Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1. INTRODUÇÃO
2. DESENVOLVIMENTO
2.1.CONCEITUAÇÕES E PONDERAÇÕES INICIAIS
Esta “virada” é muito bem demarcada pela antropóloga Janet Arsten, a partir de
conceitos como “relatedness”, que propõe atenção aos processos e relações do que é
“ser parente”, obviamente em contraposição aos laços biológicos ou às explicações
gerais de filiações.
Os exemplos da potência desta abordagem podem ser vistos, por exemplo, na análise
dos eventos críticos, de violência e extermínios, diagnóstico de doenças, processos de
adoção, migrações, sobretudo dos excessos operados pelos Estados, pois é daí que o
parentesco emerge como um tipo particular de socialidade no qual certas formas de
temporalidade e de memória e certas disposições em direção ao passado, presente e
futuro são possíveis, enquanto outras são excluídas.
Para uma melhor compreensão da entrada da temática das memórias nas análises de
parentesco, é necessário delimitar uma sequência de críticas antropológicas aos
clássicos demarcadores de parentesco.
2.2.DO “FIM DO PARENTESCO” ÀS POLITICAS DA MEMÓRIA
Foi a partir da segunda metade do século XX, que as críticas ao parentesco sacolejaram
não apenas o que se tinha sistematizado sobre este campo de estudos antropológicos,
mas também, a própria antropologia.
As produções de Gayle Rubin (1986), Marilyn Strathern (1992), Judith Butler (2003),
Janeth Arsten (2004), dentre outras, são decisivas nos redimensionamentos dos ganhos
conceituais e epistemológicos, por isso, políticos, dos estudos de parentesco
É a partir deste “mote”, como coloca Cláudia Fonseca (2011), em seu estudo sobre
como a antropologia do direito e a teoria da biopolítica oferecem elementos que
facilitam a compreensão de certos impasses relacionados à família (idem), que torna-se
imprescindível acompanhar relações outras que, imersas em suas situacionalidades,
imprimem sentimento, termos, e demais dimensionamentos de parentesco; é possível,
pergunta a autora: (...) “operar com noções de parentesco sem um discurso moral que
embasa as relações sociais?” (Id. p.18).
A ideia é, portanto, adentrar por situações etnográficas que não têm junções óbvias ou
tradicionais entre relatedness, memória e política. A perspectiva sobre memória e
parentesco, se apreendida a partir da perspectiva antropológica, é melhor
demonstrada a partir de pesquisas particulares, como veremos a seguir.
Outro exemplo, pode ser visto na etnografia de Laura Bear sobre as famílias anglo-
indianas de Kharagpur, por exemplo, mostra como os amigáveis fantasmas domésticos
contêm uma visão particular do passado e possuem uma influência determinante no
presente, materializando as conexões entre as gerações e a localidade de Kharagpur. A
autora assinala que ao se traçar a cultura material do parentesco é preciso estar atento
a tipos específicos de reificações experienciais envolvidas. Neste caso, os fantasmas
domésticos tornam-se provas irrefutáveis de conexões com o passado.
Ainda sobre a questão, a pesquisa de Michael Lambek sobre Alice Alder, uma
curandeira suíça, retoma as relações entre o parentesco e os atos e as práticas que
fazem parentesco. O autor enfatiza que lembrar é uma prática moral. Para ele, quando
um amigo ou parente lhe pergunta se você se lembra de algo e você responde “eu me
lembro”, isso demonstra a afirmação de um relacionamento social em sua
temporalidade mais profunda e, nesse sentido, a memória é dialógica e expressa uma
ética do cuidado, o que, para Lambek, não seria diferente do parentesco.
Por fim, a etnografia sobre as memórias de eventos críticos, pela história pessoal de
Janeth Asrten, a autora trata das relações entre memórias e parentesco a partir do
Holocausto. Destaca-se, nesta pesquisa, a potência dos documentos para acionar as
lembranças de eventos políticos e sentimentos de pertencimento, como também de
luta política pelo não esquecimento de situações catastróficas.
A noção de paisagem é trazida aqui para explorar as memórias das redes de parentesco e
vizinhança das famílias quilombolas de Vargem Grande, habitantes do Parque Estadual da
Pedra Branca, no Rio de Janeiro. A percepção nativa da paisagem se distancia das políticas
ambientais, da contemplação e do lazer para se transformar no registro das vidas, atividades
e itinerários das gerações passadas, que deixaram suas marcas e pegadas nela.
Contrariamente à paisagem-objeto, compreendida como uma entidade externa e separada,
que se observa à distância, o caso oferece a perspectiva de uma relação mais simétrica entre
paisagem e moradores, desafiando a separação ontológica entre sujeito e ambiente. Nesta
definição, lugares constituem pessoas e vice-versa; pessoas e lugares constituem paisagens.