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THOMAS E. SKIDMORE BRASIL: DE GETULIO VARGAS A CASTELO BRANCO (1930-1964) Apresentagdo de Francisco de Assis Barbosa Tradugdo coordenada por Isménia Tunes Dantas 148 Edigaio PAZETERRA I Fim do Estado Névo; Govérno Dutra (1945-1950) O Ditador Perde o Contréle A medida que a maré da guerra mudava a favor dos alia- dos, em 1943, Vargas foi se preparando para a nova atmos- fera politica que seria criada por uma vitéria aliada. Em 1944, dle revebeu relatérios de criticas ao Estado Novo, correntes entre os oficiais brasileiros que lutavam lado a lado com 0 5° Exército Americano, na Itdlia. Os brasileiros tinham-se dado conta da anomalia de lutar pela democracia no exterior. enquanto persistia uma ditadura em seu proprio pals.) A 10 de novembro de 1943, sexto aniversirio do golpe, tana goat deveria ter sido realizado 0 plebiscito previsto na Constitui- go de 1997, Vargas falou A nagio e prometeu que, depois da guerra, “em ambiente proprio de paz e ordem, ‘com as garantias méximas a liberdade de opinio, reajustaremos a es- trutura politica da nagHo, faremos de forma ampla ¢ segura, ssarias consultas ao povo brasileiro”? Seis meses depoi 115 de abril de 1944, tle repetiu a promessa asegurande sce brasileiros que poderiam “se declarar e escolher os seus repre- sentantes, dentro da democracia, da lei e da ordem”? Durante o Estado Névo, a eficiente censura de Vargas & opinido piblica tinha silenciado as vozes dissidentes. Antes je 1945, houve apenas uma declaragio importante da oposi- 72 — do. Em outubro de 1943, um grupo de intelectuais e polt- ticos de Minas Gerais emitiu um cauteloso manifesto, pedindo ‘a redemocratizagio do Brasil e citando a historia politica de Minas Gerais como prova de que a liberdade de opiniéo ¢ 0 govémo constitucional eram aspirages naturzis dos brasileiros. ‘Ao comecar 1945, os protestos comecaram a permear utra- vés da cortina de censura. A 26 de janeiro, 0 1.° Congresso Brasleizo de Esritores, pediu “completa iberdade de expres: so”, e exigiu um govérno eleito por “sufragio universal, direto e secret”? A 22 de fevereiro, ouviu-se uma voz de protesto ainda mais sensacional: José Américo de Almeida, candidato na frustrada campanha presidencial de 1937, deu uma exten- 5a entrevista na qual explicava porque deveriam ser reallzadas eleigdes presidenciais e porque seria “inadequado”, para Var- ges, candidatarse A ‘tha! dos ‘censores own evitar a publi: Casio da entrevista (0 drgio de censura do govérno, 0 DIP, ainda estava funcionando), era um sinal claro de que o dita- dor estava cedendo terreno diante da oposigio. O relaxa- mento dos contréles do govérno tornou mais ousadas as vozes de protesto. Poucos agora duvidavam de que o Brasil esti- vvesse as vésperas da reabertura de seu sistema politico. ‘As discusses sdbre a fixagio das datas para as mudan- ga constitucionais foram parcialmente acalmadas, quando 0 govemno emia um Ato ‘Adicional, a 28 de fevereiro, emen- iando a Constituigio de 1937. O' Ato previa que, dentro de 90 dias, seria baixado um decreto fixando a data das eleigoes. Imediatamente antes de Vargas publicar 0 Ato, foi _langado © primeiro candidato A Presidéncia. O Brigadeiro Eduardo Gomes, ex-tenente e agora um dos principais comandantes da Forga Aérea, foi apresentado como candidato dos constitu- cionalistas liberais que, em breve, iriam entrar na campanha sob a égide da Unido Democratica Nacional ou UDN. Em prinefpio de marco, Vargas deu uma entrevista cole- tiva de imprensa, a primeira em muitos anos. Defendeu pe- remptdriamente a Constituigao de 1937 ¢ foi evasive quanto & sua candidatura a presidéncia. Os protestos populares, j4 agora, saiam as ruas. A agremiagio dos estudantes universita- rios, UNE, recentemente organizada no Rio de Janeiro, reali- zou um comicio; uma demonstragio semelhante, em Recife, provocou violéncias policiais e levou & morte dois estudantes. 73 A disposigao do espfrito popular tornara-se hostil. Var- gas acalmou a cena, anunciando a 11 de margo que nfo se candidataria. No dia seguinte, foi langado um movimento indicar a candidatura do Ministro da Guerra, General Dutra, ‘© que foi interpretrado pela Sposieso como tatica diversionista de Vargas. Apoiando um candidato “governista”, que era emi- nentemente aceitével para o de oficiais do Exército, o ditador poderia influenciar a politica do seu sucessor. Além disso, 2 candidature de Dutra abalaria 0 apoio potencial « Eduardo Gomes, por parte dos clrculos pré-governamentais para os quais a vitéria era mais importante do que os princi- pios. Em comegos de abril, Dutra, ainda Ministro da Guerra, ‘aceitou ticitamente a indicagao.7 Aumentava agora a presso para afastar os restos de au- toritarismo que obstrufam a atividade politica livre. Em mea- dos de abril, 0 govémo anunciou a anistia politica e solto centenas de presos politicos, que se haviam estiolado na prisio durante o Estado Novo, incluindo alguns como o famoso lider comunista Lufs Carlos Prestes. Getilio discursou em um grande comicio no dia 1° de Maio, explicando que a sua misséo estava cumprida. Passou em revista as suas realizagdes, particularmente nas reas do desenvolvimento econdmico e da legislagdo social, e concluiu apoiando a candidatura de Dutra® A 23 de maio, Prestes falou durante o seu proprio comfcio de massas no Rio de Ja- neiro, assinalando o comégo da atividade politica do Partido Comunista, recentemente legalizado? A atengao agora se concentrava no iminente decreto que marcaria a data da eleigio. Foi baixado a 28 de maio, fi- xando a data para 2 de dezembro de 1945. A campanha presi- dencial ganhava impulso. Um névo partido politico, o Partido Social Democritico, ou PSD, que tinha sido formalmente or- ganizado a9 de maio, apoiou a candidatura de Dutra, a 1° julho. Em comégo de agésto, Dutra demitiu-se como Mi- nistro da Guerra e foi substituido pelo General Gées Mon- teiro, um dos arquitetos do golpe de 1937. Em meados de agésto, a UDN formalizou a sua camy a favor de Eduar- do Gomes, publicando uma plataforma a 17 de agésto. Até af, haviam sido apresentados aos brasileiros dois candidatos. Parecia nfo haver dividas de que a volta as instituigdes de- 74 mocriticas estava iminente. A atmosfera de confianga foi, contudo, conturbada por agitagdes da esquerda e uma equi- voca manifestagio no palécio presidencial Em principio de agdsto, um grupo de adeptos de Vargas comegou um movimento no sentido de adiar as eleigdes pre- sidenciais realizando, em lugar destas, eleigdes para a Assem- bléia Constituinte. O seu objetivo era “redemocratizar” 0 Bra- sil sob os auspicios do ditador. A oposigio a Vargas estava defendendo o oposto: a eleicdo de um novo presidente antes da redagio de uma nova Constituigo. A diferenca era cru- cial, de vez que o govérno ainda no poder poderia exercer grande influéncia sobre as deliberagdes da Asembléia Cons- tituinte. Os que desejavam que Getuilio continuasse como Presiden- te, ou se declarasse candidato nas préximas eleigdes, foram denominados “queremistas”, devido ao refrdo por éles usado: “Queremos Getilio”. O seu lema era “Constituinte com Ge- tilio!” Salientando-se entre os Iideres déste movimento, es- tavam membros do Partido Comunista, bem como lugares- tenentes de Vargas, como Hugo Borghi, que havia comecado a organizar um novo Partido ‘Trabalhista Brasileiro, ou PTB." ‘Vargas assumiu uma atitude dubia, com relacio ao mo- ‘vimento queremista. Nao o encorajou abertamente, mas tam- bém nio tentou evitar o seu crescimento. Depois do dia 2 de setembro, data de encerramento para a apresentagio das candidaturas 4 Presidéncia, parecia que Vargas tinha final- mente afastado qualquer possibilidade de pedir a Dutra para desistir em favor da sua prépria candidatura. A 29 de setem- bro, o embaixador americano, Adolph A. Berle Jr., pronun- ciou um discurso em que expressava “confianga” em que 0 Brasil realizaria eleigées a 2 de dezembro, como estava pro- gramado. O discurso, examinado pessoalmente com Vargas pelo Embaixador Berle, causou uma grita por parte das es- querdas. Os comunistas e os queremistas denunciaram a “in- tervengio” americana, e tacharam as eleigdes préximas como “maquinago de reaciondrios”. Depois de baixar os decretos destinados a “redemocrati- zar” o Brasil, Vargas inclinara-se ‘para a esquerda, na sua po- litica interna. Em junho, assinara um decreto “antitruste”, 75 criando uma comisséo autorizada a desapropriar qualquer or- ganizagdo cujos negécios estivessem sendo conduzidos de ma- neira lesiva aos interésses nacionais.O decreto que comesou a vigorar a 1° de agésto, tinha por objetivo estabilizar o custo de vida, proibinds a pritica do mouopélio. Mencionsva. es. pecificamente “emprésas nacionais ou estrangeiras sabida- mente ligadas a associagées, ‘trustes’ ou ‘cartéis"”. O decreto uo entusiasmo da esquerda e a indignacao da direita. A UDN lancou um protesto imediato contra o decreto, consi- derando-o “nada mais do que um instrumento do tipo nazi- fascista, com que 0 ditador ameaga tdda a economia brasi- leira”. ‘A firia da oposigao era particularmente violenta, por- que se dizia que o decreto era lirigido principalmente contra a cadeia de jomais de propriedade de um antigetulista de- clarado, Assis Chateaubriand. Os interésses comerciais dos Estados Unidos também ficaram alarmados com 0 decreto, por motivos ébvios. Discretamente, éstes procuraram obter modificagées na sua regulamentacio.!? A 3 de outubro, 15.° aniversério do apélo as armas de 1930, os queremistas organizaram um comicio em frente a0 Palacio Guanabara. Era a maior demonstragio do movimento até entio. Getilio falou aos manifestantes, afirmando firme- mente que niio era candidato as eleigdes, mas acrescentou que © pablico tinha o “direito” de exigir uma Assembléia Consti- tuinte, ¢ advertiu que havia “fdrcas reaciondrias poderosas, ccultas umas, ostensivas outras, contrarias t8das & convocacéo de uma Constituinte”. “Posso afirmar-vos que, naquilo que de mim depende, 0 povo pode contar comigo”. Qualificou.o en- contro de “delegacéo da vontade popular” e agradeceu & mul- tidiio por “esta demonstragao civica de tio alta significagio”!* A posigéo enigmética de Getilio estimulava especulagées maiores com respeito & sua verdadeira atitude diante das elei- 96es iminentes. Estaria 0 excditador planejando uma repeti io de 1937, quando libertou a esquerda de molde a justificar © seu préprio golpe? Ou estaria estudando uma nova era itica baseada no apoio operdrio militante, tal como 0 qe erén havia mobilizado na Argentina, a partir de seu golpe de 1943? A 10 de outubro, Getilio deu 4 oposigio um névo motivo para desconfiar das suas intengdes. Baixou um de- 76 creto antecipando a data das eleigées estaduais e municipais para o mesmo dia das nacionais, 2 de dezembro. Ja que 0 de- creto também exigia que os titulares de cargos que deseja- vam se candidatar as governangas teriam que se demitir trin- ta dias antes das eleigées, a oposigfo temia que os novos go- vernantes municipais, nomeados por Vargas, pudessem mani- pular as eleicdes em beneficio do candidato do presidente em exercicio."* As intempestivas modificagSes nas leis eleitorais provo- am profunda suspeita entre muitos oficiais das fOrcas arma- das. A UDN, igualmente temerosa, protestou contra 0 decreto de 10 de outubro, A volta triunfl de Perin ao poder na Ar- tina, a 17 de outubro, depois de ter sido sto, ay iS Sito das ante, averta aon aversion do’ Sitaber bragters tum exemplo do fracasso dos liberais em outra parte. A 25 de outubro, Vargas deu outro passo mais audacioso, 0 que foi demais para os generais. Comunicou a Jodo Alberto, chefe de Policia do Distrito Federal, que éste seria substituido por Benjamin Vargas, seu irmdo e figura mediocre, conhecido por suas ligagdes com o lado mais sombrio dos negécios puiblicos.* Joio Alberto comunicou a decisio de Vargas ao Ministro da Guerra, Gées Monteiro, com quem éle, Joao Alberto, havia conclufdo um acérdo informal, mediante o qual, se um dei ria 0 mesmo. Mas Gées Monteiro nio . Num turbilhdo de atividade, mobilizou a opinio dos oficiais em prol do apoio a um gol para dey © enlgrndticn esidente, Goes. Monteiro cere cou-se désse apoio depois de extensas sondagens entre os ofi- ciais superiores. Dutra foi a palécio, na tarde de 29 de outu- bro, para apresentar um ultimato a Getilio: retirar a nomea- gio Metaeal ‘imo, ou enfrentar a sua deposigio pelo Exército. Vargas recusou, ainda no convencido de que Gées Monteiro levaria a cabo’o ultimato, Jé era tarde demais. Gées Monteiro havia mobilizado a guamnigSo local do Exército, e 0 palécio presidencial foi vir- tualmente sitiado, quando Dutra voltou 20 Ministério da Guer- ra com a re de, Vargas. A, despeito dos exforgs deses perados do tro da Justica, Agamemnon Magalhaes, para conseguir uma solugo ‘cOuclatérs: Goes Montevo estave de terminado a levar tudo as wltimas conseqiiéncias. Naquela 7 noite, mandou o General Oswaldo Cordeiro de Farias a0 pa- licio presidencial, para informar a Vargas de que o seu pe- riodo havia terminado. A principio, Getulio se recusou a ace- der. Mas desistiu, quando o seu velho companheiro explicou gue sualquer Teristhncta Ihe seria impocsvel., Quando, Cor- iro de Farias perguntou se o presidente havia\ pensado em seus planos para o futuro, Vargas respondeu: “Quero ir di- reto daqui para Séo Borja”. A partida de Vargas foi rapida- mente atranjada, e, em 30 de outubro, éle entrou em seu “exi- lio", no Rio Grande do Sul.¢ © General Gées Monteiro assumiu inteira responsabilida- de pela, deposiséo do presidente, emitindo decaragses sucess vas, a 29 de outubro, explicando porque a agéo era necess4- ria. Vargas foi induzido @ publicar um comunicado, esclare- cendo que havia aquiescido em sua propria deposigao. Consolava-se com a certeza de que “a Histéria e o Tempo falario par mim’, e recordava os brasileiros que havia sempre jocurado defender as suas “aspiragées e legitimos interésses”. ito significativamente, éle “nao tenho razbes de malquerenga para as gloriosas Forcas Armadas da minha Pé- tria, que procurei sempre prestigiar.”"” ‘A maneira ual Vargas havia partido era importan- tissima, Como fonteiro lembraria mais tarde 4 UDN, 0 ditador foi deposto do cargo, nfo pelo poder da oposicao civil, mas or declto do Alto Comando do Exéreito’® Nao era, portanto, uma vitbria conquistada pela influéncia politica dos constitucionalistas liberais. Era, antes, um ato de férga por parte dos generais. Como havia acontecido, nos momen- tos eriticos, em outubro de 1930 e novembro de 1937, foram 0s militares © no 0s politicos que se tornaram os imediatos guardiies do poder. Redemocratizagéo em Marcha Com a derrubada de Vargas, 0 General Gées Monteiro consultou ento os dois candidatos & presidéncia, Eduardo Go- mes e Dutra, sbre a questio da escolha de um presidente interino. Ambos am que deveria ser, como vinham pregando os Iideres da UDN (“todo 0 poder ao Judiciério”), 78 rere © presidente do Su Tribunal Federal, José Linhares. Gées Monteiro nio deixou dividas de que as eleigées nacio- nis seriam realizadas a 2 de dezembro, como programado, © névo presidente, Linhares, repudiou 0 decreto de Vargas que havia antecipado a data das eleig5es estaduais. Substituiu 0s interventores € suspendeu todos os prefeitos, até depois das cleigdes. A substituigio désses titulares foi feita em grande parte por membros do poder judsirio, que tinham inrugSes para serem imparciais nas préximas eleig6es. Linhares também nomeou um gabinete de circunstincia. Gées Montero, que insta em se demitir do cargo de Minis- tro da Guerra, foi convencido pelos seus adeptos militares a assumir 0 pésto recém-criado de comandante em chefe do Exército, onde continuou a ser a eminéncia parda. Embora © govérno de Linhares se caracterizasse como “nio-politico”, apressou-se em repudiar 0 decreto antitruste baixado por Var- gas, em junho. Empenliou-se também em uma breve perse- guigdo ao Partido Comunista, invadindo-lhe os escritérios. Essa repressio foi de vida curta, contudo, ¢ o Partido reas- sumiu as suas atividades politicas. A saida de Vargas-do poder, em 1945, teve conseqiién- cias profundas e imediatas para a politica brasileira. Em primeiro lugar, ainda que abandonasse a cena o personagem central da recente histéria do Brasil, a sombra da sua per- sonalidade dominaria a politica brasileira, durante os anos vin- douros. Em segundo lugar, 0 afastamento de Vargas signi- ficava a criagdo de uma nova estrutura legal, para acompanhar a era democritica. Os brasileiros precisariam de uma Cons- tituigo para substituir 0 documento autocrdtico de Francisco Campos, de 1937. Os partidos politicos — os mais importantes veiculos da democracia mocera — teriam que ser fundados 6 fortalcids, Em teria lugar, volta da poitea demo crética ofereceria grandes possibilidades para o aparecimento de desacordos e conflitos. A classe média urbana e os gruj operirioe centralizedos nas regises mais deseavolvides poder- -se-iam beneficiar, de vez que manteriam um importante mero de votos em qualquer eleigfo nacional, em que o direi- to de voto fésse limitado aos alfabetizados, como veio a ser na Constitui¢do de 1946. 79 E quanto aos grupos de poder mais tradicionais, especial mente 0s proprietérios de terras, que haviam manipulado a politica téo livremente, antes de 1930? Estes permaneciam os mais fortes nas dreas intocadas ee mudangas econdmicas sig- nificativas. Com a volta das cleigées livres, era de esperar que estas dreas continuassem, mais uma vez, a mostrar os vicios politicos comuns na Republica Velha. Os seus “che- fées” do interior ainda podiam fornecer votos sob medida, mas a sua importancia dependeria do quao ripidamente cres esse a parte urbana do eleitorado total do pais. Désse cres- cente contraste entre as regies em desenvolvimento e as tra- dicionais, dentro do pafs — contraste, muitas vézes, mais vio- fento ainda dentro dos préprios Estados — havia-se tornado ainda mais agudo nos quinze anos que se seguiram & revolu- do de 30.° A divisio mais elementar da politica brasileira, em me: dos de 1945 era entre os “de dentro” e os “de fora”. Na ter- minologia tradicional da politica brasileira, o contraste era expresso pelos térmos “situacionistas” (donos do status quo) e “oposicionistas”. Os “de dentro”, em 1945, eram aquéles que haviam apoiado Vargas ticitamente durante 0 Estado Névo € que representavam agora um farto manancial de votos para © candidato que Ihes parecesse mais disposto a continuar as suas diretrizes bisicas. Os “de fora”, eram aquéles que ha- viam sido excluidos do poder, desde 1937, especialmente os constitucionalistas liberais. Cada grupo merece uma anilise mais detida.”” Os “de Dentro” No processo de transformar o sistema politico brasilei- ro, Vargas criara uma réde de lideres e grupos com os quais poderia contar para apoio e cooperagio. Mesmo sob © sistema autoritério impésto pelo golpe de 1937, 0 seu estilo itico necessitava de uma astuta combinaco de coergio ¢ ijulagdo, dirigidas aos quadros politicos e sociais do ve- Iho estilo, que tém garantido a continuidade da moderna his- téria brasileira. A réde politica de Vargas, nfo testada, natu- 80 ralmente, por uma eleigio durante 0 seu proprio mando, era formada por trés grupos principais. Em primeiro lugar, ha- vvia os politicos e burocratas que se tinham beneficiado dos anos de Vargas © que preferiam um minimo de modificagses no sistema que conheciam. Eram os homens que haviam diri- gido as mais importantes criagdes’ politicas de Vargas — as ovas miquinas estaduais, e a nova aparelhagem governa- mental, grandemente aumentada. O segundo grupo, entre os “de dentro”, eram os proprietdrios de terras e industriais que hhaviam prosperado sob Vargas e que manifestavam grandes incertezas quanto & estabilidade de um sistema politico mais aberto. Importantes, nesta categoria, eram os fazendeiros de café, ¢ outros grandes proprietdrios de terras que apreciavam © completo siléncio de Vargas a respeito da questio agréria, Havia também os banqueiros e os homens de negécios que tinham aprendido a operar lucrativamente, com 0 crescente contréle central sdbre 0 crédito e os regulamentos comerciais. terceiro grupo era o mais ndvo elemento entre os “de den- tro”. Era formado pelos trabalhadores urbanos, aos quais Vargas dedicou a sua legislagio de previdencia social e a sua organizagio sindical paternalistica, fortalecida nos primeiros anos da década de 40. Os dois primeiros elementos entre os “de dentro”, tinham @ seu proprio partido par excellence, fundado em 1945. Era 0 Partido Social Democritico, ou PSD. Nao tinha semelhanga alguma com um partido social democrético europeu, ficando mais préximo, na politica tradicional brasileira, das maquinas politica estaduais que Jevavam 0 rétulo de Partido Repu. licano durante a Repiblica Velha. Os instituidores do PSD comegaram a se organizar em marco de 1945, quando as elei- ‘GGes se haviam tornado inevitdveis. A maneira pela qual o partido foi fundado dava uma pista para as suas caracteristicas posteriores. Os interventores, em muitos Estados, pura e sim- plesmente, reuniram homens piblicos governistas, pedindo-lhes para colhér as assinaturas necessérias para a fundagao de um partido de acdrdo com a nova legislagao eleitoral. “A dirego vinha de cima, jé que Vargas supervisionava pessoalmente a organizagio do PSD, de maneira a apoiar a candidatura ofi- cial de Dutra ar Se bem que o recém-formado PSD usasse muito da lin- agem dos constitucionalistas liberais, era mais uma criagio jos politicos tradicionais, nas areas rurais, do que da oposigao da classe média, nas cidades. © partido era particularmente forte em Minas Gerais, onde o interventor, Benedito Valla- dares, havia sido intimo colaborador de Vargas, desde a sua propria subida ao poder em fins de 1933. Paradoxalmente, 0 PSD atraiu também 0 apoio de empresérios progressistas, tais como Roberto Simonsen, que encaravam a continuagao da in- tervengio estatal como essencial a um impulso maior na in- dustrializagéo, Essa combinagéo de industriais nouseaux © po- Iiticos estaduais da velha guarda, deveria dar a0 PSD a sua posigéo “nio-ideolégica” sui-generis, mo periodo de apés- Os operdrios urbanos organizados — uma minoria pri- vilegiada, dentro da forga total de trabalho — eram repre- sentados entre os “de dentro” pelo névo Partido Trabalhista Brasileiro, ou PTB. Vargas revelou mais tarde, num momento de franqueza, porque foi fundado o PTB. “Como a mentali- dade dos trabalhadores nio se adaptasse bem as dos antigos politicos, criou-se uma nova organizacio partidéria, que se denominaria Partido Trabalhista Brasileiro”* O PTB repre- sentava 0 esférgo de Vargas para atalhar a marcha dos co- munistas, & esquerda, assegurando em seu proprio beneficio © voto da classe operiria, de importincia crescente. O par- tido foi organizado por prepostos e conselheiros de Vargas, como Alexandre Marcondes Filho, Ministro do Trabalho, ¢ Alberto Pasqualini. Como Ministro do Trabalho desde 1943, Marcondes Filho havia consolidado as leis trabalhistas © aju- dado a produzir a mistica do trabalhismo, sdbre a qual se pudessem basear um movimento politico. A estratégia eleitoral do PTB era complicada pelo fato de que 0 partido havia sido profundamente envolvido no mo- vimento queremista. A partida sibita de Vargas desmorali- zou e dividiu o PIB. Alguns defendiam 0 apoio a Dutra; ‘outros, privados do seu lider, foram atraidos pela militancia do Partido Comunista; outros, ainda, perderam interésse pela disputa presidencial e concentraram-se no apoio a Vargas nas eleigSes para tantos postos mo Congresso, quanto possivel, es- a2 perando com isso avolumar a impressionante votagéo total para © Presidente deposto. Os “de Fora” Os “de fora”, de 1945, mostraram ser um grupo menor do que se poderia esperar. Importantissimos, dentro da oposigio heterogénea, erzm os constitucionalistas liberais, Em 1930, éles haviam apoiado Vargas na crenga de que es- tavam jiniciando uma nova era democrética no Brasil, dando assim predominancia As 4reas urbanas em ascensio. Ao invés disso, éles viram as suas esperangas de um regime li- beral despedagadas quando Vargas levou o Brasil para 0 regime autocritico do Estado Névo. Em fins de 1944, & me- dida que a maré montante da vitéria aliada tornava a rede- mocratizagia uma esperanga palpavel, os constitucionalistas liberais organizaram um névo movimento politico, a Unio De- mocritica Nacional, ou UDN. O titulo indicava a sua inten- ‘sao de formar uma frente unida de oposigio, tentativa que se mostrou muito mal sucedida. Com Vargas forcado pelo Exér- cito a resignar, os liberais esperavam retomar a tarefa inaca- ada de quinze anos atris. O seu candidato a presidéncia era 0 Brigadeiro Eduardo Gomes, conhecido oficial da Férca Aérea, jue havia sido um dos jovens militares rebeldes da década le 20 © um revolucionirio de 30, mas que se havia oposto virada autocrdtica dos acontecimentos de 1937: Eduardo Gomes recebeu a heranga politica de Armando de Sales Oliveira, principal candidato de oposigéo na abor- tada campanha presidenciel de 1937. Naquela campanha, Sales Oliveira falava em nome dos paulistas frustrados a quem havia servido como Govermador, de 1935 a 1937. Lutara, contudo, para dar amplitude nacional ao seu apélo. Forcado a se exilar pelo golpe de novembro de 1937, viveu no exilio ara voltar 20 Brasil a 7 de abril de 1945. ‘Chegou ao solo asileiro atacado de doenga incurével e morreu a 17 de maio, com tempo apenas para testemunhar as dores de parto do re- nascimento democritico do Brasil. Sales Oliveira sempre reconhecera que os politicos brasi- leiros estavam sujeitos ao veto militar. Foi o seu apélo ao Exército, is vésperas do golpe de novembro de 1937, que for- 83 ou Dutra e Gées Monteiro a anteciparem de cinco dias a data do golpe. Durante todo o seu exilio, Sales Oliveira continu a apelar para o Exército com a iinica férga que poderia por fim 4 ditadura que éste mesmo Exército havia endossado em 1937. Os seus constantes apelos eram prova convincente da fraqueza dos constitucionalistas liberais. Incapazes de dissua- dir 0 alto comando do Exéreito do golpe de 1937, éles s6 poderiam esperar o seu reingresso na arena politica, se con- Vencessem os militares a reencaminhar o Brasil para a sua senda democritica. Nunca ocorreu a Sales Oliveira, durante todos os anos de exilio, atacar o Exército por haver desbara- tado a democracia em 37, ou organizar um movimento revo- Juciondrio. Qualquer das duas atitudes teria violado a lei im- plicta da politica brasileire, que éle, como membro preemi- niente da elite, instintivamente apoiava. Atacar o Exército teria sido atacar a propria légica do sistema, e teria levado A conclusio de que 0 papel do Exér- cito, em 37, tinha sido mal concebido. Para os constituciona- listas liberais, no era o direito do Exército de intervir, mas os resultados de sua intervengo, que tanto mal havia’ feito 20 Brasil. Reconhecendo 0 poder de arbitrio do Exércite, © até mesmo glorificando éste papel, os constitucionalistas libe- ais aguardavam uma nova intervengio em seu beneficio. Es- exevendo do exilio, em Nova Torque, em dezembro de 1939, Sales Oliveira colocava a questio da seguinte forma: “Fora do Exército, no hé solugéo para a crise do Brasil. A uniéo 26 0 Exército a pode realizar, porque ¢ ania forga nacional no desorganizada pela deméncia autoritéria”. Continuava di- zendo que encarava o Exército “com uma confianca ilimitada” € sugeria que 0 povo brasileiro desejava que o Exército assu- misse 0 poder “nesta hora de supremas ameacas para assegu- rar a ordem interna e 0 respeito externo, até que a Nagio, unida, delibere” = ‘Um més depois da promessa de Vargas, de novembro de 1943, no sentido de redemocratizar o Brasil depois da guerra, Sales Oliveira publicou, (desta vez de Buenos Aires), outra “Carta. aos Brasileiros”. Nessa mensagem, identificava as esperancas dos constitucionalistas liberais mais intimamente com 0 Exéreito: “Do povo é 0 Exército a imagem, nestas fases de guerra mais do que nunca. Do povo tem éle as qualidades cd e 05 defeitos. Sentindo que a opinido dos oficiais estava yoltando contra o Estado Névo, Sales Oliveira era soli com a sua angistia. “A verdade é que o Exército sofre, e, em certo sentido, ¢ mais infeliz que 0 povo, porque os galdes so antenas sensiveis, que devem recolher desde muito longe 0s funestos pressdgios de humilhagio da Patria’. A identificagéo dos constitucionalistas liberais com 0 cor- po de oficiais tinha uma base classista natural. O corpo de ofi- ciais brasileiros era recrutado Brincipalmente entre a classe média, da qual dependiam també ém os constitucionalistas li- berais. Era, portanto, lgico que politicos, como Sales Oli- veira, presumissem que lhes compartilhavam um interésse co- mum com os militares” Mesmo quando o ditador j4 cedia abertamente terreno, durante 0s primeiros nove meses de 1945, os constitucionalis- tas liberais, organizados na UDN, tinham os olhos postos no Exército, para a protecio dos seus direitos. Em outubro de 1945, por exemplo, a UDN mandou um rosério de queixas a0 Ministro da Guerra, contra a atuagio parcial de autoridades governamentais que permitiam a violéncia, alegavam éles, para perturbar a car 1a _eleitoral da UDN.** Depois do comi- Gio queremista de 3 de outubro, a UDN protestou que “o continuismo” estava no ar, como ficara evidenciado pelo “ca- rater subversive” do comicio.** A 29 de outubro, o Exército finalmente féz 0 que os constitucionalistas liberais haviam es- perado durante tanto tempo — depos Vargas. O fato de ter sido 0 Exército que depds 0 ditador privou a oposicso, espe- cialmente a UDN, da oportunidade de reclamar para si mé- rito de haver conjurado a ameaga & democracia brasileira. Com ‘Vargas fora do pésto, um dos principais objetivos da UDN tinha sido alcangado, se bem que 0 puro sentimento anti- ‘Vargas continuasse a manter a coesio do partido. O péso da campanha teria agora que repousar na simpatia ao seu can- didato e na sua posigio quanto a importantes questées de ‘organizagio politica e econémica. Eduardo Gomes, o candi- dato da UDN, contava com o apoio de grupos de homens de negécios nas cidades principais, inclusive no nordeste, bem como de alguns propretrios de tera, a quem recoria tam- bém o PSD. Ele inclufa entre os seus partidérios muitos mem- bros eminentes da elite politica brasileira, tais como 0 ex-pre- 85 sidente Artur Benardes (Minas Gerais) e Oswaldo Aranha, ‘exembaixador em Washington ¢ ex-Ministro da Relagdes Ex- terioses. Aranha apoiou o candidato da UDN, em parte por- que sentia magoa de ter visto cortadas as suas prdpias fen. bigdes presidenciais, quando Vargas o forgou a renunciar como Ministro do Exterior em 1944. Eduardo Gomes era apoiado também pela maior parte da imprensa, liderada pelos seus magnatas, Assis Chateaubriand, proprietirio da cadeia de jor- nais Didrios Asociados, Herbert Moses (O Globo), e Paulo Bittencourt (Correio da Manhé)2° © programa de Eduardo Gomes dava destaque aos as- pectos juridicos da redemocratizacio do Brasil. No setor eco- némico, Eduardo Gomes e a UDN pediam uma politica cau- telosa de industrializagso. Advertiam contra 0 uso do Banco do Brasil “para a criagdo de indistrias novas e financiamento das invidveis”. Pediam a “colaboragio do capital estrangeiro”, opunham-se as “barreiras fiscais” e recomendavam um “sanea- mento financeiro”. A plataforma da UDN de 17 de agésto apoiava a protegio & indistria, sdmente se ela estivesse “do- tada de um equipamento moderno que reduza o prego da pro- dugio". Herbert Levy, que seria mais tarde um dos princi- pais lideres da UDN, frisou o perigo comunista e advertiu que Pelite deveria se adoptar, a fim Ge “assumir a direio das transformagdes que se tornaram imperativas no nosso tempo” *! Em esséncia, a UDN estava recomendando uma volta aos prineipios do liberalismo, tanto em politica quanto em eco- nomia (0 “liberalismo” econdmico na ace Manchester). ‘A sua férmala era. desmantelar 0 aparelhamento. de. contre do tempo de guerra abolir as barter que obstruam o livre curso de homens e de capitais e por esta forma permitir 0 fancionamento das fergas econbmicas espotneas, No pro- puseram, contudo, a abolicio da Legislacio previdencidria, nem, é interessante notar, o desmonte da estrutura corpora- tivista, especialmente o sistema de sindicatos manobrados pelo govérno, que havia sido deixado por Vargas. ‘Dada a importincia do assunto, na politica brasileira de apse a pena frisar o quanto era diibia a posi- spleen e ope gan cn be 8 ps favor do prosseguimento da industrializagio, néo se esclarecia qual atitude que tomaria se o crescimento industrial do 86 Brasil viesse a ser impedido pelo emprégo das regras do jOgo da economia clissica. Além disso, os grupos comerciais © 0s consumidores urbanos, que formavam uma parte importante das fileiras da UDN, certamente se oporiam a medidas econd- micas que tornassem os bens manufaturados mais custosos a ceurto prazo. ‘Um grupo muito diferente entre os “de fora", nas elei- des de 1945, foram os comunistas. Clandestinos, desde a abortada revolta de 1935, éles ressurgiram A hora da abertura democritica. Os candidatos do partido e o dogma marxista encontravam uma larga receptividade, especialmente no seio da nova geragio, que pouco tinha conhecido além da estéril tutela intelectual ¢ politica do Estado Novo. O Partido Co- munista do Brasil, ou PCB, estava em posigio dificil em 1945. Era 0 tnico Partido Comunista da América Latina que havia tentado uma revolugo violenta. O desastroso fracasso dessa revolta, em 1935, redundou em formidavel passivo politico. ‘A revolta havia comecado com o assassinato de oficiais do Exército, fornecendo dessa forma provas para os generais anti- comunistas, como Gées Monteiro e Dutra, afirmarem que a “ameaca bolchevista” justificava medidas de repressio. Anti- comunistas militantes, inclusive muitos constitucionalistas li- berais, citavam constantemente 1995 como prova de que o Partido Comunista nio tinha lugar num sistema democritico, ‘Mas a anistia geral, em 1945, e 0 n6vo cédigo eleitoral, de maio, haviam permitido ao Partido Comunista reorganizar- se como férga politica. A atmosfera de triunfo sbbre 0 fas- cismo, no exterior, baseado numa alianga entre os Estados Uni- dos e'a Unio Soviética, e da qual o Brasil havia participado, ajudou a ressuscitar a reputagio do Partido Comunista dentro do pais. O partido, portanto, gozava do prestigio moral de Saad Pa aa ans Dae ee sio nazista na Europa. A nova atmosfera era simbolizada pelo reconhecimento da Unio Soviética, por parte de Vargas, em abril de 1945. © préprio Lufs Carlos Prestes era o grande trunfo do ido. Como 0 “cavaleiro da esperanga”, da década de 20, wvia gozado de grande prestigio inclusive entre al- guns membros da classe média. ‘de haver saido da 7 prisio, em meados de abril, Prestes discursou durante um gran- de comicio no Rio de Janeiro, a 23 de maio, pregando a “uni- ficagio nacional”, com vistas a uma “Assembléia Constituinte”. Dirigiu-se especialmente aos “comunistas e antifascistas cons- cientes” como “nestes dias de agitagio, em que se prega a desordem e se fala abertamente de golpes armados, o esteio méximo da ordem e da lei”## Para surprésa de muitos adeptos, Prestes delineou uma estratégia de frente popular que inclufa o apoio A continua- do de Vargas no 'A politica do Partido Comunista era apoiar 0 pedido de uma Assembléia Constituinte, enquanto que ao mesmo tempo dava preferéncia ao adiamento das elei- ‘es presidenciais. A estratégia dos comunistas, portanto, coin- cidia ‘com a dos queremistas, ¢ levantava a suspeita de que havia um acérdo entre Vargas e Prestes. Teria Vargas “al- forriado” Prestes em troca do apoio déste ultimo 20 movimento ueremista? Era realmente verdade que os comunistas tinham sido importantes para ajudar a organizagio do comicio que- remista a porta do paldcio presidencil, « 3 de outubro? les estavam também se infiltrando ativamente nos movimentos sin- dicais oficiais e estavam animando comicios operdrios quere- mistas “antifascistas"? Depois que Vargas foi deposto, a 29 de outubro, a lide- ranga do Partido Comunista foi langada em confusio momen- tinea. A breve supressio do partido provocou temores de aque 0 seu status legal poder estar no fim. Mas forlhe per. mitido continuar agindo e proceder a indicagto de candidate proprio & presidéncia. Em meados de novembro, o Partido escolheu Tedo Fiuza, engenheiro civil, ex-prefeito de Petré- polis e nio-comunista. Como esclareceu Prestes, em um dis- curso da campanha, no Recife, em fins de novembro, o PCB acreditava que o Brasil ainda néo estava pronto para um vérno comunista. O érro de novembro £ 1935 nfo se 5S veria repetir. Prestes exortava seus ouvintes a apoiar 0 “can- didato civil”. Ao mesmo tempo, contudo, o PCB continuava 4 sua vigorosa campanha para eleger os seus proprios depu- tados e senadores dentro do ndvo Congresso® PnP Nos outros setores da esquerda havia pouea atividade im- portante. Dentro da UDN, havia uma pequena ala da Esquer- 88 da Democritica, que de fato se separou do udenismo em 1946. Nem entio, nem mais tarde, conseguiu influéncia dentro da- ilo que, em si mesmo, ja era um partido minoritério. Igual- Thente significative fol o fato de qué a rescurreigio da compe. tigio politica livre nao conseguiu produzir nenhum partido socialista independente de importincia. Em lugar disso, a es- querda foi preenchida pelo Partido Comunista e pelo nas- cente Partido Trabalhista Brasileiro, que era, na realidade, um pilar entre os “de dentro”, e que apoiou intensamente Du- tra, candidato do PSD, no resto da campanha presidencial.* A Constituigéo de 1946; Um Névo Brasil? As vésperas da eleigio de 2 de dezembro de 1945, a si- tuagdo era a seguinte: tanto os “de dentro” quanto os “de fora” nao comunistas haviam apresentado, como candidatos, milita- res de alta patente, esperando dar as respectivas campanhas roupagens ndo-partidarias. O General Dutra, 0 incolor mas respeitavel candidato dos “de dentro”, parecia prometer uma continuagio do sistema de Vargas, sem as caracteristicas tota- litérias. Sua campanha era discreta e dirigida a capitalizar © apoio da réde politica dos situacionistas, antigos e novos, herdados de Vargas. Estes, “de dentro”, estavam confiantes na forga da sua miquina eleitoral nas dreas rurais e urbanas dos maiores Estados, especialmente Minas Gerais, Sao Paulo e Rio Grande do Sul.’ Os politicos liberais de oposigao nao tinham nenhum baluarte geogrifico, e pareciam basear a sua con- fianca na crenga de que 0 sen papel na mobilizagio da opiniéo piiblica contra Vargas havia conquistado, para éles, im di- reito natural a ter # sua vez no poder. Os comunistas ofere- ciam uma critica radical ao sistema politico e econdmico in- tei, enguanto esperavam ganar votes através de um apélo “nao-revolucionério” Enquanto a oposicao, especialmente a UDN, se queixava amargamente das vantagens de que gozavam os candidatos “oficiais”, os adeptos de Dutra mostravam-se preocupados com a inabalivel incapacidade do general de suscitar o entusiasmo dos eleitores. Em setembro, os principais lideres do PSD ti- veram um encontro e concordaram undnimemente que a can- 89 didatura no era mais “vidvel”. Jodo Alberto, ex-chefe de po- Vicia do Distrito Federal e importante partidério de Dutra, confessou que a campanha do general se havia tornado “pe- sada”, Decidiram que deveria ser mandado um emissirio a Dutra, pedindo-the para retirar a sua candidatura em favor de um névo candidato oficial. Mas a misséo fracassou, quan- do Gées Monteiro, um dos lideres do PSD e firme adepto de Dutra, ameagou renunciar, se 0 ultimato levasse 0 apoio do ditador deposto. Vargas ‘negou qualquer conhecimento da decisio e 0 assunto morreu.® Mesmo depois de Vargas de- posto, os adeptos de Dutra continuaram a se preocupar com éle. Dutra estava irritado porque Vargas havia feito muito pouco, depois de 29 de outubro, para apoié-lo na campanha. Virtucimente nas vésperas da eleigio, a 48 de rovembro, Var~ gas foi, finalmente, induzido a emitir uma nova declaragio apoiando 0 candidato do PSD. Rste apoio a Dutra era sem muita convicgio, e Vargas advertia de que “estarei ainda ao Jado do povo contra 0 presidente, se nao forem cumpridas as promessas do candidato’ As eleigdes realizadas a 2 de dezembro foram, como é da opiniio geral, dirigidas com imparcialidade, e se passaram sem maiores incidentes. Os adeptos de Dutra nao precisavam terse preocupado. O ex-Ministro da Guerra obieve 55 por eento da votacio nacional, com imclusive uma conforté- vel margem de. diferenca nos Estados-chave: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Sao Paulo. Eduardo Gomes recebeu 35 por cento dos votos. Muito surpreendente foi a relativamente grande votagio do candidato comunista, Fiiza, que recebeu 10 por cento do total nacional. Nas eleigdes para o Congreso, ‘© PSD ganhou 42 por conto dos votos (151 cadeiras), a UDN, 26 por cento (77 cadeiras), 0 PTB, 10 por cento (22 cadei- ras) ¢ 0 PCB, 9 por cento (14 deputados e um senador).* Os votos restantes ¢ as respectivas cadeiras foram para candi- datos de partidos menores. A conclusio era inevitivel: mes- mo com Vargas substituldo por um candidato apagado, a fragil alianga presidencial dos “de dentro” podia sobreviver a uma eleigio livre. As eleigdes de 2 de dezembro de 1945 prepararam o ter- reno para a redemocratizagdo do Brasil. Tendo empossado 0 seu novo presidente em janeiro de 1946, o pais se preparava 90 para refazer a sua Constituigdo pela quarta vez, desde a que- Ga do Império, em 1889. A Ordem dos Advogados do Bra- sil indicou uma lista de destacados estudiosos em legislacao, ara propor a substituicdo da estrutura autocrética imposta em 1937. O ndvo Congresso reuniu-se em Assembléia Cons- tituinte e debateu sucessivos projetos constitucionais.* Em setembro de 1948 aprovaram uma versio final e 0 Brasil teve uma nova Constituiggo. Como em 1934, ela en- globava tanto as esperangas dos constitucionalistas liberais quanto as dos que eram favoréveis a um govérno federal for- te. Como em 1934, foram incluidos elaborados dispositivos, destinados a assegurar eleig6es livres ¢ direitos cfvicos. Mas nao houve retro ao sistema descentralizado que vigorava antes de 1990. Na realidade, os representantes & Assembléia Constituinte de 1946 nao faziam segrédo da sua oposigio a um renascimento da antiga “politica dos governadores”. O executivo, muito ampliado, criado por Vargas, permanecea virtualmente intacto, ve bem que a oposite liberal tvesse, durante a campanha eleitoral de 1045, feito acusagdes no sen- tido de que éste executivo havia sido usado para fins eleito- rais pelo Partido Social Democritico. O eleitorado foi formado com a exclusio dos analfabetos e dos convocados para as for- gas armadas. Esta exclusio de mais da metade do eleitorado brasileiro deveria ser mais tarde alvo de propésitos reformistas aceso debates? O Govérno Dutra Dutra logo se mostrou um presidente trangililamente apolitice. O seu perlodo presidencial foi caracterizado freqiientes apelos por um retémo & “trangiilidade”.*° Dutra gozou de uma lua-de-mel politica durante 0 seu primeiro ano, juando a UDN cooperou com 0 seu govérno nas tarefas ime- diatas do reconstrugto do apée-guerra, Nio foi senio depois da aprovagio da nova Constituigio, em setembro, que a poli- tica se tornou francamente partidéria. Naquele més, 0 Pre- sidente Dutra escolheu um névo gabinete moderadamente con- servador, em suas caracteristicas gerais. O névo Ministro das Relagées Exteriores, por exemplo, Raul Fernandes, era mem- 91 bro destacado da UDN. O Ministro da Guerra, General Can- robert Pereira da Costa, era um anticomunista declarado. O. Ministro da Fazenda, Corréa e Castro, prometia tomar me- didas monetérias ortodoxas, de forma a deter a inflacao nas- cida dos racionamentos do tempo de guerra. A UDN, con- tudo, fumegava, com o seu papel diminuto no névo govémo. Seus lideres achavam que 0 regime de Dutra, que repousava na mal alicergada maquina politica do PSD, havia permitido a um demasiado nimero de protegidos de Vargas permane- cerem nos cargos. A despeito dos esforgos de alguns Iideres da UDN, o partido entrou em oposigio aberta ao govtmo de yutra,*? Em dezembro de 1946, os problemas do govérno Dutra se complicaram, quando o popular ex-ditador rompeu abertamen- te contra o govérno. Vargas havia estado ativo, organizando © nascente Partido Trabalhista Brasileiro no Rio Grande do Sul. Eleito senador sob a legenda do PSD, Vargas incitava aos trabalhadores brasileiros a se alistarem no PTB. Seguia a estratégia caracteristica de manter um pé em cada campo, esperando desta forma uma larga margem de apoio para um retérno politico. Tentou acalmar com explicages a gri- ta levantada pela sua aparente deslealdade a0 partido do pre- sidente Dutra, mas a sorte estava lancada. Juntamente com uma Constituigio democritica, 0 Brasil havia’retomado a po- Mtica partidéria.*? Linhas Politicas: Fluidez e Rigidez A mais implacével oposigio a Dutra partia do Partido Comunista, que ressurgiu em 1945 como o mais forte partido comunista da América Latina. Nas eleigdes de dezemt ° Partido clegera para a Assembléia Constituinte quinze membros, que atacavam violentamente os dispositivos neoli- berais inscritos na Constituicio de 1946. Havia choques iédicos entre a policia e os militantes comunistas, nio demoraram em criticar o grande apélo que 0 govérno de Dutra féz aos investidores estrangeiros, Em margo de 1946, Prestes chegou mesmo a declarar que ficaria 92 a0 lado da Unio Soviética no caso de uma guerra entre aquéle pais e o Brasil. Em maio de 1946, o govérno de Dutra expurgou todos os funcionérios piiblicos conhecidos ‘como membros do Partido Comunista. Em agésto, o PCB foi presenteado com uma excelente oportunidade de fazer propa- ganda. O General Eiserhower, herbi do teatro de guerra europeu, onde haviam lutado as tropas brasileiras, visitou 0 Rio de Janeiro. Numa recepgao oficial, o Hder da UDN, Oté- vio Mangabeira, deu um jeito de conseguir beijar a’ mio do general americano. Os ultranacionalistas sentiram-se ultra- jados, levantando uma tal onda que 0 assunto chegou a en- capelar o Congresso que, finalmente, votou a favor da ati- tude de Mangabeira * © Partido Comunista estava facilmente encontrando ter- reno fértil para suas atividades. Os pregos subiram rapida- mente e os comunistas se infiltravam. com sucesso na lideran- ga de muitos sindicatos. Conseguindo uma importante vota- 340 nas eleigdes de 1945, o partido parecia ter assegurada uma hase de massas. As eleigées estaduais e suplementares para o Congresso, em janeiro de 1947, confirmaram essa suposicdo. O PCB manteve a sua posigio como o quarto mais poderoso par- tido do pais e acrescentou dois novos deputados, elevando o total a dezessete deputados e um senador, ao mesmo tempo elegia quarenta e seis membros em quinze legislaturas esta- duais ¢ dezoito na Asembléia do Distrito Federal, sendo assim a maior bancada na Cimara da capital brasileira. No Estado de Sio Paulo, o PCB chegou mestho a substituir a UDN como © terceiro partido na votagao total.* Defrontando com essa crescente f8rea, 0 govémo de Du- tra decidiu usar a repressio. Féra incluido na Constituicio de 1946 um dispositivo legal mediante o qual os partidos “an- tidemocriticos” poderiam ser impedidos de participagao aber- ta na politica. A clausula foi invocada pelos procuradores do govérno e 0 PCB foi declarado fora da lei, por decisio judi- Cial em 1947. Esta atitude foi apoiada, sem causar surprésa, pelo Exército, que havia sido um bastiéo da ideologia anti. Comunista oficial desde a revolugdo comunista, em novembro de 1935. Também havia sido apoiada pela maioria dos cons- titucionalistas liberais que acompanharam os padrées de 1935 a 37 e engoliram as suas dividas quanto a privar os “antide- 93 mocratas” dos seus direitos democrticos. files concordaram claramente com os “de dentro”, que a militincia dos comu: nistas, combinada com o alarmante crescimento de seus déres eleitorais, poderia ser uma fora realmente dissolvente.%* ‘A supressio oficial do Partido Comunista coincidiu também com 6 inicio da guerra fria. Os anticomunistas brasileiros po- diam, portanto, encontrar no exterior uma pronta justificativa para os seus atos, © govémo de Dutra valeu-se dessas circunstincias derrubar os lideres trabalhistas da ala esquerda. A Confede- ragio dos Trabalhadores do Brasil, esquerdista, organizada em 1946, foi declarada ilegal e govémo federal “interveio” ‘em 143 sindicatos (num total de 944) “para eliminar os ele- mentos extremistas”.*® ‘A outra importante voz de oposig’o ao govérno Dutra foi a do ex-ditador, agora inquieto no seu “exilio” auto-impdsto no Rio Grande do Sul. Vargas participou ativamente da campanha para as eleigdes de janeiro de 1947, apoiando os tandidates Uo PTB para o Congresso ¢ os do PSD. para as governangas estaduais. Jé estava experimentando a estratégia She o recondurira ao palicio presilencial. A supressdo do Partido Comunista criou um vazio na es- querda. O PTB, cuja criagio Vargas havia encorajado em 1045, especificamente’ para mobilizar o apoio da classe operd- ria em seu beneficio, movimentou-se ripidamente para ocupar © terreno deixado pelo PCB. Durante a campanha para co- Jocar fora da lei os comunistas, Vargas havia procurado dis- sociar o PTB do comunismo, que ae rejeitava como “desti- tuido de idealismo construtor”.‘7 Uma anialise das eleigdes para ‘a Assembléia Legislativa de Sao Paulo, em janeiro de 1947, mostrava que a votagdo da classe operiria estava dividida entre 0 e 0 PTB. Com o desaparecimento do primeiro, o PTB deveria certamente se beneficiar.*® Nessa altura de sua carreira, Vargas personificava, de um modo preliminar, um ndvo estilo populista politico. O térmo “populista” era um tanto impreciso. Veio a ser usado para de- nominar um estilo de procedimento politico em uma situagio 1a qual o eleitorado urbano de maseas mora receptividade um Ifder atraente, gee reoare & am apélo direto e emocional, baseado em consideragSes econdmicas de varidvel sofistica- cod io ideolégica. O politico populista seria imprevisivel antes de 1930, e éste seu sucesso pressupde um voto relativamente livre. E um lider personalista, cuja organizagéo politica gira em timo das, suas proprias abides © da sua, propria car reira. E temido, naturalmente, pela direita, devido ao trans- témo que poderia trazer ao status quo. Desdenhado pela es- querda marxista disciplinada, pela sua iresponsabilidade “mistificagio” das massas, nos ultimos vinte anos, os politicos populistas mostraram ser formidveis imantadores de votos no Brasil? © populista mais notével da era de Dutra foi Ademar de Barros. Produto de uma antiga familia paulista, fdra inter- ventor de Vargas em Sio Paulo, de 1958 a 1941. Inteiramente familiarizado com as técnicas dos “de dentro”, poderia indu- bitivelmente ter continuado como um manipulador bem su- cedido daquele sistema, depois que Vargas foi forcado a re- nincia. Mas Ademar tinha uma ambigdo compulsiva que 0 impelia a se mostrar com uma nova forma politica. Mistu- rando ao empreguismo generoso, vistosas obras piblicas e ‘uma campanha pitoresca, de um estilo que lembrava Tammany Hall ou Huey Long, éle se mostrou notivelmente bem suce- dido. Para surprésa de quase todos os politicos da velha guar- da, Ademar arrebatou a governanga de Sao Paulo, em 1947. ‘A eleigio de Ademar foi um tour de force. Durante 2 campanha, f@z acdrdo declarado com o Partido Comunista, em troca do apoio déste. Isso Ihe valeu uma grande quanti dade de votos da classe operdria, e levantou também a raiva dos politicos conservadores e de oficiais do Exército que ques- tionavam abertamente o direito de Ademar ser empossado. No entanto, Ademar conseguiu atrair uma grande faixa da classe média, provando dessa forma a alguns observadores (e isto nto perdia, para Vargas), que nem © PSD, nem a UDN, eram vetculos satisfatérios para a opinido da classe média. Foi per- mitido a Ademar assumir 0 cargo, onde éle comegou um pi- toresco govérmo de quatro anos. Entre os seus adeptos mais desabusados, 0 lema era “rouba mas faz’. © estilo politico lista e “corrupto” que Ademar adotou era uma resultante légica do aumento stibito do ntimero de eleitores. Os politicos elitistas de antes de 1930 ti- nham poucas esperangas de alangar sucesso com os seus mé- 95 todos antigos, em meio ao eleitorado de massas eriado pelo proceso acelerado de urbanizagio. Como populista, contudo, Ademar foi algo decepcionante. Ble nao constituiu na verda- de ameaca aparente 3 ordem econdmica e social estabelecidas. © seu approach era essencialmente a politica de “bem-estar social”, da década de 1930, levada as ultimas conseqiiéncias eleitorais, combinada com um astuto desejo de cooperar com 0s centros de poder jé existentes em Sao Paulo. Ao mesmo tem- po, Ademar estava organizando 0 seu proprio partido, 0 Par- tido Social Progressista, ou PSP, 0 qual, em 1950, iria obter 0 maior mimero de votos do Estado. No final da presidéncia Dutra, ainda no havia aparecido um politico populista significative da esquerda. Ademar nao tinha procurado explorar os sentimentos populares de nacio- nalismo econdmico, uma t6nica que, mais tarde, viria a ser 0 pau-para-téda-obra dos populistas da ala esquerda. Mas o névo estilo ¢ 0 efeito que causava haviam sido amplamente demonstrados.** Ziguezague Econémico A histéria econdmica da presidéncia de Dutra pode ser dividida em duas fases: 1946-47 e 1947-50. No_primeiro perfodo ensaiou-se 0 retdmo aos prinefpios do liberalismo do laissez faire, uma politica que foi abalada pelo répido esgotamento das reservas brasileras de divisas e do resultante deficit no balango de pagamentos em 1937, A reintroducao de contréles cambiais, em junho de 1947, marcou o coméco da transigéo para o segundo perfodo, com 0 aceleramento da “industrializagéo espontinea" e uma inclinagio para formas rudimentares de planejamento geral dos gastos federais.* Os homens que haviam redigide a Constituigao de 1946 foram fortemente influenciados pelas idéias do liberalismo eco- némico, do qual 0 Estado Novo se havia desviado. Como 0 fim do Estado Névo coincidia com o fim da guerra, os advo- gados © os politicos anti-Vargas estavam tentando rejeitar a intervengio estatal, que havia sido identifieada com ambas as coisas. Em parte, eram motivados pelo desejo de evitar a continuacéo, no futuro, daquilo que consideravam como 0 uso 96 politico ilegitimo dos contrdles econdmicos do pasado. Ao Inesmo tempo, & medida que surgi « nova Constituiséo, em 1946, 0 govérno Dutra ripidamente desmontou o aparelho aa hoe 36 contdles diets dos tempos da guerra. A resposta do ndvo govérno a inflagio oriunda da guerra foi abrir 0 pais & importagéo de bens manufaturados no exterior. Isso arecia ainda mais légico, em vista das grandes reservas de Uivisas acumuladas durante a guerra. Os Ministros da Fazenda, em 1946 e 1947, procuraram, portanto, satisfazer a procura em suspenso, e combater o aumento de pregos através de uma generosa politica de importacio. ‘Combinada com essa inclinagio para a politica de taxa de cimbio flutuante e livres movimentos de capital, havia uma politica de restrigio no tocante 4 economia intema. Preo- cupado com 0 aumento do nivel de pregos, 0 govérno Dutra, em 1946, no empreendea medidas efetivas para expandir a capacidade industrial intema. O Ministro da Fazenda Correia e Castro, no seu Relatério anual, referente a 1946 datado de maio de 1947, observou que o crédito bancfrio deveria ser “organizado em moldes clissicos” e advertiu contra “manobras bancérias oportunistas”. Sublinhou que “o retdmo as normas do livre comércio”, criaria “um clima de confianga propicia- dora do aumento de producto”. wanto ao destino econdmico do Brasil, o Ministro da Fazenda foi franco. Qualificou o Brasil como um “pais essen- cialmente agricola” © acrescentou: “E da esséncia da economia Jatino-americana, e o Brasil nesse conjunto esté integrado, certa concentragio de esforgos na exportagao de matéria-pri- ma e de géneros alimenticios, bem como na importagio de ampla variedade de artigos manufaturados e de comestiveis in- dustrializados”.™ 4 Dutra, baseada ‘A politica econdmica do inicio do govérno Dutra, basea can winnie constes com exis Sor, bern odo so moe trou contraproducente. As reservas cambiais que, em 1945, totalizavam US$708 milhies, foram virtualmente dissipadas depois de ano e meio. Os poquenos saldos externos que #0- braram estavam em contas bloqueadas, reduzindo o ativo Ii- quido no exterior a apenas US§92 milhdes, no fim do primeiro trimestre de 1947. A politica de satisfazer a procura interna nantendo um alto nivel de importagées entrara em choque 97 com o fato da limitada capacidade do Brasil para importar. Em esséncia, o Brasil tentara voltar ao nivel de importagdes que hhavia prevalecido em 1929. Mas a renda nacional crescera de 50 por canto sbbre a de 1009, ao paso que a capeckdade de importagio permanecera a mesma. Um equilfbrio a curto pra- z0 $6 poderia ser conseguido pela adogto de uma dentre duas medidas: a desvalorizag4o ou 0 contréle do cimbio. Escolhen- do esta ultima, o regime de Dutra, provivelmente sem per- ceber as implicagges de sua propria atitude, forneceu um poderoso estimulo a industrializagéo brasileira.®* Em junho de 1947, 0 govérno introduziu um conjunto de contrdles cambiais que estabeleceu um dristico sistema do importagio, a0 mesmo tempo que mantinha a alta valorizagii de'moeda brasil. Mesa que o govérno declarasse no se haver afastado da sua anunciada politica de combate & infla- do com a manutengéo das importagdes, na pritica os regu- fimentos trabalhavam contra os bens de constmo ¢ em favor do artigos essenciais, tais como combustiveis, equipamentos maquinaria. J4 que a procura interna continuava elevada, ha- via Forte incentvo para e expanslo da indstia brasil, Além disso, a manutengao de um alto valor oficial do cruzeiro agia como desestimulo do setor de exportagdo, desviando assim os investimentos para a produgio destinada ao mercado interno. surto resultante no desenvolvimento econdmico do Brasil, da mesma forma que a substituigio das importagdes na cada de 30, foi chamado a fase da “industrializagio espon- tinea”. Este processo nfo fol, de modo algum, produto de uma politica deli por parte do govérno Dutra. Ao contrario, esultou de medidas destinadas & solugio de problemas ime- diatos, tais como a inflagio intema e 0 desequilibrio no Tango de pagamentos. Os contrdles cambiais de 1947 agiram de modo semelhante a politica de apoio a0 café da década de 30, j& analisada. Nenhuma das duas politicas se destinava a jover @ industrializacdo, mas ambas tiveram éste efeito. © pontodervista dos que defendiam a industilizagio do Brasil, s de “sonambulismo” no planejamento da politica econdmica. ‘A industrializagio dos dois iltimos anos do periodo de Dutra foi ajudada por uma politica de crédito mais liberal, in- 98 cluindo-se af empréstimos do Banco do Brasil a diversos se- tores-chave da industria particular, como, por exemplo, a em- présa Klabin, que oar fibrin de celulose no Prand, ea Acesita, para a produgdo de agos especiais no Vale do Ri Doce. No fim da presidéacia Dutra, 0 Brasil j& podin osten- tar um indice notdvel de crescimento econtmico, Entre 1945 1951, houve um crescimento de 6 por cento ao ano no pro- duto real total e de 3,2 por cento ao ano no produto per capita®™ Os anos que se seguiram a 1947 também viram o coméco de uma mudanga na atitude do Dutra diante da ne- cessidade de coordenar os seus gastos publicos, consubstancia- do no Plano SALTE, proposto em maio de 1947. Isso era pouco mais do que uma primeira tentativa para a coordena- G40 de gastos publicos, dentro de um plano qiiinqiienal. O Plano SALTE foi inecrporado. ao projeto de orcamento fe- deral para 1949, mas nunca foi inteiramente aplicado. Fun- cionarto durante um ano apenas, o Plano SALTE entrou dificuldades financeiras e acabou sendo abandonado em 1951 O fracassado rama SALTE, que abrangia ay ine 1 ae a ne Se seguiu para se aproximar de um planejamento em escala na- cional. O planejamento em escala regional, contudo, estava no testo da Constituigdo de 1946 e previa projetos para desen- volver os vales dos rios Sao Francisco e Amazonas ¢ um outro para combater a séca do nordesto. Cada programs tnhe ge rantida uma percentagem da renda fiscal da Federagio (1 por cento para o Vale de Séo Francisco e 3 por cento, cada, para © Amazonas ¢ nordeste). A Comissio do Vale do Sao Fran- cisco, ou CVSF, e a Superintendéncia do Plano de Valoriza- 40 Econémica da Amazénia, ou SPVEA, foram criadas em 1948. Nenhuma das duas iria se mostrar um agente particular- mente efetivo de desenvolvimento econémico, mas a sua cria- fo e 0 continuo apoio financeiro por elas recebido, de parte do govérno mostravam que no havia aversio ao jlanejamento, na tica, a di ito da influéncia que defen- rcs a beraligo tinkam exeecklo emt 1015 e 48." Em re sumo, 0 planejamento, durante os anos de Dutra, foi procura- do em base regional ¢ setorial, acompanhado de uma marcha 99 reduzida deliberada do principio da intervengio estatal na economia.” Em fins da década de 40, no entanto, havia sinais de um debate de amplas proporgées sObre a questo da estratégia ideal do Brash com relagdo ao desenvolvimento econdmico. Em 1948, o Brasil e os Estados Unidos acordaram em instalar uma Comissio Técnica Mista, destinada & retomada da coope- racéo econémica estabelecida pela Missio Cooke, que o Pre- sidente Roosevelt havia enviado durante a Segunda Guerra Mundial. A comissio recebeu podéres para “analisar os fatd- res que, no Brasil, tendem a promover ou retardar o desen- volvimento econémico brasileiro”. A dele ago americana era chefiada por John Abbink, e a delegacio brasileira por Otdvio Gouvéa de Bulhdes. O resultado dos trabalhos da comissio, bblicados em junho de 1949, ficaram conhecidos com o Re- latério Abbink. O relatério refletia os pontos-de-vista forte- mente neoliberais dos seus dois chefes, Bulhées e Abbink. Ne- gligenciava grandemente a Srea da indistria manufatureira e se decidia a favor de medidas financeiras ¢ fiscais ortodoxas: “Pode um desenvolvimento equilibrado e rapido, de tal natureza que traga beneficios duradouros a0 povo, ser conseguido no Brasil em condigées rapidas e continuas de ele- vagio de pregos? A comissio est convencida de que nao”. O relatério sublinhava também a necessidade de “um desenvol- vimento equilibrado dos recursos do Brasil, através da empré- sa privada”. A comissio via a necessidade de medidas para reestruturar o mercado interno brasileiro, o qual, nunca bem organizado, havia sido langado em confusio pela rapida infla- go de 1941 a 46. efeito distorsivo do surto de espe- culagao imobiliéria urbana. Finalmente, o relatério dava én- fase as sérias deficiéncias nas dreas do transporte e da ener- gia, e reconhecia que estas areas de estrangulamento iriam re- querer vigorosa agéo estatal. A publicagio do Relatério Abbink estimulou as criticas de um grupo de jovens economistas que vinham de editar uum jomal econémico para a Confederacéo Nacional da Inctis- tria, no Rio de Janeiro. Eles discutiam as bases tedricas do relatério, es inte a presungio de que a inflagio num pais subdesenvolvido, como 0 Brasil, era necessariamente 0 tesultado de uma tentativa de “superutilizacd 100 disponiveis. Sugeriam uma alternativa na interpretagéo, le- vando em conta as diversas condigées das economias subde- senvolvidas, nas quais o desemprégo disfarcado poderia coin- cidir com a elevagio de pregos. “O que deve preocupar numa politica econdmica”, argumentavam, "é o aumento das rendas Teais, sobretudo num pais subdesenvolvido, mesmo que supo- uha uma certa alta de pregos”. Estes criticos anteciparam-se & versio primitiva da teo- ria “estruturalista”, O relatério apenas sublinhara a necessi- dade de eliminagio dos “sintomas”, que, afirmava, s6 desa- areceriam quando as deficiéncias subjacentes a estrutura Fouvessem sido superadas, Ainda que reconhecessem o valor de alguns dos trabalhos técnicos da comissio, conclufam que “a politica de contengio crediticia preconizada pelo relatério, portanto, é contréria, na situagio atual, a0 objetivo do desen- volvimento econdmico, que requer, antes, para um emprégo mais produtivo dos fatdres de produgio, ‘uma expansio ade- juada de crédito”. Otivio Gouvéa de Bulhdes replicon de- fendendo o relatério, pelo qual havia sido em grande parte responsivel. Bsse debate foi uma abertura para a subseqiiente controvérsia sébre desenvolvimento econémico, entre os “monetaristas” ¢ os “estruturalistas”.*? A Volta de Vargas Vargas tinha sido apanhado desprevenido pelo stbito des; roronat do Estado Novo. A retomada, das lies livres se tornara inevitavel em princfpios de 1945, e 0 ditador no poder no conseguira evitar a sua propria destituigio, como prehidio do restabelecimento da democracia liberal, da qual se havia desviado em 1937. Contudo, poucos acreditavam que Vargas anecesse fora da politica por muito tempo. Mal havia Dutra se instalado no paldcio presidencial, ¢ os admiradores de Vargas comegaram a manipular a candida- tura déste as eleigdes presidenciais BH oe eleigao de te jue Vargas gozava de prestigio popular, eleito fue fora para o Senado por dois Estados Rio Crande do Sul e Sao Paulo. Depois de alguma hesitagio, aceitou o man- dato como senador pelo PSD e por seu Estado natal, o Rio 101 Grande do Sul. Parecendo afastado dos embates politicos, a sua estincia, em Sao Borja, tornou-se a meca dos aspirantes aos cargos piiblicos, 0 que vinha mostrar, a téda evidéncia, que a personalidade central do perfodo nao era o presidente recém-eleito, mas 0 recém-depo: Eleito para 0 Senado, Getilio aparecia com pouca fre- qiéncia naquele érgio que descrevera em seu discurso de estréia como uma “espécie de remanso onde se vinham atenuar fod os rumores vindos de fore", Durante 1649, posou de ex presidente que nfo guardava rancor das amargas lutas politi- ‘cas, em seus quinze anos no poder. Esperava que sua atitude trtensivamente coneillatéria desarmasse® oe seus inimigos, Uide- rado pelos politicos da UDN, e que continuavam, depois de 1045, a capitalizar politicamente a sua longa oposi¢do a0 Es- tado Novo. Diante da dentincia, Getilio explorava a notdvel sropensio dos brasileiros a esquecer ¢ perdoar, em politica. im dezembro de 1946, pronunciou longo discurso no Senado, justificando o golpe de 1937, como tinica alternativa do Brasil diante de uma guerra civil iminente. A implicagio era clara. A livre competigio politica tinha sido a norma pela qual o pais se afastara durante um perfodo de emergén- cia. Com o retérno A normalidade constitucional, o ditador de ‘ontem se transformara no maduro estadista de hoje — pronto, se f0sse solicitado pelos seus compatriotas, a concorrer 20 cargo supremo.® ‘A altura de 1949, a paciente estratégia de Vargas come- ou a dar frutos. Misturando discrigio, magnanimidade e tato, dle gradualmente conseguiu ir mudando a sua imagem de Var- gas ditador para a de Vargas democrata. Os politicos da UDN descobriram que merus ataques wos errus do Estado Novo traziam resultados diminutos. A retérica de 1945 soava cada vez mais irrelevante 20s problemas de 1950. Em seu ndvo papel de politico democritico, Vargas necessitava de um partido, Os seus esforgs ineals dirigtamse a organiza. ‘go do Partido Trabalhista Brasileiro, que havia sido fundado st Tee ners Ta Mane on IOUS NEY deerme apoiando Dutra, as vésperas da eleigéo presidencial de 1945, ghnocaa do ot tabthadores brass ase fem so PTB. Em 1946, pedira aj ‘© PTB como 0 “o melhor indicado pers neal a felicdade: de toler os 102 brasileiros”. Nas_eleigdes suplementares ¢ estaduais para 0 Congresso, em janeiro de 1947, colocara-se a frente da campa- nha em favor dos candidatos do PTB ao Congresso, atacando a “plotocracia” da “democracia capitalist na qu fe politica era um “burla’, pois Ihe faltava, social”, Enquanto trabalhava para dinamizar éste névo partido, ‘Vargas cuidou de no esquecer os seus velhos contatos. Quan- do afastado do poder, verificou, com asticia, que as linhas partidérias eram demasiado flufdas e que os empenhos par- tidérios eram muito pouco dignos de confianga para que um politico nacional se identificasse exclusivamente com um s6 partido. Na realidade, a sua ligacio partidéria, como senador, era com o PSD. Perguntado, em fins de 1946, como podia éle conciliar seus esforgos para organizar um partido de oposicéo (o PTB), com a sua condi¢ao de senador pelo partido do Presidente Dutra (o PSD), disse francamente: “tenho no PSD de todo o Brasil muitos amigos a quem aprecio. Uma atitude politica em campo doutrindrio nao constitui injuria a ninguém, nem exclui possibilidade de uma colaboragio”** Foi precisa- mente sébre a “colaborag’o” do PSD e do PTB, que Getilio. baseou a sua volta politica na década de 40. Por ocasiio de uma tournée de discursos em Minas Gerais, durante a eleigdo de 1047, por exemple, Vargas apoioa o Governador Blas For- tes, politico da velha’ guarda do PSD, 20 mesmo tempo que fazia campanha pela eleigio dos candidates do PTB ao Con- reso. A estratégia de Vargas era clara: manter a lealdade los tradicionais caciques politicos do interior, através do PSD, a0 mesmo tempo que conseguia férga eleitoral nas cidades, por meio do PTB. Como lider do PTB, Vargas enunciava a sua filosofia po- Iitica do trabalhismo — uma mistura de medidas de bem-estar social, atividade politica da classe operdria e nacionalismo eco- némico. Era uma versio atualizada (agora, num contexto de- mocritico, ao invés de autocritico), da filosofia social que ha- Via sido expresin em térmos corporativstas durante o Estado © trabalhismo nio foi no entanto 0 tinico movimento po- itico a funcionar nas cidades. O Partido Comunista havia mos- trado férga em 1945 ¢ 47, especialmente no Distrito Federal 103 e em Sao Paulo. O seu fechamento legal em 1947 cedo o afastou como férgaauténoma, piblicamente identifichvel Férga eleitoral mais dindmica, em $0 Paulo, era o movimento do politico populista Ademar de Barros. Ademar havia mon- tado uma formidivel miquina eleitoral, o PSP, que se infil- trava bem pelo interior do Estado de Sio Paulo. Depois de dois anos como governador de Sdo Paulo, Ademar representava ‘uma forga mais poderosa, dentro do Estado, do que 0 PTB ou o PSD. Se Getilio quisesse alcangar a presidéncia, nfio o poderia fazer sem 0 aurilio de Ademar. © proprio. Ademar tinha também ambigées presidenciais. Mas achava muito cedo para testé-las e precisava do amparo de Getilio para os seus Pianos de longo aleanee. © apoio ao retro de Vargas sign cava, em contrapartida, 0 futuro apoio de Vargas ao nome de Ademar, que estendia assim um trampolim para o cargo su- premo. Nao era apenas entre os politicos que Vargas construfa 8 alicerces da sua candidatura. Havia também a opiniao dos militares, a ser levada em consideracéo. Getilio fora instalado na presidéncia, em novembro de 1930, por uma junta mili feito ditador em 1937, pelos militares; e sumiriamente depos- to, em 1945, pelos militares. Em cada caso, houve vigorosos debates entre os oficiais superiores do Exército, sobre 0 ca- minho que deveriam tomar as Fércas Armadas. Em cada opor- tunidade, houve suficiente concordincia, quanto a0 alto co- mando em assumir uma frente unida. Em 1937, e de novo em 1945, as figuras-chave na carreira de Getilio’ foram os Ge- nerais Dutra e Gées Monteiro. Agora, quando Vargas plane- Java o seu retdmo politico, Dutra era o presidente rigdamente Monteiro, sem posicéo formal de co- ito, nfo perdera ainda a influéncia como chefe militar, grandemente respeitado dentro da classe dos oficiais, ‘como autor do “movimento de 29 de outubro”, que derrubara Getilio em 1945, ergs o Ademar de Basros mandara sous ennisiios, em fins de 1949, para saber de Gées Monteiro como os milita- res reagiriam A idéia da candidatura do exditador. Gées asse- os Tugares-tenentes de Vargas que nas “Forgas Arma- ‘néo perduravam ressaibos ou idéias preconcebidas contra le, nem elas se oporiam & sua posse no caso de eleito, desde J04 que respeitasse, no s6 a Constituiglo, como os direitos im- postergaveis dos militares”. O apoio de Gées foi selado por luma reconciliagio emocional com Getilio, durante a qual os detalhes da estratégia da campanha foram discutidos. Vargas tentou convencé-lo a aceitar a indicagio para a vice-presiden- cia, pela coligagio PSP-PTB, mas Gées jé se havia compro- metido a apoiar 0 candidato escolhido por Dutra e o PSD. Isso tornava duplamente importante para Vargas obter a ga- rantia de Gées, de que a maioria dos militares nfo vetaria a sua candidatura. No coméco de 1950, o PSP, sempre um ins- trumento pessoal de Ademar de Barros, ofereceu a Getilio a indicacio da sua candldatura para a elegio presdencial de 3 de outubro de 1950. Em junho, 0 PTB se reuniu e também indicou Vargas. A 7 de junho, éste aceitou ambas as indica- g6es. O cendrio para a campanha eleitoral de 1950 ja estava montado. Vargas ressurgia no cenério nacional como campeio do trabalhismo e como o candidato endossado por seu rival mais préximo em populismo, Ademar de Barros. © PSD, abrigo de muitos getulistas dos dias do Estado Novo, decidiu apresentar 0 seu préprio candidato, Cristiano Machado, um advogado e politico sem ressondincia nacional, retirado do baluarte pessedista de Minas Gerais. A indicagio do PSD surgiu por insisténcia de Dutra, que se mostrava ofen- dido com os ataques de Vargas ao govérno vigente e queria sssegurar“continukdade” na presidéncia, escolhendo o seu pro prio sucessor. Mas Dutra foi ingénuo e relativamente inefi- ciente na arte das negociagdes com os caciques do PSD. $6 no Estado de Minas Gerais teve a candidatura Cristiano Ma- chado um apoio capaz de oferecer a Getulio alguma ameai real. Nos outros Estados, “ntendimentos” com o°PSD ou com facgbes dissidentes do partido, como no Rio Grande do Sul, asseguraram um apoio menos que entusidstico a Machado, se- nico apoio ticito a Getilio. Essa estratégia foi facilitada pelos contatos {ntimos de Vargas com os ex-interventores que eram agora préceres do PSD. Ernini do Amaral Peixoto, con- correndo a governador do Estado do Rio de Janeiro, era um dos mais inentes. Era, também, genro de Getilio. O apoio do PSD a Cristiano’ Machado, naquele Estado, foi minimo.* 4105 A igdo natural a Getilio, a UDN, voltou a indicar Eduade Cones seu candidato de 1945. A di da vitéria dos “de dentro”, em 1945, a UDN nao havia abandonado sua esperanca de que a redemocratizagdo do pais a ajudaria a aleangar a presidéncia. Imediatamente apés sua derrota em 1945, Gomes licou que a eleicéo de Dutra havia sido in- fluenciada por “alguns fatéres transitérios”, que eram os “resi- duos de um govérno maléfico”, tais como “a submissio fas- cista dos trabalhadores ao Estado, o descuramento da educa- gio” e “o pauperismo”. Por volta de 1949, os Iideres da UDN esperavam que éstes “fatdres transitérios” deixassem de ter muito péso. Teimosamente recusavam-se, no entanto, a adap- tar a sua estratégia de campanha A nova atmosfera politica do Brasil de pés-guerra. Durante a campanha, Gomes chegou mesmo a del ender © repidio & lei do salério-minimo. Por igual, aceitou o apoio formal da iiltima leva de integralistas de Plinio Salgado, agora organizados como Partido de Repre- sentagio Popular (PRP). ‘A campanha eleitoral decorreu dentro das linhas que Var- as havia planejado. A oposigio contra éle estava dividida. Freapaz de encontrar um candidato de unio, tanto a UDN quanto 0 PSD colocaram em campo os seus préprios candi- datos, contra os quais Vargas edificou uma formidavel alian- 2, num casamento de conveniéncia, entre as forgas polticas velhas ¢ novas do Brasil As velnas,represntadas pelor pli ticos do estilo tradicional — especialmente do PSD — para quem a politica era menos uma questo de diretrizes e prin- pios que de poder e empregiismo. Encaravam a vida pi- blica como um processo para satisfazer aos seus “clientes”, ge- ralmente os proprietérios da estrutura social rural. As novas fércas politcas eram representadas pelos politicos popuistas que haviam demonstrado capacidade de obter os votos das massas em crescimento inclusive a classe operiria e a baixa classe média — nas cidades maiores. Ademar de Barros era 0 Principal beneficiério dessa politica de névo estilo. E 0 pré- prio Vargas assumin ste papel, nos seus esforgos para cons truir o PTB. A alianga de Getdlio repousava, portanto, no PSP de Ademar (de crucial imy ia em Sao Paulo), 20 PTB, e no PSD, onde a lealdade déste dltimo fésse negoctivel. Em um Estado, Pernambuco, Vargas encontrou o FSD tei- 106 gado a se aliaf & UDN, o partido cuja raison d'étre era a opo- sigio ao getullsmo. Nao se pode encontrar maior prova do carter nao-doutrinério dos partidos nos Estados econdmica- mente atrasados! ‘mosamente pre com Cristiano Machado, e foi for- Getillo tinha fortes razies pessoais para querer recon- quistar a presidéncia, Em seus discursos afirmava no guar- dar amargor pela sua deposicio, em 1945, embora se mos- trasse apaixonado, nos contactos pessoais que mantinha, com respeito’& sua “reivindicacio” imediata."” Durante a campa- nha, fé7 a defesa da sua félha de servicos, de 1930 a 1945, especialmente quanto A politica econémica. “A minha atuacio obstinada”, explicava éle, f6ra no sentido de “transformar em nacio industrial” uma nagio “paralisada pela miopia dos go- vernantes aferrados & monocultura extensiva e & exploracio primfria de matérias-primas”. Os brasileiros tinham agora a oportunidade de “renovar o impulso perdido em 1945”. Ele biadava: “lutet e lutarei, enquanto tiver alento, contra os empedernidos e miopes anéstolos da involucio, os apologistas da estagnacto e do marasmo”.7* Vargas poupou Dutra em seus ataques, mas nfio 0 Minis- tro da Fazenda, Manuel Guitherme da Silveira Filho, que Getilio denominava “o grande organizador de detrotas"7? Vargas escarnecia das medidas financeiras ortodoxas que ha- viam custado ao Brasil as suas reservas cambiais em 1946, sem fortalecer suficientemente a sua base industrial. Essencial- mente, advogava um aceleramento na industrializagio — uma politica do tipo que seria mais tarde rotulada como “desen- yolvimentismo”. Ao mesmo tempo, reclamava para si o mé- tito de haver iniciado o impulso de industrializacio no Brasil Vargas também fazia campanha quanto & necessidade de expandir e fortalecer a legislagio da previdéncia social, ini- ciada na década de 30. Em 1946, pronunciara a sentenca de morte da “velha democracia liberal e capitalista”, a qual tem “fundamento na desigualdade”. Em seu lugar, estava surgin- do, declarava entio, “a democracia socialista, a democracia dos trabalhadores”. Agora, na campanha de 1950, protegia-se dos “reacionérios” citando’a Rerum Novarum do Papa Leto XIIT, “que muita gente cita sem conhecer”.* 107 Eis a linguagem do trabalhismo de Vargas, mas 0 velho Maquiavel era demasiado astuto para oferecer a mesma men- sagem em téda parte. No Rio de Janeiro, centro de forca comunista em 1945-47, sentiu que precisava alguma coisa mais forte, e apareceu como populista: “se for eleito a 3 de outubro, no ato da posse, 0 povo subiré comigo as escadas do Catete. E comigo ficard no govérno”."* Em Minas Gerais, era 0’ sébrio estadista; na Bahia, o elogiiente discfpulo do liberalismo de Ruy Barbosa; no nordeste, 0 campedo de uma cruzada contra as séeas. Quanto aos adversirios de Gettlio, Cristiano Machado nio empreendeu uma campanha nacional séria, concentrando- se, a0 invés, onde a sua férca jé estava provada, Eduardo Go- mes, ao contririo, movimentou-se freneticamente em busca de votos, ¢ seu partido, a UDN, apoiava o seu candidato com uma riqueza de publicidade, sustentada pela maioria dos jor- nais ¢ estagées de ridio. Vargas enfrentava os meios de co- municagio de massas com caminhdes equipados com alto-fa- lantes e volantes impressos. Seu itinerario de campanha era um modélo de eficiéncia. Realmente, conhecia mais o Brasil, como nem Gomes nem Machado jamais o poderiam conhecer."* ‘A.3 de outubro travou-se a disputa elcitoral e Getilio saiu vitorioso. Para grande choque da UDN e surprésa do PSD, obteve quase que a maioria absoluta da votagio para a Bresidénca, reechendo 3.849.040, ou sels, 48,7 por cento da votacio total. Gomes chegou em um débil segundo lugar com 29,7 por cento e Machado em terceiro, com 21,5 por cento. Um belo resultado da estratégia eleitoral de Vargas Esta estratégia vitoriosa assinalou, entretanto, um gran- de mimero de débitos eleitorais. A maior divida eleitoral de Getilio era para com Ademar de Barros, governador de Sio Paulo. Aproximadamente, um quarto da votagao nacional veio do reduto ademarista, onde o total de 925.493 votos do pre- sidente eleito foi quase trés vézes 0 de Gomes (357.413) & seis vézes 0 de Machado (153.039). No Distrito Federal, a méquina eleitoral de Ademar funcionou com grande eficién- cia, ajudando Getilio a ganhar 378.015 votos, — mais do que © débro dos votos de Gomes, 169.263. O apoio dramético ¢ altamente eficiente de Ademar, portanto, dava-lhe direito in- discutivel de ter uma voz no névo govérno, mas era a voz 108 de um a altamente pessoal, articulada em um tom populista ¢ deliberadamente ambiguo quanto a pro- blemas de orientagio publica. Vargas também estava nitidamente em débito com 0 PSD, a organizagéo dos “de dentro”, que éle proprio havia fundado em 1945. A despeito da indicagio de Machado pelo partido, 0s lideres locais do PSD tinham estabelecido compromissos com Vargas. Minas Gerais era um bom exemplo. Estado de forte coloragio pessedista, Vargas conseguira neutralizar ali votagio de Machado. Durante a campanha evitou apoiar os candidates, quet da UDN, quer do PSD ao govérno minciro, Contudo, negocion com lideres locais do PSD em seu préprio boneficio. Como resultado, consegui dividir a votagio total le Minas, em se iguais entre éle mesmo (418.194 votes), Gomes {441.600) © Machado 109 402)" Ere wm ture fo. nfo pequeno diante da forga da miquina do PSD em finas. O que devia Vargas ao PTB? Este foi eficiente principal- mente no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal dan toon mo nestas reas, a sua importincia era secundéria. O par- tido crescia rapidamente — duplicara a votagio para o Con- gresso entre 1645 e 1050. Estava longo porem de proclamar ter contribuido de modo decisive para a vitéria de Getilio. Além disso, o PTB tinha sido poderosamente moldado pela forma pessoal de Vargas. Em vez de surgir como partido lente, capaz de © seu proprio quadro de li- deres, foi jo simplesmente como outro instrumento de Vargas, a reboque de uma coalizéo politica de curta duracio, 109

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