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Os partidos políticos na sua expressão moderna, ou seja, enquanto actores principais da luta pelo poder
ou do seu exercício, foram historicamente antecedidos por formações políticas embrionárias e muito
efémeras, então denominadas “facções”…
… sendo que a transformação das “facções” tradicionais em partidos propriamente ditos surge
geralmente associada:
Quer aos processos revolucionários liberais que estabeleceram os regimes representativos (e que
remontam à segunda metade do séc. XVIII;
Quer à difusão das instituições parlamentares e à afirmação do poder da burguesia na gestão dos
assuntos públicos (1ª metade do séc. XIX)
Giovanni Sartori é um dos autores que propõe uma análise aprofundada e esclarecedora da trajectória
lenta e tortuosa que consagra a passagem da “facção” tradicional ao partido moderno, tanto ao nível
das ideias como dos factos políticos.
1º. O autor começa por notar que, em termos etimológicos e semântivos, “facção” e “partido” têm
significados distintos.
- “facção” – deriva do verbo latino facere (fazer, agir) associado à ideia de uma acção
considerada excessiva, perturbadora ou nociva;
- “partido” deriva dos verbos partire (dividir) e secare (separar), que sugerem a ideia de sedição
das partes contra o todo ou de desagregação do todo em diversas partes.
Mais tarde, a associação à ideia de participar e de compartir fez com que o termo “partido” ganhasse
uma conotação menos negativa que o de “facção”, apesar do uso indiferenciado de ambos os termos e
conceitos até ao séc. XIX.
Com excepção de Edmund Burke, nenhum outro autor do séc. XVIII distinguiu cabalmente os conceitos de
“facção” e de “partido” ou concebeu positivamente o “partidarismo” por contraposição ao
“faccionismo”
È frequente afirmar-se que Maquiavel e Monstesquieu foram os primeiros autores a atribuir um sentido
positivo ao termo “partido” – visto ser possível encontrar nos seus escritos uma distinção mais ou menos
clara entre
- facções que apenas visa promover interesses pessoais mesquinhos e interesseiros (facções que
corrompem a República;
- facções que representam perspectivas distintas do bem comum (facções que produzem conflitos
políticos positivos)
O facto é que nem um nem outro adoptaram expressamente a palavra “partido”, identificando as
“partes” de uma república como “facções” e condenando-as como factores de divisão e desunião
nacional.
Mas, o que é mais: nem um nem outro conceberam o “partido” como uma entidade objectiva e concreta,
claramente dissociada da “facção”.
Para Bolingbroke (chefe dos tories de 1701 a 1715, existiu uma diferença de grande espécie entre a
“facção” e o “partido”:
De grau – porque:
- se o partido era considerado como um “mal politico”
- As facções era os “piores” eras os “piores de todos os partidos”. A “facção estava para o partido
como o “superlativo estava para o afirmativo”
De espécie – enquanto
- os “partidos” representavam preocupações, interesses e projectos nacionais (partidos nacionais
do séc. XVIII)
- as “facções” (prosperavam no séc. XVIII) expressavam interesses particulares, mesquinhos e
sediciosos
Seja como for, a verdade é que os termos “partidos” e “facção” tornam-se semanticamente equivalentes
quando se confundem na realidade, ou seja, quando o percurso inelutável dos “partidos” é o
degenerarem em “facções”.
Como sugere Bolingbroke o governo de partidos termina sempre em governo de facções e as facções
nascem das paixões e dos interesses e não da razão e da equidade, então os partidos não podem deixar
de constituir uma séria ameaça para a unidade e harmonia da nação, impossibilitando o triunfo do
governo constitucional. É por isso que Bolingbroke ao criticar tenazmente as “facções”, se converte num
acérrimo opositor do “partidarismo”, mostrando-se favorável a uma solução que implicasse a
reconcialiação de todos os “partidos” e a abolição de todas as “divisões odiosas””
David Hume foi um dos pensadores que se interessou de modo particular pelo tema dos partidos políticos.
Considera as “facções”
responsáveis pela subversão do governo
pela precariedade das leis
pelo clima de acirradas disputas entre os adversários políticos
Em relação à existência de “divisões partidárias”, não considera a sua abolição uma condição necessária
do governo constitucional embora, tal como a tendência da época, fosse sensível à convergência de
posições políticas e à reconciliação partidária em nome do interesse nacional.
O que mais sobressai nos Ensaios de Hume sobre o “partidarismo” é a sua classificação ou tipologia dos
agrupamentos políticos. Nesta, fazendo um uso indeferenciado dos termos “facção” e “partido”, distingue
duas categorias principais de “facções”:
“facções pessoais” – próprias das pequenas Repúblicas
“facções reais” – típicas dos Estados modernos, caracterizando-se por uma existência
extremamente efémera. Para uma esta “facções” são divididas em:
- “facções” baseadas em “interesses” -
- “ “ em “princípios” –
- “ “ em “afeições -
As “facções” alicerçadas em princípios políticos, abstractos e especulativos, são considerados como uma
realidade radicalmente nova imposta pelos tempos modernos, aproximando-se num certo sentido daquilo
que virá a ser a natureza dos partidos edilógicos contemporâneos, ou seja, entidades políticas suportadas
por princípios que remetem para concepções abstractas do mundo e da vida.
David Hume considerou os partidos como algo inevitável, sem bem que não lhes reconhecesse um papel
positivo no governo de um país;
Edmund Burke elevou os “partidos” acima das “facções”, ao defini-los como “conexões politicas honrosas
– ou seja, como meios indispensáveis e desejáveis ao funcionamento de qualquer governo livre, atribuindo-
lhes, assim, um papel essencial na prossecução do interesse nacional, que deveria ter por base princípios
particulares conquanto consensuais.
Face ao exposto, é usual atribuir-se a Burke a primeira distinção de facto entre
“partido” – é encarado como uma entidade concreta e um meio adequado e respeitável de
exercer o poder, tendo em vista a realização de um projecto politico comum. “um grupo de
homens unidos para fomentar, mediante os seus esforços conjuntos, o interesse nacional,
baseando-se em algum principio em relação ao qual todos os seus membros estão de acordo”.
“facção” – é objectivamente algo muito distinto, porquanto se reduz à disputa por cargos e
posições politicas
De igual modo os Pais Fundadores dos EUA, nomeadamente James Madison, consideraram os “partidos”
como equivalentes às “facções”, o seu desenvolvimento como algo inevitável - “ porque
As causas – latentes da divisão em facções têm a sua origem na própria natureza humana
E os seus efeitos – como um perigo atentatório do governo justo e da sociedade harmoniosa, pelo
que as facções deveriam ser reguladas e controladas pela União
Segundo Sartori, o que Burke deixara para as boas e nobres intenções dos “partidos” (“conexões politicas
honradas”),
Masison trataria em termos de mecânica constitucional, pois se “as causas do espírito de facção não
podem ser suprimidas, o mal só pode ser evitado controlando os seus efeitos”
Palavras de George Washington (1732-1799) no seu “Discurso de Adeus ao Congresso”;
A liberdade… é de facto pouco mais que uma palavra quando o governo é demasiado débil para
suportar os embates das facções…
Permitam-me que vos advirta do modo mais solene contra os efeitos nocivos do espírito do partido… Existe
uma opinião segundo a qual os partidos nos países livres constituem controlos úteis… e servem para
manter vivo o espírito de liberdade… É provável que assim seja dentro de certos limites … Mas nos
governos puramente electivos é um espírito que não se deve fomentar”
Este breve percurso, que procurou acompanhar nos seus momentos essenciais a transição da “facção” ao
“partido”, deve relacionar-se com outro processo mais global foi ganhando forma na filosofia e cultura dos
povos e que se prende com a transformação gradual dos padrões mentais e culturais, num sentido que
vai da intolerância à tolerância. Referimo-nos aqui, ao processo que consagra a importância e a função
positiva do conflito – ou melhor, da dissensão – como factor de inovação e progresso social, conduzindo à
sedimentação da crença na validade intrínseca do pluralismo e da diversidade. E isto porque os partidos
só grajeiam aceitação quando se percebe que a multiplicidade e a divergência não põem
necessariamente em causa a ordem politica vigente.
Num quadro mental, teórico e politico que vê os “partidos” como “facções” promotoras de desunião e
desagregação das nações, é natural que eles sejam apontados como inimigos do bem comum comum e
perseguidos como nocivos.
Thomas Hobbes (1588-1679) afirmava que os “partidos” eram “Estados dento do Estado”, constelações de
interesses particulares a que os homens deviam renunciar, de forma a cessarem as hostilidades e a
anarquia características do “estado natureza”, sob o manto protector de um Estado forte, omnipotente e
providente (Levianthan)
Jean Jacques Rousseau (1712-1778) – os “partidos” constituíam corpos estranhos ao Estado, e a sua
formação um sintoma da ruína da comunidade: ao favorecer os interesses particulares em detrimento da
vontade geral, as “facções” e todo o tipo de associações parciais colocavam em causa o carácter
indissolúvel do contrato social
De sublinhar que o reconhecimento dos partidos é contemporâneo da penetração dos ideais liberais e
dos pluralismo. Mas, se começou por aí a sua aceitação, o facto é que o pluralismo partidário foi
historicamente antecedido do pluralismo constitucional, tendo sido este último a abrir o caminho ao
primeiro
Como recorda Sartori, o pluralismo constitucional dizia respeito, desde a Antiguidade clássica, à divisão do
poder e à doutrina de equilíbrio entre os poderes, aspirando ao “governo misto” e não ao “governo de
partidos”. Quer isto significar que o pluralismo partidário, como se construiu sem os partidos políticos e
contra eles.
Com efeito, também o constitucionalismo liberal exclui os “partidos”, entendido, como já vimos, mais
como “facções” contrárias à unidade do corpo social e politico do que como “partes” integrantes e
colaborantes desse todo
Se o pluralismo teve tradução constitucional na divisão e no equilíbrio dos poderes, ele só se estende aos
partidos quando é aceite e partilhado a 3 níveis:
Ao nível cultural – uma cultura pluralista adopta uma preferência geral pela diferença, pela
dissensão e pela mudança como valores desejáveis, em alternativa aos valores da semelhança,
unanimidade e imutabilidade
Ao nível societal – uma sociedade pluralista é uma sociedade que integra múltiplas formas de
diferenciação social e lhes reconhece inteira legitimidade
Ao nível político – o pluralismo significa q coexistência e a convivência de uma multiplicidade de
grupos, autónomos e heterogéneos, que disputam entre si o poder de acordo com as regras
definidas bas leis e com liberdade de organização e actuação. Pelo que o pluralismo políitco
pressupõe a respeitabilidade institucional dos partidos no plural.
Giovanni Sartori – é preciso começar por afastar a ideia segundo a qual os ingleses teriam conhecido a
forma de governo de partidos no séc. XVIII. E isto porque existe uma diferença assinalável entre :
o “governo de partidos” – uma coisa é o partido dar entrada na instância central do poder
político, o governo, como um dos elementos deste
o “partido no governo” – outra coisa bem distinta é ser o partido, ou uma coligação de partidos, a
governar
Como tal, não se pode considerar um governo de partidos aquele em que o partido ou os partidos
funcionam no seio do governo, mas não assumem de facto a função governativa
O governo responsável
Governo responsável – forma de governo em que os ministros eram responsáveis perante o parlamento.
Na realidade, o parlamento tornou-se o centro do poder (“ a imagem expressa dos sentimentos da
nação”), sendo que os representantes eleitos não dependiam dos partidos nem das suas orientações
exteriores, e menos ainda das dos seus eleitores. Os partidos apresentavam, portanto, uma feição
“aristocrática” e meramente “parlamentar”, muito longe ainda dos pressupostos do “governo de partidos”,
tal como hoje o conhecemos.
Se o “governo responsável” coincidiu com a formação de forças políticas sem nenhuma relevância fora
do parlamento e sem qualquer tipo de organização – que constituíam meras “etiquetas” atrás das quais
estavam os representantes de um grupo homogéneo, unidos sobretudo por tradições e interesses locais ou
familiares -, o alargamento do direito de sufrágio obrigou estes primeiros partidos a estender o seu âmbito
de acção para além do parlamento, de forma a captar o voto dos novos eleitores até então privados de
direitos sociais e políticos.
O governo responsivo
Assistiu-se, assim, à emergência de um governo que não se limitava a ser responsável perante o
parlamento mas que procurava dar resposta às reivindicações e pretensões de um eleitorado em contínua
e acelerada expansão, daí, a designação de “governo responsivo”
O governo de partidos
Mais tarde, com a universalização do direito de sufrágio masculino dar-se-ia a conversão dos “partidos
eleitorais” e, “partidos de massas”, que se configuram sobretudo como canais de expressão dos interesses
de grupos sociais específicos e não já como meros instrmentos de “caça ao voto”, sendo o seu
desenvolvimento responsável pela consolidação do sistema de partidos e pela transfprmação deste num
subsistema integrante e fundamental do sistema politico. Numa palavra: pelo triunfo do chamado
“governo de partidos”
Distinção entre facções e partidos: três premissas fundamentais
Podemos resumir as premissas mais gerais e de mais forte contorno, que afirmam a especificidade e a
modernidade dos partidos políticos
1º. Os partidos políticos não devem ser confundidos com as facções.
- As Facções – têm uma conotação negativa e pejorativa, associada à defesa de interesses
parcelares, aos conflitos egoístas e individualistas e à luta pela obtenção de favores e lugares
- Os partidos – são entidades necessárias ao governo representativo e idealmente concebidos
para promoção do bem comum e do interesse colectivo, para dar expressão legítima à vontade
popular e para representar quem neles delega a sua confiança. Durante os sécs. XVII e XVIII, os
“partidos” assim concebidos degeneraram na prática em “facções” e que muitas “facções”
nunca se transformaram em partidos. Seja como for, estamos perante dois tipos de grupos políticos
diferenciados, que se implicam historicamente mas que consagram princípios e objectivos
distintos.
2º. Os partidos são parte integrante de um todo pluralista, que resulta da interacção das partes que o
compõem, concorrendo assim para o funcionamento e ajustamento do “corpo social”,
governando-o e servindo supostamente o interesse geral
3º. Os partidos são instrumentos ou veículos de representação politica por excelência. Com efeito,
desde as suas origens, os partidos encontram a sua razão de ser na possibilidade de representarem
o “povo soberano”, expressando institucionalmente as suas aspirações e preferências e os seus
interesses. De formas muito pouco estruturadas, quando da sua aparição na cena politica, os
partidos evoluíram para formas cada vez mais eficazes e sofisticadas de representação política,
ou seja, de expressão e canalização das exigências e dos interesses populares
Na Europa Ocidental, é durante o Séc. XIX que se assiste à emergência dos primeiros partidos
propriamente ditos, assumindo-se estes como:
“partidos de notáveis” (Weber)
“quadros” (Duverger)
“representação individual” (Neumann)
Max Weber identifica como características comuns a todos eles a luta pela conquista do poder por parte
dos seus líderes e a distribuição de cargos pelos seus acólitos
Para Mas weber a definição de partido politico não repousa sobre objectivos ideológicos de nenhuma
classe, nem sobre princípios de bem comum, mas apenas toma como critério a procura e o exercício de
poder.
“que entendemos nós de política?... a “politica” significa a ambição de participar no poder ou de
influenciar a partilha do poder, quer seja entre Estados, quer seja no seio de um Estado entre os grupos
humanos que este abrange… Quem faz política aspira ao poder – ao poder, quer como meio ao serviço
de outros fins (ideais ou egoístas), quer ao poder “pelo pelo poder”, para desfrutar do sentimento de
prestígio que ele dá”
Weber distingue dois tipos diferentes de partido:
Os partidos de patrocinato
Os partidos de princípios
Os partidos de patrocinato – são aqueles que não têm compromissos morais fortes nem linhas de acção
definidas, delineando o seu programa de acordo com o que parece ser mais apelativo aos caprichos do
eleitorado, e limitando-se, uma vez no poder, a dividir os despojos por si próprios e pelos seus principais
apoiantes. Estes partidos sentem mais profundamente as reduções na sua quota-parte de cargos do que
as acções contrárias aos seus fins concretos. Estamos, pois, perante puros partidos de caça aos empregos
que alteram o seu programa politico consoante as probalidades de captar votos”.
Os partidos de princípios – movem-se por uma determinada concepção ideológica e doutinária da
sociedade e da humanidade, sustentando, portanto, a sua acção em princípios filosóficos e abstractos
Seja como for, Weber declara que o processo de burocratização – com o número crescente de cargos e
com a “crescente apetência por eles, enquanto forma de aprovisionamento assegurado” – tende a
acentuar em todos os partidos políticos a lógica do patrocinato dos cargos, tornando-se ps partidos para
os seus adeptos num meio de alcançar um único fim: “garantir o próprio futuro”. Donde a ilação de que:
os partidos de princípios tendem, em parte por esse motivo, a deslizar para o mesmo caminho dos
partidos de patrocinato. Ou seja, começam a preocupar-se mais em “alimentar” os seus próprios
quadros e activistas do que em concretizar os ideais proclamados
O partido de notáveis
Partido de notáveis – é composto por pessoal político constituído quase exclusivamente por “notáveis”
(clérigos, professores universitários, advogados, médicos, lavradores abastados, fabricantes – e, em
Inglaterra toda aquela camada social que se inclui entre os gentlemen)), que não têm na politica o seu
principal meio de subsistência, atendendo a que “formalmente, a politica era, na grande maioria dos
casos, uma profissão secundária”. Assim sendo, os partidos de quadros confundem-se com associações
políiticas “burguesas” que se organizam em comités eleitorais com vista a preparem periodicamente as
eleições e campanhas. Pode dizer-se, assim, que se trata de um tipo de partido com um carácter
estritamente parlamentar e aristocrático, dotado de uma estrutura organizativa pouco formal e muito
incipiente, que nasce num contexto de sufrágio restrito e de fraca competição eleitoral, sendo a relação
eleito-eleitor, sendo a relação eleito-eleitor baseada mais na confiança depositada no prestígio e
estatuto social dos notáveis ou na sua capacidade económica do quem em qualquer outro mecanismo
de delegação de poder ou de representação institucional e política dos interesses dos eleitores.
Este tipo de partido apresenta programas vagos, pouco estruturados e ideologicamente inconsistentes:
“os programas surgem, em aprte, graças aos manifestos de propaganda dos candidatos e, em parte,
reportando-se a cpngressos de notáveis ou a resoluções de grupos parlamentares
Sigmund Neumann, com base num critério não já organizacional mas funcional, apresenta uma
classificação dos partidos políticos em que distingue dois tipos-ideias:
O partido de representação individual (party of individual) – este repete os caracteres gerais, tanto
do partido de notáveis de Weber como do partido de quadros de Duverger). Trata-se de um tipo
de partido característico de períodos em que o sufrágio eleitoral era restito e a concorrência
parrtidária contida e manobrada, estando a sua actividade circunscrita aos momentos eleitorais
- Para Neumann a função do partido de representação individual consistia essencialmente na
selecção dos representantes, os quais, uma vez eleitos ao parlamento, gozavam de um
“mandato livre e absoluto”,devendo seguir exclusivamente a sua consciência e julgamentos
pessoais. O partido de representação individual distinguia-se:
- não só pela supremacia dos parlamentares, como
- também pela independência de actuação de cada deputado
Mais uma vez se verifica que o modelo de partido descrito corresponde sobretudo aos partidos
“burgueses” das democracias liberais do século XIX, se bem que seja possível encontrar este
modelo, actualizado e adaptado a um mercado político diferente nas democracias de massas
ao longo do séc. XX.
É ainda de referir que a tipologia de Neumann se pretende distinta e inovadora por comparação com a de
Duverger, dado que atende sobretudo ao tipo de funções exercidas pelos partidos de quadros ou de
representação individual, designadamente à sua actividade eleitoral e parlamentar, e não tanto à sua
estrutura organizativa.
A transformação dos alicerces em que assentava o Estado liberal e a sua posterior reconfiguração em
Estado liberal-democrático favoreceram a institucionalização das formações partidárias e a sua
consagração como instrumentos de luta política ao serviço dos sectores inferiores da sociedade até então
privados de direitos sociais e políticos, ou seja, das massas populares.
Na transição do séc. XIX para o séc. XX assistiu-se ao desenvolvimento do princípio da soberania popular,
ao largamento do direito de sufrágio, à adopção do sistema de representação proporcional e ao
aparecimento dos primeiros partidos socialistas e católicos – autênticos “partidos de massas” ou de
“integração social”, dotados de um programa politico detalhado e sistemático, de uma forte identidade
ideológica, de uma sólida e complexa estrutura organizativa e de uma vigorosa implantação na
sociedade civil.
Bernard Manin, explica, durante a sua fase parlamentar o governo representativo baseava-se em 4
princípios fundamentais:
1. Na eleição dos representantes – Os representantes parlamentares são escolhidos por um
corpo eleitoral restrito em eleições periódicas, mediante uma relação de confiança pessoal
baseada no estatuto social, na riqueza ou na ocupação daqueles: “ a eleição selecciona um
tipo particular de elite: os notáveis. O governo representativo iniciou-se, portanto, como
governo dos notáveis”
2. Na autonomia parcial dos representantes – no processo de tomada de decisões os deputados
eleitos obedecem à sua consciência e julgamento, mantendo um certo grau de
independência em relação aos desejos dos eleitores. Pode dizer-se, assim, que o
representante eleito está longe de ser um mero “porta voz” dos seus eleitores, apresentando-
se antes como uma espécie de “fideicomissário”. O representante decide o seu voto com
base em convicções privadas e não tendo em conta compromissos realizados fora do
parlamento. A independência politica de cada representante obedece, em grande parte, ao
facto do seu voto ser obtido não por factores políticos mas pela sua reputação local
3. Na liberdade da opinião pública – Os governados podem expressar as suas opiniões e desejos
políticos sem estarem sujeitos ao controlo dos governantes.
4. Na formação da vontade política mediante discussão – na formação da vontade política
mediante discussão. Todas as decisões públicas são submetidas a um longo processo de
debate no parlamento, que constitui o fórum privilegiado do confronto politico. E
representado a “discussão genuína” no seio do parlamento o método de deliberação por
excelência, as mudanças de opinião entre os deputados eleitos tornam-se não só usuais como
desejáveis, dado que é através da troca persuasiva de argumentos e contra argumentos que
se consegue alcançar o consentimento da maioria.
No final do séc. XIX e inicio do século XX, a transição do parlamentarismo para a democracia de partidos
foi responsável pela reconfiguração dos princípios básicos do governo representativo, que ganharam
então novos contornos.
A relação pessoal dos eleitores com os seus representantes deixa de ser possível no contexto das
novas condições de sufrágio, entretanto ampliado. Um eleitorado vasto e heterogéneo não pode
conhecer pessoalmente os candidatos em disputa na arena eleitoral pelo apoio popular, mas
apemas as siglas ou etiquetas dos partidos políticos que os recrutam: e é nos partidos que o povo
agora vota. Esta situação ajuda a explicar o aparecimento:
- dos partidos de massas que, apostados em mobilizar em vasto eleitorado, são obrigados:
- a reforçar a sua capacidade de intervenção
- a aumentar a sua rede de militantes e organizações apoiantes e a constitur-se como uma
autêntica “máquina”, dotada de complexidade organizativa e de um pessoal político
permamente e profissionalizasdo
Os partidos de massas surgem, assim, para dar voz aos cidadãos anónimos e “eleger” o homem
comum, pondo termo ao elitismo dos notáveis, próprio do parlamentarismo liberal. Graças à
intermediação dos partidos socialistas, as classes operárias podem ter no parlamento
representantes da mesma condição social e económica. Cedo estas frsutou estas expectativas,
formando-se a partir dos dirigentes desses partidos uma nova elite burocratiz
ada e desproletarizada.
Para além dos partidos de massas a afirmação da democracia de parridos contribuiu também
para reforçar a “estabilidade eleitoral”. Ou seja: com a sissolução do vínculo pessoal leito-eleitor
próprio do parlamentarismo liberal, os leitores passam a identificar-se mais com um determinado
partido politico do que com cada um dos seus candidatos individuais, o que faz com que votem
de forma estável e durável num mesmo partido.
A fidelização partidária do voto tende a ser transmitida de geração em geração por efeito dos
processos de socialização política.
Um outro aspecto a considerar na democraia de partidos relaciona-se com o facto de os partidos
de massasm especialmente os socialistas e sociais democratas, acolherem uma identidade de
classe que é expressa pelo voto. Na verdade, ovoto não significa uma mera opção política
pessoal, mas sim um factor e recurso de pertença a uma classe social e a uma ideologia de
classe
Enquanto no:
- parlamentarismo tínhamos a representação de um pluralismo atomizado na pessoa do
“notável”,
- na democracia de partidos temos a representação dos conflitos sociais na forma de partidos
políticos
Como observa Manin: “esta metamorfose da representação foi produto da industrialização e dos
conflitos que esta provocou” . Tal circunstância explica a adesão dos eleitores aos partidos de
massas, que surgiramno final do séc. XIX e no inicio do séc.XX, assente mais num sentimento de
“identificação social” do que numa informada e consciente concordância com os programas
políticos desses partidos.
Ao contrário do que sucedia nas democracias parlamentares oitocentistas, o representante eleito já não
vota e decide exclusivamente de acordo com a sua opinião e consciência, devendo agora prestar
contas ao partido que permitiu a sua eleição: ele é um 2delegado” e um “porta voz” do partido que o
candidatou e pelo qual foi eleito;
É com esta concepção da vida parlamentar que nasce a “estrita disciplina de voto no parlamento e o
controlo dos deputados pelo aparelho d partido”
O parlamento torna-se, assim, o fórum representativo de ideologia e interesses sociais em conflito, e deixa
de ser o espaço de confrontação política individualizada entre notáveis.
Por seu turno, o facto dos sistema eleitoral proporcional permitir a representação equilibrada de interesses
contrapostos tende a apaziguar a contestação social, dado as minorias terem a possibilidade de chegar
ao poder ou de o negociar através de entendimentos, compromissos e coligações. O que pressupõe que
os partidos têm liberdade de acção para cumprirem os seus programs políticos, estabelecendo
compromissos de acordo com estratégias conjunturalmente definidas em função da correlação de forças
no parlamento´*e claroq eu esta autonomia parcial dos eleitos é articulada com as normas de
funcionamento dos respectivos grupos parlamentares e com os objectivos da direcção do partido.
Quanto à liberdade de opinião pública pode dizer-se que esta fica condicionada pela intervenção
mobilizadora dos partidos, que procura dirigi-la e arregimentá-la por intermédio de campanhas, e
manifestações, de comícios e da sua própria imprensa oficial.
Mesmo a imprensa não partidária acaba por ser directa ou indirectamente partidarizada através de jogos
de influência e pela sopções políticas dos editores e proprietários de títulos.
Mas se a opinião pública perde espaço num cenário dominado por canais de comunicaçãoaprtidários ou
controlados pelos partidos, sobe de tom a voz organizada da aoposição que, no parlamento e fora dele,
catalisa a insatisfação e as perspectivas discordantes. Donde: “nNa democracia de partidos, a eliberdade
É o grupo parlamentar que decide a orientação do voto, e este é definido em função do estatuto de
cada aprtido,, se é oposição ou se é governo: “ o grupo maioritário apoia sistematicamente todas as
iniciativas do governo, ao passo que o minoritário se opõe a todas elas”.
A transição do parlamentarismo para a democracia de partidos foi facilitada pela democratização do
direito de voto e pelo sistema eleitoral proporcional, tornando uinevitável o nascimento de um nodo tipo
de partido político –
o “partido de massas” – dotada de uma organização formal, articulada e estável, capaz de
integrar na ordem politica existente grupos sociais cada vez mais amplos, organizando-os,
educando-os e mobilizando-os, educando-os e mobilzando-os, Ou dito de forma lacónica:: capaz
de absorver as massas da História.
Face ao exposto, convém fixar que o desencvolvimento e aprofundamento do parlamentarismo, a
universalização do sufrágio masculino e a mobilização política de novos grupos sociais foram condições e
factores que estiveram na origem dos modernos partidos de massas.
Max Weber: “ as formas mais modernas da organização partidária…são filhas da democracia, do direito
de voto extensivo às massas, da necessidade de recrutar e organizar as massas…”
Duverger – autor para quem o aparecimento dos partidos de massas se encontra intresecamente
associado à democratização do processo político, ou seja, à extensão do direito de sufrágio e ao reforço
das prerrogativas parlamentares.
Com o advento da sociedade de massas e a democratização dos sistemas políticos deu-se uma profunda
transformação das formas de organização partidária, em particular através:
a) Profissionalização da vida política;
b) Construção de uma estrutura formal, complexa e estável;
c) Assunção de uma actividade de integração social
Estes são, em síntese, alguns dos traços distintivos dos primeiros partidos de massas de base classista ou
confessional, contemporânea das lutas e dos conflitos sociopolíticos que democratizaram as sociedades
ocidentais na passagem do séc. XIX para o Séc. XX, e que consagraram um novo actor político, até então
afastado e silenciado pelo sufrágio censitário e pelo parlamentarismo burguês: AS MASSAS
Aqui vai caracterizar-se em detalhe o partido de massas, assumindo como ponto de partida as reflecções
sociológicas de Weber acerca deste tipo de partido, as quais se encontram condensadas na sua célebre
conferência A Política como Profissão
Para Max Weber, os partidos de massas celebram acima de tudo um novo actor político: O PROFISSIONAL
DA POLITICA, o “EMPRESÁRIO” ou o “FUNCIONÁRIO DO PARTIDO”. Ou seja alguém que, a tempo completo
e com salário fixo, dirige e controla a “máquina” do partido, destronando os deputados parlamentares e os
notáveis locais: “Acabam-se odominio dos notáveis e a direcção por parte dos parlamentares. São
políticos “profissionais a tempo inteiro” fora dos parlamentos, que tomam conta da empresa política”
Ao mesmo tempo, os partidos de massa desencadeiam um deuplo fenómeno:
Por um lado, a democratização formal da vida partidária
Por outro a burocratização efectiva dps partidos que tenderá a degenerar ou em “democracia
plebiscitária ou em “governo dos funcionários”
Weber observa:
Formamelmente, dá-se uma ampla democratização. Já não é o grupo parlamentar que elabora os
programas normativos e também já não são as notabilidades locais que têm na mão a apresentação dos
candidatos; são, sim, as assembleias dos membros organizados do partido a seleccionar os candidatos e a
delegar representantes às assembleias de ordem superior… Mas, naturalmente o poder de facto encontra-
se nas mãos daqueles que efectuam continuamente o trabalho dentre da empresa [leia-se partido] ou,
então, daqueles de quem a empresa depende no seu funcionamento, a título pecuniário ou pessoal
Isto para concluir que:
O que é decisivo é que todo esse mecanismo humano – a “máquina”, como lhe chama, significativamente, nos países
anglo saxónicos – ou melhor, aqueles que o dirigem estão em condições de manter em respeito os parlamentos e de
lhes impôs, em boa medida, a sua vontade… A criação de semelhantes máquinas significa…[ou] o advento da
democracia plebiscitária....[ou] o domínio dos funcionários do partido”
Weber :
Democracia plebiscitária – os chefes ou caudilhos são seguidos passiva e acriticamente pelos
adeptos, funcionários e eleitos do partido, pois estando talhados para o sucesso eleitoral,
asseguram a distribuição de todo o tipo de benesses e recompensas. Daí a importância que a
personalidade “demagógica” do chefe tem para a “máquina partidária”, já que dela dependem
os votos e os mandatos do partido, e o que é mais importante ainda, as tão almejadas retribuições
por parte dos adeptos partidários. Por outro lado, não se pode perder de vista que os partidos de
massas pressupõem uma organização sólida, estável e bem estruturada – omo o já referido
pessoal político permamente e remunerado, que vive à custa da política. Pelo que o destino da
“máquina” pode ser também o de sucumbir à burocratização.
Os partidos de massas constituem um exemplo paradigmático da presença dos processos de
racionalização e burocratização típicos das sociedades modernas - sendo este, aliás, um dos
aspectos que os separa tão clara e profundamente dos antigos partidos de notáveis. Com efeito,
os partidos de massas repetem os atributos organizativos que caracterizam a administração
burocrática num Estado moderno, e que são:
- o formalismo
- o sistema firmemente ordenado de mando e subordinação;
- o sentido da obediência e do dever;
- o cumprimento disciplinado das disposições regulamentares por parte dos funcionários
- a eficiência no processo de tomada de decisão
Weber considera que o preço a pagar pela extensão dos predicados da burocracia à esfera política seja
um preço demasiado alto. O que justifica, como adiante se verá, os seus comentários fortemente
cáusticos à arrogância do funcionalismo público alemão no modo como se relacionava com o
parlamento, bem como a sua visão pessimista quanto ao devir politico das sociedades modernas.
Em suma, a análise levada a cabo por Max Weber incide fundamentalmente na condição do partido de
massas como força política organizada capaz de conquistar o poder (ou seja, de captar votos e de
patrocinar cargos) e não tanto os factores ambientais que estiveram na sua génese ou nos caracteres
organizativos e funcionais que o distinguem enquanto formação partidária em sentido moderno (estas são
as preocupações evidenciadas por Duverger e Neumann quando definem e descrevem o tipo ideal de
partido de massas).
Maurice Duverger – o principal contributo, segundo alguns autores, de Duverger reside no facto deste ter
desenvolvido uma tipologia dos partidos segundo critérios organizacionais.
Do ponto de vista teórico Duverger distancia-se das abordagens que privilegiam as doutrinas no estudo
dos partidos políticos, considerando-os essencialmente como agrupamentos ideológicos. Esta perspectiva
é, em seu entender, muito pouco adequada ao desenvolvimento de uma sociologia dos partidos,
interessando sobretudo à história das ideias políticas e menos à análise sociológica.
Relativamente às abordagens que se centram na análise da composição social dos partidos, dado
entender que os partidos políticos modernos se definem menos pelo seu programa ou pela classe social
dos seus membros do que pela natureza da sua organização: “os partidos modernos caracterizam-se,
acima de tudo pela sua anatomia: aos protozoários das épocas anteriores, sucede o partido de organismo
complexo e diferenciado do século XX”
A análise estrutural dos partidos, que prefere e pretende desenvolver, permite-lhe assim definir com clareza
aquilo que deve ser relevado: “ Que a originalidade dos partidos do século XX reside na sua organização é
um facto; que essa organização tende a tornar-se um elemento essencial da acção do partido,, da sua
influência, do seu papel, é outro facto”
Na descrição que faz dos partidos de massas “especializados”, tipo de partido que sucede historicamente
ao partido de quadros ou de comité, Maurice Duverger toma como exemplo paradigmático os….
partidos socialistas da Europa Ocidental - (2ª metade do séc. XIX – a partir da década de 1870)
- apresentam uma estrutura organizativa muito diferente da adoptada pelos partidos
“burgueses”,
- orientada sobretudo para a educação e mobilização política dos sectores inferiores da
sociedade
- assente num “sistema de filiação alargado, consumado por um mecanismo de quotizações
individuais muito rigoroso, no qual se apoiam essencialmente as finanças do partido”
No âmbito da democratização do direito de voto – e atendendo aos seus objectivos de reforma social (ou
de oposição à reforma social) e às suas actividades integradoras (ou dissolventes da ordem social) – os
partidos de massas modernos não podiam reproduzir as redes mais ou menos informais e efémeras dos
partidos de quadros clássicos (os comitès), tendo de dotar-se de órgãos de base com uma actividade
permanente e regular, abertos a novos membros e abrangendo áreas territoriais limitadas, as “secções”
As secções – para Duverger estas constituem “grupos de trabalho mais amplos e mais abertos onde a
educação política dos membros assume um lugar de grande relevância ao lado da actividade
puramente eleitoral”
O partido de massas “especializado” procura penetrar em diversas esferas da vida social,
designadamente através da criação de laços fortes e estáveis com organizações sociais apoiantes, as
quais não só constituem a base para a mobilização em tempo de eleições como proporcionam também
benefícios colaterais aos membros dos partido, como, por exemplo, oportunidades de convívio e recreio
Para Katz e Mair, a frande novidade do partido de massas reside na sua vocação fundamentalmente
“societária”: não estamos já perante um tipo de formação política situada na intercepção do Estado e da
sociedade civil, como acontecia com o partido de quadros, mas sim ante uma entidade política
incorporada na sociedade civil e distanciada do Estado, apesar de servir de ponte entre ambas as esferas.
O acréscimo substancial do nível de inclusão política, ocasionado pelo novo modelo de democracia de
massas, foi acompanhado por um aumento dos elementos da sociedade civil que se interessam pela
política e que fazem desta a sua profissão principal. Pelo que é possível encontrar no partido de massas
um corpo alargado e permanente de funcionários políticos que asseguram as tarefas administrativas e
executivas dentro do partido, e que “tendem naturalmente a formar uma classe e assumir uma certa
autoridade.
Paralelamente, “atenua-se o carácter pessoal dos dirigentes:
é estabelecido um sistema de instituições complexas (Congresso, Comités Nacionais, Conselho,
Bureaux, Secretariados, etc.,), com uma verdadeira separação de poderes.
Se “em principio a eleição reina em todos os escalões do partido; na prática, manifestam-se tendências
oligárquicas poderosas.
Já a “doutrina desempenha um papel muito mais importante no âmbito do partido de massas: em lugar
de agremiações pessoais, as rivalidades tendem a assumir aqui o aspecto de uma luta de tendências.
Enquadrados no modelo do partido de massas, mas com características bastante distintas, encontram-se
também os partidos comunistas e fascistas, que Maurice Duverger designa de partidos de massas
“totalitários” ou de “integração total”.
Principais traços organizativos dos partidos de massas modificados:
Centralização muito desenvolvida;
O sistema de ligações verticais, que estabelece uma rígida separação de funções entre as
cúpulas e os membros de base e garante uma rigorosa disciplina;
A direcção assente em métodos autocráticos e em decisões tomadas sem a intervenção e o
controlo das bases, sendo fraco o poder de influência dos parlamentares;
O investimento na propaganda e agitação constantes, com recursos a métodos por vezes
violentos ;
A adaptação à luta e sobrevivência na clandestinidade, sempre que interditados ou
acondicionados na sua actividade pelo Estado;
A doutrina rígida e totalitária, com a subordinação da via privada à vida pública;
O apego irracional ao partido entre adeptos e dirigentes, alimentado por mitos e crenças de
natureza religiosa, “associando assim a fé de uma Igreja à disciplina de um exército”
Para Maurice Duverger, os partidos comunistas e fascistas divergem a vários títulos, nomeadamente
quanto:
À estrutura organizativa:
- os partidos comunistas exibem uma estrutura baseada num conjunto de “células” de tipo
empresarial;
- Os partidos fascistas organizam-se em “milícias” privadas.
A composição social:
- Os partidos comunistas afirmam-se como a “vanguarda” da classe operária e como um meio de
libertação revolucionária do proletariado;
- Os partidos fascistas assumem-se como protectores “musculados” dos interesses das classes
médias e da burguesia;
Doutrinas políticas subjacentes:
- Os partidos comunistas são igualitários e crêem nas massas e no progresso social;
- Os partidos fascistas são elitistas e têm uma visão pessimista em relação ao papel das massas na
História e ao racionalismo moderno, defendendo valores tradicionais e primitivos, tais como a raça
ou o sangue
Célula – elemento base próprio dos partidos totalitários comunistas
Milícia – Idem mas para os partidos totalitários fascistas.
Secção (Duverger) – elemento de base típico dos partidos de massas “especializados”, a “secção”.
De qualquer modo e porque, não obstante as suas unidades de base serem diferentes, os partidos
comunistas e fascistas se enquadram no modelo teórico do partido de massas, façamos também uma
breve caracterização da
Célula – constitui o elemento organizativo de base dos partidos comunistas, e nela encontramos:
- Um estrutura assente numa base funcional, e não já territorial;
- Um sistema de “centralismo dirigista”, adaptado às condições da acção política clandestina;
- Um forte sentimento de pertença, de identidade e de comunidade;
- Um rigoroso e apertado controlo social dos membros do partido;
Milícia – encontra-se em muitos partidos fascistas, nomeadamente no partido nacional-socialista
alemão e no partido fascista italiano, e é caracterizado por:
- uma estrutura para-militar, isto é, uma organização interna semelhante a um exército;
- Uma simbólica militarista, dos uniformes às insígnias;
- Um apelo a um imaginário mitológico e fundacional;
- Uma propaganda de segregação e discriminação política, étnica e cultural;
- um uso da violência verbal e física no confronto com os adversários políticos
È importante sublinhar que Duverger não se limita a oferecer uma tipologia dos partidos políticos
atendendo exclusivamente às suas unidades organizativas de base, o que equivaleria a considerar o
partido como um mero aglomerado de grupos ou comunidades elementares:
Comité
Secção
Célula
Milícia
O autor caracteriza os partidos de quadros e os partidos de massas evocando os seguintes aspectos
fundamentais, que constituem o “substrato” de uma autêntica teoria geral sobre a estrutura e a vida interna
dos partidos políticos:
“articulação geral” das unidades de base dos diferentes tipos de partido, que remete para três
componentes fundamentais: (ver quadro seguinte)
Quanto aos graus de participação partidária, Duverger identifica três círculos de participação no caso dos
partidos que não adoptam uma adesão formal, nomeadamente os partidos de quadros:
1. O círculo mais largo compreende os “eleitores” –que participam com o seu voto na escolha dos
A cada um dos círculos acima mencionados corresponde um tipo específico de participação partidária,
caracterizado mais pela sua qualidade do que pela sua intensidade.
A natureza desta participação pode ser diferente em cada um dos círculos considerados:
Os aderentes, não participam todos da mesma forma na vida interna do partido, desenvolvendo
atitudes e comportamentos ou assumindo tarefas e objectivos diferenciados, o que tem
implicações no modo como interagem entre e com os outros substratos do partido.
Para melhor elucidar este aspecto, Duverger distingue entre:
“partidos especializados” – aqui o aderente tende a desenvolver uma participação circunscrita e
ocasional, sem se envolver muito intensamente na vida partidária e sem que esta afecte de forma
Para terminar a caracterização do partido de massas, é de referir um outro aspecto que ressalta da
análise de Duverger, e que se prende com as suas previsões quanto ao devir dos partidos políticos
modernos. Referimos-mos à conhecida controversa hipótese do “contágio de esquerda”, segundo a qual
o sucesso politico e eleitoral dos partidos socialistas acabaria por forçar os partidos de centro e de direita
a “copiarem” a sua estrutura organizativa e os seus métodos de actuação.
A este propósito, Duverger observa que “em numerosos países, os partidos de centro e mesmo de direita
transformaram a sua estrutura, substituindo o comité pela secção, como elemento de base.
Quase todos os partidos novos seguiram esta táctica, bem como muitos pqrtidos antigos: exemplo
interessante de contágio das estruturas.
O fenómeno do “contágio das estruturas” é ditado não apenas por razões de eficácia eleitoral mas
também pela necessidade sentida pelos partidos conservadores e centristas de legitimarem as suas
estruturas, tornando-as conformes com as doutrinas políticas da época – ainda que isso significasse terem
de se submeter ao processo de democratização politica de que queriam defender o Estado.
Perante isto, não restam quqisquer dúvidas: na opinião do politólogo francês, o triunfo do partido de
massas tornara-se nos anos 50 do séc. XX uma realidade não só incontestável como inelutável,
constituindo os grandes partidos norte-americanos a única excepção assinalável a esta tendência geral.
A obra de Maurice Duverger tem sido interpretada por muitos autores como uma espécie de “hino” às
virtudes politicas do partido de massas “especializado”, já que nela se defende explicitamente a
superioridade deste tipo de partido sobre todas as formas de organização partidária, passadas, presentes
e até futuras – quando o autor define de modo geral os partidos políticos, é o partido de massas que
descreve e prescreve. De facto, e como bem ilustra a hipótese do “contágio de esquerda”, Duverger faz
a apologia do partido de massas ou de secção como forma de organização partidária mais adaptada aos
tempos modernos, ao mesmo tempo que sugere a decadência e até o desaparecimento dos partidos de
quadros baseados nos comités, considerados organismos obsoletos em face das novas condições
eleitorais.
E exactamente neste sentido que devem ser entendidas as suas teses sobre o sostema aprtidário dos
Estados Unidos: os grandes partidos eleitorais norte americqnos – cuja evolução tinha sido muitíssimo
distinta da dos partidos americanos, jjá que a introdução do sufrágio universal e o ingresso das massas na
vida política não produzira aí o nascimento de um partido de esquerda de estrutura moderna .
constituíam um caso de manifesto “arcaísmo em termos organizativos quando comparados com os
partidos de massas do velho continente europeu.
Nos Estados Unidos…os partidos de quadros não conheceram a concorrência dos partidos de massas…
(fenómeno excepcional) … Ao mesmo tempo que as “primárias” obrigavam os comités a abrirem-se à
influência das massas eleitorais, as necessidades de propaganda levavam os partidos americanos em
partidos de massas, Estes permaneceram como partidos de quadros, posto que as directivas
fundamentais emanam de comités de pessoas notáveis e ilustres, que não são escolhidas
democraticamente. Estabeleceram, porém, um contacto com os eleitores mais preciso e regular do que
os partidos de quadros europeus. E desenvolveram um suporte muito mais sólido, uma organização muito
mais forte…ao nível local (Duverger)
Críticas:
Sobretudo no que toca às suas previsões sobre a hegemonia futura do partido de massas
“especializado”
Principais críticos:
Aaron Wildavsky (1959) – realçou o facto de a sua análise dos partidos ser demasiado
- “classista” – porque associa de forma demasiado linear cada tipo de partido a uma
determinada classe ou grupo social.
Se o partido de quadro tinha sido o representante histórico das classes aristocráticas e burguesas e
da sua hegemonia ideológica e política, no contexto do sufrágio restrito, censitário;
O partido de massas surge como o intérprete por excelência dos interesses e aspirações dos
Neumann
Se é verdade que na tipologia de Neuman o
- partido de representação individual corresponde ao partido de quadros
- o partido de integração social corresponde ao partido de massas
- Certo é também que a sua abordagem teórica se demarca da de Duverger pelo enfoque adoptado –
que é funcional e não já organizacional
- Mais do que caracterizar a estrutura organizativa dos diferentes tipos ou modelos de partido, Neumann
procura antes responder à pergunta: Quais as actividades (ou funções) que os partidos políticos são
chamados a a desempenhar em cada momento histórico?
Nas democracias de massas da 1º metade do séc. XX, os partidos assumem essencialmente uma função
de integração social, cabendo-lhes
representar os interesses e as aspirações dos grupos sociais recém-chegados à arena política
assegurar a plana participação dos indivíduos na generalidade das actividades da sociedade,
incorporando-os na comunidade
Para Neumann, a socialização, educação e mobilização políticas – em que se traduz a função de
integração social – transformaram o indivíduo em “animal político”, integram-no na ordem existente e
conferem-lhe um sentimento e uma cultura de pertença;
Características organizativas dos partidos de integração social de base classista ou confessional
(Neumann);
- O vínculo que se estabelece entre os membros e o partido é de forte comprometimento,
ultrapassando os laços formais e regulares de um compromisso assinada e de uma contribuição
financeira:
- O enquadramento das massas requer o desenvolvimento de um “aparelho” partidário
permanente, complexo, amplamente organizado e conduzido por “políticos de profissão” nos
principais papéis de direcção;
- A escolha de uma direcção colegial por um congresso ou assembleia de âmbito nacional, que
constitui o órgão supremo do partido e no qual estão representadas todas as facções, correntes e
tendências internas;
- A possibilidade de todos os membros contribuírem para a formação da vontade política do
partido é proporcionada pela criação de múltiplos canais de informação;
- O papel central da ideologia que permite reforçar a coesão e os laços de solidariedade entre os
membros do partido, ao mesmo tempo que fornece um “guia de acção” capz de orientar as
escolhas estratégicas do partido.
Tal como Duveger tinha oposto os partidos de massas especializados aos partidos totalitários, também
Neumann distingue dentro dos partidos de integração social os partidos
de integração democrática (socialislitas e católicos);
de integração total ou totalitária ((comunistas e fascistas)
Esta distinção não radica tanto na identidade ideológica dos partidos de integração social, mas sobretudo
na natureza e intensidade dos vínculos que se estabelecem entre o partido e os seus respectivos membros:
Na integração democrática o partido não esgota a liberdade cívica e a política dos seus membros
ou adeptos
Na integração totalitária é imposta uma adesão quase absoluta e incondicional aos membros, o
que compromete seriamente a sua liberdade individual e afecta todas as dimensões da sua vida
social
Sendo inescapável o antagonismo entre estes dois princípios de actuação, o facto ´r que os partidos
políticos modernos foram consolidando a opção da eficácia em termos organizacionais e negligenciando
a democraticidade das práticas e procedimentos internos, o que desde cedo lhes granjeou as mais duras
e impetuosas críticas, tanto de autores liberais como socialistas.
Ou porque as suas dinâmicas organizativas conduziram à formação de uma “classe política”
profissional, responsável pela especialização abstracta da representação política e pela privação
dos cidadãos dos seus direitos e deveres
Ou porque levaram à criação de um verdadeiro “aparelho burocrático”, responsável pela
sobrevivência da organização como tal e pela abdicação dos fins políticos originários
As principais críticas dirigidas aos partidos de massas, em particular, e aos partidos políticos, em geral.
A “coberto da pretensão de estar a ajudar e a beneficiar o povo”, o caucus assume como objectivo
principal a “manipulação do eleitorado no interesse do partido”, de forma a assegurar a eleição dos seus
candidatos. È de notar que é o comité executivo do caucus quem agora escolhe os candidatos ao
parlamento e desencadeia os mecanismos e as actividades de propaganda necessários à promoção dos
candidatos seleccionados junto dos eleitores, não hesitando para tal em recorrer à compra do voto e as
outras formas de suborno e corrupção
Marques Bessa escreve: “essas organizações partidárias…faziam a caça ao voto, manipulavam e levama
os eleitores a votar, exercendo pressões de diversa ordem”
suas acções.
Marques Bessa a propósito da análise de Ostrogorski sobre a vida política partidária “nos partidos destaca-
se a obliteração do individuo, da opinião e da liberdade de competição. Os indivíduos…são peças da
máquina que os visa enquadrar e normalizar dentro das crenças que ela defende e promove. A liberdade
de pensamento…confronta-se com a doutrinação e manipulação da máquina, que aponta para o
estereótipo.
Aos partidos políticos modernos parece servir, portando, um formalismo democrático que lhes confere
legitimidade e autoridade, e que conduz a “governos mecânicos”” reféns de elites partidárias dominadas
pelo suborno e pela corrupção. Por tudo isto, os partidos configuram-se como uma “doença” das
democracias de massas, um “obstáculo” à intervenção dos cidadãos na vida politica, os quais, após
terem conquistado o direito de sufrágio, vêem assim “fugir para as organizações permanentes toda a
capacidade de intervenção efectiva e significativa: a estas cabe a definição dos programas políticos,
caracterizados pela sua ambiguidade, indeterminação e estandização, bem como a selecção e a
eleição dos candidatos oficiais, mediante critérios de recrutamento que premeiam a mediocridade, o
seguidismo e a obediência aos chefes.
Segundo Ostrogorski, a politica democrática nas sociedades de massas, submetida ao triunfo das
organizações permanentes via-se confrontada com imitações inquietantes que tornavam o poder popular
uma mera quimera ou utopia
Na transição da “idade da oligarquia” para a “ idade das massas”, os partidos permanentes constituíam
uma solução formal para os problemas inéditos a que a democracia tinha de dar resposta, tais como:
a) Encorajar o espírito público, na ausência de uma classe de indiiduos naturalmente destinada ao
governo da coisa pública;
b) Aumentar o nível de moralidade e exigência ética nas massas;
c) Temperar o despostismo inerente à noção de opinião pública;
d) Proteger as minorias da potencial agressividadecda maioria;
e) Impedir, por fim, que os ideiais da própria democracia fossem sujeitos a um inevitável declínio
No entendimento de Ostrogorski, o formalismo partidário representar uma resposta inadequada dos
regimes democráticos aos problemas suscitados pela sua própria consolidação, sendo o preço a pagar
por essa opção considerado pura e simplesmente inaceitável. Dado que implicava, entre outras coisas:
a) A atomização e marginalização do individuo;
b) O empobrecimento da classe política
c) O reforço do servilismo em detrimento da responsabilidade politicaõ abandono das minorias ao
poder da opinião pública
d) O abandono das minorias ao poder da opinião pública
e) A padronização e estereotipação dos programas dos partidos;
f) O triunfo do pragmatismo politico tanto ao nível dos meios como dos fins
g) O desenvolvimento generalizado e imparável da corrupção fraude politicas
h) A delapidação e o desperdício dos recursos públicos
i) A decomposição moral da sociedade
j) E, em última instância, a degradação e total subversão dos ideais que sonstituem a essência da
própria democracia
Depois de ter constatado que nas democracias ocidentais do inicio do século XX, onde os partidos
permanentes tinham sido os protagonistas da transição política, os efeitos perversos do formalismo
democrático era uma realidade irrefutável – e isso independentemente das condições ambientais,
politicas ou institucionais particulares – Ostrogorski avança para aquela que é seguramente a sua tese mais
Perante tais considerações arriscar-nos-iamos a sugerir que, pondo termo ao conflito entre o elemento
“mecânico” e “psicológico”, entre a manipulação das paixões e a manifestação da razão, as ligas
temáticas e os grupos ad hoc se afiguravam a Ostrogorski como a única possibilidade de
aperfeiçoamento e de reforma dos governos democráticos contemporâneos. E porquê? Precisamente
porque, em seu entender, conduziriam ao triunfo do homem livre e do cidadão empenhado sobre o
caucus, a máquina, o chefe politico. E daí a sua célebre divisa: “ Viva e Liga, Abaixo o Partido”
As limitações científicas da análise de öSTROGORSKI
Actor indispensável e decisivo da política moderna, o partido de massas ou de integração social suscita,
contudo, algumas dificuldades ao funcionamento dos sistemas políticos democráticos, associadas
sobretudo à sua inelutável burocratização e profissionalização.
Max Weber chamaria a atenção para esses perigos, sublinhando que o fenómeno mais importante para
caracterizar as sociedades do seu tempo não era tanto a entrada das massas na vida política através da
extensão do direito de sufrágio, mas antes a progressiva e irresistível burocratização do aparelho do Estado
e das organizações sociopóliticas, nomeadamente dos partidos
Para Max Weber o facto do crescente protagonismo das massas na vida política em nada alterar a
realidade da dominação – esta era e seria sempre uma prerrogativa do pequeno número -, limitando-se
apenas a modificar os métodos e mecanismos de selecção da minoria dirigente e as qualidade requeridas
para que esta pudesse exercer efectivamente o poder.
Para Weber o ponto fulcral reside no facto d crescente protagonismo das massas na vida política em nada
alterar a realidade da dominação – esta era e seria sempre uma prerrogativa do pequeno número -,
limitando-se apenas a modificar os métodos e mecanismos de selecção da minoria dirigente e as
qualidades requeridas para que esta pudesse exercer efectivamente o poder.
Weber - “ A acção política é sempre dominada pelo “princípio do pequeno número”, isto é, pela superior
capacidade política dos pequenos grupos dirigentes.
Esse traço elitista manter-se-ia alterado nas democracias de massas do inicio do Séc. XX, e isso por duas
ordens de razão fundamentais:
1º porque sendo uma “actividade de direcção autónoma” a política implica, por definição, uma
separação entre quem governa e quem é governado;
2º a acção política requer determinadas qualidades psicológicas que apenas se podem
encontrar no âmbito de grupos restritos
Weber achava frívolo e até despropositado todo o esfprço intelectual que visasse negar ou deplorar um
fenómeno que se encontrava inscrito na própria natureza ou deplorar um fenómeno que se encontrava
inscrito na própria natureza das coisas, constituindo a obediência voluntária das massas a um grupo
restrito de homens uma condição essencial do governo democrático
Para Weber, o fenómeno mais importante e determinante para analisar as sociedades modernas e o seu
devir político atendia pelo nome de burocracia.
A afirmação da burocracia, ao contrário do que sucedia com a extensão do direito de sufrágio, afectaria
de forma substantiva as relações de comando e obediência, impondo um tipo de dominação política
radicalmente distinta das anteriores: a dominação racional-legal ou burocrática
Mas se a evolução burocrática constituía uma resposta racional eficaz e inevitável perante a crescente
complexidade da esfera social e política das sociedades contemporâneas, o facto é que trazia consigo
sérias e insidiosas ameaças para a democracia. E porquê? Precisamente porque os burocratas do Estado
moderno, em vez de se comportarem como servidores fiéis de uma autoridade política mais alta, o
governo eleito pelo povo, procuravam agir como senhores em sua casa – ou seja, tentavam imiscuir-se na
condução dos assuntos políticos, o que, julgava Weber, constituía um abuso de poder, uma tentativa de
usurpação de autoridade e do governo.
Para Weber,
o funcionário público não é leito para assumir a direcção do Estado nem para exercer tarefas
propriamente políticas; sendo treinado, isso sim, para conduzir o seu trabalho de acordo com os
seus conhecimentos técnicos e especializados, de forma racional, desinteressada, disciplinada e
eficaz – num quadro de direitos e deveres bem definidos e esferas de competência bem
demarcadas, em função de objectivos estabelecidos pela organização e pelos seus superiores
hierárquicos.
Donde: a racionalidade técnica, própria dos funcionários burocráticos, não deve ser confundida
ou sobreposta à racionalidade dos homens políticos, formados na iniciativa e no combate político,
na controvérsia e no debate, e cujas decisões se fundamentam frequentemente em
posicionamentos pessoais e em valores que não podem ser justificados científica ou
tecnicamente.
Em conformidade com a sua verdadeira vocação, o funcionário autêntico não deve fazer política… mas
sim “administrar” e, acima de tudo, imparcialmente… È sem ódio e sem paixão (sine ira et studio) que
deve desempenhar o seu cargo. Não deve, portanto, fazer precisamente aquilo que o político – tanto o
dirigente como os partidários – têm sempre e necessariamente de fazer: lutar. Pois parcialmente, luta e
paixão – iera e studium – são o elemento do político. E, sobretudo, do dirigente político, cuja actuação
está sujeita a um princípio de responsabilidade completamente diferente, até mesmo oposto ao que rege
a actividade do funcionário
Para Weber a apreciação da burocracia oscilava entre a apologia da racionalidade e o receio fundado
de que os seus agentes usurpassem o lugar dos representantes eleitos do povo. Ou, dito de outra forma:
que a democracia acabasse por se converter num “”governo de funcionários”, conduzindo
inevitavelmente a uma excessiva uniformização e rotinização das condutas políticas e impondo uma
dominação rigorosa da organização anónima sobre os indivíduos – o que, a acontecer, limitaria ainda
mais as suas liberdades.
Ainda segundo Weber, um dos problemas fundamentais da política moderna consistia precisamente em
manter a burocracia sob controlo, de forma a impedir tanto quanto possível a sua intrusão na esfera
política
Como preservar, então, o individualismo e a liberdade face ao ímpeto avassalador e inelutável da
burocratização?
Antes de conhecermos a resposta dada por Weber a esta interrogação, importa equacionar o problema
da burocracia no âmbito dos partidos políticos modernos.
Para o autor os partidos de massas, constituíam em exemplo paradigmático dos processos de
racionalização e burocratização, uma vez que repetiam no seu interior as características da administração
burocrática “num Estado moderno”.
As sociedades dominadas pela extensão e profundidade dos processos de racionalização, a forma
burocrática representava a única via capaz de assegurar a sobrevivência e o sucesso dos partidos,
mesmo que isso implicasse a sua progressiva oligarquização interna – ou seja, o controlo da organização
por um escol de “funcionários políticos”, que, monopolizando o conjunto das tarefas partidárias, se
tornavam autónomos, distantes e irresponsáveis perante as bases dos partidos
Assim:
Nos EUA – o confronto entre os grandes partidos era totalmente destituído de convicções e ideias
firmes, apresentando-se aqueles como “puros partidos de caça aos empregos, que alteram o seu
programa consoante as probabilidades de captar votos”; em suma, como verdadeiras
“máquinas” destinadas à distribuição de todo o tipo de prebendas e benesses
No Velho Continente – particularmente na Alemanha, ainda que os partidos políticos exibissem
certas características dos partidos de princípios – dado subscreverem uma concepção geral do
mundo -, tal não impedia que se constituíssem também como “aparelhos” burocráticos,
caracterizando-se a sua organização, funcionamento e estilo de liderança pela hierarquia,
unidade, estabilidade, disciplina e secretismo. Nestes sentido os partidos de massas – filhos
legítimos “do direito de coto extensivo às massas e da necessidade de recrutar e organizar
massas” – estavam longe de escapar à tendência “burocratizadora”, típica da forma de
dominação politica dos tempos modernos, a dominação racional-legal.
Weber considera que existe uma tendência geral para que os partidos de princípios se tornem fortemente
burocratizados, adoptando, à semelhança dos partidos de patrocinato, uma conduta oportunista e
interesseira. E isto porque também eles começam a preocupar-se mais com as vantagens e os ganhos
materiais dos seus quadros e activistas do que com a prossecução dos ideias proclamados.
Se não restam dúvidas quanto à burocratizaçãi inevitável dos partidos de massas e a sua progressiva
oligarquização, nem quanto à “hipocrisia” e ao “egoísmo” partidários, impõem-se ainda assim a seguinte
questão:
Há duas maneiras de se fazer da política uma profissão: Ou se vive “para” a politica…ou, então “da”
politica…
Quem vive “para” a política faz “disso a sua vida” num sentido interior: ou desfruta da mera posse do
poder que exerce ou sustenta o seu equilíbrio interior e a sua dignidade própria com consciência de dar
um sentido à sua vida, graças ao serviço prestado a uma “causa”…
Vive “da” política como profissão quem trata de fazer daí uma fonte permanente de rendimentos… para
que alguém possa viver “para” a politica…tem de ser economicamente independentemente das receitas
que a politica lhe possa trazer…O politico profissional que, vive “da “politica, pode ser um “prebendeiro””
ou um “funcionário assalariado”. Ou tira, proventos de taxas e emolumentos pode determiandos
serviços…ou recebe um pagamento fixo em géneros ou um vencimento pecuniário.
A política como uma empresa vocacional
O modo como Weber encara o exercício da actividade política conduz-nos à seguinte conclusão:
Uma liderança partidária forte e digna de mérito só poderá ser protagonizada por aqueles que
viviam “para” a politica e nunca “à custa da politica”
Quem vivia à custa da politica eram os funcionários cinzentos e os caçadores de recompensas
sem princípios nem escrúpulos – e, em definitivo não era dessa massa que se faziam os líderes.
Para Weber, os líderes genuínos só poderiam emergir dos poucos políticos de vocação, isto é, daqueles
que não só dispunham de recursos suficientes para apoiar as suas convicções e assumirem o risco de não
agradar aos militantes do partido, como reuniam ainda três qualidades fundamentais para o exercício da
politica:
Paixão;
Distanciamento
Sentido de responsabilidade
Para Weber, a conduta política pode pautar-se por duas éticas “completamente diferentes entre si e
irremediavelmente opostas”:
A ética da responsabilidade – alguém que, consciente de todos os defeitos do “homem médio”,
procura soluções realistas e eficazes para os problemas, tendo sempre em conta as
consequências previsíveis da sua acção.
A ética da convicção – aquele que orienta a sua conduta de acordo com as máximas deste tipo
de ética, ao subscrever uma visão heróica e irreal da humanidade, tende a considerar um
conjunto de práticas como boas para si mesmas ou as únicas conformes com um ideal (politico,
religioso ou outro), adoptando-as sem se preocupar com os resultados objectivos das suas acções.
E como pede muito, acaba por perder tudo.
Sendo, para Weber, bastantes claras, o tipo ou perfil politico genuíno, o mesmo não se pode dizer das suas
teses sobre as soluções de institucionais a adoptar para melhor promover a emergência de lideranças
responsáveis no quadro das democracias de massas, ou seja, lideranças capazes de escapar quer do
Em a “Sociologia dos Partidos Politicas nas Democracias Modernas” , Michels descreveu, com base na
análise dos partidos socialistas europeus em geral e do partido social democrata alemão em particular,
algumas das degenerescências típicas dos partidos de massas.
Em seu entender, todas as organizações, independentemente da sua esfera de actuação, estavam
sujeitas a uma dominação de tipo oligárquico. E isto porque nem todo e qualquer grupo organizado
coexistem sempre dois fenómenos profundamente antidemocráticos, tanto nos seus procedimentos como
nos seus efeitos, a saber:
A hierarquia da burocratização
O que impõe na perspectiva de Michels é que, dada a impossibilidade técnica do autogoverno popular,
a organização surge como o meio mais eficaz para realizar qualquer vontade colectiva, tornando-se
assim, a condição essencial para a luta política de massas. A organização se funda inicialmente na
igualdade formal e material de todos quantos a ela pertencem e nela participam, comportando-se os
funcionários do partido como meros órgãos executivos da vontade geral, à medida que a organização
cresce e se tona mais complexa a democracia originária tende a declinar.
A crescente complexidade das formações partidárias implica a divisão e a especialização de funções no
seu interior, sendo esta circunstância responsável pela substituição dos líderes ocasionais por líderes
profissionais, que vivem não só “para” a política mas também “à custa” da politica, e cujos poder e
capacidade de liderança resultam da sua inconstestável “superioridade” técnica”, isto é, do domínio e
conhecimento profundos que têm da “máquina” do partido.
O que é mais importante ainda: a “superioridade técnica” dos dirigentes tem implicações sérias para vida
interna dos partidos: se tende a promover a continuidade e a perpetuação dos líderes nos seus postos de
direcção, ela contribui também para a obediência e submissão incondicionais das massas, tornando-se
meramente formal o seu legítimo direito ao controlo democrático.
Michels demonstra, assim, como a necessidade da organização e a sua progressiva burocratização levam
ao aparecimento de líderes autoritários que despertam nas massas do partido um seguidismo passivo..
A “superioridade técnica” fornece uma “justificação prática e até moral” para o domínio efectivo dos
chefes políticos, já a consciência e o exercício do poder determinam o si progressivo afastamento das
bases do partido, a cujos interesses, necessidades e expectativas são agora alheios em nome de
considerações individuais, oportunistas e egoístas.
Mas se a “”superioridade técnica” fornece uma “justificação prática e até moral, para o domínio efectivo
dos chefes políticos, já a consciência e o exercício di poder determinam o seu progressivo afastamento
das bases do partido, a cujos interesses, necessidades e expectativas são agora alheios em nome de
considerações idividuais, oportunistas e egoístas
Isto acontece porque se observa na liderança dos partidos de massas socialistas um processo
degenerativo muito significativo:
Uma cisão social – porque os líderes partidários tendem a desenvolver concepções valorativas,
objectivos e estilos de vida conformes com a sua nova posição social, afastado-se
progressivamente da ideologia e causas da classe que deveriam representar; ou de forma mais
lacónica assiste-se ao fenómeno de “”despolitização” ou de “aburguesamento” dos líderes
socialistas
Uma cisão politica – porque este processo implica também a distorção ou substituição dos fins
origianis por dins instrumentais, dado que a politica perseguida pelos líderes socialistas deixa de ser
a dos seus mandantes, ultrapassando os limites da classe operária e expandindo o eco das suas
propostas. Ou, de maneira mais simples. “ a unidade da classe” é ameaçada pelo
aburguesamento dos líderes partidários, a “pureza ideológica” é desafiada pelo conservadorismo
e o “militantismo” é substituído pelo oportunismo político
Michels nega a hipótese do oportunismo original dos líderes, já que, como sublinha, no momento de
formação dos modernos partidos de integração social os lideres apresentam-se como servidores genuínos
e abnegados dos interesses das massas. E se posteriormente se distanciam destas, isso fica a dever-se não
tanto à sua sede de poder e egoísmo inatos mas às exigências organizativas da politica moderna – que
acabará por ditar o abandono dos valores socialistas e revolucionários e os distanciamento da classe de
pertença.
As crescentes orgsnizativas, suscitadas pela vida política moderna, fizeram com que os líderes ou chefes
partidários se emancipassem das massas e defendessem interesses e objectivos próprios, tornando-se os
partidos socialistas europeus do inicio do séc. XX entidades teleologicamente separadas das classes sociais
que deveriam representar. Era o fim das ilusões para Michels: dentro e fora dos partidos, o domínio férreo
da oligarquia impunha-se ao ideal do autogoverno popular. Como escreve o autor:
… Quem dis organizações, diz oligarquia. Toda a organização de partido representa uma potência
oligárquica assente sobre uma base democrática. Encontramos em toda a parte eleitores e eleitos. Mas
também encontramos em toda a parte um poder quase ilimitado dos eleitos sobre as massas que os
elegem. A estrutura oligárquica do edifício sufoca o princípio democrático
Importa notar que a evolução degenerativa dos partidos de massas se fica a dever não só a:
factores organizativos -
factores psicológicos – sendo estes reconduzidos pelo autor a dois ensinamentos elementares da
psicologia humana:
- apatia
- incompetência politicas das massas
Retrato psicológico das massas para Michels . (incompetência politicas das massas)
a) substancial indiferença pela coisa pública;
b) incapacidade para tomar decisões de forma autónoma
c) entrega incondicional perante as “qualidades acessórias dos líderes”, tais como a capacidade
oratória, a beleza, o carisma ou a notoriedade pública
d) necessidade de veneração dos líderes e ao culto ilimitado dos heróis
e) natureza emotiva, sugestionável e irresponsável
f) aversão perante todas as inovações que visem alterar a ordem social e politica existente
Sede ilimitada de poder dos líderes, nesta asserção o autor caracteriza a conduta dos líderes ou chefes
políticos
a) O instinto para a transmissão hereditária do poder político;
b) A tendência para desenvolver uma espécie de “direito consuetudinário, à delegação, mediante o
qual a eleição por um período de tempo limitado se transforma em cargo vitalício
c) A identificação da sua vontade pessoal com a vontade do partido
Da intercepção dos factores organizativos e dos factores psicológicos, Michels faz derivar a seguinte
conclusão:
Os partidos de massas são dominados por uma oligarquia que se auto-alimenta e auto-perpetua,
desafiando claramente as tentativas de participação e escrutínio democráticos
….
Uma análise da “dimensão objectiva” do fenómeno oligárquico revela-nos que a separação entre os
chefes políticos e as massas depende fundamentalmente de factores organizativos.
Se a organização assegura o funcionamento eficaz da totalidade abrangida (o partido), afecta-a
também de um modo inelutável, tendo como principal consequência a constituição de dois grupos
distintos e separados entre si:
de um lado, uma minoria que exerce e monopoliza o poder politico
do outro, uma maioria que é guiada de forma mais ou menos arbitrária
Se olharmos para a “dimensão subjectiva” do mesmo fenómeno, é fácil perceber que a emergência da
oligarquia partidária radica também numa evidente disjunção entre as predisposições psicológicas dos
líderes ou chefes políticos e as das massas. Com efeito, os líderes têm capacidades, atitudes e
comportamentos que os separam claramente dos liderados, e que estão na base da sua dominação
politica e proeminência social. Este aspecto, constantemente sublinhado por Michels, denota a forte
influência da escola elitista italiana no seu pensamento, pois tanto Gaetano Mosca como Vilfredo Pareto
distinguiram na “ classe política” e na “elite governante” uma indiscutível superioridade “natural”, material,
intelectual e até moral
Já as massas apresenta um conjunto de características e uma conduta colectiva muito próximas das que
Gustave Le Bom ou Gabriel Tarde atribuíram às multidões, as quais não só explicam como reforçam o devir
oligárquico dos modernos partidos de massas ou de integração social. A este propósito, é interessante
notar que as “massas”, a que Michels se refere na Sociologia dos Partidos Politicos…,não correspondem a
uma classe ou grupo social propriamente ditos, nem tão-pouco são o produto de uma sociedade por
condições culturais, económicas, e politicas particulares, configurando antes uma entidade
antropomorficamente constante nas suas características e atributos
Michels não hesita em retratar as massas como uma vasta legião de “indigentes políticos”, indiferentes e
alheados dos assuntos públicos, vulneráveis à manipulação e à demagogia, habituados à idolatria e ao
culto dos chefes. Relutantes face à inovação e à mudança, em suma, incapazes de tomarem nas mãos o
seu próprio destino . E esta é seguramente a parte mais frágil, arriscada e coontroversa da sua análise
Cabe agora questionar até que ponto a “lei de ferro da oligarquia” enunciada por Michels constitui de
facto uma lei irrefutável, uma inevitabilidade histórica, a partir da qual é possível explicar o funcionamento
e a evolução de toda e qualquer organização partidária.
As críticas à lei de ferro da oligarquia
As principais críticas “Á sociologia dos Partidos Politicos”, surgidas ente os anos 30 e 60 do séc. XX, por
autores da matriz marxista como liberal, insistem no facto deste estudo oferecer uam leitura demasiado
restrita do fenómeno partidário, limitand-se a demonstrar os seus efeitos degenerativos e sem procurar
soluções para os prevenir, ou, pelo menos, controlar.
Estando de acordo com o prognóstico weberiano de que a burocratização constituía o futuro das
organizações modernas, os críticos de Michels não deixam de assinalar que os partidos políticos, ainda
que inegavelmente reféns dos processos burocráticos, possuem duas facetas distintas*:
A oligárquica
A democrática
Dentro da matriz marxista, a perspectiva atrás registada(*) foi desenvolvida por Alexander Schifrin (1930),
quando, num estudo sobre a democracia interna nos partidos socialistas do seu tempo, contrariou
algumas teses insertas na “Sociologia ---“ de Michels. Distinguindo dois tipo de oligarquia no interior das
formações partidárias:
A oligarquia dos líderes
A oligarquia dos funcionários
Tal como Schifrin e três décadas depois, Otto Stammer (1955) ou Sigmund Neumann (1956), contrapunham
ao determinismo da “ lei de ferro da oligarquia” a hipótese da coexistência de tendências opostas no
interior dos partidos políticos modernos;
por uma lado, as tendências oligárquicas, hierárquicas e centrípetas, que eram o produto da
massificação e burocratização das formações partidárias;
por outro lado, as tendências democráticas, igualitárias e centrifugas, que resultavas do maior acesso à
informação e da politização das bases.
A insistência de Michels em tratar o problema da organização partidária de modo tão determinista e
fatalista justifica o acutilante juízo de Nemann, para quem a “Sociologia dos Partidos Políticos”,
represetntava uma espécie de espelho-imagem da cultura burocrática e autoritária do Império
Guilhermino alemão, a “mais prussiana das instituições das instituições do Reich” – ser interpretada como
prova da identidade de Milchels com os valores políticos da sua época.
Robert McKerzie e Seymour Lipset criticam Michels pelo facto de ter subestimado a influência tanto dos
sistemas de governo como dos sistemas partidários nas modalidades de organização e lógicas de
funcionamento interno dos partidos políticos.
A este propósito, bastará referir que muitas das teses apresentadas na “Sociologia dos Partidos Politicos” …
sobre o grau de autoridade ou sobre o desenvolvimento de facções internas no SPD perdem a sua força
explicativa quando reportados a formações partidárias que actuam em sistemas políticos distintos como os
grandes partidos norte-americanos.
Parece evidente que se, ao contrário de Ostrogorski e Weber, Michels não deu particular atenção à
influência dos sistemas políticos sobre a actuação dos partidos de massas, foi porque à luz da “lei de ferro
da oligarquia”, todos eles, apesar das suas indiscutíveis diferenças, se assemelhavam na forma efectiva do
exercício do poder.
Já a análise do Juan Linz (1966) deixa perceber que o pessimismo de Michels quanto à praticabilidade da
democracia nos partidos modernos fica a dever-se ao carácter necessariamente não democrático ou
antidemocrático atribuído pelo autor à vasta gama de fenómenos que se desenvolvem no seu interior e
que são:
1) A formação de uma liderança;
2) A formação de uma liderança profissional e a sua estabilização;
3) A formação de uma burocracia, ou seja, de um conjunto de funcionários com tarefas
específicas e com salário regular;
4) A centralização da autoridade;
5) A substituição dos fins, especialmente dos fins últimos (como a realização da sociedade
socialista) por fins instrumentais (quando a organização se transforma um fim em si mesma);
6) A crescente flexibilidade ideológica;
7)A crescente diferença entre os interesses e/ou opiniões dos líderes e os dos membros, bem como
a prevalência dos primeiros sobre os segundos;
8) A escolha de novos líderes pelos líderes em funções mediante mecanismos de coptação;
9)As escassas possibilidades das bases exercerem alguma influência sobre os processos de
decisão, mesmo que pretendam fazê-lo;
10) A passagem de uma base formada por membros do partido para uma base eleitoral de
apoio, e de uma base eleitoral classista para uma outra mais ampla (interclassista).
Na perspectiva de Juan Linz de entre os fenómenos acima mencionados referira-se que:
O carácter necessariamente não democrático ou até anti democrático revela-se nos fenómenos:
- 7 (A crescente diferença entre os interesses e/ou opiniões dos líderes e os dos membros, bem
como a prevalência dos primeiros sobre os segundos) e 8 (primazia de métodos cooptativos em
detrimento de métodos electivos na escolha dos dirigentes partidários);
A transformação dos partidos de massas clássicos num modelo de partido distinto, interclassista e
não já classista verifica-se nos fenómenos:
5 (flexibilização da ideologia) 6 (alargamento do apelo eleitoral) e 10 (limitam-se a dar conta da
transformação dos partidos de massas clássicos num modelo de partido distinto…)
À medida que crescem e ganham responsabilidades no aparelho do Estado, as organizações partidárias
tendem a transformar a sua sobrevivência num fim intensamente protegido - o que xplica que ultrapassem
os limites de classe e expandam o eco das suas propostas.
Do partido ao sistema político: uma generalzação abusiva?
A crítica mais recorrente e também de maior peso dirigida à obra de Michels, nomeadamente a
generalização das suas conclusões quanto à impossibilidade ou impraticabilidade da democracia interna
nos partidos ao sistema políticos globalmente considerado. A questão, ou crítica, pode pôr-se assim:
quando, como acontece nos sistemas demoliberais, os partidos políticos disputam entre si os votos do
mercado eleitoral, o facto e cada partido obedecer no seu interior à “lei de ferro da oligarquia” em nada
afecta a natureza democrática do sistema politico, já que nas questões decisivas, tal como a escolha dos
governantes, a última palavra pertence sempre ao povo.
Como observa Sartori (1988), ainda que cada formação aprtidária se organize internamente de um modo
oligárquico, o resultado do seu encontro competitivo com outras formações partidárias é sempre
democrático, pois pressupõe a atribuição de um enorme poder ao “demos”, nomeadamente o poder de
ser o juiz da sorte dos competidores.
Ao alargar as suas teses do partido ao sistema politico, da democracia intrapartidária à democracia
interpartidária, o autor situa num mesmo continuum conceitos e realidades muitos distintos. O que leva
Sartori a concluir que, tal como os autores marxistas, também Michels não terá percebido como nasce e se
desenvolve uma democracia em grande escala, pretendendo encontrá-la consolidada dentro do partido
social democrata alemão (protótipo da sociedade democrática perfeita) em vez de procurá-la na
dinâmica competitiva e concorrencial que opõe organizações politicas rivais. Só assim se explica que
Apesar das críticas dirigidas à “lei de ferro da oligarquia” de Michels, o facto é que as suas observações
fundamentais sobre o funcionamento interno dos partidos de massas do inicio do séc. XX suscitaram a
adesão teórica e a conformação empírica de uma boa parte dos cultores da sociologia dos partidos.
É assim que, sem fazer suas as consequências elitistas da “lei de ferro da oligarquia” Maurice Duverger
chega a conclusões muito idênticas, reafirmando que a separação entre a “aparência democrática e a
“realidade oligárquica” não só é um fenómeno irrefutável como é também o resultado das necessidades
da luta política competitiva.
Para Duverger, a formação de uma classe dirigente “autocrática” mais ou menos fechada, de um círculo
interior” de difícil acesso e renovação é algo comum a todos os partidos de massas.
A análise de Duverger sobre a formação de tendências oligárquicas nos partidos de massas assentam em
3 pilares essências, concretamente:
1. A selecção dos dirigentes partidários;
2. A natureza oligárquica dos dirigentes;
3. A relação entre os dirigentes e parlamentares
Se é verdade que do ponto de vista formal os dirigentes dos partidos de massas são eleitos pelas bases
mediante procedimentos democráticos e por um período de tempo limitado, não é menos verdade que
no plano dos factos o que se observa é um sistema de recrutamento “autocrático”, nomeadamente
através da cooptação, da designação pelos órgãos centrais, das nomeações nas inerências…
DO PONTO DE VISTA FORMAL:
É destacado sobretudo as manipulações associadas à eleição indirecta dos dirigentes do partido,
pois, como sublinha: “a eleição dos dirigentes d partido por um pequeno grupo de delegados não
tem o mesmo carácter que a eleição directa pela massa dos adeptos. Sem contar que o
emprego das manipulações eleitorais é aí mais fácil
NO PLANO DOS FACTOS:
Refere-se à distinção fundamental entre “chefes aparentes” e “chefes reais”: “os primeiros eleitos,
os segundos designados pela autocracia . Uns têm o poder teórico; os outros exercem-n realmente
ou partilham-no com eles”
Embora os “chefes reais” sejam investidos de um poder que permanece na sombra, uma espécie
de poder semi-oculto ou oculto, assemelhando-se assim a autênticas “eminências pardas”, o facto
é que eles constituem um verdadeiro poder paralelo dentro do partido, com uma hierarquia e
competências próprias. O fenómeno do bossism nos Estados Unidos é disso um exemplo ilustrativo:
nos partidos norte-ameriacanos o dualismo do poder aparente e do poder real resulta de a
organização dirigida pelos líderes nacionais se achar refém da “máquina” controlada pelos bosses
e seus acólicos, pois é esta que detém efectivamente o poder dentro do partido e que gere a
entrada de contribuições e a distribuição de cargos e beneficios
Independentemente da feição mais autocrática ou mais democrática da selecção dos seus dirigentes, o
facto é que os partidos de massas não escapam à formação de um “círculo interior”, composto pelos
chefes do partido, fechado e praticamente inamovível, já que é nele que se definem e estabelecem os
critérios que deve presidir à escolha do pessoal política para ocupar cargos partidários ou cargos públicos
electivos.
De acordo com Duverger, nos partidos de quadros baseados no comité as candidaturas eram mais livres e
dependiam sobretudo dos atributos pessoais dos candidatos, o que explica que o recrutamento dos
parlamentares fosse feito fora do “círculo interior” e da oligarquia do partido, permitindo assim uma
renovação e circulação das elites mais fácil e efectiva.
Em sentido contrário, nos partidos de massas socialistas assistiu-se ao reforço do oligarquia interna e ao seu
congelamento burocrático. Para tal, muito terá contribuído a adopção de um sistema proporcional de
listas fechadas e bloqueadas que coloca sob controlo do “círculo interior” a decisão final quanto à
escolha dos candidatos com maiores probabilidades de serem eleitos ao parlamento. Como é sabido,
num sistema deste tipo apenas os candidatos que ocupam os primeiros lugares de cada lista têm
possibilidades reais de ser eleitos, e a posição de cada candidato do início ou no final da lista depende
muito mais da sua lealdade e obediência face ao “círculo interior” do que das suas convicções ou
competências pessoais, politicas e profissionais.
Para além disso, o conservadorismo das bases e dos quadros subalternos e a sua permanente desfiança
face aos processos de renovação e substituição dos dirigentes de topo contribuem para reforçar a
natureza fechada e inamovível desse “círculo interior”, claramente apostado em desenvolver e aumentar
a sua autoridade e em garantir a unidade e a coesão do partido.
Quanto a este tópico, Maurice Duverger distingue três fases distintas na evolução dos partidos políticos:
1ª fase - “Idade de Ouro” do parlamentarismo liberal e à influência dos partidos de quadros ou de
comité, marcada pela supremacia e independência dos parlamentares em relação aos dirigentes
internos do partido. No parlamento, a actuação de cada deputado não só era independente da
dos seus colegas, que podiam ter ideias e posições muito distintas, como estava longe de
obedecer a qualquer disciplina de voto imposta pelo grupo parlamentar, apresentando-se este
como uma estrutura individualizada, pouco coesa e aparentemente coesa e aparentemente
instável: “o grupo parlamentar não tem vontade própria, nenhuma acção comum, nenhuma
disciplina de votação.
2ª Fase - coincidente com a afirmação da democracia de massas e com o aparecimento dos
primeiros partidos socialistas e católicos caracterizada pela rivalidade entre os dirigentes internos e
os parlamentares, sendo usuais as tensões e conflitos entre os dois braços da organização
partidária, ou seja, entre o aparelho central extraparlamentar e o grupo parlamentar: “não se
pode falar de domínio do partido sobre os parlamentares nem de domínio dos parlamentares
sobre o partido: trata-se, isso sim, de uma separação dos poderes entre a direcção interna e a
direcção parlamentar, e de uma rivalidade permanente entre elas. O motivo dessa rivalidade
residia fundamentalmente na natureza da organização dos partidos de massas baseados nas
secções, que acabava por tornar inevitável a oposição entre duas comunidades dentro do
partido:
- a dos militantes
- a dos deputados
Uma oposição que, sublinhe-se, era tanto social como politica:
- social – porque, não podendo subtrair-se à atmosfera burguesa do parlamento, o “deputado
operário é sempre mais deputado que operário”, aburguesando-se em relação aos membros de
base do partido
- politica – porque, chegados ao parlamento e movidos pelo interesse particular, pela atracção
do poder e pelo conofrmismo, os deputados socialistas não enjeitavam a possibilidade de
colaborar com as forças politicas do establishment, renunciando ao objectivo de libertar a classe
operária da tutela das organizações da burguesia, o que constituía uma “traição politica” aos
olhos dos militantes operários.
3ª Fase Esta última etapa corresponde à chegada dos partidos comunistas e fascistas, e é
caracterizada pela supremacia dos agentes do aparelho central sobre os parlamentares,
transformados agora em módicos assalariados do partido, postos ao seu serviço e submetidos à
mais rígida disciplina de voto do parlamento. Os dirigentes dos partidos, que constituem o seu
“círculo interior” se empenhem em seleccionar candidatos a deputados que sejam fiéis, submissos,
humildes e disciplinados
Em suma, indivíduos obscuros e sem notoriedade pessoal que aceitem a missão de ser meras
correias de transmissão da vontade do partido no fórum parlamentar. Para o que certamente
muito contribui o “ambiente geral do partido”, dominado pelo:
a) Culto da hierarquia e disciplina;
b) Desenvolvimento sistemático do respeito pelos dirigentes de topo;
c) Incentivo ao desprezo pelos parlamentos “burgueses”, utilizados como tribunas para a
agitação e propaganda
d) Desprestígio e secundarização dos deputados eleitos, que ficam limitados a um puro papel de
agitadores
.
Se, em certo sentido, Duverger confirma e actualiza a análise de Michels auanto à formação de
tendências oligárquicas no interior dos partidos de massas, o mesmo já não acontece com Klaus von
Beyme que, ao analisar e descrever o funcionamento dos partidos políticos nas democracias ocidentais,
traça um quadro bem menos negativo e também mais matizado, preferindo falar em “Défices
democráticos”.e não em vícios oligárquicos. E que vícios democráticos são esses que dificultam a
praticabilidade da democracia intrapartidária?
Tendências oligárquicas ou dédices democráticos?
A escassa participação dos membros de base na formação da vontade intrapartidária, dado que
a maior parte deles tende a encarar a adesão ao partido como uma forma de se solidarizar com
os seus objectivos e propostas politicas, mas sem que isso pressuponha um compromisso de maior
colaboração e envolvimento nas suas tarefas e actividades quotidianas
A descaracterização dos congressos ou assembleias nacionais dos partidos, que de órgãos
responsáveis pela formação da vontade politica maioritária passam a órgãos de aclamação dos
líderes de topo, tanto a nível interno como externo;
A reduzida circulação e substituição daqueles que detêm cargos de direcção dentro dos partidos,
favorecidas quer pelo cúmulo de diferentes cargos quer pela permanência continuada nos
mesmos cargos, conduzindo, assim, ao congelamento burocrático das elites dirigentes.
A entrada de representantes de grupos de interesses ou de pressão nos partidos políticos, o que
constitui um obstáculo adicional para a praticabilidade da democracia intrapartidária. Pois, há a
possibilidade de a vontade politica das bases ser adulterada pela intervenção explícita ou
implícita de grupos exteriores ao partido, que procuram influenciar os seus processos de tomada
de decisão internos.
O financiamento dos partidos políticos tende a favorecer a formação de tendências
centralizadoras e “oligárquicas”, sobretudo quando este é:
- predominantemente privado – reforçando a dependência dos partidos dos grandes doadores
externos;
- predominantemente público – acentuando a dependência dos partidos das subvenções
estatais, que nem sempre chgam às estruturas intermédias e inferiores do partido;
A separação cada vez mais acentuada entre os perfis sociais das bases e os da elites partidárias,
a qual desafia a representatividade sociológica mas também ideológica dos partidos políticos em
relação aos seus membros filiados.
Apesar dos défices acima elencados, Klaus von Beyme tal não significa, contudo que comprovem a “lei
de ferro da oligarquia” enunciada por Michels porque:
A burocracia partidária não assumiu a relevância que Mchles lhe atribuiu, uma vez que quem
exerce o poder no interior dos partidos não são os funcionários permanentes ou remunerados, que
constituem o aparelho burocrático, mas sim os políticos profissionais que possuem um mandato
parlamentar ou um cargo públic;
O “faccionismo” no interior dos partidos demonstrou ser profundamente antiburocrático, já que a
formação de grupos organizados, tendências ou correntes de opinião tende a facilitar a
alternância no poder e a circulação das elites dirigentes, constituindo, assim, um “antídoto” contra
a falta de democracia interna;
A autonomia dos grupo parlamentar afirmou-se face ao aparelho central extraparlamentar, que
deixou de ser visto como o instrumento mediante o qual se garantia a responsabilidade dos
representantes públicos perante as bases do partido, contrariando a tese da dominação
burocrática dos dirigentes internos sobre os deputados eleitos;
O processo de selecção dos candidatos e a elaboração das listas de candidatura ao parlamento
não foram totalmente monopolizados pelos dirigentes centrais (a oligarquia), pressupondo a
intervenção das estruturas regionais e locais dos partidos, o que inofrma a hipótese da dominação
burocrática dos partidos
As democracias contemporâneas tentaram impedir que as tendências burocráticas e oligárquicas
no interior dos partidos se desenvolvessem de uma forma totalmente autónoma, produzindo
legislação destinada a acautelar e corrigir as transgressões mais graves ao processo de formação
democrática da vontade politica intrapartidária;
Os partidos têm vindo a perder o quase monopólio de algumas das suas funções politicas
tradicionais em favor de outros actores colectivos, designadamente dos grupos de interesses ou de
pressão e dos novos movimentos sociais, circunstância que os obriga a combater muitos dos seus
estiolamentos burocráticos e oligárquicos, sob pena de não conseguirem manter e atrair novos
membros.
Apesar das críticas feitas às teses de Michels, o facto é que actualmente são cada vez mais os cientistas
políticos que recuperam alguns dos seus ensinamentos essenciais para explicar a imagem negativa dos
partidos junto da opinião pública da maior parte das democracias ocidentais.
Segundo investigações empíricas recentes, entre os elementos que melhor definem as atitudes negativas
dos cidadãos em relação aos partidos políticos encontram-se:
A ideia generalizada de que o funcionamento interno dos partidos não é suficientemente
democrático;
A ideia de que a falta de democracia interna nos partidos pode afectar o sistema democrático na
sua globalidade, debilitando a sua legitimidade e empobrecendo o seu rendimento
Esta evocação é tão ou mais pertinente quando se sabe que, em muitas democracias ocidentais actuais,
a opinião pública tende a ser cada vez mais sensível e permeável aos apelos e uma ideologia
difusamente antipartidária – na qual, de forma aparentemente contraditória, o reconhecimento dos
partidos políticos como peças-chave para o funcionamento dos sistemas democráticos é perfeitamente
compatível com sentimentos de profunda e assumida desconfiança, insatisfação e desafeição face aos
mesmos. Dai o paradoxo: se os partidos contemporâneos tendem a ser encarados ora como “facções”
que dividem e confundem a cidadania ora como organizações fechadas, burocratizadas e
profundamente oligárquicas, a verdade é que eles são também considerados como instituições centrais
para o funcionamento, ajustamento e manutenção dos sistemas políticos democráticos
Linhas evolutivas diversas, existentes no final do séc. XX, que marcam a tendência para a não
transformação de todos os partidos de massas:
1ª – a sobrevivência dos partidos de quadros que, apesar de adaptados às novas condições da
massificação politica, continuam a apresentar uma orientação essencialmente parlamentar e
Coube a Otto Kircheimer demonstrar como a evolução sócio-económica subsequente à II Guerra Mundial
se revelara profundamente desfavorável para os partidos de massas tradicionais (de base classista ou
confessional), conduzindo à sua transformação num novo tipo de partido: o catch-all party, ou na
tradução portuguesa “partido-apanha-tudo”
Para Otto Kircheimer as causas da mudança são:
Os elevados níveis de bem-estar económico e de segurança social do segundo pós-guerra, ao
atenuarem as fronteiras entre os interesses de grupo, contribuíram para reduzir a intensidade dos
conflitos de classe e das oposições ideológicas, gerando assim um consenso politico mais ou
menos alargado no que respeita ao modo de governo democrático e às grandes controvérsias
económicas
Por outro lado, se o desenvolvimento dos meios de comunicação de massas tornava menos
distintos os estilos e as experiências de vida dos vários grupos ou segmentos sociais, já a afirmação
de novas modalidades de comunicação política favorecia a personalização do poder e a
despolitização do eleitorado
Quanto às características organizacionais acima descritas, o que mais importa não é tanto o facto de a
liderança de topo se tornar tão dominante e autónoma a pnto de esmagar a democracia interna – pois já
outros autores o tinham sublinhado com igual ênfase – mas sobretudo o facto de para reunir o máximo de
apoiantes os partidos catch-all estarem dispostos a “perder a alma”. Ou seja, a sacrificar a penetração
ideológica e a filiação classista ou confessional ao crescimento elitoral, desenvolvendo uma base de
apoio diversificada e heterogénea, que lhe permita representar totalidade do espectro social, e
renunciando ao “encapsulmento” dos membros nas respectivas estruturas e ideologia.
Kircheimer sustenta também que é um aspecto muitas vezes descurado, que a transformação dos partidos
políticos tradicionais em partidos de tipo catcho-all se revela mais fácil para os partidos burgueses de
representação individual do que para os partidos de integração de massas., tanto classistas como
confessionais
Com efeito, apresentando à partida claras afinidades com o novo modelo de partido – dado que
privilegiam o sucesso eleitoral em apreço pelas doutrinas e programas demasiado precisos; são dirigidos
pelos parlamentares e não pelos dirigentes internos – é com bastante facilidade que os partidos burgueses
de representação individual se convertem em partidos catch-all, bastando-lhes apenas acentuar as suas
características tradicionais
As diferenças (característica por característica) entre :
A transformação do partido de massas em partido catch-all tende a ser bastante mais difícil e complexa,
já que pressupõe a rejeição ou abandono dos seus caracteres originais: o objectivo do êxito eleitoral
impele-os alargar o seu “apelo” para lá da classe gardé , facto que é responsável por uma mudanç
substancial da sua natureza.
Isto ajuda a explicar a razão por que alguns partidos de massas tentaram manter as suas características
estruturais, pelo menos no que respeita a dois aspectos particularmente apontados por Kircheimer:
. o desenvolvimento de uma filiação de massas:
- construção de uma rede de implantação territorial
Leon Epstein salientou o facto da evolução das condições sócio-económcas do pós-guerra ter sido
efectivamente desfavorável aos partidos de massas tradicionais, em especial aos partidos socialistas
PORQUE, em sociedades capitalistas já amadurecidas, a queda do emprego no sector secundário em
proveito do sector terciário era não só responsável pela estagnação ou recuo da base social de apoio dos
velhos partidos de massas, como era igualmente responsável pela mudança das suas atitudes politicas.
A melhoria dos salários, das condições de trabalho e do nível de vida das classes operárias depressa
determinou o seu “aburguesamento”, dando lugar a uma ampla e heterogénea classe média desprovida
de consciência de classe e pouco sensível a qualquer tipo de aliciamento ideológico.
Neste sentido entende-se o dilema que se colocava aos partidos de massas tradicionais:
Ou bem que decidiam continuar iguais a si próprios, sukeitando-se a perder cada vez mais
eleitores;
Ou bem que aceitavam mudar de estratégia, defendendo uma politica pragmática de bem estar
social e abrindo-se gradualmente a grupos sociais mais amplos e diversificados. Exemplo: partido
social democrata alemão (SPD) que renunciou, em 1959, não só à ortodoxia marxista como
substituiu também a concepção de aprtido de classe por a de partido popular, inspirando outros
partidos socialistas europeus a enveredar pelo mesmo caminho e a evitar o eventual declínio
eleitoral.
Jean Charlot, na ana´lise que desenvolve do fenómeno gaulista em França, refere-se à emergência de um
novo tipo de partido, o “partido de eleitores” contrapondo-o ao partido de notáveis” e ao “partido de
militantes”
Para o autor, o partido de eleitores:
Ao contrário do “partido de militantes” ou de massas
- recusa o dogmatismo ideológico que faria dele ama Igreja;
- Contenta-se com um fundo comum de valores, bastante amplo para reunir em seu redor o máximo de
apoiantes
Ao contrário do “partido de notáveis” ou de quadros
. admite plenamente a democracia de massas;
- a solidariedade de grupo, rejeitando o individualismo liberal
Já de acordo com a análise de Claus Offe, aparecimento dos partidos que Kirchheimer designa de catch-
all parties, e a que Charlot prefere chamar “partido de eleitores”. resulta sobretudo da dinâmica
concorrencial típica das democracias consensuais da Europa Ocidental, que tem como efeitos principais:
A perda do radicalismo ideológico com o objectivo de:
- maximizar os votos,
- vencer as eleições
- e aceder ao governo
Os partidos têm de orientar a sua conduta de acordo com as exigências do mercado politico
reduzir os elementos ideológicos ou programáticos susceptíveis de criar antagonismos no
eleitorado ou de obstaculizar potenciais coligações governativas, o que conduz à “dissolução de
qualquer concepção ou propósito politico coerente”, bem como ao abandono de “projectos
políticos não realistas a curto prazo e pragmaticamente irrealizáveis”)
,A burocratização e profissionalização da politica partidária:
- os imperativos da competição obrigam os partidos a dotar-se de uma organização
extremamente burocratizada e centralizada, que lhes garanta uma presença continuada e bem
sucedida no mercado politico, mediante:
a) a angariação de recursos matérias e humanos (quotas dos membros, subvenções públicas e
donativos privados;
b) a divulgação de propaganda e informação sobre a posição do partido perante um grande
número de temas políticos;
c) a resolução dos conflitos e dissensões internos
De um modo geral, estas actividades são acometidas a uma equipa profissional de funcionários
do partido, apostados, corporativamente, no crescimento e na estabilidade da organização que
devem a sua posição e carreira política
A desactivação dos membros de base:
- orientada para a afirmação no mercado politico e para o desenvolvimento de uma campanha
eleitoral virtualmente permanente (a organização partidária relega para um plano secundário a
determinação politica do partido mediante processos internos de debate e conflito democráticos)
- Todo o “partido competitivo” procura passar para o ambiente externo uma imagem de
unanimidade e consenso interno que lhe assegure o sucesso eleitoral, sendo o preço a pagar por
essa “normalização do produto” o silenciamento dos membros e activistas do partido e o
combate ao fraccionalismo e conflito organizado entre opiniões, tendências e estratégias
A crescente heterogeneidade estrutural e cultural dos apoiantes:
- A “mercantilização” da vida politica faz com que a “lógica da identidade colectiva”, assente em
vivências sociais, valores culturais e atitudes politicas comuns, seja substituída pela “lógica da
diversificação do produto” que pressupõe tanto o apelo como a abertura a todas as categorias e
meios sociais e, uma aparente reconciliação de interesses, reivindicações e preocupações muito
diferentes
No seguimento das tentativas de classificação das novas formas de organização partidária surgida no pós-
guerra, vejamos a de Angelo Panebianco, na qual se identificam e distinguem dois tipos de partidos:
O partido burocrático de massas
O partido profissional-eleitoral –
Panebianco começa por salientar e defender:
- a influência do ambiente sociopolítico em que os partidos nascem e actuam sobre as suas
modalidades organizativas e lógicas de funcionamento interno. Concluindo que se os desafios
ambientais são decisivos na formação das escolhas e na trajectória evolutiva dos partidos políticos, isso
não significa que estes devam ser encarados como actores meramente “reactivos” ou “adaptativos”
em face dos estímulos externos (conjunturais ou estruturais).
- que os partidos políticos são também “forças independentes” ou “actores estratégicos” que procuram
condicionar ou modificar o meio ambiente em que operam num sentido que lhes seja vantajoso, o
mesmo é dizer, que possibilite a sua sobrevivência enquanto organizações politicas competitivs, Donde,
segundo esta perspectiva, a mudança organizativa dos partidos é sempre desencadeada pelo concurso
simultâneo de factores
- exógenos (pressões ambientais)
- endógenos (génese, institucionalização, consistência organizacional, etc)
Em consequência das mudanças sociais e tecnológicas acima mencionadas assistiu-se a uma redefinição
drástica do mapa organizativo dos partidos políticos, de que sobressaem os seguintes aspectos:
A direcção personificada na figura dos líderes substitui a direcção colegial típica dos partidos
burocráticos de massas, do mesmo modo que os representantes públicos que ocupam cargos
electivos em nome do partido conquistam a proeminência antes detida pelos seus dirigentes
internos
A secundarização da ideologia e a importância crescente dos temas políticos específicos, que
dizem respeito tanto às questões politicas com maior saliência em cada campanha eleitoral como
às avaliações (retrospectivas e prospectivas) do desempenho dos líderes em particular e dos
partidos em geral.
A conversão da militância partidária em “clientela”, o que explica a perda de importância dos
“crentes” e “fiéis” à organização, que participam por adesão às grandes causas e combates
políticos do partido, e a centralidade crescente dos “arrivistas” e “carreiristas”, que participam por
interesse pessoal em termos de carreira, prestígio, status, etc. De tal modo que é licito afirmar que
não se ingressa no partido para colaborar de forma empenhada e desinteressada num projecto
politico comum, mas antes para obter algo em troca, conferindo-se, portanto, total primazia à
distribuição de “incentivos selectivos” em detrimento de “incentivos colectivos”. O que faz com
que não sejam os militantes a controlar o partido, mas, ao invés, o partido a controlar os militantes,
limitando ainda mais a verificação prática da exigência de democracia interna.
A progressiva profissionalização das organizações partidárias, de tal forma que os burocratas do
“aparelho” perdem o papel central assumido durante o auge dos partidos de massas
“especializados” sendo agora substituídos pelos novos profissionais da politica, que detém um
conjunto de competências técnicas especializadas à margem dos partidos e do seu
funcionamento interno
O papel dos funcionários, activistas e filiados partidários, como canais de mediação entre os
partidos e os seus eleitores, torna-se meramente residual, sendo as “secções” dos partidos
ideológicos de massas substituídas pelo recurso maciço às sondagens eleitorais e ao marketing
politico
Importa ainda reconhecer que não é só na distinção entre burocratização e profissionalização politicas
que o esforço tipológico de Panebianco ganha o seu pleno significado e alcance, dado que este autor
introduz também outras variáveis de análise no que se refere ao ritmo e intensidade da transformação dos
partidos burocráticos de massas em partidos profissionais-eleitorais, nomeadamente:
O grau de fragmentação dos sistemas partidários: quanto menos fragmentado se apresenta um
sistema partidário e, portanto, quanto mais dominado for por um número reduzido de grandes
formações politicas, maiores serão as probabilidades de uma transformação prematura e rápida.
Num sistema partidário excessivamente fragmentado, onde não existem grandes formações
politicas, o fenómeno de transformação tenderá a ser mais tardio e lento;
O grau de institucionalização alcançado pelos partidos no período que antecede os desafios
estruturais que facilitam a mudança: um partido fortemente institucionalizado terá maiores
probabilidades de resistir às pressões ambientais que o impelem para a transformação do que um
partido politico debilmente institucionalizado
Para Panebianco, a institucionalização dos partidos encontra-se ligada a dois aspectos fundamentais:
1) Ao desenvolvimento de um “sistema de solidariedade”, que pressupõe a criação de lealdades e o
reforço da legitimidade do partido através da distribuição de benefícios ou incentivos colectivos –
de identificação com o partido e com as “causas” do partido – não só junto dos seus membros
como também dos seus eleitores fiéis;
2) Ao desenvolvimento de um “sistema de interesses”, que garante a manutenção e continuidade
da organização partidária através da distribuição de benefícios e incentivos selectivos – como, por
exemplo, cargos partidários ou públicos, facilidades de carreira, de participação no processo de
tomada de decisões, etc. - pelos diferentes níveis hierárquicos do partido e pelos seus respectivos
membros.
Uma institucionalização bem sucedida, conducente à fase de maturidade organizativa, tende a alterar
consideravelmente a fisionomia dos partidos políticos, que perdem muitos dos traços presentes na sua
génese para assumirem novas características. Daqui decorre que a transformação de organizações
embrionárias, mais ou menos estruturadas e amis ou menos instrumentais em relação a certos fins – em
partidos para conquistar e exercer o poder políticos é usualmente acompanhada
Uma institucionalização bem sucedida implica a mudança de fisionomia dos partidos políticos, mas isso
não significa que o processo de institucionalização revista as mesmas modalidades e assuma a mesma
intensidade em todos os partidos.
Panebianco propõe, assim, que se caracterizam e diferenciem as organizações partidárias atendendo ao
nível de institucionalização alcançado, o que permite colocá-las num continuum que vai desde uma forte
até uma débil institucionalização.
O grau de institucionalização dos partidos pode ser aferido ou operacionalizado segundo duas dimensões
de análise fundamentais, a que correspondem determinados indicadores:
a) Grau de autonomia ou dependência da organização partidária relativamente ao ambiente em
que actua e com o qual deve interagir (um partido é tanto mais autónomo face ao ambiente
quanto mais auto-suficiente for na obtenção dos recursos humanos e materiais necessários ao seu
funcionamento;
b) O grau de coerência ou incoerência estrutural interna da organização partidária, que se refere ao
nível de “sistematização” existente entre as diversas subunidades que a integram ( um partido é
tanto mais coerente ou “sistematizado2 internamente quanto maior for a dependência face ao
centro e a homogeneidade dos seus subsistemas organizativos).
Num partido fortemente institucionalizado, que goza de grande autonomia face ao ambiente externo, as
desigualdades internas são mais o resultado da divisão do trabalho politico dentro da organização que o
reflexo das fracturas ou clivagens existentes na sociedade, sendo o sistema de recrutamento e de
integração das elites inteiramente congruente com essa realidade. Com efeito, não só as elites partidárias
são recrutadas pelo “centro”, tendo por critério a fidelidade e a conformidade às suas directivas, como
resultam de um processo de integração “vertical”, atendendo a que as ascensões na hierarquia interna
costumam fundar-se num processo de aprendizagem mais ou menos longo, que pressupõe uma espécie
de cursus Honorum que dos níveis mais baixos conduz aos escalões mais elevados do partido.
Nos partidos debilmente institucionalizados o sistema de desigualdades é imposto de fora para dentro da
organização partidária, o que se reflecte num sistema de recrutamento “centrífugo” e num processo de
integração “horizontal” das elites: em vez de serem recrutados por um “centro” forte e coeso, estas são
seleccionadas entre os elementos que se distinguem no contexto das diferentes subunidades organizativas
do partido. Em lugar de um cursos honorum mais ou menos longo e demorado, predominam antes as
ascensões rápidas ou efémeras aos níveis mais elevados, que costumam estar associados a posições de
destaque fora da estrutura burocrática do partido, e que explicam a preponderância dos “notáveis sobre
os profissionais na hierarquia interna
De entre os factores ambientais que podem pesar no processo de formação e institucionalização dos
partidos, Panebianco destaca os seguintes:
A incerteza ou complexidade ambiental que abrange uma grande diversidade de situações,
desde a instabilidade politica e eleitoral até à repressã estatal e outras manifestações de
hostilidade face aos partidos (ex: a preponderância de uma cultura politica fortemente
antipartidária), passando pela excessiva fragmentação dos sistemas partidários, pela
heterogeneidade das bases sociais de apoio dos partido ou pela presença de actores sociais e
políticos concorrentes.
As características institucionais do sistema, que podem ter uma influência directa ou indirecta
sobre os partidos.
- Exemplo de influência directa – as leis que regulam a vida interna dos partidos ou pela presença
de actores sociais e políticos concorrentes.
- Exemplo de influência indirecta – organização do poder político no âmbito do Estado, dado que,
como tem sido sublinhado, os partidos tendem a adaptar as suas estruturas organizativas e a
separação funcional de poderes no seu interior ao grau de centralização do Estado. O sistema de
governo, aqui, constitui outra variável, posto que, nos casos em que o aprlamento goza de grande
autonomia em relação ao governo, os grupos parlamentares tendem a ser mais indisciplnados,
divididos e autónomos em face do governo e das direcções dos respectivos partidos, cujas
institucionalização e coesão interna se v~eem assim debilitadas ou ameaçadas.
A proximidade ou distanciamento dos partidos ao exercício do poder politico (governo nacional) pode
influenciar também o seu nível de institucionalização, tudo dependendo da natureza da burocracia do
Estado. Assim, quando o processo de formação e consolidação de um partido politica coincide com a sua
estada no poder (governo),
Em sentido oposto, se a ligação ao governo for congruente com uma burocracia estatal fraca, pouco
autónoma e dotada de amplos recursos públicos, o mais provável é que o partido embrionário se
desinteresse pela mobilização de base e invista numa implantação de topo, tornando-se aparentemente
forte do ponto de vista institucional (eleitoral e governativo), mas efectivamente débil a nível organizativo.
Não é de admirar que, assemelhando-se mais a uma rede clientelar do que a uma estrutura partidária
propriamente dita, e uma vez terminado o controlo do aparelho governamental, o partido seja
confrontado com um de dois caminhos:
- ou a desagregação
- ou o fortalecimento organizativo
Em face do exposto, torna-se fácil compreender por que razão muitos partidos politicos, quando
regressados à oposição, se emepnham imediatamente em processos de abertura e renovação
organizacional – o que comprova a importância do recrutamento, mobilização e integração dos
cidadãos pela e na organização. Compreensível é também o facto de os partidos nascidos e formados na
oposição apostarem acima de tudo no desenvolvimento organizacional, sendo de admitir que evoluam
para uma institucionalização forte.
De tudo que atrás se disse sobre o partido de eleitores ou partido profissional-eleitoral pode concluir-se
que subjacente ao aparecimento e afirmação deste novo modelo de partido está uma concepção
“económica” da democracia, que coloca os partidos políticos do segundo pós-guerra perante um novo
dilema organizativo: à tensão tradicional entre a lógica da eficácia e da democracia interna acresce
agora a tensão entre a lógica da competição eleitoral e da identidade colectiva.
A tensão entre a lógica da competição eleitoral e a lógica da identidade colectiva
Schumpeter, economista austríaco, numa obra intitulada Capitalismo, Socialismo e Democracia, procurara
encontrar uma definição de democracia que fosse congruente com a descrição das democracias
realmente existentes, ou seja, que desse conta do funcionamento da democracia moderna e dos seus
requisitos funcionais, afastando-se, assim, das expectativas normativas e justificações filosóficas que
dominavam a “teoria clássica da democracia”, alicerçada no conceito de “bem comum,, na noção de
“governo do povo” e na ideia de “vontade geral”.
È por essa via que Schumpeter chega a uma “definição alternativa da democracia” construída sobre a
descrição factual das democracias existentes e não sobre o ideal a que aspiravam os seus defensores,
que tem como principal traço distintivo a “competição pela liderança politica”. Nesta perspectiva, a
democracia mais não é do que um “método” ou “procedimento” , que visa acima de tudo a designação
e a escolha concorrencial dos governantes para a direcção politica de uma dada sociedade.
Segundo o autor, não se trata já da visão mítica e enganadora do “governo do povo pelo povo”, MAS
antes uma concepção realista e funcional do “governo dos políticos autorizados pelo povo”
Como explica Schumpeter, se aos líderes e candidatos cabe a competição pelos votos dos cidadãos no
“mercado eleitoral”, mediante a inserção em “”máquinas” que se especializam na luta concorrencial pelo
poder politico (os partidos), ao povo cumpre tão-somente aceitar ou rejeitar aqueles que se apresentam
ao exercício do poder mostrando-se “disponíveis para o exercício de uma carreira politica, que o mesmo é
dizer, ratificar as escolhas efectuadas previamente pelos partidos, pois a iniciativa eleitoral não lhe
pertence senão indirectamente.
Porém, se tais mecanismos permitem confiar o governo a políticos profissionais, motivados por interesses
corporativos e pessoais, que dizem respeito à sua própria profissão e carreira políticas – e de que derivam
visões imediatistas e eleitoralmente oportunistas do bem comum -, importa também notar que esses
mecanismos ou procedimentos garantem ao eleitorado um direito importante e em nada subestimável,
que consiste precisamente em afastar os governantes e escolher outros para a mesma função, sem a
necessidade de recurso à violência.
Posto isto, é licito afirmar-se que se a visão schumpeteriana destrói a justificação clássica da fórmula
democrática, nem por isso a inviabiliza. Obrigando, isso sim, a repensar o seu conteúdo e a reconhecer
que é a competição livre e aberta entre partidos para a direcção política do Estado que assegura o
carácter democrático das eleições, pois “o verdadeiro objectivo do voto consiste, para os eleitores, em
obter chefes”
Tal como Schumpeter, Anthony Dows propõe uma abordagem económica da democracia, na qual
procura explicar o funcionamento das democracias existentes numa base puramente descritiva e isenta e
postulados ético-normativos, demonstrando como os governantes, os políticos, os partidos e os eleitores
actuam movidos pelos seus interesses egoístas e pelas suas preferências individuais, sem que tenham em
vista a prossecução de um hipotético bem comum ou a função de maximização do bem-estar social.
È pois nesta perspectiva que deve ser interpretada a sua definição formal de democracia como um
sistema politico que exibe as características seguintes:
Dois ou mais partidos competem, em eleições periódicas, livres e transparentes, pelo controlo do
aparelho governamental;
O partido, ou a coligação de partidos, que consegue a maioria dos votos ganha o acesso e o
controlo do aparelho governamental até às eleições subsequentes;
Os partidos perdedores não tentam impedir que os partidos vencedores assumam o poder de
direcção política, nem estes usam o poder que detêm para limitar as possibilidades daqueles na
competição eleitoral seguinte;
Todos os cidadãos maiores de idade dispõem de capacidade eleitoral activa e passiva, e cada
cidadão tem um único voto em cada eleição.
Desta definição formal de democracia, Dows faz derivar is seguintes axiomas ou postulados:
Cada partido politico constitui uma equipa de homens que procura conquistar e exercer o poder
com a finalidade de usufruir dos rendimentos, do prestígio e da influência inerentes à direcção do
aparelho governamental;
O partido, ou a coligação de partidos, que ganha as eleições detém o controlo completo sobre a
acção governamental até às eleições subsequentes;
Os poderes económicos do governo são ilimitados;
A única limitação à acção do governo prende-se com o facto de este nãp poder restringir a
liberdade politica da oposição nem as liberdades individuais dos cidadãos;
Os agentes políticos, sejam cidadãos sejam os partidos, actuam sempre segundo uma lógica
puramente racional, procurando maximizar os seus objectivos e utilidades individuais (votos,
cargos, politicas) com uma utilização mínima de recursos (escassos);
Dows observa ainda que num contexto real e não meramente ideal ou hipotético e conhecimento tende
a ser sempre imperfeito e a informação demasiado custosa, o que tem implicações muito significativas
para o funcionamento do sistema político democrático. Velamos:
1º - Nem os partidos políticos conhecem exactamente o que os cidadãos querem ou preferem, nem
estes sabem o que o governo ou a oposição realmente fez ou fará para servir os seus interesses;
2º - A superação desta “ignorância racional” e o “cálculo correcto” das utilidades envolve em ambos
os casos custos bastante elevados em termos de obtenção e processamento da informação, custos
que nenhum dos actores está disposto a suportar;
3º - Falta de informação converte necessariamente todo e qualquer democrático num governo
representativo, cabendo aos políticos profissionais descobrir, analisar, transmitir e agregar as
preferências dos cidadãos, mas também guiá-los e persuadi-los segundo os seus interesses particulares
ou de partido;
4º - A “informação imperfeita” cria no eleitorado a necessidade de ideologias, que constituem uma
amostra simplificada dos principais traços que diferenciam as forças politicas em disputa, reduzindo
assim os custos associados à escolha eleitoral;
5º - Os partidos políticos, apostados em conquistar o apoio eleitoral daqueles que votam numa base
ideológica, promovem a oferta de ideologias que não podem ser alteradas bruscamente sem criar
nos eleitores uma sensação de desconfiança, o que ajuda a explicar a “ambiguidade calculada” dos
programas políticos que é comum à generalidade dos partidos;
Dows considera a competição politica como sendo unidimensional, o que significa que é o
posicionamento dos eleitores no continnum ideológico esquerda-direita que determina as politicas
públicas oferecidas pelos partidos no mercado eleitoral. Neste ponto o autor identifica três situações
posições:
a) Se a distribuição do eleitorado é unimodal, a tendência do partido A e B é a de se deslocarem
para o centro, sendo apenas o receio de perder votos dos eleitores situados nos extremos da
escala esquerda-direita impede a sua total homologação ideológica e programática. Esta
convergência do centro significa, aliás, a ambiguidade deliberada que ambos os partidos
mantêm em relação a temas políticos específicos
b) Se a distribuição dos eleitores é bimodal, os partidos A e B tendem a deslocar-se para os extremos
da escala esquerda-direita de forma a aumentar o número de votos, o que conduz, em muitos
casos, à formação de governos de coligação.
c) Se a distribuição do eleitorado é multimodal, assiste-se a uma maior diversificação da oferta
partidária, sendo que as diferenças existentes nas posições ideológicas e nos conteúdos
programáticos dos partidos tornam mais fácil aos eleitores votar “correctamente”, ou seja, votar
no partido politico que lhe trará maiores utilidades com a sua governação.
A abordagem económica da democracia, desenvolvida por Schumpeter e Dows, serve essencialmente
para mostrar que se a função das eleições num sistema democrático se resume essencialmente à escolha
do governo, então o comportamento racional dos partidos políticos será aquele que se orienta para o
aparelho governamental e para nada mais, sendo a optimalidade e eficácia das suas estruturas
organizativas e das suas estratégias de actuação resultado da conformidade ao mercado eleitoral. Isto
explica que os partidos sejam entendidos como “máquinas” orientadas exclusivamente para a conquista
de votos e para a ocupação de cargos públicos. Ou dito de outra forma,: como organizações que para
obter os seus benefícios privados estão dispostas a formular políticas que lhes garantam a maximização
dos votos, do mesmo modo que as empresas económicas estão dispostas a fabricar produtos que lhe
assegurem a maximização dos lucros.
Tal como no mercado económico se fala de “soberania do consumior”, também no mercado politico se
pode falar da “soberania do eleitor”, constituindo-se os partidos e os políticos profissionais como
mandatários das preferências e necessidades do “eleitor-mandante”.
Para Pizzorno os eleitores só podem estimar de forma mais correcta os benefícios inerentes à actuação
governamental de cada partido mediante o reconhecimento de uma “colectividade identificadora”, que
permita não só definir os seus interesses e prioridades mas que confira também significado às suas opções
eleitorais. Donde, e em completo contraste com o modelo downsiano, a abordagem identitária refere-se
ao uso da ideologia como um instrumento essencial para criar e consolidar interesses colectivos de médio
e longo prazo – a partir dos quais os representados exigem aos representantes a satisfação das suas
utilidades imediatas, oferecendo-lhes em troca a sua lealdade e o seu voto -, e não já como um mero
mecanismo de redução de “custos do acto de votar”.
À medida que muitos prognósticos do Otto Kircheheimer sobre a trajectória evolutiva dos partidos e suas
consequências para a democracia foram conhecendo a confirmação dos factos, o tom ainda
especulativo da sua análise cedo deu lugar à tese insistentemente enunciada e reiterada de que a
afirmação generalizada do cath-all party estaria na origem da crescente debilidade e até “declínio
organizacional dos partidos políticos
É neste sentido que Panebianco, depois de abordar as transformações sociais, politicas e tecnológicas que
no segundo pós-guerra impuseram o aparecimento do partido profissional-eleitoral, se refere ao “processo
de desinstitucionalização” que parece afectar os partidos nas democracias actuais, tornando-se bastante
mais bebeis e vulneráveis do que os partidos de massas clássicos.
O “processo de desistitucionalização” implica não só a perda de autonomia dos partidos em relação ao
ambiente em que actuam – reforçando, assim, a sua dependência face aos grupos de interesses ou de
pressão e face ao aparelho do Estado – mas também a perda de sistematização ou coerência estrutural
dos partidos, resultante da retracção dos velhos aparelhos burocráticos e do crescente peso
organizacional dos novos políticos profissionais e dos cargos eleitos.
Kircheheimer e Panebianco estão de acordo no que respeita à debilidade organizacional do novo partido
catch-all, visto tratar-se de:
uma organização partidária pouco coesa e coerente, no plano interno;
sem ambições em formar identidades colectivas sólidas e estáveis
promover e “encapsulamento” de sectores específicos do leitorado, no plano externo
Nem um nem outro sustenta a tese da obsolescência dos partidos enquanto organizações ou da sua
substituição por novos actores sociais e políticos.
Esta tese aproxima-se bastante mais da visão proposta por Alessandro Pizzorno, segundo a qual os partidos
de integração de massas – enquanto organizações capazes de estruturar o comportamento politico e
garantir a estabilidade eleitoral e partidária – correspondem a um momento específico da evolução dos
partidos há muito ultrapassado, tornando-se estes cada vez mais redundantes e, por isso, suscpetíveis de
virem a ser substituídos por organizações não partidárias independentes integradas na sociedade civil.
Para Pizzorno, se os partidos dotados de poderosas organizações de massas, com ideologias e programas
bem definidos foram essenciais para promover e controlar o acesso de novas camadas das população ao
sistema politico, tornaram-se contudo supérfluos uma vez alcançados tais objectivos. Não sendo de
admirar que, superada essa fase transitória e excepcional, os partidos tenham relegado para segundo
plano o desenvolvimento e a manutenção de uma estrutrura organizativa de massas e apostado na
profissionalização e personalização das lideranças, bem como da adopção das novas técnicas de
campanha afim de garantir o sucesso eleitoral e o controlo dos recursos governativos..
Tendo em conta os desenvolvimentos recentes de muitos partidos na Europa Ocidental, alguns autores
afirmam que se no decurso do século XXX os partidos de quadros ou de comité foram impelidos a
transformar-se em partidos de massas ou de secção (ou, pelo menos, a adoptar algumas das suas
características), no inicio do séc. XXI assiste-se a um processo em sentido inverso: ao retorno a um modelo
de partido dotado de uma organização débil e flexível, destinada quase exlusivamente à selecção dos
candidatos e ao enquadramento dos eleitos (dos notáveis, em sentido democrático e não aristrocrático),
tendo em vista garantir a unidade e coesão interna do partido no parlamento e, por conseguinte, o apoio
parlamentar ao governo.
È neste sentido que Ruud Koole fala em “partidos de quadros modernos”, ou seja:
partidos orientados fundamentalmente para a competição no mercado eleitoral;
destituídos de uma estrutura organizativa forte e coerente;
sem uma ideolologia ou programa político claramente definidos;
caracterizadas por lideranças altamente personalizadas, centralizadas e profissionalizadas, resultado do
desenvolvimento de campanhas eleitorais cada vez mais centradas e dependentes dos média
electrónicos, em especial da televisão.
Para Claus Offe, mais do que constata o fenómeno de “americanização” dos partidos europeus e as suas
consequências políticas, o que importa sublinhar é a substituição dos partidos como organizações por
novos actores sociais e políticos.
Características definidoras do “partido competitivo” preponderante nas democracias representativas
actuais:
perda de radicalidade ideológica
desactivação dos membros de base
erosão das identidades colectivas
Offe admite a possibilidade da desintegração do partido político como forma dominante de
representação democrática das massas e a sua substituição por outras formas consideradas mais
adequadas na intermediação entre a sociedade e o poder do Estado, dando o autor particular destaque
aos chamados novos movimentos sociais considerados mais flexíveis, mais informais e, acima de tudo, mais
ajustados à dinâmica e complexidade de uma sociedade moderna.
Para Lawson e Merkl, a crescente debilidade organizacional dos partidos políticos e o seu aparente
fracasso no desempenho de algumas funções tradicionais (em especial as representativas) explicam o seu
cepticismo quanto à capacidade destes conseguirem manter intacto o papel e a centralidade detidos
nos sistemas democráticos, sendo de admitir a qua progressiva substituição por “organizações
alternativas”, capazes de interpretarem e representarem coerente e eficazmente os interesses e as
solicitações de importantes estratos da sociedade civil que, dada a sua novidade, mutiplicidade e
complexidade, só muito dificilmente podem ser articulados e agregadis por forças politicas tradiconais.
Para terminar este ponto, importa referir que o fim do apogeu dos partidos de massas e a consequente
afirmação dos partidos eleitoralistas não afastaram a “ameaça oligárquica” denunciada por Robert
Michels no inicio do século XX, tornando-a ainda mais presente e inescapável.
Kirchheimer, ao caracterizar os partidos do tipo catch-all, sublinha o facto de as lideranças se tornarem
cada vez mais dominantes a ponto de esmagarem a democracia interna, dificultando o controlo politico
das bases e afastando-as dos processos de tomada de decisão, especialmente da selecção dos
candidatos para cargos electivos dentro e fora do partido.
Panebianco, ao definir o tipo-ideal de partido profissional-eleitoral, salienta o processo de crescente
autonomização das lideranças de topo face às estruturas intermédias e às bases do partido, confirmando
a ausência de condições propícias a um funcionamento plenamente democrático no interior das
organizações partidárias surgidas no segundo pós-guerra.
Claus Offe relaciona as características organizacionais e as lógicas de funcionamento dos partidos
competitivos (ou do tipo catch-all) com a crise dos fundamentos da representação democrática, já que,
em seu entender, é a dinâmica competitiva e concorrencial que os partidos imprimem às democracias
Não obstante os processos de uniformização que parecem resultar da análise da evolução dos ,modelos
teóricos de partido, o que a realidade mostra é a presença simultânea de diferentes tipos de partido,
clássicos e modernos, num mesmo sistema politico; bem como a combinação em proporções e formas
variadas de diferentes características ideal-típicas, num mesmo partido.
A emergência de um novo modelo de partido: o partido- cartel
6.1 Contributos para uma discussão crítica das teses sobre o cartel party
políticos?
Os desafios colocados aos partidos pela nova clivagem materialisto versus pós-
materialismo