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Rio de Janeiro
abr./jun. 2014
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Resumo: Abstract:
O objetivo deste estudo é discutir a relação da The aim of this study is to discuss how the ex-
experiência das corridas de touros organizadas perience of bullfighting organized in São Paulo
em São Paulo, entre os anos de 1877 e 1889, between 1877 and 1889 can be seen as an in-
com o processo de transição de uma dinâmica dicator of the 19th century transition process
rural para outra mais urbana pelo qual passou a from a rural dynamic to a more urban one. In
cidade no decorrer do século XIX. Nesse mes- this context, we also discuss the conflicts and
mo cenário, discutem-se os embates e ajustes adjustments between tradition and modernity
entre tradição e modernidade que se manifesta- related to bullfighting. We use as sources three
ram ao redor da prática. Para alcance de nos- newspapers: Correio Paulistano, Diário de São
so intuito, como fontes utilizamos três jornais Paulo and A Província de S. Paulo (currently
de grande circulação: o Correio Paulistano, o O Estado de São Paulo). Finally, we conclude
Diário de São Paulo e A Província de S. Paulo that the case of the bullfights held in São Paulo
(atual O Estado de São Paulo). Ao final, con- helps broaden our reflections on the peculiari-
cluímos que o caso das touradas promovidas na ties of adhesion to the idea of modernity through
capital paulistana nos ajuda a ampliar nossas re- sports and entertainment in general.
flexões sobre as peculiaridades da adesão à ideia
de modernidade por meio de práticas esportivas
e de entretenimento em geral.
Palavras-chave: Touradas. São Paulo. Moder- Keywords: Bullfighting. São Paulo. Modernity.
nidade. Lazer. História do Esporte. Leisure. Sport History.
Introdução
Os eventos tauromáquicos no Brasil realizados são um assunto ain-
da pouco discutido e investigado, até mesmo considerado surpreendente
para alguns. Excetuando-se breves referências em estudos históricos e
obras de memorialistas, trata-se de um tema que só recentemente tem
chamado a atenção de um ou outro pesquisador.
Foram três dias de touradas, para os quais a praça do curro foi refor-
mada (Almeida, 1999). No espetáculo, houve a morte dos animais, em-
bora já se contasse com a presença de forcados. Tratava-se de um misto
entre a moda portuguesa e a espanhola, em um momento de transição dos
estilos de tourear (CAPUCHA, 1988).
16 – Para mais informações sobre o caso do Rio de Janeiro, onde o termo “corrida de
touros” virou sinônimo de tumulto, ver Melo e Baptista (2013).
17 – Correio Paulistano, 3/3/1864, p. 2.
18 – Correio Paulistano, 16/9/1865, p. 1.
19 – Correio Paulistano, 24/8/1865, p. 1
20 – Diário de São Paulo, 24/7/1873, p. 1. Essa alta arrecadação apareceu diversas vezes
na prestação de contas de outras cidades, como no caso de Taubaté (Diário de São Paulo,
26/7/1877, p. 1).
vam por isso. Toda a estrutura citadina tornava-se mais regulada, inclu-
sive os demais divertimentos, um processo que se relacionava tanto com
as necessidades desencadeadas pelo crescimento dos municípios quanto
com a melhor estruturação da burocracia governamental.
Tudo indicava que não seria alvissareiro o futuro das corridas de tou-
ros em São Paulo, tanto mais que o Correio Paulistano constantemente
publicava críticas à existência da prática em Portugal e Espanha23. Sem se
tratar de uma posição oficial, era mais um indicador de que não era grande
a ambiência para as touradas na cidade.
Assim sendo, até 1886 não teriam sido realizadas touradas em São
Paulo? Não foi isso que ocorreu. Em julho de 1877, Antonio Aragon pede
à Câmara licença para levantar um circo e organizar eventos tauromáqui-
cos no Largo dos Curros. A princípio, o pedido foi negado tendo em vista
o que previa o código de condutas26.
Inaugura-se a arena
Com a autorização concedida, mesmo que de forma controvertida,
teve início, no Largo dos Curros, a construção da praça de touros. Frente
à notícia de que a instalação seria inaugurada em 4 de novembro de 1877,
comenta um jornalista do Correio Paulistano: “É uma novidade atraente
e uma propicia oportunidade de regalo para os que procuram ser abalados
pelas fortes e vivas sensações que provocam os exercícios de circo.”41
AO RESPEITÁVEL PÚBLICO
Em virtude de no dia 11 a corrida não ter deixado o publico completa-
mente satisfeito, pela falta de bravura dos bois, a Empresa, desejando
satisfazer aos concorrentes deste espetáculo, tem lançado mão de to-
dos os meios ao seu alcance para achar gado de excelente condição, a
fim de oferecer uma BRILHANTE FUNÇÃO46.
Paulo exalta: “Estreia hoje na Praça de touros (...) uma valorosa dama.
(...). Decididamente a empresa quer abarrotar-nos de novidades.”57
Ainda que, segundo os jornais, o evento não tenha sido dos melho-
res – uma parte dos touros era de má qualidade e o cavalheiro era inábil,
chegando a ser lançado ao chão, pelo que foi “aplaudido com grande vaia
da multidão”58 – um cronista sugere que as corridas poderiam ter sucesso,
já que “o nosso público é apreciador de tais divertimentos”.
Rachel foi elogiada por sua atuação. Um leitor, que assina como Pa-
lafox, chega a ironizar que foi melhor do que o cavaleiro: “Mira, pícaro
caballero. Si vuelves a caer, rompo-te l’alma – Caramba! Que hombre!
No ves que hasta una dama te vá dar leciones de cabaleria?”59. Posterior-
mente, a toureira surpreenderia por sua coragem, mesmo nos acidentes
nos quais se envolveu.
Touros, que ainda não foram pagos de seus jornais, para uma reunião que
terá lugar na casa do anunciante, à travessa do Rosário, n. 21, baixos, no
dia 13 do corrente, às 11 horas da manhã.”66
Pontes sabia bem como criar novos fatos para atrair o público. Em-
penhava-se em apresentar suas diversificadas atrações. “Grande, alta e
pomposa novidade”72: frases como essa eram constantes nos anúncios de
sua companhia, que transitavam entre os autoelogios às habilidades da
trupe e a busca de comover os leitores para que comparecessem ao espe-
táculo.
Essa atividade foi transferida para novembro por causa do mau tem-
po, mas as touradas estavam mesmo próximas de serem interrompidas.
Pontes deixou saudades quando partiu.
O retorno de Pontes
Depois das experiências dos anos de 1877/1878, as touradas sumi-
ram da capital por anos, e provavelmente o motivo principal tenha sido
mesmo a falta de alguém que conseguisse promover com sucesso o com-
plexo e custoso espetáculo. Durante a maior parte da década de 1880, nos
jornais pouco das corridas de touros aparece, somente notícias de eventos
realizados em muitos municípios do interior, na Corte ou no exterior.
Como vimos, não foi a primeira vez que uma toureira atuou em São
Paulo. No mesmo mês, aliás, outra vez se destacou a participação de uma
cavaleira, “da arrojada heroína nacional Maria de Aguiar Barbosa”, que
teria arrancado “os mais delirantes e frenéticos aplausos”84. Nessa tempo-
rada, ainda atuaria “a corajosa e bem conhecida amadora Anna Angelica
do Espírito Santo, natural de Taubaté”85. Devemos também citar a pre-
sença frequente do público feminino nas arquibancadas, onde progres-
sivamente se tornaram parte importante do espetáculo. Definitivamente
essas mulheres estavam à frente de seu tempo, marcando seus nomes na
história.
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