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Domingo de Circo

Toda tua chegada nessa radiosa manhã de domingo embandeirada de infância. Solene e
festivo circo armado no terreno baldio do meu coração.
As piruetas do palhaço são malabaristas alegrias na vertigem de não saber o que faço.
Rugem feras em meu sangue; cortam-me espadas de fogo.
Motos loucas de globo da morte, rufar de tambores nas entranhas, anúncio espanholado
de espetáculo, fazem de tua chegada minha sorte.
Domingo redondo aberto picadeiro, ensolarado por tão forte ardor, me refunde queima
alucina:
olhos vendados,
sem rede sobre o chão,
atiro-me do trapézio
em teu amor.

FLORES 

Qual uma harpa sonora dedilhada, 


revibro, alegre, ante a sutil magia, 
em que me envolve a lírica florada, 
benção da Primavera luzidia. 

Vêde um jardim florido. Que poesia! 


Como encanta nossa alma deslumbrada! 
É de aromas e cores sinfonia, 
rimando com o trinar da passarada! 

Amo os lírios, gerânios, cravos, rosas, 


as orquídeas e flores mil formosas, 
que falam tanto ao coração do esteta! 

Deixai que em verso ardente eu as consagre, 


porquanto cada flor é um milagre, 
com que Deus nos recorda que é Poeta! 

BONANÇA 

Não cantes mais tristezas, lira minha, 


pois tantas já meus ombros flagelaram, 
e com peso tremendo os arquearam, 
que mente humana alguma as adivinha. 

Minha vida girou qual ventoinha 


ao sopro de maus ventos que ulularam, 
e germinar a dita não deixaram, 
como à semente faz terra maninha. 

Mas da lira o pesar, estou bem certo, 


há de findar. Vislumbro um céu aberto, 
a extinguir um rosário de amarguras... 
E a alma pressente a vinda de uma fada, 
que vai fazer, pulsando a lira amada, 
cada corda florir em mil venturas! 

MISTÉRIO 

Quem, sobre a areia dourada, 


flores vermelhas deixou? 

O sol, o vento e as ondas, 


vão aos poucos apagando 
os contornos de coral... 

Quem deixou flores vermelhas 


sobre essa areia dourada? 

Pedi respostas ao vento, 


às ondas mansas do mar, 
à luz do sol e ao silêncio 
que poderiam m'as dar... 

Mas todos ficaram mudos, 


num silêncio sepulcral... 

Um gemido, no seu manto, 


o vento, lesto, levou... 

As ondas beijaram beijos, 


e o sol, no alto azul sem nuvens, 
em outros céus se espelhou... 

mas apenas o silêncio, 


quando o cristal se partiu, 
um grito agudo escutou... 

Quem, sobre a areia dourada, 


flores vermelhas deixou? 

COMPARAÇÃO 

Tem curvas feminis essa airosa montanha, 


cujas encostas cobre a mata esmeraldina, 
dando-lhe a maciez o alegre sol que a banha, 
de um tecido a lembrar seda-crepe da China. 

Para apreciar melhor essa criação divina, 


erguendo-se, imponente, em meio da campanha, 
percorro o seu contorno, e, súbito, a retina 
me fere de um contraste a sensação estranha: 

num ponto que a pedreira, impiedosa, escalavra, 


mostra o monte o interior, de cortante granito, 
que um efeito de luz, singular, azinhavra... 

E penso, ao recordar a humana falsidade, 


que, tal qual a montanha, há no mundo em conflito, 
gente que a alma de pedra esconde em suavidade! 

ORGULHO 

Teu aparente amor, maneiras mansas, 


cruel, trocaste, em mutação profunda, 
num vazio glacial que me circunda, 
só porque dominar-me não alcanças. 

Feres-me fundo, como agudas lanças... 


No mar dos sonhos, destruído, afunda, 
-visão da mente, em ilusões fecunda - 
o meu batel de róseas esperanças! 

Mas este amor, ao qual não correspondes, 


como se cortam altaneiras frondes, 
no coração acabo de ceifá-lo. 

Teu altivo desdém não me espezinha: 


se tens orgulho para ser rainha, 
sobra-me brio p'ra não ser vassalo! 

PARADOXO 

Pelo tempo cruel já quase demolida, 


contemplei, com pesar, uma antiga janela 
que, muitos anos há, emoldurou a bela, 
cujo amor virginal deu vida à minha vida. 

Mas logo se refez minha alma dolorida 


na quietude do lar, tendo a meu lado aquela, 
que sempre se mostrou, na calma e na procela, 
paradigma ideal de esposa e mãe querida. 

E a refletir fiquei, num suave devaneio, 


concluindo, por fim e enganar-me não creio, 
pois vi a confirmação de uns olhos no fulgor, 

que o tempo, destruidor da mais rude matéria, 


não consegue romper, na fúria deletéria, 
o fio arquissutil de um verdadeiro amor! 

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