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Na tentativa de realizar o impossível, o governante não cumpre o prometido e, por essa via, deteriora
a governabilidade do sistema e não aprende, por que não sabe que não sabe. Encontra-se entorpecido
por uma prática que acredita dominar, mas que na realidade o domina. Acumula experiência, mas
não adquire perícia; tem o direito de governar, sem ter a capacidade para governar. Esse não é um
princípio do regime democrático, mas é uma possibilidade, e não poderia ser diferente, porque a
democracia inclui o direito de errar. Nesse caso, pode ser que seu período eficaz de governo resulte
nulo, pela impossibilidade de combinar, ao mesmo tempo, o poder para fazer e a capacidade
cognitiva para fazer.
Nesse quadro de impotência, os meios e o projeto pessoal passam a ser mais importantes que
os fins e o projeto social. As atividades-meio consomem o tempo das atividades-fim. Predominam ou
o julgamento intuitivo ou tecnocrático e não há espaço para o julgamento tecnopolítico; a fricção
burocrática tem poder maior que a energia aplicada. E como ninguém cobra nem presta contas por
desempenho, de modo sistemático, sobre produtos e resultados, a prática política e administrativa
gira em um círculo vicioso que reforça e estabiliza o estilo ineficiente de governo.
O desnível entre as metas a que se propôs o governante e sua capacidade para
executá-las é crescente, porque seu capital cognitivo estancou. Em contrapartida, a complexidade dos
problemas sociais que deve enfrentar para alcançá-las aumenta com o desenvolvimento da interação
social apoiada no avanço das ciências. A universidade latino-americana volta as costas a esse
desafio; não há escolas de governo, só de administração de empresas. Os organismos internacionais
de financiamento e cooperação técnica sofrem das mesmas carências que os países aos quais devem
prestar auxilio, pois se nutrem da mesma cultura de gestão e das mesmas universidades. Os partidos
políticos, imersos na micropolítica, reproduzem seu estilo inoperante e parecem anestesiados ante o
jogo que declara como parte da paisagem social os problemas mais importantes sofridos pelo cidadão
comum. Para os meios de comunicação existem somente falhas e escândalos; a capacidade de
governo pessoal e institucional não é um problema nem produz notícias. O cidadão comum observa
incrédulo o espetáculo do jogo político, apartando-se dele e, dia após dia, desvaloriza a importância
da democracia e exige efetividade.
O universo da política move-se sem cessar, cada vez mais isolado da vida cotidiana
dos cidadãos. Ocasionalmente, um dirigente de valor e inteligência luta para integrar esses dois
universos, satisfaz sua ambição pessoal de chegar ao cume sem, no entanto diferenciar-se da
capacidade média de gestão de seus antecessores. Toma as rédeas do aparato público, mas não sabe
como transformá-lo porque está despreparado para governar. Não consegue diferenciar-se pelos
resultados, sem mudar a capacidade e a qualidade de sua produção. Tal capacidade reside nas
ferramentas de trabalho que utiliza no processo de trabalho da maquinaria que comanda. Contudo,
desconhece a existência de outras ferramentas de trabalho. Em sua autossuficiência, julga-se seguro
de dominá-las integralmente e acredita que não haja algo de novo a aprender. Sua ignorância é
sólida, e sem estrias. Acredita que tudo depende do jogo da micropolítica ou do modelo econômico
em voga, dos acordos de bastidores, das leis não aprovadas pelo Congresso Nacional, do apoio de
determinados grupos, da repressão a outros, da incompreensão do cidadão médio e da oposição cega
que tudo critica. Sente-se autoconformado e governa autosatisfeito não com os resultados obtidos,
mas, sim, com o esforço despendido para alcançá-los. A relação esforços-resultados é medíocre, mas
tampouco sabe como melhorá-la. Assim, sucedem-se os dirigentes enquanto os problemas crescem e
permanecem, junto com as frustrações. O cidadão comum suprime a informação negativa e esquece a
política, que permanece concentrada em grupelhos.
Nos próximos trinta anos, quando todos os grandes problemas nacionais passarem a fazer parte da
paisagem social da minoria — a democracia será viável, sem a cooperação da maioria que sofre os
problemas?—, permanecerá o debate restrito à mediocridade intelectual do embate entre a barbárie
política do passado populista e a barbárie tecnocrática dos economistas do momento? Teremos
anestesia sem cirurgia versus cirurgia sem anestesia? O governante tem um débito com o julgamento
tecnopolítico. O julgamento intuitivo e o julgamento técnico não resolverão nossos problemas.
O ciclista continua a pedalar ativamente com a bicicleta quase parada. Já não se trata
de fazer política, mas de exercitar-se, num esporte aeróbico, para queimar calorias. A finalidade é
viver do meio: muito suor e poucos resultados. No entanto, o condutor se autoqualifica como homem
prático, distante das presunções intelectuais da juventude, já esquecidas. A política não é um serviço:
deve-se viver dela. Concentrado em seu intenso trabalho de atleta inoperante, o dirigente não escuta
nem percebe que se inclina perigosamente em direção ao solo e, ao cair, ainda sonha com as glórias
pessoais que a maioria ignora ou despreza. A droga do poder tem universo próprio. A topografia
política não mostra relevos, parecendo ser repetitiva e monótona. Iguala todos os atletas da política e
da gestão pública em tomo da média imposta pelo peso e qualidade da bicicleta. Em última instância,
a capacidade para governar, do líder, determina a adaptação à organização arcaica ou à mudança das
ferramentas de governo. Viver para mudar a política ou mudar para viver da política: esta é a opção
do líder. Ele decide o propósito do jogo político: produzir fatos e atingir metas dentro do espaço da
capacidade prévia para governar, fortalecer tal capacidade renovando a organização que comanda, ou
mudar ou revolucionar as regras do jogo, para ampliar seu espaço de possibilidades. Há três tipos de
jogos complementares, mas, quando predomina o primeiro, como hoje, o sistema político chega ao
limite da mediocridade ultra estável. Qual é a expectativa de vida dessa democracia sem
resultados?
MATUS, CARLOS, O líder sem Estado Maior, Edições FUNDAP. São Paulo, SP, 2000. p.
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