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FACULDADE UNINASSAU DE BRASÍLIA


CURSO DE ODONTOLOGIA
DISCIPLINA: ÉTICA E BIOÉTICA
PROFESSORA: PATRÍCIA GUERREIRO MIRANDA

COMPILAÇÃO DO CONTEÚDO TRABALHADO NA DISCIPLINA PARA ESTUDO

BIOÉTICA Para isso, a Bioética, como área de pes-


quisa, necessita ser estudada por meio de uma
A Bioética tem como objetivo facilitar metodologia interdisciplinar. Isso significa que
o enfrentamento de questões éticas/bioéticos profissionais de diversas áreas (profissionais
que surgirão na vida profissional, afim de con- da educação, do direito, da sociologia, da eco-
ceder subsídios para que as pessoas possam re- nomia, da teologia, da psicologia, da medicina
fletir e saber como se comportar em relação às etc.) devem participar das discussões sobre os
diversas situações da vida profissional em que temas que envolvem o impacto da tecnologia
surgem os conflitos éticos. sobre a vida. Todos terão alguma contribuição
O início da Bioética ocorreu no começo a oferecer para o estudo dos diversos temas de
da década de 1970, com a publicação de duas Bioética. Por exemplo, se um economista do
obras muito importantes de um pesquisador e governo propõe um novo plano econômico que
professor norte-americano da área de oncolo- afeta (negativamente) a vida das pessoas, ha-
gia, Van Rensselaer Potter. verá aspectos bioéticos a serem considerados.
Um dos conceitos que definem Por essa razão, os próximos itens tra-
Bioética (“ética da vida”) é que esta é a ciência tarão de um resgate de conceitos das ciências
“que tem como objetivo indicar os limites e as humanas que são fundamentais para o enfren-
finalidades da intervenção do homem sobre a tamento de questões éticas que surgem em
vida, identificar os valores de referência racio- razão do progresso da ciência nas áreas da
nalmente proponíveis, denunciar os riscos das saúde.
possíveis aplicações” (LEONE; PRIVITERA;
CUNHA, 2001).
O progresso científico não é um mal, nas possíveis implicações (positivas ou negati-
mas a “verdade científica” NÃO pode substi- vas) dos avanços da ciência sobre a vida (hu-
tuir a ética. mana ou, de maneira mais ampla, de todos os
Contexto histórico e as relações assistenciais seres vivos). Ele sugeriu que se estabelecesse
uma “ponte” entre duas culturas, a científica e
Todos nós sofremos influências do am- a humanística, guiado pela seguinte frase:
biente em que vivemos, sejam elas históricas, “Nem tudo que é cientificamente possível é eti-
culturais ou sociais. Para construirmos uma re- camente aceitável”.
flexão bioética adequada, devemos conhecer e Hipócrates de Cos (séc. IV a.C.) é con-
entender essas influências (afinal não podemos siderado o “Pai da Medicina”. Sua importância
excluí-las de nossas vidas!). é tão reconhecida que os profissionais da
saúde, no dia da formatura, fazem o “Jura-
O paternalismo hipocrático mento de Hipócrates”. Segundo esse jura-
mento, os profissionais devem se comprometer
Um aspecto bastante importante a ser a sempre fazer o bem ao paciente.
considerado para que possamos construir a re- Entretanto, devemos retomar alguns
flexão bioética de maneira adequada é compre- conceitos históricos para compreender melhor
a influência dessa época. No século IV a.C., a
ender a influência histórica exercida desde a
sociedade era formada por diversas castas (ca-
época de Hipócrates. madas sociais bem definidas e separadas entre
Van Potter estava preocupado com a di- si) que faziam com que ela fosse “piramidal”.
mensão que os avanços da ciência, principal- Mas o que isso significa? Isso quer dizer que,
mente no âmbito da biotecnologia, estavam ad- na base da pirâmide, encontrava-se a maior
quirindo. Assim, propôs um novo ramo do co- parte das pessoas: os escravos e os prisioneiros
nhecimento que ajudasse as pessoas a pensar
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de guerra, que nem mesmo eram considerados estudá-las isoladamente), sem dúvida contri-
“pessoas”. Eles eram tratados como objetos e buiu para o desenvolvimento da ciência. Entre-
não tinham nenhum direito. Logo acima deles, tanto, o cartesianismo gerou a superespeciali-
numa camada intermediária (portanto em zação do saber, entre os quais o saber na área
número um pouco menor), estavam os ci- da saúde.
dadãos. Os cidadãos eram os soldados, os ar- Esse fato colaborou para a perda do en-
tesãos, os agricultores, e estes tinham direitos tendimento de que o paciente é uma pessoa
e deveres. No topo da pirâmide (portanto, um única e que deve ser considerado em sua tota-
número bastante reduzido de pessoas) estavam lidade (em todas as suas dimensões), pois nos
os governantes, os sacerdotes e os MÉDICOS. acostumamos a estudar apenas aquela parte do
A importância desse resgate histórico é corpo humano que vamos tratar.
ressaltar que os médicos daquela época esta- De fato, com o avanço cada vez mais
vam em uma posição hierárquica superior às rápido da ciência, fica cada vez mais difícil sa-
das outras pessoas, e essa diferença de posição ber de tudo. Entretanto, não podemos perder a
também se manifestava em um “desnivela- visão de que o paciente que vamos atender é
mento de dignidades”. Isso significa que os um todo, para não sermos “um profissional que
médicos (semideuses), ainda que tivessem a sabe quase tudo sobre quase nada” e que assim
intenção de curar os doentes, eram pessoas su- não conseguirá resolver o problema do paci-
periores, melhores que as outras (tinham mais ente.
valor que as outras).
Ao longo da história, a estrutura da so- A descoberta dos microrganismos e a conse-
ciedade deixou de ser piramidal, mas essa pos- quente ênfase no estudo da doença
tura “paternalista”, ou seja, na qual os profissi-
onais da saúde são considerados “pais”, ou me- No século XIX, com a evolução dos
lhores que os seus pacientes, ainda hoje é per- microscópios, os cientistas Louis Pasteur e Ro-
cebida com frequência. bert Koch iniciaram uma nova fase na evo-
Os profissionais da saúde detêm um co- lução da ciência: a descoberta e o estudo dos
nhecimento técnico superior ao dos pacientes, microrganismos. Até aquela época, não se sa-
mas não são mais dignos que seus pacientes, bia o que causava a maioria das doenças, pois
não têm mais valor que eles (como pessoas). esses seres diminutos não podiam ser observa-
Quando o profissional se considera su- dos. A partir das descobertas desses cientistas,
perior (em dignidade) a seu paciente, também a ciência na área da saúde começou a caminhar
temos uma postura paternalista. a passos largos. Entretanto, podemos atribuir a
Os profissionais que se baseiam nessa essas descobertas uma mudança de foco dos
postura paternalista são aqueles que não res- profissionais do “doente” para a “doença”, ou
peitam a autonomia de seus pacientes, não per- seja, quando os profissionais se preocupam
mitem que o paciente manifeste suas vontades. mais com as doenças (e seu estudo) do que com
Por outro lado, também alguns pacientes não o doente (e a consequência das doenças para o
percebem que podem questionar o profissional doente).
e aceitam tudo o que ele propõe, pois conside- Todos esses fatos históricos podem ter
ram que “o doutor é quem sabe”. contribuído para o processo de “desumani-
zação” da assistência ao paciente, e a tentativa
O cartesianismo de reverter esse quadro vem sendo foco de es-
tudos de diversos pesquisadores, bem como
Estabelecido por René Descartes no alvo de políticas do governo federal.
século XVII, o método cartesiano (ou cartesia-
nismo), ao propor a fragmentação do saber Contexto cultural e as relações assistenciais
(com a divisão do “todo” “em partes” para
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Além do contexto histórico, devemos conceito ao de responsabilidade, pois todos os


entender o contexto cultural e social em que es- nossos atos têm alguma consequência para ou-
tamos inseridos antes de enveredar para a dis- tras pessoas. Na lógica individualista, esse
cussão bioética. Algumas vezes nem percebe- princípio é absoluto. Contudo, o princípio ético
mos quais são as ideias que nos cercam e que da autonomia é empregado em seu verdadeiro
podem dificultar a adoção de uma postura rea- valor quando implica o reconhe- cimento de
lista (nesse contexto, adotamos o conceito de que cada pessoa humana merece ser respeitada
que uma postura realista é aquela que consi- nas suas opiniões.
dera todos os aspectos de uma situação ou rea-
lidade). Hedonismo
Mas a que nos referimos quando fala-
mos de contexto cultural ou social? Destaca- A segunda corrente cultural e social
mos três modalidades que exer- cem atual- que nos cerca é o hedonismo. Na lógica hedo-
mente grande influência na reflexão ética: o in- nista, a supressão da dor e a ex- tensão do pra-
dividualismo, o hedonismo e o utilitarismo. zer constituem o sentido do agir moral. Falar
em suprimir a dor e estender o prazer, em um
Individualismo primeiro momento, parece ser algo positivo.
Então quando começa a distorção? Quando
No seu formato mais radical, o indivi- essa busca se torna o único referencial para to-
dualismo propõe que a atitude mais importante das as nossas ações. Este é o hedonismo. O de-
para tomarmos uma decisão seja a reivindi- sejo de felicidade é reduzido a uma perspectiva
cação da liberdade, expressa na garantia incon- de nível físico, material, sensorial (e felicidade
dicional dos espaços individuais. Obviamente é muito mais do que isso!).
todos concordam que a liberdade é um bem Quando falamos em felicidade em um
moral que precisa ser defendido. Mas, nesse sentido mais amplo, estamos nos referindo a
caso, trata-se de uma liberdade que se resume algo bem maior do que prazer físico, a algo que
à busca de uma independência total. pode existir até em condições em que a dor
Contudo, essa independência não é física ou um limite físico se manifesta. Entre-
possível, pois nós somos seres sociais, frutos tanto, se reduzirmos tudo à questão de eliminar
de relações familiares e dependentes de víncu- a dor e estender o prazer, colocamo-nos em
los sociais. Essas relações determinam limites uma perspectiva terrena, isto é, material, quase
às liberdades individuais e impõem responsa- que fisiológica ou neurológica.
bilidades diante das consequências dos atos in- Na reflexão ética, o predomínio dessa
dividuais na vida dos outros. Os vínculos nos lógica hedonista faz com que o conceito de
fortalecem, a independência nos fragiliza. Não “vida” fique reduzido a essas ex- pressões sen-
podemos falar de “liberdade” sem considerar a soriais de dor e prazer. Logo, para o hedo-
“responsabilidade” dos nossos atos. nismo, uma vida que ainda não tem ou que já
Muitas vezes, definimos liberdade perdeu “qualidade de vida” não seria uma vida
como na seguinte frase: “Minha liberdade ter- digna de se levar em consideração, não seria
mina quando começa a liberdade do outro”. uma vida digna de ser vivida. A “qualidade de
Entretanto, ao limitarmos a compreensão do vida” para o hedonismo é interpretada como
conceito de liberdade a essa frase, quem for eficiência econômica, consumismo desenfre-
mais “forte” de- terminará quem será “mais li- ado, beleza e prazer da vida física. Ficam es-
vre”. Nessa lógica, o conceito de autonomia quecidas as dimensões mais profundas da
fica enfraquecido, pois só os “mais fortes” con- existência, como as interpessoais, as espiritu-
seguirão exercer a sua liberdade. ais e as re- ligiosas. E esquecer (ou não consi-
Para que todos tenham o direito de ex- derar) essas dimensões se torna um risco para
pressar a sua liberdade, é preciso atrelar esse
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a interpretação correta da expressão “quali- Para nós, o fundamento ético é como se


dade de vida”. fosse a estrutura de um prédio. A fundação do
prédio é a estrutura de concreto ou de metal
Utilitarismo que permite que a construção seja feita e que o
prédio permaneça em pé. Se a estrutura não for
A terceira corrente cultural (e social) benfeita, o prédio desaba (como aconteceu no
que nos influencia é o utilitarismo. Nessa pers- Rio de Janeiro com os edifícios Palace I e Pa-
pectiva, as nossas ações se limitam a uma ava- lace II, em que foi usada areia da praia para fa-
liação de “custos e benefícios”. O referencial zer a estrutura dos prédios, o que culminou
“ético” para as decisões é ser bem-sucedido; o com o desaba- mento dos edifícios).
insucesso é considerado um mal. Só o que é O nosso fundamento ético é tão impor-
útil tem valor. tante quanto a estrutura de um prédio. Se esse
Em princípio, valoriza-se algo positivo: fundamento não está bem entendido, corremos
o justo desejo de que nossas ações possam ser o risco de não enfrentar de maneira adequada
frutíferas. Mas o problema desse raciocínio os desafios éticos que a nossa profissão pode
utilitarista é que, com facilidade, pode-se en- trazer. Entretanto, uma vez compreendido esse
tender que “só o que é útil tem valor”. E isso fundamento, ele não precisa ser lembrado a
também não é verdade! todo tempo (como a estrutura de um prédio
Em uma sociedade capitalista, nossas que, no final da construção, nós não vemos,
ações são determinadas pelo mercado. Isso sig- mas na qual confiamos quando entramos no
nifica que aquelas pessoas consideradas im- edifício). O fundamento ético será sempre a
produtivas, aquelas que representam um custo base para a nossa tomada de decisão. Mas qual
para a sociedade, aquelas que perderam (ou é esse fundamento?
que nunca tiveram) condições físicas ou men-
tais para participar do sistema de produção de A pessoa humana
bens e valores de forma eficiente, são classifi-
cadas como “inúteis”. É o caso dos idosos, dos Para trilhar um caminho correto diante
deficientes físicos, das crianças com proble- dos diversos dilemas éticos que podemos en-
mas de desenvolvimento etc. Nessa lógica uti- contrar na nossa atividade profissional, preci-
litarista, não vale mais a pena – ou é muito one- samos de uma “base sólida”, de um funda-
roso – defendê-los, ampará-los, incentivá-los. mento, que nos oriente nos momentos de de-
Contudo, não é ético que nossas ações cisão.
fiquem restritas a essa correlação entre custos Contudo, o valor da vida de algumas
e benefícios. Pessoas com necessidades espe- pessoas, em diferentes épocas, não foi respei-
ciais e aquelas consideradas vulneráveis de- tado (e ainda hoje, em muitos casos, não é). Por
vem ser consideradas dignas de respeito; são exemplo: os escravos no Brasil (até a Abolição
pessoas humanas, e isso é condição suficiente da Escravatura, em 1888), com consequente (e
para que sejam respeitadas. Além disso, o Es- ainda frequente) discriminação dos afrodes-
tado deve protegê-las sempre que possível. cendentes; os prisioneiros nos campos de con-
centração na 2a Guerra Mundial; os pacientes
Fundamentação da Bioética – o valor da com necessidades especiais (como os portado-
vida humana res do vírus HIV em diversas situações); as
mulheres e os pobres em diversas sociedades
Existem diversas propostas para esta- (inclusive na nossa), dentre tantos outros
belecer quais são os critérios (o fundamento, a exemplos.
base) que devem nos orientar nos processos de
decisão com os quais podemos nos deparar na Os princípios da Bioética
nossa vida profissional.
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Após a compreensão desse fundamento O segundo princípio que devemos uti-


(o respeito pela pessoa humana), podemos lizar como “ferramenta” para o enfrentamento
utilizar “ferramentas” para facilitar o nosso de questões éticas é o princípio da autono-
processo de estudo e de decisão sobre os diver- mia.
sos temas de Bioética. A essas ferramentas De acordo com esse princípio, as pes-
chamamos princípios. soas têm “liberdade de decisão” sobre sua vida.
Esses princípios foram propostos pri- A autonomia é a capacidade de autodetermi-
meiro no Relatório Belmont, de 1978, para nação de uma pessoa, ou seja, o quanto ela
orientar as pesquisas com seres humanos e, em pode gerenciar sua própria vontade, livre da in-
1979, Beauchamps e Childress, em sua obra fluência de outras pessoas.
Principles of biomedical ethics, estenderam a A Declaração Universal dos Direitos
utilização deles para a prática médica, ou seja, Humanos, que foi adotada pela Assembleia
para todos aqueles que se ocupam da saúde das Geral das Nações Unidas de 1948, manifesta
pessoas. logo no seu início que as pessoas são livres.
A utilização desses princípios para fa- Nos últimos anos, tem sido frequente a busca
cilitar o enfrentamento de questões éticas é pela liberdade (ou autonomia). Nos casos de
muito comum entre os americanos e os brasi- atendimento clínico de pacientes, podemos
leiros. mencionar o Código de Defesa do Consu- mi-
dor, o qual, em alguns de seus artigos, garante
Beneficência/não maleficência proteção às pessoas que buscam serviços de
saúde, por exemplo, no que diz respeito ao di-
O primeiro princípio que devemos con- reito de ser suficientemente informada sobre o
siderar na nossa prática profissional é o de be- procedimento que o profissional vai adotar.
neficência/não maleficência (também conhe- Para que o respeito pela autonomia das
cido como benefício/não malefício). O be- pessoas seja possível, duas condições são fun-
nefício (e o não malefício) do paciente (e da damentais: a liberdade e a informação. Isso
sociedade) sempre foi a principal razão do significa que, em um primeiro momento, a pes-
exercício das profissões que envolvem a saúde soa deve ser livre para decidir. Para isso, ela
das pessoas (física ou psicológica). deve estar livre de pressões externas, pois qual-
Beneficência significa “fazer o bem”, e quer tipo de pressão ou subordinação dificulta
não maleficência significa “evitar o mal”. a expressão da autonomia.
Desse modo, sempre que o profis- sional pro- Em alguns momentos, as pessoas têm dificul-
puser um tratamento a um paciente, ele deverá dade de expressar sua liberdade. Nesses casos,
reconhecer a dignidade do paciente e consi- dizemos que ela tem sua autonomia limitada.
derá-lo em sua totalidade (todas as dimensões Vejamos o exemplo das crianças. Em
do ser humano devem ser consideradas: física, razão de seu desenvolvimento psicomotor, a
psicológica, social, espiritual), visando ofere- criança terá dificuldade de decidir o que é me-
cer o melhor tratamento ao seu paciente, tanto lhor para a saúde dela. Ela terá, ao contrário,
no que diz respeito à técnica quanto no que se uma tendência em fugir de todo tratamento que
refere ao reconhecimento das necessidades julgar desconfortável. Por essa razão, caberá
físicas, psicológicas ou sociais do paciente. aos responsáveis pela criança decidir o que de-
Um profissional deve, acima de tudo, desejar o verá ser feito, qual tratamento será mais ade-
melhor para o seu paciente, para restabelecer quado, porque o responsável deseja que a
sua saúde, para prevenir um agravo, ou para saúde da criança se restabeleça e que o melhor
promover sua saúde. tratamento seja feito.
Existem outras situações em que perce-
Autonomia bemos a limitação de autonomia de uma pes-
soa. Os pacientes atendidos em clínicas de
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Instituições de Ensino podem manifestar essa de uma pessoa. Se entendermos que o respeito
limitação de seu poder de decisão, principal- pela autonomia de uma pessoa é o princípio
mente quando existe fila de espera para o aten- que deve ser considerado em primeiro lugar,
dimento. Afinal, ele poderá pensar que perderá cairemos em uma armadilha. Nem sempre o
a vaga (que ele demorou tanto para conseguir) paciente tem condições de avaliar qual o me-
se ele reclamar de alguma coisa. lhor tratamento para ele (afinal ele é leigo, não
Outro exemplo de limitação de autono- tem o conhecimento técnico necessário para
mia pode ocorrer em casos de pesquisas bi- isso).
omédicas realizadas em países subdesenvolvi- Imaginemos um paciente que tem uma
dos. As populações desses países (incluindo a doença que exige a prescrição de medicamen-
do nosso), quando selecionadas para participar tos. Poderá́ ocorrer de ele se recusar a tomar os
de pesquisas de novos fármacos, são conside- remédios. Contudo, nesse caso, o profissional
radas vulneráveis (isto é, têm limitação de au- não pode alegar que “o paciente é adulto, sua
tonomia). Mas, apesar dessa limitação de auto- autonomia deve ser respeitada e por isso ele faz
nomia, essas pessoas serão tratadas e incluídas o que ele quiser”. Ao contrário, o profissional
em pesquisas. Como isso é possível? (por ter o conhecimento técnico que diz que
A correta informação das pessoas é aquele medicamento é necessário) deverá se
que possibilita o estabelecimento de uma rela- esforçar ao máximo para explicar ao paciente
ção terapêutica ou a realização de uma pes- a importância do medicamento, afinal o prin-
quisa. cípio da beneficência (e não o da autonomia)
A primeira etapa a ser seguida para mi- deve ser respeitado em primeiro lugar.
nimizar essa limitação é reconhecer os indiví- Em algumas situações, a liberdade (au-
duos vulneráveis (que têm limitação de auto- tonomia) de algumas pessoas não é respeitada
nomia) e incorporá-los ao processo de tomada para que se respeite o benefício de outras. Por
de decisão de maneira legitima. Assim, será́ exemplo, a proibição de fumar em ambientes
possível estabelecer uma relação adequada fechados. Se pensarmos no respeito pela auto-
com o paciente e maximizar sua satisfação com nomia daqueles que desejam fumar, não seria
o tratamento. ético proibir, mas se pensarmos no benefício
Para permitir o respeito da autonomia (ou não malefício) daqueles que não desejam
das pessoas, o profissional deverá explicar fumar, a proibição se justifica. Outro exemplo
qual será́ a proposta de trata- mento. Mas é a interdição de restaurantes ou clínicas pela
atenção! Essa explicação não se esgota na pri- vigilância sanitária quando estes não apresen-
meira consulta! Em todas as consultas o profis- tam condições satisfatórias para atender o pú-
sional deverá renovar as informações sobre o blico. O fechamento desses locais fere a auto-
tratamento. Além disso, é preciso ter certeza de nomia do dono da clínica ou do restaurante em
que o paciente entendeu as informações que re- benefício da sociedade que os frequenta.
cebeu. Precisamos nos preparar (estudar e
Por isso, consideramos que a informa- exercitar o que aprendemos) para nos compor-
ção não se encerra com as explicações do pro- tarmos de maneira ética.
fissional, mas com a compreensão, com a assi-
milação das informações pelos pacientes, Justiça
desde que essas informações sejam retomadas
ao longo do tratamento. O terceiro princípio a ser considerado é
A esse processo de informação e com- o princípio de justiça. Este se refere à igual-
preensão e posterior comprometimento com o dade de tratamento e à justa distribuição das
tratamento denominamos consentimento. verbas do Estado para a saúde, a pesquisa etc.
Entretanto, vamos imaginar a situação Costumamos acrescentar outro conceito ao de
oposta: o exagero na expressão da autonomia justiça: o conceito de equidade que representa
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dar a cada pessoa o que lhe é devido segundo profissional de se recusar a realizar um proce-
suas necessidades, ou seja, incorpora-se a dimento, aceito pelo paciente ou mesmo lega-
ideia de que as pessoas são diferentes e que, lizado.
portanto, também são diferentes as suas neces- Todos esses princípios (insistimos que
sidades. eles devem ser nossas “ferramentas” de traba-
De acordo com o princípio da justiça, é lho) devem ser considerados na ordem em que
preciso respeitar com imparcialidade o direito foram apresentados, pois existe uma hierarquia
de cada um. Não seria ética uma decisão que entre eles. Isso significa que, diante de um pro-
levasse um dos personagens envolvidos (pro- cesso de decisão, devemos primeiro nos lem-
fissional ou paciente) a se prejudicar. brar do nosso fundamento (o reconhecimento
É também a partir desse princípio que do valor da pessoa); em seguida, devemos bus-
se fundamenta a chamada objeção de consci- car fazer o bem para aquela pessoa (e evitar um
ência, que representa o direito de um mal!); depois devemos respeitar suas escolhas
(autonomia); e, por fim, devemos ser justos.
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EXPERIMENTAÇÃO COM SERES HUMANOS

CONTEXTO HISTÓRICO: REVO- Durante a revolução científica, a mu-


LUÇÃO CIENTÍFICA dança de percepções sobre o papel do cienLsta
em relação à natureza e o valor da evidência
Galileu Galilei experimental ou observada levou a uma meto-
• Século XVI. dologia científica na qual o empirismo desem-
• A única maneira de compreender a na- penhava um papel importante, mas não abso-
tureza é experimentando, logo, fazer ciência é luto.
comprovar através da experiência; Como a revolução científica não foi
• “O livro da natureza é escrito em carac- marcada por uma única mudança, muitas no-
teres matemáticos”; vas ideias contribuíram. Alguns deles foram
• Foi acusado, pelas autoridades, de ser revoluções em seus próprios campos.
inimigo da fé. Julgado pela Inquisição, reco- A ciência passou a desempenhar um
nheceu diante dos inquisidores que estava “er- papel de liderança no discurso e no pensa-
rado”, para poder terminar as suas pesquisas. mento do Iluminismo. Muitos escritores e pen-
Segundo a lenda, ele disse baixo: Eppur si mu- sadores do Iluminismo tinham antecedentes
ove ou “mas ela anda”, ou seja, que a Terra não nas ciências e associaram o avanço científico à
é um ponto fixo no centro do universo, como derrubada da religião e da autoridade tradicio-
defendia a Igreja. nal em favor do desenvolvimento da liberdade
de expressão e do pensamento.
Observação dos Fenômenos O modelo heliocêntrico que envolveu o
deslocamento radical da Terra para uma órbita
Análise das Partes (Relações Quantita- em torno do sol (em oposição a ser visto como
tivas) Indução de Hipóteses Generalização dos o centro do universo). O trabalho de Copérnico
Resultados de 1543 sobre o modelo heliocêntrico do sis-
Confirmação de Hipóteses Estabeleci- tema solar tentou demonstrar que o sol era o
mento de Leis Gerais centro do universo. As descobertas de Johan-
A revolução científica foi o surgimento nes Kepler e Galileu deram à teoria credibili-
da ciência moderna durante o início do período dade e o trabalho culminou nos Principia de
moderno, quando os desenvolvimentos em ma- Isaac Newton, que formularam as leis do mo-
temática, física, astronomia, biologia (inclu- vimento e da gravitação universal que domina-
indo a anatomia humana) e química transfor- ram a visão dos cientistas do universo físico
maram as visões da sociedade sobre a natureza. pelos três séculos seguintes.
A mudança para a ideia medieval da Estudar a anatomia humana com base
ciência ocorreu por quatro razões: colabo- na dissecação de cadáveres humanos, e não nas
ração, a derivação de novos métodos experi- dissecações de animais, praticadas há séculos.
mentais, a capacidade de construir sobre o le- Descobrir e estudar magnetismo e ele-
gado da filosofia científica existente e insti- tricidade e, portanto, propriedades elétricas de
tuições que permitiram a publicação vários materiais.
acadêmica. Modernização de disciplinas (tor-
Sob o método científico, que foi defi- nando-as mais como são hoje), incluindo
nido e aplicado no século XVII, circunstâncias odontologia, fisiologia, química ou óptica.
naturais e artificiais foram abandonadas e uma Invenção de ferramentas que aprofun-
tradição de pesquisa de experimentação sis- daram o conhecimento das ciências, incluindo
temática foi lentamente aceita em toda a comu- a calculadora mecânica, o digestor de vapor (o
nidade científica. precursor da máquina a vapor), os telescópios
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de refração e reflexão, a bomba de vácuo ou o • criação de feridas para testar novos me-
barômetro de mercúrio. dicamentos;
Valorização da experiência: eis a • operações e amputações desne-
noção-chave por meio do qual a tradição histo- cessárias.
riográfica compreendeu o advento da ciência
moderna. Por meio da dis?nção entre os con- Segunda Guerra Mundial
ceitos de “experiência” e “experimentação”, 1- Campos de concentração;
Koyré fundamentará sua maneira de interpre- 2- Inoculação experimental de sífilis em ado-
tar a revolução cienGfica do século XVII em lescentes;
oposição às interpretações con?das na histori- 3- Mulheres com lesões pré- cancerígenas no
ografia corrente. colo do útero;
Em Koyré experimentação difere de 4- Inoculação dos vírus da febre amarela, den-
simples experiência, pois o conceito de expe- gue, hepatite.
riência está relacionado às evidências empíri-
cas dos objetos, enquanto a experimentação ci- 1947: estabelecimento de normas reguladoras
enGfica se cons?tui a par?r de uma interro- de pesquisas em seres humanos.
gação metódica da natureza e exige a Código de Nuremberg:
existência de “uma linguagem que possibilite
essa interrogação bem como de um voca- •Em 9 de dezembro de 1946, o Tribunal Militar
bulário que permita uma interpretação das res- Internacional, em Nuremberg julgou vinte e
postas”. três pessoas - vinte das quais, médicos - que
foram consideradas
PESQUISA EM SERES HUMANOS culpados por experimentos realizados em seres
O ser humano pode ser o objeto ou o humanos nos campos de concentração nazis-
sujeito da pesquisa em seres humanos. tas.
Enquanto objeto o ser humano é usado Foi o primeiro dos 12 Processos de Guerra de
para experimentos sem nenhum cuidado ético: Nuremberg, sendo esse o Processo contra os
linfomas (crianças na Europa, fios de alta médicos.
tensão); leucemia (operadores de radar na Se- O Código de Nuremberg foi, sem dúvida, um
gunda Guerra Mundial). dos fatores do contexto onde surgiu a ideia do
Como sujeito o ser humano só parti- direito à autonomia que o paciente adquiriu ao
cipa de uma pesquisa se estiver de acordo e ci- longo dos séculos.
ente dos riscos e beneIcios a que será subme- Torna indispensável o consentimento vo-
tido. luntário;
Há a necessidade de estudo prévio em animais
PESQUISA EM SERES HUMANOS: em laboratórios;
HISTÓRICO Requer a análise dos riscos e benefícios;
Auschwitz-Birkenau (abril de 1940 a Respeita a liberdade do sujeito da pesquisa em
janeiro de 1945) se re7rar do projeto;
• Número de mortos - 1,1 milhão a 1,5 Exige a adequada qualificação do pesquisador.
milhão.
• Experiências: 1964: 18a Assembleia da Associação Médica
• Pesquisas com gêmeos e anões; Mundial:
• infecção com bactérias e vírus; Revisão do Código de Nuremberg;
• eletrochoque; Aprovação da Declaração de Helsinque;
• esterilização; •Necessidade de revisão de protocolos de pes-
• remoção de partes de órgãos; quisa por comitês independentes;
• ingestão de veneno; •Pesquisa médica sem fins terapêuticos.
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• o respeito à vulnerabilidade, sem, porém, ex-


Década de 80: clusão, isto é, preservação do direito de de-
Organização Mundial da Saúde e Conselho cisão;
Internacional da OMS: •a proteção à imagem, a não-estigmatização, o
Diretrizes internacionais para a pesquisa bi- direito à confidencialidade e à privacidade, nas
omédica em seres humanos. pesquisas em coletividade, bem como o res-
Documento reavaliado e publicado em nova peito aos valores culturais;
versão em 1993 pelo Conselho Federal de Me- • o planejamento das medidas para o
dicina – CFM, na revista Bioética. acompanhamento, tratamento ou orientação,
conforme o caso, nas pesquisas de rastrea-
Década de 90: mento, com a demonstração da preponderância
Conselho Internacional da OMS: de benefícios sobre os riscos e custos;
Cria o primeiro documento voltado para a pes- • a utilização de material biológico e dos
quisa em estudos de coletividade. dados obtidos na pesquisa exclusivamente para
NORMAS NO BRASIL – RESOLUÇÃO No a finalidade prevista no protocolo;
196/96
A Resolução no 13/6/1988: é o documento que 1995: Revisão da CNS nº 1:
regulamentar as normas da pesquisa em saúde. • a importância e a relevância do consenti-
1 de primeiro procurou mento livre e esclarecido, atestada pela pre-
sença de um capítulo (capítulo IV) no corpo da
NORMAS NO BRASIL – RESOLUÇÃO No resolução; enfatiza-se a obrigatoriedade de to-
196/96 dos os esclarecimentos ao sujeito da pesquisa
ü1995: Revisão da CNS no 1: (em linguagem acessível), resguardando-se o
• a incorporação dos referenciais básicos da direito à recusa e o direito de ter cópia do termo
Bioética (não-maleficência, beneficência, au- assinado;
tonomia, justiça, equidade, sigilo, privaci- •a exigência de apresentação do projeto de pes-
dade); quisa, por parte do pesquisador responsável,
• a proibição de qualquer forma de remu- contendo, entre outros, os seguintes dados: de-
neração, cabendo, porém, o ressarcimento de finições de atribuições, antecedentes científi-
despesas e indenização aos sujeitos da pes- cos, metodologia, análise crítica de riscos e be-
quisa; nefícios, duração do projeto, critérios de in-
• a conceituação de risco como sendo a clusão e de exclusão dos sujeitos, o compro-
possibilidade de danos à dimensão Mística, misso de tornar públicos os resultados, a pre-
psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou visão de riscos, a qualificação do pesquisador,
espiritual do ser humano; o orçamento detalhado;
• o respeito total à dignidade do ser hu- • a obrigatoriedade de apresentação do projeto
mano e a necessidade de se obter o consenti- ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da ins-
mento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo tituição, para apreciação;
e a proteção a grupos vulneráveis, excluindo- •a característica multidisciplinar da compo-
se as possibilidades de dependência, subordi- sição do CEP (não mais do que a metade dos
nação, coação ou intimidação; membros pertencentes a mesma profissão), in-
cluindo, obrigatoriamente, um representante
NORMAS NO BRASIL – RESOLUÇÃO Nº dos usuários;
196/96 • as atribuições do CEP, prevendo atividades
de caráter educativo, consultivo e deliberativo;
1995: Revisão da CNS nº 1:
11

COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA


• Valida eticamente as pesquisas; Ao pesquisador cabe:
• Diminui o número de pessoas desnecessa- - apresentar o protocolo devidamente instruído
riamente expostas a procedimentos inúteis ao CEP aguardando o pronunciamento deste,
ou danosos; antes de iniciar a pesquisa;
• Torna clara a utilidade dos procedimentos - desenvolver o projeto conforme delineado;
(risco/benefício). - elaborar e apresentar os relatórios parciais e
• Toda pesquisa deve ser submetida ao Co- final;
mitê de Étíca em Pesquisa afim de assegu- - apresentar dados solicitados pelo CEP, a
rar o respeito pela identidade, integridade qualquer momento;
e dignidade da pessoa humana e a prática - manter em arquivo, sob sua guarda, por 5
da solidariedade e da justiça social. anos, os dados da pesquisa, contendo fichas in-
• A partir de 1975 – Revisão da Declaração dividuais e todos os demais documentos reco-
de Helsinque: mendados pelo CEP;
• Necessidade de analisar os problemas mo- - encaminhar os resultados para publicação,
rais que surgem nas pesquisas, para tanto com os devidos créditos aos pesquisadores as-
se estabeleceu: sociados e ao pessoal técnico par8cipante do
• Protocolo de Pesquisa: Submetido à con- projeto;
siderações, discussão e orientação por um - justificar perante o CEP, a interrupção do pro-
comitê especialmente designado, que deve jeto ou a não publicação dos resultados.
ser independente de patrocinador e do pes- No mundo atual, globalizado e capitalista, alto
quisador. lucro de setores ligados às pesquisas médicas,
biomédicas, farmacológicas faz-se necessário
• Função: Proteção do ser humano (garantir
uma maior atenção e cuidado e isenção na
à sociedade a ética e a lisura da pesquisa)
análise dos projetos apresentados aos Comitês
• O protocolo a ser submetido à revisão ética,
de Ética em Pesquisa.
somente poderá ser apreciado se estiver ins-
“O fato é que, a técnica, hoje, pode fazer mui-
truído com os seguintes documentos, em por-
tas coisas – resta saber o que a sociedade quer
tuguês.
que seja feito”.
•Inicialmente o pesquisador deve encaminhar
Os Comitês de ÉFca em Pesquisa são:
ao CEP a folha de rosto: Folha de rosto: título
Fórum específico para a avaliação de cada pes-
do projeto, nome, número da carteira de iden-
quisa;
tidade, CPF, telefone e endereço para corres-
Devem procurar representar todos os interessa-
pondência do pesquisador responsável e do pa-
dos, os leigos na ciência médica ou biológica,
trocinador, nome e assinaturas dos dirigentes
ou seja, os pacientes, familiares e representan-
da instituição e/ou organização. Esta folha de-
tes da opinião pública.
verá ser entregue pelo pesquisador em 02 vias
(original e fotocópia).
CNS no 196/96
• Protocolo ou Projeto da pesquisa, compreen-
Cria os CEPs e estabelece os critérios de sua
dendo todos os itens recomendados pela Reso-
formação:
lução 196196.
Independência: sua composição e de processos
•A qualificação dos pesquisadores: Curricu-
transparentes;
lum vitae do pesquisador responsável e dos de-
Disposição ao diálogo e à transparência:
mais participantes.
1- Respeito à dignidade da pessoa humana;
•Consentimento livre e esclarecido de acordo
2- À prática consciente dos profissionais;
com a Resolução 196/96.
3- À justiça social.
•Pesquisas conduzidas do exterior ou com co-
operação estrangeira deverão estar de acordo
Os CEPs devem ser multidisciplinares:
com a Resolução 196/96.
12

Profissionais de saúde, direito, filosofia e teo- Vale, portanto, salientar: o objetivo funda-
logia. mental do termo de consentimento é a proteção
Representantes de pacientes. da liberdade e dignidade dos sujeitos da pes-
Militantes de grupos organizados da sociedade quisa e não dos pesquisadores e patrocinado-
(associações de portadores de patologias e as- res. (p. 11)
sociações de voluntários). Consentimento Livre Esclarecido é
Representantes em conselhos municipais a ve- composto por 8 elementos básicos:
readores. 1) Informação sobre o que é a pesquisa, objeti-
vos, duração procedimentos,
COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM destacando os experimentais;
PESQUISA 2) Riscos e desconfortos;
3) Benefícios;
• Criada pela CNS no 196/96; 4) Alternativas, se existirem;
• Órgão de controle social; 5) Confidencialidade;
• Proteção dos sujeitos da pesquisa; 6) Compensação do tratamento, caso ocorre-
• Órgão consultor de ética em pesquisa; rem danos;
• Primeiro a apreciar os projetos (que 7) Identificação de uma pessoa para contato;
contemplem áreas com maiores dile- 8) Voluntariedade na aceitação e possibilidade
mas éticos e repercussões sociais). de abandono sem restrições ou consequências.
Problemas para aprovação dos Projetos
Problemas para aprovação dos Projetos nos CEPs:
nos CEPs: 2- Uso de Placebo (deve atestar a superioridade
1- Ausência do Consentimento Livre e Escla- do fármaco em relação ao seu equivalente e
recido (traduzidos de outros países, longos, in- não ao próprio placebo, além de ser antiético
dutores de aceitação) deixar pacientes sem tratamento)
3- A participação de pessoas em situação de
vulnerabilidade.
13

A INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ: O ABORTO.

PRECEITOS LEGAIS DO ABORTO obrigação dos estabelecimentos de saúde como


também a integralidade desta assistência. Isso
•O Código Penal Brasileiro, de 1940, estabe- inclui a profilaxia para evitar a gravidez na si-
lece os permissivos legais para a interrupção da tuação de emergência, o acompanhamento am-
gravidez nos casos previstos em lei. O aborto é bulatorial para avaliar se não houveram danos
crime pela legislação brasileira desde 1940, e outras repercussões na vida reprodu5va e se-
portanto há quase 80 anos. xual desta mulher, e o acesso ao aborto legal e
•Em dois incisos no artigo 128, a legislação seguro.
não pune o médico que realiza o aborto: para • Portaria no 1.508/GM/MS, de 1o de setem-
salvar a vida da mulher e para o caso de uma bro de 2005 – Dispõe sobre o procedimento de
gestação decorrente de estupro, por solicitação Jus5ficação e Autorização da Interrupção da
e consen+mento da mulher. Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito
•Se a mulher for menor de idade, deficiente do SUS. Esta é uma portaria bastante impor-
mental ou incapaz, por autorização de seu re- tante em conjunto com outras normas técnicas
presentante legal. do Ministério da Saúde, dentre elas: Norma
•Mais recentemente, o Superior Tribunal Fede- Técnica de Atenção aos Agravos da Violência
ral, em 2012, decidiu por ampliar essa permis- Sexual Contra Mulheres e Adolescente, Norma
sividade também nos casos de anencefalia, Técnica de Atenção Humanizada ao Aborta-
através de uma ADPF (Arguição de Descum- mento, Aspectos Jurídicos da Violência Se-
primento de Preceito Fundamental), a no 147. xual: perguntas e respostas para profissionais
•O que precisa ser dito é que o Brasil está entre de saúde, Norma Técnica de Atenção à Gestan-
os 25% das nações do mundo com legislações tes com Feto Anencéfalo, Norma Técnica de
mais restritivas em relação à interrupção da Atenção às Pessoas em Situação de Violência
gravidez. E isso traz consequências para os in- Sexual com Registro de Informações e Coleta
dicadores de saúde materna, como o aborto in- de VesZgios.
seguro e para a morbimortalidade materna. •Portaria GM/MS no 1.271 de 06 de junho
de 2014 – Que trata da notificação de Vi-
GESTAÇÃO DECORRENTE DE VI- olência Interpessoal/Autoprovocada. Esta por-
OLÊNCIA SEXUAL taria obriga as Instituições a notificarem a Vi-
gilância Sanitária e Epidemiológica local sobre
•Mais da metade dos estupros ocorre durante a os casos de violência sexual, em até 24 horas,
vida reprodutiva das mulheres. Boa parte delas através de um formulário padronizado que
são meninas e adolescentes. A estimativa de pode ser acessado no site do Ministério da
gestação em uma mulher vítima de estupro é Saúde.
ao redor de 5%. •Todo este arcabouço legal e estes protocolos
• Vamos nomear algumas das legislações, nor- estabelecidos por estas normas esclarecem as
matizações e regulamentações brasileiras com condições a serem observadas pelos profissio-
relação ao tema: nais de saúde para realizar a interrupção da
• Decreto no 7.958/2013 – Estabelece diretri- gestação, como quais os documentos ne-
zes para o atendimento às vítimas de violência cessários e quais as técnicas recomendadas nas
sexual pelos profissionais de Segurança melhores evidências.
Pública e da Rede de atendimento do Sistema • É importante a constituição de uma equipe
Único de Saúde – SUS; multiprofissional para prestar assistência à es-
•Lei no 12.845/2013 – Dispõe sobre o atendi- sas mulheres e que seja previamente sensibili-
mento obrigatório e integral de pessoas em si- zada e capacitada para uma atenção empática
tuação de violência. Não apenas estabelece baseada no respeito à dignidade da mulher, na
14

credibilidade de sua fala, expondo todas as al- existisse, tornaria a ação legítima. Não se pode,
ternativas possíveis para aquela assistência. portanto, posteriormente incorrer processo cri-
• A mulher deve ser informada de que minal se for porventura for identificada uma
tem o direito a fazer a interrupção da gravidez, inverdade, uma falsa alegação na fala da mu-
mas é preciso esclarecê-la que ela pode conti- lher. Isso significa que a equipe está isenta de
nuar com a gravidez. Se for esta a vontade da pena.
mulher, a equipe deve oferecer os cuidados de • A mulher mentir ao solicitar um aborto
pré-natal de alto risco nesta gestação e ou então legal é um dos mitos que ocorrem em relação
os procedimentos, serão adotados para a à violência sexual. Uma mulher que se sub-
doação do feto ao final da maternidade. mete à todo um processo de atendimento mul-
• É importante que a Equipe multiprofis- tidisciplinar, em equipe com psicólogo, assis-
sional mantenha uma postura neutra, sem jul- tente social, enfermeiro, médico, muitas vezes
gamentos de valor ou imposições. A decisão farmacêutico, anestesista, passa pela assinatura
deve ser da mulher após esclarecimento infor- de processos bastante rigorosos. É muito difícil
mado. que isso ocorra. E nos casos de violência se-
• O código penal, em nenhuma destas si- xual, para interromper a gestação, não é ne-
tuações, em nenhuma destas portarias e leis, cessário nem B.O., nem exame de corpo de de-
estabelece como obrigatoriedade, que a mulher lito e nem autorização judicial. O fundamental
deva fazer a denúncia, realizar o boletim de é o consentimento informado da mulher.
ocorrência e noticiar o fato à polícia. Um crime • A Portaria no 1.508/GB/MS de 2005
hediondo foi cometido, portanto deve-se dar dispõe sobre os procedimentos de justificação
todo o apoio e acolhimento necessário caso isto e autorização da interrupção legal da gravidez
seja da vontade da mulher, para que ela possa no SUS. Essa portaria estabelece detalhada-
fazer sua denúncia com toda segurança. mente os passos para os profissionais de saúde
• A equipe de serviço social deve acom- e ampara a mulher na garantia de acesso à esse
panhar a vítima até a delegacia da mulher, para direito.
que, com o acolhimento necessário, ela faça o • Como medidas asseguradoras da licitude
boletim de ocorrência e os processos de inves- do procedimento da interrupção, são cinco
tigação policial ocorram para identificar o termos e passos a serem seguidos. Estes
agressor. Caso a mulher não queira fazer a cinco documentos são anexos da portaria 1.508
denúncia e o boletim de ocorrência, mantêm- e podem ser obtidos e impressos para serem
se o direito da mulher de acesso à interrupção utilizados pelos hospitais. Pode-se colocar a
da gravidez, isto é, a interrupção não pode ser logotipo da Instituição. Estes documentos de-
cerceada. A mulher tem até 6 meses para for- vem estar anexados ao prontuário e ter sua con-
mular a denúncia nos casos de estupro. fidencialidade garantida.
• Toda fala da mulher deve ser dada •Termo de relato circunstanciado – É feito
como de credibilidade ética e legal e recebida pela mulher que solicita a interrupção ou pelo
com presunção de veracidade. Os procedimen- representante legal no caso de incapaz. O do-
tos da saúde são para diminuir danos, trazer as- cumento deve conter as informações de dia,
pectos benéficos na assistência, tratar e dar hora, local em que ocorreu a violência, carac-
acesso ao procedimento do aborto legal e não terísticas, tipo, descrição dos agentes violado-
deve ser confundido com os procedimentos re- res, se houveram testemunhas, cicatrizes ou ta-
servados à inves5gação policial ou judicial. tuagens no violador, características de roupa,
• Importante lembrar que, o código pe- etc. Este documento deve ser assinado pela
nal, artigo 20, inciso 1º, diz que é isento de mulher e por duas testemunhas: no caso o
pena quem por erro plenamente jus5ficado pe- médico que ouviu o relato e um enfermeiro,
las circunstâncias no momento do atendi- psicólogo ou assistente social.
mento, supondo que a situação de fato
15

• Parecer técnico – Documento assinado pelo hipertensão pulmonar que chega a ter 70% de
médico ginecologista que, após anamnese, risco de morte materna durante a gestação. Ou
exame Hsico, ginecológico e análise do laudo casos de cardiopatia funcional grau IV, doença
do ultrassom atesta que aquela gestação tem renal grave, doenças do colágeno, etc. Casos
idade gestacional compaIvel com a data ale- de patologias que sabidamente há grandes ris-
gada do estupro. cos de complicações gravíssimas e são causas
•Aprovação de procedimento de inter- frequentes de morte materna em nosso país.
rupção da gravidez – Este documento nada • O aborto terapêutico no Brasil costuma
mais é que uma ata, onde se reúne a equipe ser feito muito tardiamente, em situações ex-
multiprofissional que fez o atendimento. To- tremas. Não é pra menos que um número im-
dos assinam com a aprovação desta inter- portante das mortes maternas no Brasil são de
rupção, concordando com o parecer técnico causas indiretas, de patologias de base que se
(que a data da gestação é compaIvel com a data complicam durante a gestação.
do estupro) e que não há suspeita de falsa ale- • É importante a equipe ter o apoio de um
gação de crime sexual. profissional da psicologia, pois estão diante de
• Termo de responsabilidade (assinado pela uma gestação desejada. O acompanhamento
mulher) – Este documento contém uma ad- psicológico desta mulher é fundamental. A au-
vertência expressa que a paciente assina torização e o consen<mento dela também, a
ciência de que ela incorrerá de crime de falsi- não ser em situação “em extremis” em que a
dade ideológica e de aborto criminoso caso vontade da mulher não possa ser dada.
posteriormente se verifique inverídicas as in- • Há casos especiais, como coma e cho-
formações. que e outras situações individualizadas que de-
• Termo de Consentimento Livre e Esclare- vem ser discu<das pela equipe. Nesses casos a
cido – Termo que esclarece sobre os descon- decisão da equipe vai prevalecer. Também não
fortos, riscos, possíveis complicações, como se é necessária autorização judicial.
dará o procedimento de interrupção da ges-
tação, quem vai acompanhar, a garantia do si-
gilo (salve solicitação judicial). Este docu- GESTAÇÃO DE FETO ANENCÉFALO
mento é assinado pela mulher e deve conter
claramente expressa a sua vontade consciente •Desde 2012 o aborto de fetos anencéfalos pas-
de interromper a gestação, dizendo também sou a ser legal no Brasil.
que foi dada todas as informações sobre a pos- •A Resolução no 1989/2012,16 do Conselho
sibilidade de manter a gestação e a adoção ou Federal de Medicina “dispõe sobre o diagnós-
até a desistência do procedimento a qualquer tico de anencefalia para a antecipação terapêu-
momento. tica do parto e dá outras providências. Esta re-
solução estabelece todos os passos que devem
ABORTO TERAPÊUTICO – QUANDO ser seguidos para a interrupção da gravidez nos
HÁ RISCO DE MORTE MATERNA casos de anencefalia.
•Informação clara e precisa sobre os riscos que
•Aconselha-se uma avaliação de no mínimo a mulher sofre com o evoluir da gravidez di-
dois profissionais: um médico obstetra e um ante de uma gestação de anencéfalo:
clínico. Idealmente solicita-se a avaliação de 50% dos casos terão polidramnios graves (é
um terceiro médico, um especialista da patolo- uma condição médica na qual há excesso de
gia da qual se solicita o risco que motiva a in- líquido amniótico no saco amniótico);
terrupção. partos traumáticos e distócicos (é o parto em
• Nesses casos, é preciso ter clareza que a in- que, apesar do útero se contrair normalmente,
terrupção é a melhor maneira de preservar a o bebê não consegue passar pela bacia por estar
vida da mulher. É o caso, por exemplo, da bloqueado fisicamente), devido à posições
16

anômalas durante o parto com possibilidade de


morte materna;
explosão do líquido amniótico com descola-
mento prematuro de placenta;
hemorragias maternas;
4% dos casos terminam em histerectomia;
5% precisam de transfusão sanguínea no mo-
mento do parto.
Isso mostra a gravidade das características do
parto de um feto anencéfalo a termo.
•A mulher, com o consentimento informado,
avaliação da psicologia, enfermagem e serviço
social, consente ou não a interrupção da ges-
tação. A decisão deve ser da mulher, sem juízo
de valor, sem imposição de nenhuma atitude
que possa direcionar sua decisão. Importante é
mostrar que a inviabilidade do feto já está es-
tabelecida na situação de anencefalia.
• Nestes casos, o ultrassom precisa ser assinado
por dois profissionais que tenham competência
para este laudo. Além disso, é necessário duas
fotos de ultrassom: uma de face sagital e outra
na situação transversal, mostrando a patologia.
Isso deve também ficar arquivado no pron-
tuário da mulher, assim como o consentimento
informado, o laudo técnico da equipe multipro-
fissional. Também é muito importante o laudo
psicológico da plena capacidade de decisão da
mulher em tomar esta decisão.
• Quanto à técnica utilizada, deve-se prevale-
cer a vontade da mulher, se cirúrgica ou medi-
camentosa. Cada vez mais as técnicas medica- BIOÉTICA E ABORTO
mentosas tem ganho realce, em razão do seu
baixo custo, alta efetividade, poucas taxas de TERMINOLOGIA E TIPOS DE ABORTO
complicações e eficácia quase igual ao proce-
dimento cirúrgico. Após o procedimento, o re- •Fala-se de aborto terapêutico como sendo
torno da mulher se faz aos sete dias (como uma aborto eugênico, deste como aborto seletivo ou
revisão puerperal) e 45 dias após o procedi- racista, numa cadeia de definições inter-
mento. mináveis que gera uma confusão semântica
aparentemente intransponível ao pesquisador.
•No entanto, ao invés de se deixar abalar pela
diversidade conceitual, o primeiro passo de
uma pesquisa sobre o aborto é desvendar quais
pressupostos morais estão por trás das esco-
lhas. Há uma certa regularidade moral na se-
leção de cada conceito.
• Basicamente, pode-se reduzir as situações de
aborto a quatro grandes tipos:
17

•Interrupção eugênica da gestação (IEG): tipos de aborto, por serem os que mais direta-
são os casos de aborto ocorridos em nome de mente estão em pauta na discussão bioética.
práticas eugênicas, isto é, situações em que se • Em geral, Interrupção Seletiva da Gestação
interrompe a gestação por valores racistas, se- (ISG) é também denominada por Interrupção
xistas, étnicos, etc. Comumente, sugere-se o Terapêutica da Gestação (ITG), sendo esta a
praticado pela medicina nazista como exemplo justaposição de termos mais comum.
de IEG quando mulheres foram obrigadas a •Na verdade, muitos pesquisadores utilizam
abortar por serem judias, ciganas ou negras. ITG como um conceito agregador para o que
Regra geral, a IEG processa-se contra a von- subdividimos em ISG e ITG. Esta é uma tra-
tade da gestante, sendo esta obrigada a abortar; dição semântica herdada, principalmente, de
•Interrupção terapêutica da gestação países onde a legislação permite ambos os ti-
(ITG): são os casos de aborto ocorridos em pos de aborto, não sendo necessária, assim,
nome da saúde materna, isto é, situações em uma diferenciação entre as práticas.
que se interrompe a gestação para salvar a vida • No entanto, consideramos que, mesmo para
da gestante. Hoje em dia, em face do avanço estes países onde o conceito ITG é mais ade-
científico e tecnológico ocorrido na medicina, quado, em alguma medida ele ainda pode gerar
os casos de ITG são cada vez em menor confusões, uma vez que há limites gestacionais
número, sendo raras as situações terapêuticas diferenciados para os casos em que se inter-
que exigem tal procedimento; rompe a gestação em nome da saúde materna
•Interrupção seletiva da gestação (ISG): são ou de anomalias fetais.
os casos de aborto ocorridos em nome de ano- • Além disso, o alvo das atenções é diferente
malias fetais, isto é, situações em que se inter- nos casos de ISG e ITG: no primeiro, a saúde
rompe a gestação pela constatação de lesões fe- do feto é a razão do aborto; no segundo, a
tais. Em geral, os casos que justificam as soli- saúde materna.
citações de ISG são de patologias incom- • O outro motivo que nos fez diferenciar a
patíveis com a vida extrauterina, sendo o saúde materna da saúde fetal para a escolha da
exemplo clássico o da anencefalia; terminologia a ser adotada foi o fato de vários
•Interrupção voluntária da gestação (IVG): escritores denominarem a ISG de IEG. Este é
são os casos de aborto ocorridos em nome da um exemplo interessante do que denominamos
autonomia reprodutiva da gestante ou do casal, "terminologia de guerra".
isto é, situações em que se interrompe a ges- •O termo "seletivo", para nós, remete direta-
tação porque a mulher ou o casal não mais de- mente à prática a que se refere: é aquele feto
seja a gravidez, seja ela fruto de um estupro ou que, devido a malformação fetal, faz com que
de uma relação consensual. Muitas vezes, as a gestante não deseje o prosseguimento da ges-
legislações que permitem a IVG impõem limi- tação.
tes gestacionais à práIca. •Houve, é claro, uma seleção, só que em nome
da possibilidade da vida extrauterina ou da
•Com exceção da IEG, todas as outras formas qualidade de vida do feto após o nascimento.
de aborto, por princípio, levam em conside- Tratar, no entanto, o aborto seletivo como
ração a vontade da gestante ou do casal em eugênico é nitidamente confundir as práticas.
manter a gravidez. Especialmente porque a ideologia eugênica fi-
• Para a maioria dos bioeticistas, esta é uma di- cou conhecida por não respeitar a vontade do
ferença fundamental entre as práticas, uma vez indivíduo.
que o valor- autonomia da paciente é um dos •A diferença fundamental entre a prática do
pilares da teoria principialista, hoje a mais di- aborto seletivo e a do aborto eugênico é que
fundida na Bioética. não há a obrigatoriedade de se interromper a
•Assim, no que concerne à terminologia, trata- gestação em nome de alguma ideologia de
remos mais especificamente dos três últimos
18

extermínio de indesejáveis, como fez a medi- • Considera-se que, até antes da con-
cina nazista. A ISG ocorre por opção da paci- ferência do Cairo, o tema do aborto não com-
ente. punha a agenda de saúde pública de inúmeros
• Muitos autores, especialmente aqueles vincu- países. Segundo Kulczycki et al, "...em Cairo,
lados a movimentos sociais, tais como o movi- pela primeira vez, um fórum interministerial
mento de mulheres, preferem falar em autono- reconheceu que as complicações do aborto
mia reprodutiva ao invés de IVG. Na verdade, apresentam ameaças sérias à saúde pública e
entre ambos os conceitos há uma relação de de- recomendam que, onde o acesso ao aborto não
pendência e não de exclusão. é contra a lei, ele deve ser efetuado em con-
•Apesar de o valor que rege a IVG ser o da au- dições seguras...”.
tonomia reprodutiva, consideramos que auto- • O aborto, juntamente à prática do coito inter-
nomia reprodutiva é um conceito "guarda- rompido, tem sido durante os séculos XIX e
chuva" que abarca não apenas a questão do XX o método de controle de natalidade mais
aborto, mas tudo o que concerne à saúde repro- utilizado e difundido.
dutiva. Na verdade, como já foi dito, o • Em nome disso, as taxas mundiais de aborto
princípio do respeito à autonomia é o pano-de- são bastante elevadas, tendo como recordistas
fundo de boa parte das discussões contem- alguns países da América Latina e África.
porâneas em Bioética. • Apesar de dihcil mensuração, uma vez
• Além da variedade conceitual, outro que o aborto é considerado crime em inúmeros
ponto interessante, no tocante ao estilo dos ar- países, calcula-se que a taxa mundial de abor-
tigos sobre o aborto, é a escolha dos adjetivos tos por ano esteja entre 32 e 46 abortos por
utilizados pelos autores para se referirem a 1000 mulheres na idade de 15 a 44 anos, ha-
seus oponentes morais. Não raro, encontram- vendo uma enorme variação entre os países, a
se artigos que chamam os profissionais de depender da prevalência dos métodos anticon-
saúde que executam aborto como "aborteiros", ceptivos, de sua eficácia e das leis e políticas
"homicidas", "assassinos" ou "carniceiros". relativas ao aborto.
• Na verdade, há relatos de casos de • Nos países ocidentais, o pico etário do
clínicas de aborto que foram incendiadas e os aborto ocorre entre as mulheres de 20 anos,
profissionais que nelas trabalhavam agredidos como, por exemplo, na Inglaterra, onde 56%
por grupos contrários ao aborto – grupos "de- dos abortos são praticados por mulheres com
fensores da vida", como se autodenominam. menos de 25 anos, ao passo que nos Estados
Fala-se do feto abortado como "vítima ino- Unidos este número é de 61% na mesma faixa
cente" ou mesmo "criança inocente". Adjetivos etária.
como "hipócrita" ou "criminoso" valem para • Segundo dados do Instituto Alan
ambos os lados, sejam os proponentes ou opo- Gucmacher sobre o aborto na América Latina,
nentes da prática. Nem mesmo sobre o resul- há uma correlação acentuada entre renda e
tado de um aborto há consenso: as denomi- acesso ao aborto praEcado por médicos.
nações variam desde "embrião” e "feto" até • Enquanto apenas 5% das mulheres po-
"criança", "não-nascido", "pessoa" ou "in- bres rurais têm acesso ao aborto médico, este
divíduo". número é de 19% entre as mulheres pobres ur-
banas e de 79% entre as mulheres urbanas de
LEGISLAÇÃO COMPARADA renda superior.
•No Brasil, para o ano de 1991, estimou-se que
• A Conferência Internacional sobre Po- o total de abortos induzidos foi de 1.443.350,
pulação e Desenvolvimento ocorrida no Cairo, constituindo uma taxa anual, por 100 mulheres
em 1994, é considerada um marco para as le- de 15 a 49 anos, de 3,65. Nos Estados Unidos,
gislações e as políticas internacionais e nacio- por exemplo, esta taxa é de 2,73.
nais acerca do aborto.
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DEBATE BIOÉTICO recuperar-se com alimentação própria e poderá


ser desligado de você a salvo...".
• O argumento principal dos defensores •Esta história provocou uma verdadeira onda
da legalização ou descriminalização do aborto de discussões e debates, tendo aqueles que ar-
é o do respeito à autonomia reprodutiva da mu- gumentavam que o exemplo de Thomson ser-
lher e/ou do casal, baseado no princípio da li- viria apenas para casos onde a gestação foi
berdade individual, herdeiro da tradição fi- fruto de violência sexual e outros que sustenta-
losófica anglo-saxã cujo pai foi Stuart Mill. vam que o respeito ao princípio da autonomia
• Na Bioética, o aborto não é tema exclu- era a questão-chave do relato.
sivo de mulheres ou de militantes de movimen- • Já os oponentes do aborto têm como nó
tos sociais; a ideia de autonomia do indivíduo a heteronomia, isto é, a ideia de que a vida hu-
possui uma penetração imensa na Bioética mana é sagrada por princípio. Na Bioética, os
laica, especialmente para os autores simpati- oponentes do aborto não são apenas aqueles
zantes da linha norte-americana. vinculados a crenças religiosas, sendo, ao con-
•É em torno do princípio do respeito à autono- trário, esta uma ideia bastante difundida até
mia reprodutiva que os proponentes da questão mesmo entre os bioeticistas laicos (esta acei-
do aborto agregam-se. E, talvez, o que melhor tação da ideia da intocabilidade da vida hu-
represente a ideia de autonomia reprodutiva mana entre os bioeticistas laicos fez com que
para os proponentes seja a analogia feita em Singer falasse em "especismo" do Homo sapi-
1971, por Thomson, no artigo A Defense of ens, ou seja, um discurso religioso baseado nos
Abor*on, entre a mulher que não deseja o pros- pressupostos científicos da evolução da
seguimento da gestação e a mulher presa, in- espécie e na superioridade humana).
voluntariamente, a um violinista famoso. Vale • Na verdade, o princípio da heteronomia
conferir um pequeno trecho da fantástica da vida está tão arraigado na formação dos pro-
história de Thomson: fissionais de saúde que temas como a eutanásia
• "...Você acorda no meio da manhã e se e a clonagem não são bem-vindos. A crença em
vê, lado a lado, na cama com um violinista in- um sentido para a vida humana além da orga-
consciente. Um famoso violinista inconsci- nicidade é muito difundida no mundo ocidental
ente. Ele descobriu que tinha uma doença renal cristão.
fatal e a Sociedade dos Amantes da Música, • Se, por um lado, os proponentes da legali-
após avaliar todos os recursos médicos dis- zação do aborto encontram abrigo no princípio
poníveis, descobriu que você era a única que da autonomia reprodutiva e, por outro, os opo-
tinha exatamente o tipo sanguíneo capaz de so- nentes no princípio da heteronomia da vida hu-
corrê-lo. mana, as diferenças entre os dois grupos se
• Eles tinham, então, lhe sequestrado e, acentuam ainda mais nos desdobramentos ar-
na noite anterior, o sistema circulatório do vi- gumenta<vos destes princípios.
olinista fora ligado ao seu, de forma que seus •Enquanto os proponentes se unem em torno
rins poderiam ser usados para extrair as impu- do valor-autonomia, os oponentes esforçam-se
rezas do sangue dele bem como as do seu san- por desdobrar o princípio da heteronomia em
gue. Neste momento, o diretor do hospital lhe peças de retórica que irão determinar, de uma
diz: "Entenda, nós nos sentimos mal pelo que vez por todas, o debate sobre o aborto.
a Sociedade dos Amantes da Música fizeram • A partir do instante em que os desdo-
com você — nós jamais permitiríamos, se bramentos argumentativos dos oponentes pas-
soubéssemos antes. Mas agora eles já o fize- saram a fazer parte do discurso bioético em
ram, e o violinista está ligado a você. Para des- torno do aborto, a discussão tomou rumos ja-
ligá-lo, ele morrerá. Mas não se desespere, será mais imaginados.
apenas por nove meses. Depois disso, ele irá • Desde então, os oponentes se fazem
presentes com um discurso ativo, ao passo que
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os proponentes se caracterizam por ter assu- completa é apenas uma questão de tempo e, é
mido um posicionamento reativo aos argumen- claro, de evolução.
tos contrários ao aborto. Vejamos o que isto • Assim, em nome da futura transformação do
significa. feto em criança, sendo o grande marco o nas-
cimento, o aborto não pode ser permitido.
•Uma vez aceito o princípio da heteronomia da Tanto para os defensores da teoria da potenci-
vida humana, os teóricos preocupados em sus- alidade quanto para os defensores da ideia de
tentá-lo partem constantemente ao encontro de que o feto é já pessoa humana desde a fecun-
argumentos filosóficos, morais ou cienjficos dação, o aborto possui o significado moral e
para mantê-lo. Alguns já se tornaram clássicos jurídico de um assassinato — e é desta maneira
ao debate sobre o aborto. Iremos analisar dois que seus expoentes se referem à prática.
deles que, de alguma maneira, encontram-se • Diante de argumentos como estes os
tão interligados que é impossível sua análise proponentes da legalidade do aborto assumem,
em separado. O primeiro é a crença de que o então, uma argumentação reativa. Com algu-
feto é pessoa humana desde a fecundação; o se- mas exceções, como os escritos de Singer, os
gundo, a defesa da potencialidade do feto em bioeticistas defensores do aborto raramente
tornar-se pessoa humana. utilizam uma positividade no discurso.
•Sustentar a ideia de que o feto é pessoa hu- • Em geral, quando os argumentos fa-
mana desde a fecundação é transferir para o voráveis ao aborto se afastam do princípio da
feto os direitos e conquistas sociais considera- autonomia reprodu<va, o alvo é desconstruir a
dos restritos aos seres humanos, em detrimento retórica contrária ao aborto, especialmente as
dos outros animais. O principal direito – e o duas teorias acima expostas. Frente à defesa de
mais alardeado pelos oponentes da questão do que o feto é pessoa humana desde a fecun-
aborto – é o direito à vida. Todas as impli- dação, os bioeticistas proponentes argumen-
cações jurídicas e antropológicas do status de tam que a ideia de "pessoa humana" é antes um
pessoa humana seriam, com isso, reconhecidas conceito antropológico que jurídico e neces-
no feto. E, para os mais extremistas, sendo o sita, portanto, da relação social para fazer sen-
feto uma pessoa humana torna-se impossível tido.
qualquer dispositivo legal que permita o • O status de pessoa não é mera con-
aborto. Finnis pode ser considerado um exem- cessão, mas sobretudo uma conquista através
plo interessante deste posicionamento ex- da interação social. Por outro lado, há escrito-
tremo, diz ele: res que argumentam que, caso o feto seja
•"...Sustento que o único argumento razoável é mesmo pessoa, a mãe e/ou o casal que deseja a
que o não-nascido é já pessoa humana (...) interrupção da gestação é ainda mais pessoa do
Todo ser humano individual deve ser visto que o feto. Por isso, seus interesses (mãe/casal)
como uma pessoa (...) Uma lei justa e ética devem prevalecer sobre os supostos interesses
médica decente que impeça a morte dos não- do feto.
nascidos não pode admitir a exceção "para sal- • A teoria da potencialidade, assim como
var a vida da mãe". entre os oponentes, também apresenta maior
• Já a segunda ideia, a de que o feto é uma pes- simpatia dos proponentes do aborto e isso pode
soa humana em potencial, tem ainda maior ser visto na enorme discussão quanto aos limi-
número de defensores do que a que concede o tes gestacionais em que um aborto seria moral-
status de pessoa ao feto desde a fecundação. mente aceitável.
•A teoria da potencialidade sugere que o feto • Em geral, os limites estabelecidos ba-
humano representa a possibilidade de uma pes- seiam-se em argumentações cientficas tais
soa humana e, portanto, não pode ser elimi- como: quando o feto começa a sentir dor,
nado. Para os representantes da teoria da po- quando iniciam os movimentos fetais, quando
tencialidade, de feto para pessoa humana há a possibilidade de vida extrauterina, etc.
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• No entanto, não são os dados evoluti- Tichtchenko e Yudin, após apresentarem o que
vos da fisiologia fetal que decidem quando se denominam de "cultura do aborto" (tamanha a
pode ou não abortar, mas sim os valores sociais facilidade e a tranquilidade com que se execu-
concedidos a cada conquista orgânica do feto. tam abortos no país), clamam pelo reconheci-
Sentir ou não dor, ter ou não consciência, as- mento de alguma moralidade no feto.
sim como a mobilidade, são valores sociais • Assim, apesar de bastante difundido, o
que, transferidos para o feto, estruturam os li- problema da moralidade do aborto é histórica
mites entre o que pode e o que não pode ser e contextualmente localizado e qualquer tenta-
feito. tiva de solucioná-lo tem que levar em conside-
•Alguns autores extremistas consideram que ração a diversidade moral e cultural das popu-
não há diferença moral entre um embrião, um lações atingidas.
feto ou um recém-nascido e que qualquer im- • Como pode ser constatado, seja pela di-
posição de limites gestacionais (número de versidade legal acerca da temática quanto pela
meses) para a execução do aborto faz parte de multiplicidade argumentativa do debate
um exercício cabalístico. Vale a pena conferir bioético, o aborto é uma das questões para-
o que Harris diz sobre isso: digmáticas da bioética exatamente porque nele
•"...Eu espero que tenhamos alcançado o ponto reside a essência trágica dos dilemas morais
no qual ficará claro que os recém-nascidos, os que, por sua vez, são o nó conflitivo da
bebês, os neonatos têm, qual seja, o status mo- Bioética.
ral dos fetos, embriões e zigotos. Se o aborto é • Para certos dilemas morais não existem
justificável, também o é o infanticídio (...)". soluções imediatas. Os dilemas-limite dos
•Por outro lado, o argumento da potencialidade quais, talvez, o aborto componha um de seus
pode permitir que se afirme que as células se- melhores exemplos, são situações que desa-
xuais do ser humano são potencialmente uma fiam os inimigos morais à coexistência
pessoa, o que enfraqueceria seu poder de con- pacífica.
vencimento. •Nas anamneses clínicas, as histórias das mu-
•No entanto, a maioria dos bioeticistas defen- lheres frente à gravidez indesejada são particu-
sores do aborto argumentam que é necessária a larmente contextualizadas, o que torna a gene-
imposição de limites gestacionais, sendo o nas- ralização inadequada e não auxilia a tomada de
cimento um divisor de águas, estando assim o decisão.
infantícídio fora das possibilidades. • Entretanto, observa-se que alguns conflitos
•Apesar das diferenças entre proponentes e enfrentados, apesar de pessoais, possuem pon-
oponentes não-extremistas, há alguns pontos tos em comum e independem de fatores socio-
em que o diálogo torna-se possível. econômicos, como por exemplo:
•Existe uma maior simpaEa tanto do pensa- a. O conflito moral (fazer ou não um aborto?),
mento ciennfico quanto do senso comum na que evidencia a tensão existente entre a sacra-
aceitação do aborto quando fruto de estupro, de lidade da vida [humana] e a qualidade da [sua
riscos à saúde materna ou de anomalias fetais própria] vida;
incompanveis com a vida . b. Os motivos que norteiam a decisão a favor
• As divergências entre as partes voltam a ou contra. Um dos principais implicados favo-
acentuar-se quando é preciso definir os limites ravelmente é a falta de apoio do parceiro ou da
gestacionais a cada práEca. De fato, o grande família.
centro das diferenças está na possibilidade da c. Quando decide não progredir com a gravi-
mulher/casal decidir sobre a reprodução. dez: como fazê-lo? É ilegal. Como resolver
• O interessante deste problema é que alguns esse problema? Essa situação demonstra con-
países, tais como a Rússia, enfrentam dilemas traposição entre o princípio da justiça, associ-
radicalmente opostos. Em um arIgo chamado ado à liberdade nas escolhas sexuais e reprodu-
The Moral Status of Fetuses in Russia, tivas, e a norma legal proibitiva ou restritiva.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.
Politica nacional de atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2006.
LEONE, S.; PRIVITERA, S.; CUNHA, J.T. (Coords.). Dicionário de bioética. Aparecida: Editorial
Perpétuo Socorro/Santuário, 2001.
Bibliografia complementar
FORTES, P. A. C.; ZOBOLI, E. L. C. P. Bioética e saúde pública. São Paulo: Loyola, 2003.
JUNQUEIRA, C. R. Consentimento nas relações assistenciais. In: RAMOS, D. L. P. Bioética e ética
profissional. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2007.
______; JUNQUEIRA, C. R. “Bioética: conceito, contexto cultural, fundamento e princípios”. In:
RAMOS, D.L.P. Bioética e ética profissional. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2007, p. 22-34.
______; JUNQUEIRA, S. R. Bioética e saúde pública. In: RAMOS, D. L. P. Bioética: pessoa e vida.
São Caetano do Sul: Difusão, 2009, p. 97-115.
RAMOS, D.L.P. Bioética: pessoa e vida. São Caetano do Sul: Difusão, 2009. 374p.

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