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Marcelo Ruas de Sousa

Evangelho e cultura: o desafio de comunicar as boas


novas de salvação em Cristo Jesus num contexto
multicultural

Londrina
2022
Marcelo Ruas de Sousa

Evangelho e cultura: o desafio de comunicar as boas novas de salvação em


Cristo Jesus num contexto multicultural

Trabalho apresentado em cumprimento às


exigências do curso de Bacharelado em
Teologia da Faculdade Teológica Sul
Americana sob acompanhamento da
Professora Mariana Schietti

Londrina
2022
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UNIDADE I - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROBLEMA

1.1. Introdução

Este artigo tem por tema os desafios encontrados na evangelização realizada


num contexto pluricultural a fim de que o anúncio desta mensagem se mantenha
bíblico, puro e relevante, alcançando seu propósito redentor na vida de seus ouvintes.
Em função desta temática, este trabalho pertence à área da teologia denominada
eclesiologia, mas conversa também com outras disciplinas como antropologia,
sociologia e comunicação.
Evangelismo e missões constituem parte essencial do trabalho das
comunidades cristãs, no entanto o pensamento estratégico para a realização deste
trabalho raramente faz parte do dia a dia das igrejas, as quais preferem uma
abordagem mais voltada para sua tradição denominacional. Esta falta de visão
estratégica pode comprometer o alcance da mensagem em seu significado mais
profundo considerando a realidade de uma comunidade cada vez mais global em
nosso tempo.
Minha experiência pessoal como pastor de uma comunidade de fé
internacional, formada em grande parte por diplomatas estrangeiros, foi minha
principal motivação para realizar esta investigação reflexiva. Conviver com mais de 40
culturas diferentes, em termos étnicos e de denominações cristãs, além de um
turnover médio de 2 anos, levou-me a pensar como eu poderia ser mais efetivo no
crescimento de cada pessoa que passasse por nossa comunidade em sua jornada de
fé, considerando as realidades tão distintas de cada um. Ao mesmo tempo, as
provocações advindas do estudo acadêmico da teologia em assuntos como a teologia
contemporânea, aconselhamento cristão e comunicação e homilética, ratificaram a
necessidade de se aprofundar no tema e endereçar melhor os esforços de ensino do
evangelho integral neste contexto plural.

1.2. Definição do problema

O último mandamento de Jesus, conhecido como Grande Comissão, deveria


ser prioridade das comunidades cristãs em seus planos, investimentos financeiros,
preparação de seus membros para tornarem-se comunicadores efetivos da
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mensagem de salvação aonde fossem. Lamentavelmente, não é esta a realidade que


encontramos na maioria das igrejas cristãs no Brasil e no mundo hoje. Segundo o
Projeto Josué¹, ainda há 7.417 grupos populacionais não alcançados globalmente.
Ficamos tanto tempo desenvolvendo a nossa própria versão do evangelho que não
priorizamos nem nos preparamos adequadamente para a tarefa de alcançar as
nações com a mensagem de salvação em Cristo Jesus. Do radicalismo moral voltado
para ritos e costumes, à leviandade de tornar Cristo um supridor particular de desejos
e de uma vida confortável, o cristianismo passa por uma fase de inchaço de suas
comunidades com pouco ou nenhum compromisso com o evangelho genuíno.
Some-se a isso o fato de o mundo ser hoje uma aldeia global, culturas
diferentes convivendo num mesmo espaço geográfico em função dos movimentos
migratórios e das tecnologias de informação. O último Relatório da Organização
Internacional de Migração aponta que em 2020 cerca de 281 milhões de pessoas
moravam em outro país que não o seu de origem. Estima-se que os usuários de redes
sociais em 2022² estavam na marca de 4,7 bilhões. O desafio agora é comunicar
eficazmente a mensagem para diversas culturas convivendo nos mesmos espaços
sociais. Se antes a Igreja cristã já carecia de preparo, que se dirá deste contexto?
Evangelizar é comunicar a mensagem do evangelho com o objetivo de fazer
discípulos para Jesus, pessoas comprometidas com o Reino de Deus, que
compreendam a mensagem para serem transformados por ela. Sem esta
compreensão adequada, a igreja se reduzirá a um conjunto diverso de práticas
religiosas que estarão apenas na superfície do relacionamento profundo e
transformador com o Criador que o evangelho produz. Fugir dos preconceitos culturais
e do pressuposto que todos conhecem a realidade da mesma maneira é essencial
para o cumprimento da nossa missão.

1.3. Objetivo

A partir do estudo da bibliografia disponível sobre eclesiologia e teologia da


cultura, bem como nas áreas de antropologia e sociologia, este artigo busca refletir
sobre os desafios de se comunicar a mensagem do evangelho integralmente, sem
misturas, em meio aos ritos, mitos, símbolos e valores presentes nas diversas culturas
e subculturas humanas, convivendo em um mesmo espaço social.

¹ GLOBAL DASHBOARD. Joshua Project, 2022. Disponível em: <https://joshuaproject.net/people_groups/statistics/>.


Acesso em: 9, outubro, 2022.
² INDUSTRY OVERVIEW. Statista, 2022. Disponível em: <https://www.statista.com/statistics/617136/digital-
population-worldwide/>. Acesso em: 9, outubro, 2022.
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Para tal, os seguintes objetivos específicos se apresentam: demonstrar a


essência da mensagem do evangelho anunciado por Jesus, ressaltando as
discrepâncias com a mensagem atualmente propagada pela igreja cristã e, por assim
dizer, como se caracterizaria uma cultura do Reino de Deus. Sequencialmente,
estabelecer que não há uma cultura que seja mais adequada que outras ou um modo
único de se comunicar o evangelho para mantê-lo puro e relevante. Finalmente,
apresentar possíveis caminhos para vencer as barreiras e preconceitos que
prejudicam ou limitam o alcance da mensagem de salvação em Jesus na atuação
evangelística da Igreja cristã.

UNIDADE II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. A Mensagem do Evangelho

Qual é a mensagem do evangelho que foi proclamada por Cristo e que deveria
ser anunciada até os dias de hoje por sua Igreja? A palavra grega ευαγγελιον utilizada
nos textos bíblicos para se referir ao que deve ser anunciado pela igreja, significa
“Boas Novas”, uma mensagem que em sua essência traz esperança, paz e alegria. A
análise hermenêutica das ocorrências deste termo nos evangelhos de Mateus, Marcos
e Lucas demonstra que eram Boas Novas vindas da parte de Deus e a respeito de
Seu reino (βασιλεια) significando seu governo e domínio, não uma localização
geográfica. É, portanto, uma mensagem de libertação de dentro para fora, a qual
estava sendo anunciada por Jesus, a chegada de uma nova realidade. Como observa
Newbigin (1989, p. 133), em Jesus o reino de Deus foi revelado e confrontou a
humanidade a reconhecer a verdade que se apresentava e crer, ou então continuar a
perseguir o caminho pelo qual andavam e que não traz o reino de Deus. Para o autor,
a mensagem do evangelho é “[...] um chamado ao arrependimento, a uma conversão,
a se obter um novo e radical mind-set, encarar o caminho contrário como uma
condição para ser capaz de reconhecer a nova realidade – a presença aqui e agora
do reino de Deus” (Newbigin, 1989, p. 6).
Há, entretanto, um desenrolar desta mensagem da revelação do reino de Deus
em Jesus para sua centralidade como garantidor desta realidade, a partir do evento
ressurreição e ascensão de Jesus aos céus. Nas cartas paulinas vemos claramente
esta evolução do evangelho que agora inclui não apenas os ensinamentos de Jesus,
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mas a plenitude de seu caráter messiânico – o Cristo – e sua centralidade para se


receber a realidade presente e futura do reino de Deus. Escrevendo aos efésios, o
apóstolo Paulo afirma, “irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, [...]
que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado
e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras [...] E, se Cristo não ressuscitou,
é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé” (Efésios 15:1,3,4,14). Stott (2006) destaca
que a genuína mensagem do evangelho na realidade da igreja cristã do primeiro
século era centrada em torno da pessoa de Jesus Cristo. O autor argumenta que a
igreja primitiva não comprometeu a essência desta mensagem em nome da relevância
cultural ou da aceitação social, mas a proclamou com coragem e fidelidade, mesmo
diante da perseguição e da oposição.
Pode-se afirmar que, na igreja primitiva, havia clareza sobre a direção a seguir,
o que anunciar e em que crer. A mensagem do evangelho é a revelação de Deus em
Jesus, o Cristo, o qual não apenas proclamou que o reino de Deus era chegado, como
inaugurou esta nova realidade na história, chancelando com sua morte e ressureição
a veracidade de seu anúncio. O objetivo desta mensagem é a reconciliação com Deus
que nos torna uma nova criação, a qual é “manifesta no Cristo porque nEle a
separação nunca superou a unidade entre Ele e Deus, entre Ele e a humanidade,
entre Ele e Ele mesmo” (Tillich, 1955, p. 22).

2.2. A diluição da mensagem do evangelho ao longo dos séculos

A simplicidade e veracidade desta mensagem, no entanto, não durou muito e


já nos primeiros séculos da igreja cristã os debates para o desenvolvimento deste
tema começaram. Já durante o tempo de Paulo, em suas cartas, vemos alertas sobre
a existência de falsos ensinamentos que distorcem o evangelho genuíno e promovem
a exaltação de outros supostos salvadores ou a obediência a regras e rituais em vez
da graça de Cristo.
O fator principal aqui repousa na vigilância constante que, os que estão em
Cristo e se constituem em sua ecclesia, devem observar ao aprender e ensinar a
mensagem central do evangelho – Cristo – conforme estabelecido no tópico anterior.
Não é uma questão de separar-se da convivência com o restante da humanidade,
como o fizeram alguns movimentos nos primórdios da igreja, mas de viver a vida em
missão para o reino de Deus estando no mundo, mas não se conformando a ele. Aqui,
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a questão da cultura começa a tornar-se mais complexa, porque há entendimentos


que demonizam as culturas fora do âmbito da igreja e outros que absorvem demais
seus elementos e adaptam a mensagem do evangelho de tal forma que a torna outra
coisa. O equilíbrio é necessário a fim de se manter a mensagem pura, sem diluições,
ao mesmo tempo em que é apresentada de modo culturalmente inteligível. Como
ponderou Stott (2010, p.51), não devemos rejeitar ou amoldar a mensagem do
evangelho ao nosso bel prazer, mas sim, assumir a responsabilidade de reinterpretá-
la, aplicando seus princípios de modo significativo para a nossa cultura.
Segundo Newbigin (1986), a mensagem do evangelho foi diluída por fatores
históricos e culturais como: a influência da cultura grega, a qual influenciou
profundamente a teologia cristã logo no primeiro século; a acomodação à cultura
romana a partir do século IV, quando o cristianismo tornou-se a religião oficial do
império; a separação entre a igreja e a sociedade, perdendo assim a conexão entre a
mensagem do evangelho e a vida cotidiana das pessoas; e a fragmentação do
cristianismo que se dividiu em várias denominações, cada qual com sua própria
interpretação do evangelho, causando perda de unidade e a consequente diluição da
mensagem original. O autor enfatiza que a mensagem do evangelho deve ser
comunicada de forma clara e fiel, sem as influências culturais que a deturpem ou a
comprometam. Ele argumentou que muitos cristãos modernos não compreendem
completamente o significado da mensagem do evangelho porque foram expostos a
uma versão diluída ou misturada dela.
Hoje vemos que a mensagem divulgada pela Igreja Cristã se torna cada vez
mais distante da mensagem original pregada por Jesus. Frequentemente, questões
secundárias, como ritos e cerimônias, são enfatizadas em detrimento da essência da
mensagem do evangelho. Além disso, a mensagem pode ser apresentada de forma
dogmática e intolerante, alienando aqueles que buscam respostas para suas questões
mais profundas, trazendo soluções mágicas e rasas num verdadeiro “fast-food”
espiritual.
Diante disso, é necessário que a Igreja cristã volte às origens da mensagem
evangélica, salve sua essência e torne-a pertinente ao contexto atual. Como afirmou
Tillich (1959), a igreja deve sempre buscar a mensagem original de Cristo e adaptá-la
aos desafios e contextos de cada época. Dessa forma, será possível promover o
diálogo entre diferentes abordagens teológicas para comunicar a mensagem do
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evangelho de maneira clara e contextualizada, sem perder de vista sua essência


central.

2.3. Estabelecendo a relação correta com a cultura

Diante da realidade apresentada, resta saber que tipo de relacionamento a


igreja precisa ter com a cultura a fim de permanecer pura em seu propósito e missão.
E mais, como se relacionar com culturas num mesmo espaço, sabendo que elas
apresentarão diferenças significativas entre elas. Haveria uma cultura mais saudável
ao evangelho, enquanto outras deveriam ser descartadas?
Segundo Geertz (1973, p. 5), “a cultura é essencialmente um sistema simbólico
que os homens inventaram para se orientarem no mundo e se comunicarem uns com
os outros”, portanto, um processo dinâmico que envolve a criação de significados
compartilhados. De modo semelhante, Sahlins (1981) destaca a importância da
cultura como uma forma de vida que engloba os valores, as crenças e as práticas de
uma comunidade de pessoas, ou seja, a cultura não é uma “coisa” que as pessoas
possuem, mas sim uma prática social que envolve a construção contínua de
significado e a negociação de diferenças culturais. Constitui-se, portanto, de um
processo de tencionamento das relações para encontrar a melhor vida a ser vivida.
Assim, dependendo do contexto geográfico, econômico, tecnológico, histórico
em que determinado grupo populacional se encontra, ele formulará seus próprios
símbolos, mitos e ritos para gerar significado em sua realidade, os quais farão sentido
para aquela população. É por assim dizer, um tipo de linguagem aprendida
socialmente e que ajuda na compreensão do mundo.
Seria então papel da igreja ou sua orientação correta a de substituir estas
formas de comunicação, símbolos e ritos pelos seus próprios a partir da mensagem
central do evangelho? A resposta é mais complexa que um “sim” ou “não”.
Segundo Tillich (1959, p. 50), a igreja não pode tentar substituir a atual
condição social em que está presente por outra a fim de implantar o reino de Deus,
porque ela mesma participa desta transformação por estar inserida no contexto. Ela
será assim uma força de transformação ao lado de outras e não a representante única
da nova realidade na história. A igreja torna-se assim uma voz profética no meio onde
está inserida, denunciando e revelando elementos presentes na cultura que são
distorções demoníacas contra a imagem de Deus presente em sua criação maior,
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incluindo elementos dentro da própria igreja. Desta forma, a igreja e as culturas estão
inter-relacionadas, uma dentro da outra, pois é através das culturas que ela se moveu
e cresceu ao longo dos séculos. A mensagem do evangelho é, no entanto, maior que
ambas e as inclui ao mesmo tempo como agentes da revelação do novo que chegou.
No cerne desta relação complexa está a necessidade de compreensão da
linguagem cultural e da interpretação correta dos princípios das escrituras para um
anúncio do evangelho significativo e que traga respostas às pessoas. Para Bosch
(2002), a cultura não é um obstáculo para a missão da igreja, mas sim um aspecto
fundamental da realidade humana que deve ser valorizado e respeitado. A tentativa
de se afirmar que uma cultura de determinado povo ou denominação é mais
“evangélica” do que outras é pura arrogância de quem pensa estar além das culturas,
praticamente separado em outra realidade. Embora a mensagem do evangelho traga
uma nova realidade, ela opera neste contexto e, portanto, é anunciada por meio de
elementos naturais a fim de promover a comunicação dos princípios e verdades que
serão os motores de transformação do mundo, incluindo os elementos culturais
distorcidos que não conversam com a realidade do reino de Deus.
Importante ressaltar o que nos lembra Newbigin (2003, p.100) ao afirmar que a
implantação do reino de Deus não aconteceu por meio de movimentos políticos que
substituíram governantes por outros que operassem a justiça de Deus, mas por uma
derrota humilhante que se transformou num glorioso triunfo pela ressurreição,
desmascarando toda a pretensão humana, principados e potestades que achavam
saber algo. A igreja tem o papel de desmascarar estas pretensões que levam o mundo
à ruína, sem, no entanto, tornar-se ela mesmo hipócrita como se tudo soubesse.

UNIDADE III – APLICAÇÃO PRÁTICO-MISSIOLÓGICA

3.1. Constatações e Conclusões

Vemos que não há como dissociar o anúncio da mensagem do evangelho de


uma investigação cultural madura, honesta e complexa do grupo humano a que se
pretende anunciá-la. Madura, porque precisa estar além dos preconceitos
estabelecidos por tradições religiosas dos diversos cristianismos culturais
representados pelas denominações cristãs espalhadas mundo afora; honesta, porque
é preciso estar aberto para a verdade libertadora que é estar em Cristo, arraigado em
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seu amor, para se admitir que a visão de mundo que eu tenho, inclusive teológica,
pode estar equivocada; complexa, porque não há uma resposta única e simples para
que esta tarefa seja concretizada considerando os contextos de convivência
multicultural que se apresentam hoje em nossa sociedade contemporânea.
Rossi (2008, p.77) expõe a pasteurização da mensagem de salvação ao
concluir que uma teologia incapaz de ir além de seus limites dogmáticos é refém de
um medo auto imposto e incapaz de caminhar em direção àquele que sofre e precisa
de Deus, negando a estender o braço da compaixão ao necessitado. Em sua análise
da teologia da retribuição, com sua visão binária de mérito, benção e maldição, ele
demonstra como a exposição moderna do evangelho mais parece um processo de
consumo, que vende uma visão descontextualizada, rasa e completamente centrada
na autossatisfação ao invés de estar centrada no Cristo. Isso ocorre por causa da
insistência em adaptar a mensagem do evangelho à cultura próspera vigente,
negando assim a contextualização tão necessária a cada diferente grupo humano,
dentro de sua cultura, a fim de apresentar os princípios de salvação em Jesus que
são eternos e imunes aos ventos da mudança cultural ou aos caldos culturais
proporcionados pela globalização.
É certo a necessidade de uma mudança de mentalidade nas lideranças cristãs
para a priorização do trabalho evangelístico e missionário no sentido em que foi
orientado por Jesus em Mateus 28:16-18: a autoridade emana dEle, a mensagem é a
que foi por Ele entregue e todas as etnias devem conhecê-Lo por quem Ele é, não por
quem nós somos. Conforme afirma Bosch (2002, p.542), “nesse paradigma, não se
trata tanto de a igreja ser expandida, mas de ela nascer de novo em cada novo
contexto e cultura”. O autor afirma que o evangelho sempre estará revestido
culturalmente em sua apresentação às pessoas, portanto, não estará isolado desta,
mas contextualizado a fim de que seja compreendido.
Conclui-se que uma maturação de nossas igrejas para abandonarem suas
boas intenções e orgulhosas pretensões de estarem corretas em suas estratégias e
crenças é necessária para que haja um genuíno bálsamo derramado entre as nações
por meio do anúncio da mensagem pura do evangelho, sem vieses ou preconceitos
culturais que impeçam a contextualização sadia e necessária da mensagem de
salvação aos que ainda não a conhecem. Conforme relembra Winter (2009, p.453),
“trabalhos missionários bem-intencionados às vezes fracassam na comunicação do
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evangelho porque a fonte adotou um papel que impede a identificação eficaz com os
que precisam ser alcançados”.

3.2. Implicações práticas e missiológica

Estamos acostumados a ir ao templo, encontrar pessoas parecidas conosco,


que se comportam, falam e se vestem como nós, queremos nos sentir bem e nos
recarregar para nossa semana. É comum a sensação de uma comunhão limitada
dentro do corpo, de preconceitos que nos afastam e de uma falsa sintonia
proporcionada pela experiência da programação que participamos. A sensação de
familiaridade nos deixa inertes em nossa vida cristã e nos faz crer que aquilo é o que
há, o certo, o caminho de fé e que todos no mundo agem e pensam como nós, ou
então estão errados.
Uma reorientação de nossa organização eclesiástica local é preciso. Nossas
lideranças precisam separar cultura de pecado, compreender o sistema de valores
que nos familiariza com nossa comunidade local e nacional e nos traz a sensação de
pertencimento e diferenciá-lo de princípios morais e relacionais distorcidos que afetam
a vida do outro para que a minha vida seja mais bem vivida, que roubam a dignidade
da imagem de Deus que há em cada ser humano. Não há afinal um sistema cultural
humano perfeito, pois todos necessitamos da presença de Deus para nos restaurar e
isso só pode ser obtido com as boas novas do evangelho. Sem esta separação, nosso
culto será à imagem que criamos de Deus, à nossa semelhança, longe do evangelho
que salva, cura e liberta e assim também serão nossas estratégias evangelísticas e
missionárias.
Abandonar mais e mais a centralidade das crenças limitantes nos dogmas
denominacionais e trazer um ensino centrado na pessoa de Jesus e sua obra é o que
nos permitirá criar comunidades de fé sadias, cheias do Espírito Santo e que de fato
compreendam a pura e genuína mensagem do evangelho. Este trabalho não pretende
trazer a solução definitiva nem a estratégia mais eficaz nesta reorganização de nossas
comunidades de fé, mas sim, uma reflexão e um alerta sobre o lugar da cultura em
nossa comunicação do evangelho a fim de que não nos percamos no caminho. O
alerta para líderes e igrejas locais é o de rever seus conceitos e valores, buscar o
retorno ao evangelho simples e libertador e abraçar as diferenças culturais que se
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apresentam entre os diversos grupos populacionais presentes hoje no mundo para


saber como melhor anunciar hoje que o reino de Deus é chegado.
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3.3. Referências Bibliográficas

NEWBIGIN, Leslie. The Gospel in a pluralist society. Grand Rapids, Mich.: W.B.
Eerdmans; Geneva [SZ]: WCC Publications, 1989.

STOTT, John. A Cruz de Cristo. São Paulo: Vida Nova, 2006.

TILLICH, Paul. The New Being. New York Charles Scribner’s sons, 1955

STOTT, John. A Missão Cristã no Mundo Moderno. Viçosa, MG: Editora Ultimato,
2010.

NEWBIGIN, Leslie. Foolishness to the Greeks: The Gospel and Western Culture.
SPCK Pub., 1986

TILLICH, Paul. Theology of Culture. New York, Oxford University Press, 1959

GEERTZ, Clifford. The Interpretation of Cultures. Basic Books, 1973

SAHLINS, Marshall D. Historical Metaphors and Mythical Realities. University of


Michigan Press, 1981

BOSCH, David J. Missão Transformadora: mudanças de paradigma na teologia da


missão. São Leopoldo, RS: EST, Sinodal, 2002.

ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Jesus vai ao McDonald’s. São Paulo: Fonte Editorial,
2008

WINTER, Ralph (org). Perspectivas no Movimento Cristão Mundial. São Paulo: Vida
Nova, 2009.

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