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ABSTRACT: The aim of this article is to demonstrate the relationship between the
knowledge produced for old people, the power games that come into operation to
ensure a better aging process and the subjectivity of these individuals. The discursive
corpus is composed by enunciations about aging in media press, and it was analyzed
from Foucault's referential. One realizes the crossing of disciplinary, security and
control devices in the manufacture of an elderly subject, businessman of himself.
Keywords: Oldness; Media; Foucault's studies.
Giusti, P.H., & Henning, P.C. (2015, abril-junho). A produção do sujeito-velho como empresário de si: cadernos de
saúde fabricando modos de vida. Revista Kairós Gerontologia,18(2), pp. 31-57. ISSN 1516-2567. ISSNe 2176-901X.
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Introdução
1
A sociedade líquido-moderna apresentada por Bauman refere-se à época atual em que estamos vivendo. Uma época
de fluidez, de incertezas e inseguranças, em que as condições sob as quais agem seus integrantes mudam em um
tempo mais curto, mais rápido, do que aquele necessário para a consolidação das regras, dos hábitos e das formas
de agir (Bauman, 2009).
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Poderíamos nos utilizar de outros tantos, que cotidianamente são colocados em nossa
rotina pessoal e profissional como programas de televisão, blogs, filmes, novelas, livros,
programas de rádio, revistas, redes sociais, entre outros que trazem a voz de
especialistas e produzem “verdades” que nos interpelam e fazem com que tenhamos
algumas escolhas e não outras para conduzir nossa forma de viver.
Entendemos o conceito de verdade a partir do referencial foucaultiano (2005,
2010a), que nos remete à ideia de uma produção discursiva capaz de constituir nossa
maneira de ser e agir na atualidade. Para Foucault, a verdade é o “conjunto das regras
segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro, efeitos
específicos de poder” (Foucault, 2010, p.13). Não se trava uma luta em defesa da
verdade, mas sim interessa a função político-econômica que ela desempenha.
Na correnteza dessa discussão, o autor destaca a relação que ocorre entre a
verdade e os sistemas de poder, no sentido de serem responsáveis por sua produção e
ainda de dar o apoio necessário, além de estar atrelada aos efeitos de poder
especialmente quando estes reproduzem a ou as verdades. Sandra Corazza contribui
com essa reflexão ao dizer:
[...] a verdade não é uma coisa a ser descoberta. A verdade não é uma
questão de identidade com o “real” ou com a natureza. Fundar, em vez
disso, uma epistemologia do verídico: o que conta como verdade ou
como verdadeiro? Como se define o que é verdadeiro, quem define e
sob que condições? Centrar-se não na verdade, mas nos seus efeitos.
Buscar não a verdade, mas as relações de poder que possibilitam sua
existência. Destacar não as condições lógicas e empíricas, mas as
condições históricas e políticas de produção da verdade. Buscar
descrever não a “verdade”, mas os seus regimes (Corazza, 2003, p.
15) [grifos da autora].
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2
Sobre dispositivo da velhice, ver em: Giusti, Haertel Patricia, Henning, Corrêa Paula. Dispositivo da Velhice: o dito
e o não dito na sua fabricação. In: Argumentum, Vitória (ES/Brasil), 6(1), jan./jun., 2014, pp. 208-222.
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Para cada uma das proposições feitas pelo Estado, existe uma série de alternativas, de
possibilidades que podem ser consumidas pelas pessoas com mais idade, em um
primeiro momento, independentemente de sua classe social.
Na esteira das estratégias biopolíticas apresentadas por Michel Foucault,
observamos a presença da sociedade de controle pensada por Deleuze (1992).
Entendemos a presença dos mecanismos de controle como um realce às tramas de
segurança que estamos envolvidos nos dias de hoje. Da mesma forma que estudamos,
nas obras foucaultianas, a modificação de uma sociedade disciplinar para uma
biopolítica, em Deleuze vemos também uma discussão sobre essa alteração,
evidenciando marcas distintas de uma sociedade disciplinar e de uma sociedade de
controle. Nas palavras do autor: “não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas”.
(Deleuze, 1992, p. 220).
Assim, quando observamos o referencial deleuziano sobre sociedade de controle,
percebemos uma discussão comparativa em busca de novas estratégias, que nos
mostram que a sociedade disciplinar, marcada pelos confinamentos, dá espaço a um
novo cenário, que aponta, por exemplo, que as fábricas, um local onde os indivíduos
eram vigiados na individualidade, são substituídas pelas empresas, que são vistas como
uma forma de modular os seres humanos a partir de desafios, metas e consequentemente
vigiá-los pela quantidade produzida. Ocorre, com isso, uma segmentação na população,
classificando-a em determinados públicos.
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Encontrar ocupações que satisfaçam os idosos para que eles permaneçam desenvolvendo-
as, a fim de garantir suas capacidades, reabilitar algumas funções e prevenir qualquer
incômodo é o desafio posto para esse momento.
Em sua obra Nascimento da Biopolítica (2008a), Michel Foucault dedica uma aula
para discutir o neoliberalismo americano e o europeu, a teoria do capital humano e a
redefinição do homo oeconomicus como empreendedor de si mesmo. Trazemos alguns
aspectos apresentados nessa aula para mostrar como as situações que são produzidas para
a velhice, nos dias de hoje, estão diretamente associadas a esse conceito de homo
oeconomicus e especialmente como somos convidados para cada vez mais nos tornarmos
uma empresa, ou seja, investirmos em nós mesmos como fonte de garantia para uma vida
melhor.
Ao longo da escrita, Foucault (2008a), apresenta alguns elementos do liberalismo
americano, formado no século XVIII, destacando três pontos: o primeiro mostra que o
liberalismo foi convocado como princípio fundador e legitimador do Estado; o segundo
que teve recorrência nas discussões e opções políticas dos Estados Unidos e o terceiro que
o não-liberalismo se apresentou como um corpo estranho na introdução de objetivos
socializantes. “O liberalismo, nos Estados Unidos, é toda uma maneira de ser e de pensar.
É um tipo de relação entre governantes e governados, muito mais que uma técnica dos
governantes em relação aos governados”. (Foucault, 2008a, p.301).
Na sequência, o autor vai demonstrando as características do neoliberalismo como
uma arte de governar necessária para que as estratégias biopolíticas entrem em operação e
deem conta de uma série de acontecimentos que ocorrem ao logo da vida das populações.
Apresenta a teoria do capital humano como um dos elementos da concepção neoliberal
americana. Por intermédio dessa discussão, mostra que a economia passa a ser analisada a
partir da programação estratégica da atividade dos indivíduos, colocando o trabalhador
como um sujeito economicamente ativo. Ressurge o homo economicus, com um
deslocamento na concepção:
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Este tem sido um dos maiores investimentos da ciência nos últimos tempos. Seja na
individualidade, como mostramos no excerto acima, ou em nível populacional mais
amplo, temos sido atravessados por solicitações de exames e de orientações que nos
conduzem a rotinas de acompanhamento médico, nutricional, de educadores físicos, em
prol de um cuidado maior com nossa saúde. Precisamos garantir um capital humano
rico em saúde, ativo e produtivo, que na continuidade de sua atividade laboral consiga
gerar renda para si e com isso se tornar consumidor daquilo que deseja para viver mais e
melhor.
Olhando agora para as reflexões que mostram os elementos adquiridos, que
também constituem o capital humano, Foucault (2008a) nos convida a analisar os
investimentos educacionais e culturais feitos nas crianças especialmente. As ações e
atividades realizadas pelos pais para cuidar dos filhos por um período maior, a bagagem
cultural proporcionada, a melhoria das condições relativas à saúde dos indivíduos e a
garantia da mobilidade para que os sujeitos possam se qualificar e obter uma melhor
renda são considerados investimentos capazes de constituir um capital humano.
Juntos, elementos inatos e adquiridos dão conta de formar um capital humano
capaz de qualificar o processo de produção, de inventar e desenvolver tecnologias, de
descobrir coisas importantes e com isso gerar inovação. Dessa forma, todo o
investimento feito nas pessoas é para que ocupem uma melhor posição e
consequentemente adquiram uma renda melhor. Essa condição é determinante na
orientação de políticas econômicas, sociais, culturais e educacionais que são construídas
para que cada vez mais as pessoas, aqui no caso os idosos, consigam usufruir de um
cenário de utilidade maior, que proporcione espaços de trabalho, de lazer, de saúde,
adequados para essa população.
Talvez para a geração de idosos que existe hoje no Brasil ainda não se tenha
grandes efeitos dos estudos genéticos que podem desenvolver o capital humano a partir
dos elementos hereditários, mas com certeza para as próximas gerações de velhos muito
já se tem discutido e produzido para que, antes mesmo do nascimento, exames e
procedimentos sejam possíveis de realizar para que tenhamos uma criança cada vez
mais saudável, um adulto bastante ativo e produtivo e consequentemente um velho com
condições de viver mais e melhor.
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É o que se deseja, é o investimento que se faz para que todos conheçam as alternativas
propostas pela ciência, em relação especialmente às ações de prevenção de patologias
que existem e, sempre que possível, realizem.
Se observarmos a produção do sujeito-velho enquanto constituído por elementos
adquiridos, é possível dizer que muito tem se falado e mostrado para que novamente,
desde antes do nascimento, todos sejamos conduzidos a reproduzir técnicas e formas
que garantam uma vida longe das doenças. E, durante toda a vida, somos direcionados a
continuar executando esses cuidados com a saúde. São essas orientações e dicas para
eliminação das patologias, ou melhor, para saber conviver com algumas delas, levando
uma vida melhor, que também funcionam com objetivo de colocar o sujeito-velho numa
condição de capital humano.
Quando retomamos a reportagem apresentada no caderno Vida, Como desfrutar
a maturidade (Vida, Zero Hora, 28/05/2005), especificamente o excerto analisado em
páginas anteriores, fica evidente a presença do velho como um homo economicus na
aposentada Maria Bocomy, ou seja, o desenvolvimento de um capital humano atrelado a
elementos que foram adquiridos e que contribuíram para que esta senhora de 92 anos se
mantenha ativa, produtiva e ainda satisfeita com sua rotina de vida. É perceptível ainda
o quanto o processo de envelhecimento está sendo gerenciado por uma arte de governar,
rodeada de estratégias biopolíticas que transformam os indivíduos em consumidores e
objetos de consumo. Temos na atualidade uma série de produtos e oportunidades
destinadas aos velhos, para que esses conheçam e, para além disso, comprem e utilizem.
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O Estatuto do Idoso tem sido o instrumento jurídico que garante aos indivíduos
com mais de 60 anos um acesso mais “igualitário” às condições de saúde, moradia,
alimentação, lazer e trabalho. Políticas complementares que aparecem diariamente vão
dando sustentação e operacionalizando os direitos contidos no Estatuto. Programas
governamentais especialmente na área da saúde destinados às pessoas com mais idade
têm sido rotina na atualidade. As residências multiprofissionais em saúde do idoso, as
ligas acadêmicas de geriatria, o programa de orientação para o trabalho – PET Saúde do
Idoso são alguns exemplos do investimento público em ações que facilitam o acesso
daquelas pessoas com menores condições financeiras. O que estamos queremos mostrar
é que mesmo o recurso financeiro sendo um facilitar para uma velhice saudável, o
Brasil vem se preparando para que todos entrem nessa lógica de investir no próprio
corpo. Mesmo que em número reduzido, as atividades estão disponíveis para todos!
Na reportagem de capa do Jornal Zero Hora, O tempo voa (Vida, Zero Hora,
28/03/2009), mencionada anteriormente nesse artigo, verificamos a condição financeira
sendo apresentada como um dos obstáculos presentes na velhice. Após a aposentadoria,
uma redução no orçamento doméstico pode trazer estresse e escassez de recursos em
momentos de doença, por exemplo. Nessa mesma matéria, porém, é apresentado ao
leitor o que se deve fazer entre os 60 e 80 anos e acima de 80 anos. Uma lista de
cuidados que inclui orientações para realização de exercícios regulares, de controle de
peso, de efetivação de vacinas contra gripe e pneumonia, de estimulação de convívio
com amigos e familiares entre outras atividades mostram que é possível que as pessoas
desenvolvam práticas sem dispor de um grande investimento financeiro. Basta
novamente que cada um deseje seguir as dicas que estão sendo apresentadas nos
cadernos de saúde, cuidando de sua saúde, gerenciando seu corpo. E, se segui-las, terão
a condição de produzir renda e, consequentemente, adquirir com mais facilidade esses
serviços.
A quantidade de serviços disponíveis para que cada indivíduo torne-se
empresário de si é algo rotineiro em nossas vidas. Não questionamos a importância
deles, nem mesmo se devem ou não existir. Nossa problematização se dá em pensar de
que modo essa trama discursiva, apresentada na mídia impressa, nos molda, nos
interpela e nos constitui como sujeitos velhos – ou em alguns casos, como futuros
sujeitos velhos. Que escolhas são feitas na velhice e também ao longo da vida? De que
forma somos conduzidos para essas escolhas?
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Esses questionamentos estão cada vez mais presentes em nosso dia a dia. Parece que
viver em uma sociedade líquido-moderna de consumidores tem nos tornado atores em
busca de uma felicidade fácil, que está ao alcance de todos. “Os consumidores
satisfeitos, ocupados em cuidar de seus interesses particulares, vão esplendidamente
bem, obrigado...” (Bauman, 2009, p.63).
Outras capas dos cadernos de saúde reforçam essa problemática que estamos
apresentando. Muitos serviços são criados para que o capital humano idoso mantenha-se
em investimento constante. A informação do aparecimento de novas técnicas que
envolvem o envelhecimento são constantemente explicitadas nos veículos de
comunicação e fazem com que os indivíduos busquem seus direitos, a fim de garantir o
pertencimento nesse mundo, onde todos desejam viver mais e melhor. Citamos algumas
dessas capas: Um presente para você (Vida, Zero Hora, 24/12/2005), Beleza e
juventude, do sonho à perfeita realidade (Viva Bem, Diário Popular, 12/03/2008),
Neurônios sarados (Vida, Zero Hora, 21/04/2007), Evolução médica ontem hoje (Vida,
Zero Hora, 24/02/2007), Células-tronco – grupo da UFPel pleiteia laboratório para
desenvolver pesquisas (Viva Bem, Diário Popular, 13/09/2005), Ginástica para o
cérebro (Vida, Zero Hora, 22/04/2006), Pele saudável – Previna-se de problemas
futuros e saiba como se proteger do sol intenso (Viva Bem, Diário Popular,
04/01/2005)
Se analisarmos o título das reportagens percebemos o convite que é feito para
abrir o caderno de saúde e mergulhar nas orientações e dicas que são trazidas ao longo
dos textos. Observar as inovações presentes para a população de velhos nos faz refletir
sobre a modificação que tivemos ao longo dos tempos de uma sociedade disciplinar,
confinada em espaços como a escola, a fábrica, as casernas, os hospitais para uma
sociedade biopolítica, que utiliza mecanismos de segurança associado a mecanismos de
controle a partir da proliferação de informações especialmente pelo uso da máquina
cibernética e dos computadores. O acesso facilitado a essas informações coloca os
indivíduos, especialmente os com mais idade, na condição de buscar o conhecimento
sobre os cuidados que devemos ter em relação à saúde e que de uma forma ou de outra
devemos segui-los. “O homem não é mais o homem confinado, mas o homem
endividado” (Deleuze, 1992, p. 224).
Giusti, P.H., & Henning, P.C. (2015, abril-junho). A produção do sujeito-velho como empresário de si: cadernos de
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Nas capas que citamos existe uma disseminação de elementos que são
apresentados todos os dias à população.
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Talvez isso pouco importe, pois hoje somos preparados para buscar as alternativas que
estão sendo oferecidas, mesmo que estas não estejam ao alcance de todos, o que está em
jogo é que todo o sujeito-velho a seu tempo seja um empresário de si. O caminho está
dado e o que sabemos é que novas e outras estratégias surgirão para que, quem sabe, de
forma mais acelerada, tenhamos a população de idosos ativos, produtivos, saudáveis.
Considerações finais
As reportagens de capa sobre velhice presentes nos cadernos Vida e Viva Bem
parece que deram conta de mostrar como a mídia tem sido potente nas discussões sobre
a constituição do sujeito-velho em uma sociedade denominada líquido-moderna. Os
saberes produzidos pela geriatria e pela gerontologia são apresentados nas páginas desse
artefato midiático em um formato de guia para que as mais variadas pessoas possam
entendê-lo e tomarem como objetos em sua vida. Por se tratarem de dicas oriundas de
profissionais que dedicam seu tempo no estudo do envelhecimento, são frequentemente
aceitas e atendidas, fazendo com que cada um de nós se transforme em um
empreendedor de si. Os cuidados com a saúde ficam na responsabilidade do sujeito que
é “livre” para suas escolhas. O investimento feito por cada um talvez seja a garantia de
uma vida mais prolongada.
As enunciações também conseguiram nos fazer refletir sobre os jogos de força
que estão presentes nessa fase da vida. Os dispositivos disciplinares, de segurança e de
controle encontram-se articulados na composição do velho-saudável. Ao trazer o
discurso das ciências que estudam o envelhecimento, as reportagens apontam
fortemente para formas de ser e viver a velhice nos dias de hoje. A biopolítica como
uma estratégia de poder está presente em todos os momentos, reforçando a ideia de que
o cuidado com a saúde deve ser permanente, acontecendo desde cedo, desde o
nascimento.
O sujeito-velho como homo economicus também se faz presente nas matérias
produzidas nos cadernos de saúde. Observamos um crescente investimento dos
indivíduos sobre seus corpos. Os sujeitos entram, aceitam e assumem esse jogo do viver
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mais. Consomem o que podem e o que não podem em busca de alternativas que os
mantenham bem e vivos.
Nessa lógica percebemos que os mecanismos de controle reforçam os de
segurança e criam outras estratégias biopolíticas que são fundamentais para o
funcionamento das sociedades contemporâneas. Os aparatos tecnológicos para o
desenvolvimento dos indivíduos vão surgindo e colocam o velho na condição de ser
espelho daqueles que chegam à velhice em bom estado mental e físico.
Parece-nos, então, que mesmo com uma possível escassez de brasileiros que
podem consumir o que está posto como mais atual e adequado para alcançar a
longevidade, faz-se necessário caminhar na direção de um público de idosos, em que
cada ação individual reflete na constituição do sujeito-velho desejado, aquele que faz
suas escolhas, seus investimentos pensando em seu próprio bem-estar. Aquele que deixa
a condição de dispendioso, e se une aos demais, a partir do entrelaçamento
proporcionado pelos mecanismos disciplinares e de segurança que vão pouco a pouco,
por meio de investimentos próprios e do Estado, moldando a forma pela qual cada idoso
deve conduzir sua rotina pessoal, profissional e de lazer.
O que nos resta aqui é reforçar nossos questionamentos sobre todos esses
mecanismos que são produzidos em prol de um processo de envelhecimento que almeja
o viver mais e melhor. Olhar para as enunciações que nos foram apresentadas e pensar o
quanto essas estão presentes em nosso dia a dia, o quanto direcionam nossas escolhas
em buscar serviços para o constante cuidado com o corpo e ainda, o quanto fizemos em
prol de não correr o risco de escapar do dispositivo da velhice. Para nós não resta
dúvida: somos subjetivados e tramados por este potente dispositivo que nos captura,
ensinando modos de ser e viver a velhice no cenário contemporâneo.
Referências
A VELHICE em boas mãos – desafio futuro, Zero Hora, Porto Alegre (RS), 27 jul,
2012, Vida, 01-08.
ARACNOBELEZA – peeling de enzimas de aranha rejuvenesce a pele, Diário Popular,
Pelotas (RS), 30 ago, 2005, Viva Bem, 01-01.
ASILO da nova década, Zero Hora, Porto Alegre (RS), 19 mar, 2008, Vida, 01-08.
Bauman, Z. (2009). Vida Líquida. (2a ed.). Rio de Janeiro (RJ): Jorge Zahar.
Giusti, P.H., & Henning, P.C. (2015, abril-junho). A produção do sujeito-velho como empresário de si: cadernos de
saúde fabricando modos de vida. Revista Kairós Gerontologia,18(2), pp. 31-57. ISSN 1516-2567. ISSNe 2176-901X.
São Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP
56 Patricia Haertel Giusti, & Paula Corrêa Henning
Giusti, P.H., & Henning, P.C. (2015, abril-junho). A produção do sujeito-velho como empresário de si: cadernos de
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São Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP
A produção do sujeito-velho como empresário de si: cadernos de saúde fabricando modos de vida 57
Recebido em 20/05/2015
Aceito em 20/06/2015
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Giusti, P.H., & Henning, P.C. (2015, abril-junho). A produção do sujeito-velho como empresário de si: cadernos de
saúde fabricando modos de vida. Revista Kairós Gerontologia,18(2), pp. 31-57. ISSN 1516-2567. ISSNe 2176-901X.
São Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP