Você está na página 1de 397

Tratamentos Farmacológicos para

Dependência Química
Da Evidência Científica à Prática Clínica

ALESSANDRA DIEHL
DANIEL CRUZ CORDEIRO
RONALDO LARANJEIRA
e colaboradores
T776 Tratamentos farmacológicos para dependência química [recurso
eletrônico] : da evidência científica à prática clínica /
Alessandra Diehl ... [et al.] . – Dados eletrônicos. – Porto
Alegre : Artmed, 2010.

Editado também como livro impresso em 2010.


ISBN 978-85-363-2244-5

1. Psiquiatria – Dependência química – Tratamento. I. Diehl,


Alessandra.

CDU 616.89

Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922


Tratamentos Farmacológicos para
Dependência Química
Da Evidência Científica à Prática Clínica

ALESSANDRA DIEHL
DANIEL CRUZ CORDEIRO
RONALDO LARANJEIRA
e colaboradores

Versão impressa
desta obra: 2010

2010
© Artmed Editora S.A., 2010

Capa
Clayton Adjair
Ilustrações
Carlos Soares
Preparação do original
Aline Candiota
Leitura final
Juçá Neves da Silva
Editora Sênior - Biociências
Cláudia Bittencourt
Projeto e editoração
Armazém Digital® Editoração Eletrônica – Roberto Carlos Moreira Vieira

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à


ARTMED® EDITORA S.A.
Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana
90040-340 Porto Alegre RS
Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070

É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,


sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação,
fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.

SÃO PAULO
Av. Angélica, 1091 - Higienópolis
01227-100 São Paulo SP
Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333

SAC 0800 703-3444

IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL

Diehl.indd 4 3/11/2009 10:56:19


AUTORES

Alessandra diehl
Graduação em Medicina e Residência Médica em Psiquiatria pela Universida-
de Federal de Pelotas (UFPEL). Formação em Pesquisa Clínica pela Invitare
Pesquisa Clínica Auditoria e Consultoria/Sociedade Brasileira de Profissionais
em Pesquisa Clínica. Especialista em Dependência Química pela Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP)/Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas
(UNIAD). Mestre em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria da UNIFESP.
Doutoranda do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Especializanda em
Sexualidade Humana do Programa de Sexualidade (PROSEX) da Universi-
dade de São Paulo (USP). Secretária Regional de São Paulo da Associação
Brasileira de Estudos de Álcool e outras Drogas (ABEAD) – gestão 2008-2009.
Diretora-clínica da Enfermaria de Dependência Química da UNIAD São Ber-
nardo do Campo. Professora do Curso de Extensão Dependência Química e
Diversidade Sexual da UNIAD. Pesquisadora e membro do corpo clínico do
Ambulatório de Adultos da UNIAD Clínica.
daniel Cruz Cordeiro
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Resi-
dência Médica em Psiquiatria pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo. Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de
Psiquiatria (ABP). Especialista em Dependência Química pela Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP)/Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas
(UNIAD). Mestre pela Universidade de Londres. Doutorando do Departamen-
to de Psiquiatria da UNIFESP. Vice-diretor clínico da Enfermaria de Depen-
dência Química da UNIAD São Bernardo do Campo. Pesquisador e colabora-
dor da UNIAD/UNIFESP. Professor do Curso de Extensão Aconselhamento em
Dependência Química da UNIAD.

Diehl.indd 5 3/11/2009 10:56:20


vi Autores

Ronaldo Laranjeira
Graduação em Medicina e Residência Médica em Psiquiatria pela Universida-
de Federal de São Paulo (UNIFESP). Ph.D. em Psiquiatria pela Universidade
de Londres. Livre-docente e Professor Titular do Departamento de Psiquia-
tria da UNIFESP. Atual Vice-coordenador do Departamento de Dependência
Química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Coordenador do Blog
da Dependência Química (www.uniad.org.br/bloguniad). Coordenador Geral
do Instituto Nacional de Políticas Públicas em Álcool e Drogas/Unidade de
Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD) da UNIFESP. Coordena vários cursos
de pós-graduação Lato senso em dependência química (virtual e presencial).
Professor Orientador do Programa de Pós-graduação do Departamento de
Psiquiatria da UNIFESP. Coordenador-geral da UNIAD/UNIFESP.

Ana Cecília Petta Roselli Marques


Psiquiatra. Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP). Atual Coordenadora do Departamento de Dependência Quími-
ca da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), membro consultivo da As-
sociação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas (ABEAD). Coordenadora
do Departamento de Drogadependência da Associação Paulista de Medicina
(APM). Pesquisadora da UNIFESP e da Unidade de Pesquisa em Álcool e Dro-
gas (UNIAD) do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP.

Gustavo Fadel
Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de São Paulo
(UNESP) – Botucatu. Mestre em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria
da UNIFESP. Membro do Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clíni-
cas (LiNC) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Hamer Nastasy Palhares Alves


Graduação em Medicina e Residência Médica em Psiquiatria pela Universida-
de de São Paulo (USP)/Ribeirão Preto. Especialista em Dependência Química
pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)/Unidade de Pesquisa em
Álcool e Drogas (UNIAD). Doutor em Ciências pela UNIFESP. Psiquiatra da
Rede de Apoio ao Médico Dependente Químico (CREMESP). Professor Coor-
denador do Curso de Especialização em Dependência Química a distância da
UNIFESP/UNIAD.

Ilza Rosa Batista


Graduação em Biologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especia-
lista em Farmacologia pela UFPR. Mestre em Farmacologia pela Universidade
de São Paulo (USP) – Instituto de Ciências Biomédicas (ICB). Doutoranda do

Diehl.indd 6 3/11/2009 10:56:20


Autores vii
Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Membro do Laboratório Interdisci-
plinar de Neurociências Clínicas (LiNC) da UNIFESP.

Luís André Piancó de Góes e Castro


Psiquiatra. Doutor em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria da Univer-
sidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Colaborador da Unidade de Pesquisa
em Álcool e Drogas (UNIAD)/UNIFESP.

Marília Alves dos Reis


Graduação em Biomedicina pela Universidade Metodista de São Paulo. Mes-
tranda do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo
(UNIFESP) e do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa (IIEP) do Hospital
Albert Einstein. Membro do Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clí-
nicas (LiNC) da UNIFESP.

Neide Zanelatto
Psicóloga. Especialista em Dependência Química pelo Departamento de Psi-
quiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Mestre em Psicolo-
gia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo. ­Coordenadora-clínica
do Ambulatório de Adultos da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas
(UNIAD) Clínica. Professora de Curso de Extensão de Terapia Cognitiva na
Dependência Química na UNIAD/UNIFESP.

Priscila Previato de Almeida


Graduação em Psicologia pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP)
– Bauru. Especialista em Avaliação Neuropsicológica – Departamento de
Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Mestre em
­Ciências pelo Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Membro do Labora-
tório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas (LiNC) da UNIFESP.

Rodrigo Affonseca Bressan


Graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa
de São Paulo. Mestre em Psiquiatria e Psicologia pela Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP). Doutor em Psiquiatria e Psicologia Médica pela
UNIFESP. Pós-doutor pelo Institute of Psychiatry King’s College London, Rei-
no Unido. Professor Adjunto da UNIFESP. Professor Honorário do Institute of
Psychiatry King’s College London, Reino Unido. Membro do Conselho Con-
sultivo da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esqui-
zofrenia. Editor Associado da Revista Brasileira de Psiquiatria (RBP). Coorde-
nador do Programa de Esquizofrenia (PROESQ) – UNIFESP. Coordenador do
Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas (LiNC) da UNIFESP.

Diehl.indd 7 3/11/2009 10:56:20


Diehl.indd 8 3/11/2009 10:56:20
A nossos familiares, companheiros, parcerias, filhos, amigos e colegas
de profissão pela delicada e constante fonte de inspiração.

Diehl.indd 9 3/11/2009 10:56:20


Diehl.indd 10 3/11/2009 10:56:20
AGRADECIMENTOS

À UNIAD, um dos berços de nosso aprendizado, e a todos os profissio-


nais e pacientes que ajudam a escrever a história dessa casa.
Ao querido amigo Clayton Adjair por generosamente sempre ceder sua
imensa veia artística à produção dos materiais gráficos de nossos livros.
À equipe do Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas
(LiNC) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) pela valiosa cola-
boração nesta obra.
À editora Artmed por atenciosa e cuidadosamente manifestar disponibi-
lidade de empreender esforços conosco nesta temática.
A Nosso Senhor Deus por nos dar saúde, alegria, amigos, família, entu-
siasmo e persistência ao longo das conquistas e adversidades encontradas.

Diehl.indd 11 3/11/2009 10:56:20


Diehl.indd 12 3/11/2009 10:56:20
APRESENTAÇÃO

Um dos grandes desafios enfrentados atualmente pelos profissionais da


saúde é a dificuldade de lidar com a crescente, porém benéfica, “avalanche”
de artigos científicos e encontrar respostas efetivas para as tomadas de deci-
são assertivas na prática clínica diária exaustiva do “mundo real”.
Na dependência química, em especial na farmacoterapia das adições,
esse panorama não é diferente, uma vez que temos observado muitos pro-
gressos científicos, como, por exemplo, no desenvolvimento e na busca por
novos fármacos que auxiliem na diminuição da fissura e no alívio da síndro-
me de abstinência, no entendimento de neurotransmissores e seus mecanis-
mos de ação, nas pesquisas com a farmacogenética e nas avaliações de novas
e antigas abordagens psicoterápicas associadas à farmacoterapia.
O profissional que atende o dependente químico tem, também, de li-
dar com inúmeras outras questões, como: a falta de habilidade/treinamento
para a busca de artigos em bases de dados on-line, comorbidades psiquiátri-
cas, usuários de múltiplas substâncias psicoativas, custos da medicação, in-
disponibilidade de medicamentos na rede pública, efeitos colaterais limitan-
tes, interações medicamentosas, presença de patologias clínicas associadas a
abuso/dependência de substâncias psicoativas, carência de suporte social ou
familiar adequado, preconceitos, empirismo e várias informações “populares-
cas” que invadem nosso dia a dia e nos trazem muitas incertezas.
Portanto, sem a pretensão de esgotar a temática, o objetivo principal
deste livro é fornecer subsídios clínico-científicos com relação aos tratamen-
tos farmacológicos das diversas dependências de substâncias psicoativas (p.
ex., álcool, maconha, cocaína/crack, nicotina, anfetaminas, ecstasy, opioides,
anabolizantes, etc.) tanto para atualização de pesquisadores e profissionais
da área quanto para diferentes especialidades médicas, de forma a disponi-
bilizar um livro-texto de apoio. Desse modo, os colegas inseridos em centros
acadêmicos e principalmente aqueles que estão distantes desse meio poderão

Diehl.indd 13 3/11/2009 10:56:21


xiv Apresentação

exercer uma boa prática clínica baseada na melhor evidência científica dispo-
nível e na experiência dos especialistas da área.
O livro traz, também, cinco seções correlatas que abordam a farmacolo-
gia das principais substâncias psicoativas, a neurociência das adições, o papel
das intervenções psicossociais no tratamento farmacológico das dependên-
cias químicas, os testes de screening para álcool e outras drogas e a pesquisa
clínica com dependentes químicos.
Preparamos este livro com muito carinho, dinamismo e entusiasmo, es-
perando que você, caro leitor, possa, além de apreciar a leitura, enriquecer-se
com esses conhecimentos.
Alessandra Diehl

Diehl.indd 14 3/11/2009 10:56:21


PREFÁCIO

Desde 1950, com a descoberta do sistema de recompensa cerebral, ou o


chamado “centro do prazer”, e, por conseguinte, a melhor compreensão das
bases neuropsicológicas da dependência química, essa temática continua a
estimular de forma apaixonada clínicos e pesquisadores que buscam desven-
dar os inúmeros mistérios que ainda permeiam essa área da medicina.
Os avanços científicos que vêm ocorrendo na farmacoterapia da depen-
dência química são inquestionáveis. No entanto, ainda são necessárias outras
pesquisas que possam considerar a relação entre diversos fatores, como: os
mecanismos neurais, o funcionamento cognitivo, a influência da diferença
de gêneros, da orientação afetivo-sexual, de fatores genéticos (fenogenotipa-
gem) e ambientais, da gravidade da doença comórbida, bem como o desen-
volvimento de um padrão-ouro para mensurar as respostas aos medicamen-
tos na farmacoterapia da dependência.
A convergência desses fatores pode contribuir para uma melhor com-
preensão e resolutividade dos processos que envolvem a complexidade da
dependência química. Espera-se que esses esforços venham a repercutir, em
última análise, na justificativa maior de nosso trabalho, ou seja, os familiares
e todos aqueles que sofrem com o abuso e a dependência de substâncias.
Alessandra Diehl
Daniel Cruz Cordeiro
Ronaldo Laranjeira

Diehl.indd 15 3/11/2009 10:56:22


Diehl.indd 16 3/11/2009 10:56:22
SUMÁRIO

PARte 1
Farmacologia

1 Farmacologia das substâncias psicoativas ...................................................25


Ilza Rosa Batista e Marília Alves dos Reis

PARte 2
Neurociência

2 Neurociência do uso de substâncias psicoativas ........................................55


Ilza Rosa Batista, Priscila Previato de Almeida,
Gustavo Fadel e Rodrigo Affonseca Bressan

PARte 3
Intervenções psicossociais

3 O papel das intervenções psicossociais no tratamento


farmacológico das dependências químicas .................................................77
Neide Zanelatto

PARte 4
Álcool

4 Tratamento farmacológico da intoxicação aguda pelo álcool .....................89


Alessandra Diehl

Diehl.indd 17 3/11/2009 10:56:22


18 Sumário

5 Tratamento farmacológico da síndrome de abstinência do álcool ..............94


Alessandra Diehl e Ronaldo Laranjeira

6 Tratamento farmacológico da síndrome de dependência do álcool ..........102


Alessandra Diehl e Ronaldo Laranjeira

Parte 5
Nicotina (tabaco)

7 Tratamento da dependência de nicotina ...................................................127


Ana Cecília Petta Roselli Marques e Ronaldo Laranjeira

8
Tratamento farmacológico da
síndrome de dependência de nicotina . .....................................................139
Alessandra Diehl

9 Tratamento farmacológico do tabagismo em populações especiais ..........157


Alessandra Diehl e Ana Cecília Petta Roselli Marques

Parte 6
Maconha (cannabis)

10
Tratamento farmacológico da intoxicação aguda, síndrome
de abstinência e dependência de maconha ...............................................167
Alessandra Diehl e Ronaldo Laranjeira

Parte 7
Cocaína/crack

11
Tratamento farmacológico de intoxicações agudas
e síndrome de abstinência de cocaína .......................................................185
Alessandra Diehl

12
Tratamento farmacológico da síndrome
de dependência de cocaína/crack ..............................................................188
Alessandra Diehl e Ronaldo Laranjeira

Diehl.indd 18 3/11/2009 10:56:22


Sumário 19
Parte 8
Opioides

13
Tratamento farmacológico da intoxicação aguda por opioides .................215
Daniel Cruz Cordeiro

14
Tratamento farmacológico da síndrome de abstinência e
dependência de opioides . .........................................................................223
Daniel Cruz Cordeiro

Parte 9
Sedativos e hipnóticos

15
Tratamento farmacológico da intoxicação aguda por
benzodiazepínicos .....................................................................................229
Daniel Cruz Cordeiro

16
Tratamento farmacológico da síndrome de abstinência e
dependência de benzodiazepínicos ...........................................................238
Daniel Cruz Cordeiro

17
Hipnóticos e barbitúricos ..........................................................................247
Daniel Cruz Cordeiro

Parte 10
Psicoestimulantes

18
Anfetaminas e metanfetaminas .................................................................253
Daniel Cruz Cordeiro e Alessandra Diehl

19
Tratamento farmacológico da intoxicação por anfetaminas e
metanfetaminas .........................................................................................259
Daniel Cruz Cordeiro

20
Tratamento farmacológico da síndrome de abstinência de
anfetaminas e metanfetaminas ..................................................................265
Daniel Cruz Cordeiro e Alessandra Diehl

Diehl.indd 19 3/11/2009 10:56:22


20 Sumário

21
Tratamento farmacológico da dependência de anfetaminas e
metanfetaminas .........................................................................................269
Daniel Cruz Cordeiro e Alessandra Diehl

Parte 11
Inalantes

22
Farmacoterapia dos inalantes ....................................................................277
Alessandra Diehl

Parte 12
Alucinógenos

23
Farmacoterapia dos alucinógenos .............................................................283
Alessandra Diehl

Parte 13
Outras drogas

24
Tratamento farmacológico do abuso e da dependência de
esteroides anabolizantes ...........................................................................291
Alessandra Diehl

25
Abuso e dependência de drogas anestésicas . ...........................................297
Alessandra Diehl

26
Farmacoterapia dos anticolinérgicos .........................................................305
Alessandra Diehl

27
Miscelânia de compostos ..........................................................................308
Alessandra Diehl e Daniel Cruz Cordeiro

Parte 14
Múltiplas substâncias psicoativas

28
Dependência de múltiplas substâncias em poliusuários de drogas . ..........317
Alessandra Diehl

Diehl.indd 20 3/11/2009 10:56:22


Sumário 21
Parte 15
Comorbidades

29
Tratamentos farmacológico e psicossocial da comorbidade
entre transtornos mentais e dependência química ...................................327
Alessandra Diehl e Hamer Nastasy Palhares Alves

Parte 16
Pesquisa clínica

30
A pesquisa clínica com dependentes químicos . ........................................347
Alessandra Diehl e Luís André Piancó de Góes e Castro

Parte 17
Testes

31
Screenings para álcool e drogas .................................................................375
Alessandra Diehl

Índice ...................................................................................................................390

Diehl.indd 21 3/11/2009 10:56:23


Diehl.indd 22 3/11/2009 10:56:23
parte 1
Farmacologia

Diehl.indd 23 3/11/2009 10:56:23


Diehl.indd 24 3/11/2009 10:56:23
FARMACOLOGIA DAS
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Como funciona?
1
Ilza Rosa Batista
Marília Alves dos Reis

Este capítulo enfatiza os principais aspectos farmacológicos de algumas


das substâncias psicoativas mais comumente utilizadas. Aborda a farmacoci-
nética, salientando aspectos de absorção das drogas de abuso, considerando
as diferentes vias de administração, os processos de distribuição corporal até
a chegada ao sistema nervoso central (SNC), principal alvo dessas substân-
cias, bem como sua biotransformação e eliminação do organismo. Também
aborda seu mecanismo de ação, descrevendo como agem as diferentes drogas
e o efeito agudo provocado pelas substâncias psicoativas, incluindo, além das
apresentadas neste capítulo, as descritas nos demais capítulos deste livro.

ÁLCOOL

O que genericamente chamamos de álcool é, na verdade, etanol (fór-


mula química é C2H5OH). Essa substância é encontrada em todas as bebidas
com teor alcoólico.
Logo após a ingestão de bebidas alcoólicas, surgem seus efeitos estimu-
lantes, como euforia, desinibição e desembaraço. Seguem-se, com o passar do
tempo, efeitos depressores, como falta de coordenação motora, descontrole
e sonolência. Quando há o consumo exagerado, o efeito depressor é exacer-
bado, podendo até mesmo provocar estado de coma. Esses são os efeitos em
geral associados ao consumo do álcool.1

Farmacocinética

Vários são os fatores que podem influenciar na concentração de álcool


que chega à corrente sanguínea, por exemplo: peso, composição corporal e
a taxa de esvaziamento gástrico. Para uma pessoa com estômago vazio, 20%

Diehl.indd 25 3/11/2009 10:56:23


26 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

da dose da bebida alcoólica podem ser absorvidos no estômago, enquanto o


restante será rapidamente absorvido pelo duodeno e pelo jejuno. Em contra-
partida, em um estômago cheio, ocorrerá o retardo no processo de absorção.
A concentração plasmática de álcool máxima em homens de 20 a 60
anos ocorre entre 45 e 75 minutos após a ingestão oral.2 Não se observam
diferenças na concentração plasmática de álcool entre homens e mulheres
após os 55 anos de idade. Ainda hoje é discutível se existe uma variação na
concentração plasmática de álcool máxima para mulheres ao longo da vida.3
O etanol, quando absorvido pelo trato gastrintestinal (TGI), pode ser me-
tabolizado, inicialmente, pela enzima álcool desidrogenase antes de chegar à
corrente sanguínea (no chamado efeito de primeira passagem). Isso acontece
com cerca de 2% do etanol absorvido. Em mulheres, a atividade dessa enzima
é menor, o que poderia indicar uma maior absorção e, em consequência, uma
maior concentração de álcool no plasma.4 Dessa forma, as mulheres podem
ser mais sensíveis ao álcool, uma vez que este estaria mais biodisponível.5
Com a idade, a atividade da álcool desidrogenase torna-se menor, ou seja, há
um aumento na biodisponibilidade do álcool em idosos.
A biotransformação do álcool ocorre em duas fases. Na primeira, a en-
zima álcool desidrogenase converte o etanol em acetaldeído. Na segunda, a
enzima aldeído desidrogenase (ALDH) converte o aldeído em ácido acético,
que é por fim convertido em dióxido de carbono e água, liberando energia.
Quando o consumo de álcool é exagerado e, especialmente, frequente, en-
tra em funcionamento um sistema enzimático denominado MEOS (microso-
mal ethanol oxidizing system), cuja atividade é desempenhada pela família
de isoenzimas citocromo P450, isoforma 2E1. A indução dessas isoenzimas
gera desequilíbrios metabólicos pela formação de radicais livres, que são de
grande importância na hepatotoxicidade induzida pelo etanol, e, sobretudo,
porque essa via é comum a biotransformações de outras drogas, fármacos e
nutrientes, concorrendo de forma direta pela via metabólica e gerando efeitos
deletérios ao organismo.6 A excreção do etanol e de seus metabólitos se dá
não apenas pela urina, mas também pelo ar exalado (aproximadamente 5 a
10%).

Mecanismo de ação

Por muito tempo imaginou-se que o álcool provocasse seus efeitos cau-
sando uma depressão geral em funções do cérebro, o que levaria a uma de-
sestabilização das membranas de células nervosas e consequentemente a uma
alteração inespecífica na transmissão de impulsos elétricos e na liberação de
neurotransmissores na fenda sináptica. No entanto, como o mecanismo de
ação do álcool envolve vários neurotransmissores no SNC, ele não é único.
Dentre os neurotransmissores envolvidos, os principais são: o ácido g-ami-

Diehl.indd 26 3/11/2009 10:56:23


Tratamentos farmacológicos para dependência química 27
nobutírico (GABA), a dopamina, a serotonina, o glutamato, a acetilcolina e
os opioides endógenos.7,8,9 Considerando os receptores glutamatérgicos, o
etanol é um potente e seletivo inibidor de receptores N-metil-D-aspartato
(NMDA), favorecendo também a entrada de cloro por estímulo de receptores
GABAérgicos. Essa ação poderia explicar a tolerância cruzada que o álcool
apresenta com outros depressores que atuam no complexo do receptor GABA,
como os benzodiazepínicos e os barbitúricos.
Um dos mecanismos de ação propostos para o álcool indica a estimu-
lação de forma indireta dos opioides endógenos ao promover sua liberação
(peptídeos endógenos: encefalinas e β-endorfinas) para a fenda sináptica.
A atividade excitatória desses peptídeos endógenos é responsável pela sen-
sação de prazer e bem-estar relatada pelos consumidores de bebidas alco-
ólicas, mediada pela liberação de dopamina no nucleus acumbens (ver o
capítulo sobre neurociência). Esse fenômeno, junto com a ação agonista
GABA do etanol e o aumento da dopamina, contribui para os efeitos de
reforço positivo e dependência alcoólica observados em alguns indivíduos
usuários da substância.10

Efeitos farmacológicos

Com base em seu mecanismo de ação, que envolve a atividade glutama-


térgica, dopaminérgica e GABAérgica, é possível verificar os efeitos estimu-
lante e depressor do etanol. Na realidade, o que se observa após a ingestão de
doses baixas de álcool é uma reação comportamental imprevisível, variável
de indivíduo para indivíduo e dependente do ambiente e das expectativas
individuais. Em determinado ambiente, uma pessoa pode se tornar eufórica,
agressiva ou violenta; em outro, pode se tornar sonolenta, introvertida ou
deprimida. Qualquer que seja o comportamento provocado pelo álcool, as
funções cognitivas que envolvem a memória e o julgamento são prejudicadas,
bem como as funções psicomotoras. Perifericamente, o álcool pode provocar
uma sensação de aquecimento do corpo, devido à vasodilatação periférica, e
provocar rubor.

Nicotina (tabaco)

Com relação ao cigarro, sabe-se que na fumaça proveniente da queima


do tabaco estão presentes mais de 4 mil substâncias já identificadas. É pro-
vável que muitas dessas substâncias estejam envolvidas no efeito de reforço
positivo do tabaco, mas a maioria dos estudos demonstra que o elemento
principal quando se fala em dependência é a nicotina.11 Esta é, portanto, uma
substância psicoativa de alto poder aditivo que reforça o hábito de fumar.

Diehl.indd 27 3/11/2009 10:56:24


28 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

A nicotina é uma amina terciária, composta de anéis de piridina e


pirolidina e bastante volátil. Do ponto de vista químico, são encontradas
formas diferentes de nicotina, as chamadas formas racêmicas estereoisô-
meras. No tabaco, duas dessas formas estão sempre presentes: l-nicotina
e d-nicotina. A primeira é 100 vezes mais ativa farmacologicamente que
a segunda.12

Farmacocinética

Cada cigarro fumado apresenta uma quantidade de nicotina entre 7 e


9mg, dos quais pouco mais de 1mg é absorvido pelo fumante.13
Um fato interessante nas diferentes formas de ingerir o tabaco é que
a nicotina do tabaco curado, utilizado para fazer cachimbos, charutos e as
gomas de nicotina, é alcalina, sendo assim mais bem absorvida pela mucosa
oral. Já a nicotina dos cigarros é mais ácida e, por isso, praticamente não ab-
sorvida pela mucosa bucal, devendo ser tragada (entrada via traqueia) para
que possa ser absorvida pelos pulmões.14 A nicotina é assimilada com rapidez
pelos alvéolos pulmonares, atingindo o cérebro em cerca de 10 segundos. Sua
meia-vida biológica é de aproximadamente 2 horas. Sua biotransformação
ocorre por enzimas hepáticas da família que engloba o citocromo P450, de
modo específico a que inclui a isoforma CYP2A6. A cotinina é um de seus me-
tabólitos que apresenta uma meia-vida longa (± 20h), podendo ser utilizada
como marcador do uso de nicotina por ser detectada na saliva, no sangue e na
urina. Apenas 5% da nicotina é excretada de forma inalterada.13
A nicotina per se é um indutor de enzimas hepáticas (citocromo P450).
Dessa forma, outras substâncias (fármacos) que se utilizam desse substrato
têm seu metabolismo acelerado, o que acarreta menores efeitos farmacoló-
gicos, tendo em vista uma menor meia-vida biológica. Os fármacos afetados
são: codeína, teofilina, heparina, warfarina, amitriptilina, imipramina, pro-
pranolol, clorpromazina, diazepam, clordiazepóxido e indometacina. Pensan-
do assim, fumantes deveriam necessitar de doses diferenciadas desses medi-
camentos para obter o mesmo efeito terapêutico.

Mecanismo de ação

A nicotina interage com os receptores colinérgicos nicotínicos presentes


na junção neuromuscular, nos gânglios autonômicos e no SNC. No SNC, ela
age como agonista desses receptores, atuando de forma rápida (por estar
ligada a um canal iônico), ao ocasionar a abertura desses canais, provocan-
do o influxo de cálcio (Ca+ e Na++). Por estarem localizados nos neurônios
pré-sinápticos, os receptores nicotínicos do SNC provocam um aumento na

Diehl.indd 28 3/11/2009 10:56:24


Tratamentos farmacológicos para dependência química 29
liberação de outros importantes neurotransmissores, como a noradrenalina, a
acetilcolina, a serotonina e a dopamina.15

Efeitos farmacológicos

O aumento da produção de noradrenalina provoca aumento da frequên­


cia cardíaca, aumento do estado de atenção, náuseas e piloereção; já o au-
mento da acetilcolina levaria a uma melhora relativa da memória; o aumento
da serotonina levaria a piora da ansiedade; e o aumento da dopamina levaria
a euforia, o que reforçaria o uso da nicotina (sobretudo porque os receptores
nicotínicos implicados na ação da nicotina16 estão localizados no sistema do-
paminérgico mesocorticolímbico).
Muitos fumantes relatam sentir uma sensação de relaxamento após fu-
mar, mas, na verdade, a nicotina apresenta um efeito estimulante sobre o
SNC. A sensação de relaxamento é provocada por uma discreta diminuição
no tônus muscular.1
É importante ressaltar que a nicotina induz tolerância (necessidade de
doses progressivamente maiores para obter o mesmo efeito) e dependência
(desejo de consumi-la) por agir nas vias dopaminérgicas do sistema meso-
límbico.

Maconha (Cannabis sativa)

A maconha, cuja planta tem o nome científico de Cannabis sativa, con-


tém mais de 400 componentes ativos; dentre esses, pelo menos 66 são cha-
mados de canabinoides. O mais bem estudado deles é o Δ9-tetraidrocanabinol
(Δ9-THC).17,18
Dependendo da quantidade de Δ9-THC presente na planta, a maconha
poderá apresentar potencial diferente e, com isso, mais ou menos efeitos.
Essa variação depende muitas vezes do solo onde foi plantada, do clima, da
estação do ano, da época de colheita e do tempo decorrido entre a colheita
e o uso.1

Farmacocinética

Após fumada, a maconha (Δ9-THC) é rapidamente absorvida; tão rapi-


damente quanto por via intravenosa. Já a administração por via oral apresen-
ta uma absorção lenta e errática, sofrendo também o efeito do metabolismo
de primeira passagem. Quando chega ao sangue, é logo distribuída para os
tecidos, podendo ficar depositada no tecido adiposo.

Diehl.indd 29 3/11/2009 10:56:24


30 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

A biodisponibilidade do Δ9-THC depende do volume inalado e da du-


ração da “tragada”, ou seja, o tempo que a fumaça fica retida antes de ser
expirada. Em usuários pesados, a média de biodisponibilidade pode chegar
a 23% do Δ9-THC, contra uma média de 10% em usuários leves. Sua bio-
transformação ocorre no fígado, sendo mediada de forma rápida pelas enzi-
mas do sistema citocromo P450. Porém, seus metabólitos apresentam maior
­meia-vida biológica, sendo lentamente eliminados. Cerca de 80 a 90% da
dose é excretada em cinco dias, 65 a 80% pelas fezes e 20 a 35% pela urina.
O Δ9-THC quase não é observado na urina. Já seu metabólito inativo THC-9-
-COOH e o ativo 11-OH-THC são encontrados nas amostras de urina, sendo
considerados marcadores da presença da substância no organismo.18

Mecanismo de ação

O Δ9-THC parece exercer seus efeitos atuando em receptores endógenos


chamados de CB1 e CB2 (Figura 1.1). Localizados de forma distinta, os CB1
estão principalmente no SNC, na medula espinal e em tecidos periféricos. Já
os receptores CB2 estão mais presentes nas células do sistema imunológico.

núcleo
Terminal nervoso +
(Δ9-THC)
krox 24
Canal Na+ +
?
– Receptor CB2
canabinoide
MAP
quinase
+
– Adenilato
ciclase
ATP

proteína
+ quinase
Canal Ca2+
voltagem-dependente fosforilação –
tipo N e P/Q cAMP

Fenda sináptica

Canal K+ Canal K+
tipo A

Figura 1.1
Mecanismo de ação da maconha (Δ9-THC).20

Diehl.indd 30 3/11/2009 10:56:24


Tratamentos farmacológicos para dependência química 31
Os receptores CB1 são os mais ativados quando a maconha é fumada. A re-
lação entre esses receptores e o Δ9-THC é comprovada pela administração do
antagonista seletivo desses receptores (SR-141716), bloqueando também os
efeitos do Δ9-THC.19

Efeitos farmacológicos

Os efeitos agudos do Δ9-THC podem incluir hiperemia de conjuntiva


(olhos vermelhos), xerostomia (boca seca) e taquicardia, além de sensação de
relaxamento, calmaria, hilaridade ou, ao contrário, a chamada bad trip: an-
gústia, sensação desagradável de perda de controle, mãos tremulas e úmidas,
delírios e alucinações.1 Existe uma importante variação individual em relação
aos efeitos psíquicos do Δ9-THC, mas a memória de curto prazo, em particu-
lar, é bastante afetada. Os efeitos crônicos serão discutidos mais adiante.

Cocaína

A cocaína é extraída das folhas da coca (Erythroxylum coca), planta en-


dêmica da América do Sul. Após a extração, é convertida em hidrocloreto de
cocaína com o auxílio do ácido hidroclorídrico. Esse pó cristalino e branco é
usado insuflado, podendo também ser dissolvido em água e injetado. O sal
da cocaína não pode ser fumado, pois perde sua atividade. Já o crack, base
livre de cocaína, é utilizado na forma de pedra e fumado em cachimbos ou em
latas. Para tanto, o hidrocloreto de cocaína é dissolvido em água, misturado
a uma base forte (p. ex., bicarbonato de sódio ou amônia) e extraído com o
auxílio de um solvente orgânico. Depois de evaporado e seco, transforma-se
em pedra.21
A cocaína é um éster com componentes semelhantes à atropina e à es-
copolamina, sendo um potente anestésico local com propriedade vasocons-
tritora.22

Farmacocinética

Após administração por via injetável, intravenosa, sua meia-vida bioló-


gica varia de 60 a 90 minutos; já por via oral (mucosa) ou nasal, pode se pro-
longar. Quando inalada ou injetada, a cocaína atinge o SNC rapidamente, em
menos de 20 segundos. A limitação da absorção por via nasal é caracterizada
por intensa vasoconstrição provocada pela droga.
Os picos de concentração plasmática são atingidos em 60 minutos e
podem persistir por até 6 horas. Cerca de 80 a 90% da cocaína é metabo-

Diehl.indd 31 3/11/2009 10:56:24


32 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

lizada e hidrolisada de forma rápida pelas colinesterases plasmáticas, as


quais contribuem para a meia-vida curta dessa substância. O produto dessa
reação dá origem ao primeiro metabólito, a ecgonina, que é eliminada so-
bretudo pela urina. Outro metabólito, o norcaide, é produzido por desme-
tilação, no fígado, por meio do sistema citocromo P450. A forma inalterada
da cocaína e seus metabólitos é excretada pela urina 6 a 14 horas após a
administração.23 Infelizmente, é comum observar o consumo concomitante
de álcool e cocaína. Os usuários relatam que o etanol prolonga as sensa-
ções produzidas pela droga e minimiza a disforia decorrente de seu uso.
Potencialmente tóxico, o cocaetileno é o metabólito produzido no fígado
após o uso da cocaína associada ao álcool. Esse metabólito apresenta uma
meia-vida de 150 minutos (cocaína 90 minutos), o que explicaria o prolon-
gamento do efeito eufórico.24

Mecanismo de ação

Como um anestésico local, a cocaína bloqueia os canais de sódio volta-


gem-dependentes na membrana neuronal e exibe uma ação vasoconstritora
que já foi muito utilizada na terapêutica.
Seus efeitos podem ser explicados por sua ação em vários receptores. A
cocaína bloqueia a recaptação de catecolaminas nos terminais pré-sinápticos
de nervos simpáticos, resultando em acúmulo de catecolaminas nas fendas
sinápticas que aumenta a estimulação dos receptores noradrenérgicos, sero-
tonérgicos e principalmente dopaminérgicos no SNC.
O aumento dos níveis de dopamina, noradrenalina e serotonina no en-
céfalo explicariam seu efeito estimulante (Figura 1.5).

Efeitos farmacológicos

Os efeitos agudos da cocaína incluem hipertermia, hipertensão arterial,


taquicardia, midríase, estupor e depressão respiratória e cardíaca. Não é raro
observar graves arritmias cardíacas e até morte súbita.24 O uso de cocaína
leva a sensação de poder e disposição. Em altas doses, pode promover agita-
ção, insônia, alucinações e convulsões.
Assim como a cocaína, o cocaetileno também causa aumento da pressão
arterial e da frequência cardíaca, bem como efeitos euforizantes. Os efeitos
simpatomiméticos de cocaína e etanol juntos podem ser aditivos e contribuir
para o alto índice de mortalidade em indivíduos que usam concomitantemen-
te as duas drogas.25 Além disso, a formação de cocaetileno inibe o metabolis-
mo da cocaína (verificado pelas altas concentrações de cocaína encontradas

Diehl.indd 32 3/11/2009 10:56:24


Tratamentos farmacológicos para dependência química 33
em indivíduos que abusam de cocaína e álcool), prolongando o efeito da
droga no organismo.

Sedativos e hipnóticos

Nesta categoria de fármacos incluem-se os benzodiazepínicos e os barbi-


túricos, usados por muito tempo como agentes ansiolíticos e hipnóticos e cuja
indicação atual se restringe a agente antiepilético. Então, discutiremos aqui
principalmente os benzodiazepínicos (BZDs), uma das classes de fármacos
mais estudadas que atuam no SNC.
Desenvolvidos nos anos 1960, os BZDs têm permitido um melhor trata-
mento dos transtornos de ansiedade e distúrbios do sono, além do tratamento
de epilepsia, convulsões e convulsões associadas a abstinência alcoólica.26
Sua estrutura química básica é composta de uma fusão de um anel benzeno
(sete carbonos) com um anel aromático (Figura 1.2). Os BZDs possuem qua-
tro agrupamentos substituintes que podem ser modificados sem perda de sua
atividade, compartilhando, assim, do mesmo mecanismo de ação.26

Farmacocinética

Quando administrados por via oral, os BZDs possuem uma excelente


absorção, podendo atingir o pico de concentração em até uma hora. Porém
há algumas exceções, como o lorazepam e o midazolam, que são hidrossolú-
veis, diferentes dos demais, e possuem uma melhor absorção quando admi-
nistrados por via intramuscular. Já o diazepam e o clordiazepóxido são alta-

Figura 1.2
Estrutura química do benzodiazepínico diazepam.27

Diehl.indd 33 3/11/2009 10:56:24


34 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

mente lipossolúveis e, quando administrados por via intramuscular, possuem


uma distribuição errática, sendo, então, as vias oral e intravenosa as mais
indicadas.28 Em situações de emergência, como síndrome do pânico, fobias
e transtornos de ansiedade aguda, os BZDs podem ser administrados por via
sublingual.
Os BDZs ligam-se a proteínas plasmáticas, sobretudo a albumina, e se
depositam com facilidade no tecido adiposo. Devido a sua alta lipossolubili-
dade, podem cruzar a barreira hematoplacentária e hematencefálica, difun-
dindo-se rapidamente pelo SNC.29 A maior parte da metabolização dos BZDs
ocorre no fígado por meio de isoenzimas catalisadoras do sistema citocromo
P450 (CYP-citocromo). O midazolam, o diazepam e o flumazenil são metabo-
lizados pela CYP-P450 e depois biotransformados como conjugados glucoro-
nídeos pela CYP3A4 e CYP2CA9. Já o lorazepam é diretamente metabolizado
e biotransformado como conjugado glucoronídeo.30
Os BZDs diferem entre si em diferentes taxas de eliminação e de forma-
ção de metabólitos ativos. A eliminação dos BZDs depende de sua meia-vida
ou da atividade do seu metabólito, sendo esses critérios utilizados para veri-
ficar o tempo de duração dos BZDs: curta duração (~< 10h: lorazepam, mi-
dazolam); duração intermediária (10 a 24h: clonazepam) ou longa duração
(> 24h: clobazam, clorazepato e diazepam).26
Muitos BZDs possuem metabólitos ativos, como o diazepam e o clora-
zepato, que durante sua longa duração são metabolizados em N-desmetildia-
zepam (DMD). Com doses múltiplas, os efeitos farmacológicos e tóxicos do
diazepam são atribuídos ao DMD e a outro metabólito ativo menor (timaze-
pam e oxazepam). O DMD sofre conjugação e hidroxilação por isoenzimas
catabólitas específicas formando o oxazepam, que é excretado pela urina.29

Mecanismo de ação

Aparentemente, o efeito ansiolítico dos benzodiazepínicos está relacio-


nado com a potencialização da neurotransmissão do GABA no SNC. No siste-
ma límbico, esse neurotransmissor com função inibitória é capaz de atenuar
as reações serotonérgicas responsáveis pela ansiedade.
O GABA é um neurotransmissor inibidor pré-sináptico de grande im-
portância na regulação da função neural. Os BZDs atuam seletivamente no
receptor GABA A (Figura 1.3). Quando os BZDs se ligam ao sítio do canal de
cloro presente no receptor, agindo de modo alostérico (quando a união de
uma molécula em um sítio de uma enzima afeta a sua atividade em outro
sítio), aumentam a afinidade do GABA pelo receptor. Logo, os BZDs facilitam
a ação inibitória do GABA na neurotransmissão.26
Dessa forma, os BZDs facilitam a abertura do canal iônico de cloro por
meio da associação já formada entre o GABA e o sítio de ligação.

Diehl.indd 34 3/11/2009 10:56:24


Tratamentos farmacológicos para dependência química 35
Receptor GABA A Fenda sináptica
Sítio de ligação
benzodiazepínico
Benzodiazepínico Cl- Cl-
GABA
Subunidade g

a a a a a a

Membrana pós-sináptica

Citoplasma

Figura 1.3
Mecanismo de ação dos benzodiazepínicos sobre o complexo do receptor GABA.31

Os BZDs são fármacos bastante seguros em caso de superdosagem, uma


vez que dependem da liberação do GABA para que haja a abertura dos canais
de cloro. No entanto, seu uso constante pode causar alguns efeitos colaterais,
como sonolência, confusão mental, amnésia e diminuição das habilidades
motoras e, em caso de superdosagem aguda, pode ocasionar uma ação tóxica,
além de produzir efeito paradoxal em idosos e crianças, como comportamen-
to agressivo.32
A principal desvantagem do uso dos BZDs é a tolerância (aumento da
dose para obter o efeito desejado) e a dependência.33,34 É importante notar
que os efeitos dos benzodiazepínicos podem ser fortemente aumentados pelo
álcool, sendo a mistura álcool + benzodiazepínico bastante prejudicial.
Os BZDs interagem com alguns fármacos antiepiléticos (fenobarbital,
carbamazepina), sedativos anti-histamínicos, opioides, antipsicóticos, além
do álcool, sendo que esse último pode ocasionar uma depressão respiratória
grave e fatal pelo sinergismo do efeito depressor.32

Alucinógenos

A dietilamida do ácido lisérgico (LSD) ainda hoje é o protótipo das dro-


gas alucinógenas, sobretudo devido a seu amplo uso ao longo do tempo, sen-

Diehl.indd 35 3/11/2009 10:56:25


36 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

do o alucinógeno mais bem estudado até o momento. O grupo de dro­gas


semelhantes ao LSD inclui o próprio LSD (Figura 1.4), a mescalina (fenilalqui­
lamina), a psilocibina (indolalquilamina) e outros compostos a eles relaciona-
dos, como outras triptaminas alucinógenas. Esse grupo de drogas apresenta
algumas semelhanças químicas, mas, principalmente, compartilham das mes-
mas características farmacológicas.35

Farmacocinética

Em geral, o LSD é administrado por via oral, sendo logo absorvido pelo
trato gastrintestinal. Apenas uma pequena dose da droga (~ 25 µg) já é sufi-
ciente para produzir seus efeitos em humanos 30 minutos após sua ingestão.
Rapidamente, o LSD é distribuído por todo o organismo, e seus efeitos duram
entre 6 e 12 horas. Apenas 1% da droga chega ao SNC. A substância é meta-
bolizada pelo fígado, e seus metabólitos são eliminados pela bile e intestino,
excretados posteriormente nas fezes.36

Mecanismo de ação

O LSD é um composto químico semissintético que não ocorre na nature-


za. Seu mecanismo de ação não está completamente esclarecido, mas envolve
sobretudo o sistema serotonérgico. Essa droga interage com diversos tipos de
receptores de serotonina no cérebro, além de alterar a metabolização da se-
rotonina (5-HT), o que é possível de ser verificado pelo aumento das concen-
trações cerebrais de seu principal metabólito, o ácido 5-hidroxiindolacético

Figura 1.4
Estrutura química do LSD.37

Diehl.indd 36 3/11/2009 10:56:25


Tratamentos farmacológicos para dependência química 37
(5-HIAA), que apresenta atividade agonista no receptor de serotonina.35 Ten-
do em vista a ampla distribuição dos receptores serotonérgicos no SNC, seus
efeitos também são generalizados, em especial sobre a região dos núcleos da
rafe (hipocampo, gânglios da base, sistema límbico, hipotálamo e córtex),
o que influencia também a atividade de outros neurotransmissores no SNC,
como a dopamina.
O LSD atua principalmente como agonista do receptor da família 5-HT2,
sobretudo o 5HT2C, receptor considerado um importante mediador dos efei-
tos alucinógenos. O LSD também mimetiza a ação da serotonina sobre os au-
torreceptores 5-HT1, diminuindo a liberação de serotonina e ativando, então,
os receptores 5-HT2.35,38
A serotonina é um neurotransmissor que está envolvido de forma direta
com certas funções psicofarmacológicas, como alucinações, alterações com-
portamentais, sono, vigília, humor, comportamento alimentar e controle da
transmissão sensorial.

Efeitos farmacológicos

O LSD possui um efeito alucinógeno muito potente, sendo capaz de


produzir desordens do pensamento, humor e distorção da percepção da rea­
lidade, alterando a consciência sem deprimir ou estimular as funções cere-
brais,36,39 além de produzir efeitos simpatomiméticos, pois mimetiza os efei-
tos das aminas que atuam no sistema nervoso autônomo simpático, causando
midríase, taquicardia, piloereção e hiperglicemia.
Conforme comentado anteriormente, é possível observar os efeitos ime-
diatos mediados pelo sistema nervoso autônomo após a administração do
LSD, como taquicardia e aumento da pressão arterial, dilatação da pupila,
hiper-reflexia, piloereção e sudorese. Porém, seus principais efeitos estão re-
lacionados a emoções e sensações, provocando também alterações nos sen-
tidos, do tipo: olfativas, auditivas, gustativas, táteis ou até mesmo uma per-
cepção de anestesia. Já foram descritos inúmeros casos de psicose duradoura
(dias ou meses), além do reaparecimento espontâneo de alucinações após um
período de tempo sem o uso da droga.36 O uso do LSD provoca uma rápida
tolerância, contudo dura um curto período de tempo,40 e causa dependência;
entretanto os relatos sobre abstinência dessa droga são incertos.35,39

Psicoestimulantes

Fazem parte deste grupo de drogas as anfetaminas e seus derivados: a


metanfetamina e o ecstasy. Compartilham de características químicas seme-

Diehl.indd 37 3/11/2009 10:56:25


38 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

lhantes, do mesmo mecanismo de ação e dos efeitos farmacológicos, com


algumas diferenças principalmente farmacocinéticas.
A anfetamina pertence à classe das feniletilaminas, com uma substitui-
ção de um grupo metila na posição do carbono a. Os derivados da anfetami-
na surgiram após substituições na estrutura química da feniletilamina. Entre
eles, estão o femproporex e a dietilpropiona.
Hoje em dia, no Brasil, temos ouvido muito a respeito do femproporex.
Além de seu amplo uso como inibidor do apetite, regulamentado por legis-
lação específica, esse fármaco tem tido ampla utilização por motoristas de
caminhões e ônibus devido às suas propriedades estimulantes. Popularmente
conhecido como “rebite”, apresenta os mesmos efeitos farmacológicos das
anfetaminas.
O nome popular de ecstasy refere-se ao MDMA, cujo nome químico é
3,4-metilenodioximetanfetamina. O MDMA é um composto derivado da me-
tanfetamina que apresenta propriedades estimulantes, derivadas das anfeta-
minas, e alucinógenas, derivadas da mescalina.41
O ecstasy é comercializado como comprimido ou cápsula de diversas
cores e tamanhos; portanto, sua via de administração é a oral. Por ser uma
droga ilícita, sua composição química é muito variável; assim, muitas outras
substâncias, além do próprio MDMA, podem ser encontradas em um com-
primido. Entre as mais comuns estão: o metabólito tóxico do MDMA (meti-
lenodioxianfetamina), cafeína, atropina, cetamina, efedrina, difenidramina,
anfetamina e metanfetamina.42
A Tabela 1.1 mostra uma relação das drogas mais comumente utilizadas
em festas raves e seus nomes populares.

Tabela 1.1
Relação de drogas comumente utilizadas em raves. Club drugs, derivados
de anfetaminas, agentes alucinógenos, sedativos, anestésicos

Nome do agente Nome popular

MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina Ecstasy


GHB (g-hidroxibutirato) Ecstasy líquido
Flunitrazepam Rohypnol®
Cetamina Ketalar®
Metanfetamina Ice, cristal
Nitrato de amil Poppers, rush
2,5 dimetoxi-4-bromoanfetamina Cápsula do vento
Cloridrato de feninciclidina PCP
Dietilamida do ácido lisérgico LSD

Diehl.indd 38 3/11/2009 10:56:25


Tratamentos farmacológicos para dependência química 39
Farmacocinética

Usando o ecstasy como referência, o início de sua ação ocorre aproxi-


madamente 20 minutos após a ingestão do comprimido e pode durar de 4 a
8 horas.43
O pico de concentração plasmática ocorre 2 horas após a administração
oral. O MDMA tem ampla distribuição no organismo dos mamíferos, atraves-
sa com facilidade as membranas biológicas e a barreira hematencefálica. Seu
tempo de meia-vida biológica é de cerca de 8 horas. Já a meia-vida biológica

dopamina Terminal
nervoso
noradrenalina
anfetamina

MAO

+
Transportador de
noradrenalina
Transportador
Sítio de ligação de dopamina
das anfetaminas

Receptor
noradrenérgico
Receptor
dopaminérgico
Fenda sináptica

Figura 1.5
Mecanismo de ação das anfetaminas e seus derivados.44

Diehl.indd 39 3/11/2009 10:56:25


40 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

da metanfetamina é de 10 a 30 horas e sua excreção depende da pureza da


droga, do pH e da quantidade consumida.45
O MDMA é biotransformado no fígado pelas isoenzimas do complexo
citocromo P450, especificamente a CYP2D6. Seu metabólito ativo é o 3,4-me-
tilenodioxianfetamina (MDA), o 3,4-metilenodiidroxianfetamina (HHA), o
3,4-diidroxianfetamina (HHMA) e o 4-hidroxi-3-metoxi-anfetamina. Todos
os metabólitos são excretados na urina. Visto que o MDMA é metabolizado
sobretudo pela isoforma CYP2D6, interações farmacocinéticas podem ocorrer
com substâncias que inibem a CYP2D622. Por exemplo, é comprovado por
estudos in vitro que a fluoxetina, a paroxetina e a cocaína inibem o metabo-
lismo do MDMA da mesma forma que outras substâncias o fizeram in vivo,
como a bupropiona, o haloperidol, a quinidina e o ritonavir, aumentando
assim as concentrações do MDMA no organismo.

Mecanismo de ação
Usaremos como referência a metanfetamina que é conhecida por seu
formato de cristal,42 pode ser ingerida, injetada, cheirada e fumada, sendo
essa última a forma mais comum. Atua no SNC aumentando a liberação das
catecolaminas (noradrenalina, serotonina e dopamina) ao impedir o arma-
zenamento desses neurotransmissores dentro das vesículas no neurônio pré-
-sináptico (Figura 1.5). Além disso, bloqueia a recaptação desses neurotrans-
missores para o neurônio pré-sináptico, impedindo também a ação da mono-
aminoxidase (MAO), uma das enzimas responsáveis pela degradação desses
neurotransmissores na fenda simpática. Essa combinação de ações resulta em
um efetivo aumento dessas catecolaminas no SNC.

Efeitos farmacológicos

Nos efeitos agudos da metanfetamina, observa-se um rush inicial de du-


ração curta, porém intensamente prazeroso, seguido de euforia, sensação de
bem-estar generalizado e de superpoderes, além da diminuição do apetite.
Esses efeitos podem durar cerca de 6 a 8 horas. Estudos têm demonstrado
que administrações repetidas de altas doses são extremamente neurotóxicas,
provocando dano evidente no sistema extrapiramidal dopaminérgico.46
A liberação de grande quantidade de serotonina a partir de terminais
nervosos serotonérgicos, induzida pela metanfetamina e pelo MDMA, tem
sido considerada por alguns autores como a responsável por um conjunto de
sintomas que incluem a hipertermia (temperatura corporal de até 42 ºC), al-
teração do estado mental (confusão mental, convulsões, agressividade e sin-
tomas de psicose, como alucinações e paranoia), instabilidade hemodinâmi-
ca, hipertonia muscular, rabdomiólise e insuficiências renal e cardíaca.47-49

Diehl.indd 40 3/11/2009 10:56:25


Tratamentos farmacológicos para dependência química 41
GHB

O GHB, cujo nome químico é g-hidroxibutirato, também é conhecido


como ecstasy líquido. É produzido a partir da g-butiriliactona, um solvente
industrial comumente encontrado nos esmaltes para unhas, nas ceras para
limpeza de casas, entre outros produtos.
O GHB é um ácido graxo de cadeia curta encontrado em pequenas
quantidades no SNC que apresenta estrutura química semelhante ao GABA.
Essa semelhança deve-se ao fato de o GHB ser um metabólito do neuro-
transmissor GABA. No entanto, são distintos, pois o GABA não atravessa
a barreira hematencefálica, enquanto o GHB a atravessa.50 Na Europa, foi
por algum tempo utilizado como anestésico, caindo em desuso porque sua
utilização foi relacionada a convulsões. Apresenta efeito depressor do SNC
semelhante ao dos sedativos e hipnóticos, como os barbitúricos e os benzo-
diazepínicos.51,52
Em geral é encontrado em preparações líquidas, podendo ser misturado
a bebidas, principalmente para disfarçar seu sabor salgado. Além disso, os
usuários de GHB, com a intenção de prolongar seus efeitos, costumam fazer
associação com outras drogas de abuso, como a maconha, a cocaína, anfeta-
minas e, em especial, o álcool.53

Farmacocinética

Administrado por via oral, é rapidamente absorvido pelo TGI, sofrendo


biotransformação inicial (efeito de primeira passagem). Seus efeitos apare-
cem entre 15 e 30 minutos após sua ingestão, com duração aproximada de 3
a 4 horas.52
Sua biotransformação é muito semelhante à do etanol. O GHB é conver-
tido em succinato semialdeído pela GHB desidrogenase, que é metabolizado
a succinato pela succinato semialdeído desidrogenase. Por fim, o succinato
entra no ciclo de Krebs e produz CO2 e H2O.
A meia-vida biológica do GHB fica em torno de 1 hora.54 Sua eliminação
é dependente da dose e ocorre por via renal e pulmonar.

Mecanismo de ação

Seu mecanismo de ação no cérebro humano ainda não está totalmente


compreendido. Sua ação sistêmica está associada ao controle do metabolismo
de glicose, do consumo de oxigênio e da regulação da temperatura.55
O GHB interage com diversos sistemas de neurotransmissão, sendo que
sua ação parece ser secundária aos efeitos da dopamina.56 Está presente em

Diehl.indd 41 3/11/2009 10:56:25


42 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

altas concentrações no SNC, principalmente no hipocampo, nos gânglios da


base, no hipotálamo e na substância negra.50,51 Parece se ligar de modo rever-
sível a receptores endógenos específicos no SNC, sobretudo no hipocampo,
no córtex e nas áreas dopaminérgicas. Também apresenta uma fraca proprie-
dade agonista nos receptores GABA B57 (Figura 1.6).
Sendo assim, a ativação desses receptores resulta em uma ação modula-
dora sobre vários outros neurotransmissores no SNC, sendo a neurotransmis-
são dopaminérgica a mais importante.

Efeitos farmacológicos
Os efeitos observados com o GHB são dose-dependentes. Por isso, em
baixas doses é comum observar euforia, redução dos estados de ansiedade,

Barreira hematencefálica Neurônio GABA

Transportador
GHB/GABA de Mitocôndria
membrana
plasmática
GHB GHB
Extracelular GHB Succinato
periférico SSADH
GHB SSA
desidrogenase
GABA-T

GABA

Receptor GABA9

Figura 1.6
Mecanismo de ação do GHB no neurônio GABAérgico.58

Diehl.indd 42 3/11/2009 10:56:25


Tratamentos farmacológicos para dependência química 43
amnésia, relaxamento e aumento da libido. Ainda apresenta um efeito anabó-
lico, promovendo um aumento na massa muscular, por isso é também usado,
de forma ilícita, como suplemento alimentar.
Alguns indivíduos podem ter efeitos menos positivos, como náuseas, vô-
mitos, dores de cabeça, sonolência, tonturas, perda de controle muscular e
problemas respiratórios.
Doses maiores mostram efeitos mais intensos de sonolência, tornando-
-se gradativamente tóxico com o uso de álcool e de outras drogas de abuso
e podendo chegar a bradicardia, depressão respiratória, anestesia, perda da
consciência e estado de coma.52,57

CEtamina

A cetamina é um derivado do cloridrato de fenciclidina, chamado de


PCP. Conhecida no meio das festas rave como “K”, “Special K”, “Vitamina K”
ou “Pó dos Anjos”59. É utilizada como agente anestésico em humanos, mas
principalmente em veterinária.
É um anestésico dissociativo, pois promove uma perda sensorial mar-
cante, analgesia e paralisia do movimento e amnésia, sem perda real da cons-
ciência. Seu uso tornou-se constante entre os jovens, sendo consumida em
festas como um potente alucinógeno.60 A forma mais comum de consumo
é a inalatória, mas ainda pode ser apresentada na forma de comprimidos e
líquida (sendo injetada), podendo também ser deglutida ou fumada com a
maconha ou o tabaco.61

Farmacocinética

É rapidamente absorvida. Seus efeitos surgem após 15 minutos da ad-


ministração e podem ter a duração de 20 a 45 minutos. Também é rápida sua
distribuição pelos tecidos por ser altamente lipofílica.
Biotransformada no fígado, apresenta uma meia-vida biológica de cerca
de duas horas.62,63

Mecanismo de ação

A cetamina é um potente antagonista não competitivo do receptor


NMDA e atua no sítio de ligação do PCP, presente nesse canal iônico. A droga
não compete pelo sítio de ligação do glutamato.64 A diminuição da neuro-
transmissão glutamatérgica mediada pelos receptores NMDA está associada
a alterações na percepção, memória e cognição. O bloqueio dos receptores

Diehl.indd 43 3/11/2009 10:56:25


44 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

NMDA está associado ao aumento na liberação de DA, podendo desencadear


sintomas psicóticos.60

Efeitos farmacológicos

Os efeitos da cetamina são semelhantes aos do PCP, com menor duração,


menor euforia e distorção sensorial.
É comum observar melhora no estado de humor, prejuízo no contato
com a realidade, despersonalização, alucinações visuais, leveza, sonhos e pre-
juízo na habilidade de aprendizado, na atenção e na memória. Doses elevadas
provocam redução da função motora, taquicardia ou bradicardia, hipotensão,
náusea, depressão respiratória, flashbacks (que podem durar vários dias),
convulsões, delírio e sintomas semelhantes a esquizofrenia.52

Solventes e inalantes

Neste grupo estão substâncias psicoativas bastante diferentes no aspec-


to químico. Por exemplo, encontram-se aqui gasolina, cola, benzina, tintas,
vernizes, esmaltes, aerossóis, removedores, fluido de isqueiro, gás de botijão,
benzina, inseticidas, extintores de incêndio, acetonas, lança-perfume (base
de cloreto de etila), “cheirinho-da-loló” (base de clorofórmio), entre outras
(Tabela 1.2).

Tabela 1.2
Substâncias psicoativas que são utilizadas como solventes e inalantes

Classe química Produtos comercializados

Hidrocarbonetos alifáticos: Fluido de isqueiro, gás de cozinha,


Butano e hexano tintas.
Hidrocarbonetos aromáticos: Plásticos, detergentes, inseticidas,
Benzeno, tolueno e xileno vernizes, cola de sapateiro, tintas,
solvente de resina, cola de madeira.
Hidrocarbonetos halogenados: Removedores de manchas, anestésicos,
Cloreto de etila, clorofórmio, extintores de incêndio, fluido corretor.
halotano, freon
Compostos oxigenados: Removedor de esmalte, esmalte,
Acetona, óxido nitroso, nitrato de aerossóis desodorizantes, anestésico
isobutila, éter etílico tópico.

Diehl.indd 44 3/11/2009 10:56:26


Tratamentos farmacológicos para dependência química 45
Seu uso é comum entre jovens e crianças de baixa renda devido ao seu
baixo custo e principalmente à facilidade de acesso.

Farmacocinética

Estas substâncias são utilizadas por inalação ou ingestão oral. A absor-


ção e distribuição são bastante rápidas devido a seu caráter lipofílico, atingin-
do imediatamente a corrente sanguínea e a superfície capilar dos pulmões.
Por meio do sangue atingem os tecidos mais vascularizados, como o cérebro
e o fígado. A biotransformação depende da substância utilizada, em razão da
diversidade de características químicas que cada uma apresenta.65,66

Mecanismo de ação

Em geral, o mecanismo de ação dos inalantes e solventes está relacio-


nado a uma alteração generalizada nas funções das membranas neuronais. O
mecanismo parece envolver a fluidificação das membranas celulares, alteran-
do sua permeabilidade a íons e sua função. No entanto, a forma como essas
substâncias atuam no SNC ainda permanece obscura. Aparentemente, estão
relacionadas à atividade do complexo do receptor GABA. Assim, há influxo de
cloro através da membrana, levando a hiperpolarização neuronal. Essa hiper-
poloarização provoca a inibição da propagação do impulso nervoso, ocorren-
do depressão do SNC. Em doses elevadas, os inalantes bloqueiam a atividade
glutamatérgica no SNC.67,68

Efeitos farmacológicos

Os efeitos observados com o uso dos inalantes e solventes parecem ser


semelhantes ao do etanol, ou seja, euforia inicial seguida de depressão. Ini-
cialmente, então, surgem euforia, excitação, exaltação e alterações auditivas
e visuais, podendo também aparecer sintomas desagradáveis, como verti-
gens, tonturas, náuseas, vômitos, espirros, tosse, salivação, fotofobia e rubor
facial.
Depois desses efeitos, surgem os relacionados a depressão do SNC: con-
fusão, desorientação, alteração da consciência, diminuição da percepção, len-
tidão da compreensão, leve torpor, perda do autocontrole, turvação da visão,
diplopia e cólicas abdominais, cefaleia, palidez, redução acentuada do estado
de alerta, dificuldade de coordenação ocular e motora, ataria, fala pastosa,
reflexos diminuídos e nistagmo (oscilação rítmica involuntária dos globos
oculares). Em doses maiores, pode ocorrer depressão profunda ou tardia do

Diehl.indd 45 3/11/2009 10:56:26


46 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

SNC, levando a perda da consciência, convulsões, paranoia e comportamento


bizarro. Esses sintomas são comumente observados em usuários que inalam a
substância vinda de um chumaço de algodão ou de dentro de um saco plásti-
co e que, após certo tempo, já não conseguem afastá-lo do nariz, agravando a
intoxicação e podendo levar a morte por asfixia.65

Opioides

O ópio, cujo nome científico é Papaver somniferum, deu origem aos opioi­
des, termo proposto para designar as substâncias com ação semelhante à da
morfina, porém com uma estrutura química diferente.69
A partir daí, surgiram as substâncias naturais, semissintéticas e sinté-
ticas extraídas do ópio. Contudo, o conceito de opioide evoluiu e passou a
incluir todas as substâncias naturais, semissintéticas ou sintéticas que intera-
gem com os receptores opioides, quer como agonista, quer como antagonis-
ta70 (Tabela 1.3).

Farmacocinética

De um modo geral, os opioides são bem absorvidos pelo TGI, pela mu-
cosa nasal, pelas vias aéreas e por via parenteral. São biotransformados no
fígado em duas fases. Por meio da glucoronidação e da N-desmetilação dão

Tabela 1.3
Classificação dos opioides

Opioide Indicação clínica

Naturais
Morfina Analgésico
Ópio (pó) Antidiarreico, analgésico
Codeína Antitussígeno
Sintéticos
Meperidina Analgésico
Propoxifeno Analgésico
Fentanil Analgésico
Semissintéticos
Heroína Droga de abuso
Metadona Tratamento da dependência de morfina e
heroína

Diehl.indd 46 3/11/2009 10:56:26


Tratamentos farmacológicos para dependência química 47
origem aos metabólitos morfina-3-glucoronídeo (inativo) e morfina-6-gluco-
ronídeo (ativo).71 Já a heroína é hidrolisada em 6-monoacetilmorfina e de-
pois em morfina, dando origem aos mesmos metabólitos que a morfina.
Os opioides são distribuídos pelo organismo de modo a atingir rins, fí-
gado, pulmões e baço, com pequenas concentrações no cérebro e músculos.
Devido a sua baixa solubilidade lipídica, a morfina penetra de forma limitada
no SNC, o que não ocorre com outros derivados sintéticos que são mais lipos-
solúveis, como a heroína,72 ligando-se a proteínas plasmáticas.
A eliminação de quantidade de morfina livre (inalterada) é encontrada
na urina, sendo a maioria como morfina conjugada. Cerca de 90% do total
da droga administrada são excretados nas primeiras 24 horas, sendo que a
principal via de eliminação é a filtração glomerular.

Mecanismo de ação

Os receptores opioides são classificados em k (kappa), d (delta) e µ (mi),


de acordo com sua localização e resposta a substâncias agonistas específicas.
Os receptores µ estão envolvidos diretamente com os efeitos da morfina e
da heroína (Figura 1.7), sendo assim agonistas específicos nesses receptores.
Estão amplamente distribuídos em todo o encéfalo, e sua função se relaciona
com a integração motora-sensorial e a percepção dolorosa.73

Terminal nervoso no Terminal nervoso no


dopamina nucleus acumbens nucleus acumbens
GABA
heroína
morfina


receptor receptor
GABA receptor opioide (m) GABA receptor opioide (m)
morfina
Fenda Fenda
sináptica sináptica
receptor
heroína
receptor dopamina dopamina

membrana pós-sináptica membrana pós-sináptica

Figura 1.7
Mecanismo de ação da morfina e da heroína.74

Diehl.indd 47 3/11/2009 10:56:26


48 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Efeitos farmacológicos

Os efeitos mais comuns observados são analgesia, sonolência, alterações


de humor e confusão mental, sem perda da consciência.
Utilizada como droga de abuso, em um indivíduo sem dor pode pro-
duzir uma sensação de euforia, mas os efeitos nem sempre são agradáveis.
Pode ocorrer disforia em vez da euforia, resultando numa leve ansiedade ou
sensação de medo.
Em doses elevadas, observa-se potenciação dos efeitos de sonolência,
náusea e vômito e depressão respiratória – o maior problema dos opioides.
Nesse caso, como a heroína é mais lipofílica que a morfina, seus efeitos sobre
o SNC são mais rápidos e de maior intensidade.75

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A psicofarmacologia atual está caminhando para além do mero conhe-


cimento dos receptores, dos neurônios, das enzimas, da meia-vida das molé-
culas, dos alvos das drogas de abuso, para uma compreensão mais ampla dos
circuitos cerebrais e da captação das imagens cerebrais.64,72 Espera-se que,
em um futuro breve, essa tecnologia, a qual promete revolucionar o campo
das dependências, possa permitir maior aplicabilidade na prática clínica.

Referências

1. Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID). São Paulo: De-
partamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo; c2006-2006 [atuali-
zada em 2009 Mar 10; acesso em 2009 mar 6]. Disponível em: http://200.144.91.102/
cebridweb/default.aspx.
2. Jones AW, Jonsson KA, Neri A. Peak blood-ethanol concentration and the time of its oc-
currence after rapid drinking on an empty stomach. J Forensic Sci. 1991 Mar;36(2):376-
85.
3. Ferreira MP, Weems S. Alcohol consumption by aging adults in the United States: health
benefits and detriments. J Am Diet Assoc. 2008;108(10):1668-76.
4. Levitt MD, Li R, DeMaster EG, Elson M, Furne J, Levitt DG. Use of measurements of
ethanol absorption from stomach and intestine to assess human ethanol metabolism.
Am J Physiol. 1997 Oct;273(4 Pt 1):G951-7.
5. Baraona E, Abittan CS, Dohmen K, Moretti M, Pozzato G, Chayes ZW, et al. Gen-
der differences in pharmacokinetics of alcohol. Alcohol Clin Exp Res. 2001
Apr;25(4):502-7.
6. Lieber CS. Cytochrome P-4502E1: its physiological and pathological role. Physiol Rev.
1997 Apr;77(2):517-44.

Diehl.indd 48 3/11/2009 10:56:26


Tratamentos farmacológicos para dependência química 49
7. Chastain, G. Alcohol, neurotransmitter systems, and behavior. J Gen Psychol. 2006;
133(4):329-35.
8. Heinz A, Goldman D, Gallinat J, Schumann G, Puls I. Pharmacogenetic insights to
monoamine dysfunction in alcohol dependence. Psychopharmacology (Berl). 2004
Aug;174(4):561-70. Epub 2004 May 18.
9. Zaleski M, Morato GS, Silva VA, Lemos T. Neuropharmacological aspects of chronic
alcohol use and withdrawal syndrome. Rev Bras Psiquiatr. 2004 May;26 Suppl 1:S40-
2. Epub 2005 Jan 4.
10. Castro LA, Baltieri DA. The pharmacologic treatment of the alcohol dependence. Rev
Bras Psiquiatr. 2004 May;26 Suppl 1:S43-6. Epub 2005 Jan 4.
11. Planeta CS, Cruz FC. Neurophysiological basis of tobacco dependence. Rev Psiq Clín.
2005;32 (5):251-58.
12. Focchi GRA. Tabagismo: uma revisão. Psychiatry on-line Brazil [periódico online].
2003 Mar [capturado em 2009 Mar 6]; 8: [1 tela] Disponível em: http://www.polbr.
med.br/arquivo/artigo0303_2.htm.
13. Marques ACPR, Campana A, Gigliotti AP, Lourenço MTC, Ferreira MP, Laranjeira R.
Consenso sobre o tratamento da dependência de nicotina. Rev Bras Psiquiatr. 2001
dez;23(4):200-14.
14. Balbani APS, Montovani JC. Methods for smoking cessation and treatment of nicotine
dependence. Braz J Otorhinolaryngol. 2005 Nov-Dec;71(6):820-7.
15. Picciotto MR, Calderone BJ, King SL, Zachariou V. Nicotine receptors in brain:
links between molecular biology and behavior. Neuropsychopharmacology. 2000
May;22(5):451-65.
16. Malin DH, Lake JR, Carter VA, Cunningham JS, Hebert KM, Conrad DL, et al. The
nicotine antagonist mecamylamine precipitates nicotine abstinence syndrome in the
rat. Psychopharmacology (Berl). 1994 Jun;115(1-2):180-4.
17. United Nations Office on Drugs and Crime. Global illicit drug trends 2003. Vienna,
Austria: United Nations International Drug Control Programme Research Section;
2003.
18. Elkashef A, Vocci F, Huestis M, Haney M, Budney A, Gruber A, et al. Marijuana neu-
robiology and treatment. Subst Abus. 2008;29(3):17-29.
19. Huestis MA, Gorelick DA, Heishman SJ, Preston KL, Nelson RA, Moolchan ET, et al.
Blockade of effects of smoked marijuana by the CB1-selective cannabinoid receptor
antagonist SR141716. Arch Gen Psychiatry. 2001 Apr;58(4):322-28.
20. Yamamoto T, Takada, K. Current perspective: role of cannabinoid receptor in the brain
as it relates to drug reward. Jpn J Pharmacol. 2000;84(3):229-36.
21. Goldstein RA, DesLauriers C, Burda AM. Cocaine: history, social implications, and
toxicity. Dis Mon. 2009 Jan;55(1):6-38.
22. Shanti CM, Lucas CE. Cocaine and the critical care challenge. Crit Care Med. 2003
Jun;31(6):1851-9.
23. Luft A, Mendes FF. Anestesia no paciente usuário de cocaína. Rev Bras Anestesiol.
2007;57(3):307-14.
24. Boghdadi MS, Henning RJ. Cocaine: pathophysiology and clinical toxicology. Heart
Lung. 1997;26(6):466-83.

Diehl.indd 49 3/11/2009 10:56:26


50 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

25. McCance EF, Price LH, Kosten TR, Jatlow PI. Cocaethylene: pharmacology, physiology
and behavioral effects in humans. J Pharmacol Exp Ther. 1995 Jul;274(1):215-23.
26. Riss J, Cloyd J, Gates J, Collins S. Benzodiazepines in epilepsy: pharmacology and
pharmacokinetics. Acta Neurol Scand. 2008 Aug; 118(2):69-86.
27. Diazepam In: NetDrugs.info [acesso em 2009 março 31] Disponível em: http://www.
netdrugs.info/images/moleculas/DIAZEPAM.gif.
28. Giovannitti JA, Trapp LD. Adult sedation: oral, rectal, IM, IV. Anesth Prog. 1991 Jul-
Oct; 38(4-5):154-71.
29. Rey E, Treluyer JM, Pons G. Pharmacokinetic optimization of benzodiazepine therapy
for acute seizures: focus on delivery routes. Clin Pharmacokinet. 1999;36(6):409-
24.
30. Olkkola KT, Ahonen J. Midazolan and other benzodiazepines. Handb Exp Pharmacol.
2008;(182):335-60. Review.
31. Gaba A receptor [acesso em 2009 maio 31]. Disponível em: http://www.emslive.
com/content_images/1/drug_benzo.jpg.
32. Saias T, Gallarda T. Paradoxical aggressive reactions to benzodiazepine use: a review.
Encephale. 2008 Sep;34(4):330-36.
33. Auchewski L, Andreatni R, Galduróz JCF, Lacerda RB. Avaliação da orientação médica
sobre os efeitos colaterais de benzodiazepínicos. Rev Bras Psiquiatr. 2004;26(1):24-31.
34. Puntillo K, Casella V, Reid M. Opioid and benzodiazepine tolerance and dependence: ap-
plication of theory to critical care practice. Heart Lung. 1997 Jul-Aug;26(4):317-24.
35. Winter, JC. Hallucinogens as discriminative stimuli in animals: LSD, phenethylamines,
and tryptamines. Psychopharmacology (Berl). 2008 Nov 1. [Epub ahead of print].
36. Ungerleider JT, Fisher DD. The problens of LSD-25 and emotional disorder. Calif Med.
1967 Jan;106(1):49-55. Review.
37. Universidade Federal de Santa Catarina. Departamento de química [acesso em 2009
março 31]. Disponível em: http://www.qmc.ufsc.br/qmcweb/artigos/images/ medi-
cinal/lsd.gif.
38. Barnes NM, Sharp T. A review of central 5-HT receptors and their function. Neuro-
pharmacology. 1999 Aug;38(8):1083-152.
39. Abrahan HD, Aldridge AM, Gogia P. The Psycchopharmacology of hallucinogens.
Neuropsychopharmacology. 1996 Apr;14(4):285-98.
40. Gresch PJ, Smith RL, Barrett RJ, Sanders-Busch E. Behavioral tolerance to lysergic acid
diethylamide associated with reduced serotonin-2A receptor signaling in rat cortex.
Neuropsychopharmacology. 2005 Sep;30(9):1693-702.
41. Sardinha LS, Garcia AL. Um estudo sobre a psicodinâmica do usuário de ecstasy. Psicol:
teor prat. 2000 jul/dez;2(2):70-87.
42. Moro ET, Ferraz AF, Pinheiro NS. Anesthesia and the ecstasy user. Rev Bras de Anes-
tesiol. 2006 Mar/Abr;56(2):183-8.
43. Xavier CAC, Lobo PLD, Fonteles MMF, Vasconcelos SMM, Viana GSB, Sousa FCF. Ecs-
tasy (MDMA): pharmacological and toxic effects, mechanism of action and clinical
management. Rev Psiq Clín. 2008;35(3);96-103.
44. Ellinwood EH, King G, Lee TH. Chronic amphetamine use and abuse [acesso em
março]. Disponível em: http://www.acnp.org/g4/GNA1000166/CH166.thm.

Diehl.indd 50 3/11/2009 10:56:26


Tratamentos farmacológicos para dependência química 51
45. Russell K. et al Risk factors for methamphetamine use in youth: a systematic review.
BMC Pediatr. 2008 Oct 28;8:48. Review.
46. Elkashef A, Vocci F, Hanson G, White J, Wickes W, Tiihonen J. Pharmacotherapy of
methamphetamine addiction: an update. Subst Abus. 2008;29(3):31-49.
47. Wray JN. Psychophysiological aspects of methamphetamine abuse. J Addict Nurs.
2000;12(3):143-7.
48. Slavin S. Crystal methamphetamine use among gay men in Sydney. Contemp Drug
Probl. 2004,32(3):425-65.
49. Ferigolo M, Machado AGS, Oliveira NB, Barros HMT. Ecstasy intoxication: the toxico-
logical basis for treatment. Rev Hosp Clin S Paulo. 2003;58(6):332-41.
50. Gonzalez A, Nutt DJ. Gamma hydroxy butyrate abuse and dependency. J Psychophar-
macol. 2005 Mar;19(2):195-204.
51. Maxwell JC. Party drugs: properties, prevalence, patterns and problems. Subst Use
Misuse. 2005;40(9-10):1203-40.
52. Gahlinger, PM. Club drugs: MDMA, GHB, Roypnol and Ketamine. Am Fam Physician.
2004 Jun 1;69(11):2619-226.
53. Miotto K, Darakjian J, Bash J, Murray S, Zogg J, Rawson R. Gamma-hydroxybutyric acid:
patterns of use, effects and withdrawal. Am J Addict. 2001 Summer;10(3):232-41.
54. Lettieri J, Fung H. Absorption and first-pass metabolism of 14C-gammahydroxybutyric
acid. Res Commun Chem Pathol Pharmacol. 1976 Mar;13(3):425-37.
55. Li J, Stokes S, Woeckener A. A tale of novel intoxication: a review of the effects of
gamma-hydroxybutyric acid with recommendations for management. Ann Emerg Med.
1998 Jun;31(6):729-36.
56. Fiegenbaum JJ, Howard SG. Does gamma-hydroxybutyrate inhibit or stimulate central
DA release? Int J Neurosci. 1996 Nov;88(1-2):53-69.
57. Britt GC, McCance-Katz EF. A brief overview of the clinical pharmacology of “Club
Drugs”. Subst Use Misuse. 2005;40(9-10):1189-201.
58. Maitre M, Humbert JP, Kemmel V, Aunis D, Andriamampandry C. [A mechanism for
gamma-hydroxybutyrate (GHB) as a drug and a substance of abuse]. Med Sci (Paris).
2005 Mar;21(3):284-9.
59. Cruz SL, López C. Fármacos que producen dependência física y adicción. Avance y
perspectiva. 2003 Oct/Dic;22:211-17.
60. Vasconcelos SMM, Andrade MM, Soares PM, Chaves BG, Patrocínio MCA, Sousa FLF,
et al. Ketamine: general aspects and relationship with schizophrenia. Rev Psiq Clín.
2005;32(1):10-6.
61. Bascuñana JJA, Cuartero R, Martínez JL, Redondo LC, Río T, Foncillas B. Drogas de
diseño: un nuevo paciente crítico. Manejo de las intoxicaciones por drogas consumidas
en macrofiestas. Sal Rural. 2003;20(3):1-9.
62. Domino EF, Domino SE, Smith RE, Domino LE, Goulet JR, Domino KE, et al. Ketamine
kinetics in unpremedicatedand diazepam-premedicated subjects. Clin Pharmacol Ther.
1984 Nov;36(5):645-53.
63. Maxwell, JC. Party Drugs: properties, prevalence, patterns and problems. Subst Use
Misuse. 2005;40(9-10):1203-40.
64. Bressan RA, Pilowskv LS. Hipótese glutamatérgica da esquizofrenia. Rev Bras Psiquiatr.
2003;25(3):177-83.

Diehl.indd 51 3/11/2009 10:56:26


52 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

65. Pedrozo M de FM, Siqueira MEPB de. Solventes de cola: abuso e efeitos nocivos à
saúde. Rev Saúde Públ S Paulo.1989;23(4):336-40.
66. Kurtzman TL, Otsuka KN, Wahl RA. Inhalant abuse by adolescents. J Adolesc Health.
2001 Mar;28(3):170-80.
67. Galduróz JCF. O uso de inalantes (solventes) entre estudantes de 10 e 20 graus em
dez capitais brasileiras-1993 [tese]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São
Paulo- Escola Paulista de Medicina; 1996.
68. Ferigolo M, Arbo E, Malysz AS, Bernardi R, Barros HMT. Aspectos clínicos e farmaco-
lógicos do uso de solventes. J Bras Psiquiatr. 2000 set;49(9):331-41.
69. Gozzani JL. Opioids and antagonists. Rev Bras Anestesiol. 1994 jan/fev;44(1):65-73.
70. Duarte DF. Opium and opioids: a brief history. Rev Bras Anestesiol. 2005 fev;55(1):135-
46.
71. Vaughan CW, Connor M. In search of a role for the morphine metabolite morphine-3-
glucuronide. Anesth Analg. 2003 Aug;97(2):311-2.
72. Rook EJ, Huitema AD, van den Brink W, van Ree JM, Beijnen JH. Pharmacokinetics
and pharmacokinetic variability of heroin and its metabolites: review of the literature.
Curr Clin Pharmacol. 2006 Jan;1(1):109-18.
73. Bloor BC, Maze M, Segal I. Interaction between adrenergic and opioid pathways. In:
Estafanous FG. Opioids in anesthesia. 2nd. ed. Boston: Butterworth-Heineman, 1991.
p. 34-46.
74. The mechanism of action of heroin at the delta (δ) and kappa (κ) opiate receptors
[acesso em 2009 março 31]. Disponível em: http://www.cnsforum.com/imagebank/
item /moa_heroin_delta_kappa /default.aspx.
75. Rang HP, Dale MM, Ritter JM, Moore PK. Farmacologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier;
2003. p. 651-62.

Diehl.indd 52 3/11/2009 10:56:26


parte 2
Neurociência

Diehl.indd 53 3/11/2009 10:56:27


Diehl.indd 54 3/11/2009 10:56:27
NEUROCIÊNCIA DO USO DE
SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
O cérebro e o prazer
2
Ilza Rosa Batista
Priscila Previato de Almeida
Gustavo Fadel
Rodrigo Affonseca Bressan

O entendimento das bases neurológicas da drogadição continua desafian-


do clínicos e pesquisadores. Não é de hoje que o sistema dopaminérgico vem
sendo considerado como o mais importante no que se refere ao uso abusivo de
substâncias, sendo a via dopaminérgica mesocorticolímbica a mais referida.
Junto com a dopamina, outros neurotransmissores parecem colaborar para a
atividade da via dopaminérgica com o chamado “sistema de recompensa”. Es-
tão incluídos, por exemplo: o ácido g-aminobutírico (GABA), o glutamato, a se-
rotonina e os peptídeos opioides. Além de atuar sobre o sistema de recompensa,
o sistema dopaminérgico apresenta importante função sobre o sistema motor,
bem como as funções refinadas de cognição e memória. Já o sistema opioide é
responsável pelo componente hedônico (de prazer) do sistema de recompensa
cerebral, além de estar relacionado à dor e ao processamento emocional.1
Quando observamos os mecanismos de ação das diferentes drogas de
abuso, verificamos que todas apresentam uma relação direta ou indireta com
um ou mais desses neurotransmissores, como veremos neste capítulo.

COCAíNA

A cocaína liga-se aos transportadores de dopamina (DAT), serotonina


(5-HTT) e noradrenalina. Entretanto, os efeitos subjetivos e comportamentais
dessa substância são geralmente atribuídos a sua ação sobre o sistema dopa-
minérgico. Acredita-se que 50% de ocupação do transportador de dopamina
seja necessária para que um indivíduo perceba os efeitos da substância e que,
para a sensação de euforia, pelo menos 60% dos sítios de DAT devam estar ocu-
pados.2 Nas três vias de administração – aspirada, injetada e fumada (crack) – a
ocupação de DAT é superior a 60%.3

Diehl.indd 55 3/11/2009 10:56:27


56 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

A cocaína per se provoca efeitos deletérios indiscutíveis, mas, quando


é ingerida concomitantemente ao álcool, leva a formação de um metabólito
conjugado chamado cocaetileno. Esse metabólito apresenta propriedades psi-
coativas importantes e uma meia-vida muito maior do que se a cocaína e o
álcool fossem ingeridos em separado, e seu acúmulo leva com rapidez a um
quadro de intoxicação.

Metanfetamina e Ecstasy
(MDMA -3,4-metilenodioximetanfetamina)

As drogas classificadas como derivados anfetamínicos podem atuar no


sistema nervoso central (SNC) de formas distintas. Seu alvo principal são
as monoaminas cerebrais: dopamina, serotonina e noradrenalina. Assim, no
aspecto farmacológico são classificadas como agonistas indiretos, pois não
atuam de forma específica sobre receptores monoaminérgicos pós-sinápticos,
mas, indiretamente, da seguinte forma:4

• impedem a recaptação dos neurotransmissores mediante bloqueio


competitivo do transportador de dopamina e noradrenalina e, em
altas doses, também de serotonina;
• inibem a atividade das enzimas de metabolismo (monoaminoxidase –
MAOA e MAOB);
• estimulam a liberação do neurotransmissor independente de Ca++ (ou
seja, independentemente da despolarização do botão sináptico).

Maconha

O principal componente psicoativo da maconha é o Δ9-tetraidrocanabinol


(THC). O mecanismo de ação do THC ainda não foi completamente elucida-
do, mas se acredita que atue no SNC por meio dos receptores canabinoides
CB1 e CB2. As áreas cerebrais com maior densidade de receptores CB1 são:
o córtex frontal, os núcleos da base, o cerebelo e o hipocampo. Estudos com
animais têm demonstrado que o THC e a anandamida (canabinoide endóge-
no mais estudado) aumentam a concentração de dopamina no estriado e no
sistema mesolímbico.5

Nicotina

A nicotina é a principal substância do cigarro, responsável pelos efeitos


psicoativos e pela dependência de tabaco. No entanto, há milhares de com-

Diehl.indd 56 3/11/2009 10:56:27


Tratamentos farmacológicos para dependência química 57
postos químicos na fumaça do cigarro, e alguns deles podem contribuir para
os efeitos comportamentais e tóxicos do tabaco. A nicotina é um agonista
direto em receptores colinérgicos nicotínicos, onde age a acetilcolina endóge-
na, os quais estão amplamente distribuídos no SNC. Os receptores nicotínicos
implicados na ação da nicotina6 estão localizados no sistema dopaminérgico
mesocorticolímbico.

Álcool

Os mecanismos pelos quais o álcool atua no cérebro, assim como as


alterações cerebrais produzidas por seu consumo crônico, ainda não estão
compreendidos, sendo que a maioria dos estudos indica a participação dos
sistemas dopaminérgicos, serotonérgicos e, principalmente, GABAérgicos.
O sistema de recompensa associado ao uso do álcool, além dos neurô-
nios dopaminérgicos da área tegmental ventral e do nucleus acumbens, inclui
também estruturas que usam o GABA como transmissor, tais como o córtex, o
cerebelo, o hipocampo, os colículos superiores e inferiores e a amígdala.

Opioides

Os opioides modulam a liberação de neurotransmissores, como a ace-


tilcolina, serotonina, noradreanlina, além de outros peptídeos, como a subs-
tância P. O locus coeruleos, responsável pela maior parte da produção de no-
radrenalina no SNC, apresenta-se estimulado na síndrome de abstinência de
opiáceos, o que provoca os típicos sintomas de estimulação simpática.
O sistema de recompensa aos opiáceos, além das estruturas anterior-
mente mencionadas, inclui áreas que usam como neurotransmissores opiáce-
os endógenos, tais como o núcleo arqueado, a amígdala, o locus coeruleos e a
área cinzenta periaquedutal dorsal.

SISTEMA DE RECOMPENSA CEREBRAL

Vários estudos têm demonstrado, ao longo do tempo, que existe uma ca-
deia de reações envolvendo os diversos neurotransmissores citados nos meca-
nismos de ação das diferentes drogas de abuso, que culmina com a liberação
da dopamina na porção ventral do núcleo estriado chamada de nucleus acum-
bens (NA). O NA recebe projeções de neurônios dopaminérgicos localizados
na área tegmental ventral, local de convergência para estímulos procedentes
da amígdala, do hipocampo, do córtex entorrinal, do giro do cíngulo anterior
e de parte do lobo temporal. Do NA partem eferências para o septo hipocam-

Diehl.indd 57 3/11/2009 10:56:27


58 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

pal, o hipotálamo, a área cingulada anterior e os lobos frontais. Devido às


suas conexões aferentes e eferentes, o NA desempenha importante papel na
regulação da atribuição de saliência (relevância) das emoções, da motivação
e da cognição.
O sistema mesocorticolímbico de recompensa, como comentado ante-
riormente, se estende a partir da área tegmental ventral até o NA, passando
por diferentes áreas, como o sistema límbico e o córtex orbitofrontal. Alte-
rações no sistema dopaminérgico, como a diminuição dos receptores D2 de
dopamina, poderiam ser responsáveis por alterações nesse sistema de recom-
pensa quando da utilização de drogas de abuso.
Esse sistema é ativado quando sentimos prazer e satisfação, ou seja, sen-
sação de bem-estar. Essa circuitária do sistema de recompensa é “alimentada”
por essas sensações. Quando se utilizam drogas de abuso, por exemplo, que
proporcionam sensações de prazer, o sistema é ativado, sempre mediado pela
dopamina. Interessante perceber que pessoas com deficiência no sistema de
recompensa sempre estão buscando externamente (p. ex., por intermédio de
substâncias de abuso) uma maneira de ativar o sistema, que pode ser defi-
ciente de maneira inata. Assim, por meio da memória neuronal, esse sistema
estaria marcado pelo prazer obtido pela droga, o que acarreta o comporta-
mento de procura pela substância.
Como o circuito de recompensa é mediado pela liberação de dopamina,
alterações na quantidade do neurotransmissor ou na sensibilidade dos re-
ceptores D2 podem provocar, naqueles que apresentam essas alterações, uma
falta de controle nos impulsos, buscando sempre uma maior intensidade nas
sensações prazerosas, ou seja, impulsividade.
Inicialmente, o impulso que é controlável para a maioria das pessoas é
conduzido de forma diferente por uma minoria. Esse controle está localizado
em uma região cerebral chamada de córtex orbitofrontal. Pessoas com lesões
funcionais nessa circuitária podem apresentar dificuldades de controlar seus
impulsos, aspecto determinante no processo de dependência. Foi demonstra-
do que mesmo drogas não diretamente relacionadas ao sistema dopaminérgi-
co são capazes de promover a ativação dopaminérgica de forma indireta pela
sensação de conforto e prazer. Essa ativação pode gerar um circuito reverbe-
rativo, acarretando a busca incessante pelo objeto de prazer: a droga.

Achados farmacológicos sobre sistema límbico de recompensa

O bloqueio do DAT aumenta substancialmente as concentrações extra-


celulares de dopamina, resultando em elevada estimulação de neurônios nas
regiões cerebrais envolvidas com o comportamento de reforço e recompensa.
Como o NA é a principal estrutura no sistema mesocorticolímbico, recebe pro-
jeções dopaminérgicas da área tegmental ventral e glutamatérgicas do córtex

Diehl.indd 58 3/11/2009 10:56:27


Tratamentos farmacológicos para dependência química 59
pré-frontal, da amígdala e do hipocampo. Essas projeções integram as regiões
corticais e límbicas, conectando motivação a ação. De forma simplificada, po-
demos dizer que o sistema de recompensa exerce uma mediação importante
nos efeitos naturalmente prazerosos e gratificantes de comer, do sexo, e nos
não naturais, como os das drogas de abuso.
Estudos mostram que lesões no NA reduzem os efeitos prazerosos de
psicoestimulantes e opioides. Diversos estudos farmacológicos utilizando ani-
mais já demonstraram que os receptores D2 exercem uma função importante
no sistema de recompensa,7,8 como mostram as pesquisas envolvendo mi-
croinfusão direta dessas drogas no NA. Por exemplo, ratos treinados a receber
autoadministração direta de anfetamina no NA demonstraram o efeito refor-
çador verificado por análises bioquímicas dos níveis extracelulares aumenta-
dos de dopamina nessa região. No entanto, ratos que autoadministram um
inibidor da recaptação de dopamina (cocaína) no NA apresentaram um efeito
surpreendentemente mais fraco, quando comparado ao da anfetamina. Essa
observação fez com que fosse especulado que os efeitos de recompensa da
cocaína seriam realizados em outras regiões fora do NA, incluindo, por exem-
plo, o tubérculo olfatório.9 Entretanto, cabe aqui lembrar que a propriedade
anestésica local da cocaína é um enorme viés para estudos de administração
direta da droga em estruturas cerebrais.
A Figura 2.1 representa um corte sagital do cérebro de um rato no qual
estão representadas as estruturas que compreendem o sistema límbico, in-

Hipocampo

tr iado
PFC oes
Ne
VP
Tálamo
Nucleus
acumbens
VTA

Glutamato
GABA Amígdala

Dopamina
Transportador
de dopamina

Figura 2.1
Sistema límbico de recompensa.

Diehl.indd 59 3/11/2009 10:56:28


60 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

cluindo amígdala, hipocampo, córtex pré-frontal (PFC), nucleus acumbens


(NA), globo pálido ventral (VP) e área tegmental ventral (VTA). Os neurônios
dopaminérgicos VTA modulam as informações através do circuito límbico, via
projeções para o NA, a amígdala, o hipocampo, o PFC e o globo VP. O aumen-
to da transmissão dopaminérgica no sistema límbico, particularmente no NA,
sustenta o efeito reforçador provocado pelas drogas de abuso no chamado
sistema de recompensa. Essa figura representa a ação de psicoestimulantes
aumentando a transmissão dopaminérgica em áreas que recebem projeções
da VTA via interação com o transportador de dopamina.

Qual a relação do estresse com o sistema límbico de recompensa?

Evidências mostram uma importante participação do fator liberador de


corticotrofina (CRF) em uma função neurotrófica fora do SNC. Atuando sobre
o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), sugere um mecanismo paralelo de
mediação autonômica de resposta comportamental ao estresse e uma contri-
buição para o estado comportamental de estresse na dependência química,
pela liberação de esteroides adrenais.
O estresse agudo e sobretudo o crônico contribuem de forma significa-
tiva para a intensa liberação de glicocorticoides (GC). Os GCs são capazes de
aumentar a sensibilidade do NA ao uso abusivo de drogas, justamente por
facilitarem a liberação de dopamina no NA.10
Estudos mostram que a retirada aguda de drogas de abuso, por exem-
plo, produz aumento nas respostas de ansiedade e nos níveis de CRF no nú-
cleo central da amígdala. Um sistema de estresse cerebral é ativado hipoteti-
camente por conta do uso agudo e exacerbado de drogas de abuso, ficando
sensibilizado durante a retirada da droga, persistindo na abstinência e contri-
buindo para a compulsividade da drogadição.11
Sendo assim, podemos dizer que drogadição impacta múltiplos meca-
nismos e poderia ser inserida no conceito de transtorno que progride da im-
pulsividade (reforço positivo) à compulsão (reforço negativo). O construto de
reforço negativo poderia ser definido como uma droga que alivia um estado
emocional negativo, que, por sua vez, rege tal reforço negativo e hipotetica-
mente funciona como uma derivação da desregulação do elemento neuro-
químico-chave envolvido na recompensa (DA) e no estresse (CRF) com as
estruturas cerebrais relacionadas ao sistema de recompensa.11
A Figura 2.2 ilustra a participação do eixo HPA e do CRF no sistema de
recompensa.
As figuras ilustram a função principal do CRF no eixo HPA (A) e (B) o
sistema de estresse cerebral. A interação funcional entre os GCs, o CRF e o
estresse representa um refinado balanço entre o sistema de estresse e o eixo
HPA. O estímulo estressor aumenta a liberação de CRF, que estimula a libe-

Diehl.indd 60 3/11/2009 10:56:28


Tratamentos farmacológicos para dependência química 61

BNST

PFC HPC
PVN
CRF

PIT AMYG

ACTH

Glândula
adrenal Glicocorticoides

BNST

CRF
HPC

CRF
PVN
Resposta
comportamental AMYG Medula
ao estresse oblonga

Resposta
simpática
ao estresse
NE
NE

Débito cardíaco
Pulsação
Medula
Resistência vascular adrenal
periférica
Glicose sanguínea Adrenalina
Taxa cardíaca Secreção de
ácido gástrico
Pressão sanguínea
Esvaziamento
gástrico
Figura 2.2
CRF e eixo HPA.
ACTH – hormônio adrenocorticotrófico; AMYG – amígdala; BNST – núcleo posterior da estria termi-
nal; CRF – fator liberador de corticotrofina; HPC – hipocampo; NE – noradrenalina; PIT – hipófise; PFC
– córtex pré-frontal; PVN – núcleo paraventricular do hipotálamo.12

Diehl.indd 61 3/11/2009 10:56:29


62 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

ração de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) da hipófise, que, por sua


vez, estimula a liberação de GC da adrenal. Níveis elevados de GC mediante
feedback negativo diminuem a síntese de CRF no núcleo paraventricular do
hipotálamo, mas ativam CRF ao nível do núcleo central da amígdala. O es-
tímulo estressor ainda ativa o sistema CRF da região cerebral basal anterior,
notadamente o núcleo posterior da estria terminal e do núcleo central da
amígdala, que auxiliam a mediar respostas comportamentais de agentes es-
tressores, bem como na ativação simpática associada aos agentes estressores.
Os GCs exercem um feedback supressor da síntese de CRF no núcleo central
da amígdala, na verdade, aumentando na síntese de CRF.

PROCESSO DE DEPENDÊNCIA

Por que nem todos os usuários de substâncias se tornam dependentes?


A provável resposta está justamente nessa alteração de circuitária que aca-
bamos de comentar. É possível adicionar a essa resposta fatores psicológicos,
genéticos e ambientais (nesse caso, entrariam também a educação, questões
sociais e demográficas). Assim, é necessária a combinação de diversos fatores
para que uma pessoa se torne dependente.
Cabe aqui comentar que, segundo a American Psychiatric Association
(APA), devemos distinguir indivíduos que fazem uso moderado de substân-
cias daqueles que abusam delas e se tornam dependentes químicos. O uso
implica um vínculo frágil com a substância, o que permite a manutenção de
outras relações. É possível usar moderadamente certas substâncias sem abu-
sar delas. Assim, no caso dos medicamentos, o uso correto está relacionado
com a dosagem adequada, além da indicação de um fármaco apropriado por
um médico.
O termo abuso refere-se a qualquer uso que transgrida normas sociais
vigentes, compreendendo o uso de substâncias ilícitas, o uso inadequado de
drogas lícitas, bem como o uso de medicamentos sem prescrição médica. A
dependência é definida como um padrão mal-adaptado de uso de substâncias
psicoativas, levando a perturbações clinicamente importantes, associado a di-
ficuldade de interromper o uso, junto com a existência de tolerância, desejo
compulsivo (craving) e sintomas de abstinência. Existem graus variáveis de
dependência que se estendem em um continuum, desde um grau mais leve
até o mais intenso.
O craving, ou fissura, está relacionado a alterações em vários sistemas
de neurotransmissão, como dopamina, serotonina, opioides, glutamato e no-
radrenalina, que podem variar de acordo com o comportamento de procura
pelas drogas. É importante lembrar que maior quantidade de dopamina in-
duz reforço positivo no centro de recompensa cerebral, relacionando-se assim
com o craving.13

Diehl.indd 62 3/11/2009 10:56:29


Tratamentos farmacológicos para dependência química 63
Quando se questiona a existência de um componente genético que po-
deria caracterizar a dependência química, a resposta é: “muitíssimo prová-
vel”. Difícil é imaginá-lo como algo isolado, já que o que verificamos existir
hoje é uma interação gene-ambiente. Esse modelo, que compreende a heran-
ça genética das vulnerabilidades e sua modulação ao longo dos anos pelos
efeitos ambientais, é hoje conhecido como modelo epigenético.14 De fato, o
componente genético tem uma participação importante, mas, se não estiver
ligado a fatores ambientais, apresenta pouca relevância. Outro fato é que
provavelmente não seja um único gene isolado o responsável pela depen-
dência química, ele tampouco seria transmitido de forma também isolada. O
provável é que uma quantidade de genes contribua de forma diferente para
produzir uma situação de “perigo”, em termos de dependência, colaborando
assim para o fenótipo final.14
Desse modo, poderíamos dizer que vários são os fatores que concor-
rem para o uso de substâncias químicas, por exemplo: sintomas depressivos
que podem predispor ao uso de substâncias químicas (hipótese da autome-
dicação); resultado de dificuldades socioeconômicas, como desemprego, di-
vórcio, desilusões (hipótese socioeconômica); ou alterações neuroquímicas
(transitórias ou persistentes) produzidas pelo uso crônico ou pela síndrome
de abstinência (hipótese neurotóxica). Por fim, é possível que sejam pato-
logias independentes ocorrendo coincidentemente em um mesmo indivíduo
(hipótese genética).15,16

GENÉTICA E DROGADIÇÃO

Estudos recentes têm relacionado o craving (fissura) em dependentes de


substâncias psicoativas a fatores genéticos.17 Por exemplo, dependentes do
tabaco com história familiar de tabagismo experimentam maior intensidade
de craving em situação de estresse do que aqueles que não têm essa histó-
ria.18
Estudos genéticos realizados com famílias e gêmeos sugerem um com-
ponente genético na vulnerabilidade de indivíduos tornarem-se dependentes
após exposição a cocaína. Dados mostram que variantes funcionais polimórfi-
cas no gene do transportador de dopamina podem modificar a suscetibilidade
para o uso, o abuso e a dependência de cocaína.19
Outro estudo, com gêmeos monozigóticos (idênticos), filhos de alcoo-
listas, revela que gêmeos monozigóticos apresentam maior risco para desen-
volver dependência do álcool do que os dizigóticos (não idênticos). Filhos de
alcoolistas têm quatro vezes mais chance de tornarem-se alcoolistas do que
os filhos de não alcoolistas, mesmo que separados de seus pais biológicos ao
nascer e educados por pais adotivos não alcoolistas. Filhos de pais não alcoo-
listas têm baixo risco de alcoolismo, mesmo quando criados por pais adotivos

Diehl.indd 63 3/11/2009 10:56:29


64 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

alcoolistas. Há um risco de alcoolismo de 25 a 50% entre filhos e irmãos de


homens com alcoolismo grave.20
Estudos têm verificado a relação entre polimorfismos no gene do recep-
tor D2 de dopamina e a dependência de álcool e drogas.21,22 Da mesma forma,
o receptor D3 de dopamina, localizado preferencialmente em áreas límbicas
(comportamento de recompensa), também poderia ser um gene candidato a
vulnerabilidade de desenvolvimento de dependência de cocaína.23,24 Estudos
post-mortem em humanos vítimas de overdose de cocaína mostraram resul-
tados semelhantes, apresentando uma maior densidade de receptor D3 nas
mesmas regiões.25,26

NEUROPSICOLOGIA E DROGADIÇÃO

Outra questão relevante seria: quais as consequências no funcionamen-


to cerebral decorrentes do uso de substâncias? Diferentes estratégias têm sido
utilizadas para investigar eventuais prejuízos no funcionamento cerebral de-
correntes do uso regular de substâncias, destacando-se a avaliação neuropsi-
cológica e as técnicas de neuroimagem funcional e estrutural.
O desafio, do ponto de vista neuropsicológico, é estabelecer a relação
entre o uso de substâncias e a presença de prejuízos cognitivos permanentes
com potencialidade para produzir alterações comportamentais, emocionais
e de personalidade nesses indivíduos, bem como a possível influência dessas
alterações em um processo de reabilitação.
Os efeitos neurotóxicos e as possíveis consequências comportamentais
do uso de substâncias vão depender do tipo de droga ingerida. No caso da co-
caína, os déficits neuropsicológicos encontrados em usuários crônicos apon-
tam prejuízos na memória operacional (capacidade de manter e manipular a
informação de curto prazo para gerar uma ação em um futuro próximo), na
atenção (condição necessária para a capacidade de concentração e para a re-
alização de atividades mentais), no controle inibitório (processo que objetiva
suprimir influências internas ou externas que possam interferir na sequência
comportamental em curso), no raciocínio abstrato e nas funções psicomoto-
ras. Esses prejuízos são acentuados pelo uso concomitante de álcool e parcial-
mente recuperados após um período de abstinência prolongado.27,28
Já o uso crônico de opioides, como a heroína, parece afetar processos
relacionados ao funcionamento executivo, como raciocínio abstrato, flexibi-
lidade cognitiva, controle inibitório, tomada de decisão e memória operacio-
nal.29,30 A gravidade do uso de álcool tem sido associada de forma consistente
a prejuízos no desempenho de testes que avaliam o funcionamento executivo
e a danos em diferentes regiões do córtex pré-frontal.31
Diferentemente do que ocorre com a utilização de outras substâncias,
as quais requerem uso de longo prazo para que surjam efeitos deletérios,

Diehl.indd 64 3/11/2009 10:56:29


Tratamentos farmacológicos para dependência química 65
sujeitos que fazem uso esporádico de ecstasy (MDMA) apresentam déficits
cognitivos relacionados sobretudo ao efeito tóxico agudo da droga no sistema
serotonérgico cerebral, que parecem afetar em especial estruturas temporais
(hipocampo) e funções de memória, fluência verbal e memória operacional.32
Os processos de fluência verbal e de memória operacional estão associados
ao funcionamento executivo; entretanto, não foram encontrados prejuízos
em outros aspectos, como tarefas que envolvem planejamento, controle de
impulsos e tomada de decisão.
Em relação à maconha, estudos recentes sugerem que os prejuízos em
decorrência de seu uso estão relacionados mais a efeitos residuais da substân-
cia do que a efeitos em longo prazo.33 Essas alterações costumam ser sutis,
resultam do uso crônico e pesado da droga e referem-se principalmente a
funcionamento executivo, memória e atenção.34,35
Em um estudo comparativo entre consumidores de diversas substâncias
(classificados de acordo com a principal droga de consumo) foi observado que:
o consumo de heroína e ecstasy está associado a prejuízos em tarefa de fluên-
cia verbal; a gravidade do consumo de álcool, anfetaminas, cocaína e heroína

Ventrículos

Córtex Tálamo
frontal

Substância
Estriato negra

Hipotálamo

Via serotonérgica
Via dopaminérgica
(nigroestrial) Tronco
Via dopaminérgica encefálico
(mesolímbica)

Figura 2.3
Circuito dopaminérgico e serotonérgico cerebral.38

Diehl.indd 65 3/11/2009 10:56:29


66 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

está relacionada de forma inversa com o desempenho na tarefa de memória


operacional; a gravidade do consumo de anfetaminas e heroína relaciona-se
inversamente com o desempenho em tarefa de formação de conceitos e flexi-
bilidade cognitiva; a gravidade do consumo de maconha relaciona-se com pior
desempenho em tarefas de atenção seletiva e controle inibitório. Não foram
encontrados prejuízos em relação à tarefa de tomada de decisão.36
Em outro estudo conduzido pelo mesmo autor, também com usuários
de diferentes substâncias, foi utilizada como medida uma escala de compor-
tamento relacionada aos sistemas frontais (Frontal Systems Behavior Scale),
a qual avalia apatia, disfunção executiva e controle de impulsos, aspectos
ligados a regiões cerebrais; respectivamente, o cíngulo anterior, o córtex pré-
-frontal dorsolateral e o córtex pré-frontal ventromedial. Os resultados mos-
traram que o uso pesado de maconha está associado de modo acentuado a
apatia e disfunção executiva, situação semelhante à observada para usuários
de álcool e heroína. Em contraste, o uso crônico de cocaína parece estar mais
associado a problemas de controle de impulsos.37

ACHADOS DE NEUROIMAGEM DA DROGADIÇÃO

Estudos de neuroimagem têm hoje um papel fundamental nos estudos


de dependência de substâncias, fornecendo informações sobre seus efeitos
neurobiológicos. O desenvolvimento das técnicas de imagem cerebral tornou
possível estudar in vivo como (por quais mecanismos) e onde (em que áreas
cerebrais) as diferentes substâncias de abuso atuam sobre a estrutura e o
funcionamento do cérebro.
Sabe-se hoje que o uso de substâncias químicas pode produzir altera-
ções morfológicas em estruturas cerebrais, como a perda de volume total, a
redução na porcentagem de substância cinzenta, o aumento de ventrículos
e a diminuição no número de neurônios.39 Além disso, pode ocasionar vaso-
constrição, hemorragias e acidente vascular cerebral. As áreas descritas como
sendo mais frequentemente afetadas pelo uso abusivo de drogas são as fron-
tais – córtex orbitofrontal e suas projeções para as estruturas subcorticais do
sistema de recompensa.40,41
Alterações estruturais nessas áreas têm sido observadas em usuários de
cocaína, anfetaminas e opioides. Os achados em relação aos usuários de ma-
conha são controversos. Em imagens de ressonância magnética, observou-se
que indivíduos que iniciam o uso de maconha antes dos 17 anos de idade
apresentam redução do volume cerebral total e do percentual de substância
cinzenta cortical, além de um aumento no percentual de substância branca.
No entanto, essa constatação ainda permanece controversa.42
Neste capítulo daremos ênfase aos estudos de tomografia por emissão
de pósitrons (PET) e tomografia por emissão de fóton único (SPECT), que

Diehl.indd 66 3/11/2009 10:56:29


Tratamentos farmacológicos para dependência química 67
permitem o estudo de componentes fundamentais da comunicação celular,
incluindo receptores, transportadores e enzimas envolvidas na síntese e no
metabolismo de neurotransmissores.43-46 Cada uma dessas técnicas apresen-
ta suas vantagens e desvantagens. De modo geral, a PET possui resolução
espacial e temporal superior à SPECT, mas é menos disponível em centros
diagnósticos e apresenta custos mais elevados.
Por intermédio de estudos de PET e SPECT foram observadas importan-
tes diminuições do fluxo sanguíneo cerebral (FSC) em usuários de cocaína.
Essas alterações ocorrem sobretudo nas regiões anteriores do cérebro e são,
em parte, atribuídas às propriedades vasoconstritoras da droga.47-49 Depen-
dentes de cocaína parecem apresentar reduções persistentes nos níveis de re-
ceptores D2 de dopamina50,51 e ainda uma significativa redução na liberação
de dopamina em áreas límbicas, em exames de PET.52 Isso leva a pensar que a
diminuição de receptores D2, associada a uma menor liberação de dopamina,
poderia resultar em um circuito límbico subestimulado que faria com que
indivíduos buscassem a droga para ativá-lo como compensação. Além disso,
já foi demonstrado que diminuições desses receptores D2 em usuários de co-
caína estão associadas à atividade metabólica reduzida em áreas de projeções
dopaminérgicas mesolímbicas, o giro do cíngulo anterior e o córtex orbito-
frontal.53 Como já citado, essas áreas estão envolvidas com questões relacio-
nadas a motivação, controle inibitório emocional e comportamentos compul-
sivos que poderiam explicar a perda de controle do consumo de cocaína.
Outra evidência bastante consistente em estudos de neuroimagem mo-
lecular é a suprarregulação de transportadores de dopamina (DAT) em de-
pendentes de cocaína.54-56 Um estudo recente sugere que essa alteração seja
temporária e que os níveis de DAT devam voltar a ser normais após cerca de
um mês de abstinência.57
O consumo de cocaína também está associado a alterações em outros
sistemas de neurotransmissores. Dentre elas, vale citar o aumento de recep-
tores mu opioides, que se propõe estar correlacionado com a intensidade do
craving, ou fissura, condição já comentada.58
Estudos de neuroimagem de receptores D2 de dopamina e metabolismo
de glicose também foram realizados em usuários de metanfetamina. Assim
como na cocaína, esses usuários apresentam níveis mais baixos de receptores
D2, e essa redução está associada ao metabolismo da região orbitofrontal.59
Reduções de DAT também têm sido descritas e relacionadas a gravida-
de de sintomas psiquiátricos em usuários de metanfetamina. Geralmente, se
atribui essa alteração à toxicidade da substância sobre os neurônios dopami-
nérgicos.60 Essa redução de DAT parece também estar associada a prejuízos
psicomotores e de aprendizado verbal dos indivíduos dependentes de metan-
fetamina.61
A relação entre o consumo de ecstasy (MDMA) e as possíveis alterações
no metabolismo cerebral de glicose aponta para mudanças duradouras entre

Diehl.indd 67 3/11/2009 10:56:29


68 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

usuários dessa substância, com menor captação de glicose na região estriatal


e na amígdala.62 Ao longo dos últimos anos, várias pesquisas sobre os efeitos
do MDMA têm sido realizadas, obtendo resultados diversos. Uma recente revi-
são da literatura mostra que níveis reduzidos de transportadores de serotonina
(5-HTT) em usuários de ecstasy parecem ser o achado mais consistente.63
Em indivíduos que interromperam o uso de MDMA há mais de um ano,
os níveis corticais de 5-HTT parecem ser comparáveis ao encontrados em
indivíduos sadios, enquanto, entre aqueles que pararam há pouco tempo, os
níveis se apresentam apenas reduzidos. Sugere-se que isso ocorra devido à
ação neurotóxica do MDMA sobre os neurônios serotonérgicos. Outro achado
importante é que, independentemente do tempo transcorrido desde o último
uso, os usuários de ecstasy apresentaram déficits de memória verbal, em um
efeito dose-dependente. Por fim, esse estudo ainda indica que as mulheres
parecem ser mais vulneráveis aos efeitos deletérios do consumo de MDMA no
que diz respeito aos níveis de 5-HTT.64
Como ainda não existem radiotraçadores específicos para sistema cana-
binoide para utilização em humanos, os estudos de neuroimagem molecular
sobre os efeitos do uso de THC têm buscado sobretudo investigar alterações
do fluxo sanguíneo e o metabolismo cerebral de glicose.
Foi observado que, após a administração de THC, a maioria dos indiví-
duos apresenta aumento do fluxo sanguíneo nas regiões corticais e cerebelar,
o que é consistente com a maioria dos estudos. Esse padrão de ativação pode
estar relacionado às alterações de coordenação motora durante o período de
intoxicação.65,66 De forma distinta, pessoas que apresentaram diminuição do
FSC na região cerebelar relataram alteração da percepção do tempo, o que
corrobora a ideia de que o cerebelo esteja ligado a um sistema de percepção
e de estimativa de tempo.67
Em relação ao uso de tabaco, estudos de PET observaram que as enzi-
mas MAOA e MAOB (monoaminoxidase) podem apresentar redução de 30
a 40% em fumantes.68,69 Uma vez que essas enzimas são responsáveis por
degradar a dopamina, é possível que a inibição de MAO aumente os níveis
desse neurotransmissor na fenda sináptica. A hipótese de aumento de trans-
missão dopaminérgica também se reflete em estudos de receptores D1 e D2
de dopamina, nos quais foram encontradas reduções desses receptores entre
fumantes, indicando um aumento na liberação de dopamina.70,71
Já em relação ao consumo de álcool, achados de PET e SPECT têm mos-
trado que o álcool produz reduções de fluxo sanguíneo e metabolismo ce-
rebral, principalmente nas regiões dos lobos frontais e no cerebelo.72-74 O
padrão de alterações de fluxo, assim como reduções de receptores do sistema
GABAérgico em alcoolistas, sugere que o álcool altere a neurotransmissão
desse sistema.75,76 Também foram observadas alterações dopaminérgicas em
dependentes de álcool, nos quais receptores D2 se apresentam reduzidos e pa-
recem não se restabelecer em até quatro meses de abstinência.77,78 Ainda não

Diehl.indd 68 3/11/2009 10:56:29


Tratamentos farmacológicos para dependência química 69
está estabelecido se os níveis reduzidos de D2 ocorrem devido ao uso crônico
de álcool ou se eles representam um fator de vulnerabilidade ao alcoolismo.
Reduções nos níveis de DAT e 5-HTT têm sido encontradas em alcoo-
listas e podem estar associadas a sintomas de depressão e ansiedade.79,80,81
Acredita-se que ocorra recuperação de DAT a níveis normais após abstinência
prolongada.82
Existem poucos estudos de neuroimagem em dependentes e usuários de
opioides. Pesquisadores observaram que existe um padrão anormal de perfu-
são cerebral, sobretudo na região dos lobos temporais,83,84 além de diminui-
ção de receptores D2.85 Já em voluntários saudáveis, a administração de um
agonista opioide, como o fentanil, provocou aumento de FSC no cíngulo, nos
córtices orbitofrontal e pré-frontal medial, além de no núcleo caudado.86

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se notar que as alterações cerebrais mais consistentemente obser-


vadas em usuários de diversas substâncias estão correlacionadas com a exis-
tência de prejuízos em diversos aspectos do sistema de recompensa cerebral
e do funcionamento executivo responsável pela regulação desse sistema. As
alterações neuroanatômicas e de neurorreceptores encontradas nos estudos
citados sugerem que o funcionamento dos lobos frontais exerça um papel fun-
damental no processo de dependência e na dificuldade para a interrupção do
uso de substâncias. Os indivíduos tendem a ignorar as consequências futuras
e advindas de seu comportamento de compulsão em relação à droga, visando
apenas à recompensa imediata ligada a seus efeitos psicotrópicos.
Apesar de inquestionáveis avanços, ainda são necessárias pesquisas que
considerem a relação entre mecanismos neurais e funcionamento cognitivo,
bem como a influência de fatores genéticos e ambientais. A convergência des-
ses achados poderá contribuir para melhor compreensão das consequências
deletérias do uso de substâncias, do processo da drogadição e de suas reper-
cussões no tratamento comportamental e psicofarmacológico.

REFERÊNCIAS
1. Grant S, London ED, Newlin DB, Villemagne VL, Liu X, Contoreggi C, et al. Activation
of memory circuits during cue-elicited cocaine craving. Proc Natl Acad Sci U S A. 1996
Oct 15;93(21):12040-5.
2. Volkow ND, Wang GJ, Fischman MW, Foltin RW, Fowler JS, Abumrad NN, et al. Rela-
tionship between subjective effects of cocaine and dopamine transporter occupancy.
Nature. 1997 Apr 24;386(6627):827-30.
3. Volkow ND, Wang GJ, Fischman MW, Foltin R, Fowler JS, Franceschi D, et al. Effects
of route of administration on cocaine induced dopamine transporter blockade in the
human brain. Life Sci. 2000 Aug 11;67(12):1507-15.

Diehl.indd 69 3/11/2009 10:56:30


70 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

4. Rudnick G, Clark J. From synapse to vesicle: the reuptake and storage of biogenic
amine neurotransmitters. Biochim Biophys Acta. 1993 Oct 4;1144(3):249-63.
5. Gessa GL, Melis M, Muntoni AL, Diana M. Cannabinoids activate mesolimbic dopa-
mine neurons by an action on cannabinoid CB1 receptors. Eur J Pharmacol. 1998 Jan
2;341(1):39-44.
6. Malin DH, Lake JR, Carter VA, Cunningham JS, Hebert KM, Conrad DL, et al. The
nicotine antagonist mecamylamine precipitates nicotine abstinence syndrome in the
rat. Psychopharmacology (Berl). 1994 Jun;115(1-2):180-4.
7. Caine SB, Negus SS, Mello NK, Bergman J. Effects of dopamine D (1-like) and D
(2-like) agonists in rats that self-administer cocaine. J Pharmacol Exp Ther. 1999
Oct;291(1):353-60.
8. Caine SB, Negus SS, Mello NK. Effects of dopamine D (1-like) and D(2- like) agonists
on cocaine self-administration in rhesus monkeys: rapid assessment of cocaine dose-
effect functions. Psychopharmacology (Berl). 2000 Jan;148(1):41-51.
9. Ikemoto S, Glazier BS, Murphy JM, McBride WJ. Role of dopamine D1 and D2
receptors in the nucleus accumbens in mediating reward. J Neurosci. 1997 Nov
1;17(21):8580-7.
10. Koob GF, Le Moal M. Drug addiction, dysregulation of reward,and allostasis. Neurop-
sychopharmacology. 2001 Feb;24(2):97-129.
11. Koob GF. Neurobiological substrates for the dark side of compulsivity in addiction.
Neuropharmacology. 2009;56 Suppl 1:18-31. Epub 2008 Aug 7.
12. Koob GF, Le Moal M. Drug addiction dysregulation of reward, and allostasis. Neurop-
sychopharmacology. 2001 Feb;24(2):97-129.
13. Araújo RB, Oliveira M da S, Pedroso RS, Miguel AC, Castro MGT de. Craving
and chemical dependence: concept, evaluation and treatment. J Bras Psiquiatr.
2008;57(1):57-63.
14. Messas GP. A participação da genética nas dependências químicas. Rev Bras Psiq. 1999
oct;21(supl 2):35-42.
15. Merikangas K. The genetic epidemiology of alcoholism. Psychol Med 1990;20:11-22.
16. Strakowski SM, DelBello MP, Fleck DE, Arndt S. The impact of substance abuse on the
course of bipolar disorder. Biol Psychiatry. 2000 Sep 15;48(6):477-85.
17. Hutchison KE, LaChance H, Niaura R, Bryan A, Smolen A. The DRD4 VNTR polymorphism
influences reactivity to smoking cues. J Abnorm Psychol. 2002 Feb;111(1):134-43.
18. Erblich J, Boyarsky Y, Spring B, Niaura R, Bovbjerg DH. A family history of smoking
predicts heightened levels of stress-induced cigarette craving. Addiction. 2003
May;98(5):657-64.
19. Guindalini C, Howard M, Haddley K, Laranjeira R, Collier D, Ammar N, Craig I, et al.
A dopamine transporter gene functional variant associated with cocaine abuse in a
Brazilian sample. Proc Natl Acad Sci U S A. 2006 Mar 21;103(12):4552-7. Epub 2006
Mar 14.
20. Messas G, Meira-Lima I, Turchi M, Franco O, Guindalini C, Castelo A, et al. Association
study of dopamine D2 and D3 receptor gene polymorphisms with cocaine dependence.
Psychiatr Genet. 2005 Sep;15(3):171-4.
21. Arinami T, Itokawa M, Komiyama T, Mitsushio H, Mori H, Mifune H, et al. Association
between severity of alcoholism and the A1 allele of the dopamine D2 receptor gene
TaqI A RFLP in Japanese. Biol Psychiatry. 1993 Jan 15;33(2):108-14.

Diehl.indd 70 3/11/2009 10:56:30


Tratamentos farmacológicos para dependência química 71
22. Pato CN, Macciardi F, Pato MT, Verga M, Kennedy H. Review of the putative association
of dopamine D2 receptor and alcoholism: a meta-analysis. Am J Med Genet. 1993 Jul
15;48(2):78-82.
23. Diaz J, Levesque D, Lammers C, Griffon N, Martres M, Schwartz J. Phenotypical
characterization of neurons expressing the dopamine D3 receptor in the rat brain.
Neuroscience. 1995;65:731-45.
24. Pilla M, Perachon S, Sautel F, Garrido F, Mann A, Wermuth CG, et al. Selective inhibi-
tion of cocaine-seeking behaviour by a partial dopamine D3 receptor agonist. Nature.
1999 Jul 22;400(6742):371-5. Erratum in: Nature 1999 Sep 23;401(6751):403.
25. Segal D, Moraes C, Mash D. Up-regulation of D3 dopamine receptor mRNA in the
nucleus accumbens of human cocaine fatalities. Mol Brain Res. 1997;45:335-9.
26. Mash D, Staley J. D3 dopamine and kappa opioid receptor alterations in human brains
of cocaine-overdose victims. Ann NY Acad Sci. 1999;877:507-22.
27. Bolla KI, Rothman R, Cadet JL. Dose-related neurobehavioral effects of chronic cocaine
use. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1999 Summer;11(3):361-9.
28. Toomey R, Lyons MJ, Eisen SA, Xian H, Chantarujikapong S, Seidman LJ, Faraone SV,
Tsuang MT. A twin study of the neuropsychological consequences of stimulant abuse.
Arch Gen Psychiatry. 2003 Mar;60(3):303-10.
29. Rogers RD, Robbins TW. Investigating the neurocognitive deficits associated with
chronic drug misuse. Curr Opin Neurobiol. 2001 Apr;11(2):250-7. Review.
30. Pau CW, Lee TM, Chan SF. The impact of heroin on frontal executive functions. Arch
Clin Neuropsychol. 2002 Oct;17(7):663-70.
31. Adams KM, Gilman S, Koeppe T, Kluin L, Junck L, Lohman M, et al. Correlation of
neuropsychological function with cerebral metabolic rate in subdivisions of the frontal
lobes of older alcoholic patients measured with [18 F] Fluorodeoxiglucose and positron
emission tomography. Neuropsychology. 1995;9:275-80.
32. McCann UD, Mertl M, Eligulashvili V, Ricaurte GA. Cognitive performance in (+/-)
3,4-methylenedioxymethamphetamine (MDMA, “ecstasy”) users: a controlled study.
Psychopharmacology (Berl). 1999 Apr;143(4):417-25.
33. Pope HG Jr, Gruber AJ, Hudson JI, Huestis MA, Yurgelun-Todd D. Neuropsychological
performance in long-term cannabis users. Arch Gen Psychiatry. 2001 Oct;58(10):909-
15.
34. Grant I, Gonzalez R, Carey CL, Natarajan L, Wolfson T. Non-acute (residual) neuro-
cognitive effects of cannabis use: a meta-analytic study. J Int Neuropsychol Soc. 2003
Jul;9(5):679-89.
35. Almeida PP, Novaes MAFP, Bressan RA, Lacerda ALT. Revisão: funcionamento executivo
e uso de maconha. Rev. Bras. Psiquiatr. 2008 Mar;30(1):69-76.
36. Verdejo-García A, López-Torrecillas F, Giménez CO, Pérez-García M. Clinical implications
and methodological challenges in the study of the neuropsychological correlates of
cannabis, stimulant, and opioid abuse. Neuropsychol Rev. 2004 Mar;14(1):1-41.
37. Verdejo-García AJ, López-Torrecillas F, Aguilar de Arcos F, Pérez-García M. Differential
effects of MDMA, cocaine, and cannabis use severity on distinctive components of
the executive functions in polysubstance users: a multiple regression analysis. Addict
Behav. 2005 Jan;30(1):89-101.
38. Drug Development Technology [acesso em 2009 abril 01]. Disponível em: http://www.
drugdevelopment-technology.com/projects/bifeprunox/images/ brain_cross.jpg.

Diehl.indd 71 3/11/2009 10:56:30


72 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

39. Bartzokis G, Beckson M, Lu PH, Edwards N, Rapoport R, Wiseman E, et al. Age-related


brain volume reductions in amphetamine and cocaine addicts and normal controls:
implications for addiction research. Psychiatry Res. 2000 Apr 10;98(2):93-102.
40. Bolla KI, Eldreth DA, London ED, Kiehl KA, Mouratidis M, Contoreggi C, et al. Orbito-
frontal cortex dysfunction in abstinent cocaine abusers performing a decision-making
task. Neuroimage. 2003 Jul;19(3):1085-94.
41. Chang L, Ernst T, Witt MD, Ames N, Gaiefsky M, Miller E. Relationships among brain
metabolites, cognitive function, and viral loads in antiretroviral-naive HIV patients.
Neuroimage. 2002 Nov;17(3):1638-48.
42. Wilson W, Mathew R, Turkington T, Hawk T, Coleman RE, Provenzale J. Brain morpho-
logical changes and early marijuana use: a magnetic resonance and positron emission
tomography study. J Addict Dis. 2000;19(1):1-22.
43. Fowler JS, Volkow ND, Kassed CA, Chang L. Imaging the addicted human brain. Sci
Pract Perspect. 2007 Apr;3(2):4-16.
44. Gatley SJ, Volkow ND. Addiction and imaging of the living human brain. Drug Alcohol
Depend. 1998 Jun-Jul;51(1-2):97-108.
45. Gatley SJ, Volkow ND, Wang GJ, Fowler JS, Logan J, Ding YS, et al. PET imaging in
clinical drug abuse research. Curr Pharm Des. 2005;11(25):3203-19.
46. Volkow ND, Fowler JS, Wang GJ. Positron emission tomography and single-photon
emission computed tomography in substance abuse research. Semin Nucl Med. 2003
Apr;33(2):114-28.
47. Volkow ND, Mullani N, Gould KL, Adler S, Krajewski K. Cerebral blood flow in chro-
nic cocaine users: a study with positron emission tomography. Br J Psychiatry. 1988
May;152:641-8.
48. Holman BL, Carvalho PA, Mendelson J, Teoh SK, Nardin R, Hallgring E, et al. Brain
perfusion is abnormal in cocaine-dependent polydrug users: a study using technetium-
99m-HMPAO and SPECT. J Nucl Med. 1991 Jun;32(6):1206-10.
49. Wallace EA, Wisniewski G, Zubal G, vanDyck CH, Pfau SE, Smith EO, et al. Acute
cocaine effects on absolute cerebral blood flow. Psychopharmacology (Berl). 1996
Nov;128(1):17-20.
50. Volkow ND, Fowler JS, Wolf AP, Schlyer D, Shiue CY, Alpert R, et al. Effects of
chronic cocaine abuse on postsynaptic dopamine receptors. Am J Psychiatry. 1990
Jun;147(6):719-24.
51. Martinez D, Broft A, Foltin RW, Slifstein M, Hwang DR, Huang Y, et al. Cocaine
dependence and d2 receptor availability in the functional subdivisions of the stria-
tum: relationship with cocaine-seeking behavior. Neuropsychopharmacology. 2004
Jun;29(6):1190-202.
52. Volkow ND, Wang GJ, Fowler JS, Logan J, Gatley SJ, Hitzemann R, et al. Decreased
striatal dopaminergic responsiveness in detoxified cocaine-dependent subjects. Nature.
1997 Apr 24;386(6627):830-3.
53. Volkow ND, Fowler JS, Wang GJ, Hitzemann R, Logan J, Schlyer DJ, et al. Decreased
dopamine D2 receptor availability is associated with reduced frontal metabolism in
cocaine abusers. Synapse. 1993 Jun;14(2):169-77.
54. Wang GJ, Volkow ND, Fowler JS, Fischman M, Foltin R, Abumrad NN, et al. Cocaine abu-
sers do not show loss of dopamine transporters with age. Life Sci. 1997;61(11):1059-
65.

Diehl.indd 72 3/11/2009 10:56:30


Tratamentos farmacológicos para dependência química 73
55. Malison RT, Best SE, van Dyck CH, McCance EF, Wallace EA, Laruelle M, et al. Elevated
striatal dopamine transporters during acute cocaine abstinence as measured by [123I]
beta-CIT SPECT. Am J Psychiatry. 1998 Jun;155(6):832-4.
56. Jacobsen LK, Staley JK, Malison RT, Zoghbi SS, Seibyl JP, Kosten TR, et al. Elevated
central serotonin transporter binding availability in acutely abstinentcocaine-dependent
patients. Am J Psychiatry. 2000 Jul;157(7):1134-40.
57. Crits-Christoph P, Newberg A, Wintering N, Ploessl K, Gibbons MB, Ring-Kurtz S, et
al. Dopamine transporter levels in cocaine dependent subjects. Drug Alcohol Depend.
2008 Nov 1;98(1-2):70-6. Epub 2008 Jun 20.
58. Zubieta JK, Gorelick DA, Stauffer R, Ravert HT, Dannals RF, Frost JJ. Increased mu
opioid receptor binding detected by PET in cocaine-dependent men is associated with
cocaine craving. Nat Med. 1996 Nov;2(11):1225-9.
59. Volkow ND, Chang L, Wang GJ, Fowler JS, Ding YS, Sedler M, et al. Low level of brain
dopamine D2 receptors in methamphetamine abusers: Association with metabolism
in the orbitofrontal cortex. Am J Psychiatry. 2001 Dec;158(12):2015-21.
60. Sekine Y, Iyo M, Ouchi Y, Matsunaga T, Tsukada H, Okada H, et al. Methamphetamine-
related psychiatric symptoms and reduced brain dopamine transporters studied with
PET. Am J Psychiatry. 2001 Aug;158(8):1206-14.
61 Volkow ND, Chang L, Wang GJ, Fowler JS, Leonido-Yee M, Franceschi D, et al. Asso-
ciation of dopamine transporter reduction with psychomotor impairment in metham-
phetamine abusers. Am J Psychiatry. 2001 Mar;158(3):377-82.
62. Buchert R, Obrocki J, Thomasius R, Väterlein O, Petersen K, Jenicke L, et al. Long-term
effects of ‘ecstasy’ abuse on the human brain studied by FDG PET. Nucl Med Commun.
2001 Aug;22(8):889-97.
63. Cowan RL. Neuroimaging research in human MDMA users: a review. Psychopharma-
cology (Berl). 2007 Jan;189(4):539-56. Epub 2006 Jul 18.
64. Reneman L, Booij J, de Bruin K, Reitsma JB, de Wolff FA, Gunning WB, et al. Effects
of dose, sex, and long-term abstention from use on toxic effects of MDMA (ecstasy)
on brain serotonin neurons. Lancet. 2001 Dec 1;358(9296):1864-9.
65. Volkow ND, Gillespie H, Mullani N, Tancredi L, Grant C, Ivanovic M, et al. Cerebellar
metabolic activation by delta-9-tetrahydro-cannabinol in human brain: a study with
positron emission tomography and 18F-2-fluoro-2-deoxyglucose. Psychiatry Res. 1991
May;40(1):69-78.
66. Volkow ND, Gillespie H, Mullani N, Tancredi L, Grant C, Valentine A, et al. Brain glu-
cose metabolism in chronic marijuana users during baseline and during marijuana
intoxication. Psychiatry Res. 1996 May 31;67(1):29-38.
67. Mathew RJ, Wilson WH, Turkington TG, Coleman RE. Cerebellar activity and disturbed
time sense after THC. Brain Res. 1998 Jun 29;797(2):183-9.
68. Fowler JS, Volkow ND, Wang GJ, Pappas N, Logan J, MacGregor R, et al. Inhibition of
monoamine oxidase B in the brains of smokers. Nature. 1996 Feb 22;379(6567):733-6.
69. Fowler JS, Volkow ND, Wang GJ, Pappas N, Logan J, Shea C, et al. Brain monoami-
ne oxidase A inhibition in cigarette smokers. Proc Natl Acad Sci U S A. 1996 Nov
26;93(24):14065-9.
70. Dagher A, Bleicher C, Aston JA, Gunn RN, Clarke PB, Cumming P. Reduced dopami-
ne D1 receptor binding in the ventral striatum of cigarette smokers. Synapse. 2001
Oct;42(1):48-53.

Diehl.indd 73 3/11/2009 10:56:31


74 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

71. Brody AL, Olmstead RE, London ED, Farahi J, Meyer JH, Grossman P, et al. Smoking-
induced ventral striatum dopamine release. Am J Psychiatry. 2004 Jul;161(7):1211-8.
72. Volkow ND, Mullani N, Gould L, Adler SS, Guynn RW, Overall JE, et al. Effects of acute
alcohol intoxication on cerebral blood flow measured with PET. Psychiatry Res. 1988
May;24(2):201-9.
73. Volkow ND, Hitzemann R, Wang GJ, Fowler JS, Burr G, Pascani K, et al. Decreased
brain metabolism in neurologically intact healthy alcoholics. Am J Psychiatry. 1992
Aug;149(8):1016-22.
74. Moselhy HF, Georgiou G, Kahn A. Frontal lobe changes in alcoholism: a review of the
literature. Alcohol Alcohol. 2001 Sep-Oct;36(5):357-68.
75. Gilman S, Koeppe RA, Adams K, Johnson-Greene D, Junck L, Kluin KJ, et al. Positron
emission tomographic studies of cerebral benzodiazepine-receptor binding in chronic
alcoholics. Ann Neurol. 1996 Aug;40(2):163-71.
76. Abi-Dargham A, Krystal JH, Anjilvel S, Scanley BE, Zoghbi S, Baldwin RM, et al. Alte-
rations of benzodiazepine receptors in type II alcoholic subjects measured with SPECT
and [123I]iomazenil. Am J Psychiatry. 1998 Nov;155(11):1550-5.
77. Volkow ND, Wang GJ, Fowler JS, Logan J, Hitzemann R, Ding YS, et al. Decreases in
dopamine receptors but not in dopamine transporters in alcoholics. Alcohol Clin Exp
Res. 1996 Dec;20(9):1594-8.
78. Volkow ND, Wang GJ, Maynard L, Fowler JS, Jayne B, Telang F, et al. Effects of alcohol
detoxification on dopamine D2 receptors in alcoholics: a preliminary study. Psychiatry
Res. 2002 Dec 30;116(3):163-72.
79. Laine TP, Ahonen A, Räsänen P, Tiihonen J. Dopamine transporter availability and depres-
sive symptoms during alcohol withdrawal. Psychiatry Res. 1999 Jun 30;90(3):153-7.
80. Repo E, Kuikka JT, Bergström KA, Karhu J, Hiltunen J, Tiihonen J. Dopamine trans-
porter and D2-receptor density in late-onset alcoholism. Psychopharmacology (Berl).
1999 Dec;147(3):314-8.
81. Heinz A, Ragan P, Jones DW, Hommer D, Williams W, Knable MB, et al. Reduced central
serotonin transporters in alcoholism. Am J Psychiatry. 1998 Nov;155(11):1544-9.
82. Laine TP, Ahonen A, Torniainen P, Heikkilä J, Pyhtinen J, Räsänen P, et al. Dopamine
transporters increase in human brain after alcohol withdrawal. Mol Psychiatry. 1999
Mar;4(2):189-91, 104-5.
83. Galynker II, Watras-Ganz S, Miner C, Rosenthal RN, Des Jarlais DC, Richman BL, et al.
Cerebral metabolism in opiate-dependent subjects: Effects of methadone maintenance.
Mt Sinai J Med. 2000 Oct-Nov;67(5-6):381-7.
84. Danos P, Kasper S, Grünwald F, Klemm E, Krappel C, Broich K, et al. Pathological regional
cerebral blood flow in opiate-dependent patients during withdrawal: a HMPAO-SPECT
study. Neuropsychobiology. 1998;37(4):194-9.
85. Wang GJ, Volkow ND, Fowler JS, Logan J, Abumrad NN, Hitzemann RJ, et al. Dopa-
mine D2 receptor availability in opiate-dependent subjects before and after naloxone-
precipitated withdrawal. Neuropsychopharmacology. 1997 Feb;16(2):174-82.
86. Firestone LL, Gyulai F, Mintun M, Adler LJ, Urso K, Winter PM. Human brain activity
response to fentanyl imaged by positron emission tomography. Anesth Analg. 1996
Jun;82(6):1247-51.

Diehl.indd 74 3/11/2009 10:56:31


parte 3
Intervenções psicossociais

Diehl.indd 75 3/11/2009 10:56:31


Diehl.indd 76 3/11/2009 10:56:31
O PAPEL DAS INTERVENÇÕES
PSICOSSOCIAIS NO
TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DAS
3
DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS
Não existem pílulas mágicas
Neide Zanelatto

A combinação de diferentes abordagens no tratamento dos transtornos


psiquiátricos tem sido objeto de controvérsia em vários estudos de revisão
que analisam os custos e ganhos dessa prática.1-4 Diversos estudos eviden-
ciam que, independentemente do transtorno, a combinação das abordagens
farmacológicas e psicoterápicas tem auxiliado na obtenção de melhores resul-
tados nos tratamentos propostos.
No tratamento de alcoolistas, a combinação dessas abordagens facilita
a adesão do paciente ao programa de tratamento e aumenta a chance de
manutenção da condição de abstinência,5-9 dados também confirmados para
o transtorno por uso de outras substâncias.14 Amato e colaboradores10 apre-
sentam uma revisão para o tratamento de dependência de opioides, na qual
a estratégia de combinação de abordagens aumenta as chances de completar
o tratamento; o mesmo parece valer para o tratamento de dependentes de
cocaína11 e do tabagismo,12 citando apenas alguns dos muitos estudos publi-
cados sobre o tema.
Sabe-se hoje em dia que um tratamento deve atender às necessidades
particulares de cada indivíduo, desprezando um modelo de “tamanho úni-
co”13; no entanto, estudos mais recentes ressaltam a importância de aliar,
à abordagem farmacológica, intervenções vindas de grupos de autoajuda e
terapia conjugal,15 sessões informativas a respeito dos efeitos da substância
utilizada, bem como dos efeitos da medicação prescrita, e as possíveis ocor-
rências durante o tratamento.16

Diehl.indd 77 3/11/2009 10:56:32


78 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Neste capítulo, apresentamos algumas técnicas cognitivo-comportamen-


tais que podem auxiliar na adesão do paciente ao tratamento proposto, con-
siderando as comorbidades e limitações/recursos existentes.

As intervenções motivacionais e psicossociais

Conforme demonstrado na literatura científica, o tratamento farmacoló-


gico, em muitos casos, apresenta grandes chances de sucesso para o paciente;
no entanto, nota-se a necessidade do uso de técnicas que aumentem a adesão
à medicação, bem como da completude do tratamento.
O modelo BRENDA17 (na língua inglesa, original) tem como objetivo,
por meio de passos estruturados, promover a adesão ao tratamento, um obs-
táculo que os profissionais da área da dependência química devem se acos-
tumar a enfrentar. A seguir, descrevemos a técnica de acordo com Volpicelli e
colaboradores:18

1. Avaliação biopsicossocial (Biopsychosocial evaluation) – pressupõe a


compreensão das dimensões física, psicológica e social do paciente.
Neste estágio, o profissional avalia a condição física do paciente,
colhe sua história pessoal e explora o contexto social no qual ele
está inserido e de que forma ocorre essa inserção. Levantando-se
a história médica de forma atenta, é possível identificar alguma
complicação médica ocorrida em um momento menos intenso do
tratamento. Esse primeiro passo visa ao início da construção de
uma aliança terapêutica entre profissional e paciente, bem como a
identificação da função e do significado de cada sintoma evidenciado
para aquele indivíduo.
2. Relato (Report) para o paciente do resultado da avaliação – quan-
to mais o paciente estiver informado sobre sua condição, maior a
possibilidade de uma “parceria” positiva, aumentando as chances
de adesão ao tratamento como um todo (p. ex., não só no uso da
medicação, mas também na mudança de estilo de vida). O tipo de
informação e sua relevância para o paciente são fundamentais no
processo de mudança de comportamento. Outro aspecto importante
diz respeito à observação de como ele recebe a informação oferecida,
pois, a partir dessa informação, é possível identificar o estágio de
mudança em que se encontra, ou seja, o quanto o paciente contem-
pla a necessidade de mudar seu comportamento de uso e se já está
pronto para essa mudança.
3. Compreensão empática (Empathy) da situação vivida pelo paciente
– a empatia, vista como a habilidade para compreender as reações

Diehl.indd 78 3/11/2009 10:56:32


Tratamentos farmacológicos para dependência química 79
emocionais de outrem em um determinado contexto, adotando a
postura desse outro como referência descritiva, teve recente amplia-
ção de sua concepção para que, além da compreensão sensível do
mundo afetivo do outro, essa compreensão seja demonstrada por
comportamentos claramente identificáveis, observados por meio
do processo de comunicação.19 A prática da empatia, uma das pre-
missas centrais da entrevista motivacional – método de assistência
centrado no paciente, visando à construção e à motivação interna
para mudança de comportamento mediante a exploração e a resolu-
ção da ambivalência –,20 auxilia na compreensão dos pensamentos
e sentimentos identificados na avaliação biopsicossocial. Este é o
momento de evitar confrontos, seja qual for a argumentação do
paciente, e de explorar a ambivalência.
4. Identificação das necessidades (Needs) do paciente objetivando o
fortalecimento da aliança terapêutica – pressupõe estar atento à
fala do paciente relacionada a questões do tratamento, de modo
que, quanto mais ele se sentir acolhido e compreendido em suas
necessidades específicas, maiores serão as chances de adesão e
permanência no tratamento. Muitas vezes, o conteúdo trazido pelo
paciente é diametralmente oposto à demanda de seus familiares ou
do provedor do tratamento. O trabalho conjunto entre profissional
e paciente, de forma colaborativa, auxilia na descoberta dos cami-
nhos que levam ao processo de recuperação. Sabe-se que a eficácia
da farmacoterapia depende muito da concordância do paciente em
usar a medicação, bem como da sua adequação ao contexto no qual
essa medicação está inserida, permitindo-nos afirmar, então, que a
farmacoterapia “é algo mais do que somente tomar a medicação”.
5. Informação dirigida (Direct advice) ao paciente a respeito do alcance
de suas metas – nesse momento, o clínico deve, além do feedback,
oferecer alternativas ao tratamento, sempre tendo em mente as
necessidades específicas do paciente. É provável que, ainda nesse
momento, o paciente não tenha noção do quanto necessita mudar
e quais os passos para atingir sua meta; no entanto, qualquer que
seja o progresso alcançado por ele, este deve ser sempre enfatizado
pelo profissional.
6. Avaliação (Assessment) das reações do paciente em relação às metas
do tratamento (replanejadas sempre que necessário) – este passo
permite que o profissional se antecipe a um possível abandono do
tratamento quando o paciente, por exemplo, é informado do não
alcance das metas estabelecidas. Estando atento às reações expressas
pelo paciente, há a possibilidade de, a partir de um novo plano, com
metas reajustadas, assegurar a continuidade do tratamento.

Diehl.indd 79 3/11/2009 10:56:32


80 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Integrando técnicas cognitivo-comportamentais


ao uso da medicação

A tríade da decisão pela adesão ao uso da medicação tem como base os


seguintes pilares:21

1. O paciente sente que algo está errado com ele;


2. O paciente sente-se motivado a resolver seu problema usando uma
determinada medicação;
3. O paciente acredita que os prós do uso, ao longo do tempo, superarão
os contras.

Por intermédio das habilidades de ouvir e cuidar, fluir com a ambivalên-


cia do paciente e estabelecer um clima favorável à construção de um vínculo
de confiança, o profissional pode facilitar o desenvolvimento do interesse do
paciente pelo uso da medicação. Comparar os prós e contras do uso, bem
como elaborar diários de melhora, são técnicas que também contribuem para
o alcance desse objetivo.
A teoria cognitiva considera a não adesão à medicação secundária a
crenças disfuncionais em relação a tratamentos medicamentosos. Tais crenças
geram pensamentos automáticos, como:

1.
Os benefícios da terapia medicamentosa são pequenos
2.
Os efeitos colaterais são insuportáveis
3.
As medicações não são necessárias
4.
As medicações são danosas ou fazem parte de uma conspiração
5.
As medicações podem mudar a personalidade do indivíduo que as
utiliza
6. As medicações podem tornar o paciente dependente22
7. O custo (financeiro) não compensa o possível benefício23

Pensamentos disfuncionais, como os supracitados, podem ser acessa-


dos por perguntas como: “Você tem pensado em interromper o uso da me-
dicação ultimamente?” ou “Você acha que o uso de medicação pode lhe
ser prejudicial?” ou, ainda, “O que significa para você ter que tomar remé-
dios?”. Uma vez identificados esses pensamentos, o profissional, pelo diá-
logo, pode apresentar evidências que contradigam essas crenças, buscando
associar de forma cognitiva o uso da medicação à melhora da qualidade de
vida do paciente.
Porém, não só os pensamentos disfuncionais do paciente devem ser in-
vestigados e questionados, mas também os de seus familiares e amigos.21 A
seguir, descrevemos algumas técnicas cognitivas que podem auxiliar o clínico
na tarefa de facilitar a adesão do paciente ao uso da medicação, bem como

Diehl.indd 80 3/11/2009 10:56:32


Tratamentos farmacológicos para dependência química 81
ajudá-lo na mudança do comportamento que dificulta a aceitação ou a manu-
tenção do tratamento.

Fluindo com a ambivalência e desenvolvendo motivação

Esta técnica deve ser utilizada já na entrevista inicial e, sempre que ne-
cessário, durante o processo de tratamento. As intervenções motivacionais
são baseadas, em parte, no modelo de estágios de mudança descrito por Pro-
chaska e DiClemente24 e também no modelo de entrevista motivacional de
Miller e Rollnick.20 O objetivo dessa técnica é trabalhar a ambivalência do
paciente e sua percepção da situação em que se encontra (seja com relação
ao uso de substâncias ou não) e guiá-lo de modo que ele próprio se proponha
a realizar as mudanças de comportamento exigidas para atingir as metas es-
tabelecidas (p. ex., usar a medicação de forma adequada). Na prática dessa
técnica, o profissional deve necessariamente manifestar sua empatia, ajudar
o paciente a reconhecer discrepâncias entre suas metas e seu comportamento
e demonstrar habilidade para lidar com a resistência, explorando consequên-
cias da ação e da não ação do paciente e ressaltando a comunicação de livres
escolhas e o desenvolvimento da autoeficácia.25

Método socrático

Estratégia comumente usada para desafiar a maneira de pensar do pa-


ciente, está aliada à reestruturação cognitiva, visando identificar falhas de
raciocínio. À medida que o paciente faz perguntas e as responde com outras
perguntas, tende a desenvolver uma forma de pensar baseada em evidências
da realidade. O objetivo dessa estratégia é ensiná-lo a pensar de forma autô-
noma e racional.26

Análise das vantagens e desvantagens

Ao assumirmos uma postura, sentimo-nos inclinados a minimizar suas


desvantagens e maximizar suas vantagens, de forma que nosso comporta-
mento se mantenha intacto, gerando o mínimo possível de dissonância in-
terna. Quando é oferecida ao paciente a possibilidade de pensar sobre as
vantagens e desvantagens da manutenção de certa crença ou determinado
comportamento, assim como uma análise conjunta dos resultados obtidos,
inicia o processo de mudança. É importante que ele seja constantemente in-
centivado (no princípio, pelo profissional e, no futuro, por ele próprio) a fim
de que essa mudança seja conservada.26

Diehl.indd 81 3/11/2009 10:56:32


82 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Diários de automonitoramento

Ferramenta auxiliar utilizada no processo de identificação da melhora


dos sintomas (p. ex., anotar durante uma semana, diariamente, os episódios
de fissura, comparando dados iniciais e após certo tempo de uso da medica-
ção). O’Malley e Carroll27 apontam a importância do uso dessas estratégias
complementares, visando ao aumento e à manutenção da adesão ao trata-
mento. Por exemplo:

1. Pergunte ao paciente sobre sua experiência prévia em relação ao uso


de medicação (medicamentos usados, quais destes o ajudaram, como
se sentia ao final do uso e se a medicação foi utilizada conforme a
prescrição).
2. Verifique com o paciente seu interesse pela medicação; esteja atento
a possíveis dúvidas e responda-as de modo assertivo. Essas dúvidas
costumam referir-se a concepções distorcidas (vide pensamentos
disfuncionais) sobre os efeitos esperados e o tempo necessário para
sua experimentação, efeitos colaterais, dosagens e interação da me-
dicação com outras substâncias. Procure usar termos simples para
facilitar a compreensão do paciente, informando-o sobre quando os
efeitos colaterais deverão aparecer, preparando-o assim para uma
melhora gradual, enquanto desconstrói a ideia de melhora imediata,
ou seja, do “tudo ou nada”.
3. Confirme com o paciente, em todas as suas consultas/sessões, se
ele tem usado a medicação de forma adequada.
4. A adesão ao tratamento pode ser deficitária no início, quando o pa-
ciente ainda não consegue visualizar os ganhos obtidos, ou mesmo
no final do tratamento, quando acredita não mais precisar da medi-
cação. Portanto, torna-se extremamente importante a utilização de
técnicas que o mantenham motivado durante todo o tratamento.
5. Incentive o paciente de forma verdadeira e honesta sempre que usar
a medicação com adequação.
6. Utilize estratégias de resolução de problemas quando não houver
adesão ao uso dos medicamentos prescritos:
a) Adote uma postura prática e objetiva.
b) Auxilie o paciente a identificar as razões pelas quais não consegue
aderir à medicação e busque soluções práticas (p. ex., escrever
no espelho do banheiro, escolher um horário regular para as
administrações, associá-las a atividades que realiza no seu dia a
dia, identificar familiares com quem pode contar para ajudá-lo
a lembrar os horários da medicação, etc. Lembre-se sempre de
cobrar os resultados e avaliar a eficácia das tarefas ou instruções
fornecidas ao paciente no início da sessão/consulta seguinte,

Diehl.indd 82 3/11/2009 10:56:32


Tratamentos farmacológicos para dependência química 83
configurando assim a importância dessa questão no contexto do
tratamento como um todo.
c) Evite posturas confrontativas. Não questione as opiniões ou os
sentimentos do paciente, bem como não exponha diretamente
as contradições que ele apresenta em sua argumentação. Ao
contrário, ofereça opções, abrindo um espaço para reflexão.
d) É importante que o paciente se sinta responsável por seu plano de
tratamento. Faça-o perceber que ele exerce um papel importante
na elaboração do plano, ainda que as diretrizes gerais sejam
dadas por você.

Grupos de apoio e o tratamento


farmacológico da dependência química

Quando falamos em suporte psicossocial para o tratamento da depen-


dência de álcool e drogas, grupos como Alcoólicos ou Narcóticos Anônimos
são prontamente identificados como uma importante rede de apoio, pois se
sabe que a participação nesses grupos proporciona a alguns pacientes as con-
dições para o alcance e a manutenção da abstinência.28
Até bem pouco tempo, acreditava-se que os grupos de 12 passos, como
os de AA (Alcoólicos Anônimos) e de NA (Narcóticos Anônimos), não con-
cordavam com o uso de medicação. No entanto, esses grupos têm demons-
trado uma crescente receptividade ao uso de algumas medicações, sobretudo
na presença de comorbidades associadas à dependência de álcool e drogas,
como na prevenção da fissura e da recaída.29,30
Um estudo conduzido por Carroll e colaboradores31 evidenciou que tan-
to a psicoterapia cognitiva comportamental quanto a adesão ao programa de
12 passos aumentava a chance de abstinência em usuários de cocaína, mais
do que a prática de uma política de reforço de contingências. Estudos recen-
tes incentivam a participação nesses grupos, com base na eficácia apresenta-
da, até mesmo para pacientes com comorbidades.32 Observa-se, também, que
pacientes que aderem e completam o programa de 12 passos se apresentam
mais seguros nos relacionamentos interpessoais,33 corroborando a ideia de
que quanto mais funcional a rede de apoio (suporte) ao paciente, maiores as
possibilidades da manutenção de abstinência e adesão ao tratamento.34,35
Com relação ao uso de medicação, acredita-se que, embora ainda sem
uma correlação significativa comprovada entre a participação em grupos de
apoio e a adesão à medicação, em pacientes frequentadores de grupos de au-
toajuda, os resultados da manutenção da abstinência sejam mais evidentes.
Dessa forma, o indivíduo consciente da necessidade de manutenção da sua
condição de abstinência interpreta o uso da medicação (principalmente nos
casos de comorbidade) como um importante item nesse contexto, mantendo

Diehl.indd 83 3/11/2009 10:56:32


84 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

a adesão à medicação como forma de alcançar a estabilidade necessária para


lidar com a dependência química.36,37
Magura e colaboradores38 enfatizam em seu estudo que membros de
grupos de autoajuda têm uma atitude mais positiva em relação à necessidade
do uso responsável da medicação, resultando em uma adesão mais firme ao
tratamento e cumprimento da prescrição médica. Vale ressaltar que já existe
um consenso a respeito da ideia de que todo clínico deva utilizar o recurso do
grupo de apoio como uma alternativa, dentre os arsenais terapêuticos dispo-
níveis, na intenção de ampliar as possibilidades de sucesso no tratamento da
dependência química.39

Considerações finais

Usando como referência o conceito de saúde definido pela Organiza-


ção Mundial da Saúde (OMS) como o “estado de completo bem-estar físico,
mental e social”, a prática da psicologia médica (que abrange a compreensão
psicológica do paciente e as implicações psicológicas do papel do clínico em
sua relação com o paciente) adquire um papel de grande importância ao lon-
go do processo de tratamento.
A adesão à medicação perpassa, sem dúvida, pela relação médico-pa-
ciente, propiciando ao médico uma clara consciência dos limites e das pos-
sibilidades do processo de tratamento e, ao paciente, uma visão nítida da
influência que seu desempenho exerce no curso desse processo.
É nesse contexto que a medicação se torna um incentivo à mudança, à
ação, deixando de ser vista como a “solução” mágica, mas adquirindo a condi-
ção de “parte da mágica” em uma ciência dedicada ao cuidado das pessoas.

Referências

1. Karasu TB. Psychotherapy and pharmacotherapy: toward an integrative model. Am J


Psychiatry. 1982 Sep;139(9):1102-13.
2. Schowalter JE. Psychodynamics and medication. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry.
1989 Sep;28(5):681-4.
3. Kahn D. The dichotomy of drugs and psychotherapy. Psychiatr Clin North Am. 1990
Jun;13(2):197-208.
4. Bradley SS.Nonphysician psychotherapist-physician pharmacotherapist: a new model
for concurrent treatment. Psychiatr Clin North Am. 1990 Jun;13(2):307-22.
5. Feeney GF, Young RM, Connor JP, Tucker J, McPherson, A. Cognitive behavioral the-
rapy combined with the relapse-prevention medication acamprosate: are short-term
treatment outcomes for alcohol dependent improved? Aust N Z J Psychiatry. 2002
Oct;36(5):622-8.

Diehl.indd 84 3/11/2009 10:56:32


Tratamentos farmacológicos para dependência química 85
6. Feeney GF, Connor JP, Young RM, Tucker J, McPherson A. Combined acamprosate and
naltrexone with cognitive behavioural therapy is superior to either medication alcone
for alcohol abstinence: a single centres’ experience with pharmacotherapy. Alcohol
Alcohol. 2006 May-Jun;41(3):321-7. Epub 2006 Feb 8.
7. Oslin DW, Lynch KG, Pettinati HM, Kampman KM, Gariti P, Gelfand L, et al. A placebo-
controlled randomized clinical trial of naltrexone in the context of different levels of
psychosocial intervention. Alcohol Clin Exp Res. 2008 Jul;32(7):1299-308.
8. Peterson AM. Improving adherence in patients with alcohol dependence: a new role
for pharmacists. Am J Health Syst Pharm. 2007 Mar 1;64(5 Suppl 3):S23-9.
9. Swift R. Emerging approaches to managing alcohol dependence. Am J Health Syst
Pharm. 2007 Mar 1;64(5 Suppl 3):S12-22.
10. Amato L, Minozzi S, Davoli M, Vecchi S, Ferri M, Mayet S. Psychosocial and pharma-
cological treatments versus pharmacological treatament for opioid detoxification.
Cochrane Database Syst Rev. 2004 Oct 18;(4):CD005031.
11. Grassi MC, Cioce AM, Giudifi FD, Antonilli L, Nencini P. Short term efficacy of Disulfiram
or Naltrexone in reducing positive urinalysis for both cocaine and cocaethylene in cocaine
abusers: a pilot study. Pharmacol Res. 2007 Feb;55(2):117-21. Epub 2006 Nov 21.
12. Friedman PD, Jiang L, Richter KP. Cigarette smoking cessation services in outpatient
substance abuse treatment programs in the United States. J Subst Abuse Treat. 2008
Mar;34(2):165-72. Epub 2007 May 23.
13. Schneider RJ, Khantzian EJ. Psychotherapy and patient needs in the treatment of
alcohol and cocaine abuse. Recent Dev Alcohol. 1992;10:165-78.
14. NIDA [National Institute on Drug Abuse]. Principles of Drug Addiction Treatment: a
research based guide. Maryland: NIH Publication, 1999.
15. Weiss RD, Kueppenbender KD. Combining psychosocial treatment with phamacotherapy
for alcohol dependence. J Clin Psychopharmacol. 2006 Dec;26 Suppl 1:S37-42.
16. Pettinati HM, Weiss RD, Dundon W, Miller WR, Donovan D, Ernst DB, et al. A struc-
tured approach to medical management: a psychosocial intervention to support
pharmacotherapy in the treatment of alcohol dependence. J Stud Alcohol Suppl. 2005
Jul;(15):170-8; discussion 168-9.
17. Kaempf G, O’Donnell C, Oslin DW. The BRENDA Model: a psychosocial addiction model
to identify and treat alcohol disorders. Geriatr Nurs. 1999 Nov-Dec;20(6):302-4.
18. Volpicelli, JR, Pettinati, HM, McLellan T, O’Brien CP. Combining medication anda psychoso-
cial treatments for addiction – The BRENDA approach. New York: Guilford Press, 2001.
19. Goldstein AP, Michaels GY. Emphaty: development, training and consequences. New
Jersey: Lawrence Erlbaum Associates; 1985.
20. Miller WR, Rollnick S. Motivational interviewing: preparing people to change addictive
behavior. New York: Guilford Press; 1991.
21. Shea, SC. Improving medication adherence how to talk with patients about their
medications. Philadelfia: Lippincot, 2006.
22. Pinninti NR, Hollow L M, Sanghadia M, Thompson K. Training nurses in cognitive
behavioral therapy: enhancing community care of patients with serious mental illness.
Topics Adv Pract Nurse J. 2006;6(3).
23. Shoemaker SJ, Ramalho de Oliveira D. Understanding the meaning of medication for
patients: the medication experience. Pharm World Sci. 2008 Jan;30(1):86-91. Epub
2007 Jul 26.

Diehl.indd 85 3/11/2009 10:56:32


86 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

24. Prochaska JO, DiClemente CC. Stages of change in the modification of problem beha-
viours. Prog Behav Modif. 1992;28:183-218.
25. Kouimtsidis C, Reynolds M, Drummond C, Davis P, Tarrier N. Cognitive Behavioural
Therapy in the treatment of addiction: a treatment planner for clinicians. London:
John Wiley & Sons; 2007.
26. Beck AT, Wright FD, Newman CF, Liese BS. Cognitive Therapy of substance abuse. New
York: Guilford Press; 1993.
27. O’Malley SS, Carroll KM. Psychotherapeutic considerations in pharmacological trials.
Alcohol Clin Exp Res. 1996 Oct;20(7 Suppl):17A-22A.
28. Gossop M, Stewart D, Marsden J. Attendance at Narcotics Anonymous and Alcoholics
Anonymous meetings, frequency of attendance and substance use outcomes after
residential treatment for drug dependence: a 5-year follow-up study. Addiction. 2008
Jan;103(1):119-25. Epub 2007 Nov 20.
29. Alcoholics Anonymous. The AA Member – Medications & Other Drugs. New York,
Alcoholics Anonymous World Services, 1984.
30. Narcotics Anonymous. In times of illness. New York: Narcotics Anonymous World
Services; 1992.
31. Carroll KM, Ziedonis D, O’Malley SS, McCance-Katz E, Gordon L, Rounsaville BJ.
Pharmacologic Interventions for Alcohol- and Cocaine-Abusing Individuals: A Pilot
Study of Disulfiram vs. Naltrexone. Am J Addict. 1993 Winter;2(1):77-9.
32. Laudet AB, Magura S, Cleland CM, Vogel HS, Knight EL, Rosenblum A. The effect of
12-step based fellowship participation on abstinence among dually diagnosed persons:
a two-year longitudinal study. J Psychoactive Drugs. 2004 Jun;36(2):207-16.
33. Suire JG, Bothwell RK. The psychosocial benefits of alcoholics anonymous. Am J Addict.
2006 May-Jun;15(3):252-5
34. Dobkin PL, De CM, Paraherakis A, Gill K. The role of functional support in treatment
retention and outcomes among outpatient adult substance abusers. Addiction. 2002
Mar;97(3):347-56.
35. Soyez V, De Leon G, Broekaert E, Rosseel Y. The impact of social network intervention
on retention in Belgian therapeutic communities: a quasi-experimental study. Addiction.
2006 Jul;101(7):1027-34.
36. Pisani VD, Fawcet J, Clark DC, McGuire M. The relative controbutions of medication
adherence and AA meeting attendance to abstinent outcome for chronic alcoholics.
J. Study Alcohol. 1993;4(1):115-9.
37. Meissen G, Powell TJ, Wituk SA, Girrens K, Arteaga S. Attitudes of AA contact persons
toward group participation by persons with a mental illness. Psychiatric Services.
1999;50(8)1079-81.
38. Magura S, Laudet AB, Mahmood D, Rosenblum A, Knight E. Adherence to medica-
tion regimens and participation in dual-focus self-help groups. Psychiatr Serv. 2002
Mar;53(3):310-6.
39. Marron JT. The twelve steps. A pathway to recovery. Prim Care. 1993 Mar;20(1):107-
19.

Diehl.indd 86 3/11/2009 10:56:32


parte 4
Álcool

Diehl.indd 87 3/11/2009 10:56:32


Diehl.indd 88 3/11/2009 10:56:33
TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
INTOXICAÇÃO AGUDA
POR ÁLCOOL
4
O pronto-socorro como uma
janela de oportunidades
Alessandra Diehl

A visita de pacientes com intoxicação aguda por álcool é um fato bas-


tante comum na prática de profissionais que trabalham em prontos-socorros
e salas de emergência.1-3 Acredita-se que cerca de 40% dos pacientes que
visitam as salas de emergência tenham alguma quantidade de álcool em seu
organismo,1,4 e, segundo dados da literatura, usuários crônicos de álcool pro-
curam mais o pronto-socorro do que usuários episódicos.1,5
A dificuldade do médico e da equipe de plantão é muitas vezes a ne-
cessidade de tomar decisões rápidas e assertivas diante de quadros clínicos
de intoxicação alcoólica, os quais, não raro, se apresentam mascarados ou
exacerbados por outras intercorrências clínicas (p. ex., processos infecciosos,
alterações metabólicas e traumas), por traumas intencionais (p. ex., tentativa
de suicídio) ou ainda pelo uso de outras substâncias psicoativas além do ál-
cool que não são relatadas ou identificadas no momento da avaliação inicial.5
Somam-se a essas dificuldades preconceito, julgamento moral e atitudes ne-
gativas de alguns membros da equipe de plantão com relação a pacientes que
se apresentam no pronto-socorro em estado de intoxicação alcoólica.6,7
Devemos, portanto, considerar a visita do paciente ao pronto-socorro
como uma excelente oportunidade para motivá-lo a buscar ajuda. A interven-
ção breve realizada em pronto-socorro tem demonstrado crescente eficácia
na prática de evidência, permitindo o encaminhamento do paciente para uma
avaliação mais detalhada além do momento de crise.8,9

Diehl.indd 89 3/11/2009 10:56:33


90 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Quadro clínico

A intoxicação aguda por álcool caracteriza-se pela ingestão dessa subs-


tância em quantidade suficiente para interferir no funcionamento normal do
organismo. Seus estágios variam desde embriaguez leve até anestesia, coma,
depressão respiratória e, mais raramente, morte (Tabela 4.1).5
A intoxicação alcoólica pode provocar alterações variáveis de afeto (ex-
citação, alegria, irritabilidade) e irregularidades na fala (fala pastosa ou ar-
rastada), no comportamento (impulsividade, agressividade, diminuição do
desempenho motor e ataxia) e no pensamento (lentificação do pensamento,
diminuição da capacidade de raciocínio e juízo crítico),3,5 além de hálito etíli-
co, conjuntivas hiperemiadas e marcha ébria.3 Ocorre, também, um aumento
da suscetibilidade a acidentes de trânsito, violência, ideação suicida e tenta-
tiva de suicídio.5 O ato de beber está fortemente associado a ideação suicida,
manifestando-se em mulheres até mesmo ao “beber de forma ocasional”.10
Cherpitel, Borges e Wilcox,11 em uma revisão da literatura sobre o uso
agudo de álcool e o comportamento suicida, observaram inúmeros casos álco-
ol-positivos tanto para o suicídio completado (10-69%) como para tentativas
de suicídio (10-73%).

Tratamento não medicamentoso

A intoxicação aguda por álcool é autolimitada. Muitas vezes, o simples


ato de assegurar a interrupção da ingesta de álcool, posicionar o paciente

Tabela 4.1
Níveis plasmáticos de álcool (mg %) e a fenomenologia relacionada5

0,03 Euforia/excitação
Alterações leves de atenção
0,05 Alterações leves de coordenação
0,1 Ataxia
Diminuição da concentração
Náuseas e vômitos
0,2 Hipotermia
Disartria
Amnésia
≥ 0,4 Anestesia
Coma
Morte

Diehl.indd 90 3/11/2009 10:56:33


Tratamentos farmacológicos para dependência química 91
em decúbito lateral, evitando a broncoaspiração do vômito, e proporcionar
um ambiente seguro e livre de estímulos pode ser uma medida bastante efi-
caz.3,5
Em certas ocasiões, entretanto, o paciente pode se apresentar heteroa-
gressivo. Nesse caso, é importante que a equipe de segurança seja acionada
para a proteção do próprio paciente e da equipe de saúde, e, não raro, o
paciente necessita ser medicado e contido no leito.3 O exame físico deve ser
realizado o quanto antes na admissão a fim de detectar sinais de complica-
ções (p. ex., crises hipertensivas e traumatismos craniencefálicos), de comor-
bidades ou cronicidade da patologia (p. ex., hepatomegalia e desnutrição) e
de hipoglicemia mediante glicemia capilar.5 Sempre que possível, exames la-
boratoriais devem ser indicados (p. ex., hemograma, função hepática, função
renal e raio X de tórax) e, quando pertinentes à clínica apresentada, exames
complementares também devem ser solicitados.3

Tratamento medicamentoso

O uso de tiamina 300mg intramuscular (IM) é indicado a todos os pa-


cientes, como profilaxia da síndrome de Wernicke–Korsakoff, sempre 30 mi-
nutos antes da aplicação de glicose hipertônica intravenosa, no caso desta ser
indicada.12
É importante lembrar que a conduta de instalação de soro fisiológico e
glicose hipertônica intravenosa somente deve ser utilizada se o paciente se
apresentar desidratado ou hipoglicêmico, respectivamente. Não se recomen-
da essa prática como modo de abreviar o tempo de permanência do paciente
no pronto-socorro ou de interrupção da intoxicação.3,12
Cabe ressaltar que medicações que apresentam efeito cruzado com o
álcool devem ser evitadas, incluindo os benzodiazepínicos e histamínicos
(prometazina). Em casos de agitação psicomotora e heteroagressividade,
recomenda-se dar preferência aos antipsicóticos de alta potência, como o ha-
loperidol 5mg IM, com intervalos de 30 minutos até a sedação.3,12

Pindolato de piridoxina

Comercializado no Brasil pelo laboratório Baldacci S. A. desde meados


de junho de 2008, com o nome de Metadoxil®, a medicação é uma combina-
ção de íons entre a piridoxina (vitamina B6) e o carboxilato pirrolidona (pi-
roglutamato). Na Europa, essa mesma medicação é conhecida como metado-
xina. A posologia recomendada é de 1 a 4 comprimidos de 500mg ao dia e é
contraindicada em pacientes que fazem uso de medicações parkinsonianas.13
O objetivo principal da medicação é acelerar a remoção do álcool da corrente

Diehl.indd 91 3/11/2009 10:56:33


92 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

sanguínea para facilitar a eliminação do acetaldeído residual em casos de


intoxicação alcoólica aguda.13
Apesar de haver indicação do fabricante para o uso da medicação tam-
bém no tratamento da síndrome de dependência de álcool, deve-se ter caute-
la com o entusiasmo inicial gerado pela mídia, principalmente a mídia virtual.
Encontram-se sites discutindo as vantagens da medicação, como baixo custo,
baixo perfil de efeitos colaterais e, mesmo, uma estratégia para quem bebe
demais e não quer ficar de “ressaca” ou ser pego no teste de bafômetro, po-
rém, sem propor uma psicoeducação.
Existem evidências de que a medicação possa acelerar a normalização
de testes de função hepática, alterando imagens ultrassonográficas, em de-
pendentes de álcool com fígado gorduroso; dados obtidos a partir de ensaio
clínico duplo-cego com 136 dependentes de álcool tratados com 1.500mg/
dia de metadoxina por 3 meses.14 No entanto, a evidência científica ainda é
limitada, carecendo de ensaios clínicos controlados em amostras maiores a
fim de fundamentar seu uso terapêutico.15-19

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todos os profissionais de saúde podem interceder influenciando a prá-


tica da identificação de bebedores-problema ou dependentes de álcool no
ambiente de pronto-socorro (PS). Entretanto, estudos demonstram que 75%
dos médicos, por exemplo, não acreditam que essa tarefa seja sua responsa-
bilidade. Tal postura profissional sugere uma relativa carência na formação e
no treinamento especializado sobre a atenção e o manejo de usuários de subs-
tâncias psicoativas, bem como a necessidade de uma mudança de conceitos
sobre a validade e generalização dos bons resultados de pesquisas conduzidas
na população atendida em PS.6,9,12

Referências

1. Cherpitel CJ. Alcohol and injuries: a review of international emergency room studies
since 1995. Drug Alcohol Rev. 2007 Mar;26(2):201-14.
2. Reis AD, Figlie NB, Laranjeira R. Prevalência do uso de substâncias em pacientes com
traumas em um pronto socorro brasileiro. Rev. Bras. Psiquiatr. 2006;28(3):191-5.
3. Aoki PS. Emergências relacionadas ao álcool. In: Cordeiro DC, Baldaçara L. Emergências
psiquiátricas.São Paulo: Roca; 2007. p.137-53.
4. Cherpitel CJ, Borges G. Substance use among emergency room patients: an exploratory
analysis by ethnicity and acculturation. Am J Drug Alcohol Abuse. 2002;28(2):287-
305.

Diehl.indd 92 3/11/2009 10:56:33


Tratamentos farmacológicos para dependência química 93
5. Ribeiro M, Laranjeira R, Dunn J. Álcool e drogas: emergência psiquiátrica. In: Botega
NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência.
2.ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 263-81.
6. Aragão JHA, Cruz I. Alcoholic intoxication in the emergency department – evidenced
based nursing practice. J Special Nurs Care. 2008;1(1).
7. Mondragón L, Romero M, Borges G. Ethnography in an emergency room: evaluating
patients with alcohol consumption. Salud Publica Mex. 2008 Jul-Aug;50(4):308-15.
8. Marques ACPR, Furtado EF. Intervenções breves para problemas relacionados ao álcool.
Rev Bras Psiquiatr. 2004;26(supl):28-32.
9. Hyman Z. Brief interventions for high-risk drinkers. J Clin Nurs. 2006 Nov;15(11):1383-
96.
10. Conner KR, Li Y, Meldrum S, Duberstein PR, Conwell Y. The role of drinking in suicidal
ideation: analyses of Project MATCH data. J Stud Alcohol. 2003 May;64(3):402-8.
11. Cherpitel CJ, Borges GLG, Wilcox HC. Acute alcohol use and suicidal behavior: a review
of the literature. Alcohol Clin Exp Res. 2004 May;28(5 Suppl):18S-28S.
12. Laranjeira R, organizador. Usuários de substâncias psicoativas: abordagem, diagnóstico
e tratamento. 2. ed. São Paulo: CREMESP/AMB, 2003.
13. Metadoxil (Pidolato de Piridoxina). Laboratórios Baldacci S.A.; 2008. p. 32
14. Caballería J, Parés A, Brú C, Mercader J, Plaza AG, Caballería L, et al. Metadoxine
accelerates fatty liver recovery in alcoholic patients: results of a randomized double-
blind, placebo-control trial. Spanish Group for the Study of Alcoholic Fatty Liver. J
Hepatol. 1998 Jan;28(1):54-60.
15. Ciappareili A, Bianchi I, Nelli G, Guerrini I, Marchetti S. Clinical study on long term
effects of metadoxine on alcohol abuse and dependent. New Trends in Treatment of
Alcoholism. Trieste; 1993. p. 32-33.
16. Addolorato G, Ancona C, Capristo E, Gasbarrini G. Metadoxine in the treatment of
acute and chronic alcoholism: a review. Int J Immunopathol Pharmacol. 2003 Sep-
Dec;16(3):207-14.
17. Guerrini I, Gentili C, Nelli G, Guazzelli M. A follow up study on the efficacy of meta-
doxine in the treatment of alcohol dependence. Subst Abuse Treat Prev Policy. 2006
Dec 18;1:35.
18. Inturri P, Burra P, Baldi E, Graziotto A, Rossaro L, Salvagnini M, et al. Role of metado-
xine in alcohol abuse. Ann Exp Clin Med 1994;1:20-6.
19. Díaz Martínez MC, Díaz Martínez A, Villamil Salcedo V, Cruz Fuentes C. Efficacy of
metadoxine in the management of acute alcohol intoxication. J Int Med Res. 2002
Jan-Feb;30(1):44-51.

Leitura recomendada

Noritomi DT, Goldbaum TS, Libório AB. Emergências relacionadas ao álcool. In: Martins HS,
Damasceno MCT, Awada SB (Eds.). Pronto socorro: condutas do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo: Manole; 2007. p. 825-4.

Diehl.indd 93 3/11/2009 10:56:33


5 TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA
DO ÁLCOOL
A desintoxicação
Alessandra Diehl
Ronaldo Laranjeira

A síndrome de abstinência do álcool (SAA) caracteriza-se por um con-


junto de sinais e sintomas que surgem já nas primeiras 6 horas após a dimi-
nuição ou interrupção do uso de álcool, sendo o tempo e a intensidade desse
uso diretamente proporcionais à gravidade da sua apresentação. A SAA tem
curso flutuante e autolimitado, com pico de duração de 24 a 48 horas após o
início dos sintomas, podendo durar de 5 a 7 dias.1-4
O quadro clínico da SAA está relacionado com o aumento da atividade
autonômica, podendo incluir tremores de extremidades e da língua, ansieda-
de, sudorese, taquicardia, aumento da pressão arterial, insônia, alteração do
humor, cefaleia, vômitos, náuseas, inquietação, aumento da sensibilidade ao
som e cãibras musculares. Sintomas mais graves, como febre baixa, taquip-
neia, sudorese profusa e alteração sensoperceptiva, ocorrem em aproxima-
damente 10% dos pacientes,5 sendo que, em cerca de 5% dos pacientes não
tratados, o quadro pode evoluir para convulsões. Outra complicação bastante
séria é o delirium tremens (DT), caracterizado por alucinações visuais vívidas,
alteração do nível de consciência e desorientação. A mortalidade nos pacien-
tes que apresentam DT é de 5 a 25%.1,2,4
Como a SAA pode ser confundida com diversas outras condições, devem
fazer parte do diagnóstico diferencial as tireotoxicoses, envenenamentos, in-
toxicações por anticolinérgicos, entre outras condições.4 O manejo da SAA
é o primeiro passo no tratamento da dependência do álcool, representando
uma oportunidade privilegiada de motivar o paciente a permanecer em se-
guimento.2
O tratamento farmacológico da SAA visa aliviar ou minimizar o descon-
forto gerado pelos sinais e sintomas da abstinência do álcool, prevenir com-

Diehl.indd 94 3/11/2009 10:56:34


Tratamentos farmacológicos para dependência química 95
plicações da abstinência, como o DT e as convulsões, aumentar as chances
de vínculo do paciente com o tratamento e evitar ocorrências mais graves de
SAA no futuro,1,2 visto que, conforme se repetem, essas ocorrências se tornam
mais graves e, na quinta ou sexta ocorrência, os sintomas geralmente são
mais intensos e apresentam maiores chances de complicações.3
Segundo os princípios do tratamento eficaz apresentados pelo National
Institute on Drug Abuse (NIDA), podemos reafirmar que:

1. a desintoxicação é apenas o primeiro estágio do tratamento e, por


si só, pouco contribui para mudanças a longo prazo no uso da subs-
tância;
2. um único tipo de tratamento nem sempre é apropriado para todos
os indivíduos; e
3. medicações são elementos importantes no tratamento, especialmente
quando combinadas com abordagens psicoterápicas.6

Onde tratar a síndrome de abstinência do álcool?

Antes da década de 1970, a desintoxicação alcoólica era realizada exclu-


sivamente em hospitais ou centros policiais, locais para onde eram conduzidas
as pessoas encontradas em estado de embriaguez nas ruas. Foi na Inglaterra
e nos Estados Unidos que a prática de desintoxicação ambulatorial para casos
leves e moderados de SAA começou a ser realizada com mais frequência.9,10
Dentre as opções de locais de tratamento da SAA, podemos citar as se-
guintes modalidades: ambulatorial, internação domiciliar, hospital-dia e in-
ternação em regime fechado (p. ex., hospital geral, hospital psiquiátrico).4,7
O local de tratamento da SAA depende basicamente da gravidade dos sinais e
sintomas apresentados pelo paciente, dos insucessos em tratamentos anterio-
res, da presença de uma rede social de apoio continente e sobretudo da ava-
liação das condições clínicas do paciente, como desidratação, história de trau-
matismo craniencefálico (TCE), sintomas neurológicos, complicações clínicas
(hipertensão arterial sistêmica [HAS] grave, insuficiência renal, sangramento
digestivo, etc.), DT, convulsões e sintomas psicóticos. Todas as condições cita-
das são tratadas de forma mais adequada em hospital geral.2,8
Em um estudo conduzido no ambulatório da Unidade de Pesquisa em
Álcool e Drogas (UNIAD) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
com 114 pacientes submetidos a desintoxicação no período entre setembro
de 1995 e janeiro de 1996, foi observado que a maioria desses pacientes
(92%), apesar de apresentar formas leves ou moderadas de SAA, necessitou
fazer uso de medicação específica para tratamento coadjuvante durante o
programa de desintoxicação ambulatorial.10 Essa prática foi introduzida na
UNIAD em 1995 e vem tendo ampla utilização desde então.11

Diehl.indd 95 3/11/2009 10:56:34


96 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

A desintoxicação ambulatorial apresenta algumas vantagens com relação


ao tratamento antes realizado (quase que de modo exclusivo) em hospitais,
como a redução de até um terço dos custos, em comparação ao tratamento
hospitalar, e o aumento no número de pessoas que buscam tratamento, pos-
sibilitando aos pacientes continuar exercendo normalmente suas atividades
laborais e/ou domésticas.10,12

Tratamento farmacológico da SAA

É possível classificar a gravidade da SAA em dois níveis: leve/moderado


e grave.

Nível leve/moderado

a) O paciente apresenta leve agitação psicomotora, tremores finos de


extremidades, sudorese discreta, cefaleia, náuseas sem vômitos e sem
alteração da sensopercepção.
b) O paciente encontra-se orientado no tempo e no espaço; o contato e
o juízo crítico da realidade estão preservados, ocorre ansiedade leve
sem episódios de auto ou heteroagressividade.
c) O paciente apresenta uma rede social continente.
d) O paciente não apresenta complicações e/ou comorbidades clínicas
e/ou psiquiátricas graves detectadas no exame geral.

Nesse caso, o tratamento ambulatorial é indicado. Deve-se orientar a


família e o paciente sobre a natureza do problema, o tratamento e a evolução
do quadro e propiciar ambiente calmo, confortável e com pouca estimulação
audiovisual. A dieta é livre, com atenção especial à hidratação.4,5,8,13 Especial
atenção também deve ser direcionada à reposição vitamínica com o objetivo
principal de evitar a síndrome de Wernicke (tríade clássica de sintomas de
ataxia, confusão mental e anormalidades de movimentação ocular extrínse-
ca). Além disso, a reposição vitamínica posterga os prejuízos da síndrome de
Wernick e Korsakoff (fase crônica), resultando em melhora relativa dos qua-
dros de demência. Recomenda-se a tiamina intramuscular (IM) (1 amp IM ao
dia) nos primeiros 7 a 15 dias e, após esse período, a prescrição passa a ser
via oral (VO), em dose de 300 mg/dia de tiamina (Benerva®).3
Quanto aos benzodiazepínicos (BDZs), a prescrição deve se basear nos
sintomas. Diazepam (Diazepem® 10 mg): 20 mg VO ao dia, com retirada
gradual ao longo de uma semana; ou clordiazepóxido (Psicossedim® 25 mg):
até 100 mg VO ao dia, com retirada gradual ao longo de uma semana. Ambos
os BDZs são os mais indicados por possuírem meia-vida longa e assim pro-

Diehl.indd 96 3/11/2009 10:56:34


Tratamentos farmacológicos para dependência química 97
tegerem o paciente por mais tempo. Nos casos de hepatopatias graves, reco-
menda-se lorazepam (Lorax® 2 mg): 4 mg VO ao dia, com retirada gradual­
em uma semana.2,4,5

Nível grave

a) O paciente apresenta agitação psicomotora intensa, com tremores


generalizados, sudorese profusa, cefaleia, náuseas com vômitos, sen-
sibilidade visual intensa e quadros similares a crises convulsivas ou
histórico de crises convulsivas pregressas.
b) O paciente encontra-se desorientado no tempo e no espaço, o contato
e o juízo crítico da realidade estão comprometidos, ocorre ansiedade
intensa; histórico de violência auto e heteroagressiva com alteração
do pensamento, podendo apresentar conteúdo delirante e alucinações
auditivas, táteis ou visuais (microzoopsias).
c) A rede social de apoio não existe ou o ambiente é facilitador ao uso
de bebidas alcoólicas.
d) O paciente apresenta complicações e/ou comorbidades clínicas e/ou
psiquiátricas graves (p. ex., depressão grave com risco de suicídio)
detectadas no exame geral.

Nesse caso, o tratamento hospitalar é indicado. O monitoramento do pa-


ciente deve ser frequente, apesar de sua locomoção ser restrita. O ambiente de
tratamento deve ser calmo, com relativo isolamento, de modo a reduzir estí-
mulos audiovisuais. Quanto à dieta, optar por alimentação leve, se aceita pelo
paciente. É importante que os pacientes em estado de confusão mental perma-
neçam em jejum, devido ao risco de aspiração e consequentes complicações
respiratórias, podendo até mesmo resultar em óbito do paciente. Nesses casos,
proceder à hidratação endovenosa (EV) com 1.000 mL de solução glicosada
5%, acrescida de 20 mL de NaCl 20% e 10 mL de KCl 19,1%, a cada 8 horas.5 A
reposição vitamínica é a mesma recomendada para o nível leve/moderado.
A prescrição de BDZs deve se basear em sintomas, avaliados preferen-
cialmente a cada hora: diazepam (Diazepem®) 10-20 mg VO a cada hora
(máximo de 60 mg/dia) ou clordiazepóxido (Psicossedim®) 50-100 mg VO
a cada hora (máximo de 200 mg/dia). Nos casos de hepatopatias graves, re-
comenda-se lorazepam (Lorax®) 2-4 mg VO a cada hora (máximo de 12 mg/
dia). A administração de BDZs por via intravenosa requer técnica específica
e retaguarda para manejo de uma eventual parada respiratória. Deve-se ad-
ministrar no máximo 10 mg de diazepam durante 4 minutos, sem diluição.5
Nos casos de DT, pode-se fazer uso de haloperidol (Haldol®) 5 mg IM após
tentativa com diazepam. Os BDZs são considerados medicamentos seguros,
com apresentação oral e parenteral, têm ação anticonvulsivante e auxiliam

Diehl.indd 97 3/11/2009 10:56:34


98 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

na profilaxia de DT. Entretanto, a absorção muscular é errática, e apresentam


metabolismo hepático com potencial de desenvolver dependência.3
A contenção física deverá ser utilizada somente nos casos de agitação
intensa, com riscos para o próprio paciente e para terceiros, ou quando não é
possível administrar as medicações. Especial cuidado deve ser tomado nessa
técnica para evitar lesão de plexo braquial.2

Tratamento em quadros específicos

Na convulsão

As convulsões acometem 10 a 15% dos pacientes, sendo que metade de-


les apresenta exame de imagem cerebral alterado, e podem ocorrer no perío-
do de 1 a 2 dias. Múltiplas convulsões não são comuns, mas quando ocorrem
configuram um quadro de estado de mal epiléptico.8
A crise convulsiva costuma ser um evento bastante estressante. Algumas
medidas protetoras devem ser tomadas no momento da crise, como:

1. deitar o paciente evitando quedas e traumas;


2. remover objetos que possam levar a traumas;
3. aliviar roupas apertadas;
4. proteger a cabeça do paciente com a mão, roupa ou travesseiro;
5. lateralizar a cabeça do paciente, evitando aspiração;
6. limpar as secreções salivares, facilitando a respiração;
7. garantir vias aéreas livres;
8. reduzir estimulação sensorial.14

Utiliza-se diazepam 10 a 30 mg VO ou 10 mg EV na crise (verificar su-


porte ventilatório). Em caso de convulsões múltiplas, recomenda-se a fenito-
ína 100 mg 3 vezes ao dia.8 O sulfato de magnésio (1 g IM de 6 em 6 horas)
também deve ser administrado, uma vez que sua deficiência (comum em
SAA) aumenta os riscos de convulsão.4

No delirium tremens (DT)

É uma das formas mais graves e complicadas de abstinência do álcool,


que se desenvolve geralmente entre 1 e 4 dias após a instalação da SAA,
podendo levar o paciente ao óbito. Considerado uma psicose orgânica, pode
ser reversível em 2 a 10 dias. O diagnóstico diferencial deve ser feito a fim de
excluir TCE e doenças epileptiformes.8,14

Diehl.indd 98 3/11/2009 10:56:34


Tratamentos farmacológicos para dependência química 99
O DT caracteriza-se por um estado de confusão mental agudo, com re-
baixamento do nível de consciência, desorientação temporal e espacial, es-
treitamento do campo vivencial e desatenção. O comportamento costuma
ficar desorganizado, ocorre agitação intensa e a fala pode ficar ininteligível,
com presença de agressividade verbal e física e humor disfórico.8,14,15 Ocasio-
nalmente, ocorrem alucinações táteis e visuais. Em geral, os pacientes rela-
tam visão de insetos ou pequenos animais próximos a ele ou caminhando pelo
seu corpo. Esse tipo de alucinação pode evoluir para um estado de agitação e
violência na tentativa de afastar as microzoopsias. Pode haver a presença de
delírios, mas estes costumam não ser sistematizados.4,14
Existe uma alucinação conhecida como filamentar induzida, também
chamada de sinal de Sampaio, na qual o entrevistador faz um teste pergun-
tando se o paciente está vendo um fio em suas mãos, entregando-lhe esse fio
imaginário.16 O tratamento medicamentoso consiste em diazepam 60 mg VO
ao dia ou lorazepam 12 mg/dia; se necessário, associar haloperidol (Haldol®)
5 mg/dia.

Na alucinose alcoólica

Quadro alucinatório visual e auditivo, similar ao de DT, pode ocorrer


no período de 48 horas após diminuição, aumento ou parada da ingesta de
álcool, não provocando, no entanto, alteração do nível de consciência. Pode
ocorrer a presença de ruídos primários, como sons de estalos, campainhas,
vento, assobio e sinos, os quais progridem de modo gradual para vozes. Em
geral, as vozes são diversas e fazem comentários sobre o paciente (p. ex.,
acusações, xingamentos), sendo rara a presença de alucinações visuais. Os
sintomas normalmente persistem por algumas semanas, com remissão espon-
tânea, mas, em alguns casos, o quadro alucinatório pode durar vários meses,
sendo também descritos alguns quadros permanentes.
Recomenda-se a utilização de BDZs conforme o nível de SAA. Se os sin-
tomas persistirem, indica-se o uso de haloperidol 5 mg VO ao dia.4

Na síndrome demencial alcoólica

Caracteriza-se por prejuízo da memória recente e tendência a confabu-


lações (preenchimento de lacunas), sem alteração do nível de consciência. O
álcool pode provocar lesões difusas no cérebro, prejudicando, além da memó-
ria, a capacidade de julgamento e de abstração e causando também prejuízo
do comportamento. A reversão do quadro é rara e a melhora é relativa com o
uso de até 300 mg/dia de tiamina.17

Diehl.indd 99 3/11/2009 10:56:34


100 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

É sempre bom lembrar o que não se deve fazer na SAA

• Administrar glicose indiscriminadamente, pelo risco de induzir sín-


drome de Wernicke. Sempre que a glicose for administrada, fazê-la
após o uso da tiamina.
• Administrar clorpromazina (Amplictil®) ou fenil-hidantoína (Hidan-
tal®), pois há riscos de diminuição do limiar convulsivante.
• Aplicar diazepam EV sem recursos para reverter uma possível parada
respiratória.
• Realizar contenção física inadequada e indiscriminada, com riscos de
provocar lesões sobretudo de plexo braquial.2

Exames laboratoriais de rotina na SAA

Hemograma completo, sódio, potássio, cálcio e magnésio séricos, glice-


mia de jejum, ureia e creatinina, provas de função hepática (TGO, TGP, GGT,
bilirrubinas, tempo de protrombina, proteínas totais e frações), colesterol e
triglicerídeos, urina I, raio X de tórax, ECG.4,8

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante ressaltar que o tratamento da síndrome de abstinência ao


álcool tem se tornado um procedimento primariamente ambulatorial, com
menor custo, seguro e com efetividade variando até 75% na maioria dos pro-
gramas de desintoxicação já revisados.2,14 Encorajar os clínicos gerais a ma-
nejar essa condição médica é tarefa necessária, visando, sobretudo, diminuir
complicações psiquiátricas e clínicas, assim como os elevados custos em saúde,
e implementar o tratamento precoce do alcoolismo.14

Referências

1. Cordeiro DC, Figlie NB, Laranjeira R. Boas práticas no tratamento do uso e dependência
de substâncias. In: Cordeiro DC, Laranjeira R. Tratamento farmacológico e desintoxi-
cação do uso nocivo e dependência do álcool. São Paulo: Roca, 2007. p. 33-40.
2. Laranjeira R, Nicastri S, Jerônimo C, Marques AC. Consenso sobre a Síndrome de
Abstinência do Álcool (SAA) e o seu tratamento. Rev Bras Psiquiatr. 2000;22(2):62-
71.
3. Focchi GRA, Leite MC, Laranjeira R, Andrade AG. Dependência química: novos mo-
delos de tratamento. In: Abuso e dependência do álcool: diagnóstico e tratamento
farmacológico. São Paulo: Roca, 2001.

Diehl.indd 100 3/11/2009 10:56:34


Tratamentos farmacológicos para dependência química 101
4. Botega NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emer-
gência. In: Ribeiro M, Laranjeira R, Dunn J. Álcool e drogas: emergência e psiquiátrica.
2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.
5. Laranjeira R, organizador. Usuários de substâncias psicoativas: abordagem, diagnóstico
e tratamento. 2. ed. São Paulo: CREMESP/AMB, 2003.
6. Principles of effective treatment. In: National Institute on Drug Abuse. (NIDA) National
Institutes on Health. Principles of drug addiction treatment: a research based guide.
EUA, 2000 [atualizada em 2008 Mar 21; acesso em 2008 May 22]. Disponível em:
http://www.drugabuse.gov/PODAT/PODAT7.html.
7. Cooper D. Alcohol home detoxification and assessment. Oxford: Radcliffe Medical
Press, 1994.
8. Aoki PS. Emergências rela­cionadas ao álcool. In: Cordeiro DC, Baldaçara L. Emergências
psiquiátricas. São Paulo: Roca, 2007. p.137-54.
9. Stinnett LJ. Outpatient detoxification of the alcoholic. Int J Addict. 1982 Aug;17(6):
1031-46.
10. Sawicki WC, Pillon SC, Dunn J, Laranjeira RR. Análise dos pacientes portadores de
síndrome de abstinência alcoólica submetidos a desintoxicação ambulatorial por en-
fermeiras. Acta Paul Enf. 1996;9(3):38-46.
11. Figlie NB, Pillon SC, Castro LAG, Laranjeira RR. Organização de serviço para alcoo-
lismo: uma proposta ambulatorial. J Brás Psiquiat. 2001;50(5-6):169-79.
12. Mattick RP, Hall W. Are detoxification programmes effective? Lancet. 1996 Jan
13;347(8994):97-100.
13. Mayo-Smith MF. Pharmacological management of alcohol withdrawal. A meta-analysis
and evidence-based practice guideline. JAMA. 1997 Jul 9;278(2):144-51.
14. Maciel C, Kerr-Correa F. Complicações psiquiátricas do uso crônico do álcool: síndro­
me de abstinência e outras doenças psiquiátricas. Rev Bras Psiquiatr. 2004 Maio;26
(supl1):47-50.
15. Bayard M, Mcintyre J, Hill KR, Woodside J Jr. Alcohol Withdrawal Syndrome. Am Farm
Physician. 2004;69(6):1443-50.
16. Menna J, Lima R. O exame do estado mental. Pelotas: UFPEL, 2000.
17. Kaplan, HI. Transtornos relacionados ao álcool. In: Kaplan HI, Sadock BJ, Crebb JA.
Compêndio de psiquiatria- ciências do comportamento e psiquiatria clínica. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1997. p.385-7.

Diehl.indd 101 3/11/2009 10:56:34


6 TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
SÍNDROME DE DEPENDÊNCIA
DO ÁLCOOL
A epidemia velada
Alessandra Diehl
Ronaldo Laranjeira

A síndrome de dependência do álcool (SDA) é um problema de saú-


de pública de primeira magnitude, sendo um dos transtornos mentais mais
prevalentes na comunidade. Trata-se de uma patologia crônica, com muitas
recidivas, inúmeros prejuízos clínicos, sociais, laborais, familiares e econômi-
cos, e frequentemente está associada a acidentes e situações de violência em
muitos países.1
No Brasil, dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psi-
cotrópicas (CEBRID), referentes aos dois levantamentos domiciliares sobre o
uso de drogas psicotrópicas realizados no país, mostram que a dependência
do álcool aumentou de 11,2% em 2001 para 12,3% em 2005.2,3
A demora no diagnóstico e no estabelecimento de um tratamento ade-
quado para esses pacientes piora o prognóstico, propiciando uma falsa ideia
de que os dependentes de álcool raramente se recuperam. Quanto mais pre-
coce o diagnóstico e o tratamento, melhores são as chances de resultados
satisfatórios.4
Durante vários anos, as intervenções terapêuticas para o alcoolismo fica-
ram restritas ao período de desintoxicação, com alívio de sinais e sintomas da
síndrome de abstinência do álcool (SAA) e aplicação de diversas abordagens
psicossociais.5,6
Nos últimos 10 anos, tem sido observado um significativo aumento no
uso de intervenções terapêuticas farmacológicas para o tratamento do alco-
olismo devido aos avanços nos conhecimentos da neurociência, englobando
os sistemas de neurotransmissores envolvidos com estruturas mesocortico-
límbicas e suas fisiopatologias. Nesse contexto, tem crescido a importância
das monoaminas, em especial a dopamina, firmando-se entre os estudiosos

Diehl.indd 102 3/11/2009 10:56:35


Tratamentos farmacológicos para dependência química 103
como uma via final comum que leva ao comportamento de busca pela droga
e fissura.5,6 A Figura 6.1 ilustra alguns dos neurotransmissores envolvidos no
sistema de neurotransmissores do álcool.
Tem-se observado um interesse crescente pelo desenvolvimento de fár-
macos que possam auxiliar na prevenção das recaídas e no manejo da fissura
(craving) pelo álcool. O conceito de craving pelo álcool, no entanto, não está
completamente definido, uma vez que diversos estudos o descrevem e defi-
nem de formas diferentes, mas se acredita em sua existência e em sua íntima
relação com as recaídas.5
Para que seja eficaz, um fármaco deve ser tomado com regularidade. A
não adesão medicamentosa é um problema muito comum na prática médica,
não ficando restrita a pacientes com dependência de substâncias psicoativas.
As razões para a não adesão ao tratamento incluem negação da doença, efei-
tos colaterais desagradáveis e falsas crenças sobre a medicação (em geral,
relacionadas a impotência sexual, dependência, ficar “chapado”, “babando”
ou engordar). Assim sendo, parte da intervenção farmacológica necessita
abranger uma intervenção pró-ativa que ajude o paciente a aderir ao regi-
me medicamentoso diário, pois, embora pareça algo intuitivo, ele precisa ser

Álcool

– +

opiáceos
glu mu

+ canabinoides GABA +

Figura 6.1
Neurotransmissores envolvidos no sistema de neurotransmissores do álcool.7

Diehl.indd 103 3/11/2009 10:56:35


104 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

constantemente lembrado de que o medicamento só ajuda se for usado con-


forme a prescrição.8
Quando um medicamento “não funciona”, é comum os clínicos não per-
guntarem a seus pacientes se estão tomando as pílulas conforme a orientação
recebida. A melhora da adesão medicamentosa pode ser obtida por meio das
seguintes recomendações:

1. explicar a medicação ao paciente (como ela funciona, possíveis


efeitos colaterais, objetivos específicos a serem alcançados por meio
dela, etc.);
2. manter uma vigilância repetitiva da tomada da medicação mediante
incentivo e contagem de cápsulas em cada visita médica;
3. fornecer ao paciente estratégias simples e esquemas que o auxiliem
a não esquecer de tomar o remédio;
4. averiguar possíveis causas da não adesão medicamentosa.8

À medida que aumentam as evidências científicas do uso de uma combi-


nação medicamentosa junto com uma intervenção psicológica breve no trata-
mento do alcoolismo, aumentam também as possibilidades de adequação do
tratamento dessa patologia em ambientes de atenção primária.9
Este capítulo fornece subsídios terapêuticos para o tratamento farma-
cológico da SDA, tanto para clínicos gerais quanto para especialistas e pes-
quisadores, pela abordagem de alvos e de possibilidades terapêuticas medi-
camentosas disponíveis e avaliadas nas principais fontes primárias de infor-
mação (MEDLINE, EMBASE, CINAHL, PsycINFO, entre outras), em revisões
Cochrane e livros com o objetivo de buscar a melhor evidência científica sobre
o assunto.

Dissulfiram

Fármaco utilizado no tratamento do alcoolismo desde 1951 nos Estados


Unidos, o dissulfiram (DSF) foi o primeiro medicamento aprovado pela Food
and Drug Administration (FDA) para o tratamento da SDA.10 No Brasil, é o
único sensibilizante ao álcool atualmente disponível. É comercializado com
o nome de Antietanol®, pelo Laboratório Avents Pharma, e apresentado na
forma de caixas com comprimidos de 250 mg cada, ou com o nome comercial
de Sarcoton®, pelo Laboratório Medley, sendo apresentado na forma de pote
com 10 mg de pó contendo DSF e metronidazol.11
O medicamento age no metabolismo hepático do álcool inativando, de
forma específica a enzima acetaldeído-desidrogenase, responsável pela con-
versão do acetaldeído em ácido acético, o que ocasiona um acúmulo de ace-
taldeído no organismo quando o álcool é ingerido (ver Figura 6.2).12

Diehl.indd 104 3/11/2009 10:56:35


Tratamentos farmacológicos para dependência química 105

Figura 6.2
Mecanismo de ação do dissulfiram.6

O acúmulo de acetaldeído no organismo causa uma reação conhecida


como efeito antabuse, que se caracteriza por rubor facial, cefaleia, taquipneia,
precordialgia, náuseas, vômitos, sudoreses e cansaço. Quando a quantidade
de álcool ingerida é grande, a reação pode progredir para visão borrada, ver-
tigem, confusão mental, hipotensão, rebaixamento do nível de consciência
e, nos casos mais graves, coma e morte. A reação pode durar de 30 minutos
até algumas horas e depende da sensibilidade de cada paciente. Sabe-se que
essa reação pode ocorrer com níveis inferiores a 50-100 mg/mL de álcool no
sangue. O DSF age, portanto, como um “freio externo”, com base no conheci-
mento prévio do aparecimento de reações desagradáveis consequentes do ato
de beber.6,12 Curiosamente, apesar de ser bastante conhecido e utilizado em
adultos, o DSF permanece um medicamento subinvestigado e subutilizado;10
pouco se sabe, por exemplo, sobre seu uso em pacientes adolescentes.13
Considerando as limitações metodológicas dos estudos disponíveis, não
é possível estabelecer conclusões sobre a eficácia do DSF. Dentre as limitações
metodológicas mais comentadas nesses estudos, cita-se o fato de que a maio-
ria dos ensaios clínicos com DSF raras vezes utiliza um grupo-controle e, os
pacientes, com frequência, não estão “cegos” para os grupos alocados ou para
a medicação em uso. A cegueira do estudo, no entanto, pode ser facilmente
quebrada pela ingestão de uma dose de álcool.10
Contudo, observações clínicas indicam que o DSF ainda tem seu lugar
no tratamento da dependência do álcool, com resultados favoráveis para al-
guns grupos específicos de pacientes,14 entre os quais, pacientes acima de 40

Diehl.indd 105 3/11/2009 10:56:35


106 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

anos, com longa história de alcoolismo, estabilidade social, motivação para


mudança, cognição preservada e frequentadores do AA.6,10,14
Garbutt e colaboradores,15 em uma revisão sistemática sobre os trata-
mentos disponíveis para o alcoolismo, encontraram 135 estudos com o DSF,
dentre os quais, 11 eram ensaios clínicos controlados; cinco, ensaios clínicos
com DSF oral (200 a 250 mg/dia), e seis, ensaios clínicos com implantes de
DSF (800 a 1.000 mg/dia). As evidências de eficácia terapêutica desses en-
saios são modestas, inconsistentes, conflitantes, porém positivas (grau B); o
DSF diminuiria a frequência e a quantidade do consumo de álcool sem alterar
as taxas de abstinência. Os autores sugerem que a adesão à medicação seja
um importante preditor para um desfecho positivo, sendo este um dos aspec-
tos que devem ser levados em consideração em futuros estudos com o DSF e
até mesmo na prática clínica.6,10,15
Dentre as alternativas sugeridas para ensaios clínicos, encontra-se a as-
sociação da riboflavina 50 mg às preparações de DSF com a finalidade de mo-
nitorar a ingestão da medicação, como já realizado em outro estudo.16 Outras
alternativas incluem o uso da medicação sob supervisão de um profissional
da área da saúde ou mesmo um familiar, a utilização da técnica de BRENDA
(motiva o paciente ao enfatizar a importância de usar a medicação), rede de
apoio ou incentivo comunitário ou, ainda, as já conhecidas terapias compor-
tamentais. Alguns autores reforçam também a importância de um contrato
escrito, no qual sejam detalhadas as possíveis reações adversas da medicação,
sobretudo se o álcool for ingerido concomitantemente, e o compromisso de
se manter abstinente.8,10
As futuras direções do uso do DSF, tanto na pesquisa quanto na prática
clínica, apontam para a exploração da combinação de medicações. Estudos as-
sociando o uso de naltrexona com DSF e de acamprosato com o DSF mostra-
ram melhores resultados com relação a obtenção da abstinência.17,18 A atenção
quanto ao regime combinado se concentra no aumento das chances de hepato-
toxicidade, que deve ser monitorado de maneira mais sistemática.19,20
Foi publicado recentemente o primeiro ensaio clínico comparando o
DSF com o topiramato (TPM) na dependência de álcool. Trata-se de um en-
saio clínico aberto, randomizado, não cego, conduzido por De Souza e co-
laboradores21 na Índia, com a finalidade de avaliar a eficácia do DSF, em
comparação ao TPM, de reduzir recaídas num grupo de 100 pacientes adultos
dependentes de álcool, durante 9 meses de tratamento ambulatorial. Metade
dos pacientes recebeu DSF na dose de 250 mg/dia e a outra metade recebeu
TPM na dose de 50 mg 3 vezes ao dia. No contrato inicial do estudo, assinado
pelos pacientes, constava o consentimento e a participação efetiva da família
no controle e na observância da ingesta diária das medicações. Os pacientes
foram acompanhados semanalmente durante os três primeiros meses e a cada
15 dias nos meses subsequentes. As principais medidas de desfecho utilizadas
nesse ensaio foram:

Diehl.indd 106 3/11/2009 10:56:36


Tratamentos farmacológicos para dependência química 107
1. o ASI (Addiction Severity Index);
2. a SADS (Severity of Alcohol Dependence Scale); e
3. uma escala para medir três parâmetros de fissura (frequência, du-
ração e intensidade).

Seus principais achados revelam uma baixa taxa de abandono (92 pa-
cientes ainda permaneciam no estudo), sendo que 90% do grupo DSF e 56%
do grupo TPM permaneciam abstinentes. Entretanto, o TPM mostrou maior
redução de fissura do que o DSF.
Chama atenção a alta taxa de adesão desse estudo, o que não costuma-
mos encontrar em outros ensaios clínicos com dependentes químicos. Uma
possível justificativa para tal fato é a participação ativa da família no trata-
mento, aliada ao traço cultural do país, onde as questões familiares são alta-
mente valorizadas. Embora recomendem a realização de mais ensaios clínicos
comparando essas medicações em diferentes amostras, os autores foram con-
tundentes ao afirmar que o DSF foi mais eficaz que o TPM na prevenção de
recaídas em dependentes de álcool.21

Modo de uso

O DSF deve ser iniciado somente 12 horas após a última ingestão de


álcool, podendo ser prescrito a princípio na dose de 500 mg/dia por 1 a 2
semanas. Na manutenção, podem ser utilizadas doses menores, em torno de
250 mg/dia. O tempo de tratamento é definido pelos padrões de melhora do
status psicossocial do paciente e pela aquisição de autocontrole do comporta-
mento de beber. Porém, antes de iniciar a medicação, é importante solicitar
glicemia de jejum, função hepática, função tireoidiana e eletrocardiograma
(ECG).6,11
Nos primórdios da utilização do DSF, a dosagem comum para sua utili-
zação era de 1.000 a 3.000 mg/dia, logo percebida como extremamente alta,
levando a muitos efeitos colaterais indesejáveis, em especial o desenvolvimento
de sintomas psicóticos em pacientes abstinentes do álcool. Hoje, é reconhecida
como mais segura e bem tolerada a dosagem em torno de 150 a 500 mg/dia
(máxima dose diária). Em manutenção a longo prazo, a dose convencional é de
600 a 800 mg 2 vezes por semana.9,10,19,20
É importante advertir o paciente que, mesmo que ele interrompa a me-
dicação antecipando uma recaída, o DSF permanece na corrente sanguínea
por até aproximadamente uma semana, visto que a eliminação renal é muito
lenta, podendo assim ocorrer os sinais e sintomas descritos no efeito antabuse
em graus/respostas individualizados.
Outra questão importante, que deve ser levada ao conhecimento do pa-
ciente com relação ao DSF, refere-se aos alimentos ou produtos dos quais ele

Diehl.indd 107 3/11/2009 10:56:36


108 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

deve se abster para que não haja uma reação adversa, como desodorantes
ou perfumes que contenham álcool, condimentos com álcool e/ou vinagre e
produtos de limpeza que contenham álcool. Essas informações devem constar
no contrato escrito, em duas vias, que o paciente assina em concordância com
sua família, o que parece aumentar a adesão medicamentosa e o compromis-
so com o tratamento.

Contraindicações

As principais contraindicações são reação alérgica, hepatite aguda e cir-


rose, miocardiopatia grave, oclusão coronariana, hipertensão portal, hipoti-
reoidismo e diabete melito.6,11

Reações adversas

As reações adversas mais comuns são letargia, tontura (no período ini-
cial), gosto metálico e mal-estar gastrintestinal; já as menos comuns são can-
saço, cefaleia, convulsões, diminuição da libido, hepatite, impotência, rash
cutâneo, odor corporal, reações psicóticas, neuropatia periférica e óptica e
tremor.6,11

Intoxicação

A intoxicação aguda pode ocorrer com 5 g no adulto ou 2 g na criança,


e a subaguda, com doses de 1,5 a 3 g ao dia por várias semanas. A intoxica-
ção caracteriza-se por letargia, prejuízo da memória, alteração do compor-
tamento, confusão mental, náuseas, vômitos, paralisia flácida ascendente
e coma. O manejo deve ser feito com uso de eméticos, lavagem gástrica
e medicação sintomática. A dose letal em animais de laboratório é de 3g/
kg de peso. Em crianças, a intoxicação parece ser diferente da observada
em adultos, caracterizando-se por hipotonia, letargia e sonolência 12 horas
após a ingesta do medicamento, com progressivo estupor e coma. Além dis-
so, pode-se observar desidratação e moderada taquicardia com diminuição
do tônus muscular.6,11

Controle laboratorial

Nos exames periódicos, a checagem de provas de função hepática deve


ser realizada, pois o uso do medicamento pode elevar essas taxas. O uso do

Diehl.indd 108 3/11/2009 10:56:36


Tratamentos farmacológicos para dependência química 109
DSF em longo prazo pode provocar hipotireoidismo, e, por isso, ­recomen­da-se
um monitoramento dos níveis de hormônio tireoestimulante (TSH).6,11

Situações especiais

As principais situações especiais são:

1. gravidez: o uso do medicamento na gravidez deve ser evitado devido


a seu potencial teratogênico;
2. lactação: a presença de DSF no leite materno é desconhecida, de-
vendo ser evitada durante esse período; e
3. uso pediátrico: o medicamento só é liberado para uso após os 12
anos de idade.6,11

Interações medicamentosas

O DSF é rapidamente absorvido no trato gastrintestinal (70 a 90%) e se


acumula no tecido adiposo, com altas concentrações no fígado, nos rins e nos
músculos. A excreção é renal, sendo que 80% são eliminados com lentidão
durante vários dias (até uma semana).6,11
O DSF inibe as enzimas hepáticas e, por essa razão, pode interferir no
metabolismo de outras drogas quando usadas em conjunto. É o caso da fenito-
ína (Hidantal®) e dos anticoagulantes cumarínicos (como a warfarina), cujas
dosagens devem ser reduzidas, interferindo também no metabolismo da rifam-
picina, da isoniazida e do metronidazol. Há um sério risco de interação/rea-
ção durante o uso de DSF e drogas de ação no sistema nervoso central (SNC)
mediadas por noradrenalina ou dopamina, como antidepressivos tricíclicos e
fenotiazinas (p. ex., Amplictil®), ou por outros inibidores da mesma enzima do
DSF, como os inibidores da monoaminoxidase (p. ex., tramilcipromina).6,11

Considerações

Surpreendentemente, os dados disponíveis parecem justificar a realiza-


ção de mais ensaios clínicos com o DSF. Observa-se a necessidade de ampliar
as evidências da eficácia do DSF para outras indicações terapêuticas (depen-
dência de cocaína), com a exploração de combinação de medicações anticra-
ving. Também é preciso realizar estudos com amostras maiores, incluindo,
se possível, adolescentes, e comorbidades psiquiátricas, sobretudo tentando
diminuir as taxas de abandono por meio de estratégias de monitoramento da
ingestão da medicação.10,22

Diehl.indd 109 3/11/2009 10:56:36


110 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Naltrexona

O cloridrato de naltrexona (NTX) é um antagonista opioide, utilizado


como coadjuvante das intervenções psicossociais no tratamento ambulatorial
da SDA. Em 1995, a FDA autorizou o NTX para o tratamento do alcoolismo,
sendo a primeira medicação a ser aprovada desde a introdução do DSF. É
comercializado no Brasil pelo laboratório Cristália com o nome de REVIA® e
apresentado na forma de comprimidos de 50 mg.6,11
No entanto, desde abril de 2006 encontra-se disponível a forma injetá-
vel da medicação, que pode ser administrada mensalmente. Essa formulação
foi desenvolvida com a finalidade de aumentar a adesão à medicação e ame-
nizar alguns efeitos colaterais que costumam ser relatados com a formulação
oral, como náuseas. Embora ainda não existam estudos fazendo comparação
direta das duas formulações, dados de um estudo sobre a naltrexona mos-
tram que 64% dos pacientes utilizando a formulação injetável completaram
o protocolo de estudo proposto. Outro estudo, conduzido por O’Malley e co-
laboradores,23 também mostra uma tendência a melhores respostas com a
formulação injetável na dose de 380 mg.9

Mecanismo de ação

O álcool estimula indiretamente a atividade opioide endógena ao pro-


mover a liberação dos peptídeos endógenos (encefalinas e bendorfinas) na
fenda sináptica. Por meio da atividade excitatória dos peptídeos endógenos,
as sensações prazerosas do álcool são mediadas pela liberação de dopamina
nas fendas sinápticas do nucleus acumbens. Outro mecanismo proposto é a
atividade inibitória desses peptídeos sobre os interneurônios GABAérgicos,
localizados na área tegmental ventral (ver Figura 6.3), que exercem efeitos
inibitórios sobre os neurônios dopaminérgicos da área A.
A naltrexona atua como um antagonista competitivo nos receptores
opioides. Dessa forma, a administração de antagonistas opioides reduz o con-
sumo de álcool mediante bloqueio pós-sináptico dos receptores opioides μ, δ
e k nas vias mesolímbicas.6,11

Contraindicações

As principais contraindicações ao uso do NTX são doenças hepáticas


agudas e crônicas. Em usuários de opioides, é recomendável a realização do
teste com naloxona (Narcan®) para descartar uso recente de heroína. O uso
de antagonistas opioides em pacientes dependentes de heroína pode precipi-
tar sintomas de síndrome de abstinência, que se instalam cinco minutos após

Diehl.indd 110 3/11/2009 10:56:36


Tratamentos farmacológicos para dependência química 111
Núcleo
Área
arqueado
tegmental
Neurônio do
ventral
glutamatérgico neurônio
opiáceo

naltrexona

Neurônio naltrexona
dopaminérgico
da área
tegmental
ventral

Interneurônio
GABA
glu Receptor μ opioide
Canais de cálcio Receptores pré-sinápticos
voltagem sensitivos metabotroicos de glutamato
GABA Receptor NMDA
Encefalina Receptor GABA B
Dopamina Receptor GABA A

Figura 6.3
Ação da naltrexona na região da área tegmental ventral.7

a administração da medicação e duram aproximadamente 48 horas. Nesses


pacientes, é necessário um período mínimo de sete dias de abstinência antes
de prescrever a naltrexona. Em pacientes tratados com metadona (Dolophi-
ne®), recomenda-se um período maior de abstinência, de 10 a 14 dias.6,11

Efeitos adversos

O principal efeito adverso do NTX é a náusea. A hepatotoxicidade basea-


da no aumento das transaminases hepáticas (3 a 19 vezes os valores normais)
foi observada em pacientes tratados com doses elevadas de naltrexona (aci-
ma de 300 mg/dia). Com dosagens abaixo de 200 mg/dia, não foi observado
aumento das enzimas hepáticas. Entretanto, o controle mensal dos valores da
bilirrubina total e frações e das transaminases hepáticas deve ser realizado
nos três primeiros meses e, posteriormente, a cada três meses. Seguimentos

Diehl.indd 111 3/11/2009 10:56:36


112 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

mais frequentes são indicados quando as transaminases hepáticas (TGO, TGP,


GGT) estiverem elevadas. A naltrexona deve ser suspensa sempre que as ele-
vações das enzimas hepáticas persistirem, exceto no caso de elevações leves e
atribuídas ao consumo de álcool.6,11

Orientações clínicas

A posologia recomendada do NTX no tratamento do alcoolismo é de 50


mg/dia. O esquema terapêutico consiste na prescrição de 25 mg/dia (meio
comprimido via oral [VO]) na primeira semana de tratamento com o objetivo
de minimizar efeitos adversos.11 Após esse período, aumenta-se a dose para 50
mg/dia. Os ensaios clínicos com NTX recomendam um período de 12 semanas
para o tratamento. Segundo O’Malley e colaboradores,23 a naltrexona mantém
a redução das taxas de recaída até o quinto mês após sua suspensão. Anton e
colaboradores24 evidenciaram taxas similares de recaída entre os grupos de
tratamento, após quatro meses da suspensão do NTX, e o grupo-placebo. Latt e
colaboradores25 observaram que os efeitos terapêuticos sobre as taxas de reca-
ída são mais importantes nos primeiros 42 dias de tratamento.6

Evidência científica da naltrexona na síndrome de dependência do álcool

Após duas décadas de pesquisas com a naltrexona no tratamento de pa-


cientes alcoolistas, foram encontrados 29 ensaios clínicos, duplos-cegos, publi-
cados entre 1990 e 2006, com uma amostra de 5.997 dependentes de álcool
tratados com naltrexona. A grande maioria desses ensaios mostra-se a favor da
prescrição da medicação com o objetivo de diminuir o “beber pesado”.26

Acamprosato

O acamprosato (acetil-homotaurinato de cálcio) vem sendo muito uti-


lizado, principalmente em países europeus, desde 1996, no tratamento da
dependência do álcool. Aprovado pela FDA para o tratamento do alcoolismo,
o acamprosato (Campral®, Laboratório Merck) tem se mostrado eficaz em
alguns ensaios clínicos.6,12,19,20

Mecanismo de ação

Essa medicação inibe a atividade excitatória glutamatérgica agindo


provavelmente em uma subclasse dos receptores de glutamato (NMDA) (ver

Diehl.indd 112 3/11/2009 10:56:36


Tratamentos farmacológicos para dependência química 113
Figura 6.4). Por esse motivo, o acamprosato tem sido considerado um coago-
nista parcial do receptor NMDA. A medicação reduz a recaptação do cálcio
induzida pelo glutamato nos neurônios, suprime as respostas condicionadas
ao etanol em animais dependentes, reduz os efeitos aversivos da retirada do
álcool e inibe a hiperexcitabilidade cerebral do glutamato. A atividade desses
receptores sobre o sistema GABAérgico envolve principalmente as vias sub-
corticais, modulando a atividade dopaminérgica no nucleus acumbens e redu-
zindo o reforço positivo relacionado ao consumo de etanol (ver Figura 6.4).6
Portanto, é possível que a diminuição no consumo de álcool esteja também
associada à redução de sintomas de abstinência.12

Orientações clínicas

O acamprosato é considerado um fármaco seguro que não interage com


o álcool ou o diazepam, não apresentando, assim, potencial para causar de-

Núcleo
Neurônio arqueado
glutamatérgico do
do córtex neurônio
pré-frontal opiáceo

Área
tegmental
ventral

Neurônio naltrexona
dopaminérgico
da área acamprosato
tegmental
ventral

Interneurônio
GABA
glu Receptor μ opioide
Canais de cálcio Receptores pré-sinápticos
voltagem sensitivos metabotroicos de glutamato
GABA Receptor NMDA
Encefalina Receptor GABA B
Dopamina Receptor GABA A

Figura 6.4
Ação do acamprosato na região da área tegmental ventral.7

Diehl.indd 113 3/11/2009 10:56:37


114 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

pendência. Deve ser administrado em três doses diárias (1 comprimido =


333 mg), sempre antes das refeições. O tempo de manutenção da medicação
é variável (ensaios clínicos utilizaram o medicamento por 6 a 12 meses), e a
medicação não deve ser prescrita para indivíduos com insuficiência hepática
ou renal.12
Em geral, os efeitos adversos relatados são cefaleia, sintomas gastrintes-
tinais (dor abdominal, náuseas e vômitos) ou dermatológicos (prurido, rash
máculo-papular e reações bolhosas). Enjoos, confusão mental, sonolência e
alteração da libido também foram relatados. A monitoração de hipercalcemia
é recomendada em pacientes com intoxicação por esse medicamento.6

Topiramato

Estudos clínicos com o topiramato (TPM) foram iniciados em 1986, sen-


do o medicamento introduzido no mercado em dezembro de 2000, pelo la-
boratório Janssen-Cilag (Topamax®),27 para o tratamento de alguns tipos de
epilepsias, como crises parciais refratárias e síndrome de Lenoxx-Gastaud,28
da bulimia nervosa11 e nos gatilhos da cefaleia migraine. Nos últimos anos, o
TPM27 tem se apresentado como uma possibilidade de intervenção farmaco-
lógica também no tratamento de dependências químicas; porém, ainda são
poucos os ensaios clínicos controlados.28
O TPM ainda não foi aprovado pela FDA para o tratamento do alcoolis-
mo e, até pouco tempo, a única evidência disponível, e comumente citada, so-
bre seu uso nesse tipo de tratamento vinha de um ensaio clínico, duplo-cego,
placebo-controlado conduzido por Johnson e colaboradores.29
Entretanto, o TPM tem recebido crescente atenção em ensaios clínicos
conduzidos por um grupo de pesquisadores norte-americanos29 que assina-
lam, de forma mais consistente, essa evidência preliminar.9 Um desses estudos
consiste em um ensaio clínico, duplo-cego, randomizado, placebo-controlado
conduzido em 17 centros dos Estados Unidos, entre 2004 e 2006, durante
14 semanas de tratamento com TPM (até 300 mg/dia) associado a uma in-
tervenção breve semanal para pacientes dependentes de álcool.30 O estudo
contou com 371 homens e mulheres, de 18 a 65 anos, e a principal variável
de desfecho foi o autorelato dos dias de ingestão pesada de bebida alcoólica,
seguido por avaliações da GGT e de outras medidas de avaliação do uso de
álcool. A análise realizada foi por intenção de tratar (ITT). Entre os principais
resultados, destacam-se:

1. O TPM foi mais eficaz que o placebo em reduzir a porcentagem de


dias de beber pesado (8,44%; IC95% 3,07-13,80; p = 0,002).
2. Os efeitos colaterais mais comumente citados foram: parestesias
(50,8 versus 10,6%), perversão do paladar (23,0 versus 4,8%),

Diehl.indd 114 3/11/2009 10:56:37


Tratamentos farmacológicos para dependência química 115
anorexia (19,7 versus 6,9%) e dificuldade de concentração (14,8
versus 3,2%).

Os autores acreditam que o efeito terapêutico do TPM em melhorar des-


fechos com relação ao beber se deva provavelmente à diversidade da ação
farmacológica da medicação (envolvimento na modulação das vias glutama-
térgicas e GABAérgicas no sistema de recompensa cerebral).30
Seu efeito anticonvulsivante decorre de cinco propriedades:

1. bloqueador dos canais de cálcio;


2. ativador dos receptores GABA A;
3. antagonista dos receptores Kainate/AMPA (subtipo do glutamato);
4. efeito modulador negativo nos canais de cálcio; e
5. inibidor de algumas isoenzimas da anidrase carbônica.27

Orientações clínicas

O TPM apresenta-se em comprimidos de 25, 50, 100, 200, 300 e 400 mg


ou em cápsulas de 15, 25 e 50 mg. A dosagem recomendada em adultos é de
200 a 400 mg/dia. Sugere-se uma dose inicial de 25 mg/dia com aumento
gradual em 3 a 8 semanas até atingir a dose de 300 ou 400 mg/dia. Alguns
autores sugerem que, nesses casos, o escalonamento da dose realizado de
forma mais lenta minimiza as queixas de efeitos colaterais.29-31
O TPM não é extensivamente metabolizado, possuindo apenas seis me-
tabólitos de baixa atividade, baixa capacidade de indução enzimática e pouca
ligação proteica, e sua eliminação ocorre com predominância por via renal
(70%).11 Possui interações medicamentosas com as seguintes drogas: digo-
xina, probenecida, haloperidol (Haldol®), risperidona (Risperdal®), anticon-
cepcionais orais (ACOs) e metiformim. Alguns estudos iniciais com o TPM
sugerem que essa medicação possa diminuir o componente estrogênico dos
ACOs quando usados de forma concomitante. Nesse caso, recomenda-se a
utilização de ACO com dosagem superior a 20 µg.28

Efeitos colaterais

Os efeitos colaterais mais comuns que ocorrem no SNC são sonolência,


tontura, nervosismo, ataxia, fatiga, parestesias, distúrbios da fala, diminui-
ção da atividade psicomotora, visão anormal, dificuldades com a memória e
dipoplia.11 Os eventos neuropsíquicos são os maiores responsáveis pela des-
continuação da medicação ou pela necessidade de diminuição da dosagem.
Embora não tenham uma relação clara com a dosagem, esses efeitos adversos

Diehl.indd 115 3/11/2009 10:56:37


116 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

ocorrem mais na segunda e terceira semanas de tratamento, são autolimita-


dos e desaparecem após a descontinuidade da droga.6,11
A perda de peso ocasionada pela anorexia junto com a medicação ocorre
de forma gradual até 18 semanas de tratamento, quando alcança um platô, e
parece ser dose-dependente. A média de perda de peso é de 3,8 kg, e dados
preliminares sugerem que a perda observada no início do tratamento se man-
tém por dois anos.28
Acredita-se que aproximadamente 1,5% dos pacientes tratados com
TPM desenvolvam nefrolitíase, assim deve-se evitar substâncias (como a ani-
drase carbônica) que predisponham a essa condição quando usadas em con-
comitância.28

Situações especiais

Na gestação e lactação, o TPM apresenta efeito teratogênico em animais.


Em humanos, observou-se malformações do tipo hipospadia, que, apesar de
ainda não terem sido diretamente relacionadas ao produto, desaconselham o
uso da medicação em mulheres grávidas e lactantes.11

Considerações

Recomendações para futuros estudos incluem o desenvolvimento de ha-


bilidades que melhorem a adesão com a titulação rápida da medicação, a
análise da eficácia do medicamento em serviços de atenção primária, em que
as intervenções podem ser conduzidas por generalistas, e a apresentação mais
clara dos termos de seguimento com a medicação.9

Ondansetron

O ondansetron (Zofran®) é um antagonista 5-HT3 aprovado para alí-


vio de náuseas e fadiga. Recentemente, pelo menos dois ensaios clínicos
propuseram seu uso para o tratamento de alcoolistas em estágio inicial de
dependência.5,6
O ensaio clínico de Johnson e colaboradores,32 com 271 dependentes de
álcool tratados com ondansetron e associados a grupos de terapia cognitivo-
-comportamental, revelou uma significativa redução do consumo de álcool
com a dose de 4 mg/dia. Outros projetos têm investigado a eficácia desse
medicamento também na redução do craving, e os resultados preliminares
parecem bastante favoráveis.5,33

Diehl.indd 116 3/11/2009 10:56:37


Tratamentos farmacológicos para dependência química 117
Orientações clínicas

O medicamento é fabricado pelo laboratório GlaxoSmithKline e apre-


sentado na forma de caixas com 5 ampolas (4 mg/2 mL ou 8 mg/4 mL) e
caixas com 10 comprimidos (4 e 8 mg).34

Reações adversas

Podem ocorrer cefaleia, sensação de calor ou rubor na cabeça e no epi-


gástrio e aumento, ocasional e transitório, assintomático nas aminotransfera-
ses. Sabe-se que o ondansetron aumenta o tempo do trânsito intestinal e, por
essa razão, pode causar constipação em alguns pacientes. Há raros relatos de
reações de hipersensibilidade imediata.34

Baclofen

Estimulante de receptores GABA B, o baclofen (Lioresal® ou Kemstro®)


foi aprovado para o tratamento da espasticidade dos músculos esqueléticos
na esclerose múltipla. Alguns ensaios clínicos, no entanto, demonstraram efi-
cácia desse medicamento em reduzir o beber, na dose de 30 mg/dia.33,35,36
O Lioresal® é produzido pelo laboratório Novartis em formulações in-
jetáveis e caixas com comprimidos de 5,10 e 25 mg. Deve-se ter cautela na
prescrição desse medicamento para pacientes portadores de esquizofrenia,
transtornos psicóticos, transtorno afetivo bipolar, estados confusionais ou
­Parkinson, pois pode haver exacerbação dessas condições quando tratadas
concomitantemente ao uso de baclofen.37

Efeitos colaterais

Entre os efeitos adversos, encontramos sedação, fraqueza, fadiga, apare-


cimento de alucinações e confusão mental, além de dificuldades com o equi-
líbrio e a marcha. Em doses elevadas, foram relatados casos de distúrbios
respiratórios e de alterações renais e cardiológicas.37

LY686017

Pesquisas recentes têm sugerido o sistema neuronal, mediado por res-


postas comportamentais de estresse, como um alvo bastante útil para pos­

Diehl.indd 117 3/11/2009 10:56:37


118 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

síveis farmacoterapias no tratamento do alcoolismo. Alguns estudos em mo-


delos animais (ratos e camundongos) já demonstraram a existência de uma
correlação entre o consumo excessivo de álcool, que resulta em dependência
da substância, e o aumento do comportamento sensitivo ao estresse.38
Dentre os muitos neurotransmissores com alta expressão cerebral em
áreas envolvidas com respostas ao estresse, destaca-se a substância P, pre-
ferencialmente ligada aos receptores de neuroquinina 1 (NK1). Estudos
­pré-clínicos demonstraram que o bloqueio (antagonismo) de receptores de
NK1 acarreta diminuição do estresse e do consumo de álcool.38
Um bloqueador dos receptores de NK1, com recente avaliação em estu-
do de fase II pelo laboratório Eli Lilly and Com pany e pelo NIAAA (National
Institute of Alcohol and Alcohol Abuse) para pacientes dependentes de álco-
ol, mostra resultados promissores.33,38
Os autores desse ensaio clínico randomizado, placebo-controlado, ava-
liaram uma amostra de 50 pacientes (25 = droga ativa e 25 = placebo) com
idade entre 21 e 65 anos, diagnóstico primário de dependência de álcool, uso
de álcool no último mês da randomização e mais de 39 pontos na escala STAI
(Spielberg Trait Anxiety Inventory). Os pacientes encontravam-se hospitaliza-
dos e em tratamento com o antagonista NK1R-LY 686017, (2-chloro-phenyl)-
{2-[5-pyridin- 4-yl-1-(3,5-bistrifluoromethyl-benzyl)-1H-[1,2,3]triazol-4-yl]-
pyridin-3-yl}- methanone), por 4 semanas, na dose de 50 mg/dia VO. Eles
recebiam desintoxicação antes do início da terapia medicamentosa caso hou-
vesse síndrome de abstinência do álcool que justificasse tal intervenção. Ava-
liações foram conduzidas 2 vezes por semana, com as seguintes medidas de
desfecho: AUG (Alcohol Urge Questionnaire), CGI (Clinical Global Impression)
e BOLD (Blood Oxygen Level Dependent), sendo esse último medido por meio
de um exame de imagem de ressonância magnética funcional. Em pacientes
que receberam a droga ativa, foi observada diminuição de craving espontâneo
e induzido, melhora geral na sensação de bem-estar, atenuação das respostas
concomitantes ao cortisol e, também, uma correlação de melhora da perfusão
em imagens cerebrais.38

Vareniclina

Bloqueador de receptores nAch (α4β2), a vareniclina foi o primeiro fár-


maco aprovado para a prevenção de recaída no tratamento da dependência de
nicotina. No entanto, com base em uma série de mecanismos, ­acredita-se que
pessoas que usam o tartarato de vareniclina (Champix®/Laboratório Pfizer) tam-
bém apresentem redução do interesse por bebidas alcoólicas. Primeiramente, é
conhecida a associação entre fumar tabaco e o uso de álcool, e se sabe que fu-
mantes são mais propensos a usar outras substâncias psicoativas do que os não
fumantes, ou seja, quando um fumante ingere bebida alcoólica com frequência,

Diehl.indd 118 3/11/2009 10:56:37


Tratamentos farmacológicos para dependência química 119
isso aumenta seu desejo de fumar e vice-versa. Assim, a vareniclina pode reduzir
o consumo de álcool simplesmente ajudando a eliminar o cigarro como gatilho.
Alguns estudos experimentais em ratos, entretanto, sugerem que esse medica-
mento possa ter um efeito mais direto no consumo de álcool, e ensaios clínicos
em humanos para tratamento do alcoolismo começam a ser avaliados.33

Olanzapina

A olanzapina (Zyprexa® Eli Lilly e Co) é um antipsicótico atípico, com


ação antagonista D4, que vem sendo avaliado em alguns ensaios clínicos para
tratamento da fissura em dependentes de álcool. Esses ensaios utilizaram, em
geral, 5 mg/dia da medicação, demonstrando diminuição tanto da intensida-
de da fissura quanto do consumo de álcool. Sugere-se também, que alguns
perfis genéticos (DRD4 VNTR) sejam mais responsivos a esse medicamen-
to.39-41 No entanto, ainda não há uma evidência científica consistente que
sustente sua indicação terapêutica.

Nalmefene

O nalmefene é um antagonista opioide, com perfil estrutural similar à


naltrexona, que vem apresentando, em alguns ensaios clínicos, resultados
positivos em reduzir os dias de beber pesado entre dependentes de álcool,
sem intervenção psicossocial ou apenas com abordagem mínima.42-45 Alguns
ensaios clínicos avaliaram seu uso para jogadores patológicos, aventando as-
sim uma outra indicação para esse medicamento.46,47
A vantagem do nalmefene, quando comparado à naltrexona, está no
fato de não ser dose-dependente em relação aos efeitos tóxicos hepáticos, de
apresentar grande biodisponibilidade oral e longo efeito da ação antagonista,
com meia-vida de aproximadamente 11 horas, e de ter ligação mais compe-
titiva com os vários subtipos de receptores opioides que se acredita estarem
associados ao reforço de beber.45,48-51
Ensaios clínicos iniciais utilizaram 10 a 40 mg/dia de nalmefene oral,
com relatos de boa tolerabilidade e segurança. Os efeitos colaterais mais co-
muns foram náusea, insônia, fatiga e tontura.42,43 A fim de facilitar a adesão
terapêutica da medicação em dependentes de álcool, um estudo-piloto in vi-
tro está avaliando a medicação na forma de implante.52
O laboratório H. Lundbeck, que detém a licença exclusiva para produzir
e distribuir o nalmefene prescrito no tratamento de transtornos relacionados
ao uso de substâncias e transtornos do impulso, já iniciou ensaios clínicos de
fase III com cerca de 1.800 pacientes; espera-se que, em 2011, dados resul-
tantes dessa pesquisa já estejam disponíveis.53

Diehl.indd 119 3/11/2009 10:56:37


120 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Três elementos-chave devem ser aqui mencionados:

1. As taxas de detecção e encaminhamento para tratamento do alcoo-


lismo continuam baixas, principalmente em países em desenvolvi-
mento. Esforços em aumentá-las devem ser sempre incentivados.1
2. O marcador biológico de deficiência de carboidrato transferrina tes-
tado sozinho ou em combinação com a g-glutamiltransferase pode
ser usado para identificar o consumo de álcool durante o processo
de tratamento.49 A utilização de bafômetros em settings clínicos
também já é uma prática bastante utilizada.
3. A FDA aprovou três medicamentos para o tratamento do alcoolismo
até o momento: dissulfiram, naltrexone e acamprosato.9

Referências

1. Valladoid GR, Carrasco JSD. Guia Práctica de intervención en el alcoholismo. In: Mag-
nitude de los problemas por el alcohol y papel de atención primaria en su tratamento.
Madrid,Espanha: Editora Gabriel Rubio;2000. p. 15-32.
2. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. I Levantamento Domiciliar sobre o uso
de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo 107 maiores cidades do país.
São Paulo: CEBRID;2002.
3. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. II Levantamento Domiciliar sobre o
uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo 108 maiores cidades do país.
São Paulo: CEBRID;2005.
4. Walsh, RA. Medical education about alcohol: review of its role and effetiveness. Alcohol
Alcohol. 1995;30(6):689-702.
5. Marusić S, Thaller V, Javornik N. Psicofarmacoterapia en el tratamiento alcohol. Eur.
J. Psychiat. 2004 Oct-Dec;18(4)(Ed. esp.).
6. Castro LA, Baltieri DA. The pharmacologic treatment of the alcohol dependence. Rev
Bras Psiquiatr. 2004 May;26(S1):S43-6.
7. Stahl SM. Stahl’s Essential Psychopharmacology: neuroscientific basis and pratical
applications. 4rd. ed. New York: Cambridge University Press;2008.
8. Vopicelli JR, Pettinatt HM, MacLellan AT, O’Brien CP. Combining medication and
psychosocial treatments for addictions. The BRENDA Approach. IN: Dealing with
pharmacotherapy and medication compliance issues. New York: Guilford Press;2001.
p. 92-100.
9. Kuehn BM. New therapies for alcohol dependence: open options for office-based
treatment. J Am Med Ass. 2007 Dec 5;298(21):2467-8.
10. Suh JJ, Pettinati HM, Kampman KM, O’Brien CP. The status of disulfiram a half of a
century later. J Clin Psychopharmacol. 2006 Jun;26(3):290–302.
11. Cordioli AV. Psicofármacos:consulta rápida. 3. ed. Porto Alegre: Artmed;2005.p.695.

Diehl.indd 120 3/11/2009 10:56:37


Tratamentos farmacológicos para dependência química 121
12. Focchi GRA, Leite MC, Laranjeira R, Andrade AG. Dependência química:novos modelos
de tratamento. São Paulo:Roca;2001.
13. Myers WC, Donahue JE, Goldstein MR. Dissulfiram for alcohol use disorders in ado-
lescents. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1994 May;33(4):484-9.
14. Blanc M, Daeppen JB. Does disulfiram still have a role in alcoholism treatment? Rev
Med Suisse. 2005 Jun 29; 1(26):1728-30, 1732-3.
15. Garbutt JC, West SL, Carey TS, Lohr KN, Crews FT. Pharmacological treatment of al-
cohol dependence: a review of the evidence. JAMA. 1999 Apr 14;281(14):1318-25.
16. Fuller RK, Gordis F. Does disulfiram have a role in alcoholism treatment today? Addic-
tion. 2004 Jan;99(1):21-4.
17. De Sousa A, De Sousa A. A one year pragmatic trial of naltrexone versus disulfiram in
the treatment of alcohol dependence. Alcohol Alcohol. 2004;39(6):528-31.
18. De Sousa A, De Sousa A. An open randomized study of disulfiram and acamprosate in the
long term management of alcoholism. Alcohol Alcohol. 2005 Nov-Dec;40(6):545-48.
19. Gardner TJ, Kosten TR. Therapeutic options and challenges for substances of abuse.
Dialogues Clin Neurosci. 2007;9(4):431-45.
20. Williams SH. Medications for treating alcohol dependence. Am Fam Physician. 2005
Nov 1;72(9):1775-80.
21. De Sousa AA, De Sousa JA, Kapoor H. An open randomized trial comparing disulfiram
and topiramate in the treatment of alcohol dependence. J Subst Abuse Treat. 2008
Jun;34(4):460-3. Epub 2007 Jul 13.
22. Laaksonen E, Koski-Jännes A, Salaspuro M, Ahtinen H, Alho H. A randomized, multicentre,
open-label, comparative trial of disulfiram, naltrexone and acamprosate in the treatment
of alcohol dependence. Alcohol Alcohol. 2008 Jan-Feb; 43(1):53-61. Epub 2007.
23. O’Malley SS, Jaffe AJ, Chang G, Rode S, Schottenfeld R, Meyer RE, et al . Six month
follow-up of naltrexone and psychotherapy for alcohol dependence: a controlled study.
Arch Gen Psychiatry. 1996 Mar;53(3):217-24.
24. Anton RF, Moak DH, Waid R, Lathan PK, Malcolm RJ, Dias JK. Naltrexone and cogni-
tive behavioral therapy for the treatment of outpatient alcoholics: results of a placebo
controlled trial. Am J Psychiatry. 1999 Nov;156(11):1758-64.
25. Latt NC, Jurd S, Houseman J, Wutzke SE. Naltrexone in alcohol dependence: a rando-
mized controlled trial of effectiveness in a standard clinical setting. Med J Aust. 2002
Jun 3;176(11):530-4.
26. Pettinati HM, O’Brien CP, Rabinowitz AR, Wortman SP, Oslin DW, Kampman KM, Dackis
CA. The status of naltrexone in the treatment of alcohol dependence: specific effects
on heavy drinking. J Clin Psychopharmacol. 2006 Dec;26(6):610-25.
27. Ortho-McNeil-Janssen Pharmaceuticals. Topamax (Topiramate). Disponível em: http://
www.topamax.com/topamax/index.html. Acesso em 16 abr 2008.
28. Herranz JL. Topiramate, a new antiepileptic drug. Rev Neurol. 1997 Aug;25(144):1221-5.
29. Johnson BA, Ait-Daoud N, Bowden CL, DiClemente C, Roache JD, Lawson K. Oral to-
piramate for treatment of alcohol dependence: a randomized controlled trial. Lancet.
2003 May 17;361(9370):1677-85.
30. Johnson BA , Rosenthal N , Capece JA, Wiegand F, Mao L, Beyers K, et al. Topiramate
for treating alcohol dependence: a randomized controlled trial. JAMA. 2007 Oct 10;298
(14):1641-51.

Diehl.indd 121 3/11/2009 10:56:37


122 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

31. Bobes J, Carreno JE, Gutierrez CE, San Narciso GI, Antuna MJ, Diaz T, et al. Study of
effectiveness of craving control with topiramate in patients with substance dependence
disorders. Actas Esp Psiquiatr. 2004 Sep-Oct; 32(5):299-306.
32. Johnson BA, Roache JD, Javors MA, et al. Ondansetron for reduction of drinking among
biologically predisposed alcoholic patients. J Am Med Ass. 2000;284:963-71.
33. Miller G. Tackling alcoholism with drugs. Psychopharmacology. 2007;320(5873):168–70.
34. GlaxoSmithKline. Prescription medicines: Zofran. March 2006.[acesso em 2008 maio
13]. Disponível em URL: http://www.gsk.com/products/prescription_medicines/us/
zofran.htm.
35. Colombo G, Addolorato G, Agabio R, Carai Mam, Pibiri F, Serra S, Vacca G And Gessa
Gl. Role of GABAB receptor in alcohol dependence: reducing effect of Baclofen on
alcohol intake and alcohol motivational properties in rats and amelioration of alco-
hol withdrawal syndrome and alcohol craving in human alcoholics. Neurotox Res.
2004;6(5):403-14.
36. Flannery BA, Garbutt JC, Cody MW, Renn W, Grace K, Osborne M, et al. Baclofen
for alcohol dependence: a preliminary open-label study. Alcohol Clin Exp Res. 2004
Oct;28(10):1517-23.
37. Novartis Pharma Arnhem. Lioresal. [Acesso em 2008 maio 13]. Disponível em URL:
http://www.novartis.nl/pdf/bijsluiters/Lioresal.pdf.
38. George DT, Gilman J, Hersh J, Thorsell A, Herion D, Geyer C, et al. Neurokinin 1 receptor
antagonism as a possible therapy for alcoholism. Scien. 2008;319(1536):1536-9.
39. Hutchison KE, Ray L, Sandman E, Rutter MC, Peters A, Davidson D, Swift R. The effect
of olanzapine on craving and alcohol consumption. Neuropsychopharmacology. 2006
Jun;31(6):1310-7.
40. Hutchison KE, Wooden A, Swift RM, Smolen A, McGeary J, Adler L, Paris L. Olanza-
pine reduces craving for alcohol: a DRD4 VNTR polymorphism by pharmacotherapu
interation. Neuropsychopharmacology. 2003 Oct;28(10):1882-8.
41. Hutchison KE, McGeary J, Smolen A, Bryan A, Swift RM.The DRD4 VNTR polymorphism
moderates craving after alcohol consumptions. Health Psychol. 2002 Mar;21(2):139-46.
42. Karhuvaara S, Simojoki K, Virta A, Rosberg M, Löyttyniemi E, Nurminen T, et al. Tar-
get nalmefene with simple medical management in the treatment of heavy drinks: a
randomized double-blind placebo-controlled multicenter study. Alcohol Clin Exp Res.
2007 Jul;31(7):1179-87.
43. Arias AJ, Armeli S, Gelernter J, Covault J, Kallio A, Karhuvaara S, et al. Effects of opioid
receptor gene variation on target nalmefene treatment in heavy drinkers. Alcohol Clin
Exp Res. 2008 Jul; 32(7):1159-66.
44. Drobes DJ, Anton RF, Thomas SE, Voronin K. Effects of naltrexone and nalmefene on
subjective response to alcohol among non-treatment-seeking alcoholics and social
drinkers. Alcohol Clin Exp Res. 2004 Sep;28(9):1362-70.
45. Mason BJ, Salvato FR, Williams LD, Ritvo EC, Cutler RB. A double-blind, placebo-
controlled study of oral Nalmefene for alcohol dependence. Arch Gen Psychiatry. 1999
Aug;56(8):719-24.
46. Grant JE, Kim SW, Hollander E, Potenza MN. Predicting response to opiate antagonist
and placebo in the treatment of pathological gambling. Psychopharmacology (Berl).
2008 Nov;200(4):521-7.

Diehl.indd 122 3/11/2009 10:56:37


Tratamentos farmacológicos para dependência química 123
47. Grant JE, Potenza MN, Hollander E, Cunningham-Williams R, Nurminen T, Smits G,
et al. Multicenter investigation of the opioid antagonist Nalmefene in the treatment
of pathological gambling. Am J Psychiatry. 2006 Feb;163(2):303-12.
48. Wang DS, Sternbach G, Varon J. Nalmefene: a long-acting opioid antagonist. Clinical
applications in emergency medicine. J Emerg Med. 1998 May-Jun;16(3):471-5.
49. Salvato FR, Mason BJ. Changes in transaminases over the course of a 12 week, double-
blind Nalmefene trial in a 38 year old female subject. Alcohol Clin Exp Res. 1994
Oct;18(5):1187-9
50. Mann K. Pharmacotherapy of alcohol dependence: a review of the clinical data. CNS
Drugs. 2004;18(8):485-504.
51. Swift RM. Opioid antagonists and alcoholism treatment. CNS Spectr. 2000 Feb;5(2):49-
57.
52. Costantini LC, Kleppner SR, McDonough J, Azar MR, Patel R. Implantable technology
for long term delivery of Nalmefene for treatment of alcoholism. Int J Pharm. 2004
Sep 28;283(1-2):35-44.
53. Blog Dependência química [homepage na Internet]. São Paulo: Unidade de Pesquisa
em Álcool e Drogas; c2005-2009 [atualizada diariamente; Postado em 2008 dez 15].
Nalmefene ensaios clínicos- Dependência Álcool. Disponível em URL: http://www.
uniad.org.br/bloguniad.

Leituras recomendadas

Baltieri DA, de Andrade AG. Efficacy of acamprosate in the treatment of alcohol-dependent


outpatients. Rev Bras Psiquiatr. 2003 Sep;25(3):156-9.
Besson J, Aeby F, Kasa A, Lehert P, Potgieter A. Combined efficacy of acamprosate and
disulfiram in treatment of alcoholism: a controlled study. Alcoholism: Clin Exp Res. 1998
May; 22(3):573-9.
Garbutt JC. Emerging pharmacological treatments for alcohol dependence. J Clin Psychiatry.
2006;67(Suppl 14):35-40.
Johnson BA. Update on neuropharmacological treatments for alcoholism: scientific basis and
clinical findings. Biochem Pharmacol. 2008 Jan 1;75(1):34-56. Epub 2007.
O’Brien CP. Anticraving medications for relapse prevention: a possible new class of psycho-
active medications. Am J Psychiatry 2005;162:1423–31.
Srisurapanont M, Jarusuraisin N. Opioid antagonists for alcohol dependence (Cochrane
Review). In: The Cochrane Library, Issue 4. Oxford, England: Update Software, 2001.
Steensland P, Simms JA, Holgate J, Richards JK, Bartlett SE. Varenicline, an alfa 4 beta 2
nicotinic acetylcholine receptor partial agonist, selectively decreases ethanol consumption
and seeking. Proc Natl Acad Sci USA. 2007 july 24;104(30):12218-523.
Stromberg MF, Mackler AS, Volpicelli JR, O’Brien CP. Effect of acamprosate and naltrexone,
alone or in combination, on ethanol consumption. Alcohol. 2001;23(2):109-16.

Diehl.indd 123 3/11/2009 10:56:38


Diehl.indd 124 3/11/2009 10:56:38
parte 5
Nicotina (tabaco)

Diehl.indd 125 3/11/2009 10:56:38


Diehl.indd 126 3/11/2009 10:56:38
TRATAMENTO DA
DEPENDÊNCIA DE NICOTINA
O estado da arte
7
Ana Cecília Petta Roselli Marques
Ronaldo Laranjeira

O tabaco é derivado da planta Nicotiana tabacum, de origem america-


na, e seu consumo surgiu, aproximadamente, no ano 1000 a.C. em rituais
das comunidades indígenas da América Central, sendo levado por Jean Ni-
cot para a Europa no século XVI. O uso do tabaco esteve associado a com-
portamentos sociais que iam do glamour à rebeldia até a década de 1960,
quando começaram a surgir os primeiros relatórios relacionando seu consu-
mo ao adoecimento e, logo a seguir, ao desenvolvimento de dependência.
Considerado um dos maiores problemas de saúde pública da atualidade, o
consumo de tabaco é a principal causa de morte no mundo passível de pre-
venção, missão essa já assumida como prioritária nas políticas públicas de
vários países desenvolvidos.1
Nos últimos 20 anos, em virtude da comprovação de que o uso do tabaco
gera consequências fatais, como câncer, enfisema e doenças cardiovasculares,
muitos estudos têm sido realizados no intuito de encontrar soluções para esse
grave problema. Assim, torna-se necessário e imprescindível também desenvol-
ver uma forma sistemática de atualização do conhecimento dos profissionais
da saúde que atuam na porta de entrada de serviços básicos, pois, apesar das
inúmeras evidências, um quarto da população mundial ainda fuma.2
Dentre os diversos fatores que interferem na cessação do uso do tabaco, se
destaca a desconsideração, dos fumantes, pelo risco de adoecimento decorren-
te do hábito de fumar: 87% dos fumantes sabem que o cigarro faz mal à saúde,
mas apenas um pequeno percentual destes relata que faria uma tentativa de
parar de fumar no mês seguinte.3 Acredita-se que o fato de as consequências
na saúde serem observadas tardiamente na vida do indivíduo promova uma
latência longa, interferindo de modo significativo no efeito desse conhecimen-
to; os fumantes sabem dos malefícios do fumo, mas não assimilam os fatos
relacionados a seu consumo e permanecem fumando, só buscando assistência
de forma tardia. Dados da American Lung Association revelam que apenas 75%
dos fumantes acreditam que o uso do tabaco seja uma das causas do câncer de

Diehl.indd 127 3/11/2009 10:56:38


128 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

pulmão, sendo a aceitação da população geral (“tabagismo faz mal à saúde”)


maior que a individualizada (“tabagismo faz mal a minha saúde”).3,4 Diversos
estudos recentes têm comprovado que os fumantes apresentam um otimismo
irrealista a respeito dos efeitos nocivos do fumo para sua saúde.5,6,7
Por sua vez, estima-se que por volta de 80% dos fumantes nos Estados
Unidos desejem abandonar o hábito de fumar algum dia.8 Tradicionalmen-
te, a iniciativa de parar de fumar tem sido associada a alguns fatores como
a percepção das consequências do uso do tabaco na saúde e da decorrente
suscetibilidade a doenças e a percepção das atitudes disponíveis para redução
do risco de adoecimento, assim como dos custos e benefícios em tomar tais
atitudes.9 Em época mais recente, fatores como qualidade de vida e promoção
da saúde vêm sendo estudados e considerados capazes de motivar a mudança
de atitude quanto ao desejo de abandonar o consumo de tabaco.10,11
Ainda são escassas, em nosso meio, as informações acerca da influência
do perfil da qualidade de vida sobre o sucesso no tratamento do tabagismo.
Desse modo, para que se possa atingir o objetivo de reduzir o número de fu-
mantes, especificamente no Brasil, é necessário um conhecimento mais apro-
fundado dessa população, desde seus dados demográficos até o modo como
estruturam sua vida.12 A realização de projetos de prevenção permanentes
pode desencadear uma mudança de comportamento e percepção em jovens e
adultos, dando-lhes a oportunidade de uma opção responsável e, também, de
uma busca precoce por tratamento. O tratamento atualizado de indivíduos já
dependentes, no entanto, deve ser encarado como prioridade nacional.
A expectativa de vida de uma pessoa que fuma muito é 25% menor
que a de uma não fumante. Dentre as 25 doenças relacionadas ao hábito de
fumar, todas são causas de morte: doenças cardiovasculares (43%); câncer
(36%); doenças respiratórias (20%); outras (1%).13,14
O consumo de tabaco em geral começa na adolescência, e quanto mais
precoce o início, maior a gravidade da dependência e dos problemas a ela
associados.15 Assim, todos os indivíduos que chegam aos serviços de saúde
devem ser questionados quanto ao hábito de fumar,16 sendo que os fuman-
tes devem ser imediatamente aconselhados a interromper o uso de tabaco.17
Caso não seja possível um aconselhamento adequado, sugere-se encaminhá-los
para um serviço especializado.18
Outro aspecto importante é a idade média de início do consumo; antes
detectada entre 13 e 14 anos nos levantamentos nacionais, hoje atinge pú-
beres aos 12,5 anos.19 De acordo com dados do Ministério da Saúde, existem
atualmente no Brasil 30,6 milhões de fumantes, sendo que 90% iniciaram
seu uso entre os 5 e os 19 anos, totalizando 2,4 milhões de fumantes nessa
faixa etária. Fatores como falta de políticas públicas adequadas, baixo custo e
propaganda abundante do produto, maior poder aquisitivo da população em
geral, falta de cumprimento e fiscalização das leis, entre outros, parecem ter
influenciado essa alarmante prevalência.20

Diehl.indd 128 3/11/2009 10:56:38


Tratamentos farmacológicos para dependência química 129
O primeiro uso do cigarro é tipicamente marcado por efeitos desagra-
dáveis, como dor de cabeça, tonturas, nervosismo, insônia, tosse e náusea,
efeitos que diminuem com rapidez,21 possibilitando novas tentativas até que
se desenvolva tolerância à droga, estabelecendo assim um padrão particular
de consumo diário. Em um período curto de tempo de uso, que pode ser de
apenas alguns meses, alguns fumantes já começam a apresentar os primeiros
sintomas de uma síndrome de abstinência.22 Esses sintomas, assim como a
magnitude da síndrome, podem persistir por meses e, dependendo de sua
gravidade, são pouco tolerados.22,23
No entanto, a vulnerabilidade para dependência não está relacionada
apenas a idade. Sabe-se que o uso de drogas psicotrópicas entre adolescentes
declina com a idade, exceto no que diz respeito ao tabaco.24 Estima-se que
60% dos indivíduos que venham a fumar por mais de seis semanas continua­
rão fumando por mais 30 anos e que 30 a 50% das pessoas que começam a
fumar desenvolvem dependência.25
No Brasil, entre 1935 e 1985, o consumo de tabaco per capita triplicou
na população com 15 anos ou mais. Entre 1970 e 1986, a população brasi-
leira cresceu cerca de 49%, acompanhada de um crescimento de 132% no
consumo total de cigarros. Desde 1993 o Brasil é o maior exportador e tercei-
ro maior produtor mundial de tabaco, tornando-se o primeiro país, entre os
países em desenvolvimento, em que o total das doenças causadas pelo tabaco
ultrapassou o total das doenças de outra natureza nos registros de óbito.26
Avalia-se que 80 mil pessoas morram precocemente no Brasil devido ao uso
crônico do tabaco, número que vem aumentando a cada ano.
O hábito de fumar cigarros de tabaco promove situações de acentuada
morbidade, levando a altas taxas de absenteísmo no trabalho e consequente
redução da capacidade laborativa dos indivíduos em sua fase mais produtiva
da vida. Na cidade de São Paulo, por exemplo, o consumo diário de cigarros
atinge por volta de 20% da população.27
A maior concentração de fumantes encontra-se na faixa etária entre 20
e 49 anos.28,29 O I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotró-
picas no Brasil revelou que 50% da população brasileira acima dos 35 anos já
consumiu cigarro em algum momento da vida.30 Em comparação com outros
países, foi observado que o percentual de fumantes no Brasil é o mais eleva-
do, principalmente quando se focaliza a América Latina, sinalizando a neces-
sidade de uma intervenção urgente para a reversão desse cenário.

O tratamento hoje

O cigarro, assim como outras formas de uso do tabaco, é capaz de pro-


vocar dependência devido à presença da nicotina.31 Os processos farmacoló-
gicos e comportamentais que determinam a dependência de nicotina são si-

Diehl.indd 129 3/11/2009 10:56:39


130 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

milares aos que determinam a dependência de outras drogas, como a heroína


e a cocaína32.

Intervenções psicossociais

Inicialmente, intervenções psicossociais simples foram utilizadas para


o tratamento do hábito de fumar.33 O aconselhamento é a forma mais uti-
lizada no cuidado do fumante, fazendo parte da maioria dos protocolos até
hoje,34 e qualquer profissional com um treinamento mínimo pode aplicá-la.
O foco dessa intervenção está no desenvolvimento da empatia e do vínculo,
tão necessários na abordagem do dependente, e no aconselhando a cessar
o consumo. Nos serviços de atenção primária à saúde, essa intervenção tem
dois objetivos: orientar aqueles que desejam parar de fumar e motivar aque-
les que ainda não se decidiram.35 Essas sessões de aconselhamento podem ser
mínimas (3 minutos), de baixa intensidade (de 3 a 10 minutos) e intensivas
(de 10 a 30 minutos).36
A intervenção breve é outra forma de tratamento do fumante, contando
com uma estrutura mais sistematizada que o aconselhamento, porém man-
tendo o caráter simples e breve.37 Essa intervenção é composta de estratégias
comportamentais que visam alcançar a moderação ou a abstinência e que se
fundamentam em experiências já desenvolvidas em outros estudos – escalas e
questionários, assim como exames bioquímicos complementares – cujos resul-
tados são utilizados como estratégia para aumentar a percepção do problema.
Informações e recomendações claras e objetivas sobre o risco de complicações
também são discutidas.
A entrevista motivacional é outro recurso muito importante usado para
aumentar a percepção da responsabilidade pela mudança. As metas e as ta-
refas são articuladas de modo que o paciente execute e monitore seu de-
sempenho, aumentando sua percepção e aceitação do problema, pois muitas
vezes o usuário ainda se encontra pouco ou nada motivado para iniciar um
tratamento.38,39
Em todas as modalidades de tratamento, a abstinência é a meta mais
importante e também a mais difícil de ser atingida e mantida.40 A maioria dos
fumantes em tratamento recai em poucos dias. A abordagem de um dos sinto-
mas proeminentes da síndrome de abstinência, o craving, ou fissura, deve ser
cuidadosamente considerado, já que esse sintoma é tido como o maior obs-
táculo na tentativa de parar de fumar. Manejá-lo inclui explicar ao paciente o
que é a fissura, um processo autolimitado, mas que pode ser desencadeado a
qualquer momento e por diversos gatilhos.41 Saber detectar e evitar essas pis-
tas aumenta as chances de o paciente conseguir evitar, também, a recaída.42

Diehl.indd 130 3/11/2009 10:56:39


Tratamentos farmacológicos para dependência química 131
Intervenções farmacológicas

Os dois métodos de tratamento considerados de primeira linha são a


terapia de reposição de nicotina (TRN) e a terapia comportamental breve
em grupo.43 Os grupos de autoajuda, assim como outros medicamentos, são
considerados de segunda linha, mas podem ser alternativas ou coadjuvantes
eficazes. A associação desses recursos melhora a eficácia do tratamento.44,45
A TRN é a opção de tratamento na Inglaterra, e seu objetivo é aliviar
os sintomas da síndrome de abstinência da substância.46-48 Qualquer profis-
sional da saúde treinado pode aplicar a TRN para pacientes que consomem
mais de 10 cigarros/dia.49 Considerado um método seguro no tratamento
da dependência de nicotina, é o mais popular e menos dispendioso,50 e,
quando comparada com placebo, mostra-se a terapia mais eficaz, diminuin-
do a taxa de recaídas.51-53 A TRN deve ser acompanhada de aconselhamento
individual ou grupal,54-61 e o método composto tem produzido resultados
positivos quando aplicado em adultos sem outras comorbidades.62
A bupropiona é um tratamento de primeira linha nos Estados Unidos
e tem efeito direto sobre o craving, ou fissura,63 sendo indicada para adul-
tos que consomem 15 cigarros ou mais por dia. Para fumantes com depres-
são, essa indicação é ainda mais adequada.64 Vale destacar que a associação
entre a TRN e a bupropiona tem resultado em um aumento da efetivida-
de na cessação do uso do tabaco, quando comparada ao uso da bupropiona
isoladamente.65,66
A clonidina e a nortriptilina são consideradas intervenções de segunda
linha e indicadas para os pacientes que se tornaram inelegíveis ou não se be-
neficiaram do tratamento com bupropiona.67,68

Intervenções psicossociais e farmacoterápicas

A associação entre psicoterapia e farmacoterapia tem se mostrado a


intervenção mais eficaz.69 Conforme relatos anteriores, a terapia comporta-
mental em grupo e a TRN aparecem como a associação mais indicada no
tratamento do fumante.70
Materiais didáticos de autoajuda, aconselhamento por telefone e estraté-
gias motivacionais ajudam a melhorar a eficácia do tratamento.71 A utilização
de tratamentos alternativos, como acupuntura e hipnose, tem sido estudada,
mas os resultados ainda se mostram pouco efetivos.72 Se todas essas ações
falharem, será necessário encaminhar o paciente a um serviço especializado,
no qual uma abordagem mais intensiva deve ser indicada, com intervenções
mais estruturadas e associadas a outras medicações.73

Diehl.indd 131 3/11/2009 10:56:39


132 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Considerações finais

Uma nova linha de pesquisa, baseada na evidência de que, mesmo com


a aplicação das terapias de primeira e segunda linha, uma boa parte dos fu-
mantes recai e, portanto, precisa de mais recursos, vem sendo desenvolvida
sobre o estudo dos genótipos relacionados à dependência.73,74
A farmacogenética pretende parear o tipo de fumante com a melhor te-
rapêutica, propondo vários novos protocolos.75,76 O foco inicial dessa investi-
gação inclui a pesquisa sobre os mecanismos envolvidos com a bupropiona,77
na qual o gene CYP2B6, implicado no metabolismo da nicotina no cérebro
e que também modula a fissura, se mostrou promissor no tratamento.78,79
Outro gene, o SLC6A3, relacionado aos transportadores da dopamina e o re-
ceptor D2, determinante da hipersensibilidade aos estimulantes e aos efeitos
negativos da síndrome de abstinência, tem sido incluído nas abordagens.80,81
A venlafaxina também vem sendo aplicada nesses casos.82
Estudos farmacogenéticos envolvendo a TRN buscam a variação das vias
de reforço dopaminérgicas para definir diferentes tratamentos.83 Os resulta-
dos obtido revelam que, em fumantes nos quais a eficácia da TRN é baixa,
pode existir a alteração da enzima dopamina b-hidroxilase e do alelo A1 do
receptor D2. O papel do receptor m-opioide também está sendo investigado
em relação à resposta à TRN e à manutenção da abstinência.84,85
Levando em consideração esses avanços, novas medicações estão sendo
avaliadas e testadas no tratamento de diferentes pacientes, ­destacando-se o
baclofen, antagonista do receptor GABA B, a reboxetina, um inibidor da re­
captação de noradrenalina, e a mecamilamina, antagonista de receptor nico-
tínico.86-88 A varenciclina, um agonista parcial da nicotina (receptor a4b2); o
rimonabato, um antagonista canabinoide do receptor CB1, ambos com ação
na neurotransmissão dopaminérgica, e as vacinas são estratégias modernas
que se encontram em desenvolvimento.89-102
A elaboração de um arsenal terapêutico mais moderno, a partir de estu-
dos relacionados à genética da dependência, vem recebendo muitos investi-
mentos e tem se mostrado bastante promissora. No entanto, a integração das
informações, a educação continuada e as políticas públicas devem também
ser um foco importante dessa investigação, pois o transtorno por uso de-
pendente de substâncias psicotrópicas é um fenômeno complexo e necessita
de um amplo direcionamento de recursos humanos e financeiros voltados à
prevenção, com o objetivo claro de proteger crianças e jovens do resultado
previsível e devastador do consumo de tabaco por essa população nas próxi-
mas décadas.

Diehl.indd 132 3/11/2009 10:56:39


Tratamentos farmacológicos para dependência química 133
Referências

1. World Health Organization. Tobacco control country profiles. [monografia na internet].


Geneva: WHO; 2000. Disponível em: http://siteresources. worldbank.org/INTETC/
Resources/375990-1112106769274/Introduction.pdf.
2. World Health Organization. Building blocks for tobacco control: a handbook. [mono-
grafia na internet] Geneve: WHO; 2004. Disponível em: http://www.who.int/tobacco/
resources/publications/general/HANDBOOK%20Lowres%20with%20cover.pdf.
3. American Lung Association. Survey of attitudes toward smoking. New York: American
Lung Association; 1987.
4. Lichtenstein E, Bernstein DA. Cigarette smoking as indirect self-destructive behavior.
In: Farberow NL, ed. The many faces of suicide: indirect self-destructive behavior. New
York: McGraw Hill; 1980. p.243-53.
5. Ayanian JZ, Cleary P. Perceived risks of heart disease and cancer among cigarrette
smokers. JAMA. 1999 Mar 17;281(11):1019-21.
6. McKenna FP, Warburton DM, Winwood M. Exploring the limits of optimism: the case
of smokers’ decision making. Br J Psychol. 1993 Aug;84 (Pt 3):389-94.
7. Cummings KM. Tobacco risk perceptions and behavior: implications for tobacco control.
Nicotine Tob Res. 2004 Dec;6(Suppl 3):S285-8.
8. Kandell DB. Natural history of smoking and nicotine depedence. New York: Columbia
University; 2003.
9. Van Der Rijt GA, Westerik H. Social and cognitive factors contributing to the intention
to undergo a smoking cessation treatment. Addict Behav. 2004 Jan;29(1):191-8.
10. Patterson C, Feightner J. Promoting the health of senior citizens. CMAJ. 1997 Oct
15;157(8):1107-13.
11. Yach D, McKee M, Lopez AD, Novotny T. Improving diet and physical activity: 12
lessons from controlling tobacco smoking. BMJ. 2005 Apr 16;330(7496):898-900.
12. Gigliotti AP. Hábitos, atitudes e crenças de fumantes em quatro capitais brasileiras:
uma comparação com 17 países europeus [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade
Federal de São Paulo; 2002.
13. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Cigarette smoking among adults-
United States, 1993. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1994 Dec 23;43(50):925-30.
14. McNeill AD. The development of dependence on smoking in children. Br J Addict.
1991 May;86(5):589-92.
15. US Department of Health and Human Services. Preventing tobacco use among young
people: a report of the surgeon general. Rockville: Public Health Services, Centers for
Disease Control and Prevention; 1994.
16. Pine D, Sullivan S, Conn SA, David C. Promoting tobacco cessation in primary care
practice. Prim Care. 1999 Sep;26(3):591-610.
17. Danis PG, Seaton TL. Helping your patients to quit smoking. Am Fam Physician. 1997
Mar;55(4):1207-14, 1217-8.

Diehl.indd 133 3/11/2009 10:56:39


134 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

18. Heatherton TF, Kozlowski LT, Frecker RC, Fagerström KO. The fagerström test for ni-
cotine dependence: a revision of the fagerström tolerance questionnaire. Br J Addict.
1991 Sep;86(9):1119-27.
19. Galduróz JCF, Noto AR, Fonseca AM, Carlini EA. V Levantamento nacional sobre o
consumo de drogas entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública
de ensino nas 27 capitais brasileiras. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações so-
bre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (CEBRID/UNIFESP);
2004.
20. Food and Agriculture Organization of United Nations. Projections of tobacco produc-
tion, consumptiom and trade to the year 2010. Rome: FAO; 2003.
21. Perkins KA. Metabolic effects of cigarette smoking. J Appl Physiol. 1992 Feb;72(2):401-9.
22. Hughes JR, Gust SW, Skoog K, Keenan RM, Fenwick JW. Symptoms of tobacco withdra-
wal. A replication and extension. Arch Gen Psychiatry. 1991 Jan;48(1):52-9.
23. Cigarette smoking and health. American Thoracic Society. Am J Respir Crit Care Med.
1996 Feb;153(2):861-5.
24. Barton J. Young teenagers and smoking in 1997. A report of the key findings from the
teenage smoking attitudes survey carried out in england in 1997. London: Office for
National Statistics; 1998.
25. Everett SA, Warren CW, Sharp D, Kann L, Husten CG, Crossett LS. Initiation of cigarette
smoking and subsequent smoking behavior among U.S. high school students. Prev
Med. 1999 Nov;29(5):327-33.
26. Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN). Pesquisa nacional sobre saúde e
nutrição (PNSN). Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);
1989.
27. Galduróz JCF, Noto AR, Nappo AS, Carlini EA. I Levantamento domiciliar nacional
sobre o uso de drogas psicotrópicas. Parte A: estudo envolvendo as 24 maiores cidades
do Estado de São Paulo. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (CEBRID/UNIFESP); 1999.
28. Ministério da Saúde. Controle do tabagismo: um desafio. Rio de Janeiro: Instituto
Nacional de Câncer; 1991. p.12-3.
29. Lando HA, Thai DT, Murray DM, Robinson LA, Jeffery RW, Sherwood NE, et al. Age
of initiation, smoking patterns, and risk in a population of working adults. Prev Med.
1999 Dec;29(6 Pt 1):590-8.
30. Carlini E, Galduróz JCF, Noto AR, Nappo AS. I levantamento domiciliar sobre o uso de
drogas psicotrópicas no Brasil de 2001. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (CEBRID/UNIFESP);
2002.
31. Henningfield JE, Keenan RM. Nicotine delivery kinetics and abuse liability. J Consult
Clin Psychol. 1993 Oct;61(5):743-50.
32. Sargent PB. The diversity of neuronal nicotinic acetylcholine receptors. Annu Rev
Neurosci. 1993;16:403-43.
33. Fiore MC, Novotny TE, Pierce JP, Giovino GA, Hatziandreu EJ, Newcomb PA, et al.
Methods used to quit smoking in the United States. Do cessation programs help?. JAMA.
1990 May 23-30;263(20):2760-5. Erratum in: JAMA. 1991 Jan 16;265(3):358.
34. US Department of Health and Human Services. Public health service treating tobacco
use and dependence. Rockville: Public Health Services; 2000.

Diehl.indd 134 3/11/2009 10:56:39


Tratamentos farmacológicos para dependência química 135
35. Foulds J. Strategies for smoking cessation. Br Med Bull. 1996 Jan;52(1):157-73.
36. Silagy C. Physician advice for smoking cessation. Cochrane Database Syst Rev.
2000;(2):CD000165. Update in: Cochrane Database Syst Rev. 2001;(2):CD000165.
37. Fleming M, Manwell LB. Brief intervention in primary care settings. A primary tre-
atment method for at-risk, problem, and dependent drinkers. Alcohol Res Health.
1999;23(2):128-37.
38. Prochaska JO, Velicer WF, Prochaska JM, Johnson JL. Size, consistency, and stability
of stage effects for smoking cessation. Addict Behav. 2004 Jan;29(1):207-13.
39. Hurt RD. Treat tobacco dependence and “bend the trend”. Bull World Health Organ.
1999;77(5):367.
40. Kottke TE, Battista RN, DeFriese GH, Brekke ML. Attributes of successful smoking
cessation interventions in medical practice. A meta-analysis of 39 controlled trials.
JAMA. 1988 May 20;259(19):2883-9.
41. Tiffany ST, Drobes DJ. The development and initial validation of a questionnaire on
smoking urges. Br J Addict. 1991 Nov;86(11):1467-76.
42. Raw M, McNeill A, West R. Smoking Cessation Guidelines for Health Professionals-A
guide to effective smoking cessation interventions for the health care system. Thorax.
1998 Dec;53:S1-S18.
43. Foulds J, Stapleton J, Hayward M, Russell MA, Feyerabend C, Fleming T, et al.
Transdermal nicotine patches with low-intensity support to aid smoking cessation
in outpatients in a general hospital. A placebo-controlled trial. Arch Fam Med. 1993
Apr;2(4):417-23.
44. Benowitz NL. Nicotine replacement therapy. What has been accomplished-can we do
better?. Drugs. 1993 Feb;45(2):157-70. Erratum in: Drugs 1993 May;45(5):736.
45. Carpenter MJ, Hughes JR, Solomon LJ, Callas PW. Both smoking reduction with ni-
cotine replacement therapy and motivational advice increase future cessation among
smokers unmotivated to quit. J Consult Clin Psychol. 2004 Jun;72(3):371-81.
46. McNeill A, Raw M, Whybrow J, Bailey P. A national strategy for smoking cessation
treatment in England. Addiction. 2005 Apr;100(Suppl 2):1-11.
47. Raw M, McNeill A, Coleman T. Lessons from the English smoking treatment services.
Addiction. 2005 Apr;100(Suppl 2):84-91.
48. Hughes JR. Risk-benefit assessment of nicotine preparations in smoking cessation.
Drug Saf. 1993 Jan;8(1):49-56.
49. Benowitz NL. Toxicity of nicotine: implications with regard to nicotine replacement
therapy. In: Pomerleau OF, Pomerleau CS, Fagerstrom KO, Henningfield JE. Nicotine
replacement: a critical evaluation. New York: Alan R. Liss; 1988. p.187-217.
50. Silagy C, Mant D, Fowler G, Lodge M. Meta-analysis on efficacy of nicotine replacement
therapies in smoking cessation. Lancet. 1994 Jan 15;343(8890):139-42.
51. Fagerström KO, Schneider NG, Lunell E. Effectiveness of nicotine patch and nicotine
gum as individual versus combined treatments for tobacco withdrawal symptoms.
Psychopharmacology (Berl). 1993;111(3):271-7.
52. Fiore MC, Jorenby DE, Baker TB, Kenford SL. Tobacco dependence and the nicotine
patch. Clinical guidelines for effective use. JAMA. 1992 Nov 18;268(19):2687-94.
53. Dale LC, Hurt RD, Offord KP, Lawson GM, Croghan IT, Schroeder DR. High-dose ni-
cotine patch therapy. Percentage of replacement and smoking cessation. JAMA. 1995
Nov 1;274(17):1353-8.

Diehl.indd 135 3/11/2009 10:56:39


136 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

54. Stead LF, Davis RM, Fiore MC, Hatsukami DK, Raw M, West R. Effectiveness of over-
the-counter nicotine replacement therapy. JAMA. 2002 Dec 25;288(24):3109-
10.
55. Stapleton JA, Russell MA, Feyerabend C, Wiseman SM, Gustavsson G, Sawe U, et al.
Dose effects and predictors of outcome in a randomized trial of transdermal nicotine
patches in general practice. Addiction. 1995 Jan;90(1):31-42.
56. Henningfield JE. Do nicotine replacement medications work? A unique standard for
nicotine. Addiction. 1994 Apr;89(4):434-6; discussion 438-9.
57. Hurt RD, Offord KP, Lauger GG, Marusić Z, Fagerström KO, Enright PL, et al. Cessa-
tion of long-term nicotine gum use--a prospective, randomized trial. Addiction. 1995
Mar;90(3):407-13.
58. Alterman AI, Gariti P, Cook TG, Cnaan A. Nicodermal patch adherence and its corre-
lates. Drug Alcohol Depend. 1999 Jan 7;53(2):159-65.
59. Benowitz NL. Nicotine safety and toxicity. New York: Oxford University; 1998.
60. Cupples ME, McKnight A. Randomised controlled trial of health promotion
in general practice for patients at high cardiovascular risk. BMJ. 1994 Oct
15;309(6960):993-6.
61. Deagle EA 3rd, Berigan TR. Adding behavioral therapy to medication for smoking
cessation. JAMA. 1999 Jun 2;281(21):1983.
62. Covey LS. Tobacco cessation among patients with depression. Prim Care. 1999
Sep;26(3):691-706.
63. Goldstein MG. Bupropion sustained release and smoking cessation. J Clin Psychiatry.
1998;59 Suppl 4:66-72.
64. Hurt RD, Sachs DP, Glover ED, Offord KP, Johnston JA, Dale LC, et al. A comparison of
sustained-release bupropion and placebo for smoking cessation. N Engl J Med. 1997
Oct 23;337(17):1195-202.
65. Jorenby DE, Leischow SJ, Nides MA, Rennard SI, Johnston JA, Hughes AR, et al. A
controlled trial of sustained-release bupropion, a nicotine patch, or both for smoking
cessation. N Engl J Med. 1999 Mar 4;340(9):685-91.
66. Shiffman S, Johnston JA, Khayrallah M, Elash CA, Gwaltney CJ, Paty JA, et al. Evoniuk
G, DeVeaugh-Geiss J. The effect of bupropion on nicotine craving and withdrawal.
Psychopharmacology (Berl). 2000 Jan;148(1):33-40.
67. Humfleet G, Hall S, Reus V, Sees K, Mufloz R, Triffleman E. The efficacy of nortrptyli-
ne as na adjunct to psychological treatment for smokers with and aithout depressive
histories, in Problems of Drug Dependence. In: Adler M. NIDA Reseach Monograph.
Rockville: National Institute on Drug Abuse; 1996.
68. ughes JR, Stead LF, Lancaster T. Antidepressants for smoking cessation. Cochrane
Database Syst Rev. 2000;(4):CD000031. Update in: Cochrane Database Syst Rev.
2002;(1):CD000031.
69. Cinciripini PM, Cinciripini LG, Wallfisch A, Haque W, Van Vunakis H. Behavior therapy
and the transdermal nicotine patch: effects on cessation outcome, affect, and coping.
J Consult Clin Psychol. 1996 Apr;64(2):314-23.
70. Hughes JR. Combining behavioral therapy and pharmacotherapy for smoking cessa-
tion: an update. In: Onken LS, Blaine JD, Boren JJ. Integrating behavior therapy with
medication in the treatment of drug dependence (NIDA Research Monograph 150).
Rockville: National Institute on Drug Abuse; 1995. p.92-109.

Diehl.indd 136 3/11/2009 10:56:39


Tratamentos farmacológicos para dependência química 137
71. Reid RD, Pipe A, Dafoe WA. Is telephone counselling a useful addition to physician
advice and nicotine replacement therapy in helping patients to stop smoking? A ran-
domized controlled trial. CMAJ. 1999 Jun 1;160(11):1577-81.
72. Abbot NC, Stead LF, White AR, Barnes J, Ernst E. Hypnotherapy for smoking cessation.
Cochrane Database Syst Rev. 2000;(2):CD001008.
73. Pine D, Sullivan S, Conn SA, David C. Promoting tobacco cessation in primary care
practice. Prim Care. 1999 Sep;26(3):591-610.
74. Evans WE, Relling MV. Pharmacogenomics: translating functional genomics into rational
therapeutics. Science. 1999 Oct 15;286(5439):487-91.
75. Poolsup N, Li Wan Po A, Knight TL. Pharmacogenetics and psychopharmacotherapy.
J Clin Pharm Ther. 2000 Jun;25(3):197-220.
76. Lerman C, Niaura R. Applying genetic approaches to the treatment of icotine depen-
dence. Oncogene. 2002 Oct 21;21(48):7412-20.
77. Lerman C, Shields PG, Wileyto EP, Audrain J, Pinto A, Hawk L, et al. Pharmacogenetic
investigation of smoking cessation treatment. Pharmacogenetics. 2002 Nov;12(8):627-34.
78. Kirchheiner J, Klein C, Meineke I, Sasse J, Zanger UM, Mürdter TE, et al. Bupropion
and 4-OH-bupropion pharmacokinetics in relation to genetic polymorphisms in CYP2B6.
Pharmacogenetics. 2003 Oct;13(10):619-26.
79. Miksys S, Lerman C, Shields PG, Mash DC, Tyndale RF. Smoking, alcoholism and ge-
netic polymorphisms alter CYP2B6 levels in human brain. Neuropharmacology. 2003
Jul;45(1):122-32.
80. Fuke S, Suo S, Takahashi N, Koike H, Sasagawa N, Ishiura S. The VNTR polymorphism
of the human dopamine transporter (DAT1) gene affects gene expression. Pharmaco-
genomics J. 2001;1(2):152-6.
81. Heinz A, Goldman D, Jones DW, Palmour R, Hommer D, Gorey JG, et al. Genotype
influences in vivo dopamine transporter availability in human striatum. Neuropsycho-
pharmacology. 2000 Feb;22(2):133-9.
82. David SP, Niaura R, Papandonatos GD, Shadel WG, Burkholder GJ, Britt DM, et al.
Does the DRD2-Taq1 A polymorphism influence treatment response to bupropion
hydrochloride for reduction of the nicotine withdrawal syndrome?. Nicotine Tob Res.
2003 Dec;5(6):935-42.
83. Cinciripini P, Wetter D, Tomlinson G, Tsoh J, De Moor C, Cinciripini L, et al. The effects
of the DRD2 polymorphism on smoking cessation and negative affect: evidence for a
pharmacogenetic effect on mood. Nicotine Tob Res. 2004 Apr;6(2):229-39.
84. Balfour DJ. Neuroplasticity within the mesoaccumbens dopamine system and its role in
tobacco dependence. Curr Drug Targets CNS Neurol Disord. 2002 Aug;1(4):413-21.
85. Lerman C, Wileyto EP, Patterson F, Rukstalis M, Audrain-McGovern J, Restine S, et al.
The functional mu opioid receptor (OPRM1) Asn40Asp variant predicts short-term
response to nicotine replacement therapy in a clinical trial. Pharmacogenomics J.
2004;4(3):184-92.
86. Paterson NE, Froestl W, Markou A. The GABAB receptor agonists baclofen and
CGP44532 decreased nicotine self-administration in the rat. Psychopharmacology
(Berl). 2004 Mar;172(2):179-86.
87. Fattore L, Cossu G, Martellotta MC, Fratta W. Baclofen antagonizes intravenous
self-administration of nicotine in mice and rats. Alcohol Alcohol. 2002 Sep-
Oct;37(5):495-8.

Diehl.indd 137 3/11/2009 10:56:39


138 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

88. auhut AS, Mullins SN, Dwoskin LP, Bardo MT. Reboxetine: attenuation of intravenous
nicotine self-administration in rats. J Pharmacol Exp Ther. 2002 Nov;303(2):664-
72.
89. Cohen C, Perrault G, Voltz C, Steinberg R, Soubrié P. SR141716, a central cannabinoid
(CB(1)) receptor antagonist, blocks the motivational and dopamine-releasing effects
of nicotine in rats. Behav Pharmacol. 2002 Sep;13(5-6):451-63.
90. Balerio GN, Aso E, Maldonado R. Role of the cannabinoid system in the effects indu-
ced by nicotine on anxiety-like behaviour in mice. Psychopharmacology (Berl). 2006
Mar;184(3-4):504-13.
91. Camarelles Guillem F. [Medication for ending tobacco dependency. Current state].
Aten Primaria. 2005 Jun 30;36(2):62-3.
92. Cerny EH, Lévy R, Mauel J, Mpandi M, Mutter M, Henzelin-Nkubana C, et al. Preclinical
development of a vaccine ‘against smoking’. Onkologie. 2002 Oct;25(5):406-11.
93. Coe JW, Brooks PR, Vetelino MG, Wirtz MC, Arnold EP, Huang J, et al. Varenicline: an
alpha4beta2 nicotinic receptor partial agonist for smoking cessation. J Med Chem.
2005 May 19;48(10):3474-7.
94. de Villiers SH, Lindblom N, Kalayanov G, Gordon S, Malmerfelt A, Johansson AM, et
al. Active immunization against nicotine suppresses nicotine-induced dopamine release
in the rat nucleus accumbens shell. Respiration. 2002;69(3):247-53.
95. Fagerström K, Balfour DJ. Neuropharmacology and potential efficacy of new treatments
for tobacco dependence. Expert Opin Investig Drugs. 2006 Feb;15(2):107-16.
96. Henningfield JE, Fant RV, Buchhalter AR, Stitzer ML. Pharmacotherapy for nicotine
dependence. CA Cancer J Clin. 2005 Sep-Oct;55(5):281-99; quiz 322-3, 325. 96.
97. Kuehn BM. Could a novel vaccine help smokers quit?. JAMA. 2005 Aug 24;294(8):891-
2.
98. Kuehn BM. FDA speeds smoking cessation drug review. JAMA. 2006 Feb 8;295(6):614.
99. Le Houezec J. Why a nicotine vaccine?. Clin Pharmacol Ther. 2005 Nov;78(5):453-
5.
100. Maldonado R, Valverde O, Berrendero F. Involvement of the endocannabinoid system
in drug addiction. Trends Neurosci. 2006 Apr;29(4):225-32.
101. Pentel P, Malin D. A vaccine for nicotine dependence: targeting the drug rather than
the brain. Respiration. 2002;69(3):193-7.
102. Vocci FJ, Chiang CN. Vaccines against nicotine: how effective are they likely to be in
preventing smoking?. CNS Drugs. 2001;15(7):505-14.

Diehl.indd 138 3/11/2009 10:56:39


TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
SÍNDROME DE DEPENDÊNCIA
DE NICOTINA
8
Fumo porque sou burro!
Alessandra Diehl

“Fumo porque sou burro!”... “Ele queria que soubessem que morreu
porque fumava...” (esposa do ator).
Paulo Autran (O Senhor dos Palcos – 1922-2007)
Folha de São Paulo, 2007

Será que o renomado ator teria realmente sido “burro” como se auto-
denominou? Ou teria sido apenas uma vítima de diversos fatores correla-
cionados, como publicidade agressiva, incentivo sociocultural de uma época
na qual fumar era extremamente glamoroso, baixos preços do cigarro, falta
de informação sobre os malefícios dessa droga, não existência de uma polí-
tica de ambiente livre de tabaco, tabagismo passivo, genética familiar, neu-
rotransmissores de dopamina ou seus receptores nicotínicos e seu sistema
mesolímbico? O fato é que o ator tinha uma doença chamada dependência
de nicotina, que foi incorporada como doença mental tanto na Classificação
Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS),
como nos critérios diagnósticos da American Psychiatric Association.1
O tabagismo é indubitavelmente um grave problema de saúde pública.
A OMS estima que um terço da população adulta mundial (cerca de 1,2 bi-
lhão de pessoas) seja fumante. O tabagismo é uma pandemia considerada a
segunda principal causa mundial de morte, sendo responsável pela morte de
1 a cada 10 adultos no mundo (de 5 milhões de mortes a cada ano).1
Dados do II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotró-
picas, realizado nas 108 maiores cidades do País em 2005, revelam que, no
Brasil, 44% da população faz uso do tabaco ao longo da vida, taxa inferior
aos Estados Unidos (67,3%) e ao Chile (72%), e a dependência de nicotina
atinge 10,1%.2

Diehl.indd 139 3/11/2009 10:56:40


140 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Acredita-se que metade das pessoas que fumam hoje em dia morrerá em
decorrência de alguma doença relacionada ao tabaco. Se os padrões atuais
de tabagismo permanecerem, antes de 2030 teremos cerca de 10 milhões de
mortes a cada ano.3,4
As intervenções para o abandono do uso de tabaco ainda não estão to-
talmente integradas à rotina dos serviços de saúde. A falta de estratégias de
integração, de tempo disponível para ações mais específicas de tratamento e
mesmo a falsa crença dos profissionais da saúde de que tratamentos para de-
pendência de nicotina são pouco eficazes são algumas das barreiras para a rea-
lização do tratamento.5 Muitos fumantes desconhecem ou subestimam os mé-
todos existentes para interromper o tabagismo. Assim, a desinformação pode
também representar uma importante barreira na busca por tratamento.6
Cerca de 70% dos tabagistas desejam parar de fumar, mas apenas 30%
fazem pelo menos uma tentativa por ano.4 Sabe-se, hoje, que indivíduos que
buscam auxílio profissional para interromper o hábito de fumar conseguem
manter sua abstinência pelo menos duas vezes mais do que aqueles que ten-
tam parar de fumar sem ajuda profissional.7
Da mesma forma que outras dependências, a de nicotina é uma pa-
tologia crônica, de caráter progressivo e com possibilidades de recaída. O
processo da dependência envolve fatores ambientais, biológicos e psicológi-
cos.1,7 Os fatores não farmacológicos são importantes para a determinação de
problemas relacionados ao uso do tabaco, assim como sua prevalência, mas
são os fatores farmacológicos que definem a tolerância e a dependência da
substância.7
A identificação da dependência de nicotina como um transtorno mental
e o crescente conhecimento de sua neurobiologia levaram ao desenvolvimen-
to, sobretudo nas últimas duas décadas, de terapias farmacológicas para essa
doença. A importância dos medicamentos no tratamento do tabagismo tem
aumentado consideravelmente e, nos dias atuais, os diferentes fármacos exis-
tentes desempenham papel fundamental na abordagem da maioria dos pa-
cientes, sendo recomendados sempre que não houver contraindicações para
seu uso.7
Os fumantes fumam por razões distintas, bem como consomem quanti-
dades diferentes de nicotina, experimentam sintomas de abstinência particu-
lares e são diferentes em diversos aspectos, como idade, presença de comorbi-
dades clínicas ou psiquiátricas, grau de educação, nível socioeconômico, en-
tre outros; daí a importância de tratamentos individualizados. É fundamental
para o sucesso do tratamento que o paciente tenha expectativas adequadas
e que também não recorra a tratamentos que já fracassaram em tentativas
anteriores. Recomenda-se discutir com o paciente as opções terapêuticas dis-
poníveis, esclarecendo suas vantagens e desvantagens, aumentando assim as
chances de adesão e sucesso terapêutico.8

Diehl.indd 140 3/11/2009 10:56:40


Tratamentos farmacológicos para dependência química 141
Neurobiologia da nicotina

A nicotina é o componente bioativo do fumo do tabaco, ou seja, a subs-


tância determinante do reforço positivo da conduta de fumar observada tanto
em modelos animais quanto em humanos. Esse efeito reforçador da nicotina
ocorre devido à estimulação de receptores específicos localizados no siste-
ma mesolímbico cerebral,4 sendo, portanto, um agonista dos receptores ni-
cotínicos (rAch-N). Os rAch-Ns pré-sinápticos atuam de modo a aumentar
a liberação de vários neurotransmissores. Esses receptores são pentâmeros
compostos por diferentes combinações de cadeias de polipeptídeos, denomi-
nadas subunidades α e β (ver Figura 8.1).No sistema nervoso central (SNC),
12 subunidades dos rAch-N foram clonadas e denominadas: α2 a α10 e β2
a β4. Em geral, os receptores são formados por diferentes combinações das

Detalhes da ação da nicotina

Córtex
pré-frontal
Neurônio de
glicose
Neurônio
Nicotina ativa de acetilcolina
indiretamente
Área a liberação de
tegmental dopamina
ventral

Nicotina ativa Nicotina


diretamente dessensibiliza
Neurônio
dopaminér- a liberação
gico da área de dopamina
tegmental
ventral

Interneurônio
GABA
α7
α4β2
glu
GABA
Acetilcolina
Dopamina

Figura 8.1
Ação da nicotina no sistema de recompensa.9

Diehl.indd 141 3/11/2009 10:56:40


142 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

subunidades α e β, contudo as subunidades α7, α8 e α9 podem formar recep-


tores nicotínicos compostos por uma única subunidade, ou seja, receptores
homoméricos. Dessas três subunidades, apenas a α7 é amplamente distribu-
ída no SNC.1
A nicotina apresenta alta afinidade pelo receptor do subtipo α4β2, distri-
buído de forma abundante no SNC. Assim, esse receptor é considerado o princi-
pal responsável pela mediação das propriedades psicoativas da nicotina. O uso
crônico de nicotina causa aumento do número de receptores α4β2, promove a
liberação de dopamina no nucleus acumbens e na zona tegmental ventral, que
gera sensações prazerosas aos fumantes, ao mesmo tempo em que parece estar
relacionado ao desenvolvimento dos sinais de abstinência do tabaco.1,4
Os receptores α7, localizados nos terminais pré-sinápticos glutamatér-
gicos, têm sido alvo de grande interesse nos últimos anos, uma vez que pa-
recem estar envolvidos nos efeitos reforçadores da nicotina, bem como nos
processos de neuroplasticidade induzidos por essa substância.1

Tratamentos farmacológicos não nicotínicos

Antidepressivos

A relação observada entre a dependência de nicotina e a precipitação


de sintomas depressivos durante a síndrome de abstinência da droga, ou
transtornos maiores do humor tais como a depressão, dá respaldo ao uso de
medicações antidepressivas como uma farmacoterapia eficaz no tratamento
do tabagismo.10,11 Além disso, alguns medicamentos antidepressivos podem
atuar de forma específica sob vias neurotransmissoras que participam dos
mesmos mecanismos da adição da nicotina.4,10

Bupropiona
Antidepressivo lançado nos Estados Unidos em 1989, a bupropiona é
comercializada no Brasil com os nomes de Zyban® (Laboratório GlaxoSmi-
thkline), Wellbutrin® e Zetron® e apresentada na forma de comprimidos de
150 mg, de liberação lenta.
Em geral, é indicada aos tabagistas que consomem 15 ou mais cigarros/
dia ou apresentam sintomas depressivos.5

Mecanismo de ação
Atua na inibição da recaptação de dopamina e noradrenalina, não apre-
sentando efeito serotonérgico, histamínico, adrenérgico ou muscarínico, o

Diehl.indd 142 3/11/2009 10:56:40


Tratamentos farmacológicos para dependência química 143
que explica a ausência de efeitos colaterais, como disfunção sexual, sonolên-
cia e ganho de peso.1,12 Sabe-se que a bupropiona exerce sua inibição mais
intensamente nos transportadores de dopamina, sendo sua ação mínima nos
receptores pós-sinápticos. Entretanto, esse fármaco também é inibidor não
competitivo dos receptores da acetilcolina.1

Efeitos colaterais

Os mais comuns são: sintomas gastrintestinais, rash cutâneo, cefaleia,


insônia e xerostomia (boca seca).11

Contraindicações

As principais contraindicações são: paciente com epilepsia, tumor cere-


bral, acidente vascular cerebral ou história de crises convulsivas, mesmo em
decorrência de abstinência complicada pelo álcool, uma vez que essa medica-
ção tende a diminuir o limiar convulsivo.11
O risco de convulsão associado ao uso de doses de até 300 mg/dia, na
apresentação de liberação prolongada (slow release), é da ordem de 0,1%
(1/1.000) quando da exposição crônica ao produto (em média 8 semanas).
É importante destacar que esse risco pode aumentar em até 10 vezes no caso
do uso de doses entre 450 e 600 mg/dia. No entanto, o risco pode ser minimi­
zado evitando-se fatores predisponentes, como história patológica pregressa
de epilepsia ou de traumatismo craniano, neoplasia do SNC ou, ainda, diabe-
te melito.12,13

Orientações clínicas

Os pacientes devem iniciar a medicação na dosagem de 150 mg/dia,


após o café da manhã, sete dias antes do chamado “dia D” (destinado a parar
de fumar), visto que os níveis plasmáticos da droga são atingidos em uma
semana após o início do uso. A interrupção do cigarro pode ser programada
para a segunda semana de tratamento com bupropiona. Depois desse perío-
do, recomenda-se aumentar a dose para 300 mg/dia (2 comprimidos ao dia),
sendo a ingestão do segundo comprimido programada para não muito além
das 16 horas a fim de evitar possível insônia.1
O tratamento deve ser seguido por até 12 semanas. Se o paciente não
apresentar progresso significativo até a sétima semana, é improvável que
consiga parar de fumar somente com o antidepressivo. Nesse caso, deve-se
considerar uma associação com outros métodos, como a terapia de reposição

Diehl.indd 143 3/11/2009 10:56:41


144 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

de nicotina (TRN). A associação de métodos é indicada sempre que a monote-


rapia fracassar e quando não houver contraindicações para tal associação.14

Nortriptilina

Antidepressivo tricíclico bastante conhecido e amplamente utilizado des-


de 1960, é comercializado com o nome de Pamelor® e apresentado na forma
de cápsulas de 10, 25, 50 e 75 mg.12 A nortriptilina apresenta algumas van-
tagens terapêuticas quando comparada a outros antidepressivos tricíclicos,
como baixa incidência de efeitos colaterais colinérgicos, mínima estimulação
noturna, baixa incidência de hipotensão ortostática e risco diminuído de cri-
ses convulsivas. Dentre os antidepressivos tricíclicos existentes, a nortriptilina
é o que menos apresenta efeitos colaterais, possuindo um melhor índice de
aceitação na população idosa.15

Orientações clínicas

Antes de iniciar a medicação, é importante a realização de um eletrocar-


diograma (ECG) para descartar patologias da condução cardíaca.
As doses terapêuticas para tratamento do tabagismo variam de 50 a
100 mg/dia. O tratamento deve ser iniciado com um comprimido de 25 mg,
aumentando a dose em 25 mg a cada dois dias. Deve-se aguardar 4 semanas
até que se atinjam níveis plasmáticos constantes, quando, então, se orienta o
paciente a parar de fumar.8

Efeitos colaterais

– Xerostomia (boca seca): deve ser contornada com pequenos e frequen-


tes goles de água. Gomas de mascar açucaradas devem ser evitadas.
Recomenda-se uma revisão dentária a cada 3 meses.
– Constipação: pode ser controlada com uma dieta rica em fibras como
farelo de trigo, que não engorda e facilita o trânsito intestinal. Laranjas
com o bagaço também são muito úteis e saudáveis.
– Aumento do apetite e consequente ganho de peso: pessoas com ten-
dência a engordar devem ficar atentas a essa questão. Recomenda-se
a prática de atividade física.
– Visão borrada: deve ser contornado com a diminuição da dose da
medicação. Não é indicado o uso de colírios nesse caso.
– Diminuição da libido: ocorre proporcionalmente à dose adminis-
trada.

Diehl.indd 144 3/11/2009 10:56:41


Tratamentos farmacológicos para dependência química 145
Efeitos colaterais gerais, como dores de cabeça, tonturas, zumbidos,
queda da pressão arterial ao levantar-se e mesmo alterações do ritmo cardía-
co em pessoas com problemas prévios, podem acontecer, no entanto, tendem
a desaparecer quando a medicação é suspensa e geralmente melhoram com
a redução da dose.8

Contraindicações
Essa medicação não deve ser usada nas seguintes situações: pacientes
com glaucoma de ângulo fechado, durante o primeiro trimestre de gestação
ou durante a amamentação e em quadros de reação alérgica a antidepressivos
tricíclicos.

Situações que exigem cuidados especiais

Pacientes com arritmias cardíacas, hipertireoidismo e insuficiência he-


pática, em uso de tranilcipromina (Parnate®) ou de outros inibidores irrever-
síveis da MAO e pacientes epiléticos.8

Evidência científica dos antidepressivos no tratamento do tabagismo

Entre os diversos antidepressivos (bupropiona, doxepina, fluoxetina,


imipramina, moclobemida, nortriptilina, paroxetina, sertralina, triptofano e
venlafaxina) já avaliados para o tratamento do tabagismo, a bupropiona e a
nortriptilina foram os que mostraram melhores resultados dentre os 53 en-
saios clínicos incluídos na revisão sistemática da Colaboração Cochrane con-
duzida por Hughes e colaboradores.10
A utilização dessas medicações foi acompanhada de um aumento nas
taxas de abstinência em 1 ano de seguimento, tanto para a bupropiona (razão
de chances [OR] 1,94 IC95% 1,72-2,19) quanto para a nortriptilina ([OR]
2,34 IC95% 1,61-3,41).4,10 Sugere-se, também, o uso da bupropiona em as-
sociação com a TRN. Estudos demonstram que a bupropiona sozinha (30%),
ou em combinação com o adesivo de nicotina (35%), foi significativamente
mais eficaz, após 1 ano de seguimento, do que apenas o adesivo (16%) ou o
placebo (16%).11

Vareniclina

O tartarato de vareniclina é um medicamento relativamente novo, lan-


çado no Reino Unido e nos Estados Unidos no final de 2006, para tratamento

Diehl.indd 145 3/11/2009 10:56:41


146 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

do tabagismo.16 No Brasil, é comercializado com o nome de Champix® (La-


boratório Pfizer) e apresentado na forma de comprimidos de 0,5 e 1 mg, com
três kits (início do tratamento, manutenção e reforço).16
Trata-se de um agonista parcial de receptores nicotínicos α4β2 cerebrais
que auxiliam na diminuição tanto da fissura quanto dos sinais e sintomas da
síndrome de abstinência da droga.16 Seu mecanismo de ação está ilustrado
na Figura 8.2.

Orientações clínicas

O paciente deve, primeiro, fixar o “dia D” para deixar de fumar. A admi-


nistração da vareniclina deve começar 1 semana antes dessa data, com dose

Ações da vareniclina no
circuito de recompensa

Córtex
pré-frontal
glu neuron
Neurônio
de acetilcolina

Área
tegmental
ventral

Neurônio vareniclina
vareniclina
dopaminér-
gico da área
tegmental
ventral

Interneurônio
GABA
α7
α4β2
glu
GABA
Acetilcolina
Dopamina

Figura 8.2
Ação da vareniclina no sistema de recompensa cerebral.9

Diehl.indd 146 3/11/2009 10:56:41


Tratamentos farmacológicos para dependência química 147
inicial de 1 comprimido de 0,5 mg por dia, durante 3 dias, passando para 1
comprimido de 0,5 mg 2 vezes ao dia, nos 4 dias seguintes. Em seguida, a
posologia passa para 1 comprimido de 1 mg 2 vezes ao dia, até o fim do tra-
tamento (12 semanas). A dose pode ser reduzida para 0,5 mg 2 vezes ao dia
caso o paciente não tolere a dose de 1 mg 2 vezes ao dia.
Para pacientes com problemas renais graves, a dose da medicação deve
ser de 1 mg, 1 vez ao dia. Para os que conseguirem deixar de fumar ao fim das
12 semanas, aconselha-se uma manutenção de 12 semanas, podendo igual-
mente haver uma suspensão progressiva do medicamento. Os comprimidos
devem ser ingeridos sempre após as refeições.17

Efeitos colaterais

O principal efeito colateral dessa medicação é a presença de náuseas.


Outros efeitos menos comuns são cefaleia, insônia e sonhos anormais.

Contraindicações

A vareniclina é contraindicada em casos de hipersensibilidade conheci-


da à droga ou de pacientes menores de 18 anos.17

Evidência científica da vareniclina no tratamento do tabagismo

Até o momento, existem pelo menos seis ensaios clínicos que revelam
aumento nas taxas de abstinência com o uso da vareniclina no tratamento da
dependência de nicotina, sendo que, em alguns desses estudos, se observa
também uma superioridade da vareniclina quando comparada à bupropiona
e ao placebo (ver Figura 8.3). O total das amostras foi de 4.924 pacientes,
sendo que 2.451 utilizaram a vareniclina. Em geral, a razão de chances de se
manter abstinente depois de 12 meses de tratamento com a vareniclina é de
3,22 (IC 95% 2,43-4,27), quando comparada ao placebo.4,18-20
Em uma revisão sistemática conduzida por Cahill e colaboradores,20 os
autores concluem que existe necessidade de mais ensaios clínicos indepen-
dentes analisando a vareniclina versus placebo a fim de testar os achados
iniciais. Também são necessárias comparações com terapias de substituição
de nicotina e de ensaios clínicos adicionais com a bupropiona a fim de me-
lhor estabelecer a eficácia relativa dos tratamentos20. Observar na Figura
8.3 a razão de chances de diferentes modalidades de tratamento para taba-
gismo.

Diehl.indd 147 3/11/2009 10:56:41


148 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Figura 8.3
Razão de chances para alcançar a abstinência de nicotina em médio e longo prazo, segundo
diferentes modalidades de tratamento para o tabagismo.4 TRN = Terapia de reposição de
nicotina.

Tratamentos farmacológicos com nicotina

Uma das justificativas da TRN para interromper o hábito de fumar é


que, apesar de a nicotina ser o principal reforçador desse hábito, as inúmeras
substâncias encontradas no cigarro são ainda mais danosas que a própria ni-
cotina.1 A outra justificativa é a possibilidade de atenuar os sinais e sintomas
da síndrome de abstinência da nicotina causados pela súbita supressão da
substância.4
A prevalência de abuso ou dependência dos produtos atualmente usa-
dos na TRN é nula (adesivo) ou muito baixa (< 10% goma, spray nasal e
inalador). É provável que a ocorrência de dependência seja maior com o uso
de produtos que liberam nicotina de forma rápida, mas menor do que com
cigarros. Mesmo que ocorra dependência, existe probabilidade de que, ainda
assim, haja benefício global para a saúde se o sujeito deixar de fumar.21
A opção por uma modalidade de TRN depende basicamente da esco-
lha do paciente, da rota de administração e do perfil dos efeitos colaterais
esperados,11 não havendo necessidade de prescrição para comprar a medi-
cação.

Diehl.indd 148 3/11/2009 10:56:41


Tratamentos farmacológicos para dependência química 149
Existem diferentes espécies de produtos para reposição de nicotina:
goma de mascar, adesivos transdérmicos, dispositivos de inalação de nicotina
(spray e aerossol), dropes ou pastilhas de nicotina e comprimidos sublinguais.
Os mais encontrados e utilizados são a goma de mascar e os adesivos.1,4 A
versão pastilha foi apenas recentemente lançada no Brasil pelo laboratório
GlaxoSmith Kleine.
Todos os tipos de tratamento com TRN são eficazes e bem tolerados
pelos pacientes a médio prazo, podendo ser utilizados em associação com ou-
tros tratamentos, como é o caso do adesivo e da goma de mascar.4,21 Pacientes
que utilizam TRN apresentam 1,5 a 2 vezes mais chances de conseguir parar
de fumar.11
Refrigerantes, bebidas ácidas, café e sucos devem ser evitados logo após
ou durante o uso de TRN por haver chances de a absorção da terapêutica ser
prejudicada.11

Adesivo de nicotina

Comercializado com o nome de Niquitin®, apresenta-se em forma de


adesivos de 21, 14 e 7 mg.1,12 O mecanismo de ação ocorre via S-nicotina,
presente no adesivo, que, ao alcançar a circulação sistêmica, age nos recep-
tores colinérgicos nicotínicos no sistema nervoso central e periférico. Desse
modo, os sintomas de abstinência e a fissura pelo cigarro são reduzidos em
curto prazo, evitando recaídas mediante liberação lenta e contínua de nicoti-
na na corrente sanguínea.1

Orientações clínicas

Os adesivos são utilizados de forma individualizada, de acordo com o caso


e grau de dependência de cada paciente. Em geral, inicia-se com um adesivo de
maior apresentação, trocado diariamente, reduzindo a dose de forma progres-
siva em 6 a 12 semanas.11 Deve-se fixar o adesivo em uma região protegida do
sol, com rodízio a cada 24 horas, e evitar áreas com pelos ou a região mamária.
Costuma-se recomendar a afixação na parte externa do braço.1,11

Precauções

O paciente deve ser orientado quanto ao uso concomitante de cigarro e


adesivo, o que pode gerar uma intoxicação nicotínica, caracterizada por náusea,
cefaleia, salivação, palidez, vômito, dor abdominal, diarreia, sudorese, fraque-
za, confusão mental e, até mesmo, insuficiência respiratória e convulsões.1,12

Diehl.indd 149 3/11/2009 10:56:41


150 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Efeitos colaterais

No local da aplicação podem ocorrer reações cutâneas irritativas, como


prurido, rash, bolhas e eritema infiltrativo, além de náuseas, vômitos, hiper-
salivação, diarreia, insônia e sonhos vívidos.1,11,12

Contraindicações

Pacientes com cardiopatias, como os portadores de arritmias cardíacas


e infarto agudo do miocárdio recente (IAM), aqueles com acidente vascular
cerebral (AVC), gestantes, lactantes e crianças.12

Gomas de nicotina

Comercializada com o nome de Nicorette® (natural, menta, freshmint),


a goma mastigável de nicotina tem apresentações de 2 e 4 mg; uma de suas
principais características é o sabor em geral desagradável. Doses altas (acima
de 4 mg) são mais eficazes em fumantes com maior dependência de nicotina.
A dose média diária é de 8 a 12 gomas, com consumo por até 3 meses, quan-
do deve ser iniciada a retirada gradual do medicamento.11
A absorção ocorre pela mucosa oral, com ação rápida, não contínua e em
picos. O paciente é orientado a mascar a goma por 30 minutos, ­utilizando-a
nos picos da fissura e após insucesso das habilidades de enfrentamento.14

Efeitos colaterais

Hipersalivação, náuseas, ulceração nas gengivas e amolecimento den-


tário.12

Contraindicações

Prótese mal-ajustada, adolescentes, gestantes, lactantes, acidente car-


diovascular recente, angina de peito, arritmias graves, insuficiência arterial
periférica, feocromocitoma, úlcera gastroduodenal e hipertensão.12,14

Importante

Há pouca evidência científica sobre combinações de diferentes tipos de


TRN, não sendo possível, até o momento, afirmar se a associação de diferen-

Diehl.indd 150 3/11/2009 10:56:42


Tratamentos farmacológicos para dependência química 151
tes formas de TRN ao adesivo de nicotina aumentariam as taxas de sucesso do
tratamento. Devido a relatos de pacientes que evoluíram para dependência
da goma, essa estratégia isolada não é recomendada.21

Pastilhas de nicotina

Comercializadas no Brasil com o nome de Niquitin® (GlaxoSmithkline),


em duas versões sabor menta e apresentações de 2 e 4 mg, as pastilhas de
nicotina devem ser usadas por 12 semanas com o objetivo de minimizar os
sintomas decorrentes da abstinência de nicotina, ajudando no controle do
desejo de fumar durante o dia.
Diferentemente da goma, apresentam prescrição fixa: em geral, orienta-
-se o paciente a utilizar uma pastilha de 1 em 1 hora ou de 2 em 2 horas da
1a à 6a semana de tratamento. Após esse período, utilizar uma pastilha de
2 em 2 horas ou de 4 em 4 horas da 7a a 10a semana. Na terceira etapa, a
prescrição pode ser de uma pastilha de 4 em 4 horas ou de 8 em 8 horas até
a 12a semana.22

Outras modalidades terapêuticas

Antagonistas opioides

A justificativa para o emprego dos antagonistas opioides no tratamento


do tabagismo deve-se ao relato de efeitos positivos e reforçadores de prazer,
de aumento do estado de alerta, de relaxamento e de alívio de ansiedade ao
fumar de forma contínua.23
Até o momento, os dados disponíveis são limitados e provenientes de
uma metanálise que incluiu quatro ensaios clínicos (total de 582 fumantes)
que avaliaram a naltrexona (Revia®) versus placebo no tratamento do taba-
gismo, mas sem apresentar evidências de que a medicação seja realmente
eficaz para o fim proposto.4,23

Bloqueadores de receptores endocanabinoides

O sistema endocanabinoide modula a neurotransmissão sináptica cen-


tral e periférica, fazendo parte de vias cerebrais relacionadas ao desenvolvi-
mento de condutas aditivas e à regulação central do peso e do tecido adiposo
corporal.
Estudos de fase III com o rimonabanto (Acomplia® 20mg) apresentaram
eficácia dessa medicação no tratamento da obesidade, diminuição do apetite

Diehl.indd 151 3/11/2009 10:56:42


152 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

e da dislipidemia, evitando o aumento de peso que costuma seguir a interrup-


ção do uso de cigarros, o que sugere alguma utilidade desse medicamento no
tratamento do tabagismo.4,20
O rimonabanto (Acomplia® 20 mg) pertence a um grupo de substâncias
que age bloqueando receptores endocanabinoides do tipo CB1 e consequen-
temente produz efeitos de recompensa e prazer, similares aos observados no
reforço positivo do hábito de fumar, que ocorrem pelo turnover da dopamina
no nucleus acumbens após a estimulação nicotínica.1,4
Estudos pré-clínicos em animais sugerem que a medicação reduza a au-
toadministração de nicotina. O Acomplia®, produzido pelo laboratório Sano-
fi-Aventis, foi estudado em pelo menos três ensaios clínicos, com uma amos-
tra de 1.567 pacientes, e os resultados mostram, após 1 ano de tratamento,
OR de 1,61 (IC95% 1,12-2,30) na dose de 20 mg/dia; porém, as evidências
da sua atuação na manutenção da abstinência ainda não são conclusivas.20
Há, também, preocupação com relação ao aumento das taxas de depressão
e pensamentos suicidas em pessoas que estavam usando rimonabanto para
controle de peso.20

Efeitos colaterais

Náuseas, infecção do trato respiratório, prejuízo renal moderado.1

Contraindicação

Pacientes com mais de 75 anos, portadores de epilepsia, usuários de


inibidores da CYP3A4 (p. ex., ritonavir e nefazodona), problemas hereditá-
rios raros de intolerância à galactose, pacientes com depressão (com ideação
suicida e/ou em uso de medicação antidepressiva), evento cardiovascular há
menos de 6 meses, lactentes e gestantes.24,25
Devido a relatos de vários casos nos quais houve aumento de ideação
suicida e do risco de suicídio em pacientes usando rimonabanto, em novem-
bro de 2008 a medicação foi suspensa no Brasil pela ANVISA.

Clonidina

Agente agonista dos receptores adrenérgicos a-2, a clonidina é bastante


utilizada no tratamento da hipertensão arterial sistêmica. Devido a sua atuação
no SNC, acredita-se que esse medicamento possa auxiliar na redução dos sinto-
mas de abstinência de várias dependências, incluindo a de nicotina.4

Diehl.indd 152 3/11/2009 10:56:42


Tratamentos farmacológicos para dependência química 153
A clonidina (Atensina®, Boehringer Ingelheim, ou Clonesina®, Teuto
Brasileiro) tem sido utilizada na dose de 0,1 mg via oral até 0,75 mg/dia,
para aliviar sintomas da síndrome de abstinência, como ansiedade, irritabili-
dade, cansaço e fissura.5 As apresentações mais comuns são em comprimidos
de 0,10, 0,15 e 0,20 mg.
Estudos revelam que o emprego desse medicamento pode ser útil no tra-
tamento do tabagismo aumentando as taxas de abstinência OR: 1,89 (IC95%
1,30-2,74). No entanto, seu uso é acompanhado de uma elevada taxa de pre-
valência de efeitos colaterais relacionados à dosagem, como boca seca e seda-
ção, que muitas vezes limitam sua utilização e/ou a adesão ao tratamento.4

Vacinas

Até o momento, avaliações de três vacinas para nicotina completaram


ensaios clínicos de fase I e II: Nic VAX, CYT002-NicOb e TA-NIC. As taxas de
abandono do hábito de fumar após 1 ano de tratamento com a vacina TA-
NIC foi superior às apresentadas pelo grupo-placebo (38 versus 8%); resulta-
dos significativos também foram observados com a vacina NicOb (57 versus
31%).11
Os compostos até então estudados mostram adequada tolerância e efi-
cácia, mas os aumentos dos títulos de anticorpos provocados pelo tratamento
mostram variações muito amplas e de curta duração entre os indivíduos.4,14

Metoxissaleno

O metoxissaleno (Nicogen®) atua por meio da desaceleração do me-


tabolismo da nicotina, que permanece elevada por mais tempo na corrente
sanguínea, reduzindo assim a compulsão por fumar. Esse medicamento inibe
a enzima que codifica o CYP2A6, cujos portadores apresentam metabolismo
rápido da nicotina inalada (60 a 80%). Foi observada diminuição do consumo
e do monóxido de carbono do ar expirado.14

Acetato de prata

O acetato de prata tem sido comercializado em diferentes formas (goma


de mascar, pastilha e aerossol) com o objetivo de diminuir a fissura pelo ci-
garro por meio da associação a um estímulo desprazível: produz um sabor de-
sagradável na boca quando o tabagista tenta fumar, provocando dessa forma
um estímulo de caráter aversivo.

Diehl.indd 153 3/11/2009 10:56:42


154 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Os ensaios clínicos existentes mostram poucas evidências que indiquem


um efeito específico do acetato de prata no abandono do hábito de fumar.
A ausência de um efeito dessa substância pode refletir uma baixa adesão ao
tratamento, cuja base racional é criar um estímulo desagradável.26

Considerações finais

Fagerström27 já chamava atenção para a necessidade de desenvolver


mais estudos controlados e randomizados, com ensaios clínicos duplos-cegos,
amostras maiores, maior tempo de avaliação e instrumentos mais específicos
de análise, no sentido de discernir grupos de gravidade e diferenciar trata-
mentos na população em geral.7
No entanto, o aumento da eficácia e da manutenção da abstinência em
longo prazo permanecem ainda como desafios para futuros estudos em far-
macoterapia e intervenções psicológicas na dependência de nicotina.7,28

Referências

1. Focchi GRA, Malbegier A, Ferreira MP. Tabagismo: dos fundamentos ao tratamento.


São Paulo: Lemos Editorial; 2006.
2. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. II Levantamento domiciliar sobre o
uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do
país. São Paulo: Páginas & Letras; 2005.
3. Instituto Nacional do Câncer (INCA). [Homepage na internet]. [capturado 2007 dez
30]; Disponível em: http://www.inca.gov.br/.
4. Regalado-Pineda J, Lara-Rivas G, Osio-Echánove J, Ramírez-Venegas A. Current tre-
atment for smoking. Salud Publica Mex. 2007;49(Suppl 2):S270-S9.
5. Marques ACR, Campana A, Gigliotti AP, Lourenço MTL, Ferreira MP, Laranjeira
R. Consenso sobre o tratamento da dependência de nicotina. Rev Bras Psiquiatr.
2001;23(4):200-14.
6. Hammond D, McDonald PW, Fong GT, Borland R. Do smokers know how to quit? Kno-
wledge and perceived effectiveness of cessation assistance as predictors of cessation
behaviour. Addiction. 2004 Aug;99(8):1042-8.
7. Focchi GRA, Braun IM. Tratamento farmacológico do tabagismo. Rev Psiquiatric Clin.
2005 Out;32(5):267-75.
8. Laranjeira R, Gigliotti A. Tratamento da dependência de nicotina. Psiquiatria na Prática
Médica (UNIFESP/EPM) [Periódico online]. 2000 Jan-Mar [Capturado 2008 Maio 08];
33(1): Disponível em: http://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/atu1_02.htm.
9. Stahl SM. Stahl’s essential psychopharmacology: neuroscientific basis and practical
aplications. 3rd. ed. Cambridge: Cambridge University; 2008. p.1117.
10. Hughes JR, Stead LF, Lancaster T. Antidepressants for smoking cessation. Cochrane
Database Syst Rev. 2007 Jan 24;(1):CD000031.

Diehl.indd 154 3/11/2009 10:56:42


Tratamentos farmacológicos para dependência química 155
11. Gardner TJ, Kosten TR. Therapeutic options and challenges for substances of abuse.
Dialogues Clin Neurosci. 2007;9(4):431-45.
12. Cordioli AV. Psicofármacos: consulta rápida. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2005.
13. Balbani APS, Montovani JC. Métodos para abandono do tabagismo e tratamento da
dependência da nicotina. Rev Bras Otorrinolaringol. 2005 nov/dez;71(6):820-7.
14. Araujo AJ, Menezes AMB, Dórea AJPS, Torres BS, Viegas CAA, Silva CAR, et al. Dire-
trizes para cessação do tabagismo. J Bras Pneumol. 2004 Aug;30 Suppl 2:S1-S76.
15. da Costa CL, Younes RN, Lourenço MT. Stopping smoking: a prospective, ran-
domized, double-blind study comparing nortriptyline to placebo. Chest. 2002
Aug;122(2):403-8.
16. US Food and Drug Administration. FDA approves novel medication for smoking cessa-
tion. [Comunicado na internet]. 2006 May 11. Disponível em: http://www.fda.gov/
bbs/topics/NEWS/2006/NEW01370.html.
17. Chantix: varenicline tablets. [Homepage na internet]. Pfizer News Releases; c2007-
2009 [atualizada em 2009 Mar 2; acesso em 2009 May 4]. Disponível em: http://
www.chantix.com.
18. Jorenby DE, Hays JT, Rigotti NA, Azoulay S, Watsky EJ, Williams KE, et al. Efficacy of
varenicline, an alpha4beta2 nicotinic acetylcholine receptor partial agonist, vs placebo
or sustained-release bupropion for smoking cessation: a randomized controlled trial.
JAMA. 2006 Jul 5;296(1):56-63. Erratum in: JAMA. 2006 Sep 20;296(11):1355.
19. Gonzales D, Rennard SI, Nides M, Oncken C, Azoulay S, Billing CB, et al. Varenicline,
an alpha4beta2 nicotinic acetylcholine receptor partial agonist, vs sustained-release
bupropion and placebo for smoking cessation: a randomized controlled trial. JAMA.
2006 Jul 5;296(1):47-55.
20. Cahill K, Ussher M. Cannabinoid type 1 receptor antagonists (rimonabant) for smoking
cessation. Cochrane Database Syst Rev. 2007 Oct 17;(4):CD005353.
21. Treatobacco.net, Society for Research on Nicotine and Tobacco, Global Cancer Control
(UICC). [Homepage na internet]. [capturado 2008 Jan 05]; Disponível em: http://
www.treatobacco.net.
22. Shiffman S, Dresler CM, Hajek P, Gilburt SJ, Targett DA, Strahs KR. Efficacy of a nicotine
lozenge for smoking cessation. Arch Intern Med. 2002 Jun 10;162(11):1267-76.
23. David S, Lancaster T, Stead LF, Evins AE. Opioid antagonists for smoking cessation.
Cochrane Database Syst Rev. 2006 Oct 18;(4):CD003086.
24. Anthenelli RM, Depres J-P. Effects of rimonabant in the reduction of major cardiovas-
cular risk factors. Results from the STRATUS-US Trial (smoking cessation in smokers
motivated to quit) and the RIO-LIPIDS Trial (weight reducing and metabolic effects
in overweight/obese patients with dyslipidemia. New Orleans: American College of
Cardiology Annual Scientific Session; 2004.
25. Sanofi aventis: because health matters. [Homepage na internet]. Disponível em: http://
www.sanofi-aventis.com.
26. Lancaster T, Stead LF. Acetato de plata para dejar de fumar. Cochrane Database Syst
Rev. 1997 May 21;(1):CD000191.
27. Fagerström KO, Schneider NG. Measuring nicotine dependence: a review of the Fa-
gerstrom Tolerance Questionnaire. J Behavioral Med. 1989 Apr;12(2):159-182.
28. Presman S, Carneiro E, Gigliotti A. Tratamentos não farmacológicos para o tabagismo.
Rev Psiq Clin. 2005;32(5):267-75.

Diehl.indd 155 3/11/2009 10:56:42


156 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Leituras recomendadas

American Cancer Society. Cancer drug guide: varenicline. [Comunicado na internet]. 2008 Jan
19. Disponível em: http://www.cancer.org/docroot/CDG/content/CDG_Varenicline.asp.
Cahill K, Stead LF, Lancaster T. Nicotine receptor partial agonists for smoking cessation.
Cochrane Database Syst Rev. 2008 Jul 16;(3):CD006103.
Etter JF, Duc TV, Perneger TV. Validity of the Fagerström test for nicotine dependence
and of the Heaviness of Smoking Index among relatively light smokers. Addiction. 1999
Feb;94(2):269-81.
Fiore MC, Bailey WC, Cohen SJ, Dorfman SF, Goldstein MG, Gritz ER, et al. Treating tobacco
use and dependence: clinical practice guideline. Washington: US Department of Health and
Human Services; 2000.
Focchi GRA, Braun IM. Tratamento farmacológico do tabagismo. Rev Psiquiatric Clín. 2005
Out;32(5):267-75.
Grimshaw GM, Stanton A. Tobacco cessation interventions for young people. Cochrane
Database Syst Rev. 2006 Oct 18;(4):CD003289.
Laranjeira R, Ferreira MP. Como criar um hospital livre de cigarros. Rev Ass Med Brasil.
1997;43(2):169-72.
Malbergier A, Oliveira Jr HP. Dependência de tabaco e comorbidade psiquiátrica. Rev Psiq
Clín. 2005 Set-Out;32(5):276-82.
Malcon M, Menezes AMB. Tabagismo na adolescência. Pediatria (São Paulo). 2002;24(3/4):
81-2.
Marques ACR, Laranjeira RR. Tratando a dependência de nicotina. J Bras Med. 2006
Out;91(4):18-42.
Stead LF, Bergson G, Lancaster T. Physician advice for smoking cessation. Cochrane Database
Syst Rev. 2008 Apr 16;(2):CD000165.
Tonstad S, Tønnesen P, Hajek P, Williams KE, Billing CB, Reeves KR, et al. Effect of mainte-
nance therapy with varenicline on smoking cessation: a randomized controlled trial. JAMA.
2006 Jul 5;296(1):64-71.

Diehl.indd 156 3/11/2009 10:56:42


TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO
DO TABAGISMO EM
POPULAÇÕES ESPECIAIS
9
A importância do pareamento
no tratamento do tabagismo
Alessandra Diehl
Ana Cecília Petta Roselli Marques

A taxa de prevalência de fumantes entre indivíduos com transtornos


mentais e do comportamento, assim como em determinadas populações es-
peciais (p. ex., adolescentes, gestantes) é muito alta. No entanto, progra-
mas de tratamento do tabagismo têm apresentado baixa eficácia nessas
populações,1-3 e várias são as barreiras para a implementação do tratamento,
como falsas crenças sobre a dificuldade de cessar a nicotina, quando compa-
radas à descontinuação de drogas “mais pesadas”, falta de treinamento das
equipes de saúde para lidar com esse grave problema de saúde pública, entre
outras.1,4-6
Os dados existentes sugerem que a aplicação de intervenções para ces-
sação do tabagismo em pacientes em tratamento para o uso/abuso e depen-
dência de outras substâncias psicotrópicas é eficaz e parece não interferir
na abstinência do álcool ou das drogas ilícitas.1,7 Ao contrário, as pesquisas
mostram que a cessação do uso do tabaco não altera a abstinência do álcool
e pode, até mesmo, aumentar a probabilidade de abstinência a longo prazo,
sobretudo se iniciada precocemente e em conjunto com as demais drogas de
abuso.1,6
Contudo, mais estudos são necessários nessa área para que se possa
determinar quais intervenções são de fato eficazes em populações com mor-
bidades psiquiátricas e uso/abuso de substâncias.1,8-10
Apesar da identificação dos subgrupos de indivíduos mais vulneráveis
a adotar o hábito do uso crônico do tabaco, não se tem observado esforços
significativos de prevenção nessas populações-alvo.5

Diehl.indd 157 3/11/2009 10:56:42


158 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

A integração de múltiplas intervenções é recomendada,1,4,9 uma vez


que é evidente a eficácia das terapias de reposição de nicotina (TRN) tan-
to no tratamento da dependência quanto da abstinência do tabaco. Infe-
lizmente, tais intervenções não satisfazem as necessidades de todos os
usuários de nicotina. Espera-se que novos e velhos agentes farmacológicos
venham responder à necessidade de pareamento do tratamento para o
tabagismo nessas populações.11 Para tanto, abordaremos neste capítulo
aspectos do tratamento da dependência de nicotina em algumas popula-
ções específicas.

Gestantes

A dependência de nicotina durante a gravidez é um fator de risco tanto


para a mãe quanto para o feto. Os efeitos adversos de fumar durante a gesta-
ção incluem abortos espontâneos, nascimentos prematuros e recém-nascidos
de baixo peso.12
Possato e colaboradores13 estudaram gestantes fumantes e encontraram
uma associação entre a satisfação do fumar e a culpa pelos malefícios para
sua própria saúde e a do bebê, assim como referências de abordagens míni-
mas para a cessação, o que denota uma necessidade de intervenções mais
intensivas e específicas para essa população.
Um estudo cego, randomizado, conduzido na Dinamarca em 2001, re-
velou uma taxa muito baixa de cessação do uso do tabaco durante a gravidez
entre as mães que usaram adesivo de nicotina como método de tratamento,
o mesmo sendo observado entre aquelas que utilizaram placebo. Dados pre-
liminares sugerem que mulheres que não conseguem deixar de fumar depois
do primeiro trimestre de gravidez seriam as metabolizadoras rápidas de ni-
cotina, e talvez seja esse um dos mecanismos para seu insucesso na tentativa
de cessação.14
Pesquisas sobre intervenções que auxiliem gestantes fumantes na ces-
sação são imprescindíveis. Um passo importante nessa área seria examinar o
potencial de eficácia da TRN, visto que os potenciais benefícios dessa inter-
venção em mulheres grávidas ainda são desconhecidos.15

Adolescentes

Um terço da população mundial com 15 anos de idade ou mais é fuman-


te. Cerca de 9 em cada 10 fumantes iniciaram o hábito antes dos 18 anos, e
acredita-se que 90% dos fumantes adultos se tornam dependentes da nicotina
até os 19 anos.16

Diehl.indd 158 3/11/2009 10:56:43


Tratamentos farmacológicos para dependência química 159
A indústria do cigarro, conhecedora do potencial dessa população como
mercado consumidor, direciona uma grande parte de suas estratégias de
­marketing para essa faixa etária, assim como para as mulheres.17
Em pesquisa realizada no Rio Grande do Sul, em 2000, o percentual de
fumantes entre os adolescentes foi de 12% e a prevalência de tabagismo entre
17 e 19 anos foi de 26%. Em outros países da América do Sul, a prevalência
de tabagismo na adolescência gira em torno de 30%.18
O uso do tabaco em idade precoce tem implicações importantes em lon-
go prazo para a saúde individual e coletiva. Na população adolescente, o
grupo terapêutico é indicado, pois a dificuldade em parar de fumar é a mes-
ma apresentada pela população adulta. A intenção de parar de fumar é fator
preditivo de cessação em adultos, mas o mesmo parece não ocorrer em rela-
ção aos adolescentes, que buscam tratamento com menos frequência, recaem
mais que os adultos e apresentam baixa adesão e efetividade.4
Existem poucos ensaios clínicos com evidências sobre as intervenções
farmacológicas (TRN e bupropiona) para fumantes adolescentes.19-24 Apesar
dos permanentes esforços em ampliar estratégias de tratamento, nenhuma
pesquisa, até o momento, conseguiu demonstrar uma eficácia consistente
para essa população.25

Pacientes com esquizofrenia

A dependência de nicotina é a comorbidade mais comum entre pacien-


tes esquizofrênicos, com taxas de ocorrência variando entre 50 e 90%.26 Além
disso, esses pacientes apresentam taxas mais altas de dependência quando
comparados à população em geral, assim como apresentam maiores dificul-
dades em interromper o hábito de fumar.27-29 Apesar dessas constatações,
observa-se que poucos são os estudos controlados avaliando intervenções te-
rapêuticas nessa população usando grupos-controle.27 Poucos são também os
serviços que implementaram um programa de ambiente livre de cigarro em
enfermarias nas quais estão internados pacientes psiquiátricos, assim como
nos ambulatórios de saúde mental.
As medicações comumente disponíveis para tratar o tabagismo (como
bupropiona e TRN) parecem suscitar resultados favoráveis, embora modes-
tos.30 No entanto, existem evidências de que a clozapina (Leponex®) possa
ajudar pacientes esquizofrênicos a parar de fumar.29,31,32 Já a mecamilamina
(antagonista dos receptores de acetilcolina nicotina [nAChR]) demonstrou
pouca eficácia em um estudo comparando a administração desse medica-
mento em 27 esquizofrênicos fumantes, na dose de 0,5 ou 1,0 mg/dia, com
um grupo-controle (26 participantes) de não esquizofrênicos tabagistas, não
apresentando resultados favoráveis.27

Diehl.indd 159 3/11/2009 10:56:43


160 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Pacientes com depressão

É conhecida a forte associação entre depressão e tabagismo, assim como


as propriedades antidepressivas da nicotina,10 sendo a bupropiona (Zyban®)
uma das indicações mais eficazes para fumantes com depressão.33
As tentativas de parar de fumar são frequentemente complicadas por
sintomas de disforia/depressão, ganho de peso, fissura e outros sintomas de
síndrome de abstinência de nicotina. Alguns autores sugerem a fluoxetina
(Prosac®), um anorexígeno, antidepressivo e com propriedades de controlar
a compulsão, para o tratamento.34 Já a paroxetina (Aropax®) tem sido reco-
mendada para indivíduos deprimidos com níveis altos de 3-metoxi-4-hidroxi-
fenilglicol (MHPG) plasmático.35 O topiramato (Topamax®) também aparece
em relatos preliminares como uma das novas possibilidades no tratamento,
de modo especial em pacientes com depressão grave.36

Pacientes dependentes de álcool

A dependência da nicotina está relacionada ao aumento do consumo


de álcool e de outras substâncias. Estudos apontam que fumantes são mais
propensos a consumir bebidas alcoólicas, assim como os indivíduos consu-
midores de álcool são mais propensos a fumar.8 Portanto, existe uma alta as­
sociação entre dependência de álcool e dependência de nicotina.
Quando comparada a outras dependências, a dependência de nicotina
associada à de álcool é mais grave, possuindo um curso não favorável tanto
isolada quanto em associação. O mesmo se aplica às sequelas das duas de-
pendências, que envolvem a saúde física e as funções cognitivas. As possíveis
causas biológicas para essa alta comorbidade são:

1. um efeito recompensador aditivo por meio do consumo combinado;


2. uma interação da substância com impacto na ativação e no meta-
bolismo dos receptores, resultando na redução dos efeitos adversos
agudos do álcool;
3. uma disposição genética combinada para ambos os hábitos.37

Os programas de cessação para dependentes de álcool são menos eficazes


quando comparados a fumantes sem problemas ou dependência do álcool. Es-
tudos nessa área têm utilizado as mesmas estratégias terapêuticas já conhe-
cidas para o tratamento-padrão da dependência de nicotina. O topiramato
(Topamax®)38 e a naltrexona (Revia®)39-41 são alternativas, mas ainda não
existem evidências suficientes para sua recomendação.
Certamente ainda são necessárias estratégias adaptadas de maneira es-
pecífica para pacientes com essas duas dependências.37

Diehl.indd 160 3/11/2009 10:56:43


Tratamentos farmacológicos para dependência química 161
Pacientes hospitalizados

A internação hospitalar oferece uma excelente oportunidade de ajudar


pessoas a cessar o consumo do tabaco. Indivíduos podem estar mais aber-
tos a receber ajuda no momento em que sua vulnerabilidade é percebida e,
por conseguinte, podem acreditar que é mais fácil deixar de fumar em um
ambiente no qual o fumo é restrito ou proibido. Serviços que oferecem abor-
dagens de cessação já no início de uma hospitalização têm mais chances de
ajudar pessoas a interromper o hábito de fumar, assim como de sustentar a
manutenção da abstinência.42
Intervenções comportamentais de alta intensidade, que começam du-
rante uma permanência hospitalar e incluem pelo menos um mês de contato
reforçador após a alta, são mais eficazes em promover a cessação do tabagis-
mo entre pacientes de ambientes hospitalares do que as terapias breves ou de
baixa intensidade.42
Contudo, não há evidência suficiente para concluirmos que a associa-
ção de TRN ou bupropiona ao aconselhamento intensivo de fato aumente as
taxas de cessação quando comparadas ao aconselhamento sozinho, embora
haja clara evidência do benefício da TRN e da bupropiona no tratamento do
tabagismo.42

Pacientes com doenças crônicas

Muitos tratamentos inovadores e eficazes para a cessação do tabagismo,


tanto de caráter comportamental quanto farmacológico, têm sido desenvolvi-
dos nas últimas décadas. Porém, estes são tradicionalmente delineados para
uso em populações de fumantes saudáveis. Esforços para projetar e avaliar
intervenções de cessação de tabagismo em doentes crônicos (p. ex., HIV/
AIDS, doença cardiovascular, doença pulmonar obstrutiva crônica e câncer)
ainda são raros na literatura.43
Estudos sugerem que intervenções para prevenir a recaída nesse público
devem ter como alvo os pacientes que ainda aguardam a cirurgia para deixar
de fumar e devem ser mantidas depois da cirurgia, pois 50% dos pacientes
com câncer do pulmão voltam a fumar depois da cirurgia, sendo que a maio-
ria dos lapsos iniciais acontece no período de 2 meses, sobretudo naqueles
com maior craving.44,45

Idosos

Os idosos também representam um grupo que certamente merece aten-


ção em programas de cessação. Estudos randomizados e controlados demons-

Diehl.indd 161 3/11/2009 10:56:43


162 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

tram que intervenções terapêuticas, como a TRN e a terapia comportamental,


são eficazes também em idosos.17 Os medicamentos que costumam ser uti-
lizados para tratamento do tabagismo são indicados nessa população, salvo
para pacientes renais e hepáticos crônicos.

Considerações finais

A superação do conhecimento de respostas para um pareamento


(­ matching) eficaz no tratamento do tabagismo, assim como de algumas inabi-
lidades em traduzir e comunicar os resultados das pesquisas à população em
geral, provavelmente conduzirá ao desenvolvimento de melhores programas
para cessação do tabagismo e, logo, a melhores taxas de adesão e manuten-
ção da abstinência do tabaco.

Referências

1. Hall SM. Nicotine interventions with comorbid populations. Am J Prev Med. 2007
Dec;33(6 Suppl):S406-13.
2. Moeller-Saxone K. Cigarette smoking and interest in quitting among consumers at a
Psychiatric Disability Rehabilitation and Support Service in Victoria. Aust N Z J Public
Health. 2008 Oct;32(5):479-81.
3. Salín-Pascual RJ, Alcocer-Castillejos NV, Alejo-Galarza G. Nicotine dependence and
psychiatric disorders. Rev Invest Clin. 2003 Nov-Dec;55(6):677-93.
4. Marques ACPR, Campana A, Gigliotti AP, Lourenço MTL, Ferreira MP, Laranjeira R. Consenso
sobre o tratamento da dependência de nicotina. Rev Bras Psiq. 2001;23(4):200-14.
5. van Schayck OC, Pinnock H, Ostrem A, Litt J, Tomlins R, Williams S, et al. IPCRG
Consensus statement: tackling the smoking epidemic – practical guidance for primary
care. Prim Care Respir J. 2008 Sep;17(3):185-93.
6. Gulliver SB, Kamholz BW, Helstrom AW. Smoking cessation and alcohol abstinence:
what do the data tell us? Alcohol Res Health. 2006;29(3):208-12.
7. Grant KM, Kelley SS, Smith LM, Agrawal S, Meyer JR, Romberger DJ. Bupropion and
nicotine patch as smoking cessation aids in alcoholics. Alcohol. 2007 Aug;41(5):381-91.
8. Malbergier A, Oliveira Jr HP. Dependência de tabaco e comorbidade psiquiátrica. Rev
Psiq Clín. 2005 Set-Out;32(5):276-82.
9. Ranney L, Melvin C, Lux L, McClain E, Lohr KN. Systematic review: smoking cessation
intervention strategies for adults and adults special populations. Ann Intern Med. 2006
Dec 5;145(11):845-56.
10. Fakhfakh R, Lagrue G. Depression, tobacco dependence and nicotine. Arch Inst Pasteur
Tunis. 2002;79(1-4):65-72.
11. Buchhalter AR, Fant RV, Henningfield JE. Novel pharmacological approaches for treating
tobacco dependence and withdrawal current status. Drugs. 2008;68(8):1067-88.
12. Jauniaux E, Burton GJ. Morphological and biological effects of maternal exposure to
tobacco smoke on the feto-placental unit. Early Hum Dev. 2007 Nov;83(11):699-706.

Diehl.indd 162 3/11/2009 10:56:43


Tratamentos farmacológicos para dependência química 163
13. Possato M, Parada CMGL, Tonete VLP. Representação de gestantes tabagistas sobre o
uso do cigarro: estudo realizado em hospital do interior paulista. Rev Esc Enferm USP.
2007;41(3):434-40.
14. Koren G. Nicotine replacement therapy during pregnancy. Can Fam Physician. 2001
Oct;47:1971-2.
15. Pollak KI, Oncken CA, Lipkus IM, Peterson BL, Swamy GK, Pletsch PK, et al. Challenges
and solutions for recruiting pregnant smokers into a nicotine replacement therapy
trial. Nicotine Tob Res. 2006 Aug;8(4):547-54.
16. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Atenção à Saúde. Instituto Nacional do
Câncer. Deixando de fumar sem mistérios: como vencer os obstáculos para permanecer
sem fumar. 2. ed. Rio de Janeiro: INCA, 2004.
17. Focchi GRA, Malbegier A, Ferreira MPF. Tabagismo: dos fundamentos ao tratamento.
São Paulo: Lemos Editorial; 2006.
18. Malcon M, Menezes AMB. Tabagismo na adolescência. Pediatria (São Paulo). 2002;
24(3/4):81-2.
19. Robinson ML, Schroeder JR, Moolchan ET. Adolescent smokers screened for a nicotine
replacement treatment trial: correlates of eligibility and enrollment. Nicotine Tob Res.
2006 Jun;8(3):447-54.
20. Moolchan ET, Robinson ML, Ernst M, Cadet JL, Pickworth WB, Heishman SJ, et al.
Safety and efficacy of the nicotine patch and gum for the treatment of adolescent tobacco
addiction. Pediatrics. 2005 Apr;115(4):e407-14.
21. Niederhofer H, Huber M. Bupropion may support psychosocial treatment of nicotine
dependent adolescents: preliminary results. Pharmacotherapy. 2004 Nov;24(11):1524-
8.
22. Killen JD, Robinson TN, Ammerman S, Hayward C, Rogers J, Stone C, et al. Rando-
mized clinical trial of the efficacy of bupropiona combined with nicotine patch in the
treatment of adolescent smokers. J Consult Clin Psychol. 2004 Aug;72(4):729-35.
23. Stotts RC, Roberson PK, Hanna EY, Jones SK, Smith CK. A randomized clinical trial
of nicotine for treatment of spit tobacco addiction among adolescents. Tob Control.
2003 Dec;12(Suppl 4):IV11-5.
24. Hanson K, Allen S, Jensen S, Hatsukami D. Treatment of adolescent smokers with the
nicotine patch. Nicotine Tob Res. 2003 Aug;5(4):515-26.
25. Grimshaw GM, Stanton A. Tobacco cessation interventions for young people. Cochrane
Database Syst Rev. 2006 Oct 18;(4):CD003289.
26. Chaves L, Shirakawa I. Nicotine use in patients with schizophrenia evaluated by the
Fagerström Tolerance Questionnaire: a descriptive analysis from a Brazilian sample.
Rev Bras Psiquiatr. 2008 Dec;30(4):350-2.
27. Weinberger AH, Sacco KA, Creeden CL, Vessicchio JC, Jatlow PI, George TP. Effects of
acute abstinence, reinstatement, and mecamylamine on biochemical and behavioral
measures of cigarette smoking in schizophrenia. Schizophr Res. 2007 Mar;91(1-3):217-
25.
28. de Leon J, Diaz FJ. A meta-analyses of world-studies demonstrates and association
between schizophrenia and tobacco smoking behaviors. Schizophr Res. 2005 Jul
15;76(2-3):135-57.
29. Williams JM, Foulds J. Successful tobacco dependence treatment in schizophrenia.
Am J Psychiatry. 2007 Feb;164(2):222-7; quiz 373.

Diehl.indd 163 3/11/2009 10:56:43


164 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

30. Evins AE, Deckersbach T, Cather C, Freudenreich O, Culhane MA, Henderson DC, et
al. Independent effects of tobacco abstinence and bupropiona on cognitive function
in schizophrenia. J Clin Psychiatry. 2005 Sep;66(9):1184-90.
31. McEvoy J, Freudenreich O, McGee M, VanderZwaag C, Levin E, Rose J. Clozapine
decreases smoking in patients with chronic schizophrenia. Biol Psychiatry. 1995 Apr
15;37(8):550-2.
32. George TP, Sernyak MJ, Ziedonis DM, Woods SW. Effects of clozapine on smoking in
chronic schizophrenic outpatients. J Clin Psychiatry. 1995 Aug;56(8):344-6.
34. Saules KK, Schuh LM, Arfken CL, Reed K, Kilbey MM, Schuster CR. Double-blind placebo
controlled trail of fluoxetine in smoking cessation treatment including nicotine patch
and cognitive-behavioral group therapy. Am J Addict. 2004 Oct-Dec;13(5):438-46.
35. Miyamoto K, Yoshimura R, Ueda N, Sugita A, Umene W, Hori H, et al. Effects of acute
paroxetine treatment on the consuption of cigarette smoking and caffeine in depressed
patients. Hum Psychopharmacol. 2007 Oct;22(7):483-90.
36. Campayo JG, Sobradiel N, Alda M, Mas A, Andrés E, Magallón R, et al. Effectiveness
of topiramato for tobacco dependence in patinets with depression; a randomised,
controlled trial. BMC Fam Pract. 2008 May 7;9:28.
37. Diehl A, Scherbaum N. Nicotine dependence as comorbidity of alcohol dependence- epi-
demiology, etiology and therapy. Fortschr Neurol Psychiatr. 2008 Jan;76(1):14-20.
38. Johnson BA. Topiramato induced neuromodulation of cortico-mesolimbic dopamine
function: a new vista for treatment of comorbid alcohol and nicotine dependence?
Addict Behav. 2004 Sep;29(7):1465-79.
39. Ait-Daoud N, Wiesbeck GA, Bienkowski P, Li MD, Pfützer RH, Singer MV, et al. Comorbid
alcohol and nicotine dependence: from the biomolecular basis to clinical consequences.
Alcohol Clin Exp Res. 2005 Aug;29(8):1541-9.
40. David S, Lancaster T, Stead LF, Evins AE. Opioid antagonists for smoking cessation.
Cochrane Database Syst Rev. 2006 Oct 18;(4):CD003086.
41. Regalado-Pineda J, Lara-Rivas G, Osio-Echánove J, Ramírez-Venegas A. Current tre-
atment for smoking. Salud Publica Mex. 2007;49 suppl 2:S270-S9.
42. Rigotti NA, Munafo MR, Stead LF. Interventions for smoking cessation in hospitalized
patients. Cochrane Database Syst Rev. 2007 Jul 18;(3):CD001837.
43. Gritz ER, Vidrine DJ, Fingeret MC. Smoking cessation a critical component of
medical management in chronic disease populations. Am J Prev Med. 2007
Dec;33(6Suppl):S414-22.
44. Walker MS, Vidrine DJ, Gritz ER, Larsen RJ, Yan Y, Govindan R, et al. Smoking relapse
during the first year after treatment for early-stage non-small-cell lung cancer. Cancer
Epidemiol Biomarkers Prev. 2006 Dec;15(12):2370-7.
45. Wisnivesky JP, Szwarcberg JB, McGinn TG. Lung cancer. Screening, counseling, and
long term smokers. Geriatrics. 2002 Nov;57(11):28-32.

Leitura recomendada

Hurt RD, Sachs DP, Glover ED, Offord KP, Johnston JA, Dale LC, et al. A comparison of
sustained-release bupropion and placebo for smoking cessation. N Engl J Med. 1997 Oct
23;337(17):1195-202.

Diehl.indd 164 3/11/2009 10:56:43


parte 6
Maconha (cannabis)

Diehl.indd 165 3/11/2009 10:56:43


Diehl.indd 166 3/11/2009 10:56:44
TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
INTOXICAÇÃO AGUDA,
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA E
10
DEPENDÊNCIA DE MACONHA
Maconha: a droga polêmica
Alessandra Diehl
Ronaldo Laranjeira

A maconha talvez seja, entre todas as drogas, aquela que mais tem gera-
do polêmicas nos últimos tempos. Presente em discursos apaixonados defen-
dendo suas propriedades, ora é enaltecida em blogs e sites de adolescentes,
ora é censurada em noticiários policiais de apreensão e nos achados de pes-
quisadores comprovando seus prejuízos. O fato é que a maconha continua a
dominar o mercado mundial das drogas ilícitas em termos de cultivo, volume
de produção e número de consumidores.1
Curiosamente, pouca pesquisa vem sendo desenvolvida no tratamento
do abuso ou da dependência de maconha, embora os transtornos relaciona-
dos a essa droga tenham recebido crescente atenção e interesse nos últimos
anos.2-4
Dois fatores podem ter contribuído de forma crucial para a falta de pes-
quisas clínicas focalizadas nesse transtorno:

1. a convicção de que o abuso de maconha raramente acontecia como


um problema primário, sendo observado apenas na presença simul-
tânea de álcool ou abuso de outra droga;
2. a crença de que o uso de maconha não produziria uma verdadeira
síndrome de dependência, portanto o tratamento para abandonar
o uso da droga não se fazia necessário.2

Dados contrários a essas convicções começaram a aparecer na recente


década de 1980. Primeiro, pela comprovação da existência da síndrome de
abstinência da maconha: inicia já nas primeiras 24 horas após a cessação do

Diehl.indd 167 3/11/2009 10:56:44


168 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

uso, com sintomas subjetivos de ansiedade e de irritabilidade, agitação psi-


comotora, diminuição do apetite, alterações do sono, sonhos desagradáveis,
dores musculares, cefaleia e taquicardia; seguido pelo acúmulo de evidências
sobre a existência de uma verdadeira síndrome de dependência de maconha:
tolerância, uso da droga apesar dos problemas por ela causados, fissura, etc.5
A demanda para tratamento de problemas relacionados à maconha em
programas de abuso de substâncias tem aumentado em muitos países do
mundo e, entre 1992 e 1998, duplicou nos Estados Unidos de tal forma que a
porcentagem de admissões para tratamento de maconha (23%) ­aproximou-se
das admissões para tratamento de cocaína (27%) e heroína (23%).6,7
No Brasil, dados de dois levantamentos domiciliares sobre o uso de dro-
gas psicoterápicas realizados pelo CEBRID revelam que a dependência de
maconha aumentou de 1% em 2001 para 1,2% em 2005. Aumento também
observado com relação ao uso na vida de maconha, que passou de 6,9 para
8,9% nos dois anos estudados.8,9
Todavia, em relação às internações hospitalares por consumo de ma-
conha no Brasil, foi verificada uma queda, passando de 2,3% em 1988 para
1,3% em 1999. Essa diminuição nas internações por maconha pode ser um
reflexo da maior ênfase dada ao tratamento ambulatorial.10
Já os dados da Polícia Federal indicam uma tendência a aumento na
quantidade de maconha apreendida, na comparação entre os anos de 1999 a
2004, revelando um aumento de quase cinco vezes nas apreensões de maco-
nha ao final desse período.11
Estudos sobre a eficácia dos tratamentos da dependência de maconha
começaram a aparecer na literatura científica somente a partir da década de
1990.2 No entanto, apesar dos avanços em diversas linhas de pesquisas sobre
a maconha (neurobiologia, estudos epidemiológicos, comorbidades, genéti-
ca, etc.), ainda há pouca evidência científica sobre o tratamento farmacoló-
gico para a síndrome de dependência produzida por essa droga; haja vista
a escassez de ensaios clínicos avaliando novas medicações em populações
específicas.2,5,12,13
Os ensaios clínicos disponíveis pecam pelas limitações metodológicas,
como curto período de observação, ensaios não controlados, análise de popu-
lações heterogêneas e número insuficiente de sujeitos de pesquisa incluídos,
fatores que dificultam quaisquer generalizações.2
Alguns ensaios clínicos avaliaram a eficácia de medicações em pacientes
com comorbidade entre depressão e esquizofrenia e dependência de maco-
nha, assim como de medicações para o tratamento da dependência de ma-
conha como um resultado primário. Existem, também, alguns de relatos de
casos isolados, porém com baixo poder de evidência. Porém, os dados limi-
tados examinam os efeitos do tratamento farmacológico em dependência de
maconha a partir de análises secundárias de estudos que avaliavam outras
dependências.2

Diehl.indd 168 3/11/2009 10:56:44


Tratamentos farmacológicos para dependência química 169
Neurobiologia do sistema endocanabinoide

O mecanismo de ação do Δ9-tetraidrocanabinol (Δ9-THC) (principal res-


ponsável pelos efeitos da Cannabis sativa) (ver Figura 10.1) e das substâncias
farmacologicamente semelhantes a ele (denominadas canabinoides) foi elu-
cidado no final da década de 1980 e, por conseguinte, foram identificados os
ligantes endógenos para esse receptor, chamados de endocanabinoides.5
Existem dois subtipos de receptores canabinoides (CB1 e CB2) identifi-
cados no sistema nervoso central (SNC).14 O receptor CB1 pode ser encon-
trado em altas concentrações no hipocampo, córtex pré-frontal, cerebelo e
gânglios basais, o que estaria relacionado com os efeitos do THC na memória
e na cognição. A existência de um receptor canabinoide implica existência de
uma substância endógena semelhante ao THC, a qual foi denominada anan-
damida. Uma vez acoplado ao seu receptor, o THC desencadeia uma série de
reações celulares, estimulando essas áreas do cérebro e provocando as sensa-
ções que os usuários qualificam como prazerosas.5
Muitos aspectos estão ainda por ser esclarecidos com relação ao sistema
de transmissores canabinoides. Dentre eles destacam-se:

1. os processos enzimáticos de síntese e inativação dos canabinoides;


2. os efeitos dos canabinoides que parecem ser mediados por meca-
nismos independentes dos receptores CB1 ou CB2;
3. a identificação de um possível receptor “CB3”;
4. a necessidade de uma maior compreensão das interações dos endo-
canabinoides com outros sistemas, como opioides, dopamina, GABA
e glutamato.5

O melhor entendimento dos mecanismos de ação dos canabinoides e da


fisiologia desse sistema refletirá certamente no desenvolvimento de terapias
farmacológicas mais eficazes.5

A evidência científica

Alguns estudos sugerem que os antidepressivos ou os medicamentos an-


siolíticos possam ter um papel no tratamento da dependência de maconha.2 No
entanto, outras pesquisas direcionam seu foco para o potencial uso de medica-
mentos no tratamento dos sintomas associados à abstinência dessa droga.
A síndrome de abstinência de maconha foi recentemente documentada
em estudos clínicos e laboratoriais controlados.16-18 Com base nesses dados,
presume-se que os sintomas de abstinência possam contribuir para a ­dificuldade
em manter a abstinência; portanto, minimizar os sintomas de abstinência pode
ser de grande utilidade no tratamento da dependência de maconha.2

Diehl.indd 169 3/11/2009 10:56:44


170 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Ação da maconha e do THC no circuito de recompesnsa

nucleus acumbens
canabinoide

glu
THC

VTA

canabinoide
glu
GABA

GABA canabinoide
canabinoide
THC

Figura 10.1
Ação da maconha e do Δ9-tetraidrocanabinol (Δ9-THC) no circuito de recompensa.15

Até o momento, não foram encontradas revisões sistemáticas Cochrane


para o abuso nem para a dependência de cannabis. Entretanto, já estão dis-
poníveis revisões sistemáticas sobre as intervenções psicológicas atualmente
empregadas.6

Fluoxetina

Antidepressivo inibidor da recaptação de serotonina (IRS), a fluoxetina


é comercializada com vários nomes (Prozac®, Daforin®, Eufor®, Verotina®,
Fluxene®) e apresenta-se de modo geral em comprimidos de 20 mg. Os efei-
tos colaterais mais comuns são anorexia, ansiedade, cefaleia, diarreia, dimi-
nuição do apetite, náuseas, insônia, inquietude, nervosismo, dor abdominal,
tonturas e fadiga.20

Diehl.indd 170 3/11/2009 10:56:44


Tratamentos farmacológicos para dependência química 171
Porém, existe o relato de diminuição do uso de maconha em um subgru-
po de pacientes depressivos dependentes do álcool que receberam fluoxetina.
Os pacientes que receberam placebo usaram quase 20 vezes mais cigarros de
maconha do que os que receberam fluoxetina, e o número de dias de uso de
maconha foi cinco vezes maior no grupo-placebo.19
Entretanto, há uma carência de ensaios clínicos avaliando a eficácia des-
sas medicações no tratamento da depressão em usuários de maconha. Na
prática clínica, utilizam-se inibidores seletivos da recaptação de serotonina
(ISRS) devido à evidência de melhora observada nos sintomas depressivos
em indivíduos usuários de maconha.5,21
Em uma metanálise que avaliou a eficácia dos antidepressivos no trata-
mento de depressão e abuso de substâncias, foi observada pequena melhora
com uso desses medicamentos em alcoolistas e falta de efeito em dependen-
tes de outras drogas. Contudo, a maioria desses estudos foi conduzida com
dependentes de álcool ou de opioide, não havendo qualquer estudo exclusivo
com dependentes de maconha. A escolha de um antidepressivo, nesses casos,
deve se basear em fatores como gravidade dos sintomas, história prévia de de-
pressão, história familiar de transtornos do humor, relação temporal dos sin-
tomas com o uso de maconha e gravidade do abuso ou da dependência.5,22

Buspirona

Aprovada pela FDA em 1986 para tratamento da ansiedade generalizada,


a buspirona (Ansitec®, Buspar®, Buspanil®) é um agonista parcial 5HT1 com
características farmacológicas distintas dos benzodiazepínicos, e de outros
fármacos ansiolíticos, que potencializa menos os efeitos do álcool, oferecendo
riscos menores de abuso ou dependência do que os benzodiazepínicos.20
Um estudo com a buspirona no tratamento da ansiedade em pacientes
dependentes de opioide revelou que, embora a buspirona não tenha reduzi-
do os sintomas de ansiedade, os pacientes que receberam esse medicamento
tiveram uma redução estatisticamente significativa no uso de maconha, quan-
do comparados ao grupo que recebeu placebo.23

Bupropiona

A bupropiona (Zyban®, Wellbutrin SR®, Zetron®) é um inibidor da re-


captação de noradrenalina e de dopamina, com estrutura semelhante à da
anfetamina. Acredita-se que os sintomas relacionados a deficiência de dopa-
mina, como desatenção, anedonia, hipersonia e fissura, possam responder
favoravelmente ao uso da bupropiona.19

Diehl.indd 171 3/11/2009 10:56:44


172 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Um estudo preliminar controlado em laboratório avaliou os efeitos da


bupropiona, de liberação contínua, em 10 fumantes pesados de maconha que
não buscavam tratamento. Durante um período de abstinência de 12 dias, os
participantes que receberam bupropiona (300 mg/dia) relataram mais irri-
tabilidade e humor depressivo do que os que receberam placebo, aventando
a hipótese de que os efeitos estimulantes da bupropiona possam ter piorado
sintomas da abstinência da maconha.24

Nefazodona

Antidepressivo de ativação mínima, a nefazodona (Serzone®) foi lan­


çada no mercado em 1995 com o diferencial de ter poucos efeitos sexuais
adversos e ação rápida sobre a ansiedade e a insônia. É antagonista de recep-
tores 5HT2A e fraco inibidor da recaptação de serotonina, possuindo apresen-
tações de 100 e 150 mg.
Haney e colaboradores25 examinaram os efeitos da nefazodona, utiliza-
do no mesmo modelo experimental para bupropiona e observaram que o uso
da medicação diminuiu os relatos de ansiedade e de dor muscular durante o
período de abstinência, porém não reduziu sentimentos de irritabilidade nem
melhorou a qualidade do sono.25
Como existem relatos de hepatoxicidade/hepatite com o uso dessa me-
dicação, recomenda-se realizar provas periódicas de função hepática (TGO,
TGP, GGT).20

Valproato de sódio

Acredita-se que o mecanismo de ação do valproato de sódio/ácido


valproico (Depakene®, Depakote®, Valpakine® e Torval CR®) esteja rela-
cionado a inibição do metabolismo do GABA, aumentando sua liberação,
diminuindo o turnover, elevando assim a densidade de receptores GABA B
e consequentemente a resposta neurogabaérgica, além de a sua membrana
neuronal desempenhar um papel inibidor no chamado efeito kindling (dis-
paro).20
Haney e colaboradores,26 em um ensaio clínico placebo-controlado, ava-
liaram o uso de agonistas canabinoides, o THC (0,10 mg, 5 vezes ao dia) e o
valproato de sódio (0,1500 mg/dia) para alívio de sintomas da abstinência
da maconha em sete pacientes, que faziam uso de 6-10 cigarros de maconha/
dia durante 6 a 7 dias/semana, por cerca de 35 dias de observação. O valpro-
ato de sódio diminuiu o craving por maconha durante a fase de abstinência,
porém houve piora dos sintomas de ansiedade, irritabilidade e cansaço. O
THC também diminuiu o craving por maconha em uma dose subjetivamente

Diehl.indd 172 3/11/2009 10:56:45


Tratamentos farmacológicos para dependência química 173
indistinguível do placebo. Os autores sugerem que o THC oral, mas não o
valproato de sódio, possa ser útil no tratamento da síndrome de dependência
de maconha.26

Antipsicóticos

Sabe-se que o álcool e os transtornos relacionados ao uso de maconha


pioram o curso da esquizofrenia. Alguns antipsicóticos típicos demonstram
valor limitado no controle do uso de substância em pacientes esquizofrênicos,
porém alguns estudos sugerem que a clozapina, um antipsicótico atípico com
alta especificidade por receptores D4, possa diminuir o uso de substância
nesses pacientes.
Green e colaboradores27 avaliaram o uso de antipsicóticos atípicos em
pacientes esquizofrênicos com comorbidade entre o uso de maconha e álcool
em um estudo retrospectivo envolvendo 41 pacientes tratados com clozapina
(Leponex®) e risperidona (Risperadal®) durante 1 ano de seguimento. Os
resultados revelam uma taxa de abstinência de substâncias psicoativas signifi-
cativamente maior em pacientes tratados com clozapina do que naqueles tra-
tados com risperidona (54 versus 13%, p = 0,05). Reconhecidas as limitações
desse estudo, os dados sugerem que os pacientes com comorbidade tratados
com clozapina se privaram mais do uso de álcool e maconha do que aqueles
tratados com risperidona.27
Há o relato de caso de um homem esquizofrênico, usuário de maco-
nha, com síndrome amotivacional, que apresentava baixo índice de resposta
à terapia com neurolépticos e foi tratado com quatro injeções semanais de
ceruleína, em doses de 0,6 mg/kg, com manutenção do antipsicótico antes
utilizado. Os autores observaram melhora na Brief Psychiatric Rating Scale
(BPRS), sugerindo que essa medicação possa ser útil e eficaz no tratamento
de usuários de maconha com síndrome amotivacional.28
A clozapina (Leponex®) e a risperidona (Risperdal®) são chamadas de
antipsicóticos atípicos, ou de segunda geração, devido a seu perfil clínico
e neuroquímico. O primeiro tem alta afinidade por receptores D1, D3, D4,
5HT2A e 5HT2C, demonstrando menores efeitos extrapiramidais, quando
comparado aos antipsicóticos típicos, e seu uso exige dosagens séricas de leu-
cócitos e plaquetas, pois há risco de agranulocitose e leucopenia. O segundo
é um potente bloqueador dos receptores serotonérgicos (5HT2), os quais po-
dem estar envolvidos nos sintomas negativos da esquizofrenia. A dose média
eficaz de ambos é de 4 a 8 mg/dia. Doses acima de 10 mg/dia não se mostram
eficazes, podendo provocar sintomas extrapiramidais.20
Entretanto, são poucos os dados controlados a respeito do tratamento
de psicoses induzidas por uso de substância. Um estudo duplo-cego, placebo-
-controlado, realizado por Berk e colaboradores,29 avaliou 30 pacientes que

Diehl.indd 173 3/11/2009 10:56:45


174 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

preenchiam critérios para transtorno psicótico induzido pelo uso de cannabis,


segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV),
os quais foram tratados durante 4 semanas com olanzapina ou haloperidol. A
olanzapina (Zyprexa®) revelou-se tão eficaz quanto o haloperidol (Haldol®)
no controle dos sintomas psicóticos induzidos por maconha, porém apresen-
tou menores taxas de efeitos extrapiramidais.29

Rimonabanto

Pesquisas recentes indicam o envolvimento do receptor CB1 no compor-


tamento, na cognição, na psicomotricidade e nos efeitos cardiovasculares da
maconha,30-32 sendo o uso de um antagonista canabinoide que bloqueie os
efeitos dessa substância uma possibilidade de intervenção farmacológica.
O antagonista seletivo rimonabanto (Acomplia®) vem sendo testado em
ensaios clínicos para avaliar redução de peso e diminuição dos riscos cardio-
vasculares em pacientes obesos, aliado a dieta hipocalórica, sendo também
testado em ensaios que visam diminuir as recaídas com a nicotina.33
Esse antagonista seletivo do CB1 tem se mostrado um bloqueador dos
efeitos psicológicos e fisiológicos agudos da maconha em voluntários huma-
nos.34 Assim, essa combinação, ou um antagonista semelhante, pode ter im-
plicações importantes para futuras pesquisas farmacológicas no tratamento
da dependência de maconha.2,35-37
Huestis e colaboradores34 avaliaram 42 voluntários, em um ensaio clí-
nico randomizado duplo-cego, com o objetivo de testar respostas a diferentes
doses de rimonabanto após o uso agudo de maconha. A dose diária de 40 mg
do medicamento atenuou os efeitos fisiológicos agudos da maconha em grau
semelhante ao da dose única diária de 90/mg.34
A suspeita de uma relação entre o uso da medicação e o desenvolvimen-
to de sintomas depressivos e ideação suicida, surgida em agosto de 2007,
culminou na suspensão do produto pela Agência Nacional de Vigilância Sani-
tária (ANVISA) em novembro de 2008.
A Tabela 10.1 sintetiza os principais estudos envolvendo usuários de
maconha.

O que fazer na prÁtica clínica?

O manejo medicamentoso para usuários de maconha permanece focado


nos estados de intoxicação aguda por cannabis, nas psicoses induzidas por
maconha e na busca por comorbidades psiquiátricas associadas ao uso da
droga, como depressão, ansiedade, transtorno de déficit de atenção e esqui-
zofrenia.5

Diehl.indd 174 3/11/2009 10:56:45


Tratamentos farmacológicos para dependência química 175
Tabela 10.1
Síntese dos principais estudos clínicos que avaliaram fármacos para o
tratamento da dependência de maconha

Sujeitos da Tipo de
Autor (ano) pesquisa intervenção N Desfechos

Cornelius Dependentes de Fluoxetina 20 mg/dia 22 O grupo-placebo


(1998) álcool com depressão X placebo usou 20 vezes mais
e uso de maconha cigarros de maconha
que o grupo-con­
trole.
O número de dias de
uso de maconha foi
5 vezes mais alto no
grupo-placebo.

McRae Dependentes Buspirona X placebo 36 O grupo-controle,


(2000) de opioide com o uso de maconha
transtorno de foi menor quando
ansiedade e uso de comparado ao
maconha grupo-placebo.

Green Esquizofrênicos com Clozapina X 41 A taxa de abstinência


(2003) comorbidade entre risperidona durante 1 de substâncias
o uso de maconha e ano de seguimento psicoativas foi
álcool significativamente
maior em pacientes
tratados com
clozapina do que
naqueles tratados
com risperidona (54
versus 13%, p =
0,05).

Haney Dependentes de Bupropiona SR (300 10 O grupo-controle


(2001) maconha mg/dia) X placebo teve mais
durante 12 dias de irritabilidade e
abstinência humor depressivo
que o grupo-placebo.
Há a hipótese de
que os efeitos
estimulantes da
bupropiona possam
ter piorado sintomas
de abstinência de
maconha.
(continua)

Diehl.indd 175 3/11/2009 10:56:45


176 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Tabela 10.1
Síntese dos principais estudos clínicos que avaliaram fármacos para o
tratamento da dependência de maconha (continuação)

Sujeitos da Tipo de
Autor (ano) pesquisa intervenção N Desfechos

Haney Dependentes de Δ9-tetraidrocanabinol 7 O divalproex


(2004) maconha (0,10 mg, 5 vezes diminuiu o craving
ao dia) X divalproex por maconha durante
(1.500 mg/dia) a fase de abstinência,
durante 35 dias de porém houve
observação piora de sintomas
de ansiedade,
irritabilidade e
cansaço.
O agonista
canabinoide
oral, mas não o
divalproex, pode ser
útil no tratamento
da síndrome de
abstinência da
maconha.

Haney Dependentes de Nefazodona 450 mg/ 7 A nefazodona


(2003) maconha dia X placebo diminuiu os relatos
de ansiedade e dor
muscular durante
o período de
abstinência, mas não
reduziu sentimentos
de irritabilidade nem
melhorou a qualidade
de sono.

Haney Voluntários não Rimonabanto 20 mg/ 42 Sem diferenças


(2007) necessariamente dia X rimonabanto significativas na
dependentes 90 mg/dia atenuação dos efeitos
fisiológicos agudos da
maconha.

Os canabinoides raramente causam emergências médicas ou psiquiátri-


cas. No entanto, quando ocorrem, normalmente estão ligadas ao uso crônico
e de altas doses da droga, além do consumo concomitante de outras substân-
cias psicoativas.38

Diehl.indd 176 3/11/2009 10:56:45


Tratamentos farmacológicos para dependência química 177
Apesar do poder relaxante da maconha, a maioria das pessoas sente
algum tipo de efeito desagradável ao fumá-la pela primeira vez. Em geral, os
usuários conseguem tolerar os efeitos indesejáveis ou seus próprios amigos
de uso acabam os socorrendo com medidas gerais de suporte, que costumam
ser suficientes para a resolução do episódio.38 No entanto, algumas pessoas,
principalmente as menos experientes com a droga, se tornam muito ansiosas,
podendo apresentar reações semelhantes às de uma crise de pânico. Nessas
situações, devem ser orientadas e assistidas por alguém experiente, em um
local calmo e pouco iluminado. Em raras situações, aconselha-se a adminis-
tração de um benzodiazepínico para diminuir a ansiedade.39
Várias linhas de evidência apontam para possíveis efeitos antidepres­
sivos da maconha, sugerindo, assim, que muitos pacientes façam uso da subs-
tância como “automedicação” de seus sintomas depressivos.40
Outras pesquisas, contudo, indicam que alguns pacientes usuários de ma-
conha desenvolvem sintomas depressivos ao longo do uso pesado e prolonga-
do da droga; porém, mais estudos clínicos são necessários para identificar as
características dos indivíduos que abusam da maconha e possuem um risco
mais elevado para depressão.5,41,42 Até o momento, o uso pouco frequente de
cannabis não apresentou associação com o diagnóstico de depressão.
A maconha é a droga ilícita abusada com mais frequência pelos portado-
res de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Os adultos jo-
vens com TDAH relatam um efeito calmante proporcionado pela substância,
reduzindo sua inquietação interna. Esse efeito reforça a hipótese da autome-
dicação dos sintomas de TDAH como um fator de risco para o desenvolvimen-
to de abuso/dependência da droga. As intervenções farmacológicas vigentes
constituem um tratamento eficaz para o TDAH e a dependência da maconha,
ajudando os pacientes a retomarem seu funcionamento normal.5
O tratamento farmacológico para indivíduos com TDAH e abuso de subs-
tâncias deve considerar o risco de uso abusivo do medicamento, potenciais
interações farmacológicas e preocupações relativas à adesão ao tratamento.
As medicações consideradas mais adequadas e seguras nesse caso são a ato-
moxetina (Strattera®) e os estimulantes de longa ação (Concerta®).5,20,43
Há uma forte associação entre o uso de cannabis e o primeiro surto
psicótico em indivíduos mais jovens. O uso de cannabis aumenta o risco de
incidência de esquizofrenia em indivíduos com e sem outros fatores predispo-
nentes, conduzindo a um pior prognóstico aqueles com clara vulnerabilidade
para um transtorno psicótico.5,42

Considerações finais

Percebe-se um potencial de utilidade entre os antidepressivos e os medi-


camentos ansiolíticos, assim como de agentes que visem os receptores cana-

Diehl.indd 177 3/11/2009 10:56:45


178 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

binoides, no tratamento da dependência dessa droga.2 Porém, mais estudos


controlados são necessários antes que qualquer conclusão ou recomendação
possa ser feita.
A pesquisa clínica da farmacoterapia para dependência de maconha per-
manece limitada e incipiente, não disponibilizando evidências científicas sufi-
cientes para a indicação de uma medicação eficaz no tratamento da síndrome
de dependência de maconha.
A relativamente baixa utilização de tratamento por pessoas com depen-
dência de maconha pode estar associada à falta de tratamento específico para
essa população e à relutância de muitos usuários de maconha em buscar tra-
tamento em programas destinados a dependentes de álcool, heroína e cocaí-
na.44 Daí a importância de organizar um ambulatório especializado destinado
a atender essa população de usuários, ampliando os conhecimentos já exis-
tentes e permitindo a realização de novos ensaios clínicos que avaliem novas
medicações.45

Referências

1. World Drug Report 2008 [Monografia na internet]. Vienna: United Nations Office on
Drug and Crimes (UNODC); 2008. Disponível em: http://www.unodc.org/documents/
wdr/WDR_2008/WDR_2008_eng_web.pdf.
2. McRae AL, Budney AJ, Brady KT. Treatment of marijuana dependence: a review of the
literature. J Subst Abuse Treat. 2003 Jun;24(4):369-76.
3. Palmer T. Evidence in cannabis research. Br J Psychiatry. 2004 Jun;184:542-3.
4. Dennis M, Babor TF, Roebuck MC, Donaldson JR. Changing the focus: the case for
recognizing and treating cannabis use disorder. Addiction. 1997;97(Suppl 1):4-15.
5. Laranjeira R. Em defesa da “revisão científica: maconha e saúde mental”. [Ar-
tigo online]. São Paulo: Associação Brasileira de Psiquiatria; 2006. Disponível
em: http://www.abpbrasil.org.br/departamentos/coordenadores/coordenador/
noticias/?not=121&dep=62.
6. Denis C, Lavie E, Fatséas M, Auriacombe M. Psychotherapeutic interventions for can-
nabis abuse and/or dependence in outpatient settings. Cochrane Database Syst Rev.
2006 Jul 19;3:CD005336.
7. National Household Survey on Drug Abuse: office of applied studies: 1999-2000.
Rockville: Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA);
2001. Disponível em: http://www.samhsa.gov.
8. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. I Levantamento domiciliar sobre o uso
de drogas psicotrópicas no Brasil: 2001. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID); 2002.
9. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. II Levantamento domiciliar sobre o
uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do
país. São Paulo: Páginas & Letras; 2005.

Diehl.indd 178 3/11/2009 10:56:45


Tratamentos farmacológicos para dependência química 179
10. Noto AR, Moura YG, Nappo AS, Galduróz JCF, Carlini EA. Internações por transtornos
mentais e de comportamento decorrentes de substâncias psicoativas: um estudo epi-
demiológico nacional do período de 1988 a 1999. J Bras Psiq. 2002;51(2):113-21.
11. Polícia Federal do Brasil. Departamento de Polícia Federal. [Homepage na internet].
Disponível em: www.dpf.gov.br.
12. Usuários de substâncias psicoativas: abordagem, diagnóstico e tratamento. In: Maco-
nha: abuso e dependência. 2. ed. São Paulo: CREMESP/AMB; 2003. p.107-14.
13. Oliveira IR, Sena EP. Manual de psicofarmacologia clínica. 2. ed. Rio de Janeiro: Gua-
nabara Koogan; 2006.
14. Grotenhermen F. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of cannabinoids. Clin
Pharmacokinet. 2003;42(4):327-60.
15. Stahl SM. Stahl’s essential psychopharmacology: neuroscientific basis and practical
aplications. 3rd ed. Cambridge: Cambridge University; 2008. p.1117.
16. Budney AJ, Novy PL, Hughes JR. Marijuana withdrawal among adults seeking treat-
ment for marijuana dependence. Addiction. 1999 Sep;94(9):1311-22.
17. Budney AJ, Hughes JR, Moore BA, Novy PL. Marijuana abstinence effects in marijuana
smokers maintained in their home environment. Arch Gen Psychiatry. 2001
18. Kouri EM, Pope HG Jr. Abstinence symptoms during withdrawal from chronic marijuana
use. Exp Clin Psychopharmacol. 2000 Nov;8(4):483-92.
19. Cornelius JR, Salloum IM, Haskett RF, Ehler JG, Jarrett PJ, Thase ME, et al. Fluoxetine
versus placebo for the marijuana use of depressed alcoholics. Addict Behav. 1999 Jan-
Feb;24(1):111-4.
20. Cordioli AV. Psicofármacos: consulta rápida. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2005.
21. Dennison SJ. Substance use disorders in individuals with co-ocorring psychiatric
disorders. In: Lowinson JH, Ruiz P, Milman RB, Langrod JG. Substance abuse: a com-
prehensive testbook. Philadelphia: Lippincott Willians & Wilkins; 2005. p.904.
22. Nunes EV, Levin FR. Treatment of depression in patients with alcohol or other drug
dependence: a meta-analysis. JAMA. 2004 Apr 21;291(15):1887-96.
23. McRae AL, Sonne SC, Brady KT. The use of buspirone for the treatment of persistent
anxiety in methadone-maintained patients. In: 62nd. Annual Scientific Meeting. Puerto
Rico: The College on Problems of Drug Dependence; 2000.
24. Haney M, Ward AS, Comer SD, Hart CL, Foltin RW, Fischman MW. Bupropion SR
worsens mood during marijuana withdrawal in humans. Psychopharmacology (Berl).
2001 May;155(2):171-9.
25. Haney M, Hart CL, Ward AS, Foltin RW. Nefazodone decreases anxiety during marijuana
withdrawal in humans. Psychopharmacology (Berl). 2003 Jan;165(2):157-65.
26. Haney M, Hart CL, Vosburg SK, Nasser J, Bennett A, Zubaran C, et al. Marijuana wi-
thdrawal in humans: effects of oral THC or divalproex. Neuropsychopharmacology.
2004 Jan;29(1):158-70.
27. Green AI, Burgess ES, Dawson R, Zimmet SV, Strous RD. Alcohol and cannabis use in schi-
zophrenia: effects of clozapine vs risperidone. Schizophr Res. 2003 Mar 1;60(1):81-5.
28. Watanabe N, Moroji T, Tada K, Aoki N. A therapeutic trial of caerulein to a long-term
heavy marihuana user with amotivational syndrome. Prog Neuropsychopharmacol
Biol Psychiatry. 1984;8(3):419-21.

Diehl.indd 179 3/11/2009 10:56:45


180 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

29. Berk M, Brook S, Trandafir AI. A comparison of olanzapine with haloperidol in


cannabis-induced psychotic disorder: a double-blind randomized controlled trial. Int
Clin Psychopharmacol. 1999 May;14(3):177-80.
30. Ledent C, Valverde O, Cossu G, Petitet F, Aubert JF, Beslot F, et al. Unresponsiveness to
cannabinoids and reduced addictive effects of opiates in CB1 receptor knockout mice.
Science. 1999 Jan 15;283(5400):401-4.
31. Matsuda LA, Lolait SJ, Brownstein MJ, Young AC, Bonner TI. Structure of a canna-
binoid receptor and functional expression of the cloned cDNA. Nature. 1990 Aug
9;346(6284):561-4.
32. Munro S, Thomas KL, Abu-Shaar M. Molecular characterization of a peripheral receptor
for cannabinoids. Nature. 1993 Sep 2;365(6441):61-5.
33. Van Gaal LF, Rissanen AM, Scheen AJ, Ziegler O, Rossner S; RIO-Europe Study Group.
Effects of the cannabinoid-1 receptor blocker rimonabant on weight reduction and
cardiovascular risk factors in overweight patients: 1-year experience from the RIO-
Europe study. Lancet. 2005 Apr 16;365(9468):1389-97.
34. Huestis MA, Boyd SJ, Heishman SJ, Preston KL, Bonnet D, Le Fur G, et al. Single and
multiple doses of rimonabant antagonize acute effects of smoked cannabis in male
cannabis users. Psychopharmacology (Berl). 2007 Nov;194(4):505-15.
35. Le Foll B, Goldberg SR. Cannabinoid CB1 receptor antagonists as promising new
medications for drug dependence. J Pharmacol Exp Ther. 2005 Mar;312(3):875-83.
36. Nutt D. Cannabis antagonists: a new era of social psychopharmacology? J Psychophar-
macol. 2005 Jan;19(1):3-4.
37. Boyd ST, Fremming BA. Rimonabant-a selective CB1 antagonist. Ann Pharmacother.
2005 Apr;39(4):684-90.
38. Laranjeira R, Jungerman F, Dunn J. Drogas maconha, cocaína e crack. São Paulo:
Contexto; 1998.
39. Focchi GRA, Leite MC, Laranjeira R, Andrade AG. Dependência química: novos mo-
delos de tratamento. In: Tratamento farmacológico das dependências: enfoque da
dependência de cocaína. São Paulo: Roca; 2001. p.49-64.
40. Gruber AJ, Pope HG Jr, Brown ME. Do patients use marijuana as an antidepressant?.
Depression. 1996;4(2):77-80.
41. Bovasso GB. Cannabis abuse as a risk factor for depressive symptoms. Am J Psychiatry.
2001 Dec;158(12):2033-7.
42. Castle D, Murray R. Marijuana and madness. Cambridge: Cambridge University; 2004.
p.218.
43. Wilens TE. Attention-deficit/hyperactivity disorder and the substance use disorders:
the nature of the relationship, subtypes at risk, and treatment issues. Psychiatr Clin
North Am. 2004 Jun;27(2):283-301.
44. Litt MD, Kadden RM, Stephens RS. Brief treatments for cannabis dependence: findings
from a ramdomized multisite trial. The Marijuana Treatment Project Research Group.
J Consulting Clin Psychology. 2004;72(3):455-66.
45. Cordeiro DC, Figlie N, Laranjeira R. Boas práticas no tratamento da dependência
química. São Paulo: Roca; 2007. p.231.

Diehl.indd 180 3/11/2009 10:56:45


Tratamentos farmacológicos para dependência química 181
Leituras recomendadas

Budney AJ, Higgins ST, Radonovich KJ, Novy PL. Adding voucher-based incentives to coping
skills and motivational enhancement improves outcomes during treatment for marijuana
dependence. J Consult Clin Psychol. 2000 Dec;68(6):1051-61.
Budney AJ, Novy PL, Hughes JR, Allen M. A controlled, outpatient study of the signs and
symptoms of marijuana withdrawal. In: 62nd. Annual Scientific Meeting. Puerto Rico: The
College on Problems of Drug Dependence; 2000.
Dennis M, Babor TF, Roebuck MC, Donaldson J. Changing the focus: the case for recognizing
and treating cannabis use disorders. Addiction. 2002 Dec;97 (Suppl 1):4-15.
Marijuana Treatment Project Research Group. Brief treatments for cannabis dependence: fin-
dings from a randomized multisite trial. J Consult Clin Psychol. 2004 Jun;72(3):455-66.
Sanofi-aventis. [Homepage na internet]. Disponível em: http://www.sanofi-aventis.com.
Zuardi AW, Crippa JA, Guimarães FS. Cannabis e saúde mental: uma revisão sobre a droga
e o medicamento. Ribeirão Preto: FUNPEC; 2008.

Diehl.indd 181 3/11/2009 10:56:45


Diehl.indd 182 3/11/2009 10:56:45
parte 7
Cocaína/crack

Diehl.indd 183 3/11/2009 10:56:46


Diehl.indd 184 3/11/2009 10:56:46
TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DE
INTOXICAÇÕES AGUDAS E
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA
11
DE COCAÍNA
Parece cocaína, mas é só tristeza...
Renato Russo

Alessandra Diehl

O consumo de cocaína inalada, em baixas doses (2 a 3 mg/kg), tende a


causar uma série de alterações de excitabilidade, como aumento da pressão
arterial, da frequência cardíaca, da autoestima e do desejo sexual, euforia,
sudorese, dilatação pupilar, entre outras.1,2 Já em doses elevadas, pode re-
sultar em comportamentos estereotipados, violentos, bruxismo, hipervigilân-
cia e paranoia, podendo evoluir para depressão do sistema nervoso central
(SNC).
Qualquer tipo de usuários (iniciante, eventual ou crônico) pode vir a
apresentar overdose devido a alta dose de cocaína utilizada. A dose letal é in-
certa, mas sabe-se que é influenciada por fatores como tolerância, patologias
clínicas de base, grau de pureza da cocaína vendida nas ruas, etc.2

tRAtAMeNtO dA INtOxICAÇÃO AGudA POR COCAíNA

O tratamento da intoxicação aguda por cocaína é basicamente de su-


porte e sintomático. Embora nem sempre seja possível devido à gravidade da
apresentação do quadro, que em geral ocorre em salas de emergência, o pri-
meiro procedimento a ser realizado é uma avaliação clínica detalhada. A dor
precordial costuma ser sintoma de infarto agudo do miocárdio (IAM) em 3%
dos casos, devendo ser solicitada a realização de eletrocardiograma (ECG),
funções renal e hepática, hemograma completo e eletrólitos, assim como a
obtenção da glicemia e da temperatura, para evitar futuras complicações de-
correntes de hipoglicemia e hipertermia. Outros exames, quando existem sus-

Diehl.indd 185 3/11/2009 10:56:46


186 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

peitas clínicas que os justifiquem e possibilidades dentro do serviço de saúde,


incluem: CK-MB e tomografia computadorizada de crânio.2-4
A sedação com benzodiazepínicos (diazepam ou equivalentes) é uma al-
ternativa para os quadros de inquietação aguda com ansiedade. Em pacientes
com sintomatologia psicótica ou quadros de agitação psicomotora e/ou hete-
roagressividade, deve-se dar preferência aos antipsicóticos de alta potência,
como o haloperidol (Haldol®) 5 mg intramuscular (IM), com repetição da
dose, se necessário. Pode-se associar, também, benzodiazepínicos com ação
sedativa, como o midazolam (Dormonid®) 15 mg IM.2,3,5
Até o momento, não são conhecidos antagonistas para a cocaína, e os
anticonvulsivantes disponíveis não previnem as convulsões induzidas por
essa droga.4

questão Polêmica: devem ser usados b-bloqueadores


nas intoxicações agudas por cocaína?

Até 1985, o propranolol (Antitensin®, laboratório Teuto Brasileiro) era


o medicamento de escolha para o manejo de hipertensão associada a into-
xicação aguda por cocaína, quando Ramoska e Sachetti6 propuseram que
o propranolol deveria ser usado com mais cautela em pacientes com essa
condição devido a seu potencial de causar efeitos de sobreposição de esti-
mulação a-adrenérgica, causando hipertensão paradoxal. Desde então, uma
ampla discussão tem se estabelecido sobre a prática do uso de b-bloqueadores
em pacientes com dor precordial e história de uso de cocaína. Apesar de os
­b-bloqueadores estarem associados a espasmo coronariano após o uso agudo
de cocaína, sabe-se que eles reduzem a mortalidade em pacientes com IAM
ou disfunção sistólica.7
A controvérsia e a discussão sobre essa temática intensificou-se quando
Dattilo e colaboradores8 publicaram um artigo provocativo sobre o tema: um
estudo de coorte retrospectivo, com 363 pacientes, a fim de avaliar a segu-
rança dos b-bloqueadores em indivíduos com amostra de urina positiva para
cocaína. Os resultados revelaram uma incidência de IAM após a administra-
ção de b-bloqueadores significativamente menor do que a observada naque-
les sem o tratamento (6,1 versus 26%, IC95= 10,3-30,0), justificando que os
benefícios da utilização dessa medicação no funcionamento do miocárdico
podem superar os riscos de espasmo coronariano.8
No entanto, a polêmica sobre essa questão persiste e as evidências sobre
essa temática ainda não são consistentes. Os estudos disponíveis apresentam
limitações metodológicas, carecendo de ampliação das investigações.9
Parece haver uma tendência para a seguinte recomendação: para pa-
cientes com síndrome coronariana aguda e teste de urina positivo para co­
caína e que não estejam agudamente intoxicados, deveriam ser considerados

Diehl.indd 186 3/11/2009 10:56:46


Tratamentos farmacológicos para dependência química 187
os possíveis benefícios dos b-bloqueadores. Entretanto, para pacientes com
intoxicação aguda por cocaína, a solução para essa equação deverá ser eluci-
dada à luz das evidências científicas e de futuras pesquisas.8,9

Tratamento da síndrome de abstinência de cocaína

Até o momento, não existe uma abordagem terapêutica que verdadeira-


mente alivie os sintomas da abstinência de cocaína. O alívio de sintomas fo-
cais importantes, como inquietação, insônia e outros sintomas dos espectros
ansiosos e depressivos, ajudam o paciente a se manter abstinente.2,3,10

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante lembrar que o abuso de múltiplas substâncias psicoativas é


muito comum em dependentes químicos. Portanto, é crucial considerar o uso
de outras drogas de abuso além da cocaína e/ou crack quando da tomada de
decisão em relação a opções farmacoterápicas, principalmente na vigência de
intoxicação aguda.2,4,10

Referências

1. Gawin FH, Kleber HD. Abstinence symptomatology and psychiatric diagnosis in cocaine
abusers. Clinical observations. Arch Gen Psychiatry. 1986 Feb;43(2):107-13.
2. Ribeiro M; Laranjeira RR, Dunn J. Cocaína: bases biológicas da administração, absti-
nência e tratamento. J Bras Psiq. 1998;47(10);497-511.
3. Botega NJ. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. In: Ri-
beiro M, Laranjeira R, Dunn J. Álcool e drogas: emergência e psiquiátrica. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed; 2006. p.263-82.
4. Jorge RCFA. Emergências relacionadas ao uso e abuso de drogas. In: Cordeiro DC,
Baldaçara L. Emergências psiquiátricas. São Paulo: Roca; 2007. p.115-36.
5. Cordioli AV. Psicofármacos: consulta rápida. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2005. p.695.
6. Ramoska E, Sacchetti AD. Propanolol-induced hypertension in treatment of cocaine
intoxication. Anals Emerg Med. 1985;14(11):1112-3.
7. Freeman K, Feldman J. Cocaine myocardial infarction and ß- Blockers: time to rethink
the equation? Ann Emerg Med. 2008 Feb;51(2):130-4.
8. Dattilo PB, Hailpern SM, Fearon K, Sohal D, Nordin C. Beta-blockers are associated
with reduced risk of myocardial infarction after cocaine use. Ann Emerg Med. 2008
Feb;51(2):117-25. Erratum in: Ann Emerg Med. 2008 Jul;52(1):90.
9. Hoffman R. Cocaine and ß- Blockers: should the controversy continue? Ann Emerg
Med. 2008 Feb;51(2):127-9.
10. Laranjeira R, coord. Usuários de substâncias psicoativas: abordagem, diagnóstico e
tratamento. 2. ed. São Paulo: CREMESP/AMB; 2003.

Diehl.indd 187 3/11/2009 10:56:46


12 TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
SÍNDROME DE DEPENDÊNCIA
DE COCAÍNA/CRACK
A Cracolândia não é mais
exclusividade de São Paulo
Alessandra Diehl
Ronaldo Laranjeira

A dependência de cocaína é reconhecida como um sério problema de


saúde pública em muitos países do mundo. Essa doença está associada a vá-
rios riscos, desde infecção pelo vírus HIV, hepatite B e C, crime e violência até
outros problemas médicos, financeiros e psicossociais diversos. Acredita-se
que existam 16 milhões de usuários de cocaína no mundo, ou 0,4% da popu-
lação mundial, entre 15 e 64 anos de idade.1,2
No Brasil, dados do II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas
Psicotrópicas, conduzido pelo CEBRID nas 108 maiores cidades do país em
2005, revelam que o uso na vida de cocaína está bem abaixo de Estados Uni-
dos (14,2%), Reino Unido (6,8%), Chile (5,3%), Espanha (4,9%) e Holanda
(3,6%). No entanto, observa-se que o uso na vida de cocaína no Brasil au-
mentou de 2,3% em 2001 para 2,9% em 2005. A prevalência do uso de crack
(cocaína na forma fumada) na vida é de 0,7%, e seu uso pesado fica em torno
de 0,2%.3,4
Embora os números de uso de crack pareçam pequenos, foi a droga ilíci-
ta cuja demanda por tratamento mais aumentou nos últimos anos no Brasil,
sendo a dependência de crack a causa mais prevalente de internação por uso
de cocaína no país.5
Estima-se o custo social da dependência de cocaína nos Estados Unidos
em 45 bilhões de dólares. Assim, o desenvolvimento de intervenções farmaco-
lógicas, mesmo que com modesta eficácia, implicaria grandes benefícios para
a economia em termos de saúde. Por exemplo, se uma medicação for capaz
de reduzir 10% do uso de cocaína na população americana, cerca de 750 mi-
lhões de dólares poderiam ser poupados em gastos com saúde.1

Diehl.indd 188 3/11/2009 10:56:47


Tratamentos farmacológicos para dependência química 189
Devido à complexidade da dependência de cocaína, vários agentes far-
macológicos têm sido intensamente investigados a fim de melhorar as respos-
tas ao tratamento, sobretudo pela diminuição da fissura e da obtenção da abs-
tinência, possibilitando assim maior envolvimento dos pacientes no programa
terapêutico proposto, uma vez que essa patologia é associada a baixa resposta
terapêutica e muitas recaídas.1,6-9
No entanto, ainda não existe uma terapia farmacológica específica, com
eficácia estabelecida e aprovada pelas autoridades regulatórias, para o trata-
mento da dependência de cocaína, apesar de mais de 60 medicações já terem
sido investigadas com essa finalidade. A identificação de vários mecanismos
neuronais envolvidos na síndrome de dependência dessa droga tem estimu-
lado o desenvolvimento de algumas possibilidades de intervenções farmaco-
lógicas.10,11

O papel dos neurotransmissores na busca de estratégias


farmacológicas para a dependência de cocaína

Sabe-se que o uso de cocaína causa um aumento inicial na neurotrans-


missão de dopamina e serotonina, os grandes responsáveis pelos efeitos pra-
zerosos e reforçadores da droga. A desregulação desses neurotransmissores
durante a síndrome de abstinência desempenha um importante papel no de-
senvolvimento da fissura ou craving.1,7,8
A palavra em inglês craving (traduzida de forma coloquial na língua
portuguesa como fissura) é frequentemente definida como o desejo intenso,
e quase incontrolável, de usar a substância, sendo descrita como um cor­
relato cognitivo e, ainda, subjetivo de síndrome de abstinência e de respostas
condicionadas. Além disso, tem sido correlacionada a antecipação de efeitos
reforçadores da substância, preocupação em usar, desejo irresistível de usar,
intenção de usar, expectativas de consequências do uso e estado de excitação
similar ao da ansiedade e depressão.6,12
O craving pode ser particularmente útil para medir desfechos de me-
dicações e recaídas. Porém, ainda não está claro se atua como um preditor
de resposta ao tratamento ou se ele é um simples epifenômeno secundário
à diminuição da gravidade da doença observada antes do tratamento. Já a
recaída parece não estar necessariamente sob o controle dos processos auto-
máticos fora da consciência.13
O envolvimento da neurotrasmissão da dopamina no sistema de recom-
pensa cerebral da cocaína incentivou a realização de vários ensaios clínicos,
nas últimas décadas, com agonistas e antagonistas dopaminérgicos.1,7-9
Outras intervenções farmacológicas que afetam a neurotransmissão glu-
tamatérgica têm se apresentado como potenciais candidatos a investigações,
devido ao envolvimento do glutamato em regiões cerebrais de recompensa e

Diehl.indd 189 3/11/2009 10:56:47


190 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

à evidência de desregulação glutamatérgica induzida pelo uso de cocaína.14


Dados recentes sugerem o transportador de cistina-glutamato como um alvo
para medicamentos que possam evitar a recaída de cocaína.15
O GABA é o principal neurotransmissor inibitório do cérebro e vem
­sendo analisado como um alvo em potencial no tratamento para dependência
de cocaína. Estudos pré-clínicos demonstraram que neurônios GABAérgicos
modulam o sistema dopaminérgico e os efeitos recompensadores da cocaína.
Além disso, a exposição crônica à cocaína pode afetar o funcionamento do
sistema GABA, e indivíduos dependentes dessa droga podem apresentar au-
mento de receptores GABA A. Essas mudanças nas respostas do GABA podem
estar associadas à diminuição dos níveis de GABA no cérebro em adictos de
cocaína. Ambos os receptores, GABA A e GABA B, são também possíveis alvos
para o tratamento medicamentoso da dependência.1

Anticonvulsivantes

Os anticonvulsivantes apresentam vantagens em relação a outras inter-


venções farmacológicas no tratamento das dependências químicas em decor-
rência da ausência de potencial de abuso e são indicados no manejo de co-
morbidades psiquiátricas, especialmente dos transtornos do humor e da ação
antikindling (kindling é o processo de sensibilização do sistema nervoso cen-
tral [SNC], a partir de estímulos subliminares intermitentes do componente
anestésico da cocaína, que se correlaciona ao aparecimento de convulsões em
usuários da substância e, acredita-se, também ao envolvimento de sintomas
paranoides e da fissura).16 Alguns autores apoiam o uso da carbamazepina,
do valproato de sódio, da lamotrigina e da gabapentina como opções terapêu-
ticas no tratamento da abstinência de cocaína.17
Minozzi e colaboradores,18 em recente revisão sistemática sobre a eficá-
cia dos anticonvulsivantes no tratamento da dependência de cocaína, incluí-
ram 15 estudos (1.066 participantes) que avaliavam os seguintes anticonvul-
sivantes: carbamazepina, gabapentina, lamotrigina, fenitoína, tiagabina, topi-
ramato e valproato de sódio. Nenhuma diferença significativa foi encontrada
entre as medidas de eficácia para quaisquer dos anticonvulsivantes quando
comparados ao placebo.18
O placebo foi superior à gabapentina com relação a redução no núme-
ro de abandono em dois estudos com esse medicamento (n=81; RR=3,56
IC95% 1,07-11,82), sendo superior à fenitoína quanto aos efeitos colaterais
em dois outros estudos (n=56; RR 2,12; IC95% 1,08-4,17). Os autores con-
cluem que ainda não há evidência científica que justifique o uso de anticon-
vulsivantes na dependência de cocaína. É necessário, no entanto, considerar
o pequeno número de ensaios clínicos avaliando essas substâncias.18

Diehl.indd 190 3/11/2009 10:56:47


Tratamentos farmacológicos para dependência química 191
Carbamazepina

A carbamazepina (Tegretol®) é uma droga amplamente utilizada no tra-


tamento de alguns problemas neurológicos e psiquiátricos e também tem sido
utilizada para dependência de cocaína. Estudos com esse medicamento apre-
sentam altas taxas de abandono e muitos efeitos adversos, sendo que a medica-
ção não demonstra muita eficácia na redução da dependência de cocaína.9
A apresentação para adultos é sobretudo em comprimidos de 200 ou
400 mg. Os principais efeitos colaterais são tonturas, sonolência, mal-estar
gástrico, náuseas, ataxia, diplopia, leucopenia, alteração da função hepática
e rash cutâneo. Recomenda-se a dosagem sérica da medicação e controle de
função hepática.19

Topiramato

O topiramato (Topamax®) vem sendo avaliado no tratamento da depen-


dência de cocaína em virtude do envolvimento dos sistemas GABAérgicos e
glutamatérgicos na modulação do sistema de recompensa cerebral, exercendo
sua ação anticraving ao promover aumento da neurotransmissão GABAérgica
e inibição da atividade dos receptores ácido a-amino-3-hidroxi-5-metilisoxa-
lone-4-propiônico (AMPA)/kainato.1,8
Zulino e colaboradores avaliaram o topiramato (TPM) no tratamento
da abstinência de opioides. O TPM inibiria os receptores AMPA, que exercem
um importante papel na ativação da síndrome de abstinência, por meio da
liberação de glutamato no locus ceruleus.20
Kampman e colaboradores, em um ensaio clínico-piloto, duplo-cego,
placebo-controlado, avaliaram 40 dependentes de cocaína, durante 13 se-
manas de tratamento com TPM 200 mg/dia, e observaram que, a partir da
terceira semana de tratamento escalonado, os pacientes do grupo de inter-
venção se mantiveram mais abstinentes do que o grupo-placebo.21
Bobes e colaboradores, em um estudo observacional, prospectivo, mul-
ticêntrico, de 6 meses de duração, avaliaram usuários de heroína, álcool e
cocaína em programas de reabilitação. Foi observado que o TPM pode, na
prática clínica, ser bem tolerado e eficaz contra o uso de drogas e apresentou
melhores desfechos quando comparado a ensaios clínicos anteriores realiza-
dos com a mesma medicação. Nesse estudo, houve uma redução de 94,1%
(n=64) de exames de urina positivos no início do tratamento para 39,6%
(n=19) ao final de 6 meses, com apenas 28% de relatos de efeitos colaterais
não graves e 33,3% de recaídas.22
Um ensaio clínico aberto, conduzido em São Paulo, também avaliou a
eficácia e a tolerabilidade do TPM no tratamento ambulatorial em 28 usuá-

Diehl.indd 191 3/11/2009 10:56:47


192 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

rios de cocaína inalada, apontando uma redução estatisticamente significati-


va na intensidade do craving em 25% da amostra.23
Os efeitos colaterais citados com mais frequência com o uso do TPM são
sonolência, parestesia e dificuldade de concentração. Alguns autores sugerem
que, nesses casos, o escalonamento da dose de forma mais lenta pode mini-
mizar as queixas.21,22

Gabapentina e lamotrigina

A gabapentina (Neurontin®, Laboratório Pfizer) é um anticonvulsivante


de terceira geração que apresenta propriedades GABAérgicas e glutamatérgi-
cas. Acredita-se que essa medicação possa reduzir o uso de cocaína a partir do
restabelecimento da via inibitória GABAérgica com projeções em neurônios
dopaminérgicos do nucleus acumbens.24 É apresentada na forma de cápsulas
de 300 e 400 mg ou comprimidos de 600 mg. A dose média diária é de 900 a
1.800 mg/dia, sendo que a inicial em geral é de 300 mg/dia, com doses pos-
teriores de 300 mg após o quarto dia. A gabapentina apresenta baixo risco de
interação medicamentosa, sendo seus efeitos colaterais mais comuns ataxia,
sedação, fadiga e tontura.19
Raby e colaboradores avaliaram nove pacientes que preenchiam crité-
rios para síndrome de dependência de cocaína segundo o Manual diagnóstico
e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV), provenientes de uma clínica
psiquiátrica comunitária, durante 24 semanas de estudo aberto em uso de
gabapentina (800-2.400 mg/dia). A média do número de amostras de urina
positiva diminuiu de 53,11±13,23 para 35,22±14,84 (t=3,58; n=9, p<0,1).
O número de semanas de abstinência de cocaína aumentou de 2,1±1,5 para
8,0±5,5 (t=3,21; n=9, p<0,1). Apesar do número reduzido de sujeitos in-
cluídos e de não se tratar de um ensaio controlado, os autores sugerem que
esse medicamento possa ser uma medicação eficaz no tratamento da depen-
dência de cocaína.24
A gabapentina na dose de 1.800 mg/dia também foi avaliada, em outro
estudo, junto com a lamotrigina 150 mg/dia e a reserpina 0,5 mg/dia. Esse
estudo, realizado por Berger e colaboradores, avaliou essas medicações em
um grupo de 60 pacientes com diagnóstico de dependência de cocaína, se-
gundo o DSM-IV, durante 10 semanas de tratamento em regime ambulatorial.
Cinquenta pacientes concluíram o estudo, mas foi possível observar melhoras
nas avaliações dos três grupos estudados, assim como na tolerabilidade de
tais medicações. No entanto, os resultados negativos de exames de urina fo-
ram significativamente melhores no grupo que utilizou a reserpina (p<0,05),
sem nenhum resultado relevante nos outros dois grupos.25
A lamotrigina (Lamictal®, laboratório Glaxo SmithKline) é apresentada
na forma de comprimidos de 25,50 e 100 mg e atua sobre os canais de sódio

Diehl.indd 192 3/11/2009 10:56:47


Tratamentos farmacológicos para dependência química 193
sensíveis à diferença de potencial para estabilizar as membranas neuronais,
apresentando, assim, ação glutamatérgica e consequentemente neuroprote-
tora. Os efeitos colaterais mais comuns são ataxia, cefaleia, rash cutâneo,
sonolência e tontura.19

Valproato de sódio

Acredita-se que o ácido valproico (Depakote®, laboratório Abbott)


atue por meio de mecanismos GABAérgicos, modificando o metabolismo do
GABA, inibindo seu catabolismo, aumentando sua liberação, diminuindo seu
turnover e aumentando a densidade de receptores GABA B e, assim, também
a resposta neurogabaérgica. Aconselha-se uma atenção especial ao uso dessa
medicação em relação à função hepática e hematológica.19
Poucos estudos analisaram o uso dessas medicações para a dependência
de cocaína, com resultados ainda modestos para que se sustente sua efe-
tividade. Myrick e colaboradores, em um estudo aberto com 17 pacientes,
mostraram uma boa tolerância ao divalproex, indicando-o como uma possível
medicação para futuros estudos controlados.26 Já o estudo-piloto de Reid e
colaboradores, realizado com 68 usuários de cocaína, não conseguiu susten-
tar a eficácia da olanzapina, do valproato ou da combinação da coenzima
Q10/L-carnitina para o tratamento da dependência dessa droga.27

Antidepressivos

A justificativa para a farmacoterapia com antidepressivos na dependên-


cia de cocaína fundamenta-se no aumento dos níveis de monoamina, os quais
poderiam aliviar a sintomatologia da abstinência de cocaína, bem como a
disforia e fissura, devido à ação geral do antidepressivo.28
Na literatura, encontramos muitos ensaios clínicos randomizados, pla-
cebo-controlados, com antidepressivos, que sofreram avaliação crítica me-
diante uma revisão sistemática conduzida pelo grupo Cochrane Library.9,29
Nessa revisão, foram incluídos 18 estudos (1.177 participantes), sendo que
14 avaliaram a desipramina, 2, a fluoxetina e apenas 1 avaliou a imipramina,
e 1 ensaio clínico avaliando a bupropiona. A amostra de urina positiva para
metabólitos de cocaína foi o principal desfecho de eficácia, sem obtenção de
resultados significativos, independentemente do tipo de antidepressivo utili-
zado. Taxas semelhantes de permanência no tratamento foram encontradas
para os grupos de desipramina e placebo.9
Até o momento, não há evidência científica suficiente que sustente o uso
de antidepressivos no tratamento da dependência de cocaína. Alguns autores
ressaltam, entretanto, que as taxas de abandono nos ensaios clínicos com essa

Diehl.indd 193 3/11/2009 10:56:47


194 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

população são muito altas, o que justificaria a associação de uma intervenção


psicológica ao plano de tratamento.30

Antidepressivos tricíclicos

Medicamento amplamente avaliado para usuários de cocaína, a desipra-


mina é um antidepressivo tricíclico com propriedades noradrenérgicas que
ainda não se encontra disponível no mercado brasileiro.
Em um estudo comparativo com outras medicações, a desipramina
apresentou melhor desempenho, indicando apenas uma tendência não
significativa à presença de heterogeneidade, revelada pelo teste do qui-
quadrado (8,6, df=3; p=0,04). Ela (Tofranil®) mostrou-se melhor que o
placebo em termos de resposta clínica de acordo com o autorrelato dos
pacientes no mesmo estudo.29 No entanto, não foi constatada a redução da
dependência de cocaína por meio de antidepressivos, embora esse resulta-
do possa estar geralmente relacionado ao abandono muito precoce desses
medicamentos.29
Os efeitos colaterais mais comuns dos antidepressivos tricíclicos são
boca seca, constipação e elevação do peso, considerados muitas vezes um
fator limitante de seu uso.19
Em um estudo mais recente, a desipramina mostrou-se uma medicação
eficaz no tratamento de pacientes dependentes de cocaína em vigência de
transtorno depressivo associado. McDowell e colaboradores31 avaliaram 111
dependentes de cocaína, que também preenchiam critérios diagnósticos para
depressão maior ou distimia, por meio da entrevista clínica estruturada para
o DSM-IV (SCID), em ensaio clínico randomizado, placebo-controlado, du-
rante 12 semanas de tratamento com doses de desipramina de até 300 mg/
dia. A melhora do humor foi associada com a diminuição no abuso da droga;
porém, não foi observado claramente um efeito direto do medicamento como
desfecho nas taxas de redução do uso de cocaína, que se apresentaram muito
baixas.31

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs)

A fluoxetina (Prozac®, Daforim®, Eufor®, Verotina®, Fluxene®) foi ava-


liada em dois estudos.1 O primeiro deles, realizado por Covi e colaboradores,32
analisou 45 pacientes em estudo duplo-cego, placebo-controlado, durante 12
semanas de observação, utilizando três dosagens diferentes de fluoxetina:
20 mg/dia (n=10), 40 mg/dia (n=11) e 60 mg/dia (n=10) e placebo ati-
vo: difenidramina (n=14). Os resultados negativos em exames de urina para
metabólitos de cocaína não favoreceu a droga ativa. O segundo estudo, rea-

Diehl.indd 194 3/11/2009 10:56:47


Tratamentos farmacológicos para dependência química 195
lizado por Batki e colaboradores,33 avaliou uma amostra de 32 sujeitos que
utilizaram fluoxetina 40 mg/dia (n=16) ou placebo (n=16). Os resultados
desse último favoreceram o medicamento ativo devido a menores taxas de
abandono do tratamento.1
A paroxetina (Aropax®, Pondera®, Cebrilim®) 20 mg/dia34 e a sertra-
lina (Zoloft®, Serenata®) 100 mg/dia35 foram avaliadas em ensaios clínicos
distintos utilizando outros medicamentos de classes diferentes como com-
paração, sendo que em nenhum dos dois estudos essas medicações foram
favorecidas.34,35
Dentre os ISRSs, a fluoxetina, a sertralina e a paroxetina foram as medi-
cações que já receberam alguma avaliação para dependência de cocaína. Os
ISRSs são melhor tolerados por seu perfil de efeitos colaterais, sem, contudo,
haver uma relação direta com diminuição do uso de cocaína. Alguns possíveis
efeitos colaterais são redução do apetite, retardo ejaculatório e diminuição
da libido.19

Inibidores seletivos da recaptação de noradrenalina (ISRNs)

A reboxetina (Prolift®) é um antidepressivo capaz de inibir seletivamen-


te a recaptação de noradrenalina, tendo sido avaliada em um ensaio clínico
aberto com 26 pacientes dependentes de cocaína, durante 12 semanas de
tratamento na dose de 8 mg/dia, por Szerman e colaboradores.36 Ao final, 20
pacientes haviam concluído as avaliações, sendo que 10 permaneceram absti-
nentes e os outros 10 usaram cocaína em algum momento do estudo. Acredi-
ta-se que as tendências sugeridas por esse estudo se intensifiquem em ensaios
clínicos maiores, confirmando assim o papel da função noradrenérgica no
tratamento de dependência de cocaína. Efeitos aversivos relatados pelos pa-
cientes durante o estudo podem estar relacionados ao uso do medicamento. A
reboxetina foi avaliada em apenas um ensaio clínico até o momento, no qual
os autores sugerem um possível efeito aversivo e uma consequente diminui-
ção do uso de cocaína. Embora os resultados desse estudo sejam favoráveis,
são necessários cautela e estudos controlados com amostras maiores para
comprovação de sua eficácia medicamentosa.36

Antidepressivos de dupla ação

Os antidepressivos de “dupla ação” são assim chamados por apresenta-


rem propriedades de bloqueio tanto de serotonina como de norepinefrina e
antagonismo específico de receptores 5HT2A. Esses medicamentos têm sido
considerados no tratamento de usuários de cocaína, principalmente com co-
morbidade com depressão.

Diehl.indd 195 3/11/2009 10:56:48


196 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Nefazodona

Ciraulo e colaboradores37 avaliaram 69 pacientes que preenchiam cri-


térios para dependência de cocaína e que atingiram mais de 12 pontos na
Hamilton Depression Scale, em um ensaio clínico duplo-cego, placebo-contro-
lado, avaliando a nefazodona (NFZ) 200 mg/dia e o placebo em 8 semanas
de tratamento. Apesar de algumas limitações metodológicas levantadas pelos
autores, foi observado nesse estudo que o uso da NFZ reduziu o craving de-
pois de administrada por várias semanas.37
Um estudo nacional, recentemente publicado por Passos e colaboradores,38
avaliou a NFZ (Serzone®) por meio de um ensaio clínico duplo-cego, placebo-
-controlado, realizado durante 10 semanas de tratamento com 210 pacientes
ambulatoriais dependentes de cocaína inalada. Eles foram distribuídos nos
grupos NFZ 300 mg/dia (N) ou placebo (P). Verificou-se que a abstinência
por 3 semanas ou mais foi alcançada por 49,5% dos pacientes no grupo (N)
e por 45,7% do grupo (P), (p=0,58). Os efeitos adversos foram relatados por
45,8% dos pacientes do grupo (N) contra 29,5% do grupo (P) ( p=0,001).38
No entanto, os achados desse e de outros estudos com a NFZ não sus-
tentam seu uso como uma intervenção medicamentosa eficaz no tratamento
da dependência de cocaína.

Bupropiona

A bupropiona (Wellbutrim®) atua nos sistemas noradrenérgicos e dopa-


minérgicos, sem qualquer ação sobre o sistema serotonérgico, tendo efeitos
também sobre os sistemas de busca de novidade, gratificação ou prazer, em
contraste com os IRSs, que possuem efeitos mais notáveis sobre os comporta-
mentos de inibição mediados pela rafe.19
Margolin,39 em um estudo multicêntrico, randomizado, duplo-cego,
placebo-controlado, comparou a bupropiona SR (n=74) 300 mg/dia com o
placebo (n=75) durante 12 semanas de tratamento, em uma amostra de 149
usuários de cocaína, na qual cerca de 50% dos pacientes preenchiam critérios
para transtorno de personalidade antissocial. Não foram encontradas melhoras
significativas em qualquer dos grupos estudados, e os pacientes com sintomas
depressivos associados apresentaram melhores desfechos, indicando, para fu-
turos estudos, a busca por pacientes-alvo para esse tipo de intervenção.39
Poling e colaboradores40 avaliaram uma amostra de 106 pacientes de-
pendentes de opioide e abusadores de cocaína que receberam, durante 25
semanas em um programa de manutenção de metadona de 60 a 120 mg/dia,
quatro tipos de intervenções diferentes:

1. terapia de manejo contingente + placebo;

Diehl.indd 196 3/11/2009 10:56:48


Tratamentos farmacológicos para dependência química 197
2. terapia de manejo contingente + bupropiona 300 mg/dia;
3. voulcher + placebo;
4. voulcher + bupropiona 300 mg/dia.

Os resultados sugerem que a combinação de terapia de manejo contin-


gente com bupropiona para o tratamento da dependência de cocaína pode
melhorar bastante os desfechos apresentados, quando comparado ao uso iso-
lado da bupropiona.40

Mirtazapina

A mirtazapina (Remeron®, laboratório Organon) é um antidepressivo


classificado como NaSSA por sua ação serotonérgica e noradrenérgica espe-
cífica, bem como pelo bloqueio de receptores histamínicos, daí a sedação e o
ganho de peso relacionados ao uso dessa medicação. Tais efeitos colaterais
podem não ser limitantes se a medicação for indicada para pacientes com
perfil sintomatológico de insônia e diminuição de apetite com emagreci-
mento.
A mirtazapina (MTZ) na dose única de 60 mg/dia foi avaliada em ensaio
clínico aberto, com 31 pacientes em um programa de manutenção com meta-
dona 155 mg/dia de 21 meses, com o objetivo especial de avaliar a redução do
uso de benzodiazepínicos nessa população e, como objetivo secundário, reduzir
o uso de cocaína em dependentes da droga. A MTZ foi bem tolerada e alguns de
seus efeitos adversos, como a sonolência, foram considerados ­para-efeitos dese-
jados ou “bem-vindos” para esse perfil de pacientes, não ocorrendo interações
medicamentosas com a droga de abuso. Foi observado que 20 pacientes (80%)
obtiveram bons resultados na redução do uso de benzodiazepínicos e 23% dos
pacientes conseguiram parar de usar cocaína.41

Venlafaxina

A venlafaxina (Efexor XR® ou Venlift OD®) foi avaliada em usuários de


cocaína em um ensaio clínico placebo-controlado, realizado por Ciraulo e
colaboradores,39 no qual foi utilizada na dose de 150 mg/dia. A medicação,
no entanto, não se mostrou melhor que o placebo na negativação de exames
de urina para cocaína.34
Esse antidepressivo tem a vantagem de iniciar sua ação já na primeira
semana de tratamento, sendo que o cuidado maior a ser tomado é em relação
ao risco de hipertensão arterial sistêmica (HAS) nas doses acima de 300 mg/
dia. Recomenda-se, para tanto, o controle periódico da pressão arterial nesses
pacientes.

Diehl.indd 197 3/11/2009 10:56:48


198 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Agonistas dopaminérgicos

Os agonistas dopaminérgicos têm sido investigados para o tratamento da


dependência de cocaína na tentativa de melhorar os sintomas iniciais de absti-
nência da substância. No entanto, ainda não há evidência clínica que sustente o
uso de antagonistas dopaminérgicos para dependência de cocaína.42
Na revisão sistemática realizada por Soares e colaboradores42 sobre a
eficácia e a aceitabilidade dos agonistas dopaminérgicos para essa dependên-
cia, foram incluídos 17 estudos, totalizando 1.224 participantes randomiza-
dos. As medicações avaliadas foram a amantadina (Mantidan®), a bromocrip-
tina (Parlodel®, Bagren®) e o pergolide. Os principais desfechos avaliados
foram amostras de urina para metabólitos da cocaína, como uma medida de
eficácia, e adesão ao tratamento, considerada uma medida de aceitabilidade.
Não foi observada qualquer diferença significativa entre as intervenções nas
quais os participantes tinham a dependência de cocaína como diagnóstico
único, bem como naquelas em que apresentavam um diagnóstico adicional
de dependência de opioide ou estavam em tratamento de manutenção com
metadona.42 Essa revisão foi atualizada em fevereiro de 2003.
Sofuoglu e Kosten1 relatam que a amantadina (Mantidan®) na dose de
100 mg, 2 ou 3 vezes ao dia, foi mais eficaz que o placebo na redução do uso
de cocaína entre os usuários que apresentavam sintomas de abstinência de
cocaína mais graves no início do tratamento. Os autores alertam, entretanto,
que tal achado necessita ser testado em ensaios clínicos prospectivos.1
O pergolide (Permax®, Celance®) (0,05-0,2 mg/dia) foi avaliado em um
estudo nacional realizado por Focchi e colaboradores com 42 homens, em um
ensaio clínico simples, cego, placebo-controlado, durante 4 semanas de se-
guimento. Nenhuma diferença foi encontrada entre os dois grupos estudados
com relação a sintomas depressivos, craving por cocaína, efeitos colaterais,
negativação em testes de urina e adesão ao tratamento.43

Lítio

O carbonato de lítio (Carbolitium®) é um regulador do humor, ampla-


mente utilizado na doença afetiva bipolar, que também vem sendo avaliado
para dependentes de cocaína. É apresentado na forma de comprimidos de
300 mg ou de 450 mg de liberação prolongada, sendo contraindicado em
pacientes com insuficiência renal grave, arritmias cardíacas e insuficiência
cardíaca congestiva. É necessário dosagem sérica da medicação e monitora-
ção da função renal de forma periódica.19
O lítio foi avaliado na dose de 600 mg/dia em um estudo duplo-cego,
placebo-controlado, realizado por Gawin e colaboradores,44 com 100 pacien-
tes dependentes de cocaína. Nesse estudo, os autores não utilizaram a inten-

Diehl.indd 198 3/11/2009 10:56:48


Tratamentos farmacológicos para dependência química 199
ção de tratar (ITT) para análise dos resultados e não descreveram as taxas
de abandono antes do final do protocolo do estudo, apesar de os resultados
favorecerem o medicamento ativo. Até o momento, não há evidência científi-
ca suficiente que sustente o uso do lítio na dependência de cocaína.29

Antipsicóticos

Amato e colaboradores,45 em uma revisão sistemática sobre a eficácia


dos antipsicóticos na dependência de cocaína, avaliaram sete pequenos estu-
dos, incluindo 293 pacientes, sendo os antipsicóticos estudados a risperidona,
a olanzapina e o haloperidol. Não houve diferença significativa para qualquer
das medidas de eficácia analisadas na comparação dos antipsicóticos com o
placebo.45
A risperidona (Risperdal®) é um antipsicótico atípico, com propriedades
de bloqueio de receptores serotonérgicos (5HT2) e receptores dopaminérgi-
cos do tipo D2, em menor grau que o haloperidol, e também bloqueio de D4>
D1> D3. Ela tem sido avaliada em alguns ensaios clínicos para tratamento de
usuários de cocaína não esquizofrênicos, com o objetivo de reduzir o craving.
Estudos de Smelson e colaboradores46 e de Grabowski e colaboradores47 não
apresentaram respostas satisfatórias que pudessem corroborar seu uso para
esse fim.46,47
A olanzapina (Zyprexa®) foi avaliada em poucos estudos para usuários
de cocaína. Os ensaios clínicos conduzidos por Reid e colaboradores27 e Kam-
pman e colaboradores48 não conseguiram apresentar evidências que susten-
tassem o uso desse antipsicótico nessa população, sendo que o segundo es-
tudo revelou que seu uso pode até mesmo piorar os desfechos do tratamento
dos usuários.27,48

Outros agentes gabaérgicos

Agonistas do ácido g-aminobutírico (GABA) podem atenuar os efeitos


comportamentais da cocaína e são uma promessa de farmacoterapia para de-
pendência de cocaína.1 Alguns agentes GABAérgicos, como o baclofen (ago-
nista GABA B), a tiagabina (inibe o transportador GABA tipo I – GAT I) e o
vigabatrim (Sabril®), já foram estudados com essa finalidade.
A eficácia do baclofen (Lioresal® 60 mg/dia) como farmacoterapia para
usuários de cocaína foi avaliada em 70 pacientes dependentes de cocaína em
um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, placebo-controlado, durante 16
semanas de tratamento. Embora o medicamento tenha sido superior (mas não
estatisticamente significativo) ao placebo, sua utilidade permanece indetermi-
nada. O baclofen (utilizado no tratamento da espasticidade muscular) e o vi-

Diehl.indd 199 3/11/2009 10:56:48


200 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

gabatrim têm se mostrado mais eficazes no tratamento de usuários crônicos de


cocaína.1,49
A tiagabina (Gabitril®), utilizada como anticonvulsivante, aparece em
dois estudos com resultados promissores. Em um estudo realizado com 45
dependentes de cocaína, em um programa de manutenção de metadona, a
tiagabina dose-dependente, utilizada na dose de 12 ou 24 mg/dia, mostrou-
-se capaz de atenuar o uso de cocaína por meio de exames de urina negativos
para a droga ao longo das 10 semanas de estudo. Em outro, com 67 depen-
dentes de cocaína, a tiagabina na dose de 20 mg/dia, quando comparada à
sertralina e ao donepezil, apresentou uma tendência a reduzir o uso de cocaí-
na maior do que a observada para os outros grupos estudados (p=0,1).1

Antagonistas opioides

A naltrexona (Revia®) é um antagonista opioide utilizado a princípio na


síndrome de dependência do álcool como uma medicação anticraving. Atual­
mente, vem sendo também avaliada para outras indicações terapêuticas,
como o jogo patológico e a bulimia nervosa, assim como para usuários de
cocaína.1,50,51
No entanto, os estudos com esse medicamento em usuários de cocaína
apresentam resultados contraditórios. Um estudo-piloto utilizando naltrexo-
na 150 mg/dia apresentou redução do consumo de álcool em uma população
dependente de cocaína. Já outro estudo de seguimento, em pacientes com
dependência dual de álcool e cocaína, não conseguiu reproduzir o mesmo
efeito com naltrexona na dose de 50 mg/dia.1,8
Sugerem-se estudos adicionais para determinar se a naltrexona real-
mente tem valor como agente de prevenção de recaídas em pacientes com
uso dual de álcool e cocaína. Como os efeitos desse fármaco na prevenção das
recaídas do consumo de álcool são influenciados por um receptor m-opioide
polimórfico, futuros estudos clínicos com naltrexona deveriam considerar a
genotipagem e estratificar a randomização dos sujeitos de pesquisa para essa
variável genética.1,8

Antagonistas dos canais de cálcio

O modafinil (Provigil®, Alertec®, Vigicer®) foi um dos primeiros anta-


gonistas dos canais de cálcio a ser avaliado para síndrome de dependência
de cocaína, sendo a princípio aprovado para o tratamento da narcolepsia.
Apresenta propriedades estimulantes parecidas, mas não idênticas, às das an-
fetaminas, porém com menor potencial de abuso.1

Diehl.indd 200 3/11/2009 10:56:48


Tratamentos farmacológicos para dependência química 201
O modafinil foi recentemente examinado como uma possibilidade far-
macológica para dependência de cocaína em um ensaio clínico placebo-con-
trolado com 62 pacientes. Na dose única de 400 mg/dia, a medicação obteve
bem mais amostras de urina negativa para a cocaína do que o placebo. Entre-
tanto, esses achados promissores ainda necessitam ser replicados em outros
estudos para sua comprovação.52
Já a amilodipina, em um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, pla-
cebo-controlado, durante 12 semanas de tratamento ambulatorial, mostrou
desfechos bastante negativos, a contar pelo alto índice de abandono do estu-
do, com apenas 20% da amostra inicial concluindo o ensaio, e pelo fato de
não ter sido superior ao placebo na redução do craving ou de qualquer outro
desfecho clínico analisado.53

Agentes aversivos

Dissulfiram

O dissulfiram (Antietanol®) é um fármaco utilizado no tratamento do


alcoolismo desde 1948, nos Estados Unidos, sendo que alguns ensaios clíni-
cos recentes mostraram alguma promessa de desfecho positivo para seu uso
em outras indicações, como a dependência de cocaína e heroína. Uma revisão
sistemática conduzida pela The Cochrane Colaboration já está em andamento
para avaliar, de forma crítica, os ensaios clínicos com esse medicamento para
dependentes de cocaína. Espera-se que, em um futuro próximo, haja evidên-
cias suficientes que possam confirmar os achados de estudos isolados.54
A ação farmacológica do dissulfiram no sistema dopaminérgico e a
frequente associação da dependência de álcool com a de cocaína justifica-
ram a realização de estudos com essa medicação em outras adições além do
alcoolismo.
O dissulfiram (DSF) inibe a dopamina b-hidroxilase, uma enzima que
normalmente converte a dopamina em noradrenalina, aumentando a con-
centração de dopamina e criando um efeito estimulante semelhante ao dos
agonistas dopaminérgicos. O uso de cocaína na presença de DSF permite
níveis muito altos de dopamina, o que pode induzir ou exacerbar a psico-
se em alguns pacientes predispostos a transtornos psicóticos. Além disso, o
DSF, quando usado junto com a cocaína, bloqueia o metabolismo da cocaína
pela inibição da carboxilesterase microssomal e da colinesterase, os caminhos
para o metabolismo da cocaína. A combinação de DSF e cocaína resulta em
aumento da concentração de cocaína no plasma, de sua meia-vida, das res-
postas cardiovasculares e da paranoia, ocorrendo também um aumento da
ansiedade durante o high da cocaína.55

Diehl.indd 201 3/11/2009 10:56:48


202 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Suh e colaboradores,55 em uma revisão sobre o status atual do DSF, des-


crevem sete estudos relevantes usando essa medicação na população de de-
pendentes de cocaína. Os estudos revelam que o DSF esteve associado a uma
importante melhora na adesão ao tratamento, assim como na maior duração
da abstinência de álcool e cocaína. Além disso, alguns estudos mostram que
os pacientes tratados com DSF reduziram bem mais a quantidade e a fre-
quência do uso de cocaína do que aqueles tratados com placebo.55
Entre os medicamentos testados até agora, o DSF tem demonstrado o
efeito mais consistente na capacidade de reduzir o uso de cocaína.55
A ocorrência de toxicidade da cocaína também é possível para depen-
dentes de cocaína em uso de DSF. Porém, nos estudos de eficácia desse medi-
camento, os efeitos adversos foram moderados, e as taxas de efeitos adversos
para o grupo-DSF e o grupo-placebo não foram significativamente diferentes.
No entanto, ainda precisamos ampliar nossos conhecimentos acerca do real
papel do DSF no tratamento da dependência de cocaína.55

ANFETAMINAS

A chamada terapia de reposição com estimulantes do SNC também tem


recebido crescente atenção nos últimos anos, sendo mais utilizada para de-
pendência de heroína e de nicotina. A terapia envolve a substituição da droga
de abuso, com frequência ilícita, usada via parenteral, várias vezes ao dia, por
uma droga legal e oralmente administrada. A droga substitutiva (medicamen-
to) tem mecanismo de ação e efeitos comportamentais similares aos da droga
de abuso, mas com potencial menor de adição, sendo capaz de bloquear a
fissura e os sintomas de abstinência, ajudando os pacientes a seguir as orien-
tações médicas e psicológicas.56
Do mesmo modo que o uso da metadona foi indicado para tratar a de-
pendência de opioide, o uso da anfetamina foi proposto como uma aborda-
gem agonista para o tratamento da dependência de cocaína. A segurança e
a possibilidade de abuso de anfetaminas nesses indivíduos são as principais
preocupações em relação ao uso desses medicamentos para o tratamento de
dependentes de cocaína.56
Uma vasta gama de estimulantes do SNC (metilfenidato, mazindol, mo-
dafinil, dexa-anfetamina, etc.) tem sido avaliada em estudos clínicos com pa-
cientes dependentes de cocaína com e sem comorbidade com transtorno de
déficit de atenção/hiperatividade (TDAH); porém, os resultados ainda não
são conclusivos.56
Xavier e colaboradores56 conduziram uma revisão sistemática, segui-
da de metanálise, de todos os ensaios clínicos randomizados, duplos-cegos,
placebo-controlados, com estimulantes do SNC que avaliaram a eficácia des-
sas medicações em dependentes de cocaína. A estratégia de busca utilizada

Diehl.indd 202 3/11/2009 10:56:48


Tratamentos farmacológicos para dependência química 203
baseou-se nas seguintes bases de dados: PUBMED, Cochrane Library, Iowa
Drug Information System (IDIS), listas de referências bibliográficas e contato
com o primeiro autor do estudo para obter maiores informações quando ne-
cessário (1966 a 2006).
As principais variáveis de eficácia consideradas foram adesão ao trata-
mento e uso de cocaína, medido por testes de benzoilecgonina na urina. A
revisão incluiu nove estudos com amostra total de 640 pacientes: 11,9% eram
mulheres, 65,3% eram dependentes de crack, 46,9% tinham comorbidade
com dependência de opioides; 7,6% tinham TDAH; e 35,8% usavam cocaína
endovenosa.
Os principais achados mostram que:

1. não houve diferenças significativas nos desfechos de eficácia entre


os estimulantes do SNC e o placebo. Apenas dois estudos com dexa-
-anfetamina e um com modafinil mostraram diminuição do uso de
cocaína, apresentando-se como uma promessa para futuros ensaios
clínicos pela tendência observada nessa revisão. A recomendação
dos autores é de que se ampliem as investigações com esses dois
medicamentos.
2. os efeitos colaterais mais relatados foram alteração do sono e an-
siedade. Nenhum estudo relatou abuso da medicação.
3. os autores assinalam que a amostra foi representada por pacientes
realmente muito graves e com prognóstico ruim, o que poderia ter
limitado a validade externa da metanálise e “escondido” a eficácia
dos estimulantes do SNC. Ao viés de inclusão e heterogeneidade
dos estudos, soma-se o viés de informação, pois os autores acre-
ditam que resultados negativos podem não ter sido emitidos na
publicação.56

Bloqueadores adrenÉrgicos

A eficácia do propranolol, um bloqueador a-adrenérgico não seletivo,


também já foi avaliada em pacientes dependentes de cocaína. No entanto,
poucos estudos sugerem que os bloqueadores adrenérgicos possam ser real-
mente eficazes em subgrupos com maior gravidade de sintomas de abstinên-
cia da cocaína.1
Estudos em humanos examinaram as interações entre os bloqueadores
adrenérgicos e a cocaína. Ambos os medicamentos, labetalol e o carvedilol,
dose-dependentes, atenuaram a frequência cardíaca e a pressão sanguínea
quando da aspiração de cocaína. O carvedilol na dose de 25 mg também re-
duziu o comportamento e a autoadministração de cocaína, sugerindo que os
bloqueadores adrenérgicos podem atenuar os efeitos reforçadores da cocaína,

Diehl.indd 203 3/11/2009 10:56:48


204 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

e, portanto, estes poderiam ser eficazes em um subgrupo de pacientes com


maior severidade de sintomas de abstinência da cocaína.1

Drogas nootrópicas

Algumas medicações, chamadas de drogas nootrópicas, atuam sobre a


atividade integrativa do telencéfalo e, supõe-se, são capazes de melhorar a
capacidade de aprendizagem e a memória do paciente. Esses fármacos tam-
bém foram avaliados para dependência de cocaína com o objetivo de melho-
rar a função cognitiva e diminuir a incidência de recaídas.
O piracetam (4,8 g/dia) e o Ginko biloba (120 mg/dia) foram analisados
em um ensaio clínico, placebo-controlado, com 44 dependentes de cocaína,
durante 10 semanas de tratamento. Os resultados obtidos não indicam qual-
quer dos dois medicamentos como intervenção promissora no tratamento da
dependência de cocaína. Até o momento, não existem evidências suficientes
que indiquem os fitoterápicos como eficazes para dependência de cocaína.57

Vacinas

Uma vacina anticocaína (TA-CD) vem sendo desenvolvida para ser usa-
da em humanos. Ela age produzindo anticorpos de cocaína, os quais isolam
e sequestram a droga na corrente sanguínea, retardando sua entrada no cé-
rebro.58
Em ratos, a vacina anticocaína foi capaz de produzir anticorpos e blo-
quear a autoadministração da droga. Ensaios clínicos iniciais revelaram um
aumento consistente e dose-dependente de anticorpos anticocaína com o uso
da vacina. Essa elevação mostrou-se eficaz tanto com cinco aplicações, em um
período de 3 meses, seguidas de quatro aplicações em baixas doses, quanto
com três aplicações na dose 10 vezes mais alta da vacina. No entanto, dentre
os pacientes que estavam na faixa de baixas doses, aqueles que receberam
uma dose mais alta tiveram significativamente mais urinas negativas para
cocaína (95 versus 55% urinas livres de cocaína), durante 12 semanas de
seguimento em ensaio clínico ambulatorial.1
O nível de anticorpos declina com o passar do tempo, e, aproximada-
mente 4 meses depois da última aplicação da série, é necessária uma nova
vacinação para adquirir níveis de anticorpos com adequada eficácia clínica. A
farmacoterapia com vacina utiliza anticorpos de anticocaína para sequestrar
moléculas de cocaína na circulação periférica. Os complexos de cocaína-anti-
corpo são muito grandes para cruzar a barreira sanguínea cerebral, manten-
do, assim, a cocaína fora do seu sítio de ação no sistema nervoso central. A
molécula de cocaína é, por si só, também muito pequena para ser antigênica

Diehl.indd 204 3/11/2009 10:56:48


Tratamentos farmacológicos para dependência química 205
(p. ex., evocar uma resposta de anticorpo), assim, ela (ou um congênere es-
tável) deve estar acoplado a uma molécula antigênica maior, como a toxina
da cólera B.10
A vacina anticocaína tem sido bem tolerada e não tem apresentado
eventos adversos importantes. Seu uso clínico pode ser limitado pelo fato de
que são necessárias 6 a 10 semanas iniciais para produzir níveis de anticorpos
suficientemente eficazes, como também por sua inabilidade em produzir um
volume mínimo de anticorpos em 25 a 30% dos pacientes vacinados. Outra
limitação estaria relacionada ao fato de os níveis de anticorpos declinarem
com o passar do tempo e, 4 meses depois da última aplicação, seria necessária
uma nova série original de vacinação para voltar a adquirir a eficácia clínica
adequada.1,11
O uso dessa vacina para prevenção primária em adolescentes, gestantes
usuárias de cocaína ou outros grupos que ainda não se tornaram dependentes
é uma questão ética bastante difícil que permanece sem uma resposta.
Embora a vacina possa produzir níveis extremamente baixos de anticor-
pos de vida longa, estudos clínicos demonstraram que, 9 meses após a vaci-
nação, os níveis de anticorpos eram indetectáveis. Uma maneira de aumentar
esses níveis envolve a produção de uma vacina à base de cólera com cocaína
anexada em vez de somente cocaína.

Antagonista 5HT3

O ondansetron (Zofran®) é um inibidor indireto da dopamina no córtex


mesolímbico e tem sido avaliado no tratamento da dependência de cocaína
por diminuir os efeitos reforçadores dessa droga.59
Essa medicação foi avaliada por Johnson e colaboradores,59 em um
estudo-piloto randomizado, duplo-cego, placebo-controlado, que envolveu
63 pacientes usuários de cocaína durante 10 semanas de tratamento. O on-
dansetron foi administrado nas doses de 0,25, 1 e 4 mg 2 vezes ao dia. Os
resultados favoreceram a dosagem de 4 mg, mostrando mais exames de urina
negativos nesse grupo, quando comparado ao placebo (p=0,02), assim como
menores taxas de abandono. Os resultados sugerem a possibilidade de uma
dose não linear de resposta, com evidência de superioridade de eficácia em 4
mg (2 vezes ao dia).59

Highlights

Agentes GABAérgicos (topiramato, tiagabina, baclofen, vigabatrim) e


agentes agonistas de reposição (modafinil, dissulfiram e metilfenidato) pa-
recem ser os mais promissores na redução do craving e do uso de cocaína.

Diehl.indd 205 3/11/2009 10:56:48


206 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

O vigabatrim, no entanto, não é comercializado em alguns países devido à


preocupação com efeitos colaterais oftalmológicos relatados.10,11
Dentre os agentes dopaminérgicos, somente a bupropiona mostrou re-
sultados positivos em amostras pequenas e em pacientes com comorbidade
depressiva. Já a combinação levodopa e carbidopa não demonstrou resulta-
dos significativos na redução do craving ou do uso de cocaína.
Os neurolépticos de primeira geração, que agem como antagonistas de
receptores D2, não demonstram qualquer efeito em reduzir o uso de cocaína.
Já os de segunda geração, como a olanzapina e o aripriprazol (Abilify® la-
boratório Bristol-MyersSquibb), com ação em receptores serotonérgicos, têm
recebido alguma atenção.
A vacina anticocaína, a N acetil-cisteína e o ondansetron são componen-
tes que já começaram a ser avaliados em ensaios clínicos com resultados pro-
missores, no entanto, ainda necessitam ampliar a evidência disponível.10,11
Ensaios pré-clínicos com ratos e macacos têm chamado atenção para
o uso de algumas medicações com ações capazes de inibir a recaptação de
serotonina, de ligantes de receptores D3, de medicações com liberação dupla
de serotonina e dopamina, de antagonistas de receptores canabinoides CB1
e de antagonistas dos receptores do fator de liberação de corticoproteínas
(CRF).10,60

Perspectivas futuras

O GBR 12909 é um potente inibidor seletivo da recaptação de dopamina


que antagoniza os efeitos da cocaína nos neurônios dopaminérgicos mesolím-
bicos em ratos e bloqueia a autoadministração de cocaína em macacos rhesus.
Ensaios clínicos com esse fármaco ainda estão em estágio de elaboração.61
Outra estratégia promissora para o tratamento da dependência de co-
caína é o desenvolvimento de anticorpos anticocaína ou de imunoterapias
para impedir que a cocaína entre no cérebro. Essa abordagem difere das te-
rapêuticas tradicionais por permitir que a droga seja sequestrada na corrente
sanguínea por anticorpos específicos para cocaína, impedindo sua entrada
no cérebro, além de evitar os efeitos colaterais tipicamente associados com a
penetração de drogas terapêuticas no SNC.61

Considerações finais

Apesar da intensa pesquisa dos últimos anos, não há, ainda, medica-
mento algum aprovado para o tratamento da dependência de cocaína. Em
outras palavras, ainda não existe uma farmacoterapia com evidência sólida o
bastante para tratar os usuários dessa substância.8,9

Diehl.indd 206 3/11/2009 10:56:48


Tratamentos farmacológicos para dependência química 207
Durante os últimos 15 anos, os esforços de pesquisa clínica na busca por
uma farmacoterapia eficaz para a dependência de cocaína têm comprovado o
alto grau de dificuldade dessa tarefa.1,62
Vários fatores podem contribuir para essas dificuldades:

1. dependentes de cocaína que participam de ensaios clínicos mostram


uma grande variação de características, até mesmo em relação a
gravidade do uso da droga, uso simultâneo de outras drogas de
abuso, comorbidades psiquiátricas e características psicossociais
diferentes. Algumas dessas características, especialmente a gravida-
de da dependência e as comorbidades psiquiátricas, podem afetar
a resposta ao medicamento e conduzir a falsas interpretações nos
ensaios clínicos, as quais devem ser consideradas.
2. os ensaios clínicos com dependentes de cocaína apresentam muitas
vezes mais de 50% de abandonos. Esse alto índice de perdas ou
abandonos complica a interpretação dos resultados, assim como a
extrapolação dos mesmos.1
3. não há qualquer medida considerada standard ou padrão-ouro
para mensurar as respostas aos medicamentos na farmacoterapia
da cocaína. Em geral, os estudos utilizam medidas que incluem o
autorrelato do paciente quanto ao uso da droga e o metabólito da
cocaína (benzoilecgonina) na urina, sendo o uso do autorrelato
bastante incerto. A benzoilecgonina, embora mais segura que o au-
torrelato, também apresenta limitações por não refletir com precisão
a frequência e a quantidade do uso da droga.1
4. a farmacoterapia da cocaína ainda carece de um mecanismo de ação
eficaz, o qual serviria como ponto de referência para o desenvolvi-
mento de novos medicamentos.

Acredita-se que futuros desenvolvimentos na farmacogenética possam


resultar em uma melhor seleção de medicamentos baseados no genótipo dos
indivíduos. Idealmente, a elaboração de um fármaco que inclua as três ami-
nas neurotransmissoras (e não apenas a dopamina), assim como os sistemas
GABAérgico, glutamatérgico e endocanabinol, é alvo de interesse em futuras
pesquisas para o tratamento da dependência de cocaína.10

Referências

1. Sofuoglu M, Kosten TR. Emerging pharmacological strategies in the fight against


cocaine addiction. Expert Opin Emerg Drugs. 2006 Mar;11(1):91-8.
2. World Drug Report 2008 [Monografia na internet]. Vienna: United Nations Office on
Drug and Crimes (UNODC); 2008. Disponível em: http://www.unodc.org/documents/
wdr/WDR_2008/WDR_2008_eng_web.pdf.

Diehl.indd 207 3/11/2009 10:56:49


208 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

3. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo AS. I Levantamento domiciliar sobre o uso
de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo 107 maiores cidades do país.
São Paulo: CEBRID, 2002.
4. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. II Levantamento domiciliar sobre o
uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do
país. São Paulo: Páginas & Letras; 2005.
5. Duailibi LB, Ribeiro M, Laranjeira R. Profile of cocaine and crack users in Brazil. Cad
Saúde Pública. 2008;24(suppl.4):S545-S57.
6. Leite MC, Andrade AG. Tratamento farmacológico. In: Cocaína e crack: dos fundamentos
ao tratamento. Porto Alegre: Artmed; 1999. p.303-10.
7. O’Brien CP. Anticraving medications for relapse prevention: a possible new class of
psychoactive medications. Am J Psychiatry. 2005 Aug;162(8):1423-31.
8. Vocci FJ, Elkashef A. Pharmacotherapy and other treatments for cocaine abuse and
dependence. Curr Opin Psychiatry. 2005 May;18(3):265-70.
9. Lima MS, de Oliveira Soares BG, Reisser AA, Farrell M. Pharmacological treatment of
cocaine dependence: a systematic review. Addiction. 2002 Aug;97(8):931-49.
10. Karila L, Gorelick D, Weinstein A, Noble F, Benyamina A, Coscas S, et al. New treat-
ments for cocaine dependence: a focused review. Int J Neuropsychopharmacol. 2008
May;11(3):425-38.
11. Gardner TJ, Kosten TR. Therapeutic options and challenges for substances of abuse.
Dialogues Clin Neurosci. 2007;9(4):431-45.
12. Stahl SM. Stahl’s essential psychopharmacology: neuroscientific basis and practical
aplications. 3rd. ed. Cambridge: Cambridge University; 2008. p.1117.
13. Rohsenow DJ, Martin RA, Eaton CA, Monti PM. Cocaine craving as a predictor of
treatment attrition and outcomes after residential treatment for cocaine dependence.
J Stud Alcohol Drugs. 2007 Sep;68(5):641-8.
14. Dackis C, O’Brien C. Glutamatergic agents for cocaine dependence. Ann N Y Acad Sci.
2003 Nov;1003:328-45.
15. Lu L, Hope BT, Shaham Y. The cystine-glutamate transporter in the accumbens: a novel
role in cocaine relapse. Trends Neurosci. 2004 Feb;27(2):74-6.
16. Ribeiro M, Laranjeira RR, Dunn J. Cocaína: bases biológicas da administração, absti-
nência e tratamento. J Bras Psiquiatr. 1998 Out;47(10):497-511.
17. Zullino DF, Khazaal Y, Hättenschwiler J, Borgeat F, Besson J. Anticonvulsant drugs in the
treatment of substance withdrawal. Drugs Today (Barc). 2004 Jul;40(7):603-19.
18. Minozzi S, Amato L, Davoli M, Farrell M, Lima Reisser AA, Pani PP, et al. Anticonvulsants
for cocaine dependence. Cochrane Database Syst Rev. 2008 Apr 16;(2):CD006754.
19. Cordioli AV. Psicofármacos: consulta rápida. 3. ed. Porto Alegre; 2005.
20. Zullino DF, Cottier AC, Besson J. Topiramate in opiate withdrawal. Prog Neuropsycho-
pharmacol Biol Psychiatry. 2002 Oct;26(6):1221-3.
21. Kampman KM, Pettinati H, Lynch KG, Dackis C, Sparkman T, Weigley C, et al. A pilot
trial of topiramate for the treatment of cocaine dependence. Drug Alcohol Depend.
2004 Sep 6;75(3):233-40.
22. Bobes J, Carreno JE, Gutierrez CE, San Narciso GI, Antuna MJ, Diaz T, et al. Study of
effectiveness of craving control with topiramate in patients with substance dependence
disorders. Actas Esp Psiquiatr. 2004 Sep-Oct;32(5):299-306.

Diehl.indd 208 3/11/2009 10:56:49


Tratamentos farmacológicos para dependência química 209
23. Reis AD, Castro LA, Faria R, Laranjeira R. Craving decrease with topiramate in outpa-
tient treatment for cocaine dependence: an open label trial. Rev Bras Psiquiatr. 2008
Jun;30(2):132-5.
24. Raby WN, Coomaraswamy S. Gabapentin reduces cocaine use among addicts from a
community. J Clin Psychiatry. 2004 Jan;65(1):84-6.
25. Berger SP, Winhusen TM, Somoza EC, Harrer JM, Mezinskis JP, Leiderman DB, et al.
A medication screening trial evaluation of reserpine, gabapentin and lamotrigine
pharmacotherapy of cocaine dependence. Addiction. 2005 Mar;100 Suppl 1:58-67.
26. Myrick H, Henderson S, Brady KT, Malcom R, Measom M. Divalproex loading in the
treatment of cocaine dependence. J Psychoactive Drugs. 2001 Jul-Sep;33(3):283-7.
27. Reid MS, Casadonte P, Baker S, Sanfilipo M, Braunstein D, Hitzemann R, et al. A placebo-
controlled screening trial of olanzapine, valproate, and coenzyme Q10/L-carnitine for
the treatment of cocaine dependence. Addiction. 2005 Mar;100(Suppl 1):43-57.
29. Lima MS, Reisser AA, Soares BG, Farrell M. Antidepressants for cocaine dependence.
Cochrane Database Syst Rev. 2001;(4):CD002950. Update in: Cochrane Database Syst
Rev. 2003;(2):CD002950.
31. McDowell D, Nunes EV, Seracini AM, Rothenberg J, Vosburg SK, Ma GJ, et al. Desipra-
mine treatment of cocaine-dependent patients with depression: a placebo-controlled
trial. Drug Alcohol Depend. 2005 Nov;80(2):209-21.
32. Covi L, Hess JM, Kreitar NA, Haertzen CA. Three models for the analysis of a fluo-
xetine placebo controlled treatment in cocaine abuse. In: Harris LS, ed. Problems of
drug dependence: proceedings of the 55th Annual Scientific Meeting, The College on
Problems of Drug Dependence, Inc. Rockville: NIDA; 1993. v.2. p. 137.
33. Batki SL, Washburn AM, Delucci K, Jones RT. A controlled trial of fluoxetine in crack
cocaine dependence. Drug Alcohol Depend. 1996 june;41(2):137-142.
34. Ciraulo DA, Sarid-Segal O, Knapp CM, Ciraulo AM, LoCastro J, Bloch DA, et al. Efficacy
screening trials of paroxetine, pentoxifylline, riluzole, pramipexole and venlafaxine in
cocaine dependence. Addiction. 2005 Mar;100 Suppl 1:12-22.
35. Winhusen TM, Somoza EC, Harrer JM, Mezinskis JP, Montgomery MA, Goldsmith RJ,
et al. A placebo-controlled screening trial of tiagabine, sertraline and donepezil as
cocaine dependence treatments. Addiction. 2005 Mar;100 Suppl 1:68-77.
36. Szerman N, Peris L, Mesias B, Colis P, Rosa J, Prieto A, et al. Reboxetine for the tre-
atment of patients with Cocaine Dependence Disorder. Hum Psychopharmacol. 2005
Apr;20(3):189-92.
37. Ciraulo DA, Knapp C, Rotrosen J, Sarid-Segal O, Ciraulo AM, LoCastro J, et al. Nefazo-
done treatment of cocaine dependence with comorbid depressive symptoms. Addiction.
2005 Mar;100(Suppl 1):23-31.
38. Passos SR, Camacho LA, Lopes CS, dos Santos MA. Nefazodone in out-patient treatment
of inhaled cocaine dependence: a randomized double-blind placebo-controlled trial.
Addiction. 2005 Apr;100(4):489-94.
39. Margolin A, Kosten TR, Avants SK, Wilkins J, Ling W, Beckson M, et al. A multicenter
trial of bupropion for cocaine dependence in methadone-maintained patients. Drug
Alcohol Depend. 1995 Dec;40(2):125-31.
40. Poling J, Oliveto A, Petry N, Sofuoglu M, Gonsai K, Gonzalez G, et al. Six-month trial
of bupropion with contingency management for cocaine dependence in a methadone-
maintained population. Arch Gen Psychiatry. 2006 Feb;63(2):219-28.

Diehl.indd 209 3/11/2009 10:56:49


210 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

41. Zueco Perez PL. Mirtazapine in the treatment of cocaine-dependence in patients with
methadone. Actas Esp Psiquiatr. 2002 Nov-Dec;30(6):337-42.
42. Soares BG, Lima MS, Reisser AA, Farrell M. Dopamine agonists for cocaine dependence.
Cochrane Database Syst Rev. 2003;(2):CD003352.
43. Focchi GR, Leite MC, Andrade AG, Scivoletto S. Use of dopamine agonist pergolide in
outpatient treatment of cocaine dependence. Subst Use Misuse. 2005;40(8):1169-77.
44. Gawin FH, Kleber HD, Byck R, Rounsaville BJ, Kosten TR, Jatlow PI, et al. Desipramine
facilitation of initial cocaine abstinence. Arch Gen Psychiatry. 1989 Feb;46(2):117-21.
45. Amato L, Minozzi S, Pani PP, Davoli M. Antipsychotic medications for cocaine depen-
dence. Cochrane Database Syst Rev. 2007 Jul 18;(3):CD006306.
46. Smelson DA, Williams J, Ziedonis D, Sussner BD, Losonczy MF, Engelhart C, et al. A
double-blind placebo-controlled pilot study of risperidone for decreasing cue-elicited
craving in recently withdrawn cocaine dependent patients. J Subst Abuse Treat. 2004
Jul;27(1):45-9.
47. Grabowski J, Rhoades H, Silverman P, Schmitz JM, Stotts A, Creson D, et al. Rispe-
ridone for the treatment of cocaine dependence: randomized, double-blind. J Clin
Psychopharmacol. 2000 Jun;20(3):305-10.
48. Kampman KM, Pettinati H, Lynch KG, Sparkman T, O’Brien CP. A pilot trial of olanzapine
for the treatment of cocaine dependence. Drug Alcohol Depend. 2003 Jun5;70(3):265-
73.
49. Shoptaw S, Yang X, Rotheram-Fuller EJ, Hsieh YC, Kintaudi PC, Charuvastra VC, et al.
Randomized placebo-controlled trial of baclofen for cocaine dependence: preliminary
effects for individuals with chronic patterns of cocaine use. J Clin Psychiatry. 2003
Dec;64(12):1440-8.
50. Grant JE, Kim SW, Hollander E, Potenza MN. Predicting response to opiate antagonists
and placebo in the treatment of pathological gambling. Psychopharmacology (Berl).
2008 Nov;200(4):521-7.
51. Ramoz N, Versini A, Gorwood P. Eating disorders: an overview of treatment responses
and the potential impact of vulnerability genes and endophenotypes. Expert Opin
Pharmacother. 2007 Sep;8(13):2029-44.
52. Dackis CA, Kampman KM, Lynch KG, Pettinati HM, O’Brien CP. A double-blind, placebo-
controlled trial of modafinil for cocaine dependence. Neuropsychopharmacology. 2005
Jan;30(1):205-11.
53. Malcolm R, LaRowe S, Cochran K, Moak D, Herron J, Brady K, et al. A controlled trial
of amlodipine for cocaine dependence: a negative report. J Subst Abuse Treat. 2005
Mar;28(2):197-204.
54. Pani PP, Amato L, Davoli M, Vecchi S. Disulphiram for the treatment of cocaine depen-
dence (Protocol). Cochrane Database Syst Rev. 2008 Apr 26;(2):CD007024.
55. Suh JJ, Pettinati HM, Kampman KM, O’Brien CP. The status of disulfiram: a half of a
century later. J Clin Psychopharmacol. 2006 Jun;26(3):290-302.
56. Xavier C, Casas M, Vidal X, Bosch R, Roncero C, Antoni Ramos-Quiroga  J, et al.
Efficacy of central nervous system stimulant treatment for cocaine dependence: a
systematic review and meta-analysis of randomized controlled clinical trials.Addic-
tion.2007;102(12):1871-87.

Diehl.indd 210 3/11/2009 10:56:49


Tratamentos farmacológicos para dependência química 211
57. Kampman K, Majewska MD, Tourian K, Dackis C, Cornish J, Poole S, et al. A pilot
trial of piracetam and ginkgo biloba for the treatment of cocaine dependence. Addict
Behav. Apr 2003;28(3):437-48.
58. Martell BA, Mitchell E, Poling J, Gonsai K, Kosten TR. Vaccine pharmacotherapy for
the treatment of cocaine dependence. Biol Psychiatry. Jul 2005;58(2):158-64.
59. Johnson BA, Roache JD, Ait-Daoud N, Javors MA, Harrison JM, Elkashef A, et al. A
preliminary randomized, double-blind, placebo-controlled study of the safety and
efficacy of ondansetron in the treatment of cocaine dependence. Drug Alcohol Depend.
2006 Oct 1;84(3):256-63.
60. Oliveira IR, Sena EP. Manual de psicofarmacologia clínica. 2. ed. Rio de Janeiro: Gua-
nabara Koogan; 2006.
61. Organização Mundial da Saúde. Neurociência do uso e da dependência de substâncias
psicoativas. São Paulo: Roca; 2007. p.240.
62. Everitt BS, Wesseley S. Clinical trials in psychiatry. Oxford: Oxford University; 2004.

Leituras recomendadas

Castells X, Casas M, Vidal X, Bosch R, Roncero C, Ramos-Quiroga JA, et al. Efficacy of central
nervous system stimulant treatment for cocaine dependence: a systematic review and meta-
analysis of randomized controlled clinical trials. Addiction. 2007 Dec;102(12):1871-87.
Glasziou P, Vandenbroucke JP, Chalmers I. Assessing the quality of research. BMJ. 2004 Jan
3;328(7430):39-41. Erratum in: BMJ. 2004 Sep 11;329(7466):621.
Herranz JL. Topiramate, a new antiepileptic drug. Rev Neurol. 1997;25(144):1221-5.
Johnson BA, Ait-Daoud N, Bowden CL, DiClemente CC, Roache JD, Lawson K, et al. Oral
topiramate for treatment of alcohol dependence: a randomized controlled trial. Lancet. 2003
May 17;361(9370):1677-85.
Lima AR, Lima MS, Soares BG, Farrell M. Carbamazepine for cocaine dependence. Co-
chrane Database Syst Rev. 2002;(2):CD002023. Update in: Cochrane Database Syst Rev.
2009;(1):CD002023.
Lima MS, Reisser AA, Soares BG, Farrell M. Antidepressants for cocaine dependence. Cochrane
Database Syst Rev. 2003;(2):CD002950.
Stoops WW, Lile JA, Lofwall MR, Rush CR. The safety, tolerability, and subject-rated effects
of acute intranasal cocaine administration during aripiprazole maintenance. Am J Drug
Alcohol Abuse. 2007;33(6):769-76

Diehl.indd 211 3/11/2009 10:56:49


Diehl.indd 212 3/11/2009 10:56:49
parte 8
Opioides

Diehl.indd 213 3/11/2009 10:56:49


Diehl.indd 214 3/11/2009 10:56:49
TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
INTOXICAÇÃO AGUDA
POR OPIOIDES
13
A dor e o coma
Daniel Cruz Cordeiro

Os opioides atuam no sistema nervoso central (SNC), onde receptores


específicos estão localizados, principalmente no hipotálamo, na amígdala, na
região límbica e na região cinzenta periaquedutal e sensorial,1 atuando tam-
bém em outros órgãos, sobretudo nos do trato gastrintestinal, o que resulta
em diversos efeitos colaterais observados no uso de analgésicos opioides. Os
efeitos colaterais mais comuns são depressão respiratória, prurido, náuseas e
vômitos, constipação, retenção urinária, rigidez de parede torácica, supressão
da tosse, constrição pupilar, constrição de esfincteres, disforia, redução da
resposta ao estresse agudo, efeitos cardiovasculares e supressão do sistema
imune.2
Os receptores opiáceos possuem funções distintas e parecem modular a
liberação de neurotrasmissores, como serotonina, norepinefrina, acetilcolina, e
de outros peptídeos. Dentre os diferentes receptores opiáceos, destacam-se:

• mu – Estudos de neuroimagem mostram que alterações dos níveis


desse receptor parecem ser fundamentais na gênese da dependência.
Dependentes de opioides abstinentes há pouco tempo apresentam
níveis mais altos de receptores mu ou mais baixos de opioides endó-
genos, resultando em craving.3 Apresentam-se em dois subtipos: o 1,
que é responsável pela euforia, analgesia e depressão respiratória; e
o 2, relacionado a efeitos no trato gastrintestinal;
• kappa – A estimulação desses receptores está relacionada a uma di-
minuição da função da dopamina no nucleus acumbens e consequente
relação com quadros disfóricos.4 Relaciona-se também a analgesia e
sedação, além de produzir efeitos, como sintomas psicomiméticos,
miose e quadros de desrealização e despersonalização;

Diehl.indd 215 3/11/2009 10:56:50


216 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

• delta – Outro receptor envolvido com analgesia. Em modelos animais,


antagonistas desses receptores reduzem a autoadministração de álcool,
indicando sua atuação no reinforcement;4
• épsilon – Receptor envolvido com a sedação;4
• sigma – Desempenha papel importante na ação antitussígena dos
opioides e parece estar associado a quadros de alteração do humor e
quadros alucinógenos.4

Dados do segundo relatório sobre drogas, conduzido em 2007 pela Junta


Internacional de Fiscalização de Entorpecentes, da Organização das Nações
Unidas (ONU), indicam o Brasil como maior consumidor de medicamentos à
base de opioides da América do Sul. O consumo dessa substância por brasilei-
ros é 66,6% superior à média da região e 25% à do mundo. A maioria desses
derivados é proveniente de medicamentos desviados de hospitais e utilizados
pela própria equipe de saúde.5
Os números pareciam menos significativos há alguns anos. Segundo o I
Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas, realizado no
Brasil em 2001, cerca de 2% da população entrevistada relatou ter feito uso
abusivo de xaropes de codeína, e 0,04% dos entrevistados relatou consumo
de heroína.6 No II Levantamento, realizado em 2005, esses números aumen-
taram para 1,9% no uso abusivo de xaropes de codeína e para 0,09% no de
heroína.
Laranjeira e colaboradores7 já discutiam a possibilidade de a heroína
passar a ser uma nova epidemia entre as drogas ilícitas consumidas no país.
Apesar de os números ainda não apontarem para uma epidemia, sabe-se que,
com a entrada da Colômbia na produção de heroína, a facilidade de acesso e
os preços tornaram o consumo menos raro no Brasil. No ano de 2007, 16 kg de
heroína foram apreendidos no Brasil.9 Em 2008, duas ações da Polícia Federal
exemplificam a questão: em janeiro foram apreendidos, em São Paulo, 11,5
kg de heroína e, em julho, foi desarticulada uma ação criminosa que agia pela
internet enviando, para os Estados Unidos e países europeus, medicamentos
controlados que incluíam os derivados opioides.8
Talvez os números mais alarmantes sobre o consumo de opioides este-
jam relacionados aos do consumo e dependência entre os médicos, conforme
observado em recente levantamento no Estado de São Paulo. A população
estudada envolvia médicos de diferentes especialidades em tratamento para
algum tipo de dependência química, sendo que 22% eram dependentes de
opioides.10 Outro aspecto relevante sobre esse assunto são as prescrições de
medicamentos opioides para o manejo tanto da dor aguda como da crônica
em pacientes internados. Alguns estudos mostram inadequação dessas pres-
crições em até 93% dos casos, quando avaliados conjuntamente o intervalo
da dose, o parâmetro e o padrão.1

Diehl.indd 216 3/11/2009 10:56:50


Tratamentos farmacológicos para dependência química 217
Classificação dos opioides

• Opioides naturais – ópio, morfina, codeína, tabaína


• Opioides semissintéticos – heroína, oxicodona, hidrocodona, oximor-
fina, hidromorfona
• Opioides sintéticos – metadona, meperidina, fentanil, levometadil,
propoxinfena
• Antagonistas mistos – buprenorfina, nalbufona, pentazocina, nalbu-
fina
• Antagonistas – naltrexona, naloxona

Os principais opioides de uso comercial no Brasil estão listados na Ta-


bela 13.1.

Quadro clínico

Os diferentes tipos de opioides podem, de maneira geral, causar sin-


tomas de intoxicação e de abstinência muito parecidos. Os sintomas mais
comuns na intoxicação são euforia ou disforia, sensação de calor com rubor
facial, analgesia, constipação, constrição pupilar, sonolência, taquicardia, ar-
reflexia, hipotensão, depressão respiratória, apneia, sedação e coma. Sinto-
matologia atípica pode ser observada nos casos de adulteração, que não são
raros, principalmente se tratando de opioides ilícitos, como a heroína, que de
tempos em tempos vem sendo misturada a outras substâncias, como o clem-

Tabela 13.1
Principais opioides de uso comercial no Brasil

Nome comercial Apresentação

Buprenorfina Tangesic Comprimidos sublinguais e


ampolas
Codeína Belacocid, Bromalgina, Comprimidos, ampolas,
Codein, Codaten, Tylex xaropes e gotas
Diidrocodeína Synalgos-DC
Diidrocodeinona Hycodan
Fentanil Inovan
Meperidina Demerol, Dolantina
Morfina Dimorf, Morfina
Propoxifeno Alfagan, Doloxene

Diehl.indd 217 3/11/2009 10:56:50


218 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

buterol (uma substância similar aos anabolizantes esteroides), a cafeína e a


escopolamina. Os sintomas atípicos dependem da quantidade dessas substân-
cias misturada ao opioide.12
Os sinais e sintomas observados na síndrome de abstinência incluem humor
deprimido e ansiedade, disforia, fissura, piloereção, lacrimejamento e rinorreia,
aumento da atenção, hiperalgesia, cãibras gastrintestinais, náusea e vômitos, di-
latação pupilar e fotofobia, insônia e aumento da atividade autonômica.1

Complicações clínicas

As principais alterações clínicas são:

• cardíacas: miocardites, arritmias cardíacas, endocardites, arterites, trom-


boflebites, angeíte necrosante e perturbações da pressão arterial;
• gastrintestinais: hepatites, cirrose hepática e pancreatite;
• geniturinárias e reprodutoras: alterações de ciclo menstrual, síndrome
geniturinária e síndome nefrótica;
• dermatológicas: edemas nas mãos, abscessos e úlceras;
• respiratórias: microinfartos pulmonares, fibrose pulmonar crônica,
granulomas de corpo estranho, edema pulmonar, pneumonia bac-
teriana, pneumonia aspirativa, pneumonias relacionadas ao HIV e
tuberculose;
• sistema nervoso central: crises convulsivas, delirium ou estado confu-
sional agudo, mielite transversa aguda, lesões de nervos periféricos e
meningite bacteriana;
• hematológicas: aplasia de medula;
• osteomusculares: artrite esquelético-séptica, osteomielite, rabdomió-
lise e miopatias fibrosas.13

Tratamento da intoxicação aguda

As intoxicações por opioides são caracterizadas por sedação e miose,


com presença de humor normal tendendo a euforia, sedação e miose, mas
dificilmente esse quadro leva o usuário a procurar tratamento. Quando isso
ocorre, em geral é devido a um quadro de overdose, caracterizado pela tríade
miose, depressão respiratória e coma.
Outros sintomas importantes são bradicardia acentuada, acompanhada
de edema pulmonar; hipoxia e hipotonia.13 Um prognóstico satisfatório de-
pende da chegada em tempo hábil desse paciente à sala de emergência para
que seja realizada a conduta clínica necessária.14 As vítimas mais comuns de
overdose de opioides são os usuários que

Diehl.indd 218 3/11/2009 10:56:50


Tratamentos farmacológicos para dependência química 219
1. utilizam diferentes dosagens;
2. misturam opioides com drogas depressoras do sistema nervoso
central;
3. não possuem experiência no consumo; e
4. apresentam baixa tolerância a essa classe de drogas.1

Os riscos de overdose aumentam ainda mais quando a população é de


usuários de heroína. Acredita-se que cerca de dois terços dos usuários de
heroína injetável já tenham tido uma experiência de overdose na vida.15 Usuá-
rios de heroína que apresentaram overdose alegam os seguintes motivos para
o surgimento do quadro:

1. uso de uma dose maior que a habitual;


2. uso de uma heroína mais potente que a habitualmente utilizada;
3. uso concomitante de álcool e droga; e
4. provocação “deliberada” de overdose.16

Outras características independentemente relacionadas a quadros de


overdose de heroína são:

1. idade inferior a 30 anos. Quanto mais jovem, maior a chance de


ocorrência de overdose. Além de injetarem doses maiores, os jovens
também possuem maiores riscos relacionados ao comportamento
sexual do que os usuários mais velhos.
2. aspectos relacionados a marginalização social, como: estar em
condição de morador de rua, ser ex-presidiário, ser gay, lésbica,
bissexual ou transexual e estar envolvido com prostituição. Tais
características podem aumentar o nível de estresse social e eco-
nômico, reduzindo oportunidades e recursos de comportamentos
de autoproteção.
3. uso concomitante de álcool e heroína injetável. Autópsias realizadas
após overdoses mostraram que as doses desses pacientes não eram
superiores às doses de outros usuários que não tiveram overdose. O
álcool e, possivelmente, outras substâncias depressoras do sistema
nervoso central aumentariam o efeito de depressão respiratória
resultante do consumo de heroína.
4. prisões frequentes ou realização do programa de 21 dias de desinto-
xicação com metadona. Ambos produzem períodos de abstinência,
resultando em diminuição da tolerância à heroína.17

A avaliação e o tratamento das overdoses devem ser realizados em setor


de emergência médica. Devido à sintomatologia apresentada, os seguintes
passos devem ser seguidos para um melhor atendimento dessa emergência:

Diehl.indd 219 3/11/2009 10:56:50


220 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

a) estabelecer suporte ventilatório. Se houver edema pulmonar, as drogas


diuréticas são contraindicadas porque a presença do edema se deve
ao extravasamento de líquido pelos capilares pulmonares e não por
sobrecarga de fluidos;
b) correção de possível hipotensão arterial;
c) administração de naloxona (Narcan® ampolas de 1mL). Deve ser uti-
lizada em todos os casos de suspeita de intoxicação por opioides. Com
a administração desse medicamento, espera-se a melhora do nível de
consciência e do padrão respiratório. Caso também ocorra midríase
ou agitação, o seguinte esquema é preconizado:
– 0,8 mg de naloxona EV: se não houver resposta em até 15 minutos,
seguir esquema com 1,6 mg de naloxona EV; se não houver resposta
em até 15 minutos, seguir esquema com 3,2 mg de naloxona EV.
Não havendo resposta, revisar de imediato o diagnóstico.
Tanto a intoxicação quanto a síndrome de abstinência de opioide
em geral não conduzem a convulsões; porém, convulsões podem
ocasionalmente ocorrer com o uso crônico de meperidina ou in-
toxicação por tramadol. Uma convulsão pode significar uma sín-
drome de abstinência por sedativo-hipnóticos não diagnosticada,
uma intoxicação por estimulantes (uma vez que grande parte dos
dependentes químicos são poliusuários de drogas), outra condição
médica (p. ex., epilepsia ou trauma cerebral) ou até mesmo simu-
lação de convulsão em paciente portador de patologia histérica.
Considerar o uso de fenobarbital 200 mg oral para teste terapêu-
tico e diferenciação diagnóstica, uma vez que, em indivíduos não
tolerantes, essa dose é suficiente para causar sonolência e certa
disartria, entre outros sintomas.13

Em geral, em usuários de opioides, são encontrados problemas clínicos


associados a esse consumo. Portanto, uma avaliação clínica e laboratorial deta-
lhada deve ser realizada concomitantemente aos procedimentos supracitados.
Encontram-se descritas na literatura várias medidas que poderiam dimi-
nuir o risco de overdoses em usuários de heroína, como:

1. injetar dose pequena e em velocidade menor do que a habitual, caso


a heroína não seja familiar, antes de usar a dose completa;
2. usar locais familiares para injetar a droga; e
3. evitar estar só no momento de injetar heroína.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, a epidemia relacionada à heroína ainda não se iniciou devi-


do principalmente ao elevado custo dessa droga. Quadros por intoxicação,

Diehl.indd 220 3/11/2009 10:56:50


Tratamentos farmacológicos para dependência química 221
dependência ou abstinência de opioides são mais raros na clínica diária,
sendo observados em pessoas em situações socioeconômicas mais elevadas,
imigrantes ou naquelas com algum tipo de facilidade em obter tais drogas
(profissionais da área da saúde em especial).7,10 Aumentar a vigilância acerca
desses produtos é uma excelente estratégia para evitar a manutenção ou o
surgimento de novos casos, e a possibilidade de utilização da naloxona em
pronto-socorros nos casos de intoxicação pode evitar o agravamento destas
ou mesmo a evolução para óbito.14

Referências

1. Baltieri DA, Strain EC, Dias JC, Scivoletto S, Malbergier A, Nicastri S, et al. Diretrizes
para o tratamento de pacientes com síndrome de dependência de opióides no Brasil.
[Artigo online]. Rev Bras Psiquiatr. 2004;26(4):259-69. Disponível em: http://www.
scielo.br/pdf/rbp/v26n4/a11v26n4.pdf.
2. Tanaka PP, Moss J. O papel dos antagonistas periféricos dos opióides no tratamento da dor
e nos cuidados perioperatórios. Rev Bras Anestesiol. 2008 Set-Out;58(5):533-47.
3. Zubieta J, Greenwald MK, Lombardi U, Woods JH, Kilbourn MR, Jewett DM, et
al. Buprenorphine-induced changes in mu-opioid receptor availability in male
heroin-dependent volunteers: a preliminary study. Neuropsychopharmacology. 2000
Sep;23(3):326-34.
4. Lingford-Hughes A, Nutt D. Neurobiology of addiction and implications for treatment.
Br J Psychiatry. 2003 Feb;182:97-100.
5. UNODC. United Nations Office Drug and Crime. World Drug Report 2008. Slovakia:
United Nations Publications, 2008. n. E08.XI.1, p. 310. Disponível em: < http://viewer.
zmags.com/showmag.php?preview=1&mid=wtddth&%5Fx=1#/page0/ >. Acesso
em: 20 jan. 2009.
6. Carlini E, Galduróz JCF, Noto AR, Nappo AS. I levantamento domiciliar sobre o uso de
drogas psicotrópicas no Brasil de 2001. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (CEBRID/UNIFESP);
2002.
7. Laranjeira R, Ratto L, Dunn J. Heroína a próxima epidemia de drogas no Brasil? J Bras
Psiquiatr. 1997 Jan;46(1):5-7.
8. Policia Federal. [Homepage na internet]. Disponível em: http://www.dpf.gov.br/DCS/.
Acesso em: 10 dez 2008.
9. ADPF. Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal. Disponível em: http://
www.adpf.org.br/modules/news/article.php?storyid=39427. Acesso restrito em: 10
dez 2008.
10. Alves HNP, Surjan JC, Nogueira-Martins LA, Marques ACP, Ramos SP, Laranjeira RR.
Perfil clínico e demográfico de médicos com dependência química. Rev Assoc Med
Bras. 2005 Maio-jun;51(3):139-43.
11. Daudt AW, Hadlich E, Facin MA, Aprator MS, Pereira RP. Opióides no manejo da dor
— uso correto ou subestimado? Dados de um hospital universitário. Rev Assoc Med
Bras. 1998 Abr-jun;44(2):106-10.

Diehl.indd 221 3/11/2009 10:56:51


222 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

12. Hoffman RS, and col. Atypical Reactions Associated With Heroin Use-Five States,
January-April 2005. JAMA. 2005;294(19):2424-27.
13. Polydorou S, Kleber HD. Detoxification of opioids. In: Galanter M, Kleber HB. The
American Psychiatric Publishing textbook of substance abuse treatment. 4th. ed. Ar-
lington: American Psychiatric Publishing, 2008. p.265-287.
14. Botega NJ. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. In: Ri-
beiro M, Laranjeira R, Dunn J. Álcool e drogas: emergência e psiquiátrica. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2006. p. 263-81.
15. Darke S, Ross J, Hall W. Overdose among heroin users in Sydney, Australia: I. Preva-
lence and correlates of non-fatal overdose. Addiction. 1996 Mar;91(3):405-11.
16. Gossop M, Griffiths P, Powis B, Williamson S, Strang J. Frequency of non-fatal heroin
overdose: survey of heroin users recruited in non-clinical settings. BMJ. 1996 Aug
17;313(7054):402.
17. Seal KH, Kral AH, Gee L, Moore LD, Bluthenthal RN, Lorvick J, et al. Predictors and
prevention of nonfatal overdose among street-recruited injection heroin users in the
San Francisco Bay Area, 1998-1999. Am J Public Health. 2001 Nov;91(11):1842-6.

Leituras recomendadas

Beletsky L, Ruthazer R, Macalino GE, Rich JD, Tan L, Burris S. Physicians’ knowledge of
and willingness to prescribe naloxone to reverse accidental opiate overdose: challenges and
opportunities. J Urban Health. 2007 Jan;84(1):126-36.
Brown C, Fezoui M, Selig WM, Schwartz CE, Ellis JL. Antitussive activity of sigma-1 receptor
agonists in the guinea-pig. Br J Pharmacol. 2004 Jan;141(2):233-40.
Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. II Levantamento domiciliar sobre o uso de
drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país. São
Paulo: Páginas & Letras; 2005.
Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Atypical reactions associated with heroin
use-five states, January-April 2005. JAMA. 2005 Nov 16;294(19):2424-27.
Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Heroin overdose deaths-Multnomah
County, Oregon, 1993-1999. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2000 Jul 21;49(28):633-6.
Figlie BN, Bordin S, Laranjeira R. Aconselhamento em dependência química. São Paulo:
Roca; 2004.
Opióides. In: Figlie BN, Bordin S, Laranjeira R. Aconselhamento em dependência química.
São Paulo: Roca; 2004.
Projeto Diretrizes [Monografia online]. Barueri: Associação Médica Brasileira, Conselho
Federal de Medicina; 2008. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_di-
retrizes/texto_introdutorio.pdf.
Ribeiro M, Laranjeira R, Dunn J. Álcool e drogas: emergência e psiquiátrica. IN: Botega NJ,
organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed; 2006. p.263-81.
Sporer KA. Acute heroin overdose. Ann Intern Med. 1999 Apr 6;130(7):584-90.
Sporer KA. Strategies for preventing heroin overdose. BMJ. 2003 Feb 22;326(7386):442-4.
Unintentional and undetermined poisoning deaths-11 States, 1990-2001. JAMA. 2004 May
5;291(17):2064-5.

Diehl.indd 222 3/11/2009 10:56:51


TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA
E DEPENDÊNCIA DE OPIOIDES
14
A dor da ausência
Daniel Cruz Cordeiro

A dependência de opioide continua sendo um importante problema


de saúde pública em vários países do mundo, embora os últimos dados do
UNODC1 apontem que a demanda pela droga tem permanecido estável de
uma maneira geral, com consumo médio mundial em torno de 0,39% em
populações de 15 a 65 anos de idade, correspondendo a 16,5 milhões de usu-
ários no mundo. Mais de metade desses usuários vive na Ásia (9,3 milhões),
sendo a Europa o segundo mercado com maior número de consumidores
(0,7%). Já o cultivo e a produção da droga seguem sendo dominados pelo
Afeganistão.1
O tratamento de substituição de opioides para a síndrome de dependên-
cia dessa droga tem sido a abordagem mais utilizada desde a década de 1960,
quando a metadona foi introduzida com essa finalidade. Os benefícios desse
método têm sido observados em vários estudos apontando efetiva redução
das taxas de infecção pelo vírus HIV e hepatites B e C, diminuição dos riscos
de overdose e melhora no funcionamento sociofamiliar.2

MedICAMeNtOS MAIS utILIZAdOS

Metadona (Metadon®)
É o medicamento mais estudado e utilizado para tratamento da depen-
dência de opioides, sendo também utilizado como analgésico no tratamento
da dor aguda. Tem ação agonista completa sobre os receptores mu e meia-
vida de aproximadamente 24 horas. Altas doses de metadona aliviam o cra-
ving e induzem a tolerância cruzada para outros opioides, bloqueando, assim,
a euforia induzida pela heroína.3,4

Diehl.indd 223 3/11/2009 10:56:51


224 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Apresentação: caixas com 10 ampolas de 1 mL, com 10 mg, e compri-


midos de 5 e 10 mg.4
Principais efeitos colaterais: dependência, sedação, depressão respira-
tória, delirium, sudorese excessiva, náuseas e tonturas.4

A retenção de pacientes neste tratamento pelo período de 1 ano chega


a 80%, com efetiva redução do consumo ilícito de opioides. Existe evidência
científica apontando que a eficácia da metadona no tratamento de manu-
tenção é dose-dependente. Sabe-se que doses de 20 a 30 mg/dia levam a
importante adesão ao tratamento, com significativa redução da droga ilícita;
entretanto, dosagens moderadas (60 a 75 mg/dia) produzem reduções ainda
mais relevantes em seu uso. A dose recomendada na manutenção costuma
ser de 60 a 120 mg/dia de metadona.6 Em geral, pacientes poliusuários, que
consomem tanto cocaína quanto heroína, apresentam melhores resultados
com metadona, quando comparados aos tratados com buprenorfina.7
Na revisão sistemática conduzida por Mattick e colaboradores,8 a me-
tadona mostrou-se mais eficaz do que outros compostos usados para tratar
dependência de opioides.8

LAAM

O LAAM (levometadilacetato) é um agonista opioide com eficácia seme-


lhante à da metadona no tratamento da dependência de opioides, porém com
efeitos mais prolongados, podendo ser administrado em dias alternados.5 Nos
Estados Unidos e na Europa, foi suspenso do mercado devido ao aumento de
risco de arritmias cardíacas graves e prolongamento do espaço QTc.3

Buprenorfina (Temgesic®)

A buprenorfina (Temgesic®) é um agonista opioide misto capaz de pro-


duzir efeito parcial no receptor mu e antagonista nos receptores kappa, resul-
tando nos efeitos únicos dessa medicação.3 É utilizada também como analgé-
sico potente em doses de 0,2 a 0,4 mg VO.4 A buprenorfina apresenta menor
potencial para produzir efeitos subjetivos semelhantes aos da morfina do que
os demais agonistas opioides, daí o menor potencial de abuso observado para
essa substância.2

Apresentação: caixas com 48 pastilhas sublinguais de 0,2 mg e caixas


com 100 ampolas de 1 mL com 0,3 mg. Essa forma produz menor po-
tencial de abuso por apresentar uma entrada mais lenta na corrente
sanguínea. Existem duas apresentações dessas pastilhas: uma apenas

Diehl.indd 224 3/11/2009 10:56:51


Tratamentos farmacológicos para dependência química 225
com buprenorfina e outra com buprenorfina e naloxona (Suboxone®),
sendo que a segunda diminuiria ainda mais as chances de abuso do
medicamento.3
Principais efeitos colaterais: cefaleia, sedação, depressão respiratória,
vertigens, náuseas e vômitos, sudorese aumentada, insônia, cansaço,
eritema e gosto metálico.3,4
Precauções: antes de prescrever essa medicação são necessários exames
laboratoriais para verificar funções hepática e renal, pois em doses mais
elevadas pode ocasionar aumento das provas de função hepática, es-
pecialmente nos pacientes com algum tipo de comprometimento desse
órgão. Na overdose, não produz depressão respiratória significativa, o
que aumenta sua segurança.3

Naltrexona (Revia®)

A naltrexona (Revia®) é um antagonista opioide que bloqueia os efeitos


prazerosos dos opioides, resultando em diminuição do consumo. Produz síndro-
me de abstinência nos usuários ativos, sendo que o início da medicação deve
ocorrer após 5-7 dias da parada do consumo da droga. Não apresenta potencial
de abuso.3,9 Pacientes tratados durante um tempo considerável com esse medi-
camento ficam mais sensíveis aos opioides e, por isso, têm maiores chances de
apresentar depressão respiratória caso voltem a utilizar tais substâncias.3

Principais efeitos colaterais: náuseas, cefaleia, tontura, desconforto


gastrintestinal e quadros ansiosos e de irritabilidade.3,4

Considerações finais

Estudos sugerem algumas precauções que poderiam evitar casos de over-


doses por heroína, como esforços em aumentar a prevenção, principalmente
nos usuários mais jovens, nos indivíduos que são presos com frequência, nos
que participam de tratamentos de desintoxicação com o uso de metadona,
nos que utilizam heroína em conjunto com outros depressores do SNC e entre
aqueles que fazem uso diário de álcool. Também é necessário aumentar o
cuidado com aqueles que permaneceram abstinentes e, por último, discutir a
possibilidade de criação de “safe injection rooms”, em especial nos países em
que o consumo de heroína injetável é alto.10
No Brasil, o enfoque de política poderia ocorrer, sobretudo, nos locais
onde os medicamentos contendo opioides são utilizados ou comercializados,
possivelmente incluindo políticas de maior fiscalização e exames antidopping
para, por exemplo, os profissionais da saúde.

Diehl.indd 225 3/11/2009 10:56:51


226 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Referências

1. World Drug Report 2008 [Monografia na internet]. Vienna: United Nations Office on
Drug and Crimes (UNODC); 2008. Disponível em: http://www.unodc.org/documents/
wdr/WDR_2008/WDR_2008_eng_web.pdf.
2. Silveira DX, Julião AM, Moreira FG. Transtornos relacionados ao uso de drogas: roteiro
terapêutico e acompanhamento psiquiátrico. In: Silveira DX, Moreira FG. Panorama
atual de drogas e dependências. São Paulo: Atheneu; 2006. p.107-12.
3. American Psychiatric Association. Diretrizes para o tratamento de transtornos psiqui-
átricos: compêndio 2006. Porto Alegre: Artmed; 2008.
4. Cordioli AV. Psicofármacos: consulta rápida. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2005.
5. Epstein S, Renner JA, Ciraulo DA, Knapp CM, Jaffe JH. Opioids. In: Kranzler HR, Ci-
raulo DA. Clinical manual of addiction, psychopharmacology. Washington: American
Psychiatric Association; 2005. p.55-110.
6. Krantz MJ, Mehler PS. Treating opioid dependence. Growing implications for primary
care. Arch Intern Med. 2004 Feb 9;164(3):277-88.
7. Shottenfeld RS, Chawarski MC, Pakes JR, Pantalon MV, Carroll KM, Kosten TR. Metha-
done versus buprenorphine with contingency mana­ge­ment or performance feedback
for cocaine and opioid dependence. Am J Psychiatry 2005;162(2):340-9.
8. Mattick RP, Kimber J, Breen C, Davoli M. Buprenorphine maintenance versus placebo
or methadone maintenance for opioid dependence. Cochrane Database Syst Rev.
2004;(3):CD002207. Update in: Cochrane Database Syst Rev. 2008;(2):CD002207.
9. O’Connor PG, Fiellin DA. Pharmacologic treatment of heroin-dependent patients. Ann
Intern Med. 2000 Jul 4;133(1):40-54.
10. Seal KH, Ochoa KC, Hahn JA, Moss AR. Overdosing among young injection drug users
in San Francisco. Addict Behav. 2001 May-Jun;26(3):453-60

Diehl.indd 226 3/11/2009 10:56:52


parte 9
Sedativos e hipnóticos

Diehl.indd 227 3/11/2009 10:56:52


Diehl.indd 228 3/11/2009 10:56:52
TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
INTOXICAÇÃO AGUDA POR
BENZODIAZEPÍNICOS
15
Ansiedade ou suicídio?
Daniel Cruz Cordeiro

Os benzodiazepínicos (BDZs) são fármacos lançados no mercado na dé-


cada de 1960 com o objetivo de promover propriedades ansiolíticas, hipnóti-
cas e miorrelaxantes,1 sendo prescritos extensivamente durante décadas para
as mais variadas e, muitas vezes, vagas indicações.2
Ao longo dos anos, foram sendo observados casos de uso abusivo, além
da identificação do desenvolvimento de tolerância, de síndrome de abstinên-
cia e de dependência pelos usuários crônicos dessas substâncias. Tais evidên-
cias levaram a restrição de sua prescrição no final da década de 1970.
Uma possível explicação para esse fenômeno é a facilidade de acesso
ao medicamento. Com isso, apenas 50% de sua utilização está relacionada
a prescrições feitas para transtornos psiquiátricos, sendo o restante, para os
mais diferentes problemas (como cardiovasculares e musculoesqueléticos),
muitas vezes sem critérios específicos.3
O uso indevido de BDZs parece estar envolvido não apenas com o usu-
ário, mas também com o médico prescritor e o farmacêutico que dispensa a
substância, devido a falta de informação ou uma baixa percepção das con-
sequências deletérias relacionadas com o consumo desses medicamentos.1
Acredita-se que muitos clínicos, médicos de família, prescrevam essa medica-
ção acima do necessário.4
Um dos principais fatores de risco para que seja feita sua prescrição é
a presença de um diagnóstico de transtorno mental na história clínica e o
uso de outros medicamentos além dos benzodiazepínicos. Estudos revelam
que pacientes com transtornos psiquiátricos graves associados ao consumo de
substâncias apresentam variações que vão de 43 a 62% para uso da medica-
ção, sendo que 15% fazem uso abusivo e apresentam comorbidade associa-
da.5 A maioria apresenta altos níveis de sintomas gerais e sintomas depressi-
vos ou de ansiedade, com particular baixa qualidade de vida.

Diehl.indd 229 3/11/2009 10:56:52


230 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Ser idoso também parece estar relacionado com uma maior chance de
receber prescrição de BDZ, visto que é a medicação psicotrópica mais comu-
mente prescrita entre os idosos.6
Outro aspecto importante referente ao uso de BDZs é a utilização des-
ses fármacos nas tentativas de suicídio, correspondendo a cerca de 50% de
todos os medicamentos utilizados nesse caso, seguidos pelos barbitúricos
(16%) e analgésicos (13%), conforme dados de estudo realizado no Hospital
de Clínicas da UNICAMP.7 No entanto, apesar de aparecerem em vários estu-
dos entre os fármacos mais associados a tentativas de suicídio e intoxicações
acidentais por medicamentos,3,8-12 os BDZs oferecem muita segurança, sen-
do que doses 50 a 100 vezes maiores que as terapêuticas ainda permanecem
bem toleradas.13
Raramente pacientes intoxicados por BDZs vão a óbito, mesmo nas into-
xicações mais graves, que incluem toxicidade cardíaca e pulmonar,14 porque
não produzem depressão do sistema nervoso central (SNC) importante e ra-
ras vezes produzem Glasgow abaixo de oito.15
A Tabela 15.1 apresenta os principais BDZs, suas dosagens habituais e
meia-vida.

Tabela 15.1
Principais benzodiazepínicos, dosagens habituais e meia-vida

Nomes Dose usual Tempo de início Meia-vida


Medicação comerciais (mg) de ação (min) (h)

Alprazolam Apraz, Frontal 0,25-2 15-30 6-20


Clonazepam Rivotril 0,25-2 20-60
(menos tempo na
forma sublingual 19-60
Clorozepato Tranxilene 3,75-7,5 30-60 6-8
Diazepam Dienpax, Valium, 5-10 20-30 21-43
Diazefast
Estazolam Noctal 1-2 15-30 8-24
Flunitrazepam Rohypnol, 0,5-1 20-30 10-20
Rohydorm
Flurazepam Dalmadorm 15-30 30-60 36-120
Lorazepam Lorax, Lorazefast 1-2 8-16
Midazolam Dormonid, 5-15 5-10 1,5-2,3
Dormium
Nitrazepam Nitrazepol 5-10 30-60 25-35
Sonebon

Diehl.indd 230 3/11/2009 10:56:52


Tratamentos farmacológicos para dependência química 231
Os quadros mais comuns de intoxicação são pacientes com redução do
nível de consciência, da respiração e dos reflexos, estando torporosos e com
diminuição dos estímulos dolorosos. As intoxicações graves podem causar
bradicardia, hipotensão e hipotermia, sendo que ataxia e nistagmo também
podem estar presentes, mas não de forma acentuada. Se isso ocorrer, a in-
toxicação por agentes anticonvulsivantes deve ser descartada. As pneumo-
nias aspirativas também podem ocorrer devido a depressão respiratória e do
SNC.13
A gravidade da intoxicação será influenciada por fatores como doses
utilizadas, idade, estado clínico prévio do paciente e presença de outras subs-
tâncias que também possam ter ação depressora no SNC.15 Pacientes com
comprometimento físico, como doenças respiratórias crônicas, apresentam
depressão respiratória mais marcante quando sob efeito de BDZs.16
Intoxicações durante a gravidez raras vezes produzem morbidade em
mães e fetos, porém doses altas administradas próximas ao nascimento po-
dem induzir depressão respiratória nos neonatos. A teratogenicidade causada
por intoxicação permanece controversa e, caso ocorra, provavelmente será
insignificante.14
Mesmo tendo indicação apenas para um limitado número de quadros de
origem psiquiátrica, os BDZs constituem a mais prescrita das classes farmaco-
lógicas para pacientes idosos. Os estudos são divergentes sobre esse assunto,
visto que alguns deles nem mesmo exibem uma associação direta entre tais
medicamentos e mortalidade nessa faixa etária.17 Em outros estudos, essa
associação aparece com mais frequência entre mulheres acima de 65 anos18 e
idosos que tentaram suicídio, em especial com o uso de flunitrazepam (Rhoy-
pinol®) ou nitrazepam (Sonebom®).19
Casos fatais estão associados a utilização de outros depressores do SNC
e a falta de socorro médico em tempo hábil.15

Tratamento das intoxicações agudas

1. A prevenção da absorção gastrintestinal pode ser iniciada em todas as


intoxicações,14 dependendo do nível de consciência do paciente:
– Consciente e com menos de 6 horas de ingestão – induzir vô-
mitos;
– Comatoso – realizar lavagem gástrica com carvão ativado. A la-
vagem deve ser feita por tubo endotraqueal e balonete inflado.
2. Monitoramento dos sinais vitais por meio de eletrocardiógrafo e
medidas de suporte, como oferta de oxigênio, que na maioria dos
casos são suficientes para intoxicações apenas por BDZs. Deve ser
estabelecido acesso intravenoso.20

Diehl.indd 231 3/11/2009 10:56:53


232 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

3. Entubação endotraqueal ou nasotraqueal deve ser realizada nos


pacientes com ventilação inadequada (PaO2 menor que 60 mmHg
ou oximetria de pulso menor que 90%), porém essa situação difi-
cilmente ocorre em pacientes que usaram apenas BDZs em doses
elevadas.20
4. Utilização de agente antagonista flumazenil (Flumazenil®, Lane-
xat®): injeções intravenosas em bolos21 de 0,2 mg em 15 segundos
e doses de 0,2 mg por minuto até 2,0 mg). Os efeitos após a admi-
nistração intravenosa ocorrem em 1 a 3 minutos.22 Alguns autores
apresentam como limites máximos as doses de 3 a 5 mg. Casos em
que foram atingidas doses altas do agente antagonista, mas o qua-
dro de alteração do nível de consciência não foi revertido, deve ser
aventada outra hipótese para a depressão do SNC.13,20

Em crianças, recomenda-se o uso do flumazenil intravenoso de 10 a 20


microgramas/kg.23 A dose inicial recomendada é de 0,01 mg/kg, administra-
da via endovenosa em 15 segundos, podendo essa mesma dose ser repetida
até no máximo 4 vezes, em intervalos de 60 segundos, até atingir a dose total
de 0,05 mg/kg.24
Independentemente da idade, utilizar a medicação só depois da realiza-
ção de eletrocardiograma (EGC).
Uma atenção especial deve ser direcionada a pacientes portadores de
dependência crônica de BDZs e também àqueles que utilizaram outros agen-
tes anticonvulsivantes ou medicamentos antiarrítmicos, pois estes são mais
propensos a apresentar problemas associados ao flumazenil.25

Controvérsias sobre o uso do flumazenil

O flumazenil é um antagonista competitivo e específico dos receptores


benzodiazepínicos centrais e atua revertendo todos os efeitos desses fármacos
agonistas, não possuindo ações sedativas ou anticonvulsivantes.23
Essa medicação é bastante utilizada na prática anestésica para interrom-
per a ação de agentes benzodiazepínicos, sem a necessidade da dis­sipação
dos efeitos pelo metabolismo normal e de excreção. Em doses endovenosas
menores que 0,2 mg, observa-se uma rápida ação revertendo a sedação indu-
zida por benzodiazepínicos ou coma. A dosagem adequada está no intervalo
de 0,2 a 1,0 mg em anestesiologia e de 0,1 a 2,0 mg em unidades de terapia
intensiva (UTI).21,22
Uma dose única de flumazenil é geralmente suficiente para alcançar e
manter o nível desejado de consciência.21,26 A maioria dos pacientes responde
a 3 mg ou menos, mas um pequeno número pode exigir uma dose maior para
reversão dos sintomas clínicos.27

Diehl.indd 232 3/11/2009 10:56:53


Tratamentos farmacológicos para dependência química 233
O flumazil possui rápida eliminação hepática, com um tempo de dura-
ção de cerca de 2 a 3 horas,21 podendo haver necessidade de repetir a admi-
nistração em até 50 a 65% dos casos após 1 a 3 horas de sua administração
inicial.20 Tal fenômeno torna-se mais comum nos quadros de intoxicação por
ação de benzodiazepínicos de meia-vida longa.26 Nesses casos, o período de
observação pode ser prorrogado, se necessário, pelas repetidas baixas doses
intravenosas ou de flumazenil por infusão (0,1 mg/hora).21
O reinício da respiração espontânea eficaz permite a rápida extubação,
início da retirada da ventilação mecânica, ou, até mesmo, evita a intubação.23
Pacientes com necessidades de cuidados especiais, como ventilação assistida,
necessitam de melhor investigação para descartar a possibilidade de intoxica-
ção por outras medicações.14
As indicações da medicação são:

1. reversão de quadros de sedação induzida por benzodiazepínicos;


2. finalização de anestesia induzida por benzodiazepínicos;
3. retorno da respiração espontânea e consciência em pacientes de
cuidados intensivos e tratamento de reações paradoxais.21,28 Na
reação paradoxal, o uso do flumazenil também pode necessitar de
doses de repetição, dependendo da meia-vida da medicação que foi
utilizada.29

No entanto, ainda há controvérsias acerca da utilização desse fármaco.


O primeiro motivo são os raros casos de morte relacionados a intoxicação por
benzodiazepínicos e, também, a possibilidade de agravamento dos quadros de
intoxicação em determinadas situações após o uso do flumazenil.25
O flumazenil é uma medicação cara, por isso raramente utilizada em
UTIs, devendo ter seu uso reservado como adjunto da proteção de vias aéreas
e da ventilação.13
Pacientes cuja intoxicação está relacionada também a antidepressivos tri-
cíclicos podem apresentar anormalidades no ECG, com intervalo QRS de 0-10s
ou maior,30 e desenvolver convulsões quando associados ao flumazenil.27,31
Deve-se ter cuidado ao utilizar esse agente naqueles que ingeriram hi-
drato de cloral e carbamazepina, pois o uso do flumazenil na presença dessas
substâncias pode, por vezes, induzir uma arritmia cardíaca tratável.
O flumazenil pode precipitar um quadro de síndrome de abstinência em
indivíduos com quadro prévio de uso prolongado de benzodiazepínicos le-
vando a agitação, vômitos e crises convulsivas.13,27,28 Alguns autores, porém,
sugerem que a síndrome de abstinência possa ocorrer após um período de 2
semanas de uso desses medicamentos, relacionando-a ao uso de doses maio-
res de flumazenil.32 Alguns efeitos motores também podem ser detectados
após a reversão da sedação, sendo devidos à meia-vida relativamente curta
do flumazenil, sem consequências clínicas.28

Diehl.indd 233 3/11/2009 10:56:53


234 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Outros efeitos colaterais observados com a medicação incluem o desen-


volvimento de quadros de ansiedade,33 que parecem ter relação mais estreita
com história prévia de ataques de pânico, que aumentam a vulnerabilidade
a reações graves ao flumazenil, do que ao consumo prolongado de benzodia-
zepínicos.12
Os sintomas de abstinência encontrados em usuários crônicos de ben-
zodiazepínicos e as convulsões20 em pacientes que tomaram antidepressivos
tricíclicos ou carbamazepina em excesso podem ser evitados utilizando flu-
mazenil de forma lenta.23
O flumazenil não apresentou eficácia em intoxicações por depressores do
SNC causadas por álcool, barbitúricos, narcóticos e antidepressivos tricíclicos.13

O que não funciona nas intoxicações


por benzodiazepínicos?

1. Determinação de quantidade sérica – não existe correlação entre


concentração sérica e efeitos farmacológicos e tóxicos.14
2. Diurese forçada e técnicas de diálise – não são indicadas porque não
aceleram a eliminação desses agentes.14,20
3. Utilização de flumazenil via oral – quando administrado oralmente,
é absorvido com rapidez, entre 20 a 90 minutos, porém apresenta
baixa biodisponibilidade.21,28

Considerações finais

Apesar de apresentarem riscos muito menores quando comparados aos


riscos de intoxicação por barbitúricos, os benzodiazepínicos ainda podem ofe-
recer riscos, principalmente quando seu uso é acompanhado por ingestão de
álcool (acidental ou proposital).
Cabe ao médico avaliar os riscos e benefícios ao prescrever tais medica-
mentos, levando em consideração a patologia de base, os aspectos de perso-
nalidade e sobretudo a presença de sintomatologia depressiva/psicótica que
possa estar, de alguma forma, relacionada com ideação suicida. Mesmo os
novos indutores do sono, se associados a outras substâncias, como o álcool,
podem provocar resultados fatais em casos de overdose.

Referências

1. Orlandi P, Noto AR. Uso indevido de benzodiazepínicos: um estudo com informantes-


chave no município de São Paulo. Rev Latino-Am Enfermagem. [Periódico online].

Diehl.indd 234 3/11/2009 10:56:53


Tratamentos farmacológicos para dependência química 235
2005 Set-Out; 13(número especial):896-902. Disponível em: http://www.scielo.br/
pdf/rlae/v13nspe/v13nspea18.pdf.
2. Lader M. Effectiveness of benzodiazepines: do they work or not? Expert Rev Neurother.
2008 Aug;8(8):1189-91.
3. Rios DP, Bastos FM, Cunha LC, Valadares MC. Tentativa de suicídio com o uso de
medicamentos registrados pelo CIT-Go nos anos de 2003 e 2004. Rev Eletrôn Farm.
[Periódico online]. 2005;2(1):6-14. Disponível em: http://www.farmacia.ufg.br/
revista/_pdf/vol2_1/artigos/ref_v2_1-2005_p6-14.pdf.
4. Gené-Badia J, Blay-Pueyo C, Soler-Vila M. Risk factors in the use of benzodiazepines.
Fam Pract. 1988 Dec;5(4):283-8.
5. Brunette MF, Noordsy DL, Xie H, Drake RE. Benzodiazepine use and abuse among
patients with severe mental illness and co-occurring substance use disorders. Psychiatr
Serv. 2003 Oct;54(10):1395-401.
6. Taylor S, McCracken CF, Wilson KC, Copeland JR. Extent and appropriateness of
benzodiazepine use. Results from an elderly urban community. Br J Psychiatry. 1998
Nov;173:433-8.
7. Mello MF, Mello ABF, Kohn R. Epidemiologia da saúde mental no Brasil. Porto Alegre:
Artmed; 2007.
8. Abdollahi M, Jalali N, Sabzevari O, Hoseini R, Ghanea T. A retrospective study of
poisoning in Tehran. J Toxicol Clin Toxicol. 1997;35(4):387-93.
9. Kelly CB, Weir J, Rafferty T, Galloway R. Deliberate self-poisoning presenting at a rural
hospital in Northern Ireland 1976-1996: relationship to prescribing. Eur Psychiatry.
2000 Sep;15(6):348-53.
10. Vallés PJC, Pombo SD, Basurco BJ, Sampedro MM, Olivares BB. Vigilancia epidemio-
lógica de la intoxicación aguda en el Área Sur de la Comunidad de Madrid: estudio
VEIA 2000. An Med Interna. 2004 Feb;21(2):62-8.
11. Rodríguez AAM, Arroyo AH, Vellisca MAB. Características epidemiológicas del intento
autolítico por fármacos. Emergencias. [Periódico online]. 2007;19:251-4. Disponível
em: http://www.semes.org/revista/vol19_5/4.pdf.
12. Mansur CG, Gouvêa FS, Borelli D, Castellana GB, Bernik V. Envenamentos por psico-
fármacos. RBM rev bras med. 2008 Out;65(10):320-5.
13. Marini JJ, Wheeler AP. Drug overdose an poisoning. In: Taylor J, Neligan PJ, Deutschman
CS. Critical care medicine: the essentials. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott Williams &
Wilkins; 2006.
14. Gaudreault P, Guay J, Thivierge RL, Verdy I. Benzodiazepine poisoning. Clinical and phar-
macological considerations and treatment. Drug Saf. 1991 Jul-Aug;6(4):247-65.
15. Mcgregor I. Benzodiazepines in medical toxicology. In: Richard C. Medical toxicology.
Hanover: Lippincott Williams & Wilkins; 2004. p.811-23.
16. Gommers D, Bakker J. Medications for analgesia and sedation in the intensive care
unit: an overview. Crit Care. 2008;12 Suppl 3:S4.
17. Vinkers DJ, van der Mast RC, Westedorp RGJ. Benzodiazepine use and risk of mortality
in individuals aged 85 years or older. JAMA. 2003 Dec 10;290(22):2942-3.
18. Shah R, Uren Z, Baker A, Majeed A. Trends in deaths from drug overdose and poisoning
in England and Wales 1993-1998. J Public Health Med. 2001 Sep;23(3):242-6.

Diehl.indd 235 3/11/2009 10:56:53


236 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

19. Carlsten A, Waern M, Holmgren P, Allebeck P. The role of benzodiazepines in elderly


suicides. Scand J Public Health. 2003;31(3):224-8.
20. Birnbaumer D. Poisons & ingestions. In: Bongard FS, Sue DY. Current critical care
diagnosis & treatment. 2nd. ed. New York: McGraw-Hill; 2002. p.829-64.
21. Klotz U, Kanto J. Pharmacokinetics and clinical use of flumazenil (Ro 15-1788). Clin
Pharmacokinet. 1988 Jan;14(1):1-12.
22. Amrein R, Leishman B, Bentzinger C, Roncari G. Flumazenil in benzodiazepine an-
tagonism. Actions and clinical use in intoxications and anaesthesiology. Med Toxicol
Adverse Drug Exp. 1987 Nov-Dec;2(6):411-29.
23. Weinbroum AA, Flaishon R, Sorkine P, Szold O, Rudick V. A risk-benefit assessment
of flumazenil in the management of benzodiazepine overdose. Drug Saf. 1997
Sep;17(3):181-96.
24. Cordioli AV. Psicofarmacos: consulta rápida. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2005. p.270-2.
25. Lewis RG. Flumazenil: a pharmacologic antidote - with limited medical toxicology utility,
or an antidote in search of an overdose. Ac Emerg Med. 1997 Oct;4(10): 935-6.
26. Votey SR, Bosse GM, Bayer MJ, Hoffman JR. Flumazenil: a new benzodiazepine an-
tagonist. Ann Emerg Med. 1991 Feb;20(2):181-8.
27. Spivey WH, Roberts JR, Derlet RW. A clinical trial of escalating doses of flumazenil
for reversal of suspected benzodiazepine overdose in the emergency department. Ann
Emerg Med. 1993 Dec;22(12):1813-21.
28. Whitwam JG, Amrein R. Pharmacology of flumazenil. Acta Anaesthesiol Scand Suppl.
1995;108:3-14.
29. Paton C. Benzodiazepines and disinhibition: a review. Psychiatr Bull. 2002;26:460–
462.
30. Höjer J, Baehrendtz S, Matell G, Gustafsson LL. Diagnostic utility of flumazenil in
coma with suspected poisoning: a double blind, randomized controlled study. BMJ.
1990 Dec 8;301(6764):1308-11.
31. Gueye PN, Hoffman JR, Taboulet P, Vicaut E, Baud FJ. Empiric use of flumazenil in
comatose patients: limited applicability of criteria to define low risk. Ann Emerg Med.
1996 Jun;27(6):730-5.
32. Chudnofsky CR. Safety and efficacy of flumazenil in reversing conscious sedation in
the emergency department. Emergency Medicine Conscious Sedation Study Group.
Acad Emerg Med. 1997 Oct;4(10):944-50.
33. Ngo AS, Anthony CR, Samuel M, Wong E, Ponampalam R. Should a benzodiazepine
antagonist be used in unconscious patients presenting to the emergency department?
Resuscitation. 2007 Jul;74(1):27-37.

Leituras recomendadas

Buckley NA, Dawson AH, Whyte IM, O’Connell DL. Relative toxicity of benzodiazepines in
overdose. BMJ. 1995 Jan 28;310(6974):219-21.
Ciraulo DA, Ciraulo J, Sands B F, Knapp C M, Sarid-Segal O. Sedative-Hypnotics. In: Kranzler
HR, Ciraulo DA. Clinical manual of addiction psychopharmacology. Arlington: American
Psychiatric; 2005. p.111-62.

Diehl.indd 236 3/11/2009 10:56:53


Tratamentos farmacológicos para dependência química 237
Dunton AW, Schwam E, Pitman V, McGrath J, Hendler J, Siegel J. Flumazenil: US clinical
pharmacology studies. Eur J Anaesthesiol Suppl. 1988;2:81-95.
Flomenbaum N, Goldfrank LR, Hoffman RS, Howland MA, Lewin NA, Nelson LS. Goldfranks
toxicologic emergencies. 8th ed. New York: McGraw-Hill; 2006.
Goldfrank LR. Flumazenil: a pharmacologic antidote with limited medical toxicology utility,
or ... an antidote in search of an overdose. Acad Emerg Med. 1997 Oct;4(10):935-6.
Graudins A, Aaron CK. Sedative-Hypnótic agent poisoning In: Irwin RS, Rippe JM. Intensive
care medicine. 6th ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2007. p.1685-93.
Isbister GK, O’Regan L, Sibbritt D, Whyte IM. Alprazolam is relatively more toxic than other
benzodiazepines in overdose. Br J Clin Pharmacol. 2004 Jul;58(1):88-95.
Samuels MA. Manual of neurologic therapeutics. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams
& Wilkins; 2004.

Diehl.indd 237 3/11/2009 10:56:53


16 TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA
E DEPENDÊNCIA DE
BENZODIAZEPÍNICOS
Quando o tratar gera o adoecer
Daniel Cruz Cordeiro

A chegada dos benzodiazepínicos (BDZs) ao mercado, na década de


1960, prometia diminuir os problemas relacionados ao consumo de sedativos,
anteriormente associados a riscos altos de toxicidade e morte. Nos Estados
Unidos, por exemplo, o uso de BDZs pela população chegou a atingir 11,1%
em 1979, diminuindo para 8,3%, em 1990.1 Na França, em 2000, 17,4% da
população adulta faziam uso corrente dessa medicação.2
Entre as classes medicamentosas, os BZDs ocupam o sétimo lugar entre
as mais vendidas no Brasil,4 sendo o clonazepan (Rivotril®) a segunda medi-
cação mais vendida no Brasil, ficando, em número de vendas, atrás apenas de
um anticoncepcional.3
Comparando os dados de dois levantamentos domiciliares realizados no
Brasil em 2001 e 2005, observa-se um aumento no consumo de BDZs. Seu
uso na vida subiu de 3,3 para 5,6%, correspondendo a cerca de 2,8 milhões
de pessoas usando esses medicamentos pelo menos em algum período da
vida.5
Apesar do conhecimento crescente sobre os efeitos adversos dessas subs-
tâncias, como sedação, efeito paradoxal de agressividade e prejuízo cognitivo
e psicomotor, e o recente advento de alternativas mais adequadas, esses me-
dicamentos continuam sendo largamente disponibilizados em muitos países,
com suas prescrições em ascendência. É bem provável, no entanto, que a
prescrição excessiva dessas substâncias continue gerando controvérsias.2,6,7

Diehl.indd 238 3/11/2009 10:56:54


Tratamentos farmacológicos para dependência química 239
A síndrome de abstinência e
dependência de benzodiazepínicos

A chamada síndrome de abstinência de benzodiazepínicos em geral


ocorre quando há um declínio nos seus níveis plasmáticos. Por algum tempo,
os sinais e sintomas característicos desses quadros foram associados apenas
a pacientes que utilizavam esses medicamentos em excessivo. Em 1981, pela
primeira vez, foram descritas síndromes de abstinência com doses terapêuti-
cas e, desde então, alertas sobre seu uso prolongado vem sendo sistematica-
mente emitidos.8
Os benzodiazepínicos (BDZs) são conhecidos por aumentar a neuro-
transmissão GABAérgica. Acredita-se que exista também uma contrarregula-
ção de neurotransmissores glutamatérgicos, sendo essa uma das razões para
o surgimento dos sintomas típicos da retirada (abstinência) dos BDZs. Alte-
rações na expressão de neuropeptídeos, como o hormônio de liberação corti-
cotrópico e os neuropeptídeos Y, também parecem estar envolvidas no desen-
volvimento de dependência do BDZ. Entretanto, ainda hoje o conhecimento
dos mecanismos neurais envolvidos no desenvolvimento dessa dependência
permanece incompleto.9,10
Os sintomas da síndrome de abstinência podem ocorrer após 4 a 6 se-
manas de uso contínuo da medicação. Atualmente, preconiza-se o uso desses
medicamentos, sempre que possível, por no máximo 4 semanas, evitando a
administração diária, aliado a medidas que tendam a diminuir os riscos de
surgimento de dependência e tolerância.11
A gravidade da síndrome de abstinência está relacionada a três fatores:

1. tempo de uso da medicação – quanto maior o tempo de consumo,


mais intensa ou de maior duração será a síndrome de abstinência;
2. dose média utilizada;
3. meia-vida do benzodiazepínico.

Quanto maior o tempo de uso, a dose e a meia-vida da medicação, maio-


res serão as chances do surgimento de quadros de dependência. Além disso,
sabe-se que benzodiazepínicos de maior potência resultam em sintomas mais
graves que os resultantes da síndrome de abstinência a benzodiazepínicos
menos potentes.12-14
Um estudo comparativo com três diferentes benzodiazepínicos, diaze-
pam (Valium®), lorazepam (Lorax®) e bromazepam (Lexotam®), revelou que
esses medicamentos aparentemente produzem uma sintomatologia de abs-

Diehl.indd 239 3/11/2009 10:56:54


240 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

tinência muito semelhante, com menor intensidade observada no grupo de


pessoas que parou o consumo de lorazepam.15
Geralmente, os sintomas de síndrome de abstinência se apresentam opos-
tos aos dos efeitos agudos dos benzodiazepínicos ou são muito semelhantes
àqueles que motivaram a introdução da medicação, tais como insônia e an-
siedade, o que muitas vezes torna o diagnóstico diferencial mais difícil de ser
estabelecido.16
Os sintomas mais comumente associados à síndrome de abstinência são:

Físicos – sintomas parecidos aos da gripe, sudorese, palpitações, tremo-


res, letargia, cefaleia, perda de apetite, contrações e dores musculares,
náuseas e vômitos.
Psíquicos – ansiedade, agitação, insônia, pesadelos, inquietação, irrita-
bilidade, diminuição da memória e da concentração, intolerância a luzes
fortes e ruídos altos e sintomas depressivos.17,18 Quadros de delirium
também podem estar associados a condições mais graves, ocorrendo
despersonalização, ilusões e alucinações e convulsões apenas em pesso-
as com uso de altas doses e por longos períodos.11,14,19

Outros sintomas menos frequentes são os relatos de síndrome de abs-


tinência em idosos que evoluíram para quadros catatônicos e rapidamente
responderam a doses baixas de lorazepam.20
Pessoas que abusam de outras drogas, em especial do álcool, em geral
apresentam piores sintomas de síndrome de abstinência ao parar o consumo
de benzodiazepínicos do que aqueles que não abusam.12
Além dos sintomas supracitados, existem relatos de pacientes com transtor-
no da personalidade, em especial do tipo dependente, que demonstraram qua-
dros mais graves na síndrome de abstinência a benzodiazepínicos, assim como de
pacientes que apresentaram consumo por um período maior que 5 anos.15
Os sintomas de abstinência podem ser reduzidos de maneira eficaz pela
retirada lenta e gradual da medicação, visto que a maioria dos pacientes apre-
senta fortes sintomas de abstinência quando a medicação é interrompida de
maneira repentina.12
Os sintomas costumam durar por até 2 semanas, e raramente por mais
que 4 semanas, após a parada da medicação. A maior parte dos pacientes
não corre risco de vida, nem necessita de hospitalização.12 Uma síndrome
de abstinência típica de um benzodiazepínico de meia-vida curta (p. ex., al-
prazolam) inicia no segundo dia sem a medicação ou após sua diminuição
abrupta, chegando ao ápice no quinto e começando a diminuir no décimo dia.
Após 2 semanas, os sintomas serão mínimos ou terão desaparecido.17 Pode-se
afirmar que, quando comparada a outras síndromes relacionadas a medica-
mentos para tratar ansiedade, como os barbitúricos, é bem mais simples de
ser controlada.12

Diehl.indd 240 3/11/2009 10:56:54


Tratamentos farmacológicos para dependência química 241
Como diferenciar uma síndrome de abstinência
de benzodiazepínicos de uma exacerbação
ou reagudização de sintomas ansiosos?

Existem duas diferenças básicas entre esses dois fenômenos que podem
se confundir quando a ansiedade está relacionada a introdução ou manuten-
ção de medicação ansiolítica. A primeira diferença diz respeito ao tempo en-
tre a descontinuação do tratamento e o surgimento dos sintomas, que podem
piorar ou melhorar. Na síndrome de abstinência, por exemplo, eles ocorrem
alguns dias depois da redução ou parada da ingestão medicamentosa e são
mais graves no início, diminuindo gradativamente à medida que o tempo
passa até desaparecerem.
No caso do reaparecimento de sintomas relacionados com ansiedade,
observa-se uma progressiva piora à medida que o tempo passa, após a des-
continuação do consumo de benzodiazepínicos. Em ambos os fenômenos, a
meia-vida da medicação em uso tem relação direta com o tempo para o sur-
gimento ou a duração dos sintomas.16
A segunda diferença está na própria apresentação dos sintomas. Apesar
de ambos terem muitos sintomas em comum, como insônia, nervosismo e di-
ficuldade de concentração, a síndrome de abstinência apresenta sintomas que
não podem ser explicados apenas como resultantes de um quadro de ansie-
dade.16 Entre eles estão: aumento da percepção sensorial (odores, luz, tato,
paladar), despersonalização, desrealização, alterações perceptuais anormais
de movimentos18 e convulsões.16

Tratamento não medicamentoso

Preconiza-se que o portador de síndrome de abstinência de benzodiaze­


pínicos seja tratado de forma ambulatorial, resultando em um maior
engajamen­to do paciente, além de efetuar mudanças farmacológicas e psí-
quicas ao mesmo tempo. Promover medidas não farmacológicas para lidar
com a ansie­dade, além de garantir um suporte com informações sobre os
benzodiazepíni­cos, pode auxiliar o paciente ambulatorial no processo de
desintoxicação.14­

Tratamento medicamentoso

Tanto na síndrome de abstinência como na dependência, duas formas de


tratamento são utilizadas: redução gradual ou redução gradual com troca de
benzodiazepínico por outro fármaco de maior meia-vida.21,22
Estudos apontam alguns preditores de maior sucesso nos programas de
redução, dentre os quais: associação a terapia de grupo, pacientes que no iní-

Diehl.indd 241 3/11/2009 10:56:54


242 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

cio da retirada já fazem uso de menor dosagem de BDZ, aconselhamento feito


por uma equipe de atenção primária, menor gravidade da dependência de
BDZ e pacientes que não fazem uso de álcool. Por sua vez, pacientes depen-
dentes de álcool que atingem 3 ou mais pontos mas escalas de avaliação de
dependência e adesão (Benzodiazepine Dependence Self-Report Questionnaire e
Lack of Compliance Subscale) apresentam piores desfechos.23,24

Retirada gradual
A retirada gradual é o tratamento clássico no qual a própria substância
é utilizada para tratar a abstinência; é muito utilizada por ser uma técnica
fácil e de baixo custo. Consiste na redução de um quarto da dose (25%) por
semana. A retirada da primeira metade (50%) é mais bem aceita, podendo
ser feita nas duas semanas iniciais de tratamento. A segunda metade (50%
restante) pode necessitar de um tempo maior para ser retirada. Um esquema
de redução de doses feito por escrito, com desenhos dos comprimidos e da-
tas subsequentes de redução, pode facilitar a compreensão da técnica.14,25 A
retirada lenta evita o rebote dos sintomas18 e é recomendada mesmo para os
pacientes com doses terapêuticas.14
Estudos mais recentes têm corroborado a eficácia da retirada gradual
dos benzodiazepínicos,24,26,27 porém, atualmente, melhores resultados têm
sido observados quando associada ao chamado “stepped care”, ou seja, a inter-
venção mínima seguida de descontinuação sistemática não combinada.21,27
O esquema a seguir facilita a conduta no momento da retirada gradual.

• Uso por menos de 6 semanas – dose reduzida em três estágios, com


7 a 10 dias de duração.
• Uso entre 6 semanas e 6 meses – dose reduzida progressivamente,
com intervalos de 10 a 20 dias cada um.
• Uso maior que 6 meses – dose reduzida de forma mais lenta, com
períodos de 6 a 8 semanas. Períodos ainda maiores devem ser consi-
derados se houver presença de sintomas muito intensos.25

Retirada gradual com substituição do benzodiazepínico


por outro medicamento de meia-vida mais longa
Essa estratégia é bastante útil como coadjuvante no processo de reti-
rada da medicação, pois evita a síndrome de abstinência ou a piora desta.
Uma forma bastante comum dessa técnica é a troca por diazepam (Valium®)
ou clonazepam (Rivotril®), benzodiazepínicos que apresentam um tempo de
ação mais curto, provocando a necessidade de várias doses ao dia para evitar
a síndrome de abstinência.

Diehl.indd 242 3/11/2009 10:56:54


Tratamentos farmacológicos para dependência química 243
O diazepam normalmente é bem aceito nesses casos por ser absorvido
de forma rápida e ter um metabólito ativo de longa duração, o desmetildiaze-
pam, tornando-o ideal no esquema de redução gradual por produzir diminui-
ção mais suave nos níveis sanguíneos.14

Populações que devem receber maior


atenção durante a retirada gradual

Algumas situações produzem sintomas mais problemáticos e talvez necessi-


tem de internação para a desintoxicação de forma mais gradual e segura, como:

• transtornos de ansiedade: podem apresentar sintomas de rebote du-


rante a descontinuação dos benzodiazepínicos. Talvez haja necessidade
de uma retirada ainda mais lenta;
• pacientes idosos: podem ter mais chances de apresentar delirium
durante a retirada;
• usuários de múltiplas substâncias: tendem a usar doses mais altas de
benzodiazepínicos de meia-vida curta e muitas vezes não toleraram
o tratamento ambulatorial.28

Medicamentos relacionados ao tratamento da síndrome de abstinência


Apesar de vários estudos apontarem efeitos medicamentosos na síndro-
me de abstinência, nenhum estudo forneceu, até o momento, qualquer tipo
de dado contundente sobre a eficácia dos medicamentos nesses casos. Portan-
to, recomendações sobre a utilização dessas medicações ainda não podem ser
oficialmente aceitas por falta de evidências.

Evidência científica

Carbamazepina (Tegretol®)
A revisão sistemática conduzida por Denis e colaboradores,29 a qual in-
cluiu 8 ensaios clínicos avaliando um total de 458 sujeitos dependentes de um
único benzodiazepínico, evidenciou o potencial valor da carbamazepina como
uma intervenção eficaz para a descontinuação gradual do BDZ. Ela apresen-
tou um benefício bastante modesto na redução da gravidade da abstinência,
porém, houve melhora significativa no wash out da droga no seguimento.
Ainda são necessários outros estudos controlados com amostras maiores
para que se possa confirmar esses benefícios, avaliando efeitos adversos, melhor
dose terapêutica e quando seu uso clínico é a melhor indicação.29 Poucos estu-

Diehl.indd 243 3/11/2009 10:56:54


244 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

dos apontam o uso de carbamazepina em dose de 400 a 500 mg/dia durante a


descontinuação,13,30 enquanto outros revelam que, nas síndromes de abstinên-
cia mais graves, esse medicamento não teria apresentado grande eficácia.31

Valproato (Depakane®)

Estudos de caso têm apresentado bons resultados em pacientes que ti-


veram melhora rápida dos sintomas de abstinência com o uso de valproato,
parecendo ser útil também na prevenção de recaídas.28 Alguns estudos com-
param a eficácia terapêutica do valproato à da carbamazepina, apontando
uma melhor ação do valproato em relação ao placebo nas primeiras semanas
de tratamento, com maiores índices de abstinência; porém, essa diferença
não se manteria após 12 semanas.31

Outras medicações

O papel do propranolol (Atenolol®) no tratamento da abstinência do


BDZ permanece desconhecido e sem evidência científica consistente. Já a as-
sociação do antidepressivo tricíclico diminuiu a intensidade dos sintomas de
abstinência, mas não aumentou a taxa de abstinência do BDZ ao final do
ensaio clínico. A buspirona (Buspar®) e a progesterona, por sua vez, não su-
primiram quaisquer sintomas dos BDZs.29

Considerações Finais

Indubitavelmente, os benzodiazepínicos são, entre as drogas psicotrópi-


cas, aquelas que recebem maior número de prescrições, com risco de eventos
adversos e desenvolvimento de abuso e dependência.14,16 Por isso é impor-
tante que pacientes sob prescrições crônicas de BZPs sejam monitorados de
forma mais sistemática a fim de diminuir tais riscos supracitados.11
Especial atenção deve ser dada a pacientes que abusam de álcool e/ou
outras drogas, em razão dos riscos de interação dessas substâncias com o BZP,
assim como pelo risco aumentado de desenvolver dependência da droga pres-
crita. Outra população que merece particular cuidado quando das prescrições
de BZPs são aqueles que já possuem doença mental associada, também devi-
do ao risco aumentado de desenvolverem dependência do BZP.7,16,18
Todo paciente que não se beneficiar do uso contínuo de medicações ben-
zodiazepínicas, aqueles que não estabilizam com regimes de doses alternativas
ou, ainda, aqueles que primariamente abusam da medicação a fim de obter
euforia requerem descontinuação e tratamento de prevenção de recaída.11,29

Diehl.indd 244 3/11/2009 10:56:54


Tratamentos farmacológicos para dependência química 245
REFERêNCIAS

1. Orlandi P, Noto AR. Uso indevido de benzodiazepínicos: um estudo com informantes-


chave no município de São Paulo. Rev Latino-Am Enfermagem. [Periódico online].
2005 Set-Out; 13(número especial):896-902. Disponível em: http://www.scielo.br/
pdf/rlae/v13nspe/v13nspea18.pdf.
2. Saïas T, Gallarda T. Paradoxical aggressive reaction to benzodiazepine use: a review.
Encephale. 2008 Sep;34(4):330-6.
3. Segatto C, Martins I. Rivotril: por que o medicamento é o segundo mais vendido no
país? Época. [Artigo online]. 2009 Fev 19 [capturado 2009 Fev 28]; Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI27270-15257,00-RIVOTRIL+
POR+QUE+O+MEDICAMENTO+E+O+SEGUNDO+MAIS+VENDIDO+NO+PAIS.
html.
4. Bisaga A. Benzodiazepines and other sedatives and hypnotics. In: Galanter M, Kleber
HD. Textbook of substance abuse treatment. 4th. ed. Virgínia: American Psychiatric
Pub; 2008. p.215-35.
5. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. II Levantamento domiciliar sobre o
uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do
país. São Paulo: Páginas & Letras; 2005.
6. Lader M. Effectiveness of benzodiazepines: do they work or not? Expert Rev Neurother.
2008 Aug;8(8):1189-91.
7. Tetrault JM, O’Connor PG. Substance abuse and withdrawal in the critical care settings.
Crit Care Clin. 2008 Oct;24(4):767-88.
8. Petursson H, Lader MH. Withdrawal from long-term benzodiazepine treatment. Br
Med J (Clin Res Ed). 1981 Sep 5;283(6292):643-5.
9. Heberlein A, Bleich S, Kornhuber J, Hillemacher T. Benzodiazepine dependence:
causalities and treatment options. Fortschr Neurol Psychiatr. 2009 Jan;77(1):7-15.
10. Heberlein A, Bleich S, Kornhuber J, Hillemacher T. Neuroendocrine pathways in benzo-
diazepine dependence: new targets for research and therapy. Hum Psychopharmacol.
2008 Apr;23(3):171-81.
11. Taylor D, Paton C, Kerwin R. The maudsley prescribing guidelines: the South Lon-
don and Maudsley Nhs Trust & Oxleas Nhs Foundation Trust. 9th. ed. London: CRC;
2007.
12. Gorman JM. Drugs used to treat anxiety. In: The essential guide to psychiatric drugs.
4th ed. New York: St. Martin’s; 2007. p.141-89.
13. Sadock BJ, Sadock VA, Grebb JA. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento
e psiquiatria clínica. 9. ed. Porto Alegre: Artmed; 2007.
14. Alves H, Ribeiro M, Marques ACPR. Abuso e dependência de benzodiazepínicos. In:
Projeto Diretrizes [Monografia online]. Barueri: Associação Médica Brasileira, Conse-
lho Federal de Medicina; 2008. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/
projeto_diretrizes/texto_introdutorio.pdf.
15. Murphy SM, Tyrer P. A double-blind comparison of the effects of gradual withdrawal
of lorazepam, diazepam and bromazepam in benzodiazepine dependence. Addiction.
2009 Jan;104(1):13-24.
16. O’brien CP. Benzodiazepine use, abuse, and dependence. J Clin Psychiatry. 2005;66(Su-
ppl 2):28-33.

Diehl.indd 245 3/11/2009 10:56:54


246 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

17. Raj A, Sheehan D. Benzodiazepines. In: Schatzberg AF, Nemeroff CB, editors. Essentials
of clinical psychopharmacology. 2nd. ed. Washington: American Psychiatric; 2006.
p.181-98.
18. Sadock BJ, Sadock VA, Grebb JA. Manual de farmacologia psiquiátrica. 3ª ed. Porto
Alegre: Artmed; 2002.
19. Leonard BE. Pharmacological aspects of drugs of misuse. In: David JK, editor. Seminars
in clinical psychopharmacology. 2nd. ed. London: Gaskell; 2004. p.484-528.
20. Rosebush PI, Mazurek MF. Catatonia after benzodiazepine withdrawal. J Clin Psycho-
pharmacol. 1996 Aug;16(4):315-9.
21. Oude Voshaar RC, Gorgels WJ, Mol AJ, Couvée JE, van Balkom AJ, Zitman FG. Tre-
atment methods for discontinuation of long –term benzodiazepine use. Ned Tijdschr
Geneeskd. 2001 Jul 14;145(28):1347-50.
22. Haro G, Cervera G, Martinez-Raga J, Pérez-Gálvez B, Fernandez-Garcés M, Sanju-
an J. Pharmacological treatment of substance dependence from a neuroscientific
perspective(II): alcohol, benzodiazepines and nicotine. Actas Esp Psiquiatr. 2003
Sep-Oct;31(5):284-98.
23. Voshaar RC, Gorgels WJ, Mol AJ, van Balkom AJ, Mulder J, van de Lisdonk EH, et al. Pre-
dictors of long-term benzodiazepine abstinence in participants of a randomized controlled
benzodiazepine withdrawal program. Can J Psychiatry. 2006 Jun;51(7):445-52.
24. Vicens C, Fiol F, Llobera J, Campoamor F, Mateu C, Alegret S, et al. Withdrawal from
long-term benzodiazepine use: a randomised trail in family practice. Br J Gen Pract.
2006 Dec;56(533):958-63. Comment in: Br J Gen Pract. 2007 Mar;57(536):246.
25. Bordin S, Figlie BN, Laranjeira R. Sedativos-Hipnóticos. In: Aconselhamento em de-
pendência química. São Paulo: Roca; 2004. p.130-8.
26. Voshaar RC, Gorgels WJ, Mol AJ, van Balkom AJ, van de Lisdonk EH, Breteler MH, et al.
Tapering off long term benzodiazepine use with out group cognitive-behavioural therapy:
three-condition, randomised controlled trail. Br J Psychiatry. 2003 Jun;182:498-504.
27. Voshaar RC, Couvée JE, van Balkom AJ, Mulder PG, Zitman FG. Strategies for discontinuing
long-term benzodiazepine use: meta-analysis. Br J Psychiatry. 2006 Sep;189:213-20.
28. Harris JT, Roache JD, Thornton JE. A role for valproate in the treatment of seda-
tive-hypnotic withdrawal and for relapse prevention. Alcohol Alcohol. 2000 Jul-
Aug;35(4):319-23.
29. Denis C, Fatséas M, Lavie E, Auriacombe M. Pharmacological interventions for benzo-
diazepine mono-dependence–management in outpatient settings. Cochrane Database
Syst Rev. 2006 Jul 19;3:CD005194.
30. Lader M, Tylee A, Donoghue J. Withdrawing benzodiazepines in primary care. CNS
Drugs. 2009;23(1):19-34.
31. McElroy SL, Keck Jr PE, Post RM, editors. Antiepileptic drugs to treat psychiatric
disorders. New York: Informa Health Care; 2008.

Leitura recomendada

Sadock BJ, Kaplan HI, Sadock VA. Kaplan and Sadock’s synopsis of psychiatry: behavioral
sciences/Clinical Psychiatry. 10th. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2007.

Diehl.indd 246 3/11/2009 10:56:55


HIPNÓTICOS E BARBITÚRICOS
Nos braços de Morfeu
Daniel Cruz Cordeiro
17
Desde a comercialização dos benzodiazepínicos, os barbitúricos sofre-
ram uma grande queda em suas prescrições justamente devido à maior se-
gurança que os novos medicamentos ofereciam. Hoje em dia, são utilizados
sobretudo para indução de anestesias e em quadros epiléticos.1
Os novos indutores do sono representam uma classe de medicamentos
que não pertencem a qualquer dos grupos já estudados. Da mesma forma
que os benzodiazepínicos, esses medicamentos se mostram mais seguros que
os barbitúricos, e que os próprios benzodiazepínicos, no que diz respeito a
intoxicação.2

BARBItúRICOS

A Tabela 17.1 apresenta os principais barbitúricos e a duração de suas


ações.

tABeLA 17.1
Principais barbitúricos e duração de suas ações

Nome genérico Nome comercial tempo de ação

Tiamilal Surital® Ação ultracurta (15 minutos a 3 horas)


Amobarbital Amytal® Ação curta a intermediária (de 3 a 12 horas)
Butabarbital Butisol®
Hexobarbital Evipal®
Pentobarbital Nembutal®
Secobarbital Seconal®
Tiopental Devinal®
Barbital Veronal® Ação prolongada (de 12 a 24 horas)
Fenobarbital Gardenal®
Mefobarbital Mebaral®

Diehl.indd 247 3/11/2009 10:56:55


248 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

As intoxicações por barbitúricos são mais graves, podendo causar a mor-


te quando ocorre ingestão de doses 10 vezes maiores que as terapêuticas,
por exemplo: doses de 6 a 10g de fenobarbital já podem ser fatais. Alguns
pacientes com overdose podem parecer mortos, com ausência de atividade
eletroencefalográfica (EEG).
Dentre os principais sintomas da intoxicação, citam-se:

• na intoxicação moderada: redução do nível de consciência e ataxia;


• com doses mais altas: depressão do sistema nervoso central, contra-
ção das pupilas, hipotermia, hipotensão, hiporreflexia, depressão da
função cardíaca e respiratória (com hipercapnia e hipoxemia), acidose
metabólica e respiratória, choque, coma, complicações pulmonares
e falência renal.1

Tratamento da intoxicação por barbitúricos:1

• entubação endotraqueal e ventilação mecânica em pacientes com


maiores graus de intoxicação;
• indução de vômitos se o paciente estiver acordado e apto a proteger
suas vias aéreas;
• lavagem gástrica, se a ingestão ocorreu a menos de 2-3 horas;
• carvão ativado 30 mg ou sorbitol 50mg associados com 200 mL de
água;
• cuidados de apoio: hidratação endovenosa, estabilização de eletrólitos,
testes de função hepática e de função renal;
• hemoperfusão: quando o clearence atinge 100 a 300 mL por minuto
para fenobarbital, pode remover mais substância do que a hemodiálise,
que apresenta clearence de 60 a 75 mL por minuto;
• albumina a 5%: hidratação feita endovenosamente para reverter a
hipotensão. Após o primeiro litro com albumina, deve ser realizada
solução isotônica.

Novos indutores do sono

Os novos indutores do sono, como o zolpidem (Stilnox®), zopiclone


(Imovane®) e o Zaleplon (Sonata®) são uma classe de medicamentos que
não pertencem a qualquer dos grupos anteriormen­te estudados, sendo consi-
derados fármacos seguros em casos de superdosagem.
O zolpidem (Lioram®, Stilnox®), mesmo se ingerido em doses altas, não
provocaria morte, apenas alteração leve e transitória do nível de consciência.
Casos de overdose de zolpidem seguida de morte estavam associados a outras
substâncias (como o álcool).2

Diehl.indd 248 3/11/2009 10:56:55


Tratamentos farmacológicos para dependência química 249
Em casos de intoxicação, deve-se monitorar os sinais vitais. Devido a
sua rápida absorção, não há necessidade de provocar vômitos ou de lavagem
gástrica.2
Existe uma tendência crescente na literatura científica de estudos que
apontam o potencial dessa classe de medicamentos para gerar dependên-
cia, havendo uma associação de abuso, principalmente em usuários de outras
drogas.3

Considerações Finais

É importante que o tratamento com os novos indutores do sono não


ultrapassem 4 semanas. Também não se recomenda a associação com benzo-
diazepínicos, uma vez que pode aumentar os riscos de dependência.2
Medidas não medicamentosas com adequada higiene do sono devem ser
sempre estimuladas.1

Referências

1. Kranzler HR, Ciraulo DA, editors. Clinical manual of addiction psychopharmacology.


Washington: American Psychiatric; 2005.
2. Cordioli AV. Psicofármacos: consulta rápida. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2005.
p.695.
3. Bannan N, Rooney S, O’Connor J. Zopiclone misuse: an update from Dublin. Drug
Alcohol Rev. 2007 Jan;26(1):83-5.

Diehl.indd 249 3/11/2009 10:56:55


Diehl.indd 250 3/11/2009 10:56:55
parte 10
Psicoestimulantes

Diehl.indd 251 3/11/2009 10:56:56


Diehl.indd 252 3/11/2009 10:56:56
ANFETAMINAS E
METANFETAMINAS
Visão geral
18
Daniel Cruz Cordeiro
Alessandra Diehl

A epidemia do consumo de anfetaminas continua crescendo globalmente,


sendo considerada a droga mais popular depois da maconha. Em 2007, cerca
de 25 milhões de pessoas em todo o mundo usaram anfetaminas e metanfeta-
minas, índices mais elevados que o consumo de heroína ou de cocaína.1
Segundo dados do escritório das Nações Unidas contra drogas e crimes
(UNODC), no ano de 2008, o Brasil aparece como o terceiro maior consu-
midor mundial de anfetaminas legalmente produzidas. Entre 2000-2002 e
2004-2006, houve um aumento de 57% no consumo desses medicamentos
nas Américas, mantendo os mesmos índices de consumo nos países desen-
volvidos, porém com aumento nos países em desenvolvimento, sobretudo no
Leste e Sudeste Asiático e no Oriente Médio.2
As anfetaminas são potentes estimulantes do sistema nervoso central
(SNC) e foram criadas na década de 1930 com o intuito de tratar a hiperativi-
dade e a disfunção cerebral mínima que, anos mais tarde, receberiam o nome
de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).3
Apesar de serem utilizadas para determinados fins terapêuticos (p. ex.,
no tratamento do TDAH, na obesidade e na narcolepsia), essas substâncias
têm grande potencial de abuso/dependência devido a suas capacidades eufo-
rizantes, que aumentam o estado de alerta e diminuem a fadiga.3
As anfetaminas mais conhecidas para fins terapêuticos são o metilfenidato
(Ritalina®), o fenproporex (Hipofagin®), a anfepramona (Dualid®), a dietilpro-
piona (Inibex®), a dextroanfetamina ou d-anfetamina e a metanfetamina HCI.
Os números relacionados ao consumo no Brasil podem ser ainda maio-
res do que os registrados e talvez não estejam apenas relacionados com o
aumento de prescrições. Mesmo sendo controlada, sabe-se da existência da
facilitação de sua compra, fato que pode ser observado pelo número de ofer-
tas de venda desses medicamentos pela internet. A simples procura pela subs-
tância por meio de sites de busca, como o Google, é capaz de mostrar várias
ofertas sem qualquer critério médico ou de controle farmacêutico, como o

Diehl.indd 253 3/11/2009 10:56:56


254 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

exemplo citado a seguir, cujo texto foi extraído de um endereço de site de


contatos: (http://foruns. terravista. pt) (os endereços eletrônicos das pessoas
envolvidas foram omitidos por questões de privacidade):

Autor – Convidado
Fórum – Emagrecimento
Data – 01h40min 12/06/2005
Título – VENDO ANFETAMINAS DESOBESI-M DUALID REDUCTIL XE-
NICAL LIPOSTABIL XENADRINE THERMO PRO CLEMBUTEROL
Algumas das perguntas:
1. Gostaria de saber de quantos miligramas você tem anfetamina e o
preço. Uso Anfepramona 50 mg 2x/dia para auxiliar na diminuição
do apetite. Por favor, escreva para xxx@hotmail.com. Um abraço.
2. Queria um contato com os preços e as propriedades dos remédios!
Quais mais fortes e que atuam mais rápido, efeitos colaterais, etc.
xxx@yahoo.com.br. Obrigada!
3. oi, preciso perder 18 quilos, por favor me mande os preços e forma
de pagamento. Moro em São José do Rio Preto, interior de São
Paulo. xxx@hotmail.com
4. oi, para perda de aproximadamente 5 kg, qual o mais indicado ?Me
mande seus preços e indicações e as formas de pagamento?? Moro
em Campina Grande, Paraíba. xxx@ig.com.br
5. Desejo comprar 2 caixas de Desobesi 30 cápsulas. Quanto custa cada
caixa? Como realizo o pagamento? Qual o prazo de entrega em São
Paulo capital? xxx@japan.com
6. Olá, gostaria de saber o preço do Desobesi M, pois estou tentando
entrar no site athletic body e não consigo. Aguardo uma resposta e
retorno com o endereço pra ser enviado. Preciso também do número
da conta pra depósito.

Nas últimas décadas, muitas variações dessas substâncias têm sido pro-
duzidas clandestinamente para fins recreativos. No Brasil, a mais conhecida
é a 3,4-metilenedioximetanfetamina (MDMA), tendo seu pico de surgimento
na década de 1990 e atingindo um público de adultos jovens, com formação
escolar, inseridos no mercado de trabalho, pertencentes às classes sociais mais
abastadas e poliusuários de drogas. Os nomes mais conhecidos da substância
na gíria de rua são: “bala”, “E” ou “pastilha”, “XTC” e “Adam”.4,5
Outra anfetamina que não possui utilização médica é a metanfetamina
(4-metilaminorex). Encontrada na forma de pó branco, pode às vezes apresen-
tar coloração marrom devido ao grau de impureza da substância produzida de
forma clandestina, sendo popularmente conhecida por “ice” e “ice glass”.6
A origem da metanfetamina foi em 1919, como uma substituta sintética
para a efedrina. Os laboratórios clandestinos emergiram na década de 1960,

Diehl.indd 254 3/11/2009 10:56:56


Tratamentos farmacológicos para dependência química 255
sobretudo na Califórnia, e o consumo recreativo dessa substância espalhou-se
pela Costa do Pacífico.1
Uma forma mais potente de metanfetamina foi desenvolvida nos anos
1980, o hidroclorido d-metanfetamina (“crystal” ou “crystal meth”) em forma
de cristal sólido, cujo consumo pode ser feito como fumo. Nos países em que
a droga já está disseminada, é facilmente encontrada a preços baixos. Possui,
entre as anfetaminas, o maior potencial para produzir dependência.1,7
Em um estudo comparativo que avaliou grupos que usavam crystal (crys-
tal metanfetaminas) e grupos que usavam qualquer outra metanfetamina no
ano anterior ao estudo, os participantes do grupo crystal apresentaram maior
probabilidade de se tornarem dependentes.8
Quanto ao gênero, homens e mulheres diferem em relação à motivação
do consumo do crystal, sendo que as mulheres relatam consumir a substân-
cia com intuito de perder peso e os homens, para aumentar o desempenho
sexual. O crystal provoca, ainda, sensação aumentada de energia, o que pode
proporcionar horas de dança e aumento da libido. Entre homossexuais mas-
culinos, existe ainda uma correlação entre o consumo do crystal e um maior
comportamento sexual de risco.1 Sabe-se, também, que os usuários de crystal
estão mais propensos a dificuldades financeiras, envolvimento com crime e
problemas judiciais do que os adeptos de outros tipos de anfetaminas.9
Basicamente, existem três tipos de usuários de anfetaminas:

1. usuários instrumentais: utilizam as anfetaminas para obter ganhos es-


pecíficos, como melhorar o desempenho intelectual e perder peso;
2. usuários recreativos: consomem ocasionalmente, procurando suas
propriedades estimulantes;
3. usuários crônicos: não param o consumo para evitar os sintomas da
síndrome de abstinência de anfetaminas.3

Em países europeus, na Austrália e nos Estados Unidos, o consumo de


metanfetaminas tem apresentado índices alarmantes devido aos transtornos
mentais e do comportamento associados ao uso da droga, à ­morbimortalidade
e aos problemas sociais dos usuários.2
O Japão também se encontra entre os países de maior consumo dessa subs-
tância, tendo sua primeira epidemia após a Segunda Guerra Mundial e, apesar de
observarmos diminuição de consumo, essa questão continua sendo uma preocu-
pação naquele país.2,10 No Brasil, o uso de metanfetaminas é ainda limitado, pois
há o predomínio do consumo das anfetaminas legalizadas. Curiosamente, o uso
na vida de orexígenos teve pequena redução, de 4,3% em 2001 para 4,1% em
2005, segundo a comparação de dados entre os dois levantamentos nacionais de
drogas psicotrópicas realizados pelo CEBRID, em 2001 e 2005, no Brasil.11,12
Em um recente estudo australiano, foi observado um aumento no uso de
formas mais pesadas de metanfetaminas. O consumo entre os anos de 2000

Diehl.indd 255 3/11/2009 10:56:56


256 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

e 2006 não sofreu muitas mudanças quantitativas, entretanto, os usuários


de ecstasy estão utilizando mais metanfetaminas fumadas (como o crystal)
e consequentemente gerando maiores índices de dependência. Esses novos
usuários de crystal apresentam prejuízos mais significativos, pois são mais
propensos a utilizar várias substâncias e, por isso, a overdoses.9
Nos Estados Unidos, dados epidemiológicos sobre a população jovem
(18-26 anos) consumidora de crystal revelaram o perfil desses usuários em
comparação aos de maconha e cocaína. Os usuários de crystal são em geral
homens brancos ou índios, desempregados, com comportamentos antissociais
e de risco, com história de consumo ocasional da droga e têm o genitor (pai)
na prisão perpétua. Os usuários frequentes possuíam características bem se-
melhantes às dos antes referidos, com a diferença de apresentarem maior
chance de evasão escolar.13
Vários países apresentam estudos sobre a população masculina gay usu-
ária de crystal. Na população inglesa da cidade de Londres, por exemplo, 1
em cada 10 homossexuais masculinos relatou o consumo prévio (nos últimos
12 meses) da droga, sendo que a maioria afirmou uso ocasional (1 a 2 vezes
por ano) e consumo, também, de outras drogas recreativas.14
O estudo randomizado conduzido por Degenhardt e colaboradores15
acompanhou 1.943 adolescentes australianos com oito avaliações no segui-
mento de 10 anos. Os jovens que iniciaram o consumo de metanfetamina antes
dos 17 anos tiveram maior risco de, na idade adulta, apresentar problemas psi-
cossociais, usar outras substâncias, bem como de apresentar outros problemas
relacionados à saúde mental. Já aqueles que iniciaram o uso por volta dos 24
anos tiveram maiores probabilidades de se tornarem poliusuários de substân-
cias. Os riscos, tanto para a iniciação do consumo de anfetaminas como para a
manutenção desse consumo, estavam também relacionados ao uso pesado de
outras drogas.15,16
Outros problemas relacionados com as anfetaminas são o envolvimento
dos usuários em eventos relacionados a violência e maior frequência em salas
de emergência. Além disso, somam-se os riscos de malformação congênita
em filhos de mulheres que, durante a gestação, foram expostas aos produtos
químicos utilizados na preparação da droga.17
Alguns acidentes, especialmente explosões, estão relacionados ao cres-
cente número de laboratórios clandestinos, aumentando assim a ocorrência
de queimaduras associadas aos produtos químicos utilizados na produção das
metanfetaminas. Quando comparados a outros tipos de queimados, esses pa-
cientes apresentam maior gravidade em razão de maiores índices de lesões
das vias aéreas, o que resulta em taxas mais elevadas de entubação e tra­
queostomia, bem como em mais dias de uso de ventilação mecânica. Além
disso, são pacientes com prognóstico mais reservado por apresentarem um
tipo de queimadura única (que requer mais cuidados) e por terem menor
adesão ao acompanhamento terapêutico posterior.18

Diehl.indd 256 3/11/2009 10:56:56


Tratamentos farmacológicos para dependência química 257
A prescrição de anfetaminas aumentou nos últimos anos sobretudo devi-
do aos casos de tratamento de narcolepsia e TDAH em adultos. Anteriormen-
te usada apenas para crianças e adolescentes, hoje, essa terapia é utilizada na
manutenção também em adultos com TDHA, o que prorrogou a exposição aos
efeitos dessa medicação. No entanto, não existem estudos contundentes que
demonstrem os efeitos dessas substâncias durante o uso prolongado, tam-
pouco foram identificados os fatores biológicos que determinam os riscos e a
capacidade de proteção dos usuários.19

Considerações finais

Curiosamente, percebe-se que o perfil dos traficantes das antigas drogas


(maconha e cocaína) mudou nas últimas décadas com o advento das chama-
das “design drugs” ou “drogas modificadas” (ou, ainda, “club drugs”), uma
vez que esses traficantes não vivem mais em morros ou favelas, não estão
organizados em quadrilhas com altos comandos, nem se escondem em becos
ou enfrentam conflitos diários com a polícia.
Longe de uma visão elitista ou preconceituosa, o fato é que os novos
traficantes dessas substâncias são jovens de relativo poder aquisitivo que fre-
quentam festas nas quais predominam as músicas eletrônicas (raves e tran-
ces). As drogas, que antes pertenciam somente aos traficantes, são agora con-
sideradas “drogas modernas”, passando a ser comercializadas “livremente”,
ora em farmácias, ora em pequenas fábricas caseiras e clandestinas.
O “mundo que não quer as drogas” se assusta com o aparecimento dessas
substâncias. Enquanto isso, os profissionais da saúde, e outros envolvidos no
controle desse vertiginoso crescimento, permanecem em trabalho constante,
em adaptação contínua para responder às diversas circunstâncias globais do
“mundo das drogas”, que infelizmente continua a produzir danos irreparáveis.

Referências

1. Buxton JA, Dove NA. The burden and management of crystal meth use. CMAJ. 2008
Jun 3;178(12):1537-9.
2. World Drug Report 2008 [Monografia na internet]. Vienna: United Nations Office on
Drug and Crimes (UNODC); 2008. Disponível em: http://www.unodc.org/documents/
wdr/WDR_2008/WDR_2008_eng_web.pdf.
3. Ribeiro M, Marques ACPR, Anfetaminas. In: Projeto diretrizes [Monografia online].
Barueri: Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina; 2008. Disponível
em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/texto_introdutorio.pdf.
4. Baptista MC, Noto AR, Nappo S, Carlini EA. O uso de êxtase (MDMA) na cidade de São
Paulo e imediações: um estudo etnográfico. J bras psiquiatr. 2002 Mar-Abr;51(2):81-9.

Diehl.indd 257 3/11/2009 10:56:57


258 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

5. Organização Mundial da Saúde (OMS). Neurociência do uso e da dependência de


substâncias psicoativas: São Paulo: Roca; 2006.
6. Smith KM, Larive LL, Romanelli F. Club drugs: methylenedioxymethamphetamine,
flunitrazepam, ketamine hydrochloride, and gamma-hydroxybutyrate. Am J Health
Syst Pharm. 2002 Jun 1;59(11):1067-76.
7. Higgins ST. Extending contingency management to the treatment of methamphetamine
use disorders. Am J Psychiatry. 2006 Nov;163(11):1870-2.
8. McKetin R, Kelly E, McLaren J. The relationship between crystalline methamphetamine use
and methamphetamine dependence. Drug Alcohol Depend. 2006 Dec 1;85(3):198-204.
9. Kinner SA, Degenhardt L. Crystal methamphetamine smoking among regular ecstasy
users in Australia: increases in use and associations with harm. Drug Alcohol Rev. 2008
May;27(3):292-300.
10. Yamamoto J. Recent trends of drug abuse in Japan. Ann N Y Acad Sci. 2004
Oct;1025:430-8.
11. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. I Levantamento domiciliar sobre o uso
de drogas psicotrópicas no Brasil: 2001. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID); 2002.
12. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. II Levantamento domiciliar sobre o
uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do
país. São Paulo: Páginas & Letras; 2005.
13. Iritani BJ, Hallfors DD, Bauer DJ. Crystal methamphetamine use among young adults
in the USA. Addiction. 2007 Jul;102(7):1102-13.
14. Roll JM, Rawson RA, Ling W, Shoptaw S. Methamphetamine addiction: from basic
science to treatment. New York: The Guilford Press; 2009. p. 258.
15. Degenhardt L, Coffey C, Carlin JB, Moran P, Patton GC. Who are the new amphe-
tamine users? A 10-year prospective study of young Australians. Addiction. 2007
Aug;102(8):1269-79.
16. Degenhardt L, Coffey C, Moran P, Carlin JB, Patton GC. The predictors and consequences
of adolescent amphetamine use: findings from the Victoria Adolescent Health Cohort
Study. Addiction. 2007 Jul;102(7):1076-84.
17. Maxwell JC. Emerging research on methamphetamine. Curr Opin Psychiatry. 2005
May;18(3):235-42.
18. Santos AP, Wilson AK, Hornung CA, Polk HC Jr, Rodriguez JL, Franklin GA. Metham-
phetamine laboratory explosions: a new and emerging burn injury. J Burn Care Rehabil.
2005 May-Jun;26(3):228-32.
19. Berman SM, Kuczenski R, McCracken JT, London ED. Potential adverse effects
of amphetamine treatment on brain and behavior: a review. Mol Psychiatry. 2009
Feb;14(2):123-42.

Leituras recomendadas
Bolding G, Hart G, Sherr L, Elford J. Use of crystal methamphetamine among gay men in
London. Addiction. 2006 Nov;101(11):1622-30.
Cabaj RP. Gay men and lesbians. In: Galanter M, Kleber HD. Textbook of substance abuse
treatment. 4th. ed. Virgínia: American Psychiatric Pub; 2008. p. 623-38.

Diehl.indd 258 3/11/2009 10:56:57


TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
INTOXICAÇÃO POR
ANFETAMINAS E
19
METANFETAMINAS
“Ela é puro êxtase...”
Barão Vermelho

Daniel Cruz Cordeiro

Tanto a anfetamina quanto a metanfetamina promovem efeitos eufori-


zantes muito semelhantes aos da intoxicação pela cocaína, porém por dife-
rentes mecanismos de ação. A cocaína promove o bloqueio da recaptação de
dopamina e as anfetaminas produzem a liberação desse neurotransmissor.1
Os efeitos das anfetaminas estão relacionados aos de uma síndrome tóxica
simpatomimética e seus efeitos no sistema nervoso central.2
A intensidade e o tempo de ação podem variar de acordo com a forma
como a droga é administrada. A droga pode ser aspirada ou usada via retal ou
uretral,3-5 no entanto, os efeitos imediatos são obtidos com o uso intravenoso
e na forma fumada, apresentando maior biodisponibilidade em comparação
com a forma oral, e as ações são percebidas em cerca de 20 minutos.
A potência da substância utilizada também pode determinar sua ação. O
uso do “ice” fumado pode provocar efeitos tão potentes quanto o intravenoso,
porém com maior tempo de ação e com efeitos mais erráticos.1
Quando comparadas à cocaína, as anfetaminas e metanfetaminas po-
dem apresentar maior tempo de ação (p. ex., o crystal pode ter 12 horas de
ação).

Diehl.indd 259 3/11/2009 10:56:57


260 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Efeitos das anfetaminas

Leve: sensação de bem-estar, euforia, excitabilidade, diminuição da


fome e da fadiga e aumento do limiar da dor.
Moderada: quadros de ansiedade aguda, irritabilidade, inquietação,
sintomas de pânico, tremores, cefaleia, calafrios, vômitos, sudorese e
logorreia.
Grave: distúrbios do movimento e efeitos alucinógenos.6
Físicos: taquicardia, hipertensão arterial, diminuição do apetite, taquip-
neia, insônia, sudorese aumentada, boca seca, fasciculações musculares,
convulsões, febre, dores torácicas, batimentos cardíacos irregulares e
morte.7
Psicológicos: aumento da sensação de energia, da confiança e do esta-
do de alerta, inquietude, fala excessiva, irritabilidade, medo de apreen-
são, desconfiança, comportamento estereotipado, alucinações e quadros
psicóticos.7 A psicose induzida por anfetaminas tem apresentação muito
semelhante aos quadros agudos de esquizofrenia paranoide.8

Intoxicação aguda por anfetaminas

Sintomas de overdose: vertigem, confusão, tremores, alucinações, es-


tados de pânico, irregularidade dos batimentos cardíacos, colapso do
sistema circulatório, convulsões e coma.7
Morte: poderia estar relacionada a arritmias ventriculares, estados epi-
léticos, infarto do miocárdio, hipertensão grave, doenças cerebrovascu-
lares (hemorragias intracranianas) e colite isquêmica.9
Relacionadas ao ecstasy: hipertermia e desidratação, produzindo rab-
domiólise e mioglobinúria relacionadas a falência renal ou cardiovascu-
lar, outras arritmias ventriculares e falência hepática.9

Efeitos das metanfetaminas

As metanfetaminas apresentam diferentes fases de ação:1

Rush: efeitos iniciais incluem taquicardia e aumento da pressão arterial,


do metabolismo e do pulso. Nessa fase, o usuário experimenta impres-
sões poderosas de prazer e entusiasmo. O tempo de duração do efeito é
em torno de 5 a 30 minutos.

Diehl.indd 260 3/11/2009 10:56:57


Tratamentos farmacológicos para dependência química 261
High: período no qual o usuário sente o aumento de energia e fica ta-
quilálico (falando muito e com aumento na velocidade da fala), além de
agressivamente esperto e poderoso. O usuário quer manter esse período
o máximo de tempo possível; para tanto, faz uso contínuo da droga, pro-
longando, assim, a hiperatividade física e mental.1 Também apresenta
redução de apetite e melhora no desempenho sexual. Por meio do binge,
essa fase pode ser mantida por mais tempo.3
Uso contínuo: o usuário, para manter a fase do high por longos pe­
ríodos, passa a consumir a droga de forma persistente, com aumento
da tolerância. Períodos de utilização contínua podem durar em torno
de 3 a 15 dias, resultando em extremos de irritabilidade e gerando
ações violentas em resposta às tentativas de ajuda. Também há di-
minuição da ingestão de alimentos ou líquidos. Quadros paranoides
e elevações da temperatura corporal podem acontecer. Muitos usu-
ários, na tentativa de amenizar alguns dos efeitos colaterais desse
uso intensivo acabam por usar um depressor do SNC, como álcool,
barbitúricos, benzodia­zepínicos ou opioides, podendo resultar em in-
tensos sentimentos negativos que pioram os perigos da droga. Com
frequência se envolvem com violência doméstica e acabam por agre-
dir seus filhos e cônjuges.1

Nos quadros de intoxicação, podem estar presentes transtornos de an-


siedade, delirium e transtorno psicótico e do humor, produzidos pelo consu-
mo da droga.9
Usuários de crystal, quando psicóticos, muitas vezes apresentam delírio
de infestação, semelhante ao que ocorre na síndrome de Ekbon, na qual o
usuário acredita ter insetos sobre ou sob a pele, resultando em inúmeras le-
sões autoprovocadas. Os quadros psicóticos podem evoluir de forma crônica
e, também, continuar com flashbacks.
Na Austrália, as metanfetaminas têm sido relacionadas a mortes, sobre-
tudo de homens jovens. A cardiotoxicidade das metanfetaminas e seu uso
concomitante a outras drogas estão particularmente associados a essas fata-
lidades.10

Tratamento

Em geral, o tratamento é de suporte e sintomático, visto que não há um


antídoto específico para esse tipo de substância. O carvão ativado pode ser
utilizado, para qualquer droga ingerida, em um período de até 6 horas após
o consumo.6
Em linhas gerais, deve-se :

Diehl.indd 261 3/11/2009 10:56:57


262 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

• manter as vias respiratórias abertas e, se necessário, utilizar ventilação


assistida;
• tratar possíveis sintomas, como agitação, convulsões, coma, hiperter-
mia, hipertensão arterial, taquiarritimias e vasoespasmos arteriais;
• monitorar continuamente a temperatura, os sinais vitais e a função
cardíaca por, no mínimo, 6 horas.9

Tratamento dos sintomas

Agitação

A agitação e a hiperatividade podem ser tratadas com bloqueadores da


dopamina, como o haloperidol (Haldol®),3 utilizado nos casos de psicose in-
duzida pela substância. O haloperidol, em casos de agitação psicomotora,
pode ser administrado via oral em dose de 5 mg, porém resultados mais rá-
pidos e seguros podem ser obtidos por via intramuscular.11 Alguns estudos
sugerem que esse fármaco, para casos de psicose induzida, possa ser admi-
nistrado na dose de 2-10 mg a cada meia hora.8 Entretanto, aconselha-se um
pouco mais de cautela, não oferecendo dosagens maiores que 30-45 mg/dia,
e, desse modo, diminuindo as chances desse paciente apresentar os intensos
efeitos extrapiramidais que podem ser causados pelas doses mais elevadas,
em especial naqueles que nunca utilizaram tal medicamento.11
Novos antipsicóticos, como a olanzapina (Zyprexa®) e a risperidona
(Risperdal®), produzem menos efeitos colaterais e também podem ser utili-
zados via oral ou, em casos de extrema agitação, a olanzapina pode ser apli-
cada via intramuscular. Associações com benzodiazepínicos podem deixar os
pacientes ainda mais desinibidos.12

Complicações cardiovasculares

A hipertensão é melhor tratada por meio da sedação. Caso não seja efi-
caz, um vasodilatador, como o nitroprussiato de sódio ou a fentolamina, pode
ser útil para reverter o quadro.9

• Nitroprussiato de sódio: a dose inicial é de 0,3 mg/kg/min (100 mL


de NPS), diluídos em 250 mL de soro fisiológico (0,9%) e infundidos
a uma velocidade de 2 a 5 mL/h.13
• Fentolamina: produz vasodilatação periférica e é indicada para os
quadros de crises hipertensivas associadas a overdoses de drogas psi-
coestimulantes, como a cocaína e as anfetaminas.9 Tem ação imediata,

Diehl.indd 262 3/11/2009 10:56:58


Tratamentos farmacológicos para dependência química 263
com duração de até 15 minutos. A administração é feita com 1 a 5
mg em “bolo” endovenoso.13

Taquiarritmias

O propranol é eficaz na administração via oral, porém, em urgências


é mais comum sua utilização na forma intravenosa. Possui ação imediata e
duração de 10 minutos a 2 horas.9 Os b-bloqueadores são contraindicados
nas complicações cardiovasculares.2 O paciente só deve receber alta após a
normalização de todos os parâmetros fisiológicos e do estado mental.2

Considerações Finais

Quando um paciente se apresenta com os sintomas descritos neste ca-


pítulo, o clínico ou o psiquiatra, na ausência de história de patologias psi-
quiátricas do Eixo I ou II, deveriam considerar a possibilidade de um estado
induzido por metanfetamina. As medicações prescritas para uma condição
psiquiátrica mal diagnosticada seriam inapropriadas para a maioria dos indi-
víduos com intoxicação por metanfetamina, de modo especial em jovens, cujo
cérebro em desenvolvimento poderia estar negativamente afetado por medi-
cações que costumam ser prescritas para psicoses. Um clínico sem experiência
em abuso/dependência de metanfetamina deve ser aconselhado a tratar os
sintomas agudos de forma mais conservadora, até obter a confirmação dos
testes de amostras de urina ou sanguíneas.4

Referências

1. Hanson GR, Venturelli PJ, Fleckenstein AE. Stimulants. In: Hanson GR. Drugs and
society. 9th. ed. Boston: Jones and Bartlett Publishers; 2005. p.280-321.
2. Greene SL, Kerr F, Braitberg G. Review article: amphetamines and related drugs of
abuse. Emerg Med Australas. 2008 Oct;20(5):391-402.
3. Buxton JA, Dove NA. The burden and management of crystal meth use. CMAJ. 2008
Jun 3;178(12):1537-9.
4. Rawson RA, Ling W. Clinical management: methamphetamine. In: Galanter M, Kleber
HD. Textbook of substance abuse treatment. 4th. ed. Virgínia: American Psychiatric
Pub, 2008. p. 169-79.
5. Schifano F, Corkery JM, Cuffolo G. Smokable (“ice”, “crystal meth”) and non smokable
amphetamine-type stimulants: clinical pharmacological and epidemiological issues,
with special reference to the UK. Ann Ist Super Sanita. 2007;43(1):110-5.

Diehl.indd 263 3/11/2009 10:56:58


264 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

6. Jorge RCFA. Emergências relacionadas ao uso e abuso de drogas. In: Cordeiro DC,
Baldaçara L,(Orgs.). Emergências psiquiátricas. São Paulo: Roca; 2007. p.115-36.
7. Bordin S, Figlie NB, Laranjeira R. Anfetaminas. In: Aconselhamento em dependência
química. Roca: São Paulo; 2004. p.118-24.
8. Wise MG, Rundell JR. Anphetamine related disorders. In: Clinical manual of psycho-
somatic medicine: a guide to consultation-liaison psychiatry. Washington: American
Psychiatric; 2005. p.168-70.
9. Olson KR. Poisoning and drug overdose. 5th. ed. New York: McGraw-Hill Professional;
2006. p.68-405.
10. Kaye S, Darke S, Duflou J, McKetin R. Methamphetamine-related fatalities in Australia:
demographics, circumstances, toxicology and major organ pathology. Addiction. 2008
Aug;103(8):1353-60.
11. Cordeiro DC, Baldaçara L. Emergências psiquiátricas. São Paulo: Roca; 2007.
12. Rustin T. Substance Abuse. In: Glick RL. Emergency psychiatry: principles and practice.
Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. p.233-54.
13. Martin JFV, Loureiro AAC, Cipullo JP. Crise hipertensiva: atualização clínico-terapêutica.
Arq Ciênc Saúde. 2004 Out-dez;11(4):253-61.

Leitura recomendada

Sadock BJ, Sadock VA, Grebb JA. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e
psiquiatria clínica. 9. ed. Porto Alegre: Artmed; 2007

Diehl.indd 264 3/11/2009 10:56:58


TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA
DE ANFETAMINAS E
20
METANFETAMINAS
Quando um sonho vira pesadelo
Daniel Cruz Cordeiro
Alessandra Diehl

Observa-se que pouca pesquisa formal tem sido conduzida para avaliar
a eficácia de qualquer regime farmacoterápico a ser utilizado na síndrome de
abstinência de anfetaminas e metanfetaminas.1 Muitas das condutas realiza-
das neste período provém da prática e da observação clínica de pacientes que
se apresentam em salas de emergência ou ambulatórios de dependência quí-
mica com quadro de fadiga, humor depressivo e pensamentos negativos ou
pessimistas. Na grande maioria dos casos os sintomas resolvem em curto pe-
ríodo de tempo, sendo necessárias apenas medidas suportivas de provisão de
ambiente calmo, restabelecimento da alimentação, hidratação e descanso.
Após períodos prolongados de consumo desses psicoestimulantes, os
usuários apresentam períodos de exaustão muito semelhantes aos da depres-
são. Nos quadros de abstinência provocados pelas anfetaminas, os sintomas
mais comuns são fadiga, fissura intensa, cefaleia, ansiedade, agitação, pesa-
delos, anedonia, humor depressivo e hiperfagia.2,3 Quadros mais intensos de
abstinência são observados em usuários de metanfetaminas por via injetável;
tais como paranoia e prejuízo cognitivo.4
A síndrome de abstinência de metanfetaminas pode ser dividida em
duas fases:

• Fase aguda: dura cerca de 7 a 10 dias, após 24 horas da última dose


de anfetamina; apresenta sintomas graves, como aumento do sono
e do apetite, sintomas semelhantes aos da depressão, porém menos
intensos, além de ansiedade e fissura.5

Diehl.indd 265 3/11/2009 10:56:58


266 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

• Fase subaguda: a sintomatologia inicial descrita anteriormente dimi-


nui até atingir níveis estáveis que caracterizam uma fase subaguda,
com duração de pelo menos duas semanas.5 O clínico deve estar atento
ao surgimento de quadros de depressão clínica nessa fase.3

A síndrome de abstinência pode durar, de 30 a 90 dias e inclui sentimen-


tos de depressão e letargia chamada de síndrome de abstinência protraída. Nes-
sa fase, o craving pode ser intenso e o abusador pode vir a cometer suicídio.6

Tratamento

Não existem medicamentos específicos, até o momento, para tratar a


síndrome de abstinência por anfetaminas e mentafetaminas. De modo geral,
os sintomas são autolimitados e normalmente não necessitam de internação.
Mesmo em casos mais graves, nos quais essa síndrome pode provocar sintomas
psicóticos, os sintomas são, na maioria das vezes, também autolimitados, ne-
cessitando apenas de observação e cuidados gerais e, por vezes, antipsicóticos.2
A utilização de medicamentos deve ser de acordo com a sintomatologia.

Antipsicóticos
Os antipsicóticos são reservados para os casos de quadros de psicose,
agitação ou mesmo delirium.3 Haloperidol é comumente utilizado (dosagens
de acordo com o que foi discutido no capítulo sobre intoxicação por anfeta-
minas).
A tioridazida (Melleril®) é outro antipsicótico que pode ser útil em casos
de agitação e ansiedade,1 na dose média de 300 a 600 mg/dia, fracionada
em 2 a 4 vezes. Pacientes com problemas hepáticos, renais e com baixo peso
devem receber doses diárias menores.7
A olanzapina em comprimidos orodispersíveis (Zyprexa zydis®) ou na
forma injetável para uso intramuscular (Zyprexa® IM), em doses habituais,
é suficiente para estabilizar o quadro:8 em torno de 10 mg/IM, repetindo a
dose em 1 ou 2 horas.7 Na forma orodispersível, existem comprimidos de 5
e 10 mg.

Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos, em especial os com meia-vida curta, podem ser
utilizados no intuito de diminuir a sintomatologia durante a síndrome de
abstinência.4 O lorazepam ou o diazepam podem ser administrados para agi-
tação e ansiedade.3

Diehl.indd 266 3/11/2009 10:56:59


Tratamentos farmacológicos para dependência química 267
Antidepressivos

Na década de 1970, os antidepressivos tricíclicos, em especial a imipra-


mina (Tofranil®) e a desipramina (que não é comercializada no Brasil), foram
muito utilizados com base na observação clínica. Os efeitos positivos sobre a
anergia e a psicoastenia são observados nas primeiras semanas. Em estudos
com usuários de cocaína, a desipramina mostrou-se superior ao placebo, po-
rém apenas nas primeiras semanas.9
Casos com sintomas mais graves podem necessitar de internação, princi-
palmente pacientes que evoluem com ideação suicida.1 Devido aos frequentes
pensamentos relacionados ao suicídio em indivíduos que apresentam síndro-
me de abstinência, evitar esse ato torna-se a mais importante meta nessa
fase.10,11

Considerações Finais

Na fase da síndrome de abstinência, alguns desafios clínicos devem ser


observados, principalmente em usuários de metanfetamina, uma vez que cer-
tos sintomas da abstinência recente podem ter implicações na busca de alter-
nativas de manejo. Por exemplo, pacientes muito deprimidos e anedônicos
durante essa fase, ou aqueles com prejuízo cognitivo, podem ter dificuldades
de engajar-se no tratamento e mais taxas de recaída. Ansiedade e agitação
podem estar relacionadas com disforia protraída e craving.12

Referências

1. Wolff K. Addiction medicine. In: Karch SB. Drug abuse handbook. 2nd. ed. New York:
CRC; 2006. p.559-96.
2. Murphy MJ, Cowan RL, Sederer L. Substance related disorders. In: Blueprints in
psychiatry. 5th ed. Philadelphia: Lippincott, Williams and Wilkins; 2008. p.32-41.
3. Wise MG, Rundell JR. Anphetamine related disorders. In: Clinical manual of psycho-
somatic medicine: a guide to consultation-liaison psychiatry. Washington: American
Psychiatric; 2005. p.168-70.
4. Ribeiro M, Marques ACPR. Anfetaminas. In: Projeto diretrizes [Monografia online].
Barueri: Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina; 2008. Disponível
em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/texto_introdutorio.pdf.
5. McGregor C, Srisurapanont M, Jittiwutikarn J, Laobhripatr S, Wongtan T, White JM.
The nature, time course and severity of methamphetamine withdrawal. Addiction.
2005 Sep;100(9):1320-9.
6. Hanson GR, Venturelli PJ, Fleckenstein AE. Stimulants. In: Drugs and society. 9th ed.
Boston: Jones and Bartlett; 2005. p.280-321.
7. Cordioli AV. Psicofármacos: consulta rápida. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2005. p.270-2.

Diehl.indd 267 3/11/2009 10:56:59


268 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

8. Rustin T. Substance abuse. In: Glick RL. Emergency psychiatry: principles and Practice.
Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. p.233-54.
9. King GR, Ellinwood Jr EH. Amphetamines and other stimulants. In: Lowinson JH, Ruiz
P, Millman RB, Langrod JG, editors. Substance abuse: a comprehensive textbook. 4th.
ed. Philadelphia: Lippincott, Williams and Wilkins; 2004. p.277-301.
10. Guthrie S, Brower KJ, Karam-Hage M. Substance related disorders. In: Chisholm-Burns
MA. Pharmacotherapy: principles and practice. New York: McGraw-Hill Professional;
2008. p.525-48.
11. Degenhardt L, Coffey C, Carlin JB, Moran P, Patton GC. Who are the new amphe-
tamine users? A 10-year prospective study of young Australians. Addiction. 2007
Aug;102(8):1269-79.
12. Rawson RA, Ling W. Clinical management: methamphetamine. In: Galanter M, Kleber
HD. Textbook of substance abuse treatment. 4th. ed. Virgínia: American Psychiatric
Pub, 2008. p. 169-79.

Leitura recomendada

Buxton JA, Dove NA. The burden and management of crystal meth use. CMAJ. 2008 Jun
3;178(12):1537-9.

Diehl.indd 268 3/11/2009 10:56:59


TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DA
DEPENDÊNCIA DE
ANFETAMINAS E
21
METANFETAMINAS
Gelinhos, cristais e bolinhas
Daniel Cruz Cordeiro
Alessandra Diehl

O consumo contínuo de anfetaminas muitas vezes ocorre com o intuito


de atingir melhores desempenhos sociais. Os usuários prolongam o uso de
maneira crônica e com doses baixas, o que torna tal utilização socialmen-
te imperceptível. Como resultado, ocorre fadiga excessiva devido a esforços
exagerados e contínuos; essa relação passa a não ser percebida pelo indi-
víduo. Além disso, o suicídio pode estar associado ao consumo crônico, à
impulsividade ou aos quadros depressivos. A sintomatologia psicótica, com
persecutoriedade, autorreferência e alucinações auditivas e visuais, é mais
comum nos usuários crônicos de grandes quantidades da droga.1
Entre os principais sinais e consequências da dependência de metanfe-
taminas estão euforia, ansiedade, depressão, fadiga, quadros de violência,
arritmias cardíacas, infarto do miocárdio, deterioração bucal, perda de peso,
quadros psicóticos, lesões na pele e irritabilidade.2 A dependência também
pode levar a desnutrição, cegueira cortical transitória, cardiopatias irreversí-
veis, edema agudo de pulmão e vasoespasmos isquêmicos.2
No entanto, os riscos de problemas cardíacos não estão limitados apenas
ao momento da intoxicação. Além de poder produzir patologia cardíaca as-
sociada, o consumo crônico pode aumentar os riscos de um evento cardíaco
agudo no caso de doenças cardíacas preexistentes, em uma relação direta
com o período de cronicidade do consumo.3 Também foram verificadas car-
diomiopatias em pacientes dependentes jovens.4
Além disso, evidências preliminares têm sugerido que a dependência de
metanfetaminas provoque danos neuronais a longo prazo. Observa-se que os

Diehl.indd 269 3/11/2009 10:56:59


270 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

pacientes abstinentes da droga apresentam escores baixos em testes neuro-


cognitivos para atenção e habilidades motoras.
São dois os principais fatores que podem influenciar os resultados do
tratamento dessa população:5

1. pessoas expostas a anfetaminas apresentam anormalidades na es-


trutura cerebral, com menor volume de substância cinzenta e maior
volume cortical estriatal, quando comparadas a indivíduos-controle.
Anormalidades na substância branca também podem ocorrer e es-
tariam relacionadas a gliose;
2. apesar da escassez de estudos envolvendo tais dados, outros fatores,
como abuso de outras drogas, gravidade do consumo de anfetami-
nas, diferenças no estilo de vida e possibilidade de alterações pre-
existentes, são igualmente importantes para essa questão.6

Apesar de as anfetaminas provocarem quadros de dependência, poucos


são os pacientes que procuram por tratamento, não existindo uma aborda-
gem específica para esse tipo de condição.1

Tratamento não medicamentoso

Contingency management (CM): é uma técnica baseada nos princípios


do condicionamento comportamental, na qual determinadas ações são
mais facilmente repetidas se estiverem associadas a consequências posi-
tivas. Tem sido bastante utilizada para tratar vários tipos de dependên-
cia química. O tratamento consiste em o indivíduo obter ganhos prede-
terminados (p. ex., incentivos financeiros) após ter conseguido concluir
uma meta terapêutica (p. ex., manter-se abstinente). Essa técnica tem
apresentado bons resultados em usuários de cocaína desde a década de
1990.7 Infelizmente, sua eficácia para os usuários de metanfetaminas
ainda não foi comprovada em longo prazo.8
Terapia cognitiva comportamental (TCC): também tem apresentado
resultados favoráveis; a TCC é altamente compatível com a farmacotera-
pia disponível na atualidade para dependência de anfetaminas e metan-
fetaminas. Os componentes-chave dessa abordagem incluem a análise
do funcionamento do usuário de substâncias e o treinamento de habi-
lidades individualizadas com ênfase na cognição e no comportamento
deste frente a seu uso de substâncias.1
Técnica dos 12 passos (twelve step facilitation): Essa abordagem am-
plamente utilizada e com crescente evidência científica reforçando sua
efetividade adequa-se principalmente ao reconhecimento da doença e
ao seu caráter crônico.

Diehl.indd 270 3/11/2009 10:57:00


Tratamentos farmacológicos para dependência química 271
Reforço comunitário: É uma abordagem que incorpora elementos bio-
lógicos, psicológicos e sociais ao tratamento, na tentativa de reduzir os
reforços para o uso da substância e aumentar alternativas que reforcem
o não uso.9
Modelo Matrix: Consiste na combinação das técnicas de 12 passos, TCC,
CM, entrevista motivacional e educação familiar. Esse estimulante pro-
tocolo foi organizado para atender tanto terapia individual quanto em
grupo, incorporando um “cardápio de elementos” a serem trabalhados
em três visitas semanais, durante 16 semanas, e, após, um seguimento
semanal com grupo de suporte social durante 1 ano.9

Tratamento farmacológico

A literatura científica sobre essa temática ainda é escassa, pois existem


poucos estudos avaliando intervenções farmacológicas na dependência de an-
fetaminas e metanfetaminas. Na verdade, poucos são os medicamentos que
foram apresentados como uma promessa dentre o arsenal terapêutico dispo-
nível.10
Na verdade, poucos são os medicamentos que foram apresentados como
uma promessa de tratamento,10 no entanto, nenhum medicamento, até o mo-
mento, mostrou ser realmente eficaz no tratamento da dependência dessas
substâncias.10
Acredita-se que grande parte dos usuários de metanfetaminas seja poliu-
suários e, portanto, os tratamentos medicamentosos efetivos devem conside-
rar esse uso de múltiplas substâncias.11
Os medicamentos já estudados para essa condição e seus principais re-
sultados são:

Naltrexona (Revia®): em ratos, a naltrexona provoca alteração do com-


portamento de busca de anfetaminas, atenuando sua autoadministração
sem reprimir o comportamento geral.12 Usuários com quadro de depen-
dência que receberam 50 mg de naltrexona por 12 semanas, quando
comparados aos que usaram placebo apresentaram menores índices de
fissura, assim como menores positivações de urina para presença de an-
fetaminas devido à redução do consumo. Todos participaram de sessões
de terapia de prevenção de recaídas. O consumo de naltrexona foi bem
tolerado nesse estudo.13
Mirtazapina (Remeron®): tem diminuído a ansiedade dos usuários no
período de abstinência, quando comparados aos que receberam place-
bo. Alguns efeitos colaterais foram descritos, como cefaleia, sedação,
náusea e vômitos.14 Nas doses de 15 mg/dia, nos 2 primeiros dias, e de
30 mg/dia, nos 12 dias seguintes de tratamento, houve uma melhora

Diehl.indd 271 3/11/2009 10:57:00


272 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

no padrão de sono e na ansiedade. Porém, mesmo com essas vantagens,


quando comparada ao placebo, a mirtazapina não aumentou a adesão
ao tratamento na população estudada.15
Modafinil (Provigil® ou Modalert®): também já foi testado em po-
pulações de dependentes de metanfetaminas. Pacientes que utilizaram
400 mg/dia, quando comparados aos que receberam 60 mg/dia de mir-
tazapina, apresentaram menos dores e síndrome de abstinência mais
leve. Quadros de cefaleias foram mais comuns nos pacientes que esta-
vam em uso de modafinil.16
Bupropiona (Zyban®): em usuários com nível de dependência leve a
moderada, a dose de 150 mg 2 vezes ao dia combinada com TCC au-
mentou o número de semanas de abstinência em comparação ao grupo
que recebeu placebo, independentemente de suas comorbidades (TDAH
ou quadros de depressão).17
Reboxetina (Prolift®): em um relato de caso, o medicamento apresen-
tou bons resultados em paciente com quadro depressivo sem resposta a
antidepressivos ou lítio em doses máximas. A paciente evoluiu eutímica
com a utilização da reboxetina (um recaptador de noradrenalina), de-
monstrando, nesse caso, que essa medicação pode desempenhar algum
papel no tratamento da abstinência.18
Fluoxetina (Prozac®, Daforin®, Fluxene®, Verotina®): em compara-
ção ao placebo, na dose de 40 mg/dia, a fluoxetina diminui significati-
vamente a fissura durante um tratamento de curto prazo.10
Imipramina (Tofranil®): na dose de 150 mg/dia, a imipramina aumen-
tou a duração da adesão ao tratamento. Porém, tanto a fluoxetina quan-
to a imipramina, apesar de apresentarem algum benefício, não foram
suficientes para reduzir o uso de anfetaminas.10

Aspectos clínicos de usuários de


metanfetamina que merecem ser observados

Prejuízo cognitivo: tem sido documentado que o uso crônico de metan-


fetamina produz importante dano das funções cognitivas. A memória
verbal e executiva, a resposta desinibitória, a atenção, a percepção e
a fluência na fala podem estar comprometidas. Embora muitas dessas
alterações melhorem após as primeiras semanas de abstinência, evidên-
cias sugerem que algum prejuízo cognitivo residual pode persistir. Por
isso, é importante que abordagens iniciais sejam empregadas de forma
simplificada, clara e diretiva; isso inclui obviamente a orientação quanto
ao uso correto da medicação.9

Diehl.indd 272 3/11/2009 10:57:00


Tratamentos farmacológicos para dependência química 273
Comportamento sexual: a hipersexualidade de usuários de metanfe-
tamina, sobretudo em homens que fazem sexo com homens (HSM), re-
presenta um significativo risco para sexo desprotegido e consequente
transmissão do vírus HIV. Programas de tratamento para esse público
devem considerar abordagens que diminuam o risco de contaminação
por meio da adequada orientação e educação em saúde.9

Considerações finais

Em investigações, o antipsicótico aripiprazol (Abilify®) e estimulantes


do SNC, como o metilfenidato (Ritalina®),19 têm se apresentado como pro-
messa terapêutica para a dependência de anfetaminas e metanfetaminas.
As evidências demonstram que a farmacoterapia para diminuir o con-
sumo de metanfetaminas ou reduzir a fissura durante a abstinência deve-
riam resultar de terapias que promovessem alterações na farmacodinâmica
e farmacocinética das metanfetaminas, mudando suas ações nos sistemas
cerebrais,5 ou seja, o tratamento para essa dependência poderá vir por inter-
médio de medicamentos que limitem a exposição do cérebro aos efeitos das
metanfetaminas; que modulem os efeitos sobre a monoamina (VMAT-2) ou
que afetem os efeitos sobre os sistemas dopaminérgico, GABAérgico, seroto-
nérgico e/ou glutamatérgico do cérebro.5
Acredita-se que a farmacoterapia com utilização de agentes dopaminér-
gicos e não dopaminérgicos, em combinação com TCC, poderá trazer benefí-
cios adicionais na redução dos riscos causados pelas anfetaminas.20

Referências

1. Ribeiro M, Marques ACPR. Abuso e dependência: anfetaminas. In: Projeto diretrizes


[Monografia online] 2002 ago 21 [acesso em 2009 maio 12]. Barueri: Associação
Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina; 2009. Disponível em: http://www.
projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/003.pdf.
2. Buxton JA, Dove NA. The burden and management of crystal meth use. CMAJ. 2008
Jun 3;178(12):1537-9.
3. Kaye S, McKetin R, Duflou J, Darke S. Methamphetamine and cardiovascular pathology:
a review of the evidence. Addiction. 2007 Aug;102(8):1204-11.
4. Yeo KK, Wijetunga M, Ito H, Efird JT, Tay K, Seto TB, et al. The association of metham-
phetamine use and cardiomyopathy in young patients. Am J Med. 2007 Feb;120(2):165-
71.
5. Maxwell JC. Emerging research on methamphetamine. Curr Opin Psychiatry. 2005
May;18(3):235-42.
6. Berman S, O’Neill J, Fears S, Bartzokis G, London ED. Abuse of amphetamines and
structural abnormalities in the brain. Ann N Y Acad Sci. 2008 Oct;1141:195-220.

Diehl.indd 273 3/11/2009 10:57:00


274 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

7. Higgins ST. Extending contingency management to the treatment of methamphetamine


use disorders. Am J Psychiatry. 2006 Nov;163(11):1870-2.
8. Roll JM, Petry NM, Stitzer ML, Brecht ML, Peirce JM, McCann MJ, et al. Contingency
management for the treatment of methamphetamine use disorders. Am J Psychiatry.
2006 Nov;163(11):1993-9.
9. Roll JM, Rawson RA, Ling W, Steven Shoptaw. Methamphetamine Addiction: from
Baisc Science to Treatment. New York, NY: The Guilford Press; 2009. 258p.
10. Srisurapanont M, Kittiratanapaiboon P, Jarusuraisin N. Treatment for amphetamine
psychosis. Cochrane Database Syst Rev. 2001;(4):CD003026. Update in: Cochrane
Database Syst Rev. 2008;(4):CD003026.
11. World Health Organization. Disease control priorities related to mental, neurological,
developmental and substance abuse disorders. Geneva: World Health Organization;
2006. p.87-100.
12. Häggkvist J, Lindholm S, Franck J. The opioid receptor antagonist naltrexone attenu-
ates reinstatement of amphetamine drug-seeking in the rat. Behav Brain Res. 2009
Jan 30;197(1):219-24.
13. Jayaram-Lindström N, Hammarberg A, Beck O, Franck J. Naltrexone for the treatment
of amphetamine dependence: a randomized, placebo-controlled trial. Am J Psychiatry.
2008 Nov;165(11):1442-8.
14. Kongsakon R, Papadopoulos KI, Saguansiritham R. Mirtazapine in amphetamine
detoxification: a placebo-controlled pilot study. Int Clin Psychopharmacol. 2005
Sep;20(5):253-6.
15. Cruickshank CC, Montebello ME, Dyer KR, Quigley A, Blaszczyk J, Tomkins S, et al.
A placebo-controlled trial of mirtazapine for the management of methamphetamine
withdrawal. Drug Alcohol Rev. 2008 May;27(3):326-33.
16. McGregor C, Srisurapanont M, Mitchell A, Wickes W, White JM. Symptoms and sleep
patterns during inpatient treatment of methamphetamine withdrawal: a comparison
of mirtazapine and modafinil with treatment as usual. J Subst Abuse Treat. 2008
Oct;35(3):334-42.
17. Elkashef AM, Rawson RA, Anderson AL, Li SH, Holmes T, Smith EV, et al. Bupropion
for the treatment of methamphetamine dependence. Neuropsychopharmacology. 2008
Apr;33(5):1162-70.
18. Molina JD, de Pablo S, López-Muñoz F, Alamo C, Blasco-Fontecilla H, González-Parra
S. Monotherapy with reboxetine in amphetamine withdrawal syndrome. Prog Neu-
ropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2006 Sep 30;30(7):1353-5.
19. Tiihonen J, Kuoppasalmi K, Föhr J, Tuomola P, Kuikanmäki O, Vorma H, et al. A com-
parison of aripiprazole, methylphenidate, and placebo for amphetamine dependence.
Am J Psychiatry. 2007 Jan;164(1):160-2.
20. Vocci FJ, Appel NM. Approaches to the development of medications for the treatment
of methamphetamine dependence. Addiction. 2007 Apr;102 (Suppl 1):96-106.

Leitura recomendada

McKetin R, Kelly E, McLaren J. The relationship between crystalline methamphetamine use


and methamphetamine dependence. Drug Alcohol Depend. 2006 Dec 1;85(3):198-204.

Diehl.indd 274 3/11/2009 10:57:00


parte 11
Inalantes

Diehl.indd 275 3/11/2009 10:57:00


Diehl.indd 276 3/11/2009 10:57:00
FARMACOTERAPIA
DOS INALANTES
Negligenciando o vapor barato
22
Alessandra Diehl

O abuso de inalantes consiste na inalação intencional de substâncias


voláteis (hidrocarbonetos) ou nitritos, com o objetivo de obter euforia, desini-
bição, efeitos excitatórios ou aumentar o desejo e o desempenho sexual.1,2
Solventes, colas, tintas, verniz, thinner, removedores de pintura, alguns
agentes de limpeza a seco, spray de pintura, removedores de esmalte de
unha, fluidos de correção de máquina de escrever e propulsores de aerossol
são fontes comuns de abuso da substância volátil.3,4 Além desses, há o popu-
larmente conhecido “cheirinho da loló” ou simplesmente “loló”, que é outra
mistura clandestina de álcool etílico ou benzina, clorofórmio, éter e essências
de frutas.5
Tem sido relatado, nos últimos anos, o abuso de substâncias inalantes
entre adolescentes e crianças, até mesmo as bem pequenas, de todo o mundo,
assim como entre usuários de outras drogas.3,6 Medina-Mora e Real7 realiza-
ram uma extensa revisão sobre a epidemiologia do abuso de inalantes que
comprova esses achados. Os estudos revisados observam que, além do uso
dos inalantes ser bastante difundido entre crianças e adolescentes, o consumo
entre mulheres tanto de países desenvolvidos quanto daqueles em desenvol-
vimento tem aumentado.
Novas evidências apontam a existência de baixas taxas de confiabilidade
para os critérios diagnósticos de dependência de inalantes quando compara-
dos com outras substâncias, sugerindo a necessidade de uma revisão sobre a
temática, até mesmo da própria evidência de síndrome de abstinência.7
Entretanto, algumas evidências associam claramente a administração
contínua da substância com a indução de sintomas psicóticos, transtornos do
humor, de ansiedade e dano cerebral, como prejuízo de memória; comprome-
timento cognitivo; perda auditiva e da sensação olfativa; comprometimento
da coordenação motora, com dificuldade para deambular, e demência.1,2
Entre os inalantes que têm ganhado bastante notoriedade entre os ado-
lescentes e a comunidade gay (emergindo nos sex-shops), destacam-se os
nitritos (amil nitrato),6,8,9 popularmente conhecidos por “popper” devido ao

Diehl.indd 277 3/11/2009 10:57:01


278 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

barulho do estouro produzido quando as cápsulas contendo a substância são


esmagadas entre os dedos dos usuários.2
Segundo dados do National Household Surveys on Drug Abuse de 2001,
nos Estados Unidos, em torno de 1,5% dos adolescentes norte-americanos de
12 a 17 anos já haviam experimentado a substância (“popper”) alguma vez na
vida. A prevalência de uso na vida aumentou 12 e 14%, respectivamente, en-
tre adolescentes que foram dependentes de álcool e de qualquer outra droga
no ano anterior ao levantamento.10
Nesses grupos vulneráveis de usuários de inalantes, observa-se maior
risco para uso de drogas injetáveis, HIV, suicídio e desenvolvimento de trans-
tornos psiquiátricos.7
Há uma grande necessidade de extensão de pesquisas relacionadas ao
tratamento do uso, abuso e dependência de inalantes, uma vez que, na lite-
ratura, não existem estudos publicados examinando os efeitos de potenciais
medicações no tratamento dessa condição,2 assim como estratégias bem-su-
cedidas de modelos de tratamento psicossociais dirigidos para esse público
específico.2,7
Este capítulo examina os potenciais medicamentos a serem utilizados
para esse grupo de substâncias indicados pelos autores Hernandez-Avila e
Pierucci-Lagha,2 que se basearam no conhecimento dos efeitos dos neuro-
transmissores que mediam os efeitos reforçadores dos inalantes e, por con-
seguinte, poderiam ajudar os usuários a alcançar a abstinência. As dosagens
terapêuticas mencionadas a seguir não foram avaliadas para abuso/depen-
dência de inalantes, mas sim para a primeira ou principal indicação da medi-
cação em questão.

Possibilidades terapêuticas

Antipsicóticos atípicos: esses medicamentos têm alta afinidade com


receptores de dopamina (D3 e D4), sendo que a indicação da clozapina
(Leponex® 200 a 500 mg/dia), da olanzapina (Zyprexa® 5 a 20 mg/
dia), da risperidona (Risperdal® 4 a 8 mg/dia) e da quetiapina (Se-
roquel® 300 a 900 mg/dia) estariam relacionadas a possibilidade de
redução do uso de inalantes pelo bloqueio do circuito de recompensa
dopaminérgico mesocortical estimulado por essas substâncias.2,11
Anticonvulsivantes: medicações como o valproato (Depakene® 750 a
1.800 mg/dia), o topiramato (Topamax® 200 a 600 mg/dia), a gabapen-
tina (Neurontin® 900 a 1.800 mg/dia), o vigabatrim (Sabril® 2 g/dia) e
a tiagabina (Gabitril® 12 a 24 mg/dia) estariam indicadas para tratar a
síndrome de abstinência por antagonizar os efeitos reforçadores dos ina-
lantes mediante inibição da liberação de dopamina mesocorticolímbica,
facilitando a atividade do GABA.2,11

Diehl.indd 278 3/11/2009 10:57:01


Tratamentos farmacológicos para dependência química 279
Acamprosato (Campral® 999 mg a 1.988 mg/dia): a indicação estaria
relacionada à capacidade de prevenir a neurotoxicidade associada ao
uso dos inalantes.2,11
Antagonistas 5-HT3: visto que os receptores 5HT3A podem estar envol-
vidos nos efeitos reforçadores dos inalantes, é possível que essa medica-
ção antagonize esse complexo receptor. São dois os medicamentos com
esse perfil: o ondansetron (Zofran® 4 mg/dia) e a mirtazapina (Reme-
ron® 30 a 45 mg/dia).2,11,12

Considerações finais

Os dados do II Levantamento Nacional do CEBRID, de 2005, mostram


que os solventes são a quarta droga (atrás do álcool, da maconha e do tabaco)
cujo abuso é mais prevalente no Brasil.13 O uso na vida dessa substância foi
de 6,1% e a dependência foi de 0,2%.5 Os números, entretanto, não parecem
estar associados a estratégias terapêuticas ou modelos de tratamento psicos-
sociais de âmbito nacional dirigidos a esse público, deixando exposta uma
grande lacuna nessa área que necessita ser imediatamente preenchida com
políticas específicas.

Referências

1. Dias JC, Pinto IM. Substâncias psicoativas: classificações, mecanismos de ação e


efeitos sobre o organismo. In: Silveira DX, Moreira FG. Panorama atual de drogas e
dependências. São Paulo: Atheneu; 2006. p.39-52.
2. Hernandez-Avila C, Pierucci-Lagha A. Inhalants. In: Kranzler HR, Ciraulo DA. Clinical
manual of addiction psychopharmacology. Washington: American Psychiatric; 2005.
p.269-314.
3. Ramón MF, Ballesteros S, Martinez-Arrieta R, Torrecilla JM, Cabrera J. Volatile substance
and other drug abuse inhalation in Spain. J Toxicol Clin Toxicol. 2003;41(7):931-6.
Erratum in: J Toxicol Clin Toxicol. 2004;42(7):1000.
4. Organização Mundial da Saúde. Neurociência do uso e da dependência de substâncias
psicoativas. São Paulo: Roca; 2006.
5. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas. Solventes ou inalantes.
[Artigo online]. [capturado 2009 Fev 08]; Disponível em URL: http://www.unifesp.
br/dpsicobio/cebrid/quest_drogas/solventes.htm.
6. Kurtzman TL, Otsuka KN, Wahl RA. Inhalant abuse by adolescents. J Adolesc Health.
2001 Mar;28(3):170-80.
7. Medina-Mora ME, Real T. Epidemiology of inhalant use. Curr Opin Psychiatry. 2008
May;21(3):247-51.
8. Colfax G, Coates TJ, Husnik MJ, Huang Y, Buchbinder S, Koblin B, et al. Longitudinal
patterns of methamphetamine, popper (amyl nitrite), and cocaine use and high-risk

Diehl.indd 279 3/11/2009 10:57:01


280 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

sexual behavior among a cohort of San Francisco men who have sex with men. The
Explore Study Team. J Urban Health. 2005 Mar;82(Suppl 1):62-70.
9. Petermann H. [Laughing gas: pleasure gas and inhalation anesthetic—experience and
action as decisive factors in the history of anesthesia]. Sudhoffs Arch Z Wissenschafts-
gesch Beih. 2004;(54):227-37.
10. Wu LT, Schlenger WE, Ringwalt CL. Use of nitrite inhalants (“poppers”) among Ame-
rican youth. J Adolesc Health. 2005 Jul;37(1):52-60.
11. Cordioli AV. Psicofármacos: consulta rápida. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2005.
p.695.
12. Miller G. Psychopharmacology. Tackling alcoholism with drugs. Science. 2008 Apr
11;320(5873):168-70.
13. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. II Levantamento domiciliar sobre o
uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do
país. São Paulo: Páginas & Letras; 2005.

Leitura recomendada

Pandina R, Hendren R. Other drugs of abuse: inhalants, designer drugs, and steroids. In:
McCrady BS, Epstein EE. Addictions: a comprehensive guidebook. New York: Oxford Uni-
versity; 1999. p.171-86.

Diehl.indd 280 3/11/2009 10:57:01


parte 12
Alucinógenos

Diehl.indd 281 3/11/2009 10:57:01


Diehl.indd 282 3/11/2009 10:57:01
FARMACOTERAPIA
DOS ALUCINÓGENOS
A tênue linha entre o divino
23
ritualístico e o humano científico
Alessandra Diehl

Os alucinógenos são drogas capazes de causar alterações do estado de


consciência, provocar distorções da sensopercepção (como ilusões, pseudo-
alucinações e alucinações), alterar o conteúdo do pensamento, bem como
provocar alterações do humor.1,2,3
Essa classe de drogas psicoativas foi descoberta por acidente em 1943,
quando um cientista suíço (Albert Hoffman 1906-2008) ingeriu de forma
inadvertida uma substância que, tempos depois, ficaria mundialmente co-
nhecida pela sigla LSD (dietilamida do ácido lisérgico). Naquela ocasião, o
cientista experimentou uma série de sintomas relacionados aos efeitos do
alucinógeno ingerido, manifestando, assim, sua primeira “viagem” ou “trip”
com essa droga.3,4 Mais tarde, na década de 1960, o uso de alucinógenos foi
incorporado à revolução sexual e sociocultural que se instalou, sobretudo,
nos Estados Unidos, sendo o lema da época: “Turn on, tune in, and drop
out”.4
Atualmente, a experiência do cientista aparece em vários sites e blogs
da internet descrevendo, de formas semelhantes, o que o “pai do LSD” teria
vivenciado. Algumas das descrições relatam o seguinte: “Os objetos e o aspec-
to dos meus colegas de laboratório pareciam sofrer mudanças ópticas. Não
conseguindo me concentrar em meu trabalho, num estado de sonambulismo,
eu fui para casa, onde uma vontade irresistível de me deitar se apoderou
de mim. Fechei as cortinas do quarto e logo caí em um estado mental pecu-
liar, semelhante à embriaguez, mas caracterizado por imaginação exagerada.
Com os olhos fechados, figuras fantásticas de extraordinária plasticidade e
coloração surgiram diante de meus olhos”.5,6
Tanto o LSD quanto outros alucinógenos, como a psilocibina e a mesca-
lina, chegaram a ser avaliados como adjuntos à psicoterapia, com o objetivo
de promover uma melhor comunicação terapêutica. Entretanto, devido a seu
grande potencial de dependência, associado aos efeitos de intoxicação nem

Diehl.indd 283 3/11/2009 10:57:02


284 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

sempre previsíveis, deixaram de ser empregados para fins terapêuticos, sendo


considerado uma droga ilegal desde o final dos anos 1960.3,4

classificação

Os alucinógenos são classificados como naturais ou sintéticos.

Alucinógenos naturais
Acredita-se que aproximadamente 50 espécies de plantas possuam pro-
priedades alucinógenas, e estima-se que existam em torno de uma dúzia de
alucinógenos naturais, os quais são consumidos por seus usuários com diver-
sas finalidades. Desde a antiguidade, por exemplo, alguns alucinógenos natu-
rais vêm sendo empregados para fins ritualísticos, com o objetivo de produzir
experiências místicas.7
As principais plantas com propriedades alucinógenas são os “cogume-
los”, a “jurema”, a “chacrona” e o “cocapi” ou “caapi” (Ayahuasca), sendo que
as duas últimas são plantas ingeridas no “ritual do Santo Daime”, ou “culto
da união vegetal”, sob a forma de preparações líquidas, utilizadas principal-
mente na América do Sul (Peru, Colômbia e Brasil).1,7

Psilocibina (dimetil-4-fosforiltriptamina): é obtida a partir do Psi-


locybe mexicana e de 100 espécies relacionadas de cogumelos (magic
mushrooms).3
Mescalina (3,4,5-trimetoxifeniletilamina): é obtida do cacto “peyote” ou
“mesial” (Lophophora Williamsii), sendo empregada em cerimônias reli-
giosas pelos indígenas da América do Norte, e seu uso é regulamentado
e aprovado por agências governamentais.3
Ayahuasca: é uma bebida psicoativa da América do Sul que contém um
agente psicodélico natural denominado N,N-dimetiltriptamina (DMT).
Esse “chá” tem sido usado durante séculos em contextos religiosos e
medicinais nas áreas de floresta tropical da América do Sul, mas tam-
bém tem ganhado crescente número de adeptos na América do Norte e
Europa. O chá é utilizado com o objetivo de autoconhecimento e intros-
pecção. Alguns estudos apontam a capacidade da substância de gerar
tolerância e desenvolver dependência.7

Alucinógenos sintéticos
O LSD (dietilamida do ácido lisérgico), conhecido pelos usuários como
“ácido” ou “doce”,4 é considerado o protótipo desse grupo e, por esse motivo,

Diehl.indd 284 3/11/2009 10:57:02


Tratamentos farmacológicos para dependência química 285
é o foco maior deste capítulo. É o mais potente dentre os alucinógenos (i. e.,
4.000 a 6.000 vezes mais potente do que a mescalina ou 100 a 200 vezes mais
potente do que a psilocibina). É incolor, inodoro e psicoativo somente em sua
forma isômera d-LSD.
Os efeitos agudos mais comuns do LSD são presença de ilusões de cores
e sons, com “sensação de consciência cósmica”, alucinações verdadeiras e pu-
pilas muito dilatadas.4,8 Além das alucinações, essa droga pode levar a um fe-
nômeno de flashbacks bastante comum entre seus adeptos e reconhecido pelo
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV) como uma
categoria de transtorno da percepção persistente induzido por alucinógeno.9
Os flashbacks são reações recorrentes, breves e transitórias, nas quais o usuá-
rio volta a experimentar distorções perceptivas similares àquelas observadas
em intoxicações anteriores, decorridos várias semanas, meses ou até mesmo
anos após o último consumo.10,11 Geralmente, essas experiências ocorrem de
forma inesperada, imprevisível e diante de situações impróprias, o que acaba
causando prejuízo no funcionamento social, acadêmico e ocupacional desses
pacientes.11

Tratamento

Devido ao fato de não estar ainda bem estabelecida a dose mínima letal
e a toxicidade do LSD, é importante que a gravidade dos quadros de intoxica-
ção sejam sempre avaliadas à luz da apresentação clínica.12
Os casos que chegam aos serviços de saúde, em geral, são estados agu-
dos de overdose, em decorrência de reações de pânico, que geram as chama-
das “bad trips”, ou de episódios de flashbacks.10,12
Recomenda-se aos serviços de emergência e pronto-socorro (PS) que
dispõem de screening/testes para detecção de drogas que os utilizem, prin-
cipalmente para identificar uso concomitante de outras possíveis drogas de
abuso.13 Esse procedimento tem implicações importantes na orientação de
condutas mais assertivas, evitando interações medicamentosas e aparecimen-
to de outras complicações clínicas (p. ex, coma por uso de outra droga).8,12
Na maioria dos pacientes assistidos em PS por sintomas de intoxicação
por LSD, a droga já foi completamente absorvida. Se o paciente ingeriu uma
quantidade substancial da droga (maior que 200 µg/kg) em um período ante-
rior à chegada ao PS (em 30 minutos) e não está obnubilado ou comatoso ou,
ainda, apresentando convulsões, o mais eficiente é a remoção da droga não
absorvida do estômago mediante lavagem gástrica. Caso esse procedimento
não seja viável, recomenda-se a indução da emese por meio de xaropes para
produzir vômitos. Se o vômito não ocorrer depois da primeira dose, o xarope
pode ser repetido em 30 minutos. As convulsões são tratadas com baixas do-
ses de diazepam (10 mg EV), tratamento que pode ser repetido, se necessário.

Diehl.indd 285 3/11/2009 10:57:02


286 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

É sempre importante lembrar que se deve estar em ambiente com condições


de reverter uma possível parada respiratória.8,12
No tratamento das alucinações ou dos delírios agudos, o uso de neuro-
lépticos é indicado, porém com precaução, pois os de alta potência, como a
clorpromazina (Amplictil®), podem induzir ou piorar a hipotensão e causar
convulsões por diminuir o limiar convulsivante.12
A ansiedade aguda pode ser manejada com diazepam oral (5-20 mg em
adultos) ou doses equivalentes de outros benzodiazepínicos, como o loraze-
pam.11,12 Assegurar um ambiente calmo, com baixa luminosidade e fornecer
orientações-chave sobre os sintomas, o tratamento e o prognóstico são bas-
tante úteis em estados ansiosos. Se a hospitalização não for necessária, então
se deve orientar o seguimento ambulatorial e assegurar que alguém próximo
a esse paciente possa ajudar no processo de cuidados após a crise aguda.4,12
Já aqueles pacientes que procuram o PS por flashbacks podem ser tratados
com diazepam (15-30 mg/dia para adultos) se os sintomas de ansiedade fo-
rem graves.
Os neurolépticos, especialmente o haloperidol (Haldol®), têm sido re-
lacionados ao aumento transitório dos flashbacks e, por isso, não são reco-
mendados, assim como o risperidona (Risperdal®), e os inibidores da recap-
tação de serotonina, que podem também piorar os sintomas de alucinação,
persistindo o transtorno da percepção delirante.12 A literatura sobre o tema
apresenta vários relatos de caso com resultados positivos do tratamento de
flashbacks com neurolépticos, anticonvulsivantes, benzodiazepínicos e cloni-
dina. No entanto, nenhum desses estudos se classifica como ensaio clínico
controlado, randomizado.9
É importante informar o paciente e seus familiares sobre o caráter au-
tolimitado dos sintomas, a natureza do fenômeno e a diminuição da sua fre­
quência e recorrência com o decorrer do tempo. O paciente deve ser ­lembrado
de que qualquer uso futuro de alucinógenos ou maconha pode precipitar sin-
tomas similares.12
Porém, apesar de haver algumas informações a respeito do tratamento
dos sintomas produzidos por essa droga, não existe evidência científica de
uma abordagem farmacológica realmente eficaz para os casos de dependên-
cia de LSD.12

Considerações finais

Quanto mais diversificado é o nosso cenário social em termos étnicos,


culturais e religiosos, maior é o espectro de expectativas dos cidadãos e maior
parecem ser as dificuldades inerentes de compressão das interfaces entre os
contextos de espiritualidade e de saúde (medicina). É nesse sentido que muito
ainda se discute a legalidade, os benefícios e os malefícios da Ayahuasca (Santo

Diehl.indd 286 3/11/2009 10:57:02


Tratamentos farmacológicos para dependência química 287
Daime), por exemplo, gerando dúvidas entre profissionais da saúde, que ten-
dem a refletir sobre as escolhas ideológicas e o estilo de vida de outros indiví-
duos e de suas famílias. Certamente, lidar com essas questões não nos parece
tarefa fácil, mas vale sempre o exercício e a sensibilidade da observação.

Referências

1. Weaver MF, Schnoll SH. Hallucinogens and club drugs. In: Galanter M, Kleber HD.
Textbook of substance abuse treatment. 4th. ed. Virgínia: American Psychiatric Pub,
2008. p. 191-200.
2. Miller NS, Gold MS, Smith DE. Manual therapeutics for addictions. New York: John
Wiley & Sons; 1997.
3. Frances RJ, Miller SI. Clinical textbook of addictive disorders. 2nd. ed. New York: The
Guilford; 1998.
4. Stephens RS. Cannabis and hallucinogens. In: McCrady BS, Epstein EE. Addictions: a
comprehensive guidebook. New York: Oxford University; 1999. p.121-40.
5. Doria P. Albert Hofmann e o LSD, 1906-2008. [Artigo online]. 2008 Abr 30 [captu-
rado 2009 Fev 04]; Disponível em: http://pedrodoria.com.br/2008/04/30/albert-
hofmann-1906-2008/.
6. LSD. [Artigo online]. [capturado 2009 Fev 04]; Disponível em: http://www.profcupido.
hpg.ig.com.br/drogas_lsd.htm.
7. Riba J, Fornells AR, Urbano G, Morte A, Antonijoan R, Montero M, et al. Subjective
effects and tolerability of the South American psychoactive beverage Ayahuasca in
healthy volunteers. Psychopharmacology (Berl). 2001 Feb;154(1):85–95.
8. Kulig K. LSD. Emerg Med Clin North Am. 1990 Aug;8(3):551-8.
9. Halpern JH, Pope HG Jr. Hallucinogen persisting perception disorder: what do we
Know after 50 years? Drug Alcohol Depend. 2003 Mar 1;69(2):109-19.
10. Hermle L, Kovar KA, Hewer W, Ruchsow M. Hallucinogen-induced psychological
disorders. Fortschr Neurol Psychiatr. 2008 Jun;76(6):334-42.
11. Lerner AG, Gelkopf M, Skladman I, Rudinski D, Nachshon H, Bleich A. Clonazepam
treatment of lysergic acid diethylamide-induced hallucinogens persisting perception
disorder with anxiety features. Int Clin Psychopharmacol. 2003 Mar;18(2):101-5.
12. Tacke U, Ebert MH. Hallucinogens and phencyclidine. In: Kranzler HR, Ciraulo DA.
Clinical manual of addiction psychopharmacology. Washington: American Psychiatric;
2005. p.211-42.
13. McCarron MM, Walberg CB, Baselt RC. Confirmation of LSD intoxication by analysis
of serum and urine. J Anal Toxicol. 1990 May-Jun;14(3):165-7.

Leituras recomendadas

Laranjeira RR, Nicastri S. Abuso e dependência de álcool e drogas. In: Almeida OP, Dractu
L, Laranjeira RR. Manual de psiquiatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1996.
Levine RR. Pharmacology: drug actions and reactions. 5nd. ed. New York: Parthenon; 1996.

Diehl.indd 287 3/11/2009 10:57:02


Diehl.indd 288 3/11/2009 10:57:02
parte 13
Outras drogas

Diehl.indd 289 3/11/2009 10:57:03


Diehl.indd 290 3/11/2009 10:57:03
TRATAMENTO
FARMACOLÓGICO DO ABUSO
E DA DEPENDÊNCIA DE
ESTEROIDES ANABOLIZANTES
24
O paradoxo do culto ao corpo
Alessandra Diehl

A problemática do abuso de esteroides anabolizantes androgênicos


(EAA) tem, atualmente, chamado a atenção de pesquisadores, cientistas, pro-
fissionais da saúde, da mídia e do público em geral do mundo todo,1,2,3 em es-
pecial porque o abuso e a provável dependência de esteroides anabolizantes
não mais pertencem apenas ao mundo dos esportes e dos fisiculturistas.4,5,6
Alguns autores têm apontado o fato de que a maioria daqueles que abusam
dessa substância não são atletas de elite, mas indivíduos comuns, não atletas,
que não participam de competição e desejam se tornar mais musculosos.7
Esse fenômeno tem crescido entre a comunidade gay, nas academias de gi-
nástica em geral e sobretudo entre os adolescentes.5,8-12
Os esteroides anabolizantes, quando usados em doses suprafisiológicas,
ou seja, doses 10 a 100 vezes maiores que a dose em estudos médicos, que
equivalem a 600-1.000 mg de testosterona por semana, fenômeno conhecido
como “estocar”, permitem aos usuários aumentar enormemente sua massa
muscular e seu desempenho atlético muito além das capacidades médias na-
turais imagináveis. O incremento da síntese de proteínas também se verifica
em nível genital, ósseo e dérmico.6,7,13
São esses resultados que motivam os abusadores de esteroides anabo-
lizantes, os quais são em geral guiados pelo desejo inicial de culto ao corpo
e à beleza, características que vêm ganhando cada vez mais força no mundo
moderno e parecem ser de extrema importância para muitos adolescentes.
Além desses usuários comuns, alguns atletas de elite competitiva também
fazem uso da substância com esse objetivo.7,10,15
Os EAA são formas sintéticas do hormônio masculino testosterona, as
quais são administradas oralmente, injetadas, esfregadas sobre a pele ou uti-

Diehl.indd 291 3/11/2009 10:57:03


292 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

lizadas na forma intrabucal por meio de comprimidos mucoadesivos, com o


objetivo de aumentar massa muscular e reduzir gordura corporal.10,14
Existem três padrões conhecidos de abuso:

1. o padrão de abuso mais comum é em ciclos, ou seja, o uso de múl-


tiplas doses durante um período de tempo, com pausa por algum
tempo, e, então, o reinício do ciclo de superdoses;
2. o padrão pirâmide, no qual o indivíduo começa com pequenas
dosagens, aumentando de forma progressiva até o máximo e, após
esse pico, ocorrendo uma redução gradual até o final do período, o
qual pode ser extremamente variável.
3. o padrão “stacking” (“empilhar”) refere-se ao uso de diferentes ti-
pos de esteroides combinados ao mesmo tempo (uso alternado de
esteroides de acordo com a toxicidade).7,10,14

Essa vasta população de abusadores comuns de esteroides anabolizantes


começou a crescer no final dos anos 1970 e início dos 1980 e tem perma-
necido tão invisível quanto a maioria das outras populações de usuários de
substâncias, uma vez que os de esteroides anabolizantes raramente procuram
tratamento.7,10
A maior parte dos indivíduos que fizeram ou fazem uso de anabolizan-
tes são homens jovens, mas alguns, em especial aqueles que iniciaram o uso
de anabolizantes na década de 1980, estão agora alcançando a meia-idade.
Embora muitos desses jovens senhores não façam mais uso da substância, a
evidência científica cumulativa sugere que eles ainda podem estar vulnerá-
veis aos efeitos médicos e psiquiátricos de longo prazo devido ao uso regular
da droga no passado.7
Ainda que o levantamento nacional norte-americano de 200616 tenha
encontrado uma taxa de apenas 3% de abuso de anabolizantes entre adoles-
centes, duas foram as preocupações que emergiram entre os pesquisadores. A
primeira é que 40% dos adolescentes norte-americanos relataram ser “fácil”
ou “muito fácil” conseguir a substância, e a segunda é o fato de a substância
poder causar uma série de efeitos tanto na saúde quanto em mudanças com-
portamentais entre os adolescentes.10
No Brasil, dados provenientes dos levantamentos domiciliares sobre uso
de drogas psicotrópicas, conduzidos em 2001 e 2005, mostram que a porcen-
tagem de pessoas que relataram uso de anabolizantes é extremamente baixa
(apenas 0,6% em 2001), o que talvez não reflita a realidade nacional por esse
público seguir “escondido”.17,18
O GAO/Estados Unidos (Government Accountabitily Office/EUA), em
2007, revisou 16 artigos publicados entre janeiro de 1995 e junho de 2007.
Os artigos revelam uma correlação entre o abuso de anabolizantes por adoles-

Diehl.indd 292 3/11/2009 10:57:03


Tratamentos farmacológicos para dependência química 293
centes e fatores de risco, como uso de outras drogas, comportamento sexual
de risco e agressividade, especialmente entre meninos.10
Entre os efeitos colaterais encontrados com mais frequência ­destacam-se
oligoespermia, infertilidade, ginecomastia, crescimento de pelos faciais, ame-
norreia, baixa estatura e voz grossa em mulheres.7
No que se refere aos efeitos neuropsiquiátricos, há uma evidência mode-
rada para o desenvolvimento de transtornos maiores do humor (depressão e
mania) e até mesmo de psicose.7,19
O uso inapropriado está relacionado a acidente vascular cerebral (AVC),
infarto agudo do miocárdio (IAM), tumores hepáticos e falência renal. Aque-
les que compartilham seringas também estão expostos a contrair HIV/AIDS
e hepatite B e C.7 Por sua vez, o uso prolongado de esteroides anabolizantes
pode causar toxicidade cardiovascular irreversível, sobretudo do tipo ate-
rosclerótico e cardiomiopático. Em outros sistemas do organismo, os efeitos
persistentes da toxicidade são mais modestos. Parece não existir evidência
suficiente que demonstre o aumento de risco de câncer de próstata, anterior-
mente a associação mais temida e mais comentada entre os usuários.7
Já para a progressão ao uso de outras substâncias existe evidência li-
mitada, assim como ainda são especulativas as evidências para o desenvolvi-
mento de déficits neuropsicológicos.7

Os esteroides mais comumente abusados

1. Esteroides orais:
Anadrol (oximetolona), Oxandrin (oxandrolona), dianabol (metan-
drostenolona), Winstrol (stanozolol)16
2. Esteroides injetáveis:
Decadurabolin (nandrolona decanoato), durabolin (nandrolona fe-
nopropionato), depotestosterona (testosterona cipionato), equipoise
(boldenona undecilenato) e tetraidrogestrinona (THG).16

Prevenção ao uso de esteroides anabolizantes

Entre os programas de prevenção ao uso de substâncias psicoativas nos


Estados Unidos, identificamos dois que apresentam algum enfoque na pre-
venção ao uso de esteroides anabolizantes. Um deles é o ATLAS (Athletes
Training and Learning to Avoid Steroids), um programa que utiliza estraté-
gias de palestras de aproximadamente 45 minutos, conduzidas por alunos
e supervisionadas por um coordenador, durante as atividades esportivas. O
público-alvo são os atletas masculinos do ensino colegial. Outro programa é

Diehl.indd 293 3/11/2009 10:57:03


294 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

o ATHENA (Athletes Targeting Healthy Exercise & Nutrition Alternatives),


delineado para prevenir o abuso de “drogas emagrecedoras” e anabolizantes
entre as meninas. Além de fornecer orientação física e nutricional para esco-
lhas alimentares mais assertivas.
Ambos os programas demonstram redução do uso de anabolizantes e
outras drogas, porém o efeito ocorre apenas imediatamente após a partici-
pação no programa. Assim, os resultados obtidos são de curto prazo e não se
sabe sobre sua eficácia a longo prazo. Não há evidências suficientes demons-
trando a eficácia dessas intervenções após 1 ano de exposição, por exemplo,
assim como não existem indicações dos efeitos nocivos para a saúde física e
psicológica daqueles que iniciam o abuso na adolescência.10

TRATAMENTO DO ABUSO E DA DEPENDÊNCIA


DE ESTEROIDES ANABOLIZANTES

A síndrome de abstinência de esteroides anabolizantes é uma condição


médica séria, mas ainda pouco conhecida pela classe médica. A descontinua-
ção de altas doses dessas substâncias utilizadas a longo prazo pode, além de
causar deficiência orgânica endócrina (hipogonadismo), conduzir ao desen-
volvimento de sintomas de abstinência.13,20 Os mais comuns são alteração do
humor (com depressão e pensamentos suicidas), insônia, anorexia, diminui-
ção da libido, fadiga, cefaleia, dor muscular e articular.
A síndrome de abstinência de esteroides anabolizantes normalmente
requer tratamento, e como acontece com outras drogas de abuso, em situa-
ção ideal, requer apoio psicológico e farmacoterapia. As metas do tratamento
são:

1. restabelecimento da função endócrina (hipotálamo-pituitária-


-gonadal);
2. alívio dos sintomas de abstinência;
3. abordagens psicoterápicas para transtornos da alimentação, transtor-
nos relacionados ao uso de substâncias e personalidade narcisista;
4. busca por possíveis comorbidades psiquiátricas associadas;
5. tratamento de complicações médicas, se existentes.13,21

Os medicamentos endocrinológicos utilizados para melhorar a função


hipotálamo-pituitária-gonadal incluem gonadotropina coriônica humana,
antiestrógenos, análogos sintéticos do hormônio de liberação gonadotrófico,
entre outros.13 Outros medicamentos-alvo no alívio dos sintomas de absti-
nência dessas drogas são os antidepressivos, de modo especial os inibidores
da recaptação de serotonina, como a fluoxetina (doses terapêuticas acima
de 20 mg/dia), a sertralina (acima de 50 mg/dia), a paroxetina (acima de

Diehl.indd 294 3/11/2009 10:57:04


Tratamentos farmacológicos para dependência química 295
20 mg/dia), as drogas anti-inflamatórias não esteroidais para alívio da dor e
a clonidina.13,16,20

Considerações finais

Alguns autores apontam a necessidade de sistematizar a obtenção de


dados dos usuários de esteroides anabolizantes, uma vez que a frequência e
a gravidade da morbimortalidade induzida pelo uso prolongado dessa subs-
tância ainda é pouco compreendida. Primeiro, porque a geração dos anos
1980 começou a apresentar problemas somente agora e, segundo, porque os
dados de pesquisas são ainda de amostras muito pequenas, dificultando as
generalizações.7
Soma-se a isso a carência de ensaios clínicos e de evidência científica
que avaliem possíveis tratamentos farmacológicos eficazes tanto na síndrome
de abstinência quanto na dependência de esteroides anabolizantes.16

Referências

1. Brower KJ. Anabolic steroid abuse and dependence. Curr Psychiatry Rep. 2002
Oct;4(5):377-87.
2. Birgner C, Kindlundh-Högberg AM, Alsiö J, Lindblom J, Schiöth HB, Bergström L.
The anabolic androgenic steroid nandrolone decanoate affects mRNA expression of
dopaminergic but not serotonergic receptors. Brain Res. 2008 Nov 13;1240:221-8.
3. Guarino G, Spampinato S. Nandrolone decreases mu opioid receptors expression in
SH-SY5Y human neuroblastoma cells. Neuroreport. 2008 Jul 16;19(11):1131-5.
4. Araújo LR, Andreolo J, Silva MS. Utilização de suplemento alimentar e anabolizante
por praticantes de musculação nas academias de Goiânia-GO. Rev Bras Ciên Mov. 2002
Jul;10(3):13-8.
5. Perry PJ, Lund BC, Deninger MJ, Kutscher EC, Schneider J. Anabolic steroid use in
weightlifters and bodybuilders: an internet survey of drug utilization. Clin J Sport
Med. 2005 Sep;15(5):326-30.
6. Di Pietro MC. Uso abusivo de esteróides anabolizantes androgênicos: a droga da ge-
ração saúde. In: Silveira DX, Moreira FG. Panorama atual de drogas e dependências.
São Paulo: Atheneu; 2006. p.175-8.
7. Kanayama G, Hudson JI, Pope HG Jr. Long-term psychiatric and medical consequences
of anabolic-androgenic steroid abuse: a looming public health concern?. Drug Alcohol
Depend. 2008 Nov 1;98(1-2):1-12.
8. Bolding G, Sherr L, Maguire M, Elford J. HIV risk behaviors among gay men who use
anabolic steroids. Addiction. 1999 Dec;94(12):1829-35.
9. Bolding G, Sherr L, Elford J. Use of anabolic steroids and associated health risks among
gay men attending London gyms. Addiction. 2002 Feb;97(2):195-203.
10. Anabolic steroid use: Federal efforts to prevent and reduce anabolic steroid abuse
among teenagers. Report to the Committee on Oversight and Government Reform,

Diehl.indd 295 3/11/2009 10:57:04


296 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

House of Representatives. [Artigo online]. 2007 Oct; Disponível em: http://www.eric.


ed.gov/ERICDocs/data/ericdocs2sql/content_storage_01/0000019b/80/38/e4/49.
pdf.
11. Iriart JAB, Andrade TM. Musculação, uso de esteróides anabolizantes e percepção de
risco entre jovens fisiculturistas de um bairro popular de Salvador, Bahia, Brasil. Cad
Saúde Pública. 2002 Set-out;18(5):1379-87.
12. Silva LSMF, Moreau RLM. Uso de esteróides anabólicos androgênicos por praticantes
de musculação de grandes academias da cidade de São Paulo. Rev Bras Ciênc Farm.
2003 Jul-set;39(3):327-33.
13. Medraś M, Tworowska U. Treatment strategies of withdrawal from long term use of
anabolic –androgenic steroids. Pol Merkur Lekarski. 2001 Dec;11(66):535-8.
14. Matias I. Esteróides anabolizantes. [Artigo online]. 2006 Jul [capturado 2009 Jan 25];
Disponível em: http://www.ff.up.pt/toxicologia/monografias/ano0607/esteroides/
index.html.
15. Hansen R, Vaz AF. Treino, culto e embelezamento do corpo: um estudo em academias
de ginástica e musculação. Rev Bras Cienc Esporte. 2004 Set;26(1):135-52.
16. National Institute on Drug Abuse. Anabolic steroid abuse. Research Report Series
[periódico online]. 2006 [capturado 2009 Jan 25]; Disponível em: http://www.dru-
gabuse.gov/ResearchReports/Steroids/anabolicsteroids5.html#treatment.
17. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. I Levantamento domiciliar sobre o uso
de drogas psicotrópicas no Brasil: 2001. São Paulo: Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID); 2002.
18. Carlini EA, Galduroz JCE, Noto AR, Nappo SA. II Levantamento domiciliar sobre o
uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do
país. São Paulo: Páginas & Letras; 2005.
19. Talih F, Fattal O, Malone D Jr. Anabolic steroid abuse: psychiatric and physical costs.
Cleve Clin J Med. 2007 May;74(5):341-4, 346, 349-52.
20. Welsh CJ, Liberto J. The use of medication for relapse prevention in substance depen-
dence disorders. J Psychiatr Pract. 2001 Jan;7(1):15-31.
21. Corcoran JP, Longo ED. Psychological treatment of anabolic-androgenic steroid-
dependent individuals. J Subst Abuse Treat. 1992;9(3):229-35.

Diehl.indd 296 3/11/2009 10:57:04


ABUSO E DEPENDÊNCIA DE
DROGAS ANESTÉSICAS
Na balada, no motel,
25
na sauna e no hospital
Alessandra Diehl

Inicialmente, as “drogas modernas” eram associadas apenas ao ecstasy;


no entanto, a família das “novas drogas” tem aumentado, recuperando antigas
substâncias esquecidas ou em desuso, que passaram a invadir o cenário atual
com uma “nova roupagem” e a ganhar novos adeptos.
O crescimento dessas drogas tem sido rápido e assustador, sendo que
a literatura científica a respeito dos efeitos agudos, crônicos e epidemiológi-
cos e das abordagens farmacológicas dessas substâncias não tem conseguido
acompanhar tal demanda.
Entre essas substâncias, incluem-se a cetamina e o GHB. A popularida-
de dessas substâncias entre subgrupos da comunidade da diversidade sexual
(gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e profissionais do sexo), ado-
lescentes “clubbers” e frequentadores de festas raves faz do tratamento um
desafio único para os profissionais da saúde que atendem esses grupos de
usuários.1-5
Esses grupos podem diferir com relação ao gosto musical, à filosofia, ao
estilo de vestir, à quantidade de tempo gasto na subcultura rave e, de forma
mais importante, com relação aos padrões de uso de droga e poliuso de subs-
tâncias. A identificação dos grupos pode ajudar no desenvolvimento de estra-
tégias de comunicação necessárias para atividades preventivas mais próspe-
ras ou melhor sucedidas entre algumas “tribos” de usuários dessas drogas.5
Este capítulo atualiza o leitor sobre a epidemiologia e as apresentações
clínicas dessas substâncias e aponta as possibilidades de tratamento farma-
cológico das “drogas modernas”, as quais vêm causando crescente interesse e
preocupação nos profissionais da saúde e na mídia em geral.

Diehl.indd 297 3/11/2009 10:57:04


298 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

cetamina

A cetamina (hidroclodridrato de cetamina) é um antagonista do recep-


tor N-metil-D-aspartato (NMDA) que, em doses altas, também pode se ligar a
receptores opioides do tipo µ e receptores sigma.6
Os primeiros relatos do uso da substância no período pós-anestésico,
com aparecimento de efeitos colaterais graves (alucinações e sonhos vívidos),
limitaram seu uso corrente na pediatria e na geriatria, sendo mais utilizada
atualmente como anestésico veterinário.7
No Brasil, o medicamento é vendido em centros comerciais de produ-
tos agropecuários (Dopalen®, Cetamim®, Vetanarcol® e Anesket®), com a
apresentação de receita prescrita por um veterinário. Não há qualquer lei
ou determinação do Ministério da Saúde que caracterize a substância como
narcótico. No entanto, temos notícias provenientes da mídia de sucessivas
apreensões de grande quantidade da substância no País.
O uso recreativo da cetamina foi documentado pela primeira vez nos Esta-
dos Unidos no início dos anos 1970, sendo rápido o crescimento de sua popula-
ridade entre a população de adolescentes (16 a 24 anos) em eventos com dança
e grandes festas de música eletrônica.7 Algumas das gírias mais conhecidas nos
Estados Unidos e nos países europeus são K, ou Special K, Vitamin K, Super K,
Ketaset, Jet, Super Acid, Green, Purple, Mauve, Special LA, Coke.7-9
Da década de 1970 para os dias atuais, observa-se um crescimento ver-
tiginoso do uso da droga. Pesquisas norte-americanas indicam que quase 3%
dos alunos do ensino médio usaram cetamina no último ano da pesquisa.10
A droga é primeiramente obtida na forma de pó e administrada por via
aspirada, apresentando-se também na forma líquida, utilizada via intramus-
cular (injetável), e na forma oral, em tabletes. A substância tem meia-vida de
eliminação curta.6
A maioria das pessoas que inicia o uso da cetamina já é usuária de ­múl­­tiplas
substâncias, e o fazem sobretudo por influência de amigos, mas também mo-
tivados pelo desejo de experimentar novas sensações prazerosas, de relaxa-
mento, de busca de sensações hedonísticas, de “sair fora do corpo”, de efeitos
oníricos e psicodélicos da droga (incluindo os efeitos audiovisuais e alucina-
tórios), de risos imotivados, de aumentar a intensidade da perda do controle;
de sentir-se “high” (alto), de “derreter-se ao redor de tudo”. A “viagem” com
essa droga é descrita como curta, mas extremamente intensa.7
Em doses baixas, a substância induz distorção de tempo e espaço e alu-
cinações e efeitos dissociativos leves. Entretanto, em doses mais altas (acima
de 150 mg), induz dissociações mais graves, com experiências de sensações
de distanciamento da realidade e outras percepções alteradas que são des-
critas como similares às observadas na esquizofrenia. Somam-se, ainda, os
riscos de produção de sintomatologia psicótica e/ou danos cognitivos, como
já demonstrado em estudos laboratoriais. Além disso, os usuários dessa subs-

Diehl.indd 298 3/11/2009 10:57:04


Tratamentos farmacológicos para dependência química 299
tância estão sob risco de traumas, acidentes e, até mesmo, morte advinda da
dissociação e dos efeitos anestésicos induzidos pela droga. Os efeitos menos
desejáveis na intoxicação aguda são náuseas e vômitos.7
O uso crônico tende a causar prejuízos da psicomotricidade e cognitivos
(principalmente de memória) e efeitos sobre a alteração das emoções e do
humor. Danos à saúde física ainda estão sendo pesquisados, mas os estudos
apontam para alteração das funções hepática e renal, cistite e ulcerações gás-
tricas.7,11,12
Também crescem as evidências de que a cetamina é uma droga que cau-
sa dependência tanto pelos efeitos de tolerância, abstinência e persistência do
uso, apesar dos prejuízos causados, quanto pelos relatos de craving.6,7

Tratamento
Não existe atualmente qualquer tratamento com indicação específica
para intoxicação por cetamina. O suporte com cuidados gerais, que inclui
promover um ambiente calmo e com baixo estímulo, pode ser útil. Em geral,
poucas horas de observação são suficientes.13
O uso de benzodiazepínicos pode ser útil, em particular se agitação
psicomotora estiver presente, embora os clínicos devam estar alertas para
a possibilidade de interação medicamentosa, levando ao prolongamento da
meia-vida da cetamina. O uso de antipsicótico pode ocasionalmente piorar os
sintomas.13

GHB

O GHB (g-hidroxibutirato), apesar de ser bastante comum nos Estados


Unidos e na Europa, é ainda uma substância de abuso relativamente nova
no Brasil. A droga tem ganhado notoriedade por seu abuso frequente em
festas do circuito gay, assim como por ser utilizada em violência sexual,3,14,15
podendo ser encontrada nas danceterias das grandes cidades com o apelo de
“ecstasy líquido”, em uma analogia ao ecstasy, como uma estratégia de mar­
keting, a fim de conquistar o mesmo público da “pílula do amor”;16 embora
as drogas não produzam efeitos semelhantes, uma vez que o GHB é depres-
sor do SNC, enquanto o ecstasy é um estimulante.17 Outros nomes populares
­dados ao GHB são “Boa-noite, Cinderela” ou “a droga do estupro”.18
Entre as marcas vendidas pela internet, encontramos: “Fire Water”,
“Gamma G”, “Zen”, “GH Revitalizer” e “Blue Nitro”.13
O GHB foi muito utilizado como suplemento alimentar entre fisicultu-
ristas e adeptos de exercício físico na década de 1980 e, desde os anos 1990,
tem sido muito apreciado pelos jovens frequentadores de boates e dancete-
rias, que a consideram outra club drug.17

Diehl.indd 299 3/11/2009 10:57:05


300 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Originalmente, o GHB foi desenvolvido como sedativo e anestésico de uso


hospitalar, atuando no sistema dopaminérgico e como agonista ­GABAérgico.
Porém, devido a sua razão de segurança ser um tanto baixa e a margem de
dose terapêutica muito estreita, seu uso foi desaprovado pela FDA (Food and
Drug Administration) em 1990.19,20
O GHB é um líquido inodoro, levemente salgado e pode ser disponibili-
zado em cápsulas, em pó ou em garrafas pequenas, sendo sua apresentação
mais comum na forma de sal para ser utilizado diluído em água. Seus efeitos
começam em média 20 minutos após a ingestão oral.18
Em doses baixas (0,5 a 1,5 g), a droga causa desinibição, sociabilidade
e sensação de embriaguez semelhante à que ocorre em leves intoxicações por
álcool. Em doses maiores (1,5 a 2,5 g) entretanto, os efeitos começam a ser
mais marcantes, como sedação, tonturas, pouca coordenação motora, náu-
seas, vômitos, euforia, rebaixamento do nível de consciência com confusão
mental e fala incoerente, podendo ocorrer incontinência fecal e amnésia.21,22
Esse último efeito, em combinação com bebidas alcoólicas, tem sido alvo da
mídia e de estudos como sendo um facilitador em casos de estupro, de expo-
sição à atividade sexual sem proteção e de condução arriscada de automóvel
sob a influência da substância.13,23-25 A combinação de GHB com álcool pode
ser fatal por levar a convulsão, seguida de coma e morte.17,26
Muitos usuários de GHB experimentam uma síndrome de abstinência
leve a moderada com a descontinuação da droga. No entanto, aqueles que
fazem uso pesado e crônico podem experimentar abstinência grave. Essa sín-
drome assemelha-se à de abstinência observada clinicamente na dependência
do álcool ou de outras drogas sedativo-hipnóticas (p. ex., benzodiazepínicos).
As características clínicas distintas da síndrome de abstinência do GHB são
a instabilidade autonômica relativamente breve a moderada com sintomas
psicóticos prolongados.27
Como o abuso da droga é bastante novo, seus efeitos a longo prazo
ainda são pouco conhecidos; porém, cresce rapidamente a evidência de de-
pendência da substância.28

Tratamento

Tanto na overdose quanto na intoxicação por GHB, o tratamento consiste


em suporte médico geral com especial ênfase ao sistema respiratório. Em
geral, os pacientes recobram a consciência em 2 a 5 horas. Para reverter o
coma, agentes como a naloxona e o flumazemil endovenoso (EV) costumam
ser utilizados.13,29
No tratamento da síndrome de abstinência (SA) do GHB, os benzodia-
zepínicos, como o diazepam, o lorazepam e o midazolam, são utilizados em

Diehl.indd 300 3/11/2009 10:57:05


Tratamentos farmacológicos para dependência química 301
casos de agitação psicomotora. A média de dosagem em um período de 24
horas pode alcançar 8 a 10 mg EV.13,30
Outros agentes utilizados no tratamento da SA incluem os barbitúricos,
como o pentobarbital 1 a 2 mg/kg/hora e os antipsicóticos. Esse último, de-
vido ao potencial de redução do limiar convulsivo e de poder contribuir para
hipertermia, não é indicado como primeira escolha, principalmente em casos
de delirium da abstinência do GHB.13
Outro medicamento que começa a aparecer na literatura em uma série
de casos para o tratamento da síndrome de abstinência do GHB é o baclofen.31
No entanto, ainda se faz necessário ampliar as evidências sobre essa temática,
assim como para o tratamento da dependência de GHB propriamente dita.

Considerações finais

Todos os médicos estão propensos a ser submetidos a situações de ­estresse


durante o desempenho de suas atividades, porém, entre os anestesiologistas e
aqueles que trabalham em unidades de urgência/emergência, o fator de risco
para o desenvolvimento de dependência de substâncias parece ser maior.32,33
Talvez porque a prática da anestesiologia tenha íntima relação com a facili-
dade de acesso a drogas venosas (opioides, hipnóticos e benzodiazepínicos)
e inalatórias, potencialmente geradoras de dependência. Todos os grupos far-
macológicos de drogas, incluindo o propofol e os anestésicos inalatórios, estão
representados entre as substâncias mais abusadas nesse grupo de médicos. No
entanto, as drogas mais prevalentes são o fentanil e o sufentanil.34,35
O fentanil é um opioide de fácil acesso aos anestesiologistas dentro das
áreas cirúrgicas, possui um padrão farmacocinético e farmacodinâmico muito
propício para utilização ilícita devido ao rápido início de ação e atividade
farmacológica curta, facilidade de titulação e difícil detecção nos testes de
urina-padrão.
Essa situação não somente possibilita o desenvolvimento da dependên-
cia como também parece dificultar a reintegração de anestesiologistas depen-
dentes a sua atividade profissional, mesmo quando apoiados por programas
de reabilitação.34,35,36

Referências

1. Halkitis PN, Palamar JJ, Mukherjee PP. Poly-club-drug use among gay and bisexual
men: a longitudinal analysis. Drug Alcohol Depend. 2007 Jul 10;89(2-3):153-60.
2. Carey JW, Mejia R, Bingham T, Ciesielski C, Gelaude D, Herbst JH, et al. Drug Use,
High Risk Sex Behaviors, and Increased Risk for Recent HIV Infection among Men who

Diehl.indd 301 3/11/2009 10:57:05


302 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Have Sex with Men in Chicago and Los Angeles. AIDS Behav. 2008 May 23. [Epub
ahead of print].
3. Halkitis PN, Palamar JJ. GHB use among gay and bisexual men. Addict Behav. 2006
Nov;31(11):2135-9.
4. Leung KS, Li JH, Tsay WI, Callahan C, Liu SF, Hsu J, et al. Dinosaur girls, candy girls,
and Trinity: voices of Taiwanese club drug users. J Ethn Subst Abuse. 2008;7(3):237-
57.
5. McCaughan JA, Carlson RG, Falck RS, Siegal HA. From “Candy Kids” to Chemi-Kids”:
a typology of young adults who attend raves in the Midwestern United States. Subst
Use Misuse. 2005;40(9-10):1503-23.
6. Pal HR, Berry N, Kumar R, Ray R. Ketamine dependence. Anaesth Intensive Care. 2002
Jun;30(3):382-4.
7. Muetzelfeldt L, Kamboj SK, Rees H, Taylor J, Morgan CJ, Curran HV. Journey through
the K-hole: phenomenological aspects of ketamine use. Drug Alcohol Depend. 2008
Jun 1;95(3):219-29.
8. Wu LT, Schlenger WE, Galvin DM. Concurrent use of methamphetamine, MDMA, LSD,
ketamine, GHB, and flunitrazepam among American youths. Drug Alcohol Depend.
2006 Sep 1;84(1):102-13.
9. Ketamine: a briefing paper for drug education professionals. Drug & Alcohol [Artigo
online]. 2005 Jun [capturado 2008 Maio 23]; Disponível em: http://www.drugscope.
org.uk/Resources/Drugscope/Documents/PDF/Education%20and%20Prevention/
Ketamine.pdf.
10. Johnston LD, O’Malley PM, Bachman JG. Table 2: trends in annual and 30-day pre-
valence of use of various drugs for eight, tenth, and twelfth graders [online]. Michi-
gan: University of Michigan; 2003. Disponível em: http://monitoringthefuture.org/
data/02data/pr02t2.pdf.
11. Shahani R, Streutker C, Dickson B, Stewart RJ. Ketamine-associated ulcerative cystitis:
a new clinical entity. Urology. 2007 May;69(5):810-2.
12. Degenhardt L, Copeland J, Dillon P. Recent trends in the use of “club drugs”: an Aus-
tralian review. Subst Use Misuse. 2005;40(9-10):1241-56.
13. Kranzler HR, Ciraulo DA. Clinical manual of addiction psychopharmacology. Washin-
ghton: American Psychiatric; 2005.
14. Kugelberg FC, Holmgren A, Eklund A, Jones AW. Forensic toxicology findings in deaths
involving gamma-hydroxybutyrate. Int J Legal Med. 2008 Dec 2. [Epub ahead of print].
15. Girard AL, Senn CY. The role of the new “date rape drugs”in attributions about date
rape. J Interpers Violence. 2008 Jan;23(1):3-20.
16. Lee SJ, Levounis P. Gamma hydroxybutyrate: an ethnographic study of recreational
use and abuse. J Psychoactive Drugs. 2008 Sep;40(3):245-53.
17. Smith Km, Larive Ll, Romanelli F. Club drugs: methylenedioxymethamphetamine,
flunitrazepam, ketamine hydrochloride, and gamma-hydroxybutyrate. Am J Health
Syst Pharm. 2002 Jun 1;59(11):1067-76.
18. Falcão LAR. O uso das drogas sintéticas: uma pesquisa bibliográfica [Monografia
online]. São Paulo; 2006 [capturado 2008 maio 31]. Disponível em: http://www.
smarcos.br/noticias/drogassinteticas.pdf.
19. Carter LP, Koek W, France CP. Behavioral analyses of GHB: receptor mechanisms.
Pharmacol Ther. 2009 Jan;121(1):100-14.

Diehl.indd 302 3/11/2009 10:57:05


Tratamentos farmacológicos para dependência química 303
20. Castelli MP. Multi-faceted aspects of gamma hydroxybutyric acid: a neurotransmitter,
therapeutic agent and drug of abuse. Mini Rev Med Chem. 2008 Oct;8(12):1188-
202.
21. Gable RS. Acute toxic effects of club drugs. J Psychoactive Drugs. 2004 Sep;36(3):303-
13.
22. Sumnall HR, Woolfall K, Edwards S, Cole JC, Beynon CM. Use, function, and subjec-
tive experience of gamma-hydroxybutyrate (GHB). Drug Alcohol Depend. 2008 Jan
1;92(1-3):286-90.
23. Barker JC, Karsoho H. Hazardous use of gamma hydroxybutyrate: driving under the
influence. Subst Use Misuse. 2008;43(11):1507-20.
24. McGregor IS, Callaghan PD, Hunt GE. From ultrasocial to antisocial: a role for oxytocin
in the acute reinforcing effects and long term adverse consequences of drug use? Br
J Pharmacol. 2008 May;154(2):358-68.
25. Kim SY, Anderson IB, Dyer JE, Barker JC, Blanc PD. High –risk behaviors and hospi-
talization among gamma hydroxybutyrate (GHB) users. Am J Drug Alcohol Abuse.
2007;33(3):429-38.
26. Knudsen K, Greter J, Verdicchio M. High mortality rates among GHB abusers in Western
Sweden. Clin Toxicol (Phila). 2008 Mar;46(3):187-92.
27. Tarabar AF, Nelson LS. The gamma-hydroxybutyrate withdrawal syndrome. Toxicol
Rev. 2004;23(1):45-9.
28. Gahlinger PM. Club drugs: MDMA, gamma-hydroxybutyrate (GHB), Rohypnol, and
ketamine. Am Fam Physician. 2004 Jun 1;69(11):2619-26.
29. Munir VL, Hutton JE, Harney JP, Buykx P, Weiland TJ, Dent AW. Gamma-hydroxy-
butyrate: a 30 month emergency department review. Emerg Med Australas. 2008
Dec;20(6):521-30.
30. McDonough M, Kennedy N, Glasper A, Bearn J. Clinical features and management of
gamma-hydroxybutyrate (GHB) withdrawal: a review. Drug Alcohol Depend. 2004
Jul 15;75(1):3-9.
31. LeTourneau JL, Hagg DS, Smith SM. Baclofen and gamma-hydroxybutyrate withdrawal.
Neurocrit Care. 2008;8(3):430-3.
32. McGovern MP, Angres DH, Leon S. Characteristics of physicians presenting for asses-
sment at a behavioral health center. J Addict Dis. 2000;19(2):59-73.
33. Alves HNP, Surjan JC, Nogueira-Martins LA, Marques AC, Ramos SP, Laranjeira RR.
Perfil clínico e demográfico de médicos com dependência química. Rev Assoc Med
Bras. 2005 Maio-jun;51(3):139-43.
34. Booth JV, Grossman D, Moore J, Lineberger C, Reynolds JD, Reves JG, et al. Substance
abuse among physicians: a survey of academic anesthesiology programs. Anesth Analg.
2002 Oct;95(4):1024-30.
35. May JA, Warltier DC, Pagel PS. Attitudes of anesthesiologists about addiction and its
treatment: a survey of Illinois and Wisconsin members of the American Society of
Anesthesiologists. J Clin Anesth. 2002 Jun;14(4):284-9.
36. Angres DH, McGovern MP, Rawal P, Shaw M. Psychiatric comorbidity and physicians
with substance use disorders: clinical characteristics, treatment experiences, and post-
treatment functioning. Addict Disord Their Treatment. 2002 Sept;1(3):89–98.

Diehl.indd 303 3/11/2009 10:57:05


304 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Leituras recomendadas

Campbell-Fleming JM, Williams A. The use of ketamine as adjuvant therapy to control severe
pain. Clin J Oncol Nurs. 2008 Feb;12(1):102-7.
Club Drugs: agrupamento de várias classes de drogas [Folheto online]. São Paulo: Associação
Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD). Prefeitura Municipal de Santos
(PMS). [capturado 2008 maio 31]. Disponível em: http://www.abead.com.br/informacoes/
arquivos/Folheto_clubdrugs.pdf.
Correll GE, Futter GE. Two case studies of patients with major depressive disorder given
low-dose (subanesthetic) ketamine infusions. Pain Med. 2006 Jan-Feb;7(1):92-5.
Guimarães Neto WM, Peres RAN. O ácido gama hidroxibutirato: GHB [Artigo online].
[capturado 2008 maio 31]; Disponível em: http://www.marombapura.com.br/index.
php?option=com_content&task=view&id=322&Itemid=31.
Ketamine. Wikipedia: the free encyclopedia. [Artigo online]. [capturado 2008 Maio 24];
Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Ketamine.
Krupitsky EM, Burakov AM, Dunaevsky IV, Romanova TN, Slavina TY, Grinenko AY. Single
versus repeated sessions of ketamine-assisted psychotherapy for people with heroin depen-
dence. J Psychoactive Drugs. 2007 Mar;39(1):13-9.
Leung KS, Cottler LB. Ecstasy and other club drugs: a review of recent epidemiologic studies.
Curr Opin Psychiatry. 2008 May;21(3):234-41.
McCambridge J, Winstock A, Hunt N, Mitcheson L. 5-Year trends in use of hallucinogens and
other adjunct drugs among UK dance drug users. Eur Addict Res. 2007;13(1):57-64.
Novoa RA, Ompad DC, Wu Y, Vlahov D, Galea S. Ecstasy use and its association with sexual beha-
viors among drug users in New York City. J Community Health. 2005 Oct;30(5):331-43.
Organização Mundial da Saúde. Neurociência do uso e da dependência de substâncias
psicoativas: São Paulo: Roca; 2006.
Pandina R, Hendren R. Other drugs of abuse: inhalants, designer drugs, and steroids. In:
McCrady BS, Epstein EE. Addictions: a comprehensive guidebook. New York: Oxford Uni-
versity; 1999. p.171-86.
Ribeiro M, Laranjeira R, Dunn J. Álcool e drogas: emergência psiquiátrica. In: Botega NJ,
organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed; 2006. p.263-81.
Vaiva G, Bailly D, Boss V, Thomas P, Lestavel P, Goudemand M. A case of acute psychotic
episode after a single dose of ecstasy. Encephale. 2001 Mar-Apr;27(2):198-202.
Yamamoto J. Recent trends of drug abuse in Japan. Ann N Y Acad Sci. 2004 Oct;1025:430-8

Diehl.indd 304 3/11/2009 10:57:05


FARMACOTERAPIA DOS
ANTICOLINÉRGICOS
Dos rituais das bruxas da Idade
26
Média aos boticários modernos
Alessandra Diehl

A atropina e outros compostos análogos, como a escopolamina, são po-


tentes alcaloides antagonistas competitivos do neurotransmissor acetilcolina
e de outros agonistas muscarínicos encontrados, na forma natural, em uma
grande variedade de plantas ao redor do mundo (belladonna alkaloids) e,
também, na forma sintética (p. ex., triexafenidil, diciclomina), recebendo a
denominação anticolinérgicos em decorrência dos efeitos desse antagonis-
mo.1,2
Algumas lendas contam que a Atroppa belladonna, a Solanum dulcamara
e a Datura stramonium (Jimson weed) eram utilizadas em rituais de bruxas da
Idade Média com propriedades de alterar a percepção, causando intoxicação
e alucinações.1,3 Por esse último efeito agudo é que alguns autores também as
classificam entre os alucinógenos.1,4
No passado, a intoxicação por essas plantas em geral ocorria em crianças
e adolescentes que ingeriam as frutas ou as flores inadvertidamente pela apa-
rência atrativa das plantas. Com o decorrer do tempo, esse tipo de intoxicação
deu lugar a overdoses em pessoas que buscavam o efeito dissociativo, ou de
“alteração da mente”, causado pela droga.1
Algumas preparações dessas plantas podem ser encontradas em algu-
mas farmácias ou boticários com indicações para asma e outras condições
gastrintestinais, sendo ingeridas de modo usual na forma de chás.1,5
O triexifenidil, cujo nome comercial é Artane® (Laboratório Wyeth), tam-
bém conhecido como “aranha” entre seus usuários, e o biperideno (Akitenon®)
são drogas anticolinérgicas prescritas com evidência no tratamento da doença
de Parkinson, de reações distônicas agudas e no parkinsonismo induzido por
antipsicóticos. Os abusadores com frequência tentam obter essa droga pela
falsa representação de sintomas extrapiramidais, sendo que, em altas doses,
pode causar euforia e alucinações, daí seu risco de abuso. Se ingerido com
álcool, tende a aumentar ainda mais a sedação.1,2,6

Diehl.indd 305 3/11/2009 10:57:06


306 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Os efeitos agudos costumam incluir alucinações auditivas e visuais, con-


fusão, taquicardia, diminuição da salivação, dificuldades para urinar, dilatação
pupilar, desorientação, distorções da imagem corporal, agitação e delirium.
O risco de ocorrer dificuldade respiratória, hipertermia, convulsões, coma e
morte em casos de intoxicação ou envenenamento é cerca de 5%.1,5,7,8
Alguns estudos norte-americanos apontam os anticolinérgicos como
uma das drogas frequentemente abusadas por crianças e adolescentes (6 a 19
anos).9,10 Embora alguns autores tenham enfatizado a alta tendência a abuso
de anticolinérgicos entre os pacientes psicóticos, o estudo de Gjerden e colabo-
radores,11 conduzido com 73.964 pacientes da Noruega, mostra que, naquele
país, a prevalência de abuso de anticolinérgicos entre psicóticos é pequena.11
No Brasil, seu consumo já foi observado entre pacientes psicóticos, estu-
dantes de 1º e 2º graus da rede pública, meninos de rua e usuários de crack
que buscavam o efeito euforizante da substância.12 Um estudo realizado por
Carlini e colaboradores13 mostra que, depois que a medicação passou a ter
sua portaria modificada com retenção de receita, seu consumo nessa popula-
ção reduziu pela metade.13

Tratamento

Na literatura científica, encontram-se alguns relatos de caso de trata-


mento dos quadros de intoxicação aguda; no entanto, quase não se observam
estudos para o tratamento de usuários crônicos.7,8,14,15
O tratamento da intoxicação por anticolinérgicos em linhas gerais segue o
manejo de suporte. Se a intoxicação for recente e o paciente não estiver apre-
sentando convulsões ou rebaixamento do nível de consciência, pode-se tentar
uma lavagem gástrica e a indução de vômitos. No caso de alucinações graves,
convulsões mioclônicas, hipertensão ou arritmias cardíacas, a fiostigmina anti-
colinesterásica é a droga mais adequada. A dose terapêutica para crianças é 0,5
mg e, para adultos, 1 a 2 mg, administrada via intramuscular ou endovenosa
durante 2 a 5 minutos. A administração lenta é essencial porque a fiostigmina
pode causar convulsões se aplicada rapidamente. Essa dose pode ser repetida
em 20 a 30 minutos se os efeitos tóxicos persistirem. As contraindicações para
o tratamento com anticolinesterásicos são história de doença cardiovascular,
asma, glaucoma e obstrução geniturinária ou gastrintestinal.
O tratamento sintomático da taquicardia com propranolol pode ser con-
siderado, porém os b-bloqueadores são menos eficazes que a fiostig­mina.1

Considerações Finais

Recomenda-se evitar sempre que possível a utilização de antipsicóticos


sem adicionar anticolinérgicos pelo risco de intoxicação atropínica e abuso

Diehl.indd 306 3/11/2009 10:57:06


Tratamentos farmacológicos para dependência química 307
em determinados sub-grupos de pacientes. Por isso, não é aconselhado o uso
de triexifenidil ou biperideno de forma preventiva para os efeitos parkinso-
nianos decorrentes do uso de antipsicóticos.

Referências

1. Tacke U, Ebert MH. Hallucinogens and phencyclidine. In:. Kranzler HR, Ciraulo DA.
Clinical manual of addiction psychopharmacology. Washington: American Psychiatric;
2005. p.211-42.
2. Dias JC, Pinto IM. Substâncias psicoativas: classificação, mecanismos de ação e efeitos
sobre o organismo. In: Silveira DX, Moreira FG. Panorama atual das drogas e depen-
dências. São Paulo: Atheneu; 2006. p.39-49.
3. Baeza M, Adolfo G. Abuso de anticolinérgicos: contribución a su clínica. Rev Psiquiatr.
1993 Jul-set;10(3):6-12.
4. Organização Mundial da Saúde. Neurociência do uso e da dependência de substâncias
psicoativas. São Paulo: Roca; 2006.
5. Ribeiro M, Laranjeira R, Dunn J. Álcool e drogas: emergência psiquiátrica. In: Botega
NJ, organizador. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência. 2.
ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.263-81.
6. Cordioli AV. Psicofármacos: consulta rápida. 3. ed. Porto Alegre: Artmed;2005.
7. Marc B, Martis A, Moreau C, Arlie G, Kintz P, Leclerc J. Acute datura stramonium poi-
soning in an emergency department. Presse Med. 2007 Oct;36(10 Pt 1):1399-403.
8. Spina SP, Taddei A. Teenagers with Jimson weed (datura stramonium) poisoning.
CJEM. 2007 Nov;9(6):467-8.
9. Crouch BI, Caravati EM, Booth J. Trends in child and teen nonprescription drug
abuse report to a regional poison control center. Am J Health Syst Pharm. 2004 Jun
15;61(12):1252-7.
10. Halpern JH. Halluconogens and dissociative agents growing in the United States.
Pharmacol Ther. 2004 May;102(2):131-8.
11. Gjerden P, Bramness JG, Slørdal L. The use and potential abuse of anticholinergic an-
tiparkinson drugs in Norway: a pharmacoepidemiological study. Br J Clin Pharmacol.
2009 Feb;67(2):228-33.
12. Raymundo M, Nappo SA, Oliveira LG, Sanchez Z, Carlini EA. Triexifenidila: caracte-
rização de seu consumo abusivo por um grupo de usuários na cidade de São Paulo.
Rev Psiquiatr Clin. 2003;30(6):207-17.
13. Carlini C, Silva Filho B, Ramos A. O abuso do Artane por meninos de rua de Säo
Paulo: possíveis influências da Portaria n§ 27/86 da DIMED. J Bras Psiquiatr. 1988
Jul-ago;37(4):201-3.
14. Montcriol A, Kenane N, Delort G, Asencio Y, Palmier B. Intencional datura stramo-
nium intoxication: an unknown etiology of mydriasis. Ann Fr Anesth Reanim. 2007
Sep;26(9):810-3.
15. DeFrates LJ, Hoehns JD, Sakornbut EL, Glascock DG, Tew AR. Antimuscarinic into-
xication resulting from the ingestion of moonflower seeds. Ann Pharmacother. 2005
Jan;39(1):173-6.

Diehl.indd 307 3/11/2009 10:57:06


27 MISCELÂNEA
DE COMPOSTOS
Anos 2000
Alessandra Diehl
Daniel Cruz Cordeiro

Este capítulo aborda uma série de substâncias ou compostos que fazem


parte do cenário de muitos adolescentes e jovens adultos do mundo moder-
no, mas que não foram incluídos em outros capítulos por não possuírem uma
classificação precisa como substância psicoativa e, também, por seu caráter
de “novidade” ou ineditismo no mundo das drogas de abuso, carecendo ainda
de maiores investigações e ampliação das evidências científicas para indica-
ção de propostas farmacoterápicas. Por esse motivo, a proposta deste capítulo
é traçar algumas características informativas sobre essas drogas.
Algumas dessas substâncias, ou fármacos, estão codificadas na Classifi-
cação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10) na
categoria F55, que engloba o “abuso de substâncias que não produzem de-
pendência”. Entre elas, encontram-se listados os antidepressivos, os laxativos,
os analgésicos, os antiácidos, as vitaminas, os esteroides ou hormônios e as
ervas ou remédios folclóricos específicos.
Acredita-se que essa categoria mereça uma revisão nas futuras descri-
ções clínicas e diretrizes diagnósticas conduzidas pela Organização Mundial
da Saúde (OMS). Como vimos em capítulos anteriores, os analgésicos podem
conter opioides, o que certamente leva a dependência. O mesmo ocorre com
os esteroides, em relação aos quais se observa uma crescente evidência de
que também conduzam a um padrão de dependência.
Encontra-se listado na CID-10 o abuso de ervas ou remédios folclóricos,
os quais deixam muita margem a interpretações. Por exemplo, será que o chá
do Santo Daime poderia ser também incluído nessa classificação? O mesmo
ocorrendo com a Salvia divinorium (Maria Pastora).
Espera-se que futuras direções da CID-11 possam trazer novidades para
essa controversa área temática. A seguir, algumas características dessa “mis-
celânea” de substâncias.

Diehl.indd 308 3/11/2009 10:57:07


Tratamentos farmacológicos para dependência química 309
Cloridrato de benzidamina (Benflogin®)

O cloridrato de benzidamina (Benflogin®) é um anti-inflamatório indi-


cado principalmente para tratamento de afecções da orofaringe, patologias
periodontais e no pós-operatório de cirurgias ortopédicas.1
A medicação começou a ser usada por meninos de rua no início da dé-
cada de 1990, mas parece ter alcançado seu auge nas festas atuais dos ado-
lescentes de classe média. A utilização desse medicamento em altas dosagens
ocorre com frequência entre os adolescentes e jovens, sobretudo antes de
sair para a “balada”, sendo em geral incrementada com bebidas alcoólicas.
Os atrativos estão no efeito psicoativo causado pelo medicamento, somado
ao fato de ser barato e de fácil acesso, visto que o receituário não é contro-
lado.2
A dose máxima diária recomendada é de 200 mg/dia. Alguns estudos
apontam que a ingestão de 500 mg de Benflogin® pode levar a alucinações
visuais.1 Na superdosagem, há o aumento da produção e da liberação de do-
pamina cerebral, acelerando a atividade no sistema límbico. As experiências
vivenciadas sofrem deformações, causando alteração da percepção da reali-
dade e consequentes alucinações visuais. Entre os efeitos alucinógenos des-
critos, os principais são os raios e luzes coloridas e a percepção de ver tudo
em “câmera lenta”.2
Quando ocorre a depleção da dopamina, os sintomas advindos são de
cansaço, sonolência, irritação, tonturas, epigastralgia e falta de apetite.1 O
abuso e o uso crônico da substância podem causar gastrite, úlcera, sangra-
mento intestinal, diminuição da função renal e convulsões.1

Chá da morte
O chamado “chá da morte” ou “chá de fita” é outra novidade e tem atraí­
do a atenção da mídia, dos clínicos e dos pediatras, mas principalmente de
muitos jovens.
Nesse caso, os produtos usados são materiais encontrados com facili-
dade em qualquer domicílio. A literatura científica sobre o tema é ainda es-
cassa, porém existem várias salas de bate-papo e fóruns virtuais nos quais os
adolescentes trocam receitas de drogas já experimentadas, falam sobre suas
experiências com elas e anunciam quais serão as próximas da lista a serem
vivenciadas.
Entre as descrições de preparo está o uso de metais pesados extraídos
de pilhas, baterias velhas de celulares, baterias comuns e fitas cassete ou de
vídeo, materiais que são fervidos e muitas vezes cozidos em panelas de pres-
são até que liberem uma alta quantidade de ácidos e metais pesados. Essa

Diehl.indd 309 3/11/2009 10:57:07


310 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

água é, então, misturada com refrigerantes e estimulantes à base de guaraná


para melhorar seu sabor e facilitar a ingestão. O resultado é uma droga que
contém componentes altamente tóxicos.
Um dos componentes que resultam desse procedimento é o chumbo
(Pb), que é tóxico para os seres humanos. Uma intoxicação por esse mineral
pode ocasionar, inicialmente, falta de apetite, gosto metálico na boca, descon-
forto muscular, mal-estar, cefaleia e cólicas abdominais.3
A intoxicação por manganês (Mn) é responsável por anorexia, fraqueza,
apatia, insônia e outras perturbações do sono, excitabilidade mental, compor-
tamento alterado, dores musculares, quadro neurológico (tremores simulan-
do o mal de Parkinson) e transtornos psicológicos, ou a “loucura mangânica”,
caracterizada por comportamento violento associado a períodos de mania e
depressão.3
O mercúrio (Hg) também é tóxico para seres humanos e animais. A
exposição crônica a esse metal causa sintomas gastrintestinais (dor abdomi-
nal, gosto metálico na boca, salivação excessiva, náuseas, cólicas intestinais
e gengivite), sintomas neurológicos (prejuízo de memória, cefaleia, formi-
gamentos, insônia, tremores, sonolência, alteração da grafia, cãibras, gritos
noturnos, alteração do equilíbrio, tontura, vertigem e dificuldade escolar),
alterações emocionais (nervosismo, irritabilidade, tristeza, diminuição da
atenção, humor depressivo, agressividade, insegurança e medo), irritação nos
olhos, fraqueza muscular, espasmos musculares, borramento visual, zumbido,
irritação nasal e redução da acuidade visual e auditiva.3

Cloreto de metileno (B 25)

O cloreto de metileno é da família dos hidrocarbonetos halogenados. É


um líquido límpido, com odor característico, que produz vapor irritante, sen-
do muito utilizado como solvente para produção de vernizes especiais e lacas,
e, também, na indústria plástica.
O contato com os olhos pode causar irritação leve a moderada, lesão da
córnea e ação irritativa dos olhos. O produto pode causar a morte por parada
respiratória se inalado em grandes quantidades.4 A exposição prolongada e
repetida a essa substância pode provocar ressecamento ou descamação e irri-
tação da pele e também queimaduras.4

Efedrina

Amina simpatomática similar aos derivados sintéticos da anfetamina,


a efedrina é um broncodilatador utilizado no tratamento de afecções respi-
ratórias, mas que também melhora o desempenho de atletas. No entanto, a

Diehl.indd 310 3/11/2009 10:57:07


Tratamentos farmacológicos para dependência química 311
substância é ilegal e considerada doping há muitos anos, já tendo prejudicado
a imagem de muitos atletas com fama internacional.5
É amplamente comercializada em suplementos alimentares e pode
ser encontrada na maioria das cidades brasileiras. Os jovens adquirem com
facilidade cápsulas dessa substância em academias, lojas especializadas, far-
mácias e até mesmo pela internet.
A superdosagem de efedrina pode causar alucinações, alterações do humor,
obnubilação, vertigem, taquicardia, hipertensão e morte.6 As principais complica-
ções de seu uso indiscriminado são crises convulsivas e complicações cardíacas.5

LAXANTES

Embora os laxantes (diversas substâncias diferentes utilizadas com o


intuito de induzir o aumento do número de evacuações) não sejam drogas
que atuem diretamente no sistema nervoso central (SNC), encontram-se aqui
descritas por dois motivos:

1. a possibilidade de serem drogas de abuso associadas a morbidade


psicológica e física e
2. a constatação da crescente imposição da sociedade por rígidos
padrões de beleza, aumentando o número sobretudo de mulheres
adolescentes que abusam de uma variedade de laxantes na tentativa
de perder peso e alcançar o tão sonhado corpo escultural.7

Indivíduos com transtornos da alimentação (bulimia nervosa e anorexia


nervosa) costumam utilizar vários métodos para o controle de peso, entre eles
o abuso de laxantes.8 Esses transtornos são patologias psiquiátricas que afe-
tam em especial adolescentes e adultos jovens do sexo feminino, acarretando
prejuízos psicológicos, sociais e aumento da morbimortalidade.8
Existem basicamente dois tipos de laxantes: os estimulantes e os osmóti-
cos. Os nomes comerciais mais conhecidos são: Ducolax®, Lacto-purga®, leite
de magnésia e outros ditos naturais (contendo fibras insolúveis).
Os laxantes funcionam estimulando artificialmente o intestino grosso
para esvaziá-lo, o que ocorre depois de os alimentos já terem sido absorvidos,
daí a perda de líquidos e a falsa impressão de emagrecimento.9 As complica-
ções mais frequentes são distúrbios hidroeletrolíticos, desidratação, distensão
do colo e diarreia crônica.9

CÁPSULA DO VENTO

A “cápsula do vento”, também conhecida por “cápsula do medo”, ga-


nhou esses nomes por ter aparência transparente e ser composta por apenas

Diehl.indd 311 3/11/2009 10:57:07


312 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

uma pequena quantidade de cerca de 1 a 1,5 mg da substância em forma de


pó branco. A droga tem invadido o mundo dos jovens de classe média, sobre-
tudo em festas eletrônicas. Na verdade, trata-se de uma anfetamina, identifi­
cada como DOB (2,5-dimetoxi-4–bromoanfetamina). Das drogas sintéticas, a
cápsula do vento é uma das mais perigosas por ser extremamente potente, e a
faixa entre a quantidade de uso (0,75 a 1,75 mg) e a do nível tóxico (3,5 mg) é
muito estreita. Sua meia-vida pode ser superior a 12 horas, provocando efei­
tos alucinógenos intensos.10

Cafeína

A cafeína é a substância psicoativa mais utilizada no mundo e está pre-


sente no café, nos refrigerantes, chocolates e chás. Pertence à classe dos es-
timulantes do SNC com propriedade de aumentar a atividade tanto no SNC
quanto no sistema nervoso autonômico (SNA).11
Os efeitos do uso da cafeína observados com mais frequência são leve
elevação do humor, redução da sonolência, tensão e inquietude. Em doses
mais altas, os efeitos podem ocorrer associados com irritabilidade, elevação
da frequência cardíaca, insônia, agitação psicomotora e batimentos cardíacos
irregulares (extrassístoles).11
O uso crônico em doses baixas não parece estar relacionado a danos/
prejuízos. No entanto, doses mais altas, ingeridas cronicamente, podem pro-
vocar distúrbios gastrintestinais, alteração do padrão de sono, aumentos e
irregularidade dos batimentos cardíacos, entre outros efeitos.11

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos problemas relacionados às drogas mencionadas neste capítulo


é que trazem a falsa ilusão de não parecem tão letais quanto a heroína, a
cocaína ou o álcool. É muito provável que as drogas aqui descritas como “dos
anos 2000” apareçam em um contexto de associação com outras drogas de
abuso ou até mesmo na presença de patologias psiquiátricas diversas. Isso
certamente gera maior morbidade com detecção subestimada.

Referências

1. DEF 2007/2008: dicionário de especialidades farmacêuticas. 35. ed. Petrópolis: Epub;


2007. p.898.
2. Souza JFR, Marinho CLC, Guilam MCR. Consumo de medicamentos e internet:
análise crítica de uma comunidade virtual. Rev Assoc Med Bras. 2008 Maio-
jun;54(3):225-31.

Diehl.indd 312 3/11/2009 10:57:07


Tratamentos farmacológicos para dependência química 313
3. Associação Brasileira de Medicina Complementar (ABMC). Biblioteca de intoxicações
[Artigo online]. [capturado 2008 Jun 10]; Disponível em: http://www.medicinacom-
plementar.com.br/Biblioteca_de_Intoxicacoes.asp.
4. Makeni Chemicals. Cloreto de metileno [artigo online]. 2004 Jun [capturado 2008 Maio
01]; Disponível em: www.makeni.com.br/Portals/Makeni/prod/boletim/Cloreto%20
de%20Metileno.pdf.
5. Sampaio C. Exclusivo: jovens abusam da efedrina vendida indiscriminadamente no
Brasil. Jornal Saúde [Periódico online]. 2003 Ago [capturado 2008 Jun 01]; Disponível
em: http://www.saudeemmovimento.com.br/reportagem/noticia_exibe.asp?cod_no-
ticia=1159.
6. Focchi GRA, Scivoletto S. Drogas desenhadas: novas drogas de abuso? J Bras Psiquiatr.
2000 Out-dez;49(10/12):383-6.
7. Oliveira FP, Bosi MLM, Vigario OS, Vieira RS. Comportamento alimentar e imagem
corporal em atletas. Rev Bras Med Esporte. 2003 Nov-dec;9(6):348-56.
8. Cordás TA. Transtornos alimentares: classificação e diagnóstico. Rev Psiquiatr Clin.
2004;31(4):154-7.
9. Baker EH, Sandle GI. Complications of laxative abuse. Annu Rev Med. 1996;47:127-
34.
10. Viva Voz. Derivados anfetamínicos brolanfetamina: cápsula do vento, cápsula do medo
Dob (4-bromo-2,5-dimetoxianfetamina) [Artigo online]. 2007 Maio [capturado 2009
Fev 27]; Disponível em: http://psicoativas.ufcspa.edu.br/vivavoz/revisoes/brolanfe-
tamina.pdf.
11. Dias JC, Pinto IM. Substâncias psicoativas: classificações, mecanismos de ação e
efeitos sobre o organismo. In: Silveira DX, Moreira FG. Panorâma atual das drogas e
dependências. São Paulo: Atheneu; 2006. p.39-49.

Leituras recomendadas

Chá da Morte e outras drogas lícitas iludem adolescentes [Artigo online]. [capturado 2008
Jun 01]; Disponível em: http://www.picarelli.com.br/magali/drogas_licitas.htm.
Deveze E. LSD com tarja vermelha: o antiinflamatório Benflogin faz sucesso nas baladas
como droga alucinógena. O barato pode causar hemorragia intestinal e danos nos rins.
Revista Época [periódico online]. 2005 Jan 31 [capturado 2008 Jun 01]; Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,,EPT900393-1664,00.html.
Efedrina. Wikipedia: the free encyclopedia. [Artigo online]. [capturado 2008 Jun 01]; Dis-
ponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Efedrina.
Organização Mundial da Saúde. Classificação de transtornos mentais e de comportamento
da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed; 1993.

Diehl.indd 313 3/11/2009 10:57:07


Diehl.indd 314 3/11/2009 10:57:07
parte 14
Múltiplas substâncias
psicoativas

Diehl.indd 315 3/11/2009 10:57:08


Diehl.indd 316 3/11/2009 10:57:08
DEPENDÊNCIA DE
MÚLTIPLAS SUBSTÂNCIAS
EM POLIUSUÁRIOS
DE DROGAS
28
O verdadeiro desafio clínico
Alessandra Diehl

O álcool e as drogas ilícitas continuam sendo um grande problema de


saúde pública, e o crescente número de pesquisas reflete a preocupação com
o vertiginoso aumento do número de poliusuários de drogas em várias partes
do mundo.1-5
O levantamento nacional norte-americano de 2002 revelou que 56% de
todas as admissões para tratamento de adições em serviços públicos foram de
usuários de múltiplas substâncias.1
Em contrapartida, observa-se que poucos são os estudos que realizaram
acompanhamento desses indivíduos ao longo de muitos anos ou, ainda, que
responderam a questões pertinentes a estágios de motivação e características
psicológicas possivelmente diferenciadas dessa população.1 Portanto, existem
poucos estudos apontando o perfil do público de abusadores de múltiplas
drogas, suas diversidades culturais, étnicas e de gênero, assim como os pa-
drões de consumo, formas e vias de uso, as principais combinações de drogas
de abuso/dependência e os problemas correlacionados a esse uso.6-9
Curiosamente, também são poucas as pesquisas que apontam orienta-
ções clínicas e procedimentos-padrão e/ou avaliam possibilidades farmacote-
rápicas para esses poliusuários.10
Sem dúvida, esse público nos reserva um grande desafio. Primeiro, por-
que a compreensão das razões neurofarmacológicas para as diversas combi-
nações de drogas de abuso ainda não foi alcançada.11 Em segundo lugar, por-
que o entendimento psicossocial para o uso simultâneo de várias substâncias
parece estar também implicado com os contextos socioeconômicos e culturais
evolutivos do mundo moderno.12 Por fim, porque os estudos têm mostrado
que os poliusuários são, em diversos aspectos, pacientes muito graves e que
apresentam vários problemas de saúde e sociais, muitos com comorbidades

Diehl.indd 317 3/11/2009 10:57:08


318 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

psiquiátricas associadas em geral, com piores prognósticos quando compara-


dos a monousuários.13-15

Principais características dos poliusuários de drogas

1. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o usuário de


múltiplas substâncias como aquele indivíduo que abusa de forma
simultânea ou sequencial de mais de uma droga ou de um tipo de
droga, com dependência de, pelo menos, uma delas.1
2. O gênero masculino e o fato de residir em área urbana são preditores
para poliuso de substâncias.1,8,16
3. Usuários de múltiplas substâncias em geral relatam alto nível de
sensação prazerosa pela busca e pelo uso da droga, assim como
dificuldades em lidar com sentimentos ou emoções desagradáveis
e, até mesmo, de saber lidar com situações agradáveis quando em
companhia de outras pessoas.8
4. Alguns estudos apontam a tendência de poliusuários diminuírem ao
longo da sua vida, o abuso da droga principal em substituição por
níveis consistentes de uso de outras drogas de abuso. Por exemplo,
redução do uso de heroína e metanfetamina e uso mais regular
de álcool e maconha. Essa trajetória apresenta extrema relevância
epidemiológica.17
5. Poliusuários geralmente apresentam anormalidades em determinadas
regiões cerebrais, com dano cerebral e prejuízo cognitivo.18
6. Uma das possíveis combinações de drogas entre os poliusuários
norte-americanos é a mistura do crack e da cocaína com fenciclidina
ou peniciclidina (PCP) em cigarros de maconha. Essa combinação é
popularmente conhecida como “fry” ou “wet”. O estudo de Peters e
colaboradores6 revela que os usuários dessa mistura se encontram sob
maior risco de contrair doenças venéreas, como a gonorreia, por se
prostituírem em troca da droga.6 No Brasil, essa droga é conhecida
pelo nome de “mesclado” (combinação de crack com maconha).19
7. Os usuários de club drugs também tendem a padrões de uso de
múltiplas substâncias associados a efeitos adversos à saúde, como
comprometimento da saúde mental com diminuição do funciona-
mento cognitivo (memória e aprendizado), overdose e dependência
e exposição a doenças infecciosas.8,20,21
8. É muito provável que usuários de múltiplas substâncias sofram
prejuízo em diversas funções cognitivas e anedonia. Durante a

Diehl.indd 318 3/11/2009 10:57:08


Tratamentos farmacológicos para dependência química 319
abstinência, existe uma aproximação da função cognitiva normal,
mas, ainda assim, persiste a anedonia, estando correlacionada ao
aprendizado, mas não necessariamente à função executiva.22
9. Estudos que avaliaram moradores de rua também apontam para
uma tendência ao padrão de uso de múltiplas substâncias nessa
população, em especial ao uso de drogas injetáveis entre jovens com
longa história de viver em situação de rua. Infelizmente, grande
parte desses usuários nunca esteve em contato com programas de
tratamento e apenas uma minoria acreditava que de fato necessitasse
de ajuda oriunda desses serviços,9,23 o que denota a importância de
os programas de tratamento estarem atentos a esse tipo de perfil e
subcultura, oferecendo muitas vezes os chamados “outreach treat-
ments”, fora do ambiente terapêutico clássico, indo em busca desse
paciente de difícil acesso.
10. Um estudo nacional que avaliou a presença de transtornos mentais
em 300 moradores de albergues públicos das cidades do Rio de
Janeiro e Niterói, utilizando a CIDI (Composite International Diag-
nostic Interview), encontrou uma ocorrência de 44,2% de abuso/
dependência de álcool nessa população.24 Também foi observada
uma tendência a aumento do número de moradores de rua poliusu-
ários de drogas no país,25 havendo já, entre eles, uma delimitação
de identidades e espaços por referência ao uso do tipo de droga. Por
exemplo, os usuários de álcool são chamados de bêbados, bebuns, ou
alcoólatras; os que usam outras drogas, como a maconha, o crack e a
cocaína, são chamados de “noia”. O crack, que já foi muito popular
entre os moradores de rua mais jovens, pode estar cedendo lugar à
maconha. Esse fenômeno parece advir de maior ou menor facilida-
de de acesso aos serviços e programas institucionais de abrigo, já
que usuários de crack tendem a apresentar, com grande frequência,
comportamento alterado e conflitivo no ambiente institu­cional e,
por isso são pouco aceitos em albergues.25
11. Usuários de múltiplas substâncias são mais propensos a apresentar
sintomas esquizotípicos do que os monousuários.14
12. No Brasil, os usuários de crack também têm perfil de poliusuário,
uma vez que tais pacientes costumam utilizar outras substâncias
psicoativas ou têm história prévia de uso de outras substâncias ou
vias, especialmente o álcool, a cocaína aspirada, o tabaco e a ma-
conha.19
13. Em geral, os poliusuários têm pior prognóstico quando comparados
a monousuários.10

Diehl.indd 319 3/11/2009 10:57:08


320 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Algumas recomendações

1. Identificar a principal droga de escolha e as possíveis drogas de


gatilho para o disparo do uso de todas as outras drogas conjuntas.26
Por exemplo: o uso principal é de crack, mas, quando faz uso de
álcool, o sujeito acaba utilizando não apenas o crack, mas também
todas as outras drogas das quais costumeiramente abusa (maconha,
cocaína). Algumas intervenções medicamentosas podem ser úteis em
relação à droga-gatilho, como o uso de dissulfiram (Antietanol®).
2. As intervenções farmacológicas devem ter as drogas de abuso como
alvo isolado.27
3. O objetivo final é sempre a abstinência de todas as drogas de abuso.
Nem sempre, em um primeiro momento, o paciente conseguirá se
abster de todas ao mesmo tempo, porém, o objetivo deve ser sempre
tentar fluir com as resistências e trabalhar metas a curto e longo
prazo, encorajando-o para que a abstinência seja alcançada.27
4. Buscar identificar a existência de comorbidades associadas e iniciar
o tratamento adequado tão logo seja possível. Discute-se se o melhor
momento para iniciar as medicações para a patologia comórbida
seria após algumas semanas de abstinência da droga de abuso ou
enquanto o indivíduo ainda segue em uso da substância. Apesar dos
riscos envolvidos na continuidade do uso compulsivo de cocaína,
associado, por exemplo, ao uso de medicação, sobretudo quando
sintomas depressivos são concomitantes, é provável que a prescrição
de medicamentos represente um risco menor, mesmo naqueles que
não conseguem se abster totalmente da droga.28,29
5. Manifestações de crises convulsivas são muito comuns em usuários
de drogas e, em poliusuários, os ataques epilépticos podem ser ainda
mais frequentes. Diversos são os mecanismos acionados, incluindo o
próprio processo irritativo das diversas drogas de abuso, assim como
infecções do SNC, traumas, etc. A profilaxia com anticonvulsivantes
a longo prazo normalmente não é recomendada quando o uso da
droga é a única causa da manifestação convulsiva.30
6. Kristensen e colaboradores10 conduziram um ensaio clínico aberto,
não randomizado, avaliando 62 poliusuários de drogas (com, pelo
menos, uso de opioides e benzodiazepínicos) submetidos a desin-
toxicação com valproato de sódio (VPN) e buprenorfina (BPN), e
o grupo-controle de clonidina (CLO) e carbamazepina (CBZ). Os
resultados favoreceram o grupo VPN+BPN na redução dos sintomas
de abstinência das drogas. No entanto, os dados devem ser replicados
em estudos placebo-controlados, randomizados, com uma amostra
maior de pacientes.10

Diehl.indd 320 3/11/2009 10:57:09


Tratamentos farmacológicos para dependência química 321
Considerações finais

É importante conhecer o padrão de uso e as diferenças entre mono e


poliusuários de drogas para que estratégias de prevenção e políticas específi-
cas para essa população possam ser elaboradas. Intervenções de tratamento
delineadas especificamente para atender determinadas populações em geral
tendem a ter mais sucesso.1,10
O uso de múltiplas substâncias causa um impacto significativo na saúde
pública. Sabe-se que os poliusuários visitam mais prontos-socorros do que
os monousuários, sobretudo aqueles que combinam álcool com medicações
prescritas.1
A interação entre as múltiplas drogas pode aumentar o dano físico, neu-
rológico e psicológico no usuário e aumenta potencialmente as consequências
negativas do uso de drogas.31,32

Referências

1. Kedia S, Sell MA, Relyea G. Mono- versus polydrug abuse patterns among publicly
funded clients. Subst Abuse Treat Prev Policy. 2007 Nov 8;2:33.
2. McCabe SE, Cranford JA, Morales M, Young A. Simultaneous and concurrent polydrug
use of alcohol and prescription drugs: prevalence, correlates, and consequences. J Stud
Alcohol. 2006 Jul;67(4):529-37.
3. Gouzoulis-Mayfrank E, Daumann J. The confounding problem of polydrug use
in recreational ecstasy/MSMA users: a brief overview. J Psychopharmacol. 2006
Mar;20(2):188-93.
4. Barrett SP, Gross SR, Garand I, Pihl RO. Patterns of simultaneous polysubstance use
in Canadian rave attendees. Subst Use Misuse. 2005;40(9-10):1525-37.
5. Kunitz SJ. Risk factors for polydrug use in a Native American population. Subst Use
Misuse. 2008;43(3-4):331-9.
6. Peters RJ Jr, Williams M, Ross MW, Atkinson J, McCurdy SA. The use of fry (embalming
fluid and PCP-laced cigarettes or marijuana sticks) among crack cocaine smokers. J
Drug Educ. 2008;38(3):285-95.
7. O’Grady KE, Arria AM, Fitzelle DM, Wish ED. Heavy drinking and polydrug use among
college students. J Drug Issues. 2008;38(2):445-66.
8. Kelly BC, Parsons JT. Predictors and comparisons of polydrug and non-polydrug cocaine
use in club subcultures. Am J Drug Alcohol Abuse. 2008;34(6):774-81.
9. Rosenthal D, Mallett S, Milburn N, Rotheram-Borus MJ. Drug use among homeless
young people in Los Angeles and Melbourne. J Adolesc Health. 2008 Sep;43(3):296-
305.
10. Kristensen Ø, Lølandsmo T, Isaksen A, Vederhus JK, Clausen T. Treatment of polydrug-
using opiate dependents during withdrawal: towards a standardisation of treatment.
BMC Psychiatry. 2006 Nov 15;6:54.
11. Leri F, Bruneau J, Stewart J. Understanding polydrug use: review of heroin and cocaine
co-use. Addiction. 2003 Jan;98(1):7-22.

Diehl.indd 321 3/11/2009 10:57:09


322 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

12. Cole JC, Goudie AJ, Field M, Loverseed AC, Charlton S, Sumnall HR. The effects of
perceived quality on the behavioural-economics of alcohol, amphetamine, cannabis,
cocaine, and ecstasy purchases. Drug Alcohol Depend. 2008 Apr 1;94(1-3):183-90.
13. Parrott AC, Sisk E, Turner JJ. Psychobiological problems in heavy ecstasy (MDMA)
polydrug users. Drug Alcohol Depend. 2000 Jul 1;60(1):105-10.
14. Van Dam NT, Earleywine M, DiGiacomo G. Polydrug use, cannabis, and psychosis-like
symptoms. Hum Psychopharmacol. 2008 Aug;23(6):475-85.
15. Willner-Reid J, Belendiuk KA, Epstein DH, Schmittner J, Preston KL. Hepatitis C and
human immunodeficiency virus risk behaviors in polydrug users on methadone main-
tenance. J Subst Abuse Treat. 2008 Jul;35(1):78-86.
16. Byqvist S. Polydrug misuse patterns in Sweden. Gender differences. Subst Use Misuse.
1999 Jan;34(2):195-216.
17. Brecht ML, Huang D, Evans E, Hser YI. Polydrug use and implications for longitudinal
research: ten –year trajectories for heroin, cocaine, and methamphetamine users. Drug
Alcohol Depend. 2008 Aug 1;96(3):193-201.
18. Levin JM, Mendelson JH, Holman BL, Teoh SK, Garada B, Schwartz RB, et al. Improved
reginal cerebral blood flow in chronic cocaine polydrug users treated with buprenor-
phine. J Nucl Med. 1995 Jul;36(7):1211-5.
19. Duailibi LB, Ribeiro M, Laranjeira R. Perfil dos usuários de cocaína e crack no Brasil:
revisão. Cad Saúde Pública. 2008;24(Suppl 4):S545-S57.
20. de Sola Llopis S, Miguelez-Pan M, Peña-Casanova J, Poudevida S, Farré M, Pacifici R, et
al. Cognitive performance in recreational ecstasy polydrug users: a two-year follow-up
study. J Psychopharmacol. 2008 Jul;22(5):498-510.
21. Hoshi R, Mullins K, Boundy C, Brignell C, Piccini P, Curran HV. Neurocognitive function
in current and ex-users of ecstasy in comparison to both match polydrug-using controls
and drug-naïve controls. Psychopharmacology (Berl). 2007 Oct;194(3):371-9.
22. Stevens A, Peschk I, Schwarz J. Implicit learning, executive function and hedonic ac-
tivity in chronic polydrug abusers, currently abstinent polydrug abusers and controls.
Addiction. 2007 Jun;102(6):937-46.
23. Nyamathi A, Dixon EL, Shoptaw S, Marfisee M, Gelberg L, Williams S, et al. Profile of
lifetime methamphetamine use among homeless adults in Los Angeles. Drug Alcohol
Depend. 2008 Jan 1;92(1-3):277-81.
24. Lovisi GM. Avaliação de distúrbios mentais em moradores de albergues públicos das
cidades do Rio de Janeiro e de Niterói [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Escola Nacional de
Saúde Pública Fiocruz; 2000.
25. Varanda W, Adorno RCF. Descartáveis urbanos: discutindo a complexidade da população
de rua e o desafio para políticas de saúde. Saúde Soc. 2004 Jan-abr;13(1):56-69.
26. Hopper JW, Su Z, Looby AR, Ryan ET, Penetar DM, Palmer CM, et al. Incidence and
patterns of polydrug use and craving fro ecstasy in regular ecstasy users: an ecological
momentary assessment study. Drug Alcohol Depend. 2006 Dec 1;85(3):221-35.
27. Goppel MA, van den Brink W, van Ree JM. Pharmacologic interventions in drug addic-
tion: an advisory report from the Health Council of the Netherlands. Ned Tijdschr
Geneeskd. 2003 Aug 23;147(34):1637-40.
28. Lacks V, Moreira FG, Silveira FDX. Comorbidades: considerações gerais e transtorno
do humor. In: Silveira FDX, Moreira FG. Panorama atual de drogas e dependências.
São Paulo: Atheneu; 2006. p.67-73.

Diehl.indd 322 3/11/2009 10:57:09


Tratamentos farmacológicos para dependência química 323
29. Roozen HG, Kerkhof AJ, van den Brink W. Experiences with an outpatient relapse
program (community reinforcement approach) combined with naltrexone in the
treatment of opioid-dependence: effect on addictive behaviors and the predictive and
the predictive value of psychiatric comorbidity. Eur Addict Res. 2003 Apr;9(2):53-8.
30. Brust JC. Seizures and substance abuse: treatment considerations. Neurology. 2006
Dec 26;67(12 Suppl 4):S45-8.
31. Sumnall HR, Wagstaff GF, Cole JC. Self-reported psychopathology in polydrug users.
J Psychopharmacol. 2004 Mar;18(1):75-82.
32. Lankenau SE, Clatts MC. Patterns of polydrug use among ketamine injectors in New
York City. Subst Use Misuse. 2005;40(9-10):1381-97.

Diehl.indd 323 3/11/2009 10:57:09


Diehl.indd 324 3/11/2009 10:57:09
parte 15
Comorbidades

Diehl.indd 325 3/11/2009 10:57:09


Diehl.indd 326 3/11/2009 10:57:09
TRATAMENTOS
FARMACOLÓGICO E
PSICOSSOCIAL DA
COMORBIDADE ENTRE
29
TRANSTORNOS MENTAIS E
DEPENDÊNCIA QUÍMICA
Montando um quebra-cabeça
Alessandra Diehl
Hamer Nastasy Alves Palhares

As taxas de coocorrência de doença mental grave (p. ex., esquizofrenia,


transtorno afetivo bipolar e depressão maior) e transtornos relacionados ao
uso de substâncias são extremamente elevadas em adultos, de modo geral em
torno de 50% ou mais, com consequências no curso, ajustamento e prognósti-
co dessas patologias.1,2 Em outras palavras, a cada dois pacientes que buscam
atendimento por uso problemático de substâncias, um deles apresentará um
transtorno mental correlacionado.
As consequências negativas do uso de álcool e drogas em pacientes porta-
dores de transtornos mentais incluem a ocorrência de mais sintomas positivos,
maiores chances de recaída, maiores taxas de hospitalização, maior ideação
suicida, maior tendência a violência, maior envolvimento em atividade sexual
desprotegida, maiores chances de compartilhar seringas, baixa adesão tanto à
medicação quanto às consultas, entre outras. Além disso, o uso de substâncias
também leva a um menor período livre de sintomas psiquiátricos.3
Desde a descoberta do sistema endocanabinoide, um volume crescente
de pesquisas, principalmente sobre a maconha, tem emergido focalizando o
papel desse sistema em transtornos psiquiátricos maiores.4
Os estudos epidemiológicos replicam a indicação de que o uso frequente
de maconha dobra o risco para sintomas psicóticos e para o desenvolvimen-
to de esquizofrenia. Sabe-se que os esquizofrênicos são mais vulneráveis a
abusar de maconha do que os indivíduos saudáveis. Ainda que não exista
evidência epidemiológica suficiente que sustente o uso da maconha como

Diehl.indd 327 3/11/2009 10:57:10


328 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

um tipo de automedicação em pacientes esquizofrênicos, alguns estudos têm


demonstrado alívio de certos estados de afeto desagradáveis por meio de
autorrelatos do “modelo de alívio de disforia”.4
Pesquisas recentes têm sugerido um possível mecanismo neurobiológico
que poderia explicar a influência danosa do uso da maconha em esquizofrênicos.
Acredita-se que esse mecanismo envolva o rompimento da sinalização e do fun-
cionamento de canabinoides endógenos, como a anandamida e seus análogos.4
No entanto, os pesquisadores estão apenas na fase inicial de compreensão
dos efeitos danosos do abuso de maconha no curso da esquizofrenia, tanto
na fase aguda quanto em fases mais avançadas da doença. Pontos adicionais
de interesse de pesquisa clínica são as alterações dos endocanabinoides e seu
papel no aparecimento de sintomas, assim como análises post-mortem de
densidade de receptores CB1 em esquizofrênicos.4
Embora o número de estudos da relação do uso frequente de maconha
com transtornos afetivos bipolares (TAB) ainda seja limitado, os resultados
iniciais sugerem que essa associação possa ser um importante alvo de futuras
pesquisas. O uso de maconha é bastante frequente em pacientes bipolares,
segundo dados do ECA (The Epidemiologic Catchment Area), podendo indu-
zir sintomas maníacos nesse grupo.4
Atualmente, existe apenas um estudo que investigou o envolvimento
fisiopatológico do sistema endocanabinoide no TAB. Acredita-se que o trata-
mento prévio com antipsicóticos diminua a densidade numérica de CB1 e de
células gliais imunorreativas em pacientes bipolares.4
Os dados sobre a influência do uso de maconha e o desenvolvimento
de depressão maior ainda são controversos, haja vista a possibilidade de os
componentes canabinoides representarem uma nova classe de medicamento,
como sugerida pelos efeitos antidepressivos do ácido amino-hidroxilase (URB
597) em modelos animais.4 Assim como para a depressão, os estudos que
correlacionam ansiedade com uso de maconha são controversos. Uma das
principais razões apontadas pela discrepância dos estudos refere-se a curto
acompanhamento (follow-up) dos pacientes.
Em geral, observa-se que o uso frequente de maconha está associado
com um aumento da ansiedade em adultos jovens, independentemente da
adição a outras drogas ilícitas. De modo particular, indivíduos com fobia so-
cial estão sob maior risco de desenvolver uso frequente de drogas do que de
apresentar outros transtornos de ansiedade.4 A aparente melhora do desem-
penho no enfrentamento de situações ansiogênicas é uma dentre as explica-
ções mais plausíveis para que façam uso dessa substância.
Percebe-se que os serviços destinados ao tratamento da doença mental
e dos transtornos pelo uso de substâncias costumam enfrentar um grande
dilema porque o sistema tradicional de saúde mental muitas vezes não dispõe
de elementos integrativos, estando raramente preparado para atender às ne-
cessidades reais do portador de diagnóstico dual.1

Diehl.indd 328 3/11/2009 10:57:10


Tratamentos farmacológicos para dependência química 329
Desde a década de 1980, o conceito de tratamento integrado destinado
a atender às demandas de pacientes portadores de diagnóstico dual entre
doença mental grave e transtornos relacionados ao uso de substâncias psi-
coativas tem sido alvo de crescente interesse. No entanto, apesar de alguns
serviços promoverem importantes estruturações em seus sistemas de atendi-
mento, nota-se que as propostas de intervenções são ainda com frequência
incompatíveis e inconsistentes. Prova disso é que apenas 12% dos pacientes
com diagnóstico dual nos Estados Unidos recebem intervenções para as duas
patologias.5
Poucos estudos são delineados para captar as necessidades dessa popu-
lação específica, uma vez que os pesquisadores costumam buscar pacientes
sem comorbidades, embora a abordagem conjunta seja mencionada nas dire-
trizes para diversos transtornos.6,7 Isso talvez ocorra porque as melhores di-
retrizes existentes são baseadas em evidências e estas, por sua vez, são ainda
escassas. Dentre seus motivos, citam-se:

1. a escassez de ensaios clínicos randomizados (ECRs) para este diag-


nóstico dual;
2. a maioria dos ECRs envolvendo farmacoterapia tende a excluir
comorbidades;
3. os estudos disponíveis têm baixa validade externa por apresentarem
altas taxas de abandono;
4. a grande variação de condições, ou seja, as possibilidades de asso-
ciação são grandes.7,8

Numerosas são as perguntas ainda sem respostas claras nessa área em


relação ao diagnóstico dual. Por essa razão, parece extremamente importante
que pesquisas adicionais sejam conduzidas a fim de que os resultados sejam
ampliados com o objetivo promissor de busca de intervenções farmacoterá-
picas eficazes.4

Intervenções psicossociais

A revisão sistemática conduzida por Drake e colaboradores5 encontrou


45 ensaios clínicos sobre as intervenções psicossociais para pacientes com
doença mental grave e uso de substâncias psicoativas. A seguir, alguns dos
principais resultados encontrados pelos autores:

1. Três intervenções mostraram melhores desfechos com relação ao


uso de substâncias: aconselhamento em grupo, gerenciamento de
contingência e tratamento residencial.

Diehl.indd 329 3/11/2009 10:57:10


330 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Aconselhamento em grupo: a maioria ocorre uma ou duas vezes


por semana e normalmente dura 6 meses, sendo que técnicas cog-
nitivas comportamentais (TCC) são as mais usadas. Os resultados
sugerem que não existe um efeito específico ou um elemento em
comum como fator responsável, visto que os vários tipos de grupos
mostram resultados positivos no uso de substâncias. No entanto, os
autores pontuam que estudos mais homogêneos são necessários para
que possam ser mais comparáveis entre si.
Gerenciamento de contingência: refere-se ao fornecimento sis-
temático de incentivo ou não incentivo para alguns comportamen-
tos específicos com o propósito de modificar tais comportamentos
não adaptados. É uma modalidade que merece mais estudos já que
mostrou uma tendência a melhora nos resultados.
Tratamento residencial: em geral, os programas têm duração de
6 a 12 meses e são especialmente reservados para aqueles casos
que não obtiveram bons resultados com o tratamento ambulatorial.
Parece haver uma relação entre longa duração da intervenção e
melhores resultados.
2. Ainda não há evidência suficiente que sustente o aconselhamento
individual como uma prática defendida para esse grupo de pacientes.
No entanto, os estudos que avaliaram essa modalidade o fizeram
apenas por meio de entrevista motivacional e/ou aconselhamento
cognitivo comportamental.
3. Nenhuma das intervenções psicossociais mostrou resultados consis-
tentes em melhorar desfechos relacionados à saúde mental.

É importante ressaltar que essa revisão aponta algumas limitações me-


todológicas entre os estudos avaliados:

a) estudos muitos heterogêneos;


b) grande diversificação entre os participantes;
c) grande variação das medidas de intervenção;
d) certa ausência de medida-padrão.5

Intervenções farmacológicas

Acredita-se que as medicações utilizadas para tratamento do alcoolismo


na população em geral, como o dissulfiram (Antietanol®) e a naltrexona (Re-
via®), sejam também eficazes em pacientes com diagnóstico dual. Entretanto,

Diehl.indd 330 3/11/2009 10:57:10


Tratamentos farmacológicos para dependência química 331
é importante assegurar a adesão adequada ao tratamento e realizar supervi-
sões de rotina em relação ao uso da medicação.1,9

Esquizofrenia

Entre os antipsicóticos pode-se dizer que tanto os típicos quanto os atípi-


cos são igualmente eficazes em melhorar os sintomas de esquizofrenia. Con-
tudo, a clozapina (Leponex®, dose máxima recomendada de 900 mg/dia) é,
sem dúvida, o antipsicótico mais poderoso no tratamento dos sintomas da
esquizofrenia e também daqueles relacionados ao uso de substâncias.1,9,10 As
precauções devem ser em relação ao risco de leucopenia e agranulocitose, daí
a necessidade de hemogramas com contagens periódicas de plaquetas (sema-
nalmente nas primeiras 18 semanas), não devendo ser iniciada a terapia se
os leucócitos estiverem abaixo de 3.500 mm3. Deve-se ainda monitorar com
regularidade a função hepática pelo risco de hepatotoxicidade, em geral leve
e transitória, causada pela clozapina.10
Ainda com relação à esquizofrenia e a dependência química, estudos
com a risperidona (Risperdal®) mostram evidências contraditórias, sendo
que a maioria não a favorece. A olanzapina (Zyprexa®), por sua vez, também
apresenta evidências contraditórias. A comparação direta com o haloperidol
(Haldol®) foi desvantajosa para a olanzapina. Já com a quetiapina (Sero-
quel®), as indicações preliminares são positivas, porém ainda muito restritas.
Finalmente, o aripiprazol (Abilify®) e a ziprasidona (Geodon®) ainda não
apresentam evidências nessa população.9
Quanto às medicações anticraving em pacientes com esquizofrenia e de-
pendência química, observa-se que a naltrexona aparece com uma indicação
inicial sugerindo que possa ser eficaz nessa população; já para o acamprosato
(Campral®) não existe qualquer evidência disponível, sendo que o dissulfi-
ram, como já foi comentado, apresenta pouca evidência, porém favorável.8,9
Os anticonvulsivantes e os estabilizadores do humor, como o valproato
e o topiramato, não apresentam evidência científica em pacientes esqui-
zofrênicos com dependência química em relação aos desfechos de uso de
substâncias.8
Os antidepressivos tricíclicos (ADTs), como a imipramina (Tofranil®- do-
ses terapêuticas acima de 75 mg/dia) e a clomipramina (Anafranil®- doses
terapêuticas acima de 75 mg/dia), associados a terapia de manutenção com an-
tipsicóticos, mostraram-se eficazes em alguns estudos na redução do abuso da
substância e do craving, enquanto estudos com outros agentes antidepressivos,
como os inibidores da recaptação de serotonina (IRSSs), são praticamente ine-
xistentes. Alguns autores discutem o uso precoce do tratamento concomitante

Diehl.indd 331 3/11/2009 10:57:10


332 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

com ADT nessa população; entretanto, dependendo do estado da psicopatolo-


gia, deve ser considerado como uma possibilidade terapêu­tica.8

Depressão maior

A comorbidade da dependência do álcool com depressão maior repre-


senta um desafio na prática clínica. Os resultados no tratamento com IRSS
têm sido conflitantes.
Alguns estudos têm favorecido o uso do escitalopram (Lexapro® 20 mg/
dia) quando esse diagnóstico dual se faz presente. Estudos preliminares têm
comparado o escitalopram com a memantina (Alois® ou Ibix®) nesse perfil de
sujeitos, exibindo uma tendência a redução do consumo diário de álcool com
ambas as medicações, melhorando os sintomas depressivos. Esses resultados
são mais marcantes com o uso do antidepressivo do que com a memantina
(antagonista dos receptores NMDA).11,12

Transtornos do sono

A insônia e outros distúrbios do sono são extremamente comuns entre


pacientes dependentes do álcool em fase de recuperação, sobretudo nos está-
gios iniciais da abstinência. Sabe-se que existe uma tendência a certa melhora
do padrão do sono ao longo da abstinência, no entanto, muitos dependentes
crônicos do álcool necessitam de um tratamento diferenciado para esses sin-
tomas devido a alterações na arquitetura dos centros cerebrais do sono.13
Sete estudos, que avaliaram as taxas de insônia entre alcoolistas em tra-
tamento, encontraram prevalências que variavam de 58 a 91%. A grande va-
riação justificou-se principalmente pela ausência de uma definição de insônia
e pela não utilização de escalas validadas como medidas de mensuração (p.
ex., Sleep Disorder Questionaire). Porém, de uma maneira geral, esses estudos
indicam uma alta comorbidade de insônia entre alcoolistas, maior do que a
observada na população em geral.13
Arnedt e colaboradores13 encontraram cinco estudos correlacionando
insônia como um forte preditor de recaídas. Portanto, deve-se estar atento
às queixas de insônia em alcoolistas em recuperação a fim de melhorar os
desfechos de tratamento e evitar possíveis recaídas.13
Existem vários estudos que abordam as opções de tratamentos farmacoló-
gicos e não farmacológicos para insônia e distúrbios do sono. Contudo, a maio-
ria deles foi conduzida em pacientes não dependentes de álcool, dificultando
assim a extrapolação dos dados e preocupando os clínicos quanto ao potencial
de abuso das medicações e de overdose se ingeridas concomitantemente ao
álcool. Cerca de 64% dos especialistas afirmaram ficar reticentes ao prescrever

Diehl.indd 332 3/11/2009 10:57:11


Tratamentos farmacológicos para dependência química 333
medicações hipnóticas para alcoolistas. Sugere-se que estudos futuros focalizem
a comparação entre as intervenções farmacológicas e as não farmacológicas.13
Dentre as possíveis intervenções farmacológicas para esse perfil de po-
pulação, citam-se:

1. Trazodona (Donaren®) (média de dosagem 105 mg/dia): é utili-


zada pelo potencial sedativo, apesar da pouca evidência de eficácia
nessa população. Um possível efeito colateral é a ocorrência de
priapismo (ereção prolongada e dolorosa, que exige intervenção
cirúrgica em um terço dos casos, com uma mesma proporção de
impotência ou falhas permanentes de ereção).10 É muito importante
considerar esse efeito colateral principalmente porque a maioria dos
alcoolistas em tratamento são homens.
2. Zolpidem (Stilnox® ou Lioram®): pelo menor risco de dependência,­
é preferido para insônia transitória, embora já despontem vários casos
na literatura discutindo o desenvolvimento de dependência, risco que
deve ser considerado entre os dependentes de álcool (não estender o
tratamento a períodos superiores a 1 mês).
3. Carbamazepina (Tegretol®): em um estudo, mostrou-se superior ao
lorazepam. Há risco de hepatotoxicidade e necessidade de dosagem
sanguínea.
4. Gabapentina (Neurontim®): tem a vantagem de não ser hepato-
tóxica ou causar danos hematológicos em doses até 953 mg/dia.
5. Nefazodona (Serzone®): raramente utilizada devido ao risco de
falência hepática.
6. Amitriptilina (Triptanol®): utilizada apenas em baixas doses. As
desvantagens são o ganho de peso e o risco de overdose em tentativas
de suicídio.
7. Mirtazapina (Remerom®): também provoca ganho de peso.
8. Quetiapina (Seroquel®): utilizada em doses de 25 a 200 mg/dia,
tem como benefício o potencial efeito estabilizador do humor e o
perfil mais tolerável dos efeitos colaterais.

Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH)

O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é uma pa-


tologia psiquiátrica que coocorre com muita frequência entre pacientes com
transtornos por uso de substâncias. Todos os clínicos devem estar atentos à
natureza complicada desse diagnóstico e do tratamento do TDAH quando
existir comorbidade com uso de substâncias.
A farmacoterapia continua sendo o eixo central do tratamento para o
TDAH, ainda que psicoterapias complementares possam ajudar e devam ser

Diehl.indd 333 3/11/2009 10:57:11


334 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

utilizadas, bem como estratégias de psicoeducação. Os medicamentos psi-


coestimulantes costumam ser os fármacos mais utilizados para tratar esse
transtorno TDAH, embora muitos médicos ainda relutem em prescrever esti-
mulantes para pacientes que usam substâncias.7,14
Hoje se sabe que doses terapêuticas de metilfenidato não pioram a de-
pendência de substâncias, mesmo em pacientes em uso ativo de drogas, assim
como se sabe que o uso de medicamentos para o TDAH exacerba o transtorno
pelo uso de substâncias.15 Porém, poucos foram os ensaios clínicos que ava-
liaram essa associação e, portanto, o tratamento para a comorbidade segue
sendo o mesmo que para o TDAH.15 Cabe lembrar que o TDAH não tratado
é um fator importante para o desenvolvimento de problemas com o uso de
substâncias, favorecendo a utilização de estimulantes como estratégia pre-
ventiva entre os adolescentes com esse transtorno mental.
Os medicamentos eficazes no tratamento do TDAH incluem:15

1. Estimulantes: o metilfenidato é o principal estimulante utiliza-


do. Atua inibindo a recaptação da dopamina e da noradrenalina,
aumentando a concentração desses dois neurotransmissores na
fenda sináptica.10 É encontrado em três apresentações comerciais
distintas: uma formulação de ação imediata (Ritalina® 10 mg) e
duas formulações de liberação controlada (Ritalina LA® 20, 30 e
40 mg), com duração do efeito de 8 horas, e o Concerta® (18 e 36
mg) com duração do efeito de 12 horas.
Os resultados disponíveis sobre o uso desses medicamentos no trata-
mento dos usuários de substâncias portadores de TDAH sugerem que
o tratamento seja eficaz na redução dos sintomas do TDAH, embora
tenha pouco efeito na redução do uso de substâncias psicoativas ou
da fissura associada ao uso. O metilfenidato de liberação controlada
apresenta ainda menos potencial de abuso, pois leva ainda mais
tempo para se separar do transportador de dopamina, no striatum,
do que o metilfenidato de ação imediata.15
A dose-padrão recomendada para adultos é de 30 a 40 mg/dia,
podendo ser aumentada até 60 mg/dia em 2 a 3 doses. A posologia
de várias vezes ao dia é considerada como uma das causas de bai-
xa adesão. Nesse contexto é que surgiram as outras apresentações
do metilfenidato, na tentativa de simplificação da posologia diária
e esclarecimento da necessidade de uma dose diária de liberação
bimodal ao longo do dia (dose inicial maior, de manutenção, e dose
maior também durante a noite).10 Os efeitos colaterais mais comuns
são agitação, diminuição do apetite, euforia, nervosismo e insônia.
Recomenda-se sempre administrar a última dose antes das 18 horas
a fim de evitar esse último efeito colateral.10

Diehl.indd 334 3/11/2009 10:57:11


Tratamentos farmacológicos para dependência química 335
2. Agentes inibidores da recaptação de noradrenalina (Atomoxetina
– Strattera® 10, 18, 25, 40 e 60 mg): recomendados para indiví­
duos com história muito recente (menos de 3 meses) de abuso de
substâncias, em dose terapêutica de 1,2 mg/kg/dia.10,15
3. Bupropiona (Zyban®): também é mais comumente recomendada
para pacientes com história recente de uso de substâncias, sendo
indicada sobretudo quando houver tabagismo associado.15
4. Indutores de vigília: como o modafinil (Provigil® ou Alertec®).15

Compulsão sexual

Acredita-se que a “compulsão sexual”, ou a também chamada “depen-


dência de sexo” ou, ainda, “comportamento sexual compulsivo”, afete cerca
de 5 a 6% da população (dados norte-americanos).16,17
Embora essa categoria ainda seja incerta, acredita-se que os comportamen-
tos sexuais compulsivo-impulsivos incluam atos sexuais repetitivos e pensamen-
tos sexuais compulsivos que, de tão frequentes e intensos, acabam por interferir
na intimidade interpessoal e sexual, bem como no desempenho profissional.18
Os dados relativos a esse comportamento sexual e a sua sobreposição
com a dependência química ainda são muito limitados. No entanto, parece
existir uma associação com a busca por drogas que aumentem o funciona-
mento sexual, podendo ser, nesses indivíduos, uma causa frequentemente,
porém não reconhecida, de recaídas no uso de substâncias.19,20
Benotsch e colaboradores,21 em um estudo com portadores do vírus HIV,
indicam que uma associação entre compulsividade sexual e comportamento
sexual de alto risco é mediada, em parte, por uso de cocaína pelo indivíduo em
estudo e por sua parceria durante a atividade sexual.21
Outros autores avaliaram 217 homossexuais e bissexuais masculinos,
soropositivos e usuários de metanfetamina. Na análise multivariada, foram
observados altos escores de compulsividade sexual associada em indivíduos
mais velhos, uso de “meth” antes ou durante o ato sexual, frequência a clubes
de sexo (p. ex., casas de swing) e locais de prostituição para encontrar parce-
rias sexuais, resistência ao uso de preservativos, baixos níveis de autoestima
e escores mais altos ainda de desinibição, maior número de parcerias sexuais
HIV soropositivas ou status do HIV desconhecido.22
Não foram encontrados ensaios clínicos farmacológicos avaliando a efi-
cácia de medicações para tratar essa comorbidade. O uso dos inibidores da
recaptação de serotonina (IRSSs) continua sendo a possibilidade terapêutica
mais estudada para o tratamento da compulsão sexual. Fármacos como a
fluoxetina (Fluxene® ou Daforin®, entre outros), o citalopram (Cipramil® ou
Cittá®, entre outros), o carbonato de lítio (Carbolitium®), os antidepressivos

Diehl.indd 335 3/11/2009 10:57:11


336 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

tricíclicos, a nefazodona (Serzone®) e a buspirona (Buspar®) já receberam


alguma atenção em estudos abertos ou relatos de caso.16,18
Como a tendência é considerar a compulsão sexual como uma patolo-
gia pertencente ao espectro da associação impulsividade/compulsividade,17
relatos de caso e outros estudos começam a sugerir também o topiramato
(Topamax®) como uma possibilidade terapêutica.18

Jogo patológico

O jogo patológico (JP) é um transtorno do controle dos impulsos ca-


racterizado por periódicos e repetidos padrões mal-adaptativos do compor-
tamento em relação a jogos de azar, apresentando significativo comprome-
timento do funcionamento familiar, pessoal e profissional. Estudos sugerem
que o JP ocorra em 1 a 3% da população.23
A associação dessa patologia com outras comorbidades não é rara. Ob-
servam-se sobreposições com depressão, transtorno afetivo bipolar (TAB),
ansiedade e, de forma mais frequente, com uso/abuso e dependência de
substâncias.23-25 Dados apontam que o índice de abuso e dependência de ál-
cool entre JP, durante a vida, é de 73,2%.26
Apesar de nenhum fármaco específico estar indicado para JP, as condi-
ções comórbidas (como a depressão e a dependência de substâncias) podem
ser tratadas farmacologicamente de maneira eficaz, e o JP pode ceder à me-
dida que os outros sintomas cederem.26
Nenhum tratamento farmacológico foi ainda aprovado para o uso em
jogadores patológicos, porém, várias pesquisas começaram a avaliar a efi-
cácia de algumas medicações. Estas em geral fazem parte de uma das três
categorias descritas a seguir:26

1. Antagonistas de opioides: naltrexona (Revia® até 250 mg/dia) e


nalmefena (até 100 mg/dia, com melhor resposta para a dose de
25 mg/dia).
2. Antidepressivos: fluvoxamina (Luvox®) e paroxetina (Aropax® até
60 mg/dia), com melhores respostas para a paroxetina.
3. Estabilizadores do humor: lítio (Carbolitium®, 900 mg/dia)

O topiramato (Topamax®) também tem sido avaliado em comparação a


outros fármacos, como os antidepressivos e os antagonistas opioides.26

Dependência de internet/computador

A dependência de internet é um fenômeno relativamente recente, acre-


dita-se que tenha surgido na década de 1980, mas que se apresenta como uma

Diehl.indd 336 3/11/2009 10:57:11


Tratamentos farmacológicos para dependência química 337
condição mais frequente do que se possa imaginar.27 Por isso, vem ganhando
força entre os pesquisadores sua inclusão no DSM-V como uma patologia do
espectro compulsivo/impulsivo. Envolve o uso do computador on-line e/ou
off-line de forma mal-adaptada, com uso excessivo do computador em detri-
mento de necessidades básicas, causando prejuízos sociais, familiares, sinto-
mas de tolerância e abstinência manifestadas por ansiedade, raiva e tensão.
Consiste em pelo menos três subtipos: uso de jogos eletrônicos em excesso,
preocupações sexuais e verificação de e-mail e mensagens de texto, como o
MSN (Messenger).28
Entre os estudos mais interessantes sobre a temática da dependência de
internet/computadores estão os dados da Coreia do Sul. Estimativas de 2006,
provenientes do governo coreano, apontam que aproximadamente 210.000
crianças coreanas (2,1%; idades 6-19 anos) são atingidas e requerem trata-
mento, sendo que cerca de 80% destas possam necessitar de medicação e tal-
vez 20 a 24% requeiram hospitalização. Esse país já considera a dependência
de internet um dos mais graves problemas de saúde pública, que se associa ao
aumento da evasão escolar.28
A chance dos pacientes apresentarem uma comorbidade é da ordem de
1,5%, incluindo o uso de substâncias psicoativas.27,28
Um estudo conduzido pela Universidade Brigham Young, de Utah, nos
Estados Unidos, com 813 jovens com idade média de 20 anos, aponta a exis-
tência de uma correlação entre uso frequente de jogos, maior consumo de
álcool e drogas e baixa qualidade das relações pessoais. O uso mais frequente
de jogos violentos também é vinculado a um maior número de parceiros se-
xuais e baixa qualidade nas relações pessoais.29
Tentativas de estudar e medir esse fenômeno são ainda cercadas pela
negação e minimização da problemática; talvez, por isso, as pouquíssimas
propostas de como tratar essa patologia,27 para a qual não encontramos tra-
tamento farmacológico com evidência até o momento. Infelizmente, o depen-
dente de internet é resistente ao tratamento e tem taxas altas de recaídas,
fazendo com que a comorbidade seja menos responsiva à terapia.28
A recomendação é a busca pela outra comorbidade associada e seu tra-
tamento com intervenções cognitivas comportamentais para o uso moderado
do aparelho.30

Transtorno afetivo bipolar (TAB)

No transtorno afetivo bipolar (TAB), a comorbidade com outros trans-


tornos psiquiátricos é regra, em geral abrangendo até 60% dos pacientes.
Não há evidência científica consistente que possibilite indicar qual estabili-
zador do humor é o mais adequado para as diferentes comorbidades. O que
algumas diretrizes recomendam é que se dê preferência ao anticonvulsivante

Diehl.indd 337 3/11/2009 10:57:11


338 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

(carbamazepina ou valproato de sódio) como regulador do humor nos casos


de TAB.10
Um estudo conduzido por Kemp e colaboradores31 avaliou a eficácia do
lítio sozinho ou combinado com valproato de sódio em pacientes bipolares
com comorbidade de uso ou abuso de susbtâncias (cocaína, álcool ou maco-
nha). Os resultados favoreceram apenas um pequeno número de sujeitos de
pesquisa que receberam a associação dos estabilizadores do humor, sendo
que foi observado na amostra geral uma tendência a mais ciclagens maníacas
do que depressivas.31
O topiramato também pode ser utilizado em associação com outros esta-
bilizadores, uma vez que não é um estabilizador de primeira linha. Os novos
antipsicóticos também podem ser utilizados, já que acrescentam o benefício
do controle de sintomas psicóticos e de agressividade e aceleram a estabili-
zação do humor.7

Transtornos da personalidade

Os transtornos da personalidade são muito prevalentes entre adultos


jovens na população em geral. Esses jovens adultos portadores desses trans-
tornos estão sob risco aumentado de desenvolver um transtorno ­relacionado
ao uso de substâncias. Entretanto, a natureza do modelo causal entre trans-
torno da personalidade e uso de substâncias não é claro e ainda requer mais
investigações.32
As possibilidades terapêuticas apontadas na literatura para essa as­sociação
comórbida não são amplamente consensuais. Em geral, observamos autores re-
comendando o uso combinado de antidepressivos serotonérgicos e neurolépti-
cos em baixa dose, sobretudo para o transtorno da personalidade borderline. A
psicoterapia é de extrema relevância no tratamento dessa patologia.33

Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)

Um estudo de revisão da literatura sobre a temática foi conduzido por


Dantas e Andrade34 e revela que a natureza da relação entre o uso de subs-
tâncias e TEPT ainda é controversa, sendo que essa associação pode estar
presente em 34,5% dos homens e 26,9% das mulheres. Em relação ao tra-
tamento da comorbidade entre TEPT e abuso/dependência de álcool e de
outras drogas, as pesquisas, até então, indicam que há relativa melhora dos
sintomas de TEPT e da abstinência do uso de substâncias com a utilização de
sertralina (Zoloft® 50 mg/dia-dose mínima terapêutica) associada a terapia
cognitivo-comportamental (TCC) para tratar os sintomas de dependência de
álcool e drogas.34

Diehl.indd 338 3/11/2009 10:57:11


Tratamentos farmacológicos para dependência química 339
Transtorno de preferência sexual/parafilias

O transtorno de preferência sexual (também denominado parafilia)


é um transtorno da sexualidade que costuma apresentar comorbidade
com abuso e dependência de substâncias, sobretudo a dependência de ál­
cool.35-38
Essa patologia é caracterizada por anseios, fantasias ou comportamentos
sexuais recorrentes, intensos e sexualmente excitantes que envolvem objetos
não humanos, atividades ou situações incomuns e sofrimento ou humilha-
ção própria ou da parceria, crianças ou outras pessoas sem o consentimento
destas, causando sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no fun-
cionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do
indivíduo. Esse quadro clínico costuma evoluir por um período mínimo de
6 meses. Em geral, são patologias crônicas, de etiologia ainda incerta, que
inciam na adolescência e persistem na vida adulta. As seis principais formas
de parafilias descritas são fetichismo, transvestismo fetichista, exibicionista,
voyeurismo, sadomasoquismo e pedofilia. Não é incomum a associação de
várias formas de parafilias.39
Em algumas amostras de parafílicos estudadas, a prevalência de alcoo-
lismo esteve presente em mais de 50% dos casos.37,38 Se entre os parafílicos
estiverem incluídos ou associados os perpetradores sexuais, essa taxa tende
a ser maior.40-42
Estudos controlados, randomizados, avaliando a eficácia de interven-
ções medicamentosas para parafilias ainda são escassos na literatura, sendo
que poucos estudos têm surgido durante os últimos anos, à exceção de rela-
tos de caso isolados. Entretanto, há um conhecimento científico significati-
vo a respeito da extensa gama de comorbidades psiquiátricas associadas às
parafililias e aos perpetradores sexuais. Somam-se, ainda, especulações da
sobreposição com o espectro obssessivo-compulsivo/impulsivo.43 Acredita-se
que, com a diminuição de sintomas, especialmente impulsividade, ansiedade
e transtornos do humor, abstinência do álcool e de outras drogas, possa tam-
bém melhorar a impulsividade sexual.44
Entre as medicações avaliadas para o tratamento do transtorno de pre-
ferência sexual estão:

1. antidepressivos: principalmente os inibidores da recaptação de se-


rotonina (p. ex., fluoxetina, paroxetina e fluvoxamina [Luvox®]),
em doses máximas, e os tricíclicos, em especial a clomipramina;
2. reguladores do humor (p. ex., carbamazepina);
3. agonistas do hormônio liberador de hormônios luteinizantes (p. ex.,
leuprolide, buserilina): reservados para os casos mais graves. Relatos
de caso isolados também têm sugerido o topiramato (200 mg/dia)
como uma alternativa.43-50

Diehl.indd 339 3/11/2009 10:57:11


340 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

A farmacoterapia deve ser preferencialmente combinada com interven-


ções piscológicas, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e supervi-
são intensiva comunitária.44

Implicações para implementação


de programas com diagnóstico dual

Em razão das altas prevalências de doença mental grave e do uso de


substâncias, todos os serviços de saúde mental deveriam considerar a adoção
de mudanças em seus programas, com uma grade destinada a atender espe-
cificamente a comorbidade, em uma missão e filosofia de oferecer esperança
de recuperação para os pacientes e seus familiares. A melhor intervenção é o
tratamento integrado dos transtornos mentais primários e daqueles relacio-
nados ao uso de substâncias em um único programa. Tal forma de tratamento
(integral) apresenta melhores resultados do que o tratamento isolado de uma
das patologias ou o tratamento sequencial por equipes diferentes.1,51
Estruturar centros de atenção especializados que possam lidar com essa
demanda é imperativo para melhorar os índices de sucesso no tratamento dos
pacientes dependentes químicos, uma vez que não menos que 50% desses
indivíduos apresentam uma comorbidade psiquiátrica. Por outro lado, os pa-
cientes psiquiátricos também devem ser amplamente questionados sobre seu
padrão de consumo de diversas substâncias, visto que o diagnóstico diferen-
cial muitas vezes é difícil e só se consolidará no seguimento longi­tudinal.
O primeiro passo seria o treinamento da equipe envolvida, seguido por
um plano individualizado de tratamento com amplo suporte medicamentoso,
estratégias de medicação supervisionada, aquisição de trabalho ou ocupação,
treinamento de habilidades sociais, participação em grupoterapia com seme-
lhantes, além de residência terapêutica para os pacientes que apresentem
insucessos em nível ambulatorial.1

Considerações finais

A busca de aperfeiçoamento metodológico com estudos longitudinais


e comparação das intervenções, bem como o desenvolvimento de diretrizes,
com intervenções direcionadas a subgrupos específicos de pacientes com
diagnóstico dual e para ambientes específicos, são algumas das recomenda-
ções para os pesquisadores.
Manter os profissionais da saúde, em especial os da saúde mental, mais
informados quanto ao impacto dos transtornos comórbidos e à adequada
abordagem (integrada) pode ser um fator relevante para a mudança do pano-
rama terapêutico na área da dependência de álcool, tabaco e outras drogas.

Diehl.indd 340 3/11/2009 10:57:11


Tratamentos farmacológicos para dependência química 341
Referências

1. Drake RE, Mueser KT, Brunette MF. Management of persons with co-occurring severe
mental illness and substance use disorder: program implications. World Psychiatry.
2007 Oct;6(3):131-6.
2. Riggs P, Levin F, Green AI, Vocci F. Comorbid psychiatric and substance abuse disorders:
recent treatment research. Subst Abus. 2008;29(3):51-63.
3. Gregg L, Barrowclough C, Haddock G. Reasons for increased substance use in psychosis.
Clin Psychol Rev. 2007 May;27(4):494-510.
4. Leweke FM, Koethe D. Cannabis and psychiatric disorders: it is not only addiction.
Addict Biol. 2008 Jun;13(2):264-75.
5. Drake RE, O’Neal EL, Wallach MA. A systematic review of psychosocial research on
psychosocial interventions for people with co-occurring severe mental and substance
use disorders. J Subst Abuse Treat. 2008 Jan;34(1):123-38.
6. Ross S. The mentally III substance abuser. In: Galanter M, Kleber HD. Textbook of subs-
tance abuse treatment. 4th. ed. Virgínia: American Psychiatric Pub; 2008. p. 537-54.
7. Zaleski M, Laranjeira RR, Marques AC, Ratto L, Romano M, Alves HN, et al. Guidelines
of the Brazilian Association of psychiatric comorbidity with alcohol and other drugs
dependence. Rev Bras Psiquiatr. 2006 Jun;28(2):142-8.
8. Wobrock T, D’Amelio R, Falkai P. Pharmacotherapy of schizophrenia and comorbid
substance use disorder. A systematic review. Nervenarzt. 2008 Jan;79(1):17-8, 20-2,
24-6.
9. Green AI, Noordsy DL, Brunette MF, O’Keefe C. Substance abuse and schizophrenia:
pharmacotherapeutic interventions. J Subst Abuse Treat. 2008 Jan;34(1):61-71.
10. Cordioli AV. Psicofármacos: consulta rápida. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2005.
p.695.
11. Muhonen LH, Lahti J, Sinclair D, Lönnqvist J, Alho H. Treatment of alcohol dependence
in patients with co-morbid major depressive disorder--predictors for the outcomes
with memantine and escitalopram medication. Subst Abuse Treat Prev Policy. 2008
Oct 3;3:20.
12. Muhonen LH, Lönnqvist J, Juva K, Alho H. Double –blind, randomized comparison of
memantine and escitalopram for the treatment of major depressive disorder comorbid
with alcohol dependence. J Clin Psychiatry. 2008 B Mar;69(3):392-9.
13. Arnedt JT, Conroy DA, Brower KJ. Treatment options for sleep disturbances during
alcohol recovery. J Addict Dis. 2007;26(4):41-54.
14. Mariani JJ, Levin FR. Treatment strategies for co-occurring ADHD and substance use
disorders. Am J Addict. 2007;16 Suppl 1:45-54; quiz 55-6.
15. Szobot CM, Romano M. Co-ocorrency between attention deficit hyperactivity disorder
and psychoactive substances. J Bras Psiquiatr. 2007;56(Suppl 1):39-44.
16. Vieira Júnior AC. Dependência de sexo. In: Silveira DX, Moreira FG. Panorama atual
das drogas e dependências. São Paulo: Atheneu; 2006. p.403-8.
17. Mick TM, Hollander E. Impulsive-compulsive sexual behavior. CNS Spectr. 2006
Dec;11(12):944-55.
18. Marazziti D, Dell’Osso B. Topiramate plus citalopram in the treatment of Compulsive-
Impulsive Sexual Behaviors. Clin Pract Epidemol Ment Health. 2006 May 22;2:9.

Diehl.indd 341 3/11/2009 10:57:12


342 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

19. Palha AP, Esteves M. Drugs of abuse and sexual functioning. Adv Psychosom Med.
2008;29:131-49.
20. Schneider JP, Irons RR. Assessment and treatment of addictive sexual disorders: relevan-
ce for chemical dependency relapse. Subst Use Misuse. 2001 Dec;36(13):1795-820.
21. Benotsch EG, Kalichman SC, Kelly JA. Sexual compulsivity and substance use in HIV
seropositive men who have sex with men: prevalence and predictors of high risk
behaviors. Addict Behav. 1999 Nov-Dec;24(6):857-68.
22. Semple SJ, Zians J, Grant I, Patterson TL. Sexual compulsivity in a sample of HIV positive
methanfetamine using gay and bisexual men. AIDS Behav. 2006 Sep;10(5):587-98.
23. Dell’Osso B, Altamura AC, Allen A, Marazziti D, Hollander E. Epidemiologic and cli-
nical updates on impulse control disorders: a critical review. Eur Arch Psychiatry Clin
Neurosci. 2006 Dec;256(8):464-75.
24. Liu T, Maciejewski PK, Potenza MN. The relationship between recreational gambling
and substance abuse/dependence data from a nationally representative sample. Drug
Alcohol Depend. 2009 Feb 1;100(1-2):164-8.
25. Petry NM, Hanson T, Alessi SM. Contingency management reduces drug-related hu-
man immunodeficiency virus risk behaviors in cocaine-abusing methadone patients.
Addiction. 2008 Jul;103(7):1187-97.
26. Weinstock J, Ledgerwood DM, Modesto-Lowe V, Petry NM. Ludomania: avaliação
transcultural do jogo de azar por dinheiro e seu tratamento. Rev Bras Psiquiatr. 2008
Maio;30(Supl 1):S3-10.
27. Vieira Júnior AC, Bizeto J. Outras dependências não químicas. In: Silveira DX, Moreira
FG. Panorama atual das drogas e dependências. São Paulo: Atheneu; 2006. p.421-6.
28. Block JJ. Issues for DSM-V: internet addiction [Artigo online]. Am J Psychiatry. 2008
Mar;165(3):306-7; Disponível em: http://www.addictioninfo.org/articles/2464/1/
Issues-for-DSM-V-Internet-Addiction/Page1.html.
29. Reuters (NY). Estudo liga games a uso de drogas e álcool entre jovens. Folha Online
[periódico online] 2009 fev 6 [acesso em 2009 maio 15]. Disponível em: http://www1.
folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u499721.shtml.
30. Lee HC. Internet addiction treatment model: cognitive and behavioral approach, in
2007. In: International Symposium on the Counseling and Treatment of Youth Internet
Addiction; 2007; Seoul: National Youth Commission. p.138.
31. Kemp DE, Gao K, Ganocy SJ, Elhaj O, Bilali SR, Conroy C, et al. A 6-month, double-
blind, maintenance trial of lithium monotherapy versus the combination of lithium
and divalproex for rapid-cycling bipolar disorder and Co-occurring substance abuse
or dependence. J Clin Psychiatry. 2009 Jan;70(1):113-21.
32. Moran P, Coffey C, Mann A, Carlin JB, Patton GC. Personality and substance use di-
sorders in young adults. Br J Psychiatry. 2006 Apr;188:374-9.
33. Ancona A. Transtorno de personalidade borderline. In: Silveira DX, Moreira FG. Pa-
norama atual das drogas e dependências. São Paulo: Atheneu; 2006. p.84-9.
34. Dantas HS, Andrade AG. Comorbidade entre transtorno de estresse pós-traumático e
abuso e dependência de álcool e drogas: uma revisão da literatura. Rev Psiquiatr Clín.
2008;35(Suppl 1):55-60.
35. Grant JE. Clinical characteristics and psychiatric comorbidity in males with exhibitio-
nism. J Clin Psychiatry. 2005 Nov;66(11):1367-71.

Diehl.indd 342 3/11/2009 10:57:12


Tratamentos farmacológicos para dependência química 343
36. Wulfert E, Greenway DE, Dougher MJ. A Logical functional analysis of reinforce-
ment based disorders: alcoholism and pedophilia. J Consult Clin Psychol. 1996
Dec;64(6):1140-51.
37. Allnutt SH, Bradford JM, Greenberg DM, Curry S. Co-morbidity of alcoholism and the
paraphilias. J Forensic Sci. 1996 Mar;41(2):234-9.
38. Kafka MP, Prentky RA. Preliminary observations of DSM III R axis I comorbidity
in men with paraphilias and paraphilias related disorders. J Clin Psychiatry. 1994
Nov;55(11):481-7.
39. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders:
DSM-IV. 4th ed. Washington: American Psychiatric Association; 1994.
40. Raymond NC, Coleman E, Ohlerking F, Christenson GA, Miner M. Psychiatric comor-
bidity in pedophilic sex offenders. Am J Psychiatry. 1999 May;156(5):786-8.
41. Briken P, Habermann N, Kafka MP, Berner W, Hill A. The paraphilia related disorders:
an investigation of the relevance of concept in sexual murderers. J Forensic Sci. 2006
May;51(3):683-8.
42. Baltieri DA, de Andrade AG. Drug consumption among sexual offenders against females.
Int J Offender Ther Comp Criminol. 2008 Feb;52(1):62-80.
43. Abouesh A, Clayton A. Compulsive voyeurism and exhibitionism: a clinical response
to paroxetine. Arch Sex Behav. 1999 Feb;28(1):23-30.
44. Briken P, Kafka MP. Pharmacological treatments for paraphilic patients and sexual
offenders. Curr Opin Psychiatry. 2007 Nov;20(6):609-13.
45. Briken P, Hill A, Berner W. Pharmacotherapy of paraphilias with long –acting agonists
of luteinizing hormone releasing hormone: a systematic review. J Clin Psychiatry. 2003
Aug;64(8):890-7.
46. Hill A, Briken P, Kraus C, Strohm K, Berner W. Differential pharmacological treatment of
paraphilias and sex offenders. Int J Offender Ther Comp Criminol. 2003 Aug;47(4):407-
21.
47. Kraus C, Strohm K, Hill A, Habermann N, Berner W, Briken P. Selective serotonine
reuptake inhibitors (SSRI) in the treatment of paraphilia. Fortschr Neurol Psychiatr.
2007 Jun;75(6):351-6.
48. Varela D, Black DW. Pedophilia treated with carbamazepina and clonazepam. Am J
Psychiatry. 2002 Jul;159(7):1245-6.
49. Shiah IS, Chao CY, Mao WC, Chuang YJ. Treatment of paraphilic sexual disorder: the
use of topiramate in fetishism. Int Clin Psychopharmacol. 2006 Jul;21(4):241-3.
50. Balon R. Pharmacological treatment of paraphilias with a focus on antidepressants. J
Sex Marital Ther. 1998 Oct-Dec;24(4):241-54.
51. Gouzoulis-Mayfrank E. Comorbidity of substance use and other psychiatric disorders-
theoretical foundation and evidence based therapy. Fortschr Neurol Psychiatr. 2008
May;76(5):263-71.

Leituras recomendadas

Abdo CHN. Estudo da vida sexual do brasileiro. São Paulo: Bregantini; 2004.

Diehl.indd 343 3/11/2009 10:57:12


344 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Blog da Dependência Química. Postado no dia 3/2/2009. Disponível em: http://www.uniad.


org.br/bloguniad/DEFAULT.ASP?IDPOST=2548.
National Institute on Drug Abuse. Comorbidity: addiction and other mental illnesses [Artigo
online]. Bethesda: NIDA; 2009. NIDA Research Report Series. Disponível em: http://www.
drugabuse.gov/PDF/RRComorbidity.pdf.

Diehl.indd 344 3/11/2009 10:57:12


parte 16
Pesquisa clínica

Diehl.indd 345 3/11/2009 10:57:12


Diehl.indd 346 3/11/2009 10:57:12
A PESQUISA CLÍNICA COM
DEPENDENTES QUÍMICOS
A busca de evidências
30
Alessandra Diehl
Luís André Piancó de Góes e Castro

A pesquisa clínica pode ser definida como estudos elaborados com a


finalidade de investigar os efeitos clínicos, farmacológicos e/ou farmacodi-
nâmicos de um medicamento, além de avaliar os mecanismos de absorção,
distribuição, metabolismo, excreção, determinação do grau de segurança e/
ou eficácia desse produto em seres humanos.1,2

PeSQuISA CLíNICA NO BRASIL

Observando a distribuição mundial da pesquisa em saúde, percebe-se


que 90,4% da produção bibliográfica, científica e tecnológica mundial estão
concentradas em 42 países e, destes, os cinco mais produtivos são Estados
Unidos, Reino Unido, Japão, Alemanha e França. Os 9,6% restantes estão
distribuídos em outros países, sendo que o Brasil corresponde a apenas 2,5%
dessa produção. Os países caribenhos e da América Latina que apresentam
mais alto nível de desenvolvimento em pesquisa em saúde mental são Argen-
tina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela.
A pesquisa em saúde mental ainda é incipiente nesses países e muitos
são os desafios a serem superados. No entanto, alguns dados são animadores
e mostram que houve um aumento do número de artigos brasileiros na área
da saúde mental publicados em revistas estrangeiras, sendo que o número de
artigos na MEDLINE triplicou e, no banco de dados do Institute for Scienti-
fic Information (ISI), dobrou. Entre os principais tópicos abordados, o uso e
abuso de substâncias psicoativas (14,6%) aparece em segundo lugar, sendo
os demais representados por depressão (29,1%), psicoses (10%), transtornos
da infância (7%) e demência (6,7%).3 A participação ascendente da Améri-
ca Latina, incluindo o Brasil, na condução de ensaios clínicos randomizados
(ECR), multicêntricos, justifica-se pelas seguintes razões:4

Diehl.indd 347 3/11/2009 10:57:13


348 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

1. disponibilidade e o fácil acesso a pacientes “virgens” de tratamento


são maiores nos países latino-americanos. Contudo, o tempo desti-
nado para aprovação pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) são
mais prolongados (6 a 7,5 meses) em relação aos Estados Unidos
(2 a 3 meses) e Europa (4 meses);
2. taxas elevadas de recrutamento, uma vez que na América Latina são
3 a 6 vezes maiores quando comparadas a Estados Unidos e Euro-
pa. As taxas de abandono costumam ser de um terço até a metade
daquelas encontradas nos Estados Unidos e na Europa;
3. incidência/prevalência da maioria das doenças nos grandes centros
urbanos desses países são similares às das grandes metrópoles dos
países desenvolvidos;
4. número crescente de centros de pesquisa preparados para conduzir
ECR. A taxa anual de registro de ensaios clínicos na América Latina
atingiu patamares de 20 a 30%.

As mudanças do perfil epidemiológico brasileiro fizeram com que a lista


de prioridades de pesquisa nacionais aumentasse na área das doenças car­
diovasculares, neoplasias, doenças mentais, doenças do envelhecimento e das
doenças associadas à urbanização (acidentes e violência). Alguns estudos
têm mostrado consistentemente que 5 das 10 morbidades mais incapaci-
tantes no mundo (medidas pelo índice denominado Years Lost for Disabili-
ties – anos perdidos por doença) são devido a doenças mentais, entre elas
dependência de álcool, esquizofrenia, depressão, transtorno afetivo bipolar e
transtorno obsessivo compulsivo.5

Resolução 196/96

A resolução 196/96 (Anexo 1) estabelece os aspectos ético-legais para


a execução de pesquisas em seres humanos. Entre as muitas exigências, res-
saltam-se:

1. a necessidade de existência de um Comitê de Ética em Pesquisa


(CEP) na instituição para examinar os aspectos éticos das pesquisas
a serem executadas;
2. os sujeitos de pesquisa devem ser totalmente informados sobre o
estudo e concordar em assinar um termo de consentimento livre e
esclarecido (TCLE).

Diehl.indd 348 3/11/2009 10:57:13


Tratamentos farmacológicos para dependência química 349
Boas práticas clínicas

Corresponde a normas clínicas seguidas pela comunidade científica mun-


dial, conhecidas pela sigla em inglês GCP (Good Clinical Practice), que foram
elaboradas com a finalidade de tornar ética e confiável a pesquisa clínica em
seres humanos. As boas práticas clínicas (BPC) normatizam as diversas etapas
de planejamento, condução e relato dos resultados dos ensaios clínicos ran-
domizados. Os princípios gerais que norteiam as BPCs podem ser agrupados
em três categorias: a proteção dos direitos dos sujeitos de pesquisa (apego aos
princípios éticos, participação voluntária, riscos aceitáveis, confidencialidade,
supervisão e atenção médica); a solidez científica do estudo e a integridade
(qualidade do investigador, respaldo científico, plano fundamental do estudo,
qualidade do produto em investigação e recursos e infraestrutura do centro
de pesquisa); e a precisão e a qualidade das informações obtidas (manuten-
ção dos registros e estabelecimento dos procedimentos que possam assegurar
a qualidade do estudo).
Segundo Louzana,1 a pesquisa clínica deve ser conduzida de acordo
com os princípios da declaração de Helsinque. O sujeito de pesquisa deve
estar livre de qualquer coação, e sua participação voluntária deve ser ex-
pressa por assinatura de um termo de consentimento. Os benefícios espe-
rados devem superar os riscos, e a identidade e a privacidade dos sujeitos
de pesquisa devem estar protegidas. O estudo deve ser conduzido por um
investigador médico qualificado e responsável pela assistência a esse sujei-
to. É fundamental que o CEP aprove o protocolo do estudo e fiscalize sua
condução.
Em consideração à solidez científica do estudo, o investigador responsá-
vel pela realização da pesquisa deve ser um profissional qualificado e expe-
riente. As informações básicas, pré-clínicas e clínicas, devem apoiar o estudo
proposto, que deve ser conduzido de acordo com o protocolo de pesquisa
de forma clara e detalhada. O produto em investigação deve ser elaborado,
manipulado e armazenado de acordo com as normas de boas práticas para
manufatura de produtos farmacêuticos. O local do estudo deve contar com
recursos e infraestrutura suficientes para cumprir com o que estabelece o
protocolo. O centro de pesquisa deve estar preparado para resolver, de forma
adequada, as complicações que possam sofrer os sujeitos de pesquisa.1,2
As informações referentes ao estudo devem estar registradas e arqui-
vadas, de maneira que sua veracidade e exatidão possam ser corroboradas a
qualquer momento, com a finalidade de assegurar a integridade, a precisão e
a qualidade dos dados obtidos.

Diehl.indd 349 3/11/2009 10:57:13


350 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

A realização da pesquisa clínica com integridade e imparcialidade en-


volve um trabalho em sintonia entre a indústria farmacêutica, um grupo de
médicos pesquisadores, um grupo de pacientes, o CEP e todas as outras ins-
tâncias regulatórias inseridas nos preceitos e normas firmados pela boa prá-
tica clínica.1,2

Fases de investigação de novos medicamentos

O desenvolvimento de um medicamento é um processo longo (geral-


mente de 10 a 12 anos) e de custo elevado (superior a 300 milhões de dó-
lares), o qual compreende cinco fases que podem ser descritas da seguinte
forma:1,2,6

1. Fase pré-clínica: tem como objetivo investigar os efeitos farmacoló-


gicos e ou terapêuticos do produto e sua toxicidade em animais. Em
geral, de cada 10.000 moléculas identificadas com potencial terapêu-
tico, apenas 1.000 chegam a essa fase. Estima-se que mais de 90%
das substâncias investigadas na fase pré-clínica sejam desprezadas
por não demonstrarem atividade farmacológica ou terapêutica ou,
então, por serem excessivamente tóxicas para os seres humanos.
Toda molécula identificada em ensaios in vitro como tendo potencial
terapêutico deverá ser investigada em animais de experimentação
antes de o ser em seres humanos;
2. Fase I: nessa fase é estabelecido o perfil farmacocinético e farmaco-
dinâmico dos medicamentos. É o primeiro estudo em seres humanos,
em pequenos grupos de voluntários sadios (20 a 100 sujeitos de
pesquisa), para determinar a segurança da medicação;
3. Fase II ou estudo terapêutico-piloto: avaliação da eficácia, da segu-
rança e do esquema posológico do medicamento em grupos pequenos
de enfermos (100 a 300 sujeitos de pesquisa);
4. Fase III ou estudo terapêutico ampliado: com variados grupos de enfer-
mos (300 a 1.000 sujeitos de pesquisa), para determinar a segurança,
o risco e/ou o benefício a curto e longo prazo, o perfil das reações
adversas mais frequentes, a eficácia e as interações medicamentosas.
Após a conclusão dessa fase, os novos medicamentos obtêm aprovação
para uso comercial pelas autoridades regulatórias;
5. Fase IV (estudo de marketing): estudos conduzidos (acima de 1.000
sujeitos de pesquisa) após o lançamento do produto (pós-comercia-
lização), para estudar a diferenciação do medicamento em relação
a outros da mesma classe, a vigilância farmacológica, a comercia-
lização, novas reações adversas, confirmar as reações adversas já
conhecidas e ampliar a experiência em eficácia e segurança.

Diehl.indd 350 3/11/2009 10:57:13


Tratamentos farmacológicos para dependência química 351
ENSAIOS CLÍNICOS

Os ensaios clínicos são métodos de investigação científica em seres hu-


manos capazes de estabelecer e comparar a eficácia de intervenções terapêu-
ticas. Dentre as principais vantagens desse método, destaca-se a capacidade
de demonstrar causalidade. Entretanto, ensaios clínicos costumam ser caros,
consomem tempo, tratam de uma questão clínica restrita e às vezes expõem
os participantes a potenciais danos.2
Antes da década de 1950, a eficácia dos tratamentos biológicos preconi-
zados para os transtornos mentais não tinha sido comprovada empiricamen-
te, ou seja, a malarioterapia para a cura da neurossífilis (Jauregg em 1917),
a leucotomia pré-frontal (Egas Moniz em 1935) e a eletroconvulsoterapia
(ECT) (Cerletti e Bini em 1938) não tiveram o respaldo dos ECRs para sua
disseminação na prática clínica.4
Na década de 1950, com a descoberta dos antidepressivos e dos anti-
psicóticos a partir de estudos não controlados pudemos observar a revolução
psiquiátrica biológica. Os primeiros ensaios clínicos (EC) controlados com
placebo foram conduzidos com clorpromazina e lítio.
Na década de 1980, os ECRs começaram a se difundir, com destaque
para os inibidores da recaptação de serotonina (IRS), os antidepressivos de
nova geração, os estabilizadores do humor, os antipsicóticos de segunda ge-
ração e a reintrodução da clozapina.4
Na psiquiatria, os desfechos clínicos podem ser avaliados pela diminuição
da gravidade dos sintomas ao serem empregadas escalas psicopatológicas
(como a escala Hamilton para depressão e ansiedade) e avaliação da tolera-
bilidade pelas escalas de efeitos colaterais.1,4,6 Os principais tipos de ensaios
clínicos são:

1. estudo aberto (open trial): os investigadores e o sujeito de pesquisa


sabem o que está sendo administrado, e os riscos e benefícios do
medicamento podem ser prontamente analisados;
2. estudo monocego (single blind): uma das partes, em geral o sujeito
de pesquisa, não sabe qual medicamento está sendo administra-
do;
3. estudo duplo-cego (double blind): nenhuma das duas partes (inves-
tigador e sujeito de pesquisa) tem conhecimento sobre qual produto
está sendo administrado. Esse procedimento evita a subjetividade e
procura garantir a imparcialidade dos resultados obtidos;
4. estudo comparativo ou controlado (control trial): um medicamento
novo é comparado com outro de conhecida eficácia e segurança
(grupo-padrão) ou com placebo, que servem como controle;
5. estudo duplo-cego comparativo (double blind control trail): o medi-
camento estudado é comparado com fármaco análogo ou placebo,

Diehl.indd 351 3/11/2009 10:57:13


352 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

porém o investigador e o sujeito de pesquisa não têm conhecimento


de quem está em qual grupo;
6. estudo paralelo: diferentes tratamentos são ministrados a diferentes
grupos de sujeitos de pesquisa, que são comparáveis entre si durante
o estudo;
7. estudo cruzado: os sujeitos de pesquisa são divididos em grupos
que, ao atingirem a metade do estudo, invertem os medicamentos
utilizados. Nesse estudo, os diferentes grupos recebem todos os
diferentes tipos de tratamentos no decorrer da pesquisa.

Contextos e desafios na pesquisa


com dependentes químicos

Durante as duas últimas décadas, os esforços de pesquisa clínica na bus-


ca por desenvolver uma farmacoterapia eficaz para os vários tipos de adições
têm demonstrado que essa é uma tarefa bastante difícil.
Com isso, apesar de já podermos observar avanços significativos no de-
senvolvimento de novos fármacos para o tratamento do alcoolismo e do ta-
bagismo, outras dependências, como as de cocaína e maconha, permanecem
ainda sem um fármaco com evidência científica sólida o bastante para per-
mitir uma indicação precisa. Dentre as várias dificuldades de ensaios clínicos
com dependentes químicos podemos destacar a adesão medicamentosa, as
perdas ou dropouts e as questões éticas.

Adesão medicamentosa

A não adesão medicamentosa é muito comum na prática médica, não


sendo somente um problema entre pacientes com abuso ou dependência de
substâncias psicoativas. Entretanto, a adesão medicamentosa em ensaios clí-
nicos com farmacoterapia no alcoolismo, por exemplo, tem se mostrado igual
ou mais importante do que em outras áreas da medicina.22 Para ser eficaz,
qualquer medicamento deve ser usado com regularidade. Em um contexto
de ensaio clínico, esse fator torna-se extremamente relevante, e a não adesão
limita a extrapolação de dados, prejudicando os resultados.
Dentre as principais causas de não adesão medicamentosa, ­encontram-se
as comorbidades psiquiátricas e os déficits cognitivos, que são muito comuns
nessa população. Estima-se que metade dos indivíduos com abuso de álcool e
outras drogas possuam um diagnóstico psiquiátrico adicional. Transtornos do
humor (26% dos casos), transtorno de ansiedade (28%), transtornos da per-

Diehl.indd 352 3/11/2009 10:57:13


Tratamentos farmacológicos para dependência química 353
sonalidade antissocial (18%) e esquizofrenia (7%) são alguns dos transtor-
nos mais comuns entre os dependentes químicos. A prevalência de depressão
maior entre dependentes químicos varia de 30 a 50%. Incluir comorbidades
psiquiátricas em ensaios clínicos com dependentes químicos é uma tarefa que
tende a aumentar o poder de generalização dos estudos.7
Outro segmento de amostra de dependentes químicos que são com
­frequência excluídos de ensaios clínicos é o daqueles que apresentam prejuí-
zos cognitivos e comorbidades clínicas, sobretudo relacionados ao funciona-
mento hepático. Certamente, isso acarreta um viés de seleção, pois “no mun-
do real” nossos pacientes chegam para tratamento já bastante comprometidos
tanto no aspecto clínico quanto cognitivo.
Algumas estratégias que estimulam a adesão medicamentosa podem ser
citadas, como:

1. realizar ensaios clínicos curtos em sua duração;


2. supervisionar a ingestão dos medicamentos, por meio de um con-
tato próximo da equipe de investigadores clínicos com os pacientes
(p. ex., contatos telefônicos ou telegramas entre as avaliações de
seguimento), principalmente nos primeiros dias após a randomiza-
ção. Essa estratégia tem por objetivo motivar os sujeitos de pesquisa
a cumprirem o protocolo de pesquisa;
3. reduzir a quantidade de dados a serem coletados nas avaliações de
seguimento;
4. simplificar as intervenções (p. ex., dose única diária);
5. diminuir o intervalo entre as avaliações de seguimento, tendo o
cuidado de não cair nos extremos, ou seja, extremamente curtos
ou longos;
6. acrescentar à abordagem dos sujeitos de pesquisa, intervenções
cognitivo-comportamentais e motivacionais que mantenham a
adesão medicamentosa.

A mensuração da adesão medicamentosa pode ser realizada por meio


de três métodos, que compreendem a contagem de pílulas e os métodos la-
boratoriais. Na contagem de pílulas, os sujeitos são orientados a devolver as
pílulas remanescentes nas avaliações de seguimento. Não é considerado um
método confiável, pois as informações dependem de seus relatos. Os métodos
laboratoriais incluem os eletrônicos e os químicos. Nos eletrônicos, os fras-
cos possuem um microchip eletrônico que registra a abertura dos recipientes
contendo os medicamentos. Nos métodos químicos, marcadores químicos são
incorporados aos medicamentos com a finalidade de detectá-los nas amostras
de sangue ou urina.

Diehl.indd 353 3/11/2009 10:57:13


354 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Perdas (dropouts)

Os ensaios clínicos com dependentes químicos, principalmente de cocaí-


na, apresentam taxas de abandono, muitas vezes, maiores de 50%. Esses altos
números de perdas ou abandonos complicam a interpretação dos resultados
dos dados e a extrapolação dos mesmos.8,9

Questões éticas

A pesquisa clínica em seres humanos só pode ser feita com voluntários,


ou seja, pessoas que entendam os riscos e os benefícios de se submeterem a
uma pesquisa e consintam em participar voluntariamente da experiência. As
crianças, os adolescentes e os portadores de transtornos mentais são conside-
rados populações vulneráveis porque exigem cuidados redobrados. Segundo
a resolução 196/96, todo voluntário de pesquisa ou seu representante legal
devem assinar o TCLE. Esse consentimento deve conter todas as informações
importantes, incluindo as complicações decorrentes do tratamento e como
serão manejadas.
Outra questão ética conflituosa é o uso de placebo. As taxas de resposta
ao placebo são elevadas na psiquiatria: 65% na depressão maior e entre 20 e
50% na esquizofrenia. As possíveis razões que influenciam o efeito-placebo
são aquelas envolvidas nas teorias do condicionamento clássico e da expec-
tativa. Na teoria do condicionamento clássico, o placebo é considerado uma
resposta condicionada (p. ex., alívio da dor) depois de repetidas associações
entre um estímulo condicionado (componente neutro, como a cor ou a apa-
rência da pílula) e um estímulo incondicionado (elemento ativo da medica-
ção capaz de eliciar o efeito terapêutico). Na teoria da expectativa, a crença
do paciente em um resultado positivo ou negativo também pode desencadear
um efeito-placebo.
Em um ECR, diversos fatores relacionados aos efeitos não específicos
do tratamento (p. ex., alívio quando se tem um diagnóstico ou tratamen-
to definido, contato com profissionais que proporcionem apoio e atenção,
atitude assertiva e positiva do profissional, informação educacional sobre a
doença, ambiente terapêutico estruturado e expectativa natural dos pacien-
tes quanto ao novo tratamento) podem ser atribuídos à resposta-placebo.
No momento, existem evidências científicas para considerar a dopamina
e as endorfinas como os principais mediadores bioquímicos da resposta-
-placebo.10,11 Um dos mecanismos de ação propostos é a liberação de en-
dorfinas. Estudos experimentais demonstram que a administração do anta-
gonista opioide naloxona diminui ou bloqueia o efeito-placebo, bem como
a administração da proglumida, uma substância com ação agonista opioide
que potencializa esse efeito.

Diehl.indd 354 3/11/2009 10:57:14


Tratamentos farmacológicos para dependência química 355
O placebo é inaceitável do ponto de vista ético. Quando a doença pos-
sui um tratamento comprovadamente eficaz, o risco de piora com o uso do
placebo é irreversível e existe o risco potencial de morte. Na pesquisa clínica,
o uso do placebo é considerado quando se deseja confirmar o real efeito de
um novo fármaco, por meio da comparação de grupos de sujeitos de pesquisa
que receberam o medicamento de estudo ou o placebo. Outra justificativa é
a necessidade de amostras menores nos ECRs com placebo. Nos ECRs com
medicamentos-padrão devem ser empregadas amostras maiores que possam
identificar diferenças estatisticamente significativas.4
Dentre os conflitos de interesse que despertam dilemas éticos, se ­destaca
a atuação direta ou indireta da indústria farmacêutica e da indústria do ál-
cool como patrocinadoras de estudos. A estratégia mais comum é a criação
de organizações financiadas por ambas as indústrias com o objetivo de pro-
mover estudos, conferências, publicações e cursos de educação continuada.
Há de se ressaltar que muitas dessas organizações possuem parcerias com
organizações governamentais. Segundo “os princípios de Dublin”, a comuni-
dade científica deve ter a liberdade para firmar parcerias com as indústrias,
assim como as indústrias devem dar apoio financeiro a pesquisas independen-
tes que contribuam para o tratamento do abuso do álcool. Os investigadores
clínicos devem ter autonomia ética e profissional ao conduzir e publicar os
resultados do estudo (mesmo que negativos), independentemente da fonte
financiadora.12 Entretanto, os resultados obtidos pelos estudos são de pro-
priedade dos financiadores da pesquisa, que possuem a propriedade de veto.
Diversos autores defendem uma moratória para os estudos financiados pelas
indústrias nos periódicos científicos.13

Perspectivas futuras

O grande desafio para unidades de pesquisa clínica, que tenham como


objetivo conduzir estudos de intervenção com essa população de sujeitos com
taxas elevadas de abandono, é garantir a qualidade metodológica de seus
resultados ou desfechos clínicos. Para tanto, serão necessárias adaptações na
metodologia dos ECRs com objetivo de torná-los mais naturalísticos. É o que
chamamos de ensaios clínicos (ECs) pragmáticos.
Tradicionalmente, os ensaios clínicos randomizados são caros e comple-
xos em sua condução. Muitas vezes, a efetividade e a eficácia de uma deter-
minada intervenção não se complementam. Por exemplo, é de consenso que
o dissulfiram é uma intervenção farmacológica eficaz no tratamento do alco-
olismo, de modo específico naqueles indivíduos muito motivados sem graves
comorbidades clínicas e psiquiátricas. Contudo, não é um medicamento que
será amplamente empregado para aqueles sujeitos portadores de dependên-
cia grave associada a doenças clínicas e psiquiátricas com relevância clínica.

Diehl.indd 355 3/11/2009 10:57:14


356 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Os ECs pragmáticos são realizados em condições menos rígidas do ponto


de vista metodológico, porém mais próximas das reais condições encontradas
na prática clínica, permitindo analisar a efetividade de muitas intervenções
consideradas eficazes pelos chamados ECs explanatórios ou tradicionais, ou
seja, os resultados são os mesmos em condições que mimetizam o “mundo
real” de nossos pacientes dependentes químicos. Os ECs pragmáticos pos-
suem uma capacidade de generalização maior em relação aos explanatórios
por permitirem a formação de grupos de pacientes clinicamente mais hetero-
gêneos. Entretanto, as amostras devem ser grandes para permitir a detecção
do effect sizes de pequena a média intensidade. Os regimes de tratamento são
mais flexíveis, o que viabiliza uma abordagem mais individualizada do pa-
ciente. Os desfechos clínicos enfatizam a avaliação funcional, a qualidade de
vida, o custo-efetividade das intervenções e a redução dos sintomas. Portanto,
os ECs pragmáticos podem ser considerados uma alternativa viável no campo
da saúde pública e da clínica como um método na busca de evidência sobre a
efetividade de intervenções terapêuticas.4,14

Considerações finais

As principais tendências, nos próximos anos, no campo dos estudos ex-


perimentais em seres humanos incluem:

1. Criar uma rede de registro disponível na internet dos ensaios


clínicos randomizados atualmente em ação ou então daqueles a
serem realizados no próximo ano ao redor do mundo, tendo em
vista torná-los acessíveis à comunidade científica e à população em
geral, como os indivíduos que tenham interesse em participar como
sujeitos de pesquisa. Outro objetivo dessa iniciativa é prevenir os
vieses de publicação, que incluem publicar os diversos resultados
de um mesmo estudo, principalmente aqueles com desfecho po-
sitivo. Um tipo comum de viés de publicação é a superestimativa
ou a subestimativa de determinadas intervenções, quando ensaios
clínicos com resultados positivos ou negativos não são publicados
ou, então, quando são encaminhados a revistas não indexadas no
banco de dados da MEDLINE. Outro tipo de viés de publicação
frequente é publicar os resultados da pesquisa no idioma nativo
dos autores. As duas últimas formas de viés são prevalentes na
psiquiatria;4
2. Adequar as intervenções psicossociais ao tipo de substância psico-
ativa. Segundo o NIDA, quanto mais específico e mais próximo ou
disponível for o tipo de tratamento oferecido para determinado tipo
de droga de abuso, maiores são as chances de adesão. A relativamen-

Diehl.indd 356 3/11/2009 10:57:14


Tratamentos farmacológicos para dependência química 357
te baixa utilização de tratamento por pessoas com dependência de
maconha, por exemplo, talvez esteja associada à falta de tratamento
específico para essa dependência e pela relutância de muitos usuários
crônicos da droga em buscar tratamento em programas destinados
a dependentes de álcool, heroína e cocaína;15
3. Acredita-se que futuros estudos abordarão aspectos farmacogenéticos
de novas e atuais intervenções farmacológicas, que podem resultar
em uma melhor seleção de medicamentos baseados no genótipo
dos indivíduos;16
4. Desenvolver um padrão-ouro para mensurar as respostas aos
medicamentos na farmacoterapia da dependência de cocaína e
cannabis, por exemplo. Em geral, os estudos utilizam medidas
que empregam o autorrelato do paciente sobre o uso da droga ou
então a detecção de um dos seus metabólitos na urina. O uso do
autorrelato é bastante incerto, e sua validade em pesquisa clínica
com dependentes químicos pode incorrer em falsas interpretações.
A utilização de outras medidas de uso de substâncias deve, sem-
pre que possível, ser inserida nessas análises. Muitos trabalhos
que utilizaram o autorrelato para pesquisa de ingestão de álcool,
em estudos de salas de emergência, por exemplo, demonstraram
que essa pode ser uma estratégia válida quando comparada ao
bafômetro.17 No entanto, para pesquisa de drogas, sobretudo as
ilícitas, o autorrelato pode estar subestimado, necessitando de
outras estratégias de identificação ou detecção. O fator efetivida-
de da utilização de screenings de urina permanece amplamente
desconhecido e questionável por suas implicações legais.18,19 A
benzoilecgonina, embora mais segura que o autorrelato, também
apresenta limitações por não refletir com precisão a frequência e
a quantidade do uso da droga.

Apesar das diversas barreiras significativas (principalmente financeira)


enfrentadas pela comunidade científica brasileira, a produção científica em
saúde mental no Brasil está em elevação. O número de artigos publicados em
diários ISI-indexados dobrou, sem um aumento relevante no número de teses
de pós-graduação concluídas.20
O fortalecimento da pesquisa clínica no Brasil requer o fortalecimento
do vínculo entre o ensino e a pesquisa, com a criação, expansão ou consolida-
ção de centros de pesquisa.5 Também parece necessário estabelecer as priori-
dades de pesquisa, alocar recursos e aprimorar o treinamento técnico-cientí-
fico de nossos investigadores.21 Talvez uma maior aproximação da indústria
farmacêutica com os centros de pesquisa que desenvolvem pesquisa clínica
com dependentes químicos com seriedade e ética seja uma das estratégias
possíveis de viabilização e ampliação de estudos nacionais.

Diehl.indd 357 3/11/2009 10:57:14


358 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Assim, existem vários fatores que justificam o desenvolvimento de pes-


quisa clínica com dependentes químicos no Brasil, dentre eles:

1. o grande contingente estatístico de pessoas com a problemática da


dependência de substâncias psicoativas;
2. a ascensão de médicos especializados e capacitados, bem como de
centros de pesquisas em desenvolvimento e aperfeiçoamento;
3. o cumprimento dos princípios da boa prática clínica.

Referências

1. Lousana G. Pesquisa clínica no Brasil. Rio de Janeiro: Revinter; 2002.


2. Hulley SB, Cummings SR, Browner WS, Grady D, Hearst N, Newman TB. Delineando
a pesquisa clínica: uma abordagem epidemiológica. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.
p.384.
3. Razzouk D, Zorzetto R, Dubugras MT, Gerolin J, Mari JJ. Leading countries in men-
tal health research in Latin America and the Caribbean. Rev Bras Psiquiatr. 2007
Jun;29(2):118-22.
4. Dainesi SM, Elkis H. Current clinical research environment: focus on psychiatry. Rev
Bras Psiquiatr. 2007 Set;29(3):283-90.
5. Zago MA. A pesquisa clínica no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2004 Abr;9(2):363-74.
6. Carlini CA, Nappo SA. Noções sobre farmacocinética. In: Borges DR, Rotchschild
HÁ, Prado FC, Ramos JÁ, Valle JR. Atualização terapêutica 2005: manual prático de
diagnóstico e tratamento. 2. ed. São Paulo: Artes Médicas; 2005. p.18-21.
7. Zaleski M, Laranjeira RR, Marques AC, Ratto L, Romano M, Alves HNP, et al. Diretrizes
da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) para o diag-
nóstico e tratamento de comorbidades psiquiátricas e dependência de álcool e outras
substâncias. Rev Bras Psiquiatr. 2006 Jun;28(2):142-8.
8. Kranzler HR, Ciraulo DA. Clinical manual of addiction psychopharmacology. Washing-
ton: American Psychiatric Publishing; 2005.
9. Miller NS, Gold MS, Smith DE, editors. Manual of therapeutics for addictions. New
York: Wiley-Liss; 1997.
10. Elkis H, Gattaz WF. Algumas recomendações para estudos com placebo. Rev Bras
Psiquiatr. 2000 Dez;22(4):153-4.
11. Cho, HJ. Revivendo o antigo sermão da medicina com o efeito placebo. Rev Bras
Psiquiatr. 2005 Dez;27(4):336-40.
12. Lima MS, Soares BGO. O valor de publicar-se resultados negativos de ensaios clínicos
randomizados: o estudo de Rosenheck. Rev Bras Psiquiatr. 2004 Jun;26(2):135-8.
13. Kerr-Corrêa F, Cohen C. Ética médica e relações com as indústrias farmacêutica e
do álcool. In: Alves LCA. Ética e psiquiatria. 2. ed. São Paulo: Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo; 2007. p.81-96.
14. Coutinho ESF, Huf G, Bloch KV. Ensaios clínicos pragmáticos: uma opção na construção
de evidências em saúde. Cad Saúde Pública. 2003 Jul;19(4):1189-93.

Diehl.indd 358 3/11/2009 10:57:14


Tratamentos farmacológicos para dependência química 359
15. Litt MD, Kadden RM, Stephens RS; Marijuana Treatment Project Research Group.
Coping and self-efficacy in marijuana treatment: results from the marijuana treatment
project. J Consult Clin Psychol. 2005 Dec;73(6):1015-25.
16. Dackis CA, Kampman KM, Lynch KG, Pettinati HM, O’Brien CP. A double-blind, placebo-
controlled trial of modafinil for cocaine dependence. Neuropsychopharmacology. 2005
Jan;30(1):205-11.
17. Cherpitel CJ. Alcohol and injuries: a review of international emergency room studies
since 1995. Drug Alcohol Rev. 2007 Mar;26(2):201-14.
18. Bast RP, Helmer SD, Henson SR, Rogers MA, Shapiro WM, Smith RS. Limited utility
of routine drug screening in trauma patients. South Med J. 2000 Apr;93(4):397-9.
19. Ozminkowski RJ, Mark TL, Goetzel RZ, Blank D, Walsh JM, Cangianelli L. Relationships
between urinalysis testing for substance use, medical expenditures, and the occurrence
of injuries at a large manufacturing firm. Am J Drug Alcohol Abuse. 2003;29(1):151-
67.
20. Bressan RA, Gerolin J, Mari JJ. The modest but growing Brazilian presence in psychia-
tric, psychobiological and mental health research: assessment of the 1998-2002 period.
Braz J Med Biol Res. 2005 May;38(5):649-59.
21. Razzouk D, Zorzetto R, Dubugras MT, Gerolin J, Mari JJ. Mental health and psychiatry
research in Brazil: scientific production from 1999 to 2003. Rev Saude Publica. 2006
Ago;40(n. esp):93-100.
22. Baros AM, Latham PK, Moak DH, Voronin K, Anton RF. What role does measuring
medication compliance play in evaluating the efficacy of naltrexone?. Alcohol Clin
Exp Res. 2007 Apr;31(4):596-603.

Diehl.indd 359 3/11/2009 10:57:14


360 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Anexo 1

RESOLUÇÃO 196/96
Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde
10 de outubro de 1996
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde em sua Quinquagésima Nona Reunião
Ordinária, realizada nos dias 09 e 10 de outubro de 1996, no uso de suas competências
regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e
pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990,
RESOLVE:
Aprovar as seguintes diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolven-
do seres humanos:

I – Preâmbulo
A presente Resolução fundamenta-se nos principais documentos internacionais que
emanaram declarações e diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos: o
Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos do Homem (1948), a Decla-
ração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989), o Acordo
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso
Nacional Brasileiro em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para
Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982 e 1993) e as Di-
retrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991).
Cumpre as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e
da legislação brasileira correlata: Código de Direitos do Consumidor, Código Civil e
Código Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Orgânica da Saúde 8.080, de
19/09/90 (dispõe sobre as condições de atenção à saúde, a organização e o funciona-
mento dos serviços correspondentes), Lei 8.142, de 28/12/90 (participação da comuni-
dade na gestão do Sistema Único de Saúde), Decreto 99.438, de 07/08/90 (organização
e atribuições do Conselho Nacional de Saúde), Decreto 98.830, de 15/01/90 (coleta
por estrangeiros de dados e materiais científicos no Brasil), Lei 8.489, de 18/11/92, e
Decreto 879, de 22/07/93 (dispõem sobre retirada de tecidos, órgãos e outras partes
do corpo humano com fins humanitários e científicos), Lei 8.501, de 30/11/92 (utili-
zação de cadáver), Lei 8.974, de 05/01/95 (uso das técnicas de engenharia genética e
liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados), Lei 9.279, de
14/05/96 (regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial), e outras.
Esta Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro
referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça,
entre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade
científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.
O caráter contextual das considerações aqui desenvolvidas implica em revisões
periódicas desta Resolução, conforme necessidades nas áreas tecnocientífica e ética.
Ressalta-se, ainda, que cada área temática de investigação e cada modalidade de
pesquisa, além de respeitar os princípios emanados deste texto, deve cumprir com as
exigências setoriais e regulamentações específicas.

Diehl.indd 360 3/11/2009 10:57:14


Tratamentos farmacológicos para dependência química 361

II – Termos e definições
A presente Resolução, adota no seu âmbito as seguintes definições:
II.1 – Pesquisa – classe de atividades cujo objetivo é desenvolver ou contribuir
para o conhecimento generalizável. O conhecimento generalizável consiste em teorias,
relações ou princípios ou no acúmulo de informações sobre as quais estão baseados,
que possam ser corroborados por métodos científicos aceitos de observação e infe-
rência.
II.2 – Pesquisa envolvendo seres humanos – pesquisa que, individual ou cole-
tivamente, envolva o ser humano, de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou
partes dele, incluindo o manejo de informações ou materiais.
II.3 – Protocolo de Pesquisa – Documento contemplando a descrição da pes-
quisa em seus aspectos fundamentais, informações relativas ao sujeito da pesquisa, à
qualificação dos pesquisadores e à todas as instâncias responsáveis.
II.4 – Pesquisador responsável – pessoa responsável pela coordenação e realiza-
ção da pesquisa e pela integridade e bem-estar dos sujeitos da pesquisa.
II.5 – Instituição de pesquisa – organização, pública ou privada, legitimamente
constituída e habilitada na qual são realizadas investigações científicas.
II.6 – Promotor – indivíduo ou instituição, responsável pela promoção da pes-
quisa.
II.7 – Patrocinador – pessoa física ou jurídica que apoia financeiramente a pes-
quisa.
II.8 – Risco da pesquisa – possibilidade de danos à dimensão física, psíquica, mo-
ral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em qualquer fase de uma
pesquisa e dela decorrente.
II.9 – Dano associado ou decorrente da pesquisa – agravo imediato ou tardio,
ao indivíduo ou à coletividade, com nexo causal comprovado, direto ou indireto, de-
corrente do estudo científico.
II.10 – Sujeito da pesquisa – é o(a) participante pesquisado(a), individual ou
coletivamente, de caráter voluntário, vedada qualquer forma de remuneração.
II.11 – Consentimento livre e esclarecido – anuência do sujeito da pesquisa e/
ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependên-
cia, subordinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a
natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos
e o incômodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento,
autorizando sua participação voluntária na pesquisa.
II.12 – Indenização – cobertura material, em reparação a dano imediato ou tar-
dio, causado pela pesquisa ao ser humano a ela submetida.
II.13 – Ressarcimento – cobertura, em compensação, exclusiva de despesas de-
correntes da participação do sujeito na pesquisa.
II.14 – Comitês de Ética em Pesquisa-CEP – colegiados interdisciplinares e
independentes, com “munus público”, de caráter consultivo, deliberativo e educativo,
criados para defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e digni-
dade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos.
II.15 – Vulnerabilidade – refere-se a estado de pessoas ou grupos que, por quais-
quer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, so-
bretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido.

Diehl.indd 361 3/11/2009 10:57:14


362 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

II.16 – Incapacidade – Refere-se ao possível sujeito da pesquisa que não tenha


capacidade civil para dar o seu consentimento livre e esclarecido, devendo ser assistido
ou representado, de acordo com a legislação brasileira vigente.

III – Aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos


As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigências éticas e cien-
tíficas fundamentais.
III.1 – A eticidade da pesquisa implica em:
a) consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção a grupos vulne-
ráveis e aos legalmente incapazes (autonomia). Neste sentido, a pesquisa envol-
vendo seres humanos deverá sempre tratá-los em sua dignidade, respeitá-los em
sua autonomia e defendê-los em sua vulnerabilidade;
b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais ou
coletivos (beneficência), comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mí-
nimo de danos e riscos;
c) garantia de que danos previsíveis serão evitados (não maleficência);
d) relevância social da pesquisa com vantagens significativas para os sujeitos da pes-
quisa e minimização do ônus para os sujeitos vulneráveis, o que garante a igual
consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação
sócio-humanitária (justiça e eqüidade).

III.2- Todo procedimento de qualquer natureza envolvendo o ser humano, cuja


aceitação não esteja ainda consagrada na literatura científica, será considerado como
pesquisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes da presente Resolução. Os pro-
cedimentos referidos incluem entre outros, os de natureza instrumental, ambiental,
nutricional, educacional, sociológica, econômica, física, psíquica ou biológica, sejam
eles farmacológicos, clínicos ou cirúrgicos e de finalidade preventiva, diagnóstica ou
terapêutica.
III.3 – A pesquisa em qualquer área do conhecimento, envolvendo seres humanos
deverá observar as seguintes exigências:
a) ser adequada aos princípios científicos que a justifiquem e com possibilidades con-
cretas de responder a incertezas;
b) estar fundamentada na experimentação prévia realizada em laboratórios, animais ou
em outros fatos científicos;
c) ser realizada somente quando o conhecimento que se pretende obter não possa ser
obtido por outro meio;
d) prevalecer sempre as probabilidades dos benefícios esperados sobre os riscos pre-
visíveis;
e) obedecer a metodologia adequada. Se houver necessidade de distribuição aleatória
dos sujeitos da pesquisa em grupos experimentais e de controle, assegurar que, a
priori, não seja possível estabelecer as vantagens de um procedimento sobre outro
através de revisão de literatura, métodos observacionais ou métodos que não en-
volvam seres humanos;
f) ter plenamente justificada, quando for o caso, a utilização de placebo, em termos de
não maleficência e de necessidade metodológica;

Diehl.indd 362 3/11/2009 10:57:14


Tratamentos farmacológicos para dependência química 363

g) contar com o consentimento livre e esclarecido do sujeito da pesquisa e/ou seu


representante legal;
h) contar com os recursos humanos e materiais necessários que garantam o bem-estar
do sujeito da pesquisa, devendo ainda haver adequação entre a competência do
pesquisador e o projeto proposto;
i) prever procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a prote-
ção da imagem e a não estigmatização, garantindo a não utilização das informações
em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades, inclusive em termos de auto-esti-
ma, de prestígio e/ou econômico – financeiro;
j) ser desenvolvida preferencialmente em indivíduos com autonomia plena. Indivíduos
ou grupos vulneráveis não devem ser sujeitos de pesquisa quando a informação
desejada possa ser obtida através de sujeitos com plena autonomia, a menos que a
investigação possa trazer benefícios diretos aos vulneráveis. Nestes casos, o direito
dos indivíduos ou grupos que queiram participar da pesquisa deve ser assegurado,
desde que seja garantida a proteção à sua vulnerabilidade e incapacidade legalmente
definida;
l) respeitar sempre os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, bem como
os hábitos e costumes quando as pesquisas envolverem comunidades;
m) garantir que as pesquisas em comunidades, sempre que possível, traduzir-se-ão em
benefícios cujos efeitos continuem a se fazer sentir após sua conclusão. O projeto
deve analisar as necessidades de cada um dos membros da comunidade e analisar
as diferenças presentes entre eles, explicitando como será assegurado o respeito às
mesmas;
n) garantir o retorno dos benefícios obtidos através das pesquisas para as pessoas e
as comunidades onde as mesmas forem realizadas. Quando, no interesse da comu-
nidade, houver benefício real em incentivar ou estimular mudanças de costumes
ou comportamentos, o protocolo de pesquisa deve incluir, sempre que possível,
disposições para comunicar tal benefício às pessoas e/ou comunidades;
o) comunicar às autoridades sanitárias os resultados da pesquisa, sempre que os mes-
mos puderem contribuir para a melhoria das condições de saúde da coletividade,
preservando, porém, a imagem e assegurando que os sujeitos da pesquisa não sejam
estigmatizados ou percam a auto-estima;
p) assegurar aos sujeitos da pesquisa os benefícios resultantes do projeto, seja em ter-
mos de retorno social, acesso aos procedimentos, produtos ou agentes da pesqui-
sa;
q) assegurar aos sujeitos da pesquisa as condições de acompanhamento, tratamento
ou de orientação, conforme o caso, nas pesquisas de rastreamento; demonstrar a
preponderância de benefícios sobre riscos e custos;
r) assegurar a inexistência de conflito de interesses entre o pesquisador e os sujeitos
da pesquisa ou patrocinador do projeto;
s) comprovar, nas pesquisas conduzidas do exterior ou com cooperação estrangeira,
os compromissos e as vantagens, para os sujeitos das pesquisas e para o Brasil,
decorrentes de sua realização. Nestes casos deve ser identificado o pesquisador e a
instituição nacionais co-responsáveis pela pesquisa. O protocolo deverá observar as
exigências da Declaração de Helsinque e incluir documento de aprovação, no país
de origem, entre os apresentados para avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa da

Diehl.indd 363 3/11/2009 10:57:15


364 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

instituição brasileira, que exigirá o cumprimento de seus próprios referenciais éti-


cos. Os estudos patrocinados do exterior também devem responder às necessida-
des de treinamento de pessoal no Brasil, para que o país possa desenvolver projetos
similares de forma independente;
t) utilizar o material biológico e os dados obtidos na pesquisa exclusivamente para a
finalidade prevista no seu protocolo;
u) levar em conta, nas pesquisas realizadas em mulheres em idade fértil ou em mulhe-
res grávidas, a avaliação de riscos e benefícios e as eventuais interferências sobre
a fertilidade, a gravidez, o embrião ou o feto, o trabalho de parto, o puerpério, a
lactação e o recém-nascido;
v) considerar que as pesquisas em mulheres grávidas devem, ser precedidas de pes-
quisas em mulheres fora do período gestacional, exceto quando a gravidez for o
objetivo fundamental da pesquisa;
x) propiciar, nos estudos multicêntricos, a participação dos pesquisadores que desen-
volverão a pesquisa na elaboração do delineamento geral do projeto; e
z) descontinuar o estudo somente após análise das razões da descontinuidade pelo
CEP que a aprovou.

IV – Consentimento livre e esclarecido


O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após
consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por
seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa.
IV.1 – Exige-se que o esclarecimento dos sujeitos se faça em linguagem acessível e
que inclua necessariamente os seguintes aspectos:
a) a justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa;
b) os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados;
c) os métodos alternativos existentes;
d) a forma de acompanhamento e assistência, assim como seus responsáveis;
e) a garantia de esclarecimentos, antes e durante o curso da pesquisa, sobre a meto-
dologia, informando a possibilidade de inclusão em grupo controle ou placebo;
f) a liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qual-
quer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado;
g) a garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confi-
denciais envolvidos na pesquisa;
h) as formas de ressarcimento das despesas decorrentes da participação na pesquisa; e
i) as formas de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa.
IV.2 – O termo de consentimento livre e esclarecido obedecerá aos seguintes re-
quisitos:
a) ser elaborado pelo pesquisador responsável, expressando o cumprimento de cada
uma das exigências acima;
b) ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa que referenda a investigação;
c) ser assinado ou identificado por impressão dactiloscópica, por todos e cada um dos
sujeitos da pesquisa ou por seus representantes legais; e
d) ser elaborado em duas vias, sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou por seu
representante legal e uma arquivada pelo pesquisador.

Diehl.indd 364 3/11/2009 10:57:15


Tratamentos farmacológicos para dependência química 365

IV.3 – Nos casos em que haja qualquer restrição à liberdade ou ao esclarecimento


necessários para o adequado consentimento, deve-se ainda observar:
a) em pesquisas envolvendo crianças e adolescentes, portadores de perturbação ou
doença mental e sujeitos em situação de substancial diminuição em suas capacidades
de consentimento, deverá haver justificação clara da escolha dos sujeitos da pesqui-
sa, especificada no protocolo, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e cum-
prir as exigências do consentimento livre e esclarecido, através dos representantes
legais dos referidos sujeitos, sem suspensão do direito de informação do indivíduo,
no limite de sua capacidade;
b) a liberdade do consentimento deverá ser particularmente garantida para aqueles
sujeitos que, embora adultos e capazes, estejam expostos a condicionamentos es-
pecíficos ou à influência de autoridade, especialmente estudantes, militares, empre-
gados, presidiários, internos em centros de readaptação, casas-abrigo, asilos, asso-
ciações religiosas e semelhantes, assegurando-lhes a inteira liberdade de participar
ou não da pesquisa, sem quaisquer represálias;
c) nos casos em que seja impossível registrar o consentimento livre e esclarecido, tal
fato deve ser devidamente documentado, com explicação das causas da impossibili-
dade, e parecer do Comitê de Ética em Pesquisa;
d) as pesquisas em pessoas com o diagnóstico de morte encefálica só podem ser reali-
zadas desde que estejam preenchidas as seguintes condições:
– documento comprobatório da morte encefálica (atestado de óbito);
– consentimento explícito dos familiares e/ou do responsável legal, ou manifesta-
ção prévia da vontade da pessoa;
– respeito total à dignidade do ser humano sem mutilação ou violação do corpo;
– sem ônus econômico financeiro adicional à família;
– sem prejuízo para outros pacientes aguardando internação ou tratamento;
– possibilidade de obter conhecimento científico relevante, novo e que não possa
ser obtido de outra maneira;
e) em comunidades culturalmente diferenciadas, inclusive indígenas, deve-se contar com
a anuência antecipada da comunidade através dos seus próprios líderes, não se dis-
pensando, porém, esforços no sentido de obtenção do consentimento individual;
f) quando o mérito da pesquisa depender de alguma restrição de informações aos
sujeitos, tal fato deve ser devidamente explicitado e justificado pelo pesquisador e
submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa. Os dados obtidos a partir dos sujeitos
da pesquisa não poderão ser usados para outros fins que os não previstos no proto-
colo e/ou no consentimento.

V – Riscos e benefícios
Considera-se que toda pesquisa envolvendo seres humanos envolve risco. O dano
eventual poderá ser imediato ou tardio, comprometendo o indivíduo ou a coletividade.
V.1 – Não obstante os riscos potenciais, as pesquisas envolvendo seres humanos
serão admissíveis quando:
a) oferecerem elevada possibilidade de gerar conhecimento para entender, prevenir
ou aliviar um problema que afete o bem-estar dos sujeitos da pesquisa e de outros
indivíduos;

Diehl.indd 365 3/11/2009 10:57:15


366 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

b) o risco se justifique pela importância do benefício esperado;


c) o benefício seja maior, ou no mínimo igual, a outras alternativas já estabelecidas para
a prevenção, o diagnóstico e o tratamento.
V.2 – As pesquisas sem benefício direto ao indivíduo, devem prever condições de
serem bem suportadas pelos sujeitos da pesquisa, considerando sua situação física,
psicológica, social e educacional.
V.3 – O pesquisador responsável é obrigado a suspender a pesquisa imediatamente
ao perceber algum risco ou dano à saúde do sujeito participante da pesquisa, conse-
qüente à mesma, não previsto no termo de consentimento. Do mesmo modo, tão logo
constatada a superioridade de um método em estudo sobre outro, o projeto deverá
ser suspenso, oferecendo-se a todos os sujeitos os benefícios do melhor regime.
V.4 – O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição deverá ser informado de todos
os efeitos adversos ou fatos relevantes que alterem o curso normal do estudo.
V.5 – O pesquisador, o patrocinador e a instituição devem assumir a responsa-
bilidade de dar assistência integral às complicações e danos decorrentes dos riscos
previstos.
V.6 – Os sujeitos da pesquisa que vierem a sofrer qualquer tipo de dano previsto
ou não no termo de consentimento e resultante de sua participação, além do direito à
assistência integral, têm direito à indenização.
V.7 – Jamais poderá ser exigido do sujeito da pesquisa, sob qualquer argumento,
renúncia ao direito à indenização por dano. O formulário do consentimento livre e
esclarecido não deve conter nenhuma ressalva que afaste essa responsabilidade ou que
implique ao sujeito da pesquisa abrir mão de seus direitos legais, incluindo o direito de
procurar obter indenização por danos eventuais.
VI – Protocolo de pesquisa
O protocolo a ser submetido à revisão ética somente poderá ser apreciado se
estiver instruído com os seguintes documentos, em português:
VI.1 – folha de rosto: título do projeto, nome, número da carteira de identidade,
CPF, telefone e endereço para correspondência do pesquisador responsável e do pa-
trocinador, nome e assinaturas dos dirigentes da instituição e/ou organização;
VI.2 – descrição da pesquisa, compreendendo os seguintes itens:
a) descrição dos propósitos e das hipóteses a serem testadas;
b) antecedentes científicos e dados que justifiquem a pesquisa. Se o propósito for tes-
tar um novo produto ou dispositivo para a saúde, de procedência estrangeira ou
não, deverá ser indicada a situação atual de registro junto a agências regulatórias do
país de origem;
c) descrição detalhada e ordenada do projeto de pesquisa (material e métodos, casu-
ística, resultados esperados e bibliografia);
d) análise crítica de riscos e benefícios;
e) duração total da pesquisa, a partir da aprovação;
f) explicitaçao das responsabilidades do pesquisador, da instituição, do promotor e do
patrocinador;
g) explicitação de critérios para suspender ou encerrar a pesquisa;
h) local da pesquisa: detalhar as instalações dos serviços, centros, comunidades e insti-
tuições nas quais se processarão as várias etapas da pesquisa;

Diehl.indd 366 3/11/2009 10:57:15


Tratamentos farmacológicos para dependência química 367

i) demonstrativo da existência de infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da


pesquisa e para atender eventuais problemas dela resultantes, com a concordância
documentada da instituição;
j) orçamento financeiro detalhado da pesquisa: recursos, fontes e destinação, bem
como a forma e o valor da remuneração do pesquisador;
l) explicitação de acordo preexistente quanto à propriedade das informações geradas, de-
monstrando a inexistência de qualquer cláusula restritiva quanto à divulgação pública dos
resultados, a menos que se trate de caso de obtenção de patenteamento; neste caso, os
resultados devem se tornar públicos, tão logo se encerre a etapa de patenteamento;
m) declaração de que os resultados da pesquisa serão tornados públicos, sejam eles
favoráveis ou não; e
n) declaração sobre o uso e destinação do material e/ou dados coletados.
VI.3 – informações relativas ao sujeito da pesquisa:
a) descrever as características da população a estudar: tamanho, faixa etária, sexo, cor
(classificação do IBGE), estado geral de saúde, classes e grupos sociais, etc. Expor as
razões para a utilização de grupos vulneráveis;
b) descrever os métodos que afetem diretamente os sujeitos da pesquisa;
c) identificar as fontes de material de pesquisa, tais como espécimens, registros e da-
dos a serem obtidos de seres humanos. Indicar se esse material será obtido especi-
ficamente para os propósitos da pesquisa ou se será usado para outros fins;
d) descrever os planos para o recrutamento de indivíduos e os procedimentos a serem
seguidos. Fornecer critérios de inclusão e exclusão;
e) apresentar o formulário ou termo de consentimento, específico para a pesquisa,
para a apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, incluindo informações sobre as
circunstâncias sob as quais o consentimento será obtido, quem irá tratar de obtê-lo
e a natureza da informação a ser fornecida aos sujeitos da pesquisa;
f) descrever qualquer risco, avaliando sua possibilidade e gravidade;
g) descrever as medidas para proteção ou minimização de qualquer risco eventual.
Quando apropriado, descrever as medidas para assegurar os necessários cuidados à
saúde, no caso de danos aos indivíduos. Descrever também os procedimentos para
monitoramento da coleta de dados para prover a segurança dos indivíduos, incluin-
do as medidas de proteção à confidencialidade; e
h) apresentar previsão de ressarcimento de gastos aos sujeitos da pesquisa. A impor-
tância referente não poderá ser de tal monta que possa interferir na autonomia da
decisão do indivíduo ou responsável de participar ou não da pesquisa.
VI.4 – qualificação dos pesquisadores: “Curriculum vitae” do pesquisador respon-
sável e dos demais participantes.
VI.5 – termo de compromisso do pesquisador responsável e da instituição de cum-
prir os termos desta Resolução.
VII – Comitê de Ética em Pesquisa-CEP
Toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de
um Comitê de Ética em Pesquisa.
VII.1 – As instituições nas quais se realizem pesquisas envolvendo seres humanos
deverão constituir um ou mais de um Comitê de Ética em Pesquisa-CEP, conforme
suas necessidades.

Diehl.indd 367 3/11/2009 10:57:15


368 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

VII.2 – Na impossibilidade de se constituir CEP, a instituição ou o pesquisador


responsável deverá submeter o projeto à apreciação do CEP de outra instituição,
preferencialmente dentre os indicados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
(CONEP/MS).
VII.3 – Organização – A organização e criação do CEP será da competência da
instituição, respeitadas as normas desta Resolução, assim como o provimento de con-
dições adequadas para o seu funcionamento.
VII.4 – Composição – O CEP deverá ser constituído por colegiado com número
não inferior a 7 (sete) membros. Sua constituição deverá incluir a participação de pro-
fissionais da área de saúde, das ciências exatas, sociais e humanas, incluindo, por exem-
plo, juristas, teólogos, sociólogos, filósofos, bioeticistas e, pelo menos, um membro da
sociedade representando os usuários da instituição. Poderá variar na sua composição,
dependendo das especificidades da instituição e das linhas de pesquisa a serem anali-
sadas.
VII.5 – Terá sempre caráter multi e transdisciplinar, não devendo haver mais que
metade de seus membros pertencentes à mesma categoria profissional, participando
pessoas dos dois sexos. Poderá ainda contar com consultores “ad hoc”, pessoas per-
tencentes ou não à instituição, com a finalidade de fornecer subsídios técnicos.
VII.6 – No caso de pesquisas em grupos vulneráveis, comunidades e coletividades,
deverá ser convidado um representante, como membro “ad hoc” do CEP, para partici-
par da análise do projeto específico.
VII.7 – Nas pesquisas em população indígena deverá participar um consultor fami-
liarizado com os costumes e tradições da comunidade.
VII.8 – Os membros do CEP deverão se isentar de tomada de decisão, quando
diretamente envolvidos na pesquisa em análise.
VII.9 – Mandato e escolha dos membros – A composição de cada CEP deverá
ser definida a critério da instituição, sendo pelo menos metade dos membros com expe-
riência em pesquisa, eleitos pelos seus pares. A escolha da coordenação de cada Comitê
deverá ser feita pelos membros que compõem o colegiado, durante a primeira reunião
de trabalho. Será de três anos a duração do mandato, sendo permitida recondução.
VII.10 – Remuneração – Os membros do CEP não poderão ser remunerados
no desempenho desta tarefa, sendo recomendável, porém, que sejam dispensados nos
horários de trabalho do Comitê das outras obrigações nas instituições às quais prestam
serviço, podendo receber ressarcimento de despesas efetuadas com transporte, hos-
pedagem e alimentação.
VII.11 – Arquivo – O CEP deverá manter em arquivo o projeto, o protocolo e os
relatórios correspondentes, por 5 (cinco) anos após o encerramento do estudo.
VII.12 – Liberdade de trabalho – Os membros dos CEPs deverão ter total in-
dependência na tomada das decisões no exercício das suas funções, mantendo sob
caráter confidencial as informações recebidas. Deste modo, não podem sofrer qual-
quer tipo de pressão por parte de superiores hierárquicos ou pelos interessados em
determinada pesquisa, devem isentar-se de envolvimento financeiro e não devem estar
submetidos a conflito de interesse.
VII.13 – Atribuições do CEP:
a) revisar todos os protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, inclusive os
multicêntricos, cabendo-lhe a responsabilidade primária pelas decisões sobre a

Diehl.indd 368 3/11/2009 10:57:15


Tratamentos farmacológicos para dependência química 369

ética da pesquisa a ser desenvolvida na instituição, de modo a garantir e resguar-


dar a integridade e os direitos dos voluntários participantes nas referidas pesqui-
sas;
b) emitir parecer consubstanciado por escrito, no prazo máximo de 30 (trinta) dias,
identificando com clareza o ensaio, documentos estudados e data de revisão. A re-
visão de cada protocolo culminará com seu enquadramento em uma das seguintes
categorias:
– aprovado;
– com pendência: quando o Comitê considera o protocolo como aceitável, porém
identifica determinados problemas no protocolo, no formulário do consentimen-
to ou em ambos, e recomenda uma revisão específica ou solicita uma modifi-
cação ou informação relevante, que deverá ser atendida em 60 (sessenta) dias
pelos pesquisadores;
– retirado: quando, transcorrido o prazo, o protocolo permanece pendente;
– não aprovado; e
– aprovado e encaminhado, com o devido parecer, para apreciação pela Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa -CONEP/MS, nos casos previstos no capítulo VIII,
item 4.c.
c) manter a guarda confidencial de todos os dados obtidos na execução de sua tarefa
e arquivamento do protocolo completo, que ficará à disposição das autoridades
sanitárias;
d) acompanhar o desenvolvimento dos projetos através de relatórios anuais dos pes-
quisadores;
e) desempenhar papel consultivo e educativo, fomentando a reflexão em torno da
ética na ciência;
f) receber dos sujeitos da pesquisa ou de qualquer outra parte denúncias de abusos
ou notificação sobre fatos adversos que possam alterar o curso normal do estudo,
decidindo pela continuidade, modificação ou suspensão da pesquisa, devendo, se
necessário, adequar o termo de consentimento. Considera-se como antiética a
pesquisa descontinuada sem justificativa aceita pelo CEP que a aprovou;
g) requerer instauração de sindicância à direção da instituição em caso de denúncias
de irregularidades de natureza ética nas pesquisas e, em havendo comprovação, co-
municar à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa-CONEP/MS e, no que couber,
a outras instâncias; e
h) manter comunicação regular e permanente com a CONEP/MS.
VII.14 – Atuação do CEP:
a) A revisão ética de toda e qualquer proposta de pesquisa envolvendo seres humanos
não poderá ser dissociada da sua análise científica. Pesquisa que não se faça acom-
panhar do respectivo protocolo não deve ser analisada pelo Comitê.
b) Cada CEP deverá elaborar suas normas de funcionamento, contendo metodologia
de trabalho, a exemplo de: elaboração das atas; planejamento anual de suas ati-
vidades; periodicidade de reuniões; número mínimo de presentes para início das
reuniões; prazos para emissão de pareceres; critérios para solicitação de consultas
de experts na área em que se desejam informações técnicas; modelo de tomada de
decisão, etc.

Diehl.indd 369 3/11/2009 10:57:15


370 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

VIII – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS)


A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP/MS é uma instância colegia-
da, de natureza consultiva, deliberativa, normativa, educativa, independente, vinculada
ao Conselho Nacional de Saúde. O Ministério da Saúde adotará as medidas necessárias
para o funcionamento pleno da Comissão e de sua Secretaria Executiva.
VIII.1 – Composição: A CONEP terá composição multi e transdiciplinar, com
pessoas de ambos os sexos e deverá ser composta por 13 (treze) membros titulares e
seus respectivos suplentes, sendo 05 (cinco) deles personalidades destacadas no cam-
po da ética na pesquisa e na saúde e 08 (oito) personalidades com destacada atuação
nos campos teológico, jurídico e outros, assegurando-se que pelo menos um seja da
área de gestão da saúde. Os membros serão selecionados, a partir de listas indicativas
elaboradas pelas instituições que possuem CEP registrados na CONEP, sendo que 07
(sete) serão escolhidos pelo Conselho Nacional de Saúde e 06 (seis) serão definidos
por sorteio. Poderá contar também com consultores e membros “ad hoc”, assegurada
a representação dos usuários.
VIII.2 – Cada CEP poderá indicar duas personalidades.
VIII.3 – O mandato dos membros da CONEP será de quatro anos com renovação
alternada a cada dois anos, de sete ou seis de seus membros.
VIII.4 – Atribuições da CONEP – Compete à CONEP o exame dos aspectos
éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, bem como a adequação e atualização
das normas atinentes. A CONEP consultará a sociedade sempre que julgar necessário,
cabendo-lhe, entre outras, as seguintes atribuições:
a) estimular a criação de CEPs institucionais e de outras instâncias;
b) registrar os CEPs institucionais e de outras instâncias;
c) aprovar, no prazo de 60 dias, e acompanhar os protocolos de pesquisa em áreas
temáticas especiais tais como:
1 – genética humana;
2 – reprodução humana;
3 – farmácos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos novos (fases I, II e III) ou
não registrados no país (ainda que fase IV), ou quando a pesquisa for referente a
seu uso com modalidades, indicações, doses ou vias de administração diferentes
daquelas estabelecidas, incluindo seu emprego em combinações;
4 – equipamentos, insumos e dispositivos para a saúde novos, ou não registrados
no país;
5 – novos procedimentos ainda não consagrados na literatura;
6 – populações indígenas;
7 – projetos que envolvam aspectos de biossegurança;
8 – pesquisas coordenadas do exterior ou com participação estrangeira e pesquisas
que envolvam remessa de material biológico para o exterior; e
9 – projetos que, a critério do CEP, devidamente justificado, sejam julgados mere-
cedores de análise pela CONEP;
d) prover normas específicas no campo da ética em pesquisa, inclusive nas áreas temá-
ticas especiais, bem como recomendações para aplicação das mesmas;
e) funcionar como instância final de recursos, a partir de informações fornecidas siste-
maticamente, em caráter ex-ofício ou a partir de denúncias ou de solicitação de par-

Diehl.indd 370 3/11/2009 10:57:15


Tratamentos farmacológicos para dependência química 371

tes interessadas, devendo manifestar-se em um prazo não superior a 60 (sessenta)


dias;
f) rever responsabilidades, proibir ou interromper pesquisas, definitiva ou temporaria-
mente, podendo requisitar protocolos para revisão ética inclusive, os já aprovados
pelo CEP;
g) constituir um sistema de informação e acompanhamento dos aspectos éticos das
pesquisas envolvendo seres humanos em todo o território nacional, mantendo atu-
alizados os bancos de dados;
h) informar e assessorar o MS, o CNS e outras instâncias do SUS, bem como do gover-
no e da sociedade, sobre questões éticas relativas à pesquisa em seres humanos;
i) divulgar esta e outras normas relativas à ética em pesquisa envolvendo seres humanos;
j) a CONEP juntamente com outros setores do Ministério da Saúde, estabelecerá
normas e critérios para o credenciamento de Centros de Pesquisa. Este credencia-
mento deverá ser proposto pelos setores do Ministério da Saúde, de acordo com
suas necessidades, e aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde; e
l) estabelecer suas próprias normas de funcionamento.
VIII.5 – A CONEP submeterá ao CNS para sua deliberação:
a) propostas de normas gerais a serem aplicadas às pesquisas envolvendo seres huma-
nos, inclusive modificações desta norma;
b) plano de trabalho anual;
c) relatório anual de suas atividades, incluindo sumário dos CEP estabelecidos e dos
projetos analisados.
IX – Operacionalização
IX.1 – Todo e qualquer projeto de pesquisa envolvendo seres humanos deverá
obedecer às recomendações desta Resolução e dos documentos endossados em seu
preâmbulo. A responsabilidade do pesquisador é indelegável, indeclinável e compreen-
de os aspectos éticos e legais.
IX.2 – Ao pesquisador cabe:
a) apresentar o protocolo, devidamente instruido ao CEP, aguardando o pronuncia-
mento deste, antes de iniciar a pesquisa;
b) desenvolver o projeto conforme delineado;
c) elaborar e apresentar os relatórios parciais e final;
d) apresentar dados solicitados pelo CEP, a qualquer momento;
e) manter em arquivo, sob sua guarda, por 5 anos, os dados da pesquisa, contendo
fichas individuais e todos os demais documentos recomendados pelo CEP;
f) encaminhar os resultados para publicação, com os devidos créditos aos pesquisado-
res associados e ao pessoal técnico participante do projeto;
g) justificar, perante o CEP, interrupção do projeto ou a não publicação dos resultados.
IX.3 – O Comitê de Ética em Pesquisa institucional deverá estar registrado junto
à CONEP/MS.
IX.4 – Uma vez aprovado o projeto, o CEP passa a ser co-responsável no que se
refere aos aspectos éticos da pesquisa.
IX.5 – Consideram-se autorizados para execução, os projetos aprovados pelo CEP,
exceto os que se enquadrarem nas áreas temáticas especiais, os quais, após aprovação

Diehl.indd 371 3/11/2009 10:57:15


372 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

pelo CEP institucional deverão ser enviados à CONEP/MS, que dará o devido encami-
nhamento.
IX.6 – Pesquisas com novos medicamentos, vacinas, testes diagnósticos, equipa-
mentos e dispositivos para a saúde deverão ser encaminhados do CEP à CONEP/MS e
desta, após parecer, à Secretaria de Vigilância Sanitária.
IX.7 – As agências de fomento à pesquisa e o corpo editorial das revistas científicas
deverão exigir documentação comprobatória de aprovação do projeto pelo CEP e/ou
CONEP, quando for o caso.
IX.8 – Os CEP institucionais deverão encaminhar trimestralmente à CONEP/MS
a relação dos projetos de pesquisa analisados, aprovados e concluídos, bem como dos
projetos em andamento e, imediatamente, aqueles suspensos.

X. Disposições transitórias
X.1 – O Grupo Executivo de Trabalho-GET, constituido através da Resolução CNS
170/95, assumirá as atribuições da CONEP até a sua constituição, responsabilizando-se
por:
a) tomar as medidas necessárias ao processo de criação da CONEP/MS;
b) estabelecer normas para registro dos CEP institucionais;
X.2 – O GET terá 180 dias para finalizar as suas tarefas.
X.3 – Os CEP das instituições devem proceder, no prazo de 90 (noventa) dias, ao
levantamento e análise, se for o caso, dos projetos de pesquisa em seres humanos já
em andamento, devendo encaminhar à CONEP/MS, a relação dos mesmos.
X4 - Fica revogada a Resolução 01/88.

ADIB D. JATENE
Presidente do Conselho Nacional de Saúde
Homologo a Resolução CNS nº 196, de 10 de outubro de 1996, nos termos
do Decreto de Delegação de Competência de 12 de novembro de 1991.
ADIB D. JATENE
Ministro de Estado da Saúde

Diehl.indd 372 3/11/2009 10:57:16


parte 17
Testes

Diehl.indd 373 3/11/2009 10:57:16


Diehl.indd 374 3/11/2009 10:57:16
SCREENINGS PARA
ÁLCOOL E DROGAS
Uma prova de confiança
31
Alessandra Diehl

Os testes de drogas são normalmente análises técnicas e/ou procedi-


mentos laboratoriais de amostras de urina, sangue, sêmen, suor, mecônio, fio
de cabelo ou fluidos orais (p. ex., saliva e respiração) utilizadas para determi-
nar, de forma objetiva, a presença ou a ausência de drogas específicas ou de
uma combinação delas ou, ainda, de seus traços metabólicos.1,2
Desde a primeira descrição da utilização de espécimes biológicos para
análises toxicológicas em 1979, os equipamentos cromatográficos têm sido
amplamente utilizados. Observam-se aprimoramentos da capacidade de iden-
tificação de diversos tipos de drogas e de combinações com cromatografia
líquida ou a gás, tornando-se cada vez mais sensíveis e menos complexos.2,3
Acredita-se que esses tipos de testes exerçam um papel importante na
prevenção e no manejo do tratamento do abuso e da dependência de álcool e
de outras drogas em diversos contextos e ambientes.4,5,6
Em atletas, sua aplicação já é bastante conhecida, sobretudo nos jogos
olímpicos.7 O primeiro atleta olímpico a ter um teste positivo de doping foi
o penta-atleta sueco Hans-Gunnar Liljenwall, nas Olimpíadas de 1968, que
perdeu sua medalha de bronze por uso de álcool. Vinte anos depois (talvez
o caso de doping de maior publicidade da história dos jogos olímpicos), o
corredor canadense Ben Johnson, que ganhou os 100m rasos nas Olimpíadas
de Seul, em 1988, foi desqualificado por teste positivo de esteroides anabo-
lizantes.8
Outra aplicação crescente vem ocorrendo nos estudos epidemiológicos
e nas pesquisas de amostras clínicas a fim de aumentar a confiabilidade do
autorrelato do uso de substâncias dos sujeitos de pesquisa analisados.9
Acredita-se que 15 a 20% dos acidentes fatais de trabalho estejam rela-
cionados ao abuso de álcool, de psicotrópicos e de narcóticos. Há relatos de
sucessos de algumas empresas que, após a introdução do programa de teste
de drogas no ambiente de trabalho, reduziram em cerca da metade esses
acidentes.10,11

Diehl.indd 375 3/11/2009 10:57:16


376 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Nos Estados Unidos, os testes federais tiveram início na década de 1960,


quando o ex-presidente Ronald Reagan determinou a obrigatoriedade de que
todos os funcionários federais que ocupassem posições específicas ligadas
principalmente a situações de risco (p. ex., dirigir veículos e transportes aé-
reos) fossem submetidos a testes aleatórios de grupos de drogas específicas.
Nem todos os testes revelam o padrão de uso da substância, mas todos de-
monstram sua presença ou ausência. Existe também uma regulamentação
específica para o uso e a aplicação desses testes com diretrizes para orienta-
ção dos procedimentos (Mandatory Guidelines for Federal Workplace Drug
Testing Programs).12
Na Europa, entretanto, parece existir menor tradição em testagens de
drogas no ambiente de trabalho, mas existe uma crescente movimentação
para a regulamentação e a uniformização de procedimentos.13
Apesar de gerar opiniões e evidências controversas (p. ex., legais, cus-
to-benefício, éticas e técnicas), em outros casos, como locais de trabalho e
serviços militares, em indivíduos em liberdade condicional e na toxicologia
forense, esses testes têm se mostrado uma ferramenta igualmente útil na
prevenção do abuso de álcool e de drogas, além da aplicação clínica já co-
nhecida.9,14-16
Neste capítulo listamos os principais testes utilizados para identificação
de álcool e de outras drogas, suas vantagens e desvantagens e suas principais
implicações clínicas.

Principais metodologias dos testes de drogas

Imunoensaio

Os imunoensaios são grupos de várias técnicas analíticas que têm por


princípio a interação específica de anticorpo/antígeno, os quais produzem
um sinal mensurável que pode ser relacionado com a concentração de um
composto numa solução.17,18 Essa metodologia pode ser aplicada em outras
áreas laboratoriais além das dependências de drogas. Os anticorpos podem
ser tanto monoclonais quanto policlonais, assim como direcionados a molécu-
las de droga muito específicas ou a uma classe de drogas completa.
No imunoensaio competitivo, o princípio é a competição entre a droga
em uma amostra e um derivado da droga identificado em um reagente para
uma quantidade limitada de anticorpo, como mostra a Figura 31.1.17
Nos métodos não competitivos, a mistura de reação normalmente inclui
anticorpo identificado em excesso para que todas as drogas e os metabólitos
fiquem ligados. A quantidade de complexo anticorpo-antígeno é medida para
determinar a quantidade de droga presente na amostra.17

Diehl.indd 376 3/11/2009 10:57:17


Tratamentos farmacológicos para dependência química 377

anticorpo antígeno antígeno


da amostra identificado

Figura 31.1
Imunoensaio competitivo.12,17

Os imunoensaios heterogêneos requerem a separação dos componentes


ligados e não ligados depois da reação ter ocorrido (p. ex., o método ELISA).
Nos homogêneos, a reação de ligação é medida in loco, sem ocorrer a separa-
ção dos componentes da reação.17
Os imunoensaios mais utilizados em testes de drogas psicoativas são:

Radioimunoensaio
O radioimunoensaio (RIA) utiliza um marcador radioativo (normalmen-
te o 125I, 3H ou 14C) que emite radiação passível de ser medida com um
contador b ou g.

Imunoensaios enzimáticos
Os imunoensaios enzimáticos (EIAs) utilizam marcadores enzimáticos,
como o desidrogenase de glicose-6-fosfato (G6PD) e o b-galactosidase, para
fornecerem um sinal mensurável. As reações são monitoradas por fotometria
à medida que ocorrem alterações na absorção. A droga da amostra e a droga
marcada com G6PD competem pelos locais de ligação dos anticorpos. A liga-
ção inibe a atividade enzimática, enquanto as enzimas libertas permanecem
ativas para interagirem com o substrato. A atividade enzimática/absorção é
diretamente proporcional à concentração de droga (Figura 31.2).17

Polarização fluorescente

São ensaios competitivos e homogêneos que utilizam marcadores flu-


orescentes. Os resultados são medidos por fotometria. A droga na amostra

Diehl.indd 377 3/11/2009 10:57:17


378 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Substrato
Substrato reagindo
com a enzima

Enzima junto
com a droga

Anticorpo Droga bloqueando


a droga acoplada à
Droga enzima

Figura 31.2
Exemplo de imunoensaio enzimático (EIA).17

compete com a droga marcada por fluorescência nos locais de ligação dos
anticorpos. A mistura da reação é excitada por uma luz polarizada de modo
linear. À medida que o marcador regressa ao estado de baixa energia, vai emi-
tindo luz; a polarização é então medida. O valor de polarização da amostra é
inversamente proporcional à concentração do analisado.17

Interação cinética de micropartículas em solução

A droga na amostra compete com o derivado da droga nos locais de


ligação nos anticorpos. As micropartículas ligadas aos anticorpos formam
pequenos agregados (aglutinação), aumentando a absorção da mistura de
reação. A absorção é inversamente proporcional à concentração da droga na
amostra.17

Fluxo lateral

O método fluxolateral consiste em imunoensaios heterogêneos e com-


petitivos. O marcador são anticorpos coloidais revestidos com ouro e secos
na porção da amostra. Derivados da droga são “secos” na fita em diversos
locais, e o espécime de urina colocado na porção da amostra migra ao longo
da fita. A droga na amostra liga-se aos anticorpos, originando um sinal lido
a olho nu.17

Diehl.indd 378 3/11/2009 10:57:17


Tratamentos farmacológicos para dependência química 379
Gás cromatografia/espectrometria de massa (GC-EM)

É um método que combina as características de cromatografia gás-lí-


quido e espectrometria de massa para identificar substâncias diferentes em
uma amostra. A GC-EM tem sido amplamente aceita como o padrão-ouro
para identificação de substâncias no campo forense, pois é utilizada para ava-
liar um teste específico. O gás cromatográfico utiliza uma coluna capilar, que
depende tanto das suas próprias dimensões (comprimento, diâmetro e den-
sidades do filme) como também das propriedades de fase. A diferença nas
propriedades químicas entre moléculas diferentes em uma mistura separa
as moléculas enquanto essas amostras viajam pelo comprimento da coluna.
As moléculas levam diferentes durações de tempo (chamado de tempo de
retenção) para sair do cromatográfico de gás, permitindo ao espectrômetro
de massa a jusante capturar, ionizar e acelerar separadamente as moléculas
ionizadas.

Cromatografia líquida de alta resolução

É um método de química analítica que combina as capacidades de se-


paração físicas de cromatografia líquida com as capacidades de análise de
espectrometria de massa. É uma técnica poderosa, usada para outras aplica-
ções além da identificação de drogas, como estudos farmacocinéticos, com
sensibilidade e especificidade muito altas (Figura 31.3).

Amostra
injetora

Forno T regulador

Detector de
espectrometria
de massa

Coluna:
Gás: tubular aberta
He, N2, H2 (capilaridade)

Figura 31.3
Esquema do gás cromatografia/espectrometria de massa (CG-EM).

Diehl.indd 379 3/11/2009 10:57:17


380 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Período de detecção

Tabela 31.1
Substância Urina Cabelo Sangue

Álcool 3 a 5 dias Até 90 dias 12 horas


Anfetamina 1 a 3 dias Até 90 dias 12 horas
(exceto metanfetamina)
Metanfetamina 3 a 5 dias Até 90 dias 1 a 3 dias
MDMA (ecstasy) 4 dias Até 90 dias 25 horas
Barbitúricos 2 a 3 dias Até 90 dias 1 a 2 dias
(exceto fenobarbital)
Fenobarbital 2 a 3 semanas Até 90 dias 4 a 7 dias
Benzodiazepínicos Uso terapêutico: Até 90 dias 6 a 48 horas
3 dias
Uso crônico
(mais de 1 ano):
4 a 6 semanas
Cannabis Uso diário: Até 90 dias Até 2 semanas com
7 a 30 dias uso frequente
Uso em um
episódio:
1 a 6 dias
Cocaína 2 a 4 dias Até 90 dias 24 horas
Codeína 1 dia Até 90 dias 12 horas
Cotinina 2 a 4 dias Até 90 dias 2 a 4 dias
Morfina 2 dias Até 90 dias 6 horas
Heroína 3 a 4 dias Até 90 dias 6 horas
LSD 24 a 72 horas Até 3 dias 3 horas
Metadona 3 dias Até 90 dias 24 horas

Vantagens e desvantagens dos diferentes métodos

Dentre as vantagens dos testes de imunoensaio, podemos citar:1,17,18

1. Existe extensa pesquisa científica sobre esses métodos


2. Apresentam bom nível de exatidão, confiabilidade e sensibilidade
3. Têm aplicações em todas as áreas de um laboratório

Diehl.indd 380 3/11/2009 10:57:17


Tratamentos farmacológicos para dependência química 381
4. Possuem vasta gama de testes disponíveis
5. São facilmente automatizados, com aplicações em diversas plata-
formas de instrumentos
6. Não necessitam de preparação da amostra na maioria dos casos
7. São testes de baixo custo

Dentre as desvantagens dos testes de imunoensaio, podemos citar:

1. A existência de um intervalo dinâmico limitado referente ao rea-


gente
2. A possibilidade de ocorrer reatividade cruzada, ou seja, podem
ocorrer interferências com componentes estruturalmente não rela-
cionados. Um exemplo é o teste de cocaína (benzoilegonina), no qual
pode haver interferência com uma série de outros medicamentos
prescritos de forma terapêutica (p. ex., ácido acetilsalicílico).
3. O teste de urina pode ser adulterado com facilidade
4. Coletas de amostras de sangue são consideradas mais invasivas

Os testes de cromatografia têm a vantagem da alta especificidade e sen-


sibilidade. Entretanto, são testes de custo muito elevado e dificilmente são
disponibilizados em pequenos centros urbanos.17
A interpretação dos resultados deve ser sempre realizada à luz desses
diversos contextos.17

Aplicações clínicas dos testes de drogas

Locais de trabalho

A aplicação de testes de drogas em ambiente de trabalho tem ocorrido


com bastante frequência em alguns países, sobretudo nos Estados Unidos.
Os testes e as políticas das empresas em testar seus funcionários evoluíram
bastante desde a década de 1980, tornando-se cada dia mais comum os em-
pregadores solicitarem o teste como um critério de contratação (pré-admis-
são), no pós-acidente, em situações aleatórias e no regresso ao trabalho. Nos
Estados Unidos, esse procedimento é altamente regulamentado tanto para
os programas federais quanto privados cuja administração é realizada pelo
Substance Abuse Mental Health Service Administration.12,17
No ambiente de trabalho, as justificativas e as evidências favorecem
muito os testes de álcool (mediante amostras de sangue ou bafômetro) por-
que o consumo dessa substância é muito comum em países industrializados,
estando estreitamente relacionado a acidentes industriais. Além disso, esses

Diehl.indd 381 3/11/2009 10:57:17


382 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

testes se justificam pelas evidências de que o consumo de álcool tem forte


correlação com alterações no desempenho psicomotor.16
O método mais utilizado (não somente em ambiente de trabalho, mas
também no trânsito rodoviário, em pesquisas clínicas e ambientes clínicos)
para avaliar o uso de álcool é a mensuração por meio do bafômetro. Esse
instrumento eletrônico, bastante utilizado em muitos países, tem mostrado
resultados altamente correlatos aos de análises químicas de sangue em indi-
víduos que se dispõem a fazer o teste de forma correta.19,20

Profissionais da saúde dependentes químicos


Os testes também podem ser utilizados para profissionais da saúde em
tratamento por problemas de abuso/dependência de substâncias. O emprega-
dor pode exigir um teste de rotina aleatório de droga na urina para a manu-
tenção da licença de exercer sua profissão.17 Essa prática depende ­obviamente
das regulamentações vigentes em cada país

Pacientes com dor crônica


Por ser muito frequente a associação de dor crônica e abuso/dependên-
cia de opiáceos, os testes de droga em pacientes com dor crônica representam
uma aplicação emergente.
É importante que o indivíduo revele todas as drogas que utiliza, permi-
tindo estipular uma possível cessação da administração da droga ao paciente,
com base no resultado do estudo da quantidade de droga na urina. O princi-
pal desafio da monitoração desses testes em portadores de dor crônica con-
siste no fato de os testes em geral serem concebidos para detectar a presença
de drogas, enquanto, em pacientes com dor crônica e abuso de opiáceos, o
interesse é certificar a ausência de determinadas drogas chamadas críticas.
Além disso, os testes precisam demonstrar a capacidade de detectar uma vas-
ta gama de opiáceos, incluindo a oxicodona, o tramadol e o fentanil.17

Justiça/criminalidade
Existe uma estreita relação entre a criminalidade e o abuso de substân-
cias psicoativas,21 o que parece justificar o emprego de testes de drogas no pe-
ríodo de detenção ou anterior ao julgamento, nos prisioneiros em reinserção
e em liberdade condicional, de acordo com a aplicabilidade forense.
O advento da utilização da técnica do fio de cabelo como espécime para
detecção de drogas trouxe algumas vantagens em relação aos métodos tradicio-
nais (urina e sangue), como a coleta não invasiva, relativamente fácil de execu-

Diehl.indd 382 3/11/2009 10:57:17


Tratamentos farmacológicos para dependência química 383
tar e, em situações forenses, a possibilidade de realizá-la sob supervisão pessoal
de oficiais de execução da lei para prevenir adulteração ou substi­tuição.22

Tratamento da dependência de substâncias psicoativas

Os transtornos relacionados ao uso de substâncias são patologias crôni-


cas que cursam com recaídas, porém, muitas vezes os pacientes dependentes
podem negar ou minimizar o uso de álcool e de outras drogas. Assim, o teste
de drogas pode determinar o uso recente dessas substâncias e fazer parte de
um contexto integral de avaliação de acompanhamento e de tratamento, tal
qual a mensuração da glicemia em diabéticos.18
Os testes utilizados pelos serviços de reabilitação/desintoxicação de
transtornos relacionados ao uso de substâncias são normalmente considera-
dos clínicos, sendo seus resultados utilizados para corroborar o diagnóstico
ou para monitorar o gerenciamento do tratamento.23
Na Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (UNIAD), utilizamos o
teste rápido, visual, de imunoensaio, qualitativo, que não quantifica a benzoi-
lecgonina da cocaína ou os outros derivados da maconha e dos benzodiazepí-
nicos, por exemplo, não estando assim correlacionado com efeitos tóxicos ou
com os níveis de intoxicação do paciente.
Para cocaína, por exemplo, a detecção de benzoilecgonina, seu produto
de biotransformação na urina, o ponto de corte do teste é de 300 ng/mL de
urina, segundo as recomendações do SAMHSA. Um resultado positivo é in-

Figura 31.4
Kit de screening para verificação da presença de cocaína e tetraidrocanabinol (THC) na
urina. Fonte: Google Web Pictures, 2007.

Diehl.indd 383 3/11/2009 10:57:18


384 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

dicado pela presença de uma banda de coloração rosa na zona de controle;


um resultado negativo é indicado pela presença de duas bandas de coloração
rosa, uma na região de controle e outra na do teste. Esse resultado pode indi-
car ausência de benzoilecgonina ou sua presença numa concentração abaixo
do ponto de corte do método (300 ng/mL). O teste é considerado inválido
quando não há o aparecimento das bandas ou quando há presença de uma
banda na região-teste e ausência de banda na região-controle (Phamatech
Inc, San Diego, USA).
Os resultados não podem ter implicações punitivas e devem estar inseri-
dos em um contrato de tratamento previamente estabelecido entre a família,
a equipe e o paciente. Por isso, é de extrema importância incluir no contra-
to de tratamento um termo de consentimento para a possível realização de
testes durante seu transcurso, sobretudo em adolescentes. A resposta inicial
do paciente muitas vezes vem acompanhada de um sentimento de raiva. Por-
tanto, deve-se tentar compreender que, por atrás desse sentimento, existem
o medo e o valor terapêutico do teste de drogas, que representa, na verda-
de, a validação da recuperação dos pacientes enquanto tentam permanecer
“limpos” e sóbrios. Além disso, o teste permite feedback de resultados como
consequência da incorporação de novas habilidades de comportamento em
múltiplos níveis de apoio.18
Especial atenção deve ser direcionada a possíveis estratégias utilizadas
por alguns pacientes para “burlar” o teste, como:

1. utilizar urina de outra pessoa (familiar ou amigo que não usa dro-
gas);
2. utilizar urina comprada de outra pessoa (já existem anúncios na
internet);
3. utilizar xampus especiais para “limpar” ou “desintoxicar” o cabelo
(a maioria deles também disponíveis na internet);
4. usar diuréticos para facilitar a remoção das drogas.18,25

Outro método é a mensuração do monóxido de carbono, que tem sido


cada vez mais usado em programas de cessação do tabagismo. Amostras de
respiração (monoxímetro) ou de saliva (p. ex., teste rápido de fitas) são as
técnicas empregadas com mais frequência.26 As medições são geralmente rea­
lizadas no início e durante o tratamento.

Toxicologia em emergência ou pronto-socorro

Em algumas situações, particularmente quando se suspeita de esta-


dos de intoxicação, é essencial uma avaliação clínica precisa de remé­dios

Diehl.indd 384 3/11/2009 10:57:18


Tratamentos farmacológicos para dependência química 385
e drogas de abuso que possam ser detectados na corrente sanguínea ou na
urina.27
Os testes têm a finalidade clínica de comprovação do uso/abuso de
drogas, sendo utilizados em conjunto com a observação clínica e, em mui-
tos casos, no tratamento de emergência auxilia nas tomadas de decisão tera-
pêutica.17,28

Testes de drogas em neonatos e gestantes

Apesar de extensiva evidência de exposições a riscos fetal e neonatal,


muitas gestantes, mesmo assim, se envolvem com uso excessivo de álcool,
dependência de nicotina e abuso de drogas, como cocaína, metanfetamina,
opioides e maconha.29
Os testes, portanto, podem ser direcionados a bebês em risco de exposi-
ção a drogas no útero materno ou às próprias gestantes usuárias de drogas.
O espécime recolhido para estudo pode ser da urina da mãe ou do bebê ou,
ainda, do mecônio.
A urina indica apenas exposições recentes. O teste do mecônio é capaz
de determinar exposições ocorridas a partir do segundo trimestre. O teste é
frequentemente realizado para que os esforços de intervenção precoce pos-
sam ter influência sobre potenciais problemas médicos e de desenvolvimento
do bebê. Em alguns casos, ele pode ter implicações legais para o afastamento
da criança do lar e a criminalização da exposição da criança a drogas no úte-
ro, assim como para a sensibilização da mãe para o tratamento.17,30

Pesquisas clínicas

Testes de drogas são úteis na identificação dos níveis e das fontes de


informação subestimadas em uma pesquisa e, assim, podem fornecer uma
base de dados para ajustar as estimativas de prevalência baseadas nos autor-
relatos. A utilidade dos testes de drogas para pesquisas depende do tipo de
substância examinada e também do tipo de teste empregado, sendo que os
testes múltiplos demonstram mais utilidade do que um único teste.9
Muitos trabalhos que utilizaram o autorrelato para pesquisa de ingestão
de álcool em estudos de salas de emergência, demonstraram que essa pode
ser uma estratégia válida quando comparada ao bafômetro.20 No entanto,
para pesquisas de drogas, principalmente as ilícitas, o autorrelato pode ser su-
bestimado, necessitando de outras estratégias de identificação ou detecção. O
fator efetividade da utilização de screenings de urina permanece questionável
devido a suas implicações legais.31,32

Diehl.indd 385 3/11/2009 10:57:18


386 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

Maior ênfase deve ser dada a métodos que possam render estimativas
suficientes para propósitos de monitoração e de pesquisas epidemiológicas e
precisas o bastante para também serem úteis a fins forenses.20

Atletas

A luta contra o abuso de substâncias é uma temática importante em


todo o mundo. Contudo, no “mundo dos esportes”, o tema vem recebendo
crescente atenção e é especialmente divulgado pela mídia de massa. Drogas
recreativas ocupam, de vez em quando, o cenário de algum desportista famo-
so, mas as substâncias de abuso predominantes nesse meio continuam sendo
a maconha, a cocaína, o álcool, os suplementos alimentares, as anfetaminas e
os esteroides anabolizantes.33-36
A literatura científica mostra que o fenômeno do doping nos esportes
é complexo e multifacetado, pois envolve várias causas e fatores que não se
originam apenas no campo atlético/desportivo, mas que têm na universali-
dade sua característica principal. Na realidade, o fenômeno é observado em
todas as idades e todos os níveis de competição, sendo do interesse de todas
as áreas esportivas.37,38
Acredita-se que muitos atletas provavelmente continuem usando subs-
tâncias prejudiciais no futuro apesar dos riscos legais e à saúde, pois a incli-
nação para a vitória, associada com o sonho da glória, da fama e do dinheiro,
os impulsionam à experimentação.38
Em 2006, em torno de 200.000 amostras de atletas foram analisadas no
mundo, sendo que 1,96% testaram positivas.39 No futebol, dados documen-
tados pela FIFA, relativos ao período entre 1994 e 2005, mostram que a inci-
dência de casos positivos de doping durante os últimos 11 anos foi de 0,12%,
com cerca de 0,42% em 2004 (com base na suposição de 20.750 amostras por
ano) e 0,37% em 2005.40 Acredita-se que o nível bastante alto de uso recre-
ativo de droga entre jogadores de futebol não se reflita no número de testes
positivos, sugerindo que muitos jogadores usuários de substâncias proibidas
não sejam “pegos” em testes de doping e que, de alguma forma, utilizem es-
tratégias para “burlar” as testagens.41
É importante, também, que os médicos que eventualmente atendam
atletas fiquem atentos à impossibilidade de prescrever determinados medi-
camentos, os quais estão sujeitos a normas dos códigos da Agência Mundial
Antidoping (WADA; disponíveis em www.wada-ama.org/en/). Existem dire-
trizes e regulamentações para que o uso terapêutico de determinadas medica-
ções possa ser orientado e o atleta não tenha sua carreira prejudicada.39
O número de atletas com testes positivos em avaliações de doping revela
que a estratégia atual do programa poderia ser analiticamente adequada a me-
lhores práticas, voltadas para uma política mais preventiva e educativa.35,38,41

Diehl.indd 386 3/11/2009 10:57:18


Tratamentos farmacológicos para dependência química 387
Considerações finais

Os testes de drogas são poderosas ferramentas na prevenção e no trata-


mento do abuso e da dependência de substâncias. A compreensão das limi-
tações dos testes, suas vantagens e desvantagens, bem como dos diferentes
contextos nos quais são empregados é crucial para melhor conhecimento,
interpretação e manejo dos resultados.42

Referências

1. DuPont RL. Drug testing. In: Miller NS, Gold MS, Smith DE, editors. Manual of thera-
peutics for addictions. New York: Wiley-Liss; 1997. p.86-94.
2. Gallardo E, Queiroz JA. The role of alternative specimens in toxicological analysis.
Biomed Chromatogr. 2008 Aug;22(8):795-821.
3. Kim JY, Cheong JC, Kim MK, Lee JI, In MK. Simultaneous determination of amphe-
tamine-type stimulants and cannabinoids in fingernails by gas chromatography-mass
spectrometry. Arch Pharm Res. 2008 Jun;31(6):805-13.
4. Garcia-Jimenez S, Heredia-Lezama K, Bilbao-Marcos F, Fuentes-Lara G, Monroy-Noyola
A, Deciga-Campos M. Screening for marijuana and cocaine abuse by immunoanalysis
and gas chromatography. Ann N Y Acad Sci. 2008 Oct;1139:422-5.
5. Jemionek JF, Copley CL, Smith ML, Past MR. Concentration distribution of the ma-
rijuana metabolite Delta 9-tetrahydrocannabinol-9-carboxylic-acid and the cocaine
metabolite benzoylecgonine in the department of defense urine drug testing program.
J Anal Toxicol. 2008 Jul-Aug;32(6):408-16.
6. Drummer OH. Introduction and review of collection techniques and applications of
drug testing of oral fluid. Ther Drug Monit. 2008 Apr;30(2):203-6.
7. Tavares O. Doping no esporte: uma análise tendo como foco os atletas olímpicos bra-
sileiros e alemães. Rev Bras Cienc Esporte. 2005 Set;27(1):37-53.
8. Highfield R. Olympic Games drug testing means’cheaters escape and innocents tar-
nished’ [Artigo online]. 2008 Ago [capturado 2008 Dez 26]; Disponível em: http://
www.telegraph.co.uk/scienceandtechnology/science/sciencenews/3348936/Olympic-
Games-drug-testing-means-’cheaters-escape-and-innocents-tarnished’.html.
9. Fendrich M, Johnson TP, Wislar JS, Hubbell A, Spiehler V. The utility of drug testing in
epidemiological research: results from a general population survey. Addiction. 2004
Feb;99(2):197-208.
10. Ricordel I, Wenzek M. [Cannabis and safety of work. Evolution of its detection
within the controls of narcotics since 2004 to the SNCF]. Ann Pharm Fr. 2008
Aug;66(4):255-60.
11. Nolan S. Drug–free workplace programmes: New Zealand perspective. Forensic Sci
Int. 2008 Jan 30;174(2-3):125-32.
12. Substance Abuse and Mental Health Services Administratin (SAMHSA). [Homepage
na internet]. Disponível em: http://www.workplace.samhsa.gov/.
13. Verstraete AG, Pierce A. Workplace drug testing in Europe. Forensic Sci Int. 2001 Sep
15;121(1-2):2-6.

Diehl.indd 387 3/11/2009 10:57:18


388 Diehl, Cordeiro, Laranjeira & cols.

14. Hawks RL, Chiang CN. Urine testing for drugs of abuse. Rockville: Department of
Health and Human Services, National Institute on Drug Abuse; 1986. p.1481.
15. Osterloh JD, Becker CE. Chemical dependency and drug testing in the workplace. West
J Med. 1990 May;152(5):506-13.
16. Macdonald S. Work-place alcohol and other drug testing: a review of the scientific
evidence. Drug Alcohol Rev. 1997 Sep;16(3):251-9.
17. Collins JA. Imunoensaio e testes de drogas aditivas em laboratório de toxicologia
[slides]. 2007 Set [capturado 2008 Dez 27]:[62 slides]; Disponível em: http://
www.abbottdiagnostics.com/science/Explorations_Innovations_Webcasts/2007/
pdf/2007_09_18_pres_portuguese.pdf.
18. Kipnis S, Serdinsky G, Davidoff J. Alcohol & drug screens: a guide to the interpretation
and effective use of screens for substances of abuse [slides]. [capturado 2008 Dez
31]:[94 slides]; Disponível em: http://www.oasas.state.ny.us/AdMed/documents/
drugscreen.ppt.
19. Gibb KA, Yee AS, Johnston CC, Martin SD, Nowak RM. Accuracy and usefulness of a
breath alcohol analyzer. Ann Emerg Med. 1984 Jul;13(7):516-20.
20. Cherpitel CJ, Ye Y, Bond J, Borges G, Macdonald S, Stockwell T, et al. Validity of self-
reported drinking before injury compared with a physiological measure: cross-national
analysis of emergency-department data from 16 countries. J Stud Alcohol Drugs. 2007
Mar;68(2):296-302.
21. Bennet T. Drugs and crime: the results of research on drug testing and interviewing
arrestees. London: Great Britain Home Office Research Development and Statistics
Directorate; 1998. p.119.
22. Kintz P, Villain M, Cirimele V. Hair analyses for drug detection. Ther Drug Monit. 2006
Jun;28(3):442-6.
23. Bragg M. Is urinary drug screening useful clinically? Emerg Med Australas. 2007
Jun;19(3):246-52.
24. American Bio Medica Corporation [homepage]. New York: NASDAQ/ABMC; [acesso
em 2009 maio 23]. Disponível em: http://www.abmc.com.
25. Dasgupta A. Adulterants and drugs-of- abuse testing: an update. MLO Med Lab Obs.
2008 Feb;40(2):24-5.
26. Cooke F, Bullen C, Whittaker R, McRobbie H, Chen MH, Walker N. Diagnostic accuracy
of NicAlert cotinine test strips in saliva for verifying smoking status. Nicotine Tob Res.
2008 Apr;10(4):607-12.
27. Helland A, Espnes KA, Reimers A, Aamo T, Zahlsen K, Rygnestad T, et al. Toxicological
screening of medicines and drugs in emergency cases. Tidsskr Nor Laegeforen. 2008
Jan 3;128(1):42-5.
28. Reis AD, Figlie NB, Laranjeira R. Prevalência do uso de substâncias em pacientes com
traumas em um pronto socorro brasileiro. Rev Bras Psiquiatr. 2006 Set;(28)3:191-5.
29. Koren G, Hutson J, Gareri J. Novel methods for the detection of drug and alcohol ex-
posure during pregnancy: implications for maternal and child health. Clin Pharmacol
Ther. 2008 Apr;83(4):631-4.
30. Araojo R, McCune S, Feibus K. Substance abuse in pregnant women: making improved
detection a good clinical outcome. Clin Pharmacol Ther. 2008 Apr;83(4):520-2.

Diehl.indd 388 3/11/2009 10:57:18


Tratamentos farmacológicos para dependência química 389
31. Bast RP, Helmer SD, Henson SR, Rogers MA, Shapiro WM, Smith RS. Limited utility
of routine drug screening in trauma patients. South Med J. 2000 Apr;93(4):397-9.
32. Ozminkowski RJ, Mark TL, Goetzel RZ, Blank D, Walsh JM, Cangianelli L. Relationships
between urinalysis testing for substance use, medical expenditures, and the occurrence
of injuries at a large manufacturing firm. Am J Drug Alcohol Abuse. 2003;29(1):151-
67.
33. Iven VG. Recreational drugs. Clin Sports Med. 1998 Apr;17(2):245-59.
34. Gaillard Y, Vayssette F, Pépin G. Compared interest between hair analysis and urinalysis
in doping controls. Results for amphetamines, corticosteroids and anabolic steroids in
racing cyclists. Forensic Sci Int. 2000 Jan 10;107(1-3):361-79.
35. VanHelder WP, Kofman E, Tremblay MS. Anabolic steroids in sport. Can J Sport Sci.
1991 Dec;16(4):248-57.
36. de Hon O, Coumans B. The continuing story of nutritional supplements and doping
infractions. Br J Sports Med. 2007 Nov;41(11):800-5.
37. Rieu M. The fight against doping: today and tomorrow. Bull Acad Natl Med.
2004;188(6):955-71.
38. Lippi G, Franchini M, Guidi GC. Doping in competition or doping in sport?. Br Med
Bull. 2008;86:95-107.
39. Hartgens F. Medications, alhetes and doping regulations. Ned Tijdschr Geneeskd. 2008
Aug 16;152(33):1844-8.
40. Dvorak J, Graf-Baumann T, D’Hooghe M, Kirkendall D, Taennler H, Saugy M. FIFA’s
approach to doping in football. Br J Sports Med. 2006 Jul;40 Suppl 1:i3-i12.
41. Waddington I, Malcolm D, Roderick M, Naik R. Drug use in English professional foo-
tball. Br J Sports Med. 2005 Apr;39(4):e18.
42. Moeller KE, Lee KC, Kissack JC. Urine drug screening: practical guide for clinicians.
Mayo Clin Proc. 2008 Jan;83(1):66-76.

Leituras recomendadas

Exames e testes do uso de drogas. Qualidade de vida: sistema de provas rápidas para detectar
o consumo de drogas através da urina. [Homepage na internet]. Disponível em: http://
www.sapiensvita.com.br/usodrogas.html.
Dupont RL, Selavka CM. Testing to identify recent drug use. In: Galanter M, Kleber HD.
Textbook of substance abuse treatment. 4th. ed. Virgínia:American Psychiatric Pub, 2008.
p. 655-64.

Diehl.indd 389 3/11/2009 10:57:18


Diehl.indd 390 3/11/2009 10:57:18
ÍNDICE

A Anfetaminas, 202-203, 253-257, 260


Ansitec ver Buspirona
Acamprosato
Antagonista 5HT3, 205-206, 279
conceito, 112
Antagonistas dopaminérgicos, 198
mecanismo de ação, 112 -113
Antagonistas dos canais de cálcio,
orientações clínicas, 113-114
200-201
Acetato de prata, 153-154
Antagonistas opioides, 200
Acetonas ver Inalantes
Anticolinérgicos
Ácido lisérgico ver LSD
conceito, 305-306
Acomplia ver Rimonabanto
tratamento, 306
Adesivo de nicotina
Anticonvulsionantes, 190-192, 278
conceito, 149
Antidepressivos, 142-145, 193-197, 267
contraindicações, 150
Antipsicóticos, 173-174, 199, 266, 278
efeitos colaterais, 150
Atletas, 386
orientações clínicas, 149
Automonitoramento, 82-83
precauções, 149
Ayahuasca, 284
Adolescentes, 158-159
Agentes aversivos, 201-202
Álcool B
conceito, 25 B25 ver Cloreto de metileno
efeitos farmacológicos, 27 Baclofen
farmacocinética, 25-26 conceito, 117
mecanismo de ação, 26-27, 57 efeitos colaterais, 117
Alucinógenos Barbitúricos, 247-249
classificação, 284-285 Benflogin ver Cloridrato de benzidamina
conceito: 35-36, 283-284 Benzina ver Inalantes
tratamento, 285-287 Benzodiazepínicos
Alucinose alcoólica, 99 conceito, 33, 229-230, 266
Ambivalência, 81 estatísticas, 238
Anabolizantes ver Esteroides farmacocinética, 33-34
anabolizantes mecanismo de ação, 34-35

Diehl.indd 391 3/11/2009 10:57:19


392 Índice

Bloqueadores adrenérgicos, 203-204 D


Buprenorfina, 224-225
Daforin ver Fluoxetina
Bupropiona
Delirium tremens, 98-99
conceito, 142, 171-172, 196-197
Depakane ver Valproato
contraindicações, 143
Depakene ver Valproato de sódio
efeitos colaterais, 143
Depakote ver Valproato de sódio
mecanismo de ação, 142-143
Dependência, 62-63
orientações clínicas, 143-144
Depressão, 160, 332
Buspanil ver Buspirona
Dissulfiram
Buspar ver Buspirona
conceito, 103, 201
Buspirona, 171
considerações, 109
BZDs ver Benzodiazepínicos
contraindicações, 108
controle laboratorial, 108-109
C interações medicamentosas, 109
Cafeína, 312 intoxicação, 108
Cannabis sativa ver Maconha mecanismo de ação, 104-105, 201
Cápsula do medo ver Cápsula do vento modo de uso, 107-108
Cápsula do vento, 311-312 reações adversas, 108
Carbamazepina, 191, 243-244 situações especiais, 109
Cetamina Drogas nootrópicas, 204
conceito, 43, 298-299 DSF ver Dissulfiram
efeitos farmacológicos, 44 DT ver Delirium tremens
farmacocinética, 43
mecanismo de ação, 43-44 E
tratamento, 299
Ecstasy líquido ver GHB
Chá da morte, 309-310
Ecstasy ver Psicoestimulantes
Chá de fita ver Chá da morte
Efedrina, 310-311
Champix ver Vareniclina
Efexor XR ver Venlafaxina
Cigarro ver Nicotina
Esquizofrenia, 159, 331-332
Clonidina, 152
Esteroides anabolizantes
Cloreto de metileno, 310
conceito, 291-293
Cloridrato de benzidamina, 309
prevenção, 293-294
Clozapina ver Antipsicóticos
tratamento, 294-295
Cocaína
Etanol ver Álcool
conceito, 31
Eufor ver Fluoxetina
efeitos farmacológicos, 32-33
farmacocinética, 31-32
mecanismo de ação, 32, 55-56 F
Codeína ver Opioides Fentanil ver Opioides
Cola ver Inalantes Flumazenil, 232-234
Comorbidades, 327-329 Fluoxetina, 170-171
Compulsão sexual, 335-336 Fluxene ver Fluoxetina
Convulsão, 98
Crack: conceito, 31 G
Crystal ver Psicoestimulantes
Gabapentina, 191

Diehl.indd 392 3/11/2009 10:57:19


Índice 393
Gasolina ver Inalantes Intoxicação aguda por metanfetaminas
Genética, 63-64 conceito, 259
Gestantes, 158, 385 tratamento, 261-263
GHB Intoxicação aguda por opioides
conceito, 41, 299-300 complicações clínicas, 218
efeitos farmacológicos, 42-43 quadro clínico, 217-218
farmacocinética, 41 tratamento, 218-220
mecanismo de ação, 41-42
tratamento, 300-301 J
Gomas de nicotina
Jogo patológico, 336
conceito, 150
JP ver Jogo patológico
contraindicações, 150
efeitos colaterais, 150
Grupos de apoio, 83-84 K
Kemstro ver Baclofen
H
Haloperidol ver Antipsicóticos L
Heroína ver Opioides LAAM, 224
Hipnóticos ver Benzodiazepínicos Lamictal ver Lamotrigina
Hospitalizados, 161 Lamotrigina, 192-193
Lança-perfume ver Inalantes
I Lanexat ver Flumazenil
Laxantes, 311
Idosos, 161-162
Levometadilacetato ver LAAM
Inalantes
Lioresal ver Baclofen
conceito, 44-45, 277-278
Lítio, 198-199
efeitos farmacológicos, 45-46
LSD
farmacocinética, 45
conceito, 35-36, 284-285
mecanismo de ação, 45
efeitos farmacológicos, 37
possibilidades terapêuticas, 278-279
farmacocinética, 36
Intervenções motivacionais, 78-79
mecanismo de ação, 36-37
Intervenções psicossociais, 78-79, 130,
LY686017, 117-118
329-330
Intoxicação aguda por álcool
quadro clínico, 90 M
tratamento medicamentoso, 91 Maconha
tratamento não medicamentoso, conceito, 29
90-91 efeitos farmacológicos, 31
Intoxicação aguda por anfetaminas farmacocinética, 29-30
conceito, 259-260 mecanismo de ação, 30-31, 56, 169
tratamento, 261-263 MDMA ver Psicoestimulantes
Intoxicação aguda por Meperidina ver Opioides
benzodiazepínicos Mescalina, 284
tratamento, 231-232 Metadon ver Metadona
Intoxicação aguda por cocaína Metadona, 223-224
tratamento, 185-186 Metanfetaminas, 253-257, 260-261

Diehl.indd 393 3/11/2009 10:57:19


394 Índice

Método socrático, 81 Opioides


Metoxissaleno, 153 classificação, 217
Mirtazapina, 197 conceito, 46
Modelo BRENDA, 78-79 efeitos farmacológicos, 47-48
Morfina ver Opioides farmacocinética, 46-47
Motivação, 81 mecanismo de ação, 47, 57

N P
Nalmefene, 119 Pamelor ver Nortriptilina
Naltrexona Parafilias ver Transtorno de preferência
conceito, 110, 225 sexual
contraindicações, 110-111 Pastilhas de nicotina, 151
efeitos adversos, 111-112, 225 PCP ver Cetamina
mecanismo de ação, 110 Pesquisa clínica
orientações clínicas, 112 conceito, 347-348
Nefazodona, 172, 196 desafios, 352
Neuroimagem, 66-69 ensaios, 351
Neurontin ver Gabapentina investigação, 350
Neuropsicologia, 64-66 perspectivas, 355-356
Nicogen ver Metoxissaleno práticas, 349
Nicorette ver Gomas de nicotina Pindolato de piridoxina, 91-92
Nicotina Poliusuários
conceito, 27-28 características, 318-319
efeitos farmacológicos, 29 recomendações, 320
farmacocinética, 28 Propoxifeno ver Opioides
histórico, 127-129 Prozac ver Fluoxetina
mecanismo de ação, 28-29, 56-57, Psicoestimulantes
141-142 conceito, 37-38
Niquitin ver Adesivo de nicotina, efeitos farmacológicos, 40
Pastilhas de nicotina farmacocinética, 39-40
Nortriptilina mecanismo de ação, 40, 56
conceito, 144 Psilocibina, 284
contraindicações, 145
cuidados especiais, 145 R
efeitos colaterais, 144-145
Remeron ver Mirtazapina
orientações clínicas, 144
Revia ver Naltrexona
NTX ver Naltrexona
Rimonabanto, 174
Risperidona ver Antipsicóticos
O
Olanzapina, 119 S
Ondansetron
SAA ver Síndrome de abstinência
conceito, 116
do álcool
orientações clínicas, 117
SDA ver Síndrome de dependência
reações adversas, 117
do álcool
Ópio ver Opioides

Diehl.indd 394 3/11/2009 10:57:19


Índice 395
Sedativos ver Benzodiazepínicos estatísticas, 188
Serzone ver Nefazodona Síndrome de dependência de maconha
Síndrome de abstinência de anfetaminas estatísticas, 168
conceito, 265-266 evidência científica, 169-174
tratamento, 266-267 prática clínica, 174-177
Síndrome de abstinência de benzodiaz- Síndrome de dependência de
epínicos metanfetaminas
conceito, 239-240 conceito, 269-270
tratamento medicamentoso, 241-244 tratamento, 270-273
tratamento não medicamentoso, 241 Síndrome de dependência de opioides
Síndrome de abstinência de maconha, tratamento, 223-225
167 Síndrome de dependência do álcool
Síndrome de abstinência de quadro clínico, 102
metanfetaminas Síndrome demencial alcoólica, 99
conceito, 265-266 Sistema de recompensa cerebral, 57-58
tratamento, 266-267 Sistema límbico de recompensa, 58-62
Síndrome de abstinência de opioides, Solventes
223 conceito, 44-45
Síndrome de abstinência do álcool efeitos farmacológicos, 45-46
contraindicações, 100 farmacocinética, 45
exames, 100 mecanismo de ação, 45
quadro clínico, 94-95
tratamento em casos específicos, T
98-99
TAB ver Transtorno afetivo bipolar
tratamento farmacológico, 96-98
Tabaco ver Nicotina
Síndrome de abstinência por cocaína:
Tabagismo ver Síndrome de
tratamento, 186
dependência da nicotina
Síndrome de dependência da nicotina
TDAH ver Transtorno de déficit de
estatísticas, 139-140
atenção/hiperatividade
intervenções farmacológicas, 131
Técnicas cognitivo-comportamentais,
intervenções psicossociais e
80-83
farmacoterápicas, 131
Tegretol ver Carbamazepina
intervenções psicossociais, 130
Temgesic ver Buprenorfina
outras modalidades terapêuticas,
TEPT ver Transtorno de estresse
151-154
pós-traumático
tratamentos farmacológicos com
Testes de drogas
nicotina, 148-151
aplicações clínicas, 381-386
tratamentos farmacológicos não
conceito, 375-376
nicotínicos, 142-148
metodologias, 376-380
Síndrome de dependência de
vantagens e desvantagens, 380-381
anfetaminas
Topamax ver Topiramato
conceito, 269-270
Topiramato
tratamento, 270-273
conceito, 114, 191-192
Síndrome de dependência de
considerações, 116
benzodiazepínicos, 239-240
efeitos colaterais, 115-116
Síndrome de dependência de cocaína

Diehl.indd 395 3/11/2009 10:57:19


396 Índice

orientações clínicas, 115 Vareniclina


situações especiais, 116 conceito, 118-119, 145-146
Torval CR ver Valproato de sódio contraindicações, 147
TPM ver Topiramato efeitos colaterais, 147
Transtorno afetivo bipolar, 337-338 evidência científica, 147-148
Transtorno de déficit de orientações clínicas, 146-147
atenção/hiperatividade, 333-335 Venlafaxina, 197
Transtorno de estresse pós-traumático, Venlift OD ver Venlafaxina
338 Verotina ver Fluoxetina
Transtorno de preferência sexual,
339-340
Transtornos de personalidade, 338
W
Transtornos do sono, 332-333 Wellbutrin ver Bupropiona

V Z
Vacinas, 153, 204-205 Zetron ver Bupropiona
Valpakine ver Valproato de sódio Zofran ver Ondansetron
Valproato de sódio, 172-173, 193 Zyban ver Bupropiona
Valproato, 244 Zyprexa ver Olanzapina

Diehl.indd 396 3/11/2009 10:57:19


Tratamentos Farmacológicos para
Dependência Química
Da Evidência Científica à Prática Clínica
ALESSANDRA DIEHL
DANIEL CRUZ CORDEIRO
RONALDO LARANJEIRA
e colaboradores

Um dos principais desafios enfrentados por quem atende pacientes com depen-
dência química é lidar com o crescente número de artigos científicos e encontrar
respostas efetivas à demanda de atualização ao mesmo tempo em que mantém
um conhecimento sólido, flexível e dinâmico.

Os autores deste livro, destacados profissionais brasileiros, sistematizam os


dados mais atuais sobre o tema, fornecendo subsídios clínicos e científicos que
auxiliam o leitor a aprimorar sua capacidade de tomar decisões em relação à
farmacoterapia adequada às diferentes dependências químicas.

Este livro abrangente sobre o tratamento farmacológico para dependência


química aborda, entre outros tópicos: farmacologia, neurociência, intervenções
psicossociais, diversas substâncias (álcool, nicotina, maconha, cocaína, entre
outras), comorbidades e pesquisa clínica, constituindo-se em recurso indispen-
sável para os profissionais da área.

Você também pode gostar