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EDUCAÇÃO POPULAR,

MOVIMENTOS SOCIAIS E
EDUCAÇÃO DO CAMPO
AUTORES
Marcos Botton Piccin
Janaina Betto
EDUCAÇÃO DO CAMPO

EDUCAÇÃO POPULAR,
­MOVIMENTOS SOCIAIS E
­EDUCAÇÃO DO CAMPO

Marcos Botton Piccin


Janaina Betto

1ª Edição
UAB/NTE/UFSM

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

Santa Maria | RS
2018
©Núcleo de Tecnologia Educacional – NTE.
Este caderno foi elaborado pelo Núcleo de Tecnologia Educacional da
Universidade Federal de Santa Maria para os cursos da UAB.

PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL


Michel Temer

MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Mendonça Filho

PRESIDENTE DA CAPES
Abilio A. Baeta Neves

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA


REITOR
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VICE-REITOR
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PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO
Frank Leonardo Casado

PRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃO
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COORDENADOR DE PLANEJAMENTO ACADÊMICO E DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Jerônimo Siqueira Tybusch

COORDENADORA DO CURSO DE EDUCAÇÃO DO CAMPO


Profª. Carmen Rejane Flores Wizniewsky

NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL


DIRETOR DO NTE
Paulo Roberto Colusso

COORDENADOR UAB
Reisoli Bender Filho

COORDENADOR ADJUNTO UAB


Paulo Roberto Colusso
NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL
DIRETOR DO NTE
Paulo Roberto Colusso
ELABORAÇÃO DO CONTEÚDO
Marcos Botton Piccin
Janaina Betto
REVISÃO LINGUÍSTICA
Camila Marchesan Cargnelutti
Maurício Sena

APOIO PEDAGÓGICO
Carmen Eloísa Berlote Brenner
Caroline da Silva dos Santos
Keila de Oliveira Urrutia

EQUIPE DE DESIGN
Carlo Pozzobon de Moraes
Juliana Facco Segalla – Diagramação
Matheus Tanuri Pascotini – Capa e Ilustrações
Raquel Bottino Pivetta

PROJETO GRÁFICO
Ana Letícia Oliveira do Amaral

P588e Piccin, Marcos Botton


Educação popular, movimentos sociais e educação do campo
[recurso eletrônico] / Marcos Botton Piccin, Janaina Betto. – 1. ed. –
Santa Maria, RS : UFSM, NTE, 2018.
1 e-book : il.

Este caderno foi elaborado pelo Núcleo de Tecnologia Educacional


da Universidade Federal de Santa Maria para os cursos da UAB
Acima do título: Educação do campo
ISBN 978-85-8341-235-9

1. Educação 2. Educação popular 3. Educação do campo 4.


Movimentos sociais I. Betto, Janaina II. Universidade Aberta do
Brasil III. Universidade Federal de Santa Maria. Núcleo de Tecnologia
Educacional IV. Título.

CDU 37.018.51
37.035

Ficha catalográfica elaborada por Alenir Goularte - CRB-10/990


Biblioteca Central da UFSM

Ministério da
Educação
APRESENTAÇÃO
P
rezado/a estudante!
É com muita satisfação que apresentamos o material didático da disciplina
Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo, organizado
em quatro unidades, com suas respectivas subunidades. O material foi elaborado
e pensado de acordo com o previsto na estrutura do curso de Licenciatura em
Educação do Campo e com o intuito de proporcionar a todos e todas a identifi-
cação das principais referências teórico-práticas da Educação Popular no Brasil,
bem como contato com experiências de organização, escolarização e produção
de vida das classes populares, sobretudo as que residem no campo. Além disso, o
material se propõe a contribuir para situações de pesquisa, estudo, análise e pro-
blematização de experiências educacionais de educação popular e do campo que
fortaleçam esses sujeitos.
No momento de elaboração dos conteúdos e do material priorizamos referen-
ciais teóricos e práticos que contribuíssem para entender a história da Educação
Popular, sua existência na atualidade e a sua relação com a própria Educação do
Campo. Por isso, na primeira unidade será estudada a trajetória da Educação Po-
pular no Brasil e as diversas concepções existentes. Já na unidade 2, o material
proporciona o contato com experiências práticas de Educação Popular, formais
e não-formais, realizadas no Brasil ao longo das últimas décadas, tanto no setor
educacional público, bem como em iniciativas privadas ou de organizações da
sociedade civil. Para exercer um diálogo entre o estudo da Educação Popular e a
questão específica da Educação do Campo, na unidade 3 se propôs o estudo da
constituição histórica da Educação do Campo enquanto prática e categoria teórica
a partir da compreensão da realidade de vida das populações do campo. Além
disso, uma última unidade (unidade 4) foi construída com o objetivo de colocar
à luz as questões atuais que tem se destacado dentro da Educação do Campo,
principalmente no âmbito do direito à educação.
Assim, gostaríamos de dizer que este material didático foi construído para expor,
analisar e proporcionar reflexões acerca da interface entre a Educação Popular e a
Educação do Campo e da forma como os movimentos sociais do campo se inserem
nessa dinâmica e contribuem na construção de experiências.
Por fim, desejamos grandes aprendizados com esse material didático e com os
materiais complementares que serão sugeridos ao longo das unidades e das aulas,
pois o objetivo maior de existência deste material é contribuir para a formação
acadêmica de vocês na Licenciatura em Educação do Campo! Bons estudos!

Marcos Botton Piccin


Janaina Betto
ENTENDA OS ÍCONES

1 ATEnção: faz uma chamada ao leitor sobre um assunto,


abordado no texto, que merece destaque pela relevância.

2 interatividade: aponta recursos disponíveis na internet


(sites, vídeos, jogos, artigos, objetos de aprendizagem) que
auxiliam na compreensão do conteúdo da disciplina.

3 saiba mais: traz sugestões de conhecimentos relacionados


ao tema abordado, facilitando a aprendizagem do aluno.

4 termo do glossário: indica definição mais detalhada de


um termo, palavra ou expressão utilizada no texto.
SUMÁRIO
▷ APRESENTAÇÃO ·5

▷ UNIDADE 1 – TRAJETÓRIA E CONCEPÇÃO DA EDUCAÇÃO


­POPULAR À LUZ DA TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA ·9

Introdução ·11
1.1 Uma retrospectiva histórico-política da Educação Popular ·12

▷ UNIDADE 2 – EXPERIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO POPULAR NO SISTEMA


FORMAL DE ENSINO E EXPERIÊNCIAS NÃO FORMAIS DE ENSINO ·40

Introdução ·42
2.1 O caráter público, privado e híbrido da Educação ·44

▷ UNIDADE 3 – CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO DO


CAMPO COMO PRÁTICA SOCIAL E CATEGORIA TEÓRICA ·77

Introdução ·79
3.1 Heterogeneidade e características sociais, políticas, econômicas e
culturais das populações do campo ·81

▷ UNIDADE 4 – QUESTÕES DO DEBATE ATUAL SOBRE EDUCAÇÃO


DO CAMPO ·98

4.1 Direito a educação: igualdade e diversidade ·98

▷ CONSIDERAÇÕES FINAIS ·107

▷ REFERÊNCIAS ·109

▷ APRESENTAÇÃO DOS AUTORES ·118


1
TRAJETÓRIA E CONCEPÇÃO
DA EDUCAÇÃO POPULAR À
LUZ DA TEORIA
SÓCIO-HISTÓRICA
10 ·
INTRODUÇÃO
P
ara iniciarmos a primeira unidade de nosso material didático se faz necessário
que todos e todas conheçam e se familiarizem com uma expressão central:
Educação Popular. E vocês imaginam o por quê? Porque a Educação Popular
é muito importante para a nossa disciplina, ela é capaz de representar o início e
também a convergência de uma série de experiências práticas e de categorias teóricas
que possuem em comum a ideia de que a educação deve ser centrada e voltada à
realidade, à experiência de vida e ao contexto de origem do(a) educando(a), para
que assim ocorra um verdadeiro processo de aprendizagem.
Ao longo de nossa disciplina iremos falar sobre educação, populações rurais,
movimentos sociais e educação do campo, o que torna tão necessário que a pri-
meira unidade de estudo seja voltada a compreensão da trajetória e das concepções
existentes sobre Educação Popular. De maneira geral e introdutória, gostaríamos
que os educandos e as educandas do curso de Licenciatura em Educação do Campo
conseguissem assimilar a ideia de que pensar em Educação Popular é reconstruir
o próprio sentido da educação!
Diante desse enorme desafio, se propõe no decorrer da presente unidade (uni-
dade 1) a realização de uma retrospectiva histórico-política da Educação Popular,
para que além de todos e todas se familiarizem com essa expressão inicialmente
apresentada nessa introdução, também possam conhecer e compreender a história
da Educação Popular, desde seu surgimento, seus primeiros passos e os percursos
das experiências e das formulações teóricas apreendidas no Brasil. Se apropriar
dessa história é essencial para que o(a) futuro(a) educador(a) pense sobre sua
prática pedagógica e possa relacionar o apreendido nesta unidade com aspectos
dos espaços educacionais de seu cotidiano, a fim de que construa reflexões que
posteriormente signifiquem e deem forma às suas experiências educacionais com
a educação do campo.
Por fim, desejamos que todos e todas tenham um ótimo processo de aprendiza-
gem e que, ao final da unidade, os(as) educandos(as) construam reflexões com base
no questionamento: por que pensar a educação a partir do cotidiano e da cultura
dos(as) educandos(as)? Para tanto, sugerimos que, além da leitura deste material,
sejam realizadas as atividades de fixação e reflexão propostas no final da unidade 1.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 11


1.1
UMA RETROSPECTIVA
­HISTÓRICO-POLÍTICA DA ­EDUCAÇÃO
POPULAR
Trajetória da Educação Popular no Brasil

Figura 1 – Educação Popular: quem fala deve falar a partir de todos e para todos

Fonte: Traça. Disponível em: <http://www.traca.com.br/livro/818251/>.

A citação acima foi extraída do livro “Educação Popular” de Carlos Rodrigues Bran-
dão e nos ajuda a compreender o motivo de ser da Educação Popular: reconectar
a educação com o mundo, o contexto social e cultural onde os sujeitos concreta-
mente existem. Assim, é possível entender que estudar a Educação Popular envolve
o desafio de transformar nossa própria visão do ato de educar e ser educado(a).
Por isso, para início deste processo, nosso estudo passará pelo reconhecimento
da trajetória da Educação Popular no Brasil. Para tanto, iremos falar sobre os per-
cursos apreendidos pela Educação Popular, bem como os avanços e retrocessos
de cada período, com a finalidade de se compreender como ela se reinventa no

12 ·
tempo e espaço diante dos acontecimentos históricos da sociedade brasileira,
principalmente em termos de experiências com populações rurais.
Falar sobre Educação Popular é falar, sem dúvidas, de uma educação que surge
fora da escola e da universidade, pois emerge a partir de iniciativas das organizações
populares. Porém, as suas práticas e modo de ensinar tiveram tamanha repercussão
que passaram a fazer parte de diversos espaços de nossa sociedade, como escolas,
universidades e grupos de pesquisa.
Assim ao olhar para a história da Educação Popular e tentar reconstruir sua
trajetória, é possível perceber que se trata de uma tarefa bastante complexa, pois
a mobilização em favor da educação do povo brasileiro, ao longo da história de
nosso país, faz parte e se ajusta à história das mudanças no cenário político, eco-
nômico e das estruturas sociais.

As primeiras experiências de “educação do povo brasileiro”

Do período colonial até o final do século XIX, propostas ou experiências tratadas


como Educação Popular eram praticamente inexistentes, salvo atividades e ações
de cristianização praticadas por jesuítas e outros religiosos, com cunho “educativo”
e intuito de colonizar os indígenas e, posteriormente, os negros escravizados. No
entanto, em ambos os casos não se tratava de acesso ao sistema formal de ensino,
estando mais próximo de um processo de aculturação, principalmente buscando a
adoção da língua portuguesa e da religião cristã por parte destes povos explorados
pelos colonizadores europeus.
Segundo Paiva (2003, p. 64), no Brasil, os debates sobre Educação Popular ante-
riores à Proclamação da República se resumiam a ideias mais gerais, sem a existência
de um debate mais aprofundado. Havia pouco interesse em desenvolver o ensino
no Brasil, pois se temia que o acesso ao ensino gerasse revoltas e desejos de eman-
cipação no país. Assim, pode-se falar em uma inexistência de práticas e progresso,
em termos de educação popular, nesse período e também que as discussões sobre
o assunto só afloravam em momentos de instabilidade ou mudanças políticas.
Em termos de educação rural, as preocupações emergem principalmente a
partir do início do século XX, quando do afloramento de um processo de migração
rural-urbana e inchaço das cidades (PAIVA, 2003, p. 136), diante dos processos de
industrialização em curso. Assim, a educação rural tinha como objetivo segurar o
processo de êxodo rural e educar as populações rurais pobres. O teor das primeiras
experiências pode ser entendido na seguinte citação de Paiva:

Recomendam-se as escolas ambulantes nas regiões menos den-


sas “estacionadas por cinco meses, alfabetizando, distribuindo
medicamentos, fornecendo preceitos de higiene e civilidade,
combatendo a malária, anquilostomíase e outras moléstias do
interior”. (PAIVA, 2003, p. 139).

É possível perceber que junto à ideia de educação rural existia uma visão ­higienista
e sanitarista sobre a população rural. Assim, as ações apreendidas tinham um
cunho assistencialista e carregavam a visão de que a partir da assistência ofertada

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 13


por agentes externos, e por práticas educativas, essas populações permaneceriam
no rural, diminuindo o inchaço dos grandes centros urbanos. Para a autora, além
disso, a fundação da Sociedade Brasileira de Educação Rural (1937) que tinha por
intuito preservar a tradição “folclórica” e rural do país, também foi uma estratégia de
contenção do processo de migração rural-urbana, através da valorização do rural.
Do início do século XX até a II Guerra Mundial o mais próximo de educação do
povo que existiu no Brasil carregava a ideia de que pessoas dotadas de educação
tinham que educar, dentro do modelo educacional convencional no período, as
populações à margem da sociedade, como os moradores da zona rural, sobretudo
em termos de alfabetização.
No entanto, logo após o término da II Guerra Mundial, esse processo educacional
passa a contar com novos elementos: a busca pela adaptação dessas populações à
margem perante o mundo moderno. Assim, se intensifica uma ideia muito forte de
buscar a adaptação social de sujeitos excluídos com vistas ao progresso de nosso
país. Ou seja, mais do que uma alfabetização se buscava uma adequação dessas
populações de acordo com os ideais do mundo moderno, pois suas práticas e modos
de vida eram, erroneamente, considerados atrasados e arcaicos, pois não tinham
os mesmos hábitos e práticas da elite brasileira.

3
saiba mais: Jeca Tatu e o processo civilizador da família
rural brasileira:
http://www.uel.br/grupo-estudo/processoscivilizadores/
portugues/sitesanais/anas8/artigos/CarlosRenatoCarola.pdf

MARTINS, J. de S. As coisas no lugar. In: Martins, J. S. (org.)


Introdução crítica à Sociologia Rural. São Paulo: HUCITEC,
1981, p. 11-38.

Conforme apontado por Paiva (2003, p. 339), nesse período ocorreram grandes
campanhas de alfabetização de massa, entre elas: Campanha de Educação de Ado-
lescentes e Adultos (CEAA) e a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), as
quais fracassaram, pois pouco contribuíram para a erradicação do analfabetismo,
o que mostrou que campanhas de alfabetização de massas eram falhas.
Ao mesmo tempo, conforme Fonseca (1985, p. 54-67), quando da implantação
dos serviços de Extensão Rural no Brasil, a partir do ano de 1948, para a população
pobre rural era prevista assistência técnica através da criação de programas que
visavam melhorias no padrão de vida, de saúde e de educação da população rural,
através da elevação do nível de vida pelo aumento da produção e da produtividade
agropecuária. Nesse sentido, é possível afirmar que os serviços de extensão rural
atuaram enquanto projeto educativo com o objetivo de “treinar” os trabalhadores
rurais para a permanência no campo com mais produtividade agrícola. Nesse mesmo
período, foi criada a Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações
Rurais (CBAR), e em parceria com a UNESCO, foi criada a Campanha Nacional de
Educação Rural, a qual considerava que o suposto atraso das áreas rurais era devido
à escassa preparação e conhecimento da população do campo, o que poderia ser
superado através da Extensão Rural.

14 ·
O início do contraponto à “educação do povo brasileiro” e a emergência da
­Educação Popular

Frente às contradições geradas pelo modo de pensar das elites e do governo, na


década de 1950 muitos educadores passam a questionar esse modelo de educação
que buscava a adaptação e ajustamento social das camadas populares. Ou seja,
para muitos educadores se fortalecia o pensamento de que a educação não deveria
ser apenas um processo de transmissão de ideias elaboradas fora da realidade de
vida dessas populações e que havia muito preconceito em relação às populações
periféricas, rurais e analfabetas.
Esses educadores passam a se aliar a outros setores da sociedade (intelectuais,
artistas, entre outros) para discutir as mudanças necessárias e, coincidentemente,
é justamente nesse período que o pensamento de Paulo Freire ganha destaque,
ganhando espaço no âmbito das discussões do período, além de adeptos e apoia-
dores, principalmente a partir do II Congresso Nacional de Educação de Adultos
realizado ainda na década de 50 (PAIVA, 2003).
Para Alves (2014) isso se deve às discussões que aconteceram durante o referido
congresso realizado em 1958, pois foi centrado na crítica ao modelo de educação
de base, desenvolvido pelo governo anteriormente, acusado de educação elitista
e bancária. Assim, a partir de debates, articulações e estudos, começam a surgir
mobilizações em defesa do que passou a ser nomeado positivamente como Educa-
ção Popular. Para melhor entender o que significou essa movimentação na década
de 1950, podemos citar frases que representam os questionamentos do período:
EDUCAÇÃO PARA QUE(M)? PRA QUE(M) SERVE O TEU CONHECIMENTO?

Figura 2 - Frase “Pra que(m) serve o teu conhecimento?” em parede da Universidade Federal de
Santa Maria.

Fonte: Autores.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 15


É a partir desse tipo de questionamento que surgiram novas formas de conceber
a educação. Com isso, iniciou um movimento de defesa de uma educação liber-
tadora, que seria uma educação contrária às práticas educacionais até então,
aquelas que envolviam aquilo de Paulo Freire conceituou como Educação Ban-
cária: uma transmissão de conhecimento elaborado a partir das classes e cultura
dominante com o intuito de manter a ordem social vigente e relações de poder
desiguais, onde uns dominam para outros serem dominados. Além disso, para
Freire, a educação bancária se caracteriza por:

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados”


e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem
pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção
“bancária” da educação, em que a única margem de ação
que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos,
guardá-los e arquivá-los [...] na visão “bancária” da educação, o
“saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam
nada saber. (FREIRE, 2013, p. 81).

Nessa concepção de educação, educar representa um ato de mera transferência


de conhecimentos e valores do/da educador/educadora ao educando/educan-
da. Perceba as principais características dessa relação dentro da concepção de
educação bancária no quadro 1 na proxima página:

16 ·
Quadro 1 - Características da Relação Educador/Educando na Educação Bancária.

CARACTERÍSTICAS DA RELAÇÃO EDUCADOR/EDUCANDO NA


EDUCAÇÃO BANCÁRIA

1 O educador é o que educa; os educandos, os que são educados;

2 O educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;

3 O educador é o que pensa; os educandos, os pensados;

4 O educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam


docilmente;

5 O educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;

6 O educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os


que seguem a prescrição;
7 O educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de
que atuam, na atuação do educador;
8 O educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, ja-
mais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele;
9 O educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade
funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos;
estes devem adaptar-se às determinações daquele;
10 O educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos,
meros objetos.

Fonte: Adaptado de Freire (2013, p. 82-83).

Ainda, sobre essa relação assimétrica entre educador/educadora e educandos/


educandas, temos o agravante de os conteúdos serem pensados e programados a
partir da influência da cultura das classes dominantes. Isso permite entender como
a educação atua enquanto meio em que se alimenta e retroalimenta uma sociedade
onde existam pobreza e desigualdade social a serviço da manutenção dos privilégios
da classe que domina. Nas palavras de Freire (2013, p. 84), o que pretendem com
isso é “transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime”.
Frente a isso, para que fosse possível uma educação libertadora seriam neces-
sárias novas práticas culturais e educacionais contrárias às práticas utilizadas na
educação bancária. Para tanto, transformar a relação entre educador/educadora
e educandos/educandas, de maneira a torná-la mais humanista, é o centro do pro-
cesso de desmantelamento da educação bancária. Ou seja, para uma nova forma
de educação o principal é ter uma nova forma de relação entre quem os dois lados
do processo educativo- educadores(as) e educandos(as).

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 17


E é justamente pelas iniciativas que surgem na década de 1960, contrárias à lógica
da educação bancária, que esta década passa a representar, em partes, um período
importante para o avanço da Educação Popular, nos moldes da educação liberta-
dora proposta por Paulo Freire.

A década de 1960 e as experiências que marcaram época e influenciam gerações

Segundo Teixeira (2012), pesquisas apontam que no início dos anos 60, cerca de
40% da população brasileira com mais de 15 anos era analfabeta. Nesse período o
analfabeto não tinha direito a voto, o que significa que quase metade da população
brasileira era impedida de participar das escolhas políticas. Com isso, a alfabetização
popular se tornou um instrumento de luta política e de busca de direitos, tendo
como ferramenta uma popularização da cultura do próprio povo, através do qual
surgem diversos movimentos favoráveis à educação popular.
Assim, foi no início da década de 1960 que ocorreu uma intensa movimentação
de educadores, intelectuais, líderes comunitários, estudantes, de norte a sul, a favor
da cultura, principalmente a partir do incentivo à criação de centros de cultura.
Mas de que cultura se falava? Não da cultura na forma convencional e tradicional,
em que se faz uso de elementos da cultura do povo para dominá-lo e aliená-lo. A
seguir, iremos usar uma citação de Pierre Bourdieu, sociólogo francês, que contribui
para se compreender o que significa falar em uma cultura que ajuda a reproduzir
a existência de dominados e dominantes:

Quando os dominados [...] quando seus pensamentos e per-


cepções estão estruturados de conformidade com as estruturas
mesmas da relação de dominação que lhes é imposta, seus atos
de conhecimento são, inevitavelmente, atos de reconhecimento,
de submissão. (BOURDIEU, 2014, p. 27).

Tomemos por exemplo, para explicar a naturalização da relação de dominação,


a situação de vida de algumas populações rurais da região Sul do estado do Rio
Grande do Sul. Essas populações rurais, que pouco ou quase nada possuem de
terra própria para trabalhar, dividem o espaço rural com propriedades de exten-
sas áreas de terra, que são as chamadas estâncias. Nesta lógica, temos os “peões”,
trabalhadores rurais, que desprovidos de terra prestam serviço para as estâncias e
os “estancieiros”, donos das grandes propriedades, que contratam a mão-de-obra
das classes subalternas, pois estas dependem deste trabalho para sobreviver. Na
tradição gaúcha, a maioria dos contos, das canções e dos romances que existem
colaboram para uma visão positivada da relação do trabalhador da estância com o
seu patrão e com a vida que levam, ou seja, supervalorizam a condição de vida e de
trabalho dos peões e suas famílias, de maneira a contribuir para a perpetuação de
uma romantização da relação de dominação e de dependência existentes. A própria
cultura tradicionalista gaúcha reforça papéis sociais, como os de “peão” e “patrão”.

Num contexto de relações personalizadas, ser senhor de vastas


extensões de terra encerra possibilidades de controle sobre os

18 ·
recursos necessários à sobrevivência das classes subalternas [...]
É o controle deste recurso estratégico que confere autoridade,
prestígio e honra a seu detentor [...] O reconhecimento da le-
gitimidade deste poder simbólico do proprietário de terras por
parte dos subordinados tem o efeito de apagar as assimetrias
de poder e instaurar trocas sob a aparência de um cálculo de-
sinteressado entre o doador e aquele que recebe, assim como
quando este retribui. (PICCIN, 2012, p. 252)

Entre peões que trabalham em estâncias, é comum terem uma visão positiva de seus
patrões, como pessoas caridosas, prestativas, que “ajudam o próximo”, que doam
comida, emprestam cavalo, mesmo tendo como contrapartida toda esta caridade
a negação de um pedaço próprio de terra rentável, de uma casa própria ou do di-
reito a carteira assinada para acessar outros direitos sociais e trabalhistas: ou seja,
a contrapartida é a dependência, a dominação. Assim, percebe-se que quando os
elementos da cultura do povo são determinados e formulados por pessoas que não
pertencem à classe subalterna, ou seja, são formulados conforme a visão de quem
está do lado dominante da história, tende-se a se reproduzir no próprio povo essa
visão dos dominantes:

O desprezo por si mesmo é outra característica do oprimido, que


provém da interiorização da opinião dos opressores sobre ele.
Ouvem dizer tão frequentemente que não servem para nada,
que não podem aprender nada, que são débeis, preguiçosos
e improdutivos que acabam por convencer-se de sua própria
incapacidade [...] “O camponês sente-se inferior ao patrão, por-
que este parece ser o único que sabe e é capaz de fazer andar as
coisas.” Tanto quanto persista a ambiguidade, os oprimidos são
incapazes de resistir e carecem totalmente de confiança em si
mesmos. Possuem uma crença difusa, mágica, na invulnerabi-
lidade e no poder do opressor. A força mágica da onipotência
do proprietário exerce um poder particular nas zonas rurais.
(FREIRE, 2013, p. 61).

De maneira contrária a essa cultura que domina, toda a movimentação na década


de 1960 colaborou para que se falasse em cultura popular. A cultura é então en-
tendida a partir de dois aspectos, o objetivo e o subjetivo, a perceber no quadro 2:

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 19


Quadro 2 - Aspectos da Cultura

Fonte: Adaptado de Fávero (1983, p. 16).

Como resultado da associação dos dois aspectos da cultura, podemos entender a


cultura enquanto processo histórico pelo qual o ser humano, em relação ativa (co-
nhecimento e ação), interagindo com o mundo e com os outros homens, transforma
a natureza e se transforma a si mesmo, construindo um mundo qualitativamente
novo de significações, valores e obras humanas (FÁVERO, 1983, p. 16).
Além disso, pode-se falar em quatro propriedades da cultura: histórica, social,
pessoal e universal, como mostra o quadro 3:

20 ·
Quadro 3 - Propriedades da Cultura

Fonte: Adaptado em Fávero (1983, p. 19-20).

Então, já sabendo mais sobre cultura, o que significa dizer que uma cultura é ­popular?
Podemos entender melhor essa adjetivação a partir de Osmar Fávero (1983):

É popular a cultura quando é comunicável ao povo, isto é,


quando suas significações, valores, ideais, obras, são destinadas
efetivamente ao povo e respondem às suas exigências de reali-
zação humana em determinada época [...] é popular a cultura
que leva o homem a assumir sua posição de sujeito da própria
criação cultural [...] (FÁVERO, 1983, p. 23).

Segundo Fávero (1983, p. 8) o que se denominou cultura popular, ora na forma


de movimento, ora como um instrumento de luta política em favor das classes
populares, surgiu fazendo a crítica principalmente aos usos políticos de domi-
nação e alienação da consciência das classes populares, através dos símbolos e
dos aparelhos de produção e reprodução de uma cultura brasileira, ela mesmo
colonizada, depois internamente colonialista (coloniza o pensamento das pes-
soas para que elas sigam colonizando outras pessoas). A ideia de cultura popular
é contra essa cultura que faz com que as populações dominadas acreditem que
sua condição social de dominação é natural, e da qual os que dominam fazem
uso a favor da continuação de sua condição dominante.
Nesse sentido, o que passa a ser defendido a partir da criação dos centros de cultura
é a reinvenção da cultura, enquanto mecanismo a favor das classes populares e
não como um mecanismo que as mantem em condição subalterna, nas palavras
de Brandão (2008, p. 28) “uma prática cultural libertadora deveria envolver um

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 21


trabalho intelectual de reelaboração dos elementos ideológicos da tradição de
um povo” (BRANDÃO, 2001, p. 28).
Ou seja: permitir às classes populares o acesso e a criação de informações e
percepções de mundo que expliquem as suas condições de vida, inclusive as
submissões a que são submetidos a favor das classes dominantes, de maneira a
descontruir a ideia de que “as coisas são e sempre foram assim”: as coisas podem
ser de inúmeras formas! Descontruir a ideia de que as coisas são, e sempre foram
assim, pode, inclusive, se dar através do processo de alfabetização seguindo os
princípios da Educação Popular, veja:

Figura 3 - Elementos da capa do livro de Paulo Freire

Fonte: NTE.

Assim, a partir dessa intensa movimentação que ocorre na década de 60, emerge
fortemente a ideia de cultura popular, pela valorização e promoção de uma cultura
produzida pelo próprio povo e não uma cultura que tem por objetivo perpetuar a
dominação do povo. Ou seja, se fortalece a visão de que todos e todas produzem
cultura, principalmente na interação um com o outro, no diálogo, aprendendo
coletivamente. Assim, se pretendia que as classes populares tanto produzissem
como também tivessem acesso à cultura, mas sem ser através de uma cultura
que reproduz a visão externa que fortalece a sua situação social de dominação
e desigualdade.
Vamos citar duas experiências que nascem na década de 1960 e que podem
contribuir para entender o que representou esse período em termos de educação
e cultura popular: a criação do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Na-
cional dos Estudantes (UNE) e experiência prática de alfabetização desenvolvida
por Paulo Freire nos canaviais na região Nordeste do Brasil. Ambos os casos serão
melhores apresentados na unidade 2. Para Fávero:

[...] nesse campo, tudo se refez e tudo se imaginou criar ou


recriar, a partir da conscientização e da politização – ou seja,
da organização das classes populares. O que se pretendia?
Transformar a cultura brasileira e, através dela, pelas mãos do
povo, transformar a ordem das relações de poder e a própria
vida do país. Os instrumentos? Círculos de cultura, centros
de cultura, praças de cultura, teatro popular, rádio, cinema,

22 ·
música, literatura, televisão... sindicatos, ligas... com/para/
sobre o povo. (FÁVERO, 1983, p. 9).

2 interatividade:
Centro Popular de Cultura/CPC:
https://www.youtube.com/watch?v=jS0Svi_Q9N

Alfabetização em Angicos – a Pedagogia de Paulo Freire – Sala


de notícias Canal Futura:
https://www.youtube.com/watch?v=ENks3CJeJ5E

Assim, as experiências citadas, que estavam em curso no período, tinham como


pressuposto que, quando pensamos a educação temos duas opções de cami-
nho a seguir: usar a educação como uma ferramenta que reforça opressões e
­dominações existentes, ou então, a partir da mudança de postura dos educadores,
rumo à Educação Popular, ser uma ferramenta de libertação e transformação
de uma realidade cheia de desigualdades sociais.
Nesse momento, você pode se questionar: de que forma prática podemos
observar quando estamos diante dessas duas opções de caminho da educação?
A reflexão que propomos é você imaginar que, enquanto futuro licenciado em
Educação do Campo, irá atuar em sala de aula com filhos e filhas de agriculto-
res(as). Assim, visualize duas possibilidades de abordar a temática do trabalho
no campo:
(1) você pode falar sobre o trabalho agrícola reforçando uma visão tradicio-
nal, a partir da perspectiva mais recorrentemente encontrada e reproduzida ao
longo da história da agricultura e dos estudos rurais, que é reforçando a visão
do trabalho na lavoura como um serviço masculino e a participação da mulher
agricultora nesse tipo de trabalho apenas uma ajuda/complemento;
(2) propor aos seus educandos e educandas que reflitam sobre a grande
diversidade de tarefas realizadas dentro da propriedade rural na qual vivem e
sobre como é o trabalho – e por quem é realizado - em cada uma delas.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 23


Figura 4 – Na propriedade rural, quem trabalha? O que é trabalho?

Fonte: Autores.

Uma ditadura é um regime autoritário de poder, ou seja, o poder é centralizado,


trazendo a ideia de autoritarismo, o que inibe drasticamente o direito de parti-
cipação. O próprio direito ao voto e à liberdade de escolha que passam a ser res-
tritos a periódicas eleições sem real poder de influência sob os rumos do regime
militar. Isso tudo afetou o avanço das iniciativas de Educação e Cultura Popular,
pois estas não eram simplesmente educação e cultura feitas PARA o povo, mas
sim eram e existiam COM o povo a partir da participação popular, que é o sentido
de suas existências.
Tomemos como exemplo a questão dos Atos Institucionais elaborados durante
a ditadura militar. Diante dos descontentamentos de grupos políticos, intelectu-
ais, trabalhadores, estudantes, artistas, professores e religiosos frente ao regime
militar, aos poucos aumenta a frequência das reivindicações que pediam o fim
das imposições militares. Frente a essa situação é lançado o Ato Institucional 5
(AI-5) como tentativa de barrar o avanço das mobilizações populares pelo fim
do regime militar. O AI-5, lançado em 1968, permitia a cassação de mandatos, a
suspensão de direitos políticos de qualquer cidadão por 10 anos, o confisco de
bens, a suspensão de garantias individuais através da retirada da aplicabilidade
do habeas corpus, o que permitia a prisão arbitrária e violenta (SOUSA, 2017). Ou
seja, esse tipo de iniciativa por parte do governo ia contra a participação popular
e ajudava a barrar a cultura popular, pois parte do pressuposto da existência de
uma única verdade, a qual é contada por aqueles que dominam o povo e o país,
não pelos que vivem a realidade brasileira.
Com isso, segundo Paiva (2003, p. 287), a alfabetização e educação das massas
adultas, impulsionadas a partir de iniciativas de educação e cultura popular pro-
movidas no início da década, foram vistas como um perigo para a estabilidade

24 ·
do regime. Isso porque os militares acreditavam que tais programas poderiam
contribuir para diminuir o controle político por parte dos tradicionais detentores
do poder e provocar uma reação popular contrária. Todo esse temor em relação
aos programas de educação de massa é comprovado pela intensa repressão pela
qual as iniciativas passaram. Muitas desapareceram. Das poucas iniciativas que
sobrevivem, uma delas é o Movimento de Educação de Base – MEB, vinculado à
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB (PAIVA, 2003, p. 288).
Além disso, como exemplo do contraponto às iniciativas populares de edu-
cação, citamos o surgimento de um movimento denominado Cruzada da Ação
Básica Cristã – Cruzada ABC, na região Nordeste. Surge a partir de um grupo de
professores do Colégio Evangélico Agnes Erskine de Pernambuco (PAIVA, 2003, p.
296), enquanto movimento que idealizava um trabalho de educação de adultos
com sentido apostólico e que, na realidade, refletia um fundo de preconceito e
utilitarismo com os analfabetos, pois seu intuito maior era alfabetizar o anal-
fabeto para contribuir no desenvolvimento socioeconômico, para atender aos
interesses dos dominantes e do governo, principalmente as populações rurais.
Isso porque as populações rurais pobres eram vistas como “atrasadas”, que
não consumiam bens materiais produzidos no processo de industrialização do
país e que não contribuíam como mão-de-obra para o “progresso” do desenvolvi-
mento industrial que estava se incentivando. Ou seja, o objetivo maior não estava
centrado no processo de alfabetização e melhoria de vida dessas populações a
partir de sua própria realidade, mas sim na busca de um ajustamento social,
desses sujeitos desfavorecidos, com os projetos de desenvolvimento do governo.
Essa movimentação sobreviveu e se expandiu, sobretudo por recursos financei-
ros adquiridos junto ao governo brasileiro, diante do acordo entre o Ministério
da Educação – MEC e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
­Internacional – USAID, entre outros.

3 saiba mais: ACORDO MEC/USAID:


Os Acordos MEC-USAID foram implementados no Brasil com
a lei 5.540/68. Foram negociados secretamente só se tornaram
públicos em Novembro de 196 após intensa pressão política e
popular. Serviram para reformar o ensino brasileiro de acordo
com padrões impostos pelos EUA. Apesar de ampla discussão
anterior sobre a educação, iniciada ainda em 1961, essas
reformas foram implantadas pelos militares que tomaram
o poder após o Golpe Militar de 1964.
FONTE: Wikipédia. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Acordos_MEC-USAID>.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 25


Ao mesmo tempo, em se tratando das experiências desencadeadas no espaço rural,
é necessário falar sobre a atividade de Extensão Rural e de como ela serviu enquanto
uma ferramenta educativa que esteve a serviço do desenvolvimento industrial, so-
bretudo no processo de modernização da agricultura/revolução verde, com a visão
do espaço rural enquanto local do atraso. Nesse sentido, entende-se que o trabalho
do extensionista rural, durante o período em questão, acabou seguindo a lógica
de um difusionismo, tanto de ideias quanto de produtos oferecidos pela indústria
de insumos agrícolas, com vistas ao processo de modernização da agricultura,
gerando lucros para as empresas e transformando a forma de se fazer agricultura
para uma maior produtividade. O processo de ensino-aprendizagem almejado
através desta forma de extensão rural se dava com base nos princípios “conhecer,
persuadir, decidir e confirmar” como meio para transformar uma sociedade rural
que era considerada atrasada.

2
interatividade: SUGESTÃO DE LEITURA:
FONSECA, M. T. L. Da. A extensão rural no Brasil: um projeto
educativo para o capital. Ed. Loyola, 1985.

Esta “revolução” é um sistema complexo, e muito bem conce-


bido para a dominação industrial, e aumento da dependência
(tecnológica e econômica) dos países periféricos com relação
aos países centrais [...] É claro que estes reflexos são frutos de
uma política agrícola adotada (ou imposta?) pelos governos
que patrocinam a implantação da “Revolução Verde”, através
da utilização de seus instrumentos de políticos [...] “a educação
precede o fomento, mas são dois pólos complementares”, “se
não persuadirmos as populações rurais a empregar um mé-
todo de produção e se não lhes dermos os meios indicados, a
educação será apenas instrução”, “é conveniente uma estreita
coordenação entre o fomento e a educação rural”, “e educação
deve elevar o nível das necessidades da população rural para
que então o fomento encontre um ambiente para seus meios e
métodos diretos”, “o fomentador age simplesmente no campo
da produção, ao passo que o educador pode e deve agir no do-
mínio do consumo”, “persuadir as populações rurais a aceitar
nossa propaganda é justamente a tarefa do extensionista” [...]
“devemos salientar a necessidade de uma reforma mental na
atividade e na concepção de vida das populações rurais” [...] [a
extensão rural] utilizando-se da transferência de tecnologias
através de métodos persuasivos, procurando enfatizar o “atraso
rural” como entrave ao desenvolvimento. (MUSSOI, 1985, p. s/n)

A forma como esse modelo de extensão rural concebia a educação é bastante


persuasiva e impositiva, não acham? É acreditando que sim, que surgem diversas
críticas direcionadas a essa concepção de educação rural não formal das comu-
nidades rurais:

26 ·
É indiscutível que o meio rural necessite de um trabalho de Comunicação, no sen-
tido de comunhão de ideias dado por Freire, no qual extensionistas, respeitando (e
valorizando) a cultura do trabalhador rural, junto com ele (no seu grupo) problema-
tizam a situação (com suas injustiças e contradições), buscando (sempre juntos e
comprometidos integralmente) soluções alternativas aos problemas evidenciados.
(MUSSOI, 1985, p. s/n).
Para diversos intelectuais e educadores, adeptos da Educação Popular, havia o
entendimento de que a extensão rural estava sendo um instrumento para transferir
ao campo tecnologias e objetivos do governo, de uma forma que carregava muitos
preconceitos para com os agricultores e agricultoras de nosso país e com uma con-
cepção de educação bastante “violenta”, pois invadia modos de vida dessas popula-
ções, desconsiderava seus conhecimentos e persuadia-os para se adequar à lógica de
mercado. Para os adeptos da educação popular, mais do que conceber e julgar modos
de vida e de produção como atrasados, é preciso compreender, junto à população
rural, como as relações sociais e estruturais condicionam situações de pobreza
no meio rural e pensar conjuntamente maneiras de transformar essa realidade.

3
saiba mais: fREIRE. P. Extensão ou Comunicação?
Disponível em: <http://www.emater.tche.br/site/arquivos_
pdf/teses/Livro_P_Freire_Extensao_ou_Comunicacao.pdf>.

Durante o período de ditadura militar, devido à grande repressão, iniciou-se o de-


saparecimento dos grupos de educação popular e de cultura popular. Muitos de
seus adeptos foram considerados subversivos. O próprio Paulo Freire foi perseguido
politicamente, sendo preso e forçado ao exílio. Seu livro “Pedagogia do Oprimido”,
escrito em 1968, foi proibido pelo regime até o ano de 1974. Nesse âmbito, durante
a ditadura militar, ocorriam intervenções militares em todos os espaços possíveis:
sindicatos, universidades, grupos de cultura, intervenções com o intuito de extinção
das iniciativas de educação popular.
Uma ameaça profundamente séria, que colocava em xeque o status quo e que,
portanto, não poderia sobreviver à nova ordem. Numa época em que o debate político
estava suspenso para as classes populares, um método de alfabetização baseado jus-
tamente na discussão política, não se encaixava no modelo educacional preconizado
pelo regime militar. (TEIXEIRA, 2012, p. 9-10).
O quanto o regime militar restringiu o avanço das experiências em curso pode
ser entendido a partir da criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização -
MOBRAL, criado pela Lei 5.379/1967, inspirado na experiência da Cruzada ABC.
O movimento MOBRAL foi lançado como campanha de alfabetização de massa em
1970. Segundo Paiva (2003, p. 337), o MOBRAL foi montado como uma peça im-
portante na estratégia de fortalecimento do regime militar e buscou ampliar suas
bases entre as camadas populares, justamente no momento em que estava abalado
neste meio. Com isso, contribuiu para abalar as experiências de educação popular
e fortalecer o regime militar.
Sobre as campanhas de alfabetização de massas, Paiva (2003, p. 339) também
aponta que devido aos insucessos nas décadas passadas dos programas com
esse viés, somente um regime autoritário como a ditadura militar, o qual impede

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 27


­ iscussões livres e críticas a seus programas, conseguiu impor novamente um
d
programa como o MOBRAL.
Por isso a autora defende que o real sentido dessa campanha de alfabetização
de adultos estava em vincular as atividades alfabetizadoras às prioridades econô-
mico-sociais e a formação de força de trabalho qualificada, sentido este que se
aproxima da visão preconceituosa e utilitarista sobre essas populações rurais. Esse
tipo de campanha fortalece a convicção de que a ascensão social somente é possí-
vel pelo esforço individual, pelo “é cada um por si”, barrando assim o avanço das
perspectivas da educação popular e seus movimentos, que estavam mais próximos
da ideia de “juntos somos mais fortes”.

A Educação Popular inventa a contra mola que resiste

Mas... Essa realidade de retrocessos muda? Sim! Mesmo diante de toda essa repressão
e do desaparecimento de inúmeros grupos de educação/cultura popular, algumas
iniciativas persistiram e outras emergiram e resistiram durante o regime autoritário
da ditadura militar brasileira. Ou seja, as próprias tentativas de articulação dos grupos
que resistiram e novas que surgiram, foram se tornando uma forma de resistência
à realidade imposta. Além disso, foi através dessas experiências que muitos setores
da sociedade passaram a se articular para contrapor-se ao regime militar.
Assim, ao longo desse período a Educação Popular se fortaleceu dentro de
­espaços menos perseguidos pelo regime, como os intermediados pela Igreja, atra-
vés das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), grupos pastorais, sindicatos e por
Organizações Não-Governamentais que surgem no período. Conforme citado an-
teriormente, dentro do espaço da Igreja Católica houve resistência das iniciativas,
principalmente as relacionadas ao Movimento de Educação de Base (MEB). Em
diálogo com esses fatos cabe destacar as iniciativas relacionadas às Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), que foram muito importantes para o surgimento dos
Movimentos Sociais do Campo e de centros de formação que seguem os preceitos
da Educação Popular.

4 termo do glossário: Comunidades reunidas em função de


proximidade territorial, as quais incentivadas por setores da
Igreja Católica alinhados à Teologia da Libertação, tinham por
objetivo que as classes populares fizessem a leitura bíblica
de forma articulada com sua realidade de vida. As CEBs são
comunidades, uma reunião de pessoas que vivem na mesma
região, tem uma mentalidade unificante e possuem a mesma
fé. São eclesiais, porque estão unidas à Igreja ou a um grupo
de ação social. São de base porque são constituídas de pessoas
das classes populares e de menor cultura e se contrapõem
aos que tem posses. Localizam-se em geral na zona rural e
na periferia das cidades.

Fonte: Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/


wiki/Comunidades_Eclesiais_de_Base>.

28 ·
Assim, é possível perceber que o enfraquecimento da ditadura militar coincide com
a ascensão de diversos movimentos sociais em nosso país, tendo como exemplo o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, o Movimento dos Atingidos
pelas Barragens - MAB, o Movimento de Mulheres Camponesas – MMC e o Movi-
mento de Oposição Sindical. Sobre o surgimento de movimentos e sindicatos na
zona rural, o trabalho da Igreja, sobretudo desenvolvido através das CEBs, foi crucial.
Para melhor entendermos, esse processo de ascensão dos movimentos, vamos
dar atenção ao caso do surgimento do antigo Movimento de Mulheres Agricultoras
(atual MMC) no estado de Santa Catarina. Isso é percebido no estudo realizado por
Betto (2016), onde se aponta que as mulheres passam a repensar sua posição su-
balterna a partir de um olhar “mais pastoral” das leituras bíblicas, ao relacioná-las
com a vida e experiências de ser mulher.
Assim, segundo Betto (2016) a chave da mobilização das mulheres agricultoras
no período se deve, em grande medida, à influência de setores da Igreja Católica
que, por meio de encontros para leituras de textos bíblicos, conseguiam dotar de
significado elementos da realidade de vida e cultura das populações rurais. As-
sim, o espaço da capela, da igreja, da comunidade, os grupos de reflexão, que são
espaços ligados à igreja católica, tornam-se espaços educativos onde as pessoas
refletiam sobre a própria realidade. Além disso, no caso das mulheres, a igreja era
um dos poucos espaços de maior circulação e onde elas tinham maior liberdade
para manifestar-se. Desta forma, demonstra-se nitidamente uma forma popular
de organização e estudos, pois ocorre dentro da realidade de vida das pessoas, a
partir de suas experiências e possibilidades reais.
Com a ascensão dos movimentos sociais na década de 1980 novas formas de
movimentação popular se fortalecem como, por exemplo, a grande adesão e parti-
cipação popular que ocorreu em torno do processo constituinte que deu origem à
Nova Constituição de 1988, a partir da qual os brasileiros analfabetos passam a ter
direito a voto e as agricultoras passam a ter direito à aposentadoria, como exemplos.
Essas conquistas se devem justamente a grande pressão popular no período. Outra
movimentação popular com grandes resultados foi o movimento “Diretas Já” que
contribuiu para que os brasileiros escolhessem o primeiro presidente brasileiro
através do voto. Nas décadas de 1980 e 1990 a movimentação popular levou os
brasileiros às ruas e manifestações (Figuras 5 e 6).
Figuras 5 e 6 - Manifestações populares

Fonte: Autores.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 29


Ao mesmo tempo, esse período é marcado por mudanças econômicas e políticas
no Estado brasileiro. Se por um lado ocorreu o processo de abertura democrática
com o fim da ditadura militar, por outro o liberalismo econômico ganhou mais
espaço em nosso país. Esse liberalismo representa um ideal econômico liberal, que
preza pela redução da participação do Estado na economia e na oferta de serviços
à população em geral. A partir do primeiro governo de Fernando Henrique Cardo-
so (1994-1998) a influência desse modelo nos programas econômicos e sociais se
intensifica, havendo uma abertura do mercado ao setor privado através do suca-
teamento de serviços públicos e de privatizações de empresas e serviços estatais.
A resistência dos movimentos populares frente a este cenário é percebida
diante da enorme mobilização popular que ocorreu ao longo da década de 1990,
um exemplo foi a famosa “Marcha Popular pelo Brasil: em defesa do Brasil, da
democracia e do trabalho”, ação massiva realizada em 1999. Os próprios movi-
mentos sociais gestaram, como forma de enfrentamento ao projeto neoliberal
do governo, uma proposta de projeto alternativo ao projeto liberal do governo, o
qual ficou conhecido como “Projeto Popular de Desenvolvimento para o Brasil”,
através do qual diversas organizações populares defendiam uma ampla reforma
agrária, uma educação pública e gratuita para todos e todas, entre outras pautas.
A movimentação popular contrária ao projeto liberal era pelo entendimento
de que essa visão liberal é contrária à oferta de serviços públicos gratuitos e que os
maiores atingidos, com a retirada da responsabilidade pública sobre a educação,
saúde e demais serviços, são as populações subalternas do campo e da cidade. Além
disso, no âmbito educativo, entende-se que a visão liberal reforça a ideia de formação
de sujeitos produtivos para o mercado e a ilusão de que a ascensão social somente
é possível pelo esforço e mérito individual: é aquele famoso “cada um por si”.
Um exemplo de como a perspectiva neoliberal se coloca diante da área da educa-
ção é a atual reforma do ensino médio (MP 746/2016), que retira a obrigatoriedade de
muitas disciplinas e introduz a ideia de itinerários formativos. A reforma do ensino
médio pode ser entendida enquanto portadora de um olhar neoliberal sobre a
educação, pois pretende em primeiro lugar atender aos interesses do mercado. Isso
pode ser percebido por: criar a ilusão de que o estudante da escola pública poderá
“escolher” a área de formação que quer seguir, ilusão pois não dependerá de uma
escolha individual, mas sim das reais condições de oferta da escola, ao passo que
na escola particular, esse quadro irá se configurar enquanto nichos de mercado e
formas de marketing. Ao mesmo tempo, a reforma atende o interesse do mercado
em ter jovens acessando cursos profissionalizantes durante o ensino médio, o que
contribui para a profissionalização precoce e oferta de mão–de-obra barata ao
mercado. Nessa forma de conceber a educação, a própria educação é esquecida!
Para Peroza (2007), a educação segundo a perspectiva neoliberal serve como
um mero mecanismo de ajuste do ser humano às determinações do capital. Nesse
sentido, diante dessa perspectiva a educação é entendida como um meio através do
qual se reproduz as relações desiguais de classe, gênero, raça, onde grupos seguem
dominantes e a grande maioria da população segue em uma posição subalterna.
No entanto, ao mesmo tempo a perspectiva neoliberal em educação cria falsas es-
peranças no ser humano, pois apesar de servir para reproduzir a continuidade das
desigualdades, ela “vende” a ideia de que o melhor mecanismo de regulação social

30 ·
é o mercado e que, diante disso, o estudo seria um meio de acesso ao mercado e o
caminho para o sucesso, para se ter mais e mais.
Para Paulo Freire (2013), essa visão leva a um estado de comportamento “pres-
crito”, esperado, pois se torna comum que os oprimidos incorporarem as pautas
dos opressores e a ideia de que a única saída para seu sucesso é o esforço individual
e, assim, almejam estar no lugar dos “dominantes” e buscar sempre ter mais. No
entanto, para Freire (2014), o ser humano tem uma vocação para o ser mais, e não
simplesmente para ter mais como a educação no sentido neoliberal prega o Prefácio
do livro “Pedagogia da Autonomia” de Paulo Freire (Figura 8).

Nesse contexto em que o ideário neoliberal incorpora, entre


outras, a categoria da autonomia, é preciso também atentar para
a força de seu discurso ideológico e para as inversões que pode
operar no pensamento e na prática pedagógica ao estimular o
individualismo e a competitividade. Como contraponto, de-
nunciando o mal-estar que vem sendo produzido pela ética de
mercado, Freire anuncia a solidariedade enquanto compromisso
histórico de homens e mulheres como uma das formas de luta
capazes de promover e instaurar a “ética universal do ser hu-
mano”. Essa dimensão utópica tem na pedagogia da autonomia
uma de suas possibilidades. (FREIRE, 2014, p. 3)

Figura 7 - Capa do Livro Pedagogia da Autonomia

Fonte: Autores

Assim, é possível afirmar que ao longo da década de 1990, as disputas em torno


da concepção de educação das camadas populares passam a ter como lado mais
forte a lógica ideológica e prática neoliberal de educação. Para Andrade (2009),
essa afirmação da educação na lógica neoliberal representa a força que o projeto
neoliberal teve de enfraquecer, desestabilizar, e até mesmo destruir as organizações
populares, sindicais, movimentos sociais, que anteriormente criavam propostas e
práticas a partir dos preceitos da educação popular.
Segundo Gadotti (2013), estudiosos das obras e propostas educativas freirianas
defendem que, nos dias atuais, os ensinamentos de Paulo Freire são importantes

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 31


formas de embate ao neoliberalismo, como contraponto ao esforço, que faz da edu-
cação de direito um mero serviço que tem como finalidade proporcionar formação
técnica como meio de ascensão social, e que também busca mercantilizar o acesso
à educação. Os ensinamentos de Paulo Freire contribuem para acabar com essa
visão elitista da educação e reforçam a ideia de que a educação é um direito de
todo e qualquer cidadão brasileiro, não pode e não deve ser vista como um serviço
que só é acessado por quem tem maiores condições financeiras na sociedade.
Para entender melhor essa contradição e a diferença entre a educação no molde
neoliberal e a educação popular citamos Peroza (2007), autor que afirma que a
ideologia neoliberal postula a perpetuação da ingenuidade, alimentando “espe-
ranças” puramente mercadológicas. Já a Educação nos moldes de Paulo Freire se
contrapõe a esta visão ao propor uma esperança crítica, que ao motivar uma ação
revolucionária, alimenta esperanças de que o futuro pode ser diferente através do
engajamento do ser humano na construção de sua própria história.
Assim, ao longo da retrospectiva, percebemos que a história não tem fim! Mes-
mo com altos e baixos, avanços e retrocessos, a educação popular sobrevive ao
longo da história de nosso país, devido às iniciativas que ocorrem em cada período
e que envolvem a participação popular. E é justamente porque as experiências vão
se reinventando conforme a realidade de cada momento que elas contribuem para
grandes transformações que ocorrem no país.
Ou seja, as ideias envoltas na participação, cultura e educação popular possuem
um enorme poder de transformação! Mesmo diante de regimes autoritários, as
pessoas se organizam, estudam e enfrentam, ou seja, constroem resistência po-
pular. A prova da resistência e poder de transformação da Educação Popular são
as experiências que foram existindo ao longo da história de nosso país e as que
existem na atualidade. Na unidade 2, iremos nos aproximar dessas experiências e
perceber que além de resistirem, contribuíram também na construção de políticas
educacionais brasileiras.
Como forma de encerrar a retrospectiva histórica citamos a passagem de Valla
(1998, p. 4): “pensar a questão da Educação Popular em uma conjuntura de crise
nos leva a abrir janelas que não abriríamos caso não houvesse a crise”. A passagem
remete à década de 1990, mas ecoa nos tempos atuais. Por isso mesmo é também
um convite a incorporarmos a noção de Educação Popular à nossa prática docente
cotidiana. Isso também nos leva a questionar: o que possibilita que a Educação
Popular se reinvente ao longo do tempo e que continue possuindo um potencial
transformador? Sem dúvidas, é por seguir os princípios de educação dialógica que
Paulo Freire: valoriza o diálogo no processo de aprendizagem.

32 ·
Figura 8 - Capa do Livro Pedagogia do Oprimido

Fonte: Adaptado de Paulo Freire.

É com base nos princípios da educação dialógica de Paulo Freire que a Educação
Popular se coloca no mundo, valorizando a relação entre educandos e entre edu-
candos e educadores, reconhecendo que o ser humano é um ser histórico, esti-
mulando a criatividade e também construindo uma visão crítica do conhecimento,
pois entende que ele está submetido a questões histórico-sociais. É assim que a
Educação Popular se coloca como educação que acredita no ser humano, em sua
capacidade de reflexão, criação e de transformar o mundo, criando novas formas
de troca a partir da realidade de cada momento histórico.

Então, concluímos:

4
termo do glossário: Significa dizer que o ser humano deve
ser compreendido como parte de um conjunto de relações
sociais e conforme determinado período da história, não
apenas a partir de sua individualidade.

A educação popular acredita que o diálogo é o caminho para o conhecimento,


por isso defende uma relação dialógica entre educador e educando!

E agora, como definir Educação Popular?


Para findar a primeira unidade, abordaremos brevemente formas como a Educação
Popular tem sido entendida e praticada pelos movimentos, intelectuais, demais
adeptos e pela sociedade em geral. Vejamos em Maciel (2011), três concepções de
educação popular que o autor considera como mais recorrentes, a perceber no
quadro 4:

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 33


Quadro 4 - Concepções de Educação Popular

Fonte: Adaptado de Maciel (2011, p. 330).

O autor defende o surgimento e início das primeiras experiências relacionadas à


primeira concepção, de educação direcionada à alfabetização de jovens e adultos
no espaço escolar, datadas na década de 1940, devido à situação de analfabetismo
e defasagem escolar visualizada durante a emergência do modelo econômico
urbano-industrial que exigia a instrumentalização da população, através do
acesso à educação, para contribuir com o desenvolvimento econômico do país.
Segundo o autor, é nesse período que ocorre a institucionalização da educação de
adultos, através da articulação com órgãos como a UNESCO. Nesse sentido, essa
concepção de educação popular estava direcionada à criação de uma educação
para a classe trabalhadora.
Para Maciel (2011), a partir da década de 1960 emergem maiores experiências
que se concentram na segunda concepção de Educação Popular, de educação com
caráter de organização política a fim de conscientizar e contribuir na organiza-
ção popular. Para o autor essa concepção trazia fortes críticas à educação vigente
até então, dentro e fora do espaço escolar. Nessa concepção de Educação Popular,
educação e cultura andam juntas e se tornam instrumentos da transformação
social e são pensadas a partir das condições das classes subalternas e da visão de
mundo das classes populares.
Além disso, o autor defende a existência de uma terceira concepção, durante
a década de 1980 e 1990, que seria quando a educação popular passa a represen-
tar a conjunção de diversas expressões (educação de base, educação de adultos,
cursos pré-vestibulares populares urbanos, entre outras). Ou seja, torna-se uma
concepção mais ampla, de educação dentro e fora do contexto escolar/universi-
tário, incluindo inclusive experiências gestadas pelos movimentos populares que
surgem no período e experiências dentro da rede formal de ensino, como é o caso
do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos – MOVA em alguns municípios
e estados brasileiros.
Para contribuir nesse tópico, também apontamos a síntese construída por
Brandão (1985, p. 13), segundo a qual o modo de ser da Educação Popular envolve
uma diversidade de situações e formas que ela possui, por isso, o autor elabora o
que ele considera como quatro diferentes sentidos da educação popular, a perceber
no quadro 5:

34 ·
Quadro 5 - Os 4 sentidos da Educação Popular

Fonte: Adaptado de Brandão (1985, p. 13).

A seguir, iremos entender melhor cada um desses quatro sentidos apresentados


por Brandão (1985).

A Educação Popular como saber da comunidade

Remete às primeiras situações em que a convivência estável e a comunicação


simbólica transferem, intencionalmente tipos e modos de saber necessários à
reprodução da vida individual e coletiva, sendo este o primeiro sentido em que é
possível falar em educação “popular”. Para o autor, é um sentido de que ensinar-
-e-aprender torna-se inevitável para que os grupos humanos sobrevivam agora
e através do tempo e que demonstra que durante quase toda a história social da
humanidade a prática pedagógica existiu sempre, mas imersa em outras práticas
sociais. A educação popular acontecia, por exemplo, através da ação do trabalho ou
de rituais. As formas como os saberes são transferidos entre grupos e/ou pessoas das
classes populares/sociedades sem classes são a sua educação popular. Além disso,
remete a momento e práticas anteriores a uma divisão social do saber – período
em que existiam alguns poucos especialistas.

A Educação Popular como ensino público

O autor defende que a ideia de educação popular também toma um sentido de


“democratização da educação e de construção de uma sociedade democrática”,
sobretudo a partir da década de 1920. Assim, a luta pela educação popular é diri-
gida ao combate ao analfabetismo e expansão da rede pública de educação, com
o intuito de diminuir os índices de atraso e de pobreza do Brasil. Trata-se de um
sentido liberal à educação popular que nunca foi plenamente realizado no Brasil.
Em primeiro lugar, seu insucesso se deve ao fato de que não cumpriu com a sua
razão de ser, a diminuição das taxas de analfabetismo e, em segundo lugar, se tratou
de uma “educação popular” que correspondia mais a uma concepção de escola
pública propriamente dita.
É também até meados da década de 1940 que educação popular era educação
para o povo, principalmente por intermédio de campanhas de erradicação do
analfabetismo através da ideia de educação de adultos. Além disso, o autor defen-
de, brevemente, que neste período também ocorreram algumas experiências de

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 35


educação voltada às classes populares através da criação de escolas para filhos de
operários gestadas por associações dos próprios operários.
Esses exemplos, são associados ao que é comumente chamado de educação
dos setores populares e representa um sentido de defesa da escola pública e de
campanhas de alfabetização. Para Brandão (1985, p. 50), a luta pela escola púbica,
as sucessivas campanhas pela erradicação do analfabetismo e as experiências de
educação de classe entre operários são decorrentes de movimentos de educação e/ou
setores de movimentos sociais voltados à educação e antecedem a década de 1950.

A Educação Popular como educação das classes populares

O sentido da Educação Popular enquanto educação das classes populares remete


ao período pós 2ª Guerra Mundial. Inicialmente, representa o momento em que a
educação de adultos passa a ser associada a processos locais ou regionais de de-
senvolvimento: a educação para o desenvolvimento. Temos como exemplo ações
de extensão rural durante o processo de modernização da agricultura, através das
quais ocorreram experiências de desenvolvimento de comunidades, em um sentido
de integração das populações rurais a estilos de vida “digna” e “produtiva”. Dessa
forma, percebe-se que a partir da década de 1950 se fortalece a ideia de processo
de desmarginalização de populações periféricas e rurais através da educação, como
meio de reintegrar esses sujeitos à vida social. Assim, esses indivíduos cumpririam
seu papel no processo de desenvolvimento do país. Na realidade, como bem ex-
plicado pelo autor, Programas de Desenvolvimento e Educação podem ser formas
operativas de controle e organização, que pretendem intervir sobre a totalidade da
ordem e da vida das comunidades populares e sobrepor, através das agências de
mediação, formas externas, consideradas “modernas” ou “modernizadoras” para
aquela realidade que geralmente é considerada “atrasada” ou “distante” de um ideal
de comunidade idealizado por essas agências e governos.
Podemos citar como exemplo que se alinha aos projetos e programas de de-
senvolvimento os chamados Clubes 4S- Saber, Sentir, Saúde, Servir. Você já ouviu
falar? Veja nos destaques da figura 9 abaixo:

Figura 9 - Folder de Apresentação Clube 4S.

Fonte: Adaptado de Emater/RS.

36 ·
Os Clubes 4S representam um modelo de clube de jovens rurais que foi bastante
comum no meio rural. Eles surgiram entre as décadas de 1940 e 1950 e seguem o mo-
delo original desenvolvido nos Estados Unidos. Em nosso país, o surgimento desses
clubes tem estreita relação com o debate sobre educação para o ­desenvolvimento,
visando levar o desenvolvimento e a modernização às áreas consideradas atrasadas,
subdesenvolvidas, ao “Terceiro Mundo”, através de ações educativas. Nesse sentido,
através dos clubes de jovens se imaginava ser mais fácil convencer os agricultores a
adotarem novas tecnologias. Ou seja, através de processos educativos com jovens
rurais, as agências de mediação, empresas e governo buscavam introduzir uma
concepção externa de agricultura moderna.
É justamente como contraponto a um modelo educativo, que busca estender às
classes populares uma educação pensada e gestada externamente às suas realida-
des de vida, que surge um terceiro sentido de Educação Popular. Assim, o terceiro
sentido da Educação Popular remete ao momento em que surge um sentido que
rompe com a ideia de educação dirigida para o povo, para os menos favorecidos,
com caráter compensatório. É o sentido que nega essa concepção e avança rumo a
uma nova proposta, onde educação popular representa educação a partir da ótica
e ponto de vista do próprio povo e não de agentes externos.
Como forma de exemplificar, podemos falar que é um sentido que nega a
necessidade de um educador que estenda um projeto, um programa ou uma pro-
posta de ação para uma comunidade rural. Assim, em contraposição, esse sentido
de educação popular afirma a figura de um educador como modo de presença
assessora que provoca reflexões, troca de experiências, sistematizações, para que
então, em conjunto com a comunidade rural, se construa um projeto, um progra-
ma ou uma proposta de ação com base na reflexão coletiva de quem irá viver as
consequências disso.

[..] esta é a razão pela qual se pode pensar a educação popular


como um trabalho coletivo e organizado do próprio povo, a que o
educador é chamado a participar para contribuir, com o aporte
de seu conhecimento “a serviço” de um trabalho político que
atua especificamente no domínio do conhecimento popular.
(BRANDÃO, 1985, p. 73).

Então, o terceiro sentido da Educação Popular remete ao sentido de educação


que gera um primeiro momento de passagem de uma educação para o povo a uma
educação que o povo cria.

Pela primeira vez surge a proposta de uma educação que é


popular não porque o seu trabalho se dirige a operários e campo-
neses excluídos prematuramente da escola seriada, mas porque
o que ela “ensina” vincula-se organicamente com a ­possibilidade
de criação de um saber popular, através da conquista de uma
educação de classe, instrumento de uma nova hegemonia.
(BRANDÃO, 1985, p. 70).

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 37


A Educação Popular como a educação do poder popular

Na realidade, o quarto e último sentido atribuído à educação popular nos pro-


porciona uma síntese dos sentidos apresentados e toma forma de proposta de
um novo sentido para conceber a Educação Popular, a partir de sua história e de
sua atualidade. Por isso, nada melhor que as palavras do próprio autor para que
possamos entender o quarto e último sentido:

A educação popular é, hoje, a possibilidade da prática regida


pela diferença, desde que a sua razão tenha uma mesma dire-
ção: o fortalecimento do poder popular, através da construção
de um saber de classe. Portanto, mais importante do que pre-
tender defini-la, fixar a verdade do seu ser, é descobrir onde
ele se realiza e apontar as tendências através das quais ela
transforma a educação na vivência da educação popular. Como
outras tantas a educação popular é uma prática social. Melhor,
é um domínio de convergência de práticas sociais que têm a
ver, especificamente, com a questão do conhecimento. Com a
questão da possibilidade da construção de um saber popular.
Da apropriação, pelas classes populares, do seu próprio saber.
(BRANDÃO, 1985, p. 73-74).

Desta forma, podemos concluir que existe um conjunto de ideias, propostas e


experiências que representam um estilo de educação que ocorre através de um
trabalho cultural. Esse trabalho cultural junto às classes populares não se configura
na forma de acesso a um serviço, mas sim na forma de processo, do qual as classes
populares são seus reais protagonistas.

Então, o que é a Educação Popular para um/uma educador/educadora?

De maneira conclusiva apontamos a Educação Popular enquanto um campo de


convergência, no qual se encontram práticas sociais que tem como razão de ser
a valorização dos saberes e da cultura de quem está vivenciando o processo de
aprendizagem.

E para você, futuro/futura educador/educadora, como a Educação Popular pode


contribuir na sua prática pedagógica?

38 ·
ATIVIDADES – UNIDADE 1
Atividade 1 – Faça uma linha do tempo (escrita em texto e representada em dese-
nho) da história da “educação do povo” no Brasil. Abordar os principais períodos
até a atualidade, descrevendo os aspectos-chave de cada um. Postar no Fórum
“Atividade 1 – Unidade 1” no Moodle.

Atividade 2 – Construa uma definição para Cultura a partir do estudado na unidade


1, de suas experiências e de pesquisas na internet (máximo de 15 linhas). Postar
no Fórum “Atividade 2 – Unidade 1” no Moodle.

Atividade 3 – Propomos que você se desafie a criar o seu próprio conceito de


Educação Popular, respondendo a seguinte questão: como você explicaria a um/
uma agricultor/agricultora o que é Educação Popular? Crie o conceito a partir do
que você estudou na unidade 1 e de materiais complementares sugeridos (artigos,
vídeos, sites). Desafie-se a ser criativo! A proposta de conceito deve ser postada no
Fórum “Atividade 3 – Unidade 1” no Moodle.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 39


2
EXPERIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO
POPULAR NO SISTEMA
FORMAL DE ENSINO E
EXPERIÊNCIAS NÃO FORMAIS
DE ENSINO
educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 41
INTRODUÇÃO
A
educação das classes populares no Brasil costumava andar em conexão
com as motivações de classes dominantes e como consequências políticas
de programas educativos pensados pelos grupos dominantes e governos.
As primeiras discussões e experiências contrárias a esta forma de conceber a
educação das classes populares permitiu o surgimento de uma proposta de edu-
cação das classes populares diferenciada, como Educação Popular: não é para o
povo, é com e pelo povo!
Grande parte das experiências de Educação Popular foi construída tomando
como base os ensinamento e preceitos do educador Paulo Freire, considerado o
patrono da Educação Brasileira. Uma frase bem conhecida de Paulo Freire afirma
que “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na
ação-reflexão”.
Nesse sentido, Brandão afirma que:

[...] se é com palavras que são escritas as regras que oprimem


e consagram a opressão, com elas também os homens entre si
podem falar e escrever frases e modos de saber que, pronun-
ciados e exercidos, poderão um dia libertar o homem e os seus
mundos. (BRANDÃO, 1985, p. 13).

As experiências que existiram ao longo da história do nosso país e que contribuí-


ram para mudanças que nele ocorreram são provações da resistência e do poder
transformador da Educação Popular. Da mesma maneira com que a Educação
Popular resiste e transforma, ela também dá vida a experiências dentro do sistema
formal de ensino, através de políticas e programas educacionais desenvolvidos em
instituições formais de ensino em algumas regiões do país.
Nesse sentido, entende-se que a Educação Popular pode ocorrer tanto no âmbito
de organizações não governamentais, movimentos sociais, sindicatos, grupos de
cultura, como também no espaço formal da educação pública. Isso porque, em
consonância com o expresso por Carlos Rodrigues Brandão:

[...] ao mesmo tempo em que é necessária e legítima a ampliação


de experiências autônomas e alternativas de uma educação
popular realizada entre movimentos populares, movimentos
sociais e agências civis de educadores participantes, é tam-
bém importante a redefinição da educação pública de como
a que, à custa de luta e conquistas, ela venha a se transformar
em uma educação oferecida, pelo poder de Estado, a serviço
de interesses e projetos das classes populares. Isto é parte do
projeto histórico de um dia toda a educação realizar-se, em
uma sociedade plenamente democrática, como uma educação
popular. (BRANDÃO, 1985, p. 43).

42 ·
O objetivo principal da Unidade 2 é que você, educando e educanda do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo, tome conhecimento das diversas experi-
ências brasileiras que envolvem princípios e formas de ser da Educação Popular.
Desta forma, desejo que todos e todas possam compreender o que a Educação
Popular, em suas mais variadas formas, representa para a educação na contempo-
raneidade. Diante desse desafio, convido o conjunto de educandos e educandas a
conhecerem as seguintes experiências brasileiras da Educação Popular:

- Movimento de Cultura Popular de Pernambuco (MCP);


- Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler;
- Campanha 40 Horas de Angicos;
- Movimento de Educação de Base (MEB);
- Centros de Cultura Popular da UNE (CPC),
- Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), implementado pela via
institucional em estados como São Paulo e Rio Grande do Sul, entre as décadas
de 1990-2000.

Ao tomar conhecimento dessas experiências populares, formais e não formais de


ensino, se espera que vocês possam construir possibilidades e estratégias dentro de
suas próprias experiências futuras de ensino na Educação do Campo! Que, como
educadores e educadoras que trabalharão com populações rurais, se desafiem a
incorporar os princípios e exemplos de Educação Popular no seu agir pedagógico!

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 43


2.1
O CARÁTER PÚBLICO, PRIVADO E
HÍBRIDO DA EDUCAÇÃO
Nenhum povo é dono do seu destino se antes não é dono de sua cultura (FAVERO, 1983, p. s/n)

Conforme apresentado na unidade 1, o início da década de 1960 representou um


período fértil para a Educação Popular! Nesse chão brasileiro germinaram diversas
iniciativas e movimentos em defesa da Educação Popular!
O Movimento de Cultura Popular – MCP de Pernambuco foi o primeiro movimento
de cultura popular que surgiu no Brasil (1961). No mesmo ano, a Igreja Católica
fundou o Movimento de Educação de Base – MEB pela parceria entre Conferência
Nacional de Bispos do Brasil-CNBB e o Governo Federal, desenvolvendo inicialmente
a experiência de alfabetização radiofônica. Além disso, foi também em 1961 que
a União Nacional dos Estudantes – UNE lançou o Centro Popular de Cultura – CPC
da UNE para promoção da cultura popular através da música, de peças de teatro
popular nas ruas, nos sindicatos, na entrada das fábricas.
Dentre as iniciativas de alfabetização popular, a primeira a surgir foi a Campa-
nha “De pé no chão também se aprende a ler” (1961), desenvolvida na cidade de
Natal-RN. Em 1963 iniciou, em Angicos – RN, a experiência de alfabetização que
ficou conhecida como “40 Horas de Angicos”, a qual propunha que os participan-
tes aprendessem a ler, escrever e se conscientizassem de sua condição de vida em
apenas quarenta horas. A partir de tantas experiências, sobretudo a experiência
de Angicos, em 1963 foi proposto o Plano Nacional de Educação, que não chegou
a ser implantado devido ao golpe militar e 1964.
Além dessas experiências, em 1989, a partir da gestão de Paulo Freire como
secretário municipal de educação de São Paulo-SP, foi criado o Movimento de
Alfabetização de Jovens e Adultos na cidade de São Paulo, o MOVA – SP, enquanto
política de governo, ou seja, como educação formal enquanto compromisso do
poder público. Além da expansão do MOVA para diversas cidades nos estados de São
Paulo, Rio de Janeiro e Pará, no início da década de 2000, o governo do estado do
Rio Grande do Sul, inspirado principalmente na experiência do MOVA-SP, lançou
o MOVA-RS, que permitiu a alfabetização de muitos gaúchos e muitas gaúchas em
todo o estado.
Por fim, cabe destacar, conforme Teixeira (2009), a existência dos seguintes
grupos de pesquisa, relacionados com Educação Popular, dentro das universi-
dades brasileiras: Grupo de Pesquisa em Educação Popular em Saúde e o Grupo
de Educação Popular e Movimentos Sociais do Campo, da Universidade Federal
da Paraíba (UFPB); Grupo de Ensino- Pesquisa- Extensão em Educação Popular e
Estudos Filosóficos e Histórico-Culturais da Universidade de Brasília (UNB) e na
Universidade Federal de Santa Catarina, (UFSC); Núcleo de Extensão e Pesquisa
em Educação Popular, Enfermagem e Saúde – Nepeps. (UFSC); Grupo de Estudos

44 ·
­ ducação Popular, Movimentos Sociais e Cidadania na Universidade de Universidade
E
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI) e na Universidade
Federal do Ceará, a linha de pesquisa Paulo Freire, Educação e a Cultura Popular
(UFC). Aqui na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) temos o grupo “Dialo-
gus: educação, formação e humanização com Paulo Freire”.
De maneira geral, as experiências em Educação Popular, especialmente as aqui
referenciadas, seguem princípios em comum: servir aos interesses das classes
populares; atender os setores subalternos e dominados da sociedade; respeitar a
cultura local de cada espaço social; valorizar os conhecimentos, as experiências
de vida e as visões de mundo das classes populares como ponto de partida para a
promoção de uma reflexão crítica da própria realidade. Como resultados, também
em comum, carregam ideais alicerçados na busca da igualdade, solidariedade,
participação e liberdade.
Além disso, as experiências representam um ganho qualitativo em relação ao
processo de combate ao analfabetismo no Brasil, principalmente por se diferenciarem
de ações anteriores devido ao compromisso assumido em favor das classes menos
favorecidas, tanto no meio urbano como também no rural. É o que veremos a seguir.

MOVIMENTO DE CULTURA POPULAR – MCP

Figura 11- Movimento de Cultura Popular

Fonte: NTE

O Movimento de Cultura Popular – MCP foi o primeiro, dos movimentos de cultura


popular, que surgiram na década de 1960. O MCP era mantido pela prefeitura de
Recife e governo estadual de Pernambuco. Além do apoio oficial que recebeu, o
movimento contou com a participação de diversos intelectuais como fundadores:
Germano Coelho, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Abelardo da Hora, Aloízio
Falcão, Paulo Freire, Francisco Brennand e Luís Mendonça (ARRAES, 1964).

2
interatividade:
http://www.youtube.com/watch?v=C7uBYIFuWKc

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 45


O MCP acreditava e incentivava o desenvolvimento de uma cultura mais autentica-
mente nacional, pois buscava as raízes da cultura brasileira onde elas se encontram:
no meio do povo. Por isso, as atividades do movimento eram criadas com o intuito
de contribuir para a elevação do nível cultural do povo. Desta forma, é possível
afirmar que mais do que contribuir para a alfabetização em massa, a proposta do
MCP inova no sentido de alfabetizar adultos para a cidadania, para a cultura popular.
Durante sua atuação foram desenvolvidas atividades no campo da arte popular,
principalmente através do Departamento de Formação de Cultura e através da
construção de diversas praças de cultura, centros de cultura e grupo de teatro. Veja
na Figura 12 a notícia no Diário de Pernambuco, no mesmo ano da sua criação:

Figura 12 - Imagem de notícia veiculada no Diário de Pernambuco, em 25 de outubro de 1960.

Fonte: Fórum EJA. Disponível em: < http://bit.ly/2N5FSKz >.

Além disso, o Movimento de Cultura Popular tornou-se pioneiro na elaboração de


materiais didáticos para alfabetização nos moldes da educação popular, devido
à criação do material didático Livro de Leitura para Adultos , inovando radical-
mente o formato de material didático para alfabetizandos na época. Desta forma,
serviu como exemplo para os demais movimentos e campanhas que surgiram no
período. Veja na figura 13:

2
interatividade:
http://forumeja.org.br/df/sites/forumeja.org.br.df/files/
lermcp.pdf

46 ·
Figura 13 - capa do material didático “Livro de Leitura para Adultos”.

Fonte: Site Fórum EJA. Disponível em: < https://bit.ly/2KnRxT7 >

Figura 14 - Lição 25 do material didático “Livro de Leitura para Adultos”.

Fonte: Fórum EJA. Disponível em: <http://forumeja.org.br/df/sites/forumeja.org.br.df/files/lermcp.


pdf>

Por ter diversos artistas envolvidos em sua criação, o MCP atuou revitalizando festas
folclóricas, criando clubes de leitura e promovendo peças de teatro, veja exemplo
de divulgação na figura 15:
Figura 15 - Material de divulgação do Teatro de Cultura Popular e da peça “Histórias do Mato”.

Fonte: Fórum EJA. Disponível em: <https://bit.ly/2Kp64Br>

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 47


Além disso, o Movimento de Cultura Popular foi responsável pela criação de festivais
de cinema e de teatro. Como exemplo, citamos o I Festival de Teatro da cidade de
Recife e o I Festival de Cinema de Recife (Figuras 16 e 17):

Figura 16- Material de divulgação do 1º Festival de Teatro do Recife, promovido pelo mCP.

Fonte: Fórum EJA. Disponível em: <https://bit.ly/2Kp64Br>

Figura 17 - Material de divulgação do I Festival de Cinema do Recife.

Fonte: Site Fórum EJA.

Já no ano de 1963 iniciou uma movimentação para ampliação do mCP para além
de Recife, no entanto, logo após a mudança de governo em 1964, suas atividades
foram suspensas e o mCP foi dissolvido.

48 ·
MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO DE BASE - MEB

Figura 18 - A associação da vida com a luta para o Movimento de Educação de Base.

Fonte: NTE.

Figura 19 - A ideia de Mutirão para o Movimento de Educação de Base.

Fonte: Conga Conga Conga

O Movimento de Educação de Base – MEB foi criado no ano de 1961, por iniciativa
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, vinculada à Igreja Católica, em
parceria com o governo federal. Inicialmente, tinha como proposta um programa
de alfabetização e de educação de base por meio de emissoras de rádio católicas, ou
seja, a alfabetização por escolas radiofônicas. Para tanto, foi feito um convênio entre
a CNBB e o governo federal, especialmente através do MEC para financiamento do
programa, cessão de funcionários e colaboração nos trabalhos do MEB, sobretudo
em termos de treinamento de pessoas e elaboração dos programas radiofônicos
(FAVERO, 2006).

2
interatividade:
Acesse o vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=yuNBk-Zqep8

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 49


O MEB teve forte penetração no meio rural, mais precisamente
nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, atuando
também nos movimentos de sindicalização de algumas regiões.
O movimento estava presente em 13 estados brasileiros no início
de 1964 [...] Em 1963 o MEB atingiu o número máximo de escolas
radiofônicas: 7.353. (ALVES, 2014, p. 128)

A terminologia “educação de base”, conforme exposto por Fávero (2006), remete


a ideia de “mínimo fundamental de conhecimentos”, conforme pressupostos da
UNESCO que estava estimulando a realização de programas de educação de adultos,
elaborados com base nas necessidades e nos problemas da coletividade em questão.
Seguiram essa linha determinada pela UNESCO programas que antecederam o MEB,
como a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1940) e a Campanha
Nacional de Educação Rural (1950), voltados à educação de base da população
rural. Em certa medida, essas são experiências que também influem na criação do
MEB, pois é na conjuntura da reorganização da educação rural que surge a ideia de
escolas radiofônicas, com base em experiências na Região Nordeste.
Assim, a proposta do MEB retoma inicialmente a visão tradicional de educação
de base, como forma de concretizar a presença da Igreja Católica no campo social,
junto às populações menos favorecidas, através de um projeto educativo (FAVERO,
2006). No entanto, logo após sua criação, o movimento passou por uma reformulação,
a partir da qual se alia aos demais movimentos de cultura popular do momento.
A educação de base passa a ser entendida como processo de autoconscientização
das massas, visando à valorização plena do ser humano e a consciência crítica
da realidade. Dessa forma, o MEB logo passou a atuar fortemente da partir da ideia
de educação de base como ferramenta de conscientização de classes populares.
Isso ocorre em 1962 a partir do 1º Encontro Nacional de Coordenadores do MEB,
quando o movimento já estava presente em 12 estados com 30 sistemas radioe-
ducativos. Nesse momento, a discutir a transformação da realidade brasileira e de
como o estudo sobre trabalho, cultura e educação poderia contribuir para uma
transformação radical da sociedade brasileira. É nesse contexto que a conscienti-
zação torna-se objetivo principal do MEB enquanto passo importante para ocorrer
uma transformação social (FAVERO, 2006).
Assim, a conscientização da população rural passa ser objetivo central do
MEB e, segundo Alves (2014), o objetivo do MEB foi realizar a alfabetização e
educação de base das populações do meio rural por meio de escolas radiofô-
nicas. Seus incentivadores o propuseram enquanto modelo de alfabetização
e educação popular que valorizasse as experiências dos indivíduos na busca
pela melhoria da vida das populações rurais. Para seus incentivadores, isso se
daria a partir da reflexão sobre questões do cotidiano. Os programas educativos
eram transmitidos aos alunos por meio das emissoras católicas mais próximas
do local da escola radiofônica. Para dar conta do cotidiano das aulas se criou a
tarefa do/da monitor/monitora, o qual geralmente era alguém da comunidade
local. Segundo Fávero (2006), o modelo radiofônico proposto foi inspirado
no sucesso das experiências de educação pelo rádio, realizadas por bispos na
­Região Nordeste do Brasil.

50 ·
Entre os principais materiais didáticos produzidos pelo MEB esteve o conjunto
“Viver é Lutar” (Figura 19) para recém-alfabetizados. Para conhecer o material na
íntegra e aumentar seu entendimento sobre o assunto ele está disponível:

2
interatividade:
Você pode acessar o material completo em:
http://forumeja.org.br/files/viver.pdf

Figura 20 - Conjunto didático “Viver é lutar” do MEB

Fonte: Site Fórum EJA. Disponível em: <http://forumeja.org.br/files/viver.pdf>.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 51


Veja uma das lições do Material Viver é Lutar abaixo, na figura 20:

Figura 21 - 4ª Lição do conjunto didático “Viver é lutar” do MEB

Fonte: Site Fórum EJA. Disponível em: <http://forumeja.org.br/files/viver.pdf>.

Os materiais didáticos foram centrais para o trabalho desenvolvido pelo movimento.


Por isso, foi no 1º Encontro Nacional de Coordenadores que se decidiu a elaboração
própria de materiais, como é o caso da cartilha “Viver é Lutar” como ferramenta
de alfabetização, mas também de conscientização, a partir de situações da vida e
de trabalho da população, como é possível perceber na lição exposta acima. Nesse
sentido, se pretendia, nas palavras de Paulo Freire: ensinar não apenas a ler palavras,
mas a ler o mundo através das palavras!
No conjunto didático “Viver é Lutar” isso é bastante visível, pois é explorado
nas frases e também através das fotografias que refletem situações cotidianas
de trabalho da população rural. Além disso, em cada lição o material instiga os
educandos e educandas à reflexão através dos “por quê?” e “como?”. Favero (2006)
chama atenção ao que ele chama de “frase de reforço”, que no exemplo acima é a
frase repetida no rodapé da página “É justo o povo viver com fome?”. O autor aponta
que as frases de reforço do material, em geral, seguem a forma interrogativa para
representar e possibilitar o início de discussão. Cabe também destacar que os tex-
tos do material são feitos com base em dados e informações da FAO, UNESCO, ONU,
censos e pesquisas brasileiras (FAVERO, 2006).
Veja outros dois exemplos abaixo, na Figura 22:

Figura 22 - 9ª e 11ª Lição do conjunto didático “Viver é lutar” do MEB

Fonte: Site Fórum EJA. <Disponível em: http://forumeja.org.br/files/viver.pdf>.

52 ·
Na 9ª e na 10ª lição do conjunto didático é problematizada a realidade de vida e de
trabalho da população rural por meio de reflexões sobre a relação com a terra, as
condições de trabalho, reconhecimento e importância da participação da mulher
no meio rural. Desta forma, possibilita aos que acessam o material a geração de
reflexões que permitem novas formas de enxergar essas questões, as quais dizem
respeito ao próprio cotidiano. Além disso, no decorrer do material é demonstrado
o processo de conscientização que vai ocorrendo, a perceber na Figura 23:
Figura 23 - 17ª e 26ª Lição do conjunto didático “Viver é lutar” do MEB

Fonte: Site Fórum EJA. Disponível em: <http://forumeja.org.br/files/viver.pdf>.

Com isso, no decorrer do material também são apresentados instrumentos, na


perspectiva do MEB, para a transformação da realidade de vida: escola radiofônica,
sindicatos, cooperativa e a venda. Seriam esses os instrumentos através dos quais a
população do campo vai tomar consciência da exploração que vive, irão se organizar
e transformar essa situação, criando condições de sair da situação de exploração.
Outro instrumento da transformação que também é abordado é o voto eleitoral,
pois no período era muito comum a compra e venda de votos e, ao mesmo tempo,
os analfabetos ainda eram impedidos de votar.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 53


Figura 24 - 20ª e 25ª Lição do conjunto didático “Viver é lutar” do MEB.

Fonte: Site Fórum EJA. Disponível em: <http://forumeja.org.br/files/viver.pdf>.

Para Fávero (2006), pela confiança que desfrutava entre a população rural, por ser
ligado à Igreja, o questionamento que se fazia das injustiças e da exploração, através
das lições, tinha força de denúncias.
Sabemos que o MEB foi o movimento que mais resistiu à ditadura militar! Diante
do conteúdo veiculado aos seus materiais didáticos, como isso foi possível? Para
tanto, houve uma intensa reestruturação do movimento e mudança no conteúdo
dos materiais utilizados. Segundo Alves (2014), a sobrevivência do MEB se deve,
diante da nova conjuntura política, à impossibilidade de continuação do movimento
nos moldes a que se propunha. Assim, bispos conservadores da CNBB propuseram
a sua reformulação principalmente por meio da descentralização do movimento
nas dioceses locais, de maneira a diminuir a articulação nacional dos grupos que o
dirigiam e amenizar o conteúdo dos materiais. Com essa reformulação a parceria
com o Ministério da Educação, principal fonte orçamentária, teve continuidade.
Assim, após o início do regime militar, o material Viver é Lutar foi apreendido,
o que colaborou para o movimento reformular seus materiais didáticos a partir da
criação de um novo conjunto designado Mutirão, o qual teve como foco as atividades
presentes no trabalho agrícola, sua operacionalização e planejamento, como, por
exemplo, a importância do entendimento da matemática para o trabalho agrícola.

2
interatividade: Para conhecer o material na íntegra e
melhor leitura e compreensão de seu conteúdo:

http://forumeja.org.br/files/mutiraolivro1.pdf

54 ·
Figura 25 - Material didático “Mutirão” do MEB

Fonte: Site Fórum EJA. Disponível em: <http://forumeja.org.br/files/mutiraolivro1.pdf>.

Esse novo formato de material recebeu diversas críticas, devido ao fato de ter subs-
tituído o conceito de conscientização pelo de cooperação, traduzido na palavra
mutirão. Isso demonstra a censura que o conteúdo anterior dos materiais sofreu,
sobretudo pela conscientização ter sido fortemente utilizada pelos movimentos de
educação e cultura popular. Para Alves (2014):

Os materiais produzidos passam a deixar de lado uma visão


mais emancipadora e revolucionária sobre a condição de vida
do homem rural, decorrência de uma efetiva integração social e
política, e começam a definir a educação popular como responsá-
vel pela integração cultural dos indivíduos. (ALVES, 2014, p. 130).

Ao mesmo tempo, destaca-se a importância do MEB para a sistematização do projeto


de animação popular, metodologia de trabalho utilizada ainda em tempos atuais
por entidades de extensão rural e assistência técnica (entidades de ATER). Trata-se
de uma forma de ação direta e assessoria, desenvolvida com as comunidades rurais
para determinado fim.

2
interatividade:
http://forumeja.org.br/files/apmeb.pdf

Segundo Favero (2006), o conceito de educação de base foi sendo substituído pelo
de animação popular e as escolas radiofônicas passaram a ser instrumentos da
animação popular. Ou seja, a partir das mudanças e perseguições sofridas esse
contato direto com as bases através do trabalho de animação popular foi visto
como uma saída para manter os objetivos de existir do MEB. Veja no quadro 6 o
que o Animador Popular deveria fazer e o que deveria evitar:

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 55


Quadro 6 - Animação Popular

Fonte: Adaptado de Animação Popular do MEB. Disponível em: <http://forumeja.org.br/files/


apmeb.pdf.>

É uma renovação de seus instrumentos de trabalho para seguir a serviço das classes
populares. Nesse sentido, a animação popular passa a ser uma intervenção a serviço
da organização das comunidades para a ação, o que deveria ser, progressivamente,
assumida pelos seus próprios membros:

Animação Popular é um processo de estruturação de comunida-


des, progressivamente assumido por seus próprios membros, a
partir de seus elementos de liderança. A comunidade organiza-se
como consequência da descoberta de seus valores, recursos e
suas necessidades, em busca da superação de seus problemas e
no sentido da afirmação de seus membros como sujeitos [...] A
função do animador de Anpo, junto à comunidade, é de animar
o processo em sua fase inicial, provocar o interesse, manter viva
a atenção, o esforço e a participação de todos [...] Deve ficar claro
que o nosso trabalho será de assessoria.

Para Favero (2006), nesse momento, como movimento educativo, o MEB passa a
participar da estruturação organizativa das comunidades, na qual incentiva que a
comunidade tome consciência de seus problemas, formar lideranças e organizar
grupos de ação, ao passo que o processo de realização dos projetos concretos ficava
como responsabilidade da comunidade.
Cabe ressaltar que o MEB foi o único movimento de educação popular que
continuou suas atividades durante o regime militar, justamente por ser ligado à
Igreja Católica, sendo por isso menos perseguido do que os demais pelo regime.
No entanto, conforme exposto, para isso ser possível precisou abrir mão de parte
da radicalidade de seus materiais, readaptando o seu modo de atuação, os seus
conteúdos e suas aulas e com muitos de seus monitores e educadores sofrendo
perseguição política.

56 ·
CENTRO POPULAR DE CULTURA DA UNE – CPC

Figura 26 - Bandeira da UNE.

Fonte de: Wikipedia. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/74/


Uniao_nacional_dos_estudantes.png>.

Antes de ser um artista, o artista é um homem existindo em meio aos seus seme-
lhantes e participando, como um a mais, das limitações e dos ideais comuns, das
responsabilidades e dos esforços comuns, das derrotas e das conquistas comuns [...]
A declaração dos princípios artísticos do CPC poderia ser resumida na enunciação
de um único princípio: a qualidade essencial do artista brasileiro, em nosso tem-
po, é a de tomar consciência da necessidade e da urgência da revolução brasileira.
(Anteprojeto do Manifesto do CPC, 1962, p. s/n).
O Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes – CPC da UNE
foi criado no ano de 1961, por um grupo de intelectuais ligados à União Nacional
dos Estudantes - UNE. Para entender sua criação é preciso reconhecer nesse período
um cenário de grande mobilização estudantil e consequente participação política,
sobretudo por intermédio da UNE.

2
iNTErATividAdE: Centro Popular de Cultura/CPC

Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=jS0Svi_Q9N4

Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=lEh3Inka96E

Inicialmente, o CPC da UNE surgiu e se consolidou na cidade de Rio de Janeiro. No


entanto, também foram criados CPCs estaduais através de entidades estudantis
estaduais e até mesmo em algumas universidades. Tratava-se de um órgão cultural
da UNE, mas com autonomia para tomada de decisões internas.
Em seu curto período de atividades, o CPC da UNE buscou ir ao encontro do
povo a partir da ideia de “arte revolucionária”, para criar uma nova consciência em
relação à realidade brasileira, entendendo que a partir dessa nova consciência as
pessoas poderiam transformar essa realidade. Nesse sentido, fez-se uso do teatro, da
música, da literatura e outros meios artísticas, como forma de mobilização popular.
Havia o entendimento de que a arte poderia provocar uma nova consciência nos
seres humanos, a qual contribuiria para romper com relações de dominação das
classes dominantes sobre as dominadas (rAmos, 2006).

EDUCAÇÃO DO CAMPO | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 57


A criação e ação do CPC da UNE deixou um legado histórico, como por exem-
plo o filme Cinco Vezes Favela (Figura 25), que foi produzido pelo CPC da UNE e
é considerado um dos marcos no cinema brasileiro. O filme é dividido em cinco
episódios: Um favelado; Zé da Cachorra; Couro de Gato; Escola de Samba, Alegria
de Viver e Pedreira de São Diogo.

Figura 27 - Longa metragem Cinco Vezes Favela

Fonte: Site Fórum EJA. Disponível em: <http://forumeja.org.br/sites/forumeja.org.br/files/cincox.jpg>

Além do filme produzido diretamente pelo CPC da UNE, há outras importantes


produções influenciadas pelo CPC da UNE. Acredito que alguns de vocês já tenham
ouvido falar do filme Cabra Marcado para Morrer (Figura 26). É uma produção bra-
sileira conhecida nacionalmente. O projeto original deste filme foi uma produção
conjunta entre o CPC da UNE e o MCP de Recife (já apresentado aqui) firmado em
1963. No entanto, o regime militar não permitiu a sua produção, só sendo posta
em prática anos depois através de um novo produtor.
No link de interatividade abaixo, você poderá visualizar os sete minutos iniciais
do filme, nos quais é contada a história que explica a relação do filme com o CPC
da UNE.

2
interatividade:
https://www.youtube.com/watch?v=JE3T_R-eQhM

58 ·
Figura 28 - pôster do filme “Cabra marcado para morrer”

Fonte: Wikipédia. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/9/9c/Cabra-marca-


do-para-morrer-poster03.png>.

O CPC da UNE também foi responsável pelo Documentário “Maioria Absoluta”


que foi gravado em som direto, retratando o cotidiano de trabalhadores rurais
analfabetos da Região Nordeste do país, os quais viviam na extrema pobreza. Estes
trabalhadores, por serem analfabetos, não sabiam escrever, no entanto, demons-
traram a consciência de sua própria condição e capacidade de propor soluções
para os seus próprios problemas.
Como parte da produção artística e didática do CPC da UNE também foi lançado
o disco “O Povo Canta” (Figura 29) e lançados os “Cadernos do Povo Brasileiro”
(Figura 30) e a coleção de livros de poemas intitulada “Violão de Rua”.

2 interatividade:
PARTE I: https://www.youtube.com/watch?time_
continue=3&v=8SU6VkZYsRE
PARTE II:

https://www.youtube.com/watch?v=TWaCl6o2wTc

Ouça uma música do disco em:


https://www.youtube.com/watch?v=BJUBke5Bdx8

Veja as letras das músicas em:


http://forumeja.org.br/df/sites/forumeja.org.br.df/files/
pcanta.pdf

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 59


Santa Cruz
Hoje o Brasil
Mas um dia o gigante despertou
Deixou de ser um gigante adormecido
E dele um anão se levantou
Era um país subdesenvolvido
Subdesenvolvido
Subdesenvolvido
Subdesenvolvido
Subdesenvolvido

Letra da música “O Subdesenvolvido”

Figura 29 - Capa do disco “O Povo Canta”.

Fonte imagem: Site Fórum EJA. Disponível em: <http://forumeja.org.br/df/sites/forumeja.org.br.df/


files/povocanta.jpg>

Figura 30- Capa do livro “Cadernos do Povo Brasileiro: por que os ricos não fazem greve?”.

Fonte: Site Arcaz-UTFPR. Disponível em: <http://arcaz.dainf.ct.utfpr.edu.br/rea/items/show/13>.

Em 1964, o CPC da UNE firmou um acordo com o MEC para uma campanha nacional
de alfabetização de adultos. No entanto, já nos primeiros dias após instauração do
regime militar, ainda em 1964, a sede da UNE foi incendiada e todos os seus CPCs
foram fechados.

60 ·
Os instrumentos de trabalho de Cultura Popular

No trabalho desenvolvido a partir da perspectiva de cultura popular foram utili-


zados diversos instrumentos, os quais foram criados para atender as demandas e
preocupações que emergiam diante de um trabalho centrado na busca da cons-
cientização das comunidades. Para Fávero (1983), eram prioritários os instrumentos
que permitam:

• Maior facilidade de penetração na realidade do povo;


• Maior dinamismo no trabalho de conscientização e politização;
• Fazer apelo às entidades e organizações já existentes na comunidade;
• Apelo aos valores do povo – aproveitando-os em um trabalho progressivo de
conscientização e politização.

Diante disso, o autor sistematiza e analisa os principais instrumentos de trabalho


de cultura popular, que serão apresentados no quadro 7 a seguir:
Quadro 7 - Instrumentos de trabalho de Cultura Popular

Fonte: Adaptado de Fávero (1983, p. 25-28).

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 61


Esses instrumentos são entendidos como meios próprios de promover a elabora-
ção de uma cultura com o povo, tendo o povo como participante do processo de
criação cultural, e não apenas criar uma cultura para o povo. Para tanto, eram tidas
como áreas prioritárias de atuação as áreas consideradas de presença operária
(sindicatos), de presença popular (bairros e favelas) e as áreas rurais.

Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler

Figura 31 – A importância da Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler

“Pé no Chão foi uma guerrilha de alfabetização e cultura contra o poderoso Império
da ignorância” Djalma Maranhão - 1999

Fonte: NTE.

A cidade de Natal – Rio Grande do Norte foi berço de uma das mais exitosas expe-
riências de Educação Popular desenvolvidas no Brasil: a Campanha De Pé no Chão
Também se Aprende a Ler. Tratou-se de uma política educacional municipal que se
voltou à educação de crianças, jovens e adultos de camadas populares.
A Campanha de educação popular De Pé no Chão Também se Aprende a Ler
foi criada em Natal – Rio Grande do Norte, em 1961 e até o ano de 1964, no qual foi
interrompida, já tinha alfabetizado cerca de vinte e cinco mil crianças, somente
em Natal. A campanha é construída a partir do reconhecimento da necessidade de
avanços na educação, cultura e combate ao analfabetismo, através de convenções
de bairros que ocorriam na cidade de Natal (GOES, 2004). A partir dessas reivindica-
ções, foi criado o Grupo de Trabalho de Educação Popular, via Secretaria Municipal
de Educação. Problemas financeiros para viabilização de uma ação concreta para
atender essas demandas surgiram, no entanto, criativamente foram contornados.
Nas palavras de Goes (2004):

62 ·
[...] em meio à discussão um participante pede a palavra e propõe:
se não pode construir escolas de alvenaria faça escolas cobertas
de palha de coqueiro, mas faça a escola. De todas as discussões
políticas eu participei na minha vida - e não foram poucas – esta
foi uma oportunidade inesquecível pela criatividade da proposta
e novas sugestões de desdobramentos. (GOES, 2004, p. 221).

2
interatividade:
De Pé no Chão Também se Aprende a Ler

https://www.youtube.com/watch?v=Bg-ZZZskFfU
https://www.youtube.com/watch?v=Rm0SD-QH4AI

Nesse sentido, o autor destaca que a Campanha se diferencia dos demais movi-
mentos de educação e cultura popular do período, pois foi o único movimento de
educação popular que fluiu, principalmente, através de uma secretaria pública.
Ao longo de sua existência, a Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a
Ler passou por diversas mudanças, o que permite dividi-la em oito fases distintas,
descritas a seguir e a partir da síntese elaborada por Maranhão (2011).
A primeira fase da Campanha é caracterizada pela instalação de cerca de tre-
zentas “escolinhas”, as quais eram fundadas em locais pertencentes a sindicados,
clubes, cinemas, igrejas, casas particulares, entre outros, que cediam espaços para
que a campanha acontecesse.
A segunda fase tem como principal mudança a fundação das escolas “ecológicas”,
a partir das quais as aulas deixam de acontecer nos espaços já citados e passam a
acontecer em escolas sem paredes, as quais eram cobertas de palha de coqueiro
e de piso de barro batido (Figuras 30, 31 e 32). Nessa fase, passa a se caracterizar
enquanto experiência de alfabetização em grande escala.
Já em 1962 inicia a terceira fase da campanha: alfabetização, de casa em casa,
para abranger os adultos resistentes a irem à escola. Nessa fase, equipes de edu-
cadores voluntários se deslocavam de casa em casa, em cada comunidade, para
alfabetizar os adultos. É nessa fase que passam a serem vistas nas ruas das comu-
nidades faixas dizendo “Nesta rua não existe nenhum analfabeto”, ou seja, fase em
que a campanha contribuiu no engajamento da própria comunidade no combate
ao analfabetismo, pois não existir mais analfabetos na rua passou a ser considerado
motivo de orgulho comunitário.
Em uma quarta fase, que iniciou no final de 1962, ocorreu a criação do Centro
de Formação de Professores, que ofertava cursos para a preparação de jovens que
atendessem a demanda crescente de educadores para a campanha.
No próximo ano (1963) iniciou a quinta fase da campanha: De Pé no Chão
Também se Aprende uma Profissão. Nessa fase, foram ofertados diversos cursos
para especialização profissional aos trabalhadores alfabetizados pela campanha,
como exemplo cursos como corte de costura, marcenaria, alfaiataria, barbearia,
corte de cabelo.
Na sexta fase, também desenvolvida no ano de 1963, foi criada a Cartilha de
Alfabetização de Adultos, através da qual cerca de cinco mil adultos passam a

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 63


fazer parte da campanha, grande maioria pais de crianças que já participavam
da campanha. Esse material didático foi criado tendo como referência o já citado
Livro de Leitura para Adultos do Movimento de Cultura Popular de Pernambuco
e no Método de Paulo Freire.
Já a sétima fase diz respeito ao período em que se buscou a interiorização da
Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler. Nela, várias prefeituras de
Pernambuco passam a aderir à campanha, proporcionando cursos de formação a
educadores municipais. Além disso, devido à grande competência da campanha,
muitos gestores públicos de outras regiões do país solicitaram mais informações,
demonstrando interesse e considerando como a campanha enquanto movimento
de educação popular “mais autêntico” do país.
Na oitava e última fase foram inauguradas diversas escolas. Trata-se de um
período em que estava em voga a “Aliança para o Progresso”, baseada em progra-
ma norte americano de muito investimento e transferência de financiamentos
norte americano para o Brasil. Esses investimentos tinham como contrapartida a
possibilidade de intervenção estrangeira na administração pública brasileira. No
entanto, os gestores da Campanha e gestores públicos envolvidos insistiram na
sua autonomia e no financiamento a partir de dinheiro público e brasileiro, por
isso, foram feitos muitos investimentos e abertura de escolas no período: na rede
municipal de educação de Natal, a escola brasileira era construída com dinheiro
brasileiro (GOES, 2004).

3 saiba mais: Leitura Complementar Entrevista com o


Educador Moacir de Góes:
http://forumeja.org.br/df/sites/forumeja.org.br.df/files/
entremg.pdf

Figura 32 - Visão interna de galpão sala de aula.

Fonte: Site Fórum EJA. Disponível em:< http://forumeja.org.br/files/Galpoesvisaointerna.pdf>.

64 ·
Figura 33 - Vista externa de galpão sala de aula.

Fonte: Site Fórum EJA. Disponível em: <http://forumeja.org.br/files/escolasdepalha.pdf>.

Figura 34 - Crianças pulando corda.

Fonte: Site Fórum EJA. Disponível em: <http://forumeja.org.br/files/criancapulacorda.pdf>.

Para Goes (2004), a campanha venceu quatro desafios comuns à escola brasileira: a)
não confundiu escola com prédio escolar; b) qualificou com seus próprios recursos
humanos e municipalizou o ensino normal de formação de professores; c) produziu
seus próprios textos educativos face à alienação das cartilhas então existentes do
mercado; d) o acompanhamento técnico-pedagógico se fez na proporção de um
servidor para vinte professores. Como consequência do enfrentamento destes de-
safios, o autor aponta que a campanha chamou a atenção para a recriação da escola

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 65


através do desafio da “escola de palha”, reconheceu que quem faz a educação deve
estar ciente da proposta que desenvolve, reconheceu a importância da elaboração
própria de materiais didáticos e instigou os profissionais envolvidos a importância
de saber ver, ouvir, conversar, demonstrar e também aprender conjuntamente. Ou
seja, uma formação que mais do que competência profissional buscou incentivar
a solidariedade humana.
Conforme Cavalcanti (2012), a Secretaria Municipal de Educação de Natal vinha
orientando dezenas de prefeituras sobre a Campanha em curso, buscando a concre-
tização de uma “Frente de Educação Popular do Rio Grande do Norte”. No entanto,
conforme apontado pelo autor, a partir do golpe militar de 1964 a campanha foi,
de forma bastante violenta, desativada. Muitos dos que estavam envolvidos com
elas, na função de educadores, monitores e gestores foram perseguidos durante o
regime, alguns sendo presos, exilados e até mesmo mortos.

As 40 horas de Angicos

Figura 35 – Elementos da experiência de Angicos

Fonte: NTE.

Acontece em Angicos, cidadezinha no centro do Rio Grande do


Norte: vinte e cinco estudantes acamparam por lá e estão fazendo
a mais importante experiência em matéria de educação na His-
tória do Brasil. Estão tentando, em 40 horas, alfabetizar toda uma
cidade. Não acredita? Nós também não. E, no entanto, é verdade.
(Reportagem publicada na “Tribuna da Imprensa”, 1963, p. 1).

Segundo Gadotti (2013), ainda na década de 1950 Paulo Freire havia percebido que
os métodos utilizados nas diversas campanhas de alfabetização de adultos eram os
mesmos utilizados na alfabetização de crianças. Diante disso a partir de algumas
experiências iniciais, Freire percebeu que essa reprodução de método com os adul-
tos era pedagogicamente inadequada. As bases teóricas de seu novo método para

66 ·
alfabetização de adultos foram apresentadas durante o II Congresso Nacional
de Educação de Adultos em 1958.
Segundo Paiva (2003), ao conhecer o método de alfabetização do Sistema
Paulo Freire, o então governador do estado do Rio Grande do Norte enviou um
convite a Paulo Freire, a fim de discutir as possibilidades de realização de uma
experiência. Assim, em 1962, Paulo Freire foi convidado para executar o Pro-
grama de Alfabetização de Angicos, como parceria entre o Serviço Cooperativo
de Educação do Rio Grande do Norte (SECERN) e Serviço de Extensão Cultural
da Universidade do Recife (SEC) coordenado por Freire.
Segundo Gadotti (2013), as atividades do programa iniciaram no mesmo
ano através do levantamento do número de analfabetos de Angicos-RN e com
uma pesquisa para levantar o “universo vocabular” destes, o qual diz respeito a
palavras e temas geradores que seriam utilizados no Método de Alfabetização
proposto. Desta forma, os materiais didáticos e o conteúdo do Programa foram
elaborados com base nesse levantamento prévio, o qual também serviu como
meio de divulgação prévia do Programa (SILVA; SAMPAIO, 2015).
Assim nasce a experiência 40 Horas de Angicos, em uma cidade onde a taxa
de analfabetismo era de aproximadamente 75% da população (LOBO, 1963).
A pequena cidade de Angicos foi palco onde, pela primeira vez, foi posto em
prática o método de alfabetização de adultos proposto por Paulo Freire. Se-
gundo Germano (1997), fazer com que os participantes aprendessem a ler e a
escrever e, ainda por cima, viessem a se politizar em 40 horas eram os objetivos
fundamentais a experiência.

2
interatividade: Alfabetização em Angicos – a Pedagogia
de Paulo Freire – Sala de notícias Canal Futura
https://www.youtube.com/watch?v=ENks3CJeJ5E

3
saiba mais: Documentário: 40 Horas na Memória:
www.youtube.com/watch?v=ENks3CJeJ5E
www.youtube.com/watch?v=PkN97kOriJc

As aulas da 1ª Turma de Angicos iniciaram em 1963, com um público de 350 adul-


tos analfabetos, dos quais 300 se formaram. A primeira palavra geradora utilizada
nessa aula foi: belota (Figura 34).

3
saiba mais: http://forumeja.org.br/sites/forumeja.org.br/
files/t8clyra.pdf

h t t p : / / g 1 . g l o b o. c o m / r n / r i o - g r a n d e - d o - n o r t e /
noticia/2013/04/1-turma-do-metodo-paulo-freire-se-
emociona-ao-lembrar-das-aulas.html

4
termo do glossário: Belota = borla; bolota; enfeite de
rede ou dos utensílios dos vaqueiro; chibata; chicote; muito
comum na região de Angicos.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 67


Figura 36 - Atividade relacionada à Primeira Hora da Alfabetização no Programa.

Fonte: Site Fórum EJA. Disponível em: <http://forumeja.org.br/sites/forumeja.org.br/files/t8clyra.pdf>.

Em Lyra (1996) percebe-se que o uso da expressão belota como palavra geradora era
devido ao fato de ser uma situação corriqueira e local, pois era típico em Angicos
estar montado em um burro com uma chibata na mão, as quais tinham belotas em
cores bem vivas. Assim, a primeira hora de aula propôs discussões relacionadas à
realidade e à cultura local. Conforme Silva e Sampaio (2015), a em 28 de janeiro de
1963 foi apresentada, em cada círculo de cultura, a primeira palavra geradora – belota
– iniciando assim o processo de conhecimento e entendimento do sistema alfabético.
Segundo relato de Paulo Freire presente na obra de Lyra (1996) a experiência 40
Horas de Angicos quebrou uma série de tabus metodológicos ao inovar superando
a ideia de Escola por Círculos de Cultura (Figura 35), a de Aluno por Participante
de Debates, a Aula pelo Diálogo, o Programa Acadêmico por Situações Sociológicas
desafiadoras e buscando, nos próprios grupos presentes, a sabedoria necessária.

Figura 37 - Círculo de Cultura da experiência de 40 Horas de Angicos

Fonte: Site DHNET. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/educar/40horas/imagens.htm>.

68 ·
Os Círculos de Cultura eram instalados nas casas dos alunos e até mesmo no presídio,
pois os presos também podiam ser alfabetizados. No início, muitos dos próprios
alfabetizandos e alfabetizandas não acreditam ser possível que aprendessem a ler e
escrever, tampouco que fosse em apenas 40 horas. Conforme Silva e Sampaio (2015)
se dizia que era tão difícil quanto “tirar leite de pedra”, no entanto, no decorrer do
processo mudavam a visão, principalmente ao perceberem que se tratava mais de
um diálogo entre pessoas e não um monólogo fechado.
Assim, o contato direto e horizontal entre os educadores e os alfabetizandos
contribuiu para o encontro de homens e mulheres com sua própria história social,
principalmente porque, no geral, os educandos se sentiam muito a vontade nos
círculos de cultura em que eram alfabetizados e politizados (SILVA; SAMPAIO, 2015).
Além do mais, cabe ressaltar que os temas utilizados no processo de alfabetização
tinham como base palavras e temas geradores do universo vocabular local, o qual
representava questões do cotidiano dos educandos. É justamente essa relação
dialógica no processo de ensino-aprendizagem que caracteriza as propostas me-
todológicas da Educação de Paulo Freire e a própria Educação Popular.
Em Lyra (1996) é possível visualizar a divisão do processo de alfabetização entre
as 40 horas programadas, vejamos alguns exemplos no quadro 8. Além das aulas pro-
priamente ditas, todos os dias os coordenadores dos Círculos de Cultura se reuniam
para discutir as aulas, avaliando os avanços e desafios das 40 horas, o que permitia
sempre readequar ou repensar algumas práticas para a melhora do Programa.

Quadro 8 - Divisão das horas de diálogo dos Círculos de Cultura

Fonte: Adaptado de Lyra (2006).

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 69


Figura 38- Discurso do presidente João Goulart na Quadragésima e última hora de Angicos

Fonte: Site DHNET. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/educar/40horas/imagens.htm>.

Na ocasião, o Programa 40 Horas de Angicos foi oficialmente encerrado. Assim, o


trabalho em Angicos encerrou um ano antes do início do Regime Militar de 1964.
No entanto, isso não impediu que diversos dos seus idealizadores tivessem sido
perseguidos pelo regime, bem como o fato de que materiais do Programa foram
apreendidos e até mesmo queimados.
De qualquer forma, mais de 50 anos após o encerramento da experiência de
Angicos, a mesma continua servindo de referência para reflexões e estudos, devido
às suas particularidades.

A proposição do Plano Nacional de Alfabetização (PNA) em 1963

Com base na experiência de Angicos, o então presidente do Brasil, João Goulart,


cogitou a elaboração de um Plano Nacional de Alfabetização no ano de 1963 como
possibilidade de retirada de milhões de brasileiros da situação de extrema pobre-
za. Com isso, Paulo Freire foi chamado a contribuir na construção desse plano de
alfabetização em nível nacional, a partir da experiência de Angicos. Desta forma,
o Plano Nacional de Alfabetização teria como instrumento o Método Paulo Freire
de Educação de Adultos (PAIVA, 2003).
Ainda em 1963 foi instituída a Comissão de Cultura Popular por intermédio da
Portaria Ministerial 195, a qual era presidida por Paulo Freire. A comissão tinha
por intuito implantar novos sistemas educacionais de cunho popular, em todo o
território nacional.
O primeiro trabalho realizado pela comissão foi o levantamento do número de
analfabetos brasileiros, que era próximo dos 20 milhões no período e que serviu de
base para a implementação do programa. Também de maneira inicial, a experiência

70 ·
de Angicos passou a ser reproduzida em outras cidades brasileiras, como Brasília,
Aracaju, Porto Alegre, enquanto projeto-piloto do futuro Programa Nacional de
Alfabetização (PNA). Além disso, Paulo Freire percorreu o país buscando a estru-
turação do programa em nível nacional (GADOTTI, 2013).
Segundo Paiva (2003), a partir da organização da Comissão Nacional de Alfabe-
tização (out/1963 – mar/1964) passou a ser elaborado o Plano. Assim, no início de
1964 o então presidente do Brasil, através do Decreto 53.465/64 criou oficialmente
o Plano Nacional de Alfabetização pelo “Sistema Paulo Freire para alfabetizar em
tempo rápido”, que previa parcerias com associações, entidades, organizações, das
mais diversas naturezas, para sua viabilização.
Nesse período de início de sua implementação, o Plano já contava com 2 pla-
nos pilotos (região Sul e região Nordeste) que serviriam de base para estender a
programação conforme as áreas do país de maior interesse. Cabe salientar que,
mesmo sendo fruto de parceria entre governo e movimentos sociais, a execução
do Plano era responsabilidade do Ministério da Educação e previa a alfabetização
de 5 milhões de adultos no prazo de 2 anos.

Já então (janeiro/64) o PNA havia recebido recursos e cuidava da


compra de equipamentos necessário ao programa e da mobiliza-
ção popular nos municípios escolhidos. Foram encomendados
quadros-negros especiais cujo verso seria para a projeção de
slides e preparado o material didático com base na pesquisa do
universo vocabular então realizada; foram preparados filmes
coloridos sobre o problema do analfabetismo [...] tudo estava
sendo preparado para a inauguração oficial do programa, com
a abertura de cerca de 300 círculos de cultura nos municípios
escolhidos. (PAIVA, 2003, p. 285-286).

A implementação do PNA representaria a incorporação formal, como política go-


vernamental em nível nacional, das orientações pedagógicas e educacionais que
estavam sendo gestadas pelos movimentos de cultura popular no Brasil. No entanto,
poucos meses depois, a partir da instauração do regime militar, o PNA foi extinto
através de um decreto. Logo após isso, Paulo Freire foi preso, processado e exilado.
Para o regime ele era um subversivo e só pode retornar Brasil definitivamente no
ano de 1979. Nesse período de tempo em que esteve fora do Brasil, Paulo Freire
lecionou em muitos dos mais importantes centros universitários internacionais e
ajudou a aplicar o seu método em diversos países da Ásia, África e América Latina
(GERMANO, 1997). Tornou-se uma referência internacional e seu método passou a
ser admirado, respeitado e aplicado no exterior.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 71


Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos – MOVA
Figura 39 - Movimento de alfabetização - MOVA

Fonte: NTE.

Logo após o fim do regime militar no Brasil, a iniciativa de educação popular


que surgiu, de maior destaque, foi o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adul-
tos – MOVA, através da parceria entre administração pública municipal/estadual e
movimentos sociais, inicialmente na cidade de São Paulo, com posteriores imple-
mentações em algumas cidades brasileiras.
Segundo Néspoli (2013), quando Paulo Freire assumiu a Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo, em 1989, havia uma enorme demanda por alfabetização e
educação básica, pois, cerca de 1 milhão de pessoas eram analfabetas e 2,5 milhões
de jovens e adultos com apenas quatro anos de estudo.
Entre os seus princípios, o MOVA previa a superação da visão de alfabetização
apenas como aprendizagem da escrita, mas sim enquanto processo de formação
cidadã, de caráter não-assistencialista, sendo, por isso mesmo, substituída a noção
“Campanha”, geralmente utilizada, por “Movimento”, pois a primeira remete a ações
pontuais e assistencialistas.

72 ·
Queriam evitar qualquer identificação do programa que estava
sendo criado com uma “campanha”, como as antigas campanhas
de alfabetização. Uma campanha é uma intervenção pontual e,
portanto, sem compromisso com a continuidade dos estudos
dos educandos [...] Por isso, decidiu-se pelo nome de “movi-
mento”, pois daria o sentido de mobilização e engajamento de
setores organizados da sociedade, de apoio aos grupos que já
desenvolviam educação de jovens e adultos [...]O analfabeto
deixa de ser visto como o “coitado”, e passa a ser uma “pessoa
constitutiva e construtora da sociedade e produtora de conhe-
cimento”. (SANTOS, 2007, p. 58-60)

Com isso, os movimentos populares que já trabalhavam com educação popular


passam a dialogar com o poder público municipal na busca de apoio para seus
trabalhos. A partir da realização de diversos seminários e reuniões entre a Secretaria
Municipal de Educação e Movimentos populares surge o MOVA-SP (NÉSPOLI, 2013).
Desta forma, a primeira experiência com MOVA foi implementada na cidade de
São Paulo – SP, em 1989, durante gestão municipal em que Paulo Freire foi Se-
cretário Municipal de Educação. Os objetivos do MOVA-SP podem ser vistos no
quadro 9 a seguir.
Quadro 9 - Principais Objetivos do MOVA-SP
Fonte: Adaptado de Néspoli (2013, p. 35-26).

Na sequência, surgem outras experiências municipais nos estados Rio Grande do


Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina e Pará. Posteriormente, alguns
destes adotam a experiência em âmbito estadual: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro,
Mato Grosso do Sul e Acre. Houve também, por um período, uma movimentação
para iniciar em âmbito nacional o MOVA-Brasil.
Em outubro de 2001 ocorreu o 1º Encontro Nacional de MOVAs, no qual se
reuniram diversos participantes de MOVAs do Brasil e foram discutidas questões
referentes aos conceitos e princípios em comum nas experiências.
O MOVA-SP existiu até o final de 1992. Durante o período 1989-1992 o MOVA
teve 20 mil alunos, abriu cerca de 1 mil núcleos de alfabetização e reuniu cerca de
70 entidades organizadas na cidade de São Paulo. Desta forma, o MOVA represen-
tou um novo modelo de política pública na área de alfabetização, devido à nova
forma de conceber a relação entre o setor público e a sociedade civil organizado
para a implementação e gestão de programas governamentais na área educacional
(NESPOLI, 2013).
Segundo Santos (2007), na relação entre setor público e sociedade civil, cabia à
Secretaria Municipal de Educação o pagamento de monitores, coordenadores pe-
dagógicos e auxiliares administrativos, além da formação inicial e continuada dos
monitores e coordenadores pedagógicos. Do outro lado, as entidades da sociedade
civil ficavam responsáveis pela contratação dos educadores e pelo funcionamento
das salas de alfabetização.
No entanto, logo após a posse da nova administração municipal de São Paulo, em

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 73


1993, o MOVA-SP foi cancelado. De qualquer forma, a particularidade de incentivo
que o Programa ofereceu aos movimentos populares de São Paulo permitiu que,
mesmo com o fim do programa via Secretaria Municipal de Educação, a sociedade
civil seguisse organizada de forma independente, garantindo a continuidade dos
trabalhos com alfabetização. Isso se deu, sobretudo, com três instituições assumindo
as funções que antes eram da prefeitura: o Instituto Paulo Freire, o Núcleo de Tra-
balhos Comunitários da PUC-SP e o Instituto de Alfabetização, Cultura e Educação
Popular – IACEP da Central Única dos Trabalhadores-CUT (NESPOLI, 2013). Isso
representa que, mesmo diante da alternância de poder administrativo da prefei-
tura, o MOVA tinha condições de sobrevivência, pois apesar de ser um programa
governamental, não dependia exclusivamente do governo.
Assim, o MOVA-SP pode ser considerado o “herdeiro” das experiências de Educação
Popular brasileiras e, ao mesmo tempo, a origem de todas as outras experiências
de MOVA no Brasil. Entre elas, tem-se a experiência do MOVA-RS, implementada no
Rio Grande do Sul no período de 1999-2002.
Segundo Barreto (2005), o MOVA-RS foi lançado no ano de 1999. No MOVA-RS, o
governo estadual era responsável pela ajuda de custo aos animadores, apoiadores
e educadores, prover material didático-pedagógico e formação permanente de
todos os envolvidos no Movimento, ao passo que, as entidades da sociedade civil
eram responsáveis por indicar educadores e apoiadores, localizar na comunidade
os educandos e organizar o espaço físico. Além disso, o movimento possuía a se-
guinte estrutura de funcionamento (BARRETO, 2005, p. 56):

• Coordenação Estadual;
• Coordenação Regional;
• Animadores/as Populares de Alfabetização – Mediadores e divulgadores do
MOVA-RS, conhecedores dos espaços organizados da sua cidade. Sua função é
chamar as pessoas a participarem do movimento e formar novos convênios;
• Apoiadores/as Pedagógicos Populares – São os responsáveis diretos pela for-
mação pedagógica dos Educadores Populares, sendo um Apoiador Pedagógico para
cada seis turmas, com o papel de acompanha-las na sala de aula e realizar reuniões
semanais com os/as educadores/as. Exigência de ensino médio completo;
• Educadores/as Populares - São indicados pela entidade que está conveniando.
Preferencialmente deve ser da comunidade em que a turma está inserida, por serem
conhecedores da realidade local, das pessoas e dos problemas da comunidade.
Tem acompanhamento sistemático através de visitas e reuniões com o Apoiador
Pedagógico;
• Alfabetizandos/as – são pessoas que, acima dos quinze anos, não sabem ler e
escrever ou sabem muito pouco.
Além disso, o MOVA-RS era composto por diferentes instâncias de formação po-
lítico-pedagógica, pois prezava pela valorização das questões pedagógicas e pela
construção coletiva dos conhecimentos, com base nos princípios da Educação
Popular. Com base em Barreto (2005), as instâncias eram:
• Seminários por segmento: Animadores Populares, Apoiadores pedagógicos,
entidades, etc;
• Seminário de avaliação do MOVA-RS;

74 ·
• Congresso Estadual de Alfabetizandos do MOVA-RS;
• Encontros Nacionais de MOVA’s;
• Formação dos Dirigentes do MOVA-RS;
• Cursos de Formação Inicial;
• Formação Mensal de Apoiadores e Animadores;
• Encontrão Regional do MOVA-RS;
• Reuniões Semanais entre Apoiadores e Educadores;
• Encontrão Municipal do MOVA-RS.

A dimensão dos resultados de um programa de alfabetização como o MOVA, por


vezes, é de difícil compreensão. No relato de uma das educadoras do MOVA-RS, que
realizava as aulas na cozinha de sua casa, é possível compreender um dos sentidos
que o MOVA-RS pode representar na vida de um adulto que até então não sabia ler e
escrever: “uma de minhas alunas, com quase 70 anos de idade, ao ser questionada
sobre por que participava do MOVA-RS, me respondeu que estava aprendendo a ler
e a escrever para nunca mais ser enganada pela dona do mercadinho da esquina
na hora de pagar a conta”.
Assim, conforme apontado por Barreto (2005), o MOVA-RS visou romper com
a visão clientelista, fatalista e assistencialista empreendidas pela maioria das
campanhas e programas formais de alfabetização, a partir do compromisso com a
organização coletiva para a construção do conhecimento com base nos princípios
da Educação Popular. Nesse sentido, o MOVA contribuiu na materialização de uma
forma de alfabetização, ao demonstrar que mais do que saber sobre educação de
adultos, alfabetizar para a cidadania exige conhecer a realidade de vida dos edu-
candos e a lógica de seus conhecimentos populares.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 75


ATIVIDADES – UNIDADE 2
Atividade 1 – Elabore um quadro-resumo das experiências estudadas na Unidade
2, de maneira a elencar ao menos três principais características de cada experiência
em questão. Postar no Fórum “Atividade 1– Unidade 2” no ambiente virtual.

Atividade 2 – Escolha uma das experiências elencadas na Atividade 1 para realizar


uma pesquisa aprofundada sobre ela. A pesquisa deverá ser apresentada, em forma
de slides, no Fórum “Atividade 2 – Unidade 2”.

Atividade 3 – Construa uma lista do Universo Vocabular de seu bairro, cidade e/


ou região e pesquise seus significados. Postar no fórum “Atividade 3 – Unidade 2”
no ambiente virtual.

Atividade 4 – Imagine que você tenha que realizar uma atividade em sala de aula
com seus alunos, sendo eles jovens rurais de sua cidade natal (ou que da cidade
na qual você tenha mais contato com a população rural). Dessa forma, solicitamos
que você elenque algumas palavras geradoras que você escolheria para facilitar o
processo de aprendizagem desses alunos em sala de aula. Postar no fórum “Ativi-
dade 4 – Unidade 2” no ambiente virtual.

76 ·
3
CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA
DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
COMO PRÁTICA SOCIAL E
CATEGORIA TEÓRICA
78 ·
INTRODUÇÃO
E
ducandos e Educandas!
Vocês já pararam para pensar em como é o acesso à educação para as
crianças e jovens do meio rural do município onde cada um de vocês vive?
Já buscaram entender o que acontece quando eles atingem a idade para cursar
o Ensino Médio? Vocês sabem se eles necessitam se deslocar do espaço de vida
deles (meio rural) para conseguir concluir os estudos na Educação Básica? E quais
as distâncias médias que eles necessitam percorrer para encontrar um local onde
seja possível acessar um curso no ensino superior?
Além disso: você já se questionou por que o jovem da cidade não é mandado para
estudar na escola no meio rural, mas, o jovem que vive no meio rural é mandado
para estudar na escola no meio urbano? Apenas essas poucas perguntas já nos le-
vam a inúmeras reflexões e a se deparar com contextos que possuem semelhanças
e diferenças, não é mesmo?
Se você já se fez esses questionamentos apostamos que tem uma ótima refle-
xão para compartilhar com os colegas (e seria importante que compartilhasse em
nossos fóruns). Caso não tenha feito, acreditamos que agora tem a oportunidade
de fazê-lo junto com os demais, no decorrer da presente disciplina e também no
decorrer do curso. De todo modo, pensamos que esses questionamentos básicos
permitem compreender de forma especial a dinâmica educacional brasileira e o
projeto educativo para as pessoas que vivem no meio rural brasileiro.
Arroyo (2012) chama atenção à visão hegemônica que existiu na história do
pensamento político e educacional ao longo do século 20, em relação à população
do campo: a escola rural apenas das primeiras letras, milhões de camponeses con-
denados ao analfabetismo, a educação básica ignorada/marginalizada, inclusive
no âmbito de pesquisas, reflexões pedagógicas, propostas curriculares e leis.
Foi com perguntas como as anteriores e questionando essa visão hegemônica
que os movimentos sociais do campo se movimentaram na luta pela exigência de
uma nova educação para o campo brasileiro. A partir desses questionamentos se
construíram concepções e principalmente experiências próprias para que fosse
possível chegar a propostas consolidadas de educação para quem vive no meio rural.
Cresce a visão de que a ausência do direito e da possibilidade de uma Educação
do Campo e o deslocamento das escolas do campo para a cidade representavam a
negação de um direito e a retirada do sujeito de sua própria história.
Com isso, para início de conversa, para ser possível pensar práticas, concepções
e a própria educação do campo, principalmente a partir dos preceitos da educação
popular, os movimentos sociais do campo, educadores populares, pesquisadores
e setores governamentais precisaram reconhecer a grande diversidade de sujeitos
e de modos de vida que é possível encontrar no meio rural brasileiro.
Foi preciso que se reconhecesse a presença de homens, mulheres, jovens, crian-
ças, idosos, negros, quilombolas, ribeirinhos, ou seja, uma diversidade de gente!
Diversidade de pessoas que se veem de formas diferentes, que possuem diferentes
relações com o espaço urbano, além de relações particulares com a terra, com a

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 79


produção, com os animais e com a floresta. Portanto: “não dá para pôr” tudo na
mesma caixinha, não é mesmo?
Desta forma, com a unidade 3 do material didático pretendemos demonstrar um
pouco de como os movimentos sociais do campo foram se apropriando do debate
sobre educação e de que forma eles foram construindo alternativas particulares a
partir de experiências e de debates que foram base para a construção do que hoje
nós entendemos como uma Educação do Campo no contexto brasileiro.
Como foco central, na presente unidade se tratam assuntos referentes ao início
do debate sobre a educação dentro dos movimentos sociais do campo, aos olha-
res que emergem a partir disso em relação à Educação do Campo, às concepções
existentes na atualidade e também sobre as experiências que se consolidaram a
partir das iniciativas coletivas dos movimentos sociais no âmbito da Educação do
Campo no Brasil.
Desejamos que todos e todas, a partir de seus estudos e dos materiais comple-
mentares, consigam avançar nos aprendizados pretendidos a partir do ingresso no
curso da Educação do Campo. Além disso, desejamos que a presente unidade seja
um dos caminhos para o avanço da compreensão da relação entre Movimentos
Sociais do Campo, Educação do Campo e diversidade.
Por fim, destacamos que, ao final da unidade, também serão propostas algumas
atividades de fixação para contribuir nesse processo. Por isso, é muito importante
que todos realizem essas atividades.
Bons estudos!

80 ·
3.1
HETEROGENEIDADE E
­CARACTERÍSTICAS SOCIAIS, POLÍ-
TICAS, ECONÔMICAS E CULTURAIS
DAS POPULAÇÕES DO CAMPO
A construção do debate sobre Educação nos Movimentos Sociais do Campo

Ao longo da história de nosso país aconteceram inúmeras lutas coletivas. Desta


forma, ao estudar a história de nosso país nos deparamos com o fato de que, em
diversos momentos pessoas se uniram pelo bem comum, em busca de interesses
coletivos. É tendo como horizonte objetivos comuns e coletivos que nascem os
movimentos sociais.
Em termos de movimentos sociais do campo temos uma grande diversidade em
nosso país: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST, Movimento das Mu-
lheres Camponesas-MMC, Movimento dos Pequenos Agricultores-MPA, Movimento
dos Atingidos pelas Barragens-MAB, entre outros. O Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra, movimento social do campo mais expressivo no Brasil, surgiu na
década de 1980, tendo como bandeira a luta pela reforma agrária (Figuras 40 e 41).

Figura 40 - Início da luta pela terra do MST

Fonte: Jornal dos Trabalhadores SEM TERRA n 01 Mai 1981\n 48 Out e Nov 1985 (2) -Hemeroteca Luta
pela Terra.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 81


Figura 41- Carta dos colonos acampados.

Fonte: Jornal dos Trabalhadores SEM TERRA n 01 Mai 1981 (2)- Hemeroteca da Luta pela Terra.

Logo com os primeiros acampamentos e assentamentos, o debate sobre a educação


passa a ganhar importância e urgência dentro do MST (Figura 42)

Figura 42 - Questão da Educação dentro dos assentamentos

Fonte: Jornal dos Trabalhadores SEM TERRA n 01 Mai 1981\n 48 Out e Nov 1985 (2)

82 ·
Inicialmente, dentro do MST o formato Escola Itinerante ganhou destaque e se
sobressaia em todo o país. Cabe salientar que no Rio Grande do Sul, em 2009, o Mi-
nistério Público cancelou o convênio entre governo e MST que permitia a existência
de Escolas Itinerantes, de maneira a impor o fechamento das escolas (Figura 43).

2
interatividade:
Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.
aspx?bib=HEMEROLT&PagFis=3443&Pesq=itinerante
Procurar por: Jornal dos Trabalhadores SEM TERRA n 01 Mai
1981\n 169 Jun 1997 (1)

3
saiba mais:
Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.
aspx?bib=HEMEROLT&PagFis=3443&Pesq=itinerante
Procurar por: Jornal dos Trabalhadores SEM TERRA n 01 Mai
1981\n 291 Abr 2009 (1)

Figura 43 - Fechamento de Escola Itinerante

Fonte: Jornal dos Trabalhadores SEM TERRA n 01 Mai 1981\n 11 Abr 2009 (1)- Hemeroteca Luta pela
Terra.

A Escola Itinerante criada no âmbito do MST tinha por objetivo garantir o direito
à educação das crianças, jovens e adultos em situação de itinerância, ou seja:
­acampados. Entre os objetivos da escola itinerante estavam: ensinar fazendo,
construir o novo, preparar para o trabalho manual e intelectual, ensinar a realidade,
gestar sujeitos da história e preocupar-se com a pessoa integral.
Para tanto, a prática educativa seguia alguns princípios: trabalho e organização
coletiva como valores fundamentais, integração da escola no assentamento, forma-
ção integral e sadia das crianças, valorização da prática da democracia no processo
educativo. Desta forma, a educação deveria construir um projeto alternativo de vida.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 83


Segundo Paludo (2006), as escolas itinerantes seguiam os seguintes princípios
pedagógicos: participação de todos, organização de todos, trabalho por todos, ensi-
no alicerçado na prática, toda a escola no assentamento e todo o assentamento na
escola e todos se educando para o povo. De maneira geral, esses princípios seguem
as concepções freirianas.
Como parte da construção de uma educação a partir dos movimentos sociais
ocorreu, em 1997, o I Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária (I­ E­N­ERA).
O encontro contribuiu significativamente para a construção de uma agenda de lutas
dos movimentos sociais do campo em prol da educação (Figura 44).

2
interatividade:
Revista SEM TERRA n 1 Jul Ago Set 1997\n 2 Out Nov Dez 1997 (1).
Disponível em: http://docvirt.com/docreader.net/DocReader.
aspx?bib=HEMEROLT&PagFis=3443&Pesq=itinerante

Acesse o Manifesto construído durante o I ENERA, na íntegra,


em: https://eventocantu.files.wordpress.com/2016/08/
enera1997.pdf

Figura 44 - Notícias sobre Educação e I ENERA

Fonte: Revista SEM TERRA n 1 Jul Ago Set 1997\n 2 Out Nov Dez 1997 (1)- Hemeroteca da Luta pela Terra.

Foi a partir das proposições do I Encontro Nacional de Educadores da Reforma


Agrária que ocorreu a proposição do Programa Nacional de Educação na ­Reforma

84 ·
Agrária – PRONERA. Após, em 1998, ocorreu a I Conferência Nacional por uma
Educação Básica do Campo e em 2004 ocorreu a II Conferência Nacional por uma
Educação do Campo. Todos esses eventos foram essenciais para a consolidação de
uma política pública de Educação do Campo.

A Educação do Campo a partir dos Movimentos Sociais do Campo

A elaboração sobre educação, sobretudo no Movimento dos Trabalhadores Rurais


Sem Terra, se intensifica a partir da década de 1990, processo que também ocorreu
em outros movimentos do campo, como é o caso do atual Movimento de Mulheres
Camponesas. Para Caldart (2012a), do ponto de vista da trajetória do trabalho com
educação escolar no MST, cronologicamente se considera como marco nacional o I
ENERA realizado em 1997, passando pela Conferência Nacional por uma Educação
Básica do Campo em 1998. Segundo Paludo (2006) a discussão sobre educação
dentro do MST pode ser separada em três distintos momentos (Quadro 10).

Quadro 10 - Os três momentos da discussão sobre educação dentro do MST

Fonte: Adaptado de Paludo (2006).

O primeiro momento remete ao período entre 1979 e 1984, quando do surgimento


do MST a partir da luta pela terra no Brasil. Nesse período a preocupação com a
questão educativa estava diretamente ligada à educação de crianças. Desta forma,
a escolarização era uma reivindicação que partia, sobretudo, das próprias famí-
lias. Segundo a autora (PALUDO, 2006), as primeiras experiências de alfabetização
de jovens e adultos iniciam em 1981 e esse período representou o momento em
que se lançaram as bases para compreensão da educação como um direito e para
iniciar a construção de um modelo de educação alternativo, modelo o qual era
alternativo ao modelo que a rede pública oferecia. Para Paludo (2006) esse foi um
tempo de criação de experiências e debates sobre o papel e a forma de escolas de
assentamento da Reforma Agrária.
Já o segundo momento remete ao período entre 1984 e 1994, no qual ocorreu a
consolidação do próprio MST, com o avanço na luta pela terra e pela consolidação
dos primeiros assentamentos, o que leva o movimento a assumir um compromis-
so maior com a educação. Para Paludo (2006) foi nesse período que ocorreu uma
intensa produção teórica em torno de um projeto educacional próprio do MST.
O terceiro momento diz respeito ao período entre 1995 e 2005, período em
que se intensifica o debate sobre Reforma Agrária e, especificamente no setor de
educação, o movimento impulsiona maior articulação com demais movimentos
sociais do campo e demais segmentos, construindo debates sobre Educação No/
Do Campo e ampliando experiências para os níveis de graduação e especialização.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 85


Foi nesse período que se organizaram tanto o I ENERA (1997) como também a I
Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo (1998), os quais foram
centrais para a articulação de uma política de educação para o campo. Foi durante
a Conferência que se estruturou a rede denominada “Articulação Nacional por uma
Educação do Campo”. Esses encontros e conferências foram essenciais para que
os debates sobre educação nos assentamentos e acampamentos do MST fossem
ampliados para uma dimensão nacional que ultrapassava o próprio movimento,
criando assim um movimento nacional de luta por uma Educação do Campo.

Figura 45 - I ENERA.

Fonte: Jornal dos Trabalhadores SEM TERRA n 01 Mai 1981\n 170 Jul 1997 (1)- Hemeroteca da Luta
pela Terra.

Caldart (2002) evidencia que uma das principais características desse movimento
que surgem em prol de uma educação do campo está no fato da defesa, por parte
da população do campo, de políticas públicas que garantam o direito à educação
que seja no e a partir do campo. Para a autora:
No, o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive. Do, o povo tem direito
a uma educação pensada desde seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua
cultura e as suas necessidades humanas e sociais. (CALDART, 2002, p. 26).

Caldart (2012a), também organizou momentos da educação escolar no MST, a


serem apreendidos no quadro 11 :

86 ·
Quadro 11 - Momentos da História da Educação Escolar no MST

Fonte: Adaptado de Caldart (2012a, p. 241 – 277).

Caldart (2012a) chama atenção à afirmação de que o MST “ocupou a escola”, enquanto
processo que tem três grandes significados a serem apreendidos: o primeiro diz
respeito ao processo de mobilização das famílias pelo direito à escola, mas uma
escola que tivesse realmente sentido na vida presente e futura. Nesse processo, as
primeiras a se mobilizarem foram as mães e as professoras. O segundo ­significado
remete ao MST ter assumido a tarefa de organizar e articular a mobilização pela
educação escolar, produzindo proposta pedagógica específica para as suas escolas
conquistadas e formando professores para trabalhar nessa perspectiva particular.
Foi nesse momento que surgiu dentro do MST o Setor de Educação. O terceiro
­grande significado foi a incorporação, por parte do MST, da escola em sua dinâmica,
o que significa dizer que a escola passou a fazer parte do cotidiano e da preocupa-
ção das famílias sem-terra/assentadas e que a escola passou a ser vista também
como uma questão política, ou seja, como parte estratégica da luta pela reforma
agrária. Cabe destacar que o maior desdobramento, fruto do terceiro momento,
foi o processo desencadeado em torno da discussão Por uma Educação Básica do
Campo (Caldart, 2012a).
Nesse sentido, é importante recordar as diferenças entre Educação Rural e Edu-
cação do Campo. Para Fernandes e Molina (2005), enquanto a educação do campo
carrega essa característica particular, de ser pensada e criada pelas populações do
campo, a Educação Rural foi historicamente parte de um projeto de educação para
a população do campo, sem sua participação e com um viés bastante urbano que
enxerga o campo como local de produção e não local de vida. Além disso, essa visão
que por tanto tempo persistiu (e ainda persiste para muitos) nos demonstra como
os horizontes políticos e educacionais se encurtam quando a educação básica é
pensada apenas como transmissão de saberes e habilidades demandados pela
produção e pelo mercado (ARROYO, 2012). Souza (2016) oferece uma comparação
onde aponta as diferenças básicas entre características da Educação do Campo e
da Educação Rural, a perceber no quadro 12.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 87


Quadro 12 - Diferenças básicas entre as características da Educação do Campo e da Educação Rural

Fonte: Adaptado de Souza (2016, p. 32).

Figura 46 - Capa do Livro Dicionário da Educação do Campo

Fonte: Dicionário da Educação do Campo.

88 ·
Segundo o Dicionário da Educação do Campo (CALDART, 2012b):

A Educação do Campo, como prática social ainda em processo


de constituição histórica, tem algumas características que
podem ser destacadas para identificar, em síntese, sua novi-
dade ou a “consciência de mudança” que seu nome expressa:

• Constitui-se como luta social pelo acesso dos trabalhadores


do campo à educação (e não a qualquer educação) feita por eles
mesmos e não apenas em seu nome. A Educação do Campo não
é para nem apenas com, mas sim, dos camponeses, expressão
legítima de uma pedagogia do oprimido.

• Assume a dimensão de pressão coletiva por políticas públicas


mais abrangentes ou mesmo de embate entre diferentes lógicas
de formulação e de implementação da política educacional
brasileira. Faz isso sem deixar de ser luta pelo acesso à educação
em cada local ou situação particular dos grupos sociais que a
compõem, materialidade que permite a consciência coletiva
do direito e a compreensão das razões sociais que o impedem.

• Combina luta pela educação com luta pela terra, pela Re-
forma Agrária, pelo direito ao trabalho, à cultura, à soberania
alimentar, ao território. Por isso, sua relação de origem com os
movimentos sociais de trabalhadores. Na lógica de seus sujeitos
e suas relações, uma política de Educação do Campo nunca será
somente de educação em si mesma nem de educação escolar,
embora se organize em torno dela.

• Defende a especificidade dessa luta e das práticas que ela gera,


mas não em caráter particularista, porque as questões que coloca
à sociedade a propósito das necessidades particulares de seus
sujeitos não se resolvem fora do terreno das contradições sociais
mais amplas que as produzem, contradições que, por sua vez, a
análise e a atuação específicas ajudam a melhor compreender e
enfrentar. E isso se refere tanto ao debate da educação quanto ao
contraponto de lógicas de produção da vida, de modo de vida.

• Suas práticas reconhecem e buscam trabalhar com a riqueza


social e humana da diversidade de seus sujeitos: formas de
trabalho, raízes e produções culturais, formas de luta, de resis-
tência, de organização, de compreensão política, de modo de
vida. Mas seu percurso assume a tensão de reafirmar, no diverso
que é patrimônio da humanidade que se almeja a unidade
no confronto principal e na identidade de classe que objetiva
superar, no campo e na cidade, as relações sociais capitalistas.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 89


• A Educação do Campo não nasceu como teoria educacional.
Suas primeiras questões foram práticas. Seus desafios atuais
continuam sendo práticos, não se resolvendo no plano apenas
da disputa teórica. Contudo, exatamente porque trata de práticas
e de lutas contra hegemônicas, ela exige teoria, e exige cada vez
maior rigor de análise da realidade concreta, perspectiva de práxis.
Nos combates que lhe têm constituído, a Educação do Campo
reafirma e revigora uma concepção de educação de perspectiva
emancipatória, vinculada a um projeto histórico, às lutas e à
construção social e humana de longo prazo. Faz isso ao se mover
pelas necessidades formativas de uma classe portadora de futuro.

• Seus sujeitos têm exercitado o direito de pensar a pedagogia


desde a sua realidade específica, mas não visando somente a
si mesmos: a totalidade lhes importa, e é mais ampla do que a
pedagogia.

• A escola tem sido objeto central das lutas e reflexões peda-


gógicas da Educação do Campo pelo que representa no desafio
de formação dos trabalhadores, como mediação fundamental,
hoje, na apropriação e produção do conhecimento que lhes é
necessário, mas também pelas relações sociais perversas que
sua ausência no campo reflete e sua conquista confronta.

• A Educação do Campo, principalmente como prática dos


movimentos sociais camponeses, busca conjugar a luta pelo
acesso à educação pública com a luta contra a tutela política e
pedagógica do Estado (reafirma em nosso tempo que deve ser
o Estado o educador do povo).

• Os educadores são considerados sujeitos fundamentais da


formulação pedagógica e das transformações da escola. Lutas
e práticas a Educação do Campo têm defendido a valorização
do seu trabalho e uma formação específica nessa perspectiva.

(DICIONÁRIO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2012, p. 263-264).

Sobre a Educação do Campo, em se tratando das elaborações e experiências ligadas


diretamente ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Caldart (2005)
aponta três referências importantes que constituem as concepções teóricas de
Educação do Campo do MST, evidenciadas no quadro 13.

3
saiba mais:
CALDART, R. Pedagogia do Movimento Sem Terra. Ed Expressão
Popular. São Paulo, 2012a.

90 ·
Quadro 13 - Referências que constituem concepção teórica de Educação do Campo do MST

Fonte: Adaptado de Caldart (2005).

A primeira referência delas diz respeito à tradição do pensamento pedagógico


socialista, com base no qual se pensa a relação entre educação e produção a partir
da realidade particular dos sujeitos em questão: sujeitos do campo. Desta forma,
se evidencia a dimensão pedagógica do próprio trabalho.
A segunda referência se refere à própria Pedagogia do Oprimido e toda a tradi-
ção pedagógica fruto das experiências de Educação Popular. Com essa referência
se inclui na Educação do Campo o diálogo com as matrizes pedagógicas da cultura
e da opressão, que se vinculam diretamente às obras de Paulo Freire. Também é
bastante marcante a relação com essa referência nas experiências baseadas na
Pedagogia da Alternância.
Por fim, a terceira e última referência diz respeito à reflexão mais recente,
construída dentro do próprio MST, que é tratada como a Pedagogia do Movimento.
Esta, além do diálogo com as referências já citadas, traz como cerne a produção de
concepções a partir das experiências educativas dos movimentos sociais do campo,
enquanto matriz pedagógica cuja constituição teórica vem ocorrendo durante a
construção da Educação do Campo. Caldart (2012a) analisa a Pedagogia do Movi-
mento a partir de cinco processos educativos básicos – matrizes pedagógicas do
MST: (1) pedagogia da luta social (lutar para transformar o mundo); (2) Pedagogia
da organização coletiva; (3) Pedagogia da Terra (relação com a terra, com trabalho
e com produção); (4) Pedagogia da Cultura (cultura enquanto processo em que
práticas e experiências se constituem em modo de vida); (5) Pedagogia da História
(educação pela compreensão da história).

A Educação do Campo como Prática Social dos Movimentos Sociais do Campo –


Os desdobramentos do Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária
(PRONERA)

O que falamos sobre as experiências do MST hoje se estende a diversas outras


organizações do campo, que tem privilegiado a formação educativa de seus mili-
tantes e também lutado pela garantia da Educação do Campo. Além do Sem Terra,
cada sujeito que compõe as diversas lutas sociais do campo na atualidade exige o
atendimento de suas questões particulares, como é o caso das mulheres, da juven-
tude, dos quilombolas, dos indígenas, entre outros.
Desde a realização do I ENERA em 1997 até a atualidade já são 20 anos de expe-
riências. Essas experiências vão desde parcerias com o governo federal, parcerias
com universidades, parcerias com a Via Campesina até mesmo com outras entida-
des, para o desenvolvimento de um projeto educativo para o campo, voltado aos
interesses da população do campo. Além disso, ao longo desses 20 anos o­ correram

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 91


diversos eventos como os ENERAs, as Conferências Nacionais por Educação Bá-
sica do Campo, os Fóruns Regionais, Grupos de Trabalho, entre outros. Para um
breve contato com as construções realizadas ao longo dos 20 anos, a seguir será
apresentado desdobramentos do Programa Nacional de Educação para a Reforma
Agrária - PRONERA.

Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária - PRONERA

O Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária surgiu no ano de 1998,


após a realização do I Encontro Nacional de Educação para a Reforma Agrária
realizado em 1997. Além disso, o PRONERA é reconhecido como política pública
de Educação do Campo a partir do Decreto n 7.352, de 4 de novembro de 2010. O
PRONERA tem como princípios político-pedagógicos: democratização do acesso à
educação; inclusão; participação; interação; multiplicação; participação social. Já
os princípios e pressupostos das propostas pedagógicas do PRONERA são: diálogo;
práxis; transdisciplinaridade; equidade (PRONERA, 2016).
Desta forma, entende-se que o PRONERA é fruto da luta dos movimentos sociais
do campo em prol de uma Educação do Campo. É graças ao PRONERA que milha-
res de crianças, jovens e adultos têm conseguido garantir sua alfabetização e até
mesmo dar continuidade aos estudos em diferentes modalidades: educação básica,
graduação, pós-graduação. Cabe também destacar que os cursos do PRONERA se-
guem o regime de alternância (períodos de formação em universidade e períodos
em campo atuando profissionalmente).
Segundo dados da II Pesquisa Nacional de Educação nas Áreas de Reforma Agrária
(II PNERA), de 1998 até 2011, 164.894 pessoas oriundas das áreas de reforma agrária
foram beneficiárias do PRONERA. Além disso, a pesquisa aponta que no período
citado foram realizados 320 cursos por meio de 82 instituições de ensino: 167 de
Educação de Jovens e Adultos, 99 de Nível Médio e 54 de Nível Superior (PRONERA,
2016), entre eles o Programa Residência Agrária.

O Programa Residência Agrária

O Residência Agrária é desenvolvido no âmbito das políticas públicas da Educação


do Campo. O programa é uma proposta por meio da qual se oferece oportunidade
de especialização para estudantes graduados, os quais devem ter relação com os
projetos de desenvolvimento dos assentamentos e com seus projetos educativos.
Além disso, podem participar todos profissionais dispostos a ter vivência e con-
vivência com população assentada e fazer desta seu objeto de estudo acadêmico
durante a especialização (HACKBART e SANTOS, 2009). Com isso as turmas passaram
a contar com recém-graduados, extensionistas e camponeses.

A presença da universidade nos assentamentos, acampamentos


e áreas de Agricultura Familiar refletia a essência da política do
Residência Agrária. A possibilidade de desencadear movimentos
de transformação no próprio processo de produção do conhe-
cimento no âmbito Ciências Agrárias era uma das principais

92 ·
ambições do Programa. A construção de novos processos de
produção de conhecimento se daria à medida que os estudantes
universitários integrados ao Residência e os docentes que dele
participassem, assumissem a dimensão metodológica proposta,
cujo fundamento seria a compreensão de que a ação cotidiana
dos camponeses é portadora de saberes e conhecimentos e que
também deveriam orientar a prática da Assistência Técnica.
(MOLINA, 2009, p. 26).

O principal objetivo do Residência é oportunizar novas estratégias de formação


para estudantes e profissionais das Ciências Agrárias, de maneira a oportunizar a
capacidade de compreensão das necessidades/especificidades dos processos de
produção e de promoção do desenvolvimento rural no âmbito da Reforma Agrária
(MOLINA, et al., 2009).
Conforme apontado por Piccin (2017) entre os diversos cursos do Residência
Agrária não existe uma grade curricular em comum. Com isso, em cada um dos
locais em que o curso foi ofertado o currículo era construído a partir das demandas
locais, permitindo assim que cada curso tivesse particularidades relacionadas à
diversidade vivenciada pelos agricultores brasileiros. Além disso, o autor aponta
que um importante aspecto do Residência está no fato das turmas serem compos-
tas por camponeses, técnicos que trabalham com extensão rural e estudantes de
graduação em final de curso.

Isso proporcionava uma rica interlocução entre diferentes tra-


jetórias, experiências e saberes, estimulado pela pedagogia da
alternância, na qual se intercalam tempos em sala de aula e tempos
de voltar a viver nas comunidades de origem (PICCIN, 2017, p. 7).

Recentemente foi publicada a Coletânea “Residência Agrária em Debate: movimentos


sociais e universidades públicas na construção de territórios camponeses no Brasil”
(Figura 47) com o intuito de sistematização dos conhecimentos gerados a partir dos
cursos de especialização do Residência Agrária e para divulgá-los. Essa publicação
é muito importante, pois permite que toda a sociedade acesse os conhecimentos
construídos através do Programa Residência Agrária, pois nas suas páginas estão os
melhores estudos realizados por residentes, que vão de experiências práticas, novas
tecnologias de produção, estudos sobre cultura e gênero, entre outros. É o resultado
científico da Educação do Campo na modalidade de Especialização. Além disso,
qualquer pessoa pode acessar esse material e aprender com ele, veja no link abaixo:

2
INTERATIVIDADE:
Acesso à coletânea “Residência Agrária em Debate:
movimentos sociais e universidades públicas na construção
de territórios camponeses no Brasil” com resultados de
pesquisas do Programa Residência Agrária:
https://we.tl/2E5eybmp7R

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 93


Figura 47 - Capas da Coletânea Residência Agrária em Debate: movimentos sociais e universidades
públicas na construção de territórios camponeses no Brasil

Fonte: Autores.

Conforme Piccin (2017), a experiência do Residência Agrária procurou ­democratizar


o acesso à pós-graduação em nível de especialização, justamente tendo como
público-alvo setores sociais da sociedade que historicamente tiveram o direito de
acesso à educação negado. Além do mais, procurou inovar ao propor um Programa
em Regime de Alternância no nível de pós-graduação.
O Programa Residência Agrária foi coordenado pelo INCRA e teve abrangência
em todas as regiões do país, de maneira a ser representado por um total de 35
cursos, através dos quais cerca de um total de 1.500 pessoas se especializaram
e realizaram pesquisas para contribuir com melhorias na vida da população do
campo. Conforme já citado, o Programa tem diferentes formatos, metodologias e
conteúdos, pois esses aspectos eram elaborados conforme o local de execução. O
objetivo em comum entre eles de melhorar a vida no campo. Para tanto, o Resi-
dência Agrária se desafiou a criar as condições para que dentro das universidades
brasileiras ocorressem discussões e também elaboração acadêmica sobre o campo
brasileiro e a reforma agrária, contando com o elemento da vivência da realidade
em questão durante a especialização.

94 ·
ATIVIDADES - UNIDADE 3
Atividade 1 – Faça uma lista elencando, na forma de tópicos, os principais apren-
dizados que você adquiriu na leitura e discussão da Unidade 3. A lista deve ser
compartilhada no ambiente virtual no tópico “Atividade 1 – Unidade 3”.

Atividade 2 – Construa uma tabela, a partir de pesquisa sua na internet e/ou li-
vros, sobre as experiências em Educação do Campo no âmbito do PRONERA, de
maneira a apontar: principais características, importância da experiência, demais
informações relevantes acessadas. A tabela deve ser disponibilizada no ambiente
virtual no tópico “Atividade 2 – Unidade 3”.

Atividade 3 – Realize uma pesquisa na internet e em livros para responder a per-


gunta: Qual a importância do Regime de Alternância para a Educação do Campo?
A Atividade 3 não deve ultrapassar uma página e também deve ser disponibilizada
no tópico “Atividade 3 – Unidade 3” no ambiente virtual.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 95


4 QUESTÕES DO DEBATE
ATUAL SOBRE EDUCAÇÃO DO
CAMPO
educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 97
INTRODUÇÃO
E
ducandos e Educandas!
Chegamos na quarta e última unidade de nosso material didático. Nesse
momento já aprendemos muito sobre a temática proposta com esse material,
sobretudo em relação à Educação Popular no Brasil e sua relação com o que hoje
definimos como Educação do Campo. Podemos dizer que agora sabemos mais
sobre o vasto campo de conhecimento da Educação do Campo. Assim, sabemos
que a educação pode ser caminho para a dignidade humana. Mas também sabemos
que, para isso, dependemos de como ela é pensada e praticada.
A luta por uma educação para a dignidade humana, com qualidade e contex-
tualizada com o meio de vida dos educandos e das educandas é uma luta que já
perpassa anos e diferentes períodos. E essa luta por uma educação contextualizada,
de qualidade e com dignidade para as populações do campo segue em voga.
O que atualmente é nomeado como Educação do Campo se relaciona com as
tantas experiências de educação popular brasileiras e com as iniciativas dos movi-
mentos sociais do campo, que desde décadas passadas buscavam uma Educação
para as populações do campo que respeitasse e valorizasse seus modos de vida e de
aprendizado. Hoje, apresenta questões próprias que ainda alimentam debates como:
Que Educação do Campo é essa? Quais os caminhos? Onde estamos? Onde chegar?
Muitas questões surgem desde o primeiro manifesto construído no “I Encontro
Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária”, no ano de 1997, que
manifestava o desgosto dos educadores e educadoras pela forma oportunista
como a educação era ofertada para a população rural. Logo após isso, surgiram
as primeiras experiências formais de Educação do Campo em nível nacional, com
a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), o
qual, em tempos atuais, conta com experiências desde licenciaturas até mesmo no
âmbito de especialização em regime de alternância, como é o caso do Programa
Residência Agrária.
Nesse sentido, a unidade 4, última do conjunto de nosso material didático,
pretende estar dialogando sobre o marco normativo da educação do campo,
principalmente entendendo-a como um direito dos povos do campo, da floresta
e das águas: homens, mulheres, jovens, agricultores e agricultoras, quilombolas,
indígenas, pescadores e pescadoras.
Assim, desejamos que todos e todas possam compreender o que a Educação do
Campo, em suas mais variadas formas, representa para a educação na contempo-
raneidade e, principalmente, seus marcos legais para compreendermos quais os
desafios atuais para os que demandam uma Educação do Campo.
No final da Unidade 4 também propomos uma atividade de fixação para auxiliar
na aprendizagem de vocês.
Bons estudos!

98 ·
4.1
DIREITO A EDUCAÇÃO: IGUALDADE
E DIVERSIDADE
Marcos Normativos da Educação do Campo

A Educação do Campo pode ser entendida como o resultado de um processo social


que envolve diferentes agentes que acreditam no direito da população do campo
em ter uma educação de qualidade e contextualizada. Desta forma, é resultado da
força da sociedade e dos movimentos sociais em exigir que o poder público garanta
um direito: o direito à Educação do Campo.
Desta forma, é possível afirmar que a materialização de uma Educação do Cam-
po envolve uma construção coletiva que abarca diferentes setores da sociedade,
motivo pelo qual também representa um desafio, que é o de construir uma política
educacional que reconheça a grande diversidade que é a população rural brasileira.
Diante disso, o desafio que envolve os setores sociais e o próprio poder público
diz respeito ao reconhecimento da histórica dívida com a população do campo
em termos de acesso à educação de qualidade e, consequentemente, reconhecer
a necessidade de construção de uma política diferenciada para esse setor.
Isso porque, ao falarmos de Educação do Campo como uma política educacional
brasileira, precisamos afirmar que não se trata de uma imposição de um modelo
educacional construído e referenciado na dinâmica de vida e de aprendizados da
população urbana. Por isso, exige a compreensão da diversidade de sujeitos do
campo, da diversidade de realidades e locais de vida no campo, da diversidade de
conhecimentos tradicionais que essas populações possuem. Ou seja: exige desde
o reconhecimento do espaço social rural e de seus agentes sociais até mesmo ao
reconhecimento de que essa diferença exige formas de ensino-aprendizagem di-
ferenciadas, estratégias e práticas pedagógicas alternativas e processos formativos
específicos para a formação de professores e de materiais didáticos.
Evidenciamos que ao longo da história da educação no Brasil a Educação do
Campo foi excluída das políticas públicas. Recentemente, aconteceram algumas
mudanças. Hoje, a Educação do Campo não representa apenas o direito ao acesso
à educação, mas sim o direito a uma educação diferenciada. Isso tem sido possível
através das inúmeras ações dos movimentos sociais e sindicais e por um conjunto
de documentos que tem sido elaborado como forma de referenciar as ações que
envolvem Educação do Campo no Brasil. Iremos abordar alguns exemplos no
quadro 14.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 99


Quadro 14 - Marco Normativo da Educação do Campo

100 ·
Fonte: Adaptado de Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do
Ministério da Educação (SECADI, 2012).

A partir do Parecer nº 36 de 2001, onde se realiza estudo do tratamento recebido pela


educação do campo nas Constituições Brasileiras foi possível o reconhecimento
da diversidade sociocultural e do direito à igualdade e à diferença, bem como a
proposição de medidas de adequação da escola à vida no campo.

No Brasil, todas as constituições contemplaram a educação


escolar, merecendo especial destaque a abrangência do trata-
mento que foi dado ao tema a parti de 1934. Até então, em que
pese o Brasil ter sido considerado um país de origem eminen-
temente agrária, a educação rural não foi sequer mencionada
nos textos constitucionais de 1824 a 1891, evidenciando-se, de
um lado, o descaso dos dirigentes com a educação do campo e,
de outro, os resquícios de matrizes culturais vinculadas a uma
economia agrária apoiada no latifúndio e no trabalho escravo
[...] Na verdade, a introdução da educação rural no ordenamento
jurídico brasileiro remete às primeiras décadas do século XX,
incorporando, no período, o intenso debate que se processava
no seio da sociedade a respeito da importância da educação
para conter o movimento migratório e elevar a produtividade
no campo. (SECADI, 2012, p. 10-11).

Com isso, o Parecer propõe o tratamento da Educação do Campo como projeto


onde as pessoas sejam reconhecidas como sujeitos de direitos com modo de vida
e utilização do espaço próprios, reafirmando assim uma identidade para a escola
no campo. Desta forma, o Parecer ofereceu subsídios para o desenvolvimento de

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 101


propostas pedagógicas de acordo com essa diversidade observada e com o direito
à igualdade e à diferença.
A partir disso, foram elaboradas diretrizes operacionais para a educação básica
nas escolas do campo pela Resolução CNE/CEB nº1/2002. Essas diretrizes, por sua
vez, falam sobre princípios e procedimentos necessários para a universalização do
acesso e a permanência da população do campo a todas as etapas da Educação
Básica. Além disso, ressaltam a elaboração de propostas pedagógicas específicas
e formação inicial e continuada de professores, de acordo com a especificidade
do campo.
Na sequência é aprovado o Parecer CNE/CEB nº 1/2006, o qual normatiza o tem-
po destinado a atividades comunitárias no regime da Pedagogia da Alternância.

(...)a educação do campo é assunto estratégico para o desen-


volvimento sócio-econômico do meio rural e a Pedagogia da
Alternância vem se mostrando como a melhor alternativa para
a Educação Básica, neste contexto, para os anos finais do Ensino
Fundamental, o Ensino Médio e a Educação Profissional Técnica
de nível médio, estabelecendo relação expressiva entre as três
agências educativas – família, comunidade e escola. (SICADI,
2012, p. 39).

A partir do parecer em questão, são definidos os dias letivos para a aplicação da


Pedagogia da Alternância na rede dos Centros Familiares de Formação por Alter-
nância (CEFFA) – Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), Casas Familiares Rurais (CFRs)
e Escolas Comunitárias Rurais (ECORs). Para tanto, se reconhecem como dias e
horas letivos as atividades desenvolvidas fora da sala de aula, mas dentro do Pla-
no de Estudo de cada aluno, durante o período da alternância destinado ao meio
socioprofissional (família/comunidade).
O Parecer nº 3 de 2008 define orientações para o atendimento da Educação do
Campo e estabelece uma discussão conceitual sobre os fundamentos da Educação do
Campo. Já a resolução nº 2 do mesmo ano estabelece as diretrizes complementares,
normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento
da Educação Básica do Campo e define a Educação do Campo como Educação que
compreende a Educação Básica em todas as suas etapas: educação infantil, educação
fundamental, ensino médio e educação profissional técnica de nível médio inte-
grada, com a finalidade de atender às populações do campo considerando as suas
mais variadas formas de vida e de produção – agricultores familiares, pescadores,
assentados, acampados, quilombolas, indígenas, extrativistas, ribeirinhos e outros.
Além disso, as diretrizes da resolução definem que a Educação do Campo de-
verá atender, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, aqueles que não
concluíram seus estudos em idade própria e também orientam que o atendimento
da educação básica do/no campo se de o mais próximo possível à comunidade do
aluno, respeitando as características do seu meio e a necessidade de transporte
escolar, preferencialmente evitando o processo de nucleação escolar.
O Decreto nº 6.755 de 2009 institui a Política Nacional de Formação de Profissionais
do Magistério da Educação Básica, com a finalidade de organizar, em regime de

102 ·
c­ olaboração entre União, Estados, Distrito Federal e os Municípios, a formação inicial
e continuada dos profissionais do magistério para as redes públicas de educação
básica. Além disso, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – CAPES no fomento a programas de formação inicial e
continuada. Recentemente, o decreto foi revogado através do Decreto 8.752/2016,
que dispõe sobre a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação
Básica, no qual em seu artigo 12, sem muitos detalhes, é feita menção à especifi-
cidade da Educação do Campo:

VI - estímulo ao desenvolvimento de projetos pedagógicos que


visem a promover desenhos curriculares próprios à formação
de profissionais do magistério para atendimento da Educação
Profissional e Tecnológica, Educação de Jovens e Adultos, Edu-
cação Especial, Educação do Campo, de povos indígenas e de
comunidades remanescentes de quilombos. (BRASIL, DECRETO
8.752/2016).

Em 2010, através da resolução nº 4, ocorreu a homologação das diretrizes curri-


culares nacionais gerais para a educação básica e a Educação do Campo passou a
ser reconhecida como modalidade de ensino. Já através do Decreto 7.352/2010 foi
instituída a Política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária – PRONERA, além de definir os princípios e mecanismos para
garantia da manutenção e do desenvolvimento da Educação do Campo nas políti-
cas educacionais, entre eles o apoio técnico e financeiro do MEC para a ampliação
e qualificação da oferta da Educação Básica e Superior às populações do campo.
Apenas em 2012 é encaminhada a lei nº 12695/2012, com o objetivo de possibilitar
o apoio técnico e financeiro da União em relação à disponibilização de recursos
para instituições que atuam com a Educação do Campo, como forma de viabilizar
o Programa Nacional de Educação do Campo - PRONACAMPO.

3
saiba mais:
http://pronacampo.mec.gov.br/

O PRONACAMPO foi instituído em 2012 e visa disciplinar ações específicas de apoio


à Educação do Campo e à educação quilombola, de acordo com reivindicações
históricas destas populações pelo direito à educação. O programa representa um
conjunto de ações para acesso e permanência na escola, de maneira a permitir
o aprendizado e a valorização do universo cultural das populações do campo. É
estruturado em quatro eixos: Gestão e Práticas Pedagógicas, Formação Inicial e
Continuada de Professores, Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional,
Infraestrutura Física e Tecnológica.
Assim, o programa tem por objetivo disponibilizar apoio técnico e financeiro para
a implementação da Política de Educação do Campo, visando ampliação do acesso e
qualificação da oferta da Educação Básica e Superior, englobando ações de melhoria
da infraestrutura das redes públicas de ensino, a formação inicial e continuada de
professores e a produção de materiais específicos aos estudantes do campo.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 103


Recentemente, no ano de 2016, foram lançadas quatro importantes portarias
que se relacionam com a Educação do Campo. A Portaria nº 391 de 2016 estabele-
ce orientações e diretrizes aos órgãos normativos dos sistemas de ensino, para o
processo de fechamento das escolas do campo, indígenas e quilombolas. A portaria
nº 15 de 2016 estabelece novo prazo para estudo e elaboração de proposta de Po-
líticas Públicas que visem ao fortalecimento dos Centros Familiares de Formação
por Alternância – CEFFAs.
A portaria nº 16 de 2016 estabelece novo prazo para acompanhamento, su-
gestões de aperfeiçoamento e fortalecimento institucional das Licenciaturas em
Educação do Campo, de forma a contribuir com a expansão dos cursos e com as
metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação. Por fim, a Portaria nº 14 de
2016 estabelece novo prazo para a construção de critérios técnicos para: assegurar
uma distribuição territorial e espacial das escolas do campo compatíveis com as
necessidades da população do campo; propor o aperfeiçoamento pedagógico das
escolas do campo; e melhorar a articulação entre Ensino Superior e a Educação
Básica, por meio do desenvolvimento de um programa de residência docente nas
escolas do campo.
Cabe salientar que o reconhecimento e garantia da educação como direito de
todo e qualquer cidadão é bastante recente, pois foi somente reconhecido a partir
da Constituição de 1988. Ainda assim, muitas vezes o direito está somente no papel
e não nas ações práticas. Além disso, apesar desses inúmeros avanços demonstra-
dos, ou seja, apesar das leis apresentadas, sabemos que o descaso com as escolas
do campo ainda é muito persistente no Brasil. Há descaso porque há ausência de
estrutura pedagógica e física, há professores sem formação suficiente, há insufici-
ência de políticas públicas, há fechamento de escolas acontecendo e agora também
há um processo de redução de investimentos público em educação.

Questões atuais para a Educação do Campo

Recentemente, três questões polêmicas no âmbito educativo passaram a fazer


parte da agenda governamental: a reforma do ensino médio, o projeto Escola Sem
Partido e o congelamento de investimentos públicos. Muito provavelmente você
já ouviu falar nessas polêmicas.
Essas questões remetem a desestruturação de um longo trabalho de construção
e modificações do Plano Nacional de Educação – PNE, devido a interesses econô-
micos. Antes, estava prevista uma mudança para permitir a destinação de 75 %
dos royalties do pré-sal para a educação. No entanto, com a aprovação da PEC 55,
agora Emenda Constitucional 95, a previsão de investimentos foi descartada. No
atual momento em que vivemos, de desmanche das políticas públicas, são muitos
os desafios que se colocam para a Educação do Campo. E com a aprovação da PEC
55, que prevê o congelamento dos gastos públicos nas áreas de saúde e educação
por um período de 20 anos, a situação se agrava ainda mais.
Imagine como seria a Educação do Campo de hoje, se há 20 anos atrás, os in-
vestimentos públicos em educação tivessem sido congelados. Será que existiria
alguma experiência de Educação do Campo no âmbito público? Será que existiriam
cursos de Educação do Campo nas universidades públicas brasileiras? E os cursos

104 ·
de pós-graduação vinculados ao Residência Agrária? É possível perceber uma fra-
gilidade da educação brasileira frente à ameaça conservadora que vem crescendo
em nosso país, que sofrerá os impactos do congelamento de investimentos no
setor da educação.
Como fica a Educação do Campo nesse contexto? Inicialmente já se sabe da
ocorrência de cortes no orçamento do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (PRONERA), o que infelizmente nos leva a acreditar na grande possibilidade
de aumento da precarização das escolas do campo e no fechamento de diversos
cursos, como as especializações do Residência Agrária.
Além disso, a Medida Provisória 746, da Reforma do Ensino Médio, faz exigências
que ferem o direito fundamental à formação humana integral, que impossibilitam
a compreensão do mundo do trabalho e suas contradições, além de desrespeitar a
diversidade e a pluralidade. A medida aumenta a carga horária e muda o currículo
de forma a não ser compatível com os preceitos da Educação do Campo, além de
restringir as áreas de conhecimento fundamentais para uma formação humana
integral. Além disso, a Educação do Campo rejeita os conceitos de formação apenas
por competência e por habilidades, por serem muito limitadores frente a grande
complexidade de questões envoltas nos processos de aprendizagem e de formação.
A concepção de formação por área, presente na Educação do Campo, prevê
um Núcleo Básico de conhecimentos nas áreas de Ciências Humanas e Sociais,
Ciências da Natureza e de diversas linguagens humanas, como por exemplo a Arte.
Esse Núcleo Básico é entendido como condição essencial para a formação básica e
integral. Indo contra essa ideia, a reforma do ensino médio desrespeita a concepção
da Educação do Campo.
É por isso que as escolas do campo não podem dar conta de atender as exigên-
cias da Reforma do Ensino Médio, porque as novas medidas vão contra a própria
forma de ser da Educação do Campo e contra os seus objetivos. Podemos inclusive
afirmar que a reforma carrega concepções urbanas de educação, o que reflete uma
contradição que já abordamos nas outras unidades: uma educação para o meio
rural pensada a partir de olhares urbanos. Pelo que já estudamos, sabemos que
esse não é o melhor caminho para a população do campo.
Diante disso, sabemos que as novas medidas previstas com essa reforma po-
derão vir a contribuir com o fechamento de escolas do campo porque, além das
condições precárias que essas escolas já enfrentam devido à falta de investimentos
públicos, agora irão se deparar com um conjunto de exigências que contradizem
os preceitos da Educação do Campo.
É com isso que afirmamos que a Educação do Campo possui muitos desafios
pela frente e que a mudança do cenário atual em relação à educação é fundamental.
Sabemos que com garantia de investimentos públicos podemos avançar muito,
pois atualmente a Educação do Campo – em suas mais variadas modalidades -
possui inúmeras experiências consolidadas e com ótimos resultados que poderão
servir de exemplo para futuras e novas experiências no Brasil. Por isso chamamos
a atenção: o caminho para avanços na Educação do Campo passa pela garantia de
investimentos públicos e não pelo corte de, por isso demanda que os profissionais
da área estudem, debatam, elaborem sobre a Educação do Campo, se organizando
para defender as experiências em voga. Educação do Campo é direito!

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 105


Atividades – Unidade 4
Atividade 1 – Construa um texto de reflexão que aborde a evolução do reconheci-
mento da Educação do Campo como direito (evolução do marco normativo), os
desafios atuais da Educação do Campo e sua opinião (angústias, desejos, impressões
pessoais, por exemplo) em relação ao futuro da Educação do Campo. Para tanto,
utilize do conteúdo da unidade 4, mas também faça novas pesquisas em bibliotecas
e sites da internet para enriquecer as informações. Observações: Não há limite de
páginas e o texto deve ser postado no Fórum “Atividade 1 – Unidade 4” que será
disponibilizado no ambiente virtual. Boa reflexão!

106 ·
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início de nossa disciplina (unidade 1) os educandos e as educandas tiveram
a oportunidade de familiarizarem-se com o conceito de Educação Popular. Para
tanto, foi realizada uma retrospectiva histórico-política da Educação Popular para
que todos e todas compreendessem a história da Educação Popular desde seu sur-
gimento, os seus primeiros passos e os percursos das experiências e as formulações
teóricas apreendidas no Brasil.
A possibilidade de se apropriarem dessa história foi essencial para que o(a) fu-
turo(a) educador(a) pense sobre sua prática pedagógica, de maneira a relacionar o
aprendido na unidade 1 com aspectos dos espaços educacionais de seu cotidiano.
Assim, através das reflexões relacionadas à unidade 1 se buscou contribuir para
que educandos e educandas construam reflexões que signifiquem e deem forma
às suas experiências educacionais com a educação do campo.
Na Unidade 2 foram apresentadas aos educandos e às educandas do curso de
Licenciatura em Educação do Campo algumas das principais experiências em
Educação Popular, realizadas ao longo da história do Brasil, com destaque às que
contribuíram para mudanças significativas no contexto local e nacional. Desta forma,
foram destacadas experiências no âmbito de organizações não-governamentais,
movimentos sociais, sindicatos, grupos de cultura, como também no espaço formal
da educação pública. Também como parte do desenvolvimento da Unidade 2 os
educandos e as educandas tiveram contato com alguns instrumentos de trabalho
de Cultura Popular.
Com as reflexões da unidade 2 todos e todas tomaram conhecimento das diversas
experiências brasileiras que envolveram princípios e formas de ser da Educação
Popular, sendo elas: Movimento de Cultura Popular de Pernambuco (MCP); Cam-
panha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler; Experiência 40 Horas de Angicos;
Movimento de Educação de Base (MEB); Centros de Cultura Popular da UNE (CPC);
Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA). Ao tomar conhecimen-
to dessas experiências populares, formais e não formais de ensino, educandos e
educandas podem pensar na construção de possibilidades e estratégias dentro de
suas próprias experiências futuras de ensino na Educação do Campo!
A partir da unidade 3 do material didático os educandos e as educandas estu-
daram como os movimentos sociais do campo se apropriaram do debate sobre
educação e de que forma construíram alternativas particulares, a partir de experi-
ências e de debates que foram base para a construção, do que hoje nós entendemos
como uma Educação do Campo no contexto brasileiro. Desta forma, ao longo da
unidade 3, se destacaram assuntos referentes ao início do debate sobre a educação
dentro dos movimentos sociais do campo, olhares que emergem a partir disso em
relação à Educação do Campo, às concepções existentes na atualidade e também
sobre os desdobramentos da experiência do PRONERA, que se consolidou a partir de
iniciativas coletivas dos movimentos sociais no âmbito da Educação do Campo no
Brasil. Assim, foi possível construir aprendizados sobre a relação entre Movimentos
Sociais do Campo, Educação do Campo e diversidade.

educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 107


Na quarta e última unidade de nosso material didático foram apresentados
aspectos e desafios da luta por uma educação para a dignidade humana, com qua-
lidade e contextualizada com o meio de vida dos educandos e das educandas. Com
isso, se discutiu o marco normativo da educação do campo, a partir da perspectiva
de direito dos povos do campo, da floresta e das águas: homens, mulheres, jovens,
agricultores e agricultoras, quilombolas, indígenas, pescadores e pescadoras, a fim
de se estabelecer alguns dos dilemas e desafios atuais para a garantia deste direito.
Como responsáveis pela elaboração desse material didático nós desejamos
que ele tenha representado a possibilidade de múltiplas reflexões. Sabemos que
foi apenas a partir da Constituição de 1988 que a educação se tornou um direito,
o qual deve atender todos os sujeitos, independentemente do local de vida deles.
Porém, ao mesmo tempo, sabemos que esse direito está longe de ser alcançado
na sua totalidade, pois, por vezes, a igualdade de oferta se encontra tão somente
na esfera do Estado de Direito e não da realidade prática. Cabe reforçar que sem
a Educação do Campo estamos negando aos sujeitos do campo o direito de se
desenvolver e retirando-os de sua própria história.
Assim, frente às múltiplas reflexões aqui propostas, esperamos ter contribuído
com e para discussões e práticas pedagógicas comprometidas com uma educação
de qualidade para os povos que vivem no e do campo. Nós, como responsáveis pelo
material didático, consideramos que as experiências da interface entre Educação
Popular e Educação do Campo representam a mais qualificada e possível forma de
educação para o século XXI e para o futuro. Diante disso, também desejamos que
a Educação Popular e Educação do Campo vençam os desafios que a conjuntura
atual impõe, para que as experiências se multipliquem.

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de 16 de junho de 2009, para incluir os polos presenciais do sistema Universidade
Aberta do Brasil na assistência financeira do Programa Dinheiro Direto na Escola;
altera a Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007, para contemplar com recursos do
FUNDEB as instituições comunitárias que atuam na educação do campo; altera a
Lei no 10.880, de 9 de junho de 2004, para dispor sobre a assistência financeira da
União no âmbito do Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento

110 ·
à Educação de Jovens e Adultos; altera a Lei no 8.405, de 9 de janeiro de 1992; e
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panhamento, sugestões de aperfeiçoamento e fortalecimento institucional das
Licenciaturas em Educação do Campo, de forma a contribuir com a expansão dos
cursos e com as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação, com base
no que dispõe o art. 1º, inciso VI do Regimento Interno da Comissão Nacional de
Educação do Campo - CONEC, instituída pela Portaria/ MEC nº 674, de 2013 e revoga
a Portaria nº 4, de 5 de fevereiro de 2016. Disponível em: http://pronacampo.mec.
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como finalidade construir critérios técnicos para assegurar uma distribuição territorial
e espacial das escolas do campo compatíveis com as necessidades da população do
campo; propor o aperfeiçoamento pedagógico das escolas do campo; e melhorar a
articulação entre a Educação Superior e a Educação Básica, por meio do desenvol-
vimento de um programa de residência docente nas escolas do campo e revoga a
Portaria MEC nº 02, de 5 de fevereiro de 2016. Disponível em: <http://pronacampo.
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educação do campo | Educação Popular, Movimentos Sociais e Educação do Campo · 117


APRESENTAÇÃO DOS AUTORES
Olá!

Meu nome é Marcos Botton Piccin e junto com a Janaína Betto construímos
este material didático. Atualmente sou professor no Departamento de Educação
Agrícola e Extensão Rural da UFSM. Apesar de minha formação inicial ter sido
em Medicina Veterinária, fiz meu mestrado e doutorado em Ciências Sociais. O
mestrado eu o conclui em 2008 no curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais,
Sociedade e Agricultura, CPDA, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
e, nessa ocasião, estudei os assentamentos rurais e os desafios enfrentados pelos
agricultores na construção de suas iniciativas de produção. Já o doutorado eu fiz
no Programa de Doutorado em Ciências Sociais, DCS, da Universidade Estadual
de Campinas, em São Paulo, no qual defendi em 2012 uma tese que analisa as es-
tratégias de reprodução social dos chamados estancieiros, grandes proprietários
de terras no Rio Grande do Sul. Por ocasião da tese realizei um estágio doutoral
na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris que me ajudou a preparar
teórica e metodologicamente a pesquisa de campo.
Como docente da UFSM, em 2014, celebramos com o Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária, PRONERA, do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária, INCRA, o projeto intitulado “Diálogos entre a pesquisa científica
e os assentamentos rurais: os cursos do residência agrária em questão”, sob minha
coordenação. Esse projeto construiu várias ações, dentre elas um Congresso Na-
cional dos 34 Cursos de Residência Agrária e a publicação da coletânea formada
por três livros intitulada “Residência Agrária em Debate: movimentos sociais e
universidades públicas na construção de territórios camponeses no Brasil”. Atu-
almente desenvolvo pesquisas relacionadas às temáticas das relações sociais no
campo brasileiro e os processos de concorrência internacional entre os agentes do
que chamamos de sistema agroalimentar.
Desse modo, tenho uma trajetória construída a partir da reflexão sobre as te-
máticas rurais, dentre as quais os processos de educação, a agricultura familiar,
os assentamentos rurais e os movimentos sociais ocupam um lugar especial. Para
mim foi um grande prazer ter contribuído com este material didático, que espero
seja importante para você. Para mim, também foi um grande aprendizado, ao qual
sou imensamente grato.

Marcos Botton Piccin

118 ·
Olá!

Meu nome é Janaina Betto e eu também sou autora do material didático. Minha
formação inicial é Engenharia Florestal, concluída em 2014 pela Universidade Federal
de Santa Maria. Posteriormente eu fiz mestrado em Extensão Rural e Formação de
Professores, ambos pela Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente estou
no início do doutorado em Extensão Rural, pela mesma instituição.
Na graduação participei de projetos de pesquisa e de extensão envolvendo a
temática de Movimentos Sociais do Campo e participei do Estágio Interdisciplinar
de Vivência em Assentamentos da Reforma Agrária na Região Central do Rio Grande
do Sul. Recentemente (2016) conclui o mestrado na área de Extensão Rural, tam-
bém pela Universidade Federal de Santa Maria, através do qual realizei pesquisa
científica sobre as temáticas de Movimentos Sociais do Campo, Movimento de
Mulheres, gênero e geração em contextos rurais e durante a graduação de Formação
de Professores realizei estudos sobre a educação em contextos rurais. Nesse período
também participei do projeto de pesquisa “Diálogos entre a pesquisa científica e os
assentamentos rurais: os cursos de residência agrária em questão”, através do qual
contribui na organização do Volume I – Educação do Campo, Práticas Pedagógicas
e Questão Agrária da Coleção “Residência Agrária em Debate: movimentos sociais
e universidades públicas na construção de territórios camponeses no Brasil”. Atu-
almente, estou na fase inicial do Doutorado em Extensão Rural, através do qual
pretendo estudar relações de gênero no meio rural da Região da Campanha do
Rio Grande do Sul.
Então, como podem observar, a minha trajetória está ligada aos estudos de con-
textos rurais e a diversas experiências que se aproximam da questão dos movimentos
sociais do campo e, direta e indiretamente, da própria Educação do Campo. Espero
ter contribuído para a aprendizagem dos educandos e das educandas do curso de
Educação do Campo e agradeço a oportunidade de ter ampliado meus horizontes
através da construção desse material didático.

Janaina Betto

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