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JULIANE DA COSTA FURNO

A LONGA ABOLIÇÃO NO BRASIL: TRANSFORMAÇÕES RECENTES


NO TRABALHO DOMÉSTICO

CAMPINAS

2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA

JULIANE DA COSTA FURNO

A longa abolição no Brasil: Transformações recentes no trabalho


doméstico

Prof. Dr. Marcio Pochmann – orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de
Campinas para obtenção do título de Mestra em Desenvolvimento Econômico, área de
concentração: Economia Social e do Trabalho.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO


FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA
ALUNAJULIANE DA COSTA FURNO E
ORIENTADA PELO PROF. DR. MARCIO
POCHMANN.

CAMPINAS
2016
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica Universidade


Estadual de Campinas Biblioteca do
Instituto de Economia Mirian Clavico
Alves - CRB 8/8708

Furno, Juliane da Costa, 1989-


F982L A. longa abolição no Brasil : transformações recentes no trabalho doméstico
/ Juliane da Costa Furno. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

Orientador: Marcio Pochmann.


Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Economia.

1. Trabalho doméstico. 2. Mercado de trabalho. 3. Divisão do trabalho por sexo. I.


Pochmann, Marcio,1962-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. III.
Título

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The long abolition in Brazil : recents changes in domestic work
Palavras-chave em inglês:
Domestic workers
Labor market
Sexual division of labor
Área de concentração: Economia Social e do Trabalho
Titulação: Mestra em Desenvolvimento Econômico
Banca examinadora:
Marcio Pochmann [Orientador]
José Dari Krein
Angela Maria Carneiro Araujo
Data de defesa: 24-02-2016
Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico
DEDICATÓRIA

Dedico essa dissertação de mestrado ao meu orientador Marcio Pochmann e no


nome dele estendo ao Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) pelo
papel central desempenhado na minha formação pessoal e acadêmica, e pelo o que ele
representa na disputa ideológica e acadêmica em um período histórico cuja a regra parece ser
a da “neutralidade”.

Dedico também a todas as trabalhadoras domésticas. Guerreiras e batalhadoras na


luta cotidiana por uma vida digna.
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço à minha família – especialmente a minha mãe


Normândia e ao meu pai Elinton, que mesmo compreendendo pouco o que eu faço, sempre
me apoiaram incondicionalmente, tanto do ponto de vista material como com a disposição
cotidiana de ouvir meus lamentos e alegrias.

Gostaria também de agradecer profundamente ao meu orientador, Marcio


Pochmann, por quem eu tenho uma admiração como ser humano, intelectual e militante.
Obrigada pelos desafios lançados e por acreditar sempre nesse trabalho.

Um agradecimento especial à Beatriz Passarelli Gomes. Minha companheira de


todas as horas, parceira intelectual e de trabalho. Obrigada por estar sempre por perto, pelo
amor, pelas risadas e pelos aprendizados.

Ao Lucas Barbosa Pelissari. Essa dissertação tem muito de você, do início ao fim.
Obrigada por estar comigo desde a formulação do problema de pesquisa.

Quero agradecer imensamente a minha família em Campinas, o Pedro Gebrim e o


Daniel Fogo. Que alegria saber que essa cidade uniu mais uma vez nossos cotidianos. Vocês
dois são aqueles que dão verdadeiro sentido a palavra amizade.

Quero agradecer ao CESIT, por ser um espaço de formulação na contramão da


“neutralidade” acadêmica e da ortodoxia econômica. Agradeço pelas suas portas sempre
abertas, pelo computador e pelo cotidiano cafézinho expresso, motor da produção diária. Em
nome do CESIT também agradeço ao professor José Darí Krein, quem me acompanhou desde
o início, sempre com muita compreensão e dedicação. Agradeço também aos demais,
especialmente a Helena Coloma, Hugo Dias, Denis Gimenez, Anselmo Santos, Amilton
Moretto, e Marcelo Proni. Agradeço também ao Arthur e ao Guilherme, estagiários do
CESIT, que me ajudaram muito na coleta de dados. Ao Carlos Salas, professor e amigo nessa
caminhada. A Marilane Teixeira, minha inspiração política e acadêmica e quem ajudou muito
nesse trabalho.

Agradeço ao professor Waldir Quadros pela participação e considerações no meu


exame de qualificação e a professora Angela Araujo pelas contribuições na minha defesa;

Obrigada Elaine Bezerra, companheira e quem eu admiro muito. Obrigada


também ao Octávio, Renata, Raquel, Galvão, Iri, Bob, Marsa, meus companheiros de
militância campineira. Falando em militância, obrigada a todos do Levante Popular da
Juventude e da Consulta Popular. Organizações que me ajudar a me construir como
intelectual orgânica, jamais esquecendo que esse país precisa de mudanças profundas, que
exigem engajamento diário.

Agradeço especialmente ao setor de formação da Consulta Popular de São Paulo.


Agradecimento especial aos colegas da Pós Graduação, Elisabeth, Thiago, Pedro Henrique,
Barbara Valejos, Tomás, Matheus, Lilian, Thiago, Pietro, Isabela, Henrique Bastos, Queren,
Thais, Marcelo, Guilherme Caldas, Taciana, Leandrão, Victor, Paulinha, Leonardo Pietro,
Vitor Tonin, Bia, Toca, Chico, João, Carol, Ulisses, e tantos outros que compartilham esses
bons momentos ao meu lado.

Obrigada Elisabeth, Bruna Koerich, Acácio Simôes e Pedro Gebrim pelas revisões
e correções no meu texto.

Obrigada a CAPES pela manutenção de um ano de bolsa de mestrado para que eu


pudesse realizá-lo com dedicação exclusiva, e obrigada ao CESIT, a CUT e ao Sindicato
Unificado dos Petroleiros de São Paulo por garantirem meu segundo ano de remuneração e
profundos aprendizados.
“Há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me
resignar nunca.”

(Darcy Ribeiro).

“Há momentos na vida dos povos em que a falta mais grave dos membros da
intelligentsia é a omissão.”

(Celso Furtado, A construção Interrompida).

"Ou os estudantes se identificam com o destino de seu povo, como ele sofrendo a
mesma luta, ou se dissociam do seu povo e, nesse caso, serão aliados daqueles que exploram
o povo".

(Florestan Fernandes).
RESUMO
O trabalho doméstico no Brasil carrega heranças profundas da história colonial e
escravagista brasileira. Seu desenvolvimento ao longo dos anos e dos ciclos econômicos
ocorre com a marca de precariedade, da informalidade, da ausência de regulamentação dos
baixos rendimentos e – sobretudo – com expressiva participação no total das ocupações e
majoritária presença de mulheres e negras. O trabalho doméstico assalariado reflete de forma
acentuada as contradições do mercado de trabalho brasileiro, marcado pelo
subdesenvolvimento político e econômico sob o qual estamos imersos. A heterogeneidade
estrutural, a marginalidade, o excedente de mão de obra e a informalidade são traços
estruturais da nossa formação social e permanecem ao longo do tempo. Além disso, o trabalho
doméstico tem a particularidade de correlacionar-se positivamente com a desigualdade social,
a concentração de renda e os momentos de crise e recessão econômica. Dessa forma, nos anos
90 – período no qual a economia brasileira apresentou baixo dinamismo econômico e forte
desestruturação do mercado de trabalho pelas opções políticas neoliberais – o emprego
doméstico cresceu de forma absoluta e proporcional no total das ocupações, sendo o principal
receptor de mão de obra feminina no mercado de trabalho. Os dados e variáveis escolhidas
para ilustrar esse trabalho de pesquisa compreenderam o período de 1995 a 2014, com
especial atenção entre os anos de 2003 e 2014, na busca de identificar e interpretar as
transformações pelas quais passou a categoria das trabalhadoras domésticas nesse período de
retomada do crescimento. Analisamos, dessa forma, o impacto que a retomada do
desenvolvimento com crescimento e inclusão social nos anos 2000 teve sobre essa categoria,
com a marca do histórico alijamento dos ganhos econômicos e das políticas públicas. A partir
da articulação entre as variáveis gênero, classe e raça nos propusemos a compreender de
forma integrada quem são as trabalhadoras domésticas, atentando para a natureza distinta do
seu trabalho na produção capitalista, na qual sua remuneração está ligada à desigualdade de
renda, e não a estimativa de um ganho excedente futuro. De forma geral os anos 2000
configuram um cenário de mudanças importantes, medido através do avanço da escolarização,
na queda do seu percentual no total das atividades econômicas, nos ganhos associados à
renda, na contribuição previdenciária e na regulamentação da jornada de trabalho. No entanto,
a baixa presença de formalização - 31% apenas – o alto número de trabalhadoras ainda
ocupadas no emprego doméstico, à ausência de equiparação de direitos com os demais
trabalhadores formais e sua permanente desvalorização social e monetária são sinais de que o
caminho para a melhora das condições de trabalho ainda exige passos largos, os quais não
raras vezes esbarram em nossos limites estruturais. Construir um mercado de trabalho mais
regulado e homogêneo vai exigir, dessa forma, ousadia política e políticas públicas com
recorte de gênero e raça, buscando superar a histórica e permanente ausência de olhar atento
para esse setor tão importante do mercado de trabalho brasileiro.

Palavras Chaves: Trabalho doméstico, Anos 2000, mercado de trabalho, Divisão


Sexual do Trabalho.
ABSTRACT

Domestic work in Brazil carries profound legacies of Brazilian's colonial history and
slavery. Its development over the years and economic cycles, brings precariousness marks
like the informality, the absence of regulation, low incomes and - above all - a significant
participation and presence of women and black women in the total of the occupations. Waged
housework reflects sharply the Brazilian labour market contradictions, marked by political
and economic underdevelopment in which we are immersed. The structural heterogeneity,
marginality, the excess of work force and informality, are structural traces of our social
formation. In addition, household work has the particularity to correlate positively with social
inequality, concentration of income and many moments of crisis and economic recession.
Thus, in the 90s - a period in which the Brazilian economy had low economic dynamism and
strong disruption of the labour market by neoliberal policy options - domestic employment
increased absolutely and proportionally in total occupations, being the main receiver of
female labour force in the labour market. The data and variables chosen to illustrate this
research comprised the period between 1995 and 2014, with special attention between the
years of 2003 and 2014, in order to identify and interpret the changes suffered by the category
of female houseworkers in this period of growth recovery. We analyzed, then, the impact that
the resumption of growth and development with social inclusion in 2000, had on that
category, highlighting the historic separation of the economic gains and public policies. From
the connection between the variables gender, class and race we set out to understand who are
domestic workers, noting the distinct nature of their work in capitalist production, in which
their income is linked to income inequality, and not to the estimated future excess gain. In
general, the 2000s constitute a major change of scenario, measured through the advancement
of education, the drop in its percentage of total economic activity, the associated income gains
in social security contributions and regulating working hours. However, the low presence of
formalization - 31% only - the high number of workers still employed in domestic
employment, the lack of equal rights compared with the other formal workers and their
permanent social and monetary devaluation, are signs that the road to improvement of
working conditions still requires large steps, which not, infrequently, run into our structural
limits. Build a more regulated and homogeneous labour market will require, thus daring
political and public policies with a gender and race approach, seeking to overcome the
historical and permanent absence of a "closer look" at a sector so important to the Brazilian
labour market.

Key Words: Housework, 2000s, labor market, Sexual Labour Division.


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1Variação anual da taxa de crescimento do PIB entre os anos 1995 e 2014 .... 16
Gráfico 2: Financiamentos do BNDES em bilhões entre os anos de 1995 e 2013 ........ 19
Gráfico 3: Taxa de pobreza – percentual da população em extrema pobreza e pobreza, entre os
anos 1992 e 2013 ............................................................................................................ 23
Gráfico 4: Trajetória do Gasto Social Federal em porcentagem do PIB entre os anos de 1995
e 2013 ............................................................................................................................. 25
Gráfico 5 : Evolução do número total de empregos com vínculo formal em milhões no
período de 1995 a 2012 .................................................................................................. 28
Gráfico 6 : Evolução do Salário Mínimo Nacional real entre os anos de 1994 e 2014 .. 29
Gráfico 7:Diferenciais de rendimentos de homens e mulheres com e sem carteira na renda
média total e na dos trabalhadores domésticos no período de 2003 e 2014 ................... 48
Gráfico 8 Proporção de trabalhadoras domésticas por faixa etária nos anos de 2003 e 2013
........................................................................................................................................ 51
Gráfico 9:Percentual de mulheres nas ocupações em 2003 e 2014 ................................ 71
Gráfico 10: Percentual de Trabalhadoras Domésticas que trabalham em mais de um domicílio
nos períodos de 1995 a 2013 .......................................................................................... 79
Gráfico 11: Percentual de trabalhadoras domésticas que sabem ler por período analisado por
cor ................................................................................................................................... 81
Gráfico 12: Média de anos de estudo de trabalhadoras domésticas segundo cor entre 1995 e
2013 ................................................................................................................................ 82
Gráfico 13: Evolução do salario médio real das trabalhadoras domésticas por cor nos anos de
2003, 2009 e 2014 .......................................................................................................... 83
Gráfico 14: Média de anos de estudos das trabalhadoras domésticas nos períodos de 1995 à
2014 ................................................................................................................................ 88
Gráfico 15: Evolução do trabalho doméstico com e sem carteira de trabalho para anos
distintos........................................................................................................................... 94
Gráfico 16: Percentual de domésticas que contribuem para a Previdência Social nos anos de
2003 e 2014 por registro em carteira de trabalho ........................................................... 95
Gráfico 17: Renda média do trabalho doméstico segundo registro em carteira entre 1995 e
2013 ................................................................................................................................ 96
Gráfico 18: Percentual de horas trabalhadas por registro em carteira de trabalhos no ano de
2003 ................................................................................................................................ 98
Gráfico 19:Percentual de horas trabalhadas por registro em carteira de trabalhos no ano de
2014 ................................................................................................................................ 98
Gráfico 20: Percentual de trabalhadoras domésticas por faixa etária e por registro em carteira
de trabalho nos anos de 2003 e 2014 ............................................................................ 100
Gráfico 21: Total de trabalhadoras domésticas com e sem carteira sindicalizadas nos períodos
de 1995, 2003 e 2014 .................................................................................................... 104
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Evolução dos indicadores de informalidade ................................................... 30

Tabela2: Percentual de pessoas com 16 anos ou mais ocupadas segundo sexo. ............ 37

Tabela 3:Escolaridade de homens e mulheres nos anos 2000 em anos de estudo.......... 37

Tabela 4:Trabalhadoras domésticas em números absolutos ........................................... 45

Tabela 5: Renda média real das trabalhadoras domésticas por região e cor nos anos de 1995,
2003 e 2013 .................................................................................................................... 46

Tabela 6:Proporção da renda média nominal do trabalho doméstico em relação a renda média
nacional brasileira dos ocupados nos anos de 2003 e 2014. ........................................... 47

Tabela 7:Percentual do rendimento nominal do trabalho doméstico com e sem carteira de


trabalho com relação ao total da renda de homens e mulheres ocupados em 2014 ....... 47

Tabela 8:População feminina ocupada no trabalho doméstico segundo faixa etária nos
períodos de 1995, 2003 e 2013 ....................................................................................... 51

Tabela 9: Número absoluto e taxa de participação dos jovens de até 29 anos no trabalho
doméstico nos anos de 2003 e 2013 ............................................................................... 52

Tabela 10: Distribuição percentual dos domicílios que são chefiados por trabalhadoras
domésticas segundo situação de pobreza nos períodos de 1995, 2003 e 2013 ............... 59

Tabela 11:Quantidade absoluta e proporcional de homens e mulheres no emprego doméstico


em 2014 .......................................................................................................................... 62

Tabela 12:Trabalho doméstico proporcional ao trabalho total e ao trabalho das mulheres67

Tabela 13: Mulheres ocupadas por setor de atividade em 2003 e 2014 ......................... 69

Tabela 14: Renda média nominal de homens e mulheres ocupados no trabalho doméstico por
registro em carteira no ano de 2014................................................................................ 74

Tabela 15: Trabalhadores domésticos por sexo e raça nos anos de 2003 e 2014 ........... 75

Tabela 16:Proporção de trabalhadoras domésticas registradas e que já contavam com registro


em carteira no emprego anterior por cor no período 2003 e 2014 ................................. 77

Tabela 17: Total de horas trabalhadas das trabalhadoras domésticas por registro em carteira e
cor no ano de 2014 ......................................................................................................... 78
Tabela 18: Rendimento médio das mulheres ocupadas no trabalho doméstico por cor e
registro em carteira de trabalho no ano de 2014 ............................................................. 84

Tabela 19: Trabalhadoras domésticas por curso que frequenta no momento da coleta dos
dados por cor nos anos de 2003 e 2014 .......................................................................... 87

Tabela 20: Quantidade média de anos no atual emprego das trabalhadoras domésticas nos
períodos de 2003 e 2014 ................................................................................................. 89

Tabela 21: Proporção de trabalhadoras domésticas formais por ano ............................. 92

Tabela 22: Quantidade absoluta de trabalhadoras domésticas que contribuem para a


Previdência Social nos anos de 2003 e 2014 por registro em carteira ........................... 94

Tabela 23: Jornada de trabalho doméstico segundo faixas de tempo nos anos de 2003 e 2014
por registro em carteira ................................................................................................... 97

Tabela 24: Quantidade absoluta de sindicalizados por cor, registro em carteira e para os anos
de 1995, 2003 e 2014 .................................................................................................... 103
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social


CEPAL – Comissão Econômica para América Latina
DIEESE – Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos Socioeconômicos
DRU – Desvinculação das Receitas da União
FENATRAD – Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FHC – Fernando Henrique Cardoso
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
IE - Instituto de Economia
IPEA – Instituto de Pesquisa econômica aplicada
OIT – Organização Internacional do Trabalho
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PEA – População Economicamente Ativa
PEC – Proposta de Emenda Constitucional
PIB – Produto Interno Bruto
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PROUNI – Programa Universidade Para Todos
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PT – Partido dos Trabalhadores
REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
SELIC – Sistema Nacional de Liquidação e de Custódia
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
Sumário

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 1
CAPÍTULO 1: OS ANOS 2000: TRAJETÓRIA DE CRESCIMENTO, INCLUSÃO E
MELHORIAS DO MERCADO DE TRABALHO. ............................................................... 6
1. Introdução: ..................................................................................................................... 6
1.1. O neoliberalismo e o aprofundamento das desigualdades ......................................... 9
1.2. A inflexão dos anos 2000: crescimento econômico e políticas sociais ..................... 14
1.2.1. Caracterizando os governos nos anos 2000 ............................................................ 17
1.2.2. Determinantes do crescimento ................................................................................ 20
1.2.3. Impactos do crescimento sobre o mercado de trabalho ........................................ 27
1.2.4. As mulheres e o mercado de trabalho nos anos 2000 ............................................ 34
CAPÍTULO 2: AS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS: QUEM SÃO E QUAL A
NATUREZA DO TRABALHO. ............................................................................................ 39
1. Introdução: ................................................................................................................... 39
2.1. Revisão da produção existente .................................................................................... 39
2.2. Quem são as trabalhadoras domésticas? .................................................................. 42
2.3. A dimensão de classe.................................................................................................... 52
2.4. As trabalhadoras Domésticas tem Gênero ................................................................ 61
2.5. A cor do trabalhador doméstico ................................................................................. 75
2.6. Natureza do Trabalho doméstico ............................................................................... 90
2.7. A longa abolição no Brasil......................................................................................... 105
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 112
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 118
1

INTRODUÇÃO

Essa dissertação tem como problemática analisar a particularidade da construção


do capitalismo e do mercado de trabalho brasileiro que - embora seja uma das dez maiores
economias do mundo e tenha passado por um intenso processo de industrialização - segue
produzindo e reproduzindo um montante considerável de trabalhadores ocupados nas tarefas
domésticas. E, em que pese o trabalho doméstico envolver um grande contingente de funções
destinadas às famílias e aos domicílios (motoristas, cuidadores, jardineiros) esta pesquisa
optou por desenvolver um recorte no objeto, centrando-se na análise do emprego doméstico
mensalista (formal ou não1) que tem como prerrogativas o serviço de limpeza e alimentação.
Desse modo, estamos tratando do que popularmente denominamos de “empregadas
domésticas” 2.

O trabalho doméstico tem a especificidade de correlacionar-se positivamente com


a existência da concentração da riqueza e renda e com a persistência de um contingente de
excedente de mão de obra existente na economia (POCHMANN, 2012). Nesse sentido, nas
economias nas quais a renda é menos desigualmente distribuída, existe uma tendência a
menor participação do emprego doméstico no conjunto dos trabalhadores empregados 3.
Definitivamente esse não é o caso do Brasil. Segundo a PNAD (2014), são mais de 6 milhões
de mulheres, majoritariamente, que exercem trabalho doméstico. Como no período da Casa
Grande, até hoje as trabalhadoras domésticas apresentam características similares a do
“agregado” (FREYRE, 2006), agora, porém, com dimensões reificadas, mas preservando a
herança do trato com as trabalhadoras domésticas em uma esfera pessoalizada e
essencialmente desigual, aparentando, no entanto, apresentar contornos “familiares”. Segundo

Utilizo o termo formal como a que está “em cumprimento das normas legais que organizam a atividade
1

econômica e o mercado de trabalho. Na experiência brasileira, a formalidade é explicada pela existência de


carteira de trabalho para os assalariados, pela contribuição à Previdência, pelo registro municipal para os
autônomos e pela constituição de uma empresa para os empregadores” (DEDECCA, 1998, p. 98-99). E informal
como os trabalhadores que estão desprotegidos desses direitos bem como aqueles que estão inseridos no mercado
de trabalho com contratos atípicos como flexíveis, tercerizados, cooperativas e Pessoa Jurídica, sendo essa uma
modalidade de emprego disfarçada, que serve para burlar a legislação trabalhista. Ver mais em ARAUJO, 2013.
2
Essa foi uma opção metodológica e política, uma vez que o emprego à domicilio envolve uma série de funções,
inclusive de maior qualificação, como fonodiólogas e fisioterapeutas, as quais prestam um serviço especializado
às famílias. Por trabalhadoras domésticas compreendemos aquelas mulheres, majoritariamente, que de forma
contínua exercem funções de limpeza, alimentação e eventualmente cuidados às famílias. Excluiu-se da análise
em questão as trabalhadoras domésticas diaristas.
3
No entanto, Segundo Davi Antunes (2011) mesmo em países nos quais se avançou mais rápida e
homogeneamente a industrialização e nos quais é menor a desigualdades de renda, o trabalho doméstico ainda
persiste, embora em proporções distintas da do Brasil.
2

Pochmann, “parte significativa das atividades desenvolvidas nos lares brasileiros carrega
ainda hoje traços semelhantes observados no passado serviçal e escravista” (POCHMANN,
2012, p. 49).

O trabalho doméstico é uma das marcas da escravidão e guarda uma série de


similitudes com seu modo de funcionamento nas sociedades modernas. Entre as
características permanecidas ao longo tempo destaca-se a sua não identificação como um
“trabalho” – prioritariamente quando comparado às demais categorias sociais; a majoritária
presença de trabalhadoras negras; a desvalorização social; a precarização das relações
trabalhistas e, sobretudo, uma lógica serviçal, ancorada na demasiada ideia de diferenciação
social. No período pós abolição entre o final do século XIX e o início do século XX, 70% da
população economicamente ativa de mulheres ex escravas foi inserida no mercado de
trabalho4 mediante o serviço doméstico. (SAFFIOTI 1968). Ou seja, não somente pelas
características coloniais e escravistas brasileira, mas – sobretudo – pela transição inconclusa
do trabalho escravo para o livre que marcam a permanência racializada dessa ocupação.

O objetivo geral dessa dissertação é, então, analisar o trabalho doméstico a luz dos
anos 2000 – período no qual houve uma retomada do desenvolvimento econômico e
ampliação das políticas sociais – buscando analisar as transformações que a categoria tem
sofrido no que tange aos elementos centrais do mercado de trabalho. Empreender tal tarefa
exigirá retomar a trajetória da economia brasileira nos anos 2000, bem como voltar ao
passado para compreender as especificidades da construção da categoria das empregadas
domésticas, uma vez que sai atualidade guarda relações profundas com o nosso passado.

Diversas são as justificativas que estão subjacentes a essa obra. As que residem na
esfera acadêmica e política serão trazidas no decorrer do texto. Sem querer correr o risco da
lógica binária e dual, algumas justificativas residem no âmbito pessoal – embora não sejam
dissociadas das motivações políticas e acadêmicas. Como mulher tenho uma indagação
especial por compreender essa categoria majoritariamente feminina, e – por isso – associada a
execução de tarefas naturalmente relegadas ás mulheres e passível de grande desvalorização
social, e – quando remunerada – monetária também. Como militante de esquerda também me
motiva produzir conhecimento e sistematizar dados que desnudem a realidade da classe

4
Entendo mercado de trabalho aqui como aquele que abrange os setores formais e informais da economia, no
qual há a existência de trabalhadores dispostos a vender sua mão-de-obra. Além disso, o mercado de trabalho
também é composto por trabalhadores por “conta própria”, informais e em situação de precariedade, como
vendedores ambulantes. Esse conceito de interpretação do trabalho formal e informal no mercado de vendas e
trocas pode ser melhor compreendido em Paulo Renato de Souza (1980).
3

trabalhadora, especialmente as da base da pirâmide social. Por fim, como estudante de


ciências econômicas, desafiar o maistrem e apresentar um debate negligenciada pela
ortodoxia neoclássica, mostrando através do debate e dos dados que o crescimento
econômico, a melhora nos salários e no emprego produzem melhoria social, ao contrário de
inflação e desemprego, se tornam desafios e compromissos permanentes

O objetivo dessa dissertação também é contribuir com a retomada dos estudos que
articulam distintas dimensões sociais, e nesse caso será através da junção da perspectiva
sociológica com a análise econômica, buscando construir um conhecimento menos parcelar e
fragmentado, e para fugir ao risco das análises de tipo “economicistas”, que desprezam as
opções política nas decisões econômicas. Segundo Piketty, (2014, p. 599)

Para tentarem ser úteis, os economistas deveriam acima de tudo aprender a ser mais
pragmáticos em suas escolhas metodológicas, a fazer uso de todo material
disponível e a se aproximar de outras disciplinas das ciências sociais. Por outro lado
os outros pesquisadores das ciências sociais não deveriam deixar aos economistas o
estudo dos fatores econômicos e deveriam parar de fugir em pânico no momento em
que um número aparecesse.

Além disso, busco superar uma visão pós-moderna, na qual se negligencia a


perspectiva da classe social em detrimento da análise de “sujeitos” abstratamente inseridos em
uma sociedade. Por isso, optei por resgatar o debate e análise dos grandes temas sociais, que
envolvem uma visão histórica do Brasil a partir de um recorte de um setor, que nesse caso tem
cor, gênero e classe.

Os resultados dessa dissertação são produtos – entre outros elementos – dos dados
extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD, na qual é possível
identificar as trabalhadoras domésticas não formalizadas, 70% da categoria. O recorte da
nossa pesquisa é para o Brasil inteiro, não sendo possível abrir pelas regiões da Unidade
federativa. Nesse sentido, fica como um desafio à análise sua aplicação para as distintas
regiões do país. Além disso, sendo o recorte as trabalhadoras domésticas mensalistas, também
não foi possível aprofundar nas trabalhadoras que exercem atividades remuneradas em mais
de um domicilio, postos os interesses da pesquisa e o tempo para a realização da dissertação,
permanecendo como mais um desafio.

A dissertação em questão analisa o problema de pesquisa a partir da centralidade


da categoria “trabalho”. Nesse caso buscamos superar mais uma vez as visões “pós-
modernas” que advogam o fim do trabalho como eixo de análise das transformações
históricas, em favor de uma perspectiva “culturalista”. Para esse trabalho de investigação
4

prover centralidade ao trabalho parte por compreendê-lo de múltiplas formas. Para nós
trabalho é aquele que pode ser mercantilizado no mercado, e – portanto – monetarizado, mas
é, também, o trabalho de reprodução social, não pago que tem por função reproduzir a
principal mercadoria do capitalismo, a força de trabalho. A centralidade do trabalho ainda está
para aqueles setores sociais que estão excluídos deles, uma vez que sua ausência advém de
uma percepção mais geral do funcionamento da sociedade. Dessa forma o trabalho é aquilo
que dá sentido à vida das pessoas, as socializam nas suas interações e – para as mulheres –
representa a busca por autonomia que não é somente econômica. É, portanto, condição para a
emancipação, que é individual mas, sobretudo, coletiva. Portanto, segundo Daniele Kergoat
(2014) “o trabalho muda, mas para compreender a evolução das relações sociais de sexo,
permanece a necessidade de postular sua centralidade”. (p. 14).

O problema colocado por essa pesquisa, em síntese, é o seguinte: Quais foram as


transformações principais na perspectiva do mercado de trabalho sentidas pelas trabalhadoras
domésticas nos anos 2000? Para estruturar esse trabalho optamos pelo desenvolvimento
metodológico explicitado a baixo.

A dissertação em questão divide-se em 2 capítulos fundamentais, além dessa


introdução e das considerações finais. Para tanto, o primeiro capítulo denomina-se “Os anos
2000: trajetória de crescimento, inclusão e evolução do mercado de trabalho”. O capítulo
inicia com uma introdução que passa pelo padrão de organização do mercado de trabalho no
padrão de inserção subdesenvolvida brasileira. Na sequencia percorremos brevemente a
década de 1990 buscando empreender um comparativo com a década em questão. Após isso,
apresento e justifico a opção pela investigação dos anos 2000, entendendo-o como um
momento de singularidade na trajetória histórica do Brasil, o qual teve como característica a
junção de direitos outrora divorciados, a saber: direitos sociais, políticos e civis. Dessa forma
caracterizo econômica e politicamente esse modelo de desenvolvimento buscando
compreender seus avanços, mas também seus limites na construção de uma sociedade mais
justa e menos desigual.

O capítulo número 2 chama-se “Trabalhadora domésticas: quem são e qual a


natureza do trabalho”. Com ele busco situar as trabalhadoras domésticas como categoria
profissional dentro desse capitalismo singular e desigual que é o brasileiro. Para tanto, utilizo
o conceito de “Nó Frouxo” (SAFFIOTI, 2009), a fim de caracterizar da tripla articulação de
classe, gênero e raça que recaiu sob as trabalhadoras domésticas na forma de
exploração/dominação e opressão. Além de uma análise histórica e conceitual, nesse capítulo
5

analiso e interpreto os dados que justificam a década de 2000 como um momento singular de
avanços, embora não sendo suficientes para transpor problemas estruturais da categoria.
Nesse capítulo traço uma caracterização de quem são as trabalhadoras domésticas, qual a
natureza específica do trabalho doméstico dentro do capitalismo e exploro algumas reflexões
e desafios para o trabalho decente a luz da recente aprovação da “PEC das domésticas.”

Por fim, encerro esse trabalho de pesquisa com as Considerações Finais, nas quais
retomamos as discussões presentes nos dois capítulos antecessores concluindo que o período
analisado – principalmente na comparação com seu predecessor nos 90 – é de mudanças
significativas. Algumas delas vão moldando um novo perfil de trabalhadores nessa ocupação,
caracterizadas pela menor presença de jovens, pelo aumento da escolaridade média e –
sobretudo – pelos ganhos de rendimentos que caracterizaram esse período. Outras
transformações também apontam para um novo cenário, como o aumento das contribuições
previdenciárias para as trabalhadoras sem registro em carteira, a menor rotatividade no
emprego e a sindicalização. No entanto, todas essas positivas mudanças ainda esbarram em
limites estruturais, ou seja, a não existência de políticas públicas com recorte de gênero e de
raça, e a ainda tardia regulamentação e equiparação do trabalho doméstico aos demais
trabalhadores formais brasileiros, demonstram que as políticas universais para o mercado de
trabalho e o crescimento econômico têm um impacto importante, porém limitado para a
construção da igualdade
6

CAPÍTULO 1: OS ANOS 2000: TRAJETÓRIA DE CRESCIMENTO,


INCLUSÃO E MELHORIAS DO MERCADO DE TRABALHO.

1. Introdução:

O presente capítulo tratará dos anos 2000, especialmente sob três dimensões. A
primeira delas é a retomada – ainda que tímida – do crescimento econômico, que havia sido
pífio nos anos 1990. A segunda dimensão refere-se ao diferencial da década de conjugar o
crescimento da economia com políticas públicas e sociais de inclusão. A terceira e principal
dimensão analisada no presente capítulo refere-se aos impactos do crescimento e da inclusão
social sobre o mercado de trabalho – foco desse estudo. O objetivo desse capítulo é situar as
trabalhadoras domésticas em um contexto específico, para tanto, é necessário compreende-lo
nas dimensões mais gerais. Não somente isso, a parte do objetivo da análise do objeto a luz
dos anos 2000, essa dissertação tem como pano de fundo reconhecer o trabalho doméstico
dentro de um determinado capitalismo, que é periférico, dependente e subdesenvolvimento.
Além disso, a histórica brasileira e a dinâmica econômica do país agravam as nossas
principais mazelas históricas, tais como a desigualdade, a pobreza e a concentração de renda.
Por isso, justificamos esse capítulo o entendendo-o como o cimento necessário para entender
as particularidades e as transformações pelas quais passou e passa o trabalho doméstico no
Brasil.

Não é possível, todavia, empreender a tarefa de analisar os anos 2000


negligenciando determinadas características históricas que nos singularizam como nação da
periferia do sistema capitalista. É nesse sentido que apontamos que a dependência e o
subdesenvolvimento têm profundas imbricações com o tipo de nação construída no Brasil.
Segundo Antunes (2009, p. 11),

ao descortinar o sentido da colonização, ao apreender nossa formação colonial como


expressão de uma dada forma de exploração atada ao processo de acumulação
primitiva que se gestava nas metrópoles, mergulhamos na particularidade da nossa
formação histórico-social.

A opção por um determinado padrão de desenvolvimento nacional associado ao


imperialismo e ao grande capital internacional implicou um padrão de Revolução Burguesa
(FERNANDES, 2009) sem rupturas estruturais com a velha ordem e dissociada dos princípios
7

verdadeiramente democráticos. Dessa forma permanecemos nos desenvolvendo de forma


dependente e subordinada no capitalismo internacional, “uma relação de subordinação entre
nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações
subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da
dependência” (MARINI, 2005, p. 141). Ainda no que tange à dinâmica do capitalismo
mundializado, nos firmamos como uma nação subdesenvolvida. Além da permanência
dialética do “arcaico” com o “moderno”, o subdesenvolvimento é fruto de um desequilíbrio
na assimilação do progresso técnico. Com isso, ao contrário dos países desenvolvidos, no
Brasil esse desequilíbrio criou um mercado de trabalho baseado em relações heterogêneas.
Para Chico de Oliveira “o processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma
unidade de contrários, em que o chamado moderno cresce e se alimenta do atrasado.”
(OLIVEIRA, 2013 p. 32). Ainda segundo Oliveira (2013) é necessário assinalar, no entanto,
que o problema do subdesenvolvimento não é somente uma disputa entre nações, uma vez que
partes das classes dominantes dos países subdesenvolvidos associam-se a esse projeto. Ou
seja, os componentes da luta de classes estão presentes e se manifestam com intensidade no
interior da nação subdesenvolvida.

A maneira pela qual foi constituído o mercado de trabalho no Brasil, com extensa
oferta de mão-de-obra e heterogeneidade estrutural5, contribuiu para pressionar os salários
para baixo em função da grande quantidade de trabalhadores engrossando o chamado
“exército industrial de reserva6”. Além disso, a ausência de algumas reformas necessárias,
como a reforma urbana e agrária, produziram um território geograficamente disperso e
desigual contribuindo para a concentração dos pobres nas grandes periferias urbanas sem
acesso aos centros de produção de cultura e arte, além de reforçar as desigualdades regionais.
As trabalhadoras domésticas inserem-se no que Marx denominou de superpopulação relativa,
especialmente na sua caracterização de população “estagnada”7, sendo aquela que se insere
em condições degradantes no mercado, e tem como consequência a sua reprodução em
condições anormais, na qual o seu preço, não raras vezes, não remunera o valor da força de
trabalho. O mercado de trabalho que se constitui no Brasil guarda outras relações profundas

5
Por heterogeneidade estrutural entende-se construção de um tipo de desenvolvimento especializado em setores
de baixo valor agregado e para exportação, e pela existência de diferenças muito acentuadas entre os tipos de
emprego e níveis de produtividade e rendimento.
6
Uso esse conceito na perspectiva marxista. Significa o contingente de trabalhadores que excede às necessidades
da produção capitalista e têm serventia para o processo de desenvolvimento do capitalista, pressionando os
salários e os trabalhadores empregados.
7
Esse conceito de superpopulação relativa de Marx compreende 3 grupos. A estagnada, já explicada no texto, a
Latente (aquela que está na informalidade, na migração campo-cidade) e a flutuante (aquela que entra e sai do
mercado de trabalho com muita rapidez).
8

com o subdesenvolvimento. Diferentemente dos países de economia central que construíram


um mercado de trabalho mais homogêneo, no Brasil a realidade foi distinta, marcada pela
permanência do desemprego e da precariedade. Segundo Pochmann (2013, p. 10),

em vez de uma classe trabalhadora relativamente homogênea, assistiu-se a difusão


de diversas formas de uso e remuneração dos trabalhadores, sejam elas assalariadas,
com ou sem regulação formal, sejam outras como autônomas, conta própria,
independentes e profissionais liberais.

As características do subdesenvolvimento estão presentes na nossa construção,


caracterizada por uma heterogeneidade nas formas de contratação, ausência de regulação e
desestruturação do mercado de trabalho. A pouca existência e a baixa efetividade durante
muito tempo de políticas sociais voltadas a redução da oferta de mão de obra no mercado
fizeram crianças e idosos disputarem acirradamente os precários empregos com o restante da
população. A extensa oferta de mão de obra e a permanência de um contingente de
trabalhadores desempregados contribuíram para a possibilidade de contratação com
baixíssimos salários, além de construir um ambiente desfavorável à atuação reivindicativa dos
sindicatos.

Além disso, a intensa presença de contratações do tipo informal, geralmente em


atividades precárias e mal remuneradas, também foi uma marca do desenvolvimento do nosso
mercado de trabalho, adicionando a forte presença da rotatividade e instabilidade do emprego.
Como não havia possibilidade de alocação desse contingente de trabalhadores, os setores
médios da sociedade puderam dispor de uma grande quantidade de “serviçais”, o que não foi
uma realidade similar nos países centrais desenvolvidos8. São nessas condições que cresce
significativamente a oferta de empregos das trabalhadoras domésticas, caracterizadas por
baixo custo da mão-de-obra. O resultado dessa estrutura produtiva desigual, segundo
Pochmann (2013), foi um mercado de trabalho extremamente segmentado e assimétrico, no
qual convivia um contingente de empregos de alta produtividade e uma grande massa de
trabalhadores ocupados em setores de baixa produtividade e por vezes subsistência.

Milton Santos (1979) já caracterizava que nas economias subdesenvolvidas


coexistiam dois “circuitos” econômicos, o inferior e o superior, criados basicamente pelas

8
Ou seja, embora no Brasil as condições para a contratação de trabalhadores a domicílio sejam muito mais
acessíveis, isso não quer dizer que o trabalho doméstico tende a desaparecer nas nações desenvolvidas ou com
uma estrutura mais homogênea no mercado de trabalho. O capitalismo é um sistema que persiste pela
desigualdade e exploração do trabalho. Para maiores informações ver Davi Antunes (2011).
9

diferenças quali e quantitativas de consumo.9 O circuito superior da economia exemplificado


pelos bancos e pela indústria é caracterizado pelo uso intensivo em capital. O circuito inferior,
e é nesse que encontra-se o mercado de trabalho doméstico e demais formas precárias e
informais de trabalho, está caracterizado por relações informais, pessoalizadas, por trabalho
intenso e por assalariamento não obrigatório (1978, p. 34). Longe de correr ao risco de uma
lógica dual, Santos identifica que os diferentes circuitos se retroalimentam e coexistem
mutuamente.

Esses, portanto, são os principais traços que marcam a formação histórica


brasileira e seu mercado de trabalho. É no bojo dessas concepções de formação nacional que
situam-se os elementos que vão cimentar o capitalismo desigual brasileiro e vão ser elemento
decisivo para entender o trabalho doméstico.

1.1. O neoliberalismo e o aprofundamento das desigualdades

A análise do período compreendido pelos “Anos 2000” não poderia ser realizada
sem alguns apontamentos que dizem respeito às mudanças no mercado de trabalho, na política
fiscal e no desenvolvimento nacional vivenciados na década de 90. Segundo Armando Boito
Jr (1996), os anos 90 foram de uma verdadeira hegemonia neoliberal, “[...] no sentido
gramsciano: a conversão de uma ideologia e de uma plataforma política de classe em
“cimento” de um novo bloco histórico.” (BOITO JR, 1996, p. 81). É nesse sentido que os
valores do mercado, da ineficiência do Estado e do desperdício de dinheiro público ganham
coro inclusive nas classes populares, o que é fator determinante para a vitória eleitoral de
Fernando Henrique Cardoso em 1994. O candidato Tucano fez promessas de inserir o Brasil
no “primeiro mundo”, “[...] transformando-o numa economia adaptada ao figurino da
globalização neoliberal”. (POCHMANN & BORGES, 2002, p. 10).

Comumente se associa a palavra neoliberalismo à Estado mínimo. No entanto, no


Brasil a permanência da efetividade do controle do Estado foi o que possibilitou a inserção
brasileira na nova ordem financeira internacional e permitiu a valorização da riqueza privada,
as privatizações de empresas públicas e a acumulação de capital. O Estado permaneceu

9
Para o autor, a existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos e vivendo de atividades
ocasionais ao lado de uma minoria com rendas muito elevadas cria uma divisão na sociedade entre aqueles que
podem ter acesso a maneira permanente a bens e serviços oferecidos e aqueles que não podem satisfazer suas
necessidades. “Isso cria ao mesmo tempo diferenças quantitativas e qualitativas de consumo. Essas diferenças
são a causa e o efeito da existência, ou seja, da criação ou da manutenção nessas cidades, de dois circuitos de
produção, distribuição e consumo de bens e serviços” (SANTOS, 1978, p. 29).
10

“mínimo”10 unicamente para as políticas sociais, principalmente as relacionadas com a


regulação do mercado de trabalho.

Ainda do ponto de vista econômico, a obsessão por uma política fiscal e


monetária restritiva, com intenções de beneficiar, sobretudo, os setores financeiros, gerou um
quadro de permanência na estagnação econômica. Para Boito Jr (1996, p. 81) O objetivo era

[...] abrir novas áreas de acumulação para o capital privado (previdência, educação,
saúde, transporte, etc), reduzir os investimentos em política social – “muito custosa
e ineficiente” – e diminuir os impostos que incidem sobre as empresas – a palavra de
ordem hoje é eliminar o denominado “Custo Brasil”.

Os principais beneficiários desse modelo de desenvolvimento foram os agentes


econômicos externos, que viram no Brasil – seja pela utilização da âncora cambial ou dos
juros elevados – uma possibilidade de valorização constante do seu capital. Para Gimenez
essa política produziu e reproduziu “um padrão de baixo crescimento, subordinando a política
econômica à lógica dos mercados financeiros globalizados” (GIMENEZ, 2008, p. 100).

A década de 1990, em síntese, representou um pífio crescimento econômico,


inferior até mesmo ao que denominamos de “década perdida” nos anos 80. Esses resultados
econômicos são ainda piores quando comparamos com as altas taxas de crescimento
vivenciadas pelo Brasil no período considerado “desenvolvimentista”. O baixo dinamismo da
economia mantém um sentimento de instabilidade na população, a qual não logra ganhos
materiais concretos, nem mesmo pode ter esperança em uma possível melhora dentro dos
marcos da hegemonia liberal. Segundo Pochmann (2002), entre 1981 e 1999 a renda per capta
cresceu míseros 0,1% na média anual, enquanto que no período compreendido entre 1961 e
1980 o rendimento cresceu a uma taxa anual de 4%. Ou seja, uma diferença de 40 vezes. Essa
situação contribui demasiadamente para a sensação de recessão permanente. Entre os anos
1990 e 2002 a participação dos rendimentos dos trabalhadores no PIB retrocedeu 13,4%,
passando de 45,4% para 39,5% da renda nacional.

Esses elementos têm importantes impactos sobre o mercado de trabalho. Se na


década de 1980, com a recessão e o baixo dinamismo o mercado de trabalho parou de
absorver mão-de-obra como eram característicos da sua fase anterior, os anos 90 são
marcados pela trajetória do desemprego aberto. Na década de 80, ainda, não foi possível

10
Utilizo aqui essa expressão para contraposição com o próprio preceito neoliberal de Estado Mínimo. Na
verdade o neoliberalismo no Brasil não prescindiu de um Estado mínimo. No campo das políticas sociais ele foi
menos presente do que para as políticas pró mercado, mas deve-se considerar, por exemplo, o aumento
expressivo do Gasto Social, vinculado a DRU, embora ele ainda permanecesse pequeno
11

verificar uma desorganização do mercado de trabalho: o que ocorreu foi um limite ao


crescimento e uma relativa estagnação da renda, isso em um quadro de recessão da atividade
econômica. Já os anos 90 marcam a completa desestruturação do mercado de trabalho, o que
só não foi pior haja vista a mobilização dos movimentos sociais. Pochmann e Borges
registram que “a renda dos brasileiros sofreu brutal corrosão, perdendo peso no PIB. Milhões
de trabalhadores foram jogados na informalidade, vegetando sem qualquer proteção legal”
(POCHMANN & BORGES, 2002, p. 10). Nos anos 90 foi criada a Lei do Simples, que
unificou os impostos e contribuições, reduzindo da parte do empregador o custo de
contratação de mão de obra. Isso permitiu que o contrato de trabalho temporário se tornasse
mais vantajoso para o empregador e precarizado para o empregado. Tal proliferação de novas
modalidades de contratação de mão de obra não se restringiu apenas ao emprego assalariado.
Isso pode ser melhor verificado pela emergência – especialmente a partir de 1994 – de
cooperativas de trabalho que se destacavam não pela autogestão do trabalho, mas pelo seu
disfarce para emergência de formas precárias de contratação. Nesse contexto ainda se
expandiu e consolidou além da terceirização, a presença do trabalho autônomo, empresas sem
empregado e o contrato via Pessoa Jurídica (KREIN, 2007; ARAUJO 2009). A efetividade do
programa neoliberal aprofundou os sinais de desestruturação do mercado de trabalho com o
crescimento combinado do desemprego, de postos de trabalho precários e do dessalariamento.
(POCHMANN, 2002). Segundo Pochmann (2011) entre os anos de 1992 e 2002 a cada grupo
de 10 novas ocupações que surgiam, 07 eram concentradas em apenas 4 categorias
profissionais, a saber: trabalho doméstico, ambulantes, serviços de limpeza e manutenção e
segurança. O modelo neoliberal aumentou a carga tributária em mais de 10 pontos percentual,
e os setores mais atingidos por tal política econômica foram os trabalhadores da base da
pirâmide social, posto que no Brasil existe uma estrutura tributária extremamente regressiva,
que penaliza mais quem tem menos. Em que pese o aumento da carga tributária, o gastos
públicos foram represados, e 20% das receitas da União foram para honrar os exorbitantes
juros da dívida pública. Com isso, o quadro foi de um verdadeiro modelo calcado na
improdutividade de ricos e rentistas, e sob profunda desvalorização do trabalho, ocorrido por
uma lógica anacrônica do neoliberalismo (POCHMANN, 2010). A década de 90 foi marcada
por uma sensação de dualidade entre a possibilidade de manter a estabilização monetária e
assegurar empregos. O aumento da carga tributária ainda foi agravado por outra política
recessiva, a contenção do gasto social a não mais que 19% do PIB, o que comprimiu ainda
mais a pouca expansão do salário mínimo e manteve apenas 14% da população como
receptora das políticas de garantia de renda. No que tange ao índice de Gini, esse passou para
12

a casa de 0,6% e o rendimento do trabalho ficou abaixo de 40% do conjunto da renda


nacional. (POCHMANN, 2010). Para completar esse cenário de pífio crescimento econômico,
o Brasil saltou de uma importante posição relativa na economia mundial, figurando como a 8ª
economia do mundo, para tornar-se a 14ª, isso tudo no decorrer de somente duas décadas.

Dentre os elementos que caracterizam a desestruturação do mercado de trabalho, o


desemprego cumpre um papel fundamental. O percentual de desempregados a procura de
trabalho no Brasil nunca teve números tão alarmantes, especialmente nos anos 1994-1998.
Em 1998 o total de desempregados, segundo dados da PNAD, foi de 9,8% da população
(GIMENEZ, 2008), e esse percentual é ainda significativamente maior entre os jovens e as
mulheres. Pochmann aponta que “a construção do desemprego em massa seria assim
transformado em um dos principais instrumentos usados pelos arquitetos do novo projeto para
enfraquecer o sindicato de luta” (POCHMANN, 2002, p. 26), uma vez que o eminente risco
da perda do emprego, conjugado com a recessão econômica, são elementos nocivos à
mobilização e a ação sindical, que viveu um período de refluxo nesse período.

Outra importante característica do mercado de trabalho na década neoliberal foi a


constante tentativa de flexibilização das relações trabalhistas (KREIN, 2007). Sem a
indexação salarial, ainda que em um quadro de desaceleração inflacionária, os trabalhadores
foram perdendo poder de compra. O abandono da política salarial em nome de uma suposta
“livre negociação”, enfraqueceu ainda mais a presença e a atuação dos sindicatos, ficando o
poder de pressão e de barganha da classe trabalhadora sujeita a fortes restrições. “A
desregulamentação (do mercado de trabalho) suprime a política, como agente prioritário, na
disputa dos interesses, e insere o mercado” (ROMÃO, 2006, p. 44). Segundo Baltar (2003)

os efeitos foram devastadores para o mercado de trabalho, fruto da junção de


modernização com pouca importação, pouco investimento e lento crescimento, que
foram acentuados por novas tendências de organização do trabalho nas empresas,
que envolveram um forte movimento de terceirização.

A década de 90 ainda vivenciou uma extensa jornada de trabalho e a persistência


do desasalariamento, fenômenos ocorridos de forma demasiada na década neoliberal. Dessa
forma, pela primeira vez na historia, salvo situações específicas de recessão, o crescimento do
emprego assalariado foi negativo, perdendo sua participação no total das ocupações. Oliveira
(2010, p.4) destaca que,

cresceu a informalidade nos contratos de trabalho com perdas de direitos sociais e


previdenciários, a indústria que oferecia melhores postos de trabalho perdeu
participação no PIB, e seu emprego perde participação na PEA, o desemprego
elevado tornou-se crônico. As privatizações estatais vieram acompanhadas de
13

demissões em massa. E como consequência do adverso comportamento do mercado


de trabalho, os sindicatos se enfraqueceram e perderam poder de negociação.

Ainda com relação ao desemprego, a sua manifestação aberta também é fruto de


uma conta que não fecha, posto que a população crescia em média 2%, os empregos agrícolas
diminuíam 5,2% e os urbanos aumentavam 1,6%. Ainda segundo Baltar (2003), o
desemprego aberto passou de 5% da PEA em 1989 para 10,4% em 1999. Esses são números
alarmantes e não só identificam um problema de absorção de mão-de-obra como um
estreitamento do mercado de trabalho, Ainda segundo dados do autor o número de
trabalhadores desempregados subiu de 3 para 8 milhões de pessoas.

Para Waldir Quadros (2008), a década de 90 consolidou um padrão de


rebaixamento social, “inchando” o contingente de miseráveis e encolhendo cada vez mais os
setores médios. Ainda segundo o autor, o patamar de miseráveis permaneceu estável dos anos
90 até o ano de 2004, “o que aponta para as limitações das políticas sociais focalizadas de
distribuição da renda, e mesmo da recuperação real do salário mínimo, num quadro de baixo
crescimento econômico.” (QUADROS, 2008, p. 17).

A década de 1990 consolida um movimento de mudança no perfil das ocupações


produtivas, com crescente hegemonia da importância dos empregos ligados ao setor de
comércio e serviços, que crescem 4% ao ano, e como fruto da Reestruturação Produtiva, que
muda substancialmente as características da organização e o do perfil do trabalhador
(ARAUJO, 2004). Para Baltar (2003) a queda na atividade econômica no início da década de
90 eliminou 15,8% dos empregos na indústria de transformação, além de deslocar
trabalhadores das grandes empresas pra outras menores, geralmente utilizando-se da prática
da subcontratação a fim de reduzir custos. Baltar (2003) explicita que, como um reflexo da
economia subdesenvolvida, a década de 90 perdeu postos ligados aos empregos industriais e
aumentou substancialmente os empregos no setor de serviços, especialmente os de serviços
pessoais e domésticos. Esse cenário é um resultado da política de estabilização do Plano Real,
que sob a âncora cambial de conversibilidade em dólar, sobrevalorizou demasiadamente o
câmbio. Câmbio sobrevalorizado somado à juros estratosféricos são os ingredientes perfeitos
para a perda de competitividade da indústria nacional. Para Laplane & Sarti (2006), essa
política macroeconômica foi responsável pela desestruturação da indústria brasileira e a perda
dos elos da cadeia produtiva nacional, colocando o Brasil na rota da “especialização
14

regressiva” (CARNEIRO, 2002; COUTINHO et al 1997) e da desindustrialização, o que


trouxe consequencias devastadoras para o tipo de emprego criado nos períodos seguintes.

É no quadro dessa caracterização da década de 90 que identificamos que o


trabalho doméstico é demasiadamente sensível às oscilações da economia e do mercado de
trabalho. Como veremos mais adiante na análise dos dados, o período dos anos 1990 marca a
maior participação relativa do trabalho doméstico no total das ocupações e do emprego de
mulheres. Nossa hipótese é que o crescimento do trabalho doméstico correlaciona-se
positivamente com a recessão econômica e com a desestruturação do mercado de trabalho.

1.2. A inflexão dos anos 2000: crescimento econômico e políticas sociais

Não somente no Brasil, mas em grande parte da América Latina o neoliberalismo


entrou em crise11 nos anos 2000. As “promessas” de recuperação econômica e o crescimento
não se concretizaram. Como já mencionado anteriormente, o Brasil perdeu posição entre as
principais economias mundiais e manteve sua participação entre os mais desiguais do mundo.
Além disso, a persistência em garantir superávits na economia visando sinalizar para o
mercado a solvência da dívida interna não gerou os resultados esperados, antes pelo contrário.
A dívida pública interna quintuplicou nos anos 90, fruto da impossibilidade de realizar sua
quitação com os juros em patamares exorbitantes. Em 2002, em que pese a forte atuação
especulativa no mercado financeiro e os “alardes” da mídia sobre a possibilidade de quebra
nos acordos e contratos, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito Presidente da Republica pelo
Partido dos Trabalhadores (PT). Sua primeira manifestação pública foi a “carta aos
brasileiros” que – se por um lado acalmou os ânimos do mercado financeiro – por outro
sinalizou à esquerda e aos movimentos sociais que sua gestão teria mais continuidades do que
rupturas com o modelo de governo de Fernando Henrique Cardoso.

Dessa forma, os primeiros anos do governo Lula são marcados pela busca de
estabilidade macroeconômica, capaz de retomar o controle monetário e fiscal do país. Além
disso, para controlar a inflação alta de 2002 o Banco Central operou uma forte elevação da
taxa básica de juros da economia. No que tange ao aspecto fiscal o governo não só manteve
mas aumentou a meta de resultados primários do setor público, mais uma vez sinalizando aos
agentes financeiros o comprometimento do governo com o equilíbrio fiscal (BARBOSA &

11
No mesmo período histórico diversos países como Peru, Argentina, Uruguai, Bolívia e Equador transitam de
experiências neoliberais stricto sensu para governos de caráter mais progressistas.
15

SOUZA, 2010). Para garantir essa meta de resultados primários o governo teve que operar
cortes em importantes áreas sociais.

O que para alguns autores se denomina de “ajuste necessário”, foi a continuidade


de uma política econômica restritiva, com traços marcadamente neoliberais e que teve como
resultado a desaceleração do crescimento econômico.

A partir de 2004-2005, no entanto, as disputas no interior da correlação de forças


na sociedade e internas do governo se acirram e abre-se espaço para uma perspectiva mais
“desenvolvimentista”, o que André Singer (2011) denominou de “química com menos
neoliberalismo e mais desenvolvimentismo”. Além disso, a melhora no mercado internacional
com o crescimento chinês impulsionou e valorizou os preços das commodities no mercado
internacional. Considerando o balanço comercial, as exportações brasileiras saltaram de 60
bilhões de dólares para 118 bilhões, em um período que vai de 2002 a 2005 (BARBOSA,
2013). Nesse contexto favorável e ganhando espaço na agenda governamental uma
perspectiva desenvolvimentista, o governo iniciou 2006 com uma política macroeconômica
mais expansionista, tanto do ponto de vista fiscal quanto monetário. Dentre essas ações a
prioritária foi a valorização real do salário mínimo ocorrida anualmente e que incorpora a
inflação e o desempenho da economia. Outra política fiscal importante – embora não seja
propriamente uma demanda popular e progressista – foi o crédito em geral e o consignado, em
particular, que desconta diretamente do salário a parcela do empréstimo. É nesse sentido que
Belluzzo (2013) aponta que o Brasil incorporou, com essas medidas, 16 milhões de famílias
ao mercado de consumo, pelo crédito e pela elevação do salário mínimo. Se por um lado
essas ações democratizaram o crédito, elas garantem também a segurança do capital bancário,
em primeiro lugar.

Importante atentar para a relação entre o crescimento da economia brasileira, a


partir de 2004, com a fase expansiva que resultou em condições favoráveis
internacionalmente para a exportação de produtos primários.
16

Gráfico 1Variação anual da taxa de crescimento do PIB entre os anos 1995 e 2014

0,08
0,076

0,07

0,06 0,057 0,06

0,05
0,05
0,042 0,044
0,04 0,039
0,04
0,034
0,031 0,031
0,03 0,027
0,022
0,02 0,018
0,013 0,012
0,01
0,004 0,005
-0,002 0,001
0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
-0,01
Fonte: IBGE/ Elaboração própria.

Para Quadros (2008), embora o PIB tenha começado a apresentar sinais de


recuperação, esse crescimento destoa radicalmente da fase “desenvolvimentista” da economia.
(1930 - 1980) O desempenho da economia brasileira foi, para o autor, “medíocre” em relação
ao seu passado de taxas altas e sustentáveis de crescimento. Para Quadros (2008), esse
crescimento trouxe importantes reflexos nas melhoras das condições sociais, no entanto, ainda
estamos impossibilitados de afirmar que não será mais um ciclo curto, com o qual tem vivido
a economia brasileira desde 1981. Para o autor “este alcance limitado das melhorias sociais
decorre fundamentalmente da baixa performance da economia brasileira, particularmente no
que se refere ao desempenho industrial e suas articulações com os serviços”. (QUADROS,
2008, p. 8).

Segundo Singer (2011), esse período que se inicia no ano de 2006 marca a
passagem da transição do Reformismo Forte, representado pelo programa democrático e
popular da fundação do PT para um Reformismo Fraco; ou seja, as reformas passam a ocupar
a agenda de governo, porém são pontuais, não incidem nas estruturas e são feitas sem rupturas
com os interesses das classes dominantes. A partir das eleições de 2006 é possível verificar
que esse modelo petista de governo conduziu a um realinhamento eleitoral, na leitura de
Singer (2011), permitindo a entrada em cena de um novo ator com condições de influir na
decisão eleitoral, que é o que ele denomina de “subproletariado”. Surge a partir do que ele
17

conceitua como “lulismo”, um Estado capaz de auxiliar os mais pobres sem confrontar a
ordem e sem polarizar interesses de classes. Portanto, os governos do PT teriam representado
o que o autor chama de síntese das duas almas, que seria o beneficiamento dos interesses do
capital ao mesmo tempo em que promove a inclusão dos mais pobres.

A hipótese aqui apresentada é que essas experiências dos anos 2000, ainda que
com muitas ressalvas, lograram a construção de uma política de desenvolvimento que
conjugou elementos divorciados da trajetória brasileira, a saber: a conquista de direitos civis,
sociais e políticos. Segundo o historiador José Murilo de Carvalho (2001) houve um divórcio
na construção desses distintos direitos de cidadania. Até o início do século XX o país não
convivia com a plenitude dos direitos civis. Foi somente a partir da Revolução de 1930 que os
direitos sociais passam a vigorar no cenário brasileiro, mediante a construção de Ministérios,
da criação da Escola Pública e da consolidação das Leis referentes aos direitos do trabalho
(CLT). Entretanto, tais avanços nas estruturas social e trabalhistas brasileira, paradoxalmente,
só puderam ser conquistados na supressão dos direitos políticos, uma vez que a sua aprovação
deveu-se a governança da ditadura do “Estado Novo”. Os direitos civis passam a se consolidar
na sequência dos direitos sociais e os direitos políticos permaneceram instáveis, alternando
períodos de ditadura com períodos democracia. Em 500 anos de história, 50 foram na
vigência de um regime democrático, e sua ameaça ainda permanece uma constância. É com
base na história brasileira de fragilidade democrática que manter esse período de ganhos
sociais e participação popular não é tarefa desprezível. Nossa história também foi a da
permanência durante muitos anos de um padrão de “cidadania regulada” (SANTOS, 1998), no
qual nas décadas de 30 e 40 só era cidadão para o Estado aqueles trabalhadores que detinham
registro em carteira de trabalho.

1.2.1. Caracterizando os governos nos anos 2000

A literatura das Ciências Sociais construiu alguns consensos em torno de


conceitos e terminologias para designar determinados períodos históricos e modelos de
desenvolvimento. Foi o caso da expressão “desenvolvimentismo” para caracterizar – grosso
modo – o período que compreende dos anos 30 aos 80. Embora distintas formas de governo
tenham sido vigentes, como a ditadura Vargas e a Ditadura Militar, o modelo econômico
baseado na industrialização, nas altas taxas de crescimento e no importante papel do Estado
foram elementos comuns. O termo “Neoliberalismo” surge para designar uma nova estratégia
de desenvolvimento que retoma os principais pressupostos do liberalismo clássico, buscando
18

retomar a taxa de lucro do grande capital e tendo na ausência do Estado como entidade
propositora e reguladora do mercado e da sociedade seu principal expoente.

Embora esses conceitos sejam usuais na literatura especializada, os anos 2000


carecem de uma análise consensual. Há autores que denominam os governos petista de Pós-
neoliberais, outros como Social Desenvolvimentista, Nacional-Desenvolvimentista ou ainda
que acreditam que o governo segue sendo neoliberal.

Para caracterizar o modelo de desenvolvimento dos governos petistas optei pelo


conceito de “Neodesenvolvimentismo”, cunhado pelo Cientista Político Armando Boito Jr.
(2012). Diferentemente do Novo Desenvolvimentismo de Bresser Pereira, no qual ele constrói
uma teoria do que deveria ser o desenvolvimento brasileiro, Boito Jr não defende esse
modelo, o autor cunha essa expressão para melhor caracterizá-lo. Feitas as devidas ressalvas
parto para o entendimento conceitual. Para Boito Jr (2012, p. 3), recorre-se ao termo
neodesenvolvimentismo

de maneira tentativa e inicial, diríamos que é porque esse é um programa de política


econômica e social que busca o crescimento econômico do capitalismo brasileiro
com alguma transferência de renda, embora o faça sem romper com os limites dados
pelo modelo econômico neoliberal ainda vigente no país.

Dessa forma, o neodesenvolvimentismo é uma estratégia de desenvolvimento que


– por um lado – se afasta do neoliberalismo ortodoxo, buscando o crescimento econômico,
privilegiando os setores nacionais e produtivos e trazendo algumas melhorias sociais, no
entanto, ele apresenta resultados muito tímidos se comparados com o desenvolvimentismo do
período de 1930-1980. É nesse sentido que o autor emprega o termo “neo” e apresenta as
seguintes diferenças com relação ao desenvolvimentismo clássico: para ele o
neodesenvolvimentismo apresenta um crescimento econômico muito mais modesto
comparado com o velho desenvolvimentismo; confere uma importância menor ao mercado
interno, uma vez que mantém a abertura comercial herdada do período neoliberal; além disso,
atribui menor importância à política de desenvolvimento do parque industrial local. Outro
elemento de diferenciação é que o neodesenvolvimentismo reafirma sua condição histórica na
divisão internacional do trabalho, através da função primário-exportadora. O
neodesenvolvimentismo tem menor capacidade de distribuição de renda. Por último, o
neodesenvolvimentismo é dirigido por uma burguesia interna que perdeu todo o seu tempo
histórico e a sua perspectiva de adoção de um projeto nacional e anti-imperialista. Ou seja, o
19

neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo possível sem romper com os pilares de


sustentação do neoliberalismo. Segundo Boito Jr (2012, p. 4),

se atentarmos para cada um desses pilares do modelo capitalista neoliberal, veremos


sem dificuldade que a política neodesenvolvimentista não pode, sem romper com
tais pilares, aumentar significativamente o investimento público, priorizar o mercado
interno ou encetar uma política vigorosa de distribuição de renda.

Para o autor esse modelo neodesenvolvimentista é sustentado por uma “frente”


política, que engloba diversos setores sociais, os quais participam com pesos distintos nos
processos eleitorais e nos ganhos políticos. O principal setor beneficiado das políticas
neodesenvolvimentistas – ao contrário do período neoliberal representado pela burguesia
financeira e internacional – são os setores da chamada burguesia interna12 (mineradoras,
construção civil, agronegócio). Esses setores beneficiaram-se de uma política de proteção
interna, como a política nacional de conteúdo local, que contribuiu especialmente para os
setores da indústria naval, e pela forte presença do BNDES, que atuou como financiador desse
grande setor do capital.

Gráfico 2: Financiamentos do BNDES em bilhões entre os anos de 1995 e 2013


200
190,4
180 187,8
168,4
160 155,9
140 139,7

120 121,4

100 96,6
80 81,8

60 60,2
49
40 38 35,2 38,4
26,8 25,2
20 7,5 10,5 19 17,9 18,7
0

Fonte: BNDES/ Elaboração própria.

12
Esse termo serve para diferenciar a burguesia que tem capital nacional de uma suposta burguesia nacional ou
brasileira, com características de portadora de interesses nacionais e anti-imperialistas.
20

No entanto, os trabalhadores – mesmo que mais marginalmente – auferem ganhos


desse processo e, por isso, compõem essa frente nos momentos eleitorais13.

Esses setores da burguesia produtiva interna foram contrários à abertura comercial


desmedida, e passaram a apoiar os governos petistas na busca de maior participação do Estado
na proteção do seu setor. Dessa forma, essa burguesia não tem características de portadora de
um projeto progressista e soberano de país, no entanto, eventualmente tem conflitos pontuais
com o imperialismo, e vê no Estado um instrumento de proteção.

Os trabalhadores ganharam algo com o neodesenvolvimentismo. Para Boito e


Marcelino (2010), o crescimento econômico nessa década garantiu uma significativa
recuperação do emprego formal e favoreceu sobremaneira a organização e a ação sindical, o
que ficou comprovado pelo aumento exponencial do número de greves, sendo que a imensa
maioria conquistou ganhos reais. Além disso, o reajuste do salário mínimo e as políticas de
transferência de renda permitiram um aumento do poder aquisitivo, principalmente entre os
trabalhadores da base da pirâmide social.

1.2.2. Determinantes do crescimento

Como explicitado acima, a partir de 2006 perde espaço no interior do governo


uma perspectiva macroeconômica recessiva, aliada à manutenção da estabilidade econômica
em detrimento do crescimento do país. Embora o tripé econômico que caracteriza o modelo
neoliberal tenha permanecido na economia, a saber: câmbio flutuante, superávit primário e
metas de inflação, o governo conseguiu impor uma política monetária e econômica um pouco
mais autônoma, e soube aproveitar – parcialmente - o contexto internacional de alta nos
preços das commodities para desenvolver o mercado interno.

Esse é, ao meu ver, umas das grandes polêmicas que envolvem a análise dos
determinantes do crescimento da economia na primeira década dos anos 200014. De primeira
mão nossa análise é que os governos petistas não lograram a construção de um “projeto de

13
É importante atentar que o autor diferencia “frente” de “aliança” de classe. Para ele aliança pressupõem um
programa mínimo e uma atuação mínima conjunta. A frente, ao contrário, é uma participação tácita, os grupos
não “aderem” e têm dentro dela inúmeras contradições. O que os unifica é a recusa da volta do modelo
neoliberal ortodoxo e os ganhos auferidos pelo neodesenvolvimentismo.
14
Essa é uma das polêmicas atuais dentro das ciências econômicas. Aqui farei uma análise dos determinantes do
crescimento do ponto de visto econômico, não atentando tanto para a correlação de forças na esfera da política, o
que fica, porém, explicitado no texto.
21

desenvolvimento”15. Embora o PT preserve algumas resoluções políticas quanto ao projeto de


nação, opera certa separação entre partido e governo, com determinada autonomia relativa de
atuação para o segundo. Além disso, o sistema político brasileiro – herança doa acordos da
Nova República - é caracterizado como um “presidencialismo de coalização”, ou seja, não foi
o Partido dos Trabalhadores com seu projeto político que chegou ao poder, mas uma aliança
que envolveu necessariamente partidos políticos do chamado “centrão”, que tem forte
influência soberana condução da política econômica, estreitando as margens de atuação
governamental. Com isso queremos reafirmar que as opções políticas adotadas nesse período
são menos fruto das “vontades” dos governantes e mais dos “condicionantes” impostos por
uma atuação política permeada pelas disputas internas no interior dos governos, representadas
pelas concessões ministeriais e a forte atuação do mercado e do capital, e por disputas
políticas externas, no seio dos movimentos sociais e das demais pautas reivindicatórias.

A pergunta que circunscreve as análises de economistas ortodoxos e heterodoxos


é a seguinte: Os governos Lula e Dilma tiveram como chave do crescimento a demanda
externa por produtos primários brasileiros? A repostas nos parece mais complexa.
Pretendemos aqui fugir ao “economicismo” que compreendeu que esse desenvolvimento e
crescimento dos anos 2000 foi fruto – unicamente – da melhora do cenário internacional. Essa
análise compartilhada pela ortodoxia e por parte da heterodoxia econômica, ao constatar que
os governos Lula e Dilma não tiveram um projeto de desenvolvimento bem delimitado,
creditam as melhorias do período unicamente aos fatores exógenos. Problematizamos essa
afirmação. Os governos petistas tiveram o que podemos denominar de “projeto inconcluso”,
ou seja, ainda que restrito executou alguns pilares principais de desenvolvimento, o que foi
central para o desempenho da década. Com isso queremos propor que a dinâmica do comércio
internacional e o crescimento econômico são condições imprescindíveis para o
desenvolvimento, e foi necessária para a condução da década. No entanto, o mesmo
desempenho internacional não teria trazido às exatas transformações caso o projeto do
governo eleito fosse reafirmar as reformas neoliberais e a política pró-mercado, apenas. Por
isso, para nós foi a junção de um ambiente externo favorável às exportações brasileiras,
somada a abertura de espaço na agenda governamental para uma política mais
desenvolvimentistas, que logrou o desempenho favorável da década.

15
Para mais informações ver Carlos Lessa (2015) http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/540671-crise-politica-e-
economica-o-resultado-da-falta-de-um-projeto-nacional-entrevista-especial-com-carlos-lessa-
22

Dessa forma, as políticas de valorização do salário mínimo, formalização dos


empreendimentos, transferências de renda, aumento no crédito, quedas progressivas nas taxas
de juros e retorno do papel decisivo do BNDES foram essenciais para retomar uma trajetória
de crescimento e com forte impulso dado pelo mercado interno, ainda que o investimento
tenha permanecido em patamares ainda medíocres. O PIB brasileiro cresceu a taxas médias de
5%, a arrecadação aumentou e melhorou a relação dívida pública/PIB.

No entanto, segundo Baltar et al (2010), o Brasil seguiu renunciando seu poder de


usar a taxa de câmbio como um instrumento para orientar o desenvolvimento nacional,
permitindo que o mesmo flutuasse livremente no mercado de derivativos. Além disso, o
governo desvinculou 20% da sua receita com a implantação da Lei de Responsabilidade
Fiscal (2001), contribuindo para facilitar a ação no Tesouro Nacional no sentido da contenção
de gastos com despesas de custeio, para torna-se capaz de pagar os juros da dívida. Para
Quadros (2008), os anos 2000 encaram o desafio e as contradições de articular a
macroeconomia hostil ao crescimento, a qual é profundamente identificada com os interesses
financeiros, e garantir um crescimento sustentado no longo prazo. Para o autor é preciso que a
política macroeconômica utilize as potencialidades do novo ciclo de commodities para
impulsionar a reconstrução industrial, intencionalizando os setores mais avançados de
tecnologia, e no intuito de avançar para a construção de uma “sociedade moderna, civilizada e
ambientalmente sustentável” (QUADROS, 2008).

Segundo Fagnani (2011) é a conjugação de estabilidade econômica, crescimento,


distribuição de renda e inclusão social que explica o desenvolvimento social recente
brasileiro. Alguns estudos como o realizado pela CEPAL apresentam uma correlação positiva
existente entre o crescimento do PIB “per capta” e a redução da incidência da pobreza. Para o
autor, o principal mérito dos governos petistas foi construir uma estratégia macroeconômica
conjugando desenvolvimento social ancorado no crescimento, com reflexos na geração de
emprego, valorização do salário mínimo, aumento do gasto social e no incentivo às políticas
universais e de combate à pobreza.

O crescimento econômico por si só não garante desenvolvimento e inclusão


social, embora tudo isso necessite dele. Diferentemente do período da ditadura militar, o
crescimento dos anos 2000, em que pese tenha sido menor, serviu para iniciar um processo de
redução das desigualdades sociais, o que merece nossa atenção quando o objeto da análise em
questão é um setor pauperizado e historicamente alijado dos ganhos econômicos, como são as
trabalhadoras domésticas. Segundo Mattoso (2013, p. 115),
23

em um país como o Brasil, marcado historicamente por uma extraordinária


desigualdade, a redução da pobreza e a redistribuição da renda ocorridas nos últimos
dez anos são claramente inovadoras e caracterizam um novo período de ampliação
da democracia e de massiva inserção de vários milhões de brasileiros na sociedade e
no consumo.

Para Pochmann (2013) a década de 70 também havia demonstrado uma


performance similar a dos anos 2000 no que tange a elevação dos rendimentos e queda no
desemprego, no entanto, não houve tanta redução das desigualdades da renda do trabalho.
“Em síntese, no Brasil, nesse período, cresceu a renda por habitante e melhorou a ocupação,
mas piorou consideravelmente a distribuição pessoal e funcional da renda.” (POCHMANN,
2013, p.146). Segundo Baltar “Foi pela primeira vez, desde que se conta com informação
abrangente sobre a distribuição de renda das pessoas ocupadas, que um aumento expressivo
do PIB ocorreu com redução nas diferenças relativas de renda do trabalho.” (BALTAR, 2015,
p. 29).

Gráfico3: Taxa de pobreza – percentual da população em extrema pobreza e pobreza,


entre os anos 1992 e 2013

50
40
30 31,4 31,3
24,5 24,2 24,6 24,7
20 23,9 23,3 24,3 24,6
22,3 21
16,9 16,1
14,1
10 13,6 13,6
13 11
8,9 8,8
9,3 10,2 9,8 9,2 9,4 9,9 8,9 9 7,6 7 5,7 5,7 4,8 4,6 4,4 3,6 4
0 0 0

Extremamente pobres Pobres

*Linha de extrema pobreza do Plano Brasil sem Miséria. Notas de 1994, 2000 e 2010 não foram
publicadas

Fonte: Brasil sem Miséria. Elaboração Própria

Nos anos 2000, segundo Mattoso (2013) a pobreza diminuiu de 26,7% em 2002
para 12,8% em 2012. O Bolsa Família é um programa social com grandes impactos sob a
redução da pobreza. Embora ele não seja o modelo ideal de política social, uma vez que é
focalizado, atende a um contingente importante da sociedade brasileira. O Bolsa Família,
apesar de ser uma política concebida pelo Banco Mundial e defendida por parte dos
24

representantes do neoliberalismo como solução para a pobreza, encontra no Brasil um


ambiente tão complexo e avesso às políticas sociais que se torna, antes de tudo, uma bandeira
da esquerda e objeto de disputas políticas. Eduardo Fagnani (2011) insiste que embora os
organismos internacionais destaquem o Bolsa Família16 como o principal legado de política
social dos governos petistas, essa é uma visão muito incompleta, e negligencia a importância
da política de valorização do salário mínimo e regulação do mercado de trabalho.

As políticas adotadas pelos governos petistas nesse período tiveram importante


efeito multiplicador. As transferências de renda, o crédito consignado e a valorização do
salário mínimo foram importantes para reaquecer o mercado interno e tiveram reflexos sobre
os benefícios previdenciários e assistenciais vinculados ao salário mínimo. Em 2012 o
mercado de trabalho registrou o menor índice de desemprego em 10 anos e uma elevação de
3,2% do rendimento médio dos brasileiros. Além disso, os salários reverteram a situação
anterior de queda da sua participação no PIB.

Para Fagnani (2011), a partir de 2006 o governo federal esboçou aplicar o pilar
inconcluso do projeto de reforma daqueles que lutavam contra a ditadura militar. Esse projeto
era apoiado em três núcleos centrais: a) a restauração do estado democrático e de direito; b) a
construção de um sistema de proteção social; c) concepção de uma nova estratégia
macroeconômica direcionada para o crescimento com distribuição de renda.

Embora com muitos limites, a construção desses três pilares segue edificando uma
perspectiva de desenvolvimento única no Brasil, articulando democracia, políticas sociais e
crescimento econômico. Os anos 2000 parecem ter desafiado a máxima na economia de que
primeiro é preciso crescer o bolo para depois dividi-lo, mostrando que é possível empregar
uma lógica menos dicotômica.

16
O bolsa família é uma política social focalizada, que resume a política social ao combate à pobreza e focaliza
em determinados grupos. Esse não é o ideal de política social daqueles que almejam uma sociedade amparada
em um conjunto de serviços públicos e utilizados de forma universal, como a Saúde, a Educação e a Previdência.
Além disso, o programa Bolsa Família é uma recomendação de organismos como o Banco Mundial para países
do “Terceiro Mundo”.
25

Gráfico 4: Trajetória do Gasto Social Federal em porcentagem do PIB entre os anos de


1995 e 2013
18
17 16,8
16,1
16
15,2 15
15 14,6
14,1 14,2 13,9
14 13,5
12,8 12,7 13,1
13 12,7
12,2 12,5
12 12,1
11,210,9 11,5
11
10
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Fonte: Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI com base nos dados de 1995 a 2000 (SIAFI/SIDOR e
IPEADATA) e de 2001 a 2013 (Plano Brasil Maior PPA 2012/2013) Elaboração Própria.

Segundo Pochmann (2013) os governos petistas inverteram a lógica liberal de que


o gasto social é secundário e passível de cortes, para institucionalizá-lo como uma estratégia
econômica de manutenção do crescimento e correção das desigualdades sociais. Dessa forma,
atualmente o gasto social se aproxima do valor de 23% do PIB, isso são 10 pontos percentuais
a mais do que em 1985. Em síntese, um em cada quatro reais gastos no Brasil vincula-se
diretamente aos gastos sociais. Para o autor ainda existe um efeito multiplicador (elasticidade
de 0,8) e pode-se estimar que cerca de metade de todo o conjunto da riqueza gerada no país se
encontra direta ou indiretamente relacionada à dinâmica da economia social. Concretamente,
um quinto do rendimento das famílias dependente das transferências monetárias. Antes de
1988 elas não chegavam a 10% do rendimento das famílias. (POCHMANN, 2013). Embora
apresentemos aqui as conquistas obtidas nesse período, é preciso observá-las de forma crítica.
Para Singer (2010, p. 189),

o projeto de combate à pobreza acabou por se firmar sobre quatro pilares:


transferência de renda para os mais pobres, ampliação do crédito, valorização do
salário mínimo, tudo isso resultando em aumento do emprego formal. Se
discernirmos com isenção, percebemos que são, de forma atenuada, as mesmas
propostas do ‘reformismo forte’, porém em versão homeopática, diluídas em altas
doses de excipiente, para não causar confronto.

Atualmente 58,3% das famílias da base da pirâmide social brasileira recebem


transferências monetárias. Um dado importante para compreender o efeito das políticas
sociais é pensar o Brasil sem elas. Ainda segundo Pochmann (2013), na ausência das
26

transferências e assistências sociais 40,5 milhões de pessoas estariam recebendo até 25% do
salário mínimo nacional. Além disso, o gasto social ao mesmo tempo em que contribuiu para
dirimir o fosso histórico das desigualdades sociais, ainda tem um efeito multiplicador da
incorporação pelo mercado de consumo. “Distribuir para ampliar os horizontes da economia e
fazer crescer mais rapidamente a renda para redistribuí-la menos desigualmente configuram a
singular experiência de liderança mundial, sobretudo após a crise internacional de 2008.”
(POCHMANN, 2013, p. 155).

Ainda sobre as políticas macroeconômicas adotadas pelos governos petistas, é


necessário atentar para o papel que desempenhou o Estado na crise econômica financeira
mundial que solapou o capitalismo internacional em 2008. Ao contrário dos outros momentos
de crise vivenciados pelo Brasil desde 1929, no qual o Estado aplicava o receituário das
políticas pró-cíclicas, em 2008 a crise passou mais distante de nós, fruto da proposição de um
pacote de políticas anticíclicas, na qual se manteve inalteradas as transferências de renda e a
valorização do salário mínimo, além da promoção de novas políticas para manter o consumo,
o emprego e o investimento. O governo manteve o PAC e as demais políticas de
investimentos construídas anteriormente à emergência da crise. Além disso, a partir de 2007 o
governo intensificou as desonerações tributárias, para seguir estimulando o crescimento e o
investimento. Ainda quanto aos empregos, o governo não só investiu em medidas para manter
o emprego como manteve o cronograma de reajustes salariais e também das contratações para
o serviço público.

No entanto, quero destacar a política de corte substancial na taxa básica de juros


da economia, a SELIC, elemento necessário para manter e incentivar o investimento e o
consumo.

Pochmann (2013) destaca alguns pressupostos da trajetória dos governos petistas,


dentre os quais eu destaco três: a) o abandono da perspectiva neoliberal que segue a
estabilidade econômica como um fim em si mesma; b) a opção em conceder centralidade às
políticas sociais e c) a opção de desenvolver os setores produtivos nacionais em detrimento da
opção pelo favorecimento dos setores externos e financeiros, como foi na década neoliberal.17

Em que pesem esses significativos avanços, os anos 2000 não foram sem
contradições expressivas. Segundo Belluzzo (2013) a política monetária seguiu sendo uma
anomalia nos governos petistas. O legado do período neoliberal já deveria ter sido suficiente

17
Já desenvolvemos esse tema quando tratamos da burguesia interna.
27

para demonstrar a incompatibilidade da combinação câmbio-juros valorizados para o


desenvolvimento nacional. Se a política fiscal demonstrou avanços importantes nesse período,
a cambial e monetária seguiram restringindo nosso potencial de crescimento. Portanto, para
voltar a crescer é preciso uma macroeconomia mais favorável. No entanto, só isso não é
condição suficiente, embora necessária. Segundo Belluzzo (2015) nos anos 50, 60 e 70 havia
sinergia entre o investimento público e privado, no qual o primeiro funcionava como
vanguarda e como provedor de externalidades positivas para o segundo. A sinergia ocorria,
segundo o autor, em três frentes: a) Investimento Público (sobretudo nas áreas de energia e
transporte corria na frente da demanda corrente; b) as empresas e o governo ofereciam
insumos generalizados (bens e serviços) em condições e preços adequados; c) começavam a
se constituir – ainda de forma incipiente – em centros de inovação tecnológica (BELLUZZO,
2015). Ou seja, uma economia como a brasileira não pode apoiar o seu crescimento na
exportação de commodities, ficando extremamente vulnerável e refém da dinâmica instável do
comercio internacional. Além disso, segundo Belluzzo (2013), os efeitos desse tipo de
crescimento são limitados com relação à geração de renda e emprego. Precisamos retomar a
estratégia de desenvolvimento através do investimento público, único capaz de potencializar o
investimento privado (com uma política macroeconômica adequada, logicamente). Nesse
sentido, necessitamos avançar e ir além do tipo de investimento que é induzido pela demanda
de produtos (BALTAR, 2015) e garantir o fortalecimento do investimento autônomo,
retomando a trajetória do investimento em infraestrutura e na indústria brasileira. Somente
nessas condições poderemos retomar nossa soberania e nosso crescimento autônomo, além de
contribuir para a melhora no nível de renda e a retomada dos empregos industriais.

Segundo Baltar e Krein (2013), é necessário fortalecer a economia e ampliar a


taxa de produtividade, elementos necessários para melhorar os indicadores do mercado de
trabalho e do PIB.

1.2.3. Impactos do crescimento sobre o mercado de trabalho

A reativação do mercado de trabalho foi um dos principais determinantes da


relativa melhora na condição socioeconômica da população brasileira (BALTAR, 2015).
Demasiados foram os efeitos positivos sobre o mercado de trabalho promovidos pelo
crescimento econômico e pela centralidade do emprego. Em primeiro lugar é importante
destacar que estava presente nas instituições e no pensamento econômico dominante, uma
agenda de flexibilização do trabalho. Segundo Krein, Nunes e Santos (2011) as alterações
28

legais representadas pela reforma sindical e trabalhistas, bem como as medidas


flexibilizadoras dos contratos foram perdendo espaços frente aos indicadores de melhora do
mercado de trabalho. Entretanto, segundo os autores, esse movimento não é somente de
avanços, alguns limites e retrocessos se apresentaram à classe trabalhadora nesse período,
como a Reforma da Previdência, a Lei de Falência e o Crédito Consignado. Essas duas
últimas privilegiam o setor financeiro em detrimento dos trabalhadores.

O crescimento econômico impulsionou fortemente a geração de renda e de


emprego. Os rendimentos, especialmente dos trabalhadores da base da pirâmide social
cresceram com vigor e o consumo das famílias voltou a subir.

Gráfico 5 : Evolução do número total de empregos com vínculo formal em milhões no


período de 1995 a 2012.

60

50
48,9
47,5
40 44 46,3
41
37,6 39,4
30 35,2
33
31,4
27 28,7 29,5
20 24 24 25,0 26,2
23,6 23,8 23,8

10

0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Evolução do número total de empregados com vínculo formal de emprego (Milhões de


Empregados)

Fonte: Elaboração própria. MTE-RAIS/ Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI.

A elevação das taxas médias de crescimento da economia brasileira ainda


apresentou impactos importantes nos indicadores de melhorias no mercado de trabalho em
vários sentidos. Talvez o principal deles foi ter reduzido drasticamente o contingente de
desempregados no país, que nos anos 90 atingiu taxas exorbitantes. Não somente o
desemprego diminuiu como se expandiu o emprego formal, ou seja, aquele que é protegido
pelo conjunto dos direitos trabalhistas mediante assinatura na carteira de trabalho. A
formalização do emprego também tem relação com o aumento da concessão de créditos pelos
bancos públicos no financiamento dos pequenos estabelecimentos, com a contrapartida da sua
30

Houve recuperação do valor real dos salários em negociações e convenções


coletivas. Isso impulsionou os sindicatos, que voltaram a obter ganhos reais para as categorias
e retomar o vigor de greves e mobilizações, afastando o temor e a criminalização com os
quais viveram a década neoliberal. Segundo Cardoso (2011) e DIEESE (2012), em 2008 o
Brasil bateu a marca de 800 greves, envolvendo um conjunto grande de trabalhadores.
Segundo os dados do DIEESE nesse período, cerca de 95% dos acordos de negociação
coletiva lograram aumento real de salários, contribuindo decisivamente para o soerguimento
do movimento sindical.

Ainda com relação à valorização do salário mínimo, ela contribui para jogar por
terra os argumentos dos economistas ortodoxos-liberais de que a elevação dos salários teria
impactos profundos sob a economia, gerando uma alta da inflação. Além disso, os impactos
também seriam sentidos no interior do próprio mercado de trabalho, com aumento do
desemprego e da informalidade. Isso tudo pela crença na impossibilidade de crescimento
econômico sem geração de inflação e da queda na taxa de desemprego com ausência de
precarização.

Tabela 1: Evolução dos indicadores de informalidade

Informalidade no
Brasil
1995 57%
1996 57%
1997 58%
1998 58%
1999 59%
2001 58%
2002 58%
2003 57%
2004 56%
2005 55%
2006 54%
2007 53%
2008 51%
2009 50%
2011 47%
2012 47%
2013 46%
Fonte: IPEADATA/IBGE Elaboração Própria
31

Dessa forma é possível visualizar historicamente a queda expressiva no percentual


de trabalhadores em condição de informalidade no Brasil. Enquanto nos anos 1990 crescia
esse percentual, a melhora no mercado de trabalho nos anos 2000 mostra uma inflexão
importante, fruto – sobretudo – da melhora da balança comercial e das políticas de regulação
pública do trabalho.

Quanto à fiscalização, destacam-se a atuação das esferas jurídicas, como Justiça


do Trabalho e o Mistério Público do Trabalho, com importante papel de fiscalização e
proposição. Por fim, a queda no desnível do rendimento do trabalho também é um importante
elemento e uma valorosa herança desse período. Segundo Baltar et al (2010) o exame do
caráter das políticas adotadas por um governo deve estar relacionado com as mudanças
provocadas na distribuição da renda. Nesse sentido, o autor destaca que nos anos 2000, em
paralelo com a melhor estruturação do mercado de trabalho nacional, também houve
diminuição da desigualdade de renda, medida pelo índice de Gini, que é o menor da história
brasileira. Em 2003 era 0,58% e em 2014 foi para 0,49% (PNAD, 2014). Parece pouco. No
entanto os “números” não devem ser tomados no abstrato. Para um país com uma história
singular de concentração de riqueza e renda, essa transformação aponta para inflexões
importantes.

A melhora nas taxas de crescimento e nas possibilidades de obtenção de emprego


contribuem para diminuir aqueles trabalhos de caráter apenas de “sobrevivência objetiva 18”.
Nesse sentido, reduziu-se, no total da ocupação, a importância dos setores econômicos
mercados por ocupações precárias, não assalariadas, não protegidas pela legislação e
associadas a baixíssimos rendimentos (BALTAR et al, 2010). No entanto, embora as
condições do mercado de trabalho tenham melhorado para todos os trabalhadores é preciso
atentar que a ausência de políticas afirmativas para mulheres segue reproduzindo um padrão
de desigualdade de gênero. Segundo Baltar et al (2010) o desemprego entre as mulheres nos
anos 2000 manteve-se bem maior do que o dos homens. Além disso, as mulheres seguem se
inserindo nos setores mais precarizados da economia, como o emprego assalariado não
formalizado, o trabalho não remunerado, a produção agrícola para autosustento e, claro, o
trabalho doméstico assalariado.

No entanto, em que pese essa melhora, é preciso entendê-la na sua totalidade.


Embora tenha caído o total de empregos nas ocupações mais precarizadas, quase metade das

18
Que tem rendimentos capazes unicamente de reproduzir a força de trabalho, para que o trabalhador possa
“sobreviver”, no entanto, sem condições de acessar saúde, educação e lazer de qualidade.
32

pessoas ocupadas no Brasil segue não contando com um emprego formal, inserido no
conjunto dos direitos trabalhistas (BALTAR et al 2010; ARAUJO, 2012). Além disso, o
mercado de trabalho, em que pese a crescente formalização, segue reproduzindo as
características da nossa construção subdesenvolvida, tais como a existência do trabalho por
conta própria, a informalidade, a marginalidade, o trabalho para autoconsumo e o excedente
de mão de obra. Segundo Singer (2011) a grande maioria dos empregos gerados no governo
Lula oferecia baixa remuneração (90% dos novos empregos formais nos últimos anos pagam
até três salários mínimos), o que também se coloca como um limite à construção de uma
sociedade menos desigual, embora seja notadamente um avanço importante.

Segundo Baltar (2015) o emprego e a renda do trabalho aumentaram em


circunstâncias nas quais a melhora no balanço de pagamento e a queda da inflação
sinalizavam a continuidade do crescimento do PIB e o aumento do emprego, bem como a
renda do trabalho. Esses elementos têm favorecido, desde 2005, o aumento do poder de
compra dos trabalhadores. A renda média do trabalho em 2008 teve poder de compra pouco
mais de 2% maior que em 1995, e entre estes dois períodos o PIB por pessoa ocupada
aumentou 7,5% (BALTAR, 2015). Um aumento da ocupação das pessoas em um ritmo de 2%
a.a, segundo Baltar (2015) somado com um aumento da renda média do trabalho de 3,5% a.a.
provocou ampliação da massa total da renda do trabalho em um ritmo anual de 5,6%, o que é
muito além do crescimento do consumo no total do país no mesmo período. O autor destaca
porém, que o crescimento do PIB e o aumento da renda média do trabalho foram menores que
nos anos auges da industrialização; no entanto, a melhora no crescimento da renda foi feita
com menos dispersão entre as categorias, contribuindo para a queda da desigualdade. No
entanto, embora tenham diminuído as diferenças de renda do trabalho, a parcela desta na
renda nacional recuperou somente uma pequena parte com relação à renda do capital.

Dessa forma, alguns limites ainda se impõem a emergência do pleno emprego e de


uma agenda de trabalho decente, e outros elementos caminham no sentindo de aprofundar a
precarização. Esse é o caso das medidas pró flexibilização do trabalho que ganharam força e
aprovação nos anos 2000, mostrando o movimento contraditório de avanços e retrocessos, e
ressaltando os limites de um presidencialismo de coalizão e da ausência de representantes dos
trabalhadores nos espaços de representação política. A nova Lei de Falências e de
Recuperação Judicial, o Super Simples, a Reforma da Previdência e o crédito consignado são
medidas que caminham nesse sentido (KREIN, NUNES & SANTOS, 2010). Além disso,
segundo Krein e Biavaschi (2015), também estavam presentes contradições na esfera da
33

regulação pública do trabalho. O avanço da terceirização, da jornada modular e da


remuneração variável atestam que esse período apresenta limites e retrocessos, marcados por
um contexto internacional da flexibilização das relações de trabalho, e uma correlação de
forças internas marcada pelo avanço do conservadorismo. (ARAUJO & LOMARDI, 2013;
KREIN & CASTRO, 2015).

Para finalizar esse debate é preciso ter clareza para apontar os limites desse
processo. Estar imerso na realidade que nos desafiamos a estudar – se por um lado contribui
para pensar a realidade concreta, por outro, pode nos “cegar” e mistificar o real sentido e
impactos dessas transformações. Os anos 2000 foram de significativas e importantes
melhoras, mas principalmente sob o olhar da década de 90 e do aprofundamento do
neoliberalismo ortodoxo19. Em verdade os anos 2000 não podem ser vistos na perspectiva de
um “bloco homogêneo”, assim como se divide o primeiro mandato de Lula, o final da
primeira década também já trás indícios de um processo de queda na taxa de crescimento e
retorno à alguns indicadores de piora do mercado de trabalho e estancamento da queda da
desigualdade social. O que é possível constatar é que embora a taxa de investimento tenha se
ampliado nesse último período, ela ainda é pífia em relação ao nosso passado de
desenvolvimento, chegando somente aos 17% do PIB. Uma estratégia de crescimento que
vise superar as “décadas perdidas” precisa ousar na condução de outra política econômica,
que enfrente os interesses do rentismo e amplie as possibilidades para alargar nossa estrutura
produtiva, retomando o vigor dos empregos industriais e do dinamismo econômico. Somente
essa estratégia – e não a de ampliação do consumo – pode permitir um desenvolvimento a
longo prazo e sustentável da economia brasileira.

Essa é, por fim, a caracterização mais geral dos anos 2000, sob diversas
perspectivas mais, principalmente, ancorada na análise das transformações no mercado de
trabalho e seu caminho de reestruturação. É com base nesse cenário de retomada do
crescimento, de uma agenda mais “desenvolvimentistas”, de construção de políticas sociais e
de reestruturação do mercado de trabalho que analisaremos nosso objeto de pesquisa, com
vistas a identificar sua dinâmica desse período, atentando para quando as melhorias da
categoria superam as da média nacional, bem como aquelas elementos que não acompanham
o cenário de melhora, como é notadamente o caso da formalização.

19
Conceito cunhado por Armando Boito (2012) para classificar o PSDB.
34

1.2.4. As mulheres e o mercado de trabalho nos anos 2000

A inserção das mulheres nas atividades econômicas, no Brasil, passa a se


intensificar nos anos 70/80, em um período de altas taxas de crescimento da economia e de
migração rural-urbano, e quando aumentavam sensivelmente os empregos industriais e
também a oferta de empregos ligados aos serviços nas grandes cidades. Dessa forma, o
ambiente de crescimento econômico e geração de empregos favoreceu a entrada das mulheres
no mercado de trabalho. Segundo Melo (1998) na década de 70 o emprego das mulheres
cresceu 92% e o serviço doméstico remunerado 43%. Já nos anos 90, período de avanço da
flexibilização e precarização do trabalho, as mulheres sofreram de forma intensa e
diferenciada a queda da atividade econômica e a desestruturação do mercado de trabalho.
Nessa década cresceu de forma intensa os contratos atípicos de trabalho com aumento da
flexibilização e a terceirização, na qual as mulheres foram sobremaneira atingidas. Para a
pesquisadora Helena Hirata (2002), a era globalizada da economia – no Brasil nos anos 90 –
produziu distintos efeitos sobre o emprego de homens e mulheres. Ao contrário de outros
momentos da história, na qual se reafirmava o papel das mulheres como “exército industrial
de reserva”, chamada ao trabalho produtivo nos períodos de escassez de mão de obra
masculina e orientada de volta para as casas nos períodos de estabilidade econômica, o
período atual indica uma maior permanência das mulheres no mercado de trabalho, uma vez
que “o emprego feminino foi protegido dos efeitos da crise devido à expansão do setor de
serviços” (HIRATA, 2002, p. 175). Dessa forma, a segregação ocupacional e a divisão sexual
do trabalho, a qual estabelece uma diferenciação entre trabalho de homens e de mulheres,
empurrou o gênero feminino para as ocupações nos setores de serviços e, se por um lado
resguardou seus empregos frente aos momentos de crise e recessão econômica, por outro
institucionalizou um lugar no mercado de trabalho marcado pela maior precariedade,
informalidade e terceirização. Para Araújo e Amorim (2002), a era da globalização trouxe
novas e velhas práticas e cenários de precarização do trabalho. Para as autoras ocorreu um
deslocamento das mulheres das grandes empresas para os postos de baixa qualificação, em
direção às atividades informais, as cooperativas de trabalhos e o trabalho a domicílio.

Paradoxalmente, apesar de ocorrer um aumento da inserção da mulher


trabalhadora, tanto no espaço formal e informal do mercado de trabalho, ela ocorre
majoritariamente nas áreas onde predominam os empregos precários e vulneráveis
(NOGUEIRA, 2004, p. 39).
35

Da mesma maneira que em outros períodos da história econômica do Brasil, os


anos 2000 também apresentam indicadores de evolução distintos para homens e mulheres e
sua análise é imprescindível para a compreensão geral do mercado. Segundo Leone (2015), o
bom desempenho da atividade econômica manifestou-se de forma diferenciada para homens e
mulheres, sobretudo na comparação com as taxas de crescimento da PEA, que teve um
crescimento expressivo, e foi explicado pelo maior aumento da participação das mulheres na
atividade econômica e uma diminuição da presença dos homens.Entre 2004 e 2013 a PEA
cresceu 2,2% ao ano para as mulheres e 1,7% ao ano para os homens, no entanto, a taxa de
participação das mulheres no total dos ocupados ainda é significativamente inferior a dos
homens.

A PEA relativa ao trabalho por conta própria teve crescimento negativo nos anos
2000, e foi mais significativo entre as mulheres, com -8,12%. No entanto, ainda 7,2% das
mulheres trabalham por conta própria, contra apenas 3,9% dos homens. Dessa forma, atesta-
se que os anos 2000 apresentaram impactos positivos importantes para as mulheres, no
entanto, persistem desigualdades estruturais. Além disso, ainda são significativas as
desvantagens femininas na absorção da PEA, uma vez que na contagem estatística se
invisibilizam elementos como o trabalho da mulher na agricultura, a alta proporção do
trabalho doméstico remunerado, e grandes disparidades de remuneração (LEONE, 2015).

Segundo Teixeira (2014) e Dieese (2010) ampliou-se a participação das mulheres


em praticamente todos os grupos ocupacionais, no entanto, pouco ou quase nenhuma
alteração ocorreu de forma substantiva na estrutura ocupacional. Dessa forma, as mulheres
permaneceram inseridas em atividades similares as por elas já exercidas e cresceram em
setores tradicionalmente tidos como “nichos” femininos, tais como o comércio e serviços, os
quais – também – são os empregos com maior histórico de precarização e baixo rendimento.
Para Teixeira e Leone (2013), o emprego doméstico remunerado seguiu com uma expressiva
absorção de mão de obra feminina, correspondendo a 7,5% dos postos de trabalho. “Dessa
forma, ainda que as mulheres tenham avançado em termos de acesso a cargos melhor
remunerados, é ainda predominante a presença masculina nos níveis superiores da hierarquia
dos cargos.” (TEIXEIRA & LEONE, 2014, p. 4).

Embora as mulheres permaneçam entre as principais desempregadas (DIEESE


2010: LEONE, 2015), o crescimento econômico vivenciado no último período permitiu uma
maior participação da força de trabalho feminina no emprego formal e assalariado, embora
elas permaneçam como as principais atingidas pela informalidade (ARAUJO & LOMBARDI,
36

2013). O aumento do emprego formal em estabelecimento foi superior no caso das mulheres e
a maior formalização também ocorreu para elas, inclusive contabilizando o aumento do
emprego doméstico formal. Ainda segundo Leone (2015), o crescimento econômico com
inclusão social permitiu as mulheres seguir dando continuidade ao processo de consolidação
da sua participação na atividade econômica – condição se não única pelo menos necessária
para sua emancipação.

As transformações no mercado de trabalho com recorte de gênero ainda precisam


ser avaliadas do ponto de vista das mudanças demográficas. A diminuição da quantidade de
filhos é fator importante para a maior absorção de mulheres pelo mercado, bem como a sua
permanência sem interrupções. Dessa forma fica evidente que as famílias seguem
reproduzindo a lógica de estrita divisão sexual do trabalho no domicílio, sendo as atividades
de reprodução social ligadas as obrigações “naturais femininas”. A correlação entre a
diminuição de número de filhos e o aumento da presença no mercado reforça essa tese, e
levanta a hipótese de que a inserção ou não, ou mesmo a inserção parcial ou mesmo precária
das mulheres tem relação com o mercado de trabalho mas – sobretudo – com a lógica de
organização das famílias e o serviço doméstico gratuito exercido pelas mulheres no interior
das unidades familiares (KREIN & CASTRO, 2015).

No que se refere ainda à segregação ocupacional, em que pesem os avanços dessa


década, as mulheres seguem inserindo-se – sobretudo – nas atividades ligadas ao
funcionalismo público, aos serviços, ao comércio e a educação e saúde. Os empregos ligados
à indústria, sobretudo a de construção pesada, permanecem muito masculinizados, e as
mulheres seguem ocupando “nichos” sociais, que não por coincidência, são também os de
menor renda e menor valor social. Segundo o Dieese (2012), a proporção de mulheres
ocupadas no setor de serviços subiu mais de 10 pontos percentuais em menos de 10 anos. As
razões para que as mulheres sejam as principais protagonistas nos setores de serviço reafirma
uma construção social de gênero na qual as atividades que exigem menos qualificação, detêm
as menores remunerações e os maiores índices de rotatividade, são trabalhos para mulheres,
sem contar a sua semelhança com os afazeres domésticos, tarefas naturalizadas pelo
patriarcado20 às mulheres.

20
Entendo patriarcado como uma construção ideológica do capitalismo enquanto um sistema de dominação dos
homens sobre as mulheres. Essa acepção permite compreender a dominação na somente na esfera da família, se
não nas demais relações, como as trabalhistas e políticas. O patriarcado orienta uma dinâmica das relações
sociais que se perpetua mediante sua naturalização na vida social, sendo reproduzido até mesmo de forma
inconsciente, porém internacionalizada para manter uma estrutura desigual de gênero. Para maiores informações
37

Tabela2: Percentual de pessoas com 16 anos ou mais ocupadas segundo sexo.

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013
Administração
HOMENS Pública 5,6 5,5 5,4 5,5 5,4 5,3 5,5 5,7 5,6 5,9
Agrícola 22,8 23,5 22,7 21,7 20,7 20 19,9 18,2 17,3 17,1
Comércio 18,9 18,3 18,9 18,6 18,9 18,1 18,3 17,9 18 18
Indústria 16 16,5 16,7 16,7 17,3 17,1 16,4 15,1 15,6 15,1
Construção Civil 11,2 10,9 11,2 11,3 11,5 12,7 12,8 14,3 14,8 15,7
Serviços Auxiliares 10,3 10,1 10,1 10,2 10,4 10,7 10,4 12,2 12,1 12
Serviços Sociais 4,4 4,4 4,4 4,5 4,5 4,5 4,9 4,7 4,8 5,1
Outras Atividades 10,9 10,9 10,8 11,5 11,2 11,6 11,7 11,8 11,7 11,2
Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100
Administração
MULHERES Pública 4,5 4,5 4,5 4,5 4,6 4,5 4,8 5,3 5,4 5,2
Agrícola 15,5 15,6 15,5 14,7 13,6 12,9 12,1 10,9 9,8 9,9
Comércio 15,8 15,8 16,2 16 16,5 16,2 16,7 17,6 17,4 17,4
Indústria 12,5 12,6 12,9 12,6 12,7 13 12,7 11,3 11,9 11,3
Construção Civil 0,4 0,4 0,4 0,5 0,5 0,6 0,5 0,5 0,6 0,7
Serviços Auxiliares 5,6 5,6 5,8 6 6 6,5 6,4 7,9 8 7,9
Serviços Sociais 34,3 33,6 33,4 33,3 33,5 32,7 33,8 32,6 32,3 33,2
Outras Atividades 11,3 12 11,3 12,4 12,5 13,6 13 13,9 14,5 14,4
Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100
Fonte: IPEADATA.PNAD/IBGE. Elaboração Própria/

Nota-se, dessa forma, que ocupações tradicionalmente masculinas seguem


reproduzindo um mesmo gênero entre os ocupados, como é o caso dos empregos ligados à
Indústria e a Construção Civil. Por outro lado os serviços de forma geral – e os serviços
sociais de forma particular – seguem como um reduto feminino. Como apontam os dados da
tabela acima, em 2013 o peso dessa atividade era de 33,2% da força de trabalho feminina,
enquanto representava no mesmo ano escassos 5,1% da mão de obra masculina. Embora tenha
havido avanços, a segmentação ocupacional permanece como um elemento importante.

Tabela 3:Escolaridade de homens e mulheres nos anos 2000 em anos de estudo

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013


Mulheres 6,5 6,6 6,8 7 7,1 7,3 7,5 7,7 7,9
Homens 6,3 6,4 6,6 6,8 6,9 7,1 7,2 7,4 7,5
Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração Própria.

ver em SAFFIOTI, Heleieth. A mulher na sociedade de classes. Mito e realidade. Expressão Popular. São Paulo,
2013.
38

Ainda no que tange as contradições estruturais de gênero, tem-se que nos anos
2000 as mulheres apresentaram ligeira melhora nos indicadores de escolaridade, mostrando-se
as mais escolarizadas em todos os níveis e com vantagem – ainda que pequena – com relação
aos homens em todos os anos que marcam a trajetória da década.

Da análise desse capítulo podemos extrair algumas sistematizações. A primeira


delas é que a formação nacional e especialmente a nossa construção como nação guarda
profundas marcas no nosso mercado de trabalho. Os anos 90, sob o manto do neoliberalismo,
trataram de aprofundá-las, mediante a quebra das indústrias nacionais, o aumento do
desemprego, a especialização regressiva e a desestruturação do nosso mercado de trabalho. Os
anos 2000 trazem uma inflexão nesse cenário, exemplificado por políticas regulatórias do
mercado de trabalho, a melhora no rendimento dos trabalhos, a melhoria ocupacional e a
queda do desemprego. No entanto, esse movimento não é sem limites nem sem contradições,
posto que ainda persistem demasiadas desigualdades e formas atípicas de contratação de mão
de obra, assim como instabilidade externa e ausência de políticas industriais efetivas. No que
tange as mulheres, elas avançaram na estrutura ocupacional e diminuíram o fosso dos
rendimentos comparados com os homens, no entanto, o caminho ainda é longo para a
conquista da igualdade. É com base nesse cenário tanto da economia nacional como da
situação das mulheres na ultima década que conseguiremos partir, agora, para a análise
propriamente dita do trabalho doméstico, situando-o histórica e conjunturalmente.
39

CAPÍTULO 2: AS TRABALHADORAS DOMÉSTICAS: QUEM SÃO E


QUAL A NATUREZA DO TRABALHO.

1. Introdução:

Este capítulo busca situar quem são as trabalhadoras domésticas e compreendê-las


dentro da trajetória de desigualdade e exclusão social brasileira. O objetivo é analisar os dados
e indicadores relativos ao mercado de trabalho das trabalhadoras domésticas nos anos 2000,
período já conceituado no capítulo acima. Impossível seria, no entanto, a interpretação e
análise dos dados a partir, somente, de uma perspectiva estatística de “aumentos” e “quedas”
de participação. Essa pesquisa preza pela interpretação sociológica e econômica do fenômeno
em questão, o que prescinde de digressões recorrentes na história brasileira e nas
particularidades da categoria, atentando para suas especificidades e construção sócio-
histórica. Para empreender tal desafio, optamos pela utilização da noção de “Nó Frouxo”21
(SAFFIOTI 2009), o que propõem compreender de forma integrada as dimensões de classe,
gênero e raça. Analisar as trabalhadoras domésticas negligenciando a interposição dessas três
variáveis correria ao risco de uma análise simplista e “economicista”.

No segundo momento desse capítulo será debatida a “natureza” do trabalho


doméstico e suas particularidades na dimensão da exploração do trabalho e criação de
excedente. Por fim apontaremos o debate recente sobre a “PEC das domésticas”, buscando
refletir sobre novos desafios para a igualdade e o trabalho descente, porém compreendendo os
limites dessa reflexão posto a sua aprovação recente e os objetivos mais gerais da dissertação.

2.1. Revisão da produção existente

O tema do trabalho doméstico assalariado ganhou no último período uma


relevância significativa, especialmente nos anos 2000. Após a Convenção 189 (2011) da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estipulou diretrizes para o trabalho
doméstico decente e recomendou aos países que ratificassem a construção da equidade entre
as trabalhadoras domésticas e os demais trabalhadores, vê-se, asso, surgir o tema do trabalho
doméstico como uma problemática de pesquisa nas Universidades. Além disso, o debate no

21
O conceito será debatido a seguir
40

Congresso Nacional e na sociedade brasileira com relação a PEC 478/2010 – conhecida como
“PEC das Domésticas” – contribuiu para a necessidade de produção de conhecimento e
análises descritivas sobre esse setor específico.

Embora o trabalho doméstico não seja um setor novo na economia brasileira, só


recentemente observamos um aumento no número de estudos acadêmicos tratando dessa
problemática, e é possível afirmar que sua produção bibliográfica é ainda demasiadamente
restrita. Algumas áreas das Ciências Humanas avançaram de forma considerável nessa
temática, especialmente a História, a Sociologia e a Antropologia. No universo dessas grandes
áreas, destacam-se o trabalho de Lorena Telles, “Libertas entre sobrados” (2013) que
mediante uma minuciosa análise histórica apresenta a problemática das mulheres negras após
a Abolição em São Paulo e a sua relação com o trabalho doméstico. No campo da Sociologia
existem importantes contribuição de Heleieth Saffioti, “Trabalho Doméstico e Capitalismo”
(1978), e Maria Betânia Ávila “Divisão sexual do trabalho e trabalho doméstico” (2009) e
“Trabalho remunerado e trabalho doméstico no cotidiano das mulheres” (2014). Além dessas,
destacam-se Creusa Maria de Oliveira, sindicalista e com atuação nacional na Federação das
Trabalhadoras Domésticas; Joaze Bernardino-Costa, Angela Figueiredo e Natalia Mori.
Existem ainda importantes estudos Antropológicos, que tratam da análise subjetiva e das
relações sociais de reconhecimento e desigualdades na esfera da relação patroa/empregada.
Dos estudos antropológicos, a Tese de Doutorado de Suely Kofes “Mulher Mulheres:
identidade, diferenças e desigualdade na relação entre patroas e empregadas” (2001) é a
principal expressão. Jurema Brites é outra importante teórica dessa perspectiva, no qual
destaco o texto “Trabalho doméstico: políticas da vida privada” (2014) e, por fim, Tânia Cruz
com o texto “Trilha metodológica da pesquisa: uma abordagem a partir das falas e vivências
das trabalhadoras domésticas das regiões metropolitanas de Salvador e Brasília” (2011).

Tais trabalhos são muito relevantes e desnudam uma infinidade de questões


históricas, sociológicas e antropológicas constituintes da natureza e especificidade do trabalho
doméstico. No entanto, apesar das excelentes reflexões teóricas e políticas, a dimensão
econômica, estatística e do mercado de trabalho ficam um pouco ausentes, posto a
necessidade de tratar de outras questões. No campo do Direito também se destacam
importantes produções acadêmicas. Magda Biavaschi tem tratado com propriedade a relação
entre a dimensão do direito e as questões de ordem econômica, expostas no trabalho “Os
direitos das Trabalhadoras domésticas e as dificuldades de implementação no Brasil:
Contradições e tensões sociais” (2014). Marcelo de Andrade Junior dedicou-se a um
41

importante trabalho de investigação nas Ciências Jurídicas, intitulado “A igualdade formal


ante a desigualdade material na relação de emprego doméstico no Brasil” (2014). Para
finalizar, no debate em torno da relação trabalho produtivo/reprodutivo e a problematização
da regulação do trabalho doméstico, destaco o trabalho de Gabriel Landi Fazzio, intitulado “O
trabalho domesticado: emprego doméstico, trabalho reprodutivo e direito do trabalho ou
contribuição para a crítica feminista materialista do emprego doméstico”. (2014)

Por fim, as ciências econômicas têm carecido de trabalhos acadêmicos nessa área
do conhecimento. Embora tenham avançado os estudos sobre trabalho doméstico não
remunerado, dentro da problemática da Economia Feminista, entre as quais se destacam
Marilane Teixeira, com o texto “Desigualdades Salariais entre homens e mulheres a partir de
uma abordagem das economistas feministas (2008); Renata Moreno com a dissertação “Além
do que se vê; uma leitura das contribuições do feminismo para a economia” (2013), Cristina
Carrasco com o texto “ La Economía feminista: uma apuesta por outra economia.”(2006); e
Antonella Picchio com o texto “Economía feminista y economía del cuidado Aportes
conceptuales para el estudio de la desigualdade”. A dimensão do emprego doméstico
assalariado, no entanto, tem passado um pouco à margem da produção acadêmica nas
Faculdades de Economia, embora autoras como Hildete Pereira Melo sejam figuras de renome
e história nesse debate. O IPEA e o Dieese tem sido importantes instrumentos de visibilidade
econômica e estatística do emprego doméstico, contribuindo para problematizar seus impactos
no mercado de trabalho e no emprego formal. No entanto, segundo Saffioti (1979), análises
somente descritivas não adentram as particularidades de um tipo de ocupação da força de
trabalho que além das características próprias, está situado em uma determinada formação
sócio histórica, marcada pela dependência e por relações não-capitalistas.

É com base nesse apanhado de trabalhos existente sobre trabalhadoras domésticas


que reside a justificativa e o “lugar” no qual se pretende ocupar com essa dissertação.
Importante ressaltar que não nos propusemos a realizar uma revisão bibliográfica a fundo da
problemática do trabalho doméstico, apenas apresentar alguns trabalhos no conjunto das
Ciências Humanas dos quais vamos partir, buscando articular uma produção analítica e
descritiva. Sem grandes pretensões, esse estudo dissertativo pretende analisar o trabalho
doméstico à luz de distintas dimensões do conhecimento. Em que pese seja uma análise
econômica, situada dentro da Economia do Trabalho, desejos lançar mão também dos estudos
já produzidos no campo das Ciências Sociais. Como justificativa para a sua relevância e
pertinência, compartilho da análise de Saffioti (1978, p. 16) para qual
42

o peso relativo dos serviços domésticos na economia nacional é suficientemente


grande para justificar a investigação específica dos trabalhadores que a ele se
destinam. Ademais, as mulheres constituem a quase totalidade dos empregos
domésticos, o que aumenta o interesse da pesquisa.

A partir de uma análise histórica e social, pretendemos compreender como a


Economia e as opções políticas influem sobre a composição e o perfil do mercado de trabalho
das trabalhadoras domésticas, a partir da sua singularidade como atividades de baixo
rendimento, valor social e executada majoritariamente por mulheres negras. Esperamos que os
dados econômicos e estatísticos, bem como a análise socio-histórica, tenha serventia aos
demais estudos sobre o tema, bem como para balizar políticas públicas e ações políticas que
tenham como base um conjunto de dados coletados com rigor e cientificidade, e analisados
sob uma perspectiva crítica.

2.2. Quem são as trabalhadoras domésticas?

Para compreender quem são hoje as trabalhadoras domésticas faz-se necessário


retomar – brevemente – alguns aspectos econômicos e sociais do período do Brasil Colônia.
Isso por que a forma como o trabalho doméstico é realizado atualmente guarda demasiadas
similitudes com a forma como ele era desenvolvido na dinâmica da “Casa Grande”. Dentre os
aspectos similares destacam-se a informalidade no trato com a trabalhadora; a perspectiva
servil; a ausência de uma jornada de trabalho, na qual a trabalhadora parece estar
permanentemente disponível para as demandas familiares; a falta de uma clara percepção da
tarefa a ser desenvolvida, sendo que a trabalhadora doméstica não raras vezes realiza afazeres
que fogem das prerrogativas do seu trabalho; a desvalorização social e uma gama de outros
elementos que trataremos no decorrer do capítulo. A autora Helena Hirata (2004) analisa que
algumas categorias profissionais, como as trabalhadoras domésticas seguem em permanente
condição de servidão, entendida na acepção de estar sempre à disposição do outro; realizar
uma atividade qualquer do jeito que o outro gosta; ser considerada naturalmente uma espécie
de adivinhadora dos desejos do outro; ter total disponibilidade de tempo. Isso explica por que
a regulamentação da jornada de trabalho esteve na última emenda sobre a equiparação do
trabalho doméstico. Segundo Melo (1998) essa categoria tem uma jornada de trabalho
definida por uma relação híbrida, na qual se mesclam o trabalho assalariado propriamente dito
com características servis.
43

Nesse sentido, as trabalhadoras domésticas seguem sendo – guardadas as devidas


proporções – aquelas mesmas escravizadas na Casa Grande, porém, com dimensões reificadas
pelas mudanças na forma de organização do capitalismo e da sociedade brasileira. Segundo
Pochmann, “não somente a remuneração praticada se mantém depreciada, mas também o
status do exercício do trabalho humano nas unidades familiares apresenta-se, muitas vezes,
extremamente desvalorizado” (2014, p. 49). Esse é um reflexo da forma com que o trabalho
doméstico seguiu atuando na dinâmica do mercado de trabalho pós abolição da escravatura
em 1888. Dessa forma, com a Lei de Terras de 1850, que mercantilizava e restringia o acesso
à propriedade no Brasil, e pela ausência de políticas públicas capazes de absorver o
contingente de trabalhadores negros ex-escravizados no mercado formal de trabalho, o
emprego doméstico seguiu sendo, para 70% das mulheres negras, a continuidade do emprego
da sua mão-de-obra (SAFFIOTI, 1978). Para entender tal dinâmica é necessário compreender
o tipo de mercado de trabalho construído no Brasil. De acordo com Oliveira (1998), o
mercado de trabalho brasileiro reflete as características típicas das construções sociais
subdesenvolvidas, na qual a heterogeneidade estrutural, o excedente da oferta de mão-de-
obra, a marginalidade, a informalidade e a exclusão social são características centrais.

É nesse cenário marcado por essas características estruturais e do mercado de


trabalho, e pela ausência de uma reforma agrária que garantisse a democratização da terra
para os ex-escravizados, que os negros seguiram se inserindo de forma marginal e precarizada
na dinâmica do trabalho. Grande parte deles seguiu nos trabalhos serviçais aos grandes
proprietários de terra, como seguranças e trabalhadores agrícolas, “moldados em um sistema
servil, muitos antigos escravos ficaram presos nas propriedades rurais” (BIAVASCHI, 2014,
p. 6). Às mulheres restou a permanência nas atividades domésticas. Para Saffioti, “o fim da
escravidão determinou o aparecimento do assalariado nos serviços domésticos, embora uma
imensa quantidade de meninas e moças continuasse a trabalhar em casa de famílias em troca
de casa e comida, como crias da casa.” (1978, p. 36).

O excedente estrutural da oferta de mão-de-obra no mercado de trabalho


pressionou os salários para patamares demasiadamente baixos, alguns com capacidade
unicamente de reproduzir a própria força de trabalho para a exploração cotidiana. Segundo
Darcy Ribeiro, as classes dominantes passaram a “(...) encarar o povo como mera força de
trabalho destinada a desgastar-se no esforço produtivo e sem outros direitos que o de comer
enquanto trabalha, para refazer suas energias produtivas, e o de reproduzir-se para repor a
mão de obra gasta” (2006, p. 195).
44

Para Biavaschi, “consolidava-se a exploração de uma mão de obra barata, em uma


sociedade cujo tecido era costurado pelo signo da desigualdade e da exclusão social.” (2014,
p. 6). Muitas mulheres negras, pela ausência de políticas sociais de habitação – por exemplo –
seguiram residindo nas casas das patroas, pela impossibilidade de garantir sua própria
estrutura familiar. Embora formalmente livres, a dependência seguiu como uma marca da vida
dessas mulheres. O trabalho mudou de escravo para livre, porém sua dinâmica cotidiana
seguiu aproximando o futuro do passado. “A relação entre escravo e senhor formalmente
acabou por culminar no homem ‘livre’, sem que fossem superadas as condições institucionais
da dominação e da sujeição” (BIAVASCHI, 20014, p. 7).

Da ausência histórica de regulamentação dessa ocupação, as trabalhadoras


domésticas seguiram como “agregadas” sociais, aos moldes da dinâmica escravista. Com
contornos de informalidade e familiaridade, as relações entre patrões e empregadas passaram
a margem da legislação do trabalho, permanecendo sob a regulação das relações privadas. É
dessa perspectiva que apontamos que o emprego doméstico é precarizado, seguindo a
perspectiva de Helena Hirata (2008), a qual atribui ao trabalho precário à ausência de proteção
social e de direitos sindicais. No entanto, a autora problematiza inclusive os empregos
formais. Dessa forma, mesmo as trabalhadoras domésticas que detém a carteira de trabalho –
e dessa forma podem gozar dos direitos trabalhistas – podem estar em uma situação de
trabalho precário desde que a sua renda seja suficientemente baixa para mantê-la em
permanente instabilidade. Esse parece ser um caso corriqueiro na vida das trabalhadoras
domésticas. Para Hirata (2008), existe uma “divisão sexual da precariedade” que se confirma
pela existência de um maior contingente de mulheres em trabalhos considerados precários.

O trabalho doméstico segue sendo um objeto pertinente de estudos uma vez que o
mesmo continua absorvendo demasiado contingente de mão de obra – especialmente a
feminina. Segundo dados do Censo de 1960, 82% das mulheres eram ocupadas de forma
remunerada no emprego doméstico. Embora esse percentual venha diminuindo, por uma série
de fatores que serão melhor explorados no decorrer dessa análise, dados da PNAD de 2014
ainda demonstram um número significativo de mulheres ocupadas nesse tipo de serviço à
domicílio, e 97% desses empregos são remunerados com até dois salários mínimos, e 69%
não estão sob o amparo da carteira de trabalho. Segundo Melo (1998), e Antunes (2011),
diversos estudiosos apontavam que o avanço da industrialização tenderia a eliminar os
empregos domésticos, no entanto, no século XX, em diversos países Europeus e latino-
45

americanos – o número absoluto de mulheres ocupadas nesse trabalho não somente não
regrediu substancialmente como aumentou em determinados momentos.

Antes de prosseguir com a análise dos dados, faz-se importante compreender as


trabalhadoras domésticas em número absolutos, identificando historicamente o peso que o
trabalho doméstico tem no montante da população brasileira e, especialmente, entre os
empregados.

Tabela 4:Trabalhadoras domésticas22 em números absolutos23

1995 2003 2008 2009 2013 2014


5.132.089 6.202.670 6.687.640 7.295.136 6.473.746 6.491.351

Fonte: / PNAD-IBGE. Elaboração Própria

Esses números revelam elementos importantes para iniciar nossa análise. O


primeiro deles é a correlação positiva entre aumento do número absoluto de trabalhadoras
domésticas e os períodos de crise. A opção pela escolha do ano de 2009 revela-se pertinente
na medida em que é o período em que o mercado de trabalho sente de forma mais
aprofundada os efeitos da crise econômica internacional. Ou seja, esse dado parece corroborar
a hipótese de que o trabalho doméstico torna-se uma opção de remuneração para as mulheres
que sofrem com as dificuldades oriundas da queda na atividade econômica. O ano de 2014
também nos aponta indícios de que a desaceleração do comércio externo e do ciclo interno de
crescimento recoloca o trabalho doméstico como uma opção às trabalhadoras, embora essa
seja apenas uma hipótese inicial, prescindindo de uma nova análise nos próximos anos.
O Segundo elemento diz respeito ao papel relativamente constante do peso do
trabalho doméstico em números absolutos. Embora o Brasil tenha atravessado modelos
distintos de crescimento e diferentes fases do ciclo econômico, de forma geral o trabalho
doméstico não sofreu alterações substanciais quanto a sua quantidade absoluta. Calculando a
variação no aumento total do número de trabalhadoras domésticas pelos anos escolhidos,
identificamos que o maior percentual de crescimento é de 1995 a 2003, com um aumento de
20,86%. Fica evidente que o baixo dinamismo econômico, a desestruturação do mercado de
trabalho e a recessão contribuíram fortemente para o aumento de pessoas ocupadas no

Nesse número total, embora chame de “trabalhadoras”, estão inseridos o total de homens também.
22
23
Todas as tabelas a seguir são para pessoas com mais de 10 anos de idade
46

emprego doméstico. De 2003 a 2008 o crescimento foi de apenas 7,82%. Já entre os anos de
2009 e 2014 verifica-se uma queda expressiva, representada pelo valor de -11,26%.
Na análise das PNAD´s de 2003 e 2014 podemos observar, por um lado, que
houve aumento expressivo da renda das trabalhadoras domésticas, mas – por outro – a
histórica precarização e a continuidade dos baixos rendimentos desse trabalho, embora eles
tenham aumentado. Selecionando as trabalhadoras domésticas “pessoa de referência da
família”, ou seja, aquelas domésticas cuja renda constitui o rendimentos principal de uma
família, temos que a média em 2003 era de 287,03 reais, e mantinha em torno de 3,8
componentes da família. No ano de 2014, a média do rendimento da trabalhadora doméstica
que é chefe de família sobe para 972,00 reais, e o número de membros que são mantidos por
ela cai para 3,0. Deflacionando as rendas, temos que o aumento real é de 77% mostrando o
forte impacto da política de valorização do salário sobre uma categoria que têm seus
rendimentos diretamente vinculados a ele.

Tabela 5: Renda média real das trabalhadoras domésticas por região e cor nos anos de
1995, 2003 e 201324

1995 2003 2013


Branca Brasil 419,5 414,8 685
Norte 322,6 310,2 521
Nordeste 247,9 243,2 419,2
Sudeste 470 460,9 753,6
Sul 405,4 401,3 726,8
Centro-Oeste 355,7 370,2 653,1
Negra Brasil 356,4 345,2 592,2
Norte 291,1 300,5 490
Nordeste 243,6 239,1 407,3
Sudeste 448,7 419,5 714,2
Sul 385,3 367,6 668,5
Centro-Oeste 334,5 359,8 669,3
Fonte: IPEADATA PNAD/IBGE. Elaboração própria
Deflator INPC

Esse é um dado central para compreender o movimento de melhoria das


trabalhadoras domésticas no cenário atual. Tanto para brancas, quanto para negras, a média da
renda do trabalho regrediu nos anos 90 como demonstra a tabela acima com os dados já
deflacionados. De forma geral, a renda média para as trabalhadoras negras, embora menor no
acumulado do que para as trabalhadoras brancas, aumentou um pouco mais, chegando a 72%
24
Os dados extraídos da base IPEADATA são referentes ao período de até 2013, somente.
47

de aumento com relação à década de 90, representada pelo período do ano de 2003. Já para as
brancas o aumento também foi expressivo, de 65% em 2013 com relação ao ano de 2003.

Tabela 6:Proporção da renda média nominal do trabalho doméstico em relação a renda


média nacional brasileira dos ocupados nos anos de 2003 e 2014.

2003 2014
Total na renda nacional 39% Total na renda nacional 44%
Com carteira 56% Com carteira 60%
Sem carteira 33% Sem carteira 37%
Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração Própria

Os dados acima revelam dois elementos importantes. O primeiro deles é a


melhora na renda média do trabalho doméstico – com e sem registro em carteira – na
comparação 2003 e 2014. Ou seja, do total da média das rendas dos trabalhadores ocupados
em 2003, o percentual da renda média do trabalho doméstico era de apenas 39% da renda
nacional. Já em 2014, o total da média dos rendimentos do trabalho doméstico se aproximou
mais da média nacional, no entanto, ele segue apresentando um rendimento menor que a
metade da média dos trabalhadores brasileiros. Essa é uma avaliação que tem haver com o
segundo elemento da análise, a saber, o trabalho doméstico, em que pese a melhora auferida
nos anos 2000, segue como uma ocupação de baixo rendimento, associando-se com as suas
características de precariedade como já assinaladas no texto. As trabalhadoras domésticas
com carteira de trabalho obtiveram uma leve melhora avaliada isoladamente, com o seu
rendimento médio atingindo 60% do valor da média do rendimento dos brasileiros no mesmo
período.

Tabela 7:Percentual do rendimento nominal do trabalho doméstico com e sem carteira


de trabalho com relação ao total da renda de homens e mulheres ocupados em 2014

2014
Homem Mulher
Trabalhador doméstico
com carteira de trabalho 64% 72%
assinada
Trabalhador doméstico
sem carteira de trabalho 43% 45%
assinada
Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração Própria
48

Ainda sobre a perspectiva das diferenças entre homens e mulheres no emprego


doméstico, e da sua desigualdade de rendimentos de forma geral, tem-se que no ano de 2014 a
média do rendimento do trabalho doméstico com carteira representava um percentual superior
na renda nacional do trabalho das mulheres, expressando-se em 72% da renda das mulheres
ocupadas. Esse percentual é inferior para o rendimento dos homens. Dessa forma, do total do
rendimento dos homens ocupados em 2014, a renda do trabalho doméstico representava 64%
para trabalhadores com carteira assinada e 43% para os sem registro em carteira. Isso deve-se
ao fato de que no montante da renda média dos ocupados, os homens auferem um rendimento
superior ao das mulheres, por isso o trabalho doméstico tende a ocupar um percentual menor
na renda dos homens do que na renda das mulheres.

Gráfico 7:Diferenciais de rendimentos de homens e mulheres com e sem carteira na


renda média total e na dos trabalhadores domésticos no período de 2003 e 201425

2000

1800

1600

1400

1200

1000

800

600

400

200

2003 (deflacionada para 2014) 2014

TD significa “Trabalho Doméstico”.


25
49

Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração Própria. Dados deflacionados com o INPC

O presente gráfico demonstra a evolução dos indicadores de aumento dos


rendimentos do trabalho doméstico em 2014 na comparação com 2003. Ou seja, houve uma
importante incorporação do crescimento econômico e da melhora no mercado de trabalho
para o conjunto das trabalhadoras domésticas. Todas as categorias analisadas no período de
2014 apresentam melhoras substantivas com relação ao período dos anos 90. Nota-se, no
entanto, que em termos da distribuição estrutural dos ganhos permanece uma clivagem entre
homens e mulheres e entre brancos e negros. O rendimento médio total dos homens ocupados
permanece como o maior rendimento para ocupados, seguido da renda média nacional dos
trabalhadores. No que tange as rendas propriamente do trabalho doméstico, percebe-se pelo
gráfico acima que os homens auferem rendimentos maiores que os das mulheres para os
ocupados na mesma categoria. A renda média do trabalho doméstico é muito similar à renda
média das mulheres ocupadas no trabalho doméstico, corroborando a análise da presença
majoritária de mulheres nessa ocupação. Por último, auferindo o menor rendimento médio,
vem a mulher negra sem registro em carteira, fato que será melhor analisado no decorrer do
texto.

Desde 1980, o trabalho doméstico remunerado foi a ocupação que mais cresceu
no Brasil, segundo Pochmann (2003). O aumento médio anual no número de trabalhadores
domésticos entre 1980 e 2000 foi de 4,0% ante a variação média anual de 2,1% no total da
ocupação no País para o mesmo período de tempo (POCHMANN, 2003). Afim de melhor
compreender quem são as trabalhadoras domésticas - questão que dá título ao capítulo –
26
utilizaremos a conceito de “Nó Frouxo” (SAFFIOTI 2009, p. 21), o qual é conceituado
como

26
A opção por esse conceito é feita por algumas ressalvas com relação a outras duas formulações que visam a
articulação entre gênero, classe e raça. A primeira delas, a “Interseccionalidade”, não nos parece apropriado para
esse trabalho por algumas limitações. Segundo HIRATA (2014) esse conceito advém dos anos 1970 por
influência do “Feminismo Negro” e embora insira a dimensão de raça (outrora ausente dos estudos feministas),
ele tende a negligenciar a dimensão de classe. Além disso, o conceito de interseccionalidade tende a tratar as
opressões nas esferas da identidade e do reconhecimento, e não do ponto de vista material. Dessa forma, embora
a tríade classe, gênero e raça seja fundamental, esse conceito abre espaço para pensar as opressões de idade,
localidade, estilos de classe, enfim, uma multiplicidade de variáveis que podem dispersar o universo das
opressões e dissipa-las no conjunto de outras questões. Quanto ao conceito de Consubstancialidade (KERGOAT,
2010), traz um importante avanço que é a crítica da interseccionalidade no sentido de identificar as opressões
operando de forma geométrica (segundo a terminologia do conceito). Nesse sentido, Kergoat critica a
identificação da imbricação de opressões por noções geométricas, como adição e multiposicionalidade. Kergoat
ainda recoloca a necessidade de pensar as relações classe/gênero e raça menos como categorias de análise e mais
na perspectiva de relações sociais. No entanto, o conceito de consubstancialidade, etimologicamente, quer dizer
“algo da mesma substância e com a mesma essência.” Dessa forma, nos parece que classe, gênero e raça (embora
imbricados) têm essências distintas, e movimentam-se na estrutura social assumindo qualidades distintas.
50

O nó formado por estas três dimensões, apresenta qualidade distinta das


determinações que o integram. Não se trata de somar racismo + gênero + classe
social, mas de perceber a realidade compósita e nova que resulta desta fusão. [...]
não se trata de variáveis quantitativas, mensuráveis, mas sim de determinações, de
qualidades que tornam a situação dessas mulheres muito mais complexa.

Tal noção parece-nos apropriado para tratar das trabalhadoras domésticas, pois
problematiza a perspectiva de classe, a incidência do gênero e a opressão racial, uma vez que
majoritariamente essas mulheres são negras. Dessa forma, compreender essa categoria de
forma não parcelar exige situá-las nessa tripla dimensão de exploração, dominação e
opressão. Essas três dimensões, acima de tudo, devem ser entendidas como “relações sociais”
(KERGOAT 2010), ou seja, não de forma estanque, mas sim como relações, as quais se
movimentam dialeticamente na estrutura que move a sociedade. É preciso atentar-se para a
historicidade do conceito, entendendo-os menos com “categorias” e mais como “relações
sociais”.

Ainda sob a perspectiva conceitual do “Nó”, Saffioti (2010) explicita que o


importante dessa discussão é analisar as relações sociais como fundidas e entrelaçadas em um
nó, no entanto, esse nó tem a característica de ser “solto”, ou seja, existe uma autonomia
relativa entre as esferas (gênero, classe e raça), a qual deixa certa mobilidade para se
expressar e se desenvolver cada um dos seus componentes. “De acordo com as circunstâncias
históricas, cada uma das contradições integrantes do nó adquire relevos distintos”.
(SAFFIOTI, 2010, p. 28). Nesse sentido, faz-se necessário compreender as intempéries que
unificam essa categoria, mas de forma dialética, compreendendo suas mudanças no contexto
histórico. Ainda segundo a autora (2010, p. 28).

Há uma estrutura de poder que unifica as três ordens – de gênero, de raça e de classe
social – embora as análises tendam a separá-las. Aliás, o prejuízo científico e
político não advém da separação para fins analíticos, mas sim, da ausência do
caminho inverso: a síntese. [...] a análise das relações de gênero não pode, assim,
prescindir, de um lado, da análise das demais contradições e, de outro, da
recomposição da totalidade de acordo com a posição que, nesta nova realidade,
ocupam as três contradições sociais básicas.

Outro dado que atesta as diferenças mensuráveis dos anos 1990 para os anos 2000
– representada através dos anos de 2003 e 2014 – tem a ver com o perfil geracional da
categoria.
51

Tabela 8:População feminina ocupada no trabalho doméstico segundo faixa etária nos
períodos de 1995, 2003 e 2013

Faixa Etária 1995 2003 2013


10 a 15 anos 408.393 170.680 84.149
16 a 17 anos 362.551 226.855 117.142
18 a 24 anos 1.067.168 1.012.567 436.595
25 a 29 anos 613.193 736.289 459.614
30 a 44 anos 1.541.370 2.295.354 2.518.296
45 a 59 anos 646.936 1.157.945 1.996.816
60 anos ou mais 125.229 175.300 351.364
Total 4.764.840 5.774.990 5.963.976
Fonte: IPEADATA. PNAD/IBGE. Elaboração própria

A série identifica as mudanças no perfil da composição do emprego doméstico por


faixa etária, atentando para um estreitamento da base e alargamento do topo. Os anos 2000
foram o período de maior queda nos estratos de 18 à 29 anos, período em que as trabalhadoras
estão em idade ativa regulamentada para o trabalho e compreendido pela fase da juventude,
onde o período em questão parece ter sido satisfatório na criação de outras oportunidades
ocupacionais. No outro extremo, cresce significativamente as trabalhadoras no período de 45
e 60 anos ou mais, dobrando nessa ultima fase.

Gráfico 8: Proporção de trabalhadoras domésticas por faixa etária nos anos de 2003 e
2013

120%

100%

80%
49%
63%
60% 82%

40%

51%
20% 37%
18%
0%
1995 2003 2013

ate 29 anos maior que 29 anos


Fonte: IPEADATA. PNAD/IBGE Elaboração própria
52

A década de 2000 apresenta uma forte inflexão nas faixas etárias selecionadas.
Positivamente identifica-se um envelhecimento constante da categoria. Na faixa dos 29 anos
ou mais, o percentual supera em muito os demais. Já as faixas etárias que correspondem ao
trabalho infantil e ao período correspondente a juventude, até 29 anos de idade, cai
expressivamente. De forma geral, os jovens têm entrado de forma mais tardia no mercado de
trabalho, por conta da melhora da renda familiar e das oportunidades de permanência nos
estudos. No entanto, para o trabalho doméstico esse percentual é especialmente relevante. Isso
porque o trabalho doméstico tem como uma das suas marcas a entrada prematura no trabalho
assalariado, como uma das formas de inserção das jovens no mercado de trabalho. Por ser
uma ocupação composta majoritariamente por mulheres pobres, sua maior expressão nos anos
2000 nas faixas etárias mais adiantadas demonstra um importante elemento de melhoria, na
medida em que sinalizada para a hipótese das mulheres jovens estarem se deslocando para
empregos melhor qualificados e com mais possibilidade de formalização, além da valorização
social que as demais categorias têm no imaginário coletivo.

Tabela 9: Número absoluto e taxa de participação dos jovens de até 29 anos no trabalho
doméstico nos anos de 2003 e 2013

2003 2013 Tx de
Tx de Tx de crescimento Variação
Trabalho doméstico Absoluto Absoluto
participação participação anual
2.250.074 7,60% 1.131.546 4,10% -7,40% -50%
Fonte: PNAD/IBGE. Elaboração própria

Ainda sobre os jovens, a tabela acima mostra que na taxa de participação de todos
os jovens empregados no Brasil no ano de 2003, 7,6% concentravam-se no trabalho
doméstico, em 2013 o percentual cai quase pela metade. Dessa forma há uma taxa negativa de
crescimento anual, e na variação do setor nos 10 anos temos a marca positiva de -50%.

2.3. A dimensão de classe

Nossa perspectiva de classe retoma a análise de Florestan Fernandes (2009). Para


o autor a sociedade de classes regula uma estratificação social na qual a situação econômica
determina o privilegiamento dos diferentes estratos sociais, condicionando direta ou
indiretamente, tanto os processos de concentração social da riqueza, do prestigio social e do
poder (inclusive do poder político institucionalizado e, portanto, do poder de monopolizar o
53

controle do estado e de suas funções), quantos os mecanismos societários de mobilidade,


estabilidade e mudanças sociais. Florestan Fernandes (2009) ainda alertou sobre a necessidade
de abandonar uma falsa “neutralidade axiológica” das ciências sociais em favor de tomar
partido no debate sobre os problemas nacionais, nesse sentido ele faz uma crítica a essa visão
que “nega a existência das classes sociais como e enquanto tais, bem como o jogo econômico,
social e político imposto pelos interesses de classes dominantes.” (FERNANDES, 2009 p. 46)

Parto da acepção de que classe social é uma construção, sobretudo econômica,


com fortes impactos políticos, mas que advém da forma como o capitalismo organiza o seu
modo de produção global, na qual existe um conjunto de pessoas que são proprietárias de
meios de produção e outra imensidão de indivíduos que para sobreviver necessitam vender
sua forma de trabalho através de uma remuneração denominada de “salário”. Mas não só isso.
As estratificações baseadas em classes sociais pressupõem, necessariamente, uma exploração
da força de trabalho dos primeiros sob os segundos. A base do capitalismo é a busca pela
maximização dos lucros da burguesia, que são advindos unicamente através da extração do
que Karl Marx denominou de “mais-valia”, ou seja, através de uma quantidade de horas nas
quais os trabalhadores produziram riqueza que não será devolvida em forma de salário, e sim
apropriada pelos donos das máquinas. Uma parte dessa “mais-valia” será reinvestida em
forma de novos investimentos e na reposição do maquinário, e a outra parte constituirá
propriamente o lucro27.

Esta dissertação parte de uma análise marxista da existência e centralidade das


classes sociais. Importante ressaltar essa afirmação uma vez que vivemos sob uma crise
teórica na qual alguns autores advogam o fim das classes sociais e apontam que a
identificação entre os sujeitos passaria à esfera de outras identidades que não as ligadas à
produção material das relações sociais. Para Florestan Fernandes, (2009), “os cientistas
sociais, mesmo quando se proclamam ‘neutros’ e ‘objetivos’ participam dessa crise e a
instalam em suas análises e interpretações” (p. 34). Buscando superar as falsas
“neutralidades” do pensamento científico, desde já advogo minha perspectiva de centralidade
das classes sociais no conhecimento e transformação da sociedade.

27
Essa é uma concepção de desenvolvimento do capitalismo a partir da acepção marxista. Ou seja, para haver
capitalismo é necessário ter algumas condições, dentre elas trabalhadores sem meios de produção que submetem-
se – em troca de salários – a vender sua força de trabalho. Existem, no entanto, outras concepções de classe
sociais, não ligadas diretamente à produção econômica. É o caso de Max Weber (1982) e Pierre Bourdieu (1989)
e outros autores que atribuem à identidade, a estilos de vida e a consciência de classe fatores determinantes para
caracteriza-las.
54

O sistema capitalista tem como marca fundamental a estrita separação entre


vendedores e compradores de força de trabalho, assim como a dissociação entre os que detêm
os meios de produção daqueles que detém unicamente sua força de trabalho para vender.28
Dessa forma, segundo Saffioti (2013), o modo de produção capitalista instaura o divórcio
entre os valores de uso e os valores de troca. Nessa acepção, o trabalhador não produz mais
mercadorias para a satisfação das suas necessidades, mas sim, para o empregador que se
apropria da mercadoria produzida e a revende no mercado. “Desse modo, o trabalhador
participa do mercado não apenas enquanto comprador de mercadorias, mas ainda, e
precedentemente, como vendedor de força de trabalho” (SAFFIOTI, 2013, p.54).

A perspectiva de análise da sociedade a partir das classes sociais que se definem


através da produção coloca a variável “trabalho” na centralidade da produção/reprodução da
vida humana e no trabalho como produtor de subjetividades e identidades sociais. “A busca de
uma vida cheia de sentido, dotada de autenticidade encontra no trabalho seu lócus primeiro de
realização” (ANTUNES, 2003, p. 143). Ainda nessa acepção que trata da centralidade da
categoria trabalho, Saffioti (2013, p.60), argumenta que

Sendo o trabalho o momento privilegiado da práxis por sintetizar as relações dos


homens com a natureza e dos homens entre si, constitui a via por excelência através
da qual se proceder ao desvendamento da verdadeira posição que as categorias
históricas ocupam na totalidade dialética sociedade capitalista e das relações que
elas mantém entre si e com o todo social no qual se inserem, Mesmo que
aparentemente determinado contingente populacional seja marginalizado das
relações de produção, (...) há que se buscar nas primeiras (relações de produção) a
explicação da seleção de caracteres raciais e de sexo para operarem como marcas
sociais que permitem hierarquizar, segundo uma escala de valores, os membros de
uma sociedade historicamente dada.

A análise das classes sociais, portanto, está circunscrita na esfera do trabalho


mesmo no caso de parcelas da sociedade excluídas dele. Dessa forma, é importante a análise
da funcionalidade daqueles que estão fora do processo produtivo. Nesse sentido, os
desempregados cumprem um papel importante na dinâmica do sistema capitalista, uma vez
que pressionam os trabalhadores, seja do ponto de vista da manutenção dos baixos salários, ou
mesmo da sua existência como elemento subjetivo que impediria algumas manifestações

Essa é uma definição econômica das classes sociais, e pressupõem um “tipo ideal” weberiano de sistema
28

capitalista. No entanto, a forma como o capitalismo se insere na periferia mundial toma alguns contornos
distintos. Segundo Chico de Oliveira (2009), entre o que chamamos de classe trabalhadora estão compreendidos
os trabalhadores que vivem do trabalho, e não necessariamente aqueles que são assalariados. Dessa forma, na
classe trabalhadora estão os ambulantes, pequenos comerciantes, trabalhadores autônomos e por conta própria.
Ou seja, mesmo que eles não “vedam” sua força de trabalho no mercado para um capitalista, os consideramos na
análise como proletariados e componentes da classe trabalhadora.
55

reivindicativas. Sobre esse contingente de trabalhadores Karl Marx refere-se como “Exército
Industrial de Reserva”. Para o autor (1975, Tomo I, p. 535)

Se a existência de uma superpopulação operária é produto necessário da acumulação


ou do incremento da riqueza dentro do regime capitalista, esta superpopulação
converte-se por sua vez em alavanca da acumulação do capital, mais ainda, em uma
das condições de vida do regime capitalista de produção. Constitui um exército
industrial de reserva, um contingente disponível, que pertence ao capital de forma
tão absoluta como se fosse por este criado e mantido as suas expensas.

Por fim, existe uma dimensão da classe social – mais especificamente – da classe
trabalhadora que se faz essencial para a compreensão do sistema capitalista, a saber: a
exploração do trabalho. O trabalhador ao atuar nos meios de produção do “burguês”, recebe
somente uma parte do valor do seu trabalho. Saffioti (2013 p. 57) explicita essa questão

Por seu turno, o trabalho assalariado assume a aparência de trabalho inteiramente


pago quando apenas parcialmente o é. A remuneração do trabalho em dinheiro,
portanto, sob a forma de salário, disfarça a apropriação, por parte do capitalista, do
trabalho excedente do produtor imediato, como que numa substituição de uma
justificativa jurídica já superada da exploração de uma classe social por outra. A
remuneração em equivalente geral do trabalho do produtor imediato afirma e nega,
simultaneamente, a condição de homem livre do trabalhador.

A essa parte da jornada de trabalho do trabalhador que não o é remunerada


chamamos de “Mais Valia” (MARX, 1975), e sua apropriação por parte do dono dos meios de
produção é em parte reinvestida e a outra parte configura o que denominamos de “lucro”. É a
partir dessa acepção que entendemos que o trabalho no capitalismo é explorado.

2.2.1. Os “Intocáveis” e a “Ralé brasileira.”

Compreendida a acepção de classe social que estamos utilizando, nos deteremos


em compreender algumas das especificidades da classe trabalhadora brasileira. Para tanto
mobilizaremos os conceitos de “Intocáveis” (POCHMANN 2014) e de “ralé” (SOUZA,
2008)29. Dessa forma buscamos apreender uma determinada parcela da classe trabalhadora no

29
Muitos autores estudaram a classe trabalhadora com distintos conceitos para tratar de suas frações de classe.
Lucio Kowarick (1975) e José Nun (1978) trataram da problemática marxista da marginalidade, quando referido
à dinâmica da classe trabalhadora, a partir de uma vertente histórico-estrutural. André Singer (2012) cunhou a
expressão “Subproletariado” para tratar de uma fração de classe, no entanto, sua análise está mais centrada nos
setores da pobreza extrema, que não estão – ou não momentaneamente – participando do trabalho produtivo e
são receptores dos programas sociais do governo federal. Esse setor social teria sido parte de um realinhamento
eleitoral pós 2002, colocando-se como base de apoio aos governos do PT, e aderindo a um projeto de algumas
conquistas materiais sem necessidade de conflitos e rupturas mais significativas. Há ainda o conceito de
“Batalhadores” de Jessé Souza (2010), que não trata classe necessariamente com um recorte no modo de
produção, e agrega nessa análise também parte dos micro empresários e trabalhadores profissionais. Por fim, há
56

Brasil na qual esta inserida as trabalhadoras domésticas. Segundo Darcy Ribeiro (2006), o
povo brasileiro é composto por uma classe trabalhadora que não é um bloco monolítico e
homogêneo. Queremos tratar aqui de um estrato da classe trabalhadora que além da
exploração do trabalho sofre com a precariedade, a pobreza e a marginalização. Para Ribeiro
(2006, p. 192).

Abaixo desses bolsões, formando a linha mais ampla do losângolo das classes
brasileiras, fica a grande massa das classes oprimidas dos chamados marginais,
principalmente negros e mulatos, moradores das favelas e periferias da cidade. São
os enxadeiros, os boias-frias, os empregados da limpeza, as empregadas domésticas.

A “ralé”, portanto, é esse setor dos trabalhadores que historicamente e através da


perspectiva geracional, compreende seu “lugar” na sociedade de classe. Para Souza (2008, p.
416)

Entre as mulheres da ralé são as empregadas domésticas, faxineiras, lavadeiras ou


prostitutas – a perfeita metáfora real de quem só tem o corpo e é obrigado a vende-lo
– que trabalham nas casas das classes médias ou para a classe média. Essas mulheres
permitem, a baixo preço, toda uma posição privilegiada às classes médias e alta
brasileira.
.

Portanto, a “ralé” brasileira é precisamente esse contingente de pessoas que não


pode transpor as barreiras dos “monopólios sociais”, em especial a educação, e que se vê
despreparado para exercer qualquer atividade, e, por isso, está permanentemente sujeito a
aceitar qualquer trabalho sob o signo da arbitrariedade. “Esse tipo de trabalho incerto,
precário, mal pago e desvalorizado marca toda a vida e todo o comportamento dos seus
membros” (SOUZA, 2008, p.417). Por fim, a fração da classe trabalhadora denominada de
“Ralé”, tem sua especificidade como classe, marcada pela ausência de incorporação no
mercado de trabalho formal, o que possibilita explorar melhor esse trabalho “desqualificado”.

O autor Jessé de Souza trata da construção da sociedade brasileira a fim de


entender as particularidades da existência e reprodução desse estrato da classe trabalhadora
que ele conceitua como “ralé” brasileira. Segundo o autor, a edificação da sociedade brasileira
e a manutenção da integração nacional necessitaram da construção de signos e categorias

o conceito de “Precariado” de Ruy Braga (2012). Tal conceito trata de um setor muito precarizado dentro da
classe trabalhadora, e como exemplo o autor toma os trabalhadores de telemarketing. O conceito é extremamente
atual e válido. No entanto, “marginalidade”; “subproletariado”; e “precariado” embora sejam conceitos válidos,
não dão conta de tratar das trabalhadoras domésticas. Ou seja, elas são trabalhadoras por uma condição de classe
diretamente vinculada à estrutura capitalista, por isso o conceito de “Batalhadores” apresentam limites. Além
disso, elas estão no emprego produtivo, e por isso não estamos lidando com um setor que está fora do sistema de
produção, como é majoritariamente “subproletariado” e na sua grande maioria não tem os direitos formais do
trabalho, como requer o conceito de “Precariado”.
57

sociais que possibilitassem aos brasileiros identificarem-se como tal. Dessa forma foi
construído um “mito” da identidade nacional que reúne elementos que servem, de um lado,
aos interesses políticos e econômicos conservadores, e, de outro, a manutenção de um status
quo social que fosse capaz de reproduzir as desigualdades sociais não somente pela
perspectiva do emprego da violência física, mas pela forma do consenso, no qual seria
possível às classes subalternas e trabalhadoras aceitarem e reproduzirem sua condição
subordinada e submissa na sociedade de classe, incorporando uma visão de mundo
naturalizada pela classe dominante.30 Entender a construção dessa “brasilidade” é essencial
para a compreensão da maneira com a qual se reproduzem estruturas desiguais e excludentes.
Para Souza, (2009, p. 38).

O elogio da unidade, da homogeneidade, da índole pacifica do povo brasileiro, do


encobrimento e da negação dos conflitos de toda a espécie, assim como, no outro
polo, a demonização da crítica e da explicitação do conflito e das diferenças
ganham, a partir desse contexto discursivo e até nossos dias, sua articulação e
legitimação máximas.

O capitalismo brasileiro passou a operar intensamente com a perspectiva da


meritocracia.31 Foi a partir dessa percepção que se tornou possível justificar a demasiada
gama de privilégios com os quais contava a elite brasileira desde seu nascimento. Dessa
forma, o sucesso das classes dominantes foge a possibilidade de questionamento e passa à
ideia de mérito próprio e esforço individual. A outra afirmação possível só poderia ser a de
que o fracasso das classes trabalhadoras nada mais é do que a materialização da sua forma de
viver e exercer o trabalho, tomado pela “preguiça”, pela “pouca ousadia” além de outras
características supostamente naturais, como a falta de talento para atividades que exigem
esforço intelectual ou mesmo dificuldades para se concentrar. Para Jessé Souza, (2009 p. 43),
“o que assegura, portanto a justiça e a legitimidade do privilegio moderno é o fato de que ele
seja percebido como conquista do esforço individual”. O que torna possível essa ideia é a
percepção de que a sociedade brasileira moderna é democrática e fundada na igualdade e
liberdade entre os indivíduos, na qual as escolhas e as trajetórias pessoais decorrem de
decisões individuais, negando, com isso, a existência de uma dinâmica social que incluiu

30
Essa noção identifica-se com o conceito de Hegemonia de Gramsci que apresenta uma perspectiva para pensar
as relações sociais. O conceito de hegemonia para o autor busca problematizar a determinação estrita da estrutura
sobre a superestrutura, mostrando que nas sociedades modernas a superestrutura tem um papel importante. Dessa
forma a hegemonia se constroem para não somente a partir da força, mas como parte do consenso criado a partir
da atuação da sociedade civil e dos aparatos ideológicos do Estado.
31
Denis Marraci Gimenez (2008) em sua tese de doutorado mostrou que embora existisse uma intelectualidade
progressista, almejando reformas no capitalismo, a perspectiva da meritocracia, da desigualdade e o
encaminhamento da “questão social”, passaram à margem da agenda política e econômica do país.
58

poucos e excluiu muitos. Para o autor isso só é possível por que as causas do sucesso e do
fracasso são silenciadas, é o “esquecimento” da dimensão social na vida individual que
permite a celebração do mérito e a legitimação dos privilégios.

O “mito” da brasilidade, nesse sentido, funcionou como um amortecedor de


possíveis tensões sociais, principalmente as que seguramente emergiriam com a
industrialização brasileira e a modernização do país.

Um segundo conceito que utilizo nessa dissertação é o de “intocáveis”, cunhado


por Marcio Pochmann (2014) que remete à condição na qual permaneceu parcela da classe
trabalhadora (em especial as trabalhadoras domésticas) ao longo da trajetória de
desenvolvimento nacional. Segundo Pochmann (2014) “Por intocável entende-se uma massa
de pessoas desconectada, parcial ou plenamente, das políticas públicas que seriam capazes de
incluí-las no padrão de cidadania existente no país, em geral circunscrito à elite”. (p. 8). Nesse
sentido o Brasil – por força de uma elite conservadora e de uma posição subordinada no
capitalismo mundial – optou por desenvolver o país negligenciando a construção de uma
nação que prezasse pela igualdade e invertendo a lógica na qual o desenvolvimento
econômico e social viria à frente dos interesses de mercado. Ainda segundo o autor (2014, p.
13).

Nos seus mais de 5 séculos o Brasil explicitou como poucos a sua inegável
capacidade de produzir e reproduzir uma sociedade profundamente iníqua. Houve
apenas uma incorporação seletiva, parcial e gradual dos intocáveis. Construímos um
padrão de cidadania regulado, marcado por profundas diferenças.

Assim, a classe trabalhadora como um todo sofre as mazelas de uma construção


de nação dependente e subordinada, a qual optou por uma integração ao capitalismo
internacional em detrimento da modernização e desenvolvimento interno. No entanto, existe
uma parcela da classe trabalhadora que vem sendo, sistematicamente, excluída de um padrão
civilizatório de país, no qual os progressos do capitalismo parecem não romper algumas
barreiras. É desse contingente ou dessa fração da classe trabalhadora que estamos nos
referindo. Dentre os “intocáveis”, as trabalhadoras domésticas são um importante expoente,
vivendo à margem das políticas públicas, do pleno exercício da cidadania, da participação
política e do conjunto dos direitos sociais e trabalhistas obtidos através do emprego formal,
pois apenas 31% delas contam com carteira de trabalho. Segundo o autor, a única política de
Estado no qual convivem esses setores sociais é a existência da polícia e sua repressão aos
pobres.
59

Os “intocáveis” servem como um estoque de mão-de-obra informal que ora pode


ser melhor incorporado ao mercado de trabalho - nos ciclos de crescimento econômico - e ora
pode ser redefinido em seus funções, nos momentos de recessão. Nesse sentido, o fracasso da
perspectiva neoliberal mobilizou esse estoque de trabalhadores para suprir as necessidades de
serviços da classe média, podendo vender sua força de trabalho por trocados. Foi o caso do
aumento do número de trabalhadoras domésticas e de outros prestadores de serviços às
famílias. Segundo Pochmann (2014, p. 15).

Esse exército de sobrantes e marginalizados, com atividades remuneradas ou não,


que se reproduziu fundamentalmente pelo circuito das altas rendas e da ilegalidade,
somente sofreu uma importante inflexão a partir de 2004, quando a opção
governamental passou a enfrentar de forma decisiva a condição de intocáveis no
Brasil.

Tabela 10: Distribuição percentual dos domicílios que são chefiados por trabalhadoras
domésticas segundo situação de pobreza nos períodos de 1995, 2003 e 2013

1995 2003 2013


Extremamente Pobre
30,3% 31,51% 10,43%
(Até 1/4 de SM)
Pobre
32,6% 32,22% 22,27%
(Mais de 1/4 a 1/2 SM)
Não Pobre
37,1% 36,27% 67,3%
(Mais de 1/2 SM)
Fonte: Brasil sem Miséria. Elaboração Própria.

Os dados acima expressam a melhora substantiva das trabalhadoras domésticas no


período dos anos 2000, especialmente na queda da participação entre os mais pobres, como
junção da incidência das políticas públicas de transferência de renda e das políticas
relacionadas à melhoria do mercado de trabalho, expresso especialmente pela valorização do
salário mínimo. Como se percebe na tabela acima, em 1995 e em 2003 em média 30% dos
domicilio chefiados por trabalhadoras domésticas situavam-se na pobreza, e apenas 37,1%
eram considerados não pobres. Embora os indicadores de pobreza também careçam de
análises mais completas e estruturais, eles são um parâmetro mais geral para sua análise. É
preciso atentar que as estatísticas que medem pobreza não são neutras (POCHMANN, 2007),
uma vez que tendem a desconsiderar a perspectiva da desigualdade social e da distribuição da
renda.32 O ano de 2013 apresenta umas das principais características de melhora no perfil do

32
Segundo Pochmann (2007) os indicadores tradicionais de medição da pobreza levam em conta o conceito de
pobreza “absoluta”, que tende a ser identificado apenas em termos monetários e das carências materiais de
reprodução da vida humana. Dessa forma desconsideram as questões distributivas.
61

2.4. As trabalhadoras Domésticas tem Gênero

Esse subitem é destinado à tratar da problemática de gênero que envolve a


natureza e a execução do trabalho doméstico. O fato de usarmos a terminologia “trabalho” em
detrimento de “emprego” também reside na necessidade de afirmar o serviço doméstico como
“trabalho” (entendendo que essa categoria ainda está em disputa na sociedade). Além disso,
passa pela dimensão de que as mulheres dessa categoria, em que pese à natureza distinta desse
trabalho – também são pertencentes à classe trabalhadora, embora o conflito Capital/Trabalho
se expresse de outra forma33.

Segundo Maria Betânia Ávila, (2008), compreender as relações sociais presentes


na dinâmica do trabalho doméstico é condição necessária para compreender o Brasil. O
trabalho doméstico instaura uma contradição na esfera pública e privada, e explicita um
confronto e uma contradição de classe, gênero e raça. Dentro da perspectiva de gênero a
contradição ainda é mais significativa. O trabalho doméstico remunerado é uma forma
importante de inserção das mulheres no emprego assalariado, e é – ao mesmo tempo –
condição para que mulheres da classe média possam realizar os seus trabalhos remunerados,
livrando-se – parcialmente – das atividades do lar. Assim, a perspectiva de classe se sobrepõe,
parcialmente, a identidade de gênero, e explicita que parte significativa da contradição de
gênero tem a ver com a manutenção da não divisão das tarefas de reprodução social no
domicílio, ou seja, a família patriarcal é o que mantém essa perpetuação em última instância.

Compreender as trabalhadoras domésticas a partir da análise das


diferenças/desigualdades de gênero é imprescindível para apreender as especificidades desse
trabalho, principalmente as do ponto de vista da “naturalização” da tarefa, da baixa
valorização e do baixo rendimento.

Primeiramente faz-se necessário compreender a categoria em termo relacionais da


perspectiva de gênero, como demonstra a tabela abaixo.

33
O Conflito Capital/Trabalho não é aquele encontrado na literatura clássica marxista que é atribuído a
apropriação privado do excedente econômico.Ver mais em Salário e mão-de-obra excedente de Paulo Renato de
Souza (1980).
62

Tabela 11:Quantidade absoluta e proporcional de homens e mulheres no emprego


doméstico em 2014

2014
Homens Mulheres Homens Mulheres
Trabalhadoras Domésticas 514.644 5.939.240 8% 92%
Total 6.453.884
Fonte / PNAD-IBGE. Elaboração Própria

Ou seja, a presença de homens é demasiadamente residual nessa categoria,


representando escassos 8% do total dos trabalhadores em 2014.É com base nesses dados
apresentados que justifico minha opção metodológica por tratar “trabalhadoras” no seu
substantivo feminino, bem como parte significativa dos próximos gráficos e tabelas não virão
recortadas por gênero, uma vez que a presença nos homens é pouco significativa
estaticamente para a análise da categoria. Dessa forma, trato como “trabalhadoras domésticas”
os resultados da categoria como um todo, mesmo que dentro desse universo existam alguns
homens. Essa é uma opção metodológica que se justifica pela já mencionada pouca
representação estatística dos homens nessa função.

2.4.1. A Divisão Sexual do Trabalho.

Partimos de uma análise histórica que compreende que na sociedade capitalista e


patriarcal34, o gênero funciona como uma variável de desigualdade. A “Divisão Sexual do
Trabalho” é a maneira como o trabalho é dividido socialmente nas relações entre os sexos,
sendo essa forma histórica e conjunturalmente modificada em cada sociedade. Nesse sentido,
a divisão sexual do trabalho nasce nas sociedades pré capitalistas, estipulando diferenças e
divisões no interior do trabalho e da família. O Advento do capitalismo marca, no entanto, a
estanque divisão entre trabalho de produção e trabalho de reprodução social, sendo que o
último passa a ser de responsabilidade exclusiva das mulheres e subordinado em relação ao
primeiro35. É a partir dessa acepção que compreendemos que embora a divisão sexual do

34
Historicamente, o patriarcado, entendido como um sistema de dominação masculina, predominou nas
estruturas estatais mantendo intactas as formas de divisão sexual do trabalho e perpetuando a violência cotidiana
contra as mulheres (PARADIS, 2014).
35
A divisão sexual do trabalho não nasce com a divisão das sociedades em classe. O trabalho historicamente foi
dividido entre homens e mulheres. No entanto, não havia uma diferença de valoração entre os usos do trabalho,
no que tange ao valor de uso e ao valor de troca de trabalho e mercadorias. É com a apropriação privada dos
63

trabalho seja anterior à hegemonia do modo de produção capitalista, foi com o seu advento
que a variável sexo passou a ser utilizada para exploração/dominação da mulher, “assim é que
o sexo, fator de há muito selecionado como fonte de inferiorização social da mulher, passa a
interferir de modo positivo na atualização da sociedade competitiva, na constituição das
classes sociais”. (SAFFIOTI, 2013, p.66).

O conceito de “Divisão Sexual do Trabalho” utilizado nesse trabalho é o


elaborado por Helena Hirata e Daniele Kergoat36 e chega ao Brasil com notável influência da
Sociologia Francesa, que buscou romper com os paradigmas dominantes de compreensão das
relações sociais, incorporando a dimensão de gênero à interpretação da sociedade,
especialmente na esfera do trabalho. Segundo Hirata e Kergoat (2007), existem duas formas
de tratar a segmentação do trabalho por sexo. Uma primeira trata mais das desigualdades entre
homens e mulheres e do acúmulo da soma dessas desigualdades, caracterizando-se como uma
análise que tem por objetivo conciliar esse quadro geral. A segunda noção, e é nessa que me
situo, procura remontar as nascentes dessas desigualdades e, portanto, “compreender a
natureza do sistema que dá origem às desigualdades” (HIRATA & KERGOAT 2007 p. 597).

A Divisão Sexual do Trabalho, segundo Kergoat e Hirata (2007) é guiada por dois
princípios fundamentais. O primeiro deles é o princípio da “separação” (existem trabalhos de
homens e de mulheres), e o segundo princípio é o da “hierarquização” (o trabalho dos homens
vale mais do que o das mulheres). Para as autoras (2007, p. 599).

Esses princípios podem ser aplicados graças a um processo específico de


legitimação, a ideologia naturalista, que empurra o gênero para o sexo biológico,
reduz as práticas sociais a papéis sociais sexuais, os quais remetem ao destino
natural da espécie.

A divisão sexual do trabalho, portanto, não é neutra (NOGUEIRA 2006), ela tem
uma dimensão intencional que serve para que a discriminação de sexo possa ser melhor
explorada no ambiente doméstico e do trabalho remunerado. Para Kergoat (2003, p. 26).

Essa partição dos sexos na produção e na reprodução traduz, então uma divisão
sexual, que estrutura assim as relações entre os sexos sobre uma base tanto política
quanto econômica. Com efeito, a designação prioritária das mulheres para a
reprodução sempre foi acompanhada de sua exclusão do campo sociopolítico.

meios de produção e com o advento do capitalismo e sua perspectiva maximizadora de lucro, que o gênero e o
trabalho da mulher passam a ter menor valor social.
36
O conceito de Divisão Sexual do Trabalho é anterior as autoras supracitadas. No entanto, na acepção utilizada
de separação e hierarquização do trabalho, as duas autoras são as pioneiras.
64

A Divisão Sexual do Trabalho não se materializa somente na esfera do mercado


de trabalho ou do emprego remunerado. Existe uma dimensão da divisão sexual que é geral,
do estabelecimento dos papéis sociais. Dessa forma naturaliza-se no imaginário social
coletivo que os homens sejam designados para a atuação nas esferas públicas da sociedade
(política, cargos de direção, trabalhos que envolvem capacitação intelectual), e o correlato
dessa análise é que às mulheres é designada a esfera privado do lar. Nesse sentido as
atividades referentes aos cuidados com o domicílio, com as crianças e idosos, além das tarefas
domésticas são de responsabilidade exclusiva feminina. “As mulheres são socializadas para
acreditar que suas qualificações e suas competências (destreza, habilidade, competência em
matéria de cuidar...) são fatos da natureza e não da cultura” (KERGOAT, 2014, p.15). Dessa
relação, dizemos que estrutura-se uma divisão estanque entre os trabalhos de produção e os
trabalhos de reprodução social. No entanto, em que pese o trabalho de produção de riquezas e
mercadorias na sociedade capitalista já ser dividido entre homens e mulheres, o trabalho
doméstico gratuito de cuidados ainda segue sendo “naturalmente” uma tarefa exclusiva das
mulheres. Existe uma recusa da sociedade e das Universidades nas suas mais distintas áreas
do conhecimento, de identificar o trabalho que as mulheres exercem gratuitamente nos seus
lares como trabalho. Segundo Teixeira (2013) a própria economia tradicional analisa a divisão
do trabalho partindo do pressuposto de que são as habilidades dos indivíduos que orientam
suas decisões e sua opção pelo trabalho, no caso o trabalho das mulheres na esfera não
mercantil e o dos homens voltado para o mercado.
Para a Economista Antonella Picchio (1999) as ciências econômicas,
especialmente na sua acepção neoclássica, não são capazes de compreender as
particularidades do trabalho de reprodução social, uma vez que só consideram trabalho aquilo
que gera excedente e pode ser precificado no mercado de consumo. Essa relação gera uma
invisibilidade nas contas nacionais, que não avaliam o impacto econômico – embora não
monetário – desse trabalho na reprodução familiar, para a autora (1999, p. 221)
A visibilidade do trabalho doméstico como reivindicação política não somente se
propõem a explicitar a relação entre trabalho de produção e de reprodução social,
mas também abrir um debate sobre as normas de distribuição, os modos de produção
e a qualidade da relação entre produção e reprodução.

“Por conseguinte, como fruto desse duplo processo que engendra, ao mesmo
tempo, o processo de trabalho do capital e o processo de trabalho doméstico, a economia
política só retratará o estrito espaço do valor, e rejeitará o resto.” (HAKIKI-TALAHITE, 1986
p. 97). Dessa forma, a teoria neoclássica do valor só identifica aquele trabalho destinado à
65

esfera mercantil. Atualmente teóricas feministas marxistas tem se dedicado a atualizar e


inserir a perspectiva de gênero nas categorias fundamentais da Economia Política,
compreendendo que a dimensão de classe na estruturação do capitalismo tem uma face
sexuada.

Assim, em que pese tenha havido maior participação feminina no trabalho


produtivo, a divisão sexual das tarefas relacionadas ao trabalho doméstico realizado para
autoconsumo das famílias não logrou as mesmas transformações. É com base nessa relação,
dos usos sociais do tempo de homens e mulheres, que dizemos que a mulher desempenha uma
dupla jornada de trabalho. Segundo Ávila (2009, p. 29).

As jornadas de trabalho remunerado e não remunerado que caracterizam a


experiência de trabalho da grande maioria das mulheres trabalhadoras produzem
uma sobrecarga de trabalho que, no cotidiano afeta a forma de inserção no mercado
de trabalho, a participação política cidadã, o lazer, as condições para o estudo e o
desenvolvimento da profissionalização, e, ainda, a possibilidade do uso do tempo
para si.

2.4.2. A mulher no mercado de trabalho brasileiro: avanços e desafios

Neste subitem vamos analisar a forma com que as mulheres se inserem no


mercado de trabalho brasileiro, atentando para o conjunto de desigualdades que permanecem
na esfera do mercado. Primeiramente é importante salientar que “a mulher das camadas
sociais diretamente ocupadas na produção de bens e serviços nunca foi alheia ao trabalho”
(SAFFIOTI, 2012, p. 61). Nesse sentido entendemos que as mulheres da classe trabalhadora
sempre estiveram - mesmo que de maneira informal ou sem rendimento – na esfera do
trabalho.

Os anos 1930, no entanto, marcam um período histórico no qual as mulheres, e


incluindo as da baixa classe média, também passam a ingressar no mercado formal de
trabalho. Para Saffioti (1979, p. 10).

Embora a independência econômica não seja o suficiente para colocar a mulher em


plano de igualdade com o homem, sendo necessárias para isso não apenas
transformações radicais como também uma verdadeira revolução ideológica, o
desempenho de uma atividade profissional é condição sine qua non para a
participação da mulher em outras esferas da vida social.

Nesse sentido, embora o mercado de trabalho reitere as relações desiguais de


gênero, e imponha às mulheres uma dupla ou às vezes tripla jornada de trabalho – pela
obrigatoriedade dos afazeres domésticos – o trabalho remunerado das mulheres não pode ter
66

questionada sua importância. Participar dos espaços do mercado é romper com uma lógica
estritamente privada de contato com outras pessoas. O elemento da socialização, da atividade
produtiva37 e o contato com o conjunto de reivindicações da dinâmica do trabalho é condição
necessária – embora não única – de construção de novas relações de gênero e emancipação
das mulheres. Além disso, somente encarando a contradição entre exercer uma tarefa
produtiva acumulando com o trabalho doméstico gratuito, pode ensejar uma mudança na
consciência e uma percepção da desigualdade.

Nesse sentido as mulheres ingressam nas fileiras do mercado de trabalho, mas


com local e finalidade bem delimitadas. O capitalismo apropria-se da variável gênero,
construindo condições objetivas e subjetivas de utilizá-lo para a maximização dos seus lucros.
Segundo Saffioti (1979, p. 40).

As desvantagens sociais que atingiam as mulheres permitiram que o capitalismo


nascente extraísse ‘o máximo de mais-valia absoluta através, simultaneamente, da
intensificação do trabalho, da extensão da jornada de trabalho e de salários mais
baixos que os masculinos’. Isso porque, para a acumulação do capital, era
insuficiente a mais valia relativa obtida através do emprego da tecnologia de então, a
maquina já havia, sem duvida, elevado a produtividade do trabalho humano; não,
entretanto, a ponto de saciar a sede de enriquecimento da classe burguesa.

Além de atuar como força de trabalho barata para o capital, as mulheres logram se
inserir nas atividades mais precarizadas, ou quando uma determinada tarefa passa a ser
desempenhada majoritariamente por mulheres, a mesma passa a ser ressignificada e perde
valor social, “a questão está no fato de que o sexo daqueles(as) que realizam as tarefas, mais
do que o conteúdo da tarefa, concorre para identificar tarefas qualificadas ou não
qualificadas” (SOUZA-LOBO, 1991, p. 151). Algumas atividades, como professores do
ensino primário, na medida em que foram ocupadas por mulheres perderam prestígio e
valorização monetária.

As mulheres, assim, inserem-se no mercado por dois caminhos, prioritariamente.


O primeiro deles são as atividades próprias de uma suposta “natureza” feminina, associada à
execução de tarefas para as quais elas foram socializadas na criação familiar. Dessa forma, os
trabalhos nos setores de saúde e cuidados, as prestações de serviços e o trabalho doméstico
são as principais formas de entrada no mercado, especialmente para as mulheres da classe

37
Quando utilizo a expressão “produtiva” quero me referir à aquelas atividades ligadas à estrutura de produção,
ou seja, aquelas tarefas ligadas ao mercado de trabalho ou a obtenção de rendimentos do trabalho. Compreendo
que as tarefas das mulheres exercidas de forma gratuita nos lares não são menos “produtivas”, porém, elas são de
outra natureza, e embora seja de extrema importância e tenha um valor econômica, não são dessas que estamos
tratando quando estabelecemos essa relação, e sim das ligadas às atividades remuneradas extra domésticas.
67

trabalhadora. Por outro lado, a outra forma com que historicamente as mulheres pobres têm se
inserido no emprego assalariado é mediante a ocupação dos postos de trabalho mais
precarizados e mal remunerados, os quais - não coincidentemente - são os mesmos que fazem
alusão às características femininas de “cuidado”, “sensibilidade”, “habilidades manuais” entre
outros. “Observa-se que, nesse setor, a entrada das mulheres ocorre, muitas vezes, na forma
de inserção excluída, ou seja, em funções menos qualificadas e com menor oportunidade de
mobilidade ocupacional.” (NEVES, 2013, p.415). Nogueira (2004) reitera essa constatação
afirmando que “paradoxalmente, apesar de ocorrer um aumento da inserção da mulher
trabalhadora, tanto no espaço formal e informal do mercado de trabalho, ele traduz
majoritariamente nas áreas onde predominam os empregos precários e vulneráveis” (p. 39).
Estas constatações estão incluídas também em textos de organismos internacionais, que
contribuem para explicitar a desigualdade das mulheres internacionalmente. Segundo dados
da OIT (2005, p. 42).

Apesar de, durante os últimos 15 anos, também se observar um crescimento


importante das taxas de ocupação femininas, há mais mulheres que homens nos
níveis inferiores de cada profissão em termos de produtividade, renda e/ou posição
hierárquica, tanto no trabalho por conta própria nas zonas urbanas e rurais quanto no
emprego assalariado formal nos setores público e privado. Por conseguinte, as
desvantagens relativas ao gênero impedem que as mulheres que ocupam um posto
de trabalho se beneficiem plenamente do fato de haver conseguido acesso ao
emprego. As desigualdades de gênero apresentam-se novamente nos termos e nas
condições de emprego, assim como nos trabalhos de qualidade relativamente mais
baixa.
Tabela 12:Trabalho doméstico proporcional ao trabalho total e ao trabalho das
mulheres

1995 2003 2008 2009 2013 2014


Total de mulheres ocupadas 27.754.699 33.476.465 39.601.805 39.923.925 41.111.487 42.830.395
Total de ocupados 69.610.845 80.775.414 93.420.362 93.783.537 96.659.379 99.447.612
Proporção de domésticas por total
18% 19% 17% 18% 16% 15%
de mulheres ocupadas
Proporção de domésticas por total
7% 8% 7% 8% 7% 7%
de ocupados
Fonte: / PNAD-IBGE. Elaboração Própria

Embora o ano de 2003 apresente um número absoluto menor que dos anos da
década de 2000 referente à quantidade absoluta de ocupados no emprego doméstico, como
demonstrado na tabela acima, sua análise percentual nos indica que do total de mulheres
ocupadas – em 2003 – 19% trabalham no serviço doméstico, e esse percentual representava
68

8% do total dos trabalhadores ocupados no mesmo ano. Percentual como esse apenas foi
verificado no ano de 2009, o qual teve fortes reflexos da crise econômica internacional.

Gráfico 10 Trabalhadoras domésticas por ocupados e por mulheres ocupados. 1995-


2014

30%

8%
25% 8%
7%
7%
7% 7%
20%
Proporção de
18% 19% domésticas por total de
18%
15% 17% ocupados
16%
15% Proporção de
10% domésticas por total de
mulheres ocupadas

5%

0%
1995 2003 2008 2009 2013 2014
Fonte: / PNAD-IBGE. Elaboração Própria

Dessa forma, embora sua presença absoluta tenha sido menor, a década de 90 teve
grande influência na concentração de mulheres no emprego doméstico, principalmente com
referência ao ano de 2014, no qual 15% de mulheres dedicavam-se a esse setor, isso
representa uma diferença de 4 pontos percentuais em relação ao ano de 2003. Segundo
Mirian Nobre, “O crescimento do emprego doméstico surge como resposta à crise da
acumulação e como resultado da diminuição de postos de trabalho nos setores outrora
dinâmicos da economia. (NOBRE, 2004, p. 65). Além dessa constatação, outro fator que
chama a atenção na análise é outra vez o peso constante do trabalho doméstico no total da
ocupação. Visto sob o ponto de vista percentual a análise fica ainda mais nítida, variando
apenas 1 ponto percentual dos anos de recessão (década de 90) ou crise (ano de 2009), para
momentos de crescimento mais acentuado da economia, como na primeira década dos anos
XXI.
69

Tabela 13: Mulheres ocupadas por setor de atividade em 2003 e 2014

SETOR DE
ATIVIDADE 2003 2014 Variação absoluta Variação %
ECONOMICA

Total Total
Agrícola 5.397.068 416.5953 -1231115 -22.8%
Outras atividades
88.102 93.323 5221 5.9%
industriais
Indústria de
4.062.578 4.555.364 492786 12.1%
transformação
Construção 123.065 281.896 158831 129.1%
Comércio e
5.327.716 7.169.313 1841597 34.6%
reparação
Alojamento e
1.445.204 2.549.465 1104261 76.4%
alimentação
Transporte,
armazenagem e 425.506 693.019 267513 62.9%
comunicação
Administração
1.482.304 2.142.200 659896 44.5%
pública
Educação, saúde e
5.590.022 7.584.622 1994600 35.7%
serviços sociais
Serviços domésticos 5.795.930 5.997.091 201161 3.5%
Outros serviços
coletivos, sociais e 1.711.640 2.405.096 693456 40.5%
pessoais
Outras atividades 2.004.099 3.466.099 1462000 73.0%
Total 33.453.234 41.103.441 7650207 22.9%

Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração Própria/

Esses números ajudam a exemplificar o peso do emprego doméstico para as


mulheres. Embora tenha aumenta o peso absoluto, o seu componente relativo teve queda
expressiva, o que significa que há traços nítidos de perda de força desse setor na criação de
postos de trabalho para as mulheres. Os outros setores, com exceção do agrícola tiveram uma
aceleração positiva e rápida na criação de postos de trabalho para as mulheres, diferentemente
dos serviços domésticos que apresentaram queda no período 2003-2014.

Em 2003, o serviço doméstico respondia pela absorção de 17,3% da mão de obra


feminina que estava em exercício de alguma atividade produtiva, caracterizando-se – ainda –
como a principal receptora de força de trabalho das mulheres. No Brasil, o emprego
doméstico foi o setor que mais criou postos de trabalho nos anos 1990. (NOBRE, 2004, p.
65). O ano de 2014 apresenta, nesse sentido, uma melhora substantiva. Em primeiro lugar é
70

visível e positivo o aumento do número absoluto de mulheres que exercem atividades extra
domésticas assalariadas, passando dos 33 milhões para 41 milhões em 2014. O peso do
emprego doméstico no montante da mão de obra feminina também sofre uma regressão
significativa. Passa da primeira ocupação na absorção de força de trabalho para o terceiro
lugar, ficando atrás de “Educação, saúde e serviços sociais”, com 18,5% e “comércio e
reparações” com 17,4%.Das 7.650.207 "novas" mulheres ocupadas, 2003-2014, apenas
201.161 mulheres entraram no setor de serviços domésticos. Pode-se dizer que de cada 100
novas mulheres ocupadas, menos de 3 entraram neste setor.

Embora esse seja um percentual ainda muito alto, sua queda aponta para algumas
mudanças importantes, principalmente como causa das melhoras nos indicadores no mercado
de trabalho e do desempenho da economia nos anos 2000 e na melhor inserção das mulheres
em outras atividades produtivas, demonstrando alguma mobilidade social entre os mais
pobres, que são os majoritários ocupantes dessa categoria. Uma análise completa mereceria
averiguar para quais empregos migraram essas mulheres que deixaram de serem trabalhadoras
domésticas, o que – não entanto - não foi possível nessa pesquisa dado das dificuldades de
obtenção desses dados. Nossa hipótese é que essas mulheres seguem inserindo-se de forma
precária na estrutura produtiva, tendo sido absorvida por outros empregos tradicionais
femininos, como manicures, telemarketing entre outros. Embora do ponto de vista da
remuneração não haja tanta diferença, da perspectiva social e da proteção trabalhistas esse é
sim um fator que aponta alguma mobilidade social.

O gráfico a seguir apresenta as mesmas informações da tabela acima, porém com


uma visualização comparativa.
71

Gráfico 11:Participação de mulheres nas ocupações em 2003 e 2014

Outras atividades
Outros serviços coletivos, sociais e pessoais
Serviços domésticos
Educação, saúde e serviços sociais
Administração pública
Transporte, armazenagem e comunicação
Alojamento e alimentação
Comércio e reparação
Construção
Indústria de transformação
Outras atividades industriais
Agrícola

0 0,05 0,1 0,15 0,2


2014 2003
Fonte: PNAD-IBGE/ Elaboração Própria

Dessa forma observa-se não somente a perda da participação do trabalho


doméstico no total da ocupação das mulheres, como a relativa permanência da segregação
ocupacional por sexo38, uma vez que as mulheres seguem concentrando-se de forma
expressiva nas ocupações tipicamente “femininas”, como é o caso da “Educação, Saúde e
Serviços Sociais”. Já as atividades ligadas aos setores industriais, abarcam tão somente 11%
da mão de obra feminina, tendo inclusive perdido força com relação a 2003, quando esse
percentual era de 12%. No entanto, elementos como a perda da participação industrial no PIB
e o fenômeno da “desindustrialização” tem forte capacidade explicativa sob essa diminuição.

Além da segregação por ocupações, existe uma “Divisão Sexual Vertical de


Gênero”, que não só divide, mas também hierarquiza o que é trabalho de homens e mulheres,
atribuindo determinados valores à sua realização. Nesse sentido, compreende-se que as
mulheres estão em uma situação de desvantagens com relação aos homens, no que
compreende a remuneração salarial, a ascensão profissional e as condições de trabalho, que

38
Chamo “relativa” por que embora não tenha mudado estruturalmente, a forte presença de mulheres no
mercado de trabalho modificou parte da estrutura ocupacional. Destaques especiais são feitos à perda de
importância relativa do trabalho doméstico no total do trabalho das mulheres, assim como a perda expressiva de
participação no trabalho agrícola, no qual os rendimentos são baixos e a autonomia feminina é menor, além de
grande parte da produção feita pela mulher não entrar na conta do “trabalho”. Esses dados atestam importantes
inflexões positivas na década.
72

são marcadas – prioritariamente – pelo elemento da discriminação e do assédio moral e/ou


sexual. O conceito de “pirâmide ocupacional de gênero” retrata bem essa situação, na qual é
possível identificar que os trabalhos que exigem menos qualificação profissional, que tem
menos prestígio social e menor remuneração são ocupados por maioria de mulheres, no
entanto os cargos relacionados à chefia, gerência, prestígio social bem como os ligados a
participação na esfera pública, são majoritariamente relegados ao sexo masculino. Ainda no
que se refere às diferenças/desigualdades no interior do mercado de trabalho, destaca-se a
ocorrência de contratação seletiva de mulheres, privilegiando a imagem social, a jovialidade e
a não disposição imediata de engravidar.

No que tange à experiência profissional, as mulheres também largam em


desvantagem, isso por que os homens costumam permanecer no mercado de trabalho de
forma ininterrupta – salvo caso de doença – já as mulheres frequentemente ausentam-se no
mercado de trabalho por motivos ligados a gravidez, a doenças na família, bem como as
situações de recessão econômica e desemprego. “A atividade econômica das mulheres é
descontínua, basicamente em razão de momentos cruciais de seu ciclo vital, dos quais o mais
relevante é a maternidade” (YANNOULAS, 2002, p. 16).

Além disso, no que tange à flexibilização do mercado de trabalho, levada a cabo


nos anos 90, ela afeta de maneira diferenciada a homens e mulheres. Com isso quero dizer
que a flexibilidade e a precaridade também são sexuadas, nesse sentido, segundo Hirata
(2000, p. 45).

A flexibilidade externa às instituições, vindas da terceirização de algumas tarefas e


serviços, é obtida principalmente pelo recurso à mão-de-obra feminina, e através de
empregos precários, trabalho de tempo parcial, horários flexíveis, anualização do
tempo de trabalho. Assim, a flexibilização dos mercados de trabalho aumentaria as
desigualdades entre homens e mulheres quanto às condições de trabalho e emprego.

Do ponto de vista das transformações no mercado de trabalho advindas da 3ª


Revolução Industrial e Tecnológica, denominadas de “reestruturação produtiva”, as mulheres
são mais afastadas das experiências inovadoras, particularmente em setores estratégicos de
ponta da economia nacional. Pesquisas têm apontado (HIRATA 2000) para uma nova fase de
“masculinização” da força de trabalho quando o tema são as inovações industriais e
científicas. Com isso, estamos assistindo a um ciclo no qual novos elementos tem reforçado a
desigualdade entre homens e mulheres. “o mundo do trabalho parece que não só é capaz de
reproduzir, mas também de inovar as configurações assimétricas das identidades e das
73

divisões de papeis.” (CAPELLIN, DELGADO & SOARES, 2000. p13).

Esses elementos contribuem para criar um cenário que divide o mercado de


trabalho brasileiro entre, de um lado os trabalhadores qualificados, mais bem pagos, com
estabilidade e compondo a ponta da cadeia produtiva – que são majoritariamente
representados por homens – de, de outro lado, os postos de trabalho mais mal remunerados, os
contratos flexíveis, os trabalhos temporários – em geral representado pelo grupo das
mulheres.

É com base nesses apontamentos que o trabalho doméstico remunerado é uma


materialização das condições de entrada das mulheres pobres no mercado de trabalho. Nesse
sentido, a informalidade, a marginalidade, a precariedade e a relação com as tarefas
naturalizadas das mulheres, são marcas dessa ocupação. A partir dessas constatações tem-se
que as mulheres da classe trabalhadora – especialmente as negras e as componentes do que se
chama de “Ralé” – tem suas trajetórias no mercado de trabalho marcadas pelo baixo
rendimento, desvalorização social e pouca possibilidade de mobilidade ocupacional, ficando
circunscritas a um universo de precarização da forma de trabalho feminina.

Como já alertado por Elisabeth Souza-Lobo (1991), algumas ocupações


específicas são desvalorizadas menos pelo conteúdo executado e mais por uma alocação de
gênero. O mesmo ocorre como trabalho doméstico assalariado. As profissões componentes
desse universo de trabalho também incluem empregos tipicamente masculinos, como
motoristas particulares e jardineiros. Embora essas ocupações tenham menor centralidade para
o desenvolvimento e reprodução das famílias – em comparação com o trabalho doméstico e o
de cuidados – elas são mais bem remuneradas. A única explicação, me parece, reside mais
uma vez na perspectiva de gênero, que tende a desvalorizar aquele trabalho exercido pelas
mulheres, e – especialmente – os que caracterizam atividades tipicamente femininas.
74

Tabela 14: Renda média nominal de homens e mulheres ocupados no trabalho


doméstico por registro em carteira no ano de 2014

Homem Mulher

Trabalhador doméstico com carteira de


1160,22 925,62
trabalho assinada

Trabalhador doméstico sem carteira de


782,85 578,83
trabalho assinada

Total 965,40 683,75


Fonte: PNAD/IBGE/ Elaboração Própria

Ainda em termos de desvalorização do trabalho feminino temos a seguinte tabela


que expressa os diferenciais de rendimento entre homens e mulheres no emprego doméstico
no ano de 2014. Ou seja, para os trabalhadores com carteira de trabalho as mulheres recebem
apenas 79% do rendimento dos homens, e para as sem carteira esse percentual ainda é menor,
representado por apenas 72% do rendimento masculino. A explicação já foi elencada acima,
mas relaciona-se – principalmente – com a maior desvalorização social das tarefas domésticas
ligados ao universo construído como das atividades tipicamente “femininas”. É com base
nesses atributos de gênero que nos parece que o serviço de motorista particular ou jardineiro
aufere maior rendimento com relação às atividades de limpeza, executadas pelas mulheres nos
domicílios.

A conclusão dessa caracterização é que existe uma forte relação entre escravismo,
capitalismo e patriarcado39, que atuam utilizando as diferenças sociais como forma de
maximizar a exploração do trabalho e a extração de mais-valia. Somente entendendo como
essa tripla articulação recaí sob uma categoria específica – as trabalhadoras domésticas - que é
possível ir além de uma análise superficial, descritiva e “economicista” e, concretamente,
compreender os mecanismos que ainda atuam no imaginário social coletivo da população
brasileira, e que mantém a condições para que essa categoria siga na informalidade e na
invisibilidade social. “Assim, a desvalorização do trabalho doméstico tem a ver não somente
com seu caráter reprodutivo, mas com a codificação cultural que o vê como um trabalho
simples, braçal, racializado e feminilizado.” (GUTIERREZ-RODRIGUEZ, 2010).

39
O Patriarcado é uma relação de dominação política, ideológica, social e cultural de homens sobre mulheres.
Um sistema que se casa perfeitamente com o capitalismo. Subordina as mulheres à uma lógica de dominação dos
homens e sua inferiorização com relação a eles.
75

2.5. A cor do trabalhador doméstico

Neste subitem nos propomos a realizar uma breve reflexão a cerca da opressão
racial e do racismo como constituintes e estruturantes do processo de acumulação capitalista
no Brasil, e de que forma persiste uma “divisão racial do trabalho” que impacta – de inúmeras
maneiras – a sociedade brasileira. Para tanto, nos deteremos nos seus impactos no mercado de
trabalho doméstico, foco desse trabalho de pesquisa.

Além da presença expressiva de mulheres na composição do setor – 92% de


mulheres e 8% de homens em 2014 – ainda existe um forte componente racial que necessita
ser analisado. Os dados da tabela a seguir expressam a racialização dessa profissão.

Tabela 15: Trabalhadores domésticos por sexo e raça nos anos de 2003 e 2014

2003 2014
Trabalhadoras
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Domésticas
Brancas 167.654 2.447.029 41% 42% 199.323 2.081.133 39% 35%
Negras 237.788 3.329.596 59% 58% 315.321 3.858.107 61% 65%
Total 405442 5776625 100% 100% 514644 5939240 100% 100%
Fonte: PNAD-IBGE/ Elaboração Própria/

Em números absolutos, os negros superam os brancos em todos os gêneros e nos


dois períodos propostos da análise. Entendo negros aqui como a junção das categorias de cor
“pretos” e “pardos”40. A opção pela categoria “negras” é – sobretudo – política, e visa a
afirmação dessa categoria como identidade construída e afirmada pela comunidade negra
mediante suas diversas organizações sociais, políticas e culturais. (RISÉRIO, 2007). Segundo
Darcy Ribeiro (2006) as características do racismo aqui diferem da sua expressão nos EUA,
por exemplo. Dessa forma, o fenótipo e as características visivelmente raciais – diferentes de
uma busca de origem racial – atestam quem são os negros. Ainda para Darcy Ribeiro (2006) o
“apartheid” ao mesmo tempo em que isola e afasta o negro do circuito social, admite que ele
preserve, mesmo que lá longe, a sua identidade, continuando a ser ele mesmo. Além disso,
por consequência do “apartamento social” induz a criação de laços de solidariedade interno do
grupo, o que os capacita à organização coletiva, “nas conjunturas assimilacionistas, ao

40
Em algumas análises, porém, os dados precisarão ser desmembrados, quando o número não for absoluto e a
junção não puder ser objeto de uma soma simples, é o exemplo de categorias como média de estudos, renda
dentre outras.
76

contrário, se dilui a negritude em uma vasta escala de gradações, que quebra a solidariedade,
reduz a combatividade, insinuando a ideia de que a ordem social é uma ordem natural, se não
sagrada”. (RIBEIRO, 2006, p. 209).

Falar sobre a problemática da questão racial exige – necessariamente – retomar o


período da escravidão colonial. Segundo Quijano (2005), a ideia de raça tal como a
conhecemos, surge do processo escravista na América Latina, que precisou lançar mão da
gratuidade do trabalho escravo dos negros para seu processo de acumulação originária.
Segundo o autor (2005, p. 120).

A classificação racial da população e a velha associação das novas identidades


raciais dos colonizados com as formas de controle não pago, não assalariado, do
trabalho, desenvolveu entre os europeus ou brancos a específica percepção de que o
trabalho pago era privilégio dos brancos.

Dessa forma, o capitalismo vai se desenvolvendo em território nacional de


maneira indissociável da superexploração do negro nas atividades de acumulação e formação
de excedente econômico. É dessa forma que advogamos a tese que o racismo e a exploração
do trabalho dos negros são estruturantes do capitalismo brasileiro. Ainda segundo Quijano
(2005, p. 118).

As novas identidades históricas produzidas sobre a ideia de raça foram associadas à


natureza dos papéis e lugares na nova estrutura global de controle do trabalho.
Assim, ambos os elementos, raça e divisão do trabalho, foram estruturalmente
associados e reforçando-se mutuamente.

Os anos 2000 apresentaram uma reafirmação desse quadro de “divisão racial do


trabalho”, com aumento expressivo das mulheres negras em detrimento das mulheres brancas
no trabalho doméstico. De um percentual de 58% em 2003 as mulheres negras passaram a
representar 65% das trabalhadoras domésticas em 2015. Essa mudança pode ser fruto da
melhora geral nos indicadores de emprego, que vista de um ponto de vista histórico, se
apresenta de forma distinta para negros e brancos. É provável que a diminuição da quantidade
de brancas ocupadas no serviço doméstico seja em parte fruto da abertura de novos postos de
trabalho para essas, o que tornou possível sua migração para outras atividades profissionais.
Já quanto aos negros, por heranças racistas e escravagistas, as possibilidades de inserção no
mercado de trabalho ainda não perpassadas por barreiras simbólicas, nas quais a
discriminação racial é um elemento central. A tabela a seguir ajuda-nos a problematizar os
77

números absolutos apresentados na tabela primeira, refletindo sob o papel do trabalho


doméstico em perspectiva relacional e percentual.

Tabela 16:Proporção de trabalhadoras domésticas registradas e que já contavam


com registro em carteira no emprego anterior por cor no período 2003 e 2014

2003 2014 2003 2014


Total de domésticas brancas 120.873 68.878 Total de domésticas negras 204.088 162.731
Não tinham carteira 76% 45% Não tinham carteira 84% 54%
Tinham carteira 24% 55% Tinham carteira 16% 46%
Total de domésticas brancas 100% 100% Total de domésticas negras 100% 100%
Fonte: PNAD-IBGE/ Elaboração Própria/

Os dados da tabela acima apresentam dois movimentos importantes, um de queda


e outro de ascensão, quais sejam: em primeiro lugar, entre as trabalhadoras brancas há uma
positiva queda entre aquelas que não tinham registro em carteira de trabalho no emprego
anterior, as quais passaram de um percentual de 76% para 45%, ou seja, uma diferença de 31
pontos percentuais. O mesmo ocorre de forma inversa para o positivo aumento de 24% para
55% das trabalhadoras que tem registro atualmente e já tinham registro em carteira de
trabalho no emprego anterior. Embora em proporções menores, o movimento também é
positivo nos indicadores para as mulheres negras, no período de comparação 2003/2014. Em
2003 havia 84% das trabalhadoras domésticas negras sem registro na carteira de trabalho no
emprego anterior, e esse patamar diminuiu para 54%, o contrário é o aumento de 16% para
46% no grau de formalização das trabalhadoras domésticas negras, indicando importantes
melhorias nessa data, que – ainda que distintas quanto a cor – são inegavelmente positivas
para a ocupação de forma geral. Ou seja, as trabalhadoras brancas além de numericamente
menos significativas no emprego doméstico, têm melhores condições de trabalho,
representada pelo maior percentual de registro em carteira de trabalho nesse trabalho e no
anterior.

Problematizar esses dados por cor faz-se extremamente relevante, principalmente


na perspectiva da construção de políticas públicas com recorte racial, a fim de avançar no
rumo da igualdade de condições. Segundo Darcy Ribeiro (2006, p. 21-22)

O espantoso é que os brasileiros orgulhosos da sua tão proclamada como falsa


“democracia racial” raramente percebem os abismos que aqui separam os estratos
sociais. O mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tendentes a transpô-
lo, por que se cristalizam num modus vivendi que aparta como se fossem guetos.
78

No que tange ainda as diferenciações raciais na dinâmica do exercício do trabalho


doméstico temos a seguinte tabela que explicita as relações díspares entre brancas e negras no
que tange a composição da jornada de trabalho.

Tabela 17: Total de horas trabalhadas das trabalhadoras domésticas por registro em
carteira e cor no ano de 2014

2014
Branca
Horas Trabalhadas na semana
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 a 48 49 horas ou
horas horas horas horas mais
Domestica com
carteira 24.283 149.326 445.930 119.801 109.887
Domestica sem
carteira 236.573 644.496 377.940 132.925 112.263
Total 260.856 793.822 823.870 252.726 222.150
Negras
Horas Trabalhadas na semana
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 a 48 49 horas ou
horas horas horas horas mais
Domestica com
carteira 20.233 182.471 696.317 213.031 139.394
Domestica sem
carteira 457.415 1.327.852 652.063 241.985 242.667
Total 477.648 1.510.323 1.348.380 455.016 382.061
Fonte:PNAD-IBGE/ Elaboração Própria/

Aqui visualiza-se outros importantes avanços dos anos 2000. De forma geral a
participação do total das trabalhadoras cresce expressivamente nas jornadas de “até 14 horas”,
entretanto, esse pode ser um indício não de uma jornada contratual com tempo reduzido, se
não do aumento substancial das trabalhadoras diaristas, com uma composição dispersa e
heterogênea da jornada semanal de trabalho. Para ambos os anos – 2003 e 2014 – e para
negras e brancas, aumenta a quantidade de pessoas que realizam a jornada regular de trabalho,
estabelecida em Lei, referenciada no grupo “40 a 44 horas” semanais.

Embora as maiores jornadas tenham diminuído o percentual de participação na


composição da categoria, percebe-se que as discrepâncias na variável cor ainda são
demasiadamente expressivas. De forma geral, a jornada de trabalho de negras é superior a de
brancas. Isso é resultado da maior presença de mulheres negras nessa ocupação, mas também,
fundamentalmente, da maior participação de trabalhadoras negras no trabalho doméstico em
mais de um domicílio, atestado pelo aumento substancial da jornada de trabalho “15 a 39
79

horas”. Para as brancas, em 2014, a jornada regular legal de trabalho tornou-se a principal
faixa de referência para as trabalhadoras, atestando sua maior formalização e respeito à
legislação trabalhistas. Para as negras o percentual de trabalhadoras na jornada regular de
trabalho ainda fica atrás da categoria “15 a 39 horas”.

Gráfico 12: Percentual de Trabalhadoras Domésticas que trabalham em mais de um


domicílio nos períodos de 1995 a 2013

35,5

30,5 30,6 30,8


29,3 29,3
26,5
25,5 25,6
24,2
21,4 22,1
20,5
19,6 20,2
18,3 17,6 18,3 18,4
17,3 17,3
15,5

10,5

5,5
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013
Fonte: IPEADATA. PNAD/IBGE. Elaboração própria

O gráfico acima apresenta a evolução sistemática do emprego da chamada


trabalhadora doméstica “diarista”, com um forte aumento no percentual de trabalhadoras que
exercem funções domésticas em mais de um domicilio. Segundo a legislação vigente e
reafirmada com a PEC das domésticas aprovada no ano de 2014, constitui trabalho doméstico
mensalista aquele que é realizado ao menos três vezes na semana no mesmo domicilio, sendo
esse necessário estabelecer vínculo com contrato de trabalho. O número de trabalhadoras
domésticas diaristas têm crescido por uma série de hipóteses. A primeira delas pode ser
entendida por um menor poder de compra das classes médias e médias baixas, as quais se
viram na impossibilidade de custear o trabalho doméstico mensal. Além disso, no que
concerne à renda, o trabalho doméstico na modalidade “diarista”, tende a auferir maiores
rendimentos, quando feito semanalmente. Dessa forma, em termos líquidos o trabalho
doméstico por dia aufere maior renda, no entanto, ele sofre as consequências de uma
permanente instabilidade. Ou seja, pode haver semanas em que se concentram a procura de
trabalho, e outras com ausência de demanda. Dessa forma, a trabalhadora doméstica diarista
não pode contar com uma renda fixa mensal, sendo essa uma aproximação esperada a partir
da demanda de trabalho. Além disso, a vulnerabilidade é muito superior à da trabalhadora
80

doméstica mensalista, não só pela quase impossibilidade de obter o registro em carteira de


trabalho pela condição de diarista, mas – sobretudo – pela pouca garantia de estabilidade
quando a trabalhadora não puder mais contar com os rendimentos do seu próprio trabalho. Em
situação de doença, invalidez ou outra necessidade de ausência do mercado de trabalho, não é
concedida a essas trabalhadoras gozar dos direitos previdenciários, como aposentadoria nem
seguro desemprego. A jornada de trabalho também é mais extenuante para essa condição de
trabalho. O trabalho doméstico da diarista raras vezes é pago por hora ou por expediente, e
sim pela realização da tarefa. Por isso o trabalho em quatro ou cinco dias da semana equivale
a uma sobrejornada de trabalho, com fortes impactos sobre a vida e – especialmente – a saúde
da trabalhadora.

Com a PEC das domésticas, sancionada em 2015 pela Presidenta Dilma, a jornada
de trabalho passa, enfim, a ser regulamentada, em um importante movimento que visa o
combate as excessivas jornadas de trabalho e concede cada vez mais profissionalismo a esse
exercício não raras vezes tido como “pessoal”. A nova lei equipara os trabalhadores
domésticos aos demais trabalhadores no que tange à regulamentação da jornada, nesse sentido
são assegurados:

1) Os trabalhadores domésticos terão direito ao pagamento de hora extra com


valor superior, no mínimo, a 50% do valor da hora normal.
2) O trabalho não compensado prestado em domingos e feriados deve ser pago em
dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal, estabelece a lei.
3) Entre as 22h e as 5h, o empregado doméstico passa a ter direito a adicional
noturno. A hora do trabalho nesse período terá duração de 52 minutos e 30 segundos e deve
ter acréscimo de, no mínimo, 20% sobre o valor da hora diurna.

A Lei sancionada ainda estabelece a possibilidade da utilização do Banco de


Horas. No entanto, as primeiras 40h que excederam a carga de trabalho de 44h semanais
deverão ser pagas em dinheiro. Somente após isso as horas poderão ser deduzidas da jornada
de outros dias.

Apresentamos a seguir mais um dado referente às diferenças raciais no trabalho


doméstico.
82

participação da mulher negra no trabalho doméstico com relação à mulher branca no ano de
2014, enquanto no ano de 2003 – embora elas ainda fossem maioria – esse diferencial era
mais equilibrado. Isso pode ser resultado da saída de mulheres brancas do emprego doméstico
face às novas possibilidades de melhores empregos fora dos domicílios. O segundo elemento
tem a ver ainda com a “divisão racial social do trabalho”. Dessa forma, as mulheres brancas
têm no trabalho doméstico uma possibilidade de emprego sem que necessite qualquer
escolarização. Parece-nos que com um pouco a mais de escolaridade, torna-se mais fácil às
mulheres brancas rumarem para outros empregos melhor remunerados ou socialmente mais
valorizados. Em contraposição às mulheres negras são reservadas poucas possibilidades de
ascensão social. Nesse sentido, embora com maior escolaridade ou crescendo no percentual
das que estão se qualificando, o emprego doméstico segue sendo uma das poucas
possibilidades para esse contingente social.

Gráfico 14: Média de anos de estudo de trabalhadoras domésticas segundo cor entre
1995 e 2013

14
6,68 6,82
6,39 6,43
12 6,01 6,11
5,9
5,66
10 5,52

8 4,17
brancas
6,12 6,29 6,44
6 5,7 5,85 5,96 Negras
5,44 5,64
5,12
4 3,76

0
1995 2003 2004 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013
Fonte: IPEADATA. PNAD/IBGE. Elaboração própria

Esse gráfico exemplifica as diferenças entre os anos de estudo de mulheres negras


e brancas, corroborando nossa tese de que embora haja gradativos avanços médios nos anos
de escolarização das trabalhadoras domésticas, o percentual de negras não supera o de brancas
em termos de escolarização, reafirmando as barreiras raciais à escolaridade e colocando-se
como barreiras à mobilidade ocupacional.
83

O mesmo ocorre com os rendimentos. Embora o rendimento médio das


trabalhadoras domésticas tenha influência direta do aumento real e anual do salário mínimo,
as discrepâncias com relação à renda seguem apontando e reafirmando as diferenças raciais.
Para Cristina Cacciamali e Guilherme Hirata (2005), as condições anteriores e históricas
criadas no passado mantém um tecido social impregnado de preconceito e discriminações
racistas.

Gráfico 15: Evolução do salário médio real das trabalhadoras domésticas por cor nos
anos de 2003, 2009 e 2014

800

700 685

600 592
529,9
500
459
400 414,8 brancas
345,2 negras
300

200

100

0
2003 2009 2014
Fonte: PNAD-IBGE/ Elaboração Própria. Deflator INPC

Percebe-se que não somente mantém-se um fosso entre as rendas de brancas e de


negras como esse têm se acentuado. Em 2003 era de 69,00 reais e em 2014 a discrepância
salarial passou para 90,00 reais. As hipóteses para esse aumento podem residir na queda das
trabalhadoras brancas nesse setor, advindo das melhorias no mercado de trabalho de forma
geral. Quanto as que restaram, as mesmas podem estar migrando para trabalhos a domicílios
melhor qualificados, não necessariamente nos de limpeza e alimentação, mostrando também
que atualmente as famílias têm contratado mais trabalhadoras domésticas para cuidado com
crianças e idosos ou para outros serviços de melhor remuneração. Segundo Ramos e Vieira
(2000), a raça é responsável sozinha por cerca de 8% da desigualdade de renda, sendo
superior a educação e a posição na ocupação.
84

Tabela 18: Rendimento médio das mulheres ocupadas no trabalho doméstico por cor e
registro em carteira de trabalho no ano de 2014

2014
Mulher branca Mulher negra
Trabalhadora
doméstica com
958,81 902,94
carteira de trabalho
assinada
Trabalhadora
doméstica sem
668,88 533,47
carteira de trabalho
assinada
Fonte: PNAD/IBGE/ Elaboração Própria

No que tange aos rendimentos reitera-se as diferenças entre mulheres negras e


brancas. Para as mulheres trabalhadoras domésticas negras com carteira de trabalho, a
diferença é menor. As mulheres negras ganham 94% do que ganham as mulheres brancas com
registro em carteira. Quando a comparação são as trabalhadoras não registradas, no entanto,
percebe um fosso maior. Dessa forma, as mulheres negras sem registro ganham tão somente
80% do rendimento das mulheres brancas registradas.

Para o economista Pedro Chadarevian (2009)“a hierarquização racial da


população, ou o racismo estrutural, pode ser explicada como um fenômeno associado ao
desenvolvimento capitalista, que se legitima graças à ideologia racista e se reproduz devido à
atuação de mecanismos de discriminação racial.” (p. 22).

O processo da abolição da escravatura mais uma vez reforçou uma tendência


verificada por Florestan Fernandes (2009) de que as substanciais transformações sociais e
econômicas da sociedade brasileira alijam a participação popular e são feitas sem as devidas
“rupturas” necessárias à inauguração de um novo ciclo. Para o autor a abolição da escravatura
foi “dos brancos para os brancos”. Segundo Fernandes (1965, p. 318).

Por isso, o processo abolicionista foi um projeto de modernização conservadora que


não tocou no regime do latifúndio e ainda exacerbou o racismo como forma de
discriminação, reciclando as formas de superexploração do trabalho baseadas na
suposta “diferença entre as raças”, enquanto a ordem jurídico-politica da sociedade
inclusiva passou por verdadeira revolução, sua ordem racial permaneceu quase
idêntica ao que era no regime de castas.

Dessa forma, a sociedade brasileira formalmente decreta o fim do regime do


trabalho escravo, sem – no entanto – construir políticas públicas de integração dos negros na
85

sociedade de trabalho formalmente livre, “mostrando como as desigualdades presentes nas


relações raciais do passado escravista foram reabsorvidas e redefinidas com o advento do
trabalho livre e das novas condições histórico-sociais.” (MOTTA, 2012, p. 55). Sobre a
abolição e suas consequências, Florestan assinala que “a desintegração da sociedade
estamental e de castas não os favoreceu socialmente [os negros], pois eles se convertem,
rapidamente, em elementos residuais do sistema social”. (FERNANDES, 1965, p. 62).

Ainda segundo Florestan Fernandes (1976), a sociedade brasileira construiu um


“circuito fechado” no qual as possibilidades de ascensão e mobilidade social dos negros
esbarravam em limites estruturais. A partir daí, a hierarquização racial da população, ou o
racismo estrutural, podem ser explicados como um fenômeno associado ao desenvolvimento
capitalista, que se legitima graças à ideologia racista e se reproduz devido à atuação de
mecanismos de discriminação racial. A partir dessa perspectiva, soma-se à sociedade, uma
segmentação em classes sociais e que conta, também, com uma distinção racial, no qual existe
uma dominação da classe dominante que é também branca, e a discriminação racial passa a
operar no interior da própria classe trabalhadora, dando novos contornos à opressão. Para
Charadevian, (2009, p. 23)

Neste aparato teórico, tem-se uma definição de racismo enquanto um fenômeno


historicamente determinado que resulta na hierarquização racial da população,
levando a uma polarização social na qual os brancos asseguram as posições mais
elevadas na estrutura de classes, bem como as posições melhor remuneradas no
mercado de trabalho, ao passo que os não-brancos compõem a maioria das classes
mais baixas e do exército de reserva.

Para o Sociólogo Clovis Moura (1977), as classes dominantes brasileiras lançaram


mão de diversos mecanismos que – embora inconscientes – seguiram reproduzindo, pós-
abolição, uma lógica segregacionista. O objetivo era manter um equilíbrio da mão de obra a
fim de extrair a maior quantidade de mais-valia. “Este conjunto de mecanismos ideológicos,
inconscientes para a maioria, mas elaborados por uma elite racista, refletir-se-á no processo
concreto de seleção econômica dos negros” (HASENBALG, 1969, p. 114). Dessa forma, o
racismo opera mantendo um contingente populacional como parte da acumulação barata de
capital, influindo de forma decisiva no mercado de trabalho. Para Hasenbalg (1969, p. 118).

(...) a raça, como traço fenotípico historicamente elaborado, é um dos critérios mais
relevantes que regulam os mecanismos de recrutamento para ocupar posições na
estrutura de classes e no sistema de estratificação social. Apesar de suas diferentes
formas (através do tempo e espaço), o racismo caracteriza todas as sociedades
capitalistas multi-raciais contemporâneas. Como ideologia e como conjunto de
práticas cuja eficácia estrutural manifesta-se numa divisão racial do trabalho, o
racismo é mais do que um reflexo epifenomênico da estrutura econômica ou um
86

instrumento conspiratório usado pelas classes dominantes para dividir os


trabalhadores.

A partir dessa contextualização e dos dados apresentados identificamos que opera


na sociedade e, especialmente, no mercado de trabalho, uma “Divisão Racial do Trabalho”.
Dessa forma, o trabalho é segmentado não somente entre detentores dos meios de produção e
trabalhadores formalmente livres para vender sua força de trabalho, mas – sobretudo – a
existência determinada a priori de atividades específicas para negros e brancos, as quais
atuam de forma hierárquica e valorativa. Existe dessa forma uma “alocação e segregação da
força de trabalho negra em determinados mercados e seus segmentos” (PORCARO, 1988, p.
200). Nesse sentido, as tradicionais ocupações de branco na sociedade (as ligados aos setores
de alto valor social, de mando, de aparição pública e maior rendimento) são asseguradas por
mecanismos objetivos e subjetivos que constituem a reprodução social. Já aquelas atividades
nas quais se exige força física, baixa qualificação, pouco prestígio social e geralmente
associadas aos serviços para as classes dominantes, são majoritariamente o lugar ocupado
pelos negros. Dessa forma “(...) a discriminação racial é inerente ao desenvolvimento
econômico, cabendo aos negros uma inserção circunscrita a certos segmentos do mercado de
trabalho (...) traduzidos nos setores de atividade de menor remuneração” (PORCARO, 1988,
p. 196). Além disso, a discriminação racial merece um tratamento a parte da sua perspectiva
unicamente de classe uma vez que o racismo é, por um lado benéfico ao capital, e, de outro,
benéfico à manutenção de privilégios sociais nos quais se assenta a classe média brasileira.
“São, portanto categorias distintas de impacto sobre o processo de acumulação de capital;
uma é monetária, e afeta a taxa de lucro do sistema; a outra concerne à garantia de privilégios
de classe.” (CHARADEVIAN, 2009, p. 25).Quijano (2005) complementa essa análise
classificando esse processo como “Divisão Racista do Trabalho”.

Em que pesem essas diferenças, mais uma vez reafirma-se que a década dos anos
2000 obteve maiores avanços em termos educacionais, possibilitando uma variação anual
expressiva no montante de trabalhadoras que saíram do analfabetismo. Para tanto, são
reforçadas as existências de programas sociais, como o Bolsa Família e o Bolsa Escola, além
da maior possibilidade das trabalhadoras domésticas inserirem-se no emprego assalariado
depois de completado ao menos o ensino básico.
87

Tabela 19: Trabalhadoras domésticas por curso que frequenta no momento da coleta
dos dados por cor nos anos de 2003 e 2014

2003
Regular de 1o Regular de 2o Supletivo de 1o Supletivo de 2o Alfabetização de
Superior
grau grau grau grau adultos
Trabalhadoras
Domésticas
Brancas 107.311 118.762 35.137 30.449 3.715 22.328
Pretas 44.560 32.232 10.632 4.772 725 7.852
Pardas 151.871 150.994 45.769 35.221 4.440 30.180
Total de negras 196.431 183.226 56.401 39.993 5.165 38.032
Total. 303.742 301.988 91.538 70.442 8.880 60.360
2014
Regular de 1o Regular de 2o Supletivo de 1o Supletivo de 2o Alfabetização de
Superior
grau grau grau grau adultos
Trabalhadoras
Domésticas
Brancas 24.103 36.735 12.903 9.475 17.748 3.665
Pretas 10.152 18.476 11.160 8.574 5.132 4.511
Pardas 65.518 87.946 36.987 16.784 16.296 12.600
Total de negras 75.670 106.422 48.147 25.358 21.428 17.111
Total. 99.773 143.157 61.050 34.833 39.176 20.776
Fonte:PNAD-IBGE/ Elaboração Própria

Os dados apresentam uma elevação substantiva de trabalhadoras domésticas


cursando o ensino superior, o que pode ter relação direta com a forte expansão do ensino
superior, seja público ou privado, com destaque especial para o segundo. Programas de
educação como o PROUNI nas Universidades Privadas podem ter contribuído para que o
segmento das trabalhadoras domésticas chegasse, enfim, a ocupar as cadeiras do ensino
superior, que passou de 8.880 trabalhadoras em 2003 para 39.176 em 2014. Além disso –
porém de forma menos intensa – a expansão do ensino superior Federal, com a abertura de
novas universidades e a expansão das vagas e cursos via REUNI, também podem ter
colaborado de forma importante. De 2003 para 2014 aumentou mais de quatro vezes o total de
negras ingressantes no ensino superior. Supomos que com relação a esse aumento parte
importante pode dever-se a política de cotas sociais e raciais aplicadas pelas Universidades
Federais desde 2006, com federalização da Lei em 2012. Se esse aumento seguir persistindo,
com maior participação das trabalhadoras domésticas e em especial das negras no ensino
superior, estaremos dando passos firmes na busca de um novo padrão de mobilidade social,
mas esses números, por outro lado, ainda revelam a lentidão de um processo de construção de
uma sociedade com igualdade. A queda no número de trabalhadoras domésticas na
88

“Alfabetização” ainda demonstra que o analfabetismo não tem sido mais a marca absoluta
desse contingente.

Gráfico 16: Média de anos de estudos das trabalhadoras domésticas nos de 1995 a 2013.

6,58
6 6,24 6,43
6,12
5,75 5,82 5,95
5,62
5,53
5
4,93 5,13 5,29
4,7
4,46
4 4,2 4,27
3,94
3

Anos de Estudo
1
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013
Fonte: IPEADATAPNAD/IBGE/Elaboração própria.

Esse outro gráfico nos apresenta a série histórica, feita desde o ano de 1995.
Embora se perceba a evolução o patamar ainda extremamente baixo.

Outros indicadores da diferenciação racial podem ser sentidos na análise do tempo


médio de permanência no emprego doméstico de referência no período atual da pesquisa.
89

Tabela 20: Quantidade média de anos no atual emprego das trabalhadoras domésticas
nos períodos de 2003 e 2014

Anos nesse emprego 2003


Brancas Pretas Pardas
Domésticas com carteira 6,0 7,9 5,8
Domésticas sem carteira 3,8 4,1 3,5
Anos nesse emprego 2014
Brancas Pretas Pardas
Domésticas com carteira 6,9 8,4 6,7
Domésticas sem carteira 6,0 6,6 5,3
Fonte: PNAD-IBGE/ Elaboração Própria/

A quantidade média de permanência nesse emprego demonstra algumas


diferenças sensíveis à cor da trabalhadora doméstica. De modo geral as trabalhadoras pretas
permanecem mais tempo no mesmo emprego, para trabalhadoras com e sem carteira de
trabalho. Problematizando as forças estruturais de racismo na sociedade brasileira, uma
possível explicação reside na pouca mobilidade das trabalhadoras pretas com relação ao
restante da categoria. Dessa forma, enquanto para as trabalhadoras brancas o emprego
doméstico pode ter um caráter mais passageiro e efêmero, na busca de uma melhor inserção
ocupacional, para as trabalhadoras pretas essa pode ser um das ocupações – por excelência –
do seu perfil, posto à escolaridade, os efeitos da discriminação e a ausência de maiores
qualificações profissional.

A tabela acima demonstra que a rotatividade do trabalho ainda permanece como


um desafio candente, não tendo apresentado quase evolução nessa década. Os dados
apresentam a média de anos que uma trabalhadora doméstica permanece no mesmo emprego,
distinguido-as pelo registro em carteira de trabalho. De fato reafirma-se a hipótese de que as
trabalhadoras domésticas que não contam com carteira assinada, nos dois períodos da análise
e nas diferentes categorias sociais, estão mais suscetíveis a rotatividade. A média de anos é
em torno de 4 no mesmo emprego. Para as trabalhadoras registradas, no entanto, a diferença é
muito sutil, sendo na média apenas 3 anos a mais de permanência no emprego com relação a
trabalhadora sem registro. Além da alta rotatividade do mercado de trabalho brasileiro, fruto
da sua dinâmica histórica, no emprego doméstico essa média é ainda menor, posto as
condições mais precárias de trabalhos e as nulas possibilidades de ascensão na carreira.
90

Da análise da escravidão colonial surgem novas teorias para justificar nossa


singularidade enquanto povo brasileiro. Não é possível falar em racismo e nas suas
consequências sob o conjunto da sociedade brasileira negligenciando a construção do “mito
da identidade nacional”, os quais serviram de base para a construção do que Jessé Souza
(2009) chamou de “Ciência Conservadora”, a qual procurou legitimar um discurso de
dominação social a partir da análise supostamente científica das características do povo
brasileiro. “Por muito tempo o mito da brasilidade entravou o reconhecimento amplo da
existência de racismo entre nós: o mito da cordialidade e da mistura entre raças sempre serviu
para amenizar as considerações sobre o racismo brasileiro” (ROCHA, 2009, p. 381-382).

Esse apanhado de obras e conceitos que tratam da estruturação do racismo na


sociedade brasileira e da obra de Jessé Souza servem para situar as trabalhadoras domésticas
no marco da construção de um modelo de sociedade que não somente é fruto de opções
políticas e econômicas, mas é – sobretudo - resultado da construção histórica e social de um
projeto de desenvolvimento social que mantém uma estrutura hierárquica e desigual na
sociedade, estritamente segmentada por estratos sociais quase impenetráveis. As trabalhadoras
domésticas – nesse cenário – fazem parte de um setor social advindo e construído sob esse
“mito” de que há uma democracia racial no Brasil, afinal não tivemos apartheid. Afinal, não
existem negros e brancos todos somos uma bonita, alegre e cordial mistura de raças. No
entanto, como justificar que negros – em sua imensa maioria – seguem ocupando as mesmas
posições subordinadas na vida social e econômica do país? Desvendar e desnaturalizar tais
evidência se torna necessário para ir à essência das transformações recentes sob a mobilidade
e o mercado de trabalho.

2.6. Natureza do Trabalho doméstico

O trabalho doméstico assalariado possui uma natureza distinta dos demais


empregos da força de trabalho no capitalismo. O trabalho doméstico ainda tem um elemento
que o particulariza dentro do universo mais amplo do setor de serviços, a saber: Salário
remunera salário. “Essas atividades não são organizadas de forma capitalista, porque se
realizam no interior de residências particulares e as patroas/patrões não são empresários”.
(MELO, 1998, p. 2). A produção doméstica não gera valor41 além dela própria e de uso e nem
tem uma expectativa de ganho econômico final. Ainda segundo Melo (1998) esses

41
Em sentido marxista, não acrescenta valor ao processo produtivo.
91

bens/serviços não circulam no mercado e não se mobiliza capital para a realização dessas
tarefas, o que se desprende são rendas.

Um primeiro elemento central refere-se ao entendimento de que a unidade


familiar não é uma empresa capitalista que emprega trabalhadores para operarem na produção
de uma mercadoria. Logo, a natureza econômica do emprego doméstico não passa por uma
concepção clássica de exploração da mão de obra através da obtenção de Mais- Valia nem
pode estar concebida sob a Teoria do Valor. Portanto, o trabalho doméstico não se paga
através da exploração do excedente em mercadoria comercializado no mercado, assim como
não é a “compra” de um serviço para uso coletivo e público mediante atuação do Estado. Para
Marcio Pochmann (2012) a remuneração da mão-de-obra responsável pelo trabalho produtivo
termina sendo antecipado por quem o emprega, na perspectiva de que o valor gerado pelo
trabalhador seja superior ao custo de sua própria contratação.

Entretanto, nos parece que a maior especificidade da natureza desse trabalho é que
“salário remunera salário”. Ou seja, não é o excedente econômico que o remunera, nem
tampouco sua atividade gera mais-valia e lucro para quem o emprega. Sua particularidade
reside no fato de haver uma concentração tão alta de renda e uma desigualdade
suficientemente grande para que o salário ou a renda auferido por uma família consiga ser a
fonte de sustento de tantas outras. Ou seja, “o trabalho para famílias possui outra
determinação. Sua existência encontra-se relacionada mais à combinação entre a concentração
da renda e riqueza e a parcela da força de trabalho sobrante das atividades dos setores público
e privado”. (POCHMANN 2012)

No entanto, essa análise da natureza distinta do trabalho doméstico dentro de um


universo específico da atividade econômica não pode sustentar a percepção de que o trabalho
doméstico não contribui com a criação de riquezas do país. Além disso, o Artigo 8º da
Constituição Federal, afirma que: a) [...] empregados domésticos, assim considerados, de um
modo geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa ou à família, no
âmbito residencial destas, o que corrobora com uma visão de que o trabalho doméstico
prescindiria de equiparação aos demais trabalhadores, posto sua natureza diferenciada. No
entanto, essa afirmação incorre em algumas limitações de análise. Para Saffioti (1979) o
correto deveria ser classificar o trabalho doméstico como utilizado para fins não lucrativos, ao
invés de não-econômico, uma que “[...] todo o trabalho destinado a satisfação de
necessidades, mormente quando apresenta caráter de assalariado, representa desempenho de
função econômica”(1979, p. 39).
92

O percentual de trabalhadoras formalizadas, em que pese tenha crescido, segue


ainda muito baixo, sendo o principal entrave na construção da estabilidade e no gozo dos
benefícios dos direitos trabalhistas e previdenciários.

Tabela 21: Proporção de trabalhadoras domésticas formais por ano

1995 17,78%
1996 20,91%
1997 21,56%
1998 23,47%
1999 23,75%
2001 24,98%
2002 24,71%
2003 26,11%
2004 24,70%
2005 25,17%
2006 26,20%
2007 26,35%
2008 25,82%
2009 26,46%
2011 29,38%
2012 27,99%
2013 31,83%
2014 31,70%
Fonte: PNAD-IBGE. Elaboração Própria/

Com base nesses dados podemos inferir alguns elementos importantes. O primeiro
deles é que em uma primeira e rápida verificação, poderíamos cair no risco de analisar
superficialmente a evolução da formalização no tempo, atentando para sua sequencial e
contínua formalização nos anos 2000. No entanto, nota-se que o período em que
proporcionalmente mais cresceu a formalização do emprego doméstico foi justamente entre os
anos de 1995 e 2003, período no qual predominou uma desestruturação do mercado de
trabalho e aumento expressivo do desemprego. De forma geral o crescimento nesse período
foi de 5,8%, um aumento muito mais expressivo do que de 2003 em diante, no qual a
evolução ficou em torno nos 2.2% ao ano. O elemento importante é que embora caminhando a
passos lentos, sobretudo nessa ultima década, o crescimento da formalização permanece
constante, não apresentando quedas bruscas nem um período de inflexão contrária. No
entanto, caso se deixe às “livres” forças de ajustes dos mercados, teremos que esperar mais
muitas décadas até que ceteribus paribus, alcemos uma condição de formalização do
emprego. São a partir dessas constatações que torna-se necessária a construção de políticas
93

públicas que visem o estímulo a formalização e a fiscalização para contratação do trabalho


doméstico. “Torna-se, portanto, urgente e necessário reconsiderar o regime de contratação do
trabalho nas unidades familiares, em face da reprodução dos sinais do passado serviçal e
escravista” (POCHMANN, 2012, p. 52). Ainda segundo o autor, “se seguir esse ritmo de
elevação da formalização da mão de obra, o Brasil poderá ter que aguardar 120 anos para
alcançar a totalidade dos trabalhadores incluídos na proteção social e trabalhista” (2012, p.
50).
Segundo Ávila (2008), as trabalhadoras domésticas, não raras vezes, são
associadas a “parte da família”. Essa relação informal no trato com a trabalhadora doméstica é
parte da particularidade desse emprego, que utiliza-se de uma suposta “pertença” à família
para ser melhor explorada na sua jornada. “Enviesa, portando, a percepção das relações de
trabalho que, em muitos casos, converte-se em uma forma de não assegurar direitos.”
(ÁVILA, 2008, p. 70). Dessa forma, o convite para que a trabalhadora doméstica frequente as
festas de fim de ano da família, ou mesmo que a acompanhe nas viagens de férias, é uma
forma disfarçada de não remuneração do trabalho e pagamento de horas extras, utilizando-se
contornos supostamente familiares.

Parte significativa da ausência de proteção do trabalho para as trabalhadoras


domésticas relaciona-se a duas dimensões. A primeira delas é a própria construção social no
imaginário coletivo do que é o trabalho doméstico, a partir da sua identificação como um não-
trabalho, ou relacionado a uma extensão das tarefas “naturalmente” femininas. O Trabalho
doméstico em um domicílio terceiro, dessa forma, seria visto como uma relação peculiar do
exercício das tarefas femininas, porém, a troca de uma remuneração. Nesse sentido não é
“trabalho” no sentido tradicional do termo quando a comparação é com o emprego assalariado
e industrial, prioritariamente. O outro elemento tem a ver com o debate sobre a natureza
distinta do trabalho doméstico com relação aos demais trabalhos produtivos do capitalismo. O
trabalho doméstico não gera um valor excedente a ele própria, nem existe uma garantia de um
retorno futuro. Ele é unicamente desprendimento de salário para remuneração de outro
salário. Esses são elementos que o singularizam – por um lado – e por outro justificam certas
diferenciações na legislação, uma vez que os patrões, não “exploram” na perspectiva da
extração de valor.
94

Gráfico 17: Evolução do trabalho doméstico com e sem carteira de trabalho para anos
distintos

6000000

5000000

4000000

3000000

2000000

1000000

0
1995 2003 2008 2009 2013 2014

Trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada


Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada
Fonte: PNAD-IBGE/ Elaboração Própria/

Esse gráfico apresenta a evolução mais acentuada da formalização no período de


1995 a 2003, bem como a queda acentuada das trabalhadoras sem registro em carteira no
período de 2009 a 2013, com uma leve tendência de alta em 2014, possivelmente
correlacionando-se com um novo momento de recessão no mercado de trabalho.

Ainda no que tange à formalização, podemos identificar uma movimentação


importante também no campo da contribuição previdenciária, com diversas medidas de
estímulo a contribuição por parte dos trabalhadores sem registro, nesse sentido temos os
seguintes dados

Tabela 22: Quantidade absoluta de trabalhadoras domésticas que contribuem para a


Previdência Social nos anos de 2003 e 2014 por registro em carteira

Contribuição previdenciária
2003 2014
Trabalhadoras Domésticas contribui não contribui contribui não contribui
Com carteira de trabalho 1.672.293 0 2.047.840 0
Sem carteira de trabalho 146.097 4.363.677 605.663 3.800.381
Total 1.818.390 4.363.677 2.653.503 3.800.381
Fonte: PNAD-IBGE/ Elaboração Própria
96

Gráfico 19: Renda média do trabalho doméstico segundo registro em carteira entre 1995
e 2013

900 856,5
837,2
800 754,1
714,1
700 668,8
636,7 659,5
588,6
600 572,9 558,9
543,6 550,2 565 560,1 543,9 546,9
501,5 518,5
500 508,4
462,7
403,9 Sim
400 381,2 372,5 365,2 376,4 387,3
352 345,3 339,2 335,2
358,3 Não
357,5 314,9 322,7
300

200

100

0
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013

Fonte: IPEADATA. PNAD/IBGE. Elaboração própria

Essa é mais uma das discrepâncias entre o trabalho doméstico registrado e o sem
registro. A renda do trabalho doméstico cresce expressivamente após 2003 para as
trabalhadoras domésticas com registro em carteira, acompanhando o movimento mais geral de
melhoras nas condições dos rendimentos dos trabalhadores formais, associados à valorização
do salário mínimo. Já entre as sem carteira, embora a renda siga crescendo, o valor total é
quase a metade e cresceu mais intensamente apenas após 2010. Parte importante desse hiato
salarial deve-se ao trabalho doméstico da diarista, que tem uma renda dispersa.

Algumas transformações importantes também podem ser sentidas com relação à


jornada de trabalho. A tabela abaixo exemplifica a distribuição absoluta de trabalhadoras
domésticas ocupadas segundo o tempo de trabalho, em uma evolução que compreende o
período de 2003 e 2014
97

Tabela 23: Jornada de trabalho doméstico segundo faixas de tempo nos anos de 2003 e
2014 por registro em carteira

2003
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 a 48 49 horas ou
horas horas horas horas mais
Domestica com carteira 2003 23.864 237.117 563.602 441.817 405.516
Domestica sem carteira 2003 542.978 1.576.638 855.575 658.164 874.988
Total 566.842 1.813.755 1.419.177 1.099.981 1.280.504
2014
Até 14 15 a 39 40 a 44 45 a 48 49 horas ou
horas horas horas horas mais
Domestica com carteira 2014 44.516 331.797 1.142.247 332.832 249.281
Domestica sem carteira 2014 693.988 1.972.348 1.030.003 374.910 354.930
Total 738.504 2.304.145 2.172.250 707.742 604.211
Fonte: PNAD-IBGE/ Elaboração Própria/

Esses dados demonstram a evolução da jornada de trabalho por ano e também por
registro em carteira de trabalho, já havíamos analisado a jornada por cor, e agora a
interpretamos por registro em carteira de trabalho. Assim como demonstrado para as
diferenças em relação às mulheres brancas e negras, interpretações importantes surgem da
análise da jornada a partir do diferencial da existência de formalização. De forma geral
invertem-se as pontas da tabela. Em números absolutos, nos anos de 2003 havia apenas
566.842 mulheres trabalhando na menor jornada de trabalho – até 14 horas semanais – esse
era o menor contingente de trabalhadoras. E a categoria do outro extremo da jornada – 49
horas ou mais semanal – tinha atuando 1.280,504 trabalhadoras. Desse último o dobro era de
trabalhadoras sem registro em carteira.
100

Gráfico 22: Distribuição das trabalhadoras domésticas por faixa etária e registro em
carteira de trabalho nos anos de 2003 e 2014

49 horas ou mais

45 a 48 horas

40 a 44 horas

15 a 39 horas

Até 14 horas

0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6

sem carteira 2014 com carteira 2014 sem carteira 2003 com carteira 2003

Fonte: PNAD-IBGE / Elaboração Própria/

Esse é o quadro comparativo por registro em carteira e por anos de referência. As


conclusões apontam para o que já havíamos atentado anteriormente. Cresceu expressivamente
a jornada regular entre as trabalhadoras com carteira nos anos 2000, assim como crescem as
menores jornadas para o mesmo período, correlacionando-se com o crescendo do trabalho em
mais de um domicílio.

A desigualdade social é uma das principais marcas do capitalismo e se expressa


de forma elevada nos países subdesenvolvidos, e – em especial – no Brasil. Foi em função
dessa desigual distribuição da renda e dos “monopólios sociais” que o trabalho doméstico
remunerado passou a ser funcional de duas perspectivas. A primeira delas foi que pelas
características da construção do mercado de trabalho brasileiro, marcado por baixos salários e
grande oferta de mão de obra, foi possível que as classes médias e altas reproduzissem um
padrão de consumo de serviços pessoais típicos das burguesias européias. Nesse sentido, era
farta a oferta de trabalhadores cobrando um valor muito baixo pela realização dos mais
distintos serviços domiciliares. Dessa forma, uma família de classe média alta podia contar
com aproximadamente quatro empregados diretos, responsáveis pela limpeza, alimentação,
cuidado com crianças e gerenciamento da casa. Dados da OIT (2010) revelam que o padrão
de contratação de serviços domiciliares no Brasil é muito superior ao conjunto de países
101

Europeus. Dessa forma, a demasiada quantidade de serviçais que contou e conta a classe
média brasileira só é comparável aos muito ricos na Europa. Para Pochmann (2011)

Ademais da ocupação, a informalidade permitiu atender à demanda de serviços


atinentes aos segmentos sociais de alta renda, bem como ofertar bens aos
trabalhadores precariamente empregados numa economia de baixos salários, quando
não para integrar parte das cadeias produtivas existentes no país.

O segundo elemento que faz do trabalho doméstico um emprego de importante


funcionalidade na dinâmica do mercado é trabalho, é a possibilidade que o mesmo tem que
abarcar um grande contingente de mulheres pobres apartadas dos demais setores
tradicionalmente ocupados por homens ou por mulheres mais escolarizadas. Segundo Melo
(1998) “O serviço doméstico remunerado tem um papel importante na absorção das mulheres
de menor escolaridade e sem experiência profissional no mercado de trabalho” (p. 27).
Embora desvalorizado, desgastante e com uma remuneração muito baixa, o emprego
doméstico é uma certeza em tempos de recessão e alta no desemprego. Para Pochmann (2011)
“Junto com o crescimento do desemprego aberto e das ocupações precárias, aumentou a
concentração da renda e riqueza, o que terminou favorecendo, mais uma vez, a expansão do
trabalho barato de prestação de serviços para as famílias.”

Outra especificidade do trabalho doméstico é que ele é realizado no âmbito


privado. Isso implica em outras três dimensões importantes da sua particularidade. A primeira
faz referência à “inviolabilidade do domicílio”, referendada no Artigo 5º da Constituição
Federal. É permitida a entrada no domicílio apenas nesses casos durante o dia: a) em caso de
flagrante delito;b) em caso desastre;c) para prestar socorro;d) por determinação judicial.
Essa determinação judicial – em primeiro lugar essa ordem judicial não parece servir aos
pobres, principalmente os moradores de favelas que tem suas casas constantemente invadidas
pela política – e em segundo lugar dificulta a inspeção pelo Ministério do Trabalho e
Emprego para averiguação do cumprimento das obrigações e direitos do trabalhador. A
segunda importante particularidade do emprego doméstico na sua dimensão privada é o
isolamento no local de trabalho do conjunto da categoria. As principais consequências dessa
ausência de sociabilidade no local de trabalho é a dificuldade existente para avançar na
sindicalização da categoria. Segundo MORI, BERNARDI-COSTA & FLEISCHE. (2011, p.
50).

Os últimos dados disponibilizados pelo IBGE apontam que ínfimos 2% das


trabalhadoras domésticas, ou aproximadamente 133,7 mil mulheres, eram filiadas a
algum sindicato reconhecido pelo Ministério da Situação atual das trabalhadoras
102

domesticas no país Trabalho ou registrado em cartório como tal. Em 1999, porém,


esta proporção era de 0,89% das trabalhadoras, o que mostra, por um lado, uma
trajetória de ampliação da sindicalização, mas, por outro, uma temporalidade que
não condiz com as necessidades desta categoria em termos de demandas por direitos
e representação.

Além disso, é necessário considerar que a categoria – pela especificidade presente


no Artigo 7º da Constituição Federal – não possui imposto sindical, o que praticamente
inviabiliza a sua existência, apesar de a mesma Constituição garantir a possibilidade de
sindicalização. Segundo Creusa Maria de Oliveira (2008) presidente da FENATRAD, o
trabalho realizado no espaço privado do domicílio dificulta o encontro do sindicato com as
trabalhadoras. Dessa forma, os informativos e boletins são entregues ou nos pontos de ônibus
ou nas associações de moradores. Além disso, as patroas costumam utilizar argumentos
apelativos a fim de desincentivar à procura do sindicato, com justificativas como as que o
sindicato vai ficar com grande parte do dinheiro da trabalhadora, ou mesmo argumentos que
reforçam os laços informais, como justificar que os problemas privados podem ser
solucionados pessoalmente. Para a Presidenta da Federação Oliveira, 2009, p. 112).

[...] o trabalho no sindicato é também de conscientização, de valorização da mulher


trabalhadora, de auto estima, de luta contra as marcas do racismo. Nós enfrentamos
o machismo que afronta dentro da casa do patrão, mas também na relação com o
companheiro, o pai, o filho, o namorado. Existem casos de trabalhadoras que sofrem
a violência três vezes: na rua, em casa e no trabalho.

Na prática, os poucos sindicatos de trabalhadoras domésticas que existem


sobrevivem em condições heróicas e dependem do auxílio de outros sindicatos ou do apoio de
centrais sindicais para a sua atuação e existência física. Não havendo o reconhecimento da
categoria para fins sindicais, não existe estabilidade sindical, não há desconto em folha, não
há tampouco a dispensa do trabalho para as atividades ligadas à direção da entidade, o que
contribui, demasiadamente, para as intempéries da ação sindical, posto que as trabalhadoras
domésticas têm uma jornada diária exaustiva, contam com as atividades desempenhadas nos
seus lares e ainda encontram tempo e disposição para a atuação nas atividades sindicais. A
despeito destas adversidades, a atuação dos sindicatos tem sido fundamental para o avanço
dos direitos da categoria e para o cumprimento dos direitos já existentes (BERNARDINO-
COSTA, 2007).
103

Tabela 24: Quantidade absoluta de sindicalizados por cor, registro em carteira e para os
anos de 1995, 2003 e 2014

Sindicalizados 1995
Branca Preta Parda
Sim Não Sim Não Sim Não
Doméstica com carteira 7.401 475.746 1.480 128.522 2.792 362.268
Doméstica sem carteira 13.571 1.776.861 1.735 399.034 10.580 1.940.130
Total 20.972 2.252.607 3.215 527.556 13.372 2.302.398
Total de sindicalizados 1995 37.559
Sindicalizados 2003
Branca Preta Parda
Sim Não Sim Não Sim Não
Doméstica com carteira 15.656 796.655 7.272 196.506 12.649 643.555
Doméstica sem carteira 20.625 1.781.747 6.439 442.130 37.028 2.221.805
Total 36.281 2.578.402 13.711 638.636 49.677 2.865.360
Total de sindicalizados 2003 99.669
Sindicalizados 2014
Branca Preta Parda
Sim Não Sim Não Sim Não
Doméstica com carteira 22.653 773.741 5.827 293.734 20.983 930.902
Doméstica sem carteira 36.641 1.447.421 18.174 589.361 81.763 2.232.684
Total 59.294 2.221.162 24.001 883.095 102.746 3.163.586
Total de sindicalizados 2014 186.041
Fonte: PNAD-IBGE/ Elaboração Própria/

A tabela apresentada acima traça um cruzamento entre a sindicalização e a cor.


Em termos absolutos, a taxa de sindicalização das trabalhadoras domésticas, de forma ampla,
passou de 37.559 em 1995, para 99.669 em 2003 chegando a 186.041 em 2014. Considerando
o total da categoria em 2014, 6.491.351, o total acima representa míseros 3% de
sindicalização, o que estatisticamente e na realidade social tem uma participação ínfima no
conjunto dos sindicalizados. Surpreendentemente as sindicalizadas sem registro em carteira de
trabalho representam 2% do total de 3% das sindicalizadas.

Embora estatisticamente os dados sejam insignificantes quanto à sindicalização,


sua exposição não deixa de ter relevância nessa pesquisa. A ausência é também uma presença,
e nesse caso a ausência de sindicalização reflete as dificuldades e particularidades do trabalho
doméstico. Dessa forma, a grande maioria das trabalhadoras vivendo sob a informalidade e a
não existências das garantias sindicais, como imposto sindical e liberação para dirigentes,
acarreta fortes entraves à organização social. Do ponto de vista subjetivo, a realização do
trabalho doméstico no ambiente privado, sem o contato com outras trabalhadoras, também
104

reforça as barreiras à socialização da categoria, que fica isolada no domicilio, tendo


dificuldade de reconhecer seus pares e refletir coletivamente sobre a dinâmica do trabalho.

Gráfico 23: Total de trabalhadoras domésticas com e sem carteira sindicalizadas nos
períodos de 1995, 2003 e 2014

200000
136.578
180000

160000

140000

120000

100000 64.092
domésti
80000 cas sem
carteira
60000
51.477
40000 25.886 domésti
35.577
cas com
20000 carteira
11.673
0
1995 2003 2014
Fonte: PNAD-IBGE/ Elaboração Própria/

O gráfico reafirma a manutenção histórica de baixos patamares de sindicalização


da categoria, bem como uma forte presença da participação sindical das trabalhadoras
domésticas – especialmente as sem carteira – nas fileiras do sindicato, já que elas são ampla
maioria. Por fim, o aumento geral na taxa de sindicalização pode dever-se a maior vigor do
movimento sindical nesse último período no Brasil (KREIN & TEIXEIRA, 20014). A
melhora no cenário econômico, a baixa inflação, a queda no desemprego aberto e as melhores
perspectivas de negociação salarial contribuíram para soerguer o movimento sindical
brasileiro que estava na defensiva desde a ofensiva liberal dos anos 90. De alguma forma a
melhor presença do sindicalismo e das suas conquistas (CARDOSO, 2013) influencia uma
sensação geral no imaginário subjetivo de que se organizar coletivamente é determinante para
a obtenção de vitórias. Segundo a OIT (2013) o Brasil é o principal país no mundo com
número de trabalhadoras domésticas filiadas a sindicatos

A terceira particularidade do trabalho desempenhado na esfera privada é a


permanência de relações pessoalizadas e informais entre patroas e empregadas. Os lanços
105

pessoais auferidos no espaço do trabalho dificultam, em grande medida, uma relação


profissional, mediada pelo conjunto de leis que regulam as relações trabalhistas no Brasil.

Além disso, a natureza do trabalho doméstico assalariado se relaciona com outras


duas questões de fundo, a) A ausência de políticas públicas que garantam equipamentos
públicos de garantia das atividades de reprodução social, tais como restaurantes públicos,
lavanderias comunitárias, creches entre outras; b) a necessidade que existe das mulheres de
classe média adentrar o mercado de trabalho para garantia do sustento compartilhado das
famílias, relacionando-se assim com a ausência de divisão das tarefas domésticas no âmbito
familiar. Ou seja, essas duas questões têm diretamente relação com as desigualdades de
gênero na sociedade. O fato de as mulheres historicamente desempenharem tais atividades
domésticas de forma naturalizada – seja gratuitamente nas suas casas, seja de forma
esparsamente remunerada em domicilio alheio – contribuiu para a expansão da taxa geral de
acumulação do capital, na medida em que o Estado, as empresas e a conta de salário exime
essa parcela da reprodução da força de trabalho. Para Melo (1998), “provavelmente a oferta e
os baixos salários pagas a essas trabalhadoras possibilitaram que as mulheres dos estratos de
renda médio e altos ingressassem no mercado de trabalho nas últimas décadas sem que a
sociedade criasse em contrapartida serviços coletivos.” (p. 6). Com relação ao segundo
elemento, o fato das tarefas domésticas e de cuidados dos filhos não serem partilhadas entre
os casais é o que cria uma sobrecarga de trabalho para as mulheres, que muitas vezes para
garantir sua participação no mercado de trabalho, precisa contar com uma trabalhadora
doméstica. Se as tarefas no interior das famílias fossem mais divididas e as atividades de
reprodução social não fossem de “exclusividade” feminina, o trabalho doméstico teria outras
características. Nesse sentido, a OIT elaborou a Recomendação 123 (1965) que visa assegurar
e proteger o emprego das mulheres mediante a necessidade de conciliação e
compartilhamento entre o trabalho remunerado e o trabalho de cuidados. Para a OIT, é
fundamental aumentar as responsabilidades dos cuidados pelos homens, a partir de políticas
específicas para isso. (OIT, 2009). “A questão da conciliação entre o trabalho remunerado e
responsabilidades familiares envolve enfrentar o problema da igualdade de gênero tanto no
trabalho remunerado quanto nas responsabilidades familiares.” (LEONE & PRONI, 2013, p.
29).

2.7. A longa abolição no Brasil


106

Chamamos de “A longa abolição no Brasil” esse tópico para fazer referência a


Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que buscou equiparar os direitos das trabalhadoras
domésticas aos demais trabalhadores formais brasileiros. O título sugere que a diferenciação
na legislação trabalhista mantinha características que ainda davam contornos escravistas à
ocupação e a pessoalizavam nas relações de trabalho. O debate sobre a equiparação dos
direitos trabalhistas surge com maior impacto a partir da Convenção 189 da OIT que
recomendou aos países que a ratificassem, a equiparação dos direitos das trabalhadoras
domésticas, buscando mecanismos de garantia de trabalho decente e de equidade. O Artigo 2º
da Convenção trás a seguinte proposição. (OIT, 2011, p. 9).

Todo membro deverá, no que diz respeito aos trabalhadores domésticos, adotar
medidas previstas na presente Convenção para respeitar, promover e tornar realidade
os princípios e direitos fundamentais no trabalho, a saber: (a) a liberdade de
associação e a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito à negociação
coletiva; (b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; (c)
a erradicação efetiva do trabalho infantil; e (d) a eliminação da discriminação em
matéria de emprego e ocupação.

No entanto, a ação política e social dos sujeitos direta e indiretamente interessados


na sua regulamentação teve uma ação decisiva. Na constituinte de 1988, a deputa constituinte
Benedita da Silva (PT) redigiu uma série de cláusulas no que tange à ampliação dos direitos
das trabalhadoras domésticas. Do lado de fora da Câmara, organizaram-se diversas ações,
protagonizadas pelas trabalhadoras domésticas e por um conjunto de movimentos de mulheres
e sindicais, na ânsia de ver regulamentado, enfim, o trabalho doméstico. No entanto, a
correlação de forças interna ainda postergou a equiparação, no entanto, uma série de medidas
foram votadas e aprovadas, como veremos adiante.

4.1. A trajetória dos Direitos das Trabalhadoras Domésticas

O trabalho doméstico remunerado no Brasil foi exercido, até a década de 40, sem
que houvesse nenhuma legislação e sem que nenhum instrumento legal fosse criado em
âmbito nacional no qual o trabalho doméstico fosse objeto de interesse e atuação. Em 1941,
entretanto, foi dado o primeiro passo visando o reconhecimento do trabalho doméstico e a
busca de regulamentação do mesmo. Através de um decreto Lei no governo Getúlio Vargas,
os trabalhadores domésticos passaram a ser aqueles que “de qualquer profissão ou mister,
mediante remuneração, prestem serviços em residências particulares ou em benefício desses”
(art. 1º). Este decreto lei instituiu o direito a carteira assinada, o aviso prévio e demais direitos
107

dos empregadores e dos empregados, porém, sua verdadeira efetivação dependida da sua
regulamentação, como previa o artigo 15, e isso jamais aconteceu.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), elaborada também no governo
Getúlio Vargas, em 1943, delimitou e regulamentou as relações individuais e coletivas de
trabalho. No entanto, como previsto em seu artigo 7º, as normas presentes na Consolidação
não se aplicam: aos empregados domésticos, aos trabalhadores rurais, aos funcionários
públicos e aos servidores de autarquias paraestatais. Com exceção dos dois últimos grupos de
trabalhadores, que já gozavam de proteção por parte do aparato estatal, os empregados
domésticos e os trabalhadores rurais permaneceram sem proteção e nem regulação trabalhista,
ficando refém das negociações tácitas entre empregadores e empregados.
Em 1972 foi o segundo momento no qual se concretizaram mudanças na relação
do trabalho doméstico com os demais empregos assalariados. Ainda sob o governo militar foi
promulgada a Lei 5.859 que alterou a classificação de trabalhador doméstico como aquele que
“presta serviço de natureza contínua e finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito
residencial dessas”. Segundo Fazzio (2014, p. 14)
A Lei implica em uma conquista de Direitos, por um lado, ao estender algumas
garantias à categoria (vedação do desconto no salário por fornecimento de
alimentação, vestuário, higiene ou moradia; férias anuais remuneradas e acesso aos
benefícios e serviços da Lei Orgânica da Previdência Social na qualidade de
segurados obrigatório). Por outro lado, institui que o acesso a tais direitos apenas é
dado ao empregado doméstico que preste seu serviço de forma contínua, e estando
registrado mediante a assinatura pelo empregador de sua Carteira de Trabalho.

Observa-se, dessa forma, que a primeira regulação federal que de fato incide sob
os direitos trabalhistas das trabalhadoras domésticas só foi ratificado em 1972. Nessa ocasião,
os avanços foram a elevação à condição de sujeito previdenciários e assegurado o registro em
carteira No entanto, em que pese à importância desse Decreto, parte substantiva das ocupadas
nesse setor não conta (nem contavam) com o registro em Carteira de Trabalho, permanecendo
essas trabalhadoras à margem do conjunto dos direitos do trabalho. O artigo 1º dessa lei
definiu o empregado doméstico como “o que presta serviços de natureza contínua e de
finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial dessas”. (BIAVASCHI,
2014)
As limitações ao exercício da profissão com o registro na carteira não foram os
únicos empecilhos ao avanço da equidade. Em 1984, o então presidente militar João
Figueiredo vetou a aplicação do direito de férias remuneradas por 30 dias, sob a seguinte
alegação (Apud Fazzio, 2014, p. 15).
108

Excelentíssimos senhores membros do Congresso Nacional: Tenho a honra de


comunicar a Vossas Excelências que, eu, nos termos dos artigos 59, parágrafo 1º, e
81, item IV da Constituição, resolvi vetar, na íntegra, por contrários ao interesse
público, o Projeto de Lei nº. 2.830, de 1980 (nº. 90, de 1979, no Senado Federal),
que ‘concede aos empregados domésticos férias anuais remuneradas de trinta dias
corridos, após cada período de doze meses de trabalho’. O projeto altera de vinte
dias úteis para trinta dias corridos as férias dos empregados domésticos,
equiparando-os nesse particular, aos assalariados em geral. Os serviços domésticos
são exercidos no lar, onde está excluído interesse econômico. O relacionamento daí
originado é sui generis. Assim sendo não é prudente equiparar os regimes e
concessão de férias, porque os empregados domésticos não estão subordinados aos
habituais mecanismos de controle de frequência ao trabalho, o que torna
impraticável a anotação de faltas que podem reduzir proporcionalmente o período de
férias

No decorrer do século XX, uma série de iniciativas, em diferentes governos


caminharam no sentido de buscar uma maior equidade entre as trabalhadoras domésticas e os
demais trabalhadores, porém, sua efetivação na prática ainda teria um extenso e tortuoso
caminho. O passo mais significativo conquistado pelas trabalhadoras domésticas no que tange
a suas reivindicações por igualdade estiveram presentes na Constituição de 88, que previu os
seguintes direitos aos empregados domésticos: a) salário mínimo; b) irredutibilidade do
salário, salvo negociação; c) décimo terceiro salário; d) repouso semanal remunerado,
preferencialmente aos domingos; e) gozo de férias remuneradas com, pelo menos, um terço a
mais do que o salário normal; f) licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário,
com duração de 120 dias; g) licença-maternidade; h) aviso prévio proporcional ao tempo de
serviço, sendo no mínimo de 30 dias; i) aposentadoria; j) integração à previdência social.
As trabalhadoras domésticas participaram de forma organizada e intensa nos
debates sobre os rumos do país na Constituição Federal de 1988. Em conjunto com os demais
movimentos sociais, os sindicatos e associações de domésticas estiveram engajados para fazer
avançar uma constituição cidadã. As trabalhadoras domésticas mobilizaram-se com a criação
de entrega de um abaixo assinado para os Deputados Constituintes exigindo isonomia. No
entanto, em que pese à representatividade e atuação das trabalhadoras domésticas – e os
avanços significativos concluídos na Constituição – a tão almejada igualdade e equidade
ainda tardaria a acontecer. Para Silva (2008) embora tenha avançado o conjunto dos direitos
das domésticas, quando um processo trabalhista chega até um Juiz ele se orienta pela Lei
5.859/72, ignorando assim a Carta Magna e os direitos conquistados ao longo da história.
Dentre as mais significativas conquistas da Constituição de 1988, destacaria o
direito à sindicalização, até então não permitido as trabalhadoras domésticas. As Associações
109

de trabalhadoras domésticas puderam passar ao status de Sindicato. Esse foi o principal


direito conquistado no sentido de permitir a constante busca de novos direitos, mediante a
capacidade de organização coletiva que, a partir daquele momento, foi concedido a essa
categoria social.
Os direitos assegurados na Constituição de 1988 são: salário mínimo;
irredutibilidade salarial; 13º salário; repouso semanal remunerado, preferencialmente aos
domingos; férias anuais remuneradas, com pelo menos 1/3 a mais que salário normal; licença
gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 12º dias; licença paternidade,
nos termos fixados na lei; aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de
30 dias, nos termos da lei; aposentadoria e integração à Previdência Social.
A Constituição cidadã embora tenha ido à contramão do neoliberalismo que
avançava com vigor nos países de capitalismo central, ainda sim manteve alguns limites. O
Artigo 7º que faz restrição a uma parte dos direitos do trabalho às trabalhadoras domésticas é
exemplo disso. As razões para que - embora a correlação de forças tenha sido favorável aos
trabalhadores em um momento de ascenso das lutas sociais – as trabalhadoras domésticas
ainda tenham ficado com restrições aos direitos sociais reside no já mencionado
conservadorismo das classes médias. Nesse sentido, as significações e particularidades do
trabalhado doméstico e a ausência de sentido democrático das elites nacionais, mantiveram as
trabalhadoras domésticas em estado de espera. Dessa forma segundo Mori, Bernardino-Costa
e Fleische (2011, p. 50).
[...] nos parece que falar sobre direitos sociais para uma profissão essencialmente
feminina, negra, com baixa escolaridade e pobre e que se realiza na esfera do mundo
privado, aquela esfera em que o Estado tem entendido que não deve legislar ou se
intrometer (basta ver os “impedimentos” para a fiscalização das relações de trabalho
violentas e discriminatórias que acontecem nas unidades residenciais) não é tarefa
fácil.

Somente em 2006, com a Lei 11.324, garantiu-se expressamente: (a) 30 dias de


férias, com o acréscimo de 1/3 a mais do salário normal; (b) proibição da dispensa arbitrária
ou sem justa causa da trabalhadora doméstica desde a confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto; (c) proibição de descontos no salário por fornecimento de alimentação,
vestuário, higiene e moradia. Essa Lei veio no bojo de um pacote de incentivos à
formalização. Ainda como forma de incentivar a formalização do emprego doméstico, foi
garantido aos empregadores descontar do Imposto de Renda à contribuição do INSS da
trabalhadora doméstica, permitindo recolhimento em uma única guia das contribuições
referentes à previdência social e o 13º salário. No entanto esta renúncia fiscal do Estado não
110

pode ser vista como ampliação de direitos da categoria, posto que beneficia o empregador, ao
invés da trabalhadora doméstica.

4.2. Os caminhos da PEC das domésticas.

O debate com relação à isonomia entre as trabalhadoras domésticas e dos demais


trabalhadores brasileiros foi iniciado – no Congresso Nacional – em 2010, um pouco antes da
Conferência da OIT, em Genebra, a qual encaminhou a convenção 189. A PEC 478/2010 de
autoria do deputado Carlos Bezerra, propunha à revogação do parágrafo único do Artigo 7º da
Constituição Federal. Logo após a Conferência da OIT o projeto de Lei passou a chamar-se
114/11. Somente em 2012, por ação da Deputada Federal Benedita da Silva (mulher, negra e
ex trabalhadora doméstica) a proposta de Lei foi reformulada e passou a conhecimento como
PEC 66/2012. A distinção com relação à proposição do Deputado Bezerra era a extensão dos
direitos previsto no Parágrafo único do Artigo 7º às trabalhadoras doméstica, ao invés da sua
supressão, uma vez que esse artigo regula um conjunto de direitos importantes.

No dia 02 de abril de 2013 a proposta foi transformada em PEC 72/2013 e votada


pela Câmara Federal. No entanto, somente em Maio de 2015 a Proposta foi encaminhada para
a presidenta Dilma Rousseff que a sancionou com algumas alterações. A proposta ainda deve
voltar ao Congresso Nacional para avaliação dos vetos da Presidenta. Ainda existem alguns
limites no entendimento quanto ao imposto sindical. No entanto, entre os pontos já
sancionados destacam-se esses – Jornada de trabalho de, no máximo, 44 horas semanais –
Salário-família - Auxílio-creche - Seguro de acidente de trabalho, Obrigatoriedade do
depósito do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)– Pagamento de horas extras –
Seguro-desemprego de três meses em caso de demissão - Adicional noturno para quem
trabalha das 22h às 5h.

O debate em torno da expansão dos direitos trabalhistas às trabalhadoras


domésticas tem sido tema constante nos meios de comunicação e na sociedade. A imprensa
tem contribuído com uma perspectiva de que a regulamentação é um problema para as
próprias trabalhadoras domésticas, que serão ainda mais marginalizadas, informais e perderão
seus empregos. Alega-se um possível aumento demasiado do custo do trabalho doméstico
para os empregados, e isso justificaria a demissão em massa. No entanto, segundo
FOUTOURA & GONZALEZ (2012),avaliando a situação de uma trabalhadora já
formalizada, haveria um aumento de apenas 10% mensais nos gastos com a contratação de
trabalho doméstico (que representa pouco mais de R$ 60, passando de R$ 642,82 para R$
111

704,63) e de 12% nos rendimentos mensais das trabalhadoras (ou quase R$ 66, indo de R$
568,65 para R$ 634,52). Ou seja, o pagamento do conjunto dos direitos recentemente
estendidos às trabalhadoras domésticas não justificaria um aumento tão substancial dos custos
do empregador.

As alíquotas são fixas em 8% para INSS e FGTS, e a multa por rescisão contratual
por demissão sem justa causa fica em até 25, 55 reais para o salário de acordo com o mínimo
federal. Em síntese, para o empregador que já assina a carteira de trabalho do emprego
doméstico o custo com a nova regulamentação altera-se de forma pouco expressiva.
112

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do nosso trabalho de pesquisa buscamos compreender as características


do trabalho doméstico assalariado no Brasil. Em que pese o trabalho de pesquisa tenha sido
realizado para o período compreendido pelos chamados “anos 2000” – período sob o qual
analisamos de 2003 a 2014 – não se pode negligenciar as relações profundas existentes entre o
tipo de nação que se formou no Brasil e sua dinâmica atual, na qual a forma de organização e
reprodução do trabalho doméstico é – sobretudo – uma marca da nossa história colonial e
escravista.
A forma subordinada e dependente na qual se inseriu a economia brasileira no
capitalismo internacional logrou profundas marcas no desenvolvimento brasileiro. Em
primeiro lugar, o próprio “sentido da colonização” brasileira (PRADO JR, 2011) nos
empurrou a um modelo de desenvolvimento com privilegiamento da metrópole e do
atendimento ao mercado externo. A mão-de-obra escrava negra foi fundamental para o
processo de acumulação de capital e seguiu sendo marcada pelo signo dos traços da
desigualdade. Para Ribeiro (2006) o Brasil foi antes de tudo uma empresa, uma grande
“feitoria” com a única finalidade da extração de riqueza. O povo brasileiro foi fruto de um
“não-povo”, da negação sistemática do conjunto das identidades nacionais subjugadas sob a
necessidade de fazer esse país cumprir sua função história no capitalismo internacional.
Nossas considerações finais, dessa forma, dialogam a partir dessa concepção de formação
histórica, a qual teve um papel importante e estruturante sob o padrão de estruturação social e
do mercado de trabalho.
Embora o Brasil tenha vivenciado um importante momento de industrialização
nacional iniciado nesse período pós 1930, o padrão de desenvolvimento, a quase ausência de
políticas sociais seguiram reproduzindo profundas desigualdades sociais.Nesse sentido,
embora o Brasil tenha alçado condições de garantir amplo crescimento econômico e
internalizar grande parte da indústria de bens de produção, as questões sociais permaneceram
em aberto, mediante a ausência de reformas estruturais necessárias para a conjunção de
desenvolvimento econômico com desenvolvimento social. Em especial destaca-se a
negligência com uma ampla e profunda Reforma Agrária, que garantisse as condições para os
camponeses permanecerem no campo, preservando as cidades do inchaço a que ficaram
submetidas, e garantindo mecanismos de viabilizar segurança alimentar, através de incentivos
a produção de alimentos.
113

Nesse sentido, as tarefas nacionais, democráticas e populares, que poderiam ser


construídas e protagonizadas pelas elites brasileiras na Revolução Burguesa, não foram
concretizadas, preferindo associarem-se ao grande capital internacional, negligenciando a
integração nacional e a consolidação de um mercado interno
Os anos 2000, por fim, ao mesmo tempo em que carregam os limites históricos
estruturais da construção de uma sociedade mais homogênea e igualitária, lograram operar
algumas transformações importantes na política econômica e na dinâmica das relações
trabalhistas, especialmente. Pensar a política ou as transformações de uma sociedade exigem
pensa-las de forma relacional e histórica. A política não é a arte do “ideal” ou do que “deveria
ser feito”, mas seus avanços se medem pelo que “pôde ser feito” em relação ao que já se fez.
Ou seja, nossa lente que mede a perspectiva da mudança é menos com relação às grandes
rupturas históricas as quais o Brasil poderia ter empreendido para uma verdadeira revolução
brasileira (PRADO JR, 1966) e mais do que o Brasil fez com relação ao que era. Dito isso,
essa dissertação traça conclusões em dois sentidos. O primeiro deles é que os dados
apresentados na análise do mercado de trabalho doméstico ainda demonstram nosso pouco
avanço histórico. Os indicadores de falta de escolaridade, rotatividade, grande participação de
trabalhadores em atividades de baixa renda e produtividade, baixos rendimentos,
informalidade, enfim, não são constatações para uma categoria isolada, se não que refletem –
ainda que com diferenças importantes – o grosso do montante dos trabalhadores brasileiros,
que por razões históricas da construção do nosso mercado de trabalho, seguem pauperizados e
precarizados. Dessa forma concluímos que por um lado sofremos com os limites estruturais
na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, os quais têm relação com nossa
dependência econômica e nosso subdesenvolvimento, que além de econômico é também
político e social. Além disso, a ausência de um processo sustentado de crescimento com
industrialização e investimento autônomo também tem cobrado seu preço, mostrando a
vulnerabilidade do nosso crescimento às flutuações e à dinâmica do comércio internacional,
bem como a forte reversão da nossa pauta exportadora e nossa nova dependência externa.
Poderíamos concluir todos esses elementos e já teríamos respostas satisfatórias as
análises e interpretações dos dados apresentados. No entanto, entendemos que os economistas
e os demais cientistas sociais e acadêmicos precisam ter um olhar no futuro e outro no
passado. Se o olhar para frente nos aponta que ainda há muitas limitações e muito ainda o que
ser feito, nosso olhar para o passado nos mostra que os avanços não foram poucos. É nesse
sentido que as transformações e os “dados” devem ser visto com a perspectiva daquilo que
éramos, e que – ceteribus paribus – seguiríamos sendo caso não houvesse a inflexão política e
114

econômica nos anos 2000. Por isso nosso trabalho pretende encontrar uma “terceira via” que
busque analisar criticamente nossa situação histórica e conjuntural sem, contanto, ser “míope”
com relação ao cenário de transformações importantes no trabalho doméstico assistidos nos
anos 2000.
O trabalho doméstico no Brasil teve como sua marca a informalidade, a ausência
de proteção legal e de direitos do trabalho. As mudanças sistemáticas dos anos 2000,
culminando com a aprovação da PEC que equipara os direitos das trabalhadoras domésticas
aos demais trabalhadores formais, são passos firmes na construção de novas condições para a
regulação pública desse emprego. De forma geral os anos 2000 foram de ganhos para os
trabalhadores (embora tenha sido para os muito ricos também). O fortalecimento das políticas
sociais, desde as focalizadas até as universais, é de fundamental importância para a
estruturação da vida dos trabalhadores, que dependem de transferências de renda e da
utilização dos equipamentos públicos sociais. A melhora econômica de forma geral também é
condição necessária – embora não suficiente – de melhoria para os trabalhadores. Por isso a
estratégia de crescimento econômico ancorada no mercado interno e principalmente de
consumo de massas, teve um efeito importante sob a dinâmica cíclica da economia,
contribuindo para o aumento do gasto dos trabalhadores ao mesmo tempo em que crescia a
sua renda. Mas não só isso. Um cenário de melhora econômica e no mercado de trabalho
torna o ambiente mais favoráveis as lutas sociais. Os anos 2000 foram palco da retomada do
movimento sindical, da eclosão de muitas greves e do florescimento de novas demandas
sociais, ligadas sobretudo as pautas de gênero e raça. Nesse bojo também reascende as lutas e
reivindicações políticas das trabalhadoras domésticas, que foram agentes centrais da luta
histórica pela equiparação dos direitos trabalhistas. As trabalhadoras domésticas foram um
dos setores mais atingidos positivamente pela política de valorização real do salário mínimo,
que chegou ao aumento real de 77% nesse período. Aumento real somado com crescimento
econômico e queda da inflação manteve e aumentou o poder de compra dos trabalhadores.
Ainda do ponto de vista dos rendimentos, os dados apresentados nesse trabalho corroboraram
nossa hipótese do período adverso para os trabalhadores – principalmente para as domésticas
– nos anos 90, com queda real dos rendimentos médios em relação à década de 80, e
mostrando que os anos 2000 o rendimento dessas trabalhadoras cresceu fortemente,
aproximando-se da média dos rendimentos dos brasileiros.
Os anos 2000 ainda foram cenário para uma inversão na pirâmide ocupacional do
perfil etário da categoria, perdendo participação entre as jovens até 35 anos e crescendo entre
as trabalhadoras mais velhas. Esse foi mais um elemento indicativo da melhora do período,
115

que – ao proporcionar melhores e maiores oportunidades de empregos – facilitou que as


jovens não ingressassem no emprego doméstico, preferindo ocupações mais valorizadas social
e monetariamente.
No que tange à pobreza, as trabalhadoras domésticas deixaram de figurar entre os
extremamente pobres, fruto das políticas sociais e da valorização real do rendimento. No ano
de 1995 30% das trabalhadoras domésticas eram consideradas “extremamente pobres” e no
ano de 2013 esse percentual cai para 10%.
Enfim, todos os indicadores medidos nessa dissertação – com exceção do nível de
formalização que caminha a passos mais lentos – são positivos para os anos 2000 na
comparação com os anos 90 (educação, renda, sindicalização, taxa de pobreza entre outros),
no entanto, as diferenças de gênero e as raciais seguem como um traço que marca a categoria.
Concluímos, portanto, que a melhora na situação macroeconômica brasileira e –
sobretudo – o crescimento econômico dessa última década foram fatores decisivos na melhora
na dinâmica social e do mercado de trabalho. Isso por si só, entretanto, não explica nosso
objeto de estudo. Diferentemente da década de 60 e 70, na qual a economia brasileira
vivenciou um momento de expressivo crescimento econômico, os anos 2000 conseguiram
conjugar o crescimento, políticas públicas e a plena convivência com um regime democrático.
Em outros momentos da história nos pareceu ser impossível aliar crescimento com
democracia, crescimento com políticas sociais ou políticas sociais com democracia. A
conjunção desses três fatores, no entanto, não é trivial para uma história de desenvolvimento
no qual a democracia e a igualdade não são valores universais. É nesse sentido que creditamos
às políticas públicas e sociais um papel não-desprezível. Não, não foi somente o crescimento
econômico que reduziu as desigualdades e contribuiu para reestruturar o mercado de trabalho.
Tampouco foi um projeto bem elaborado e intencionalizado de desenvolvimento dos governos
petistas. Parece-nos um misto dos dois, não desprezando o papel do crescimento –
movimentado, sobretudo pelo comércio internacional – nem o papel da opção por uma
trajetória de crescimento com abandono parcial do receituário ortodoxo e liberal.
A dinâmica da economia brasileiro – desde os anos 80 – tem sido de ciclos curtos
de crescimento e recessão. A desestruturação da indústria nacional, especialmente com a
relação câmbio valorizado e juros altos, acabou com parte da nossa cadeia de produção,
desindustrializando e desnacionalizando a indústria brasileira, privada ou pública. Dessa
forma, voltamos a uma relação d extrema vulnerabilidade, sendo reféns da dinâmica do
comércio internacional e reforçando nossa posição subordinada e dependente na divisão
internacional do trabalho. Dito isso, também queremos problematizar que as conquistas dos
116

anos 2000 – logradas especialmente pelo aumento das receitas fruto do crescimento
econômico – tem “vida-curta” e sua sustentação está permanente ameaçada, seja pela
dinâmica internacional, como a da crise financeira que iniciou em 2008 e que segue
impedindo a taxa de crescimento global, seja pelas crises políticas e pelo avanço conservador,
como ocorre atualmente. A instabilidade econômica seja por fatores externos ou internos, já
está revertendo esse quadro de conquistas, com o aumento do número de trabalhadoras
domésticas, a queda na renda e o aumento da informalidade. Dessa forma, conquistar esses
avanços no longo prazo vai exigir um nova política econômica, não só que abandone o
receituário liberal do ajuste fiscal, mas que faça do Estado o motor do desenvolvimento
econômico, e que o mesmo caminhe para transformar o Brasil em uma nação autônoma e auto
sustentada.
Dentro da perspectiva de gênero a melhora no mercado de trabalho possibilitou à
muitas mulheres migrarem para empregos melhor remunerados e de maiores garantias
trabalhistas, especialmente as mulheres brancas. No ano de 2003 o trabalho doméstico era o
principal receptor de mão de obra feminina. Em 2014, no entanto, ele cai para o terceiro,
ficando atrás de outras ocupações como no setor de educação e no comércio. No tange às
mulheres negras essa década foi de algumas contradições, uma vez que aumentou o
contingente dessas no total das empregadas, explicitando a forte correlação existente entre o
emprego doméstico e a questão racial, herança do nosso passado colonial. No entanto,
elementos positivos marcam a trajetória de melhoria para as trabalhadoras negras também,
passo importante para suprir nossos resquícios escravocratas e nossa discriminação secular.
Essa dissertação concluiu, portanto, que esse foi um período importante e de
fortes impactos da vida nos mais pobres, nos quais se destacam as trabalhadoras domésticas.
Sua permanência no tempo, no entanto, não é algo assegurado, posto à movimentação
necessariamente cíclica de um modelo baseado na dinâmica do comercio externo. Ou seja,
ainda é preciso pensar alternativas de crescimento e desenvolvimento que sejam sustentáveis
no longo prazo, privilegiando o investimento autônomo e o retorno à uma política de
industrialização nacional. Concluímos, também, que somente as políticas “universais” para o
mercado de trabalho não são suficientes para a melhora das condições de emprego desse setor.
Dessa forma, é preciso desenvolver a ampliar o PLANCITE - doméstica, Plano Nacional de
combate à informalidade das trabalhadoras domésticas, revendo para cima suas metas e
construindo mecanismos mais eficazes de fiscalização, assim como é preciso aprofundar
políticas públicas com recorte de gênero e raça, que visem – sobretudo – incentivos ao
117

compartilhamento dos trabalhos se reprodução social no interior das famílias, possibilitando


que o trabalho doméstico assalariado seja menos recorrente.
Por fim, as trabalhadoras seguem inseridas no limiar da precarização de classe,
marcada pelas identidades de gênero e raça. Transpor essas características que as singularizam
e as oprimem como contingente e como trabalhadora exige ações mais firmes, não somente no
âmbito da perspectiva econômica senão que na dinâmica da disputa política.
118

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