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Vi, de dentro da minha casa, momentos da transição econômica entre os governos FHC e
Lula — meu pai, Arminio Fraga, era Presidente do BC de FHC. Com 16 anos, vi algumas
vezes o novo Presidente do BC, Henrique Meirelles, na sala da nossa casa em conversas
cordiais e técnicas. Presenciei um longo telefonema entre meu pai e Antonio Palocci, então
Ministro da Fazenda, uma conversa séria e amigável entre pessoas de campos políticos
antagônicos buscando juntos o melhor para o Brasil. Mal sabia eu que assistia à
democracia em pleno funcionamento saudável.
Lula, mesmo mantendo os fundamentos das políticas econômicas de FHC, bradava sobre
herança maldita, especialmente na economia, e nisso ele foi muito infeliz em seu populismo.
Ele também perdeu oportunidades em não usar sua popularidade e apoio no congresso
para fazer as reformas tributárias, da previdência e administrativa. Mas isso não diminui as
realizações — algumas extraordinárias — de seus governos, que muita gente se recusa a
enxergar. Os escândalos de corrupção e outros erros turvam a visão, mas não apagam
importantes legados.
As cotas raciais foram uma revolução na história do Brasil. Hoje, muitos candidatos negros
e negras só concorrem e são eleitos porque puderam frequentar as universidades públicas.
Na mesa entre amigos brancos, tenha certeza: a ausência de pessoas negras muda o rumo
e a natureza da discussão e o mesmo argumento vale para nosso congresso e senado. As
cotas nos ajudam a ter representatividade na esfera pública. E são um antídoto contra o
perigoso branqueamento da nossa história e cultura.
O atual governo fala muito em honestidade, mas depois de quatro anos, os exemplos de
corrupção do presidente e de sua família são inúmeros: orçamento secreto, compra de
imóveis em dinheiro vivo, sigilo de 100 anos em questões familiares, superfaturamento na
compra de vacinas, rachadinha, etc. Acima de tudo, sabemos que milhares de pessoas não
teriam morrido nesta pandemia se praticamente qualquer outra pessoa fosse presidente,
bastando não ser um negacionista irresponsável, amoral e cínico — "todos vamos morrer
um dia."
Ao se abster de votar no Lula neste segundo turno, você estará do lado da cloroquina, dos
terraplanistas, do desmatamento, das armas e das constantes atitudes e falas que ferem as
instituições democráticas e científicas, de um lamentável retrocesso de valores humanistas.
"Nem um nem outro" é uma simplificação trágica. Considerando o novo senado e as futuras
vagas no STF, se Bolsonaro vencer, você estará no lado da história do qual se arrependerá
amargamente, talvez no exílio ao qual você tem acesso.
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