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MORAES, Francieli Bogorni Pena de. MOTA, Vania Corrêa. Confecções de roupas: Um olhar
etnomatemático. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 10,
Vol. 06, pp. 42-61. Outubro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de
acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/matematica/confeccoes-de-roupas
RESUMO
Este artigo tem por objetivo promover uma reflexão teórica sobre como a matemática está
presente na confecção de roupas. Baseado em pressupostos da etnomatemática, busca refletir
sobre questões tais como a valorização dos diferentes saberes de determinados grupos
socioculturais, inclusive os saberes matemáticos usados pelas costureiras. Como revisão de
literatura, adotaram-se os conceitos de etnomatemática na visão de Ubiratan D’Ambrósio.
Como resultado, verifica-se que é necessário a construção de práticas pedagógicas para um
ensino da matemática mais efetivo, que valorize os saberes culturais e que seja alinhada ao
contexto social dos alunos. Em síntese, verifica-se que não há um modo de fazer matemática
melhor ou mais importante, a realidade é que cada grupo diferente de pessoas adota e aprende
seu jeito de saber e fazer matemática conforme suas necessidades. É necessário compreender
que a matemática está intrinsecamente relacionada à vida de todas as comunidades, grupos e
povos.
Assim, há uma via de mão dupla entre a matemática ensinada em sala de aula e a vida social
do aluno. Valorizar essa realidade vai ao encontro dos pressupostos da etnomatemática, que
visa valorizar os saberes e fazeres matemáticos de cada grupo sociocultural, contrariando o
ensino tradicional da matemática, que muitas vezes é desenvolvido sem dar importância aos
conhecimentos prévios dos alunos e aos seus contextos de vida e trabalho (MORAES et al.,
2017).
Torna-se evidente que a matemática não é desvinculada de um processo social, ela foi
surgindo de acordo com a necessidade do homem, ou seja, existe o processo histórico da
matemática, que é muitas vezes desconhecido no ensino acadêmico e que na perspectiva
etnomatemática é enfatizado ao se reconhecer que o ensino de matemática não é isolado do
contexto social (MORAES et al., 2017, p. 4).
Dessa forma, visando mostrar sua importância no dia-a-dia das pessoas, até mesmo daquelas
que nunca frequentaram uma sala de aula e ainda mostrar para o aluno uma forma de visão
mais crítica de mundo e sociedade e levando em consideração a falta de consideração aos
diversos saberes matemáticos culturais, como por exemplos de como os conceitos
matemáticos estão presentes nas mais variadas ações do homem, inclusive na costura de
roupas, o presente artigo, têm como objetivo tomar como exemplo, a prática no processo e
fabricação de roupas de algumas costureiras e identificar quais os mecanismos adotados por
elas para empregar os conhecimentos matemáticos em suas práticas, mostrando pelos
pressupostos da etnomatemática a presença da matemática na costura.
Etno, e por etno entendo os diversos ambientes (o social, o cultural, a natureza, e todo mais);
matema significando explicar, entender, ensinar, lidar com; tica, que lembra a palavra grega
tecné, que se refere a artes, técnicas, maneiras. Portanto, sintetizando essas três raízes, temos
etno+matema+tica, ou etnomatemática, que, portanto, significa o conjunto de artes, técnicas de
explicar e de entender, de lidar com o ambiente social, cultural e natural, desenvolvido por
distintos grupos culturais (D’AMBROSIO, 2008, p. 2).
De forma complementar, o autor explica que etnomatemática é “a matemática praticada por
grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de trabalhadores, classes
profissionais, […], sociedades indígenas, e tantos outros grupos que se identificam por
objetivos e tradições comuns” (D’AMBROSIO, 2011, p. 9, apud LEITE, 2014, p. 8). Logo, não
existe apenas uma matemática, o que aparentemente se dá a entender nos variados espaços
acadêmicos, necessitando assim “reconhecer que conhecimento vivo é aquele que é
incorporado à condição humana, […]” (QUEIROZ e LUCENA, 2008, p. 8). Logo, quando se
trata de saberes matemáticos, há diversos tipos em diferentes culturas, (D’AMBROSIO, 2011).
Sabe-se que a matemática é considerada uma área de conhecimento com uso importante no
dia-a-dia da sociedade, mesmo que não seja percebida. Nesse sentido, pessoas sem
escolarização têm seu modo de fazer matemática, cada ser humano busca por si mesmo meios
de solucionar os problemas deparados no cotidiano, inclusive os problemas de natureza
matemática, que envolvem medições, estimativas de quantidades, comparações e noções de
formas espaciais. (MORAES et al., 2017, p. 1).
O cotidiano está impregnado dos saberes e fazeres próprios da cultura. A todo instante, os
indivíduos estão comparando, classificando, quantificando, medindo, explicando,
generalizando, inferindo e, de algum modo, avaliando, usando os instrumentos materiais e
intelectuais que são próprios à sua cultura (D’AMBROSIO, 2001, apud FERNANDES, p. 8,
2006).
Essa prática da costura está intimamente ligada ao saber matemático, visto que para
desempenhar essa função são necessárias algumas habilidades para desenvolver vários tipos
de cortes que envolvem medições, quantificações, etc. Alguns conceitos como ponto, reta,
curva, ondas, formas geométricas em geral podem ser observadas na costura. Também vale
ressaltar outro fator primordial na relação entre matemática e costura, que são as medidas
utilizadas em metros ou centímetros, que dizem respeito às grandezas de altura, largura e
comprimento do modelo.
Existem diversas partes da matemática que é de grande utilização na vida das costureiras, um
exemplo é a geometria. A geometria na costura é utilizada para desenvolver os moldes de um
manequim. Ela também é muito importante para facilitar o corte de mangas, golas, bainhas,
etc. (CRISTINA, 2015).
Como dito acima, as medidas das roupas (PP, P, M, G e GG) também são definidas por meio
da medida em centímetros e com isso e elaborado o molde adequado. Segundo D’Ambrósio
(2011) tudo isso seria o ápice e o mais importante da etnomatemática que é o “incorporar a
matemática do momento cultural, contextualizada, na educação matemática”, em outras
palavras, como entender que o uso de conceitos matemáticos em confecções de roupas,
elaboração de moldes e coletas de medidas do corpo pode ser utilizada como exemplo. As
costureiras utilizam uma tabela de medidas, que classifica os tamanhos com letras e tudo isso
pode se configurar como a matemática presente ao longo da história dos povos em alguma
cultura (BARBOSA e SÁ, 2016).
Mesmo a matemática tendo sua importância no dia-a-dia, muitas pessoas têm aversão à
mesma. Nas escolas, é comum perceber a falta de motivação dos alunos em estudar e
aprender essa disciplina, não se associando a ela a importância de sua aplicação em outras
áreas de conhecimento e nos diferentes espaços da vida cotidiana. Mudanças nesse contexto
podem se basear em perspectivas da etnomatemática, vinculando-se às realidades
socioculturais dos alunos.
Tais mudanças implicam superar uma dicotomia proporcionada por um ensino distante da
realidade, que desvincula a educação escolar da vida dos alunos. Nesse sentido, conforme
Merotto (2008, p. 8), “o que nos preocupa é a dicotomia entre o que se aprende na escola e o
que se vive fora dela”.
A Matemática, sob uma visão histórica crítica, não pode ser concebida como um saber pronto e
acabado, mas, ao contrário, como um saber vivo, dinâmico e que, historicamente, vem sendo
construído, atendendo a estímulos externos (necessidades sociais) e internos (necessidades
teóricas de ampliação dos conceitos) (FIORENTINI, 1995, p. 31).
No modelo tradicional de ensino, percebe-se que os alunos vão à escola somente para
receberem informações, como se não tivessem adquirido conhecimento nenhum ao longo da
vida, são apenas receptores passivos que ficam repetindo e decorando fórmulas para
chegarem às respostas. Metaforicamente, tornam-se pacientes e ficam esperando a receita
para alcançarem uma solução. Frente a essa realidade, “urge romper com a mecanização, com
conceitos prontos, com o ensino linear, com exercícios repetitivos e descontextualizados, […]
que nem os alunos, nem os professores sabem para que servem […]” (MEROTTO, 2008, p. 6).
X:“61 Anos”.
3) Com quantos anos você começou a costurar? E o que levou a escolher a costura como
profissão?
Y:“Eu sempre gostei de costurar, aos 10 anos já ajudava minha mãe. Costurava escondida
quando minha mãe saía, quando minha mãe foi ver eu já costurava sozinha”.
Z: “Desde criança minha mãe fazia roupas e eu ia pregando botão, eu ia franzino e ajudando aí
eu aprendi. Dom de criança, vendo a mãe costurando, eu gostava de fazer roupinha de
boneca, fui fazendo e hoje eu gosto de costurar”.
Y: “Na verdade eu comecei costurar aos 10 anos, é incrível mais é verdade, na época eu
costurava de pé, eu não conseguia sentar porque eu era pequena demais, sempre fui baixinha
e sempre gostei de costura, concluindo, eu cortava os lençóis da minha mãe e fazia saia para
as bonecas, faz 48 anos que eu costuro de verdade”.
Z: “Faz muito tempo que eu costuro, há um tempo eu costurava pouco, agora de uns anos pra
cá eu costuro sempre, as pessoas traz roupas pra mim arrumar eu arrumo, roupa pra cortar e
fazer de outro jeito eu faço, aparece uma costura pra fazer vou fazendo e vai indo”.
5) Como aprendeu a costurar? Fez algum curso profissionalizante de costura?
X:“Primeiramente sozinha. Depois com 15 anos eu fiz um curso, depois só prática mesmo”.
Y: “Olha, eu observava a minha mãe, minha mãe fazia as minhas roupas na mão, aí meu pai
comprou uma máquina e eu tinha muita vontade de costurar, minha mãe saía com meu pai
fazer outros serviços, eu pegava abria a máquina e ia costurar minhas roupas de boneca,
escondida da minha mãe onde fui pega de surpresa, então minha mãe começou cortar uns
calções para os meus irmãos e eu comecei costurar, com 10 anos já costurava, um pé eu
apoiava no chão e com o outro eu pedalava porque era máquina de pé não era elétrica. Eu fiz
um curso profissionalizante em Salto de Guairá no Paraguai, fui pra lá aos 11 anos e comecei
estudar o corte de costura aos 15 anos e concluí aos 18 anos”.
Z: “Isso aí foi por cabeça mesmo, só observando os outros fazendo, fui gravando na mente, fui
raciocinando e fazendo. Olhando, vejo o modelo de uma roupa e penso ah eu sou capaz de
fazer, vejo, meço e faço”.
Y: “Eu estudei até a 4ª série no Brasil, fui para o Paraguai na 4ª série, continuei na quarta série
lá, a linguagem totalmente diferente, fui até a 6ª série do primário, depois fui fazer o corte de
costura, os três anos, e depois voltei para o ginásio que era a noite, era o curso básico que eles
falam, primeiro, segundo e terceiro curso básico, depois vem os outros cursos”.
X:“Meu pai me tirou da escola porque a família era grande e minha mãe precisava de ajuda”.
Y: “Eu deixei de estudar porque me casei e meu esposo não me deixou mais estudar”.
Z:“Devido casamento”.
8) Você utiliza na costura a Matemática que aprendeu na escola? Se sim, de que forma?
X:“Olha, eu acredito que um pouco, mas com o tempo é você mesmo que vai praticando
porque a costura é matemática”.
Y: “Sim, eu utilizo a matemática que eu aprendi na escola sim, por exemplo, a divisão. Eu
aprendi um método mais rápido com a fita métrica, então você vai dobrando ela e tirando
medidas mais rápido”.
Z:“Algumas coisas a gente faz na costura que é matemática, metragem, mas é diferente da
matemática da escola a gente usa mais a da costura mesmo, aqui a gente mede assim…é 80
centímetro, 50,60 de cintura por exemplo, é matemática mais é uma matemática diferente da
escola”.
9) Você acha que a Matemática que utiliza para seu trabalho é a mesma ensinada nas
escolas?
Y: “Olha a matemática que a gente aprende na escola é útil muito útil para a costura, porém a
matemática que a gente aprende no dia-a-dia ela é mais rápida, é mais prática, cada costureira
tem a sua matemática que ela mesma vai desenvolvendo no decorrer dos anos de aprendizado
e de prática de trabalho”.
Z: “Não”.
10) Em sua opinião, para seu trabalho o que é mais importante: a Matemática escolar ou a que
se aprende no dia-a-dia? Por quê?
X:“A do dia-a-dia”.
Z: “Eu acho que é a do dia-a-dia, é o que a gente ocupa mais, é o que vem na mente ali, você
somou, vê os centímetros é o que você usa”.
X:“Então eu uso o gabarito, mas nem por isso eu deixo de usar a matemática, porque pra mim
usar o gabarito eu preciso da metragem da medida da pessoa, dividi-la por partes, então
matemática pura. Uso fita métrica também”.
Y: “Eu utilizo moldes prontos e também traço os moldes, mais na maioria das vezes já coloco o
tecido dobrado como tem que ser e já vou traçando no próprio tecido com sabonete bem
fininho, funciona como um giz”.
Z: “Eu mesmo modelo as peças, de vez em quando uso fita métrica quando é preciso”.
12) Em quais pontos você percebe a matemática presente no seu trabalho? Como percebe que
está fazendo matemática ao trabalhar com confecção de roupas?
X:“Usa as medidas que são centímetros, metros, então pra você saber o manequim da cliente
você tem que tirar a medida do busto, cintura, quadril, então tudo é números e tudo é
matemática (risos)”.
Y: “A matemática está presente no comprimento, largura dos tecidos, quando vai tirar as
medidas do busto, cintura, quadris, matemática o tempo todo, até nos sapatinhos de crochê,
matemática está em tudo que você vai construir”.
Y: “As roupas que eu mais confeccionei na minha vida foi calças e camisas masculina, mas,
costuro também vestidos, já confeccionei ternos pra casamentos, gravatas, coletes, etc”.
14) Quer deixar alguma opinião sobre como pensa que a Matemática poderia ser ensinada nas
escolas de forma que ela tivesse mais proximidade ao que o aluno vive no dia-a-dia ou de
forma que ela fizesse parte do contexto social do aluno?
X:“Eu acho que hoje em dia na matemática as pessoas não usam a cabeça, só usa
calculadora, então quer dizer, eu acho que isso lá no futuro lá quando é adulto atrapalha, eu
tenho aluna que é advogada e não sabe dividir e pegar a quarta parte na cabeça, ela precisa
da calculadora pra saber o que é uma quarta parte de uma medida que é super fácil, na minha
cabeça principalmente, eu olho assim e já dou resultado na hora, então eu acho que tudo é
prática também, eu já acostumei né, eu estou há 40 anos vamos supor com essa matemática,
mas eu acho incrível porque nenhuma das minhas alunas dividem sem ser na calculadora,
então eu acho que lá atrás você tinha que estudar tabuada, tinha que fazer exercício de
tabuada, não existia calculadora e hoje é muito fácil, eles não colocam a cabeça pra funcionar,
hoje eu divido na cabeça”.
Y:“A matemática deve ser ensinada em sala de aula de forma que ela seja praticada no dia-a-
dia também, por exemplo, como é ensinada para jovens e adultos de forma mais elaborada,
usar exercícios com matemática que está presente no dia-a-dia, por exemplo, problemas que
envolve vendagens de frutas, quantas frutas foi vendida, quantas precisam ser vendidas pra se
obter tanto lucro pra ela ser mais bem explicada, e para o alunos ter mais experiência e prática
pra poder viver a vida usando a matemática”.
Z:“A matemática é tudo complicado, na sala de aula é de um jeito, aqui é de outro, você faz
suas somas, contas diferentes da escola são bem diferentes na escola faz umas continhas de
divisão, tanta coisa, quadrado, fração, tanta coisa, e a do dia-a-dia você não faz isso, é bem
diferente. Eles deveriam simplificar mais como é no dia-a-dia, ensinar como a gente usa no dia-
a-dia, não exigir essa matemática de colégio, é tanta coisas que eles faz, é aquilo é isso, a
gente nem usa aquilo lá é mais a matemática do dia-a-dia conforme vai passando você vai
fazendo sua matemática, pra comprar uma coisa, isso e aquilo, da escola quase não usa”.
Pessoas sem escolarização ou com baixo grau de escolaridade, que é o caso das
entrevistadas, de algum modo sabem e fazem matemática, uma vez que a matemática é
desenvolvida e aprendida de acordo com as necessidades humanas uma vez que “Na
Etnomatemática, o foco encontra-se no reconhecimento do fazer e do saber matemático das
pessoas, resultantes das necessidades e vivências delas” (BIEMBENGUT, 2014, p.209).
Elas relataram que utilizam a matemática que aprenderam conforme foram precisando nas
suas práticas de trabalho, isso mostra que matemática se desenvolve fora e dentro do espaço
acadêmico, refutando algumas concepções de que a matemática está presente apenas nas
salas de aula.
Se por hipótese, perguntássemos para alunos, provavelmente eles também diriam usar mais a
matemática do dia-a-dia, que difere de regras e fórmulas prontas como é o ensino matemático
prevalente na maioria das escolas. Porém, apenas a entrevista não pareceu suficiente para
abstrair das costureiras o que de proeminente havia em seus raciocínios lógico-matemático,
pois apresentaram dificuldades em descrever exemplos práticos em que utilizavam a
matemática na costura. Por exemplo, costureira X disse “Usa as medidas que são centímetros,
metros, então pra você saber o manequim da cliente você tem que tirar a medida do busto,
cintura, quadril, então tudo é números e tudo é matemática (risos)”. Isso mostra que elas
sabem que utilizam matemática o tempo todo em seus trabalhos, mas, falta o conhecimento
dos nomes dados a essa matemática usada por elas, na matemática formal, como por
exemplo, dizer que usa o plano cartesiano para fazer cálculos onde apenas vai aumentar o
tamanho da peça, então se aumenta o tamanho de PP para P, por exemplo, aumenta X e
aumenta Y, é proporcional. Questões como simetria, grandezas de medidas e outros conteúdos
matemáticos.
As medidas do corpo são tiradas pela fita métrica (Figura 1), que para as costureiras é uma
régua que serve para escolher o tamanho a ser seguido no molde e identificar as alterações
necessárias (SMITH, 2013).
Nesse sentido percebe-se que qualquer pessoa, independente do grau de escolaridade, sabe e
utiliza matemática, é o que acontece, todos na realidade de alguma forma sabem e fazem
matemática. “Na Etnomatemática, o foco encontra-se no reconhecimento do fazer e do saber
matemático das pessoas, resultantes das necessidades e vivências delas” (BIEMBENGUT,
2014, p. 209). Mostrar no meio acadêmico algumas das práticas matemática usada fora de sala
de aula pode ajudar dar maior significado a essas matemáticas muitas vezes desprezadas, até
porque conforme Biembengut (2014, p.209),
Utilizar-se dos fazeres e saberes destas pessoas ou grupos, nas práticas pedagógicas, pode
melhor contribuir para a formação acadêmica dos estudantes, desde interagir com estas
pessoas ou grupos, conhecer seus fazeres e saberes, vivenciar a cultura, descrever e
comparar com outros fazeres e saberes. Isto implica em promover atividades que propiciem
aos estudantes ultrapassar ideias concebidas, levando-os a conceber outros saberes,
costumes, conceitos matemáticos, linguagens.
Figura 2 – Detalhe de como tirar medidas da perna e do gancho com fita métrica
Claro que há costureiras que utilizam fórmulas matemáticas e regras prontas para exercerem
seu trabalho, não é o caso das entrevistadas que não têm alto grau de escolaridade e mesmo
assim têm as mesmas competências que outras “mais estudadas” na desenvoltura de seus
trabalhos. Todas as costureiras relataram que usam fita métrica, a costureira Y, diz em sua fala
que vai apenas dobrando a fita métrica que é um modo mais rápido para tirar as medidas além
de usar também moldes prontos. A costureira X, diz usar o gabarito, além de outras formas de
tirar medidas, essa é professora de costura atualmente, e a costureira Z diz que faz os
modelos. Cada uma tem sua particularidade e mesmo exercendo a mesma profissão têm
maneiras distintas de alcançarem o mesmo resultado. Constatou-se como saberes
matemáticos desempenhados pelas costureiras, o domínio elementar das medidas e das
noções claras de tamanho e proporção, além de fazerem os cálculos sem uso de fórmulas
matemáticas, até porque não têm esse conhecimento, apenas por dedução.
O mais importante é notar que a matemática não é única e que “não se ensinam saberes
prontos, acabados, mas transformam-se aprendizados através de interações com a realidade,
levando em consideração a influência de toda bagagem de saberes que o alunado carrega”
(VELHO e LARA, 2011, p. 7). Ou seja, diversas culturas desenvolvem diferentes matemáticas
de acordo com suas necessidades. Ou, poderíamos em outras palavras talvez, dizer que o fato
não é que há matemáticas, mas, que existem diversas formas de fazer, compreender e utilizar
matemática.
Levar para a sala de aula essas concepções é muito importante para que o aluno entenda e
perceba que mesmo que eles não vejam as regras, conteúdos, matemáticos estudados por
eles nas escolas nas atividades diárias do cotidiano, se atentarem para as entrelinhas, para
aquilo que está por trás das ações humanas vão perceber a essência da matemática que eles
aprendem em sala, aproveitado em outras facetas dependendo da cultura, profissão, nível de
escolaridade pode também interferir, ou seja, “nesse sentido, o sujeito se defronta, sem se dar
conta, com a Matemática Formal posta em prática” (VELHO e LARA, 2011, p. 4).
Esta entrevista nos mostrou a importância da matemática seja ela formal ou informal em meio à
sociedade. As profissionais da costura desempenham com eficiência seus trabalhos mesmo
não conhecendo a matemática formal. Isso mostra que todos os conhecimentos são válidos e
importantes para a sociedade, e que nenhum prevalece sobre outro. As entrevistadas mesmo
não tendo a educação básica completa, são profissionais no que fazem e mostraram que de
forma intuitiva sabem e usam muita matemática.
Nos relatos elas se orgulham de fazer os cálculos de cabeça e de fato elas conseguem fazer
“Simplificações […] demonstrando que por trás da simplicidade de uma pessoa leiga pode estar
um pensamento altamente sofisticado e lógico e que apresenta resoluções interessantes e às
vezes mais apropriadas a determinados contextos” (SILVA, 2015, p. 14).
Sendo assim, pode-se afirmar que a matemática está claramente relacionada e interligada nas
variadas ações do homem, na costura e por que não dizermos em todas as atividades
desenvolvidas pelo ser humano? Conclui-se que é necessário mostrar essa proximidade da
matemática com as atividades diárias dentro de sala de aula para que aja mais motivação por
parte dos alunos em aprender esta disciplina que tem sido enfrentada de maneira negativa por
grande parte deles.
Afinal, as salas de aula são compostas por diversidades humanas, de saberes, de costumes,
de culturas e concepções de mundo. É nesse espaço diverso e culturalmente rico que o ensino
de matemática precisa articular a educação escolar e a vida cotidiana dos estudantes. Como
visto, a etnomatemática pode dar importantes contribuições nessa direção.
Nesse sentido, este artigo não teve a pretensão de produzir a realidade de todas as
costureiras, tampouco encerrar-se o tema de elaboração de moldes e confecções de peças de
roupas, já que existem diferentes técnicas, modelos e “jeitos” de costurar, mas expandir e
instigar o leque de questionamentos sobre prováveis rupturas no campo da educação
matemática. Quer, portanto, ser um tema para novas discussões sobre etnomatemática e
matemáticas no contexto escolar e não escolar.
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aplicações matemáticas. In:X Simpósio Linguagens e Identidades da/na Amazônia Sul-
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<https://periodicos.ufac.br/index.php/simposioufac/article/view/911>. Acesso em: 16 set. 2019.
LUIZ, Elisete Adriana José; COL, Lidiane de. Alternativas metodológicas para o ensino de
matemática visando uma aprendizagem significativa. In: VI CIEM, Canoas, 2013.
MEROTTO, Gislaine Maria. Outra matemática, Outra escola. Ponta Grossa, 2008. Disponível
em: <www.diaadiaeducacao.pr.gov.br>. Acesso em: 15 set. 2017.
MORAES, Francieli Bogorni Pena de; MENDES, Hemerson Milani; LEITE, Kécio Gonçalves. O
ensino de matemática na abordagem etnomatemática e o letramento matemático.In: XVII
SEMAT, Ji Paraná, 2017.
QUEIROZ, Márcia Aparecida Lopes de; LUCENA, Isabel Cristina Rodrigues de. Diálogo entre
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EBRAPEM, Rio Claro, 2008.
REIS, Leonardo Rodrigues dos. Rejeição à matemática: causas e formas de intervenção. 2005.
Monografia (Graduação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2005.
SMITH, Alison. O grande livro da costura: material, técnicas, moldes, projetos. São Paulo:
Publifolha, 2013.
VELHO, Eliane Maria Hoffmann; LARA, Isabel Cristina Machado de. O Saber Matemático na
Vida Cotidiana: um enfoque etnomatemático. ALEXANDRIA Revista de Educação em Ciência e
Tecnologia, v. 3, n. 2, p. 3 – 30, nov. 2011.
[1]
Pós-Graduanda em Educação Matemática, Licenciatura em Matemática.