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1.

1 Escorço histórico sobre o uso do agrotóxico

As atividades humanas estão em constante modificação, desde as primeiras civilizações o


ser humano se dedica à sua subsistência e, dentre outros processos, a domesticação de vegetais e
animais foram os mais importantes. Tais processos de sobrevivência, não diferente dos demais,
obrigou o ser humano a se adaptar e desenvolver novas aptidões para o controle e produção dos
meios de subsistência, visto que o preço a ser pago por desafiar o curso mais natural do
ecossistema foi e continua sendo uma constante luta contra a própria natureza.

O controle químico de pragas não é tão recente, José Prado Alves Filho (2002, p. 23) ensina
que escrituras gregas e romanas, com mais de três mil anos indicam o uso de químicos, tal como
arsênico, para o controle de insetos. O autor também cita outros povos que também faziam uso de
químicos com a finalidade de controlar insetos, a exemplo dos chineses, que há dois mil anos
utilizavam piretrina1.
As sociedades, durante esses três ou dois mil anos, não parou de crescer e junto a ela a
enorme demanda de adaptação a novos formatos sociais, necessidades de subsistência, costumes,
modificações de climas, solos seleção e evolução de espécies, surgimento de modelos econômicos,
dentre outros tantos fatores sociais e naturais que compõem tal conjuntura.
Eis que em um longo passo na história, chega-se ao contexto da Revolução Industrial, início
do uso dos produtos tóxicos com destinação ao combate dos organismos indesejados, todavia, a
intensificação do uso só se daria após a segunda Guerra Mundial, diante de uma conjuntura
geopolítica ainda sensível e bastante complexa.

1.2.1 A intensificação do uso dos agrotóxicos

O início da intensificação do uso dos agrotóxicos no Brasil não guardou relevante atraso em
relação ao contexto europeu e Estadunidense, de modo que a conjuntura do pós-Segunda Guerra
Mundial também exerceu fortes influencias na américa do Sul, principalmente pelo avanço
econômico rumo à condição de países subdesenvolvidos a qual na época se encontrava o Brasil e
outros dos países latino-americanos, de modo que figuravam como ótimos potenciais mercados
para as empresas europeias e americanas.
Um dos primeiros movimentos para modificação da atividade agrária brasileira, partindo de
um contexto natural para a inserção em um programa de desenvolvimento, segundo LARISSA
CAMAPUM DE SOUZA (ANO 2018, P.25), se deu no Governo Getúlio Vergas, entre 1930 a 1945, com

1
Composto natural derivado do Chrysanthemum cinerariaefolium, popularmente conhecido como
Crisântemo. BRASIL. ANVISA. P22 – Piretrina.
Disponívelem:<http://portal.anvisa.gov.br/documents/111215/117782/p22.pdf/6b04c6d3-7125-4af0-98a8-
579663098359>. Acesso em: 28 set. 2018.
a chamada questão agrária, justamente como uma alternativa de transformação do homem do
campo, que era visto como um entrave,2 para um agente ativo do desenvolvimento nacional.
Embasado pelo programa nacional de desenvolvimento supracitado, após a Segunda Guerra
mundial, no Século XX, mais precisamente em 1945, o uso dos agrotóxicos foi intensificado de
forma nunca vista até então, visto que, conforme afirma CLEBER FOLGADO (2017, P. 9), as novas
conjunturas geopolíticas e as inovações modificariam a produção de alimentos e a agricultura
nunca mais seria a mesma, visto que as adaptações de substância utilizadas na guerra, para uma
nova finalidade no pós-guerra, incidiriam diretamente na produção de alimentos.
Desse modo, os “excedentes de guerra” e todo o seu pacote tecnológico se encontrava à
beira do ócio e com sua finalidade aparente estancada pelos acordos de paz, quando em verdade
radiava potencial econômico e hegemônico. Assim, tais excedentes foram adaptados para o uso na
atividade agrária, conforme exemplifica FOLGADO (2017, Pg. 9), sendo que, as armas químicas
foram destinadas e adaptadas para o controle de organismos indesejados na agricultura e os
tanques de guerra se transformaram em tratores e outras máquinas também destinados às
mesmas atividades afins.
Sobre o referido contexto do legado deixado para a agricultura pela Segunda Guerra
Mundial, DAVID BULL E DAVID HATHAWAY (1986, Página. 150) explicam como como surgiu a
indústria dos agrotóxicos:
As maiores empresas da indústria química europeia e norte-americana logo
descobriram o poder letal dos seus novos produtos conta as pragas da agricultura e
partiram para o desenvolvimento técnico e comercial de venenos “modernos” para
a agricultura, baseados nos mesmos compostos e processos químicos utilizados na
produção de armas químicas.

Pode-se inferir que as grandes empresas fabricantes de armas químicas, foram oportunistas
diante do contexto que se encontravam. Os verdadeiros impérios dos fabricantes de químicos não
estavam dispostos a definharem após o fim da guerra e, por conseguinte encontraram uma
oportuna alternativa para continuarem suas atividades diante da preocupação mundial com a
pobreza e a fome, aliadas aos novos modelos de políticas agrárias que se instalavam em diversas
partes do mundo, tal como a questão agrária, no caso do Brasil. Eis que a conjuntura abria uma
nova porta para as indústrias de armas químicas e de veículos de guerra, uma oportuna alternativa
para se adaptarem ao mercado agrícola de produção de alimentos.
Perante o nascimento do uso intensivo dos agrotóxicos no contexto do pós-guerra, a Bióloga
americana Rachel Carson (1969, p. 25), afirma que “Pela primeira vez na história do mundo, cada
um dos sêres (sic) humanos está agora sujeito a entrar em contato com substâncias químicas
perigosas, desde o momento em que é concebido, até o instante em que sua morte ocorre.”. A

2
Entende-se que nesse contexto, não só o homem do campo, leia-se “o pequeno produtor”, era visto como
um entrave para o desenvolvimento nacional, mas também os indígenas e quilombolas.
afirmação de Carson se baseiam no fato de que as substâncias eram encontradas na maior parte
dos grandes sistemas.
Nesse contexto de intensificação e naturalização do uso dos agrotóxicos, tendo em vista a
contaminação da maior parte dos grandes sistemas naturais, tal como observa Rachel Carson, é
possível compreender o surgimento da contaminação do meio ambiente em geral, além da
contaminação crônica dos seres humana pelo consumo desenfreado dos agrotóxicos, em um
recorte mais específico, visto que cada ser humano estava sujeito a entrar em contato com tais
substâncias químicas em qualquer dos sistemas.
Toda essa movimentação da indústria bélica para se realocar no mercado, criou um nicho
que progressivamente foi se transformando em uma tendência mundial, que se espalhou por todo
meio ambiente, inaugurando uma nova era tecnológica para a agricultura. Estava-se, então, a partir
da década de 1960, diante da Revolução Verde, movimento fruto do desenvolvimento da indústria
dos químicos sintetizados e da mecanização agrícola recebendo o suporte do modelo capitalista
destinado ao campo.
Paulo Ricardo de Souza Bezerra (2003, p. 35), ao tecer comentário sobre a Revolução Verde,
afirma que:
O que se deu, em verdade, foi a substituição dos modelos de produção agrícola
locais ou tradicionais por um padrão subordinado a um conjunto de inovações tecnológicas
pautadas pelo incremento na mecanização nas lavouras, a adoção de variedades vegetais
potencializadas e a utilização marcante de insumos de natureza química.

Nesse sentido, percebe-se que os fatores econômicos e geopolíticos da segunda metade do


século XX, progressivamente não se sustentava sobre as bases dos modelos agrícolas locais ou
tradicionais, de modo que tal movimentação acarretou no crescimento das tecnologias,
engenharias genéticas, mecânicas, químicas e demais ciências, em prol de uma conjuntura da nova
agricultura, com o desenvolvimento dos produtos vegetais, da elevada produtividade e qualidade
diferenciada dos alimentos, pelo menos aparentemente, tendo em vista que muitos podem
padecer de contaminações. Por tudo isso, o processo ficou conhecido como Revolução Verde.
Diante do crescimento do movimento tecnológico destinado ao campo, principalmente no
que diz ao uso dos agrotóxicos, o mercado, criando a cada vez maior dependência dos produtos
químicos, insumos, sementes, maquinas e demais aparatos e técnicas, necessitava de um aporte
para continuar se consolidando, de modo que os standards da produção suficiente de alimentos e
da eliminação da fome se mostraram perfeitos como justificativas para o uso do pacote
tecnológico. Revela-se, a partir de tais premissas, a importância do viés ideológico para a criação e
manutenção de um movimento.
Ellen Magni Dunck (2016, p. 27), tratando sobre o viés ideológico justificador trazido no
bojo da Revolução Verde, explica que “Os defensores da ‘revolução verde’ afirmavam que somente
com a melhoria das técnicas de produção, seria possível acabar com a escassez e a dependência de
alimentos; consideravam-na, assim, com uma solução para a crise de alimentos.”. Desse modo, o
processo de dependência, os danos para a saúde e meio ambiente, dentre outros efeitos criados
pelo pacote tecnológico, justificar-se-iam à luz do utilitarismo da produção de alimentos para
eliminação da fome.
Marcela Müller e Marcos Catalan (2014, p. 725), pontuam o paradoxo que envolve o
standard da revolução verde, de modo que, em um mundo com pessoas que sequer alcançarão a
adolescência, pelo fato de não terem o que comer, existe um mundo que engorda e que sofre com
tal processo. Os autores notam que em muitos lugares do mundo os problemas alimentares
decorrem do excesso de oferta de alimentos, pelo menos, inadequados para o consumo humano.
Pode-se depreender que o problema da fome mundial não fez a bandeira da revolução
verde tremular no que diz respeito à produção da alimentação suficiente e saudável para todos,
mas sim, mostrou uma produção de alimentos em abundancia para um consumo excessivo e
inadequado para os que podem acessá-los. Desse modo, o problema da fome não é a produção
quantitativa, mas sim de aceso, qualidade e não desperdício dos alimentos. A verdadeira bandeira
contra a fome, justificadora de políticas de produção agrícola, deve ser calcada em uma política de
condições materiais para acesso aos alimentos e aos meios de produção destes.
Todo o processo de consolidação do movimento da Revolução Verde não poderia se
sustentar apenas com o aporte ideológico justificador do consumo do pacote tecnológico, de modo
que se mostrava necessário um subsídio de políticas públicas governamentais e legais, com a
parceria de financiamentos bancários, por exemplo, para alicerçar a produção, circulação e
consumo do pacote tecnológico da Revolução Verde.
O legislativo, então, como o principal responsável pela criação de um dos maiores
instrumentos de controle social, a lei, amparado por políticas governamentais e bancárias,
intensificou ainda na década de 1980, diversos esforços para contemplar as crescentes
necessidades do mercado e dos consumidores, ensejando assim a formação de um sistema
normativo de agrotóxicos que, todavia, insuficiente até o presente momento, no que diz respeito à
tutela da saúde e do meio ambiente frente a uma atividade extremamente danosa e fora dos
parâmetros constitucionais previstos no art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil,
de 22 de setembro de 1988.3

3
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em: 27 set. 2018.

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