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ELEMENTOS TEOLOGAIS
PARA A EVANGELIZAÇÃO DA CULTURA JUVENIL
PRÓLOGO
Numa praia linda e simples, numa casa em construção – assim como o jovem – um grupo
de amantes da juventude, embalado pelas ondas do mar, lançava no papel as primeiras
idéias do que seria, depois, um modesto escrito intitulado “O Divino no Jovem”. O que
então se escrevia, vem agora de vestido novo. A vida nos ensina sempre, principalmente
para quem deseja ser um Neotéfilo em conversão. O escrito carrega a convicção de que
o que vai escrito precisa ingressar no discurso da Igreja sobre a juventude. Há coisas que
precisamos aprender a dizer, mesmo que sejam coisas simples e incompletas. Para alguns,
até banais. Trata-se do discurso mais novo sobre juventude...
Faz um bem enorme ouvir um canto dizer que “o rosto de Deus é jovem também” ou,
então, “se a juventude viesse a faltar o rosto de Deus iria mudar”. São balbucios, mas
balbucios necessários à espera de algo melhor. Está em jogo a dignidade da juventude e a
dignidade da sociedade, para não falar da dignidade da Igreja, Povo de Deus.
1. Evangelização da cultura juvenil
Para anunciar uma Boa Nova
não se pode ficar na superfície
1. Por “cultura” - sem negar que haveria possibilidade de navegar por várias
conceituações e compreensões1 - entendemos o que diz a sabedoria do bom senso: um
sistema de atitudes e modos de agir, um sistema de costumes e instituições, valores
espirituais e materiais vividos por uma sociedade. Em sentido mais restrito, “cultura”
significa certo desenvolvimento do estado intelectual, artístico ou científico, em que
se revela o sentido humano e o esforço coletivo de uma comunidade pela libertação
do espírito, dando-lhe uma identidade perceptível em diferentes manifestações,
constituindo um conjunto de traços estreitamente ligados entre si, em torno de um eixo
central. No caso “juvenil”, estamos frente a um eixo que é fortemente social, biológico,
etário e corporal. Trata-se, para nós, da cultura de um segmento da sociedade (14 a 30
anos), mergulhado no que se pode chamar de “moratória vital” 2, respeitada ou não.
Mais adiante, Paulo VI enriquece estas afirmações dizendo que “não se trata tanto
de pregar o Evangelho a espaços geográficos cada vez mais vastos ou populações
maiores em dimensões de massa, mas de chegar a atingir e como que a modificar
pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de
interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da
humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio
da salvação” (EN,19). Pensando, pois, em “evangelizar a cultura juvenil”, fica evidente
que se trata de uma atitude arriscada, de transmissão de valores, de respeitar e construir,
no mais íntimo das pessoas e instituições, propostas de cosmovisões assumidas em
sua raiz. Paulo VI continua afirmando, por isso, que “importa evangelizar – não de
maneira decorativa, como que aplicando um verniz superficial, mas de maneira vital,
em profundidade e isto até às suas raízes – a cultura e as culturas do homem, no sentido
pleno e amplo que estes termos tem na Constituição ´Gaudium et Spes´, a partir da
pessoa e fazendo, continuamente, apelo para as relações das pessoas entre si e com
Deus” (EN 20).
Mais ainda: “... o Reino que o Evangelho anuncia é vivido por homens
profundamente ligados a uma determinada cultura”. “... a edificação do Reino não pode
deixar de servir-se de elementos da cultura e das culturas humanas” (EN 20). E Paulo
VI é taxativo: “A ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa
época, como o foi também de outras épocas” (EN 20).
É por estas razões que a evangelização da cultura juvenil se constitui, para a Igreja,
um problema central. Se quisermos ser portadores de uma Boa Nova, precisamos ser
especialistas, também, na Boa Nova que a realidade juvenil carrega em si. Conhecer a
cultura juvenil, para um evangelizador, é reconhecer que no segmento da sociedade
chamado “juventude” se encontram as sementes ocultas do Verbo3, como fala o Decreto
“Ad Gentes”, do Vaticano II. Neste sentido, precisamos aprender a estudar, reconhecer,
aprofundar e estimular o divino que há no jovem. “Entrar em contato com o divino da
juventude é entender sua Psicologia, sua Biologia, sua Sociologia e sua Antropologia com
o olhar de Deus, dizem os bispos do Brasil4. Sem menosprezar outras leituras necessárias,
a novidade que a cultura juvenil nos apresenta neste momento, é sua Teologia, isto é, o
discurso que Deus nos faz através da juventude. Não considerar isso é deixar de lado o
específico da evangelização juvenil. Como diz o mesmo documento da CNBB, “o jovem
necessita não somente que falemos para ele de um Deus que vem “de fora”, mas de um
Deus que é real dentro dele em seu modo juvenil de ser, desejando irromper e deixar de ser
um grito silenciado”. O Deus da juventude tem um rosto de juventude, com tudo o que isso
significa.
Parece-nos evidente recordar que a Igreja e a Teologia dão a impressão que sabem
falar para e de adultos e crianças, mas gaguejam quando falam para e da juventude. Por
que seria mais fácil falar para crianças? É que o “auditório” permite... movido por uma
convicção ou uma necessidade geral de “dependência”. Por que não florescem com mais
pujança cursos de Teologia para pessoas que não são do “clero”? Sem sermos apressados,
o que fica sempre mais patente é que quando o “auditório” é feito de “assistentes” em
busca de autonomia, de protagonismo e de rejeição de tudo que carrega a vestimenta da
imposição, a reação é outra. Enquanto a criança é objeto de evangelização, o discurso
“adulto” vai aparentemente bem. A transmissão de valores e a conversa têm repercussão
porque “vem de cima”. Por que, contudo, a situação muda quando esta criança se torna
adolescente e jovem? Diz-se, até, que as cerimônias do sacramento da Crisma são a solene
despedida da vida eclesial por parte da maioria dos adolescentes... Não só a Pedagogia
devia ser outra; deve ser outra a forma de encarar a figura do e da adolescente. Mais do que
uma questão didática está em jogo uma postura teológica e pedagógica não só diante do
que se quer transmitir, mas uma atitude pedagógica e teológica frente a quem é dirigida a
pretendida Boa Nova.
A Boa Nova não só vem de fora; ela é semente escondida na terra e precisa ser
cultivada com respeito enorme. Quando lemos no Evangelho de São João que Jesus diz
a Pedro que “se eu não te lavar, não terás parte comigo” (Jo 13,8) chama a atenção
para a importância do evangelizando “ser lavado”, isto é, conhecido e respeitado em sua
intimidade porque o Reino precisa ser “lavado”, isto é, desvelado, retirando cegueiras e
sujeiras que impedem fazer parte do Reino que já está ali. É preciso saber, principalmente
a partir de certa idade, enfrentar e desejar ajudar a construir a liberdade do outro. Pode
até acontecer que o outro não queira ser lavado, julgando que não precisa, como Pedro do
Evangelho. O importante é ter a bacia nas mãos e o sabor da novidade no coração, com
disposição de lavar, isto é, de desvelar o mistério que exige outra postura de vida, saindo do
estabelecido. Cristo não estava fazendo somente um gesto; havia assumido Pedro em sua
vocação e grandeza.
Por isso falamos da Teologia do Jovem, um assunto que é mais do que uma
mudança de postura didática. Precisamos descobrir um novo campo teológico. É nessa
geografia que se fundamenta a importância do conhecimento cada vez mais científico
da juventude, em todos os aspectos, não só pedagógica ou psicologicamente. O jovem
como uma realidade que nos revela Deus. Na educação da fé de todos, especialmente dos
jovens, não bastam os espaços “autoritários” da obrigatoriedade da Catequese e da Crisma.
7Um capítulo que precisa ser aprofundado por todos, também pela Igreja, são os possíveis paradigmas
possíveis com relação à pesquisa e ao trabalho com a juventude. São “cenários” que existem e que exigem
opções porque é diverso o peso pedagógico e teológico que carregam.
Com muita sabedoria precisamos aprender a revelar ao jovem a riqueza infinita que mora
nele. Ele precisa e sonha descobrir e aprender o que é Deus, Jesus Cristo, Igreja etc. mas
aprender, igualmente, o que ele é, teologicamente, numa concepção de liberdade e de vida.
1. Tudo que é verdadeiro, sempre é novo. Tudo que é verdadeiro não se acomoda.
É dinâmico. Adapta-se, sem perder sua identidade radical. É “velho” (não pensamos
em idoso) quem não cresce mais porque toma a postura de quem chegou à “plenitude”.
A plenitude verdadeira, contudo, não é estática. Assim como o amor. Nem o céu é
estático. Ele é vida. Quando falamos que, por vezes, a Teologia é “adulta”, queremos
dizer que ela, por vezes, dentro e fora da Academia, perdeu o poder de adaptação,
tornando-se “velha”. É neste contexto que afirmamos que a juventude é uma
necessidade para as coisas divinas não se tornarem “velhas”. Uma Teologia estática,
sem incluir nela a novidade do processo divino acontecendo na humanidade, está
condenada à morte e à rejeição. Quando o Eclesiastes (1,9) diz que “debaixo do sol não
há nenhuma novidade” quer falar do perigo em perder o sentido da vida. Quando isso
acontece, todas as coisas perdem o significado. A vida se torna repetição monótona e
enfadonha, sem motivação nenhuma. É o que chamamos de “velho”.
8Veja-se Gritos silenciados, mas evidentes. Jovens construindo juventude na História. São Paulo: Loyola,
2003.
expressão, por exemplo, nos pícaros. Assim como os jovens da Revolução Industrial
cresceram em “protagonismo” pela nova realidade social, de forma semelhante os
jovens do início do século XX e dos anos de 1960, viveram do seu jeito a autonomia
para a qual sempre tinham direito. A emergência juvenil, nesse sentido, tem uma longa
história, mas é nos dias atuais que ela vai adquirindo cidadania. Por isso, também, a
novidade da Teologia do Jovem, inconcebível em outros tempos; mesmo existente, ela
começa a emergir e a se afirmar. Vivemos num tempo onde iniciamos a ser capazes de
ver, pela primeira vez, o jovem como novidade também teológica. O novo não é
idêntico ao conhecido; ele se coloca no espaço do desvelado. Até podemos afirmar que
a novidade da juventude é emergente porque já tem poder de provar sua novidade.
Uma novidade que é passada (submersa), mas também é futuro que depende das
descobertas do presente. Tudo isso não é tranqüilo. A novidade (a juventude) irrompe e
assusta.
4. Deus, assim como o jovem, é da novidade. O que Ele oferece é um novo céu e
uma nova terra (Is 66,22). Assim, diz o profeta, “durarão o povo e o nome de vocês”.
Os “adultos” que tiverem medo ou rejeitarem essa novidade, “serão um horror para o
mundo inteiro” (Is 66,24). A aliança que Deus firma com seu povo é nova, colocando
a lei em seu peito e escrevendo-a em seu coração (Jer 31,31). Como diz, igualmente, o
profeta Ezequiel, Deus coloca no íntimo de seu povo um espírito novo. O que Ele quer
dar é um coração novo e tirar o coração estático e velho, virado pedra (cf. Ez 36,26).
Por isso Jesus fala tanto da necessidade de ser novo (Mt 9,16; 13,25...). Também Ele
quer beber o vinho novo no Reino de Deus, como Ele diz na instituição da Eucaristia
(Mc 14,25). A aliança que Jesus celebra é nova (Lc 22,20); o mandamento que Ele dá é
novo (Jo 13,34).
A juventude é vida que está começando a ser, com autonomia – assim como
Deus o fez. Podemos dizer que a juventude é o presente-futuro. A juventude não está feita:
ela está-se fazendo. Carrega em si a dimensão da criatividade e de uma criação que não está
pronta. Ela é a encarnação da criação acontecendo na humanidade. Quando Javé convidou
Abraão a sair da Caldéia, aceitou o novo e o desconhecido (Gn 12). Em Abraão o tempo
principal é o futuro, movendo-se pelo que vai vir. O que o move é o desejo. A utopia.
Assim é a juventude. Mesmo sendo o presente, é o futuro que move o jovem. Assim como
Abraão, o homem da fé. O mesmo vale de Moisés. Ele descobre o novo e aquilo que vai
ser, fora do palácio do Faraó. As raízes dele não estão no palácio, plantado no constituído.
Por isso Moisés sai e foge. O que lhe dá forças é o Deus que mora nele e lhe diz que vai
estar com ele (Ex 4,12). Podemos dizer que sair do palácio é sair do constituído e “estar na
moda”. Estar na moda é sair da rotina, sair do palácio. A juventude quer estar, sempre, fora
do constituído e das Caldéias cotidianas. A juventude, na sua essência, é uma desviante.
Ela é, por sua própria forma de ser, sinal do novo e do imprevisto que não se pode amarrar.
Na juventude irrompe, com poder e autoridade, a novidade que alegra e assusta. Por isso
falamos da juventude como sacramento da novidade.
5. Protagonismo
É pecado querer ser evangelizador de jovens
e não acreditar no protagonismo juvenil.
O jovem deseja e precisa ser ele mesmo. Até se pode dizer que é uma atitude
teológica negar certas leis, autoridades e dominações. Qualquer relação que fica e defende
a dependência, é relação “infantil”, indigna, e que não leva à felicidade. Também a relação
com os pais, também a relação com Deus. O Deus da Bíblia é um Deus Companheiro-
de-Caminhada que vai com o povo, na frente e na retaguarda (Ex 14,19), assim como
aprendemos de Jesus com os discípulos de Emaús (Lc 24,15). Deus quer homens e
mulheres com personalidade, amorosos/as, sujeitos de sua história. Este é o desafio mais
profundo com o qual o jovem depara e que a evangelização precisa ter em conta. Descobrir
a identidade é, ao mesmo tempo, descoberta do outro, naquilo que ele é e deveria ser,
dentro de uma sociedade que é e deveria ser.
Não permitir o desabrochar desse protagonismo, é opressão. Não ter presente isso
nos valores para os quais se convida os jovens a se engajarem, não é ser nem verdadeiro
nem libertador. Na evangelização juvenil o que sucede, de fato, é a provocação do dom
existente na juventude, ajudando-a para que ela saiba cultivá-lo e vivenciá-lo na prática.
6. A dimensão teológica da amizade
A amizade é uma realidade divina que, carinhosamente,
através da juventude, dá-nos uma rasteira
com cheiro de novidade antiga.
A amizade, uma realidade primeira para todo o ser humano, é um campo novo e
inexplorado para o jovem. Assim como ele vai aprendendo a relacionar-se com as pessoas,
vai aprendendo, também, o que é ser e ter amigos/as como jovem e não como criança ou
adolescente. A amizade é uma afeição independente de sexo e família. O jovem intui,
em sua intimidade, que todos, no mundo, deveriam ser amigos e que a inimizade não
tem lógica no mundo que vai aprendendo a viver. Podemos dizer que a amizade é uma
descoberta de raiz, gratuita, nascida do cotidiano. Uma novidade que é preciso saber
saborear com o traje de inusitado que isso tem para a juventude. Desperta-se contemplando,
na porta do coração, uma coisa muito simples, mas de valor infinito. O Eclesiástico (6,14)
diz, por isso, que “quem encontrar um amigo terá encontrado um tesouro”. Não tem preço
e seu valor é incalculável... O livro dos Provérbios (18,24) afirma que existem amigos mais
queridos que um irmão. Esta realidade súbita é mais do que sentimento; é uma realidade
divina que, carinhosamente, dá uma rasteira na juventude com cheiro de novidade antiga.
A vivência da amizade é prazerosa. Ela não tem palavras. Damo-nos conta que Deus
faz que a descoberta do outro e da outra seja agradável. Aprazível. A descoberta do outro
e da outra é apaixonante e gratuita, fazendo surgir a poesia, o romantismo, a vontade de
ficar e contemplar, a vontade de olhar nos olhos do outro e da outra e namorar, inspirando
amor. O jovem, à semelhança de Deus, é um apaixonado. No dizer do profeta, Deus afirma
para Sião que Ele a tatuou na palma de sua mão (Is 49,16). O olhar de Jesus Cristo que
tanto impressionava as pessoas, não era um olhar neutro. O olhar dele era uma forma de
afirmar o amor que ele vivia e transmitia. É o que aconteceu com o jovem rico que queria
seguir a Jesus. Como diz o evangelista Marcos, “olhou para ele com amor” (Mc 10,21) e
quando o vê ir embora, Jesus olha em volta e diz “Como é difícil para os ricos entrar no
Reino de Deus” (Mc 10, 23). Para a juventude a descoberta do outro é exultante; a beleza
do outro é uma festa e tudo que destrói pessoas e naturezas é motivo de revolta. É nisso
que se encarna, também, a sacramentalidade do jovem, a encarnação da vida que sempre se
renova.
Falávamos do protagonismo juvenil. Quando o jovem percebe que o adulto não lhe
tira sua identidade, mas o ajuda a descobrir-se naquilo que é, “apaixona-se” por esta
pessoa. Gosta dela e o manifesta. Pode-se dizer que é a grande descoberta daquilo que é o
verdadeiro “pai” ou a verdadeira “mãe”. Por isso o jovem é capaz de chamar de “pai” ou de
“mãe” a todo aquele que o ajuda a ser ele. É o que precisamos entender quando a juventude
fala de adultos como de “tios” e “tias”. De fato, gostariam de falar de “pai” e “mãe”, mas
percebem que não fomos suficientemente “radicais” com eles, porque ajudamos mas não
conseguimos faze-los renascer. Nessa geografia entra a figura do “assessor” ou da
“assessora” de grupos de jovens. O “pai” ou a “mãe” não são somente aqueles que o
ajudaram a ser real, na carne, fazendo-os “nascer”, mas aqueles que o ajudaram a “nascer
de novo” e serem eles mesmos. O jovem não necessita somente de genitores carnais, mas
de genitores que o levem a abraçar a vida em sua totalidade e transcendência fazendo da
9Para ter uma visão mais completa do que aqui falamos, leia-se TABORDA, Francisco S.J. “Sacramentos,
Práxis e Festa – para uma teologia latino-americana dos sacramentos”, da coleção Teologia e Libertação.
Petrópolis: Vozes, 1987.
vida uma festa. Vale recordarmos o relacionamento de Jesus com o Pai. Além de colocá-lo
no mundo, Ele (o Pai) o lança para a frente. Assim como o Pai é o “Abba” dos Evangelhos,
o “paizinho” da ternura, é a Ele que Jesus refere toda a sua liberdade. “Meu alimento é
fazer a vontade daquele que me enviou” (Jo 4,34), diz Jesus. Deus é um Pai e uma Mãe que
ama, empurra e desafia. Mesmo que não o saiba dizer, o adolescente e o jovem percebem
quando está deixando de ser objeto para ser sujeito. Descobrir-se sujeito da sua história é
motivo de alegrar-se e fazer da vida uma festa. Por isso é lindo o sorriso da juventude.
Há, contudo, três categorias de anti-festa. Em primeiro lugar, a festa deixa de ser
festa quando ela é manifestação do vazio, isto é, quando não tem motivação verdadeira,
quando é afirmação de poder que esmaga, de pura ostentação que oprime, querendo
“provar” algo aos convidados e convidadas. Neste caso não estamos numa festa; estamos
num “circo” interesseiro. Estamos numa vivência onde o comando não está nas mãos da
gratuidade. É o que nos recorda o apóstolo Paulo (1 Cor 11,17-22) quando fala da
celebração que, em vez de ser um testemunho de partilha, é lugar de ostentação e foco de
contrastes gritantes. As verdadeiras festas olham de frente as tensões e iluminam o presente
a partir do futuro que impulsionam dando substrato para que a vida seja mais vida para
todos. Até se pode dizer que o fim da verdadeira “luta” é a festa. Estamos numa anti-festa
quando as motivações não se encontram nesta geografia. Podemos dizer que o jovem é
festivo quando sonha o cidadão que é e vislumbra, cheio de perenes novidades.
O jovem gosta do bar, do grupo de amigos e da festa. O jovem não gosta de estar só.
É falso dizer que o/a jovem não gosta de “grupo”. O que importa é que este grupo seja
agradável, possibilitando um relacionamento verdadeiro. É recordando tanta juventude nos
bailes, nos bares, nos festivais, nos shows que precisamos aprender a decifrar outro aspecto
teológico da juventude: a vivência grupal.
O/A jovem experimenta, com toda a força, a beleza do grupo. Não erramos se
dissermos “do comunitário”. O “comunitário” também é algo que se aprende. Vai-se
experienciando o mais comum que ouvimos falar, isto é, que Deus não é um só, mas que
Deus é, ao mesmo tempo, misteriosamente, Pai, Filho e Espírito Santo... O povo das
comunidades até afirma que a Trindade é a melhor das comunidades. Encarando essa
realidade como descoberta, no cotidiano sair de si, na vontade doida de ver o final de
semana chegar, vislumbramos que a vontade divina de ser se manifesta de modo gritante na
juventude. Por isso entendemos porque o jovem, com seu jeito espontâneo e crítico, de
acolhida ou rejeição, recorda sempre que a Igreja não pode resumir-se em ser
“sacramentalista”, mas que ela é chamada a ser comunidade. O que a juventude sonha é
uma Igreja que celebra a vida, que seja um povo de irmãos, que seja comunhão e
participação, que tenha preferência pelos pobres, que seja profética e libertadora, que seja
solidária e evangelizadora, que seja capaz de confiar e desafiar, isto é, que seja comunitária.
Outra conseqüência da vida grupal é a vida política. O jovem não rejeita a política,
mas a distorção dela. A necessidade de “normas”, de organização e da importância de saber
“ceder” para o bem do todo não é algo que vai contra o jovem. Quando isso aparece de
forma autoritária, sem exposições do sentido delas, é evidente que vá haver rejeição. Ser de
grupo é uma forma de ser do mundo. Ser político, aliás, é uma graça que nos foi dada pelo
batismo, sendo-nos dito por Deus que ser político é ser construtor de comunidades.
Machuca-o a guerra; machuca-o a desigualdade. Ele sonha comunidade e, por isso, no
grupo, todos são iguais. Na vivência grupal está o Reino. “Onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, estou no meio deles” (Mt 18,20). Olhando, pois, essa fome do/a
jovem de viver em grupo e o sentido profundo que isso carrega, só podemos exclamar com
Paulo escrevendo aos romanos: “Como é profunda a riqueza, a sabedoria e a ciência de
Deus! (...) Todas as coisas vem dEle, por meio dEle e vão para Ele” (Rom 11,33.36).
Recordar tudo isso faz-nos imaginar a dor infinita do/a jovem quando vê essas realidades
sendo pervertidas, enlameadas e chafurdadas. É uma dor que ninguém explica.
9. Fidelidade...
Ser infiel é ser corrupto
Perguntando a qualquer jovem, ainda não cooptado por idéias que a sociedade
envenenada muitas vezes transmite e sugere, sobre a questão da fidelidade, eles (os/as
jovens) vão defendê-la na sua autenticidade. Numa relação a dois, o que os/as jovens mais
defendem é a fidelidade. Afirmamo-lo pela convivência com variados grupos e, também,
por pesquisas com jovens envolvendo católicos e não católicos. Perguntava-se numa
pesquisa, por exemplo, pelo que era fundamental na amizade. 54,5% optaram pela
fidelidade e 13,6% pela liberdade. Juntando “fidelidade”, “liberdade” e
“complementaridade”, teríamos um total de 95,7%10. Numa outra pesquisa, em nível
nacional,11 que perguntava a jovens de 15 a 24 anos pelos cinco valores mais importantes
para uma sociedade ideal, o valor afirmado com mais intensidade é o “temor a Deus”. Para
a juventude podem falhar vários aspectos, mas a fidelidade a Deus não pode ser esquecida.
Por que a fidelidade seria tão importante para a juventude? A resposta nós a
encontramos na Teologia que ela vive, sem mesmo saber. Para a juventude o outro e a
outra que ela vai aprendendo a descobrir, descobrindo-se, porque o outro e a outra – assim
como ela mesma – é fundamental para ela ser ela mesma. Por isso deve ser respeitado/a. O
outro e a outra não são uma brincadeira nem um objeto que se usa e se tira fora. Veja-se a
fidelidade que existe nos grupos de amigos... Para coisas boas e más. A fidelidade toma,
até, uma feição sagrada. A juventude intui que o grupo, a família, a nação e a paz não são
possíveis se não houver fidelidade.
10 DICK, Hilário. “O imaginário do jovem no Rio Grande do Sul – leitura dos dados de uma pesquisa”. Porto
Alegre: Número 67 da Revista PJ A Caminho, março/abril de 1997.
11 ABRAMO, Helena e BRANCO, Pedro (org.). “Retratos da Juventude Brasileira – Análises de uma
pesquisa nacional”. São Paulo: Fundação Perseu Abramo e Instituto da Cidadania, 2005.
dele/a, contudo, é a fidelidade.
A duplicidade que mora em todos também mora no jovem, com a diferença que, na
juventude, tudo começa a ser real, também a liberdade que é preciso conquistar, também a
construção de si mesmo num corpo que vai aprendendo a conhecer, também o desejo de ter
bens para si e para todos, também a autonomia que por vezes custa chegar, também a
identidade que ele/a sabe que não vai ser real de uma hora para a outra. Tudo, para a
juventude, constitui uma primeira batalha, com suas vitórias e derrotas que precisam ser
celebradas. O que o/a jovem intui e afirma, no seu jeito total de ser, é que - nisso tudo – o
que vale é a fidelidade a si mesmo e aos outros. A juventude adivinha o que o profeta
Ezequiel afirma quando, na parábola dos mortos que “ressuscitam” (Ez 37), Deus se
apresenta como aquele que diz e faz, numa coerência eterna. A juventude intui que a
veracidade e a fidelidade que sonha não lhe foi imposta, mas é fonte de vida. A juventude
anseia por aquilo que pode ser considerado como uma das tônicas da Bíblia: a fidelidade de
Deus. Valeria a pena ler o cântico de Davi (2 Sam 22) afirmando a fidelidade do Deus no
qual ele acredita. Um dos refrões que habita o coração da juventude – como desejo de
postura de vida - é esta fidelidade. Ela é uma das pilastras para sua vida e para a sociedade
que deseja construir.
O mesmo se pode dizer do “compromisso” com o outro e com aquilo que a gente
abraça. Trata-se de ser leal conosco mesmos e com os outros. O que Deus mais abomina é a
hipocrisia: fazer as coisas por aparência. Assim como encontramos, especialmente no
profeta Isaías, um Deus que abomina aparências (Is 1,11), veremos que os discursos mais
violentos de Jesus Cristo são contra a falsidade (Veja-se Mt 23,13-36). O que levaria o
jovem a viver e a sonhar com este aspecto divino? Tudo nos leva a confirmar o que
dizíamos, em outro contexto, do jovem como sacramento da novidade. A novidade divina,
qual semente, está à espera do seu momento de desabrochar. Assim como ele/a, o/a jovem,
precisa dar-se conta da divindade que carrega em si, a sociedade dos adultos precisa
reconhecê-la e cultivá-la porque a juventude é uma realidade teológica. O mesmo sucede
com o amor preferencial que Deus celebra com os pobres. Na juventude isso se traduz na
generosidade em abraçar a causa dos excluídos, desejando construir uma sociedade e uma
história voltadas para a vida para todos e todas, especialmente dos mais pobres. Negar essa
sensibilidade juvenil é não entender a grandeza que o/a jovem revela em suas atitudes. É na
busca e na vivência desta realidade onde se encontra a maior força profética do/a jovem,
lutando pela vida. É na fidelidade ao mais profundo de si que vive a felicidade da
juventude. Assim como o “fiel” para quem anda a cavalo é a volta do couro no cabo do
rebenque, na qual se enfia a mão para ser mais certeiro naquilo que se quer fazer com o
relho, a fidelidade é esta força de toda pessoa, também do/a jovem. A mentira e a aparência
só fragilizam a personalidade. Por isso que a juventude estima tanto a fidelidade e as
pessoas que sabem ser fiéis.
10. O teológico da descoberta
O jovem é alguém
que vive a descoberta alucinadamente
1. Para quem nunca namorou, para quem nunca viu seu corpo assim como ele
vai sendo, para quem o próprio sexo é “manifestação”, muita coisa se torna
“descoberta”. Podemos dizer que muitas realidades, para o jovem, vão ficando
“patentes” pela primeira vez. É estranho que uma realidade tão evidente, tão
nova, tão vibrante não mereça, na literatura e na educação, maiores comentários.
Faz-nos recordar o que aconteceu com os discípulos de João Batista ouvindo
falar de Jesus Cristo (Jo 1, 37s) quando Ele passava. Percebendo Jesus
que o seguiam, virou-se para eles e perguntou o que estavam procurando.
Atrapalhados, eles respondem com outra pergunta que não tinha nada a ver com
a pergunta que lhes tinha sido feita. Perguntam, simplesmente: “Mestre, onde
moras?” O primeiro encontro é assim, atrapalhado, mas lindo. Tanto que Jesus
os convida para irem e verem onde morava. Quando estas coisas acontecem,
misturam-se conhecimento, admiração, razão e sentimento, realidades palpáveis
e misteriosas. A primeira descoberta é muito mais que uma curiosidade
satisfeita. Atrevemo-nos a dizer que é uma vivência teológica onde o teológico é
solenemente desvelado. “Destapado”, como diz o dicionário.
6. Para não falar de outros aspectos, a descoberta de ser filho/a parece uma coisa
tão natural que nem sempre a gente se dá conta de que essa descoberta pode ser
muito dura. Duro, por exemplo, deparar-nos com o fato que não escolhemos
nem pai nem mãe. Não dizíamos, antes, que tudo é graça? A vida – assim
como Deus – na geografia do amor, é imprevisível. Até para as realidades
mais próximas não podemos dizer que elas são nossas; nós as recebemos. São
um dom do qual não podemos escapar. A descoberta da “autoridade”, isto é,
de alguém do qual dependemos, é outra coisa do nosso dia-a-dia que não é
tranqüila para quem descobre, ao mesmo tempo, que ele é livre. Há autoridade
e dependência nos maiores e menores aspectos da vida. Receber “mesada”
(se é que ainda existe...) pode ser, de repente, humilhante. Assim como não
ter trabalho para muita gente é humilhante. Isso não é só algo da “cabeça”; é
algo do todo. Podemos dizer, por isso, que o jovem é um “ninguém” que vai
aprendendo a afirmar-se à custa de suas próprias descobertas.
8. Muitas vezes as pessoas perguntam por que não se fala de Jesus como jovem?
Por que não se fala da juventude de Maria? As respostas podem ser várias, mas
uma delas deve referir-se ao fato de – numa sociedade adulta – o/a jovem, além
de não ser “ninguém”, isto é, um/a incapaz de assumir responsabilidades, o/a
jovem tornar-se-ia perigoso/a se apresentado como alguém que vive a dimensão
da descoberta e não alguém que recebe a vida mastigada. É diferente um Jesus e
uma Maria que “descobrem” a vida do que um Jesus e uma Maria que “recebe”
tudo pronto. É que o “descobrir” patenteia aspectos que os adultos não são
capazes de “destapar” porque isso é tarefa de quem vive a novidade possível,
dando vida nova à sociedade.
9. Na perspectiva da “descoberta” não é atrevimento dizer que o Deus da
juventude, de forma carinhosa, é o Espírito Santo. É Ele, afinal, que “ensinará
o que vocês devem dizer” (L 12,12). Além de ser paixão, dinamismo e afeto,
o Espírito faz ver, desvela e manifesta. Assim como estamos numa “era da
juventude”, em que a “onda juvenil” não é só uma realidade demográfica,
estamos vivendo também na “era do Espírito”. Vivemos num tempo em que
a descoberta é ágil e aonde a “conversão” vai ao caminho lento da liberdade
assumida. Recorda-nos o apóstolo Paulo escrevendo aos Coríntios: “Será
que vocês não reconhecem que Jesus Cristo está em vocês?” (2 Cor 13,5).
A juventude explodindo para a autonomia defronta-se, de repente, com uma
sociedade que tem dificuldade em admitir que, nessa vivência de “descoberta”
do/a jovem, Deus está acontecendo. Vivemos uma era, portanto, que através da
juventude precisa redescobrir o Espírito que ela revela.
Para ficarmos na Eucaristia como “ápice da vida cristã”, sabemos que na comunhão
eucarística é Deus que se dá em comida e bebida nas espécies de pão e vinho. É o Outro
penetrando em mim, como comida. Deixamos que o Outro tome conta de minha casa para
ser, como Ele, caminho, verdade e vida. Traduzindo o “mistério da fé”, podemos dizer que
comemos e bebemos a nossa utopia. O fato de a juventude apreciar a Eucaristia é prova que
é isso que ela deseja e sonha. Sem blasfêmia podemos dizer que a “comunhão”, no sentido
místico e teológico, é a sublimação erótica do mais divino que podemos imaginar. Mesmo
não compreendendo, a juventude intui o sentido desse “ato” de doação e entrega.
O jovem é tão religioso que facilmente cai num tipo de panteísmo, vendo Deus em
tudo. Se tivermos cuidado, vamos ver, por isso, que os grandes movimentos ecológicos, de
anistia e de paz são feitos de juventude. A natureza é tão importante, para essa juventude,
que ela é coisa de Deus. Olhando a juventude precisamos aprender dela e dizer, também:
a juventude é tão bonita que ela é coisa de Deus. A dimensão da doação é tão grande que,
se inquirirmos onde nasceram os grandes ideais de exemplos de pessoas que se destacaram
em dar vida ao mundo, teríamos que aterrissar no mundo da juventude, o mundo das
grandes “paixões” que sempre se aproximam do espírito de doação. No “amor primeiro”
não há medo. No espírito de doação não há limites. Na vontade de dar a vida, os receios são
superados. Como escreve o apóstolo Paulo aos tessalonicenses, “não precisamos escrever-
lhes a respeito do amor fraterno, pois vocês aprenderam do próprio Deus a se amarem uns
aos outros” (1 Te 4,9). O exemplo infinito dessa doação, para o/a jovem, é o próprio Deus
que a juventude sabe estar dentro dela e que nos amou com amor eterno (Jer 31,3) e enviou
seu Filho para que aprendêssemos, nÊle, que a vida é bonita quando a gente se dá aos
outros.
EPÍLOGO
Falando do “divino no jovem”, tentamos lançar um primeiro aprofundamento,
conscientes que é algo que – mesmo como Igreja – vamos descobrindo. Não deixa de
ser uma leitura da cultura juvenil. Mais do que isso, no entanto, importa aprendermos a
ler a realidade teológica do jovem dando direção a nossas atitudes pedagógicas. Nossas
pedagogias a serviço da Boa Nova ao mundo juvenil são, por vezes, sem alma porque não
se vê o divino encarnado nele.