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Capitulo 9 O ENVELHECIMENTO: UM PROCESSO PESSOAL? Renato Maia Guimardes INTRODUCAO: Un dos grandes equfvocos em relagio ao envelhecimento é 2 tendenca par conser fodor or membrot de una mest f= 1x ctéria como iguais. O tempo nfo € tinica, nem a mais impor- tante dimenso da via, o que evidenicia fila de exaidae de ter= mos como “terceiraidade”. O envelhecimento € um processo e @ velhice um periodo cujos limites nem sempre sio nitidos. Sem. pretender ignorar as manifestagbes comuns do envelhecimento, Jmpée-se considerar os aspectos individuais que fazem com que ‘cada um apresente partcularidades 20 longo de sua vida © uma condigSo distinta nos anos finais de sua existncia. 6 (0 desenvolvimento individual é multidimensional, ocorrendo nas dimensées bioligica, psicolégica e social. Desenvolve-se em, ipl esferas, como familia, trabalho, educacio, lazer e outras, fantas. E também multidirecional uma vez que, simultancamente, registram-se ganhos (crescimento) e perdas (declini), fazendo ‘com que aqueles que maximizam os ganhos tenham perdas mi- nimizadas sejam candidatos 20 “envelhecimento bem-sucedido”. ‘Ainterdependéncia de vias fazcom que a vida de cada un esteje intimimente conectada 8 vida de outros, 0 que contribut para :moldaro desenvolvimento individual. Na visio de “curso de vida", gies aictersiat so asim eres: 1. 6 desenvolvimento e o envelhecimento sio processos presen tes em toda a vida; ® 2. 08 individuos constroem sea préprio “curso de vida” pelase5- colhas ¢ agBes que assumem, de acordo com as oportunidades as restries da histriae das cicunstincias socais 3. “curso de vida” éembebido e moldado pelo tempo bistrieo © pelos gars em que indo exe rene sta extn 4. as repercussies de condigBes antecedentes eas conseqiiéncias, das transis, eventos padrées de comportamento depen- dem do momento em que ocorrem na vida de ima peste" 5. vidas so vvides em interdependénca, sendo que a influénci- a sécio-histrcassfo expressas através dessa rede de relagBes compartilhadas. 'Na avaliacto do “curso de vids” eventos e transigbes sia ocorréncias «breve associodas.a mudancas no estado do indiedva. Cont, um sven {indica uma mudanca relatiamente abrupt, enquanto a transicfo & _ als gradual, gerlmenteacoplada&aquisigio ou A endnch a pape Assim, um conjunto mubtficetado deftones soci biol Joos, paleo dado experiencia nteroge pars muta ma eine, dar forma trajetra david do dvi e de gro os O principio da “indvidualdede comportamental enfatra E unicidade de ena individu derireda cm parte das experi. {iar niar entre cle eseu ambiente: Dentro dessa molds fee ‘fiente que a “construgo” da velhice € wa eriagio individ Alzada: uns eutem:se wells aoe 50, outros cxbenjr alidade 208 70. CAPITAL HUMANO E CAPITAL DE SAUDE Deve-se a Grossman (1972) a criagio do conexito de “capital de sade”. Considera que 0 estoque de corhecimento de uma pessoa ou “capital humano” aumenta sua produtividade no setor condmico do mercado. Prope também que asaide pode ser uma forma de “capital humano”, posto que o individuo herda um es- toque inital de sade que se deprecia com tempo, mas que pode ser aumentado através de investimento. Postula ainda que a de~ preciagio é diretamente proporcional a0 processo do envelheci- Taent, poo menos a paride sgn ponto do cuno de dda: A torte ocrreria quando etoque de sede exes abuso de um certo limite, pondo em destaque o papel do individuo como in- vestidor ou esbanjador do proprio eapital e, conseqiientemente, coma capacidade de influenciara duracSo de vida. O resultado de ‘um bom estoque de sade seria tempo de vida livre de doenca out incapacidade. O investimento no capital de satde pode ser repre sentado por asistEnca &satide, dita, exeefcio, emprego, renda, reereagio c habitacio. Esse investimento, contudo, depende de certs varveis das quais a mais importante € nivel de educacio, condo quinn acfcicin, Ex daa or Grossman, ‘como prodativa ou dstributiva. A eficdcia produtiva baseia-se ma suposigio de que, para um déterminado tipo de investimento em satide, como, por exemplo, dieta, uma pessoa com melhor nivel ceducacional pode auferir um nfvel maior de genho, jé que a edu- cacio propicia 0 conhecimento do que seja nutrigio saudivel. A cficiciadistributivafarla com que as pessoas mais educadas sejam :mals apts para svaliar o impacto na satide de fatores como 0 t2- bagismo e consumo de bebida alendlica, estando mais capacita- dlos para fazer melhores opcées. de Satde (© capital inicial correspond Squeleidentificado no nascimento, « influencia-se por muitasvariveis eno apenas pelo patriménio genético. A recomendagio popular “se voc quer viver muito es- Colba seus pais” tem alguma procedéncia. A importincia da gené- tica & crescente uma vez que aumenta, a cada dia, a evidéncia do papel dos genes em doencas comuns na vide adulta e na velhice, tafcomo ocors em ela o diabetes alguns por de tumors, costeoporose, glaucoma e certs doencas psiquidtricas. O reperté- fin ctatoc cosets Enscantvtnbeh ieselinen € 0 erescimento nos primérdios da vida tém urn grande papel na determinagio de earaceristcasfaturas. Varios estudos epidemi- ol6gicos tém demonstrado que a restricdo mutricional in utero, ca- racterizada pelo baixo peso a0 nascer, € 0 reduzido ganho de peso tot primetfor meses de vida erfoseocados ao aomento da morbidade e mortalidade por doengas cardiovasculares, em espe- ial a doenca coronariana, Um estudo realizado com sobreviven- tes nascidos durante ou logo pés o cerco de Séo Petersburgo na Segunda Guerra Mundial, s quas se sup6e tenham sido vitimas de subnutrigio no itero, encontrou evidEncia de disfuncSo endo- telialeuma forte influénca na obesidade ena pressio arterial. Essa situagio, caracterlada por mudances persistentes ocorridas na estrutura ou fangfo causadas por influgncias ambientaisatuantes tem perfodo erftico do processo de desenvolvimento, chama-se progiamming.* Subnutrigfo uterina tem sido associada a futura ‘opacidade do cristalino, aumento do limiar de audicia, pele del- dae reducio da forca muscular. Existe uma forte associacSo entre peso na infincia © massa éssea no adult, éendo que 508% dessa relagio slo observados no nascimento. Essa forma de programming éendécrino pode decorrer da modificacio da sensbilidade da pla- cade crescimento 20 cortisol e 20 horménio do erescimento (GE), tendo como consegiiéncia a diminuigéo do pico de massa Sesga ¢ possivelmente a densidade mineral éssea, assim como acelerar a perda 6stea na fase tarda ca vida. O aumento da massa gordurosa nos primeiros anos de vida de prole submetida 8 restrigfo nutrici- onal durante o desenvolvimento uterino ocorre em conjuncio com clevagio do nfvel de RNA mensageiro para leptina, fator de eres- cimento anélogo 3 insulina VII (IGF VIN) e receptores glicocorti- cides. O retardo do crescimento na fase tardia da gestaco, le- vando a pequena estaturae baixo ganho de peso na infineia, Se ee covério, condigo que propicia menopausa precoce. Restricfo nu- Corl nos ends fal dvi claonada acceso do processo de envelhecimento, situacio contréra restrigko ca- Jorica iniciada na vida adulta, que comprovadamente aumenta 0 tempo de vida de roedores. Assim, ao nascerem, as pessoas con- tam com esse capital de safde, que em parte reflete a satide da ie, notadamente sua alimentagéo, hébitos como tabagismo, al- coolismo e a qualidade da asssténcia pré-natal. Condigdes Socioeconémicas e Capital de Satide Desde o nascimento o capital de satidesofreimediata, progres- siva, até mesmo definitiva influéneia do ambiente, e & funda- mental a participagio dos fatores socioecondmicos. A evidéncia da relacio positiva entre esses fatorese satde esté bem documen- tada em diversas sociedades e periodos, mas os mecanismos pe- los quais se eletiva sio ainda controversos. Dados eomparativos 2 eit uma trap ededigaa para cae termo, que pode, de acor- Dean ders ner r Sqlpurniosconeresaae,jobanen — abrangendo 125 anos — entre posicionamento socioccond- ‘ico ¢ sade em Providence, Rhode Island, demonstraram que, 4 despeito da dramitica alteracéo do perfil ds mortaidade em decorréncia da transicSo epidemiol6gica, a posicio social persis. tiu como importante ftor de predicio de mortalidade. Areas com inferioridade socioeconémica podem apresentar desvantagens em relagio 20 transporte, comércio, lazer, poluigio atmosférica, de- sorganizacSo ou insufciéncia da infra-estrutura social que resul- tam em baixa qualidade de vida. Também a rendzinfli sobre 0 capital de saéde, pois em uma andlise de cerca de 300.000 ho- ‘mensamericanos brancosa diferenca de dez mil dlares na renda anual foi associada a um aumento de 18% na mortalidade. 0 Renfrew and Prisley Study (1998) demonstrou que homens vi- vendo em éreas de privacio mxima apresentavam o dobro da tmorslidade por todas a exis, Incindo doencas eardiorasc Jares. Numa extensa revisio da literatura, Grossman © Keesiner (1997) sugeriram os anos completados de ensino formal como o ‘mais importante fator de éorrelacSo com boa saide. Essa situa- {ose manteve quands os niveis de satide foram avaliados através deindicadores de mortalidade, morbidade,auto-avaliagio da sai- de, indicadores psicolégicos, ou ainda quando 0 foco de extudo fo o individuo ou grupo. Hi que se considerar que essa andlise fex-se a partir de estudos realizados em sociedades com um nivel de desenvolvimento social. Entretanto, Smith e Hart (1998) enfatizam mais a renda do que a educagio como determi- nante de mortalidade. ‘A relacéo entre fatores socioecondmicos mortalidade pode ser influenciada pelas seguintes eausas: 1. diferencas na exposicio a riscos ocupacionais ¢ ambientais em rentes classes soci 2. desigualdade ao acessoe uso de medidas preventivas € de dads médicos apropriados,favorecendo a deterioragio funei- ‘onal em individuos em desvantagem social 3. as pessoas inclufdas no estrato social mais baixo tém maior ‘exposicio a um amplo repertério de varidveis socais que pre- cizem morbidade e mortalidade, ais como: a. relagGes socials insuficientes¢ falta de suporte social; b. caréter da personalidade com potencial para apresentar ‘menor senso de habilidade, sentido de controle, auto-est- sma ¢, em determinadas circunstncias, maior nfvel de raiva chostilidade; . estressares agudos ¢ erOnicos na vida e no trabalho, incl- indo 0 estresse do racismo, classismo e outros fendmenos relacionados distribuicio social de poder e recursos. Existem evidéncias de que 0 efeito da distribuicio de renda na side envolve processos cognitivos, nfo constituindo apenas con- seqilncia dreta da condicio material. Iso nos remete 205 efeitos psicolépicos associados a sensacio de “estar por baixo”: a piréml- de social tem efeitos perversos na sade e na longevidade, inde- pendentemente das condigées materiats de vida. Nzo se pode apa- garnavelhice 6 que aconteosu no passado. Dessa forma, earacte- risticas socinis impressas da fases inicais da vida que tm grande repercussio no capital de sade, tais como educacio, trabalho € renda,assisténcia infra-estrutura social, no podem ser facilmente revertidas. A isso chamo “efeito Rosebud” em aluso ao filme C- dadéo Kane (1941), no qual o personagem, um magnata da iy s, morre murmurando 0 nome de um brinquedo de sua inféncia pobre. ‘A maior parte dos investimentos no capital de said & realia- da no contexto da familia, 0 pr em destaque a importincia dos pparceiros no casamento, ainfluéncia de um sobre o outro e destet sobre a prole. Para Parsons (1997) afarfia constitu uma orgati- zach de sate informal. ‘A despeito do enfoque de o envelhecimento valorizar a esfera ‘biolégica © 0 momento atual, néo se pode ignorar a forca do pas- sado,osrpt seguido desde a concep¢io, nascimento e 0 arcabou- ‘socioeconbmico dominante na trajetéria da vida. Para Joo Cabral de Melo Neto, morte Severina ¢ aquela em que se morre develhice antes dos trinta. Capital Psicolégico \Nio obstante os aspectos priol6icos estarem inserdos tam- ‘bém no capital humano e, por conseguinte, no capital de sade, 2 descrigéo em separado permite uma melhor andlise. O capital psicoldgico tem forte impacto nos aspectos sociocconémieos € nos Fesultados referentes a satide. Exisiem vérios componentes que ppodem ser incluidos neste capital, e os mais comuns so loas de Eontrole, auto-etima, humor, habilidade cognitvae resligncia. Locis de Controle. E um constrato da personalidade que se refere & pereepcio do individuo quanto ao lca dos eventos de sua ‘ide er determinado intermamente po seu préprio comportamen- to, ou se é devido 20 destino, sorte ou circunstincias externas. ‘Aqueles que areditam ter um grande nivel de controle sobre suas, ‘ides so considerados “internalzados”; 0 que sentem que 0 curso, de suas vidas é determinado por outros fatores so “externaliza- dos". Anocio de que indviduos “internalizados” tendem a inves- tir mais em educagSo tem grande implicagfo para a teoria do ca- de sade. Pode ser que pessoes com grande senso de contro- [Eiatemo tena malor efiaénia ou aida aloguem mas recur 08 para o capital humano (investimento) como forma de manter 0 seu nfvel de controle ou ainda aumenté-lo. Locus de controle & também importante devido a sua implicacto na “Hipétese de ‘Tempo Preferencial” proposta por Fuchs (1982), na qual é suge- rido que pessoas ue atribuem grande importincia as conseqién- clas faturasinvestrSo mais no capital hurnano e de sale, condi? ‘lo compativel com aqueles que tém grande controle interno. essoas com loa de controle externalzado tém maior propensio par comportamento de isco, engunto or interaaidon tender ase comportar dentro do concito de “aversio a risco”. Esa situ- acio implica tomada de atitude diante de riscos objetivos. Aw de servigos médicoseaadocfo de medidas preventivascons- ‘tae fomat de ano dns En sou earn a mes tendem a apresentar maior aversio a risco do que os homens. ‘Anto-estima, Es opinifo que se tem de si mesmo e baseis-se «em vérios indicadores, tas quals o valor como pessoa, as conquls- tas, o trabalho, a percepcio de como os outros nos vem, 0 pro- pésito da vida, as fraquezas e forcas pessoais,o sms social e a Telacio com 03 outros, ¢ 0 grau de independéncia. Auto-estima no deve ser confundida com a nocio correlata de auto-eficién- ia, que descreve o nfvel de confianca do individuo em suas pré- prs habilidades. A batea auto-estima tem um impacto negative no estogue de sade até porque pode provocar sentimento de perda, de propésito na vida, 0 que nfo motiva qualquer invest- ‘mento em si mesmo, ‘Humor. Refere-se a emocies prolongadas ¢ predominantes, reltndo o eta emocional eo sentimento 20 longo do tempo, O predominio de emogées positivas avorece o capital de sade, ¢ a degra Cum eentimento stociado a0 sucesso no envelbecimen- to, Por outro lado, a depressio é um transtomo comum, recor rente associado incapacidade cao excesso de mortalidade. E uma afecgio complexa caja valnerabilidade se expressa através de ca- ‘tras presponentes expec preva esters pre:

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