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nesta edição
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Apresentação
05
Editorial
06
Status do Não Nascido
Numa Perspectiva
Teologia em Revista, o Esta edição de Teologia Adventista
periódico do curso de em Revista pretende Os primeiros adventistas
discutir alguns temas viam o não nascido como
teologia do IAP teólogicos relaciona- um ser humano pleno...
dos às Questões sociais
contemporâneas.
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Uma Análise da
35
A IASD e As Novas
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Análise da Disciplina:
Escravidão Na Gerações:
Teocracia Israelita Segundo
Existiram nações que Um estudo sobre como Hebreus 12:4-11
garantiam leis de prote-
ção aos escravos, uma tornala relevante no
delas foi Israel. Século XXI
67
O Contexto Panorâmico
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A Relação Cristo-cultura:
do Segundo Testamento
O Segundo Testamen- Uma classificação
to é um relato histórico Teológica para a
insirado sobre o berço Igreja Adventista do
do Protestantismo... Sétimo Dia a Partir da
Tipologia Niebuhriana
Apresentação Geral
E sta edição de Teologia em Revis-
ta pretende discutir alguns temas
teológicos relacionados às questões sociais
possibilidade positiva da igreja ser mais
relevante às novas gerações. No artigo se-
guinte, os autores João Luiz Marcon e Paulo
contemporâneas, bem como descortinar o Goulard avaliam o tema da disciplina ecle-
horizonte compreensivo de temas bíblicos siástica a partir de Hebreus 12:4-11. Os auto-
à luz da história e da arqueologia. O objeti- res percorrem um caminho de análise que
vo é trazer contribuições aos debates, não passa pela exegese do texto e pelo estudo
apenas descrevendo problemas, mas tam- teológico do tema de maneira mais ampla,
bém sugerindo aprofundamentos teóricos levando em conta outros textos bíblicos. O
e reflexões criativas. tema é importante, pois a disciplina está
A edição começa com uma avaliação presente na prática eclesiástica de boa par-
teológica do status do nascituro na Bíblia. te das denominações evangélicas do Brasil.
O artigo demonstra que o texto bíblico tra- Os aspectos contextuais que impac-
ta o nascituro como um ser plenamente hu- taram a formação do Novo Testamento são
mano, com a mesma dignidade essencial abordados por Lucas Lima Martins Fridman
e Chandler Tiago S. Sant’ Ana. Nesse artigo,
de um ser humano já nascido. Em seguida,
os autores examinam panoramicamente o
Cátia Sirlene Lunkes Marcon e Samuel Elias
contexto geográfico, histórico e social do
Lunkes Marcon voltam sua atenção para o surgimento do protocristianismo. Final-
tema da escravidão na teocracia israelita. A mente, a relação entre Cristo e cultura no
reflexão é feita a partir da análise de textos pensamento de H. Richard Niebuhr é abor-
bíblicos e também utiliza aportes históri- dada por Hanny Brcic Guzman e Leonar-
cos e arqueológicos que iluminam a cultura do Henrique Arruda de Souza. Os autores
hebraica antiga. buscam, a partir da proposta de Niebuhr,
Na sequência, Igor Costa Bez Birolo e identificar uma postura ético-teológica da
Antonio Carlos Tavela ampliam a compre- Igreja Adventista do Sétimo Dia nos encon-
ensão do tema das novas gerações e sua tros entre sua missão e a cultura. A compre-
relação com a Igreja Adventista do Sétimo ensão da relação entre Cristo e cultura tem
Dia. Olhando tanto para os recursos de que impactos tanto na identidade quanto na
a igreja dispõe quanto para as necessidades missão adventista, e isso demonstra a rele-
das novas gerações, o artigo aponta para uma vância do estudo.
1
Doutor em Teologia (EST, São Leopoldo-RS), docente da Faculdade Adventista do
Paraná (Ivatuba-PR. Contato: pr_isaac@yahoo.com
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TEOLOGIA em revista
Resumo
Este artigo pretende, por meio da análise
do texto bíblico em suas línguas originais e
uma pesquisa bibliográfica, verificar como
o não nascido é considerado na Bíblia. A
pesquisa, numa perspectiva adventista,
se justifica dada a diversidade de opiniões
sobre o tema e a recente publicação de
uma declaração sobre o assunto pela Igreja
Adventista do Sétimo Dia (IASD). Para
atingir os objetivos, esta pesquisa fará uma
apresentação do histórico da discussão, e, em
seguida, procederá à análise do texto bíblico.
Com base nas evidências coletadas neste
artigo, é possível concluir que o não nascido
tem o status de um ser humano na Bíblia.
Abstract:
This article intends, through the analysis
of the biblical text in its original languages
and a bibliographical research, to verify
how the unborn are considered in the Bible.
The survey, from an Adventist perspective,
is justified given the diversity of opinions
on the topic and the recent publication of a
statement on the matter by the Seventh-day
Adventist Church. To achieve the objectives,
this research will present the history of
the discussion, and then proceed with the
analysis of the biblical text. Based on the
evidence collected in this article, it is possible
to conclude that the unborn have the status
of a human being in the Bible.
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TEOLOGIA em revista
1
assassinos e assassinas ficaram impunes!
Ninguém, a não ser Deus, conhece a extensão
deste crime hediondo; mas o Avaliador de todos
os corações conhece e lembra de cada um que
assim transgrediu; e no dia da avaliação final,
qual será o veredicto? Assassinato? Assassinato,
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TEOLOGIA em revista
“Nunca foi praticada tal iniquidade como
essa desde essa invenção de [vestidos de]
aro, nunca houve tantos assassinatos de
crianças [murders of infants]” (WHITE,
1861, tradução nossa). Esses “assassinatos
de crianças” podem ser uma referência aos
abortos provocados por essa moda.
Ela também afirma que mulheres
grávidas “vão considerar que outra vida
depende delas e serão cuidadosas em todos
os seus hábitos e especialmente na dieta”
(WHITE, 2007, p. 257). Essa declaração
sugere que o não nascido é um indivíduo,
pois trata-se de “outra vida”.
Ao alertar para o perigo de mulheres
grávidas usarem bebida alcoólica, ela faz
uma afirmação que leva em conta a saúde
do não nascido, e evidencia que atentar
contra a vida no não nascido é pecado:
“Cada gota de bebida forte ingerida [por
uma mulher grávida] para satisfazer seu
apetite, põe em risco a saúde física, mental
e moral do filho, e é um pecado direto
contra seu Criador” (WHITE, 2002, p. 217).
Uma citação é especialmente
interessante: ao falar sobre o risco de deixar
uma mulher trabalhar excessivamente
durante a gravidez, Ellen White declara:
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TEOLOGIA em revista
Nesse texto, Ellen White não está A justificativa é que a vida humana vem
condenando especificamente o aborto, de Deus (Gn 1:26, 27; 2:7; Sl 36:9; At 17:25,
mas ao falar sobre o quase assassinato 28), Deus é o proprietário da vida (1Co
dos fetos, e ao chamar os fetos de filhos/ 6:19-20), e a vida tem propósito especial
crianças (children), ela indica que via o não (Gn 1:29, 30; Sl 8:4-9), propósito que se
nascido como plenamente humano. Mas revela muito cedo, ainda no ventre (Jr 1:5;
esse permanece sendo um tópico ainda a Lc 1:15; Gl 1:15). Segundo Kis (2011, p. 780):
ser explorado nos escritos de Ellen White.
Apesar da posição dos pioneiros,
novas compreensões surgiram entre os […] o aborto não deve ser conside-
adventistas. Em 1957, o livro Questions on rado um método de planejamento fa-
Doctrine declarou que: “Vem à existência miliar. Só em situações extremas pode
uma nova alma toda vez que nasce uma
criança” (IASD, 1957, p. 512). Ou seja, o
ser procedimento justificável. Dentre
status de “alma vivente” começa apenas esses casos estão a gravidez infantil, a
após o nascimento. Essa declaração pode gravidez sob circunstâncias crimino-
implicar que o não nascido não tem o sas e o aborto para salvar a vida da mãe.
mesmo status da criança nascida.
Uma declaração mais ousada foi feita Ao expor o conceito adventista de ca-
durante o debate acerca da posição oficial samento e família, Rock (2011, p. 821) afir-
da IASD sobre o aborto na década de 1970. ma que “o aborto tem que ver com o tér-
O documento preparado por médicos e mino da vida e se converte numa questão
teólogos sugeriu à comissão que estudava teológica”. Acrescenta que Deus se preocu-
o tema o seguinte: “A posição Adventista pa com a proteção dos indefesos (Pv 24:11-
reconhece que nenhuma passagem 12; Tg 1:27), e que “a vida de uma criança
bíblica expressamente condena o aborto ainda não nascida deve ser respeitada de-
ou fala de um homem como plenamente vido à sacralidade inerente a toda vida hu-
humano antes do nascimento mana” (ROCK, 2011, p. 821).
(ABORTION COMMITTEE REPORT, Em 1992 a IASD votou uma declaração
1971). O documento cita Ex 21:22-25, e sobre aborto que, apesar de considerar o
não nascido como uma “vida humana pré-
conclui que “deve ser notado que o feto
-natal” e não endossar abortos “por moti-
não era considerado uma vida humana vo de controle natalício, escolha do sexo ou
até o ponto onde ‘vida por vida’ deveria por conveniências”, não deixava explícita a
ser exigido. Assim uma distinção é feita visão bíblica sobre o status do não nascido
entre a destruição de um feto e a morte de (IASD, 2005, p. 117-120). Por causa disso,
uma pessoa” (ABORTION COMMITTEE em 2019 outro voto foi tomado, aprovan-
REPORT, 1971). do o documento Declaração sobre a visão
Essa, porém, não parece ser a visão bíblica da vida intrauterina e suas implica-
do Tratado de Teologia Adventista do ções para o aborto. Esse documento mais
Sétimo Dia, publicado no Brasil em 2011. recente reafirma o valor da vida humana
Num artigo sobre o estilo de vida e a de “crianças não nascidas”, diz que “Deus
conduta cristã, Kis (2011, p. 780) afirma considera a criança que não nasceu como
que “os contraceptivos devem ser usados vida humana”, e que a “vida pré-natal é
para impedir a concepção, e não para preciosa aos olhos de Deus” (IASD, 2019).
abortar fetos”. As diferenças entre os dois documentos são
nítidas.
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Na concepção, e não apenas no nasci- O próprio Jeremias considera que o que es-
mento, Jó já era considerado um “homem” tava no ventre era ele mesmo, e que a mor-
(geber): “Pereça o dia em que nasci e a te no ventre seria a sua morte: “Por que
noite em que se disse: Foi concebido [ha- não me matou Deus no ventre materno?
rah] um homem [geber]!” (Jó 3:3). O ver- Por que minha mãe não foi minha sepultu-
bo aqui é harah, conceber, utilizado tam- ra?” (Jr 20:17, ênfase acrescentada).
bém para a gravidez de Hagar (Gn 16:4), e O Novo Testamento segue a mesma
para a gravidez de Tamar (Gn 38:18). Ao tendência. Por exemplo, João Batista já
lamentar sua existência, Jó conecta seu era cheio do Espírito Santo no ventre ma-
nascimento e sua concepção como itens terno, antes do seu nascimento: “Pois ele
paralelos de uma mesma unidade. Tanto será grande diante do Senhor, não bebe-
sua concepção no ventre de sua mãe quan- rá vinho nem bebida forte e será cheio do
to seu nascimento são parte integrante do Espírito Santo, já do ventre materno” (Lc
que ele é. Davi também liga nascimento e 1:15, ênfase acrescentada). João Batista ti-
concepção: “Eu nasci na iniquidade, e em nha seis meses no ventre da mãe (Lc 1:24,
pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51:5). 26, 36) quando reagiu à presença de Maria
Além disso, a palavra hebraica geber é ge- e do não nascido Jesus, que tinha menos de
ralmente usada para indivíduos adultos três meses no ventre de Maria. O relato diz
(cf. Jó 3:23; 4:17; 10:5; 34:7; Sl 127:5; 128:4, que Maria resolveu visitar Isabel “naque-
e outros). Ao aplicar geber ao nascituro, o les dias”, ou seja, num período próximo ao
Antigo Testamento indica que trata-se de começo da gravidez de Maria (Lc 1:39). Ela
algo mais significativo que um amontoado ainda ficou mais três meses com Isabel, até
de células e tecidos. o tempo do nascimento de João Batista.
Em Jó 10:18-19, ele diz que se tives- Há natureza emocional e personalidade no
se morrido ao sair do ventre da mãe, teria não nascido em Sl 139:13-16:
sido “como se nunca existira”. Ou seja, aqui
aparentemente ele despreza o período an-
terior ao nascimento, não o considerando Tu criaste o íntimo do meu ser e me te-
como existência. No entanto, Jó também ceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo
se refere a esse período anterior ao nasci- porque me fizeste de modo especial e admi-
mento com expressões pessoais (“se eu rável. Tuas obras são maravilhosas! Digo isso
morresse”, “me vissem”, etc.), mostrando com convicção. Meus ossos não estavam es-
que quem estava no ventre era ele mesmo. condidos de ti quando em secreto fui formado
Além disso, ele faz uma comparação le- e entretecido como nas profundezas da terra.
vantando uma mera hipótese do que teria Os teus olhos viram o meu embrião; todos os
sido, usando a partícula como. Em outras dias determinados para mim foram escritos
palavras, ele seria como se nunca tivesse no teu livro antes de qualquer deles existir”.
existido, mas não de fato. Essa teria sido a
impressão provocada se ele tivesse nascido
morto. Destaca-se a primeira frase, Deus
Jeremias foi consagrado e constituído criando o “íntimo de meu ser”, ou as “partes
profeta antes de sair do ventre: “Antes que interiores”, literalmente “os rins” (kilyah).
eu te formasse no ventre materno, eu te Metaforicamente, essa é uma expressão
conheci, e, antes que saísses da madre, te que indica as emoções, o “coração dentro de
consagrei, e te constituí profeta às nações” mim” (Jó 19:27), a mente e os afetos do ser
(Jr 1:5). Ele foi tratado por Deus como humano, que podem ser sondados por Deus
pessoa no ventre. (Sl 7:9; 26:2; Jr 11:20; 17:10; 20:12).
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No relato do infanticídio de Ex 1:16- Analisando textos do Antigo Testa-
17, Faraó mandou matar os filhos (ben) mento que se referem à existência intrau-
recém-nascidos dos hebreus, mas as par- terina, alguns verbos se destacam, como
teiras deixaram viver os meninos (yeled). asah e yatsar, por exemplo:
Ao recontar essa história, o Novo Testa-
mento chama essas crianças de bréphos. As tuas mãos me plasmaram e me aperfeiçoaram
Todos esses termos também são usados [asah]; […] me formaste [asah] como em barro
para nascituros na Bíblia: como os já nas- (Jó 10:8-9).Aquele que me formou [asah] no
cidos, os não nascidos também são ben, ventre materno não os fez [asah] também a
yeled e bréphos. eles? Ou não é o mesmo que nos formou na
Até o bebê abortado, ou que nasceu madre? (Jó 31:15).As tuas mãos me fizeram
morto e nunca viu a luz, é chamado de [asah] e me afeiçoaram […] (Sl 119:73).Assim
“criança” (hebraico ‘olel; ou nēpios, na diz o SENHOR, que te criou [asah], e te formou
LXX): “ou, como aborto oculto, eu não [yatsar] desde o ventre […] (Is 44:2).
existiria, como crianças [‘olel] que nunca […] o mesmo que te formou [yatsar] desde o
viram a luz” (Jó 3:16). A palavra hebraica ventre materno […]” (Is 44:24; cf. 49:5)
‘olel sempre se refere a indivíduos huma-
nos (1Sm 15:3; 22:19; 2Rs 8:12; Sl 8:2; 17:14;
137:9; Is 13:16; Jr 6:11; 9:21; 44:7; Lm 1:5;
2:11, 19, 20; 4:4; Os 13:16; Jl 2:16; Mq 2:9;
Na 3:10).
No Novo Testamento, João Batista é
chamado de “criança” (bréphos) no ven-
tre (Lc 1:41, 44), e Jesus já nascido tam-
bém é chamado de “criança” (bréphos)
(Lc 2:12, 16). As crianças abençoadas por
Jesus (Lc 18:15), e os recém nascidos mortos
por Faraó (At 7:19) também são “crianças”
(bréphos). Nascidos e não nascidos recebem
a mesma designação no Novo Testamento.
2.4 O desenvolvimento do
nascituro é obra de Deus
A Bíblia nunca fala da vida no ven-
tre como mera atividade química ou
algo vago, em vez disso, o nascituro
no ventre materno é descrito em lin-
guagem vívida e pessoal, como um ser
humano sendo modelado, formado, e
tecido pelo próprio de Deus (Sl 139:13-
16). Como relata Jó a respeito de sua
formação no ventre: “De pele e carne
me vestiste e de ossos e tendões me
entreteceste” (Jó 10:11). Até o início do
processo é atribuído a Deus: o Senhor
deu a concepção para Rute (Rt 4:13).
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TEOLOGIA em revista
Curiosamente, no relato da criação, blicos não vinculariam o nascituro às ca-
quando Deus disse “façamos [asah] o racterísticas humanas se de fato eles não
homem à nossa imagem” (Gn 1:26, cf. 1:31, acreditassem que o nascituro fosse um ser
2:18), e quando relata que “formou [yatsar] humano.
o SENHOR Deus ao homem do pó da terra Por que a Bíblia emprega essa lin-
[…]” (Gn 2:7), a Bíblia usa os mesmos guagem geral? Por que não usou termos
verbos destacados acima. Ou seja, assim técnicos mais precisos para se referir ao
como Deus formou Adão do pó da terra, embrião ou ao feto? Não podemos ter
ele também está ativamente envolvido na completa certeza a respeito dos motivos
formação do feto no útero. Na criação de pelos quais os autores bíblicos escolhe-
Eva, o verbo hebraico utilizado é banah, ram uma determinada palavra em vez de
mesmo verbo utilizado para referir-se ao(s) outra, mas há aqui uma evidência que não
filho(s) que Abraão teria com Hagar (Gn pode ser desprezada.
16:2), e aos filhos nascidos através da lei do
levirato (Dt 25:9). Assim, a vida intrauterina 2.5 As mortes dos nascituros
é descrita como obra de Deus. Deus é o que e dos nascidos são maldições
forma “desde o ventre” (Is 44:2, 24; 49:5), equivalentes
chama desde o ventre (Is 49:1). É Deus quem
sustenta no ventre e tira do ventre (Sl 22:9, Os 9:11-16 é um texto onde Deus
71:6). anuncia que provocaria, dentre outras coi-
Uma pergunta importante é: os auto- sas, abortos entre o povo de Efraim:
res bíblicos tinham palavras mais adequa-
das para falar dos nascituros? Será que a
Bíblia usa esses termos por falta de opções A glória de Efraim lhe fugirá como pássaro:
nenhum nascimento, nenhuma gravidez,
melhores? O hebraico bíblico apresenta nenhuma concepção. Mesmo que criem filhos,
pelo menos duas palavras mais específicas porei de luto cada um deles. Ai deles quando
para usar: o embrião pode ser designado eu me afastar! Vi Efraim, plantado num lugar
por golem, como no Sl 139:16, e o feto nati- agradável, como Tiro. Mas Efraim entregará
morto por nephel, como em Sl 58:8; Ec 6:3 seus filhos ao matador. “Ó Senhor, que darás
e Jó 3:16. a eles? Dá-lhes ventres que abortem e seios
Levando em conta o hebraico e o grego ressecados. “Toda a sua impiedade começou
extrabíblicos, percebe-se que havia palavras em Gilgal; de fato, ali eu os odiei. Por causa dos
e expressões mais específicas à disposição. seus pecados, eu os expulsarei da minha terra.
Em grego, por exemplo, embryo especifi- Não os amarei mais; todos os seus líderes são
caria um feto, enquanto téknon, paidíon, e rebeldes. Efraim está ferido, sua raiz está seca,
nēpios seriam expressões mais específicas eles não produzem frutos. Mesmo que criem
para crianças já nascidas, ao contrário de filhos, eu matarei sua querida prole” (Os 9:11-
brephos, que é um termo genérico. O he- 16 NVI).
braico, bíblico e pós-bíblico, possui pelo
menos seis palavras para se referir ao feto
ou ao nascituro (FULLER, 1994, p. 178-179). Dessa forma, se o próprio Deus
Além de descrever o nascituro com ex- provoca a interrupção intencional da
pressões mais gerais, associadas a pessoas, gravidez, isso poderia significar que o não
seres humanos, a Bíblia vincula o nascituro nascido é menos que humano e legitimar
a outras expressões, pensamentos e ideias o aborto intencional hoje? Alguns pontos
que o equiparam a uma pessoa humana merecem consideração.
completa. Mesmo se não houvesse pala- O primeiro ponto a ser destacado
vras alternativas para falar sobre a vida é que aqui não se trata de uma mãe que
intrauterina, no mínimo, os escritores bí- decidiu livremente abortar seu filho, mas
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A versão ARA sustenta que esta passa- metade da sua carne já consumida” (Nm
gem trata de um caso de aborto provocado 12:12 ARC). Essa é uma evidência de que
por um ferimento acidental de uma mulher o sentido natural de “uma criança saiu” é
grávida. A lei exigiria apenas uma indeniza- um nascimento de um bebê vivo, exigindo
ção pela perda do feto, mas se a mãe sofres- complemento e explicação em caso con-
se qualquer dano mais sério ou morresse, a trário.
lex talionis (“vida por vida”) ser executada. Em Nm 12:12, não descobrimos que a
Visto desta forma, esse texto diferencia o criança está morta a partir do verbo “sair”
feto e a mãe, tratando apenas a mãe como (yatsa’), mas o texto tem que dizer isso
um ser humano, e considerando apenas a claramente usando o particípio do verbo
morte da mãe como assassinato. Assim, já “morrer” (muth). O mesmo acontece em
que o feto não é considerado plenamente Jó 3:11: “Por que não morri [muth] eu na
humano, o aborto não deveria ser equipara- madre? Por que não expirei ao sair [yatsa’]
do ao assassinato. dela?” Ou seja, se yatsa’ nunca significa
Por outro lado, a versão NVI suge- aborto na Bíblia, por que entender isso em
re que o texto está falando do nascimento Ex 21:22?
prematuro de um bebê vivo, pelo qual uma Yatsa’, inclusive, é usado para retratar
indenização deveria ser paga. Mas houves- o surgimento de vida, como, por exemplo:
se maior dano (ferimento ou morte) à mãe na criação (Gn 1:24), na promessa do nas-
ou ao feto, a lex talionis deveria ser aplica- cimento de Isaque (Gn 15:4), no nascimen-
da. Nessa interpretação, o feto tem o mes- to de Esaú e Jacó (Gn 25:25-26), no nasci-
mo status de sua mãe, e esse texto não daria mento de Salomão (1Rs 8:19), nos filhos de
apoio à legitimação do aborto. Ezequias (2Rs 20:18), no nascimento de
Não será feita aqui uma análise exegé- Jeremias (Jr 1:5).
tica desse texto, apenas algumas observa-
ções a partir de uma leitura atenta do texto.
3.2 O que sai é uma criança
3.1 O verbo “sair” não viva, não um aborto
significa “aborto” Ex 21:22 refere-se aos nascituros/nas-
Ex 21:22 diz literalmente que as crian- cidos com uma palavra comum para uma
ças saíram da mulher (usando o verbo yat- criança viva, um filho (yeled), e não com a
sa’). Ou seja, as crianças apenas saem, nas- palavra usada para descrever um feto nas-
cem prematuramente, o texto não diz nada cido morto (nephel, como em Jó 3:16 e Sl
sobre elas estarem mortas. Sozinho, yatsa’ é 58:8).
usado para descrever nascimentos de crian- A combinação de “sair” (yatsa’) com
ças vivas (Gn 25:25-26; 38:28-30), não para “criança” (yeled) em Ex 21:22 indica que a
descrever abortos. Há um verbo hebraico criança nasceu viva, pois, em seus sentidos
mais específico para “abortar” (shakal, Ex mais simples, yeled não é uma criança que
23:26), mas ele não é usado em Ex 21:22-23. nasceu morta, e yatsa’ não é um aborto.
Numa das poucas ocorrências de yat- Por que entender a “saída das crianças”
sa’ relacionado a um aborto, em Nm 12:12, como aborto em Ex 21:22, se existem palavras
o autor faz questão de explicar que o bebê hebraicas mais especificas para isso (como o
“saiu” morto (o texto diz literalmente que substantivo nephel e o verbo shakal)? Se o
“aquele que é morto” sai do ventre): “Ora, autor tinha em seu vocabulário palavras es-
não seja ela como um morto [muth], que, pecificas para descrever um aborto (como
saindo [yatsa’] do ventre de sua mãe, tenha usou em Ex 23:26; Gn 31:38; Jó 3:16; 21:20),
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por que teríamos que forçar um sentido por isso inserem as expressões destacadas
único, diferente, exclusivo aqui em Ex 21:22? (“maior”, “para a sua saúde”, e “outro”).
Ou, por outra via: se o autor usou em Ex A inserção de “para a sua [da mãe] saúde”
21:22 as mesmas palavras que usou em ou- implica que a não-ocorrência do dano
tros lugares para falar de crianças nascidas estaria se referindo apenas à mãe e não às
vivas, por que só em Ex 21:22 o significado crianças. Entretanto, a posição da palavra
deve ser aborto? ’ason na sentença em hebraico indica
que ela se pode se referir tanto às crianças
3.3 O “dano” é aplicado quanto à sua mãe. Numa leitura natural, as
crianças não estariam isoladas do “mas não
tanto à grávida quanto aos ocorre dano”, portanto a inserção de “para a
filhos no ventre sua [da mãe] saúde” é injustificada.
Por sua vez, a inserção das palavras
“outro” e “maior” implica que, na
Ex 21:22 diz literalmente que as crianças
interpretação dos tradutores, algum dano
saiam dela “mas não existe dano”, ou “mas
já havia ocorrido: o suposto aborto. Mas
não ocorre dano”. O “dano” (’ason) que
o texto hebraico diz apenas que nenhum
não ocorre se refere à criança e à mãe, por-
’ason (dano) ocorre, e não indica que a saída
tanto, não houve aborto. A palavra ’ason é
da criança já havia sido em si um dano. A
usada na Bíblia apenas em Gênesis 42:4,
leitura mais natural do texto sugere que
38; e 44:29, onde Jacó revela seu medo de
as crianças saíram prematuramente, mas
que algum mal (’ason) aconteça a seu filho
tanto elas quanto a mãe estão sem dano.
caçula, Benjamim. É curioso que na única
O dano ocorre apenas no verso 23
ocorrência de ’ason no Antigo Testamento,
(literalmente, “mas se ’ason ocorre”), sem
além de Ex 21:22-23, o termo esteja inserido
indicar que se trata de um dano apenas à
no relato onde um pai não quer se separar
mãe, ou um dano a mais. Dentre as versões
de um filho, por medo de que algum dano
em português analisadas aqui, a NVI
(possivelmente a morte) lhe ocorra. Ao usar
transmitiu um pouco melhor a essência do
a mesma expressão com relação ao nasci-
que está escrito em hebraico: “não havendo,
turo, Ex 21:22-23 indica que o feto era reco-
porém, nenhum dano sério”, mesmo
nhecido como uma criança e alvo das mes-
inserindo a palavra “sério”, que também
mas preocupações e direitos que os filhos já
não está no texto hebraico.
nascidos.
As versões que interpretam que Ex 21:22-23
está falando de um aborto tiveram que in-
serir palavras nessa sentença, como se pode 3.4 Esse texto trata de um
ver a seguir (ênfases acrescentadas): aborto intencional
Essa lei de Ex 21:22-23 não ser refere
ao caso de uma mãe que resolve matar o
[...] porém sem maior dano [...] (ARA).
[...] mas sem maior prejuízo para a sua saúde [...] próprio filho. Ainda que fosse considerada
(NTLH). correta a interpretação que vê um aborto em
[...] não resultando, porém, outro dano [...] (AA). Ex 21:22, seria um aborto causado por outra
[...] porém não havendo outro dano” (ACF).
pessoa, contra a vontade da grávida (ou
independentemente dela). Mesmo nessa
interpretação, esse texto não serve como
Nenhuma dessas palavras destacadas está uma descrição do não nascido como algo
no texto hebraico. Todas essas versões menos que humano e nem como defesa do
assumem que os fetos foram abortados, e aborto intencional.
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TEOLOGIA em revista
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TEOLOGIA em revista
Alguns entendem que essa água, além Esse texto também poderia indicar
de deixar a mulher infértil, provocaria um que a vida humana era considerada ape-
aborto do filho gerado no adultério (a ex- nas depois do primeiro mês após o nasci-
pressão eufemística “inchar o ventre e te mento, pois as crianças recém-nascidas
fazer descair a coxa” significaria isso), e eram ignoradas na contagem dos primo-
isto indicaria que Deus estaria aprovando o gênitos: “E o Senhor disse a Moisés: Conte
aborto de filhos indesejados. todos os primeiros filhos dos israelitas, do
Esse texto não é claro com respeito ao sexo masculino, de um mês de idade para
que aconteceria com uma mulher adúltera
cima e faça uma relação de seus nomes”
grávida, e o aborto pode ser apenas inferido
como um possível resultado. Mesmo assim, (Nm 3:40; cf. 3:15).
trata-se de uma severa punição imposta à Uma inferência possível, a partir
mulher, não um ato de livre escolha indi- desse texto, seria: se uma criança recém-
vidual. Se o caso for mesmo de um aborto, -nascida era considerada dessa forma,
ele seria um juízo divino, como os nascitu- quão menos importante seria uma crian-
ros abortados em Os 9:11-16, e como a morte ça ainda no ventre?
do filho de Davi com Bate-Seba (2Sm 12:13- No entanto, interpretar esse texto
14). Utilizar um aborto provocado por um assim abre portas para o infanticídio, pois
castigo divino para justificar o aborto por bebês poderiam ser descartados com até
conveniência hoje é tão errado quanto usar um mês de nascimento, já que não seriam
a morte de crianças em juízos divinos para pessoas no sentido pleno. Dificilmente
justificar o infanticídio hoje. um cristão estaria disposto a argumentar
Além disso, esse texto não reflete um nesse sentido, mas essa é a consequência
padrão bíblico a respeito da gravidez fru- lógica de usar esse texto para descrever
to de uma relação ilícita. Bate-Seba reco-
nheceu que havia ficado grávida por causa um não nascido como menos que huma-
do adultério (2Sm 11:5), mas o filho não foi no e justificar o aborto.
abortado (essa hipótese nem aparece no re- Na verdade, esse texto está falando
lato). As filhas de Ló engravidaram por uma da idade limite para que um primogênito
relação incestuosa com o próprio pai (Gn fosse resgatado e cerimonialmente subs-
19:36), mas não houve intervenção divina e tituído por um levita: “Eis que tenho eu
nenhuma sugestão no texto para que os fi- tomado os levitas do meio dos filhos de
lhos fossem abortados. Israel, em lugar de todo primogênito que
abre a madre, entre os filhos de Israel; e
os levitas serão meus” (Nm 3:12). Os pri-
mogênitos eram permutados pelos levitas
com um mês de idade (Nm 3:45-47; 18:15-
5 O STATUS
16). Portanto, essa não é uma questão re-
ferente ao status moral do bebê, mas a
uma questão legal cerimonial relativa ao
DAS CRIANÇAS resgate dos primogênitos.
EM NÚMEROS
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TEOLOGIA em revista
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da evidência bíblica revela Na Bíblia, portanto, o que foi concebido
uma linguagem que se refere ao homem e vive no ventre materno é um “filho”, uma
como plenamente humano mesmo antes “criança”, e a mulher em cujo ventre esse
do nascimento. Deus chama, consagra, pequeno ser vive é uma “mãe”. Mesmo que
sustenta, forma, molda o nascituro. Mes- a criança ainda não tenha nascido, e mesmo
mo no ventre, ele recebe a atenção e o cui- que morra antes do nascimento, ela é “filho”
dado de Deus. E a Bíblia jamais o descreve e “criança”, e a mulher que a concebeu é uma
como uma “coisa” inanimada ou sub-hu- “mãe”.
mana, pelo contrário: dedica-lhe textos
Essas expressões mostram que o nas-
poéticos, proféticos e históricos, com ad-
jetivos, substantivos e verbos igualmente cituro na Bíblia é identificado por termos
usados para seres humanos já nascidos. distintamente humanos, e tal linguagem
É temerário concluir que o nascituro sugere que não há diferença essencial entre
não é considerado uma vida humana na o nascido e o não nascido, pois a Bíblia usa
Bíblia, pois nela ele tem individualidade exatamente os mesmos termos para ambos.
como a de um nascido, é chamado de “fi- Portanto, diante dessas evidências, é possível
lho” e de Deus e em linguagem pessoal, e concluir que a Bíblia sugere que nascituros
sua morte é uma maldição equivalente à e nascidos partilham da mesma natureza, e
morte de um nascido. que a vida no ventre materno é vida humana.
Referências
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Testament. 3 vols. Grand Rapids: Eerd- sellschaft, 1997.
mans, 1990. BibleWorks, v.10.
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TEOLOGIA em revista
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TEOLOGIA em revista
Mestre em Gestão do
Conhecimento nas Organizações
1
Mestre em Gestão do Conhecimento nas Organizações (Centro Universitário de
Maringá – UNICESUMAR). Docente da Faculdade Adventista do Paraná (Ivatuba-PR).
Contato: catia.marcon7@hotmail.com
2
Teólogo formado no Centro Universitário Adventista e Historiador pelo Centro
Universitário ETEP. Pós-graduando em Filosofia na IBRA. Professor de Ensino Religioso
e Auxiliar de Capelania no Colégio Adventista São José dos Pinhais - PR. E-mail:
samuel,lunkes@educadventista.org.br.
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TEOLOGIA em revista
Resumo
Por muitos séculos a escravidão fez-se presente no con-
texto social e isso desagrada a mentalidade moderna pois é
considerada uma ação desumana. Apesar de muitos povos
adotarem o regime escravagista para formarem sua nação,
existiram outras nações que, mesmo havendo escravos, ga-
rantiam leis que os protegiam, uma delas foi a nação de Is-
rael. O artigo presente tem como objetivo analisar a escravi-
dão na teocracia israelita. Para isso, foram consideradas as
leis dos povos antigos referentes à escravidão, o pensamen-
to teocrático bíblico sobre o ser humano, a relação entre a
lei, Deus e escravidão; e, por último, como as leis mosaicas
lidavam com a escravidão. Os pontos principais conside-
rados foram a desvalorização do ser humano nas culturas
antigas, a valorização que a Bíblia traz para a raça huma-
na, a preocupação do ser divino bíblico com os excluídos da
sociedade antiga e a compreensão das leis encontradas no
Pentateuco referentes a escravidão hebraica.
Abstract:
For many centuries slavery was present in the social
context and this displeases the modern mentality as it is
considered an inhumane action. Although many peoples
adopted the slave regime to form their nation, there were other
nations that, even with slaves, guaranteed laws that protected
them, one of them was the nation of Israel. This article aims
to analyze slavery in the Israeli theocracy. For this, the laws
referring to slavery in ancient peoples, the biblical theocratic
thought about the human being, the relationship between
law, God and slavery and finally how the Mosaic laws dealt
with slavery were considered. The main points considered
were the devaluation of the human being in ancient cultures,
the appreciation that the Bible brings to the human race, the
concern of the biblical divine being with those excluded from
ancient society and the understanding of the laws found in
the Pentateuch regarding Hebrew slavery.
23
TEOLOGIA em revista
1
INTRODUÇÃO
Ao longo dos séculos a escravidão es- A problemática do artigo foi encon-
teve presente na história da humanidade e trar a harmonia entre uma teocracia que se
muitas sociedades foram construídas atra- diz baseada em leis de amor e bondade e a
vés da submissão forçada de povos domi- escravidão, por ser algo que desumaniza o
ser humano. Desta forma, como analisar a
nados. Meillassoux (1995, p. 17) comenta escravidão teocrática?
que “A escravidão é um período da história O objetivo geral do trabalho foi ana-
universal que afetou todos os continentes, lisar um recorte da história do povo isra-
simultaneamente às vezes, ou sucessiva- elita e sua cosmovisão sobre a escravidão
mente”. no período em que o rei do povo foi Deus
Essa realidade não foi diferente en- (teocracia) e Ele concedeu ordens para o
tre o povo hebreu, e, por isso, a pesquisa povo por meio da Torah. Para alcançar o
realizada para este trabalho teve o intuito objetivo, buscou-se compreender quatro
de buscar informações para a compreen- aspectos, o conceito de escravidão nos po-
são de como eram as leis sobre a escravi- vos antigos, o valor do ser humano do pon-
dão entre os hebreus. E como essas leis se to de vista bíblico, a relação da lei com o
relacionavam com o seu Deus. Abriu-se a ser divino e por fim as leis sobre escravidão
premissa de investigar se havia algum di- entre o povo hebreu.
Para atingir o objetivo realizou-se um
ferencial entre essas leis e as leis dos anti- trabalho descritivo, investigando informa-
gos povos que viveram na mesma época e ções em materiais bibliográficos e, portan-
até mesmo com povos considerados mais to, com cunho qualitativo, para expor os
evoluídos em séculos futuros. conceitos, os motivos e os resultados.
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TEOLOGIA em revista
01
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02
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1) Contribuem para glorificar a Deus – isso sem de ser bons e se tornassem “corruptos”
ocorre quando eles estabelecem uma rela- (Jr 17.9). Com essa corrupção, problemas
ção harmoniosa com esse Deus e entre eles sociais surgiram, entre eles a escravidão e,
mesmos; portanto, “qualquer desigualdade [...] que
2) São um retrato do Ser Divino que os se manifesta nas sociedades humanas é re-
criou; sultado do pecado” (JONES, 2014, p. 195).
3) Possuem uma posição superior no pla- Não importa se for desigualdade entre gê-
neta Terra, em comparação a todo o resto neros, classes sociais, culturais ou econô-
dos seres animados e inanimados. micas, no pensamento bíblico, essas desi-
gualdades são consequência do afastar-se
Jones (2014), completa afirmando do Divino, completa Jones (2014). Sergio
que, no ponto de vista bíblico, o valor do Feldman (2008) diz que em nenhum mo-
ser humano se dá não por causa da sua in- mento da narrativa bíblica a desigualdade
teligência, seu poder de relacionamento, através da escravidão seria uma ordem di-
sua força ou sua raça, mas esse valor lhe vina. Em todo o tempo de história, a escra-
é atribuído por ter sido feito à imagem e vidão partiria de uma “necessidade” hu-
semelhança de Deus. Nesse sentido o ho- mana.
mem não é somente mais um organismo
4 A ESCRAVIDÃO
vivo no planeta, mas possui uma função
que é a de refletir o caráter de Deus. A ex-
pressão “a imagem de Deus” inclui ex-
pressar sua natureza moral. Logo, o ser
humano, no princípio e ao longo da histó- NA TEOCRACIA
ria, deveria ser bom pois imita o Deus que O ideal na teocracia bíblica é que entre
ao concluir sua criação declara que tudo o os humanos não houvesse nenhuma desi-
que tinha feito “era muito bom” (Gn 1.31). gualdade e que todos fossem livres. Ainda
(CAIRUS, 2013). assim, a escravidão se tornou uma institui-
A teologia bíblica sobre o ser hu- ção universal, e, por isso, “Deus permitiu
mano e o seu valor é então construída a sua prática, mas, ao mesmo tempo procu-
partir de Genesis 1.27 e complementada rou diminuir o mal que a acompanhava”
com a ideia de que o homem é bom, mos- (NICHOLS, 2013, p. 657).
trando o ideal para a raça humana. Sendo Muitos tentam justificar a escravidão
assim uma vida de equilibro na sociedade dos negros relacionando a maldição que
fazendo com que não houvesse desigual- Cam recebeu de Noé, seu pai. Mas, na Bí-
dades sociais e que a moralidade estivesse blia, não há base para esse argumento, e na
intrínseca na humanidade que a expressa verdade nem se sabe quem foi o origina-
através do ser bom. dor dessa teoria (PÉTRÉ-GRENOUILLEAU,
O ponto de vista cristão também ex- 2009).
plica que, em decorrência do pecado da A ação divina no livro de Êxodo mos-
desobediência a Deus, narrada em Gênesis tra o contrário do argumento de que a or-
3, as relações humanas foram deturpadas dem para existir escravidão veio do Deus
fazendo com que os seres humanos deixas- bíblico.
28
TEOLOGIA em revista
O autor desse livro narra que Deus viu o A lei encontrada na Torah seria uma
povo de Israel sofrer como escravos no Egi- expressão direta da vontade divina direcio-
to e resolveu libertá-los enviando Moisés nando os hebreus, como relembra Stanel-
para Canaã (Êx 1-13). Segundo Jean-Louis mann (1978). Assim, “o povo que se cha-
Ska (2018), a partir do livro de Êxodo, no- ma pelo nome do SENHOR devia mostrar
ta-se como o trabalho pode ser degradado as características de seu Deus em todas as
e explorado pelo pecado, já que o trabalho áreas da vida”. (JONES, 2014, p. 276).
de Israel no Egito Antigo era uma escravi- As ordenanças presentes no Penta-
dão. Além disso, se compreende que o Deus teuco mostravam não somente o que esse
apresentado na narrativa bíblica não gosta legislador divino esperava do seu povo,
da opressão. Portanto, Ele liberta o povo mas também o que esse povo poderia espe-
hebreu para que sejam livres (FELDMAN, rar dessa entidade divina. Essas leis mos-
2008). Com essa libertação o povo torna- traram que o Deus bíblico não se importa
-se “propriedade particular” de Deus para somente com as questões envolvendo reli-
serem um reflexo desse Deus, onde forem gião e adoração, mas também demonstra
(Êx 19.5-6). preocupação e importância com todos os
De acordo com House (2005), a partir do aspectos da sociedade humana. Haviam
momento que Deus liberta o povo, ele vai sis- leis envolvendo questões de “liderança,
tematicamente definindo a comunidade à sua guerra, crimes, relações familiares, ques-
imagem e semelhança. Como o ideal não existia
tões econômicas e comerciais”. (JONES,
mais, o Libertador do povo apresenta uma lei que
“mostrou a Israel como expressar o amor de Deus
2014, p. 276). Jones completa apresentan-
em um mundo real” (RICHARDS, 2004, p. 113). do que as ordenanças também contêm
Esse Deus não mostra somente os concei- “diversas instruções que visam a proteção
tos abstratos da lei, mas apresenta “como os con- da família e do casamento, a devolução de
ceitos abstratos são expressos na situação do dia- animais perdidos, a segurança pública na
-a-dia” (RICHARDS, 2004, p. 112). Os princípios construção e a necessidade da observân-
e orientações base para a nação hebraica encon- cia de práticas comerciais justas” (JONES,
tram-se escritos nos cinco primeiros livros da Bí- 2014, p. 276).
blia - a saber, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números
A preocupação demonstrada na lei,
e Deuteronômio - conhecidos como Pentateuco
ou Torah, o Livro da lei, e “Moisés recebeu todas
por parte do ser divino, fez com que o co-
essas leis do próprio Deus, no monte Sinai, para mentarista bíblico Richards (2004) notasse
dá-las ao povo, quando estavam acampados aos uma extrema compaixão da parte de Deus
pés do monte, e escreveu-as para serem observa- pelos seres humanos e especificamente
das por aqueles que viessem depois deles” (JOSE- pelos grupos marginalizados da época bí-
FO, 2004, p. 146). blica. Exemplo disso seriam os preceitos
que protegiam os escravos e as mulheres.
Ele compara dizendo que a compaixão era
“inexistente nas leis de outras culturas da
5 A ESCRAVIDÃO
época” (RICHARDS, 2004, p. 113).
Aos olhos dos estudiosos bíblicos até
aqui apresentados, a relação Deus, povo e
NA TORAH lei deveria estar intrínseca na sociedade
hebraica e envolvia adoração e questões do
29
TEOLOGIA em revista
cotidiano, não de forma separada, mas lida com o real. Isso faz com que a Bíblia
num conjunto. O principal objetivo das aplique leis sobre a escravidão para “prote-
leis mosaicas era revelar o caráter de Deus, ger os escravos como filhos de Deus, como
expresso através do povo: “Por isso, a Lei irmãos da comunidade religiosa e como
mostrou a Israel como expressar o amor cidadãos de um sistema social cuja meta
de Deus em um mundo real” (RICHARDS, é a liberdade do ser humano” (NICHOLS,
2004, p. 113). 2013, p. 1105).
Ainda no Pentateuco, encontram-se Estudiosos como Harrison e Pferffer
as leis referentes à escravatura, mais espe- (1965), Meillasoux (1995), e Nichols (2013)
cífico nos livros de Êxodo, Levítico e Deu- mostram que essas leis eram tão favoráveis
teronômio. Um fator inicial que Nichols ao escravo que os povos ao redor dificil-
(2013) apresenta é que a escravidão não mente considerariam o escravo hebreu um
deveria acontecer, pois, Deus tirou o povo escravo mesmo, eram vistos por muitos
de Israel da terra do Egito para eles não fos- como um penhor.
sem mais escravos, como o texto de Levíti- As leis referentes à escravidão en-
co 26.11-13, apresenta: contradas no Pentateuco são sintetizadas
por Henri Daniel-Rops (2008), em espe-
Estabelecerei a minha habitação entre vo- cífico as que permitiam que um hebreu se
cês e não os rejeitarei. Andarei entre vocês e tornasse um escravo:
serei o seu Deus, e vocês serão o meu povo.
Eu sou o Senhor, o Deus de vocês, que os
tirou da terra do Egito para que não mais 1) Quando a pessoa devia algo;
fossem escravos deles; quebrei as traves do 2) Quando a pessoa roubava e não tinha
jugo que os prendia e os fiz andar de cabe- dinheiro para restituir o que havia sido
ça erguida (grifo nosso). roubado;
3) Quando a pessoa era pobre, e para não
Complementando essa ideia, Nichols morrer de fome se sujeitava à escravidão.
(2013, p. 657) discorre que :
“No espírito, a lei de Moisés é contra a es- Isso quer dizer que o próprio israelita
cravidão. Sua ênfase na dignidade do ser poderia se vender, ou vender os membros
humano feito a imagem de Deus e seu reco- da sua família, para saldar suas dívidas ou
nhecimento de que toda a humanidade se evitar a pobreza. Porém, ele não poderia,
originou de um casal continuam em prin- segundo Henry (2017), ser sequestrado por
cípio a afirmação de todo direito humano” seus compatriotas e forçado à escravidão.
Mas “se um israelita fosse comprado por
um senhor pagão ou por outro judeu que
Esse pensamento não é expresso so- planejasse tirá-lo da Terra Santa, a comu-
mente na Torah. Daniel-Rops (2008, p. nidade o resgatava, caso a família não ti-
163) diz que “a Bíblia lembrou repetida- vesse condições para isso” (DANIEL-ROPS,
mente os israelitas que tinham sido es- 2008, p. 166). Essa atitude completamente
cravos no Egito, e lhes disse que esta lem- diferente das demais civilizações da época.
brança deveria torna-los compassivos. A Também, Daneil-Roos (2008) clas-
escravidão era algo comum no ambiente sifica quais deveriam ser as condições de
social da época e o Legislador dos hebreus trabalho:
30
TEOLOGIA em revista
1) Horário de trabalho - até dez horas por Essas leis não eram somente para os
dia e somente durante o dia, tendo o sába- homens, mas também para as mulheres.
do como um dia de descanso; Henri (2008, p. 166) mostra que além des-
2) Trabalho somente para o senhor - não sas leis, haviam mais algumas regras que
poderia trabalhar para o público e não era as protegiam:
obrigado a fazer algo que causasse humi-
lhação.
1) Se fosse casada com um escravo parti-
O Pentateuco ainda, segundo ele, lhava da sorte dele, a não ser que “perten-
apresentava uma segurança para a vida do cesse ao Senhor antes de casar-se”;
escravo, protegendo-o da seguinte forma: 2) “Muitas se tornavam concubinas dos
senhores ou dos filhos destes” e mesmo
assim não era permitido que o patrão as
1) A lei ordenava que o senhor que matasse vendesse caso não se agradasse mais delas
o escravo fosse castigado; e deveriam ser tratadas como sua esposa,
2) A lei ordenava que o escravo fosse liber- sem direitos inferiores.
to caso fosse mutilado ou ferido com gol- 3) A alforria do Ano do Jubileu só se aplica-
pes pelo seu senhor va quando a mulher exigia;
31
TEOLOGIA em revista
32
TEOLOGIA em revista
6 CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Considerando a problemática do ar- considerando o momento de sua formação
tigo de analisar a escravidão teocrática, no como um povo onde as leis foram dadas
que ser refere ao contexto da escravidão por seu Rei e Deus por meio da Torah. So-
nos tempos antigos compreendeu-se que bre a prática dessas leis após as receberem
fatores sociais e econômicos levaram seres e como elas se desenvolv eram ao longo do
humanos a se tornarem escravos, porém ao tempo no povo de Israel e consequente-
avaliar as leis referentes a escravidão entre mente entre judeus, há necessidade de no-
os egípcios, hititas, sumérios romanos e gre- vas pesquisas sobre o assunto.
gos e outros povos, entendeu-se que eram
práticas desumanas. As justificativas para a
prática da escravidão foram explicadas por
teóricos e legisladores da época como sen-
do normal e natural da natureza humana.
No entanto, a cosmovisão bíblica apresenta
que o ser humano foi criado a imagem e se-
melhança de seu Criador, levando em con-
ta que ser a imagem e semelhança de Deus
simboliza representar seu caráter. Logo,
não seria natural ao homem ser escravo e
sim livre.
A narrativa bíblica ainda apresenta
que devido o pecado, o ideal proposto por
Deus não é mais possível e por isso o ser di-
vino bíblico trabalha com a realidade hu-
mana. Deus cria leis que buscam restaurar
o homem e a mulher a sua imagem e seme-
lhança, na condição em que se encontram.
As leis não são somente teóricas, mas são
práticas e envolvem o dia-a-dia da comuni-
dade hebraica.
Dentro dessas ordenanças, o Legisla-
dor divino apresenta como os israelitas de-
veriam tratar os escravos, tanto da própria
nação quanto das nações de fora. Deus não
aprovava a prática da escravidão, mas tole-
rou a cultura praticada por outros povos, e
criou meios para amenizar a dor e valorizar
a vida humana.
Em uma análise comparativa con-
cluiu-se que a escravidão no meio do povo
hebreu era mais branda mostrando o caráter
do Deus de Israel que se preocupava com os
seres humanos, indiferente de sua condição,
sendo ele escravo ou livre. Esse artigo fez um
recorte na histórica dos israelitas, con-
33
TEOLOGIA em revista
Referências
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Pétré-Grenoulilleau, O. A história da
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2009.
34
TEOLOGIA em revista
Resumo
O presente trabalho teve como objetivo analisar a relação
entre Novas Gerações e a Igreja Adventista do Sétimo dia do sé-
culo XXI, bem como propor métodos e conceitos para ela se tor-
nar relevante na sociedade e na vida de fé dos jovens da atuali-
dade. Para tanto, foram analisados vários pontos dentro desses
grupos. Dentro do escopo das Novas Gerações, foi estudado a sua
importância para a Igreja Adventista atual, e suas principais ne-
cessidades. Também foi exposto a visão delas sobre a igreja e os
motivos do abandono da fé. Em relação à Igreja Adventista, foi
observado como ela pode se tornar significativa para os jovens
através de quatro pontos cardeais: uma liderança modelo, um re-
lacionamento pessoal, métodos contextualizados e um modelo
de discipulado bíblico. A pesquisa se utilizou do método de re-
visão bibliográfica. De acordo com o que foi visto no trabalho, é
possível concluir que a Igreja Adventista dispõe de todos os meios
para se tornar relevante para as Novas Gerações nos dias de hoje.
Abstract:
The present work aimed to analyze the relationship between
the New Generations and the Seventh-day Adventist Church
of the 21st century, as well as to propose methods and concepts
for it to become relevant in society and in the faith life of young
people today. Therefore, several points within these groups were
analyzed. Within the scope of New Generations, its importance
for the current Adventist Church, and its main needs, was studied.
Their views on the church and the reasons for abandoning the
faith were also exposed. In relation to the Adventist Church, it was
observed how it can become meaningful to young people through
four cardinal points: a model leadership, a personal relationship,
contextualized methods and a model of biblical discipleship. The
research used the literature review method. From what was seen
in the work, it is possible to conclude that the Adventist Church has
all the means to become relevant to the New Generations today.
36
TEOLOGIA em revista
Introdução
do, fazendo com que as Novas Gerações
não enxerguem mais a igreja como um
fator relevante em suas vidas. Vivemos
As Novas Gerações estão se desligan- em uma geração dinâmica que a cada mo-
do cada vez mais da Igreja Adventista do mento está se alterando, e é dever da IASD
Sétimo Dia (IASD) no século XXI, porém a poder estar se adaptando constantemente
igreja não consegue compreender a razão para conseguir alcançar as pessoas onde
dessa onda de desistentes. Por mais que os quer que elas estejam, porém mantendo
jovens realmente tenham fé em Deus, eles suas doutrinas e princípios de maneira que
creem que a espiritualidade não está rela- se possa mudar os métodos, porém não os
cionada com a frequência a um templo ou princípios.
congregação em específico. A visão de igre- É preciso que os jovens entendam que
ja que eles têm precisa ser mudada. Con- para terem um real relacionamento com
tudo para isso é preciso entender as Novas Deus é necessária uma congregação em
Gerações, bem como suas necessidades. É suas vidas. Apenas frequentar uma igreja
imprescindível que a igreja mude seus mé- não nos torna cristãos verdadeiros, mas
todos existentes e adote outros novos para um cristianismo sem igreja não é realmen-
conquistá-las. te vivido.
Com o estudo aprofundado des-
ta proposta, é pretendido alcançar a real
compreensão de como a IASD deve se
adaptar, sem perder seus princípios e va-
lores, para alcançar e manter as Novas Ge-
rações na igreja. Será explanado o que uma
igreja deve deixar de lado e o que ela de- 1.2 Problemas, objetivo
verá adotar para fazer a diferença na vida
dos jovens. É importante ressaltar que nes-
geral e objetivos específicos
te trabalho os termos “Novas Gerações” e Os membros mais antigos da IASD
“jovens” serão usados para se referir ao têm uma dificuldade considerável para se
mesmo grupo de pessoas. comunicar com as Novas Gerações. Isso
levanta algumas questões, como: quais são
as necessidades das Novas Gerações? Como
elas veem a igreja atualmente? Quais os
1.1 Delimitação do tema motivos que levam a apostasia? Qual seria
o tipo ideal de igreja que faria a diferença
Este tema foi escolhido com o intui- na vida das Novas Gerações? Essas e outras
to de compreender o que torna a Igreja um questões, que serão analisadas no decorrer
fator de diferença na vida de um jovem em do presente estudo, permitem definir
pleno século XXI. As doutrinas e crenças o principal objetivo do trabalho: O que
da IASD muitas vezes são compreendidas seria uma igreja relevante para as Novas
e aceitas, porém os jovens não veem a ne- Gerações?
cessidade de adotar uma religião como um
elemento fundamental em suas vidas. Para que consiga alcançar esse objetivo
A sociedade está em constante muta- principal o atual trabalho será guiado pelos
ção, e juntamente com ela está a mudança seguintes objetivos específicos:
37
TEOLOGIA em revista
2 AS NOVAS
igreja está totalmente entrelaçado com as
Novas Gerações, é importante que se dê
atenção a elas para que o futuro da IASD
não fique comprometido.
Os métodos atuais da IASD não estão
GERAÇÕES surtindo mais efeit, pois há mais jovens
apostando na fé do que propriamente se
As Novas Gerações podem ser defi- convertendo (DUDLEY, 2000). Eles es-
nidas como a juventude que frequenta as tão preferindo dar atenção às atividades
igrejas nos dias atuais (KINNAMAN, 2014). seculares do que as atividades e eventos
Kinnaman e Lyons (2012, p. 18), em seu li- da igreja. Uma estimativa conservadora
vro “Descrentes”, publicado em 2012, refe- mostra que pelo menos 55% dos jovens es-
rem-se a eles como a “Geração Mosaica (os tão deixando-a a cada geração (DUDLEY,
nascidos entre 1984 e 2002) e a Geração da 2000). Isso significa que enquanto há um
Queda (os nascidos entre 1965 e 1983)”, ou número considerável de integrantes das
seja, o grupo de pessoas que têm entre 16 e Novas Gerações que estão adentrando pe-
29 anos. Thom Rainer e seu filho Sam Rai- las portas da IASD, há um número maior
ner (2014), contudo, afirmam que as Novas ainda a abandonando.
Gerações são as pessoas entre as faixas de Um estudo realizado nos Estados
18 a 30 anos. Dessa maneira, no presente Unidos, contudo, mostra que a situação
trabalho, ao falar das Novas Gerações será relativa à permanência e adesão de jo-
englobado os jovens que se encontram vens adultos à igreja está mais difícil do
hoje entre a idade de 16 e 30 anos, dentro e que aparenta. A cada geração e a cada ano
fora da igreja. Mas porque é necessário dar que passa, maior é o número de pessoas
tanta atenção a esse grupo em especial? que deixam de frequentar uma igreja. Em
1972 apenas 9,3% da população dos Esta-
dos Unidos não frequentava uma igreja,
2.1 A importância das Novas mas a porcentagem subiu para 26,2% em
Gerações para a Igreja 2014 (RELIGIOUS SERVICE ATTENDAN-
Adventista do Sétimo Dia CE, 2014?). Esse é um número bastante
É fundamental compreender que os elevado, e faz-se notar que a igreja não está
jovens são o futuro da igreja. Caso não seja convertendo-os verdadeiramente; há um
ensino aprofundado sobre doutrinas, po-
trilhado o caminho de revitalização e do
rém elas não estão fazendo-os permanecer
foco na permanência deles na comunidade na igreja (THOMPSON, 2011).
de fé, a IASD passará por sérias dificuldades Quando é feito uma análise das es-
futuramente, muito mais do que já está tratégias da IASD nota-se claramente que
enfrentando hoje. Deve-se assimilar que o foco está em grande parte nos jovens de
“qualquer igreja está a apenas uma geração fora, porém há poucas estratégias voltadas
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nesse momento em específico do trabalho, “Os líderes tendem a gastar mais tempo
como os membros de uma congregação. A com as proibições do que com o lado
principal visão que as Novas Gerações têm libertador e acessível das coisas boas”
da igreja se resume a estes pontos: (GANE, 2014, p. 21).
E em terceiro lugar, a grande
maioria dos jovens vê os membros da
Em nossas pesquisas nacionais, descobri- igreja como hipócritas. De acordo com
mos que as três percepções mais comuns são
que os cristãos atuais são anti-homossexuais Thompson (2011) os jovens percebem
(imagem sustentada por 91% dos observado- muito claramente quando uma pessoa
res externos jovens), julgadores (87%) e hi- está sendo hipócrita. Segundo ele, muitos
pócritas (85%). Essas “três grandes percep- jovens desistem da igreja porque foram
ções” são seguidas das seguintes impressões
negativas adotadas pela maioria dos adultos obrigados a frequentá-la desde pequenos
jovens: antiquados, envolvidos demais na po- por pais que nunca amaram Cristo
lítica, se contato com a realidade, insensíveis genuinamente. Entende-se que esse é
aos outros, chatos, incapazes de aceitar outras um dos principais motivos para as Novas
formas de fé e confusos (KINNAMAN; LYONS,
2012, p. 30). Gerações abandonarem a igreja. A maioria
dos adultos não vivem o que pregam, estão
vivendo uma vida falsa (GANE, 2014).
Pode-se verificar que em primeiro Ainda dentro dessa esfera, as Novas
lugar os cristãos do século XXI, em geral, Gerações têm a visão de uma igreja
têm um preconceito muito grande contra “água com açúcar”, ou seja, uma religião
os homossexuais. Hoje, a IASD é vista superficial. Steptoe sustenta que esse tipo
não pelo que ela apoia, mas sim pelas de cristianismo, que surgiu entre as décadas
coisas a que se opõe (KINNAMAN; LYONS, de 1980 e 1990 fez com que muitos jovens
2012). Isso significa que ela não é mais deixassem de participar das atividades e
conhecida por apoiar atos de beneficência eventos que a igreja proporcionava, bem
social, e sim por um legalismo parecido como deixar de praticar sua fé (STEPTOE,
com o dos fariseus no primeiro século. 2006). Ela enfatiza muito as coisas que
A igreja, que deveria ser conhecida por não são essenciais, e isso acaba por tornar
tirar as pessoas do pecado através da uma religião rasa e sem aprofundamento
propagação da mensagem de amor e do espiritual.
sacrifício de Cristo na cruz, agora prega Os jovens de hoje também têm uma
sobre mandamentos sem nunca ensinar opinião sobre o cristianismo ter se afastado
as pessoas a realmente amarem a Cristo. do cristianismo verdadeiro. Eles o rejeitam
Os templos não transmitem mais o amor porque afirmam que ele não é mais puro
que Cristo transmitiu à igreja primitiva em sua essência. Dizem que o cristianismo
(CHAN, 2019). que existe hoje não é mais o que Cristo
Em segundo lugar, os cristãos são pretendia.
conhecidos por serem julgadores. Os jovens
veem a igreja como um grupo de pessoas [...] eles acham que os cristãos não represen-
que somente criticam e são indiferentes, tam mais o que Jesus tinha em mente, que o
eles se sentem demonizados por causa cristianismo na nossa sociedade não é o que
de sua aparência e pelo que acreditam deveria ser. [...] para muitas pessoas, a fé cris-
tã parece saturada e esgotada. [...] “O cristia-
ou deixam de acreditar. Percebem que as nismo está saturado de seguidores cegos que
pessoas de dentro da igreja se preocupam preferem repetir lemas e realmente sentir ver-
mais com o seu ex terior do que interior. dadeira compaixão e fazer algo pelos outros”
(KINNAMAN; LYONS, 2012, p. 16).
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TEOLOGIA em revista
Isso mostra que a visão que os Essa geração gosta de falar sobre fé. Muitos
jovens de fora têm não é uma visão muito creem, certo ou errado, que possuem fé. Ques-
conveniente. O grande problema é que tões religiosas não os assustam. A maioria
esse conceito de igreja não está somente mantém algum tipo de interesse em assuntos
religiosos. No entanto, a menos que essa gera-
cunhado nos de fora, mas também nos ção junte fé e igreja, ela não verá motivo para
jovens de dentro. Segundo Kinnaman permanecer na igreja. [...] Nossa pesquisa re-
e Lyons (2012), uma grande parte dos velou o que muitos pastores e líderes de igre-
jovens que fazem parte de igrejas cristãs ja já sabem de modo informal: a geração mais
nova não necessariamente abandona a sua fé;
compartilham das mesmas visões dos na verdade, ela deixa sua igreja local. [...] Eles
jovens que estão fora. não estão abandonando sua fé, mas estão dei-
Portanto, consegue-se identificar xando a igreja (RAINER; RAINER, 2014, p. 41).
que as Novas Gerações não têm uma
imagem muito aprazível dos membros.
As Novas Gerações consideram a
Acreditam piamente que o cristianismo
igreja apenas como mais um elemento
que se vive hoje não é mais o pregado e
de suas vidas, todavia consideram-na
ensinado por Cristo no primeiro século.
como algo não relevante. Além disso,
No próximo subtópico será apresentado
somente 30% delas enxergam a Bíblia
qual a relevância que a igreja e a religião
exata em todos os princípios que ensina
têm para as Novas Gerações. Será que elas
(KINNAMAN; LYONS, 2012). Através disso
realmente sentem que a igreja é necessária
pode-se concluir que muitos dos que se
em suas vidas?
afastam do cristianismo o fazem porque
têm pouca confiança na fé cristã, não veem
a igreja como algo que pode trazer uma
mudança real em suas vidas.
2.3.2 A relevância da IASD Mas há uma esperança para o futuro
para as Novas Gerações da IASD. Ainda segundo Kinnaman e
Apesar das críticas e de um horizonte Lyons, três quartos dos jovens consideram
de abandono, a igreja ainda se mostra que o cristianismo do século XXI tem
irrelevante para as Novas Gerações. bons valores e princípios, e alguns até
Conforme diz Barry Gane (2014), em seu afirmam que ele é amigável: “uma minoria
livro “O Caminho de Volta”, os jovens dos observadores externos percebe o
estão deixando a igreja pois não acham cristianismo como genuíno e verdadeiro,
que ela traga algum significado para a vida. como algo que faz sentido e tem a ver com
Afirmam veementemente que a igreja se a vida deles (KINNAMAN; LYONS, 2012, p.
tornou irrelevante em suas vidas diárias, 30).
que podem viver tranquilamente sem a Alguns poucos jovens ainda veem
convivência com o corpo de crentes. Dessa a igreja como relevante em suas vidas,
maneira buscam se afastar dela e de seus “a igreja é essencial para eles porque, em
membros. contrapartida, sabem que são essenciais
O interessante, contudo, é que hoje para ela, mesmo sendo jovens” (RAINER;
eles estão querendo buscar a Deus, porém RAINER, 2014, p. 43). A imagem negativa
essa busca é por conta própria. Para os que os jovens têm dela pode melhorar, mas
jovens, a igreja se tornou algo ultrapassado, para isso o corpo de crentes precisa mudar
algo que foi perdendo sua utilidade com o sua conduta sem perder seus princípios.
passar do tempo (CHAN, 2019). Em suma, Na próxima seção será apresentado os
eles não estão abandonando a fé, mas sim principais motivos que levam os jovens a
a igreja, o livro “Igreja Essencial” diz: abandonarem a igreja.
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gem era transmitida sem mudá-la em sua dem corretamente as escrituras terão pro-
essência, e segundo Burrill (2018, p. 52) blemas para permanecerem obedientes e
“ele não comprometeu o que acreditava fiéis à Palavra, ou seja, para que os jovens
ser cristianismo básico meramente para sigam realmente a Bíblia é necessário an-
alcançar as pessoas, mas, certamente, en- tes ensiná-los de maneira clara e objetiva.
tendeu as partes que eram culturalmente Francis Chan (2019) ressalta que os
neutras. Portanto, adaptou suas apresen- autores bíblicos não deixaram muitas ins-
tações para ir ao encontro das pessoas na truções acerca de como deveria ser a orien-
cultura onde viviam”. Ser uma igreja cul- tação eclesiástica, porém isso não significa
turalmente relevante remete a pregar um que ela seja irrelevante, “é necessário dis-
Evangelho eterno a uma sociedade em por de uma estrutura sólida e biblicamente
constante mudança (BURRILL, 2018). fundamentada que nos impeça de perder o
Mudar os métodos, por conseguinte rumo” (CHAN, 2019, p. 151). A fundamen-
leva ao fato de a igreja ter que adotar ou tação das crenças é essencial, mas devemos
abandonar algumas tradições. No primei- ensinar os princípios aos jovens, e, quando
ro século Jesus repreendeu os fariseus por tiverem um relacionamento íntimo com
esse motivo; eles criaram suas próprias re- Cristo poderão tomar as atitudes corretas:
gras e as valorizaram diversas vezes mais
do que os mandamentos de Deus (CHAN,
Em vez de simplesmente apresentar doutrinas,
2019). Para superar esse obstáculo a IASD como uma fria lista de “pode e não pode fazer”,
deve separar o que é cristianismo do que nós apresentamos os grandes princípios da
é cultura e tradição, e essa é uma das coi- Palavra de Deus e permitimos que as pessoas
sas mais difíceis para qualquer igreja hoje usem a mente para fazer escolhas certas. Elas
devem fazer tais escolhas como discípulos radi-
(BURRILL, 2018). cais de Jesus, mentalmente restaurados à ima-
A mudança será eficiente e valorosa, gem de Deus (BURRILL, 2018, p. 89).
contudo “se muitas mudanças são intro-
duzidas de uma só vez, a igreja pode tor-
nar-se instável e fazer os membros mais Isso indica que antes de pregar dou-
velhos sentirem-se inseguros. Essa é uma trinas deve-se ensinar às Novas Gerações
área que vai exigir muita discussão aberta, a amarem a Cristo. É possível uma pessoa
negociação e tempo” (GANE, 2014, p. 96). viver uma vida toda seguindo dez man-
Essas alterações devem ser feitas de ma- damentos sem nunca ter amado a Cristo
neira progressiva, com muita sabedoria. verdadeiramente, porém é impossível uma
Vale a pena ressaltar que nem tudo deve pessoa amar a Cristo e não seguir seus
ser mudado, pois quando é fornecido aos mandamentos (BULLÓN, 2014). O Evan-
jovens tudo o que eles querem as reclama- gelho puro foi a única coisa necessária para
ções só aumentam (CHAN, 2019). a igreja primitiva crescer e se multiplicar, e
É uma linha muito tênue entre mo- a mesma coisa acontecerá com a juventude
dificar métodos e abandonar princípios, de hoje se Cristo for colocado em evidência
e para que isso possa ser feito da manei- (CHAN, 2019).
ra correta a IASD precisa de duas coisas: Hoje os métodos para alcançar os jo-
fundamentar suas crenças e transmiti-las vens se resumem em programações e even-
de maneira clara para os membros; e dis- tos diferenciados, mas em diversas vezes
por de uma estrutura biblicamente funda- elas somente atrapalham (THOMPSON,
mentada. Segundo Rainer e Rainer (2014), 2011). Isso se deve primariamente a dois
os membros da igreja que não compreen- motivos; o primeiro é porque elas somente
48
TEOLOGIA em revista
atraem os jovens de fora, mas não Disciplina não deve significar castigo,
garantem a integração nem a permanên- mas a construção de um discípulo melhor”
cia deles na igreja. Segundo Rainer e Rai- (GANE, 2014, p. 21). Diversas vezes a igreja
ner (2014, p. 106), “de fato, eventos des- disciplina os jovens por se afastarem dos
se tipo podem ajudar a atrair estudantes princípios divinos, contudo não os auxiliam
da comunidade que não conhecem Jesus a retornar para o caminho correto.
Cristo, porém apenas isso não garante a O modelo adventista de discipulado é
incorporação dos estudantes que frequen- um exemplo para as outras igrejas, por isso
tam a igreja por um período de tempo”. O Burrill (2018) reconhece que ele não deve
segundo motivo é o fato de que se a IASD ser deixado de lado. Apesar de ser um mo-
ganhar jovens por meio de entretenimen- delo exemplar, infelizmente a IASD hoje é
to, acabará por ter que entretê-los o tempo composta em sua maioria por membros que
todo; para mantê-los perto a igreja preci- nunca foram discipulados; dessa maneira o
sará continuar usando essas mesmas fer- conhecimento acabou por não ser difundi-
ramentas intermitentemente (HIRSCH, do entre eles.
2016). O discipulado deve ser uma das pri-
É por essa razão que a ênfase deve ser meiras coisas a ser praticada por um jovem
na Bíblia e em Cristo; métodos para atrair quando está chegando na igreja, pois novos
os jovens podem ser úteis, porém se usados conversos adventistas que adotam o dis-
de maneira excessiva tirarão o enfoque do cipulado antes de se batizar são mais pro-
Evangelho restaurador e transformador. pensos a permanecerem na igreja do que
No próximo tópico abordaremos o último os que somente aprenderam sobre crenças
passo para a IASD se tornar relevante para e doutrinas (MCGAVRAN, 1990). Além de
as Novas Gerações. um crente não discipulado ter uma grande
probabilidade de deixar a igreja, ele ainda
atrapalha e enfraquece a igreja; de acordo
com Burrill “esses cristãos fracos posterior-
3.4 Um modelo de mente enfraquecerão o testemunho vivo da
discipulado bíblico igreja” (BURRILL, 2018, p. 81). Por essa ra-
Esse tópico não terá como ênfase um zão o discipulado deve ser praticado desde o
aprofundamento na definição de discipu- início com os futuros jovens da IASD.
lado, mas sim apresentar os motivos que Uma igreja relevante é baseada no mo-
fazem com que ele seja importante para delo bíblico, e deve levar pessoas a um dis-
conquistar e manter as Novas Gerações na cipulado radical; uma verdadeira igreja que
igreja. Em suma, o discipulado pode ser segue o modelo do Novo Testamento deve
definido como a vivência de um relacio- ter como sua prioridade o fazer discípulos
namento entre o discipulador e seu disci- (RAINER; RAINER, 2014). Um tema impor-
pulando (BURRIL, 2018). O discipulado, tante que deve ser dado destaque é que é
segundo Brown (1986), envolve o conhe- mais fácil conquistar novos jovens conver-
cimento teórico e prático; ou seja, envolve sos para esse tipo de discipulado do que
não somente o saber, mas também o fazer. mudar a cabeça dos que já estão na igreja a
O discipulado também traz consigo a algum tempo; segundo Burrill, “se quiser-
disciplina, porém ela é realizada não com mos igrejas revolucionárias, produtoras de
o objetivo de punir, mas de ensinar. Barry discípulos, e não apenas membros, preci-
Gane afirma que “muitas vezes nós nos samos começar com o grupo mais fácil de
esquecemos de que a palavra disciplina ser transformado em discípulos – os novos
tem a mesma raiz do termo discípulo. conversos” (BURRILL, 2018, p. 99).
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TEOLOGIA em revista
nutenção dos templos (BURRILL, 2018). Eles parte do treinamento (CHAN, 2019). Pode-se
são a maneira mais eficaz e econômica de fa- concluir que o envolvimento dos jovens na
zer com que os jovens entrem em comunhão igreja através do processo de discipulado vol-
uns com os outros, estabeleçam laços e fa- tado para os de fora, bem como da adoção de
çam a igreja crescer (CHAN, 2019). métodos para abrange-los no Ministério Jo-
Quando os relacionamentos interpes- vem e em PGs, são dois fatores basilares para
soais são estabelecidos em um PG, a proba- a IASD se tornar relevante em suas vidas.
bilidade da apostasia cai vertiginosamente;
mas para que isso ocorra de forma eficaz o
6 CONSIDERAÇÕES
propósito deve ser não somente em fortale-
cer os jovens de dentro, mas de também al-
cançar os ainda não conversos (RAINER; RAI-
NER, 2014). Uma igreja relevante prega para FINAIS
os de fora, e conforme Burrill (2018), se ela
Foi possível, através do desenrolar
focar somente na sobrevivência dos mem-
do presente trabalho, compreender que as
bros ela acabará por perecer. Muito além dis-
Novas Gerações são extremamente impor-
so, se a IASD não investir no crescimento das
tantes, pois são o futuro da igreja, e tam-
Novas Gerações dentro dela, elas irão morrer
bém têm uma maior influência sobre elas
espiritualmente:
mesmas do que as gerações anteriores. Pô-
de-se constatarr que há um número maior
Sabemos que o auge da maturidade biológica de jovens se desligando da igreja do que
é a reprodução, por isso, quando um cristão se convertendo, e que o período crítico da
não se reproduz espiritualmente, é porque ele apostasia é entre 18 e 22 anos.
sofreu algum tipo de “vasectomia” ou “ligadu-
ra de trompas” espirituais. O mesmo é verda- A visão que eles têm sobre a IASD é em
de para um grupo de adolescentes ou jovens. maior parte ruim; enxergam os membros
Quando esse grupo entra para um modo de como julgadores e hipócritas, insensíveis e
manutenção e não ganha novos jovens a cada distantes, e incapazes de aceitar novas vi-
dia, isso gera a morte espiritual do grupo (BAR-
RETO JÚNIOR, 2019, p. 99). sões. Essa percepção negativa provém em
grande parte dos relacionamentos que eles
tiveram com os membros da igreja. Outro
Segundo White (2013, p. 103), “todo ponto que se pôde notar é que os jovens
verdadeiro discípulo nasce no reino de Deus não veem a igreja como relevante em suas
como missionário”. Ou seja, um jovem em vidas, e é por essa razão que a abandonam,
processo de discipulado já deve ter iniciado mas não a fé.
seu crescimento no relacionamento com A juventude quer um atendimento
Cristo para que possa discipular outros pessoal e também que sejam ouvidos. Bus-
também. A igreja que prega de maneira cam um estilo de adoração que os agrade,
clara e objetiva suas crenças e doutrinas, e sermões que se conectem com eles e orien-
discipula jovens a pensarem nos ainda não tação por parte dos membros mais expe-
conversos, aumentam a chance de mantê- rientes. Necessitam de uma igreja autênti-
los dentro da igreja RAINER; RAINER, 2014. ca e real, mas o que se pode atestar é que
QuandoseobservaoNovoTestamento nem todas essas necessidades devem ser
percebe-se que Cristo fazia seus discípulos atendidas, pois quando os jovens têm tudo
pensarem nos que ainda não tinham sido
alcançados pelo verdadeiro Evangelho, o que querem as críticas só aumentam.
e que os enviava ao mundo; não porque Há quatro pontos principais que a
estivessem inteiramente treinados e não IASD deve adotar para se tornar relevante
iriam errar, mas sim porque o envio fazia para as Novas Gerações. O primeiro é a li-
51
TEOLOGIA em revista
derança modelo, que treina as gerações an- Portanto, para que a IASD do século
teriores a lidarem com as novas; o segundo XXI se torne relevante para as Novas Ge-
é estabelecer um relacionamento pessoal rações, é necessário que ela busque com-
com os jovens, conhecendo-os de verdade e preendê-las, identifique suas necessidades
mostrando que são importantes. O terceiro: espirituais e religiosas e encontre formas
aplicar métodos contextualizados; a igreja de preencher essas lacunas. A igreja deve
deve abandonar tradições, mas não princí- se aproximar dos jovens e contextualizar a
pios, e essa mudança deve ser feita de ma- maneira como o Evangelho é pregado, para
neira progressiva. O último, incorporar um que assim possa alcançar todas as nações,
modelo de discipulado bíblico, envolvendo tribos, povos e línguas.
o conhecimento e a prática com o enfoque
na missão para com os de fora.
Referências
BARRETO JÚNIOR, Lúcio. Loucos por DUDLEY, Roger L. Why our teenagers
juventude: 100 ideias práticas para quem leave the church: personal stories from
trabalha com adolescentes e jovens. Belo a 10-year study. Hagerstown: Review and
Horizonte: Basileia Editora, 2019. Herald Publishing Association, 2000.
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TEOLOGIA em revista
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ANÁLISE DA DISCIPLINA
SEGUNDO HEBREUS 12:4-11
ANALYSIS OF DISCIPLINE ACCORDING TO HEBREWS 12:4-11
João Luiz Marcon 1
Mestre em Teologia
2
Paulo Goulard
Teólogo
1
Mestre em Teologia (EST, São Leopoldo-RS) e doutorando em Teologia (Universidad
Adventista del Plata, Argentina). Diretor do Seminário Adventista Latino-Americano de
Teologia (IAP, Ivatuba-PR). Contato: joao.marcon7@gmail.com
2
Paulo Junior Anschau Goulart Bacharel em teologia (Seminário Adventista Latino-
Americano de Teologia, IAP, Ivatuba-PR). Pastor Distrital na Associação Norte
Paranaense da IASD. Contato: paulojrag@hotmail.com
54
TEOLOGIA em revista
Resumo
Este artigo se propõe a analisar o tema
da disciplina em Hebreus 12:4-11. Tal tarefa
se dará através de uma pesquisa bibliográfica
e exegética. A análise do contexto de Hebreus
auxilia na compreensão do momento em
que os leitores originais se encontravam.
Para que o tema da disciplina seja melhor
compreendido, se analisa palavras chaves
dentro do texto. Depois segue a reflexão da
citação de Provérbios 3:11, 12 com o texto
de Deuteronômio 8:5, o qual é importante
no entendimento do tema da disciplina em
Hebreus. Depois de tal estudo, apresenta-se
a reflexão teológica do tema da disciplina na
vida do cristão
Abstract:
This article proposes to analyze the
subject of discipline in Hebrews 12:4-11. This
task will be done through a bibliographical
and exegetical research. Analysis of the
context of the Hebrews helps to understand
the situation in which the original readers
found themselves. For the subject of the
discipline to be better understood, key words
within the text are analyzed, followed by a
reflection on the quotation from Proverbs
3:11, 12 with the text of Deuteronomy 8:5,
which is important in understanding the
subject of the discipline. in Hebrews. After
this study, the theological reflection on the
theme of discipline in the life of the Christian
is presented.
55
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2
em seus filhos. Seriam tais dores causadas
por Deus? Haveria algum sofrimento cau-
sado por Ele? Como poderia ser isso, se sua ASPECTOS
natureza é amor (1Jo 4:7, 8, 16; 2Co 13:11) INICIAIS SOBRE O
e é Deus quem alivia os fardos (Mt 11:28),
tira a sede (Jo 7:37) e o cansaço (Jr 31:25)? LIVRO DE HEBREUS
Logo, tem-se a problemática: Qual é o sig- É de extrema importância analisar o
nificado da disciplina do Senhor em He- contexto do livro de Hebreus para esta dis-
breus 12:4-11? cussão, pois, ele dá um referencial da situ-
Para compreender este dilema, este ação histórica em que se encontravam os
artigo se utiliza uma metodologia exegéti- primeiros destinatários da homilia-epis-
ca do texto de Hebreus 12:4-11. Essa análi- tola.
se fica mais clara ao se observar o contexto Então, primeiramente, necessita-se
do livro de Hebreus, estudado de palavras identificar o autor de Hebreus, porém, isso
chaves dentro do texto em questão e com- não é uma tarefa tão fácil quanto parece. É
parar como Provérbios e Deuteronômio importante ressaltar que há diversas opi-
deram base para a compreensão dessa dis- niões, entre elas, alguns mencionam que
ciplina. Ao observar esses passos, busca-se foi Barnabé, Apolo, Priscila, Silas, Timó-
esclarecer o tema da disciplina de Deus em teo, Clemente de Roma, Epafras, Felipe o
um contexto atual. diácono ou até mesmo Maria mãe de Jesus
Este estudo se dividirá em cinco (CARSON, 2005; BROWN, 1997). Como
principais partes. (1) Panorama geral de muitos nomes são propostos para a auto-
Hebreus, abordando seu contexto geral e ria de Hebreus, neste ponto, Hagner (2011)
específico; (2) análise léxico-sintática de menciona o alto nível de especulação com
palavras chaves do texto; (3) estabeleci- relação a várias propostas feitas.
mento do texto com as variantes textuais, Autores como Attridge (1990), Car-
propondo uma tradução para os versos de son e Moo (2005) descredibilizam a au-
Hebreus 12:4-11; (4) análise do uso de Pro- toria paulina para Hebreus. Entretanto,
vérbios e Deuteronômio em Hebreus e suas Michales e Allen (apud Malheiros, 2017,
implicações; e a (5) abrangência teológica p. 81, 82) dizem que a hipótese da autoria
das descobertas feitas nesse trabalho. Es- paulina de Hebreus não deve ser excluída,
ses passos se darão por meio de dois mé- pois não há evidências fortes e conclusivas
todos, sendo eles: 1) revisão bibliográfica, e para tal ação. Autores como Charles Fors-
2) uma adaptação dos passos exegéticos de ter, Moses A. Stuart e William Leonard,
56
TEOLOGIA em revista
“formam a mais abrangente compilação (ATTRIDGE, 1990, p. 9). O que fica claro é
de evidências para a hipótese da autoria que os destinatários de Hebreus são cris-
paulina”, sem deixar de mencionar que tãos que conhecem bem a LXX e os ritos
“o melhor argumento recente em favor judaicos.
da autoria paulina é o de David A. Black” O tema geral de Hebreus é a supre-
(Malheiros, 2017, p. 75, 80, 82). É válido macia “do Filho de Deus, Jesus Cristo, uma
citar também, que o P46 (papiro), o mais supremacia que não tolera desafios, sejam
antigo de Hebreus, datado de ca. 200 E.C, angélicos ou seres humanos [...]” (CARSON
menciona Hebreus entre as “Epistolas de e MOO, 2005, p. 597). Brown (1997, p. 701)
Paulo” (METZGER e EHRMAN, 2005, p. também vai afirmar que “o (alto) sacerdó-
54). Tendo isso em mente, por que então cio de Jesus Cristo é um tema importante”
negar Paulo como uma das propostas vá- do livro de Hebreus.
lidas para a autoria de Hebreus? De fato, Qual o propósito de Hebreus? Carson
é “inegável” a “influência paulina no li- e Moo (2005, p. 612) dizem que o propó-
vro de Hebreus” (Malheiros, 2017, p. 82), sito está intimamente ligado ao destina-
por isso, este artigo reconhece e favorece tário. Como visto acima, os destinatários
as evidências para a autoria paulina. Tais eram cristãos que conheciam bem a LXX
evidências, merecem maior credibilidade e os ritos judaicos. De fato, o autor de He-
e confiabilidade, já que tais propostas, tra- breus não está tão preocupado com as ra-
balham “com evidências materiais” (Ma- zões do afastamento mas, a consequência
lheiros, 2017, p. 82) e não especulativas. que esse afastamento levaria, em outras
Quanto a data em que o livro de He- palavras, “Cristo, seu sacrifício e sua obra
breus foi escrito, Brown (1997, p. 696, 697) sacerdotal são tão relativizados que são
vai concluir esta discussão favorecendo o efetivamente negados.” Com isso, a apos-
ano de 80 E.C. Carson e Moo (2005, p. 607, tasia está a um fio de distância para eles. “É
608), por outro lado, favorecem as evidên- exatamente para evitar tal calamidade que
cias para uma data anterior a 70 E.C., antes o autor escreve esta epístola”. Lane (1991a,
da destruição de Jerusalém. Lane (1991a) p. 214, 215) afirma que o autor de Hebreus
também irá favorecer uma data anterior a também tinha o desejo de dissuadir eles de
70 E.C. Diversos fatores devem ser levados um caminho que os levaria para algo “ca-
em conta para essa discussão, todavia, este tastrófico.” Apresentar a Cristo como sen-
trabalho se limita a dizer que é difícil certi- do superior e a base da fé é ideal para evitar
ficar-se da data precisa, não tomando mais tal apostasia.
espaços para as discussões sobre a data- Por fim, Hebreus pode ser considera-
ção, este artigo afirma que a data provável do uma epístola, já que há similaridades
é a “segunda metade do primeiro século” com elas por causa do seu “final epistolar”
(MALHEIROS, 2019, p. 36). (BROWN 1997, p. 690; CARSON e MOO,
Para se desvendar os destinatários de 2005; ATTRIDGE, 1990). Entretanto, não
Hebreus, Lane (1991a, p. 148) afirma que somente isso, Hebreus pode ser considera-
a fonte de autoridade deles “é a Bíblia em do também como um sermão ou uma ho-
uma versão grega antiga [...]”, a LXX. Tan- milia (ATTRIDGE, 1990; CARSON e MOO,
to Attridge quanto Carson e Moo (1990, p. 2005; BRUCE, 1990; COCKERILL, 2012).
10; 2005, p. 608, 609) concordam que os Lane (1991a, p. 171, 176) vai além e diz que
destinatários sejam cristãos. Quanto a lo- “Hebreus é um sermão preparado para ser
calização geográfica, Carson e Moo (2005) lido em voz alta para um grupo de audi-
afirmam que Roma é uma sugestão bem tores que irão receber sua mensagem não
válida quanto qualquer outra, porém, não principalmente através da leitura e refle-
deixa de ser uma sugestão, todavia, esse xão livre, mas oralmente”, do tipo que se
aspecto geográfico é “menos significativo” entrega “em uma sinagoga da diáspora”.
57
TEOLOGIA em revista
4 O TEXTO GREGO
bém como “disciplina” ou “correção,” po-
dendo também, ser proveniente de Deus
(Hb 12:5, 7, 8, 11). Friberg (2000) sugere
traduções como: “treinamento, instrução,
disciplina (Hb 12:11) [...] punição, correção
E SUA TRADUÇÃO
(Hb 12:5).” Gingrich e Danker (1984, p. 153) Há uma necessidade de se ponderar
dizem que pode ser traduzido como “trei- neste momento no texto grego de Hebreus
namento.” Já Kittel (1985) afirma que além 12:4-11, do qual, uma tradução mais dinâ-
de conotação como treinamento, παιδεία mica é proposta, porém, respeitando a lite-
(paideia) “também carrega o pensamento ralidade do texto. O texto grego que serve
de censura, advertência e medidas discipli- como base para esta tradução é o NA28, to-
nares. Até o castigo corporal está incluído davia, com uma alteração que será discuti-
(Pv 13:24), pois evita coisas piores (23:13) da nesta seção:
e dá esperança de emenda (19:18)”. Balz e
Schneider (1990) articulam que “em todas 4 Οὔπω μέχρις αἵματος ἀντικατέστητε πρὸς τὴν
ἁμαρτίαν αγωνιζομενοι. 5 καὶ ἐκλέλησθε τῆς
as 6 instâncias, παιδεία (paideia) é usado παρακλήσεως, ἥτις ὑμῖν ὡς υἱοῖς διαλέγεται·υἱέ
ativamente para treinamento (2 Timóteo μου, μὴ ὀλιγώρει παιδείας κυρίου μηδὲ ἐκλύου
3:16) ou de repreender/disciplinar, não no ὑπ᾽ αὐτοῦ ἐλεγχόμενος·
6 ὃν γὰρ ἀγαπᾷ κύριος παιδεύει, μαστιγοῖ δὲ
(passivo) sentido de ‘educação’”. πάντα υἱὸν ὃν παραδέχεται.
2) παιδεύω (paideuo): é um verbo 7 εἰς παιδείαν ὑπομένετε, ὡς υἱοῖς ὑμῖν
προσφέρεται ὁ θεός. τίς γὰρ υἱὸς ὃν οὐ παιδεύει
que para Bauer (2000, p. 1242) significa πατήρ; 8 εἰ δὲ χωρίς ἐστε παιδείας ἧς μέτοχοι
“disciplina” ou “punição” (ou castigo). γεγόνασιν πάντες, ἄρα νόθοι καὶ οὐχ υἱοί ἐστε.
9 εἶτα τοὺς μὲν τῆς σαρκὸς ἡμῶν πατέρας
Sendo “principalmente de disciplina divi- εἴχομεν παιδευτὰς καὶ ἐνετρεπόμεθα· οὐ πολὺ
na” (Hb 12:6, 10b), mas também “de dis- [δὲ] μᾶλλον ὑποταγησόμεθα τῷ πατρὶ τῶν
πνευμάτων καὶ ζήσομεν; 10 οἱ μὲν γὰρ πρὸς
ciplina por pais humanos” (Hb 12:7, 10a). ὀλίγας ἡμέρας κατὰ τὸ δοκοῦν αὐτοῖς ἐπαίδευον,
Friberg (2000) acrescenta opções de tra- ὁ δὲ ἐπὶ τὸ συμφέρον εἰς τὸ μεταλαβεῖν τῆς
duções como: “instruir, treinar, educar (At ἁγιότητος αὐτοῦ. 11 πᾶσα δὲ παιδεία πρὸς μὲν
τὸ παρὸν οὐ δοκεῖ χαρᾶς εἶναι ἀλλὰ λύπης,
7,22);” também como “corrigir, orientar, ὕστερον δὲ καρπὸν εἰρηνικὸν τοῖς δι᾽ αὐτῆς
disciplinar (1 Tm 1.20).” Balz e Schneider γεγυμνασμένοις ἀποδίδωσιν δικαιοσύνης.
58
TEOLOGIA em revista
Uma possível tradução seria a seguinte: A variante αγωνιζoμενοι (agoni-
zomenoi) tem apoio nos P13.46, do mi-
4 Na luta de vocês contra o pecado, ainda não núsculo 1505 e a versão antiga z (ALAND,
resistiram até ao ponto de derramarem o san- 2012, p. 680). O The Center for New Tes-
gue. 5 E vocês se esqueceram da exortação que tament Textual Studies New Testament
argumenta com vocês como filhos: Filho meu,
não despreze a disciplina do Senhor nem desa- Critical Apparatus (2004) menciona ain-
nime quando estiver sendo reprovado por ele da o apoio dos minúsculos 69, 181, 1245 e
6 porque o Senhor disciplina a quem ama e 2495 para essa variante.
açoita a todo filho a quem recebe; A variante ἀνταγωνιζόμενοι (an-
7 é para disciplina que suportais, Deus trata tagonizomenoi) por outro lado, tem o
vocês como filhos. Qual é, pois, o filho a quem
um pai não disciplina? 8 Mas se estais sem dis- apoio das seguintes testemunhas: אc, A,
ciplina da qual todos se tornam participantes, D06, Ψ, 1, 33, 35, 81, 88, 131, 209, 218, 256,
então vocês são bastardos e não filhos, 9 além 323, 424, 489, 630, 927, 945, 999, 1243,
disso, nossos próprios pais, que respeitávamos, 1244, 1251, 1315, 1319, 1424, 1573, 1646,
eram disciplinadores. Não nos subordinaremos 1735, 1739, 1751, 1836, 1874ccc, 1881, 1891,
muito mais ao pai dos espíritos, e viveremos? 10
Porque nossos pais nos disciplinavam por pou- 1912, 1957, 1962, 2191, MT, SBL e TR.
cos dias segundo o que eles mesmos achavam, As testemunhas mais antigas são
mas Deus nos disciplina para aproveitamento, os P13 datados do século III/IV e o P46
para participarmos da santidade dele. 11 Toda de ca. 200 E.C. (ALAND, 2012, p. 792,
disciplina então, a primeiro momento não pa-
rece ser de alegria, mas tristeza, mas depois ao 794), os quis, dão apoio a variante
ser por ela exercitados produz fruto pacífico de αγωνιζομενοι (agonizomenoi). A va-
justiça (tradução dos autores). riante ἀνταγωνιζόμενοι (antagonizo-
menoi), apesar de ter muitas testemu-
nhas, não é usado em nenhum outro lugar
além de Hebreus 12:4. Por outro lado, a va-
riante αγωνιζομενοι (agonizomenoi),
5 ANALISANDO UMA
do verbo ἀγωνίζομαι (agonizomai) apa-
rece nas cartas de Paulo 6 vezes (1Co 9:25;
Cl 1:29; 4:12; 1Tm 4:10; 6:12; 2Tm 4:7) e
VARIANTE TEXTUAL tem apoio das testemunhas mais antigas
(P13.46). Lucas (Lc 13:24) e João (Jo 18:36)
Este trabalho não se detém em todas também usam o mesmo verbo.
as variantes apresentadas pelo NA28, po- Para a análise de uma variante, de-
rém, analisa uma das variantes, por consi- ve-se levar em conta as evidências ex-
derá-la importante dentro da probabilida- ternas e as evidências internas. A proba-
de intrínseca (STUART E FEE, 2008, p. 263, bilidade própria, que se encontra dentro
264). Tal variante se encontra em Hebreus da evidência interna, lida com a questão
12:4 que diz: “Ora, na vossa luta contra o de como certa expressão ou palavra se
pecado, ainda não tendes resistido até ao adapta ao “estilo do autor” (STUART e
sangue” (grifo dos autores). Neste verso, FEE, 2008, p. 263; METZGER e EHRMAN,
a variante se encontra na palavra “luta”, 2005, p. 305-315). Tendo isso em vista,
do grego ἀνταγωνιζόμενοι (antagoni- o presente artigo explora a probabilida-
zomenoi), composta pela preposição ἀντί de intrínseca. Isso é feito considerando o
(anti), mais o verbo ἀγωνίζομαι (agonizo- estilo em que o autor de 1 Coríntios usa o
mai) (BAUER, 2000, p. 228). Nesta varian- verbo τρέχω (trecho) em conexão com
te, o NA28 menciona que pode haver uma o verbo ἀγωνίζομαι (agonizomai), e
substituição (⸀) de ἀνταγωνιζόμενοι como esse mesmo estilo é usado em He-
(antagonizomenoi) por αγωνιζoμενοι breus 12, favorecendo, assim, a variante
(agonizomenoi). de αγωνιζομενοι (agonizomenoi).
59
TEOLOGIA em revista
O significado do verbo τρέχω (tre- Assim sendo, este artigo propõe que a varian-
cho) em Hebreu 12:1 e 1 Coríntios 9:24, 26 te αγωνιζομενοι (agonizomenoi) seja aceita
é de uma corrida a “pé em um estádio” em lugar de ἀνταγωνιζόμενοι (antagoni-
(BAUER, 2000, p.1647). Tanto Thiselton zomenoi) como plausível leitura original do
(2000, p. 709, 710) quanto Fee (1987, p. 433) texto, pois tal variante demonstra de maneira
estabelecem que em 1 Coríntios 9:24, Pau- perceptível relação do estilo do autor.
lo usa uma competição greco-romana de
maneira metafórica. No caso de 1 Coríntios
9, a competição a ser corrida é para obter o
autocontrole e a “recompensa escatológi-
ca”, que é a coroa incorruptível (FEE, 1987, 6 O FUNDO CONCEITUAL
p. 434). Bauer (2000, p. 121) propõe que DA DISCIPLINA EM
“ἀγωνιζόμενος” (agonizomenos) em 1 HEBREUS 12
Coríntios 9:25, deve ser entendida como “de Beale e Carson (2014, p. 1209) men-
uma (atlética) disputa” (ou competição) em cionam que no trecho em estudo, o autor
um contexto de “armamento”, podendo até de Hebreus lida com as dificuldades e a
ser traduzida como “lutar”. Percebe-se en- perseverança, comparando-as com a dis-
tão, que Paulo faz uso do verbo τρέχω (tre- ciplina aplicada pelos pais. Nesta altura o
cho) (1 Co 9:24) de maneira metafórica, e o autor faz uso de Provérbios 3:11, 12, do qual,
faz em conexão com o verbo ἀγωνίζομαι eles expõem em três partes principais. Pri-
(agonizomai) (1 Co 9:25). Vale ressaltar meiramente dando validade ao “relacio-
que Paulo é o único que faz uso de τρέχω namento entre os ouvintes e Deus, como
(trecho) de forma figurada no Novo Testa- Pai.” Em seguida o autor apresenta qual é
mento (Rm 9:16; 1 Co 9:24c, 26; Gl 2:2; 5:7; a “atitude adequada à disciplina de Deus.”
Fp 2:16). Todavia, esse uso do verbo τρέχω Por fim, ele dá “encorajamento ao apontar
(trecho) com ἀγωνίζομαι (agonizomai), o benefício da disciplina: ela conduz à san-
que o autor de 1 Coríntios está relacionan- tidade.” Thiessen (2009, p. 366, 367) afirma
do, é o mesmo que faz o autor de Hebreus, que o contexto encontrado em Deuteronô-
no capítulo 12. Ou seja, 1 Corintios 9 e He- mio, Sabedoria, Philo e Josefo é de grande
breus 12 estão empregando o mesmo estilo importância para o entendimento de He-
no uso idêntico dos dois verbos em seu con- breus 12. Também se deve levar em conta a
texto imediato. Lane (1991b, p. 399) afirma concepção judaica “do tempo de Israel”, e a
que a expressão encontrada em Hebreus 12 παιδεία (paideia) que precisa ser entendi-
é equivalente a encontrada em 1 Coríntios do à luz da mesma experiência que “Israel
9. Em Hebreus 12, a corrida metafórica se experimentou” no deserto. Fica claro que
refere a experiência cristã, na qual, deve-se Provérbios é a base da exortação de Hebreus
demonstrar perseverança quando afligido 12 (BEALE e CARSON, 2014).
por provações, as quais, devem ser enfren- Neste ponto, necessita-se levantar
tadas como disciplina divina (LANE, 1991b, uma questão importante, “qual fundo con-
p. 409). Também com “respeito à luta con- ceitual é hermeneuticamente relevante
tra o pecado,” essa “corrida a ser suportada para o significado” de παιδεία (paideia)
envolve jogar fora o ‘pecado’ que tão facil- em Hebreus 12? (SPELLMAN, 2016, p. 491).
mente se envolve” (SPELLMAN, 2016, p. Ao contrário de Croy (1998) e Thiessen
503) (Hb 12:1-3). (2009), Spellman (2016, p. 490) propõe que
Portanto, não restam dúvidas de que 1 a disciplina de Hebreus 12 seja compreendi-
Coríntios e Hebreus estão fazendo uso da mes- da com “conotações negativas e positivas”.
ma metáfora, a metáfora da corrida (τρέχω) Hebreus, ao fazer a citação de Provér-
e ligando a metáfora ao verbo ἀγωνίζομαι bios 3:11, 12, “parece apropriado extrair nos-
(agonizomai), “luta de um atleta”. sa compreenssão de paideia diretamente do
60
TEOLOGIA em revista
próprio livro de Provérbios,” até porque, o Lane (1991b, p. 430), citando Deute-
conceito de disciplina vem de Provérbios ronômio 8:5 em seu comentário sobre He-
(SPELLMAN, 2016, p. 490). Croy (1998, p. breus 12:5, 6, afirma que a compreensão de
78), entretanto, não dá muita importân- παιδεία (paideia) está ligada com o rela-
cia para o fundo conceitual de Provérbios, cionamento de pai-filho, e que “o quadro
ele menciona que este fundo conceitual adequado para compreender o caráter da
“parece ter distorcido” o conceito de disci- disciplina divina é a aliança que une Deus
plina exposto em Hebreus 12. Este artigo, e seus filhos em uma relação familiar.” É
porém, discorda de Croy neste ponto, por- provável que “o conceito de disciplina no
que entende que o autor de Hebreus ao ci- livro de Provérbios” foi feito pelo desenvol-
tar Provérbios, extrai não só a citação, mas, vimento “do conceito no livro de Deutero-
também o conceito estabelecido pelo texto. nômio” (SPELLMAN, 2016, p. 499). Este
Analisar a citação e o conceito de παιδεία mesmo conceito de disciplina e a analogia
(paideia) na Bíblica Hebraica é fundamen- pai-filho é visto em Hebreus 12.
tal, passos, os quais, Spellman (2016) busca Thiessen (2009) por outro lado, vê so-
alcançar. Ao analisar o uso que Hebreus 12 mente a ligação de Deuteronômio com He-
faz de Provérbios, entende-se, desta forma breus, e não Deuteronômio com Provérbios.
que a compreensão do tema da disciplina A ligação entre Deuteronômio e Provérbios
em Hebreus está fundamentada em Provér- fica mais visível na LXX, quando “as três pa-
bios. lavras-chave de Pv 3: 11-12 e Hb 12: 3-11, que
O relacionamento de “pai-filho com o são: ‘filho’ (υἱός), ‘disciplina’ (παιδεύω)
conceito de disciplina é hermeneuticamen- e ‘Senhor’ (κύριος), aparecem em Dt 8:5”
te significativo.” Em Provérbios encontra- (SPELMMAN, 2016, p. 500).
-se a disciplina que implica em “correção Dentro de Deuteronômio 6, logo de-
pois do Shema e do grande mandamento,
(13:24; 23:12-14; 29:17), censura (5:12; 15:32), Moisés diz: “Também as atarás [qashar]
orientação e instrução (23:19)” (SPELLMAN como sinal na tua mão, e te serão por frontal
2016, p. 493). Portanto, para “argumentar entre os olhos” (Dt 6:8). Em Deuteronômio
que o sentido corretivo de paideia não” es- 11:18, novamente Moisés diz: “Ponde, pois,
teja presente no livro de Hebreus, se faria estas minhas palavras no vosso coração e
necessário argumentar que o autor de He- na vossa alma; atai-as [qashar] por sinal
breus não retira sua “compreensão de pai- na vossa mão, para que estejam por fron-
deia do livro de Provérbios” (SPELLMAN, tal entre os olhos.” Tal expressão aparece
2016, p. 493). Será que de fato Hebreus 12 também em Provérbios 1-9, dentro de um
não retira tal compreensão de Provérbios? contexto semelhante e na mesma linha de
Nos primeiros nove capítulos de Pro- raciocínio da imagem pai-filho. Provérbios
vérbios há a imagem de um pai instruindo 3:3 por exemplo dirá: “Não te desamparem
seu filho na sabedoria, explicando que o fi- a benignidade e a fidelidade; ata-as [qashar]
lho ideal em Provérbios é aquele que aceita ao pescoço; escreve-as na tábua do teu cora-
a disciplina do seu pai e a Divina. Spellman ção.” Provérbios 6:21, onde diz para se ouvir
(2016, p. 495) faz o comentário de que “no a instrução do pai ele dirá: “ata-os [qashar]
texto hebraico, provérbios termina com a perpetuamente ao teu coração, pendura-
imagem pai-filho: ‘Pois a quem o Senhor -os ao pescoço.” Também em Provérbios
ama, ele reprova, assim como o pai corri- 7:3: “Ata-os [qashar] aos dedos, escreve-os
ge o filho em quem tem prazer.’ Aqui, dis- na tábua do teu coração.” Essas conexões
ciplina divina está diretamente conectado verbais sugestivas “fornecem pelo menos
à analogia pai-filho”, o qual pode prover uma possível conexão texto-iminente entre
uma ligação com Deuteronômio 8:5, de tal o conceito de disciplina em Provérbios e o
maneira que talvez o autor de Hebreus não Pentateuco.” As características “teológicas
tenha somente baseado sua compreensão e textuais de Deuteronômio e Provérbios
de παιδεία (paideia) só do livro de Provér- são utilizadas no desenvolvimento de He-
bios, mas também do Pentateuco. breus 12.” Dentro deste “perfil intertextual,
61
TEOLOGIA em revista
a citação do escritor [Hb 12] de Prov. 3:11-12 Percebe-se também, que a disciplina
parece menos uma imposição distrativa e não tem somente conotação verbal, mas fí-
mais como um movimento hermenêutico sica (BAUER, 2000; GINGRICH E DANKER,
adequado e estratégico.” É importante res- 1984; LIDDELL, 1996). Spellman (2016, p.
saltar que “a forma como o autor expande 495) afirma que, “esta disciplina é poste-
a citação dos Provérbios 3 em sua exposi- riormente descrita em termos vívidos e
ção se encaixa notavelmente bem com o viscerais como açoite [μαστιγοῖ - masti-
contexto mais amplo de Provérbios 1-9 e goi]”. “A imagem da flagelação confirma
Deuteronômio 6-8.” (SPELLMAN, p. 502). e enfatiza a fisicalidade deste sofrimento
Conclui-se, portanto, que há uma ín- e privação.” A dor é algo presente para o
tima ligação de Hebreus 12 não somente crente neste mundo (Jo 16:33). Contudo,
com Provérbios, mas também com Deu- essa dor promovida pela aflição, pelas difi-
teronômio através da repetição das pala- culdades e pela disciplina, tem sua origem
vras chave (filho, disciplina e Senhor) e da de pelo menos três lugares: 1- do próprio
imagem pai-filho. Deve-se compreender Diabo que é o originador de todo o mal; 2-
também, que “[...] a faixa semântica de de nossas próprias escolhas; 3- mas tam-
παιδεία inclui aspectos punitivos e não bém pode ser causada por Deus como meio
punitivos e é capaz de uma função dupla de salvação ou juízo. Todavia, é necessário
se o contexto permitir esse uso.” Percebe- ter em mente a incapacidade de distinguir
-se assim que “o conceito de disciplina res- com precisão a procedência da dor que o
soa tanto com o drama da desobediência crente possa estar passando atualmente.
visto na geração do deserto quanto com o Para isso é necessário crer que mesmo no
drama da fidelidade visto no sofrimento meio da maior dor ou aflição, é neste mo-
sem pecado de Jesus em sua encarnação.” mento em que mais perto está o amor e o
(SPELLMAN, 2016, p. 503, 504). auxílio Divino (WHITE, 2004).
Nesta altura, pode-se fazer o ques-
tionamento de porque a necessidade de
disciplina. Lane (1991b, p. 412) vai dizer
7 IMPLICAÇÕES
que “a própria experiência de triunfo de
Jesus através do sofrimento fornece uma
perspectiva sobre o propósito de sofrer na
TEOLÓGICAS experiência dos cristãos (Hb 12:4-11).” Pe-
dro afirma que o crente precisa se alegrar
Como explorado acima, a disciplina, ao participar dos sofrimentos de Cristo e
παιδεία (paideia), pode vir tanto de uma que não deve achar estranho os sofrimen-
situação de obediência como desobediên- tos (1Pe 4:12-19). O sofrimento pode trazer
cia, incluindo aspectos punitivos e não pu- aprendizagem para o crente, assim como
nitivos, o qual, é capaz de manter os dois Cristo aprendeu “pelas coisas que sofreu”
aspectos se o contexto assim permitir. Por- (Hb 5:8). O texto é claro em afirmar que
tanto, παιδεία (paideia) abarca “correção Deus só disciplina aqueles que Ele ama (Pv
por desobediência” como “treinamento em 3:11, 12; Hb 12:5, 6). No texto há uma íntima
obediência” (SPELLMAN, 2016, p. 504). O conexão “entre disciplina e amor que não é
conceito de “castigo educativo” é bem pre- necessariamente intuitiva”, ou seja, a dis-
sente na Bíblia e em outras literaturas, po- ciplina não é algo cruel ou um ato de cruel-
rém, é necessário reconhecer que não é tare- dade, mas totalmente o “oposto é verdade
fa fácil diferenciar o sofrimento disciplinar neste caso.” A motivação para tal ação é o
que um justo recebe de um sofrimento pe- amor (SPELLMAN, 2016, p. 495). Um pai
nal de um ímpio (KITTEL, 1985). seria negligente e demonstraria falta de
62
TEOLOGIA em revista
amor se não disciplinasse seu filho quando “assume um significado escatológico.” O
necessário (Pv 1-9). Através da disciplina, o Deus que está tratando-os como filhos,
pai pode ensinar o filho a ser uma pessoa “agora também está na linha de chega-
melhor e fazer as escolhas certas. Maxwell da” (2016, p. 503). Diferente de qualquer
(1998, p. 231) faz a seguinte pergunta: “Por- disciplina humana, “a disciplina paterna
ventura Deus nos ama e ao mesmo tempo de Deus é determinada por sua sabedoria
nos fere?” Ele continua e faz a afirmação perfeita e é motivada por uma preocupa-
que sim, pois, “por vezes o amor tem que ção intrínseca com nosso bem-estar [...]”
gritar – e punir.” Uma das razões para tal (LANE, 1991b, p. 435).
ato de amor, é fazer o crente se arrepender
e modificar o curso de sua vida.
8CONSIDERAÇÕES
Enquanto Cristo Jesus não voltar, de-
ve-se entender que no mundo de pecado
em que o ser humano vive, “sem sofrimen-
to, pode não haver crescimento espiritual.” FINAIS
(COLLINS, 2004, p. 665). Gulley (2016, p.
625, 628) é claro em afirmar que “se Deus
tirasse os humanos dos problemas de ma- Assim sendo, não importa o que Deus
neira contínua, não haveria desenvolvi- faça, tudo que fizer será justo e uma de-
mento de caráter”, pois, “Deus sabe que o monstração do Seu amor. Essa compreen-
que é experienciado na tribulação é muito são, portanto, afeta o modo de viver cris-
mais importante do que ser arrebatado ou tão, pois, através deste entendimento o
separado dela.” Em 1 Coríntios 10:13, Paulo crente agora não mais se pergunta o que
vai dizer que não virá sobre o crente tenta- fez de errado para estar passando por tal
ção que não possa suportar, mas Deus é fiel sofrimento. O cristão entende que talvez
e vai nos prover um livramento, e esse li- esse sofrimento seja a disciplina do Todo
vramento é suportar a tentação, e “não ser Poderoso, porque está exercitando-o para
removido dela.” alcançar a linha de chegada, a cidade que-
Por fim, necessita-se compreender rida, a Nova Jerusalém. Igualmente como
que esta disciplina provinda de Deus não um pai disciplina seus filhos, Deus discipli-
tem como finalidade somente transformar na os dele. Essa disciplina pode sim causar
o caráter do filho e da filha de Deus, mas desconforto e sofrimento, podendo não ser
também fazer com que o crente participe agradável a princípio, mas, a mão guiadora
da santidade Divina, produza o fruto de de Deus os está protegendo e conduzindo,
justiça, tenha perseverança (Hb 12; Tg 1; 2 não para o seu lar terreno, mas para o seu
Co 4:17) e haja um “amadurecimento no lar celestial, o qual, foi conquistado pelo
relacionamento com Deus” (LANE, 1991b, sangue daquele que tudo suportou, para
p. 412). Como diz Spellman, “além disso, que aqueles que passassem por aflições
a corrida de Hb 12:1-2 tem uma linha de como Ele passou, também participassem
chegada, ou ponto final em Hebreus 12, a da Sua glória.
saber, a melhor montanha, o Monte Sião
no reino celestial (12:22-24).” Ou seja, os
filhos e as filhas de Deus estão prestes a
chegar na linha final. Continuando, o au-
tor afirma que “este destino final retrata
um ponto final escatológico para a metá-
fora da corrida que começa em Hb 12:1-2.”
Agora então o treinamento da disciplina
63
TEOLOGIA em revista
Referências
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64
TEOLOGIA em revista
65
TEOLOGIA em revista
O CONTEXTO PANORÂMICO DO
SEGUNDO TESTAMENTO
THE PANORAMIC CONTEXT OF THE SECOND TESTAMENT
66
TEOLOGIA em revista
Resumo
O presente artigo, através de uma revisão bibliográfica, tem
como objetivo mostrar quais foram os principais aspectos con-
textuais do século I EC que impactaram a formação do Segundo
Testamento, também conhecido como Novo Testamento. O Se-
gundo Testamento é um relato histórico inspirado, cheio de in-
formações sobre o berço do Protocristianismo, surgido a partir
do movimento messiânico de Yeshua, que, a despeito de estar
envolvido em um contexto histórico fluido, tornou-se uma das
maiores religiões monoteístas do mundo nos séculos seguintes.
Entender qual era o contexto geográfico, histórico e social desse
surgimento, de forma panorâmica, é o objetivo principal dessa
pesquisa, levando o leitor a compreender como o imaginário da
época era composto, causando assim uma reflexão sobre quais
influências podem ser sentidas no estudo do Protocristianismo.
Abstract:
This article, through a bibliographical review, aims to show
the main contextual aspects of the 1st century CE. The Second
Testament, also known as the New Testament, is an inspired
historical account filled with information about the birthplace
of Proto-Christianity. Such a religious conception arises from
the Messianic movement of Yeshua, and despite being involved
in a fluid historical context, it becomes one of the greatest
monotheistic religions in the world in the following centuries.
Understanding the geographic, historical and social context of
this emergence, in a panoramic way, is the main objective of this
research, leading the reader to understand how the imagination
of the time was composed, thus causing a reflection on what
influences can be felt in the study of Proto-Christianity.
67
TEOLOGIA em revista
2
vales, que bebe chuva do céu. É uma terra
da qual o SENHOR, o seu Deus, cuida;
os olhos do SENHOR, o seu Deus, estão
CONTEXTO continuamente sobre ela, do início ao fim
do ano (Deuteronômio 11:10-12).
GEOGRÁFICO
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TEOLOGIA em revista
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TEOLOGIA em revista
Um país tão pequeno, mas com tanto a na Galileia chovia mais do que na Judeia,
oferecer, as planícies costeiras do mediter- mas, mesmo depois da “separação da re-
râneo que cercam um mar azul cristalino, gião costeira e das cidades transjordâni-
que repousa os raios quentes refletidos cas por Pompeu (na metade do século 1
pelo sol, a beleza da vegetação baixa, em a.C.)”, o comércio judaico enfraqueceu-se,
um verde pálido, misturado em tons pas- e a maior parte da subsistência do povo era
téis, causados pelo vento oriental castiga- da pesca. Muitas histórias emocionantes
dor. aconteceram ao redor desse lago: o sermão
Shephela, com seus longos campos, da Montanha, a história do endemoninha-
marcadas pelas ondas de vento nas planta- do de Gadara, e tantas outras lindas histó-
ções douradas de trigo, em contraste com rias, tiveram esse pequeno lago como pal-
o azul anil que se espalhava pela imensi- co de seu desfecho (STEGEMANN, 2004).
dão do céu. O vale de Jezreel conhecido por Os Altos de Golã, com suas quedas
suas montanhas e vales verdes predomi- d’água, seu ambiente mais frio, trazem a
nantes em sua extensão, “[...] é delimitado calma e o refrigério para os dias quentes
ao sul pelos planaltos de Samaria e pelo de Israel. Essa paisagem contrastada com
monte Gilboa, ao norte pela Baixa Galileia, Nahal Zeelim, o deserto da Judeia, de-
ao oeste pela cordilheira do monte Carme- monstram quão grandiosa é a variedade
lo e ao leste pelo vale do Jordão” (LAGES, das cores e belezas daquele pequeno país.
2012). Assim, a topografia nos mostra que Nahal Amud com suas densas florestas es-
“[...] estando no norte do país, o vale é ser- palham o verde escuro pelo Norte de Israel
vido por chuvas mais que o Negueve, ao e trazem diversidade na flora do local.
sul, o que favorece a agricultura” (CAFE- O que falar de Jerusalém? Como
TORAH, 2019; LAND OF THE BIBLE, 2018; escreveu o salmista: “Se eu de ti me
BÍBLIA ANOTADA,2020). esquecer ó Jerusalém, que se resseque a
No fosso do Jordão, encontramos minha mão direita” (Sl 137:5). A despeito de
a paisagem mais conhecida do Segundo ser uma pequena cidade, tinha um porte de
Testamento, onde, por muitas vezes, Je- nobreza tamanho, que impunha respeito a
sus caminhou, descansou e partilhou sua todos aqueles que por ali passavam. Longe
sabedoria: O mar da Galileia. Apesar de de dar um ar místico a essa descrição, é
ser conhecido como “mar”, esse é um pe- necessário dizer que a terra de Jerusalém
queno território, uma pequena lagoa, que possui um clima diferente que gera saudade
recebe água principalmente do rio Jordão de uma pátria comum aos povos. Chegar
e que aflui para o Mar Morto. A beleza é em Jerusalém era como chegar à presença
incomparável em sua pequena imensidão de Deus, pois, ali no alto do Monte Moriá,
de 20 km de comprimento e 13 km de lar- em meio as montanhas de clima ameno
gura. Nesse lugar, muitas vezes Jesus falou de Israel, o próprio Deus manifestara-se
ao povo e encontrou alguns de seus discí- muitas vezes através do shekinah e de sua
pulos, convocando-os ao lindo ministério presença corpórea. O comentário rabínico
de pescadores de homens (Mt 4:19) (GAR- afirma: “Quem não viu a Jerusalém jamais
NIER, 1950; ANDRADE, 2016; ROPS, 2008). viu uma cidade realmente bela” (Tratado
Segundo Stegemann (2004), “a eco- Sukkah, 51.6). Não existia melhor lugar
nomia da Palestina, como a de todos os para se contemplar a linda Jerusalém, se
povos do mediterrâneo, era preponderan- não no alto do Monte das Oliveiras. Esse
temente agrária”. Mas, segundo o autor, lugar foi marcado, no primeiro século,
muitas variáveis faziam com que a popula- pelo momento em que Jesus, contempla as
ção que vivia ao redor do Lago de Genesaré fortalezas da mais bela cidade do mundo e
sofresse, especialmente as comunidades afirma: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os
não ribeirinhas. Um ponto positivo é que profetas e apedrejas os que te foram enviados!
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TEOLOGIA em revista
gregos e romanos ajudaram a levar o 6) O evangelho para ser universal
desenvolvimento histórico até o ponto precisava de uma língua universal, para
em que Cristo pudesse exercer o impacto promover impacto em todo mundo
máximo sobre a história de uma forma até conhecido. O grego foi a herança linguística
entãoimpossível”(CAIRNS,2008,p.31).Em mais difundida nesses séculos, assim como
seu livro, Cairns (2008) enumera algumas o inglês é hoje;
razões pelas quais o Império Romano e o 7) A filosofia preparou o caminho
pensamento grego contribuíram para a para a vinda de Jesus, destruindo a ideia
expansão do cristianismo, sendo elas: politeísta das religiões Greco-romanas até
1) A lei de Roma, com sua ênfase na então existentes. Mas a filosofia não pôde
dignidade do indivíduo, e no direito deste suprir a necessidade espiritual das pessoas,
a justiça e à cidadania romana, agrupava que precisavam ter uma experiência real
homens de diferentes raças a uma única com o divino;
organização política, e isso facilitou a 8) A filosofia grega ainda chamando
difusão de um evangelho que pregava a a atenção do povo para uma realidade que
unidade de uma espécie pecadora, carente transcendia o mundo temporal e visível
de um Salvador; em que viviam.
2) A movimentação livre em torno Em meio a todo esse cenário
do mediterrâneo teria sido difícil se histórico, acontece o desenvolvimento
Pompeu não tivesse varrido os piratas dos evangelhos e da vida no Segundo
do Mediterrâneo e os soldados romanos Testamento. Todas essas mudanças
não mantivessem a paz nas estradas da comportamentais e influências externas
Ásia, África e Europa. Essa pacificação sobre Israel geram uma difusão
possibilitou as viagens missionárias dos heterogênea do pensamento e afetam tanto
primeiros cristãos, levando a mensagem religiosamente quanto politicamente a
em todo o mundo conhecido; terra e o povo, onde o Segundo Testamento
3) Os romanos criaram um ótimo seria desenvolvido.
sistema de estradas que iam do marco áureo
no fórum a todas as regiões do império. Um
estudo das viagens de Paulo mostra que ele
se serviu muito desse sistema viário para
4
atingir os cetros estratégicos do Império;
4) O exército que promovia a paz das
estradas e de todo império. Os soldados CONTEXTO
trabalhavam por turnos e rodízio, e muitos
deles converteram-se ao cristianismo SOCIOPOLÍTICO
e levaram o evangelho às regiões para
onde eram designados. É provável que o
E RELIGIOSO
evangelho tenha chegado precocemente A influência sociopolítica e religiosa
na Grã-Bretanha dessa forma; é facilmente evidenciada pela pluralidade
5) As conquistas romanas levaram do pensamento judaico da época de Cristo.
muitos povos a perder a fé em seus deuses, A disputa religiosa, política e econômica
uma vez que eles não foram capazes de que havia sido acionada por Antíoco IV e
protegê-los dos romanos. Esse vácuo continuada sob os hasmoneus foi apenas
espiritual deveria ser preenchido; exacerbada pela política romana. Não
constitui surpresa que a primeira resposta
ao censo romano de 6 EC. tenha sido uma
rebelião local liderada pelo fundador do
partido zelote, Judas, o Galileu. É contra
72
TEOLOGIA em revista
esse pano de fundo geral que devemos renta anos de luta dos sucessores após
entender a divisão que surgiu no tempo a morte de Alexandre (GRABBE, 2000;
dos hasmoneus entre um partido BORGER, 2003; SKARSAUNE, 2004).
sacerdotal, aristocrático, e um partido mais Na Babilônia, uma grande parte da
religiosamente exclusivo, devoto, popular: população falava aramaico, e a influência
os saduceus e os fariseus (WALKER, 2006, helenística era provavelmente menor do
p. 24-25). Para melhor compreensão das que em outros lugares, já que essa área
informações, descreveremos de forma foi tomada pelos partos após menos de
sucinta como aconteceu. um século de domínio grego. Mas muitos
Alexandre, o Grande teve uma judeus também viviam no Egito, na Síria
carreira breve como rei, mas deixou marcas ou na Ásia Menor, geralmente em cidades
na história que permanecem através dos de língua grega. Muitos perderam seus
séculos. Quando Alexandre morre em conhecimentos de hebraico e aramaico
323 AEC, suas conquistas se estendiam como, por exemplo, Filo, que claramente
por todo mediterrâneo; o rei dera início conhece pouco ou nenhum hebraico,
a uma revolução cultural na antiguidade certamente não o suficiente para usar
tanto no âmbito social quanto religioso a Bíblia no original. É por isso que a
(SCOTT, 2017; GUNDRY, 1985; TILLY, Septuaginta (LXX) foi originalmente
2004). Skarsaune (2004) bem salienta que criada: para fornecer uma Bíblia. os judeus
Alexandre e seus sucessores, sabiamente, de fala grega podiam entender (SCOTT,
não tentaram suprimir as divindades locais 2017; FISCHER, 2013; TILLY, 2004; ALVES,
nem tampouco o culto a elas prestado. Com 2012). Mesmo aqueles que mantiveram
o passar do tempo, o resultado foi um alto um conhecimento de hebraico e aramaico
grau de sincretismo religioso. As religiões não teriam escapado da forte influência
orientais foram helenizadas, porém a de seu ambiente de fala grega. Esequias
religião grega não ficou imune à influência Soares (2009) observa que a LXX foi usada
das demais culturas. na própria sinagoga o que diz muito.
No período grego, a cultura grega Sabemos dos judeus na diáspora
foi disseminada por meio das cidades de vários tipos de fontes. Primeiro vem
Helênicas: as pólis, que eram cidades alguma literatura dos judeus da diáspora,
espalhadas pelo império cujo um dos embora seja muitas vezes fragmentária.
objetivos era disseminar a cultura grega. Em segundo lugar, sabe-se da presença
Os gregos acreditavam que a vida nas pólis de comunidades judaicas em vários locais
era a única referência dentro da qual seria antigos por causa de inscrições, por
possível a vida humana. Os gregos tinham exemplo, de sinagogas. Apenas no Egito
sua cultura em um padrão muito elevado; alguns documentos escritos em papiros
aqueles que não haviam sido helenizados sobreviveram. Uma terceira fonte são as
eram considerados bárbaros. Todo o referências a comunidades judaicas em
judaísmo foi afetado pela cultura grega em fontes literárias, como Josefo e os escritores
maior ou menor medida; tanto os judeus greco-romanos.
da diáspora quanto os de Jerusalém. Os escritos dos judeus na diáspora
A helenização na diáspora foi um nem sempre podem ser separados
processo que ocorreu em todos os lugares facilmente dos judeus palestinos que
sob o domínio grego e até mesmo alcançou escolheram escrever em grego. No entanto,
áreas sobre as quais a lança de Alexandre é geralmente aceito que 2 Macabeus foi o
não se estendeu. Portanto, é complexa a epítome de uma obra maior escrita por
distinção feita entre os judeus na Palestina um judeu da diáspora, Jasão de Cirene.
e os outros sob o domínio grego; a maioria Filo de Alexandria deixou um material
dos judeus no mundo se viu em um dos extremamente valioso, não apenas
impérios gregos que se seguiram aos qua- sobre a interpretação judaica da Bíblia,
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TEOLOGIA em revista
74
TEOLOGIA em revista
garam a seu próprio Deus e a adorar em que os emissários do rei chegam até
aqueles que ele considerava serem deuses; o velho sacerdote Matatias para que esse
e os fez construir templos e erguer altares ofereça um sacríficio de acordo com os
ídolos em todas as cidades e aldeias e requisitos do rei. Matatias se recusa, mas
oferecer suínos sobre eles todos os dias um judeu se atreveu a fazer o sacrifício. O
(JOSEFO, 1996; GUNDRY, 1985; SCOTT, velho sacerdote tomado de ira derrubou
2017). Os rolos da Lei foram queimados e o altar e assassinou o funcionário do rei
quem possuísse rolos da Torá era morto. que ordenava o sacrifício (1 Macabeus 2.
Mães que circuncidavam seus filhos eram 17 – 28). Matatias, após este feito, convida
assassinadas (1 Macabeus 1.44–64). todos os judeus tementes a Deus a fugirem
O antissemitismo era uma realidade para as montanhas com ele. Se esconderam
vivida e intensa para os judeus da época. em cavernas com seus filhos e esposas,
Aqueles que contrariavam as atitudes mas quando os generais do rei souberam
do rei eram açoitados com varas. A(s) disso, tomaram todas as forças que tinham
causa(s) desta tirania a dúvida continuará na cidadela de Jerusalém e perseguiram os
a ser debatida por muito tempo sem uma judeus no deserto; e, quando os alcançaram,
solução clara, mas não há dúvida de que em primeiro lugar, esforçaram-se para
o governo selêucida tentou proibir as persuadi-los a se arrependerem e a escolher
práticas religiosas judaicas na Palestina o que mais lhe servia de vantagem, sem
(não está claro que os judeus fora Judéia colocá-los na necessidade de usá-los de
foram afetadas). Apenas a revolta dos acordo com a lei da guerra; mas quando
Macabeus trouxe uma revogação do eles não obedeceram às suas convicções,
decreto. Necessário também é salientar mas continuaram a ter uma mentalidade
que alguns que estavam em Jerusalém diferente, lutaram contra eles no dia de
nesta época participaram do processo de sábado e os queimaram como estavam
helenização por livre vontade: nas cavernas, sem resistência, e sem tanto
quanto parando as entradas das cavernas.
Eles evitavam se defender naquele dia,
Por esses dias surgiram de Israel porque não estavam dispostos a romper a
indivíduos ignóbeis que seduziram a honra que eles deviam ao sábado, mesmo
muitos, dizendo-lhes: “Vamos! Aliemo- em tais aflições; porque a lei requeria que
nos às nações que t os cercam, pois, depois descansassem naquele dia (JOSEPHUS,
que delas nos separamos, sobrevieram- 1996, p. 260–276).
nos muitos males”. Agradou-lhes tal Havia cerca de três mil, com suas
arrazoado, e alguns de entre o povo
apressaram-se a ir ter com o rei, o qual lhes esposas e filhos, que foram sufocados e
deu autorização para observar as práticas morreram nessas cavernas; mas muitos
das nações [ou, dos gentios], conforme dos que escaparam juntaram-se a Matatias
os usos delas. Construíram, pois, um e o nomearam para ser seu governante
ginásio em Jerusalém, refizeram o seu (JOSEFO, 1996). Era o início da revolta
prepúcio, renegaram a aliança santa para Macabéia; Matatias sendo avançado
se associarem aos pagãos e venderam-se
para fazer o mal (1 Macabeus 1.11-15). em idade faleceu pouco depois do início
da revolta. Judas Macabeu, seu filho, se
tornou o líder da revolta. Judas expulsou
seus inimigos da terra que transgrediram
Muitos judeus permaneceram fiéis suas leis, e purificaram a terra de todas
ao Deus de Israel praticando seu culto as poluições que estavam nele. Em
devidamente. Os habitantes de Mondin 164 AEC, o templo foi reconsagrado,
que não haviam se submetido ao decreto do data posteriormente celebrada no
rei continuaram a oferecer seus sacrifícios. feriado de Hanuká (festa das luzes), no
O livro de 1 Macabeus registra o momento estabelecimento de um estado judaico par-
75
TEOLOGIA em revista
cialmente autônomo e reconhecido O “judaísmo” é apresentado como um
pelos sírios e, mais tarde, “em um estado ponto de união para a resistência aos sírios
judeu independente, que perdurou e para um levantamento da identidade
até a conquista romana em 63 AEC” nacional como povo da aliança do Senhor.
Dito de outra forma, “judaísmo” foi
(SKARSAUNE, 2004, p. 17). cunhado como um título para o defender
Skarsaune (2004, p. 17) faz um ao contrário do helenismo” (2Mc 4,13).
questionamento importante: “o que Em outras palavras, o termo “judaísmo”
estava em jogo nessa revolta?” A parece ter sido cunhado como meio para
dar enfoque à determinação dos patriotas.
resposta parece óbvia: A insurreição dos Não era, simplesmente, descrição neutra
Macabeus representava a autodefesa da religião dos judeus, como poderíamos
do judaísmo contra a “helenização” compreender hoje.
forçada implementada por Antíoco IV.
A revolta macabéia tornou explícita a
incompatibilidade entre judaísmo e Esse contexto histórico permite ao
helenismo” (BRUCE, 1988; GUNDRY, pesquisador concluir que judaísmo no pe-
1985; SATRAN, 2009; SKARSAUNE, ríodo do Segundo Templo era um estilo de
2004; STERN, 1996). vida e não um dogmatismo. Não só Dunn
Oskar Skarsaune (2004, p. 27) (2003) percebeu essa verdade como visto
destaca a importância da revolta acima, mas também Skarsaune (2004).
macabéia acentuando que se não fosse Após a morte de Judas Macabeus, todos
esta o judaísmo teria sido extinto. É no os ímpios e aqueles que transgrediram as
período dos Macabeus que surgem os leis de seus antepassados, ressurgiram na
termos helenismo e judaísmo. Esses Judéia, e cresceram sobre eles, e os afligi-
representavam dois estilos de vida ram de todos os lados. A fome também
diferentes. Com esse contexto em mente ajudou a iniquidade deles e afligiu o país,
não é difícil o leitor atento entender por até não poucos, que por falta de bens ne-
que alguns Judeus conseguiram incitar cessários, e porque eles não foram capazes
o povo contra Paulo tão rapidamente de suportar as misérias que tanto a fome
ao afirmarem que o apóstolo teria quanto seus inimigos trouxeram sobre o
introduzido um grego incircunciso no povo, abandonaram seu país e foram para
templo (At 21.28–29); sabendo do amor os macedônios.
do povo pelo templo e de toda história Josefo observa que nesta época Jôna-
usaram a boa fé do povo para prejudicar tas, irmão de Judas, passou a liderar o povo
Paulo. e um exército judeu. Com Jônatas no co-
Quando Paulo diz: “E, na minha mando foi possível expandir o território e
nação, quanto ao judaísmo, avantajava- conquistar a independência. “Jônatas fez
me a muitos da minha idade, sendo vários acordos e alianças com vários países,
extremamente zeloso das tradições de com Esparta e inclusive com a potência da
meus pais.” (Gl 1.14); ele queria observar época, a República Romana, para que fos-
que era extremamente preocupado com se reconhecida a situação de Israel como
a pureza de seu povo, ou seja, ele vivia de nação livre perante o império selêucida
acordo com a Torá e não queria ver o seu (1996, 13.1:1–3. Jônatas prosseguiu com a
povo imerso no helenismo. James Dunn revolta, até que no ano de 153 AEC, ganha
(2003, p. 401) observa acertadamente: o cargo de sacerdote de Israel por decreto
de Alexandre Balas, rei selêucida”. Em-
bora a família dos hasmoneus não fosse
da linhagem de Zadoque permaneceram
76
TEOLOGIA em revista
sacerdotes até o período da ocupação ro- que Moisés também teria recebido no Si-
mana em 63 AEC. (GUNDRY, 1985, p. 9–10; nai (LENHARDT, 1997). O governo has-
SCOTT, 2017, p. 86–87 SKARSAUNE, 2004, moneus sob a direção de João Hircano se
p. 42). A primeira vez em que grupos como tornara corrompido, assim como o sacer-
fariseus e saduceus são mencionados é no dócio. Hircano precisava do voto do siné-
período em que Jônatas governava ao que drio para suas atividades políticas e como
parece esses partidos já existiam anterior- não possuía o apoio dos fariseus devido
mente e provavelmente tiveram um papel sua má gestão, os destituiu colocando em
no combate ao helenismo (JOSEPHUS, seu lugar os saduceus que concordavam
1996, 13:171–173; SALDARINI, 2001, p. 4; com sua política - nesse contexto histórico
SCOTT, 2017, 87; BULL, 2009, p. 215). é que, possivelmente, surgiu a comunida-
João Hircano (134 – 104 AEC.) é um de de Qumran um grupo que se afastou da
nome importante na dinastia hasmonéia, sociedade de então por conta das corrup-
pois, durante seu governo algumas contro- ções religiosas e sociais (NICKELSBURG,
vérsias marcaram o judaísmo do Segundo 2011, p. 240–241).
Templo. Controvérsias que talvez tenham No governo de Alexandra, os fariseus
dado origem a comunidade de Qumran; retomam o sinédrio e conseguem exercer
Hircano deu início a uma política de con- um nível de influência significativo e se
quista, usando mercenários helenistas, tornaram inimigos da dinastia hamonéia,
bem como soldados judeus. Anexou áreas por esse motivo surge a forte inimizade
a leste do Jordão, a idumeus ao sul e as ter- entre fariseus e saduceus. O maior líder
ras samaritanas até Citópolis (Bete-Seã), fariseu da época, Simeon ben Shetach,
ao norte. Os idumeus foram forçados a era irmão de Alexandra. Após a morte de
aceitar a circuncisão e a viver de acordo Alexandra em 67 AEC irmãos Hircano II e
com a lei judaica. Hircano destruiu o tem- Aristóbulo lutavam pelo direito do trono
plo samaritano no monte Gerizim em 108 quando em 63 AEC três delegações judias
e, posteriormente, a cidade de Samaria. buscam a Pompeu, general romano em
Josefo (JOSEPHUS, 1996, 10: 284 – 298) Damasco. Duas das delegações reivindi-
inclui uma história na qual João Hircano cavam a ajuda de Pompeu para resolver o
deixa de lado a lealdade aos fariseus e pas- problema dos irmãos. A terceira delegação
sa a ser leal aos saduceus. No início, Hirca- dizia representar o povo (BORGER, 2003;
no favoreceu os fariseus, mas os rejeitou BULL, 2009; SKARSAUNE, 2004; SCOTT,
para apoiar os saduceus. Sob a liderança 2017). Josefo (1996) registra a queixa dessa
de Jason os escribas foram removidos de terceira:
seus cargos, porém com a revolta de Judas
Macabeus esses retomaram suas funções [...] Damasco; e lá foi que ele ouviu as causas
e nesse período os chassidim ou Assideu dos judeus, e de seus governantes Hircano
reacenderam aos seus lugares de profes- e Aristóbulo, que estavam em diferença
uns com os outros, como também da nação
sores da Lei (Torá) sob o nome de fariseus contra os dois, que não desejavam estar sob
(MANSOOR, 1945; PUIG, 2006; SCHÜRER, governo real. porque a forma de governo
1985; VERMES, 1997). que receberam de seus antepassados era a
de sujeição aos sacerdotes daquele Deus a
Os fariseus queriam que a Lei fosse a quem eles adoravam; e [eles reclamaram],
norma do povo em todas as áreas da vida, que embora esses dois fossem a posteridade
isto é, religiosa, ritual, econômica e social. dos sacerdotes, ainda assim eles procuraram
mudar o governo de sua nação para outra
Os fariseus criam tanto na lei escrita por forma, a fim de escravizá-los (JOSEFO, 1996,
Moisés como na oral (Torá she – be’ alpé) 14:41-42).
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guramente o período exato. “Os fariseus [E] O “arrogante fariseu” diz: “Espera por
eram um grupo leigo, heterogêneo e pie- mim. Eu estou [ocupado usando meu tem-
doso. Falavam a língua do povo, iden- po] para cumprir os mandamentos! [Eu
tificavam – se com suas vicissitudes e não tenho tempo para você.]”
aspirações” (MIRANDA; MALCA, 2001; [F] O “contador [Fariseu]” paga cada dívi-
SCHÜRER, 1985). O Segundo Testamento da [isto é, pecado] executando um manda-
registra alguns debates entre Jesus e alguns mento [boa ação].
fariseus, isso fez com que durante séculos [G] O “fariseu” parcimonioso diz: “Do pou-
cristãos tivessem a percepção dos fariseus co que tenho, o que posso reservar para
como hipócritas. O historiador George executar mandamentos?”
Knight (2016) bem observa que os cris- [H] O “pagando [fariseu]” diz: “Diga-me
tãos precisam rever seus conceitos sobre que pecado cometi e executarei um man-
os fariseus pois não é possível delimitar a damento para compensá-lo”. [esses cinco
religião farisaica com base unicamente no tipos são modelos negativos, pomposos e
Segundo Testamento. Este não se propõe a ostensivos.]
fazer uma análise histórica do farisaísmo, [I] O temente [Fariseu] Jó. O “amoroso”
pelo contrário os escritores descrevem al- [fariseu emula] Abraão. E ninguém é mais
guns debates entre Jesus e os fariseus. amado por Deus do que o “amoroso” [fari-
Como em todas as religiões, comu- seu que emula] Abraão.
nidades e sociedades, nem todos os fari- [J] Abraão, nosso antepassado, transfor-
seus viviam de acordo com seus elevados mou até mesmo o desejo maligno [dentro
princípios, conforme relatos da Mishiná e dele] em bem. Como está escrito: “E en-
do próprio Talmud (MIRANDA; MALCA, contraste o seu coração (sugerindo mais de
2001). O fato de Jesus debater e até cha- um) fiel diante de ti” (Ne 9: 8). [ambos os
mar alguns fariseus de hipócritas causa seus desejos de corações eram fiéis.]
augirias em algumas pessoas; é necessário [K] disse R. Aha, “Ele fez um acordo [com
salientar que os fariseus debatiam entre seu desejo maligno para que ele pudesse
si e se auto criticavam. Algumas referên- controlá-lo. Como diz: “E fiz com ele o pac-
cias do Segundo Testamento os destacam to etc.” (J. BERAKOT, 9.5).
como “hipócritas” ou “descendentes” de
víboras” (Mateus 3: 7; Lucas 18: 9 etc.) são
aplicáveis para todo o grupo. No entan- A crítica à hipocrisia não se restringe a
to, os líderes estavam bem conscientes da Jesus, mas também parte dos próprios fari-
presença do insincero entre seus números, seus. Assim, taxar todos os fariseus como hi-
descritos pelos próprios fariseus no Tal- pócritas é um engano; os fariseus que foram
mud como “pontos doloridos” ou “Pragas advertidos por Cristo e por outros fariseus
do partido farisaico” (b. SOTA 3: 4 e 22b). não são a medida da religião farisaica, ou
O Talmud registra ainda outras críticas de seja, não são a base para descrever o farisaís-
fariseus feitas a fariseus de hipocrisia: mo. Brad Young (1995, p. 245-249) bem ob-
serva que o estereótipo negativo dos fariseus
[C] há sete tipos de fariseus [p’rushim]: o construído ao decorrer da história faz com
vistoso [Fariseu], o altruísta [Fariseu], o que os cristãos muitas vezes interpretem o
guarda-livros [fariseu], o lavrador [o fa- texto do Segundo Testamento de forma er-
riseu], o [fariseu], o temente [fariseu]; rônea. Acadêmicos, depois de tomar conhe-
amando [fariseu]. cimento do farisaísmo como realmente ele
[D] O “vistoso [fariseu]” carrega suas boas era, tem chegado à conclusão de que o pró-
ações no ombro [para mostrá-las]. prio Cristo era um fariseu, um dos temen-
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TEOLOGIA em revista
tes a Deus, pois como Skarsaune (2004) procuraram trazer Deus para o homem.
observa os característicos debates entre Je- Seu Deus era antropomórfico e a adoração
sus e fariseus têm uma característica intra- oferecida a ele era como uma homenagem
farisaica. O evangelho de Mateus (23:3) in- paga a um rei ou governante humano. Os
dica que para Jesus a mensagem farisaica fariseus, por outro lado, procuraram elevar
não era um problema; o problema estava o homem a alturas divinas e aproximá-lo a
na hipocrisia de alguns fariseus. O farisa- um Deus espiritual e transcendente. Os sa-
ísmo era um partido complexo de muitas duceus, portanto, rejeitaram o sobrenatu-
opiniões e, portanto, poderia compreender ral farisaico, alegando que eles não tinham
as opiniões de Jesus (SKARSAUNE, 2004; base na Torá. Os saduceus também nega-
BRONSTEIN, 2003). ram a doutrina da ressurreição do corpo;
Os fariseus foram um grupo muito historicamente, os saduceus ficaram sob a
importante para o judaísmo do Segundo influência do Helenismo e depois estavam
Templo, pois eles mantiveram o judaísmo em boa posição com os governantes roma-
vivo após a destruição do templo em 70 EC. nos, embora impopular com as pessoas
As várias seitas foram desaparecendo com comuns, de quem eles mantiveram-se dis-
o tempo, mas o farisaísmo continuou e deu tantes. A hierarquia dos saduceus teve sua
origem ao judaísmo rabínico (MIRANDA; fortaleza no Templo, e foi apenas durante
MALCA, 2001). as duas últimas décadas de existência do
3) Saduceus: Os saduceus eram um Templo que os fariseus finalmente ganha-
importante grupo na época de Jesus, po- ram controle. Desde que todo o poder e ra-
rém pouco se sabe sobre este grupo. Como zão de ser dos saduceus estavam ligados ao
visto anteriormente, os saduceus nasce- culto do Templo, o grupo deixou de existir
ram no meio da grande crise resultante do após a destruição do Templo em 70 AEC.
programa de helenização de Antíoco IV e (MANSOOR, 1945; PUIG, 2006).
da reação que protagonizou o movimen- 4) Essênios: Os Essênios são citados
to dos chassidim. Os saduceus, por outro por Flavio Josefo, Filo de Alexandria entre
lado, pretendiam assimilar a herança dos outros; geralmente, se identifica esse gru-
sadoquitas, ou seja, das famílias sacerdo- po com a comunidade de Qumran. É difícil
tais entre as quais era eleito o sumo-sacer- determinar com segurança que a comuni-
dote. Os saduceus cuidavam do serviço do dade de Qumran e os Essênios são o mes-
templo. As crenças dos saduceus estavam mo grupo por existirem algumas desseme-
em oposição a dos fariseus até o tempo da lhanças. Uma dessas dessemelhanças diz
destruição de Jerusalém em 70 EC. A prin- respeito ao celibatário; tem se defendido
cipal diferença entre os fariseus e os sadu- que os Essênios eram celibatários quando
ceus era em relação à Torá. A supremacia na verdade a arqueologia demonstrou que
da Torá foi reconhecida por ambas as par- a seita de Qumran não se abstinha do casa-
tes. Contudo, os fariseus designaram para mento, pelo menos não totalmente.
a Lei Oral um lugar de autoridade lado a A erudita israelense Rachel Elior
lado com a Torá escrita e determinada sua (2020), observa que os chamados Manus-
interpretação, enquanto os saduceus se re- critos do Mar Morto têm características
cusavam a aceitar qualquer preceito como sacerdotais e de fato os portadores desses
ligação, a menos que fosse baseado dire- textos se identificavam como “filhos de
tamente na Torá. A luta teológica entre as Zadoque”. Não há menção nos manuscritos
duas partes, foi na verdade, uma disputa aos supostos Essênios de Josefo. Elior (2012)
entre dois conceitos de Deus. Os saduceus
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TEOLOGIA em revista
após mais de uma década de pesquisa con- Em apoio a este tema Josefo frequente-
cluiu que os manuscritos pertenciam aos mente emprega uma linguagem espar-
Zadoquitas. Esses parecem ser um grupo tana de treinamento, disciplina, ordem,
de sacerdotes que decepcionados com a coragem, resistência, destreza viril e des-
política dos governantes hamoneus deci- prezo pela morte; esta última aparecen-
diu ir para o deserto. Elior (2012) destaca: do com mais frequência na guerra do que
em qualquer outro texto antigo conhe-
cido. Passagem muito discutida de Jose-
Em contradição a essa luta sacerdotal de- fo sobre os essênios, “Legião” (2.119-61)
monstrada nos pergaminhos, nenhuma tem a maior concentração de linguagem
identidade sacerdotal explícita é mencio- espartana em seu corpus. Sua seção mais
nada por Fílon, Plínio e Josefo, nenhuma longa (e menos discutida) diz respei-
aliança é mencionada, nenhum assun- to ao desprezo pela morte: “Sorriem em
to de calendário é discutido, nenhuma suas agonias e zombam de quem estava
lei sacerdotal referente ao Templo e os infligindo as torturas, eles costumavam
ritos dos sacrifícios são discutidos. re- despedir alegremente de suas almas”
lógios sacerdotais e nenhuma liturgia (2.151–58). O tema continua na Guerra,
angelical-sacerdotal são mencionados e enquanto observamos pessoas comuns
Jerusalém, a cidade escolhida de Deus, desnudando seus pescoços à espada, em
um tema central em muitos dos perga- vez de violar a lei ancestral (2.174, 196).
minhos, não está associada aos essênios. Vespasiano fica maravilhado com a cora-
Em outras palavras, nenhum assunto gem de um judeu capturado que, segu-
que é atestado ricamente nos Manuscri- rando sob todo tipo de tortura, finalmen-
tos do Mar Morto é descrito em qualquer te “encontrou a morte com um sorriso”
relação significativa com os essênios. em uma cruz (3.320–21).
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A RELAÇÃO CRISTO-CULTURA:
UMA CLASSIFICAÇÃO TEOLÓGICA PARA A IGREJA ADVENTISTA
DO SÉTIMO DIA A PARTIR DA TIPOLOGIA NIEBUHRIANA
Doutora em Ministério
Leonardo Henrique Arruda de Souza
2
Teólogo
1
Doutora em Ministério (Andrews University); Licenciatura em Pedagogia (Unasp-EC),
docente da Faculdade Adventista do Paraná. Contato: hanny.brcic@gmail.com
2
Bacharel em Teologia (Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia, Ivatuba-
PR). Contato: leonardo.h.a.souza@gmail.com
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Resumo
O presente trabalho busca abordar a relação existente entre
Cristo e cultura no pensamento de H. Richard Niebuhr e, a partir
desse referencial, identificar uma postura ético-teológica da
Igreja Adventista do Sétimo Dia nos encontros entre sua missão
e a cultura. Para tanto é feita uma contextualização histórica do
pensamento de H. R. Niebuhr, uma descrição de seu livro Cristo
e Cultura e, por fim, uma aplicação da tipologia niebuhriana ao
pensamento adventista contido em publicações oficiais da Igreja.
Sendo assim, faz-se uso de metodologia teológica, dialogando
com contextualização histórica e implicações missiológicas.
Ao final da pesquisa, conclui-se que os tipos niebuhrianos que
poderiam descrever a postura adventista do sétimo dia diante
dos encontros com a cultura são os tipos Cristo-e-cultura-em-
paradoxo e Cristo-transformador-da-cultura.
Abstract:
The present paper aims to address the existing relation
between Christ and culture in the thought of H. Richard
Niebuhr and, based on this framework, to identify an ethical-
theological posture of the Seventh-day Adventist Church in
the encounters between its mission and culture. For that, a
historical contextualization of the thought of H. R. Niebuhr
is made, also a description of his book Christ and culture
and, finally, an application of the Niebuhrian typology to the
Adventist thought contained in official Church publications.
Thus, theological methodology is used, dialoguing with
historical contextualization and missiological implications.
At the end of the research, it is concluded that the Niebuhrian
types that could describe the Seventh-day Adventist posture
in the face of its encounters with culture are the Christ-and-
culture-in-paradox and Christ-transformer-of-culture types.
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2 HELMUT
sendo uma concepção teológica própria de
Richard Niebuhr. Essa grande envergadura
teológica foi fundamental para a escrita de
Cristo e Cultura.
RICHARD NIEBUHR Por sua vez, a publicação do referido
livro se deu num contexto sociocultural que
H. Richard Niebuhr foi um importan- envolvia um forte nacionalismo norte-ame-
te teólogo e eticista do séc. XX. Foi pionei- ricano com o pano de fundo da Guerra Fria
ro no uso da sociologia da religião para o num período pós-guerra-mundial e pós-
contexto teológico norte-americano e se -grande-depressão. Niebuhr chega a men-
tornou conhecido por estabelecer diálogo cionar que se desenvolvia “debate multifor-
entre a teologia protestante alemã e a te- me acerca das relações entre cristianismo e
ologia protestante norte-americana, além civilização” (NIEBUHR, 1967, p. 21).
de ser o responsável por introduzir o pen- Dois grandes grupos estavam se le-
samento de Ernst Troeltsch nos Estados vantando. De um lado havia os liberais se-
Unidos. Sua obra se mantém relevante culares e culturalistas, que consideravam
para os campos da ética e missiologia cris- a civilização como o valor supremo da hu-
tã até os dias atuais (NOVAES, 2016; CAR- manidade e acreditavam que o liberalismo
SON, 2012; YEAGER, 2005). secular científico era a única maneira de
Richard Niebuhr possuía formação alcançar uma civilização livre de preconcei-
na área de Teologia pelo Eden Theological to e intolerância. Já do outro lado estavam
Seminary, mestrado em história pela Wa- figuras influentes, como o próprio Niebuhr,
shignton University e obteve seu Ph.D pela que defendiam que no cristianismo e na tra-
Yale University, com uma tese sobre a “Fi- dição judaico-cristã se encontravam as me-
losofia da Religião de Ernst Troeltsch”. Ao lhores bases para “uma verdadeira civiliza-
longo de sua experiência profissional exer- ção liberal e tolerante” (MARSDEN, 1999, p.
ceu o ministério pastoral em St. Louis, foi 5). Carregado com esse contexto teológico
diretor no Elmhurst College, lecionou teo- e visando apresentar uma resposta ao con-
logia e ética cristã no Eden Theological Se- texto sociocultural, o livro Cristo e Cultura
minary e na Yale Universitiy. Ao longo dos seria publicado em 1951.
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TEOLOGIA em revista
3 RELAÇÃO CRISTO-CULTURA
NO PENSAMENTO DE RICHARD
NIEBUHR
Para Niebuhr, o conflito existente en- da-cultura , também chamados de cristãos
tre os valores e estilo de vida propostos pelo sinteticistas, dá início às categorias inter-
cristianismo e os valores e estilo de vida mediárias. Assim como os cristãos culturais,
propostos pela civilização, qualquer que eles enxergam tanto Cristo quanto cultura
seja ela, se origina no embate de duas auto- possuindo naturezas positivas, no entan-
ridades, a saber, a autoridade de Cristo e a to, diferente dos culturais que entendem a
autoridade da cultura (NIEBUHR, 1967). As Cristo e cultura como uma coisa só, os sin-
diversas compreensões que foram manifes- teticistas enxergam a Cristo sendo distinto
tadas ao longo da história cristã sobre a rela- da cultura e estando muito superior a ela,
ção entre essas duas autoridades podem ser uma vez que essa é permeada pelo pecado,
descritas através de uma tipologia quíntu- surgindo assim um abismo entre ambos.
pla constituída de duas categorias localiza- Em outras palavras, as duas autoridades es-
das em pólos opostos e três categorias inter- tão em harmonia, porém é a autoridade de
mediárias, a saber, Cristo-contra-a-cultura, Cristo que se sobressai e valida a autoridade
Cristo-da-cultura, Cristo-acima-da-cultu- cultural. A cultura pode pressentir e até vis-
ra, Cristo-e-cultura-em-paradoxo e Cristo- lumbrar os valores de Cristo, mas precisa de
-o-transformador-da-cultura. uma intervenção sobrenatural para alcan-
Para a primeira categoria da tipolo- çá-los.
gia niebuhriana, Cristo-contra-a-cultura, A quarta categoria tipológica, Cristo-
também denominados de cristãos exclusi- -e-cultura-em-paradoxo, cujos integran-
vistas, Cristo e cultura são completamente tes são denominados de cristãos dualistas,
opostos. Esse grupo condena toda forma de também é uma categoria intermediária.
expressão cultural sem se aperceber de que Seu dualismo não é no sentido manique-
sua vivência religiosa também é permeada ísta, mas sim se refere ao fato de que para
por uma cultura. Se isola do mundo na ten- esse grupo Cristo e cultura são valores com-
tativa de manter o pecado fora de sua co- pletamente opostos em natureza, porém o
munidade e assim muitas vezes possui pou- cristão deve se submeter a ambas autorida-
ca ou nenhuma relevância social. des enquanto nesse mundo. A vida é uma
Já para a segunda categoria tipológica, constante tensão entre o reino de Deus e
Cristo-da-cultura, denominados também dos homens enquanto a graça divina sus-
de cristãos culturais, Cristo é um exemplo tenta a ambos até a consumação final. Dife-
da realização dos ideais mais elevados da rente dos exclusivistas, os cristãos dualistas
cultura. Sendo assim, ambos compartilham sabem que não há como se isolar do peca-
da mesma natureza positiva. Esse grupo va- do, por isso se envolvem com a vida secular,
loriza em Cristo aquilo que é de valor para apesar de viverem em constante conflito de
a cultura, ao mesmo tempo que se envolve valores.
com os elementos culturais que são com- A quinta e última categoria tipológi-
patíveis com Cristo. Dessa forma, corre o ca, Cristo-o-transformador-da-cultura,
grande risco de tornar Cristo em apenas cujos integrantes são chamados de cristãos
mais um ídolo cultural, um camaleão que conversionistas, também pertence às cate-
se molda às preferências vigentes, ou seja, a gorias intermediárias. Esse grupo enxerga
cultura é o valor que validaria a Cristo. Cristo e cultura como opostos em realidade,
A terceira categoria tipológica, Cristo-acima contudo, a cultura aqui foi criada boa e com
91
TEOLOGIA em revista
natureza positiva assim como Cristo, po- É importante pontuar que o livro Cris-
rém, com o pecado, a cultura teria sido to e Cultura possui caráter descritivo, ao in-
pervertida e se tornado negativa. Sendo as- vés de prescritivo. Nele Niebuhr pretende
sim, para os conversionistas Cristo busca expor as diferentes compreensões cristãs
restaurar a natureza positiva da cultura e, para que o leitor escolha com consciência e
portanto, valida todos os aspectos culturais responsabilidade a que melhor expressa sua
positivos e neutros enquanto trabalha para fé. Dessa forma é uma útil ferramenta para
transformar os aspectos negativos. categorização de movimentos e indivíduos.
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foram adeptos dessa teoria entre os anos de sar de não ser unânime, a ideia de que a mis-
1844 e 1850 (SCHANTZ, 1983), ou seja, em são devia ser feita apenas nos Estados Uni-
geral, aqueles que fundariam o adventismo dos e que os povos da Terra seriam alcança-
do sétimo dia, nessa fase pré-organizacio- dos através da pregação para os imigrantes
nal, possuíam uma noção missiológica limi- em solo americano, tendo influentes figuras
tada e uma inclinação ao exclusivismo. Em como Urias Smith sustentando essa postura
outras palavras, a preocupação primária (HOSCHELE, 2004).
deles era 1) o desenvolvimento doutrinário Nesse contexto, a postura da IASD se
e 2) os aspectos que os diferenciavam tanto mostrava consideravelmente etnocêntrica e
da cristandade quanto do mundo e, assim, com grande ênfase nos elementos distinti-
o campo missionário deles era, principal- vos de sua identidade, além de possuir uma
mente, os mileritas. (HÖSCHELE, 2004). forte atitude contracultural, motivada por
sua escatologia que identificava os Estados
Unidos como a segunda besta de Apocalipse
13. Essa compreensão escatológica e atitude
4.2.2 Judéia: América do contracultural era ainda mais evidente ao se
considerar que as denominações norte-ame-
Norte Branca (1850-1870) ricanas contemporâneas manifestavam um
Com o abandono da Teoria da Porta forte nacionalismo que considerava o pro-
Fechada por parte dos adventistas sabatis- gresso da nação como providência divina e
tas e o estabelecimento de um núcleo dou- enxergava os Estados Unidos como a “nação
trinário bem definido por volta de 1850, escolhida” de Deus (DORNELES, 2012).
novas iniciativas manifestavam uma nova e
mais abrangente fase da missiologia adven-
tista. Já em 1849, Tiago White, um impor-
tante pioneiro adventista, teria dado início
à revista Present Truth que no ano seguinte, 4.2.3 Samaria: Mundo
em 1850, seria unida a uma segunda revista Cristão em Geral
iniciada por ele, Advent Review, e surgiria (1870-1890)
então a Second Advent Review and Sabba-
th Herald, uma revista destinada a alcançar Com a grande aceitação do adventis-
toda a cristandade norte-americana com a mo em solo americano por parte de imi-
mensagem adventista (HOSCHELE, 2004). grantes europeus que ainda mantinham
É válido pontuar que nessa época, iniciati- fortes laços com sua terra natal, uma nova
vas ASD dirigidas a grupos culturais negros, fase na missiologia adventista teve início.
asiáticos e indígenas dentro dos EUA eram Esses novos conversos sentiam-se impeli-
escassas senão inexistentes. dos a compartilhar a mensagem adventista
Outra manifestação de uma conside- para além dos Estados Unidos e assim, em
ração maior por questões missiológicas foi 1872, começaram a ser produzidas litera-
a organização dos adventistas sabatistas na turas adventistas em línguas estrangeiras.
Igreja Adventista do Sétimo Dia. Depois de Esse novo foco em alcançar comunidades
muita discussão, estudo e oração, os adven- cristãs ao redor do mundo levaria ao cres-
tistas decidiram que deveriam se organizar cimento da obra de publicações e ao desen-
em uma igreja formal exatamente visando volvimento da obra médico-missionária,
serem mais eficientes em seus esforços mis- da obra educacional, da obra de assistência
sionários. Assim, o ímpeto missiológico es- social e das sociedades missionárias adven-
tava aumentando, porém era corrente, ape- tistas. A IASD, como instituição, passaria a
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“A Missão da Igreja”, lê-se que “os membros [...] estão comprometidos com relaciona-
da igreja foram chamados a sair do mundo mentos respeitosos e cooperativos entre
para serem enviados de volta ao mundo todas as pessoas, reconhecendo nossa ori-
com uma missão e uma mensagem” (DE- gem comum e percebendo nossa dignida-
DEREN, 2011, p. 610, grifo nosso). Ainda na de humana como um presente do Criador.
mesma seção, é dito que “os crentes devem Visto que a pobreza humana e a degrada-
se separar das alianças mundanas”, no en- ção ambiental estão inter-relacionadas,
tanto “por serem o ‘sal da Terra’ e ‘a luz do nos comprometemos a melhorar a quali-
mundo’ [...], eles são chamados a apoiar dade de vida de todas as pessoas (GENE-
as causas que promovem a prosperidade RAL CONFERENCE OF SEVENTH-DAY
ADVENTISTS EXECUTIVE COMMITTEE,
social, econômica e educacional da famí- 1992, tradução e grifo nosso).
lia humana.” (DEDEREN, 2011, p. 611, grifo
nosso).
Já na seção “Um Olhar Sóbrio para o Também na declaração intitulada
Futuro”, do mesmo capítulo, encontra-se Tolerância, votada em 1995, a IASD de-
escrito que: clara apoiar a proclamação da ONU de
1995 como o ano da Tolerância. Uma de-
claração oficial da IASD mencionando
[...] enquanto se acha neste mundo, a igre- um alinhamento com, talvez, a institui-
ja é militante, empenhada diariamente ção secular que mais simboliza a civiliza-
nas batalhas de seu Senhor e em campa- ção contemporânea é algo digno de nota
nha contra as instrumentalidades satâ-
no contexto dos encontros entre Igreja e
nicas. Seus membros estão em conflito
com o mundo, a carne e os poderes do mal sociedade, Cristo e cultura. (GENERAL
(DEDEREN, 2011, p. 628, grifo nosso). CONFERENCE OF SEVENTH-DAY AD-
VENTISTS ADMINISTRATIVE COMMIT-
TEE, 1995).
Tais textos sugerem que, do ponto de Nessa mesma linha, talvez uma das
vista teológico, a IASD considera o mundo e/ declarações oficiais mais esclarecedoras
ou a cultura como elementos com os quais a sobre a relação entre Igreja e sociedade,
igreja está em conflito e que não deve fazer Cristo e cultura, na mentalidade adven-
aliança, por serem completamente corrom- tista seria votada em 1996 e levaria o título
pidos pelo pecado. Ao mesmo tempo, su- “Renovação Espiritual Impacta Mudança
gerem que a IASD compreende que a Igreja Social”. Ela expressaria a compreensão
é enviada a esse mundo e/ou cultura com adventista de uma cultura corrompida e
uma missão que estimula a cooperação e em constante mudança ao afirmar:
parceria com causas culturais que benefi-
ciam o ser humano.
A presença real do mal no mundo e a
pecaminosidade dos seres humanos,
4.3.3 Declarações Oficiais agravada por rápidas mudanças na edu-
da Igreja Adventista do cação, indústria, tecnologia e economia,
continuam a envolver nosso planeta em
Sétimo Dia massivas mudanças sociais (GENERAL
Votada em 1992, a declaração intitulada CONFERENCE OF SEVENTH-DAY AD-
“Cuidando do Meio Ambiente” asseveraria VENTISTS ADMINISTRATIVE COM-
que os ASD aceitam “o desafio de trabalhar MITTEE, 1996, tradução nossa).
para restaurar o projeto geral de Deus” e que:
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Essa declaração ainda afirma que a Com vistas a serem efetivos em seu
IASD “vê como parte da sua Missão a exten- engajamento com a responsabilidade so-
são do ministério de Cristo em um mundo cial cristã, declara-se que:
de sofrimento”, e também que:
Os ASD se juntam à comunidade global
no apoio às Metas de Desenvolvimento
A Igreja atua como um vigia na socie- do Milênio das Nações Unidas para redu-
dade e como uma comunidade empo- zir a pobreza em pelo menos 50 por cento
deradora, exortando indivíduos e famí- até 2015. Em prol disso, os adventistas do
lias a avaliar as condições ao seu redor, sétimo dia fazem parceria com a socieda-
defendendo o que é bom e transcen- de civil, governos e outros, trabalhando
dendo e alterando o que é prejudicial juntos localmente e globalmente para
(SPIRITUAL RENEWAL IMPACTS SO- participar da obra de Deus de estabelecer
CIAL CHANGE, 1996, tradução e grifo justiça duradoura em um mundo arrasa-
nosso). do (EXECUTIVE COMMITTEE OF THE
GENERAL CONFERENCE OF SEVENTH-
-DAY ADVENTISTS, 2010, tradução e gri-
fo nosso).
Ainda digno de destaque é o seguinte
trecho: Ainda é interessante como o futuro
escatológico impacta o presente escatoló-
gico na noção adventista expressa no final
O Evangelho de Cristo em si é um agen- do documento:
te de mudança. [...] A presença de pes-
soas espiritualmente renovadas na co-
munidade pode fazer um trabalho que Como seguidores de Cristo, nos engaja-
as iniciativas políticas e sociais por si só mos nessa tarefa com esperança deter-
não podem realizar. Os cristãos que ex- minada, energizados pela promessa divi-
perimentaram o poder transformador na visionária de um novo céu e uma nova
terra onde não haja pobreza ou injustiça.
de Cristo são estabilizadores, pilares Os adventistas do sétimo dia são chama-
de fortificação na sociedade e preser- dos a viver com imaginação e fidelida-
vam valores que afirmam a vida. Eles de dentro dessa visão do Reino de Deus,
agem como agentes de mudança em agindo para erradicar a pobreza agora
face da decadência moral (SPIRITUAL (EXECUTIVE COMMITTEE OF THE GE-
RENEWAL IMPACTS SOCIAL CHANGE, NERAL CONFERENCE OF SEVENTH-
1996, tradução e grifo nosso). -DAY ADVENTISTS, 2010, tradução e gri-
fo nosso).
Já em 2010, seria votada uma declara- Ainda foi votada, em 2014, a “Declara-
ção ainda mais reveladora sobre a relação ção de Missão da Igreja Adventista do Séti-
entre Igreja e sociedade na visão adventista. mo Dia”. No contexto da presente pesquisa
Seu título seria “Pobreza Global”. Nesse do- é de especial relevância a seção “Nossa Vi-
cumento se afirmaria que “ASD acreditam são” dessa declaração. Nela é sustentado
que as ações para reduzir a pobreza e as in- que “em harmonia com a revelação da Bí-
justiças que as acompanham são uma parte blia, os ASD vêem como o clímax do plano
importante da responsabilidade social cris- de Deus a restauração de toda a Sua cria-
tã”. Nesse contexto: ção em plena harmonia com Sua perfeita
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vontade e justiça” (GENERAL CONFEREN- que são organizações adventistas que, de-
CE OF SEVENTH-DAY ADVENTISTS EXE- vido a profundas diferenças no contexto
CUTIVE COMMITTEE, 2014, tradução e cultural, necessitam possuir uma estrutu-
grifo nosso). ra organizacional diferente da tradicional,
Com essas declarações oficiais da visando maior relevância cultural.
IASD é possível notar que, diante dos en- No quinto e último tópico do do-
contros entre Igreja e sociedade, existe cumento, abordando contextualização
na postura adventista uma disposição e sincretismo, o termo contextualização
em buscar a elevação humana através da é definido como o “esforço intencional e
transformação tanto espiritual quanto so- judicioso de comunicar a mensagem do
cial. Essa disposição se origina na compre- evangelho de uma maneira culturalmente
ensão adventista das doutrinas da criação significativa”. Nele ainda é asseverado:
bíblica e da redenção em Cristo e é moti-
vada por sua visão escatológica da missão.
Apresentando, dessa forma, um alinha- A contextualização intencional da ma-
mento com as posturas características da neira como comunicamos nossa fé e
“Igreja do meio” da tipologia niebuhriana. prática é bíblica, legítima e necessária.
Sem ela, a Igreja corre o risco da falta de
comunicação e de mal-entendidos, per-
da de identidade e sincretismo. Histori-
4.4 IASD: Postura camente, a adaptação ocorreu ao redor
missiológica diante dos do mundo como uma parte crucial da
encontros com a cultura divulgação das três mensagens angéli-
cas para cada nação, tribo e povo. Isso
Nas diretrizes para o “Engajamen- vai continuar acontecendo (GLOBAL
to na Missão Global”, desenvolvidas pelo MISSION ISSUES COMMITTEE, 2003,
Global Mission Issues Committee (AD- tradução nossa).
COM-S), editadas pelo Biblical Research
Institute e votadas em 2003 pelo Comitê
Administrativo da Conferência Geral dos É importante mencionar a ênfase que
Adventistas do Sétimo Dia, no tópico “O as diretrizes dão para uma contextualiza-
Uso da Bíblia na Missão Vis-à-vis ‘Escritos ção que evita, e mesmo combate, o sincre-
Sagrados’”, se reconhece a utilidade do uso tismo religioso. Além disso, declara-se que
de “escritos sagrados” das culturas locais, a “contextualização visa encorajar todas as
juntamente com a Bíblia, para a constru- Crenças Fundamentais (da IASD) e torná-
ção de pontes com os não-cristãos. Está es- -las verdadeiramente compreendidas em
crito: “Ao construir pontes com não-cris- sua plenitude” (GLOBAL MISSION ISSUES
tãos, o uso de seus ‘escritos sagrados’ pode COMMITTEE, 2003, tradução nossa).
ser muito útil em um contato inicial, com Nesse documento, fica muito clara a
vistas a demonstrar sensibilidade e condu- valorização do contexto cultural e, ainda é
zir pessoas por caminhos que são, de algu- possível constatar o reconhecimento, por
ma forma, familiares” (GLOBAL MISSION parte da IASD, da importância que há na
ISSUES COMMITTEE, 2003, tradução nos- interação entre Igreja e sociedade, Evan-
gelho e contexto social, Cristo e cultura.
sa). Além disso, expressa o reconhecimento da
Ainda nesse documento, são ofere- necessidade de uma relação orgânica entre
cidas diretrizes para o estabelecimento de ambos, contanto que o Evangelho e Cristo
“Estruturas Organizacionais de Transição”, tenham primazia sobre a cultura.
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5 CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Ao definir a IASD como exemplo do amadureceu e, exatamente pela visão es-
tipo niebuhriano Cristo-o-transforma- catológica e identidade remanescente bem
dor-da-cultura, podendo também ser as- compreendidas, agora expressa uma atitu-
sociada com o tipo Cristo-e-cultura-em- de que, pela grande ênfase na escatologia
-paradoxo, pode-se concluir que atitudes e no iminente retorno de Cristo, se alinha
e discursos legalistas, antinomistas, ex- à visão dualista com sua tensão paradoxal,
clusivistas, nacionalistas, isolacionistas, mas pela abrangente preocupação com a
tradicionalistas e/ou culturalistas não reforma e restauração holística do ser hu-
expressam a identidade e compreensão mano no presente, manifesta a visão con-
das publicações oficiais da ASD diante do versionista, buscando ser culturalmente
problema Cristo-cultura. Além disso, a relevante enquanto fiel às escrituras.
existência de um grande espaço para uma Sendo assim, considerando o desen-
maior sensibilidade cultural e maior re- volvimento histórico da missão adventis-
levância e cooperação com entidades so- ta, o amadurecimento de sua compreensão
ciais na esfera das igrejas locais se torna missiológica, algumas de suas publicações
uma questão digna de consideração. oficiais que lidam com a relação entre a
Ainda é digno de nota que, como de- Igreja e a cultura e analisando esses dados
monstrado historicamente, por uma forte através das lentes da tipologia niebuhria-
noção escatológica e identificação com o na, conclui-se na presente pesquisa que
remanescente bíblico, por muito tempo os tipos niebuhrianos que poderiam des-
uma atitude exclusivista e inclinada ao le- crever a postura ASD diante dos encontros
galismo foi vista entre os ASD, porém com com a cultura são os tipos a) Cristo-e-cul-
o avanço dos estudos teológicos e de sua tura-em-paradoxo e b) Cristo-transforma-
missiologia, a compreensão adventista dor-da-cultura.
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