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ninemsn irsneinannbrtstansensenettaertntaret oestrone Li Introdugio Nos finais do século XX, as preocupagGes em toro da qualidade do ambiente e da necessidade de proteger os componentes ambientais so preocupagdes sentidas de forma cada vez mais intensa por toda a populagao, sendo este, sem divida, um tema cada vez mais vital para os cidadiios, quer do ponto de vista individual, quer do ponto de vista colectivo, E que, se ndo fosse suficiente para a tomada de consciéncia destes problemas a mera verificagio da poluigto do ar que respiramos, da égua que bebemos ou das praias e bosques onde descansamos, diariamente somos informados sobre desastres ecol6gicos que ocorrem nos quatro cantos do mundo. ‘As noticias ¢ as discussGes sobre a deterioragao crescente do ambiente em que vivemose sobre « necessidade de o preservar, sob pena de anossa propria existéncia ser posta em causa, esto agora ana ordem do dia», sendo também um dos objectos fundamentais do discurso politico. Mas ainda bem que assim é: talvez s6 desta forma (e, infelizmente, 0 conhecimento e consciencializacao do estado de degradagio em que 0 ambiente se encontra est4 longe de ser suficiente para resolver tais problemas) se consiga fazer alguma coisa para evitar a deterioragao do mundo em que vivemos. E isso que verdadeiramente esta aqui em causa, pois basta pensar em problemas como os do «buraco» da camada de ozono, da contaminagao do ar € das Aguas, das chuvas dcidas ou da rapidfssima desflorestagZo, para se concluir ndo haver exagero na afirmagao feita, sendo imperioso lutar contra tais problemas para que todos possamos usufruir de um «ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado», para usar as palavras da nossa Constituigdo (artigo 66°, n° 1, da Constituigio da Reptblica Portuguesa). Com isto visamos apenas sublinhar a importncia dos problemas do ambiente, importancia esta que, em casos cada vez mais numerosos, leva ja a que o valor do progresso econémico e social a todo o custo tenha que ceder face & necessidade — praticamente impensdvel ha trés ou quatro décadas atrés — de manter e restaurar um ambiente sadio, Desta forma, se & correcto afirmar que sio miiltiplas as fontes de atentados, geradores de enorme alarme e de grande inquietagao sociais que, nas sociedades contempordneas, se dirigem contra os bens ambientais, em estrita conexdo com o sempre crescente desenvolvimento técnico, também nao é menos exacto 0 reconhecimento de que tem havido uma tomada de consciéncia de todos (da opinido paiblica em geral, dos operadores econd- micos, da Administragdo Péblica’ e também dos cientistas, nomeadamente A * A-exprssio “administraeto publica” € normalmente ilizada Canto na inguagem comm como na técnico- jurdica) com dots sentidos fundamentais: como aciy!- dade administativa , que omlmente ve design por “administragdo publica em sentido material ov objec tivo"; © como organizardo ‘administrativa , habitual mente chamada de “admi- nistagdo pblica em senido organics ou subjective” — assim, FREITAS do AMARAL, Curso de Direito ‘Adninisratio, vl, Alme= fina, Coimr, 1997, p32 € segues. RR EAR NSE _ge6grafos, bidlogos, socislogos, economistas e juristas) sobre a necessidade de lutar contra tais problemas ¢ de os tentar resolver, na medida do posstvel. Daqui decorre a necessidade sentida pelos juristas de levar a cabo um tratamento interdisciplinar (ou mesmo transdisciplinar, uma vez que a correcta compreensao dos problemas ambientais exige por vezes que se ultrapassem as fronteiras dos diversos ramos tradicionais do saber) das questdes ambientais, relacionando-as com os conhecimentos provenientes das ciéncias naturais, da engenharia ¢ da técnica. ‘Também os juristas se debrugam hoje sobre 0 ambiente, deparando ai, no centanto, com enormes dificuldades: em parte provenientes da sua com- preens{vel falta de preparagio nos dominios da técnica e das ciéncias exactas e da inadequagao dos instrumentos jurfdicos tradicionais para resolver as questdes ambientais na sua globalidade; e, talvez sobretudo, derivadas do facto de a abordagem juridica do ambiente convocar praticamente todas as disciplinas juridicas tradicionais: o direito constitucional, o internacional, 0 comunitério, 0 administrativo, o penal, 0 civil. Independentemente da questio de saber se jé se pode hoje falar de um «Direito do Ambiente» em sentido auténomo (questo que ser abordada no ponto 7. deste Capitulo), € notério que a colaborago de praticamente todos os ramos do saber juridico — bem como de todos os «agentes» do direito— se torna necesséria & correcta dilucidagdo dos problemas juridico-ambientais; 0 que leva justamente muitos autores a caracterizar 0 Direito do Ambiente como direito ’ e a Lei de Bases do Ambiente. Esta tiltima, na alfnea a) do seu artigo 5°, consagra uma nogio de tal forma ampla que 0 legislador teve de a decompor em dois grupos sistematicamente autonomizados na lei: © dos «componentes ambientais naturais» (capitulo If da Lei de Bases do Ambiente) e 0 dos «componentes ambientais humanos» (capitulo III da mesma Lei). Se € verdade que esta nogéio ampla parece mais de acordo com a realidade, nna medida em que «todos os factores que integram 0 mundo natural esto relacionados em interaccdo continua e profunda, (...) dando-se esta relagtio também com 0 mundo artificial ou humano» (FuEwtes BopéLon, cit, p. 122), no € menos certo, em todo 0 caso, que ela padece do defeito de poder ser encarada a partir de uma grande diversidade de pontos de vista, o que torna a sua prestabilidade para o discurso jurfdico no minimo duvidosa. Com efeito, a0 abarcar tanto os elementos naturais como os econdémicos, sociais e culturais, 0 conceito de ambiente vem a significar «tudo aquilo que nos rodeia ¢ que influencia, directa ou indirectamente, a nossa qualidade de vida ¢ 0s seres vivos que constituem a biosferan*. Com esta amplitude, a nogdo serve praticamente a qualquer tipo de anélises que se queira fazer sobre o ambiente, sejam elas efectuadas por um bidlogo, por um ge6grafo, por um sociélogo, por um etndlogo, por um economista ‘ou por um jurista, Andlises estas, por outra parte, que poder centrar-se no estudo de determinado ecossistema ou de um elemento da fauna ou da flora, do tertitério ou de um dos seus componentes, da fisionomia da paisagem, da higiene, etc.. Acenorme heterogencidade deste conceito permite afirmar que uma concepgao monista do ambiente seré, em prinefpio, impossivel. Em parte devido a esta amplitude e heterogeneidade, desde hd muito que parte da doutrina e algumas legislagdes sentem a necessidade de restringir a nogao de ambiente por forma a torné-la operativa para o direito, optando por levar a cabo uma delimitagao mais estrita do conceito de ambiente ¢ seleccionando alguns temas dentro daquele conceito amplo de ambiente. Assim se veio a defender uma nogao estrita de ambiente, centrada nos «componentes ambientais naturais> ou no «ambiente natural», Em nossa opiniao, e nfo obstante as criticas que também the podem ser dirigidas, este conceito tem algumas vantagens sobre o precedente. Quando se lancaram as bases da proteceo juridica do ambiente e & medida que cssas bases se foram desenvolvendo e alargando, o que estava fundamentalmente em causa era a garantia da preservagio ¢ manutengio dos elementos ambientais naturais, principalmente do ar, da gua, do solo, do sub-solo, da fauna e da flora. Nao se podem hoje esquecer, é certo, os «componentes ambientais humanos», designadamente o patriménio artistico, cultural, hist6rico e econémico-social. Mas importa reconhecer que eles surgem em «segunda linha», j4 que tm que ser equacionados por forma a no por em causa os componentes ambientais naturais. Quer se parta, de resto, de uma pré-compreensio antropocéntrica ou antes de uma pré-compreensao ecocéntrica ou biocéntrica do Dircito do Ambiente, a conclusio seré a mesma: no primeiro caso, se se compro- meterem aqueles elementos naturais, a existéncia do homem, pelo menos em condigSes de vida minimamente satisfatorias, estaré comprometida; no segundo, ao querer-se proteger 0 ambiente como um valor em si mesmo, esté em causa a «comunidade bidtica> como novo valor emergente, comunidade esta que tem sobretudo (senfo unicamente) a ver com os elementos naturais. O préprio legislador dé-nos outro argumento para justificar que centremos'a nogdo de ambiente no (artigo 45°), a doutrina manifesta dividas quanto & configuragao de tal direito como direito fundamental ‘A Constituigéo da Reptiblica Portuguesa revela-se paradigmética neste particular, prevendo no artigo 66° (sistematicamente colocado na sua Parte I, relativa aos Direitos ¢ Deveres Fundamentais dos cidadios) 0 «direito aum ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado> como um direito fundamental, auténomo relativamente a outros direitos como 0 direito & Vida, 0 direito & satide ou o direito de propriedade, por exemplo. 4 Como bem acentua Gomes Canomino, «a leitura conjugada das normas consti- tucionais ¢ das normas legais aponta, desde logo, para a existéncia de um direito subjectivo ao ambiente, auténomo ¢ distinto de outros direitos também constitucionalmente protegidos», o que determina que «o direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado surge como direito subjectivo inalienavel pertencente a qualquer pessoa» («Procedimento...», Revista de Legislagao ¢ Jurisprudéncia, n° 3.802, p. 9). Esta consagragio significa que, por maior importancia que se atribua & qualificagao do ambiente como bem piiblico ou colectivo, a sua dimensio subjectiva nunca poderé, na consideragao juridica, ppassar para segundo plano. ‘A consideragiio do ambiente como direito subjectivo de cada pessoa confere- -lhe uma feigao espectfica, devendo todos os mecanismos juridicos existentes para a sua tutela adequar-se a esta caracterizagao, devido & especial fora que assume um direito fundamental com assento na Constituigao. Isto devido 20 facto de a Constituiggo ser a Lei Fundamental da nossa ordem juridica, a0 ue se junta a circunstincia de o reconhecimento dos direitos fundamentais ocupar nela um lugar central. Na linha da nossa Constitui¢o, que acolhe 0 ambiente como direito fundamental do cidadao e como «tarefa fundamental do Estado [artigo 9, als. d) €€)}, importa considerar o ambiente simultancamente numa dimensio objectiva e subjectiva Deve, no entanto, reforcar-se a ideia segundo a qual a dimensdo subjectiva do ambiente nunca poderd ser relegada para segundo plano, como que « sombra> da sua consideragzio como valor fundamental da comunidade politicamente organizada; muito pelo contrério, a dimenso subjectiva do direito ao ambiente ndo pode ser sacrificada em nome do seu relevo comunitério, ou da importéncia comunitéria ou social de quaisquer outros valores ou interesses. Desta compreensio decorre uma nota que deve ser avancada na caracterizagao do ambiente como direito fundamental: a da sua subjectividade. O simples facto de o ambiente estar previsto na Consfituigao como direito fundamental poderia bastar para esta concluséo, devendo ainda salientar-se que a sua consolidagdo como direito subjective foi hé muito efectuada pelo legislador estabelece-se no artigo 2° da Lei de Bases do Ambiente, como principio geral, odireito de todos os cidados a um «ambiente humano ¢ ecologicamente equilibrado», direito esse concretizado nos artigos 40° e seguinte da mesma lei, o que desfaz.as dtividas relativas & existéncia em Portugal de um verdadeiro direito subjectivo ao ambiente. Na caracterizagio do ambiente como direito fundamental, deve também destacar-se o seu entendimento como direito da personalidade humana, bem como a sua autonomia . Da mesma forma que deixamos vincada a autonomia do ambiente enquanto bem juridico, também como direito fundamental ele 6 protegido com autonomia relativamente a outros direitos que Ihe so «préximos» (por exemplo o direito a satide ou o de propriedade). Como reflexo das crescentes preocupagdes que sio em geral sentidas pela comunidade a este respeito, o legislador constitucional portugues deu guarida a0 direito ao ambiente tutelando-o directa ¢ imediatamente e no apenas como meio de efectivar outros direitos com ele relacionados. Na sequéncia da opgiio que fizemos por um conceito estrito de ambiente (correspondente, no essencial, A nogdo de ambiente natural), devemos avangar ‘uma tiltima nota caracterizadora deste direito fundamental: ele aparece como direito ecoldgico, ou seja, como direito relacionado sobretudo comi o conjunto de elementos naturais basicos, embora com dimensdes econémicas, sociais, e culturais. as duas perspectivas pelas quais 0 ambiente pode sér encarado, na medida em que a sua andlise como bem juridico foi feita de modo a destacar nio tanto a sua faceta personalistica, mas a sua relevancia sistémico-social que de algum modo se contrapée & faceta subjectivista do direito fundamental ao ambiente, Ora bem: o reconhecimento da existéncia de um direito subjectivo a0 ambiente nfio deve fazer esquever o seu carécter de bem jurtdico unitdrio ; ‘i E | Antes de passarmos ao ponto seguinte, convém tentar uma articulagdio entre | | | eae RS TE de toda a comunidade; por outras palavras, a titularidade individual de um dircito subjectivo ao ambiente nao traz consigo a subversio do ambiente como bem juridico colectivo. 1.6 Odano ambiental A partir do momento em que as preocupagdes ambientais comegaram a encontrar eco no mundo do Direito © em que surgiram normas juridicas a tutelar o novo bem juridico (que constitui também um direito fundamental), teriam obviamente de surgir também disposig6es legais a ocupar-se da violago das normas destinadas & tutela do ambiente, assim fazendo 0 seu aparecimento a categoria do «ilicito ambiental». Apesar de o tema da responsabilidade civil, penal © administrativa ir ser autonomamente tratado (na Parte IV), é importante que nos debrucemos agora sumariamente sobre o dano ambiental, ocorrido sempre que uma dada acco humana viole as disposigdes juridicas destinadas a proteger o direito subjectivo ao ambiente dos individuos, acarretando consequéncias danosas para o ambiente, HA diversas definigdes possiveis de dano ambiental. Para PostiauioNe ( Pelo contrério, Freitas do Amara («Anélise Preliminar da Lei de Bases doAmbientes, in: Textos ~Ambiente, CEJ, 1994, p. 249) recorte A nogo de afensa ecoldgica, que define como «todo 0 acto ou facto humano, culposo ou no, que tenha como resultado a pro- dugio de um dano nos componentes ambientais protegidos por lei», detectando na Lei de Bases do Ambiente diversos tipos de ofensas ecolégicas: a poluigdo atmosférica, a perturbacao dos niveis de luminosidade, a poluigio hidrica, a danificagdo do solo ou do subsolo, adanificagdo da flora, a ofensa da paisagem, a poluigito sonorae apoluigdo qutmica. Ainda segundo este Autor, a0 actoilicito assim pra-ticado correspondera uma tripla ilicitude: penal, contra-ordenacional e civil. » = i sesensncaveranas \ Os problemas levantados na regulagdo do dano ambiental so diversos ¢ de dificil resolugao. Apesar de existir uma certa unanimidade quanto 20 relevo dos mecanismos tradicionais da responsabilidade civil naregulacao do tema do dano ambiental — prescrevendo 0 nosso legislador, na alfnea h) do arigo 3° da Lei de Bases do Ambiente, a necessidade da «assuncio pelos agentes das consequéncias, para terceiros, da sua acgao, directa ou indirecta, sobre os recursos naturaisy —, bem como relativa- mente a incluso nos «prineipios fundamentais do Direito do Ambiente do principio da «responsabilizagdo>, a verdade é que as dificuldades nao sio totalmente ultrapassadas com a ajuda deste principio ¢ dos respectivos mecanismos. Em termos de ressarcimento do dano ambiental, o principio da respon- sabilizagio ajuda apenas a resolver a questo do lado do autor do dano, reclamando a assungo pelos agentes poluidores das consequéncias da sua actividade poluente. Apesar da contribuig’o que os mecanismos da tespon- sabilidade podem dar, as suas insuficiéncias séo evidentes, nomeadamente nos casos (provavelmente, os mais comuns) em que os danos ambientais provém de «emissores» indeterminados, projectando-se em «receptores» também indeterminados. ‘Um dos temas mais discutidos da ordenagao do dano ambiental tem a ver com a determinagio dos sujeitos titulares do direito de indemnizagao decorrente de um acto ilfcito ambiental: sera que s6 o Estado (eventualmente ‘em conjunto com outras pessoas colectivas de direito paiblico) deve ser seu titular ou os cidadios individualmente considerados poderio gozar da possibilidade de efectivar um tal direito? Esta problemética pode alids articular-se com a jé referida dupla fisionomia (bem juridico colectivo e direito subjectivo fundamental) do ambiente: se se puser em evidéncia que o ambiente é um bem jurfdico unitério respeitante a toda a comunidade nacional, defender-se-4 em conformidade que o titular do direito ao ressarcimento pelos danos causados ao bem ambiente deverd i ser 0 ente representativo dessa comunidade — 0 Estado; se, pelo contrrio, i se levar As dltimas consequéncias a configurago do ambiente como direito subjectivo dos individuos, tera que admitir-se que eles tém também direito a ser indemnizados sempre que sofram ofensas no seu direito a desfrutar de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. A primeira concepedo foi expressamente acolhida pelo legislador italiano depois de doutrina e de jurisprudéncia se terem pronunciado nesse sentido. A doutrina italiana foi pioneira no reconhecimento e afirmagao do , Outras notas existem que, além de reflectirem a enorme dimenstio dos problemas do ambiente, mostram outras especificidades que este coloca aos juristas. B o que acontece com a sua natureza «transnacional» — com a verdadeira globalizagaio ou «mundializagao» dos problemas ambientais —, derivada do cardcter indivisivel do ambiente. Como afirma CarvaLio Martins (A Politica de Ambiente da Comunidade Econémica Europeia , Coirabra, 1990, p. 113), 0 Direito do Ambiente «no conhece fronteiras, nem estanque separagio entre cursos de égua e oceanos, mares e massas de ar, equilfbrios ecol6gicos locais e equilibrio geral de regides e de continentes, considerando o planeta em toda a sua globalidade». Estas razdes levam-nos a pensar que, num momento em que se fala jé abertamente, por exemplo, em «Direito Urbanistico» ou em «Direito do Ordenamento do Territério» (campos materialmente préximos do ambiente), haverd pelo menos igual legitimidade para falar em «Direito do Ambiente». O que importa é compreender a exacta dimensio do que isso significa, uma vez que este entendimento deve servir a principal finalidade de adaptagao e reformulagao dos temas ¢ dos instrumentos das andlises jurfdicas cléssicas. Por nossa parte defendemos a ideia segundo a qual se pode e deve falar em Direito do Ambiente niio s6 como campo especial onde os instrumentos clés- sicos de outros ramos do Direito so aplicados, mas também como disciplina Juridica dotada de substantividade prépria, Sem com isso por de lado as dificuldades que tal concepgdo oferece ¢ os condicionamentos que sempre terdo de introduzir-se a tal afirmagio. Nao deve esquecer-se que estas delimitagdes tém antes de mais um valor didactic ¢ que «todo o Direito esta interpenetrado e as relagdes & transferéncias de técnicas e formulas de um para outro campo sio constantes e profundas 0 que demonstra, também neste caso [do Direito do Ambiente], a fragilidade das distingbes» (Fuentes Booé1on, cit., p. 113 s.). ‘A concepgiio que defendemos foi expressa pela Declaragdo de Limoges de Novembro de 1990, adoptada por representantes de associades ambicntalistas de todo mundo, quando proclamou que «o Direito Ambiental néo é um simples apéndice de politicas ambientais, é o meio privilegiado para toda a politica a favor do meio». ‘Também nesta linha se insere a autonomizagao pela doutrina ¢ por algumas legislagdes dos «principios fundamentais do Direito do Ambiente», o que s6 tem sentido como consequéncia da verificagio de que o Direito doAmbiente constitui uma disciplina jurfdica dotada de especificidade. Ese o Direito do Ambiente deve j ser considerado como disciplina auténoma, entio € forgoso que se Ihe reconhegam também instrumentos juridicos proprios. assim que, para além da aplicagio das técnicas e métodos préprios de outros ramos do Direito (principalmente do Direito Administrative) — que podem sofrer transformagées e aperfeicoamentos que permitam uma sua mais correcta adaptacdo —, o Direito Ambiental se vé na necessidade de desenvolver técnicas juridicas préprias e exclusivas. 35 * Previeto pela Directive SS/33/CEE e regulamentada cnte nds pelo DL n° 18600, fe 6 de Jno e pelo Decreto Regulamentar n° 38/90, de 27 de Novembro, 36 Paradigmatico a este respeito é 0 mecanismo da «avaliagdo de impacte ambiental»’ que, inserido geralmente em procedimentos administrativos de tipo classico, aparece como um instrumento jurfdico novo, préprio do Direito Ambiental ‘A compreensio que preconizamos no que toca & autonomia dogmitico- sistemétiea do Direito do Ambiente adequa-se particularmente 4 ordem juridica portuguesa. Desde logo, porque a prépria Constituicao contém varios dispositivos destinados tutela do ambiente quer como direito fundamental, quer como tarefa fundamental do Estado; o que decerto justifica que autores como Gomes Canoriio ( «Procedimento...», Revista de Legislacdo € Jurisprudéncia , n° 3.802, p. 8) falem numa auténtica «Constituigao do Ambiente». E verdade que, segundo uma concepedo possivel das coisas, isto n&o seria bastante, jé que a autonomia do Direito do Ambiente exigitia necessariamente a reunido das disposig6es bésicas da sua disciplina num «Cédigo» ou documento legal tinico. Nao temos por correcta esta posi¢do, pensando, diferentemente, que a unidade ¢ autonomia de um sector do Direito néo implica forgosamente a compilagdo das suas normas num texto legal bésico; atente-se em que isso ndo acontece entre nds, por exemplo, relativamente a0 Dircito Urbanistico, sem que daf se deva retirar argumento contra autonomia juridica desta disciplina. Como quer que seja, porém, & objecgdo sempre poderia responder-se com a existéncia, em Portugal, de uma Lei de Bases do Ambiente. A existéncia desta lei — definidora de uma disciplina genérica que & (ou vird a ser, em alguns casos) regulamentada por um vasto conjunto de leis, e regulamentos dispersos — d4-nos assim ainda mais um argumento no sentido de justificar que se possa falar com propriedade, entre nés, de um «Direito do Ambiente». em todo 0 caso No estado actual de evolugio do Direito do Ambiente, prudente falar-se numa sua autonomia relativa: o que acima de tudo deveré estar em causa no é uma afirmagdo radical da independéncia do Direito do Ambiente mas a ideia de que este Direito implica necessariamente a reviséo dos institutos, das técnicas e dos instrumentos dogméticos classicos de outros ramos do Direito , aqui basicamente orientados pelas ideias de protecgdo e de promogao de um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado. Ou seja: sem negar que ha métodos, técnicas e instrumentos préprios do Direito do Ambiente, deve sobretudo procurar transpor-se para este novo Ambito toda a «aparelhagem» te6rica e pritica j4hd muito amadurecida pelos Jjuristas, repensando-a e reconformando-a, procurando dar-lhe um «sangue novo» que permita a cabal satisfagdo dos citados objectivos de promogéo ambiental. Questionério ‘Quais as razdes que toram a proteccao do ambiente uma das preocupagses, fundamentais dos cidados nos nossos dias? Porgue razio necessitam os juristas de estudar as questdes ambientais com base numa abordagem interdisciplinar? Quais os principais problemas com que se defrontam os juristas na regulagao Juridica dos problemas ambientais? Quais as pré-compreensées do Direito do Ambiente? Como se caracterizam? Em que consiste 0 conceito estrito de ambiente? Quais sfo as principais criticas que se Ihe podem dirigir e quais as suas grandes vantagens? Pode-se considerar 0 ambiente como novo bem juridico protegido pelo direito? Justifique. Em que consiste a implicagio ou referéncia sistémico-social da nogao de bem juridico? Poderd considerar-se que o direite ao ambiente & hoje um (novo) direito fundamental dos cidadios? Refira na sua resposta as normas da Constituigdo da Repablica pertinentes. Em que consiste a nogdo de dano ambiental? Ser que s6 0 Estado é titular do direito a indemnizagao por danos ao ambiente, ‘ou também os cidadaos (individualmente considerados ou associados) poderao ser titulares de tal direito? Poderd considerar-se 0 Direito do Ambiente como nova disciplina juridica auténoma? Qual 0 relevo pritico desta problematica? FT

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