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Reginaldo António Carvalho

Como torna complexo do acesso da educação política e ideológica e da educação religiosa


no ensino primário
(Licenciatura em Ensino Básico)

Universidade Rovuma
Extensão de Niassa
2022
1

Reginaldo António Carvalho

Como torna complexo do acesso da educação política e ideológica e da educação religiosa no


ensino primário
(Licenciatura em Ensino Básico)

Trabalho para fins de avaliação, na


Cadeira de Estudos Contemporâneos
em Educação.

Universidade Rovuma
Extensão de Niassa
2022
2

Índice
1. Introdução ................................................................................................................................ 3
2. Como torna complexo do acesso da educação política e ideológica e da educação religiosa
no ensino primário ....................................................................................................................... 4
2.1. Contextualização histórica .................................................................................................... 4
2.2. Educação e religiosidade .......................................................................................................... 4
2.3. O direito à fé e a intolerância religiosa ..................................................................................... 7
2.4. Ciência, religiosidade e ensino ............................................................................................... 10
2.4.1. Religião, Conhecimento Religioso e Ciência ...................................................................... 10
2.5. O Ensino Religioso ................................................................................................................. 13
2.6. Importância das relações interpessoais ................................................................................... 14
2.7. Nitidez na apresentação das informações ............................................................................... 15
2.8. Inserção num grupo de referência mais abrangente ............................................................... 17
3. Conclusão .................................................................................................................................. 18
4. Bibliografia ................................................................................................................................ 19
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1. Introdução
O presente trabalho apresenta uma análise sobre a relação entre a religião e a educação, levando
em consideração o valor cultural, bem como suas contribuições à sociedade, abrangendo
características históricas e hodiernas dessa polémica relação. O trabalho constitui-se de uma
pesquisa bibliográfica e exploratória, com vistas a levantar discussões sobre um tema pouco
abordado. Deste modo, proporciona uma comparação entre as características do ensino religioso
com o processo educativo na actualidade; aborda temas inerentes ao processo educativo quanto à
origem do conhecimento, a difícil relação entre fé e ciência, os métodos de ensino, as concepções
de mundo, o papel da religião na sociedade e na cultura, demonstrando que a religião em si, não
apenas mantém uma relação com a educação, mas, também se constitui em um processo
educativo, com objectivos semelhantes aos objectivos da educação laica.

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2. Como torna complexo do acesso da educação política e ideológica e da educação religiosa


no ensino primário

2.1. Contextualização histórica

Há mais de dois mil anos, na história da humanidade, surgiu um homem que perturbou e intrigou
os alicerces de sua época de Jesus de Nazaré, o Cristo como é conhecido por seus seguidores.

A repercussão de seus ensinamentos foi intensa, possuindo seguidores até hoje. O cristianismo,
por exemplo, actualmente consiste no conjunto dos mais diversos grupos que tem em Cristo seu
referencial de fé, estando espalhado nos mais diversos países. (Cury, 2004).

A história da humanidade nos mostra que a religião sempre possuiu estreitas ligações com a
educação, não foi diferente; vemos que seus objectivos e os da educação se cruzam em
determinados momentos. Portanto, levando em consideração o grande número de cristãos, e o
fato de Jesus ter sido considerado um mestre.

2.2. Educação e religiosidade

Ao falarmos em educação nos remeteremos a uma gama de concepções do que esta consiste. No
sentido etimológico da palavra, “educação” possui procedência latina oriunda a partir de dois
termos: educare (alimentar, cuidar, criar) e educere (tirar para fora, conduzir para, modificar um
estado). Assim sendo, as diferentes concepções de educação concordam, quase unanimemente,
que esta consiste em um processo de desenvolvimento do ser humano através de uma
transformação contínua, no entanto, a concepção de educação é bem mais complexa e variável
tão quanto as teorias da educação (Libâneo, 2010).

Para Libâneo (2010, p.73)

o acontecer educativo corresponde à acção e ao resultado de um processo


de formação dos sujeitos ao longo das idades para se tornarem adultos,
pelo que adquirem capacidades e qualidades humanas para o
enfrentamento de exigências postas por determinado contexto social.
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Esse contexto pode ser a escola, a família, a igreja, a fábrica e outros segmentos sociais, portanto
o acontecer educativo está presente em suas diferentes modalidades em todas as áreas das
relações humanas.

No que concerne às modalidades da educação podemos defini-la como: informal, não-formal, e


formal. A educação informal consiste em uma educação não-intencional ou não-sistematizada, é
o que ocorre, por exemplo, na família. A formal é sistemática, é “aquela estruturada, organizada,
planejada intencionalmente” (Libâneo, 2010, p. 88), educação típica das escolas. Já a não-formal
consiste em “actividades com carácter de intencionalidade, porém com baixo grau de estruturação
e sistematização, implicando certamente relações pedagógicas, mas não formalizadas” (Libâneo,
2010, p. 89) que ocorre, por exemplo, em grupos sociais. Todas essas modalidades possuem forte
influência na formação da personalidade do indivíduo.

O ser humano é um ser complexo que desenvolve sua personalidade e seu carácter a partir das
relações que mantém com as diversas instituições sociais em que está inserido, desse modo, essa
personalidade é desenvolvida através do chamado processo de socialização, e não é simplesmente
uma característica biológica; ou seja, embora o ser humano nasça com maiores potencialidades
que os demais animais, muitas dessas potencialidades só serão desenvolvidas através desse
processo de socialização. A família, a escola, e a religião são exemplos de instituições sociais
básicas que contribuem para essa formação da personalidade (Toscano, 2001).

A religião estando também ligada intrinsecamente a personalidade do individuo, exerce grande


influência sobre a sociedade humana através do tempo, despertando o interesse de psicólogos,
sociólogos e antropólogos para o estudo de suas correlações com as demais instituições sociais
(Toscano, 2001).

O termo “religião” segundo Cury (2004) provem do verbo latino “religare”, o que nos remete a
reunião de algo ou alguém, o restabelecimento de um elo, Cury (2004, p. 188) rejeita a ideia de
que tal termo provenha simplesmente das religiões monoteístas, para ele “outras manifestações de
carácter religioso, místico, cósmico ou transcendental também aspiram por um reencontro do ser
humano e do conjunto dos seres humanos vivos ou já mortos com a „Totalidade‟”. A etimologia
da palavra nos ajuda a compreender o seu sentido em termos práticos, deste modo, a religião
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consiste em uma instituição social, que procura reunir pessoas, ou seres em sentido natural e/ou
sobrenatural.

Instituições sociais, por sua vez, consistem em meios pelos quais o homem procura ajustar-se ao
ambiente natural, social, ou sobrenatural. A instituição religião consiste na qual o homem se
ajusta no seu ambiente sobrenatural (Lakatos e Marconi, 2011). Assim, podemos definir a
religião como “um sistema unificado de crenças e práticas relativas às coisas sagradas, isto é, a
coisas colocadas à parte e proibidas – crenças e práticas que unem numa comunidade moral única
todos os que a adoptam” (Chinoy apud Lakatos & Marconi, 2011, p. 181).

Na actualidade, dentre as instituições sociais, a escola é promovedora da educação sistematizada,


e a religião é um espaço de propagação da fé, mesmo assim, esta última contribui fortemente para
a propagação de valores, princípios e do conhecimento, assim como a educação sistematizada.
Tal circunstância nos leva a analisar a história da educação aferindo sua ligação com a
religiosidade.

A história da educação está intimamente ligada à própria história das


instituições religiosas. A casta sacerdotal que nas sociedades arcaicas,
detinha o poder político ou pelo menos dele participava activamente, deve
ter compreendido de maneira bastante clara, a importância de chamar a si
o controle do sistema educacional, por mais informal e limitado que ele
fosse (Toscano, 2001, p. 139)

Essa relação se mantém, portanto, desde as comunidades primitivas até as sociedades modernas.
Aranha (2006, p. 35) nos explicita como já “nas comunidades tribais as crianças aprendiam
imitando os gestos dos adultos e nas actividades diárias e nos rituais”.

No entanto, essa relação torna-se mais clara a partir do momento em que as sociedades tornam-se
mais complexas. Como exemplo, podemos citar o Egipto antigo, onde a transmissão do saber era
restrita a poucos, dentre eles os sacerdotes; a Mesopotâmia onde a classe sacerdotal também era
encarregada da educação; Índia onde a educação era privilégio dos brâmanes, que teriam sido
gerados da cabeça do deus Brahaman, segundo as crenças dos indianos. E os hebreus,
propagadores do monoteísmo ético (Aranha, 2006), que diverge das demais civilizações por
7

crerem em um deus4 único, que requeria dos seus seguidores a absorção de determinados valores,
descritos na Torá5. Borges (2002) faz consonância com Aranha ao relatar que

[...] Nas civilizações antigas, a religião, ou a magia e o misticismo


determinavam praticamente os aspectos da vida humana. Portanto, ao
serem transmitidos os ensinamentos relativos aos aspectos práticos da
vida primitiva, transmitia-se igualmente, o ensino religioso, pois eram
temas interdependentes (Borges, 2002, pp. 28-29).

O que podemos destacar sobre as considerações de Aranha (2006), Borges (2002) e de Toscano
(2001) é que a educação não esteve somente relacionada à religiosidade, mas por muito tempo
fora apenas um privilégio da classe sacerdotal dos diferentes tipos de religiões e culturas, como
também a religiosidade intervinha em toda esfera das sociedades primitivas.

O cristianismo, por sua vez, surgido também dentre o povo hebreu, mantém um relacionamento
intenso com as práticas educativas no decorrer da história até a actualidade, “os cristãos legaram
ao mundo um vastíssimo património cultural e uma extraordinária riqueza filosófica e
pedagógica” (Borges, 2002, p. 40).

Podemos perceber na sociedade brasileira actualmente, por exemplo, organizações religiosas


educacionais ligadas à Igreja Católica e outras igrejas cristãs da actualidade, como diversas
instituições católicas de ensino6, dentre elas a PUC – Pontifícia Universidade Católica, e no
âmbito evangélico7 podemos citar a Universidade Presbiteriana Mackenzie e os Colégios
Presbiterianos.

Muitas dessas escolas organizam-se também em associações como a Associação de Escolas


Cristãs de Educação por Princípios (AECEP), e a Associação Internacional de Escolas Cristãs
(ACSI), ambas, organizações evangélicas8. De tal modo, podemos encontrar no cristianismo
todas as modalidades da educação, a informal - através dos valores vivenciados nas igrejas; não-
formal – através das ONGs ligadas às instituições religiosas; e formal – através das escolas
confessionais cristãs.

2.3. O direito à fé e a intolerância religiosa

O artigo XVIII da Declaração Universal de Direitos Humanos afirma:


8

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e


religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a
liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática,
pelo culto e pela observância, isolada ou colectivamente, em público ou
em particular. (ONU, 1948)

Como podemos perceber, o artigo versa sobre o direito a fé, mudança de religião, a sua expressão
pelo ensino e pelo culto, o que inspirou a Constituição algumas constituições do mundo, que
tratam dos Direitos e Deveres Individuais e Colectivos.

Dada a diversidade religiosa e a laicidade do nosso país, deparamo-nos perante a um dilema que
chega aos limiares da escola. O Estado não toma mais partido de uma única religião, a escola
pública estando sobre o domínio do Estado deve acolher pessoas de diferentes crenças. É
importante considerar que a diversidade religiosa do nosso país está relacionada a sua
multiculturalidade, o que não se reduz somente a religião, assim, eis o desafio: tornar a escola um
espaço acolhedor para as diversas pessoas, respeitando suas crenças, seus valores, hábitos e
costumes, através de um diálogo pacífico, “imparcial”, e não preconceituoso.

De acordo com Souza (2002, p. 156) multiculturalidade é um fenómeno do nosso tempo, “que
traz para o campo da educação uma série de questionamentos e desafios, tais como o respeito a
diversidade cultural e o redimensionamento das práticas educativas, a fim de se adequar às
recentes demandas por uma escola mais democrática e inclusiva”.

Assim, propõe Semprini citado por Souza (2002) uma educação com uma “epistemologia
multicultural”, essa epistemologia se fundamentaria em quatro aspectos:

1. A realidade é uma construção;


2. As interpretações das realidades são subjectivas
3. A verdade é relativa
4. O conhecimento é um ato político

Quanto ao terceiro fundamento destaca que “a principal consequência do carácter radicalmente


interpretativo e subjectivo da realidade é a impossibilidade de fixar-lhe uma verdade objectiva.
Sendo assim, ‘a verdade só pode ser relativa’, condicionada ao indivíduo e ao significado que ele
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dá” (Souza, 2002, p. 159). Cada ser, portanto, possui a sua verdade ou realidade, não existe
verdade absoluta ou universal, o que pressupõe a existências de “verdades” ou “realidades”.

Souza (2002) considera a própria complexidade de se compreender essa “epistemologia


multicultural”, algumas considerações, por exemplo, nos permite perceber como a mesma pode
tornar-se paradoxal, ao afirmar que “não existe verdade absoluta”, o próprio enunciado torna-se
“uma verdade”, e por conseguinte, não é absoluta, nos dando margem para subentender que
existe sim verdade absoluta, contradizendo, portanto, o enunciado. Mesmo que existam verdades
absolutas e relativas, os dilemas permanecem em definir o que é absoluto e o que é relativo. A
concepção de “verdade” ou se ela é absoluta ou relativa, entretanto, nos enviará a um debate
antigo, no qual não nos reteremos.

Souza (2002) defende uma educação que valorize a dialéctica entre igualdade e a diferença, entre
o universal e o particular, para tanto, ressalta a necessidade de compreender que diferença e
igualdade não são antónimos. Igualdade e diferença afirmam, respectivamente, a inclusão e a
abertura, enquanto a desigualdade e a indiferença supõem a exclusão do outro, e sua
desqualificação. Portanto, a diferença deve existir, mas não a desigualdade.

A diferença e igualdade fazem parte de nossa humanidade, no entanto, tanto o relativismo radical,
como a igualdade como um parâmetro de padronização dos indivíduos devem ser rejeitados. E
assim questiona,
como é possível entender a nossa humanidade enquanto iguais e
diferentes? E até que ponto somos iguais e diferentes? Em que somos
iguais? Em que somos iguais e em que somos diferentes? Como articular
igualdade e diferença a fim de garantirmos a tolerância e o respeito e
necessária articulação das temáticas, principalmente na educação escolar?
(Souza, 2002, p. 168).

De tal modo, os questionamentos perduram com a finalidade da articulação entre a diferença e a


igualdade nas práticas pedagógicas. Outro factor importante considerado por Souza (2002) é a
intolerância, que se caracteriza em uma negação agressiva e ódio à diferença alheia, um ódio
muitas vezes violento e assassino, o que não é apenas não tolerar as opiniões divergentes.

Em se trantando de religiosidade, é necessário considerar que, embora seja uma cosmovisão, sua
visão de mundo determina valores que podem abranger todas as instituições da esfera social,
10

assim temos no cristianismo uma espiritualidade voltada não somente para o transcendente, mas
que volta-se também para a constituição da família, para os valores necessários ao sistema
político, para a origem do conhecimento, o cuidado com as emoções do indivíduo, enfim, para a
sociedade como um todo. O pensamento cristão ou a epistemologia cristã é essencialmente
universalista, embora possa aceitar as diferenças individuais de cada pessoa.

À luz do que nos fala Souza (2002) sobre intolerância, podemos entender a intolerância religiosa
como um ódio destrutivo à religiosidade de outrem. No entanto a intolerância não pode ser
tolerada.

Portanto, podemos compreender que é direito de qualquer religião possuir a sua visão de mundo,
questionar valores, criticar a realidade e a sociedade segundo os seus princípios e defender sua fé,
entretanto, lhe é vedado o desrespeito à pessoa humana e às decisões individuais de cada ser. Em
outras palavras, lhes são outorgado o direito de discordar, na sua liberdade de expressão, mas não
o de desrespeitarem os demais indivíduos ou “obrigá-los a aceitar sua visão”, ambos aspectos são
direitos humanos e garantidos por lei.

2.4. Ciência, religiosidade e ensino


2.4.1. Religião, Conhecimento Religioso e Ciência
Ao propor-nos discorrer sobre a relação entre religião e ciência nos remetemos a um debate
antigo e nevrálgico, a exemplo temos o tenso confronto entre criacionismo e evolucionismo,
entretanto, cada uma remete-se a uma maneira diferente de compreender a realidade. A religião é
detentora do conhecimento religioso, o qual é fundamentado na fé e na revelação, enquanto o
conhecimento científico é baseado na experimentação, verificação e observação dos fatos (RUIZ,
1991).

Ambos os conhecimentos - religioso e científico, subsistem e partem de ópticas diferentes sobre a


realidade, assim como os demais tipos de conhecimentos (filosófico e popular), Lakatos e
Marconi (2001) afirmam, inclusive, que um cientista pode ser um crente praticante, ser adepto de
algum tipo de sistema filosófico, e orientar sua vida quotidiana por pressupostos oriundos do
senso comum.
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Mesmo o conhecimento religioso ou teológico sendo fundamentado na fé, para Rampazzo (2004,
p. 30), “o conhecimento teológico tem uma „veste‟ científica, no sentido de que é racional,
metódico e sistemático,” onde “o objecto do conhecimento teológico são os dados da fé; e
método é a procura da integração entre fé e razão”.

Para Lakatos e Marconi (2001, p. 79), o conhecimento teológico

apoia-se em doutrinas que contêm proposições sagradas (valorativas), por


terem sido reveladas pelo sobrenatural (inspiracional) e, por esse motivo,
tais verdades são consideradas infalíveis e indiscutíveis (exactas); é um
conhecimento sistemático do mundo (origem, significado, finalidade e
destino) como obra de um criador divino; suas evidências não são
verificadas: está sempre implícita uma atitude de fé perante um
conhecimento revelado.

Para Ruiz (1991), o conhecimento religioso parte da premissa que Deus existe, possui ciência
infinita, tem poder infinito, inclusive, de se comunicar com os homens através da relação directa
com cada um, ou da revelação directa a alguns profetas e de seu filho Jesus Cristo. E a Bíblia é
onde está escrito o que Deus falou ou parte do que ele falou. Deste modo, os textos bíblicos são
autênticos, portanto, merecem todo o crédito. Cabe, entretanto, ao teólogo provar que Deus
existe, que falou aos homens, e que os textos bíblicos possuem inspiração divina.

Segundo Ruiz (1991, p. 103),

os princípios subjectivos operativos que guiam o filósofo ou o cientista


são os sentidos corporais e a inteligência ou razão natural, diversamente
acontece com o teólogo ou como o fiel que operam com sua razão
iluminada, ilustrada, elevada pelo dom sobrenatural e gratuito da fé,
conforme ensina a própria teologia. A fé eleva a razão a uma ordem
superior e divina de conhecimento.

Deste modo, no conhecimento religioso a razão está a serviço da fé, como defende Tomás de
Aquino (1225-1274), entretanto, nem a teologia, nem a ciência do fato religioso conseguem
explicar a fé cabalmente, por ser de ordem místico-intuitiva (Ruiz, 1991).

É necessário considerar que o conhecimento religioso abrange fenómenos sobrenaturais, o que


ocorre não só no cristianismo. Dentre algumas definições apresentadas por Lakatos e Marconi
(2011), o sobrenatural consiste naquilo que se crê, mas não se pode ser comprovado pelo o
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método científico, o próprio Deus consiste em um ser sobrenatural, assim sendo, a ciência não
possui métodos de verificação que possam atestar ou não a sua existência.

Rampazzo (2004) afirma que existem alguns aspectos religiosos que podem ser provados
cientificamente, por exemplo, historicamente é comprovada a existência de Jesus e que ele foi
crucificado, no entanto, aceitá-lo como salvador da humanidade e que sua morte foi vicária, é
uma questão de fé; o dado de fé é uma revelação que não pode ser descoberta pela ciência, pela
filosofia, ou pelo conhecimento popular, ele só tem valor para aquele que vivencia a experiência
da fé.

Já Hammes (2006) discute sobre a possibilidade da Teologia se configurar como ciência, para
tanto, levando em consideração o debate do que consiste a ciência, afirma que “a questão da
cientificidade da Teologia, [...] depende, em primeiro lugar, de um conceito aberto de ciência,
capaz de abranger áreas de pesquisa e metodologias diferentes das meramente positivas”
(Hammes, 2006, p. 546), o que não é uma discussão exclusiva da Teologia, mas também, quanto
ao Direito e algumas ciências sociais, dentre outras.

A Teologia seria então para Hammes (2006) a logos da fé, e não a própria fé. Aqui, define fé não
como irracionalidade, mas como fidelidade ou confiança em alguém. Assim,

a Teologia, por seu método e conteúdo, está entre as ciências humanas, e


pode ser entendida como uma ciência hermenêutica, na medida em que
seu objecto são textos e tradições aceitos por comunidades humanas como
normativos de sua existência. Cabe-lhe a tarefa educativa de relacionar
esses textos com a realidade e, com os recursos das outras ciências,
mediar o diálogo entre as demais visões de mundo, garantir a paz
religiosa, relativizar os absolutismos políticos, económicos e sociais, e
prevenir os fundamentalismos e a intolerância. É o que se poderia
designar de papel universalizador da Teologia (Hammes, 2006, pp. 552-
553).

Por essa razão, o estudo das teologias, dentro da área de Ciências Humanas conforme
classificação CAPES/CNPq, não pode prescindir de conhecimentos das Ciências Humanas e
Sociais, da Filosofia, da História, da Antropologia, da Sociologia, da Psicologia e da Biologia,
13

entre outras. O estudo da Teologia deve, ainda, buscar diálogo com outras áreas científicas,
possibilitando estudos interdisciplinares.

2.5. O Ensino Religioso

O carácter laico do Estado proporciona outra discussão a respeito dessa relação ciência-educação-
religião: o ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental, o que também não é um
debate novo.

O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e


constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado
o respeito à diversidade cultural religiosa, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

Vemos que o ensino religioso, constitui-se como parte da formação básica do cidadão e rejeita
qualquer tipo de proselitismo, responsabilizando os sistemas de ensino por sua regulamentação
em parceria com as denominações religiosas, sendo o Estado responsável pelo ônus.

Cury (2004, p. 2) afirma que

o ensino religioso é problemático, visto que envolve o necessário


distanciamento do Estado laico ante o particularismo próprio dos credos
religiosos. Cada vez que este problema compareceu à cena dos projectos
educacionais, sempre veio carregado de uma discussão intensa em torno
de sua presença e factibilidade em um país laico e multicultural.

Paily (2004) discorre sobre “O dilema epistemológico do ensino religioso”, Hammes (2006)
define a teologia como “uma polémica científica”, nas discussões destes dois últimos autores
juntamente a Cury (2004) fica evidente como qualquer debate a respeito de crenças religiosas,
como a cientificidade da teologia e o ensino religioso nas escolas públicas, é árduo e requer muito
diálogo. Criar um diálogo pacífico, entretanto, ainda é um grande desafio, mesmo dentro da
academia.

Paiva (1999) nos mostra em “Representação Social da Religião Em docentes – Pesquisadores


Universitários” importantes considerações sobre a pesquisa em religião destaca que, “existem
diversos objectos sociais que interessam ao grupo académico, como a arte, a política, o esporte, o
14

papel da universidade na sociedade, e existem também objectos sociais que parecem alheios aos
interesses académicos, como o comércio e a religião (PAIVA, 1999).

Algo semelhante comenta Robbins (2011, p.1) embora se referindo ao cristianismo enquanto
objecto de estudo da Antropologia, ao afirmar que “[...] de algum modo, durante seu primeiro
século de existência, a Antropologia, que afirmava ter o mundo inteiro como campo de estudo,
negligenciou a religião mais praticada no mundo”.

Paiva (1999) ainda destaca que “no meio académico a questão da religião é uma questão
delicada; as pessoas se inclinam a esquivar-se de falar do assunto, embora hoje os professores
não mais se sintam envergonhados de sua crença; [...] a posição dos colegas quanto à religião
conhece-se superficialmente”. É o ponto nevrálgico que citamos anteriormente, a pesquisa de
Paiva (1999) nos permite perceber como é tenso discussão sobre a fé dentro da universidade.

Brooke (1991) e Marsden e Longfield (1992) citados por Paiva (1999) explicitam que, no
decorrer da história, por muito tempo ciência e religião andaram juntas na universidade, tendo,
inclusive, a religião lutado pela autonomia da ciência, inclusive, em países de tradição científica e
tecnológica mais consolidada, teólogos e cientistas reúnem-se com certa frequência para
discussões e debates acerca da relação ciência e religião.

2.6. Importância das relações interpessoais


As relações interpessoais supõem proximidade das pessoas. Embora os papéis grupais sejam
diferentes, induzindo com isso certa distância entre as pessoas, os papéis complementares, como
os de pais e filhos, professor e aluno, tendem a induzir proximidade entre os parceiros de papel.
A proximidade por si só não denota relações positivas de ordem cognitiva ou afectiva, mas é
condição de estabelecimento dessas interacções, sejam elas cognitivas ou afectivas. A interacção
cognitiva positiva se dá pelo diálogo, termo tradicional que vem ao encontro da acção
comunicativa. (Paiva, 1995).

O ensino religioso, do ponto de vista cognitivo, para ser significativo deve corresponder-se com o
elemento afectivo do desejo. Esse elemento pode ser despertado ou, se já presente, intensificado,
por meio do diálogo.
15

É importante dar-se conta de que o desejo, no caso de apreender um


sentido profundo para a vida, moldado dentro de uma tradição cultural na
qual a pessoa já foi introduzida, só pode alimentar-se com o diálogo se, no
caso do ensino religioso, aluno e professor estiverem imbuídos desse
desejo. Parece, pois, inoperante o esforço do professor que não se pergunta
pela dimensão religiosa ou, mais simplesmente, que não ama a religião.
Parece, também, inoperante esse esforço se não vai ao encontro de um
desejo religioso por parte do aluno. Nesse ponto parece ainda adequado
dizer que "a educação religiosa dos filhos (ou alunos) é a continuada
educação religiosa dos pais (ou professores)" (Paiva, 1995, p. 375).

Em termos práticos, encontros pessoais em grupos menores são uma condição necessária, embora
não suficiente, para a eficácia do ensino religioso. Nesses grupos menores, aliás, torna-se possível
um outro processo, não necessariamente interpessoal mas, em todo o caso, social, a saber o da
imitação.

A religião, enquanto referência fundamental da cultura, como a linguagem, as boas maneiras, as


expressões emocionais, "se tece no dia-a-dia, muito mais pelo modelo fornecido do que por
injunções verbais explícitas ou por consequências artificialmente dispostas" (Paiva, 1995, p.
374).

São as relações interpessoais que possibilitarão, do ponto de vista psicológico, a dimensão de


relação pessoal com Deus, a primeira e mais definidora dimensão factorial da religião.

2.7. Nitidez na apresentação das informações


O ensino religioso tem um componente cognitivo essencial, correspondente à dimensão
intelectual da definição factorial de Glock e Stark (1962). Fazem parte dela os elementos
doutrinais, sua inter-relação, o conhecimento da história do grupo religioso, e tópicos
assemelhados. Como em qualquer aprendizagem cognitiva, a nitidez dos estímulos apresentados
é essencial.

Não é possível, por exemplo, aprender-se psicanálise confundida com behaviorismo. Os


conceitos de uma e de outro só se tornam apreensíveis quando não fundidos. Tanto os conceitos
individuais de uma teoria como sua articulação pertencem a uma família cognitiva estabelecida
segundo critérios discriminadores. Esses critérios fornecem o protótipo do objecto de
16

conhecimento, juntando os elementos que lhe correspondem e separando os elementos que não
lhe correspondem (Rosch, 1978).

Na dimensão do contraste, naturalmente, os elementos estranhos ao protótipo podem ser de


grande utilidade, enquanto contribuem exactamente para a maior nitidez do protótipo. Nesse
sentido, psicanálise e behaviorismo podem ser ensinados juntos não porque componham o
mesmo protótipo, mas porque o protótipo da psicanálise contrasta com o do behaviorismo.

Não haveria, no entanto, possibilidade de behaviorismo e psicanálise serem propostos dentro de


um protótipo único? A possibilidade existe, desde que o princípio de organização não seja o
simples contraste, mas o metacontraste (Oakes, Haslam & Turner, 1998), como quando o estudo
psicológico do ser humano se contrapõe a seu estudo biológico ou físico. Essas considerações se
aplicam ao ensino religioso.

As religiões não se equivalem do ponto de vista cognitivo, isto é, uma religião não é outra. As
concepções, as doutrinas, as histórias são, sob certo aspecto, nem mesmo específicas, mas
singulares. Não é possível ensinar o budismo como se fosse o cristianismo, como não é possível
ensinar o protestantismo luterano como se fosse o catolicismo.
O ensino religioso não deixaria de propor, com nitidez, os critérios discriminadores de um e outro
protótipo ampliado. Não há como obliterar, no entanto, a dificuldade da aquisição de
competência, por parte dos docentes, de protótipo religioso tão complexo como o cristianismo em
geral ou o budismo em geral.
Um efeito, como já apontado, pode ser a tolerância e o empenho por elevadas causas comuns. No
entanto, o mínimo denominador comum nem sempre é o mais indicado para toda finalidade,
como quando se quer conhecer e apreciar uma bebida ou uma obra de arte.

Nesse nível é possível agrupar as religiões a espiritualidade e a moralidade, embora com o risco
de se agruparem coisas conceitualmente distintas, uma vez que religião inclui alguma forma de
transcendência, ao passo que espiritualidade e moralidade podem situar-se no âmbito da
imanência humana. É provável que nesse agrupamento mais inclusivo se perca a nitidez da
apresentação dos estímulos informativos, e dissolva-se o fundo contra o qual se destaque
perceptualmente alguma figura com contorno.
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2.8. Inserção num grupo de referência mais abrangente


Não bastam as relações interpessoais, que se dão no pequeno grupo social, nem a nitidez da
proposição das informações para se garantir a estabilidade da formação religiosa que se pretende
favorecer com o ensino religioso nas escolas. O princípio geral da necessidade de inserção num
grupo de referência mais amplo no tempo e no espaço, ou seja, não apenas num movimento, mas
numa instituição religiosa, diz respeito à estabilidade proporcionada pelo consenso. Esse
consenso social, que garante a maior parte das chamadas realidades da vida humana, tem-se dado
de muitas maneiras ao longo da história.
Em nossos dias, em que o pluralismo é um dos vectores da cultura e da sociedade, o consenso
não se dá por imposição da força ou pela ausência de alternativas. Em termos do debate
Habermas e Ratzinger (2004), pode-se dizer que o consenso se dá pela acção comunicativa ou
pelo diálogo. Ainda assim, o pluralismo não é o único vector da dinâmica sociocultural
contemporânea.
O processo de globalização tem mostrado a ressurgência, quando não a insurgência, de consensos
mais limitados, frequentemente de natureza étnica e religiosa, com fortes componentes de
lealdade histórica, que equilibram vectorialmente a dinâmica social. Esse reequilíbrio se faz
notar, muito particularmente, na questão da identidade. Não se trata, porém, de reinstalar um
equilíbrio estático. Provavelmente a ideia de um equilíbrio como esse em alguma época da
história humana é uma falácia. Em nossos dias seria, certamente, uma falácia.

A inserção num grupo mais abrangente, ampliado no espaço e no tempo, garante o sentido de
identidade, isto é, de reconhecimento de uma realidade social também abrangente, que resistiu ao
tempo e ao deslocamento espacial e que nos retira de uma solidão sem referências sólidas.

O dinamismo da existência não permite que essa resistência se torne inércia: ao contrário, a
história mostra as transformações por que passam as grandes identidades colectivas em contacto
com o ambiente e as transformações que, por sua vez, induzem no ambiente. Sob esse ponto de
vista, o ensino religioso nas escolas não deveria limitar-se à escola. Para ser, além de ensino,
educação, deveria tender à inserção no grupo religioso portador dessa referência dinâmica, isto é,
estável e aberta ao diálogo com a diferença. O contacto com os grupos locais ou regionais das
filiações religiosas daria o tónus final para o ensino escolar.
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3. Conclusão

O que certamente é importante é a reflexão acerca da conjuntura actual do ensino religioso nas
escolas. Melhor do que conjuntura pode-se dizer estrutura, pois embora haja variáveis
conjunturais em todo planeamento e decisão, às vezes não há clareza a respeito da estrutura da
realidade que se quer ordenar.
Não são ingénuos em relação ao ideal da acção comunicativa ou do diálogo que propõem como
base pré-política da convivência social no Estado democrático. A descrição de alguns processos
psicológicos de aprendizagem social tampouco garante a efetivação dessa aprendizagem. Porém
essas são contribuições que podem levar à reflexão acerca do que está em jogo, antes de se passar
à acção ou à discussão dos caminhos que a acção já iniciou.
Em suma, as orientações práticas do livro de Provérbios incentivavam a não tolerar a rebeldia,
mas também não desanimar diante da crítica, e o ensinamento deveria ser feito de forma doce e
amorosa, para que fosse mais bem apreendido. Talvez, a concepção bíblica que mais influenciou
a educação infantil seja: “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e, até quando
envelhecer, não se desviará dele. O provérbio enaltece a importância de ensinar valores ao ser
humano, desde sua meninice, pois ao crescer levaria o ensinamento para sua vida inteira.
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4. Bibliografia
Glock, C.Y. & Stark, R. (1962). On the study of religious commitment. Religious Education, 57.
Research Supplement, 98-110.

Oakes, P.; Haslam, A & Turner, J. C. (1998). The role of prototypicality in group influence and
cohesion: contextual variation in the graded structure of social categories. Em S. Worchel, J. F.

Morales, D. Paez & J. C. Deschamps (Orgs.), Social Identity: international perspectives (pp. 75-
92). Londres: Sage publications.

Rosch, E. (1978). Cognition and Categorization. Hillsdale, N.J.: L. Erlbaum Associates

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