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Medicina Biodinamica

Papirus Editora 2002


© Paolo Bellavite
Questionar por possivel reprodução: paolo.bellavite@univr.it

PREFÁCIO
Dr. Paulo Maria Ferreira de Araújo
Professor Livre Docente em Imunologia - Instituto de Biologia - UNICAMP

Pelo contexto literário científico de o libro, somos induzidos a alçarmos vôo numa viagem... “para
além de limites previsíveis”. A premissa de sua ousadia está associada à riqueza e amplitude dos
conhecimentos aqui abordados, muitos dos quais ainda acreditados incompatíveis ou não
relacionados, ou de difíceis conexões e interfaces. Numa postura de altruísmo, segurança, firmeza e
rigor acadêmico técnico-científico o Professor Dr. Paolo Bellavite concebeu esta obra a partir de
uma intensa e vivenciada experiência profissional, cuja diversidade dos seus inúmeros escritos
constitui um legado panorâmico ricamente documentado.
O ciclo infinito de idéias e ação
Infinita experiência, infinita invenção,
Traz o saber do movimento, mas não da paz...
Onde está a vida que perdemos vivendo?
Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o conhecimento que perdemos na informação?
(T. S. Eliot , “The Rock”)
A apresentação deste livro também não é menos pretensiosa, porquanto não ultrapassarei o limiar
do meu entendimento sobre vários conteúdos, ou vivências de outras práticas profissionais. Como
professor e pesquisador na área de Imunologia, venho estudando aspectos fisiológicos fundamentais
do sistema imunológico numa visão de integração com outros sistemas, como o endócrino e o
nervoso, resultando numa nova concepção para as suas operações.
Para Thales....a questão primordial não era o que sabemos, mas como sabemos.
(Aristóteles)
A proposta do livro associada à coerência no discurso do autor, foram sem dúvida instrumento de
sedução e de motivação, e que me fizeram experimentar o devaneio de uma instigante aventura do
conhecimento. Na análise da sua concepção os seguintes feitos do autor merecem ser destacados:
Resgata de maneira brilhante os conhecimentos das bases estruturais de antigas práticas médicas e
condicionantes culturais, de vários povos distribuídos pelo mundo em diferentes espaços de tempo e
história (chinesa, indiana ou yurvédica, hipocrática, etc.). E, sinalisando para a sua
contemporaneidade, restringe a exclusão do que estaria legado ao rol dos arquivos mortos da
humanidade, e fortalece a ruptura com a prática da intolerância acadêmica ocidental.
Promove e estabelece numa visão decisória a interligação e intersecção de todos aqueles
conhecimentos com as abordagens das práticas médicas as mais contemporâneas (medicina

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alopática, homeopática, terapias alternativas, etc.). Ali se destacam um rico referencial científico
além de projetos indicativos de como se faz a pesquisa biológica e médica segundo o fio condutor,
que Bellavite chama de “biodinâmica”: o estudo da dinâmica da vida e de suas manifestações
patológicas, sempre considerando a doença e a saúde no contexto sistêmico e dinâmico do ser
humano na sua psicosociobiologia.
Para a reconstituição da homeostasia, sabemos hoje que o sistema trabalha através de uma rede de
conexões moleculares estabelecidas entre si ou com ligantes celulares, onde participam inúmeros
fatores solúveis distribuidas pelo corpo - as citocinas. Os prováveis mecanismos de ação: aumento
da imunidade, endorfinas, neurotransmissores.
O sistema imune é mais que um sistema de defesa. Ele opera num processo de autopoise e
autoregulação. As respostas contra os microrganismos são apenas uma parte da sua atividade. “O
germe não é nada e o organismo é tudo” (Claude Bernard). Fenômenos imunológicos podem ser
descritos como manifestações da atividade de uma rede complexa multiconectada envolvendo
linfócitos com seus circuitos de regulação e citocinas. Cerca de 15% dos linfócitos ativados
naturalmente reagem com componentes do próprio corpo, em caráter de autoreatividade fisiológica.
As relações íntimas entre o cérebro e o sistema imunológico, e com o sistema endócrino apontam
para uma dimensão totalmente inesperada de operações.
Einstein cultuou muito a convicção de uma harmonia íntima do Universo como a base de toda a
criação científica:
Sem a convicção de uma harmonia íntima do Universo, não poderia haver ciência. Esta convicção
é, e continuará a ser, a base de toda a criação científica. Em toda a extensão dos nossos esforços,
nas lutas dramáticas entre as velhas e as novas concepções, entrevemos a ânsia eterna de
compreensão, a intuição inabalável da harmonia universal, que se robustece na própria
multiplicidade dos obstáculos que se oferecem ao nosso entendimento.
Apesar da temática do livro ser dirigida preferencialmente para médicos e outros profissionais da
área de saúde e especialistas, não é menos accessível para estudantes e estudiosos dos conflitos de
conhecimento biológico-médico. Não apenas pela sua atualidade na busca de um entendimento para
a concepção de várias intervenções médico terapêuticas, também pelo retorno ao entendimento do
todo e do holístico, associando a resposta com a diversidade cultural de todas aquelas intervenções e
práticas atuantes. Assim se busca uma visão mais humana da medicina através de um conjunto de
aprendizados, técnicas, métodos de terapias não convencionais, etc
É preciso cuidar da vida em que o corpo está inserido além do corpo. Com a devida atenção de que
a doença hoje não se trata apenas de um fenômeno ou processo puramente biológico. O homem é o
único ser vivo capaz de ser seu próprio agente agressor através dos seus pensamentos, angústias e
insegurança diante da vida. O conhecimento será sempre a melhor medida preventiva a ser
trabalhada com as pessoas, trata-se da melhor defesa individual.
A ciência, o conhecimento científico não tem o poder de fazer sonhar enquanto instrumento de
promoção individual. A prática da educação, assim como a atitude de „parar para ver a banda
passar’, trazem a beleza de sonhos com o poder de transformar indivíduos isolados num povo
(Rubem Alves).
Enfim, quero voltar a me referir à ousadia do autor que destaquei no início deste texto: considero-a
como a sua mais humana e corajosa mensagem, indicando-nos que é possível sonhar sonhos
coletivos e transformar a realidade. Podemos fazer acontecer aquilo que sabemos quando
aglutinarmos os nossos desejos.

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Medicina Biodinamica
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Introdução

“O avanço da medicina é subordinado ao conceito do homem,


e sua grandeza depende da riqueza deste conceito.”
A. Carrel

No campo da ciência médica, a passagem entre o século XX e o século XXI é


marcada por uma profunda revisão do saber e da prática terapêutica. Se por
um lado, parte das conquistas biotecnológicas parece oferecer ainda uma
grande potencialidade de desenvolvimento, por outro lado, uma crise muito
profunda de tipo cultural sócio-econômica e histórica surge, questionando os
próprios fundamentos da medicina e o modo pela qual esta é vista pelos
pacientes e praticada pelos médicos.
Observando o progresso da pesquisa em Medicina no transcorrer destes
últimos decênios até os nossos dias, constatamos que este desenvolvimento
privilegiou de uma forma exagerada à análise, deixando de lado os trabalhos
de integração e síntese dos conhecimentos adquiridos, sobre vários aspectos
da realidade biológica e psicológica do homem, como também não se dedicou
a elaboração de métodos adequados para a avaliação destes trabalhos. Apenas
recentemente assistimos a uma modificação desta tendência, documentada
pelo nascimento de novas disciplinas que integram diversas especializações
como a neuroimunologia, a psicobiologia, a biofísica e a bioética.
A figura 1 resume estas duas grandes tendências de pesquisa que vão do
universal/complexo ao particular/simples (via reducionista ou analítica) ou
vice-versa (via holística ou de integração). A primeira das duas vias, aquela

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que vem sendo seguida desde muito tempo, consiste em procurar uma
explicação sobre “como as coisas são feitas”, buscando a descoberta dos
detalhes morfológicos e estruturais da matéria. A segunda via parte da
constatação de que os elementos que constituem a matéria - em todos os
níveis, mas, sobretudo no mundo dos seres vivos - “estão em conjunto” e
interagem entre si, dando lugar a sistemas que representam em si qualquer
coisa a mais que a soma de suas partes. Esta “qualquer coisa a mais” tem o
significado e o objetivo de estar em conjunto para uma cooperação coletiva
dos diferentes elementos, que se encontram no processo evolutivo da matéria
desde sua forma simples até os organismos mais complexos.
Seguir o caminho holístico é muito difícil para o cientista moderno, porque na
história do pensamento científico ocidental foi sempre privilegiada a via
reducionista. É provável que só com o encontro das diversas tradições
culturais, patrimônio milenar do pensamento humano, se possa facilitar e
ajudar a restabelecer um equilíbrio entre as duas vias de raciocínio, de
fundamental importância para a pesquisa científica.

Figura 1. As duas vias da pesquisa científica.

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O desenvolvimento científico no sentindo de integração do conhecimento e da
metodologia, como é aqui apresentado, não requer apenas um progresso
técnico-científico, mas também uma postura ético-antropológica diferente
daquela que é difundida hoje. Neste sentido é interessante colocar a definição
de homem dada por A. Carrel1,um dos primeiros cientistas que advertiram
enfaticamente a necessidade de uma integração entre as ciências e as
disciplinas humanísticas: “O homem é um todo indivisível, que se manifesta
com atividades físico-química, fisiológica e psicológica”[Carrel,1935].
No seu importante trabalho e de certo modo predecessor dos progressos atuais
O homem, este desconhecido, o autor cita: “A medicina ao invés de limitar o
homem a cada uma das suas partes deve compreendê-lo enquanto um todo,
considerando o corpo e o espírito na unidade de sua realidade. Podendo
assim superar a abstração que a anatomia, a fisiologia, a pedagogia e a
sociologia fizeram, considerando-se cada uma como uma entidade capaz por
si so de compreender o homem. Na realidade o homem não é apenas aquilo
que a observação revela dele. Dessa forma ele aparece como um corpo
formado por tecidos, órgãos e humores. Este corpo manifesta certa atividade
que poderíamos distinguir arbitrariamente entre fisiológica e mental. Ou seja,
temos estudado apenas conceitos fragmentados. Nossa análise já começou
errada ao desconsiderar a continuidade do homem com o ambiente cósmico e
social. Depois separou a alma do corpo. O corpo foi dividido em órgãos,
células e líquidos e neste processo de dissecação o espírito desapareceu.
Assim são muitas as ciências que possuem por objeto de estudo aspectos
isolados do homem. As denominamos sociologia, historia, pedagogia,
fisiologia, etc. Mas o homem como já dizemos é muito mais do que a soma
destes dados analíticos. Convém portanto considerár suas partes no seu
conjunto e suas relacões com o ambiente cósmico, econômico e psicológico
considerando-o não como uma simples multiplicidade e sim como uma
unidade integrada”. No mesmo trabalho encontramos outros trechos também
significativos, como o seguinte: “O homem doente foi dividido em muitas
regiões e cada uma delas possui seu especialista. Este se dedica ao estudo de
uma parte minúscula do corpo, mas deste modo ele fica tão ignorante do
restante que não pode conhecer na perfeição nem sequer aquilo em que se
tornou especialista”[Carrel,1935].Gostaria alias de destacar que Carrel editou
um livro sobre medicina integrada [Carrel, 1945].

1
Alexis Carrel (1873-1944) foi pioneiro na pesquisa sobre transplantes de órgãos e cultura celular pêlos quais
lhe outorgaram em 1912 o Prêmio Novel pela Medicina. Como reconhecimento a contribuição de Carrel ao
desenvolvimento da medicina holística e integrada, escolhi citar este autor em varias partes do texto.

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Estas observações não são novas no mundo científico tendo sido levantadas C.
Bernard2 já no século passado. Do seu mais importante trabalho:
L`Introduction à l`étude de la médicine expérimentale, podemos citar este
significativo trecho:“O fisiólogo e o médico não devem nunca se esquecer que
o ser vivo constitui um organismo e representa uma individualidade. O físico
e o químico estudam os corpos e os fenômenos isoladamente e por si próprios,
sem ter a obrigação de colocá-los em contato com o resto da natureza. Por
outro lado, o fisiólogo se encontrando fora do organismo animal, o qual deve
ser enxergado no seu conjunto, tem que considerar a harmonia deste conjunto
como um todo, enquanto procura penetrar em seu interior para compreender
o mecanismo de cada uma de suas partes. Ou seja, enquanto o físico e o
químico podem rejeitar a idéia de finalismo3 nos fatos observados, o fisiólogo
deve reconhecer a existencia de uma finalidade harmônica e pré-estabelecida
nos corpos organizados, nos quais todas as manifestações estão conectadas
entre si e dependem reciprocamente uma da outra. Recordemos que o
organismo vivo foi dividido em partes separadas, apenas para facilitar a
análise experimental, e não porque estas partes pudessem funcionar
separadamente uma da outra” [Bernard, 1973]. Portanto, é próprio do
“fisiólogo”, que estuda a natureza dos seres vivos, se questionar o problema da
complexidade, da integração e da finalidade, que é como se perguntar qual é o
sentido das formas e dos comportamentos particulares dos seres vivos que
tanto dependem do seu habitat?
Ninguém hoje pode negar a importância de abordar a totalidade geral do
paciente, antes de abordar a doença. Uma doença possui múltiplas dimensões,
que vão desde considerar o que acontece no átomo até o que acontece na
sociedade inteira (ver figura 2) e cada dimensão requer um método de
indagação adequada. Este enunciado é sem dúvida aceito teoricamente por
cada uma das abordagens médicas, mas, posteriormente na prática, é difícil
encontrar uma lógica de tipo global para abordar a doença. Não obstante as
boas intenções, o médico acaba se restringindo ao diagnóstico e a uma escolha
terapêutica, separando o processo patológico atual do organismo hospedeiro e
concentrando toda atenção e terapia sobre o órgão, sobre a célula ou sobre as
moléculas afetadas. Mesmo que este procedimento em muitos casos se revele
momentaneamente eficaz, em outros casos não tem resolução e, sobretudo não
atua como uma terapia completa porque não chega a ter ação sobre todos os

2 Claude Bernard (1873-1878) Importante fisiologista parisiense, autor de pesquisas sobre o sistema nervoso,
a termorregulação e a anestesia. O rigor científico e experimental que inspirou seu trabalho se transformou em
fundamento da medicina moderna.
3
Finalismo: Teoria segundo a qual as ações e os fenômenos que acontecem in natura estão orientados para
um objetivo posterior, ou seja, não estão simplesmente determinados por um mecanismo “cego”.

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níveis de desequilíbrios que levaram ao desenvolvimento da doença e a seu
modo de evolução. Encontram-se pessoas que sofrem de pneumonia, diabetes,
câncer, aterosclerose, e se estamos habituados a raciocinar em termos estáticos
ao invés de dinâmicos, acabamos construindo na nossa mente apenas
abstrações que chamamos de doenças. Isto parece eficaz segundo o
procedimento clínico tradicional, porque frente a uma doença o que importa é
ter um diagnóstico e uma terapia. Mas se colocamos nossa atenção na pessoa
portadora daquilo que chamamos doença, este modo de raciocinar logo se
mostra inadequado e nos perguntamos o que está acontecendo com aquele
organismo que se está afastando do estado de saúde.
Podemos concordar então que uma doença geralmente representa a adaptação
do organismo a um ou mais agentes patógenos, ou pode representar até a
destruição progressiva do organismo por parte do agente patógeno e os
processos em cadeia e em rede que este pode desencadear A “adaptação” e a
“destruição” tomam a forma do indivíduo que as sofre e os ritmos de seu
sistema interno são profundamente influenciados pela susceptibilidade que
cada um possui.
Na realidade a causa inicial ou a causa desencadeante é freqüentemente
exógena, sendo a maioria dos mecanismos patogenéticos endógenos,
dependendo do hospedeiro uma mesma causa produz efeitos variados em
diferentes indivíduos. A doença é um acontecimento pessoal, que assume um
aspecto especificamente individual em cada doente.
É impossível construir uma ciência acumulando experiências individuais, por
isto foi necessário classificar e simplificar o quadro patológico: assim nascem
as doenças e suas ciências (patologia médica) com seus tratados. Infelizmente
por comodidade ou facilidade, freqüentemente nos limitamos aos tratados, não
compreendendo que eles contém só uma parte do conhecimento, apenas
aquela derivada do resumo do processo de classificações que, por si, acabam
sendo sempre simplificações.
Hoje muitos concordam que deveríamos curar primeiro o homem depois a
doença, porque a doença é apenas a última expressão de uma desordem muito
mais global e profunda. Para realizar este objetivo ideal, quase utópico,
atualmente ainda nos faltam tanto métodos “diagnósticos” como terapêuticos.
A nova abordagem fornecida pela medicina biodinâmica é certamente um
instrumento útil para enfrentar este problema e atingir este objetivo. É
fundamentalmente um modo de ver o homem e a sua patologia, na sua
organização espaço-temporal, de modo a juntar seus elementos essenciais que
podem determinar a “escolha” entre saúde e doença.

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Figura 2. Diversos níveis com os quais podemos descrever um processo
patológico, como por exemplo, a AIDS.

Somente individualizando podemos saber de que maneira é possível fazer uma


terapia lógica e adequada. A biodinâmica se configura, portanto como uma
nova área da medicina que se baseia na clínica médica, sem contradi-la, ou
melhor, se preocupa principalmente com o estagio “pré-clínico” no sentido
que estuda as modificações que preexistem ao surgimento das doenças.

A dinâmica do ser vivo


No âmbito das ciências médicas se desenvolveu uma ampla série de
disciplinas “biológicas”: bioquímica, biofísica, biologia molecular,
bioenergética, biometereologia, bioestatística, biopsicologia, bioética, etc. Esta
multiplicidade de perspectivas da natureza do ser vivo é devida à
complexidade de suas manifestações e das partes pelas quais estas podem ser
analisadas. Por outro lado, é evidente que nenhuma abordagem pode ser
exclusiva ou separada das outras, elas devem partilhar o interesse pelo mesmo
objeto que integra os vários níveis de análise (físico, químico, celular,
orgânico, mental e espiritual), mas sem deixar de considerar a unicidade
anatômica e funcional.

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No interior desta unicidade de fundo existe o problema de compreender as
inter-relações entre os vários níveis de descrição dos seres vivos, sobretudo as
modificações contínuas e dinâmicas que acontecem com eles, como
organismos capazes de adaptação e de reações diferentes.
Tais modificações podem ser induzidas por vários tipos de estresse: químico,
físico, bacteriológico, ambiental, psicológico e assim por diante. Se não
propriamente compreendidas e corrigidas podem induzir elas próprias o
surgimento das doenças ou promover o seu desenvolvimento. O estudo desta
problemática e a pesquisa de meios de diagnósticos e terapêuticos adequados
para registrar estes processos patológicos, desde a perspectiva biodinâmica,
constituem um dever da medicina. Este “ponto de vista” sobre a realidade
fisiológica e patológica possui uma notável importância tanto ao nível de
conhecimento de base como para um embasamento de raciocínio clínico
eficaz (diagnóstico e terapêutico).
A medicina biodinâmica estuda as dinâmicas interna e externa do ser vivo, do
organismo visto como um sistema integrado e aberto. Suas bases teóricas e
experimentais se apoiam sobre o estudo dos sistemas dinâmicos e modelos
lógico-matemáticos, sobre conceitos da fisiologia e da bioquímica, da
biofísica e do eletromagnetismo, sobre conceitos da patologia geral e da
biologia molecular. Apoia-se também nos conceitos das linhas médicas nas
quais, ao longo da história a dinâmica do ser vivo foi colocada como base da
metodologia diagnóstica e terapêutica: a medicina oriental, a homeopatia, e
outros métodos terapêuticos como fisioterapia e psicoterapia.
Não se trata, portanto, de uma nova disciplina no sentido de trazer uma
bagagem diferente de conceitos em setores específicos, e sim de uma
disciplina de “ponte” ou como se diz hoje “transversal”. Por isto esta se revela
útil para qualquer médico que deseja redescobrir o sentido da medicina e se
aprofundar nas bases e nas razões da sua difícil, mas entusiasmante profissão.
Este modo de considerar a saúde e a doença não substitui a clínica médica
praticada de modo convencional e consolidado, já que a perspectiva
homeodinâmica se ocupa da fase “pré-clínica” ou “sub-clínica” nas pessoas
que aindam não desenvolveram as doenças mas estão com alterações na sua
adaptação biológica. No doente já afetado por uma patologia específica a
medicina biodinâmica se interessa pelas desordens funcionais, reguláveis e
freqüentemente reversíveis, que estão sempre presentes mesmo nas doenças
consideradas como definitivas. Poderíamos dizer que a biodinâmica se ocupa,
dentro da medicina, do amplo espaço existente entre a prevenção (higiene) e a
clínica que se pratica nos hospitales modernos, altamente técnica.

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Esquematização do trabalho
O texto é dividido em três partes: a primeira oferece um aprofundamento dos
conceitos de homeostase e homeodinâmica4, sobre os quais se baseia todo o
raciocínio posterior. A homeodinâmica, vista como um desequilíbrio
controlado e não como um equilíbrio estacionário, possui suas leis, entre as
quais é indispensável colocar mesmo aquelas que regulam os fenômenos
caóticos. Ordem e desordem são duas faces da mesma regra fundamental dos
seres vivos, a retroação, ou melhor, a autoorganização das redes múltiplas e
interconectadas. Para nos aprofundarmos no estudo destes mecanismos
usaremos também a linguagem da lógica, da matemática e da geometria, mas
com um nível de aprofundamento não especializado, servindo-nos destes
instrumentos apenas no que precisamos para ilustrar de um modo claro e
analítico as “leis” da dinâmica do ser vivo. O que se escreve numa linguagem
matemática possui uma credibilidade maior: num campo onde a complexidade
é o tema dominante não é de pouca importância dispor de pontos firmes (já
aceitos) sobre os quais possamos nos apoiar para dar prosseguimento às
nossas pesquisas.
A homeostase fisiológica não é baseada somente nas interações dos
componentes químicos, noção muito consolidada após o grande
desenvolvimento da medicina no campo molecular, mas também participa das
sutis regulações que acontecem nos mecanismos físicos: neste campo daremos
particular ênfase ao eletromagnetismo e as novas abordagens relacionadas
com a biofísica da água.
A segunda parte é dedicada à dinâmica das doenças, sem entrar nas descrições
anatomopatológicas ou clínicas, mas considerando-as numa perspectiva mais
geral, e tentando entender as “leis da desordem”. Isto porque voltaremos a
falar de caos, efeitos inversos e não linearidade. Uma particular atenção será
reservada a inflamação, processo físico-patológico que é a chave dos sistemas
de defesa e reparações endógenas, mas que quando se encontram em mau
funcionamento ou desregulados, por causa de intervenções farmacológicas
inadequadas ou por sobrecarga de estresse de vários tipos, pode transforma-se
num importante mecanismo de patologia. Em outras palavras é fundamental
considerar a existência do sutil limite que de forma irregular e dinâmica separa
o normal e do patológico.

4
Homeodinâmica: O termino mais usado para descrever os equilíbrios biológicos e fisiológicos é
“homeostase” mas neste texto é preferível utilizar “homeodinâmica”, para destacar o fato que este equilíbrio
não são considerados fixos e estáveis e sim em continua mudança. Os dois termos são considerados
sinônimos.

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A medicina biodinâmica não possui apenas um compromisso conceptual ao
nível teórico-cultural, porque ao estabelecer as bases de um novo conceito de
doença também propõe a introdução de um novo e eficaz método clínico. A
uma nova concepção patológica se liga indiscutivelmente uma nova
metodologia de diagnostico e terapêutica. Por isto na terceira parte do texto
apresentaremos de modo sintético algumas das metodologias clínicas que se
encaixam de forma mais coerente aos conceitos de biodinâmica expostos. Na
área da prática médica se trata de tornar operacional o conceito, partilhado por
todos, de que a metodologia clínica é tanto mais eficaz quanto maior a
capacidade de integrar, de um modo racional e controlado, diversas e
complementares metodologias de diagnóstico e de terapia.
A progressiva aquisição do conhecimento da complexidade dos sistemas
vivos, da extrema integração entre seu aspecto molecular-orgânico-físico-
espiritual, da importância do equilíbrio homem–ambiente e do conhecimento
da existência do precário limite entre o estado de saúde e doença, conduz a
medicina a integrar os conhecimentos provenientes de muitas especialidades.
A aplicação clínica dos conceitos da biodinâmica é, portanto, dada pela
medicina integrada, que consiste essencialmente na construção de complexos
modelos fisiopatológicos e, por conseqüência, na conciliação preventiva da
terapêutica mais coerente e que mais se adapte a desordem que aflige o
paciente, considerado na sua globalidade. Não se trata de “demonstrar” a
superioridade de um método terapêutico sobre outro, e sim de considerar
como ponto de partida que nenhum método pode ser exclusivo, e que segundo
a dinâmica dos processos patológicos é possível apresentarem-se opções de
diversas prioridades e opções de integração de várias metodologias.
As primeiras duas partes do texto são indiscutivelmente racionais e
rigorosamente documentadas, por isto poderiam ser utilizadas como uma
atualização sobre as mais recentes teorias fisiopatológicas estando estas, por
sua vez, atualizadas segundo a ótica oferecida pela ciência da complexidade.
A terceira parte, no entanto, representa uma tentativa nova no seu gênero de
confronto e de integração entre as diversas metodologias terapêuticas,
convencionais e não convencionais. Por este motivo está exposta, sem dúvida,
a sofrer críticas no plano científico.
Ao leitor caberá avaliar esta tentativa de síntese e de confronto no plano
operativo, se o seu conteúdo é válido e consistente ou se resulta ainda
prematuro e talvez insuficiente, por falta de razões e ou de instrumentos. Em
cada parte, mesmo na que trata dos argumentos, é lícito nutrir dúvidas, já que
se procurou seguir uma abordagem racional e estabelecer afirmações com
dados de fatos empíricos. A medicina biodinâmica procura recuperar das
medicinas não convencionais os aspectos extremamente positivos que elas

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possuem: uma anamnese completa e apurada com uma observação atenta dos
sintomas, parte dos seus métodos de diagnóstico tradicionais e modernos,
como também parte do repertório farmacológico que elas possuem.
Procuramos fornecer as chaves interpretativas dos delicados fenômenos
reguladores fisiológicos, os quais pela sua capacidade natural de
autoregulação, preludiam a patologia. Estas “leis da desordem” são de uma
forma, mais ou menos intensa, as bases de todas as patologias e, portanto a sua
compreensão é indispensável para qualquer abordagem terapêutica na
medicina, tanto onde se privilegia uma intervenção cirúrgica ou o uso de doses
fortes de fármacos, como quando se opta por uma abordagem baseada sobre a
medicina considerada “doce” ou “natural”.
O fato de sempre ter que fazer uma escolha entre os diversos métodos
terapêuticos implica em ter o conhecimento das razões de fundo sobre as quais
baseamos esta escolha e não esquecer que cada intervenção possível
freqüentemente resolve apenas uma parte dos problemas que a pessoa doente
leva consigo ou procura ajuda medica
O livro oferece pontos de reflexão e de aprofundamento, não oferecendo
receitas prontas nem soluções específicas para problemas científicos
particulares.

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Primeira parte
Homeostase e complexidade

“Entre as ciências que cuidam do puramente


material e as que cuidam dos seres vivos
a diferença que existe é singular”

A. Carrel

1
A “força vital”

Os seres vivos mostram um comportamento dinâmico e mutável, mas


conservando uma certa estabilidade por um tempo determinado: isto é
evidente tanto no curso do desenvolvimento (embriogênese e amadurecimento
anatomo-funcional), como na sua capacidade de se reintegrarem à sua forma
original após um dano (cura).
O fato de existir a cura da doença é uma feliz experiência da vida de todos os
dias: podemos nos curar de uma ferida ou de uma gripe sem tratamento
externo. Graças a sofisticados sistemas biológicos, após a maior parte das
afeições que atingem o organismo ao nível químico, físico ou biológico, o
estado de saúde é restaurado, mesmo com pouca ou nenhuma ajuda médica.

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Este estupefante poder de cura do organismo levou aos antigos autores
médicos a conceberem a existência de uma misteriosa “força” que chamaram
de “força vital” a qual seria, em última instância, responsável pelos sutis e
desconhecidos mecanismos reguladores dos processos internos e das respostas
biológicas aos estímulos externos.
No curso da historia da medicina este conceito fascinou as mentes de muitos
estudiosos e deu origem a diferentes práticas terapêuticas. Nos seguintes
capítulos forneceremos alguns exemplos.

Medicina chinesa
O conceito de “força vital” ou “energia vital” está presente de diversas formas
e com diversas tonalidades nas medicinas orientais. Na base de toda a
medicina tradicional chinesa está presente um conceito muito similar ao de
força vital, o do Zeng Ch’i (energia biológica) que é a energia que percorre
todo o corpo de uma forma rítmica e cíclica através dos órgãos e dos
aparelhos, em harmonia com os ciclos do cosmos e da natureza. Os
“meridianos” da acupuntura não seriam outra coisa do que a via preferencial
deste fluxo de energia vital, no qual o correto equilíbrio de forças opostas
bipolares (Ying /Yang) é o responsável pela manutenção da saúde. Tanto a
diminuição como o excesso de energia vital pode levar ao desequilíbrio
funcional ou a doença orgânica. Portanto, a cura é a regulação do fluxo de
energia mediante a aplicação de agulhas nos pontos corretos, deixando o fluxo
mais lento quando a energia está em excesso ou estimulando-os quando a
energia está diminuída ou estagnada. Também se podem usar fármacos e
comidas chamadas de “quentes” ou “frias” para modular o excesso ou repor a
carência de energia vital.
A medicina oriental, e em particular a chinesa, possui uma base teórica e
metodológica de abordagem onde prevalece a medicina biodinâmica; uma
referência a estas antigas tradições é, portanto, obrigatória neste texto,
inclusive porque se trata de um tipo de medicina que hoje está em expansão na
civilização ocidental. Faremos um resumo geral da medicina chinesa
utilizando inclusive o material gentilmente colocado a disposição por L. Sotte,
diretor da Revista Italiana de Medicina Chinesa [Sotte e Muccioli, 1992; Di
Concetto et al., 1992; Sotte, 1993].

Historia
A medicina chinesa está se difundindo de uma forma rápida e extensa na
Europa e Estada Unidos como também no Brasil e na Argentina. A utilização
da acupuntura liderou a abertura da difusão da Medicina Chinesa no ocidente

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e, gradualmente, estão sendo reconhecidas também outras técnicas chinesas de
terapia como: massagem, moxabustão, ginástica rítmica (Tai chi chuan),
dietética e farmacoterapia.
Após milênios de reclusão na sua área geográfica, muitos fatores contribuíram
para promover estes conhecimentos no Ocidente:
1. Em primeiro lugar, a China foi abrindo gradualmente suas fronteiras no
último século. Este fenômeno não aconteceu sem dificuldades nem
obstáculos (a guerra chinês-japonesa e a revolução cultural interromperam
consideravelmente este processo durante anos), mas as modificações da
política interna chinesa, a mudança das condições internacionais e os
progressos dos meios de comunicação, acabaram sem dúvida aproximando
o Extremo Oriente do Ocidente.
2. Por outro lado, o mundo ocidental começou a enxergar as civilizações
extra-européias com menos preconceito. A idéia de que a civilização
Ocidental foi sempre a melhor, ou a de que outras populações sempre foram
inferiores, foi cedendo espaço a um processo de escuta e de maior
compreensão. Assim o homem ocidental começou a descobrir e valorizar os
ensinamentos positivos de outras culturas.
3. A “crise” que a medicina ocidental vem sofrendo nos seus últimos quinze
anos é o terceiro fator que promoveu a difusão do conhecimento da
medicina chinesa. Se trata de uma crise positiva que certamente promoverá
um maior desenvolvimento científico.
Se fizermos uma análise rápida da natureza: as recentes aquisições
amplamente ilustradas neste texto mostram que o evento mórbido não é um
fenômeno localizado, portanto, deve ser entendido como a conseqüência de
um desequilíbrio geral, no qual fatores externos e internos agem através de
alterações gerais de complexos mecanismos homeodinâmicos. Não podemos
continuar definindo a gastrite apenas como lesões orgânicas que atingem a
mucosa do estômago, assim como também a úlcera duodenal não significa
apenas a presença “de uma víscera doente” num organismo são. Cada doença,
mesmo que se caracterize por uma lesão orgânica, deve ser concebida como o
efeito local de complexos desequilíbrios muito mais gerais, dos quais a
endocrinologia, a neurofisiologia e a imunologia já nos permitiriam
caraterizar.
Este é o ponto de chegada da medicina ocidental. Este ponto de chegada foi,
há três mil anos atrás, o ponto de partida da medicina chinesa. Isto justifica
sua extrema atualidade. No Clássico de Medicina Interna do Imperador
Amarelo registrado na China na era pré-cristã afirmasse: “é necessário cuidar
do doente e não da doença”. A antiga concepção chinesa de doença considera
esta como uma desarmonia ou um desequilíbrio. Esta medicina, tida como

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arcaica e limitada, demonstra hoje toda sua modernidade, mesmo que a
reelaboração de tais conceitos médicos fique em termos científicos em grande
parte ainda como um verdadeiro desafio. As concepções naturovitalistas
orientais são complexas e acompanhadas de conceitos filosóficos, podem ser
explicadas apenas parcialmente pelo pensamento e pela metodologia da
ciência ocidental [Pomeranz e Stux, 1988; Staebler et al., 1994; Bensoussan,
1994].
É notável considerar que, segundo a teoria médica oriental, curar eqüivale a
governar. O ideograma Zhi exprime o significado do ato médico: curar é ao
mesmo tempo fazer o trabalho do funcionário do Estado, ou seja, governar.
Se trata de um complexo saber médico que compreende numerosos e
elaborados conceitos.
Em primeiro lugar devemos destacar seus pontos cardinais básicos: a teoria do
Ying/Yang, a dos cinco elementos e a da energia do sangue. Sobre a base
destes princípios se fundamenta a anatomo-fisiologia que descreve as
principais estruturas-funcionais do homem: os órgãos, as vísceras e os
meridianos (canais percorridos pela energia biológica) principais e
secundários a estes relacionados. O homem é uma central energética na qual
os aportes energéticos externos fornecidos pela alimentação, pela respiração e
pelas emoções que surgem nas relações com os semelhantes, são assimilados e
transformados pelos órgãos e pelas vísceras, para posteriormente transporta-os
e distribuí-los pelo corpo ao longo dos vasos mantendo o fluxo energético que
transita pelos meridianos. A etio-patogênese que trata o problema das causas
das doenças, que interagem com a complexidade do organismo, descobre
alterações na circulação da energia e do sangue que são as causam os
desequilíbrios encontrados nas doenças.
A semiologia e o diagnóstico são os que fornecem os meios para interpretar os
sinais e os sintomas da doença, entre estes esta medicina utiliza dois
complexos métodos diagnósticos, o realizado pela observação da língua: a
glossoscopia e o realizado pela palpação dos pulsos: a sfigmologia.
Unindo os sinais e os sintomas da doença com sua correspondente
interpretação chega-se a clínica, na qual os quadros sindrômicos são
notavelmente diferentes daqueles usados no Ocidente. A diversidade nasce da
abordagem funcional e global da medicina chinesa, que se opõe ao diagnóstico
orgânico e setorial próprio da medicina Ocidental.
A medicina chinesa fotografa a realidade do homem desde um “grande
ângulo” enquanto que a Ocidental a observa com o “microscópio”. A primeira
possui uma ótica global que leva em conta a totalidade do doente, não se
detendo o suficiente talvez em particulares; a segunda coloca o foco com
profundidade de campo nas mínimas manifestações dos elementos morbosos,

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com o defeito de perder de vista o homem na sua integridade. Desta
diversidade nasce a possibilidade da integração das duas medicinas, que
poderiam completar-se na metodologia de análise do homem.

Os “cinco elementos”
Se nos restringimos aos aspectos mais essenciais, um dos pilares mais
importantes do pensamento médico naturalista chinês é o conceito de energia.
O conceito de energia Zeng Chi para esta medicina é de extrema importância
já que ela se baseia numa leitura dinâmica do conceito saúde-doença. Neste
sentido o conceito de energia não coincide com os conceitos desenvolvidos
pela física (energia térmica, mecânica, etc.), possuindo um significado
diferente que inclui também a informação biológica, que reúne as partes e o
todo numa visão integrada e harmônica. A energia pode ser (positiva/negativa,
estimuladora/inhibidora, masculina/feminina, etc.) e tem a propriedade de fluir
ciclicamente através dos elementos dos quais é feito o universo e o corpo
humano (que é do cosmos uma pequena representação). Esta “lei universal” da
natureza se resume num esquema de inter-relações, representado por vários
nodos, mostrado na figura 3.
Neste esquema, onde temos uma representação energética e não anatômica, é
importante considerar as relações analógicas existentes entre os conceitos
filosóficos e os naturalistas dos chineses. Devemos considerar também as
relações entre as forças elementares e as existentes entre os órgãos aos quais
elas se associam (com suas recíprocas influências). Isto se constitui na “lei
dos cinco elementos”. De acordo com a medicina tradicional chinesa esta
regula as relações entre: madeira (Mu), fogo (Huo), terra (Tu), metal (Jin) e
água (Shui), como também as relações entre seus órgãos correspondentes no
corpo humano (fígado, coração, baço-pâncreas, pulmões e rins,
respectivamente).
Como já tinha sido observado na primeira parte do texto, esta visão possui
uma lógica que pode ser abordada também do ponto de vista cibernético. A
analogia existente entre este modelo e a rede de cinco componentes a
descreveremos no capítulo 3 (figura 13).
A natureza “cibernética” deste antigo modo de ver as coisas, típico dos
chineses, é confirmada e reforçada pela sua tradução no modelo operacional
ao nível de computador. Obviamente, o modelo informático não foi feito para
“demonstrar” a medicina chinesa, mas é uma oportunidade para destacar a sua
correspondência [Bellavite et al., 1998]. A energia vital, na concepção chinesa
subjaze a esta lei.

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FIRE
HEART

WOOD EARTH
LIVER SPLEEN

WATER METAL
KIDNEY LUNG

“CYCLE OF GENERATION”

“CYCLE OF SUBMISSION”

Figura 3. Ciclos de geração e de dependência (submissão) da energia


segundo a acupuntura chinesa. Trata-se de cinco forças elementares, cada
uma das quais predomina num sistema de órgãos e numa das cinco
estações, segundo o calendário chinês. As cinco forças operam segundo as
regras indicadas pelas setas, gerando-se e submetendo-se reciprocamente.
Cada sistema de órgãos possui um órgão pleno ou material Yin e uma
víscera oca ou energética Yang. O esquema inteiro roda no curso do
tempo de modo que cada elemento se torna dominante (ocupando a
posição mais alta no desenho) na estação que lhe corresponde.

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Os dois princípios básicos dos Cinco Movimentos referem-se aos conceitos de
“geração” e de “dominância”. A madeira, que corresponde analogamente à
primavera, gera o fogo, que corresponde ao verão. O fogo gera a terra (final
do verão) a qual gera o metal (outono). O metal gera a água (inverno) do qual
pode renascer a madeira (primavera). Temos, portanto uma relação de geração
de um elemento em relação àquele que lhe sucede (“a mãe gera o filho”). Ao
mesmo tempo, um elemento pode ter dominância sobre outro elemento. O
metal corta a madeira, a madeira (vegetação) recobre a terra, a terra que
contém a água apaga o fogo e o fogo funde o metal. Portanto, segundo o fio
analógico típico do pensamento chinês, cada elemento se submete àquele que
o segue depois do filho (“o avô regula o neto”).
Deste núcleo dinâmico se constrói toda uma série de relações do tipo
geração/estimulação ou submissão/inibição entre o clima (por exemplo, vento,
umidade, calor, tempo seco, frio e assim por diante), as estações, os órgãos do
corpo, os diversos sentidos, a comida mais adequada, a constituição corpórea,
etc. É um grau tal de inter-relações que permite um esquema de relações
dinâmicas de causa-efeito, onde se enquadram de modo analógico os
desequilíbrios da força vital do ser humano em relação ao seu meio ambiente.
Sobre este “raciocínio” fundamentado pela minuciosa colheita de sinais e
sintomas físicos será estabelecida a terapia. Quando o médico acupuntor,
munido com seu particular método semiológico (extremamente sutil e
sofisticado) avalia, por exemplo, que o fluxo de energia através dos órgãos
está estagnado ou desequilibrado (no sentido de acúmulo excessivo de energia
ou da sua ausência em qualquer sistema do organismo), intervém com a
aplicação de agulhas nos caminhos desta energia representados pelos
meridianos; ou pode intervir com receitas fitoterápicas ou conselhos dietéticos
e de estilo de vida. A habilidade do médico está em individualizar o “local”
onde agir e a “direção” (no sentido de estímulo ou inibição) que deve ser
escolhida para o equilíbrio da energia.
Fica óbvio tanto pela complexidade das regras que aqui foram apenas
esquematizas, como pelo vastíssimo conhecimento requerido pela farmacopéia
fototerápica chinesa como também pela complexidade do pensamento médico-
filosófico oriental que a capacidade para esta pratica médica não se adquire
senão após um longo período de estudo e experiência.

Acupuntura
Em termos terapêuticos a medicina chinesa oferece um repertorio amplo de
possibilidades: técnicas externas, técnicas internas e a ginástica médica
praticada desde milênios ate na atualidade (Tai Chi Chuan). Entre as técnicas
externas encontramos a acupuntura, o moxabustão, o uso de ventosas, a

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massagem e os métodos mais modernos de estimulação de pontos de
acupuntura: a eletroacupuntura, a magnetoacupuntura, a lazeracupuntura e a
quimioacupuntura. A farmacologia e a dietética representam a terapia interna
que na China se utiliza em 65-70% dos casos, portanto, numa porcentagem
bem alta de pacientes.
A acupuntura é a técnica de medicina chinesa mais conhecida. Os pontos de
acupuntura parecem ser as “janelas” onde os canais mais profundos se
transformam em superficiais, fornecendo assim acesso as informações sobre o
estado de funcionamento dos órgãos específicos e dos sistemas corporais. As
características elétricas dos pontos de acupuntura são caracterizadas por uma
diminuição da resistência elétrica cutânea, que nestes pontos é de cerca de
50.000 ohms, em relação ao resto da epiderme onde a resistência elétrica é
superior a 200.000 ohms.
A diminuição desta resistência oferece um aumento na condutibilidade e sobre
tais pontos se podem aplicar estímulos físicos (agulha, cargas elétricas,
pressão, laser, etc.) que se transmitirão aos órgãos e aparelhos restaurando
assim, segundo a teoria tradicional chinesa, o “equilíbrio” da energia vital ou
energia biológica (Zeng Ch’i) que se encontrava diminuída ou desequilibrada
(desequilíbrio entre o Yin/Yang).
O conceito de energia para esta medicina é de extrema importância já que ela
se baseia numa leitura dinâmica do conceito saúde-doença. Neste sentido o
conceito de energia não coincide com os conceitos desenvolvidos pela física
(energia térmica, mecânica, etc.), possuindo um significado diferente que
inclui também a informação biológica, que reúne a visão de integração e de
harmonia entre as partes e o todo.
A trajetória dos pontos constitui os meridianos, que “conectam” a superfície
corpórea com órgãos específicos e com uma rede bioenergética interna, cuja
fenomenologia ainda resta conhecer na sua totalidade. Estes trajetos não
coincidem nem com os do sistema nervoso nem com os do aparelho vascular
ou linfático. Foi demonstrado [Smith, 1958, Darras et al., 1992] que injetando
isótopos radioativos no corpo, estes viajavam ao longo dos meridianos numa
velocidade de 3,5 cm/min, a qual se reduz quando passa pelos órgãos doentes.
A velocidade de difusão aumenta quando estimulada pela aplicação de agulhas
nos pontos, com corrente elétrica ou com uma luz produzida por um laser de
hélio-néon. Injetando eletrodos na pele, em pontos que não coincidem com os
trajetos dos meridianos, isto não acontece, ou seja, os isótopos não circulam
da forma adequada.
A existência dos pontos de acupuntura é, portanto demonstrada sem
equívocos, como também a eficácia da mesma em muitas doenças. Ainda não
estão esclarecidas complemente as bases fisiopatológicas da sua ação porque

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não existem correlações diretas entre os conceitos de anatomia da medicina
chinesa com os do sistema nervoso ou sistema linfático da medicina
tradicional. Os meridianos e os pontos estão distribuídos de modo não casual
sobre a superfície do corpo, representando, em muitos casos, áreas com
distribuição considerada somatotrópica. Por exemplo, em áreas como as
extremidades dos dedos, da orelha, nas planta dos pés e língua, os pontos estão
localizados seguindo uma ordem e formam o que chamaríamos de um mapa
preciso de órgãos e sistemas.
É interessante destacar que existe também um “mapa” na íris onde estão
representados todos os órgãos na sua integridade [Fragnay, 1979; Jausas,
1985]. Este diagnóstico de doenças feito através da íris chama-se iridologia e
foi descoberto e operacionalizado pelo médico clínico húngaro Ignatz von
Peczely em 1881.
Tudo isto nos lembra os modelos de fractais: em cada uma das “partes” está
representado o esquema do “todo”, da forma como vemos nos modelos
matemáticos dos sistemas dinâmicos que apresentaremos no capítulo 3 (ver
figura 11) e na organização-temporal dos órgãos e dos sistemas corporais.
É muito significativo o fato da acupuntura tradicional oferecer efeitos
demonstráveis sobre o sistema imunitário [Pui-Fung et al., 1976; Bianchi et
al., 1991; Chou et al. 1991; Kasahara et al. 1992; Zhao, 1993; Shi, 1994;
Watkins, 1994; Joos et al., 2000; Mori et al., 2002] e na inflamação
experimental [Ceccherelli et al., 1996; Son et al., 2002]. Até o momento,
apesar destas e outras evidências (obtidas sobre tudo no campo da
anestesiologia), não existe ainda uma teoria científica satisfatória para a
acupuntura. Tudo nos faz pensar que a eficácia da terapia acupunturística
deve-se a um mecanismo nervoso (este possui provavelmente uma
importância considerável, ao ponto que se usa também o termo
“reflexoterapia”), além de uma transmissão de energia por informação –
provavelmente de natureza eletromagnética – ao longo de redes de
comunicações bastante complexas e variáveis.
A hipótese com maior credibilidade é a da ação reguladora do
eletromagnetismo do corpo. A premissa de tal teoria está fundamentada sobre
estes três pontos já considerados corretos [Zukauskas e Dapsys, 1991; Chen e
Han, 1992; Bensoussan, 1994; Lysenyuk et al., 2000]:
1. os pontos e os canais de acupuntura possuem uma natureza eletromagnética
(alta condutividade elétrica).
2. a inoculação de agulhas induz alterações na propriedade eletromagnética
dos canais dos tecidos locais.
3. os campos eletromagnéticos influem significativamente sobre a matéria
biológica e sobre as funções fisiológicas. Tivemos uma conferência de

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consenso, coordenada pelo Instituto Nacional de Saúde de Bethesda, onde
um grupo de especialistas (não acupunturistas) examinaram toda a literatura
neste campo e concluíram que a acupuntura demonstrou de forma segura
sua eficácia na cura da náusea e de vários tipos de dores. Trata-se
provavelmente do principal reconhecimento “oficial” que teve até agora a
medicina chinesa nos EUA [Holden, 1997; Mayer, 2000].
A discussão sobre acupuntura poderia se estender sem limites, mesmo porque
muitos aspectos não foram ainda definidos cientificamente e talvez não virão a
sê-lo principalmente sob a óptica da ciência ocidental. Quaisquer que sejam os
mecanismos da ação da acupuntura, seus métodos possuem uma prova
demonstrativa de como obter efeitos bioquímicos sem nenhuma utilização de
substancias farmacológicas (como exemplos de constatação foram
comprovados: aumento de endorfinas ou a ativação do sistema imunitário) e
eficácia terapêutica (por exemplo, na analgesia) mediante estimulações de tipo
físico (estímulo mecânico, calor, correntes elétricas fracas ou laser).
Surpreende o fato de que a ciência médica convencional e acadêmica tenha
dedicado tão pouca atenção à pesquisa desta proposta frente aos conceitos
atuais sobre a complexidade e sobre as sutis respostas reguladoras do
organismo, “Estou particularmente afetado pelo fato de que, após pelo menos
dois decênios, nos quais foram-se acumulando evidências clínicas e de
pesquisa sobre a natureza eletromagnética dos pontos e, considerando a
grande importância que isto possui para a ciência médica e para sua
terapêutica não apareça menção sequer destes dados, nem nos textos de
anatomia nem nos de fisiologia, como também que não tenha gerado nenhum
interesse na pesquisa médica oficial” [Bensoussan, 1994].
Outras importantes técnicas de origem oriental, que possuem certamente
analogia com a abordagem acupunturista, as quais se desenvolveram pelo
menos em parte de uma forma autônoma, são a dietoterapia chinesa [Sotte,
1994a], a massagem e a micromassagem [Caspani, 1982; Caspani, 1997a;
Sotte, 1994b; Sotte, 1994c; Sotte et al., 1997] o shiatsu [Anderson, 1997], a
mesoterapia, [Pistor, 1979; Multedo e Marcelli, 1990; Marcelli, 1993], a
auriculoterapia [Nogier, 1969; Caspani 1997b] e a iridologia [Fragnay, 1979;
Jausas, 1985; Knipschild, 1989].

Medicina ayurvédica
A Ayurveda é um antiquíssimo sistema médico que teve origem na Índia
Védica muitos milhões de anos atrás e que atualmente é praticado nos países
de origem e em muitos outros [Sharma et al.; 1991; Krishnamurthy, 1991;
Iannaccone, 1997; Iannaccone et al., 2000]. O termo Ayurveda significa

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literalmente “a ciência da vida”, do sânscrito Ayur ou “vida” e Veda ou
“ciência”. O próprio nome do sistema explica os seus propósitos, os quais são
os de se ocupar da cura da vida humana em todos os seus diferentes aspectos:
psicológicos, físicos, comportamentais e ambientais. Os objetivos da
Ayurveda são a cura da doença, compreendida como o desequilíbrio dos
componentes fundamentais da fisiologia, e a prevenção, tida não apenas como
o diagnóstico precoce, mas como o conjunto de métodos que podem se
desenvolver para promover e reforçar o estado de bem estar e de saúde.
Segundo a doutrina ayurvédica os principais fenômenos fisiológicos que se
ocupam de manter o equilíbrio que conserva a saúde são os três Dosha,
definidos como os principais processos metabólicos que conservam a estrutura
psicossomática do homem como um todo. Em condições de equilíbrio são
estes que mantém a saúde, enquanto que em condições de desequilíbrio são
eles próprios que causam a doença. Os Dosha são três: vata, pitta e kapha.
Vata representa o princípio de movimento e de ativação; ele preside as
funções nervosas, circulatórias, respiratórias, excretoras e de locomoção. Pitta
representa o princípio da transformação e da termogênese; ele preside as
funções digestivas, metabólicas e endócrinas. Kapha representa o princípio da
coesão e da estrutura; ele governa os fluídos, promove o crescimento e a força,
e é responsável pela lubrificação das articulações e da imunidade. É
interessante notar que existe correlação entre a doutrina ayurvédica dos três
Dosha e a teoria moderna da neuroimunoendocrinologia. As características de
Vata, Pitta e Kapha correspondem de fato àquelas dos sistemas nervoso,
endócrino e imunitário, respectivamente. A idéia que a Ayurveda possui do
corpo humano é que este não é apenas uma “estrutura” estática como se fosse
congelada no tempo e no espaço, e sim, a de corresponder a um “processo”
dinâmico em evolução constante, como um rio em movimento perene.
Hoje assistimos a um processo de expansão da Ayurveda como um método de
cura eficaz, utilizado nos países mais ricos como os Estados Unidos e Nações
Européias. Na atualidade podem-se distinguir duas modalidades da prática
desta medicina:
1. Uma Ayurveda “tradicional” que foi transferida de pai para filho ou de
mestre para seus discípulos, preservada com zelo pelos geradores deste
saber (não necessariamente médicos formados) que trabalham em vilas
pequenas, nas florestas e nas áreas mais afastadas da Índia. Os que praticam
esta forma de Ayurveda conhecem profundamente as plantas medicinais da
região e a utilizam em receitas que vem sendo utilizadas há milênios e que,
inclusive, estes praticantes são pouco inclinados a divulgar.
2. Um Ayurveda “moderno” que é ensinado nas universidades indianas,
caracterizado por um grau discreto de integração com a medicina moderna.

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Esta forma de Ayurveda se caracteriza inclusive pela tendência de pesquisas
científicas e clínicas, rejeitadas pelos médicos mais tradicionais, e a
tendência a interpretar os princípios ayurvédicos de anatomia, fisiologia,
patologia e terapia, desde o ponto de vista de uma perspectiva moderna.
Mas esta modalidade de Ayurveda não valoriza o suficiente alguns aspectos
considerados mais subjetivos e menos “científicos” do sistema como, por
exemplo, o diagnóstico do pulso, a prática da meditação e outros
ensinamentos mais tradicionais.
Neste complexo e variado quadro não podemos deixar de mencionar que
existem tentativas sérias de conciliar as diversas linhas terapêuticas da
Ayurveda. Com este propósito destaca-se, de uma forma relevante, o trabalho
de Maraharishi Mahesh Yogi, célebre mestre da tradição védica, ainda vivo,
que desenvolveu nos últimos anos um trabalho importante de recuperação e
difusão da Ayurveda original no mundo.

Hipócrates
Entre os gregos se destaca Hipócrates (460-377 ac.) que é considerado o
primeiro representante da medicina racional no mundo ocidental. Hipócrates
designa “a força vital”como aquela força capaz de “vencer” a grande maioria
das influências patôgenas de “physis” ou “vis medicalis naturae”, de onde
deduzimos que os antigos autores já possuíam a intuitivamente a idéia da
existência de uma “farmácia interior” identificada hoje por uma miríade de
neuro-hormônios e de mediadores celulares contidos no plasma que agem na e
defesa orgânica. A consideração desta força interna foi tão importante que
levou Hipócrates a enunciar seu primeiro princípio terapêutico como “primum
non nocere” (antes de qualquer coisa, não fazer mal).
Em relação à medicina hipocrática é importante destacar que toda sua doutrina
é permeada pelo conceito de cura natural. O organismo não recebe os danos
apenas de forma passiva senão que procura repará-los com os seus sistemas de
autoregulação. Consequentemente o quadro sintomatológico está constituído
tanto por sinais e sintomas provocados pelo dano como também provocados
pelos processos de defesa. A Natureza (physis) é a que na realidade cura a
doença. A physis é uma expressão da vida não sendo apenas uma energia
especial ou abstrata, ela é inerente, imanente e instintiva; prevalece nos
processos fisiológicos e mecânicos; contrapõe-se à doença; porem
freqüentemente é incompleta e deve ser assistida pelo médico.
O conceito que exerce uma influencia básica na medicina de observação de
Hipócrates é o da doença estar constituído por dois grupos de processos, o
primeiro devido aos efeitos diretos da noxa e o segundo a reação do

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organismo a esta na tentativa de neutralizá-la. O que devemos destacar nesta
afirmação é o fato de que no ato médico os danos diretos devem ser removidos
na medida do possível e a reação de cura deve ser promovida da forma como a
natureza o faz. Para agir coerentemente com este conceito fisiopatológico o
medico deve distinguir os sintomas que estão sendo úteis (de defesa) daqueles
que estão sendo prejudiciais, estimulando os primeiros e bloqueando os
segundos. Os sintomas não devem ser considerados como úteis
incondicionalmente, um mesmo sintoma pode ser útil ou danoso, sendo às
vezes sinal de doença e noutras sinal de cura. A tosse pode provocar “dano e
cura”, as erupções cutâneas podem ser a própria doença ou a manifestação da
superficialização desta, este fenômeno é chamado de “apostase”.
Com a característica capacidade de síntese que os gregos possuíam,
Hipócrates formulou o que pode ser legitimamente considerado como a maior
lei terapêutica: o verdadeiro médico é a própria natureza é e se a natureza
resiste, nada pode ser feito. Mediante observações extremamente apuradas,
feitas sem grandes meios operacionais, mas mesmo assim ainda validas, a
escola de Cos, compreende que os fenômenos da doença nada mais são do que
tentativas de cura e assim sugere como a melhor terapêutica a imitação destes
fenômenos. Entre os romanos, Cornelio Celso foi o autor que mais se
identificou com os ensinamentos de Hipócrates.

Ildegarda de Bingen
Na medicina medieval encontramos um imponente trabalho da monarca
beneditina Ildegarda de Bingen (1998-1179), quem além de escrever muitos
trabalhos literários religiosos, desenvolveu uma intensa atividade de
assistência e cura aos doentes, com tratamentos de conselhos dietéticos e com
receitas fitoterápicas (herborísticas) [Gronau, 1996; Pernoud, 1996]5. Nos seus
trabalhos médicos naturalistas, cada terapia é concebida como um meio de
ajudar a viver de acordo com Deus, em harmonia com a natureza e com o
cosmos. Segundo sua concepção, a natureza contém tudo aquilo que o
organismo precisa para se manter e cada elemento da natureza possui uma
energia inerente que ela chamava de viriditas (literalmente de verde, cor da
vida).

5
Recentemente surgiu em Milão o Centro de Estudos St. Ildegarda com o objetivo de pesquisar todos aqueles
esquemas terapêuticos baseados na visão integral do homem. Entre outras coisas o Centro está cuidando da
tradução para o italiano dos principais textos de Ildegarada de Bingen.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 13


As metáforas que nascem do verde vegetal eram os símbolos e sinais do
florescer e da expressão da vida. Quando a viritas diminuí, as criaturas
(pessoas) ficam débeis e vão se recolhendo cada vez mais sobre si mesmas e
assim acabam adoecendo. No âmbito de uma visão holística, típica do período
medieval, Ildegarda considerou a música e a dança de grande ajuda na
recuperação da harmonia do espírito e do corpo. Ela usava também pedras e
cristais nas suas terapias: a esmeralda representava no mundo mineral, a
condição de força vital máxima, já que pela sua cor era como se tivesse
absorvido grande parte da viriditas da natureza.

Paracelso e outros autores vitalistas


P.T. von Hohenheim, chamado também de Paracelso (1494-1541) foi um dos
representantes do pensamento vitalista. Encontramos nos seus trabalhos uma
mistura de ingenuidade e de geniais intuições junto a profundas observações
principalmente na área clínica como também afirmações sobre a influencia
dos corpos celestes nos homens e suas peculiares observações no campo
farmacológico. Se bem teve uma abordagem alquímica e magica em muitos
aspectos, nem todo seu trabalho foi assim. Muitas das suas intuições e
observações empíricas foram à base de muitas aplicações médicas nos séculos
posteriores. Entre suas observações devemos destacar sua preocupação com o
problema da individualização no processo de cura e a consciência que tinha
sobre a natureza individualizada que o homem possui nos seus sofrimentos,
ele percebia que nunca um ser humano sofre do seu semelhante.
A teoria de Paracelso se constitui na afirmação da existência de um “médico
interior”, o “archèus”, que corresponderia ao poder inerente de autocura ou de
autoorganização que existe nos seres vivos.
Paracelso compara os processos que se desenvolvem na vida humana a
aqueles que acontecem no meio ambiente, considerando o organismo humano
um microcosmo que existe dentro de um macrocosmo. O organismo não é
visto como uma entidade estática e sim como uma entidade dinâmica que
sofre um continuo processo de constituição e destruição.
As partes na sua separatividade possuem uma independência própria, mas
como constituintes de uma totalidade são governadas por uma ordem
finalística Assim então a doença é vista como uma força parasita que interfere
na vitalidade biológica se contrapondo, portanto ao archèus, que é a energia
que permite a possibilidade de cura. O objetivo do médico seria então manter
a natureza na sua ordem se utilizando tanto do “arcanum” (o fármaco) como
através da orientação sobre o estilo de vida (higiene, dieta, exercício).

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Quando fala das ações medicamentosas assim se expressa assim: “o
medicamento deve ser administrado de acordo com parâmetros que não
consideram apenas o peso (o ponderal), mas com critérios que vão muito
alem deste. De fato, quem poderia pesar um raio de sol, quem pode pesar o
ar? Ninguém. De que modo então deve ser administrado um medicamento?
Da mesma maneira como trabalharia o fogo no corpo...? Podemos
determinar o peso do fogo? Não, o fogo não pode ser pesado. Uma faisca é
sem peso. O mesmo deve ser considerado no que se refere à administração de
um fármaco” [Vom Ursprung und Herkommen der Pranzosen 7, 300-302: cit.
In Boyd, 1936].
Entre outras coisas Paracelso foi o criador da “doutrina das assinaturas”,
segundo a qual as propriedades terapêuticas dos medicamentos poderiam ser
deduzidas da forma externa que a planta apresentava. Por exemplo, aquilo que
apresentava a característica forma dos rins segundo Paracelso devia ser bom
para estes órgãos, e assim por diante. Possivelmente encontrava esta
correlação devido a sua consciência sobre a interdependência e relação intima
que ele sabia existir entre o homem e a natureza. Nos conceitos de dietoterapia
chinesa também utilizam esta relação para a escolha dos remédios como
medicamentos.
Existiram vários autores que o sucederam poderiam ser considerados de
alguma forma como paracelsianos. Para Helmont6a doença é um conjunto de
ações externas e internas; mas a forma de como será sua evolução vai
depender do fato do archèo do organismo estar alterado ou não para que possa
ser atingido, a evolução vai depender da alteração do archèo que desta forma
poderia ser atingido por agentes externos.
Segundo Helmont, a febre é uma atividade instintiva inerente ao principio
vital que justamente aparece para se opor ao dano. Às vezes o archèo por si só
não é suficiente para curar e requer ajuda. O archèo de Helmont é menos
poderoso que a physis de Hipócrates já que a maioria das doenças acabam
requerendo a intervenção do médico.
No decorrer do século XVII o autor mais favorável ao retorno do método
hipocrático foi certamente Sydenham, inclusive foi chamado de “o Hipocrates
inglês”. Considerava cada ser vivo como uma soma de reações orgânicas
capazes de alcançar objetivos determinados de um modo coordenado e
automático.
O poder inerente de cura era muito mais evidente nas doenças agudas (as
quais freqüentemente se autolimitam e se curam de forma espontânea),
6
Helmont: (1577-1644) expôs uma doutrina filosófica mística e empírica, segundo a qual as funções orgânicas
são dirigidas por uma espécie de almas secundarias ou arqueus cuja perfeita e recíproca harmonia resulta em
saúde e cuja desordem causa a doença.

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observando-se que nas doenças crônicas era quase sempre necessária à
intervenção medica (no caso das doenças crônicas a força vital não consegue
restabelecer novamente uma homeostase perfeita e acaba se instaurando uma
“adaptação patológica”). Sydenham observa que os esforços da natureza não
eram isentos de erros e desvios o que acabava agredindo o próprio sujeito
quando se deixava apenas a autocura acontecer. Conseqüentemente para ele o
objetivo principal da medicina futura seria descobrir remédios cada vez mais
específicos que pudessem eliminar as conseqüências negativas dos próprios
mecanismos de cura do organismo quando defeituosos ou incompetentes.
As mudanças filosóficas e científicas trazidas por Galileu, Bacon, Descartes,
permitiram que uma explicação mecanicista ampla mesmo para os
acontecimentos biológicos prevalece no mundo. Com o descobrimento da
circulação sangüínea (Harvey), as interpretações vitalistas dos fenômenos
orgânicos foram eliminadas quase que definitivamente do debate científico.
Porem, os conceitos vitalistas e teleonómicos foram resgatados
sucessivamente por Stahl, Pflüger, Bier, Hahnemann e outros [Boyd, 1936,
Coulter, 1994].
Para G. E. Stahl o organismo difere fundamentalmente de um mecanismo,
contendo um principio harmonizador de todos os processos vitais numa
unidade, se contrapondo à tendência inata dos corpos para se desintegrar. A
tendência que governa o corpo é de tipo “imaterial”; a febre e a inflamação
são processos terapêuticos, como também as hemorragias, os espasmos e as
convulsões que seriam tentativas do organismo para a própria organização do
seu estado vital.

Hahnemann
A concepção vitalista permanece no auge no final do século XIX. Uma
posição de primeiro plano é ocupada sem dúvida por C. F. S. Hahnemann
(1755-1843) e na sua principal obra O Organon podemos ler: “Nas condições
de saúde do homem, a força vital e espiritual (autocracia), a dynamis que
anima o corpo material (organismo) flui sem obstáculos e mantém todas as
partes em admirável e ativa harmonia, tanto no que se refere às sensações
como às funções” [Hahnemann, Organon of Medicine, 1994, parágrafo 9]. Seu
raciocínio procede da afirmação de que a perturbação deste “princípio
dinâmico interno” é responsável pelo aparecimento das doenças, como vice-
versa “a restituição ad integrum do princípio vital pressupõe necessariamente
o retorno à saúde de todo o organismo” (parágrafo 12).
A base do pensamento homeopático é o conceito de dinamismo saúde/doença:
a saúde não é uma condição estática e encontra-se num estado de evolução

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 16


continua, ou seja, um processo dinâmico cuja tendência é se manter num
estado de equilíbrio otimizado. Este conceito pressupõe um mecanismo
intrínseco de autoregulação que protege contra a perda de equilíbrio. A doença
reflete uma tentativa profunda de corrigir um estado de desequilíbrio,
resultante de fatores nocivos de origem física, química, biológica e emocional.
A doença é condicionada pela susceptibilidade e se manifesta através de
sintomas no plano mental/intelectual, emocional e físico. O mecanismo de
autoregulação é considerado o agente responsável tanto pela perda de
equilíbrio como do seu restabelecimento. O melhor que um medico pode fazer
em relação à cura das doenças é justamente restabelecer o próprio equilíbrio
do organismo e estimular seus mecanismos de autoregulação.
Na utilização de remédios em altas diluições o que corresponderia nos dias de
hoje as chamadas soluções não moleculares É justamente nesta parte que a
medicina homeopática encontra ainda o principal obstáculo para seu
reconhecimento científico.
Porem o fato de não ter se encontrado uma explicação insofismável do
mecanismo de ação do remédio homeopático não retira-lhe seu caráter
científico já que sua eficácia clínica vem sendo comprovada na pratica clínica
e nos estudos clínicos controlados (trials). Tanto pelo seu corpo teórico
(experimentação no homem são – utilização de doses mínimas – a cura pela
lei dos semelhantes) como pela sua eficácia clínica comprovada a homeopatia
pode ser considerada como uma ciência, uma ciência fenomenológica já que
este fenômeno comprovado empiricamente continua sendo uma verdade
independente da explicação teórica de qual é o mecanismo de ação do remédio
homeopático [Chibeni, 1998].
Sobre os conceitos médicos hanemanianos na última parte do livro.

Força vital e ciência


Obviamente o conceito de força vital despertou muitas discussões no âmbito
científico, sobretudo porque se trata de uma entidade não facilmente definível
e mensurável em termos laboratoriais. Todavia, esta definição da energia
biológica como energia ou força vital, não se deve confundir com conceitos
metafísicos. Falar de força vital como algo misterioso naqueles tempos era
levar em conta a capacidade de defesa e de cura inerente ao organismo;
naquela época ainda não era possível dar uma explicação nos termos da
fisiologia ou da imunologia atual.
Hoje a biologia (literalmente, o “estudo da vida”) acumulou uma quantidade
de conhecimentos (no que se refere aos componentes e mecanismos dos seres
vivos, desde a simples célula aos organismos superiores) de tal grau de

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 17


complexidade que finalmente encontrou esclarecimentos científicos do
funcionamento cerebral.
Desta forma o conceito de força vital pode até parecer obsoleto e
freqüentemente não necessário para a descrição das forças biológicas ou dos
processos de cura, mas, pelo contrário, ele não é ultrapassado e inclusive a
palavra “força vital” não foi completamente cancelada do vocabulário
científico moderno, sendo utilizada como sinônimo de “bioenergética”
[Harold, 1986; Nicholls e Ferguson, 1997]. Se bem que a abordagem vitalista
foi praticamente superada e o médico moderno, orientado “cientificamente”,
hoje considera o poder de cura natural como uma manifestação do
desenvolvimento evolutivo das funções homeodinâmicas e adaptativas da
célula, dos tecidos e dos sistemas bioquímicos humorais.
Uma vez esclarecido este aspecto, pode-se continuar usando a metáfora de
força vital porque esta se encaixa muito de bem com a idéia de propriedade
dinâmica e organizativa que possui esse conjunto extraordinário que
constituem os sistemas vivos.
Por outra parte, se pretendemos considerar a biologia e a medicina desde
diversos ângulos, tanto históricos quanto culturais, de modo a construir um
quadro rico e integrado (medicina considerada “holística”), uma referência às
grandes tradições pré-científicas se torna útil mesmo que seja mais no nível do
plano teórico do que operativo. Porque de fato, nenhuma abordagem científica
“reducionista” ou “cartesiana” resolveu todos os problemas teóricos e técnicos
colocados pela biologia. Mesmo com o enorme desenvolvimento do
conhecimento de base, este não se demonstrou em absoluto satisfatório para
descrever o processo de cura natural, nem para orientá-lo de uma forma
positiva para o bom funcionamento do ser vivo. Principalmente se
consideramos os problemas colocados pelas doenças multifactoriais e
degenerativas. Neste campo a contribuição de diversas abordagens
terapêuticas poderia se revelar frutífera, sobretudo se sustentada com
pesquisas clínicas rigorosas e controladas.
É claro que um tratado inteiro não seria suficiente para descrever
exaustivamente os mecanismos da força vital e da cura, por serem eles objetos
de estudo de áreas inteiras da moderna ciência biomédica que vão da genética
a biologia molecular, da imunologia a neurobiologia, da farmacologia
molecular a endocrinologia.
Em síntese, pode-se dizer que a reintegração ao estado de saúde nada mais é
do que o “êxito” do esforço coordenado de muitos sistemas de reparação, dos
quais na tabela 1 encontramos apenas um exemplo esquemático.

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Todavia, a justa reintegração da saúde após uma simples perturbação ou
posterior a uma série de fatores patógenos que agridem simultaneamente não
acontece sempre.

Tabela 1. Alguns mecanismos envolvidos nos processos de cura aos


diversos níveis da organização biológica.

Mecanismos Mecanismos celulares Mecanismos sistêmicos


moleculares

Reparação do DNA após Adesão e movimento dos Inflamação


uma mutação leucócitos
Inativação das toxinas Expulsão de toxinas Imunidade
dos anticorpos
Desintoxicação dos Homeostase do íon Regeneração e
radicais livres cálcio remodelamento de
órgãos
Autoformação do Degradação do ácido Hemostase
colágeno nucléico viral
Função desintoxicante Regeneração das fibras Resposta neuroendócrina
do citocromo P 450 nervosas ao estresse
Capacidade tampão dos Fagocitose Rede das citocinas
fluídos biológicos
Ação das “defensinas” e Expulsão de micróbios Equilíbrio
da lisozima simpático/parassimpático
Formação de fibrina e Reconhecimento e Regulação da sede e dos
fibrinólise destruição de tumores fluídos

Proteínas de choque Remanejamento ósseo Pressão arterial


térmico (chaperones)

Uma ampla série de agentes danosos de vários tipos, internos e externos, erros
na dieta ou no estilo de vida, pode modificar permanentemente ou
progressivamente o estado de saúde da pessoa. Entre as variantes genéticas
que predispõe para o deterioro ou para o erro biológico, existe a molécula
HLA, os fatores de coagulação, as proteínas que funcionam como os
precursores de depósito, como as lipoproteínas ou os amiloides e assim por
diante. Entre os vários fatores endógenos de cura temos muitíssimos que se
comportam como armas de dois gumes, e superada uma certa concentração ou
em presença de particulares sinergias com outros componentes, se voltam

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 19


contra o próprio organismo transformando-se em elementos que atuam como
verdadeiras noxas (como exemplo tem radicais livres do oxigênio, as
proteases dos lisossomos, o delicado equilíbrio do íon cálcio no interior da
célula e assim por diante).
Portanto, a força vital possui seus limites razão pela qual existem as doenças
crônicas que inclusive estão ligadas a um funcionamento “perverso” ou não
inteligente desta. Os resquícios patológicos do mau funcionamento da força
vital constituem um dos motivos que torna mais necessário o estudo da
biodinâmica; esta se coloca como uma fronteira da medicina no campo das
doenças complexas, podendo contribuir para explicar fenômenos que de outra
maneira (abordagem estática) se apresentariam como paradoxos ou
simplesmente sem explicação.

Estudo analítico e sintético


Os fenômenos e os mecanismos envolvidos nos processos que regulam o ser
vivo podem ser descritos essencialmente segundo dois métodos: o primeiro,
que poderíamos chamar de analítico, considera fenômenos individualmente,
como exemplo, poderíamos colocar as mudanças moleculares que acontecem
quando um osso se quebra e posteriormente como esta lesão é reparada por
um novo tecido conectivo, posteriormente um cartilaginoso, para finalmente
se transformar em tecido ósseo novo; poderíamos também estudar e descrever
como um enfarto se cura: primeiro mediante um processo inflamatório que
remove o material necrótico e posteriormente com a formação de uma cicatriz
fibrosa; poderíamos também observar em detalhes todas as particularidades de
como um leucócito ingere uma bactéria, quais enzimas são produzidas para
poder digeri-la e como elabora os antígenos para apresentar aos outros
leucócitos, e assim por diante. Nestes e em muitos outros processos de cura,
uma ampla série de transformações moleculares, de ciclos proliferativos
celulares, de modificações metabólicas e de variações hematoquímicas são
ativadas de um modo específico, para depois finalizar com a defesa e a
integridade biológica.
O segundo método, que poderíamos definir como sintético, é aquele que tenta
construir modelos que relacionam os princípios fundamentais, estabelecer a
“lógica” de todo o complexo dos fenômenos observados, de forma que a
linguagem do ser vivo possa ser compreendida não apenas ao nível de
“vocabulário” (molécula, força físico-química) como também na sua
“gramática” (regras de interações imediatas) e inclusive ao nível de “sintaxe”
(interações e comunicações de todo o sistema). Por exemplo, poderíamos
observar como a cura após um trauma ou uma infeção não é devida apenas aos

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 20


fatores locais (coagulação, quimiotaxe, crescimento de epitélio, etc.), mas
também pela participação simultânea de todos estes fatores, de modo que a
intensidade da participação destes seja suficiente para a necessidade
reparadora, mas que não seja exagerada de modo que os diferentes processos
possam acontecer numa seqüência temporal adequada. Por outro lado,
podemos observar que o bom funcionamento não é garantido apenas pela
coordenação localizada, mas também pelo “estado de alerta” de mecanismos
hierarquicamente superiores e gerais, como por exemplo, o eixo hipotálamo-
hipófise-suprarenal, liberação de citocinas7, que informam todo o organismo
sobre o que está acontecendo no tecido afetado, que se integram
alternadamente no metabolismo hepático, nos sintomas psíquicos e assim por
diante. Milhares de células agem concomitantemente direcionados para a
destruição dos agressores e para o restabelecimento do estado de saúde, tanto
do ponto de vista morfológico como do ponto de vista funcional.
Também no interior de uma simples célula, milhares de moléculas e de
organelas agem de maneira coordenada para produzir e consumir energia,
receber e transmitir sinais, construir e demolir estruturas, com a finalidade de
que a célula possa funcionar de modo eficiente em conjunto com outros
bilhões de células daquele mesmo tecido. Para realizar este tipo de
coordenação (ordem, coerência) as relações entre fatores locais e fatores
gerais são instituídas de acordo com muitas linhas de comunicação,
representadas por hormônios solúveis e de difusão, fibras nervosas,
citoesqueleto, interações membrana-membrana e provavelmente também,
sinais eletromagnéticos [Del Giudice et al., 1988a; Tsong, 1989; Walleczek,
1992; Adey, 1993; Ho et al., 1994; Ho, 1996]. A influência recíproca de
fatores sistêmicos e locais é de tanta importância que um estresse psicológico
pode estar acompanhado de um aumento da susceptibilidade a infeções e uma
infeção dental pode causar uma séria depressão psíquica.
Ambas vias de conhecimento dos fenômenos vitais, a analítica e a sintética
são importantes para descrever o ser vivo e, possivelmente, para influenciar de
modo eficaz o processo de cura. Mas aqui daremos mais importância à
segunda perspectiva, aquela que se concentra na dinâmica das relações. De
fato, enquanto a abordagem analítica foi intensamente respeitada pela pesquisa
biomédica avançada e particularmente pela biologia molecular nos últimos
decênios, a ponto de representar o principal objetivo de ensino das escolas

7
Citoquinas ou citocinas: proteínas com função de sinal que as células produzem após vários estímulos,
explicaremos a seguir.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 21


médicas, a abordagem sintética e dinâmica foi descuidada e desvalorizada;
devido a isto e pelas razões acima citadas ela realmente merece ser resgatada.

O problema topológico
Um ponto que fundamentalmente se relaciona com a abordagem sintética é o
problema topológico. Este termo define o estudo da posição em que a matéria
viva se encontra no espaço. A análise pode dizer muito sobre a composição de
uma célula ou de um tecido, mas pouco nos diz em relação aos mecanismos de
desenvolvimento e de restituição à forma original e característica num
determinado tecido. De fato esta última depende só em parte da composição,
sendo influenciada pela “história” do próprio tecido, a forma como se
desenvolveu dinamicamente no tempo, partindo de uma simples célula e
chegando a constituir um grande número de tipos diferentes de células com
numerosíssimas e recíprocas interações O problema topológico é
particularmente importante ao nível das funções cerebrais porque adquire uma
importância cada vez maior à medida que a complexidade de um órgão ou de
um tecido aumenta. Por isso é interessante destacar, pelo menos
sinteticamente alguns aspectos da complexidade do cérebro:
1. Alto número de componentes. A morfologia do cérebro mostra que os
neurônios (dez milhões) estão conectados por milhões e milhões de
conexões sinápticas. Este número é de uma dimensão tal que ultrapassa
qualquer possível informação genética, mostrando que a estrutura do
cérebro não é determinada geneticamente (em outras palavras não é
determinada pelo material do qual é feito) e sim, pela interação entre as
potencialidades genéticas e as solicitações ambientais. As ramificações
dendríticas que conectam os neurônios se sobrepõem notavelmente (em
torno dos 70%) de forma tal que não é possível desenhar circuitos únicos e
de uma forma precisa.
2. Ausência de predeterminação. Examinando a formação do cérebro se vê
que a forma precisa e dinâmica com que as conexões entre um neurônio e
outro são realizadas dedduzimos que não poderiam ter sido predeterminadas
desde o início. Os neurônios quando emitem seus prolongamentos axônicos
não sabem para onde enviá-los, nem com quais outros neurônios devem se
conectar. Em cada indivíduo, inclusive nos gêmeos idênticos, os neurônios
se ramificam de modos diversos. Não podemos pensar que as conexões são
especificadas unicamente ao nível molecular (moléculas de adesão) porque
não existem marcadores de membrana assim especificados, como para
dirigir uma arquitetura tão complexa. Isto é defendido por G. L. Edelman,

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 22


descobridor da molécula de adesão neural e fundador da topobiologia
[Edelman, 1989; Edelman, 1993].
3. Variabilidade dos mapas. Estudando o funcionamento dos neurônios das
áreas cerebrais destinadas às funções específicas se observa que cada
indivíduo possui um mapa diferente e que inclusive no mesmo indivíduo os
mapas variam segundo a experiência, alargando-se, restringindo-se ou
também se expandindo lateralmente. Na mesma área muitos neurônios
permanecem silenciosos, mesmo quando a função está ativada, sendo
impossível predizer quais neurônios serão os silenciosos e quais
responderão à aplicação de determinados estímulos.
4. Fenômenos coletivos. As células do córtex cerebral estão organizadas em
grupos funcionalmente acoplados: quando chega um estímulo no córtex,
como por exemplo, um estímulo luminoso proveniente da retina, muitos
neurônios são ativados e descarregam impulsos, mas não ao acaso e sim, de
uma forma coordenada, com oscilações de freqüência em torno de 40 Hz.
Por outro lado, a regularidade não é uma constante: o eletroencefalograma
revela a presença de uma notável caoticidade como componente normal nas
oscilações cerebrais [Freeman, 1991; Freeman, 2000].
Em síntese, o cérebro é um representante de forma esquemática de todas as
características da complexidade: enorme quantidade de informações, redes,
comportamentos coletivos, sendo a plasticidade evolutiva e os fenômenos
caóticos de fundamental importância quando se considera a forma.

O conceito de “sistema”
A complexidade no campo biomédico resulta óbvia: como poderíamos negar a
existência de complexidade nos mecanismos de cura biológica e nas doenças
em geral? Porem é a tal ponto óbvio sua existência que acaba sendo deixada
de lado, argumenta-se que não é incorporada nas analises teóricas ou práticas
como sendo uma possível justificativa para nossa ignorância ou incapacidade
prática de resolver situações difíceis e muitas vezes aparentemente sem
solução.
Por trás desta posição que considera a complexidade óbvia também há um
equívoco: pensa-se que a complexidade deriva apenas do aumento
quantitativo de conhecimentos acumulados nos últimos vinte ou trinta anos,
aumento tal que hoje ninguém pode sonhar em dominar todo o conhecimento
da medicina, talvez nem mesmo todo o conhecimento de uma especialidade.
Todavia, como se verá adiante, um comportamento complexo pode
determinar-se mesmo com a interação de poucos componentes.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 23


Na história da medicina, o estudo do corpo humano evoluiu passando do
estudo macroscópico ao microscópico, começando com a
compartimentalização e depois – com o desenvolvimento de novos
instrumentos – partindo dos órgãos em direção à célula e finalmente, da célula
para a molécula: o paradigma da biologia molecular é hoje o que prevalece
nas formas pelas quais se analisam e se interpretam os fenômenos biológicos e
patológicos. O aumento do conhecimento biomédico obtido nos últimos dois
decênios, graças à abordagem molecular, fez crescer a consciência da extrema
complexidade do seres vivos. O homem possui cerca de 50.000 diversos genes
e, portanto, teoricamente poderia ser considerado como uma construção feita
com um grande número de “tijolos”, em torno de 50.000 tipos diferentes
(considerando apenas as proteínas). Na realidade estes tijolos não são
colocados ao acaso, mas de uma forma que se assemelhem entre eles
coordenadamente encontrando –se numa contínua reestruturação devida às
interações do sistema interno com os sistemas externos (ambiente). O
conhecimento da existência de numerosas diferenças biológicas entre os
indivíduos da mesma espécie, se agrega ao que acabamos de considerar
ficando difícil e às vezes impossível estabelecer os valores que definam a
normalidade e prever o êxito das intervenções reguladoras externas.
O modo de progredir que prevalece nas ciências biomédicas acompanhou o
paradigma chamado de mecanicista, o qual se demonstrou fecundo em termos
de resultados experimentais, de avanço na tecnologia, de progressos
terapêuticos, mas que não conseguiu “resolver” cientificamente a
complexidade. Ao contrário, ela e sua documentação científica ficaram para
serem submetidas a novas pesquisas e metodologias de experimentação. O
aumento dos conhecimentos fornecidos pela difusão de técnicas de análise da
biologia molecular não foram suficientes para explicar a complexidade dos
problemas relacionados a muitas patologias, inclusive as mais comuns, devido
principalmente à multiplicidade dos fatores individuais e ambientais que
fazem parte do fenômeno patológico. Quanto mais se perscruta o ser vivo,
tanto mais ficam evidentes seus profundos e sutis mecanismos de regulação,
sem que se consiga construir um modelo definitivo totalmente determinístico
no sentido mecanicista clássico.
Nos anos cinqüenta inicia-se uma linha de pensamento com abordagem
sistêmica em biologia [von Bartalanffy, 1950], assim como a abordagem do
indivíduo como sistema8, que acaba sendo quase o ponto de convergência de

8
Sistema: Um conjunto de variáveis ou fatores que interagem entre si. Um sistema dinâmico se encontra em
tempos diferentes e em diversos estados. O sistema dinâmico está substancialmente descrito por duas partes
fundamentais: uma que diz respeito ao seu estado no espaço de fases (a natureza dos seus componentes) e

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 24


todas as ciências [Giani, 1995]. Existem os sistemas biológicos, os sistemas
físicos, os sistemas sociais, sistemas econômicos, sistemas de equações e
assim por diante; os sistemas podem ser por sua vez compostos por outros
sistemas. Os recentes desenvolvimentos da inteligência artificial e da
matemática computacional resgatam o interesse pela abordagem sistêmica e o
antigo conceito de sistema é uma generalização nas redes dinâmicas que nos
permite explicar situações extremamente complexas [Capra, 1996].
A dimensão da complexidade se encontra no organismo em cada um dos seus
componentes. Na escala poli-molecular podemos considerar também a mesma
formação de complexos de várias proteínas: quando uma molécula de antígeno
(por exemplo, uma toxina) se une a uma molécula de anticorpo, resulta um
imunocomplexo; as informações contidas na nova forma molecular
representada pelo imunocomplexo são novas: o imunocomplexo perdeu
algumas informações das moléculas individuais, por exemplo, aquelas
relativas à toxicidade da molécula antigênica e a capacidade de reconhecer o
alvo celular, enquanto armazenou informações como, por exemplo, as
relacionadas à capacidade de interagir com o imunocomplexo e a célula
magrofágica, estas informações antes não existiam.
Temos outro exemplo na coagulação do sangue: este processo funciona
também mediante a formação de complexos (é interessante notar como a
própria palavra põe em evidência a complexidade do fenômeno). O início da
via intrínseca se inicia com a formação de um complexo entre fosfolipídios, o
fibrinogênio de alto peso molecular, o fator XII, etc. O complexo formado
possui um conteúdo informacional porque “informa” ao fator XI, no sentido
que lhe dê uma forma ativa capaz de agir sobre o fator IX, etc. O sistema de
coagulação, graças (mesmo que não somente) à formação de complexos, goza
da propriedade de controlar os delicados sistemas que regulam a fluidez do
sangue. O sistema deve ter a flexibilidade para poder detectar as perturbações
sempre presentes pelo inevitável erro de qualquer elemento localizado, para
manter a fluidez do sangue, ou na situação oposta, para amplificar
rapidamente as perturbações quando temos o risco de uma hemorragia. As
patologias de tais desequilíbrios só podem ser da ordem do sutil.
Obviamente, à medida que cresce o número dos elementos que compõe um
sistema biológico, mais cresce a sua complexidade, que é dada essencialmente
pela quantidade de informações que tais elementos intercambiam na
homeostase fisiopatológica. Se a complexidade fosse somente quantitativa, a

outra com respeito à sua dinâmica (a lei de evolução, ou seja, as regras que determinam o estado no tempo t >
0 relativo ao estado no tempo t = 0).

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 25


única solução seria a de recorrer à especialização: entregar o “problema” a um
setor cada vez mais limitado, de modo que cada problema encontre uma
resposta cada vez mais específica. Na realidade, a complexidade do organismo
humano também é encontrada ao nível de uma simples célula, esta possui
características não só do tipo quantitativo, mas também e principalmente, de
tipo qualitativo. Vale à pena analisar então quais são as propriedades
peculiares dos sistemas dinâmicos e complexos.

Características fundamentais da complexidade


A complexidade se origina quando os componentes de um sistema são
múltiplos, diversos entre si, e, sobretudo, onde tais componentes estão em
mútuas e dinâmicas interações. Não é fácil dar uma definição precisa e
inequívoca de “complexidade” porque esta não coincide estritamente com o
número de objetos ou informações que constituem um determinado sistema.
Essencialmente a complexidade poderia ser definida como: aquela
característica típica, mas não exclusiva dos seres vivos, segundo a qual um
certo sistema contém informações em grau superior a soma de suas partes
[Nicolis e Prigogine, 1991; Stein e Varela, 1993; Cramer, 1993; Mainzer,
1994; Bellavite et al., 1995; Bellavite, 1996, Bar-Yam, 1997]. A biologia, a
fisiologia e a patologia nos mostram inumeráveis exemplos disto. É a própria
evolução que nos mostra: os sistemas complexos se formam pela montagem
dos componentes monoméricos e desta montagem nasce um sistema que
possui novas propriedades e novas funções, que não estavam implícitas nas
partes que vieram a compô-lo. Para formar uma proteína são necessários
aminoácidos, mas para que a proteína exerça sua função (por exemplo, possa
agir como uma enzima) os aminoácidos devem responder a uma determinada
ordem: se colocados numa seqüência desordenada esta proteína não funciona.
A propriedade de formar a enzima não está implícita em nenhum aminoácido
isolado, está no complexo todo, sendo isto válido para o organismo inteiro,
divisível em partes, mas que responde como uma unidade.
Devemos considerar o fato que o sistema biológico se desenvolve no espaço e
no tempo. Inclusive o código genético de um organismo não pode ser
considerado completamente estático porque muda, pelo menos em algumas
partes, ao longo da vida. Existe, portanto um salto qualitativo no tipo de
complexidade, salto qualitativo que é descrito pelo termo de complexidade
dinâmica. As redes constituídas pelas relações entre os múltiplos elementos de
um sistema biológico, estão em contínua atividade e num contínuo
remodelamento, mesmo porque cada sistema biológico, independente da
escala considerada (molecular, celular, orgânica, neuropsíquica, de população

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 26


etc.) é aberto ao exterior, no sentido que nele se instaura um intercâmbio de
informação, de matéria e de energia com outros sistemas do mesmo grau ou de
diversos graus de complexidade.
Um sistema complexo é regulado pelos meios de comunicações adequados a
seu grau de complexidade. Por exemplo, as comunicações entre duas
moléculas (sistema relativamente simples) consistem em atrações ou repulsões
eletrostáticas. As comunicações entre grupos de moléculas (sistema
complexo) estão representadas por uma dinâmica ondulatória e variações
espaços-temporais (oscilações das diferentes moléculas-sinal); as
comunicações entre órgãos e sistemas são controladas por sistemas complexos
que usam comunicações tanto químicas (hormônios) como físicas (potenciais
de ação). As comunicações entre pessoas são realizadas por outros meios
como a palavra, a escrita, os olhares como também quando necessário podem
ser feitas por transmissões via cabo ou telefonia. Quando o sistema é mais
amplo e articulado, tanto mais complexa é a gestão das informações que
podem ser efetuadas por muitos elementos colocados em forma seqüencial e
em sistemas de redes. Tais redes (networks) contêm diversos elementos e
geram informações com mecanismos de amplificação ou de feedback,
multiplicados e interrelacionados. Exemplos evidentes de sistemas formados
por uma rede se encontram no sistema nervoso, mas também na relação de
controle recíproco das glândulas endócrinas ou na população linfocitária e
assim por diante, até o exemplo de redes de conexões interindividuais
(telecomunicações).
A informação nas redes biológicas é por si “redundante”; vale dizer que o
mesmo sinal pode agir sobre múltiplos alvos e ser o resultado de múltiplos
elementos do sistema. Em outras palavras, o mesmo elemento é controlado
por sinais diferentes e a sua resposta depende do sinergismo ou antagonismo
destes comandos. A “especificidade” da comunicação entre os elementos de
uma rede não é garantida apenas pela existência de sinais específicos para a
função ou ação que competem à rede. Os mesmos sinais usados (por exemplo:
citocinas específicas ou neurotransmissores) podem ocasionar efeitos diversos,
respostas desconhecidas diferentes, inclusive opostas em alguns casos, de
acordo com o “contexto” no qual agem, ou seja, de acordo com a dinâmica da
própria rede. O nível superior de complexidade é representado pelo sistema
nervoso.
As interações e as comunicações no interior do organismo vivo e entre o
organismo vivo e o ambiente externo são as duas principais características que
distinguem a própria vida de qualquer outro objeto presente na natureza. Este
importante conceito resume a essência do que se entende por sistema
dinâmico; é ilustrado de forma esquemática na figura 4.

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Figura 4. Esquema de um típico sistema dinâmico biológico, onde as
características mais salientes são três: a capacidade de autoorganização
(estabelecimento de relações recíprocas de controle entre vários
componentes), a comunicação - abertura - com o ambiente (intercâmbio
de matéria, energia e informações) e a teleonomia (caráter finalístico dos
seres vivos). A abertura permite que entropia produzida nas
transformações internas do sistema possa ser dissipadas no ambiente
circundante.

Os seres vivos são participantes em sumo grau desta complexidade, mesmo


porque eles são compostos de muitas partes, diferentes entre si, que
estabelecem relações baseadas em contatos diretos e indiretos (mediados por
sinais a longa distância). A complexidade de um sistema biológico, se
analisada em relação aos seus componentes é de tipo quantitativo sendo
chamada de complexidade estática, porque se refere às propriedades que não
mudam ao longo do tempo. A complexidade do DNA desde este ponto de
vista acaba sendo superior aquela da própria matéria porque contém muitas
mais variáveis nos seus constituintes e na sua disposição seqüencial.

Autoorganização
A vida se mantém e se reproduz como um evento termodinamicamente longe
do equilíbrio, graças ao intercâmbio de energia e de matéria que o sistema
vivo estabelece com o ambiente. Um ser vivo poderia, portanto ser

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considerado como uma ilha complexa, onde existe uma ordem parcial que se
mantém por um certo tempo às custas do aumento de entropia do ambiente.
Tal interação produz uma estrutura9 espaço-temporal, formas e
comportamentos característicos e novos em relação aos componentes iniciais.
Estas estruturas são chamadas “dissipativas”, porque a instabilidade interna
depende do fluxo de energia que a atravessa e que aparece depois
parcialmente dissipado. Em outras palavras, seu estado estacionário (steady-
state) é mantido por um consumo de energia que mantém a ordem num espaço
de tempo limitado, às custas do aumento de entropia no ambiente circundante.
Alguém já definiu eficazmente a vida como um “desequilíbrio controlado”
[Guidotti, 1990].
A interação dos componentes de um sistema físico sobre uma escala de
observação, leva a um comportamento global complexo sobre uma escala
muito ampla que, em geral, não pode ser previsto pelo conhecimento dos
componentes individuais. O organismo existe, portanto como um sistema
dinâmico e organizado, uma entidade na qual diversos níveis (molecular,
celular, orgânico, psíquico) estão em mútua interação e longe do equilíbrio, o
que gera fenômenos peculiares como os seguintes:
1. formação espontânea de uma coletividade organizada espaço-
temporalmente, fenômenos de coerência e cooperação (“autorganização”);
2. circuitos de retroação, pelos quais se geram contínuas oscilações das
variáveis fisiológicas, cinéticas temporais bifásicas ou multifásicas, numa
forte dependência do contexto no qual uma reação acontece;
3. relações dose-efeito nem sempre de tipo linear, com fenômenos tipo
“limiar”, amplificações, sinergismos e antagonismos;
4. sensibilidade às pequenas perturbações, comportamentos caóticos que
podem chegar até a possibilidades de “catástrofes” funcionais;
5. disposição dos sistemas em forma de “estruturas dissipativas”, onde a
estabilidade interna depende do fluxo de energia e de informações que a
percorrem.
Poderíamos sintetizar a propriedade peculiar dos sistemas complexos com a
palavra autoorganização, sem, no entanto com isso fechar o sistema em si
mesmo, já que a autoorganização é muito sensível ao ambiente externo.
Todos os sistemas dinâmicos podem ser vistos como expressões de energia
organizada, ou “informatizada”. A capacidade de auto-organização do sistema
(conseqüentemente capacidade de aprendizado) se baseia na existência de um

9
Estrutura: uma configuração de partículas, átomos, moléculas ou íons; mas existem também estruturas organizadas em escala temporal.
Uma nota musical, por exemplo, é uma estrutura formada por ondas vibracionais do ar.

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numero extremamente grande de estados possíveis (configurações), que pela
sua vez dependem do numero, tipo (efeitos) de interconexões entre os
constituintes do sistema. Os circuitos de retroação (feedback loops) são as
estruturas dinâmicas que constituem a ordem emergente, assim sendo assim
tanto de tipo positivo (amplificações) como de tipo negativo (controle). Uma
propriedade característica destes sistemas de componentes múltiplos
intrinsecamente entrelaçados é a de manifestar sempre uma estabilização
natural num pequeno numero de estados (atratores). Os atratores são
consistentes e capazes de manter uma mesma estrutura essencial apesar de
pequenas perturbações, mas se o sistema (ou uma parte dele) se encontra num
estado vizinho a um ponto crítico (ponto de bifurcação) poderão sofrer
drásticas mudanças (mudança de atrator).
Conseqüentemente o conceito de auto-organização está ligado também a uma
visão nova da evolução, porque deixa em evidencia que os sistemas dinâmicos
possuem a capacidade se gerar uma “entropia negativa” (desordem menor)
Trata-se do aparecimento – às vezes de forma progressiva, outras de forma
descontinua – das chamadas “propriedades emergentes”, já que “surgem” em
níveis crescentes e específicos de complexidade e conectividade do sistema.
Aparecem naturalmente das relações organizadoras entre as partes e não são
possuídas pelas simples partes individualmente. De fato estas propriedades
desaparecem quando um sistema é dissecado nos seus elementos e não podem
ser previstos quando se estudam as partes de um sistema por separado. Estes
eventos são tão constantes e evidentes que ate fica redundante dizer que a
própria vida entra nesta categoria.

Abertura
Tanto se consideramos a evolução como o estado de organização em que os
seres vivos permanecem ajudam a explicar o fato de que estes são sistemas
abertos, ou seja, que estão em contínua mudança e intercâmbio com outros
sistemas.
Consideremos um sistema (figura 4) composto por um certo número de
elementos (neste caso um mínimo de três, chamados por conveniência A, B,
C) onde existe teoricamente entre eles um equilíbrio e cujas modificações são
reversíveis. A, B, C, poderiam representar variáveis10 fisiológicas ou centros

10
Variáveis: Grandezas fundamentais das equações matemáticas e dos sistemas biológicos. Os sistemas não
lineares descritos com equações matemáticas compreendem dois tipos de variáveis: as variáveis dinâmicas e
as variáveis estáticas (chamadas também de parâmetros). As primeiras mudam continuamente com o tempo
ou ao se repetirem às interações. No caso dos mecanismos sujeitos ao movimento, poderiam ser por um lado à
posição da parte em movimento e por outro a sua velocidade. As variáveis estáticas assumem valores fixos
escolhidos para cada equação, não podem mudar após as interações, nem com o tempo. Por exemplo, num

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 30


nervosos, grupos de células, ou quaisquer outros parâmetros onde existam
valores oscilantes de recíproco jogo de controle, entrelaçados e
interconectados, de ativação ou de inibição. Os sistemas isolados, nos quais
não é permitido nenhum intercâmbio com o ambiente, se apresentam de
maneira irreversível em relação a um estado11 final de equilíbrio, onde existe
mais diversidade, assimetria e modificações. Este comportamento da matéria
se expressa pela segunda lei da termodinâmica (dS/dt > 0): a variação (d) de
entropia12 (S) na variação (d) de tempo (t) é maior ou igual a zero, afirmando
a existência de ma inevitável tendência para a desordem. A desordem, onde a
entropia é máxima, coincide com a anulação de cada estrutura, a eliminação
de cada diversidade e a perda de cada informação.
A segunda lei da termodinâmica afirma, resumidamente, que cada sistema
isolado onde existe qualquer transformação, está sujeito a uma série de
processos que tendem a colocá-lo de um estado muito improvável (um estado
peculiar no qual se encontra num certo momento) versus um estado muito
mais provável associado com o todo, dito de equilíbrio termodinâmico, onde
cada transformação se associa ao aumento de entropia (desordem). Para
prevenir esta tendência em direção ao equilíbrio termodinâmico, para
movimentar os sistemas com os seus subsistemas na direção oposta, em
direção ao estado improvável, deve ser desenvolvido um trabalho contínuo.
Todas as atividades vitais dos seres vivos que consistem em diferenciação,
desenvolvimento, crescimento, reprodução, assimilação e cura, são processos
que acontecem longe do equilíbrio, uma condição que pode ser mantida
somente quando existe um fluxo contínuo de energia, de matéria e de
informação (figura 4). “Cada criatura que se encontra isolada deste fluxo
morre por asfixia ou por desnutrição. Estruturas e moléculas complexas se
desintegram, o movimento cessa, os gradientes se dissipam e a ordem decai; o
equilíbrio é morte” [Harold, 1986]. A vida implica necessariamente em ir
contra o equilíbrio, converter energia em organização, um trabalho contínuo.

mecanismo as variáveis estáticas poderiam ser a longitude de um componente ou então a velocidade máxima
permitida por um motor.
11
Estado: O valor ou os valores (para qualquer uma das variáveis do sistema) num dado momento.
12
Entropia: função de estado que mede a probabilidade termodinâmica de um sistema. O segundo princípio
da termodinâmica afirma que cada transformação espontânea é acompanhada de uma produção de entropia. A
entropia assume o valor máximo ao atingir o equilíbrio termodinâmico, o qual corresponde ao máximo de
desordem das partículas que compõem o sistema. Quando a entropia de um sistema aumenta, sua energia total
não muda (primeira lei da termodinâmica), mas temos uma degradação da qualidade desta energia, ou seja, do
modo pelo qual esta é armazenada ou utilizada. Nos sistemas fechados à entropia aumenta inevitavelmente.
Os sistemas abertos, e entre estes particularmente os sistemas vivos, sofrem normalmente um aumento de
entropia, mas dependem também do intercâmbio de entropia com o exterior, por onde a desordem pode
diminuir e o sistema aumentar o próprio grau de organização. Ainda não foi estabelecido se a entropia do
universo físico inteiro aumentou ou não: o fato que esteja se expandindo e esfriando segundo alguns autores
nos leva a considerar que no universo a entropia total está diminuindo

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 31


Portanto, se o sistema é aberto, ele recebe um input (X na figura 4) de matéria,
energia13, informações14 do ambiente (e de outros sistemas) e produz um
output (X’ na figura 4) de saída, sempre de matéria, energia e informações. O
estado de A, B, C num determinado tempo será então condicionado pelo
“vínculo” constituído pelas variações de X e X’ naquele tempo, que
naturalmente dão os limites físicos “intrínsecos” ao próprio sistema (valores
máximos e mínimos, que constituem uma variável) Um sistema assim,
portanto, dificilmente será estável encontrando em mudanças contínuas
constantemente.
Nos sistemas abertos à segunda lei da termodinâmica recebe uma correção: a
entropia depende do estado interno do sistema, como também do intercâmbio
de energia, de informação e de matéria com o exterior. Devido a este
intercâmbio, a entropia pode ter um sinal negativo: a entropia que se dissipa
sendo maior do que aquela que entra no sistema. Os sistemas abertos, como os
sistemas vivos, intercambiam matéria, energia e informação. Existe um fluxo
de entrada (como exemplo: comida, luz solar e oxigênio) e um fluxo de saída
(detritos, metabolismo, radiações térmicas, anidrido carbono). A existência
deste fluxo garante que o sistema pelo menos possa se organizar por um certo
período, permanecer organizado e sobreviver. Todos os sistemas dinâmicos
podem ser vistos como expressões de energia organizada ou receptáculos de
informação.

Teleonomia
As leis da física e da química constituem os vínculos inevitáveis nos quais os
sistemas vivos devem obedecer, mas estes não necessariamente determinam
qual escolha deve ser feita para manter e restaurar a organização
(sobrevivência e cura). Portanto, a biologia não pode ser reduzida nem a

13
Energia: capacidade de realizar trabalho. Temos numerosos tipos de energia: térmica, elétrica, geopotencial,
nuclear, etc. Fundamentalmente, a energia pode se distinguir em duas contribuições, cinética e potencial
[Atkins, 1984]. A energia é medida em joules (J), definido como a energia necessária para deslocar um objeto
por 1 m quando se opõe uma força de 1 Newton. 1 Newton (1N) é a força necessária para acelerar uma massa
de um quilograma a uma velocidade de 1 metro/segundo em 1 segundo.
14
Informação: “aquele tipo particular de energia requerida para o trabalho de restabelecer a ordem” [Harold,
1986]. No mundo biológico, a energia pode ser “redistribuída” de modo que sua dissipação por parte do
sistema aberto leve a um aumento do “conteúdo” de energia de boa qualidade (ou seja, que aumente a energia
capaz de realizar um trabalho, energia útil ao sistema). A informação depende do tipo de trabalho e do
objetivo que será desenvolvido. Uma definição bem elaborada [Angeleri, 1992] é a seguinte: informação é o
conhecimento necessário para resolver um estado de incerteza que esteja presente em qualquer ente que
poderíamos definir como um sistema físico em condições de reagir a um estímulo externo segundo um
programa apropriado. A unidade de medida da informação é o bit, que pode ser definido como a quantidade
de informação necessária para efetuar uma escolha entre duas possibilidades alternativas (por exemplo,
branco/preto, ligado/desligado, aberto/fechado e assim por diante). Existem ainda discussões notáveis sobre o
problema da medida de informação nos seres vivos, porque nem toda a informação biológica pode ser
digitalizada, ou seja, medida em bit [Bellavite et al., 1995; Klivington, 1997].

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 32


química nem a física e para compreender a vida deve-se considerar outras
propriedades características. Uma destas é a teleonomia15 que designa o
caráter finalístico dos seres vivos, nos processos de transformação parece de
fato sempre haver um objetivo. A “máquina da vida”, portanto, “usa” as leis
da química e da física e a energia disponível, com o fim de manter a delicada
organização desta mesma vida.
S. Hahnemann intuiu de forma significativa à dimensão teleonómica da “força
vital”: “No homem em estado de saúde a força vital autocrática que anima de
forma dinâmica o organismo material, governa com poder ilimitado
conservando todas as partes do corpo em funcionamento de uma forma
harmoniosa e admirável tanto em relação às sensações como as funções.
Deste modo o espírito dotado de razão que existe em nos pode empregar estes
instrumentos vitais e sãos para os mais elevados fins da nossa existência”[ S.
Hahnemann, Organon da Medicina, parag 9].
Este propósito é visível tanto no desenho da evolução, como no
desenvolvimento e no comportamento de cada um dos seres vivos, desde o
ovo zigoto até o organismo adulto. O caráter teleonômico da vida é
indiscutível e ele fica documentado pela precisão com a qual o organismo
tende continuamente a constituir “sua” forma adulta e reintegrar sua estrutura
após uma noxa. Cada um dos seres vivos é dotado, desde o início, de um
projeto e uma grande parte da sua atividade é direcionada para “assimilar”, ou
seja, a “ficar” símile, à matéria do ambiente até que esta responda às
necessidades do projeto, mesmo com todos os fatores que apareçam para
perturbar este trabalho. Todavia, este desenvolvimento do projeto original não
é “incondicionado” e não se desenvolve sem problemas internos ou externos,
porque a estrutura dos organismos vivos são flexíveis, plásticas e podem se
adaptar ao ambiente. A chave de uma vida sadia está no equilíbrio justo entre
a conservação da estrutura e a adaptação.
Nos sistemas complexos (e principalmente nos biológicos) a ordem e a
desordem convivem e “colaboram” para o bom funcionamento do próprio
sistema: sintetizando, se poderia afirmar que enquanto a “ordem” garante a
constância dos parâmetros e o intercâmbio significativo de informações, a
“desordem” garante o acesso à novidade e à diversificação. As características
peculiares de tal globalidade de interações podem ser compreendidas e se
tornar evidentes refletindo sobre a complexidade da homeodinâmica
biológica, que será o objeto de estudo do próximo capítulo.

15
Teleonomia: conceito com o qual definem-se os processos ou comportamentos biológicos que seguem um
programa interno (como p.ex. o código genético mas não só ele) que os direciona para um fin determinado
(p.ex. sobrevivência ou reprodução).

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Medicina Biodinamica
Papirus Editora 2002
© Paolo Bellavite
Questionar por possivel reprodução: paolo.bellavite@univr.it

2
Os sistemas dinâmicos

Os sistemas que controlam as variáveis fisiológicas (peso, altura, pressão


arterial, concentração dos metabólitos, biorritmo, etc) são típicos sistemas
dinâmicos. Possuem uma capacidade peculiar que é a de se adaptar
continuamente às mutuantes condições externas e internas do organismo,
como também a de garantir ao mesmo tempo uma estabilidade das funções.
Este dinamismo é chamado também de homeostase, que pode ser definida
como a capacidade de manter as variáveis fisiológicas dentro de determinados
limites, de modo que os diferentes parâmetros e funções colaborem para o
bom funcionamento do sistema no seu conjunto. Inclusive foi determinado o
termo de homeodinâmica para ressaltar esta propriedade de contínua mudança,
de desequilíbrio controlado, típico dos sistemas vivos. Para que esta seja
garantida são necessários ajustes contínuos da velocidade com que acontecem
determinadas reações bioquímicas e determinados processos de transferência
de informação, já que os diversos parâmetros fisiológicos estão em contínuo
“desequilíbrio” e sujeitos a contínuas oscilações.
O conceito de homeostase foi introduzido pelo fisiologista W. Cannon
[Cannon, 1928; Cannon, 1935]. Isto teve seu sucesso na fisiologia pela
capacidade de descrever desde o comportamento dos sistemas que controlam a
freqüência cardíaca à pressão arterial, desde a temperatura corporal às
concentrações dos elementos corpusculares do sangue e desde a glicemia até o
crescimento dos tecidos.
A complexidade dos sistemas responsáveis pelo controle das diversas funções
do corpo ficou mais evidente com o progresso das ciências biomédicas. O

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conceito de homeostase se estendeu no sentido que, enquanto inicialmente se
limitava ao campo da fisiologia clássica de órgãos, aparelhos ou sistemas
(como por exemplo, a circulação, o sistema endócrino, o aparelho excretor),
hoje se podem constatar a existência de uma homeostase também a outros
níveis, tanto no plano celular e molecular (por exemplo, as concentrações de
íons no citoplasma, a velocidade de catálise de uma enzima, etc.), como no
plano dos sistemas que controlam a integridade e a qualidade das informações
biologicamente significativas (por exemplo, o sistema imunitário, a
neurobiologia, etc.).
Os sistemas homeodinâmicos estão presentes em cada nível de organização
biológica: ao nível celular (p. ex: sistemas de transporte de membrana,
induções enzimáticas, proteínas de shock térmico, nucleotídeos cíclicos), ao
nível de órgão (p. ex: regulação do fluxo sangüíneo, da população celular, da
estrutura e da morfologia dos tecidos), ao nível de aparelhos (p. ex: a
regulação da pressão sangüínea, a termorregulação, a função renal, o ciclo
sexual, etc.). Também os encontramos ao nível das funções superiores (p. ex:
as funções mentais e emocionais, a personalidade, o caráter, as decisões e
frustrações, etc.). Estas últimas funções contribuem para a homeostase, já que
colocam o homem num grau no qual pode interagir com o ambiente tanto de
uma forma adequada ou não.
Ao nível planetário, fenômenos como a economia e o clima seguem as leis da
homeodinâmica que de um modo particularmente evidente, nestes casos, são
as leis dos sistemas caóticos.
Todos os sistemas homeodinâmicos do organismo estão caracterizados pelas
integrações (comunicações) tanto de tipo horizontal, ou seja, entre célula e
célula, órgão e órgão, como também de tipo vertical, ou seja, entre sistemas
moleculares e sistemas celulares, entre sistemas celulares e orgânicos ou entre
órgãos e o corpo todo. Este importante conceito possui notáveis conseqüências
na individualização do ser vivo que se estuda numa metodologia de pesquisa
médica determinada (Figura 5).
É claro que se a patologia é classificada predominantemente ao nível
molecular e celular, os instrumentos mais apropriados para estudá-la como a
escolha da melhor maneira de intervir, serão do tipo espectrofotométrico, do
tipo químico e microscópico. Mas se, pelo contrário, estamos interessados nas
modificações anatomo-funcionais ou nas disfunções psíquicas, os
instrumentos metodológicos mais apropriados serão os tradicionais como o
exame físico (a inspeção, a apalpação e a ausculta) e no caso da psique o
interrogatório e uma atenta observação do comportamento (onde a relação
médico-paciente é de extrema importância).

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 2


Figura 5. Diversos níveis de integração dinâmica no organismo e
exemplos de métodos mais adequados para sua pesquisa.

É necessário notar que na medicina moderna prevalece a tendência a


privilegiar a análise químico-instrumental ao invés da relação médico-
paciente, já que não se dá o devido valor à pesquisa baseada nos sentidos, no
conhecimento clínico ou/e na intuição do médico.
Considerando que os sistemas homeodinâmicos estão integrados entre si, não
é correto considerar um nível mais importante e/ou determinante que os
outros, de forma que a individualização das conexões “verticais” entre os
diferentes sistemas envolvidos no processo patológico, é de importância
fundamental para a compreensão da verdadeira natureza de uma doença, como
também para descobrir a cura mais eficaz e completa.
É oportuno esclarecer e insistir no fato que o conceito de homeostase não deve
ser confundido com o de equilíbrio estacionário. Os diversos sistemas
biológicos nunca existem em equilíbrio, ao contrário, estão sujeitos a
contínuas oscilações na intensidade dos fenômenos a eles relacionados,
enquanto são mantidos longe do equilíbrio por um contínuo fluxo de energia.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 3


Na fisiologia da célula, por exemplo, podemos notar como a membrana
plasmática divide dois ambientes (intra e extracelular) provocando assim um
desequilíbrio de íons (principalmente Na+, K+ e Ca2+) e justamente graças a
esse desequilíbrio e suas oscilações imprevistas que a vida da célula é mantida
e muitas das suas funções podem ser explicadas.
Como já dizemos anteriormente, a organização biológica gera e usa estruturas
espaço-temporais nas quais não existe homogeneidade nem fases estáticas a
nível nenhum. O estado estacionário (steady-state) não é propriamente um
estado, e sim, um conglomerado de processos organizados ao nível espaço-
temporal. A organização consiste na transferência de energia/informação entre
os processos nos quais acontecem contínuas modificações com freqüências 16
que vão de cerca de 10-14 segundos, para transferência de energia ressonante
entre moléculas, a 107 segundos, para os ritmos circadianos [Ho, 1996]. Num
determinado espaço-tempo à energia e a informação podem ser armazenados,
por exemplo, como vibrações de ligações ou energia de tensão das moléculas,
seqüências de DNA, configurações de sinapses ou receptores celulares.

A comunicação nos sistemas biológicos


As informações nos sistemas homeodinâmicos são transferidas através de
sinais e receptores. Nota-se que o paradigma sinal/receptor constitui um dos
pilares fundamentais da biologia moderna. Não temos aqui espaço para
analisar as múltiplas faces desta problemática. Para nossa discussão é
suficiente destacar o fato que quando um sinal (que pode ser apenas uma
molécula, se bem que existem também sinais não moleculares como, por
exemplo, a luz, os sons, as ondas eletromagnéticas de baixa freqüência, as
variações de potencial elétrico de membrana) atinge seu receptor (sendo este
uma única molécula com a qual existe afinidade química ou física), isto
provoca uma modificação conformacional no receptor e nas outras moléculas
a ele ligadas (por exemplo, os canais iônicos, enzimas, G-proteínas, ácidos
nucléicos, citoesqueleto, dependo a situação) pela qual alguma atividade
específica ou função controlada daquele receptor é estimulada ou inibida.
Estimulação e inibição, aceleração ou desaceleração, expressão ou supressão,
sensibilização ou dessensibilização, ativação ou bloqueio, são as possíveis
alternativas que se colocam como resposta à sinalização imediata do receptor,
que dependem tanto da natureza do sinal como das funções específicas que
estão “acopladas” a um determinado receptor.
16
Freqüência: número de eventos por unidade de tempo, a principal unidade de medida é o Hertz (Hz): 1
ciclo/segundo.

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Na sua forma mais simples, um receptor pode ser também apenas uma parte
de uma molécula alostérica17: isto é principalmente válido para as enzimas,
cuja atividade é regulada por ligações de moléculas mais ou menos complexas
(algumas enzimas são reguladas também apenas pelas concentrações de íons
H+, Ca2+, Na+, Mg2+, etc.). No campo da enzimologia se destaca o fenômeno
da inibição por parte do produto da reação: trata-se do caso mais elementar de
feedback, ou seja, de um sistema homeostático a nível bioquímico.
Por outro lado, nas células evoluem também sistemas receptores formados por
muitos componentes, acoplados de tal forma que dão lugar a um receptor
complexo. Basta pensar nos receptores para antígenos presentes nas células
dos sistemas imunitários, formados por diferentes moléculas vizinhas. Tal
complexidade se explica pela necessidade de discriminar de uma forma
específica com que tipo de molécula vai acontecer a ligação e de reconhecer
também o contexto no qual a ligação vai ocorrer para permitir uma resposta
celular adequada.
Várias moléculas–sinal importantes, como por exemplo, a histamina, a
serotonina, a adrenalina e a endorfina, possuem tipos diferentes de receptores
às vezes sobre as mesmas células, as quais freqüentemente estão
caracterizadas por sensibilidades diferentes em relação às concentrações do
sinalou pelo acoplamento entre os diversos sistemas efetores. Isto introduz um
elemento posterior de complexidade nas comunicações entre as células o qual
poderia fornecer uma das explicações do notável fenômeno de hormese
observado quando uma resposta biológica a doses baixas de um fármaco
resulta oposta àquela observada quando são administradas doses elevadas
[Furst, 1987; Calabrese et al., 1987; Bellavite et al., 1997; Calabrese, 1999].

A sensibilidade nos sistemas vivos


Nos sistemas vivos existem muitas formas nas quais um pequeníssimo sinal
pode desencadear grandes respostas, graças a mecanismos de amplificação.
Isto foi estudado especialmente nas células, ao nível de receptores e sistemas
de transdução. A biologia nos ensina que cada célula possui um determinado
número de receptores (tanto de membrana como intracelulares) que variam de
poucos décimos a centésimos de milhares dependendo dos casos. Cada
receptor quando ativado por uma molécula-sinal está apto para transmitir a
ativação do processo a muitos sistemas diferentes de transdução, dentre os

17
Alostérica: uma molécula que pode ter diferentes conformações, cada uma das quais está associada a uma
atividade diferente ou a uma diferente função, em conseqüência ligada a fatores reguladores específicos.

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quais, as G-proteínas. Em volta deles as G-proteínas podem ativar muitas
unidades de enzima adenilato-ciclase, que produzem um aumento de cAMP.
Este último mensageiro intracelular, uma vez que tem seu nível aumentado,
pode desencadear a ativação de muitos diferentes sistemas enzimáticos e
genéticos. Portanto, uma simples molécula extracelular pode desencadear uma
série de reações em cadeia que proporcionam a ativação da célula toda.
Os aparelhos sensoriais da célula são “plásticos”, neste nível acontecem vários
mecanismos reguláveis como a hipersensibilidade (como o aumento de
receptores) e o fenômeno do priming18 e adaptação (por exemplo, a
desensibilização19, o fenômeno da down-regulation20 receptorial, inibição de
contato21, etc.).
Outro fenômeno interessante é a ressonância estocástica22, este conceito
aparentemente paradoxal demonstra que o “ruído de fundo” (flutuações
casuais, estocásticas, que provocam distúrbios em cada sistema natural) pode
aumentar, e inclusive diminuir, a percepção de sinais, se transformando num
sistema sensível a estímulos tão pequenos que de outra forma não poderiam
ser percebidos [Benzie et al., 1981; Wiesenfeld e Moss, 1995; Cordo et al.,
1996; Collins et al., 1996; Glanz, 1997a]. A ressonância estocástica requer um
sistema físico que possa realizar transições entre dois ou mais estados
(oscilações) e que também seja perturbado por um input, que pode ser
constituído por um ruído (“noise”) aperiódico e por um sinal periódico, débil
em relação ao ruído. Quando o sistema é perturbado apenas pelo ruído, o sinal
de entrada responde com transições alternadas de estado, evidentemente sem

18
Priming: o que se pretende explicar com este termo é um estado de hiperativação de resposta a um estímulo
ativo, de forma que caracterizam a célula ou o órgão após ter recebido um pré-tratamento com uma pequena
dose do mesmo estímulo (“priming” homólogo) ou de outros estímulos de diferente tipo (“priming”
heterólogo).
19
Dessensibilização: estado caracterizado pela perda de reação após um estímulo, após a célula ou o
organismo ter recebido um “pré-tratamento” com baixas, médias ou altas doses do mesmo agente ativo
(dessensibilização homóloga) ou com agentes diferentes usados para o estímulo (dessensibilização
heteróloga). Em linhas gerais, a dessensibilização (tanto homóloga como heteróloga) pode ser devida a muitos
mecanismos, dentre os quais se destaca a separação dos receptores, a “down-regulation” ou inativação dos
mesmos receptores, a falta de acoplamento dos receptores com sistemas de transdução e a desativação dos
sistemas efetores celulares. Um fenômeno similar a dessensibilização é a tolerância, que pode ser definida
como a não reatividade adquirida do sistema imunitário para determinados antígenos.
20
Down-regulation: fenômeno pelo qual os receptores de membrana de uma célula estão reduzidos em
número porque são transportados ao interior da própria célula, geralmente por um empenho excessivo deles
próprios receptores, a falta de acoplamento dos receptores com sistemas de transdução e a desativação dos
sistemas efetores celulares.
21
Inibição de contato: fenômeno pelo qual as células em cultura, quando entram em contato através da
membrana, retardam o próprio crescimento.
22
Estocástico: significa ao acaso. Assim se denomina também um estilo ou técnica de composição musical
lançados pelo grego Yannis Xenakis (1922) a fim de opor-se ao formalismo da música serial, e nos quais o
compositor introduz a teoria matemática das probabilidades.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 6


nenhuma periodicidade23. Quando é perturbado por um sinal periódico débil,
suas oscilações são iguais, com a freqüência e amplitude do sinal perturbador.
Quando o sinal periódico débil é agregado ao ruído, a oscilação periódica é
muito amplificada e, portanto, a saída do sistema emite um sinal com um
componente de freqüência igual ao sinal periódico, mas muito mais forte que
o próprio sinal.
Nos últimos anos, uma série de experiências mostrou que este fenômeno se
encontra nos sistemas que vão do laser aos supercondutores, dos neurônios
aos circuitos eletrônicos, como também se encontra nos peixes que nadam em
águas turbulentas. Normalmente, cada sistema que recebe um sinal o percebe
apenas num certo tipo de intensidade (ou de concentração). A presença de um
certo distúrbio de fundo, combinado com oscilações casuais do mesmo sinal,
faz com que existam com maior probabilidade os momentos nos quais o sinal
“verdadeiro”, sobrepondo-se ao próprio ruído, supera o problema de
sensibilidade instrumental. É claro que se o próprio ruído supera determinados
limites, a percepção do sinal desaparece completamente.

Fenômenos oscilantes
Nos sistemas biológicos existe uma ampla série de fenômenos oscilatórios,
com períodos que variam de poucos milisegundos (oscilações enzimáticas,
atividade neuronal) a segundos (respiração), minutos (divisão celular), horas
(ritmos circadianos, atividade glandular, ritmo sono-vigília), dias (ciclo
ovárico), meses e anos (variações de população). Ou seja, todos os fenômenos
interessantes para a vida são rítmicos. Na tabela 2 temos uma série desses
fenômenos, nos quais se apresentam os respectivos períodos de oscilação
[Breithaupt, 1989; Ho e Popp, 1993; Ho, 1996; Bellavite e Signorini, 1998].
Alguns parâmetros fisiológicos parecem praticamente estáticos no adulto: por
exemplo, a altura do corpo se estabiliza após o crescimento num valor fixo por
um período longo, para depois sofrer uma leve diminuição quando chega à
velhice. Mas se pensamos no peso corpóreo podemos observar que após o
período de crescimento se atinge um peso apenas aparentemente estacionário,
enquanto podemos facilmente notar as variações circadianas e específicas de
determinado período, como àquelas ligadas aos esforços físicos contingentes.
Ainda mais evidentes são as variações temporárias das secreções de

23
O ruído é caracterizado por variações aleatórias de sinal, sem periodicidade, resultando numa somatória
nula do sinal. Quando existe um sinal real, mesmo que fraco, este sinal possui sempre uma mesma fase,
periódica, resultando numa somatória positiva ou negativa, de acordo com a fase (positiva ou negativa)
correspondente ao sinal de entrada.

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hormônios e do nível de metabólitos ou de sais minerais ligadas às ações dos
próprios hormônios.
A maior parte das reações bioquímicas mostram um fluxo oscilante nas
funções celulares, enquanto que, as realizadas “in vitro” possuem uma cinética
que tende a se estabilizar com o desaparecimento do substrato. A velocidade
da atividade enzimática oscila quando duas enzimas competem pelo mesmo
substrato e pequenas mudanças das concentrações dos reagentes podem
conduzir a mudanças na freqüência ou na amplitude das oscilações,
introduzindo comportamentos caóticos em esquemas precedentemente
harmônicos ou vice-versa [Cramer, 1993].

Tabela 2 – Fenômenos oscilatórios nos sistemas vivos e suas freqüências


aproximadas (ordem de grandeza)

VARIÁVEL PERÍODO FREQÜÊNCIA


Bioluminescência 10-15 1015
Fenômenos de ressonância entre 10-14 1014
moléculas
Movimentos coletivos de proteínas 10–9 109
Oscilações dos receptores acústicos 10 –2 - 10 – 4 102 - 10 4
Hidrólise do ATP 10– 2 102
Descarga de motoneurônios 10– 2 10 2
Ondas cerebrais 10-1 10
Batimento cardíaco 1 1
Respiração 10 10-1
Oscilações de intermediários 102 10-2
metabólicos
Concentração de hormônios 102 10-2
Ciclo celular 104 10-4
Sono-vigília 105 10-5
Ciclo ovárico 106 10-6
Variações metabólicas periódicas 107 10-7
Vida 109 10-9

Notamos que, no interior da célula, muitas moléculas com funções reguladoras


variam de acordo com oscilações que podem ser mais ou menos velozes e/ou
rítmicas.

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Já foram medidas as oscilações nas concentrações dos nucleotídeos cíclicos24
[Meyer, 1991] e do inositol fosfato25 [Berridge e Irvine, 1989], dos potenciais
de membrana [Pandiella et al., 1989; Maltsev, 1990; Ammala et al. 1991], no
metabolismo oxidativo dos leucócitos [Wyman et al. 1989], na polimerização
da actina26 [Omann et al., 1989; Bellavite et al., 1997a]. Foi levantado que um
dos mais importantes sistemas de sinalização intracelular, o aumento do íon
cálcio livre, realiza sua função por meio de pulsações, ou melhor, de
oscilações das concentrações ou ondas espaço-temporais [Berridge e Galione,
1998; Cheek, 1991]. Medidas efetuadas em células isoladas revelaram que
muitos hormônios desencadeiam uma série de ondas nas concentrações dos
íons cálcio, a intervalos de segundos, onde estes mostram um aumento de
freqüência ao se elevar às concentrações dos seus hormônios.
O mecanismo de tais oscilações intracelulares de segundos mensageiros ainda
não é bem compreendido, mas resulta evidente que depende do desequilíbrio
controlado existente entre os vários mecanismos que se ocupam de abaixar
seus níveis e aqueles que se ocupam de aumentá-lo [D`Andrea et al., 1993].
No que se refere ao cálcio intracelular sabe-se que este tende a ser mantido em
concentração muito baixa por ação tanto da bomba (cálcio-ATPasi) como do
“contratransporte” (intercâmbio Ca2+/Na+ e Ca2+/H+). Por outro lado, tanto
pelo amplo gradiente entre a concentração externa e interna, como pela
existência de canais com maior ou menor abertura dependendo do estado de
ativação da célula, o cálcio tende a aumentar. Alguns canais de cálcio estão
diretamente acoplados ao receptor por sinais externos, enquanto que outros ao
potencial elétrico de membrana.
As oscilações mais ou menos rítmicas não são apenas o resultado inevitável do
desequilíbrio entre sistemas de controle. Os ritmos biológicos ajudam a
coordenar e estabilizar o funcionamento dos diversos órgãos e sistemas, onde
as oscilações também têm um papel fundamental [Breithaupt, 1989;
Matthews, 1991]. As ondas de cálcio podem se propagar em tecidos e órgãos
representando um sistema de sinalização de rádio longo, como foi observado
nas células ciliadas dos epitélios, nas células endoteliais, nos hepatócitos, nos
monócitos em cultura e nos astrocitos. Pensa-se que este mecanismo de
comunicação intercelular contribui para a sincronização de grandes grupos de
células responsáveis por uma determinada função [Meyer, 1991].
Pensa-se também que as respostas celulares são controladas mais pela
modulação da freqüência do que pela modulação da amplitude do sinal, como

24
Nucleotídeos cíclicos: moléculas com funções de segundos mensageiros intracelulares (cAMP e cGMP).
25
Inositol fosfato: molécula derivada da cisão dos fosfolipídios nas membranas celulares, responsável pela
transmissão do sinal receptorial.
26
Actina: molécula principal dos microfilamentos celulares. Existe em forma monomérica ou polimérica.

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também pela transmissão de informação entre neurônios que se realiza através
das variações de freqüência do potencial de ação [Weiner, 1992]. A freqüência
de tais oscilações poderia representar um código de sinal digital, com um
significado de informação para gerar uma resposta ou para ativar um processo
(por exemplo, uma enzima); também se considera mais importante a
freqüência das oscilações espaço-temporais (ondas) nas concentrações de
cálcio do que a quantidade deste presente no meio [De Koninck e Schulman,
1998]. Estes tipos de sinais poderiam regular de uma forma mais precisa a
resposta celular às mudanças de concentração hormonal [Berridge e Galione,
1998; Catt e Balla, 1989; Cheek, 1991]. Distinguem-se dois tipos celulares
similares (basófilos e mastcélulas) pela freqüência das suas oscilações de
cálcio intracelular em resposta a um estímulo mediado pela IgE [MacGlashan
e Guo, 1991]. As oscilações das descargas do córtex cerebral são realmente
importantes para garantir a coordenação de diversos grupos de células e de
centros nervosos [Engel et al., 1992; Riehle et al., 1997].
Quando falamos das oscilações das variáveis biológicas não podemos deixar
de destacar o campo das oscilações moleculares relacionadas às oscilações do
campo eletromagnético, fenômenos para os quais os cientistas estão colocando
sua atenção apenas recentemente. Este é um tema de relevante interesse e
necessidade de pesquisa dada a difusão cada vez maior de ondas
eletromagnéticas no meio ambiente em geral e no nosso cotidiano. Não é aqui
o lugar para discursar de uma forma exaustiva este importante argumento, mas
pelo menos quero destacar o fato que campos eletromagnéticos de intensidade
e freqüência extremamente baixos são capazes de alterar as funções dos
hormônios, dos anticorpos e neurotransmissores ao nível de receptores e de
sistemas de transdução27 [Adey, 1988]. A atividade proliferativa celular
também é influenciada pelos campos eletromagnéticos, mesmo que estes
sejam de intensidade muito débil (0.2 – 20mT, 0.02 – 1.0 mV/cm) [Luben et
al., 1982; Conti et al., 1983; Cadossi et al., 1992; Walleczek e Liburdy, 1990].
Muitas destas interações dependem mais da freqüência do que da intensidade
do campo, aparecendo apenas em determinadas janelas de freqüência; este
fato nos sugere a existência de sistemas de regulação não-linear e longe do
equilíbrio termodinâmico [Weaver e Astumian, 1990; Yost e Liburdy, 1992;
Tsong e Gross, 1994]. Esta é uma área de extrema importância que
analisaremos posteriormente.

27
Sistemas de transdução: cadeias de moléculas ou de processos bioquímicos que conectam ao nível celular o
receptor aos sistemas bioquímicos efetores, ativando-os, regulando ou inibindo-os.

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O caos como fenômeno fisiológico
Um outro aspecto que devemos considerar é o que se relaciona às variáveis
sujeitas ao controle homeodinâmico, nas quais suas oscilações nunca são
perfeitamente periódicas e estáveis (ou seja, não possuem freqüência e
amplitude constantes). Observamos oscilações de diversos tipos: do tipo
periódico-instável ao tipo quase-periódico-instável até do tipo completamente
irregular, ou melhor, de tipo caótico. Entre as propriedades fundamentais dos
sistemas complexos existe o caos28. Se procurarmos fazer esclarecimentos
sobre um assunto tão difícil e polemico, tornasse mais do que necessário dizer
para a ciência ortodoxa atual que o caos não coincide como freqüentemente
pensa-se com uma confusão máxima ou, mais precisamente, com a entropia
do sistema.
O caos se transformou em argumento de pesquisa e debate científico. Isto
aconteceu devido ao fato de ter-se começado a entender que no caos existem
algumas regras, algumas leis, algumas constantes, ou seja, uma certa ordem
[Arecchi e Arecchi, 1990; Casati, 1999; Cramer, 1993; Mainzer, 1994;
Vulpiani, 1994; Bellavite et al., 1995; Nicolis et al., 1995; Nicolis, 1995;
Musso, 1997; Callard et al., 1999]. Neste sentido o conceito de caos se
aproxima muito ao de complexidade.
Uma das características fundamentais e universais dos sistemas complexos é
representada pelo fato que neles se manifestam simultaneamente a ordem e a
desordem, tanto seja na forma (ou estrutura) como no comportamento (ou
dinâmica no tempo). Temos a percepção imediata do que são a ordem e a
desordem, quando estas se apresentam na experiência imediata no nosso
ambiente externo e também, certamente, dentro de nós. Observamos a
sucessão constante do dia e da noite, o movimento dos planetas, o movimento
regular de um pêndulo, as linhas que se projetam em direção a um arranha-
céu, a simetria perfeita de nossas mãos ou das asas de uma borboleta e assim
por diante. Por outro lado, observamos muitos outros fenômenos nos quais
prevalece a desordem; nos basta pensar nas variações climáticas, nos
terremotos, nos desabamentos de uma montanha, no pensamento de um
paranóico, no andamento das cotações da moeda no mercado financeiro.
28
Caos: definido como “forma de evolução temporal de um sistema onde a diferença entre dois estados
inicialmente similares cresce exponencialmente com o decorrer do tempo”; esta propriedade é chamada de
“forte dependência das condições iniciais”[Firth, 1991; Ruelle, 1992; Vulpiani, 1994]. Outra definição válida
seria “pseudorandom noise” (literalmente: rumor aparentemente casual) [Elbert et al., 1994]. Este tipo de
comportamento foi levantado pela primeira vez por H. Poincaré em torno de 1900, mas não ficou disponível
para pesquisa até o desenvolvimento dos computadores eletrônicos. O estudo científico do caos começa na
prática com os estudos de E. Lorenz, nas suas pesquisas sobre campo meteorológico [Lorenz, 1963].

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Na realidade são poucos os fenômenos que são totalmente ordenados ou
desordenados: a duração do dia e da noite varia com as estações, um pêndulo
mais cedo ou mais tarde acaba parando e, o movimento dos planetas, se
avaliados por um longo período, não é tão regular como Galileu acreditava,
cujas medidas são precisas, mas não são absolutamente exatas. Em
contrapartida, os fenômenos aparentemente desordenados escondem uma
regularidade, surgem de “regras de comportamento” que em parte já estão
definidas, pelo menos em termos de probabilidade: um temporal ocorre muito
mais provavelmente no verão que no inverno, as ondas do mar e as da areia do
deserto possuem também alguma regularidade, as formas das nuvens, das
costas, das montanhas apresentam repetições de forma segundo a
determinação de condições físicas adequadas. As perturbações da economia
também são imprevisíveis, somente algumas regras do mercado são bem
estabelecidas e se aplicam sempre.

Ordem e desordem
No campo da matéria, os cristais são um exemplo de estrutura muito ordenada,
que possuem uma ou poucas estruturas moleculares imobilizadas por regras
fixas de interação que não permitem muita liberdade de escolha na disposição
das configurações. Os gases em alta temperatura estão entre os sistemas mais
desordenados, onde existem milhares de moléculas em movimentos rápidos.
Cada molécula caminha em direção a outras moléculas, havendo colisões
entre elas causadas pelas próprias variações internas. Em termos técnicos este
estado se chama equilíbrio termodinâmico e nele a entropia (função que define
a probabilidade que um sistema tem de existir de uma forma qualquer) atinge
o seu valor máximo. Este estado é considerado de desordem, porque as
partículas não “obedecem” a nenhuma “ordem”, não apresentam nenhuma
organização, nenhuma “forma” que permita distinguir o sistema de um outro
equivalente, enfim nenhuma coerência, nem na disposição nem no
movimento. Quando a desordem relativa à natureza do sistema considerado e
a temperatura atingiram seu máximo, nenhum processo físico interior será
capaz de fazer o sistema retornar a qualquer tipo de ordem (se ele estiver
isolado do ambiente).
Entre a ordem perfeita e a desordem total existe uma infinita variedade de
formas intermediárias, nas quais a estabilidade convive com a variabilidade.
Este é justamente o domínio da complexidade. Isto é particularmente evidente
nos sistemas biológicos: uma árvore mostra uma ordem de espécie que a faz
inconfundível, mas não existe uma árvore exatamente igual à outra; o mesmo
vale para qualquer ser vivo.

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As variáveis fisiológicas controladas dos sistemas homeodinâmicos estão em
oscilações contínuas entre um máximo e um mínimo consentidos, mas esta
variabilidade pode ser mais ou menos regular e rítmica dependendo das
condições iniciais e da multiplicidade dos fatores condicionantes.
É evidente que todos os sistemas dotados de tais características estão sujeitos
ao caos, e o fato mais surpreendente é justamente que o caos não é sempre um
fenômeno negativo, já que pode resultar um elemento que permite
flexibilidade e gera diversidade.
O caos é, portanto um “comportamento” da matéria pelo qual as configurações
que esta pode assumir dependem sensivelmente das condições iniciais, dos
mecanismos de amplificação e de retroação e dos fenômenos de coerência
(movimentos coletivos) [Ruelle, 1991]. O papel dos fenômenos caóticos em
medicina começa a ser estudado e compreendido nos últimos anos, graças aos
estudos realizados principalmente em cardiologia e neurologia, certamente
este campo é muito aberto mesmo para a biologia celular, a farmacologia e
imunologia.
Em medicina maior parte das aplicações práticas da teoria do caos aconteceu
em cardiologia. Já se demonstrou [Goldberger et al., 1990] que a freqüência
cardíaca varia no tempo com uma periodicidade intrinsecamente caótica e não
como se pensava até agora, segundo o ritmo normal sinusal influenciado pelos
sistemas homeodinâmicos. Observando tais variações segundo escalas
temporais diferentes (minutos, décimos de minutos, horas) encontramos
flutuações similares, que nos lembram o comportamento fratal29 no domínio
do tempo e do espaço. Não se trata, obviamente, de uma arritmia, mas, de
oscilações do ritmo normal.
Técnicas de análise não-linear30 podem ser aplicadas no eletroencefalograma
para construir modelos de funcionamento do córtex cerebral [Babloyantz e
Lourenco, 1994]. Nestes modelos, os estados vitais diferentes (sono, vigília,
atenção, etc.) são vistos como uma atividade cortical caótica, tanto no espaço
como no tempo, mas sujeita a um controle que lhe aumenta a coerência por
ligações provenientes do tálamo ou de outras áreas (por exemplo: a córtex
visual recebe informações das vias ópticas).
Considera-se que a dinâmica caótica pode fornecer a possibilidade de
codificar um número de informações, porque são a “reserva” de um número

29
Fractal: objeto com uma estrutura complexa, sutilmente ramificada, dotado de dimensões fracionárias e de
autosemelhança (invariância em relação à mudança de escala).
30
Análise não-linear: analise que leva em consideração o fato de que as respostas fisiológicas não são sempre
proporcionais a quantidade e/ou qualidade do estímulo.

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extremamente grande de órbitas31 periódicas e instáveis [Babloyantz e
Lourenco, 1994].
A imunologia é um campo no qual os comportamentos caóticos são estudados
com particular interesse, desde que nesta área se manifesta com evidência a
cooperação entre os fenômenos que tendem a uma estabilidade e regularidade
(a manutenção da identidade biológica do indivíduo) e fenômenos
caracterizados pela variabilidade e oscilações (o aparecimento constante de
uma nova especificidade receptorial, de complexos controlados e
interconectados pelas diferentes células implicadas no network idiotipo-anti
idiotipo32 e nas redes das citocinas).
Um exemplo das oscilações irregulares de uma variável em imunologia é o
comportamento da resposta de um anticorpo a um antígeno quando avaliada
no tempo, com um sistema que coloque em evidência as variações das células
B antígeno-específico. Este comportamento é a tal ponto aperiódico que pode
ser definido como caótico. A origem da complexidade no caso dos sistemas
oscilantes deste tipo poderiam ser relativamente simples, resultando ao final
da interação entre vários sistemas oscilantes, cada um dos quais pode ser
especialmente descrito por um modelo presa-predador do tipo Volterra-
Lotka33 [Bellavite et al., 1995].
A resposta anticorpo-específico a uma solicitação antigênica é um processo
complicado, cuja regulação envolve a interação de muitos tipos celulares:
linfócitos B, T e macrófagos. As interações entre células e moléculas desse
tipo são freqüentemente por feedback. Por exemplo, os anticorpos produzidos
são, por sua vez, antígenos para outros anticorpos (os anticorpos que
reconhecem como antígenos o local de combinação de outros anticorpos se
31
Órbita (ou trajetória): as linhas (somente curvas) formadas por pontos sucessivos que definem um sistema
no espaço de fases (representações gráficas nas quais a cada coordenada é associada uma variável dinâmica.
Um ponto neste espaço indica o estado do sistema num determinado instante).
32
Idiotipo: região da parte variável de um anticorpo ligada a um outro anticorpo específico (este último
chamado de anti-idiotipo).
33
Volterra e Lotka em 1926 propuseram um modelo simples de tipo presa-predador na procura de explicar os
fenômenos oscilantes em relação à captura de algumas espécies de peixes do Adriático. Se N é a população da
presa e P é a população do predador no tempo t, então o modelo poderá ser descrito como:
dN/dP= N (a - bP)
dP/dt = P (cN - d)
onde a variação das presas (dN) no intervalo de tempo dt é proporcional ao número de presas N multiplicado
por um valor dado pela diferença de um parâmetro a (andamento exponencial do crescimento das presas se
não existisse predador) menos um parâmetro bP (densidade da população do predador). A variação da
população dos predadores (dP) é proporcional ao número dos predadores P multiplicado por um valor dado
pela diferença entre um parâmetro cN (proporcional ao número de presas disponíveis) menos um parâmetro d
(andamento exponencial do aparecimento de predadores em ausência de presas). Mediante esta equação se
descreve de modo eficaz o funcionamento inverso e oscilatório do número de presas e predadores num
território determinado.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 14


chamam anti-idiotipos), tudo isto composto por uma cadeia circular de reações
que envolvem uns números grandes de clones, que constituem o repertório das
imunoglobulinas.
Considera-se que o network formado pela interação idiotipo-anti-idiotipo
possui um importante papel na regulação da resposta imune, podendo
alternativamente assumir um caráter supressivo ou estimulador e, portanto, se
transformar em fonte de oscilações. Uma outra fonte de oscilações pode ser
dada pelas células T supressor (Ts), que são capazes de regular negativamente
as células T helper (Th), de forma que acabam amplificando a resposta imune
[Andrighetto e Zoller, 1987; Bellavite et al., 1995]. As dinâmicas caóticas
também estão presentes normalmente na homeostase de redes com
componentes múltiplos e interconectados entre si, como a das citocinas, dos
neuropeptídeos, do sistema endócrino, as redes idiotipo-anti-idiotipo, o
equilíbrio dos HLA-receptores imunitários.
Analisando as dinâmicas de um processo de produção de um anticorpo
específico e do anticorpo antianticorpo, se vê que estes apresentam sempre
oscilações nas quais as suas concentrações são vistas flutuando inversamente
com picos recorrentes em torno de oitenta dias. Outros autores reportaram que
oscilações similares são enquanto irregulares, caóticas [Perelson, 1989].
Concluindo, a resposta imune a um antígeno é um fenômeno que se apresenta
sob a forma de um processo caótico quando se observam as oscilações das
produções de anticorpo ou da totalidade das células T específicas. Mas tanto
os modelos matemáticos como os experimentais demonstraram que a cinética
observada é a resultante da interação de muitos fenômenos cíclicos regulares
(periódicos). Ou seja, o comportamento caótico de uma variável, como a
concentração de anticorpos, é a resultante de muitos comportamentos
periódicos, dos quais nenhum prevalece em condições normais. Da interação
de muitos parâmetros que controlam uma determinada função (por exemplo, a
concentração de anticorpos) nasce um comportamento caótico. Isto confere
uma flexibilidade grande ao sistema porque perturbações oportunas (mesmo
que pequenas inicialmente, como por exemplo, as doses pequenas de
antígenos) podem rapidamente estimular o comportamento de um ou mais
clones celulares. Não se podem deixar de lado os fenômenos caóticos quando
descrevemos os sistemas complexos, já que neles muitos componentes
interagem de forma não-linear.
Uma teoria que alguns consideram perfeita pode não sê-lo para outros; daí a
importância de encontrarmos os instrumentos e as linhas de pesquisa que
possam integrar uma nova teoria, com a tida como suficiente ou acabada que
lhe precede. Em outras palavras, na variabilidade dos fenômenos, que são
objetos de estudo, deve-se procurar distinguir o que é o verdadeiro “ruído”

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 15


(noise), ligado a flutuações totalmente casuais e desordenadas, das
imprecisões de medidas e oscilações que se apresentam como não-periódicas
por razões metodológicas compreensíveis e/ou explicáveis. Com este
propósito foi introduzido o conceito de caos determinístico, indicando
especialmente o fenômeno da variabilidade e da imprevisibilidade, mas que
mesmo assim estão sujeitos às leis determinísticas [Casati, 1991].

Atratores
O comportamento dos sistemas complexos segue regras de não linearidade
que freqüentemente o colocam em contínua mudança, mas estas mudanças
quando fisiológicas estão sempre sujeitas a controles. Sobre a base de modelos
matemáticos podem ser descritas as trajetórias dos sistemas dinâmicos de
acordo com o conceito de atrator. O atrator é o conjunto dos pontos que
representam o estado de um sistema dinâmico em tempos (ciclos) sucessivos
no espaço em várias dimensões. Ou seja, o atrator poderia ser definido como a
forma geométrica no espaço de fases34 em relação a qual todas as trajetórias
convergem e sendo mantidas no tempo.
Existem vários tipos de atratores:
- o atrator puntiforme, no qual o sistema se situa num único estado e nele se
mantém: por exemplo, um peso que se deixa cair sobre uma superfície, após
algumas oscilações, pára e assim permanece;
- o atrator periódico que descreve um sistema que passa através de ciclos ou
seqüências repetitivas, como um pêndulo que oscila em ausência de atrito. A
periodicidade pode ser mais ou menos complexa. Para um oscilador periódico
a forma do atrator no espaço de fases é uma curva fechada chamada de ciclo-
limite35.
- o atrator estranho (caótico) é representado por uma região no espaço que
descreve trajetórias que variam com cada ciclo. Tais trajetórias ocupam um
espaço não infinito, mas são representadas por um conjunto infinito de pontos
(ou seja, que nunca se repetem de uma forma exatamente igual).

34
Espaço de fases (ou espaço dos estados): representação gráfica na qual cada eixo é associado à uma variável
dinâmica. Um ponto neste espaço indica o estado do sistema num determinado instante. Cada mudança de
estado do sistema produz no espaço de fases um deslocamento do ponto que descreve uma certa trajetória.
Estes modelos geométricos podem ser bi-dimensionais, tri-dimensionais ou de qualquer dimensão segundo o
número de variáveis consideradas.
35
Ciclo-limite: atrator que descreve trajetórias em forma de curva fechada aproximadamente circulares ou
elípticas.

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Figura 6. Atrator de Lorenz. Nesta figura realizada com o software
Fractint, os parâmetros fixados são: a=5, b=15, c=1, dt = 0.02.

O primeiro atrator estranho descrito foi o de Lorenz (figura 6), que representa
um sistema dinâmico de três diferentes equações não-lineares. As trajetórias
estão representadas pela série de pontos situados no espaço tridimensional
(x,y, z) obtidas através das iterações das seguintes equações:
x(0) = y(0) = z(0) = 1
x(n+1) =x(n)+(-a*x(n)*dt)+(a*y(n)*dt)
y(n=1)=y(n)+(b*x(n)*dt)-(y(n)*dt)-z(n)*x(n)*dt)
z(n+1)=z(n) +(-c*z(n)*dt)+(x(n)*y(n)*dt)
Este sistema desenha órbitas divergentes, que nunca se encontram num
mesmo plano, mas que mostram trajetórias que de qualquer forma se “atraem”
por apenas dois pontos no espaço tridimensional.
É importante em relação a este ponto destacar que as reais funções biológicas
e fisiológicas possuem mais de um atrator, dependendo das condições nas
quais se desenvolvem. A existência de mais atratores deriva tanto da natureza
dinâmica do sistema (seu desenvolvimento no tempo, podendo se modificar os
atratores quando mudam os parâmetros), como do fato que nenhum sistema
fisiológico é na verdade isolado, estando exposto aos fluxos de informação e
de energia provenientes de outros sistemas. Quando dois sistemas não-lineares
se acoplam, de forma qualquer (aleatoriamente), sempre um acaba interferindo
no outro. Por isto o caos é “cumulativo”: sistemas acoplados são mais
suscetíveis de ir ao encontro, de se aproximar do caos do que sistemas

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 17


isolados; sistemas complexos nos quais existem múltiplos atratores são mais
caóticos do que suas simples partes consideradas separadamente.
Em condições de homeostase normal, se um sistema é perturbado por
influências externas, seu comportamento tende a retornar em direção ao
atrator. Mas, nas proximidades dos “pontos de bifurcação” 36, uma perturbação
pode “forçar” o sistema em direção à bacia de um outro atrator, local onde
pode permanecer. A existência de múltiplos atratores para um mesmo sistema
faz com que a passagem de um atrator para outro possa ser um fenômeno
descontínuo e marcado pela irreversibilidade: seu estado real num
determinado instante depende da sua “história” precedente.
O conceito de atrator começa a ter notáveis aplicações na fisiologia, na
farmacologia e em particular no que diz respeito à medicina biodinâmica [van
Rossum e de Bie, 1991]. A situação na teoria farmacocinética clássica é
simples porque o atrator é um ponto simplesmente, as informações adequadas
podem ser obtidas medindo-se apenas uma variável, como a concentração de
um fármaco ou de um dos seus metabólitos no sangue.
No campo da farmacodinâmica, onde também são examinados os efeitos dos
fármacos, a situação é mais complexa. O atrator pode ser do tipo caótico ou
estranho. O efeito induzido por um determinado fármaco não é uma entidade
simples e isolada, não envolve apenas a modificação de um mecanismo e sim
mudanças de diferentes variáveis que acontecem simultaneamente. Cada uma
destas mudanças se relaciona e interfere com outras de modo não-linear.
Isto implica que uma dose de fármaco introduzida no organismo para agir, por
exemplo, no sistema cardiovascular ou nervoso pode acabar provocando
mudanças imprevisíveis em todos os níveis. Uma mesma dose de fármaco
pode provocar diversos efeitos em ocasiões diversas, devido à grande
sensibilidade que pode existir nas condições iniciais de cada organismo. Na
realidade, a variabilidade pode ser superada pela média estatística de muitas
observações, mas os autores supracitados defendem que quando o sistema é
caótico (o que difere da causalidade e da variabilidade biológica) o uso da
média estatística não é apropriado, já que esta anula a possibilidade de prever
eventos importantes que acontecem só a nível individual.

Fractais
Na natureza não só os fenômenos oscilantes, mas também as formas, mostram
sempre uma mesma característica de ordem e de irregularidade, que
freqüentemente assume o aspecto de estruturas simétricas (se bem que nunca

36
Bifurcação: mudança descontínua do atrator num sistema dinâmico.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 18


totalmente especulares), com subdivisões finas e ramificações (nunca
totalmente simétricas), de semelhança entre organismos diferentes (nunca
completamente sobrepostos). Também este tipo de “ordem escondida” faz
parte dos fenômenos caóticos e recebe o nome de geometria fractal.
A geometria fratal é a geometria que melhor se adapta ao estudo do caos. O
termo foi criado por B.B. Mandelbrot em 1975 e adquire verdadeira
importância no mundo científico a partir dos primeiros anos da década de
oitenta [Mandelbrot, 1992]. As formas fractais podem se realizar a partir de
algoritmos37 mais ou menos complexos no computador. A partir destes
cálculos se criam figuras bi - ou tridimensionais com grande variedade de
formas diferentes, presença de sutis ramificações, auto-semelhança e delicados
detalhes. É possível ao ampliar uma parte da estrutura colocar em destaque
detalhes que se repetem em diferentes escalas de grandeza. Muitas figuras
deste tipo, especialmente se realizadas em cores, são particularmente belas
mostrando um atraente conjunto de variabilidade e de regularidade. O atrator
de Lorenz (figura 6) também possui uma estrutura fractal típica: as linhas das
trajetórias que ele desenha formam bandas finas e irregularmente espaçadas.
Isto acontece nos esquemas fractais que se observa em qualquer escala de
ampliação ou de definição. Para observar um número de bandas maior basta
aumentar o número das iterações38.
Muitos objetos da natureza, aparentemente desordenados, possuem esta
propriedade, desta forma os fractais resultam instrumentos úteis para
descrever uma grande variedade de fenômenos físicos e de formas naturais.
No mundo inanimado temos como fractais os relâmpagos, o delta dos rios,
muitos tipos de agregados cristalinos como os flocos de neve, as
configurações dos fluidos não miscíveis, os estratos sedimentados que
constituem algumas montanhas como as Dolomitas nos Alpes. Em biologia os
exemplos de fractais se multiplicam e compreendem, por exemplo, as
estruturas ramificadas dos vasos sangüíneos, o sistema de Purkinje que conduz
os sinais elétricos no coração, a árvore respiratória, as raízes, as ramas e as
folhas das árvores, muitas flores, as amonitas (fósseis), as ramificações dos
mixomicetos, as ramificações dendríticas dos neurônios, os agregados
moleculares não cristalinos (como o glicogênio), as pregas e as pilosidades da
mucosa intestinal [Sander, 1986; Goldberger et al., 1990; Sommaruga, 1992;
Sommer e Ott, 1993; Nonnemacher et al., 1994].

37
Algoritmo: conjunto de instruções que especifica as oprarações que devem ser desenvolvidas para resolver
um determinado problema.
38
Iterações: sucessivas soluções de equações nas quais o resultado da precedente é colocado como variável na
equação posterior.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 19


Na formação dos objetos com dimensões fractais se assiste a uma interação
particular entre eventos estocásticos (casuais) e eventos determinados pelo
estado do sistema físico que está em crescimento. Tal tipo de crescimento
chamado também de agregações por difusões teve um papel fundamental,
muito provavelmente, no crescimento da vida sobre a Terra e continua tendo
esse mesmo papel no crescimento físico e biológico [Sander, 1986].
A formação e o crescimento de tais estruturas pelas leis e pelas fórmulas dos
fractais tanto que hoje, com o auxílio indispensável dos computadores, nos
arriscamos a “simular” graficamente muitos objetos que até agora nos
escapavam, pela sua complexidade para qualquer análise formal e
quantitativa. Para medir a variabilidade e, portanto, a complexidade de
estruturas ramificadas ou recortadas pode-se recorrer ao cálculo das
dimensões fractais39, um parâmetro que permite a assinalação de um valor
numérico preciso [Nonnemacher et al., 1994].
Pode-se calcular a dimensão fractal de objetos reais como litorais, montanhas,
nuvens, etc. As artérias humanas possuem dimensão fractal de 2.7 [Jurgens et
al. 1990]. O DNA também possui uma organização fractal [Peng et al., 1994]:
isto significa que provavelmente o DNA contenha informações de radio longo
(long-range) maiores as codificadas nas seqüências das bases purínicas e
pirimidínicas. Pelo que já dizemos sobre as oscilações dos parâmetros
fisiológicos, é particularmente interessante a observação feita sobre a
freqüência dos batimentos cardíacos nos sujeitos normais que possuem um
fluxo caótico, onde este fluxo com variações de freqüência espontânea segue
um esquema próprio se observado em períodos de horas ou minutos, com uma
surpreendente autosemelhança, típica dos comportamentos fractais
[Goldberger et al., 1990; Goldberger, 1996].
A organização fractal pode ser estudada também nos sistemas em cultura de
tecidos ou de microorganismos. Em relação aos primeiros, podemos citar o
estudo das ramificações dos pequenos vasos da membrana corion-alantoidea
do frango [Kurz et al., 1994]. A velocidade de crescimento das células
endoteliais e das outras células que constituem a rede basal já foi medida,
como também a densidade das células por área de superfície e suas dimensões
fractais. Vê-se entre elas que ao adicionar um fator de crescimento (Vascular
Endothelial Growth Factor) há um aumento do número de células, mas
também um aumento da dimensão fractal (em torno de 1.4 a 1.8) nos vasos
39
Dimensões fractais: Medida da complexidade de uma estrutura. A dimensão fractal de um objeto (ou de
uma linha) é calculada como a relação (radio) entre o algoritmo do numero das partes (ou segmento da linha)
similar e o algoritmo do numero que divide em partes similares o objeto (ou a linha) de partida. Em uma
representação da estrutura de uma linha fechada sobre um plano (por exemplo, a costa de uma ilha, o
contorno de uma célula, etc.), a dimensão fractal vai de 1 a 2 com o aumento da irregularidade ou da
“rugosidade” do perímetro.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 20


neoformados: isto acontece também na organização das ramificações e no
aumento da complexidade. Em relação aos microorganismos, já foram
medidas, por exemplo, variáveis como “rugosidade”, “altura” e
“autosemelhança” das colônias de fungos que crescem em agar. Tais variáveis
dependem da concentração de glicose no meio de cultivo, de uma forma
independente uma da outra [ Miyazima,1994].
Já foi utilizada em estudos piloto, inclusive em diagnósticos histopatológicos
de tumores, a medida da irregularidade da forma [Landini e Rippin, 1994].
Existe uma dimensão fractal de 0.97 numa sessão da mucosa normal do
pavimento da boca, enquanto que numa seção de tecido com carcinoma esta
dimensão é de 1.61, o que documenta em termos numéricos uma maior
irregularidade. Foram encontrados valores intermediários em formas de
queratose com displasia severa. A membrana das células leucêmicas (leucemia
hairy-cell) possui uma dimensão fractal entre 1.29 e 1.37, enquanto que nos
linfócitos T normais esta dimensão é de 1.12 e 1.23 [Nonnemacher, 1994].
Para fazer estes diagnósticos não nos servem cálculos matemáticos
complicados e, obviamente, serão determinantes tanto a observação no
microscópio óptico como a imunocitoquímica, mas é extremamente
significativo o fato de se encontrar uma forma de transformar uma avaliação
qualitativa (e por isto de certo modo subjetiva) num número objetivo.

Dinâmicas cerebrais e mentais


A ausência da possibilidade de uma previsão global é o aspecto da
complexidade que limitaria o conhecimento científico mas existe um aspecto
positivo: a natureza pode utilizar o caos de uma forma construtiva. Através da
amplificação de pequenas flutuações o caos pode oferecer ao sistema natural
diferentes possibilidades de configurações e comportamentos como, por
exemplo, em relação às mudanças do ambiente. A evolução biológica
necessita da variabilidade e o comportamento caótico dos sistemas fornece
uma variedade de “estruturações” a tal variabilidade, de modo que esta possa
ser de qualquer modo controlada e colocada a serviço da própria evolução.
Isto assume um significado especial quando pensamos num sistema complexo
por excelência como é o caso do cérebro humano.
Segundo a ciência determinista clássica dos tempos de Laplace40, cada evento.

40
Pierre Simon de Laplace: Matemático francês que viveu no vigésimo oitavo século. Ele sustentava que
quando se conhece o estado de um sistema num certo instante e as leis que regulam suas modificações, se
poderia prever com certeza o comportamento futuro. “Se nós imaginássemos uma inteligência que num
instante dado compreendesse todas as relações entre as entidades deste universo, esta poderia conhecer as

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 21


natural deve ter sua causa específica da mesma ordem de grandeza, ou seja,
que as causas das entidades relativamente secundárias não poderiam provocar
eventos notáveis. Mas, recentemente, foram fornecidas demonstrações
concretas de que sistemas caóticos diferentes podem ser influenciados e
também “regulados” por uma perturbação mínima dos parâmetros de controle
do sistema [Shinbrot et al., 1993; Petrov et al., 1993; Moss, 1994; Schiff et
al., 1994; Elbert et al., 1994; Bellavite et al., 1995; Goldberger, 1996].
É inquestionável que o cérebro dos organismos superiores constituem um
exemplo de complexidade estrutural extrema. A construção de um sistema
nervoso pode requerer milhares de conexões precisas entre as células
nervosas, mas também entre estas e células musculares e de outros tecidos. O
cérebro humano possui 1011 neurônios, muitos dos quais possuem milhares de
conexões com outros neurônios. Mas não se trata apenas de um problema
quantitativo: a organização dos neurônios também parece ser extremamente
similar em toda área neocortical, eles cumprem ainda muitas funções
completamente diferentes. Isto é explicado em parte pelo fato de que as
sinapses são formadas com uma especificidade capaz de discriminar entre
milhões de neurônios. Para esta discriminação precisa das relações neuronais
contribuem as neurexinas, proteínas superficiais das terminações nervosas, das
quais existem outras mil isoformas, que incluem receptores capazes de fazer o
reconhecimento entre as células.
Provavelmente são muito importantes para garantir a coordenação entre os
vários grupos de células e dos centros nervosos as diferentes oscilações das
descargas do córtex cerebral. Podemos aplicar ao eletroencefalograma,
técnicas de análises não-lineares, para construir modelos de funcionamento do
córtex cerebral. Os diferentes comportamentos (sono, vigília, atenção, etc.)
são vistos nestes modelos como uma atividade cortical caótica no espaço e no
tempo, mas sujeita a um controle proveniente do tálamo ou outras áreas (por
exemplo, a córtex visual recebe informações das vias ópticas) que aumenta a
coerência nas ligações.
Portanto se trata de um sistema incrivelmente complexo, no qual uma
abordagem microscópica (estudo das propriedades dos neurônios
isoladamente) não nos permite fazer observações sobre sua atividade global e
cooperativa, que depende do envolvimento simultâneo de milhões de
unidades. Na atividade cerebral fica evidente um comportamento tipicamente
caótico onde observamos a tendência dos vários conjuntos de neurônios a
transições imprevistas e simultâneas, com diferentes graus de atividade

respectivas posições, os movimentos e as disposições gerais de todas aquelas entidades em qualquer


momento do passado ou do futuro” (Essai philosophique sur les Probabilités di P. S. de Laplace, 1776).

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complexa que responde mesmo aos mínimos estímulos. A representação no
espaço de fases do eletroencefalograma feita pelos modelos computadorizados
reflete uma atividade complexa do sistema olfativo, tanto em repouso como
nas percepções, e revela que em ambos os casos a atividade cerebral é caótica,
com uma transição nas imagens muito ordenada, que se aproximam a
movimentos periódicos durante a percepção.
A atividade caótica dos neurônios cerebrais devida à excitação mútua de duas
ou mais áreas, em ausência de uma freqüência comum de oscilações, resulta
numa notável sensibilidade e instabilidade do sistema e na capacidade de criar
quadros novos de atividade em relação ao aprendizado. Os sistemas caóticos
podem agir dentro de amplos espectros de condições graças à sua
flexibilidade, o que lhe confere vantagens funcionais, não apenas para o
sistema nervoso, como também para outros sistemas como, por exemplo, para
as pulsações cardíacas que estão sob controle do sistema nervoso.
A capacidade do cérebro de responder de forma flexível às solicitações do
mundo externo, como também de produzir novas formas de atividade e
conceber idéias novas, está relacionada à tendência de vários grupos de
neurônios que podem passar bruscamente e de forma simultânea de um quadro
complexo de atividade a um outro em que apenas é requerida uma resposta a
um leve estímulo. Esta capacidade é uma das características fundamentais de
muitos sistemas caóticos. “A emergência de estados mentais – defende K.
Mainzer - é explicada pela evolução dos parâmetros da ordem
(macroscópica) de conjunto da unidade cerebral causadas por interações
não-lineares (microscópicas) de células nervosas com uma estratégia de
aprendizado que está longe do equilíbrio térmico” [Mainzer, 1994].
A importância do caos nas funções cerebrais é tal que alguns autores estão
estimulados a considerar este fenômeno como a base para a criatividade
intelectual ou o correspondente fisiológico para a existência de uma livre
vontade [Crutchfiel et al., 1986; Freeman 1991]. Ao nível mental – se sugere –
o caos como a amplificação de flutuações que poderiam ser o motor da
criatividade e como gerador da imprevisibilidade poderia ser a garantia do
livre arbítrio, mesmo num mundo governado por leis exatas. Ou seja, a
dinâmica caótica forneceria a possibilidade de codificar um número infinito de
órbitas instáveis periódicas.
Se a matéria da qual é constituído o nosso organismo e em particular nosso
cérebro obedeceria totalmente a um determinismo causal como pensava
Laplace, cada evento neural teria uma causa física proporcional e, por sua vez,
relacionada a outras causas análogas precedentes. De onde se deduz que seria
difícil levantar uma hipótese de eventos neurais (com correlações
comportamentais) que não sejam determinados pela cadeia de causas físicas.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 23


Cada liberdade verdadeira ficaria excluída. Defende-se que os sistemas
naturais longe do equilíbrio apresentam comportamentos dinâmicos
“complexos”, no limite entre ordem e caos41. A analogia entre uma transição
de fases, entre duas classes fundamentais, fase sólida (ordem,
computabilidade) e fase “fluida” (caos, incomputabilidade) representa esta
classe de comportamentos dinâmicos em geral. Podemos deduzir que em tal
condição limite, um sistema é dotado de uma ordem em certo grau, mas no seu
conjunto está desvinculado e possui uma certa criatividade e liberdade.
Esta hipótese não faz ampliar a perspectiva de ação dos processos mentais, já
analisados por outros autores que compararam a hipótese dos campos de
probabilidade da mecânica quântica nos processos probabilísticos sinápticos,
que sabemos que são quantizáveis42. A influência mental sobre os processos
sinápticos poderia de fato se amplificar exponencialmente devido à
sensibilidade extrema das dinâmicas caóticas às pequenas perturbações.
A presença do caos determinístico foi demonstrada em sistemas neuronais
simples in vitro e assim foi comprovada a possibilidade de controlar os
sistemas caóticos, ou seja, fazer com que seu comportamento se transforme
em regular ou periódico, ou vice-versa, de “anticontrolar” comportamentos
periódicos induzindo ao próprio caos [Babloyanaz e Lourenco, 1994].
Pode-se discutir o problema de uma forma ainda mais ampla. Existem razões
válidas para sustentar que o exercício da livre vontade pressupõe
necessariamente que sua estrutura material (cérebro) não seja rigorosamente
determinística, mas, que esteja sujeita à indeterminação inerente da matéria
atômica (flutuações quantísticas) e da matéria viva (sistemas longe do
equilíbrio) [Zatti, 1993].
Como conclusão, pode-se formular a hipótese de que processos mentais,
através de pequenas perturbações, poderiam interferir, por exemplo, na

41
O matemático Poincaré em 1903, já reconhecia este fato: “Mesmo no caso que as leis naturais não tivessem
mais nenhum segredo para nós, mesmo assim, poderíamos conhecer a situação inicial apenas de uma forma
aproximada. O que nos leva a conhecer a situação subseqüente também de uma forma aproximada, portanto,
poderíamos dizer que não existem fenômenos previsíveis, ou seja, governados por leis. Mas nem sempre é
assim. Porque pode acontecer que pequenas variações nas condições iniciais não produzam variações
consideráveis nos fenômenos finais. Se tivermos nas primeiras um pequeno erro, este produz um erro
considerável na segunda”do Science et Méthode di Henri Poincaré, 1903).
42
Quantização: refere-se à existência do quantum, ou seja, a uma subdivisão em partes discretas, ao redor das
quais não existem mais subdivisões possíveis. O termo deriva da física dos quantum que são essencialmente a
“pacotes” de luz. Um quantum é a menor quantidade de luz que pode existir. Não pode ter-se medido um
quantum, mas poderíamos dizer que existe um quantum ou nada. Mesmo conhecendo exatamente as
condições de um sistema físico, a certeza estatística de que um fenômeno físico possa ser verificado não é
absoluta, depende da escala que se considere. Numa escala pequena, não podemos estar seguros de que após
um determinado tempo à situação do sistema considerado seja a mesma. Observamos, portanto no campo dos
fenômenos quantizáveis uma imprevisibilidade considerável.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 24


freqüência do campo eletromagnético, que por sua vez, pode regular as ações
dos neurotransmissores e, finalmente, modificar a dinâmica do sistema,
atratores e os campos das formas.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 25


Medicina Biodinamica
Papirus Editora 2002
© Paolo Bellavite
Questionar por possivel reprodução: paolo.bellavite@univr.it

3
Modelos homeodinâmicos e redes

Como vimos anteriormente, os sistemas de seres vivos são controlados por


ciclos de reações e contra-reações que constituem a chamada regulação
homeodinâmica. Tais “ciclos” não são outra coisa que a repetição da mesma
operação na qual o resultado do ciclo precedente serve como base para o ciclo
seguinte. Por exemplo, no final de um ciclo de sístole e diástole o coração se
encontra na condição telediastólica; ao final de um ciclo mitótico 43 cada uma
das duas células filhas passa a ter, por sua vez, a condição necessária para que
aconteça uma nova mitose. Assim cada modificação rítmica do organismo
depende do estado precedente e se desenvolve segundo regras fixas (na
analogia estabelecida, a regra é a função matemática). As variáveis
fisiológicas controladas nos sistemas homeodinâmicos estão em contínua
oscilação entre um máximo e um mínimo permitidos.
Ao nível fisiológico, um sistema homeodinâmico nos seus traços
fundamentais consiste num grupo de elementos anatômicos, bioquímicos e
funcionais preparados para manter uma variável fisiológica dentro de um
limite de oscilação. A maior parte dos sistemas homeodinâmicos é constituída
de dois ou mais suprasistemas que desempenham um papel preciso e de
função oposta para manutenção do equilíbrio. Por exemplo, a concentração
hemática da glicose é regulada por hormônios (glucagon e insulina) que

43
Ciclo mitótico: é o processo da divisão replicativa da célula, pelo qual de uma célula mãe derivam duas
células filhas iguais.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 1


possuem entre si efeitos opostos; a fosforilação das proteínas e dos
nucleotídeos é regulada por enzimas (quinase e fosfatase) que possuem efeitos
opostos; a circulação sangüínea é regulada por dois sistemas (simpático e
parasimpático) com efeitos opostos; o sistema imunitário pela atividade dos
linfócitos T helper e T supressor (e segundo a mais recente visão pelos
linfócitos Th1 e Th2) com funções opostas, e assim por diante. Em
determinadas circunstâncias, a atividade relativa de dois ou mais destes
suprasistemas dependem da presença de substâncias reguladoras específicas.

Análises das retroações


Para reduzir a complexidade das estruturas e das comunicações biológicas nas
suas regras essenciais podemos utilizar modelos lógico-matemáticos e
geométricos. Neste capítulo faremos uso destes modelos iniciando por um
muito simples que é apresentado nas relações da homeodinâmica biológica.
Nas seções sucessivas utilizaremos inclusive algorítmos matemáticos e redes
construídas com sistemas informacionais para tentar simular, sempre de um
modo mais adequado, alguns fenômenos dos seres vivos.

O feed-back
Na figura 7 está representado o esquema dos elementos fundamentais e das
suas comunicações num circuito homeodinâmico simples. Em seguida,
analisaremos minuciosamente este modelo, que é a base das leis que regulam
a fisiopatologia e que constitue o núcleo fundamental de modelos mais
elaborados que serão apresentados posteriormente.
O modelo representa um sistema de retroação (feed-back), onde existe uma
certa variável (neste caso se considera a variável A/A’) que pode ser
modificada de modo reversível, por exemplo aumentando a passagem de
AA’ ou vice-versa de A’A, graças a existência de mecanismos que
favorecem a reação ou a transformação nas duas direções (no caso
considerado AA’ e A’A). Chamamos tais mecanismos de sistemas efetores
sendo eles capazes de efetuar a transformação ou a modificação da variável
considerada. O estado, o nível, a concentração, a atividade ou o número
(segundo o sistema considerado) de A/A’ dependem do “desequilíbrio”
relativo da atividade dos dois sistemas efetores opostos. Na figura 7, os
parâmetros de controle da atividade AA’ e A’A são denominados k e k’,
respectivamente.
O sistema homeodinâmico mas simple, portanto, é representado por um anel
de retroação (feed-back negativo) no qual a informação sobre o resultado de
uma transformação ou de uma oscilação de atividade é reenviada, revista e

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 2


corrigida por um sistema regulador no começo do ciclo. Obviamente, o
esquema acima apresentado se limita apenas ao essencial, devendo-se
considerar que se o quiséssemos mais completos, numerosas variáveis e
parâmetros deveriam ser inseridos. De fato, deve-se saber que não existem
somente anéis de retroação negativos (que garantem a estabilidade), mas
também anéis positivos nos quais o produto da reação contribui para acelerar a
transformação. Este é o caso que se verifica durante o crescimento de um
tecido, ou quando é necessário introduzir de um modo rápido e intenso
modificações funcionais (amplificação).

Figura 7. Esquema de um sistema homeodinâmico típico. A/A’: variáveis


dinâmicas do sistema A; k, k’: parâmetros de controle dos mecanismos
efetores; R: sistema regulador; Amax: valor máximo de referência do
sistema A (“memória” estrutural do sistema); a, r: sinais.

Até que a homeodinâmica normal esteja garantida, a atividade dos sistemas


efetores não acontece sem seus controles recíprocos, nem sem a coordenação
com outros sistemas. Para este objetivo, em cada sistema homeodinâmico
estão inseridos um ou mais sistemas reguladores que desenvolvem o papel
fundamental de determinar qual “desequilíbrio” A/A’ deve ser inserido ou

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 3


mantido em cada momento, integrando o estado de A/A’ com as exigências do
resto do organismo. Na figura 7, o sinal “r” do sistema regulador é,
simplificando, colocado como stimulador (+) do mecanismo efetor AA’.
Para controlar A/A’, o sistema regulador deve “monitorizar” o estado A’,
recebendo o sinal adequado (“a” na figura 7) de retorno que é recebido como
inibidor () desses mecanismos efetores (k).
O sistema regulador é capaz de controlar os sistemas efetores e está ligado a
outros sistemas, dos quais recebe informações úteis para a escolha do controle
que deve realizar (este último aspecto no está ilustrado na figura 7).
Associado ao sistema regulador existe também um controle “intrínseco”, que
poderia chamar-se de “memória estrutural” dos valores normais de A/A’. Os
valores normais são o limite máximo e mínimo do valor A (que oscila entre A
e A’) acima e abaixo dos quais o sistema regulador se mobiliza, emitindo um
sinal que influencia a atividade dos sistemas efetores de A/A’. Na figura 7 este
conceito é apresentado sinteticamente com a formula (Amax - a) o que significa
que o sistema regulador é ativado fundamentalmente no confronto entre o
valor máximo de A tolerável (Amax) e o sinal (a) que indica a situação real,
estando diretamente ligado à entidade de A’ em cada momento. Neste
esquema, quanto mais baixo é o valor de a em relação à Amax, mais intensa
será a produção de r e, portanto, a stimulação do sistema efetor AA’. E
viceversa , quanto mais alto for o valor de a em relação a Amax tanto mais
baixa será a ativação do sistema regulador “R” e mais baixas serão
consequentemente a produção de “r” e a transformação de AA’.
O limite superior e inferior ao qual nos referimos são dados pelas condições
estruturais e intrínsecas do sistema regulador, condições que podem ser
consideradas em primeira aproximação como geneticamente estáveis.
Todavia, é oportuno esclarecer que mesmo estes valores fixos de referência
(“memória”) na realidade mutáveis no organismo, podem sofrer modificações.
Como exemplo temos o fenômeno pelo qual muitos parâmetros fisiológicos e
valores hematoquímicos mudam com a idade, ou no fato de que muitos
sistemas homeodinâmicos se adaptam com diversos tipos de respostas quando
aparecem as doenças crônicas.
O conceito de sistema regulador é muito difícil de ilustrar com exemplos
concretos em relação aos sistemas efetores; frequentemente não se tarat de um
simples “aparelho” definido fisicamente, nem de uma simples molécula, como
poderia ser uma bomba iônica ou uma enzima, e sim de uma série de
“comportamentos” ou de “vínculos” que os sistemas efetores sofrem nas suas
atividades como conseqüência das variações entre A ou A’. Para simplificar e
esclarecer os exemplos que seguem e o modelo que se quer construir,
podemos considerar o sistema regulador como “externo” aos sistemas efetores

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 4


e suas conecções se fazem mediante um sinal de saída capaz de influenciá-los
positivamente (estímulo) ou de forma negativa (inibição).
O exemplo mais tradicional e mais notável deste tipo de regulação é
representado pelo sistema endócrino, no qual a secreção de um hormônio por
parte de uma glândula endócrina “A” (por ex. tiróide ou supra-renal) é
stimulada pela glândula “R” (por ex. hipófise), que é inibida pelo hormônio
produto “a” de la mesma glândula “A”.

Uma fórmula que simula as oscilações homeodinâmicas


Assim, podemos então questionar se esta propriedade dos sistemas
homeodinâmicos se presta para uma modelização do tipo lógico-matemático.
A resposta a esta questão é positiva mesmo que muitos modelos não possam
às vezes mostrar com máxima veracidade a variabilidade e complexidade dos
sistemas biológicos. Devemos considerar funções matemáticas cíclicas, ou
melhor, iterativas nas quais o produto é a base de partida para o ciclo seguinte.
O mais simples entre estes modelos matemáticos é provavelmente o que
apresentamos a seguir, que consiste numa série de equações não lineares
(algoritmo) muito simples:
Ai = valor inicial da variável A
A1 = Ai + Ai k (Amax - Ai)
A2 = A1 + A1 k (Amax - A1)
A3 = A2 + A2 k (Amax - A2)
etc.

onde, a variável A com um determinado valor inicial Ai se transforma em A1,


e conseqüentemente A1 se transforma em A2, etc (procedimento chamado de
iteração) mediante uma transformação que consiste na soma algébrica da
variável A por um valor determinado desta mesma variável e num certo
instante multiplicada por um parâmetro k (que determina a velocidade de
crescimento ou diminuição) e por um valor que é estabelecido por um limite
máximo Amax. A mesma função iterativa é sintetizada neste simples algoritmo:

An +1 = An + An k (A max – An)

onde An + 1 é o valor de A no ciclo sucessivo n+1 que pode ser calculado com
base no resultado do ciclo precedente (An) somado do crescimento devido ao
mesmo ciclo, que é igual a An multiplicado por um parâmetro de crescimento
k e por um fator dado pela diferença entre o máximo consentido (Amax) e An.
Uma função similar a esta foi descrita pela primeira vez em 1845 pelo
matemático Verhulst ao analisar o processo de desenvolvimento das

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 5


populações. Aqui a utilizamos para descrever a evolução temporal dos valores
de “A”, que pode ser uma variável fisiológica qualquer, real ou imaginária. O
que interessa aqui não é estabelecer um significado biológico ou fisiológico
preciso para “A” e sim ver como podem ser calculadas as suas variações em
sucessivos ciclos iterativos, fixando-se um valor inicial e um valor máximo
consentido. Por este motivo realizaremos uma série detalhada de simulações
para calcular os lugares e valores diversos de A e k.
A análise do comportamento destas funções, mesmo que aparentemente árida
enquanto descrita em linguagem matemática, é muito instrutiva e muito
interessante para compreender o funcionamento dos sistemas
homeodinâmicos. Será feita a análise destas abordagens passo a passo com
uma certa metodologia. Esta consistirá em estabelecer os conceitos de
oscilação, bifurcação, caos, atratores e fratais, desde o ponto de vista
matemático, para que posteriormente se torne mais ágil tratarmos com tais
analogias em fenômenos fisiopatológicos. Estes tipos de fórmulas
matemáticas não encontram ainda muitas aplicações práticas diretas na
medicina. Entretanto, se nos detivermos a estas análises com um pouquinho de
paciência veremos que vai valer à pena. Estes conceitos começam a fazer
parte, de modo sempre mais amplo e abrangente, da cultura moderna e de
várias disciplinas científicas, mesmo porque um forte impulso é dado a este
setor pela difusão da informatização.
O crescimento (ou diminuição) aditivo de cada ciclo de iteração que
consideraremos é dependente do acontecimento do ciclo precedente, mas
limitado a um valor máximo permitido: de fato com o aumento de An aumenta
o número para subtrair o máximo atingível e, portanto, se reduz o fator de
multiplicação (Amax – An). Consequentemente, é lógico que An + 1 tenda a
crescer no começo, mas depois o aumento devido a cada iteração é sempre
menor até se estabilizar (plateau). A função, portanto, descreve um feedback
matemático bastante simples. Obviamente, o que varia neste caso é a
quantidade do valor A, ou seja, o que estamos medindo é a amplitude das
variações, enquanto que a freqüência das repetições do cálculo é fixa e sempre
igual (portanto a periodicidade é totalmente regular).
As simulações que seguem têm sido realizadas colocando-se a função
anteriormente descrita no âmbito do Software Sigma Plot utilizando um
computador pessoal comum (figura 8). O valor de Amax foi colocado
arbitrariamente como 5. O que importa na série de exemplos que segue é
perceber a descontinuidade qualitativa na evolução da função nas variações de
k. Colocando-se no eixo das abcissas o número das iterações (ciclos
sucessivos) e sobre o eixo das ordenadas os valores de A, obtém-se os
resultados ilustrados nas figuras que seguem.

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A. k=0.1
Tracciato A. k=0.1
8

A
di A
7
6

Valor de
5

Valore
4
3
2
1 A=8
0
0 10 20 30 40 50 60
Iterazioni
Iterações (n)(n)
B. k=0.45
Tracciato B. k=0.45
8
di A

7
6
Valor de

5
Valore

4
3
2
1 A=7
0
0 10 20 30 40 50 60
Iterazioni
Iterações (n)(n)

C. k=0.60
Tracciato C. k=0.60
8 A=6.510
dediAA

7
6
5
Valore

4
3
Valor

2
1
0
0 10 20 30 40 50 60
Iterazioni(n)(n)
Iterações
Perturbação
D. k=0.60
Tracciato D. k=0.60 A=6.511
8 A=6.511
di AA

7
Valorede

6
5
4
Valor

3
2
1
0
0 10 20 30 40 50 60
Iterazioni(n)
Iterações (n)

Figura 8. Iterações das funções An+1 = An + An k (Amax – An) de acordo


com o parâmetro k, com valores crescentes (como indicado nos diversos
traçados). Neste exemplo, Amax = 5, Ai(inicial) = 1.000. Nos traçados A e B as
setas verticais indicam uma mudança arbitrária introduzida nos valores
de A no momento assinalado. No traçado C está indicado o valor real de
A calculado no computador para a 24a iteração (6.510). No traçado D a
seta indica a introdução de uma pequena modificação do valor de A em
relação ao original, passando ao novo valor de 6.511.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 7


Colocando o valor de A inicial = 1 e o valor do parâmetro k bastante baixos,
relativamente a Amax (por exemplo 0.1), e desenvolvendo os cálculos
interativos, obtemos uma curva de crescimento mostrada na figura 8 A: no
começo An é muito baixo em relação ao máximo, o crescimento é quase linear
(na realidade inicialmente é exponencial e em seguida linear). Mas, quando os
valores começam a crescer e a aproximar-se do máximo (An se aproxima de
Amax) o crescimento é praticamente interrompido e a função se estabiliza.
Isto é devido ao fato que quando An se aproxima de Amax a diferença (Amax –
An), que serve de multiplicador na equação, se reduz até chegar a zero e,
portanto, o crescimento também se reduz até estabilizar. Isto já foi antecipado
em relação ao conceito de feed-back, não nos parecendo mais estranho. A
estabilidade do ponto de chegada da função é tal que se pode variar, até
mesmo o dobro ou o triplo, o valor de Ainicial sem que o ponto de chegada
mude (dados não mostrados na figura). Por outro lado, mesmo introduzindo-se
“perturbações” de forma arbitrária em An a função recupera logo depois de
poucas iterações sua estabilidade em torno do valor de Amax (segunda parte do
traçado 8A). Portanto esta função ilustra de forma adequada o conceito de
“homeostase”.
Se agora, insere-se na função um parâmetro k maior que um determinado
valor (perto de 0.4 quando Amax = 5), obtém-se uma curva qualitativamente
diferente: o resultado da iteração vai crescendo rapidamente em direção ao
máximo, pois supera o valor de Amax e as iterações sucessivas possuem
valores oscilantes maiores ou menores em relação a Amax (8B). A estabilidade
é atingida mas com ajustes oscilantes. As oscilações se originam porque se o
parâmetro k é suficientemente alto, o resultado da função faz com que An
possa superar o valor 5 (Amax), portanto na iteração sucessiva o valor (Amax –
An) resulta negativo e por conseqüência An +1 é inferior a An.
Do ponto de vista matemático, o fenômeno de desdobramento dos possíveis
resultados da função chama-se bifurcação: ou seja, uma pequena mudança
quantitativa de um parâmetro da mesma função se traduz numa drástica
mudança qualitativa. Ou seja, os fenômenos de bifurcação poderão ser
descritos também na física: como exemplo, poderia-se considerar a mudança
do estado da água em torno de 100 graus (de gás para líquido) e em torno de 0
grau (de líquido para sólido). Uma outra bifurcação clássica é a passagem de
um movimento regular de um fluido para um movimento turbulento. Em
biologia podemos citar o caso do neurônio, no qual no preciso momento da
superação de um certo tipo de estímulo se registra um potencial de ação.
A segunda parte da figura 8B demonstra que, em presença de oscilações, a
função de qualquer modo se mantém estável no decorrer das sucessivas
iterações: mesmo introduzindo perturbações arbitrárias nos valores de An a

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 8


função retorna a oscilações regulares já observadas (segunda parte da figura
8B). Esta função ilustra o conceito de homeodinâmica e de atrator periódico
feito por oscilações continuas.
Aumentando ainda o valor de k, a amplitude das oscilações aumenta em
relação ao caso precedente e nas oscilações aparecem irregularidades, sempre
mais evidentes. No começo a função alterna ciclos de valores altos, médios e
baixos, com períodos de um maior grau de complexidade em relação ao caso
precedente (não mostrados na figura). Sucessivamente, aumentando
ulteriormente o parâmetro k (aproximadamente outro valor em torno de 0.5
quando Amax = 5), notamos uma outra “dramática” bifurcação na qual os
períodos se desdobram ulteriormente em cascata, até que aparece um processo
totalmente caótico (figura 8C). Vemos que não há mais ciclos repetitivos de
oscilações periódicas, não se pode encontrar mais nenhuma ordem nem
nenhuma periodicidade. Os pontos correspondentes aos valores de A podem
aparecer em todas as posições, que vão aproximadamente de 2 a 7. Em termos
técnicos, diz-se que a solução constitui um atrator estranho: um número
infinito de pontos numa área não infinita. Praticamente todas as configurações
são esquecidas e as oscilações da variável A mostram-se totalmente
irregulares, privadas de uma coerência aparente. Entramos numa “zona
matemática” onde se manifesta o caos, sob a forma de resultados totalmente
não periódicos. O conjunto de todos os pontos representados pelas diferentes
soluções possíveis da equação, neste caso representa um atrator caótico, ou
atrator “estranho”.
É necessário esclarecer que a certeza absoluta da não repetibilidade após um
grande número de ciclos não é alcançada com as provas aqui apresentadas: se
o ciclo recursivo fosse superior a 20-30 iterações, não se poderia notar neste
exemplo. Por isto é necessário prorrogar as iterações até 180 e, mesmo assim,
não é observada alguma repetição (dados não mostrados).

O “efeito borboleta”
Na figura 8D está ilustrado o resultado da iteraçãos do caso precedente (figura
8C), mas onde foi introduzida uma “perturbação” que modificou
arbitrariamente o valor de A na 24a iteração: mesmo o valor de 6.510 sendo
dado pelo computador é introduzido o valor de 6.511, que equivale a uma
modificação de 1/1000 do mesmo valor. A figura mostra claramente que, após
algumas iterações, os dois traçados divergem drástica e completamente, de
forma que nenhum ponto pode ser superposto. Não obstante, uma semelhança
fundamental entre as duas linhas deve ser ressaltada: ambas são caóticas, o
que é considerado mais importante, e os valores ficam “confinados” entre dois
extremos, um máximo e um mínimo (em cima e em baixo). Traçando um

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 9


percurso diferente, a trajetória dos pontos “pertence” a uma mesma área. Esta
área poderia ser considerada a “bacia de atração” da função descrita (fixada
entre os parâmetros k e Amax).
Este exemplo mostra de forma clara uma propriedade típica dos sistemas
caóticos: a extrema sensibilidade extrema às condições iniciais e às mínimas
perturbações. Uma pequena variação se amplifica rapidamente a tal ponto que
depois de algumas iterações perde-se completamente o esquema precedente.
Este efeito é também chamado de “efeito borboleta” (butterfly effect), assim
denominado por E. Lorenz que propôs um sistema de equações para definir
um modelo de movimentos de convecção da atmosfera [Lorenz, 1963; Lorenz,
1979]: este modelo demonstra que a evolução da atmosfera é radicalmente
modificada mesmo por uma mudança mínima da turbulência do ar, como
aquele que poderia ser produzido pelo batimento das asas de uma borboleta. O
principal problema da previsão do tempo é justamente o fato que cada mínima
mudança das condições iniciais pode causar grandes alterações depois de um
certo tempo e, portanto, tornar as previsões impossíveis a longo prazo.
O comportamento caótico desta função pode ser acompanhado e documentado
posteriormente seguindo diversas simulações ou “experimentos” no
computador, mudando arbitrariamente o parâmetro k na área onde se obtém
normalmente uma série caótica de valores de A (figura 9).
Uma análise apurada de uma série sucessiva de traçados, com incrementos
progressivos de k, coloca em evidencia um fenômeno imprevisível: enquanto
que com determinados valores de k observa-se um comportamento caótico
(traçados 9A e 9B), a um certo ponto, por uma mínima variação de k (0.473
em vez de 0.470), reaparece um padrão (pattern) ordenado (figura 9C).
Aumentando-se posteriormente, mesmo que pouco, o parâmetro k, reaparece o
caos (figura 9D), pois novamente se poderá encontrar qualquer valor de k que
leve a uma ordem periódica, e assim por diante (não mostrado no esquema).

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 10


Figura 9. Iterações das funções An+1 = An + An k (Amax – An) de acordo
com o parâmetro k, com valores crescentes (indicado nos diferentes
traçados). Neste exemplo Amax = 6, Ai(inicial) = 1.5.

Podemos dizer então que no caos gerado a partir desta função, na presença de
condições específicas, poderiam se apresentar “ilhas de ordem”.
A banda recursiva de ordem/desordem possui um típico comportamento não
linear, descontínuo, que não é fácil relacioná-la quantitativamente com o
aumento de k. Este esquema é típico dos fractais, palavra com a qual definem-
se aquelas figuras geométricas ou aqueles objetos que possuem dimensões
fracionárias (fractus = fragmentado) e de autosemelhança. Nas sessões

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 11


seguintes veremos como se podem representar graficamente os esquemas de
fractais que são gerados por esta função.

Bifurcações e fractais
Como vimos no capítulo precedente, os fractais são as formas do caos
determinístico in natura, mas as podemos encontrar também nas
representações matemáticas e geométricas. Estas formas se tornam bem
evidentes nos gráficos bi- ou tridimensionais. Como exemplo, a figura 10
mostra todas as possíveis soluções da equação com o aumento de k.

Figura 10. Diagrama de bifurcações que mostra a transição para o caos


dos possíveis valores de A calculados com a função An+1 = An + An k (Amax
- An), com o aumento do parâmetro k e fixando-se o valor de Amax.
Gráfico obtido de software Fractint.

Este gráfico é chamado de diagrama de bifurcações, no qual aparecem


bifurcações repetidas, partindo de uma área onde existe apenas uma única
solução, a qual indica que em diversas e sucessivas iterações a função
finalmente fornece um único resultado constante (que corresponde a figura
8A).
Aumentando o valor de k chegamos a uma primeira bifurcação, que indica
que a partir deste ponto as soluções possíveis em longo prazo são duas (como

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 12


na figura 8B). Depois se passa a uma área onde as soluções possíveis podem
ser quatro, depois oito e assim por diante, até o aparecimento da situação
caótica, onde para cada valor da coordenada da abscissa (valor de k)
encontramos muitos pontos possíveis no eixo das ordenadas (valores de A).
Este fenômeno indica múltiplas soluções nas diversas iterações (como
exemplo os valores de A nas figuras 8 C e 9 A-B). Depois de uma área caótica
observam-se as bandas transversais claras, correspondentes aos valores de k
que dão um número finito de soluções (ver figura 9 C).
Existe, portanto uma regularidade recursiva44 nas sucessivas gerações de
transições que vão do caos a ordem, com o aparecimento de soluções
representadas por oscilações regulares periódicas que vão ao encontro da
cascata de duplicações (o “bifurcações”) até o caos, com o aumento dos
valores do parâmetro k.
A figura 11 representa aumentos sucessivos a partir do diagrama de bifurcação
ilustrado anteriormente. Notamos assim uma forte semelhança dos quadros
ampliados (quadros B e C) com a figura original a qual pertencem (quadro A)
e, por outro lado, uma subdivisão mais detalhada das bandas de ordem
alternadas com as zonas de caos. Este fenômeno é chamado de auto-
semelhança com variância de escala (self-similarity).

Figura 11. O diagrama de bifurcações ilustrado na figura 10 mostra a


clássica simetria de invariância de escala.

44
Recursiva porque a função possui retroação, ou seja, um determinado valor da função depende do valor
precedente.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 13


A estrutura de fractal do diagrama de bifurcações é ainda mais evidente se
utiliza-se no programa um maior número de iterações (figura 12). O aumento
do número de iterações corresponde a um aumento no número de “varreduras”
no espaço do atrator de múltiplas voltas: visto que se percebe uma maior
definição sob a forma de bandas escuras/claras (caos/ordem), sempre mais
finamente divididas, indo praticamente ao infinito.

Figura 12. Diagrama de bifurcações da função de Verhulst


precedentemente descrita, seguida de um diverso número de iterações.

Nas figuras 8 – 12 mostramos a mudança de uma variável (A) com o aumento


do parâmetro k e vimos que a dinâmica interna do sistema homeodinâmico
gera estruturas fractais quando ocorrem condições específicas dos parâmetros
de controle. Poderíamos mostrar exemplos análogos modificando os valores
de Amax e deixando fixo k: mesmo neste caso observaríamos que se passa da
ordem ao caos e às disposições fractais frente ao aumento do parâmetro usado,
enquanto podemos passar do caos a ordem reduzindo o valor de Amax (não
mostrado na figura) [Bellavite et al., 1995].
Naturalmente, nos sistemas dinâmicos naturais os parâmetros podem ser
múltiplos: uma reação química pode se comportar de modo diferente
(velocidade constante, oscilações periódicas, oscilações caóticas), segundo

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 14


muitos parâmetros, entre eles a temperatura, a concentração dos substratos, o
pH, a presença de fatores de regulação, etc. Se quiséssemos descrever um
sistema com n parâmetros reguladores deveríamos representá-los no espaço de
fases com um número n de eixos, correspondentes a cada parâmetro. Neste
espaço, um ponto reflete uma combinação particular dos valores de todos os
parâmetros numa determinada condição de funcionamento da reação. A
seqüência dos pontos no tempo descreve a trajetória do atrator relativa a tal
reação.
De tudo o que acabamos de dizer deriva um importante conceito: o
reconhecimento da auto-semelhança (ou seja, esquema fractal) sugere a
existência de uma lei determinista subjacente também para objetos
pertencentes a fenômenos aparentemente desordenados. A semelhança de
forma na variância de escala representa de qualquer modo a reprodução do
“todo” em cada “fragmento”. Tal evidência constitui um critério fundamental
para distinguir o acaso (fenômeno estocástico, ou random) do caos, onde
existe uma lei, mesmo que “escondida” e de difícil individualização. A
desordem aparente no caos, e não no acaso, necessita que o todo e cada
fragmento respondam às mesmas regras fundamentais (neste caso, algoritmo
matemático) que geram o mesmo tido de irregularidade, sendo necessário que
as informações contidas num ponto da forma ou num momento da evolução
do sistema seja ligada a uma relação de causa-efeito com os outros pontos e
com os momentos sucessivos.
Nos capítulos que seguem (5 e 6) serão colocados muitos exemplos de como
os comportamentos caóticos e as estruturas fratais são importantes na
fisiologia e na patologia.

Redes do tipo booleana


Acabamos de descrever um sistema dinâmico com uma só variável e vimos
que mesmo tal modelo elementar pode gerar comportamentos complexos, se
dadas certas condições. Todavia, na maior parte dos sistemas complexos e
mais ainda naqueles tipos de sistemas vivos, a homeodinâmica é garantida por
muitas variáveis diversas. Já tivemos ocasiões de afirmar que quanto mais
complexo é um sistema homeodinâmico tanto mais complexo é o seu controle,
o qual é garantido por muitos elementos que passam a formar uma rede
dinâmica.
No organismo humano exemplos de tais redes são as redes neurais, as do
sistema imunitário, das citocinas, dos sistemas que controlam os receptores
celulares, etc. Mas, o sistema de redes está presente em todo os níveis,
inclusive naqueles que consideram os fenômenos sociais, culturais e os meios

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 15


de comunicação (vejamos como exemplo a Internet). Por outro lado, os vários
níveis estão conectados a sua volta no sentido “vertical”, em que um nível
inferior (como por exemplo as redes moleculares ou celulares) influenciam o
nível superior (como por exemplo o pensamento e as relações interhumanas) e
vice-versa.
Num conceito mais abstrato, uma rede pode ser concebida como um conjunto
de nodos (núcleos) interligados entre si por relações mais ou menos
complexas (por exemplo de ativações ou inibições). Quando uma rede
funciona bem, devidamente “conectada” com seu interior, o comportamento
do conjunto regula o funcionamento das variáveis individuais, cada uma das
quais dá a sua contribuição, direta ou indiretamente, para a regulação das
outras.
Procurando construir modelos para tais sistemas complexos, foi proposto o
método das redes booleanas (do matemático G. Boole) [Kauffman, 1993;
Kauffman, 1995]. As redes booleanas são sistemas nos quais os nodos são
constituídos por variáveis binárias, cada uma com dois estados possíveis de
atividade (ON/OFF), acopladas de modo que a atividade de cada nodo é
determinada pelo precedente ou pela atividade concomitante de outros nodos,
de acordo com determinadas regras lógicas (AND, OR, XOR, NOT), ditas
regras booleanas. As redes com muitos nodos podem ser mais ou menos
ordenadas. Variando-se oportunamente o número de nodos e o número das
suas conecções podemos encontrar empiricamente os momentos de transição
entre ordem e desordem.
Tais modelos lógico-matemáticos foram desenvolvidos inicialmente com a
intenção de explicar como se organiza o genoma celular, que poderia ser visto
como um cálculo complexo no qual existe a memória (a informação
depositada no DNA por cerca de 50.000 proteínas diferentes) mas também a
elaboração em paralelo de algumas destas informações (qualquer centena ou
milhar simultaneamente). Além do mais, muitas destas proteínas–informações
influenciam o próprio genoma na sua atividade, em múltiplos lugares de
controle. De tal modo, muitos genes estão “acoplados” ao funcionamento de
outros, influenciando-se reciprocamente, constituindo, portanto, uma rede. O
comportamento coordenado e seqüencial desta rede é a base do funcionamento
e da diferenciação celular, pelo qual uma célula do fígado é diferente de uma
do músculo cardíaco, desenvolvendo funções diferentes, mesmo tendo em si a
mesma informação genética, sendo constituída dos mesmos materiais
elementares (aminoácidos, açúcares, lipídios, carboidratos) e seguindo as
mesmas “regras gerais” de funcionamento (reações bioquímicas).
Na transdução dos sinais intracelulares convergem dezenas de sistemas
moleculares de membrana e citoplasmáticos (que há um tempo atrás eram

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 16


chamados de mensageiros secundários) entre eles intimamente coordenados
(conectados): o comportamento atual de uma célula poderia ser interpretado
como o êxito de prevalecer um ou outro atrator no conjunto de todos os
sistemas de transdução. O sinal extracelular, tanto seja químico ou físico,
constituiria, portanto, a perturbação mínima que faz a célula passar de um
determinado atrator fundamental (“estado estacionário”) para uma outra
“bacia de atração”, com toda uma série de passagens consecutivas
estabelecidas pelo mesmo atrator. Isto está de acordo com o fato, bem
conhecido por estudiosos de transdução, que sinais diversos podem causar
efeitos finais similares e o mesmo sinal, ao variar as condições (perturbações
estruturais ou presença de outros sinais concomitantes) pode causar efeitos
diversos, inclusive opostos.

Um modelo de cinco nodos


Aqui apresentamos um modelo (figura 13) de uma típica rede dinâmica feita
por cinco componentes, elaborado com uma formalização lógica e com a
aplicação de um programa de informática (Model Maker for Windows,
Cherwel Scientific Publ.). Este programa simula de forma praticamente
ilimitada o comportamento de uma rede ao longo do tempo (ou melhor, numa
série de iterações).
Mesmo neste caso, como no modelo precedente de retroação (feedback), a
análise é feita em profundidade e com particular cuidado. A vantagem de
proceder desta forma é que por se tratar de um modelo abstrato, este é ao
mesmo tempo extremamente geral e preciso.
Este modelo contém algumas implicações para compreender a lógica de uma
abordagem holística das regulações dos sistemas biológicos através das
mínimas perturbações, uma linha de pensamento fundamental nas medicinas
tradicionais. Obviamente, isto não nos fornece demonstrações quantitativas
nem explicações sobre a ação destas formas de terapia, mas no mínimo pode
ser uma ocasião para se repensar de forma analógica nas regras sutís de auto-
organização dos sistemas biológicos em termos de redes reguladas
ciberneticamente. Para ilustrar estas regras podemos desenvolver modelos
ainda mais complexos e alternativos, mas os conceitos de base são os mesmos
e podem ser confrontados com o estudo do nosso modelo, baseado nas
interações entre cinco nodos, o que poderá introduzir o leitor interessado no
estudo das redes de graus superiores de complexidade.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 17


Figura 13. Típica rede de cinco nodos que se influenciam reciprocamente
de modo positivo e negativo segundo as direções indicadas. Para maiores
explicações, ver o texto.

Este modelo pode ser útil tanto no campo da biologia celular como na
fisiologia e patologia aplicada ao organismo na sua unidade, como em suas
múltiplas funções integradas. Este prevê a existência de dois estados possíveis
para cada nodo (ON e OFF): é por isso uma idealização do fenômeno pelo
qual cada sistema homeodinâmico ou processo biológico enquanto funciona
num amplo intervalo de atividade (apenas no modelo “ON” ocorrem vários
estados de atividades como conseqüência do aumento da concentração de um
ativador), podendo ser representado no limite como aceso/apagado,
ativo/inativo, expresso/reprimido, acelerado/desacelerado.
No típico modelo da figura 13 a rede é construída de modo que qualquer dos
cinco componentes estimula (ativa) o componente que imediatamente o segue
(em ordem alfabética), enquanto exerce um efeito inibidor (inativo) no
componente que segue sucessivamente. Qualquer componente recebe portanto
dos outros componentes da rede dois inputs, um ativador e um bloqueador,

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 18


que como conseqüência regula o ciclo (iteração) sucessivo e seu estado
depende dos estados dos componentes reguladores do ciclo precedente. Por
outro lado, vimos que no caso de paridade (se ambos os componentes
reguladores se encontram no mesmo estado de atividade), a escolha pelo ciclo
seguinte depende da influência de um terceiro nodo exterior ao sistema. De tal
forma, o sistema de cinco nodos é concebido também como um “sistema
aberto”, no sentido que é sensível a influências externas (tanto no sentido
positivo ou negativo como foi colocado inicialmente no nosso modelo).
Tratando-se de um sistema de cinco nodos, cada um com duas possibilidades
de escolha, podemos configurá-lo em 32 combinações diferentes (esquemas
ou patterns, segundo a terminologia anglo-saxônica), que estão colocadas na
tabela 3.

Tabela 3. Possíveis combinações (esquemas) da rede descrita na figura 13.


A cada uma das possíveis combinações foi dado um número para facilitar
as representações das mudanças dinâmicas da rede nas sucessivas
iterações que a transformam. 1=ON, 0=OFF.

Nodos Nodos
Esquema Esquema
A B C D E A B C D E
32 1 1 1 1 1 16 0 1 1 1 1
31 1 1 1 1 0 15 0 1 1 1 0
30 1 1 1 0 1 14 0 1 1 0 1
29 1 1 1 0 0 13 0 1 1 0 0
28 1 1 0 1 1 12 0 1 0 1 1
27 1 1 0 1 0 11 0 1 0 1 0
26 1 1 0 0 1 10 0 1 0 0 1
25 1 1 0 0 0 9 0 1 0 0 0
24 1 0 1 1 1 8 0 0 1 1 1
23 1 0 1 1 0 7 0 0 1 1 0
22 1 0 1 0 1 6 0 0 1 0 1
21 1 0 1 0 0 5 0 0 1 0 0
20 1 0 0 1 1 4 0 0 0 1 1
19 1 0 0 1 0 3 0 0 0 1 0
18 1 0 0 0 1 2 0 0 0 0 1
17 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 19


A rede é dinâmica: de fato o jogo dos componentes é tal que se transforma
continuamente, em sucessivas iterações, escolhendo uma das 32 possíveis
combinações de acordo com as regras estabelecidas.
Se pode observar portanto uma série de transformações, partindo do esquema
inicial escolhido a vontade.
A figura 14 mostra algumas dessas seqüências partindo dos esquemas número
5, 6, 1, 26. Vemos que em todos estes casos as iterações levaram a rede a
convergir para o esquema 22 e que, sucessivamente, seguem os esquemas 19 e
10, para voltar depois ao 22. Na rede de cinco nodos já descrita chamaremos a
seqüência 22-19-10 de “atrator dinâmico”.

Figura 14. Evolução dos esquemas no qual se dispõe a rede de cinco nodos
descrita na figura 13, em sucessivas iterações partindo de diversos
esquemas iniciais. Os números se referem às classificações dos esquemas
apresentados na tabela 3.

O sistema passa de um esquema a outro de modo determinista, mas ao final


(de acordo com o esquema de partida), retorna a um estado anterior, onde o
ciclo de transformações se recupera utilizando somente poucos esquemas em
seqüência rápida. Na figura 14 se vê que todos os esquemas são “ligados”
numa cadeia ramificada, que termina sempre num atrator, neste caso a
seqüência 22-19-10. De fato, os ciclos percorridos pelas redes booleanas são

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 20


chamados de atratores dinâmicos e cada uma das redes, após muitos ciclos de
transformações, termina no seu típico atrator.
Neste momento poderíamos perguntar quantos atratores estão presentes na
rede aqui descrita. Para responder a esta pergunta basta observar a seqüência
dos esquemas partindo de todas as possíveis 32 combinações. Mediante isto
verificamos que os atratores da rede descrita na figura 13 são somente quatro e
precisamente aqueles representados pelos esquemas 22-19-10, ou 21-27-14,
ou 18, ou 29 (figura 15).

Figura 15. Gráfico da evolução dos esquemas da rede de cinco nodos (ver
figura 13) numa série de 50 iterações. O número do esquema (eixo das
ordenadas) se refere à classificação dos 32 esquemas possíveis
apresentados na tabela 3.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 21


O traçado 15A representa a trajetória do atrator 22-19-10, que se constrói
partindo-se do esquema 1 (todos os componentes = OFF). O traçado 15B
mostra que o mesmo acontece partindo-se do esquema 32 (todos os
componentes = ON): o mesmíssimo atrator é formado partindo-se também de
muitos outros esquemas iniciais (precisamente de 19 até 32). A mesma rede
pode ter também diversos atratores, dos quais um poderia ser (figura 15C,
sequência 21-27-14) constituído por um período de três esquemas e formado
partindo-se dos 5 esquemas iniciais até 32. Outros dois atratores (18 no
traçado 15D e 29 no traçado 15E) são atratores puntiformes, onde é formado
um esquema no qual a rede fica como que bloqueada. Havendo testado todos
os esquemas iniciais vemos que 7 esquemas de partida dos 32 terminam no
atrator 18 e apenas um (esquema 29) não se modifica de modo algum, no
sentido que se partimos do esquema 29 este permanece nele mesmo.
Em síntese, o sistema aqui descrito é composto por cinco nodos que
teoricamente podem se associar em 32 combinações (esquemas) de estados
ON/OFF. Quando o sistema é observado na sua dinâmica, este nos mostra
uma forte tendência de convergir a um dos quatro possíveis estados de
equilíbrio (atratores), o qual apenas oito esquemas os atingem (22, 19, 10, 21,
27, 14, 18 e 29), independentemente do ponto de partida. Portanto, se temos
32 graus de liberdade45, as regras de comportamento que devem ser
respeitadas e as recíprocas comunicações entre os nodos forçam o sistema a
ficar entre 8 graus de liberdade (considerando os esquemas utilizados
efetivamente), ou apenas quatro graus de liberdade (considerando os atratores
dinâmicos). Em outras palavras, o sistema utiliza a troca de informações para
criar uma organização de esquemas que se sucedem com ritmo ordenado.
Isto é portanto um exemplo simples da capacidade autoorganizadora de um
sistema dinâmico. Reduzir os graus de liberdade significa criar ordem, sendo
esta uma propriedade intrínseca do sistema descrito, um fenômeno similar foi
denominado por Kauffman, o maior estudioso das redes booleanas, com um
termo muito significativo, anti-caos [Kauffman, 1991].
Por exemplo, este autor calculou que uma rede booleana que simula o genoma
humano, poderia ter em torno de 50.000 possibilidades diferentes de expressão
(proteínas diferentes) possuem em torno de 250 atratores diferentes
(configurações complexas diferentes). Isto resulta num calculo teórico muito

45
Graus de liberdade: entende-se o número de configurações diversas que um sistema pode assumir sem
nenhuma preferência que o obrigue a fazer uma escolha. Poderíamos também dizer que os graus de liberdade
são proporcionais às escolhas casuais e inversamente proporcionais a ordem. As moléculas de um cristal ideal
possuem poucos graus de liberdade (se devem dispor de acordo com o retículo cristalino e geométrico), já as
moléculas de um gás possuem um enorme número de graus de liberdade.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 22


similar ao numero de espécies celulares diferentes encontradas nos tecidos de
mamíferos.

Dinâmica das perturbações


A dinâmica desta rede pode ser colocada a prova com simulações muito
sofisticadas. Como está ilustrado na figura 16 é possível introduzir no
momento desejado algumas perturbações: como exemplo, a inativação de um
nodo (colocado arbitrariamente no exterior como OFF mesmo que se encontre
na posição ON). Ou então, é possível variar o retardo da resposta:
normalmente cada nodo responde às regulações de seus dois nodos
controladores nas iterações imediatamente sucessivas (portanto o retardo é de
uma só iteração). Mas se quisermos podemos direcionar o modelo para
escolher arbitrariamente o tempo de resposta, de uma a cinco iterações. De tal
modo, obviamente, o comportamento da rede se complica e é interessante
observar o que acontece quando se coloca a prova a ordem do sistema com
estas modificações.

Figura 16. Possíveis modificações que foram introduzidas no


funcionamento da rede descrita na figura 13 – 14.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 23


Figura 17. Efeitos de algumas perturbações no andamento das
modificações dinâmicas da rede descrita na figura 16. Para ulteriores
explicações ver a descrição no texto.

A estabilidade dos atratores dinâmicos em relação às perturbações pode mudar


de forma considerável como ilustrado na figura 17. No traçado A, em
determinados momentos (e só naqueles momentos indicados pelas setas
verticais) o computador é instruído para “apagar” o nodo A (instrução:
A=OFF).
Nota-se que se esta perturbação é introduzida no momento da iteração 15, esta
não provoca efeito algum, enquanto que, se é introduzida no momento das
iterações 28 e 50 causa uma mudança momentânea seguida da recuperação do
atrator normal (o atraso é devido ao fato que a resposta de cada nodo é sempre
retardada de uma iteração, como citado acima). Isto demonstra que esse
sistema tem momentos no qual é insensível a perturbações, outros no qual as
perturbações alteram o equilíbrio, mas apenas momentaneamente porque
depois de algumas iterações o atrator normal se recupera.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 24


Todavia, como se vê no traçado B, se a mesma perturbação se repete duas
vezes consecutivas (iterações 28 e 29), observa-se uma mudança drástica e
permanente: o sistema depois de algumas oscilações é “capturado” pelo o
atrator constituído pelo esquema n. 18 e permanece assim para sempre.
Portanto, pode-se observar como a primeira das duas perturbações, até então
uma perturbação reversível (ver acima), predispõe o sistema a ser modificado
mais profundamente pelo mesmo tipo de perturbação “administrada”
sucessivamente.
No traçado C da figura 17 vemos o andamento do atrator 21-27-14, que após a
iteração n. 21, sofre uma perturbação do tipo D=OFF. Esta perturbação
modifica os esquemas por breves seqüências, mas não faz absolutamente nada
sobre o atrator a longo prazo. Ao invés, se introduzimos a perturbação
A=OFF no momento da iteração 51 (quando o sistema se encontra exatamente
no mesmo esquema no qual se encontrava na prova precedente quando
perturbado com D=OFF), vemos que desta vez o traçado diverge do
precedente e começa a seguir o atrator 22-19-10 para sempre. Uma única
perturbação (de apenas um nodo sobre 5), forçou o sistema inteiro a entrar
num atrator diferente.
Neste ponto perguntamos se é possível, mediante outra perturbação, fazer o
sistema recuperar o andamento original. Isto tem se revelado muito difícil,
mas não impossível. Provando empiricamente, se faz necessário realizar
muitas tentativas antes de encontrar uma modificação que provoque este
efeito. Um exemplo que ilustra uma destas múltiplas tentativas sem êxito é
mostrado no traçado D, onde se repete esta última perturbação “eficaz”
(A=OFF na iteração 21) e obtemos a mudança de atrator; pois procuramos
recuperar o traçado precedente introduzindo a perturbação E=OFF no
momento da iteração 51. Todavia, esta nova perturbação causou apenas uma
mínima modificação na iteração 52, mas nada nas outras. O traçado E mostra
ao invés disto, que se a perturbação E=OFF é introduzida no momento da
iteração 52, a função passa repentinamente ao atrator originário e permanece
desta forma.
Como conclusão, tendo encontrado o momento exato no qual o sistema é
“sensível” a uma determinada perturbação é possível tornar reversível o efeito
da perturbação precedente. Tudo isto indica que o comportamento a longo
prazo de uma rede homeodinâmica deste tipo pode ser modificado e orientado
por manipulações mínimas e breves de uma variável, se estas são efetuadas de
modo preciso e no momento exato.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 25


A variabilidade não é desordem
Uma outra série interessante de considerações são oferecidas pelas análises do
efeito da modificação de um ou mais nodos da rede no que consiste ao retardo
da resposta, em outras palavras, numa diminuição da sua velocidade de
“reação”. A figura 18 mostra alguns traçados derivados das simulações
efetuadas com o mesmo sistema de cinco nodos, mas onde alguns nodos são
colocados propositalmente “desacelerados” em suas respostas, como indicado
nesta mesma figura.

Figura 18. Andamento das modificações da rede descrita na figura 15, na


qual alguns nodos estão caracterizados por uma resposta retardada. O
atraso de cada um dos nodos, número de iterações que este realiza antes
de responder, é mostrado em cada um dos traçados.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 26


O traçado 18A mostra que um pequeno retardo no nodo E altera
consideravelmente o andamento originário (atratores 22-19-10, ver figura
14B), de forma que neste caso se instaura um outro atrator de período 4 (22-
20-17-26). O traçado 18B mostra que mesmo inserindo-se um retardo de 3
iterações no nodo C, temos uma posterior complicação da situação: neste
ponto o atrator, após seis iterações de “incerteza”, se estabiliza de acordo com
a seqüência repetitiva 18-18-22-20-17-26.
Procurando complicar ainda mais a situação do mesmo sistema, introduzindo-
se variados e diversos atrasos de respostas (traçado 18C) observamos que um
andamento repetitivo (atrator: 18-26-22-20-21-20-17-26) é atingido muito
mais tarde (após 18 tentativas diversas), mas sendo alcançado em todos os
casos. O traçado 18D demonstra que, mesmo partindo-se de um esquema
inicial diferente (16 ao invés de 32), o atrator 18-26-22-20-21-20-17-26 é
igualmente “alcançado” depois de um certo número (20) de iterações.
Após uma análise de todos os possíveis atratores deste sistema (em
funcionamento com o retardo de resposta indicados na figura 18C e 17D)
vemos que este termina em apenas dois atratores, aquele descrito acima e
outro bastante similar mas não idêntico (18-18-22-20-17-18-18-26), que não é
mostrado na figura. Isto é muito sugestivo porque indica que a tendência a
uma ordem coletiva é muito forte, mesmo que a situação de reatividade de
cada nodo seja bastante diferente (portanto o jogo das influências recíprocas
se torna enormemente complicado).
Nesta análise pode-se concluir que os graus de liberdade do sistema se
reduzem a apenas seis, quando se consideram os possíveis esquemas
utilizados (17, 18, 20, 21, 22, 26) e a apenas dois, quando se consideram seus
atratores (18-26-22-20-21-20-17-26 e 18-18-22-20-17-18-18-26). Em outras
palavras, poderíamos concluir que a complexidade de uma rede interconectada
não aumenta a desordem: a tendência para a auto-organização, numa forma
característica para aquele sistema típico, permanece intacta ou até se reforça,
sendo que, obviamente, em esquemas mais complexos serão necessários um
maior número de tentativas. O aumento da complexidade, causado pela
diversidade dos seus componentes, não resulta num aumento de desordem. Ao
contrário, observamos que se estabelece uma ordem mais “rica” de forma e
que esta ordem requer um tempo maior para ser estabelecida.
Cada pequena modificação da resposta (reatividade) de um nodo origina
diversas formas de atratores. Fazendo uma analogia com os sistemas
biológicos, poderíamos afirmar que das diferenças de cada sub-componente
surge uma ordem coletiva diferente, característica e individual para aquele
sistema em particular. Uma diferença interindividual poderia ser a velocidade
de uma enzima, ou a quantidade de tecido adiposo, ou a velocidade do

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 27


metabolismo energético de uma espécie celular. Reunindo todas as diferenças
de valores dos nodos da rede emerge um comportamento de conjunto (pattern)
que é totalmente individual, desde que as regras usadas pelos sistemas sejam
sempre as mesmas.
No último traçado da figura 18 (18E) mostramos o resultado de uma outra
simulação que nos chama a atenção porque evidencia uma situação
imprevista. Se variarmos os atrasos dos vários componentes observamos uma
certa combinação de retardos (A=1, B=1, C=2, D=3, E=1) que não originava
numa seqüência complicada de esquemas, mas apenas em uma solução: o
atrator puntiforme correspondente ao esquema 18. Este atrator é aquele que
“bloqueia” todo o movimento do sistema, sendo igual ao que vimos na figura
15D, 17B e que aparece também nos traçado 18E. Trata-se, portanto de um
esquema com “risco” de bloqueio. Tal bloqueio se manifesta facilmente no
comportamento do sistema original sem retardos (como explicamos acima na
figura 15, com sete probabilidades partindo do 32), sendo muito mais difícil se
o sistema é mais variado, ou seja, se cada componente possui retardos diversos
e se o esquema-atrator é mais complexo. Todavia, o bloqueio do sistema não é
totalmente evitado nem mesmo pelo aumento da complexidade, porque dada
uma certa combinação de retardos (com características intrínsecas de cada um
dos nodos) e dado um certo esquema inicial poderemos verificar uma situação
mediante a qual o esquema 18 se fixa irreversivelmente.
Tudo isto pode nos parecer muito especulativo, mas devemos lembrar que
estas simulações têm por objetivo ilustrar qualitativamente o comportamento
de uma rede, e que por tudo o que já dissemos a respeito das redes booleanas,
é altamente provável que comportamentos análogos possam ser verificados
em sistemas biológicos e sistemas fisiológicos dotados de capacidade de auto
organização.
Em síntese, este simples modelo ilustrou três das principais propriedades das
redes dinâmicas: auto-organização, homeodinâmica e adaptação (atratores).
Se um sistema pode se organizar de modo que tenha um comportamento
rítmico, sabemos que, se verificamos especial coincidências de relações entre
os sub sistemas, particulares condições iniciais ou particulares perturbações,
se pode verificar em tal sistema uma discontinuidade de funcionamento que
nos levariam a bloqueios totais e irreversíveis.
Por outro lado, o sistema forneceu exemplos rudimentares mas precisos de
como perturbações externas podem ter tantos efeitos “patológicos” (induzindo
modificações permanentes que se auto mantém), como “terapêuticos”
(induzindo uma modificação que permite o sistema encontrar um caminho
para voltar ao atrator original). É significativo observar como os efeitos
“terapêuticos” têm sido obtidos usando uma perturbação instantânea que

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 28


consiste na inativação de um componente por apenas uma iteração (figura
17E). No entanto, nem todas as possíveis perturbações, mas ao contrário
apenas uma pequena parte destas, são eficazes para este objetivo: é necessário
que seja modificado o componente exato e no momento exato, porque senão
nada acontece ou apenas pequenas e oscilações reversíveis. Poderíamos
portando argumentar que, analogamente, para modificar um sistema complexo
na direção desejada (concretamente, quando é perturbado por uma doença
direcioná-lo no sentido da cura), é necessário saber como (que componentes) e
quando (em que momento devemos aplicar o estímulo ou o bloqueio externos)
o sistema é sensível à esta intervenção. Nosso modelo tem a capacidade de
prever que, se esta informação é conhecida, pode-se adquirir vantagens da
capacidade auto organizadora do sistema e quando se aplica uma pequena e
breve perturbação esta pode resultar em grades e duradouras modificações.
Em conclusão, graças a esse interessante tipo de abordagem lógico-
matemática, foi possível se aprofundar no conhecimento dos sistemas
complexos e da relação entre a comunicação de diversos componentes de um
sistema dinâmico e do nascimento da ordem a longo prazo. Sobretudo, foi
possível focar a atenção sobre um fenômeno que possui uma indubitável
relevância na teoria da evolução: da combinação dos múltiplos elementos
interconectados pode originar uma ordem microscópica (reduções dos graus
de liberdade); deste núcleo inicial pode originar, espontaneamente, uma ordem
macroscópica em forma de ilhas de ordem ou em forma de modificações que
se repetem de acordo com os ciclos descritos pelos atratores.
É oportuno ressaltar que toda a discussão desenvolvida sobre os atratores se
mantém num plano muito geral, já que o presente trabalho possui apenas um
objetivo introdutivo, mas estas descrições qualitativas possuem formulações
matemáticas precisas [Hirsch e Smale, 1974; Kauffman, 1993; Bar-Yam,
1997], que incluem ainda modelos mais complexos.
Devem-se mencionar também os avanços que aconteceram no estudo das
redes neurais, com os quais se puderam construir os modelos que simulam as
redes do sistema nervoso. Nestes modelos de rede [ver como exemplo, Bar-
Yam, 1997 e Holland, 2000] se destaca a propriedade de aprendizagem
(learning) e de “memória” que estas redes possuem. Estas propriedades são
devidas ao fato de que a informação é codificada justamente no estado e nas
relações dos nodos (mais ou menos ativados e com capacidade de “priming” e
de “adaptação). A informação é codificada numa determinada estrutura do
atrator após a “experiência” realizada nos ciclos de estimulação precedente e
da atividade induzida por inputs..Deste modo as redes podem também corrigir
os defeitos de um input de informação externa (que eventualmente poderia

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 29


conter erros), gerando assim as informações corretas como output,
confrontando o input com a própria memória associativa.

Redes com variáveis contínuas


Além das redes booleanas, existem muitas outras maneiras de representar as
redes e simular seus comportamentos, com auxilio de computadores. Existem
inclusive modelos de rede de variáveis contínuas (onde cada nodo não varia só
em ON/OFF, mas pode adquirir valores discretos e intermediários entre um
máximo e um mínimo). A utilidade de nos apoiarmos em modelos
matemáticos, a primeira vista pode não parecer evidente, mas é oportuno
reconsiderar que a matemática fornece à medicina biodinâmica bases
conceituais muito sólidas. Tem sido sustentado por um notável bioquímico
que trabalhou também na teoria do caos [Cramer, 1993] que o feed-back é tão
importante em biologia que pode ser considerado algo similar a uma “lei
fundamental da vida”.
Nesta seção apresentamos o modelo de uma rede com cinco variáveis similar
àquela ilustrada anteriormente, mas com a diferença que nesta as relações
entre seus elementos variam segundo uma escala contínua. Cada um dos
componentes possue duas opções, enquanto uma envia um sinal de ativação,
outra envia um sinal de inibição à uma outra variável da rede (figura 19).
Cada nodo N (A, B, C, D, E) da rede responde às influências dos outros
nodos, produzindo seus sinais com uma intensidade proporcional à atividade
dos dois nodos com os quais está conectado. Em síntese, o modelo poderia ser
representado pelo seguinte algoritmo:

N(A, B, C, D, E)t n+1 = kNet n – kNit n

Onde o valor do nodo N no tempo (tn+1) depende positivamente do valor que o


nodo estimulador com o qual está conectado (Ne) e negativamente do valor do
nodo inibidor (Ni) possuem no tempo precedente (tn), multiplicados por um
parâmetro k, que indica quanta influência (estimulação ou inibição) há no
valor de uma variável com relação ao nodo com o qual está conectada. Como
exemplo, se no tempo tn o nodo A (estimulador) = 100, o nodo E (inibidor) =
10 e k = 0.5, no tempo tn+1 o nodo B = (0.5 x 100) – (0.5 x 10) = 45.
Nesse modelo devemos pré-determinar os valores iniciais dos cincos nodos e
o valor de k, que indica a “intensidade” do sinal. Nesta simulação
estabelecemos arbitrariamente que o valor inicial dos nodos são os seguintes:
A = 100, B = 50, C = 0, D = -50, E = -100. Tais valores iniciais são puramente
arbitrários e determinam o andamento quantitativo da rede, mas mesmo com

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 30


diversos valores iniciais o resultado não se altera do ponto de vista qualitativo
(isto é o que mais interessa neste contexto de simulações matemáticas).

Figura 19. Representação esquemática de uma rede de cinco nodos com


variáveis contínuas utilizada para simulação em computador.

O valor de k é k = 0.53, valor estabelecido empiricamente por provas


preliminares, que permite a rede funcionar de um modo suficientemente
constante no tempo: valores de k maiores e menores que 0.53 para esta rede
promovem um andamento instável, no sentido que os valores das cinco
variáveis tendem rapidamente a se reduzir a zero ou tendem a aumentar até o
infinito, respectivamente. Uma vez fixado estes valores é possível executar o
programa que calcula as mudanças dos diversos nodos em função do tempo
(iterações).

Oscilações coerentes
Na figura 20 mostramos os traçados de todas as cinco variáveis no tempo,
apresentados separadamente nos diversos quadros para não causar

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 31


sobreposições que possam confundir. Se vê claramente que, no ponto de
partida t0, A = 100, B = 50, C = 0, D = -50, E = -100, e que rapidamente A
diminui, B, D e E sobem e C diminui, sendo que depois invertem a resposta e
assumem um curso oscilante ou pelo menos irregular.

Figura 20. Desenvolvimento dos cinco nodos, ou variáveis (A, B, C, D, E),


descritos na figura 19, em função do tempo (iterações). k = 0.53 para
todas as variáveis. Valores de t0: A = 100, B = 50, C = 0, D = -50, E = -100

Avançando no tempo, ou seja, continuando a rodar o programa com


sucessivas iterações, o jogo de ativações e inibições interrelacionadas produz
mudanças oscilantes que gradualmente se sincronizam de modo perfeito,
atenuando a instabilidade observada no início. De uma situação desordenada
passamos para uma situação mais ordenada e harmônica graças ao
comportamento coerente de todos os componentes da rede que se influenciam
reciprocamente.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 32


A rede se comporta de um modo muito ordenado e encontra
“espontaneamente” esta ordem crescente. Um outro dado curioso que
podemos notar é que o período de uma oscilação (a distância entre dois picos)
é cerca de trinta unidades de tempo (iterações). Existe também uma
organização temporal de longo período (duzentas unidades de tempo) dada
pelas ondas longas, compreendendo cada uma sete oscilações. A coerência da
rede se encontra, portanto, sobre duas diferentes escalas temporais
sincronizadas entre si.
Mesmo com um modelo similar podemos efetuar simulações modificando a
vontade os parâmetros de iteração ou as condições iniciais. Para isto é
necessário individualizar quais as condições e entre quais limites se
manifestam as modificações qualitativas ou quantitativas do comportamento
da própria rede. Chamamos de perturbação mínima a mudança momentânea e
transitória de uma variável (ou nodo). Chamamos de perturbações estruturais
aquelas que modificam permanentemente as regras ou as conexões entre os
nodos ou o valor do parâmetro k. Tais perturbações são também chamadas de
“mutações”, utilizando uma linguagem biológica.
As perturbações mínimas são facilmente “reabsorvidas” por uma rede similar.
Um exemplo de perturbação estrutural poderia ser a remoção de uma conexão
entre dois nodos da rede. Estas simulações (não apresentadas aqui) fornecem
traçados nos quais veríamos que em alguns nodos a amplitude das oscilações
aumenta, em outros diminui, mas permanecendo freqüentemente as sincronias
entre todas as oscilações. Portanto, em condições realmente “patológicas” as
redes não perdem sua capacidade de auto-organização, mas se adaptam a um
funcionamento em regime reduzido de um nodo procurando de qualquer modo
compensar o déficit com uma maior atividade dos outros nodos.

Uma rede não-linear


Uma rede homeodinâmica assim ordenada e harmônica simula apenas alguns
aspectos dos sistemas fisiológicos reais, os quais, como foi amplamente
demonstrado, apresentam características de caoticidade e de variabilidade. Por
isso pensamos em inserir neste mesmo sistema um elemento não-linear. Entre
várias outras possibilidades, consideramos útil apresentar a simulação na qual
um nodo da rede (A) foi condicionado por um fator de controle não-linear: é
estabelecido que o valor da variável A no tempo tn+1 depende não só de E e D
(como no caso precedente), mas também da relação entre um valor arbitrário
de Amax e um valor de A no tempo precedente (Atn).
Ou seja, o algoritmo da função, com referência somente ao nodo A, é o
seguinte:

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 33


Atn+1 = kEtn – kDtn + (Amax/At n)

Onde Amax é um valor estabelecido no começo, que podemos mudar a


vontade. Este tipo de fator de controle da função é muito similar àquele que já
vimos precedentemente na função de Verhulst46.
A figura 21 mostra o esquema da rede assim modificada (deixando invariantes
e iguais todos os outros parâmetros usados na figura 19).

Figura 21. Rede de cinco nodos com variáveis continuas modificada com a
inclusão de um fator de controle não-linear (Amax/Atn) no algorítmo do
nodo A.

As simulações feitas no computador demonstraram que com valores de Amax


inferiores a 10 o andamento dos traçados é muito similar àquele mostrado na
figura 20; isto significa que a modificação introduzida possui pouco efeito
sobre o andamento global da função. Com valores superiores a 10 começam a
manifestar-se irregularidades, em forma de picos pequenos que perturbam o
andamento regular de base, distúrbios que se tornam evidentes com Amax em

46
Como foi visto anteriormente no capitulo 3.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 34


torno de 20. A figura 22 mostra a simulação construída com valores de Amax =
20 e os traçados de todas as cinco variáveis da rede.

Figura 22. Traçado dos valores das cinco variáveis da rede descrita na
figura 21. k = 0.53, Amax = 20, valores de t0: A = 100, B = 50, C = 0, D = -
50, E = -100

Se vê claramente que a rede se inicia com o mesmo comportamento visto na


figura 20, com a tendência de produzir oscilações rítmicas como nos casos
descritos anteriormente e com a freqüência igual àquela vista acima. Existem
também oscilações de período longo, mesmo que menos evidentes.
Destacamos algumas características peculiares destes traçados:
1. a presença de uma marcada descontinuidade na amplitude dos picos (dos
quais alguns são muito menores que o normal, enquanto outros apresentam
um amplo desenvolvimento);
2. o aparecimento de picos suplementares no intervalo entre um pico normal e
outro. Em alguns pontos notamos uma multiplicidade de pequena oscilações

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 35


no traçado (por exemplo em torno do tempo 400-450), em outros pontos
notamos marcados desdobramentos dos picos (por exemplo em torno do
tempo 700-800);
3. existe ainda uma notável coordenação de toda a rede, pela qual a
discontinuidade de um nodo se comunica rapidamente com os outros nodos.
Uma análise minuciosa do andamento temporal mostra que a primeira
grande discontinuidade aparece como um pico positivo no traçado A em
torno do tempo 620 e depois se repercute imediatamente nos outros nodos:
notamos como B apresenta um aumento imediato proporcional ao aumento
de A, enquanto C mostra simultaneamente um pico simétrico negativo,
próprio das regras ditadas pelo sistema descrito na figura 21.
É inútil dizer que este comportamento é característico de um sistema no qual
coexistem a tendência de auto-organização e um fator de não-linearidade, que
gera o caos determinístico. Um fenômeno similar àquele que precedentemente
era produzido em um sistema de feed-back como o de Verhulst (figuras 8 e 9),
aqui o encontramos com características de maior complexidade na rede de
cinco nodos. Vale a pena ressaltar que a irregularidade mostrada pelos
gráficos da figura 22 não representa um “distúrbio” ou um fenômeno
dependente do acaso, mas ao contrário é um índice da presença do caos
determinístico. Repetindo a simulação com os mesmos parâmetros obtemos
exatamente os mesmos traçados, nas suas mínimas particularidades.
Que se trata seguramente de um típico comportamento caótico é possível
evidenciar também por duas características peculiares apresentadas nos
traçados da figura seguinte (figura 23).
Aqui colocamos os traçados referentes apenas ao nodo A, utilizando dois
valores de Amax diferentes e introduzindo uma perturbação mínima. Se vê
claramente que uma perturbação de 0.001 unidade, correspondente a 1/1000
no valor de A num certo instante (como exemplo, neste caso modificamos o
valor de A de 12.468 para 12.469) introduz uma mudança que a longo prazo
determina uma diferença macroscópica no comportamento de toda a rede. Os
outros nodos, que não são exemplificados aqui para simplificar, sofrem
mudanças análogas e imediatamente sucessivas àquelas de A. Portanto,
mesmo uma rede construída desta forma pode se manifestar com o “efeito
borboleta”.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 36


Figura 23. Traçados dos valores do nodo A da rede descrita na figura 21 e
o efeito de uma mínima variação do valor do mesmo nodo. k = 0.53, Amax
= 25 ou = 26.1, como indicado em cada traçado. Valor de t0: A = 100.

De outro modo a figura 23 documenta o fato que usando determinados valores


de Amax (neste exemplo 26.1) se assiste a um andamento bastante ordenado e
regular. Tais “pontos de equilíbrio” são raros e se manifestam em valores
precisos de Amax. Como exemplo, na nossa simulação observamos um
andamento periódico (pouco caos) com Amax = 26.1, mas não com Amax = 25,
26 e 26.2. Este comportamento é uma reminiscência de tudo que foi observado
em relação ao feed-back frente a uma variável simples e ao diagrama de
bifurcação. No comportamento caótico estão presentes “ilhas de ordem”.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 37


Mesmo neste caso, a situação da rede não pode ser definida como um estado
de equilíbrio, mas ao contrário como um típico fenômeno “meta-estável”, no
qual pequenas perturbações podem levar a modificações drásticas de
comportamento (observar o traçado inferior na figura 23, onde é introduzida
uma mínima perturbação no tempo 250).

Uma vantagem da não-linearidade


Enfim, podemos aproveitar este modelo para ilustrar um outro importante
conceito que se refere a uma propriedade dos sistemas caóticos. Na figura 24
mostramos simulações com diversos valores do parâmetro k que, como já
dissemos, regula a intensidade da resposta de cada um dos nodos até a
solicitação por parte daqueles que o controlam.

Figura 24. Traçados dos valores do nodo A da rede descrita na figura 19


(os três superiores) e na figura 21 (os três inferiores), ao variarmos o
parâmetro k. O valor de k é indicado em cada um dos traçados. Amax
(usado nos três traçados inferiores) = 40. Valor de t0: A = 100.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 38


Dissemos também que uma rede como esta aqui descrita possui um valor de k
bastante restrito, onde as oscilações se mantém com uma amplitude constante
no tempo.
De fato, como vemos no primeiro dos três traçados no alto da figura 24, se
reduzimos o valor k de 0.53 para 0.52 ou 0.480 assistimos a um andamento tal
em que as oscilações progressivamente se reduzem até desaparecer. Isto se
verifica porque a cada ciclo sucessivo de cada nodo, recebendo este inferior
“estímulo” dos outros, reduzirá seu próprio desenvolvimento, seja positivo ou
negativo.
Todavia, os três gráficos inferiores da figura 24 mostram que este problema de
“atenuação” não acontece quando se inseri na rede o fator de controle (Amax /
Atn) que produz um comportamento caótico. Neste ponto, mesmo que se
reduza o valor de k a rede continua “funcionando”. Simulações sucessivas
(não ilustradas) mostraram que mesmo em presença do caos a função se
extingue se o valor de k é muito baixo (como exemplo, k = 0.4), mas em cada
caso as simulações demonstram que o andamento da rede caótica é muito mais
duradouro no tempo, mesmo em presença de uma significativa redução do
parâmetro de controle.
Especulando sobre o significado biológico desta última propriedade da rede
dinâmica não–linear poderíamos com muita razão sustentar que um sistema
deste tipo possui uma grande vantagem sobre aquele perfeitamente regular. De
fato, enquanto que o regular, não caótico, tem necessidade de um valor muito
preciso de velocidade para funcionar por um certo tempo (em termos mais
biológicos, para “sobreviver”); pelo contrário, o sistema dotado de caoticidade
se “acomoda” num amplo intervalo de possibilidades e de velocidades.
Se trata de uma vantagem evolutiva do caos determinístico, visto em relação
ao nascimento e ao desenvolvimento da vida sobre a Terra; se trata de uma
vantagem fisiológica de um sistema dinâmico, se considerado em relação à
manutenção da homeodinâmica biológica ao mudar continuamente os
parâmetros de controle e as velocidades das reações. Como conclusão
poderíamos dizer que um sistema dinâmico como o aqui descrito deve ser
caótico (o que não significa desordenado) por ter mais probabilidade de
funcionar a longo prazo numa situação onde os parâmetros de controle ou as
variáveis ásão instáveis.
No capitulo 5 apresentaremos vários exemplos, tratando de situações clínicas
reais, que ilustram como as reduções da complexidade e da caoticidade
resultam em verdadeiras patologias. Demasiado ordem e demasiado desordem
fazem mal.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 39


Medicina Biodinamica
Papirus Editora 2002
© Paolo Bellavite
Questionar por possivel reprodução: paolo.bellavite@univr.it

4
Notas de biofísica

No âmbito da medicina biodinâmica os fenômenos de tipo biofísico possuem


uma grande importância. De fato, na realidade o físico e o biológico não se
encontram separados; se por um lado temos a matéria, tangível e mensurável
(átomos, moléculas, órgãos, fármacos e assim por diante), por outro lado
temos o aspecto dualístico desta, ou seja, seu espectro oscilatório
eletromagnético. O aspecto dualístico da matéria é uma lei natural,
fundamento da física: a luz possui um caráter tanto de partícula como de onda.
Cada substância possui seu espectro eletromagnético dependente do conjunto
de oscilações que a constituem, cada sustância interage com as ondas
eletromagnéticas tanto de um modo inespecífico (p. ex. transferência de
energia térmica) como de um modo específico (interações baseadas na
ressonância entre as “janelas” especiais de freqüência).

Fenômenos biológicos relacionados ao campo magnético


Temos um conjunto freqüências oscilatórias correspondentes às substâncias
como enzimas, membranas celulares, ácidos nucléicos; as substâncias
biológicas são ricas em estruturas de ressonância como as ligações hidrogênio
entre os nucleotídeos. Temos também o conjunto de fenômenos bioelétricos
rítmicos, gerados pela coerente atividade elétrica dos grupos das células.
Tanto o conjunto freqüências oscilatórias como o conjunto de fenômenos
bioelétricos rítmicos constituem hierarquias muito complexas de sinais

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 1


eletromagnéticos de diferentes freqüências. Estes percorrem o ser vivo e
representam uma rede fundamental de informações que controlam o
mecanismo celular e orgânico (homeostase eletromagnética). Como
conseqüência, a possibilidade de registrar estas informações e de utilizar esta
via para influenciar de forma objetiva aqueles que aparecem como desordens
globais ou setoriais é uma perspectiva de importância fundamental para a
medicina e para uma abordagem biodinâmica.
Neste capítulo estudaremos as bases físicas e biológicas do efeito dos campos
eletromagnéticos nas estruturas dos seres vivos, como também as principais
hipóteses sobre a biofísica da água, que possuem relevância para a
interpretação dos fenômenos ligados às comunicações biológicas. Na última
parte do texto ilustraremos alguns métodos de diagnósticos eletrodinâmicos e
também colocaremos as perspectivas terapêuticas que utilizam este método
para regular a homeodinâmica perturbada.
O estudo da interação entre o organismo e os campos eletromagnéticos está
adquirindo nos últimos anos uma importância cada vez maior. Por outro lado,
já diminuiu a “aura” de mistério que envolvia estes fenômenos, muitas vezes
permitindo que charlatões se aproveitassem da situação. A razão pelo interesse
nas relações entre campos magnéticos e seres vivos podem ser resumidas em
três ordens de fatores:
1. foram acumuladas provas da eficácia da ação de campos magnéticos de
baixíssima freqüência (extreme-low-frequency, ELF) em tratamentos
médicos, principalmente na área ortopédica;
2. em termos de saúde pública, aumentou a consciência dos riscos
relacionados ao desenvolvimento tecnológico e, portanto, também a
exposição a campos magnéticos gerados, por exemplo, por fios elétricos de
alta voltagem, terminais de vídeo, celulares, aparelhos eletrodomésticos,
etc;
3. seu embasamento científico vem sendo corroborado por estudos a nível
experimental em modelos celulares e moleculares, surgindo algumas das
possíveis explicações da ação biológica de campos magnéticos de baixa
energia.
Ilustramos a seguir de forma resumida estes argumentos para contribuir num
aprofundamento maior na compreensão deste paradigma biodinâmico
emergente na medicina. Pretendemos fazer uma analise sintética destes
fenômenos que não são analisados o suficiente tanto por considerá-los de uma
área muito especializada ou por pertencer a praticas medicas não
convencionais. Com o objetivo de deixar mais claro os conceitos
fundamentais usados no bioeletromagnetismo e as evidências experimentais

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 2


colocadas a seguir, é oportuno fazer uma breve referência à terminologia e as
unidades de medidas utilizadas.

O campo eletromagnético
O espaço ocupado pela matéria viva no universo é rico em campos
eletromagnéticos, devido à existência de uma sobreposição de campos
elétricos com magnéticos. Ambos estão em estreita relação, de acordo com a
lei de indução de Faraday. Quando um campo eletromagnético pulsado é
aplicado a um material eletrocondutor (como a matéria viva), um campo
elétrico é induzido perpendicular à direção (vetor) do campo magnético. Este
campo elétrico depende obviamente da superfície da área que nos interessa,
sendo de uma intensidade proporcional à freqüência e à intensidade do campo
magnético.
Temos então que um campo eletromagnético é caracterizado por uma
freqüência e uma intensidade. A freqüência deste é o número de ciclos por
segundo das ondas eletromagnéticas ou o número de pulsações deste mesmo
campo por segundo; sua unidade de medida é o Hertz (Hz). O comprimento de
onda () é a distância entre dois máximos de onda e se mede em metros (ou
seus múltiplos e submúltiplos). Obviamente que quanto mais alta é a
freqüência, tanto menor é o comprimento da onda.
A intensidade do campo elétrico é dada pelo potencial elétrico ao longo de um
determinado espaço e se expressa em Volts/metro (V/m) ou em miliVolts/
centímetro (mV/cm). Quando um sistema biológico é exposto a um campo
elétrico, as cargas móveis se colocam na direção induzida pelo campo,
formando uma corrente elétrica que se mede em amperes (A) ou seus
submúltiplos. Tomam-se como referência uma certa área de tecido ou de
órgão percorrida pela carga elétrica, existe uma certa densidade (J) desta
corrente, que se mede em Amperes/metro quadrado (A/m2) ou em
microA/cm2.
A intensidade do campo magnético se mede em Gauss (G) ou, tesla (T) e seus
submúltiplos (1T = 104 G). Por existirem dois parâmetros de medida, a
intensidade do campo magnético terrestre é da ordem de 0.02 – 0.07 mT (0.2 –
0.7 G), enquanto que a utilizada no diagnóstico de ressonância magnética é da
ordem de 0.1 – 10 mT (1 – 100 G) [Walleczek, 1992].
As ondas eletromagnéticas são usadas, como é notado no caso das
telecomunicações, como vetores de informação. Para este objetivo é usadas
uma onda “suporte” com uma freqüência escolhida numa faixa muito ampla
segundo os sistemas de transmissão e recepção. Esta onda “suporte” é
modulada de um modo específico pela informação veiculada, ou seja, é
alterada de uma forma sutil no comprimento e na amplitude, os quais podem,

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 3


portanto, aumentar ou diminuir levemente de uma forma variável no tempo
(modulações de freqüência ou modulações de amplitude respectivamente). De
tal modo que um aparelho sintonizado numa onda “suporte” pode captar a
modulação e decodificar a informação que nela está contida.
Existem muitas fontes naturais de campos eletromagnéticos débeis, as fontes
externas ao organismo são, por exemplo, o campo eletromagnético terrestre
(utilizado por alguns pássaros, peixes e golfinhos para se orientarem), as
radiações provenientes das estrelas que emitem radiofreqüências, o próprio sol
(principalmente em certas fases da sua atividade) [Konig, 1989], e as ondas
irradiadas dos sistemas das telecomunicações, radares e fios elétricos. As
fontes internas do próprio organismo são múltiplas, desde a atividade elétrica
de nervos e músculos aos campos elétricos gerados por alguns peixes e outros
organismos marinhos (que a utilizam com o objetivo de se localizarem no
escuro e como mecanismo de defesa), a produção de radiações luminosas por
parte de células como os leucócitos (quimiluminescência) e de muitos outros
sistemas biológicos durante atividades metabólicas e proliferativas [Cheson et
al., 1976; Slawinski et al.,1992;van Wijk e van Aken, 1992; Mei,1994].
O eletroencefalograma e o eletrocardiograma são dois métodos de avaliação
da atividade elétrica endógena do coração (ECG) e dos centros nervosos
(EEG). Uma atividade elétrica também é gerada no osso quando este se
deforma. Esta atividade pode ser definida como piezelétrica e parece ser
importante para coordenar o crescimento das trabéculas nas linhas de força
dos ossos longos. Na realidade foi na indução da reparação de ossos uma das
primeiras utilizações clínicas dos campos eletromagnéticos débeis [Basset et
al. 1974; 1974; Chiabrera et al., 1984].
Já foi demonstrado que muitos tecidos humanos são piezelétricos, já que são
compostos por estruturas de moléculas agregadas, na qual vetores integrados
possuem um momento magnético (-hélice, microtúbulos, o próprio DNA)
[Jacobson, 1992; Jacobson 1996]. Ou seja, oscilações eletromagnéticas agem
sobre estas estruturas sendo convertidas em vibrações mecânicas nas próprias
estruturas e vice-versa. Na base do conceito de piezeletricidade biológica,
cada interação bioquímica poderia ser associada à uma reorientação
concomitante do campo eletromagnético [Adey, 1988].

Sensibilidade dos seres vivos aos campos eletromagnéticos


Os organismos animais desenvolveram uma notável sensibilidade às ondas
eletromagnéticas [Goodman et al. 1995]. Sem entrar em casos especiais, pode-
se pensar, por exemplo, na sensibilidade do olho à luz, que lhe permite captar
mesmo que muitos poucos fótons. é interessante destacar o fato de que o

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 4


organismo recebe sinais luminosos não apenas através do olho como também
através da pele [Campbell e Murphy, 1998].
Os efeitos dos campos eletromagnéticos não ionizantes47 sobre o organismo
humano podem ao mesmo tempo ser causa de doenças ou ser utilizados com
fins terapêuticos. No que se refere aos efeitos danosos mais estudados
devemos nos referir principalmente aos estudos que demonstram aumento de
algumas neoplasias em sujeitos expostos aos campos [Pool, 1990]. Este
argumento é muito discutido e os dados epidemiológicos foram confirmados
só em relação a alguns tumores em pessoas que vivem ou trabalham estando
em contato por tempo longo com campos magnéticos como os gerados por
linhas elétricas de alta tensão.
No entanto, pelo menos por enquanto em relação aos campos
eletromagnéticos domésticos (radio, TV, eletrodomésticos, os fios elétricos
das residências) ainda não existem trabalhos que demonstrem efeito nocivo,
em relação aos os tumores na infância, a maior parte dos estudos realizados
recentemente demonstram que esta exposição não apresenta riscos [DeBaun e
Gurney, 2001]. Independentemente das evidencias controvertidas sobre o risco
de neoplasias, a exposição a campos eletromagnéticos não ionizantes vem
sendo considerada como um possível fator patôgeno da doença de Alzheimer,
de asma e alergia e de problemas cutâneos e alérgicos. Existe particularmente
uma “hipersensibilidade” ao campo eletromagnético em algumas pessoas
expostas a videoterminais: estas pessoas sofrem com freqüência de sintomas
como prurido, eritema, sensações de calor e hipersensibilidade a dor [Gangi e
Johansson, 2000].
Quanto ao emprego com fins terapêuticos, os mais amplamente utilizados são
os da estimulação eletromagnética da osteogênese, nos casos de pseudo-
artrose e retardo na consolidação de fratura [Chiabrera et al., 1984] e no
tratamento da dor [Paccagnella et al., 1985].
Os experimentos de C. W. Smith e Monro [Smith et al., 1985; Monro, 1987;
Smith, 1988; Smith, 1994a] permitem ilustrar o conceito de “sensibilidade” às
mínimas perturbações do campo eletromagnético. Os autores registraram uma
série de experiências nas quais se tentava induzir manifestações alérgicas em
pacientes afetados de hipersensibilidade imediata em relação a muitas
substâncias, simplesmente pelo fato de colocá-los próximos a fontes de
radiações eletromagnéticas. As manifestações alérgicas podiam aparecer
rapidamente em determinadas bandas de freqüência, que variavam segundo os

47
Os campos eletromagnéticos podem ser classificados como campos magnéticos ionizantes (os quais são de
alta freqüência e alta energia, de forma que podem causar a ionização de átomos e moléculas pelo destaque de
elétrons) e campos magnéticos não ionizantes (os quais são de baixa freqüência e baixa energia e que não
causam ionização). Por exemplo, os raios X e os raios  são ionizantes, as ondas de radio são não-ionizantes.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 5


pacientes de poucos mHz a muitos MHz. A freqüência e a coerência eram
mais importantes do que a intensidade da saída do oscilador (poucos V/m).
É curioso o fato que os autores não só demonstraram poder desencadear
ataques alérgicos com ondas eletromagnéticas, como também que os pacientes
sensíveis a este tipo de estimulação produziam os mesmos sinais
eletromagnéticos durante os ataques de alergia, mesmo se estes eram
provocados quimicamente. Emissões similares poderiam ser documentadas
mediante a interferência do registro de fitas magnéticas e inclusive, em alguns
casos, com efeitos de distúrbio sobre o funcionamento de aparelhos
eletrônicos como os computadores. Trata-se, segundo Smith [Smith, 1988], de
fenômenos eletrofisiológicos muito similares àqueles já registrados em muitas
espécies de peixes.
Demonstrou-se que algumas espécies de peixes são capazes de escutar e
responder a campos elétricos da intensidade de 0.000001 V/m [Bullock,
1977], que corresponde a maior sensibilidade encontrada nos sujeitos
alérgicos. Sempre segundo Smith, sensibilidades similares poderiam servir aos
peixes para localizar a própria comida a grandes distâncias. De fato foi
comprovado que células vivas, como, por exemplo, às leveduras, emitem
ondas eletromagnéticas numa radiofreqüência em torno de cerca de 0.1 V/m
[Smith, 1988; Pollock e Pohl, 1988].
Ludwig demonstrou com extrema clareza mediante análise de Fourier
[Ludwig, 1993] que sinais ultrafinos acabam sendo reconhecidos com
facilidade em relação ao ruído de fundo, se estes apresentam um padrão
(pattern): os sinais que o organismo reconhece no meio de muitas
interferências são extremamente complexos por estarem compostos por
diferentes bandas de freqüência. O sinal complexo atinge o sistema biológico
através de uma repetição de sinais débeis, mas que se encontram relacionados
num esquema fixo, sendo pela própria repetitividade deste esquema que se
pode distinguir o sinal verdadeiro do ruído de fundo.
A sensibilidade observada em tais processos biológicos de modulação
eletromagnética é da ordem de 10–7 V/cm no espectro E.L.F. (extreme-low
frequency). Se quisermos fazer uma comparação pode-se notar que os
fenômenos elétricos responsáveis pelo eletroencefalograma criam gradientes
de 10-1 – 10-2 V/cm [Adey, 1988]. Por outro lado, muitas destas interações
dependem muito mais da freqüência do que da intensidade de campo, vale
dizer que eles aparecem apenas em determinadas “janelas” de freqüência, o
que nos sugere a existência de sistemas de regulação extremamente sensíveis
[Weaver e Astumian, 1990; Yost e Liburdy, 1992; Adey, 1993].
Sensibilidades similares foram registradas num espectro amplo de tecidos e

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 6


células, o que nos indica que se trata de uma propriedade biológica geral
característica das células.
Através do duplo estrato lipídeo da membrana biológica, freqüentemente em
torno de 40 A0, se estabelece um gradiente elétrico de uma décima ou uma
centésima de mV (o que significa 103 V/cm). Este gradiente deveria constituir,
teoricamente, uma barreira elétrica eficaz para as perturbações mínimas como
aquelas dos campos eletromagnéticos de baixa freqüência presentes no
ambiente extracelular. Podemos dizer que a atividade elétrica da membrana
constituiria uma espécie de “ruído de fundo” que impediria qualquer tipo de
possibilidade de variação de potencial. Soma-se a isto a agitação térmica
devida à temperatura corporal, que deveria alterar notavelmente os sinais
débeis (thermal noise).
Surge então uma dúvida legítima sobre se os sinais eletromagnéticos finos,
como os descritos acima, poderiam ter algum significado na comunicação
biológica. Podemos esperar um efeito do campo eletromagnético endógeno ou
aplicado do exterior, mas é necessário que este campo provoque alterações
significativamente superiores àquelas que normalmente acontecem de uma
forma casual nos sistemas biológicos, mesmo que estejam em estado de
repouso. Como exemplo podemos citar o contínuo abrir e fechar dos canais
iônicos, as oscilações do potencial de membrana como de muitas atividades
metabólicas, como também todos aqueles processos que ficam ativados a uma
determinada temperatura. Inclusive foi demonstrado que campos
eletromagnéticos de diversas intensidades, mas sempre mais débeis que o
gradiente do potencial trans-membrana, podem regular os processos de
ativação celular [Goodman et al., 1995].
Um importante questionamento deste assunto pode ser encontrado num
trabalho publicado na Sience [Weaver e Astumian, 1990]. Os autores propõem
modelos físicos segundo os quais as células são consideradas como
reveladoras de campos elétricos periódicos muito débeis, modelos nos quais se
estabelecem as relações entre o tamanho da célula e as mudanças do potencial
de membrana, devidas tanto às flutuações provocadas pela temperatura como
também pela aplicação de campos eletromagnéticos. Na versão mais simples
do modelo, o cálculo acaba sendo estimado em torno de 10 -3 V/cm, com uma
intensidade mínima de campo, nas quais as macromoléculas de membrana
poderiam ser sensíveis. Inclusive entre os parâmetros do modelo devemos
considerar as “janelas” de freqüência, ou seja, a possibilidade que aconteçam
certas respostas apenas numa banda restrita de freqüência. Então vemos que a
intensidade teoricamente necessária e suficiente pode advir de uma ordem de
grandeza muito baixa (10-6 V/cm), se aproximando, portanto, aos dados
derivados dos vários experimentos realizados em células e animais.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 7


Tudo isto sugere que se instauram processos extremamente cooperativos,
caracterizados pelo fato de que mínimas variações que se repetem acabam
causando grandes movimentos. É um efeito análogo àquele que se verifica
quando uma ponte começa a oscilar quando um grupo de pessoas a atravessa
em passo de marcha, ou quando um vidro se quebra pelo efeito de uma
ressonância sonora.

Fenômenos eletromagnéticos celulares


A maior parte das moléculas protéicas são capazes de adotar uma forma
reversível entre estados conformacionais diferentes devido às possibilidades
de combinações que existem entre as ligações de hidrogênio, entre as pontes
de disulfuro, como também entre as pontes hidrofóbicas. Estas passagens
acontecem por meio de alterações não lineares, em saltos, para poder superar
as barreiras energéticas entre um estado e outro. De onde deduzimos que as
proteínas são, portanto, estruturas dinâmicas vibrantes, que estabelecem
contínuos movimentos oscilatórios dos seus componentes. Estas oscilações
acontecem em escalas temporais de femtosegundos (10 –15 s) há muitos
minutos. Nos sistemas biológicos as vibrações mais significativas são da
ordem de nanosegundos [Hameroff, 1988]. É muito importante destacar o fato
que em biologia muitas proteínas (também os lipídeos) se encontram
acopladas a grupos multiméricos ou poliméricos. Em tais estruturas verificam-
se muito facilmente interações que são cooperativas de forma tal que as
vibrações podem se propagar de modo “coerente” enquanto assumem um
significado biológico-informacional [Frohlich, 1988; Del Giudice et al., 1988;
Bistolfi, 1989; Hameroff, 1997].
Os processos nervosos são direcionados por correntes elétricas de baixa
intensidade [Alberts et al., 1989]. De fato, quando um processo nervoso cresce
em cultura, ou mesmo num tecido conectivo, no seu ápice forma-se uma
estrutura chamada cone de crescimento, que aparece como um centro de
expansão de muitos filamentos longos (filópodos), que se apresentam como
digitações em movimentos lentos e contínuos, efetuando movimentos
ameboidais: algumas digitações se retraem e outras se alongam, como se
estivessem explorando o terreno. O fenômeno assemelha-se ao que acontece
com um neutrófilo atraído por um processo de quimiotaxe. No interior dos
filópodos encontram-se muitos filamentos de actina. O deslocamento vetorial
resultante numa direção do cone de crescimento se realiza ao longo da fibra
nervosa (se calcula que a uma velocidade em torno de 1 mm por dia). A
direção do movimento depende de vários fatores locais como, por exemplo, a
orientação das fibras das matrizes conectivas ao longo das quais acontece
preferencialmente o crescimento. Isto também depende da existência de

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 8


sistemas específicos de reconhecimento de membrana entre células adjacentes.
Porem as células também são fortemente influenciadas por campos
eletromagnéticos: os cones de crescimento dos neurônios em cultura se
orientam e se dirigem em direção a um eletrodo negativo, na presença de
campos de baixa intensidade (70 mV/ cm).
As células possuem a capacidade de receber e integrar sinais luminosos, tanto
com relação à freqüência como com relação à direção. Isto foi demonstrado
mediante microscópio de contraste de fase de luz infravermelha [Albrecht-
Buehler, 1991]. Fibroblastos em cultura estendem seus pseudópodos
preferencialmente na direção de fontes de luzes, sendo as mais eficazes as que
estão na faixa de 800-900 nm e são intermitentes, com 30-60 impulsos por
minuto. Segundo o autor destes experimentos é o centrosoma o receptor
celular das radiações.
Desta forma fica evidente que mesmo a atividade proliferativa celular é
influenciada pelos campos eletromagnéticos, inclusive quando estes são de
muito baixa intensidade (0.2 – 20 mT, 0.02 – 1.0 mV/cm) [Luben et al., 1982;
Conti et al., 1983; Bistolfi et al., 1985; Goodman e Shirley, 1990; Cadossi et
al., 1992; Walleczek, 1992].
Segundo Tsong e colaboradores [Tsong, 1989; Liu et al., 1990] as
comunicações celulares conhecidas convencionalmente, como a interação
ligante-receptor, são processos lentos que acontecem a pequenas distâncias,
mas as células necessitam de comunicações rápidas e a longa distância, pelo
qual supomos que as diferentes reações bioquímicas mais necessárias sejam
reguladas por forças de natureza física. Campos eletromagnéticos de baixa
intensidade e oscilantes são capazes de estimular ou suprimir muitas funções
celulares, do ponto de vista termodinâmico isto é possível apenas se existem
mecanismos de amplificação de sinal, de onde se deduz que a membrana
celular seja um deles.
É importante destacar que na literatura disponível até agora não é possível
extrair conclusões definitivas sobre o efeito positivo ou negativo, estimulante
ou inibidor, dos campos eletromagnéticos de intensidade baixa sobre os
sistemas moleculares ou celulares e, principalmente, qual é a dose ou o modo
mais eficaz para sua aplicação [Walleczek, 1992]. De fato os sinais
eletromagnéticos bioativos utilizados variam muito no que se refere à
intensidade, a freqüência, a duração, a forma da onda (pode ser senoidal,
quadrada ou em dente de serra, etc.). Por outro lado, o efeito pode depender
também do estado biológico da célula exposta [Cossarizza et al., 1989;
Walleczek e Liburdy, 1990], indicando que os mecanismos envolvidos
possuem interações muito complexas entre os diferentes fatores.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 9


O efeito do campo magnético sobre a célula possui uma explicação biológica
muito complexa não podendo ser analisado de uma forma exaustiva neste
livro. A célula constitui um sistema eletroquímico típico, com uma diferença
de potencial transmembrana (externo negativo em relação ao interno) e
numerosíssimas proteínas dotadas de cargas elétricas com diferentes sinais.
Segundo o modelo de mosaico fluido da membrana celular (modelo ainda
válido, pelo menos na generalidade) numa célula ideal em repouso, as
proteínas estão distribuídas de uma forma uniforme na membrana, mas em
presença de um campo elétrico que as atravesse, estas sofrem uma atração ou
repulsão eletroforética, tendendo a desviar-se em direção aos pólos que a
célula apresenta em relação ao campo elétrico. Uma corrente de elétrons ou de
íons que se depara com uma célula, transcorre-a externamente, provocando
um movimento de proteínas (eletricamente carregadas) no sentido contrário.
Estes movimentos são chamados dieletroforéticos [Pohl, 1978; Pething, 1994].
O rearranjo das posições das proteínas sobre a superfície da membrana não é
privado de conseqüências, enquanto favorece o contato entre as proteínas
vizinhas, o diminui entre as proteínas que se encontram mais distantes
[Chiabrera et al., 1984]. Portanto, a função dos receptores e dos sistemas de
transdução de membrana depende das agregações, ou pelo menos dos contatos
entre proteínas, e as conseqüências que o campo elétrico exerce sobre as
ativações celulares são fáceis de imaginar. O fenômeno da agregação se
verifica normalmente no caso de um sinal químico, porque a molécula sinal
pode fazer uma ponte entre dois ou mais receptores, sendo estes móveis ao
nível da membrana.

Mecanismos moleculares
Os experimentos realizados pelo grupo de Tsong indicam que um campo
elétrico fraco (20 V/cm), a 3.50C, é capaz de ativar a função de um importante
sistema da membrana envolvido na bomba de íons, a ATPase Na + / K+
dependente. Inclusive, a ativação somente acontece se as freqüências usadas
são específicas, correspondentes a 1 kHz para a bomba de K+ e 1 MHz para a
bomba de Na+. Estes resultados permitiram formular o conceito de
“acoplamento eletroconformacional”. Este modelo postula que uma proteína
enzimática vai ao encontro de mudanças conformacionais por uma interação
de tipo coulombiana com um campo elétrico (ou com qualquer outro campo
de força oscilante com o qual a proteína possa interagir). Quando a freqüência
do campo elétrico corresponde à característica cinética da reação de
transformação conformacional, ocorre a indução de uma oscilação
fenomenológica entre conformações diferentes da enzima. Na força de campo
otimizada, as conformações assim reunidas são funcionais e as oscilações são

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 10


utilizadas para cumprir a atividade requerida, como por exemplo, na bomba de
Na+ e K+.
Muitas enzimas e muitos receptores são sensíveis a estimulações de tipo
físico, outras são sensíveis as de tipo químico [Adey, 1988; Popp et al., 1989;
Tsong e Gross, 1994]. A membrana celular, graças às suas propriedades
bioelétricas, é o local onde se podem verificar influências deste tipo [Kell,
1988; Smith, 1994a], possíveis candidatos a esta posição são também as
grandes macromoléculas organizadas em unidades que se repetem, como os
ácidos nucléicos [Popp, 1985], ou as proteínas do citoesqueleto, especialmente
os microtúbulos [Hameroff, 1988].
No plano molecular sabe-se que muitos elementos com funções receptoriais,
estruturais e enzimáticas são sensíveis às variações dos campos
eletromagnéticos fracos: fotorreceptores [Alberts et al., 1989], clorofila
[Alberts et al., 1989], receptores A 7, domínios transmembrana [Bistolfi,
1989], G-proteínas [Adey, 1988], proteína quinase c-AMP–dependente [Byus
et al.,1984], proteína quinase C [Adey, 1988], acetilcolinesterase [Dutta et al.,
1992], receptores (agregação) [Chiabrera, 1984], cromossomos [ Premer et al.,
1988], biopolímeros protéicos e lipídeos [ Hasted, 1988], Na+/K+ ATPase [Liu
et al., 1990], lisozima [Shaya e Smith, 1977].
A transferência de sinal da superfície externa da célula, tanto química como
eletromagnética que atravessam a membrana consiste na transmissão de
variações conformacionais e de movimentos oscilatórios das proteínas que
possuem os “domínios” (segmentos das moléculas) transmembrana. Já se sabe
que neste processo de transmissão as porções de proteínas que possuem
estrutura fibrosa em hélice ou em folheto embrionário desempenham um papel
chave [Bistolfi, 1989]. Tais estruturas são caracterizadas por uma notável
ordem e por disposições em seqüência repetitiva, também pela existência das
ligações de hidrogênio entre os resíduos de aminas dos aminoácidos
adjacentes e os dispostos longitudinalmente ao longo da fibra. Estas estruturas
protéicas são características enquanto podem entrar em ressonância segundo
modos de vibrações não lineares, pela interação que possuem com campos
magnéticos.
O protótipo deste tipo de receptor é a bacteriodopsina, o receptor de luz na
retina, que consiste em 7 -hélices ordenadamente colocadas no sentido
transversal ao nível da membrana. Neste tipo de receptor-transdutor, a
excitação derivada da absorção do fóton é acoplada à bomba de próton e a
existência de um potencial de trans-membrana.
Mas é necessário destacar que esta estrutura em 7 -hélice que atravessa a
membrana lá encontra também uma ampla família de glicoproteínas que estão
envolvidas nos sistemas de transmissão celular acopladas as G-proteínas: os

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receptores -adrenérgicos, os receptores muscarínicos para a acetilcolina,
vários receptores para os neuropeptídeos, os receptores para peptídeos
quimiotáxicos nos glóbulos brancos e inclusive os sistemas de mútuo
reconhecimento das células de levedo, responsáveis por uma fusão replicativa
[Alberts et al., 1989]. Portanto, é provável que estas características móveis
estruturais provoquem uma susceptibilidade de modulações eletromagnéticas
nos sistemas de transmissão em que se encontram presentes.
Estudos controlados sobre a modulação eletromagnética na produção de
colágeno por parte dos osteoblastos concordam com esta visão, que considera
o acoplamento entre os receptores em 7 -hélice e as G-proteínas.
De fato foi demonstrado que nos osteoblastos o hormônio paratiroideano se
liga aos receptores externos, e ativa a enzima adenilato-ciclase através da
intermediação de uma G-proteína. Um campo eletromagnético com freqüência
de 72 Hz e gradiente elétrico de 1-3 mV/cm inibia em 90% a ativação de
adenilato ciclase, sem interferir nem com o ligante do receptor, nem com a
própria enzima. Como conseqüência, o efeito inibidor foi atribuído ao bloco
da G-proteína [Adey, 1988].
L‟AMP cíclico (cAMP) é um importante elemento de controle da função de
muitas enzimas, desde que o aumento da sua concentração intracelular
constitui uma mensagem que ativa as proteínas-quinases (enzima que fosforila
as proteínas). Em condições experimentais precisas de freqüência e duração de
exposição, a proteína-quinase cAMP dependente dos linfócitos humanos foi
inibida por ondas eletromagnéticas (campo de 450 MHz modulado numa
amplitude de 16 Hz). A proteína-quinase tipo C participante de importantes
processos celulares, inclusive na cancerogênese, também é modulável por
ondas eletromagnéticas [dados de Byus, cit. em Adey, 1988].
A organização do DNA nos cromossomos se ressente de influências de
natureza eletromagnética, como é demonstrado numa série de trabalhos do
grupo de Kremer [Kremer et al., 1988]. Os autores usaram o modelo fornecido
pelos cromossomos gigantes dos insetos (precisamente larvas de Acricotopus
lucidus), que são facilmente visíveis e estudados no microscópio. É observado
que quando a informação deve ser transcrita do DNA ao RNA, os
cromossomos (bastonetes compactos que contem milhares de genes
empacotados e estabilizados por proteínas histônicas) devem se descondensar
parcialmente mostrando, no segmento que nos interessa, os tampões (puffs, em
inglês) do material genético que afloram do bastonete. Este fenômeno é
inibido de forma significativa (os tampões se reduzem a sua menor forma),
por irradiações no cromossomo com freqüências em torno de 40 GHz e 80
GHz, e com uma potência de apenas 6 mW/cm2. A natureza não térmica do

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fenômeno foi demonstrada por muitos experimentos de controle [Kremer et
al., 1988].

Homeostase eletromagnética e ressonância


Todos os organismos vivos irradiam um campo eletromagnético de
intensidade muito baixa na faixa de freqüência que oscila entre 1Hz a 10 15 Hz.
Como ilustramos acima, tal campo eletromagnético é devido a processos
biológicos como:
1. atividade metabólica (como por exemplo, os deslocamentos de elétrons em
reações de oxi-redução e em cadeias de transporte nas mitocôndrias);
2. atividade elétrica de centros nervosos e cardíacos;
3. potenciais de membrana e suas modificações devidas à ativação celular;
4. produção de ondas eletromagnéticas de várias amplitudes por parte de
reações químicas específicas (quimiluminescência);
5. contrações musculares;
6. atividade piezelétrica de partículas de estruturas teciduais (ossos, tecido
conectivo) e de estruturas celulares (microtúbulos, microfilamentos, alfa-
hélice, DNA);
7. movimento de cargas (eletrólitos, íons) em vasos sanguíneos e linfáticos;
8. movimentos de carga (eletrólitos, íons) no interior das células;
9. movimentos de prótons (jumping protônico) ao longo das cadeias das
moléculas de água;
10.processos de fosforilação/desfosforilação
11.atividade enzimática peroxidativa.
Os movimentos das configurações macromoleculares e os transportes de
membrana geram ondas de baixa freqüência, os fenômenos de peroxidação
enzimática e de quimiluminescência geram ondas de mais alta freqüência (mas
sempre mantendo uma intensidade ultrabaixa). O grau de transferência de
informação entre as células e dentro delas depende da “coerência” de sinal e
do grau de “ressonância” entre as células. Muitos pesquisadores, em particular
F. A Popp [Popp et al., 1992] e M.W. Ho [Ho e Popp, 1993; Ho, 1996],
demonstraram que as células e também os organismos superiores como a
Drosophila Melanogaster são influenciados pelos “biofótons” emitidos por
outras células e respondem com a emissão dos próprios sinais tanto
eletromagnéticos como químicos, sendo que este processo possui uma
importância notável na sincronização dos fenômenos biológicos.
Os processos de adaptação e de transferência de informação entre o organismo
e o ambiente, como dentro do próprio organismo, estão ligados aos campos
eletromagnéticos; basta pensar na importância da exposição à luz solar e ao

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campo magnético terrestre, como também as ondas de Shumann 48, que os
técnicos da NASA conseguiram produzir dentro das naves espaciais para
poder oferecer um ambiente mais agradável aos astronautas.
Já foi demonstrado [Kroy, 1989] que na filogênese e na ontogênese dos seres
vivos existe uma ordem cibernética muito mais ancestral daquela em que se
baseou a formação do sistema nervoso ou do sistema humoral (sangue e
hormônios). Este sistema ancestral seria de natureza eletromagnética, porque a
radiação eletromagnética é uma forma fundamental de informação presente na
natureza. Os sinais eletromagnéticos constituíram (e constituem) tanto a
linguagem de comunicação entre átomos e moléculas, como também o meio
pelo qual os organismos primordiais recebiam uma série de informações do
ambiente (luz solar, ondas cósmicas em geral). Está, portanto, fora de dúvida
que os organismos vivos teriam aprendido a usar o eletromagnetismo como
sinal de informação e, portanto, de comunicação entre células e tecidos. De
acordo com os trabalhos do grupo de Popp [Popp, 1985; Popp et al., 1989; Ho
e Popp, 1993], muitos sistemas biológicos são capazes de produzir, receber e
também de “armazenar” ondas eletromagnéticas como a luz.
Tanto a homeostase eletromagnética como os processos químicos são
mantidos às custas de contínuos reajustes dos parâmetros de funcionamento
dos processos que geram os campos. Qualquer reajuste ou mudança de uma
velocidade ou de uma intensidade que excede um determinado limite é
considerada como uma perturbação do sistema, independente do fato que esta
mudança seja de tipo patógeno ou terapêutico. Em geral, a doença gera uma
desordem ou mesmo uma interrupção nos processos de comunicação no
interior do network funcional do organismo.
Vemos que os seres vivos são complexos e integrados, são sistemas abertos e
dinâmicos, e a integridade do sistema no seu conjunto é mantida por
intercâmbio permanente de matéria, energia e informação. As dinâmicas das
comunicações são, portanto, “vitais” para o organismo. Uma desordem
localizada repercute sempre com uma maior ou menor intensidade sobre o
resto do sistema.
Quando se considera o organismo numa abordagem geral das suas hierarquias
dinâmicas e funcionais é possível conceber uma regulação que seja coerente
com todo o esforço de autoregulação do organismo, uma regulação que siga as
vias de comunicação fisiológica. As alterações dos parâmetros biofísicos,
principalmente eletrofísicos, se comunicam à longa distância e ao longo das
vias de supercondutividade de forma rápida nos líquidos biológicos, que

48
Ondas de Schumann: ondas eletromagnéticas com freqüência de 7.8 Hz, que são geradas por um processo
de ressonância entre a superfície da Terra e os estratos da ionosfera.

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inclusive correspondem de uma forma aproximada ao que acontece com os
meridianos da acupuntura chinesa [Gerber, 1988; Kroy, 1989]. E justamente
por isto que a regulação eletromagnética se apresenta como potencialmente
eficaz na medida em que intervém nos intercâmbios de informação que
acontecem ao nível dos sistemas homeodinâmicos do organismo.
Cada nível da capacidade organizadora do organismo possui um espectro
característico de oscilações eletromagnéticas endógenas originadas nos
diferentes processos descritos. Interações de ressonância intra e interníveis
devem realizar-se para manter o funcionamento harmônico, fornecendo uma
correlação entre os vários processos. A ressonância é uma propriedade dos
sistemas capazes de oscilar a uma determinada freqüência quando colocados
numa relação (óptica, acústica, mecânica) com outros sistemas com
freqüências similares de oscilações. A freqüência ressonante estabelece um
certo tipo de interação entre os objetos que possuem o mesmo período (ou
múltiplos deles – harmônicos) de forma que o movimento de um objeto
influencia aquele outro sem uma conexão direta.
Desde ponto de vista, a patologia que se origina a um nível qualquer
perturbará todas as oscilações através de interações de onda,
independentemente da origem desta onda. O “padrão” (pattern) de
interferência distorcido pelas ondas endógenas de um organismo doente é o
reflexo da existência de processos bioquímicos impróprios, tanto na
quantidade como na qualidade, ritmo ou localização. Por outro lado é razoável
pensar que a restauração do padrão de interferência pode renovar o esquema
de resposta biológica de organismos e sistemas, renovando a ordem de função
de um organismo doente e restaurando seu poder de autoorganização. O
problema é identificar os processos alterados e suas freqüências distorcidas.
Em conclusão, já que sinais eletromagnéticos de baixa freqüência podem por
constituintes de diferentes níveis (molecular, celular, sistêmicos), ser tanto
emitidos, como recebidos, resulta evidente que as interações eletromagnéticas
dinâmicas aconteçam de uma forma ampla e contínua no corpo e que,
portanto, sua identificação possui uma notável importância na avaliação da
dinâmica dos processos fisiopatológicos.

Considerações sobre a biofísica da água.


A água, o principal constituinte dos líquidos biológicos e das células, também
possui uma estrutura e um “comportamento” dinâmico. Apesar da
simplicidade da sua molécula, a água manifesta um comportamento complexo,
tanto nas transições das suas fases como no seu estado líquido. O seu
comportamento e suas interações com uma substância qualquer são objetos de

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estudos da química e da física, ocupando tratados científicos inteiros. Aqui
nos limitaremos simplesmente a tratar sobre alguns conceitos procurando
ilustrar principalmente aqueles aspectos que possam ter uma relevância na sua
interpretação nos fenômenos médicos e terapêuticos do qual este
extraordinário líquido faz parte.
As interpretações do comportamento da água no estado líquido acontecem
geralmente formuladas em termos de interações de curto alcance, como por
exemplo, as ligações de hidrogênio e as forças de van der Waals, que são
responsáveis pela interconexão das moléculas de água numa espécie de
network. A molécula de água não é linear, o oxigênio forma com os dois
hidrogênios um ângulo de 104.50. As ligações entre o hidrogênio e o oxigênio
são covalentes polares, sendo o hidrogênio positivo em relação ao oxigênio e a
molécula de água passa a ter então um momento dipolar resultante. A atração
entre a região negativa correlacionada ao átomo de oxigênio e a região
positiva correlacionada ao átomo de hidrogênio, de uma à outra molécula,
origina uma associação de várias moléculas de água formando-se um retículo
irregular constituído de vários tetraedros entrelaçados.
Cada molécula de água é capaz de formar quatro ligações de hidrogênio (duas
pertencentes à própria molécula e duas com as moléculas vizinhas), em cada
uma das quais o próton (H+) está direcionado para a zona eletronegativa do
átomo de oxigênio. Uma molécula se comporta como doadora de prótons em
relação às outras duas, enquanto se transforma em receptora de prótons destas
outras duas: os prótons são, portanto, codivididos entre dois átomos de
oxigênio e por conseqüência estão em contínuo “movimento”, em contínuas
oscilações entre os dois átomos. Este tipo de interações que unem as
moléculas de água vizinhas é descrito como “pontes”. Estas interações podem
ocorrer quando a temperatura é inferior aos cem graus e as moléculas estão
num estado físico condensado (líquido); no vapor estas ligações não existem e
o que ocorre são colisões eventuais entre as moléculas.
O líquido deve ser definido como um conjunto homogêneo e irregular de
moléculas. A estrutura do líquido não é cristalina como acontece num sólido e
não se levantam hipóteses de que no líquido possam existir regiões cristalinas.
No entanto, alguns pesquisadores propõem uma estrutura “quase-cristalina”.
De fato afirmar que a disposição das moléculas seja irregular não significa que
as moléculas de água estejam numa total desordem; a desordem está restrita
pela geometria particular das moléculas, que tendem a formar ligações em
forma de tetraedros ou agregados ainda maiores, relacionados a outros
fenômenos que consideraremos posteriormente.

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Recentemente, foram descobertos microcristais do gelo (estruturas chamadas
de “ice eletromagnetic”) presentes em soluções aquosas a temperatura
ambiente [Lo and Bonavida, 2000].
Do modelo acima apresentado (tetraedros entrelaçados de modo caótico)
deduzimos que a energia total de N moléculas depende da soma das energias
de interação entre cada molécula. Portanto, não devemos deixar de considerar
um fluxo eventual por parte das moléculas vizinhas sobre a energia de
interação de uma única molécula de água. Normalmente, dadas duas
moléculas que interagem num líquido não se considera que a energia de
ligação seja alterada por outras moléculas vizinhas. Baseado em modelos
teóricos e experimentais, esta afirmação não é mais adequada para se explicar
os comportamentos da água. Podem ocorrer múltiplas interações em cascata
como conseqüência destas inter-relações recíprocas das moléculas de água,
que por conseqüência vão alterar de forma notável o comportamento casual,
introduzindo fenômenos de cooperatividade e de coerência.
Quando uma molécula se encontra solta ou imersa na água, a estrutura físico-
química desta última se modifica de acordo com as propriedades da nova
molécula. Na interface entre macromoléculas e o solvente verificam-se
enormes reorganizações da estrutura da água, que assume configurações
totalmente novas mesmo a distâncias consideráveis da molécula do soluto.
Neste caso, obviamente, os efeitos de cooperação são muito importantes. Com
este propósito vários autores denominam de “água vizinha” a água que se
encontra junta (vizinha) a superfícies sólidas ou de macromoléculas, e que
acaba sendo influenciada por estas. Por exemplo, uma cadeia protéica com
grupos químicos positivos (NH) e negativos (CO) alternados deveria polarizar
a água circundante, reduzir os movimentos de rotação e translação e dar lugar
à formação de muitos estratos ordenados de moléculas de água. Tais
peculiares modificações da estrutura da água se estendem, segundo alguns
autores, de 5 a 200 diâmetros moleculares de distância pela superfície
considerada [Drost-Hansen, 1982].
Este fenômeno não coincide com as bem reconhecidas interações moleculares
existentes entre a água e a sua superfície (por exemplo, as interações íons-
dipolo ou dipolo-dipolo), que são interações de alta energia e de curta
distância. A água vizinha, ao contrário, se estende muito além das interações
específicas de superfície. Isto poderia ter importantes implicações no
funcionamento da célula que, como observamos, são muito ricas em
macromoléculas, em fibras e em membranas.
As propriedades da “água vizinha” são peculiares: é mais densa que a água
normal e somente congela a muitos graus abaixo de zero, as suas propriedades
de solvente são também alteradas. Já foi sugerido que muitas enzimas,

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contidas no citoplasma de forma livre, na realidade estão levemente
associadas às superfícies de fibra ou membranas pelas suas interações com a
“água vizinha”, de forma que muitos processos metabólicos se desenvolvem
em condições de organização sobre planos bidimensionais mais do que sobre
movimento caótico da água livre [Clegg, 1982].
As possíveis implicações da “água vizinha” sobre a fisiologia da célula foram
estudadas e documentadas por Bistolfi no âmbito de uma teoria biofísica sobre
sistemas de comunicações biológicas [Bistolfi, 1989]. Considerando os
trabalhos de Hameroff [Hameroff, 1988], o autor levanta a hipótese de que a
água adjacente ao citoesqueleto é muito ordenada, ou seja, alinhada com
ligações polares sobre a superfície das proteínas filamentosas. Esta água
ordenada poderia se acoplar às dinâmicas coerentes das proteínas (que, como
já sabemos, são feitas do acoplamento de muitas subunidades idênticas), se
opondo assim a dissipação térmica da energia de oscilação das proteínas. De
outro modo, as proteínas filamentosas poderiam ser os condutores de sinal
vibratório e a “água vizinha” poderia ser uma espécie de isolante que favorece
a condução.
Foram se acumulando evidências a favor das participações de moléculas de
água na transferência de prótons em várias reações bioquímicas, entre as quais
os fotorreceptores e várias enzimas [Khorana, 1993; Tuckerman, 1997]. Uma
série de moléculas de água ligada em cadeia através de ligações de hidrogênio
formaria um sistema através do qual os prótons (H+) “saltam” de um átomo de
oxigênio para outro (jumping protônico), percorrendo distâncias significativas
no interior ou em torno das macromoléculas. Em outras palavras, as moléculas
de água dispostas em ordem seriam semelhantes a um “fio” que conduz uma
corrente de cargas positivas e/ou de energia [Nitzan, 1999; Woutersen e
Bakker, 1999].

Eletrodinâmica quântica
Já foi demonstrado que as irradiações de uma solução fisiológica com ondas
eletromagnéticas na faixa de microondas (não térmicas) modifica a capacidade
da solução no sentido de influenciar a abertura e o fechamento dos canais
iônicos da membrana. Também após o período de irradiações, a água mantém
as propriedades que acabou de adquirir [Fesenko e Gluvstein, 1995; Fesenko
et al., 1995]. Isto sugere que os efeitos dos campos eletromagnéticos sobre
estruturas biológicas poderiam ser mediados por modificações na estruturação
dos solventes (neste caso, água). Os autores citados falam explicitamente de
um fenômeno de “memória” eletromagnética da água. O “imprinting”
eletromagnético de soluções aquosas também foi proposto por outros autores
também para aplicações terapêuticas [Sudan, 1997].

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Um grupo de físicos do Instituto de Física Nuclear de Milão (E. Del Giudice,
G. Preparata e colaboradores) vem sustentando ha alguns anos a formulação
de um modelo descrito pela física da água no estado líquido [Del Giudice et
al., 1988b; Del Giudice, 1990; Del Giudice et al. 1995; Arani et al. 1995; Del
Giudice e Preparata, 1995; Del Giudice, 1997]. Os trabalhos destes autores
entram no conceito da organização da matéria condensada e abordam o
problema da considerada “memória da água”.
Toda a física dos séculos XIX e XX é estruturada em torno do problema dos
componentes elementares da matéria (átomos, moléculas, elétrons, prótons,
quarks, etc.). A definição das partes do átomo destacou o problema das suas
interações, que é sempre de maior relevância a medida em que vamos subindo
sua escala de grandeza. Ou seja, enquanto um átomo ou uma molécula pode
ser certamente descrito como entidade isolada, os quarks não possuem vida
própria, no entanto, se encontram em contínuo intercâmbio e em rapidíssimas
reorganizações. A organização “social” dos componentes da matéria assume
uma verdadeira importância em todas as escalas dimensionais, porque
processos de interações acontecem continuamente e geram, por conseqüência,
“estruturas” espaço-temporais.
Vemos que as moléculas de água são dipolos elétricos. Um campo
eletromagnético pequeno de qualquer molécula contribui para a dinâmica da
água de uma forma irrelevante em termos quantitativos, desde que
consideremos as interações entre moléculas como uma soma de interações
binárias molécula-molécula. Todavia, quando um grande número de
elementos (moléculas) interage através do campo eletromagnético, além de
uma certa densidade cujo valor depende do comprimento de onda deste
campo, o sistema passa a apresentar uma configuração na qual a maior parte
das moléculas oscilam coerentemente, mantendo-se em fase com o mesmo
campo.
Segundo a teoria de Del Giudice e Preparata, átomos e campos
eletromagnéticos oscilam em fase e tal acoplamento é tanto maior quanto
maior é a densidade da matéria. O motivo de tal comportamento está
essencialmente no fato de que, enquanto para fazer oscilar um átomo ou um
campo eletromagnético é necessário uma quantidade de energia, quando os
dois elementos entram em sincronia, gera-se uma energia atrativa que acaba
constituindo um ganho de energia para o sistema inteiro. O fenômeno depende
muito da temperatura. Assim acontece com a água quando esta passa do
estado de vapor ao estado líquido, abaixo dos 100 0 C. Apesar da forte agitação
térmica, existe um brusco e maciço fenômeno de atração entre as moléculas, o
qual não se explica somente pela existência da ligação de hidrogênio que une
duas moléculas vizinhas. A condensação necessita da interação mediada pelo

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campo eletromagnético radiante (intrínseco de cada molécula) visto como “um
mensageiro a longa distância” que leva ordem ao movimento vibratório das
moléculas. Este fenômeno é chamado de “superradiância” e consiste
praticamente numa oscilação em uníssono no tempo num certo espaço
(correspondente à metade do comprimento de onda) de um grande número de
moléculas de água (se calcula em torno de 1015).
A matéria se organiza deste modo em domínios de coerência, em cujo interior
existe um campo eletromagnético que não é irradiado, porque se fosse
perderia energia, enquanto que este estado é aquele de menor energia possível.
A teoria de Del Giudice e Preparata (da qual fornecemos uma interpretação
própria na figura 25) prevê que os grupos de moléculas que se movimentam
de uma forma coerente são mantidos em regime de superradiância pelo efeito
do campo eletromagnético (que age a distâncias significativas).

Figura 25. Representação esquemática do conceito de superradiância.


Ilustramos algumas moléculas de água, cada uma com seu próprio campo
eletromagnético (linhas pontilhadas). As moléculas de água podem vibrar
de uma forma incoerente e desordenada, semelhante a um gás (A), ou
também as suas vibrações podem se acoplar graças ao campo
eletromagnético, gerando assim os domínios oscilantes em fase (B). A
água líquida seria composta de ambos os tipos de disposições das
moléculas de água. Informações biológicas importantes seriam veiculadas
pelos domínios de superradiância.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 20


Por isto, na água líquida existe um equilíbrio dinâmico através do qual, a uma
temperatura definida, algumas moléculas de água estão organizadas, enquanto
outras estão “soltas” e permanecem como moléculas individuais nos
interstícios entre os grupos de moléculas (domínios) que estão em fase de
superradiância. A espessura dos interstícios é maior quanto mais alta for a
temperatura.
De acordo com os autores citados, no interior da fase coerente à entropia seria
em torno de zero, e as propriedades térmicas e de solvatação da água seriam
dependentes apenas da fase fluida (similar à fase gasosa). Por outro lado, os
domínios de superradiância, que podem sofrer rotação em torno deles mesmos
a uma certa freqüência, podem interagir entre si num nível de coerência
superior, uma coerência entre domínios de coerência.
Que tipo de modelo então poderia servir de base para uma transferência de
qualquer tipo de informação? Isto seria possível se a vibração eletromagnética
coerente pudesse ser influenciada, modulada, por forças químicas ou físicas
externas, de modo a assumir uma determinada freqüência e poder entrar, de
alguma forma, em comunicação com outros sistemas químicos, físicos ou
biológicos. Esta propriedade hipotética da água é sustentada por um modelo
segundo o qual a água se assemelha a um laser de dipolos elétricos livres.
Neste tipo de laser, um campo ondulatório induz uns dipolos elétricos
oscilante, perpendiculares ao campo elétrico, num feixe de elétrons livres que
se acopla à radiação eletromagnética vibrando de forma coerente com esta
[Del Giudice et al., 1988b].
Dado o fenômeno da interação coletiva, não é necessário postular um campo
elétrico muito forte, já que seria suficiente uma pequena perturbação elétrica
(ao redor de uma macromolécula com momento dipolar) ou um campo
presente sobre a superfície de um agregado coloidal. Ao redor de tais
macromoléculas presentes na água poder-se-ia gerar um domínio
macroscópico formado pela superradiância da água. O número de freqüências
que podem excitar as vibrações das moléculas de água e dos domínios de
superradiância é muito alto: “um domínio de coerência do movimento
rotacional da água pode assumir até todas as freqüências e, portanto, pode
simular todos os ruídos” [Del Giudice, 1997].
Poderia-se sustentar que uma molécula livre na água desenvolve a função de
catalisador (in lato sensus) das excitações do campo de vibrações do domínio
de superradiância. Ela seria vista como uma antena, que lança uma mensagem,
numa certa freqüência, e que promove a rotação dos domínios de
superradiância na sua própria freqüência. O movimento coerente dos domínios
de superradiância não é perturbado graças às suas dimensões pela temperatura
(ao contrário do que acontece nas moléculas livres dos interstícios), Por isto,

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 21


existe uma estabilidade dos estados de excitação destes domínios, que
coincide com o conceito de “memória”. A memória não é, portanto, uma
característica das moléculas individuais, senão de blocos enormes de
moléculas que no seu movimento coerente simulam a freqüência vibratória de
outras moléculas ou de campos eletromagnéticos.
A esta altura já se pode intuir a tamanha importância de fenômenos similares
na organização biológica. A figura 26 representa em forma didática esta
problemática em relação às possíveis vias com que a informação biológica
influi sobre receptores celulares nas transmissões de sinal.

Figura 26. Modelo ilustrativo da transmissão de informação através da


superradiância da água. Para simplificar, a figura é limitada aos
receptores de membrana; mas não se pode excluir que o domínio de
coerência (como também o campo eletromagnético) influencia também
diretamente as estruturas intracelulares como as enzimas, as oscilações de
segundos mensageiros, os nucleotídeos e o DNA.

Enquanto a visão clássica da biologia molecular (à esquerda da figura) se


refere ao ingresso de uma molécula sinal em um local específico do receptor, a
biofísica clássica (à direita da figura) demonstra que os receptores são
sensíveis também aos campos eletromagnéticos, a superradiância poderia ser

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 22


colocada numa situação “intermediária”: a molécula sinal “informa” o
domínio de coerência da água transmitindo-lhe uma certa freqüência
oscilatória; por sua vez o domínio de coerência modularia os receptores e
assim haveria influência nos sucessivos eventos da transdução de sinal.
Em relação a este ponto é oportuno lembrar que atualmente as teorias expostas
ainda estão à espera de uma confirmação experimental convincente (por
exemplo, que demonstre com medições químicas ou físicas a existência dos
postulados dos domínios de superradiância). O que pode ser enfatizado é que a
física quântica moderna não exclui o fato de que a água possui uma
propriedade ainda desconhecida que, por sinal, é compatível com as
observações empíricas acima citadas [Fesenko et al., 1995] e com a eficácia
clínica do tratamentos homeopáticos demonstrada desde o começo da sua
utilização ate os dias de hoje [Del Giudice, 1990; Schulte e Endler, 1994],
sobre a qual voltaremos a abordar na última parte deste livro.

Clusters de água
Diferentes modelos que descrevem a estrutura da água podem ser divididos
em duas classes principais: modelos de misturas e modelos contínuos.
O modelo de misturas é fundamentado no modelo de clusters de Frank e Wen
[Frank e Wen, 1957], no qual a água líquida se compõe não apenas de
monômeros (H2O) ou de clusters (H2O)n interligados por ligações de
hidrogênio, mas também de um equilíbrio entre estas espécies distintas. Um
pentâmero formado por moléculas de água, por exemplo, é um cluster de água
com 5 unidades H2O, ou seja, (H2O)5. Um exemplo é mostrado na figura 27
[Liu et al., 1996].
Um cluster, portanto, pode ser visto como um número variável n de unidades
moleculares interligadas formando agregados “fechados”, uma espécie de
“gaiola” que pode conter ou não moléculas em seu interior (quando não possui
molécula em seu interior, o cluster apresenta uma cavidade interna). O
tamanho dos clusters de água depende da temperatura e da pressão, da adição
de solutos e outros fatores. Na água, as moléculas podem se alinhar em forma
pentagonal ou hexagonal graças às suas ligações de hidrogênio; ao redor delas,
várias conformações poligonais podem formar, em certas condições (agitações
ou sucussões do líquido), figuras geométricas complexas, com cavidades no
seu interior.

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Figura 27. Moléculas de água que se formam, a partir de ligações de
hidrogênio (A) e de diferentes possibilidades de configurações das
pentâmeros (B).

A origem do modelo contínuo remonta a Pople em 1950 [Pople, 1950]. Neste


modelo a estrutura da água líquida é, como o próprio nome já indica, uma rede
contínua de moléculas de H2O em três dimensões interligadas por ligações de
hidrogênio, também chamada de network de moléculas de água. Outros
modelos que tentam explicar a estrutura da água líquida, como por exemplo, o
modelo de rede aleatória ou randômica (random network model) e o modelo
de percolação (percolation model) podem ser vistos como extensão dos
modelos contínuos e de misturas, respectivamente.
A possibilidade de formação de uma cavidade em líquidos é aceita
universalmente [Wei et al., 1991; Tsai e Jordan, 1993; Chaplin, 2000].
Segundo outros autores [Smith, 1989; Smith, 1994a; Smith, 1994b;
Anagnostatos, 1994; Widakowich, 1997; Lo e Bonavida, 2000] a propriedade
peculiar da água como meio de transferência de informação biologicamente
significativa seria baseada nas formações de agregados de moléculas de água
em forma de clusters ou clatratos. Quando essas cavidades se formam, a
tensão superficial produz uma pressão negativa no seu interior, que na sua
forma menor, assume a forma de um dodecaedro (12 pentágonos ligados entre
si de forma geometricamente ordenada), mas que também podem se arranjar
como hexágonos não planares. Por outro lado, também podem existir diversas

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 24


ligações diferentes das de hidrogênio, como dipolos entre íons hidrogênio (H +)
e íons hidroxilas (OH-).
Com uma visão físico-química deste tipo podemos chegar a compreender a
possibilidade teórica de que a água, após ter estado em contato com uma
informação molecular (moléculas de soluto), possa manter essa informação
em diluições elevadas das moléculas iniciais. Segundo a hipótese dos clusters,
um determinado número de moléculas do composto original, uma vez livre na
água ou num meio hidroalcóolico, seriam circundadas por um número maior
de moléculas de água que as estariam solvatando, formando estruturas
“fechadas” ao redor do composto que estaria no centro desta cavidade. Um
cluster similar poderia ter estabilidade de informação mesmo se o composto
original não está mais presente no centro da cavidade. Como conseqüência,
com diluições contínuas e com sucussões (metodologia da preparação dos
remédios homeopáticos), as moléculas de água formariam clusters
equivalentes às estruturas iniciais, os quais poderiam se transformar numa
matriz de referência para a formação de outros clusters, sempre com o mesmo
esquema original.
Uma notável variabilidade de formas e combinações seria possível, portanto,
na formação de microcavidades similares [Widakowich, 1997; Chaplin, 2000].
As formas dodecaédricas deveriam ser capazes de se ligar no seu conjunto em
formas similares a colares helicoidais, unidas por faces pentagonais. Tais
cadeias poderiam representar o lugar de interação coerente entre a água e o
campo magnético de uma corrente, que provoca saltos sincronizados entre
prótons (H+) que se conectam aos átomos de oxigênio adjacentes.
Graças à disposição ordenada e seqüencial das ligações de hidrogênio,
cavidades similares estariam em condições de vibrar coerentemente, em
ressonância com um campo magnético. As freqüências de vibração
dependeriam da forma e do comprimento de tais estruturas (ao mesmo tempo
dependentes do soluto original), como também do grau de estruturação
progressiva da própria água ao se procederem as diluições e “dinamizações”.
Foram registrados, recentemente, estudos preliminares de termodinâmica
(calorimetria) que atestariam a existência de estruturas organizadas na água
formadas pelo processo de diluição e sucussão que caracteriza a metodologia
homeopática. Parece que o solvente assume localmente uma estrutura de dois
“invólucros”, um mais interno chamado de hard e um mais externo chamado
soft. Estes dois “invólucros” possuem uma organização diferente das ligações
de hidrogênio em relação à água que não perturbada, chamada de bulk [Elia e
Nicoli, 1999].
O modelo dos clusters é interessante enquanto permite explicar como
“agregados” de moléculas de água podem se transformar num meio de

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 25


transmissão de informações. Mas, ainda não existe embasamento físico para
explicar a permanência de tais agregados, de uma forma definitiva, por um
tempo suficientemente longo para poder constituir uma “memória” a longo
prazo.

Estudos espectroscópicos
A espectroscopia estuda a interação da radiação eletromagnética com a
matéria, sendo um dos seus principais objetivos a determinação dos níveis de
energia de átomos ou moléculas. A interação de radiação eletromagnética com
o movimento vibracional dos núcleos origina o espectro vibracional no
infravermelho ou o espalhamento Raman. Fisicamente os dois processos,
Raman e infravermelho são diferentes. O espectro de absorção no
infravermelho é um processo de ressonância, que ocorre quando uma radiação
eletromagnética incidente tem uma componente com valor de freqüência
correspondente a uma transição entre dois níveis vibracionais. A condição
para ocorrer a absorção é que haja variação do momento de dipolo elétrico da
molécula com este movimento vibracional. No efeito Raman ocorre um
espalhamento de luz, que após o processo se apresenta com freqüência maior
ou menor do que a original. As diferenças de freqüência entre a radiação
incidente e a espalhada constituem o espectro Raman. Essas diferenças
correspondem às freqüências de vibração da molécula. Sua atividade depende
da variação do momento de dipolo induzido (pelo campo eletromagnético
incidente) com a vibração. O efeito Raman foi previsto teoricamente por
Smekal em 1923 e descoberto experimentalmente por Raman em 1928. Foi
somente com o rápido desenvolvimento na tecnologia de construção de lasers,
no fim da década de „60, que a espectroscopia Raman alcançou o seu ápice e
pôde ser utilizada como uma ferramenta de análise completar às demais
espectroscopias, apartir de então chamada por alguns autores de Raman-laser.
Isto porque a intensidade dos picos observados na espectroscopia Raman está
diretamente relacionada à intensidade e à freqüência da radiação incidente, o
que torna o uso de alguns tipos de lasers excelentes fontes para se obter
espectros Raman. A introdução do uso de laser em espectroscopia Raman se
deve a um brasileiro, Sérgio Porto e de Wood, que utilizaram o laser pulsado
de rubi em 1962 e o laser contínuo de He-Ne em 1963.
No plano da física experimental, uma tentativa de abordagem ao problema da
natureza física das soluções aquosas altamente diluídas foi feita por vários
autores mediante análise de espectros (bandas de absorção, de emissão ou de
ressonância de ondas eletromagnéticas em diferentes freqüências ou
intensidades) obtidas com as técnicas do Raman-laser, de absorção no
infravermelho (IR, infrared) e principalmente de ressonância magnética

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 26


nuclear (NMR, nuclear magnetic resonance). A NMR se destaca atualmente
pela sua aplicação no diagnóstico por imagens, mas foi e é usada
principalmente para o estudo de átomos e moléculas porque permite analisar o
comportamento do núcleo atômico quando colocado sob o efeito de um campo
magnético. Já que alguns núcleos possuem momento dipolar, o dipolo pode
entrar em ressonância com ondas eletromagnéticas suficientemente intensas e
cada tipo de átomo possui a sua particular freqüência de ressonância. O
espectro NMR (o que vale dizer o gráfico que registra os picos de ressonância)
está diretamente relacionado aos componentes da amostra medida e à
“geometria” das moléculas. Em relação ao espectro, outros parâmetros
considerados são os tempos de relaxação49 de spin nuclear (T1, tempo de
relaxação longitudinal; T2, tempo de relaxação transversal). A relaxação é um
parâmetro complexo resultante da interação magnética dipolar entre prótons
vizinhos intra e intermoleculares, do movimento molecular de rotação e
translação, da troca de prótons e da eventual presença de substâncias
paramagnéticas (alguns metais, oxigeno molecular, radicais livres).
O. Weingartner [Weingartner, 1990; Weinggartner, 1992] mostrou claramente
que a diferença entre um espectro NMR do solvente (água + etanol) em
relação ao espectro NMR de uma solução altamente diluída de enxofre (em
torno de 10–23 M) retém a intensidade dos sinais H2O e OH. O autor sugere
que o achatamento dos picos de NMR observados advém de uma troca
acelerada de prótons. Este dado pode ter muitas interpretações, mas pareceria
estar de acordo com os que atribuem um importante papel às ligações de
hidrogênio na associação de moléculas de água de um modo não casual.
A diluição de 10–23 M é vizinha ao número de Avogadro. A Lei de Avogadro
tem sua origem na tentativa de se responder a uma antiga questão intrigante –

49
Relaxação: em termos gerais, relaxação pode ser definida como o retorno ao equilíbrio de um sistema que
tenha experimentado uma perturbação (normalmente pequena) em uma de suas variáveis, por um agente
externo. A relaxação decorre de processos anteriores que promoveram alguma perturbação no sistema
(através de excitação por campos elétricos, magnéticos, radiações em diferentes freqüências, etc) e tendem a
voltar a um estado de equilíbrio. De acordo com a origem destas perturbações, diferentes alterações são
provocadas no sistema, com conseqüentes variações nos respectivos tempos de relaxação. Para se entender, de
forma bem simplificada, a relaxação nos processos de ressonância magnética nuclear (NMR) podemos
imaginar um núcleo com spin diferente de zero como um pequeno ímã, com um momento magnético que vai
depender de algumas propriedades inerentes a cada núcleo. A relaxação de spin-nuclear consiste em
transições dos estados quânticos mais energéticos para aqueles de menor energia. Neste caso, as transições
espontâneas são muito pouco prováveis e a relaxação ocorre via transições estimuladas por campos
magnéticos (ou elétricos) locais, que possuam uma dependência temporal periódica a freqüências apropriadas
(freqüência de Larmor). Em sistemas líquidos, os movimentos brownianos moleculares, translacionais e
rotacionais fornecem esses campos locais. Dependendo do tipo do processo de relaxação de spins nucleares
podemos medir os tempos de relaxação longitudinal (T 1) ou transversal (T2). A relaxação longitudinal
(também chamada de relaxação spin-lattice) envolve uma transferência de energia do sistema de spins para o
seu ambiente próximo (lattice). A relaxação transversal (ou spin-spin) caracteriza-se pela perda de coerência
de fase dos momentos magnéticos nucleares, correspondendo a um aumento na entropia do sistema.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 27


se a massa total antes da reação é sempre igual a massa total após a reação
(Lei de Lavoisier), porque nas reações entre gases, o volume total antes da
reação nem sempre é igual ao volume total após a reação? Para explicar esses
fatos, Avogadro lançou uma idéia que se tornou conhecida como Hipótese de
Avogadro e, posteriormente, como Lei de Avogadro: volumes iguais de gases
quaisquer, colocados em condições idênticas de pressão e temperatura,
encerram sempre o mesmo número de moléculas, podendo apresentar
contração ou expansão do volume final de uma reação dependendo do
rearranjo entre estas. Posteriormente, definiu-se o Número de Avogadro que é
o número de átomos (ou de moléculas) existentes em um átomo–grama (ou
molécula-grama ou mol) de qualquer elemento químico (ou substância
química) (átomo-grama é a massa em gramas de um elemento químico, cujo
valor numérico coincide com sua massa atômica; molécula-grama, ou mol, é a
massa em gramas de uma substância química, cujo o valor numérico coincide
com sua massa molecular). Um átomo-grama ou molécula-grama (mol) não
indicam a massa de um único átomo ou uma única molécula, em gramas, mas
um grande número destes. Este número é sempre igual, para qualquer que seja
o átomo ou molécula e foi denominado Número de Avogadro, que
corresponde a 6,02 x 1023.
Variações das características de ressonância NMR, e em particular dos tempos
de relaxação T1 e T2, em soluções altamente diluídas de sílica tem sido
consideradas também por outro grupo na França e publicadas numa revista
oficial de física [Demangeat et al., 1992]. Em síntese, foi observado que
soluções de sílica/lactose, preparadas em diluições centesimais, apresentavam
um aumento de T1 e um aumento da relação T1/T2 quando comparadas à
água destilada ou a soluções diluídas de NaCl. Este experimento é importante
também porque anteriormente foi demonstrado um efeito estimulador de altas
diluições de sílica sobre macrófagos peritoniais de rato [Davenas et al., 1987].
Trata-se do primeiro caso no qual foi demonstrada de uma forma rigorosa uma
diferença de natureza física entre o solvente e uma alta diluição de um
medicamento cuja atividade biológica foi evidenciada experimentalmente.
Recentemente, spectros NMR de diluições /dinamizações altas (diluições
acompanhadas de fortes agitações segundo o método homeopático) do estrato
de Strichnos Nux vomica mostraram diferenças significativas em relação às
soluções de controle (água e álcool não submetidas nem a diluição nem ao
processo de agitação) por isto que se deve estar atento ao tempo de
relaxamento T1 dos núcleos de deutério [Sukul et al., 2000; 2001]. O método
permitiu também estudar diferentes diluições do mesmo medicamento. Mas,
outras duas tentativas de evidenciar propriedades físicas específicas de
soluções homeopáticas mediante NMR deram resultados negativos [Aabel et

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 28


al., 2001; Milgrom et al., 2001]. Esta questào está na expectativa em termos de
um metodo tecnico e experimental que se adeque as características especiais
dos remedios homeopáticos.
Parece que também a análise espectrofotométrica I.R. permite colocar em
evidência as mudanças físico-químicas nas altas diluições. O grupo de Henz
[citado por Barros e Pasteur, 1977] teria demonstrado com este método que
substâncias altamente diluídas (mais do número de Avogadro) e
“dinamizadas” apresentam bandas de absorção no espectro I.R; mas isto não
acontece em soluções diluídas e não dinamizadas. Por outro lado, segundo
estes autores, a absorção I.R. é eliminada pela ebulição, fato que depõe a favor
de uma modificação física do solvente.
Um outro método utilizado para o estudo das modificações físicas das altas
diluições é a análise do espectro Raman-laser. Quando um raio laser irradia
uma substância, uma pequena parte dos raios luminosos sofre espalhamento e
a radiação detectada após este processo pode ter um comprimento de onda
diferente em relação à original. Examinando os picos de emissão do
espalhamento (efeito Raman) se obtém informações sobre o estado físico
(viscosidade, distorções moleculares, constante dielétrica) do líquido
analisado. Foi publicado [Luu, 1976] que diluições de várias plantas (por
exemplo, Aesculus, Bryonia, Rosmarinus) preparadas em etanol a 70 %,
modificam o espectro Raman-laser do etanol, no sentido de provocar um
achatamento significativo dos picos em várias freqüências. No caso das
soluções mais diluídas (neste caso também, os autores trabalharam acima do
número de Avogadro) a diminuição da intensidade do efeito Raman-laser foi
atribuída a um rearranjo eletrostático do ambiente molecular.
Em cada caso é interessante destacar que muito recentemente apareceram
trabalhos publicados na revista Science [Liu et al., 1996; Gregory et al., 1997]
que demonstram tanto teórica como experimentalmente a existência de
clusters de água em forma de trímeros, tetrâmeros, pentâmeros e hexâmeros,
com técnicas espectroscópicas (vibration-rotation-tunneling). Estes agregados
moleculares podem ter diferentes dipolos elétricos e mínimos de energia,
portanto, diferentes configurações espaciais (figura 27).

Aplicações biológicas dos estudos sobre água


Uma das formas para interpretar o efeito biológico e terapêutico de sustâncias
diluídas a ponto de não conter nenhuma molécula do composto original é
considerar a água como um meio transmissor da comunicação biológica. Nos
últimos anos, tivemos muitas tentativas de estudo destas questões com
métodos que permitem a constituição de um embasamento cientifico
principalmente mediante estudos in vitro, realizados sobre culturas celulares.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 29


Mesmo que ainda se esteja num estado preliminar, sem conclusões definitivas,
vale a pena destacar alguns destes estudos.
Ninguém pode negar a importância do fato que se este fenômeno fosse
confirmado e aceito, se trataria não apenas de uma confirmação da
farmacologia homeopática (teoria hahnemanniana) como também e
principalmente de um avanço teórico e científico que não poderia ser deixado
de lado em vários campos das ciências naturais e da tecnologia farmacêutica.
Um grupo interdisciplinar dirigido pelo pesquisador francês J. Benveniste,
realizado com a colaboração de outros quatro laboratórios, teve uma grande
repercussão em 1988 foi apresentado como a demonstração da “memória da
água”; mas posteriormente seu trabalho foi desacreditado fato pelo qual a
polêmica ainda não foi resolvida. Foi publicado um livro sobre toda esta
questão [Schiff, 1995], e em janeiro de 1997, o jornal Le Monde publicou
artigos extensos demonstrando que a problemática levantada não está ainda
concluída, e inclusive que os experimentos continuam sendo realizados em
vários laboratórios do mundo [Belon et al., 1999; Thomas et al., 2000; Brown
e Ennis, 2001].
Devido à importância dos conceitos levantados por esta questão, dedicarei um
pequeno espaço para discutir sobre as hipóteses dos mecanismos que
justificariam este fenômeno.
O grupo de Benveniste [Davenas et al., 1988] demonstrou como os basófilos
humanos são sensíveis a soluções ultradiluidas50 de substâncias, já conhecidas
por ter um efeito estimulador a uma dose normal, como por exemplo, os
anticorpos anti IgE, ionóforos para o cálcio, fosfolipases A2. A especificidade
de ação é comprovada pela ausência de efeito de outras substâncias
ultradiluídas, como por exemplo, anticorpos anti IgG (de fato os basófilos são
ativados apenas pela anti-IgE) e fosfolipase C (a qual possui sobre a
membrana uma especificidade bioquímica diferente).
As curvas dose-resposta mostram nas experimentações, que ao diminuir as
doses primeiro temos um desaparecimento da atividade e depois um
reaparecimento, portanto, vários picos de atividade e inatividade que se
alternam até altíssimas diluições que correspondem a concentrações de
anticorpo praticamente zero. Foi registrado também que para se obter uma
atividade máxima era necessário que as diluições fossem acompanhadas de
fortes agitações e que a atividade estimuladora das soluções diluídas de
anticorpo permaneciam mesmo após ultrafiltrações através de membranas com

50
As substancias foram diluídas pelo método serial (1:10 e 1:100) utilizando a metodologia farmacológica
homeopática que compreende alem da diluição a utilização de fortes agitações (dinamização) para cada
diluição. Estas foram altamente diluídas a ponto de teoricamente, não conter mais moléculas do diluente, ou
seja, foram transformadas em soluções “não moleculares”.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 30


poros inferiores as dimensões de 10 kDa, os que deveriam ter retido o
anticorpo.
Um grupo holandês refere não ter conseguido reproduzir o efeito das altas
diluições de IgE [Ovelgonne et al., 1992]. Neste trabalho não foi possível
demonstrar qualquer ação das altas diluições de anticorpos anti-IgE sobre as
mastcélulas e os autores (um dos quais tinha aprendido a técnica no
laboratório de Benveniste) concluíram que se tratava de um modelo de difícil
reprodutibilidade. Estes mesmos resultados foram obtidos também por outro
grupo [Hirst et al., 1993]. Benveniste continua insistindo ainda sobre a
validade dos seus dados, contestando a corrente experimental que o
desmentiu, inclusive existem outros pesquisadores que se encontram
dedicados a esta questão obtendo resultados positivos [Benveniste, 1994;
Wiegant, 1994; Benveniste, 1998]. O livro de Schiff citado acima testemunha
o interesse constante sobre este argumento, uma lista de 35 trabalhos
científicos sobre as altas diluições, publicados entre 1985 e 1994 em revistas
indexadas pela Sience Citation Index. Destes trabalhos 13 deram resultados
negativos (nenhum efeito), porem 22 trabalhos deram resultados em favor de
uma real existência sobre o fenômeno da memória da água em campo
biológico.
Um outro grupo francês investigou o efeito de substâncias altamente diluídas,
principalmente da histamina diluída sobre a “degranulação” dos basófilos Esta
diluição foi feita de acordo com os métodos homeopáticos (diluições seriadas
decimais ou centesimais, seguidas por forte sucussão) [Cherruault et al., 1989;
Boiron e Belon, 1990]. A atividade inibidora de diluições centesimais
progressivas era evidente, verificaram-se picos de atividade se alternando com
diluições ineficazes. Os valores máximos eram ao redor das diluições 7C,
17C, 28C, 39C e 51C (como já dizemos diluições superiores à 12C, não
possuem mais moléculas do composto original, segundo a lei de Avogadro).
O grupo de Saint-Laudy e Belon registraram outros dados que confirmam o
fato de que altas diluições de histamina (cloreto de histamina puro) inibem de
forma significativa a degranulação de basófilos (sensibilizados com anticorpos
IgE em relação aos dermatófagos) induzida in vitro por estratos de
dermatófagos. Sobre uma série de dezesseis diluições centesimais
progressivas (de 5C a 20C), os autores observaram uma atividade inibitória da
histamina em diluições em torno de 7C e 18C. Os autores, portanto
consideravam um envolvimento dos receptores H2 na ação das altas diluições
colocando também que “é paradoxal pensar em termos de biologia molecular
quando teoricamente não existem moléculas em nenhuma das diluições ativas
testadas” [Sainte-Laudy et al., 1991]. Este mesmo grupo apresentou um
trabalho “em duplo cego”, com uma rigorosa análise estatística, no qual

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 31


demonstram que a ativação dos basófilos humanos por parte da IgE é inibida
significativamente (p<0.001) por diluições de histamina [Saint-Laudy e Belon,
1993; Saint-Laudy e Belon, 1996]. Nestas experimentações foram obtidos dois
momentos principais de inibição, representados por dois picos: o primeiro
com diluições de histamina entre 10-16 e 10-22 M; o segundo com diluições
entre 10-28 e 10-36 M. Recentemente os mesmos autores demonstraram que a
inibição provocada por altíssimas diluições de histamina (10 -30 – 10-34 M) é
neutralizada pela cimetidina (antagonista dos receptores H2 da histamina)
[Sainte-Laudy e Belon, 1997].
Um grupo de pesquisa da Universidade de Montpellier, coordenado por M.
Bastide demonstrou o efeito do fator de crescimento da epiderme (EGF) sobre
a proliferação de células em cultura (queratócitos e fibroblastos humanos). O
EGF em doses baixíssimas (10-19 M) e em altas diluições (10-45 M) provocou
efeitos significativos sobre estas células no sentido de uma redução no
crescimento dos queratócitos e de uma estimulação no crescimento dos
fibroblastos [Fougeray et al., 1993]. Este mesmo grupo demonstrou os efeitos
estimuladores do hormônio bursina em diluições que superam o número de
Avogadro, sobre o desenvolvimento do sistema imunitário do embrião de
frango [Youbicier-Simo et al., 1993; Youbicier-Simo et al., 1996].
Outros trabalhos interessantes foram publicados em revistas não indexadas e
em atas de simpósios ou congressos internacionais. É digno de destacar que o
cádmio, agente contaminador do ambiente, e o cisplatino, fármaco citostático
utilizado em terapias antitumorais, possuem efeitos tóxicos significativos
sobre os túbulos renais. Foi comprovado que células renais em cultura, pre-
tratadas (durante cinco dias) com doses baixas (10 -16 M) e a diluições altas
(10-40 M) destas substâncias possui um efeito protetor em relação à toxicidade
provocada pelas doses medianas (10-4 – 10-6 M) de cádmio e cisplatino
[Delbancut et al., 1993].
Estes resultados demonstram que as preparações em altas diluições (as que
ultrapassam o numero de Avogadro) podem ter efeitos com reprodutibilidade
nos sistemas celulares, mesmo que em diferentes laboratórios ainda exista
dificuldade em reproduzi-los. No estado em que as pesquisas se encontram na
atualidade não pode ser estabelecida uma avaliação definitiva, em função das
nossas experiências diretas mas resulta improvável que um fenômeno assim
similar, observado em muitos laboratórios, seja fruto apenas de artefatos
experimentais.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 32


Medicina Biodinamica
Papirus Editora 2002
© Paolo Bellavite
Questionar por possivel reprodução: paolo.bellavite@univr.it

Segunda parte
Biodinâmica e patologia

“As doenças não são a essência do ser”


A. Carrel

5
Caos, complexidade e patologia

Depois do apresentado e discutido até aqui, podemos nos questionar ate que
ponto os modelos do caos e das redes interconectadas entre si poderiam ser
adaptados ao estudo das causas e dos mecanismos responsáveis pelas doenças:
a resposta é positiva e neste capítulo forneceremos uma série de exemplos
destas novas aplicações. Num raciocínio teórico e analógico, que relaciona os
modelos matemáticos à realidade dos sistemas físicos complexos e dos seres
vivos, se mostra de significativa operacionalidade para o estabelecimento de
novas metodologias experimentais em vários campos da medicina.
As relações entre os conhecimentos adquiridos sobre os sistemas caóticos e a
medicina são múltiplas, mas o conceito fundamental se pode resumir assim: a
teoria dos sistemas dinâmicos é um dos instrumentos interpretativos mais
importantes desde que levemos em consideração os mecanismos que regulam
o limiar entre a saúde e a doença e seus possíveis métodos de análise

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 1


(anamnese, laboratório, bioeletrônica) e os de regulação (farmacológico ou de
outro tipo).

Uma abordagem dinâmica da patologia


A patologia, que estuda as causas e os mecanismos das doenças, acaba nos
mostrando que estes são na sua grande maioria casos de fenômenos
complexos.
Geralmente, se pensa em biologia molecular, em genética como os campos
mais avançados da medicina, portanto, se poderia pensar que seria justamente
nestes setores onde encontraríamos os fenômenos mais complexos que
existem. Na realidade, as doenças genéticas estão entre os exemplos mais
“simples” que temos para explicar a patogenesia51 das doenças. Uma anemia
falciforme terá suas variações e subvariações, mas a lesão genética é clara e
bem definida, assim como suas conseqüências sobre o glóbulo vermelho e
sobre o paciente inteiro. As doenças genéticas nas quais a lesão molecular é de
um único gene são as mais simples porque nelas rege um determinismo rígido:
dada uma causa existirão as determinadas conseqüências.
Todavia, a maior parte das patologias mais freqüentes hoje não se encaixam
nesta categoria. “Muitas das doenças mais freqüentes que constituem as
maiores despesas sanitárias nacionais nos países ocidentais, com certeza não
são causadas por defeitos de um único gene mesmo que nelas possa existir
uma etiologia de significativo componente genético. A explicação deste
fenômeno seria que a variação de muitos genes diferentes é a que causa as
pequenas e sutis mudanças ao nível de expressões ou de funções gênicas,
sendo este fator o que predispõe os indivíduos ao desenvolvimento de
doenças. Estas variações genéticas que predispõe os seres vivos podem
interagir com fatores ambientais e determinar assim o risco final de
desenvolvimento da doença clínica” [Talmud e Humphries, 1992].
Se a doença é considerada como desinformação dos sistemas complexos é
necessário reconhecer que a abordagem molecular, que analisa apenas só um
aspecto das informações, é útil, mas não suficiente. Novas abordagens, novos
modelos, novos conceitos começam a ser introduzidos em medicina para
superar este problema.
À medida que se esclarecem os mecanismos de fina regulação da
homeodinâmica, se encontram modos de intervenção cada vez mais

51
Patogenesia (ou patogenese): estudo dos mecanismos responsáveis por uma determinada doença. Para
compreender também as causas (fatores etiológicos) se usa o termo etiopatogênese. Em homeopatia a palavra
“patogenesia” é usada também para definir o conjunto de sintomas provocados por uma sustância
medicamentosa administrada à um experimentador saudável (ver Capitulo 9).

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 2


específicos como também fármacos cada vez mais similares aos mediadores
endógenos (como por exemplo, citocinas, interferons, growth factors,
derivados do óxido nítrico, prostaglandinas, antagonistas de receptores, etc.).
Mesmo o descobrimento de novos fármacos úteis para neutralizar com
eficácia problemas específicos, não resolve os problemas colocados pelas
doenças caracterizadas por fenômenos complexos. Inclusive fica evidente que
quanto mais potentes são os fármacos mais difícil e delicado fica seu uso na
prática médica, a causa dos seus efeitos colaterais e da sempre necessária
avaliação atenta da sensibilidade do sujeito.
Quanto mais elevado é o grau de complexidade de um fenômeno patológico
que se quer considerar, tanto mais imprescindível fica uma abordagem global
e integrada para poder encontrar sua solução. Se a doença é um processo
evolutivo e complexo, é importante que cada aspecto da sintomatologia e do
diagnóstico instrumental ou laboratorial, relacionado às manifestações que se
apresentam num sujeito, seja enquadrado de um modo unitário. O que está em
jogo na base da medicina biodinâmica, com as suas potencialidades ao nível
diagnóstico, é um método complexo e integrado tanto para resgatar uma
intervenção preventiva como para encontrar a terapêutica mais adequada. Não
se trata de uma questão secundária, porque é previsível que o método mais
adequado é também mais eficaz, obviamente dentro de determinados limites.
Portanto, uma modificação metodológica no que já está estabelecido pode nos
mostrar perspectivamente uma saída mesmo em doenças que são atualmente
consideradas incuráveis ou naquelas em que o material terapêutico que
possuímos não é suficiente ou é ainda insatisfatório.

O sutil limite entre a normalidade e a patologia


Introduzir os conceitos de caos e de complexidade no campo da biologia e da
medicina constitui uma grande ajuda para interpretar fenômenos que até agora
eram considerados extremamente complicados para poderem ser explicados
através do método reducionista clássico (ou seja, descompartimentalizar para
poder analisar cada parte separadamente). Se bem que o método reducionista
foi e é fundamental para o conhecimento das partes, a metodologia introduzida
pelo estudo dos sistemas caóticos e dos fractais é e será a que nos poderá levar
para a compreensão do funcionamento dos sistemas nos quais muitas
singularidades são integradas no quadro estrutural ou funcional do conjunto.
Ou seja, a individualização das propriedades peculiares dos sistemas
complexos pode ajudar a não se perder na infinita variedade dos seus
constituintes elementares (vejam as moléculas) ou dos seus mecanismos
reguladores.

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Escrevem Nicolis e Prigogine: “O nosso universo físico não possui mais como
característica o movimento regular e periódico dos planetas, movimento este
que é a base da mecânica clássica. Ao contrario disto se nos apresenta um
universo caracterizado por a instabilidade e as flutuações, que são a origem
da incrível riqueza de formas e estruturas que vemos no mundo entorno a nós.
Temos, portanto, necessidade de novos conceitos e novos instrumentos para
descrever uma natureza em cuja dinâmica e pluralidade constituem as
características fundamentais” [Nicolis e Prigogine, 1991].
A grande força da ciência está na sua capacidade de interligar os efeitos às
suas causas construindo modelos descritivos e preditivos. Enquanto até não
muito tempo atrás os cientistas se preocupavam apenas com o estudo dos
fenômenos aparentemente ordenados agora a atenção deles se volta também
aos fenômenos aparentemente desordenados, para ver se podem encontrar as
“leis da desordem”, ou para tentar distinguir um fenômeno aparentemente
desordenado, mas com uma ordem subjacente, de um totalmente desordenado
e casual (random).
Os conceitos matemáticos do caos e da geometria fractal introduzem novos
instrumentos na descrição da estrutura irregular das formas vivas e do seu
funcionamento complexo, com inevitáveis conseqüências no campo biológico
e médico.
A tradição médica sempre foi baseada no conceito de normalidade visto como
equilíbrio, regularidade, periodicidade, parâmetros constantes, ausência de
descontinuidade, ou seja, que o conceito de saúde está baseado em última
instância como ausência de sintomas. A boa homeostase, segundo a idéia
tradicional vigente, é aquela pela qual os sistemas fisiológicos se comportam
de modo a reduzir ao mínimo a variabilidade das funções fisiológicas e dos
parâmetros hematoquímicos. A doença nesta visão seria a perda do equilíbrio
ou da capacidade de controlar as perturbações.
Esta abordagem conceptual poderia não estar errada em linhas gerais, mas não
consegue enquadrar de forma coerente os numerosos fenômenos não lineares
que são parte integrante da homeostase, como também não enquadra os
precisos exemplos de fenômenos seguramente patológicos que se manifestam
com o aumento da regularidade e da simplificação das estruturas. Estamos,
portanto, hoje naquela situação típica do procedimento da ciência pela qual
novas descobertas geram novas hipóteses interpretativas (modelos) e os novos
modelos instigam mais pesquisadores a reavaliar fenômenos antes
considerados secundários (ou fora do âmbito científico) e a projetar novos
experimentos para estes próprios modelos.
As funções de feedback e as redes booleanas de vários tipos foram adaptadas
com a finalidade de ilustrar alguns conceitos elementares da teoria do caos e

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de efetuar algumas simulações computacionais que sejam o mais fiel possível
aos fenômenos que se verificam na homeodinâmica da fisiopatologia. Este
confronto, obviamente, apenas pode ser qualitativo e baseado na
individualização das analogias com os sistemas fisiológicos e patológicos.
Fica, pois, claro que nenhuma forma matemática pode simular de uma forma
exata o comportamento de um sistema vivo constituído por muitos
componentes que se encontram em estreitas e dinâmicas inter-relações.
Todavia, algoritmos matemáticos simples como os que aqui utilizamos
colocam em destaque algumas propriedades específicas ligadas as regulações
homeodinâmicas. Deste modo, estas simulações permitem fazer algumas
afirmações de caráter geral com o suporte de uma demonstração matemática,
mesmo de efetuar inclusive algumas previsões, como aquela de que uma
mínima variação das condições de um sistema caótico pode modificar o
comportamento biológico de forma considerável e imprevisível (efeito
borboleta). Prever a imprevisibilidade e consignar os limites pode ser
considerado uma operação cientificamente correta e uma técnica
freqüentemente útil.
Com a contribuição das provas matemáticas realizadas acima podemos
deduzir, em síntese, os seguintes pontos:
1. Oscilações. Um sistema homeodinâmico apresenta oscilações
espontaneamente quando a velocidade nas mudanças das variáveis que as
caracterizam supera um determinado valor. O sistema se comporta como
linear quando funciona a “baixa velocidade”, onde pode existir
efetivamente um equilíbrio estático; a não linearidade fica evidente com o
aumento da velocidade. Analogamente, vemos que nos sistemas vivos a
demanda contínua e o contínuo consumo de energia empurram e mantém o
sistema longe do equilíbrio, num estado que se poderia definir como
“intermediário” entre ordem e caos [Firth, 1991; Cramer, 1993]. Assim
como a situação meteorológica está em contínua mudança, principalmente
pelo incessante fornecimento de energia solar, a ordem biológica está em
estado flutuante pelo fornecimento de nutrientes e de oxigênio do
metabolismo celular.
2. Caoticidade. A mesma regra simples de funcionamento (algoritmo) produz
oscilações que podem ser periódicas ou caóticas, indicando que a
caoticidade é normal no funcionamento do sistema homeodinâmico. O caos
é “endêmico” nos sistemas dissipativos funcionalmente ativos. Assim,
enquanto os sistemas caóticos podem parecer na realidade casuais
(estocásticos), eles são determinísticos e até previsíveis dentro de certos
limites. Isto que parece casual pode contrariamente acabar sendo, ao invés,

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uma ordem complexa, não-linear, determinista, extremamente sensível às
perturbações, flexível e dotada de memória (mudanças irreversíveis).
3. Estabilidade do sistema. O sistema homeodinâmico com oscilações
periódicas é geralmente muito estável e resiste às variações das condições
iniciais e às perturbações, enquanto o sistema homeodinâmico em regime
caótico é sempre muito sensível às perturbações. Mas, o modelo da rede
mostra também que o sistema incorpora fatores que induzem
comportamentos caóticos possuindo como característica um “vigor” que se
evidencia no comportamento do conjunto, muito mais que nos detalhes
individuais, o que acaba lhe conferindo uma maior adaptabilidade e
duração.
4. Fractais. Com a variação da velocidade com a qual um sistema
homeodinâmico pode oscilar (nos exemplos mostrados no capítulo 3, o
valor de k) se podem encontrar zonas repetidas de limite entre um
comportamento caótico e um comportamento periódico. Existem então
faces de regularidade, que apresentam oscilações periódicas, também no
interior do regime caótico. Tais faces, que se apresentam segundo um
esquema tipicamente fractal, fazem com que nestas condições de
instabilidade frente à mínima mudança dos parâmetros de controle ou logo
após uma mínima perturbação o sistema possa passar bruscamente de um
movimento aparentemente regular a um aparentemente irregular (e vice-
versa).
5. Autoamplificações. A mais “grave” patologia da homeostase é representada
pela situação na qual as oscilações são amplas e podem provocar a ruptura
“estrutural” do sistema de feed-back, isto desencadeia um mecanismo de
autoamplificação ou de consolidação de um defeito de comunicação entre
os componentes do próprio sistema. Tanto quando analisamos o
comportamento das redes booleanas como nos vários exemplos encontrados
na realidade fisiopatológica (veja a sessão seguinte) isto se evidencia.
6. Bloqueios. Quando a resposta é única e não existem oscilações poder-se-ia
configurar um outro tipo de “patologia” que aparece quando o sistema não
se modifica com as mudanças das condições iniciais, nem mesmo com o
aparecimento de perturbações ou com mudanças nos parâmetros de
controle. Existem alguns sistemas biológicos nos quais a fixação e a
constância nos parâmetros podem ser consideradas como “fisiológicas” (por
exemplo, o esqueleto, o peso corporal ou a estabilidade da identidade
biológica codificada pelos antígenos HLA), enquanto em muitos outros
sistemas envolvidos na adaptação biológica a rigidez nos esquemas
morfológicos e comportamentais pode ser a causa de numa grave patologia.

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7. Regulação dos parâmetros de controle. Os modelos nos permitem prever
que pode resultar um andamento caótico em reversível por modificações
dos parâmetros de velocidade (k): assim o “nível de atividade” de um
sistema é levado para variações quantitativas e obtendo-se variações
qualitativas do próprio sistema ao mesmo tempo. Um outro modo de
intervir de uma forma estável nos comportamentos dos sistemas complexos
é induzindo perturbações pequenas e controladas, que levam a mudanças de
atratores.
8. Complexidade resultante. Em relação às analogias com os sistemas
fisiológicos reais e com a patologia seria necessário obviamente um
aprofundamento posterior (presença de Amin ou de Amax, redes mais
complexas e caos tanto nas freqüências quanto nas amplitudes, etc) para
poder descrever toda a sua complexidade. Alguns destes argumentos são
desenvolvidos de forma mais extensa nos trabalhos da literatura citada
[Kaiser, 1998; Breithaupt, 1989; Casati, 1991; Firth, 1991; Nicolis e
Prigogine, 1991; Ditto e Pecora, 1993; Kauffman, 1993; Nonnemacher et
al., 1994; Vulpiani, 1994; Babloyantz e Lourenco 1994; Kauffman, 1995;
Bar-Yam, 1997].

Patologia da complexidade
Tudo o que foi dito até agora mostra que as oscilações biológicas e
fisiológicas fazem parte da “regra” matemática que governa um sistema
homeodinâmico, isto pelo simples fato que este é organizado por sistemas de
feed-back: eles são, portanto, mesmo que em forma caótica normais. Mas,
cada aspecto da fisiologia possui seu correspondente patológico, assim
podemos, seguindo um raciocínio lógico, nos questionar quais são as
patologias da homeodinâmica a partir da sua própria caoticidade. Não é fácil
responder de um modo esquemático e definitivo a esta pergunta, mas
poderíamos tentar uma primeira classificação distinguindo duas principais
possibilidades:
1. um aumento de caoticidade devido a círculos viciosos de autoamplificação;
2. uma perda de conexão e redução de complexidade.
Considera-se que cada sistema biológico complexo tende a regular a
intensidade e a qualidade das suas próprias funções sobre a base de um certo
tipo de atrator, também podemos considerar que a patologia surge quando o
mesmo atrator muda seu comportamento pelas perturbações vindas do exterior
ou mesmo por “mutações” vindas da sua própria estrutura (como explicamos
no capítulo precedente). Desde este ponto de vista, o núcleo fundamental da
doença poderia ser encontrado onde existe uma bifurcação na dinâmica de um

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ou mais sistemas biológicos, tanto com aumento ou diminuição da caoticidade
[Solomon, 1997; Coffey, 1998; Marshall, 2000].

Círculos viciosos
O mesmo aumento de velocidade com o qual determinadas mudanças
acontecem pode criar problemas na estabilidade de um sistema dinâmico,
porque vemos que a mudança de um parâmetro de controle (k ou A max) pode
causar bifurcações, ou seja, mudanças qualitativas imprevistas.
Em situações limite, variações muito rápidas e intensas das variáveis
envolvidas num sistema homeodinâmico podem configurar uma situação de
feed-back positivo e gerar autoamplificações de desordem do sistema.
Poderia ser o caso de sistemas biológicos submetidos a um fator nocivo forte e
contínuo (estresse), portanto, obrigados a um grande esforço de adaptação e de
reparação. Temos a seguir alguns exemplos de dinâmicas de autoamplificação
patológica de uma desordem homeodinâmica:
1. choque  vasoconstrição compensatória  hipoperfusão  dano celular
 vasodilatação  hipotensão  choque, etc.
2. hipertensão  vasoconstrição  hipoperfusão renal  ativação do sistema
renina / angiotensina  hipertensão, etc.
3. lesão celular por anóxia  déficit de energia  ausência da função da
bomba de membrana  entrada de cálcio  excitação celular  aumento
de consumo de energia  déficit de energia, etc.
4. modificações casuais (mutações) de um gene que codifica as proteínas
envolvidas nos sistemas de reparação do DNA  síntese de enzimas com
funcionamento alterado  alterações dos sistemas de reparação do DNA 
danos genéticos posteriores  modificações nos genes do crescimento
celular  tumores;
5. infecções por HIV  destruição dos linfócitos  imunodeficiência 
infecções e ativações do sistema imunitário  ativação do vírus latente 
replicação do vírus  destruição dos linfócitos, etc.
6. infecção bacteriana  atração de leucócitos com funções defensivas 
ativação dos leucócitos  produção de substâncias (citocinas) que atraem e
ativam outros leucócitos  abscesso.
Uma forma particularmente grave do aumento da caoticidade pode ser
verificada em todas aquelas situações em que existe uma perda do controle
homeodinâmico por razões externas ao próprio sistema, que acompanha a
incapacidade do sistema de compensar a perturbação induzida. Isto se verifica
facilmente ao nível da patologia da célula quando sua homeodinâmica
energética é perturbada. Uma grande parte dos fatores patógenos que podem

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atingir a célula interferem no delicado equilíbrio dos sistemas que produzem e
consomem energia.
A figura 28 procura ilustrar a rede de interações intracelulares que se
estabelece na célula sob o efeito do fatores nocivos e que, se não for corrigida
de forma oportuna pode transformar-se no principal mecanismo final de
toxicidade e necrose, por desencadear mecanismos de autoamplificação. Aqui
se intercalam problemas do que seria uma verdadeira “bioenergética”,
entendendo-se por este termo o equilíbrio da produção e do consumo de
energia [Harold, 1986], da bioquímica das enzimas e da bomba de membrana,
da homeodinâmica do íon cálcio, do controle da formação e da eliminação dos
radicais livres de oxigênio. Cada desordem grave que deriva da perda da
homeodinâmica leva a uma necrose celular [Boobis et al. 1992].

Figura 28. Efeito dos diferentes fatores nocivos externos sobre alguns dos
mais importantes elementos da célula e o possível desencadeamento de
círculos viciosos (vocabulos en italiano).

Patologias agudas e crônicas como processos inflamatórios envolvem uma


desordem do metabolismo celular. Muitas destas patologias se devem ao dano
celular causado por substâncias químicas, como toxinas endógenas ou
exógenas, radicais livres, enzimas proteolíticas e lipases, como também o
mecanismo da hipoxia. Em cada caso, ao dano químico ou físico agrega-se o

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problema do déficit energético intracelular: depleção de energia (ATP), com
suas respectivas conseqüências. Como ilustramos na figura 28, um dos
processos desencadeantes possíveis deste círculo vicioso é o fato de que no
interior da célula existe a formação de radicais livres e a depleção da ATP.
Ambos os fenômenos podem, senão bloqueados de forma rápida, levar a
formação destes círculos viciosos: os radicais livres danificam o DNA e os
sistemas de reparação deste consomem ATP. O consumo de ATP (e de ADP e
AMP) provoca acúmulo de xantina, que pela ação da xantino-oxidase, forma
radicais livres. Temos então a oxidação dos grupos tiólicos e, por
conseqüência, defeito na bomba iônica, aumento da permeabilidade da
membrana, aumento de cálcio, ativação das proteases e defeito da bomba
iônica. O desgaste celular pode levar até a morte por necrose ou pelo
fenômeno de apoptose52.
A explicação detalhada destes processos é encontrada nos tratados de
patologia, não temos aqui o espaço para nos aprofundarmos no assunto, mas
não poderíamos deixar de citá-lo.
Os modelos das redes consideram que um novo atrator, no caso considerado
“patológico”, possa também se manter mesmo que a mudança de atrator seja
devida a uma perturbação inicial e apenas temporária. Em patologia
poderíamos chamar de “tornar-se crônico” ou automanutenção de uma doença
que tem na sua origem eventos não necessariamente graves (traumas,
infecções, excesso de estímulos, etc.), mas suficientes para desencadear um
processo mais grave se o organismo está predisposto ou alterado por causas
concomitantes.

Perda das conexões


Os sistemas biológicos possuem suas múltiplas partes agindo de uma forma
simultânea e coerente para poder produzir uma ação global. Estas poderiam
ser consideradas como “padrões” coletivos metaestáveis com movimentos
oscilatórios mais ou menos acoplados. A caoticidade de cada sistema confere
uma flexibilidade tal que este pode variar o seu próprio comportamento com
facilidade (ou seja, responder às pequenas influências externas, por menor que
sejam) para adaptar-se às mudanças dos sistemas com os quais interage. É
justamente por isto que uma patologia pode se desencadear a partir de uma
perda das conexões entre os componentes do seu sistema. Esta perda das
conexões deixa a rede de comunicações por um lado menos complexa, mas
também pode aumentar a desordem do sistema, já que alguns elementos

52
Apoptose: morte celular “programada”, ou fisiológica, que acontece por um mecanismo de controle das
próprias células e sem liberação de enzimas hidrolíticas nos tecidos.

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(células, tecidos, órgãos) fogem ao controle de rede e começam a apresentar
uma dinâmica própria, autônoma, muito mais facilmente sujeita a amplas
oscilações. As oscilações que se transformam em desordem constituem assim
a doença, já que provoca o aparecimento de sintomas e de danos duradouros.
Encontramos na patogenesia de muitas doenças, pelo menos nas suas fases
iniciais, defeitos de comunicação que surgem nas redes complexas dos
sistemas integrados. O controle da proliferação celular, do sistema imunitário,
o equilíbrio entre os fatores pró e antiinflamatórios, etc. dependem como já
discutimos neste livro da comunicação biológica. Numa rede na qual sistemas
homeodinâmicos (moleculares, celulares, sistêmicos) estão interconectados a
informação de todo o sistema “percorre” os ciclos (atratores) que possuem
formas espaço-temporais variáveis e flutuantes, mas que podem ser
reconduzidos sempre ao seu estado de normalidade, em harmonia com o
sistema todo; este esquema visa à sobrevivência do organismo com o menor
gasto possível de energia. Se um ou mais nodos destas redes perdem a
conexão informativa (o sistema homeodinâmico em si se divide) ou se o fluxo
de informação entre os diferentes sistemas é interrompido (falta de
comunicação com o exterior), temos um processo patológico próprio enquanto
o caos se instala, ou melhor, o sistema caótico passa para um outro atrator,
assim como pudemos ver nos sistemas booleanos.
A mudança de atrator num sistema dinâmico pode ser induzida por
perturbações que o atingem num momento de sensibilidade, ou mesmo por
mutações estruturais que diminuem as funções de um componente ou que
alteram as comunicações (perda da integridade e da conexão). Vimos que nem
sempre um sistema é muito simples e muito ordenado e que nele pode-se
bloquear dadas determinadas condições toda a dinâmica,
Nos diferentes quadros fisiopatológicos aos que estão associados às diferentes
doenças, reconhecem-se alguns modos com os quais um sistema perde a sua
complexidade e a sua conexão e aqui enunciamos alguns a título de exemplo
(na realidade uma grande parte da patologia poderia ser vista por esta ótica):
1. diminuição do número de elementos celulares em jogo (por exemplo,
processos de atrofia senil ou de anóxia celular);
2. alterações no número ou na sensibilidade dos receptores quando estes estão
muito longe ou muito ocupados (é o caso da “down-regulation” já citado),
quando estão diretamente atingidos pela doença (p. ex. miastenia grave), ou
quando são geneticamente defeituosos (p. ex. hipercolesterolemia familiar);
3. ausência na produção do sinal (p. ex. um defeito anatômico, uma doença de
glândula endócrina ou uma alteração nos processos de síntese celular) ou
também durante o percurso na transmissão do sinal (interrupção nos nervos,
presença de autoanticorpos em relação à proteína sinal);

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4. defeito nos mecanismos intracelulares de transdução de sinal (do receptor
interno da célula): pensemos, por exemplo, na ação de toxinas bacterianas
que alterem a G-proteína na descompensação cardíaca ou na ação de muitas
substâncias farmacologicamente ativas, como os cálcios antagonistas ou os
agentes moderadores dos nucleotídeos cíclicos. Muitos agentes oncogênicos
agem justamente sobre estas delicadas passagens de controle da
proliferação.
Os mecanismos acima enunciados poderiam ser agrupados com o termo de
“adaptação” às contínuas solicitações do sistema: assim se instalam
modificações permanentes ou semipermanentes tanto nos componentes como
nos sistemas de comunicação.

Redução de complexidade
Uma série de desordens da homeodinâmica pode ser reduzida essencialmente
a um “déficit” de caoticidade, como quando verificamos destruição de
conexões e/ou a perda de complexidade de sistemas específicos, que podem
reduzir as sutis variações homeodinâmicas. Mostraremos algumas evidências
clínicas e experimentais deste importante conceito:
1. Envelhecimento. A situação mais evidente é a do envelhecimento do
organismo no seu conjunto e nas suas células ao nível microscópico. A
esclerose é uma alteração típica, mesmo que não exclusiva dos tecidos das
pessoas idosas, representam modificações do tecido conectivo com redução
da sua flexibilidade, elasticidade e finalmente da sua vitalidade (atrofia).
Uma redução da complexidade (considerada como uma redução em
dimensão fractal) é observada nas trabéculas ósseas no caso da osteoporose
[Benhamou et al. 1994]. De acordo com alguns autores [Caldwell et al.
1994], a dimensão fractal fornece uma informação qualitativa da estrutura
óssea, integrando-a com novos significados a informação puramente
quantitativa fornecida pela densitometria óssea tradicional. Em neurologia
observa-se que o idoso apresenta uma ramificação menor das células de
Purkinjie, o que significaria uma diminuição nas suas dimensões fractais
[Lipsitz e Golberger, 1992]. Métodos especializados de análise baseados na
dinâmica não linear permitiram comparar grupos de sujeitos jovens e idosos
em relação à complexidade do ritmo cardíaco e as variações da pressão
arterial [Kaplan et al. 1991]. O que se observa é que esta complexidade se
reduz no transcurso do envelhecimento. Por este motivo alguns autores
sustentam que a medição da complexidade biológica baseada na teoria do
caos e dos fractais pode fornecer um instrumento novo para monitorar o
envelhecimento e testar a eficácia das intervenções direcionadas para a

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diminuição da capacidade de adaptação que acontece com a idade [Lipsitz e
Goldberger, 1992].
2. Neurologia. O aparecimento de crises epilépticas é associada à perda de
caoticidade nas ondas cerebrais e o aparecimento de uma série de impulsos
periódicos a partir de determinados focos [Babloyantz e Destexhe, 1986;
Schiff et al. 1994]. No campo de estudo da epilepsia foi utilizado o conceito
de dimensão fractal para analisar a evolução temporal das ondas do EEG. A
computação dos dados de ratos normais permitiu construir um atrator de
dimensões 5.9, enquanto que o atrator correspondente às crises epilépticas
tinha uma dimensão de 2.5, o que indicava, portanto um grau menor de
caoticidade. Foi sugerido que, neste caso, a dimensão fractal está
relacionada à flexibilidade e adaptabilidade do organismo. Segundo alguns
autores, este modelo poderia ser aplicado no controle in vivo dos focos
epilépticos; este é um conceito que na atualidade possui uma credibilidade
considerável entre os neurologistas [Schiff et al., 1994; Glanz, 1997b].
3. Psicopatologia. Em psiquiatria poder-se considerar como perda de
caoticidade o surgimento de idéias fixas ou de obsessões enquanto que a
psique normal segue um atrator “estranho”, rico em variabilidade mesmo
com características de estabilidade (padrões psicológicos, arquétipos
segundo Jung). Nas obsessões surgem comportamentos estereotipados,
repetitivos ou fixos, difíceis de serem influenciados pelo exterior (a não ser
pela ação de altas doses de fármacos ou qualquer outro procedimento
extremo). Freqüentemente a patologia psíquica origina-se e encontra
consolidação a partir da perda da capacidade de se comunicar com os seus
semelhantes (perda de complexidade e de flexibilidade). Também se
observa que as oscilações patológicas do humor são mais organizadas do
que as oscilações normais e que as eventuais intervenções terapêuticas
deveriam ser direcionadas de forma que removessem a tendência à fixação
e repetição, na tentativa de aumentar a complexidade dinâmica no sujeito
portador da síndrome maníaco-depressiva [Orsucci, 1996]. Modelos
computadorizados dos estados psicóticos colocaram em evidência a
importância da redução do número de conexões existentes para cada um dos
neurônios com a finalidade de desencadear a patologia psíquica (fenômeno
do cortical pruning53) [Hoffman e McGlashan, 1993]. A organização das
redes neurais segundo um esquema de redução de complexidade conduziria
a origem de novos atratores dinâmicos patológicos que agem como
“parasitas” do sistema e desencadeiam os sintomas secundários da
esquizofrenia.

53
Cortical pruning: “póda do córtex cerebral”.

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4. Cardiologia. O batimento cardíaco normal não é perfeitamente regular nos
sujeitos sãos, apresentando variações amplas que mostram uma dinâmica
caótica, enquanto que sujeitos com descompensação cardíaca congestiva
possuem uma variabilidade menor na freqüência cardíaca. A variabilidade
no ritmo diminui no curso de uma doença coronariana grave, com o uso de
digoxina ou de cocaína, como também no envelhecimento [Casolo et al.,
1989]. A morte cardíaca experimental é precedida de períodos nos quais se
evidencia o desaparecimento das dinâmicas caóticas normais e o
aparecimento de uma periodicidade muito mais regular, e justamente por
causa disso, patológica [Kleiger et al., 1987; Goldberger e West, 1987;
Goldberger, 1996]. A fibrilação ventricular poderia parecer à primeira vista
como o máximo de caoticidade, mas na abordagem da teoria do caos isto
não é o que acontece exatamente. Vê-se de fato uma substancial diferença
entre eventos contráteis totalmente casuais e independentes entre si e o
comportamento caótico. Na análise ECG do coração em fibrilação não foi
observado nenhum atrator [Kaplan e Cohen, 1990a; Kaplan e Cohen,
1990b], de forma que os autores concluem que a fibrilação aparece como
um sinal random e não caótico.
5. Imunidade. A doença autoimune está sendo interpretada hoje como um mau
funcionamento do network imunitário. O comportamento de clones
autoreativos é alterado quando estes estão conectados de uma forma menos
completa e, conseqüentemente, se expandem e podem mutar para
autoantígenos. Foi observado que esquemas de flutuação dos anticorpos
naturais são alterados no homem e no camundongo afetados por doenças
autoimunes; as flutuações são totalmente rítmicas ou totalmente casuais
(random), enquanto que as flutuações normais possuem esquemas caóticos,
mas não totalmente casuais (ou seja, uma situação intermediária entre os
dois extremos) [Varela e Coutinho, 1991]. É interessante o fato que estes
mesmos autores que acabamos de indicar, sugeriram que a compreensão
desta dinâmica levaria a modificar os esquemas terapêuticos convencionais,
principalmente os que suprimem a imunidade de modo inespecífico. O
tratamento deveria reforçar o network imunitário estimulando a conexão das
partes variáveis dos receptores para antígenos, dos anticorpos e dos
receptores para o idiotipo. Aplicações recentes deste princípio são a
administração de imunoglobulinas naturais numa série de doenças
autoimunes e a administração de antígenos na imunossupressão específica
dirigida em relação ao mesmo antígeno responsável pela doença [Miller et
al., 1992; Weiner et al., 1994; Weiner, 1997]. A rede das citocinas também
está sujeita a esta dinâmica em parte estocástica e em parte caótica, como
conseqüência sensível as mínimas perturbações; já foi levantada por alguns

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autores a questão da possível regulação das desordens do sistema imunitário
“introduzindo” pequenas e precisas modificações nesta rede de citocinas
[Daams e Westerhoff, 1996; Callard, 1999].
6. Endocrinologia. Na pessoa sadia a insulina é secretada com pulsações que
se repetem a cada 12-15 minutos, comandada por um pacemaker154
pancreático controlado provavelmente pelo nervo vago. A insulina
secretada em pulsações é metabolicamente mais eficiente para manter os
níveis normais de glicose e resulta significativo o fato que a irregularidade
ou a perda de tais oscilações é a anomalia que se encontra precocemente no
ritmo das secreções de insulina em pacientes com diabetes do tipo II
[Polonsky et al. 1988; Holffenbuttel e Van Haeften, 1993]. A produção de
hormônios glicocorticóides (secretados pelo córtex supra-renal) possui no
sujeito normal um fluxo periódico diurno (ritmo circadiano), com picos
relacionados a situações de intensa solicitação motora ou metabólica. Já foi
demonstrado de forma precisa que nos pacientes afetados por artrite
reumatoide a periodicidade diurna do cortisol plasmático está
freqüentemente reduzida ou ausente, ou seja, faltam às oscilações normais.
Por outro lado, estes pacientes não mostram resposta do feixe hipotálamo-
hipófise-suprarenal em situações de solicitação, como a de uma intervenção
cirúrgica. O defeito consiste na prática numa falta de conexão informativa
entre o sistema da imuno-inflamação e o imunoendôcrino, que parece
residir ao nível hipotalâmico [Neeck et al., 1990; Chikanza et al., 1992].

As patologias nas diferentes escalas de complexidade


Ao passar das moléculas às células encontramos um aumento de
complexidade, assim como quando passamos das células aos órgãos, ao
homem como um todo e deste à sociedade. Em relação a esta “escala de
complexidade” podem-se considerar as doenças numa escala colocando
inicialmente as patologias da molécula, para finalmente colocar as do meio
ambiente e do corpo social. No entanto devemos considerar também que
nenhuma doença é totalmente molecular ou totalmente ambiental, tratando-se
em cada caso de fenômenos complexos. Colocaremos rapidamente a título
ilustrativo, exemplos de patologias que se caracterizam pelos seus diferentes
graus (crescentes) de complexidade.

54
Pacemaker: sinal compassado. Instrumento elétrico ou grupo de células capazes de ditar um ritmo à um
órgão.

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Patologia molecular
Segundo a biologia molecular, a doença consiste numa alteração qualitativa e
às vezes quantitativa dos cromossomos ou da seqüência do DNA, induzida por
substâncias químicas mutagênicas ou por agentes físicos (radiações). Mesmo
com a mudança de uma única base altera-se o significado de um códon e,
portanto, a estrutura ou função de uma proteína. A conseqüência é uma lesão
informacional permanente, geneticamente transmissível se a mudança alterou
as células da linha germinativa. Se a mudança molecular afeta alguns genes
específicos das células somáticas (oncogenes ou anti-oncogenes) pode-se ter
também uma neoplasia, mas esta na maior parte dos casos (excluindo poucos
tumores) deve ser considerada uma doença mais complexa porque não
depende apenas do fator genético.
Um exemplo típico de patologia molecular é dado pelas hemoglobinopatias:
uma mutação causa a síntese de cadeias globínicas anormais, as quais podem
provocar vários problemas no funcionamento do glóbulo vermelho e,
conseqüentemente, anemia. Outros exemplos que podem ser citados são:
mongolismo, fibrose cística, distrofia muscular, etc.
Observemos que tanto o surgimento como a gravidade e a evolução de tais
doenças não são exclusivamente dependentes da molécula, dependendo
também das reações que a célula (nível organizacional superior) possa ter (por
exemplo, a presença de fatores antioxidantes, os sistemas de reparação do
DNA, as compensações metabólicas para determinados déficits protéicos ou
enzimáticos, etc).

Patologia celular
Coloca-se a célula como o centro da organização do ser vivo, o processo
patológico consiste fundamentalmente na alteração físico-química, estrutural e
funcional da célula, devida a alterações adquiridas pelo contato com agentes
físicos, substâncias tóxicas ou parasitas. Trata-se, portanto, de doenças que
possuem como principal característica uma anomalia no número ou no
funcionamento das células.
Um exemplo típico é a hepatopatia alcoólica onde a introdução de uma
quantidade elevada de álcool provoca várias modificações bioquímicas do
metabolismo do hepatócito, com acúmulo dos acetaldeído, radicais livres,
peróxidos lipídeos, fatores que levam a uma degeneração precoce da célula e a
médio ou longo prazo a um processo cirrótico. Outros exemplos são: anoxia,
danos causados por vírus, malária, atrofia da enervação.
Podemos destacar o seguinte: a informação genética neste caso não é alteração
primária, também não se exclui que uma patologia celular possa ser devida a
conseqüências de uma patologia primariamente genética (por exemplo, a falta

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 16


de uma enzima que leva a um acúmulo de glicogênio na célula). Tudo isto não
exclui o fato de que uma patologia que envolva em primeiro lugar o elemento
celular teria sua explicação ao nível molecular (por exemplo, a peroxidação
lipídica, a inativação de enzimas, etc.).

Patologia de organizações multicelulares localizadas


A estrutura e o funcionamento das células isoladas envolvidas podem ser
normais; a doença se origina de um erro de localização, de um erro de
coordenação com outros eventos ou da sua modalidade de reação (excesso,
defeito) com as quais determinadas funções das células são colocadas em
ação. O principal processo patológico neste caso consiste numa organização
anômala ou num funcionamento anômalo de grupos de células e
eventualmente da matriz extracelular (tecidos, órgãos). Trata-se, então,
fundamentalmente de uma perturbação do funcionamento coletivo e
coordenado das células, devido a múltiplos fatores externos ou internos.
Apesar das células funcionarem de modo determinísticamente correto, acabam
finalmente provocando conseqüências patológicas ao nível de tecido ou de
órgão.
Um exemplo típico deste problema é dado pela trombose: as plaquetas e a
fibrina agregam-se formando uma massa oclusiva aos vasos sangüíneos
utilizando os mesmos mecanismos da hemostasia normal (sistema
desenvolvido com objetivo de neutralizar a hemorragia). Este processo que é
patológico possui o lugar, o momento, a duração ou a amplitude do agregado
que se forma, mas os seus elementos celulares e moleculares são
perfeitamente normais. São outros exemplos: abscesso, granuloma silicótico,
cistos, manifestações alérgicas. Devemos observar o seguinte: não se exclui
que uma patologia similar possa ser causada também por um mecanismo
primariamente celular ou molecular (como no caso da falta genética de
qualquer proteína que controle a coagulação do sangue ou o processo
inflamatório), mas estas são exceções. Por outro lado é evidente que os
processos patológicos localizados são influenciados de muitas formas por
condicionamentos sistêmicos, como sistema imunitário, fatores alimentares,
etc.

Patologias sistêmicas multifatoriais


Neste caso, a doença consiste fundamentalmente na desorganização ou no
mau funcionamento dos sistemas inteiros ou de vários sistemas do organismo,
seguido da ocorrência de muitos fatores patogênicos ambientais e da
predisposição individual, mas onde nenhum fator isolado possa considerar-se

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como decisivo. As alterações orgânicas e moleculares localizadas e
mensuráveis são mais a conseqüência do que a causa da patologia observada.
Um exemplo de patologia sistêmica multifactorial é dado pela aterosclerose:
na maioria dos casos, a patologia aterosclerótica não possui uma causa única
precisa, mas deriva da concomitância de muitos fatores de risco genético
(como o tipo e a concentração das lipoproteínas ou o nível de homocisteína no
sangue) e de riscos adquiridos (alimentação, vida sedentária, fumo, pressão
arterial, hormônio tiroidiano). Outros exemplos: imunodeficiências parciais
(enorme suscetibilidade às infecções), desordens hormonais, autoimunidade,
depressão nervosa, dislipidemia, hipertensão essencial, tumores (para os
componentes patogênicos como a promoção e a progressão55). A AIDS é
considerada uma doença muito complexa, na qual existe o componente
virótico, mas este na atualidade não é considerado de por si suficiente para
explicar a gravidade do quadro patológico e da desordem imunitária que o
acompanham.
Observemos: como se deduz a partir dos exemplos citados anteriormente,
nestes tipos de processos patológicos existe um forte componente de risco
ambiental ligado não apenas ao indivíduo, mas ao contexto social como um
todo.

Patologias complexas da sociedade atual


O homem não é um ser isolado do contexto em que vive e isto deve ser
considerado também quando se reflete sobre a verdadeira natureza e as causas
das patologias que o aflige. Muitas vezes, a patologia que atinge um indivíduo
possui seu “centro fundamental” na existência de fatores patológicos
complexos e múltiplos, inclusive ligados à organização social. Todos os
indivíduos estão potencialmente envolvidos nesta patologia, mesmo que
possam apresentar manifestações mais ou menos evidentes. As alterações
orgânicas existem, mas acabam sendo uma conseqüência posterior.
Um exemplo poderia ser dado pela desadaptação com o conseqüente estresse
psicossocial. As pressões sociais excessivas não compensadas pelas
gratificações adequadas provocam uma síndrome neuro-hormonal de
desadaptação, sentida subjetivamente por mudanças de humor, insônia,
ansiedade, estados que são facilmente somatizados ao nível de vários órgãos e
aparelhos (asma, úlcera, colite, impotência, etc.). Outros exemplos que se
55
A historia natural de um tumor possui três estágios fundamentais diferente: a) inicio (ou transformação)
devido a uma mutação genética, b) crescimento ou promoção, que consiste no primeiro estimulo do
crescimento das células contendo as mutações provocadas por fatores de crescimento ou hormonais, c)
progressão, que consiste na aquisição de caracteres de malignidade e de difusão cada vez mais prejudicial que
é provocada por muitos fatores entre os quais se encontra a diminuição das defesas biológicas do próprio
organismo hospedeiro.

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poderia adicionar a este amplo espectro de patologias de origem psicossocial
são: neurose, psicose, suicídio, homicídio, aborto, guerra, poluição, fome,
doenças profissionais, acidentes automobilísticos entre outros.
Observemos: não podemos desconsiderar que muitas destas patologias
possuem um componente genético importante ou possuem explicações
bioquímicas respectivas (por exemplo, a depressão, a desnutrição, e assim por
diante), mas obviamente a natureza essencial do fenômeno e a sua causa
fundamental são preferencialmente de tipo sócio-ecomômico-cultural.

A “dupla face” das doenças e das intervenções médicas


A doença é, na sua essência, uma desordem da sutil homeodinâmica biológica
que envolve o homem no conjunto das suas complexas manifestações. Tal
desordem produz uma modificação patológica das estruturas e/ou das funções,
com possíveis alterações características ao nível psicológico, orgânico, celular
e molecular. Todavia, se refletirmos bem, muitos aspectos de qualquer que
seja a doença revelam não apenas uma desordem, mas uma nova ordem, ou
seja, uma reorganização dos sistemas homeodinâmicos segundo um novo e
inédito esquema. Esta organização é diferente do estado “ideal” de partida e
pode também ser desagradável ou aparentemente danosa, mas o que realmente
representa é uma ordem nova (mudança de atrator).
A dificuldade de entender o conceito de doença deriva do fato que muitos
fenômenos que são considerados como patológicos são biologicamente úteis
(mesmo que causem dor), representando uma passagem a um estado de mais
vitalidade, energia e resistência aos agentes patógenos (isto equivaleria a um
ganho de informação). Como exemplo pode-se citar a inflamação e a
imunidade, processos fisiopatológicos que mesmo tendo um custo em termos
de sintomatologia subjetiva e as vazes de possíveis danos orgânicos, na
realidade possuem uma “intencionalidade” (teleonomia) de reparação, de
defesa e de indução para um estado de maior resistência.

Uma reavaliação do conceito de “terreno”


Em medicina sempre foi dada muita atenção ao conceito de “terreno” que
nada mais é do que a condição ou predisposição mórbida. Na escola
hipocrática, se fala de que a causa fundamental das doenças é a “alteração da
physis”, outros autores, por exemplo, a causa mais importante das doenças à
debilidade dos sistemas de defesa: “Se o tecido sofre por defeitos de nutrição
local ou se estão deprimidas as condições gerais do organismo, os
microorganismos podem se beneficiar. Isto mostra para nos o conceito de
terreno nutricional” [Schulz, 1914]. Estes conceitos são também considerados

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 19


na atualidade no âmbito científico e seus possíveis mecanismos
compreendem-se melhor.
Na inflamação, na trombose, na aterosclerose, mas também nas desordens da
proliferação celular, nos distúrbios endócrinos, nas patologias psíquicas, etc.,
não conseguimos individualizar freqüentemente um defeito primário da
molécula ou da célula. A plaqueta quando provoca o trombo está exercitando
“sua” função, assim como também a trombina e a fibrina. A célula
macrofágica quando engloba a lipoproteína oxidada está exercitando a sua
função (de faxineira), mesmo que isto possa causar acúmulo de células
esponjosas (foam cells) na parede interna da artéria. O que acabamos de dizer
pode ser resumido neste conceito: o comportamento de um sistema fisiológico
(molecular, celular ou de escala mais ampla) depende sempre, no que se refere
aos seus significados normais ou patológicos, ao contexto, ou seja, a rede de
relações entre as quais o sistema opera. O velho conceito de “terreno” volta
então a ficar em evidência de acordo com uma nova compreensão em termos
mais atualizados, de forma que hoje podemos falar de sistema
neuroimunoendôcrino, mas a essência conceptual não muda: cada doença
possui um componente ligado a uma forma particular de reação endógena
(determinada pelas condições genéticas e pelas histórias dos indivíduos) e um
componente ligado a fatores perturbadores externos, de natureza química,
física ou biológica.
O “terreno” foi sempre considerado de grande importância em todas as
tradições médicas. Coloquemos como exemplo o conceito de terreno do
Hahnemann apresentado na sua obra Organon [Hahnemann, 1980]. Os
parágrafos 29, 31 definem de uma forma clara aquilo que Hahnemann entende
por doença: Parag. 29: “Toda enfermidade - não exclusivamente cirúrgica –
consiste somente numa alteração dinâmica, morbosa e especial da nossa
força vital (principio vital), manifestada em sensações e ações. Em toda cura
homeopática este princípio vital dinamicamente alterado pela doença natural
é atingido por uma doença artificial semelhante, mas um pouco mais forte,
provocada pela administração de uma potência medicinal escolhida
exatamente em função da semelhança dos sintomas...”.
No Parag. 31 escreve: “As forças inimigas – tanto psíquicas como físicas – as
quais estamos expostos na nossa existência na Terra, chamadas de agentes
morbíficos, não possuem o poder de perturbar morbidamente a saúde do
homem deforma incondicional. Estes se enfermam quando nosso organismo
está predisposto e susceptível aos ataques da causa morbífica presente, sendo
alterado na sua saúde, perturbado e sensibilizado para experimentar
sensações e funções anormais. É justamente por isto que as pessoas não
adoecem todas, nem na mesma época”.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 20


Estes conceitos expressados há 200 anos atrás hoje são considerados pela
patologia e pela imunologia moderna.
Cada organismo vivo dispõe de sistemas homeodinâmicos que lhe permite
neutralizar o efeito deletério de um determinado agente patógeno com
mecanismos de adaptação. Desvios tanto quantitativos como qualitativos da
dinâmica normal tende a provocar fenômenos que possuem principalmente
objetivos de tentar a readaptação ao sistema.
Quando a concentração, a duração ou a intensidade do estímulo são superiores
a capacidade de adaptação, temos um desequilíbrio grave e inclusive podemos
ter a morte do sistema. Mas existe a possibilidade de que quando o estímulo
externo é baixo e não tóxico, que o ser vivo não seja danificado, e inclusive
seja estimulado a reagir de uma forma mais ou menos específica contra esse
desequilíbrio potencial. O ser vivo detecta o fator nocivo químico ou físico
(“stress”) como um fator “informativo” e responde com a ativação dos
mecanismos homeodinâmicos de contrarregulação, os quais, por sua vez,
conduzem o sistema a um estado de mais resistência e inclusive a capacidade
de autocura (autoorganização).
Todas essas propriedades podem ser resumidas no sofisticado princípio de
“ação-reação” que governa a homeostase: o corpo (e a célula) não se comporta
apenas passivamente, mas de uma forma ativa e os fenômenos resultantes da
interação com estímulos patógenos externos são tanto passivos como reativos,
servindo então para evitar a própria lesão.

Observações sobre tradições e história


As capacidades reativas intrínsecas do organismo fazem com que o efeito de
um certo tratamento (farmacológico ou de outro tipo) possa ser bem diferente,
inclusive oposto em relação às doses e as modalidades de administração ou
como também da sensibilidade individual dos organismos vivos e do sujeito.
Tudo isto, como veremos em seguida, possui uma importância terapêutica
inigualável
A história da medicina mostra que algumas praticas medicas principalmente a
medicina homeopática, observo-se que quando uma substância é capaz de
induzir uma série de sintomas num organismo são, esta seria também capaz,
de curar estes mesmos sintomas nos doentes, geralmente aplicadas em doses
baixas ou mínimas (similia similibus curentur). Este enunciado empírico
chamado de “princípio de semelhança” está profundamente enraizado na
antigüidade e o vemos aflorar no curso dos séculos em diversos países.
Aplicações do princípio de semelhança podem ser encontradas nas práticas
dos povos primitivos, por exemplo, bebidas preparadas com o corpo de
animais proliferativos (vespa, mosquitos) para curar problemas de esterilidade,

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 21


temos o caso de alimentar-se com o corpo dos inimigos mortos (canibalismo)
para assimilar a coragem, ou também na preparação de bebidas afrodisíacas
com orquídeas, cuja flor possui aspecto similar a testículos [Boyd, 1936].
Também Hipócrates propôs a doutrina da cura pelo semelhante: “se é com o
semelhante que a doença se desenvolve será utilizando o semelhante que se
cura a doença. Da forma que no homem são se provoca tenesmo urinário se
cura em quem é afetado por esta patologia. A tosse é provocada e curada pelo
mesmo agente, exatamente como o tenesmo urinário” [Hipócrates, 1861].
Relata-se que o rei Mitridate VI (132-63 aC.) tomava pequenas quantidades de
venenos e tóxicos para proteger-se das tentativas repetidas de atentados a sua
vida mediante envenenamento.
Entre os autores antigos Cornélio Celso fornece muitas receitas que revelam
os conceitos do similar hipocrático, mesmo que freqüentemente a prescrição
era baseada em evidencias empíricas ou nos aspectos externos das sustâncias
medicamentosas. Isto coincide de certa forma com a “doutrina das
assinaturas” de Paracelso: utilizava-se o heléborus niger para doenças devidas
a acumulo de “bile negra” (icterícia, cianose), heléborus branco para as
doenças onde prevalece a “flegma branca” (anemia, edema), baço de boi nas
esplenomegalias, eméticos para a náusea, ingestão de água ou vinho quente ou
banhos quentes para as doenças febris, ingestão do veneno escorpiano
triturado para a picada de escorpião [Coulter, 1994, p. 289].
Um representante dessa linha de pensamento foi P.T. von Hohenheim,
conhecido também como Paracelso (1493 – 1541), citado anteriormente que
propôs a “doutrina da assinatura” (signa naturae), segundo a qual as
propriedades terapêuticas dos remédios poderiam ser desvendadas pela
observação do aspecto externo de plantas e minerais: remédios vermelhos para
as doenças do sangue, folhas pontiagudas para dores de esfaqueamento, a
Eufrásia que é da cor da íris era usada para as afeições dos olhos, e assim por
diante. O “similar mágico” foi assim utilizado empiricamente durante séculos
sem nenhuma compreensão científica ou comprovações experimentais.
A primeira utilização sistemática do princípio de semelhança, no começo da
medicina moderna, aconteceu no final do século XVIII, quando foram
realizadas as primeiras práticas de vacinas, com o trabalho de pioneiros como
Jenner, Behring e Pasteur. Mas é óbvio que o uso de um “similar” como
vacina foi utilizado inicialmente como prática de profilaxia e não como um
fármaco para administrar em pessoas já afetadas pela doença.
As primeiras tentativas de indagação sobre o princípio de semelhança com
bases experimentais foram feitas no final do século XIX, quando H. Schulz
publicou uma série de artigos que levavam em consideração a ação de vários
tipos de venenos (iodo, bromo, cloreto de mercúrio, ácido arsenicoso, etc.) na

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levedura, demonstrando que todos esses tóxicos inibiam o crescimento da
levedura em doses altas, mas possuíam um efeito estimulante sobre o
metabolismo das mesmas quando eram administrados em doses baixas
[Schulz, 1877; Schulz, 1888]. Posteriormente, Schulz entra em contato com o
psiquiatra R. Arndt e conjuntamente elaboram um princípio que mais tarde foi
conhecido como “Lei de Arndt-Schulz”. Esta lei enuncia que: estímulos fracos
aceleram modestamente a atividade vital, um estímulo de intensidade média a
aumenta, um estímulo forte a deprime e um estímulo muito forte a paralisa
[Martius, 1923]. Observações similares foram registradas por muitos outros
autores nos anos vinte (1920) e das suas observações pode-se concluir que o
fenômeno de efeitos inversos ou bifásicos, de acordo com as doses
administradas de uma mesma substância, já eram bem conhecidos mesmo
antes da era da medicina molecular [Boyd, 1936; ou Oberbaum e Cambar,
1994].

Efeitos paradoxais dos fármacos.


A manifestação dos efeitos opostos (tanto de estimular como de inibir)
provocados por uma mesma substância, quando usada em doses diferentes ou
por períodos diferentes, foi descrita em vários modelos experimentais e foi
freqüentemente chamada de hormoligose ou hormese [Stebbing, 1982; Furst,
1987; Calabrese et al., 1987; Sagan, 1989; Oberbaum e Cambar, 1994;
Calabrese, 1999].
Em 1960, Townsend e Luckey examinaram o campo da farmacologia da
medicina clássica para colocar em evidência exemplos dos efeitos horméticos,
e publicaram uma lista em torno de 100 substâncias que se destacavam por
serem capazes de provocar inibição em altas concentrações e estimulação em
concentrações baixas. Em geral, se reduziam a três categorias os efeitos
descritos: a que envolvia a resposta muscular, a que envolvia a respiração e a
que envolvia a transmissão do impulso nervoso [Townsend e Luckey, 1960].
Na literatura científica biomédica são registrados muitos casos de efeitos
duplos (positivo-estimulador ou negativo-inibidor), com vários compostos
utilizados em doses diferentes ou em diferentes condições experimentais. Por
exemplo, estes efeitos paradoxais ou inversos em relação aos previstos foram
comprovados utilizando-se prostaglandinas [Ashby,1990, Sergeeva et al.,
1995], beta-proteína amilóide [Yaekner et al.,1990], radicais livres de
oxigênio [Smith,1994b], óxido nítrico [Anggàrd,1994],neuropepitídeos
[Skerret,1990],citocinas [Adams e Hamilton, 1992; Tilg et al, 1997],
neurotrofinas [Koh et al., 1995], glucocorticóides [Wilckens e De Rijk, 1997],
insulina [Metze et al., 1979],aspirina [Belougne-Malfatti et al., 1998],
trombina [Griffin et al., 1995], agentes antiinflamatórios não esteróides

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[Andrioli et al., 1996., Andrioli et al., 1997], endotoxina [Strauss e Stetson,
1960., Rietschel e Brade, 1992], prolactina [Drago e Lissandrello, 2000] e
muitos outros [Eskinazi, 1999; Bond, 2001].
Estes resultados demonstram substancialmente a complexidade dos vários
sistemas de regulação envolvidos e a existência de um equilíbrio sutil entre
ações opostas, em todos os sistemas homeodinâmicos análogos compostos por
networks, entre tipos celulares múltiplos. Esta complexidade é tão grande que
algumas pesquisas evidenciaram a utilidade de aplicar modelos matemáticos
para descrever determinados sistemas como, por exemplo, o sistema
imunitário [Varela e Coutinho, 1991; Segel et al., 1995; Callard et al., 1999].
Estes modelos demonstraram que uma regulação eficaz das desordens
imunitárias pode ser obtida com os mesmos antígenos ou com os mesmos
linfócitos responsáveis pelo surgimento de uma determinada doença, desde
que as doses ou os modos de administração sejam diferentes.
A pesquisa toxicológica é um campo onde foram descritos freqüentemente
efeitos inversos com doses baixas. Efeitos benéficos como a proliferação
celular induzida pelo estado de solicitação (estresse) foram observados em
células expostas a doses baixas de compostos tóxicos ou de radiações [Furst,
1987; Calabrese et al., 1987; Wolff, 1989; Bascands et al., 1990; Luckey,
1993; Delbancut et al., 1993; Linde et al., 1994; Wiegant e van Wijk R, 1996;
Wiegant et al., 1997; Luckey, 1997; Calabrese, 1999]. Especialmente em
relação aos efeitos das radiações, o velho axioma de que o risco do câncer é
proporcional às doses foi recentemente revisto com base em dados que
demonstram que a mortalidade por câncer nas populações que vivem em
regiões com exposição maior a radiações naturais seria mais baixa em relação
à mortalidade encontrada em populações que vivem em regiões menos
expostas a radiações [Goldman, 1996]. Este fenômeno paradoxal oferece
suporte ao conceito de hormese das radiações, ou seja, um efeito protetor
explicado pelas doses baixas do agente que com certeza seria prejudicial em
doses altas.
Administrando-se compostos diluídos de substâncias tóxicas em animais
comprovou-se o aumento do poder desintoxicante do fígado que estes
possuem, com concomitante aumento da cinética de eliminação destes
produtos, e conseqüentemente o efeito de proteção resultante para os animais
que foram objeto de estudo [Lapp et al., 1995; Ugazio et al., 1972; Cambar et
al., 1983; Cazin et al., 1987; Parmerini et al., 1993]. No entanto o número de
estudos conduzidos de modo metodologicamente correto e com repetibilidade
em laboratórios diferentes é ainda muito pequeno para que nos permita
elaborar conclusões definitivas sobre a eficácia terapêutica destes tratamentos
[Linde et al., 1994].

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O nosso grupo, em colaboração com A. Conforti desenvolveu alguns modelos
experimentais em animais. No primeiro trabalho foi demonstrado que a
histamina em doses muito diluídas é capaz de inibir a resposta inflamatória
aguda, induzida por altas doses de histamina inoculadas na pata do rato
[Conforti et al., 1993]. Num outro modelo, desta vez de inflamação crônica,
foi observado que a injeção de uma pequena dose de coadjuvante imunitário
(extrato de Mycobacterium butyricum) na cavidade peritonial dos ratos é
capaz de prevenir e curar a artrite induzida mediante a inoculação de doses
altas na base da pata do mesmo coadjuvante [Conforti et al., 1995; Conforti et
al., 1997; Conforti et al., 2001].
Este é um exemplo de indução de tolerância imunológica mediante doses
baixas de antígenos (alergenos, colágenos, mielina), um procedimento de
imunoregulação que foi registrado de forma ampla nos últimos anos, em
numerosas e diferentes condições [Scadding e Brostoff, 1986; Miller et al.,
1991; Trentham et al., 1993; MacDonald, 1994; Weiner et al., 1994; Yang et
al., 1995; Malling, 1996; Weiner, 1997].
A administração oral de antígenos leva a uma tolerância imunitaria, mediada
pela anergia (falta de resposta) ou a formação de células reguladoras (aumento
de resposta por parte de células que reduzem a inflamação) tudo isto
dependendo sempre da dose de antígeno administrado. Este procedimento
suprime as doenças imunes em muitos modelos e está sendo testada
corretamente para uma potencial terapia específica em doenças autoimunes
humanas e outras doenças inflamatórias [Komagata e Weiner, 2000].
Perspectivas interessantes são oferecidas também pela terapia isohormonal nas
doenças endócrinas (por exemplo, a administração profilática de insulina nos
pacientes diabéticos de alto risco) [Schlot e Eisbarth, 1995]. Também pelo uso
de vacinas anticâncer obtidas de tecidos tumorais ou de componentes das
proteínas neoplásicas no tratamento de neoplasias [Dranoff et al., 1993;
Fathman, 1993; Dalgleish, 1994; Tamura et al., 1997; Kugler et al., 2000]. É
necessário destacar que a maior parte destas terapias estão ainda em fase
experimental.
Outros exemplos dos efeitos paradoxais dos fármacos podem ser encontrados
em outros modelos, por exemplo, a digitalina, que hoje é considerada como
um verdadeiro hormônio produzido provavelmente pelas supra-renais [Lancet,
1991], provoca em doses farmacológicas uma depressão da função cardíaca no
sujeito são, enquanto que no coração descompensado possui um efeito
inotrópico56 positivo.

56
Inotropismo ou contractilidade é a propriedade de se contrair permitindo uma sístole eficaz.

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A adrenalina pelo contrario possui um efeito inotrópico positivo no sujeito
são, enquanto que no coração descompensado não possui efeito ou possui um
efeito negativo (quando ativa os receptores beta 2-adrenérgicos sendo
estimulados também os receptores muscarínicos e adenosínicos) [Braunwald,
1991]. Estas modificações da capacidade de resposta estão ligadas ao aumento
e diminuição da sensibilidade, dos números de receptores específicos e
também dos sistemas de transdução, como o das G-proteínas. Um outro
exemplo possível, entre os tantos que se poderiam propor em relação ao
sistema vascular, é o da acetilcolina que provoca nas artérias afetadas pela
patologia aterosclerótica um efeito vasoconstritor que é paradoxal, enquanto
que nas artérias normais causa vasodilatação [Ludmer et al., 1986]. A
serotonina, que provoca vasodilatação nas artérias normais, induz a
vasoconstrição em algumas formas de hipertensão e de diabetes e nas artérias
ateroscleróticas; este poderia ser um mecanismo importante nos ataques
isquêmicos transitórios [Ware e Heistad, 1993].
Um outro modelo relacionado a efeitos paradoxais ao nível celular foi
pesquisado em estudos conduzidos no nosso laboratório [Bellavite et al.,
1993a; Bellavite et al., 1993b; Bellavite et al., 1997a]. Altas doses (1000
moles/L) de peptídeos bacterianos (fMLP) induzem um aumento
considerável da adesão celular a superfícies revestidas com soro (este
fenômeno está bem registrado na literatura); por outro lado, quando as células
(neutrófilos humanos) são pré-tratadas com endotoxinas bacterianas (LPS),
estas se aderem espontaneamente às superfícies. Nestas condições de adesão
espontânea, uma dose baixa (1-10 moles/L) de fMLP, inibe e transforma em
reversível a adesão celular. Portanto, estes mesmos peptídeos bacterianos, que
são considerados como ativadores da adesão dos neutrófilos, paradoxalmente
inibem esta mesma resposta celular se usados em doses baixíssimas (1/1000
daquelas ativadoras) e em células que já são hiperadesivas. O fenômeno de
inversão do efeito do fMLP não foi encontrado só nas células pré-tratadas com
LPS, mas também em células inflamatórias, por exemplo, células obtidas do
exudato cutâneo de inflamações experimentais [Bellavite et al., 1994a]. Tudo
isto demonstra que num sistema celular o efeito de um mesmo estímulo pode
depender em grande parte do estado de sensibilidade e de resposta do sistema
que queremos atingir. Neste fenômeno está provavelmente envolvido um
aumento do AMP cíclico intracelular induzido por doses mínimas de
agonistas, que regula a fisiologia dos leucócitos in vitro e in vivo [Bellavite et
al., 1992; Bellavite et al., 1997b; Carletto et al., 1997].

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 26


Van Wijk e colaboradores trabalharam com as heat-shock proteins57, as quais
nos seus modelos experimentais seriam responsáveis pelos efeitos protetores
das pequenas doses de substâncias tóxicas [van Wijk e Wiegant, 1995;
Wiegant e van Wijk, 1996; van Wijk et al., 1997]. O tratamento de células em
cultura feito com pequenas doses (3-10 moles/L) de agentes tóxicos (cádmio,
arsênico) as protege das intoxicações provocadas por doses altas destes
tóxicos (100 moles/L) e, ao mesmo tempo, provoca a expressão de um
“padrão” específico de heat-shock proteins. A proteção é específica para os
agentes usados, e isto na visão dos autores está em favor da hipótese de um
princípio de reconhecimento do “similar” (a substância tóxica é similar àquela
que é terapêutica) seja operacionável mesmo ao nível celular.

Curvas dose-resposta e inversões dos efeitos


Vimos que existem muitos exemplos de efeitos inversos ou paradoxais. Isto
significa que um composto (ou um tratamento) considerado um inibidor de
acordo com os conhecimentos atuais age também como estimulante, ou ao
contrário um estimulante provoca efeitos inibidores. Estimulações e inibições
são os principais efeitos finais avaliados em quase todos os trabalhos
experimentais: cada composto ou tratamento pode induzir, direta ou
indiretamente, modificações quantitativas mensuráveis de algumas variáveis
como, por exemplo, o crescimento celular, o peso corporal, o ritmo cardíaco,
as freqüências de crises epilépticas, a agregação das plaquetas, o tempo de
sangramento, o volume urinário, etc. O registro dos efeitos de excitação e
inibição produzidos por uma substância e a construção de curvas dose-
resposta representa os instrumentos fundamentais da farmacologia, dada sua
importância fundamental para caracterizar o mecanismo de ação de cada tipo
de remédio.
Na figura 29 mostramos as curvas dose-resposta típicas. Nas duas primeiras
(A e B) vemos as curvas “clássicas”, onde encontramos que o crescimento da
concentração de uma substância estimuladora ou inibidora corresponde
também a um crescimento do efeito, com uma evolução exponencial ou
sigmóide, segundo o tipo de interação entre as substâncias testadas e o sistema
que queremos atingir. Nas curvas C, D e E, observam-se os diferentes
comportamentos, mas certamente muito comuns em biologia. Podemos passar
de uma curva bifásica (doses baixas, inibição; doses altas, estimulação) a uma

57
Heat-shock proteins: Proteínas de choque térmico, identificadas pela primeira vez como resposta adaptativa
da célula ao calor, chamadas de proteínas do stress ou chaperoninas. São uma ampla família de proteínas com
múltiplas funções, dentre elas a assistência da correta síntese protéica, a formação de complexos
oligoméricos, a proteção da modificação da estrutura secundária e terciária, o deslocamento intracelular e a
excreção de proteínas, a estabilização do citoesqueleto.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 27


trifásica (as doses mais altas provocam inibição, mesmo com mecanismos
muito diferentes em relação às doses mais baixas), ou a uma curva “U-
invertida”, onde temos uma estimulação com doses baixas seguida por uma
inibição progressiva (típico efeito de “hormese”).

Figura 29. Curvas doses-resposta típicas e atípicas que mostram o


fenômeno da não linearidade, da “hormese” e do efeito rebote.

Na literatura científica encontramos este tipo de curvas atípicas de forma mais


freqüente do que se pode imaginar. Mesmo ao longo dos nossos estudos sobre
granulócitos tratados com diversas doses de toxinas de Podophyllum Peltatum
e com a colchicina [Chirumbolo et al., 1997] encontramos efeitos
estimuladores com a utilização de doses baixas ou médias, seguidos de efeitos
inibidores ao usar doses altas. Numa série de experimentos estudamos o efeito
dos fármacos antiflamatórios comuns e dos analgésicos, de tipo não esteróide,

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 28


na adesão das plaquetas humanas [Andrioli et al., 1995; Andrioli et al 1997].
Estes fármacos são notadamente inibidores da enzima cicloxigenase
plaquetária, onde esperávamos observar efeitos inibidores sobre a atividade
funcional plaquetária. Ao invés disto, paradoxalmente, observamos um efeito
estimulador na adesão, pelo menos com doses médio baixas (200 M),
enquanto que com doses elevadas (1000 M) o efeito foi de inibição. O
mecanismo deste efeito paradoxal está provavelmente ligado ao aumento do
cálcio intracelular, a exposição de proteínas adesivas sobre a membrana e ao
fato de que a adesão plaquetária (diferente da agregação) não altera a inibição
da cicloxigenase.
No último quadro (F) observamos o fenômeno do efeito rebound (efeito
“rebote”): o sistema sobrecarregado com uma dose elevada de uma substância
tóxica (traçado inferior) sofre uma inibição progressiva, enquanto que se a
dose é mais baixa (traçado superior), há uma primeira fase de inibição e em
seguida uma recuperação que leva o sistema, depois de um tempo, a uma
maior capacidade em relação ao estado de partida (antes do tratamento).
Chamaremos este fenômeno “inversão de efeito” ou “hipercompensação” e é
um outro modo que temos para representar o fenômeno de hormeses [Furst,
1987]. Um exemplo típico deste fenômeno existe quando tratamos células em
cultura com doses baixas de um composto tóxico (por exemplo, o cádmio);
após um aumento inicial do índice de mortalidade desenvolve-se um estado de
maior resistência ao tóxico em relação às células que nunca tinham sido
tratadas [Wiegant et al., 1997]. Os fenômenos de “rebote” e os efeitos
paradoxais interferem nos efeitos clínicos de muitos fármacos convencionais
causando na sua utilização sérios. Estes problemas estão descritos de forma
detalhada nos trabalhos recentes [Teixeira, 1999; Bond, 2001].
Um outro ponto importante para considerar é a sensibilidade ou a situação
biológica do organismo que está sendo tratado. Considera-se que um sistema
está perturbado (tanto seja de um animal doente ou um paciente), quando o
mecanismo de autocura está sendo continuamente solicitado à causa da
contínua tentativa de adaptação. Podemos afirmar que a sensibilidade do
sistema a uma possível regulação externa em circunstâncias específicas está
profundamente alterada pela própria doença. Por exemplo, é muito provável
que um tipo de sensibilidade seja estimulada, enquanto que outras
sensibilidades, principalmente depois de repetidos contatos específicos com
certos receptores, sejam diminuídas ou possam sofrer uma adaptação. Um
composto que quase não possui efeitos sobre um organismo são é possível que
provoque mesmo em doses baixas efeitos específicos relevantes ou evidentes
num sistema doente que já foi sensibilizado. Ou ao contrário, é também
possível que um composto diferente, cujos efeitos sobre o organismo são,

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 29


apareça como uma estimulação, não tenha efeito algum ou tenha um efeito
oposto sobre um organismo doente. Neste caso, a inversão dos efeitos pode ser
determinada pela existência de um desequilíbrio entre dois sistemas
homeodinâmicos que se encontram em opostas, como dissemos anteriormente.
Em conclusão, vários modelos experimentais demonstram que a inversão dos
efeitos de um certo tratamento pode ser obtida fundamentalmente de três
modos:
1. modificando as doses do composto ou a duração das aplicações do
tratamento; por exemplo, altas doses ou longo período de aplicações de uma
sustância podem resultar inibidores, enquanto que doses baixas ou período
breve de aplicação podem ser excitadores (como veremos em detalhes mais
adiante, pode também se verificar o contrário, de acordo com os métodos
experimentais utilizados);
2. aplicando sempre a mesma dose ou o mesmo tratamento a um sistema que
pode apresentar diferentes estados de sensibilidade ou uma reatividade
diferente ao composto; o mesmo composto pode causar efeitos de
estimulação do crescimento se o sistema ao qual é aplicado está com saúde
ou não perturbado, enquanto pode resultar inibitório e com efeitos
supressores se aplicado a um sistema patológico ou previamente alterado;
3. administrando o mesmo composto (ou dois compostos similares) através de
diferentes vias de administração: uma via (por exemplo, injeção parenteral)
pode causar ativação ou aumento da resposta, e a outra via (por exemplo,
via oral) pode causar supressão ou tolerância.

Interesses gerais dos fenômenos de inversão dos efeitos


Os estudos que mostramos até aqui indicam que os modelos de inversão dos
efeitos dos sistemas biológicos estão embasados numa vasta série de dados
experimentais advindos de várias linhas de pesquisas biomédicas modernas.
Ninguém pode ignorar que a maior parte dos efeitos toxicológicos e
farmacológicos mostram curvas dose-resposta típicas de tipo sigmóide. Existe
uma série de exceções a esta regra que demonstra que o efeito de uma certa
sustância pode ser tanto positivo (isto é, estimulador ou sensibilizador) como
negativo (inibidor ou bloqueador), de acordo com a dose empregada, com o
tempo de administração e com as condições nas quais se encontra o sistema
tratado.
Os efeitos horméticos podem ter mais de uma explicação ao nível dos
receptores, dos mecanismos de transdução de sinal, de regulação enzimática,
ou de expressão gênica, de acordo com o modelo experimental e o sistema em
questão. Se considerarmos os mecanismos envolvidos fica evidente que os
denominadores comuns encontram-se na resposta ao nível do tipo de recepção

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 30


do organismo ao fármaco e/ou às substâncias tóxicas. Entende-se que a
resposta de uma célula envolve uma ou mais modificações moleculares e
reações bioquímicas, a reação mínima possível (logo após uma estimulação
mínima de sensibilidade) é uma tentativa de compensação das mudanças
potencialmente danosas que possam ter sido causadas pelas doses médio-altas
do próprio composto. Estes fenômenos são reminiscências da já citada “lei de
Arndt-Schulz”. Fizemos apenas uma explicação geral para um esclarecimento
do mecanismo (ou mecanismos), mas obviamente que para a maior parte dos
efeitos paradoxais observados são necessárias ainda mais pesquisas.
Este estudo mostra que o tradicional conceito de “semelhança” é um problema
biológico e médico, de crucial importância: muitos pontos sugerem que a
reavaliação científica do princípio de semelhança é digna de mais atenção
[Boyd, 1936; Bellavite et al., 1997c; Teixeira, 1998]. A importância deste
conceito está na sua capacidade de poder representar uma estrutura ampla e
unificadora de referência para modelos teóricos que expliquem tanto o corpo
de evidência empírica, resgatada de toda a literatura médica, como a evidência
experimental emergente de efeitos paradoxais ou de efeitos aparentemente
opostos, descritos por diferentes pesquisadores, em diferentes linhas de
pesquisa, que vão da biologia molecular a imunologia e à neurobiologia.
Quando esta estrutura conceptual adquirir mais credibilidade e for cada vez
mais documentada ao nível experimental, alguma das aparentes contradições
entre a abordagem da medicina chamada de empírica (ou fenomenológica) e a
abordagem da medicina chamada de científica (ou racionalista) poderiam ser
resolvidas numa única linha de raciocínio.
Uma segunda razão pela qual a reavaliação do princípio de semelhança é
digno de atenção é porque pode ser utilizado como “princípio heurístico”, ou
seja, como idéia inovadora, sobre a qual podem ser concebidas novas
hipóteses experimentais. Cada pesquisador no seu campo específico poderia
projetar novos experimentos baseados no princípio de “inversão dos efeitos”.
O conhecimento do fenômeno também poderia favorecer uma explicação
positiva e frutífera para os resultados de certos experimentos, que possam
parecer conflitantes ou mesmo em contraposição com as hipóteses iniciais.
Encontrar resultados inesperados ou paradoxais é uma experiência comum
entre os cientistas, mas freqüentemente estes resultados são justamente
ignorados e deixados de lado por não se adaptarem aos modelos teóricos
vigentes. Olhar para os efeitos inversos segundo o princípio geral da
semelhança poderia ajudar a estimular os cientistas a reavaliar estes dados de
forma positiva: estes apareceriam como uma expressão dos fenômenos de
autocura que caracterizam os sistemas biológicos complexos.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 31


Em terceiro lugar, a consciência de que os compostos tóxicos e as radiações a
doses baixas possam ter efeitos benéficos poderia condicionar positivamente
as avaliações dos níveis ótimos de exposição ambiental aos agentes aos quais
a população fica exposta. Em função das evidências que acabamos de discutir
é razoável considerar que o rígido cálculo do risco baseado num modelo linear
possa ser substituído em muitas circunstâncias por uma abordagem de
avaliação mais pragmática, baseada numa apurada avaliação da análise dos
dados epidemiológicos e experimentais sobre os efeitos da exposição a uma
substância numa determinada área [Goldman, 1996; Friebe, 1996]. Foi
demonstrado que se levamos em consideração a existência da hormeses o
modelo lógico básico para determinação do ED50 (ou seja, a concentração de
substância na qual se manifesta 50% dos efeitos), e seu respectivo intervalo de
confiança, não se adapta e deveria ser reexaminado e caracterizado por novos
parâmetros [Brain e Cousens, 1989; Van Ewijk e Woekstra, 1993]. Imagina-se
também que uma certa substância tóxica ou um certo grau de irradiação teria
um efeito positivo em doses pequenas numa determinada área em torno das
zonas de maior risco de patologia, poder-se-ia estabelecer uma zona de maior
bem-estar, portanto, resulta de importância crucial no estudo epidemiológico
delimitar áreas de pesquisa específicas (levar em consideração uma área muito
mais ampla poderia anular estatisticamente o efeito real na área de alto risco).
Enfim, o princípio de semelhança poderia ser considerado como um caminho
de reavaliação das estratégias terapêuticas, de acordo com as duas linhas
principais, ou seja, administrando o “similar” adequado, como a substância
que intervém sobre os notados mecanismos patogenéticos da doença (aquilo
que em farmacologia se chama composto “análogo”), ou administrando o
“similar” indicado como um composto que provoca sintomas similares aos da
doença (homeopatia hanemanniana clássica ou homeopatia de ressonância
eletromagnética). Em relação às aplicações homeopáticas do princípio da
semelhança nos estenderemos amplamente na última parte do texto.
Num sentido mais amplo, poderíamos dizer que o “similar”, em qualquer que
seja o tratamento terapêutico utilizado, provoca manifestações similares à
doença que se quer curar. Um exemplo não farmacológico, mas físico, é
oferecido pela massagem de uma parte contundida do corpo ou de uma parte
afetada por uma dor reumática: a massagem faz passar a dor (provavelmente
porque ativa mediadores presentes que o trauma fez acumular ou porque
desencadeia mecanismos de reflexo nervoso), mas a própria massagem
constitui também um pequeno trauma e se efetuada com força é efetivamente
um trauma que provoca dor persistente, mesmo que seja por um curto tempo.
Poderíamos também mencionar a dor músculo-esquelética causada pela
injeção de água destilada ao nível subcutâneo; trata-se de um procedimento

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 32


que causa dor imediata, mas que induz uma anestesia, chamada
“contrairritação” ou “hiperestimulação” [Byrn et al., 1993].

Reflexões sobre a dor


Diminuir a dor do homem é um dos principais objetivos da medicina, no
entanto freqüentemente isto não é totalmente possível, outras vezes não é nem
mesmo útil e, às vezes, a própria dor possui uma significativa função
fisiológica. A dor deve ser vista também numa perspectiva dinâmica, em
relação ao sistema todo do homem, considerando-o na sua globalidade
psicofísica e inclusive em relação aos seus semelhantes também. Deste modo,
as reflexões sobre o sentido da dor pode chegar a ter abrangências de ordem
filosófica. Sem querer me aprofundar neste tema difícil e complexo colocarei
aqui apenas alguns pontos de reflexão, extensamente tratados num trabalho
que realizei conjuntamente com M. Zatti [Bellavite e Zatti, 1995; Zatti, 1996].
Dor e liberdade
Podemos observar uma relação muito estreita entre a dor, a teoria da
complexidade e a liberdade humana [Zatti, 1992; Zatti, 1994]. Em várias
ocasiões foi sustentado que a matéria pela qual é constituído o universo, e em
particular os organismos vivos, não obedece a regras mecanicistas, fixas e
previsíveis. Justamente por isto com freqüência acontecem eventos que não
podemos prever, entre estes encontramos os desastres, as calamidades, os
acidentes que acabam sendo doenças em grande escala, tendo como
conseqüência a presença da dor inclusive neste caso em especial da dor
coletiva. Isto vale tanto no que se refere ao ambiente em geral (a biosfera)
como no que se refere à relativa instabilidade de ordem biológica. Mas, é
justamente nesta circunstancia, que não é completamente determinada na
sucessão dos eventos possíveis, que temos a possibilidade da existência de
liberdade e escolha, ou seja, que coloca aos sujeitos com maior liberdade de
ação. Outros tipos de males possuem inclusive uma relação casual com a
liberdade, ou porque podem ser provocados pela livre vontade com desvio (o
mal de Caim), ou porque a própria existência da liberdade, em sujeitos livres,
neste universo é permitida desde que exista a incompletude da
“algaritmicidade” pela qual são possíveis também as catástrofes, e que são
hoje explicadas em parte pela teoria do caos. As leis que governam a natureza
não são rigidamente determinísticas deixando espaços amplos para a
indeterminação, a imprevisibilidade, o que leva a incompreensível desgraça.
Apenas uma capacidade deste tipo pode por outro lado permitir a existência de
sujeitos capazes de exercitar a liberdade no universo.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 33


Significado fisiológico da dor
Uma outra abordagem para explicar o sentido da dor pode ser dada pela
medicina do racionalismo científico. Considerando a fisiopatologia dos órgãos
e dos sistemas dos seres vivos vemos de forma clara que a dor física está
sempre associada a uma situação de ativação, localizada ou generalizada, da
homeodinâmica celular ou tecidual. Isto representa numa analise global que o
sintoma da doença seria uma campainha de alarme (que registrada ao nível
central, induz um comportamento de proteção), como um mecanismo que por
si só coloca em movimento a resposta inflamatória e reparadora ao nível
periférico. Os próprios mediadores (histamina, serotonina, quinina,
prostaglandina, neuropeptídeos, etc.) causam dor, já que irritam as
terminações sensitivas dos nervos e desencadeiam uma vasodilatação, que
permite maior irrigação na área afetada estimulando a função das células de
defesas biológicas (por exemplo, os glóbulos brancos). Portanto, deste ponto
de vista biológico e biomédico se não existisse a dor o organismo não saberia
agir, pela falta de sinais e de mecanismos, para compensar e remediar a
possível lesão.
A dor de uma ferida chama a atenção sobre a causa que a provocou, por
exemplo, uma espinha ou uma farpa, induzindo sua remoção; a dor de uma
isquemia (quando diminui o fluxo do sangue de uma certa parte do organismo)
pode salvar do infarto ou da gangrena, levando ao repouso; a dor de uma
infecção de dente pode salvar de uma septicemia (difusão de bactérias no
sangue, ao nível de todo o organismo) promovendo a inflamação e,
conseqüentemente, a defesa antibacteriana. A dor, então, deste ponto de vista
apresenta-se como uma experiência que favorece a ativação ou a recuperação
e a utilização de uma série de funções defensivas e de preservação, que
permitem uma adaptação maior para a sobrevivência do organismo no seu
conjunto.
Esta abordagem da problemática da dor, sobre tudo a física, acaba dando-nos
uma visão para certos aspectos positivos desta, que induz o médico (e o
paciente) a enxergar a dor não apenas como um inimigo a ser eliminado e sim
como um sinal necessário, de passagem, em direção a um estado de saúde
reconquistada. Esta abordagem possui um limite preciso que é quando se
considera a existência de doenças incuráveis e de dores absolutamente
desproporcionais à causa desencadeante.
O homem experimenta também a dor psicológica, moral, espiritual (a dor pela
perda de alguém, ou de algo muito querido, compromete a própria vida, a dor
da consciência do mal em si mesmo e no mundo) e esta é a dor mais típica do
ser humano. Para este tipo de dor uma explicação fisiopatológica, obviamente,
não é suficiente e devemos procurar referências de outro nível e gênero.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 34


A dor como ocasião de abertura
A abordagem exposta acima, que reconhece um papel positivo da dor, esta
pode ser positiva não pela dor em si, mas apenas quando existe um motivo
para a experiência da dor e, principalmente, quando sua presença contribui
para a cura do organismo no seu conjunto. Mas este conceito pode ser
aplicado também na dor aparentemente privada de finalismos fisiológicos
(teleonomia) Para esta difícil pergunta poderíamos talvez dar uma resposta
positiva, ao admitir que as “leis da complexidade” são válidas inclusive para a
vida psíquica e para a vida transcendental.
Neste campo o homem deu muitas respostas à questão da dor, que já foi
tratada por filósofos, poetas, místicos e que constitui um ponto importante em
todas as religiões. Pode-se dizer, em geral, que o sofrimento não é totalmente
negativo, mas a experiência dolorosa deve ter um sentido. Poderíamos acaso l
fazer uma abordagem racional, ou algum tipo de generalização, para estas
experiências subjetivas dolorosas, das pessoas que são irrepetiveis e únicas, e
que de certa maneira, muitas vezes não conseguem expressar a sua própria
realidade interior?
Segundo a abordagem da teoria da complexidade, o sentido da dor poderia ser
compreendido na recuperação da potencialidade interna ainda não totalmente
utilizada, ou na abertura do sistema-homem para qualquer algo que resida
fora ou qualquer outro que não seja si mesmo, abertura que faça experimentar
um alinhamento do próprio eu (interior) em direção a um estado de maior
harmonia e de maior consciência.
O conceito que utilizamos sobre os sistemas vivos é o de sistema vivo como
um sistema aberto e dissipativo em relação a sua capacidade intrínseca de
manter a própria ordem interna, que se mantém graças a um contínuo fluxo de
energia, matéria e informação que o atravessa e a contínua dispersão de
entropia no ambiente. A “abertura” do sistema vivo, o mantém num estado de
contínuo desequilíbrio e de contínua cooperação entre muitos subsistemas, faz
com que seja capaz de dispersar a entropia, que de outro modo – se fosse
fechado – o levaria inevitavelmente, segundo as leis da física, ao equilíbrio
termodinâmico e à sua posterior dissolução. Por isto neste caso, abertura,
comunicação, instauração de ligações e a dissipação da entropia de um sistema
complexo equivalem à vida e à evolução.
O “modo de pensar” segundo o paradigma da complexidade nos conduz a
considerar que existem analogias entre os diversos planos da realidade, do
microcosmo ao macrocosmo, e que as leis da complexidade são aplicáveis às
moléculas, às células e também à vida psíquica e aos relacionamentos. Assim,
uma perspectiva de abertura também em relação ao que está fora de si – e,
portanto, em relação a outro homem ou ao transcendente – não só não é

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 35


irracional como é profundamente útil à própria natureza do homem e ao seu
crescimento.
O homem é um sistema que poderia ser representado como um conjunto
organizado de muitos planos sobrepostos ou de esferas concêntricas: um nível
físico-molecular, um nível celular-orgânico, um nível psico-mental, um nível
espiritual e “ontológico”. A abertura do sistema-homem “enquanto homem”
não pode ser de outra forma que, em primeiro lugar se relacione a outro
homem, para depois se relacionar com a sociedade dos homens e,
eventualmente, sua abertura se dirige ao próprio pai-Criador (desde que se
admita sua presença). Se a dor tem esta função a podemos levar em
consideração, ou seja, como ocasião do crescimento do homem enquanto
homem. Em outras palavras, a dor, que poderia não possuir um sentido num
plano determinado (como, por exemplo, num plano celular e orgânico porque
é incurável ou “não-cura”), poderia assumir um sentido desde que visto num
contexto diferente, que leva em conta a importância de considerar o
relacionamento do homem – enquanto homem – com os próprios semelhantes,
com o Criador, mas também com si próprio.
Mas aqui entramos num campo onde a ciência sabe pouco e diz pouco, porque
a dor aparece como um grande mistério, inseparavelmente ligado ao mistério
do homem e da própria existência do universo. As interrogações sobre o
sentido do sofrimento, em particular do sofrimento do inocente, não
pertencem apenas aos filósofos, mas também às pessoas em geral, aos doentes
e aos médicos. Muitas das manifestações das crises espirituais individuais das
pessoas e da sociedade derivam em última instância da falta de resposta a
estas perguntas. A tentativa de uma revisão holística e ao mesmo tempo desde
a visão do racionalismo da medicina, como a que estamos realizando neste
trabalho, não poderia elucidar estas questões de uma forma completa razoável,
inclusive porque este não é o espaço mais indicado para nos aprofundarmos
neste tipo de questionamentos.
Para terminar transcrevo um pensamento sintético do grande prêmio Nobel
Van der Meersch, Corpo e Anima, cujo diálogo entre os protagonistas - dois
médicos com profundo sentido humanitário – sintetizam muitas reflexões e
considerações sobre o significado clínico e ao mesmo tempo espiritual da dor:
“O sofrimento é o grande educador do homem, Doutreval. A medicina
clássica esqueceu até que ponto isto é verdade, inclusive ao nível do plano
fisiológico. Esta medicina nos ensinou a odiar a doença. Mas a final de
contas, a doença esclarece, previne, purifica. Ela possui no plano material as
mesmas causas, ignorância, excessos, rebeliões, que o sofrimento possui no
plano moral. Existe em tudo isto um estranho paralelismo, não é verdade?... E
agora vamos ver os nossos doentes, Doutreval” [Van der Meersch, 1997].

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 36


Medicina Biodinamica
Papirus Editora 2002
© Paolo Bellavite
Questionar por possivel reprodução: paolo.bellavite@univr.it

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As dinâmicas evolutivas das doenças

A complexidade e a dinamicidade dos processos patológicos implicam na


instauração de uma desordem estrutural nas relações (redes) entre os vários
componentes dos seres vivos (moléculas, células, o organismo inteiro, etc.),
como também na evolução ao longo do tempo destes fenômenos. Na evolução
de uma doença típica distinguem-se fenômenos e fases que se sucedem.
Compreendendo as relações de causalidade que ligam estes fenômenos e a sua
cadeia seqüencial teremos um quadro real do que se pode considerar como
doença, sendo possível apenas desta maneira estabelecer uma conduta
terapêutica. Primeiramente ficaremos num plano ao nível geral para
posteriormente exemplificarmos os conceitos de inflamações e tumores.

O quadro fisiopatológico geral


Um esquema simplificado dos fenômenos fisiopatológicos verificados na
evolução de uma doença-tipo é mostrado na figura 30. Este esquema
representa um quadro de referência geral, especialmente útil para a ilustração
das interconexões de diversas passagens integradas de forma dinâmica.
Observamos como causas diferentes, de vários tipos (fatores químicos, físicos,
biológicos, carênciais, etc.), acabam superando as barreiras naturais e os
primeiros sistemas de defesa provocam um dano bioquímico, estrutural e/ou
funcional.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 1


Figura 30. Esquema de um quadro fisiopatológico geral representando os
eventos possíveis de uma doença, e suas relações de causa-efeito. Para sua
explicação, ver o texto.

A cada tipo de dano (considerado este como uma perturbação do esquema


homeodinâmico estrutural ou funcional) lhe segue uma fase de reações dos

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 2


sistemas responsáveis pela conservação e restauração da integridade biológica
(sistemas biológicos homeodinâmicos, chamados também freqüentemente de
sistemas homeodinâmicos de controle da integridade biológica). Então, estes
sistemas ocupam uma posição central na evolução dinâmica de uma doença:
um bom funcionamento conduz a uma resposta de adaptação eficaz (adaptação
fisiológica), portanto, a uma defesa, a uma reparação e com uma posterior
cura Quase sempre uma cura fisiológica devida aos próprios processos
orgânicos naturais que acabam deixando tanto o sistema como um todo, como
qualquer dos seus componentes numa condição mais forte e estruturada.
É possível também que os sistemas reativos provoquem, por si só, um dano
desencadeando um tipo de feedback patológico positivo (seta de retorno,
reações  dano, na figura 30). Se este dano, direto ou indireto, é muito grave
ou irreversível, entra-se numa situação sem retorno que pode levar a morte ou
a um estado de invalidade permanente (estados patológicos).
Neste esquema mostramos uma outra evolução possível do quadro
fisiopatológico: adaptação patológica. Esta representaria, de certa forma, uma
evolução intermediária entre a cura e uma contínua agravação autoinduzida,
que acaba configurando um estado novo, que chamaríamos de
“pseudonormalidade”, que é uma adaptação à mudança do estado. Por
exemplo, frente a um dano pulmonar que acabou reduzindo a superfície de
intercâmbio alvéolo capilar, o sistema homeodinâmico que controla o nível de
oxigenação vai reagir com uma produção de um número maior de glóbulos
vermelhos (poliglobulia). Isto não é normal em sujeitos que não permanecem
em altitudes elevadas, mas ainda não pode ser considerado como um estado
patológico permanente como também não se trata de uma modificação a longo
prazo. Se quiséssemos hipoteticamente fazer regredir o quadro pulmonar, a
poliglobulia desapareceria.
Outros exemplos de adaptação poderiam ser a hipertrofia cardíaca e a
modificação da função renal no caso de hipertensão, a linfoadenomegalia da
criança exposta a uma contínua estimulação imunológica, a hiperinsulinemia
no obeso, a hiperqueratose cutânea ocasionada por um atrito contínuo, etc.
Também podemos citar os depósitos patológicos na aterosclerose, na
amiloidose, na glicogenose ou lipidose, nas calcificações heterotópicas e em
muitas outras situações patológicas das doenças crônicas, que podem ser
consideradas adaptações de tecido ao nível local, onde estas células procuram
delimitar ou “empacotar” o material que não conseguem metabolizar.
Mesmo na adaptação patológica existe um objetivo de defesa, mas apenas
parcial, desde que esteja limitado a um determinado local anatômico ou a um
determinado período. Se por um lado o funcionamento do organismo é
alterado de forma profunda, por outro, o organismo “tolera” esta situação

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 3


anormal como um equilíbrio aparente e provisório. A patologia está presente e
continua seu curso, e a desordem homeodinâmica, mais cedo ou mais tarde,
repercute sobre os outros sistemas até desencadear problemas não mais
reguláveis por ajustes, como a necrose celular, a hemorragia, a embolia, etc.
Entramos num novo atrator, que já definimos como doença crônica (ver
também a próxima seção).
A adaptação “consente conviver” com a doença, mas isto representa de certa
maneira, uma renúncia à cura completa. Fica evidente que a estratégia
terapêutica, que tende a levar o organismo do paciente em direção a cura, deve
procurar intervenções que removam os bloqueios formados pela adaptação.
Então, a doença crônica não é absoluta nem inevitavelmente irreversível (por
isto na figura 30 foi inserida uma seta de retorno do estado de cronicidade ao
estado de reações): destaquemos que a reversibilidade é sempre muito difícil
na ausência de uma medicação correta, no sentido de ajudar o sistema a mudar
tanto a sua estrutura como o seu comportamento.
O quadrado tracejado indica que os sinais e os sintomas das doenças e das
outras manifestações mensuráveis, mediante pesquisas laboratoriais e
instrumentais, derivam das reações do organismo ao dano - tanto sejam estas
do tipo ativo (fase aguda) como do tipo adaptativo (fase crônica) - e nem
tanto aos discretos danos provocados pelo factor patológico.
Os sintomas não devem ser considerados como os verdadeiros processos
patológicos que devem ser eliminados a qualquer custo. Os sintomas são as
expressões da doença, sendo assim, uma intervenção realmente adequada ao
nível dos sistemas homeodinâmicos (terapia), deve levar sempre em
consideração o significado expressivo destes.

Fases evolutivas
Já definidos os conceitos sobre a dinâmica interna e as manifestações externas
das doenças, abordaremos o que tradicionalmente se define como as fases dos
processos patológicos em relação à sua evolução no tempo. Na figura 31,
apresentamos de forma esquemática, as evoluções temporais possíveis
(evoluções cinéticas) destes processos. Nestes gráficos, as doenças, induzidas
por eventos danosos ou estressantes repetitivos (setas verticais), estão
representadas numa escala de intensidade com picos mais ou menos elevados.
Nesta figura é feita uma distinção esquemática entre as fases agudas/fases
crônicas, e entre fases clínicas/fases subclínicas. Acompanhando-se a linha
contínua da evolução dinâmica do processo patológico compreendem-se
facilmente estas distinções.

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Figura 31. A evolução possível dos processos patológicos no tempo. As
setas verticais indicam a ação de noxas externas. Os asteriscos indicam os
pontos de bifurcação, cujo significado se explica no texto. A curva A
descreve uma doença aguda típica com a cura posterior, a curva B
descreve uma doença crônica.

Desordem subclínica
Nas figuras 31 A e 31 B, o primeiro pico a esquerda representa a primeira
reação do organismo a uma noxa de intensidade pequena (pequeno estresse de
qualquer ordem). Esta pequena reação ocorre num tempo evolutivo agudo de
poucas horas ou poucos dias, mobilizando o sistema de defesa de forma
subclínica, no sentido de desenvolver-se sem provocar ainda o que
entendemos por “doença”. Fenômenos desta natureza acontecem
continuamente, também nos sujeitos “sãos”. Isto é devido à exposição
contínua do homem ao estresse ambiental, pela qual qualquer organismo,
mesmo os mais sadios, apresentam oscilações de alguns dos seus parâmetros

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fisiológicos. As oscilações espontâneas, mais ou menos caóticas, da
homeodinâmica interna também apresentam um pequeno estado de solicitação
biológica, necessitando de esforços de adaptação e de compensação.
O estado de instabilidade e de flutuações contínuas presentes nos organismos
vivos está representado simbolicamente pelo primeiro pico subclínico. Este
não constitui uma doença clínica, já que apenas consiste num pequeno e breve
aumento de sinais e sintomas ou de discretas alterações laboratoriais, também
não possui um nome nosológico, ou digamos não está “etiquetado” como
doença e, freqüentemente, este estado nem sequer leva o doente a procurar
ajuda médica. No entanto, seria incorreto pensar que estas pequenas
alterações, desde o ponto de vista quantitativo, não possuem sua importância.
Estes fenômenos, subjetivos e objetivos, não são desapercebidos para quem
presta atenção aos sinais do corpo que, muitas vezes, se traduzem em sintomas
como: astenia, dispepsia, palpitações, cefaléia, dores articulares, acessos de
tosse ou espirros, insônia, anorexia ou bulimia, desejos e aversões alimentares,
quadros de irritabilidade excessiva, dores abdominais transitórios, mudanças
de objetivo de vida, etc.
Mas estas manifestações representam de fato um estado de “não saúde”
freqüente que não constitui uma doença específica, e que se traduz pela grande
quantidade de pacientes que são considerados pelos médicos como “doentes
imaginários”, mas que na realidade expressam uma desarmonia psicofísica de
forma clara e que de qualquer forma possuem ou possuirão suas
conseqüências ao nível biológico.
O sujeito que sofre estes tipos de alterações não pode ser definido como
doente, mas já possui uma exacerbação na sua predisposição para adoecer
Neste estado poderíamos colocar os que estão submetidos a trabalho excessivo
(estresse), aos que possuem uma alimentação desbalanceada, os fumantes, os
que estão expostos a doses baixas de radiações não ionizantes, como também
aos que já possuem caracteres genéticos específicos, catalogados
estatisticamente como pacientes de “risco” (heterozigotos portadores de
doenças autossômicas recessivas, alguns grupos de HLA, raça, etc.). Até que
ponto este tipo de desordem pode ser considerada “normal”, no sentido de ser
uma simples oscilação reversível, ou “patológica”, no sentido de provocar
patologia na presença de fatores perturbadores, é uma questão extremamente
sutil e enfumaçada, a tal ponto que, freqüentemente, as mesmas situações,
mesmo que muito intensas, são suportadas por alguns como coisas normais da
vida, enquanto que para outros sujeitos são doenças insuportáveis. Neste nível
o equilíbrio entre normal e patológico é muito precário e a evolução posterior
pode levar a doença ou saúde segundo a variação de pequenos fatores.

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Em síntese, se partimos de um estado de saúde ideal, temos um primeiro
estágio bem inicial, no qual uma primeira desordem por mais imperceptível
que seja, a não ser pela presença de sintomas muito discretos ou de variações
de parâmetros clínicos apenas perceptíveis, deixa o organismo mais
susceptível às alterações provocadas por agentes externos.

Doença aguda
O segundo pico mais alto da figura 31A representa uma típica doença aguda.
Uma noxa suficientemente forte causa uma série de danos e de reações que
configuram um “quadro nosológico” com sua típica ou quase típica série de
manifestações. A emergência do quadro clínico já leva o doente a procurar um
medico. Os sintomas e as mudanças anatomopatológicas, unidas às avaliações
de laboratório ou qualquer avaliação tecnológica, permitem freqüentemente
identificar a causa desencadeante pela qual a doença se identifica com um
diagnóstico clínico preciso.
Ao refletir sobre a patogênese da doença num determinado sujeito é
necessário se questionar o que realmente distingue a primeira reação (reação
subclínica) daquela mais grave que pode alcançar o plano da evidência
clínica? No esquema mostramos que a doença clínica é causada por uma noxa
esterna (estresse) suficientemente intenso (seta dupla), o que acaba sendo
válido em linhas gerais mas de forma muito esquemática.Com esta análise
chegamos à conclusão de que as manifestações da doença dependem
fundamentalmente do tipo de resposta do hóspede. Um mesmo estado de
solicitação pode causar diferentes respostas, em diferentes indivíduos: a ponto
de não determinar uma doença num sujeito e ser uma doença muito grave em
outro. Isto é documentado de forma indiscutível pelas doenças infecciosas:
nem todos se contaminam nas epidemias que são provocadas pelo mesmo
agente etiológico (causa da doença), e aqueles que se contaminam não
apresentam a doença exatamente da mesma forma. Este mesmo conceito pode
ser estendido a inumeráveis campos da medicina até considerar, por exemplo,
o caso de uma emoção repentina, que pode matar um cardiopata e apenas fazer
empalidecer um sujeito normal.
Na evolução dinâmica de uma doença aguda é de fundamental importância
não só a intensidade da causa, mas (e principalmente) o bom funcionamento
do conjunto dos sistemas homeodinâmicos, a tal ponto que a doença se
manifesta de uma forma mais grave quanto menos otimizado está este
funcionamento. Na figura 31A, indicamos com um asterisco o primeiro ponto
de bifurcação, entendendo com isto o momento no qual os conjuntos dos
sistemas destinados à defesa e à reparação influenciam – mesmo que com
pequenas e sutis diferenças de comportamento – a evolução posterior da

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própria doença. Se as “decisões estratégicas” destes sistemas estão em estado
ótimo a doença “clínica” é bloqueada logo no inicio e nem se manifesta, ou
então,no caso de se manifestar é neutralizada com facilidade.

Bifurcações
Nos perguntamos onde ao final se encontram as “decisões” dos pontos de
bifurcação que são sensíveis aos fatores de regulação mesmo sendo estes
pequenos, mas tão determinantes? Eles se encontram fundamentalmente nas
diversas fases dos sistemas homeodinâmicos. Estes sistemas estão
representados pelo sistema imunitário e pelo sistema inflamatório, mas
também pelo sistema de desintoxicação do fígado e do sistema hemostático
(como também de muitos outros) e tem a característica de possuir uma face
dupla, porque tanto podem curar como provocar danos. O fato de que em cada
caso em particular, possa prevalecer o dano ou a reintegração ao estado de
saúde, depende das sutis variações do comportamento do próprio sistema
homeodinâmico. O destino da reação depende da “escolha” que o sistema
deve fazer, entre o preço que deve pagar, em termos de toxicidade e
sofrimento, e a garantia de resgate das operações, em termos de sobrevivência
do organismo. Por exemplo, quando existe uma lesão na superfície dos vasos
sangüíneos, os sistemas homeostáticos (coagulação, agregação plaquetária,
aumento do tecido conectivo e da musculatura da parede vascular) entram em
ação para bloquear o risco de hemorragia e iniciar a reparação que for
necessária. Mas acontece que estes mesmos mecanismos reparadores também
podem provocar fenômenos patológicos se o sistema homeostático, por
exemplo, bloqueia a circulação de forma total no vaso sangüíneo (trombose,
aterosclerose).
Mas o que é que faz “pender a balança” numa direção positiva, em termos de
reparo tecidual ou numa direção que não é necessária para o organismo ou que
acaba resultando em patologia? Este movimento é justamente controlado pela
complexidade dos múltiplos mecanismos que estão em jogo. Uma “escolha”
deste tipo depende tanto de elementos isolados como receptores, concentração
de mediadores, (presença de substâncias químicas exógenas), como do tipo de
coordenação existente pelo controle “centralizado”, que avalia as informações
provenientes dos diferentes sistemas e elementos que estão em jogo. A
intensidade das diferentes respostas. é regulada deste modo Ao nível de uma
determinada bifurcação, o êxito da reação pode depender de uma informação
que seja significativa no plano de coordenação do ou dos sistemas que
participam da reação. Este tipo de coordenação está garantida por redes
cibernéticas, como o sistema nervoso e o hematohormonal, e inclusive, como
veremos, por regulações sutis de natureza eletromagnética. Provavelmente

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também por um sistema de regulação que pode ser comparado aos meridianos
descritos pela medicina chinesa, onde está implícita uma informação sutil mas
“inteligente” direcionada para resolver o que está sendo solicitado pelo
sistema. Esta informação ao ser decodificada por estes sistemas acaba sendo
útil na “escolha” da reação mais adequada para neutralizar as agressões e os
posteriores danos.
A problemática de como agir ou intervir com fins terapêuticos nestas
regulações de acordo a abordagem biodinâmica, será tratada na terceira parte
deste texto.

Aumento de resistência
Depois que o paciente é curado de uma doença aguda seu estado de saúde
melhora pelo aumento da sua resistência (no caso de doenças infecciosas, este
estado é chamado de imunidade). Este fato é bem conhecido e é apresentado
na figura 31A representado pelo terceiro pico: este pico mostra a possibilidade
que o organismo tem de reagir a um estímulo ambiental, mesmo que intenso,
com uma resposta eficiente e coordenada, de forma otimizada e, em geral,
pela qual as reações se desenvolvem prevalescentemente ao nível subclínico.

Cronicidade
A evolução das doenças agudas é tal que após alguns dias, ou no máximo após
algumas semanas, temos o retorno da normalidade (cura e aumento de
resistência, como apresentamos nas figuras 30 e 31A). Também é possível que
a evolução dos processos patológicos tome caminhos diferentes (quadro
inferior à direita na figura 30 e tracejado da figura 31B). A doença está latente,
sem muita sintomatologia, mas sem uma direção a cura completa: algum
problema residual permanece, devido ao fato de que a “batalha” com doença
aguda foi intensa, a ponto de danificar em parte o próprio hóspede (vejam, por
exemplo, as cicatrizes residuais após danos teciduais ou os déficits hormonais
que ficam no organismo após patologias que atingem as glândulas endôcrinas,
etc.), ou devido a que a causa que provocou a doença aguda não foi totalmente
removida, ou porque o organismo possui uma alteração genética dos sistemas
de defesa e/ou de reparação. Deste modo nos encontramos frente a uma
segunda possibilidade de evolução, representada pela cronicidade do processo
patológico, onde a adaptação patológica desempenha um papel fundamental.
Na figura 31B representamos uma doença que possui um pico subclínico no
início, seguido por uma fase clínica (presença de sinais e sintomas, ou seja,
com um curso evolutivo flutuante).
Mas nem todas as doenças crônicas se manifestam inicialmente como doenças
agudas. Na realidade o que acontece mais freqüentemente com as doenças

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crônicas é que se apresentam em fases longas com flutuações homeodinâmicas
ao nível subclínico. Por exemplo a evolução das doenças genéticas é
principalmente deste tipo.
A adaptação patológica que já comentamos ao apresentar a figura 30 é uma
fase de resposta orgânica na qual se distingue um momento “crítico” de
decisão” ao qual se chega quando os sistemas reativos não conseguem
enfrentar a noxa de forma adequada e retomar o estado orgânico inicial de
forma rápida. Chegamos a um ponto no qual pode-se instalar uma modificação
semipermanente: esta pode produzir sintomatologia ou pode ter várias
conseqüências, entre elas: depósito de toxinas, hiperplasia, instauração de
qualquer tipo de sensibilidade receptorial, e modificações bioquímicas e
anatômicas que acabam “postergando o problema” ou desviando as
conseqüências patológicas de um órgão para outro”.
Como já explicamos a doença crônica pode ser considerada como o resultado
negativo da capacidade de autorganização da matéria viva,.
O equilíbrio homeodinâmico do organismo, sob a pressão ambiental e o
estresse endógeno, em concomitância com uma predisposição genética e/ou
com eventos patológicos agudos, entra num novo atrator.
O sistema acaba se organizando numa “nova ordem”, com suas novas regras, e
seus controles múltiplos e entrecruzados, adquirem uma relativa nova
estabilidade. Esta nova ordem não encontra em si própria a energia necessária
para retornar ao estado de saúde originário, mas, mesmo assim, após uma
perturbação qualquer, tende a retornar ao seu comportamento patológico
anterior.
Um dos mais básicos objetivos médicos seria remover nesta fase a adaptação
patológica porque justamente permitiria que o organismo pudesse resgatar sua
saúde primaria No entanto isto é fácil de dizer e muito difícil de fazer devido à
complexidade da dinâmica orgânica e da variação que existe entre um
paciente e outro. É necessário considerar também que a adaptação é uma nova
situação de estabilidade que acaba sendo “conveniente” para o organismo e na
tentativa de remoção do que está alterado, todo o sistema é direcionado para
uma fase de reações (veja a figura 30).
Consequentemente, cada conduta voltada para neutralizar ou reverter à
adaptação, provavelmente, levará a um aumento dos sinais e dos sintomas
com o aparecimento daqueles que precediam à própria adaptação.
Devem-se esquematizar quadros fisiopatológicos da forma mais completa
possível (servindo-nos de todos os meios utilizados pelas escolas médicas) e
posteriormente procurar os remédios que melhor se adaptem, levando em
consideração a subjetividade e a unicidade das doenças, nas suas diferentes
fases evolutivas.

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Complicações
Finalmente, sempre em relação à figura 31B, mostramos o destino de uma
doença na qual se sobrepõem fenômenos de adaptação e repetidas agressões
pela intervenção de fatores patógenos internos ou externos. Das fases
subclínicas passa-se para as fases clínicas; o doente se transforma em doente
crônico, e na melhor das evoluções, pode-se esperar que alterne fases clínicas
com retorno a fases subclínicas (asterisco), até que uma bifurcação posterior
leve o organismo a uma situação de irreversibilidade ou de progresso da
doença (fases de automanutenção, de complicações, de malignidade,
dependendo dos casos). Neste estágio, um pequeno estresse, exógeno ou
endógeno, pode levar o paciente à morte.

Envelhecimento
Em relação ao que dissemos sobre as últimas fases da complicação
progressiva do quadro patológico, que acaba levando o paciente à morte, nos
chama a atenção um ponto que não é de pouca importância. É o que de fato,
de um modo ou de outro, todos os seres vivos percorrem na linha da figura
31B e terminam na zona acima e a direita. Existem alguns indivíduos que
“nunca se enfermam” mas, que de qualquer forma envelhecem, até que um
evento menor – uma infeção, um trauma - os leva a morte.
O que é o envelhecimento numa abordagem dinâmica? Trata-se de uma
acumulação progressiva de fenômenos de adaptação patológica que acontecem
ao nível subclínico.
O estado de saúde ideal é mantido com o decorrer da idade graças a um eficaz
controle dos desequilíbrios, locais e gerais, que permite regular de modo
rápido e sutil as flutuações da homeostase causadas pelos contínuos danos que
inevitavelmente acontecem. Este controle possui, porém um custo no sentido
de uma perda progressiva da eficiência da célula e dos tecidos. A resolução de
todos os microtraumas, mesmo sendo eficaz, permite a não manifestação dos
sinais e sintomas típicos de uma doença, mas não pode impedir que o
organismo perca a sua flexibilidade e sua originária integridade nas
comunicações biológicas.
Envelhecer é uma adaptação no seu estado mais puro e, neste sentido, pode ser
considerada como uma doença crônica, até mesmo, a mais crônica das
doenças. Com certeza, a maior ou menor eficiência dos mecanismos de
eliminação dos depósitos de toxinas e da reparação dos danos possui um papel
fundamental na determinação da duração da vida e nisto fatores de tipo
genético possuem uma importância considerável.
Poderia-se dizer que o envelhecimento é devido à contínua existência de
doenças subclínicas, que não deixam de atingir o organismo ao nível celular e

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tecidual. Por exemplo, as substâncias tóxicas, os vírus, as descargas de
adrenalina, as variações do pH, as radiações ultravioletas, o próprio oxigênio
que serve para obter a energia metabólica. constituem traumas para as células
freqüentemente importantes, Muitos dos microdanos são produzidos de uma
forma endógena: é bem conhecido que muitas células do organismo podem
liberar toxinas, ácidos, enzimas líticas, radicais de oxigênio e que no próprio
plasma sangüíneo existem inumeráveis precursores de substâncias
biologicamente ativas e passíveis de se tronarem muito “traumatizantes”, o
que acontece por exemplo com os peptídeos ativos que são liberados.
Uma série de fenômenos reativos que acontecem de forma inevitável estão
ligados também ao intercâmbio celular. Todos estes processos bioquímicos
desencadeiam reações subclínicas reativas no sujeito são, inclusive porque a
manutenção das reações em fase subclínica é justamente o sinal de uma
homeodinâmica eficiente (veja os asteriscos na figura 31A e 30B). Esta é a
melhor situação que podemos esperar do organismo. Em conclusão, o
fenômeno da lenta e progressiva perda da eficiência orgânica e funcional
parece inevitável, mesmo que a velocidade com que este fenômeno aconteça
possa ser, provavelmente, modulada por intervenções preventivas oportunas,
como a correção do estilo de vida e o controle máximo à exposição aos fatores
ambientais patógenos.

O exemplo da inflamação
A compreensão e a regulação dos processos inflamatórios constituem um dos
problemas mais freqüentes na área médica, devido ao fato deles se tornarem
tanto processos defensivos como processos reativos, caracterizando-se por isto
como “facas de dois gumes”.
Uma grande parte das patologias mais freqüentes da atualidade pode ser
considerada como desordens do processo inflamatório, devidas essencialmente
a dois mecanismos: um reconhecimento anormal dos próprios componentes,
que acabam sendo considerados como componentes estranhos ou um
mecanismo reativo excessivo, mesmo que oportuno, em relação ao alvo
molecular (ampliação anormal, regulação ausente do processo, difusão fora da
zona anatômica necessária). A inflamação é um campo que representa um
argumento ideal de estudo para a medicina biodinâmica e a medicina
integrada em geral. De fato, o verdadeiro objetivo deste tipo de abordagem
terapêutica é o de procurar utilizar sistemas de cura que cooperem com o
próprio processo de cura natural, usufruindo o potencial intrínseco existente
nos seres vivos.

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A inflamação, também chamada de flogose (a origem etimológica é a mesma e
refere-se significativamente ao fogo), é um fenômeno reativo complexo onde
estão envolvidos múltiplos componentes do organismo, de tipo molecular,
celular e sistêmico. Nesta sessão examinaremos sinteticamente a dinâmica da
inflamação, nos aprofundando no processo da cronicidade nos seus estágios
essenciais, ilustrados esquematicamente na figura 32. Não se trata de uma
exposição acabada de um tema extremamente vasto, e sim de reflexões sobre
os principais argumentos relativos ao processo de inflamação de um ponto de
vista biológico e sistêmico.

Figura 32. Esquema geral dos principais mecanismos biológicos


envolvidos na inflamação aguda e na inflamação crônica. Os asteriscos
referem-se aos “pontos de bifurcação”, onde se verifica uma escolha
delicada entre as diferentes reações que levam a cura e as reações
patológicas que perpetuam a própria inflamação e causam dano
mantendo um círculo vicioso.

Esquema geral
A partir das mais variadas causas endógenas e exógenas de estímulo lesional
desencadeia-se um processo no qual participam, de forma coordenada,
diferentes componentes moleculares (proteínas plasmáticas, lipídeos,
prostaglandinas, hormônios, peptídeos, íons, etc.) e componentes celulares
(leucócitos, plaquetas, macrófagos, endotélios, neurônios, etc.). Mesmo que a

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inflamação seja uma alteração local de um determinado tecido sempre fica
evidente que na sua regulação participam, direta ou indiretamente, vários
órgãos e sistemas.
Na figura 32 apresentamos um esquema das dinâmicas complexas envolvidas
na flogose mostrando as vias fundamentais que existem entre a flogose aguda
e a flogose crônica. Este esquema representa uma cascata de eventos quase
que seqüenciais: partindo do momento da lesão, freqüentemente encontramos
uma reação aguda cujo fim seria a cura, mas que também pode se transformar
em lesão tecidual (como no caso do abscesso). Se este circuito não se resolve
rapidamente temos a cronicidade: quimiotaxe, ativação de macrófagos,
formação de citocinas e ativação dos linfócitos, fibrose ou “esclerose”. Temos
inclusive a inflamação crônica. A inflamação crônica na visão clássica é
devida ao prolongamento deste circuito e a incapacidade de cura.
A inflamação crônica geralmente aciona e potencializa a sutil e sofisticada
intervenção dos sistemas de defesa (principalmente através dos sistemas de
imunidade específica e pela ativação de macrófagos): é uma segunda linha de
defesa. Mas esta pode se transformar no principal mecanismo de patologia
quando o processo não consegue se direcionar para a cura.
O fato de que a inflamação é uma função de defesa está fora de duvida mas,
cada vez mais, presta-se atenção às doenças por excessiva ativação deste
mecanismo fisiopatológico e aos danos secundários que ele provoca. Os
próprios sistemas efetores e os próprios mecanismos de regulação voltam-se
contra o hóspede, causando uma série de doenças, cada vez mais freqüentes,
devidas principalmente às funções alteradas dos sistemas da inflamação e da
imunidade mais do que a causas externas. Os mesmos mecanismos podem agir
com função de defesa ou de ofensa, portanto a interpretação da linguagem da
inflamação (ou seja, intercâmbio de mensagens) é de fundamental importância
para uma possível regulação e controle.
Se conhecêssemos o mecanismo da inflamação como se conhecem os circuitos
elétricos e os mecanismos de um carro, ou o programa de um computador,
poderíamos dispor de comandos bem precisos, de interruptores on / off, de
chaves de segurança, de parâmetros de avaliação e previsão do
comportamento do sistema. A diferença estaria no fato que no lugar dos
interruptores usar-se-iam as moléculas. Hoje é possível projetar moléculas
muito eficazes em relação aos vários aspectos do processo inflamatório,
graças à engenharia genética. Estas nos permitiriam, se conhecêssemos de
forma precisa os mecanismos envolvidos, atuar eficaz e especificamente no
controle da inflamação.
Na prática, as intervenções atuais são muito inespecíficas, não conseguem
atingir de forma específica um sistema e acabam alterando o organismo todo.

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Por outro lado, os fármacos muito fortes e seletivos agem sobre um plano só
ou sobre poucos fatores dos que estão envolvidos na inflamação e não
conseguem levar o organismo a uma completa reintegração do equilíbrio. A
pesquisa de novas abordagens e novas terapias, que agem de forma mais
abrangente e que se integram com os sistemas de defesa endógenos, ficam
assim justificadas.
Em cada caso, a concepção biodinâmica das doenças permite afirmar, com
suficientes razões, que o organismo não é uma máquina e justamente por isto
o conhecimento das peças individualmente, mesmo que importante, não
permite e não permitirá nunca ter à disposição um “quadro de comando” com
suficientes chaves e interruptores para controlar a evolução de uma doença de
modo completo e eficaz.
O que acabamos de dizer não significa que o uso de fármacos antinflamatórios
ou imunomoduladores seja injustificado, mesmo porque a experiência nos
demonstra que funcionam, mas nem sempre de modo resolutivo e sim de
forma sintomática e supressiva.
As dificuldades que se vislumbram nas aplicações destes novos
conhecimentos de biologia molecular derivam principalmente do fato que,
tanto na inflamação em geral como em todos os mecanismos que acabam
sendo ativados, encontramos aspectos aparentemente contraditórios e
paradoxais. Ao nível do plano molecular não é fácil distinguir o que é
“defensivo” do que é “ofensivo”: os mesmos mecanismos bioquímicos
(receptores, moléculas-sinal, enzimas como as adenilato ciclases,
cicloxigenases, quinasses, bombas iônicas, radicais de oxigênio, etc.) são
usados com sentidos opostos dependendo das circunstâncias,. A característica
“defensiva” e “ofensiva”, como também “normal” e “patológica” num sentido
mais amplo, assumem um significado mais evidente se as retiramos de um
nível molecular e passamos a considerar o sistema num plano de organização
superior (tecido, órgão, organismo), de um ponto de vista mais amplo, global e
finalístico, capaz de avaliar no seu conjunto a saúde dos portadores de uma
doença determinada.

Fenômenos defensivos e fenômenos ofensivos


O processo inflamatório é de vital importância para a sobrevivência de todos
os organismos complexos e está envolvido em múltiplos aspectos tanto na
saúde como na doença. Não existem dúvidas sobre o papel fundamental de
proteção da integridade orgânica. que o processo inflamatório desempenha
Esta proteção é exercida tanto nos confrontos com possíveis invasões de
microorganismos patógenos presentes no ambiente (luta contra infeções),
como nos confrontos para evitar as modificações patológicas dos constituintes

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orgânicos normais. Exemplos onde encontramos o processo inflamatório: na
atividade necrótica por anóxia tecidual, trauma ou queimadura, no dano
vascular e hemorragia, onde se desenvolve um tumor, em locais de tecidos
transplantados, no tecido atingido por radiações ionizantes, etc. Em todos
estes casos é evidente a função principalmente defensora e reparadora da
inflamação. A prova disto está no fato de que alguns déficits funcionais ou a
diminuição do número das células da inflamação levam rapidamente a um
estado de elevada susceptibilidade às infeções.
Desde que os organismos vivos se encontram perenemente expostos a estados
de solicitação, noxas e agressões de vários tipos, o desenvolvimento dos
processos inflamatórios, mais ou menos evidentes, é inevitável e, num certo
sentido, pode ser considerado como um fato positivo, desde que contribua
para incrementar as próprias defesas naturais. As manifestações do processo
inflamatório mesmo que grosseiras e dolorosas, acabam sendo o preço
inevitável a ser pago com o fim de atingir o efeito de eliminação dos agentes
patógenos. Estes são, por exemplo, grande parte da sintomatologia que
acompanham as doenças infecciosas agudas (febre, astenia, anorexia, dor da
parte infectada, eritemas).
Por outro lado, existem fenômenos inflamatórios injustificáveis e,
consequentemente, predominantemente danosos ao organismo. Estes são, por
exemplo, os relacionados a autoimunidade ou aqueles defeitos raros dos
sistemas inibidores da inflamação (como por exemplo o angioedema
hereditário) ou a rejeição de transplantes.
No meio destes dois extremos, encontra-se uma ampla série de doenças nas
quais a inflamação, mesmo inicialmente atue fins defensivos e/ou reparadores,
posteriormente se transforma por várias razões num mecanismo patogenético
que condiciona o desenvolvimento da própria doença. Nestes casos, os
processos fisiopatológicos desencadeados oscilam entre a ofensa e a defesa em
desequilíbrio contínuo. Conseqüentemente o processo inflamatório não
consegue atingir o seu objetivo reparador e provoca uma “desordem
organizativa” a nível geral do organismo, pelo qual o sentido biológico final
se perde.

Fenômenos locais agudos


É no tecido conectivo o território onde se desenvolvem a maior parte dos
processos inflamatórios, o tecido conectivo é composto por células de origem
mesenquimal, por leucócitos, por terminações nervosas aferentes e eferentes,
por redes vasculares hemáticas e linfáticas, por fibras e substância
fundamental. A rede dos capilares num tecido é formada por células
endoteliais que se apoiam sobre uma fina membrana basal. O fluxo de sangue

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nos capilares é determinado, sobretudo pelo estado de abertura das artérias e
das suas últimas ramificações que são dotadas de musculatura lisa com função
de esfíncter. Neste nível atua um controle nervoso, hormonal e também um
controle que depende da pressão parcial do oxigênio e do pH. Quando neste
território se verifica um evento traumático, como a chegada de bactérias ou a
presença de toxinas ou de substâncias químicas irritantes se desencadeiam
muitos fenômenos biológicos dos quais os principais são os seguintes:
As células musculares lisas das últimas ramificações arteriais, após uma
contração inicial, relaxam, permitindo o ingresso de muito mais sangue, que
circula na rede capilar, primeiro velozmente, depois de uma forma cada vez
mais lenta, enchendo todo o tecido (é justamente das características de rubor e
calor que deriva a antiga denominação de flogose). Nesta fase, um importante
papel é desempenhado pela própria célula endotelial que, ativada pelas
mudanças quimiofísicas do ambiente circundante, produzem uma série de
moléculas mediadoras dos processos posteriores.
As mastcélulas presentes no tecido conectivo liberam os seus grânulos que
contém histamina e outras substâncias, causando como conseqüência a
abertura de espaços entre as células do endotélio com perda plasmática e
formação de exudato (o antigo tumor, no sentido de edema, inchaço).
O exudato pode se diluir e eliminar micróbios e substâncias tóxicas, através da
rede linfática, promovendo assim a ativação da resposta imunitária. O exudato
pode formar uma rede de fibrina, que constitui também uma barreira à difusão
de germes infecciosos. No exudato estão também presentes muitas substâncias
ativas como mediadores do posterior desenvolvimento da inflamação e da
amplificação das reações. Entre estas substâncias existem fatores do
complemento que estimulam as mastcélulas a liberar a histamina
(anafilotoxina) e outras substancias que possuem ações direta na morte das
bactérias. Alguns dos mediadores estimulam também as terminações nervosas
sensitivas, causando dor e liberação de neuropeptídeos que, por sua vez,
regulam as funções das células inflamatórias aumentando a resposta flogística
[Serra et al., 1988; Perianin et al., 1989; Skerret, 1990].
Vemos então que a intervenção no foco flogístico é feita pelos glóbulos
brancos, principalmente pelos granulócitos que percebendo as modificações
do endotélio e dos líquidos teciduais saem dos vasos, chamados pelos
produtos das próprias bactérias, dos detritos celulares, pelas endotoxinas, pelo
fragmento de fibrina e pelo complemento ativado. O que se observa em
múltiplos modelos experimentais é que a passagem acontece de forma
coordenada pelos mediadores da inflamação, substâncias que se formam pela
modificação do plasma, principalmente pelos sistemas polimoleculares

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solúveis e também pelas citocinas específicas, como a interleucina-8 e as
quimiocinas (ver acima).
A complexidade da regulação do sistema inflamatório se multiplica se
levamos em consideração também a vertente imunitária em sentido estrito,
lugar onde precisamente um processo inflamatório pode ter uma ação
potencialmente lesional; este é ativado por uma desordem de informação
antigênica, ao nível de anticorpos ou de qualquer outra forma de atividade
linfocitária. As doenças autoimunes, por exemplo, possuem uma patogênese
que se caracteriza por uma desordem de organização da “rede” reguladora da
interação entre diferentes subpopulações de linfócitos. Neste intrincado jogo
de inter-relações ativadoras e inibidoras, os usos dos diferentes mensageiros
moleculares se estabelecem também em interfaces com outros sistemas de
controle ou com outros interagentes.
Trata-se, portanto, de uma ampla série de fenômenos integrados, nos quais os
fagocitos agem como células muito ativas na produção dos radicais tóxicos do
oxigênio, mas também como células capazes de produzir uma série de
mediadores que funcionam como sinais para outras células. Neste texto é
possível destacar apenas alguns aspectos da regulação bioquímica do processo
inflamatório, já que se trata de um assunto por demais extenso e polêmico.

Fase crônica
As reações vasculares e vásculo-exudativas possuem uma tendência de
autolimitação tanto no tempo como no espaço. Mas se não é resolvida de
forma rápida, o processo evolui para a cronicidade. Nas inflamações
experimentais, aplicando-se flogógenos potentes e duradouros, como as
microbactérias, se observam inflamações crônicas caracterizadas por um
acúmulo muito intenso de células da série branca (nem tanto granulócitos, mas
principalmente monócitos, macrófagos e linfócitos, ou seja, as células da série
mononucleadas). Nas inflamações crônicas se observam também uns
aumentos notáveis das fibras conectivas, tanto em forma difusa como em
forma de cápsula, que possui o objetivo de delimitar o processo, mas que pode
também levar a complicações locais no trofismo e na função dos tecidos.
Entre as possíveis conseqüências da inflamação encontramos a esclerose:
basta pensar na segunda intenção de cura de uma determinada ferida, nos
quelóides, na cirrose hepática, na fibrose pulmonar, na própria aterosclerose,
nos quais muitos dos elementos patogenéticos representam “uma resposta ao
dano” [Ross, 1986]. De fato, o desenvolvimento de uma placa aterosclerótica
se forma após um dano ao endotélio (por exemplo, devido ao fumo, a
hipertensão ou a uma desordem lipídica); as plaquetas se aderem e também os
monócitos se depositam sobre o endotélio. Estes monócitos englobam sob o

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endotélio proteínas e colesterol que acabam formando a placa. Esta placa
crônica segue uma evolução muito similar à inflamação. Também nas doenças
graves do sistema nervoso como o Parkinson e o Alzheimer o mecanismo de
inflamação crônica constitui um fator patogenético de relevada importância
[Eikelenboom et al., 1994].
A mucovisicidose (fibrose cística), a diabetes mellitus (flogose das ilhas
pancreáticas), a anemia perniciosa (flogose da mucosa gástrica), as artroses, a
amiloidose, a fibrose pulmonar, as silicoses, as tiroidites, muitas formas de
hepatites, uma ampla série de síndromes com patogenese não esclarecida,
como a esclerodermia, a sarcoidose, a doença de Crohn, a esclerose múltipla.
estão entre as doenças nas quais as inflamações crônicas assumem relevância
na patogênese.
Os fagócitos mononucleares (monócitos, macrófagos) são as principais células
da flogose crônica. Todas estas células estão distribuídas em posições
estratégicas do organismo: são fabricadas na medula óssea e transportadas
pelo sangue. Mesmo no indivíduo são encontramos estas células no tecido
conectivo, sobre a pele, no fígado, no baço, nos linfonodos e na medula óssea.
No pulmão estas revestem as superfícies dos alvéolos; as encontramos
também nos tecidos linfóides subcutâneos, no sistema nervoso (microglia), no
líquido cefaloraquídeo, até mesmo nas cavidades, nas superfícies pleurais e
peritoniais, nas sinoviais articulares.
Os macrófagos inflamatórios são aqueles que se reúnem aos macrófagos locais
no exudato durante a inflamação mediante o fenômeno da quimiotaxe,. Na
lesão “madura” da flogose crônica pode se formar o chamado granuloma,
onde também se encontram células epitelóides (macrófagos epiteliais que
formam uma espécie de pavimentação) e células gigantes polinucleares que
representam a fusão de muitos macrófagos de forma característica (quadros
histopatológicos clássicos que também servem para fins de diagnósticos). Os
granulomas são conglomerados organizados de macrófagos que se aderem
entre si e com outras células, como linfócitos e fibroblastos. No centro deste
conglomerado pode-se encontrar um foco de necrose, em trono do qual se
forma novo tecido conectivo.
Nos últimos dez a quinze anos a sensibilidade receptorial e os componentes
dos macrófagos foram estudados. Os macrófagos possuem uma sensibilidade
receptorial para dezenas de substâncias diferentes, que podem ser desde
imunoglobulinas, lipoproteínas, a fatores do complemento e mesmo proteínas
aderentes do tecido conectivo e hormônios (fatores tímicos, esteróides e
neuropeptídeos). O macrófago local, mas principalmente quando se envolve
na flogose, pode produzir substâncias do tecido conectivo, radicais de
oxigênio, apoproteínas, citocinas, fatores do complemento, fatores de

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coagulação, prostaglandinas, ACTH, endorfinas, etc. É uma fabricação de
mediadores muito ativos que amplificam o fenômeno inflamatório quando o
macrófago entra em contato com as estas substâncias.
Nem todos os sinais vistos provocam todos os fenômenos citados: alguns
sinais controlam o macrófago num sentido (os interferons, por exemplo,
poderão induzir uma ativação no sentido de produzirem radicais de oxigênio).
Outros sinais como as lipoproteínas oxidadas poderão induzir uma síntese de
apoproteínas ou o aparecimento de radicais, de moléculas de adesão ou a
fagocitose. O macrófago é ativado em estados múltiplos: existe um macrófago
responsável que possui os receptores para certos fatores quimiotáticos ou
substâncias fagocitáveis. Quando recebe um sinal fica pré-ativado: tendo
muita capacidade de adesão e de apresentar o antígeno ao linfócito. Um sinal
posterior leva a sua ativação completa: por exemplo, atividade tumoricida e
ação citotóxica.
Os processos de cronicidade possuem então as seguintes características:
1. flogose com composição marcante de mononucleares (linfócitos,
monócitos, macrófagos);
2. crescimento de tecido conectivo tanto das células como da matriz, causadas
freqüentemente por dano do parênquima (ver como exemplo a cirrose, na
qual o tecido conectivo acaba substituindo o parênquima);
3. aumento da relação colágeno / elastina;
4. tendência para a neovascularização;
5. acúmulos patológicos intra e extracelulares, como os que encontramos na
amiloidose, gota, glicogenose, os acúmulos de bilirrubina, de hemosiderina,
de colesterol;
6. encontramos então fenômenos de adaptação: o organismo no seu conjunto,
inclusive as células envolvidas no foco inflamatório, se adaptaria a situação.
Enquanto a flogose aguda apresenta uma forte reação com fenômenos
rápidos, a flogose crônica frearia esta reação, existindo de uma forma muito
mais leve do que o tecido afetado exigiria.
Existem também flogoses crônicas chamadas ab initio, caracterizadas pelo
fato de que a causa é sutil, débil e devida a mecanismos não muito intensos,
nos quais parece não existir uma flogose aguda, mesmo que esta esteja
presente de forma atenuada.

Mecanismos de cronicidade
As causas que impedem uma rápida resolução do processo flogístico podem
ser múltiplas: arranjos genéticos do sistema HLA (desordem no
reconhecimento do self), mas também causas exógenas como vírus, bactérias
resistentes à morte, corpos estranhos: estes desencadeiam uma reação

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inflamatória ligeira e aguda, mas a sua permanência leva a cronicidade. A
flogose crônica pode levar a cura mesmo que com maior lentidão e de forma
mais difícil: o exemplo clássico é a tuberculose. A inflamação crônica,
normalmente, serve para potencializar e tornar mais fino e sofisticado a
participação dos sistemas de defesa (principalmente em relação à imunidade
específica e para a ativação dos macrófagos); acaba sendo uma segunda linha
de defesa. Mesmo assim, neste ponto podem-se apresentar problemas no
sentido normal de cura. Estes processos poderiam ser vistos esquematicamente
como os fatores condicionantes à evolução da doença (ver figura 32):
1. impossibilidade de destruir o agente causal pela capacidade particular de
resistência;
2. superposição de problemas locais e sistêmicos devidos aos danos do sistema
de defesa provocados pela flogose aguda ou pelos próprios
microorganismos;
3. autoimunidade: erro dos linfócitos no reconhecimento e na forma de atingir
o alvo, ou erro na “apresentação” do alvo por parte das proteínas do sistema
HLA. Na flogose crônica, conseqüentemente, pode-se desencadear o
mecanismo de auto-agressão;
4. defeitos genéticos dos sistemas de defesa e defeitos adquiridos (fármacos
supressores, danos das barreiras intestinais);
5. danos sistêmicos devidos à caquexia, típica das doenças crônicas e
neoplásicas, devida as secreções de substâncias ativas por parte dos
macrófagos;
6. hábitos de vida errados e repetidos (fumo, alimentação excessiva, falta de
higiene);
7. podemos considerar também os depósitos patológicos (colesterol,
amilóides, cálcio, lipídeos ou glicogênio intracelular) e mesmo a própria
esclerose pode levar a problemas posteriores na circulação dos tecidos e,
conseqüentemente, a problemas na nutrição celular;
A hiperplasia, a displasia e mesmo a neoplasia podem ser consideradas
também como complicações a médio e longo prazo. A flogose crônica pode
representar um discreto “terreno de cultura”, tanto pela presença de radicais
livres como pela presença de fatores de crescimento (estimuladores), inclusive
para um crescimento neoplásico. Fica óbvia a não resolução desta questão
com poucos conceitos porque no foco inflamatório existem também forças que
combatem o próprio tumor (macrófagos ativados, tumor-necrosis factor,
linfócitos, etc).
Um outro aspecto - que se relaciona a tudo o que foi dito na primeira parte do
texto - é o caos, que está presente normalmente na homeodinâmica de redes
múltiplas e interconectadas como as citocinas, os neuropeptídeos, o sistema

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endôcrino, as redes idiotipo-antiidiotipo, o equilíbrio HLA-receptores
imunitários. O caos em si não é um aspecto negativo, já que é justamente ele
que permite a existência de flexibilidade e geração de diversidade. Mas, os
sistemas caóticos podem mais facilmente sofrer perturbações no seu
funcionamento. Ou seja, existem possíveis desordens no sistema de defesa,
com o surgimento de fortes perturbações, em lugares específicos ou
generalizados dos sistemas homeodinâmicos.
As oscilações podem induzir um sistema vizinho a um tipo de reação que
muda drasticamente o próprio comportamento reacional, por exemplo,
desencadeando um sistema de autoamplificação ou o bloco de uma
sensibilidade receptorial. Tudo isto leva a perda da coordenação do sistema de
inflamação no seu conjunto e em relação a outras exigências do organismo:
criam-se as “ilhas de desordem” que se automantém e que em longo prazo
causam danos irreversíveis aos tecidos, aos órgãos ou aos mecanismos
bioquímicos. Os “comportamentos patológicos” são, sob este ângulo, análogos
aos “atratores caóticos”, quando um esquema se consolida dificilmente sai
desse estado porque está afetado por circuitos viciosos.
Nem sempre esta situação está ligada a sintomas fixos, mesmo assim é
possível que no curso da cronicidade a expressão dos sintomas se atenue,
mesmo porque o sistema anômalo adaptado está realmente adaptado, ou seja,
não sofre de contradições marcantes que possam induzir a graves
desequilíbrios dos mediadores inflamatórios. Esta situação de “trégua” é,
contudo obtida apenas transferindo o desequilíbrio para níveis de diferentes
desordens, sem a eliminação real desta desordem. O novo estado poderia ser o
de um amplo remanejamento das funções do sistema endócrino (ver diabete),
do sistema cardiovascular (hipertensão), do sistema nervoso (depressão), do
sistema imunitário (emergência de clones autoreativos).

Radicais livres
Os radicais livres produzidos pelos fagócitos ativados desempenham um papel
importante no processo inflamatório, especialmente aqueles derivados do
oxigênio e do nitrogênio. São substâncias paramagnéticas porque existe um
elétron desemparelhado na camada de valência, ou seja, a órbita mais externa
da molécula. É interessante recordar que a produção de radicais livres é
acompanhada de fenômenos biofísicos como a emissão de quantos luminosos
(com  de aproximadamente 570 nm) por parte de leucócitos ativados (figura
33) [Cheson et al., 1976]. O significado biológico deste fenômeno não está
totalmente esclarecido, considerados os efeitos de radiações luminosas e
campos eletromagnéticos sobre os próprios fagócitos [Baiguera et al., 1986;
Ricevuti et al., 1989; Shen et al., 1994; Roy et al., 1995], não se pode excluir

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a possibilidade de que se trate de um sinal eficaz na comunicação intercelular
ou no controle metabólico intracelular.

Figura 33. Representação do fenômeno da luminescência emitida pelos


leucócitos polimorfonucleares quando são ativados por bactérias ou no
decorrer de reações inflamatórias. Na figura são também representados
outros dois fenômenos relacionados à ativação leucocitária: a produção
dos radicais fortemente reagentes do oxigênio (O2-) e a adesão a
superfícies pelas quais existam receptores específicos.

Os radicais livres são espécies moleculares altamente reativas, que possuem


funções microbicidas, citocidas, de inativação toxínica e que causam
despolimerização do tecido conectivo. A fluidificação do tecido conectivo na
inflamação aguda está ligada, entre outros fatores, a grande quantidade de
radicais livres gerados pelos neutrófilos e pelos macrófagos. Os seus efeitos
intracelulares são a atividade bactericida e a oxidação dos vários substratos.
Mais detalhes sobre este assunto pode ser encontrados em outros trabalhos do
autor [Bellavite, 1988; Bellavite et al.,1993b; Bellavite et al. 1994a, 1994b].
Uma interpretação coerente do papel desempenhado pelos radicais livres
(figura 34) é baseada no equilíbrio sutil dos fenômenos que tais moléculas
podem realizar. Mas acabam também sendo na prática “facas de dois gumes”.
Por um lado possuem efeitos úteis como: atividade bactericida, tumoricida,
inativação toxínica, como também inativação dos mediadores que se

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encontram em excesso, o que acaba provocando uma diminuição da flogose; e
por outro lado possuem uma toxicidade própria, mutagênese, cancerogênese
ao nível do DNA, inativação dos inibidores. Por exemplo, o enfisema
pulmonar está ligado ao fato que os inibidores da elastase que destroem as
fibras elásticas, são inibidos pelos radicais livres do oxigênio: deste modo a
elastase pode destruir as fibras pulmonares.

Figura 34. Os derivados tóxicos do oxigênio e os seus efeitos positivos e


negativos. O2¯ = ânion superóxido; H2O2 = peróxido de hidrogênio; OH·=
ânion hidroxila; 1O2 = oxigênio singleto; O3· = ozônio; NO·= óxido nítrico.

Os efeitos dos radicais livres ao nível molecular são essencialmente


modificações das proteínas (oxidações, agregações), dos polissacarídeos
(despolimerização), dos lipídeos (peroxidação), dos ácidos nucléicos (quebra
de cadeias, mutações). Estes efeitos são úteis ou danosos dependendo da
situação nas quais estas modificações se realizam. De fato, se a liberação dos
radicais tóxicos acontece no contexto de uma ação destrutiva nos confrontos
de microorganismos patógenos invasores ou nos confrontos de toxinas
(exógenas ou endógenas) ou de células tumorais, isto poderia com certeza se
considerar útil. Por outro lado, as mesmas modificações bioquímicas podem
apresentar significados prevalecentes patológicos em outras situações, como
nos fenômenos de aterosclerose, dano tecidual pós-isquêmico, catarata,

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 24


enfisema pulmonar, doença de Parkinson, esclerose múltipla, choque,
queimadura, artrite reumatóide, síndrome do “distress” respiratório, etc.
Evidentemente neste tipo de problemática, o que determina o resultado
“último” de uma reação bioquímica não é nem tanto a própria molécula, nem a
sua quantidade, mas a “regulação” do processo num sentido mais amplo.
A oxidação das lipoproteínas também é provocada pelos radicais livres:
atualmente a aterioesclerose não é mais tão relacionada ao colesterol e a
relação LDL/HDL, e sim ao LDL que são alterados ligando-se a outras
moléculas como, por exemplo, dermatan sulfatos, glicoproteínas do conectivo,
ou mesmo alterados sutilmente na seqüência dos aminoácidos por oxidação
dos radicais, transformando-se assim mais aptos para o receptor “scavenger”
do macrófago [Steinberg, 1989].

As citocinas
A febre existente nos processos infecciosos é devida à presença de substâncias
liberadas pelos microorganismos. Estas substâncias foram descritas já no
começo da microbiologia. Um pioneiro destes estudos foi E. Centanni que no
1893 demonstrou a presença de uma substância não protéica, termostática, em
culturas de microorganismos, que ele chamou de pirotoxina. O termo de
substância pirogênica foi mais adequado, descrita por Seibert em 1923, em
filtrados de microorganismos patógenos e não patógenos. Co Tui e
colaboradores isolaram em 1944 os polissacarídeos da Salmonella typhosa,
capazes de induzir febre nos animais. Robinson e Flusser em 1944 isolaram
substâncias similares do Proteus vulgaris e da Pseudomonas. Estas substâncias
agem em doses baixíssimas (microgramas) e foram identificadas
posteriormente com as endotoxinas (lipopolissacarídeos dos gram-negativos).
A injeção endovenosa de endotoxinas produz no homem após 75 minutos
aproximadamente, um aumento da temperatura corporal. A existência de um
período de latência fez supor que a endotoxina não agiria diretamente nos
centros termoreguladores, e sim por meio da produção de algum mediador
endógeno. O termo pirogênio endógeno sérico foi introduzido por R. Grant e
W. J. Whalen em 1953, que identificaram no soro de sujeitos tratados com
lipopolissacarídeos a presença de um fator termogênico, diferente
quimicamente dos mesmos polissacarídeos. I. L. Bennet e P. B. Beeson
descobriram no mesmo ano que o pirogênio endógeno é produzido pelos
leucócitos.
No final dos anos sessenta floresciam os estudos sobre os mediadores
endógenos da febre, mas que não estavam ainda caraterizados ao nível
molecular, mas somente como atividade. Portanto, ora se falava de pirogênio
endógeno (EP), ora de leukocytic endogenus mediator (LEM), ou de

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lymphocyte activating factor (LAF), ou também de mononuclear cell factor
(MCF).
A busca do pirogênio endógeno foi concluída pela descoberta no trabalho de
C. Dinarello, de que o principal pirogênio leucocitário é uma molécula que
pesa em torno de 15.000 daltons, que se decidiu chamar interleukin-1 (IL-1)
num workshop internacional sobre citocinas realizado em Ermatigen na Suíça
em 1979. Foi assim que se iniciou a era das interleucinas, que posteriormente
entraram na grande família das citocinas. As IL-1 foram atribuídas muitas
outras funções como a de ativar a síntese hepática de proteínas de fase aguda,
de estimular as leucocitoses medulares, de desencadear a resposta imunitária.
Deve-se também destacar que nos últimos dez anos muitas outras citocinas
foram descobertas e caracterizadas. Destas a IL-6 e o TNF-α possuem com
certeza atividade pirogênica.
A seguir apresentaremos algumas informações sobre as citocinas, sem a
pretensão de se fazer uma exposição exaustiva sobre um assunto tão amplo e
complexo, mas apenas a de apresentar o papel destas, na fisiologia do
organismo e introduzir alguns conceitos importantes para concepção
biodinâmica do processo inflamatório. O interesse por essas moléculas não é
só teórico e consiste também na sua possível importância no campo do
diagnóstico e da terapêutica como fator de regulações “naturais”.
O termo citocinas refere-se a uma vasta série de componentes protéicos
produzidos pelas células segundo uma grande variedade de estímulos
indutores. Os clássicos hormônios peptídicos satisfazem uma definição
similar, mas eles são produzidos por órgãos endócrinos específicos, enquanto
que as citocinas são produzidas por diversos tipos celulares em diferentes
tecidos.
Todas as citocinas partilham, do ponto de vista molecular, a característica
comum de serem constituídas de pequenos fatores protéicos, em alguns casos
modificados por resíduos de carboidratos (glicoproteínas). Em geral, pode-se
considerar como válido o conceito de que a ação das citocinas é aquela de um
componente que age sobre receptores definidos presentes nas células alvo e
ativa uma série de modificações funcionais que podem ser principalmente:
1. mediação da resposta imunitária natural e/ou específica para a produção de
outras citocinas ou de outros mediadores, e regulação das moléculas de
membrana (receptores);
2. ação sobre o crescimento e a diferenciação celular;
3. ação sobre a expressão e a síntese protéica de outros fatores.
A interação citocina-célula-alvo pode ser distinguida em três categorias:
autócrina, se a citocina age sobre a célula que a produziu; parácrina, se a
citocina age sobre uma célula vizinha, mas diferente em relação ao tipo celular

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que a produziu; telécrina, se a citocina é produzida por um tipo celular
definido e lançada no circuito sangüíneo para agir numa célula-alvo que se
encontra em outro lugar.
No que se refere a sua classificação podem-se delinear algumas classes ou
grupos baseando-se nas suas funções. A classificação mais recente [Akira et
al., 1990; Benton, 1991; Thompson, 1992; Gallin et al., 1992; Romagnani,
1992; Chirumbolo et al., 1995; Cassatella, 1996] distinguem:
1. as interleucinas (IL-1... IL-18);
2. as quimiocinas (C-C, C-X-C, e outras);
3. os interferons (, , );
4. os tumor necrosis factors, TNF (, ·);
5. os colony-stimulating factors (CSF) para os diferentes tipos de leucócitos;
6. os growth factors (para as células epiteliais, endoteliais, eritroblastos,
plaquetas, etc.);
7. os transforming growth factors (TGF);
8. os fatores neurotróficos.
Esta classificação possui uma finalidade apenas didática, já que a grande
maioria das citocinas possui um notável pleiotropismo58 de alvos e
redundância59 de ação, pelo qual a função de uma citocina de um grupo pode
freqüentemente se sobrepor àquela de uma segunda citocina de outro grupo.
Um amplo grupo de citocinas (entre as quais são muito importantes os fatores
de crescimento, IL-1, IL-6, o TNF-) são produzidas pelos fagócitos após
estimulações de vários tipos, desde o contato com substâncias bacterianas até
interações com mensageiros endógenos, bioquímicos e hormonais. Como
procuramos ilustrar na figura 35, estas citocinas possuem ações múltiplas na
dinâmica da resposta sistêmica à inflamação, enquanto transportadas por
líquidos biológicos (sangue e linfa) acabam ativando muitos tecidos que
possuem receptores específicos.
Um dos papéis mais significativos das citocinas é aquele de promover e
controlar o crescimento, a proliferação e a diferenciação celular; numerosas
citocinas interferem neste processo de modo unívoco e, por tal motivo,
acabam sendo conhecidas pelo nome de fatores de crescimento (growth
factors).
O papel dos fatores de crescimento, proliferação e diferenciação celular é uma
característica bastante comum na maioria destas substâncias. Trata-se de uma
propriedade que permite a estas moléculas controlar a fisiologia celular de um
modo muito similar ao dos clássicos hormônios peptídicos. Deste ponto de

58
Pleiotropismo: capacidade de uma única célula ou de um único sinal de influir em muitos alvos diferentes.
59
Redundância: quando fatores diferentes possuem uma atividade biológica similar.

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vista, se trata de uma função muito delicada e, por isto, “vulnerável” da
patologia: uma excessiva produção ou uma enorme estrutura molecular das
citocinas pode representar um elemento patogenético fundamental no
desenvolvimento das neoplasias, como é demonstrado pelo fato que os genes
codificados por muitas citocinas se comportam como oncogênicos quando
afetados por mutações.

Figura 35. Citocinas multifuncionais produzidas pelos fagocitos e seus


efeitos múltiplos (pleiotrópicos).

Muitas citocinas são definidas num contexto mais específico àquele da


resposta imunitária. Podemos considerar por antonomásia um grupo de
citocinas produzidas pelo sistema imunitário e definidas como interleucinas.
Este termo é atribuído a um grupo de pelo menos 18 moléculas descritas até
hoje, que possuem o objetivo principal de mediadores na resposta imunitária
natural e/ou específica. Estas moléculas alcançam este objetivo estratégico
mediando a função do sistema imune natural ou inespecífico, com o sistema
imunitário específico ou anticorpo dependente. A própria função destas
citocinas constitui um network de interações no qual as mesmas citocinas
agem sobre mais células alvo.
As quimiocinas são uma família de citocinas com atividades quimiotáticas nos
confrontos dos fagócitos mononucleares e dos granulócitos polimorfos

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nucleares. Estes assumem um papel no sistema imunitário inespecífico e,
recentemente, foram individualizados também como fatores importantes no
recrutamento das células envolvidas nas reações alérgicas. As quimiocinas são
divididas em duas subclasses,  e , pela presença de uma determinada
cadência de resíduos cisteínicos (C-X-C na  e C-C na ).
Os interferons constituem um grupo de citocinas (diferenciadas em IFN-,
IFN- e INF- ou interferone imune) que induzem uma resposta antiviral e
participam na regressão e necrose dos tumores. O INF- é um potente ativador
dos monócitos-macrófagos.
Os fatores de necrose tumoral (TNF, diferenciados em TNF- e TNF-)
possuem uma notável importância fisiopatológicas A importância destes
fatores se revela tanto na ação contra as infecções como na ação contra os
tumores. O IL-1, como também os TNF, possuem uma ação básica nas
reações febris. Em pequenas concentrações os TNF- possuem funções
essenciais na resposta imune natural: ativa os monócitos e os macrófagos em
sinergia com o IFN-; é quimiotático para os monócitos; induz a diferenciação
destas células protegendo-as da apoptose, provavelmente, porque induz a
liberação de CSF-1; aumenta a resposta dos linfócitos T ativados pelo IL-2 e a
produção do IL-2, regula a afinidade e a resposta aos formilpeptídeos por
parte dos neutrófilos. Por outro lado, age sobre células endoteliais no sistema
de coagulação, na expressão das citocinas hematopoiéticas, sobre fibroblastos,
cartilagem, tecido ósseo e tecido adiposo. Em doses mais elevadas induz
febre, sonolência, produção de ACTH e estimulação hepática das sínteses das
proteínas da fase aguda, até graves síndromes como o choque e a caquexia.
Por outro lado, parece que o TNF- também está envolvido nas patologias
autoimunes.
O espectro de efeitos provocados por uma única citocina pode depender tanto
da natureza como do estado funcional da célula-alvo. Uma mesma citocina
pode ter uma atividade inibidora nos confrontos com certos tipos celulares e
uma atividade estimulatória nos confrontos com outras células. É o caso, por
exemplo, do TGF- que é um inibidor das células epiteliais, endoteliais e
hematopoiéticas, mas também é ao mesmo tempo um mitógeno (ativador do
crescimento) para alguns tipos celulares de origem mesenquimal. Pela sua
atividade inibidora no desenvolvimento da resposta imunitária, o TGF- é
considerado atualmente um imunossupressor potencial natural que poderia ter
uma grande importância nas terapias das doenças autoimunes.
Nas células que podem assumir estados funcionais diferentes, propriedade
típica do macrófago (residente, inflamatório, ativado), por exemplo, algumas
citocinas possuem papéis diferentes, ou mesmo opostos, dependendo da

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sensibilidade e disponibilidade das células num determinado momento ou
numa determinada localização (figura 36) [Adams e Hamilton, 1992].
Como dissemos, as citocinas interagem umas com as outras numa dinâmica de
redes in vivo. As citocinas podem estimular ou inibir a síntese e a secreção de
outras citocinas, tanto de forma direta como modificando a resposta da célula
a outros agentes indutores (ver figura 37). Muitas das atividades superpostas
derivam da utilização de receptores em comum (é o caso, por exemplo, do
TGF- e do EGF) ou dos percursos similares (pathways) de transdução do
sinal receptorial.

Figura 36. Compostos que causam ativação e/ou inibição do macrófago.


Observa-se que algumas substâncias ativam os macrófagos em repouso e
inibem os macrófagos já ativados. Isto torna teoricamente problemático
seu uso como possíveis fármacos reguladores.

De tudo o que dissemos se deduz de forma clara a amplitude do espectro das


modificações produzidas pelas citocinas em todo o organismo. Porém, deve-se
considerar o fato de que tais moléculas, muito ativas e potentes em baixas
doses, se controlam reciprocamente com múltiplos feed-back positivos e
negativos que, por sua vez, são controlados por diferentes fatores hormonais
(figura 37).

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 30


Figura 37. Relações de controle recíproco (rede) entre as principais
citocinas multifuncionais.

Deste modo acabam-se formando seqüências ou cadeias dinâmicas de relações


causa-efeito entre diferentes citocinas podendo acontecer que o aumento de
uma (como do TNF-) seja acompanhado em pouco tempo por um aumento
das outras duas (p.e. IL-1 e IL-6), posteriormente a IL-6 sofre outro estímulo
pela mesma IL-1, transformando-se finalmente na citocina principal, mesmo
porque depois ela inibe a síntese do TNF- e do IL-1; enfim acontece que se
reduzindo estas duas citocinas, inclusive o estímulo para a produção de IL-6, a
reação inteira cessará.
Se consideramos o que foi citado acima sobre as complexas inter-relações
mediadas pelas citocinas ao nível do sistema imunitário, se compreende
também porque não é fácil a sua utilização terapêutica. Antes de tudo, as
múltiplas e potentes ações biológicas que elas possuem fazem com que a sua
administração cause, de forma fácil, efeitos indesejados. Por outro lado, nem
sempre os efeitos obtidos nos trials correspondem às expectativas.
Encontramos um exemplo significativo destas questões no papel
desempenhado pelas citocinas nas doenças autoimunes e alérgicas. Modelos
experimentais de diabete insulinodependente e de esclerose múltipla
(encefalite alérgica experimental) nos forneceram, nos últimos dez anos,
avanços importantes para a compreensão dos mecanismos subjacentes às
doenças imunitárias. Esta última pode ser induzida pela administração de

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linfócitos T helper de tipo 1 (Th1) no animal, produzindo citocinas como os
interferons  e TNF-. Contrariamente, um efeito benéfico e de melhora é
provocado pela administração de linfócitos T helper de tipo 2 (Th2), que
produzem IL-4 e IL-10.
Nas doenças autoimunes existiria um desequilíbrio entre as citocinas “boas”
produzidas pelos Th2 e as citocinas “ruins” produzidas pelos Th1 [Charlton e
Lafferty, 1995]. Baseados nestes pressupostos foram feitos muitos estudos
procurando encontrar estratégias terapêuticas que promovam o
desenvolvimento de clones Th2 (principalmente com citocinas como IL-4 e
IL-10).
Deve-se considerar também que nas doenças alérgicas e, em particular na
asma, existe uma produção excessiva de IgE devido, provavelmente, a um
desbalanceamento do sistema imunitário em relação à produção de clones Th2
[Vogel, 1997]. Isto porque alguns autores começaram a observar que as
infecções infantis previnem o desenvolvimento das doenças alérgicas e que o
aumento de doenças atópicas pode ser relacionado a considerável diminuição
de doenças com o componente Th1 predominante, como por exemplo a
tuberculose [Matricardi, 1997].
Recentemente foi comprovado no entanto que a distinção entre Th1 e Th2 é
esquemática demais, pois existiriam, pelo menos no homem, formas
intermediárias entre os dois tipos celulares (Th0) e que alguns modelos
experimentais IL-10 e IL-4 acabaram causando mais uma agravação do que
uma melhora da autoimunidade. A conclusão destes estudos é significativa:
“Quando na clínica nos propomos tratar de doenças crônicas utilizando
tratamentos que se mostram eficazes em algum modelo animal, os clínicos
deveríamos monitorar aguçadamente os efeitos destes tratamentos. Teremos
de fato uma probabilidade grande de obter resultados bem diferentes
daqueles previstos nos modelos experimentais” [McFarland, 1996]. Deve-se
considerar também que tanto nas doenças alérgicas como nas autoimunes o
papel desempenhado pelos fatores psicológicos e endócrinos é de relevada
importância [Ader et al., 1995; Solomon, 1997].
Concluindo, a função das citocinas na fisiologia do organismo e sua utilidade
nas terapias das síndromes inflamatórias e do câncer ainda é uma questão que
continua sendo indagada. Tudo isto é devido ao fato de que a complexidade
das citocinas e das suas inter-relações fazem com que a compreensão da
atividade destas moléculas no organismo seja ainda cheia de lacunas.
Provavelmente, o crescente desenvolvimento da pesquisa neste campo
permitirá notáveis progressos no estudo do papel destes fatores e do
significado da sua pleiotropicidade de ação.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 32


A resposta ao estresse
O foco da inflamação possui relações profundas com todo o organismo. Estas
relações são bidirecionais; a inflamação localizada pode influenciar o corpo
todo e vice-versa, o estado geral de saúde influi na evolução e na amplitude do
processo flogístico. Atualmente, acredita-se que os efeitos sistêmicos da
inflamação sejam devidos principalmente à produção de mensageiros
bioquímicos constituídos, sobretudo pelas citocinas, mas também pelos
mesmos hormônios como os ACTH e TSH, ou mesmo pelas endorfinas, por
parte das células envolvidas em qualquer tipo de foco inflamatório.
Pode-se considerar, por outro lado, a relação que existe entre inflamação e o
sistema todo, devido à influência que exerce o sistema neuroendócrino sobre a
inflamação [Goetzl e Sreedharan, 1992]. O grupo de moléculas de origem
neuroendócrina com efeitos sobre os leucócitos compreende corticotropina-
releasing factor (CRF), tireotropina-releasing factor (TRF), vasopresina,
vasoactive-intestinal peptideos (VIP), endorfina, hormônio do crescimento
(GH), substância P, angiotensina 2, glucocorticoides, adrenalinae prolactina.
Trata-se de um assunto vasto e também difícil de abordar porque se estende da
bioquímica à imunologia, à neurologia e ate a psicologia, áreas evidentemente
muito distantes entre si, difíceis de serem conhecidas com inteira competência
por uma única pessoa e até mesmo por um único grupo ou instituto de
pesquisa. Acredita-se que as reações imunitárias possam ser condicionadas por
outras reações fisiológicas de modo pavloviano clássico, como também já se
sabe que durante o estresse existe uma involução do timo e uma depressão
imunitária. Sabe-se que as respostas imunitárias podem ser estimuladas ou
suprimidas por numerosas situações de forte solicitação psíquica como perda
do cônjuge, depressão, ansiedade por exames e concursos, e mesmo pelo
sofrimento nas crianças abandonadas.
No que se refere ao estresse em particular, devemos considerar que se trata de
uma condição constante na vida do homem e que se bem já foram elucidados
seus aspetos negativos, existe também um componente positivo. O estresse
positivo, chamado de “eustress”, estimula as respostas fisiológicas preparando
o organismo para reagir com eficácia aos estímulos ambientais [Farné, 1990].
Independente da causa inicial, cada estresse (químico, físico, biológico,
psicológico, endógeno ou exógeno) de intensidade suficiente, desencadeia
respostas adaptativas do organismo, das quais as principais são as seguintes:
1. redistribuição da circulação sangüínea com direcionamento do oxigênio e
dos nutrientes em direção ao sistema nervoso central; coração e músculos
esqueléticos;

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2. aumento da pressão sangüínea, da atividade cardíaca e da função
respiratória;
3. aumento da gliconeogênese, da glicogenólise e da lipólise;
4. inibição da função das gônadas e da atividade sexual;
5. supressão do interesse pela comida;
6. aumento do estado de vigília e de alerta;
7. contenção da resposta inflamatória e imunitária.
A explicação da fisiopatologia do estresse é extremamente vasta e variada,
podendo ser tratada por diversos ângulos. Aqui daremos particular
importância aos aspectos relacionados com o processo inflamatório.
Como observamos na figura 37, a produção das citocinas multifuncionais é
inibida diretamente pelos glicocorticóides, os típicos hormônios produzidos
pelo organismo exposto a vários tipos de solicitação intensa. As interações
neuroimunoendócrinas observadas na situação de estresse (psicológico ou
biológico) são ilustradas ainda com maiores detalhes na figura 38, sobre as
quais é necessário destacar os “feixes ponte” existentes na grande parte das
reações ao estado de estresse se consideradas ao nível sistêmico.
Estímulos de várias naturezas, tanto de tipo psicológico (medo, emoções
fortes, preparação para luta, frustrações inesperadas, vexações, relações
sexuais, etc.) como as de tipo físico-químico (traumas, temperaturas limite
baixas e altas, hipoglicemia, atividade muscular extenuante, intoxicações,
infecções graves, etc.) determinam uma ativação maciça do sistema de
resposta ao estresse, responsável pelas respostas adaptativas acima citadas.
Estes mecanismos fisiológicos são constituídos essencialmente por dois
“feixes” (cadeias de estimulação verticais que vão do cérebro às glândulas),
aqui representadas pelos lados direito e esquerdo na figura 38 e por uma rede
de conexões centrais entre o hipotálamo e outras áreas cerebrais.

Os “feixes neuroendócrinos”
De um lado (à esquerda na figura 38) se encontra o centro paraventricular do
hipotálamo, que produz uma série de mediadores entre os quais o
corticotropin-releasing hormon que estimula a hipófise a produzir hormônio
adenocorticotrópico que, por sua vez, aumenta a produção de corticoesteróides
por parte da supra-renal. Os corticoesteróides possuem muitas ações
estimulantes sobre o metabolismo, no fígado e em outros órgãos, mas se os
consideramos em relação ao sistema imunitário e as células inflamatórias, eles
possuem um efeito inibidor nas reações mediadas por tais células (efeito
antinflamatório que também é utilizado com fins terapêuticos).

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Figura 38. Interações neuroimunoendócrinas na resposta ao estresse
psicológico e biológico. CRH: corticotropin-releasing hormon, ACTH:
hormônio adenocorticotrópico NE: noreprinefrine, CS: corticoesteróides.

Os CS possuem também um efeito de feed-back negativo sobre a hipófise e


sobre o hipotálamo, de forma que seu aumento excessivo causa bloqueio dos
hormônios, cuja produção ele mesmo estimula. É necessário ainda destacar
que recentemente surgiram evidências de que o papel dos glicocorticóides não
se reduz apenas ao de imunosupressores [Wilckens e De Rijk, 1997]: mesmo
que todos eles estimulem a produção de proteínas da fase aguda por parte do
fígado (algumas destas proteínas possuem funções defensivas), por outro lado,
em doses baixas (fisiológicas basais) e em presença de endotoxinas, a

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 35


cortisona estimula a produção de citocinas, enquanto que em doses dez vezes
superiores (aquelas atingidas durante um estresse intenso) a inibe.
Também é determinada (à direita da figura 38) uma ativação maciça do
sistema simpaticoadrenomedular, iniciada pelo locus coeruleus e mediada
pelos nervos simpáticos e pela medula da supra-renal. Isto leva a uma
aceleração do ritmo cardíaco, a uma vasoconstrição na área esplênica e
cutânea, a uma aceleração da coagulação sangüínea, a uma liberação de
glicose das reservas hepáticas de glicogênio. Os hormônios do sistema
simpático possuem também um leve efeito inibidor sobre os processos
inflamatórios. Todas estas reações possuem, evidentemente, o sentido de
preparar o organismo para a luta ou para a fuga frente a qualquer ameaça que
coloque em risco sua integridade.

Sintomas centrais e periféricos


Na figura 38 são ilustrados outros dois conceitos muito importantes destes
mecanismos adaptativos: o fato de que existem múltiplas conexões ao nível
central entre o hipotálamo, locus coeruleus e outros centros superiores (de
forma que a resposta ao estado de solicitação está integrada por projeções
recíprocas, de vias aferentes de natureza psíquica e provoca mudanças de
amplo espectro), e o fato de que a resposta é estimulada também pelas
citocinas multifuncionais (assim se explica o fato de que a inflamação ao nível
periférico causa respostas hipotalâmicas e indiretamente mudanças hormonais
como o hipercorticosuprarenalismo). Este último aspecto em relação à
multiplicidade de funções centrais e periféricas das citocinas está
esquematicamente resumido na figura 39.

Estimulação
da febre -
Inibição do Supressão
hormônio tiroidiano do apetite

Estimulação
Supressão
do fígado
(“fase aguda”)
IL-1 e IL-6 da libido

Estimulação Estimulação
do SN simpático Estimulação da resposta imunitaria
do sono

Figura 39. Efeitos pleiotrópicos de IL-1 e IL-6. Muitos dos sintomas dos
estados inflamatórios agudos e da resposta ao estresse são reproduzidos
no animal pela administração de citocinas purificadas.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 36


O núcleo paraventricular e o locus coeruleus respondem de modo similar aos
mesmos mediadores: serotonina e acetilcolina agem sobre eles excitando-os,
enquanto o ácido aminobutírico, as endorfinas e os glicocorticóides têm efeito
inibitório. Por outro lado, o estado de solicitação, sobretudo de natureza
emocional, determina a ativação dos sistemas neuronais no proencéfalo
envolvidos no controle das emoções e dos processos cognitivos, como a
amígdala, o hipocampo e os sistemas dopaminérgicos mesocoticais e
mesolímbicos. Do núcleo paraventricular partem vias ativadoras em direção
ao núcleo arcuato o qual, por sua vez, produz uma substância (POMC)
precursora das endorfinas, que reduzem a sensibilidade à dor.
Na figura 40 estão posteriormente detalhados os mediadores neurohormonais
que participam na complexa rede de interações homeodinâmicas entre o
sistema neuroendócrino e o sistema imunitário e a inflamação. É interessante
destacar que muitos neurohormônios são produzidos também pelas células
leucocitárias. Este esquema explica também o surgimento de sintomas centrais
e sintomas periféricos, ou derivados de órgãos em particular formando uma
totalidade integrada.

STRESS
ALTERAÇÕES DE:
PSICOLÓGICOS HUMOR
APETITE
LIBIDO
SISTEMA SONO
NEUROENDÔCRINO DOR
ETC.

CRF, ACTH
GH, -ENDORFINE, ACTH
-ENDORFINE, PROLACTINA
TSH, LH, CITOCINAS
GH, GLUCOCORTICOIDES

SISTEMA
IMUNITARIO E
INFLAMAÇÃO ALTERAÇÕES DE:
STRESS SANGUE
QUÍMICO-FÍSICO
VASOS
BIOLÓGICOS
TECIDO CONECTIVO
MEDULA OSSEA
FIGADO
ETC.

Figura 40. Ciclos de inter-relações dinâmicas entre o sistema nervoso e o


sistema imunitário e as moléculas que deles participam.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 37


Os três estados do estresse
Pode-se notar aqui que existe uma complexidade de inter-relações “no espaço”
entre vários órgãos, glândulas e centros nervosos, mas que também existe uma
complexidade dinâmica “no tempo”. Já os primeiros estudiosos do estresse
notaram, numa importante e ampla série de experimentações realizadas em
animais [Cannon, 1928; Cannon, 1936; Selye, 1936] que as diferentes reações
ao estresse aconteciam de forma dinâmica, que se podem distinguir de forma
esquemática em três fases:
1. reações de alarme, que se seguem imediatamente após o estímulo, na qual
os fenômenos descritos são ativados de forma maciça e que se associam
com a diminuição dos grânulos secretores das supra-renais (porque
liberaram em círculo os diferentes hormônios) e diminuição do timo, e de
forma geral do sistema linfático e hematológico (efeito dos
corticoesteróides), hemoconcentração, hipocloremia;
2. fase de resistência, que surge quando a exposição ao estado de solicitação
continua por um período longo, no qual a maior parte das modificações
morfológicas e bioquímicas agudas desaparecem e ainda por cima invertem
sua direção: temos hipertrofia da corteza supra-renal, hemodiluição,
hipercloremia;
3. enfim, se o estado danoso se prolonga além do estado de resistência, se
passa ao estado de exaurimento, durante o qual reaparecem as
manifestações do estado de alarme, mas a homeodinâmica é a tal ponto
instável que esta situação conduz logo a morte do animal. A razão
fundamental da deterioração progressiva é pelo surgimento do choque, com
grave distúrbio da hemodinâmica, danos isquêmicos em importantes órgãos
como o fígado e rins, toxemia, alterações metabólicas e coagulação
intravascular.
Outras manifestações típicas da resposta ao estresse são a supressão da
atividade reprodutora, a redução da nutrição, o aparecimento de úlcera
gastroduodenal, o aumento da capacidade de aprendizagem e
hiperemotividade. Obviamente, apesar de todos estes fenômenos biológicos e
apesar destes sintomas serem bastante inespecíficos (no sentido de
acontecerem como resposta a todos os agentes estressantes), pode existir um
incremento deste ou daquele fenômeno segundo os agentes etiológicos e das
características típicas de determinado animal ou do homem. O fato de que
também os fatores genéticos são determinantes é demonstrado pelas
diferenças muito marcantes que podem ser observadas nas respostas
inflamatórias em cepas de ratos que diferem nas suas capacidades de resposta
ao estado de solicitação máxima.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 38


O correto funcionamento do sistema do estresse é de importância fundamental
para a manutenção da homeodinâmica psicofísica e do estado de saúde, que é
no fundo, a capacidade de se adaptar com sucesso aos desafios ambientais. O
sistema pode ser alterado profundamente pela experiência estressante vivida
em particulares momentos da vida: por exemplo, prematura separação do
filhote da mãe macaca faz com que na idade adulta a própria macaca venha a
Ter uma secreção mais elevada e mais prolongada de ACTH e de
glicocorticóides em relação à macaca de controle, com a mesma quantidade de
estímulos estressantes. Uma desrregulação do feixe hipotálamo-hipófise-
suprarenal provoca também no homem patologias psiquiátricas, imunitárias e
até o dano neuronal de envelhecimento. Neste processo estão envolvidos os
hormônios corticosuprarenais que em doses fortes e com incrementos
patológicos repetitivos acabam sendo com certeza neurotóxicos
(principalmente ao nível das células do hipocampo).

Aspectos psicológicos do estresse


Uma análise puramente fisiopatológica não esclarece de fato o processo
dinâmico que acontece em determinadas doenças, como por exemplo, as
distonias neurovegetativas, as neuroses ou muitas doenças crônicas que
mesmo manifestando-se com sintomas orgânicos possuem sua origem no
estresse, principalmente endógena, com conflitos internos de natureza
psicológica ou psicossomática. Existem doenças como as contagiosas
epidêmicas ou como as doenças por carência que se manifestam em
determinados territórios devido a situações ambientais, nas quais seria absurdo
procurar a causa num problema psíquico individual. Existem muitas outras
causas nas quais fatores biológicos e anatômicos se superpõem com relações
complexas de causa-efeito a situações de desordem dinâmica da esfera
psíquica. Portanto, apesar deste conceito ser geralmente aceito pela cultura
médica atual e ser comprovável na vivência ambulatória de qualquer médico
clínico, na prática a verdadeira dimensão psicossomática das doenças não
encontra a adequada valorização na metodologia clínica utilizada.
As experiências afetivas na idade muito precoce possuem um impacto forte no
modo com o qual o sistema neuroendócrino responde às solicitações
ambientais pelo resto da vida [ver como exemplo, Solomon et al., 1968;
Sapolsky, 1997; Liu et al., 1997]. Este fenômeno parece ser mediado, pelo
menos em parte, pelo condicionamento do sistema de resposta ao estresse. De
fato, foi observado (no rato) que os animais tratados mais amorosamente pelas
mães confrontados com aqueles que cresceram sem cuidados maternos,
desenvolvem um número maior de receptores para os corticoesteróides ao
nível do hipocampo. Isto causa uma sensibilidade aumentada ao efeito

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 39


inibitório (feed-back) dos esteróides produzidos perifericamente e,
conseqüentemente, teremos uma produção menor de corticotropin-releasing
hormone (CRH) e de arginina-vasopresina (AVP). Estas modificações são
permanentes e fazem com que o animal adulto responda de uma forma mais
breve e com menos secreção de corticoesteróides ao estado de solicitação.
Desde que acreditamos que um excesso de esteróides se associa a dano
neuronal (é sabido que este fenômeno possui uma grande importância também
no homem nas doenças neurodegenerativas como o Alzheimer) e a
imunossupressão, é evidente como um sistema de resposta ao estresse
equilibrado “programado” por um bom relacionamento mãe-filho terá efeitos
benéficos em longo prazo sobre a saúde.
É conhecido que comunicações neuroendócrinas anormais possuem influência
no desenvolvimento das doenças como a artrite reumatóide [Chikanza et al.,
1992] e a AIDS [Glaser e Kiekolt, 1987]. Fatores psicológicos não possuem
menos importância no surgimento de distúrbios do sistema endocrino [Liu et
al., 1997], imunitário [Keller et al., 1983; Khansari et al., 1990; Walker et al.,
1993; Buske-Kirschbaum et al., 1997] e da própria hemostase [Hjemdal et al.,
1991] como também no aumento de freqüência de muitas patologias como a
artrite [Vandvik et al., 1989], o hipertiroidismo [Winsa et al., 1991], o infarte
[Denollet et al., 1996], a diabetes [Hagglof et al., 1991], o resfriado comum
[Cohen et al., 1991] e mesmo o câncer [Invernizzi e Gala, 1989].
Neste texto - de colocação essencialmente biológica - não existe espaço para
abordar de maneira exaustiva a temática ampla colocada pela psicossomática e
principalmente pela abordagem psicoanalítica do sintoma e da doença, que
tem sido e são objeto de uma longa tradição de estudos [Gentile, 1924; Carrel,
1935; Alexander, 1951; Lazarus, 1963; Jores, 1965; Mitscherlich, 1976;
Goleman e Gurin, 1993]. Mas é de suma importância numa abordagem
holística e integrada da medicina que estes aspectos sejam levados em
consideração, já que certos casos de solicitação psíquica anômala podem ter
origem nos conflitos do inconsciente, que levam a adquisição de
comportamentos biológicos patológicos (“respostas condicionadas”) e assim
ao surgimento da doença. Sem a individualização do núcleo fundamental
destes conflitos a dinâmica de uma doença psicossomática dificilmente será
esclarecida e como conseqüência nenhuma terapia poderá ser resolutiva.

A complexidade da patologia neoplásica


O câncer consiste no crescimento mais ou menos incontrolado de células, por
graves desordens das informações celulares (principalmente ao nível do DNA)
e das mensagens que as células trocam entre si e com o ambiente. Isto porque

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 40


um fenômeno patológico é complexo como são complexas as células e os seus
mecanismos de regulação, como é complexo o organismo humano na sua
integridade e nas suas relações com o meio ambiente.
Aqui não poderemos e também não queremos desenvolver uma exposição
sobre um problema tão abrangente, mas sim oferecer um panorama dos
conceitos mais importantes que possuem relação com a abordagem
biodinâmica da patologia.
Cada célula ao longo da sua vida, que pode ser mais ou menos longa segundo
o tipo, desenvolve muitas atividades úteis tanto para si mesma como para o
organismo, mas, se encontra essencialmente frente a uma escolha fundamental
de comportamento: entrar em mitose ou se diferenciar, dito em outras palavras
amadurecer ou se reproduzir. Esquematicamente poderíamos aceitar a
simplificação conceptual de que estas duas possibilidades são alternativas, ou
seja, se excluem reciprocamente. Esta escolha de comportamento é
freqüentemente repetida várias vezes no curso da vida da célula e do clone do
qual ela deriva. A escolha de se reproduzir, de proliferar, é típica das células
menos especializadas na linha evolutiva tanto do indivíduo (embrião) como do
tecido (nas células basais da epiderme, blastos da medula óssea, etc.). Quando
o resultado da escolha é a divisão teremos como conseqüência duas células
filhas iguais a progenitora, ou seja, imaturas. Quando a escolha é a de se
diferenciar, a célula assumirá progressivamente morfologia e propriedades de
uma maturidade maior na linha evolutiva daquele tecido específico.
Num tecido encontram-se, portanto, células em replicação e células que vão
amadurecendo pouco a pouco, para depois envelhecer e morrer. Como é
sabido, as células maduras de alguns tecidos (músculo estriado e sistema
nervoso) possuem uma atividade praticamente nula e irrecuperável, enquanto
outras células a mantém mais ou menos ativa segundo as exigências
funcionais e estímulos ambientais. As regulações da atividade proliferativa são
particularmente evidentes nas glândulas e nos tecidos regulados por via
endócrina. Alguns clones celulares nos tecidos de rápida proliferação (medula
hematopoiética, mucosas) conservam uma atividade proliferativa altíssima e
uma escassa diferenciação, representando o pool germinativo que fornece
constantemente grandes quantidades de células para o pool amadurecedor.
Por exemplo, numa população de células mielóides como as da medula óssea
normal, estão presentes células (blastos) em fase proliferativa, junto a células
em fase de diferenciação em direção aos diferentes tipos de leucócitos. Mesmo
que as células sejam muito imaturas e estejam em proliferação acelerada estão
sob estreita vigilância para que suas atividades estejam sempre em equilíbrio
com a velocidade de aparecimento das células maduras e em geral com a
necessidade do organismo. O controle é realizado por outras células, vizinhas

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 41


ou à distância (via endócrina), muito mais mediante fatores de crescimento e
fatores de diferenciação do que pelo contato célula-célula e célula-matriz. Tais
fatores são suficientemente específicos para cada tecido e freqüentemente são
também produzidos pelas próprias células do tecido que ajudam a amadurecer.
Na neoplasia este sutil controle foi perdido e é, portanto, neste nível que os
componentes biológicos celulares e moleculares iniciaram a compreensão de
quais mecanismos de controle foram desconsiderados. Tanto o estudo do ciclo
celular normal, como o estudo mais recente da genética das células
neoplásicas está demarcando de forma rápida o quadro de como a atividade
proliferativa é regulada e quais são as diferenças fundamentais entre as células
normais e as células cancerosas. Por exemplo, numa população de células
leucêmicas se encontrarão muito mais células em fase proliferativa e um
número menor de células (ou mesmo nenhuma) diferenciadas, maduras. Como
se sabe, em linhas gerais, quanto mais imaturas são as células, tanto mais
maligna é a neoplasia. Algumas possíveis razões deste desbalanceamento são
ligadas ao fato que as células leucêmicas possuem pouca necessidade de
fatores de crescimento, ou que produzem estes fatores numa quantidade
superior a necessária, ou mesmo não os produzem. As células de quase todos
os tumores seguem comportamentos deste gênero.

Câncer e informação biológica


A informação é a chave mestra em qualquer sistema complexo. Para dar-mós
um exemplo de tipo biológico, nos podemos referir ao controle das funções
celulares ou a o defeito de regulação que provoca o câncer.
Uma célula imatura ou jovem sempre tem na sua frente duas escolhas:
amadurecer ou se multiplicar, formando outro células maduras ou jovens. O
amadurecimento, seguido do envelhecimento celular e da morte fisiológica
(apoptose) normalmente bloqueia a multiplicação. De uma destas escolhas vai
depender a formação ou não do tumor (excesso de multiplicação e pouco
amadurecimento) ou se pelo contrário o tecido se desenvolve de forma normal
e equilibrada. O erro que determina o aparecimento de um tumor é um erro na
informação biológica (tanto genético como ambiental). Este é apenas um
exemplo dos milhares de escolhas diferentes que a cada momento acabam
acontecendo nos órgãos, células em mesmo nos indivíduos como um todo.
O câncer então é uma alteração no controle das informações: isto representa
um subsistema que se desenvolve no organismo, no qual o código de
comunicação está alterado em relação a aquele com o qual todas as outras
células do organismo se comunicam. E um código ligado a uma configuração
do genoma típico dos estádios indiferenciados ou embrionários, nos quais a

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 42


mensagem instituída é prevalecente aquela que estimula a célula a crescer e se
multiplicar.
A biologia molecular demonstra que isto é devido a ativação ou a mutação dos
genes chamados de “oncogênes” ou se deve mesmo a delação, a inativação
dos genes chamados de “genes oncosupresores”, estes últimos deverão dar o
sinal de stop ao crescimento ou a vida celular. Desta forma as células tumorais
crescem e multiplicam-se num estado autô-nomo (“ lese a se mesmo”), ou seja
in-controlado.
Foi observado também que o crescimento tumoral nunca esta desvinculado
dos controles do organismo. Inclusive para que o tumor cresça precisa da
“ajuda” do organismo tanto em termos de nutrição como de implante vascular
como sob a forma de sinais endócrinos, neurológicos e/ou de citocinas. O
câncer necessita da “ajuda” para crescer como também de uma “permissão”
no sentido de que as células de imunovigilancia as células que controlam a
identidade biológica, devem também permitir que as células tumorais
sobrevivam.
Isto acontece tanto porque os próprios linfócitos não reconhecem a natureza
tumoral neoplásica de um agregado novo como porque mesmo reconhecendo-
a não conseguem neutraliza-lo ou atacá-lo de forma rápida e eficaz antes da
sua instalação biológica e sua posterior difusão. Desta forma acaba se
instalando um circuito informacional complexo, podendo ser de forma local
(onde às células tumorais acabam se instalando num ambiente irregular, com
poucos sinais inibidores e muitos sinais ativadores), ou de forma sistêmica ou
seja, no organismo todo onde justamente encontra-se o nobre sistema de
reconhecimento da identidade biológica, o sistema imunitário, com todas as
suas conexões neuroendócrinas que nos já bem conhecemos, onde este acaba
sendo ao mesmo tempo protagonista e vítima de um erro de grande dimensão.
É justamente neste conceito de necessidade de regulação biológica que um
tumor possui e da sua susceptibilidade sistêmica estão baseadas as mais atuais
esperanças de cura do câncer.

Cancerogênese
Os principais agentes cancerígenos são, como já se sabe, substâncias químicas
contidas no cigarro, no ar poluído, nos alimentos, radiações ionizantes e
excitantes, radioisótopos, fármacos genotóxicos, vírus. Aqui, obviamente,
estamos considerando apenas as categorias gerais dos cancerígenos em relação
às moléculas com atividade cancerígena e/ou mutagênica que são da ordem de
centenas. O que torna o agente cancerígeno mais ou menos deletério depende
tanto da dose como da duração da exposição a estes, como também de fatores
ligados ao próprio organismo como, por exemplo, a capacidade de

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 43


desintoxicação e de eliminação deste agente e a capacidade dos sistemas
celulares de reparação do DNA. Mas não devemos esquecer que muitas
substâncias exógenas se transformam em mutagênicas e, portanto,
cancerígenas após conversões metabólicas específicas que atuam no
organismo e que as tornam ativas.
Para que um tumor se desenvolva, a partir da célula transformada, são
necessários também outros processos biológicos ao nível epigenético, eventos
ligados à ação dos chamados tumor promoters (fatores favorecedores,
chamados também de fatores co-cancerígenos). Estes fatores não agem
diretamente ao nível do patrimônio genético, mas ao nível epigenético, isto é,
ao nível de toda aquela série de reações que condicionam a expressão dos
genes envolvidos na proliferação e as atividades das enzimas envolvidas no
processo de divisão celular. Os agentes favorecedores clássicos incluem várias
substâncias de origem principalmente vegetal ou de síntese química: ésteres de
forbol e diterpenes, alcalóides indolicos como a teleocidina, o ácido
iodoacético, o fenol, o óleo de cedro, alguns detergentes, o n-dodecano, etc.
Mesmo que o mecanismo de ação de diferentes fatores favorecedores ainda
seja objeto de estudo, parece claro que eles se inserem na rede ativadora de
informação que conectaria os receptores com o nível de expressão gênica,
diminuindo substancialmente algumas ações de substâncias fisiológicas (às
vezes com efeitos muito marcantes e duradouros). Por isto parece lógico
incluir na lista dos compostos com atividade de favorecimento, também
muitos outros agentes como hormônios, fatores de crescimento, citocinas e
mesmo neuropeptídeos [Rozengurt, 1991]. Então fica evidente que mesmo
mediadores com funções “tradicionais” completamente diferentes
(catecolaminas, serotonina, angiotensina) poderiam, em circunstâncias
particulares, exercer a função de fatores de crescimento [Williams, 1991].
Também neste caso tem grande importância o “estado” de sensibilidade e de
predisposição da célula, a partir da presença dos receptores adequados, até a
subsistência de condições favoráveis à expressão de vias particulares de
transdução, por precedentes ou concomitantes condicionamentos por parte de
fatores de tipo farmacológico ou mesmo hormonal.
Fica em destaque o fato que, se um efeito favorecedor pode ser exercitado por
variadas substâncias endógenas, é necessário reavaliar a importância do fator
terreno sobre o qual se desenvolve a doença cancerosa. Como conseqüência
nos perguntamos qual seria a “contribuição” que o organismo hóspede daria
ao crescimento do tumor, ou seja, até que ponto o organismo acaba
desempenhado um papel permissivo e inclusive, em particulares condições,
até incentivando a formação da doença cancerosa. É claro que o hóspede
acaba dando uma “ajuda” a esta formação com a colocação de um implante

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 44


conectivo onde se desenvolve a rede vascular que oferece ao tumor os
substratos energéticos, mas é provável que a ajuda possa consistir também por
mediadores bioquímicos particulares como fatores de crescimento e
hormônios [Lang e Burgess, 1990].
No plano da patogenesia da neoplasia os leucócitos poderão ser implicados
diretamente na transformação genética, desde que eles possam metabolizar
(portanto ativar) substâncias cancerígenas [Trush et al., 1985], mas
principalmente produzir os radicais tóxicos do oxigênio. Sabe-se de fato que
mutações do DNA podem ter origem, entre outras coisas, pelo efeito dos
radicais livres produzidos pelos leucócitos [Weitzman et al., 1985]. Também
neste caso, se pode constatar a “dupla face” de um fenômeno biológico: os
radicais livres podem ter vários efeitos que dependem da sua quantidade e da
existência, pelos menos, de enzimas específicas ou substâncias “scavenger”.
Em doses elevadas os radicais possuem efeitos citotóxicos e,
conseqüentemente, defensivos quando cooperam para a destruição das células
tumorais (principalmente se estas não desenvolveram sistemas
desintoxicantes); em baixas doses os radicais de oxigênio não possuem
qualquer efeito porque são rapidamente degradados; em doses intermediárias
possuem efeitos tanto genéticos (mutações) como epigenéticos (ativação de
proteínas quinasses e de outras enzimas entre as quais temos a poli-ADP
ribosiltransferase), podendo se comportar como cancerígenos ou como agentes
favorecedores [Cerutti, 1991].
Conseqüentemente, no foco inflamatório (especialmente no crônico, onde os
processos histogenéticos e proliferativos são mais acentuados) e também no
âmbito das populações macrofágicas que se infiltram nos tumores, poderiam
coexistir, num equilíbrio instável, processos antitumorais e processos
cancerogenéticos. De fato, o aparecimento de displasia, metaplasia e neoplasia
se superpõem a flogose crônica, particularmente, ao nível broncopulmonar,
gastrointestinal e hepático, lugares onde facilmente se localizam agentes
cancerogênicos.

Progressão neoplásica
Fatores cancerígenos e co-cancerígenos (ou favorecedores) levam a uma
complicação progressiva da situação biológica do tumor. Observa-se na
realidade que nos tumores estão danificados diferentes genes na mesma célula,
e que existe uma progressão na malignidade em relação ao número de
oncogenes que são ativados e de genes supressores que são inativados. Ao
nível genético surgem novas mutações, por sorte favoráveis devido a uma
redução dos sistemas de defesa e de reparação, novos estímulos aparecem para
a desorganização celular, talvez após a expressão inapropriada, mesmo os

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 45


genes normais, ou por redução da capacidade das células imunitárias por
efeito de substâncias produzidas pelo próprio tumor. Se examinarmos as
células de um tumor, encontramos múltiplas atipias bioquímicas e
freqüentemente é difícil estabelecer se estas estão ligadas diretamente à
transformação que está acontecendo ou se são alterações secundárias.
Na progressão neoplásica é de fundamental importância o fato de que os erros
sucessivos geram uma certa heterogeneidade na população de células
proliferativas, pelos quais alguns clones com características que permitem
uma melhor resistência aos sistemas de defesa e aos fármacos, podem se
beneficiar. A malignidade do tumor tende sempre a aumentar.
A história natural de um tumor é, portanto, extremamente dinâmica. Agentes
mutagênicos, vírus, agentes favorecedores e fatores reguladores endógenos
interagem ao nível dos receptores, dos sistemas de transdução e das
informações genéticas. Em relação a este modelo, o crescimento da neoplasia
não aparece como um evento do tipo “tudo ou nada”, mas como a acumulação
progressiva de erros de informação que acabam levando a célula a níveis de
atipia e, como conseqüência, a um estado de malignidade que vai se
acentuando cada vez mais. Se bem é verdade que o tumor, clinicamente, pode
se manifestar de forma imprevista, a história biológica deste tumor começou
muito tempo antes. Este conceito está de acordo com a teoria do crescimento
em estágios, do tumor, já desenvolvida com um embasamento em evidências
experimentais sólidas da época pré-oncogênica e, atualmente, aceitada por
todos.
A situação é complicada também por outros motivos: prescindindo do
importantíssimo problema das reações imunitárias - argumento que requereria
uma abordagem especial pela sua importância - existem muitos outros fatores
locais (oxigenação do tecido, mobilidade do órgão, constituição bioquímica da
substância fundamental do tecido conectivo, fatores ligados à compressão ou
atrito por parte de órgãos vizinhos) e outros fatores gerais (metabolismo
energético, mediadores bio-humorais, caquexia, hormônios, fármacos, etc.)
que também condicionariam a evolução do tumor.
O estresse psicossocial ou caraterísticas psicológicas ou neuroendócrinas
similares a “personalidade tipo C” (frustrações familiares precoces, a negação
dos conflitos emocionais, uma comunicação empobrecida com o meio
ambiente, fantasias destrutivas, etc.) constituem também fatores de risco para
o câncer [Invernizzi e Gala, 1989]. O progresso do tumor está condicionado
pela interação tumor-hóspede no sentido de que o próprio tumor, à medida que
cresce, influi de vários modos no organismo, tanto pela disseminação
metastática como através da liberação de produtos solúveis, provocando
alterações diretas ou indiretas em órgãos vizinhos ou distantes, alterando

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 46


inclusive o sistema nervoso. Geram-se, conseqüentemente, situações de dano
orgânico e de desorganização bio-humoral de grande complexidade e
variedade.
Dada a heterogeneidade da doença neoplásica e a fundamental importância do
fator hóspede representa na sua evolução, se entende porque, na prática, a
terapia do câncer encontra tantas dificuldades, como também porque
freqüentemente tratamentos com todos os seus pressupostos teóricos e
científicos acabam dando resultados encorajadores em alguns casos
individuais, mas que são pouco significativos no plano estatístico. No estado
atual do problema parece pouco realista pretender que possa existir “uma”
cura para o câncer, sendo isto válido tanto para as terapias convencionais
como para as não convencionais. Isto se deve ao fato de que o câncer é uma
abstração, o que existe na realidade são casos particulares e diferentes entre si.
Os progressos das terapias farmacológicas, cirúrgicas e de radiação permitem
hoje curar muitos casos de tumores. Apesar disto, o que ainda falta a ser feito
é muito para podermos chegar a pensar que atingimos o objetivo da
prevenção, do diagnóstico e terapia realmente otimizada, principalmente, nos
tumores que já sofreram metástases.
O importante é continuarmos sem desconsiderar a importância dos trials
clínicos controlados em tratamentos individuais, como tentativa de valorizar a
“individualização” na abordagem do doente de câncer. Esta individualização
deveria partir desde o diagnóstico para ser transferida depois, na medida do
possível, para a terapia adotada.
A abordagem metodológica necessária para a cura de uma doença tão
complexa deve ser enquadrada na abordagem individual fisiopatológica do
paciente, tendo como característica metodológica de partida a obtenção
detalhada do maior número possível de informações sobre o estado geral do
paciente e sua história, mesmo que o conceito de que um tratamento otimizado
deva considerar, antes de tudo, o tratamento do “terreno”, ou seja, a cura do
paciente e não apenas da sua doença.

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Medicina Biodinamica
Papirus Editora 2002
© Paolo Bellavite
Questionar por possivel reprodução: paolo.bellavite@univr.it

Terceira parte
“Força vital” e medicina integrada

“Deve-se atribuir uma idêntica importância tanto


aos sentimentos e como a fisica e quimica”
A. Carrel

7
Biodinâmica e método clinico

O fundamento da arte médica - dizia Hipócrates - é exercitar o domínio


absoluto do método de indagação [citado em: Federspil e Scandellari, 1991].
O principal problema na aplicação deste princípio básico é que qualquer que
seja o método (tanto seja para diagnóstico como para terapia) deveria ser
adequado ao objeto que se pesquisa e com o qual se quer, de uma forma ou
outra, interferir. Se quisermos pesquisar os ribossomas é necessário um
microscópio eletrônico; se queremos pesquisar o batimento cardíaco,
utilizaremos um estetoscópio ou um eletrocardiograma; se queremos
diagnosticar uma diabetes o faremos talvez examinando a urina ou, de alguma
forma, recorrendo ao laboratório, e assim por diante.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 1


Em síntese: o método de pesquisa deve ser adequado ao que se quer pesquisar.
Só assim temos a possibilidade de chegar a uma precisão no diagnóstico e a
uma terapêutica eficaz. Tudo isto tem uma lógica e na realidade é o que se faz
na medicina moderna (de forma compatível com os recursos disponíveis); para
cada problema, uma abordagem o mais adequada possível tanto ao nível
tecnológico, diagnóstico, como terapêutico. Porém existe um aspecto
fundamental que não podemos deixar de lado neste contexto: como já foi
amplamente demonstrado, as doenças reais, na maioria dos casos, são
fenômenos dinâmicos e complexos e, como conseqüência, o progresso da
medicina está ligado à pesquisa contínua de teorias e metodologias adequadas
a este tipo de complexidade. Nesta questão existem sempre muitos caminhos
para serem percorridos ainda, tanto no plano teórico como nas aplicações no
leito do paciente.
O surgimento da medicina biodinâmica como um quadro novo de referência
de muitas observações e avanços experimentais que podem ajudar a enxergar
numa justa perspectiva justa, mesmo que não seja resolvendo os conflitos
aparentes entre as diferentes propostas do único, verdadeiro e grande
problema da medicina, que é o de encontrar uma cura eficaz para as doenças
humanas, ou melhor, o de ajudar as pessoas a prevenir e./ou curar
precocemente as doenças pelas quais são atingidas. E o conceito biodinâmico
da saúde e da doença possui como conseqüência lógica uma abordagem
também dinâmica da terapia.
Neste trabalho não se pretende fornecer ensinamentos práticos sobre os
diferentes métodos terapêuticos e sim, informações básicas sobre a utilidade
que os diferentes métodos podem possuir numa escolha diagnostica e
terapêutica coerente com os princípios aqui expostos. Após a exposição de
alguns conceitos gerais nos deteremos mais particularmente na medicina
chinesa, no diagnóstico funcional eletrodinâmico e no princípio da
semelhança.

Princípios básicos
Antes de tudo, estabeleceremos quais são as linhas médicas gerais, as quais
poderiam parecer óbvias e pleonásticas se não fosse que, freqüentemente,
estes princípios são deixados de lado na prática médica atual.
O objetivo de uma consideração terapêutica mais coerente com a perspectiva
biodinâmica é o de ajudar a própria autoorganização do organismo do paciente
para que resgate o caminho da. O paciente deve ser responsabilizado pela sua
própria saúde, sobre as causas da doença e sobre o fato de que o ator principal,
protagonista do processo de cura, é ele mesmo.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 2


Higiene e prevenção
Na medicina de ordem biodinâmica a prescrição de um fármaco ou qualquer
outro ato médico não estão isolados da consideração dos comportamentos
higiênicos, estilo de vida e nutrição.
O primeiro a ser feito é retirar os fatores que provocam estresse, tanto no
plano individual como no ambiental. Isto se realiza em geral a partir de uma
atenta avaliação das condições de vida, da alimentação, da higiene pessoal, da
habitação, do trabalho, do lazer, dos relacionamentos pessoais, da avaliação do
estagio em que se encontram os sintomas, etc.
Algumas intervenções poderão serem feitas ao nível do ambiente, outras ao
nível do estilo de vida. Neste sentido deve-se ter o máximo cuidado na
avaliação do tipo de alimentação e na absoluta proibição, pelo menos no início
da terapia, dos alimentos cuja ingestão provoca comprovada intolerância ou
alergia. Ou seja, de todos os fatores que poderiam provocar no doente algum
distúrbio químico ou físico. Esta questão é óbvia, mais, nem por isto menos
importante: devemos considerar a medicina atual extremamente
“desbalanceada” em relação a seu papel preventivo e justamente por isto que
se desvia todo potencial de pesquisa e de pessoas qualificadas, como também
as verbas sanitárias, em direção a uma terapia de compensação ao invés de
todo um direcionamento em busca de uma prevenção ampla, cuidadosa e
eficaz.

Estilo de vida
Hoje se fala muito do estresse como causa das doenças, entendendo este termo
como o fato de que a vida moderna nos países civilizados propõe, ou mais
freqüentemente, impõe às pessoas muitos fatores patógenos referentes ao tipo
de estilo de vida: ritmo de trabalho, hábitos alimentares, consumo,
comportamentos e atitudes físicas, sedentarismo, convívio muito próximo com
máquinas, concentração de indivíduos num mesmo ambiente, exposição aos
campos eletromagnéticos, “valores” propostos pela mídia, preocupações com
a incerteza do futuro, etc. Todo esta série de fatores patógenos atingem, sem
dúvida, as pessoas causando a conseqüente instabilidade dos sistemas
homeodinâmicos e patologias em vários níveis, principalmente, nos sujeitos
mais sensíveis. Como conseqüência, nos cabe perguntar se na abordagem
biodinâmica, onde se atribui extrema importância à globalidade das interações
entre os vários fatores que entram em jogo, fica possível intervir num sentido
positivo, procurando a limitação dos danos com um aconselhamento sobre o
estilo de vida.
Muitos desequilíbrios orgânicos e psíquicos seriam controlados ou impedidos
com mudanças no estilo de vida, que implicam a abolição de fatores como os

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 3


fatores nocivos químicos (fumo, alimentos) e psíquicos (alterações nos
relacionamentos sociais) e a introdução de hábitos saudáveis como mudança
de clima, treinamento físico, esporte competitivo ou amador, treinamento
autógeno, meditação, diferentes técnicas de relaxamento, participação em
grupos recreativos e/ ou terapêuticos. O médico deve ter a capacidade de
discernir em quais casos estas terapias podem ser prescritas ou quando
necessita da colaboração de outros profissionais. O paciente deve ser
informado da forma mais completa possível sobre as causas ambientais de
uma doença (ambiente urbano, exposição aos fatores de risco químico ou
físico, maus hábitos alimentares, e assim por diante).
Já vimos que o estresse é uma condição normal e útil desde que não ultrapasse
certos limites. Numa escala arbitrária de estresse, indo de um mínimo a um
máximo, se poderia estabelecer uma fase inferior (“distress”) para um
estímulo escasso de risco patológico, uma média (“eustress”), ou seja, o que
seria ótimo, e uma alta (“distress”) onde existe um excesso de estimulação.
Nos dois casos se causa “distress”, para estímulos mais pequenos e para
estímulos mais fortes. Esta avaliação poderia fazer parte, mesmo que em
forma generalizada, da anamnese corrente da consulta médica. Surgindo uma
desordem nestas condições de solicitação é óbvio que é de extrema utilidade
intervir com uma orientação de forma que o paciente se adeqüe, dependendo a
situação em que se encontre.
Como observamos precedentemente (parte segunda), existem nas causas de
estresse duas grandes categorias: aquelas de tipo físico-químico-biológico e
aquelas de tipo psicológico. Umas possuem seu primeiro impacto ao nível do
corpo para posteriormente atingir o nível mental; as outras atingem
principalmente a mente para depois ter suas repercussões ao nível orgânico.
Esta distinção é de extrema importância porque uma regulação correta ao
nível da resposta ao estresse poderia ser a de equilibrar o estresse psíquico se
utilizando um pequeno estresse físico e vice-versa, regular o estresse físico
utilizando um pequeno estresse psíquico.
A primeira vista poderia parecer uma coisa óbvia, mas este método possui
profundas razões biológicas: de fato, o problema de qualquer estresse crônico
é justamente sua desregulação; é substancial o fato de que se instauram de
forma progressiva bloqueios reguladores que não permitem a reintegração de
uma homeodinâmica normal. Por exemplo, um estresse psicológico contínuo
aumenta os níveis de catecolaminas nas primeiras fases das reações, para
depois se instalar uma adaptação e, conseqüentemente, uma falta de resposta.
A escassa resposta hormonal poderia parecer vantajosa em termos de
sintomatologia menor (ansiedade, taquicardia, etc.), mas, na realidade, isto
representa uma desordem na resposta mesmo e, portanto, acaba repercutindo

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de forma inevitável sobre outros sistemas, tornando-os menos reativos e, como
conseqüência, mais vulneráveis ao nível biológico.
Os modelos dos sistemas homeodinâmicos de retroação (feed-back) nos
mostram que o caos acaba aumentando progressivamente (no sentido que as
oscilações nas variáveis fisiológicas crescem em amplitude e a desordem se
estende, até atingir uma fase de irreversibilidade) pelo aumento da velocidade
com a qual o próprio sistema é levado a funcionar pelos parâmetros de
controle (efeito do aumento do parâmetro k na figura 8, descrita
anteriormente).
Conseqüentemente, podemos prever que, quando a desordem homeodinâmica
se encontra nas suas primeiras fases de manifestação, reduz o estresse
(repouso) e permite, tanto aos sistemas biológicos como a psique do paciente,
de retornar espontaneamente a uma correta homeodinâmica, ou seja, de passar
de um grau superior a um grau inferior de caoticidade, e de se afastar do
perigo do desvio irreversível.
Por outro lado, se os processos homeodinâmicos estão muito lentos o sistema
é pouco reativo frente aos novos estímulos e possui graves problemas de
adaptação, no sentido de que não consegue ultrapassar os problemas e, como
conseqüência, não consegue ter a flexibilidade que lhe permite a integração
com o contexto em que está inserido. Neste caso, deve-se prever que o sistema
doente poderia se beneficiar por um aumento geral do próprio nível de
estimulação, porque aumenta o grau de desordem conseguindo chegar ao
estado de “estresse fisiológico” (“eustress”)
Do que acabamos de dizer podemos deduzir que uma pessoa afetada por um
“distress” por excesso de estímulos psicológicos pode encontrar benefícios
pela exposição a “doses” moderadas de estímulos físicos como, por exemplo,
o oferecido pela prática regular de um esporte. De fato, já que a resposta ao
estresse é estereotipada, independente da causa predominante, um estresse
moderado, que atinge o organismo por uma via diferente do que aconteceria
pela via psicológica, deveria “colocar em movimento” todos os mecanismos
de adaptação ao estresse, também àqueles que estavam bloqueados por um
excessivo e prolongado empenho sobre o plano psíquico.
Por outro lado, se deduz que se o sujeito se encontra exposto a uma carga
pesada de trabalho físico (por razões de trabalho ou pela intensa prática
competitiva), poderá se beneficiar pela exposição a estímulos de tipo
intelectual e psicológico (cinema, leitura, relações sociais, e assim por diante).
Finalmente, no estilo de vida não podemos menosprezar a higiene mental. Na
visão biodinâmica a mente não deve ser cuidada menos do que o corpo, com
técnicas apropriadas e com atitudes que favoreçam a eliminação de tensões,

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rigidez e bloqueios. Para fazer um pequeno esboço poderíamos citar a
importância de atitudes e práticas mentais como:
 o relaxamento: visualização de grupos musculares e articulares,
controle da respiração, reintegração do eu no esquema corpóreo;
 concentração: capacidade de direcionar o pensamento e de mantê-lo
num objeto mesmo em presença de qualquer distúrbio; trazendo a
memória de pessoas ou situações;
 meditação: ampliação da consciência procurar o autoconhecimento;
 reflexão: sobre questões fundamentais da existência, sobre os mistérios
da vida e da morte, sobre a própria relação com o cosmo e com o
próximo;
 contemplação: saber ver e apreciar aquilo que é belo e aquilo que é
verdadeiro;
 cultivo de relacionamentos sociais: valorizar também a vida psíquica,
que inclui nossos afetos, os relacionamentos com os outros e, de forma
mais geral, com o universo circundante;
 pensamento positivo: procurar o lado positivo de cada situação, apreciar
o simples, manter um certo distanciamento, tratar o universo humano
como fonte de benefícios e não de hostilidades;
 pensamento ético: trabalhar desde a infância, nas escolas primárias e
também nas universidades, uma postura ética e ecológica frente ao
planeta e os nossos semelhantes, em função do bem comum que acaba
cuidando tanto da nossa saúde como a do ambiente que nos rodeia o que
resulta em diminuição das causas do estresse.
Tudo isto nutre e restaura a mente, previne o fechamento em si mesmo e -
dada à estreita relação entre mente e corpo - facilita a ação de cada projeto
terapêutico.

Alimentação
A questão da dieta poderia ser desenvolvida de forma longa e detalhada, mas
aqui nos limitaremos apenas a esboçar o tema de forma geral. Não existe uma
dieta para cada terapia, se entendemos ainda de forma restrita dieta como uma
série de receitas. Ao contrário disto se trata na realidade de dar uma orientação
competente sobre os hábitos alimentares para cada paciente em particular.
Numa dieta são importantes tanto a quantidade como a qualidade dos
alimentos.
Em relação à quantidade é bem notado que devemos observar não só as
calorias totais como a quantidade de alimento ingerido (no que se refere à
saciedade). Na nossa sociedade ocidental atual existe a tendência de introduzir

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 6


muitas calorias na alimentação e as doenças que dependem deste excesso são
mais numerosas das que dependem de carência alimentar. Tanto as crianças
como os adultos comem, em geral, muito e já é bem conhecido que isto
representa um fator de risco para doenças entre as quais se encontra o infarte,
diabete, hemorragias cerebrais e, provavelmente, o câncer. Esta doença possui
causas ambientais em 95 % dos casos e nisto a alimentação possui uma
importância fundamental [Pereira, 1997], não só o que se refere obviamente
aos tumores do aparelho intestinal, mas também a outros, como aqueles da
mama e do endométrio. São dignos de nota os estudos que demonstram um
ligeiro aumento de risco câncer de mama [Franceschi et al., 1995; Franceschi
et al., 1996] em mulheres com alimentação muito rica em carne de porco,
carne em conserva e açúcar. Em contra partida, o leite, carne de aves, peixes e
vegetais parecem possuir um papel de proteção. A obesidade se associa ao
aumentado risco de câncer de endométrio [La Vecchia et al., 1982].
Na tabela 4 mostramos um quadro resumido dos mais recentes dados da
literatura, colhidos de numerosas pesquisas feitas com o objetivo de
estabelecer quais são os fatores de risco para o câncer ligados à dieta e quais
são os fatores protetores. Foi extraído de uma completa resenha do World
Cancer Research Fund / American Institute for Cancer Research [AA.VV.,
1997], os dados são muito significativos para uma série de tumores entre os
mais difundidos.
Existem numerosas teorias e escolas de pensamento que sugerem
comportamentos alimentares, entre os quais se encontram a macrobiótica e o
vegetarianismo. A primeira se fundamenta na filosofia zen e consiste na
subdivisão dos alimentos em duas categorias polares, Yin e Yang, que devem
ser dosadas de forma equilibrada e em harmonia com as estações, evitando os
excessos tanto de uma parte como da outra. A dieta vegetariana não consiste
apenas numa seleção de alimentos, como também numa escolha de vida,
freqüentemente motivada por convicções científicas (pareceria que a
anatomofisiologia humana possui mais semelhança com os herbívoros do que
com os carnívoros) como também pode ser acompanhada de convicções
filósofo-religiosas ou simplesmente por grande amor pelos animais. Quaisquer
que sejam estas convicções é de qualquer modo verossímil que uma
autorestrição na introdução dos alimentos e mesmo um jejum periódico
poderia outorgar benefícios não só em pacientes francamente obesos como
também para muitas outras patologias típicas do homem moderno ocidental.
Obviamente, que o jejum e as restrições alimentares só poderão ser
aconselhadas a pacientes sem patologias que as contra-indiquem.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 7


Tabela 4. Tipos de alimentos e seus componentes relacionados ao risco de provocar
câncer

Componentes Tumores
alimentares ESÔFAGO PULMÕES ESTÔMAGO CÓLON FÍGADO MAMAS
RETO
Álcool     
Carne vermelha  
Carotenóides    
Fruta    
Sal 
Verdura verde      
Vitamina C   
Vitamina E 
Selênio 
Cereais  
Gordura animal   
Cereais integrais 
Carne grelhada 
 fator de possível risco  fator de possível proteção
 fator de risco provável  fator de proteção provável
 fator de risco seguro  fator de proteção segura

No que se refere à qualidade, além de abolir as causas do estresse alimentar


(colesterol, álcool) para uma otimização da dieta devemos considerar:
 deve ser variada;
 deve ser rica em fibras vegetais (que acabam reduzindo o colesterol);
 na preparação dos alimentos a utilização de gorduras de origem vegetal
deve prevalecer de forma considerável em relação ao de gorduras de
origem animal;
 deve ser rica em vitaminas, principalmente A, C, E. O papel
desempenhado por estas vitaminas na proteção de o de muitas
patologias do aparelho cardiovascular [Sato et al., 1990; Mason, 1993;
Rimm et al. 1993; Pandey et al. 1995] e do sistema imunitário
[Lehmann et al., 1994; Greenspan e Aruoma, 1994; van der Vem e
Boers, 1997], já está comprovado. Porém, ainda não foi comprovado
que um forte suplemento de vitaminas antioxidantes tenha efeitos
preventivos para o câncer ou para o infarte de repetição [Halliwel et al.
1992; Peterson, 1996; Rapola et al., 1997];
 também a administração de oligoelementos na dieta, com fins
terapêuticos é de extrema importância [Moatti, 1987; Marcelli, 1993;

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 8


Bianchi, 1994; Tiriline, 1995] e deveria ser levado sempre em
consideração.
Sobre este assunto existem amplos estudos e experiências feitas tanto na
medicina tradicional ocidental (sistema medico de Ildegarda di Bingen, já
comentado) e oriental (medicina chinesa), como também na medicina
científica, onde a bibliografia é vastíssima. Por outro lado, está se
desenvolvendo um campo de pesquisa completo chamado de “imunologia
nutricional” que estuda os benéficos dos componentes alimentares
(principalmente dos vegetais) sobre o sistema imunitário [Chen, 1996]. A
ciência da alimentação, patrimônio da humanidade e das diferentes culturas e
sociedades, é um típico setor onde a distinção entre a medicina convencional e
a medicina não convencional não possui nenhum sentido, nem nenhuma
utilidade prática.

A lógica biodinâmica
Para poder ilustrar o conceito da proposta sistêmica e dinâmica na terapêutica
nos podemos referir ao grande problema que nos apresenta a regulação do
processo inflamatório. Do que já foi dito na segunda parte do texto, fica claro
que do ponto de vista biológico, na inflamação não temos apenas fenômenos
patológicos, como também fenômenos que se transformam em patológicos,
apenas quando se tornam excessivos, desregulados, ou mal localizados. Todo
médico sabe que a intensidade dos sintomas das doenças, com predomínio das
inflamatórias, não está sempre relacionada a sua gravidade e isto é válido
principalmente na flogose crônica. Deduzimos também, pelo menos de um
ponto de vista teórico e ideal, que as intervenções terapêuticas mais adequadas
não deveriam estar sempre direcionadas para suprimir o fenômeno
inflamatório, pelo contrário, deveria “orientá-lo” e prevenir as complicações e
os conseqüentes círculos viciosos. Ou seja, a inflamação deve ser vista como
um fenômeno fisiológico e, consequentemente, de ajuda e manutenção,
quando possui uma duração limitada no tempo, quando possui uma extensão
limitada topograficamente e, principalmente, quando o benefício (defesa,
reparação) prevalece sobre o dano do tecido são.
A situação é complexa porque cada intervenção acaba interferindo no
conjunto típico dos sistemas biológicos homeodinâmicos, que a níveis
diferentes, tentam manter o equilíbrio mais idôneo possível para a
sobrevivência do organismo. É sabido que em todos os sistemas
homeodinâmicos cada subsistema possui seus próprios mecanismos de feed-
back. Existem os inibidores endógenos para cada sistema de ativação
principal, tanto na coagulação como nas citocinas, nos fatores de crescimento,

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até nos controles de fluxos iônicos de membrana, mensageiros intracelulares,
sensibilidade dos receptores, etc. Estes sistemas de feed-back constituem um
dos elementos decisivos na dinâmica do processo patológico.
Nas doenças onde prevalece o componente inflamatório gera-se uma cadeia de
modificações e de adaptações nas quais dificilmente se vê de forma clara um
defeito que se possa considerar como determinante, cuja correção levaria a
resolução da doença. O fato é que na maior parte das doenças, excluindo os
defeitos de genes individuais, a patogenesia é devida a uma multiplicidade de
fatores e acontece de uma forma extremamente dinâmica, mudando de forma
contínua com a evolução da própria doença. Encontramos fatores externos e
fatores endógenos, situações de equilíbrio interno que tanto podem ser
direcionadas num sentido positivo de reação ou não, e adaptações patológicas
a situações de anormalidade. Neste quadro, se é verdadeiro que as doenças são
curadas apenas quando a causa é removida (ou quando se interfere de forma
correta na patogênese), as intervenções imunoestimulantes e imunossupresoras
se encontram ainda muito longe de atingir o nível etiológico, nem mesmo o
mecanismo patogenético, limitando-se a alterar o efeito final ou quase final do
processo.
O fato de que o sistema tende a se autorregular e de que as funções defensivas
e ofensivas da inflamação sejam dificilmente separáveis, transforma a
tentativa de interferir farmacologicamente num trabalho muito árduo. De fato,
o fármaco ideal deveria, teoricamente, ativar as funções defensivo-reparadoras
e simultaneamente inibir as funções destrutivas e dolorosas. Nenhuma
molécula possui esta ação integrada e específica, mesmo porque as diferentes
funções são freqüentemente ações dos mesmos mecanismos bioquímicos.
Com esta visão, parece razoável considerar a questão de que mesmo o uso dos
antinflamatórios (esteróides e não esteróides), possa chegar a ser necessário
em algumas situações – por exemplo num choque anafilático, num ataque de
esclerose múltipla em face aguda (poussée), numa febre extremamente alta
num neonato, num ictus cerebral, etc. – para amenizar os sinais e os sintomas
clínicos e poder prevenir complicações irreversíveis da face aguda. Então,
como atingir o objetivo terapêutico ideal de modular a inflamação ao invés de
suprimi-la? Sem entrar em detalhes, que seriam de qualquer modo diferentes
para cada patologia e para cada paciente na sua individualidade, poderíamos
listar algumas “regras gerais” de comportamento (das quais algumas são
enunciadas de forma hipotética e mereceriam seus estudos confirmados):
 se esforçar em descobrir as possíveis causas individuais e/ou ambientais
que possam ser removidas;
 prestar atenção na dieta, que seja rica em vitaminas antioxidantes, fibras
vegetais e óleos polinsaturados (principalmente os do tipo omega 3);

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 prevenir e curar os fatores desencadeantes das recaídas como as
alterações da flora intestinal normal (dismicrobismos), alergias,
hipersensibilidade;
 avaliar a possibilidade de usar oligoelementos como manganês, selênio,
cobre;
 condicionar as redes de comunicação imunitária com substâncias
específicas (indução de tolerância específica, miscelas de citocinas que
desloquem os equilíbrios de subpopulações linfocitárias Th1/Th2);
 reduzir o uso de analgésicos e antiinflamatórios (supressão inespecífica)
a quando for estritamente indispensável;
 cuidar da saúde psicofísica global do paciente e estimular a atividade
física regular que pode tonificar o sistema simpático e os feixes
hipotálamo-hipófise-suprarenal;
 uma contribuição à regulação deste processo fisiopatológico pode ser
fornecido também pelas medicinas ditas “non convencionales” que
sempre consideram o paciente na sua globalidade e na sua subjetividade
individual. Como procuraremos demonstrar nos próximos capítulos, é
provável que uma integração da medicina convencional com
metodologias não convencionais - avaliadas de forma crítica e com a
verificação da sua eficácia - possam surgir avanços realmente
importantes também no campo terapêutico.

Estratégias terapêuticas
Se considerarmos como verdadeiro que o primeiro ato medico deve ser a
prevenção, frente ao aparecimento de uma doença existem essencialmente
quatro possíveis linhas de conduta: a terapia etiológica, a supressão, a
substituição e a regulação (figura 41).
 Por terapia etiológica se entende aquela que combate ou minimiza a
causa da doença. Exemplos típicos desta proposta como a terapia
antibiótica ou antimicrobiana em geral, ou mesmo a soroterapia com
anticorpos antitoxinas nas intoxicações graves, a terapia genética e
assim por diante. Obviamente, esta apenas é possível quando se conhece
a causa e quando existem meios químicos, ou de outro gênero que
sejam adequados para combatê-la. Além do mais, algumas das
limitações da terapia etiológica podem residir nos efeitos indesejados
dos remédios antimicrobianos que infelizmente acabam sendo
empregados em doses fortes para assegurar sua eficácia.

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Figura 41. Representação esquemática dos diferentes modos de praticar
uma terapia. Para mais detalhes ver o texto.

 Por supressão se entende a intervenção que se direciona para combater


a manifestação principal da doença, tanto ao nível dos sintomas como
ao nível anatomopatológico. Supressão é, por exemplo, uma terapia
analgésica, uma terapia antiinflamatória, uma quimioterapia ou
radioterapia, uma intervenção cirúrgica com amputação das partes
afetadas por alterações graves, uma extração dentária, um isolamento
forçado para um doente mental, etc. A supressão pode ser muito eficaz
para o alívio imediato da sintomatologia, para o bloqueio de processos
expansivos perigosos, para interromper círculos viciosos que de outra
forma poderiam amplificar o dano e a desordem homeodinâmica. De
fato, se poderia dizer que esta forma de intervenção é a que atualmente
prevalece de forma ampla, a ponto de ser considerada a norma. A parte

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 12


ineficaz desta proposta está no fato de não ser direcionada para a
reintegração “lógica” do equilíbrio perdido, nem para o mecanismo
patogenético inicial e por isso, freqüentemente, este tipo de intervenção
não resolve.
 Por substituição se entende a intervenção que repara um dano,
bioquímico ou anatômico, mediante a administração externa da
molécula ou órgão que falta. Substituição é, por exemplo, a terapia
insulínica no diabético, a administração de ferro no anêmico, de
hormônios tiroideanos no hipotiroidismo, de vitaminas no
enterohepático, de anticorpos na soroterapia, de sangue após uma
hemorragia, de enzimas após uma pancreatite, uma prótese dentária ou
ortopédica, um transplante de órgão, o implante de um pacemaker, e
assim por diante. Na maior parte dos casos, as intervenções
substitutivas são realizadas pela imposição de uma necessidade urgente,
ou mesmo pela irreversibilidade ou profundidade dos resultados de um
processo patológico (exemplo: destruição de ilhas pancreáticas na
diabete, esclerose de um órgão, gangrena). Atualmente estas
intervenções são freqüentes e eficazes, mas possuem o grave defeito de
terem que ser repetidas pelo fato de não remover a causa e, assim,
acabam induzindo a dependência. Se bem é verdade que as intervenções
substitutivas ou supressivas atualmente se impõem, não podemos
reduzir as opções terapêuticas apenas a elas, porque acabaríamos
negligenciando as dinâmicas precedentes e que cursam de forma
concomitantes com a dinâmica global do paciente. Por tudo isto é tão
importante à terapia de regulação.
 Por regulação se entende a intervenção que é direcionada para
colaborar com as dinâmicas de cura do próprio organismo. Devido à
complexidade dos processos reguladores que foram aperfeiçoados ao
longo da evolução, a verdadeira cura (restitutio ad integrum) de uma
doença não pode ser computada pelo próprio organismo. Aquilo que o
médico pode fazer é manter e, possivelmente, endereçar o processo de
cura, remover os bloqueios que se instalaram e prevenir as recaídas.
Este é o campo da medicina biodinâmica, já analisada neste texto nas
suas bases teóricas e que, nesta última parte, se procura ilustrar nas suas
principais metodologias terapêuticas.
A terapia de regulação não precisa ser necessariamente uma terapia não
convencional, pode muito bem ser encontrada na farmacologia científica
convencional. É possível que uma administração oportuna e correta de um
simples fármaco tenha uma função reguladora eficiente e promova a cura.
Porém para que isto aconteça, é necessário que o objetivo do tratamento esteja

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no centro da dinâmica patológica responsável pelo quadro químico, é
necessário que o alvo do fármaco regulador tenha realmente um papel chave
ao nível dos primeiros estágios do processo patogenético.
Um exemplo desta proposta poderia ser a terapia de indução de tolerância em
relação aos antígenos: a desordem homeodinâmica do sistema imunitário
levou a instalação de uma sensibilidade anômala para uma determinada
substância. Se isto é devido a um evento momentâneo e isolado no tempo é
possível que a dinâmica patológica esteja restringida a apenas aquela
substância. Neste ponto, é possível que intervindo de forma correta para
regular o network idiotípico com a própria substância (mudando as doses, o
tipo ou a via de administração) ajude o organismo a direcionar a reação no
âmbito da normalidade com o desaparecimento dos sintomas. Outras
aplicações importantes deste princípio são a terapia com citocinas/fatores de
crescimento, a terapia isohormonal na autoimunidade endócrina [Schlott e
Eisenbarth, 1995] e as tentativas de terapia dos tumores com vacinação
utilizando células autólogas especificamente modificadas [Dranoff et al.,
1993; Dalgleish, 1994; Kugler et al., 2000].

Modelo dinâmico geral de regulação


Uma grande parte das evidências experimentais obtidas em sistemas celulares
e animais indicam a existência de um princípio biológico geral que se explica
pelo conceito de inversão dos efeitos e com respostas não lineares. Este
fenômeno está relacionado ao problema de identificar os remédios mais
adequados à regulação terapêutica dos sistemas homeodinâmicos que foram
alterados pela doença. Nesta seção nos propomos a apresentar um modelo
geral de regulação dos sistemas homeodinâmicos, baseado em princípios que
são finalmente aqui discutidos (figura 42).
A utilidade deste modelo é dada pelo fato que permite resumir e sintetizar
muitos dos conceitos que surgiram aqui e, ao mesmo tempo, de orientar o
raciocínio em direção a terapia de regulação. O seu limite é dado pela sua
abstração, necessária quando se quer permanecer num plano bem geral.
O modelo foi originariamente concebido para explicar as aplicações do
princípio de similitude clássico, baseado na avaliação dos sintomas dos
doentes [Bellavite et al., 1997b; Bellavite et al., 1997c]. Mas, com as
modificações necessárias, a mesma série de conceitos se aplica analogamente
também a outras propostas terapêuticas que apontam para a regulação da
dinâmica do organismo.

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Figura 42. Modelo de uma rede homeodinâmica típica de cinco nodos
entre os quais existe uma relação de controles ativadores ou inibidores.

A figura 42 mostra uma série de componentes (nodos), que se encontram em


equilíbrio homeodinâmico. Trata-se de uma rede muito simples (com um
número menor de conexões) em relação àquela descrita na primeira parte do
livro, mas oferece a vantagem de poder seguir com facilidade e de modo
intuitivo as modificações dos nodos que acompanham o estresse.
Neste modelo:
O nodo A estimula D, que por sua vez, estimula E, que por sua vez, inibe A
(circuito de retroação a feed-back);
o nodo A inibe C, que por sua vez estimula B, que por sua vez, estimula A
(outro circuito de retroação);
a rede é completada por um fluxo inibidor de C sobre D e por outros sinais
que vão de A a F, D a H e de G a C. Estas últimas conexões foram
postuladas em coerência com o conceito de que nenhum sistema do
organismo, por mais complexo que seja, está “isolado”, e envia e recebe
sempre mensagens aos outros sistemas.
O modelo da figura 42 é, portanto, uma ilustração simplificada de uma rede
homeodinâmica típica, o “coração” de um sistema homeodinâmico típico.

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Poderíamos conceber outros diferentes modelos com diversos números de
conexões e elementos, mas o significado fundamental de tudo o que estamos
expondo não mudaria.

Efeito do estresse
Já ilustramos de forma ampla como cada causa de dano/estresse provoca a
mobilização de um ou mais (geralmente de múltiplos) sistemas
homeodinâmicos. Isto pode ser considerado “patologia” ou uma manifestação
da doença, quando associado a sintomas desagradáveis ou danos orgânicos.
No esquema que estamos analisando se considera o estresse inicial como
aquele que induz um aumento considerável da atividade de um componente,
neste caso o subsistema “A”.
Considerando como um sistema similar se modifica quando o estresse altera o
estado de um dos seus componentes, vemos (figura 43) que se o nodo A, está
alterado no sentido de que seu nível de atividade aumenta, este “informa” com
um aumento dos sinais ativadores o nodo D e com um aumento dos sinais
inibidores o nodo C. Assim, o nodo D ativado estimulará o nodo E, o qual por
sua vez, produzirá um notável aumento dos sinais inibidos que tentam
controlar o aumento de A causado pelo estresse. Por outro lado, C é inibido e,
consequentemente, todo o feixe CBA se reduz e, portanto, cessa o
estímulo “endógeno” da atividade de A; também isto pode ser definido como
mecanismo de compensação.
Notamos que o “estresse” sobre um componente do sistema é aqui
representado como “aumento” de atividade, mas na realidade fisiopatológica
do estresse pode estar ligado também a uma “diminuição”. Como exemplo, a
inatividade prolongada representa estresse, assim como também a falta de
elementos nutritivos, a falta de oxigênio, etc. Igualmente, a homeodinâmica se
mobiliza, mas de uma forma oposta à indicada pela figura 43, no sentido de
que neste caso os nodos D-E sofreriam uma diminuição de atividade e B-C
um aumento.
Nesta primeira fase da reação ao estresse, a rede que simula a homeodinâmica
de muitos sistemas reage lógica e eficientemente nas direções do equilíbrio e
da cura. Portanto, se o aumento de A representa, por exemplo, um forte
contato entre toxinas exógenas e glóbulos brancos em uma infeção, o
organismo produz uma série de sinais que por uma parte mobilizam as defesas
imunitárias para chegar a uma neutralização das próprias toxinas e das
bactérias que as produziram, pela outra se preocupa de evitar que uma
ativação excessiva do sistema inflamatório leve a danos persistentes aos
tecidos. Assim se desencadeia a produção de substâncias inibidoras da

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inflamação (antiproteasses, inibidores de receptores, hormônios supra-renais,
etc.).

Figura 43. Modificações homeodinâmicas reativas ao estresse aplicado


sobre um componente (A) do sistema. A figura ilustra também a relação
entre ativação ou bloqueio dos nodos individuais e o aparecimento de
diferentes sintomas. Os elementos que foram afetados pelo aumento de
sinais estão representados pelas linhas salientes, para indicar o fenômeno
do priming, o que quer dizer uma aquisição de um estado de
hipersensibilidade (por exemplo, dado pelo aumento do número de
receptores).

Uma grande parte das modificações fisiopatológicas das redes


homeodinâmicas nas fases reativas é um mosaico de fenômenos em
“aumento” e “diminuição”, de forma que se chega a um ajuste das situações
em função da necessidade do organismo no seu conjunto. Um ponto muito
importante deste modelo de raciocínio se refere ao conceito de sensibilidade
do sistema sob tratamento. A biologia celular moderna e a imunologia
demonstraram que a sensibilidade dos sistemas biológicos (e dos indivíduos) a
um tratamento administrado pode variar consideravelmente em relação a um

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número de fatores que se estendem da predisposição genética a causas
ambientais, como também a experiências precedentes (memória). As razões
destes modelos comportamentais dos sistemas biológicos são complexas, se
consideramos os modos através dos quais as células, os tecidos e os órgãos
regulam os sistemas receptoriais, os sistemas de transdução de sinal e os
sistemas efetores ao nível bioquímico e genético.
A sensibilidade dos sistemas biológicos aos reguladores endógenos ou
externos (incluindo os fármacos) é por isto o produto de delicados equilíbrios
dinâmicos que podem facilmente mutar para doenças ou por precedentes ou
concomitantes contatos com outras substâncias. As alterações dos sistemas
fisiológicos durante uma doença os predispõem a mudanças de sensibilidade
ao nível de receptores específicos, fato bem notado na farmacologia clássica
[Brodde e Michel, 1989].
Na figura 43 é mostrado também o surgimento da hipersensibilidade: os nodos
“recrutados” pela reação ao estresse: os sistemas ativos aumentam a própria
sensibilidade, por exemplo, com o aumento do nível dos receptores por
molécula sinal. É o fenômeno do “priming” já mencionado antes e que possui
notáveis confirmações biológicas. O priming é devido à exposição de novos
receptores, a ativação dos mesmos receptores e/ou a um certo número de
modificações na comunicação intracelular ou nos sistemas enzimáticos.
Deve-se destacar que o priming foi descrito não só ao nível celular, como nos
leucócitos [Bellavite et al. 1993c; Biasi et al., 1993; Hallet e Lloyds, 1995],
como também ao nível tecidual e orgânico, como, por exemplo, no sistema
respiratório de sujeitos alérgicos depois de repetidos contatos com alergenos
[Koh et al., 1994]. Este fenômeno é, nas primeiras fases de ativação do
sistema, tanto homólogo (ou seja, o próprio sinal é que desencadeou a
resposta), como heterólogo (ou seja, sinais diferentes que a célula ou o sistema
em questão pode receber).
Generalizando, poder-se-ia sustentar que a hipersensibilidade adquirida
durante a reação é pelo contrário “inespecífica” e concerne a um amplo leque
de sinais. Por exemplo, os linfócitos ativados pelas interleucinas ou pelos
antígenos bacterianos aumentam seus receptores, não só para o antígeno
específico, mas também para muitas outras citocinas e para as moléculas de
adesão, como “se preparassem” para desempenhar muitas outras funções além
daquela de se ligar ao antígeno. Este fenômeno já foi utilizado
terapeuticamente pela ampla série de práticas de imunoestimulação: foi
percebido há algum tempo atrás que o tratamento com BCG (uma forma
atenuada do bacilo de Koch) protegeria, pelo menos parcialmente, também da
difusão de um tumor, mesmo porque a sensibilidade dos sistemas fagocitários

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 18


e linfocitários aumentam segundo um amplo espectro de moléculas [Hall,
1997; Lowy, 1997; Cocito e Maes, 1998].
Um outro interessante fenômeno que possui relação com o priming é o pré-
condicionamento isquêmico do miocárdio [Cohen et al., 1996]. Recentemente
foi visto em muitos modelos experimentais que um breve período de isquemia
(uma oclusão coronária ao longo de 2-5 minutos) protege o coração do efeito
danoso de uma isquemia mais prolongada e acaba reduzindo o tamanho do
infarte. O fenômeno é interpretado pelo fato de que o estresse breve da
primeira isquemia provoca a liberação de muitas substâncias (adenosina,
catecolaminas, bradicinina, etc.) cuja presença (que por si só não é suficiente
para causar efeitos lesionais) protege as células miocárdicas e endoteliais do
dano muito mais grave provocado por uma isquemia prolongada.

O significado dos sintomas


Um outro ponto chave do modelo considera os sintomas e as diferentes
manifestações externas da doença, que aqui para simplificar chamaremos de
“sintomas”. Como está ilustrado na figura 43, a ativação dos sistemas
homeodinâmicos produz o surgimento dos sintomas. Voltando ao que foi dito
no capítulo sobre dinâmicas gerais das doenças (figura 30), insistimos que os
sintomas não estão diretamente relacionados ao dano e sim às modificações
reacionais. Por exemplo, uma radiação causa notáveis danos moleculares, mas
os sintomas são percebidos depois da reação inflamatória ou como
conseqüência da lesão medular (infeções, hemorragia) ou intestinais (diarréia,
náusea, colite). Os sintomas são a expressão das oscilações de um certo
número de variáveis dependendo do nível pré-determinante. Outro exemplo de
compreensão fácil é o da doença infecciosa: febre, taquicardia, perda de
apetite, ansiedade, fraqueza muscular, redução da libido, palidez, sede, dores
articulares, são todos sintomas que derivam das reações dos sistemas celulares
do sangue e do sistema nervoso autônomo ao estresse biológico que surge
primeiro num determinado tecido. Muitos destes sintomas podem ser
reproduzidos pela ativação de um ou mais destes sistemas mediante a
administração de moléculas sinal adaptadas tanto de origem hipotalâmica ou
periférica.
Na figura 43 os sintomas estão representados de forma esquemática como
sintomas de “aumento” (+), quando derivam do aumento da atividade de um
determinado sistema, ou de “diminuição” ou déficit (-) quando derivam da
inativação de outro sistema. Por exemplo, se considerássemos uma doença
endócrina como o diabetes, teremos sintomas de aumento (poliúria, polidipsia,
polifagia, hipersensibilidade, dores) e de diminuição (astenia, dificuldade de
concentração, deficiência visual, perda de peso, hiposensibilidade cutânea,

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 19


coma). Obviamente, na evolução de uma doença os sintomas podem mudar:
por exemplo, sempre no começo do diabetes podemos ter polifagia, mas
dependendo da gravidade da descompensação pode se apresentar um estado de
anorexia.
É necessário compreender que as diversas expressões dos diferentes sintomas
em vários pacientes refletem as características individuais da reatividade de
cada pessoa. Com certeza existem muitos casos nos quais os principais
sintomas são comuns a muitos indivíduos diferentes atingidos pela mesma
doença, mas também nestes casos, dependendo da atenção que se coloca na
anamnese, pode-se sempre identificar a típica modalidade de expressão de
certos sintomas e de diferentes associações típicas entre os sintomas. Nem
mesmo os estados gripais são iguais em todos os enfermos, em todos a febre
está associada à bronquite, rouquidão ou cefaléia, nem todos apresentam a
mesma duração ou intensidade, nem todos sofrem mais de noite que de dia,
uns estão mais irritados, outros estão mais prostrados, outros sofrem alteração
na sede, outros insônia, e assim por diante.
As diferentes expressões dos sintomas de uma mesma doença -
nosologicamente etiquetada - em pessoas diferentes, confirmam ainda o fato
de que a desordem homeodinâmica é um evento global que envolve
freqüentemente de forma inseparável fatores endógenos e fatores exógenos.
Em qualquer doença cuja causa resida fundamentalmente num fator exógeno
teremos sintomas que são “típicos” daquela doença e que orientam para um
diagnóstico etiológico e para a individualização dos mecanismos
etiopatogenéticos comuns; por outro lado, teremos sintomas que representam
o aflorar de problemas endógenos, onde o estresse constituído por aquela
doença faz que os sintomas apareçam. Por exemplo, um paciente afetado por
um tumor de pâncreas apresentará icterícia, emagrecimento, problemas
digestivos; estes sintomas estão presentes na maior parte dos casos; mas o
mesmo paciente poderá apresentar um outro conjunto de sinais e sintomas que
são mais “seus” como, por exemplo, distúrbios do humor, do sono (incluindo
os sonhos), do seu relacionamento com o trabalho (um poderá reagir
fechando-se em si mesmo, outro aumentando a própria atividade), da
susceptibilidade as infeções ou às desordens imunitárias ou endócrinas.
Podemos considerar também qualquer variedade das síndromes
“paraneoplásicas”. Numa dinâmica da homeostase deste paciente não
devemos considerar os sintomas típicos da doença como os necessariamente
mais importantes. De fato, os sintomas típicos da doença são a conseqüência
óbvia da própria existência da doença e da sua defesa (por isto, intervir sobre
eles tem pouca eficiência sobre a progressão da enfermidade). Por outro lado,
os sintomas particulares do sujeito enfermo são aqueles que indicam a visão

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 20


que ele mesmo tem da doença (por isto são importantes como “pistas” que
acabam nos indicando como ele se adapta ou reage às doenças).
Em síntese, do ponto de vista homeodinâmico devemos avaliar tanto os
sintomas que são considerados acessórios ou menos importantes, como
aqueles que refletem seu estado geral e os que indicam os distúrbios locais.
Isto é válido tanto para as doenças muito graves (como no exemplo anterior,
porque se do ponto de vista clínico existe pouco para ser feito devido a pouca
quantidade de vida que o paciente tem, existe ainda muito para ser feito no
que diz respeito à qualidade de vida), como também para as doenças menos
graves, porque é justamente sobre as “reservas endógenas’ de reatividade e
sobre as possíveis disfunções que se baseia a tentativa de regulação através da
proposta biodinâmica”.

Regulação nas fases agudas


De acordo com a lógica da regulação das redes homeodinâmicas que já
descrevemos, nas fases agudas das doenças se a reação se desenvolve de
forma adequada, sem que existam “excessos” na ativação/inibição dos vários
sistemas envolvidos e, como conseqüência, nos sintomas, não deveria ser
necessária qualquer intervenção reguladora e bastaria procurar remover as
causas que determinaram as alterações (terapia etiológica).
Esta reação adequada leva a cura de forma instantânea representando um novo
equilíbrio da homeodinâmica (figura 44). Se não existe mais o estresse externo
que causou a desordem momentânea e se não aconteceram alterações
estruturais irreversíveis (talvez devidas a própria reação), como também ao
dano inicial (como por exemplo a modificação do sistema “A” na figura 43) a
desordem acaba sendo reparada e a integridade do organismo é restaurada. Os
sintomas diminuem ate o ponto de desaparecerem para posteriormente
permanecer num estado de priming ou hipersensibilidade nos sistemas
responsáveis pela ativação dos receptores durante a reação.
Mas, se ao contrário, a reação atinge fases desproporcionadas em relação à
necessidade ou à capacidade de regulação e de tolerância do sujeito atingido,
deve-se intervir procurando inibir a atividade dos sistemas que estão
hiperativos ou, ao contrário, estimulando a atividade dos sistemas que estão
com suas funções muito diminuídas.
Poderíamos recorrer a muitos exemplos de acordo com as patologias. Nos
limitando às doenças com predominância do componente inflamatório é
sabido pela classe médica que estão disponíveis uma série de fármacos
antiinflamatórios, antipiréticos, analgésicos, etc. O uso destes fármacos
poderia apresentar problemas de acordo com a lógica biodinâmica.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 21


Figura 44. Representação do reequilibro progressivo do sistema
homeodinâmico descrito na figura anterior, inicia-se quando se elimina o
fator patógeno inicial.

O problema é que a maior parte dos sintomas são produzidos pelos sistemas
reguladores e justamente a maior parte dos fármacos suprimem os sintomas
(analgésicos, antinflamatórios, antiespasmódicos, broncodilatadores, etc.) não
sendo muito específicos ao nível bioquímico e biológico. Como conseqüência,
a interferência com a ação reguladora endógena, que está sempre presente em
múltiplos níveis, pode ser considerável. Por outro lado, o uso de fármacos
deste tipo, especialmente se as doses usadas são fortes e repetidas, causam
efeitos colaterais de grande importância. O efeito colateral ou secundário de
um fármaco é a conseqüência da inevitável perturbação da homeostase que
cada substância biologicamente ativa provoca.
Em síntese, não se conseguiu ainda encontrar uma proposta que seja
suficientemente “fisiológica” para não causar efeitos danosos colaterais e,
principalmente, que seja orientada para atingir os vários níveis de homeostase.
O problema é essencialmente aquele mencionado na sessão anterior: em
qualquer que seja a reação que esteja homeodinamicamente desbalanceada (e

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 22


por isto patológica) existem muitos sistemas que estão ativados demais, mas
também muitos outros que estão por demais inibidos. A molécula “anti”,
especialmente se usada em doses fortes, coloca em risco com sua ação
inespecífica, sem um efeito “orientador” sobre a homeodinâmica, a verdadeira
cura. Quando se usa um antiinflamatório numa doença infecciosa reduzem-se
os sintomas, pelo menos por um tempo determinado, mas ao mesmo tempo
inibe-se o que não se deveria inibir como, por exemplo, o sistema imunitário
ou da fagocitose [por exemplo, Graham, 1990].
A farmacologia da inflamação também está desenvolvendo outras propostas
reguladoras baseadas na imitação do sistema natural. Muito representativo
neste propósito é a linha de estudos baseada na produção (mediante a
engenharia genética) de moléculas antiinflamatórias de natureza protéica
como os antagonistas das citocinas e os receptores para as citocinas. Se estes
últimos (especialmente como já vimos, IL-1 e TNF-) são potentes
substâncias que aumentam e propagam as reações inflamatórias, existem
circuitos homeodinâmicos endógenos que as tem sob controle. Procura-se, por
isto, produzir os “antimediadores” para bloquear a ação das citocinas assim
como foram procurados durante muito tempo os antimediadores químicos para
bloquear a ação da histamina, prostaglandinas, platelet-activating-factor,
leucotriene, etc.
Uma outra linha muito interessante da farmacologia experimental é a da
pesquisa de fármacos antiinflamatórios mais específicos e com menos
toxicidade [por exemplo, Wallace e Cirino, 1994]. Atualmente, estão sendo
estudados fármacos que agem especificamente sobre o tipo 2 da
cicloxigenasse (que teriam, portanto, como alvo específico apenas as células
inflamatórias sem atingir as células normais dos tecidos) ou os fármacos
nitroderivados, ou seja, aqueles que possuem na própria molécula um grupo
antiinflamatório clássico (aspirina, flurbiprofene, etc,) e um grupo (CH2)3-O-
NO2 que libera óxido nítrico (um mediador fisiológico que causa
vasodilatação). Esta última classe de fármacos, testados em animais,
demonstrou menores efeitos ulcerogênicos do que os convencionais [Marioto
et al., 1995]. Estudos realizados pelo nosso grupo em colaboração com outros
[Lechi et al., 1996; Andrioli et al., 1997] indicam que os nitroderivados do
ácido acetilsalicilico e do flurbiprofene possuem efeitos inibidores nas
primeiras fases de adesão plaquetária e nisto demonstram uma diferença no
mecanismo de ação em relação às moléculas não alteradas.
Porém, estes avanços são da área da pesquisa experimental e se sabe que nas
situações clínicas práticas nem sempre se consegue individualizar as
moléculas mais apropriadas para o sistema que se desejaria tratar. Isto é
devido às multiplicidades das alterações, que afetam níveis diferentes e

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múltiplos centros reguladores. O ideal na perspectiva de uma ação reguladora,
os requisitos ideais destas substâncias, deveria ser de forma óbvia os
seguintes:
agir em pequenas doses, porque só deste modo está garantida a especificidade
de ação (quanto mais baixas são as doses maior é a probabilidade de que as
moléculas interajam apenas com os sistemas especificamente regulados de
forma fisiológica, dotados de alta afinidade);
 agir só sobre os sistemas de inflamação que estão hiperativos;
 agir como inibidores sobre os sistemas muito ativos e como
estimuladores sobre os sistemas muito enfraquecidos;
 agir de forma coerente tanto no nível físico das alterações como no
nível psíquico, já que é bem conhecida a interdependência entre os dois
planos;
 possuir um efeito pleiotrópico (que age sobre muitos alvos) para não
necessitar usar muitas substâncias diferentes para os muitos
mecanismos envolvidos;
 não induzir dependência;
 ser de baixo custo e de fácil acesso à população.
Obviamente, um remédio60 similar ideal não existe, mas o que se quer aqui é
sugerir que neste campo é absolutamente necessário raciocinar em termos de
complexidade dinâmica e que a possibilidade de uma integração entre os
conhecimentos científicos modernos e os diferentes métodos não
convencionais poderia constituir uma interessante hipótese de trabalho.
A título ilustrativo e ficando num nível muito geral, na regulação das fases
agudas se poderia sugerir uma utilidade potencial de três diferentes propostas:
 Polifarmácia e fitoterapia: além das medidas de caráter geral já
discutidas, se trataria de recorrer a diferentes propostas farmacológicas
que agiriam no sentido de regular os diferentes pontos nos quais se
manifesta um excesso disfuncional (em “plus” ou em “minus”). Isto
poderia ser obtido tanto através da proposta científica moderna, que
identifica os sistemas bioquímicos ou imunológicos que requerem uma
sustentação ou um freio (exemplo: hormônios, citocinas, interferones,
fatores de crescimento, vitaminas, etc.), como também da bagagem de
empirismo dos fitoterapêuticos ocidental e oriental (como por exemplo,
fitoterapia chinesa, medicina tibetana, Ayurveda). Onde existe
empirismo existe sempre conhecimento que foi filtrado pela experiência
de vários séculos, revelando uma provável eficácia que deveria ser

60
Aqui se usa o termo remédio de uma forma muito genérica, para indicar qualquer intervenção que tenha
efeitos reguladores sobre o sistema doente.

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levada em consideração. A possibilidade de usufruir o efeito sinergético
de princípios biologicamente ativos contidos em plantas medicinais foi
valorizada também na literatura científica recente [Greenspan e
Aruoma, 1994].
 Medicina oriental: como foi visto no capítulo 1, a abordagem
acupunturista ou ayurvédico e todas as técnicas de manipulação que se
relacionam, mesmo tendo ainda las explicações limitadas ao nível
científico, se impõem pela eficácia prática. O que mais interessa na
medicina oriental é sua “filosofia de fundo” que por não ter sido talvez
“atacada” pelo reducionismo científico ocidental ao longo de séculos
desenvolveu uma concepção dinâmica, holística e ecológica do
organismo, o qual é visto como um sistema integrado em harmonia com
os elementos da natureza e com os ritmos cósmicos. O médico chinês,
por exemplo, não está interessado no sintoma local e sim na dinâmica
interna que o provoca e faz com que se mantenha. Só agindo naquela
dinâmica, estimulando ou inibindo o “fluxo de energia” alterado se
estabelece uma terapia duradoura e eficaz.
 Princípio de semelhança61: na segunda parte deste texto discutimos de
forma ampla as evidências experimentais dos efeitos que se invertem de
muitas substâncias (estimuladores passam a ser inibidores e vice-versa)
dependendo das doses e do estado no qual se encontra o sistema tratado.
Um exemplo clássico deste fenômeno é o da histamina, do qual
tratamos nos capitulos 4-5, ou seja doses baixas inibem o fenômeno
inflamatório (edema, eritema), provavelmente ao bloquear a ativação
dos granulócitos basófilos. De acordo com esta lógica, teoricamente
poder-se-ia obter um efeito terapêutico num doente afetado por uma
doença aguda administrando-se em pequenas doses aquela substância
que produz os mesmos sintomas no indivíduo são, ou melhor, o quadro
mais similar possível de sintomas característicos e individuais (isto é,
centralizados no sistema regulador). No caso ilustrado na figura 45, se
poderia de administrar aquela substância que, se administrada num
indivíduo são induz sintomas de “aumento” dos sistemas (órgãos, ou
centros nervosos, ou conjunto de células) D e E, e sintomas de
“diminuição” dos sistemas B e C. O remédio prescrito segundo a
semelhança agiria, portanto, como um contra-regulador em relação à
tendência de desvio, para “mais” ou “menos”, dos mesmos sistemas que

61
Princípio da semelhança: enunciado por Hipócrates e operacionalizado por Hanhneman e seus seguidores
imediatos (Hering, Allen, Jahr, Boenninghausen, etc.) e contemporâneos (Kent, Ghatak, Pierre Schmidt;
Paschero, etc.) (ver capitulo 9).

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estão envolvidos na doença. A sua ação seria a de atenuar a tendência
patológica.
As propostas metodológicas apresentadas são consideradas como hipotéticas e
não certezas científicas, cujo principal valor está na orientação do raciocínio
clínico em direção a pesquisa da metodologia mais adequada possível à
complexidade da doença.

Dessensibilização, adaptação e cronicidade


É necessário continuar com a análise do sistema homeodinâmico-modelo, em
relação a cronicidade das doenças, ou seja, a forma de desordem
homeodinâmica que, como já vimos nos capítulos precedentes, se automantém
por um grave deslocamento do atrator do sistema no seu conjunto (adaptação
patológica). Uma representação muito esquemática, mas eficaz deste problema
é fornecida na figura 45.

Figura 45. Representação da desordem crônica da homeodinâmica num


sistema modelo de cinco nodos. Muitos estudos de biologia indicam que
num sistema anômalo estressado a dessensibilização é homóloga, ou seja,
leva ao aparecimento dos receptores para os sinais que estão em excesso,
enquanto o receptor para outros sinais se mantém num estado de
expressão máxima.

O que leva um processo a se tornar crônico é a adaptação dos sistemas


reguladores na sua tentativa de “resolver” as conseqüências do estresse,

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 26


fenômeno que pode ser representado de forma esquemática com o
aparecimento dos receptores ou da sensibilidade. Instaura-se um estado de
falta de resposta nos confrontos de um determinado estímulo. Geralmente, a
dessensibilização pode ser devida a muitos mecanismos, entre os quais o
consumo ou a inativação dos receptores, o desacoplamento dos receptores dos
sistemas de transdução, desativação dos sistemas efetores celulares. Isto foi
demonstrado tanto em sistemas de cultura como em células ex vivo, extraídas
de sujeitos sãos e de pacientes afetados por diferentes patologias.
Estes tipos de provas não são, portanto, simplesmente fornecidas por
aparelhos de laboratório, mas tentam reproduzir uma situação que se verifica
in vivo, o fato é que as células num doente que possui manifestações
inflamatórias são “diferentes” das células de um homem são. Nosso grupo em
colaboração com outros demonstramos que os leucócitos extraídos de um foco
inflamatório são mais ativos nas respostas a fatores especiais (peptídeos
bacterianos, complemento e neuropeptídeos) em relação àqueles extraídos do
sangue circulante do mesmo paciente, enquanto são menos ativos nas
respostas aos confrontos com outros fatores (citocinas, como o TNF-)
[Briheim et al., 1988; Biasi et al., 1993].
Outros exemplos de bloqueio de reatividade induzida pela sobrecarga de um
sistema biológico são a anérgia imunológica [Whitacre et al., 1991; Friedman
e Weiner, 1994] e a tolerância aos fármacos, especialmente a tolerância
conhecida aos opiáceos [Goodman et al., 1992]. Um mecanismo também bem
conhecido no campo da endocrinologia é o da dessensibilização com a
insulina no sujeito diabético (tipo 2) e no hiperinsulínico. Um outro
importante fenômeno descrito em sujeitos afetados de patologias reumáticas
graves e também de AIDS é a perda de sensibilidade aos corticóides: “Os
pacientes com AIDS que apresentam hipercortisolismo e resistência periférica
aos esteróides são caracterizadas por anomalias dos receptores dos linfócitos
para os esteróides. A resistência aos glicocorticóides implica numa complexa
alteração nas funções imunoendócrinas, que pode ser importante na evolução
da síndrome da imunodeficiência” [Norbiato et al., 1992].
Do esquema da figura 45 resulta evidente como a dessensibilização homóloga
induz um desequilíbrio no fluxo de informação entre os nodos da rede, pelo
qual finalmente o sinal inibidor de E sobre A (à esquerda) é relativamente
baixo. Por outro lado, o sinal estimulador de B sobre A se recupera, quando
“não deveria” (porque fazendo assim se dirige no sentido contrário ao que
deveria ser seu objetivo de reconduzir A ao estado de normalidade). Nesta
situação, B e E se tornam equivalentes nos efeitos sobre A e,
conseqüentemente, não compensam mais o excesso de atividade devido ao
estresse. Neste ponto o estresse já instalado e não compensado sobre A

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 27


repercute sobre outros nodos que são ligados a A, nodos que na figura 45 são
esquematicamente chamados F, I, L. A patologia, então, se expande
envolvendo outros sistemas.
Em relação à evolução dos sintomas se poderia observar neste ponto uma
diminuição dos primeiros sintomas da doença (aqueles que estavam presentes
na fase aguda inicial) e um aumento de outros tipos de sintomas, relacionados
a outros sistemas. Para dar um exemplo, no sujeito com hipertensão arterial
essencial, nas primeiras fases da sua doença, pode ter um aumento dos
sintomas de hiperatividade do sistema simpático (taquicardia, ansiedade); nas
fases posteriores estes sintomas diminuem (adaptação), enquanto aparecem
sintomas devidos à patologia de órgãos comprometidos secundariamente
(patologia renal e/ou cardiovascular).

Regulação nas fases crônicas


Quando o processo patológico apresenta as características da cronicidade
(presença de bloqueios, perda de comunicação nas redes cibernéticas do
organismo), a conduta terapêutica deve considerar este fato e procurar
“remover” estes problemas homeodinâmicos, que impedem a atividade normal
da “força vital”. Deve-se supor que um sistema cronicamente “bloqueado” na
homeostase pelo aparecimento de uma adaptação patológica, poderia reativar
o circuito homeodinâmico mediante o remédio capaz de ultrapassar o bloqueio
(porque ele estimularia a sensibilidade expressada e que fica ativa, enquanto a
dessensibilização é homóloga) e ter o efeito de estimular D e/ou E e de inibir
B e/ou C.
O esquema que apresentamos (figura 46) mostra que nem todos os sistemas
alterados são de igual importância na identificação do remédio que mais se
adapta para uma regulação eficaz e resolutiva. No percurso lógico que aqui
seguimos, o estresse levou a um desequilíbrio no elemento A, posteriormente
a um desequilíbrio reacional “primário” no circuito homeodinâmico A-B-C-
D-E e, sucessivamente, a um desequilíbrio “secundário” nos sistemas F-I-L.
Este último aparecimento de desordens e de sintomas são as conseqüências
mecânicas e lógicas da permanência do desequilíbrio sobre o elemento A que
não é mais controlado pelo seu circuito regulador homeodinâmico.
Fica claro que em relação à eficácia de uma proposta reguladora,
terapeuticamente lógica, a primeira coisa para ser feita é remover o estresse
sobre o elemento A (a causa). Isto é sempre válido, mas vimos que na doença
crônica a desordem pode ser mantida também na ausência da causa inicial.
Portanto, ficam como possíveis às intervenções regulares ao nível das
desordens racionais “primárias” e das conseqüências “secundárias”, e aqui se
estabelece uma distinção teórica fundamental: numa doença crônica alguns

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 28


sistemas (consequentemente, alguns sintomas) pertencem ao circuito
regulador central A-B-C-D-E e devemos considerar remédios de “regulação”,
aquele direcionado aos outros sistemas/sintomas (F-I-L) deve considerar
remédios de “supressão”.

Figura 46. Desordem crônica da homeodinâmica, na qual permanece o


bloqueio de sensibilidade ou de resposta dos elementos estressados. Em
tal sistema estão ilustrados também as possíveis intervenções reguladoras
e supressoras, de acordo com o discutido no texto. Permanecendo este
estado de desequilíbrio (falta de compensação) pode-se postular que
mesmo se o estresse inicial desaparece, um sistema assim se manteria fora
da homeodinâmica de forma espontânea (figura 45). Assim, apresentamos
de forma esquemática o estado de cronicidade.

É óbvio que na clínica diária não é sempre fácil distinguir entre estas duas
diferentes possibilidades porque os sistemas biológicos estão entrelaçados de
forma estreita. Mesmo uma intervenção “supressora” típica (por exemplo, o
uso de corticóides em doses altas numa doença autoimune) poderia em alguns
casos ter efeitos reguladores positivos, se impedem a expansão do dano
tecidual e o desencadeamento de circuitos de amplificação. Trata-se, de
qualquer forma, de uma problemática que deveria sempre ser considerada para
poder avaliar as intervenções terapêuticas.
Devido à complexidade do problema das terapias reguladoras nas doenças
crônicas, isto não pode ser resolvido de forma fácil e deve ser analisado
profundamente. A idéia geral que queremos aqui colocar é que se trata de uma

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 29


questão tão difícil de ser aplicada na prática que requer uma abordagem
integrada. Com isto, entende-se essencialmente que na tentativa de recorrer a
diferentes tipos de medicina, de uma forma racional e controlada, depende
sempre da necessidade do paciente e de querer utilizar o melhor nas diversas
competências terapêuticas.
Nem todas as doenças requerem necessariamente uma abordagem integrada.
Onde a ciência individualiza um mecanismo preciso alterado (por exemplo,
um defeito genético ou anatômico, um bloqueio localizado da circulação
sangüínea, uma hiperfunção de uma glândula endócrina devida a um tumor,
etc.) pode-se intervir de forma eficaz e resolutiva. Em muitos casos é possível
que uma terapia intensiva consiga remover o problema principal da patologia
(por exemplo, a quimioterapia antitumoral), permitindo que o organismo
possa se recuperar e atinja a cura definitiva. Mas, estes são, infelizmente,
apenas exceções em relação a grande quantidade de patologias com desordem
crônica da homeodinâmica. Isto requer necessariamente uma ampliação de
horizontes médicos sem de maneira nenhuma negar as conquistas da ciência
exata, quanto menos a sua utilização, sendo primordial verificar a possível
contribuição teórica e prática de outras epistemes do pensamento médico,
baseados desde a sua origem numa visão holística da pessoa.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 30


Medicina Biodinamica
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8
Medicinas não convencionais: integração possivel?

A abordagem homeodinâmica demonstra que o evento patôgeno não é um


fenômeno localizado e deve ser considerado como a conseqüência do
desequilíbrio geral, onde os fatores internos e externos agem através de
alterações de complexos mecanismos locais e sistêmicos. Consequentemente,
a gastrite por exemplo, não pode ser mais concebida apenas como lesões
orgânicas que atingiram a mucosa gástrica, como também no caso da ulcera
duodenal, não podemos só nos restringir ao conceito de que eqüivale a um
“órgão doente” num organismo são. Cada doença mesmo que tenha sido
caracterizada sua lesão orgânica específica, deve ser considerada como o
efeito sobre um ou mais órgãos de complexos desequilíbrios sistêmicos dos
quais a endocrinologia, a neurofisiologia e a imunologia estão conseguindo
cada vez mais identificar suas relações e especificidades. A progressiva
adquisição da consciência da complexidade do ser vivo , e da integração
estreita existente entre níveis moléculo-orgânico-psíquicos e incluso a
integração do nível de transcendência do ser humano (para alguns nível
espiritual), como da importância do equilíbrio homem-meio ambiente e da
corroboração de como é imperceptível o limite existente entre o estado de
saúde e o de doença, acaba conduzindo a medicina a uma abordagem cada vez
menos “especialística” e menos mecanicista.
Com certeza é justamente desta visão científico-filosófica de mundo, que
surgem também muitas praticas e modelos médicos que tendo sido exiladas

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 1


pelo sistema medico oficial, se colocam como alternativas possíveis ao
paradigma dominante.
Recorrer a práticas médicas chamadas de “complementares” ou “alternativas”
(logo veremos que estes termos devem ser evitados) é um comportamento que
encontra-se em expansão tanto nos países desenvolvidos (como por exemplo,
Bélgica, Itália, França, etc.) como nos países em desenvolvimento (como por
exemplo, Argentina, Cuba, Brasil, etc.). Não podemos ignorar o impacto
exercido por estas práticas médicas na população como também a procura que
esta faz destas medicinas: estudos recentes indicam que entre 30% e 50% da
população adulta nas nações mais ricas usa alguma forma de medicina não
convencional [Astin et al., 1998]; Krastin et al., 1998], principalmente levados
por patologias de alta incidência populacional como lombalgia e cervicalgia,
alergias, astenia, cefaléias, hipertensão, insônia, depressão, problemas
digestivos e diferentes formas de broncopneumopatias [Eisenberg et al., 1998;
Wetzel et al., 1998].
Constatando esta realidade e analisando os fatos de forma honesta e sem
preconceito científico, adquirimos consciência sobre uma série de problemas
sócio-sanitários, deontológicos, éticos e científicos, que indefectivelmente
requerem atenção por parte das autoridades competentes, inclusive dos
próprios médicos que não praticam nem conhecem estas vertentes sanitárias e
que são os que mais estão em contato com os questionamentos colocados
pelos pacientes. O modo mais correto de olhar para o problema é examinando
as razões da sua existência, para que posteriormente, após a sua identificação,
as distorções encontradas possam ser eliminadas e aproveitado o que existir de
útil e positivo. Não considerar ou negar esta realidade, além de ser uma atitude
errada, também é inútil, porque constata-se que o fenômeno não só se mantém
como se amplifica, por iniciativa da população em geral (pacientes, opinião
pública, mídia, associações profissionais do setor, escolas médicas
especializadas na formação de médicos homeopatas ou acupunturistas que em
alguns países não são reconhecidas oficialmente, mas nem por isto deixam de
estar presentes e de ser procuradas, e assim por diante).
E necessária uma abertura para o dialogo, introduzir o discurso de medicina
integrada entre os diferentes sistemas médicos (já que o atual conflito
existente só acaba prejudicando a cura dos pacientes) A medicina integrada
parte da compreensão da realidade dinâmica do paciente e sua complexidade e
consiste na proposta preventiva e terapêutica o mais adequada possível a
globalidade e individualidade genética, orgânica, psicológica e espiritual de
cada um dos enfermos.
Esta foi a proposta que encontramos inclusive na influente revista medica
British Medical Journal : “ A medicina integrada (“integrative medicine” nos

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 2


E.E.U.U.) é praticar a medicina de forma que se incorporem princípios das
praticas complementares e alternativas a nível preventivo e terapêutico
simultaneamente aos métodos diagnósticos e terapêuticos mais ortodoxos.
A medicina integrada possui uma missão e um significado muito amplo
destacando a importância de se investir muito mais na saúde e na cura do que
na doença e seu tratamento . Esta considera os pacientes como pessoas
inteiras, com mente, espirito e corpo e procura incluir esta dimensão no
diagnostico e no tratamento”[Rees e Weil, 2001] ; “Este crescimento da
medicina integrada poderia possivelmente resgatar a anima da medicina,
entendendo por anima aquela parte nossa que é a mais importante e ao
mesmo tempo a menos fácil de ser delineada” [Smith, 2000].
Em função do que foi visto ate agora uma possível integração não significa
justamente que um método seja superior a outro, e sim considerar que em
função da complexidade de muitas doenças nenhum método pode ser
exclusivo: dependendo da dinâmica de um processo patológico , se podem
apresentar opções de diferente prioridade segundo o caso especifico individual
considerado
Um aspecto que também preocupa a classe médica e desorienta os pacientes é
a defesa de “profissões” chamadas de “alternativas”, ou seja sem formação
prévia em medicina, exercidas após cursos de qualificação duvidosa, mesmo
que às vezes atestadas com um diploma internacional.
Mas existe na maior parte dos países, independentemente do que acabamos de
citar, um numero cada vez maior de médicos que voltaram sua atenção para as
outras medicinas, inserindo-as na sua prática clínica diária, mesmo que elas
não tenham reconhecimento acadêmico.
O que importa realmente destacar é que, como não existe quem tenha soluções
prontas para todos os desafios inerentes à dor do ser humano, o
relacionamento entre os praticantes das diferentes medicinas deve ser aberto e
democrático, sem preconceitos, para que se possafazer os esclarecimentos
epistemológicos necessários e urgentes e descobrir uma verdade ética para o
bem comum dos que necessitam de ajuda médica.
Neste capítulo “confrontamos” alguns aspetos “semânticos”, ou seja,
referentes aos termos com os quais freqüentemente são definidas as diferentes
formas de medicinas. Trataremos esta questão de forma introdutória, incluindo
alguns exemplos.

Considerações semânticas
Uma linguagem clara, que seja conhecida por todos, seria um ponto de partida
dos mais importantes para se atingir o objetivo de integração, ou pelo menos

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 3


de colaboração, entre as diferentes propostas terapêuticas. Consequentemente
é extremamente necessário definir epistemologicamente62 o que é a medicina
convencional e o que são as “outras” medicinas, esclarecendo o significado de
algumas palavras que freqüentemente são usadas de forma equivocada e
confusa ou compreendidas apenas pelos que estudaram um só tipo de
medicina e não compreendidas pelos que estudaram outro tipo. Nosso objetivo
é apenas contribuir para um debate aberto sobre estas questões, ou seja,
encontrar denominadores comuns sem que prejudiquem obviamente as
especificidades das diferentes práticas.
Por outro lado não podem ser deixados de lado os avanços científicos
conseguidos nos dias de hoje para fazer os diagnósticos nas diferentes
especialidades, como por exemplo a tomografia computadorizada, a
ressonância nuclear magnética, os exames genéticos, etc. Estes devem então
ser utilizados por qualquer médico independentemente do tipo de medicina
que pratique (homeopatia, medicina tradicional chinesa ou alopatia) já que
nenhuma conduta pode ser iniciada sem o prévio diagnóstico feito da forma
mais apurada possível. O diagnóstico clínico é o denominador comum de
todas as medicinas.
As especificidades de cada prática refere-se na reaalidade à linha terapêutica a
ser adotada após o diagnóstico e onde este será inserido em termos de conceito
de doença dentro de cada episteme.
Trataremos antes de tudo de examinar os termos essenciais do confronto e de
traçar dois limites: 1) entre aquilo que é medicina e o que não é; 2) entre a
medicina convencional e a medicina chamada de alternativa ou complementar,
ou melhor, a medicina não convencional. Estamos em condições de traçar
estes limites? Não é fácil, porque a prática médica está estreitamente
entrelaçada com o contexto sociocultural e econômico, e estes limites não são
rígidos nem imutáveis. A nossa cultura desde tempo remoto já fez a distinção
entre fé religiosa, convicções filosóficas e práticas médicas, enquanto em
outras civilizações o xamã, bruxo ou curador (medicine man) teve e tem ainda
o seu significado, cujo papel, dependendo do contexto cultural pode ser
compreendido e justificado. Sobre este tema se poderia discursar
extensamente mas alguns limites poderiam ser colocados por qualquer pessoa
dotada de bom censo.
Sintetizando, nos dias de hoje e na sociedade atual, para se falar de medicina é
necessário que sejam preenchidos os seguintes requisitos:

62
Epistemologia: “estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituidas, e que visa
determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas”; é a teoria da propria ciência, testa e
interroga os saberes.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 4


 que seja praticada por médicos ou pelo menos sob controle médico;
 que tenha como objetivo a cura da saúde física ou psíquica;
 que exista um corpus teórico de referência com uma coerência lógica
pelo menos intrínseca;
 que o saber seja colocado em testes (farmacopéia, testes
metodológicos, literatura)
 que descrevam de forma clara os métodos diagnósticos e terapêuticos
utilizados, como as suas indicações e contra-indicações;
 que seja possível verificar de algum modo (respeitando as
metodologias inerentes a cada proposta em particular) a
operacionalidade e eficácia das diferentes intervenções. Do que foi
dito até agora, deduz-se que não podem ser definidas como práticas
médicas (e, consequentemente, nem mesmo “medicinas alternativas”)
aquelas que possuem objetivos que não sejam puramente terapêuticos
(por ex. questões amorosas, sócio-econômicas, filosóficas, religiosas,
etc.); que façam referência a doutrinas ou métodos ocultos; que
utilizem remédios que não sejam reconhecidos; enfim, que
vangloriem resultados terapêuticos sem fornecer nenhuma
documentação e onde sua eficácia não possa ser verificada.
Analisando o campo genuinamente médico, encontramos a segunda fronteira,
ou seja, aquela que existe entre a medicina convencional e as outras
medicinas.

Medicina convencional
A medicina convencional poderia ser definida assim: “o conjunto de teorias
fisiopatológicas e de metodologias clínico-terapêuticas que derivam do
patrimônio de conhecimento desenvolvido pelas ciências naturais desde suas
origens até os dias atuais”. As suas características fundamentais são:
 está fundamentada no método experimental e por isto é chamada de
medicina científica;
 é ensinada em cursos universitários;
 é praticada de forma predominante no mundo;
 sua prática requer habilitação e reconhecimento por parte do Sistema
Sanitário Nacional de cada país.
Por isto, seria conveniente evitar os dois termos com os quais é denominada
de medicina oficial e o de medicina alopática. O adjetivo “oficial” não é o
mais apropriado porque se refere a uma “medicina de Estado”, digna de outros
tempos e porque não existe qualquer pronunciamento de autoridade oficial a
favor desta ou daquela prática médica. As referências fundamentais do ato

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 5


clínico são sempre a liberdade e a responsabilidade de escolha por parte do
médico, exercidas, como se diz, em ciência e consciência. Em relação ao
termo “alopatia”, foi utilizado no início do século XIX (1800) para distinguir a
prática da cura mediante os contrários, daquela que estava emergindo naquela
época que era a da cura pelos semelhantes (homeopatia). É interessante
destacar que esta ultima medicina não se reduziu a um acontecimento
histórico do século XIX, mas, pelo contrario, se manteve viva, procurada
pelos médicos e pelos pacientes desde o seu nascimento, ou seja, há mais de
200 anos [Stengers, 1999].
A “cura pelos contrários” são os princípios terapêuticos que atuam contra os
sintomas e compreenderiam, por exemplo, os purgantes contra a prisão de
ventre, os xaropes contra a tosse, todos os fármacos “anti” (antipiréticos,
antiinflamatórios, antibióticos, etc.), como também a quimioterapia, e mesmo
algumas intervenções cirúrgicas de extração de partes corpóreas. Vemos então
que o termo “alopatia” resulta por demais limitante para definir as
características da medicina científica moderna, que compreende uma série
ampla de propostas que não são na realidade alopáticas como, por exemplo, as
vacinas, as terapias com interferon e citocinas, as substituições hormonais, os
transplantes de órgãos, a cirurgia plástica, a terapia genética, sem falar da
vasta abrangência da medicina preventiva e de reabilitação.
Um outro aspecto para se reconsiderar é a chamada cientificidade da medicina
convencional, que às vezes é enfatizada em excesso. A ciência não é um
dogma intocável, não é concebida como uma entidade abstrata do contexto
humano, como se existisse uma entidade objetiva que esteja acima de tudo,
como um critério de referência única. Salvo raras exceções, a maior parte dos
médicos e dos cientistas concordam que o critério ético deve prevalecer sobre
o científico. Daí a importância de comitês de ética para cuidar que a pesquisa
clínica cresça sem agredir os princípios humanísticos, legais, éticos e sociais.
Onde quer que exista a possibilidade de um grande progresso técnico-
científico, este não deve se contrapor jamais aos princípios éticos.
É necessário destacar que em relação à cientificidade da medicina as suas
“bases científicas” não são imutáveis, controláveis, nem absolutas. Ou seja: a
medicina não é uma ciência exata e, mesmo que fosse, seria, antes de tudo, um
contínuo devenir (vir-a-ser).

Medicinas não convencionais e práticas médicas complementares


Existem medicinas que constituem modelos médicos próprios, tanto em
relação ao seu corpo teórico como a sua metodologia prática (por exemplo, a
medicina homeopática, a medicina chinesa e a ayurvédica); também existem
práticas médicas que, se bem não alcancem o patamar de um modelo próprio

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 6


para constituir uma medicina completa, têm se mostrado formas eficazes de
cura para determinadas patologias (por exemplo, quiropraxia, fitoterapia,
abordagens psicoterapeuticas, etc.)
Ambas as práticas médicas citadas não se encaixam nos padrões aceitos pela
medicina convencional. Porém, estas medicinas e práticas médicas que
pertenceram a uma cultura ou a um determinado período histórico [Zollman et
al., 1999], e que são sistemas terapêuticos diferentes do vigente ou
reconhecido como “oficial”, acabam sendo consideradas como pertencentes ao
campo das medicinas alternativas, sem uma análise mais profunda e sem o
reconhecimento da comunidade cientifica. Em decorrência disto acabam não
podendo fornecer aos que delas precisam toda a gama de recursos sanitários
que seu potencial permitira.
Essas práticas médicas são chamadas de alternativas devido a:
 serem freqüentemente praticadas em substituição ou em oposição à
medicina convencional;
 serem procuradas quando os tratamentos convencionais falham;
 serem geralmente originadas de culturas diferentes da racionalidade
científica ocidental;
 não fazerem parte das principais instituições (Universidade, Serviços
Sanitários Nacionais, Conselhos Nacionais de Pesquisa);
 sua prática não ser reconhecida oficialmente.
Como já dissemos, o fato de esta área extra-institucional da prática médica
não parar de crescer é uma realidade contundente, mas, apesar disto, o termo
“medicina alternativa” continua sendo criticamente analisado e discutido. São
muitos os que não gostam deste termo, tanto porque serve para criar conflitos
entre dois mundos separados, como também por favorecer a confusão com
“práticas alternativas” que nada têm a ver com a medicina.
Estas medicinas, que são alvo de preconceito científico, chegaram a ser
chamadas no passado de medicinas “hereges,” acentuando ainda mais o
significado de transgressão do seu conteúdo. Também foram chamadas de
medicina paralela, ecológica, de medicina não violenta ou medicina doce, de
medicina biológica ou de medicina natural, etc. Todos estes adjetivos são,
infelizmente, reducionistas, porque consideram apenas alguns aspectos da
questão, geralmente de forma bastante imprecisa.
O termo medicina natural não deixa de ser interessante, mas é necessário
considerar que se presta a equívocos, desde que por “natural” se pode chegar
a entender qualquer coisa que seja necessariamente boa, em contraposição, por
exemplo, a “artificial”, sendo este termo usado com significado de negativo e
danoso para a saúde. É óbvio que esta visão é errada e excludente; basta
pensar no fato de que muitos fenômenos “naturais” são perigosos para o

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 7


homem e muitas substâncias “naturais” são tóxicas, enquanto que técnicas ou
químicas “artificiais” pesquisadas em laboratório são utilizadas eficazmente
na medicina e - se bem utilizadas - podem salvar vidas (substitutos do plasma,
anticorpos monoclonais, fármacos antiblásticos, próteses de válvulas
cardíacas, rins artificiais, etc.). O termo medicina natural é antes de tudo
utilizado como uma reação justificada ao tecnicismo exagerado do qual está
sofrendo a medicina convencional.
As palavras mais usadas a nível internacional (revistas científicas e nas
comissões especialmente instituídas pela autoridade sanitária) são as de
medicina complementar [p.ex. Wharton e Lewith, 1986; Fisher e Ward, 1994;
Vickers, 2000] ou medicina não-convencional [p.ex. Eisenberg et al., 1993;
Lewith e Watkins, 1996]. Estes termos são usados também na revista,
publicada por Churchil Livingstone, a Complementary Therapies in Medicine
e no Complementary Medicine Index, editado pela British Library. Está em
andamento na União Européia um projeto de pesquisa (COST B4) com o
titulo Unconventional Medicine in Europe63 .
O Index da British Library é dedicado às seguintes categorias terapêuticas:
“acupuntura”, “homeopatia”, “medicina antroposófica”, (em inglês herbalism,
que inclui também a Ayurveda) e outras medicinas. Aqui vemos que não se
poderia colocar numa mesma categoria a medicina antroposófica, a medicina
ayurvédica nem a medicina homeopática, que possuem uma episteme própria,
com seu corpo teórico e prático que lhes permite abordar o homem na sua
totalidade, com as terapias de manipulação, terapias psicossomáticas,
dietologia e nutrição, fitoterapia, que se bem possuem sua validade específica
não constituem corpos médicos próprios e só são capazes de abordar
determinadas patologias por separado.
Pelo que dissemos até agora e pelo consenso internacional parece ser que os
termos mais corretos sejam os de medicina complementar ou de medicina não
convencional, os quais definiriam : “o conjunto de práticas clínicas derivadas,
por razões históricas ou geográficas, de bases teóricas e metodológicas
diferentes da ciência biomédica (aceita ou preestabelecida no ocidente), mas
não necessariamente opostas a esta”.
O adjetivo complementar não é real nem muito justo porque todas as
medicinas são complementares ou nenhuma é, já que o uso de uma ou mais
destas terapias representa um instrumento a mais em relação às terapias já
consolidadas, quando estas se demonstram insuficientes. Também o termo
“complementar” não é satisfatório, porque poderia não mostrar todo conteúdo
63
European Commission COST Action B4. “Unconventional Medicine”. Annual Report 1995-1996. Ed. by J.
Monckton, Cairman COST B4.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 8


e diminuir o valor das outras medicinas ricas em conhecimento teórico sobre
as doenças e suas patogêneses, como também nas suas apuradas metodologias,
mesmo que não sejam consideradas “científicas” até o presente. Por exemplo,
para um médico que pratica medicina chinesa ou medicina homeopática o
método “escolhido” é o predominante, enquanto os da medicina convencional
são considerados como métodos complementares, por exemplo, os analgésicos
e os antibióticos nos casos em que estes possam ser necessários. Na
perspectiva de uma medicina integrada, mas que considera as bases dos
conhecimentos universais da medicina científica que já estão inseridos no
establishment, talvez possa ser válido usar esse termo mesmo sendo
reducionista.
O termo não convencional é muito claro, mas possui um ponto fraco: ele é
muito provisório. Ou seja, o que atualmente é “não convencional” poderá no
dia de amanhã se transformar em “convencional”.
Assim, podemos notar que existe uma ampla área de práticas médicas e
terapêuticas “intermediárias”: como a dietética, as terapias com águas termais,
a hipnose médica, e alguns tipos de terapias de manipulação como a
quiropraxia, reflexoterapia, oxigênio-ozonoterapia, técnicas de relaxamento,
terapias com oligo-elementos, com antioxidantes retirados de extratos de
plantas, imunoterapia com extratos de bactérias em doses diluídas. Muitas
dessas práticas são usadas porque demonstraram uma certa eficácia mesmo
sem que se possa garantir sua plena cientificidade.
Portanto, como foi dito acima, deve ser feita a diferenciação dentro da área
médica não convencional, entre o que são as terapias que funcionam como
coadjuvantes no tratamento das doenças, depois de ter sido dado um
diagnóstico (tanto por uma medicina convencional ou não) e as medicinas,
mesmo as não convencionais.
Existem consideráveis sinais de uma aceitação progressiva das medicinas
“complementares” por parte das instituições oficiais e da comunidade
científica. Os trabalhos publicados em revistas científicas internacionais de
temas como homeopatia, acupuntura, fitoterapia, crescem em número e
qualidade. Estão sendo publicadas novas revistas que se interessam por este
campo e as publicações sobre bancos de dados internacionais estão
aumentando [Barnes et al., 1999].
Também as instituições de pesquisa públicas estão se interessando por este
setor: a União Européia lançou um projeto de pesquisa (projeto COST B4) no
qual responderam ao primeiro censo 550 dos grupos que conduzem pesquisas
em medicinas não-convencionais. O parlamento Europeu promulgou em 1997
uma resolução (A4-0075/97) sobre Status of non conventional medicine, que
convida a Comissão Européia a lançar estudos rigorosos sobre a segurança e a

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 9


eficácia da medicina de natureza não convencional, como também inserir
noções destas medicinas nos curricula universitários oficiais. O governo dos
Estados Unidos instituiu, no National Institute of Health de Bethesda, um
Centro especificamente dedicado ao estudo das medicinas alternativas (Center
for Alternative Medicine). Recentemente(março de 2002) foi publicada a
conclusão da Comissão Presidencial sobre praticas médicas complementares e
alternativas nos E.E. U.U. (www.whccamp.hhs.gov) contem também uma
classificação bem recente das medicinas não convencionais que são mais
utilizadas nos países ocidentais
Inclusive médicos e dentistas de diferentes estados formaram comissões
especiais para o estudo do assunto.

Testes não convencionais de avaliação


Quando a doença é considerada, principalmente, ao nível de alteração
bioquímica e anatômica, é óbvio que cada vez mais se recorrerá aos exames de
laboratório e ao diagnóstico por imagens, enquanto que pouco sentido terá um
“diagnóstico” que coloque em evidência a subjetividade do doente e a
sintomatologia individualizada entre um doente e outro. Por outro lado, os
meios de diagnóstico convencionais não podem detectar as sutis variações
iniciais dos complexos equilíbrios homeodinâmicos, como também não
poderão colocar em evidência as pequenas variações dos parâmetros
bioquímicos ou funcionais, nem oferecer critérios para reconstruir o quadro do
conjunto na sua totalidade para permitir posteriormente a escolha de uma
terapêutica totalizadora.
A atividade elétrica dérmica reflete diferentes dimensões eletrofisiológicas da
pele e dos tecidos conectivos e é usada como indicador da atividade autônoma
dos pacientes em áreas como a neurologia e medicina psicossomática e como
avaliação diagnóstica auxiliar na eletroacupuntura. A maior parte dos autores
considera que as modificações eletrodérmicas associadas a vários estímulos de
tipo tanto fisiológico como psicológico, dependem das variações das
descargas simpáticas a nível da musculatura dos bulbos periféricos, da
microvascularização e das glândulas sudoríparas.
A resposta ao estresse, como também os diferentes comportamentos às
numerosas variações funcionais e bioquímicas (ver figuras 39-40),
compreendem toda uma série de modificações bioelétricas do organismo, que
poderiam ser avaliadas mediante a colocação de eletrodos a nível cutâneo
[Ionescu-Tirgoviste e Pruna, 1990b; Fredikson et al., 1993; Kirsh et al., 1993;
Kroner et al., 1993; Bischof, 1994; Turkstra, 1995].
Existem aplicações destes testes eletrodérmicos no campo convencional,
principalmente em psiquiatria e medicina psicossomática, mas também

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 10


existem referências destas aplicações em reumatologia e endocrinologia
[Ionescu-Tirgoviste e Pruna, 1990b; Fredikson et al., 1990; Dawson, 1990;
Venables, 1991; Qiao et al., 1991; Pestell, 1991; Barry e Furedy, 1993;]. Estes
métodos são utilizados atualmente nas suas mais variadas aplicações pelos
médicos que praticam a chamada “medicina complementar” ou “medicina
funcional”, portanto, são ainda utilizados num âmbito empírico e não
rigorosamente controlados. Todavia, a difusão crescente de tais aparelhos
exige o controle da eficácia de sua utilização, sendo necessário verificar se
eles podem ser integrados a um diagnóstico de credibilidade científica.
Trataremos de forma breve a possibilidade de utilizar testes biodinâmicos
baseados na observação das respostas elétricas cutâneas, os quais são
freqüentemente usados em algumas medicinas não convencionais.
A hipótese que sustenta o funcionamento dos aparelhos bioeletrônicos é o
conceito de estado de doença que pode ser considerada como como uma
reação bioelétrica patológica às perturbações induzidas pelo contato com
substâncias químicas ou campos eletromagnéticos (exógenos ou endógenos).
Por causa da sua intensidade baixa e não localizada, tais sinais entram em jogo
a níveis muito amplos e globais dos sistemas de homeostases eletromagnética
e, portanto, poderiam permitir uma avaliação da dinâmica bioelétrica do
organismo de uma forma global e holística.
Em relação a qualquer estado de solicitação, se instauram no processo de
autorregulação estados metaestáveis64 na homeodinâmica bioquímica e
bioelétrica (vizinho ao ponto de bifurcação/transição de fase; ver capítulo 3).
Para que possam ser identificados estes estados metaestáveis, como
metaestáveis é suficiente uma mínima, infinitesimal perturbação do campo
eletromagnético (ressonante de um modo específico) para causar uma reação
suficientemente ampla, como a que fica em evidência com a diferença de
potencial nos pontos de medida. Deste modo se poderia testar virtualmente
cada aspecto do processo fisiopatológico que se instaura na doença
(aminoácidos, enzimas, ácidos grassos, hormônios, minerais, vírus,
vitaminas). As modificações dinâmicas no campo eletromagnético do
organismo no seu conjunto poderiam ser medidas de modo análogo àquela do

64
Estado metaestável: aquele pelo qual um determinado sistema dinâmico pode passar facilmente de uma
bacia de atração para outra, por causa de uma perturbação mínima que o movimenta de uma parte para outra.
A posição de um sistema dinâmico pode ser representada como uma „esfera‟ que se encontra num percurso
feito de cristas e depressões. Quando um sistema é estável, seus movimentos (oscilações) acontecem sempre
dentro do mesmo “poço” de potencial” ; mesmo se perturbado por qualquer acréscimo ou substração de
energia, retorna espontaneamente à organização espaço-temporal de partida, em direção ao fundo do poço,
onde a energia livre é menor. O sistema metaestável se encontra sobre a “crista” entre dois poços de potencial
e sofre facilmente uma mudança irreversível, terminando num poço de potencial diferente do original.
Reforçamos o que já foi apresentado com relação aos atratores booleanos (figuras 14-18).

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 11


ECG ou do EEG, com o deslocamento do vetor do campo por unidade de
tempo. Já se demonstrou de forma clara, que a falange distal é um ponto
particularmente sensível às variações de condutância elétrica cutânea [Scerbo
et al., 1992].
Foram propostos nos últimos decénios um número crescente de instrumentos
diagnósticos e terapêuticos, que utilizam as interações de ressonância entre
oscilações eletromagnéticas endógenas e campos externos de intensidade
mínima [Leonhard, 1982; Kenyon, 1983; Meletani, 1990; Fuller Royal e
Fuller Royal, 1991; Brugemann, 1993; Lednyiczky e Nieberl, 1997]. Do ponto
de vista da pesquisa científica, existem motivos para pensar que tais
instrumentos poderiam gerar uma nova luz sobre os finos sistemas de
regulação – molecular e biofísico – da homeodinâmica biológica, celular e
sistêmica.
Os testes eletrodérmicos se baseiam na hipótese de que substancias toxicas
podem provocar variações do potencial elétrico cutâneo da mesma forma que
os específicos pontos de acupuntura os quais possuem uma conductancia
elétrica alta. Os potências dérmicos alterados nos pontos de acupuntura
poderiam indicar “alterações eletromagnéticas” provocadas por substancias
que não são toleradas (mesmo em veículos seguros) pelos pacientes. Se
inventaram uma variedade destas substancias que foram comercializadas e
utilizadas : eletroacupuntura de acordo com Voll (EAV), Dermatron, DRIA,
Vega Devices) [Voll, 1975; Fuller-Royal, 1990; Krop et al., 1997].
O paciente é colocado num circuito elétrico atravessado por correntes de
muito baixa intensidade. Esta será supostamente regulada por freqüências
electromagnéticas características das substancias testadas e consequentemente
seria possível fazer o diagnostico do efeito de uma sustância “ incompatível”
[Fox, 1993; Schimmel and Penzer, 1996] pelas medidas das mudanças
eletrodérmicas. Outra hipótese importante é a de que alterações dos potenciais
não necessitam de contato direto desde que sejam provocados por processos
de ressonância eletromagnética. A medição dos potenciais dérmicos é
interessante já que não é invassivo e não é necessário expor os pacientes de
forma direta a substancias sensibilizantes .
Porem, ainda faltam para a maioria destes procedimentos não convencionais,
informação cientifica rigorosa que os torne validos.
Nestes últimos anos foi confirmado por alguns trabalhos a possibilidade de
utilizar estes recursos com algum resultado [Krop et al., 1997; Kail, 2001].
Porém foi também demonstrado em condições de rigoroso controle científico
(duplo cego) [Lewith et al., 2001; Semizzi et al., 2002] que os instrumentos
diagnósticos eletrodérmicos, não são confiáveis, por exemplo, no caso da
alergia. Por causa destas incertezas científicas , estes testes não deveriam ser

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 12


usados como “ alternativos” mas talvez como “ complementares” a outros
métodos diagnósticos de eficácia comprovada.
O “ponto de vista” biodinâmico não se contrapõe à abordagem convencional,
mas a abordagem homeodinâmica considera os níveis precoces, sutis e
totalizadores (sistêmicos) do processo patológico, chamados também de níveis
“funcionais”, enquanto que a medicina convencional intervém mais em níveis
de tipo anatômico e bioquímico. De acordo com o nível que consideremos,
usaremos diferentes metodologias, tanto no que se refere ao diagnóstico como
à terapêutica; estas metodologias deveriam estar integradas, principalmente
para um maior benefício do doente.

A situação das medicinas não convencionais no Brasil


No ano de 1980, houve uma grande conquista da Homeopatia brasileira, que
foi o reconhecimento pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) da
Homeopatia como Especialidade Médica. Em 1990, a AMHB passa a ser
reconhecida oficialmente pela Associação Médica Brasileira (AMB) e a fazer
parte do Conselho de Especialidades Médicas da AMB. Desde então, a
AMHB realiza anualmente prova para o Título de Especialista em Homeopatia
em convênio com a AMB/CFM. Ela tem atuado ao discutir e buscar soluções
para o ensino médico da Homeopatia, bem como para o atendimento da
população carente de nosso país. Para isso, vem promovendo o incremento do
espírito associativo dos médicos homeopatas e estimulando o seu
desenvolvimento científico.Atualmente no Brasil, a homeopatia é reconhecida
tambem como uma especialidade a nivel de farmacia , os farmaceuticos
homeopatas possuem a Associação Brasileira de Farmacêuticos Homeopatas
(ABFH) como institução nacional como tambem a Medicina Veterinaria cujo
orgão nacional e oficial é a Associação Médico Veterinaria Homeopática
Brasileira .
A Comissão de Pesquisa da AMHB é responsável pelo Projeto Nacional de
Pesquisa que inclui vários protocolos: Protocolo de Experimentação de
remédios homeopáticos - Protocolo para Matriz Unificadora de Ficha Clínica -
Protocolo de Aproveitamento de Casos Clínicos - Protocolo Nacional de
Pesquisa Clínica em Homeopatia - Protocolo Conjunto CP-CSP AMHB para
aplicação em epidemias.
O médico homeopata cumpre o papel de médico clínico geral e/ou médico de
família e é procurado pela população para resolver todo tipo de doença
(principalmente doenças alérgicas, doenças infecciosas, autoimunes,
transtornos cardiovasculares, depressões); muitas crianças são tratadas só com
homeopatia. Ela é praticada apenas por médicos especialistas formados nas

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 13


universidades. Porém, apesar do reconhecimento oficial que possui frente aos
órgãos médicos nacionais não está incluída nos curricula das universidades, o
que lhe fecha as portas para a pesquisa. Observa-se que, apesar de ter o
reconhecimento das autoridades oficias que inclui a Homeopatia na categoria
de ciências medicas, é praticada só por médicos este reconhecimento não é
suficiente e tem um longo caminho para ser percorridoainda : falta
reconhecimento por parte das autoridades universitarias , porque como já
dizemos apenas alguns estabelecimentos a incluem em seus curricula, falta
reconhecimento por parte das entidades oficiais de pesquisa, que não a tratam
de forma equânime em relação às outras especialidades.
As federadas da AMHB sâo: Associação Alagoana de Homeopatia ,
Sociedade Médica Homeopática da Bahia, Sociedade Cearense de
Homeopatia, Associação Médica Homeopática do Distrito Federal,
Associação Médica Homeopática do Espírito Santo, Sociedade Médica
Goiana de Homeopatia, . Associação Mato-Grossense de Homeopatia,
Associação Médica Homeopática do Mato Grosso do Sul,
Associação Médica Homeopática de Sergipe, a Associação Médica do Rio
grande do Sul, Associação Médica Catarinense, etc.
A Associação Paulista de Homeopatia fundada em 1936 é responsável pela
formação de medicos homeopatas desde essa epoca e pela divulgação desta
medicina a nivel nacional e internacional
Estes fatos demonstram o nivel organizativo da AMHB. E obvio dizer que
conta a demanda e o respeito populacional maximo fato que nos leva a Ter a
esperança de que atos de justiça comecem a ser realizados por parte das
autoridades oficiais já que ao poder usufruir de uma medicina preventiva e que
não é onerosa nem requer de infraestrutura sofisticada como é o caso da
medicina homeopática e/ou a medicina chinesa o beneficio da população sera
grande em termos de saude publica no seu sentido mais profundo. Não
podemos deixar de mencionar que atualmente a maioria dos medicamentos
utilizados no Brasil são importados.
Em relação a medicina chinesa o Conselho Federal de Medicina em 1957,
considerou a necessidade do avanço acadêmico da Acupuntura inclusive com
sua inserção nos cursos de graduação e pós-graduação das escolas médicas;
atualmente existem curso de pós-graduação como o da Escola Paulista de
Medicina administrado pelo Prof. Ysao Yamamura responsável tambem pelo
curso de Especialização em Medicina Tradicional Chinesa administrado no
Centro de Estudo e Pesquisa da medicina Chinesa.A Acupuntura foi
reconhecida como especialidade médica em 1995 e possue a nivel nacional a
Associação Médica brasileira de Acupuntura (AMBA).

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 14


Medicina Biodinamica
Papirus Editora 2002
© Paolo Bellavite
Questionar por possivel reprodução: paolo.bellavite@univr.it

Princípios do método homeopático

Neste capítulo escrito pelo autor (Paolo Bellavite) e pela médica responsável
pela edição em português do livro (Graciela A. Martínez Carrizo) quisemos
apresentar mais detalhadamente o tema da medicina homeopática que,
juntamente com a medicina tradicional chinesa , é a disciplina médica mais
aderente aos princípios da medicina homeodinâmica, segundo nossa opinião.
Como já foi explicado no prefácio, este texto não possui uma pretensão
enciclopédica e, consequentemente, alguns aspectos, mesmo que muito
importantes da abordagem integrada da medicina, não puderam ser
desenvolvidos completamente. Porém, explicaremos com maiores detalhes as
questões relacionadas à abordagem homeopática, aproveitando o fato de que
os autores possuem uma experiência direta neste campo. Esta extensão em
relação à medicina homeopática se deve a que entendemos que resultará de
valor mesmo para os que possuem outros interesses práticos como também
para os estudantes que se identificam com a medicina integrada, sendo nosso
objetivo ampliar os seus conhecimentos sobre a medicina em geral. O
raciocínio com uma “lógica” de medicina integrada estabelece relações
transversais entre as diversas medicinas e consegue encontrar os pontos de
contato que possam existir entre estas, já que a razão delas existirem é o seu

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 1


próprio “objeto” de estudo, ou seja, o sujeito65, o homem, assim como sua
complexidade e subjetividade que dão aos seus problemas de saúde uma
especificidade ímpar que se mantém em todas as medicinas, aí incluídas todas
as especialidades da medicina convencional.
Nosso grupo desenvolveu importantes trabalhos teóricos de esclarecimento
epistemológico em relação à cientificidade do princípio da semelhança
[Bellavite, 1990; Bellavite e Signorini, 1995; Bellavite et al., 1996; Bellavite
et al., 1997b; Bellavite et al., 1997c; Bellavite e Signorini, 2002]. Destes
avanços fornecemos aqui os principais conceitos, principalmente porque hoje
o princípio da semelhança aparece como uma possível chave interpretativa e
orientadora no campo da complexidade dos fenômenos biológicos e
patológicos. Como se verá, neste setor já existem muitas provas de que a
aplicação desse princípio pode alcançar também o escrutínio do método
científico rigoroso.
O tratamento pelo similar - (“o semelhante cura o semelhante”) é um dos
princípios da episteme homeopática. Foi Hipócrates quem primeiro observou
o princípio da semelhança ou a cura pelo similar; mas a utilização deste
principio se manteve ao longo da historia da medicina até os dias de hoje por
dois motivos: sua veracidade fenomenológica e sua eficácia clínica [Chibeni,
2000]. C. F. S. Hahnemann, médico sanitarista alemão (1755-1843), criador
da homeopatia, resgata e utiliza o principio da semelhança tanto nas suas
experimentações medicamentosas no homem saudável como nos tratamentos
clínicos dos seus pacientes. Alguns dos aspectos da utilização deste principio
estão ainda por serem esclarecidos e desenvolvidos, começando a ser
fundamentados com provas experimentais apenas nos dias de hoje.

O surgimento desta racionalidade médica


Hahnemann se preocupou extremamente com as incertezas que reinavam nos
conceitos terapêuticos da sua época, fato que inclusive o leva a abandonar o
exercício clínico durante alguns anos ; enquanto traduzia a matéria médica de
Cullen66, em 1790, fica impressionado com os elogios que este autor fazia à
tintura da China (Chinchona officinalis) na sua ação em um grande número de
doenças, muito diferentes entre si e muitas vezes de causas contrárias.
Hahnemann, para elucidar estas contradições, resolve que a melhor forma de

65
Sujeito: Diante da precisão teórica e clínica do conceito de sujeito, seria importante que a homeopatia se
atualizasse e definitivamente abandonasse termos como “individuo” (até pedra é um!) e “personalidade”
(psicologia) para abordar de maneira precisa o objeto primacial da sua prática: o homem como sujeito
[Checchinato, 1999].
66
Químico bastante conceituado na época.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 2


esclarecer essas contradições seria experimentar esta substância no homem
saudável para verificar e identificar todos os seus efeitos. Desta forma, ele
mesmo toma a tintura da China durante vários dias consecutivos até começar a
experimentar em si mesmo vários dos efeitos análogos aos que Cullen queria
combater quando recomendava esta substância, tais como fraqueza, febre
intermitente, dores reumáticas, propensão ao suor, etc. Desta forma acontece o
insigth do criador da homeopatia, que enxerga nestes fenômenos uma
confirmação da lei dos semelhantes, já observada, como dissemos, por
Hipócrates e por Paracelso. Consciente da dimensão que poderia ter a
aplicação desta lei a nível médico e farmacológico, Hahnemann repete esta
mesma experiência com diferentes substâncias. Observa que estas diferentes
substancias administradas em doses “grandes” (na sua primeira época de
pesquisa utilizava as substancias sem nenhuma diluição) a indivíduos
sensíveis, mas saudáveis, produziam sintomas semelhantes aos que
apresentavam os enfermos que se pretendia curar.
Todas as substâncias que ele estudou não só se mostraram eficazes contra as
doenças que apresentavam manifestações semelhantes às suas patogenesias,
como também desenvolveram uma eficácia toda particular, muito mais direta,
mais rápida e mais radical que todos os outros medicamentos até então
empregados contra essas mesmas doenças. Hahnemann repetiu estas
experiências durante quinze anos para posteriormente publicar seu primeiro
tratado sob o titulo de “Fragmenta de Viribus Medicamentorum Positivis” que
continha os efeitos dos medicamentos que ele tinha experimentado até esse
momento, e um segundo tratado intitulado “Medicina da Experiência” (v.
Hahnemann, “Ètudes de médicine Homoeopathique”, Paris, 1855, t. I, págs.
285 a 342) onde expunha toda uma nova doutrina médica, na qual o autor
estabelecia regras fixas e invariáveis para uma terapêutica metódica e racional.
Hahnemann deixa nas suas diferentes obras trechos como: “Aquele que imita a
natureza, que por si própria acaba curando um distúrbio crônico, às vezes
agregando-lhe um outro, mas que será sempre mais superficial e com menor
comprometimento biológico, utilizará para curar a doença aquele remédio
que é capaz de provocar uma outra doença artificial já que medicamentosa e
o mais similar possível àquela que se quer curar: similia
similibus”...”[Hahnemann, 1796].
A utilização da medicina baseada no principio da semelhança – similia
similubus curentur –, encontra-se em outros autores não homeopatas como
von Haller, Stoerck, Alberti–La Bruguiere [Boyd – 1936], mas foi certamente
Hahnemann quem construiu todo o edifício de um novo modelo médico sobre
os alicerces de novos conceitos médicos nascidos de dados experimentais
puros..

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 3


Mas...dois séculos se passaram para que finalmente ocorresse a publicação
deste seu trabalho num jornal alemão: “Versuch über ein neues Prinzip zur
Auffindung der Heilkräfte der Arzneisubstanzen” (Ensaio sobre um novo
princípio para verificar o poder curativo dos fármacos) [Hahnemann, 1796].
Esta publicação é considerada pelos historiadores da medicina como a
primeira obra na qual o modelo médico experimental hahnamanniano é
enunciado em detalhe, marcando assim o início da homeopatia.
Este ensaio trata principalmente da experimentação medicamentosa em
medicina e os fatores relacionados com a toxicidade dos medicamentos,
inclusive demonstrando que os efeitos são também dose-dependente.
Entre as observações preliminares feitas pelo criador da homeopatia
encontramos:
“A maioria dos medicamentos tem mais de uma ação; a primeira, uma ação
direta que aos poucos muda para a segunda (que chamo de ação secundaria
indireta). Essa ultima é em geral um estado exatamente oposto à
primeira...”
“Apenas alguns poucos medicamentos são uma exceção a essa regra,
mantendo ininterruptamente sua ação primária, do mesmo tipo, embora
sempre diminuindo o seu grau até que, depois de algum tempo, não se pode
mais detectar traço algum de sua ação sendo assim recuperada a condição
natural do organismo. Pertencem a esse mecanismo os medicamentos
metálicos (e outros minerais), por exemplo, arsênico, mercúrio e chumbo”.
“Se, num caso de doença crônica, é dado um medicamento cuja ação direta
primaria corresponde à doença, a ação secundaria indireta é às vezes
exatamente o estado do corpo que se busca produzir mais, em outras
ocasiões (especialmente quando é dada uma dose errada), ocorre na ação
secundaria uma desordem que dura algumas horas ou, raramente, alguns
dias...”
“... os remédios paliativos causam muito mal nas doenças crônicas e as
tornam ainda mais obstinadas provavelmente porque, após sua ação
antagônica inicial, são seguidos por uma ação secundaria que é
semelhante à própria doença”.
“Quanto mais numerosos os sintomas mórbidos que o medicamento produz
em sua ação direta, correspondendo aos sintomas da doença a ser curada,
mais de perto a doença artificial se assemelhará àquela que se busca
remover e muito mais certo de que o resultado de sua administração seja
favorável”.
“... Pode ser praticamente considerado um axioma, que os sintomas da ação
secundária sejam o oposto exato daqueles da ação direta...”.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 4


“Após essas observações preliminares, passo agora a ilustrar com exemplos
minha máxima, ou seja, a de que a fim de se descobrir os verdadeiros
poderes remediais de um medicamento para as doenças crônicas, devemos
procurar a doença artificial específica que o mesmo pode desenvolver no
corpo humano, empregando-o numa condição mórbida muito similar no
organismo, a qual se deseja remover... Uma máxima análoga é a de que a
fim de se curar radicalmente certas doenças crônicas devemos buscar
medicamentos que possam excitar uma doença similar (e quanto mais
similar melhor) no corpo humano...”.[Hahnemann, 1796].
Observa-se então que a teoria homeopática não surge de construtivismos
teóricos bem intencionados e sim da experimentação repetida de diferentes
substancias em homens saudáveis , experimentações estas gerenciadas por um
médico criterioso, ético e observador, como explicaremos mais adiante.
Os pilares deste modelo médico são:
 A experimentação no homem são;
 A utilização da Lei da Semelhança para a cura;
 A dose mínima;
 O remédio único.
Devemos destacar que o último pilar só é considerado pelos homeopatas
unicistas, já que os homeopatas pluralistas usam vários medicamentos
simultaneamente.

Experimentação no homem são


Claude Bernard demonstrou que o efeito do medicamento (incluindo o tóxico)
é dose dependente e, para a escola médica experimental ortodoxa, em última
análise, a dose determina a concentração (tissular) que, por sua vez, determina
o efeito ou, dito de outra forma : o efeito da droga é diretamente proporcional
à concentração da mesma, isto é, quanto maior for a concentração de uma
substância nos tecidos, maior será a probabilidade de que ocorram efeitos
tóxicos e maior será a gravidade das lesões anatomo-histo-patológicas, desde
que tal substância seja ativa na espécie considerada [Serrano e Herrero, 1997].
Resulta ate óbvio colocar que os efeitos tóxicos67 são indesejados na
terapêutica, e naturalmente o são também durante a pesquisa; frente a esta
questão de vital importância, as duas grandes escolas médico-terapêuticas
(alopatia e homeopatia) possuem considerações diferentes.
67
Os fatores relacionados à toxicidade são: a natureza da substância, atitude e/ou circunstância (= qualidade:
propriedades bio-fisico-químicas); a dose (quantidade dada por vez); a concentração ou desconcentração
ministrada ; o tempo de exposição (freqüência e duração); a sensibilidade da espécie a estas situações; e a
susceptibilidade do indivíduo exposto.

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Quando não se conhece a historia da medicina nem da homeopatia falar em
experimentação no homem resulta preocupante, já que obviamente o objetivo
principal de todo cientista é “antes de tudo não prejudicar” como nos ensina
Hipócrates. Fazer qualquer experimentação em homens carrega o risco de
causar algum dano; porém é importante observar que a preocupação ética
sempre esteve presente em todas as experiências realizadas segundo o critério
hahnemaniano.
Na experimentação no homem saudável se produzem sinais e sintomas, o que
pode parecer paradoxal segundo a medicina tradicional. Tal paradoxo é
esclarecido quando se considera que a medicina homeopática possui uma
técnica farmacológica que atenua a toxicidade medicamentosa e, portanto,
estes sinais e/ou sintomas, gerados na experimentação, não evoluem para
lesões anatomo-histo-patológicas, desde que o medicamento em questão não
seja ministrado muito freqüentemente e/ou por longo período (principio da
curta exposição ao estímulo).
Uma Patogenesia Pura é o conjunto de sinais e sintomas, observados e
anotados metodicamente, de cada experimentação drogal em cada um dos
indivíduos sadios, que experimentaram um medicamento definido (sendo
ponderal ou diluído/dinamizado).
Por razões de método as diversas e repetidas patogenesias de um mesmo
medicamento são analisadas em conjunto e registradas criteriosamente para se
ter uma idéia mais apropriada das características do medicamento estudado a
fim de serem utilizadas por analogia sintomática nos enfermos que
apresentem sinais e/ou sintomas semelhantes.
Quando se realizam estas experiências de provocar doenças, estas são doenças
“artificiais” já que não surgem por um desequilíbrio interno do organismo e
sim pela estimulação artificial provocada pela sustância em estudo que está
sendo administrada.
O que interessa na experimentação homeopática são os sintomas que a
substância desperta no experimentador como sujeito. Neste ponto deve-se
destacar que quando se administra o sinal medicamentoso ao experimentador,
nos casos em que este é sensível à sustância, ele reage com a sua totalidade e
a sua individualidade, ou seja, com o seu “ corpo-mente” no conceito das
medicinas orientais. Surge então o que tanto carateriza o modelo homeopático
que é justamente a totalidade sintomática individualizada. O experimentador
não reage com um sistema ou um órgão, reage com a sua totalidade e
subjetividade, ou seja, é a “ unidade do ser” que se mobiliza. [Marim, 1998].

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Protocolo para experimentações
Entre as experimentações em homens saudáveis (“patogenesias”) feitas mais
recentemente se destacam as realizadas pela Comissão de Pesquisa da
Associação Médica Homeopática Brasileira, que utiliza o protocolo que aqui
descreveremos. (Protocolo LUIMO modificado)68
A experimentação de Brosimum gaudichaudii foi realizada com este
protocolo. Foi uma experimentação nacional junto às instituições de formação
homeopática em 10 diferentes grupos de experimentação espalhados pelo país.
[Marim, 1998].
As normas protocolares são:
1.O medicamento escolhido para uma experimentação deve ser uma
sustância de origem e propriedades físico-químicas perfeitamente
conhecidas
2.Esta substância deverá ser experimentada nas dinamizações 12 CH –
30 CH - 200Cfc69 – 1000 Cfc – 10000Cfc e 50000 Cfc, entremeadas
com placebos que deverão ter as mesmas características de aspecto,
sabor e odor que as dinamizações, e com a utilização do método de
estudo do duplo cego.
3.Não será utilizado o placebo em grupos de controle à parte, mas sim
no mesmo experimentador, sob o conceito de que o melhor meio de
controle do experimentador é ele mesmo.
4.Cada experimentador receberá potências e placebos de acordo com o
esquema montado pelo Diretor Geral da Experimentação (DE). Este
será o único a conhecer o código das dinamizações e placebos e será
auxiliado em suas tarefas pelo diretor local (DL) em cada núcleo de
experimentação.
5.Os candidatos a experimentadores deverão ser entrevistados para a
elaboração de ficha clínica e aprovação para participar como
experimentadores “sãos”. O critério de aprovação utilizado será o de
permitir a presença de pequenas alterações patológicas perfeitamente
conhecidas que nunca ultrapassem o estádio I da classificação
internacional de doenças(CID).
 Para iniciar a experimentação todos deverão assinar termo de
responsabilidade de acordo com a declaração de Helsinque.

68
Protocolo preparado pela Libera Università Internazionale di Medicina Omeopática – Napoles – Italia
(LUIMO) em 1980, elaborado por médicos homeopatas reconhecidos internacionalmente como Paschero,
Negro, Ortega, Rodriguez. Para maiores informações ver o trabalho dos médicos mencionados
(Sperimemtazione Pura e os Anais do XI Congresso Internazionale della Luimo; Lyon, 1985) .
69
Cfc: abreviação de diluição centesimal preparada por aparelho de fluxo contínuo. CH: abreviação de
diluição centesimal hahnemanniana, cuja preparação era manual, como fazia Hahnemann.

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 Iniciada a experimentação, os experimentadores serão entrevistados
semanalmente por um diretor clínico que, por sua vez, se reúne
quinzenalmente com o seu diretor geral (DG) para discutir os
sintomas observados.
 Analisados e bem identificados estes sintomas serão classificados
em: sintomas novos, sintomas conhecidos (modificados ou não) e
retorno de sintomas antigos, que serão encaminhados ao DL, que os
revisará, analisará e enviará ao grupo de apoio para tabulação dos
mesmos a nível local.
 Os diferentes DL encaminharão os seus dados ao DE que,
juntamente com a CP-AMHB e colaboradores, distribuirão os
sintomas por dinamizações e placebos para posterior apresentação à
comunidade homeopática.
 A utilização de tinturas-mãe e dinamizações abaixo de 12 CH
deverão ser discutidas com o Comitê de Ética local e nacional.
 A sustância a ser estudada poderá ser um policresto, uma sustância
pouco experimentada ou nunca experimentada. Desconhecida da
Equipe de Experimentação (experimentadores, equipe de apoio,
diretores de experimentação e coordenadores). Conhecida apenas
pelo Diretor de Experimentação.
Os Protocolos de Experimentação de Stannum metallicum (1988), Iodum
purum (1992), e de Hidrocianicum acidum (1995) serviram de base para este
protocolo que também orientou a experimentação de Croton lecheri em
Equador (1996-1997).A experimentação de Bothrops Jaracassu (1996-1998)
foi realizada também de acordo com este protocolo.
Para se aplicar a lei da semelhança é preciso conhecer os sintomas e sinais que
cada medicamento desperta. O modo mais preciso e seguro de conhecê-los é
realizar as patogenesias puras com medicamentos dinamizados.

Utilização da Lei da Semelhança


Entendemos então porque Hahnemann diz...“Escolhendo para uma
determinada doença natural um remédio que seja capaz de produzir uma
doença artificial muito similar à primeira , conseguiremos curar as doenças
mais obstinadas”. “Cada caso particular de doença é curado e eliminado da
forma mais segura, radical, rápida e definitiva quanto maior for a capacidade
do medicamento de produzir no organismo, da forma mais completa e similar,
a totalidade dos seus sintomas, sendo justamente estes sintomas os mais fortes
da doença” [Hahnemann, Organon of Medicine, ed. 1994].

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Quando consideramos a similitude homeopática devemos levar em conta que:
 cada substância biologicamente ativa (fármaco, composto tóxico,
produto bacteriano, mineral, extrato de planta) produz sintomas
característicos no corpo do sujeito saudável que a ingere (proving70);
 cada pessoa doente apresenta sintomas característicos, típicos,
provenientes tanto do seu próprio organismo (reatividade individual,
“terreno”, constituição), como da alteração particular pela qual foi
atingido.
Toda sustância que entra em contato com o organismo seja qual for a via de
entrada provoca:
 um efeito primário que corresponde à alteração da força biológica
provocada pela “força” medicamentosa; embora este efeito seja
produzido por ambas as “forças”, corresponde principalmente à “força”
medicamentosa.
 uma ação resistente que de fato é uma ação automática do nosso sistema
para manter a própria autoorganização; este processo é chamado de
efeito secundário [Hahnemann, Organon of Medicine, 6 ta ed. Parag. 63-
68].
A cura de um doente pode ser induzida então pela administração, nas diluições
apropriadas, da mesma substância que no sujeito saudável produz os sintomas
do quadro patológico que se quer tratar. Estes conceitos foram aplicados com
o uso de uma grande série de substâncias de origem vegetal, mineral e animal.
Uma grande quantidade de experimentações, conduzidas segundo o método
hahnemanniano (experimentação no sujeito saudável), permitiu que o
princípio da semelhança passasse do puro empirismo à experimentação
sistemática e, consequentemente, favoreceu o acúmulo, ao longo do século
XIX, de um patrimônio de conhecimentos farmacológicos e clínicos
vastíssimos registrados nas “Matérias Médicas”(ver nota76).
A farmacopéia homeopática se enriqueceu também pelas observações dos
efeitos provocados por intoxicações acidentais ou voluntárias, pela evidência
da toxicologia industrial e da própria experiência clínica dos médicos
homeopatas, pela qual uma substância que demonstrava poder curar
determinados quadros sintomatológicos nos doentes acabava sendo registrada,
adquirindo uma posição dentro das matérias médicas clínicas.
70
Proving: Termo anglo-saxônico que está em uso para descrever o procedimento de experimentações de um
remédio num sujeito saudável. Os sinais e os sintomas provocados em sujeitos saudáveis por uma
determinada substâncias são registrados na chamada “Patogenesia”. Segundo o princípio da semelhança,
quando o conjunto destes sinais e sintomas se apresentam numa doença natural, esta última é curada pela
administração do próprio remédio que no sujeitosaudável provoca a doença.

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Segundo a medicina convencional faz-se necessário uma fase de
experimentação anterior em animais irracionais admitindo, entretanto que não
é possível extrapolar diretamente as conclusões destes experimentos ao
homem; estes servem apenas como um pre-teste, onde se avalia a “toxicidade
potencial” da substância [Hossne, 1991]. A homeopatia resolve esta questão
através da dinamização, sua farmacotécnica própria. A experimentação
homeopática pode ser realizada com medicamentos de qualquer tipo ou
origem, tanto na forma ponderal quanto dinamizada; porem, na prática se
utilizam a forma dinamizada, justamente porque desta maneira a toxicidade é
atenuada ao se “desconcentrar a massa de toda e qualquer substância”
[Serrano e Herrero, 1997]. No parágrafo 128 [Organon] Hahnemann explica
que o melhor resultado para se experimentar os efeitos positivos dos
medicamentos é obtido quando se utiliza a potência/dinamização 30CH.
Mas, de acordo com observações da clinica homeopática, o que torna o
medicamento o mais “ homeopático” possível não é tanto possuir uma
farmacotécnica própria na sua elaboração como o de ser administrado ao
paciente de acordo com o princípio da similitude da totalidade sintomática
característica .

Isopatia
Uma variante interessante para a farmacologia em geral sobre a utilização do
princípio da semelhança, citada também nas edições posteriores dos textos de
Hahnemann, é o que se chama de isopatia71. O termo foi provavelmente
introduzido pelo veterinário W. Lux em torno dos anos 1831-1833 [Lux,
1833]. Este sugere que doses baixas de substâncias contagiosas (bactérias,
vírus, secreções infectadas e materiais orgânicos), após preparações especiais,
incluindo a esterilização, podiam ter um efeito terapêutico nos distúrbios
derivados daquele mesmo contágio. O princípio da semelhança similia-
similibus se transforma assim em aequalia aequalibus, ou princípio de

71
Isopatia: Se entende pelo uso, como remédio, de preparações diluídas e dinamizadas de agentes etiológicos
das próprias doenças, não segundo o princípio da similitude dos sintomas mas, do igualitarismo do agente
etiológico. Por exemplo, o uso de polém no asma alérgico, o uso dos próprios venenos para curar os
envenenamentos, o uso de preparações “homeopatizadas” de fármacos alopáticos para combater os eventuais
efeitos tóxicos destes próprios fármacos. Por isopático se entende o uso terapêutico de um material
patológico, de secreções e excreções provenientes do próprio doente, por exemplo, a secreção do furúnculo se
transforma (obviamente após preparações apropriadas) no isopático para o paciente que forneceu o material
da sua forunculose crônica. Uma forma particular de isopatia é a auto hemoterapia, na qual se usa o próprio
sangue do paciente, administrado geralmente por via intra muscular, após tratamento adequado (por exemplo,
diluição-dinamização, ozonização, agregação de um fármaco homeopático).

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identidade. Muitos dos médicos antigos neste campo usavam nos seus
remédios terapêuticos tanto as regras dos similia como a dos aequalia.

A totalidade sintomática e a individualização da cura


Na consulta homeopática são considerados todos os sintomas: físicos, gerais,
emocionais e mentais (relacionados ao estado da razão, consciência e
memória). São priorizados aqueles que são colocados de forma espontânea, já
que são estes os que mais nos “dizem” sobre a verdade do sofrimento do
paciente na sua subjetividade.
Para que se possa fazer o diagnóstico clínico utilizam-se também os sintomas
obtidos pela semiologia clínica e pelos exames complementares. Deste
conjunto serão escolhidos os sinais e sintomas que, além de concluir o
diagnóstico clínico, também individualizem o paciente tanto na circunstância
atual de vida como na sua história única e particular.
Na consulta homeopática o paciente é escutado de forma aberta e confortável,
sendo justamente esta escuta a que permite uma relação médico-paciente
digna e humana e o conhecimento da biografia que acompanha a doença de
cada ser humano .
Este fato positivo de per se não deve reduzir a medicina homeopática a
simplesmente uma muito boa relação médico-paciente e atribuir seu êxito,
como alguns alegam, apenas ao efeito de sugestão (ou “efeito placebo”).
A eficácia clínica percorre esta medicina desde o seu inicio. De fato, a
trabalhosa procura do medicamento que “cubra” a totalidade sintomática e os
sintomas mais característicos e peculiares do paciente não caracterizam apenas
uma “disponibilidade” maior do médico homeopata em relação ao médico
convencional e sim a execução de uma metodologia que representa um
requisito imprescindível para se realizar um interrogatório homeopático.

Dose mínima
A medicina homeopática desenvolveu um método de preparação de remédios
que consiste na trituração das substancias sólidas seguida de posteriores
diluições feitas em água e álcool, fazendo em cada diluição um número
determinado de sucussões. A intencionalidade deste método foi inicialmente a
de aumentar com a trituração a biodisponibilidade e a de reduzir com as
diluições a toxicidade das sustâncias, muitas das quais eram venenos. É
importante enfatizar que as observações realizadas por Hahnemann registram
uma paradoxal potencialização da capacidade terapêutica dos remédios
quando estes eram diluídos. É por esta razão que as progressivas diluições

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crescentes foram chamadas também de potencias72 ou dinamizações, que
consistem na liberação de energia dinâmica de substâncias medicamentosas
por meio da sucussão (ação de sacudir, abalar), o que supostamente seria
devido à vibração do soluto.
A técnica de extração e diluição dos remédios (existem milhares de diferentes
remédios) estão meticulosamente codificadas nas farmacopéias existentes em
cada país. As soluções iniciais de onde se parte para preparar os remédios são
chamadas de Tinturas Mãe (TM) as quais possuem a concentração máxima da
substância. Os tipos de diluição já estabelecidas e testadas são a diluição
centesimal e a decimal. Esta última foi idealizada por Hering, médico
americano que trabalhou com Hahnemann. No processo de dinamização, para
se obter a primeira diluição decimal73 (D1), é diluída uma parte da TM em
nove partes de água e álcool. Desta se retira uma parte que se dilui de novo em
nove partes do solvente de água e álcool, obtendo-se a D2 e assim
sucessivamente. Na diluição centesimal procede-se de forma similar, parte-se
da TM de determinado remédio, se dilui uma parte em 99 partes do solvente
de água e álcool, se sacode intensamente de forma manual ou mecânica,
obtendo-se então a primeira centesimal ou CH1. Ao diluir novamente uma
parte da CH1 com 99 partes do solvente obtemos a CH2, e com uma parte da
CH2 diluída em 99 partes do solvente, após o sacudimento obtemos a CH3 e
assim sucessivamente.
As diluições cinquentamilesimais (sigla LM), que são feitas em diluições
seriais de 1/50. 000, e as diluições korsakovianas (sigla “K”), que são feitas
utilizando-se um único frasco para as sucessivas dinamizações, são outras
farmacotécnicas homeopáticas utilizadas menos freqüentemente. Os remédios
homeopáticos podem ser administrados também na forma de glóbulos de
sacarose ou lactose impregnados com as diluições.
Na homeopatia clássica se utilizam geralmente as substâncias medicamentosas
(que corresponderiam aproximadamente à diluição decimal 24, D24, ou a
décima segunda centesimal, CH 12). Na Argentina e Brasil a homeopatia é
identificada com uso de remédios diluídos e dinamizados (soluções não
moleculares) e os médicos homeopatas formados nas instituições
especializadas são ensinados a tratar com remédios em diluições/dinamizações
acima da CH12 (as mais utilizadas na clínica são CH30 e CH200). Também
em Europa os homeopatas clássicos utilizam preferencialmente as altas
diluições/dinamizações mas principalmente nas patologias agudas são

72
Potencia: é a energia dinâmica adquirida pelo medicamento, com o trabalho da dinamização.
73
Diluição decimal : as siglas que a denominam são : «D», «DH», «X», o «x».

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utilizados os medicamentos em diluições baixas (p. ex. D4-D10, CH5-CH9),
possuindo portanto doses farmacológicas – mesmo que mínimas – dos
princípios ativos homeopáticos.
Não pode-se deixar de mencionar que segundo hipóteses físicas mais
modernas não se poderia excluir que uma determinada informação
medicamentosa possa ser veiculada pelo solvente (água e álcool com os quais
podem ser impregnados também glóbulos de lactose) graças ao peculiar
procedimento homeopático de preparação dos medicamentos (dinamização).

Remédio único e outras aplicações de remédios homeopáticos


A pratica homeopática veio desenvolvendo diferentes linhas de aplicação.
A homeopatia clássica utiliza medicamentos únicos , que foram submetidos a
experimentação patogenética no homem saudável (experimentação pura) A
linha de pratica que se chama unicista ou clássica por ser a mais “fiel” aos
ensinamentos hahnnemanianos, utiliza para tratar o paciente um remédio só,
este é escolhido como já foi dito anteriormente entre as patogenesias que
apresentaram os sintomas artificiais mais semelhantes à totalidade sintomática
trazida pelo paciente a consulta, e entre estes o mais semelhante ao paciente
como um todo.
Outra linha de aplicação muito utilizada na Europa é utilizar a lei do
semelhante mas escolhendo para tratar, os remédios que apresentaram nas
patogenesias, sintomas semelhantes aos que apresenta uma parte ou um
sintoma isolado do paciente, para cada sintoma de órgão ou parte escolhe-se
um medicamento, assim usam-se vários remédios ao mesmo tempo. Esta linha
chama-se pluralista.
Outra linha de aplicação de remédios homeopáticos é a que utiliza o
diagnóstico clínico convencional para escolher o remédio, esta linha chama-se
de homeopatia clínica, segundo esta abordagem cada doença tem seu
correspondente remédio homeopático. escolhido pela similitude, mas não se
respeitando a totalidade sintomática característica que cada remédio
experimentado provoca.
Existe ainda o complexismo onde se utilizam associações de remédios
homeopáticos para tratar quadros sintomáticos específicos. Esta abordagem é
censurada pelos homeopatas unicistas que entendem este tipo de tratamento
como uma forma de “supressão” de sintomas onde alem do mais se deixa de
lado à proposta da episteme hahnemanniana de curar de forma global e
individualizada
A homotoxicologia é uma corrente homeopática fundada por H. Reckeweg
nos anos sessenta que procura efetuar uma síntese entre os conhecimentos

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 13


científicos no campo bioquímico e imunológico e as praticas homeopáticas
(principalmente as de tipo clínico/complexista) baseando-se na regulação e
ativação do processo inflamatório e dos sistemas de defesa e de equilíbrio
homeostático, consideradas como vias naturais para a cura (p.ex. o uso de
pólens na asma alérgica, o uso de venenos para curar envenenamentos).
Fala-se de isopatia quando a preparação homeopática (diluída e dinamizada)
utiliza o próprio agente causal de uma doença. Uma variante da isopatia é
chamada de terapia com nosódios, na qual utilizam-se preparações derivadas
de culturas bacterianas ou de secreções patológicas (pústulas, granulomas,
tecidos tumorais) preparadas de forma adequada com esterilização e posterior
diluição/dinamização.
Existe uma metodologia especial para escolher os medicamentos
homeopáticos e homotoxicológicos onde se utiliza instrumentos de medida
dos potenciais cutâneos sobre pontos de acupuntura dos meridianos corporais.
De acordo com os defensores desta abordagem, as típicas alterações de cada
doença podem ser medidas mediante exames eletrodinâmicos que revelam
uma “ressonância” especifica entre o medicamento e o paciente. Esta técnica é
muito difundida em Alemanha e está sendo utilizada também na Itália.
Existe outro tipo de medicina não convencional chamada de medicina
antroposófica (cuja criação deve-se ao trabalho de R. Steiner (1861-1925),
que também utiliza remédios homeopáticos com técnicas farmacológicas
específicas dentro de uma episteme que não é a homeopática e sim um corpo
teórico próprio.

Uma abordagem racional da similitude homeopática


O princípio de similitude “clássico” está fundamentado na similitude dos
sintomas, mas este conceito não é ainda aceito pela medicina convencional,
porque a análise dos sintomas subjetivos, que também são levados em conta
nesta medicina, não parece ser “científica”, fugindo de uma avaliação objetiva
de alguns parâmetros fisiológicos ou bioquímicos. O uso dos sintomas, que
são a base da escolha do remédio, resulta contraditório ou sem importância
para uma medicina científica moderna, que procura confirmações apenas no
nível bioquímico e molecular; entretanto esta contradição é mais aparente do
que conceptual (ou real, porque, queiramos ou não, estão sempre presentes na
natureza humana). De fato, qualquer sintoma pode ser visto como a expressão
de uma série de modificações bioquímicas e fisiopatológicas que
freqüentemente podem ser reconhecidas. Por exemplo, a febre pode ser a
expressão de uma reação do centro da termoregulação ao lançamento das
citocinas por parte das células inflamatórias que foram ativadas; o rubor

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 14


cutâneo pode ser expressão de reações locais de células endoteliais e
musculares lisas aos muitos fatores da inflamação aguda, como a produção de
histamina produzida pelos basófilos e pelos mastócitos ativados; o enjôo pode
ser a expressão do efeito ao nível central de muitas moléculas endógenas
como as catecolaminas produzidas pelo sistema nervoso autônomo simpático
como reação ao estresse; o desejo de comer comida salgada pode ser visto
como expressão da reação do hipotálamo ao desequilíbrio eletrolítico
conseqüente à retenção hídrica, e assim por diante.
Se isto é verdadeiro, na prática clínica, a descrição dos sintomas, assim como
os parâmetros laboratoriais e instrumentais de diagnóstico, são úteis para o
médico. O que muda é o nível de integração de todas as informações que estes
procedimentos diagnósticos podem fornecer. Por isto, segundo o conceito
tradicional de semelhança, uma substância capaz de provocar num organismo
saudável e sensível determinada modificação (sintomas), é capaz também de
inibir as mesmas ou “similares” modificações que se desenvolvem durante
uma doença. Isto é possível pelo fato de que quando uma substância é capaz
de induzir num organismo são sintomas similares àqueles produzidos por uma
doença, podemos esperar que esta substância mobilize os mesmos ou similares
sistemas homeodinâmicos de regulação que existem no organismo e que são
alterados pela doença. Considerando o princípio de inversão dos efeitos
(segundo o estado de sensibilidade e resposta, ou segundo as doses utilizadas),
espera-se que o sistema homeodinâmico alterado pela doença responda à
mesma substância com um resultado oposto, favorecendo assim o processo de
cura.
Em síntese, segundo estas hipóteses uma análise atenta dos sinais e dos
sintomas clínicos, segundo o procedimento tradicional de Hahnemann, poderia
ajudar o médico a juntar os diferentes, mas não contrapostos, níveis de
compreensão da propriedade farmacológica dos compostos biologicamente
ativos e aumentar talvez as modificações das complexas e sutis desordens
fisiopatológicas que acontecem na doença.
A primeira aplicação terapêutica do princípio de semelhança foi realizada pela
escola de homeopatia clássica e fundamentada na “similitude dos sintomas”.
Um ponto crucial de aplicação de qualquer procedimento terapêutico baseado
exclusivamente na descrição dos sintomas é que em muitas alterações os
sintomas são genéricos, pouco relevantes e mesmo ambíguos, e assim também
seria o efeito do remédio prescrito de acordo com estes procedimentos, cujo
efeito poderia ser em muitos casos imprevisível. Por outro lado, no
procedimento da homeopatia clássica a atenção não está direcionada para um
sintoma em particular ou para qualquer sintoma, e sim, em relação à totalidade
das sensações subjetivas e das expressões objetivas, ou seja, em direção ao

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 15


conjunto inteiro dos sintomas característicos que definem uma pessoa doente.
Por isto, é possível que a falta de especificidade de um sintoma possa ser
compensada, pelo menos em parte, pela avaliação apurada de um número
maior de sintomas, pela sua comparação ou concomitância e pela definição de
um retrato típico de cada um dos pacientes (a chamada “personalização da
cura”).
Uma explicação razoável da ação de um remédio escolhido segundo o
princípio da semelhança, pode ser encontrada recorrendo-se ainda ao esquema
da reação ao estresse nas redes homeodinâmicas (figura 47). A “lógica” do
princípio da semelhança prevê que nesse tipo de desordem se deveria
administrar aquele remédio que, quando administrado num sujeito saudável,
altera justamente aqueles sistemas que estão implicados na doença. Esta
alteração (de tipo estimulador ou inibidor) provoca, consequentemente, os
mesmos ou similares sintomas da doença na sua fase mais aguda e evidente
(antes que surjam os bloqueios), ou seja, neste caso, sintomas de aumento de
D e/ou E e sintomas de diminuição de B e/ou C (figura 47-A).
Segundo este esquema, numa situação fisiopatológica crônica, onde coexistem
fenômenos de sensibilização dos sistemas reguladores e dos sintomas que são
conseqüências destas alterações, o remédio mais adequado será aquele que
estimula os sistemas reguladores bloqueados (neste caso, D e/ou E) e inibe
aqueles que estão muito ativos em relação à necessidade do organismo para
encontrar sua cura (neste caso, C e/ou B) (figura 47-B). O “doente” deveria
ser hipersensível àquelas substâncias que no sujeito saudável provocam
sintomas similares àqueles que provocaram nele a doença nas suas fases mais
agudas. Como conseqüência, aquelas substâncias deveriam ser capazes de
resgatar o circuito homeostático regulador com uma grande eficiência na
direção para a cura.

Considerações importantes
Este tipo de lógica e de modelo para analisar a similitude merece destaque de
alguns importantes corolários que não são apenas teóricos, mas também
orientadores na prática terapêutica que se baseia nestes conceitos.
Pelo esquema apresentado (figura 47) fica claro que a administração do
fármaco “similar” poderia provocar sintomas relacionados à reativação do
sistema regulador. Já que as doses são bastante baixas, a terapia de reativação
pode provocar efeitos que de qualquer modo se assemelham à doença, ou que
podem aparecer como uma reagudização da sintomatologia. De fato, a
ativação do sistema de regulação não provoca apenas a produção de sinais
direcionados à restituição da homeodinâmica, mas também de sinais que são
transmitidos aos sistemas que produzem sintomas. Isto é um fato percebido na

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prática homeopática a tal ponto que é definido como “agravação
homeopática”. É o preço que se deve pagar pela remoção dos sistemas de
adaptação. Também é possível que se a doença atual é o resultado de
processos patogenéticos sucessivos, a regressão do último processo se
acompanhe do reaparecimento de sintomas que já tinham desaparecido. A
terapêutica homeopática provoca um percurso regressivo que acompanha a
história da doença e mesmo a história patológica de um paciente, chamada em
homeopatia de historia biopatográfica [Kent, 1917; Paschero, 1963]74; este
fenômeno poderia encontrar analogia com o que acontece no paciente em
processo psicanalítico [Laplantine, 1998].

Figura 47. Representação esquemática da ação de um remédio “similar”.


a) Ações no sistema saudável (proving do remédio); b) Ações
“terapêuticas”, no sistema homeodinâmico cronicamente bloqueado
(“doente”), do remédio que possui ações similares (e especificas pelos nós
bloqueados) no sistema saudável.

74
J.T.Kent foi diretor da Post-Graduate School of Homoepathy, em Filadélfia e professor de Matéria Médica
no Hahnemann Medical College and Hospital, em Chicago, autor de Filosofia Homeopática, Matéria Médica
e Repertório, três obras básicas na formação do medico homeopata. Através da sua grande experiência clínica
descobre a relação importantes que existe entre os fatos mais marcantes da vida do paciente e o surgimento de
patologias relacionados a eles no tempo, chamou este fenômeno de “historia biopatográfica”. T. P. Paschero,
medico argentino clinico homeopata que presidiou a Liga Medicorum Homeopaticha Internationalis,
trabalhou com Kent nos EEUU, Paschero também considerava de extrema importância os sintomas da historia
do paciente, continuou o trabalho kentiano e deu origem a todo um pensamento de medicina antropológica,
considerava que a doença não poderia ser separada do homem na sua totalidade individualizada, sua
circunstancia atual de vida e toda a sua historia.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 17


Um outro ponto interessante é o que se refere à inversão dos sintomas75. Do
esquema da desordem crônica da homeodinâmica (figuras 46 e 47) pode-se
observar que os mesmos sintomas que na primeira fase da doença tinham se
manifestado como hiperatividade, na fase crônica, paradoxalmente, podem se
manifestar de forma oposta, gerando sintomas de hipoatividade ou de déficit.
Estas observações estão registradas nas Matérias Médicas da medicina
homeopática [Charette, 1982]: um certo remédio provoca sintomas que
parecem opostos ou paradoxais: desejos/aversões por uma comida,
espasmos/paralisias, diarréia/constipação, euforia/depressão, catarro/secura
das mucosas, agravação/melhora no mar, poliúria/oligúria, etc.. Por exemplo,
Natrum muriaticum (sal marinho) provoca no “proving”ou experimentação
homeopática no homem saudável, e cura no doente, tanto o desejo de sal
como a aversão por ele. Os médicos responsáveis pelas Matérias Médicas
observaram a evolução oscilatória de muitos quadros sintomatológicos, a
oscilação de um sintoma que cresce e posteriormente diminui até quase
desaparecer; isto pode parecer paradoxal quando não se adota uma visão
dinâmica da homeostasia. De acordo com as fases da doença, o mesmo
sistema (responsável pelo tipo de sintoma, mais do que seu sentido positivo ou
negativo) pode se encontrar hiperativo ou hipofuncionante. Por exemplo, mais
importante do que a agravação ou melhora do paciente a beira mar é a
sensibilidade deste ao mar ou a energia marítima.
Do que dissemos, o mais importante é saber distinguir de que sistema se está
tratando (e, portanto, qual remédio deve-se administrar), o que seria identificar
uma oscilação de um determinado sistema alterado, ou seja, do sistema
regulador que está sob os efeitos do estresse. Na anamnese apurada,
acompanhada posteriormente da identificação do remédio mais adequado da
doença crônica, segundo o princípio da semelhança, deve-se colocar muito
mais atenção à identidade dos sistemas desestabilizados pela dinâmica
patológica, do que à intensidade (quantidade) ou à direção (positiva ou
negativa, aumento ou diminuição) do sintoma. O fato de o sistema estar
oscilando excessivamente (consequentemente, que supere os patamares que
provoquem os sintomas) nos diz que se encontra num estado metaestável e,
portanto, com susceptibilidade de regulação, desde que disponha de um sinal
regulador específico. Poderíamos dizer que quanto mais metaestável é um

75
Na abordagem homeopática os sintomas e sinais da semiologia são considerados para fazer o diagnostico
clínico. Para fazer os diagnósticos posteriores ao clínico são considerados sintomas homeopáticos aqueles que
mais caracterizam a subjetividade e especificidade de cada paciente, estes sintomas não precisam Ter uma
explicação fisiopatológica apenas precisam dizer a respeito das peculiaridades de cada paciente como ser
irrepetível e único. Pode ser um sintoma homeopático um desejo alimentar, um medo de tempestade ou de
altura, ou uma agravação pelo frio.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 18


determinado sistema mais perto se encontra do seu ponto de bifurcação e,
assim, sendo mais facilmente influenciável pelas mínimas informações.
Já que a lógica da complexidade e das redes indica que todos os distúrbios
estão correlacionados entre si deve-se procurar construir uma “hierarquia” dos
sintomas, em função da sua importância na regulação. Esta é a questão mais
difícil e mais crítica para conseguir uma intervenção biodinâmicamente
correta. A hierarquia de importância dos sistemas/sintomas deve levar em
conta que não é a quantidade ou a intensidade dos sintomas que importa. Os
parâmetros mais importantes são o tempo de aparecimentos dos sintomas, o
nível da sua produção e as suas relações dinâmicas.
 No que se refere ao tempo fica evidente que na reconstrução do quadro
possuem maior importância os sintomas mais antigos, aqueles
considerados “históricos” que caracterizam no paciente na sua essência,
mais do que os últimos sintomas que apareceram. Se a doença é crônica,
curar os últimos sintomas eqüivaleria muito provavelmente (mesmo que
não necessariamente) agir como uma intervenção supressora, que uma
vez passado seu efeito, é seguida pelo surgimento do sintoma que tinha
sido aparentemente tratado.
 No que se refere ao nível no qual se colocam as manifestações da
doença, é um consenso entre algumas escolas homeopáticas
(especialmente a escola kentiana) que o nível mental seja o mais
importante, seguido do nível emocional, do nível das sensações gerais e,
finalmente, do nível físico. É portanto importante levar em consideração
a hierarquia dos sintomas para que se posa individualizar o paciente.
Segundo Hahnemann, e seus seguidores, a Escola Homeopática Indiana
de Gathak e a Escola de Paschero, como também de acordo com os
grandes homeopatas franceses, os sintomas de maior hierarquia são
aqueles chamados de sintomas “raros, peculiares e característicos”,
como também os sintomas físicos, gerais ou mentais bem
“modalizados”. Esta hierarquia acaba respeitando de qualquer forma a
complexidade crescente dos “extratos” que compõem o ser humano e
que o levaram a sua evolução, elevando-se do nível puramente
bioquímico para desenvolver o nível emocional e, posteriormente, do
nível emocional/animal ao do ser racional. Sobre este ponto existem
discussões importantes não que possuem uma resolução fácil, mas que
pelo menos estamos colocando sua importância neste contexto.
 No que se refere às relações dinâmicas entre os sistemas/sintomas, se
pretende esclarecer as relações de causa e efeito pelas quais se pode
dizer que um sistema/sintoma influenciou ou modificou um outro
sistema/sintoma. Por exemplo, se entende facilmente que uma dor de

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estômago num sujeito que vive em contínua submissão em relação ao
seu chefe indica uma relação dinâmica entre os dois sintomas, no
sentido de que o sintoma psíquico é o que causa a dor de estômago e
não vice-versa, ou seja, a dor de estômago que causa a submissão.
Frente a uma relação dinâmica clara é fundamental direcionar a atenção
e a terapia para as causas ao invés de as direcionar para os efeitos.
Levar em consideração as relações dinâmicas seria um critério válido para
estabelecer a prioridade entre os diferentes sistemas/sintomas na escolha do
remédio, mas nem sempre é de fácil aplicação pela entrelaçada superposição
de muitas situações de feed-back e de redes. Em cada caso estas relações
foram sempre procuradas recorrendo-se a todos os meios possíveis de
conhecimento, incluindo as descobertas em imunologia, neurobiologia e
genética. Os conhecimentos biológicos podem ajudar notavelmente a construir
modelos fisiopatológicos adequados e, pouco a pouco, a estabelecer a
dinâmica de um processo de desordem que se instaura no indivíduo.
Poderíamos dizer que o princípio da semelhança, aplicado ao campo da
complexidade, como considerado nesta sessão e, sobretudo, em relação ao que
dissemos anteriormente em relação às redes e aos atratores, eqüivale a uma
tentativa de aumentar a conectividade dos sistemas reguladores
homeodinâmicos, introduzindo nos próprios sistemas informações otimizadas
que estejam num grau adequado de complexidade e de sutileza, mesmo
porque foram individualizados baseando-se na ampla série de informações
referidas pela sintomatologia. Aumentar o fluxo de informações que passa nos
sistemas dinâmicos complexos pode significar, segundo o raciocínio que aqui
seguimos, orientar para uma reconsideração de relacionamentos que foram
interrompidos ou desregrados e, consequentemente, orientá-los de uma
maneira específica para que adquiram sua funcionalidade original.

Um exemplo típico da lógica baseada na similitude


A homeopatia nos ajuda a resumir de uma forma eficaz a diferença entre uma
abordagem parcial de sintomas, reduzida ao órgão, e uma abordagem baseada
numa detalhada observação da totalidade sintomática característica , segundo
o princípio da semelhança.
Uma pessoa doente, afetada de bronquite, apresenta sintomas mais
significativos ao nível das vias aéreas (tosse, um pouco de dor, dispnéia). O
médico convencional interroga o doente, solicita uma radiografia, para depois,
em geral, administrar um xarope antitussígeno e eventualmente também um
antibiótico. O médico homeopata, além de realizar os mesmos procedimentos
da medicina convencional para chegar ao diagnóstico clínico, raciocina de

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uma forma totalmente diferente ao chegar ao nível terapêutico: interessa-se
pelo sintoma “tosse”, que obviamente aparece todas as vezes que o aparelho
respiratório está alterado, mas se lança à procura de outros sintomas ,
justamente daqueles que caracterizam a forma de sofrimento e o terreno
biológico do portador da patologia respiratória. O processo de escolha do
medicamento será sem duvida mais complexo, porque dentro das
experimentações de remédios homeopáticos existem quase mil remédios que
provocaram tosse ou tosse com dor toráxica nos experimentadores, sendo mais
importante para a homeopatia a procura das características peculiares que
acompanham o sintoma tosse em cada paciente em particular.
Para identificar o remédio para aquele paciente (e não outro), o médico
homeopata deve recorrer às experimentações feitas no homem saudável, cujos
resultados estão registrados nas Matérias Médicas Puras e, portanto, procurar a
tosse característica daquele paciente e os outros sintomas característicos de
sua totalidade sintomática. Também acaba descobrindo pela anamnese
homeopática que este paciente portador de uma patologia pulmonar, que
procurou ajuda médica pelo sintoma de uma tosse com características
peculiares, sofre por exemplo também de agitação e angústia, e que a
bronquite freqüentemente se localiza mais à esquerda, como também que às
vezes sente parestesias nos membros inferiores acompanhadas de sudoração
profusa , que durante vários anos teve cólicas abdominais que melhoravam
quando estava acompanhado e agravavam ao ficar só, e assim por diante.
Depois de ter avaliado estes e outros sintomas, de ter considerado a
modalidade característica dos sintomas, o médico homeopata pesquisa na
Matéria Médica76 qual é o remédio mais “similar”, ou seja aquele remédio que
na experimentação no homem saudável ou “proving” provocou sintomas
similares aos que apresenta o paciente.
Espera-se que o remédio “similar” não cure diretamente a tosse, mas ajude o
organismo no seu conjunto a estar bem equilibrado nos seus níveis
homeodinâmicos, de modo que também a inflamação da mucosa bronquial
possa ser “recuperada”, raciocinando em termos de uma homeodinâmica
eficiente. Do ponto de vista homeodinâmico o organismo encontra uma ajuda
eficaz e “lógica” (esta “lógica” não é como o paciente imagina nem mesmo
como o próprio médico espera, que é o desaparecimento rápido dos sintomas)
quando reconhece uma via reguladora eficiente da inflamação. Neste caso,
76
Matéria Médica: Texto onde são registrados e explicados todos os sintomas das experimentações
homeopáticas feitas com cada remédio. As Matérias Médicas podem ser Matérias Médicas Puras, onde são
contados os sintomas que sentiram os experimentadores dos remédios (por exemplo, Matéria Médica Pura de
Hahnemann, de Allen, de Hering), ou Matérias Médicas Clínicas onde são descritos os sintomas que foram
curados pelo remédio (por exemplo, Matérias Médicas Clínicas de Kent, Nash, Vijinovsky).

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trata-se essencialmente de produzir defesas eficientes nos confrontos com os
microorganismos, mobilizando os fagócitos e linfócitos e, ao mesmo tempo,
reduzindo a secreção excessiva de muco e de edema da mucosa. Este seria
apenas um exemplo da abordagem “holística” que utiliza o princípio da
semelhança.
Certamente a possibilidade de uma aplicação eficaz do método homeopático
encontra limites objetivos na prática, com toda a dificuldade de analisar a
sintomatologia da qual sofre o paciente e de atribuir a justa hierarquia aos
diferentes sintomas. Não se trata de um problema teórico e sim de um desafio
metodológico operacional.
Se consideramos, seguindo o raciocínio da teoria do similar, que se deve usar
o mesmo fármaco que provoca os sintomas da doença, devemos considerar
também que as doenças são processos dinâmicos e, consequentemente, os
sintomas mudam com rapidez como também mudam os próprios sistemas
reguladores, que podem se encontrar tanto numa fase de resposta adequada
como de adaptação patológica. Desta forma numa mesma doença, o remédio
potencialmente ativo numa fase pode não sê-lo em outra. Pelo qual podemos
considerar que , como os sintomas mudam num ponto determinado
configurando um novo quadro biopatológico este novo quadro requerer um
outro medicamento.
Em conclusão, a atividade do médico homeopata se transforma no empenho
constante por uma mudança contínua do quadro por causa da evolução da
doença e do efeito dos fármacos. Por isto a homeopatia, enquanto pode talvez
parecer lógica e útil no plano teórico, na prática é muito difícil de aplicar,
requer muitos estudos, uma grande experiência e uma boa dose de intuição, e
apresenta todos os já percebidos problemas de padronização e
reprodutibilidade ao nível da pesquisa clínica.

Método para pesquisa do simillimum77


Já vimos que nas experimentações no homem saudável surge um quadro de
sintomas patogenéticos que foram provocados artificialmente pela substancia

77
Hahnemann considerava o remédio “simillimum” como a mesma sustância que provoca a doença
(similimum = idêntico) em questão. Ao considerarmos a totalidade característica na escolha medicamentosa ,
poderíamos dizer até que existe um similimum para cada ser humano (ele é irrepetível). Por isto, e pela falta
de suficientes novas experimentações em homens saudáveis, deduzimos que existe a impossibilidade de
administrar um “simillimum” no seu verdadeiro sentido; consequentemente quando falamos de simillimun em
clínica, estamos nos referindo ao medicamento mais similar aos sintomas do paciente, ou seja aquele que na
sua patogenesia é o mais similar possível à clinica apresentada pelo paciente.

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experimentada. Resumidamente pode-se dizer que estes sintomas são : físicos
e locais, sintomas de relação com o ambiente e o clima e sintomas
característicos de cada remédio experimentado em relação a área emocional e
mental. É a “ unidade do ser” dos experimentadores [Marim, M; 1998] que é
mobilizada pela informação medicamentosa da sustância que é experimentada.
Na clinica homeopática o paciente nos procura por alterações objetivas e
subjetivas do seu corpomente, ou seja traz para a consulta queixas que se
apresentam num mosaico de sintomas físicos, gerais e mentais, o que constitui
“ a unidade do ser” do paciente. Devido a subjetividade e a sua condição de
sujeito (historicidade) cada paciente carrega com tonalidade própria cada um
dos seus sintomas possuindo um valor e um preço diferente dependendo de
cada subjetividade e de cada historia pessoal. O medico aprende pela
experiência clínica que determinados sintomas são sintomas chaves para poder
encontrar o remédio mais similar possível a sintomatologia do paciente e
consequentemente ter maior capacidade de equilibrar todo o seu complexo e
intrincado sistema biológico.
O simillimum é o medicamento que provocou nas experimentações no homem
saudável o quadro de sintomas que mais se assemelha ao quadro que o
paciente apresenta. Sabe-se que ao encontrar nas Matérias Médicas Puras a
melhor similitude patogenética ao quadro clínico do paciente estamos
encontrando também o seu simillimum.

Totalidade sintomática individual


Nessa analise da totalidade sintomática existe então a subjetividade do
paciente essa maneira peculiar de sofrer que faz da doença uma “equação
pessoal” [Paschero, 1977]. Portanto para fazer a individualização deve-se ter
uma estratégia previa e um sentido na avaliação dos sintomas.
Médicos homeopatas com grande critério clínico e conhecimento da episteme
homeopática como S.Hahnemann, G.H.G. Jhar, Boenninghausen, J. T.Kent,
M. Tyler, T. P. Paschero, B.Mure, C. Hering, N. Ghatak, P. Schmidt; M.
Candegabe, E.F. Candegabe, M. Marim, e muitos outros , concordam em que
os sintomas mentais têm o valor maior.
Também são considerados de extrema importância os sintomas chamados de
raros, peculiares e característicos que são aqueles sintomas que
independentemente de ser mentais gerais ou físicos tem a peculiaridade de
caracterizar a identidade de um paciente pela suas características
extremamente peculiares . Estes sintomas geralmente não possuem uma
explicação fisiopatológica mas mesmo assim possuem repetibilidade
fenomenologica na experimentação na clínica diária. Exemplos destes
sintomas são : “tremor com sensação de frio interno que melhora com

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bebidas geladas e aplicações frias” ou “dor de garganta que melhora
engolindo comida solida e seca” ou “suor somente entre os dedos da mão
esquerda” ...
Os sintomas mentais são classificados em:
 Mentais modalizados: são a maioria dos sintomas mentais das
patogenesias. Sua repetição tanto nas patogenesias como na clínica,
revelam o grau mais alto de individualização (por exemplo: medo das
tempestades, ansiedade que se sente na garganta andando de carro,
irritabilidade acompanhada de ciúmes no período pos-menstruação,
agravação do estado geral e mental estando só, etc.).
 Ilusões e sonhos: revelam a subjetividade de forma máxima e ajudam a
“fechar” a totalidade característica já que o simbólico é o que mais se
assemelha ao inconsciente que é o que temos de mais subjetivo desde
que não esta exposto aos padrões comportamentais sociais externos
(sonhos com mar, sonhos com serpentes, ilusão que é uma boa pessoa,
ilusão de ser um salvador da humanidade, etc.).
Na totalidade sintomática também aparecem os sintomas chamados de gerais
e locais:
 Os sintomas gerais são bem identificáveis e são referidos como
sensações a respeito do clima, transpiração, desejos e aversões
alimentícias, horários de agravação e melhoria, como o paciente se
sente em determinada posição, ou com determinados movimentos e/ou
repouso. Devem ter uma intensidade que faça com que se destaquem e
já são modalizados por si mesmos. Quando possuem repetição ao longo
da vida do paciente adquirem uma hierarquia maior ainda.
 Os sintomas locais são os que nos dizem de alguma localização no
corpo do paciente (dor hepática, dor no ombro, eczema no joelho
direito, etc.), possuem apenas valor repertorial se são intensos e/ou
antigos se apresentam uma modalidade peculiar.

Sintomas modalizados
Para poder identificar os sintomas raros, peculiares e característicos e
necessário ter a modalização dos sintomas. Modalizar é individualizar o
sintoma. Um sintoma bem modalizado por exemplo, é aquele que aparece
numa determinada hora do dia ou numa determinada ação ou movimento, ou
após a ingestão de uma comida em especial, quando identificamos uma
relação direta entre o sintoma e um determinado clima o lugar geográfico o
sintoma também está modalizado.
A persistência dos sintomas ao longo do tempo é muito importante, estes são
os chamados sintomas históricos [Candegabe, M;1996] ou seja, aqueles que

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pertencem ao paciente “desde sempre” ou desde muito tempo atras. Os
sintomas históricos são mais importantes do que os sintomas atuais ou seja os
relacionados com a última patologia apresentada, são os freqüentemente
levam o paciente ao médico, mas que na realidade representam só as
conseqüências de uma desordem mais antiga e profunda.
Do mosaico de sintomas constituído pela especificidade de todas estas inter-
relações surge uma totalidade sintomática característica que encontra sua
correlação mais completa e similar numa das totalidades sintomáticas
características do grupo de patogenesias medicamentosas que se assemelham
ao quadro do paciente .
Concluindo um sintoma esta modalizado quando levamos em consideração as
seguintes características:
 fatores de agravação e melhoria: os sintomas podem melhorar a noite,
ao redor das 22 horas ou agravar no crepúsculo , pôr exemplo, ou seja
que deve ser consideradas as relações do sintoma com o horário ou
período do dia (dia, tarde, crepúsculo, noite, etc.), como também com o
clima (calor, umidade, tempestade, frio, vento, etc.), com a
alimentação, com a posição do corpo, locais fechados ou ar livre. Deve
ser considerado também se os sintomas melhoram em companhia de
outras pessoas ou ficando só, etc.
 identificação da causa que provocou o sintoma : causalidade
(determinado alimento, noticia recebida, êxito ou fracasso em
determinada atividade, decepção amorosa, exposição ao calor ou frio,
vacinação,etc.).
 emoções ou sensações físicas que o acompanham: concomitância (dor
de cabeça acompanhada de transpiração nas mãos, medo de estranhos
acompanhado de vertigens ao virar o rosto para o lado direito, etc.).
 alternância quando um determinado sintoma alterna com outro (prurido
na planta dos pés alternando com cefaléia latejante no lado direito do
crânio, etc.).
 sensação sentimento ou pensamento que acompanha o sintoma.(cefaléia
acompanhada de timidez, lombalgia acompanhada de medo do futuro,
dispnéia acompanhada de tristeza no crepúsculo, etc).
Como vemos considerar os aspectos de raridade, de intensidade e de
antigüidade dos sintomas são de vital importância para chegar a modalização
destes o que nos permite que seja feita a individualização do sofrimento do
paciente (totalidade sintomática característica).
A ação do medicamento homeopático registrada na forma de sintomas
modalizados nas matérias medicas puras (registro sintomático das
experimentações em homens saudáveis) são encontradas nas queixas dos

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pacientes na clinica homeopática cotidiana sendo este é um dos aspetos da
fenomenologia da ciência homeopática.
Nessa procura da totalidade sintomática existe a necessidade de conhecer a
maneira peculiar de sofrer de cada paciente na sua subjetividade traduzindo a
doença uma “equação pessoal” [Paschero, 1977]. È necessário que o medico
homeopata conheça previamente o sentido que devem tomar os sintomas como
também do que deve ser curado em cada paciente em particular.
A individualização e a hierarquização requerem por parte do o conhecimento
prévio do Médicos homeopatas com grande critério clínico e conhecimento da
episteme homeopática como S.Hahnemann, G.H.G. Jhar, Boenninghausen, J.
T.Kent, M. Tyler, T. P. Paschero, B.Mure, C. Hering, N. Ghatak, P. Schmidt;
M. Candegabe, E.F. Candegabe, M. Marim, e muitos outros , concordam em
que os sintomas mentais têm o valor maior.
Os sintomas chamados de raros, peculiares e característicos são considerados
de extrema importância dentro desta totalidade , são aqueles sintomas que
independentemente de ser mentais, gerais ou físicos caracterizam a identidade
de um paciente pela suas características extremamente peculiares . Estes
sintomas geralmente não possuem uma explicação fisiopatológica mas
existem e se repetem , são constatados nas experimentações e nas queixas
clínicas dos pacientes (fenomenologia homeopática) Exemplos destes
sintomas são : “tremor com sensação de frio interno que melhora com
bebidas geladas e aplicações frias” ou “dor de garganta que melhora
engolindo comida solida e seca” ou “suor somente entre os dedos da mão
esquerda” ...
Os sintomas mentais são classificados em:
 Mentais modalizados: são a maioria dos sintomas mentais das
patogenesias. Sua repetição tanto nas patogenesias como na clínica,
revelam o grau mais alto de individualização (por exemplo: medo das
tempestades, ansiedade que se sente na garganta andando de carro,
irritabilidade acompanhada de ciúmes no período pos-menstruação,
agravação do estado geral e mental estando só, etc.).
 Ilusões e sonhos: revelam a subjetividade de forma máxima e ajudam a
“fechar” a totalidade característica já que o simbólico é o que mais se
assemelha ao inconsciente que é o que temos de mais subjetivo desde
que não esta exposto aos padrões comportamentais sociais externos
(sonhos com mar, sonhos com serpentes, ilusão que é uma boa pessoa,
ilusão de ser um salvador da humanidade, etc.).
Na totalidade sintomática também aparecem os sintomas chamados de gerais
e locais:

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 Os sintomas gerais são bem identificáveis e são referidos como
sensações a respeito do clima, transpiração, desejos e aversões
alimentícias, horários de agravação e melhoria, como o paciente se
sente em determinada posição, ou com determinados movimentos e/ou
repouso. Devem ter uma intensidade que faça com que se destaquem e
já são modalizados por si mesmos. Quando possuem repetição ao longo
da vida do paciente adquirem uma hierarquia maior ainda.
 Os sintomas locais são os que nos dizem de alguma localização no
corpo do paciente (dor hepática, dor no ombro, eczema no joelho
direito, etc.), possuem apenas valor repertorial se são intensos e/ou
antigos se apresentam uma modalidade peculiar.

Evolução clínica
Ao se praticar a “clinica do semelhante” [Checchinato, 1998] observamos que
um movimento biológico se inicia quando o simillimum é administrado e o
paciente reage de diferentes formas de acordo com sua homeostase atual
Pode-se observar :
 melhora dos seus sintomas no que se refere a totalidade sintomática
característica acompanhada de uma sensação de bem-estar geral
(SBG);
 melhora da totalidade sintomática característica no seu estado geral
mas com agravação do seus sintomas físicos mais periféricos. Esta
agravação será passageira e acompanhada de sensação de bem-estar
geral;
 agravação duradoura dos sintomas sem melhora do estado geral, este
pode ser um caso onde a predisposição as doenças esteja marcada por
enfraquecimento genético ou de estilo de vida;
 uma não modificação do quadro sintomático ou seja observamos que
não aparece nem melhoria nem agravação dos sintomas; esta situação
pode estar nos indicando que não existe similaridade entre o quadro
clínico e o quadro da patogenesia do remédio administrado.
Estas avaliações da evolução clínica do enfermo foram magistralmente
elaboradas por Kent, quando nos fala da segunda prescrição na sua obra
maestra Filosofia Homeopática [Kent, J; Filosofia Homeopática, 1908].
A vis medicatrix curae (a via natural de cura) possui uma direção centrifuga,
ou seja de dentro para fora, isto se observa nos processos chamados de “ cura
espontânea” , onde poderíamos pensar que existe uma autoorganização ou
uma “boa” homeostasia. O certo é que este fato se observa na clínica cotidiana
e quando o medicamento é bem escolhido (aquele que possui a maior
similaridade possível) promove este movimento de dentro para fora. È

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freqüente por isto observar após o tratamento homeopático que os processos
patológicos de pele e mucosas se acentuam para “poupar” os órgãos mais
nobres como por exemplo os pulmões. Consequentemente também se observa
a melhora dos quadros brônquicos após o aparecimento de eczemas e pruridos
cutâneos. Estes processos de “ agravação” de órgãos mais superficiais
chamam-se de exoneração ou de superficialização (da doença ) e são a
expressão da mudança de “rumo” da doença na procura de uma
autorganização biológica Na abordagem clínica homeopática os sintomas não
são considerados como a própria doença que deve ser eliminada e sim como a
manifestação das tentativas do sistema biológico para se organizar de uma
forma mais adequada e otimizada das suas funções vitais.
No decorrer de um tratamento homeopático pode acontecer um aumento ou
exacerbação do sintoma que geralmente foi o motivo da consulta ou de outro
sintoma que já existia no paciente , este fenômeno chama-se de agravação
homeopática Esta acontece de forma rápida se acompanhando de uma
posterior melhora do sintoma e do estado geral do paciente .
Nas situações em que não temos uma melhora significativa e duradoura
instalando-se ao invés uma agravação que persiste deve-se pensar no
comprometimento da homeostasia do paciente onde os sistemas de regulação
estejam bloqueados temporariamente ou nos casos mais graves de forma já
irreversível (ruptura, mudança de atrator).
Resulta de vital importância ter sempre o diagnostico clínico do paciente
muito bem apurado (deve-se recorrer a todos os recursos de diagnostico
disponíveis na atualidade desde a ressonância nuclear magnética ate o exame
físico mais completo ) para poder fazer a avaliação do diagnostico e do
prognostico correto já que num paciente com uma lesão irreversível a
administração de um medicamento que estimule suas funções
neuroimunoendôcrinas pode fazer que este paciente sofra só agravação e
nunca melhore por estar com seus sistemas excretores e reguladores
bloqueados. Nestes casos a escolha do medicamento poderá ser de ação menos
sistêmica e mais superficial e gradual.
Os diagnósticos na clínica homeopática são :
1. Diagnóstico clínico (igual ao da medicina convencional, onde são
utilizados todos os recursos de analise laboratorial e de diagnostico por
imagens (tomografia computadorizada, ressonância nuclear
magnética), ECG, EEG, etc.)
2. Diagnóstico biopatográfico: após o registro da historia de vida do
paciente, se identificam os diferentes estímulos, noxas ou mesmo
momentos felizes, que aconteceram ao longo do passar dos anos
(acidentes, exposição a radiações, perda de seres queridos, ingresso na

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 28


universidade, perda de emprego, casamento, nascimento de um filho,
etc) e a respectiva “ marca” que estes deixaram traduzida em doenças
ou sintomas na totalidade sintomática característica de cada paciente.
Este diagnostico já tinha sido enfatizado por Hahnemann, Kent e
Paschero.
3. Diagnóstico miasmático ou das possibilidades de evolução do paciente
em relação a sua doença. O termo “miasma” foi utilizado inicialmente
para indicar doenças difíceis de curar pela persistência dos agentes
infecciosos que as causavam. Num sentido mais geral foi utilizado
pelos homeopatas para designar as “doenças crônicas” . O conceito de
miasma como doença crônica poderia confundir-se num primeiro
momento com outras formas de estados patógenos como discracia,
diâtesis, idiosincracia, predisposição ou herança mas a similitude é só
aparente, em nenhuma destas definições a doença é considerada como
pertencendo a um sujeito, portanto é só o conceito de miasma (não a
palavra em si) que resgata a questão da historicidade e da
subjetividade que existe inexoravelmente no complexo fenômeno do
adoecer crônico de um homem. [Martinez Carrizo,G. 1996; Casale, J.
1995; Marin, M. 1996]. Nos, colocamos aqui o significado do conceito
de miasma como: o núcleo patogênico fundamental que se encontra
latente em cada sujeito e que se manifesta de forma repetitiva frente a
cada noxa com tendência a se agravar cada vez mais na exposição as
diferentes noxas com o passar dos anos não recebendo tratamento
adequado .
O tratamento supressivo que elimina apenas o sintoma visível e externo
e não considera as correlações sistêmicas e o significado global que
cada sintoma possui é uma das principais causas da agravação da
condição miasmática. A medicina experimental ortodoxa não se
preocupou com o conceito da predisposição morbosa de cada ser
humano já que não considera outra causa de doença que não seja
visível ou detectável como bactérias , vírus ou mais recentemente
proteínas complexas ou anticorpos anticonstituintes do próprio
organismo.
O conceito miasmático não foi entendido da mesma forma pelos
homeopatas da atualidade o que se explica pela diferente visão da
doença que existe entre eles, alguns consideram que a doença e suas
causas estão nos defeitos dos tecidos orgânicos ou no acumulo de
toxinas (visão organicista) já para outros a doença é uma alteração da
energia biológica ou vital que anima o ser humano(visão vitalista ou
bioenergêtica).

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 29


4. Diagnóstico medicamentoso (a escolha do remédio mais similar a
totalidade sintomática). Este diagnostico envolve a procura do
simillimum, foram esquematizados diferentes formas de se chegar ao
remédio mais similar. Não se sabe exatamente como Hahnemann fazia
esta hierarquização mas lendo os parágrafos do Organon, observasse
que dava suprema importância as características psicológicas do
paciente como também a historia e forma de vida. (Parágrafos 93 - 153
– 199 –210 – 211 – 213).
Hahnemann e homeopatas notáveis como Jhar, Boenninghausen, Benoit
Mure; Hering, Kent, J.T.; perceberam que todos os sintomas não tinham o
mesmo valor para diagnosticar a totalidade sintomática característica. Pierre
Schmidt e Paschero se perguntavam “ o que era realmente digno de curar em
cada paciente ?Nos dias de hoje os homeopatas como M. Marim que
trabalham com experimentações medicamentosas conseguem demonstrar o
constante aparecimento do subjetivo e do individual característico que aparece
na experimentação de cada remédio e de cada experimentador dando uma
hierarquia aos sintomas. M. Candegabe mostra com a metodologia do seu
trabalho com os sintomas históricos a importância na escolha dos sintomas
para chegar a medicação que mais profundamente modifica a evolução da
doença .
Chama-se de hierarquização a metodologia clínica utilizada para organizar e
priorizar os sintomas , este método serve como já foi dito para caracterizar a
totalidade sintomática e fazer a individualização .
A metodologia clínica que se baseia nos dados colhidos nas experimentações
nos permite uma avaliação concreta que não necessita de interpretações
construtivistas dos núcleos patôgenos para a escolha do remédio
O que é realmente importante é conhecer muito bem o paciente através de um
interrogatório detalhado, que saibamos sua historia de vida e das doenças, que
conheçamos sua situação clinica e psicológica no momento atual. Também é
importante conhecer as Mateira Medicas Puras para poder escolher a melhor
semelhança patogenética ao quadro clínico do paciente. Os sintomas mentais
são importantes sim, mas um sintoma local modalizado em toda sua extensão
ou um sintoma raro peculiar característico caracterizam a peculiaridade de
um sujeito tanto como seus sintomas mentais .
Já vimos que a informação biológica percorre todas as células e após o
conhecimento dos mediadores biológicos fica reforçado o conceito da não
separatividade e da não dualidade (mente-corpo) da unidade do ser.
Este percurso metodológico não é um caminho simples e na prática clínica a
dificuldade está em não poder chegar à individualização imediata do remédio.
Todavia, o método adequado descobre progressivamente níveis pessoais, cada

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 30


vez mais profundos, no decorrer das consecutivas consultas, até que mais cedo
ou mais tarde acaba se chegando, se bem nem sempre ao simillimum, ao
remédio mais similar aos sofrimentos do paciente – alguns homeopatas
asseguram que existe um simillimum para cada habitante do planeta – a
sensibilidade, dedicação e conhecimento do sofrimento humano que requer a
metodologia homeopática acaba se constituindo um caminho de
autoconhecimento não só para o paciente como também para o médico, que
graças ao processo de identificação, estudo e aplicação, cresce nos seus
conhecimentos e na sua capacidade de entender os doentes.

Pesquisa clínica controlada e observacional


Notamos que no campo homeopático existe um aumento considerável da
atenção para a pesquisa científica: já existem alguns trabalhos de pesquisa
sobre homeopatia publicados em revistas internacionais peer-reviewed nos
últimos anos; em todos os congressos importantes das associações
homeopáticas existem sessões sobre pesquisa, a farmacologia homeopática
aumentou os fundos para pesquisa e se começaram a financiar projetos
específicos mesmos nas universidades, a homeopatia foi recentemente
incluída nos temas dos projetos de pesquisa financiados pela União Européia
que também constituiu um grupo permanente de observação sobre o tema das
medicinas complementares. Para conhecer estes trabalhos ver bibliografia
[Bellavite, 1990; Ullman; 1991; Kleijnen; et al., 1991, Poitevin, 1993; Linde
et al., 1994; Reilly et al., 1994; Bellavite e Signorini 1995; Ullman; 1996;
Jonas e Jacobs, 1996; Linde et al., 1997; Bellavite, 1997c; Bellavite, 1998;
Chibeni, 2001; Bellavite e Signorini, 2002].
Em relação à pesquisa clínica explicitamente dedicada a trabalhos
homeopáticos, notamos que ainda. Este campo está evoluindo de forma lenta e
apenas agora a situação está mudando, graças às aplicações cada vez mais
amplas dos métodos da medicina moderna (trials clínicos, estatística,
programas computadorizados para a repertorização78, estudos laboratoriais),
nos quais podemos incluir também a homeopatia. Os trials feitos para
78
Repertório: Índice dos remédios homeopáticos que causam determinados sintomas, utilizado para fazer a
individualização do remédio que se adapta a cada paciente em particular. Na repertorização, após uma
apurada anamnese e uma comparação entre os diferentes remédios associados aos diferentes sintomas, deve-
se juntar a definição do quadro do conjunto que corresponde ao remédio mais semelhante. A repertorização é
feita, geralmente, com o auxílio dos escritos clínicos comparados aos sintomas clínicos escritos nas
experimentações feitas no sujeito são (patogenesias), e mais recentemente esta busca do similimum é feita
com o auxílio de programas informatizados (p. ex.: MacRepertory, Radar, Lince sendo este último utilizado
no Brasil e na Argentina).

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 31


verificar a eficácia dos tratamentos homeopáticos forneceram, freqüentemente
(mas, nem sempre), resultados positivos. Os autores de uma meta-análise,
aproximadamente uma centena de trials clínicos em homeopatia [Kleijnen et
al. 1991] escreveram no British Medical Journal: “A evidência apresentada
neste trabalho da literatura poderia ser suficiente para considerar a
homeopatia como um tratamento para ser levado em conta em determinados
casos”; se bem que os autores recomendam estudos posteriores – e de melhor
qualidade – antes que se possam dar conclusões definitivas.
Num trabalho publicado na Lancet foi demonstrado que a imunoterapia
homeopática é significativamente mais eficaz do que o placebo (p=0.003) no
tratamento dos sintomas de asma brônquica [Reilly et al., 1994], um outro
estudo randomizado em duplo cego testava o tratamento homeopático da
diarréia aguda infantil em relação ao placebo [Jacob et al., 1994]. Um remédio
homeopático individualizado (placebo no grupo de controle) foi prescrito para
cada criança junto ao tratamento de hidratação tradicional. Os resultados
indicam que o grupo tratado tinha de modo significativo (p<0.05) menor
duração e intensidade dos sintomas em relação ao grupo de controle. Estes
resultados e outros similares suscitaram discussões importantes sobre os
aspectos metodológicos e sobre a interpretação dos resultados. Como ponto de
partida, os trials citados acima e outros estudos clínicos na homeopatia
[Kleijnen et al., 1991] foram promissores, mas seus resultados clínicos, se
bem foram indicativos, são quantitativamente escassos e necessitam ser
produzidos por grupos de pesquisadores independentes antes que possam ser
unanimemente aceitos.
Em 1997 foi publicado um primeiro relatório de uma comissão constituída
pela União Européia (Homoeopathic Medicine Research Group, Advisory
group1), intitulado Overview of data from homoeopathic medicine trial. Os
membros deste grupo (200 universitários, em conjunto com pessoas
experientes em pesquisa de homeopatia e farmacologia experimental)
avaliaram 377 trabalhos clínicos na homeopatia, após terem excluído aqueles
sem controles e aqueles que foram feitos em animais (restando 184 trabalhos).
Entre os 184 trabalhos que ficaram, poucos (20) tinham um bom nível de
qualidade clínica sendo conduzidos a duplo cego, randomizados e com grupos
controle onde se utilizava placebo. Nos melhores trials que foram escolhidos
seguiu-se uma pesquisa minuciosa sobre o significado das diferenças
registradas, utilizando procedimentos estatísticos especiais que permitem
calcular a significância dos resultados. O estudo se refere, portanto, ao
resultado cumulativo de pesquisa computada em cerca de 2000 pacientes.
Mesmo sendo uma amostra ainda pequena para uma conclusão definitiva
sobre a eficácia da homeopatia, o resultado desta apurada análise estatística é

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 32


de qualquer forma esclarecedora: “O resultado fornece um valor de p<0.001.
Isto significa que, em pelo menos um trabalho, a hipótese nula de que a
homeopatia não tenha algum efeito pode ser rejeitada com certeza, ou seja,
que pelo menos num dos trabalhos considerados, os pacientes tratados com
remédios homeopáticos tiveram qualquer benefício em relação aos pacientes
de controle (aqueles que receberam o placebo)”.
É oportuno destacarmos que recentes avaliações científicas da terapêutica
homeopática, K. Linde, que trabalha na Universidade de Mônaco, junto a uma
ampla equipe mista (médicos homeopatas e médicos convencionais
especializados em estatísticas) desenvolveu uma tentativa de meta-análise
[Linde, 1997]. Trata-se com certeza do trabalho mais documentado, no qual
foi realizado um notável estudo, principalmente, para juntar conclusões
cumulativas e quantitativas. O trabalho destes Autores partiu da pesquisa na
literatura de 186 trials realizados em pacientes. Destes, por causa de vários
defeitos metodológicos, foram considerados válidos para uma meta-análise
apenas 89 trials, publicados de 1943 a 1995. Estes tinham uma média de 60
pacientes por estudo, se referiam a 24 diferentes categorias clínicas, 4 tipos
diferentes de uso da homeopatia (15% clássica, 55% homeopatia clínica, 22%
complexos homeopáticos e 8% isopatia), sendo testados 50 remédios
homeopáticos diferentes. 37% dos trabalhos usaram potências baixas, 22%
potências médias, 37% altas potências79 Dos 89 estudos analisados, 26 (29%)
foram considerados de alta qualidade metodológica. A eficácia do tratamento
foi avalizada no estudo de Linde substancialmente na base do odds ratio
(OR)80. Com este objetivo, consideramos útil colocar uma tabela sintética
(tabela 5) com os cálculos de OR (acompanhados pelos intervalos de
confiança) para grupos de trabalho e subgrupos de tratamento.

79
Potencia “baixa” (baixas diluições/dinamizações): preparadas na escala decimal entre D1 e D8 ou na escala
centesimal entre C1 e C4. Calcula-se que este nivel de diluição baixa possue concentrações moleculares dos
agentes ativos que se administram aos pacientes entre 10-5 e 10-12 [Linde 1997] (dependendo obviamente da
concentração do extrato original). Potencias “medias” (diluições/dinamizações medias): entre D9 e D23 ou
entre C5 e C11. Trata-se de preparações altamente diluidas mas que teoricamente possuem pelo menos
algumas moleculas. Potencias “altas” (diluições/ dinamizações altas): diluições que ultrapassam a D24 e
C12. Trata-se de preparações cuja diluição certamente superam o numero de Avogadro e que como
consequencia não possuem nenhuma molecula do preparado original. Na ultima parte deste capitulo
analizaremos as hipoteses fisico-químicas que se propuseram explicar o efeito biologico destas “soluções não
moleculares”.
80
Este parâmetro é muito importante porque dá uma avaliação imediata do efeito do tratamento: um resultado
de 1.0 significa que não existe nenhuma diferença no resultado entre sujeitos tratados e sujeitos não tratados;
um valor superior a 1.0 indica quantas vezes melhor resultou a homeopatia em relação ao grupo controle;
enquanto que um valor inferior a 1.0 indica o oposto.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 33


Tabela 5. Odds ratio cumulativos e intervalos de confiança nos grupos de
trabalho registrados na meta-análise de Linde [Linde et al., 1997].

Grupos de trabalho Número de OR (95% C. I)


trabalhos

Todos 89 2,45 (2.05-2.93)


Estudos da mais alta qualidade 26 1.66 (1.33-2.08)
Exclusão de todos os possíveis erros 5 1.97 (1.04-3.75)
(worst scenario)
Correções para possíveis 89 1.78 (1.03-3.13)
publication bias
Apenas potências altas 31 2.66 (1.83-3.87)
Homeopatia clássica 13 2.91 (1.57-5.37)
Homeopatia clínica 49 2.00 (1.69-2.51)
Isopatia 7 5.04 (2.24-11.32)
Homeopatia com complexos 20 1.94 (1.12-3.08)

Deste resultado da análise de Linde confirma-se a existência dos efeitos


significativos da terapêutica homeopática. A conclusão é contrária à hipótese
de um efeito placebo generalizado. Mesmo excluindo do cálculo todos os
trabalhos com qualquer defeito metodológico, o resultado fica positivo para a
medicina homeopática. O mesmo vale após a verificação do OR sobre a base
de uma avaliação aproximada de publication bias81 seguida de correções
estatísticas específicas. Muito importante é o fato que todas formas de
homeopatia parecem mostrar uma mesma eficácia, prevalecendo a isopatia
(OR>5), onde foram registrados apenas sete estudos.

Considerações sobre os métodos de pesquisa clínica


Em quase todas as avaliações desses trabalhos existiu um erro epistemológico:
enquanto o objetivo era analisar a eficácia da homeopatia versus placebo, no
trabalho que mostrou de forma mais contundente a eficácia do tratamento
homeopático, a conclusão final foi a de que, mesmo se corroborando a eficácia
medicamentosa, faltava uma explicação dos mecanismos de ação dos

81
Publication bias: Erros na avaliação cumulativa de uma série de trabalhos clínicos devido à possibilidade
de que muitos estudos, cujos resultados são negativos, não sejam publicados, principalmente quando o
assunto é controvertido, como é o caso da homeopatia.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 34


remédios homeopáticos para que pudesse ser considerado cientificamente
aceito [Chibeni, 2000].
O debate sobre como deve ser feita a pesquisa clinica em homeopatia esta
ainda em aberto. Existem vários autores que sustentam que o método em
duplo cego randomizado e controlado com placebo não se adapta da melhor
maneira para a verificação da eficácia do tratamento homeopático, já que
requer do medico que acompanha um controle estrito da evolução dos
sintomas, um feed-back continuo de informações por parte do paciente, o que
não é possível realizar durante um estudo em duplo cego. Esta metodologia
tem se mostrado limitada também na pesquisa clinica controlada da medicina
convencional e a limitação aumenta de forma exponencial ao querer usá-la nas
medicinas não convencionais onde os fenômenos registrados envolvem a
complexidade do ser humano na sua globalidade e subjetividade.
Não se pode esquecer que o objetivo do tratamento homeopático não é
“modificar” um órgão ou um tecido e sim de fazer o organismo “reagir” no
seu conjunto o que faz uma grande diferença acentuando a questão não
avaliada nos trials da medicina convencional que é a subjetividade, a
individualidade (susceptibilidade) das pessoas que estão sendo estudados.
Existindo esta peculiaridade os métodos de estudo devem ser adaptados
mesmo colocando em risco a avaliação terapêutica em toda sua
potencialidade.
O método homeopático tem condições de atingir a regulação sutil que existe
no ser humano a nível homeodinâmico considerando sua complexidade e
especificidade (clinicamente falando faz a individualização do tratamento).
A partir desta abordagem é inevitável considerar o fato de que os efeitos
específicos diretos do medicamento são difíceis de distinguir daqueles devidos
à reação do sujeito e ao contexto psicológico e relacional em que se
desenvolve a terapia
Os dados e os modelos mais avançados que temos na atualidade sobre o
mecanismo de ação dos remédios homeopáticos levantaram a complexa
questão de quantos e quais são os fatores “críticos” que acabam influindo
sobre a correta escolha do medicamento e sobre a possibilidade de que este
remédio, mesmo que corretamente escolhido tenha a capacidade de agir na
pessoa única e irreprodutível que é cada paciente. Consequentemente fica
compreensível o fato das experimentações clinicas ate agora realizadas
freqüentemente sem levar em conta toda esta peculiaridade forneceram dados
contraditórios.
Em cada caso parece evidente que a referencia a standarização da pesquisa
médica convencional (“trials” clínicos randomizados, meta-analise, medicina

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 35


baseada em evidencias clínicas) no lado da homeopatia deve ser feita levando
em conta as peculiaridades dos métodos clínicos desta medicina.
Em caso contrario se corre o risco de avaliar apenas uma hipótese
experimental artificial que no corresponde a pratica clinica homeopática
cotidiana.
No plano histórico e epistemológico existe em curso um debate importante
Num ponto-chave: quais são os critérios de suficiente evidencia para validar
uma medicina? Os dados obtidos segundo os mais rigorosos métodos de trials
clínicos seriam fundamentais e necessários, mas não podem por si só
constituir a validação de uma medicina ou de um sistema terapêutico. Se
aceitássemos o principio de que se requer uma evidencia científica
incontrovertível antes de julgar como valida uma medicina, se corre o risco de
uma “paralisia terapêutica”, enquanto que a maioria dos conhecimentos e
procedimentos, mesmo na medicina convencional, não é provada em nível de
trials clínicos nem dos critérios ainda mais rigorosos impostos pelas meta-
analisis. A experiência clinica dos médicos e o “aumento” das populações
num determinado período histórico outros critérios fundamentais que
permitem afirmar o que de “evidencia” clinica possui ou não uma medicina.
Em áreas tão complexas como as que estamos considerando deverão ser
avaliados e valorizados os estudos epidemiológicos de tipo “observacional”
(nos quais não se faz um "experimento” clinico, mas se observa de forma
precisa os resultados da terapia confrontando-os tanto com o estado do
paciente antes da terapia ou com um grupo de pacientes não tratados).
Os estudos observacionais possuem a vantagem de poder ser conduzidos com
relativa facilidade em condições que respeitam totalmente a pratica real e
cotidiana de uma determinada pratica medica. Desde que bem esquematizados
podem fornecer muitas informações úteis tanto para melhorar a própria pratica
como para eventualmente impostar os estudos experimentais. Portanto uma
abordagem deste tipo poderia diminuir a distancia existente entre os resultados
das experimentações clinicas e as decisões terapêuticas do simples medico que
ao invés freqüentemente se baseiam na experiência pessoal ou sobre
determinados “hábitos” de conduta terapêutica já consolidados.
Particularmente quando os estudos experimentais não podem ser realizados
(por uma serie de razões de caráter ético ou ate econômico) os métodos
observacionais esquematizados de forma correta oferecem uma alternativa de
qualidade ao o não fazer nenhuma pesquisa ou a não fazer um registro de
informações confiáveis [Black, 1996].
Na observação dos efeitos da medicação sobre a saúde do paciente encontram
também uma vasta aplicação os estudos sobre a qualidade de vida que podem
ser feitos de forma simples e aplicados por qualquer medico [p. ex. Muscari-

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 36


Tomaioli et al., 2001; Riley et al., 2001]. Estes estudos são importantes
quando objetivo da cura considera a globalidade da pessoa e não apenas uma
doença clinica com determinado nome. Por estas razões e para começarem a
se projetar estudos experimentais, os estudos observacionais tanto em
homeopatia como em outras medicinas deverão ser valorizados e incentivados.

Hipótese sobre a ação biológica das altas diluições


A principal objeção ao uso de diluições que entram no campo “não
molecular”, ou “meta-molecular” [Davenas et al., 1988] é constituída pelo
fato que elas aparentemente contradizem o modelo biomédico dominante, que
é justamente o modelo bioquímico-molecular. Numa preparação onde pouca
ou nenhuma molécula de fármaco estão presentes, não se consegue explicar na
base dos conhecimentos farmacológicos atuais, como tais soluções podem
exercer algum efeito. Para muitos, a ausência de explicação exclui qualquer
crédito cientifico que se possa dar aos resultados clínicos e experimentais;
para outros constitui um desafio para procurar, antes de tudo, uma explicação
plausível [Vithoulkas, 1980; Rubik, 1990; Popp; 1990; Ullman, 1991; Schulte
e Endler, 1994; Jonas e Jacobs, 1996; Bellavite e Signorine, 1996b; Bellavite,
1998b; Bellavite e Signorini, 2002].
Poderíamos levantar a hipótese de que os fármacos altamente diluídos, que
contém pouca matéria do soluto original (ou nenhuma, dependendo da
diluição), possua um autoconteúdo informacional (pelo mecanismo das
diluições fractais) e também um tropismo biológico preciso (pelo
procedimento de uma seleção altamente individualizada). Este conteúdo
informacional seria capaz de constituir em condições críticas de sensibilidade
dos sistemas, uma orientação em direção a uma reorganização terapêutica,
como se fosse um “catalisador de ordem” ou uma “senha de entrada” (palavra
chave).
A informação recebida, amplificada e elaborada por um ou mais sistemas de
regulação poderia neutralizar o efeito da desordem induzido pelo fator
patológico que perturbou a homeodinâmica normal do organismo. Referindo-
nos aos campos das altas diluições, fica claro que uma informação similar
atrativa deve se basear na permanência da imagem do composto original ou
de uma imagem relacionada a ele, do solvente submetido a sucessivas
diluições e dinamizações. Por “imagem” aqui não entendemos apenas uma
geometria espacial, mas também potencialmente uma ordem espaço-temporal,
sob forma (forma = informação e memória de uma determinada freqüência de
oscilações dos dipolos moleculares ou dos intercâmbios protônicos ao nível de
ligações de hidrogênio).

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 37


Já ilustramos de forma ampla que os seres vivos são capazes de sentir as
mínimas perturbações, principalmente quando estão predispostos a essa
sensibilidade, o que acontece no processo patológico. Novas evidências de
estudos sobre eletromagnetismo sustentam a possibilidade de que os sistemas
vivos respondam a campos magnéticos extremamente fracos, principalmente,
em certas freqüências específicas. Ao mesmo tempo, estudos sobre a física da
água sugerem, ou pelo menos não excluem, que a própria água possa ser um
depósito e veículo de oscilações eletromagnéticas. A doença poderia,
consequentemente, ser vista não só como uma anomalia funcional ou
estrutural molecular (como é abordada pela visão clássica), mas também (e
não em contraste) como um distúrbio de toda uma rede de comunicações
eletromagnéticas baseadas em interações de longo alcance entre seus
elementos (molécula, centros nervosos, órgãos, etc.) que oscilam a freqüências
específicas e coerentes e, como conseqüência, são capazes de ressonância.
Tratara-se de um distúrbio dos osciladores internos e das suas comunicações.
Não existem ainda conhecimentos suficientes para dizer se estes osciladores se
identificam com alguns centros nervosos em particular (é típica, mas não
exclusiva dos centros nervosos a capacidade de oscilar em freqüências
características) ou com comportamento coletivo de centros nervosos e/ou
outros tecidos ou células.
Um distúrbio das oscilações e das comunicações a elas relacionadas poderia
levar ao equilíbrio mediante a sintonização, o que significa a mudança de
freqüência imposta pela interação com outro oscilador. Segundo esta idéia, o
remédio preparado mediante sucessivas diluições e “dinamizações” que teriam
modificado a estrutura do solvente (ver acima) poderia agir no doente como
uma freqüência-guia externa.
O fenômeno da ressonância é bem estudado na física, envolvendo várias
áreas: acústica, mecânica, eletromagnetismo, e mesmo a física nuclear. Por
este fenômeno, um sistema que é caracterizado por uma freqüência própria de
oscilações pode entrar num estado de vibração quando solicitado (induzido
por ondas sonoras, eletromagnéticas ou vibrações mecânicas, dependendo da
natureza do sistema) por freqüências vizinhas àquelas próprias do sistema. Se
este sistema já está em oscilação, a ressonância pode aumentar
consideravelmente a amplitude, quando as ondas estão em fase; mas também
pode acontecer o oposto, ou seja, haver uma anulação das oscilações, se as
ondas estão fora de fase. Naturalmente, os sistemas biológicos estão
caracterizados por uma freqüência oscilatória muito complexa em relação à
complexidade dos seus componentes. Para que aconteçam fenômenos de
ressonância não é necessário que as freqüências se superponham exatamente,

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 38


mas é suficiente que exista correspondência de uma ou mais de suas
harmônicas82.
A ressonância é, portanto, o modo como o qual uma informação se transmite
entre dois sistemas similares (em relação a freqüências vibracionais ou
harmônicas) sem modificações estruturais, sem transferência de matéria. Tais
fenômenos de acoplamento entre osciladores, que geram sincronia e
cooperatividade, possuem uma importância fundamental e muitas funções
fisiológicas, principalmente no sistema nervoso, mas também na célula
reguladora do ritmo cardíaco, nas células que produzem insulina no pâncreas,
nos epitélios ciliados, nas contrações involuntárias das musculaturas lisas
[Breithaupt, 1989; Engel et al., 1992; Strogatz e Stewart, 1993].
Um fármaco muito diluído, mas que veicula informações na forma de
estruturas quimiofísicas do solvente, poderia ser visto como uma pequena
quantidade de matéria que contém elementos oscilantes em fase (coerente),
capazes de transmitir com um processo de ressonância tais freqüências
oscilatórias aos líquidos biológicos (constituídos na sua maior parte de água),
mas também de estruturas “metaestáveis”, complexas, sujeitas a
comportamentos não lineares, capazes de oscilar (macromoléculas, alfa-hélice,
membranas, estruturas filamentosas, receptores). Seria, portanto, uma
possibilidade de acoplamento entre freqüências do fármaco e os osciladores
presentes no organismo vivo perturbado pela doença. Este fenômeno poderia
desempenhar um papel muito importante também na amplificação dos sinais
produzidos pelo mecanismo da ressonância estocástica, cuja possível
implicação no efeito do remédio homeopático foi sugerida por outros autores
[Torres e Ruiz, 1996]. Em síntese, sinais mesmo extremamente pequenos,
mas, dotados de informações altamente específicas e capazes de ressonar com
um sistema receptor, poderiam agir como reguladores se admitimos que o
sistema ou os sistemas desregrados estão em um estado de equilíbrio precário,
vizinho à bifurcação. Lá onde a escolha de se colocar de um lado ou de outro
está ligada a flutuações mínimas, na fronteira entre a ordem e o caos. Os
novos conceitos surgidos dos estudos sobre o caos nos dizem que esta
“fronteira” manifesta o fenômeno da “sensível dependência às condições
iniciais”. Em outros termos, é possível que neste nível variações mínimas das
condições dos sistemas (aquelas que são induzidas por uma ressonância
oscilatória mesmo muito pequena) possuem um papel determinante na
evolução sucessiva do próprio sistema [Shinbrot et al., 1993].

82
Harmônicas: são os componentes mais simples nos quais suas funções periódicas dadas pelas suas
superposições podem ser decompostas; as harmônicas de um determinado sistema periódico possuem todas as
freqüências múltiplas de uma fundamental, chamada de primeira harmônica.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 39


Foi proposta também uma correlação explícita com a teoria do caos [Garner e
Hock, 1991; Shepperd, 1994]. Segundo esta hipótese, as sucessivas diluições e
dinamizações que acontecem após a preparação do remédio homeopático
introduziriam um elemento de ganho de informações, análogo ao que se
observa nos fractais com sucessivas iterações. É sugerida que as baixas
diluições (poucas iterações) possuem escassa definição dos detalhes, levam
informações grosseiras e imprecisas, enquanto que as altas diluições (muitas
iterações) estão caracterizadas por uma definição melhor das particularidades.
Se as diluições-iterações são poucas, a imagem é “sufocada”; se elas se
repetem em múltiplas vezes à imagem fica precisa e, surpreendentemente,
“reaparece” e é reproduzida em detalhes nos subconjuntos e sub-sub-
conjuntos. A imagem de uma determinada estrutura (no caso do remédio
homeopático: a “tintura mãe”) reaparece de forma “similar” em diluições
sucessivas. Um claro exemplo deste fenômeno pode ser encontrado quando
mostramos anteriormente o diagrama de bifurcação (figuras 10-12).
Um fenômeno similar poderia estar na base do fato de que na homeopatia
clássica as altas diluições são consideradas mais específicas, mais precisas e,
com efeito, terapêutico profundo, desde que exista uma perfeita
correspondência dos sintomas, entre o remédio e o paciente, ou seja, se os
“detalhes” da analogia surgiram de forma clara na anamnese homeopática. Na
prática, as diluições usadas serão tanto mais baixas quanto mais reduzido seja
o número dos sintomas em comum entre o doente e o remédio; e,
inversamente, quanto mais sintomas comuns estejam presentes, tanto mais
altas serão as diluições prescritas.
Nas experimentações nacionais conduzidas pela Comissão de Pesquisa da
AMHB [Marim, 1998], onde foram utilizadas potências CH12, CH30, CH200
e CH1000, a produção dos sintomas nos experimentadores era muito maior
nos experimentadores mais sensíveis ao remédio testado do que em relação às
potências utilizadas.
Em conclusão, mesmo insistindo na natureza altamente especulativas destas
hipóteses, pode-se sugerir pelo menos que o efeito biológico de soluções
altamente diluídas dos fármacos não é tão absurdo como talvez o senso
comum nos faria pensar e que, portanto, neste importante setor se abrem
muitos espaços para pesquisa biomédica avançada num futuro próximo.

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Medicina Biodinamica
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© Paolo Bellavite
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Conclusões

Neste trabalho foi realizado um percurso que parte da complexidade à


Medicina Integrada, porque a segunda é de qualquer modo uma resposta
possível à primeira. O conceito de medicina biodinâmica tem a função de
estimular o pensamento biomédico, como também sua utilização prática na
área não convencional, representando a chave mais adequada para a leitura da
fisiopatologia dos seres vivos.

Os limites
Quanto mais nos aprofundamos nos estudos de qualquer disciplina
(convencional e não convencional) surgem também os seus limites e inclusive
seus riscos.
Devido ao fato de que as pesquisas científicas estão ainda no estado inicial por
toda uma série de razões, tanto histórica quanto econômica, uma boa parte do
que está registrado na literatura nesta área deve ser consideradas ainda
preliminar e a espera de um consolidamento maior. Se por um lado é
importante a cautela no uso das terapias ainda não completamente
consolidadas, por outro lado é necessário que o médico moderno saiba analisar
e utilizar os conhecimentos da medicina biodinâmica para poder enfrentar a
questão terapêutica de uma forma mais ampla e atualizada.
Em cada caso, é importante que esteja esclarecido como o diagnóstico e a
terapia são atos médicos. Estes são acompanhados na sua essência de um
relacionamento com o doente e suas problemáticas de saúde, das quais não é

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 1


sempre fácil individualizar a gravidade atual e sua evolução. Também a
abordagem dedicada à dinâmica inicial da doença, chamada de “fase
subclínica” deve ser colocada em ação com grande cuidado e atenção porque
freqüentemente este é o ponto e o momento onde se realizam as “bifurcações”
que decidem sobre a saúde pelo resto da vida. A medicina biodinâmica como
ciência holística não pode ser conhecida na sua totalidade e, como
conseqüência, não pode ser aplicada de forma adequada por profissionais que
não sejam médicos. A dificuldade intrínseca das questões que emergiram
deste livro testemunha como estes problemas não são afirmações ditadas por
um corporativismo de classe e, sim, surgidas da análise da realidade.
Poderíamos resumir os problemas atuais das terapias não convencionais da
seguinte maneira: seria ótimo que cada médico possuísse pelo menos as bases
rudimentares do conhecimento da acupuntura, fitoterapia e homeopatia para
que, posteriormente, tivesse a oportunidade de recorrer às consultas com
colegas especialistas nas diferentes disciplinas; infelizmente, não existem
ainda nos dias de hoje cursos universitários introdutórios, nem de
especialização destas áreas. É necessário que as instituições competentes
decidam finalmente regulamentar esta ampla área da medicina (não para
suprimir o que existe de válido e sim para eliminar abusos e distorções
perigosas), deveria antes de tudo ser possível iniciar estas experiências em
Medicina Integrada, colocando em competência igualitária as diferenças entre
os médicos convencionais e os médicos seguidores de medicinas não
convencionais.
A medicina que pretende seguir uma lógica da biodinâmica não se contrapõe
com nenhuma outra forma de intervenção terapêutica. A proposta baseada nas
finas regulações de tipo biodinâmico coloca como objetivo uma ação nos
primeiros níveis “decisivos” dos sistemas reparadores e defensivos. Quando
chegamos a um estado no qual estão presentes, de forma grosseira e
consolidada, as conseqüências bioquímicas e anatômicas do processo
patológico, entra-se num campo onde estão mais indicados os usos de terapias
invasivas, baseadas na cirurgia, na terapia substitutiva, no uso de fármacos em
grandes doses, mesmo não excluindo que uma proposta global possa ser
sempre de utilidade.
Existe um problema que é comum a todas as medicinas complementares e
especialidades médicas: o risco de que o paciente chegue “diagnosticado” e
tratado com metodologias que prescindem do diagnóstico convencional e que,
como conseqüências, patologias mesmo graves possam passar inadvertidas.
Um outro risco é que os pacientes e os próprios médicos não estejam em
condições de julgar objetivamente os resultados das curas, quando lhes faltam

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 2


os parâmetros objetivos de referência e uma consciência sobre todas a
dimensão humana (a nível clínico, psicológico e ético e/ou espiritual).
Devemos também levar em consideração o risco de que as preparações
medicinais ou fitoterápicas – sujeitas a controles de menor qualidade em
relação aos fármacos convencionais antes de serem colocados no mercado – e
possam estar contaminadas ou compostas de forma diferente da declarada.
Das análises dos modelos apresentados resulta, como conseqüência lógica,
também uma delimitação mais aprimorada dos possíveis campos de aplicação
dos tratamentos biodinâmicos. Se for verdadeiro que uma proposta holística e
reguladora pode ter sua eficácia básica, devemos excluir o fato de que elas
possam ser resolutivas nos seguintes casos:
 nas doenças nas quais o componente genético é preponderante, ou
melhor, nas doenças genéticas (alteração permanente do código
genético). Sabemos que estas alterações genéticas estão presentes, em
maior ou menor grau, em quase todas as doenças;
 nas doenças nas quais existem defeitos de tipo orgânico muito
acentuado e irreversível como, por exemplo, casos de aterosclerose
avançada, necroses de infarto, hérnia de disco, cirrose em estado
avançado, etc;
 quando o fator etiológico permanece e é exorbitante em relação aos
sistemas reativos: neste caso, mesmo se o sistema regulador é reativado,
permanecendo a perturbação de forma muito intensa, a doença não pode
ser curada utilizando-se apenas uma intervenção biodinâmica;
 quando o próprio sistema regulador é atingido de modo que não ode
oferecer os receptores ou não produz sinais: poder-se-ia, por exemplo,
levantar as hipóteses de que vários sistemas de reação diminuiriam a
eficiência no ancião ou nos sujeitos que usam tóxicos ou drogas.
Do que se deduz como conseqüência, é que não propomos como primeira
opção uma terapia fundamentada essencialmente na análise dos sintomas, nas
análises das finas modificações eletromagnéticas e no uso de pequenas doses
de remédios, quando existe a suspeita de estarmos em presença de um dos
casos acima mencionados. Por exemplo, uma dor precordial surgida de forma
imprevista, com características que nos fariam pensar numa angina ou infarte
não seria o mais adequado uma abordagem homeopática ou acupunturística,
requerendo pelo menos um eletrocardiograma e um perfil hematológico para
confirmar o diagnóstico. Numa consulta homeopática, o primeiro diagnóstico
deve ser os diagnósticos clínicos, que inclui todos os exames necessários.
Conceitos deste tipo são óbvios nos dia de hoje e a necessidade de integrar
diferentes métodos na prática, adaptando a terapia aos diagnósticos, não pode
ser colocado em discussão.

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 3


A mensagem principal
A principal mensagem que surge desta abordagem consiste numa revisão do
conceito fundamental da medicina, do conceito da doença ou, mais
precisamente, da diferença entre o normal e o patológico, à luz das novas
propostas matemáticas e ciências experimentais. A tradição médica é
principalmente baseada no conceito de normalidade visto como um equilíbrio,
regularidade, periodicidade, parâmetros constantes, ausência da dramática
descontinuidade, como conseqüência da saúde, vista em última análise como
ausência de sintomas. Uma boa homeostase, segundo a idéia tradicional, é
aquela pela qual os sintomas fisiológicos se comportam de modo que reduzem
ao mínimo a variabilidade das funções fisiológicas e dos parâmetros
hematoquímicos. A doença, nesta visão, seria a perda do equilíbrio ou da
capacidade de absorver as perturbações.
Nesta visão conceitual não é errados, em linhas gerais, não enquadrar no seu
justo lugar os múltiplos fenômenos não lineares que integram a
homeodinâmica, nem os fenômenos patológicos que se manifestam com o
“excesso de regularidade” e conseqüentemente com a perda da complexidade.
Estamos hoje naquela situação típica do procedimento da ciência, pela qual
novas descobertas geram novas hipóteses interpretativas (modelos) e os novos
modelos levam sempre mais pesquisadores a reavaliar fenômenos que
anteriormente eram considerados marginais e a projetar novos experimentos
para testar o próprio modelo.
Se a natureza de um organismo individual consiste num inimaginável número
de circuitos de controle, a ciência hoje não pode progredir sem incorporar a
cibernética como modo de olhar para a realidade e a própria medicina começar
a utilizar estes princípios na terapia. Muitos processos e fenômenos são vistos
ainda com uma lógica de pensamento linear e reducionista, mas hoje se sabe
que este modo de pensar implica no risco de perder o controle sobre o
ambiente e sobre a saúde. A complexidade do organismo, a natureza
multidimensional dos processos biológicos, o enorme número de células e dos
centros entre eles relacionados, nos levam de forma inevitável a considerar a
dinâmica cibernética das mensagens e das transformações com o terreno sobre
o qual se deve intervir também terapeuticamente.
A evidência crescente dos sistemas de informação e de controle em diversos
níveis, de tipos químicos, físicos e psicosocial, permitem utilizar todos esses
sistemas para decodificar os distúrbios da homeodinâmica que chamamos de
doenças, e para procurar direcionar o sistema–doente da forma mais lógica e
apurada possível. A biologia molecular, como conseqüência, se junta de igual
maneira com a biofísica num quadro unitário no qual surgem grandes e novas

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 4


perspectivas para a medicina do futuro. Mas o progresso consciente desta
visão unitária e biodinâmica não é apenas do tipo tecnológico porque a
consciência da complexidade do ser vivo e da sua absoluta dependência do
ambiente geram também uma concepção aberta do ser humano, não redutível,
ao que foi definido cientificamente. Por isto, a medicina biodinâmica é
também uma medicina humanística e uma medicina integrada, onde o
conhecimento científico se agrega sinérgicamente ao conhecimento
acumulado das diferentes tradições médicas e ao patrimônio de disciplinas da
área psicológica, psicossomática e ecológica.
A medicina biodinâmica se junta às mais recentes descobertas científicas, nos
vários campos das ciências, de forma que atualmente se delineia um modelo
vasto e integrado do ser humano e das patologias que o afligem. Refazendo as
várias etapas percorridas neste livro, podemos esquematicamente
individualizar dimensões diferentes e complementares no seguinte modelo:
 Dimensão morfológica – estrutural: homem é um conjunto de
membros, de órgãos, de tecidos, de células e de moléculas. A análise
sempre mais fina em direção ao microscópio levou a individualizar as
diversificações extraordinariamente precisas e sutis das estruturas do
mesmo indivíduo e entre indivíduos diferentes (polimorfismo); esta
análise demonstrou também que tais estruturas estão em contínuo
remanejamento e mudança. Cada homem é um ser único e
absolutamente não repetível.
 Dimensão da comunicação biológica: todas as partes que compõem o
organismo trocam mensagens reguladoras entre si. Existem
comunicações de longo alcance através dos nervos (potenciais de ação,
sinapses) e do sangue; existem comunicações de curto alcance (contatos
membrana–membrana, lançamento de mediadores químicos locais). A
anatomia, fisiologia, biologia molecular e engenharia genética,
decifraram nas últimas décadas a “linguagem” destas comunicações e,
freqüentemente, como produzir fármacos similares aos mediadores
endógenos (hormônios, citocinas, neuromediadores, oxido nítrico,
antagonistas de receptores, peptídeo com ações similares aos anticorpos,
oligonucleótidos sintéticos, etc.). Muitas patologias, tanto orgânicas
como psíquicas, são vistas como defeitos da comunicação biológica,
bloqueios ou anomalias no fluxo de informações internas ou das
comunicações com o ambiente.
 Dimensões da complexidade: não basta conhecer todas as partes
individuais e o intercâmbio de mensagens para compreender o sistema
no seu conjunto morfoestrutural, funcional e, principalmente, na sua
dinâmica no tempo e na sua evolução. Está se desenvolvendo a “ciência

Paolo Bellavite - Graciela Martinez: Medicina Biodinâmica 5


da complexidade” que concebe grandes sínteses entre as diferentes
disciplinas médicas, até poder integrar modelos matemáticos e os
estudos dos fractais e do caos. É um percurso difícil, porque vai no
“caminho inverso” da ciência cartesiana dos últimos séculos, mas é uma
tendência que parece surgir inevitavelmente e quase espontaneamente
em várias áreas do pensamento humano, nos alvores do terceiro
milênio. Esta tendência de aceitar a complexidade como dimensão do
homem, mesmo nos relacionamentos sociais e na economia é uma
precursora ideal como perspectiva para uma convivência mais civilizada
entre os povos.
 Dimensão biofísica – informática: são dois aspectos de partes
diferentes, mas podemos considerá-los em conjunto, com o objetivo de
síntese. O ser vivo produz e recebe continuamente mensagens de
natureza física e não só química; as informações não são apenas
moléculas, mas também sons, luzes, vibrações, tensões, campos
elétricos e magnéticos, diferença de potencial, freqüências com as quais
determinados eventos aparecem. A civilização da informática está se
habituando a este tipo de troca de informações de naturezas diferentes.
O homem é um ser químico, mas também é um ser eletromagnético,
porque vive num mundo químico e eletromagnético, no qual matéria é
energia, partículas e ondas são aspectos de uma única realidade.
 Dimensão espiritual – ontológica: aqui a ciência não pode dizer quase
nada, mas a tendência intrínseca da razão de compreender todas as
dimensões da realidade faz com que qualquer modelo do homem que se
limite a considerar as dimensões químico física – informática apareça
logo como reducionista. A reflexão do homem sobre si mesmo quase
sempre gerou a convicção da existência de uma dimensão superior que,
de qualquer modo, explica e regula as outras. Exceto nas formas de
materialismo extremo (que prevalece no mundo científico, muito mais
no passado que no presente), uma vez que o mecanicismo resultou
insuficiente e o caminho se direciona para a complexidade e a
informação, existem menos dificuldades em acreditar que possam
existir no homem dimensões ainda mais sutis das que são atualmente
avaliadas pelos meios da análise científica. Mesmo considerando apenas
as expressões artísticas ou místicas de indivíduos especialmente
dotados, estas não se explicam e não se explicarão nunca com a teoria
científica. Obviamente, existe o espaço para as dimensões mais
elevadas do pensamento, para a consciência e a razão, para a liberdade
humana, para teorias filosóficas e fé religiosa. Estas expressões de fato
continuam a representar para o homem moderno uma forte atração.

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Consideradas estas cinco dimensões da realidade humana entende-se como a
medicina – como ciência e arte de curar – possa ser exercida de um modo
extremamente diferente que vai da aplicação de uma agulha ao transplante de
um órgão, do apoio psicológico à terapia física.

Perspectivas
O aumento da consciência da complexidade em medicina será acompanho de
uma reavaliação de todas aquelas propostas médicas que tenham doutrinária e
empiricamente voltado a sua atenção mais para o complexo do que para o
simples, mais para a globalidade do que para as análises, mais para “sutil” do
que para o macroscópico e mais para o “fator humano” do que para o aspecto
tecnológico. Isto não significa rejeitar a ciência, mas apenas alargar os
horizontes de observações até onde seja possível, em outros territórios que
ficaram até agora inexplorados por preconceito, por falta de convicção ou,
simplesmente, porque ainda não tinha chegado o momento oportuno.
Significa, sobretudo, utilizar os instrumentos conceituais e técnicos do método
experimental para distinguir a realidade da fantasia, o plausível do
demonstrável, o efeito orgânico do efeito psicológico, o caso esporádico do
efeito estatisticamente significativo, para estabelecer as probabilidades de
credibilidade de um teste determinado, para prever a possibilidade de sucesso
ou os riscos de uma determinada terapia.
As medicinas “naturais” as quais são representadas principalmente pelas
tradições orientais (acupuntura, fitoterapia chinesa, medicina indiana e
tibetana) e das ocidentais (homeopatia, fitoterapia, medicina antroposófica e
outras técnicas) que desde suas bases se preocupam em intervir de forma a
estimular o poder endógeno de cura do organismo e que por isto podem ser
compreendidas apenas dentro de um paradigma que se refere à ciência da
complexidade, da biofísica e da aceitação de uma dimensão integrada e
ecológica do ser humano.
Neste livro não tratamos com igual exaustividade todos os aspectos da
medicina biodinâmica, mas nos dedicamos mais em particular à medicina
chinesa e à homeopatia, duas tradições fundamentalmente empíricas que
possuem uma profunda riqueza, como a de ter colocado sempre no centro da
análise dos casos clínicos a totalidade dos sintomas e a individualidade do
paciente.
Deste ponto de partida, os médicos e os cientistas interessados nestes
fenômenos assistidos pelo método experimental e pelas normas técnicas de
pesquisa clínica e laboratorial podem avaliar as propostas terapêuticas
complementares e não convencionais no âmbito da medicina científica

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convencional. Muitas das dificuldades de integração entre os diferentes
métodos, inclusive a dificuldade lingüística e epistemológica, poderão ser
enfrentadas e superadas se procurássemos antes de tudo avaliar “o positivo”
que existe nas medicinas empíricas tradicionais, mesmo sem perder de vista os
erros ou os desvios muito divergentes da racionalidade e, às vezes, inclusive
da deontologia médica.
A luz das mudanças que estão se verificando na situação sanitária dos países
mais desenvolvidos, uma tendência à integração das diferentes propostas
terapêuticas parece inevitável, mesmo que o processo seja muito contraditório
e caótico, se não for administrado de uma forma equilibrada e competente.
Para que esta integração aconteça é necessário que se de importância ao papel
útil das diversas propostas – convencionais e não convencionais – enquanto
por outro lado, é necessário estabelecer algumas condições que garantam
controles adequados de qualidade.
Nesta perspectiva, a medicina convencional contribui e contribuirá sempre
com:
 o conhecimento de base, universal mesmo que em contínua mudança:
física, química, biologia, etc;
 o método experimental: cada teoria e cada afirmação sobre a eficácia de
um método terapêutico deverão ser confirmadas (ou melhor, ser
“falsificável”, como dizia Popper [Popper, 1980]) mediante os trabalhos
experimentais ou avaliações estatísticas;
 tecnologia indispensável para chegar a um diagnóstico clássico, do qual
não se pode mais prescindir: laboratório, diagnóstico por imagens,
pesquisas funcionais bioelétricas;
 meios terapêuticos eficazes;
 a linguagem clara e inequívoca como instrumento fundamental de
comunicação entre os diferentes médicos e cientistas. Na perspectiva de
uma integração, isto poderia ser incrementado com noções derivadas da
medicina não convencional, cujos pilares fundamentais deveriam ser
inseridos nos currícula universitários.
Por outro lado, as Medicinas não convencionais poderiam contribuir como:
 um patrimônio de conhecimentos empíricos: acupuntura, farmacopéia
homeopática, fitoterapia: onde existe empirismo existe também
experiência e conhecimento, que não podem ser descartados apenas
porque não foram codificados até a atualidade ou explicados em termos
científicos;
 uma série de procedimentos anamnésicos e semióticos orientados para
enquadrar a globalidade e a individualidade do paciente: trata-se de um

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patrimônio de metodologias clínico–terapêuticas apuradas e
especialmente concebidas para responder às carências individualizadas
no equilíbrio psicofísico dos pacientes;
 uma série de idéias novas para pesquisas que podem servir de estímulo
e de orientação a quem quer indagar de modo científico e racional o
campo da complexidade fisiológica, dos sistemas dinâmicos e das
microdoses farmacológicas.
Se estes processos de “osmose” se verificassem poderíamos prever que,
progressivamente, algumas categorias hoje consideradas como “alternativas”
poderiam ser no dia de amanhã consideradas como convencionais e
contribuiriam para a cura do doente - que chamaremos aqui de medicina
integrada. Mas de forma imediata as seguintes considerações são
indispensáveis:
 experiência piloto de cooperação entre os médicos convencionais e os
médicos que praticam as medicinas não convencionais e instituições de
grupos de pessoas especializadas para examinarem as possibilidades de
integração;
 pesquisa científica sobre a eficácia e os possíveis mecanismos de ação
das terapias não convencionais;
 instituições de centros de documentação que observam os efeitos
adversos e bancos de dados na literatura;
 problema da didática e do reconhecimento das qualificações.
Um ambiente ideal onde a medicina integrada poderia ser colocada em ação
de forma concreta é na universidade. De fato, esta instituição (originada da
antiga e gloriosa Universitas do saber) é pela sua própria natureza o lugar da
pesquisa aberta ao novo e das grandes sínteses culturais. Por outro lado, só na
Universidade estaria garantido o ensino qualificado de disciplinas não
convencionais e, sobretudo, independente das exigências comerciais. Todavia,
nos dias de hoje em função de regras acadêmicas que de fato bloqueiam a
criatividade e o desenvolvimento destes novos campos: a pesquisa é
desenvolvida apenas nos setores disciplinares nos quais existem cátedras e,
portanto, como não existem cátedras e menos ainda institutos ou
departamentos que se ocupem especificamente das medicinas não
convencionais, toda essa área emergente da medicina é deixada de lado e
mesmo bloqueada.
Um outro problema, de não menor importância, é o que se refere aos
financiamentos: os fundos públicos para pesquisa universitária são irrisórios e
também as industrias produtoras de fármacos de tipo não convencional
investem pouco, ou nada, na experimentação porque tais medicamentos na
maior parte dos casos não são patenteados. Seria por isto desejável um suporte

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maior por parte das instituições sanitárias para este setor emergente da
pesquisa biomédica.
A constituição de um acordo entre profissionais convencionais e não
convencionais ao nível universitário representaria não só um progresso para a
metodologia clínica e um estímulo para pesquisa científica, como também um
serviço para atender uma boa parte da opinião pública, que sempre muito
atenta às problemáticas da saúde e da medicina, mas está, freqüentemente,
desorientada pela mídia de propostas que não são cientificamente
comprovadas.
O atual desenvolvimento da homeopatia é, em geral, de todas as medicinas
não convencionais, um fenômeno mais cultural e sócio sanitário do que o
êxito de um progresso dos conhecimentos científicos, mesmo que importantes;
mas os dois aspectos não estão privados de conexões e de influências
recíprocas: é provável que a difusão da homeopatia e da acupuntura tenha
recaído sob a forma de uma força propulsora para o pensamento biomédico,
sempre para a pesquisa de novos modelos interpretativos e de hipóteses
experimentais.
A Fisiopatologia e a Patologia Geral, mas, em geral, toda pesquisa biomédica
avançada, poderão desempenhar um papel importante neste trabalho de
integração dos conhecimentos em medicina, para enfrentar inclusive as
grandes questões ainda não resolvidas: criar uma metodologia “holística” e
individualizadora, utilizar o princípio da semelhança de forma racional e
controlada, usar doses baixas ou mesmo “infinitesimais” de fármacos. Para
esclarecer estes pontos a pesquisa deverá se desenvolver de acordo com três
grandes linhas básicas:
 estudos clínicos rigorosos para avaliar a eficácia terapêutica dos
diferentes métodos não convencionais;
 estudos dos mecanismos das comunicações biológicas (receptores e
sistemas de transdução, o papel da água, eletromagnetismo,
neuroimunologia, individualização dos princípios ativos dos remédios,
etc);
 considerar a contribuição da chamada “ciência da complexidade” (caos,
fractais, modelos matemáticos, informática, psicossomática, lingüística,
etc.). Esta última é provavelmente o desafio mais difícil, por ser a mais
nova, pela nossa mentalidade ocidental após pelo menos quatro séculos
de reducionismo metodológico.
Numa perspectiva complexa e integrada, não deveria ser uma dificuldade
insuperável deixar de conciliar, ou melhor, associar de forma adequada os
métodos semióticos clássicos com os bioeletrônicos e com as noções
derivadas das considerações dinâmicas do organismo, como são fornecidas,

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por exemplo, pela medicina chinesa. Não deveria ser impossível traçar os
limites e a possibilidade de associação entre remédios biodinâmicos e
remédios convencionais ou as cirurgias que forem necessárias; estes últimos,
voltados para a cura de enfermidades graves ou de situações nas quais por
uma série de motivos é necessário um efeito imediato sobre um problema, ao
invés de um efeito regulador sobre a homeodinâmica. A empreitada é difícil,
mas, é o único caminho que a medicina possui para se adequar ao objeto, que
no seu caso é um sujeito, sujeito que se pretende tratar, o homem portador de
todas as suas alterações dinâmicas que chamamos “doenças”.

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