa casa em construção – assim como o jovem – um grupo
de amantes da juventude, embalado pelas ondas do mar, lançava no papel as primeiras
idéias do que seria, depois, um modesto escrito intitulado “O Divino no Jovem”. O que
então se escrevia, vem agora de vestido novo. A vida nos ensina sempre, principalmente
para quem deseja ser um Neotéfilo em conversão. O escrito carrega a convicção de que
o que vai escrito precisa ingressar no discurso da Igreja sobre a juventude. Há coisas que
precisamos aprender a dizer, mesmo que sejam coisas simples e incompletas. Para alguns,
até banais. Trata-se do discurso mais novo sobre juventude...

Faz um bem enorme ouvir um canto dizer que “o rosto de Deus é jovem também” ou,
então, “se a juventude viesse a faltar o rosto de Deus iria mudar”. São balbucios, mas
balbucios necessários à espera de algo melhor. Está em jogo a dignidade da juventude e a
dignidade da sociedade, para não falar da dignidade da Igreja, Povo de Deus.
1. Evangelização da cultura juvenil
Para anunciar uma Boa Nova
não se pode ficar na superfície

Apesar de o termo “cultura” ser complexo e de haver dificuldade em falar de


“cultura juvenil” preferindo falar-se de “subcultura juvenil”, afirmamos que o grande
desafio que se apresenta à evangelização juvenil é penetrar, com uma Boa Notícia, no
mundo da cultura juvenil.

1. Por “cultura” - sem negar que haveria possibilidade de navegar por várias
conceituações e compreensões1 - entendemos o que diz a sabedoria do bom senso: um
sistema de atitudes e modos de agir, um sistema de costumes e instituições, valores
espirituais e materiais vividos por uma sociedade. Em sentido mais restrito, “cultura”
significa certo desenvolvimento do estado intelectual, artístico ou científico, em que
se revela o sentido humano e o esforço coletivo de uma comunidade pela libertação
do espírito, dando-lhe uma identidade perceptível em diferentes manifestações,
constituindo um conjunto de traços estreitamente ligados entre si, em torno de um eixo
central. No caso “juvenil”, estamos frente a um eixo que é fortemente social, biológico,
etário e corporal. Trata-se, para nós, da cultura de um segmento da sociedade (14 a 30
anos), mergulhado no que se pode chamar de “moratória vital” 2, respeitada ou não.

2. Ao lado de “cultura”, situa-se a palavra “evangelizar”, que – como se lê nos dicionários


– é mais rico do que missionar, apostolizar ou pregar o Evangelho. Em “Evangelii
Nuntiandi”, um documento admirável do Papa Paulo VI, podem ser lidas muitas
observações que qualquer evangelizador de jovens deve ter muito presente. Diz
este Papa que “evangelizar, para a Igreja, é levar a Boa Nova a todas as parcelas da
humanidade em qualquer meio e latitude e, pelo seu influxo, transformá-las a partir de
dentro e tornar nova a própria humanidade: ´Eis que faço de novo todas as coisas´(Gal
6,15). No entanto, não haverá humanidade nova se não houver, em primeiro lugar,
homens novos, pela novidade do Batismo e da vida segundo o Evangelho. A finalidade
da evangelização é, precisamente, esta mudança interior; e se fosse necessário traduzir
isso em breves termos, o mais exato seria dizer que a Igreja evangeliza quando, firmada
na potência divina da Mensagem que proclama, ela procura converter, ao mesmo
tempo, a consciência pessoal e coletiva dos homens, a atividade em que eles se aplicam,

1 Veja-se a pequena bibliografia que vai no final, sobre o assunto.


2 Dizem Margulis e Urresti que “pode-se pensar a juventude como um período da vida em que se está de
posse de um excedente temporal, de um crédito, como se se tratasse de algo que se tem poupado, algo
que se tem a mais e do qual se pode dispor, que nos não-jovens é mais reduzido, se vai gastando e se vai
terminando antes, irreversivelmente, por mais esforços que se faça para evitá-lo. Ser jovem é ter um capital
temporário. A juventude tem de seu lado a promessa, a esperança, um espectro de opções. Por isso a sensação
de invulnerabilidade e de segurança. Esse conjunto de elementos constitui a “moratória vital”. (MARGULIS,
Mário e URRESTI, Marcelo. “La juventud es más que una palabra”. Buenos Aires: Biblos, 2008.
e a vida e o meio concreto que lhes são próprios” (EN, 18).

Mais adiante, Paulo VI enriquece estas afirmações dizendo que “não se trata tanto
de pregar o Evangelho a espaços geográficos cada vez mais vastos ou populações
maiores em dimensões de massa, mas de chegar a atingir e como que a modificar
pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de
interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da
humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio
da salvação” (EN,19). Pensando, pois, em “evangelizar a cultura juvenil”, fica evidente
que se trata de uma atitude arriscada, de transmissão de valores, de respeitar e construir,
no mais íntimo das pessoas e instituições, propostas de cosmovisões assumidas em
sua raiz. Paulo VI continua afirmando, por isso, que “importa evangelizar – não de
maneira decorativa, como que aplicando um verniz superficial, mas de maneira vital,
em profundidade e isto até às suas raízes – a cultura e as culturas do homem, no sentido
pleno e amplo que estes termos tem na Constituição ´Gaudium et Spes´, a partir da
pessoa e fazendo, continuamente, apelo para as relações das pessoas entre si e com
Deus” (EN 20).

Mais ainda: “... o Reino que o Evangelho anuncia é vivido por homens
profundamente ligados a uma determinada cultura”. “... a edificação do Reino não pode
deixar de servir-se de elementos da cultura e das culturas humanas” (EN 20). E Paulo
VI é taxativo: “A ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa
época, como o foi também de outras épocas” (EN 20).

3. Além do valor desafiante dessas palavras de Paulo VI é útil, na preocupação com a


evangelização da cultura juvenil, recordar igualmente a Constituição “Gaudium et
Spes”, do Vaticano II , falando de cultura. Diz esta Constituição que “pela maneira
diversa de utilizar as coisas, de trabalhar e de se exprimir, de praticar a religião e formar
os costumes, de estabelecer as leis e as instituições jurídicas, de favorecer as ciências e
artes e de cultivar o belo, surgem diversas condições de vida” (...). Estamos pensando
em juventude. “Constitui-se assim, também, (a cultura) um meio definido e histórico,
no qual é inserido o homem de qualquer nação ou tempo e de onde ele tira os bens para
promover a civilização humana” (GS, 53).

Isso se confirma lendo, outro documento do Vaticano II (“Apostolicam


Actuositatem”), onde o Concílio diz que “os jovens exercem uma influência da maior
importância na sociedade moderna” (AA, 12). Mais ainda: “Amadurecendo a consciência
da própria personalidade, e impulsionados pelo ardor da vida e pela atividade exuberante,
(os jovens) assumem responsabilidades próprias e desejam participar na vida social e
cultural” (...). Recordando uma mensagem de Pio XII aos jovens operários cristãos do
Canadá, em 1947, o Decreto diz que eles (os jovens) “devem tornar-se os primeiros e
imediatos apóstolos dos jovens, realizando o apostolado no meio deles e através deles,
levando em conta o ambiente social em que vivem” (AA, 12).
2. As sementes do Verbo na juventude
Falar de juventude é, também,
falar de Deus que é semente dentro dela

É por estas razões que a evangelização da cultura juvenil se constitui, para a Igreja,
um problema central. Se quisermos ser portadores de uma Boa Nova, precisamos ser
especialistas, também, na Boa Nova que a realidade juvenil carrega em si. Conhecer a
cultura juvenil, para um evangelizador, é reconhecer que no segmento da sociedade
chamado “juventude” se encontram as sementes ocultas do Verbo3, como fala o Decreto
“Ad Gentes”, do Vaticano II. Neste sentido, precisamos aprender a estudar, reconhecer,
aprofundar e estimular o divino que há no jovem. “Entrar em contato com o divino da
juventude é entender sua Psicologia, sua Biologia, sua Sociologia e sua Antropologia com
o olhar de Deus, dizem os bispos do Brasil4. Sem menosprezar outras leituras necessárias,
a novidade que a cultura juvenil nos apresenta neste momento, é sua Teologia, isto é, o
discurso que Deus nos faz através da juventude. Não considerar isso é deixar de lado o
específico da evangelização juvenil. Como diz o mesmo documento da CNBB, “o jovem
necessita não somente que falemos para ele de um Deus que vem “de fora”, mas de um
Deus que é real dentro dele em seu modo juvenil de ser, desejando irromper e deixar de ser
um grito silenciado”. O Deus da juventude tem um rosto de juventude, com tudo o que isso
significa.

Assim como se fala de Psicologia do Jovem etc. precisamos aprender a falar


da Teologia do Jovem, isto é, do discurso divino proferido pelo jovem. Trata-se de uma
visão do mundo banhada de fé e fundada na revelação do divino através do jovem. O
jovem, nessa perspectiva, é uma realidade teológica que é preciso aprender a ler e
desvelar. Não se trata de sacralizar o jovem, imaginando-o como alguém que não erra; trata-
se de ver o sagrado que se manifesta de muitas formas, também na realidade juvenil. Trata-
se de fazer uma leitura teológica do que, de forma ampla, chamamos de “cultura juvenil”.
Trata-se de uma Teologia que nasce e cai em terra nova (jovem), iniciando a ser cultivada;
não em terra (antiga) já cultivada, mas em terreno inexplorado. “Numa época em que se
fala tanto de “inculturação” ou – como em outros termos - de encarnar-se na realidade,
de aceitar o novo, o plural e o diferente, na evangelização da juventude todo esse discurso
toma feições muito concretas e imprevisíveis. Dizer que, para a Igreja, a juventude é uma
prioridade em sua missão evangelizadora, é afirmar que se quer uma Igreja aberta ao
novo, é afirmar que amamos o jovem não só porque ele representa a revitalização de
qualquer sociedade, mas porque amamos, nele, uma realidade teológica em sua dimensão
de mistério inesgotável e de perene novidade”5.

3 Veja-se “Ad Gentes” número 11.


4 Evangelização da Juventude – Desafios e Perspectivas Pastorais. Publicações da CNBB, n° 3, nº 80.
5 Idem, nº 81.
Falar de juventude é falar de novidade de modo muito concreto. Um botão de rosa é
diferente da rosa desabrochada; um nascer do sol é diferente de um pôr de sol; uma criança
no colo da mãe é diferente da mãe que a amamenta; alguém amar como esposo ou esposa é
diferente de alguém perceber-se “invadido”, pela primeira vez, pelo outro e pela outra, nos
seus sentimentos mais radicais. São comparações que exigem ser compreendidas. Quando
ouvimos o Senhor do Apocalipse dizer que faz novas todas as coisas (Ap. 21,5), certamente
essa “novidade” tem um novo sabor, pensando em juventude. Além disso, a juventude
não é um bloco maciço. Assim como toda a realidade, ela é muito complexa, sem deixar
– contudo – de ser juventude, com todas as suas tonalidades. Sem absolutizar a leitura e
sem perder-nos em discussões que podem ser estéreis, quando falamos de “juventude”
pensamos no segmento que se move entre os 14 e 30 anos. Sem negar que existem formas
de ser e viver que, com carinho, chamamos “juvenis”, em pessoas de mais idade, não é a
isso que nos referimos quando falamos, aqui, de “juventude” e de “jovem”. Até poderíamos
perguntar-nos pelo que entendemos quando afirmamos, por exemplo, que a pessoa de 40
anos ou mais anos tem um “espírito jovem”.
3. A adultez de nossas Ciências

Quando se fala de juventude,


sem querer nós gaguejamos...

Se nos atrevemos a falar de Teologia do Jovem ou do divino no jovem, é porque


estamos convictos de que esta Teologia nos faz falta na evangelização e, além disso, é
uma realidade que tem dificuldade de adquirir cidadania porque tudo que é novo assusta.
Estudando a história dos jovens na perspectiva do protagonismo temos que confessar que
a juventude, como realidade histórica, é uma realidade abafada pelo mundo dos adultos,
também pelas ciências como a História e a Antropologia. Existe uma obra que analisa o
fenômeno juvenil através da história. Intitula-se, sugestivamente, “Gritos silenciados,
mas evidentes – os jovens construindo juventude na história”6. As sociedades, em todos
os tempos, tiveram e têm dificuldade em admitir a novidade emergindo das manifestações
juvenis, consideradas menos importantes. Prefere-se supor que eles, os jovens, são eternos
repetidores de uma mesma tendência e que são incapazes de revelar-nos novidades. Não
se valorizam, por isso, as leituras dos fatos humanos que tomem em consideração o viés
juvenil. Pode-se dizer, até, que certas Ciências são muito “adultas”, isto é, estacionaram
numa leitura da realidade na perspectiva do que já está constituído, isto é, do que é “adulto”
e estabelecido. A crise das Ciências, com suas certezas atualmente questionadas, tem a
ver com o que estamos tentando dizer. Damo-nos a licença, portanto, de falar da Teologia.
Apesar de sua efervescência através dos séculos, é nela, na juventude, que nossa afirmação
se torna atual.

Até a Teologia, como as outras Ciências, corre o risco de ser


demasiadamente “adulta”, apesar da dinamicidade de seus dogmas. Ela corre o risco de não
tomar em conta, em seu discurso, o verdadeiro processo de humanização, compreensão e
apreensão da realidade. Embora a maturidade teológica seja uma graça, ela não é estática.
Infelizmente temos que reconhecer que – na tentação da segurança e do esquecimento do
valor do provisório – a nossa Teologia, especialmente a transmitida em sua prática, é adulta
de corpo, de barriga e de cabeça. Especialmente na pregação e nas atitudes. Temos que
reconhecer que ela não tem “cara jovem”. Faz-se imperante, por isso, uma “vontade
teológica” de pensar mais teologicamente não só a questão juvenil, mas outros aspectos da
inculturação e da formação da pessoa como um processo, de modo envolvente e
participativo e não de modo autoritário e – como diria Paulo Freire – bancário. Os
exemplos concretos podem ser encontrados em trabalhos de evangelização com os jovens

6 São Paulo: Loyola, 2003. O autor é Hilário Dick.


que não são dos jovens, mas para eles7. Não estamos dizendo que a Teologia e a Pedagogia
não devam ser “adultas”; afirmamos que a verdadeira adultez carrega em si a dinamicidade
do provisório, isto é, da novidade e da juventude. Uma comparação que exemplifica o que
desejamos afirmar é com o que vai acontecendo com a Teologia do Feminino. É necessário
saber traduzir a nossa Teologia para a realidade juvenil, desvelando o teológico nesta
realidade.

Parece-nos evidente recordar que a Igreja e a Teologia dão a impressão que sabem
falar para e de adultos e crianças, mas gaguejam quando falam para e da juventude. Por
que seria mais fácil falar para crianças? É que o “auditório” permite... movido por uma
convicção ou uma necessidade geral de “dependência”. Por que não florescem com mais
pujança cursos de Teologia para pessoas que não são do “clero”? Sem sermos apressados,
o que fica sempre mais patente é que quando o “auditório” é feito de “assistentes” em
busca de autonomia, de protagonismo e de rejeição de tudo que carrega a vestimenta da
imposição, a reação é outra. Enquanto a criança é objeto de evangelização, o discurso
“adulto” vai aparentemente bem. A transmissão de valores e a conversa têm repercussão
porque “vem de cima”. Por que, contudo, a situação muda quando esta criança se torna
adolescente e jovem? Diz-se, até, que as cerimônias do sacramento da Crisma são a solene
despedida da vida eclesial por parte da maioria dos adolescentes... Não só a Pedagogia
devia ser outra; deve ser outra a forma de encarar a figura do e da adolescente. Mais do que
uma questão didática está em jogo uma postura teológica e pedagógica não só diante do
que se quer transmitir, mas uma atitude pedagógica e teológica frente a quem é dirigida a
pretendida Boa Nova.

A Boa Nova não só vem de fora; ela é semente escondida na terra e precisa ser
cultivada com respeito enorme. Quando lemos no Evangelho de São João que Jesus diz
a Pedro que “se eu não te lavar, não terás parte comigo” (Jo 13,8) chama a atenção
para a importância do evangelizando “ser lavado”, isto é, conhecido e respeitado em sua
intimidade porque o Reino precisa ser “lavado”, isto é, desvelado, retirando cegueiras e
sujeiras que impedem fazer parte do Reino que já está ali. É preciso saber, principalmente
a partir de certa idade, enfrentar e desejar ajudar a construir a liberdade do outro. Pode
até acontecer que o outro não queira ser lavado, julgando que não precisa, como Pedro do
Evangelho. O importante é ter a bacia nas mãos e o sabor da novidade no coração, com
disposição de lavar, isto é, de desvelar o mistério que exige outra postura de vida, saindo do
estabelecido. Cristo não estava fazendo somente um gesto; havia assumido Pedro em sua
vocação e grandeza.

Por isso falamos da Teologia do Jovem, um assunto que é mais do que uma
mudança de postura didática. Precisamos descobrir um novo campo teológico. É nessa
geografia que se fundamenta a importância do conhecimento cada vez mais científico
da juventude, em todos os aspectos, não só pedagógica ou psicologicamente. O jovem
como uma realidade que nos revela Deus. Na educação da fé de todos, especialmente dos
jovens, não bastam os espaços “autoritários” da obrigatoriedade da Catequese e da Crisma.

7Um capítulo que precisa ser aprofundado por todos, também pela Igreja, são os possíveis paradigmas
possíveis com relação à pesquisa e ao trabalho com a juventude. São “cenários” que existem e que exigem
opções porque é diverso o peso pedagógico e teológico que carregam.
Com muita sabedoria precisamos aprender a revelar ao jovem a riqueza infinita que mora
nele. Ele precisa e sonha descobrir e aprender o que é Deus, Jesus Cristo, Igreja etc. mas
aprender, igualmente, o que ele é, teologicamente, numa concepção de liberdade e de vida.

Assim como falamos que a Teologia, em geral, é muito “adulta” e estacionada,


poderíamos falar da Espiritualidade, igualmente, em geral muito adulta e sem fome
de novidade. A Espiritualidade, para ser verdadeira, precisa também encarnar-se nas
diferentes realidades. Ela precisa ser jovem, com um perene sabor de novidade, sem
significar uma tendência superficial de ser “novidadeira”. Evidente que se não houver, atrás
da Espiritualidade, uma Teologia semeada na realidade juvenil, ela será “adulta” e, por isso,
com dificuldade de ter repercussão num recipiente “jovem”. Sucede o mesmo que lemos
no Evangelho, quando os discípulos de João se queixavam a Jesus sobre o jejum que seus
discípulos não faziam. Jesus lhes diz que “não se põe vinho novo em barris velhos, senão
os barris se arrebentam, o vinho se derrama e os barris se perdem. Vinho novo se põe em
barris novos e assim os dois se conservam” (Mt 9,17). Ser adulto é pôr vinho novo em
odres novos; só dessa forma os velhos, os “adultos”, também se conservarão.
4. Alguns pressupostos
Assim como todo verdadeiro é sempre novo,
a juventude é o sacramento da novidade.

Na tentativa de dar algumas pistas da realidade teológica do jovem, há pressupostos


que precisam ser esclarecidos para caminharmos, verdadeiramente, para uma Teologia
do Jovem. Não pretendemos esgotar esses “pressupostos”, mas iniciar uma reflexão
que nos parece urgente se quisermos, de fato, uma Igreja jovem, uma Igreja que se vê,
como lemos na Conferência Episcopal de Medellín (1968), como a verdadeira juventude
do mundo. A mesma Conferência afirma que a juventude é símbolo dela, chamada a
uma constante renovação de si mesma. “Suas manifestações”, diziam os bispos latino-
americanos em 1978, em Puebla, “são sinais dos tempos, convidando a Igreja a um
constante aprofundamento de sua autenticidade”. Se a Igreja vê na juventude um símbolo
dela mesma, ela diz isso não por tática, mas por vocação. É muito difícil uma Igreja jovem
ser verdadeira e real sem uma Teologia do Jovem. É por isso que desejamos referir-nos a
alguns pressupostos desta Teologia.

1. Tudo que é verdadeiro, sempre é novo. Tudo que é verdadeiro não se acomoda.
É dinâmico. Adapta-se, sem perder sua identidade radical. É “velho” (não pensamos
em idoso) quem não cresce mais porque toma a postura de quem chegou à “plenitude”.
A plenitude verdadeira, contudo, não é estática. Assim como o amor. Nem o céu é
estático. Ele é vida. Quando falamos que, por vezes, a Teologia é “adulta”, queremos
dizer que ela, por vezes, dentro e fora da Academia, perdeu o poder de adaptação,
tornando-se “velha”. É neste contexto que afirmamos que a juventude é uma
necessidade para as coisas divinas não se tornarem “velhas”. Uma Teologia estática,
sem incluir nela a novidade do processo divino acontecendo na humanidade, está
condenada à morte e à rejeição. Quando o Eclesiastes (1,9) diz que “debaixo do sol não
há nenhuma novidade” quer falar do perigo em perder o sentido da vida. Quando isso
acontece, todas as coisas perdem o significado. A vida se torna repetição monótona e
enfadonha, sem motivação nenhuma. É o que chamamos de “velho”.

2. Como nunca, a juventude é uma novidade emergente na sociedade, na


Igreja e na Teologia. Ela sempre existiu, mas foi e vai-se afirmando progressivamente
na história8. É emergente porque vai conquistando, progressivamente, condições de
começar a ser mais “reconhecida”, isto é, capaz de afirmar-se na realidade que vive.
Esta emergência é fruto da caminhada da sociedade e, dentro dela, da própria
juventude. Não é hora de recordar todos os passos seculares do segmento juvenil da
sociedade. Assim como foram importantes os jovens da Idade Média; os jovens dos
séculos XVI XVII vivenciaram a mudança de paradigma civilizacional, encontrando

8Veja-se Gritos silenciados, mas evidentes. Jovens construindo juventude na História. São Paulo: Loyola,
2003.
expressão, por exemplo, nos pícaros. Assim como os jovens da Revolução Industrial
cresceram em “protagonismo” pela nova realidade social, de forma semelhante os
jovens do início do século XX e dos anos de 1960, viveram do seu jeito a autonomia
para a qual sempre tinham direito. A emergência juvenil, nesse sentido, tem uma longa
história, mas é nos dias atuais que ela vai adquirindo cidadania. Por isso, também, a
novidade da Teologia do Jovem, inconcebível em outros tempos; mesmo existente, ela
começa a emergir e a se afirmar. Vivemos num tempo onde iniciamos a ser capazes de
ver, pela primeira vez, o jovem como novidade também teológica. O novo não é
idêntico ao conhecido; ele se coloca no espaço do desvelado. Até podemos afirmar que
a novidade da juventude é emergente porque já tem poder de provar sua novidade.
Uma novidade que é passada (submersa), mas também é futuro que depende das
descobertas do presente. Tudo isso não é tranqüilo. A novidade (a juventude) irrompe e
assusta.

3. Quando falamos, por isso, que o jovem é o “sacramento da novidade” não


afirmamos, simplesmente, uma frase de efeito. Alguém estar na faixa etária tida como
“adolescente” ou na faixa etária considerada “jovem” significa mais do que viver um
estado biológico. É, também, um estado teológico que carrega em si a necessidade
de uma compreensão teológica e de um linguajar teológico. O jovem é como o
profeta Isaías, dizendo coisas novas... Como diz o profeta: “As primeiras coisas já
aconteceram; coisas novas é que eu agora anuncio; antes que elas comecem, eu as
comunico a vocês” (Is 42,9). A juventude é um sacramento que anuncia novidades.
A juventude não é não somente um segmento que recebe a realidade “feita”. Ela
tem a missão de fazer, na realidade “recebida”, a vida dela. Uma vida que não foi
vivida, ainda. Ela encarna necessidades novas de modo diferente do que a novidade
de um corpo “adulto”. Neste sentido, a novidade mora no jovem. Ela é o futuro que
precisamos.

4. Deus, assim como o jovem, é da novidade. O que Ele oferece é um novo céu e
uma nova terra (Is 66,22). Assim, diz o profeta, “durarão o povo e o nome de vocês”.
Os “adultos” que tiverem medo ou rejeitarem essa novidade, “serão um horror para o
mundo inteiro” (Is 66,24). A aliança que Deus firma com seu povo é nova, colocando
a lei em seu peito e escrevendo-a em seu coração (Jer 31,31). Como diz, igualmente, o
profeta Ezequiel, Deus coloca no íntimo de seu povo um espírito novo. O que Ele quer
dar é um coração novo e tirar o coração estático e velho, virado pedra (cf. Ez 36,26).
Por isso Jesus fala tanto da necessidade de ser novo (Mt 9,16; 13,25...). Também Ele
quer beber o vinho novo no Reino de Deus, como Ele diz na instituição da Eucaristia
(Mc 14,25). A aliança que Jesus celebra é nova (Lc 22,20); o mandamento que Ele dá é
novo (Jo 13,34).

A juventude é vida que está começando a ser, com autonomia – assim como
Deus o fez. Podemos dizer que a juventude é o presente-futuro. A juventude não está feita:
ela está-se fazendo. Carrega em si a dimensão da criatividade e de uma criação que não está
pronta. Ela é a encarnação da criação acontecendo na humanidade. Quando Javé convidou
Abraão a sair da Caldéia, aceitou o novo e o desconhecido (Gn 12). Em Abraão o tempo
principal é o futuro, movendo-se pelo que vai vir. O que o move é o desejo. A utopia.
Assim é a juventude. Mesmo sendo o presente, é o futuro que move o jovem. Assim como
Abraão, o homem da fé. O mesmo vale de Moisés. Ele descobre o novo e aquilo que vai
ser, fora do palácio do Faraó. As raízes dele não estão no palácio, plantado no constituído.
Por isso Moisés sai e foge. O que lhe dá forças é o Deus que mora nele e lhe diz que vai
estar com ele (Ex 4,12). Podemos dizer que sair do palácio é sair do constituído e “estar na
moda”. Estar na moda é sair da rotina, sair do palácio. A juventude quer estar, sempre, fora
do constituído e das Caldéias cotidianas. A juventude, na sua essência, é uma desviante.
Ela é, por sua própria forma de ser, sinal do novo e do imprevisto que não se pode amarrar.
Na juventude irrompe, com poder e autoridade, a novidade que alegra e assusta. Por isso
falamos da juventude como sacramento da novidade.
5. Protagonismo
É pecado querer ser evangelizador de jovens
e não acreditar no protagonismo juvenil.

É dentro desse contexto desenvolvido sucintamente que surge o princípio orientador/


norteador que qualquer anunciante do Reino no mundo da juventude deve considerar com
muito respeito e que, ao mesmo tempo, provoca resistências e rejeições: o protagonismo
juvenil. Há quem fale de empoderamento juvenil, isto é, do desafio que o jovem vai
descobrindo: que ele foi sonhado para “ter poder” e que ele não foi sonhado para a
dependência, mas para ser sujeito de sua história. Se falamos de protagonismo juvenil
significa que acreditamos numa juventude convidada a ser sujeita de sua identidade e de
sua organização, como pessoa e como grupo. Para quem não acredita nisso é um pecado
querer ser evangelizador de jovens. Estamos frente à juventude, respeitada na descoberta de
si mesma, isto é, com o mais próximo dela: ela mesma. Com novidade incrível, ela vai
tomando contato com seu corpo: o crescimento biológico, as transformações físicas, as
sensações, os sentimentos, as emoções, o prazer, a vontade de aparecer, de se mostrar e de
cultivar o corpo, auto-afirmando-se. Percebe, também, a diversidade dos seus pensamentos.
É verdade que, assim como os pensamentos egoístas, comodistas, hedonistas e consumistas
aparecem (ou são apresentados) à juventude como “bons” - mas criam nela um vazio e um
novo isolamento - da mesma forma os pensamentos de altruísmo, de doação, de serviço e
de solidariedade lhe aparecem como ruins e ridículos, gerando uma cultura de morte em
combate com uma cultura de vida. E ela se pergunta: o que é, afinal, vida e morte?

A juventude – mais e diferentemente de outra idade – busca sua identidade. Querer,


por isso, que o jovem seja protagonista de si ou de sua organização é querer que ele seja
ele, ficando evidente que uma identidade nunca vai contra a identidade do outro. Para
afirmar essa “identidade” é claro que o jovem vai negar submissões, qualquer que ela seja.
Veja-se a história do filho pródigo (Lc 15,11s). Um grande desejo do jovem é a autonomia.
Ele também precisa aprender a ser livre, mesmo errando. Jesus Cristo sempre respeitou as
instituições, mas nunca sacrificou sua liberdade ante elas. Recorde-se a liberdade ante
Herodes (Lc 13,31s), a liberdade e severidade frente às autoridades religiosas (Mt 23,13s),
a liberdade ante o preceito do sábado (Mc 2,27) etc.

O jovem deseja e precisa ser ele mesmo. Até se pode dizer que é uma atitude
teológica negar certas leis, autoridades e dominações. Qualquer relação que fica e defende
a dependência, é relação “infantil”, indigna, e que não leva à felicidade. Também a relação
com os pais, também a relação com Deus. O Deus da Bíblia é um Deus Companheiro-
de-Caminhada que vai com o povo, na frente e na retaguarda (Ex 14,19), assim como
aprendemos de Jesus com os discípulos de Emaús (Lc 24,15). Deus quer homens e
mulheres com personalidade, amorosos/as, sujeitos de sua história. Este é o desafio mais
profundo com o qual o jovem depara e que a evangelização precisa ter em conta. Descobrir
a identidade é, ao mesmo tempo, descoberta do outro, naquilo que ele é e deveria ser,
dentro de uma sociedade que é e deveria ser.

Na vivência do protagonismo juvenil está a Teologia do Êxodo. A Teologia da saída


de um mundo de dependência para um mundo de liberdade. De um mundo fechado sobre
si para abrir-se às relações, sem perder a identidade. O tempo da juventude é uma epopéia
da busca e da conquista. O jovem que não sai de si (não sai do Egito) e não busca mover-
se nas relações e organizações, além de não acreditar em si, é alguém que está fadado a
não encontrar-se no protagonismo para o qual foi feito. É nessa geografia que se coloca a
vivência da amizade e a vivência comunitária. É o outro entrando na vida dele como um
igual. É uma descoberta. Tudo que mexe com esse eu, segurando-o ou dando a impressão
que segura, é questionado: família, escola e Igreja, principalmente. Está em ação a Teologia
da Descoberta. A juventude, por isso, que não é curiosa e não questiona, não está num bom
caminho. Descobrir, por exemplo, de forma vivencial e não teórica, que se tem e se é sexo,
é fantástico. O corpo é mais do que ele imaginava...

Não permitir o desabrochar desse protagonismo, é opressão. Não ter presente isso
nos valores para os quais se convida os jovens a se engajarem, não é ser nem verdadeiro
nem libertador. Na evangelização juvenil o que sucede, de fato, é a provocação do dom
existente na juventude, ajudando-a para que ela saiba cultivá-lo e vivenciá-lo na prática.
6. A dimensão teológica da amizade
A amizade é uma realidade divina que, carinhosamente,
através da juventude, dá-nos uma rasteira
com cheiro de novidade antiga.

Tendo presente os pressupostos anteriores, veremos alguns aspectos ou dimensões


vividas pelo jovem que tornam concreta a Teologia do Jovem. Iniciaremos falando do
teológico da amizade.

A amizade, uma realidade primeira para todo o ser humano, é um campo novo e
inexplorado para o jovem. Assim como ele vai aprendendo a relacionar-se com as pessoas,
vai aprendendo, também, o que é ser e ter amigos/as como jovem e não como criança ou
adolescente. A amizade é uma afeição independente de sexo e família. O jovem intui,
em sua intimidade, que todos, no mundo, deveriam ser amigos e que a inimizade não
tem lógica no mundo que vai aprendendo a viver. Podemos dizer que a amizade é uma
descoberta de raiz, gratuita, nascida do cotidiano. Uma novidade que é preciso saber
saborear com o traje de inusitado que isso tem para a juventude. Desperta-se contemplando,
na porta do coração, uma coisa muito simples, mas de valor infinito. O Eclesiástico (6,14)
diz, por isso, que “quem encontrar um amigo terá encontrado um tesouro”. Não tem preço
e seu valor é incalculável... O livro dos Provérbios (18,24) afirma que existem amigos mais
queridos que um irmão. Esta realidade súbita é mais do que sentimento; é uma realidade
divina que, carinhosamente, dá uma rasteira na juventude com cheiro de novidade antiga.

A juventude não quer sentir-se excluída e, por isso, sente-se envolvida de


forma inesperada por uma dinâmica nova de ser. A juventude começa a perceber que o
isolamento traz morte. Ela tem medo da solidão. Na vivência da amizade não tem lugar a
traição. Como dói, ao jovem, sentir-se traído! Com seu jeito espontâneo e radical tem
vontade de gritar a todos, para todo o universo escutar, assim como o salmista: “Meu
amigo, em quem eu confiava e que comia do meu pão, é o primeiro a me trair...” (Sl 41,10).
Jesus Cristo era amigo de todos e não conseguimos imaginar a dor que sentiu vendo-se
traído por um de seus discípulos. Ele diz, simplesmente: “Judas, com um beijo você trai o
Filho do Homem?” (Lc 22,48). Quando se quer dizer uma coisa muito boa de alguém
dizemos que ele é nosso amigo. Quando o apóstolo Tiago fala de Abraão, como pai da fé,
ele diz que foi chamado “amigo de Deus” (Tg 2,23). A amizade é a vivência mais terna que
brota de nossas entranhas. É por meio dela que saímos de nós mesmos e deixamos que o
outro, a outra, penetre em nossos porões interiores. O jovem vive isso pela primeira vez...
Palavra próxima a “amigo” é “companheiro” – aquele que come comigo o mesmo pão.
Participa dos mesmos sentimentos. E o jovem descortina um mundo onde todos deveriam
ser amigos, vivenciando uma relação de vida.
Junto com a amizade, nasce, na juventude, uma outra realidade teológica
fundamental: a gratuidade. Não se vive a amizade para tirar proveito. A amizade coloca-se
na geografia do gratuito, onde tudo é graça. Gratuito como é o pôr do sol, como é o cheiro
da rosa. Não se procura recompensa. A alegria está em dar porque, como diz o apóstolo
Paulo, “Deus ama a quem dá com alegria” (2 Cor 9,7). A tentação é ficar somente no
psicológico da amizade. A amizade é mais profunda. Ela tem origem divina. Esta amizade
que atropela a vida da juventude faz que ela seja, por isso, em sua novidade, o sacramento
da gratuidade. Nada é demais para a juventude. Esta amizade, como já dizíamos, é antes do
sexo. A vivência sexual é conseqüência; ela vem depois. É por isso que a voz do povo tem
muita razão: um casal que não é amigo, não tem futuro.

A vivência da amizade é prazerosa. Ela não tem palavras. Damo-nos conta que Deus
faz que a descoberta do outro e da outra seja agradável. Aprazível. A descoberta do outro
e da outra é apaixonante e gratuita, fazendo surgir a poesia, o romantismo, a vontade de
ficar e contemplar, a vontade de olhar nos olhos do outro e da outra e namorar, inspirando
amor. O jovem, à semelhança de Deus, é um apaixonado. No dizer do profeta, Deus afirma
para Sião que Ele a tatuou na palma de sua mão (Is 49,16). O olhar de Jesus Cristo que
tanto impressionava as pessoas, não era um olhar neutro. O olhar dele era uma forma de
afirmar o amor que ele vivia e transmitia. É o que aconteceu com o jovem rico que queria
seguir a Jesus. Como diz o evangelista Marcos, “olhou para ele com amor” (Mc 10,21) e
quando o vê ir embora, Jesus olha em volta e diz “Como é difícil para os ricos entrar no
Reino de Deus” (Mc 10, 23). Para a juventude a descoberta do outro é exultante; a beleza
do outro é uma festa e tudo que destrói pessoas e naturezas é motivo de revolta. É nisso
que se encarna, também, a sacramentalidade do jovem, a encarnação da vida que sempre se
renova.

Esconde-se, nessa dinâmica do brotar da amizade, a vivência de uma


profunda inocência. É impossível encontrarmos jovens insensíveis. O jovem ri e chora,
com a vida e a festa na flor da pele. O outro – a relação – não é um peso. É algo bonito que
pode e deve amadurecer, mas não desaparecer. É uma inocência radical que – infelizmente
“Já não vos chamo de crianças nem de servos, mas de amigos...” (cf Jo 15,15). O processo
de iniciação à amizade é, portanto, uma dimensão teológica que anseia ser explorada por
quem lida com a juventude. A importância, por isso, do cultivo, na evangelização juvenil,
da dimensão que pode e é chamada de “personalizante”. Jesus Cristo, para a juventude, é o
amigo que compreende, consola e acolhe. Deus, para o jovem, mais do que Pai, é o
“companheiro” de caminhada e de descobertas que se caracteriza pela fidelidade e pelo
perdão. De alguém que conhece nossos corações, como se lê em Lucas (16,15) e de alguém
que nos ama até o fim. Deus, para a juventude, é esse “Deus desconhecido” (At 17,23) que
se revela nesta vontade louca de ser amigo e de ter amigos/as.
7. A vida é uma festa
Para a vida ser vinho, e não água,
nada melhor que jarras enormes, cheias de juventude

Na explosão carregada de novidade da juventude, compreendemos porque, para ela


e para o cristão, a vida é uma festa. É o segundo aspecto do teológico do jovem que
desejamos esboçar. Para a juventude tudo é festa e motivo de alegria. Penetrando na
compreensão do que é festa, veremos que ela, radicalmente, é encontro, prazer e sentido.
Além disso, qualquer festa é memória e celebração, mesmo nos momentos de grande dor.
Como lemos no livro do Êxodo, a noite da saída da escravidão do Egito foi de “vigília”. A
festa da “páscoa” é, essencialmente, a memória de um acontecimento vital. Quando
falamos da juventude como “transição”, não podemos deixar de lado tudo que significa
“páscoa” e “passagem”, vividas com espírito de novidade. Só quem é cego para as coisas
da vida não percebe que onde há juventude há alegria e celebração. Havendo juventude
sem alegria, o jovem já foi assaltado em sua intimidade. O ser humano não só “trabalha” e
“pensa”. Ele canta, dança, ri, conta casos, joga, representa, faz teatro, celebra festas.

A festa compreende três elementos: a) a valorização de determinados


acontecimentos como o aniversário, o casamento, a assembléia, a avaliação, a conquista
etc. É a “matéria” da festa. A motivação. b) a expressão significativa, bonita e bem
preparada que exige rito, ornamentação. É o “discurso” da festa; a sua visibilização
colorida e sonora. c) a intercomunhão solidária. Não há festa se as relações das pessoas
estiverem envenenadas ou estiverem baseadas em interesses9. A festa é um espaço de
gratuidade. Ela é uma “parada” de gozo e descanso. Ela tem fim em si mesmo. Celebra-se
para celebrar...

Falávamos do protagonismo juvenil. Quando o jovem percebe que o adulto não lhe
tira sua identidade, mas o ajuda a descobrir-se naquilo que é, “apaixona-se” por esta
pessoa. Gosta dela e o manifesta. Pode-se dizer que é a grande descoberta daquilo que é o
verdadeiro “pai” ou a verdadeira “mãe”. Por isso o jovem é capaz de chamar de “pai” ou de
“mãe” a todo aquele que o ajuda a ser ele. É o que precisamos entender quando a juventude
fala de adultos como de “tios” e “tias”. De fato, gostariam de falar de “pai” e “mãe”, mas
percebem que não fomos suficientemente “radicais” com eles, porque ajudamos mas não
conseguimos faze-los renascer. Nessa geografia entra a figura do “assessor” ou da
“assessora” de grupos de jovens. O “pai” ou a “mãe” não são somente aqueles que o
ajudaram a ser real, na carne, fazendo-os “nascer”, mas aqueles que o ajudaram a “nascer
de novo” e serem eles mesmos. O jovem não necessita somente de genitores carnais, mas
de genitores que o levem a abraçar a vida em sua totalidade e transcendência fazendo da

9Para ter uma visão mais completa do que aqui falamos, leia-se TABORDA, Francisco S.J. “Sacramentos,
Práxis e Festa – para uma teologia latino-americana dos sacramentos”, da coleção Teologia e Libertação.
Petrópolis: Vozes, 1987.
vida uma festa. Vale recordarmos o relacionamento de Jesus com o Pai. Além de colocá-lo
no mundo, Ele (o Pai) o lança para a frente. Assim como o Pai é o “Abba” dos Evangelhos,
o “paizinho” da ternura, é a Ele que Jesus refere toda a sua liberdade. “Meu alimento é
fazer a vontade daquele que me enviou” (Jo 4,34), diz Jesus. Deus é um Pai e uma Mãe que
ama, empurra e desafia. Mesmo que não o saiba dizer, o adolescente e o jovem percebem
quando está deixando de ser objeto para ser sujeito. Descobrir-se sujeito da sua história é
motivo de alegrar-se e fazer da vida uma festa. Por isso é lindo o sorriso da juventude.

Há, contudo, três categorias de anti-festa. Em primeiro lugar, a festa deixa de ser
festa quando ela é manifestação do vazio, isto é, quando não tem motivação verdadeira,
quando é afirmação de poder que esmaga, de pura ostentação que oprime, querendo
“provar” algo aos convidados e convidadas. Neste caso não estamos numa festa; estamos
num “circo” interesseiro. Estamos numa vivência onde o comando não está nas mãos da
gratuidade. É o que nos recorda o apóstolo Paulo (1 Cor 11,17-22) quando fala da
celebração que, em vez de ser um testemunho de partilha, é lugar de ostentação e foco de
contrastes gritantes. As verdadeiras festas olham de frente as tensões e iluminam o presente
a partir do futuro que impulsionam dando substrato para que a vida seja mais vida para
todos. Até se pode dizer que o fim da verdadeira “luta” é a festa. Estamos numa anti-festa
quando as motivações não se encontram nesta geografia. Podemos dizer que o jovem é
festivo quando sonha o cidadão que é e vislumbra, cheio de perenes novidades.

Em segundo lugar, na festa vale o real e a utopia. Na juventude vale o mesmo, de


modo muito especial. O jovem traz para a festa a celebração de seu corpo, real e utópico.
Na dança, ele dança a si mesmo. Aquilo que é e vai ser. Na dança, ele dança a felicidade da
partilha que é e vai ser; a alegria do perdão que é e vai ser. A vontade de ser do outro e da
outra porque a intuição o faz saber que é ali que mora a felicidade. Vale o real e a utopia.
Embalado por essa “novidade”, até troca a noite pelo dia, como sendo a mesma realidade.
A presença do outro é festa e quando tudo isso não é verdade, estamos numa anti-festa. O
que vale é escutar a canção da utopia. Mesmo que a festa não seja o real, ela vale mais
porque a utopia é mais importante. Não vale o passado; o que conta é o futuro e o jovem,
mais do que tudo, se alegra porque sente em si a energia da utopia e, como Jesus
Cristo, é capaz de dizer “dou a vida porque quero, livremente” (Jo 10,18).

Em terceiro lugar, o sujeito da festa é o grupo reunido em conseqüência do fato


valorizado. A festa é essencialmente um fenômeno de participação. Um lugar (momento)
de partilha, gratidão e acolhida a todos. Na festa o grupo encontra a sua identidade; na festa
o grupo encontra legitimidade para a sua práxis e se reorganiza socialmente. Por isso a
festa, para qualquer pessoa, grupo ou instituição, é uma necessidade. Não há festa sem
grupo capaz de sonhar vida para todos. Por isso lemos que Davi não guardou sua alegria
para si carregando a carga da aliança para a sua cidade, mas foi dançando com entusiasmo
diante de Deus e do povo (2 Sam 6,14). Um salmo que afirma essa vivência grupal da festa
é o Salmo 150. A festa se realiza no Templo porque o Templo é a casa do povo. Exige a
presença de todos os instrumentos porque a tarefa principal de qualquer ser que respira é
louvar o Deus libertador. Festa sem povo, festa sem celebração de uma causa de realização
comunitária, é anti-festa.
É neste espaço de festa que se situa, igualmente, a questão da afetividade e da
sexualidade. A explosão sexual e afetiva do jovem custa ser entendida como um “kairós”
tipicamente juvenil. Por “kairós” entendemos um momento decisivo, como graça de Deus.
Precisamos aprender a ler, nos corpos juvenis que crescem e anseiam por aparecer e nos
sentimentos fortes que vão nascendo na perspectiva juvenil do outro e da outra, o divino
procurando mostrar-se em seu espírito de doação e criatividade. A graça de Deus sempre
tem cheiro de alegria. É matar a beleza juvenil impingir-lhe qualquer vivência sexual ou
levá-la a ficar somente no sexo. Se todos somos mais do que sexo, muito mais o jovem que
vive a aventura dessa descoberta afetiva. É distorção desumana não saber mostrar a
dimensão total da sexualidade seja com moralismos seja com liberalismos que desvirtuam
essa realidade. O jovem, em sua pureza e identidade, é quem mais sente e reclama desses
desvios. A dificuldade de penetração na intimidade do outro não é somente medo ou
insegurança. Ela é respeito ante a dignidade do outro e da outra. Isso o jovem intui. Mesmo
que o tenham estragado ou envenenado nesta sua inocência, o respeito pelo outro e pela
outra tem morada em sua interioridade. É preciso ser, por isso, com o jovem, como Jesus:
um resgatador do destruído. É o que Ele fez com a samaritana (Jo 4) e tantas outras figuras
do Evangelho. A festa, assim como a afetividade e a sexualidade, situa-se no campo da
gratuidade do festivo. Na festa, as pessoas não são objeto. Estamos na dança enorme do
amor.

O novo faz parte da constituição psico-física do jovem. Os sonhos, as utopias e os


desafios fazem parte desta novidade emergente que sente em si, como dinamismo vivo,
tudo que deseja para todos. Ele vê e sente a partir de uma ótica que ainda não existiu. Esta
novidade desinstala toda estrutura. O jovem cria o novo até em suas próprias dificuldades;
não tem medo da novidade, mas sente uma atração irresistível por ele. Maria, irmã de
Lázaro, não se prende às regras da acolhida e aos afazeres de todo dia. Fica aos pés de
Jesus, embevecida pela novidade. Não abre mão de ficar com a melhor parte, como disse o
próprio Jesus (Lc 10,42). A festa da visita e do descanso, porque era na casa delas que
Jesus refazia suas forças.

A experiência do Deus revelado, na Bíblia e no dia-a-dia, se dá através da história e


através da criação de história por parte dos que O experienciam. Isso é vivido, pelo jovem,
com o entusiasmo da primeira descoberta, sem dar-se conta da maravilha de toda essa
vivência. Aliás, foi um casal de jovens, em Caná, que fez Jesus anteciparem os “grandes
sinais”, sem os noivos se darem conta do que acontecia na festa que protagonizavam.
Aquela festa corria o risco de ser simples “água” e Jesus a faz ser festa de “vinho”, de
sentido e de verdade... A juventude é um momento de graça em que Deus cria vida,
fazendo surgir o novo – a realidade verdadeira. O jovem é, por assim dizer, a novidade
personificada naquilo que vai sendo. A forma de dizê-lo manifesta-se na vontade doida de
fazer da vida uma festa. Pode-se dizer, até, que ele/a – o/a jovem – é festa. Ele/a vive tanta
novidade que seria anormal não querer encontrar-se para rir, cantar e dançar. Onde a festa
explode com mais ânsia é no corpo do/a jovem: dele e do outro ou da outra. Quando
tentamos falar da dimensão festiva do jovem, numa perspectiva divina, começamos a dar-
nos conta que, além de sociológica ou psicológica, o jovem é uma realidade divina. E, por
isso, é festa e alegria. É o discurso que precisamos aprender a ler na juventude.
8. É teológico ser grupo
O grupo é o lugar da felicidade do jovem

O jovem gosta do bar, do grupo de amigos e da festa. O jovem não gosta de estar só.
É falso dizer que o/a jovem não gosta de “grupo”. O que importa é que este grupo seja
agradável, possibilitando um relacionamento verdadeiro. É recordando tanta juventude nos
bailes, nos bares, nos festivais, nos shows que precisamos aprender a decifrar outro aspecto
teológico da juventude: a vivência grupal.

O/A jovem experimenta, com toda a força, a beleza do grupo. Não erramos se
dissermos “do comunitário”. O “comunitário” também é algo que se aprende. Vai-se
experienciando o mais comum que ouvimos falar, isto é, que Deus não é um só, mas que
Deus é, ao mesmo tempo, misteriosamente, Pai, Filho e Espírito Santo... O povo das
comunidades até afirma que a Trindade é a melhor das comunidades. Encarando essa
realidade como descoberta, no cotidiano sair de si, na vontade doida de ver o final de
semana chegar, vislumbramos que a vontade divina de ser se manifesta de modo gritante na
juventude. Por isso entendemos porque o jovem, com seu jeito espontâneo e crítico, de
acolhida ou rejeição, recorda sempre que a Igreja não pode resumir-se em ser
“sacramentalista”, mas que ela é chamada a ser comunidade. O que a juventude sonha é
uma Igreja que celebra a vida, que seja um povo de irmãos, que seja comunhão e
participação, que tenha preferência pelos pobres, que seja profética e libertadora, que seja
solidária e evangelizadora, que seja capaz de confiar e desafiar, isto é, que seja comunitária.

O grupo é o lugar da felicidade do jovem; o grupo é uma necessidade biológica,


psicológica, sociológica e teológica. Não exageramos dizendo que o jovem tem uma
necessidade violenta de viver em grupo. Ele é capaz de ficar a noite inteira sem dormir para
conversar da vida. É cegueira ver nessa tendência unicamente vontade de “farrear”. A
noite, para o/a jovem, é uma graça porque ela facilita o mistério do encontro. A noite é a
companheira da juventude porque ela aproxima, no sentido mais integral da palavra.
Encarar a noite simplesmente como aquela que esconde a verdade, é um seqüestro terrível
do sistema que sabe roubar até a poesia do gratuito e do comunitário. A noite é a grande
acolhedora do espírito grupal do jovem. Não é verdade que em qualquer cidade tem os
“points”, os lugares em que “a galera” se encontra? Se perguntarmos pelo porquê dessa
busca, é verdade que vamos ouvir diferentes respostas: para namorar, para encontrar-se,
para mostrar-se, para fumar o “baseado” da moda, para procurar transas etc. Pode ser
verdade, mas não é a verdade total. Algo mais profundo está em jogo, de forma misteriosa
e que demora ser captada. Temos certeza, por exemplo, que até o gratuito está em jogo
nestes encontros. Se perguntássemos por que estão aí, a resposta seria um sorriso a dizer
“estamos porque estamos”...
É muito sintomático que na era da “internet”, do “chat”, do “orkut” e tantas outras
invenções da informática dar-nos conta que nunca, na história humana, houve tanta procura
juvenil de vivências grupais. Nem todas boas, mas grupais. É que a juventude, mais do que
outras idades, sente à flor da pele a novidade da atração do diferente. Trata-se da invasão
do outro e da outra. É ser pobre falar, nesse caso, somente de “instintos”. Mesmo que seja
uma “força” que venha de fora, está em jogo o apreço de sua subjetividade. Por isso que
afirmamos que nos encontramos no outro. O grupo tem a ver com amizade; tem a ver com
festa; tem a ver com afetividade e sexualidade.

A Bíblia está cheia de vivências de amizade e companheirismo. Entre tantos


exemplos (Davi e Jônatas, Tiago e João (mesmo sendo irmãos), Jesus e Lázaro, Marta e
Maria (mesmo sendo irmãs)...) queremos destacar a vivência narrada no livro de Tobias.
Mesmo sem recordar os pormenores desta narrativa comovente, Tobias, no seu mistério,
pode encarnar a beleza da vivência grupal. Graças a Rafael – assim se chamava o anjo do
Senhor - Tobias aprende a viver como companheiro. O companheiro, no entanto, não
depende de nossas escolhas. Precisamos dele e ele aparece de repente como quem procura
trabalho (Tob 5,5)... Caminhando com este “anjo”, na busca da vida, Tobias aprende a
viver como companheiro, ajudando e sendo ajudado. O companheiro, o grupo, é um Dom
que Deus coloca frente à nossa “casa” sem percebermos que ele é um Dom. Quando Tobias
promete pagar a Rafael os préstimos oferecidos, Rafael se revela como “anjo de Deus”
dizendo que a gratuidade é uma característica do Reino. A única coisa em que insiste é que
“não se cansem de agradecer” (Tob 12,6). A história de Tobias nos faz pensar, portanto, na
vivência grupal. Assim como o/a jovem procura o grupo, ser companheiro/a de grupo é,
antes de tudo, aprender a sê-lo todos os dias. É isso que o/a jovem gostaria de descobrir, na
alegria que o/a caracteriza, quando se alegra em participar de grupo.

Conseqüência da vida grupal é a descoberta e a necessidade da organização e da


vida política. Precisamos aprender que Deus não nos sonhou desorganizados. Deus não
quer ver-nos como “massa”, mas como “povo”. Deus não sonhou somente o “jovem”; ela
deseja “juventude”, isto é, jovens organizados. Deus deseja ver “juventudes” e, para isso
acontecer, uma conseqüência da vivência grupal é a organização. Uma das formas
melhores de o jovem encontrar sua identidade e sua missão no mundo é pertencer a uma
organização que o leva a assumir responsabilidades, planejamentos, pedagogias,
relacionamentos... isto é, a ele abraçar a sua identidade de protagonista. O/A jovem gosta
de rua, de viajar, de conhecer outros mundos, de escrever e ter relacionamentos com
pessoas distantes. Não lhe agradam fronteiras, nem de religião. A organização é mais do
que uma realidade sociológica; ela é uma coisa de Deus. Por isso defendermos a convicção
de que a organização é, no trabalho com a juventude, uma opção pedagógica que não pode
faltar.

Outra conseqüência da vida grupal é a vida política. O jovem não rejeita a política,
mas a distorção dela. A necessidade de “normas”, de organização e da importância de saber
“ceder” para o bem do todo não é algo que vai contra o jovem. Quando isso aparece de
forma autoritária, sem exposições do sentido delas, é evidente que vá haver rejeição. Ser de
grupo é uma forma de ser do mundo. Ser político, aliás, é uma graça que nos foi dada pelo
batismo, sendo-nos dito por Deus que ser político é ser construtor de comunidades.
Machuca-o a guerra; machuca-o a desigualdade. Ele sonha comunidade e, por isso, no
grupo, todos são iguais. Na vivência grupal está o Reino. “Onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, estou no meio deles” (Mt 18,20). Olhando, pois, essa fome do/a
jovem de viver em grupo e o sentido profundo que isso carrega, só podemos exclamar com
Paulo escrevendo aos romanos: “Como é profunda a riqueza, a sabedoria e a ciência de
Deus! (...) Todas as coisas vem dEle, por meio dEle e vão para Ele” (Rom 11,33.36).
Recordar tudo isso faz-nos imaginar a dor infinita do/a jovem quando vê essas realidades
sendo pervertidas, enlameadas e chafurdadas. É uma dor que ninguém explica.
9. Fidelidade...
Ser infiel é ser corrupto

Outro aspecto da Teologia do Jovem remete-nos para um campo que a perversão


dos “adultos” nem gostaria de recordar porque lhes parece ser um paraíso que não volta
mais. Desejamos falar da fidelidade e do seu significado no teológico, encarnado pelo/a
jovem.

Perguntando a qualquer jovem, ainda não cooptado por idéias que a sociedade
envenenada muitas vezes transmite e sugere, sobre a questão da fidelidade, eles (os/as
jovens) vão defendê-la na sua autenticidade. Numa relação a dois, o que os/as jovens mais
defendem é a fidelidade. Afirmamo-lo pela convivência com variados grupos e, também,
por pesquisas com jovens envolvendo católicos e não católicos. Perguntava-se numa
pesquisa, por exemplo, pelo que era fundamental na amizade. 54,5% optaram pela
fidelidade e 13,6% pela liberdade. Juntando “fidelidade”, “liberdade” e
“complementaridade”, teríamos um total de 95,7%10. Numa outra pesquisa, em nível
nacional,11 que perguntava a jovens de 15 a 24 anos pelos cinco valores mais importantes
para uma sociedade ideal, o valor afirmado com mais intensidade é o “temor a Deus”. Para
a juventude podem falhar vários aspectos, mas a fidelidade a Deus não pode ser esquecida.

Por que a fidelidade seria tão importante para a juventude? A resposta nós a
encontramos na Teologia que ela vive, sem mesmo saber. Para a juventude o outro e a
outra que ela vai aprendendo a descobrir, descobrindo-se, porque o outro e a outra – assim
como ela mesma – é fundamental para ela ser ela mesma. Por isso deve ser respeitado/a. O
outro e a outra não são uma brincadeira nem um objeto que se usa e se tira fora. Veja-se a
fidelidade que existe nos grupos de amigos... Para coisas boas e más. A fidelidade toma,
até, uma feição sagrada. A juventude intui que o grupo, a família, a nação e a paz não são
possíveis se não houver fidelidade.

A fidelidade, para todos, e também para a juventude, encontra sua negação na


“corrupção”. A corrupção, na sua essência, é uma infidelidade. Corrupto é quem
desrespeita o bem coletivo. Todos, mas especialmente a juventude, não toleramos
corrupção. A juventude fala de “coerência” e de “honestidade”, mas, de fato, o que ela quer
dizer é corrupção. A coerência e a honestidade são a grande exigência do/a jovem para
quem trabalha e convive com ele/a. Por outro lado, o/a jovem pode discordar de outras
erratas de postura de qualquer educador ou educadora, mas dobra-se ante a sinceridade
transparente de uma pessoa. Não significa que o/a jovem seja sempre coerente. O sonho

10 DICK, Hilário. “O imaginário do jovem no Rio Grande do Sul – leitura dos dados de uma pesquisa”. Porto
Alegre: Número 67 da Revista PJ A Caminho, março/abril de 1997.
11 ABRAMO, Helena e BRANCO, Pedro (org.). “Retratos da Juventude Brasileira – Análises de uma

pesquisa nacional”. São Paulo: Fundação Perseu Abramo e Instituto da Cidadania, 2005.
dele/a, contudo, é a fidelidade.

Foi a fidelidade, revestida de coerência e honestidade, que levou os jovens às


grandes lutas sociais na história. Observamos isso na história de Daniel mascarando os
agressores de Susana, no livro de Daniel (cap. 13); na relação afetiva que – segundo a
mitologia – os jovens mantiveram com Rômulo, fundador do Roma; na vida que muitas
jovens sacrificaram nos primeiros tempos do cristianismo; na forma que os jovens
“pícaros” da Espanha e da Europa encontraram para questionar o empobrecimento social
ao lado de um enriquecimento privado provindo das “descobertas” de novos mundos; no
questionamento que faziam às hipocrisias afetivas no tempo de Romeu e Julieta; nas
revoltas sociais que protagonizaram nos primeiros tempos da Revolução Industrial; nas
variadas agitações que provocaram na década de 1960; nos protestos que fizeram contra
guerras como a do Vietnã, nos anos setenta etc. A corrupção não faz parte do traje juvenil.
Não queremos esconder os dramas conflitivos de “verdade” e “mentira” pelos quais o/a
jovem também passa, mas a força mais vital que ele/a defende é a fidelidade. Mesmo que
confesse, como o apóstolo Paulo (Rom 7,14s), as contradições que vive, não conseguindo
entender o que faz ou reconhecendo que não faz, o que quer ou detesta, o/a jovem sonha
coerência traduzida em fidelidade.

A duplicidade que mora em todos também mora no jovem, com a diferença que, na
juventude, tudo começa a ser real, também a liberdade que é preciso conquistar, também a
construção de si mesmo num corpo que vai aprendendo a conhecer, também o desejo de ter
bens para si e para todos, também a autonomia que por vezes custa chegar, também a
identidade que ele/a sabe que não vai ser real de uma hora para a outra. Tudo, para a
juventude, constitui uma primeira batalha, com suas vitórias e derrotas que precisam ser
celebradas. O que o/a jovem intui e afirma, no seu jeito total de ser, é que - nisso tudo – o
que vale é a fidelidade a si mesmo e aos outros. A juventude adivinha o que o profeta
Ezequiel afirma quando, na parábola dos mortos que “ressuscitam” (Ez 37), Deus se
apresenta como aquele que diz e faz, numa coerência eterna. A juventude intui que a
veracidade e a fidelidade que sonha não lhe foi imposta, mas é fonte de vida. A juventude
anseia por aquilo que pode ser considerado como uma das tônicas da Bíblia: a fidelidade de
Deus. Valeria a pena ler o cântico de Davi (2 Sam 22) afirmando a fidelidade do Deus no
qual ele acredita. Um dos refrões que habita o coração da juventude – como desejo de
postura de vida - é esta fidelidade. Ela é uma das pilastras para sua vida e para a sociedade
que deseja construir.

A fidelidade leva-nos ao campo da aliança e do compromisso com o outra e a outra.


Celebrar a aliança com o amado ou a amada é outro sonho da juventude. Parece uma
adivinhação do que vai no coração de Deus, assim como a conhecemos (a aliança)
ocupando o centro da Bíblia. A aliança caracteriza o relacionamento de Deus com o seu
povo. Basta recordar a narrativa da aliança que Deus faz com Noé antes de sair da arca (Gn
9,17); a aliança que faz com Abraão (Gn 17); a aliança que faz com Moisés etc. Uma
aliança sempre recordada pelo povo. A aliança é uma das realidades mais divinas que o ser
humano pode viver. Cristo também viveu esta aliança e a renovou na instituição da
Eucaristia (Mt 26,28). O apóstolo Paulo até convoca a todos para sermos ministros de uma
nova aliança. Não uma aliança da letra, mas do Espírito (2 Cor 3,6). Recordamos isso
porque é para esta utopia que a juventude, no seu jeito de afirmar certas coisas, nos
transporta.

O mesmo se pode dizer do “compromisso” com o outro e com aquilo que a gente
abraça. Trata-se de ser leal conosco mesmos e com os outros. O que Deus mais abomina é a
hipocrisia: fazer as coisas por aparência. Assim como encontramos, especialmente no
profeta Isaías, um Deus que abomina aparências (Is 1,11), veremos que os discursos mais
violentos de Jesus Cristo são contra a falsidade (Veja-se Mt 23,13-36). O que levaria o
jovem a viver e a sonhar com este aspecto divino? Tudo nos leva a confirmar o que
dizíamos, em outro contexto, do jovem como sacramento da novidade. A novidade divina,
qual semente, está à espera do seu momento de desabrochar. Assim como ele/a, o/a jovem,
precisa dar-se conta da divindade que carrega em si, a sociedade dos adultos precisa
reconhecê-la e cultivá-la porque a juventude é uma realidade teológica. O mesmo sucede
com o amor preferencial que Deus celebra com os pobres. Na juventude isso se traduz na
generosidade em abraçar a causa dos excluídos, desejando construir uma sociedade e uma
história voltadas para a vida para todos e todas, especialmente dos mais pobres. Negar essa
sensibilidade juvenil é não entender a grandeza que o/a jovem revela em suas atitudes. É na
busca e na vivência desta realidade onde se encontra a maior força profética do/a jovem,
lutando pela vida. É na fidelidade ao mais profundo de si que vive a felicidade da
juventude. Assim como o “fiel” para quem anda a cavalo é a volta do couro no cabo do
rebenque, na qual se enfia a mão para ser mais certeiro naquilo que se quer fazer com o
relho, a fidelidade é esta força de toda pessoa, também do/a jovem. A mentira e a aparência
só fragilizam a personalidade. Por isso que a juventude estima tanto a fidelidade e as
pessoas que sabem ser fiéis.
10. O teológico da descoberta
O jovem é alguém
que vive a descoberta alucinadamente

Se “descobrir” significa “tirar a cobertura de”, “destapar”, “patentear”,


“manifestar”, “encontrar pela primeira vez”, podemos dizer que o jovem “descobre” quase
tudo. Por isso a tentativa de falar da “descoberta” juvenil como uma realidade teológica.
Não deixamos de viver a mesma aventura, falando desse assunto.

1. Para quem nunca namorou, para quem nunca viu seu corpo assim como ele
vai sendo, para quem o próprio sexo é “manifestação”, muita coisa se torna
“descoberta”. Podemos dizer que muitas realidades, para o jovem, vão ficando
“patentes” pela primeira vez. É estranho que uma realidade tão evidente, tão
nova, tão vibrante não mereça, na literatura e na educação, maiores comentários.
Faz-nos recordar o que aconteceu com os discípulos de João Batista ouvindo
falar de Jesus Cristo (Jo 1, 37s) quando Ele passava. Percebendo Jesus
que o seguiam, virou-se para eles e perguntou o que estavam procurando.
Atrapalhados, eles respondem com outra pergunta que não tinha nada a ver com
a pergunta que lhes tinha sido feita. Perguntam, simplesmente: “Mestre, onde
moras?” O primeiro encontro é assim, atrapalhado, mas lindo. Tanto que Jesus
os convida para irem e verem onde morava. Quando estas coisas acontecem,
misturam-se conhecimento, admiração, razão e sentimento, realidades palpáveis
e misteriosas. A primeira descoberta é muito mais que uma curiosidade
satisfeita. Atrevemo-nos a dizer que é uma vivência teológica onde o teológico é
solenemente desvelado. “Destapado”, como diz o dicionário.

2. A primeira descoberta das coisas faz-nos transpor, também, para a narrativa da


criação do Gênesis, contando que, depois de tudo criado, Deus viu que tudo
aquilo que Ele criara e aquilo que Ele era, “tudo era muito bom” (Gn 1,31) . O
jovem, para chegar a essa admiração madura, precisa de tempo. Até podemos
afirmar que, assim como o/a jovem irrompe na sociedade, o novo irrompe na
vida do/a jovem. É a dimensão imprevisível da descoberta.

3. Na “descoberta” há um aspecto especial que não pode ser esquecido. Ela


irrompe; ela é gratuita. A vida não é causa e efeito; não é obrigação lógica. Ela
é graça. “Tudo é graça!” diz o romancista Graham Greene no fim do romance
“Diário de um pároco de aldeia”. A descoberta é a irrupção do dom e, por
isso, tudo é motivo de gratidão e de festa. O jovem vive a invasão da graça. Da
graça que ele é, e da graça que ele recebe. Talvez seja essa a causa da alegria da
juventude. Quando tudo é novidade inesperada, a única reação pode ser a alegria
dosada de admiração. Isso se chama “juventude”.
4. Há momentos em que esta “graça” – para o jovem – parece ter obrigação de
acontecer porque não lhe falaram que, acima de tudo, está o gratuito. Por isso,
por exemplo, certa tendência de o/a jovem se esquecer de agradecer. Há tantas
coisas irrompendo em sua vida que ele/a parece afogar-se nos carinhos do
imprevisível. A gratidão é o resultado da descoberta da vida que é graça: só isso.
Falando aos discípulos sendo enviados para a missão, uma das coisas que Jesus
diz é “Vocês receberam de graça; dêem também de graça” (Mt 10,8). É que o
dom não se vende; o dom a gente dá. Por isso, na instituição da Eucaristia Jesus
se dá de todo como a dizer: Vejam! Não sejam mesquinhos. A vida é bonita
quando a gente se doa.

5. O que o evangelista Lucas quer dizer – falando da adolescência de Jesus –


quando afirma que “a graça de Deus estava com ele”? (Lc 2,52) É que Ele ia,
simplesmente, descobrindo e aprendendo a viver a vida humana como qualquer
outra pessoa, envolvida pela gratuidade divina dentro e fora dele. As realidades
vão invadindo o jovem de tal forma que ele/a chega a pensar que “tem de ser
assim”. Que tristeza indizível quando o tempo lhe ensina que não, isto é, que
ele/a e a própria vida do mundo é um dom a ser acolhido e, assim como pode
ser celebrado com festa, ele pode ser rejeitado. De qualquer forma, o jovem é
alguém que vive alucinadamente a descoberta.

6. Para não falar de outros aspectos, a descoberta de ser filho/a parece uma coisa
tão natural que nem sempre a gente se dá conta de que essa descoberta pode ser
muito dura. Duro, por exemplo, deparar-nos com o fato que não escolhemos
nem pai nem mãe. Não dizíamos, antes, que tudo é graça? A vida – assim
como Deus – na geografia do amor, é imprevisível. Até para as realidades
mais próximas não podemos dizer que elas são nossas; nós as recebemos. São
um dom do qual não podemos escapar. A descoberta da “autoridade”, isto é,
de alguém do qual dependemos, é outra coisa do nosso dia-a-dia que não é
tranqüila para quem descobre, ao mesmo tempo, que ele é livre. Há autoridade
e dependência nos maiores e menores aspectos da vida. Receber “mesada”
(se é que ainda existe...) pode ser, de repente, humilhante. Assim como não
ter trabalho para muita gente é humilhante. Isso não é só algo da “cabeça”; é
algo do todo. Podemos dizer, por isso, que o jovem é um “ninguém” que vai
aprendendo a afirmar-se à custa de suas próprias descobertas.

7. Um bom assessor ou uma boa assessora de grupos ou de pessoas, assim como


um bom pai ou uma boa mãe, são aqueles que sabem ajudar o/a jovem nesse
processo de autonomia progressiva, em vista das descobertas. Nesse processo de
autonomia a descoberta deve ser libertação. Até diríamos que a descoberta do
corpo se torna pequena ante outras realidades que envolvem o jovem no dia-a-
dia.

8. Muitas vezes as pessoas perguntam por que não se fala de Jesus como jovem?
Por que não se fala da juventude de Maria? As respostas podem ser várias, mas
uma delas deve referir-se ao fato de – numa sociedade adulta – o/a jovem, além
de não ser “ninguém”, isto é, um/a incapaz de assumir responsabilidades, o/a
jovem tornar-se-ia perigoso/a se apresentado como alguém que vive a dimensão
da descoberta e não alguém que recebe a vida mastigada. É diferente um Jesus e
uma Maria que “descobrem” a vida do que um Jesus e uma Maria que “recebe”
tudo pronto. É que o “descobrir” patenteia aspectos que os adultos não são
capazes de “destapar” porque isso é tarefa de quem vive a novidade possível,
dando vida nova à sociedade.
9. Na perspectiva da “descoberta” não é atrevimento dizer que o Deus da
juventude, de forma carinhosa, é o Espírito Santo. É Ele, afinal, que “ensinará
o que vocês devem dizer” (L 12,12). Além de ser paixão, dinamismo e afeto,
o Espírito faz ver, desvela e manifesta. Assim como estamos numa “era da
juventude”, em que a “onda juvenil” não é só uma realidade demográfica,
estamos vivendo também na “era do Espírito”. Vivemos num tempo em que
a descoberta é ágil e aonde a “conversão” vai ao caminho lento da liberdade
assumida. Recorda-nos o apóstolo Paulo escrevendo aos Coríntios: “Será
que vocês não reconhecem que Jesus Cristo está em vocês?” (2 Cor 13,5).
A juventude explodindo para a autonomia defronta-se, de repente, com uma
sociedade que tem dificuldade em admitir que, nessa vivência de “descoberta”
do/a jovem, Deus está acontecendo. Vivemos uma era, portanto, que através da
juventude precisa redescobrir o Espírito que ela revela.

10. Outro aspecto da “descoberta” é a revelação diária de um corpo que cresce. É


evidente que o corpo se torna importante, tanto para mostrá-lo e exibi-lo como
para ter medo e vergonha. O jovem gosta do corpo que é e vai sendo. O canto
do jovem não fica somente no som; o canto torna-se corpo e dança. A vida se
torna ritmo. As mudanças físicas, biológicas e psicológicas são mais do que
mudanças; nelas se revela a criação de Deus. Ante a realidade teológica do/a
jovem a prece que espera ser rezada é a do Salmo 119,18: “Abre os meus olhos,
Senhor, para eu contemplar as maravilhas da tua vontade” ou, então, a oração
de Jesus quando, após a volta dos discípulos de sua primeira missão, ele diz
que louva o Pai “porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as
revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25). Ele acrescenta, ainda: “Sim, Pai, porque
assim foi do teu agrado”. A aventura que implica descobrir tudo pela primeira
vez é uma graça que o/a jovem e a sociedade nunca vão agradecer o suficiente.
11. O teológico da doação
. Não se ama de verdade
se a gente não se “perde” (morre) no outro.

Todos sabemos que a doação pertence ao núcleo central do cristianismo. A


Eucaristia, o sacramento da doação total, é chamada pelo Vaticano II como “fonte e ápice
de toda a vida cristã” (“Lumen Gentium”, 11). Considerando isso, não é maravilhoso
perceber que a juventude, em geral, aprecia muito mais a Eucaristia do que outros
sacramentos? É ter um olhar pequeno afirmar que isso é mera causalidade. Todos, também
a juventude, intuímos as coisas de Deus. Pensando no jovem como realidade teológica, a
“doação”, o “dar a vida”, o “sair de si”, o “espírito missionário”, a vontade de encontrar-se
e de amar e tantos outros verbos não pode passar em branco em nossas considerações da
realidade teológica da juventude. A doação mora no coração do/a jovem e tem aí seu lugar
de honra. Para ele/a o egoísmo (que não deixa de ser real) é secundário. É cegueira negar a
generosidade juvenil.

Para ficarmos na Eucaristia como “ápice da vida cristã”, sabemos que na comunhão
eucarística é Deus que se dá em comida e bebida nas espécies de pão e vinho. É o Outro
penetrando em mim, como comida. Deixamos que o Outro tome conta de minha casa para
ser, como Ele, caminho, verdade e vida. Traduzindo o “mistério da fé”, podemos dizer que
comemos e bebemos a nossa utopia. O fato de a juventude apreciar a Eucaristia é prova que
é isso que ela deseja e sonha. Sem blasfêmia podemos dizer que a “comunhão”, no sentido
místico e teológico, é a sublimação erótica do mais divino que podemos imaginar. Mesmo
não compreendendo, a juventude intui o sentido desse “ato” de doação e entrega.

Outro exemplo é a solidariedade. A juventude não se fecha à miséria alheia.


Tudo que é desigualdade, opressão, injustiça e exploração grita alto na vibratilidade do/
a jovem. A verdadeira expressão da fé, para o/a jovem, dá-se na verdadeira vivência
comunitária e fraterna. Com seu jeito irreverente, o que a juventude critica, muitas vezes,
na vivência cristã? “As velhas rezadeiras” – como eles/as dizem – “que saem da igreja
fofocando da vida alheia...” A juventude é intolerante com a falsidade e com todo o tipo de
discriminação. O valor que aprecia é a “consciência crítica” e poder mostrar na prática o
apoio aos mais necessitados. Todas as causas humanitárias ecoam no coração do/a jovem.
Basta citar a paz e a ecologia.

É pela ânsia de viver a solidariedade que o exemplo de Cristo dificilmente deixa


de tocar a juventude. Atraem-na o fato de Cristo dizer que “veio para dar a sua vida” (Mc
10,45); o fato de enfrentar os que o questionavam que “veio para dar a própria carne para
que o mundo tenha vida” (Jo 6,51); o fato de se apresentar como o pastor que “dá a vida
pelas ovelhas” (Jo 10,15); o fato de amar até o fim e o fato de perdoar seus assassinos na
hora da morte. Essas atitudes penetram no coração do/a jovem e conquistam sua admiração.
O que dizer, então, da comparação com o grão de trigo? “Se o grão de trigo não cai na terra
e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muito fruto” (Jo 12,42). O exemplo de
Cristo de sair de si e de dar a vida pelos outros porque quer, tem acolhida solene na intuição
do/a jovem procurando felicidade. Sem saber, ele/a se sente doação sem limites.

Encarando essa dimensão doadora do/a jovem, a vivência do perdão é outra


realidade que ele/a sabe “curtir” – como eles/as mesmos dizem. Se não há aceitação do
sacramento da confissão é porque, na maioria das vezes, não soubemos transmitir a ele/a o
sentido profundo desse sacramento. Quem convive com jovens sabe como são bonitas e
delicadas as vivências mais adaptadas de confissão junto à juventude. Ela sabe que amor e
perdão vão de mãos dadas. O que entristece (também o coração do/a jovem) é perceber que
a confissão foi distorcida e desviada de seu destino, muitas vezes para um lado que também
mexe muito com a juventude: o moralismo. Um moralismo acrescido, ainda, de outra peste
em nossa vivência eclesial: o farisaísmo. Como é custoso superar esses dois limites de
nossa vivência eclesial! Quando o/a jovem vai descobrindo a beleza da “saída” para o
encontro do outro, uma moral ou um catecismo que somente sabe dizer que isto e mais
aquilo é pecado, o/a jovem se fecha em seu mundo de novidade, gritando com seu silêncio
que não pode ser assim. Para alguém que vai descobrindo a beleza do corpo e do erótico,
essas atitudes são fatais. O mesmo sucede com a juventude que vai descobrindo a doação
através da sexualidade. Sentir-se “boicotado” e “vigiado” num campo para o qual tem
enorme sensibilidade, só pode provocar revolta. É a forma mais triste de provocar crises e
abandonos da vivência da fé.

A afetividade, portanto, coloca-se neste campo teológico da doação. É o


outro, a outra, entrando no santuário mais privado de nossa vida. Precisamos aprender a
falar teologicamente da afetividade; não como tática; como anúncio da Boa Nova em
coração juvenil. Precisamos aprender a falar da mística da sexualidade, do corpo, do toque,
do namoro, da relação sexual como tal. OA jovem percebe quando essas realidades não
estão integradas no discurso do adulto e da Teologia. Carregamos em nós, ainda, o
desprezo do corpo e do corpóreo, onde tudo é estranho e onde não sabemos dar um sentido
teológico para o mistério e a reserva. Como Igreja e como Teologia não sabemos dar ao
jovem o sentido divino do prazer e, até, da alegria. Quantas vezes temos que topar com
uma exegese machista e castrada... Não aprendemos a ser livres, com a liberdade dos filhos
de Deus. É o discurso que o/a jovem faz para seus educadores. Nossa identidade é muito
“parada” e muito estática. Talvez porque não acreditamos na presença de Deus no
fenômeno juvenil. Por isso, a urgência de aprendermos um outro discurso sobre a juventude.

Falando do teológico da doação, apresenta-se outro exemplo radical. Referimo-


nos à morte. Se ninguém gosta da morte, muito menos o/a jovem. A morte, contudo, marca
profundamente o/a jovem começando a saborear a beleza da vida, convencido que o ideal
do homem e da mulher deve ser a vida. Uma vida para todos, onde o novo céu e a nova
terra não sejam somente de alguns. Nesta terra, como diz o profeta Isaías, não haverá morte
prematura de crianças nem morte prematura de velhos (Is 65,20). O/A jovem intui que a
vocação de todos é a vida e, por isso, o golpe da morte de qualquer tipo o oprime. Como
falamos, neste caso, da ressurreição e da morte que faz parte da vida? A doação implica
em “perdas”. A Psicologia fala disso. Tudo que é renúncia, implica em deixar uma coisa e
abraçar outra, considerada melhor. Precisamos aprender a falar da juventude que a “morte”
faz parte de qualquer doação. Também para amar. Não se ama de verdade se a gente não
se “perde” (morre) no outro. Nesse sentido, aquilo que o/a jovem mais rejeita, está nele/a
de forma violenta. Basta ver; basta olhar o todo; basta compreender o que ele/a mesmo está
vivendo de forma sempre nova. Até a morte carrega em si a novidade da juventude.

O jovem é tão religioso que facilmente cai num tipo de panteísmo, vendo Deus em
tudo. Se tivermos cuidado, vamos ver, por isso, que os grandes movimentos ecológicos, de
anistia e de paz são feitos de juventude. A natureza é tão importante, para essa juventude,
que ela é coisa de Deus. Olhando a juventude precisamos aprender dela e dizer, também:
a juventude é tão bonita que ela é coisa de Deus. A dimensão da doação é tão grande que,
se inquirirmos onde nasceram os grandes ideais de exemplos de pessoas que se destacaram
em dar vida ao mundo, teríamos que aterrissar no mundo da juventude, o mundo das
grandes “paixões” que sempre se aproximam do espírito de doação. No “amor primeiro”
não há medo. No espírito de doação não há limites. Na vontade de dar a vida, os receios são
superados. Como escreve o apóstolo Paulo aos tessalonicenses, “não precisamos escrever-
lhes a respeito do amor fraterno, pois vocês aprenderam do próprio Deus a se amarem uns
aos outros” (1 Te 4,9). O exemplo infinito dessa doação, para o/a jovem, é o próprio Deus
que a juventude sabe estar dentro dela e que nos amou com amor eterno (Jer 31,3) e enviou
seu Filho para que aprendêssemos, nÊle, que a vida é bonita quando a gente se dá aos
outros.
EPÍLOGO
Falando do “divino no jovem”, tentamos lançar um primeiro aprofundamento,
conscientes que é algo que – mesmo como Igreja – vamos descobrindo. Não deixa de
ser uma leitura da cultura juvenil. Mais do que isso, no entanto, importa aprendermos a
ler a realidade teológica do jovem dando direção a nossas atitudes pedagógicas. Nossas
pedagogias a serviço da Boa Nova ao mundo juvenil são, por vezes, sem alma porque não
se vê o divino encarnado nele.

O que fizemos é, simplesmente, lançar um primeiro desafio de uma realidade


teológica que precisa ser amadurecida. Está em jogo a saúde da sociedade, da Igreja, da
Teologia e da Espiritualidade. Os gritos da juventude ecoam, insistentemente, em todos
estes espaços como a dizer-nos: “ajudem-me a descobrir o que sou no mais divino em que
fui criado”.
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