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Comungar em tempos de pandemia

Estes tempos de pandemia obrigam-nos a adaptar muitas das nossas práticas habituais.
Fomos obrigados a alterar a forma de nos relacionarmos uns com os outros, a forma de
trabalhar, a forma de ocuparmos os tempos livres, a forma de estarmos com aqueles que
nos são mais próximos. Naturalmente, a experiência de adaptação exigiu mudanças
também na celebração da fé. A primeira alteração às nossas rotinas foi a impossibilidade
de participarmos na eucaristia semanalmente; depois, a necessidade de participarmos
através das redes sociais; agora, o regresso com normas apertadas de cuidado connosco
e com os outros.
Gostava de abordar neste pequeno artigo uma questão que tem suscitado, sobretudo nos
meios de informação e nas redes socais, uma acesa polémica: a forma de comungar.
Segundo as orientações da Conferência Episcopal e da Direção Geral de Saúde, a
comunhão nos próximos tempos deve ser, exclusivamente, na mão e não na boca. Cada
fiel que se aproxime da comunhão, deve desinfetar as mãos, retirar a máscara, receber o
Corpo de Cristo nas mãos e comungar. Muitos se manifestaram rapidamente contra esta
forma de comungar, classificando-a de sacrílega e totalmente alheia à tradição da Igreja,
dizendo que ninguém os poderia proibir de comungar na boca e que os bispos não
tinham autoridade para obrigar os fiéis a comungar na mão.
Sobre esta assunto, é claro que durante séculos a forma de comungar, no rito Romano,
foi exclusivamente na boca. A possibilidade de os fiéis poderem comungar, recebendo o
Corpo de Cristo nas mãos, foi uma possibilidade que decorreu da reforma litúrgica
levada a cabo depois do Concílio Vaticano II. Essa possibilidade, aberta de forma
excecional em alguns lugares, acabou por se generalizar um pouco em todo o mundo,
não sem o protesto de alguns grupos e meios mais tradicionalistas e conservadores.
Segundo eles, esta forma seria sacrílega e uma possibilidade jamais vista na história da
Igreja.
Contudo, se fizermos um percurso histórico sobre o desenvolvimento da liturgia,
percebemos que afinal talvez a comunhão na mão, não seja totalmente alheia à tradição
da Igreja. Apesar de escassas as informações nos primeiros séculos, no século IV, João
Crisóstomo, numa catequese mistagógica, diz que o cristão, quando comunga, deve
fazer um trono com as mãos para receber nelas o Rei do Universo. Podemos supor que
os cristãos recebiam a comunhão nas mãos e que esta seria a forma mais comum de
comungar. Pelo contrário, a referência à comunhão dada diretamente na boca aparece já
no século IX. Num texto normativo, dizia que a receber a comunhão nas mãos era um
privilégio do imperador. É provável que este texto surja como tentativa de impor uma
nova orientação que, ainda não sendo generalizada, começa a ganhar terreno. Podemos
então supor que o século IX, por diversos motivos, marque o momento da mudança da
forma de comungar. Nos séculos posteriores as referências são mais abundantes,
referindo exclusivamente a comunhão na boca.
Num tempo normal, uma ou outra forma de comungar, são lícitas e podem ser
escolhidas livremente pelos fiéis. No entanto, neste tempo que estamos a viver, somos
responsáveis pela nossa vida e pela vida dos nossos irmãos. Se as autoridades eclesiais,
em contato com as autoridades de saúde, consideram que esta é a forma mais segura de
comungar têm o direito de decretá-lo como norma para todos os que se abeirem da
comunhão. A nós cristãos cabe-nos o dever de, responsavelmente, acatarmos as
orientações que nos são dadas, por quem tem o dever e o direito de regular a liturgia da
Igreja. Independentemente da forma, devemos ter consciência da importância e
grandeza deste momento, no qual recebemos na fragilidade do sinal sacramental do Pão
Eucarístico, o próprio Cristo que se dá em alimento a cada um de nós. Infelizmente,
muitas vezes passamos de forma bastante inadvertida por este grande mistério.
Gostaria de terminar, citando S. Paulo aos Coríntios. Paulo perguntava como era
possível receber o Corpo e o Sangue de Cristo, sacramentos maiores da comunhão com
Deus e com os irmãos, no meio de divisões, contendas e discórdias. Dizia Paulo que,
desta forma, seria melhor não o fazer, pois poderiam estar a receber a sua própria
condenação. Acima de tudo, que o sacramento maior do amor e da comunhão não seja
motivo de disputas desnecessárias e sem sentido, mas tão somente o sinal sacramental
da unidade da Igreja.
Por tudo isto, e mais importante, em tempos de pandemia, cumpra as orientações!

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