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SAUDELOUCURA diregao de Ant6nio Lancetti A partir deste miimero os Cadernas de Subjetividade serao publicados na SatideLoucura. Desejamos assim intensificar nossa vocacio plural e nosso afeto pelos pensadores da imanéncia. Antonio Lancetti diretor de SaiideLoucura ‘A RELAGKO COMPLETA DAS ODRAS FUBLICADAS NA COLEGKO SAUDELOUCURA ACHA-SENO FIM 0 LIvRo. Cadernos de Subjetividade O REENCANTAMENTO DO CONCRETO Niicleo de Estudos da Subjetividade Programa de Estudos Pés-Graduados em Psicologia Clinica da PUC-SP EDITORA HUCITEC EDUC Sao Paulo, 2003 142 m RayMonp Bettour E também em Splone, Sonia, a bela esplonne (representada por Gerda Maurus, a atriz de Frau Im Mond), passava da esfera de Haghi-o-enuy ciador & esfera de Trémaine-o-herdi (representado por Willy Fritsch, que também é Helius em Frau Im Mond) através do trem —a maquina Splone, Desse modo, o personagem feminino deixava a vertente do terror nega. tivo, vinculada ao olhar da _mise-en-scéne desde o do filme, para entrar na dimensao do amor, que também pertence a propria imagem, (no cinema mudo, o rosto extatico de Gerda Maurus, em close, de Sonia a Friede, € uma expresso muito forte disso). Neste sentido, Fraw Im | Mond leva tudo para o lado do puro amor. Foguete e camara se conj { gam para, na Lua, conduzir 0 destino dos heréis, do casal, a um tltimo t estado: 0 estado amoroso, préximo dos estados que o precedem, em particular da hipnose (como sabemos, Freud faz. esta associagio no. moso capitulo 8 de Psicologia de Massas ¢ Andlise do Eu). Nesta viagem, neste filme, nao hé nada comparavel ao desejo de ‘que associa numa mesma imagem ~ fundada na forca (real e virtual) das maquinas ~ Mabuse e Haghi, o mestre de Metrépolis e Rotwang. Esta forga é dividida entre homem e mulher, deslizando de um a outro em cada filme mencionado: Helius e Friede permanecem juntos na Lua aps a partida forcada do foguete (o final real); ou Helius permanece para esperar a volta de seus amigos (outro final previsto, segundo Lot Bisner). De qualquer forma, este abandono tem sucesso no amor, as como 0 dispositivo-cinema conduz o heréi ao apaziguaments (Friede) estranho estado de graca que poderia explicar o seu nome solar. He onoivo da Lua, mais mulher ~ mulher-cinema ~ do que nunca. © estado do cinema, projetado através do espectro de mitologias moriais — sua heranca — ocorre aqui como 0 casamento imagindrio da Lua com o Sol. O TRABALHO AFETIVO. ‘Tradugio Awa Luiza Maxtins Costa Micuae.t Harpt | | | A OBSERVACAO atenta da produgao dos afetos em nosso trabalho e em nossa vida social tem freqtientemente sido uitil a projetos an- ticapitalistas, por exemplo no contexto de discursos sobre o desejo ou sobre o valor de uso. O trabalho afetivo representa, em si e diretamen- te, a constituicao de comunidades e subjetividades coletivas. Portanto, 0 Circuito da produgao de afeto e de valor se parece, sob varios aspect ‘com um circuito autonomo de constituicao de subjetividade, alternativo ao processo de valorizacao capitalista. Modelos tedricos associando Marx ¢ Freud expressaram 0 conceito de trabalho afetivo utilizando termos como producito de desejo; de modo ainda mais significativo, varias pesqui- sas feministas analisando as potencialidades existentes no que tem tra- dicionalmente sido designado como trabalho feminino, abordaram 0 trabalho afetivo com termos como trabalho familial e prestacio de cuida- dos!. Cada uma dessas anilises revela os processos pelos quais nossas priticas de trabalho produzem subjetividades co- letivas, produzem sociabilidade e, finalmente, produzem a propria sociedade. ‘Tais concepgdes do trabalho afetivo hoje (¢ ‘Kin designa parents os fa liars o que ei emjogo nes teupodeatividade dooseut 8t€ € 0 aspecto fundamental deste ensaio), de- veriam, entretanto, ser situadas no contexto d& evohucao do papel do trabalho afetivo na eco” nomia capitalista. Em outras palavras, embor® © trabalho afetivo nunca tenha estado inteira- como al mente fora da produgio capitalista, os proces O RasaLHo arerivo ml 145 sos de pos-moderniza¢ao econdmica dos iltimos vinte e cinco anos nio s6 deram ao trabalho afetivo um papel diretamente produtor de capital, ‘mas também o puseram no topo da hierarquia das formas produtivas, trabalho afetivo é uma dos aspectos do que chamarei de “trabalho imaterial”, que assumiu uma posi¢ao preponderante na economia capi- talista global em relacao a outras formas de trabalho, \corporou e valorizou o trabalho afetivo e que o trabalho afetivo é uma das mais importantes formas de produgio de valor do ponto de vista do capital nao significa que, assim contaminado, ele nao possa mais ser ttil a projetos anticapitalistas. Pelo contrario, considerando o papel do trabalho afetivo como um dos elos mais fortes na corrente da pés-modernizacao capitalista, seu potencial de subver- sao e de constituigo autonoma torna-se ainda maior. Nesse contexto podemos reconhecer o potencial biopolitico do trabalho, utilizando bio- poder em um sentido que adota ao mesmo tempo que inverte 0 uso que Foucault faz deste termo. Eu quero entdo proceder em trés etapas: em primeiro lugar, situar 0 trabalho imaterial na fase atual da pos-modernizagio capitalista; em se- gundo, situar o trabalho afetivo em relagao as outras formas de trabalho imaterial; e, por fim, explorar o potencial do trabalho afetivo no tocante a0 biopoder. POS-MODERNIZAGAO Na sucessio dos paradigmas econdmicos nos paises capitalistas do- minantes,’ desde a Idade Média, é comum, hoje, considerar trés mo- ‘mentos distintos, cada um deles definido por um setor privilegiado da ‘um primeiro paradigma, no qual a agricultura e a extracao - primas dominavam a economia; no segundo, no qual a posi¢do prepoderante per tencia a industria e a fabricagdo de bens duré- tinea fecal peo veis e 0 paradigma atual, no qual a prestagio de tor pare designar a posi ue 08 paises ocupam na conomia oblate servigos e 0 processamento da informacao so a esséncia da produgio econdmica. A posicio do- minante passou, portanto, da producao primé- ria, para a secundaria e desta para a te Chamou-se modernizagto econdmica & passagem *e "panes dependents” 146 m Micuart Harpr do primeiro paradigma para o segundo, isto é, do dom ra para o da indistria, Modemnizacio significava indus riamos chamar a passagem do segundo para o terceiro paradigma, isto 6, passagem do dominio da industria para o dos servigos e da informa. Gio, de pés-modernizaga, ou melhor, de informatigagao econdmica. Os processos de modernizagio ¢ industrializacio transformaram ¢ redefiniram todos os elementos do plano social. Quando a agricultura, como a indiistria, se modernizou, a fazenda transformou-se progressi mente em fabrica, com todos os seus elementos de disciplina, tecnolo gia e relagées salariais, entre outros. De modo mais geral, a propria sociedade foi se industrializando, a ponto de transformar as relagdes humanas e a natureza humana. A sociedade tornou-se uma fabrica, No inicio do século XX, Robert Musil, refletindo sobre as transformacées da humanidade na passagem do mundo agricola para a fabrica social, observou com acuidade que: “Houve um tempo em que os homens cresciam naturalmente nas condigdes do momento ¢ isso era uma ma- neira muito saudavel de se tornar um individuo. Mas, nos dias de hoje, com toda essa turbuléncia, quando tudo 6 separado do solo em que eresceu, até mesmo no campo da produgio do espirito, deveriamos por assim dizer, os artesanatos tradi rumanidade e seu espirito sAo produzidos nos proprios processos de | produgao econdmica. Os processos para tornar-se humano e a propria | atureza do humano foram fundamentamentetransformados na mo } danga qualitativa trazida pela modernizacao. Hoje, no entanto, a modemizacao chegou ao fim, ou, para usarmos as palavras de Robert Kurz, a modernizagao fracassou. Em outras pal vras, a produgao industrial nao esté mais aumentando sua predominan- cia sobre outras formas econdmicas e outros fendmenos sociais. Um dos sintomas dessa alterago manifesta-se em mudangas quantitativas no emprego. Enquanto a migracéo do trabalb da agricultura e da mineragao (setor prim: para a industria (setor secundério) indicava pro cessos de modemizagéo, os processos de poe modernizagao ou informatizacao sto identifies * dos na migragio de empregos da industria par o setor de servigos (setor tercidrio), mudanga que O rrapauno arerivo m 147 vem ocorrendo nos paises capitalistas dominantes, e em particular nos E.U.A., desde 0 inicio dos anos 70.' O termo servis aqui cobre um grande leque de atividades, desde assistencia médica, educagio e servi- {0s financeiros até transportes, ent tia dos empregos mostra alta mol veis. Mais importante ainda: tais empregos caracterizam-se, em geral, pelo papel central desempenhado por conhecimento, informagio, co- municagio e afeto, Nesse sentido, podemos dizer que a economia pos- industrial é uma-economia informacional.! A afirmacao de que 0 processo de modernizagao esta acabado e de que a economia globalizada esta hoje vivendo um processo de pés-mo- dernizagio em direcio a uma economia informacional nao significa que a produgio industrial sera abolida nem que ela deixar de desempe- nhar um papel relevante, mesmo nas regides mais desenvolvidas do globo. Assim como a revolugao industrial transformou a agricultura e tomou-a mais produtiva, a re informacional ira transformar a indiistria redefinindo e rejuvenescendo os processos de produgio — atra- vés da integracio, por exemplo, de redes de informagao a processos industriais. O novo imperativo operacional de administragio € “tratar a produgao como um servico”.’ Com efeito, a medida que as indiis- trias se transformam, a distingao entre produ- fo e servigos vai tornando-se menos nitida. Da ‘mesma forma como, através do processo de mo- dernizagio, toda produgio se tormou industria- izada, € também através do processo de pés- imodemizacao que toda produgao tende a ser 70 temo infmatinal produgdo de servicos e tende a se tormar infor- onomy relere-se tanto in macionalizada, O fato de que a informatizagao eo movimen- an to,PaR con ‘rpenado pla informa to favorecendo os setores de servigos sfio mais nesta mesma economia. visiveis nos paises capitalistas dominantes, nio nos deveria fazer retroceder a uma compreen- so da situagao econémica global contemporé- nea no tocante a estigios de desenvolvimento ~ como se hoje os paises dominantes fossem eco- nomias informacionais de servigos, seus depen- tary Fund Tress lidade e envolvern habilidades flext «Sobre as mudangas na ofer- 148m Micnarn Harpr dentes diretos os paises de economia industrial, ¢ os outros, os paises de economia agricola. Para os paises dependentes o colapso da modernizagao significa, a tes de mais nada, que a industrializagao nao pode mais ser vista como a chave para 0 desenvolvimento econdmico e a competitividade. Algu mas das regides mais subordinadas do mundo, tais como as regives da Africa Subsaariana, foram efetivamente excluidas nao s6 dos fluxos de capital e do acesso as novas tecnologias mas até mesmo da ilusio das cestratégias de desenvolvimento, ¢ se encontram portanto a beira da fome jas devemos reconhecer que a pés-modernizacao, embora responsé: vel por essa exclusio, continua dominando essas regides) ‘Na maioria dos casos, a competigio pelas posicdes intermediérias na hierarquia global nao se realiza através da industrializagao da produgao mas de sua informatizagio. Paises territorialmente extensos, com eco- nomias variadas, tais como a india, o Brasil ou a Russia, podem dar apoio, simultaneamente, a toda a variedade de processos produtiv producio de servicos baseada na informacao, a moderna producao i dustrial de bens, bem como as tradicionais producdes artesanal, agri cola e mineira. Nao precisa ter uma progressao historica entre essas formas, que, alids, freqiientemente coexistem e se misturam; nao é ne- | cessétio passar pela modernizacao antes da informatizagao ~ a prodi / co artesanal tradicional pode ser imediatamente computadorizada; lefones celulares podem ser imediatamente operacionados em remotas vilas de pescadores. Todas as formas de produgao existem dentro das redes presentes no mercado mundial e sob a dominacao da produgio informacional de servicos. O TRABALHO IMATERIAL ‘A passagem para uma economia informacional envolve necessati mente uma transformacdo tanto na qualidade quanto na natureza dos processos de trabalho. Esta é a implicagio sociolégica e antropologic® mais imediata da mudanca de paradigmas econdmicos. Informagai comunicagdo, conhecimento e afeto passam a desempenhar um pape! estrutural nos processos produtivos. Muitos vem como primeiro aspecto dessa transformagio a mudam a no processo de produgao industrial — tomando-se a indtistria auto O TRABALHO AFETIVo m 149 mobilistica como elemento central de referencia — do modelo fordista para o modelo toyotista.” A mudanga estrutural fundamental entre esses modelos envolve 0 de comunicagao entre a produgao e 0 con- sumo de mercadorias, isto €, envolve a transmissio da informacao entre fabrica e mercado. © modelo fordista construia uma relagio relativa- mente “muda” entre a produgio e o consumo. Na era fordista a produ- gio em massa de bens de consumo padronizados podia contar com uma demanda adequada e, assim, tinha pouca necessidade de “ouvir” atentamente 0 mercado. Gracas a um circuito de feedback consumo-pro- dugio, mudangas no mercado podiam acelerar mudancas na producio, ‘mas essa comunicagéo era restrita (devido a canais de planejamento fixos e estanques) e lenta (devido a rigidez das tecnologias e dos proce- dimentos da producto de massa) toyotismo € baseado numa inversio da estrutura fordista de comu- nicagio entre produgao e consumo. Idealmente, de acordo com esse modelo, o planejamento da producao estaria em comunicagao constan- tee imediata com o mercado. As fabricas manteriam um estoque zero ‘as mercadorias seriam produzidas apenas no iltimo instante, de acordo com a demanda existente no mercado. Portanto, este modelo nao envol- ve apenas um feedback mais répido mas uma inversdo na relagao, uma vez que, 20 menos em teoria, as decisoes da produgio ocorrem poste- riormente as decisées do mercado, e em reacao a elas. Este contexto industrial nos oferece uma primeira percepgao de forma como a comu- nicagdo e a informacao passaram a desempenhar um papel novo e fundamental no processo de *Sobracompangio cnreor produgio. Poderiamos dizer que a ago instru- modelos fordistae tyotsia, mental e a ago comunicativa se entrelagaram aa! profundamente nos processos industriais infor- matizados. (Seria interessante e itil observar aqui ‘como estes processos destroem a teoria da divi- tno Pear pl ne, Rod so entre ago instrumental e ac&o comunicati- Janeiro: Revan/UFRJ, 1994) va proposta por Habermas, e, da mesma forma, * Pens prinipalmente em desintegram as distingdes que Hannah Arendt see Miermey fhe Toy estabelece entre trabalho, acao e obra.') Contu- do, precisa ressalvar, desde logo, que a nocao de comunicagao como mera transmissio de da- dos de mercado 6 uma nogo empobrecida. @ Micmac Haror Os setores de servico na economia apresentam um modelo mais ri de comunicagao produtiva. A maioria dos servicos est, de fato, bas dano intercambio continuo de informagbes e conhecimentos. Uma vez {que a producio de servigos nao resulta em um bem material ou dura poderiamos definir o trabalho envolvido nessa produgao como trabalhg inaterial ~ isto 6, trabalho que produz um bem imaterial, como ser. vigos, conhecimento, ou comunicacao.’ Um dos aspectos do trabalho imaterial pode ser identificado por meio de uma analogia com o f cionamento de um computador. O uso cada vez mais amplo de comy tadores tem levado progressivamente A redefinigao de praticas e rel ges de trabalho (juntamente, na verdade, com a redefinicao de todas as raticas e relagoes sociais). Nos paises dominantes, a familiaridade e a intimidade com a tecnologia dos computadores vém se tornando, de forma cada vez mais generalizada, uma qualificagao basica para o tr tho. Mesmo quando nao se trata de contato direto com computadores, 6 extremamente comum exigir-se a capacidade de lidar com simbolos e informagao seguindo o modelo operacional de um computador. Um pecto original do computador € que ele pode modificar continuamente sua prépria opera através de seu uso. Mesmo as formas mais ru mentares de inteligéncia artificial permitem a0 jos de atin testa in. computador expandir e aperfeicoar suas opera: site det oxonieeiueief Bes baseado na interagio com seu usutio e seu eee igus’ g, ambiente, O mesmo tipo de interatividade con: 2934, tinua caracteriza uma ampla gama de atividades ‘Para uma definigdoe ani. produtivas contemporaneas em todos os setores se do trabalho imaterial, ver da economia, quer 0 computador esteja diret weallabor in Raia!Theg mente envolvido ou nao. Hé algum tempo, fm lah, ed. Paolo Vino & operdrios aprendiam a agit como maquinas ta Nigel Har Minmeapois' to dentro quanto fora da fabrica. Hoje, & 1906, p. 188-2 da que o conhecimento social se torna cada vee mais uma fora de produgao direta, pensamos cada vez mais como computadores e o modelo interativo das tecnologias de comunicagao to | nase cada vez mais essencial para nosso balho.” As maquinas interativas e cibernéti ‘mo Condicdo humana, Sto sama eritien excelente da di visto habermasiana entre " Peter Drucker entende a passagem para a producao TRABALHO arETIVo Mm I51 tomaram-se uma nova protese integrada aos nossos corpos e mentes e, também, uma lente através da qual redefinimos nossos pr6- prios corpos e mentes."! Robert Reich chama esse tipo de trabalho imaterial de “servicos simbélico-analiticos” ~ tarefas que envolvem “atividades de identificagao de problema, de solugdo de problema e de inter- mediagao estratégica.” Hoje, esse tipo de trabalho é 0 mais va- lorizado e por isso Reich o iden- tifica como a chave para a com- peticdo na nova economia global. Ele reconhece, entretanto, que 0 aumento de postos para esse tipo de emprego, que exige tanto um conhecimento especializado co- mo a capacidade de processa- mento criativo de simbolos, im- lica um crescimento correspon- dente de empregos de baixa qua- icagdo e pouco valorizados, que exigem uma manipulacdo rotinei- ra de simbolos, como, por exem- plo, a digitacao de textos e o pro- cessamento de dados. F nesse onto que comeca a emergir uma divisdo fundamental do trabalho no universo dos processos ima- teriais. O modelo do computador, no centanto, pode explicar apenas um aspecto do trabalho imaterial comunicacional envolvido na producdo de servigos. O outro ~ she means of production» to we the economig’s ‘urais(a “tera” dos economists), nem o trabalho. E ese oconheciment) eter Drucker, Papal ‘Soc. Nova York: Harpe, 1993, 8. Publicado em pporgues como Sede papitata Sto Paulo: Pionera, Colegao Novos Umbrais, 1993. Tad. Ni ‘O que Drucker nto compre: ende & que conhecimento nao ¢ dado mas pro- lao envolve novestipos de trabalho, " Mare usa a expresso geural illest para refe rise a esse paradigma da atividade socal prod: Ago, e, conseqientemente, até que panto a cn: iches do priprio process da vida socal faram sob controle da intligenciacoletiva,sendo tran ormadss de acordo com ela. Até que ponto os poderes da produc social foram produzidor, no Nova York: Vintage, 1073,p. colaus Publicado em portgues esa critica da economia poli. Sao Paulo: lama, 1946; wad. Plorestan Fernandes 152m Micuae. Harpr aspecto do trabalho imaterial 6 0 trabalho afetivo de interagbes e contat humanos. Este ¢ 0 lado do trabalho imaterial que tem menos poss dade de ser discutido por economistas como Reich, mas ele me parece ser 0 aspecto mais importante, o elemento que liga todos os demais, Os servigos de saiide) por exemplo, baseiam-se fundamentalmente em balho afetivo e prestagio de cuidados, e a indistria do entretenimento ¢ ‘as varias indastrias culturais igualmente enfatizam a criacao e mani ago dos afetos. Em maior ou menor grau, esse trabalho afetivo dese: penha algum tipo de papel em cada um dos segmentos da indiistria de servigos, das lojas de fast food as instituicdes financeiras, inserido nos momentos de interacao e de comunica¢ao humana. Este trabalho 6 im: terial, mesmo sendo corporal e afetivo, no sentido de que seus produtos sto intangiveis: um sentimento de tranqitilidade, de bem-estar, de satis- ‘fag, de entusiasmo, de paixio — até mesmo uma sensacio de unio ou \. de integracao a uma comunidade. Categorias de servigos que exigem a presenca ou a proximidade fisica de uma outra pessoa sio freqiien: temente utilizadas para identificar esse tipo de trabalho, embora 0 que € essencial nele, seu aspecto de presenga fisica, 6, de fato, a criacdo e manipulacao dos afetos. Esta produgio, troca e comunicacao afetiva 6 geralmente associada ao contato humano, a presenca efetiva de um ~ outro, mas esse contato pode ser tanto real quanto virtual. Na produ \ dos afetos na indiistria do entretenimento, por exemplo, o contato hu: ~ mano, a presenca de outros, é sobretudo virtual mas, nem por isso, me- nos real Este segundo aspecto do trabalho imaterial, seu aspecto afetivo, estende além do modelo de informacao e comunicagio definido pelo computador. Poderemos entender melhor o trabalho afetivo se come: carmos por aquilo que as anilises feministas do “trabalho da mulhet” tém chamado de “trabalho na modalidade corporal”." As prestagdes de cuidados estao, com certeza, completamente imersas no corporal ¢ 20 somitico, mas os afetos que elas produzem so, ndo obstante, imate riais, O que o trabalho afetivo produz sao redes sociais, formas de co munidade, biopoder. Poderiamos observar aqui, mais uma vez, que aco instrumental da produgdo econdmica s° fundiu a acdo comunicativa das relagdes hu nas. Neste caso, entretanto, nao foi a comuni O TRABALHO AFETIVO m 153 iio que se iomou empobrecida mas sim a produgfo que foi enriquecida até o nivel de complexidade da interagdo humana. Embora, num pri- | meiro momento, por exemplo na informatizacio da indiistria, seja pos- sivel dizer que a acio comunicativa, as relages humanas e a cultura foram instrumentalizadas, reificadas e “rebaixadas” ao nivel das intera- ‘Bes econdmicas, deveriamos logo acrescentar que, em um processo reciproco, a produgao tornou-se, em um segundo momento, comunica- tiva, afetiva, desinstrumentalizada, e elevada ao nivel das relagdes hu- ‘manas ~ mas, evidentemente, a um nivel de relagées humanas inteira- mente dominadas pelo capital e integradas a ele. (E aqui a distingao entre cultura e economia comega a se esfacelar) Na produgao e repro- ducao de afetos, naquelas redes de comunicagao e cultura, subjetivida- des coletivas sio produzidas e sociabilidade é produzida - mesmo que essas subjetividades e essa sociabilidade sejam diretamente exploraveis pelo capital. E aqui que percebemos o enorme potencial do trabalho afetivo. Nao pretendo discutir aqui se 0 que é novo € o trabalho afetivo em si 0u 0 fato de que o trabalho afetivo produz valor. As andlises feministas, em particular, jd reconheceram, ha muito tempo, o valor social das pres- ages de cuidados, do trtbalho familial e das atividades maternas, O que & novo, por outro lado, é o quanto esse trabalho imaterial afetivo é agora diretamente produtor de capital e a forma como ele se gener: zou em, amplos setores da economia. De fato, como componente do ‘trabalho imaterial, o trabalho afetivo conquistou uma posicéo domi- nante do mais alto valor dentro da economia informacional contempo- ‘inea. No que diz respeito & producao do espirito, como diria Mu nao deveriamos olhar mais para 0 solo e o desenvolvimento organico, nem para a fabrica e 0 desenvolvimento mecanico, mas para as formas econdmicas dominantes de hoje, ou seja, para a produgao definida por uma combinagio de afetos e cibernética, Este trabalho imaterial nao esta restrito a alguns grupos de trabalha- dores como, por exemplo, programadores de computadores ou enfer- meiras, que formariam potencialmente uma nova aristocracia de tra- balhadores. Ao contrétio, o trabalho imaterial em suas varias formas informacional, afetivo, comunicativo e cultural) tende a se espalhar por todas as forcas produtivas e por todas as tarefas, como um componente, maior ou menor, de todos os processos de trabalho. Isto posto, com 154 @ Micwary Harpr certeza ha varias divisoes dentro do universo do trabalho imaterial — divis6es internacionais, divisdes de género, divisdes racié diante. Como diz Robert Reich, o governo dos Estados Unidos vai fazer todo o possivel para manter nos Estados Unidos o trabalho imaterial mais valioso e exportar os de menor valor para outras regides. E, muito importante esclarecer estas divisdes do trabalho imaterial que, devo fri. sar, ndo so as divisdes de trabalho as quais estamos acostumados, par- ticularmente no que diz. respeito ao trabalho afetivo. Resumindo, podemos distinguir trés tipos de trabalho imaterial que levam o setor de servigos ao topo da economia informacional. O pri meiro esté envolvido numa produco industrial que foi informacionali- zada e incorporou tecnologias de comunicagio de uma maneira que transforma o proprio processo, de producéo industrial. A produgao in- dustrial 6 considerada como um servigo eo trabalho material da produ- lo de bens duraveis se aproxima do trabalho imaterial e se confunde com ele. O segundo rabalho imaterial de tarefas analiticas e simb6- ‘as, que, por sua vez, se divide em manip, | por um lado e, por outro, em tarefas simbolicas de rotina. Finalmente, | um terceiro tipo de trabalho imaterial envolve a producdo e manipula: | do de afetos e requer o contato e a proximidade humana (virtuais ou efetivos). Esses sao os trés tipos de trabalho que conduzem a pés-mo- | dernizagao ou informatizagdo da economia global. Broroper * Denomino de biopoder o potencial do trabalho afetivo. Biopoder € 0 | poder de criacdo da vida; 6 a producao das subjetividades coletivas, da sociabilidade e da propria sociedade. A observagio atenta dos afetos € das redes de produgao de afetos revela esses processos de constituici0 social. O que se cria nas redes de trabalho afetivo é uma forma-de-vide. Quando Foucault discute 0 biopoder ele © & Ver expeci otha de cima. E 0 patria potestas, o direito de vida Foucault, Te Hisury of Se-@ morte do pai sobre filhos e servos. Mais im 2 Niasue wa, portante, biopoder 6 0 poder que permite as for ‘cas emergentes da governabilidade criar, adm : far e controlar populagdes ~ 0 poder de ad- ‘ministrar a vida." Outros estudos mais recentes propria vida. Essa passagem tanto, focaliza a questo apenas de cima, como ‘mecar a observar o biopoder a partir de baixo. | batho de género. De fato, forneceram anélises amplas da produgio de bi biopolitica (de uma forma que poderia parecer, i | diferente da utilizada por Foucault) para se referir as p O TRABALHO AreTIVo. wm 155 ampliaram essa perspectiva de Foucault, considerando o biopoder como a lei do soberano sobre a “vida nua”, ou seja, a vida separada de suas varias formas sociais."" Em cada caso, o que esta em jogo no poder é a a para a fase contemporanea do bio- poder corresponde a passagem econdmica da pos-modernizagao capi- talista na qual o trabalho imaterial foi levado a uma posigio dominante, Aqui também, na eriagao de valor e na producéo de capital, 0 que essencial 6 a produgao da vida, ou seja, a criacdo, a administraco ¢ 0 controle das populagdes. Essa visto foucaultiana do biopoder, no en- prerrogativa de um po- der soberano. Por outro lado, quando olhamos para a situacao do ponto de vista do trabalho envolvido na produgio biopolitica, podemos co- O primeiro fato que vemos quando adotamos essa perspectiva 6 que 0 trabalho da producao biopolitica é fortemente configurado como tra~ -orias feministas j& nos oder sob este ponto de vista. Uma corrente do eco-feminismo, por exemplo, emprega o termo primeira vista, bastante “as das varias | formas de biotecnologia que sao impostas por corporagoes transna- | cionais a populacdes © ao meio ambiente, especialmente em regides | subordinadas do mundo." A Revolugao Verde € outros programas tecnol6gicos, que foram co- Jocados como meios do desenvolvimento eco- ‘nOmico capitalista, trouxeram com eles, na ver- dade, tanto a devastacio para o meio ambiente como novos mecanismos de subordinacao da mulher. Esses dois efeitos, no entanto, na verda- de nao passam de um s6. Fundamentalmente 0 | papel tradicional da mulher, lembram-nos esses autores, é de realizar as tarefas de reproducao, que foram severamente afetadas pelas interven- ‘Ges ecol6gicas e biologicas. Deste ponto de vis- ta, entao, mulher e natureza stio dominadas con- juntamente, mas também trabalham juntas numa telacdo cooperativa, contra o ataque das tecno- ‘tad De Albuquerque MITC. & Gallon de Atbugoerque, JA) ® Ver de Giorgio Agamben, ° Ver Vandama Shiva & In gunn Moser, ed. Bioplti: a Feminist and Ecaoial Reade. Landees: Zed Books, 905; ¢ Vandama Shiva. Saying Ale: Women, Bosley and Serezal fa india Londres: Zed Books, 198, 156m MicHaeL Harot logias biopoliticas, para produzir e reproduzir vida. [Sobrevivencia”), ica tornou-se uma questo que envolve a propria vida ea luta Pea miu a forma de um biopoder vindo de baixo contra um biopoder vindo, de cima. Num contexto bastante diferente, varios autores feministas nos Esta. dos Unidos vém analisando o papel essencial do trabalho feminino na produgio e reproducao da vida. Em partigular, a prestagao de cuidados envolvida nas atividades maternas (distinguindo-se estas atividades dos aspectos biologicamente especificos do trabalhio de parit) tem pro} ser um terreno extremamente rico para a andlise da producio bioy ca." A produgao biopolitica aqui consiste basicamente no trabalho en- volvido na criagao da vida ~ nao nas atividades de procriagao, mas na criagdo da vida precisamente na produgio e reprodugao de afetos. Aqui podemos perceber claramente que se esta desfazendo a distingao entre produco e reprodugao, assim como a distingdo entre economia e cultu- ra. O trabalho atua diretamente nos afetos; ele produz subjetividade; cle produz sociedade; ele produz vida. O trabalho afetivo, nesse sen- "tio, € ontolégico ~ ele revela o trabalho vivo que constitui uma forma de vida e, assim, demonstra novamente 0 potencial da produgio bi ' politica." Devemos logo acrescentar, no entanto, que nao podemos simples- mente dar nosso total suporte a uma dessas pers- pectivas, sem reconhecer os enormes perigos que clas apresentam, No primeiro caso, a identifica- cdo entre mulher e natureza cria o risco de se naturalizar e absolutizar a diferenga sexual, além de propor uma definigao espontanea da propria natureza. No segundo caso, a celebragio do tra- Ver Sara Ruddick. Maternal’ balho materno poderia facilmente servir para Thinking: tmards a Pots of yeforcar tanto as divisdes de genero do trabalho Pace Nova Yorke Ballantine Hira Boots, 1989, quanto as estruturas familiares de sujei¢io & °Sobce acaacades onto. SUBjetivacko edipianas. Mesmo nessas andlises logicamente Constitutes do feministas do trabalho materno fica claro o qual" trabalho, rpeciimente 0 to pode ser dificil, as vezes, deslocar-se o pote” saver Kati Wests Coney cial do trabalho afetivo, seja das construgdes P® ting Feminist Subject triarcais da reproducii, seja do “buraco negro” subjetivo da familia. Esses perigos, no entantO» = NT. Suying Alive. O autor brinea, aqui, com o titulo do livro de Vandama Shiva, ita: o acima,indicando que, pe 0 fato dea politica terse tr rado um questéo de vida. ca: Cornell Univers 1098, p. 120-5. © TRABALHO ArETIVo m 157 por mais relevantes que sejam, ndo invalidam a importancia de se reco- nhecer o potencial do trabalho como biopoder, um biopoder que vem de baixo. Esse contexto biopolitico 6 precisamente a base para uma investiga cio da relagao produtiva entre afeto e valor. O que encontramos aqui nio € tanto a resisténcia ao que poderiamos chamar de “trabalho afeti- vamente necessério” 2” mas sim o potencial do trabalho afetivo neces- sério. Por um lado o trabalho afetivo, a produ- gio e a reprodugio da vida, plantow-se firme- licerce necessario para a acu- ta e a ordem patriarcal. Por outro lado, no entanto, a produgio de afetos, de subjetividades, e de formas de vida, apresentam enorme potencial para circuitos autonomos de valorizacao e, talvez, de liberacao. Routledge, 1988; p. ® NTO autor faz aq uma “abalho sociakmente neces sir" “Tradugio Euizaneru ARatyo Lima eP Revisdo J. G. Gninanpr e Napine PRAIMAN Avousto CeRtain

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