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Copyright © 2021 Sarah Mercury

SEDUZIDA PELO CONSIGLIERE

1ª Edição | Criado no Brasil


Edição digital

Autora: Sarah Mercury


Revisão e diagramação: Luana Souza
Capa: T.V. Designer

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL DESTA OBRA, DE QUALQUER


FORMA OU POR QUALQUER MEIO ELETRÔNICO OU MECÂNICO, INCLUSIVE POR
MEIO DE PROCESSOS XEROGRÁFICOS, INCLUINDO AINDA O USO DA INTERNET,
SEM A PERMISSÃO EXPRESSA DA AUTORA (LEI 9.610 DE 19/02/1998).
ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. NOMES, PERSONAGENS, LUGARES E
ACONTECIMENTOS DESCRITOS SÃO PRODUTOS DA IMAGINAÇÃO DA AUTORA.
QUALQUER SEMELHANÇA COM ACONTECIMENTOS REAIS É MERA
COINCIDÊNCIA. TODOS OS DIREITOS DESTA EDIÇÃO SÃO RESERVADOS PELA
AUTORA.
Atenção
Dedicatória
Nota da autora
Sinopse
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Bônus - Marco Moretti
Capítulo 38
Epílogo 1
Epílogo 2
Próximo livro: Proibido
Prólogo: Proibido
Trilogia “Camorra”
Outros trabalhos
Sobre a autora
Redes sociais
Este livro (1.5) é um spin-off da trilogia “Camorra”, que já se
encontra disponível aqui, na Amazon Kindle. Os acontecimentos
descritos nele se passam entre os livros 1 e 2.
A obra se trata de um romance dark, ou seja, contém cenas
de sexo explícito, violência, tortura, palavras de baixo calão e
assassinato. Portanto, é indicada para maiores de 18 anos. Se você
é sensível a esse tipo de conteúdo, não a leia! Contém gatilhos.
A autora não concorda de forma alguma com tais atrocidades.
É uma história fictícia.
Dedico este livro ao meu querido esposo e à minha vozinha
Maria por serem meus grandes incentivadores, e aos meus amigos
fiéis por sempre acreditarem em mim e fazerem parte da construção
dos meus sonhos: Luana, Maiza e Mikael.
Se hoje colho os frutos do meu trabalho, com toda a certeza é
graças a cada um de vocês, que caminharam comigo por essa
longa e árdua jornada.

Obrigada por tudo!


Amo vocês!
Enfim, mais uma obra entregue.
Estou imensamente feliz por contar a história destes dois.
Confesso que, de início, Henrique e Giovanna não tinham
crescido em mim como haviam crescido nas minhas queridas
leitoras. Ao decorrer das outras histórias, foram feitos tantos pedidos
para que tivesse o livro deles, que foi impossível não começar a
pensar no enredo, no título, nos personagens e em cada detalhe
com carinho.
Eu abracei mais esse desafio, e mesmo com todos os
empecilhos encontrados pelo caminho, sou muito grata pelo
incentivo e por todo amor que recebo, seja em forma de parcerias,
mensagens ou comentários nas minhas obras e redes sociais.
Vocês são maravilhosos, e eu não me canso de dizer isso e
agradecer.
Desejo que esse casal conquiste os corações de todos os
leitores, tanto quanto os outros, e torço muito para que vocês
possam amá-los como eu amo, independente dos seus defeitos.

Beijos, meus amores!


Sarah Mercury
Henrique Cavallari era um homem prático e controlado até
conhecer Giovanna. Nascido e criado na Camorra, não teve uma
vida fácil, pois desde jovem precisou ir ao exército a mando do seu
capo. Como um bom soldado, ele foi para cumprir com seu
juramento de sempre ser fiel e morrer pela máfia.
Mesmo que, na maioria do tempo, não concordasse com as
regras e com a forma como a organização era administrada,
Henrique abandonou sua família e foi para a batalha sem
questionar. Contudo, ele não recebeu o mesmo respeito da máfia,
pois quando voltou para casa, o seu lar já não existia mais e sua
família estava destruída devido à morte de sua irmã mais nova.
Ele jurou vingança e, por anos, planejou cada detalhe dela.
Henrique só não esperava que, no meio do caminho, iria descobrir
um sobrinho bastardo e, de quebra, casar-se com uma moça
atrevida que o odiaria como se fosse o próprio diabo em pessoa.
Giovanna Vittieli era uma menina sonhadora que, por anos,
viveu um amor às escondidas com um dos soldados da famiglia. Ela
esperava ter a chance de fugir e começar sua vida longe deles. Só
não imaginava que sua história proibida e fadada ao fracasso iria se
findar com a morte do seu amado Damien pelas mãos do homem
que teria a audácia de se casar com ela.
Giovanna o odeia com tudo de si e jurou, que mesmo tendo
sido forçada a se casar com ele, jamais iria deixá-lo ter seu corpo e
seu coração.
Pode o amor perdoar os erros do passado e aceitar as
bagagens que todos os segredos trouxerem com ele?
“Em certos crimes, nem todo assassino é tão culpado, nem
toda vítima é tão inocente.”

Hideraldo Montenegro
Saio de fininho do meu quarto e desço em direção à cozinha
dos empregados, onde sei que ele faz um breve lanche todas as
noites quando acontece a troca de soldados e chega o fim de suas
rondas noturnas. Ele é muito mais velho do que eu, porém não me
importo.
Odeio saber que logo serei sacrificada como um cordeiro, dada
como uma promessa de paz que todos sabemos que não durará
muito tempo. Só de pensar que não estarei mais em seus braços,
sinto uma dor imensa no peito. Eu não me importaria de fugir e viver
longe daqui, porque nada disso aqui me importa. Mas nós dois
sabemos como seria nosso fim. Papai não me perdoaria, e além de
ser expulsa de casa, deserdada, eu seria jogada em um bordel
qualquer. De quebra, matariam ele por ter tocado em uma das
mulheres da família. Seríamos sentenciados e condenados pelo
resto das nossas vidas.
Chego por trás de suas costas e o abraço.
— Você demorou. Achei que não viria hoje. — Acaricia minha
bochecha.
— Samantha custou a dormir e eu fiquei com medo de que ela
me visse sair.
Nós nos olhamos por um tempo, com todas as palavras
engasgadas e, ao mesmo tempo, sem ter o que falar. Sabemos que
nada pode ser feito.
— Estou com medo. — assumi, sentindo a angústia me tomar.
— Seja corajosa, principessa! Nossos destinos foram traçados
desde o nosso nascimento. Não há nada a se fazer.
— Eu sei. — Tremo os lábios, segurando o choro. — Promete
não se esquecer de mim?
Ele segura o meu pescoço e junta nossas testas.
— É tudo que posso te prometer, pequena.
— Quero que saiba que posso até ser dada a esse homem em
casamento, mas que ele nunca terá meu coração, porque eu te
amo. — Nesta hora, meus olhos já estão alagados, e mesmo que eu
tente segurar as lágrimas, elas escorrem pelas minhas bochechas.
Isso é muito injusto.
— Faça amor comigo! Uma última vez. — pedi com jeitinho.
E ele faz. Beija-me e me toma em seus braços, amando todo o
meu corpo de maneira marcante e carinhosa.
Mal sabia eu que quando disse aquelas palavras,
inconscientemente, selava ali o fim de uma história de amor tão
trágica quanto às de Shakespeare que eu lia desde menina.

(...)

Arrumo-me em frente ao espelho, passando mais um pouco de


corretivo nos olhos a fim de esconder as olheiras. Mamãe entra,
seguida por Samantha. Elas apenas me aguardam para me levarem
ao meu “velório”. Escolhi um vestido preto que usei no funeral da
vovó, exatamente para mostrar o quanto estou me sentindo infeliz
com tudo isso.
— Eu sei que você não está feliz com esse noivado, mas
precisava vestir preto? Quer que o seu pai te bata na frente de todos
eles e te humilhe perante nossos convidados? — minha mãe
comentou.
— É só um vestido, mamãe. Além disso, ele é de alta costura,
muito caro e bonito demais para ser usado somente uma vez na
vida.
— Você quem sabe. Depois, não diga que não avisei!
Nós descemos as escadas e as conversas param
instantaneamente, porque todos me observam como se eu fosse a
atração da noite. O que não deixa de ser verdade, já que estão
montando todo esse circo na sala para, no fim, servirem-me como
prato principal.
Papai aperta os lábios em uma linha fina ao ver a roupa que eu
escolhi.
— Giovanna, minha filha! Venha conhecer seu noivo! — Seu
aperto é firme em meu braço, deixando claro o quanto ele odiou a
minha rebeldia.
Olho para a frente e bato meus olhos no jovem homem de
expressão indiferente. Para ele, é como se eu fosse um mero
incômodo a ser suportado. Pior do que esse, é o outro mais velho
ao seu lado, que está com o olhar mortal e parece ser mais frio do
que uma geleira.
Engulo em seco quando ele não desvia seus olhos dos meus.
Se antes, eu já sentia medo, agora estou apavorada.
— Esse é o Vincent, o subchefe de Los Angeles. — Papai
aponta para o mais novo. — Vincent, essa é a minha doce
Giovanna.
Ele apenas dá um leve balançar de cabeça como
cumprimento, estudando-me, puxa do bolso uma caixinha azul com
um anel solitário de várias pedrinhas pequenas o enfeitando e me
entrega. Nem faz questão de colocá-lo em meu dedo, deixando
claro o quanto está chateado com tudo isso também.
Maravilha! Além de ser um assassino cruel, será um marido
que nem me conhece e já me odeia. Mil vezes ótimo!
— Já que todos estamos devidamente apresentados, vamos
comemorar! — Papai bate palmas, feliz, fazendo-me lembrar da
apresentação de uma foca que vi na televisão. Ele parece ser o
único radiante com isso aqui.
O jantar transcorre como o desejado e as mulheres são
dispensadas da mesa assim que terminamos. Enquanto isso, todos
os homens são levados até a sala para conversarem.
— Teremos três meses para preparar tudo. — mamãe disse ao
meu lado. — Ele pediu esse tempo ao seu pai.
— Parece tão pouco. — Ao menos sei quanto tempo terei
perto do Damien agora.
— Pare! Você deveria estar feliz com a escolha. Seu pai
poderia ter dado sua mão a um velhote qualquer. Ao menos seu
marido é um homem jovem e bonito.
Eu a olho chocada. Ela acha que isso é bom?
— Uau, mamãe! Estou ansiosa para conhecer o peso da sua
bela e jovem mão. — falei com sarcasmo.
— Sua insolente! — Olha-me de cara feia e se afasta.
Espero-a subir para o seu quarto e saio disfarçada pela porta
dos fundos, a fim de encontrar meu amado. Quando o vejo fumando
no jardim, corro até ele.
— Temos somente três meses juntos. — falei sem fôlego,
jogando-me em seus braços.
— Giovanna! Você não deveria estar aqui. É muito perigoso. —
recriminou-me.
— Eu sei. É que não aguentei ficar mais tempo lá dentro...
Longe de você.
Ele me empurra contra o tronco de uma árvore e me beija
delicadamente. Um contraste interessante: ele é grande e eu sou
pequena. Porém, sou tratada com muita delicadeza.
— Você me deixa louco. Eu já disse que não podemos fazer
mais isso. — Esfrega sua ereção em mim, fazendo-me gemer.
Minha respiração é pesada e eu pulso, desejando-o. Ele tenta
se afastar, mas eu o puxo de volta, colando seu corpo ao meu.
Logo um barulho de palmas à nossa direita nos chama a
atenção, fazendo-nos virar para ver quem é. Nós congelamos.
— É interessante o romantismo de vocês e tudo mais, porém
não posso deixar de me perguntar se o seu pai sabe que a
princesinha dele anda se enroscando com um de seus guardas. — o
homem de olhos frios que meu pai chamou de Henrique, falou
encostado no muro.
Eu não consigo falar.
— Não é isso que o senhor está pensando. — Damien tentou
se explicar. Fica à minha frente, querendo me proteger.
— Não tenho nada a falar com você. Sabe qual é o preço a se
pagar pela traição. — Um estopim seco de arma é tudo que escuto
em seguida.
Um grito alto sai da minha boca quando Damien cai em cima
de mim. Eu não preciso verificar para saber que ele está morto. E
antes de poder tocá-lo, Henrique me puxa pelo braço e me leva para
longe do meu amado.
— Você virá comigo, garota!
— Mas, o que está acontecendo aqui?! — Papai e todos os
convidados vêm aos gritos. — Espero que você tenha uma boa
explicação para isso, Cavallari.
— Acho que isso te pertence. Peguei a garota agarrada a um
dos seus soldados. Eu não sabia que vocês eram tão generosos a
ponto de terem a mania de dividir suas mulheres com eles.
— Sua vagabunda! — Papai acerta um tapa em meu rosto,
fazendo-me cair no chão.
Eu não ligo. Mereço isso e muito mais. Por minha culpa,
Damien morreu. Eu o condenei, por ser tão impulsiva.
— Acho que não temos mais nada a tratar aqui, não é? Nosso
acordo está desfeito. — meu (agora) ex-noivo falou.
— Negativo! Tem a mão da minha outra filha. Daqui a seis
meses, ela completará seus dezessete anos e estará pronta para
desposar.
— Não! — gritei quando percebi que estraguei mais uma vida.
— Por favor, papai! Ela é só uma menina.
— Calada, sua inconsequente! Você não tem o direito de dizer
mais nada.
— Por favor, Enzo! — Olho para meu irmão, implorando por
ajuda, mas ele vira o rosto.
Papai continua com seu discurso e enfia a última faca em meu
coração.
— A partir de hoje, você será jogada em um bordel. Já que
gosta tanto dos meus soldados, fique satisfeita em servir todos eles!
Não faz mais parte dessa família. Podem levá-la daqui!
Choro mais forte.
— Um momento! Nós não nos casamos com criança, Vittieli.
Deveria saber disso. — a voz do desgraçado do Henrique que
acabou com minha vida, soou de novo. — Nós viemos aqui para
entrarmos em um acordo e selar a paz. Já que Vincent, com todo o
direito, é claro, não a quer, eu assumo esse compromisso.
— Você aceita se casar com ela? Mesmo estando danificada?
— meu pai perguntou admirado.
Eu queria gritar e dizer para todos irem se foder, contudo meu
egoísmo me colocou aqui, e se eu fizer mais alguma coisa, será a
minha irmãzinha quem irá pagar por isso.
— Sim. Pode chamar o padre. Oficializaremos agora. Há de
concordar comigo que não será necessária uma festa, já que não
terá a tradição do sangue no lençol.
Stronzo!
— Você quem sabe. A escolha é sua. — Papai ri alto com seus
homens.
— Ótimo! Então, vamos agilizar essa palhaçada. Eu quero
terminar logo com isso e voltar para casa.
— Enzo! Leve-a para se trocar e mande chamarem o padre
imediatamente!
Deixo-me ser levada sem falar nada, uma vez que estou
anestesiada demais para lutar contra algo que eu mesma causei.
Aceito qualquer coisa para salvar ao menos a honra de Samantha.
Não tenho tempo de chorar pelo meu amor, nem guardar meu
luto, porque uma hora mais tarde estou em frente ao padre e de
toda a família, sem direito sequer a uma aliança, assinando, com
dor no coração, minha sentença infernal para o resto da vida.
Definitivamente, deixo de ser uma Vittieli e passo a ser a senhora
Cavallari.
Aguardo-a entrar no carro e acelero para o aeroporto. Não
quero ficar mais um segundo aqui. Eu sou um cara prático, portanto,
se tem como resolver algo na hora, não tem porque ficar arrumando
desculpas e empurrando a situação para a frente. Giovanna pode
não entender agora, no entanto essa foi a melhor forma que achei
de ajudá-la. Se fosse qualquer outra pessoa que tivesse os pegado,
ela teria corrido o risco de terem até mesmo pedido sua morte, por
desrespeito.
Esses jovens de hoje não sabem seguir as malditas regras e
evitarem problemas. Eu não ia me meter, mas como Vincent pulou
fora, tive que fazer algo. O porquê me importei, não sei dizer, mas
talvez tenha sido pelo motivo de querer salvar sua irmã mais nova
de uma vida miserável ao nosso lado. Uma vez inimiga, sempre
será tratada como inimiga pelo nosso povo. Eu não queria me casar,
contudo, mais cedo ou mais tarde, isso iria acabar acontecendo.
Pelo menos nós saímos com tudo resolvido e ela é muito bonita, de
família nobre... Irá me dar os herdeiros que preciso.
Desligo o carro e a olho por um tempo, tentando entender o
que fez uma pessoa arriscar tanto sua vida em prol de alguém que
nem mesmo lutou por ela e que a mantinha escondida como um
segredinho sujo. Uma porra de uma piada! O cara tirou sua honra
sem se preocupar se o atual marido poderia matá-la na noite de
núpcias ao descobrir a verdade. Eu deveria ter descarregado minha
arma nele.
— Pegue suas coisas! Temos que ir. — pedi.
— Eu não tenho nada. Não viu que só saí com a roupa do
corpo?
— Quando chegarmos em Milão, você comprará tudo novo.
Estará no centro da moda.
— Que maravilha! Eu deveria me ajoelhar e te agradecer por
isso?
Petulante!
— Se quiser, fique à vontade! De preferência, com sua boca
em meu pau, chupando-o.
Ela arregala os olhos.
— Stronzo! Nunca me tocará! Somente se for à força.
Tão inocente! Nunca fui desse tipo, e não vai ser agora que
serei.
Chego bem perto dela para que veja a verdade em meus
olhos.
— Eu não vou precisar, boneca. Não tocarei um dedo em você
até que queira isso. Pode demorar um pouco, mas te garanto que
logo terei você implorando pelos meus toques, meus beijos e meu
grande e grosso pau.
Ela arfa com minhas palavras e fica com as bochechas
coradas.
— Você é muito convencido, não é?
— Não. Apenas seguro de quem sou e de onde irei chegar.
— Eu odeio você! Eu o amava, e por sua culpa, ele vai ser
enterrado como um traidor.
— Mas ele não te amava, menina, e era sim um traidor. Fique
feliz por ele ainda ser enterrado! Eu teria o jogado no lago para os
jacarés o comerem e não deixarem sobrar nada dele, por ter ousado
tocar no que não lhe pertencia.
— Não fale dele! Não diga o que não sabe! — disse com a voz
embargada.
— Não precisei saber muito, pois o que vi, foi o suficiente para
eu compreender a índole dele. — tentei suavizar minha voz para
não a deixar mais assustada. — Escute! Eu poderia dizer todos os
motivos do porquê ele não te respeitava e não tinha um pingo de
consideração por você, mas vou deixar que descubra isso sozinha.
Você poderia estar, neste momento, sendo violentada por uma
horda de homens sem um pingo de piedade. Então, eu te salvei.
Não seja uma ingrata! E como preciso chegar logo em casa, deixe
de dramas e entre no jato! Tenho meus compromissos a cumprir.
Ela sai marchando em minha frente e eu entro no veículo
depois dela.
Somente quase doze horas depois, chegamos no nosso
destino.
Camillo arqueia uma de suas sobrancelhas quando a vê
descer comigo.
— Senhor! Como foi a viagem?
— Foi bem, Camillo. Quero te apresentar a Giovanna, minha
esposa. — Ele me olha sério e apenas movimenta a cabeça. —
Você será o responsável pela sua segurança a partir de hoje.
— Como quiser.
— Oh! Eu não vou ter uma coleira ou algo do tipo? Fiquei
sabendo que vocês gostam de escravizar mulheres. — ela indagou
com sarcasmo.
— Isso não é do nosso feitio, espertinha, mas se faz tanta
questão, posso providenciar uma para você.
— Nunca!
— E, só para que saiba, meus homens terão uma mão cortada
antes de tocá-la. Nem tente achar que vai ter um caso com algum
deles! Ou eu mato os dois dessa vez. Entendeu?
— Claro como água, boss! — Vai andando na nossa frente.
— Ela dará trabalho, chefe. — Camillo comentou rindo.
— Bom... Nós quase não estávamos tendo problemas.
Precisávamos de mais ação por aqui. — Saio, deixando-o
gargalhando atrás de mim.
Sou paciente e posso esperá-la cair na real. Ela vai entender
que o babaca não deveria ter a prejudicado, pois seu serviço era
protegê-la. Pelo jeito, nem serviu para isso, já que seu maior perigo
foi ele mesmo. Deixou seu pau lhe governar e não cumpriu seu
juramento.
No momento em que coloquei meus olhos em Giovanna,
soube que ela seria minha. Eu teria ficado de fora se Vincent tivesse
ido em frente com seu compromisso, entretanto as coisas
aconteceram de outra maneira e não poderia ter sido diferente. Não
espero amor, porque me respeitando e sendo uma boa esposa para
mim, já estará de bom tamanho.
O carro para diante de uma mansão branca de dois andares e
eu fico admirando o belo jardim bem cuidado, com rosas vermelhas,
que se destaca em frente à entrada principal. Henrique me ajuda a
descer do veículo, sem sequer me olhar. Também não trocamos
nenhuma palavra durante todo o caminho até aqui. Não deixo de
notar seu porte alto e físico bem construído. Se não fosse quem é,
eu poderia até mesmo aceitá-lo como meu marido sem pestanejar.
Tenho certeza que muitas mulheres ficariam felizes por tê-lo
como marido ou amante delas, mas não eu. Meu coração já está
ocupado e nunca mais terá espaço para alguém, mesmo que
Damien tenha ido. Não pensar nele tem me tomado um grande
esforço. As lembranças dele em meus braços, dando seu último
suspiro, ainda estão frescas em minha memória, e apenas voltar
nesse momento faz a ferida em meu peito se abrir novamente.
— Não vá por aí, boneca! — A voz dele me puxa de volta para
o presente.
Puxo minha mão da sua com rapidez.
— E, por onde devo ir, Henrique? Por acaso acha que não
tenho sentimentos ou que sofri amnésia do aeroporto até aqui?
Ele suspira fundo, franzindo a testa. Sem responder minha
pergunta, aponta para a escadaria.
— Devemos entrar. Vou lhe apresentar à minha governanta,
Maria, e à sua neta, Giulia. Elas irão te ajudar a se acomodar aqui.
Noto que ele não citou nenhum familiar, contudo me abstenho
de perguntar algo.
Somos recebidos por uma mulher baixinha de idade avançada
que me observa com curiosidade. Imagino que seja a tal
governanta. Logo atrás dela está uma moça tão jovem quanto eu,
olhando-me de cima abaixo com um óbvio desdém. Seu olhar, no
entanto, muda ao observar Henrique. Eu poderia dizer que ela o
admira mais do que deveria.
Ótimo! Era tudo que eu precisava: uma inimiga dentro de casa.
Olho para ele a fim de verificar seus sentimentos pela moça,
mas, como sempre, está impassível, e quando me pega o olhando,
levanta uma sobrancelha.
— Tudo bem?
— Por que não estaria? — respondi com rispidez.
— Maria, esta é Giovanna, minha esposa. — Ignorou minha
resposta.
— Ah! Eu esperei tanto por esse dia! — A mulher está
sorridente.
— Eu queria dizer o mesmo. — falei com indiferença, fazendo-
a sorrir ainda mais.
— Devo mandar levarem as coisas dela para o seu quarto? —
a garota perguntou à Henrique, curiosa, em vez de se dirigir a mim.
— Eu sei responder perguntas, querida. Pode perguntar
diretamente a mim na próxima vez. — Semicerro os olhos para ela,
tentando entender o que se passa aqui.
— Não. — Henrique toma a frente e ela parece respirar com
alívio. — A Giovanna não trouxe bagagem. Prepare um dos quartos
de hóspede para ela, Giulia!
A garota ainda está me analisando como se eu fosse um
verme no microscópio, mas logo nos deixa, virando-se com seus
calcanhares. Ela o acompanha e eu fico na defensiva, pensando
que existe alguma coisa acontecendo entre os dois.
É claro que eu não me importaria. Talvez o caso deles seja
antigo e a intrusa da história seja eu. Aliás, pode até ser bom que
ele tenha alguém para o entreter. Só não aceitarei que isso
aconteça debaixo do meu nariz. Não é como se os homens do
nosso mundo fizessem questão de serem fiéis e nos respeitar como
deveriam. O meu pai, por exemplo, tem várias amantes, e eu até já
notei algumas vezes a mamãe se demonstrar agradecida pelas
coisas serem assim.
— Parece que ele é fechado e não gosta da presença das
pessoas, mas é somente porque tem medo de perder tudo
novamente se voltar a ter sentimentos e se preocupar com alguém.
Não desista dele! — Maria me aconselhou com um sorriso maternal
e carinhoso.
Eu fico aliviada por, pelo menos, uma pessoa expressar
felicidade com minha presença na casa.
— Tenho a impressão de que a senhora o conhece bem. —
afirmei, tentando fingir desinteresse, mesmo com mil perguntas se
passando pela minha mente.
— Oh! Desde que ele era pequeno. Mas isso não vem ao caso
agora. Vamos! Eu vou preparar algo para você comer, porque deve
estar com fome.
Eu a acompanho até a cozinha enquanto observo cada detalhe
da luxuosa decoração do ambiente em tons de branco e preto. É
bonita e de muito bom gosto. No entanto, logo se vê que ela foi
escolhida e pensada para acomodar um homem solteiro. Eu me
pergunto se Henrique a selecionou pessoalmente ou se pagou
alguém para isso.
Sento-me no balcão, ainda escutando Maria tagarelar sobre
como será maravilhoso ter mais uma pessoa na casa, já que na
maioria do tempo, Henrique nem para aqui e tudo fica sem vida.
Tenho minha total atenção puxada para ela quando cita bebês.
A mulher é pirada? Eu mal acabei de chegar e já está
pensando em crianças.
— Se depender de mim, essa casa continuará tão vazia
quanto estava antes da minha chegada. Não irei carregar os filhos
daquele stronzo. — resmunguei para mim mesma.
Maria ri baixinho e eu fico vermelha de vergonha por ter falado
mais alto do que pretendia.
— Ainda é cedo para julgamentos, minha querida. Confie em
mim! Se souber levar os defeitos daquele homem, terá ele aos seus
pés.
— Eu não quero absolutamente nada dele, Maria. Ele matou
meu namorado, e isso não tem perdão. — contei com raiva.
Um completo silêncio toma conta da cozinha, fazendo-me ficar
ainda mais constrangida. Maria me olha com um misto de pena e
surpresa devido à minha inesperada explosão.
— Olha, filha... Quem sou eu para julgar o caráter de alguém?
Ainda mais quando não conheço a pessoa. Mas... A única certeza
que posso lhe dar é que aquele homem, que está lá em cima,
jamais faria qualquer mal a alguém inocente ou de boa índole. Se
ele matou seu namorado, é porque viu além do que você está
enxergando agora.
Levanto-me depressa e saio praticamente correndo escada a
cima, muito chateada. Encontro Giulia saindo de uma das portas do
corredor.
— Giovanna! Seu quarto está arrumado. — disse quando me
viu, com sua cara de desgosto em minha direção.
— “Senhora Giovanna” para você.
Sem fazer questão de lhe perguntar se o quarto é meu, entro
nele com tudo e bato a porta na cara dela. Não gostei dessa garota,
pois parece sonsa e não me engana.
E, qual é o problema dessas pessoas? Nenhuma delas
conheceram o Damien como eu. Ele jamais faria mal a mim, porque
me amava. Eu sei que sim.
Encosto minha cabeça na porta fechada, não fazendo questão
de controlar as lágrimas que molham meu rosto desenfreadamente.
Elas me impediram de notar que entrei no quarto errado, e só
percebo isso quando vejo Henrique saindo do banheiro, com água
escorrendo pelo seu corpo musculoso de poucos pelos negros nos
lugares certos, que o deixam mais másculo do que deveria. Ele está
somente com uma toalha presa à cintura.
Arfo, em surpresa, percebendo onde estou. Posso jurar que o
ar dos meus pulmões fugiu de mim por causa do baque da visão
extraordinária do homem à minha frente.
Oh, meu Deus! Estou duplamente ferrada.
Ela limpa as lágrimas em uma falha tentativa de me esconder
suas emoções. Inerte e confuso, eu a olho parada a poucos passos
de mim, parecendo frágil. Quero perguntá-la o motivo do seu choro,
mas, ao mesmo tempo, não quero deixá-la mais desconfortável.
Reparo que seus olhos estão ansiosos e imagino que ela esteja
pensando em uma maneira de sair daqui o mais depressa possível.
Coloco em meu rosto uma máscara fria e guardo qualquer
sentimento aparente que eu possa ter em relação a ela. Não posso
me assemelhar a um fraco, nem perder o foco, visto que esse não é
um bom momento para que eu a deixe entrar em minha mente.
Minha esposa me lembra muito a minha irmã. Tudo o que fiz, foi
pensando em Eva e em como eu queria que alguém tivesse feito por
ela o que fiz pela Giovanna.
Não tenho mais idade para jogos mentais ou brincadeiras,
portanto fiz o que tinha que fazer e não me arrependo de nada.
Espero que ela perceba o quanto seu comportamento desafiador só
pode prejudicá-la, já que a Camorra, sob o comando de Luigi, não
seria agradável com uma moça rebelde que tem instinto de fuga. Eu
tenho que mantê-la longe de problemas e nada pode sair errado,
nem levantar suspeitas sobre mim. Se eu parecer fraco diante do
chefe, ele vai acabar comigo. O que me manteve fora de suas mãos
foi, exatamente, não refletir nenhum ponto fraco.
— Queria falar comigo? — Ignoro propositalmente o seu rosto
e olhos vermelhos pelo choro.
Viro-me e ando até o closet como se não me importasse com
sua presença.
— Acho que entrei no quarto errado.
— Então, pode sair por onde entrou. Não quero lhe dar mais
motivos para me odiar e dizer que sou um monstro.
— E você precisa de motivos para ser um?
Olho-a sob o ombro, notando que ela continua parada no
mesmo lugar, e levanto uma sobrancelha quando não vejo um sinal
seu de que irá sair do quarto. Foda-se! Deixo a toalha cair e escuto
seu arfar atrás de mim. Giovanna é minha esposa, e se não quer
sair daqui, não serei eu quem irei lhe obrigar.
— Provavelmente, não. Nascemos destinados a ser ruins. Não
acha que chegamos onde estamos, sendo bonzinhos, não é?
— Eu sei que... não. — seu tom de voz desceu alguns
decibéis.
Ela observa fixamente a poltrona do quarto enquanto aperta
uma mão na outra, tentando disfarçar seu nervosismo. Sem
sucesso.
— Boneca! Se quer me fazer alguma pergunta, faça logo! —
Ajusto meu colete para que ele esconda minha arma.
— Você e aquela moça têm um caso? — Suas bochechas
coram.
— Eu e Giulia? — De onde Giovanna tirou isso? — Não. A
garota apenas trabalha para mim. Por quê? Ela te disse alguma
coisa que tenha lhe dado essa impressão?
— Não. Deixa para lá! É bobagem minha. — Sorri
desconsertada. — Não é da minha conta se você dorme ou não com
outras mulheres.
— Eu não tenho nada com a moça, Giovanna. Também não
sou do tipo que descumpre com a palavra. Se eu jurei fidelidade na
frente da sua família e do padre, não jogarei meus votos no lixo.
— Se os jogasse, não me incomodaria, afinal não seremos um
casal real. Só não quero ter que conviver com algum dos seus
casos dentro de casa. Acho que ao menos mereço respeito.
Irrita-me o fato de ela me lembrar que não deseja que sejamos
marido e mulher. Contudo, por mais que isso me deixe chateado, sei
que tenho que lhe dar um tempo para se acostumar comigo e com a
nova vida que estou lhe proporcionando.
Droga! Eu não faço a mínima ideia de como ser um bom
marido. Ao mesmo tempo que Giovanna me empurra, demonstra
necessitar da minha proteção.
Chego perto dela, toco levemente em seu queixo e o levanto
para mim.
— Não tem que se preocupar com isso. Deixarei Camillo à sua
disposição para que ele possa te levar para fazer compras caso
queira ir. — informei, dando o assunto de antes por encerrado.
— Pensei que iria me manter trancada em casa e jogar a
chave fora. — Cruza os braços, em desafio.
Sorrio de sua marra jovial. Ela é muito menina ainda e esses
momentos deixam claros a nossa enorme diferença de idade. A
garota poderia ser minha filha, porra. Se eu fosse escolher, teria me
casado com uma mulher mais velha, mas as circunstâncias nos
trouxeram até aqui e não vou ficar reclamando.
— Você não é uma prisioneira, Giovanna. É minha esposa e
precisa de roupas novas para me acompanhar aos eventos. — Beijo
sua testa e vou para o meu encontro com Luigi.
Mais um dia de estresse se aproxima. Aquele maldito tem
tirado minha paz e eu não sei porque não meti um tiro na sua
cabeça ainda.
É claro que sei. É porque eu morreria depois.
Anos atrás, eu teria feito isso sem pestanejar, todavia essa
atitude não me parece tão agradável agora.
Entro em minha Mercedes-Benz e acelero para o local onde,
um dia, tive o prazer de entrar e receber orientações. Pensar em
Matteo e em como ele morreu, ainda me causa muita revolta. Perdi
naquele acidente o meu amigo confidente, que não merecia tal
destino, e meu pai, que colheu o que plantou. O que me tira o sono
é saber que o culpado anda solto por aí. Esse ataque foi muito bem
planejado, e quem o fez, tem um alto poder que o imuniza de ser
rastreado por mim, pois mesmo com todos os meus contatos na
polícia, passaram-se anos e não o encontramos ainda.
Tenho quase certeza de que tem dedo de Luigi nessa tragédia.
O difícil é provar isso. Como Matteo me confidenciou uma vez, em
uma de nossas conversas, ele é esperto e sabe usar de suas
influências para esconder seus crimes. Não acho coincidência seu
pai ter morrido de forma misteriosa e, logo em seguida, o seu irmão,
sendo que ambos eram capos e empecilhos para ele tomar a
cadeira e o poder da organização.
Volto-me às lembranças de alguns dias antes da morte de
Matteo enquanto saio do carro e subo até seu antigo escritório.

***

20 anos atrás

Desço do carro e entro na propriedade, tendo um sentimento


de nostalgia dos dias de outrora em que passava mais tempo da
minha infância aqui do que na minha própria casa.
Encontro Matteo sentado atrás da mesa, com seu habitual
óculos redondo de nerd. Isso me faz sorrir.
— Nunca pensou em usar lentes, cara? Esses óculos te
deixam com cara de vovô. — provoquei, chamando sua atenção.
— Isso tudo é inveja. Você sabe que sempre fiz sucesso com
as mulheres os usando.
Gargalho alto de sua cara.
— Isso é porque elas sentiam pena de você. — Sirvo-me uma
dose de uísque.
— Continue se convencendo disso, ingrato! Você, com toda a
certeza, aproveitava-se da minha companhia.
— E eu achava que as mulheres gostavam de mim pelos meus
olhos azuis e porte britânico. — zombei dele.
— Já estão medindo quem mija mais longe? — Ariella aparece
no batente da porta, sorridente.
— Ariella, minha querida! Estou muito magoado com você. Fui
trocado pela segunda opção? Não podia me esperar mais um
pouco? — brinquei.
— Não sabia que tínhamos um compromisso. — ela brincou de
volta.
— Claro que sim. Você sempre gostou de mim, só não sabia
disso. Mas, estou pensando em lhe perdoar se disser ao Matteo o
quanto esses óculos o deixam feio.
Ela ri.
— Não posso. Eu me apaixonei por ele exatamente por se
parecer com um golden boy.
— Estou profundamente ferido agora. Eu não me assemelhava
a um aluno de ouro?
— Não, Henrique. Odeio ferir seu ego, mas na maioria do
tempo, você estava mais para um gogoboy.
Matteo se engasga com a bebida e gargalha de mim.
— Não se fazem mais mulheres com bom gosto, como
antigamente. — eu me fingi de chateado, fazendo Ariella rir também.
— Isso foi uma facada em minha autoestima.
— Tenho certeza que ficará bem. — Dá um abraço em mim. —
É muito bom tê-lo de volta em casa. Ficamos muito preocupados
com você. Como está se sentindo?
— Eu também senti falta de vocês. Estou bem, embora esteja
me recuperando do golpe ainda. Não foi fácil voltar para casa e
saber que restou somente uma caixa de concreto vazia e duas
pessoas sem vida morando dentro dela.
— Sinto muito, amico. Foi uma tragédia muito grande. Tentei
fazer tudo que estava ao meu alcance, só que foi tarde demais. Eu
queria que, na época, já fosse o capo, para punir o culpado como
merecia, porém só estou no comando há pouco tempo.
— Quero saber quem foi o desgraçado que destruiu minha
família, Matteo. Você me deve isso.
— E não esconderei a verdade de você. Sente-se e vamos
conversar! Ariella, querida, pode nos deixar a sós por um momento?
— Claro. — concordou. — Fique conosco para o almoço,
Henrique! Assim, poderá conhecer nosso filho, o Vincent.
— Com certeza. Eu não perderia por nada a oportunidade de
provar novamente a comida de Christina.
— Ela vai adorar cozinhar seus pratos favoritos. — Sai do
cômodo e fecha a porta.
Eu me sento em frente ao meu amigo — agora chefe também
— para saber de cada detalhe sobre a morte da minha irmã.
Eu quero saber tudo. Preciso alimentar minha raiva para,
quando pegar o culpado, destruí-lo com minhas próprias mãos.
— Pegue! — Entrega-me outro copo com bebida. — Você vai
precisar de mais uma dose.
— Diga-me, Matteo! E não adoce as palavras! Quero saber
exatamente o que aconteceu em minha ausência. Quem foi o
desgraçado?
— Luigi. — Olha-me com pesar. — Ele é o culpado pelo
suicídio da sua irmã.
Levanto-me em um rompante de raiva, derrubando a cadeira
no chão.
— Cadê ele, Matteo? Eu vou matar esse figli di puttana e você
não vai me impedir!
— Henrique! Calma! Você não está pensando direito.
— Calma?! Você acabou de dizer que seu irmão foi o culpado
pela morte da minha irmã Eva e vem me pedir calma?
— Amico! Acredite em mim: estou tão revoltado quanto você.
Quando descobri, fui atrás de Luigi, mas papai não deixou que eu o
matasse.
— Pois deveria ter acabado com ele. — Vou para cima dele e
lhe acerto um soco no rosto. — Você é meu melhor amigo, porra!
Como foi deixar isso acontecer? Eu fui enviado para longe da minha
família a fim de agradar o seu pai e aprender táticas de guerra para
ajudar sua organização; e, em troca, recebo traição.
— Nossa organização, Henrique. Você também faz parte dela.
— Ele coloca a mão sobre meu ombro e eu o empurro para longe de
mim.
— Eu nunca quis fazer parte disso aqui, e você, mais do que
ninguém, sabe disso. Está o protegendo de mim, Matteo? Onde está
sua lealdade quando preciso dela? Achei que podia confiar em
você.
— E pode, irmão. Nós iremos nos vingar dele. Eu te juro isso.
— Então, vamos agora! Eu e você juntos, como antes. —
pressionei-o.
— Não é tão fácil assim.
Sorrio com escárnio.
— Claro que não. Não foi um membro de sua família, alguém
que você ama, que morreu por culpa dele.
— Não está sendo muito justo comigo, Henrique. Eu quero
vingança tanto quanto você, mas se esquece que tenho muito a
perder se matá-lo sem um bom motivo. Sabe que o que ele fez, aos
olhos da organização, não nos dá razão o suficiente para
acabarmos com sua vida, porque até mesmo seu pai sabia de tudo
e deu permissão para que sua irmã fosse punida.
— Eu o odeio por isso. — Fecho a mão, com raiva do meu pai,
por ele não ter sido homem e lutado pela sua filha.
— Eu sei, amigo, mas precisamos nos abster por um tempo,
pensar de cabeça fria e, depois, atacar. Luigi está envolvido em algo
grande e eu quero descobrir o que é, antes de mandá-lo de vez para
o inferno.
— Eu não tenho mais nada a perder. Minha mãe é a casca da
mulher que foi um dia, pois a morte de sua filha foi um baque muito
grande para ela. Para mim, não vai fazer diferença ser punido agora
ou depois.
— É aí que você se engana. A Eva teve um filho e ele precisa
de você. — Viro-me para ele, surpreso com a notícia.
— Teve um filho? E, onde está? — perguntei exasperado.
— Seguro. Confie em mim! É tudo que te peço. Sente-se! Irei
te explicar tudo.

***

Nesse dia, eu descobri sobre meu sobrinho Marco, e pouco


tempo depois, meu amigo morreu em um atentado fatal, deixando-
me encarregado de terminar o que começou. Matteo me pediu para
proteger o Vincent, e é o que tenho feito até hoje. Ele tem potencial
para derrubar seu tio, junto ao meu sobrinho. Conseguiremos tirar
tudo de Luigi e, enfim, eu terei minha tão almejada vingança.
Encontro Edgar, nosso contador, sentado na sala e
aparentando nervosismo. Assim que me vê, já se levanta e vem ao
meu encontro, enxugando o suor do rosto.
— Senhor Cavallari! Graças aos céus, voltou! — falou
exacerbado. Acho que o homem vai infartar a qualquer momento. —
Estou tentando ser atendido pelo chefe há horas, para que eu possa
lhe explicar sobre os novos desfalques que achei na planilha, mas
ele não quis me ouvir.
Mais essa! Eu já avisei ao maldito que ele está passando dos
limites com suas retiradas mal explicadas, só que como sempre,
preferiu me ignorar. Com tantos buracos em nossas contas, logo
alguém dará com a língua nos dentes.
— Os desfalques são muito altos? — perguntei, interessado
em saber qual o tamanho do estrago dessa vez e se ele pode ser
reversível.
— Muito, senhor. — abaixou a voz e olhou para os lados a fim
de verificar se estávamos sozinhos. — Ele me pediu para esconder
esses valores, porém as retiradas são altíssimas. Nem eu consigo
fazer essa mágica. Além disso, será minha cabeça que estará a
prêmio quando os outros descobrirem que estão sendo roubados.
Luigi está cavando a própria cova, e isso não é de todo ruim
para os meus planos. A pergunta que tenho me feito é: para onde
está indo tanto dinheiro?
— Deixe comigo! Eu irei falar com ele sobre isso. E você,
mantenha sua língua dentro da boca!
— Cla... Claro, senhor. Obrigado! Eu agradeço muito por esse
favor.
Entro pela porta, sem paciência para me identificar antes, com
as papeladas que detesto olhar, por carregarem um grande peso
para os nossos cofres.
— Nós precisamos conversar. — Jogo as pastas sobre a mesa
e vou direto às prateleiras, onde fica a coleção das melhores
bebidas da Itália.
— Ah! Problemas não! Se for para me deixar mal-humorado,
nem me fale!
— A partir do momento que decidiu ser capo, pegou todos os
problemas da organização para si, Luigi. Esse é o seu trabalho.
— Vai querer me ensinar como comandar a Camorra,
Henrique?
— Estou querendo lhe aconselhar. Esse é o meu trabalho.
Tivemos, há algumas semanas, uma conversa sobre as suas
grandes retiradas, e mesmo assim, acabei de ser informado que em
vez de repor, você tirou ainda mais dos nossos cofres. Para que
precisa de tanto dinheiro?
— Negócios. Acha que somente o Vincent tem investido na
organização e trabalhado para seu crescimento?
— Quais tipo de negócios? Eu não fui informado deles, muito
menos o Conselho. Tenho certeza disso.
— Eu não preciso da aprovação deles, nem da sua. Eu sou o
capo. Você se esqueceu?
— Você foi escolhido para administrar todo o dinheiro das
famílias que fazem parte da Camorra. Isso não lhe dá o direito de
fali-los.
— Eu não tenho que ficar prestando contas para nenhum de
vocês. No momento certo, todos saberão de tudo e, ainda, irão me
agradecer. Diga-me como foi a festa de noivado! — Levanta-se
mancando. Resultado do atentado que ele diz ter sofrido em uma de
suas viagens repentinas.
Busco por um pouco de paciência. Geralmente, sou um
homem calmo e centrado, porém ele me tira do sério.
— Não teve nenhuma festa.
— O quê?! Como assim não teve?! — esbravejou irritado.
— Os planos mudaram e eu voltei casado com a moça. Já
selamos o acordo.
Ele dá um de seus sorrisos debochados, o qual não retribuo.
— Não conseguiu se aguentar e tomou a menina para si, não é
mesmo? Surpreendente. Eu não sabia que você gostava de
ninfetas. Acho que temos alguma coisa em comum, no fim das
contas. — Só se for no branco do olho.
— Qual homem na nossa idade não gosta? — disfarçando
meu descontentamento com suas insinuações, eu lhe dei uma
resposta satisfatória, levando-o a rir.
— Ela é muito bonita, no entanto não deixo de me perguntar o
que aconteceu para que você pegasse a noiva do meu sobrinho.
A Giovanna me vem à cabeça, com toda sua teimosia e
inocência, entretanto me mantenho indiferente diante da menção
dela. Nem morto lhe direi a verdade sobre os fatos que aconteceram
por lá. Foi um bom negócio ele ter decidido não ir àquele encontro
desastroso.
— O Vincent não estava seguro sobre o acordo, então temi
que ele recuasse e trouxesse uma provável guerra à organização.
Fiz o que tinha que ser feito. Não é como se fosse um grande
negócio eu ter a tomado como esposa.
Ele parece satisfeito com minha explicação.
— E o Vincent concordou prontamente, não é? Mais uma vez
passou por cima das minhas ordens.
— Isso não vem ao caso. O importante é que tudo foi feito
como você queria e que temos um tratado de paz com os Vittieli
agora.
— Muito bom! Poderemos vender nossas mercadorias sem
sermos pegos pela agência.
— Certo. Sobre os investimentos, Luigi...
— Não vamos nos estressar por pouca coisa, Henrique! —
cortou-me novamente. — Logo nos recuperaremos. Deixe essa
preocupação comigo!
— Você que manda. Tenho que tirar o dia de folga para
resolver um problema pessoal, mas irei me reunir com o Conselho
amanhã para os informar sobre o tratado.
Ele balança a cabeça, dispensando-me, e volta sua atenção
para o lado de fora da janela, onde tem uma adolescente sentada
no banco do jardim.
Meu estômago revira de repulsa somente por imaginar o que
Luigi faz com essa garota, que está longe da presença dos pais.
Hoje não é a primeira vez que a vi e, provavelmente, não será a
última que esse doente a trará para cá. Matteo desconfiava que ele
estava enfiado em algo muito obscuro e eu prefiro pensar que não
seja no que estou pensando. Seria vil e inadmissível acobertarem
uma nojeira dessa até mesmo para o proteger.
Levanto-me rapidamente para sair do local antes que eu acabe
me prejudicando. Na saída, encontro o Leornard Ventura, atual
desembargador de justiça e um dos amigos íntimos de Luigi, o qual
desconfio que seja seu fiel aliado em ajudá-lo a esconder suas
sujeiras. Não é estranho dar de cara com uma autoridade
importante por aqui, porque Luigi é bastante influente. Inclusive,
essa é a principal causa de ele ainda não ter sido derrubado.
Eu o cumprimento com um simples balançar de cabeça e entro
no carro para ir me encontrar com Gabriel, o agente que tem me
ajudado a cavar ao fundo sobre o acidente que matou Matteo e
Ariella. Sei que muitos anos já se passaram desde essa tragédia,
entretanto nunca desisti de encontrar o verdadeiro culpado. E hoje,
com a tecnologia e meios usados muito mais avançados do que
naquela época, tenho esperança de resolver esse enigma. Sei que
se fosse meu amigo aqui, em meu lugar, estaria fazendo o mesmo
por mim.
Chego ao local combinado e vejo Gabriel encostado na parede
da lanchonete, em alerta, analisando o estabelecimento e quem
entra ou sai de lá. Percebo que seus velhos hábitos não morreram,
e eu, sendo um ex-militar, não sou diferente dele.
Sorrio quando noto um pedaço de uma torta de abóbora pela
metade em seu prato. Eu e seu pai servimos juntos ao exército e,
sempre que voltávamos de uma missão, eu ouvia ele dizer o quanto
sentia falta da torta que sua mãe fazia. A casa da senhora Miller era
sempre a nossa primeira parada quando chegávamos na cidade.
Um momento prazeroso onde podíamos comer com tranquilidade,
sem precisar olhar por cima dos ombros. É quando agradecíamos
por estarmos vivos, pois não sabíamos se teríamos uma nova
chance de desfrutar aquele momento novamente.
Eu cumpri meu tempo e tive a oportunidade de voltar para
casa, já o pai dele, infelizmente, não teve a mesma sorte, já que foi
pego e morto em uma emboscada seis meses antes de terminar sua
última missão e se aposentar. Passei um mês, junto à minha equipe,
procurando pelo seu corpo. Finalmente, quando o encontramos,
pudemos entregá-lo aos seus familiares para que pudessem lhe
fazer um sepultamento justo e com honra fúnebres, como ele
merecia.
Fico feliz que o filho tenha seguido a mesma carreira do pai e
que, também, tenha se saído muito bem.
— Gabriel! É bom vê-lo de novo. Está me esperando há muito
tempo?
— Não. Cheguei um pouco antes de você. Quer pedir o quê?
— O mesmo para mim. — Aponto para torta, levando-o a
sorrir.
Ele faz um sinal para a garçonete e se volta para mim.
— Tenho algumas novidades que irão te interessar. — Coça a
barba e me joga uma pasta amarela.
— Espero que seja o que estou procurando. Tenho investido
muito tempo nisso e, sinceramente, as faltas de informações têm
tirado meu sono.
— Eu pedi um favor pessoal a um amigo e ele conseguiu
descobrir onde foram arquivadas todas as papeladas sobre o
acidente. Naquela época, como não se tinha acesso à internet igual
hoje, elas eram as provas. Podiam ter sido guardadas em qualquer
lugar e se desgastado com o tempo. Assim, ninguém jamais
descobriria a verdade.
— Ainda bem que isso não aconteceu, pelo que vejo. — Para
a minha sorte.
— Não. Como pode ver, o investigador responsável e
designado para o caso se aposentou e desapareceu
misteriosamente após a conclusão do seu trabalho. E isso dificulta
descobrirmos o que ele sabia.
— Os laudos dos testes feitos pelos especialistas apontam que
tiveram falhas técnicas no motor do jato por falta de manutenção
adequada. No entanto, o relatório final do inquérito criminal deixou a
suspeita do acidente ter sido criminoso. — pontuei, lendo algumas
das descobertas. — Mas, por que não continuaram com as
investigações, então? — Não faz sentido.
— Não sabemos. Depois disso, não teve mais nenhuma. Nós
procuramos por informações e não achamos, nem mesmo sobre
possíveis indicadores de culpados.
— Simplesmente arquivaram tudo com muitas pontas soltas?
Isso fede, e não é pouco.
— Henrique! Já pensou na possibilidade de que, realmente,
tenha sido um acidente? Que você está procurando por uma coisa
que não existe? Talvez tenham chegado a essa conclusão e, por
isso, não quiseram levar as investigações adiante.
Tiro, imediatamente, meus olhos dos papéis que estão em
minhas mãos e o encaro.
— Não! — neguei sucintamente. — Eu tenho motivos para
duvidar que tenha sido somente um acidente qualquer. Continue
investigando! Eu pagarei o que for preciso para seu amigo.
— Tudo bem. Não está mais aqui quem falou. Também, não há
necessidade de pagar, porque eu te devo uma. Nós iremos
continuar procurando a verdade, e se tiver mais coisas por trás
dessa história, descobriremos.
— Sobre aquele outro serviço, as rotas mudaram. — avisei
para que ele não fique perdendo seu tempo. — O Luigi conseguiu
firmar um acordo com o capo de Las Vegas, portanto você precisará
abortar a missão e dar um tempo. Fiquei sabendo que te
contactaram para ajudar o Vincent, então preciso que foque
somente nisso.
— É verdade. Nós temos um amigo em comum e eu estou
pensando em aceitar a proposta que me foi feita. Você confia nele?
— Analisa-me com cautela.
— Sim. Ele será crucial para os nossos planos. Ajude-o no que
for preciso, Gabriel! Só peço para que nunca cite meu nome para
ele ou Marco, porque têm certas coisas que precisam ser mantidas
em segredo, e uma delas é o meu envolvimento com você e seu pai.
— Não se preocupe! Esperarei meu amigo me informar melhor
sobre o caso e o ajudarei na medida do possível.
— Obrigado! Preciso ir agora. Minha querida esposa me
espera em casa.
Um sorriso zombeteiro aparece em seu rosto e ele, como um
bom filho da puta que é, não perde a chance de me provocar.
— Desde quando é casado?
— Há dois dias. — Resumo um pouco a história, deixando boa
parte dela de fora; principalmente aquela em que eu atirei no cara.
— Estou tentando aprender a lidar com a mulher. Já procurei por um
manual de instruções e não achei.
Ele limpa as falsas lágrimas dos olhos, rindo.
— Papai iria gostar de ouvir isso. O bad boy pegador do
exército foi finalmente fisgado. Ainda bem, cara. Mais um pouco e
pegaria o cargo de tio-avô solteirão.
— Respeite-me, seu merdinha! Eu tenho idade para ser seu
irmão mais velho. — Ele ri ainda mais. — Fique rindo! O próximo
pode ser você.
— Vire essa boca para lá! Ainda não me sinto pronto para
encarar esse desafio, pois já me basta a Kelly pegando no meu pé.
— Ela continua investindo pesado?
— Não me deixa em paz, cara. Se não fossem as crianças e
meu juramento ao seu marido, eu já teria lhe deixado de lado.
— Por que não dá uma chance à mulher? — perguntei curioso.
— Não! Com a vida que levo, é melhor ficar sozinho.
— É o que eu achava também, porém estou começando a
mudar de opinião.
— Então, o que me resta é lhe dar os parabéns e desejar boa
sorte.
— Vou precisar de muita sorte mesmo. A mulher é um
verdadeiro desafio para mim. — Um que quero conquistar.
— Irei lhe dar o conselho que minha avó te daria: leve flores
para ela! Não importa quem errou, apenas lhe dê flores de presente,
sempre. — disse enquanto alcançava o lado de fora da lanchonete.
Coloca o capacete e monta em sua moto.
Essa não é, de todo, uma má ideia.
— Vou me lembrar disso. — Despeço-me dele.
Sinto meu celular vibrar no bolso e o pego para verificar quem
está entrando em contato comigo. Eu vejo uma mensagem do
Vincent sondando se está tudo bem por aqui e respondo que sim,
tranquilizando-o sobre Luigi.
Ao decorrer dos anos, pude verificar de perto o quanto meus
meninos cresceram e viraram grandes homens. Eu considero ele e
Marco como meus filhos, apesar de sempre me manter afastado
deles e somente me intrometer quando vejo necessidade. Tentei, ao
máximo, suprir a falta dos pais na vida dos dois, e tenho muito
carinho por ambos.
Não sei dizer o que eles pensam sobre mim. Eu os tratava
melhor do que os outros soldados e tentava protegê-los
discretamente das maldades de Luigi quando iniciaram na máfia.
Contudo, mesmo que eu sinta que os dois sejam receosos comigo e
não tenham a mesma consideração por mim, fico feliz por ambos
terem se tornado verdadeiros irmãos e, juntos, sobrevivido ao
inferno que tiveram que passar quando eram mais jovens.
Eu os treinei para serem fortes e independentes. Tenho
orgulho do trabalho que fiz com os dois e espero ter tempo o
suficiente para consertar as coisas com eles. Torço para que isso
aconteça logo.
Já se passaram alguns dias desde que cheguei aqui, na casa
de Henrique. Depois do nosso encontro em seu quarto, trocamos
algumas palavras apenas quando necessário e nos encontramos
poucas vezes. É engraçado pensar que moramos juntos e, ainda
assim, quase não nos vemos. Passei os meus primeiros dias indo
ao shopping, andando de loja em loja, e comprando novas roupas.
Isso me manteve muito ocupada por um tempo, no entanto agora,
que já conheço cada canto de Milão, não me parece mais agradável
sair, ficar fora o dia todo, sozinha, somente para o irritar e, por fim,
vir embora na expectativa de não o encontrar em casa.
Maria é minha única parceira de conversas nos meus dias
solitários. Ao mesmo tempo que eu a evito às vezes, temendo que
ela entre novamente no assunto “Damien”, desejo sua companhia
para sanar todas as minhas curiosidades sobre Henrique e sua
família. Somos, literalmente, dois estranhos ocupando o mesmo
espaço e tentando ignorar a presença um do outro; todavia, por
outro lado, queremos nos conhecer o suficiente para nos
suportarmos.
Para mim, ainda é muito difícil estar convivendo com pessoas
estranhas, longe da minha família. Eu sabia que esse dia iria
chegar, contudo achei que conseguiria me livrar dele ou que, pelo
menos, ele fosse demorar um pouco mais. Quão ingênua fui em
pensar dessa forma? Sinto falta da minha irmã e até mesmo das
brigas com meu irmão Enzo.
Como se sentisse minha angústia, meu celular toca. Vejo o
nome de Sam na tela e o atendo rapidamente, de coração
acelerado, com medo de que ela possa estar passando por algum
problema.
— Sam! Você está bem? — perguntei ansiosa.
— Eu quem deveria te perguntar isso. Passaram-se quinze
dias e você não me ligou nenhuma vez.
— Estive muito ocupada. Desculpe! — Na verdade, eu estava
fugindo de lhe responder sobre meu repentino casamento.
— Ocupada demais para sua irmãzinha?
Sorrio da sua pergunta.
— Ocupada com a nova vida que levo. Ser esposa de um
consigliere exige muito de mim.
— Imagino. A mamãe não me deixou descer para me despedir
de você. Por que se casou tão depressa e com outra pessoa?
— O papai achou melhor ser assim. Acho que foi feito um
acordo mais vantajoso. E... Sabe como ele é, né? Aceitou o tratado
prontamente. — menti com dor no coração.
— Ele está sendo bom para você? — Mesmo que não
estivesse, jamais diria a ela.
— Sim. Como ele trabalha muito, eu nem o vejo na maioria do
tempo.
— Vocês dormiram juntos? Como foi?
Tenho certeza que minhas bochechas estão vermelhas.
— Sam, não devemos conversar sobre minha vida íntima.
— Mas... Se você não falar comigo sobre isso, como vou saber
o que esperar quando for minha vez? Meu marido irá querer me
devolver por eu não saber como o agradar.
Santa inocência!
— Vá por mim: quanto menos souber, mais seu futuro marido
irá agradecer.
Será que Henrique lamenta por eu não ser a moça pura que
ele tanto desejou? Que Diabos! Por que eu deveria me importar com
isso? Se foi ele quem me quis assim, não deve reclamar da
“mercadoria estragada”.
— Vamos lá, Gio! Conte algumas coisas pequenas pelo
menos!
— Não irei dizer nada. Vamos mudar de assunto!
— Dói? Sangra, como dizem? — insistiu.
Resmungo alto, fazendo-a rir do outro lado.
— Onde ouviu isso? — questionei curiosa.
— As meninas da escola comentam e eu já li alguns livros
eróticos.
Rio de nervoso.
— Se nosso pai te pegar com um livro desses nas mãos, vai te
matar.
— Não ligo. Ele nem presta atenção em mim mesmo, já que
está ocupado demais treinando o seu filho predileto. Mas, voltando
ao nosso assunto... Conte logo! Não tenho muito tempo, porque a
mamãe vai chegar já, já.
Penso em como foi a minha primeira vez com o Damien. Eu
tinha mais ou menos a mesma idade da Sam na época e amei cada
segundo daquele momento. Ele foi carinhoso. Mesmo me sentindo
dolorida por dias, sorria de felicidade, pois foi eu que escolhi com
quem perder minha virgindade; e o melhor: com quem amava.
— Não dói. — amenizei a experiência para não lhe assustar.
— É um pouco desconfortável, porém nada que faça você odiar o
momento. Aliás, a doutora Selena me disse, na consulta, que nem
todas as meninas sangram na sua primeira vez. Claro... Se for feito
com cuidado.
— Mas, Gio... E se não sangrar, como é feita a apresentação
no outro dia? Eu nunca soube de nenhuma noiva que não tenha tido
sangue nos lençóis para comprovar sua pureza.
Porque os ogros dos homens do nosso mundo não se
importam com nossos prazeres e acabam nos machucando.
— Como eu disse, varia de mulher para mulher.
E de homem para homem. — complementei para mim.
— Espero que eu seja sortuda e tenha um marido
compreensivo.
— Eu também. Agora, vamos falar de outra coisa! Certo?
— Certo. Quando vou poder ir aí, visitar você? Sinto sua falta.
— Também sinto a sua, querida. Deixe passar a lua de mel! —
Quase rangi os dentes ao pronunciar tais palavras. — Assim, eu irei
pedir para o Henrique conversar com o papai e te deixar vir passar
um tempo comigo.
— Oh! Vai ser tão maravilhoso! Irei contar os dias. Vou amar
conhecer Milão. Nunca saí de Las Vegas, então quero que me
mostre tudo!
— Okay. Tenho que ir agora, porque meu marido está prestes
a chegar. Prometa para mim que não vai fazer nenhuma besteira!
— Prometo. Desde que não se esqueça de mim e me ligue
mais vezes.
— Combinado. Até a próxima, docinho!
— Até! — Desliga a ligação.
Eu fico olhando para o telefone por um tempo, sorrindo. Ela é
tão jovem e curiosa. Temo que entre em uma fria por ter esse jeito
aventureiro. Eu queria tanto poder protegê-la de tudo e todos.
Porém, se não fui capaz de proteger a mim mesma do meu destino,
como poderia mudar o dela?
— O Henrique está te esperando para o almoço. — Giulia me
informou da porta.
Ela chegou aqui tão sorrateiramente, que nem escutei suas
batidas. Se é que avisou sobre sua chegada.
— Senhor Cavallari! — corrigi. — Empregados não têm
intimidade com patrões Giulia, muito menos com os que são
casados. — frisei a última palavra.
— Eu sempre o chamei assim e ele nunca reclamou. — disse
com atrevimento.
Coitada! Ela não sabe que eu sou a rainha da insolência?
— Pois terá que mudar a partir de agora. Eu sou a senhora
desta casa e exijo que me respeite como tal. Você não é da família,
portanto não tem o direito de chamá-lo pelo nome. Até mesmo
porque não pega bem uma empregada ter esse nível de intimidade
com seu patrão. Imagine o que as pessoas irão falar se ouvirem
uma barbaridade dessas!
Ela me fuzila com os olhos, fechando e abrindo as mãos.
Venha, querida! Atreva-se a me atacar! É tudo que preciso
para realizar meu desejo desde que coloquei meus pés aqui: jogá-la
na rua da amargura.
— Como quiser, senhora. Se é que continuará sendo uma por
muito tempo. — retrucou desdenhosa.
— Vamos ver quem vence essa batalha, concubina. — Viro-
me, deixando-a fervilhar de raiva.
Penteio meus cabelos e desço para a sala de jantar. Henrique
já está sentado na mesa, mexendo no celular. Eu me sento também
e me sirvo de aspargos com frango grelhado e salada de batatas.
— Boa tarde para você, também! — ele ironizou.
Giulia escolhe este momento para passar por nós. A nossa
troca de farpas a deixou irritada e ela não faz questão de esconder
isso.
— O que aconteceu? — Henrique perguntou, interessado no
que houve.
— Nada que deva te preocupar. Seus empregados não têm
modos e eu estou os colocando em seus devidos lugares.
Ele franze a testa, pensativo.
— Parece que temos algo em comum. — Não perdi o tom de
crítica na sua voz.
— Não tem comparação, Henrique. A não ser que você durma
com ela e a ame. Aliás, foi muita cafajestagem sua me trazer para
uma casa onde mantém sua amante. Não irei aceitar que me
desrespeite. Ela que se contente com o segundo lugar!
— Essa história de novo, Giovanna? Eu já disse que não tenho
nada com a moça. Ela trabalha aqui há muito tempo e ainda não se
acostumou com sua presença.
— Pois, que trate de se acostumar! Ou não lhe darei uma
segunda oportunidade de me ofender.
— Santa paciência! Eu não quero você maltratando meus
funcionários. Entendeu?
Como é que é?
— Está defendendo ela? Eu deveria atirar nela, como você fez
com o Damien. Assim, nós ficaríamos quites.
— Eu posso ao menos comer em paz?
— Pode sim. Fique à vontade para comer sozinho ou chamar
sua prostituta de estimação para lhe fazer companhia! Tenho
certeza que ela irá adorar o convite. — Jogo meu guardanapo em
cima da mesa, levanto-me e saio da sala, deixando-o sozinho.
Escuto um barulho de batida de prato, porém não olho para
trás, para saber se o bendito caiu ou se Henrique o jogou na parede.
— Giovanna, volte aqui! — gritou atrás de mim, fazendo-me
arregalar os olhos.
Saio correndo escada a cima para me trancar em meu quarto.
Eu o irritei, e se ele quebrou propositalmente o prato, com raiva, o
que o impedirá de me quebrar também?
Antes que eu alcance a porta, sou pega pela cintura e puxada
para um peito grande e firme.
— Eu odeio que me deixem falando sozinho.
— Você queria paz. Só te dei o que me pediu. — respondi,
sendo corajosa.
— Ainda vai me deixar louco, boneca. — A ponta do seu nariz
aspira meu cheiro, passeando pelo meu pescoço.
Eu me arrepio toda com seu contato e me recrimino ao mesmo
tempo por gostar dele. Repentinamente, sou virada e pressionada
entre ele e a parede do corredor. Sua boca, sem aviso prévio, toma
a minha em um beijo urgente, e sua língua explora a minha sem
pena. Não tenho tempo de pensar em mais nada além de puxar o ar
pelo nariz, tentando buscar, em vão, oxigênio para meus pulmões
necessitados.
Nunca fui beijada assim antes. É quente, experiente e exala
desejo puro. Henrique me segura junto a si, como se sua vida
dependesse disso, e eu, por mais que queira me afastar, sinto-me
dominada por ele, pelo momento arrebatador. Suas mãos
serpenteiam pelas minhas nádegas, empurrando-me de encontro ao
seu mastro duro. É quando a névoa luxuriosa se dissipa diante dos
meus olhos e eu me dou conta de que estou quase deixando ele me
ter aqui, como uma qualquer... Ter o mesmo corpo que lhe neguei e
prometi nunca lhe deixar ter... O corpo que entreguei somente ao
meu amado e jurei não entregar a mais ninguém.
Então, eu o empurro para longe de mim e tapo minha boca,
chocada com minha atitude. Ainda posso sentir o formigamento em
meus lábios e o pulsar entre minhas pernas. Sinto-me
envergonhada por ter cedido tão facilmente aos seus encantos e me
esquecido da minha promessa. Não tem nem um mês que perdi o
amor da minha vida e já estou nos braços de outro... Dele! Do
homem que o tirou de mim!
— Você não deveria ter feito isso. — acusei-o, magoada.
— Tomar o que é meu? Sou seu marido. Um beijo não deveria
te deixar tão ofendida.
— Nada aqui é seu, troglodita. Você prometeu nunca me tocar
se eu não quiser.
— Não te obriguei a nada. Você gostou desse beijo tanto
quanto eu. — argumentou descaradamente.
O pior é que ele não está longe da verdade, e isso é o que
mais me martiriza.
— Nunca... Nunca mais toque em mim! Ou juro que vai se
arrepender.
— Irei me arrepender do quê, Giovanna? — Aproxima-se.
Eu firmo minha mão sobre a minha boca para que ele não me
beije de novo.
— Não expulse as mulheres que me desejam, querida, se não
estiver afim de cumprir com suas obrigações de esposa! — Olha
uma última vez para a minha mão e vai embora, deixando-me
sozinha para catar do chão os caquinhos da minha dignidade.
Em todos os meus quarenta e nove anos, nunca perdi o
controle de nada na minha vida, e isso inclui meus impulsos. Jamais
fui um cara de fazer um derramamento de sangue à toa, somente
por estar de cabeça quente, e para a pessoa conseguir me tirar do
sério, geralmente tem que fazer um grande esforço.
Prefiro ser diplomático antes de agir com violência, salvo em
algumas situações, onde não tenho escolha. Também nunca tomei
decisões sem ter cem por cento de certeza que queria algo, e
jamais fui de esquecer meus compromissos e me desviar dos meus
planos, sejam eles profissionais ou pessoais.
Eu me orgulhava por ser assim: equilibrado. Isso era até
conhecê-la.
Naquele dia, na mansão Vittieli, eu fiz algo sem pensar pela
primeira vez, sem medir as consequências dos meus atos. Meu bom
senso me dizia que era a coisa certa a ser feita e que alguém tinha
que punir aquele imbecil pelo seu grave erro. E mesmo diante de
outras opções, optei por escolher a mais perigosa, sem pensar duas
vezes.
Eu não estava perseguindo a menina, mas assim que a vi sair
da casa, tive o instinto de ir atrás dela, temendo que ela fugisse e
que seu pai a punisse por tal erro. Quão errado eu estava por
pensar que o perigo seria Giovanna fora dos portões? O inimigo
estava dentro de casa; e, muito pior: era alguém que deveria ter lhe
protegido de todos, inclusive de si mesmo.
E esse não foi o único motivo que guiou meus atos, mas
também o fato do soldado estar enganando a garota e a usando
como marionete para suas perversões. Quando não era mais viável
brincar de casinha com a moça rica, sacrificou ela sem pensar duas
vezes, para se salvar.
Que tipo de homem eu seria se não tomasse partido dessa
situação e limpasse a honra dela com seu sangue? É claro que eu
poderia apenas tê-la entregado ao seu pai, deixado que ele
resolvesse a situação do seu jeito e me retirado de lá. Afinal, nada
daquilo era para ser da minha conta. Todavia, essa opção não me
agradava. Não ao meu fodido bom senso de justiça. Ele me cobrou
e me fez lembrar da minha irmã na hora do incidente.
Eu vi negro quando Giovanna praticamente implorou pela
ajuda do soldado e o idiota lhe disse que não podia fazer mais
aquilo, demonstrando que a iludia por muito tempo. Mais revoltado
fiquei com a omissão do seu romance, quando ela aceitou seu
futuro sem pensar no quão perigoso seria parar nas mãos de outro
que não fosse eu, depois de ter se entregado a um crápula sem
moral e honra. Se ele sabia desse possível destino dela, tinha
ciência de seu erro e, mesmo assim, deixou que seus desejos
falassem mais alto do que seu juramento. Portanto, achei justo
matá-lo sem nem esperar pelas suas desculpas. Naquele momento,
eu me tornei o juiz que julgou seus atos imprudentes e impensados.
Sua sentença foi: culpado. Sem dúvidas.
Ouvir seus choros me fez voltar no tempo, pois vi nela a minha
irmã Eva, que já esteve naquela mesma situação, esperando por
misericórdia e ansiando por uma segunda chance. Entretanto, tudo
que ela recebeu foi desprezo, e eu não estava lá para lhe defender.
Ajudar Giovanna foi uma forma de amenizar essa minha culpa. Eu a
quis desde que a vi naquela sala, e o mundo, do seu jeito torto,
jogou-lhe aos meus pés. Agarrei-me àquela oportunidade sem
pestanejar, porque diante de mim, não vi uma menina quebrada,
muito menos estragada: enxerguei meu propósito. Então, usei tudo
o que tinha para a obter.
No final, os fins justificaram os meios, e foi somente nisso que
foquei. Veja! Não sou um bom homem e estou longe disso. Para
muitos, a minha atitude pode ser vista como um ato de bondade,
mas, para mim, ela foi um objetivo a ser alcançado. Um do qual sou
egoísta demais para me afastar e desistir sem tentar lutar.
Eu sei que passei dos limites lá em cima, só que é muito difícil
segurar meus instintos primitivos perto dela, pois sou um homem
saudável e tenho necessidades a serem aplacadas. O fato de
Giovanna ser muito atraente apenas colabora com isso. Qual
pessoa em sã consciência não a desejaria? Ainda mais se fosse sua
esposa.
No entanto, ela está certa: eu prometi não a tocar enquanto
não me der seu aval. Naquele momento, perdi o controle e a beijei,
achando que ela me queria. Entretanto, enganei-me. Se minha
boneca não tivesse recuado, eu teria a tido ali mesmo, e não é
dessa forma que quero levar nosso confuso relacionamento.
Quero que minha esposa me queira. Não! É mais do que isso.
Desejo que quando a tiver, outro não esteja povoando sua mente e
seu coração. Jamais tomaria decisões precipitadas que a
magoariam ou lhe machucariam de propósito.
Giovanna acha que eu a prejudiquei, mas, na realidade, evitei
que ela tivesse uma vida miserável, sofrida e regada a violência e
humilhações, como Eva teve.
Tudo tem seu tempo, e o meu há de chegar. Só preciso
continuar sendo paciente e lhe mostrar o quanto podemos ser bons
juntos, fazendo-a se esquecer o passado... Esquecer ele. Irei
conquistá-la ao ponto de vê-la desejar ser minha tanto quanto eu
anseio ser seu. Se me casei, nada mais justo do que querer o
pacote completo. Ao menos é isso que penso depois de ter
presenciado como eram meu pai e minha mãe antes de perdemos
minha irmã.
Olho a comida sobre a mesa, agora fria, e não sinto a mínima
vontade de comê-la. Como não quero ter que esperar a cozinheira
esquentar tudo de novo, decido fazer um lanche rápido para não
chegar atrasado na reunião do Conselho.
Maria está conversando calorosamente com sua neta e, assim
que me aproximo, muda sua postura e lança um olhar de sobreaviso
à garota, que pouco presta atenção no que lhe é dito em voz baixa.
— Você quer que eu peça para esquentar sua comida, filho?
— Não é preciso, Maria. Vou fazer um sanduíche de peito de
peru. Preciso sair agora.
— Sente-se aí! Eu farei para você.
— E eu vou te fazer um suco de laranja. — Giulia sorri
animada. — Henrique! — Coloca o copo sobre o balcão, na minha
frente, enquanto me analisa.
— Sim?
— Não sei o que ela te disse, porém não quero causar nenhum
mal-estar entre vocês dois, muito menos tenho a intenção de
atrapalhar seu relacionamento. — falou rápido, quase atropelando
as palavras. — Apenas me irritei por ela não querer que eu o chame
pelo nome. Nos cinco anos que trabalho aqui, você nunca se
importou com tal coisa, e eu achei muito desaforo ela me proibir
disso.
— Não incomode o senhor Henrique com isso, menina! — sua
avó lhe chamou a atenção. O que não parece surtir efeito.
— Ela acabou de chegar e já implicou comigo. Se ele não fizer
nada, logo será a vez da senhora, nonna.
— A Giovanna é a nova dona desta casa, Giulia. — Maria
tentou de novo. — Se ela se incomodou com sua postura, acate seu
pedido sem reclamar!
— Ela me ofendeu: referiu-se a mim como concubina.
Seguro a vontade de rir. Giovanna e seu temperamento
explosivo. Será que sentiu ciúme? Duvido! Apenas está querendo
me irritar e provocar uma guerra dentro de casa. Eu não irei lhe dar
a oportunidade de transformar minha vida em um inferno.
— Peço desculpa, então. A Giovanna, provavelmente, sentiu-
se enciumada e não escolheu bem as palavras. — Prefiro pensar
que seja isso.
— Ela não deveria nos tratar dessa forma, nem te desrespeitar,
como fez. É uma mulher mimada que não tem nada a ver com você,
Henrique. Não vê que irá te fazer infeliz?
Semicerro os olhos, estranhando seu comportamento
grosseiro. A garota é bem atrevida e, pelo jeito, acha que tem direito
de palpitar sobre minha vida. O motivo de ela e minha esposa se
estranharem tanto, deve ser esse: ambas não sabem segurar a
língua.
Eu não tiro a razão da minha mulher em certo ponto, porque
não é de hoje que venho notando os olhares maliciosos de Giulia
para cima de mim. Não sou nenhum ingênuo, somente a ignoro e
finjo não perceber nada, em respeito à Maria, que trabalha para a
minha família há muitos anos. Sua neta nunca me deu motivos para
lhe mandar embora, no entanto estou começando a rever meus
conceitos sobre ela.
— Isso não é da sua conta, Giulia. Eu decido o que é bom para
mim ou deixa de ser. Sugiro que guarde para si as suas opiniões
sobre minhas escolhas. Eu odiaria ter que pedir para que
sua nonna a mande de volta aos seus pais. Mas, se eu perceber
que você está, de propósito, causando intrigas entre mim e minha
esposa, é isso que vai acontecer. Estamos entendidos?
Ela engole em seco.
— Mas... — Faço um sinal com a mão para que ela não
continue seu questionamento.
— Você entendeu, menina? — perguntei firmemente mais uma
vez.
— Sim, senhor. — respondeu com uma voz baixa.
— Muito bem. Espero que esse assunto esteja encerrado. E, a
partir de hoje, ouça os conselhos de sua avó e siga à risca o que
Giovanna lhe disser! Se ela te pedir para pular, faça isso sem
questionar o porquê!
Ela faz cara de choro e eu me viro para a sua avó, que estava
assistindo a tudo, desconsertada.
— A Giulia não irá mais se meter onde não deve, senhor
Henrique. Prometo isso.
— Vamos passar uma borracha sobre esse assunto e nos
esquecer dele! Hum? — Sorrio para ela.
Tenho um certo carinho por essa mulher, porque se não fosse
pelos seus cuidados, eu teria perdido minha mente quando mamãe
nos deixou.
— Deixe o lanche para mais tarde, Maria! Perdi meu apetite.
— Que Dios lhe proteja, bambino! — Passa uma mão em meu
rosto, com carinho.
— Grazie, Maria! — Beijo sua mão e vou resolver meus
compromissos.
Mando uma mensagem à Camillo, pedindo-o para me
encontrar no lugar onde iremos ter uma breve reunião. Cobrar
dívidas antigas não é muito o meu forte, contudo isso é algo que
não posso deixar que outra pessoa resolva por mim. Nós
precisamos de cada centavo atrasado, e esse negócio, em
particular, renderá um bom dinheiro que me servirá para cobrir um
pouco do prejuízo que Luigi tem nos dado.
Saio depressa para ir encontrá-lo antes de enfrentar os
malditos anciões e toda a horda de abutres gananciosos que vieram
com eles.
Eu o vejo sair sem se importar por ter me magoado e fico com
mais raiva daquela cadela ruiva. Henrique nunca tinha levantado a
voz para mim, como hoje, já que sempre me tratou com carinho e
respeito. Esse foi um dos motivos pelos quais me apaixonei por ele.
Mesmo sendo quem é e fazendo o que faz, amo todas as suas
faces. Eu seria uma boa esposa para ele, porque entendo sua vida,
não o julgo e estaria ao seu lado em todos os momentos que
necessitasse. Até mataria se esse fosse o seu pedido. Eu tinha
certeza de que, um dia, esse homem iria olhar para mim da forma
que sempre desejei. Além disso, aos poucos, estava conquistando
sua confiança. Não faltava muito para o ter aqui, em minhas mãos.
Só não esperava que ele fosse aparecer casado do dia para a noite.
Consegui tirar do meu caminho todas as mulheres trazidas
para cá e não lutei em vão por nós dois para, depois de tanto nadar,
morrer na praia. Isso está longe de acabar. Não me darei por
vencida.
Como Henrique é correto demais, eu tinha um plano de
conquistá-lo e dormirmos juntos. Então, feito o bom moço de caráter
ímpar, que eu sei que ele é, iria se casar comigo. Assim, eu iria me
tornar a dona desta casa, cuidar dele, formar nossa família e, o
principal, ser muito rica. Não seria uma simples empregada
qualquer, e sim a senhora Cavallari.
Agora, tudo foi por água abaixo com a chegada dela. Maldita!
A culpa é inteiramente sua. Nem o chamar pelo nome, posso mais.
Porém, vou acabar com a vida dela aqui dentro, fazendo-a se
arrepender por ter cruzado comigo e, principalmente, com o
Henrique. Irei infernizá-la ao ponto de vê-la implorar para ir embora.
Já sei exatamente o que devo fazer para lhe tirar do meu caminho.
Ele é meu e eu não vou deixá-la o tomar de mim. Esperei-o por
muito tempo, para aceitar ser derrotada agora. Ela que me aguarde!
Camillo está me aguardando em frente ao restaurante de um
dos nossos sócios. Ou, melhor dizendo, ex-sócio a partir de hoje. O
imbecil atrasou seu pagamento e achou legal sair comentando
sobre a clemência que recebeu. Clemência essa que foi paga para
que o nosso executor lhe desse mais um prazo. Até aí, tudo bem. O
erro foi esse moleque renegociar a dívida sem nos consultar,
embolsando o dinheiro que lhe foi passado. E o devedor, sentindo-
se confiante, ainda teve a ousadia de criar um grupo com outros
comerciantes a fim de se rebelar contra nós.
Eu não sei onde estava com a cabeça no dia em que fiquei
sabendo disso, porque não meti uma bala na cabeça do idiota. Ele é
novo no cargo, dado que perdemos o antigo executor há pouco
tempo em um ataque. Parece que depois que parei de treinar os
nossos homens, todos começaram a se achar donos de si e
passaram a criar suas próprias regras.
Agora, resta-me limpar pessoalmente a merda que ele fez,
para lhe dar uma lição definitiva e mandar um recado aos outros que
quiserem se rebelar contra a Camorra.
— Onde estão? — perguntei ao Camillo, entrando no prédio.
— Lá dentro, aguardando-nos.
— Vamos logo com isso! Eu odeio ter que fazer o trabalho sujo
dos outros.
Pelo jeito, virei um tipo de faz-tudo ultimamente. Tenho que
resolver todos os problemas da organização, já que Luigi está
brincando de ser chefe. Isso aqui tem tomado um caminho
desenfreado para o desastre nada agradável aos nossos negócios.
Sento-me na cadeira em frente ao Demeron, responsável por
toda a lambança, e o encaro firmemente. O moleque se contorce
feito uma serpente sob minha análise. Eu não preciso me olhar em
um espelho para saber que a escuridão está emanando de cada
poro meu neste exato momento, porque a sinto me rondando e
esperando o momento certo de ser libertada dos cadeados que a
impedem de sair para tomar outro corpo e levar mais uma alma ao
inferno.
Essa é uma faceta que meus homens e, principalmente, meus
inimigos conhecem. Adoro saber que todos temem estar de frente a
mim. É como um alimento para a minha besta interior, saber que
anos se passaram e eu continuo sendo temido. Se tem algo que
amo além de matar, é ter o poder de decisão nas minhas mãos
quando estou diante do meu alvo.
Hoje não será um dia de clemência, visto que estou irritado e
cheio de adrenalina acumulada, precisando liberar um pouco dela
antes que eu me torne irracional e faça uma besteira desnecessária.
— Henrique, eu não deveria ter renegociado a dívida. Prometo
que vou consertar isso. — falou finalmente quando percebeu que eu
iria me manter calado.
Eu estava o esperando, mas não para ouvir suas desculpas, e
sim para ter tempo de me acalmar e não pular em sua jugular. Não
quero perder o controle sobre mim, o qual muito me orgulho de ter.
— Não. Você não deveria. No entanto, não precisa fazer mais
nada. Até mesmo porque eu estou presente e você sabe o que
acontece quando sou chamado para resolver as coisas. Não sabe?
— Inclino-me, ficando cara a cara com ele.
— Tudo vai ser resolvido. Apenas me dê uma segunda
chance!
Tarde demais.
— Veja bem! Foi por conta de uma segunda chance que nós
estamos aqui. Você deixou nas mãos de outra pessoa a sua vida
quando a liberou de uma dívida que não era sua e aceitou suborno
para livrar sua cara. Eu não cometo erros, Demeron, e não aceito
que errem comigo também.
Ele abre a boca para suplicar por perdão, mas antes que
qualquer palavra deixe seus lábios, eu atiro no meio de sua testa,
derrubando-o sobre meus pés. Tiro meu lenço do bolso e o esfrego
cuidadosamente em minha arma, limpando dela qualquer vestígio
de seu sangue imundo. Depois me volto ao Giocondo, o dono do
restaurante, que está amarrado à cadeira, rebatendo-se, com olhos
arregalados. Ele está bastante machucado, pois, com certeza, levou
uma boa surra antes de chegarmos.
Puxo a fita adesiva de sua boca, arrancando-lhe um gemido
alto de dor.
— Agora, a conversa é entre nós dois, amico.
— Eu juro que vou pagar. Deixe-me ir pegar o dinheiro no
cofre!
— A questão não é mais financeira somente, Giocondo. Você,
além de sair falando demais, ousou fazer outros sócios nossos se
rebelarem contra nós. Depois de tudo que fizemos por você, traiu
quem te estendeu a mão. Quanta ingratidão! Achou mesmo que não
iríamos ficar sabendo? Temos ouvidos e olhos em cada canto desta
cidade, então foi questão de tempo até te entregarem.
— Não precisa me matar, porque nós podemos negociar. Que
tal cinquenta por cento de tudo que ganho? — tentou barganhar,
assim como fez com o garoto.
Rio, balançando a cabeça, e ele ri junto, achando que me
pegou pelo bolso.
— Ouviu isso, Camillo? Ele acha que estamos à venda. O que
você achou dessa proposta?
Ele gargalha, divertindo-se com a situação.
— Audaciosa, chefe. Porém, eu me pergunto como ele pagaria
esses cinquenta por cento, se não estava nos pagando os trinta que
foi combinado, por não estar tendo condições.
Faço um sinal de “pois é” com a mão e encaro o homem,
semicerrando meus olhos em sua direção.
— Deixe-me ver se entendi direito! Estava nos roubando,
Giocondo? Escondendo de nós os seus verdadeiros ganhos?
Ele empalidece.
— Na... Não! É porque as coisas melhoraram ultimamente com
a chegada de novos turistas. Então, eu posso pagar esse valor
agora.
— É interessante sua proposta. — Faço uma pausa, fingindo
pensar e o deixando achar que me ganhou. — Mas não aceito.
— Como? — Está chocado com minha recusa. — Por favor!
Sessenta! Eu pago sessenta por cento.
— Pense comigo! Por que eu iria querer receber sessenta por
cento de um negócio que tem lucrado tão bem, como disse, ao
ponto de você querer nos dar mais da metade dos seus ganhos,
sendo que posso ficar com tudo?
Ele arregala os olhos e eu sorrio maquiavelicamente.
— Mas... Assim, eu não terei ganho nenhum.
— Ótimo! Mortos não precisam de dinheiro, mesmo, no lugar
para onde vão. — Levanto-me e pego minha arma de cima da
mesa. — Seu problema foi sempre falar demais, Giocondo. Essa
sua boca grande te colocou em sérios problemas, como já estava
previsto para acontecer.
— Não! Por... — Não o deixo terminar a frase, porque acerto
um tiro em cima do seu coração, à queima-roupa.
Suspiro fundo, analisando tudo à minha volta. O lugar está
uma bagunça.
Demeron resolveu mostrar trabalho um pouco tarde. Eu volto
meus olhos ao seu corpo sem vida, no chão. Foi uma pena ter o
matado, já que era um jovem promissor. Contudo, não posso ficar
passando pano para erros alheios, ou quem ficará na mira dos
inimigos, serei eu. Que sirva de lição para os novatos e veteranos
que pensam que podem fazer o que bem entendem!
Eu não brinco em serviço. Posso não ser tão jovem quanto
eles, porém meus anos de experiência equivalem aos seus anos de
juventude, e não tenho paciência para os ensinar a fazer seus
trabalhos direito.
— Peça para que limpem essa bagunça, Camillo, e
providencie uma lista para mim de quem tem se destacado na
famiglia! Preciso escolher outra pessoa para ficar no lugar deste
imbecil. — Aponto para Demeron. — Também faça com que se
espalhe em nosso meio o que aconteceu aqui! Quero mandar um
claro recado do que irá acontecer a todos aqueles que se unirem
contra nós. Só assim acabaremos com quaisquer rebeliões futuras.
— Pode deixar comigo, chefe!
— Quer que eu o acompanhe na reunião? — Rocco, outro
segurança meu, perguntou.
— Não. Apenas terminem com a limpeza do local, antes que
isso chame a atenção dos policiais!
— Okay. Cuidarei disso o mais breve possível.
Arrumo-me para sair. Quando estou quase chegando na porta,
volto para onde deixei Camillo, dando-me conta de um pequeno
detalhe que notei somente agora.
— Diga-me, Rocco: como sabe que irei a uma reunião do
Conselho? — O único a saber detalhadamente sobre meus passos,
é Camillo.
— Eu ouvi os soldados comentarem sobre a chegada dos
subchefes e anciões na noite passada. Imaginei que iria se reunir
com eles hoje.
Mantenho-me neutro, pensando cautelosamente se é apenas
isso mesmo. Ele está comigo há alguns anos e eu o treinei
pessoalmente para me proteger. Suas habilidades em rastreamento
são tão boas quanto as de Marco, então achei melhor mantê-lo por
perto, porque não é fácil achar homens em nosso mundo que
trabalhem bem nessa área. Agora estou pensando se fiz certo
realmente em deixá-lo tão perto.
— Sim. Imaginou certo. — Dou um sinal discreto para que
Camillo mantenha um olho sobre ele. — Peça para que reforcem a
segurança da mansão, Camillo! Se todos os soldados que não
foram selecionados para proteger o local, estão sabendo de uma
reunião que deve ser confidencial, algum inimigo pode saber
também e querer se aproveitar do momento.
Rocco franze a testa, percebendo sua falha, e abaixa a
cabeça, envergonhado.
— Considere feito, chefe! — Pega seu telefone para fazer uma
ligação.
— Vejo vocês mais tarde. — Vou em direção à saída
novamente.
O Rocco é um bom homem, mas é muito ambicioso também.
E, em nosso meio, pessoas assim têm tendência a se venderem
facilmente e cometerem erros irreparáveis por pouco dinheiro. Eu
não confio nem na minha própria sombra, quanto mais em quem
não consigo entrar na mente e saber o que se passa dentro dela.
No caminho, paro em uma floricultura e sigo o conselho de
Gabriel: peço para entregarem uma dúzia de rosas azuis à
Giovanna. Gostei dessa cor por me fazer lembrar dos seus olhos e
me interessei pela explicação da vendedora sobre o significado
delas. Quem sabe ela aceite minhas desculpas e me deixe levá-la
para jantar? Um momento de descontração, longe de casa, talvez a
faça se acalmar e entender que não a quero somente como uma
esposa “troféu”. Sinto-me piegas por estar agindo dessa forma, mas
como dizem, “vale tudo na guerra e no amor”, não é?
Com ela, eu me sinto enfrentando uma batalha e andando em
um campo minado. E nunca entrei em uma delas despreparado.
Preciso conhecer melhor o terreno em que estou pisando e, assim,
montar uma estratégia de combate para vencer. Espero, um dia,
poder quebrar as paredes que sinto que Giovanna colocou entre
nós, mas até lá, irei precisar evitar combates com ela. Tenho que a
fazer confiar em mim e se acostumar com minha presença antes de
eu confrontar seus medos e os destruir um por um.
Fecho meu blazer para entrar no salão do hotel, onde
marcamos o encontro. Cumprimento Elliot, meu segurança
designado a me acompanhar na reunião, tomando provisoriamente
o lugar de Camillo, e me preparo para entrar pelas portas. É quando
recebo o forte impacto de um corpo que me arremessa para trás,
sendo seguido por uma alta explosão. Desse modo, os vidros da
fachada do hotel se estilhaçam em mil pedaços em cima de mim,
fazendo-me bater a cabeça na calçada de concreto. O que me deixa
tonto por alguns segundos.
Rapidamente, tiro a arma do meu colete e me preparo para me
proteger de ataques.
— Você está bem? — Uma mão me ajuda a levantar.
— Minha cabeça está doendo. O que aconteceu? — Ainda
estou meio desorientado.
— Pelo que parece, implantaram uma bomba para tentarem te
matar.
Finalmente, eu me dou conta de que o homem que acabou de
salvar minha vida, foi o Marco.
— Obrigado! Acho que te devo uma. — Fico feliz ao vê-lo por
mais de um motivo.
— Acho que a velhice anda te pegando de jeito, mestre. —
provocou-me.
— Isso tudo é saudade de apanhar, Marco?
Ele sorri, divertindo-se com minha desgraça.
— Foi muita sorte. Faz ideia de quem deseja ter ver morto? —
Olha para o carro em que Elliot veio dirigindo. Ele está coberto de
chamas.
— Em nosso meio? Pode ser qualquer um.
— Principalmente hoje, que está lotado de subchefes e
anciões aqui.
Não pergunto como ele sabe isso, porque Marco, como um
dos meus antigos pupilos e o segundo melhor homem que treinei,
deve estar bem informado sobre o que acontece dentro da Camorra.
Eu iria duvidar de sua capacidade se não ficasse inteirado de tudo.
— Não estavam esperando que você viesse dirigindo seu
próprio carro. — Elliot disse pálido, encostado na parede.
— Você está bem?
— Sim. Foi só o susto, chefe. Escapei por pouco.
— Ligue para o Camillo e diga que eu o quero em minha casa
o mais depressa possível! Também, entre lá dentro e avise que a
reunião está cancelada! Fale para todos irem à mansão de Luigi,
porque não estão mais seguros.
— Considere feito! — Levanta-se mancando e entra no salão.
— O que te traz aqui? — questionei ao Marco assim que me
recuperei do ataque.
— Não posso aparecer para uma visita, sem avisar? —
devolveu sarcasmo.
— Não venha me dizer que está com saudade! Porque vou
desconfiar que você está drogado. — brinquei, mas o olhei
realmente, buscando algum vestígio de drogas nele. — Não está
usando essas porcarias de novo, não é?
Ele ri e balança a cabeça, achando-me engraçado.
— Estou em missão. — Não respondeu minha pergunta.
Ele se agacha no chão e olha por baixo dos outros carros,
procurando pistas.
— O Vincent veio também? — Olho em volta, à procura dele,
já que os dois estão sempre juntos.
Se Marco está aqui sem ele, é porque algo grave aconteceu.
— Não. Coincidentemente, ele também sofreu um atentado
nesta semana. Eu estou na cola do mandante e todas as pistas me
trouxeram para cá.
— Devo me preocupar?
— Ele está bem e eu já estou resolvendo o assunto. Vou
aproveitar para averiguar se esse atentado a você está ligado ao
dele.
— Vou colocar o Camillo para te ajudar. Também tenho
interesse em saber.
— Não precisa. — orgulhoso, dispensou minha ajuda. —
Tenho desconfiança e informações vindas de fonte segura, de quem
é o mandante. Só estou esperando o momento certo para o pegar.
— Tudo bem. Não deixe de me informar sobre o que
descobriu!
— Vou te deixar a par da situação. Não se preocupe! Agora, já
estou indo. Não quero que saibam que estive por aqui.
— Marco! — Ele para sem se virar. — Não seja pego! Ficará
difícil te acobertar se deixar rastros de sangue na porta do capo.
Ele se despede com um balançar de cabeça e some nas
sombras, entre os prédios.
Espero Elliot voltar e, depois de verificarmos meu carro por
precaução, seguimos para a minha casa. Marco pode não querer
minha ajuda, e eu respeito isso, no entanto nada irá me fazer sentar
e esperar para descobrir quem implantou aquela merda de bomba.
Quero o desgraçado em minhas mãos o mais rápido possível. Seja
quem for, ele não teve sucesso em tirar minha vida, mas garanto
que não terá uma segunda oportunidade de tentar.
Ainda me sentindo em frangalhos, afasto-me da parede, entro
em meu quarto e tranco a porta, temendo que ele volte. Sinto-me
confusa e muito irritada com suas palavras. Henrique quis dizer que
eu não devo me meter em seus relacionamentos porque não durmo
com ele? Stronzo! Eu já disse que não me importo com isso, porém
não quero ser desrespeitada por nenhuma de suas amantes dentro
da minha própria casa. Aceitar não significa ser conivente com a
situação.
Cada um vai ter que arcar com as consequências de suas
ações um dia e Deus sabe o quanto estou pagando amargamente
pelos meus erros.
Sento-me na cama, sentindo-me um pouco tonta de repente.
Acredito que todas as emoções dos últimos dias têm me feito mal,
deixando-me com a sensação de que estou sendo pressionada e
sufocada. Não sei qual caminho tomar a partir de agora.
Mamãe nunca foi uma mulher de conversar e orientar suas
filhas, já que nem parava em casa durante a maioria do tempo.
Estava ocupada demais com seus compromissos, fingindo ser a
esposa perfeita do capo. Às vezes eu sentia pena dela, por ter que
viver condicionada àquela vida, e em outras sentia raiva, porque
sabia que um dia seria eu, fingindo ser feliz também. Acho que esse
foi meu principal combustível para me rebelar e fazer o que fiz.
Será que ele viria atrás de mim se ainda estivesse vivo? Quem
sabe? Talvez minha ausência o fizesse se arrepender e vir me
salvar, como fez em tantas outras vezes, quando entrei em
confusões. Nós teríamos tido bastante tempo para armarmos um
plano decente e fugirmos antes de eu ser entregue a outro. Ou,
talvez, se eu tivesse aceitado meu destino, ele estaria vivo.
Constatei um pouco tarde que também tenho culpa pela sua morte.
Olho minhas mãos e, finalmente, caio na real. Não puxei o
gatilho, mas sou tão culpada quanto Henrique pela sua morte. Eu
causei aquilo. Oh, meu Deus! Também sou uma assassina?
Outra onda de náuseas me toma e eu vou correndo até o
banheiro, onde coloco para fora, no vaso, o pouco de alimento que
ainda restava em meu estômago.
Tanta descarga emocional me faz ser transportada para um
porão em que papai me colocava de castigo por ser uma criança
desobediente.

***

— Não me tranque aqui, papai! Eu prometo me comportar. —


pedi chorando, sentindo-me arrependida.
Um documento importante dele sumiu e ele está muito bravo
porque entrei no seu escritório sem permissão e mexi em suas
coisas, na gaveta. Eu só queria um pedaço de papel para lhe fazer
um desenho.
— Após algumas horas aqui, você irá aprender a me obedecer,
sua pestinha.
— Por favor! — implorei, tentando segurar a porta, com medo
do escuro. É em vão.
Recebo um tapa no rosto que me faz cambalear e cair sentada
no chão enquanto as portas se fecham e o cheiro forte de mofo
domina o ambiente, fazendo meu nariz arder ao ponto de eu quase
lacrimejar. Grito por algum tempo e, depois de perceber que
ninguém virá ao meu socorro, calo-me e me deito no chão úmido.
Eu odeio esse lugar e minha família! Eu o odeio! Um dia irei
fugir daqui.

***

A minha garganta começa a se fechar e o banheiro a se


parecer pequeno demais para mim. Sento-me no chão, apenas
esperando o mal-estar desaparecer. O tempo demora a passar e,
durante alguns momentos, puxo o ar devagar, contando de um até
dez.
— Concentre-se em sua respiração! Conte até dez! — É o que
Damien me dizia.
Conseguir me concentrar em outra coisa além dos meus
pulmões gritando por ar, ajuda-me a ficar bem. Quando me sinto
melhor, lavo meu rosto e me olho no espelho, observando o quanto
estou pálida e com olheiras fundas. Tenho dormido muito mal, e os
estresses que venho passando por conta do casamento, não me
ajudam. A minha ansiedade está no extremo, e mesmo que eu
disfarce isso e finja que está tudo bem comigo, ainda assim sinto
alguns sintomas mais graves dela, que são sequelas de um
passado sombrio.
Saio do banheiro e me deito na cama, cansada por aquela
discussão e pelo desgaste psíquico e físico, que me abatem. Em
poucos minutos consigo pegar no sono e dormir, pensando em
como poderei sair dessa vida sem que haja outro tiro em mais
alguém ou, pior, uma bala enfiada na minha cabeça.

(...)

Eu acordo sobressaltada, percebendo minha roupa suada e


minha boca seca. Tive a impressão de que estava sendo vigiada,
porém o quarto está vazio.
Esfrego meus olhos, tentado afastar o sono. No criado-mudo
encontro uma bandeja com suco, sanduíche, e, ao lado, um lindo
buquê de rosas azuis.
Eu não havia fechado a porta quando entrei no quarto? Então,
percebo de imediato que não foi impressão minha: tinha alguém
aqui. Corro até a porta e constato que ela não está travada. Será
que foi Henrique? Ou Maria?
Volto ao criado-mudo e pego uma das flores. Enquanto inalo
seu perfume, noto um bilhete ao seu lado e o pego para ler.

“Dizem que, em algumas culturas, a rosa azul significa mistério


ou a busca pelo alcance do impossível. Acredita-se que elas tragam
ao dono a realização de um desejo.
O meu impossível é você e eu busco te alcançar, boneca,
porque desejo que você me queira.
H.C”

Olho para o pequeno cartão, intrigada, e o leio mais uma vez.


São belas palavras para um homem de coração frio.
Como meu lanche, tomo um banho e desço à procura de
Maria. Quando estou chegando perto da cozinha, ouço Giulia
cochichando com alguém. Por curiosidade, dou meia volta para
verificar quem está com ela e levo um susto quando a pego
agarrada a um dos soldados da casa. Eles estão tão entretidos que
não notam a minha presença. Entretanto, devo ter feito barulho sem
perceber, porque ambos logo me olham assustados.
— Giovanna! — ela disse com os olhos arregalados. —
Desculpe! Quero dizer... Senhora! Por favor, não conte a ninguém!
O soldado está calado e me observando com certo receio. Não
deixo de reparar que ele a protege de mim com seu corpo, como se
estivesse com medo de que eu possa fazê-la algum mal.
— Vocês não deveriam estar se pegando aqui dentro. Se
Henrique descobrir, pode não gostar.
— Isso não vai mais acontecer, senhora. Foi minha culpa.
Somente minha. — finalmente, o rapaz disse.
— Como é o seu nome? — questionei com curiosidade.
— Ramón. Sou irmão do Rocco.
— Muito bem, Ramón. — Sorrio para que ele veja que não sou
uma inimiga. — Não irei contar nada ao Henrique. Vou fingir que
não ouvi, nem vi nada. Mas precisa me prometer que não irá fazer
isso dentro da minha casa novamente.
— Claro. Prometo. — concordou prontamente.
— Pode ir. — pedi.
Imediatamente, ele olha para Giulia como se perguntasse se
irá ficar tudo bem. Ela, em contra partida, dá um aperto carinhoso
em seu braço. Então, após uma segunda olhada em minha direção,
Ramón sai.
— Você não pode contar nada ao Henrique, ou ele irá me
mandar de volta para os meus pais. — Giulia comentou exaltada.
Cruzo os braços, mas não a corrijo devido ao seu nervosismo.
Eu estou até mesmo sentindo empatia por ela neste momento.
— Já falei que não vou dizer nada ao meu marido. Mas, se não
quer que ele saiba, não deveria ficar agarrada ao rapaz debaixo do
teto dele. Podia ter sido ele pegando vocês dois juntos.
— Eu sei. É que me deixei levar. Juro que isso não vai mais
acontecer.
Quem sou eu para lhe julgar?
— Não é da minha conta o que você faz da sua vida, Giulia. —
Viro-me para ir procurar sua avó e fico surpreendida quando vejo
Henrique entrar todo ensanguentado.
— O que aconteceu? — Giulia quase gritou ao meu lado.
— Você está sangrando! — afirmei assustada, chamando sua
atenção.
— Diga-me uma coisa que eu ainda não saiba, Giovanna! —
respondeu cheio de cólera. — Traga-me a maleta de primeiros
ssocorro! — Vai em direção ao seu escritório, junto com seus
cachorros adestrados, vulgo soldados.
— Tenho cara de empregada, por acaso? — saindo do torpor
em que estava, respondi seu desaforo.
Ele para, vira-se para mim e estreita os olhos. O que vi, quase
me fez sair correndo escada a cima e me esconder.
Giulia agarra meu braço em um aperto firme.
— Esse não é um momento propício para você o provocar. Vá
por mim! Nada me daria mais prazer do que o ver chutando sua
bunda magra, só que não estou afim de arrastar seu corpo pela
casa hoje. — ela disse a mim.
— Sua cobra! — Puxo meu braço de suas mãos, querendo
estapeá-la por tamanha ousadia. — Em qualquer hora dessas, irei
perder minha paciência com você, Giulia. Reze para não ver um
lado meu que poucos conhecem!
— Não tenho medo de você. — Encara-me de
forma desafiadora.
— Pois deveria. Eu venho de uma família de mafiosos e acabei
de me casar com o consigliere. Se eu sumir com você, ninguém irá
me punir por isso. — ameacei, sentindo raiva dela.
Um brilho perigoso se passa pelo seu rosto. Eu sempre fui
muito boa em estudar pessoas, portanto digo que há algo ruim
nessa garota que me incomodou desde que cheguei aqui. Ela
consegue tirar o pior de mim e eu me vejo sendo capaz de fazer
coisas que antes julgava errado e jamais me imaginei fazendo. Não
sei quando comecei a ter essa autoconfiança, no entanto sei que
gosto de me sentir poderosa.
— Mostre-me onde fica a maldita maleta! Vou levá-la para ele.
— ordenei com impaciência.
— No banheiro, senhora. Não sabe onde suas coisas ficam
guardadas? — retrucou com malcriação antes de sair.
— Foda-se! — Toda a minha empatia por essa vadia já se
evaporou.
Subo ao seu quarto, pego a maleta branca e, em seguida, bato
na porta do cômodo onde ele está. Camillo a abre e me dá
passagem.
Sem aguardar que Henrique peça para que eu faça seus
curativos, disponho-me a ajudá-lo. Pego gases, algodão e álcool
para limpar seus ferimentos, no automático, pois já estava
acostumada a cuidar do meu pai e do meu irmão Enzo. Começo a
limpar as feridas dele, tomando cuidado para não pressionar onde
tem um inchaço na parte frontal da sua testa. A sala fica em silêncio
e eu me nego a analisar a situação por outro ângulo.
Assim que me tenho por satisfeita, preparo-me para deixar o
cômodo como uma boa esposa, sem dizer uma única palavra que
pode irritá-lo. É quando sou surpreendida pela sua mão segurando o
meu queixo e levando meus olhos para ficarem rentes ao seus. Um
dedo dele alisa a maçã do meu rosto e um calor reconfortante me
abraça devido ao seu toque.
— Gostou das flores? — indagou com a voz baixa e
enrouquecida.
Procuro pelos seus guardas e percebo que eles saíram sem
que eu notasse, para nos deixar a sós.
— Sim. Eu não sabia que existiam rosas azuis. — Tento
esconder meu nervosismo por estar sozinha com ele no mesmo
cômodo.
— Elas são raras como você.
— Esse não é o momento de agir como um galanteador. —
Disfarço meu embaraço por conta do seu elogio.
— O que tenho que fazer para você perceber que estou
tentando, duramente, conquistar sua confiança? Por que não aceita
de uma vez por todas que podermos nos dar bem
juntos, princepessa?
Meu corpo retesa diante do apelido carinhoso pelo qual ouvi
muito o Damien me chamar. Observador como é, ele logo nota
minha tensão.
— Que tal nascer de novo? — Levanto-me do chão, onde me
mantive ajoelhada até agora para ficar à sua altura.
— Eu quase morri hoje, mas, ainda assim, estou aqui. Da
minha perspectiva, eu nasci de novo, boneca. Isso vale para você?
— brincou com o fato de ter quase morrido.
Mordo a ponta do meu lábio inferior, querendo rir da sua
resposta. O homem é impossível e tem um humor extremamente
negro.
Eu, em seu lugar, estaria pirando por saber que estão tentando
me matar, mas ele, ao contrário disso, mantém-se sereno, como se
fosse outra pessoa a ter passado por um ataque.
— Vou desconsiderar tudo que você disse, levando em conta a
pancada forte que ganhou na cabeça. Suponho que esteja com uma
concussão. Isso explicaria seus devaneios.
Com um inclinar leve de cabeça, ele sorri e todo seu rosto se
ilumina. Tenho que admitir: Henrique é muito bonito, para seu
próprio bem. Não me admira ter uma horda de mulheres se matando
por ele.
— Quer jantar comigo? Acho que deveríamos nos conhecer
melhor.
— Não é um pouco tarde para romantismo, Dom Juan? Você
já se casou comigo.
— E isso não é motivo para sermos inimigos um do outro. —
falou baixinho, colocando para trás da minha orelha alguns fios de
cabelo que escaparam do meu coque. — Tenho certeza que depois
que me conhecer, vai perceber que não sou tão ruim quanto pensa.
— sua voz saiu estrategicamente calma e melodiosa.
Pego-me hipnotizada pela delicadeza imposta em cada frase.
Se eu já não tivesse o visto em ação, nunca acreditaria que ele é
um assassino profissional e letal.
Lambo meus lábios ressecados e abaixo a cabeça, pensando
no que falar. Será que vale a pena tentar? De todos os modos, eu
não irei sair da sua vida, nem ele da minha, porque divórcio não
existe em nosso mundo. Eles levam a sério os votos de “até que a
morte nos separe”, por mais que a maioria não siga à risca o
restante das promessas feitas no altar.
— Não sei se consigo te perdoar. — fui sincera. — E você é
um total estranho para mim.
— Não preciso do seu perdão, Giovanna. Não estou pedindo
para que me perdoe, nem espero por isso. Para ser sincero, não me
arrependo do que fiz com ele.
O pior de tudo é saber que se voltássemos no tempo, ele faria
tudo novamente. Homens como Henrique sentem prazer em matar e
remorso não fazem parte do dicionário deles.
— Já amou tanto uma pessoa ao ponto de não se imaginar
viver sem ela? — questionei, interessada em sua resposta.
Ele trava a mandíbula por um momento e posso jurar que
escuto o ranger de seus dentes. Sua fisionomia vira pedra e toda a
armadura volta ao lugar. Quase me sinto culpada pela quebra do
momento, entretanto imagino que se for para começarmos do zero,
temos que ser sinceros um com o outro.
— Todas as pessoas que amei, já se foram, Giovanna. Então,
sim: eu já amei alguém ao ponto de desejar tirar minha vida devido
à dor da perda.
Abro a boca várias vezes para perguntar quem ele perdeu,
porém nada sai. Seria uma possível noiva? Ou uma esposa? Pela
sua idade, eu não estranharia se ele já tivesse sido casado antes de
mim. Neste instante me dou conta do quão pouco sei dele e do seu
passado.
— Então, você me entende. — assegurei com firmeza.
— Entendo. Mas não concordo com o seu sofrimento por ele.
— com um certo rancor nas palavras, reiterou o que já havia me
dito. — Ainda acho que ele não merecia seu amor, só que respeito
sua dor e espero, um dia, poder tirá-lo de uma vez por todas da sua
mente.
— Você não pode, Henrique. Ninguém manda no coração do
outro.
— Mas não é impossível.
— Você fala com tanta segurança que me assusta.
— Tem medo de mim, boneca? — Encara-me.
— Às vezes sim. Você é um enigma para mim e eu não sei
como lidar com isso.
— Não tem o que temer. Não enquanto estiver comigo por
perto. Minha mãe dizia que o coração dos outros é uma terra
desconhecida e um lugar onde ninguém deve pisar sem ter a
certeza de que deseja ficar.
Finjo não perceber a indireta. É a primeira vez que ele citou um
parente seu.
— Onde ela está? Não vai me apresentá-la?
— Não! — Tenciono com sua recusa. — Ela faleceu há algum
tempo. — explicou-se ao perceber minha reação.
— Sente falta dela? — perguntei, querendo ouvi-lo mais.
— Todos os dias. — Fica reservado e se vira para a instante
do canto da sala, perdido em pensamentos.
Não sei bem o porquê, mas sinto pena dele.
— Eu aceito. — respondi sua pergunta, na tentativa de trazer
novamente o clima descontraído que estava sobre nós. —
Aceito jantar com você e tentarmos um novo começo.
O sorriso volta aos seus lábios sedutores. Seja onde sua
mente estava, eu consegui tirá-lo de lá com minha resposta. Acho
que se nós dois nos esforçarmos, poderemos fazer nossa relação
dar certo. O que, de pior, poderia nos acontecer? O que havia entre
nós, ele eliminou, e como bem disse, não tem porquê eu correr do
que já está destinado.
— Você não vai se arrepender. — afirmou com certa satisfação
na voz.
Espero, sinceramente, que não. Odiaria me apaixonar por ele
para somente perdê-lo logo depois. Eu poderia amá-lo? Ou a
sombra de Damien sempre irá me perseguir? Bom... Como não
tenho o controle sobre nada mesmo, só irei saber se tentar. Então,
seja o que Deus quiser.
Eu sorrio com suas palavras e uma emoção boa se apossa de
mim. Regozijo-me por dentro com sua resposta positiva. Finalmente,
há uma luz no fim do túnel para nós dois. Não vou mentir: confesso
que esperava mais resistência de sua parte. Giovanna me
surpreendeu e eu não sei o que a fez mudar de ideia, contudo estou
feliz pelas coisas estarem acontecendo assim. Quero protegê-la
como devo, conhecer seu íntimo e ser aquele para quem ela vai
recorrer nas horas de angústia. Desejo tudo que vier dela: seu amor,
seu respeito, sua devoção e cada batimento cardíaco seu. Quero
saber que estou ali, em seu coração. Espero ser o homem a quem
Giovanna pertencerá, mas não porque vou dominá-la, e sim por ela
querer que eu seja o seu único.
— Vou sair e deixar você terminar sua reunião. — avisou.
Eu gostaria de ter mais tempo com ela, porque essa é a
primeira vez que um encontro nosso não termina com um de nós
dois gritando um com o outro. Eu queria esticar o máximo possível
sua saída, porém esse não é o momento certo. Meus homens estão
me esperando e eu preciso saber quem foi o imbecil que tentou
contra mim, antes que ele chegue mais perto e tenha êxito em uma
próxima tentativa.
— Peça para que Camillo entre com os outros! — Embebedo-
me com a visão magnífica dela deixando o meu escritório.
Não posso deixar de notar sua bunda redonda e firme no
vestido apertado que ela está usando.
Camillo e Rocco também parecem impressionados com minha
bela mulher passando por ambos. São dois futuros cadáveres
ambulantes. Um ciúme se apossa e meu corpo reage no mesmo
instante. Fecho a cara para eles quando notam que estou os
encarando, irritado, por conta de suas atitudes.
— Mantenham seus olhos, no máximo, na linha do pescoço
dela na próxima vez! Ou serei obrigado a arrancar fora os seus
rostos. É isso que vai acontecer também se eu sonhar que estão
tendo pensamentos impertinentes em relação a ela. — esbravejei
com raiva.
— Desculpe-me, senhor! — Camillo, o mais sensato, disse
primeiro.
— Isso não vai se repetir. — Rocco falou em seguida.
Elliot entra no momento e se junta a nós.
— Espero que não. — Sento-me na cadeira e dou sinal para
que eles prossigam sobre o que conseguiram de informações.
— É alguém daqui de dentro. — Rocco opinou.
— Como sabe? — questionei, já preparado para acabar com o
desgraçado.
— Ninguém seria tão burro ao ponto de entrar em nosso
território, nem implantariam uma bomba sem que nenhum de nós
percebesse, se não conhecesse nossa rotina e soubesse quando
armá-la. — explicou suas desconfianças.
Faz sentido. Eu não penso diferente.
— A pessoa teve que ter acesso direto ao seu carro e dos
seus seguranças. E se pensarmos na hipótese menos provável,
precisou contar com a ajuda de alguém daqui de dentro para passar
despercebido por qualquer um de nós e conseguir tal feito, chefe. —
Camillo complementou o raciocínio de Rocco.
— Bom! Vou torcer para que vocês estejam errados, para que
seja alguém de fora, porque acabei de matar um dos nossos e
odiaria ter que acabar com mais um.
— Se for isso, iremos achar o culpado, chefe. Ele vai tentar de
novo e, dessa vez, estaremos esperando por ele. — Elliot falou com
raiva.
É de se esperar sua aflição, pois quase morreu em meu lugar.
— Eu quero vocês atentos. E, não comentem sobre essa
reunião com nenhum dos soldados que estão acompanhando os
membros do Conselho! Tudo que falamos aqui, fica aqui.
Absolutamente ninguém deve saber que temos um rato dentro de
casa. Ele pode ser um deles.
— O que pretende fazer se for um dos nossos? — Rocco
perguntou, curioso.
— Ensinarei a ele que se não respeita nossas leis, irá respeitar
minha nove milímetros. — respondi convicto.
Vejo-os satisfeitos com minha promessa. Todos estamos com
gosto de sangue nas nossas bocas, e seja quem for o traidor, não
teremos clemência por ele. Eu morreria por qualquer um desses
homens, mas os mataria na mesma rapidez se, por acaso, eles se
voltassem contra mim. Lealdade é o que prezo em qualquer um
deles, porque me sentir inseguro não é uma opção.
Minha mente vagueia para outro momento da minha vida, onde
eu estava no exército, em missão, na cidade de Rostov, na Rússia.
Perdi um dos meus fuzileiros por ignorar meu sexto sentido e me
permitir confiar em alguém que não deveria. Um erro maldito que
me custou trazer para casa os pedaços de um amigo fiel.
O FBI desconfiava que um ex-agente da CIA estava
trabalhando com os russos, vendendo-os informações que os
ajudavam nos ataques contra os representantes do governo. Então,
a agência, como a boa cadelinha que é, resolveu intervir, junto ao
secretário de segurança dos Estados Unidos, tirando o caso das
mãos do FBI e nos mandando para a Rússia apenas para
averiguarmos a veracidade das informações. Pelo menos foi o que
nos informaram na época. No entanto, a CIA tinha seus próprios
segredinhos sujos e nos esconderam um pequeno detalhe que nos
custou caro, pois não queria que voltássemos vivos para casa. A
respeito disso, eu tinha a desconfiança de que havia possíveis
agentes dos russos infiltrados entre nós, e estava certo. Então,
fomos pegos de surpresa por eles quando chegamos ao local. O
resultado foi desastroso: além de perder um dos meus homens, por
pouco não morri quando tentei salvá-lo.
Meses depois, reativamos a equipe e tentamos entrar no
território novamente em modo fantasma. Só que, dessa vez, o pai
do Gabriel pagou com a vida. Não foi surpresa quando, mais tarde,
informaram-nos que o chefe da agência era o traidor e o mandante
dos ataques contra a minha equipe. Fomos dispensados a mando
do secretário de segurança, que temeu que eu ou meus homens
retaliássemos contra o cara quando ele chegasse ao interrogatório.
Esperei pacientemente pela justiça. Como esperado, ela o
soltou. Nós tivemos que o ver sair pela porta da frente, com um
sorriso de deboche em nossa direção. Os outros ficaram de mãos
atadas e deixaram que as leis tomassem as devidas providências
sobre o fato, mas não eu.
Deixei passar a morte de Elias porque não sabia ainda o que
havia por trás da missão, porém a morte do Maison foi o estopim
para mim. Então, revidei. Pedi dispensa à equipe, dizendo que
estava abalado pela perda dele e que precisava de tempo para me
recuperar. Assim, deixei a poeira abaixar e planejei detalhadamente
minha vingança contra Paul Ferrari. Eu não podia matá-lo como
civil, entretanto nada me impediria de fazer isso como um mafioso.
Acho que essa foi a primeira vez que entendi qual lado da lei eu
nasci para servir e deveria seguir.
Pedi um favor ao Matteo, o qual ele prontamente atendeu.
Juntamos uma equipe de confiança e, na surdina, caçamos o
babaca e o matamos. Ainda armamos uma maneira de deixar seu
corpo em um jato com tudo preparado para que, quando o
encontrassem, não tivessem dúvida de que ele estava tentando fugir
de Chicago.
Matteo ainda teve o cuidado de deixar pistas para que a culpa
de sua morte recaísse sobre os russos, como se fosse uma queima
de arquivo. E assim fiz justiça pelos meus amigos. Coisa que
deveria ter sido feita com rigor pelos seus superiores.
Não muito tempo depois, saí daquela merda, pois entendi que
estava disposto a morrer por um país que não nos amava de volta.
Éramos meros piões nas mãos de um filho da puta qualquer que
tivesse o poder de comando e se sentasse atrás de uma mesa, com
seu uniforme bem engomado e cheio de medalhas que foram
ganhas nas costas de pobres militares adestrados. Um maldito que
ficaria mandando homens após homens fazerem os serviços sujos
dele.
— Chefe? — Camillo me chamou, fazendo-me voltar para o
presente.
— Sim?
— A Giulia acabou de avisar que o seu sogro está aqui.
Parece ser urgente.
Franzo a testa, surpreso, e me levanto para o receber.
— Estranho. Ele não me ligou, avisando sobre essa visita.
Mande-o entrar e nos deixe a sós.
— Estarei a um chamado de distância, chefe.
Lucca entra com seu costumeiro sorriso zombeteiro, o qual eu
não esperava ver tão cedo.
— Henrique! Peço desculpa por atrapalhar sua lua de mel,
mas precisava vê-lo imediatamente.
— Lucca! — cumprimentei-o. — A que devo a honra de sua
visita? Como pode ver, estou bem ocupado.
— Não irei demorar muito. Como tenho um assunto bem
delicado para tratar, preferi vir falar pessoalmente com você.
— Diga em que posso ajudá-lo! — Sinto que não vou gostar do
que ele vai dizer.
— Você saiu tão depressa da minha casa, que não pudemos
discutir a minha parte da negociação. Vim pessoalmente cobrar o
que vocês me devem.
— Achei que tudo já estivesse resolvido... Que uma parte do
que for transportado em seu território, será dividido com você. — Ao
menos é o que me foi passado.
— Não! Eu não me contentaria com tão pouco. — Gargalha.
— Não é o que foi combinado entre Luigi e você? — perguntei,
surpreso por não ter sido informado por Luigi se houve uma
mudança no acordo.
— Sim. Mas eu estive pensando e acho que mereço mais.
Quero Los Angeles para mim.
— Negativo! — Salto da cadeira. — Quem comanda essa área
é o Vincent. Não iremos criar uma guerra entre nós para satisfazer
você. Se pedir outra coisa, eu prontamente irei lhe atender.
— Você é o capo agora? — desdenhou de mim. — Ou faz o
que estou pedindo ou considere o tratado desfeito!
Figlie di puttana!
— Já me casei com sua filha, Lucca, e foi selada uma paz
entre nós. Não faça mal uso dessa oportunidade única!
— Muito pelo contrário. Estou a usando muito bem. Em meu
favor, é claro.
— Eu já disse: isso não será possível. — dei minha última
palavra.
— É uma pena, Henrique. — Levanta-se e se serve uma taça
de vinho. — A Giovanna odiaria saber que, por sua culpa, a irmã
dela será dada ao chefe de uma organização qualquer como
esposa. Fiquei sabendo que um dos interessados é um homem com
fetiches sádicos. — Sorri vitorioso.
— O que te faz pensar que me importo com o que sua filha
pensa de mim?
Seu sorriso vacila.
— Você não me engana. Não teria aceitado se casar com ela,
não sendo mais pura e, provavelmente, ainda suja dos fluidos
corporais de Damien, se não gostasse dela.
Levo minha mão à gaveta onde mantenho uma pistola. Ele
está me testando e querendo me tirar do sério para provar seu
ponto. Portanto, mantenho minha máscara no lugar e respondo
friamente.
— Não vai conseguir o que quer. Está enganado se acha que
irei causar um banho de sangue dentro da Camorra por causa de
uma mulher. — Aperto a beirada da mesa, com raiva.
Ele gargalha.
— Eu me enganei sobre você. Sinceramente, achei que
tivesse um pouco de humanidade aí.
Para foder todo o meu autocontrole, Giovanna adentra a sala
de uma vez, sem me dar tempo de dizer que ela não pode fazer
isso.
— Papai! Aconteceu alguma coisa com a Sam?
O imbecil me olha de canto, estudando minha reação.
— Filha! Eu vim fazer uma visita rápida para comunicar que,
em breve, sua irmã irá se casar. — Para me provocar ainda mais,
segura Giovanna, inocente do que se passa aqui, pelo ombro, e a
aproxima dele. É como uma clara ameaça para mim de que ele
pode lhe fazer mal em um piscar de olhos se quiser.
Meu sangue corre pelas minhas veias, quente, preparando-me
para matar o desgraçado. É como se meu corpo, em total sintonia
com meus pensamentos, concordasse com isso. Até treme em
expectativa. Então, levo minha mão ao gatilho da minha arma,
deixando-o avisado de que o matarei no momento seguinte caso ele
pense em fazer uma besteira.
— O quê? Por quê? — Giovanna questionou, afastando-se do
pai.
Respiro aliviado por vê-la sair de perto dele.
— O tratado com a Camorra não foi tão vantajoso para mim
quanto eu esperava. Terei que sacrificar sua irmã.
— Mas... — Giovanna se vira para trás, olhando-me confusa.
— Eu me casei para que a mantivessem segura. Você não pode
fazer isso. Ela é muito nova.
— Giovanna! Sua mãe era muito mais nova quando nos
casamos. Ela irá sobreviver e, ainda, irá me ajudar a fazer um bom
negócio.
— Desprezível! É isso que você é. — explodiu. — Está sempre
nos usando como mercadorias baratas para ter o que deseja. Eu
odeio você!
— Giovanna! Já chega! — chamei sua atenção.
Eu estou por um fio, e se esse verme ousar tocá-la, irei acabar
com ele.
Lágrimas escorrem dos seus olhos quando encontram os
meus. Ela está implorando para que eu tome partido, porém não
posso. O preço a se pagar é alto.
— Henrique! — Ela dá passos vacilantes até mim. — Por favor,
não deixe que ele venda minha irmã! — Segura em minha camisa
com força.
Sob o escrutínio de seu pai, que observa tudo com um sorriso
no rosto por ter usado a filha para me colocar contra a parede, eu a
afasto de mim e me preparo para, provavelmente, jogar fora tudo
que tinha conseguido conquistar até agora com ela. Preciso ser frio
e meticuloso para não deixar que seu pai vença, pois serão Marco e
Vincent que estarão na mira dele se eu não intervir. E, por maior que
seja qualquer sentimento que eu tenha começado a nutrir por
Giovanna, tenho uma promessa a cumprir: protegê-los do perigo e
afastar qualquer ameaça que possa afetá-los ou destruí-los.
— Saia! — ordenei para ela sem olhar em seu rosto.
Sei que estou lhe ferindo, e mesmo que não seja de propósito,
isso a fará me odiar.
— Por favor! — sua voz vacilou.
Isso foi uma facada em meu peito, entretanto preciso continuar
para proteger ela e meus meninos.
— Eu mandei sair, Giovanna! Isso não é assunto seu.
— Eu pensei que estávamos nos entendendo. Odeio vocês! —
Está chateada. Minha vontade é de dizer que ela não me odeia mais
do que eu me odeio. — Quero que todos vocês vão para o inferno!
— Sai chorando e batendo a porta.
— Mulheres e seus dramas! — Lucca ri e eu não posso deixar
de compará-lo a uma hiena. — Espero que esteja disposto a
reconsiderar o que eu propus, ou é melhor se preparar para o pior.
Maldito!
— Dê meia volta e saia da minha casa! Eu não irei ser
chantageado por você, Lucca. E por esse desaforo, considere o
tratado de paz desfeito! Se é isso que queria de mim, conseguiu.
— Calma! Não é para tanto. Estou disposto a aceitar outra
cidade. Que tal Chicago? Ouvi dizer que o fluxo de vendas por lá
tem aumentado.
— Não! De mim, você não tirará mais nada. Se quiser recorrer
à Luigi, fique à vontade! Vamos ver o que o Conselho irá dizer sobre
o assunto quando souber que você tem planos de tomar para si
duas grandes cidades bastante promissoras.
— Não me tenha como seu desafeto, querido genro! Eu não
sou conhecido por ser benevolente com aqueles que me viram as
costas.
— Magnífico! Eu também não. — rebati à altura. — Camillo! —
gritei meu chefe de segurança.
— Sim, chefe. — Rapidamente apareceu.
— Acompanhe meu sogro até a saída! — Sento-me em minha
cadeira após dar o assunto por encerrado.
— Não precisa. Eu sei onde ela fica. — Deixa a taça em cima
da mesa, encarando-me. — Espero que não se arrependa de sua
decisão.
— Digo o mesmo. — Aponto para a porta.
Assim que ele deixa meu escritório, eu me levanto apenas
para pegar uma garrafa de vodca para beber. Minha cabeça lateja.
Tudo o que preciso agora é de uma bebida para me entorpecer e
me fazer esquecer o dia infernal de hoje.
Ligo para a Sam, desesperada, e seu celular chama até cair na
caixa postal. Ninguém atendeu. Tento outra vez, todavia não
obtenho sucesso. A agonia alimenta ainda mais minha raiva.
Confiante de que agora irá dar certo, digito o número de Enzo.
No entanto, para a minha surpresa, dá fora de área. Neste
momento, todos os piores cenários se passam pela minha cabeça.
Já com desesperança, clico no número da mamãe, sabendo que por
ser tão miserável quanto meu pai, ela seria a última pessoa a me
dar notícias. Mas isso não me impede de tentar.
Depois de várias tentativas falhas de entrar em contato com
eles, desisto e me ponho a chorar, temendo o pior. Também faço
uma prece, pedindo proteção para Sam. Peço que,
independentemente de onde ela estiver, esteja salva. Torcer para
haja uma saída para esse desastroso casamento forçado, é tudo
que me resta neste momento.
Ele já deve ter a entregado ao homem ou a proibiu de falar
comigo, porque sabia que eu iria tentar ajudá-la. Encolho-me,
sentindo-me impotente. Não quero ver Henrique por agora e ter que
lidar com suas desculpas.
Deito-me na cama e fico pensando em tudo que tem
acontecido. Achei que ele poderia fazer alguma coisa e que tinha
sentimentos por mim. Devo ter entendido errado o seu
comportamento. Homens! São muito complicados. Eu estava crente
de que poderíamos nos dar bem e que ele iria tentar, ao menos,
redimir-se comigo. Quão burra fui por pensar dessa forma? Só
agora vejo a venda dos meus olhos cair aos poucos, sobre tudo. A
prisão só mudou de carcereiro, porque eu continuo sendo uma
prisioneira, submetida às leis da máfia. Contudo, é melhor eu ter
percebido tarde que não existe contos de fadas dentro ou fora
daqui, do que nunca.
Mas, você pensa que eu já deveria ter aprendido uma lição
depois de tudo o que passei. Certo? Porque quando vivemos em
nosso mundo, não há muito o que esperar. Não eu. Continuei
deixando as pessoas me fazerem de besta e me manipularem como
queriam. Primeiro foi o papai e, em seguida, o meu irmão Enzo. E,
por que não colocar o Damien nessa lista? Ele também brincou
comigo, com meus sentimentos, descartou-me facilmente quando se
cansou de mim e nunca quis levar nosso compromisso adiante. Dois
anos de mentiras e enrolação foi o que recebi por ter confiado nele e
me entregado. Por esse motivo, irei esquecê-lo e o arrancar de
dentro de mim com a mesma facilidade que ele me deixou ir.
Ultimamente, andei analisando vários aspectos do meu antigo
relacionamento e cheguei à conclusão de que fui enganada. Sim!
Que homem diz te amar e te entrega de mão beijada a outro, depois
de anos te fazendo promessas? Ele estava sempre usando
desculpas prontas para não podermos ficar juntos, e olha onde eu
vim parar. Quando vou aprender que não posso confiar em ninguém
que não seja eu mesma?
Escuto passos atrás de mim e sinto sua presença sem precisar
me virar para o ver. O colchão afunda ao meu lado, mas eu continuo
fingindo não ter percebido sua chegada.
— Precisamos conversar. Só me escute! Tenho certeza que vai
me entender, Giovanna.
— Saia! — pedi friamente.
— Eu sei que você é nova para entender certos assuntos,
porém tem maturidade o suficiente para saber que não se pode ter o
que quer e como bem entende no nosso mundo sem deixar um
rastro de sangue pelo caminho.
— Eu não me importo com os meios usados, desde que a Sam
esteja protegida dele.
— É fácil tomar uma decisão quando se coloca a vida de
outras pessoas no campo de batalha. Quantos soldados você acha
que devo sacrificar para tirar sua irmã de onde ela pertence?
— Não faria o mesmo se estivesse em meu lugar?
Ele fica calado, e quando penso que não irá dizer mais nada,
responde.
— Eu não posso me envolver em uma guerra sem um motivo
plausível, apenas porque você decidiu que tenho que me intrometer,
por ser seu marido. Não é assim que funciona. — tentou se explicar.
— Se você quisesse salvar um dos seus, isso iria importar? O
problema é que minha irmã é um peso lá e seria um peso aqui
também, pelo jeito. Nenhum de vocês cederiam sem ganhar algo
em troca.
— Ele quer Los Angeles. Essa é a condição para não casar
sua irmã.
— Pelo amor de Deus, Henrique! E, não pode dar essa porra
de cidade a ele?!
— Acorde para a realidade, menina! Isso aqui é a vida real.
Tem muito mais em jogo do que possa imaginar, se quer saber.
Você foi criada sendo poupada do pior em nosso mundo, achando
que tudo fosse cor de rosa. Mas não é. Vivemos em meio ao caos,
cercados de obscuridade e respingando o vermelho dos sangues de
nossos inimigos. Já está na hora de agir como uma adulta. Eu não
vou ficar adoçando as coisas para você durante a vida toda.
— Não me admira que você nem ao menos tenha feito um
esforço para me ajudar. Aposto que até mesmo agiria como ele se
fosse uma filha sua no lugar da Sam. — Arrependo-me de ter dito
isso assim que as palavras saem da minha boca.
— Eu não posso dar uma coisa que não me pertence. —
vociferou bravo. — Los Angeles já tem quem a comanda, e eu não
irei pedir que a pessoa entregue de mão beijada um lugar pelo qual
ela lutou para tomar e fazer prosperar. Tire essa possiblidade da sua
cabeça! Porque isso não vai acontecer.
— Então, dê outra coisa a ele! — controlei minha ansiedade
excessiva, tentando convencê-lo. Tenho que manter a calma e
pensar com clareza, pois quando estou nervosa, acabo falando mais
do que deveria. — É a minha irmã.
— E o meu sobrinho. — Paraliso com seu desabafo. Essa é
nova. — Não posso e não vou sacrificar meu sangue para salvar um
dos seus, Giovanna. É injusto que me peça para escolher. — Sai
irritado do quarto.
Sento-me, surpresa com sua confissão. Isso muda tudo. É
claro que ele não iria mudar de ideia tão rápido, ainda mais tendo
alguém importante no meio disso tudo. Eu entendo seus motivos.
Juro que entendo. No entanto, será que ele entende os meus?
Sempre fomos eu e minha irmã lutando contra as maldades de
papai, e agora, que estamos separadas, temo pelo seu futuro.
Perdida em meus pensamentos, não vi Maria entrar em meu
quarto.
— Vim lhe trazer um chá e avisar que o jantar está servido.
— Estou sem fome, Maria.
Ela coloca a bandeja sobre a cama e se senta ao meu lado,
alisando meus cabelos com carinho.
— Sabe, filha? Eu sou somente uma velha senhora que não
tem muito na vida. Porém, a minha idade me permitiu ter muita
experiência e eu me sinto na obrigação de lhe dar um conselho,
mesmo que não o aceite e peça minha demissão depois.
— E, qual seria? — indaguei desanimada.
— Você está fazendo as coisas erradas. Não é assim que irá
conseguir o que quer. Entendo que é muito jovem e inexperiente
para certos assuntos, só que já está na hora de tomar as rédeas da
situação e ser a dona desta casa como deve.
Eu me sinto confusa com sua explicação e ela sorri com meu
embaraço.
— O Henrique precisa de uma esposa no momento, não de
uma filha. Ele é um consigliere. Sabe quantas moças gostariam de
estar em seu lugar? — Quando vou protestar, ela faz sinal para que
eu me cale. — Com essa maneira que tem agido, só vai conseguir
que ele se afaste de você. E, vá por mim: isso não é bom,
Giovanna.
— O que devo fazer? Eu nem sei o que pensar, Maria.
— Seja a mulher que ele necessita ao seu lado! Ele não é seu
inimigo. Depois de tudo que Henrique fez por você, está na hora de
ser mais grata e devolver o favor.
Eu a olho abismada. Será que...?
— Ele te disse? — perguntei envergonhada.
— Não precisou. Eu não nasci ontem, então, no dia que você
me falou sobre a morte do seu namorado, na cozinha, percebi tudo.
Outro homem no lugar dele não teria te aceitado.
— O que faria se estivesse em meu lugar?
— De início, digo para que você esqueça seu passado e pare
de lutar contra Henrique. Passe a lutar junto com ele antes que
outra tome o que lhe pertence!
— O que quer dizer? Que ele tem amantes?
— Ainda não. Ele não é desse tipo. O que não significa que
uma hora não vai cansar de esperar e tomar essa decisão, se
continuar vivendo em pé de guerra com você o tempo inteiro. Se
deixar que isso aconteça, estará perdida. Não tem ideia do quanto
as mulheres sofrem quando seus maridos têm apreço por outra.
— Na verdade, tenho sim. Vi de antemão o que mamãe
passava com meu pai.
— E vai querer viver essa vida, sabendo que se isso
acontecer, será sua culpa? Tome o que é seu! Você já o tem em
suas mãos, só tem que jogar as cartas certas. Hum? — Pisca para
mim e dá batidinhas em minha mão.
— Obrigada, Maria! — Sorrio, sentindo-me revigorada.
— Por nada, minha querida. Beba seu chá e vá atrás dele!
Ainda dá tempo de arrumar essa bagunça.
Seguindo seus conselhos, tento me acalmar para ir procurá-lo
e terminar nossa conversa. A Maria foi sábia em suas palavras, e eu
estava precisando de orientação. Necessitamos chegar a um acordo
definitivo, porque viver do jeito que estamos vivendo, não nos levará
a lugar algum, e ter meu marido contra mim apenas me trará
prejuízos.
Chegando à conclusão de que devo tomar uma atitude e
reverter essa situação, desço até seu escritório, onde sei que ele
gosta de ficar. Eu o encontro sentado na poltrona, com um copo de
bebida nas mãos e olhando pensativo na direção da janela.
Tudo em mim grita para eu chegar perto dele e pedir desculpa
por tudo que falei, pois sei que peguei pesado com as palavras.
Todavia, não sei como consertar meus erros a essa altura do
campeonato.
“Tome o que é seu!” — a voz de Maria soou em minha mente.
Henrique tem sido bom comigo e respeitado minhas
condições, mesmo que essas não sejam suas obrigações como
meu marido. Sendo quem ele é, eu me surpreendi com suas
atitudes, porque esperava um homem frio, cruel e até mesmo
violento, não um compassivo, calmo e muito educado. Eu sei que
ele me deseja, mas meu coração ainda não me permite deixá-lo ter
o que foi do único homem que amei e a quem jurei fidelidade.
Entretanto, posso me esforçar e ser sua mulher; aquela que o
próprio Henrique e todos esperam que eu seja.
— Vai ficar aí a noite toda? — sua voz grossa disse sem sua
cabeça sequer se virar.
Droga! Ele sabe que estou aqui.
— Eu... — Respiro fundo, tentando aplacar os tremores que
sua voz me causou. — Vim perguntar se você não vai jantar.
— E, por que eu iria? Para lhe causar uma indigestão com
minha presença? — respondeu com acidez. — Não quero ser o
causador de mais sofrimento à vossa rainha. — Sarcasmo escorreu
de cada palavra pronunciada pelo cretino arrogante.
— Henrique? — Dou alguns passos para dentro da sala. — Eu
falei sem pensar. Eu juro.
— Nada que não tenha dito antes, Giovanna. Só existem três
tipos de pessoas que irão dizer a verdade sob qualquer
circunstância: crianças, bêbados e pessoas com raiva.
“Giovanna”! Não “boneca”, nem “princepessa” como antes.
— Sinto muito. Eu não deveria ter lhe dito aquilo. Podemos
tentar de novo?
Ele me olha incerto, analisando-me. Seus olhos azuis focam
nos meus. Tento imaginar o que está se passando pela sua mente,
porém sua expressão não mostra absolutamente nada.
— Eu não sei se compensa continuarmos lutando contra o
inevitável. Isso só nos causaria mais feridas e mágoas.
Um frio se apossa de mim somente por eu pensar na
possibilidade de ele me devolver ao meu pai.
— Henrique! Pensa em me devolver? — Minhas mãos soam e
eu as esfrego na barra do meu vestido, buscando um certo controle
sobre minhas emoções. O que não tenho.
— Eu não chegaria tão longe. Fiz uma promessa e tenho
palavra para a cumprir. Posso deixar essa casa para você e lhe
pagar uma boa pensão, se é o que deseja.
Okay. Está na hora de, realmente, deixar para trás o meu
passado. Mesmo que me doa o processo de desintoxicação, tenho
que o esquecer e focar em meu presente. Como nada que eu fizer,
vai mudar o que aconteceu, o que me resta é aceitar minha vida
atual, fazer o meu melhor e consertar as coisas de agora em diante.
O presente, sim, tenho o poder de mudar e o fazer se tornar o
melhor possível.
Decidida a fazer o certo por nós dois, tomo coragem e fecho a
porta para que, dessa vez, possamos resolver de uma vez por todas
as nossas diferenças.
Dou a volta na mesa e me sento em sua frente. Ainda me
ignorando, ele continua prestando atenção em seu copo de bebida
como se fosse a coisa mais importante do mundo.
— O que quer de mim? — Levanta seu olhar.
— Eu não sei. — fui sincera. — Para mim, é difícil acostumar
com essa minha nova condição. Por mais que eu tente, parece ser
impossível aceitar as coisas como são. — As lágrimas ameaçam
descer.
Odeio parecer fraca e patética em sua presença. Deus! Quanto
mais terei que chorar?
— Eu sinto muito se estou te magoando, mas sua irmã não é
minha responsabilidade. Você é. E não estou disposto a colocá-la
acima da sua segurança.
— Por favor, Henrique! — implorei, aproximando-me dele e me
ajoelhando entre suas pernas para encostar minha cabeça em seu
peito. — Não me mande embora!
— Por Dios, Giovanna! Pare de chorar! Mais um pouco e
estará desidratada. — Quando ele está nervoso, mistura as línguas.
Ele enxuga com os dedos as lágrimas que escorrem dos meus
olhos e suspira fundo, parecendo lutar contra algo em sua mente.
— Vai se sentir melhor se eu mandar um dos meus homens
averiguar se sua irmã está bem? Até eu pensar em outra alternativa,
isso é tudo que posso oferecer.
Não é muito, mas já é alguma coisa.
— Minha irmã é tudo para mim. O que puder fazer para lhe
ajudar, estará fazendo por mim também.
— Então, acalme-se! Logo iremos saber notícias dela e
descobrir quem seu pai arrumou para se casar com ela.
— Serei eternamente grata por tudo que fizer. Prometo que
esquecerei nosso começo desastroso e me comprometerei a ser
uma boa esposa daqui em diante. — Não estou blefando. Aceitarei
suas ordens se isso significar salvar Samantha.
— Vamos negociar? É isso? — Notei incredulidade em sua
voz.
— Se é assim que funciona com você, sim. — confirmei sem
jeito.
— Não precisa barganhar comigo. Que tipo de homem acha
que sou, Giovanna? — Coloca meu rosto entre suas mãos. — Sua
felicidade é a minha responsabilidade, assim como te manter
segura. Preste atenção no que irei falar! Porque não vou repetir.
Nunca... Absolutamente nunca irei te colocar em perigo. Vou matar
qualquer um que colocar em xeque a sua proteção. Entendeu isso?
— S-sim. — gaguejei surpreendida.
— Só não faça nada que me coloque em uma posição difícil!
Eu já perdi muitas pessoas e não pretendo perder mais ninguém. —
Seu olhar me queima.
Vi verdade em tudo que foi dito e um arrepio desce em minha
coluna por eu ter o visto de guarda baixa comigo, abrindo-se para
mim e me mostrando o quão redondamente enganada estive sobre
ele desde o começo.
Quem é Henrique Cavallari? Este homem em minha frente,
que quer me proteger e que mataria por mim. Esses atos provariam
mais do que mil palavras o seu caráter e o quanto ele é misterioso.
Indo contra tudo dentro de mim que ainda insiste em ter
resistência ao meu marido, encosto meus lábios nos seus e o beijo.
No primeiro instante, ele se mantém neutro, como se esperasse eu
me afastar ou me arrepender. Então, para que tire todas as suas
dúvidas de que estou segura do que quero, aprofundo mais a minha
língua em sua boca e o puxo para mim.
Sinto seu corpo relaxar sob minhas mãos e, em poucos
segundos, sou puxada para seu colo, tendo o homem fogoso e
experiente que vi no corredor. Sua mão segura meu pescoço de um
jeito dominador, mostrando para mim que, mesmo que eu tenha
dado o primeiro passo, ele ainda está consciente de tudo e no
comando da situação. Deixo-o conduzir nossos corpos, que estão
juntos e explorando um o calor do outro. Meus seios ficam
entumecidos pela fricção de sua roupa contra a minha.
Estou tão carente e excitada que quase ronrono quando seus
dentes raspam levemente sobre minha pele, deixando um rastro de
carinho do meu pescoço ao meu ombro, junto com leves
mordiscadas pelo caminho. Seu hálito quente me deixa mole e toda
arrepiada. Ao contrário de como foi na primeira vez, pego-me
ansiosa por mais.
— Se não quer ir em frente, diga-me agora! — pediu com a
voz encorpada de desejo. — Não quero que se arrependa e diga
que me aproveitei de você!
— Eu quero tentar.
Ele não parece acreditar em mim por um tempo, mas logo o
seu rosto demonstra alívio e, ao mesmo tempo, orgulho. Seria
orgulho de mim, por ceder? Ou dele, por conseguir o que sempre
quis?
O que importa? É agora ou nunca.
Espanto a neblina de medo que pode me fazer recuar, com
dúvidas. Tenho que ser forte e parar de demonstrar fragilidade o
tempo inteiro. Que espécie de mulher da máfia serei, se nem meu
marido eu conseguir entender e controlar?
— Eu quero tanto você! — explanou suas vontades.
Viro-me, ficando em pé, e ele se levanta para abrir meu zíper.
O vestido cai aos meus pés, fazendo um emaranhado de tecido no
chão, e um dedo dele percorre um caminho pela minha coluna
delicadamente. Minha respiração fica descompassada diante de
toda a expectativa do que está por vir.
Ele faz o contorno com sua mão em minha cintura e a desce
devagar do meu umbigo até meu monte enquanto coloca minha
cabeça encostada em seu ombro. Com delicadeza, explora minha
vulva, que, a esse ponto, está totalmente encharcada pelos meus
sucos. O que torna fácil o deslize dos seus toques. Henrique dedilha
o meu clitóris suavemente e eu prendo meus lábios entre os dentes,
sufocando um gemido de prazer.
Como se meu corpo criasse vida própria, começo a me
remexer para poder ter mais de seus estímulos. Entendendo que
estou pronta e desejosa por tudo que ele tem a me oferecer, joga no
chão tudo que tem em cima da mesa e me deita em cima dela com
rapidez. O homem está ansioso para ter seu caminho comigo e eu
não posso culpá-lo por isso.
Meu marido abre minhas pernas para a sua contemplação, e
isso me deixa muito envergonhada, porque estou totalmente aberta
nessa posição para que ele me veja por completo e me use como
bem entender. Deixando-me ainda mais à sua mercê, coloca-se em
cima da minha vagina e passa sua língua entre minhas dobras,
provando-me. Se eu pudesse me olhar em um espelho agora, com
toda a certeza veria que estou mais vermelha do que uma cereja.
Por instinto, tento me tapar da sua visão, no entanto ele segura
com firmeza as minhas pernas, mantendo-as arreganhadas para
que sua cabeça fique entre elas. Sinto mais lambidas em meu sexo
de cima para baixo e, depois, da minha entrada ao meu ponto doce
e palpitante. Estou tão sensível, que espasmos começam a se
formar em meu ventre.
Oh, meu Deus! Eu quero ser fodida por ele. Estou a ponto de
implorar para ser tomada de uma vez.
— Henrique! — sussurrei seu nome, em êxtase.
— Calma, boneca! Antes de entrar em você, quero ter seu
gosto gravado em minha língua.
Já mais confiante, tiro a bunda da madeira e me movimento de
encontro à sua boca. Com voracidade, ele me chupa com força e
sem vergonha alguma, arrancando de mim alguns gritos de
excitação.
— Oh, meu... — Uma onda de plenitude me atinge, levando-
me ao paraíso.
Grito meu gozo a plenos pulmões quando sinto o prazer
entorpecente tomar conta de todo meu corpo e me deixar lânguida
nas mãos dele. A sensação é melhor do que as que alcancei com
meus dedos e dez vezes melhor do que quando era com o Damien.
— Você é maravilhosa, princepessa! — Passa seu membro
espesso em minha entrada encharcada. — Eu quero te marcar de
uma forma que te fará não pensar nele, nunca mais.
— Se está tão certo disso, vá em frente! — desafiei-o.
— Oh, minha doce criança! Eu irei. Em pouco tempo estarei
tão entranhado aqui... — Senta-me para beijar minha testa. —
Aqui... — Beija em cima do meu coração. — E aqui, Giovana, de tal
forma que não desejará mais ninguém além de mim. — Beija meu
monte de vênus sem tirar suas írises azuis e hipnotizadoras das
minhas.
Não tenho como responder a isso. Dizer que duvido dele, seria
muita hipocrisia, porque olha quem jurou não o deixar tê-la e está
aqui, toda ofegante, com ele entre suas pernas.
— A partir de hoje, seu passado não será mais tocado nessa
casa, e sua primeira vez válida para mim será essa. Entendeu,
Giovanna? — perguntou sério, com um timbre forte de quem não
me permite discutir. — Diga que me entendeu!
— Sim. — confirmei com rapidez, não querendo tocar naquele
assunto desagradável e estragar o nosso momento
— Boa menina! — Beija meus lábios e se encaixa em minha
abertura. A glande do seu membro vantajoso beija minha entrada e
eu reteso por um instante. — Relaxe! Deixe-me fazer você se sentir
bem! Confie em mim!
Apesar de eu estar me sentindo bastante pronta e lubrificada,
bate uma certa insegurança em mim quando ele começa a me
penetrar centímetro por centímetro. Meu corpo, ansioso para o
sentir, começa a tremer, e uma fraqueza em minhas pernas, que
estão em volta da sua cintura, ameaçam ceder devido a todo o meu
nervosismo.
Com pacientes e vagarosas estocadas, ele vai abrindo
caminho até me preencher por completo. Sinto um pouco de
desconforto por causa do seu tamanho, misturado a uma pitada de
prazer. Gemo baixinho, mordendo meu lábio inferior por dentro,
quando meu corpo começa a reconhecer todas as sensações que
Henrique está me fazendo sentir. Isso é quase suficiente para me
enviar à borda de novo, e admitir isso para mim mesma é muito
assustador, pois me faz ter total consciência de que sobre meu
corpo, ele já tem total controle.
Acaricio seu peito, e como se entendesse cada detalhe do que
sinto, meu marido se inclina sobre mim e toma minha boca em um
beijo tão depravado e obsceno, que acredito ser proibido.
— Você... — Estoca em mim. — É... — Estoca mais fundo e
rápido. — Minha! — Morde meus lábios e os suga logo em seguida.
— Uhm! — gemi como resposta ao seu ataque cheio de
ferocidade.
Palavras desconexas saem de minha boca por conta da minha
tamanha apreciação pelo momento.
Ele sai rapidamente de mim, somente para me descer e me
virar de barriga para baixo sobre a mesa, coloca meus braços para
trás e os prende com uma de suas mãos. Recebo vários tapas
estalados em cada uma das minhas nádegas, e quando estou
prestes a protestar por esse tratamento, que eu acho ser punitivo,
tenho-o dentro de mim novamente, calando-me e fazendo sua
mágica. Enquanto isso, sua outra mão vai até os meus cabelos e os
enrola em volta de seu pulso. Agora estou completamente
imobilizada para o seu bel-prazer.
— Eu vou gozar, boneca, e quero que seja junto com você. —
Acelera seus golpes, fazendo a mesa sair do lugar.
Eu mordo meu lábio inferior, a fim de controlar os sons
ensandecidos que saem da minha boca sem que eu controle.
— Não se segure, angelo mio! Deixe vir! Mostre-me o quanto
gosta de me ter dentro de você! — pediu em meu ouvido.
Ele aumenta ainda mais — se é que é possível — suas
estocadas vigorosas e certeiras. Pai do céu! O homem não entra em
mim simplesmente, e sim destrói tudo por onde passa. Estar ferrada
é pouco para mim.
Sinto a necessidade de gritar vir acompanhada pela vontade
de explodir. Dessa vez, meu orgasmo vem potente como o fogo,
queimando-me e rasgando meu interior de dentro para fora.
Em algum lugar, entre a névoa de contentamento em meu
subconsciente, escuto Henrique grunhir e pulsar dentro de mim,
fazendo seu líquido quente deixar um rastro de larva derretida em
meu canal. O que faz meu momento de êxtase durar o dobro do que
durou o primeiro.
Com extremo cuidado, ele sai de mim e se deita por cima do
meu corpo, segurando-me em seus braços. Porra! Isso foi insano e
sem piedade. E o mais aterrorizante é o fato de eu ter gostado.
Foi uma experiência nova para mim. Confesso que achava que
conhecia tudo sobre sexo, mas paguei com a língua hoje. Eu
pensava que outro homem jamais me faria sentir a total satisfação
que, um dia, achei ter sentido.
Sei que não nos amamos... Cacete! Não consigo nem definir
se até mesmo nos gostamos. Ainda é cedo para rotular tudo que
estamos vivenciando um com o outro. Contudo, sinto-me sortuda
apenas por saber que me casei com um homem que está tentando
fazer seu melhor para dar certo comigo e me respeita o suficiente
para não forçar sua entrada em meu corpo e mente sem permissão.
Imagino que esse seja um grande feito, com toda a certeza. Um que
sei que tenho que aprender a valorizar.
Em algum lugar, meu celular toca irritantemente. Tudo que
consigo fazer é prestar a atenção na mulher linda que ressona
tranquilamente, com suas pernas emaranhadas às minhas e a
cabeça encostada em meu peito. Acordei há exatas duas horas e,
desde então, estou guardando mentalmente cada detalhe dela.
Ainda não me cansei de observá-la. Seus lábios rosados e grandes
cabelos ruivos com cheiro de morango, caídos sobre suas
bochechas coradas, quase fazem ela se parecer com um anjo.
Eu disse “quase”.
Giovanna é muito ingênua em alguns aspectos, entretanto a
noite que tivemos não nega o quão madura é em outros.
Ouço seu resmungo baixinho e a vejo se agarrando a mim
com força. Sinto-me lisonjeado porque, mesmo inconsciente, ela me
buscou para ter segurança. Depois de se entregar a mim no
escritório, subiu até meu quarto comigo, onde fizemos amor mais
uma vez. Em seguida, acabou dormindo, pois estava se sentindo
exausta. Creio que peguei um pouco mais pesado do que deveria.
A minha sede por ela aumentou ainda mais agora, após ter
sentido o seu gosto e provado deliciosamente cada parte sua. Eu
custei a pegar no sono, já que estava eufórico e, ao mesmo tempo,
preocupado com o dia de hoje. Temo que Giovanna se arrependa
das suas escolhas, pois nada me mataria mais do que a ouvir me
acusando de ter se aproveitado dela em um momento de
desespero.
Fiquei, mais da metade da noite, zelando pelo seu sono e
repassando o dia de ontem. Tentei me convencer de que o ataque
que sofri, foi apenas uma coincidência em relação ao do Vincent e
que Luigi não o orquestrou por descobrir que eu estava na sua cola.
Se ele sonhar que estou preparando sua queda, é minha mulher
quem irá pagar. O desgraçado pode usá-la contra mim, e isso seria
meu limite máximo, pois me levaria a matá-lo sem pensar duas
vezes.
Preciso marcar outro encontro com o Gabriel e verificar como
andam as buscas pelas informações do acidente. Se eu conseguir
provar sua culpa, poderei, enfim, ficar livre dele. Também aproveitei
a insônia para mandar uma mensagem ao Camillo, pedindo para ele
enviar Ramón a Las Vegas somente para certificar se a irmã de
Giovanna está bem e tentar descobrir quem é o futuro marido dela.
Negociar com o Lucca não será mais possível, e prefiro deixar
as coisas como estão do que voltar atrás com minha palavra. No
entanto, posso estudar a possibilidade de negociar com o
pretendente em questão.
— Eu vou te proteger, angelo mio. — Mesmo que isso te faça
me odiar no final.
Batidas na porta chamam a minha atenção e eu sinto vontade
de mandar todos ao inferno. O foda é que já os ignorei por tempo
demais.
Desconfiando que seja Camillo com possíveis notícias sobre a
menina, levanto-me com muito cuidado, deixo ela dormindo e vou
verificar o que está acontecendo. O dia se iniciou e parece que tudo
lá fora já está desmoronando.
Abro a porta apenas para ter certeza de que é o estraga-
prazeres do meu chefe de segurança atrás dela. Como previ,
Camillo me faz um sinal de “urgente” e eu troco de roupa na
velocidade da luz para ir resolver o problema.
— Bom dia, chefe!
— Só se for para você. Não são nem seis e meia da manhã e
já veio me importunar. — constatei ao olhar meu relógio. — O que é
tão urgente que não podia esperar?
— O capo quer vê-lo.
Essa notícia me faz sibilar de desgosto. Luigi! Sempre Luigi no
meu caminho!
— Vou tomar meu café primeiro e logo iremos vê-lo.
— Ele já o espera lá embaixo. — Paro de andar e encaro um
Camillo cauteloso. — Acha que o Lucca foi o causador dessa visita
logo ao amanhecer? — questionou preocupado.
— Esteja preparado para qualquer situação inesperada! —
Volto a caminhar.
Respiro profundamente e busco me tranquilizar, pensando que
não aconteceu nada demais, mesmo que tudo indique um péssimo
sinal. Luigi não é do tipo que faz visitas de cortesias, e para ter
vindo à minha casa, é porque está muito irritado. Eu não preciso lhe
perguntar, nem o ver para saber que algo não saiu do seu agrado e
ele veio, pessoalmente, pedir minha cabeça por isso. Só espero que
se Lucca foi o causador disso, tenha lhe contado a história inteira
pelo menos. Ou, eu juro que pegarei meu jato e baterei em sua
porta com uma tréplica nada agradável aos seus ouvidos.
— Esteja atento! — avisei novamente ao Camillo quando
alcancei a ponta da escada, de onde vejo Luigi me esperando.
Avalio sua fisionomia, buscando qualquer coisa que possa me
alertar de algum perigo, porém tudo que consigo encontrar nele é
aflição. Também observo que Rocco, Ramón e Elliot já estão a
postos, aguardando-nos descer, cada um em um lugar estratégico.
Isso me deixa mais tranquilo. Camillo, sendo muito eficiente,
preparou bem o terreno antes de ir me avisar sobre o capo.
— Bom dia, Luigi! Parece que caiu da cama hoje. — mantive
um tom neutro e amigável.
— O Lucca foi me procurar. — Nem respondeu ao meu
cumprimento.
— Imagino que ele tenha o contado sobre nossa conversa
nada agradável de ontem. — sondei para saber exatamente o que
ele sabe.
— Seus desentendimentos familiares não me interessam,
Henrique. Eu disse para ele se resolver com você. Estou aqui por
outro motivo.
O desgraçado não contou sobre o nosso rompimento. Isso
significa que está tramando para cima de mim. Até fez questão de ir
até o capo para tentar me intimidar.
— Acompanhe-me até meu escritório! Lá poderemos
conversar sem interrupções. — Abro-lhe passagem.
Espero que ele se sente e comece a me contar o que está
havendo.
— Estou com sérios problemas e preciso que me faça um
favor. — Seu maxilar está travado.
— Quais tipos de problemas? — Proponho-me a prestar a
atenção nele, na esperança de que ele abra a boca.
— O Vincent está mexendo onde não deve, e como terei que
me ausentar por alguns dias, preciso que você fique tomando conta
das coisas por aqui enquanto eu estiver fora.
— E não pode me falar o que está acontecendo? — perguntei
para tentar lhe tirar, mais uma vez, informações comprometedoras.
— É pessoal. Já tomei providências e logo irei resolver esse
assunto de uma vez por todas. Mas, quero que mantenha um olho
em Miami e mande alguém para lá com urgência. O Mariano
apareceu aqui ontem, meio alterado, pedindo para que eu o
ajudasse. Não confio em sua instabilidade.
— Onde ele está? — Um alerta claro pisca em minha mente.
Foi ele o responsável pelo meu ataque?
— Está na mansão. Como andou fazendo o que não devia,
pediu para que eu o escondesse por um tempo.
— Espero que nenhum dos seus problemas respinguem sobre
nós, porque não estamos em um momento propício para chamar
mais atenção à organização, já que o FBI está na sua cola.
— É por isso que preciso de um tempo longe daqui. — Não
perdi o cinismo na voz de quem pretende me deixar no fogo
cruzado.
— Sabe se precisamos colocar as outras famílias de
sobreaviso?
— Não. Foi apenas um desentendimento temporário com um
dos nossos aliados. Vou esclarecer tudo em breve.
Misterioso. Preferiu guardar para si. Suponho que contar o que
houve iria prejudicá-lo.
— Tudo bem. Irei enviar o Elliot para Miami. Assim, poderemos
tomar conta de lá.
— Ótimo! Conto com você. — Levanta-se, mal se despede e
sai depressa.
É muito estranha essa viagem repentina dele, dado que Luigi
nunca foi de temer nada. Para precisar sair de circulação e ficar
perturbado, tem que estar escondendo algo extremamente grave.
A tela do meu celular acende com um recebimento de uma
mensagem. Abro o aplicativo e vejo que é uma de Marco.
“Precisamos conversar. Encontre-me no galpão, fora da
estrada!”
Ele deve ter notícias sobre o que aconteceu comigo e Vincent.
— Camillo?! — Coloco meu blazer e pego a chave do meu
carro blindado.
— Sim, chefe!
— Preciso sair e quero que venha comigo. O restante ficará
aqui para vigiar Giovanna.
— Para onde iremos? — Anda ao meu lado, acompanhando-
me.
— Iremos nos encontrar com o Marco. Ele deve ter
informações sobre o ataque.
— Bom! Não vejo a hora de meter a mão no idiota.
— Eu também, Camillo. Eu também. — Já até planejei em
detalhes o que irei fazer com ele.
Nós visitamos alguns sócios e, depois, damos uma passada
em algumas boates para disfarçar e ter uma justificativa para a
nossa saída caso alguém esteja nos vigiando. Se forem conferir,
pensarão que estamos apenas cuidando dos negócios, como de
costume.
Após ter certeza que não estamos sendo seguidos, vamos ao
encontro de Marco. O local é meu e quase ninguém sabe dele,
exceto Camillo, Vincent e Marco, é claro. É onde, na maioria do
tempo, eu os trazia para os treinar longe das mãos de Luigi e seus
homens. Eu o comprei há muitos anos, no entanto somente há
pouco tempo o reformei ao meu gosto, transformando-o em meu
arsenal pessoal. Nunca se sabe quando irá precisar se defender de
um inimigo.
“Um homem precavido vale por dez”. — Eu ouvia essa frase
desde menino, do meu pai. Ao menos uma coisa que preste, ele me
ensinou.
Entramos no armazém e, no mesmo instante, noto que há algo
errado: as novas caixas de armas que encomendei estão reviradas,
com balas esparramadas pelo chão. Com muito cuidado, vou
entrando e vendo as luzes automática se acendendo conforme
vamos avançando. Pego minha arma, estranhando a total falta de
barulho.
— Marco? — Recebo o silêncio como resposta.
Dou sinal para que Camillo tome cuidado e não vacile.
Andamos por alguns cômodos e os encontramos vazios, porém com
mais coisas minhas reviradas. Depois subimos até o segundo andar,
em busca do meu sobrinho ou de outro possível invasor.
A porta da sala onde mantenho todo o meu armamento está
destravada. Contando que ela se abre apenas com um código
confidencial de seis dígitos, imagino quem conseguiu entrar aqui tão
facilmente. Com a arma em punho, destravo-a e entro na sala,
apontando-a em sua direção, por precaução.
Encontro Marco sentado em uma cadeira, com uma expressão
nada agradável. Há sangue seco em suas roupas e seu olhar mortal
diz que sua noite foi para lá de difícil. Assim que nos vê chegando
perto dele, aciona a tranca automática da porta e nos prende dentro
da sala.
Tudo em mim está inquieto e eu sei, em meu íntimo, que esse
não é um encontro amigável.
Olhando para Henrique e seu chefe de segurança, mantenho-
me sério. Eu precisava descobrir o que estava acontecendo por trás
das costas de Vincent. Sei que Luigi tem armado para ele e irei tirar
qualquer um do seu caminho, que tentar derrubá-lo. Eu não sabia
quais eram os nossos inimigos ocultos, porém sabia dos que
estavam em nosso meio. Um deles, eliminei mais cedo, pela traição
de se juntar aos malditos Dragons para nos atacar. E, quanto ao
Luigi, será somente questão de tempo até tirá-lo da nossa equação.
Entretanto, pode haver outro deles, com quem sempre tivemos
um pé atrás. Eu preciso saber se ele está do nosso lado ou do lado
de Luigi, e se minhas suspeitas estiverem certas... Se Henrique for
um deles, irei eliminá-lo agora também. Porque vou fazer tudo que
estiver ao meu alcance para que meu amigo chegue naquela
maldita cadeira de capo. E isso inclui morrer no processo se, assim,
for necessário para remover todos os obstáculos.
Se eu estiver enganado... Ótimo! Mas não voltarei a Los
Angeles sem saber exatamente quem está conosco ou contra nós.
Com minha mão dentro do bolso, seguro meu mais novo trunfo. Vou
usá-lo para o confrontar e ter o que quero. Queira Deus que ele me
diga a verdade e eu não precise utilizar essa porcaria, ou esse será
nosso último encontro.
— Não tinha necessidade de acionar a trava da porta, Marco.
— Recebo um riso desdenhoso. — Você está seguro. Viemos
apenas nós. Tomamos o cuidado de nos despistar antes de virmos
para cá.
— Ótimo! — Sua postura é de alguém que está pronto para
lutar. — Eu não estava esperando menos de você. Assim, se eu os
matar, demorarão de acharem seus corpos.
Reteso, colocando-me em posição de ataque, e vejo Camillo
destravar sua arma, certificando-se de achar uma posição segura.
Estou perdido aqui.
— O que te deu, Marco? — perguntei, avaliando-o.
— Entregue sua arma, Marco, e vamos acabar logo com esse
mal-entendido! Somos dois contra um e não queremos deixar que
isso aqui chegue ao extremo. — Camillo o avisou.
— É melhor vocês abaixarem as suas. Quem faz as perguntas
aqui, sou eu. — ordenou com um sorriso de escárnio.
— Nem pensar! Enquanto não nos dizer o que está
acontecendo, ninguém irá abaixar nada aqui — reforcei o recado.
— Eu não devo ter sido claro o suficiente. Talvez isso seja um
incentivo maior. — Tira um pequeno detonador de bombas do bolso.
— Eu disse para soltarem as armas. Senão, irei explodir essa porra.
Filho da puta!
Arregalo os olhos, constatando o grau de periculosidade em
que me coloquei. Eu o subestimei e baixei minha guarda.
— Caralho, Marco! Você sabe ser insano quando quer. — Jogo
minha arma aos seus pés, não querendo deixá-lo mais irritado.
Camillo, com muito esforço, faz o mesmo.
— Agora, nós vamos conversar. — Guarda nossas armas na
jaqueta.
— Diga de uma vez porque me chamou e porque está agindo
dessa forma! — abrandei minha voz, tentando inverter a situação.
— Eu matei o Mariano. — falou calmamente, analisando-me.
— Deixei seu corpo no porão, junto ao do seu maldito soldado.
Dios! Marco só pode estar louco.
— Acredito que tenha tido seus motivos. Eu gostaria de saber
o que o motivou a tomar essa medida drástica. — A conversa com
Luigi me vem à cabeça.
— Eu disse que sabia quem havia sido o mandante do ataque
contra o Vincent. Mas, sabe o que me deixou perplexo?
— Não imagino o que seja. — respondi, sendo impassível.
Preciso ser compassivo, ou ele pode apertar aquela merda.
— Antes de matá-lo, vi ele conversando com o Lucca Vittieli e
me lembrei que o meu informante me falou que o Mariano estava à
procura de aliados para lhe ajudar a derrubar o Vincent, com o
acordo de dividir Los Angeles como prêmio. Então, pensei no
seguinte: se ele fez essa proposta ao meu informante, o que o
impediria de ter feito a outros também? Eu estava indo, ontem à
noite, conversar com você e dizer o que havia descoberto, quando vi
seu sogro sair de sua casa e falar ao telefone sobre o fracasso de
uma tal proposta.
— Eu não a aceitei. — cortei-o ao perceber para onde sua
mente estava indo.
Agora sei de onde saíram os planos de Lucca.
— É melhor não mentir para mim, Henrique, ou nenhum de
nós sairemos vivos daqui. De Luigi, eu espero tudo, mas quero
saber qual é sua parte nesse plano.
— O Henrique não está mentindo. Eu mesmo chutei o Lucca
para fora ontem. — Camillo confirmou minha afirmação.
Rio de nervoso. A minha vontade é de matar o Marco agora,
por ter armado para mim. O pupilo derrotando o mestre. Em outra
ocasião, eu diria o quanto estou muito orgulhoso por vê-lo em ação,
usando muito bem as habilidades que lhe ensinei. Porra! Quem diria
que o moleque magricelo que vivia jogado pelos cantos, cheio de
picadas nos braços, iria se tornar o homem esperto, estrategista e
letal que é hoje? Entretanto, esse caso é de vida ou morte. Se eu
não pensar rápido, iremos todos morrer por um mal-entendido. Ele
pensa que eu estou os traindo, e o conhecendo bem, sei que veio
aqui disposto a dar a vida para proteger Vincent do que ele achar
ser uma ameaça.
— Não estou contra vocês, Marco. Nunca estive. Se eu
quisesse lhes fazer mal, já teria eliminado os dois há muito tempo.
Mas, esse não foi o caso. Sempre os protegi e os defendi de Luigi.
— Não confiamos em você. Fala que nos defendia, porém
nunca foi contra as ordens de Luigi. E, muitas vezes, foi você quem
nos aplicou os corretivos, a mando dele.
Dói em mim, ouvi-lo dizer que não sou confiável e que me tem
como seu inimigo. Essa não é nenhuma novidade, só que ter que
escutar cada palavra, foi como receber uma facada em meu peito.
Eva me mataria se estivesse viva e soubesse que eu fui um dos que
permitiu que ferissem seu filho no passado.
— Marco! Vamos conversar com calma! — Estudo um jeito de
detê-lo sem machucá-lo. — Eu tenho planos que, se eu conseguir
executá-los, vai beneficiar muito vocês dois.
Vejo-o esfregar sua arma na têmpora, rindo
descontroladamente, e meus olhos focam no detonador. Temo que
ele, em um ataque de loucura, resolva apertar o botão antes de
esclarecermos tudo. Marco não está bem e, pelo que noto, parece
cansado também. Precisamos agir rápido para o impedir de fazer
uma besteira.
Em minha visão periférica, vejo Camillo andar devagar, na
tentativa de imobilizá-lo por trás. Enquanto isso, eu o distraio pela
frente.
— Eu não sairei daqui sem amarrar todas as pontas soltas,
Henrique. — Com extrema rapidez, vira-se e atira na perna direita
de Camillo, demonstrando que estava atento a cada movimento seu.
Aproveitando a deixa perigosa, arrisco-me pular em cima dele,
jogá-lo no chão e socar sua costela. Neste momento, meu chefe de
segurança tira o detonador da sua mão.
Marco joga a cabeça para trás e acerta meu nariz, fazendo
jorrar sangue dele. Gemo de dor, no entanto não o solto, como ele
pretendia que eu fizesse. Então, seu cotovelo acerta minha costela,
mas consigo reverter minha posição e ficar em vantagem, dando
uma sequência de socos na sua cabeça para o desarmar.
Usando a força do seu corpo contra mim, ele prende suas
pernas à minha volta, imobilizando-me, e Camillo, mesmo
machucado, entra na briga. Aproveitando sua guarda baixa, coloca
seu braço no pescoço dele, sufocando-o. O mata-leão funciona
bem, já que o deixa desacordado.
Eu me levanto, tiro as nossas armas dele e as jogo para
Camillo. Nós conseguimos, porra! Sinto a adrenalina fazer meu
sangue ferver por conta do esforço físico.
— Cacete! Deu muito trabalho para o derrubar. — Camillo
disse admirado. — Nunca mais estará saindo sem escolta,
Henrique.
— Depois dessa, concordo plenamente.
— Pegou muito leve com ele. — Chuta Marco mais duas
vezes, com raiva.
— Não faz sentido continuar o machucando, Camillo! Só
queríamos detê-lo.
— Fale por você! Eu quero devolvê-lo o favor, descarregando
essas armas nele. — comentou enfurecido, apontando para sua
perna sangrando.
Eu carrego Marco até o sofá do canto e busco uma água
gelada para lhe fazer acordar. Ele resmunga palavras ininteligíveis e
acorda gemendo.
— Estamos melhorando. Não usou cubos de gelos. — Assovia
ao se levantar, sentindo dor.
Idiota!
Eu o ofereço o litro da água e ele bebe, cuspindo um pouco de
sangue no chão.
— É melhor me matar logo, Henrique, porque não vou desistir.
— Por mais que eu esteja com essa vontade neste exato
momento, preciso esclarecer as coisas entre nós. Você está
equivocado se pensa que sou um filho da puta como o Luigi.
— Eu sou prevenido: atiro e, depois, pergunto sobre o que for
preciso. Você me ensinou a ser assim. — jogou na minha cara as
minhas táticas de treinamentos.
Seus olhos cores de mel como os da sua mãe me fazem
lembrar dela todas as vezes que os vejo. E, neste instante, puxo na
memória a última vez que os vi nela.

***

Desço a escada com a mala. Hoje é o dia que terei que me


apresentar ao exército.
Eva me espera na porta, somente de pijama listrado.
— Promete voltar logo, Henrique?
— Prometo, querida. Não perderei seu aniversário por nada.
Tenho que fazer meu papel de bom irmão e chutar a bunda dos
moleques cheios de testosteronas que quiserem dançar com minha
irmãzinha.
Ela revira os olhos e bate palmas, animada. Típico
comportamento de uma adolescente que sonha acordada com um
príncipe encantado.
— Uma hora terei namorados. Tem que se acostumar com isso
e parar de colocar todos os meninos para correr. Quero casar e ter
filhos. — Coloca a mão na cintura, desafiando-me.
Raspo a garganta, fingindo nojo, e ela cai na gargalhada.
— Ainda teremos muito tempo para pensarmos nisso. E, nem
pense em se aproveitar da minha ausência para aprontar! Ou,
quando eu voltar, irei lhe dar uma surra.
— Haha! E não ter você me levando ao altar? Nunca! —
Abraça-me. — Fique bem e, sempre que puder, ligue para mim!
— Fique bem também, angelo mio! — Beijo sua testa.
Eu pego minha mala para a colocar no carro e ela acena da
porta. Antes de dar partida, jogo-lhe um beijo, o qual ela finge pegar
no ar, toda sorridente.
Sorrio de seu jeito doce e vou embora para a minha missão.

***

Mal sabia eu que essa seria a última vez que iria vê-la com
vida. Quando voltei para casa, apenas encontrei um pedaço de
terra, onde seu corpo estava enterrado.
Marco me olha desconfiado por eu ter ficado calado, então
raspo a garganta para disfarçar as emoções que sinto por ter me
lembrado de sua mãe e do quanto ela amaria ver como ele cresceu.
— Eu quero destruir o Luigi até que não reste nada dele...
Nenhum único pedaço seu para contar a história. — Vejo como meu
sobrinho fica surpreendido. — Estou perto de realizar meu desejo.
E, não sou seu inimigo, sou seu aliado.
Ele semicerra os olhos em minha direção, tentando decidir se
falei ou não a verdade. Deve ter achado o que precisava para a sua
conclusão, porque balança a cabeça, confirmando.
— Como? — perguntou, testando-me.
— Fazendo com que ele caia do seu trono e perca todos os
seus aliados. Podemos nos unir e o derrubar juntos. Ou não. Eu te
garanto que terá meu total apoio em qualquer decisão que tomar.
— O que ganhará com isso? — Encara-me desconfiado.
— Vingança. Eu quero matá-lo por ter sido o culpado pela
morte da minha irmã. — informei uma meia verdade.
Percebo que ele entende minhas justificativas devido às suas
motivações serem as mesmas que as minhas. Só não sabe disso.
— Tirando-o do nosso caminho, darei meu apoio ao Vincent
para ser o novo capo. Não é isso que deseja? — questionei.
— Sim. Eu prometi ajudá-lo a conquistar a cadeira e vou
cumprir minha promessa. A minha palavra...
— É lei. — completei. Essa era a frase preferida de sua mãe
quando queria me convencer a ajudá-la em seus terríveis planos.
“Promessa é dívida, Henrique. Eu tenho que cumprir o que
falei. Minha palavra é lei.” — Parece que até posso ouvi-la dizer.
— Temos um trato? — Ofereço-lhe minha mão em um acordo
de paz.
— Por agora sim. — aceitou.
Camillo vem até nós, xingando, e Marco olha estrago que fez
em sua perna.
— Então, é isso? Vamos deixá-lo ir embora depois de tudo que
ele nos fez? — criticou minha decisão.
— Foi mal, Camillo! — Marco disse cinicamente.
— Foi péssimo! — resmungou seriamente.
— Na próxima vez que eu o ver, vou te pagar um copo de
bebida.
— Chupe meu pau, seu maledetto! Na próxima vez que nos
vermos, eu aceitarei suas desculpas, dando um tiro nesta sua cara
feia.
Marco o ignora.
— Onde está a bomba? — perguntei para poder desarmá-la.
— É... Não tem uma. — Cruza os braços em uma postura
cínica, surpreendendo-nos.
— Como assim não tem? — Camillo perguntou descrente.
— Foi só um blefe. — Sua confissão nos deixa mais surpresos.
— Você só pode estar brincando comigo, seu merdinha! Filho
da puta! — falei entre os dentes, querendo agora, eu mesmo, atirar
nele.
— Não. Peguei esse acionador do soldado de Mariano depois
que o matei. Não precisei pensar muito para chegar à conclusão de
quem partiu o pedido de colocar a bomba em seu carro no atentado
do qual te salvei. De nada por isso.
Figle de una cagna!
— Eu levei um tiro a troco de nada? — Camillo reclamou
revoltado.
— Supere, cara! Ou, na próxima vez, irei lhe pagar um copo de
leite com achocolatado. Nunca vi um homem tão chorão quanto
você. — Dá um tapa no meu ombro e se despede. — Nós nos
veremos em breve.
— Avise ao Vincent que o Luigi está indo atrás dele!
— Okay. — Vai embora, deixando um Camillo puto para trás.
— Você deveria ter abatido ele. Por que o protege tanto?
— Um dia saberá.
— Juro que na próxima vez irei lhe dar uma boa lição.
— Só para que esteja ciente, você não vai fazer nada contra
ele! Ou terá bem mais que uma perna danificada.
— Está gozando de mim, Henrique?
— Nunca falei tão sério. Capiche? — Espero que ele fale que
me entendeu.
— Eu entendi. — Balança a cabeça, não concordando comigo.
— Em dois dias já fui ameaçado por você duas vezes. Estou
começando a me questionar se merece que eu arrisque minha vida
para te ajudar.
— Largue de chorar feito uma menininha e vamos terminar
logo com isso, Camillo! Antes que eu te lembre de como é sentir dor
de verdade. Ainda temos dois corpos para enterrar. — Deixo-o para
trás, escutando-o reclamar e pontuar sobre o quanto sou ingrato por
não saber valorizá-lo como merece.
Algumas semanas depois

Percebo quando desperto, com grande decepção, que estou


sozinha na cama. Eu o procuro ao meu lado e somente encontro
seu lugar frio e vazio. Sinto desamparo pela sua ausência após dias
sendo mimada por ele. Meu acalento é pensar que meu marido não
se dignou a se despedir de mim porque deve ter tido uma
emergência e precisou sair cedo demais, sem que eu percebesse.
Nós entramos em uma rotina confortável depois que nos
entendemos. Henrique tem sido uma descoberta agradável para
mim e tem me feito despertar de uma maneira que nem eu
imaginava ser possível. Quanto mais os dias foram se passando,
mais me pegava dependente dele, ansiando pela sua presença,
para poder estar em seus maravilhosos braços e o ouvir, por horas a
fio, conversar comigo e fazer planos; para poder ter aquele prazer
de falar sobre mim e do que gosto, sabendo que ele iria me escutar
sem me julgar. É melhor do que desejei para mim.
Já é um fato consumado que nos damos bem fisicamente. Aos
poucos, fomos aprendendo tudo um sobre o outro e nos
encaixando; a cada camada que ia sendo tirada de nós dois, mais
íamos nos descobrindo e nos despindo das máscaras. No início, eu
ainda tinha aqueles momentos pessimistas, acreditando que tudo
era um sonho e que eu iria acordar, mas tenho me treinado a parar
de ficar esperando pelo pior.
Levanto-me quase me arrastando da cama e percebo o
cansaço físico da noite agitada que tivemos, tomar-me. Todo o meu
corpo está dolorido e bem usado. Sorrindo com as lembranças de
nós dois, vou até o banheiro para fazer minha higiene matinal.
Fico em choque quando, pelo espelho, noto várias manchas
vermelhas dos ataques dele espalhadas estrategicamente por toda
a minha pele. Ela é muito branca, e mesmo tomando sol quase
todos os dias, nunca pega um bronzeado descente. Olhando as
manchas, tenho a sensação de que tive uma visita inesperada de
um vampiro faminto. Que diabos! O safado me marcou todinha. O
pior é que nem percebi em qual momento foi. Dios! Que homem
impossível!
Gargalho sozinha. Ele vai me pagar quando chegar.
Depois, desço ao primeiro andar e constato que a mesa de
café da manhã está intocada. Procuro por Maria e a encontro na
cozinha, passando suas ordens para a nossa cozinheira sobre os
pratos que serão servidos no dia.
Ela sorri assim que nota a minha presença e vem ao meu
encontro, começando a me servir.
— Bom dia, filha! Dormiu bem?
— Bom dia, Maria! Maravilhosamente bem.
— Vejo que está bem disposta hoje. — Sorri gentilmente.
— Pensei em aproveitar o dia tomando um banho de piscina.
Seu sorriso se alarga e ela me olha por um tempo. Eu começo
a ficar vermelha de vergonha por causa da sua análise em uma das
marcas em evidência que Henrique fez em mim.
— Faça isso! Mas, não antes de tomar seu café da manhã.
Hum? Precisa recuperar as energias. — confirmou minhas
suspeitas, deixando-me mais envergonhada ainda.
Ela ainda solta uns risinhos jocosos.
Em todo esse tempo, Maria se tornou uma grande confidente.
Ela ama o Henrique como um filho e eu a respeito por ter estado,
durante tantos anos, ao lado dele. Tempo o suficiente para ter se
tornado parte da família. Foi graças aos seus puxões de orelha que
acordei a tempo de salvar meu casamento.
Começo a me servir um pouco de ovos mexidos e bacon
enquanto a senhora coloca um suco de laranja para mim, passando
algumas informações importantes sobre as outras famílias da
organização. Procuro um meio de abordá-la para perguntar sobre a
família dele, sem que pareça tão invasiva. Sei que sou sua esposa e
tudo mais, no entanto ele ainda não dividiu essa parte de sua vida
comigo. Vai que não queira que eu saiba nada.
— Faz tempo que Henrique saiu? — Tento me manter neutra.
— Bem cedinho. Logo depois de ter recebido a visita de um
dos subchefes.
Finjo desinteresse e continuo meu café.
— Maria! Eu gostaria de saber mais sobre a família do meu
marido.
— Oh! Não tenho muito o que falar sobre eles. Eu trabalho
para essa família há uns cinquenta anos e eles sempre foram muito
reservados.
— O que houve com seus pais? — tomei coragem de
perguntar.
— O pai dele morreu no mesmo acidente de jato que matou o
antigo capo, que era seu melhor amigo, e sua mãe faleceu alguns
anos mais tarde, de velhice.
— Deve ter sido um baque para ele. — falei com sinceros
pesares.
— Foi sim. Ele tinha acabado de voltar do exército e
descoberto que sua irmã Eva havia se matado em sua ausência.
Largo o garfo no prato, chocada com a confissão, e começo a
entender o que ele disse sobre não querer perder mais ninguém.
— Não querendo ser indiscreta... Mas, sua irmã se matou por
quê?
Ela fica calada, cabisbaixa, tira os óculos e os limpa antes de
colocá-los de volta em seu rosto rechonchudo e marcado por linhas
de expressões devido à sua idade.
— Não gostamos de falar muito sobre esse assunto desde que
tudo aconteceu, porque ele sofre muito quando se lembra dela. Eva
era a menina dos seus olhos e os dois eram muito unidos. Saber
que a irmã foi enganada por um aproveitador e jogada em um bordel
até sua morte, quase o fez se perder.
Arfo com sua revelação, lembrando-me de nossa conversa em
seu escritório. Era sobre sua irmã que ele se referia quando disse
que desejou morrer por alguém que amava? Eva teve o destino que
eu iria ter? Encho-me de compaixão por ele, finalmente entendendo
um pouco mais sobre o homem por baixo daquela máscara
impenetrável. Foi por isso que ele se compadeceu de mim e matou
o Damien? Porque querendo ou não, também fui iludida por um
cafajeste.
— Ele tem mais irmãos? — Dou uma mordida em minha
panqueca, não querendo demonstrar o quanto fiquei abalada por
saber dessas informações.
— Até onde sei, ele não tem parentes vivos aqui, em Milão. Se
têm, devem morar na cidade de Nápoles, o lugar onde seus avós
nasceram. Mas nem ele, nem os pais, em vida, comentaram sobre
eles.
— Devem ter alguma mágoa envolvida. — opinei pensando em
minha própria família.
— Deve ser. A mãe dele foi a última a ir. Não faz muito tempo
que recebemos a notícia do sanatório, avisando a nós sobre sua
morte.
Tusso, engasgando-se com meu suco.
— Ela era louca? — Desculpo-me logo em seguida pela
indiscrição que soltei.
Maria fica triste e com o mesmo semblante distante que já vi
em Henrique várias vezes.
— E, qual mulher não ficaria, filha? Depois de perder sua única
filha e o marido logo depois, ela nunca mais foi a mesma. Era uma
Mulher alegre, bonita e muito elegante, só que foi se reduzindo
quase ao pó no fim. Até para fazer as necessidades mais básicas,
precisava de ajuda.
É lamentável tanto sofrimento. Meu marido é um sobrevivente.
Eu ia perguntar sobre o tal sobrinho de quem Henrique me
contou, mas como Maria não o citou, imagino que não saiba nada
sobre ele. Então, disfarço minha curiosidade e continuo comendo.
Elliot entra na cozinha, escaneando o ambiente até me
encontrar. Com um suspiro de alívio ao me ver, aproxima-se da
mesa.
— O chefe pediu para que eu a avisasse que ele não virá para
o almoço. Porém, vocês foram convidados a um jantar social e ele
solicitou que a senhora esteja pronta às sete.
— Obrigada, Elliot! — Agradeço-o com um simples gesto de
cabeça.
Eu posso parecer calma por fora, mas por dentro é outra
história, já que teremos a nossa primeira aparição em público diante
daqueles que fazem parte da ilustre sociedade da Camorra. Estou
com o coração acelerado ao ponto de ter minhas mãos suando pela
expectativa.
Eu sei como me portar, pois fui treinada para esses tipos de
eventos. Todavia, o que me incomoda e me deixa nervosa é
imaginar como as mulheres irão me tratar, dado que vim de uma
família rival. Portanto, é de se esperar objeções e certas
hostilidades da parte delas, principalmente daquelas que têm filhas
em idade para se casar. Eu serei como um esfregão na cara das
damas, a amostra grátis de uma oportunidade perdida.
— Precisa de ajuda para escolher sua roupa? — Maria se
ofereceu.
— Acho que vou precisar que passem meu vestido. Pode
cuidar disso para mim?
— Claro. É só me dizer qual vai usar, e eu irei providenciar
para que o peguem.
Agradeço sua gentileza e vou para a área de lazer tomar um
pouco de sol.
Como Henrique cumpre seu aviso e não vem para casa, peço
um lanche leve na hora do almoço e fico pela área mesmo, curtindo
o dia bonito. Ainda tento ligar para a Sam, só que recebo a mesma
resposta dos dias anteriores: somente um grande e sonoro “nada”
no outro lado da linha, um silêncio.
Confiando que meu marido irá cumprir a promessa que me fez,
sento-me na cadeira e pego meu Kindle para ler um pouco.
Por conta da noite exaustiva que tive, acabo pegando no sono.
Logo sou acordada por uma Maria aparentemente aflita.
— O que aconteceu? Parece que viu um fantasma. — tentei
brincar para distraí-la da tensão.
— Aconteceu um acidente.
— O quê? Com quem? — Pulo da cadeira e quase a sacudo
para que conte logo.
— Foi com o seu vestido.
Respiro aliviada e seguro o peito com as duas mãos na
tentativa de acalmar meu coração, que bate acelerado.
— Que susto, Maria!
— A Giulia, sem querer, queimou ele na hora de passá-lo.
“Sem querer” um cacete! Essa diaba fez isso de propósito.
— Desculpe, senhora! Eu esqueci o ferro ligado em cima dele.
— a concubina se explicou com uma falsa cara de choro.
Nem para ter, acidentalmente, esquecido e passado o ferro na
cara, serviu. Talvez, assim, essa sua cara de atriz pornô passasse.
— Sei! Que sorte a minha ter comprado mais vestidos, não é?
— ralhei com ela.
— Eu vou tomar mais cuidado na próxima vez. Desculpe-me
mesmo! Pode descontar do meu salário.
— Era um da Dior, Giulia. Nem se você juntasse todas as suas
economias do ano, iria conseguir pagar um vestido daquele.
— Oh meu Deus! Tão caro assim? — Maria exclamou. Logo
dá outra chamada na neta pelo “descuido”.
— Não se preocupe, Maria! Deixe para lá! Eu escolherei outro
e estará tudo certo. E você, Giulia, cuidado para não se “esquecer”
de mais nada ligado e colocar fogo na casa!
Ela me olha emburrada e eu a deixo com a avó, que não está
nada feliz com seu comportamento grosseiro.
Mudando meus planos, subo para escolher uma roupa
adequada. Eu comprei de tudo um pouco, pois mesmo não estando
bem com Henrique na época ainda, já estava me preparando para
quando a ocasião de um evento chegasse.
Abro meu guarda-roupa e levo outro susto quando procuro por
algo meu e não encontro. Desesperada pelo sumiço das minhas
coisas, chamo por Maria, achando que Giulia fez mais estrago do
que nos disse. No entanto, descubro que tudo não passou de um
mal-entendido criado pelo meu digníssimo marido, que deu a ordem
para a empregada levar minhas coisas ao seu quarto e as organizar
no closet. Segundo Maria, ele ainda teve a audácia de dizer que, a
partir de hoje, é lá que deve ficar tudo que é meu. É bom ele não
está em casa, ou eu iria lhe dar uns tapas por não ter feito nem
questão de me perguntar o que eu acharia dessa decisão.
Depois que o susto passa e eu penso com mais calma,
confirmo que até gostei de saber que Henrique tomou essa atitude,
pois isso significa que, realmente, ele me perdoou e quer oficializar
de vez o nosso casamento, da maneira que deveria ter sido desde o
início. Não que eu vá lhe dizer isso.
Vou para o nosso quarto e escolho um vestido preto, longo,
estilo sereia, de gola alta, com uma fenda nas costas e um
acabamento de paetê no busto. É bonito, elegante e me deixa com
a aparência de mulher um pouco mais velha. O que será ótimo para
diminuir as especulações com minha idade. Eu quero mostrar ao
Henrique que sei me vestir bem e que não irei envergonhá-lo diante
de todos.
Passo o restante do dia presa no banheiro, fazendo hidratação
em meu corpo e cabelos. Até me arrisco a pintar as unhas de
vermelho. Eu sei que poderia chamar uma horda de profissionais
mais caros e requintados de Milão, para ter o melhor tratamento que
o dinheiro puder pagar. Contudo, preciso me ocupar.
Quando termino tudo, fico orgulhosa de mim pelo meu feito, e
assim que decido descer e verificar se ele já está me esperando,
vejo que o relógio marca quase sete horas. Uma hora atrás, Maria
foi buscar as roupas dele e disse que ele havia tomado banho no
quarto de hóspedes. Não questionei o porquê, mas me lembrei do
dia que vi o Enzo chegando todo ensanguentado de uma “missão”.
Foi traumatizante demais para eu querer repetir a experiência de ter
tal visão.
Confiro-me no espelho mais uma vez, amando o resultado.
Espero impressionar o Henrique com minha escolha.
Noto que a luz do seu escritório está acesa, e sem sequer
pedir permissão, começo a entrar lá. O que vejo é como se fosse
uma porrada em meu estômago: uma esbelta asiática está sentada
na ponta da mesa e com uma taça de vinho em mãos,
praticamente jogando seu enorme decote para cima do meu marido.
É a mesma mesa onde me rendi a ele na nossa primeira noite, onde
ele me fez prometer ser somente sua.
Uma fúria sem tamanho me toma por ter presenciado essa
cena ridícula, e tomada pela revolta, adentro a sala com tudo,
fazendo questão de deixar clara a minha presença.
— Posso saber que porra está acontecendo aqui?! — vociferei,
não poupando indignação na voz. Quebrei o clima entre os dois
indecentes.
Ambos se viram em minha direção, só que o único a parecer
perplexo com a minha explosão é Henrique.
— Giovanna! Eu estava te esperando. — Sorri e me olha de
cima a baixo com aprovação. — Está belíssima, cara mia!
Ignoro seu elogio e observo a perua pular da mesa em seus
saltos quinze. Saltos esses que quero usar para furar seus olhos,
por ter sido tão cara de pau de aparecer na casa de um homem
casado, vestida como uma prostituta.
— Que bom que não te entediei com a minha demora, marido.
A companhia parecia agradável demais. Estava lhe distraindo
enquanto você me esperava.
Ele sobe uma de suas grossas sobrancelhas para mim, em
uma pergunta silenciosa.
— Giovanna!? Essa é...
Novamente, eu o ignoro e trato de me apresentar à estranha.
Não tão estranha assim para ele, pelo visto.
— Pode deixar! Eu me apresento à dama. — cortei-o,
passando por ele. — Oh, querida! Deixe eu me apresentar
adequadamente! Sou Giovanna Cavallari, esposa desse libertino
aqui. E você é...?
Percebo que ela também não parece surpresa com minha
apresentação. É como se já me conhecesse.
— Emma. Emma Thompson. — disse com certo orgulho na
voz, como se eu devesse ser obrigada a reconhecer seu sobrenome
e o venerar. — Sou filha do senador Thompson. — explicou-se
quando percebeu meu óbvio desdém. — É um prazer finalmente
conhecê-la, Giovanna. O Henrique estava, exatamente, falando
sobre você agora mesmo.
Eu duvido muito que ele tenha prestado qualquer atenção no
que dizia, com todo o silicone pulando para fora do decote dela e
indo parar direto na cara dele.
— Interessante! Porque fiquei sabendo de você nesse instante.
— retruquei secamente, esnobando-a. — Suponho que tenha errado
o caminho. Certo? O jantar não será aqui.
— A Emma veio para irmos juntos, Giovanna. — Viro-me para
ele e miro meus olhos nos seus, fuzilando-o. — Era ela quem me
acompanhava nos eventos antes. E, devido ao nosso casamento
ser recente e poucos saberem dele, ela não foi informada de que
não precisaria vir. — tratou de se explicar quando viu minha cara de
desgosto.
— Ah, sim! Mais uma de suas admiradoras, pelo jeito. Já
deveria tê-la dispensado dos seus serviços assim que esclareceu
tudo, marido. Dê a ela algum dinheiro pelo mal-entendido e vamos
logo!
A pilantra se engasga com o vinho.
— Está havendo algum engano aqui, queridinha. Não sou
nenhuma acompanhante de luxo. Eu acompanhava o Henrique por
cortesia. Não preciso do seu dinheiro.
— Foi o que quis dizer. Cortesia, cortesã... Soam bem
parecidos e são palavras que têm quase o mesmo significado em
meu mundo, já que nada é feito de graça.
— Sua esposa não é o que eu esperava, Henrique. Imaginei
que tivesse escolhido uma mulher culta, não uma com esse nível de
grosseria.
Eu tenho que tirar o chapéu para ela, porque teve peito para
me criticar na minha cara.
— Oh! Você tem razão. Vou me desculpar adequadamente
pelo meu comportamento rude, sendo bem culta. — Olhando
firmemente em seu rosto, amanso a voz em um tom bem meigo.
— Por favor, querida! Pegue essa sua cortesia, enfie ela
delicadamente no buraco negro que existe entre suas nádegas e dê
o fora da minha casa!
Ela arfa e abre a boca, em choque. Eu sorrio inocentemente.
— Giovanna! Que comportamento é esse? — Henrique ralhou
como se me desse um aviso. — É melhor você ir, Emma. — Vira-se
para a víbora e sorri. — Eu agradeço sua gentileza. Pedirei para que
Camillo a leve com segurança para a sua casa.
Gentileza a minha bunda!
— Disponha! Tenha um ótimo jantar! E, quando precisar, não
hesite em me chamar. — a abusada ainda teve a coragem de me
provocar.
Eu vejo vermelho depois dessa afronta.
— Segure minha bolsa, Henrique! Eu vou dar na cara dessa
vagabunda! — Jogo a bolsa em seu peito, vou para cima dela e
acerto um tapa na sua cara.
Eu estou prestes a lhe dar pelo menos mais um, para ensiná-la
a como me respeitar, quando sou impedida no último minuto por
Henrique.
— Sua cadela! Você cortou o meu rosto com sua unha! —
choramingou, segurando a bochecha.
— Chega, Giovanna! — Ele me segura pela cintura. — Saia
daqui agora, Emma! — ordenou entre os dentes.
A desavergonhada o obedece rapidamente e sai correndo,
gritando que sou doida.
— Solte-me, seu cafajeste! — Debato-me até conseguir me
livrar dele.
— O que te deu, mulher? Ficou louca?
Retiro-me do seu escritório, deixando para trás um Henrique
irritado que insiste em me chamar. Quase esbarro em Giulia, que
sorri cinicamente ao se esquivar de mim. Eu queria pular no
pescoço de um deles, mas não irei lhes dar o gostinho de me tirar
do sério e, ainda, estragar mais uma roupa minha de grife. Somente
a ignoro e entro no carro, onde aguardo ele.
Pouco tempo depois, meu marido aparece sério. Eu sinto seu
olhar queimar sobre mim, e como não faço questão de dizer nada,
ele segura o volante do carro por um tempo e dá partida para
sairmos.
Estou queimando de ódio por dentro, dele e, principalmente,
de mim, porque acabei de perceber, no meio do caminho, que fiz
uma cena por ciúmes. O que significa que Henrique está atingindo
meu lado emocional bem mais do que eu queria. E esse meu lado
sendo despertado, ainda é assombroso para mim. Que ele sempre
soube manipular meu corpo, ficou claro desde o nosso primeiro
encontro, mas o fato de já estar dominando meus pensamentos,
parece que foi algo rápido demais.
Ele coloca o carro no acostamento e entra no estacionamento
subterrâneo de uma grande construção em obra. Eu estranho sua
parada abrupta.
— O que estamos fazendo aqui?
— Vamos esclarecer aquele mal-entendido.
Preparo-me para descer, não querendo perpetuar meu tempo
no veículo. Quando destravo a porta para sair, sua mão me para.
— Estamos atrasados. — argumentei para tentar escapar de
qualquer conversa com ele, para não lhe dar o prazer de me atingir
ainda mais.
— Olhe para mim, Giovanna!
Não o obedeço.
Um turbilhão de sentimentos se mescla em meu interior, e a
menina que costumava buscar aprovação de todos ao seu redor,
está retraída por ter levado uma rasteira após dias vivendo um
oásis.
Percebendo minha resistência, ele vira meu rosto em sua
direção e me analisa de um jeito profundo e analítico somente seu.
— Eu não tenho nada com ela.
— Vai negar que já teve?
— Não. Mas isso era antes de você chegar. E deixei claro hoje
que não vai mais acontecer.
— Acho que ela não entendeu bem o seu recado. Sabe o que
é engraçado?
— Não. — Segura o riso.
Quero voar em cima dele, porém não em um bom sentido.
— Essa é a segunda vez que você diz que não tem nada com
uma mulher e elas não demonstram concordar com você. Ao menos
não do meu ponto de vista, já que quando cheguei, peguei ela
praticamente pulando em seu colo.
— A única que vai pular no meu colo, será você, boneca. —
Seu sorrisinho cafajeste surge e eu semicerro os olhos, desafiando-
o a continuar me provocando.
— Não tenho o menor interesse nisso. — respondi com
rispidez.
— Jura? Não foi isso que você demonstrou ontem à noite,
quando te fiz gozar duas vezes para mim.
Filho da puta!
— Guarde bem essas lembranças, seu arrogante, filho da
puta! Porque é tudo que terá para se contentar nos próximos dias.
Ele gargalha e eu me irrito por vê-lo rindo de mim.
Quando tento sair do carro novamente, sou puxada para seu
colo.
— Sabia que fica linda quando está com ciúme? — O safado
ficou duro com nossa discussão.
— Não fique me provocando! Estou falando sério.
— Eu sei. Mas já disse que não me importo com ela, nem com
nenhuma outra que não seja você.
— Mentiroso! Ficou todo de sorrisinhos para aquela siliconada.
— Ela tem silicone? Nem reparei. — provocou-me. — Só tenho
olhos para a minha adorada esposa rebelde.
— Às vezes você me faz querer usar minha ré primária,
Henrique.
Ele ri de novo e, ignorando meu chilique, passa uma mão em
minhas costas, numa tentativa de me acalmar.
— Está muito cheirosa, boneca! É assim que você me deixa
quando começa a agir com rebeldia. — Esfrega-se em mim. — Vai
querer uma segunda dose do que aconteceu ontem à noite?
—Não. Obrigada! — esnobei-o.
— Não é isso que seu corpo está me dizendo. — Toca em um
dos bicos dos meus seios por cima do meu vestido. Os traidores
estão para lá de rijos, entregando-me.
Meu marido passeia com a língua do meu pescoço ao meu
ouvido, causando-me reações que tento, a todo custo, restringir-me
a sentir nesse momento. No entanto, é impossível controlá-las.
— Diga Giovanna! Diga que não me deseja! Fale que se eu
tocar em sua boceta, não irei te encontrar molhadinha, palpitando
pelo meu pau!
— Vá se foder! — Empurro-o e consigo fugir do seu ataque,
mas não por muito tempo, porque ele logo abre a porta, tira-me do
carro e segura em minha cintura.
— Só se for agora, angelo mio. — Puxa o celular do bolso,
digita nele rapidamente e o joga dentro do carro. — Vou te provar o
quanto está errada por achar que eu quero outra mulher além de
você.
— Você não vai foder comigo aqui! Não sou uma qualquer. —
Ele abre um sorriso predador, recebendo minhas negativas como
um desafio. — Temos um jantar para ir depois daqui e não vou
chegar lá feito um espantalho.
Tento arrumar outra desculpa para não ceder a ele e não
provar seu ponto.
— Cancele essa merda agora, se essa foi a sua melhor
desculpa!
Sou virada de frente para o seu corpo, então sua boca ataca a
minha e sua língua chupa a minha, arrancando gemidos sôfregos da
minha garganta, enquanto sua mão faz uma massagem em minha
nuca, firmando meu rosto no lugar. Com rapidez, Henrique levanta a
barra do meu vestido e solta lamúrias quando seu dedo invade a
minha calcinha, fazendo um movimento de entra e sai no meu canal
molhado.
Ele encaixa minha perna em volta da sua cintura, coloca-me
em cima do capô do carro, abre o zíper da sua calça e, com
maestria, pincela sua glande em minha entrada, estimulando-me.
Quando percebe que estou muito excitada, entra em mim com uma
única estocada, levando-me a arquear as costas e gemer seu nome.
Enquanto sou penetrada, contraio-me em volta do seu pau,
apertando-o como ele adora. Isso o deixa ensandecido e o faz me
foder com mais força. O barulho de pele contra pele e nossos
grunhidos podem ser ouvidos à distância. Espero que seus soldados
estejam muito longe, ou não terei cara para os olhar depois que
sairmos daqui.
A mão dele esfrega meu clitóris, fazendo-me gemer mais alto.
— Olhe como te quero, Giovanna! Veja como nós dois nos
damos bem juntos e nos completamos! — Levanta minhas pernas e
as coloca sobre seus ombros. Nessa posição, seu eixo vai mais
fundo, batendo em um ponto dentro de mim que me leva ao delírio.
— Você nasceu para mim. Grite meu nome, Giovanna! Deixe todos
saberem o quanto minha mulher gosta de ser fodida pelo seu
marido!
— É demais... — Tento falar, entretanto estremeço quando
alcanço meu orgasmo, vendo luzes coloridas. — Oh, Henriqueee!
— Ah! Que delícia! — gruiu seu prazer, jogando a cabeça para
trás. O que me proporcionou uma visão extraordinária.
Meu corpo amolece em seus braços, sentindo ainda os seus
espasmos dentro de mim, que me preenchem com seu sêmen.
Ele deita por cima do meu corpo por alguns segundos e
encosta sua testa em meu peito. Nós dois estamos sem fôlego,
suados, mas muito saciados para querermos quebrar o clima.
— Eu sou seu! — Arrasta seus lábios pela minha pele à
mostra. — Não irei deixar outra mulher me tocar depois de você,
Giovanna. Suas inseguranças não devem ser aplicadas a nós,
portanto temos que trabalhar sua confiança. Porra! Eu não te dou
motivos para desconfiar de mim.
Eu queria dizer o quanto é difícil para mim acreditar nisso.
— Fale o que está sentindo e divida comigo os seus medos!
Eu sou seu marido e preciso que você confie em mim. — Abraça-
me.
— Temo que você acorde um dia, descubra que fez um mal
negócio ao se casar comigo e se desfaça de mim, como minha
família fez... Como todos fizeram.
— Claramente, você ainda não me conhece direito. Eu jamais
te usaria dessa forma. Pare de sofrer antecipadamente por coisas
que não vão acontecer!
— Pode me prometer isso? Ninguém sabe do futuro.
— Posso te provar se me deixar entrar.
— Achei que já tivesse entrado. — Aponto entre nós, fazendo
piada por ele ainda estar com seu pau dentro do meu corpo.
— E pretendo ficar aqui por muito mais tempo. — Pisca
matreiro. — Porém, mais tarde. Por agora, irei me contentar com
essa única vez.
— É bom saber disso. — ironizei, sorrindo do seu jeito
brincalhão.
Após ele me ajudar a me arrumar e a ficar pelo menos
apresentável, trocamos mais alguns beijos e voltamos a seguir
nosso caminho para o bendito jantar. Pelos meus cálculos, deve
estar a todo vapor no momento, já que estamos muito atrasados.
Dou a volta no carro e abro a porta para que ela desça.
Giovanna conseguiu a proeza de ficar ainda mais bela nesta noite e
eu me sinto um filho da puta sortudo por estar com ela ao meu lado.
Logo que entramos no salão, atraímos todos os olhares para nós.
Então, sua mão aperta a minha e eu lhe devolvo o toque
disfarçadamente, tentando lhe passar confiança.
— Muito nervosa? — perguntei baixo para que somente ela
pudesse me ouvir.
— Muito! Eu me pergunto se irão gostar de mim. — Sorri
fracamente, mordendo a ponta do seu lábio inferior vermelho. Mania
essa que, pelo que já percebi, ela tem quando está apreensiva ou
nervosa.
— Elas não têm que gostar de você, têm que te respeitar.
Basta se lembrar de que está acima delas na hierarquia.
— Eu não quero causar má impressão na minha chegada,
Henrique. Se quero que me aceitem, tenho que ser perfeita, como
elas esperam que eu seja.
— Você já é perfeita, angelo mio. — Pisco para ela e ganho
um sorriso aberto.
Paolo e sua esposa são os primeiros a virem nos receber e
nos cumprimentar pelo casamento. Percebo os olhares gulosos de
muitos sobre Giovanna, contudo somente o de Joseph, sobrinho-
neto de Paolo, incomoda-me, porque ele nem sabe disfarçar seu
interesse nela. Porém, não me deixando abalar pelo seu
descaramento indisfarçado ao ponto de socá-lo, trato de tirar minha
mulher de perto dele, antes que eu lhe dê um tiro pela sua total falta
de respeito.
Apresento minha bela esposa aos demais casais presentes e
recebo congratulações dos homens, que parecem satisfeitos com
minha escolha. Também noto que as mulheres, por mais que não
consigam disfarçar seus descontentamentos com a presença de
Giovanna, adotam uma postura refinada. Como já era esperado,
elas a acolhem no meio delas e puxam diversos assuntos para a
deixar confortável.
O jantar transcorre bem, com todos animados contando
histórias aleatórias sobre suas recentes viagens. Alguns ostentam
os bens valiosos que acabaram de adquirir por meio de uma
pequena fortuna, e outros, que são de origens mais conservadoras,
arriscam palpites sobre o quanto são prejudiciais os tipos de famílias
que são relapsas em relação à educação dos filhos, tornando
mimados e arrogantes os jovens que farão parte do nosso meio.
Alguns outros ainda falam sobre a atual política e sobre religião.
Assim, nós nos distraímos até as mulheres se retirarem. Agora,
iremos tratar do que realmente nos interessa: os negócios.
— Fez uma bela aquisição, Cavallari. — Anthony, um dos
anciões mais velhos, falou enquanto olhava a Giovanna
acompanhar as outras mulheres.
— Você falou como se eu tivesse adquirido um cavalo. —
critiquei seu elogio, ascendendo o charuto que me foi oferecido.
— Eu diria que um cavalo não, mas uma bela potranca, com
toda certeza. — Paolo disse, fazendo a mesa gargalhar da sua
piadinha desrespeitosa.
— Tenho que fazer jus ao meu sobrenome. Afinal, não é à toa
que minha família está há quatro gerações sendo o braço direito de
cada capo dei capi. — devolvi com ironia, sem cair em suas
provocações.
— Homem de sorte e de muito bom gosto. — Joseph também
entrou no assunto, bancando o engraçadinho.
— Sou sim. Desde as escolhas das minhas armas. — mandei
um recado direto a ele, fazendo-o pigarrear para disfarçar seu
constrangimento diante do meu claro aviso. — Eu não sabia que
minha mulher seria a pauta principal desse jantar.
— Vamos falar de negócios! Estamos ansiosos para saber
como estão a administração dos nossos bens. — Alessandro cortou
nossa troca de farpas.
— Atualmente, voltamos a lucrar bem, dado que fizemos uma
parceria com os árabes, como já sabem. Vincent trabalhou duro
para conseguir essa façanha. — respondi, iniciando com assuntos
neutros.
— Ele me parece ser um bom negociador, porém é muito
ambicioso. — Carlo alfinetou.
— E, qual de nós não tem essa característica, Carlo? —
defendi o Vincent das críticas. — Eu diria que isso o torna ainda
mais valioso para nós.
— Pode até ser. Mas, o rapaz é desrespeitoso. No jantar que
marcamos em Los Angeles, ele nos tratou como lixos. — Anthony
reclamou, torcendo o nariz.
— Também não gosto das acusações que ele andou fazendo
ao nosso respeito. — Francesco completou a lista dos anti-Vincent.
— Vejo que ele não deixou uma boa impressão no último
encontro. — comentei para parecer que estou em cima do muro,
pois não posso ir contra eles, para não desconfiarem de mim e
acharem que não sou confiável.
— Eu diria que, com toda aquela provocação, ele colocou uma
mira na própria testa. Nós estávamos conversando sobre a
possibilidade de ele ter matado o Mariano. — Carlo o acusou.
— Isso jamais! Não vou tirar a razão de vocês em estarem
chateados com ele, mas o acusar de assassinar um dos nossos é
demais. Até mesmo porque ele também sofreu um atentado há
pouco tempo. — cortei-o antes que todos resolvessem fazer uma
caça às bruxas ao Vincent e, consequentemente, ao Marco.
— É verdade. Também temos que colocar em conta que ele
descende de uma linhagem de chefes. Assim, é óbvio que seu
maior desejo seria alcançar o cargo que pertenceu a várias
gerações da sua família, inclusive ao seu pai. — Paolo disse.
Respiro com alívio por ter recebido o apoio de pelo menos um.
— Temos que eliminar as especulações e focar no que
realmente importa. O culpado pode estar por perto ainda, então
precisamos detê-lo antes que ele nos torne a próxima vítima. —
aproveitei a deixa para encerrar o assunto.
— Está certo. Conte-nos sobre a parceria com o Lucca! Está
dando certo como esperávamos? — Alessandro perguntou,
interessado no assunto.
Penso em uma forma de usar o erro do Lucca ao meu favor,
sem mentir sobre o que realmente aconteceu, porém não
precisando entrar em detalhes sobre nossa discussão.
— Na verdade, estamos o deixando de molho, já que teve a
ousadia de me procurar e me chantagear para conseguir Los
Angeles ou Chicago.
— Que audácia! Claramente, você o botou para correr. Certo?
— Paolo perguntou incrédulo.
— Obviamente. Ele achou que, por conta do meu casamento
com sua filha, iria conseguir algum tipo de controle sobre mim.
— Que absurdo! Mas nem que sua mulher tivesse uma boceta
de ouro. — Joseph sibilou atrevidamente.
Meu sangue ferve com tamanha ousadia.
— Se voltar a falar de forma desrespeitosa sobre qualquer
parte do corpo da minha esposa nessa conversa, Joseph, será o
seu sangue que irei fazer questão de servir nas taças, em cima
dessa mesa. — ameacei com uma calma forçada, tomando um gole
da minha bebida.
Eu o encaro, sério, e coloco minha arma sobre a mesa,
deixando claro para todos que acabou a brincadeira.
— Acho melhor que você se retire, Joseph. — Francesco
exigiu. — Não queremos nenhum desentendimento entre nós nesta
noite.
Ele engole em seco, por estar na mira de todos neste
momento, levanta-se calado e sai junto com os outros jovens
presentes, como lhe foi ordenado.
— Agora, que as crianças foram brincar, vamos falar sério! —
Sinto-me frustrado. — Muitas coisas vêm acontecendo dentro da
nossa organização e acho que todos devemos concordar que está
na hora de certas situações mudarem.
— Por exemplo? — Carlo perguntou.
— Eu não sou o capo, nem quero ser, no entanto estou
tomando a frente dos negócios até Luigi voltar. Há algo que vem me
incomodando e quero deixar em pauta hoje, com vocês.
— O que seria? — Alessandro fica na defensiva. — Não vai
dizer que devemos considerar o menino Lourenço como o
substituto, não é? Suas ideias não condizem com as nossas.
— Não. Apesar de Vincent me ter em alta estima, não é sobre
ele que quero falar, e sim sobre as perseguições que temos sofrido
por parte da mídia e do FBI.
— O Vincent já comentou isso também. — Anthony advertiu
severamente, tentando burlar minha tentativa de tocar no assunto
“tráfico humano”.
— Pois, eu vou dizer uma coisa: tratem de decidir de qual lado
irão ficar! Tenho muito respeito pelo meu capo, mas do jeito que as
coisas estão indo, vejo todos nós sendo jogados na fogueira por
causa de tanta lambança. — rebati rispidamente, criticando-os pela
reprimenda.
— Acho que devemos conversar com o Luigi e estudar a
possibilidade de eliminarmos essa parte do nosso meio. — Paolo
concordou comigo novamente.
Congratulo-me por dentro. Eu soube por Marco o desastre que
foi aquele jantar e prometi tocar de um jeito suave, porém firme,
nesse assunto. Após anos convivendo com esses homens, você
compreende os pontos fracos de cada um deles e aprende a usá-los
da maneira correta ao seu favor.
— Eu até concordo que essa parte nos traga muito dinheiro,
mas... Vale a pena arriscarmos perder tudo, em vez de apenas
cortarmos essa necrose do nosso meio? — manipulei mais um
pouco o assunto.
Todos parecem pensar na possibilidade e, por mais que não
digam de imediato que concordam, a dúvida já foi implantada neles
desde o fatídico jantar em Los Angeles. Eu só estou alimentando o
monstro e preparando o terreno para o tombo de Luigi. Logo um por
um irá ceder, então, aí sim, será o momento de atacá-lo, pois estará
sem o apoio do Conselho.
— Vamos pensar com mais calma, sem apressar as coisas e
tomar decisões precipitadas! — Carlo respondeu por todos os
outros.
— Concordo plenamente com o Carlo. Esse não é um assunto
a ser decidido da noite para o dia. Estamos falando da perda de
milhões de dólares, senhores. — Alessandro opinou, dando a
entender que não concorda comigo.
— É por esse motivo que estou dizendo, antecipadamente,
para que tomem seus tempos e decidam, com calma, o que fazer.
Sei de uma fonte segura que a organização está sob investigações
severas, e com Luigi sendo relapso em relação às suas obrigações
como chefe, sobrará para nós a responsabilidade de proteger a
Camorra até seu retorno aos negócios. — dei minha cartada final.
— São muito válidas as suas queixas, Henrique. Nós iremos
analisar com cautela todos os possíveis ângulos e decidir o que for
melhor para todos. — Anthony, sendo o mais velho, determinou aos
outros.
— Eu agradeço. Já que temos esse ponto resolvido, irei ficar
aguardando suas decisões. Passar bem, cavalheiros! — Levanto-
me para me retirar da mesa.
Meu trabalho foi feito como devia. Agora é com eles. Sem
resistência, ficará fácil para Vincent fazer sua entrada e tomar o
poder. Se tudo continuar caminhando como deve, logo teremos um
novo e merecido capo.
Eu tento, a todo custo, não ficar encarando a porta e contando
os minutos para que Henrique apareça e me tire do martírio em que
me encontro. As mulheres já me dessecaram de todas as formas
possíveis e todas estão curiosas, querendo saber detalhes do meu
casamento com ele. Algumas, ainda, fizeram questão de deixar
suas nobres opiniões nada agradáveis do porquê eu fui a sortuda
eleita.
Estou pronta para lhes mandar calarem a boca por tanta
intromissão em minha vida íntima com meu marido, quando o vejo
aparecer na sala e me chamar. Por fim, agradeço o convite às
mulheres, prometo encontrá-las em breve e acompanho Henrique,
quase saltitando de alegria por, finalmente, estar livre delas.
— Tive a sensação de que você estava prestes a correr de lá.
— Ajuda-me a entrar no carro.
— Pelo amor de Deus! Eu me senti em um purgatório. Que
mulheres egocêntricas! — Ele gargalha das minhas reclamações. —
Espero que você tenha curtido mais do que eu.
— Acredite em mim: eu me segurei muito para não matar um
ali.
— Não te vejo perdendo a paciência por tão pouco. — Encosto
minha cabeça latejante no banco.
— Geralmente, não. É preciso apertarem os botões certos, e,
pelo jeito, Joseph aprendeu isso rápido.
— Não gostei dele. Viu como me encarou? — Estremeço ao
me lembrar do seu olhar avaliativo sobre mim.
— Ele teve muita sorte de voltar para casa com vida hoje.
Talvez, em uma próxima vez, não seja tão sortudo.
— Henrique! Pretende ter filhos? — mudei de assunto
rapidamente, perguntando-o sobre o tema mais abordado na
conversa com as mulheres. O qual me incomodou durante a noite
inteira.
Ele me olha, confuso pela mudança repentina de assunto.
— De imediato, não acho vantajoso, porque não estamos em
um momento propício para pensar em filhos. Você quer engravidar
logo?
Essa é uma boa hora para eu o lembrar que não estamos nos
prevenindo exatamente?
— Pretendo ir a uma ginecologista e pedir que ela me passe
um anticoncepcional para prevenir uma gravidez. Teremos tempo de
sobra para pensar melhor sobre o assunto mais para a frente. O que
acha?
— Concordo com você. — Leva minha mão aos lábios e a
beija delicadamente. — Imagino que queira estudar, fazer uma
faculdade. Certo?
— Você deixaria? — questionei, tentando não criar muita
expectativa.
— Por que não? Tem algum curso que te chama a atenção?
— Moda. — Minha resposta o deixa claramente surpreso.
— É mesmo? — indagou curioso.
— Eu amo os designers dos vestidos que compro e gostaria
muito de, um dia, criar minha própria marca. Tentei fazer alguns
cursos de costura quando era um pouco mais nova, no entanto meu
pai não permitiu. Ele disse que era uma perca de tempo e um
desperdício de dinheiro. — Fico aborrecida ao me lembrar do dia em
questão.
“Mulheres só têm que se preocupar em cuidar da casa e dos
filhos, Giovanna.” — Ele me disse isso enquanto jogava minhas
revistas de moda no lixo.
— Seu pai é um idiota. — Seu rosto toma uma forma
assustadoramente desgostosa. — É um sonho bem ousado sim,
mas não impossível, e eu iria gostar de vê-la o realizando. — Traz
seu olhar ao meu para que eu possa ver que ele disse a verdade.
— Vai me deixar, mesmo, ir para uma faculdade? — perguntei
novamente, mais animada agora.
— Sim, boneca. Mas, lembre-se que você não será uma
estudante qualquer! Sua segurança terá que ser dobrada.
Solto um grito, maravilhada, e lhe dou um beijo na bochecha,
levando-o a rir. Estou feliz por estarmos nos entendendo bem ao
ponto de podermos conversar tranquilamente e chegar a uma
mesma linha de raciocínio sem brigas ou acusações.
Amanhã mesmo irei procurar uma boa ginecologista e agendar
uma consulta. Eu amo crianças e sonho em poder ter meus próprios
filhos um dia, contudo quero curtir cada momento com Henrique e
deixar nosso casamento amadurecer um pouco mais. Um filho seria
muito bem-vindo em qualquer circunstância, só que podemos
esperar, já que sou bastante jovem e teremos muitos anos pela
frente para aumentarmos a nossa família. E, como ele mesmo disse,
não estamos em um bom momento para termos uma criança, por
conta dos constantes avisos de guerra.

(...)

Aguardo na sala de espera a minha vez de ser atendida e


repasso para mim mesma, ansiosa, a minha conversa com o
Henrique. Após a consulta com a doutora Rachel, irei aproveitar
para pesquisar as melhores opções de faculdade de Moda para
mim. Estou muito animada para começar meu curso e dar início a
essa nova etapa da minha vida. Nunca imaginei que iria ter essa
oportunidade em minha frente e estou segura de que devo agarrá-la
com todas as minhas forças.
Sorrio e mordo o lábio inferior ao me lembrar de como
recompensei meu esposo pela sua generosidade quando chegamos
em casa. Eu cavalguei gostoso nele até cairmos de exaustão por
nossas peripécias sexuais. Estou viciada nesse homem e não me
imagino mais sem ele.
“Se eu soubesse que meu prêmio seria você quase me matar
de fazer amor, teria permitido que estudasse há mais tempo, angelo
mio.”
Gemo, lembrando-me da sua boca em mim e da sua língua
perversa, que me levou à loucura.
— Giovanna Cavallari? — a enfermeira me chamou, tirando-
me dos meus devaneios pervertidos com ele.
— Sou eu. — apresentei-me.
— Pode me acompanhar, por favor?
Levanto-me para lhe acompanhar até o consultório.
— Pode ficar à vontade. A doutora Rachel já vai atendê-la.
— Obrigada! — Sento-me na cadeira e espero.
A médica entra um pouco depois na sala, sorridente,
cumprimenta-me e dá início à consulta. Ela me questiona sobre
quando foi minha primeira menstruação, sobre quando iniciei minha
vida sexual e se já tomei algum anticoncepcional antes. Ainda faz
questão de me explicar as vantagens e desvantagens de cada
método contraceptivo ao organismo. Eu opto pelo DIU, pois, com
ele, não irei precisar me lembrar de tomar um remédio na hora certa
e acabar engravidando por acidente.
Respondo tudo com muita vergonha, embora seja muito
sincera. Por fim, ela pede para que eu faça alguns exames de rotina
antes de poder iniciar, com mais segurança, o procedimento de
prevenção.
Após aguardar um tempo na sala de espera, sou novamente
levada ao seu consultório, já com os resultados dos exames
prontos. Depois de analisar todos com cautela, ela lança um olhar
estranho para mim e eu fico preocupada, pensando que posso estar
com alguma doença grave.
— Algum problema, doutora? — indaguei, desconfiada do seu
silêncio.
— Tem sentido alguma coisa nos últimos dias? — Avalia-me
sob os óculos. — Excesso de cansaço? Enjoos, vômitos ou, quem
sabe, tonturas?
— Somente crises de vômito algumas vezes ao dia. Mas,
como sou muito ansiosa e era acostumada a tê-las de vez em
quando, não estranhei nada. Por quê?
Fico desconfiada do seu jeito avaliador.
— Giovanna, pode se deitar na maca para que eu tenha
certeza do diagnóstico antes de informá-la?
— Claro. — Sigo suas recomendações, tremendo de nervoso,
e me deito como ela me orienta.
A médica passa um pouco de um gel gelado no aparelho que
tem em mãos e começa o exame, ainda em total silêncio. Na tela,
vejo somente borrões cinzas e pretos, sem entender nada do que
está acontecendo ou saber exatamente o que ela procura.
— Está tudo bem, doutora? — não me aguentando de
curiosidade, inquiri.
— Ah! Aqui está! — Finalmente sorri. — Veja! — Aponta para a
tela, na direção de um círculo.
Aos poucos, ela vai aproximando a imagem, que vai pegando
forma e apresentando um desenho de um ser pequenino.
Arregalo os olhos, com o coração acelerado e já ficando sem
reação.
— Não será possível colocarmos um DIU em você, Giovanna.
Já está grávida, com um pouco mais de dois meses. — afirmou o
que eu já tinha percebido, deixando-me em choque.
— O... O quê? — Quase pulo da mesa, assustada. — Não
pode ser possível, doutora.
— Não é o que a imagem nos diz, minha querida. — Olha-me
com certa curiosidade. — Você não desconfiou de nada?
Geralmente, a mulher sente algumas mudanças no corpo, ainda que
sejam pequenas.
Recuso-me a acreditar que isso está acontecendo comigo.
Não pode ser.
— Tem certeza que não é de menos tempo? — ousei duvidar,
com esperança de que sua conta esteja errada.
Eu vou ter um troço se isso for verdade.
— Absoluta. O bebê está bem formado, condizendo com uma
gestação saudável em torno de nove semanas, para ser mais exata.
Mesmo em pânico, consigo calcular na mente. A data bate
com a exata semana em que me casei com Henrique... A mesma
maldita semana em que me entreguei pela última vez ao Damien, na
cozinha.
— Veja! Este é o coraçãozinho do bebê. — Um som forte
invade a sala e eu sinto vontade de chorar. Se é de alegria ou medo,
não sei. Só sinto meus olhos pinicarem por ouvir seu coração bater.
Oh, meu Deus! Um bastardo. Serei mãe de uma criança
proibida aos olhos da máfia. É muito castigo para uma só pessoa.
Sinto o pânico me tomar enquanto eu constato o óbvio e a ficha cai:
vou ser mãe... Mãe de um filho que não é do Henrique.
Ele não vai me aceitar carregando o filho de outro homem. Ser
perdoada pela minha escapada, foi sorte, mas jogar em seu rosto a
prova de que fui impulsiva e dei a outro o que devia ter pertencido
somente a ele, como meu marido, vai matá-lo. Ou, melhor dizendo,
irá me matar. Isso é o suficiente para eu ser punida com severidade.
O que vou fazer agora, meu Deus? Estou perdida.
— Olha! É minha obrigação orientar minhas pacientes e as
oferecer todas as opções viáveis. — Ela me olha com pena quando
percebe minha reação. — Vivemos em um país livre, querida. Ainda
dá tempo de interromper a gravidez se quiser. Eu posso te indicar
uma clínica segura. — falou calmamente, como se estivesse
dizendo que vai chover e que eu devo pegar o guarda-chuva na
bolsa.
Quero interromper? Não! Não sou uma assassina. Eu nunca
iria me perdoar se fizesse isso, mesmo que essa gravidez signifique
o meu fim.
— Agradeço o conselho, doutora, mas não tenho essa
coragem. — afirmei com a voz fraca.
— Tudo bem. Se mudar de ideia, pode procurar por esse
endereço. — Entrega-me um cartão. — Enquanto isso, irei lhe
passar algumas vitaminas pré-natais.
Balanço a cabeça, concordando e me sentindo sufocada aqui
dentro. Aquela sensação de que a garganta está se fechando, inicia-
se, e eu engulo a saliva com dificuldade, passando a ponta da
língua em meus lábios ressecados.
Ela termina a consulta explicando que tudo está indo muito
bem e que eu preciso voltar daqui a um mês para fazer o
acompanhamento mensal se decidir levar a gestação adiante.
Praticamente recebo suas orientações no modo automático e,
depois, saio sem rumo do seu consultório, com o rosto banhado de
lágrimas. Tudo desmoronou de uma vez.
Não tinha visto que estava atravessando a rua sem prestar
atenção, então quase fui atropelada na saída da clínica. Se não
fosse por Ramón estar atento, eu teria morrido por causa do meu
breve descuido.
— Tudo bem? — Ele me analisa.
— Sim. Só me leve para casa, por favor!
Dentro do carro, ele tenta tirar de mim o que aconteceu e eu
somente insisto para ir para casa e não ouvir mais perguntas.
Assim que chego lá, subo a escada correndo e me tranco no
quarto. E assim, sozinha, longe da vista de todos, permito-me deixar
que meu mundo caia e se quebre mais uma vez em mil pedaços.

(...)

— Giovanna! — Maria bate na porta. — Eu posso entrar? O


Ramón disse que você não estava bem.
Não a respondo, pois quero ficar sozinha.
— Como você não desceu para comer à tarde, eu lhe trouxe
um lanche. Quer que eu o deixe na porta? — tentou mais uma vez.
Levanto-me para abrir a porta antes que dê mais motivos para
os empregados comentarem sobre meu surto.
Ela entra, deixa o lanche na mesinha de canto e me puxa para
seus braços.
— O que aconteceu, minha querida? Por que está chorando?
— Estou perdida, Maria. Perdida! — Abraço-me em uma falha
tentativa de me proteger.
PRO-TE-ÇÃO: uma palavra pequena que teria me livrado
dessa sentença se eu tivesse me lembrado dela e a usado com
mais afinco.
— Por que diz isso? Você e Henrique estão se dando tão bem.
Tenho certeza que, seja lá o que for, irão superar juntos.
— Eu não tenho tanta certeza disso. — minha voz sai em um
sussurro. — Estou grávida, Maria.
Seu rosto muda de preocupação para felicidade por ter ouvido
a notícia.
— Mas isso é maravilhoso! O Henrique vai subir nas nuvens
quando souber. — Está claramente emocionada.
— Não vai, Maria. Provavelmente, irá me expulsar daqui.
— Que pessimismo é esse, Giovanna? Um filho é uma
benção, mesmo quando não é planejado. Não consegue ver que
esse bebê vai uni-los ainda mais?
— Esse filho não é dele! — gritei, compartilhando meu
tormento, e ela ofega, colocando uma mão sobre o coração. — Esse
bebê representará tudo aquilo que nós dois nos propusemos a
esquecer.
— Céus! — Senta-se ao meu lado e fica tão boquiaberta
quanto eu estava. — Nem sei o que lhe dizer agora.
— Entende porque me sinto sem saída?
Ela me lança um olhar complacente.
— Para tudo há uma solução. — Não sei a quem ela quer
convencer aqui, porque nós duas sabemos como funciona as leis
em nosso mundo.
— Não para o meu problema. Você já ficou sabendo de algum
caso sobre um bastardo ser assumido na máfia?
— Não. Sinto muito. Mas eu conheço o Henrique. Conte tudo a
ele! Pode ser difícil no início, porém... Quem sabe ele te perdoe e
aceite?
— Às vezes eu acho que a inocente aqui é você, Maria. O
Henrique nunca vai assumir o filho de outro homem como seu, ainda
mais sendo do Damiem. Oh, meu Deus! Estou muito ferrada.
— Calma! Não te fará bem ficar nervosa. — Está preocupada.
— Calma? Tem ideia do que fazem com mulheres como eu,
Maria? Se não fui jogada em um prostíbulo naquele dia, dessa vez
serei, com certeza. — Começo a chorar de novo.
Parece que tudo que faço em minha vida é me debulhar em
lágrimas.
— Não precisa contá-lo agora. Espere mais um pouco! Vamos
pensar em um jeito de você abordar esse assunto com ele!
— Você vai me ajudar? — Tento me agarrar a uma centelha de
esperança, mesmo sabendo que é em vão.
— Claro que sim, querida. Juntas iremos achar uma solução.
Mas, seja qual for sua decisão, terá meu apoio.
— Eu tenho que arrumar um jeito de sondar o terreno, Maria.
Ele já sofreu tanto. Isso irá magoá-lo muito e eu não quero ser a
causadora de mais um sofrimento ao meu marido. — Fico
cabisbaixa.
Ah! Se eu pudesse voltar no passado, teria feito tudo diferente.
No entanto, é inútil pensar nos “ses” depois de tudo.
— É a história se repetindo. — Está aérea olhando para a
parede.
Eu pisco, confusa com sua fala.
— Do que está falando, Maria? — Quero entender.
— Oh! Não é nada, filha. — Pigarreia. — É bobagem minha. —
Lança-me um sorriso amarelo. — Descanse um pouco e tente não
pensar nisso! Tenho certeza que quando estiver mais calma,
acharemos uma saída.
— Logo as mudanças em meu corpo serão perceptíveis. Não
vou conseguir esconder essa gravidez por muito tempo, porque
Henrique irá notá-la em breve.
— Irei notar o quê? — Congelamos com o som grave da sua
voz.
Maria me olha pálida, apertando minha mão, e eu me
mantenho paralisada, tremendo em meu lugar, sem coragem de me
virar e o encarar de frente. Vários prováveis cenários se passam
pela minha mente, sendo que um deles é o que aconteceu quando
ele me encontrou com o Damien. E todo o resto da minha coragem
— que já era praticamente inexistente — abandona-me, fazendo-me
querer desmaiar diante do medo insuportável que me toma.
Que Deus me dê forças e me perdoe pela estúpida decisão
que vou tomar, porque não terei coragem de lhe contar a verdade e
descobrir sua reação.
Notando que Giovanna não me olha, encaro Maria, que está
mais branca que uma folha de papel. E percebendo que nenhuma
das duas parece disposta a me contar o que houve, começo a andar
na direção da minha mulher, querendo saber o motivo que a faz
parecer tão tensa.
A Maria, de cabeça baixa, pede licença e sai rapidamente do
quarto, deixando-nos a sós.
— Giovanna? Quer me dizer o que está acontecendo? — Viro-
a de frente para mim.
Seu rosto está inchado e seus olhos vermelhos pelo choro
intenso. Eu me preocupo, imaginando que tenha acontecido alguma
coisa com ela em sua saída. Irei matar Ramón se não a protegeu
como deveria.
— Boneca! Conte o que te fez chorar desse jeito!
— Eu... — Tenta dizer, só que é interrompida por uma onda de
soluços.
Apreensivo por estar sem resposta, puxo-a para mim, tentando
lhe passar conforto.
— Conte-me, angelo mio! Confie em mim e me conte! —
incentivei-a, massageando suas costas.
— Eu estou grávida. — choramingou com os olhos
embargados e se encolheu em meus braços.
De início, não foco em suas palavras, até que, aos poucos,
minha mente interpreta a informação que acabou de sair dos seus
lábios.
— Grávida?! — Afasto-me apenas o suficiente para estudar
seu rosto. Ela não parece feliz por saber disso. — É por isso que
está chorando?
— Sim. Eu... Eu não sei o que fazer. Saí daqui hoje, decidida a
iniciar um método de prevenção contraceptiva, mas quando cheguei
lá, fui recebida por essa notícia. Além disso, quase fui atropelada na
saída da clínica, de tão nervosa que fiquei. — explicou tão depressa
que mal conseguiu fazer pausas entre as frases para respirar, para
que eu pudesse entendê-la.
— Giovanna! Eu sei que não tínhamos planos de ter filhos
neste momento, no entanto vamos amá-lo da mesma forma.
Não entendo seu estranho comportamento diante da notícia:
torrentes de lágrimas escorrem em abundância pela sua bochecha.
Que Dio me ajude! Eu estou assustado para caralho. Lidar com
suas explosões é fácil, porém não consigo lidar com essa sua
faceta, onde ela se apresenta tão frágil. Isso me deixa confuso e
perdido sobre como agir.
— Eu não mereço você. — Ela tenta sair dos meus braços,
todavia eu a seguro.
Que porra foi essa?
— Que história é essa, Giovanna? Por mais que eu adore seus
elogios, é você quem merece alguém melhor do que eu. — tentei
brincar com ela para a distrair do seu mau-humor. O que não
funciona.
Eu falei a verdade, visto que uma menina bonita, inteligente e
cheia de sonhos como ela, não nasceu para o nosso maldito mundo.
— Lembra-se do que me disse ontem, no estacionamento? —
Avalia-me incerta.
— Sim. — afirmei. — Diga de uma vez, querida! Estou perdido
aqui, sem entender porque você está tão aflita. Se é pelos seus
estudos, prometo que nada mudará.
— Quero que me prometa que nunca vai me abandonar,
independentemente do que acontecer.
Franzo a testa, confuso com sua pergunta. Temos nos dado
tão bem ultimamente. O que será que mudou para ela desde
ontem?
— E pretendo cumprir minha promessa. Você acha que eu a
abandonaria por conta de uma gravidez não planejada? — indaguei
com acidez por ela pensar isso de mim.
— Não é isso, Henrique. Oh, meu Deus! — Tapa o rosto, em
agonia. — Tenho medo que... — Desvia os olhos e morde o lábio
inferior com tanta força, que ele já se apresenta inchado. Eu não
duvido que tenha o cortado.
Lembrando de trechos da nossa conversa no carro, a minha
ficha finalmente cai e eu começo a entender onde ela quer chegar.
Porra!
Eu a olho com mais atenção e seguro com firmeza os seus
ombros para evitar seu afastamento. Giovanna está com medo de
ficar no fogo cruzado se entrarmos em guerra. Se eu soubesse que
ela já estava carregando um filho meu, teria escolhido melhor as
palavras, para lhe passar confiança.
— Eu sei, amore mio, que não estamos em um bom momento
na organização. Mas não precisa ficar insegura, pois prometo
proteger vocês dois. Agora, muito mais do que antes, terá os
melhores homens te vigiando, e ninguém irá tocar em vocês. Para
isso, terão que passar por cima de mim primeiro. Acredita em mim?
— Sim.
Ainda percebendo dúvidas em seu olhar, trato de tirar essa
expressão apavorada de seu rosto, trazendo seus lábios aos meus
e os beijando delicadamente. Com isso, afirmo que tudo irá ficar
bem.
Quando consigo acalmá-la finalmente e, com muita insistência,
fazê-la comer seu lanche, converso com ela sobre planos para
quando o bebê chegar, mostrando-lhe que, mesmo tendo sido pego
de surpresa, estou feliz com a notícia.
É muito estranho e contraditório o jeito como a vida funciona,
porque até pouco tempo atrás nunca havia passado pela minha
cabeça eu me tornando pai, embora soubesse que esse momento
iria ter que chegar um dia. E agora, que serei um, sinto que algo
mudou dentro de mim. Confesso que fiquei aliviado ontem, quando
ela me disse que gostaria de esperar para termos filhos, porque eu
não queria machucá-la ao ter que falar a verdade sobre meus
planos de não os ter de imediato. Até mesmo porque foi difícil me
acostumar com a ideia do nosso casamento, com todos os meus
planos e obrigações pairando sobre mim ao mesmo tempo. Ela é
minha, e isso, por si só, já a torna um alvo. Então, eu pretendia
mantê-la segura, longe de mim e dessa bagunça por um tempo.
Todavia, acabei me apegando rapidamente a ela. Egoísta, eu sei.
Nosso mundo é sujo e traiçoeiro demais para trazermos vidas
inocentes a ele. Sinceramente, eu não queria, no meio de toda a
guerra, contribuir e facilitar para que me pegassem e machucassem
aqueles que amo, como Giovanna e, agora, essa criança. Esse é
um dos motivos pelo qual não contei a todos sobre Marco.
No entanto, acabei percebendo que um filho era algo que eu
precisava, mesmo sem estar desejando, para alegrar minha vida.
De repente, não enxergo somente o nosso mundo negro, pois vejo
também um futuro promissor com ela e esse pequeno ser que está
a caminho. Consigo visualizar muitos momentos nossos juntos,
como pai e filho. Eu preciso tornar a Camorra um lugar melhor, onde
seja possível criá-lo sem ter que lidar com inimigos traiçoeiros
dentro dela, espreitando-nos em cada esquina e esperando apenas
uma falha minha para poder me derrubar. Quero vê-lo crescer forte,
correr pela casa e ir treinar comigo.
Dio! Sinto que vou explodir de felicidade. Já me imagino o
ensinando tudo que me foi passado e fazendo dele o meu sucessor.
Não irei errar com ele, como fiz com minha irmã, Marco e Vincent.
Esse bebê é a minha chance de eu me redimir por todas as minhas
falhas.
Quem diria que, um dia, eu estaria aqui, fazendo tais planos?
Sorrio de mim mesmo pela ironia. O cara que matou à sangue frio
tantas pessoas, que nem consegue contar, em mais da metade de
seus anos de vida; e que fechou seu coração há muitos anos para
qualquer coisa que não fosse o ódio e a vingança, chegando a um
ponto de não sentir absolutamente mais nada, de repente se viu
caído por uma mulher tempestuosa que virou sua vida do dia para a
noite, em um ângulo de 360 graus, e que já lhe deu muito mais do
que qualquer outra pessoa tenha dado. Giovanna fez eu abrir meu
coração para o amor depois de tanto tempo desconhecendo tais
sentimentos. Passei a desejar sentir tudo aquilo que um dia perdi e
que deixei escorregar pelas minhas mãos, para honrar meu sangue
e juramento.
Eu não vou errar outra vez e farei tudo diferente, por ela e por
nós. Acho que, finalmente, a divindade lá em cima resolveu me dar
uma pausa e me achar digno de receber ao menos essa dádiva de
presente, depois de tanto tempo sofrendo com várias perdas em
minha vida. Se é que ele ajuda e se importa com pessoas como eu.
Mesmo duvidando disso, agradeço-o e prometo cuidar daquilo que
me foi confiado.
Nas semanas que se seguiram após a minha descoberta, não
achei uma abertura para lhe contar sobre a real paternidade da
criança. Em certos momentos, quando ele entrava no assunto e eu
podia notar sua alegria em relação ao bebê, desistia de lhe dizer a
verdade. E, aos poucos, fui perdendo a coragem de desmanchar o
sorriso bobo que ele andava ostentando.
Sou uma covarde assumida, e agora, que já passaram as
ocasiões em que eu deveria ter lhe contado tudo, terei que carregar
o peso da verdade comigo. Sinto-me sobrecarregada, mas, mesmo
assim, não irei pôr tudo a perder e destruir nosso relacionamento,
trazendo o assunto “Damien” outra vez entre nós. Não vale a pena
estragar o que estamos construindo juntos, por conta daquele
maldito.
É errado pensar dessa forma? Alguns diriam que estou lhe
enganando, entretanto eu penso que estou o protegendo, já que não
há necessidade de trazer mais dor, brigas e desconfianças depois
de termos superarmos todas as nossas desavenças. Esse bebê não
tem culpa pelos meus erros ou pela forma que foi concebido, e eu,
como mãe, não quero que ele seja rejeitado e pague pelas minhas
malditas decisões do passado.
Tenho a plena certeza de que Henrique será um ótimo pai,
assim como está sendo um bom marido. Além disso, nós
merecemos uma pausa depois de tudo que passamos. E se para
manter essa paz e proteger minha família, eu tenha que levar esse
segredo para o túmulo, farei isso sem arrependimento algum.
Termino de arrumar as nossas malas e desço para avisar ao
Ramón que ele pode vir pegá-las. Nós estamos indo viajar para
Nova York e eu estou muito animada. Henrique tem um
compromisso por lá e, cuidadoso como tem sido, resolveu me levar
junto para termos um fim de semana romântico na cidade da big
Apple.
Vou em direção à cozinha para avisar à Maria que já estamos
de saída. Nós tivemos uma breve conversa sobre aquele assunto e
eu ganhei seu total apoio em deixa-lo quieto. Ela, assim como eu,
concordou em não falarmos mais sobre isso. Não vi motivos para
não confiar nela, porque além de tudo que fez por mim, é uma
governanta antiga da família. E isso me aliviou para tomar a minha
decisão definitiva.
— Maria? Estamos saindo. — informei entusiasmada.
A gentil senhora vem em minha direção com uma bandeja de
guloseimas. Agora é assim: tanto ela como Henrique não podem me
ver, que, automaticamente, uma comida está em minha frente.
Segundo eles, estou comendo por dois e preciso me manter bem
alimentada para que o bebê nasça saudável. Mito esse que a
doutora Rachel já desmentiu. Mas, pensa que eles me ouvem
quando reclamo que vou virar uma baleia? Nãao! Fingem nem notar
meus protestos.
— Não está pensando em sair sem ao menos fazer um
lanchinho, né? — chamou minha atenção.
— Mas nem faz duas horas que acabei de almoçar e você já
está querendo me empanturrar de comida? — reclamei, fazendo-a
rir.
— Você tem sentido muita pouca fome. Desse jeito, o bebê irá
nascer miudinho.
— Em contra partida, sairei rolando até o hospital.
— O que não falta muito para acontecer. — Giulia me alfinetou,
azeda e derramando menosprezo.
— Não ligue para ela! Está magoadinha porque brigou com o
namorado. — Maria se apressou em explicar.
Levanto meus olhos até os dela, que me observam com mais
fúria do que de costume. Desde quando descobriu minha gravidez,
ficou mais irritante e afrontosa. Tenho notado isso. Essa menina
exala inveja e maldade de cada poro, e se eu ainda não pedi para
que Henrique a mandasse embora, foi por consideração à sua avó,
que é uma pessoa maravilhosa que tem me feito bem. Porém, esse
não é um grande motivo que me impeça de me imaginar às vezes
dando uma punição severa nela à altura dos seus constantes
desaforos.
— O Henrique ainda está em reunião? — questionei, sentindo
falta dele.
— Sim. Ele pediu para que não fosse incomodado, porque
deve estar repassando ordens aos seus soldados. Anda muito
preocupado com sua segurança. — Eu diria que está quase
paranoico.
Percebi que muito mais soldados foram trazidos para cá e que,
agora, não posso dar um passo sem justificar aonde estou indo,
porque logo tem uma horda dos seus cães de guarda atrás de mim.
A qualquer hora irei entrar no banheiro e encontrar meia dúzia lá
dentro, esperando-me. Também, deveras! Todas as minhas lágrimas
naquele dia devem tê-lo assustado até a alma e o feito achar que o
medo da falta de segurança foi o motivador de minhas aflições.
— Deve estar montando novas estratégias para a viagem. Ele
não sairá de lá enquanto não tiver a certeza de que estaremos
seguros. — afirmei, comendo um pouco das guloseimas.
— O que irão fazer nessa viagem? — Giulia questionou
curiosa.
— Isso não é da sua conta, menina. — Maria a repreendeu.
Ela faz uma careta de indignação.
— Faço questão de respondê-la. — Limpo minha boca com o
guardanapo demoradamente apenas para lhe irritar pela
intromissão. — Iremos curtir alguns dias de lua de mel. Sabe? Terei
uns momentos íntimos com meu marido.
Sorrio da cara impagável que ela faz.
— Vocês fodem feito dois coelhos pela casa e precisam viajar
para terem mais momentos íntimos?
A idosa senhora arfa com o linguajar inapropriado da neta para
os seus ouvidos.
— Céus! Irei lavar sua boca com sabão, sua menina atrevida!
Respeite a senhora Giovanna! — Está vermelha de vergonha.
— Talvez você fique nos espionando, Giulia, porque acho
muito estranho que saiba tanto sobre nossa vida íntima. A qual devo
dizer, como sua avó falou bem, que não é da sua conta. — Fico
orgulhosa de mim por ter mantido a classe e não voado na cara
dela.
— Vocês não são exatamente silenciosos. Se não quer que os
empregados saibam, não deveria gritar tanto. — retrucou ácida.
Não obstante em explodir em fúria, ainda deixa a cozinha,
batendo os pés feito uma criança mimada que teve o seu doce
favorito negado.
Bingo! Sorrio por dentro por ter atingido o meu alvo sem
sequer precisar levantar a voz. Acho que meu tempo com o
Henrique tem me feito amadurecer e aprender a controlar certos
impulsos.
— Giulia! Volte aqui! Peça desculpas à senhora agora! —
Maria ordenou, indo atrás dela.
Quero que ela se exploda de raiva. Sempre desconfiei de seus
sentimentos por Henrique, e ver seu comportamento atual só deixou
claro o tamanho do seu despeito por não ter sido a escolhida.
Lamento muito, pois sei que a prejudicada com isso é somente ela
mesma. Enquanto estiver nutrindo sentimentos por alguém que
nunca poderá ter, irá sofrer amargamente. E falo por experiência
própria.
Hoje consigo enxergar tudo que estava perdendo por não notar
o que havia diante dos meus olhos. Ainda bem que acordei há
tempo de correr atrás do prejuízo. Com o passar dos dias, comecei
a admirar mais o Henrique como homem e marido. Não vou dizer
que já o amo, mesmo que todos os indícios me levem a crer que
sim, porque fico pensando que pode ser muita hipocrisia minha ter
despertado tal sentimento tão forte e profundo em tão pouco tempo.
Contudo, percebo o quanto estamos trabalhando em nossos
sentimentos com afinco. O que torna tudo mais gostoso. Eu diria
que, em meio ao nosso jogo de sedução, vamos nos descobrindo
aos poucos. E acho essa mansidão primordial para construirmos
algo sólido e sem pressa, além do físico, que é uma parte em que
nos damos super bem. O que ficou claro para mim desde o primeiro
dia. No entanto, somente a convivência, que é realmente
necessária, tem nos dado e nos dará a certeza do que
queremos. Noto, todos os dias, o quanto estou caindo por ele de
uma forma irreversível. Meu marido é ardiloso e vem, em pequenas
doses, conquistando-me a cada dia que passa e me mostrando com
suas palavras e atitudes que é capaz de ser exatamente aquilo que
eu não sabia que podia até então; aquilo que eu necessito.
Já estou louca pelos seus beijos, pelos seus toques, e odeio
quando ele sai e demora a voltar para mim. Fico ansiando para o ter
todas as noites e ouvir sua voz carregada de desejo, veneração.
Henrique é como um gelo por fora: frio e totalmente intocável para
os demais; mas quando seus olhos encontram os meus, eles são
como duas labaredas de fogo, incendiando-me por inteira. Quem
estiver por perto, queima-se também com tamanha intensidade.
Às vezes eu me pego o admirando enquanto se arruma para ir
trabalhar e sinto o coração apertado pelo medo de ele não voltar
para casa no final de tal fatídico dia. Se isso é o início de uma
paixão avassaladora, não sei dizer, mas, com toda a certeza, não
quero perdê-lo. Prefiro a morte a ter que passar por tudo aquilo de
novo, porque ter o chão aberto aos meus pés uma vez foi o
suficiente para me derrubar por um tempo. E agora, que sei como é
ser amada por ele, meu coração não aguentaria saber o que é ser o
seu tudo, para sentir logo depois o que é se tornar seu nada.
Repasso pela décima vez o plano com meus soldados para
que eles realizem sem erros as minhas ordens. Rocco irá ficar
encarregado de abrir o cofre na parede de Luigi sem levantar
suspeitas e tirar de lá as cópias de tudo que possa incriminá-lo. Ele
é o segundo melhor hacker da organização.
Estou contando desesperadamente com que o capo, em sua
ausência, tenha sido relapso o suficiente para deixar provas
contundentes contra si mesmo em seu escritório. É lógico que essa
será uma tentativa perigosa para os meus homens e,
principalmente, para mim, pois se um deles for pego e abrir a boca,
eu serei morto por traição. Estou na esperança de que eles façam
seus trabalhos direito e fiquem de boca fechada, porque essa é uma
oportunidade única de ferrar com Luigi. Uma oportunidade tão
valiosa que estou sacrificando cinco dos meus melhores soldados
para conseguir a ter em minhas mãos.
Vocês devem estar pensando: “Mas, não foi você que não quis
pegar a luta de Giovanna, por não querer colocar seus homens em
risco?”
Isso é verdade, mas eu também disse a ela que não entraria
em uma luta sem um motivo forte o suficiente para isso; ainda mais
tendo a certeza de que eu não iria ganhar tal guerra. E essa
motivação de agora vale um grande combate. Por essa causa,
posso jogar todas as cartas na mesa, porque meus homens iriam
morrer a defendendo como suas por acharem essa uma justa
decisão. Agora, se eu tivesse os mandado lutar em uma batalha
suicida apenas porque minha mulher queria tirar sua irmã de uma
organização inimiga, teria os perdido a troca de nada. Sem contar
na tragédia que iria se acarretar comigo levando um tiro no meio da
testa.
Há lutas que só se ganham quando há muitos sacrifícios e
derramamentos de sangue; e há outras que precisam somente de
diplomacia e inteligência. Cada uma exigirá tudo de si na hora da
escolha e caberá apenas a você decidir em qual irá apostar todas as
suas fichas e correr o risco de perder a vida por ter escolhido a
opção errada.
Minha ida a nova York é para bem mais do que “resolver meus
negócios”. Irei me encontrar com o Gabriel, já que soube que seu
amigo conseguiu descobrir pistas dos responsáveis pela análise do
acidente. Estou muito ansioso para, finalmente, ter respostas
incisivas que me ajudarão a achar as peças cruciais para montar o
quebra-cabeça sobre aquele relatório. Se eu conseguir sua
confissão de que Luigi tem algo a ver com isso, a máscara dele
cairá de uma vez por todas e será o fim definitivo para ele no
comando. Salvo que ainda será julgado e condenado pelo Conselho
por causa da morte de pelo menos dois membros importantes para
a nossa famiglia: meu pai e Matteo Lourenço.
Eu tinha que arrumar uma desculpa para sair de cena e deixar
minha ausência justificada: irei aproveitar a chance e ir cobrar uma
dívida muito antiga que me rendeu muitos juros. Não dependo
unicamente da organização, já que sou um empreendedor e tenho
meus próprios negócios. Dentre eles, restaurantes, boates e alguns
prédios de grande porte alugados. São investimentos pessoais que
me servem de justificativas para explicar à receita federal todos os
bens lícitos e ilícitos que conquistei ao decorrer de todo o meu
tempo no mundo do crime. Essa oportunidade em questão que me
apareceu, vai me favorecer de adquirir uma fábrica têxtil muito
promissora. A qual pretendo presentear à Giovanna e, assim,
contribuir para a criação de sua marca de roupas.
Se houver erros, eu estarei longe e terei tempo de me
reagrupar com meus soldados para usar o nosso plano de
emergência antes que me peguem. É um risco? Sim. No entanto, é
um mal necessário pelo qual estou disposto a me sacrificar se for
preciso.
— Rocco? Podemos confiar no seu irmão? — perguntei para
ter certeza de que ele escolheu os homens certos para cobrir suas
costas.
— Sim, chefe. Ele vai me cobrir enquanto eu estiver lá dentro.
— Confio nas suas escolhas. Apenas estou querendo me
certificar de que ele irá tomar as decisões certas se as coisas
ficarem feias.
— Tenho plena confiança nele. — afirmou convicto.
— Ótimo! Não tolerarei erros. — avisei, sendo taxativo sobre o
que espero deles.
— Temos ciência disso, chefe. — Ramires confirmou, tentando
me passar tranquilidade. — Não vamos deixar rastros.
— Sendo assim, irei ficar aguardando notícias. — Estou
ansioso pelo resultado da missão. — Espero que boas.
— Camillo? Já buscou os equipamentos que pedi? — Quero
garantir que não estamos deixando alguma coisa passar batida.
— Já sim. Eu trouxe os armamentos e os nossos melhores
equipamentos para que eles possam usar.
Meneio a cabeça, agradecendo-o.
— Muito bem. Alguma dúvida a ser sanada? — Levanto-me.
— Entendemos tudo perfeitamente, chefe. — Dante
respondeu, analisando a planta da mansão.
— Para mim, também, não ficou nenhuma dúvida. Estamos
prontos. — Giusephe reafirmou.
— Lembrem-se: se forem pegos, essa reunião nunca existiu.
— Camillo os avisou de antemão.
— Vocês agiram por conta própria, a mando de Lucca Vittieli.
— completei, passando a eles o nosso plano de emergência.
O quê? O cara entrou na minha casa, ameaçou o meu
casamento e, não achando isso o bastante, ainda quis me
chantagear em meu território. Vocês não acharam que eu iria deixar
barato, não é? Preparei o caminho. O jantar com o Conselho não foi
só para ajudar a limpar a barra do Vincent, mas também para deixar
pronta a queda dos principais aliados de Luigi. Acabar com o tráfico
humano irá derrubar as casas de pedofilia que Marco disse que
existem. Das quais desconfio há anos, desde o comando do seu
avô. Isso, consequentemente, irá prejudicá-lo no quesito de perder
seus principais “amigos” do governo que faturam alto para passarem
panos quentes nessa atividade ilícita comandada por ele.
Além disso, é óbvio que, com todos os anciões sabendo da
gana de Lucca pelos nossos territórios — o que fiz questão de
enfatizar na reunião —, não será nenhuma surpresa se os culparem
pela tentativa de roubo de documentações na mansão do chefe. O
que o torna, para mim, a opção mais lógica de ser usada caso eu
precise arrumar um bode expiatório. O Lucca será o primeiro da
minha lista negra que jogarei na fogueira sem remorso algum. Eu
lhe disse para não me desafiar e que a paz acabou. Daqui em
diante, nós dois nos tornamos inimigos de novo. É cada um por si, e
ele que dance conforme a música que for tocada.
— Deixe conosco! Não iremos decepcioná-lo. — Rocco
garantiu, analisando as armas escolhidas por Camillo.
— Perfeito! Estou confiante no resultado dessa missão. —
finalizei antes de deixar o ambiente.
— Contamos com vocês. — Camillo complementou.
Eu o deixo terminando de orientar os homens e saio à procura
da minha mulher. Alcançando em passos largos a porta da cozinha,
busco ansiosamente por ela e a encontro sentada sozinha na mesa,
beliscando um pedaço de bolo de chocolate.
Abraço-a por trás e beijo a linha entre seu pescoço e ombro,
raspando propositalmente a minha barba em sua pele delicada. O
que lhe faz rir.
— É bom vê-la alimentando o nosso bebê, amore mio.
— Tudo pronto para irmos? — Animada, levanta-se para me
abraçar.
— Sim. Podemos ir tranquilamente. Sairemos em alguns
minutos.
Seguro-a pelo braço e procuro uma forma amigável de lhe
dizer, sem lhe causar um estresse desnecessário, devido à sua
condição, que Elliot a mandou notícias sobre sua irmã Sam. Ao que
parece, o imbecil do seu pai seguiu com o plano e arrumou um
interessado em fazer alianças com ele. Foi escolhido nada mais,
nada menos, do que Stefano Santoro, chefe da máfia Calabresa —
como eles se intitulam —, localizada na Calábria. Essa é uma
organização inimiga que atrapalhou muito as nossas vendas em
território europeu, até mais do que a própria máfia siciliana. Eles são
ossos duros de roer, fechados e de difícil acesso. Muito pouco se
sabe sobre eles e seus negócios.
Nós conseguimos driblar suas tentativas de nos prejudicar,
porém isso não amenizou ódio deles por nós, que em vez de
ficarmos disputando espaço onde eles consideravam território deles,
expandimos o nosso para cá e conseguimos, com êxito, impulsionar
o nosso crescimento nos Estados Unidos a cada ano que passava.
A boa notícia é que o atual capo de lá não é do tipo sádico com
mulheres. Ao menos não de acordo com as informações que Elliot
conseguiu colher sobre ele.
— Giovanna! Antes de irmos, preciso conversar com você
sobre sua irmã.
Ela se afasta, em expectativa.
— Elliot conseguiu vê-la? Saber notícias dela? — perguntou
curiosa.
— Sim. Seu pai a escondeu bem, mas Elliot conseguiu
descobrir informações sobre o que aconteceu.
— Ela está bem? — Seus olhos lacrimejam. — Fale logo,
Henrique! Eu odeio esse suspense.
Aperto a ponta do nariz, procurando um jeito de falar sem fazê-
la surtar. O que é bem difícil, já que ela não é a calmaria em pessoa.
Grávida, então, é um uma bomba atômica de emoções
descontroladas.
— Ele está a protegendo, pois a mão dela foi dada ao capo da
máfia Ndrangheta.
— O queeê?! — Como eu a sinto ficar mole, ajudo-a se sentar
para não cair. — Mas eles são tão ruins quanto a Bratva.
Essa mulher só pode estar me testando, porra!
— Por Dio, Giovanna! — soltei um grito, assustando-a. —
Estou me sentindo ofendido. A Camorra é considerada a
organização mais violenta do mundo, onde sou o consigliere, e você
vem me dizer que teme a Calabresa? Tenha a santa paciência!
— Eu sei quem vocês são e do que são capazes, Henrique. —
murmurou nervosa. — Já eles são um mistério. E se o pretendente
for um homem muito ruim e a matar?
— Ruim, ele deve ser, angelo mio. Senão, não seria um capo.
— falei a verdade. Príncipe, o bastardo não é. — Porém, não quer
dizer que ele vá devorar sua irmã. Ao menos canibais, sei que eles
não são.
— Isso não foi engraçado, Henrique. — respondeu com
acidez. — O homem é conhecido como degolador. Para ter essa
fama, um santo que não é.
Não mesmo. — pensei.
Eu que não vou colocar mais lenha na fogueira.
— Não devemos esperar o pior. — Seguro seus pulsos,
trazendo-a para perto. — Ele parece ser sensato, já que pediu para
protegerem sua irmã até ela completar seus dezoito anos, quando
irá desposá-la. Qualquer homem com tal fama, sendo considerado
um monstro, não iria se atentar a esse pequeno detalhe e teria
tomado sua irmã para si o mais rápido possível. E seu pai não iria
se opor, dado a pressa que ele tem de dispensá-la.
— Mesmo assim, eu me preocupo com ela. — sussurrou
chateada.
— Querida! Eu estou passando informações de que ela está
muito bem. Não vamos entrar nesse assunto de novo! Já disse que
não posso pegar essa briga. Todos nós nascemos com uma missão,
e a da Samantha talvez seja essa.
Não vou dizer que estou tentando contato com Stefano, porque
não quero lhe dar falsas esperanças.
— Prefiro pensar que sim. Se diz que vai ficar tudo bem com
ela, ficarei mais calma. Não aceito isso, porém não quero mais
brigar com você.
Alegro-me por ver o quanto ela evoluiu nas últimas semanas e
passou a me entender mais. Para mim, é muito importante ter seu
apoio e sua total confiança. Sua entrega me faz feliz e, por mais que
eu não tenha lhe dito ainda o quanto a amo, tento demonstrar isso
com meus gestos. Lá fora, eu posso ser um homem temido e
impiedoso, contudo aqui, quero ser somente o Henrique marido e
futuro pai. Não há nada que importa mais para mim do que a minha
família e pretendo zelar por ela até meu último suspiro. De
preferência, na velhice, se isso me for permitido.
— Não vamos mais falar disso. Hum? Vamos viajar, curtir
nossa pequena lua de mel e deixar esse assunto enterrado.
— Certo. — Funga e me dá um sorriso amarelo. — Vou
verificar se o Ramón pegou todas as malas.
— Faça isso, boneca! Mas não demore! Está bem? Estarei te
esperando no carro. — Dou um selinho nela e a deixo se
recompondo da amarga notícia.
Olho o céu nublado formando o tempo para uma forte chuva e
pego meu celular na intenção de mandar uma mensagem ao
Vincent, avisando-o que irei me retirar por uns dias. Também
informo ao Gabriel que estou indo ao seu encontro. Espero que tudo
dê certo e eu saia vitorioso da batalha.
Uma vez ouvi um dos meus colegas, nos meus tempos de
exército, fazer uma analogia interessante sobre a vingança. Lembro-
me de ter rido dela e a achado idiota na época, por ser muito jovem,
mas hoje consigo entender bem o seu significado. Ele disse que a
vingança é como o ferrão de uma abelha operária: atinge a sua
vítima e, em contra partida, mata seu hospedeiro de dentro para fora
logo em seguida. Espero que esse não seja o meu caso, mas se
tiver que acontecer, já me sinto pronto para a guerra.
Falta pouco, Eva. Que, de onde você estiver, ajude-me a
vingar sua morte!
Sob um forte esquema de proteção, descemos do nosso jato
no aeroporto particular de uma empresa de segurança que contratei
como reforço. Gabriel já me aguarda dentro de um dos veículos
blindados para me passar as informações. Como não queremos que
nos vejam juntos, ele nem mesmo foi me receber.
Entro no carro e me sento no banco de trás com Giovanna a
tiracolo. Vamos direto para o hotel escolhido a dedo para nossa
estadia, pago com uma pequena fortuna para manterem total sigilo
sobre nossa chegada. Eu, pessoalmente, falei com o gerente e fiz o
idiota jurar que absolutamente ninguém iria saber da minha chegada
aqui. Estou sendo extremamente rigoroso com a nossa segurança
por conta de eu ter trazido Giovanna grávida comigo e pelo que
iremos fazer.
Dependendo do que acontecer na mansão e se meus homens
falharem, são enormes as possibilidades de Luigi mandar alguém
atrás de mim. E eu não irei ser imprudente de não estar à sua
espera, com todas as armas carregadas e apontadas diretamente
para ele. Ao primeiro sinal dele aqui, seu corpo irá virar uma peneira
devido a tantos furos de bala. Desejo isso há muito tempo.
O trajeto é feito em total silêncio, com cada um perdido em
seus sombrios pensamentos. Gabriel é de grande ajuda, e se tudo
que ele está fazendo, for descoberto pela sua agência, terá
consequências. Eu preciso dispensá-lo de seus serviços logo, visto
que não é minha intenção fazê-lo ter uma mira em sua testa por me
ajudar. Já me basta carregar a culpa pela morte do seu pai. Eu não
quero ter que adicionar a sua também em minhas costas.
Ordenei para que me reservassem a cobertura com o elevador
privado, para meus homens terem o poder de neutralizar o fluxo de
pessoas que entra e sai. Assim que subimos e nos acomodamos,
peço para que tragam o nosso jantar. Eu estou ansioso para saber
os detalhes do que Gabriel irá me dizer, mas não ao ponto de
sacrificar a saúde de Giovanna e do meu filho. Assim que tenho a
certeza de que ela está bem alimentada, deixo-a descansando no
quarto e vou até a sala conversar com ele sobre suas descobertas.
Não querendo adiar o inevitável, olho de esguelha para sua
carranca e me preparo para ouvir tudo. Sua fisionomia diz a mim
que seu silêncio e distanciamento durante todo o jantar foi um
presságio ruim, mas, mesmo assim, irei encarar a verdade,
independentemente de qual seja.
— O que tem para mim? — Sento-me ao seu lado e acendo
um dos meus charutos.
— Boas notícias. — disse pensativo, não me passando tanta
confiança como eu gostaria.
— Para ter me feito viajar até aqui, espero que seu amigo
tenha feito uma grande descoberta.
— E fez. — Belisca um pedaço da sua sobremesa. — Ele
conseguiu descobrir o nome do investigador responsável pelo
relatório final do acidente.
— Sério? — questionei, ainda não acreditando que finalmente
chegarei perto da verdade.
— Sim. O Ícaro trabalhou duro nesses dias. Ele já estava
pensando em desistir, quando lhe apareceu uma pista muito
promissora. Então, decidiu ir verificá-la e confirmou a veracidade
dos fatos.
— E, ele mora aqui? — Quero saber mais e confirmar que eu
não estava delirando.
— Sim. — Suspira inquieto.
— Se são boas notícias, por que você não me parece muito
feliz em me passá-las? — esbravejei, impaciente com seu
comportamento mal-humorado.
— Nós descobrimos o real motivo por trás do seu misterioso
desaparecimento. — declarou um pouco enraivecido. — Ele tem
sido protegido pelo FBI, Henrique.
— Como assim protegido, porra?! O que a sua organização
tem a ver com isso? — vociferei, levantando-me em um rompante.
— O cara fez um acordo com eles e foi colocado no programa
de proteção à testemunha. Depois que contou tudo o que descobriu,
recebeu uma nova identidade. Seja lá quem o cara tenha irritado,
assustou ele o suficiente para o fazer sair da profissão e pedir
proteção.
Isso é bem a cara do Luigi.
— E agora? O que faremos? — Ando de um lado a outro,
chateado.
Não irei desistir. Gabriel que me desculpe, mas eu vou até as
últimas consequências.
— Você poderá questioná-lo da sua maneira, só que eu não
poderei participar. Se ele me reconhecer, estarei acabado, e não
posso, Henrique, ser tirado da minha missão, porque estou perto de
pegar o maldito pastor de araque e não quero ser afastado do meu
trabalho. Se me pegarem, serei obrigado a abandonar o meu caso e
o passar para outro agente filho da puta terminar. — justificou-se
exasperado.
Eu apenas o escutei, calado.
— Tem mulher na parada. Não tem? — inquiri assim que ele
terminou seu show de autopiedade.
— Não, cara! Só não quero perder essa oportunidade. É minha
chance de ganhar uma promoção.
Levanto uma sobrancelha inquisitivamente, não acreditando
nele, e ele bufa ultrajado por ter sido pego mentindo.
— Catharina. — Suspira fundo. — Ela precisa de mim. O
desgraçado a maltrata, bate nela e eu temo que ele a mate. —
Segura a cabeça entre as mãos, irrequieto.
— Tudo bem. Se você precisa voltar, volte! Eu já te pedi mais
do que deveria. Só não me peça para ter pena do maledetto!
— Obrigado! Eu sabia que me entenderia. Irei te passar tudo
que sei e você assumirá a partir daqui.
— Diga-me que esse cara, do qual irei atrás, ao menos está
em uma boa idade e condição física para se lembrar dos nomes
para me contá-los, Gabriel! — Boa condição física sim, porque
pretendo arrancar o coro dele se não me falar quem são as pessoas
e o porquê de ele ter sumido por tanto tempo.
Não que sua idade me importe, porra! O homem pode estar
rastejando no chão, que, ainda assim, não se livrará de mim.
Entretanto, nada irá adiantar se todo o meu esforço for para nada.
— Certamente. — Sorri zombeteiro, sabendo que não irei
pegar leve com o cretino. — Ele não é muito mais velho do que
você. — Semicerro meus olhos em sua direção, fazendo-o apertar
os lábios em uma linha fina para não rir. — O estranho é que,
apesar de ele ter sido um agente investigativo jovem na época,
antes do seu desaparecimento houve um boato por parte da sua
antiga equipe de trabalho sobre ele ter ficado muito bem de vida, ao
ponto de abrir mão de tudo para se mudar para cá e montar sua
própria empresa com o irmão que estudava Engenharia Mecânica.
Mas, adivinhe!
— Gastou todo o dinheiro? — Imagino a situação. Quem não
sabe o valor do que se ganha, não sabe investir. Dinheiro que vem
fácil, vai embora fácil também.
— Sim. Ele perdeu mais da metade em jogos e acabou
montando uma empresa pequena de construir motos
personalizadas.
— Bom! Para o serviço sair bem feito, tinha que ter alguém
com uma boa experiência além do que a de esconder provas, não
é? — referi-me à sabotagem no jato. Espero que ele sane todas as
dúvidas que estão rondando meus pensamentos. — Você disse que
o irmão dele estudou Engenharia Mecânica?
— Sim. — Ri com desgosto. — A sabotagem pode ter sido
feita por ele. O cara era um dos melhores alunos em sua turma e
experiente o suficiente para saber em quais peças mexer para
causar um acidente.
— Quais são os seus nomes? — Quero saber para buscar na
memória a possibilidade de, quem sabe, já ter ouvido falar sobre
eles.
— Harry e David Paterson. Vou te passar o endereço. Amanhã
poderá ir ao local e tirar tudo que precisar deles. Mas, Henrique... O
trabalho tem que ser limpo. Ou poderá sobrar para mim, cara.
Confirmo, não querendo estender mais a conversa e ter que
dizer que não dou a mínima caso seja preciso pipocar o local inteiro
de tiros. Trouxe munição suficiente para causar uma guerra.
Após ter todas as informações, despeço-me dele e garanto
que lhe mandarei notícias, para que possa ir embora. Em seguida,
pego as anotações que ele me deixou e as entrego ao Camillo. Ele
irá fazer uma varredura na área em volta do endereço, visto que
precisamos conhecer bem a localidade e montarmos um esquema
para nos proteger caso haja um possível imprevisto e precisemos de
uma linha de fuga.
Estou acabado da viagem, precisando descansar. E mesmo
com meu corpo ainda agitado, vou ao quarto encontrar a única
pessoa no mundo que pode me manter bem nesse momento de
apreensão. Sinto-me são e seguro ao me deitar ao seu lado.

(...)
Após colocar minha arma em meu coldre e mais um punhal
enfiado nas costas, fecho meu terno e aperto o botão do elevador
para descer. Enquanto o aguardo subir, percebo Giovanna triste,
olhando pela janela. Eu sei que ela odeia me ver saindo para uma
missão e entendo seus anseios, contudo não posso evitar
confrontos. Não há nada em nosso mundo que se consiga sem ir à
luta.
Caminho até ela para me despedir e a deixar mais tranquila
nos momentos seguintes, enquanto me espera. Seu olhar encontra
o meu e eu a puxo para mim, beijando-a com a mesma ânsia da
primeira vez, para que seu gosto fique gravado em meus lábios e
pensamentos se, por acaso, for o nosso último beijo.
— Eu não quero que você vá. — Segura a lapela do meu terno
com seus dedos trêmulos.
Seus lábios estão mais vermelhos do que de costume por
conta do nosso recente beijo, e isso me deixa duro, necessitado por
ela.
— É preciso. — Aliso seu rosto com carinho. — Tenha
paciência! Prometo lhe fazer uma surpresa quando voltar.
— Eu só quero que você volte logo. Só isso. — Entrelaça seus
braços à minha volta e me aperta com força.
— Não faça ser mais difícil para mim do que já é, boneca! —
Seguro seu queixo e beijo a ponta do seu nariz arrebitado. — Eu irei
fazer o possível para voltar. Tenha a certeza disso! Tenho todos os
motivos para querer terminar o serviço o mais breve possível e estar
aqui, com você. — Espalmo minha mão em seu abdômen,
segurando entre meus dedos uma das minhas motivações para ir ao
seguinte encontro.
— Eu estarei aqui, esperando-o ansiosamente.
— Você me tem. Não se esqueça disso, Giovanna! — Encosto
seus lábios nos meus uma última vez e saio, carregando em meu
peito o desejo de voltar para seus braços quando tudo acabar.
Assim que alcanço o térreo e a porta do elevador se abre, dou
de cara com Camillo me aguardando, com os outros soldados.
— Tudo certo para irmos? — Caminho até o carro.
— Só esperando suas ordens, chefe.
— Então, vamos! Quero terminar logo com isso.
Meu chefe de segurança toma a frente, senta-se no banco do
motorista, dá partida no carro e dirige até o bairro onde se encontra
a residência do investigador.
— Iremos entrar pelos fundos. Assim, chamaremos menos
atenção para nós. Todos com silenciadores nas armas? —
questionei apenas por preocupação. Logo recebo a confirmação de
cada um. — Está na hora. — Dou um sinal a todos.
Entro no quintal, onde fica a área de lazer da casa, e nos
deparamos com uma churrasqueira acesa, comprovando que há
pessoas presentes no local.
Camillo entra na frente a fim de ir em busca do imbecil
enquanto os outros cercam a área, vigiando a vizinhança para nos
avisar de possíveis irregularidades. Já dentro da residência, nós nos
espalhamos e procuramos por um dos dois moradores.
Um grito feminino chama a nossa atenção para a escada, e
assim que a pequena garota vestida apenas de lingerie tenta correr,
Camillo a alcança.
— Só fique quieta e não vai se ferir! — avisou.
— Onde está o Harry? — Encaro-a.
— Eu não sei. Ele saiu para comprar mais cervejas e não
voltou ainda. — Começa a tremer.
— E o David? — perguntei pelo irmão mecânico.
— Lá em cima, no quarto.
Dois dos meus homens sobem lá para o buscar e eu aviso aos
que estão do lado de fora, para ficarem atentos com a chegada do
outro.
— Por favor! Eu não tenho nada a ver com essa confusão.
Deixe-me ir! Juro que não irei contar nada a ninguém.
— Shiii! Colabore, garota, e fique calada para não me
atrapalhar! Se gritar, irei atirar em você. Entendeu?
Ela balança a cabeça em concordância, já chorando.
Logo meus soldados descem com um David sapateando pela
escada e o colocam ao lado da menina.
— Quem são vocês, caras? Eu não fiz nada. — Na defensiva,
levanta as mãos.
— Isso é o que veremos. — Fecho as cortinas das janelas e
aguardo nosso anfitrião.
Harry entra, e quando nota nossa presença, tenta puxar a
arma para nós. É em vão.
— Que porra está acontecendo aqui?! — Debate-se, tentando
se soltar das mãos de Camillo.
— Eu irei dizer apenas uma vez e espero que me dê a
resposta que busco, ou as coisas irão ficar muito feias por aqui,
Harry.
— Quem é você? — indagou assustado.
— Henrique Cavallari. Esse nome te lembra alguma coisa? —
Eu o analiso, aguardando sua resposta.
— Não. — apressou-se em negar.
— E Luigi Lourenço?
Seus olhos ficam enormes ao ouvir o nome do desgraçado, e
mesmo que já tenha se entregado, tem a cara de pau de balançar a
cabeça negativamente.
— Eu não sou conhecido por ser uma pessoa benévola. Mas,
mesmo assim, vou te dar uma segunda oportunidade de me dizer o
que quero. — Abro a mala que trouxe comigo e começo a tirar dela
alguns objetos de tortura.
— Eu não fiz nada. Não contei nada a ninguém. Eu juro. — Aí
está. É o indício do que preciso.
— Você vai me contar tudo que sabe sobre o acidente que
matou meu pai e meu amigo, ou irei esquartejar todos nesta sala. A
começar pelo seu irmão. — Bato no ombro de David. — Para o seu
bem, espero que saiba escolher a opção correta, Harry. Entretanto,
não irei me opor se escolher o caminho mais difícil.
— Não precisa chegar ao extremo. Eu vou falar tudo que sei.
Só não machuque o meu irmão! — Suor começa a escorrer do
porco.
— E eu? Seu filho da puta! — a garota gritou, chateada com
ele. O que me faz rir.
— Eu acho que ele não gosta de você, docinho. — Pisco para
ela, deixando-a rubra.
Sento-me na poltrona, em sua frente, abro uma das garrafas
de cerveja que ele trouxe e bebo um gole dela.
— Não é da marca que gosto, mas vai servir. Comece! Sou
todo ouvidos. — Sorrio da sua cara de espanto.
A hora das brincadeiras acabou. Pelo menos para os dois.
Harry engole em seco e me fita na confiança de que eu vá lhe
dar clemência após quase uma hora de depoimento. Não sou um
cara bom. Isso é indiscutível aqui e minha sede de fazer justiça me
impede de ter qualquer resquício de pena por todos aqueles que se
aliaram ao odioso Luigi no passado.
Eu o aguardei contar detalhadamente sobre sua história de
como foi recrutado e do quanto recebeu para arquivar a papelada e
dar sumiço em provas consistentes que me ajudariam a condenar o
filho da puta sádico do meu capo à morte. Em certos momentos,
minha mente vagou entre o presente e o passado, onde meu amigo
Matteo me implorou para deixar que cuidasse de tudo ao seu modo
e acabou caindo na própria armadilha. Agora, anos depois, eu
consegui ter a verdade vindo à tona pela boca nojenta de um agente
desgraçado que aceitou suborno e, ainda, achou o homem certo
para sabotar o jato dele.
Não posso falhar, pois todos eles contam comigo: Vincent,
Marco e, principalmente, Giovanna. Essa missão só terá um fim
depois que eu matar Harry Paterson e o jogar em uma cova funda,
onde ninguém irá encontrar seus ossos putrificados.
Seguro-me para não acabar com o miserável antes de terminar
de ouvir tudo. Fecho as mãos em punho e o olho, imaginando o que
farei com ele depois, para aplacar minha sensação de dormência.
Somente tenho a certeza de que ele irá morrer da pior maneira
possível.
Sorrio, fazendo o monstro feio em mim salivar, desejando que
chegue logo o momento propício.
— Então... Quer dizer que você recebeu uma quantia
considerável para executar o serviço e lhe apresentar o tal
engenheiro? — Bebo mais um gole da cerveja ruim que mais se
parece com água suja, de tão fraca.
— Sim. Ele disse que se eu fizesse tudo certinho, iria me
deixar viver. No entanto, eu fiquei com medo e resolvi contar tudo ao
meu superior. Foi quando recebi uma proposta boa: eu ficaria com o
dinheiro que me foi oferecido e receberia uma identidade nova se,
em troca, entregasse todas as provas que havia juntado com minha
investigação.
— Quem foi o cara? — Eu já sei quem é o outro, entretanto
quero ouvir o nome dele.
— O... O quê? — gaguejou, fazendo-se de desentendido.
— Quem foi o cara que você apresentou ao Luigi?
Sua cabeça vira ligeiramente na direção do seu irmão, que, a
esta altura, já está suando feito um porco que está indo para o
abate. O que não é muito fora da realidade, considerando o que irá
lhe acontecer.
— Eu não me lembro mais. — mentiu.
— Tsc, tsc, tsc! — balbuciei, repreendendo-o.
Levanto-me, buscando equilibrar meus pensamentos com o
desejo insano de abri-lo ao meio por me fazer de besta.
— Nunca te disseram que é feio mentir, Harry? Eu quero ouvir
da sua boca quem é o desgraçado que o ajudou e o fazer se
lamentar por ter tomado a decisão de se meter em meu caminho.
— Faz muito tempo. — negou de novo, levando-me a perder a
complacência.
— Okay. Vamos refrescar sua memória.
Eu pego o alicate na maleta e ele se debate na poltrona, onde
Camillo o segura. Dou um golpe seco na sua mão direita e puxo
uma de suas unhas, fazendo-o gritar alto. Vou arrancando uma por
uma até não restar nenhuma. O sangue escorre dos seus dedos,
pingando no chão.
— Por favor! Eu não aguento mais. Eu disse tudo. Contei toda
a verdade.
— Quero o nome do homem que mexeu no jato em que meu
amigo morreu. — ordenei, batendo nele com um ferro várias vezes
seguidas. Foi até possível ouvir os estalos dos seus ossos se
quebrando.
— Fui eu! Por favor, pare! — David gritou, entregando-se.
Ah! O merdinha resolveu virar homem e assumir seu erro?
Levanto-me satisfeito e vou em sua direção.
— Tem noção, David, da proporção das suas atitudes? —
Acerto seu rosto com um chute. A força da pancada faz sua cabeça
torcer para o lado.
Eu o puxo para ficar de pé e me encarar.
— Eu não sabia. Juro que não sabia que era para matar o
cara. Eles me disseram que iriam apenas o assustar para lhe dar
uma lição. — Começa a choramingar.
— Acha que tenho cara de otário? — Gargalho, mas não por
achá-lo engraçado, e sim pelo ódio de ter ouvido tamanha bobagem.
— Por favor! Eu tenho uma esposa e dois filhos pequenos.
Eles precisam de mim.
— Você não parecia preocupado com sua família enquanto
fodia essa vadia aí. — Aperto seu pescoço, com a raiva tomando
conta da minha lucidez. — Vou te dar a oportunidade de me provar
que deseja viver e voltar para sua família, se eles forem realmente
tão importantes para você quanto diz. Que tal matar seu irmão para
mim? Assim, será um serviço a menos.
— Nãao! — Harry começou a implorar. — Não ouça ele, David!
— Não posso. Você é louco?! — esbravejou para mim a sua
cólera.
— Aposto que se eu sugerir isso para ele, ele vai aceitar. —
provoquei.
— Eu não posso. Não posso fazer isso. — começou a lamuriar.
Eu o solto, deixando-o cair no chão, enojado.
— Sua esposa e seus filhos estarão melhor sem você. — Atiro
em sua nuca.
A garota chora alto, pedindo para que a deixem ir. Não será
possível, porque ela é uma testemunha das atrocidades que estão
acontecendo aqui. Sem testemunha, sem provas.
— Desculpe, querida! Hora e momento errado para cruzar
comigo. — Atiro em sua testa quando ela já está se preparando
para gritar por socorro.
— Só restou você, Harry. — cantarolei.
— Espere! — Abaixo a arma, curioso com sua próxima jogada.
— Eu tenho documentos novos sobre o Luigi. Se me deixar pegá-
las, podemos negociar.
— Que provas são essas exatamente?
Ele pode estar blefando, mas, mesmo assim, quero pagar para
ver.
— São de casas de pedofilia. Eu as descobri através de um
amigo da polícia que recebe suborno para o avisar sobre quando
terá batidas nos lugares. Assim, ele tem tempo de tirar as meninas
de lá.
Isso me interessa muito.
— E, onde estão essas provas? — Minha pergunta o deixa
animado, achando que deu uma cartada de mestre.
— No cofre. — Aponta para o escritório com os dedos
ensanguentados.
— Passe o código para o Camillo! Ele irá verificar se é
verdade. — ordenei, torcendo para que não fosse um truque dele.
— 12-36-18. É esse o código.
Camillo vai conferir.
— Se estiver mentindo, eu irei te afogar na banheira com soda
cáustica. — ameacei, fazendo-o engolir em seco.
Camillo traz alguns envelopes marrons e os espalha sobre a
mesa, procurando as tais provas. Após verificar cada um, confirmou
em um deles alguns papéis referentes às casas de horrores e um
pen drive. Nós o conectamos ao notebook dele e constatamos que o
conteúdo contém imagens e vídeos de entregas de novas
“mercadorias”.
Tráfico humano. A prova que eu precisava, está bem aqui, nas
minhas mãos. A única coisa que necessito agora é ligá-las ao Luigi.
E para isso, estou contando com o Rocco.
— Estou curioso. Por que foi mexer novamente no vespeiro, se
já estava livre? — indaguei curioso.
— Eu queria me proteger caso ele viesse atrás de mim um dia.
— Ou você queria mais dinheiro dele. — Sorrio quando ele
abaixa a cabeça, envergonhado.
Estúpido!
— Eu me admiro que tenha sido detetive no passado. Pois, se
fosse esperto, teria ido para bem longe da fogueira.
— Vai me deixar livre? — inquiriu, sendo corajoso. — Pode
levar tudo. Só me deixe em paz!
— Não posso, Harry. Não é justo você viver, sendo que meu
amigo não teve a mesma opção.
— Nãao! Eu colaborei. Socorrooo! — vociferou alto, levando
uma sequência de socos de Camillo no processo.
Inclino-me para a frente e fico cara a cara com o infeliz. Eu
gosto de olhar nos olhos dos homens dos quais irei tirar as vidas.
Gosto de saber que serei a última coisa que eles verão antes de
morrer.
— Sabe qual é a única diferença entre nós e vocês, policiais?
— Abro o carregador da minha pistola glock e conto as balas do
pente. — É que vocês escolhem usar o poder da lei para nos
extorquir, achando que estão acima de nós. Mas não estão. Existe
uma linha tênue entre vocês matarem por justiça e nós matarmos
por necessidade de nos defender, inclusive de insetos como vocês.
A única diferença são suas permissões para atirar. Coisa que nós
não temos. O que, claro, não nos impede de apertar o gatilho
mesmo assim.
— Vá para o inferno! — rugiu, babando sangue no chão.
Resultado dos socos que recebeu.
— Fique à vontade para ir primeiro! — Fecho o pente,
engatilho a arma e atiro nele.
Sem incertezas, sem clemência. 4 balas, 4 tiros.
A primeira foi por Matteo, a segunda por Ariella, a terceira pelo
babaca do meu pai, pois me tiraram a chance de matá-lo, e a última
foi pela minha mãe, que sofreu pela perda do desgraçado até o
último dia de sua vida.
— Chefe! Deu tudo certo em Milão. — Camillo melhorou ainda
mais a minha noite por ter me passado essa informação sobre a
outra missão.
— Perfeito! Embale os malditos e dê um fim neles! Não se
esqueçam de limpar tudo e jogar alvejante para destruir qualquer
digital nos corpos! — ordenei, saindo da casa e indo para o hotel.
Metade dos meus planos foi executado com êxito. Agora é só
me preparar para a cartada final.
Em frente ao espelho, amarro o meu cabelo em um coque alto,
coloco saltos, passo um batom vermelho e aliso a camisola branca
de cetim em meu corpo. Ficou incrível em mim e muito melhor do
que achei que iria ficar quando a peguei no closet. Linda: é assim
que me vejo. Estou tão perfeita dentro dela, que a peça até parece
minha segunda pele.
Henrique entra pela porta e para no meio do quarto,
analisando-me. Quando sua respiração oscila, vejo que o
surpreendi. Seu rosto denota tensão e curiosidade. Creio que seja
por estar, pela primeira vez, vendo-me como sou: uma mulher feita.
Aproveitando a chance que caiu de bandeja em meu colo, de
estar a sós com ele, subo o tecido um pouco, deixando minhas
pernas à mostra. Ele engole em seco, pronto para dizer algo, e eu
lhe faço sinal de “silêncio”. Seus olhos dançam entre mim e a porta
aberta enquanto luta contra seus instintos, contra o que sua mente
prega como certo e errado.
Espero seus próximos passos a serem tomados, torcendo para
que, dessa vez, ele escolha a opção certa. Como em câmera lenta,
chuta a porta sem tirar os olhos dos meus e começa a tirar sua
camisa. Logo em seguida, retira o coldre com as armas e o coloca
sobre a mesa de canto. Seus olhos azuis brilham interesse.
Estou tão emocionada, não acreditando que ele finalmente se
rendeu e irá se tornar meu. Sorrio, mordendo meu lábio inferior, e o
vejo dar alguns passos em minha direção, aceitando o convite
oculto do meu corpo, que mostra o quanto o quero agora.
Vou andando de costas até me bater na beirada da cama e me
deixo cair sobre ela, tremendo de excitação. Eu abro minhas pernas
para que ele veja que estou inteiramente nua por baixo da camisola
e um sorriso perverso desenha sua boca, tornando sua expressão
feroz.
Fico ansiosa para o fazer me desejar e ter uma longa noite de
amor comigo. Então, fecho meus olhos, permitindo-me ser ousada.
Como Henrique é experiente, não quero que desista de mim por
achar que sou inexperiente. Sendo assim, desço meu dedo pelo
meu colo vagarosamente, com seus olhos acompanhando cada
movimento dele por todo o caminho até a minha coxa direita. Arfo,
imaginando ser sua mão a me explorar.
Meu corpo esquenta de uma maneira intensa e eu gemo,
tocando-me de um modo íntimo e me levando a um pico alto de
prazer onde somente ele poderia me fazer chegar.
Henrique não aguenta ficar apenas me olhando e avança
sobre mim, tomando meus dedos de um jeito quase agressivo e os
levando à boca para chupar. A cena erótica faz meu ventre oscilar e
o querer dentro de mim, fazendo-me sua da maneira como imaginei
tantas vezes. Eu quero dizê-lo o quanto o amo, mas antes que
qualquer frase coerente saia de minha boca, sou tomada por um
beijo deliciosamente cheio de volúpia.
Seu corpo se encaixa entre minhas pernas e, em poucos
segundos, de um jeito selvagem, finalmente me toma, subjugando-
me e retribuindo minha ânsia com estocadas fortes e vigorosas,
como só ele sabe fazer. Ainda prende minhas mãos para cima e
coloca a auréola do meu seio na boca, sugando-a ao ponto de me
causar dor. Dor essa que é bem-vinda, pois me faz ficar ainda mais
molhada. O que o ajuda a deslizar mais rápido dentro de mim.
Nossos corpos batem juntos, fazendo um barulho alto no quarto.
Gemo, em desespero, quando meu orgasmo inicia seu trajeto
de saída e grito alto por mais, indo de encontro ao seu mastro duro.
Desejo tudo que ele pode me oferecer e...
— Oh, meu Deus! O que você está fazendo no quarto dos
patrões, Giulia?!
Salto da cama e caio no chão. Sem fôlego e constrangida,
cubro-me.
— Jesus! Você estava se tocando?! — Minha nonna arregala
os olhos, chocada.
Inferno! Nem nas minhas imaginações, tenho paz para o ter só
para mim.
Vovó me encara com sua habitual cara de desgosto,
esperando minha resposta. Eu raspo a garganta, molho meus lábios
secos e forço a saída da minha voz após quase ter tido um orgasmo
arrebatador.
— Eu estava guardando as roupas da Giovanna no closet. —
tentei me justificar.
— Oh, Giulia! — choramingou, prestes a começar seu sermão.
— Não me diga que estava tendo um sonho erótico com... —
Engasga-se, tentando dizer o nome dele.
Minha vontade é de gritar: “Henrique! Meu homem estava me
FO-DEN-DO de jeito duro e forte, sua idiota!”
— Meu Deus, vovó! — Faço a melhor pose de injustiçada. —
Como pode pensar isso de mim? Eu tenho o Henrique como um
irmão.
Seu rosto se alivia com minha negação e eu seguro a vontade
de revirar os olhos diante de tanta burrice. Maldita puxa-saco!
— É claro que sim, filha. Que outro sentimento poderia ter pelo
patrão? Ele nunca te deu motivos para pensar nele de outra forma.
Nem deve. — Velha estúpida!
Balanço a cabeça, “concordando” com sua conclusão dos
fatos. Por fim, finjo timidez e sorrio fracamente como uma
adolescente que foi pega no flagra fodendo com o namoradinho de
escola, no quarto.
— Eu queria saber como eram as roupas dela e minha mente
viajou. — Encho meus olhos de lágrimas e tremo meus lábios
propositalmente. — Desculpe, vovó! Acho que são todos os meus
hormônios à flor da pele.
— É normal. Você é uma jovem bonita e saudável. Está na
idade de se casar e formar sua própria família.
— Acho que sim. — Com meu Henrique, eu quero, já com
outro nem penso nisso.
— Nunca mais entre aqui e faça isso! Imagine se fossem os
patrões te pegando nessa posição! — Coloca a mão na cara, com
vergonha. — Céus! Estaríamos na rua.
— Desculpe-me! É porque são tantas coisas lindas que ela
tem, que eu não resisti e as experimentei para ver como ficariam em
mim.
— Eu não quero você mexendo nas coisas da senhora
Giovanna. Isso não está certo, filha.
— A senhora tem razão. Vai me perdoar? São tão bonitas!
Olhe! — Chego mais perto para que ela veja o tecido da camisola.
— Realmente, são muito lindas, Giulia, mas essas são roupas
que não temos condições de comprar. — Que diga isso por ela! Eu
ainda serei a dona disso tudo aqui. — Tire isso e dê para mim! Vou
lavá-la e a deixar no lugar certo. Vamos!
Troco de roupa e entrego a bendita camisola a ela. Ainda digo
que irei terminar de arrumar a bagunça que fiz, fingindo-me de
arrependida.
Respiro aliviada quando ela vai para a lavanderia e me deixa
sozinha. Quase descobriu. Ainda não é meu tempo e eu não preciso
de uma inimiga para atrapalhar meus planos. Primeiro, preciso tirar
aquela vadia do meu caminho. Aí sim investirei pesado e terei o que
desejo.
Dobro as peças e coloco todas de volta no lugar. Quando tento
devolver uma caixa de sapato para o local de onde a tirei, uma
pasta cai da prateleira, espalhando muitos papéis pelo chão. Xingo-
me pelo meu jeito desastrado, agachando-me para os recolher e pôr
de volta em seus devidos lugares.
Contudo, curiosa como sou, antes leio os papéis e percebo
que eles são os exames de gravidez que Giovanna fez. Abro a
pasta para os arrumar dentro dela, mas paro de fazer isso quando
um pequeno detalhe acima dos meus dedos, no exame de
ultrassom, chama a minha atenção. A data é de poucos dias atrás e
o detalhe que leio me choca.
“Gestação compatível com 15 semanas e 5 dias de evolução.”
Franzo a testa, confusa com a data estimada do parto para
daqui a exatos cinco meses. Somo na cabeça o dia que ela passou
a dormir com Henrique até agora e chego à conclusão de que as
contas não batem. Sei dessa informação porque mantenho
constante vigilância sobre eles desde que se casaram.
Sentindo o coração acelerar com a possibilidade de estar certa
sobre o que estou pensando, coloco-me em movimento, à procura
de vovó, para ter certeza.
Eu a encontro entretida na lavanderia, conversando com uma
empregada da casa. Assim que ela se retira, volto-me à minha vó,
tratando de manter minha ansiedade controlada para não levantar
suspeitas sobre mim.
— Vovó! Pode me tirar uma dúvida? — Seguro minha euforia
em ouvi-la.
— Sobre o quê? — perguntou desconfiada.
Faço cara de inocente, e por mais que eu queira respostas
logo, demonstro desinteresse.
— O Henrique já conhecia a Giovanna antes de se casar com
ela?
— Até onde eu sei, não. Por quê?
Interessante!
— Curiosidade. Não é estranho que ele tenha aparecido
casado com ela, sem nunca ter nos falado dela?
— É porque ela era noiva do subchefe Vincent, e como deu
errado o noivado, Henrique assumiu o compromisso.
— Errado como? — Será que a vadia dormiu com o subchefe?
— Aí não sei. — Desvia os olhos de mim. — O Vincent desistiu
e Henrique aceitou se casar com ela para selar a paz.
— Hum! Torço muito pela felicidade de Henrique. Sabe? —
Sorrio, alegre pela minha descoberta.
— Eu também. Ele merece.
Sim. Com toda a certeza, merece. Mas não com ela.
Faço uma dancinha de vitória por dentro, já tendo sacado tudo:
seu choro desesperado há algumas semanas quando,
supostamente, descobriu sobre a gravidez, vovó a consolando...
É fato: Henrique não é o pai do bebê. Que maravilha! Que
notícia esplêndida! Não podia ter me acontecido coisa melhor do
que essa.
Ah, Giovanna! Assim, você facilitou demais para mim.
E eu estava preocupada, achando que ela iria ser uma rival à
minha altura.
Aproveite a viagem, querida! Quando você voltar, sua estadia
aqui estará com os dias contados.
Cansada de rolar de um lado a outro na cama, esperando-o
voltar, chego à conclusão de que não irei conseguir dormir enquanto
não o ver de novo. Desistindo de tentar me enganar, para não
perpetuar minha tortura, que já está me deixando louca, levanto-me
em busca de água e sinto a camisola molhada de suor grudar em
meu corpo.
É assim todas as vezes que ele precisa se afastar. Eu sinto
temor e pavor, imaginando que não irei mais vê-lo. Isso termina
sempre comigo tendo insônia ou um início de ataques de pânico,
porque fico insana e desesperada. Sendo assim, tenho que me
agarrar a qualquer fagulha de esperança, para não enlouquecer.
Às vezes disfarço, não querendo deixá-lo assustado ou
preocupado comigo, mas é claro que ele percebe as minhas
tentativas falhas de parecer forte em sua presença. Portanto,
sempre dá um jeito de prometer que tudo vai ficar bem, mesmo que
nós dois saibamos que esse tipo de promessa é em vão, dado que
ele nunca tem controle sobre as circunstâncias perigosas que irá
enfrentar. Tudo é possível, e por mais estrategista que Henrique
seja, não dá para ter cem por cento de certeza que as coisas vão
sair como planejadas.
Agora, enrolo-me no roupão e abro a porta dupla de vidro,
sendo recebida pelo vento frio da madrugada. Sento-me na sacada
e olho a cidade lá em baixo, que ainda está funcionando a todo o
vapor. Nova York lembra muito Las Vegas em certo ponto. Parece
que a cidade nunca para e que as pessoas não se importam em
fazer sequer uma pausa.
O elevador apita, avisando da chegada de alguém, e eu me
levanto para receber o visitante, torcendo para que seja ele. Em
poucas passadas, Henrique adentra o recinto e para no meio da
sala. Como se estivesse ligado a mim e soubesse onde exatamente
me procurar, vira-se na minha direção em seu modo sombrio,
prendendo-me no lugar. Nós nos entreolhamos por um curto
instante suficiente para me deixar arrepiada da cabeça aos pés.
Culpa do seu olhar gélido.
Ofego quando ele ascende a luz da sala, dando-me a visão
completa do seu corpo. Sua camisa, antes branca, agora está
embebida de sangue. Sangue fresco. Tudo em mim grita para ir até
ele, mas minhas pernas travam e eu começo a tremer sem parar. Eu
não sei lidar com esse seu lado ainda.
Notando que não irei até onde ele está, disfarça sua decepção
e segue seu caminho até o quarto, sumindo da minha visão. Com as
pernas bambas, sento-me na cadeira de descanso e fecho meus
olhos, querendo apagar as imagens que vi e tentando não imaginar
onde ele estava e o que fez para chegar aqui naquele estado.
Sentindo-me tonta e enjoada, levanto-me e me encosto no
parapeito, puxando o ar para os meus pulmões na tentativa de fazer
o meu mal-estar ir embora, como nas outras vezes, e falho
miseravelmente.
— Sabe que não conseguirá fugir sempre dessa minha face,
não é? — Suas mãos me seguram firmemente pela cintura, virando-
me para si.
Ele já está de banho tomado, apenas com uma calça de
moletom o cobrindo. O cheiro de lavanda em seu corpo e seus
cabelos penteados para trás o fazem parecer perigoso e muito
pecaminoso, ainda que a escuridão não tenha o abandonado por
completo. O que o deixa nefasto.
— Eu não estava... — Silencia-me com um dedo.
— Nunca minta para mim, amor! — Raspa sua boca por cima
da minha, imprensando seu corpo ao meu e me tomando com um
beijo desesperado, enlouquecedor, pegando de mim tudo que tem
direito e muito mais. — Nunca! — sussurrou e finalizou com uma
mordida leve em meus lábios, porém punitiva, pela minha mentira.
São nessas horas que eu fico tentada a lhe contar tudo, mas
junto vem o medo de que essa verdade seja meu fim.
— Eu detesto quando você volta assim. — confidenciei,
alisando seu rosto e tentando acalmá-lo.
Este ainda não é completamente o meu marido. É o seu eu
assassino. Posso enxergar isso dentro dele e os diferenciar. O que
está aqui, tem uma áurea demoníaca, impiedosa. Tenho o visto com
frequência nos últimos tempos, sempre depois de uma das suas
saídas.
É esse Henrique que faz eu me calar, pisar com cuidado à sua
volta e temer pela minha vida. Eu sei que, em seus dias bons, nunca
me machucaria. Entretanto, seu outro eu... Esse gosta da guerra, do
medo que causa e, sobretudo, do caos e dos gritos por misericórdia.
Nem em cem anos estarei preparada para lidar com ele e o desafiar.
— Quero você. — Encosta sua testa na minha, fazendo sua
respiração entrecortada aquecer meus lábios doloridos. — Preciso
que me deixe te possuir de forma rápida e dura, Giovanna.
Passo a ponta dos meus dedos em seu rosto, acariciando-o e
desejando tirar a escuridão dele. O friozinho na barriga de
antecipação aparece. Tudo entre nós é tórrido e árduo.
Uma parte minha almeja sua posse enquanto a outra se
encontra receosa. Então, sua mão massageia meus seios,
apertando demoradamente os bicos rijos. Sem querer negar nada a
ele e, principalmente, a mim, abro o roupão e puxo a camisola pela
cabeça, ficando nua para a sua apreciação. Seus olhos se
escurecem mediante à varredura que fazem por todo o meu corpo,
demorando em minha barriga e fazendo todo o caminho de volta,
até parar em meu rosto.
Sorrio, incentivando-o, e posso ver diante de mim a besta nele
querendo sair, dominá-lo por completo. Sua luta é interna e eu só
posso apreciar a beleza que meu homem tem, em todos os
sentidos.
Sem demora e com gentileza, sou empurrada contra a parede
mais próxima e tenho sua língua quente dentro da minha boca com
urgência e sofreguidão. Gemo diante da sua exploração e levo uma
mão aos cabelos de sua nunca em uma tentativa falha de me
segurar, buscando um pouco do controle que eu sei que ele sempre
irá me negar.
Seus dedos adentram minha vulva, estimulando-me em um
nível que me deixa sem respirar. Eu aprecio o que seus tortuosos
toques me fazem, pois eles me transformam em outra pessoa. Uma
que não ouso admitir em voz alta que existe, mas que ama ser
devorada por ele. Nesse caso, são desnecessários os seus
estímulos, porque ela está sempre pronta e febril para sua posse.
Todos os fluidos possíveis escorrem pelas minhas coxas,
comprovando minha teoria.
— Tão perfeita, porra! — grunhiu ferozmente, chupando meu
mamilo sensível. — Você me tem de joelhos por você, angelo mio.
— Foda-me Henrique! — implorei choramingando, abrindo-me
para que ele se encaixasse entre minhas pernas.
Levo minhas mãos até sua calça e abaixo o cós dela o
suficiente para pegar seu membro duro, que palpita e está inchado.
Eu o massageio, lambuzando sua extensão com os dedos melados
de sua essência, que escorre, e me preparo para descer, com água
na boca, a fim de chupá-lo.
Percebendo minha intenção, ele me puxa para cima e segura
meu queixo para que eu o encare.
— Agora não, boneca. Leve-me para dentro de você! É tudo
que preciso. — murmurou asperamente.
Ele me levanta com seus braços, firmando-me com suas
mãos, e guia seu pau para dentro do meu centro em um golpe
assertivo que me faz gritar para a escuridão. Sou possuída de
maneira dura e exigente. Henrique bate dentro do meu canal, que o
recebe apertado e encharcado. Eu me retorço, delirando em êxtase.
Nós dois juntos somos combustão pura.
— Eu amo como você se entrega para mim, Giovanna. Nunca
se nega a mim. Mesmo quando sente medo, ainda assim está aqui,
confiando-me o seu corpo e me deixando ter cada pedacinho seu.
— Continua me possuindo e me estirando com rigorosas estocadas
abruptas.
— Humm! — gemi, sendo empalada pelo seu eixo espesso.
— Dio, amore mio! Você é tão gostosa e me leva tão bem! —
gruiu fascinado.
— Henrique! — choraminguei seu nome.
São tão avassaladores os nossos momentos, que, na maioria
das vezes, eu me sinto totalmente dominada e fora da realidade.
Desse modo, não me sobra nada além de choramingar,
experimentando toda a profusão de sensações que ele me
proporciona.
Meu marido me desce devagar somente para me colocar
inclinada sobre o parapeito da varanda. Empurra meu corpo até o
limite quando volta a me foder duramente, segurando em meu
quadril.
— Eu vou cair. — comuniquei, temendo que ele me deixasse
desabar lá embaixo.
É arriscado, pois o parapeito é baixo. Estou com receio,
mesmo que todo o risco me deixe mais excitada.
— Confie em mim, boneca! Apenas me sinta em você!
E eu confio nele. Confio em suas palavras e deixo que ele me
leve a um outro nível de prazer primitivo, o qual beira ao sadismo,
mas, ainda assim, é fenomenal. E é pendurada, olhando os carros
passarem lá embaixo, que grito feito uma descontrolada aos quatro
ventos o meu orgasmo, sentindo meu homem inchar e preencher
cada pequeno espaço que existe dentro do meu canal judiado.
— Caralho! — rosnou, abraçando-me e me segurando em pé
com ele. — Eu te amo tanto! — Beija meu ombro.
Pisco, sentindo-me surpresa. Essa foi a primeira vez que ele
me confidenciou tais palavras com todas as letras.
— Oh, Henrique! — sussurrei emocionada.
Foda-se se o tempo é curto e se existe certas dúvidas! O que
eu sinto por esse homem, consome a mim em um nível que beira ao
surreal e ao insano. Muito louco... Ao ponto de exaurir tudo e não
restar mais nada da minha antiga eu.
— Eu o amo tanto! — devolvi sua declaração, deixando
minhas lágrimas de emoção saírem e absorverem o brilho sublime
que vi em seus olhos azuis. Ele se intensifica por Henrique ter me
ouvido dizer que o amo.
— Eu sou tão louco por você, Giovanna! Você me faz tão feliz.
Seja inteiramente minha!
— Eu já sou, Henrique. — murmurei com a voz rouca,
sentindo-me seduzida.
— Não! Não do jeito que eu quero. — E, como em câmera
lenta, ele se abaixa e se ajoelha, segurando minha mão. — Case-se
comigo! — Tira do bolso da calça uma caixinha preta, de onde um
anel de diamante azul me dá boas-vindas.
— Mas nós já somos casados... — comecei a questioná-lo,
mas parei quando entendi, mesmo que tardiamente, a sua atitude.
Ele quer que eu diga “sim” e que eu tenha a chance de
escolhê-lo, como não tive na primeira vez.
— Diga que sim, amor! Deixe-me fazer certo dessa vez!
— E se eu disser que não? — Sorrio como uma boba
apaixonada.
— Vou ter que trabalhar dobrado para que mude sua opinião,
pois não me vejo mais sem você. Isso nem é uma opção. — rebateu
com sinceridade.
Nem eu. — pensei.
— Você é impossível! Sabia? — Ajoelho-me para me encontrar
face a face com ele. — Mil vezes sim, Henrique! Sempre será você.
Vejo-o colocar o anel em meu dedo e me levantar no ar para
me rodopiar.
— Meu Deus! Vou vomitar. — Eu rio e ele gargalha.
— Vamos entrar! Aqui fora está fazendo muito frio, e eu não
quero que você fique doente.
— Diz o homem que fodeu comigo nua na varanda e
pendurada no parapeito, em tempo de me fazer cair.
— A única queda que terá na sua vida, é a de cair de amor por
mim. — Estende-me uma mão, a qual aceito prontamente.
Cretino arrogante! Eu já caí. E como não cairia? Mesmo com
todos os seus defeitos, ele é perfeito demais. Meu príncipe. Ainda
que seja um príncipe negro, é meu. E mesmo que eu saiba que
existe um elefante na sala entre nós dois, estou afim de ignorá-lo se
for preciso para o ter sempre assim.
Ou, assim, eu me enganei mais uma vez.
É inegável tudo o que sinto por Giovanna, e foi pensando
dessa forma, que me declarei. Não tinha mais porque lhe esconder
meus sentimentos, se ela já estava consumindo meus pensamentos
e povoando de maneira irrevogável o meu coração. Eu cheguei a
um ponto em que eu me sentia sufocado por me abster. Não
somente a desejo, como preciso dela, da mesma maneira que um
maldito viciado necessita compulsoriamente de suas drogas. Ela é
como um bálsamo para as minhas feridas e a alegria em meio ao
tormento. E dizer o contrário disso, seria idiotice minha.
Muitos homens feitos nunca assumiriam que têm uma mulher
comandando seu coração. Droga! Muitos de nós nem mesmo
assumiriam que ainda têm o órgão funcionando dentro de si. A
máfia é cruel e te molda para ser agressivo, intolerante e áspero.
Sou um dos últimos que pegou a antiga geração, onde tudo
era a fogo e ferro. Eu sou um homem intransigente sim, quando
tenho que ser, e honrado quando preciso também. E isso inclui ser
sincero comigo mesmo em relação ao que me permito vivenciar,
sem me sentir culpado por querer tudo que tenho direito.
Indigno, sempre irei achar que sou, porém tolo eu seria se
ficasse me sabotando por isso. Porque todos já passamos por
momentos difíceis; uns menos que outros. E eu, em dose dupla, fui
moldado para matar e estraçalhar sem remorso. A organização me
fez virar um homem cedo, no entanto foi no exército que aprendi, da
forma mais dura, que a vida não era bonita e que a morte não era
um filme de ficção.
Se eu fechar meus olhos, transporto-me exatamente para
minha última missão.

***

Arrastando-me no chão, consigo chegar a um esconderijo e


me enfio em uma pequena trincheira, onde aguardo por ajuda. Feri
minha perna em combate e não consigo ir mais adiante.
Ao longe, posso ouvir gritos de desespero. Não consigo
identificar se são dos meus homens ou da base inimiga. Também
consigo sentir daqui o cheiro da pólvora e até mesmo das carnes
dos corpos espalhados por todas as partes, sendo queimadas pelos
incontáveis ataques de granadas aos meus soldados. A morte está
presente em cada lugar que eu olhe. Posso a ouvir me chamando.
O campo de guerra é feio e desumano. Reflexo da imagem da
podridão que habita nos homens.
Os inimigos não estão muito longe e todo cuidado é pouco,
porque o menor descuido dará a nossa localização e todos
morreremos por estarmos em menor número. Olho mais adiante,
tentando encontrar Josiel, e não o vejo. O frio desce pela minha
espinha quando penso na possibilidade de ter perdido mais um
amigo.
Nosso general foi o primeiro a perder a luta, e eu, como
capitão, tive que continuar seu comando. A missão agora é nos
salvar e chegar ao outro lado do rio respirando. Entretanto, a
dificuldade maior é encontrar o caminho de volta e meus
companheiros de batalha em meio à escuridão da mata fechada,
dentre todos os barulhos de tiros e explosões. Sei que já era para
eu ter me acostumado com esses sons, mas a verdade é que pode
passar anos, e eles nunca se tornarão familiares.
Fui enviado pelo capo para o exército a fim de ser treinado e
passar, depois, o treinamento de guerra para nossos soldados.
Gostar, de início, eu até gostei, contudo isso não me parece tão
atraente agora, já que o risco de ser morto em missão é maior do
que a chance de voltar para a minha família. Se eu sair daqui com
vida, irei pedir dispensa. Foda-se meu capo! Isso, para mim, já deu
o que tinha que dar. Hoje cheguei ao meu limite máximo. Dez anos
fora de casa, sendo enviado de um lado a outro, mata qualquer
pessoa aos poucos. Eu vi mais do que qualquer um deveria ver e
matei tantos homens que nem consigo lembrar seus rostos e
nomes. Também sinto saudade da minha irmã Eva e, mais ainda, da
minha vida de antes. Se é para me colocar em risco, que seja onde
eu tenha mais chance de sobreviver.
Aprendi muito em meu tempo aqui e irei passar adiante tudo
que sei, sem precisar jogar com a sorte mais uma vez. Já é o
suficiente para deixar nossos homens mais fortes e à frente das
outras organizações em estratégias. Uma oportunidade única de
estudar quem são compatíveis a serem corruptos e que têm cacife
para se tornarem nossos sócios. Como já estudei cada um, agora é
hora de ir embora.
— Achamos ele! — Escutei alguém dizer.
— Está ferido! — Desse, eu consigo reconhecer a voz. É
Daniel.
— Capitão! Aguente firme, companheiro! Vamos te tirar daqui.
— Ouvi a voz de Caio. Logo em seguida, sinto um puxão na perna.
— Hora de ir para casa, amigo.
Finalmente!
Sentindo uma dormência em meu corpo e lutando contra o
sono, a dor e o frio, vou apagando aos poucos, até que não consiga
escutar mais nada. Nem vozes, nem tiros, nem explosões...
Somente um vazio imenso, para onde sou sugado até perder
totalmente a consciência.

***
Em um piscar de olhos, eu levava uma alma, e em um sopro,
poderia ser eles levando a minha. No nosso mundo, se
demonstramos fraqueza, somos trucidados sem o menor
arrependimento. Eliminar o que eles chamam de escória, sempre foi
uma obrigação na Camorra. Os elos fracos: é assim que chamam os
que desaprovam as regras e tentam burlá-las. Esses são os que
recebem um ultimato definitivo, porque os fracos não sobrevivem.
Como uma maldita regra doentia e sem opção de escolha,
quando decidem que devemos matar, automaticamente precisamos
anular nossa parte humana. Porque se ainda pudermos ouvir o
coração, não somos dignos de ser um deles. Eu diria que a primeira
morte não é aquela que temos que causar para passar no teste, e
sim a nossa. Renegar-se te mata, consome, fere... E, aos poucos,
diante de tantas negativas, a humanidade vai morrendo até não
restar mais nada. A não ser uma casca vazia habitada apenas pelo
ódio e pelas sombras. E esses se tornam os nossos eternos
companheiros.
Eu pensava assim também, até bater meus olhos nela.
Tornei-me diferente deles porque acreditava que não era
necessário sermos tão radicais. Matteo era a prova viva de que uma
coisa nada tinha a ver com a outra: o homem era destruidor quando
queria e suas ordens faziam todos os seguir como mariposas
procurando luz, mas ele também não tinha vergonha de demostrar
seu amor por Ariella. Só que isso foi sua perdição, porque Luigi e
seus seguidores usaram esse fato para tramar sua queda.
Por esse motivo, eu serei indiferente na frente deles, pois
mesmo sendo o melhor consigliere que a Camorra teve até hoje,
não sou imune às avaliações negativas e aos julgamentos
constantes de todos à minha volta. As pessoas em nosso meio
esperam que eu seja perfeito em negociar, torturar e matar, só que
nenhum de nós tem a permissão de amar. Nem eu. Isso é como um
requisito que diz que sou o homem certo para meu cargo, portanto
nenhum excesso sobre o meu casamento está permitido ser
exposto. Mostrar demais pode ser fatal, e isso é motivo o suficiente
para me fazer ser um iceberg diante daqueles que precisam do meu
comando, não das minhas emoções.
Giovanna é, sem dúvida, meu elo de ligação entre o mundo
sombrio e o real. Posso perambular entre os dois sem me perder. A
alma que achei ter perdido um dia, encontrei no corpo da minha
doce esposa. Porque eu e ela somos um só. Isso é indiscutível.
— Você parece sério. Não conseguiu resolver todos os seus
problemas? — Brinca com os pelos do meu peito.
Estamos deitados na cama após termos feito amor mais uma
vez. Ou, como ela gosta de dizer: depois de eu ter fodido seus
miolos.
Menina atrevida! — pensei sorrindo.
— Sim. Tudo saiu como planejei. — Passo meu dedo em seu
lábio inferior, que ainda está inchado pelos nossos beijos.
— Não parece feliz com o resultado. — Leva sua boca
aveludada ao meu peito e beija em cima do meu coração. Depois
levanta o rosto.
— Apenas estou irrequieto com meus próximos passos daqui
em diante. Porém, não vamos falar disso. Não gosto de falar sobre
os negócios quando estou com você. — Não é só por não poder,
mas também por não querer compartilhar essa parte com ela.
Giovanna ainda não está pronta para lidar com o meu pior.
— Tudo bem. Eu gostaria de ir fazer um tour na cidade
amanhã. Irá comigo? — pediu com uma voz doce.
— Claro que sim, boneca. Amanhã serei todo seu. — Ganho
um lindo sorriso em troca da minha resposta.
— Eu te amo!
Ah, caralho! Essa foi a terceira vez que ela me disse isso hoje;
e a emoção que senti, foi a mesma que a da primeira. Eu não
preciso de mais nada, porra. Tenho tudo que sempre quis, aqui, na
minha frente.
— Boneca! Eu nunca vou me cansar de ouvir você dizer isso.
— Seguro-a firmemente em meus braços, querendo me fundir ainda
mais a ela.
Aliso a pele exposta da sua barriga, fazendo uma leve carícia
nela.
— Você tem um nome favorito? — inquiriu de repente.
— Eu nunca tinha pensado nisso. Tem algum em mente?
— Se for menina, gosto de Helena.
Abro um sorriso sincero, gostando da sua escolha.
— Era o segundo nome da minha mãe.
— E do seu pai? — perguntou curiosa.
— Augusto. — Trinco os dentes, lembrando-me do filho da
puta que eu chamava de pai. — Nenhum filho meu receberá o nome
daquele desgraçado. — esbravejei, fazendo-a se afastar devido ao
meu tom seco.
— Desculpe! Eu não queria deixá-lo chateado. Daremos outro
nome se for menino. — tentou me tranquilizar.
— Não é sua culpa. Só não quero falar dele, muito menos
amaldiçoar a criança com seu nome.
— Um dia irá se abrir para mim e me dizer sobre ele. — Volta a
deitar a cabeça em meu peito.
— Não vale a pena, amore mio. Ele não vale um minuto do seu
pensamento.
— Eu entendo. Não falaremos dele, então.
— Henri. — respondi sua primeira pergunta, retomando o
assunto. — Imitaria o meu nome.
— Arrogante quase nada, né? — Ri de mim.
— Um espécime perfeito como eu, tem que deixar bons
substitutos. — provoquei, arrancando outra gargalhada dela.
— Amo Rafaelle. É bíblico. Nome de anjo. — sugeriu.
Mordi a língua quando estava prestes a dizer que não
importando o nome que colocarmos, nosso filho será tudo quando
crescer, menos um anjo.
— Ainda tem muito tempo. Decidiremos até chegar a hora.
Precisa descansar, pois o dia está quase amanhecendo. — Olho os
primeiros raios de sol baterem na janela, anunciando o novo dia.
— Acorde-me daqui a pouco! Quero aproveitar bem o dia. —
Começa a cochilar.
Fecho os olhos a fim de tirar uma soneca também. O que se
mostra impossível logo em seguida, quando ouço meu celular vibrar
na mesinha de canto, ao lado da cama. Penso em ignorá-lo, no
entanto, ao ver o nome “Gabriel” piscar insistentemente na sua tela,
algo me alerta de que não terei notícias boas.
— Gabriel? — tentei aparentar calma.
— Henrique! Ainda está na cidade? — indagou exasperado.
— Sim. — confirmei.
— Saia daí agora! Estão indo atrás de você.
Pulo da cama, em busca da minha arma, encosto-me na janela
do quarto e verifico a rua lá embaixo. Tudo parece calmo. Calmo
demais.
— Quem está vindo atrás de mim?
— O FBI. Eles sabem dos motivos que te trouxeram aqui.
— Como, porra?! — Não faz sentido. Eu, pessoalmente, tomei
todas as precauções.
— Luigi! O Luigi sabe de tudo, caralho! Alguém o alertou sobre
as investigações e ele usou tudo que tinha para pedir que
me tirassem do caso de Vincent. — Pedir é muito forte. Ele deve ter
uma carta muito poderosa na manga. A qual usou para se proteger.
— Parece que invadiram a casa dele em Milão e roubaram
algo muito valioso de lá, porque o cara está desesperado. Você
sabe do que se trata?
É claro que sei. Fui eu quem orquestrei tudo. E se ele me
jogou na fogueira, é porque sabe do meu envolvimento nisso.
Olho Giovanna dormindo serenamente, sem saber que, do
outro lado da linha, estou recebendo um aviso de que pediram a
minha cabeça.
— Gabriel, você está seguro? — Preocupo-me com ele, que
está sozinho e desprotegido. Eu já estive em seu lugar, então sei
como a agência funciona quando tem seus interesses em cheque.
— Estou aqui, em Nova York. Eu estava saindo daqui, quando
meu parceiro me avisou sobre o que estava acontecendo. Eu tentei
ajudar, Henrique, mas estou de mãos atadas.
— Vou te passar o endereço de um lugar. Vá para lá
imediatamente! Eu sei como reverter tudo isso.
— Sabe? — questionou esperançoso.
— Sei. Vamos dar a volta por cima.
— Cara! Você me assusta com o quanto é frio nessas horas.
Não preciso vê-lo para saber que ele estava sorrindo de
nervoso.
— Anos de prática, Gabriel. Estou saindo daqui para te
encontrar no local. — Desligo a ligação.
Mando uma mensagem ao Camillo, chamando-o aqui, para
cima, com urgência. Não queria Giovanna no meio desse ataque
surpresa, entretanto não haverá tempo de tirá-la da cidade rápido o
suficiente. Quando eu chegar na fábrica, irei arrumar um jeito de
fazer isso.
— Amore mio, acorde! Precisamos ir.
Ela me fita com olhos sonolentos.
— Já deu a hora? — Senta-se, esfregando o rosto.
— Vamos, amor! Não temos tempo. — Algo em minha voz
denunciou minha preocupação.
Ela corre até a mala para pegar uma roupa. Eu já estou vestido
e pronto para lidar com qualquer imprevisto.
Vou até a sala no momento que o elevador abre, trazendo
Camillo.
— Mandei os homens irem para a fábrica assim que fui
informado por Rocco sobre a perseguição contra eles. — avisou.
— E, como vamos sair daqui sem escolta? Está tentando nos
matar? — esbravejei.
— Não. Estou tentando te salvar. — retrucou nervoso. — Por
que acha que indiquei esta merda de hotel? Ele tem um heliporto no
terraço. Você não vai descer para o estacionamento, nem por cima
do meu cadáver. A empresa de segurança já providenciou um
helicóptero para te tirar daqui. Em poucos minutos, ele pousará
somente para entrarmos nele e sermos tirados daqui. De nada por
isso. — respondeu com sarcasmo.
Respiro aliviado. É por isso que ele é meu braço direito, porra!
— Você sabe que isso não foi coincidência. Certo? —
questionei.
— Acha que Rocco trocou de lado? — Não perdi a nota de
decepção em sua pergunta.
Eu já tinha o alertado sobre Rocco, mas devido à sua amizade
com o bastardo, ele confiou nele tanto quanto eu.
— Não posso descartar ninguém. A única certeza que tenho, é
que alguém nos traiu. E nós vamos descobrir qual deles foi.
Por mais que eu não confie totalmente no Rocco, não acho
que foi ele. Eu tenho um nome em mente, no entanto quero
averiguar primeiro, antes de matar o filho da puta.
— Temos que ir. Já estão nos esperando lá em cima.
— Rápido, Giovanna! — gritei, estranhando sua demora.
Camillo começa a rir quando ver a bendita da minha mulher
puxando duas malas grandes de roupas, mal aguentando andar.
— Mas, que caralho, Giovanna! — grunhi agitado. — Deixe
essas malas fodidas aí! Só pegue o necessário e vamos embora!
— Não me xingue, marido! São meus vestidos novos. —
reclamou irritada.
— Dio, mulher! Tudo que menos me importa agora, são as
porras dos seus vertidos! Estamos sem tempo para essas
bobagens.
— Mas... — Quando ela começa a argumentar, eu a puxo até o
elevador, sem deixá-la terminar a explicação.
— Prometo que compraremos outros depois, querida. Quantos
você quiser. — abrandei a voz, pois ela não sabe detalhes de nossa
partida repentina.
— Se você diz. — Cruza os braços e semicerra os olhos para
Camillo, que, por mais que tente, não consegue disfarçar sua
zombaria.
— Ouse relinchar feito um cavalo de mim, e eu juro que atirarei
em você! — resmungou mal-humorada, fazendo nós dois rirmos
alto.
Chegamos no terraço, onde o helicóptero já nos aguarda
ligado, e entramos nele sem demora. Somos tirados às pressas do
hotel. Eu e Camillo não deixamos de notar as várias viaturas de
polícia lá embaixo, cercando o prédio na tentativa de me pegar
desprevenido.
Para a minha sorte, foi tarde demais para eles. — pensei,
agradecendo mentalmente.
Giovanna segura minha mão, inocente quanto ao que se
passa. Com certeza, ela desconfiou que estávamos sob risco,
entretanto mal sabe que acabou de se livrar de uma enrascada
muito fodida. Uma que se tivesse sido concretizada, eu
provavelmente teria saído morto dela, pois não iria deixá-los vencer.
Descemos do helicóptero e corremos em direção à fábrica.
Quando dizem que nada acontece por acaso, é disso que estão
falando: uma compra inesperada me salvou de última hora. O que
seria um presente para Giovanna, tornou-se um esconderijo
perfeito.
Meus homens estão a posto, já Gabriel, em um timer perfeito,
para sua moto no mesmo instante que nós chegamos e desce.
— Vamos entrar! Preciso fazer duas ligações e te passar o
plano. — comuniquei-o, adentrando o prédio.
Por sorte, ele está vazio. A caminho para cá, avisei ao antigo
proprietário que faria uma vistoria no local para o reformar, e que,
portanto, precisaria de todos os funcionários dispensados pelos
próximos dias. O cara não se negou, é claro, e tratou de me atender
prontamente. Depois de ter negociado sua dívida comigo, e eu ter
sido benevolente em não o matar, esse era o mínimo que podia
fazer.
Camillo faz um sinal de que está pronto o que pedi, então
deixo Giovanna passeando pelo local que, desde a entrada, teve
sua total atenção devido a ser o que é, e entro no escritório.
Após fazer uma ligação rápida para Marco, deixando-o a par
do que está acontecendo, ligo para a Maria e a mando preparar
duas malas de roupas para entregar ao Rocco, que irá me enviá-las.
Matarei dois coelhos com uma cajadada só. Quero ter uma
conversa séria com ele, longe de toda a bagunça.
— O Elliot já mandou todas as documentações escaneadas e
as cópias dos arquivos do pen drive encontrados na mansão.
— Ótimo! Deixe-me ver se o que temos aqui, pode nos ajudar!
— Abro o notebook e, em seguida, a pasta enviada para o meu e-
mail.
Encontro documentações referentes às casas de pedofilia
iguais aos que o Harry me entregou. Fica interessante quando abro
a pasta de imagens e avisto fotos comprometedoras sobre pessoas
de renome para a alta sociedade enfiadas nas falcatruas do capo:
políticos, juízes, policiais e — pasmem — até mesmo o filho do
melhor amigo de Luigi, o exemplar embargador de justiça.
Todavia, não foi esse cara que me deu o sorriso grande que
estou ostentando neste momento, e sim uma certa pessoa especial
que, nem se eu nascesse de novo, iria imaginar vê-lo aqui. Esse é
meu passaporte para livrar minha cara e, ainda, ajudar o Vincent no
processo.
Quem diria? O carma é uma cadela.
— O Natal chegou cedo este ano, não é? — Camillo ri, tão feliz
quanto eu com a descoberta.
— Parece que sim. Essa vai ser a cereja do bolo se der certo o
que estou planejando. — comentei. — Gabriel! — chamei-o.
Desde quando ele chegou, está perdido em seu próprio mundo
particular. Preciso dele centrado.
— Sim! Achou um meio de nos tirar dessa enrascada em que
me colocou?
— Eu? — Viro a cabeça para o ver. — Tudo que você fez, foi
consciente, Gabriel. Eu não o forcei a nada. Mas, respondendo sua
pergunta... Sim. Eu disse que tenho um plano. Só preciso de um
favor seu para o executar.
— Fale! Já estamos atolados até o pescoço e na merda,
mesmo. O que é um peido para quem já está todo cagado? —
Arruma-se na cadeira, interessado em ouvir.
Respiro, sabendo que não vai ser fácil o que irei fazer.
— Eu vou me entregar. — anunciei, vendo todos arregalarem
os olhos.
— Você é doido, porra?! — Camillo gritou, quase pulando dois
metros de altura. Está assustado.
— Faço as dele, minhas palavras. — Gabriel concordou
consternado.
— Você não vai fazer isso, Henrique! Acabamos de escapar
deles. Qual é a lógica nisso? — Camillo inquiriu desolado.
— A lógica é que não tínhamos em mãos as provas que temos
agora. Se Gabriel fizer direitinho tudo que eu pedir, irei sair em
poucas horas do FBI, pela porta da frente e sem nenhum arranhão.
— expliquei decidido.
— Está muito confiante. O que tem em mente, que lhe dá tanta
certeza assim? E, não pense em mentir, Henrique! Sairei por aquela
porta e não voltarei se você me esconder alguns detalhes
mirabolantes que tiver. — Gabriel, sendo um tremendo babaca,
chantageou-me.
— Não é a minha intenção esconder nada. Preciso que você
saiba de tudo, já que estarei em suas mãos.
— Eeee! Não estou gostando disso. — Camillo falou todo
insolente.
— O negócio é o seguinte, Gabriel: você irá me levar e vai
limpar sua barra com seu chefe quando me entregar. Em seguida,
irá ligar para o secretário de segurança Barry Hermann e o mandar
para mim. Diga meu nome! Ele vai me reconhecer. Fale que quero
negociar, pois tenho algo do seu interesse.
— E se ele não aceitar te ver? — Gabriel questionou,
duvidando que tive uma boa ideia.
— Então, você vai dizer que se ele não aparecer dentro de 24
horas, fotos dele em um certo casarão de orgia estarão espalhadas
em cada canal televisivo que existir no mundo.
— O nome dele está... — Arregala os olhos e aponta para o
notebook. — Ali?
— Sim. — esclareci convicto.
— Porra! Isso é... Uau! — sibilou incrédulo. — Tem certeza que
deseja ameaçar o cara? Ele é peixe do tipo bem grande.
— Bom... Se queremos derrubar um tubarão, devemos colocar
outro na jogada. — Levanto-me, indo até a janela que vai do chão
ao teto. — Luigi vai jogar pesado e eu estarei preparado,
esperando-o. Vou tirar todas as suas chances de escapatória dessa
vez. — Quero ver como vai se livrar dessa.
— Se está tão certo disso, só posso dizer que estou dentro. —
Camillo me deu seu apoio, como sempre.
Olhamos para Gabriel, esperando sua resposta. Com um longo
suspiro, ele balança a cabeça positivamente, desgostoso.
— Fazer o quê? Vamos nessa! Espero que, realmente, saiba o
que está fazendo, Henrique.
— Eu sei. — respondi confiante, mesmo sabendo que tudo
pode acontecer.
Depois de passar mais alguns detalhes aos meus homens e
deixar tudo explicado, faço uma vídeo-chamada com todo o
Conselho. Eu preciso cortar os laços deles com o capo para o deixar
sem nenhuma opção. Após muito discutir com eles e provar minha
teoria, finalmente consigo que todos fiquem ao meu lado. É claro
que garanti limpar suas bundas gordas com o FBI e os livrar de
serem caçados. Esse foi o ponto fundamental para a decisão final.
Tendo resolvido essa parte, peço para que chamem a
Giovanna. E se pensam que, até agora, essa será a parte fácil, digo
que erraram feio. Essa mulher é o cão quando quer, e assumir que
irei me deixar ser preso, não é exatamente o que ela gostaria de
ouvir. Contudo, necessito me despedir dela. Será difícil, mas
preciso.
— O Camillo disse que você precisa falar comigo.
— Sim, angelo mio. — Sem espera, beijo-a, querendo gravar
mais uma vez o seu gosto.
É tudo que irei precisar enquanto estiver esperando pelo golpe
de misericórdia.
— Você irá para uma casa segura, porque não poderei
resolver as coisas com você aqui.
— É tão ruim assim?
Passo um dedo pela sua testa vagarosamente, desfazendo o
vinco entre suas sobrancelhas.
— Nada que eu não possa resolver. — respondi atordoado,
imaginando que podia estar lhe fazendo uma promessa falsa.
— Não está indo fazer nada estúpido, né? — E aqui está o
motivo de eu ser louco por ela.
Giovanna é uma mulher em ascensão. Pode aparentar ser
apenas uma menina, no entanto, em pouco tempo de conversa,
consigo enxergar como sua mente funciona. Para a pouca idade
que tem, ela é fantástica, esperta e observadora demais. O que a
faz aprender fácil, por entender tudo muito rápido. Eu estou ansioso
para a ver desabrochar e se tornar uma deusa, em todos os
sentidos.
— Já perdeu sua confiança em mim, boneca? — brinquei.
— Não. Só não gosto que fique todo misterioso.
— Eu sei que pode ser difícil, amor, mas acredite em mim
quando digo que tudo irá melhorar em breve e eu não estarei saindo
tanto para missões e sacrificando meu tempo com você.
— Tudo bem.
Beijo sua mão.
— Gostou do lugar?
— Sim. São lindos os tecidos que vi lá embaixo. Imaginei
muitos modelos feitos com eles. Posso escolher uns?
— Que tal escolher todos? — devolvi sua pergunta.
— Vai comprar todos? — perguntou espantada.
Essa mulher não faz ideia do que sou capaz de fazer por ela.
— Já comprei. — Abraço-a e sorrio enquanto vejo as írises dos
seus belos olhos azuis cristalinos aumentarem.
— Não acredito! — rebateu espantada.
— Pode acreditar. E tem mais. — Viro-a para a janela e me
posiciono atrás dela. — Tudo isso aqui é seu. É meu presente de
compensação por você não ter tido uma festa de casamento.
— Ai, meu Deus! — gritou animada. — Jura?!
— Sim. É a minha contribuição para a realização do seu
sonho.
— Eu já disse que te amo, hoje? — Pula em meus braços.
— Eu devo ter ouvido algo aqui e acolá, porém é bom que me
lembre disso sempre. — Pisco de um jeito safado.
— Você sempre leva as coisas para o lado sexual, não é? —
Gargalha toda feliz. Isso é o suficiente para me deixar em paz e com
a certeza de que estou fazendo a coisa certa.
— Isso é porque você é irresistível e sempre me faz lembrar de
uma deusa do sexo. Achei que fosse óbvio o quanto sou viciado em
você, Giovanna. — Eu te respiro e te transpiro, boneca.
— Eu não sei mais viver sem você, então trate de terminar
logo, seja lá o que vai fazer, e voltar para mim definitivamente!
— Para vocês. — Dobro-me e beijo a pequena protuberância
que me deixa de joelhos.
É por você, filho. É por você que irei me sacrificar.
Eu a levo de volta para o helicóptero juntamente com dois dos
meus melhores soldados e a ajudo a subir. Minha mulher vai para
um lugar seguro, longe disso aqui... Longe de Luigi.
— Seja forte! — pedi quando a vi se acomodar, sabendo que
as próximas horas não seriam fáceis.
— Eu te espero em casa. — Puxa meu rosto para um beijo.
Fico olhando para o céu até o helicóptero sumir da minha
visão.
— Ainda dá tempo de desistir dessa sandice. — Gabriel entra
no veículo.
— Eu lá sou homem de desistir de alguma coisa, Gabriel!
Vamos acabar logo com isso!
— Vamos lá! — Camillo liga o carro e acelera, levando-me
para o último lugar em que me imaginei ir parar um dia.

(...)

A comoção com minha chegada foi uma porra louca. Parecia


coisa de filme. Agentes corriam em filas para fora do prédio, como
se o fato de eu estar aqui, pudesse me fazer desaparecer a
qualquer momento, em um passe de mágica, se eles piscassem.
Jornalistas também cercavam a entrada, tentando conseguir o que
seria a manchete do ano. Posso até mesmo imaginar o título.
“Ex-fuzileiro das forças armadas e atual consigliere da maior
organização criminosa do mundo, foi capturado pelo FBI.”
Até o período da noite, minha cara irá estar estampada em
cada noticiário. É o assunto do momento. Só espero que Barry
apareça logo, ou irei ser o prato cheio das outras organizações se
chegar a ser trancafiado.
As malditas algemas apertadas fazem meu pulso doer e eu
querer chutar a bunda do Gabriel pelo exagero. Mas me mantive
calado, deixando-o fazer seu trabalho. Odeio não ter controle. Essa
é a primeira vez que estou deixando as decisões serem tomadas
por outra pessoa que não seja eu. Entretanto, confio no filho da
puta. É lógico que montei o esquema todo, porém, a partir do
momento que Gabriel tomou a frente, eu me tornei um reles
telespectador da minha própria vida.
Longe daqui, parecia tão fácil, mas estando aqui, o frio na
barriga não é imperceptível.
Adentrando o prédio de cabeça erguida e sem demonstrar
resistência, fui levado à sala de interrogatório, onde já estou de
molho há umas três horas. Eu sei como funciona a coisa toda: estão
tentando me intimidar e me fazer quebrar. O que eles não sabem
sobre mim, é que já sou quebrado. E não se pode fazer isso com
alguém que já foi massacrado várias e várias vezes. Usar suas
torturas psicológicas não irão me fazer falar tudo que sei. Para o
azar deles, sou um homem paciente que sabe aguardar.
E assim se seguem mais algumas torturantes horas a fio. Até
que o agente Bryan se senta na minha frente.
— Eu não sei o que está planejando, Cavallari, mas te digo
que não dará certo.
— Tem certeza? — retruquei prepotente.
— Estou me questionando o porquê disso tudo e ainda não
cheguei a nenhuma conclusão. — Encara-me.
— Devo lhe dizer que não é um homem muito inteligente,
então. — Tiro uma gargalhada sua.
— Você é tudo aquilo que me falaram. — Observa-me com
atenção.
— E o que te disseram sobre mim? — inquiri, sendo
provocativo.
— Que é ardiloso e escorregadio. Estou tentando imaginar se
aprendeu a ser assim nos seus anos servindo ao exército ou à sua
organização.
— Não sei do que está falando. Sou somente um empresário.
Pode me dizer do que, exatamente, estão me acusando? — Coloco
os braços em cima da mesa, fazendo-o recuar um pouco para trás.
— Assassinato de Paul Ferrari. Lembra-se dele? — Espalha
em cima da mesa as fotos do seu corpo mutilado.
Mantenho minha expressão neutra após ouvir o nome do
antigo chefe da CIA. Uma porra de piada! Se eles soubessem o
tanto de coisas piores que já fiz, iriam me levar diretamente à
cadeira elétrica.
— Não vejo onde sou culpado pela sua morte. Tudo que
sabemos é que ele foi morto pelos russos. — neguei meu
envolvimento.
— Não se faça de idiota! Todos sabiam do seu
descontentamento com a liberação dele. — acusou-me novamente.
— Uma reação comum se considerar os motivos que o levou à
prisão. Eu perdi dois dos meus homens na época e todos da minha
antiga equipe ficaram abalados, não aceitando bem o acordo que
fizeram com ele. A pergunta aqui é: vocês interrogaram todos os
outros também ou apenas eu fui escolhido para o abate? —
indaguei cinicamente.
— Não vai escapar dessa, Cavallari. Agora, que entrou aqui,
faremos de tudo para que seja levado a julgamento.
— Eu duvido muito, mas vou deixar vocês pensarem que sim.
— Cruzo os braços, encarando-o.
— A sua única chance é assumir a culpa e fazer um acordo
conosco.
Ah! O bendito acordo. Ele estava demorando de aparecer em
pauta.
— Sabe o que acho? — Analiso-o de perto. — Que vocês não
têm nada contra mim e apenas me querem aqui para obterem uma
confissão minha de algo em que não tenho culpa. — Não sozinho,
pelo menos.
— Já percebi que não vai colaborar. — Levanta-se e cata as
papeladas da mesa. — Deixaremos você passar a noite aqui, para
que refresque sua memória. Amanhã tentaremos de novo.
— Boa sorte! — falei, encostando-me na cadeira e dando por
encerrada a nossa calorosa interação.
Ele sai batendo a porta e eu abaixo a cabeça, permitindo-me
repensar nos motivos de estar passando por tudo isso. Logo relaxo,
negando-me a me sentir derrotado.
E, assim, os minutos seguintes viram horas, e as malditas
horas se transformam em dias. Acho que, no fim, nem tudo saiu
como planejado.
Sete dias se passaram. Sete noites sem dormir direito e uma
semana a base de pão e água, contusões pelo rosto, cortes pelos
braços e hematomas espalhados pelo corpo. Esse foi o tratamento
VIP que recebi por não ceder; a forma que acharam de me punir por
não ter “colaborado” com eles. Nesses dias, eu não vi o Gabriel,
nem fiquei sabendo se ele conseguiu falar com o maldito secretário.
E enquanto não o trouxer — se é que ele virá —, irei ser o novo
brinquedinho favorito deles.
Fecho os olhos, cansado pelas noites mal dormidas, e ouço os
gritos distantes dos presos. Ao menos ser colocado na solitária me
deu uma vantagem: ainda respiro. E isso já um grande feito.
A porta logo range e eu me levanto, pronto para uma briga.
Mas não são os guardas dessa vez, e sim o Bryan com seu
gorduroso sorriso provocador.
— Pronto para aceitar o acordo? — Joga um papel em cima da
cama. — É só dizer que sim, Henrique, e estará fora daqui na hora
que quiser.
Bufo indignado. Devo ter escrito na testa a palavra “palhaço”.
— Você me subestima, Bryan. Eu não fui considerado o melhor
da minha equipe por tão pouco. Sou mais forte do que aparento.
Achei que todos esses dias aqui já haviam lhe ensinado isso. —
retruquei, irritando-o com minha recusa.
— Sim. Você é mais resistente do que esperávamos, mas não
é de ferro. — Dá sinal para que os guardas entrem.
Os covardes jogam água em mim e vêm na minha direção,
derrubando-me no chão e me atingindo com arma de choque.
Aproveitando-se do meu estado de indefeso, os filhos da puta me
chutam e me batem com um cacetete várias vezes.
Eu queria uma luta justa para ensinar a esses imbecis como se
tortura alguém de verdade.
— Chega! — uma mulher loira muito bem vestida gritou ao
entrar, observando a cena. — Podem deixar conosco daqui em
diante! — avisou ao almofadinha.
— Eu não fui avisado da sua chegada. — Bryan sibilou
raivoso.
— Seus serviços não serão mais necessários. Esse caso é
nosso agora. Pode sair. — ordenou com autoridade.
— Vocês, da CIA, sempre estão nos passando a perna. — ele
resmungou, deixando-nos sozinhos.
Ótimo! Se ela é da CIA, veio fazer o serviço sujo do secretário.
— Você tem muita coragem. — Olha-me com um ar de
superioridade. — Ameaçar o secretário da segurança nacional?
Levanto-me sentindo o chão rodar. O gosto do sangue me
deixa enjoado.
— Gostou da sua estadia aqui, Henrique? — perguntou
seriamente, batendo um salto fino no chão. — Eu pedi que te
dessem um tratamento especial.
— Se veio terminar o serviço, é melhor aproveitar que estou
ferido.
— Não vim te matar, e sim avisar que sua proposta foi aceita.
Seu amigo o levará diretamente a ele. Lá poderão negociar.
— E precisou vir aqui pessoalmente me dizer isso? Para quê?
— indaguei, certo de que tem mais coisas por trás da sua visita.
— Eu queria conhecer o homem que deixou o meu pai a um
passo da loucura. — Abre um sorriso perverso. — E avisar que,
dessa vez, terá o que deseja, mas que na próxima, eu acabarei com
você, mesmo se precisar sacrificar meu pai junto.
Vai ter que entrar na fila.
Franzo a testa como reação à raiva imposta na sua voz ao se
referir a mim.
— Não se preocupe! Garanto que nunca mais me verá de
novo.
— Eu espero que não. — Olha-me de cima a baixo e sai da
mesma maneira que chegou: misteriosa e presunçosa da cabeça
aos pés.
Molhado e tremendo de frio, sento-me no pedaço de concreto
que ousam chamar de cama.
Para a minha sorte ou azar, não muito tempo depois, Gabriel
entra acompanhado de outro homem. Com a raiva que estou
sentindo, empurro-o contra a parede, segurando-o pelo pescoço.
— Tá brincando comigo, porra?! — esbravejei, socando um
lado do seu rosto.
— Solte ele! — o outro homem exigiu ao meu lado, puxando
uma a arma.
— Calma, Henrique! Estamos aqui para te ajudar. — Ele troca
um olhar conhecedor comigo e eu me afasto.
— Uma semana, Gabriel. Suponho que você não seja bom de
matemática ou, talvez, surdo. Eu me lembro de ter dito 24 horas,
não sete dias, caralho!
— Não foi tão fácil um simples agente como eu chegar perto
do secretário, homem. Eu não sou um deus. Sem a ajuda dos meus
contatos dentro do FBI e agindo por conta própria, foi difícil
encontrá-lo. Acredito que ele tenha sido avisado sobre sua prisão e
se escondido por uns dias.
— Conseguiu? É isso que me importa. — cortei sua conversa
fiada.
— Sim. Esse é o Caleb. — apresentou-me o outro cara. —
Chefe de segurança dele. Irá nos levar até o local para
conversarmos.
A essa altura, eu quero matar o desgraçado do Barry. Se o
conheço bem, tentou me passar a perna e não teve êxito.
— Vamos? — Gabriel dá um tapinha nas minhas costas,
deixando-me ainda mais irritado.
— Preciso tomar um banho e comer antes de irmos. Pelo visto,
vocês têm a mania de matar os presos de fome.
Ao lado de fora, sou recebido por um Camillo preocupado. Eu
não me vi no espelho ainda, contudo imagino que minha aparência
esteja muito ruim, devido à sua cara de espanto quando me vê.
— Eu trouxe suas coisas que recuperei do hotel. — Aponta
para a mala dentro do porta-malas.
— Bom!
— O laranja do uniforme destacou seus olhos. — o figlio di
una cagna me provocou.
— Eu te garanto que vermelho combina muito mais.
O puto gargalha com minha resposta.
— Esse é o momento em que eu digo que te avisei? —
Observa-me tirar o macacão.
— Camillo, abra a boca para me dizer outra coisa que não seja
sobre comida, e eu juro que sua cara será meu saco de pancadas!
— Ingrato! — resmungou.
— Como está a Giovanna? — Estou preocupado. Não era
minha intenção ficar longe por tanto tempo.
— Segura. — foi curto e grosso.
— Não foi isso que perguntei. — Coloco meu paletó.
— Preocupada, Henrique. Você preocupou todos nós. —
confidenciou baixo.
— Eu o analiso de perto e percebo seu abatimento. Devo
imaginar que, nesses sete dias, ele não pregou o olho também,
ajudando Gabriel.
— Eu negociarei nossa liberdade, amico. Tudo isso não foi em
vão.
— Eu nunca duvidei disso, chefe.
— Vamos! Vá me passando o relatório durante o caminho
sobre o que aconteceu nos últimos dias pelas minhas costas.
A estrada feita de cascalho nos leva a uma imensidão de
árvores. O casarão é bem típico de um figurão importante, com dois
andares e janelas enormes de vidros. A grande construção de
madeira é cercada por verde e por um enorme lago que dá a volta
por trás dela. Sinto até mesmo uma pontinha de inveja ao me
deparar com a tranquilidade que o local me passa. Com certeza,
esse seria um lugar em que eu gostaria de morar com minha família,
visto que é afastado da agitação da cidade e do tumulto causado
pelas pessoas apressadas, correndo contra o tempo.
Barry desce a rampa e segura no corrimão. Seu cabelo parece
brigar com ele, pois está espalhado por várias direções. Com todo o
dinheiro que tem, o cara não faz sequer um corte descente no
cabelo. Não o vejo há quase vinte anos. O tempo não foi generoso
com ele, e isso está óbvio em sua aparência desgastada.
— Eu estava o esperando. Vamos entrar e terminar logo com
essa baboseira!
— Ótimo! Isso é exatamente o que eu iria sugerir. —
Acompanho-o para dentro.
— A minha filha me avisou sobre seu interesse em me visitar.
Confesso que não coloquei fé que você iria sobreviver tantos dias.
— comentou, comprovando minha tese de que ele me deixou
mofando naquela prisão por uma semana para morrer.
— É uma pena lhe trazer tanto desgosto. Acho que o diabo
ainda não quis cobrar sua dívida comigo.
— Para meu azar. — rebateu inconformado. — Eu quis testar
você, e quando percebi que não iria me entregar realmente, aceitei
sua proposta.
E vai se arrepender por isso.
Inclino-me para a frente, colocando meus cotovelos sobre os
joelhos.
— Está aqui o que eu acho que aconteceu. — Dispenso a
bebida que é oferecida para mim. — Eu penso que você tentou
renegociar com o Luigi e não conseguiu. — acusei-o, certo do que
falava. — Como deve ter achado que eu estava blefando, não veio
de imediato ao meu encontro, e quando Luigi não se importou com
seus pedidos de socorro, você mandou a filhinha limpar sua bunda
suja.
Ele ri, amargo.
— Eu gosto de você, Henrique. Sempre o achei perspicaz
demais. Aposto que realmente deu um fim em Paul, só que foi
esperto em não deixar rastros. — Beberica a bebida cor de âmbar.
Não nego, nem afirmo nada.
— Era para ter morrido naqueles ataques. Já que virou uma
pedra no meu sapato, eu precisava me livrar de você. — confessou.
Avanço sobre ele, acertando um murro em sua cara.
— Eu sempre desconfiei de você, porque a saída do Paul
deixou um ponto de interrogação em minha cabeça. Um que,
mesmo sendo torturado, ele não me esclareceu. — Aperto a lâmina
da minha faca com tanta força, que um filete de sangue escorre pelo
seu rosto enrugado.
— Se me matar, não terá o que deseja. Você precisa de mim,
filho... Vivo! — Vejo o medo em seus olhos.
Se a negociação não fosse tão importante, eu iria cortá-lo ao
meio.
— Você está certo.
Por enquanto. — acrescentei em pensamento.
— Eu preciso sim, da mesma forma que você precisa de mim.
Não me matou porque sabia que iria se ferrar. — garanti em tom
jocoso.
— Quais são suas condições, Henrique? — Tira um lenço do
bolso para limpar sua ferida aberta.
— Tudo. Eu quero tudo. Meu nome limpo, os membros da
minha organização fora do seu radar... Quero que dê a ordem para
que todas as provas que tiver contra nós, sejam destruídas.
— Ou...? — Olha-me de um jeito cético.
— Ou todas os documentos que tenho sobre você, irão parar
nas mãos do seu querido chefe. Um homem conservador como ele,
tentando se reeleger, não irá querer um escândalo na mídia
envolvendo seu nome. Irá?
— Acha que me importo em morrer? — gritou irado.
Acendo meu cigarro. Odeio essa porcaria, contudo é melhor do
que nada, já que é difícil achar dos meus charutos nas lojas de
conveniência.
— Eu não sei, apesar de achar que a morte para você é um
caminho muito fácil. Pergunto-me se vai conseguir viver, sabendo
que foi a causa da morte de sua querida filha.
— Não meta minha família no meio, Henrique! Você não sabe
do que sou capaz.
— Faça o que estou pedindo! Ou sua filhinha irá receber minha
visita nada cordial. Garanto que meus homens adorariam brincar
com ela.
Ele bufa feito um touro bravo, levantando-se, vai até a parede,
tira de lá uma pequena maleta cheia de documentos das falcatruas
dos membros do Conselho da Camorra e me entrega. Pelo telefone,
ainda liga para o que eu imagino ser sua arma secreta e pede para
que deletem do sistema todos os arquivos coletados sobre os
homens da nossa organização.
— Eu quero uma garantia de que vai cumprir com sua palavra
e nunca mais usar isso contra mim. — pediu com raiva.
— Eu sou um homem justo, Barry. — Entrego-lhe o envelope
que contém apenas as provas contra ele. As outras foram passadas
ao Vincent, para conseguir seu acordo com o juiz.
— Tudo feito. Eles voltaram para a estaca zero e todas as
acusações contra vocês foram retiradas.
— Foi bom fazer negócios com você. — Estendo uma mão
para pegar minha arma. A qual uso para atirar em seu peito.
— Mas... — Arregala os olhos e segura o peito, de onde o
sangue escorre. — Eu fiz minha parte.
— E aprecio isso. Como eu disse, sou um homem de palavra.
Todas as provas contra você estão aqui. É uma pena que não terá
tempo sobrando para as destruir antes de acharem seu corpo sem
vida.
— Seu desgraçado... — Tenta falar, mas tosse, com dor.
— Somos mafiosos, Barry. Nossa palavra vale apenas para
quem merece. Achei que já tinha aprendido sua lição com o Luigi. E,
só para que fique claro, os próximos tiros serão por você ter tentado
me matar. — Descarrego a arma nele.
Tiro uma foto do seu corpo e a envio aos membros do
Conselho, provando minha lealdade e cobrando suas partes do
acordo que fiz com eles, na fábrica: matar o Barry em troca de tê-los
apoiando o Vincent como capo.
Vou em direção à porta e encontro Camillo junto a outros
soldados, jogando os corpos dos seguranças de Barry no lago.
Gabriel sobe a rampa e para ao meu lado.
— Da minha parte, está liberado, Gabriel. — dispensei-o.
— Acho que estamos quites. Certo? — Observa meus homens
trabalhando.
— Sim. Agradeço por toda sua ajuda. — Toco sua mão, em
cumprimento.
— Nós nos vemos por aí. — despediu-se antes de partir.
Assim que Camillo e os outros finalizam tudo, pegamos a
estrada para irmos embora com o sentimento de dever cumprido.
Estou voltando, angelo mio, e estou indo para casa.
Estou andando pelo jardim feito uma barata tonta e sentindo
muita saudade dele. Não consigo dormir desde que Elliot me avisou
sobre sua chegada. Ficar sem ele durante todos esses dias, não foi
nenhum pouco fácil. Além disso, surtei, literalmente, quando vi os
jornais noticiando sua prisão. Henrique pediu para que eu fosse
forte, mas nada havia me preparado para o intenso medo que senti
de nunca mais vê-lo, após descobrir tudo. Ficamos sem notícias
suas e sem saber onde ele estava. Camillo até se aproximou mais
de mim para tentar me consolar e dizer que meu marido sabia o que
estava fazendo. Mas, quem podia garantir para mim que ele iria
conseguir sair de lá e voltar? Que as organizações inimigas não
iriam aproveitar essa oportunidade para o matar? Eu tive pesadelos
quase todas as noites só de pensar nessas possibilidades.
Mesmo de longe, ele ainda teve o cuidado de cumprir o
prometido a mim: investiu pesado nas minhas aulas de desenho. Eu
estou animada para lhe mostrar o quanto já aprendi com a
magnífica Madalena Florence. Ela tem sido uma ótima professora
de design e eu estou aprendendo bastante com as dicas dela.
Essas aulas foram essenciais para que eu não ficasse depressiva
por não ter o meu marido por perto.
— Oh, minha menina! Graças a Deus, ele já está voltando para
nós. — Maria me puxa para um abraço.
— Estou tão ansiosa, Maria. Eu sei que o Camillo me disse
que ele está bem, mas quero vê-lo com meus próprios olhos. —
Sorrio animada. — Mande Teresa fazer todos os seus pratos
favoritos! Ele deve estar com saudade de comer uma boa comida.
— Agora mesmo, filha. — Vai sorridente em direção à cozinha.
Giulia passa por mim, torcendo o nariz. Nos últimos dias,
cheguei ao meu limite com ela, porque teve a ousadia de me culpar
pela prisão do meu marido. Sem contar as variadas piadinhas que a
garota andou soltando, dando a entender que sabia de algo que não
deveria. Eu preciso dar um fim nisso, e vai ser agora.
— Giulia! — chamei-a antes de sumir da minha visão. —
Escritório agora! — exigi, já tomando a frente, sem esperar sua boa
vontade de me responder.
Sento-me na cadeira e a aguardo se acomodar em minha
frente. Giulia é uma mulher muito bonita, alta, esbelta, loira natural e
de olhos claros. É uma pena que sua beleza não faça jus ao seu
caráter. O que tem de bonita por fora, tem de podre por dentro na
mesma proporção. É cínica, manipuladora e invejosa. Combinações
fatais para alguém com ambições e desejo de poder.
Em outros tempos, eu teria a chamado para trabalhar comigo
na coleção que comecei a desenhar. Ela seria uma excelente
modelo e tenho absoluta certeza que faria muito sucesso, pois é do
tipo que se destaca. Mas não sou estúpida. Vejo seu modo de agir
pelas minhas costas.
Infelizmente, eu lhe deixei chegar longe demais, então terei
que colocar um ponto final nessa situação logo. Já está ficando
constrangedor e insuportável para mim e Maria a manter por perto.
Se Giulia quer agir de acordo com sua consciência, tudo bem. Mas
terá que aguentar as consequências dos seus atos desrespeitosos.
Fora suas insinuações sobre minha gravidez, temo que ela faça mal
ao meu bebê, se continuar aqui.
— O que foi dessa vez? — questionou com voz de entediada.
— Olhe, Giulia! Eu tentei... Juro que tentei te entender e
relevar suas constantes alfinetadas, mas já deu para mim. Você teve
chances demais e eu não posso mais suportar sua presença nesta
casa. Por isso, estou te demitindo.
— O quê?! — berrou, levantando-se. — Eu não vou sair daqui.
— Receberá uma boa quantia pelos seus serviços prestados.
Além disso, eu me comprometo a pagar a faculdade que sua avó
disse que você deseja fazer. — fui taxativa sobre minha decisão.
— Escute aqui, sua sonsa! Só sairei dessa casa se Henrique
me colocar para fora. Você não tem moral para me demitir. Eu não
aceito isso.
— Escute aqui você, mocinha! Eu sou a dona desta casa, e o
que digo é lei. Meu marido manda nos seus negócios da máfia,
porém a decisão de quem fica e sai daqui, é minha. E estou dizendo
que quero você fora daqui. — esbravejei, perdendo a calma.
Ela sorri friamente.
— Ah, Giovanna! É tão bonitinho o modo como se ilude. Chega
a ser engraçado vê-la confiante de que manda em alguma coisa.
Porém, deixe-me dizer o que você vai fazer: arrume suas coisas e
fuja para as montanhas com esse bastardo que espera! Porque o
meu homem não merece e não vai aceitar os restos de outro. Eu
farei sua mala pessoalmente quando ele chegar, já que irei lhe
contar tudo. — berrou aos quatro cantos.
Congelo em meu lugar, começando a tremer de raiva. Só pode
ser uma brincadeira de mau gosto com minha cara. Essa garota não
pode saber sobre o meu segredo. É uma tentativa de me pegar
desprevenida. Só isso.
— Eu não sei o que pensa que sabe, Giulia, no entanto
aconselho que se cale agora, ou irá se arrepender das suas
próximas palavras.
Ela bate as mãos sobre a mesa, rindo histericamente. Parece
uma desequilibrada.
— Eu vou adorar vê-la ser jogada na rua como a vadia que é,
com uma mão na frente e outra nas costas, depois que Henrique
souber de tudo. Porque eu irei lhe contar exatamente o tipo de
mulherzinha que você é, Giovanna.
Parto para cima dela, perdendo a compostura. Giulia foi longe
demais. Agora, irei ensinar a essa cadela, de uma vez por todas,
que não se deve mexer comigo.
Desfiro nela um tapa certeiro que estala alto no cômodo.
— Você é uma cretina, filha da puta! — rosnei, empurrando-a.
Isso a faz se esbarrar na instante e derrubar vários livros no chão.
— Ele merece alguém melhor do que você. Eu te avisei que
não iria deixar barata a sua intromissão nesta casa. — ladrou
furiosa, devolvendo o tapa recebido.
Não me dou por vencida e avanço para cima dela novamente
com a mão fechada, acertando-lhe um soco no nariz. Papai nunca
treinou as filhas, no entanto as minhas constantes brigas com meu
irmão me ensinaram alguns truques para me defender quando
precisar.
— Você é baixa, mesquinha e nunca será nada mais do que
uma empregada. Isso não é assunto seu, para se meter, sua vadia
ordinária! — Seguro-a pelos cabelos e bato sua cabeça na madeira
da estante.
Ela se debate, tentando me tirar de cima dela, e eu aproveito
para lhe dar mais alguns tapas no rosto.
— Eu vou te matar, Giovanna! Esse bastardinho não irá
nascer.
Seguro seu pescoço, com raiva, por estar grávida e querer
proteger meu bebê. Só que ela consegue se soltar com facilidade e
chutar minha canela, quase me fazendo cair.
— Escreva o que estou te dizendo, Giulia! Eu posso me ferrar,
mas vou levar você comigo. Nenhuma de nós duas ficará com ele.
Ela ri da minha cara.
— Eu terei prazer em vê-lo te colocando em um prostibulo, de
onde nunca deveria ter se livrado de ir. Terá o mesmo destino que a
adorada irmãzinha dele, Eva, teve.
Isso foi baixo até mesmo para ela.
Seguro o primeiro objeto que encontro na minha frente — por
sorte, é um cinzeiro de ferro — e taco ele em sua direção. Nervosa,
acabo errando a mira e acertando a parede ao lado do seu rosto. O
que a faz gargalhar de mim mais uma vez.
Eu queria machucá-la e a ver sangrando, por tudo que está me
fazendo. Esse é o nível de maldade que ela desperta em mim.
Logo me lembro da arma que Henrique deixa na gaveta do
escritório e, sem pensar duas vezes, pego-a, destravo-a e miro em
Giulia. Se ela não quer sair da casa por bem, irá sair por mal, nem
que seja morta.
— Sua vagabunda! Saia da minha casa! — vociferei,
segurando meu abdômen com uma mão e me sentindo fraca,
exaurida, pela discussão.
— Não sou eu quem estou casada com um homem e o
enganando, estando grávida de outro. Vamos ver o que Henrique irá
achar quando souber que sua amada esposa não passa de uma
mentirosa oportunista. — ameaçou rancorosa.
Arregalo os olhos quando Henrique aparece atrás dela,
seguido por Maria e Camillo. Quando seus olhos vazios e
destituídos de qualquer emoção encontram os meus, já sei que ele
ouviu tudo. Espero conseguir contornar a situação. E ao ver a
decepção estampada em seu rosto, imagino que não será tão fácil
assim. O que eu tanto temia, aconteceu.
A vida, sendo uma maldita cadela no cio, derrubou-me no chão
e deu na minha cara por eu ter ousado achar que iria me sair livre
dos meus erros. As suas lições são punitivas e severas ao ponto de
te fazer desejar a morte acima de querer receber tais retaliações.
A hora da verdade chegou, e nem o diabo ficará para assistir à
minha desgraça nesse momento.
Meu escritório está um caos por causa da briga das duas,
entretanto nada disso importa para mim, a não ser a mulher pálida
em minha frente. A única que amei mais do que qualquer coisa
neste mundo e, ainda assim, enganou-me. Meus olhos trancados
aos seus imploram para que ela desminta e negue as acusações
feitas pela Giulia. Espero que diga qualquer coisa para aplacar a
minha sensação de traição.
Nego-me a acreditar que ela tenha feito isso comigo: fazer eu
assumir a paternidade de uma criança que não fosse minha, sem
me dar o direito de escolha. Giovanna não me enganou por tanto
tempo. É uma invenção, uma acusação sem fundamentos. E eu irei
matar a Giulia por propagar essa história descabida. Tem que ser
mentira. Caralho! Eu vou surtar se ela confirmar.
— Fora Giulia! — ordenei sem olhar para a garota
descabelada.
— Mas, Henrique... Ela tem te enganado todo esse tempo. —
ainda espezinhou na ferida.
— Fora, porra! Isso não é assunto de empregada. —
esbravejei revoltado, fazendo-a se encolher.
Maria entra e a tira imediatamente da minha frente. Não as
olho saírem, pois meu assunto não é com elas.
Eu não quero admitir a verdade para mim. Não sem antes
ouvir a versão de Giovanna. Espero, sinceramente, que as
alegações sejam falsas.
— Diga que é mentira, Giovanna! — Seguro seus pulsos,
esperando que ela me fale que tudo foi um mal-entendido e que
Giulia estava apenas causando intrigas.
Ela abaixa a cabeça, derrotada, e como se puxasse um
curativo de uma ferida mal curada, diz de uma vez.
— O bebê não é seu. — murmurou a temida frase que ouvi
sair da boca de Giulia e que estava me sufocando.
É mil vezes pior vindo dela. Frase essa que me atinge como
um soco no estômago.
Eu a solto como se estivesse pegando fogo e me afasto. Em
minha mente, um turbilhão de pensamentos se atropela como um
trem desgovernado.
Na esperança de ter ouvido errado, resolvo perguntar de novo.
— O que você disse?
— Ele não é seu. — reafirmou cabisbaixa.
Dio! Que ela não tenha me traído aqui, debaixo do meu nariz!
Eu não vou suportar.
— Quem é o pai dele, Giovanna? — questionei entre os
dentes. — Qual foi o desgraçado que você permitiu que a tocasse?
— Avanço para cima dela, cheio de cólera e me sentindo magoado,
enganado. No último instante freio-me e paro há poucos passos de
onde ela está. — Diga, Giovanna!
— Eu não te traí, Henrique. Pelo amor de Deus! Eu jamais
faria isso. O bebê é do Damien.
Dele! O desgraçado, mesmo depois de morto, veio me afligir.
Dou dois passos para trás, querendo que o chão se abra e me
engula por inteiro.
— Consegue entender a gravidade da situação em que esse
maldito nos colocou? — acusei sem piedade. — Além de te abusar,
mentir e te jogar para a morte, fez o favor de engravidá-la antes que
resolvesse chegar à conclusão de que não valia a pena morrer por
você. Eu posso ser destituído do meu cargo de conselheiro, ser
rechaçado pela organização ou até mesmo morto por esconder a
verdade deles. Como acha que eles me verão depois que
descobrirem tudo que você fez?
— Eu sei de tudo isso, Henrique. O que queria que eu fizesse?
Que matasse o meu bebê?
— Eu queria que tivesse sido sincera comigo, porra! Era tão
difícil assim, não agir feito uma cadela egoísta e ser verdadeira ao
menos uma vez na sua vida com a pessoa que você dizia amar?
Sei que minhas palavras as magoaram, mas foda-se! Eu não
podia me importar menos em amenizar o que dizia. Estou irritado
demais e ferido, para dar importância aos seus sentimentos. E, por
que deveria? Ela não teve a mesma consideração por mim.
O gosto amargo da decepção toma minha boca e, em um
rompante de raiva, jogo tudo de cima da mesa, no chão.
— Eu lutei por você e enfrentei todos por você! E, para quê?
Hum?! — Caminho até onde ela ainda está petrificada. — Para ter
você rindo da minha cara e me fazendo de otário?
— Eu tive medo. Não acha que não pensei em te contar várias
vezes? Eu só não tive coragem. — Chora e tenta me tocar.
— Você mentiu para mim, Giovanna, enquanto ouvia minhas
declarações em todos os momentos que estive dentro de você,
dizendo o quanto eu te amava. Isso é o suficiente para me fazer
odiá-la ainda mais. Tudo que pedi, foi sinceridade, e nem isso foi
capaz de me dar.
— Não, Henrique! Entenda! Eu quis te proteger. — Chora
copiosamente.
Rio desgostoso.
— Você quis se proteger e proteger a porra do filho dele. O
que achou que eu iria fazer quando soubesse, Giovanna? Matar a
criança? Ou você?
Seu lábio inferior treme, e mesmo que ela não diga uma sílaba,
o resultado desse gesto foi o mesmo que se tivesse dito que não me
ama. Burro como sou, ainda seria capaz de perdoá-la se afirmasse
isso. O seu silêncio me disse tudo que eu precisava saber.
Giovanna achou que eu a mataria e que tiraria seu filho dela.
No fundo, sei que me enganei ao pensar que poderia tê-la para
mim e que a faria se esquecer dele. Foda-se! Isso foi pior que cravar
um punhal em meu peito e torcer.
— Você pensou que sim, não é? Também, pudera! Um homem
ruim como eu, deve comer mulheres e crianças inocentes no café
da manhã. — ironizei ofendido.
— He... Henrique! — Ela tenta me segurar e eu empurro suas
mãos, não confiando em mim no estado em que estou.
— Durante todo esse tempo, eu tentei, Giovanna... Tentei, de
todas as formas, fazê-la enxergar que eu queria ser o melhor para
você. Apenas por você, porra, eu faria qualquer coisa! E, mesmo
assim, isso não foi o suficiente para te fazer confiar em mim. —
sussurrei, fechando a mão.
Estou injuriado e com tanta raiva dela, que todo o sentimento
negativo que tenho, não cabe dentro de mim. Por isso ele saiu em
cada palavra que pronunciei.
— Eu confio. — sussurrou chorosa. — Eu te amo, querido!
Tudo o que fiz, foi para não o magoar.
— Pelo jeito, não surtiu o efeito esperado. Certo? O resultado
foi mil vezes pior, já que eu soube por outra pessoa. Arrume suas
coisas! — mandei, ainda injuriado. — Eu quero você fora daqui.
— O... O quê? — indagou, fazendo-se de ofendida, quando
deveria ser eu agindo de tal forma.
— Você vai sair desta casa e ficar longe de mim. Eu não quero
vê-la mais. — comuniquei-a, sem forças para continuar nossa
conversa.
Diabos! Acabei de chegar de Nova York, depois de uma
semana no inferno, e ela era tudo que eu queria. Entretanto, não
podemos ter tudo que queremos. E aprendi isso agora, da pior
forma possível. Nem todas as surras que ganhei na prisão ou
quando fui treinado, doeram tanto quanto a mentira dela. Ela ainda o
ama, e essa constatação é o que mais me deixa desolado.
— Você não pode me mandar embora, Henrique. Eu sou sua
esposa.
— Ah! Agora, você se lembra disso? Diga-me quando agiu
como tal!
Odeio o fato de, mesmo agora, ainda querer consolá-la.
— Por favor, perdoe-me! Eu prometo nunca mais mentir. —
implorou, segurando-me pelo braço.
— Vá, Giovanna! — ordenei firmemente. — Você nunca me
quis e sempre deixou isso claro, desde a primeira vez que nos
vimos. Estou te libertando para ir viver sua vida. Saia! Você terá
uma casa e eu te depositarei um dinheiro para sobreviver com a
criança. Porém, nosso relacionamento acaba aqui.
— Não! — gritou descontroladamente, colocando a mão na
boca para tapar os soluços altos que lhe escaparam. — Não
percebe que isso é um castigo, porra?!
Eu teria rido se a situação fosse outra, porque essa foi a
primeira vez que a vi se impor, sem reservas. Essa era a Giovanna
que eu queria: forte e destemida. Eu odiava sua versão insegura,
chorona e dependente de aprovação. Contudo, constatei um pouco
tarde demais que não faz mais sentido sonhar com o impossível. Eu
poderia tê-la ensinado a ser a melhor, se ela quisesse isso. Seria a
rainha perfeita da Camorra.
Caminho até onde ela está e seguro seu rosto entre minhas
mãos. Sua respiração se encontra descompassada e seu rosto
banhado por constantes lágrimas.
— Então, que seja esse o seu castigo, doce Giovanna: saber
que me teve em suas mãos e jogou fora a sua oportunidade, por
covardia.
— Não! Você não vai me empurrar! Eu não vou admitir que me
exclua da sua vida. Onde estão as suas juras de amor nisso, que
diziam que eu era sua e você meu?
— Foi você quem me empurrou. — Soco a parede, fazendo-a
se encolher temerosa. — Você que destruiu tudo! Você que
descumpriu seus juramentos! E, já que não quer sair, tudo bem.
Saio eu. — Solto-a, sigo para a porta e a abro para ir respirar longe
dela.
Camillo me olha preocupado, pois sabe como eu fico quando
perco a cabeça, já que presenciou o meu pior em várias ocasiões.
Um lado que Giovanna não teve o prazer de conhecer, porque tudo
relacionado a essa mulher, desequilibrava-me e me deixava
vulnerável ao ponto de esconder meu lado mais selvagem, para não
a assustar.
— Não a deixe vir atrás de mim! Eu não estou em um bom
momento. — pedi ao Camillo.
— Sim, senhor. — Parece preocupado com meu estado.
— Henriqueeee! — Giovanna tenta se aproximar, porém é
barrada por Camillo. — Não vá embora! Você prometeu nunca me
abandonar.
Engulo meu orgulho por tempo o suficiente, apenas para ousar
olhá-la pela última vez e registrar suas expressões. É desse
momento que eu quero me lembrar, para não me esquecer do que
ela me fez e acabar a perdoando.
— Pelo jeito, nenhum de nós dois está apto a fazer promessas,
não é? Eu amei você, Giovanna, mas irei aprender a te esquecer. —
Antes de continuar seguindo meu caminho, viro-me para lhe dar um
último golpe e a deixar sentir na pele a agonia que estou sentindo.
— E, só para que saiba, eu teria aceitado assumir o seu bebê se
você tivesse tido o mínimo de decência, sido sincera comigo e me
dito toda a verdade. Eu teria aprendido a amá-lo também, por ele ter
uma parte sua. Mesmo sabendo que minha cabeça estaria a prêmio,
iria me sacrificar por você e enfrentar as consequências. Mas, isso
não importa mais. — Subo a escada para pegar algumas peças de
roupas e ir embora.
Jogo as roupas na mala e saio ultrajado do meu closet, com
um nó na garganta me sufocando a ponto de eu querer deixar tudo
desabar no chão e gritar, eliminar a fúria que me rasga por dentro.
Todavia, não me deixarei cair. Já passei por coisas bem piores
nessa vida, para me deixar ser derrubado por culpa de uma garota
tola.
Desço a escada, pulando os degraus de dois em dois, e ainda
ouço os gritos dela. Ainda está com o Camillo. Depois entro na
garagem, escolho o melhor carro que tenho, jogo a pequena mala
dentro dele de qualquer jeito, entro e bato a porta. Então, ligo o
bendito veículo, fazendo roncar seu motor, e acelero.
Freio em cima de uma cabeleira loira que vem quase voando
em minha direção. Ela entra logo em seguida no carro e coloca o
cinto. Olho para a garota que não tem culpa pelos erros da minha
esposa, mas que foi a causadora da intriga que acarretou meu
destroço. Está sentada ao meu lado, com um enorme sorriso em
seus lábios pintados de vermelho vivo. Cor essa que não combina
com sua face quase angelical. A pintura exagerada em seu rosto a
deixa assustadora, por conter fortes tons. Está tão patética, que não
posso deixar de compará-la a um palhaço.
— Eu espero que não esteja esperando um “obrigado” pela
sua palhaçada.
— Eu não quero. — adoçou a voz sedutoramente. — Só queria
provar a você minha lealdade. E consegui. Isso me basta, Henrique.
Por enquanto.
— Dê o fora do meu carro! — Trinco os dentes, chateado.
— Não vou sair. — Cruza os braços, em desafio. — Você não
pode ficar sozinho, e eu vou acompanhá-lo aonde for. Ela não me
quer aqui, então não vejo motivos para ficar, se você vai embora.
— Agradeço pela preocupação, mas passo, garota.
— Não vou sair. — repetiu de novo. — Eu amo você! Não vê
isso? Eu sou a mulher ideal para estar ao seu lado. Sou leal, forte e
não tenho medo da máfia. E estou sozinha. Por favor, deixe-me ir!
— implorou com uma falsa pose de inocente. Uma que eu conheço
bem e não me engana.
Essa foi a segunda vez que ouvi a palavra “amor” hoje, e veio
logo em seguida da primeira. Ambas não podiam me passar mais
falsidade.
— Continue andando e veja se encontra alguém que se
importe! — Saio do carro, abro a porta do carona e a coloco para
fora. — Se entrar de novo, não vai gostar do que farei com você.
A garota, não batendo bem do juízo, joga-se em meus braços
e me beija. Eu a empurro, não retribuindo seu gesto. O que a faz
agir de maneira pior: agarra-se a mim feito um carrapato.
— Nãooo! — Maria gritou, separando a neta de mim, que arfa
enquanto mantém os olhos sobre meu rosto. — Oh, meu Deus! Isso
não pode estar acontecendo. Henrique! Eu... nem sei o que dizer.
— Mande-a de volta para sua casa na Sicília, Maria! Se eu a
ver perambulando por aqui outra vez, vou matá-la.
Cansado dos dramas do dia, entro novamente no carro e saio
aceleradamente do local.
Após um tempo, percebo que rodei por tantos lugares, que
nem faço ideia de onde vim parar. Até que olho a placa em minha
frente.
Com tristeza, desço do veículo e caminho sobre o gramado,
em meio à escuridão da noite fria. Sento-me na frente do jazigo da
família, onde minha mãe e Eva estão enterradas, e aqui, sozinho, eu
me permito desabar. Há tantas feridas sangrando dentro de mim,
que não consigo mais ignorá-las. Sou um homem taciturno,
ensinado a ser forte e nunca sentimental, que dificilmente irá dizer a
alguém o que me atormenta. Por isso, aprendi a guardar todos os
meus problemas para mim e fingir que nenhum existe. Isso é melhor
do que lidar com eles.
Sentir é algo que dói, e a partir do momento que apenas
larguei de me importar, tornei-me mais forte. Ou foi o que pensei
depois de anos sendo assim. Agora vejo o quanto fui idiota em
achar que, um dia, todos os meus tormentos não voltariam para me
afligir. O pior é que o gatilho foi Giovanna, a única mulher que dei
poder para me destroçar.
Por que Giovanna? Eu fui bom para você. — indaguei a mim
mesmo, pensativo.
Olho para a lápide onde os nomes das duas primeiras
mulheres que amei, zombam da minha cara, mostrando-me que eu
sempre irei perder alguém que ousar amar. Talvez essa seja a
minha sina: viver sozinho ou perder todos aqueles por quem
demonstrar meus sentimentos. As coisas já pareceram ser mais
fáceis um dia, quando minha família estava aqui. Tudo se mostrava
tão certo na época em que eu era apenas um moleque. Mas todos
eles se foram e eu me perdi, e quando achei que poderia
recomeçar, recebi outro tombo. Belo consigliere que sou: resolvo os
problemas de todos, menos os meus.
Levanto-me do chão e passo uma mão sobre as letras dos
nomes delas, sentindo o mesmo aperto no peito de quando fiz isso
em outras vezes. Depois, viro-me para ir embora. Essa cidade já
deu o que tinha que dar, e mudar de ares irá me fazer bem. Talvez
seja disso que eu precise: morar longe das lembranças que tanto
me causam dor... Ir para longe dela.
Aperto o número de Marco e, sem lhe dar muitas explicações,
aviso que estou indo até ele. Se será definitivo, ainda não sei dizer,
só que irei tentar fazer algo por mim, pela primeira vez, sem colocar
alguém acima das minhas decisões. Focar na minha vingança é
tudo que me resta agora e eu não me desviarei da minha missão.
Observo Giulia chorar por ter sido rejeitada e sinto compaixão.
Compaixão que se transforma em culpa por eu ter deixado as coisas
chegarem nessa situação estarrecedora. É minha culpa essa
confusão, porque eu vi todos os sinais bem na minha cara e resolvi
ignorá-los. Quando a salvei de ser morta pelo pai do Henrique ainda
recém-nascida, nunca pensei que chegaríamos a esse ponto.
Giulia não é minha neta legítima e nem mesmo
compartilhamos os mesmos laços sanguíneos. Ela é filha de uma
das várias prostitutas que Augusto passou a manter depois que
Helena se negou a ele, por ter botado a filha para fora de casa. E
quando, infelizmente, a notícia sobre a morte de Eva se espalhou, a
senhora entrou em depressão. É aí que o casamento foi por água
abaixo de vez.
Um dia a cafetina da boate trouxe Giulia enrolada em apenas
uma manta e a deixou na porta da mansão com um bilhete, dizendo
que a menina era dele e que a mãe tinha falecido ao tê-la. Como o
homem ruim que era, Augusto mandou jogar a menina no lixo.
Todavia, eu me compadeci, peguei-a para mim e paguei minha irmã
para me ajudar a criá-la longe dele. Inventei toda uma história de
seu pai ser um qualquer e cuidei dela até ficar maior de idade. Esse
detalhe não me impediu de amá-la como minha. Muito pelo
contrário. Como não pude ter meus filhos, devido a já ter passado
da idade enquanto trabalhava para a família, vi como uma benção
aquela criança ter vindo parar em minhas mãos.
Quando eu a trouxe para cá, após a morte da mãe do
Henrique, tive a intenção de fazê-la se aproximar dele como irmã.
Como eu o via tão triste e sozinho, na minha inocência, achava que
se aproximasse os dois ao ponto de ele tratar a Giulia como irmã,
poderia dizer toda a verdade e os ver ficarem felizes com a
descoberta. Mas isso não foi o que o destino preparou. Eu não
esperava que ela iria se apaixonar por ele. Como poderia?
Eu falava dele para ela o tempo inteiro, contando como ele
tratava a Eva e a mãe. Também a elogiava, falando o quanto
Henrique iria gostar dela e a proteger. Dio! Apenas estava tentando
acertar as coisas antes de partir dessa para uma melhor. Como já
estava velha demais, não queria que Giulia ficasse sozinha depois
que eu me fosse.
Contudo, eu deveria ter lhes contado toda a verdade logo, na
época, mesmo que isso não fosse resultar em boa coisa.
Vendo como Giovanna pagou caro por suas mentiras, irei
consertar as coisas agora, antes que Giulia faça mais besteiras.
— Venha! — Puxo-a pelo braço e a levo até nosso quarto, que
fica no fundo da lavanderia.
É um espaço que mais se assemelha a um apartamento, de
tão grande. É bem arrumado e abriga a minha própria cozinha, uma
sala de jantar e uma suíte espaçosa.
— Henrique me rejeitou, nonna. Eu fiz tudo certo ao dizer a
verdade e lhe mostrar a minha lealdade, porém ele a jogou fora.
— Com tantos homens para se apaixonar, tinha que ser logo
por ele, Giulia? — questionei, sentindo pena.
— Ninguém manda no coração. — retrucou fungando.
— Acontece que você não pode tê-lo. Isso é inconcebível.
— Por que não? Por que sou pobre? Por que não vim de uma
família nobre? Foda-se! Eu sou melhor que qualquer uma dessas
patricinhas mimadas que já entrou na vida dele. Eu sou melhor do
que ela.
Arrogante quase nada essa menina! Está aí algo que puxou do
seu pai, que sempre se achava melhor do que os outros. Tanto que
brincava com o coração das mulheres e as jogava fora depois, como
se fossem um pedaço de pano velho, quando não eram mais
necessárias para ele.
— Não tem nada a ver com status social, menina. Acontece
que ele é seu irmão. — falei de uma vez.
Eu já estava sufocada por guardar isso comigo por mais de
vinte e dois anos. Foi muito tempo me mantendo calada e sendo
apenas uma telespectadora da família Cavallari.
Ela para de chorar e me olha assustada.
— O que falou? — inquiriu chocada.
— Henrique é seu irmão. — afirmei mais uma vez.
— MENTIRA! — gritou comigo. — Está inventando isso para
me afastar dele. Você sempre disse que minha mãe morreu no meu
parto e que não sabia quem era o meu pai.
— Com que intenção eu faria isso, Giulia? Estou dizendo a
mais pura verdade. Sua mãe era uma prostituta, como várias outras,
que entretinha os homens da organização. Ela morreu ao dar à luz a
você. E o homem que não quis te assumir, era Augusto Cavallari,
pai de Henrique e Eva.
— Então... — Coloca a mão sobre a boca, incrédula. — Eu
beijei meu irmão? — Arregala os olhos.
— Sim, filha. E você tem que parar com isso já. É errado. Meu
Deus! É puro incesto alimentar esses sentimentos impróprios.
Mesmo que seu pai não tenha a registrado como dele, seu sangue
continua aí, correndo em suas veias.
— Não pode ser! Olhe o que você fez, sua velha caquética! —
despejou sua ira sobre mim, totalmente descontrolada. — Você fez
eu me apaixonar pelo meu irmão! Se realmente for verdade. Porque
minha mãe pode ter mentido. Já pensou nisso?
Tremo com sua acusação. Eu tenho minha parcela de culpa
sim, mas nunca incentivei nenhuma de suas investidas. Nunca!
Sempre deixei claro que não gostava das suas atitudes referentes
ao Henrique e lhe disse várias vezes que ele não era homem para
ela. Errei em omitir a verdade, mas cada um que assuma seus
erros. E esse não me pertence.
— Eu não sei dizer, menina. Não cheguei a conhecer sua mãe.
Mas todos afirmavam que ela era a amante fixa do Augusto na
época. E pelo sim ou pelo não, você não pode se apaixonar por ele.
Agora, que sabe da história, trate de tirar essa ideia da sua cabeça!
Até mesmo porque ele já é casado.
— Aaaah! A sua preferida. Certo? A princesinha de porcelana.
— zombou. — Você não vai contar a verdade para ele. Não pode! —
exigiu desvairadamente, puxando os próprios cabelos.
— Dio! Você está louca. Só pode ter perdido a sua mente. Eu
me nego a acreditar que ainda esteja pensando em continuar com
tamanha loucura.
Ela me agarra pelo braço, aperta-o e me empurra com força. O
que, por conta da minha idade avançada, faz eu me desequilibrar,
cair e bater a cabeça na porta.
— Se ousar abrir essa sua boca para contar isso a alguém, eu
vou matar você, cortar seu corpo em pedacinhos e botar fogo em
seus restos mortais. — Aperta meu queixo com a ponta das unhas.
— E ainda farei questão de sapatear em suas cinzas. — Gargalha
como se tivesse dito a coisa mais engraçada do mundo em vez de
ter acabado de pronunciar uma atrocidade sem tamanho.
Encontro-me paralisada e em choque com sua ameaça. Essa
foi a primeira vez que sua máscara caiu diante de mim e eu estou
com medo dela.
— Vá embora! — Olho-a, sentindo-me magoada.
Ela ainda ousou duvidar da paternidade. É igualzinha a ele.
— Suma daqui! A partir de hoje, eu te renego, sua psicopata.
— ordenei.
Se pensei que dizer isso faria ela chorar e se arrepender, como
“aconteceu” em tantas outras vezes, eu me enganei. Ela só abre um
largo sorriso.
— Sua estúpida! Isso é um elogio para mim. Veja como sou
perfeita para Henrique! Sou como ele. Diferentemente daquela
sonsa, não tenho pavor de matar se precisar. Nós seríamos como
Clyde e Bonnie. Em uma versão melhor, é claro.
Levanto-me e me seguro na cômoda, sentindo sangue
escorrer pela minha testa.
— Ramón! — gritei o mais alto possível.
Eu quero distância dela. Estou apavorada com essa mulher em
minha frente, que em nada se parece com a menina que criei com
todo amor e carinho.
Ramón e Elliot chegam no quarto em que estou, com armas
em mãos apontadas para nós.
— O que aconteceu aqui? — Elliot vem em minha direção,
analisando meu rosto e fixando seus olhos na ferida.
Notando o clima pesado e o machucado, vira-se para Giulia,
que me desafia com os olhos a dizer a versão real dos fatos. Eu não
irei contá-los sobre a ligação sanguínea dela com o patrão, porque
isso pode salvá-la se Henrique ficar sabendo. E eu, vendo como é
sua verdadeira faceta por baixo de sua fachada de boa moça, não
desejo sua presença aqui ou em qualquer lugar perto dele.
— Estou bem, filho. — aleguei quando Ramón se aproximou
preocupado. — Apenas quero informar a vocês que, a partir de hoje,
essa criatura não entrará mais nesta casa, nem chegará perto de
qualquer um que faça parte da família. Ela ameaçou matar a
Giovanna e o bebê, além de, como podem ver, ter me atacado a
sangue frio. Tirem-na daqui e barrem qualquer tentativa de
aproximação dela!
Não menti, pois ouvi, assim como toda a casa, a ameaça dela
à Giovanna mais cedo, na discussão entre as duas. Idiota como
sou, ainda tinha pensado em implorar à senhora para voltar atrás
em sua decisão de expulsar Giulia daqui.
— Teria coragem de deixar sua neta na rua da
amargura, vovó? — indagou debochada, com um olhar tão cínico
que chegou a brilhar.
— Você não é minha neta. Eu não tenho qualquer laço com
você, sua cobra peçonhenta. Podem levá-la! O que irão fazer com
ela, não é mais da minha conta. — finalizei com tristeza.
Vejo Ramón e Elliot a agarrarem pelos braços e a levarem
embora.
— Eu vou, mas voltarei. E serei eu a te colocar na rua, sua
velha desgraçada! — Seu rosto denota uma imensa crueldade e
desejo de vingança que ainda me deixam intimidada, mesmo já
tendo ouvido e presenciado suas ameaças.
Essa é uma retaliação que eu esperava que nunca tivesse a
chance de acontecer.
Sento-me no pequeno sofá que uso para a leitura e choro.
Falhei com minha amiga quando escondi dela que seu marido havia
a traído com outras mulheres, por mais que algo me dissesse que
ela sabia de tudo que se passava pelas suas costas.
E errei novamente quando escondi a verdade do Henrique. No
fundo, eu entendo a Giovanna, mas o que me deixa mais triste é
saber que fui errada em não ter lhe incentivado a contar sobre a
paternidade do bebê. Eu respeitei sua decisão e me esqueci do
quanto ela, por ser jovem, precisava de um incentivo sábio.
Incentivo esse que não partiu de mim, que fui fraca e aceitei calada
sua decisão, sem querer me intrometer.
Tudo acabou se tornando um ciclo vicioso que nos derrubou,
por coincidência, ao mesmo tempo e pelo mesmo motivo tão torpe:
a omissão.
Faz uma semana que Henrique está na bad. É estranho vê-lo
dessa forma, já que ele sempre foi um carrasco conosco. É até
engraçado. O cara está sofrendo e, dessa vez, não está fazendo
muito esforço para esconder isso. Pelo seu quarto há garrafas
esparramadas para todos os lados. Outro fato que demonstra quão
fundo é o local onde ele está, pois é maníaco por organização
devido aos seus anos no exército. Essa situação não faz jus ao seu
modus operandi.
Sento-me na poltrona, sendo seguido por Vincent, que o
observa. Nós trocamos olhares por conta de Henrique estar quase
catatônico, deitado em cima da cama e com os olhos fixos na
televisão, onde passa um filme pornô barato no qual ele nem está
prestando atenção realmente.
— Cara! Se é sexo que está querendo, desça e pegue
algumas bocetas! Você está parecendo um adolescente no cio. —
sugeri.
Henrique não responde e Vincent me fita como se dissesse
que não sabe o que fazer. Enquanto isso, eu continuo minhas
tentativas de chamar sua atenção para nós. Todas são descartadas
por ele.
— Sua empregada ligou, avisando que sua esposa foi
internada. — informei.
Um olhar silencioso é toda reação que recebo dele. Ao menos
ele não é tão imune a ela quanto tentou mostrar durante todas as
semanas em que esteve aqui.
— Você quer que eu mande averiguar como ela está? Posso
mandar Alec ir para lá. — Vincent tentou.
— Foda-se! — foi sua única resposta.
Respirando fundo, desvio meus olhos para a enorme tela que,
agora, mostra uma mulher com bunda grande de quatro, tendo um
pau na boca enquanto outro homem soca nela por trás
furiosamente. Seus gemidos soam tão falsos e exagerados, que não
sei como os atores não broxaram. A coisa toda fica interessante
quando o que estava em sua boca, deita-se por debaixo dela,
coloca seu pau perto do outro e, juntos, em uníssono, enfiam eles
no rabo dela. Arregalo meus olhos, achando curiosa a imagem.
— Mano do céu! Essa mulher deve andar com uma fralda na
bunda. Não é possível que, depois disso, o buraco tenha voltado ao
normal. — falei, realmente espantado. E Vincent cai na gargalhada.
— Sério! Eu nem sabia que tal coisa era possível. Vamos fazer? —
convidei-o.
Prontamente, ele se nega, ainda rindo.
— Eu passo. Até gosto de uma foda dura e de umas
brincadeirinhas estravagantes, mas sodomizar não é comigo.
Reviro os olhos.
— Falou o que sente prazer em torturar. Qual é a diferença? —
perguntei, duvidando que tivesse uma.
— Eu me nego a te responder isso, Marco. — Fuzila-me com o
olhar.
Olho para Henrique, que ainda não se moveu da sua posição.
— Nem venha, porra! — respondeu irritado. Aliás, irritação tem
sido muito frequente em seu comportamento ultimamente.
Baixo a visão até a coberta e o encontro desanimado. Bufo
inconformado com sua postura.
— Para! Você está há horas vendo essa porcaria e esse
negócio nem deu uma levantadinha, cara. Isso é algum tipo de
tortura ou só está querendo medir o seu tamanho com os dos
atores?
— Tire o olho do meu pau, filho da puta! — rosnou, levando
Vincent a rir de novo.
— O meu é maior. Quer ver? — Abaixo a calça e coloco um
dedo no vão entre meu corpo e minha cueca, preparando-me para a
abaixar também.
— Mas, o que está fazendo porra?! — Pula da cama e vem em
minha direção. — Tire essa merda para fora e eu vou cortar esse
caralho!
— E qual é a diferença do meu para os deles. — Aponto para
a tela ainda ligada.
— Chega! Falem logo o que querem e saiam daqui! — gritou
enfurecidamente.
Rio da minha façanha, pois consegui o que queria: fazê-lo
reagir e o tirar do estado em que estava.
— Ouviu o que falei? — por via das dúvidas, perguntei.
— Achei que meu silêncio tinha sido óbvio. — Vai até o
frigobar e pega outra lata de cerveja. — Ouvi e não me importo.
Nada sobre ela me interessa.
— Está falando isso porque ainda está de cabeça quente. Se
alguma coisa acontecer com ela e a criança, isso irá te perseguir
pelo resto da vida.
— Eu vou superar. — orgulhoso, como sempre foi, negou sua
preocupação.
— Você que sabe. Só não venha chorar depois, arrependido!
Porque eu mesmo chutarei sua bunda.
— Foque somente na nossa missão! Luigi é a prioridade aqui.
Giovanna é passado.
Dou de ombros com sua recusa em aceitar o óbvio. Se ele não
quer assumir sua responsabilidade, por mim, tudo bem. Só passei o
recado que me foi pedido para passar.
Algo me incomoda sobre a história da garota ter familiaridade
com a da minha mãe. Então, isso me faz sentir empatia por ela e
querer me meter no assunto. Eu aguardarei, com paciência,
Henrique se arrepender e ir resolver a sua situação. Caso contrário,
irei tomar a frente dela.
3 meses depois

“Empresário misterioso é visto em companhia da belíssima


filha do senador Thompson em evento beneficente. Uma amiga
íntima de Emma disse aos nossos repórteres que o relacionamento
deles é recente e que o casal está muito feliz.”
Casal! Ele e ela juntos! Vê-lo estampando a capa da revista,
lindo, todo sorridente e de braços dados com aquela vadia, foi pior
do que levar um tapa na cara.
Com o vidro de remédios para dormir nas mãos, deslizo
minhas costas pela parede até alcançar o chão. Encontro-me tão
sem forças que não tenho vontade para fazer mais nada. Eu sei que
estou colhendo exatamente o que plantei, e mesmo sabendo da
possibilidade de isso acontecer um dia, nunca imaginei a dimensão
do estrago que me acarretaria. É muito pior do que sequer pude
pensar e as consequências são maiores do que posso suportar.
Faz meses que ele foi embora, e a cada dia que se passa,
mais me convenço de que nunca irá voltar. Eu pensava que a perda
de Damien tinha sido dolorosa, só que nunca estive tão enganada
em toda a minha vida. No fundo, sempre soube que ele não era meu
e que nunca seria, porque eu o amava sozinha. Por isso foi fácil
superá-lo. Mas com Henrique, não. Nada me preparou para o
perder, pois com ele, eu tive o gosto do que é ser amada. Essa dor
é pior e tão palpável que me destrói de dentro para fora.
Olho minha barriga, que está um pouco maior agora. Entrei
nos oito meses há poucos dias e nem comecei o enxoval ainda.
Tenho ido nas consultas por obrigação, e a cada vez que ouço o
coração dela bater, o meu se despedaça junto às suas batidas fortes
e ritmadas, por saber que para a manter, tive que perder algo. Eu
poderia ter feito diferente? Sim. Mas quem, em meu lugar, arriscaria
a vida do seu filho — no meu caso, da minha filha — sem ter a
certeza de que iria ficar tudo bem? Henrique provou me amar,
porém não tinha como eu adivinhar que ele aceitaria assumir mais
um erro meu.
“E, só para que saiba, eu teria aceitado assumir o seu bebê se
você tivesse tido o mínimo de decência, sido sincera comigo e me
dito toda a verdade. Eu teria aprendido a amá-lo também, por ele ter
uma parte sua. Mesmo sabendo que minha cabeça estaria a prêmio,
iria me sacrificar por você e enfrentar as consequências. Mas, isso
não importa mais.” — Suas últimas palavras queimam em minha
mente.
Oh, Deus! Eu não tinha como saber disso.
Coloco a cabeça encostada em meus joelhos e choro.
— Acha que esse é o melhor caminho? — uma voz rouca
questionou.
Levanto a cabeça e encontro um par de olhos castanhos tão
claros que me lembram o mel.
— Quem é você? — perguntei incerta.
Não me lembro de nenhum guarda novo. Será que é um
inimigo que conseguiu burlar os soldados e entrar?
— Marco. — Leva os olhos até minhas mãos, onde eu ainda
mantenho o vidro do remédio em um aperto de morte. — Você
pretendia tomá-los?
Engulo em seco por ter sido pega em um momento de
fraqueza. Além de mim, ninguém sabe que me receitaram
antidepressivos porque, em muitas ocasiões, pensei em dar um fim
em tudo. Quando comentei isso com a doutora Rachel, ela se
mostrou muito preocupada e me encaminhou urgentemente para um
acompanhamento psicológico, devido ao meu estado emocional
abalado. Eu cheguei em um ponto tão deplorável que pensei, sim,
em tirar minha vida.
— Sim. — Não vi motivos para mentir. — Talvez eu não
precise se você for fazer o trabalho por mim.
Ele me olha com pena e eu desvio meu rosto do seu.
— Não sou um inimigo. Eu sou o sobrinho do Henrique.
Isso chama a minha atenção e eu o encaro com um pouco
mais de curiosidade agora.
— Filho de Eva? — Como a Maria disse que eram apenas
Henrique e a irmã, deduzi que só pode ser ela a sua mãe.
— Sim. Dê isso para mim se, por acaso, tiver desistido! —
Estende uma mão para que eu lhe entregue o potinho de cápsulas.
— E se eu não tiver? Vai me impedir? — sussurrei com um nó
na garganta.
— Sim. Mas o fato de você me questionar isso, já mostra que
decidiu não fazer.
É verdade. Eu ainda até penso nisso às vezes, mas nunca tive
coragem de tomar um comprimido a mais que seja. E até nos dias
mais difíceis, em que estava tão no fundo do poço, achando que
não iria conseguir vencer, eu os olhava por horas e jogava todos
dentro do vaso em seguida, arrependida por ter cogitado a ideia.
— Sou uma idiota. Nem para me matar, eu presto. — Fungo,
sentida.
— Muito pelo contrário. É preciso ter muita força de vontade
para passar por um momento muito ruim e, ainda assim, decidir que
vai continuar lutando por mais um dia. Isso vai passar, Giovanna. Eu
sei o quanto é difícil, porém essa aí não é a decisão certa a se
tomar.
Meu Deus! Quem é esse homem?
Tento me levantar, no entanto já não sei fazer isso com a
mesma facilidade de antes. A protuberância da minha barriga me
impede de fazer algumas atividades.
Marco, vendo minha dificuldade, ajuda-me a me firmar e ficar
de pé. Ele é alto, muito bonito e lembra o Henrique em vários
aspectos. Essa constatação faz meu coração doer de saudade.
— Obrigada! É um prazer te conhecer, Marco. Eu estava
ansiosa para saber sobre você. No entanto, era quase uma lenda,
porque ninguém tocava em seu nome. Eu cheguei a pensar que não
existia.
— Poucos sabiam da minha existência. — Balanço a cabeça,
entendendo-o. — Você parece muito magra. Tem certeza que estão
bem? — Aponta para a minha barriga.
— A médica disse que sim. Perdi só um pouco de peso.
— Tudo bem. A Maria disse que já iria subir com uma sopa
para você. — Quando ele se vira para sair, eu o paro, segurando
seu braço.
— Por que está aqui? — indaguei, querendo entender. Será
que foi Henrique que o mandou para cá?
— Fomos avisados sobre seu estado de saúde, e como soube
que não estava bem, vim cuidar de você.
Traduzindo: ele foi avisado de que estive doente e que quase
perdi minha bebê, contudo não se importou. Então, Marco veio no
lugar dele, já que deve ter se negado a vir cuidar da esposa
mentirosa. — constatei triste.
— Não vá por esse caminho, Giovanna! Lembre-se que tem
alguém aí que precisa de você!
— Ele... pergunta por mim? — masoquista como sou, ainda
quis saber, apegando-me a um mísero pedaço de esperança.
— Ele se nega a ver o óbvio. — Não! É isso que ele se limitou
a me dizer, amenizando as palavras.
Coloco os remédios nos lugares certos, ainda digerindo sua
resposta, e saio do banheiro, acompanhando-o. Sem dizer mais
nada, Marco me ajuda a deitar na cama e, com uma delicadeza
contraditória em relação ao tipo de homem que ele aparenta ser,
coloca almofadas embaixo das minhas pernas, deixando-as
elevadas.
— Suas pernas parecem inchadas. Eu ouvi dizer que faz bem.
— justificou quando me reparou o olhando curiosamente.
— Obrigada! — agradeci sem saber o que lhe falar mais, já
que mal o conheci e ele está ganhando muitos pontos comigo.
Maria entra no quarto e sorri ao vê-lo. Pelo jeito, não é só eu
que estou encantada com a atitude do homem misterioso.
— Ah! Vejo que já se apresentaram. — comentou de maneira
simpática, colocando a bandeja com a sopa sobre a mesinha. —
Espero que você possa me ajudar a convencê-la de se alimentar
melhor. Eu já não estava dando conta sozinha.
Coitada! Além de perder a neta que criou como filha, ainda tem
que cuidar de mim. Eu me pergunto quando essa mulher teve
alguém que zelou por ela nesta vida.
— Pode ir comer, filho. Eu farei companhia a ela por enquanto.
Ele me olha desconfiado e vai rumo ao banheiro. Logo volta
com os braços lotados de vidros de remédios. Fico de queixo caído.
— Se precisar de algum medicamento, peça! Assim, eu ou
Maria daremos a você. — Sai do quarto.
— O que ele quis dizer com isso? — a senhora questionou,
virando-se em minha direção.
— Nada demais. — Evito seu rosto.
— Ele parece ser tão educado. Quando bati o olho nele, tive a
certeza de que fosse o filho de Eva. — Eu também. Ele é parecido
com sua mãe. Sei disso porque Henrique mantém um enorme
quadro da irmã na parede do escritório.
— Acha que ele vai ficar por muito tempo? — puxei assunto.
— Eu não sei dizer, mas é bom que ele esteja por perto. —
Olha-me do seu jeito maternal. — Talvez isso assuste ela. — O “ela”
em questão é Giulia, que tentou invadir a residência duas vezes.
— Imagino que desistiu. Talvez tenha entendido que não
conseguirá mais nada aqui.
— Eu não sei, não. Giulia é persistente quando quer. Duvido
muito que tenha deixado para lá. Você não viu o modo que ela me
ameaçou quando mandei colocá-la para fora desta casa?
Eu sei como foi. Também ouvi da boca dela o que desejava
fazer comigo.
— Sinto muito por tudo isso, Maria.
— Sentir pelo quê? Eu fui a única a errar com ela. Pensei que
estava fazendo a coisa certa e me esqueci de me esforçar mais.
Penso que o tempo que a deixei escondida, tenha criado mágoas
nela.
— Você fez o que achou ser certo. Qualquer mãe em seu lugar
teria feito o mesmo. Fez o melhor, Maria. Ela que não deu valor.
— Talvez o fato de não ter tido um pai e uma mãe presente,
tenha a desestabilizado. — murmurou chorosa.
É assim para nós duas: uma tentando catar os cacos da outra
desde o dia que nosso mundo ruiu.
— Discordo. Eu tive pais presentes, e isso não foi nenhuma
vantagem, Maria. Quando a pessoa é mau-caráter, pode ter a
melhor educação do mundo e os melhores pais, que, ainda assim,
vai escolher o caminho errado.
— Pode ter razão. — Limpa as lágrimas.
— Eu teria gostado de ter tido uma mãe como você.
Ela sorri.
— Eu já a amo como filha, minha querida. Se ainda estou de
pé, é porque sei que precisa de mim.
Encho-me de gratidão por conta da sua bondade. Ela merece
o céu por carregar dentro de si tanto amor. Jamais imaginei
encontrar isso em uma pessoa.
— Sabe o que eu estava pensando? — mudei de assunto, pois
já estava à beira das lágrimas. — Eu não comprei nada ainda para a
bebê.
— Nem escolheu seu nome. — complementou, passando a
mão levemente sobre minha barriga.
— Eu pensei em Luna. Não acho justo colocar Helena, sendo
que ela não é filha dele. — Engulo a sopa, que desce amargando
pela minha garganta devido ao meu ressentimento.
— Eu gosto. Luna! — testou o nome e sorriu. — Agora, falta
comprar suas coisas. Daqui a algumas semanas esse pinguinho de
gente estará aqui.
— Vamos às compras! — falei, animando-me com sua
empolgação.
Ao menos alguém aqui realmente gosta da minha filha e
compartilha comigo a minha felicidade.
— Ela não está bem. — informei a ele por vídeo-chamada. —
Está muito abatida e precisa de você aqui.
— O que você quer que eu faça, porra?! — explodiu. — Estou
fazendo bem mais do que ela merece.
— Mandar encher a casa de guardas e comprar comida, não é
o mesmo que estar aqui, Henrique. Deixe de ser covarde e venha
vê-la!
— Eu não entendo o que te fez pegar o jato e ir parar aí. Isso
não é assunto seu. Ainda estamos resolvendo as coisas por aqui.
Esqueceu-se disso?
— Não. Quem parece ter perdido a porra da memória, é você.
— respondi mal-humorado.
Nós achamos o Luigi e matamos o filho da puta da pior forma
possível, entretanto Vincent ainda está encontrando resistência por
parte de alguns membros para conseguir sua tão almejada cadeira.
Depois de, finalmente, ter me vingado pela minha mãe e descoberto
meu parentesco com ele e Henrique, sinto-me vazio, como se
alguma coisa me faltasse.
Quando soube que Giovanna estava deprimida, eu decidi me
retirar por uns dias para vim ajudá-la. Não é como se Vincent não
pudesse se defender, já que tem o melhor de nós três lá, com ele. E
ter que lidar com os dois estressados por terem sido idiotas de
estarem sem suas mulheres, não é algo com que fui treinado para
lidar. Os dois que se matem por lá, sem mim por um tempo.
A menina não estava nada bem, caralho! Se eu não tivesse
chegado, sabe-se lá o que teria lhe acontecido. O desespero nos faz
tomar decisões idiotas e, na maioria das vezes, as piores são
pensadas como solução.
Analiso a tela do notebook, onde ele se mantém calado.
Imbecil! Estúpido! Logo trato de fazê-lo reagir. Como provocar é
minha melhor arma, sei quais botões apertar, e, na maldade, irei
tirar seu pior.
— Ela está tomando remédios antidepressivos. — Observo
sua reação. A qual, por incrível que pareça, mostra-se indiferente.
— Eu a peguei chorando no banheiro. — continuei.
— Bom! Chorar faz bem.
Crispo meus olhos diante de sua recusa em reconhecer que
também está sofrendo.
— Sabe? Fico pensando se teria agido dessa forma com
minha mãe. — cutuquei a ferida.
— Não fale da Eva! Ela, ao contrário de Giovanna, teria
confiado em mim.
— Sério? Diga como foi que ficou sabendo da minha
existência, Henrique! No mínimo, você deveria ter estado ao lado
dela quando nasci, no momento que ela se sentiu desamparada e
sem ninguém. Onde estava o irmão que minha mãe idolatrava?
Hum?
— Chega, Marco! — Foi notável o cansaço em sua voz.
— Quer saber como a encontrei quando tinha apenas 4 anos
de idade?
— Não! Não ouse trazer à tona como ela sofreu! Já nos
vingamos dele. Acabou.
— Em uma poça de sangue, Henrique, com os dois pulsos
cortados. Sua irmã agonizou sozinha até seu último suspiro porque
decidiu me manter. — prossegui, não ne importando com seus
protestos. — E, hoje, eu ia encontrar sua esposa morta por
overdose de remédios, porque seu maldito marido orgulhoso... O
mesmo que deixou a irmã morrer quando foi acatar a ordem do seu
capo... resolveu que não é homem suficiente para assumir um filho
bastardo. Filho de um pai que ele matou. Filho que é igual a mim.
— Se falar mais uma palavra, Marco, irei aí te matar. — gritou
desesperadamente.
Tocar no passado dói para nós dois.
— Hipócrita! — acusei-o. — Quer me matar, Henrique? Então,
escute essa: se não for assumir os dois, tenha a decência de lhe dar
o divórcio, para que eu possa tomá-la para mim!
— Filho da puta! — rugiu feito um leão enjaulado que quer
matar. No nosso caso, a tela é a única coisa que impede que isso
aconteça. — Se encostar um dedo nela, vou acabar com você!
— Comece a separar suas armas de tortura, tio! Porque não
estou brincando. — Fecho a tela do notebook na cara dele, dando
por encerrada a nossa discussão.
Sorrio satisfeito. Dou alguns dias para o ver aqui.
Minha mente viaja para o dia em que ele confirmou o nosso
parentesco. Foi uma surpresa para mim quando Luigi me contou, na
hora de ser torturado por mim, a ligação de sangue que Henrique
me escondeu.

***

— Você queria isso. Não é, Marco? — Ri quando enfio minha


faca em seu peito. — O bastardo que ninguém quis. Nem seu tio
teve coragem de te contar a verdade.
Olho-o confuso. Eu tenho um tio?
— Do que está falando, seu merda? — indaguei irritado.
— Conte a ele, Henrique! Conte que Eva era sua irmã! Que
enquanto você o via apanhando, sendo rechaçado por todos e ferido
ao ponto de ficar desacordado, sabia que era seu sangue que
derramavam.
Viro o pescoço para Henrique, esperando que ele negue e diga
que tudo não passa de um delírio do velho sádico. Arrependo-me de
esperar por isso, porque logo vejo toda a verdade estampada por
todos os lados. Ele sabia.
— Depois lhe explicarei tudo, Marco. — foi sua única resposta.
Sorrio sem vontade.
— Eu não preciso de suas desculpas. Você não foi meu tio no
passado e não será agora, conselheiro. — grunhi revoltado.
— Não é isso. Eu não podia te colocar em perigo. Tudo que fiz,
foi pensando em te proteger.
Proteger? De quem? Eu fui abusado de todas as formas
possíveis na presença dele.
— Vê, Marco? Eu não sou o único culpado aqui. — Luigi
geme, caindo para frente, por causa da dor que está sentindo.
— Realmente, você não é o único, mas é o pior deles. — Pego
a serra elétrica e corto uma de suas pernas.
Cada grito que tiro dele é como um consolo para mim por tudo
que senti, por cada noite chorando, passando fome, sentindo frio e
sendo jogado à própria sorte até ele descobrir que o bastardo aqui
era bom com computadores. Então, decidiu que eu servia para
entrar na máfia e ser seu capacho.
Assim que finalizo minha parte da vingança, saio do galpão
como sempre fui: silencioso. Vincent tenta me consolar, porém não
quero seu conforto.
— Marco? Escute! — Henrique vem atrás de mim.
— Não precisa se explicar, Henrique.
— Não foi por mal.
Nunca é. — pensei magoado.
— Eu aguentei até aqui sem o seu reconhecimento, e não será
agora que irei me esquecer de tudo e fingir que somos uma família.
Para mim, você é o conselheiro e eu sou o executor da Camorra.
Nosso relacionamento é só isso.
— Eu vou consertar as coisas. Irei dar um jeito de te
reconhecer e passar sua parte da herança.
— É assim que você resolve as coisas? Dá seu sobrenome
para mim, enfia-me um montante de dinheiro goela abaixo e está
tudo certo? Deixe-me te dizer uma coisa, Henrique: eu não preciso
dessa porra. Se quer fazer algo descente, assuma o filho da sua
mulher e me deixe em paz!
— Não é tão fácil assim, Marco. Droga! Olhe só o que fiz com
você! Quem garante que não irei errar com essa criança também?
Eu... — Passa as mãos pelo cabelo, atordoado. — Eu não sei mais
se é isso que quero. Estou confuso. Sem contar que isso aqui é só o
começo. Não vou colocar mais nenhum inocente no meio da minha
vingança.
— Somente eu que não mereci tal consideração, não é? —
joguei na sua cara.
Vejo o quanto minha acusação o atingiu em cheio.
— Eu vou me redimir. Sei que nenhum pedido de desculpa
será suficiente para te compensar por todo o mal que te fiz, mas
prometo pelo meu sangue que farei o melhor para reverter isso.
— Compense ficando longe de mim! — Monto na moto e saio
injuriado do local.

***

Poucos dias atrás, ele voltou a tocar no assunto. Mais calmo,


escutei todas as suas justificativas e disse que iria me esforçar para
esquecer tudo. Menti por não querer mais voltar a tocar nesse
assunto e relembrar tudo que passei.
Não pense que levei tudo na esportiva! Apenas não irei
verbalizar mais em voz alta sobre o quanto ele me magoou. Joguei
para fora as minhas frustações da maneira que me ensinaram: na
força do ódio. Engoli tudo que ouvi e fingi que nada me feriu, que eu
entendia os motivos dele.
Eu torturei o filho da puta do meu pai, porque se tinha um
culpado nessa história, era Luigi Lourenço. Ele iniciou tudo, portanto
era justo cobrar dele o que passei. O que não tira a culpa do
Henrique também, que me negligenciou e omitiu a verdade de mim.
Mesmo que se mantivesse por perto, senti falta de alguém em quem
eu pudesse confiar. Querendo ou não, o cara me privou de um
convívio familiar e eu nem conheci minha vó, que morreu há pouco
tempo. Também duvido que ela tenha chegado a saber da minha
existência.
Então, sim, eu o culpo por ter me tratado como um segredinho
sujo, varrendo toda a verdade para baixo do tapete, como todos os
outros fizeram. Estou cansado disso. Quero ser prioridade e quero
alguém que me ame do jeito que sou, sem ter vergonha de mim por
ser um bastardo sem eira nem beira. Posso estar me assemelhando
a um ingrato por falar assim, mas foram anos sendo rebaixado a
troco de nada e ouvindo que valia menos do que uma merda. E isso
deixa um estrago enorme na vida de um garoto órfão de pais e,
principalmente, de carinho.
É por esses e outros motivos que, se ele não voltar, irei
assumir Giovanna. Não brinquei nessa parte. Não serei coadjuvante
de mais um erro dele.
Chateado, arremesso a porra do notebook longe,
estraçalhando-o na parede. Marco estava tentando me
desestabilizar, e não vai conseguir, porque sei como funciona sua
cabeça. Imagino que me tirar do sério, tenha sido a forma que ele
achou de tentar me fazer voltar. Mas não posso. Não ainda.
Eu não estou errado em manter distância e já fiz o meu melhor
por ela. Se tudo acabou, foi inteiramente por culpa sua. Eu não vou
me sentir culpado pelo seu estado de depressão, pois também
estou machucado e me sentindo perdido. No entanto, não serei eu a
correr atrás dela, nem provar mais nada. Giovanna que lute por mim
agora! Não terei mais piedade nenhuma por ela.
— Escutei seus gritos. Está tudo bem? — Vincent perguntou.
— Era Marco bancando o engraçadinho.
— O que tem ele? Aconteceu alguma coisa? — alarmou-se.
— O maledetto teve a audácia de me ameaçar. — Rosno
indignado.
— Ameaçar? Como? — Fica na defensiva.
— Marco disse que Giovanna está depressiva, e que se eu
não quiser voltar para ela, é melhor eu lhe dar o divórcio, para que
ele possa tomá-la para si. — Ranjo os dentes, sentindo raiva ao me
lembrar exatamente de suas palavras.
Vincent me encara sério e eu não gosto do que vejo em sua
feição.
— Ele estava apenas provocando, não é? — perguntei, não
me sentindo tão confortável.
— Eu acho que não.
Fervo por dentro com sua resposta.
— Ele não iria ter coragem de pegar minha mulher. Iria? —
inquiri irritado.
— Você sabe que Marco nunca teve uma família, Henrique.
Ele tenta disfarçar e dizer que nunca precisou de uma, mas a
verdade é que sempre se sentiu sozinho. Se você está aqui,
rejeitando sua esposa grávida e a deixando jogada de escanteio,
Marco terá coragem de assumir a paternidade sim.
— Ah, caralho! Eu o mato! — esbravejei, jogando meu paletó
em cima da poltrona e abrindo minha gravata.
— Não acha que já a castigou por tempo demais? — Coloca
as mãos no bolso.
— Foram quatro meses, Vincent... Quatro meses fazendo de
tudo para a agradar e provar o quanto eu a queria. E o que ganhei
em troca? Mentiras. Traição.
— Ela é muito nova, Henrique. Acho que se esquece disso às
vezes. — abrandou a voz ao dizer o que vinha martelando em
minha cabeça.
— Se eu ficar perdoando todos os seus erros, usando essa
desculpa toda vez, vou fazer o papel de trouxa frequentemente. A
nossa diferença de idade sempre será grande, independentemente
de quanto tempo passe. — defendi-me, mostrando meu ponto de
vista.
— Eu acho que está sendo irracional. Geralmente, eu diria
para você ir foder algumas bocetas, para colocar esse ódio para
fora, mas...
— Mas não funcionou com você. — cortei-o.
Eu reparei que ele não fica com nenhuma das prostitutas e
está sempre sozinho, com uma garrafa de bebida em sua
companhia.
— Não. Não funcionou. Mas o seu caso é diferente do meu, e
digo, de antemão, que se Marco se interessar por ela, terá um
grande concorrente. E eu ficarei do lado dele.
— É assim que pagará tudo que fiz por você? Ajudando-o a
meter a faca em minhas costas? — Cuspi as palavras, rancoroso.
— Se não a quer e não pretende perdoá-la, por que não deixar
ele a tomar para si? — testou-me, como Marco fez.
Em dois passos, eu o tenho contra a parede, com meu braço
sufocando sua garganta e o punhal na mão. Eu quero bater em
alguém, e se Marco não está aqui, Vincent irá me servir.
— Não me teste, Vincent! Não confunda as coisas! Você
deixaria Marco tomar sua mulher para si? — A ira que se apossa do
seu rosto já me diz tudo. — É o que pensei. — Solto-o.
— Então, vá pegar o que te pertence e deixe de ser um pau no
cu! Diferentemente de você, libertei minha mulher, e mesmo que
isso me doa, eu a deixei seguir em frente.
— Tão bem seguido, que você mandou o Nino ir vigiá-la por
você. — joguei a verdade na sua cara. Eu sei que ele pede
relatórios dela constantemente.
— Proteger! — ralhou com raiva. — Ela tem tido dificuldades
de adaptação e eu me preocupo com ela.
Bufo.
— Certo! E eu sou o coelhinho da Páscoa. — afirmei
sarcástico.
— Não dá para conversar com você. — disse com raiva.
— Vamos resolver logo os seus problemas com o Conselho!
Porque eu tenho contas a acertar com o Marco. — Tomo minha
bebida em um só gole e o vejo sair balançando a cabeça, dizendo
que sou inacreditável.
Volto minha atenção à televisão na parede, onde noticia a
morte do agente Bryan. Deixei a do secretário esfriar e fui atrás do
imbecil por ter acatado as ordens do seu chefe e me deixado preso
durante sete dias, sendo torturado. Essa foi sua sentença de morte.
Ao contrário do que ele tentou fazer comigo, não lhe ofereci
um acordo promissor, pois não tinha baganha que me fizesse voltar
atrás na minha promessa. Eu queria sua cabeça. Durante uma
semana, devolvi seu tratamento VIP e o torturei até seu corpo não
aguentar mais. Seus gritos ainda soam como músicas para meus
ouvidos.
Acomodo meu pescoço no encosto da cadeira, cansado. Estou
muito mais agitado e sedento por sangue do que de costume. Tudo
que se passa pela minha cabeça é matar, torturar, retaliar e destruir
qualquer coisa que vejo pela frente e um pouco mais.
Olho para o jornal e me lembro do dia em que matamos Luigi

***

— Por que sua traição não me surpreende? — questionou


ofegante.
— Deve ser porque me deve. — acusei-o.
— Eu fiz mal em te manter. Deveria tê-lo matado assim que
voltou. — Torce seu rosto, que está irreconhecível por culpa das
torturas de Marco e Vincent. — Você soube disfarçar bem.
— Estou tentando iniciar a carreira de ator. O que acha? —
zombei dele.
— Você não é diferente de mim, Henrique. Tenta fingir que
não, mas é ainda pior. Eu conheço homens como você. Tudo que
faz, é por prazer, e não por necessidade ou falta de opção.
— Você me conhece tão bem, Luigi. — respondi com
sarcasmo. — Vamos testar sua teoria! Se pensamos iguais, aposto
que sabe o que farei a seguir. Certo?
Caminho até a mesa, onde estão meus pertences, e pego o
vidro de soda. Digo exatamente o porquê de ele estar sendo punido
por mim. É por minha irmã Eva e por Matteo. Assim, deleito-me com
seus protestos enquanto derramo o produto em sua garganta,
vendo-o se sufocar em seu próprio sangue até a morte.

***

O FBI o queria, assim como a CIA e, até mesmo, os seus


inimigos. Portanto, nós repartirmos seu corpo e enviamos para cada
organização um pedaço dele. Assim, garantimos a felicidade de
cada um, inclusive a nossa.
O barulho alto de algo batendo na parede me faz acordar
assustada. Coloco o robe por cima da camisola, saio à procura do
som, e assim que coloco um pé para fora do cômodo, noto que o
ruído se inicia novamente. É quando me deparo com a porta ao lado
do meu quarto entreaberta. Empurrando-a para poder entrar lá,
encontro Marco sentado no chão e cercado por caixas de variados
tamanhos.
Vencida pela curiosidade, aproximo-me dele e percebo que ele
está tentando montar um berço. Coloco uma mão na boca, rindo,
quando o ouço xingar. Creio que seja seu sexto palavrão desde a
hora que entrei, por não estar conseguindo montar o móvel da
maneira certa.
Ele se vira para mim, mostrando-se envergonhado, e sorri.
— Era para ser uma surpresa. — disse sério, olhando para a
bagunça que fez.
— Não precisava fazer isso, Marco.
— Quero ajudar. Eu já vinha planejando isso há dias, desde
que notei que o quarto do bebê não estava totalmente pronto.
— Luna. É o nome dela. Por que não chamou um montador?
— Abro as outras caixas.
— Porque a vendedora me disse que era fácil de montar. —
Aponta para o manual de instruções.
— De fato, olhando, parece bem fácil... para um montador. —
provoquei, rindo.
— Você não está ajudando. — resmungou, voltando a bater na
coitada da madeira. Ainda tira uma lasca dela na beirada.
A cara que ele faz é tão engraçada quando nota o estrago no
berço, que é impossível não gargalhar.
— Vou chamar um montador. — Levanta-se e me analisa. —
Parece melhor hoje.
— Eu acho que é porque comi a sopa e tive uma noite inteira
de sono. Isso me fez bem. — É verdade.
Só não sei dizer o que me incomoda, já que estou sempre em
alerta, com medo. A casa inteira se tornou o porão em que papai me
deixava de castigo. Eu culpo meu estresse, entretanto, no fundo, sei
que é bem mais do que isso. Traumas levam tempo para serem
trabalhados, e por conta de tudo que aconteceu, eles vieram à tona.
Anos dizendo a mim mesma que eu dava conta e que não precisava
de ajuda, tornou as coisas pior. Precisei apenas de um gatilho para
ver tudo se tornar uma bola de neve enorme. Uma que não posso
mais esconder na minha caixinha mental. Todas as minhas
inseguranças juntas vieram cobrar seus preços.
— Ei! — Marco estala o dedo em minha frente. — Está
sentindo dor?
— Não. Por quê? — Estranhei sua pergunta.
— Você fez uma expressão estranha. Achei que poderiam ser
contrações.
— E como sabe tudo isso, Marco? — perguntei, interessada
em sua explicação.
— Eu pesquisei. — Dá de ombros como se isso não fosse
nada. — Vamos tomar café! Talvez, depois que eu comer, volte aqui
e consiga montar o resto.
— Isso está seguro? — Observo o berço, que aparenta estar
torto de um lado.
Notando que ele não respondeu, viro-me e o encontro com os
olhos semicerrados.
— É... Café! Tudo bem. — Trato de segui-lo, sem zombar de
suas habilidades como montador.
— Café para mim e suco para você. Grávida não toma café.
Faz mal.
Eu já sabia. É por esse motivo que venho controlando a
quantidade. Ao menos uma xícara por dia dele, tenho me permitido
tomar. Eu era viciada no líquido preto e até sentia dor de cabeça se
ficasse dias sem ingeri-lo.
— Quando será sua próxima consulta? — Surpreende-me
quando pega em meu braço e o liga ao seu enquanto começamos a
descer a escada.
— Daqui a duas semanas.
Ele meneia a cabeça, em entendimento.
— Eu estava vendo seus desenhos no outro escritório. É muito
talentosa. — Seu elogio me deixa envergonhada.
— Ainda estou aprendendo, mas a madame Madalena me
desafiou a desenhar e lhe apresentar uma coleção. Se essa for do
seu agrado, irei me tornar uma de suas estilistas oficiais. —
Empolgo-me, começando a falar sobre minhas conquistas com
paixão.
— Muito bom! Eu não entendo muito de moda. Meus
conhecimentos terminam em uma calça jeans, uma t-shirt, um par
de coturnos e uma jaqueta de couro.
Sorrio da sua sinceridade.
— Moda é um estilo, Marco. Uns nascem com o dom, outros
não.
Ele ri da minha alfinetada. Eu não iria dizer que ele é do tipo
que fica sexy em quaisquer roupas.
— Devo dizer que estou admirado. Você se casou com um
homem muito rico, e outra, em seu lugar, estaria torrando o dinheiro
dele sem se preocupar em ter um trabalho ou estudar, pois já teria
sua vida garantida.
— Quais garantias eu tenho, Marco? — esbravejei irritada por
ele pensar que sou do tipo esposa “troféu”. — Sou uma mulher.
Olhe minha situação! Se decidissem me jogar em uma casa de
prostituição amanhã, que escolha eu teria?
— Se, por “decidissem", você se referiu ao Henrique, eu lhe
garanto que não deixarei isso acontecer. — Ele assegurou com
tanta certeza, que até ouso acreditar nele.
— Espero que pelo menos você cumpra sua promessa. — falei
incerta.
— Para uma menina de apenas dezenove anos, você é bem
madura e centrada.
— Eu acho que você é o único a pensar assim.
Gentilmente, Marco puxa uma cadeira para mim, deixando-me
encantada com sua educação. Não são muitos homens que agem
dessa forma hoje em dia. Pelo jeito, ele tem bem mais do tio do que
pensa.
Reprimo meus pensamentos ao voltar a pensar nele.
— Por que fala isso? — Senta-se.
— Sinto-me sobrecarregada. Aconteceram muitas coisas em
um curto período de tempo para eu assimilar. Entende?
— A Maria me disse que presenciou um ataque de pânico seu.
Está melhor? — Essa Maria! Tem horas que ela passa do limite. —
Ela se preocupa com você. — percebendo meu desconforto, tratou
de defendê-la.
— Sim. Mas foi um episódio isolado. — menti, não querendo
aprofundar o assunto. Esse aconteceu no dia que Henrique foi
embora.
— Se vamos ser amigos, prefiro que não minta para mim,
Giovanna. Diga que não está pronta para tocar no assunto que te
ocasionou isso e eu juro que não irei te pressionar para me contar!
Solto o ar, aliviada. É muito fácil conversar com ele. Marco tem
uma áurea de bad boy, porém basta olhá-lo com um pouco mais de
atenção para perceber o quão protetor é. A prova disso é seus
cuidados comigo em todos os últimos dias sem ao menos me
conhecer direito. Em vez de me julgar, apenas se mostrou
preocupado com meu bem-estar.
— Eu não gosto de tocar muito nesse assunto. Para falar a
verdade, nem mesmo com o Henrique desabafei.
— Você foi torturada pelo seu pai?
Arregalo os olhos por seu questionamento ter sido tão
assertivo.
— O que te faz pensar que ele me fez alguma coisa?
— Homens como ele são capazes de todas as atrocidades
dentro de casa. Meu “pai” era assim. — Fez aspas com o dedo.
Sua face ficou dura quando citou a palavra “pai”.
— Ele era bem ruim sim. Tanto eu como a Sam éramos suas
escolhas preferidas para descontar suas frustrações diárias.
Sinto um aperto no peito por não ter recebido mais nenhuma
notícia dela.
— Marco, conhece o capo da máfia Calabresa? — mudei de
assunto.
— De longe. Por quê?
— Ele vai se casar com minha irmã. Queria muito falar com
ela, só que nunca mais consegui. Nem sei se já se casou.
— Irei verificar isso para você. — Volta sua atenção para seu
prato, perdendo meus olhos marejados de gratidão.
Maria tem razão: a estadia dele aqui tem sido essencial para
alegrar a casa.
O andar inferior da mansão se encontra apagado, todavia
posso ver que a luz do meu escritório está acesa. Parado na
entrada feito uma estátua, pergunto-me se deveria ter vindo aqui.
Pensei em ficar na mansão Lourenço com o Vincent, mas estava
com saudade dela. Porém, não me sinto pronto para ceder. Não
ainda. Faz três meses que a vejo apenas por fotos que Ramón me
manda diariamente. Em alguns dias, deleitava-me com sua imagem,
mas em outras, quando meus olhos pousavam em sua barriga, que
agora é enorme, eu me sentia naquele dia novamente, dentro do
escritório. Todas as sensações e decepções voltavam como um
desmoronamento, levando tudo pela frente, sem freio, e a raiva
vinha com tanta força, que eu quebrava qualquer coisa ao meu
redor; objetos ou pessoas.
Eu me tornei um cara explosivo e descontrolado. Coisa que
nunca tinha sido antes dela. Ela está sob minha pele de uma forma
tão insistente, que nem mesmo de longe, consegui tirá-la de mim e
seguir em frente. O que não faltaram, foram tentativas da minha
parte. Tentei tocar em outra mulher e a eliminar do meu sistema, no
entanto não deu certo. O cheiro e o gosto que eu procurava, não
eram encontrados em outros corpos além do seu.
O modo como decidi castigá-la, também me deixou
padecendo. Foi como um punhal de dois gumes: onde nós dois nos
dilaceramos, tentando acertar.
— O Halloween ainda está longe, para ficar agindo feito um
enfeite na porta. — Marco provocou, saindo do jardim como uma
assombração.
— Eu não sei porque não te matei quando era pequeno. —
respondi mal-humorado, lembrando-me de suas falas há algumas
semanas.
— Às vezes me pergunto isso também. — murmurou, sendo
avaliativo.
— Como ela está? — Ainda tenho dúvidas sobre abrir a porta
ou não.
— Por que não entra e vê por si mesmo? — Entra na casa.
Viro-me e olho meu carro estacionado na entrada. A vontade
de ir embora me puxa, contudo a curiosidade ou a bendita saudade
me faz deixar um pouco do orgulho de lado e o acompanhar. Um
gosto é tudo que preciso.
— Eu vou ser bem sincero com você, Henrique. Aquela mulher
já está muito machucada. Se for para subir e a quebrar ainda mais,
não vá!
— Eu não preciso que me diga como tratar minha mulher,
Marco. Pelo que me consta, meu sobrenome ainda está no maldito
papel de casamento.
Irritei-me com a maneira como ele falou dela, como se a
conhecesse melhor do que eu. E o fato de perceber que seus
interesses em seu bem-estar vão além da proteção, deixa-me na
borda.
Caralho! Acabei de chegar e já estou estressado, querendo
matá-lo por ter sido atrevido.
— Só estou querendo lhe dizer para ir com calma. Vocês
precisam conversar, porém hoje não é um bom dia para ela.
Lembre-se do seu estado!
Eu não preciso de uma merda de lembrete sobre isso.
— Vá cuidar da porra da sua vida e me deixe em paz! —
Passo por ele, ignorando sua tentativa de me aconselhar.
A casa foi minha por tantos anos, mas agora parece estranha
aos meus olhos. Subo a escada e me detenho em frente à nossa
porta quando percebo que a do lado está entreaberta, com a luz do
cômodo acesa. Olho curiosamente para lá e dou um leve empurrão
nela. É quando vejo, pela pequena fresta, mechas dos seus cabelos
ruivos descendo feito cascata na poltrona de descanso. Abro o
restante da porta com cuidado e me deparo com um quarto
totalmente diferente do que eu havia deixado quando saí. O que
antes era um de hóspede, agora se tornou um infantil. Pelo jeito,
não foram só as pessoas que mudaram durante os últimos meses. A
casa, em geral, não se encontra igual também.
As paredes do cômodo, uma vez amarelas, estão pintadas em
tons pasteis, e um papel decorativo da cor rosa, contendo muitos
ursinhos desenhados, foi colocado no lado direito. No lado
esquerdo, encontro variados enfeites infantis colados nas paredes e,
no meio, um berço branco de madeira forrado por um lençol cinza e
rosa. Dentro dele, há dois pequenos bichinhos de pelúcia enfeitando
o espaço vazio e criando um charme.
Tudo isso me faria sorrir se a lembrança que vem junto não
fizesse doer meu peito. A constatação que tenho é de que a criança
que dormirá aqui, não é minha, e que sua mãe tem o poder de me
destruir até mesmo com seu silêncio.
Foco em seu rosto pálido, bebendo sua beleza única. Como
Marco pontuou bem, ela está abatida e mais magra. Eu serei
tachado de filho da puta por dizer isso, mas me regozijo por vê-la
tão fodida quanto eu. É tanto prazeroso quanto doloroso saber que
Giovanna também está sofrendo por sua traição.
Engulo em seco quando ela se mexe em seu sono,
sussurrando palavras ininteligíveis. Mostra-se desconfortável,
porém, ainda assim, consegue roncar dormindo.
Indo contra a vontade de sumir, agacho-me em frente ao seu
rosto e o toco. Eu não posso dizer o que ela sente, contudo, por
onde meu dedo vai passando, cria um caminho de eletricidade que
faz eu me sentir vivo. Sou como um conector sendo ligado a uma
tomada. São tantas saudades e sensações negativas e positivas me
tomando de forma estarrecedora, que fico tonto. Estou me
recarregando de desejo e desespero ao mesmo tempo, por não
saber se um dia poderemos voltar a ser o que éramos. Muitas
coisas se quebraram entre nós, e a pior delas foi a confiança que
tive por ela um dia.
Seus cílios tremulam e, seguido de incertezas, levanto-me, não
querendo ser visto. Antes que eu alcance a porta, sua voz chama
meu nome.
— Henrique? É você?
Deparo-me com olhos azuis que uma vez me hipnotizaram ao
ponto de, em apenas em alguns segundos, colocarem-me rendido
de joelhos. Fico indeciso entre continuar ou não o meu caminho.
— Você voltou? — A esperança na sua voz me corta por
dentro.
Diferentemente dela, não tenho em mim, há muito tempo, o
mesmo sentimento que tinha quando se tratava de nós dois.
— Não. — neguei, cortando qualquer tentativa sua de
aproximação.
Seu semblante fica triste, e mesmo que eu me sinta assim
também, trato de esconder isso dela. Não irei mais demonstrar
fraqueza.
— Por que veio, então? — Levanta-se com dificuldade.
— Pelo que me lembro, essa casa continua sendo minha. Não
achei que deveria ligar e avisar sobre meu retorno. — respondi com
rispidez.
Ela abre a boca, chocada com meu ataque.
Eu me nego a olhar para o seu abdômen. Não quero admitir
sua existência.
— E-eu sei. — Sorri sem graça. — Você nunca vai me perdoar,
não é? — Sua pergunta me pegou desprevenido.
— Eu não vou voltar a esse assunto, Giovanna. Tudo já ficou
resolvido.
— Decidir que vai embora de uma hora para outra, não é
resolver, Henrique. Eu errei e reconheço meu erro. Mas, e você?
— Quer saber se reconheço meu erro? — indaguei ácido. —
Eu reconheço sim. Errei quando investi tudo em você e te
demonstrei um lado meu que apenas minha irmã conheceu. Errei
principalmente quando lhe tirei da vida que estava destinada a ter
porque foi estúpida por acreditar em um conto de fadas.
Seus olhos marejam e eu me calo, com raiva. Tenho muitas
palavras engasgadas que não pronunciei naquele dia e que vêm me
torturando todos diariamente desde então.
— Eu te tratei feito uma princesa e você estava vivendo ao
meu lado, dormindo comigo dia após dia, olhando em meus olhos,
Giovanna, enquanto me escondia a verdade.
— Já se colocou em meu lugar, Henrique? Eu já tinha sido
expulsa de uma casa e não queria perder o pouco que havia
conseguido conquistar no curto tempo em que estávamos juntos.
Quem iria me garantir que você iria aceitar minha bebê? Ou me
deixar mantê-la?
Essa parte é a pior: uma filha dele. Sendo de qualquer um, eu
teria sido capaz de passar por cima disso. Olhe onde eu estava
disposto a ir por essa mulher! Perdoar uma traição para a manter
comigo. O que me enlouquece é ter a certeza de que é dele e que
Giovanna mentiu por ele, pela descendência dele. Dói saber que, no
fundo, ela ainda o ama e que eu nunca serei o suficiente para a
fazer esquecê-lo.
E mesmo que eu saiba, de alguma forma, que a criança é
inocente, compreendo que isso não muda o fato de que sua
existência é a constatação de vitória de Damien. É como se o
imbecil dissesse do além que me venceu no meu próprio jogo e que
sempre estará um passo à frente de mim, ligado a ela, mesmo
depois de eu ter o matado e o separado dela.
Eu não sou capaz de aceitar isso, que tem sido meu ponto
fraco desde o início. Um que ela usou contra mim, que o pai dela
usou para tentar me manipular e que logo estará aqui, refletido na
criança e jogado bem na minha cara durante o resto da minha vida.
— Ninguém. Porque precisou eu me afastar para saber que
isso sempre iria estar entre nós. — respondi.
— Eu sabia que sim. E foi por ter certeza disso, que não te
contei.
— Você sempre sendo sábia em suas escolhas. — ironizei.
— Estou muito cansada, Henrique. Amanhã, se quiser
continuar com suas acusações, eu o ouvirei. Mas, no momento,
quero somente dormir um pouco. Fique à vontade em sua casa! —
frisou o “sua”, passando por mim.
Seu cheiro doce de morangos bate em minhas narinas,
fazendo-me salivar para lhe provar. A vontade que tenho é de puxá-
la para mim e me afundar no calor dos seus lábios, para verificar se
eles ainda continuam tão apetitosos quanto eu me lembro.
Acordando do meu transe, sigo-a de perto, vendo-a entrar no
outro quarto e se deitar na cama. Sua recusa em continuar nossa
conversa me deixou em alerta, porque em outro momento, ela teria
causado uma terceira guerra mundial, mas hoje apenas recuou
facilmente, como se tivesse desistido de tudo.
Como um lobo faminto preso em uma gaiola de ferro, encosto-
me na parede, sem despregar os olhos de cima dela. Balanço a
cabeça para que todos os pensamentos pervertidos vá embora e
foco em seu estado de saúde.
Ligo para o médico da família e peço para que ele venha em
minha casa logo quando amanhecer. Mesmo a odiando por causa
de tudo que me fez, não é minha intenção deixá-la debilitada ao
ponto de adoecer e ter sua vida em risco.
— Eu disse que ela não estava bem, seu estúpido! — Marco
falou baixo.
— Ela sempre consegue tirar o pior de mim. — confidenciei.
— A Giovanna te deixa instável. Você não raciocina bem
quando ela está por perto. Isso é perigoso.
— Não diga, Sherlock! — zombei.
Por que ele acha que estou fugindo?
— Henrique! Ouça-me! Não a empurre! Não é hora de testar
seus limites.
— O que virou, Marco? Algum tipo de terapeuta, porra?! Fique
fora dos meus negócios! Eu prometi ao Vincent que não iria brigar
com você, porém estou disposto a quebrar a minha promessa se
continuar testando minha paciência.
— Volátil: é isso que você se tornou. Não consegue ver as
coisas nem com tudo há um palmo do seu nariz. E, seja qual for seu
problema, resolva logo! Luna chegará em breve e não merece um
homem que a crie como se fosse um fardo.
Luna! Então, a filha dele já tem um nome?
— Por que me tomas, Marco? Acha que eu farei o que com a
menina? Não sou esse monstro que você e Giovanna criaram na
cabeça. — Não esse tipo de monstro, pelo menos.
— Matar, eu sei que não vai. Mas irei contra você e qualquer
um que ousar fazer essa criança crescer achando que não merece
ser amada por ser uma bastarda.
Lá vamos nós de novo!
— É isso que pensa sobre mim? Que eu não seria um bom pai
para ela porque não fui um bom tio para você? — Estou ofendido
com suas recriminações.
— Eu tenho certeza que seria o melhor. No entanto, ainda não
está pronto para essa conversa. — Sai, deixando-me com meus
pensamentos.
Eu seria o melhor? Seria?
Ando de um lado a outro, pensando se devo ou não descer. Eu
quero vê-lo de novo, mas não discutir, pois é perda de tempo falar
sobre a paternidade de Luna. Nada irá mudar o fato de Damien ser
o pai dela. Além disso, seu modo de agir, como se eu pudesse
mudar essa situação em um passe de mágica, irrita-me.
A cada vez que tentava entrar em contato com ele para
resolver isso, ficava sem resposta. Assim, um pedaço de mim foi
arrancado e ficou mais difícil me segurar nas lembranças boas, à
espera do seu retorno. É como aquele ditado: você pode fazer cem
coisas boas, mas se fizer uma errada, é essa que será sua
perdição. E como todos os seres humanos fadados ao erro fazem,
deixei escorregar entre minhas mãos as coisas boas que ele me fez
e comecei a guardar rancor pelas ruins. Elas passaram a ter mais
peso.
— Filha, o médico chegou. — Maria me avisou.
Eu franzo a testa com isso.
— Eu não pedi médico nenhum, Maria.
Ela sorri sem jeito. Nós duas estamos pisando em ovos com a
presença dele.
— Henrique pediu. Estão te aguardando lá no escritório.
Mas, o que ele está tentando fazer?
— Diga que já vou descer! — Começo a procurar meus
exames recentes.
Eu bato na porta e Camillo a abre com um leve sorriso. O qual
não retribuo. Estou magoada com ele por não ter atendido minhas
ligações, mesmo sabendo que foi Henrique que lhe deu as ordens.
Entretanto, custava me dizer que estava tudo bem e me ajudar?
O médico, muito simpático, faz seu trabalho com maestria e
me enche de perguntas. As quais respondo sem olhar na direção
dele. E depois do senhor ter todas as dúvidas sanadas e finalizar a
consulta, deixa-nos a sós. Seu diagnóstico foi o mesmo da minha
obstetra: estou fisicamente bem, apesar da perda de peso. É o meu
emocional que precisa de cuidados. Ele é o vilão da história.
Correndo de outro embate igual o da noite passada, levanto-
me para tomar meu café. Eu não irei ficar para ouvir suas ofensas e
acusações de estômago vazio. Ele me fez esperar por quatro longos
meses, então, que agora espere por mais alguns minutos.
Sento-me na mesa, onde Marco já está tomando seu café.
Para a minha surpresa, Vincent também se encontra presente. Isso
me incomoda, porque não gosto dele, não me simpatizo com ele e
tampouco o quero por perto. O modo como pulou fora, não se
importando comigo no dia do nosso noivado, mostrou o tipo de
homem cruel que ele é. Um que não se importa com ninguém além
de si mesmo.
— Bom dia! — Depois de cumprimentá-lo, como minha boa
educação mandou, eu o ignoro pelos próximos trinta minutos,
perdida em minha mente.
Percebendo que sou o alvo de inspeção da mesa, olho para
todos me encarando com sobrancelhas arqueadas.
— Algum problema? — questionei.
— Olha! Ela sabe falar além de chorar. — Vincent zombou,
fazendo-me encará-lo com mais raiva.
— Qual é o seu problema comigo? — enchendo-me de
coragem, perguntei.
Ele não tem o direito de me tratar mal, já que nunca fez
questão de me conhecer no tempo que o tratado foi selado.
— Vincent, não faça isso! — Marco lhe pediu como um aviso.
O qual, com toda a certeza, ele ignorou.
— Deixe, Marco! Eu quero ouvir o que nosso futuro capo tem a
dizer. — falei, cansada de avaliações negativas ao meu respeito.
— Meu problema é você ficar fazendo dramas e colocar dois
dos meus melhores homens em uma situação de quererem se
matar. Essa é a porra do meu problema com você.
— E eu achava que eles fossem adultos para tomarem suas
próprias decisões. — Fuzilo-o com meus olhos.
— Sabe porque não te escolhi? — Olha-me de um jeito frio.
— Não faço a mínima ideia. — retruquei ácida.
— Porque você é fraca, e eu não precisava de uma mulher que
ficasse chorando a cada saída minha. Eu não tenho paciência para
uma menina mimada que desmaia se ver um pouco de sangue. E
ele estava cansado disso também. — referiu-se ao Henrique.
Estava? Por que nunca me disse nada? Do que importa
também? Ele já tem outra.
— Foda-se você e foda-se ele também! — esbravejei na
defensiva.
Estou encarando o futuro capo e pouco me importo com isso.
— O que foi, Giovanna? Vai chorar de novo? — provocou,
sendo maldoso.
Eu quero, mas não lhe darei esse gostinho.
— Você é um imbecil! É um ser desprezível, Vincent! — gritei
com ele, levando-o a rir.
— Aí está ela. É dessa Giovanna que Henrique precisa.
Porque a de agora a pouco, eu não achava digna de se casar com
um subchefe e ainda continuo achando que não merece o
consigliere. Você é fraca demais, e na máfia, os fracos morrem. —
Vai embora como se não tivesse dito nada.
Sinto que meu coração vai pular pela boca. Deixo a xícara na
mesa, sabendo que não serei capaz de mantê-la firme em minhas
mãos geladas.
— Eles estão te empurrando. — Marco me olha preocupado.
— E estão conseguindo. — respondi abalada.
Meu Deus! Não irei sobreviver a mais uma enxurrada de
emoções e testes descabidos.
— Não! — Agarra meu braço por cima da mesa. O que está
acontecendo com todo mundo hoje? — Quando alguém te empurra,
você não se encolhe; você empurra de volta. Se alguém te bate,
você não oferece a outra face, porra! Você revida e o faz se
arrepender de ter ousado te tocar.
— E não foi o que acabei de fazer? — Ainda tremo pelo
embate.
— É assim que as coisas são e é assim que têm que ser.
Desligue seus sentimentos, Giovanna! Assuma seu posto e faça
todos te respeitarem e se rastejarem aos seus pés! Você foi treinada
para ser e agir feito uma princesinha, mas aqui a realeza é diferente.
Você atira, mata e destrói sempre que for preciso, mas volta para
casa no final do dia para jantar com sua família como se nada
tivesse acontecido. Essa é a sua realidade fodida. Não seja a
pessoa que espera sempre ser salva por alguém! Seja forte e não
deixe que te diminuam, nem decidam nada por você! Lute e prove
seu valor! É de uma mulher assim que Henrique precisa ao seu
lado.
— Então, ajude-me a ficar forte, Marco! — Sua expressão
feroz se ameniza com meu pedido.
— Eu não irei pegar leve com você, menina bonita. Não sou o
Henrique.
— Não estou te pedindo para que pegue.
Ele me olha sério e meneia a cabeça depois de um tempo.
— Devido à sua gravidez, ensinarei o básico a você, e depois
que ganhar a Luna, irei te treinar. Mas já aviso que não aceito corpo
mole. Termine seu café logo! Estarei te esperando na academia.
— Obrigada, Marco! — agradeci, feliz com sua resposta.
É uma mulher forte que ele quer? Eu lhe darei uma. A
pergunta que fica é: ele estará preparado para lidar com uma
Giovanna forte?

(...)

Marco me ensina truques pessoais de defesa em mais uma


aula, sem me fazer me esforçar muito. Como sou uma boa aprendiz,
compreendo tudo com facilidade, porém, já que eu não era
acostumada a fazer exercícios físicos, o pouco que me forço a
aprender, deixa-me super cansada pelo restante do dia. Contudo, o
sorriso largo por me descobrir capaz de fazer mais uma coisa é
suficiente para me ter de pé às cinco da manhã, esperando-o na
academia.
Henrique me ignora durante a maioria do tempo. Se ele está
na sala e eu desço até lá, automaticamente se retira do local. Às
vezes, nas refeições, pego-o me observando calado. Nesses
momentos consigo ver um pequeno vislumbre do meu marido, mas
quando meus olhos encontram os seus, ele disfarça e se fecha,
deixando-me de fora.
Marco é quem vem me ajudando a ficar sã com seus
constantes cuidados.
— Por hoje, já chega. — Deixa de lado as luvas e focafoca no
aparador, que ele usa com o objetivo de me ajudar a melhorar
minha aplicação de golpes. — Seus socos estão melhores. —
elogiou-me. — Mas precisamos investir mais na sua agilidade e
resistência.
— Quanto tempo levarei para conseguir te derrubar? — Bebo
minha água.
Sua risada reverbera, fazendo-me soltar o litro e o fuzilar com
os olhos.
— Eu diria que nunca. No entanto, usar essas habilidades com
outro que não seja tão experiente quanto eu, irá te ajudar a sair de
uma enrascada.
— Se não conseguirei ganhar de um cara como você, qual é o
sentido de lutar? — grunhi minha revolta.
— Preste atenção! A intenção aqui não é fazer de você uma
lutadora, e sim uma mulher que sabe se defender. Esses truques, se
bem usados, irão te dar uma chance de escapatória.
— Entendido! — O foco é aprender a revidar, não a ganhar a
luta.
— Hoje não é sua consulta? — perguntou de repente.
— É sim. Quer ir? — Em seguida, já me arrependo do convite,
porque foi invasivo chamá-lo para a consulta de uma bebê da qual
ele não é o pai.
— Claro. — Sua afirmação me surpreende. — Vou só tomar
um banho.
O alívio que senti foi grande.
Sabe quando você tem várias novidades e não tem com quem
partilhar? É assim que me sinto sempre que vou a uma dessas
consultas. Maria é a única que me ouve, entretanto, na maioria das
vezes, fico sem jeito de cobrar sua atenção, pois sei que ela anda
muito triste pelo que a Giulia lhe fez.
Tomo meu banho e entro no closet a fim de escolher uma
roupa confortável para sairmos. Também passo um creme em meu
corpo. É quando a porta se abre de uma vez, levando-me a pular.
Henrique parece fora de si.
Temendo por mim, mantenho distância dele, dando alguns
passos para trás. O que o faz ficar ainda mais irritado.
— Qual é a sua, Giovanna?! — Estanco no lugar, deixando o
creme cair no chão. — O que pretende fazer? Está usando o Marco
para me atingir?
— Não estou o usando. Ele tem me treinado. Somente isso.
— E o chamar para lhe acompanhar ao médico faz parte do
seu treinamento também?
O quê?! Marco filho da puta! Já foi dar com a língua nos
dentes.
— Não é justo você me cobrar satisfações, Henrique, sendo
que correu para os braços de outra mulher sem nem ter dado tempo
de conversarmos direito.
— Do que está falando? — ainda ousou se fazer de
desentendido.
— De você e daquela prostituta de luxo. — gritei minha raiva
acumulada. — Eu não entendo porque voltou e o que espera de
mim, Henrique. Você me acusa, mal olha na minha cara e depois
vem me dizer que estou te provocando? Mas, deixe-me te dizer uma
coisa, consigliere: eu posso ter errado, e Dio sabe como estou
pagando por isso, mas foi você quem soltou minha mão primeiro e
fugiu. Foi tão covarde quanto eu. E, em vez de ter a decência de vir
se resolver comigo, preferiu se enfiar entre as pernas de outra.
Diga-me o que me impede de fazer o mesmo com você!
— A minha faca na sua garganta e na dele.
Independentemente de quem seja o desgraçado. — Segura-me pelo
pescoço, fazendo-me o encarar.
— Eu deveria lhe retribuir o favor? — Mesmo com medo de
sua reação diante da minha provocação, mantenho-me firme. — Se
não me quer mais, deixe-me livre para encontrar alguém que possa
me amar e amar minha filha como merecemos!
Esse foi o estopim para ele.
— E quem seria esse homem, Giovanna? Marco?
— Quem sabe? Ele não parece se importar com o fato da
minha filha ser uma bastarda.
— Nunca! — Aproxima seu rosto do meu. — Nunca mais,
ninguém irá tocar no que é meu! Entendeu? — Bate sua boca na
minha, sem me deixar respondê-lo.
Tento forçar minha boca a ficar fechada e não lhe devolver o
beijo, no entanto sou invadida pela sua língua molhada, que me traz
o fôlego que eu havia perdido. Levo minhas mãos aos seus cabelos,
choramingando. Um pouco pela frustração da nossa recente briga e
um pouco pelo fato de sentir tanta saudade ao ponto de pensar que
apenas esse beijo não será suficiente para aplacar minha ânsia por
ele.
Henrique me segura pela cintura, aproximando minha barriga
inchada da sua firme, e Luna escolhe esse momento para fazer sua
aparição. Seu movimento repentino o pega de surpresa e o faz olhar
para baixo, boquiaberto.
Mordo minha bochecha por dentro, temendo ser rejeitada de
novo.
— Ela o reconheceu. — murmurei emocionada.
Depois que ele foi embora, seus movimentos eram quase
imperceptíveis.
— Fale com ela! — incentivei-o, jogando alto e apostando tudo
que tinha.
Henrique fica paralisado, olhando onde sua mão está e a
sente. Enquanto isso, eu começo a fazer uma prece para que ele
aceite nós duas.
— Eu... — Tira suas mãos de mim, deixando-me com frio pela
falta dos seus toques. — Preciso ir. — Sai antes que eu fale
qualquer coisa para o fazer ficar.
Aliso minha barriga, acariciando minha bebê, que ficou
agitada. Acredito que tenha sentido o mesmo que eu: medo e
desamparo.
— Ainda há uma chance para nós, bebê. Ele só está confuso.
— conversei com ela, olhando por onde Henrique saiu.
Eu torço para que haja. Ele tem que amar ela também, porque
onde minha filha não couber, também não caberá a mim. É simples
assim. Eu abdicaria tudo por Luna, inclusive Henrique.
Enfim, mesmo me sentindo desequilibrada com toda a
bagunça emocional que ele me causa, termino de me arrumar e
resolvo ir sozinha à minha consulta, para evitar outra confusão.
Estou com tanta raiva de Marco, por ter ido provocar seu tio, que
quero distância dos dois ao menos nesses momentos de consulta,
que vem sendo só meus e de minha filha desde o começo.
Maria veio aqui mais cedo para me falar que ouviu Henrique
dizer que iria ter uma inauguração de um restaurante hoje à noite:
seu mais novo investimento pessoal. Enquanto isso, eu corro para
escolher a minha melhor roupa e me arrumar a tempo. Mesmo que
ele esteja me evitando desde os dias seguintes ao nosso pequeno
embate no quarto e não tenha vindo me convidar para ir, imagino
que precisará de uma companhia para o evento.
Consigo me enfiar no vestido que uma vez ficou perfeito em
meu corpo, quando o experimentei na loja, e me viro de costas para
analisar como está o decote generoso que ele possui até a polpa da
bunda. Praticamente, refiz toda a sua costura para que servisse
novamente em mim e gostei muito do resultado.
Meu corpo continua quase o mesmo de antes da gravidez,
exceto pelos seios enormes e pela protuberância na frente, que ora
me faz amá-la, ora me faz querer me livrar logo dela, devido ao
extremo desconforto que sinto por toda a parte.
Por fim, coloco minha sandália, passo meu perfume e desço,
procurando por Henrique. Olho em seu escritório e o encontro vazio.
Então, imagino que ele pode ter ido para a cozinha fazer um lanche,
já que odeia sair para algum compromisso com fome.
— Maria! — chamei-a. — O Henrique ainda não desceu? —
Vejo-a abrir e fechar a boca várias vezes. — Fale, mulher!
— Ele já saiu, filha. — respondeu com um olhar triste.
— Espera! — Cruzo os braços, pensando. — Ele vai voltar,
não é? É um evento importante, onde estarão vários amigos dele
presentes, inclusive homens da organização com suas esposas. —
pontuei o porquê eu deveria estar com ele nessa ocasião.
— O Henrique não me disse nada. — Olha-me com pena.
Sentimento esse que estou cansada de enxergar nos rostos das
pessoas.
Sento-me na mesa e bato os dedos nela, inquieta. Eu poderia
ligar para o Camillo, mas o cretino não iria me atender, e mesmo
que me atendesse, mentiria para proteger seu chefe. Assim, lembro-
me da esposa de Paolo. Ligo para ela e sou atendida no segundo
toque.
— Giovanna! Tudo bem? — perguntou em um tom de voz
abafado.
O barulho alto de música e de pessoas conversando no fundo
me faz ter a certeza de que ela está na festa.
— Querida! Como vai você? Eu estou ótima. — coloquei
bastante animação na entonação da minha voz, não querendo que
ela percebesse nada. — Estou ligando para pegar o endereço do
restaurante. Henrique saiu às pressas e esqueceu de passá-lo para
o nosso motorista.
Ouço um silêncio no outro lado da linha. Acredito que ela
esteja se afastando da bagunça para poder me ouvir melhor.
— Eu acabei de cumprimentá-lo. Ele me disse que você não
estava bem e que não a trouxe por isso. — Parece preocupada. —
Está melhor? Precisa que eu o chame?
— Não, querida! De fato, não passei bem durante a manhã,
mas estou muito melhor agora. Só preciso do endereço para me
encontrar com vocês aí.
Ela me fala o local onde estão, não deixando de acrescentar
que Henrique está com a serpente do Éden. Eu me faço de
desentendida, é claro, e digo que sei que Emma está fazendo a
gentileza de o acompanhar em meu lugar. Olhe a que nível nós
descemos! Ele quer me fazer passar vergonha? Pois, que espere
minha chegada! Eu irei lhe ensinar como se faz uma chegada
triunfal.
Desligo o aparelho e sigo para a academia, onde sei que irei
encontrar Marco treinando. Levanto a barra do meu vestido e sigo
pelo caminho de pedras para ir falar com ele. Tenho a sorte de vê-lo
já saindo de lá, todo suado e com as tatuagens à mostra.
Perdão, Marco! Mas se só tem você aqui disponível, vai você
mesmo.
Eu lhe dou um sorriso aberto e ele me olha com uma cara
desconfiada. Tadinho! Não sabe o que lhe espera.
— O que aprontou? — Analisa-me da cabeça aos pés. —
Aonde pensa que vai em uma hora dessa, mulher?
— À inauguração. E você vai comigo. — avisei.
— Eu dispensei o convite mais cedo. Estou afim de descansar
hoje.
— Não! Preciso dar o troco em meu marido e pretendo te usar
para isso.
Ele ri.
— Uau! É a primeira vez que sou convidado por uma mulher
para sair e ela quer me levar para a morte. — disse zombeteiro. —
Estou me sentindo um objeto sexual.
— Um objeto sexual que pretendo usar muito bem. — Pisco
inocentemente, levando-o a rir mais uma vez.
Marco sendo Marco, leva tudo para o lado sexual.
— Não nesse sentido, seu pervertido! — tratei de deixar bem
claro.
Ele gargalha de mim, divertindo-se com meu embaraço ao me
explicar.
— Vamos! Estamos atrasados. — dei meu ultimato.
— Ei! Eu preciso me trocar. Um homem tem que estar muito
bem vestido para um evento desse. O lado bom é que se eu morrer,
já estarei de terno. Só precisarão me jogar em um buraco.
— E eu achava que a pessimista fosse eu. Não foi você quem
disse que eu deveria bater de volta quando me provocassem?
— Sim. Mas não me levando para ser sacrificado. —
resmungou antes de me deixar o esperando.
Pouco tempo depois, ele desce totalmente diferente do homem
que eu estou acostumada a ver. Se já era parecido com um bad boy
em seu coturno e jaqueta de couro, dentro de um Armani, ficou
totalmente fatal. Literalmente, gostoso. E olha que eu achava, até
então, que seu tio era de uma beleza extraordinária.
— Devo ter acertado na minha escolha, já que está babando
em seu vestido. — Quando ele sorri... Pronto! O pacote perfeito para
a morte está convidativo. Em outros tempos...
— Eu não estava babando. — neguei.
— Chega de bancar o Dom Juan e vamos! Eu preciso colocar
seu tio em seu devido lugar. — Ligo meu braço ao dele.
— Que Deus nos ajude! — sussurrou, abrindo a porta do carro.
Só ele mesmo.
Logo chegamos ao local e notamos como o restaurante está
cheio. Na frente, há um tapete vermelho estendido e lotado de
repórteres. Ótimo! Como meu marido tem gostado de ser manchete
ultimamente, eu lhe farei o favor de ganhar um lugar na capa outra
vez.
Desço do carro de braços dados com o belo espécime ao meu
lado e adentramos o ambiente. Cabeça por cabeça se vira em
nossa direção. O momento me faz lembrar daquelas histórias de
época, onde a bela dama chega ao baile e até a música é
interrompida para a prestigiarem. Tudo bem que ela continua, mas
que eu tenho a atenção de todos... Eu tenho.
Cumprimento algumas pessoas pelo caminho até encontrar
meu alvo. Paro na roda em que ele está e ofereço o melhor sorriso
que posso, mesmo com o coração em pedaços ao constatar que a
pilantra está agarrada em seu pescoço como sua verdadeira dona.
Apenas levanto o queixo, reprimindo o choro, e olho em seus
olhos, fazendo exatamente o que Marco me ensinou. Desligo-me e,
diante dele, transformo-me em outra Giovanna.
— Giovanna! — Observa-me com olhos arregalados.
— Agradeço pelo convite, Henrique. É muito bonito e elegante
seu restaurante.
— O que faz aqui? — questionou entre os dentes.
— Estou te prestigiando, marido. Não posso?
— Não! Não pode, porra! Eu não te trouxe por um motivo.
— Esconder que estou grávida, porque sente vergonha de
mim. Esse foi o motivo. — Ele não nega e sua teimosia me faz
querer bater nele. — Acha que tenho cara de idiota?
— Sem escândalos! — resmungou.
Olho para a vadia, que continua fingindo não me ver, como se
a outra fosse eu. Meus olhos pinicam de humilhação, mas não irei
me dar por vencida. Dois podem jogar o mesmo jogo, e eu darei as
cartas nesse.
— Oh! Pode deixar! Irei me comportar como a perfeita esposa
de um consigliere. — Faço uma reverência e puxo Marco comigo
para a pista de dança.
— Mulher! Você está grávida. — Ele sorri e me acompanha.
É disso que gosto no Marco: apenas segue o ritmo, sem me
podar ou julgar. Porque eu não podia ter me apaixonado por ele?
Tinha que ser pelo cretino e filho da puta do meu marido?
— Eu sei. Gravidez não é doença, Marco. — Pego sua mão e
o deixo me conduzir de acordo com os acordes da música lenta que
toca. — Estou fazendo papel de ridícula. Ele nem se importou em
disfarçar que não me queria aqui. — confidenciei magoada.
— Ele está agindo feito um idiota e eu acho que, em vez de
ficar correndo atrás dele, deveria mostrar que não estará disponível
pelo resto da vida, esperando-o acordar e voltar para você. — Fita
meus olhos.
— E se eu estiver perdendo meu tempo? Talvez ele tenha
desistido. — O que me prometeu que não faria.
— Você tem outras opções, Giovanna. Basta tomar coragem e
fazer sua escolha! — Sempre haverá alguém capaz de topar fazer
qualquer loucura para ter uma família.
— Mas eu o amo! Não é justo aprender a amar dois homens
diferentes e perder ambos. — É a mais pura verdade.
Eu amei Damien de um jeito imaturo e inocente; já com
Henrique, é um amor mais puro e firme, do tipo desesperador, que
não é fácil de substituir, nem de esquecer.
— Eu nem deveria me meter mais nisso. — falou baixo. —
Mas se quer tê-lo de volta, vai ter que confiar em mim. — Aí está a
maldita palavra que me enfiou em uma enrascada.
— O que pretende fazer? — sussurrei, olhando Henrique
dançar com o chorume da tumba do Faraó logo adiante.
Acho que estava estremecendo, porque Marco logo apertou
sua mão em minha cintura, encarando-me com firmeza. Dessa vez,
não é um olhar de pena que encontro, e sim de... desejo? Não! Não
pode ser! Nós nos aproximamos bastante nas últimas semanas,
mas eu nunca lhe dei a entender que queria algo a mais que
amizade entre nós dois.
— Quero que saiba que se eu morrer, não desejo flores em
meu caixão. Eu odeio essas porcarias. — confessou.
Estou prestes a perguntar do que ele está falando, pois sua
frase não fez nenhum sentido para mim. É quando ele me aperta
junto ao seu corpo e bate seus lábios nos meus. Em choque,
entreabro minha boca para falar algo, e isso lhe dá a oportunidade
de enfiar sua língua dentro dela e chupar a minha. Meu coração
acelera em um nível que beira uma taquicardia e eu fico sem saber
como agir.
Meus pensamentos desconexos me fazem sair do torpor em
que me encontrava e querer reagir, mas antes que eu possa
empurrar Marco, Henrique já está em cima dele, batendo seus
punhos em seu rosto sem cessar. Grito quando vejo sangue espirrar
em meu vestido branco. Ele vai matá-lo. Literalmente.
— Pare, Henrique! — gritei chorando quando percebi que seu
ataque não iria parar.
Ele parece um animal selvagem e Marco se tornou sua vítima.
Enquanto isso, a multidão se forma à nossa volta, sufocando-me.
Vejo Camillo e Elliot tirarem um Henrique totalmente
descontrolado de cima do corpo ensanguentado de Marco enquanto
Rocco e Vincent tentam socorrer o coitado.
Braços me seguram quando minhas pernas cedem e eu
começo a cair. Logo me colocam em uma sala, onde eu fico
sozinha, sentindo-me adormecida.
— Está feliz agora? — Vincent perguntou quando entrou. —
Tudo isso é culpa sua. Quando vai parar de agir feito uma cadela e
o deixar em paz?
Eu sou a vítima aqui. Henrique errou comigo ao trazer outra
mulher com ele e Marco tomou, sozinho, a decisão de me beijar.
— Se está tentando me culpar por todos os problemas que
envolvem os dois, pode ir parando por aí, porque eu sei o que os
motivam a ter sempre um pé atrás um com o outro. E te garanto que
não foi somente pelo beijo.
— Minha vida teria sido mais fácil se seu maldito pai tivesse
ficado no território dele e me deixado quieto no meu. Você tem
“problema” estampado no rosto, porra!
“Se te empurram, você empurra de volta”. — a voz de Marco
sussurrou em minha cabeça.
— Eu não sei com quais tipos de mulheres está acostumado a
lidar, Vincent, mas não sou elas. Não vou sentar e abanar o rabo
para você só porque será o chefe. Guarde suas ofensas para quem
merece! Porque se estou aqui, “estragando” a vida deles, foi por
falta de escolha. — Consegui dizer tudo sem derramar uma lágrima
sequer.
— Essa é a última vez que resolverei uma briga entre eles por
sua causa. Na próxima, matarei você e acabarei com essa disputa.
Cato minha bolsinha, saio pela porta do fundo, chamo o
primeiro táxi que encontro e peço que ele me leve para casa...
Longe deles, longe daqui.
Quando chego em frente à mansão, pago o taxista, desço do
veículo e tiro meus saltos, deixando que as lágrimas de frustração
se derramem pelo meu rosto. Entro e me jogo soluçando sobre o
sofá.
— Chegou quem estava faltando. — A voz de Giulia faz meu
corpo se arrepiar.
— Giulia?! — Levanto-me, não entendendo como ela
conseguiu entrar aqui.
— Volteeei! — cantarolou. — E vim para acertarmos nossas
contas.
— Sua louca! Saia... — As palavras morrem em meus lábios
quando uma pancada me atinge por trás, derrubando-me no chão.
Giulia se aproxima de mim e se deita ao meu lado com seu
rosto afastado pouca coisa do meu, sorrindo.
— Não se preocupe! Eu vou cuidar bem dele.
Fitando seus olhos azuis esverdeados, apago.
Abro os olhos quando um barulho ensurdecedor me acorda.
Estou deitada sobre uma mesa de ferro, tentando entender o que
aconteceu, e me deparo com uma sala vazia. O cheiro forte de algo
podre bate em minhas narinas e se torna insuportável ao ponto de
me causar dor de cabeça e uma terrível ânsia de vômito. Por quanto
tempo fiquei apagada?
Todas as imagens do que aconteceu, surgem em minha mente
como flashs, invadindo tudo de uma vez e me deixando tonta: Giulia
e Ramón rindo, eles me acertando por trás... Eu fico tendo apenas
relapsos de consciência, mas é o suficiente para saber quem me
atacou.
Posso ver, ao longe, alguma coisa pendurada em um ferro, de
cabeça para baixo. Tento me levantar, porém me sinto fraca.
Seguro-me na mesa, e devido à perda dos movimentos, caio de
bunda no chão, em cima de uma gosma preta. Uma dor excruciante
me acerta em cheio, fazendo-me gemer. Com muita dificuldade,
coloco-me em pé e tapo a boca em uma tentativa de conseguir
respirar melhor. Então, começo a procurar pela saída. Quando tento
abrir a porta da sala, sou surpreendida ao encontrá-la trancada. Até
procuro em volta algum objeto que possa me ajudar a abri-la, só que
não acho nada.
Olhando o corredor com apenas uma luz piscando, começo a
caminhar devagar, em busca de ajuda. O lugar parece um cenário
de um filme de terror. Há respingos de sangue no chão e nas
paredes pálidas de cores já desbotadas. Quanto mais eu ando, mais
o odor vai ficando forte, nauseante; e o único barulho que se ouve, é
de alguma coisa sendo cerrada. O que me deixa cada vez mais
assustada.
Escuto vozes alteradas vindo em minha direção e, com medo,
enfio-me no primeiro cômodo que acho para me esconder. O quarto
está muito escuro, e para manter meu equilíbrio, encosto-me na
parede, controlando minha respiração, que estava desconexa. De
repente, uma outra onda de dor me atinge, impossibilitando-me de
prosseguir adiante. Mordo o lábio com força, pensando que se eu
me concentrar em uma dor, a outra será anulada.
Ainda temo cair por causa da fraqueza em minhas pernas,
porém, tomando coragem, firmo-me na parede e dou dois passos
para o lado, tendo a sorte de alcançar uma tranca. Assim que viro a
maçaneta, noto que a bendita porta não abre e começo a chorar
baixinho, tendo medo do que pode me acontecer. Depois volto ao
meu lugar de origem e olho para o corredor novamente, que
continua vazio. Pergunto-me se devo continuar ou permanecer aqui,
mas logo aproveito que não ouço mais nada e me apresso, tentando
fugir. O que não dura muito tempo, pois bato de cara em um peito
duro que me segura com muita força. Fica impossível não gritar.
— Achei você! — Seu hálito pútrido bate em minha face,
fazendo-me prender a respiração. — Está tentando fugir de mim?
O rosto do homem — ou seja lá o que for esse ser — é
estranha. Parece que foi derretida e posta de qualquer jeito em seu
lugar.
— Q-quem é você? — minha voz saiu trêmula.
— Seu novo dono.
O quê?!
— Você deve estar enganado. Eu preciso sair daqui. Meu
marido está me esperando. — tentei ganhar tempo.
— Não! Eu te comprei por um bom preço, e agora você será a
minha boneca. — Abre um sorriso arrepiante que me faz ganir
desesperadamente. — Você ficará perfeita em minha coleção.
Uma picada atinge meu pescoço e eu vou caindo em seus
braços, sendo amparada por ele.
— Por favor, não me machuque! — as palavras saíram meio
emboladas.
Ele me levanta e me carrega pelo corredor. Até que eu apago.

(...)

De volta ao início. Essa é a primeira coisa que penso quando


observo o meu arredor e me vejo deitada na mesma mesa, no
mesmo quarto. Só que diferentemente da primeira vez, estou com
meus pulsos e pés amarrados, sendo impedida de me mover.
O meu algoz sorri quando me olha por cima dos ombros
enquanto mexe uma panela no fogão. Ele aperta um botão na
parede, fazendo com que a mesa fique em pé comigo. Eu tento falar
e forço as palavras a saírem, mas nada acontece; não só porque a
fita tapa minha boca, mas também porque tudo parece confuso.
Estou totalmente travada ao ponto de não ter controle de nada. É
como estar em um pesadelo sem fim.
— Você acordou bem a tempo. — Vem em minha direção com
uma tesoura nas mãos.
Eu me forço a balançar a cabeça, choramingando.
— Shiii! Eu não irei te machucar. Sua pele é perfeita demais
para ter qualquer marca nela e seu cabelo é tão bonito. — Leva uma
mecha dele ao nariz e o cheira. — Muito cheiroso!
As lágrimas já descem pelas minhas bochechas
descontroladamente.
— Sua amiga me disse que você gosta de moda. — Corta a
roupa do meu corpo. — Eu comprei um lindo vestido para você. —
Detém-se por um instante em minha barriga propositalmente e a
analisa. Depois prossegue, deixando-me nua.
Meu Deus! Se esse for um sonho ruim, quero despertar.
Meu choro silencioso chama sua atenção para mim.
— Não chore! Nós seremos muito felizes, como uma
verdadeira família. Eu vou cuidar bem de vocês. — Ri de um jeito
neurótico. — Está vendo aquela caixa? — Aponta para uma caixa
de madeira espelhada no canto. — É onde vou guardar você. Agora,
descanse! Quando eu voltar, iremos iniciar o processo de
preparação.
Preparação? Ele vai me matar? É isso?
Mexo os dedos das mãos e percebo que, apesar de eles
estarem dormentes, têm resquícios de movimentos. Eu pensava que
a perda dos meus reflexos era por causa das malditas injeções.
Tento puxar meus pulsos das amarras, mas isso faz com que as
cordas fiquem ainda mais apertadas. Desistindo, por me ver sem
saída, fecho os olhos e penso que minha única salvação seria
alguém aparecer magicamente para me ajudar.
Ao perceber que Giovanna saiu do restaurante sem
segurança, entro no carro e volto para casa. A noite foi perdida e eu
estarei na boca do povo por conta do fracasso da inauguração.
Aquela endemoniada me causou um verdadeiro escândalo. Mas, se
ela pensa que irá se livrar de mim tão facilmente, quebrou a cara.
— Vá com calma, Henrique! Já foram muitas emoções para ela
nesta noite. — Camillo tentou me parar.
— Pois, ela que tivesse pensado nisso antes de me provocar!
— Estou irritado porque, de repente, todos decidiram tomar partido
do seu lado.
Quando chego, coloco uma mão na maçaneta e sou parado
por Elliot, que surge armado na minha esquerda.
— A casa foi invadida, senhor. — avisou baixo quando se
aproximou mais.
Pego minha arma e abro a porta, constatando que ela não está
trancada como deveria.
— Giovanna? — Entro com os dois homens em meu encalço.
— Não a vimos.
Neste momento, não sei se torço para que a teimosa não
tenha voltado para cá e esteja segura ou se me preocupo ainda
mais pela falta de notícias.
A primeira coisa que noto quando avançamos, é a desordem
na sala. Há objetos de decoração quebrados e um cheiro forte
espalhado por toda a casa. Dou um sinal de que iremos subir, e
assim que piso nos primeiros degraus da escada, avisto um corpo
caído no chão. Chegando mais perto, percebo que é Maria
desmaiada. Ajoelho-me ao seu lado, coloco um dedo em seu
pescoço e noto uma forte respiração que me deixa aliviado. Então,
eu a chamo. Balanço o seu corpo de um lado a outro na tentativa de
fazê-la acordar, e nada.
— Maria? — chamei preocupado.
Ela geme e eu tento de novo. O que a faz abrir os olhos e me
encarar.
— Oh, meu Deus! — Senta-se e coloca a mão sobre a testa.
— Minha cabeça dói muito. — reclamou, levando uma mão até o
local onde, possivelmente, pela ferida, levou uma pancada.
— Consegue se levantar? — Ofereço uma mão para ela se
firmar.
— Estou me sentindo tonta. — Tenta ficar de pé, entretanto
escorrega no molhado embaixo de si.
— Isso é cheiro de... — Paro, reconhecendo o odor. —
Gasolina. — completei.
Parece que a casa inteira foi banhada pelo líquido.
— Foi a Giulia. Ela jogou gasolina em mim quando estava a
espalhando pela casa, dizendo que iria colocar fogo em tudo. Como
pode, meu Deus? Eu ainda não acredito que criava uma serpente o
tempo inteiro.
Fico abismado com sua confissão e sinto pena dela. Ela criou
a neta como filha e, agora, foi atacada pela ingrata sem coração.
— Vamos, Maria! Não há tempo de nos lamuriarmos. — Ajudo-
a novamente.
Dessa vez, ela consegue se segurar em mim.
— Onde está a Giovanna? — Levo-a para o sofá.
— Não sei. Em um instante, eu estava indo para a cozinha, e
no outro, estava de cara no chão, apagada.
Faço um sinal para que meus homens se espalhem. Nós
precisamos sair daqui logo, porque se a louca jogou gasolina pela
casa e ainda não colocou fogo, por arrependimento que não foi.
Tenho um forte pressentimento de que ela está por perto.
— Já fomos informados sobre o acontecido. — Vincent,
acompanhado por Alec e Marco, juntam-se a mim.
— A neta dela pirou. Acho que ela está com Giovanna. —
Começo a subir a escada.
Nós reviramos cômodo por cômodo e não encontramos nada
além do vazio.
— O porão! Ainda não verificamos o porão. — Marco disse
praticamente em um sussurro.
— Há uma saída pelos fundos que dará na outra entrada. É
melhor a cercarmos para o caso de ela tentar fugir.
— Certo. — Marco passa as ordens aos outros. — Nós
desceremos com você.
Eu balanço a cabeça em concordância, tomando a frente, e
começo a descer. Paro na metade dos degraus quando avisto, no
pé da escada, Giulia vestida com as roupas de Giovanna.
— Eu sabia que você viria para mim. A gente tem uma ligação
muito forte. Sabia? — Ri.
— Puta que pariu! Estamos lidando com uma psicótica. —
Marco disse atrás de mim.
— Cadê a Giovanna, Giulia? — Olho em volta, procurando-a.
— Está aqui.
Um frio desce pela minha coluna quando noto, logo à frente,
Giovanna jogada no chão de qualquer jeito. Não dá para ver seu
rosto, no entanto sei que ela não está bem.
— O que você fez com ela? — indaguei com raiva.
— Eu injetei uma droga nela. O Ramón fugiu, com medo, e
como não consegui carregá-la sozinha, joguei ela da escada. — Dá
de ombros, sacudindo os cabelos.
— Eu vou esfolar essa filha da puta! — Vincent resmungou.
Não posso deixar de concordar com ele.
— Se fizer alguma coisa comigo, vou explodir tudo. — Segura
uma granada na mão, fazendo-nos recuar.
A filha da puta achou meu arsenal de armas que guardo aqui
embaixo para emergências.
— O que você quer, Giulia? — Recuperado, dou passos
vagarosos, testando-a.
— Você. Sempre quis você. Mas ela se meteu no meio e
atrapalhou tudo. — Começa a andar de um lado a outro. — Mas eu
vou consertar as coisas, Henrique. Vou te provar que mereço estar
ao seu lado.
— Como? — Desço mais um pouco. Estou quase a
alcançando.
— Eu vou matá-la. O bebê não é seu e na máfia não tem
divórcio. Certo? Se você ficar viúvo, poderá se casar de novo...
Comigo! — Está neurótica.
Eu estou sem fala. Pela primeira vez, vejo-me preso em uma
armadilha, sem conseguir pensar em um meio de escapatória. Pelo
menos não em uma possibilidade que termine sem alguém sair
machucado.
Levo meus olhos para onde Giovanna permanece imóvel e me
sinto culpado por ter agido como um idiota com ela e não ter
cuidado melhor de sua segurança.
— Você não precisa me provar nada, Giulia. Deixe eles tirarem
a Giovanna daqui! Então, nós iremos conversar. — mantive a voz
calma, mesmo que tudo estivesse despedaçando por dentro.
— Não! — Afasta-se. — Se ela ficar viva, vocês irão voltar. —
choramingou inconformada.
— Não vamos, Giulia. — forcei-me a prometer.
— Você a chama de boneca. O que eu sou para você?
Satanás, vadia, maluca... — É o que quero responder, mas...
— Linda! — Acho que até um tique-nervoso em um olho deve
ter aparecido por eu ter conseguido elogiá-la em meio a toda
vontade de arrancar sua cabeça fora. Ainda mais por ver minha
mulher há menos de três passos de mim, sobre uma poça de
sangue.
— Eu gosto de “linda”. — Sorri e me encara com seus olhos
azuis lacrimosos. — Acha isso mesmo?
— Claro que sim, querida.
Só mais um pouco. — falei para mim mesmo.
Seguro sua mão e tiro a granada dela. Ela ainda tenta me
chutar, mas não obtém sucesso, já que eu a detenho com facilidade
e a jogo no chão com força, sem remorso.
— Levem-na daqui, mas não a matem ainda! A morte rápida é
um presente que não irei lhe dar.
— Não! Você prometeu que iria ficar comigo! Eu te amo,
Henrique!
Marco, com rapidez, pega ela e a tira da minha frente.
Corro até Giovanna, soltando o ar que nem percebi que estava
segurando. Então, noto seu pulso forte e o quanto ela está gelada e
muito pálida. O sangue entre suas pernas demonstra quão pouco
tempo terei para lhe tirar daqui e a socorrer.
— Estou aqui, angelo mio. Estou aqui. — Coloco sua cabeça
em meu peito, segurando o choro que pinica meus olhos.
— Vamos! Eu vou levá-los ao hospital. — Vincent, puxando-me
para fora da minha dor, ajuda-me a subir as escadas com ela em
meus braços.
Sentindo seu corpo mole, saio correndo rumo à nossa
garagem para lhe levar ao hospital. Vincent mantém o mesmo
compasso que eu e vai correndo abrir a porta do carro. Entro nele e
a deito no banco, colocando sua cabeça em meu colo e a
abraçando. Estou soluçando. Eu não chorei quando perdi meu
amigo e não derramei uma lágrima quando soube da morte da
minha irmã, porque a única coisa que me consumiu quando
descobri tudo, foi o ódio pelo que havia lhe acontecido. Até mesmo
quando a mamãe se foi, não lastimei sua perda, e apesar de ter
sofrido, contentei-me em aceitar que aconteceu o que ela desejava.
Mas, neste instante, estou provando do medo ao ver Giovanna tão
pálida. Não estou nem ligando para os olhares voltados para mim no
banco da frente, pois apenas choro por ela e deixo que tudo que
estava guardado, saia através dos meus olhos.
— Acelere, Vincent! — gritei com ele.
— Estou no nosso limite máximo. Já estamos chegando lá. —
afirmou nervoso.
Mal o carro para no estacionamento e eu saio em disparada
até a porta de entrada, procurando por ajuda. Todos me olham
assustados e eu nem me importo com o fato da polícia,
provavelmente, estar aqui no minuto seguinte, em cima de mim. Ela
é mais importante do que qualquer coisa que vá me acontecer. Eu
não me importo com mais nada além dela nesse momento de
angústia.
— O que aconteceu? — uma mulher vestida de jaleco branco,
a qual suponho que seja a médica, perguntou.
— Hemorragia. — minha voz falhou. — Injetaram algo nela e
ela está sangrando muito. — senti um gosto amargo ao pronunciar
tais palavras.
Uma horda de enfermeiros nos cerca, coloca ela na maca e a
leva pelo corredor.
Eu sinto falta de ar e percebo meu coração muito acelerado.
Parece que tenho uma britadeira dentro do peito. Tento entrar junto
com Giovanna na sala de emergência e sou barrado. O que me
deixa mais sem chão ainda, já que não estarei ao seu lado,
segurando sua mão, dizendo-lhe que tudo irá ficar bem, que eu
estou com ela e que irei consertar as coisas entre nós. Temo que
não dê tempo de pedir seu perdão, dizer o quanto a amo e como foi
difícil ficar longe dela.
Depois que fui embora, pensei em voltar várias vezes. Não foi
uma ou duas vezes, e sim várias. Até cheguei a pegar minhas
coisas em certa noite e entrar no jato, porém desisti no minuto
seguinte. Eu não me afastei somente pela descoberta, embora esse
tenha sido o ponto fundamental para me convencer do que parecia
o certo a se fazer. Entretanto, eu me afastei também para a proteger
de Luigi, fingindo que não me importava com ela, e, assim, tirá-la do
seu radar. Eu sabia como a cabeça dele funcionava, então fiz o que
deveria ser feito. E como bem imaginei, deu certo.
Não foi fácil tomar essa decisão, portanto, se eu pudesse
voltar no tempo, teria ido por outro caminho. Vendo a situação em
que me coloquei, percebo que poderia ter voltado antes, depois que
o matamos, porém a mágoa foi um grande empecilho e pesou nessa
atitude. Constato também o quanto fui covarde, como Marco me
acusou. Só posso me martirizar por mais um erro que cometi.
Por favor, Dio! Salve-as! — Pedi em pensamento,
desesperado.
Sento-me no saguão de espera, permitindo que minha mente
voe. Eu me sinto dormente por dentro e sem vida. Prometi protegê-
la, contudo me tornei o culpado pela sua ruína. É por minha culpa
que ela está ali, lutando contra a morte.
Levantando e andando de um lado para o outro, conto cada
maldito minuto que se passa no relógio. A fadiga toma conta de mim
e me sufoca enquanto a culpa duela com o arrependimento de eu a
ter deixado acreditar que tinha a esquecido e partido para outra, em
vez de ter colocado tudo em pratos limpos quando tive a
oportunidade.
Cada ligação que ignorei e cada mensagem recebida que não
respondi, pesam contra mim agora. E se ela não sair de lá? E se eu
não tiver a chance de me redimir pelos meus erros? Eu não
aguentaria e não iria superar essa perda, nunca. Só de pensar
nessa possibilidade, sinto que vou infartar. As duas têm que
sobreviver. Se Giovanna perder a bebê, eu irei perdê-la para o resto
da vida, porque sei que não receberei seu perdão e que ela nunca
mais irá querer me ver devido a tudo.
Enfio as mãos nos cabelos, quase arrancando os fios, de
nervoso. Já faz mais de quarenta minutos que ela está lá dentro e
minha aflição só aumenta, sem ter notícias suas. Ninguém apareceu
ainda para me informar seu quadro, e a falta de informação está me
deixando à beira da loucura.
Após mais alguns minutos — horas talvez —, Marco entra
correndo pela porta e se senta ao meu lado.
— Como ela está? — indagou com o rosto ainda inchado pela
nossa briga.
— Ainda não sei. — respondi de cabeça baixa.
— Eu vou procurar por informações. Alguém tem que falar
alguma coisa. — Levanta-se tão aflito quanto eu.
Vincent toma seu lugar em seguida, dando-me um tapinha
amigo no ombro. É seu modo de dizer que está aqui para mim.
— Eu sei o que está sentindo. Passei por isso há pouco tempo.
— falou após um instante em silêncio. — Quando ela sair dali...
Porque ela vai sair... Você vai assumir aquela criança como sua.
Elas precisam de você, Henrique.
— Eu sei. Eu só... — Paro, procurando as palavras certas para
dizer. — Eu só não sei como esquecer que ela é filha dele. E se eu
não conseguir e for um péssimo pai?
— Quando meu pai te contou que eu era filho de Luigi, você
perguntou isso a ele? — Seu questionamento me surpreende. —
Acha que foi fácil para ele assumir o filho da mulher que amava com
seu irmão? Ainda mais comigo sendo fruto de um estupro?
— Conhecendo o Matteo, imagino que sua lealdade e amor
por sua mãe foram maiores que quaisquer outros sentimentos. —
confidenciei, certo do que eu falava.
Matteo tinha um coração grande por baixo de toda sua
máscara de crueldade.
— Se me perguntar quando notei algo diferente em questão de
amor no modo como ele me tratava, eu diria que nunca. Ele podia
não ser meu pai de sangue, mas foi o melhor que pude ter.
Eu confirmei isso. O amor que Matteo sentia por ele, era real e
verdadeiro. Tudo que fiz pelo Vincent, foi devido à minha promessa
ao meu amigo em vida, que se preocupava com Luigi poder matá-lo
quando soubesse de toda a verdade. A qual ele me confidenciou em
nossa última conversa e me fez prometer contar ao seu filho apenas
quando achasse a hora certa de fazer isso. O que aconteceu depois
que matamos o capo.
— Se ele estivesse aqui, provavelmente teria me batido por ter
agido daquela forma com Giovanna. Nosso relacionamento era bem
no estilo do seu com o Marco.
— Foi por isso que nos uniu, não é? Você sabia que nós
tínhamos um laço sanguíneo.
— Sim. Eu os uni porque queria que vocês se tornassem uma
parte essencial na vida um do outro.
— E ainda duvida que será bom pai. — Balança a cabeça de
um lado a outro, rindo.
— Não entendi.
— Cara! Você foi como um pai para mim e Marco. Não
percebeu que fez da sua vida uma missão de criar os filhos alheios?
Gabriel também vem à minha cabeça e eu sorrio, constatando
a verdade mais do que óbvia bem na minha cara.
— Puta que pariu! Eu os criei, não foi? — Rio pela primeira vez
depois de meses.
— Não se preocupe, Henrique! Iremos proteger esse segredo
e matar qualquer um que ousar questionar sua paternidade.
Eventualmente, nós mudaremos essas regras descabidas sobre os
bastardos. Só temos que lutar uma batalha de cada vez.
— Eu agradeço. Terá sempre minha lealdade por isso.
— E agora é a vez de aprender a criar uma menina. — Aponta
para o médico, que passou pela porta dupla e está vindo em nossa
direção.
— São familiares da senhora Cavallari? — Olha para nós com
seu semblante cansado.
— Sim. Sou seu marido. — Arranco-lhe um sorriso genuíno.
— Parabéns, papai! A cirurgia foi um sucesso. Nós
conseguimos estancar a hemorragia e sua filha acabou de nascer.
Marco bate em meu ombro, sorrindo, e o Vincent faz o mesmo
em seguida. Já eu, mesmo com todas as emoções conflitantes
dentro de mim, emociono-me com a notícia.
Elas estão bem. Deus me ouviu dessa vez.
Acompanhando a enfermeira até o berçário, detenho-me na
porta, escutando o choro da menina e sentindo um misto de
ansiedade e medo. Meu coração bate acelerado e minhas mãos
suam, segurando a maçaneta. É a primeira vez que irei pegá-la e
estou naquela fase de adaptação, onde tudo parece incerto e o
medo reina sobre qualquer outro sentimento.
Luna se prepara para lutar pela vida enquanto eu me preparo
para lutar por elas. Nós dois estamos lutando insistentemente por
aquilo que nos é necessário para sobreviver. Ao passo que a
pequena aprende a respirar, eu estou tentando aprender a acertar
desta vez com nossa família.
Família! Eu tenho uma família agora. Eu sou pai. Pai de uma
menina linda e forte que tem poucas horas de vida, mas que já me
deu uma lição gigantesca: ela, mesmo pequenina, é mais corajosa
do que eu já fui durante a minha vida inteira.
Ouvindo seu choramingo novamente, fico inquieto, imaginando
que alguma coisa pode estar errada, e em vez de entrar no cômodo,
volto à janela de vidro para verificar, feito um covarde, o que
acontece do lado de dentro. Duas enfermeiras mexem nela sem
parar e eu não consigo tirar meus olhos do serzinho vestido apenas
com uma minúscula fralda. Sua pele é tão branquinha que dá para
ver suas veias aparentes, e seu cabelo preto como a noite destaca
seus olhinhos azuis. Seu nariz, que quase não aparece, de tão
pequeno, está ligado a uma sonda que a pediatra me explicou que é
necessário ela usar para a aplicação de remédios, por conta de seu
nascimento de duas semanas antes do recomendado. Por esse
motivo, seu pulmão não está cem por cento preparado para a fazer
respirar sozinha ainda.
— Não vai entrar? — a enfermeira voltou e me perguntou
sorrindo quando notou que eu não estava a seguindo.
— Eu não sei se é uma boa ideia. — tentei disfarçar o pânico
na minha voz.
— Nessa fase, é importante o calor do corpo dos pais. Isso
ajuda no desenvolvimento e na adaptação do bebê.
Ela precisa de mim. Logo eu que não faço ideia de como agir
nessa situação em que me encontro.
A mulher me observa com simpatia e diz que quando eu me
sentir preparado, posso entrar. Eu inspiro várias vezes, tentando
controlar os tremores em minhas mãos suadas. E, tomando
coragem, giro de uma vez a maçaneta e vou entrando no berçário,
sendo recebido por sorrisos de boas-vindas. Mas não é nas
mulheres que presto atenção, e sim nela, na bebê em que uma
delas segura.
Andando bem devagarinho ao seu encontro, eu me sinto como
se pisasse em um campo minado desconhecido. A cada passo que
dou em sua direção, meu corpo me pede para voltar três. No
entanto, por mais que eu queira fugir, continuo em frente. Assim que
foco minha visão, analiso cada detalhe dela, e não demora muito
para ela passar a resmungar no colo da enfermeira. Eu a olho com
um misto de curiosidade e expectativa enquanto meu peito infla e
meu ar me falta. Assim, travo por alguns segundos, apenas a
admirando. Faço isso por tanto tempo, que só noto estar paralisado
quando seus resmungos vão se tornando sons altos e estridentes.
Sendo incentivado pelas enfermeiras, que parecem animadas
com minha presença no quarto e esperam pacientemente pelos
meus próximos passos, peço-lhes algumas orientações. As quais
me são dadas com cordialidade e muita competência, deixando-me
mais confiante. Então, eu me sento na poltrona e recebo a bebê
sobre minha pele. Como em um passe de mágica, vejo-me livre de
toda a insegurança, percebendo que nasci para isso e que uma
ligação entre nós foi feita de uma maneira bastante intensa. Como
Vincent pontuou bem, entendo a minha verdadeira missão: protegê-
las e as amar para sempre, mesmo que o “sempre” seja muito
incerto.
Passo um dedo sobre suas bochechas rosadas, encantado
com o quanto ela é minúscula. Tanto que eu poderia segurá-la com
apenas um braço. De repente, fico com receio de machucá-la com
meu jeito inexperiente. Eu já tinha segurado muitas vidas e, na
maioria das vezes, até mesmo as tirado, mas aqui, comigo, está a
mais importante de todas e, com toda certeza, a que eu daria a
minha para proteger.
Levo minhas mãos para baixo dela, com cuidado, segurando
seu bumbum e a levantando. Trêmulo, aconchego seu corpinho
junto ao meu e sinto seu cheiro suave de bebê bater em minhas
narinas. Coincidentemente, a pequena para de chorar quando eu a
embalo em meus braços e a balanço de leve. Mesmo sem saber o
que devo fazer, deixo meus instintos me guiarem e começo a cantar
baixinho uma música de ninar que Eva amava ouvir quando era
criança. Aos poucos, percebo a respiração de Luna ficar suave e a
vejo fechar os olhinhos idênticos aos de sua mãe, pelos quais sou
apaixonado, para adormecer.
Estou petrificado e sentindo uma emoção tão grande, que não
sei como explicá-la e lidar com ela. As duas são minhas e eu as
quero em minha vida. Não importa mais o que aconteceu, porque
todas as mentiras, mágoas e brigas parecem sem sentido e
desnecessárias do ponto de vista de agora. Eu as amo, e isso é o
suficiente para me fazer esquecer todas as dores e medos que
senti, para aceitar que estou perdidamente apaixonado e dominado
por elas.
Encosto-me mais na poltrona, esticando minhas pernas e me
permitindo relaxar por um momento. Giovanna está bem. Ambas
estão. Eu sei que não deveria estar aqui e que, na justa razão, não
mereço uma segunda chance. Mas sou um filho da puta doente. E
mesmo sabendo disso, estou feliz em desconsiderar qualquer
situação comprometedora relacionada ao fato de Luna não ser do
meu sangue. Isso nunca mudará nada, pois vou sempre considerá-
la como minha. E, foda-se se um dia achei que não aguentaria
passar por cima disso por conta do imbecil do homem que a fez! Ele
já foi morto pelas minhas mãos. Acho que estive errado o tempo
inteiro: não era Giovanna que o idolatrava. No fim, quem não o
esquecia, era eu, e ele ganhava de mim porque eu o deixava ter o
controle de tudo quando o mantinha preso em minha cabeça,
ditando minhas escolhas e me afastando delas. Está na hora de
deixá-lo ir de uma vez.
As conversas ao meu redor e os elogios não são suficientes
para tirar meus olhos de cima dela. Quando tentam pegá-la, ela
choraminga e eu lanço um olhar de aviso à mulher, que o entende e
me devolve a pequena em seguida. Seus resmungos vão dando
espaço para a calmaria, e, ao contrário do que eu esperava, dorme
novamente, escutando as batidas do meu peito. Sorrio,
reconhecendo que estou emotivo demais para deixar que qualquer
palavra saia dos meus lábios.
Quando o tempo permitido acaba, não quero ir embora, pois
desejo permanecer no local até poder levá-la comigo para casa,
onde poderei cuidar dela e a manter segura.
E mesmo não podendo tirá-la daqui, horas após horas volto ao
local, burlando todas as regras impostas pelo hospital e refazendo
todo o processo com a mesma ansiedade que senti na primeira vez.
Só que, nas demais vezes, essa ansiedade é para ficar perto dela e
a pegar em meus braços, em vez de querer correr. Isso nunca mais.
Quando abro meus olhos, vejo-me deitada em uma cama
macia e confortável. Respiro aliviada quando percebo que não estou
mais presa no maldito pesadelo infernal. Meus olhos batem em
Marco, que está encostado na parede, dormindo, e com seu rosto
muito inchado ainda. A minha raiva por Henrique se intensifica
quando me lembro que estou aqui por culpa dele.
Sinto uma fisgada no pé da barriga e levo meus olhos para lá,
reparando que ela sumiu. Acho que faço um barulho alto no mesmo
instante, porque Marco logo vem para o meu lado, consolar-me.
E se o que sonhei, foi real?
— Minha bebê? — perguntei nervosa.
— Ela está bem.
— Mesmo? — indaguei novamente, não acreditando.
— Mesmo. Ela está no berçário, já que nasceu prematura.
— Eu quero vê-la. — Jogo o lençol para o lado e tento me
levantar.
— Não! A médica disse que você não pode levantar ainda. —
Segura meus braços e faz eu me deitar.
— Eu não quero ficar aqui, Marco. Quero ver, com meus
próprios olhos, que minha bebê está bem.
Ele, percebendo meu desespero, aciona o botão do canto da
cama. O que faz uma enfermeira aparecer logo em seguida.
— Ela quer ver a filha. Já pode se levantar?
Eu agradeço seus cuidados, mas mesmo que a mulher diga
que não, irei dar um jeito de ir até o berçário, nem que seja me
rastejando.
— Primeiro precisa comer. Está muito fraca e perdeu muito
sangue, senhora.
— Eu não...
Marco olha feio para mim e eu o fuzilo com meus olhos.
— Ela vai aceitar sim. Obrigado! — falou por mim. Sua ousadia
me deixa de boca aberta. — Nem venha retrucar, porra! Você quase
morreu. — disse exasperado.
Vendo como ele está, aquieto-me, e não querendo o deixar
mais chateado, aceito sua ajuda de bom grado.
Minutos depois, a enfermeira volta com uma sopa e eu a tomo
sob um escrutínio olhar severo de Marco, que só retira o prato
depois que fica satisfeito em vê-lo limpo.
— Foi a Giulia, não é? — questionei assim que vi ele mais
calmo, por eu ter me alimentado.
— Sim. A cadela louca invadiu a casa e te dopou.
— Foi horrível, Marco. Eu estava em um lugar de onde eu não
conseguia sair. Parecia tão real. — contei em um fio de voz,
lembrando-me do homem de rosto distorcido.
Eu, realmente, jurei que tudo que passava, estava
acontecendo.
— Foram os efeitos das drogas que ela te injetou. Elas causam
alucinações.
— Caramba! Eu não entendo o que um viciado vê nessas
merdas. É horrível!
Estranhando seu silêncio, encaro seu rosto. É quando noto
que ele está calado e triste, observando-me.
— Às vezes uma pessoa está tão no fundo do poço, que sair
da realidade é a única coisa que lhe resta. — O jeito como ele falou
com tanto conhecimento de causa, deixa-me perplexa.
— Você já usou? — perguntei baixinho, não querendo que
mais alguém me ouvisse.
— Há muito tempo. Hoje não uso mais.
— Sinto muito. Eu não sabia.
Ele balança a cabeça e me lança um sorriso forçado.
— Tudo bem. Não é grande coisa.
Mas eu vejo que é sim. Seja lá o que tenha lhe levado a usar,
ainda o machuca.
— O que fizeram com a Giulia? — mudei de assunto.
— Ela está sendo vigiada. Queríamos ter certeza de como
você estava, antes de irmos acertar as contas com ela.
Henrique entra no quarto neste momento e me observa
receoso.
— Não tem mais nada de importante para fazer? Talvez... Sei
lá... Levar sua prostituta a outro evento? — Estou amargurada.
Eu ainda não me esqueci dos motivos que me fizeram sair
correndo do restaurante. E agora, parece que tudo que eu estava
sentindo antes, intensificou-se.
— Você está bem? — Ignorou minha pergunta. Ele é mestre
em fingir que não ouve minhas ofensas.
— Sim. Infelizmente, amarrada a você. Se esperava ficar
viúvo, sinto muito lhe dizer que não foi dessa vez.
— Não fale isso, Giovanna! — ralhou nervoso. — Eu fiquei
muito preocupado.
— Agora! Que conveniente! — desdenhei. — Precisou que eu
metesse um pé na cova para perceber que me ama o suficiente
para ficar comigo?
Seu rosto torturado em angústia é minha única resposta.
Marco toca em meu braço de leve, como se quisesse dizer que
eu devo ir mais devagar.
Estou muito brava. Depois de todas as declarações que
Henrique me fez, bastou um erro meu para que ele se esquecesse
de tudo que me prometeu. Foi maldade me fazer amá-lo e, depois,
atirar-me no chão.
Que dedo podre, Giovanna! — refleti, segurando minhas
lágrimas.
— Você não deve ficar nervosa, pois acabou de sair de uma
cirurgia complicada. Tem que descansar. — Henrique se aproxima
mais da cama com seu jeito calmo que me irrita para cacete. Tudo
que quero fazer, é brigar.
— Eu vou sair e deixar vocês a sós. — Marco avisou sem jeito.
— Não deve se esforçar tanto, Giovanna. — aconselhou e se
afastou.
— Marco? — chamei-o antes que alcançasse a porta.
— Sim! — Vira-se, segurando a maçaneta.
— Não faça nada com a Giulia! — Meu pedido surpreende a
eles.
— Ela tentou te matar. — meu ardiloso marido argumentou,
franzindo a testa, como se o que acabei de falar, tivesse sido a coisa
mais absurda do mundo.
— Eu sei. Mas quem vai acertar as contas com ela, serei eu.
— Boneca...
Estremeço diante do apelido.
“Você vai ser a minha boneca.”
Ótimo! Mais um trauma para eu superar.
— Não me chame mais assim, por favor! — pedi, retraindo
minhas lembranças.
Ele toma coragem e toca em minha perna, mantendo olhos de
falcão sobre mim.
— Estou tentando dizer que nós resolveremos isso. Não se
preocupe! — completou com mansidão.
— Não! Estou cansada de ser tratada como uma incapaz por
vocês, de ouvir que não sou forte e que não mereço fazer parte
dessa porra. A Giulia me desafiou desde o momento que botei meus
pés na sua casa. — Ele fechou os olhos com pesar quando enfatizei
o “sua”. O que ele havia jogado em minha cara. — Eu irei fazê-la
pagar por ter se metido em meu caminho.
— E, o que pretende fazer? Cortar seus cabelos? Bater na
cara dela? Você não está em condições de lutar, mulher. Mal se
aguenta em pé. — Marco ri.
— Você me disse que eu deveria parar de esperar que os
outros me salvassem. Pois bem! Eu irei me vingar à altura do que
ela me fez.
— Como? — Henrique me incentivou.
— Vou matá-la. — afirmei com raiva, olhando-o firmemente.
Meu semblante deve ter o convencido, já que ele me analisa
como se buscasse por alguma desistência minha. Porém, em vez de
lhe oferecer isso, sustento seu olhar sem vacilar. O que o faz abrir
um sorriso perverso. Eu diria que até orgulhoso.
— Bom! Se é assim que deseja, será feita a sua vontade. —
prometeu.
Oh! Eu estarei esperando ansiosamente por esse momento.

(...)

Até tentei fugir sozinha para ir ver Luna, porém fui duramente
chamada à atenção pelos médicos. Eu ainda me sinto fraca, por
mais que a dor não esteja presente por conta das medicações
intravenosas. Assim que me trouxeram praticamente escoltada de
volta ao quarto, recebi uma dose alta de alguma coisa que me
baqueou. Assim, foi impossível manter meus olhos abertos. Mas,
com a graça de Deus, o efeito já está passando e, aos poucos,
estou recobrando a consciência.
Logo percebo que não estou sozinha. O cheiro dele me
alcança, deixando-me inebriada. Sei que uma hora nós teremos que
sentar e conversar como dois adultos, no entanto a minha raiva
ressurge todas as vezes em que me lembro que fiquei sozinha, sem
receber qualquer coisa da parte dele além do seu desprezo.
Sinto sua mão acariciar meu rosto enquanto eu finjo continuar
dormindo. O toque que tanto ansiava, deixa-me arrepiada. Estou tão
sensível devido ao que acabei de passar, que minha vontade é de
esquecer tudo, enterrar-me em seu peito e me permitir ao menos,
por alguns míseros segundos, desabar, deixando que tudo que
estou sentindo, saia de dentro do meu coração. Contudo, jurei que
me tornaria uma pessoa diferente do que eu era há alguns meses, e
farei de tudo para cumprir meu juramento. É muito pessoal. Preciso
me colocar em primeiro lugar e provar a mim mesma que não sou
fraca, como Vincent me acusou de ser. Somente assim, estarei
preparada para o perdoar, se ele merecer. E, apenas dessa forma,
saberei que não estou dependente dele emocionalmente para viver.
— Abra os olhos para mim, amor!
Eu quero gritar com ele e dizer que se eu sou seu amor, ele
não sabe como amar alguém.
Com muita dificuldade, eu o encaro, reparando em suas
olheiras escuras ostentadas. Bom! Pelo menos uma vez tinha que
perder o sono, não é? Não seria justo somente eu sofrer.
— Eu fui vê-la. A pequena Luna tem os seus olhos.
Isso me faz despertar de vez e procurar por mais.
— Eu quero vê-la. Por que estão me mantendo longe dela? —
Eu o mataria se estivesse fazendo isso comigo como um tipo de
castigo.
Dá até para imaginar a manchete nos jornais: “Mulher surtou
depois de parir e matou seu marido dentro do hospital.”
— Porque ela está na incubadora. Precisa ficar internada
alguns dias para amadurecer seus pulmões.
Espanto o meu pensamento assassino e me obrigo a voltar
para o presente.
— Oh, Dio! — falei fungando, sentindo-me culpada.
Esse é um arrependimento que carregarei pelo resto da minha
vida: saber que um descuido meu quase custou a vida dela.
Ninguém pode julgar uma mãe por chorar pela sua filha, que
sobreviveu por um milagre.
— Ei! Ela está bem. — Segurou minhas mãos entre as suas.
— Eu a peguei no colo e a fiz dormir. — Isso não está ajudando. Só
me causa mais revolta.
— Isso não é justo. — afirmei o que se passava dentro de
mim. — Você a rejeitou e, depois de tudo que eu passei, foi o
primeiro a estar com ela.
Sei que essa é uma implicância minha, entretanto serei uma
maldita dor na bunda com ele mesmo. Se pensa que irei ceder fácil,
está redondamente enganado. Perdoar é humano, já esquecer-se
se chama amnésia.
— Por que agora, Henrique? Por que aceitar minha filha
somente agora?
Ela não merece ser uma obrigação na vida de ninguém. Eu a
amo, sendo filha dele ou não, e não vou aceitar para a vida dela
menos do que ela merece.
— E-eu errei, Giovanna. Errei feio. O Vincent me fez ver o que
estava bem diante dos meus olhos. Ele pontuou que posso ser
melhor e que, mesmo do meu jeito torto, fiz um bom trabalho com
ele e Marco.
— Se “fazer um bom trabalho” refere-se ao fato de deixá-lo
estúpido, eu concordo. Marco foi o único com quem você acertou. —
retruquei.
Ele balança a cabeça, rindo.
— Não, angelo mio. Eu errei bem mais com o Marco, e temos
um longo caminho a percorrer antes de nos considerar dignos de
uma segunda chance. Eu quis protegê-lo e acabei o magoando
muito.
— Enfim, a hipocrisia.
— O quê? — indagou confuso.
— No fim, você fez a mesma coisa que eu para proteger seu
sobrinho: omitiu a verdade dele. O que acabou o ferindo de tal
forma, que nem consigo imaginar se é reversível. Já olhou para ele,
Henrique? Ele não vive, e sim sobrevive. Marco é como uma brisa: a
gente sabe que existe e sente sua presença, mas não consegue o
ver e o tocar. Entende? Poucas semanas na sua presença foram
suficientes para me fazer conhecê-lo e perceber quanta dor ele
tenta esconder por baixo daquela máscara de executor feroz.
Sua cabeça se inclina com o maxilar apertado.
— Você se apegou rápido demais ao Marco. Não acha? —
Senti seu tom de acusação.
— Talvez esse seja o meu mal: confiar rápido demais e ser
sempre intensa, tanto no amor quanto no ódio. Comigo é ou não é,
Henrique. Eu cometi o desatino de te amar rapidamente, soltando
minhas mãos e confiando em você, e olhe onde vim parar com isso.
Espero não estar errada sobre o Marco também.
— O que quer dizer com isso, Giovanna? — levantou a voz,
começando a andar ansiosamente pelo quarto.
— Eu quero dizer que: ou me ame ou me deixe de uma vez.
Porque se não decidir, Henrique, eu vou escolher por você. E
garanto que não gostará disso.
— Nunca, porra! — disse incisivamente, parando para respirar
fundo, em busca de controle. — Eu vou consertar as coisas entre
nós, Giovanna, e não ouse me pedir o divórcio! Já digo, de
antemão, que não lhe darei, nem por cima do meu cadáver. — Beija
minha testa, vira-se, abre a porta do quarto e sai.
Eu ia perguntar como ele pretende fazer isso, sendo que ainda
está andando com aquela serpente do Éden a tiracolo, mas antes
que pudesse dizer qualquer palavra, ele saiu feito um raio e foi em
direção à cabine de enfermagem.
No minuto seguinte, uma enfermeira entra sorridente e me
ajuda a me vestir para que eu possa ir ver minha filha.
Olhando o papel em minha mão, leio mais uma vez as
palavras destacadas em negrito.
“Luna Cavallari, filha de Giovanna e Henrique Cavallari”.
É como tem que ser. Quero ver aquela mulher teimosa me
dizer que a menina não é minha filha agora. Isso aqui era tudo que
eu precisava para comprovar o contrário.
Sobre encontrar resistência de sua parte para me aceitar de
volta, eu a entendo e darei seu tempo para se acostumar comigo na
vida das duas daqui em diante. Talvez eu seja um cretino arrogante,
como ela me chama. Aliás, tenho certeza que, por mais que deixe
sua mágoa falar por si, sente-se insegura e com medo de ser minha
de novo. Mas eu não estou disposto a aceitar que ela me deixe e
que vá para longe de mim. Eu a amo mais do que tudo e sei que
posso reverter nossa situação.
No fim, Marco tinha razão: como eu poderia continuar a
culpando pela sua mentira, se fiz a mesma coisa? Se quero que ela
me perdoe, tenho que a perdoar também. Não me vejo com
nenhuma outra além dela. Basta eu me mostrar presente e não a
deixar mais desamparada, até porque agora não é hora de sobrepor
nada. Giovanna precisa se recuperar primeiro, por mais que meu
lado possessivo queira exigir tê-la e a ouvir dizer, com todas as
letras, que desistiu da ideia absurda de me deixar.
Foco, Henrique! Apenas lute pelo que é seu e sempre será!
Olho a pequena pelo vidro e pondero se devo ir até Giovanna
primeiro. Contudo, ao escutar Luna chorar, sem delongas me
preparo para entrar no berçário. As enfermeiras nem estranham
mais a minha entrada abrupta aqui, e eu quero ver só se tentarem
me separar dela. Eu seria capaz de colocar esta porra de hospital
abaixo. Eles nem são loucos de caçar briga comigo, ou um por um
iria sentir o peso do meu lado mais cruel que existe. Eu faria
questão de, pessoalmente, cuidar para que cada um nunca mais
exercesse suas profissões em canto nenhum, por ter me desafiado.
Observando a enfermeira que paguei para cuidar
exclusivamente da bebê, suspirar me olhando, peço-lhe o relatório
sobre Luna. Quero saber tudo que aconteceu em minha ausência.
Abro a camisa, como me orientaram, e seguro meu pequeno
anjo sobre o peito.
— Nós vamos ficar todos juntos, princepessa. — sussurrei
carinhosamente, deixando um beijo sobre sua cabecinha. — Sua
mamãe só está chateada, mas vai aceitar o papai de volta. Eu
prometo. — Essa é toda verdade que pude proferir.
Eu lutarei por elas e as deixarei saber que compraria uma
briga com qualquer um antes de ser afastado delas. Errei uma vez e
reconheço meu erro, porém viver sem elas está fora de cogitação.
Prefiro morrer do que me permitir experimentar aquela tortura de
meses mais uma vez.
Faz quinze dias que ganhei alta do hospital, mas se pensaram
que saí de lá assim que fui liberada, enganaram-se. Eu só irei
embora quando puder levar minha princesinha comigo. Tenho fé que
isso acontecerá em breve, pois sua recuperação está sendo
maravilhosa e os médicos só têm elogios para a minha pequena
guerreira.
Desde aquela conversa no quarto, Henrique não tocou mais no
nome da vagabunda comigo, e eu estou o evitando para não ouvir
que ele ainda está se encontrando com ela. Não preciso ter que o
deixar ver como me quebrou depois de ter me consertado. Sou
forte. Eu tive que me tornar forte ao decorrer da minha vida inteira e
não será a porra de um coração partido que me fará cair de novo.
Não mais. Não com Luna aqui, precisando de sua mãe inteira. Não
posso mais me dar esse “luxo”.
Marco é outro que se mantém observador e fiel ao meu lado,
feito um cão de guarda. É adorável o quanto esse homem é leal aos
seus. Essa é uma qualidade admirável que ele também puxou do
tio.
Eu me dei um tempo para amadurecer minha vingança, e a
cada dia que passava, mais certeza tive de que era isso que eu
queria. Depois que conversei com Maria e soube detalhadamente o
que Giulia nos fez, passei a me sentir pronta para fazer o que havia
dito que faria, e não pensei em recuar em momento algum. O que
me assustou de início, agora parece que está entranhado e mim e
se rastejando em minha pele.
Termino de amamentar minha pequena, deixo-a sob cuidados
de profissionais e saio em busca de Henrique para que ele me leve
até onde mantém aquela víbora peçonhenta presa.
— Giovanna! — Ouvi a voz de Vincent me chamar. — Preciso
falar com você.
— Já está falando. — respondi ácida.
Suas palavras ainda queimam em minha mente e eu sou
rancorosa mesmo. Se ele não fez questão de poupar grosserias em
minha direção, não tem motivos para eu lhe tratar com simpatia.
— Creio que está indo para o galpão. Certo? — Aproxima-se.
— Não me diga que veio pessoalmente me buscar para ter
certeza de que não irei amarelar e fugir! — fui direto ao ponto.
— Devo admitir que duvido que vá conseguir seguir adiante
com isso, mas não foi por essa razão que vim. Quero conversar com
você sem aqueles dois por perto. Vamos até a cafeteiria do outro
lado?
Mais uma vez, olho Luna dormindo dentro do berçário,
despeço-me dos soldados que a guardam no corredor e o
acompanho.
Nós nos sentamos na mesa mais reservada que tem e ele me
analisa por um tempo. Enquanto isso, eu bebo o suco que pedi e o
deixo iniciar a conversa em seu tempo. Ao mesmo instante,
mantenho-me curiosa com o assunto.
— Você está diferente. — apontou.
É claro que estou. Os últimos meses não foram fáceis. Eu
perdi o Henrique, tornei-me mãe e, para fechar com chave de ouro,
quase fui morta. Isso muda você de alguma forma.
— Era isso que queria me dizer? — cortei sua asneira, sem
paciência.
— Você o ama? — perguntou de uma vez, indo logo ao
assunto. — Falo do Marco.
Mas, o que é isso?
— De onde você tirou isso? — indaguei espantada.
— Eu preciso saber, Giovanna. Aquele beijo significou muito
para o Marco, e se não tem nenhuma possibilidade de ele a ter, é
melhor ser clara com ele e terminar toda a palhaçada com o
Henrique.
Aaaah! Era só essa que me faltava.
— Escute aqui, playboyzinho de meia tigela! — vociferei,
fazendo-o levantar as pestanas. — Primeiro: não devo satisfação da
minha vida a você; e, segundo: nunca enganei ninguém aqui. Muito
pelo contrário. Quem anda com um enorme enfeite na cabeça, sou
eu, a pessoa por quem você deveria se compadecer em vez de
culpar pelos erros de dois homens adultos e bem criados. — falei
sem fazer pausa para tomar fôlego. Tenho esse defeito de não parar
de falar quando fico muito nervosa.
— Uau! Isso foi surpreendente. — Ri de maneira provocadora.
— Eu não estou te acusando, mulher, e sim perguntando sobre o
que você sente em relação aos dois. O Henrique terá que se mudar
para Los Angeles em breve e eu não quero nenhum mal-entendido
entre ele e Marco.
Espera! O quê?
— Ele está indo de vez para lá? — Estou chocada por ele não
ter me falado nada.
Também, pudera! Foi o próprio quem cortou todos os laços
comigo. Por que teria a decência de me informar sobre isso?
É porquê ele levará a outra. — minha mente zombou de mim.
Engulo um choro de ressentimento.
— Acho que já tenho minha resposta. — falou baixo.
— Está enganado se acha que Henrique se preocupa comigo.
Ficou três meses longe e, em nenhuma vez sequer, ligou para mim
ou atendeu minhas ligações. Eu não tive nada vindo dele. Imagine
como me senti quando li sobre seu romance com aquele protótipo
de Barbie Yakuza! — Vincent junta os lábios, apertando-os, e eu
continuo. — Não viu o que aconteceu no restaurante? Ele estava
com ela enquanto havia me deixado em casa, grávida. — enfatizei
para que ele entendesse meu ponto.
— Puta que pariu! Ser cupido não faz parte do meu cargo,
porra! — grunhiu irritado. — Ele não está com a Emma e nunca
esteve, Giovanna. O cara morou em um dos meus apartamentos o
tempo todo, cercado de prostitutas que teriam cortado qualquer
parte do corpo delas para ter uma chance com ele, mas nenhuma
conseguiu levá-lo para a cama.
Meu coração acelera e bate tão forte após eu ouvir isso, que
tenho certeza que Vincent consegue escutá-lo também. Só pode
estar inventando essa história para puxar o saco do Henrique.
— Eu duvido que, ao menos com Emma, ele não tenha tido
nada. Ela é tudo que eu não sou. — Ainda estou sentida.
— Mas não é você. Acredite em mim quando digo que aquele
homem estúpido te ama ao ponto de abdicar de si mesmo para te
ver feliz!
— Jeito estranho de provar isso. — continuei meu dilema.
— Olhe! O Marco estava disposto a morrer pelas mãos do
Henrique para te defender. Ele e o tio têm muito em comum. Só te
peço para que seja sincera com meu amigo, que já perdeu muito e
não merece ser a segunda opção na vida de ninguém. Estou até
disposto a reconsiderar trocar o cargo dele o mudar para cá se isso
significar que você lhe dará uma chance.
— Vincent, eu adoro o Marco, e acho que ele é um homem
maravilhoso que merece alguém que o ame por completo. Mas essa
mulher não sou eu. Torço para que ele a encontre um dia e que ela
o valorize como deve.
— Era isso que eu temia. — disse pensativo.
— O quê? — questionei confusa.
— Você não faz ideia do quanto o Marco é fechado. Se você
acha tudo isso sobre o cara, é porque ele baixou a guarda em sua
presença e quis que você visse um lado dele que somente eu
conhecia.
Abro a boca várias vezes para falar e nada sai dela para eu
rebater.
— Então, eu fui uma sortuda por conhecê-lo bem.
— Foi sim. — concordou.
— Volto a afirmar que ele merece alguém que o ame, que o
coloque em primeiro lugar e que lute por ele.
— E sobre você querer matar a Giulia, não precisa fazer isso
se for pelo que eu te disse. — lançou-me sua prepotência, achando
que me atingiria com tais alegações.
— Você tem o ego muito grande, boss. Acha mesmo que eu
iria me submeter a isso porque você deu uns gritinhos histéricos
para cima de mim? — Ele semicerra os olhos. — Eu quero fazer
isso por mim, para matar a antiga Giovanna. Além de poder
entender porque vocês escolheram ser mafiosos, provarei para mim
mesma que posso ser forte e me defender.
— Não é tão fácil quanto parece. Todas as pessoas das quais
você tira a vida, deixam uma parte delas presas em você. É como
uma marca invisível, porém permanente. Elas nunca vão embora
totalmente. Conseguirá lidar com isso?
— Eu vou superar. Giulia é minha e ninguém toca nela.
— Tudo bem. Já que estamos entendidos, vamos embora! Eu
preciso voltar para Los Angeles, mas antes quero assistir à sua
entrada triunfal no mundo dark.
Balanço a cabeça positivamente, rindo. Esse imbecil quer me
ver fracassar, mas vai quebrar a cara. Todos eles irão.

(...)
O galpão aparece em minha visão e eu respiro fundo, sabendo
que chegou a hora de cortar de vez a antiga Giovanna. Desço do
carro e caminho até a porta cercada por soldados, estranhando a
quantidade de homens presentes. Até parece que uma guerra está
a caminho.
Mesmo sem ter sido informada de nada, adentro o local para
fazer o que me propus. Logo de cara sou recebida por gritos
desesperados. E, por que não dizer berros agonizantes de quem
está sentido uma imensa dor? Eles me fazem parar por alguns
segundos e eu aproveito para me recompor do susto. Inspiro
algumas vezes e sigo adiante.
No meio do pavilhão, vejo Ramón pendurado de cabeça para
baixo, sangrando muito, e na sua frente está Henrique, segurando
seu punhal banhado de vermelho. Engulo em seco. A primeira coisa
que sinto é a necessidade de me virar e sair correndo, entretanto
essa seria a atitude da antiga Giovanna, a medrosa e que todos
acusaram de ser fraca. A nova vai encarar tudo e aceitar que, no
meio da escuridão em que vive, não existe a possibilidade de sair
ilesa.
Henrique vira a cabeça quando nota que seus homens me
encaram. Seus olhos se trancam aos meus, e como se fosse para
me testar, ele caminha em minha direção, sujo do sangue de
Ramón, que está espalhado por todos os lados, até parar em minha
frente com um olhar bastante intenso e sombrio. Com isso, meu
desejo é lhe puxar para mim e o beijar para aplacar toda a saudade
que ele me deixou por ter ficado tanto tempo longe.
Creio que ele vê estampado em minha cara exatamente o que
estou pensando, porque seus lábios se retorcem de lado, dando
vazão a um sorriso predador que eu já havia visto muitas vezes e
que senti muita falta de vê-lo.
— Ainda dá tempo de voltar atrás, boneca. — sussurrou de um
jeito demoníaco.
Ele não quer, de fato, que eu desista, contudo está me dando a
chance de escolher.
— Onde ela está? — foi o que consegui pôr para fora dos
meus lábios.
Ele sinaliza para um dos homens. O qual sai do local e volta
logo em seguida com uma Giulia sapateando e gritando ofensas a
quem quiser escutar. No momento que me vê, ela se apruma e abre
um sorriso cínico para mim.
— Ora, ora! Pelo jeito, as doses que te dei, não foram
suficientes para matar você e aquela monstrinha que carregava.
Avanço para cima dela e a calo com um tapa na cara. Falar de
mim, tudo bem, mas da minha bebê é outra história.
— Se abrir essa sua boca imunda para citar minha filha de
novo, arrancarei um por um dos seus dentes. — ameacei.
Ela ri, achando que blefei, e para provar o quanto falei sério,
tomo a adaga das mãos de Henrique sem aviso e a enfio nas
entranhas dela, torcendo-a. Fico em contato visual com ela, sem
desviar a atenção dos seus olhos. Seu grito é tão prazeroso, que eu
não resisto e devolvo sua provocação.
— Não parece corajosa agora, né? — Vejo-a cair no chão,
segurando o ferimento e chorando de dor. A arma está enfiada até o
punho.
— Ajudem-me! — Olha para os homens ao seu redor, como se
alguém aqui fosse idiota de lhe estender a mão.
Ando até onde ela está e piso no cabo da faca, empurrando-a
ainda mais para dentro da ferida.
— Eu te dei muitas chances, Giulia. E reconheço esse meu
erro, porque deveria ter lhe dado um fim desde o início. — Rio sem
vontade. — Mas fui burra de achar que você poderia mudar.
— Henrique! — Estende uma mão para ele, implorando pela
sua ajuda. — Eu sou sua irmã. A vovó me contou naquele dia. Por
favor, não deixe ela me matar! Sou seu sangue.
Que porra é essa agora?!
Encaro Henrique, que se mantém sério e não demonstra nada
com a confissão dela. O que me leva a crer que ele já sabia de tal
informação ou não acredita nela.
— Vai salvá-la? — questionei-o, querendo ouvir sua opinião.
— Não. — foi sua única resposta.
— Isso é verdade? — inquiri.
— Ao que parece, sim. — Ele inclina a cabeça e a olha com
raiva. — Mais um motivo para ela morrer. Se mesmo sabendo disso,
continuou seu plano sádico e tentou me ferir, tirando você de mim, é
porque não tem conserto. — Traz seu rosto rígido de volta ao meu.
— Continue! Eu não me importo com ela. — Essa é a confirmação
que eu precisava.
Peço para que busquem gasolina, e quando me entregam o
litro, eu viro todo o conteúdo em cima dela, encharcando-a. Depois
me afasto, fazendo um caminho com o líquido, fico em uma
distância suficientemente segura para não me machucar e solto a
garrafa vazia.
— Não! Henrique, eu prometo mudar! Por favor! Eu prometo!
— gritou, tentando alcançá-lo com uma mão.
Ele se afasta dela e me fita com um brilho nos olhos que eu
não via há muito tempo.
— É assim que será seu fim, Giulia. Obrigada por ter me
mostrado que não devo colocar muita fé nas pessoas! Você me
ensinou que devo ser forte e me defender à altura.
Ela chora desesperadamente e se arrasta pelo chão, tentando
sair do molhado. O que é em vão, já que seus movimentos fazem a
gasolina se espalhar ainda mais.
Marco aparece ao meu lado e me entrega seu Zippo.
— Se quiser, posso terminar. — ofereceu-se.
— Agradeço a oferta, mas, no momento, passo. — Aceito seu
isqueiro e acendo a chama.
Olho por olho, dente por dente. Eu o jogo aceso sobre a linha
de gasolina e acompanho o fogo fazer seu caminho até ela.
— Vá para o inferno, Giulia! — sussurrei, ouvindo seus gritos
de dor.
Depois de uns instantes, não ouvimos absolutamente mais
nada. Saio do galpão somente quando seu corpo está todo
carbonizado.
Procuro por uma fagulha de arrependimento dentro de mim, só
que não encontro nada. Acho que é assim que se assina seu
contrato com o diabo: você perde sua alma e, em troca, ele toma
sua humanidade.
Admirado com sua mudança, vejo-a sair. Jamais imaginei vê-la
fazendo tudo que fez hoje e me encho de orgulho por ter sido
privilegiado de poder assistir, em primeira mão, ao seu crescimento.
Perfeita, porra! Perfeita para caralho! E o mais importante de tudo:
ela é inteiramente minha. E isso é definitivo.
Olho o corpo de Giulia ainda queimando e sigo adiante no que
estava indo fazer. A garota escolheu seu caminho e eu não seria
sua táboa de salvação. Não depois de tudo que ela fez. Quando
Maria me chamou hoje de manhã e me contou a história, eu, de
início, tive raiva dela por ter me escondido tal fato, mas depois
entendi sua conduta. Meu pai teria a matado se soubesse da
menina e ela fez o que qualquer mulher com instinto materno faria:
protegeu sua cria, mesmo que Giulia não fosse sua
responsabilidade realmente. E, olhando seu lado, quem sou eu para
a jugar. Não estou fazendo exatamente o que ela fez, ao proteger
Luna de tudo e de todos?
Talvez, se eu e a garota tivéssemos crescido juntos, as coisas
teriam sido diferentes. Entretanto, esse não foi o caso, e já é tarde
demais para lhe salvar. Isso é indiscutível.
Estou surpreso com a coragem dela. — Vincent, que se
manteve o tempo todo calado, aproxima-se.
— Eu sempre acreditei que ela evoluiria. — Foi assim com ele
e Marco.
— Vai tomar essa decisão mesmo? — sondou-me curioso.
— Não há outra opção.
Eu me certifiquei de tirar todas as dúvidas que poderiam me
impedir de aceitar.
— Tudo bem. Já tomei todas as providencias cabíveis.
Balanço a cabeça, concordando. É hora de deixar tudo para
trás e mudar de ares. Ele irá precisar de mim como seu conselheiro,
e, para isso, eu terei que estar ao seu lado em Los Angeles.
— Ela acha que você não irá levá-la. — Observa-me. — E
acredita em um caso seu com a Emma.
Quem poderia culpá-la? Eu a fiz acreditar nisso.
Entretanto, não toquei em mulher alguma. Quando falei que,
depois dela, não seria capaz de encostar meu dedo em qualquer
outra, não menti. No entanto, ela não precisava saber disso na
época.
Eu saí com a Emma algumas vezes sim, mas somente para
não ir sozinho aos eventos. É claro que a mulher tentou entrar nas
minhas calças em cada oportunidade que teve, além de inventar um
relacionamento fictício entre nós dois, com o intuito de me fazer
mudar de ideia em relação ao que tínhamos antes de eu conhecer
Giovanna. Não vou mentir que até pensei em deixar que
acontecesse algo, porém, cada vez que vinha em minha mente essa
possibilidade, eu me recriminava, pegava-me pensando na minha
esposa e não prosseguia adiante. Sou dela, e esse fato não mudará
nem se eu quiser.
— Eu irei conversar com ela quando sairmos daqui. — falei por
fim, querendo encerrar o assunto.
— Eu a perguntei sobre o que ela sentia por ele.
Cara! O Vincent não sabe a hora de calar a maldita boca.
— E...? — Trinco os dentes.
Se ele falar que ela tem sentimentos pelo Marco, não prometo
deixar isso para lá e não o acrescentar à pilha de corpos que irei
fazer. Porra!
— Ela o admira, mas não o ama. Fique tranquilo!
— Não é a Giovanna que me preocupa, e você sabe disso. —
revidei. — O Marco a beijou, caralho! E eu o pego direto com aquele
olhar estranho para cima dela.
Vincent franze a testa.
— E qual olhar seria esse? — perguntou confuso.
— É como se ela tivesse se tornado o centro do seu universo.
— Seguro a raiva e o ciúme que sinto ao perceber isso.
— Você está enganado. — tentou defendê-lo. — Ele só está
impressionado com o fato da história de vida dela ser igual a da mãe
dele.
Ou ele é cego ou está fingindo ser um. Eu não duvido que
essa tenha sido a desculpa que Marco usou para se aproximar de
Giovanna, no entanto algo mudou nele ao ponto de ter me
provocado de propósito no restaurante.
— Eu sei do que estou falando, porra! Porque vejo o mesmo
olhar todos os dias quando me olho no espelho. — afirmei com um
nó seco na garganta. Isso dói em mim.
Eu daria e faria qualquer coisa ao meu sobrinho. Qualquer
coisa mesmo. Entretanto, eu não sou bom, nem nunca fui, e só
abriria mão da minha mulher se ele me matasse.
— Ele vai superar. — finalizou, olhando para a porta por onde
Marco e Giovanna saíram enquanto conversávamos.
— Ele tem que superar.
Ou eu não responderei por mim. — completei na minha mente.
Todos os meus homens que estavam de guarda na mansão,
na noite em que Giulia a invadiu com Ramón e quase matou
Giovanna, entram. Então, peço que eles aguardem Rocco e
Ramires chegarem para começarmos uma “reunião”.
Assim que os dois passam pela porta, são fuzilados sem
misericórdia. Elliot arrasta Rocco até perto do corpo do irmão,
também sem vida, e Camillo joga Ramires ao lado dos outros
soldados.
Rocco ainda respira quando chego por cima dele e chuto sua
cara.
— Pensou que eu não iria descobrir sua traição? — indaguei
furioso. — Desconfiei disso desde o dia que Demeron foi morto e
você abriu a boca para falar da reunião que somente Camillo
deveria saber. O que comprovou que, para estar a par da situação,
alguém da reunião lhe deu informações. Só que até aí, eu ainda
tinha minhas dúvidas. A certeza veio em Nova York, quando Luigi
mandou policiais atrás de mim. Você jogou nos dois lados, junto
com seu irmão. O bom é que vou mandar os dois de uma só vez
para os braços do diabo. — Explodo suas cabeças com tiros.
Viro-me de frente aos homens em fila, que mantêm os olhos
arregalados.
— Eu estarei me mudando para Los Angeles, como sabem, e
não irei permitir traidores ou incompetentes lá. Isso, para mim, é
imperdoável. Eu quero que vocês subam até a sala onde fica meu
arsenal e peguem as caixas que separei para levar na viagem.
Um por um, de cabeça baixa, sobe. Enquanto isso, pelo
aplicativo em meu celular, aciono o código para os trancar assim
que o último entra no local.
— Vai matá-los? — Elliot perguntou surpreso.
— O que acha?
Todos eles estavam de guarda naquela noite e, mesmo assim,
minha mulher quase morreu pelas mãos daquela lunática. Eu não
confio em nenhum deles perto da minha família.
— Não foi o Ramón que ajudou a garota a entrar? Na minha
opinião, somente ele deveria pagar pelo erro. — argumentou em
frente ao futuro capo.
— Você acha que dez homens com capacidade de treinamento
para impedir um ataque, não têm culpa da minha mulher quase ter
morrido, sendo que todos eles estavam dentro da mansão, bebendo
e jogando em vez de fazerem seus serviços?
Eu vi tudo pelas câmeras quando estava buscando uma
explicação plausível para o que tinha acontecido.
Esperando sua resposta, levanto uma sobrancelha.
— Responda! Eu estou curioso para saber o que pensa. —
Vincent comentou debochado.
— Só achei exagerado. — respondeu sem jeito.
— Bom! Respeito sua opinião, Elliot. Tudo bem discordar de
mim, porque você também não irá comigo. — Atiro nele, fazendo-o
cair aos pés de Camillo.
— Merda! — Camillo reclamou, limpando o sangue que
espirrou em sua cara. — Você precisa foder a sua mulher
urgentemente, ou vai acabar com metade da organização.
— Você também não concorda?
Ele ri.
— Foda-se o que penso! Concordando ou não, sou bem pago
para limpar sua bunda. — Rio junto com o Vincent da sua revolta. —
No entanto, Elliot estava errado. Se Ramón errou, foi porque todos
eles deixaram de fazer seus serviços. Caso contrário, teriam visto a
cadela entrar.
Esse é o motivo pelo qual o tenho constantemente por perto.
Concordando ou não comigo, está sempre presente para me apoiar,
como aconteceu em Nova York, e nunca colocaria a minha vida ou a
de quem amo em risco, por ter um pensamento diferente do meu.
Camillo se tornou para mim o que Marco é para Vincent, e pessoas
assim, você mantém ao redor.
— Pode explodir tudo. — Passo por ele, indo atrás de
Giovanna.
Eu quero me desculpar decentemente com ela. Depois do
hospital, dei seu tempo, mas agora é hora de eu pegar de volta o
que me pertence. Sem mais desculpas, sem mais segredos.
Marco olha para o nada, pensativo e mais calado do que de
costume. E isso faz meu coração doer por ele. Eu queria poder
amá-lo como o Vincent julgou, entretanto isso é impossível, porque
já sou de outro. Mas desejo que ele ache seu caminho para o amor
também.
— Marco? — chamei sua atenção para mim.
— Eu sei o que vai falar. — cortou-me calmamente.
— Você está chateado por isso?
Estou realmente triste por ele. Não queria machucá-lo.
— Você o ama? — perguntou, já sabendo que sim.
— Com tudo de mim. — fui sincera.
— Então, é isso que me importa. Se ele for te fazer feliz,
estarei bem com isso.
— Eu queria ser o que você procura, Marco. Sério mesmo. —
Deixo minhas lágrimas escorrerem pelo rosto. — Mas acontece
que... seu tio conquistou cada espaço que existe em mim. Além do
mais, eu não seria capaz de te amar como você merece.
Ele me puxa para seus braços e me abraça fortemente.
Oh, Deus! Achei que seria mais fácil.
— Tudo bem, menina bonita. Eu entendo. Entrei nesse jogo
sabendo que não teria chance. Estou muito orgulhoso de você e
estarei há uma ligação de distância caso precise de mim.
Eu choro por esse homem, por ele ser tão sofrido, tão
rejeitado, e, mesmo assim, abrir mão de tudo pelos outros,
contentando-se com quase nada que a vida lhe oferece. Na maioria
das vezes, cheguei a pensar que ele, de alguma forma, achava que
não merecia mais do que lhe era jogado. Marco merece o mundo, e
eu tenho minhas dúvidas de que saiba disso.
— Promete para mim que quando encontrá-la, não a deixará
escapar, por não se achar merecedor? — Permaneço o abraçando.
— Eu não estou à procura de ninguém, Giovanna.
Está sim! — quis dizer.
— Prometa, Marco!
— Okay. Prometo. — Revira os olhos e me afasta dele. — Seu
homem está vindo em nossa direção. É melhor se afastar.
Nem morta deixaria ele ser machucado de novo!
Viro-me para encarar Henrique, que não parece feliz com o
que vê. Então, abro um sorriso no rosto que o faz ficar aturdido e me
olhar confuso. Eu me mantive distante dele até agora, trabalhando
meus sentimentos sem toda a bagunça de hormônios que haviam
me deixado insana.
— Vá, Marco! Seja feliz! — sussurrei, olhando-o por cima dos
ombros e o incentivando a ir.
Sei que ele está pronto para outra briga, mas não quero isso.
Então, olha-me incerto, balança a cabeça, aceitando meu pedido, e
sai.
Com um vinco na testa, Henrique o observa ir embora,
estranhando sua rendição.
— O que foi isso? — Não está entendendo nada.
— Isso foi eu dando um fim na rixa descabida entre vocês dois.
— Aproximo-me dele.
Ele meneia a cabeça, compreendendo, e fixa seus olhos nos
meus.
— Eu pensei que... — Olha por onde Marco já sumiu.
— Seu homem tolo! — resmunguei, cruzando os braços.
— Nem sei por onde começar. — Ele parece sem jeito e eu
apenas o espero iniciar em seu tempo. — Achei que estava fazendo
a coisa certa, mas acabei errando mesmo assim. Não quero que
fiquemos mais separados, porque isso não faz sentido, sendo que
tudo que mais desejo, é você ao meu lado. Venha comigo para Los
Angeles, amor! Se não quiser ir, irei me abdicar do meu cargo e
aceitar outra posição para poder ficar aqui ou onde quiser morar. —
Abro minha boca, em choque. — Eu te amo, Giovanna! Não é
possível viver sem você.
Esse patife sabe usar as palavras.
Minhas pernas tremem e eu me apoio sobre o outro pé,
buscando equilíbrio. Apenas uma frase e ele já me tem
completamente seduzida por ele.
— Eu sei, Henrique. O pior de tudo, é que eu sei, porque sinto
o mesmo quando penso sobre nós dois.
Ofego quando ele se aproxima rápido.
— E isso significa o quê?
Ele sabe. O filho da puta arrogante só quer ouvir da minha
boca.
— Significa que estou tomando o que é meu, e se ousar se
afastar de novo para tocar em um fio sequer de cabelo daquela
cadela siliconada ou de qualquer outra, irei fazer parecer brincadeira
de criança o que fiz com a Giulia, perto do que farei com você e ela.
Está ouv...? — Cala-me com um beijo cheio de saudade. Um que
faz me perder a noção de tudo, inclusive de onde estamos.
— Não precisa me ameaçar, boneca. Eu não tive nada com
ela. Como poderia, depois de ter provado você? — Encosta sua
testa na minha e me segura com tanto desespero, que chego a
pensar que irá me quebrar ao meio.
— Vai me dizer que não deixou ela sequer lhe dar uma
chupadinha? — Analiso-o, em busca de alguma hesitação.
Se ele tiver deixado outra tocá-lo vou surtar, mas também irei
colocar para fora do meu sistema a raiva e o ciúme dela, porque, de
certa forma, deixei que Marco me tocasse também.
— Nada. Absolutamente nada. — Prende suas írises em mim,
deixando-me ver toda a verdade refletida nelas.
Eu já sabia dessa pequena informação, porque Vincent me
contou, mas ouvir dele é melhor ainda.
Eu avanço para cima dele, a fim de retomar o beijo, e ele me
para.
— Estou muito sujo e fedendo a sangue. — Aponta para a
camisa que uma vez foi azul.
— E eu fedendo a gasolina. — Sorrio, achando engraçado o
seu jeito protetor. — Você me corrompeu, marido. Agora, aguente as
consequências!
— Estou orgulhoso de você e irei te treinar quando puder voltar
à ativa.
Toco em sua barba, fazendo um carinho nela.
— A Giulia estava errada. — comentei, lembrando do que
Maria me disse a respeito da cadela psicótica.
— Sobre o quê? — indagou curioso, segurando meu rosto
entre suas mãos.
— Ela disse à Maria que vocês seriam um casal perfeito como
Bonnie e Clyde. No entanto, esse posto já pertence a nós dois.
Ele gargalha e beija a ponta do meu nariz.
— Eu te amo tanto, angelo mio! Vai me perdoar por tudo? —
Mordisca meus lábios.
— Eu te perdoei no instante que encontrei você no berçário
com minha filha nos braços. — confidenciei meu pequeno delito.
Eu ficava escondida, vendo a interação dele com Luna, e pedia
para que as enfermeiras me avisassem da sua chegada todas as
vezes em que, sorrateiramente, ia visitá-la.
— Nossa! — enfatizou. — Nossa filha! E, falando nela, a
pediatra ligou, dizendo que acabou de lhe dar alta.
Acho que meu coração vai explodir de alegria. Eu pulo em
seus braços, abraçando-o, e me afasto dele quando me dou conta
de um pequeno detalhe.
— Espera! Por que a médica ligou para você, e não para mim?
— inquiri enciumada.
— Porque eu pedi, boneca. Vamos buscar nossa menina! Ela
já está sozinha há muito tempo. — É verdade, pois desde que
nasceu, sempre tem um de nós com ela.
Ele caminha comigo até o carro e me puxa para seu colo. O
que faz Vincent e Camillo provocarem nós dois, dizendo que já era
sem tempo.
Assim que estamos longe, o galpão explode em pedaços. Olho
as chamas altas consumirem o lugar e só posso pensar que, a partir
daqui, tudo zerou. Eu me transformei em outra pessoa: uma mais
forte e capaz de tudo pela minha família.
Quando você nasce na máfia, não há certo ou errado; não se
fica imune, nem intocável. Ou você mata ou você morre. Tudo é
questão de escolha. E as consequências são apenas obstáculos a
serem ultrapassados. Eu demorei a entender isso, mas depois que
passei a ver as coisas como eles, renasci. Não tenho mais medo da
escuridão que cerca Henrique, porque os mesmos demônios que
existem nele, agora habitam em mim em também.
Ando sem direção o dia todo, até que paro na floresta onde eu
e Vincent vínhamos treinar quando éramos mais jovens. Eu sei que
não deveria me sentir afadigado, porque sempre soube que ela não
seria minha. No entanto, isso não me impediu de me apegar. Por
anos, achei que tivesse um coração de ferro que não bateria mais
por ninguém. Eu me fechei quando perdi minha mãe, e a cada ano
que passava lutando contra os monstros em minha cabeça, mas frio
ficava.
Porra! Isso dói.
Passo uma mão em meu peito numa tentativa de aplacar a dor
que sinto. Ela está feliz. É isso que me importa. Sua filha irá ser
amada por Henrique, e tudo que eles passaram, será esquecido.
Meu trabalho está feito, então me resta somente partir na direção de
uma nova aventura.
Sento-me na garupa, assistindo ao pôr do sol, e minha mão
comicha para pegar um cigarro. Não me fazendo de rogado, acendo
um. Eu evitava fumar perto dela para não prejudicar sua gravidez,
só que agora não há mais motivos para eu me segurar. Giovanna é
uma menina sofrida e, talvez, esse meu apego seja por causa da
sua história ter me lembrado o que minha mãe passou. Na época,
eu era só uma criança e não pude fazer nada, mas por ela, eu tinha
como mudar algo.
As lembranças da última vez que vi mamãe, mesclam-se com
o rosto dela, fazendo-me cambalear.
Vamos lá, Marco! Você consegue, cara! Não se deixe cair no
fundo do poço! Vire homem, porra! — tentei me convencer da minha
força.
O sentimento de rejeição me faz querer usar as porcarias das
drogas em que não encosto o dedo há tantos anos.
Seguro a minha cabeça com as duas mãos e tremo, sufocando
a tristeza que mantinha guardada há muito tempo. Eu sinto falta da
minha mãe. Enquanto ela era viva, eu sabia que me amava e lutava
por mim.
Fazer-me de forte o tempo inteiro, nunca me tornou imune a
sentir emoções, apenas me sufocou.
Meu celular toca distante e eu não faço questão de me
levantar para o pegar. Se estou certo, é Vincent tentando saber
onde estou. Não quero que ele me veja frágil assim. Tenho inveja
dele por sempre ser forte e destemido apesar de tudo que passou.
O toque insistente logo se faz presente novamente, irritando-
me a ponto de eu pensar em tacar o aparelho morro abaixo. Apenas
abro uma garrafa de vodka e dou um longo gole nela. Uma vez na
vida, posso ser imprudente e não me preocupar com mais nada.
O clarão do sol vai dando sua vez à noite e eu continuo em
meu lugar, fumando um cigarro atrás do outro, até que a bebida me
deixa dormente e não sinto mais nada. Sou o Marco de sempre: o
bastardo frio e sem coração.
Um carro à distância vai diminuindo a velocidade até parar ao
meu lado, na estrada. Seguro minha arma em mãos para atirar no
intruso, mas minha visão está borrada, deixando-me enxergar em
dobro. Pouco a pouco, a pessoa se aproxima e se senta ao meu
lado. Rio sem vontade, constatando que nunca estarei livre da
máfia.
— Fiquei preocupado com você. — Observa-me.
Prendo meus sentimentos e o olho com firmeza.
— Eu precisava ficar sozinho para colocar minha mente no
lugar.
— E conseguiu? — Pega a garrafa da minha mão e toma um
gole dela.
— Sim. — menti, não querendo ter nenhuma conversa sobre
sentimentos com ele.
Conhecendo-me bem, vira sua face em minha direção e me
olha por um bom tempo.
— Sabe que não consegue mentir para mim, né? — Inclina a
cabeça.
— O que quer que eu diga? Que me encantei por ela e, mais
uma vez, pelo bem da organização, abri mão de algo que eu queria?
— Eu não te julgaria se, de repente, causasse um “acidente” e
tirasse o Henrique da jogada para ficar com ela. Posso ficar ao seu
lado e te ajudar nisso se quiser pegá-la para você. — Analisa-me
sério, estudando minha reação e procurando por uma rachadura
que não estou disposto a mostrar.
Suas falas foram meticulosamente escolhidas, então qualquer
idiota desesperado cairia feito um patinho nessa sua oferta se não o
conhecesse bem. Ele quer me testar, saber onde minha mente está
e se sou um provável risco para minar seus planos. Fez isso de
propósito para verificar se ainda sou leal a ele. Vincent jamais
colocaria em cheque seu cargo por mim, nem por ninguém. Ele não
é do tipo que abriria mão de ser um capo, por amor. Esse fato ficou
mais do que provado quando mandou Lorena embora.
— Eu odeio quando você faz esses testes idiotas comigo. —
Vejo-o torcer seus lábios em um sorriso irônico. — Ela não é um
brinquedo, Vincent. Tem sentimentos e um coração que bate por
ele. Você acha mesmo que se eu soubesse que teria uma chance,
iria me retirar? Ela o ama.
— Você ainda vai encontrar a sua, Marco.
— Pergunto-me se quando esse momento chegar, irei saber
valorizá-lo. Eu perdi tanto nessa vida e fiz tantos estragos, que não
sei se estou preparado para ser feliz um dia.
— Você vai. E até lá, você tem a mim.
Até quando? Aposto que logo ele irá atrás da sua mulher. E eu
não o condeno por isso. Muito pelo contrário.
— Faça um favor para mim! Nunca te pedi nada. — falei com
calma.
— O que seria?
Conto-lhe o que pretendo fazer. É um pedido inusitado que não
sei se Vincent vai aceitar, mas estou tentando puxar a carta da
lealdade que sempre tive por ele.
— Tem certeza que deseja fazer isso? — inquiriu duvidoso.
— Sim. Depois disso, voltarei a ser o que era antes. — prometi
para o dissuadir.
— Tudo bem. Considere feito! — assegurou, dando um tapinha
amistoso em meu ombro.
Respiro aliviado com sua aceitação.
Preciso fazer isso acontecer, porque será um presente meu
para ela. Depois disso, eu me afastarei de vez e seguirei meu
caminho, como sempre fiz.
Sento-me na cadeira do terraço após verificar que Luna
continua dormindo. Estamos na Sicília, pois viemos visitar o Paolo e
sua esposa. Queríamos um pouco mais de sossego, e como não
viajamos em nossa lua de mel, achei propício aproveitar esse
recomeço que estamos nos dando, para sair de cena por um tempo.
Não significa que eu ainda não queira ouvir o “sim” de sua linda
boca no altar, é claro. Entretanto, isso ainda irá demorar um pouco.
Estou muito ansioso para pôr minhas mãos no corpo delicioso
da minha esposa. O qual está muito mais apetitoso do que eu me
lembrava, com muito mais curvas e seios fartos. Será a nossa
primeira vez desde que voltamos, e isso explica minha ansiedade
por esse momento.
Olho o presente para Giovanna em cima da cama e sorrio
maliciosamente. Faz tanto tempo que não a tenha à minha mercê,
que foi difícil esperá-la pacientemente em todos os últimos dias.
Acontece que eu queria que ela estivesse segura e se recuperasse
bem antes de tentarmos algo. Também quero lhe dar uma boa lição.
Prazerosa, é claro. Nada mais do que lhe deixar submissa a mim
hoje, para o meu bel prazer.
Olho-a sobre os ombros quando ela aparece no batente da
porta. Um olhar de confusão passa pelo seu rosto quando nota a
joia com a inicial do meu nome. Sorrindo, coloca a peça no pescoço
e gargalha.
— Você levou a sério essa história de me arrumar uma coleira,
né?
— Para uma menina rebelde, sempre ofereço o melhor. —
Salto da cadeira, indo em sua direção.
Trago seu corpo para junto do meu e a beijo com ardor. Então,
ela enfia a língua em minha boca e a balança de um lado a outro,
deixando-me duro e necessitado. Enquanto isso, suas mãos afoitas
vão para a minha calça e abrem o zíper.
Por mais que meu membro falte pular para fora eu a paro.
— O que foi? Não quer que eu te chupe? — perguntou,
parecendo insegura.
— Quero, boneca. — Levo meus olhos ao seu rosto, buscando
qualquer desconforto com o apelido, mas a encontro com o
semblante pacífico. O que me encoraja a dar seguimento aos meus
planos.
— Então...? — Sua ansiedade me faz rir.
— Eu quero adorar sua boceta primeiro, amor. Faz muito
tempo. — Puxo-a pela mão e fecho as portas de vidro atrás de mim.
Seus olhos azuis me fitam com expectativa e eu tomo a
postura dominadora que tenho e sei que a deixa excitada.
— Abra as pernas para mim, Giovanna! — ordenei, não
fazendo questão de esconder a rouquidão em minha voz, que
denunciou o quanto eu estava me controlando para não pular em
cima dela e montar nela como um louco.
— Assim, marido? — Abre-as, dando um sorriso sedutor.
Seu monte tem um feixe vermelho bem amparado, não
escondendo muito suas dobras, que estão úmidas pela sua
excitação. Essa constatação me deixa à beira de gozar na roupa
sem ao menos ter lhe tocado.
São meses de desejos reprimidos e sem provar seu sabor
picante em minha língua. Giovanna é doce e gostosa em todos os
lugares, e isso inclui os lábios de sua boceta cheirosa que me deixa
sedento a cada vez que a vejo ou me imagino dentro dela.
Sem ficar esperando por um convite, levo minha boca até sua
fenda e chupo seu clitóris, recebendo seus gemidos de apreciação
como resposta. Isso me anima a continuar minha degustação e
abocanhar com vontade seus lábios encharcados pelos seus sucos
de gostos inconfundíveis.
Levo minhas mãos para baixo de sua bunda redonda e a
levanto na altura da minha boca, que saliva por mais dela. Tudo
nessa mulher me deixa possessivo, e o menor pensamento de que
outro possa ter a visto nua assim, entregue e gemendo de prazer,
deixa-me insano. O bastardo filho da puta que matei, pode ter a tido
antes de mim, mas nenhum outro a tocará depois de eu ter a
tocado.
Com o desejo pulsando em cada terminação nervosa e com o
coração acelerado de emoção por ter minha mulher de volta, enfio
dois dedos em seu canal, querendo que ela me marque com seus
fluidos. Desejo Giovanna entranhada em cada extensão do meu
corpo, para nunca se esquecer que tem para quem voltar no final de
um dia árduo.
Quando enfio meus dedos e os movimento para frente e para
trás em sua fenda escorregadia, seu corpo vibra e suas paredes me
apertam, sugando eles desesperadamente e me deixando saber
que ela está prestes a alcançar o êxtase. Em seguida, levo minha
língua ao seu clitóris, chupando-o ferozmente. Com isso, suas mãos
vêm para meus cabelos e os puxa com um pouco mais de força do
que deveria.
Com meus olhos em seu rosto, encontro os seus revirados,
além do seu corpo se contorcendo. Seus dentes castigam seu lábio
inferior para abafar seus gritos que tanto amo ouvir. Sem demora,
arrasto-me para cima do seu corpo e paro por um instante em cima
da cicatriz da cirurgia, que ainda está avermelhada, mostrando o
quanto ela é forte e lutadora. Beijo o local com carinho e percebo
gratidão em seu rosto. Então, ela se ergue e me puxa para cima
dela, beijando-me com volúpia.
Por fim, acaricio minha extensão dolorosa e a miro em sua
entrada molhadinha. É quando sinto que ela retesa seu corpo. Isso
me faz parar para verificar o que lhe incomoda.
— Está com medo? — Junto nossas mãos em cima de sua
cabeça.
— Um pouco. É que faz muito tempo.
— Se quiser parar, eu paro. Podemos tentar outro dia.
Estou necessitado pela minha mulher, mas não ao ponto de
machucá-la para buscar meu prazer. Eu quero que seja bom para
ela também.
— Eu confio em você. — Desce sua mão e enfia a cabeça do
meu pau dentro dela.
Meto vagarosamente todo o meu comprimento no interior do
seu corpo, fazendo-a ofegar e sibilar por causa do aperto.
— Porra, boneca! Que boceta apertada do caralho! — grunhi,
começando a me mexer e a foder com desespero.
— Sim! Mais, por favor!
Suas paredes sufocam meu eixo e eu silvo de tesão.
— Desse jeito, não vou durar muito. — Arrasto o meu pau
completamente para fora e o enfio nela de novo.
— Sim, Henrique! Bem aí! — Balança a bunda, vindo ao
encontro das minhas estocadas.
— Não faça isso, Giovanna! — Vejo suas pupilas dilatarem
com minha ordem.
Minha mulher gosta de sexo sujo e depravado, porém morrerei
antes de admitir isso para mim mesmo. Ela gosta de pensar que, ao
menos aqui, controla-me. E na maioria dos nossos embates, ganha
de mim. Foda-se! Esse é o jogo mais gostoso que temos e fico feliz
por ceder algumas vezes.
— Não fazer o quê? Isso? — Aperta-se em volta do meu pau,
levando-me a reter minhas estocadas para não gozar rápido. — Ou
isso? — Começa a se mexer embaixo de mim, espremendo-me ao
ponto de me causar dor.
— Caralhooo! — gemi quando a safada não parou e me fez
chegar a um orgasmo forte e rápido.
Encosto minha testa na sua, buscando fôlego. Assim que me
recupero, saio de dentro dela e a viro de barriga para baixo para me
enfiar novamente em seu canal. Agora, vou por trás. Ao mesmo
tempo, estimulo seu clitóris latejante até ter certeza que ela está
pronta para permitir que seu orgasmo se esvaia e me retiro no
último segundo.
— Henrique! — reclamou ofegante. — Eu estava perto.
Seguro meu membro e o massageio de cima a baixo enquanto
lhe dou um sorriso presunçoso por ter devolvido seu atrevimento.
— Dois podem jogar o mesmo jogo, Giovanna. — Pisco. —
Venha aqui! Venha! Quero sua boca gostosa em mim.
— Isso não é justo. Eu te deixei gozar, mas você me privou da
minha vez. — choramingou, levantando-se da cama.
— Venha buscar por sua libertação, querida! Sou todo seu. —
Sorrio de maneira sacana, jogando-me na poltrona.
Eu lhe lanço um olhar conhecedor. O qual ela compreende
prontamente.
— A minha cadelinha quer ser fodida pelo seu macho? Quer?
— Muito! — sussurrou rouca.
Estiro minhas pernas, ficando bem à vontade, e aponto para o
chão.
— Quero ver você vir de quatro para mamar o meu pau, sua
safada!
Giovanna se dobra de quatro no chão e vem até mim com um
olhar faminto. Ela andando sobre suas mãos e joelhos, com apenas
o colar em seu pescoço, é a coisa mais sexy que já vi em toda a
minha vida.
Segurando meu membro em sua direção para que minha linda
esposa o abocanhe, passo a glande em seus lábios inchados pelos
nossos amassos. Para me torturar ainda mais, ela coloca a língua
para fora e lambe, esfomeada, o pre-sêmen. Logo começa a gemer
com os olhos fechados.
— Chupe, boneca! Leve-me para sua boquinha gulosa!
— Só se for agora. — Lambe todo o meu eixo, levando-o ao
seu limite máximo.
Com a saliva escorrendo pelos cantos da boca, ela aproveita
para massagear minhas bolas, que estavam cobrando sua atenção.
Por minha vez, impulsiono meu quadril para dentro de sua garganta,
segurando os dois lados de sua cabeça. Deliro com os sons que ela
faz e deixa reverberar por todo o meu corpo.
Não suportando apenas me chupar, ela direciona seus dedos
até seu monte, não aguentando mais esperar, e eu a puxo para
cima do meu colo. Coloco-a montada em mim e a empalo de novo.
— Cavalgue, Giovanna! Goze no meu pau! — incentivei-a.
Levo meus dedos para suas nádegas empinadas, molho-os
com seus sucos e acaricio seu buraco enrugado que tanto desejo
experimentar.
— Ainda não me sinto pronta para tentar aí.
Eu gosto quando ela é sincera e me diz exatamente o que
quer.
— Teremos muito tempo para tentar, amor.
— Conhecendo você, não me admirarei se me fizer mudar de
ideia daqui a uns meses.
— Querida, daqui a alguns meses, estarei metendo até nos
seus ouvidos. — Sorrio maldoso e mordo seu pescoço.
— Seu cretino arrogante! — Gargalha, levando-me a rir
também.
Mordisco seu lábio inferior.
Segurando-se em meus ombros, ela inicia com movimentos
descompassados sobre meu pau, contudo toma um ritmo gostoso
quando começa a pular em meu colo, jogando a cabeça para trás.
Assim, seus seios irresistíveis batem em minha cara, não me
deixando outra opção que não seja tomá-los em minha boca e
chupar seus mamilos. Quando um pouco de leite sai deles, sugo-os
com mais força, querendo cada gota que escorre dela.
Meu pau endurece mais no momento que imagino Giovanna
grávida novamente, carregando um fruto do nosso amor e
amamentando outro serzinho lindo como a Luna, só que feito com
nossa mistura de característica
Sentindo sua boceta latejar, tomo a frente da situação e
aumento minhas investidas, deixando os conhecidos arrepios me
invadirem. E juntos, em uníssono, gememos nosso prazer na boca
um do outro em um beijo apaixonado, cheio de promessas não
ditas. Finalmente, jorro toda minha essência dentro dela, sentindo-
me completo de novo.
— Eu te amo! — Está lânguida me encarando.
— Eu sou louco por você, Giovanna. Completamente doente
de amor por você. — Junto nossas bocas, querendo perpetuar cada
segundo que puder passar junto dela.
Seus braços me apertam, prendendo-me no lugar, e eu a
abraço com força também, deixando claro que não tenho a intenção
de ir a canto algum sem as mulheres da minha vida. Eu estou em
casa e elas são o meu lar.
Luna bate palminhas, sentada na cadeirinha do carro,
enquanto eu tento, sem muito sucesso, esconder o teste que fiz. O
meu marido é um cafachorro. Eu mal saí do resguardo e ele já
meteu — muito bem metido, na minha opinião — outro bebê em
mim. O homem não consegue deixar suas mãos longe do meu
corpo por muito tempo e eu estou adorando ser tratada como uma
rainha por ele novamente.
Sorrio, lembrando-me de como foi a nossa reconciliação.
Henrique aguardou pacientemente a médica me liberar da
quarentena, com o intuito de colocar seu plano diabólico em ação. O
patife gostoso comprou uma coleira de diamantes com um enorme
“H” como pingente e o colocou em meu pescoço para me fazer
andar de quatro até ele. Literalmente. E eu andei. Ah, se andei!
Coloquei meu rabo no ar e, se bestar, até falei “au, au”. Fui
duramente chupada e montada por ele até não consegui aguentar
mais. E, no outro dia, tratei de me rebelar para que ele pudesse me
castigar de novo. Se é assim que meu homem quer me punir por
desafiá-lo, eu viro sua cadelinha de estimação e lato feliz todas as
noites se quiser.
E foi nesse bendito dia que Henrique se aproveitou para me
tacar outro filho. Eu acredito que tudo tenha sido premeditado por
ele, porque esse homem impossível não faz nada por impulso e
suas atitudes são muito bem calculadas.
E aqui estou eu, enjoada para cacete, morrendo de sono, com
vontade de chorar e querendo bater nele por ter me deixado sozinha
logo hoje, que irei apresentar minha primeira coleção de roupas
exclusivas em um desfile para a nata da alta sociedade de Milão.
Sinto-me nervosa e muito radiante, mesmo que, lá no fundo, uma
vozinha irritante me diga que meu marido tem mexido os pauzinhos
para que isso acontecesse tão depressa. Se eu vou reclamar? Para
a porra com isso! Sei que sou muito boa no que faço.
Se depender da madame Madalena, ela irá me explorar até
meu cu fazer bico, porém não irei deixar de realizar meu sonho
agora. A mulher é muito exigente e arranca meu coro sem dó. Em
qualquer dia desses, vai fazer um cachecol com cada pedaço meu
que tira. Por mais que eu note o brilho em seus olhos quando lhe
entrego cada design novo, a safada não me devolve os créditos
quando os usa em suas coleções.
Já estou de saco cheio de tentar agradar essa tirana e esperar
um elogio seu sequer. Todas essas decepções e cada “não”
recebido, sempre me fizeram chegar bem estressada em casa, e
depois de muito tentar, comecei a me desanimar de trabalhar para
ela.
Eu comentei com Henrique sobre minhas frustações, e daí, em
um belo dia, quando cheguei no ateliê da madame, ela me
recepcionou com um sorriso tão grande, que se parecia com a mãe
do coringa. Em seguida, pediu para que eu produzisse novos
designs, porque havia sido a escolhida para apresentar uma
coleção de outono no desfile que aconteceria hoje. Fiquei eufórica e
muito animada.
Venho, dia após dia, aperfeiçoando-me cada vez mais no meu
trabalho. Ainda tenho mais três anos de curso para fazer até me
formar, porém estou investindo nele duramente a fim de conseguir
ser a melhor. Quero me especializar em estilismo, então, para isso,
tenho me sujeitado a ser tratada feito um cão pela melhor e mais
requisitada estilista de Milão.
É claro que não estou sentada, esperando por um milagre dos
céus, pois tenho feito vários outros cursos relacionados à minha
área, como: corte, costura, desenho e ilustração. Tudo isso é com a
finalidade de me aperfeiçoar, agregar ainda mais conhecimento
profissional e, um dia, criar minha própria marca. Mas até lá, serei o
tapete humano da diaba, pois é ela quem me apresentará ao mundo
e me deixará famosa.
Tá! Eu sei o que vocês estão pensando. Por que não ter meu
próprio ateliê e montar minha marca agora, com todo o dinheiro que
tenho? Pelo simples fato de querer subir com minhas próprias
pernas. Se eu quisesse, poderia comprar a marca da mulher e a
colocar para trabalhar para mim. No entanto, quero algo que o
dinheiro, ao menos da maneira que desejo, não compra: sua
aprovação e admiração. Isso irá levar um pouco mais de tempo para
eu conseguir, porém estou disposta a investir muito para tal feito.
Sento-me no banco de trás e brinco com Luna enquanto sou
levada ao melhor lugar do mundo: minha casa. Abro a boca,
sentindo sono, encosto meu pescoço no banco e fecho os olhos,
pensando que ficarei assim só por alguns segundos. Contudo,
acabo apagando.
Só percebo que cochilei quando uma mão acaricia
suavemente o meu rosto e me chama. Então, abro meus olhos,
encontrando meu lindo marido sorrindo com Luna no colo.
Eu me pergunto se irei para de admirá-lo e de desejá-lo dentro
de mim o tempo todo. O homem está prestes a fazer cinquenta
anos, mas dá um banho em qualquer rapaz que tem metade da sua
idade, com seu fogo que me deixa de cara no chão, de forma literal.
Fico impressionada com sua vasta experiência em me levar às
nuvens sempre que possui meu corpo com seu delicioso pau,
língua, dedos e tudo que tenho direito.
— Venha, boneca! Tenho uma surpresa para você.
Eu também tenho. — pensei, mordendo a língua para não falar
logo a novidade.
— Que surpresa é essa? Onde está? — Saio do carro
apressada, aceitando sua mão.
— Está lá dentro. — Beija meu rosto e dá um sorriso faceiro.
Passo por ele, ansiosa, abro a porta e quase caio para trás
quando me deparo com Samantha sentada em meu sofá.
— Sam?! — vociferei, não acreditando no que meus olhos
viam.
— Gio! — Corre para mim e me abraça. — Eu senti tanto a sua
falta!
— Eu nem sei como pontuar o quanto estava sofrendo sem
notícias suas, docinho. — Aperto-a em meus braços. — Você está
tão linda! — Aliso seus cabelos loiros.
— Meu Deus, Gio! Parece que faz séculos que não nos
vemos. Eu sou tia e nem sabia disso. — Sorri, pegando Luna.
— Estou curiosa. Como aconteceu? Quero dizer... Tentei te
ligar e não tive resposta suas. A última coisa que eu soube, é que
iria se casar com o capo da máfia calabresa.
— Ele aconteceu. — Aponta o dedo para uma direção.
Eu olho para o local apontado e dou de cara com Marco
encostado na parede, sorrindo para nós.
Meu Deus!
— Você cumpriu! — murmurei emocionada por ele não ter
desistido de achá-la mesmo após ter tentado uma vez e não obtido
resposta alguma.
— Eu tinha prometido, não foi? Nunca volto atrás em minha
palavra. — Anda até onde estamos e se senta no outro sofá,
encarando minha filha no colo da tia.
— E o que te custou? — Lembrei que Henrique havia me dito
que teria que causar uma guerra para conseguir minha irmã.
— Custou mais que a metade da sua herança. — meu marido
respondeu.
Minha boca cai aberta.
— Marco, eu serei eternamente grata a você, mas prometo
que irei lhe pagar cada centavo que gastou para salvar a Sam. —
garanti, admirada com sua bondade.
— É um exagero do Henrique. Não é como se ele não tivesse
aberto mão de algo também.
Olho para o meu esposo, franzindo a testa. Marco abriu mão
da sua parte da herança, mas... E ele?
Vendo as dúvidas rondando meu rosto, logo trata de me
explicar.
— Eu sabia que Luigi vinha fazendo alguns negócios
misteriosos por debaixo dos panos, sem consultar a mim ou ao
Conselho. De início, achei que ele estava expandindo o tráfico
humano. Mas me enganei. O cara estava tirando muito dinheiro para
investir nos bairros pobres de Nápoles, como Scampia e
Secondigliano, a fim de expandir nossos territórios pela Espanha,
onde a Ndrangheta também estava de olho. Na invasão à casa dele,
encontrei as documentações sobre esses negócios e entrei em
contato com os Santoro para os oferecer em troca da liberdade de
sua irmã. Eu negociei, abrindo mão da nossa parte por lá. O que
eles só aceitaram depois de pedirem mais uma certa quantia em
dinheiro. A qual Marco se ofereceu a pagar. E aqui estamos nós.
Sorrio como se tudo isso não fosse nada, porém sei que é
muito. Para ele ter oferecido esses territórios, imagino que também
tenha que ter desembolsado algum dinheiro. Que não foi pouco.
Afinal, as localidades pertenciam à Camorra e o desfalque com essa
perda teria que ser ressarcido de alguma forma.
— Estou tão feliz que nem sei o que falar. — Lágrimas descem
sem parar pelo meu rosto. Malditos hormônios! — Foi você quem foi
buscá-la? — perguntei ao Marco.
— Sim. — Olha-me de um jeito curioso.
— Foi sim, Gio. E ele me tratou muito bem. — Sam se
adiantou em me esclarecer, achando que meu choro era de
preocupação.
— Isso quer dizer que a Sam poderá ficar conosco? —
questionei só para ter certeza.
— Se ela quiser, sim. Poderá ficar o tempo que desejar. A casa
é dela. Estará em família e irá conosco aonde formos. — Henrique
pisca e sorri.
— Eu quero. — Sam respondeu rapidamente, fazendo-nos rir
da sua pressa em aceitar.
— Está decidido, então. Seja bem-vinda, minha irmã! Até que
enfim, estamos juntas de novo. — Beijo seu rosto.
Surpreendo Marco quando me atiro em cima dele para o
abraçar.
— Obrigada a vocês dois por esse presente! — falei olhando
para ambos.
Meu marido semicerra os olhos para mim, fazendo-me uma
promessa silenciosa de que mais tarde eu pagarei pelo meu
atrevimento de me jogar nos braços do seu sobrinho.
Oh! Estarei ansiosa e muito feliz para pagar, com todos os
juros, essa dívida mais tarde.
Verifico a área para ter certeza de que estamos seguros
enquanto ouço, pelo fone, os relatórios dos meus soldados. Depois
me volto para onde minha adorável esposa arruma as modelos que
ainda irão entrar na passarela. Uma por uma desfila com as roupas
feitas por ela, sendo aplaudidas por cada pessoa presente. Estou
orgulhoso para caralho dela.
Giovanna mantém um sorriso largo estampado de orelha a
orelha e eu me pego admirando o quanto ela é linda com toda sua
genialidade. Eu teria pagado o dobro do que a velha sacana me
pediu para aceitar que minha mulher fosse apresentada ao público e
assinasse seus próprios modelitos, se meu ganho ainda fosse vê-la
contente desse jeito.
Estou tão feliz com essa nova Giovanna, que não tenho
palavras suficientes para expressar toda a minha gratidão por ela ter
me perdoado e me dado uma família. Luna fará cinco meses daqui a
alguns dias e é a alegria da nossa casa. A minha principalmente.
Sempre que a pego, recebo um beijo molhado seu e um olhar
amoroso vindo daqueles olhinhos curiosos e recheados da mesma
confiança que sua mãe tem quando me fita. Eu já sou louco pelas
duas irrevogavelmente e pela bebê que se desenvolve saudável na
barriga da minha mulher. Torço para que quando Luna crescer,
nunca descubra quem o crápula do Damien foi. Esse é um segredo
do qual não estou a fim de abrir mão. Giovanna concorda comigo
nisso, e, para mim, está mais do que perfeito.
— Humm! Está muito sério, senhor Cavallari. — Emma
murmurou dengosa, muito perto de mim.
Mantenho meu olho em minha esposa, que sai do desfile feito
um furacão, quase derrubando as coitadas das modelos de cima do
palco, para chegar até mim.
— O que está acontecendo aqui? — Cruza os braços, fazendo
seus seios naturalmente grandes por conta da amamentação,
subirem. Isso me deixa salivando para os provar.
Eu adoro essas crises de ciúme dela, porra. Eu amo tudo que
tem a ver com essa mulher. Eis a verdade absoluta.
— A Emma apenas veio me cumprimentar, amore mio.
— Cumprimentar minha bunda! Pode vazar daqui vagaranha!
Na última que bancou a engraçadinha comigo, eu taquei fogo.
Seguro a vontade de rir. Ela é muito criativa em seus
xingamentos.
Emma está de boca aberta com a explosão de Giovanna
enquanto eu só quero arrastá-la pelos cabelos e a foder sem pena.
Sua rebeldia sempre me deixa com um puta tesão e só me acalmo
depois de reivindicá-la.
— Você já era louca quando nos conhecemos, mas agora está
insana. Deus me livre! — Sai andando depressa, quase caindo com
os enormes saltos que usa.
Eu me volto para a minha querida esposa e a puxo pelo
pescoço, trazendo sua boca apetitosa à minha.
— Nem venha, seu cafajeste! Por que tinha que ficar de
conversinha com essa sonsa aí?
— Respeite-me, mulher! Ou irei te colocar para andar de
quatro até mim de novo. — ameacei, torcendo para que ela me
provocasse mais.
— Nunca reclamei dos seus castigos, marido. — Morde o lábio
inferior.
— Porra, mulher! Desse jeito, você vai me matar. Já terminou?
— Estou ansioso para ouvir um “sim”.
— Já. Agora acontecerá a festa de comemoração. — falou
arfante, segurando a lapela do meu terno.
— Preciso apenas de dez minutos, amor. Prometo ser rápido.
Pode até mesmo contar o tempo.
Eu adoro nossos jogos sexuais. Às vezes escolhemos lugares
aleatórios e competimos com quantos minutos podemos fazer
algumas travessuras sem sermos pegos.
— Lá em cima. Uma sala está vazia. — Aponta para onde
guardam as roupas exclusivas.
Subimos as escadas correndo feito dois esfomeados que não
comem há dias. Logo após abrirmos a porta, já arrancamos as
roupas um do outro e nos emaranhamos no chão, nas paredes e na
mesa da bruxa.
Sorrio maldoso, imaginando a cara dela se souber disso.
— Abra as pernas para mim, amor! Preciso do seu sabor em
minha boca. — Enfio-me entre elas e meto a língua em sua boceta,
que está cada vez mais doce desde que engravidou. Sua fenda tem
um tamanho tão pequeno, que fico abismado em como consigo
penetrar nela sem machucá-la.
Eu me pergunto todos os dias como aguentei ficar longe dela e
ainda me sinto culpado por tê-la deixado passar pela outra gestação
sozinha. Então, nessa de agora, tenho me programado para não
perder nada; nem mesmo as menores coisas, como as escolhas das
roupas e dos detalhes do quarto da bebê. Gosto de acompanhá-la
em tudo isso. Nunca nos esquecemos da nossa pequena Luna, é
claro. O que compramos para Helena, ela ganha também.
— Chupe, safado! Devore-me todinha! — pediu com uma voz
de excitação.
Obedecendo minha dona, chupo seu mel sem demora,
lambuzando-me com o néctar dos deuses que somente ela tem.
Não demora muito para eu a sentir se apertar em volta dos
meus dedos e a ouvir gemer meu nome de uma maneira tão
sensual que é capaz de me ter prontamente nu para lhe escutar
gritar seu gozo outra vez, mas com meu pau dentro dela. Portanto,
eu a coloco com as pernas em volta da minha cintura e a encosto
contra a primeira coisa que encontro. Guio meu membro para dentro
dela e meto com vontade em sua bocetinha gulosa, descontrolado e
cheio de necessidade.
Giovanna arranha minhas costas, gemendo alto com meu pau
atolado até o talo no interior do seu canal apertado. Seguro seu
traseiro para que ela não caia e acelero meus golpes, juntando
nossos corpos de uma maneira intensa.
Sinto ela pronta para explodir de novo, e isso se confirma com
sua seguinte fala.
— Henrique! Eu vou gozar. Acelere essa porra!
Giovanna pode ir de uma doce princesinha à filha de um
marinheiro desbocado em um piscar de olhos. Isso me deixa louco.
— Venha, boneca! Dê tudo para mim! — exigi, acelerando
minhas estocadas grosseiras e impiedosas.
Ela me dá um aperto da morte quando alcança seu ápice,
levando-me a segui-la para o penhasco do puro prazer.
— Fica cada vez melhor. — Sorri.
— Maravilhosa! É isso que você é, principessa. — Beijo seu
ombro.
Paraliso quando percebo a multidão de rostos lá embaixo
olhando para cima, mas não para qualquer lugar, e sim para onde
estamos. Muitas pessoas estão com seus celulares em mãos,
tirando fotos nossas completamente nus. E o pior: comigo ainda
dentro da minha mulher.
Porraaa! Giovanna vai me matar.
Pigarreio e a seguro para que não me jogue o primeiro objeto
que ver em sua frente.
— Amor, não surte! — pedi, mesmo sabendo que ela irá surtar.
E não será pouco.
— Por quê? — Levanta a cabeça para me encarar.
— As janelas não são de vidro fumê. — afirmei o óbvio.
— Eu sei. O que tem a ver? — Está totalmente inocente do
que se passa atrás dela.
— É que todos lá embaixo estão olhando para nós dois agora.
— soltei de uma vez.
Lentamente, ela vira o pescoço e abre a boca, soltando um
ganido sufocado.
— Eu vou te matar, Henrique! — Corre para se vestir.
— Não é grande coisa. Eu sou seu marido. — tentei justificar o
injustificável.
— NÃO É GRANDE COISA?! — gritou antes de respirar fundo
e tentar se controlar. — Amanhã, todos irão comentar sobre o que
viram e minha bunda estará estampada nas capas das revistas de
todo o país. Que vergonha, meu Deus! — Coloca a mão no rosto,
choramingando.
— Ah! Venha aqui, angelo mio! Não fique assim! Pense pelo
lado positivo: sua bunda é bonita e todos saberão quem é você.
Consequentemente, virão atrás das suas roupas. É marketing,
Giovanna.
Ela coloca as mãos na cintura e se apruma para uma briga. A
coisa vai ficar feia.
— É melhor correr, Henrique, ou o seu corpo estará
estampado ao lado da minha bunda bonita, porque irei te jogar pela
porra da janela.
E acham que duvido? O cacete! Saio há mais de mil por hora
da sua frente e vou para perto dos meus seguranças. Ela fica muito
volátil quando está nervosa e eu não vou esperar sua raiva passar,
ficando perto dela.
Todos os rostos se voltam para trás quando as portas são
abertas e nós nos preparamos para entrar. Vincent segura em meu
braço, em frente a porta da igreja. Hoje acontecerá a cerimônia do
meu casamento com o homem da minha vida. A minha barriga está
enorme dentro do meu vestido de noiva, à espera da nossa segunda
princesa, a Helena, que nascerá em poucas semanas.
Sorrio ao me lembrar da emoção que foi compartilhar a notícia
com meu mafioso favorito. O Marco vivia zombando de Henrique por
ter chorado no hospital quando quase morri, mas foi com ele
pegando a caixinha com o teste positivo dentro e a foto da minha
primeira ultrassom, que pude vê-lo, pela primeira vez, rendendo-se
às emoções.
Sei que ele ama Luna, mas qual homem não iria querer ter
seus próprios filhos? E nós estaremos completando nossa família
com mais uma menina.
“Eu nasci para ser cercado de belas mulheres.” — Esse foi o
comentário dele quando eu disse que iria ser outra menina.
Fiquei tão aliviada quando vi que isso não iria lhe fazer
diferença. Acredito que o amei um pouco mais nesse momento.
Observo a igreja lotada de figurões e suspiro, querendo que
tudo acabe depressa para eu dormir. A cerimônia é bem grande
para agradar todas as mammas e anciões. Por minha conta, eu teria
feito uma festa mais reservada, devido ao meu estado, só que meu
marido fez tanta questão de haver uma com todas as pompas, que
somente me calei e me deixei ser conduzida com o fluxo, aceitando
tudo que tinha direito, se isso significava agradá-lo. Aliás, é
impossível lhe dizer “não”, já que o homem sabe usar todas as
armas para me convencer de algo. Ele disse que “simples” e
“Giovanna” não combinam na mesma frase. Então, aqui estamos
nós, reforçando nossos votos e formando uma linda aliança.
Diferentemente da primeira vez, estou optando por ele e o
escolheria mil vezes se isso me fosse proposto.
— Ainda dá tempo de desistir. — Vincent sorri do seu jeito
sombrio.
— Eu não quero. — afirmei com sinceridade. — Acho que não
te agradeci como deveria.
— Pelo quê? — Encara-me.
— Por ter desistido de mim. — expliquei com seriedade.
Ele franze a testa, pensativo.
Há males que vêm para o bem.
— Eu estava errado sobre você. — admitiu quando a música
soou os primeiros acordes, dando-nos o sinal de que a cerimônia
iria começar.
— Sobre o quê?
— Você é a segunda mulher mais forte que conheci. —
respondeu sério.
— E a primeira? — indaguei curiosa.
— Talvez eu me case com ela em breve. — Um pequeno
sorriso repuxa seus lábios e eu sorrio, feliz com o elogio.
Viro-me para a frente, caminhando em passos lentos sobre o
tapete, como manda o figurino. Mas minha vontade é de levantar a
calda do vestido, sair correndo até meu amor e me jogar em seus
braços. Ele está tão perfeito, vestido em seu terno de 4 peças.
Quando o vi mais cedo, tive que me segurar para não propor uma
loucura para fugirmos dessa bagunça de festa.
O sorriso genuíno que ele me lança do altar é a coisa mais
perfeita que já vi em minha vida. Eu amo absolutamente tudo nesse
homem impossível; desde o seu jeito protetor até seus olhares
zangados quando algo o tira do sério.
Perto de ser entregue ao meu marido, desvio rapidamente
minha atenção para a Sam, que está segurando Luna, junto de
Maria. A senhora, na sua vez de entrar, acompanhou o Henrique,
fazendo a vez de sua mãe. Ao lado delas, Camillo vigia minha irmã
como um falcão, todo protetor. Samantha fez o cara durão cair
facilmente aos seus pés e eu não poderia estar mais feliz por ela.
Ao contrário do que pensei, meu marido não só aprovou o
relacionamento dos dois, como foi um incentivador, fazendo um
papel de pai para a Sam. Ele aceitou o compromisso deles e
ameaçou o Camillo de morte caso fizesse alguma coisa contra ela.
Até rio ao me lembrar da cara do coitado quando chamou o
Henrique de ingrato.
Eu amo a nossa família e tudo que ainda estamos construindo.
Tijolo por tijolo, ele derrubou as minhas defesas; e, degrau por
degrau, tornei-me a mulher que sempre sonhei ser ao seu lado. E é
isso que digo em frente às cento e cinquenta famílias que fazem
parte da nossa organização, selando, mais uma vez, a nossa
aliança de amor eterno para enquanto nós vivermos.
Olho minha mulher segurando Luna nos braços e desejo que,
um dia, seja assim com um bebê nosso. Ela está linda em seu
vestido branco rendado que a deixou com uma fisionomia bastante
pura. O que me faz querer tirá-la daqui, onde tem maldade
impregnada em cada pessoa.
Samantha é a coisa mais linda e preciosa que eu poderia ter
ganhado nesta vida. Ter tido o privilégio de ser seu escolhido e o
homem para quem ela entregou seu coração, corpo e alma
intocáveis, faz de mim um filho da puta sortudo. Custo acreditar que
fui presenteado com sua delicadeza e inocência.
Passei meses dançando à sua volta e me desvencilhando por
me achar indigno de uma mulher tão doce feito ela. Todavia, mais
tarde, caí rendido aos seus pés. Existe uma áurea nela que me
hipnotiza e me puxa para si como um imã. Eu sou incapaz de me
manter longe dela e muito menos de lhe negar algo, mesmo que ela
não me peça muito.
Nunca imaginei experimentar um sentimento tão forte feito o
amor, e hoje entendo o motivo pelo qual demorei tanto para
entender sua magnitude. É porque eu estava esperando pelo meu
doce querubim. Inconscientemente, buscava pela sua face e pelos
seus beijos, mas nunca a encontrava em outros corpos.
Sinceramente, achava que jamais iria encontrar.
Quando a vi pela primeira vez, fiquei tão deslumbrado e
desconsertado, que cogitei pedir transferência ao Henrique. Medo
foi o que senti quando descobri que, pela primeira vez, meu coração
tinha outra função além de bombear sangue pelo meu corpo. O
maldito acelerou e bateu tão forte, que imaginei estar tendo uma
taquicardia. Foi estranho, louco e surpreendente. Eu me senti vivo.
Muito mais do que quando mato ou torturo alguém.
E, que Dio me perdoe! Porque mesmo sendo indigno daquele
anjo, eu o peguei para mim e o amei tão desesperadamente quando
retribuiu minhas investidas. Eu me entreguei quando Sam esteve
em meus braços e olhando em meus olhos como se eu fosse o
único homem na face da terra a existir para ela.
— Logo será sua vez, angelo mio. — sussurrei em seu ouvido,
aproveitando que todos os olhos estavam voltados para a noiva.
Em troca, recebo um sorriso deslumbrante que costuma me
deixar de joelhos. Ele é como se dissesse que sou a porra do seu
salvador.
— Não vejo a hora. — Seus lindos olhos brilham de
admiração.
— Eu te amo! — Beijo sua nuca.
— Também te amo, Cam! — Sorri com toda sua meiguice.
Desejo que tudo termine logo para eu a ter somente para mim.
Nunca me canso dela, e acho difícil isso acontecer algum dia.
Suas pupilas se dilatam, entregando que ela está tão desejosa
quanto eu.
— Mais tarde. — prometi mais para mim mesmo do que para
ela. — Mais tarde te amarei e te venerarei, como deve ser.
Ela arfa, ficando vermelha, e eu sorrio.
Não há nada que eu não dê à Sam. Eu nunca tinha quebrado
nenhuma regra da máfia, mas por Samantha Vittieli quebrarei todas
se for preciso.
Giovanna grita alto, e a cada vez que ouço seu choro, quero
matar alguém dentro do hospital. Gosto de ouvir a dor nas vozes
dos homens que torturo, não na da minha esposa. Ela segura minha
mão com firmeza e se curva um pouco para a frente, fazendo força.
Eu queria tirar esse desconforto dela e pegar para mim, porque
aguentaria tudo por ela e faria qualquer coisa para dar um fim nesse
seu martírio. Até tentei convencê-la de fazer outra cirurgia, mas,
como é teimosa demais, quis ter todo o trabalho de um parto normal
dessa vez. Não consigo entender sua opção, sendo que tinha outra
menos sofrível. No entanto, quem sou eu para julgar suas escolhas?
Eu quero o seu melhor, e se para ela o melhor é trazer nossa
segunda filha pela vagina, tem o meu apoio.
— Estou vendo a cabeça da bebê. — a enfermeira avisou
sorrindo.
— Você falou isso meia hora atrás. — retruquei nervoso.
— Eu não sei se vou aguentar mais. — Giovanna confidenciou
em um fio de voz.
Ela está suada e com a expressão de muito cansada.
Também, pudera! Já tem quase doze horas de trabalho de parto.
— Falta pouco, senhora Cavallari. Só mais um pouquinho. — a
obstetra afirmou sorrindo.
Isso me irrita. Onde todo mundo acha graça nesses momentos
de sofrimento? Estão se divertindo com a dor da minha mulher?
Notando meu olhar duro, a médica disfarça com uma tosse e
fica séria.
— Vamos! Na próxima contração, empurre com toda a força
que tiver.
— O-okay. — gaguejou.
Eu beijo sua cabeça, tentando lhe passar conforto.
— Você está indo muito bem, boneca. — Ganho um sorriso
fraco seu em troca.
— Ai, meu Deus! Está vindo! — Geme forte e empurra mais
uma vez.
Vejo Helena escorregar para fora com um choro agudo,
deixando claro para todos que chegou neste mundo.
Sorrio emocionado quando a enfermeira me oferece uma
tesoura para cortar seu cordão umbilical. Depois, eles limpam a
pequena e a deitam em cima do peito de Giovanna. Eu toco a
bochecha rosada da minha mulher e beijo seus lábios.
— Obrigado, angelo mio! — sussurrei.
— Você está feliz com apenas duas meninas? — Olha-me
cautelosa.
— Está tudo perfeito. — confortei-a.
— Que bom! Porque eu não quero ficar tentando e tentando
até vir um menino.
Eu não preciso de um. Estou feliz por ter sido agraciado por
duas meninas saudáveis.
— Não se preocupe com isso, amor! — Acaricio os cabelos
fartos de Helena, que são tão escuros quanto os da irmã mais velha.
— Não é engraçado que nenhuma das duas tenha puxado o
tom dos meus cabelos? — Giovanna questionou, pensando o
mesmo que eu.
— Elas são lindas como você. Os olhos das duas sempre me
farão lembrar de você onde quer que esteja.
— Eu te amo! — murmurou.
— Também te amo, principessa!
Assim que somos transferidos para o quarto, Samantha coloca
a cabeça para dentro do cômodo e nos olha ansiosa.
— Podemos entrar? — perguntou receosa.
Ela é muito parecida com Giovanna. A única diferença está na
cor do cabelo. O seu brilha feito fios de ouro, de tão loiro.
— Sim. Venha conhecer a nova integrante da família! — eu a
incentivei a entrar.
Ela abre mais a porta e entra carregando Luna, sendo seguida
por Camillo. Assim que a pequena me vê, joga-se nos meus braços,
chupando seus dedinhos gordinhos. É a menina do papai. Por
incrível que pareça, ela é muito mais apegada a mim do que à
Giovanna. O que a faz ficar com ciúme às vezes.
— Veio conhecer sua irmãzinha, baby Luna? — Ela se remexe
em meus braços, olhando a irmã dormindo.
Eu a levo para perto da cama, e quando tento colocá-la ao
lado de Helena, ela estica um beicinho de choro e vira o rosto.
— Seu temperamento é igual ao de sua mãe, não é? –
brinquei, balançando-a para se acalmar.
— Pelo menos isso, tinha que puxar de mim. — Giovanna
provocou.
— Prevejo muitas confusões no futuro. — resmunguei, fazendo
Camillo rir.
— Eu espero ter os meus logo. — Sam ostenta um grande
sorriso ao seu lado. — Quero ter uns quatro. Você também,
Camillo? — perguntou docemente.
— Tudo que você quiser, minha linda. — Seus olhos brilham
de alegria.
Eu rio, percebendo que as mulheres Vittieli têm um charme
irresistível que nos deixa amarrados pelas bolas.
— Bom... Trate de encomendar logo! Vou precisar de mais
mãos para me ajudar aqui. — sugeri.
Logo em seguida, levo uma reprimenda da minha teimosa
esposa.
— Até parece! — Revira os olhos.
— Vou anotar todas as suas rebeldias e cobrar depois, amore
mio.
Ela faz uma careta engraçada.
— Não chegará perto da minha xana tão cedo.
— Sou paciente. Sei esperar.
— Promessas, promessas... — Ela ri da minha cara e eu
semicerro os olhos.
— Veremos! — Beijo seus lábios.
Sinto-me feliz e grato por tudo que conquistei. Mesmo não
merecendo, realizei o meu maior sonho. E entre todas as minhas
conquistas, com toda certeza, a maior delas foi construir a minha
própria família ao lado da mulher que amo.

(...)

Alcanço a porta do banheiro do meu escritório na tentativa de


tomar um banho rápido e tirar do meu corpo as provas de tudo que
fiz de ruim nesta noite. Eu sei que Giovanna não se importa mais
em me ver ferido ou sujo de sangue, pois se tornou, ao decorrer dos
anos, uma verdadeira mulher de mafioso; uma destemida e
amorosa que tanto desejei ao meu lado. Todavia, eu ainda tento, ao
máximo, trancar a escuridão para fora da nossa casa.
Principalmente para proteger nossas filhas, que são inocentes do
que faço. E, com tudo de mim, tento mantê-las assim.
Jogo todas as roupas sujas no cesto e deixo que a água leve
embora toda a tensão que ainda sinto das várias horas de tortura
aos nossos inimigos. Essa é uma parte minha da qual, por mais que
eu tome banho, nunca irei me livrar totalmente.
Saio do banheiro com a toalha na cintura e vou para o
pequeno guarda-roupa embutido na parede. Coloco apenas uma
boxer e uma calça moletom. Depois, mesmo cansado, subo os
degraus e me arrasto primeiro ao quarto que fica ao lado do nosso,
para ver minhas meninas dormindo. Esse é um ritual sagrado que
faço constantemente quando chego de mais uma tortuosa missão:
verificar uma por uma para ter certeza que estão bem e vivas. É a
única forma de aplacar e calar todas as sombras que consomem
minha mente tempestuosa.
Olho Luna abraçada ao seu ursinho favorito, dormindo feito um
anjo, e beijo suas bochechas. Helena está na outra cama, cercada
pelas suas bonecas favoritas. Eu afasto os cabelos negros dos seus
olhos e repito com ela o mesmo gesto que fiz em sua irmã.
Ambas estão crescendo rápido, e considerando a beleza que
elas possuem, herdadas da mãe, fico preocupado com seus futuros.
Por mais que a protejamos das coisas horríveis do nosso mundo,
ainda assim, ambas são cercadas por elas e crescerão tendo que
seguir nossas regras. A máfia não é fácil para as mulheres, e eu,
como pai de duas, odeio pensar em alguém as ferindo para me
atingir. Ou, pior: ter que as entregar para um maledetto qualquer
para selarmos negócios.
Nenhum homem será digno das minhas princesas, e para me
convencer do contrário, terão que me provar serem muito
merecedores de tirá-las de mim.
Com um último olhar para as meninas, fecho a porta devagar e
entro na minha suíte. Giovanna já dorme tranquilamente, alheia à
minha chegada. Deito-me no meu lado da cama e a puxo para mim.
Aqui, eu posso sentir que todos os meus medos estão sendo
controlados de vez.
— Você voltou para mim. — falou baixinho.
— Eu sempre volto, amor.
— E eu te amo por isso. — Entrelaça sua mão à minha.
— Eu também amo você. — Aconchego-me a ela.
Minha doce esposa é a única que mantém meu lado sombrio,
calmo e trancado a sete chaves. Enfiando meu nariz em seus
cabelos, aspiro seu cheiro e fecho meus olhos, permitindo que meu
corpo relaxe finalmente e que eu curta o calor que irradia do dela.
Ela me ensinou que para amar, é preciso aprender a perdoar o
passado e, principalmente, perdoar a si mesmo. Somente assim
pude encontrar minha tão merecida paz.

(...)

Anos mais tarde

Ofereço um sorriso acolhedor à Luna, que parece nervosa.


Beijo sua cabeça, como fazia quando ela era menina, e seguro sua
mão.
— Sabe que pode desistir, né? Não precisa se casar se não
quiser isso. — sussurrei para que apenas ela me ouvisse.
— Eu preciso, papai. Não posso me dar o luxo de ficar
esperando a vida toda. — Seu olhar varre a multidão tristemente, e
quando bate em Enzo com Gianna, entendo tudo.
— Por um tempo, eu achava que fosse apenas uma apaixonite
de adolescente o que sentia por ele. — Analiso seus olhos
marejados.
— Quem dera! Uma hora temos que fazer escolhas difíceis e
seguir em frente.
Eu a entendo.
— Quero que saiba que se precisar voltar para casa,
estaremos à sua espera.
Eu quero ter a certeza de que ela sabe que nós estaremos
sempre ao seu lado.
— Obrigada! Desculpe por tudo!
Balanço a cabeça, recusando suas desculpas. Todo mal-
entendido já foi resolvido entre nós, e é isso que me importa.
— Você é minha filha. Não interessa o que diz naquele papel
idiota.
Nossa atenção é puxada para o barulho alto de carros
raspando pneus no asfalto. Eu vou matar meus soldados se eles
não derem jeito nos vândalos sem noção que estão ousando
estragar o casamento da minha filha.
Meus homens correm em direção à entrada com as armas em
punho e tiros são trocados. Quando jogo Luna atrás de mim, Pietro
entra correndo, seguido de Nicholas.
— O que aconteceu? — perguntei assustado, procurando o
inimigo que os perseguiam.
— Vim pegar o que é meu. — A resposta de Pietro me deixa
confuso.
Como um raio, ele joga Luna sobre seus ombros e sai
correndo com ela aos gritos, que pede por socorro.
— Que diabos!
Tento correr atrás dele, mas como minha idade já está um
pouco avançada, não o alcanço. Eu já não sou tão novo quanto ele,
e isso foi decisivo para o fazer ser mais ágil.
Puxo a arma do meu coldre e miro em suas costas. Seja lá o
que estiver acontecendo, irei atirar primeiro e perguntar depois.
Nicholas entra na minha frente e toma minha arma.
— Não atire, tio! Ele está a salvando de uma enrascada.
— Sequestrando minha filha? Eu vou acabar com seu irmão
quando pôr minhas mãos nele.
— Não antes de mim. — Marco respondeu nas minhas costas.
— É melhor ter uma boa explicação, Nicholas. Aqui não é nosso
território.
— Claro que não. Aqui é o seu, né? Não sei porque não volta
para cá. — rebateu o pai, irritado.
Ele odeia o Vincent e, por isso, acabou sendo proibido de
participar das reuniões em família.
— Não me provoque! — Marco dá um passo à frente,
agarrando-o pela camisa. — Segure a porra da língua!
— Ou o quê, senhor Moretti? Vai chutar minha bunda, como
fez com a mamãe?
— Nicholas, estou te avisando. — Olha firmemente para ele,
fazendo-o recuar e abaixar a cabeça. — Para onde o Pietro levou a
Luna?
— Para casa. Ela está grávida dele e ia se casar com Miguel.
Ele só pegou o que lhe pertence.
— Ah, droga! Estamos ferrados. — Marco explanou o que eu
pensei.
Suspiro fundo, não acreditando que essa merda está
acontecendo.
Miguel desce a escada correndo, e sua cara não promete
coisa boa.
— Eu vou matar esse imbecil e vocês não irão me impedir,
porra! Isso foi um grande desrespeito comigo. — ele gritou,
referindo-se ao Pietro. Precisou ser contido por Vincent e Enzo.
— Ah, porra! Estamos muito ferrados. — repeti as falas de
Marco, vendo a confusão feita na minha frente.
PROIBIDO
(Duologia “Cartel Javier” - Livro 1)
Em breve na Amazon Kindle

Pietro Moretti é implacável quando quer. Orgulhoso de ser filho


de Marco Moretti e Angel Javier, mesmo não sendo um herdeiro
legítimo, sabe que seus pais o amam com tudo de si. É um homem
quase completo: tem uma família perfeita, é o chefe do Cartel Javier
e é muito respeitado pelas suas habilidades em fazer negócios e
tornar sua organização cada vez mais próspera. A única coisa que o
desestabiliza é ela: Luna Cavallari. A mulher que ele ama desde
criança. Contudo, nunca recebeu dela o retorno merecido que tanto
almejou.
Mas Pietro a quer e se cansou de esperar pela sua decisão.
Ainda mais agora, que a mão dela foi dada ao subchefe de Nova
York. A mão que deveria ser dele, assim como tudo que a pertence.
Pietro é o homem que todos procuram quando querem
resolver as coisas com calma e diplomacia, porém quando se trata
de Luna Cavallari, diplomacia é a última coisa na qual ele pensa.
PIETRO MORETTI
9 anos de idade

— Enzo, vamos brincar de casinha? — Luna corre atrás dele,


puxando-o pelo braço.
— Não! Eu não sou menina. — respondeu mal-humorado.
Ele sempre fica bravo quando Gianna está por perto.
— Por que não? A Gianna é uma menina e você brinca com
ela. — Coloca as mãos na cintura, fazendo um biquinho bonitinho.
Ela é a coisa mais linda que eu já vi. Parece uma boneca com
seus grandes olhos azuis.
— É porque ela gosta de brincadeiras de menino, sua chata.
— retrucou.
Seus olhos se enchem de água e eu fico triste por ela,
querendo bater no idiota do meu irmão.
— Eu brinco de casinha com você, Luna. — falei rapidamente.
— Eu não quero você. Quero o Enzo.
É sempre assim: mesmo que eu me ofereça para fazer o que
Luna quer, enquanto meu irmão briga com ela por qualquer motivo,
ela o escolhe.
— Mas ele quer brincar só com a Gianna.
Eu não sei porque Enzo gosta mais da nossa outra prima, que
é irritante e muito metida. Gosto mais da Luna. É uma pena que ela
não goste de mim.
— Não importa. Eu irei me casar com o Enzo um dia e não vou
deixá-la brincar com a gente.
Franzo a testa, tentando entender a lógica nisso. Criança se
casa?
— Criança não se casa, Luna. — apontei o óbvio.
Ela me lança um olhar acusador, como se dissesse que sou
um burro. Odeio quando faz isso.
— Ai, Pietro! Como você é um bobão! Um dia vou crescer, né?
— Mostra-me a língua.
Sinto meu coração se partir com sua afirmação. Se ela quer se
casar, por que não me escolhe?
— Você não vai se casar com ele! — Fecho as mãos em
punhos, irritado por ela pensar nessa possibilidade.
Sempre o Enzo! Tudo é Enzo!
— Ah, é? Vamos ver então! — Vira-se e sai batendo os pés,
balançando seu grande cabelo liso amarrado em um longo rabo de
cavalo.
É agora que ela não vai querer brincar comigo mesmo. —
pensei um pouco tarde, arrependido por ter lhe irritado.
Ando até o banco do jardim, chutando a terra pelo caminho, e
me sento para olhar, com raiva, Enzo, Helena, Gianna e Matteo
brincarem ao longe.
Sei que meus pais me amam, mas saber que sou adotado, faz
eu me sentir sozinho às vezes. Tenho medo de que eles, um dia,
passem a não gostar mais de mim e me mandem embora. Eles não
me tratam mal, mas eu me sinto um intruso perto dos meus irmãos.
Enzo é o preferido do papai; e Nicholas, por ser mais novo, é o bebê
da mamãe. E eu? Quem sou eu no meio deles? Será que, algum
dia, alguém irá me escolher primeiro?
Olho mais uma vez para a escada por onde Luna subiu, na
esperança de que ela pense melhor e volte para brincar comigo.
Quando noto que desistiu mesmo, pego algumas pedrinhas e as
jogo no lago. Depois saio do banco e sigo por um caminho feito de
ladrilhos que leva até o jardim da casa do tio Henrique.
Sentado no chão, coloco a cabeça em meus joelhos, sentindo-
me triste, e fico pensando com meus botões em como irei fazê-la
gostar de mim também.
Não notei quando o papai se sentou ao meu lado. Apenas o
percebi quando senti suas mãos acariciando minhas costas do jeito
carinhoso de sempre, quando tenta nos consolar por saber que
estamos muito chateados.
— Tudo bem, campeão? Por que não está brincando com os
outros?
— Eles não me querem lá. — Dou de ombros.
— Eles falaram isso ou você deduziu? — Analisa-me.
Não respondo. Não quero explicar que, entre todos eles, a
pessoa que mais me chateou, foi a Luna.
— Pietro, olhe para mim! Conte o que te deixou assim, filho!
Levanto a cabeça e o encaro. Seu cabelo está maior e metade
dele caiu sobre seus olhos.
— Você gosta um montão de mim, como gosta do Enzo? —
questionei sobre o que me incomodava.
— Eu amo muito vocês dois. — Isso me alivia um pouco. — O
que te faz pensar que existe alguma diferença para mim entre
vocês?
— Ele é seu filho de “verdade”. Eu não.
— Quem te disse isso? O que importa, não é o que tem em
nossas veias, Pietro, e sim aqui. — Aponta para o seu coração. —
E, só para que saiba, você é o meu preferido. É o que mais se
parece comigo. Nunca duvide que eu e sua mãe te amamos tanto
quanto amamos seus irmãos!
Sorrio quando ele me coloca em seu colo e beija meu rosto.
— Como fez a mamãe gostar de você? — perguntei depois de
um tempo, ainda incomodado com o outro assunto.
— Eu a raptei.
Arregalo os olhos, levando-o a rir.
— Não foi você que falou que não pode fazer isso? —
Semicerro os olhos.
Eu me lembrei de ter ouvido ele dizer algo assim para seus
soldados quando os explicava sobre uma missão.
— Há exceções, filho. — sussurrou quando viu minha mãe
vindo em nossa direção.
— Sério? Como o quê?
— Como quando sua mãe estava tomando decisões muito
ruins.
— Aaaah! — Balanço minha cabeça, entendendo. — Eu
também posso fazer isso?
— Quem você deseja fazer gostar de você? — Levanta as
sobrancelhas.
Eu fecho a boca, duvidando se devo lhe contar ou não.
Neste momento, Luna desce com outro dos seus vestidos de
princesa e passa direto por mim, ignorando-me. Papai me olha com
um enorme sorriso no rosto por ter me pegado no flagra.
— Sabe que não pode obrigá-la a gostar de você. Certo?
— Não me disse que raptou a mamãe? — indaguei confuso,
cruzando os braços.
— Sim. Mas eu a conquistei. — explicou com paciência.
— Eu posso fazer isso também. — afirmei convicto.
— Tenho certeza que sim. Afinal, você é meu filho, não é? —
Pisca e sorri.
— Promete uma coisa para mim? — Levanto-me animado.
Já montei um plano de emergência para atrapalhar a Luna de
se casar com o Enzo ou com qualquer outro menino boboca.
— Você vai me colocar em uma enrascada, não é? — Inclina a
cabeça.
— Prometa, papai! — exigi, querendo que ele jure. Só assim
saberei que fala sério.
— Prometer o que exatamente? — questionou curioso.
— Promete pelo seu sangue que, quando for a minha vez,
você irá me ajudar? — Aguardo ansiosamente pela sua resposta e
cruzo os dedos para que ele diga um “sim”.
Papai gargalha e balança a cabeça de um lado a outro.
— Prometo, filho. Porém, lembre-se do que falei! Hum? — Ah,
sim. Ainda tem isso.
— Só se ela tomar decisões estúpidas?
— Isso aí. — Afaga meus cabelos e vai ao encontro da minha
mãe.
Mal sabia eu que, anos mais tarde, iria ter que cobrar essa
promessa.
NOS BRAÇOS DO MAFIOSO
SEDUZIDA PELO CONSIGLIERE
RENDIDA AO MAFIOSO
HERDEIROS DA MÁFIA

NOS BRAÇOS DO MAFIOSO (1)


Lorena Ávila é brasileira e, aos quatorze anos, foi raptada e
vendida aos Lourenço através do tráfico humano. Obrigada a
trabalhar para uma família de mafiosos que são sem escrúpulos,
capazes de tudo por dinheiro e poder, Lorena se vê em meio a uma
guerra na qual não pediu para entrar. Seu maior erro foi se
apaixonar por quem deveria odiar. Ela é doce, de personalidade
forte e almeja a liberdade.
Vincent Lourenço é conhecido por ser uma máquina de matar.
Desde cedo aprendeu que na vida em que nasceu, é ele ou os
outros. Ele sente prazer no que faz. Vincent não tem compaixão, e
pela famiglia é capaz de fazer qualquer coisa, inclusive armar e se
aliar aos seus inimigos para tirar do poder todos aqueles que ele
acredita prejudicar a Camorra e o legado deixado pelo seu pai. O
sujeito é frio, calculista e almeja vingança.
É possível nascer amor em meio a tanto ódio, armações e
guerra?
RENDIDA AO MAFIOSO (2)

Marco Moretti sempre se sentiu perdido desde criança e


passou a viver na sombra do seu melhor amigo Vincent para sentir
que tinha um propósito de vida. Nunca quis coisa alguma para si e
jamais ambicionou nada, até que um dia, em uma de suas missões,
seus olhos bateram nela. “Misericórdia” era uma palavra
desconhecida para o homem sem coração e com um único objetivo:
vingar a morte de sua mãe e colocar o melhor amigo no poder.
Angel foi quebrada tantas vezes, que achava que seu
propósito de vida era sofrer. Sozinha e contando consigo mesma,
deixou-se ser usada e caiu no mundo das drogas para aplacar a dor
que sentia. Ela nunca quis tanto sobreviver quanto no dia em que
seus olhos encontraram os dele. A garota achou que seria seu fim,
mas foi o início de tudo, e vai entender por bem ou por mal que
quando Marco fica obcecado por algo, ele luta com tudo dentro de si
para conseguir aquilo.
O anjo e o demônio terão que compreender que, depois do
caos, sempre vêm as tempestades, mas que unidos podem
ultrapassar todas elas e saírem mais fortes.
Ela só quer recomeçar.
Ele deseja tê-la para si.
Ela foge dele porque o teme.
Ele a persegue porque precisa dela para se sentir vivo.
Duas almas perdidas e feridas são capazes de encontrarem a
redenção juntas?
HERDEIROS DA MÁFIA (3)

Gianna Lourenço

Eu nasci na máfia e, desde pequena, ouço que nós, mulheres,


devemos ser a base da casa. Minha mãe sempre foi mais liberal e
nunca colocou pressão sobre minhas costas por causa disso, e meu
pai sempre me amou do jeito que eu sou, mas isso não me impediu
de ser pressionada a ser uma moça recatada e exemplar, por ser a
filha do capo. Todos esperam de mim, nada menos do que a
perfeição. Eu tentei, e juro que tentei, suprir todas as expectativas
da famiglia, contudo ser submissa não está no meu sangue. Eu
quero mais. Desejo poder, controle e escolha. Almejo ser mais do
que uma esposa troféu com um útero feito de incubadora para
conceber as próximas gerações.
Então, mesmo contra a vontade do meu pai, treinei, lutei,
aprendi a usar armas e fui fundo no submundo. Eu sou a rainha do
meu reino e dona de mim. Não preciso de um príncipe encantado,
muito menos de um protetor, porque sou a porta de entrada para
qualquer lugar que eu queira ir. No meu mundo, eu mando e todos
me temem, mas não pelo peso do meu nome, e sim porque
conquistei o respeito deles.
Tudo ia perfeito e meu plano de ser reconhecida como a chefe
estava a todo o vapor. Até ele... Até Enzo Moretti se meter no meu
caminho e querer me dominar como se eu fosse um cavalo
selvagem que precisa colocar cabresto e ser domado.
A minha desgraça começou no dia em que passamos a nos
olhar com desejo, paixão e luxúria. É um jogo perigoso que nenhum
de nós temos medo de jogar as cartas, mesmo sendo proibido e
fatal. Nós nos jogamos nos braços um do outro sem pensar no
amanhã. E agora, que esse dia chegou, preciso decidir o que é mais
importante para mim: o cargo que tanto ansiei ou o amor do único
homem que conquistou meu coração e me fez amar tão
profundamente a ponto de me afogar em meus próprios
sentimentos.
O que fazer quando o que almejamos a vida toda e o que
passamos a desejar, tornam-se coisas diferentes? Qual escolha
você faria se amasse tanto uma pessoa, que sentisse que foi
consumida por inteira? Você escolheria seguir seus planos ou o seu
coração?
MARCAS DO PASSADO

Lara Bitencourt é uma jovem de 29 anos, psicóloga infantil.


Desde muito cedo, ela teve que aprender a lutar sozinha, sem poder
confiar em ninguém. Foi julgada, mal compreendida e colocada em
segundo plano na vida de todos aqueles que ela amava. Sofreu em
silêncio e, para tentar superar seus fantasmas, quis recomeçar
longe daqueles que a feriram e fizeram dela uma pessoa marcada.
Viu na psicologia um meio de ajudar aqueles que têm feridas tão
profundas quanto as que ela esconde.
Lucas Ferraz tem 35 anos. Ainda muito jovem, perdeu os pais
em um acidente de carro e, com muita dificuldade, teve que criar o
irmão caçula sozinho. Um acaso do destino o colocou no lugar
errado e na hora errada, e por esse erro, ele foi acusado e
condenado a pagar por um crime que não cometeu.
Duas pessoas marcadas pelo destino e que veem seus
mundos colidindo e se entrelaçando, sem chances de fugir. É
possível esquecer o passado e dar uma chance ao amor?
RAZÃO E EMOÇÃO

Eduardo González é um advogado criminalista conhecido por


ser um tubarão nos tribunais. Não foi fácil alcançar esse
reconhecimento, mas ele trabalhou duro para o conseguir, deixando
uma extensa lista de inimigos pelo caminho. Arrogante, bem-
sucedido e bonito. E, acredite: ele sabe disso. Usa e abusa da sua
aparência e status para ter qualquer mulher que desejar aos seus
pés. Mas, engana-se aquela que achar que ganhará seu coração,
porque só terá a chance de tê-lo apenas por uma noite.
Até ela...
Rebeca Evans é uma assistente social conhecida por ser umas
das coordenadoras da fundação Amélia Goulart. Ela teve seu
coração partido no dia do seu casamento e a traição lhe deixou
feridas profundas... Feridas que a fizeram prometer a si mesma que
nunca mais se deixaria ser enganada. Corajosa, independente e
linda, não acredita em príncipes encantados. Para ela, todos os
homens são iguais e só servem para a diversão.
Ele coleciona corações partidos.
Ela coleciona homens pela sua cama.
Uma noite e tudo muda.
Quem vencerá essa batalha? A razão ou a emoção?
Sarah Mercury é uma rondoniense de 28 anos, formada em
Administração, casada há 11 anos e mãe de três lindos filhos.
Leitora compulsiva, descobriu a leitura aos sete anos de idade,
tornando esse o seu hobby favorito, e desde então, nunca mais
parou de ler.
Na adolescência, ela adorava fazer poemas e criar histórias
pequenas. Chegou até mesmo a fazer parte de um grupo de teatro
na escola, onde apresentou um dos seus contos.
Sarah sempre sonhou em escrever um livro, mas nunca tinha
tido coragem de tirá-lo do papel, até recentemente, quando lançou
“Marcas do passado”, sua primeira obra, a qual abriu caminho para
as outras.
Atualmente, ela tem alguns livros publicados aqui, na Amazon
Kindle, de forma independente. Todos foram feitos com muito amor,
carinho e dedicação.
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