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Manual: Mensagens Português 12.º ano, pp.

23-26
Texto editora
Texto 1: Pessoa e a sua época

[E]m 1915, Pessoa declara duas coisas importantes em carta a Côrtes-Rodrigues: a primeira é a sua consciência de
que «ter uma ação sobre a humanidade, contribuir com todo o poder do meu esforço para a civilização» se tornaram
os «graves e pesados fins» da sua vida; a segunda é a sua fundamental «ideia patriótica”, que ele apresenta como
«uma consequência de encarar a sério a arte e a vida». [...]É em torno dos anos 20 que Pessoa tem maior atividade
política. É um período de transição na vida nacional que sucede à agitada presidência de Sidónio Pais em 1918. A
aura messiânica desta figura desperta um grande entusiasmo popular, mas num quadro de confusão e violência que
culmina com o seu assassinato. É também, de novo, um tempo de paz depois do Armistício da Primeira Grande
Guerra. Pode dizer-se que Pessoa vive o apogeu da afirmação nacionalista, movimento, e ideologia, nascido no
século XVIII na Europa Ocidental e na América, que vai crescendo ao longo do século XIX e conduz à violência
extrema das guerras no século XX. No contexto português, e na sequência dos traumas políticos do Ultimam e do
Regicídio, desde a Geração de 70 até à Renascença Portuguesa de 1910, a ideia de regeneração nacionalista adquire
um tom de urgência que mobiliza todas as correntes ideológicas e atravessa todas as práticas culturais. Por outro
lado, a história de Pessoa é de alguém cuja educação se faz em duas culturas nacionais, e para sempre fica dividido
entre duas línguas e dois mundos. É, nisso, uma personagem atípica no drama do nacionalismo português, que tem
em Antero e Pascoaes dois protagonistas. [...]Poder-se-ia, então, descrever Pessoa como um republicano
sebastianista, ou, talvez melhor, como um nacionalista liberal, mas com variações que podem ir, nada menos, que
do anarquista ao monárquico. Ou seja, que podem abarcar polos opostos do espectro ideológico. E avulta na sua
atuação pública, também, uma vontade fundamental de defesa da liberdade de expressão, quer nos manifestos de
1923 quer, mais tarde, como a sua violenta recusa de Salazar. Fernando Cabral Martins, Introdução ao Estudo de
Fernando Pessoa, Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, pp. 154-166.

Texto 2: O Modernismo

Pela sua abrangência cronológica, pela sua dispersão geocultural e até pelas suas contradições internas, o
Modernismo constitui, antes de mais, um conceito difuso. [...]Numa perspetiva de largo alcance, pode dizer-se que o
Modernismos e estende desde os finais do século XIX (cerca de 1890, segundo alguns autores), até depois da 2.ª
Guerra Mundial, mesmo até ao final dos anos50, quando vão aflorando teorias e práticas culturais classificadas como
pós-modernistas; numa perspetiva mais restrita, o Modernismo estende-se das vésperas da Primeira Guerra
Mundial até à segunda guerra mundial, sendo que os anos 20 e 30 são o seu tempo mais fecundo. Em Portugal, o
aparecimento e a maturação do Modernismo relacionam-se com a relevância cultural assumida por algumas revistas
e naturalmente pelos autores que nelas colaboram; os marcos decisivos da afirmação modernista são constituídos,
em 1915, pelos dois números da revista Orpheu1 (um terceiro, já em provas, acabou por não vir a público). A par
desta, outras revistas servem de lugar de manifestação literária e doutrinária do Modernismo português: Centauro e
Exílio (1916), Contemporânea (1922-1926) e Athena (1924-1925); entre 1927 e 1940 publica-se a revista Presença,
que não só faz ecoar o legado cultural da chamada Geração de Orpheu como, segundo alguns autores, pode ser
considerada o órgão cultural de um segundo Modernismo português. Um outro aspeto problemático da
caracterização genérica do Modernismo tem que ver com a confluência, nesse tempo histórico-cultural, de múltiplos
movimentos de uma forma ou de outra envolvidos na dinâmica modernista. Deparamos aqui comum importante
componente da herança finissecular2 que se prolonga no Modernismo; com efeito, se no final do século XIX se
multiplicam os «ismos» – uma multiplicação que é evidência de grande efervescência cultural e, simultaneamente,
de uma certa crise ideológica –, no tempo do Modernismo essa tendência chega a assumir contornos de paroxismo3
ou então de provocação deliberada. O Ultraísmo 4, o Criacionismo 5, o Imagismo 6, o Vorticismo7, o
Construtivismo*, o Expressionismo*, o Cubismo* e ainda(no contexto do Modernismo português) o Sensacionismo
*, o Intersecionismo *, um incipiente Paulismo*, o Neopaganismo* e o Futurismo* [...] são alguns desses «ismos”.
Deles ficou, nalguns casos, testemunho notório da vocação inovadora e experimental do Modernismo; noutros
casos, eles patenteiam [...] a necessidade de aprofundar e especializar facetas específicas da poética do
Modernismo. [...]Do ponto de vista ideológico, o Modernismo incorpora e potencia valores que estimulam a
reinterpretação da pessoa feita personagem, tendo em atenção um estádio civilizacional exteriormente pujante e
eufórico, mas atravessado, no seu interior, por tensões e excessos de muito problemática harmonização. Noutros
termos, dir-se-á que o tempo histórico-civilizacional do Modernismo é o de uma época de acentuada industrialização
e de intenso desenvolvimento das comunicações que anulam distâncias, tudo congraçado 8 num conceito quase
obsessivo, traduzido na palavra mágica que na época se impõe: a Modernização, semanticamente relacionada com o
termo-conceito Modernismo.

Carlos Reis, O Conhecimento da Literatura, Coimbra, Edições Almedina, 2008, pp. 453-461.

Texto 3: A Geração de Orpheu

Por inícios da guerra de 1914-18 reuniram-se os fatores de um movimento estético pós-simbolista em Lisboa. Aí se
conheceram, entre outros, Fernando Pessoa, cuja adolescência se formara na África do Sul, dentro da cultura
inglesa, Mário de Sá-Carneiro, que entre 1913-16 passou grande parte do tempo em Paris, Almada-Negreiros e
Santa-Rita Pintor, que traziam de Paris as novidades literárias e sobretudo plásticas de futurismo e correntes afins. A
estas e outras personalidades do grupo atribui a opinião pública sinais de degenerescência9, mas hoje é fácil
reconhecer que eles produzem, em conjunto, a maior renovação poética portuguesa deste século. Particularidades
de formação e temperamento relacionáveis com uma maior instabilidade social, e com influências cosmopolitas
mais ou menos diretas, haviam-nos alheado tanto dos republicanos jacobinos como de um tradicionalismo mais ou
menos novirromântico. Alguns manifestos como o Ultimatum de Almada-Negreiros e o de Álvaro de Campos, no
Portugal Futurista, exprimem até o repúdio de todas as formas de idealismo romântico da pequena burguesia e
também de todas as formas culturais que assumiam no tempo, quer esse idealismo, quer as suas mistificações.
Pessoa colaborou em A Águia, mas dando do saudosismo uma versão extremista e provocatória, e rompendo as
últimas amarras que o poderiam, dubiamente, prender ao senso comum do tempo. Neste grupo, e afins, cujos
órgãos principais foram Orpheu (2 números, 1915), Eh real!/ (1 n.º, 1915), Centauro (1 n.º, 1916), Exílio (1 n.º, 1916),
Ícaro (3 n.º, 1916),Portugal Futurista (1 n. o, 1917), Contemporânea (1922-26, 3 séries, 13 n. os), Athena(1 série,
1924-25, 5 n.º), Revista Portuguesa (1923) e Sudoeste (S.W., 3 vols., 1935),nada há de definidamente programático:
com a irreverência iconoclástica 10, que utiliza todas as formas possíveis de publicidade, mesmo as mais cabotinas
11, alternam apenas da metapsíquica12, da astrologia e uma religiosidade heterodoxa13 e esotérica14.Em vez do
escândalo político à Gomes Leal, é o escândalo dos costumes e do senso comum que traz a notoriedade.

António José Saraiva & Óscar Lopes, «Geração de “Orpheu”» in História da Literatura Portuguesa, 16.ª ed., Porto,
Porto Editora, 2010, pp. 1039-1040.
Orpheu: retoma do nome de uma per- 6 Imagismo: movimento literário 9 Degenerescência: declínio, degra-
sonagem da mitologia grega. Conhe- modernista que teve no poeta dação.
cido pelas suas qualidades musicais, norte-americano Ezra Pound 10 Iconoclástica: que rejeita os mo-
é representado na literatura acompa- (1885-1972) o seu maior impulsionador. delos literários do passado e qual-
nhado da sua lira e como símbolo da Caracteriza-se pela quer inscrição social ou religiosa.
música, da poesia e da arte. produção de poemas breves, que 11 Cabotinas: que se acham impor-
2 Finissecular: de fim de século. recriam sensações visuais. tantes, pretensiosas.
3 Paroxismo: excesso, exagero. 7 Vorticismo: corrente vanguardista 12 Metapsíquica: ciência que estuda os
4 Ultraísmo: movimento surgido em britânica, desenvolvida fenómenos paranormais.
Madrid, em 1918, cujo principal pelo pintor inglês Wyndham 13 Heterodoxa: que abule qualquer
objetivo era sintetizar todas as ten- Lewis (1882-1957), que pro- religião.
dências da vanguarda mundial. curou conceber uma linguagem 14 Esotérica: que é relativa ao
5 Criacionismo: filosofia da liber- inovadora, capaz de representar oculto ou ao sobrenatural.
dade, radicado nas infinitas as sensações de atividade e movi-
capacidades criadoras do pensa- mento próprias da civilização * Consultar Glossário no final da
mento, que dinamicamente se industrial, através do abstracionismo e da Unidade 1, p. 151.
liberta dos determinismos natu- disposição concêntrica das figuras
rais e sociais. representadas.
8 Congraçado: harmonizado, incluído.
4. Algumas temáticas modernistas

• A euforia do moderno e da tecnologia.


• A relação poeto-dramática da heteronímia.
• O tédio, a dissolução do sujeito, a morte.
• A crise existencial (a máscara, o retrato, o espelho).
• A exploração da psique (mente) humana.
• A fragmentação, a despersonalização.
• A sinceridade e o fingimento.
• ... Fonte: Carlos Reis, O Conhecimento da Literatura, Coimbra, Edições Almedina, 2008, pp. 462-468.

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