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Deus seria uma invenção dos homens?

O pastor Alain Houziaux expõe os argumentos


de Santo Anselmo, Descartes e Santo To más de
Aquino, que tendem a demo nstrar que Deus não é
uma invenção.

O professor René Girard, antropólogo, vê nos deuses


uma personalização do sagrado. Os deuses, ele
explica, são identificados por um processo social e

Realizações
- Editora
Im presso no Brasil, Design Gráfico
agosto de 2011 Alexandre Wollner
Alexandra Viude
Titulo original: Dieu, une Janeiro/Fevereiro 2 0 1 1
invention?
Copyright e> 2007 by Les Diagramação e fi nalização
Editions de !'Atelier, Paris. Mauricio Nisi Gonçalves
Todos os direitos André Cavalcante
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/Estúdio É
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Deus: uma invenção?


Esta edição teve o apoio da Fundação lmitatio.

INTEGRATING THE HUMA.N SCIENCES

l mitatio foi concebida como uma força para


levar adiante os resultados das interpretações
mais pertinentes de René Gi.rard sobre o
comportamento humano e a cultura.

Eis nossos objetivos:

Promover a investigação e a fecundidade da


Teoria Mimética nas ciências sociais e nas
áreas criticas do comportamento humano.

Dar apoio técnico à educação e ao


desenvolvimento das gerações futuras de
estudiosos da Teoria Mimética.

Promover a divulgação, a tradução e a


publicação de trabalhos fundamentais que
dialoguem com a Teoria Mimética.
9 109
invenção ou capítulo 4
criação? ou: por debate
uma epistemologia
mimética 121
João Cezar de Castro breve explicação
Rocha
123
21 cronologia de
introdução René Girard

25 127
capitulo 1 bibliografia de
pode-se provar a René Girard
existência de Deus?
Alain Houziaux 130
bibliografia
65 selecionada sobre
capítulo 2 René Girard
o bode expiatório e
Deus 138
René Girard índice analítico

85 1 41
capitulo 3 índice onomástico
Deus inventado e
inventor
André Gounelle
um diálogo surpreendente

"Deus é uma invençãor, eis uma pergun­


ta à qual respondo sem hesitar: "Não".2

Assim, in media res (ou, dependendo da perspectiva,


devidamente ab ovo), René G irard principia seu ensaio
neste livro pela conclusão. E o faz de modo deliberada­
mente polêmico.

De fato, Deus: Uma Invenção? coloca à disposição do lei­


tor um diálogo surpreendente. A melhor forma de escla­
recer sua singularidade consiste em contextualizá-lo.

' Professor de Literatura Comparada da U niversidade do Estado do �io de


Janeiro (UERJ).
2 Ver capitulo 2 deste livro, p. 65. Adiante, fornecerei a sequência da citação,

crucial para refletir sobre o futuro desenvolvimento de uma epistemologia


mimética. Para a citação na íntegra, ver a nota 1 8.

i nvenção ou criação? ou: por uma epistemologia mimética 9


aqueles que não são religiosos. Mais uma vez, recorro à
Os três ensaios, assim como os debates aqui coligidos,
introdução do volume: "Em suma, esta pequena obra aces­
tiveram origem num encontro organizado pelo pastor
sível a todos é bastante reconfortante. Será útil tanto para
Alain Houziaux, em novembro de 2005, no templo de
os ateus quanto para aqueles que creem".5
l'Église réformée de l'Étoile. De igual modo este livro. '

foi publicado na coleção "Questions de Vie", que, como


Reconforta nte não é um adjetivo característico do efei-
o título sugere, pretende abordar temas atuais para um
to provocado pelo pensamento girardiano. No fundo, a
público não especializado.3 Alguns títulos da coleção
leitura do autor de O Bode Expiatório (1982) costuma
revelam o propósito de tratar de "questões da vida" que
resultar em inquietações e não certezas, produzindo mais
tanto dizem respeito aos fiéis deste ou daquele credo,
perguntas complexas do que respostas cômodas. Por isso
quanto interessam aos cidadãos em geral.
mesmo, dois pontos devem ser assinalados.

Vejamos alguns dos temas abordados na coleção: Comment


De um lado, observe-se a inversão, em alguma medida
Accepter de Vieillir? (2003); A-t-on Encore Besoin d'une
paradoxal e sem dúvida inesperada, do discurso dos três
Religion? (2003); Doit-on Légaliser l'Euthanasie? (2004);
colaboradores deste volume . Inversão que explode sem
La Souffra nce, Porquoi? (2006); La Solitude, Porquoi?
meias palavras no diálogo entre os interlocutores. Por
(2006) encontram-se entre outros títulos disponiveis. Por­
exemplo, assim René Girard reagiu à palestra do teólogo
tanto, almeja-se refletir, por exemplo, sobre os dilemas do
André Gounelle: "A meu ver, a sua intervenção faz con­
envelhecimento, indagar acerca de temas polêmicos como
cessões demais para o gosto contemporâneo, na mesma
a necessidade contemporânea de religião e a legalização
linha do que eu chamaria de religiosamente correto".6
da eutanásia, ou simplesmente propor questões relativas
a preocupações anciãs e, no entanto, sempre presentes: o
Vejamos, então, o motivo da discórdia, pois, pelo avesso,
sofrimento e a solidão.
ele elucida a metodologia característica da teoria mimética.

No âmbito desse programa, o pastor Houziaux convidou o


O pastor e o teólogo compartilham a mesma orientação
teólogo protestante André Gounelle e o pensado � (católico)
de pensamento e, por isso, não surpreende que cheguem
René Girard, embora ele seja apresentado na introdução do
a idêntico resultado : para eles, sem dúvida, Deus é uma
volume como "professor e antropólogo':4 Afinal, a coleção
invenção dos homens. Nesse sentido, propriamente não
"Questions de Vie" ambiciona propor questionamentos
existe, pois, etimologicamente, existir quer dizer definir-se
cuja relevância tenha caráter ecumênico, atraindo mesmo

3 A editora Les É ditions de l'Atelier é responsável pela coleção "Questions de


5 Idem, p. 24.
Vie''. O livro Dieu, une lnvention?foi publicado em 2007.
6 Ver capítulo 3, adiante, p. 1 04.
'Ver introdução, p. 22.

invenção ou criação? ou: por uma epistemologia mimética 11


10 Deus: uma invenção?
independentemente de outros. Na definição criteriosa do filosóficos tinha como base uma hipótese inicial fictícia.
teólogo: "utilizarei de preferência a palavra ser. Existir Porém, uma vez que as noções derivadas de tal hipótese
quer dizer situar-se (sistere) fora de si (ex) . Existimos eram compreendidas "como se" fossem necessárias, ad­
sempre em função de uma exterioridade e de uma alteri­ quiriam força de construir mundos, 10 muito embora não
dade, sendo que se 'é' em si. Deus é indépendentemente se pudesse ocultar sua origem fictícia.
dos homens, ele não existe independentemente deles".7
o teólogo consulta a etimologia da palavra invenção,
O pastor e o teólogo, de fato, seguem caminhos alternati­ argumentando na mesma senda. Ou seja, Deus é mesmo
vos, mas se encontram no ponto de chegada. uma invenção e, precisamente por isso, é preciso sempre
e mais uma vez reinventá- lo. A experiência da fé, por­
O pastor, o organizador do encontro, rememora as dis­ tanto, deve ser, em primeiro lugar, a vivência pessoal da
cussões teológicas acerca das provas sobre a existência invenção de Deus. Desse modo, André Gounelle prepara o
de Deus, além de recorrer à ciência para defender a im­ caminho para afirmar: "Cada um de nós inventa perma­
possibilidade de discernir realidade objetiva de universo nentemente a sua vida e a sua personalidade. Também é
subjetivo. Nas suas palavras: "Alguém pensa que ouve o assim com Deus. A fórmula pode parecer paradoxal, mas
toque de sinos. Dirão que se trata de uma ilusão. ( ...) Para creio que ela é profundamente j usta: Deus é a mais bela e
o cérebro, a percepção de uma invenção é idêntica à per­ a maior invenção de Deus".11
cepção de um objeto real. Assim sendo, como diferenciar
a fé em um Deus fruto de alucinação, da fé em um Deus o contraste com a resposta taxativa de René Girard não
que de fato existe?".8 Vale dizer, não apenas Deus é uma poderia ser maior.
invenção, mas, a rigor, não há nada que não o sej a ! Alain
Houziaux poderia ter recorrido ao livro de filosofia ou­ A posição dos homens de igreja é, por assim dizer,
trora célebre de Hans Vaihinger, Die Philosophie des Als "acadêmica" ; afinal, suas preocupações são quase exclu­
Ob.9 Em sua "filosofia do como se (als ob) '', o reconhecido sivamente filosóficas e racionais: é como se a questão da
especialista em Immanuel Kant propunha exatamente que existência de Deus fosse apenas um problema epistemo­
a estrutura de todas as ciências e de todos os sistemas lógico, uma querela escolástica, um dilema conceitual.

De outro lado, na verdade, no outro extremo, o acadê­


7 Ver capitulo 2, adiante, p. 76.
mico René Girard destaca-se por assumir uma postura,
8 Ver capitulo 1, adiante, p. 28.
9 Hans Va ihinger, Oie Phi/osophie des Ais Ob. Syste� der theoretischen,
proktischen und religiõsen Fiktionen der Menschheit auf Grund eines idea­
listischen Positivismus. Mit einem Anhang über Kant und Nietzsche. Aalen, 'ºAludo ao conhecido titulo de Nelson Goodman, Ways of Wor/dmaking.
Scientia, 1 986. Johannes Kretschmer preparou u ma tradução comentada lndianápolis, Hackett, 1 978.
'
para o português, que será publicada pela Editora Argos em 201 1 . " Ver capitulo 3, adiante, p. 1 04.

12 Deus: uma invenção? invenção ou criação? ou: por uma epistemologia mimética 13
digamos por economia, "realista" e "engajada'', ao mesmo devem então ser rearranjados em novas disposições. Ora,
tempo em que resiste à tentação de encerrar seu texto em alguma medida, é como se a pergunta-título - "Deus
com algum tipo de apelo de ordem emocional. 12 é uma invenção? - fosse uma pergunta-armadilha, pois,
uma vez que se estabelece a moldura do verbo inven ire,
Compreender a raiz dessa divergência auXiliará o leitor a resposta não pode senão confirmar o juízo que já se
da Biblioteca René Girard a vislumbrar os fundamentos encontrava implícito no questionamento.
de uma epistemologia mimética - ainda a ser plenamente
desenvolvida, reconheça-se de imediato. A reação polêmica de René Girard, portanto, ajuda a
entender melhor a necessidade de retornar ao problema,
Em The Grammars of Creation, George Steiner recuperou mas agora sob uma perspectiva mimética.
uma distinção fundamental para a pergunta que estru­
tura este livro. Ao mesmo tempo, tal resgate esclarece a
potência do pensamento girardiano.
"Distância conceitual" e teoria
Acompanhemos, portanto, rapidamente a reconstrução mimética
do ensaísta. 13
A resposta lhana oferecida por Girard à pergunta-título
Criar, do latim creare, implica o gesto de produzir o novo deste livro é sintomática dos "olhos livres" com os quais
no próprio instante da criação, trata-se da utópica creatio construiu sua obra. 15 O método utilizado para sustentar
ex nih ilo. Inventar, pelo contrário, do latim in venire, en­ uma rép lica tão confiante é o mesmo que fundou os
volve um ato mais modesto, pois significa encontrar, des­ alicerces da teoria mimética : um método comparativo
cobrir, e, muitas vezes, fazê-lo acidentalmente.14 Portanto, de base textual.
inventar supõe a existência de elementos prévios, que
Eis o alfa do pensamento girardiano. Egresso da École
12 Curiosamente, dada a orientação racional do discurso do teólogo, ele
des Chartes, com formação de paleógrafo, e primeira in­
encerrou uma de suas intervenções num tom passional: "Cristãos, não per­ serção profissional na área dos estudos literários, Girard é
camos a esperança! A fé é esperança, esperança apesar de tudo, a despeito
de tudo''. Ver capítulo 3, adiante, p. 108.
13 George Steiner, Grammars of Creation. New Haven, Ya le University 15"Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mu ndo. Ver com
Press, 200 1 . olhos livres''.Oswald de Andrade, A Utopia An tropofágica. 2. ed. São Pau lo,
1 • Não disponho d e espaço para tratar d o tema, mas recordo a brilhante
Globo, 1 995, p. 44, grifo do autor. A alusão ao "Manifesto da Poesia Pau­
reflexão do historiador mexicano Edmundo O'Gorman que em seu clássico Brasil" (1 924) de Oswald de Andrade não é casual. Assim como no caso da
La lnvención de Am érica: E/ Universalismo de la Cultura de Decidente, pu­ referência à obra de O'Gorman, não poderei desenvolver o paralelo, mas
blicado em 1 958, defendia justamente pelas mesmas razões que a América anoto desde já uma série de afinidades eletivas entre a teoria mimética e a
não havia sido descoberta, mas inven tada. história cultural latino-americana.

14 Deus: uma invenção? invenção ou criação? ou: por uma epistemologia mimética 15
essencialmente um leitor agudo de textos. Porém, e mais (ou mesmo possível) supor o conhecimento de uma única
uma vez, como aliás é próprio de seu estilo intelectual, fonte textual, origem incontestável de todas as variações
ele se revela um leitor na contramão das correntes domi­ posteriores. Ora, a hipótese difusionista jamais alcançou
nantes, tanto na teoria da literatura quanto nas humani­ rea l importância precisamente pela impossibilidade de
dades em geral. Ora, a concentração girardiana na leitura demonstrar a existência do texto-origem ou da institui­
minuciosa de textos não o conduziu a uma hermenêutica ção-fonte. Nesse caso, uma pergunta metodológica se
asséptica, na qual textos somente se relacionam com impõe: como entender a presença sistemática de motivos
textos, no jogo infinito de uma intertextualidade onívora comuns ou de uma estrutura recorrente?
e onipresente - autofágica, podemos dizer com lentes
bem-humoradas. A resposta-hipótese girardiana, base para a formula­
ção ulterior de uma epistemologia mimética, pode ser
Pelo contrário, o apuro na leitura de textos oriundos de iluminada através de método comparativo proposto por
autores distintos, culturas díspares e épocas históricas um historiador e que cabe como uma luva no proce­
distantes entre si apenas reforçou o que deve ser conside­ dimento girardiano. Por isso, a fi m de mostrar a con­
rado como o motivo determinante do " realismo girardia­ sistência desse modelo interpretativo, recorro à noção
no", definidor da epistemologia mimética. Como já tratei desenvolvida por Stephen Kern. Preocupado com a
do tema em outra apresentação de volume da Biblioteca sincronia de determin ado momento cultural europeu,
René Girard,16 limito-me a uma observação sucinta, com Kern formulou "o pri ncípio ativo de distância concei­
o objetivo de evidenciar a singularidade da posição do tuai". A definição do método permite uma associação
autor de Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo no enriquecedora com o trab alho comparativo desenvol­
diálogo incluído neste livro. vido por René Girard em seus exercícios de leitura ao
longo de cinco décadas, trab alho iniciado em 1961 com
O realismo girardiano parte do princípio da existência a publicação de seu primeiro livro, Mentira Român tica
(necessária) de um referente externo ao texto. Segundo e Verdade Roma nesca:
Girard, esse elemento co nfere inteligibilidade à miríade
de textos disponíveis nas mais diversas tradições, n a Assim, há uma maior distância concei­
exata proporção em que s e identifica u m motivo recor­ tuai entre o pensamento de um arqui ­
rente ou uma estrutura comum em textos de procedên­ teto e o de um filósofo, com respeito
cias as mais variadas e, sobretudo, sem que seja razoável a determinado assunto, do que entre o
pensamento de dois filósofos. Assumo
que uma generalização sobre o pen­
16 samento de uma época é muito mais
Jim Grote e John McGeeney, Espertos como Serpen tes. Trad. Fábio Faria.
São Paulo, Editora É, 201 1 . convincente quanto maior a distância

16 Deus: uma invenção?


invenção ou criação? ou: por uma epistemologia mimética 17
conceituai entre as fontes nas quais ela a investigação científica - e essa é a razão pela qual
se baseia.17 o pensamento girardiano enfrenta resistências quase
intransponíveis num universo acadêmico majoritaria­
Compreenda-se bem, e a partir do model9 de Kem, o ra­ mente secularizado. Para agravar a situação, o pensador
ciocínio de Girard: se um número sempre crescente de mi­ francês nunca negou sua adesão incondicional à fé cristã ;
tos, peças de teatro, contos, romances, enfim, se um núme­ na verdade, em mais de uma ocasião, especialmente nos
ro sempre crescente das mais variadas formas de narrativa últi mos livros, Girard considerou sua obra uma apologia
encontra inspiração na mesma estrutura matriz do desejo do cristianismo. 19 Escamotear tal dimensão seria falsear o
mimético, então G irard acredita dispor de uma evidência pensamento de René Girard. Para tudo dizê-lo: seria um
clara de sua hipótese. Nesse sentido, deve-se entender a ato de desonestidade intelectual. E m outras palavras, é
resposta peremptória do pensador à pergunta-título deste possível pensar a fecundidade da teoria mimética a partir
livro: "Não". A aparente simplicidade de sua posição oculta de uma posição laica; porém, não é esse o p rojeto de
a complexidade de uma epistemologia mimética - ainda a René Girard - e devemos reconhecê-lo francamente.
ser plenamente desenvolvida, vale repetir. Pode-se, agora,
ler com olhos livres a justificativa girardiana (e posso eu Contudo, e como o paradoxo e as estruturas de duplo vin­
completar a citação com a qual principiei este texto) : culo ('double biná) são o sal da teoria mimética, nada impede
que se leia no mesmo "não", sempre rotundo, a possibilida­
"Deus é uma invenção?", eis uma pergun­ de de desenvolvimento de uma epistemologia laica, apta a
ta à qual respondo sem hesitar: "Não''. dar conta das consequências radicais da hipótese mimética.

Entre as várias concepções de Deus nas E, nesse caso, finalmente, o diálogo entre o antropólogo
sociedades arcaicas, por mais numero­ (aceitemos a defmição proposta por Alain Houziaux),
sas que sejam, há semelhanças demais o pastor e o teólogo transforma-se em consenso, pois,
para que a hipótese de uma pura "in­ recordando as palavras da introdução deste livro, o
venção" possa ter a menor chance de desenvolvimento de tal epistemologia, afinado com a
ser verdadeira. 18 radicalidade da teoria mimética, "será útil tanto para os
ateus quanto para aqueles que creem". ·

Em geral, o leitor contemporâneo somente escuta nesse


"não" rotundo uma profissão de fé incompatível com
19 Recordem-se, nesse sentido, os parágrafos de abertura de seu último grande li­
vro: "Desde a 'conversão romanesca' de Mentira Român tica e Verdade Romanes­
ca'. todos os meus livros são apologias mais ou menos explícitos do cristianismo"
17 Stephen Kern, The Culture of Time and Space. 1880-1918. Cambridge,
[grifos meus). René Girard, Rematar Clousewitz: Além Da Guerra. Diálogos com
Harvard Un iversity Press, 1983, p. 7.
18 Benoit Chantre. Trad. Pedro Sette-Câmara. São Paulo: Editora É, 2011, p. 29.
Ver capitulo 2, adiante, p. 65.

invenção ou criação? ou: por uma epistemologia mimética 19


18 Deus: uma invenção?
Deus seria uma invenção dos homens? Uma criação de
sua angústia, de sua culpa, de sua sede de imortalidade?
Ou, simplesmente, do desejo de encontrar a paz, o amor
e o perdão?

Pode-se provar que Deus não é uma invenção? Pode-se


provar que, de fato, ele existe? O pastor Alain Houziaux
expõe os argumentos de Santo Anselmo, Descartes e San­
to Tomás de Aquino, que buscam demonstrar que Deus
não é uma invenção. Segundo Santo Tomás de Aquino, a
maravilhosa organização do mundo prova a existência de
Deus. Somente ele pode explicá-la. Mas essa prova não é
conclusiva, pois explica o inexplicável sobre o funciona­
mento do mundo por algo ainda mais inexplicável : Deus.
Além disso, insiste Alain Houziaux, pretender confirmar
Deus com raciocínios lógicos é prová-lo à imagem da
inteligência e da lógica do homem. De fato, ele acrescen­
ta, Deus não deve ser concebido como a explicação do
inexplicável, mas antes como o seu princípio. Dizer que
o mundo nos é dado por Deus significa que ele é inex­
plicável e que existe sem motivo, sem razão, sem com­
preendermos por quê. A confissão da fé em Deus é uma

introdução 21
maneira de dizer com louvor o que o ateísmo enuncia: o
razões socioeconômicas e psicológicas, projetamos
mundo e a vida existem sem sabermos a razão e sem que
numa abstração (a Causa primeira do funcionamento do
haja qualquer justificativa. Dessa forma, a graça é uma
universo, por exemplo) a ideia de um Deus pessoal, que
outra maneira de dizer o absurdo.
tem uma relação de amor com os homens. Ele ainda diz
que não há fmitude relacionada a Deus. Sem dúvida,
O professor René Girard, antropólogo, vê nos deuses
nós nos apropriamos dele, caracterizando-o e dando-lhe
uma personalização do sagrado. Os deuses, ele expli-
uma perso nalidade, porém, como uma ilha misteriosa
ca, são identificados por um processo social e religioso
que sempre permanece uma terra incognita, Deus fica
encontrado em todas as culturas. Eles detêm o processo
infinitamente desconhecido. Ele se impõe, mas como um
de autodestruição das sociedades. De fato, todo homem
abismo de mistério de onde sempre pode surgir o des­
é motivado pelo desejo do que o outro deseja (fenôme­
conhecido. A rel igião é uma maneira de inventar meios
no da rivalidade mimética), o que o conduz à vingança.
para conduzir tal Mistério até nós, um pouco como
A autodestruição das sociedades seria inevitável, se os
criamos canalizações para direcionar a água das fontes
homens não se reconciliassem para linchar, através de
até as nossas casas ; entretanto, não se deve confundir
um assassinato coletivo, um bode expiatório. E é esse
a água viva de Deus com as canalizações dos rituais e
mesmo bode expiatório, considerado ao mesmo tempo
doutrinas religiosas i nventadas pelas Igrejas. Ele conclui
como muito ruim (por ser linchado) e muito bom (visto
que Deus é certamente uma invenção dos homens, mas
que reconcilia a comunidade), que é divi nizado. A espe­
que também se pode dizer que ele próprio se inventa
cificidade e a verdade do cristianismo residem no fato
fazendo-se Deus dos homens, o Deus da criação, e mos­
de ter reconhecido que, ao contrário do que supõem os
trando as múltiplas virtudes que possui.
mitos arcaicos, a víti ma do linchamento - Jesus Cristo -
era inocente. E foi essa vítima, a pedra desprezada pelos
Os três colaboradores discutem, em seguida, a utili-
construtores, que se tomou a pedra angular e o Deus da
dade da religião, a ideia de Deus e também a origem
nova religião (Atos 4, 11 ). Dessa forma, Cristo é Deus,
das crenças religiosas. Essa origem está no medo, na
pois, conhecendo intimamente o funcionamento da
violência, na necessidade de ser amado, na culpa? Os
mente humana, ele próprio aceita sofrer o linchamento
autores também discutem a questão da prova da exis­
para revelar aos homens o que são e para extirpar a
tência de Deus : pode-se provar Deus? Sobre esse tema,
violência desse mundo.
André Gounelle insiste na necessidade de encontrar-se
uma terceira via entre a ilusão de que Deus poderia ser
O professor André Gounelle, teólogo protestante,
provado e a afirmação de que seria irracional pela pró­
afasta, em primeiro lugar, a ideia de que Deus teria
pria essência. Já René Girard pensa que os progressos
sido i nventado pelo clero, que queria se aproveitar da
da evolução das espécies vivas, para formas cada vez
credulidade dos homens. Também reconhece que, por
mais complexas e intel igentes, testemunham um projeto
22 Deus: uma invenção?
introdução 23
divino. Assim, a razão pode não demonstrar Deus, mas
não deixa de mostrá-lo.

Em suma, esta pequena obra acessível a todos é bastante


reconfortante. Será útil tanto para os ateus quanto para
aqueles que creem.

Deus é uma invenção dos ho mens? É uma ideia pro­


duzida por nossa atividade cerebral, como outras, a de
Justiça, por exemplo, ou as de Absoluto, de Verdade, de
Igualdade ... ? A Justiça e a Igualdade são evidentemen­
te invenções da nossa consciência, e dizê-lo não é de
forma alguma colocar em questão o ideal e a exigência
que constituem. Pelo contrário, poderíamos conside-
rar que o privilégio do homem em relação ao animal é
precisamente a invenção de ideias e ideais, que terão,
para ele, autoridade. Por que não se poderia dizer o
mesmo de D eus e considerá-lo como a invenção mais
inteligente e virtuosa dos ho mens, a que testemunha o
desejo de compreender o mundo, de gostar da Justiça e
de buscar o Absoluto?

E, no entanto, ficamos chocados ao ouvir que Deus é


uma ideia e uma invenção, tal como a ideia de Bem,
de Verdade e de Justiça. Por quê? Porque Deus não é a
mesma coisa, dirão ! Ao contrário do Bem, da Verdade e
da Justiça, ele existe nele mesmo, independentemente dos
homens. Deus já existia antes do homem e até mesmo
antes da criação do mundo.

24 Deus: uma invenção? capítulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 25


Deus é uma invenção : uma Em relação ao que esperamos que esse Deus diga e
pergunta legítima? faça, ultrapas sa-se, em geral, a razão! Podemo.s, portan-
. - o7
.
to , legitima mente nos pergunt ar: Deus e uma mvença
Embora a religião seja um fenômeno m1:1ito antigo e, fala remos dessa questã o de três maneir as diferen tes.
de
sem dúvi da, universal, a noção de Deus ou de deus Em primeir o lugar: como e por que apareceu a ideia
parece-nos i nstável e contestável, por ser aleatória. O Deus nas religiõe s arcaicas? Ou, para dizê-lo de outra
a
Deus dos poetas e o dos filósofos não têm muito a ver forma , como e por que as religiõe s arcaica s chegar am
com o dos cristãos. Os deuses dos romanos e dos gregos "inve ntar" a ideia de Deus?
(Júpiter, Vênus... ) não têm nada a ver com o de Teste­
munhas de Jeová. O Deus de George W. Bush e o de Em segundo lugar: pode-se provar que o Deus do Credo
Bin Laden tampouco têm a ver com o de Kierkegaard e do cristianismo ("O Pai todo-poderoso, criador do céu e
ou de Pascal. da terra") não é uma invenção da mente dos homens? Em
outras palavras, pode-se provar a existência de Deus?
De fato, essa extrema diversidade de concepções apre­
senta um problema.1 Se nós representamos Deus de uma Por fim: a crença em Deus pode ser explicada pelo
forma tão variada, não é simplesmente porque, cada um, funcionamento da mente? É preciso crer em Deus? Deus
à sua maneira, inventa para si mesmo o seu Deus? é uma invenção da necessidade de nele crer? As vá-
rias representações que temos dele (o Deus Criador, o
Acrescentemos que, à medida que os séculos passaram, Deus que vem ao nosso socorro, o Deus da consciência
o Deus em quem nos propõem que acreditemos se tor­ moral...) nascem na mente para satisfazer essas necessi­
nou mais complicado e talvez até mesmo mais inacre­ dades psicológicas?
ditável. É preciso reconhecer que o Deus da dogmática
cristã parece bem desconcertante. As definições de Concluiremos este ensaio com uma proposta que visa '
Deus (Deus é infi nito, eterno, completamente diferente, ultrapassar ou pelo menos apresentar de outra forma a
acima de tudo ; e, no entanto, Ele é o criador do mundo, questão "Deus é uma invenção?". Ou seja, que significado
o mestre da história, o j uiz dos ho mens, o reanimador pode ter, hoje, o fato de confessar sua fé em Deus?
dos mortos, o protetor de Israel...) dão a impressão de
ser construções dogmáticas intelectuais, demasiada­
mente abstratas ou, pelo contrário, humanas demais e,
em todo caso, com muita frequência, contraditórias. Três observações prévias

Antes de entrarmos no âmago da questão, faremos três


' Raphael Picon, Evangile et Liberté, setembro 2005. observações: a primeira sobre o conceito de " invenção",

26 Deus: uma invenção? capítulo 1 - pode-se provar a existência d e Deus? 27


a segunda sobre o significado da palavra "Deus" e a ter­ Nesse sentido, Albert Einstein disse: "O acaso é Deus que
ceira para mostrar as implicações e os li mites do proble­ passeia incógnito".2 Nesse caso, refere-se a Deus para
ma que colocamos. "batizar" uma noção profana. Não se inventa Deus, dado
que 0 que se designa por Ele, ou seja, o acaso, tem de
• O conceito de "invenção" é mais complexo do que fato uma existência científica e objetiva. O que é possível
imaginamos. Tendemos, com certa frequência, a acreditar considerar como invenção certamente não é o acaso e,
na noção do "ou, ou" : ou Deus é uma invenção e, nesse sim, 0 fato de dizer que Deus é uma noção que tem, na
caso, ele não existe, ou ele existe e, nesse caso, ele não é verdade, um estatuto totalmente leigo e profano. Pode-se
uma invenção. Porém, as coisas não são assim tão sim­ dizer que o uso da palavra "Deus" constitui uma inven­
ples. De fato, por mais surpreendente que possa parecer, 0 ção retórica, uma forma de falar.
que "inventamos para nós mesmos" pode ter existência e
produzir efeitos completamente reais. E não é tudo. De qualquer modo, Deus possui o estatuto
de uma ideia. Aliás, para inúmeros filósofos e teólogos
Pensemos no caso das alucinações. Alguém pensa que (Santo Tomás de Aquino, entre outros), Deus tem sim­
ouve o toque de sinos. Dirão que se trata de uma ilusão. plesmente o mesmo estatuto que os transcendentais da
E ntretanto, há de fato uma realidade neurológica. Aquele escolástica medieval, ou seja, o Uno, o Ser, o Verdadeiro
que imagina que os sinos tocam, ouve-os dessa forma, e 0 Bem. Deus é considerado, com frequência, uma forma
e os eletrodos colocados no seu cérebro confirmam isso de reunir esses transcendentais sob um único conceito.
cientificamente. Dessa fo rma, a diferença entre subj eti ­ � Pode-se dizer que, nesse caso, Deus é uma invenção?
dade (em outras palavras, ilusão, invenção) e existência É bem possível, mas também seria preciso acrescentar
objetiva é muito difícil de ser estabelecida. Para o cére­ que o Ser, a Verdade, o Bem também são invenções, e,
bro, a percepção de uma i nvenção é idêntica à percepção de forma mais geral, todos os conceitos e os valores nos
de um objeto real. Assim sendo, como diferenciar a fé quais colocamos uma letra maiúscula. Todos os concei­
em um Deus fruto de aluci nação, da fé em um Deus que tos, todos os valores, e até mesmo todas as ideias, seriam,
de fato existe? então, invenções do homem.

• Segunda observação. A pergunta "Deus é uma inven­ Mas é preciso admitir que a palavra "Deus" tem um
çao . po de ser apresentada de muitas formas, segundo 0
� 7" significado próprio não associado ao de uma noção
uso que se faz da palavra Deus. profana. Por conseguinte, mesmo quando a palavra

Os filósofos e, de forma mais geral, os pensadores po­


dem utilizar a palavra Deus para caracterizar uma noção ' Albert Einstein, em Albert Einstein, a Life for Tomorraw, Bookland, 1968, ci­
comum e profan a : o Acaso, o Amor, o Bem, o Ser... tado em Le Dictionnaire Jnno tendu de Dieu, Paris, Albin Michel, 1998, p. 205.

28 Deus: uma invenção? cap i tu lo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 29


nar a existência de um Deus
Deus representa algo específico e irredutível, a pergunta De fato, é possível imagi
à nossa mane ira de pensá -lo, fora
"Deus é uma invenção?" é colocada de forma diferente e totalmente estra nho
enten der. Porém, se esse
pode pedir respostas diversas, segundo a m aneira como do campo do que pode mos
teriza uma pergunta destin ada
ele é concebido. Deus existe ou não carac
que é totalm ente estran ho ao
a ficar sem resposta. Visto
temo s nenh uma possi bilida de
Para alguns, Deus não é transcendente, mas totalmente nosso enten dime nto, não
de refletir sobre a pergunta :
imanente ao mundo. Ele não é independente do mundo, de pen sá-lo, e meno s ainda
". Seria interessante colocar,
não tem existência em si. Dessa forma, para os estoicos, "Ele é uma inven ção ou não?
impo rtânc ia para essa inda­
o mundo como totalidade é um ser razoável e sá bio: aí antes de tudo, um limit e de
coloc á-la em relação a
reside sua divindade. Para Giordano B runo (1548-1600), gaçã o. Realm ente, não pode mos
não) diferente daqu ele de
Deus é tão indissociável do mundo quanto a forma é da um Deus (quer ele exista ou
representações. Perguntare­
matéria. Ele é a alma do mundo, o poder do mundo. Para nossas crenças, defin ições e
como o concebemos e
Espinosa (1632-16 7 7), o "Deus Natureza" é uma potência mos, então, somente se Deus, tal
inven ção. E, nessas
ativa infinita que se mostra na manifestação da nature­ definimos, pode ser considerado uma
: Deus , tal como o
za (Deus sive natura). Para Bergson ( 1859-1941) , Deus condições, a resposta parece natural
uma inve nção do
caracteriza o processo da evolução. Ele tampouco tem conceb emos e defin imos , só pode ser
existência própria, antes sustenta a "evolução criadora" nosso pensamento.
de sua criação. De qualquer maneira, Deus não é uma
Porém, de fato, isso não é tão certo. Nada impede que
invenção, não mais que a ideia de forma, de natureza ou
Deus seja totalmente diferente do que pensamos. Tam­
de evolução criadora.
pouco nada impede que Deus seja exatamente o que
pensamos. Por exemplo, podemos considerar que Deus
• Terceira observação. Suponhamos que a concepção
tem uma existência objetiva, que ele é independente
e a imagem que temos de Deus estejam vinculadas ao
dos homens e que é o criador do mundo; de fato, ele
nosso modo de pensar, às engrenagens da psicologia,
pode ser tudo isso. O fato de pensarmos algo, mesmo
às tradições da educação, aos estereótipos da cultura. É
em relação a Deus, não significa que esse "algo" sej a
verdade! Nosso Deus é uma invenção de nossa manei­
necessariamente falso. Mas todo o problema é saber se o
ra de vê-lo. Mas essa não é a questão. Pelo contrário,
que pensamos sobre Deus é verdadeiro ou falso, se é ou
devemos perguntar: há um Deus, um verdadeiro Deus,
não uma invenção.
que seria completamente diferente daquele que inventa­
mos para nós mesmos? Há um verdadeiro Deus, mesmo
Dessa forma, temos todo o direito de fazer a seguin-
que nos sej a totalmente desconhecido, justamente talvez
te pergunta: nosso Deus, tal como o definimos, é uma
porque, sendo Deus, pode escapar do entendimento
invenção? Se é possível dar uma resposta a tal pergunta
relativo ao homem?

capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 31


30 Deus: uma invenção?
representa um outro problema, que trataremos no mo­ G. van der Leeuw3 explica que as crenças animistas
mento devido.
ap areceram porque os primeiros homens se surpreen­
diam diante do poder (chamado de " mana") de diversos
Como já dissemos, a pergunta "Deus é uma invenção?" fenômenos n aturais. Esse poder se manifestava de for­
não se apresenta da mesma forma, pois 'segue a defmição mas diversas : em forças naturais (a chuva que faz cres­
de Deus e como o consideramos. Quando a utilização da cer as plantas, u m raio que pode destruir... ) ; em certos
palavra Deus depende de uma simples maneira de fal ar, homens (com ascendência sobre outros ou possuidores
quando Deus é considerado imanente ao mundo, quando de determinados dons) ; em certos gestos (o poder de
pode ser associado a uma simples ideia, a pergunta quase curar, o poder sexual de gerar) ; em certas pl antas que
não tem i nteresse. Em contrapartida, se Deus é caracteri­ podem curar e em certos animais que parecem ter um
zado como transcendente, existindo nele mesmo, inde­ sexto sentido,4 etc.
pendentemente dos homens e de suas crenças, então a
pergunta toma-se fundamental. o animista considerava que esses fenômenos ocorriam
devido aos espíritos (ou, ainda, aos deuses). O espírito é
Portanto, é importante perguntar-se o que se entende 0 que confere poder e mana às forças naturais. Aquilo
por Deus antes de saber se ele é ou não uma invenção. que tem mana é visto como habitado por uma alma ou
Visto que parece muito difícil não se perder com as di­ espírito.> Pergunta-se: esses espíritos eram concebidos
versas utilizações da pal avra Deus, seguiremos simples­ como internos aos fenômenos que animavam ou foram
mente uma ordem cronológica: o Deus do ani mismo, o imediatamente compreendjdos como independentes e
da teologia de Santo Tomás de Aquino e o das crenças exteriores? Tinham uma existência em si mesmos? Isso
cristãs de h oj e. Primeiramente, veremos como apareceu é discutível. Porém, de qualquer maneira, os espíritos,
a ideia de Deus (ou de deuses) nas religiões arcaicas e
apesar de ter talvez uma forma de exterioridade em rela-
perguntaremos se o(s) deus(es) do ani mismo podem ser
considerados i nvenções.
3 Gerardus van der Leeuw, La Religian dons San Essence et Ses Manifesta­
tions. Paris, Payot, 1 955.
' Os animais parecem ter poderes que poderíamos considerar como "sobre­
naturais''. Por exemplo, o de dirigir-se a longas distâncias na fase migratória,
O n ascimento de Deus e prever certos fenômenos como tremores de terra.
5 Tudo isso, parece-me, é perfeitamente compreensível. No fundo, mesmo

nós, hoje, sentimos as coisas de uma forma semelhante. As crianças dirão


Como e por que apareceu a ideia de Deus? Como a crença que a mesa em que bateram é "má", como se houvesse nela uma intenção e
nos deuses nasceu? Como se chegou à concepção de um um "espírito''. O poeta dirá que a tempestade "urra", como se fosse animada
Deus único e, ainda, pessoal? Como se passou do animis­ por uma forma de espírito. Da mesma maneira, fala-se da "presença" de um
morto e do "espírito" ainda presente desse morto, pois ele contínua a ter
mo ao monoteísmo? influência no mundo dos vivos.

32 Deus: uma invenção?


capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 33
ção aos fenômenos que animavam, permaneciam, indis­ in diss ociável, os. deuses e o mundo. Pode-se, portanto ,
soluvelmente, ligados a eles. E, muito mais tarde, esses co m preender que para os animista s, os espíritos e os
diversos espíritos foram considerados emanações de um deus es, assim como nossas leis físicas, são internos ao
único Espírito, um único Poder, uma úni'c:a Onipotência, fun cio namento do mundo. Os animistas são panteís­
a do Todo-poderoso. De fato, o primeiro nome de Deus, tas ; há uma unidade indissolú vel entre os deuses e a
bem no começo do judaísmo, foi esse. natu reza. Certa mente é possível pergunta r se os deuses
sã o uma invenção , mas a questão não tem, de fato, um
Foi assim que apareceu a ideia de um Deus único. Fomos obj eto, visto que não existem independe ntemente do
do animismo para o monoteísmo, progressivamente e mundo natur al.
sem ruptura. O Deus único do monoteísmo foi, portanto,
primeiramente caracterizado como o Todo-poderoso, ou Conforme argumentamos, a pergunta "Deus é uma in­
seja, como a Fonte única de todos os poderes que ani­ venção?" só pode ser feita para um determinado tipo de
mam o mundo. Só depois tornou-se um Deus pessoal, mentalidade - a nossa -, para a qual há uma diferença
dotado de intenção, de vontade e, por assim dizer, de fundamental entre o que é objetivo (independente de nós)
uma forma de personalidade. e o que é subjetivo ("i nventado" por nós), entre o que
é uma existência em si e o que, como as leis físicas, é
imanente ao mundo. Os animistas não raciocinam nesses
termos, e é totalmente possível que estejam certos. Aliás,
Os deuses do anim ismo, uma certos filósofos, Heidegger7 em particular, se recusam a
invenção? fazer essa oposição. E, se pararmos de opor radicalmente
�existência objetiva" e "invenção", a pergunta "Deus é
Os deuses dos animistas devem ser vistos como inven­ uma invenção?" perde toda a sua perti nência.
ções? Se perguntarmos a um anim ista se os seus deuses
existem de verdade, ele não saberá responder. A ques­
tão sobre a existência dos espíritos e dos deuses não
chega a ser proposta. Para o ani mismo, os deuses agem O Deus do monoteísm o
nos fenô menos naturais e, através deles, nos comporta­
mentos humanos, etc. 6 São tão certos quanto os fenô­ O Deus do monoteísmo surgiu d o animismo. Ele fo i de­

menos que suscitam. Aliás, os mitos cosmogônicos com fln ido como um Deus-poderoso e como um ato de poder
.
agmdo no universo e no homem.
frequência fazem surgir, simultaneamente e de forma

1 Martin Heidegger Chemms q w. ne Menent


. Nulle Part.
• Edward Burnett Tylor e James Frazer. Paris, Gallimard, 1 986.
· ·

34 Deus: uma invenção? capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 35


É esse Deus Todo-poderoso que foi intelectualizado dar provas da existência objetiva de Deus e de sua
pela metafisica e, em particular, pela teologia escolástica. próp ria atividade.
De fato, para Santo Tomás de Aquino, Deus foi concebido
como uma " Causa primeira" de tudo que .existe. De certa
maneira, a metafisica vem do animismo mais do que da
concepção judaica de um Deus pessoal que se toma o Pode-se provar a existência de
aliado do povo de Israel. Deus?

Deus é a causa de todas as causas. Ele é a causa primeira os teólogos tentaram provar a existência de Deus através
do mundo visível e do mundo das forças invisíveis (que de raci ocínios, às vezes, difíceis de serem seguidos.
substituíram os antigos "espíritos"). Ele é o Ser, fonte de
todos os seres, o Uno, fonte de todas as multiplicidades. E • Principiemos pela prova de Santo Ansel mo ( 1022-
é enquanto causa primeira de tudo que existe que tam­ 1 109). É, sem dúvida, a menos convincente. Santo An­
bém é concebido como o criador do universo.ª selmo, em seu Proslogion, define Deus como sendo "tal
que nada de maior pode ser pensado" e utiliza a seguin­
Deus é definido pelos teólogos como u m Ser ativo com te argumentação :
uma existência própria. Deus, dizem, existe indepen­
dentemente do homem e, al iás, já existia antes da sua Se Deus, tal como o defini, não tivesse
aparição. Nessas condições, a pergunta "Deus é uma existência, eu poderia pensar algo maior
invenção?" adquire importância decisiva. Devemos do que Ele e que seria um Deus que tem
abordá-la sem rodeios: o fato de reconhecer que Deus existência. Portanto, Deus, tal como eu
tem existência própria, in dependente do homem, e de o defmi (ou seja, como sendo tal que
considerá-lo um Ser ativo por si mesmo, pode ser visto nada de maior pode ser pensado), não
como uma invenção? Os teólogos sempre quiseram seria mais algo que não me permitiria
p rovar que não era nada disso, e o fizeram tentando pensar nada de maior. Concluindo, a
definição que eu dei de Deus implica
que ele existe.
8 Dessa forma, observemos, não é a pergunta "como foi criado o universo?"
que está na origem da fé em Deus. Essa pergunta só apareceu tardiamente,
mesmo no judaísmo e no cristianismo. O relato da criação do mundo do Poderíamos dizer, com Santo Tomás,9 que essa pro­
Gênesis 1 é completamente isolado no corpo bíblico, e o seu objetivo não va quer dizer que "o significado da pal avra Deus é o
é apresentar Deus como o criador do mundo, mas mostrar que esse mundo
é bom. Os primeiros cristãos confessaram muito cedo "Creio em Deus Pa i,
Todo-Poderoso", mas foi somente no século V da nossa era que se acrescen­
tou "Criador do céu e da terra''. • Santo Tomás de Aquino, Suma Contra os Gen tios, livro 1 , capítulo 1 1 .

36 Deus : uma invenção?


capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 37
próprio ser de Deus", ou que a prova da existên cia O funcionamento do universo prova
de Deus está na maneira como é definido. É por essa a existência de Deus?
razão que a argumentação de Santo Anselmo é con­
siderada, por Santo Tomás e por muito� outros, como
No camp o das provas da existência de Deus, as de Santo
To más de Aquino (1225-1274) são as mais célebres. Sua
pouco convincente.

in ten ção é provar que Deus existe por cinco vias. 1 3 Ele
• A demo nstração de Descartes ( 1596-1650) é mais
também utiliza a via da prova da existência de uma cau­
simples e, sem dúvida, mais convincente. Ela segue
sa a partir de seus efeitos. Porém, ao contrário de Des­
uma via antropológica : comprova Deus a partir das
cartes, ele emprega provas cosmológicas e confirma Deus
características do homem. A prova de Santo Anselmo a partir das características do mundo. Citemos somente
é a noção de infmito que está na sua base. 10 Descartes a primeira e a quinta dessas provas, por serem as mais
diz : " Não teria a ideia de uma substância infi n ita, eu acessíveis e talvez as mais convincentes.
que sou um ser fi nito, se ela não tivesse sido coloca-
da em mim por alguma substância verdadeiramente • Esta é a primeira : todo efeito deve ter uma causa. Dessa

infmita". 1 1 Pl atão, traduzido por Goethe, havia dito isso manei ra, a madeira que é fria pode se tomar quente
e talvez de maneira mais simples: " Se o olho não fosse graças ao calor do fogo. Mas de onde vem esse calor do
de natureza solar, jamais poderia perceber o sol. Se n ão fogo? É preciso que ele próprio tenha uma causa. E, como
vivesse em nós a força própria de Deus, como o divino não se pode seguir infinitamente essa regressão ao infini­
nos encantaria?". 1 2 Trata-se de uma prova pelos efeitos. to das causas, e das causas das causas, é preciso admitir
A causa é provada pelos efeitos. Todo efeito deve ter a existência de um motor primeiro, que é Deus. A origem
uma causa da mesma ordem, e é por isso que o fato de desse argumento remonta a Aristóteles, que extrai da
o homem ter o sentido do infinito não pode ter a sua existência do movimento a necessidade de um "extremo
causa no próprio homem, visto que ele é fi nito. Ele só que seja motor sem ser móvel, ser eterno, substância e
pode ter a sua causa em Deus, que é o infm ito. Por­ ato puro" (Física VIIn . E Leibniz, à sua maneira, retoma­
tanto, Deus existe e é quem dá ao homem o sentido do rá também essa prova.
infinito e do próprio Deus.
Pode-se traduzir essa prova numa linguagem mais cientifi­
ca e atual. À medida que o universo se desenrola no tempo,
10
Os leitores mais corajosos poderão consultar, sobre o papel dessa noção constata-se uma forma de degradação da energia, chamada
de infinito na metafísica e teologia, a nossa obra Dieu à la Limite de l'lnfini. de entropia. Dessa maneira, os astros esfriam aos poucos ao
Paris, Le Cerf, 2003.
11
René Descartes, Méditatian sur la Phi/osophie Premiére, terceira meditação.
12
Platão, Republica 7. Citado por G. van der Leeuw, La Religion dons San
Essence et Ses Manifestations, op. cit., p. 483.
13 Santo Tomás de Aquino fala de "vias", mas ele próprio usa a palavra "provas''.

38 Deus: uma invenção?


capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 39
longo do tempo. Aliás, essa degradação é a causa da evo­ esse argumento em Emílio (Profissão de Fé de um Vigário
lução.14 Uma pergunta se apresenta : de onde vem a energia Saboia no) : a harmonia do mundo não pode ser o resultado
que existia no começo e que, desde o início dos tempos, se de um mecanismo cego ; é preciso que haja uma inteligên­
degrada e produz evolução? É preciso que haja uma causa cia, uma "vontade poderosa e sábia" na sua origem.
primeira para suscitar essa imensa quantidade de energia
original. É essa causa primeira que chamamos de Deus. Atua lmente, retomamos essa quinta prova quando
con statamos que a expansão do universo permitiu o
Pode-se criticar tal prova. Sem dúvida, temos que admi­ apa recimento de pelo menos um planeta onde a vida
tir, a aparição do u niverso é inexplicável. Mas, justificar pôde nascer - o que é pelo menos surpreendente - e que
esse milagre incompreensível por um ato de Deus é expli­ 0 processo da evolução da vida permitiu o surgimento
car um inexplicável por um mais inexplicável ainda. do hom em enquanto ser vivo dotado de uma consciência
_ o que é ainda mais surpreendente. Conclui-se, portan­
• Vejamos a quinta prova de Santo Tomás de Aquino, to, que essa sucessão de "milagres" (a existência de um
que lançou mão da ideia de finalidade e não de causa. planeta onde a vida é possível, o aparecimento da própria
Os seres (mais particularmente os seres vivos) agem e vida e, enfim, o nascimento do homem) não pode ser
se transformam, embora desprovidos de conhecimento, só fruto do acaso, pois o surgimento e o encadeamento
tendendo sempre ao melhor. E para Santo Tomás, isso só de cada um desses três fenômenos eram completamen-
pode ser assim porque são guiados por um Ser inteligen­ te improváveis. Vê-se aí a ação da mão de Deus. Dessa
te, como a flecha pelo arqueiro. Se as plantas, os animais forma, o surgimento da vida e do homem provaria a sua
e os seres humanos se moldam às suas características existência. Deus seria aquele que seleciona os "pontos
naturais e se transformam para se adaptar às novas con­ ganhos" à medida que aparecem e que, além disso, faz
dições em que vivem é porque um agente e uma vontade com que prosperem.
dirigem essas adaptações e transformações. E, para ele, só
pode se tratar da mão de Deus.

Voltaire retomará esse argumento à sua maneira. Em rela­ As provas da existência de Deus são
ção ao funcionamento do mundo, ele escreve: "O universo convincentes?
me espanta e não posso imaginar que esse relógio exista e
que não haja um relojoeiro".15 Rousseau também voltará a Essas provas da existência de Deus parecem bem convin­
centes, não é? Entretanto, é preciso insistir em três pontos.

1• " Entropia"', do grego entrape, causa da evolução.

15 Voltaire, " Les Cabales", Epitres, Satires, Contes, Épigrammes. Paris, Garnier •Primeiro ponto. Nas provas da existência de Deus dadas
Freres, 1 874. por Santo Tomás de Aquino (como já dissemos), Deus é

40 Deus: uma invenção? capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 41


apresentado como uma explicação do que é inexplicável ilógico em relação a essa lógica. O próprio fato de ser
no funcionamento do mundo. Mas pode-se dizer que essa obrigado a chegar a esse ilogismo mostra que Deus não
explicação é feita por um ainda mais inexplicável, o de pode até o fim ser demonstrado e definido segundo as
Deus. E explicar o inexplicável por um inexplicável não leis da lógica. A lógica, em nome da qual se pretende
constitui de forma alguma uma explicação. defm ir e provar Deus, acaba se retirando no próprio mo­
m ent o em que define o Deus que quer provar.
Em relação às provas de Santo Tomás, Kant16 faz uma
observação que caminha na mesma direção. Ele diz que • segu ndo ponto. Retomemos a quinta prova de Santo

se pode sem dúvida chegar, no fim de um raciocínio, à Tom ás de Aquino e, em particular, a sua tradução pelo
ideia de uma "Causa primeira" para explicar a existên­ que se denomina hoje o argumento "antrópico " : 1 ª o sur­
cia e o funcionamento do mundo, mas não é legítimo gimento da vida e o fato de que a evolução das espécies
concluir a partir daí que há um ser que sej a essa causa ten ha conduzido ao surgimento do homem seriam uma
p rimeira. Santo Tomás passa indevidamente de " Isso só sucessão de eventos altamente improváveis que, dizem,
pode se explicar por Deus" a "Deus existe". Ele passa só pôde surgir, porque foi conduzida pela mão invisível
do conceito racionalmente necessário de causa primeira de Deus. O surgimento do homem provaria a existência
à afirmação e à pretensa demonstração da existência de Deus. Pode-se contestar esse argumento : se considera­
de Deus. Conferir uma existência em si a um concei- mos que o surgimento do homem constitui um milagre,
to ao qual se chega através de um processo lógico e é porque nós mesmos somos seres vivos e humanos. É
intelectual é uma i nvenção. porque estamos "no resultado'', ou somos o próprio resul­
tado, que o consideramos milagroso. Em outras palavras,
Kant acrescenta um outro ponto para "demonstrar" as não é de forma alguma um milagre em si.
provas de Santo Tomás. 17 Santo Tomás demonstra a
necessidade de Deus como causa primeira em nome da Vamos dar um exemplo para explicar o que compreende­
seguinte lógica : "Todo efeito supõe uma causa que supõe mos por "estar no resultado". Quando o salmista (Salmos
uma causa, etc.". Essa lógica pode, de fato, definir Deus 91 ,7) acha milagroso porque, enquanto vários milhares
como a causa de tudo que acontece no mundo. Porém, de homens morreram ao seu lado, ele permaneceu vivo,
nesse caso, em nome da mesma lógica, também é preci­ ele o faz porque ficou vivo. Os outros, que foram mortos,
so perguntar qual é a causa de Deus. E dizer que Deus é não o fazem ! Isso ocorre porque ele próprio é o resul­
causa sui (causa de si mesmo) é uma forma de artifício tado de um acaso improvável que, então, considera um
milagre. Ele faz claramente a distinção entre a noção de

16 lmmanuel Kant, Critique de la Raison Pure, "De L' impossibilité d'une Preu­

ve Cosmologique de L'existence de Dieu". Paris, Flammarion, 2001.


" Ibidem. 'ª "Antrópico" vem de an thropos, homem.

42 Deus: uma i nvenção? capítulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 43


de "altamente improvável" e a de milagre. A primeira é • Passemos, agora, a uma terceira crítica das provas de
obj etiva e científica, enquanto a segunda não o é. Tudo Santo Tomás, que se refere diretamente à nossa per­
que é extremamente improvável não é um milagre. É ne­ gunta "Deus é uma invenção?". Essas provas são argu­
cessário que nos sintamos envolvidos pelo . resultado para m entadas e referidas de acordo com a lógica da mente
dizer que há milagre. do hom em e, em particular, à ideia de causa (Deus é
con siderado como a causa da exjstência do un iverso, da
Pode-se, sem dúvida, espantar com o fato de que, a partir vida e do homem). Elas pressupõem que Deus pode ser
da primeira aparição da vida em nosso planeta, o proces­ compreendido, identificado e eventualmente provado, e
so de evolução tenha podido suscitar o homem. Isso tem, que isso pode ser feito utilizando-se a lógica do nosso
com certeza, um caráter extremamente improvável. Mas espírito, que raciocina em termos de causas e efeitos.
o mesmo p rocesso fez surgir os mosquitos, as carpas e Elas pressupõem, portanto, que "Deus pode ser conhe­
os rinocerontes, e isso também tem um caráter extrema­ cido com certeza através da razão humana". 1 9 Pois bem,
mente improvável. Também poderia ter feito surgir uma nada é menos certo. Se D eus é Deus, Ele é independente
espécie mais inteligente que o homem, mais rápida na da lógica do nosso espírito. Por conseguinte, não pode
corrida, apta a ouvir ultrassons e, talvez, por que não, um ser provado pelo homem e pela lógica das suas dedu­
pouco menos cruel e guerreira. ções.20 É o que diz o teólogo protestante Karl Barth21
(1886- 1 968). Querer conhecer Deus, ele diz, e ainda
Em outras palavras, o surgimento do homem pode mais querer evidenciar a sua existência, significa provar
ser considerado extremamente improvável, mas nós o um Deus à imagem da inteligência do homem. É fazer o
classificamos como um milagre somente porque somos que a Bíblia chama de "ídolo", ou seja, um Deus à ima­
homens. Há milênios, a evolução produziu centenas de gem do homem e da sua maneira de pensar. Entretanto,
milhares de espécies que tinham todas algo de único, Deus não tem nada em comum com o homem.22 E é por
de particular e de "milagroso" (basta pensar nos pássa­
ros migradores que podem encontrar o seu caminho em
19 Vaticano 1, 1 869-1 870, Constituição Dei Filius.
milhares de quilômetros). Certamente, é preciso admitir,
20 Excluímos, nas nossas observações introdutórias, a possibilidade de fazer
é improvável que a evolução tivesse produzido o ho­ a pergunta "Deus é uma invenção?" acerca de um Deus que seria estran ho à
mem. Porém, se assim o fez, isso provém somente das nossa compreensão. Essa é a razão pela qual refletimos aqui sobre um Deus
leis do acaso. Se o homem não tivesse surgido, ou se tal como o concebemos e definimos (e que é particularmente pensado e de­
finido como independente do homem e tendo uma existência em si). Porém,
tivesse desaparecido, ele não estaria aqui para conside­ mesmo nesse caso, isso não significa que, justamente por concebermos Deus
rar o seu surgimento e a sua existência como m ilag·res. independente dos homens e mesmo anterior à criação do mundo, tenha de
Portanto, é totalmente contestável que se possa consi­ ser concebido como independe nte da lógica da nossa mente.
21
Karl Barth, Dogmatique, volume li, tomo 1.
derar o aparecimento do homem como uma prova da 22
A teologia católica considera que o homem tem a possibilidade de conhe­
existência de Deus. cer Deus (e eventua lmente de provar a sua existência) porque ele tem algo

44 Deus: uma invenção? capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 45


isso que, para Karl Barth, Deus em si mesmo n ão está ao Dito isso, nada i mpede que possa haver um Deus que
alcance do homem e de suas provas.23 sej a a causa primeira de tudo que existe. E de maneira
mais geral, nada exclui que possa existir um Deus con­
Deve-se, de fato, observar um paradoxo curioso : se qui­ forme o que pensamos e acreditamos sobre esse assunto.
séssemos provar a existência de Deus, em vez de pro­ Porém, nada pode provar que não seja uma invenção da
varmos que ele não é uma invenção, faríamos disso uma mente dos homens.
invenção da nossa inteligência e lógica. Um Deus que
poderíamos provar é um Deus conforme a nossa lógica.
E se Deus existe, ele é certamente independente da nossa
lógica e não pode ser por ela provado. Resumindo : se O Deus das crenças religiosas é u m a
provarmos que Deus não é uma invenção, esse Deus será invenção?
certamente uma invenção. O que colocamos em questão
é o próprio princípio de uma conduta que quer provar Até agora refletimos sobre a pergunta "Deus é uma in­
Deus. O Deus que pretendemos provar se torna, ipso venção?" com base nas definições que são dadas de Deus,
facto, uma invenção pelo próprio fato de se tentar provar em particular, pela metafísica e pela teologia de Santo
a sua existência. Tomás. Gostaríamos agora de refletir sobre isso a partir
das representações que temos de Deus, utilizando uma
Defini-lo através de nossa compreensão é possível, mas abordagem mais psicológica.
Deus s� torna somente um objeto de fé. A sua defini­
ção é a de uma palavra e não prova que um "ser" a ela Observemos, em primeiro lugar, que o Deus dos que
corresponda. Em compensação, querer provar a sua creem (e também dos teólogos que conceptualizam essas
existência pela lógica do entendimento n ão é legítimo. crenças) adquire formas ("representações") diversas que
A definição de Deus pode ser feita segundo a lógica da não são sempre coerentes. A mais conhecida dessas
nossa mente. Mas a prova da sua existência não pode, crenças é a de um Deus que faz funcionar o universo
de forma alguma, ser estabelecida, sobretudo não por (e talvez o tenha criado). Mas, ao lado desse Deus, há
uma demonstração que seguiria a lógica do entendi­ também aquele ao qual recorremos quando tudo vai mal.
mento humano. É o Deus-Salvador. É um pouco menos conhecido que
o primeiro, entretanto, recebe inúmeras súplicas. Enfim,
há o Deus da consciência moral. Ele assume em geral a
em comum com Deus: o Ser. Mas Karl Barth considera que não há nenhuma
figura do juiz, que prescreve e condena.
analogia entre o homem e Deus.
23 Porém, para ser lógico com seu pensamento, Karl Barth deveria ter criti­
Essas três figuras de Deus são muito diferentes, mes­
cado também, da mesma maneira, o fato de que é possível considerar que
Deus ama os homens e a justiça, e que quis fazer alia nça com Israel.
mo que isso não seja sempre claramente percebido por

46 Deus: uma invenção? capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 47


aqueles que creem. Albert Schweitzer diz claramente: Pode-se explicar Deus pela
"O Deus que s.e revela em mim é diferente daquele que psicologia?
distingo no universo. Ele se mostra a mim no universo
como uma força misteriosa e se revela em mim como Deus é uma invenção de algumas de nossas necessidades
uma Vo ntade ética. No universo, ele é como uma perso­ psicológicas? Para refletir sobre essa questão, retomare­
nalidade. ( . . .) Pressinto que de fato são um só, mas não mos cada uma das três figuras de Deus que identificamos:
compreendo de que maneira".24 o Deus cósmico, "grande relojoeiro", o Deus " recurso
sup remo" e o Deus "consciência moral".
Dessa forma, vemos que temos representações de Deus
muito diferentes. Isso pode ser visto como inquietante, • Discernir a necessidade a que responde a crença no
ou suscitar uma pergunta, sem dúvida, iconoclasta, po­ Deus cósmico é bastante simples. Ela responde à necessi­
rém, fascinante: "A que necessidades responde a nossa dade de explicar e compreender o que nos parece inexpli­
maneira de conceber Deus? ". Ou, dizendo de forma mais cável e incompreensível. O estudo das religiões arcaicas
crua: "A que necessidades responde nossa maneira de mostra que a ideia de espírito, em seguida à de deus,
inventar Deus, ou pelo menos, as nossas representações apareceu a partir do espanto diante das forças da nature­
de Deus?". Abordamos aqui o registro inquietante, e por za e dos fenômenos desconcertantes, até mesmo inexpli­
essa razão criticado, da psicologia da religião. De fato, é cáveis, que suscitam. Esses fenômenos são atribuídos a
preciso reconhecer, se aquele que crê em Deus o conce­ um espírito ou a um deus. Assim, a primeira função de
be de várias maneiras (e a teologia da Trindade confir­ Deus, quer para o homem primitivo quer para o homem
ma apresentando Deus segundo três hipóstases diferen­ de hoje, é dar uma explicação ao prodígio do funciona­
tes), se ele tem de Deus imagens diferentes, talvez seja mento do mundo. Essa função é ser uma explicação para
porque a verdade de Deus é, em si mesma, multiforme, o inexplicável. A crença no Deus criador e "grande relo­
mas é também, provavelmente, porque para o homem, joeiro" vem da necessidade de encontrar explicações.
Deus tem "funções"25 diferentes. Essas "funções" de
De.us e, dessa forma, as maneiras como o concebemos, • Falaremos da questão da origem da fé no Deus do

respondem a necessidades diferentes, e poderiam assim "recurso" (o Deus redentor e salvador) segundo uma via
ser "inventadas" por elas. completamente diferente: a da exploração do desejo mais
fundamental do homem. Esse desejo talvez não seja de
onipotência, mas, sobretudo, o de ver remediado o seu
" Albert Schweitzer, Les Religions Mondiales et /e Chris tianisme. Paris, sentimento de impotência. O homem vive, fundamental e
L'Âge d'Homme, 1 975.
constitutivamente, em estado de falta. De fato, ele se sen­
25 A palavra "função" pode surpreender. Falamos da "função" de Deus (po­

deriamos também dizer o papel de Deus) um pouco como se pode falar da te constantemente numa situação de desequilíbrio e é por
função dos mitos, ritos ou símbolos. essa razão que clama por socorro e usa recursos externos

48 Deus: uma invenção? capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 49


a ele mesmo. E é por causa desse trabalho infmito do de­ Por sua vez, o ideal do Eu dita não proibições, mas exi­
sejo, da falta e da frustração que chega a considerar Deus gências. Ele escolhe, entre valores morais e éticos exigi­
como o recurso último e supremo. Freud explica que .
dos pelo Super-eu, aqueles que podem constituir um ideal
sentimos falta de um pai que, melhor que qosso pai real, ao qual o sujeito pode aspirar.27 Ele diz: "Você deve fazer
sej a todo-poderoso, seja um recurso quando nos sentimos
isso ou aquilo". E o ideal do Eu também, como o Super­
fracos e rejeitados. É o sentimento da nossa precariedade
eu, pode ser compreendido e ouvido como uma Palavra
que suscita em nós a oração dirigida ao Todo-Poderoso. vinda de outro lugar e que fala ao sujeito.
Aliás, a palavra prece tem a sua origem no latim medie­
val p recaria. Dessa forma, projetamos em Deus a função do nosso
Sup er-eu e a do ideal do Eu. Deus tem, portanto, como
• Falemos da terceira função de Deus na religião: a de funçã o ser o substrato do Super-eu e do ideal do Eu,
ser a voz da consciência moral. Neste caso, sem dúvida é quando essas duas instâncias são recebidas e concebidas
a "tópica" de Freud que permite determinar a o rigem e a pelo sujeito como externas a ele próprio.
função dessa terceira figura de Deus.
Assim, em síntese, o Deus "grande relojoeiro" tem como
Sabe-se que, para Freud, o aparelho psíquico se divide função nos dar uma explicação sobre o funcionamen­
em três instâ"ucias: o Id, o Eu e o Super-eu.26 Em se­ to do mundo ; o Deus "recurso" traz um socorro numa
guida, ele vai distinguir o Super-eu do ideal do Eu. O situação comprometida; e, por fim, o Deus "consciência
Super-eu determina proibições que inibem as nossas moral" prescreve as proibições e exigências que damos
ações e produzem o remorso. Ele enuncia: "Você não a nós mesmos.
deve fazer isso ou aquilo". E o que nos interessa aqui é
que o Super-eu pode ser sentido pelo sujeito como uma
instância que lhe é exterior. Dessa forma, os doentes
mentais, no seu delírio, ouvem vozes que comentam os Para Deus, que tábua de salvação?
seus fatos e gestos e que, eventual mente, os condenam.
É a voz de seu Super-eu que "fala" e fala "alto". E essa Depois dessas observações, pode ser tentador concluir
"voz da consciência" pode ser ouvida como a voz de que o Deus em que acreditamos não é senão o nome
D eus, mesmo nas pessoas normais. dado a uma invenção suscitada por nossas necessidades
psicológicas e por nossos processos mentais. Portanto,
26
Para a tradução dos termos freudianos, utilizamos a lição de Paulo César
de Souza (tradutor). Sigmund Freud, O Eu e o ld, "Autobiogrofio" e ou tros
textos. Obras Completas. Volume 76 (7923- 1925). São Paulo, Companhia
27 Dictionnaire de Psychanalyse. Org. Roland Chemama e Bernard van der
das Letras, 201 1 . (N. T.)
Mersch. Paris, Larousse, 2005, p. 1 80.

50 Deus: uma invenção?


capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 51
poderia parecer desejável que nos livrássemos dessa De fato, hoje, a experiência de Deus é vivida cada vez
noção de uma vez por todas. Entretanto, tal conclusão é mai s de forma gratuita, não como uma resposta a neces­
um pouco precipitada. Então, poderia haver uma "tábua sid ades. "A grande descoberta do homem da modernidade
de salvação" para Deus? Caso a resposta seja afirmati­ é a não necessidade de Deus".29 Sem dúvida, isso não
va, onde encontrá-la? Primeiramente, faremos algumas resolve a questão "Deus é uma invenção?", mas desloca o
observações, antes de tentar uma proposta. que está em jogo. Pode-se ter a experiência de Deus sem
ter necessidade dele, e pode-se precisar dele, sem por isso
• P ri meira observação. Alguns, entre os crentes, têm ter a experiência da sua presença.
a experiência de D eus (na fo rma da fé, do sentim ento
místico ou do sentimento do sagrado). Essa experiência Mas a experiência de Deus é então uma prova que
poderia ser considerada como uma p rova da existência Deus não é uma invenção? I nfelizmente, não se trata
de Deus? A priori, por que não? Uma experiência - de uma certeza. De fato, a experi ência de Deus, e em
pelo menos isso parece tão irrecusável quanto vários particular a experiência mística, poderia ser expl icada
raciocínios mais ou menos equivocados. Mas o que pela presença, no cérebro, de uma substância, a sero­
é "ter a experiência de Deus"? Digamos claramente: tonina, que seria semelhante à substância das drogas
a "experiência" de Deus não é, necessariamente, a psicodélicas (LSD ... ).30 Uma taxa elevada de serotonina
invenção de uma forma de resposta a necessidades. É no cérebro poderia aumentar o nível de religiosidade.
uma forma de sensação e de estado que suscita sen­ Dessa forma, a experiência religiosa po deria ser susci­
timentos e reflexões relativos a Deus, ao infinito, ao tada por um p rocesso neurológico. E, mesmo quando
além e também ao sentimento de um m istério. As si­ não se pode reduzir a experiência de Deus a isso, o
tuações que suscitam, de uma forma ou de outra, uma fato é que ter a experiência de Deus não constitui uma
"experiência" de Deus não são as mesmas que desper­ prova da sua existência.
tam um recurso ao Deus-função que responde às três
necessidades (compreender, ser socorrido e ser i ncitado • Segunda observação. Constatamos que é cada vez mais
para um dever) que identificamos anteriormente. Essas difícil provar que Deus não é uma invenção à medida
situações são a consciência da morte e da fugacidade que passamos do Deus do animismo ao do causa primei­
da vida, a beleza da natureza, a sol idão, a música ... ra da metafísica, depois ao Deus das crenças religiosas
enquanto aquelas suscitam a necessidade de Deus são de hoje. A multiplicação e a complexidade progressiva
o desespero, o medo . . . 2 8

29 Claude Geffré, Dieu, C'est Ouoi? Org. Alain Houziaux. Paris, Ed. de !'Atelier,
28
Isso é o que mostram as experiências conduzidas pelo Centro de Psicologia 2005, p. 83.
da Religião da Universidade de Louvain relatadas em Antoine Vergotte, op. 30 É o que parece mostrar uma experiência feita por um laboratório da Univer­
cit., p. 1 3 6 ss. sidade de Estocolmo, na Suécia ; conforme Sciences et Vie, agosto 2005, p. 50.

52 Deus: uma invenção? capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 53


dos enunciados sobre Deus complicam paralelamente a exterior ao mundo, quiseram que Ele se tornasse homem
tarefa da sua justificação. De fato, a crença nos espíritos permanecendo Deus. Devemos reconhecer que é um
do animismo parece facilmente compreensível. Lembre­ pouco complicado. Mas o que foi ainda mais complica­
mos que comparamos os espíritos a leis físicas um pouco do é que se quis que esse Deus nascesse de uma virgem.
particulares. A crença num Deus único e independen- Depois foi preciso, além disso, que essa virgem fosse
.
te dos homens já é mais problemática. Porém, embora concebida de maneira imaculada, etc. Vê-se assim que
esse Deus não consiga ser provado, pode-se, entretanto, cada dificuldade teológica é por assim dizer resolvida por
torná-lo compreensível por conceitos como Ser supremo, novas afirmações dogmáticas bastante acrobáticas, que é
a causa primeira ... Por outro lado, a crença de que Deus preciso tentar legitimar através de novas construções que
também é um Deus trinitário, ao mesmo tempo criador são ainda mais complexas.
do universo, salvador da humanidade e inspirador da
consciência moral, parece muito mais problemático. E o Digamos claramente: seria desejável que voltássemos a
que aconteceria se fosse também necessário j ustificar que uma concepção de Deus mais modesta, menos dogmática
esse Deus tem um filho que nasceu de uma virgem e que e, de preferência, mais simples.
nos ressuscita entre os mortos ... !
Poderia parecer surpreendente e provocador o fato de
Em cerca de trin,ta séculos, passamos de uma religião pregarmos um retorno ao animismo para voltarmos a um
mais ou menos natural para crenças infinitamente mais Deus um pouco menos inacreditável . Mas, no fundo, não
desconcertantes e cada vez menos garantidas. Os teólo­ seria necessariamente tão absurdo. O deus do animismo,
gos, procurando especificar e explicitar a ideia de Deus, justamente por não ter pretensões metafísicas, talvez seja
a teriam de fato tornado cada vez mais complicada e o mais crível. A volta, hoje, à espiritualidade, que fre­
menos verossímil. quentemente é uma forma de animismo, mostra bem isso.
Consciente ou inconscientemente, deixamos de querer a
Daremos um exemplo. Os deuses do animismo puderam qualquer preço que o Deus em que queremos acreditar
parecer demasiadamente panteístas e ligados às forças da tenha uma existência em si.
natureza. Os teólogos afirmaram, portanto, que Deus era
transcendente, exterior ao mundo e que existia antes da • Terceira observação. Hoje, a pergunta " Deus é uma
criação do mundo. Disseram ainda que Ele era o criador invenção?" se coloca de forma tão opressora e inevi­
do mundo e do homem. Foi preciso, então, perseverar tável quanto no passado? Não temos certeza. Deus foi
para provar que esse enunciado não era contraditório concebido com uma forma de explicação para o inexpli­
com o fato de que há catástrofes naturais e de que o cável, como uma resposta a um chamado e como uma
homem é consideravelmente egoísta e pecador. E m se­ forma de experiência. Parecia indispensável que não
guida, depois de ter feito de Deus um ser transcendente e fosse uma invenção. Contudo, aos poucos, ficamos cada

54 Deus: uma invenção? capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 55


vez menos preocupados com o Deus da metafísica. A Parece-nos, portanto, que a pergunta "Deus é uma inven­
pergunta "Deus tem uma existência em si?" é hoje me­ ção?" não tem mais a mesma importância que outrora.
nos pertinente que a seguinte : "Que sentido Deus pode Po rtanto, é melhor "jogar a toalha" em relação a esse
dar à vida?". E para tentar responder a essa· pergunta, tema e admitir de uma vez por todas: sim, Deus é uma
não é de forma alguma necessário postular que Deus invenção! E agora, passemos a perguntas mais importan­
tem uma existência em si, independente dos homens. tes : hoje, Deus pode ainda ter um significado? Temos fé
Hoje, parece-me, estamos prontos a aceitar que a ideia em qual verdade?
de Deus seja claramente considerada como uma produ­
ção da nossa mente, se essa "i nvenção" for vista como Retomemos à seguinte evidência: Deus não é um ob­
necessária e útil para dar conta de uma verdade que, jeto físico nem metafísico que seja preciso identificar e
para nós, faz sentido. demonstrar. "Deus" é uma palavra inscrita na confissão
de fé. E uma confissão de fé é um enunciado, ou seja, um
O que estamos dizendo aqui não é necessariamente modo retórico, que expressa o que consideramos verda­
provocador nem iconoclasta. Reconhecemos facil mente deiro. 32 Confesser vem de confi.teri, confessar [também
que algumas ideias, como as de justiça, verdade, liber­ avouer, em francês] ; avouer, por sua vez, vem de fari,
dade, são produções da nossa mente. Não nos incomo­ falar. Confessar significa "declarar, proclamar, ter uma
da saber que elas não têm existência em si mesmas.31 verdade como verdadeira':
O que conta é que elas tenham um sentido e que dão
conta do que acreditamos ser uma verdade. Aliás, ob­ A utilização da palavra Deus é livre e vem sempre de
servemos que, embora as ideias de j ustiça, etc. possam, uma invenção retórica. O importante é saber se o que
de certa m aneira, ser consideradas como i nvenções, designamos por essa palavra tem uma verdade e um
dão lugar, entretanto, a confissões de fé. Pode-se dizer: significado. Confessar Deus como uma ideia, uma petição
" C reio na verdade, na justiça ... ". Ali ás, é pelo fato de de princípio, um artigo de fé, um postulado, é uma coisa.
não designarem nenhuma realidade obj etivamente Querer que exista um ser compatível com essa ideia é ou­
identificável que dão lugar a uma confissão de fé. As­ tra coisa. Precisamos aceitar, clara e humildemente, que
sim, da mesma maneira, e pelas mesmas razões, não é Deus é uma ideia e um artigo de fé sem dizer nada sobre
de forma alguma necessário que Deus sej a visto como sua existência em si.
tendo uma existência em si para ser confessado pela
fé, ao contrário, dado que o que é provado não pode
ser assim confessado. 32 A confissão é um ato de linguagem, não é um impulso do psiquismo, nem
uma experiência, nem a derivação de um saber catequético sobre as diversas
características que atribuímos a Deus. Uma confissão de fé é uma asserção (uma
petição de principio) que trata do que acreditamos ser uma verdade de princi­
31 Exceto talvez para alguns neoplatônicos, e com ressalvas. pio. Pode-se dizer, por exemplo: eu confesso a igualdade de todos os homens.

56 Deus: uma invenção? capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 57


Deus e a graça por n ad a Dizer que o mundo e a vida estão aí "por graça" signifi­
ca que estão aí sem razão, de maneira absurda, sem que
Dessa maneira, o que desejamos revelar quando faze­ saibamos qual é a justificação e a explicação desse estado
mos referência à palavra "Deus" na nossa confissão de de fato. Eles existem por uma espécie de graça gratuita.
fé? Daremos uma resposta pessoal. O que desejamos " Por graça" significa, portanto : "por nada'', ou seja, "sem
revelar é um " inexplicável " e um "por nada". Dizer que que nada o explique, sem que isso tenha um significado,
o mundo nos é dado "por Deus" é confessar que nos é um a razão de ser".34 Além disso, num segundo sentido,
dado de forma i nexplicável, ou seja, por nada, gratui­ "por graça" e "por nada" significam "sem que nada seja
tamente, sem razão, sem que compreendamos por quê. exigido em contrapartida". A doação do mundo e da vida
E pode-se dizer ainda "por graça". Deus não deve ser nos é feita por um ato gratuito e desinteressado.
concebido como uma explicação do inexplicável, mas
antes, como um princípio do inexplicável, da gratuida­ Dessa maneira, a confissão de fé consiste em reler,
de e do por nada. 3 3 por um lado, a dádiva do mundo e da vida como uma
"donne"35 e, por outro, o acaso e o inexplicável como
O mundo existe. Tudo que existe, assim o é sem que se uma graça e uma dádiva.
saiba o motivo. O mundo está ai, e ele aí está sem razão
ou justificação. Ele está aí "por nada" e "porque nada". O fato de reconhecermos que somos beneficiados por
Ele está ai por uma forma de inexplicável, por uma forma uma dádiva não implica, de forma alguma, que exista um
de arbitrário (pode-se dizer que "é assim porque é assim") doador. Mas de uma forma que é a da confissão de fé (ou
e até por uma forma de absurdo. seja, de uma forma retórica e hinológica), designamos
Deus (ou melhor, a graça de Deus) como o doador da dá­
Dessa forma, pode-se dizer que o mundo está aí por diva do mundo e da vida. Mas Deus, como um nome dado
graça, e até pela graça de Deus. Dizer que o mundo está ao ato de doação, não é de forma alguma um sujeito que
aí pela graça de Deus é uma maneira de dizer que está tem uma existência em si, e menos ainda uma intenção.
aí pela graça do arbitrário, do inexplicável, do impro­ Eu digo que Deus é o doador do mundo e da vida da mes­
vável e do acaso. Ele está aí por uma forma de graça ma maneira que se pode dizer que o acaso, a providência
gratuita, sem razão, sem justificação e sem necessidade.

3' A Bíblia não nos diz por que Deus criou o mundo nem por que ele criou o
33 Os a ntropólogos e psicólogos da religião mostraram que a fé só pode homem. Pode-se dizer que o mundo e o homem foram criados "pela glória
de Deus", o que é u ma maneira hi nológica de dizer "por nada".
se apegar ao irracional, ao incompreensível e inexplicável e somente ao
que não pode ser provado e demonstrado. E é considerando essa lição que 35 A "donne" caracteriza a ação de dar e distribuir as cartas, e também as
podemos definir Deus como o princípio do inexplicável, que permanece cartas que foram dadas a u m jogador. Diz-se "avoir une belle donne en
inexplicável. main" "ter um belo jogo na mão''.

58 Deus: uma invenção? capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 59


quiseram que eu encontrasse um amigo. Trata-se de um mundo e a vida são dádivas". A confissão não diz nada
modo retórico. Isso não significa que o acaso ou a provi­ além, ela o diz de maneira diferente. O uso da palavra
dência tenham uma existência enquanto tais. Deus vem da retórica e da semântica. Ela é utilizada para
expli car o sentido que damos ao fato de que "o mundo
A palavra Deus deve ser concebida como um qualificativo existe por nada".
da noção de graça. Em principio, não deveria ser utilizado
enquanto substantivo nem enquanto sujeito, mas somente Reencontramos dessa forma a teologia da justificação
como qualificativo. A graça é qualificada como graça "de pela graça de São Paulo e de Lutero. O mundo não tem
Deus". Entretanto, de uma forma retórica e hinológica, a justificação em si mesmo.37 A sua única justificação está
confissão de fé diz não somente: "O mundo e a vida nos no fato de que existe, que essa existência lhe é dada e
são dados pela graça de Deus", mas também: "Deus nos que ela lhe é dada por nada e por graça.
dá o mundo e a vida''. A confissão de fé muda a forma
passiva (o que os teólogos chamam de passivum divinum) Da mesma maneira, a nossa vida não tem justificação em
para fazer uma afirmação na forma ativa,36 na qual Deus si mesma. Ela não pode ter. Jamais poderemos dar por
se toma sujeito. O enunciado: "A vida, a respiração e todas nós mesmos (por nossas obras, ações ou experiências que
as coisas nos são dadas" se transforma em : "Deus nos dá a podemos viver) um sentido para a nossa existência. E não
vida, a respiração e todas as coisas" (Atos 17,22-26). devemos tentar fazer isso.38 A única justificação do fato
que vivemos está no fato de vivermos, que a vida nos é
Assim, a confissão de fé é uma maneira de dizer o que dada, e que ela nos é dada por nada e por graça. A vida
o ateísmo mais radical reconhecerá facilmente. É uma nos é dada e, dessa forma, ela tem a sua justificação sem
forma de releitura do fato de que "o mundo existe" e da que tenhamos que nos preocupar com isso.
constatação do "por nada" do mundo. Essa releitura não
acrescenta nada de novo no plano ontológico ("Deus" Assim, a legitimação da noção de Deus e da graça não
não é um ser, nem um ato em si). Dizer: "Deus nos dá o provém de uma prova da existência ontológica de Deus,
mundo e a vida" não diz nada além do que "o mundo nem de uma experiência, nem de uma resposta que esse
e a vida nos são dados" e mesmo nada além do que "o Deus daria às nossas necessidades de ordem psicológica,
mas somente de uma confissão do sentido do não sentido e
da graça do absurdo. Ela explicita somente o fato de que a
vida nos é dada por nada e por graça. Mas isso é suficiente.
36 Entretanto, o judaísmo tardio e o cristianismo primitivo, por respeito pelo
mistério de Deus, permanecem frequentemente no passivum divinum e
até na omissão de qualquer referência a Deus. Dessa forma, as Beatitudes
dizem: "Bem-aventurados os misericord iosos, porque eles alcançarão mise­ 37 Poderíamos dizer também: o mu ndo é absurdo em si mesmo.
ricórdia", sem acrescentar "por Deus" e sem afirmar, na forma ativa: "Deus 38 Temos de trabalhar neste mundo "pelo amor de Deus", o que é uma ma­
lhes concede misericórdia". neira de dizer "por nada", gratuitamente.

60 Deus: uma invenção? capitulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 61


O Deus da fé uma decisão de princípio e a priori. Para mim, a fé não
vem de uma crença, mas de uma postura já definida. Eu
Tenho consciência de que a reflexão sobre D eus ser gostaria de explicar isso com uma pequena parábola: um
uma invenção pode deixar perplexo. E a simples fé em homem que sobe um caminho montanhoso. Ele carrega
tudo isso?
u m a tocha na mão com determinação, contudo, tropeça,
praticamente a cada passo. Na realidade, ele é cego. "Mas
Para mim, a fé não vem no fim de uma avaliação mais
então, dizem-lhe, essa tocha, por que o senhor a carre­
ou menos racional das boas e más razões de crer. É a es­ ga?". E o cego responde: "Carregando essa tocha, quero
colha de uma postura a favor de um projeto. Aliás, ocorre demonstrar respeito à luz que não vejo. Quero erguer a
o mesmo no campo das escolhas políticas que, em geral,
to cha da luz e servir a verdade que não vejo. Carrego
são, por sua característica afetiva, muito próximas das
essa tocha gratuitamente, por esperança na verdade da
escolhas religiosas. luz. Eu a carrego pela fé".

Assim, a fé é antes de tudo uma sensibilidade a uma in­ Assim, esse cego carrega e serve a tocha da luz para
terpelação encarnada pela pregação de Jesus Cristo. Essa servir um projeto e uma verdade que ele não vê, e ele o
pregação anuncia uma maneira de ver os homens como faz por uma postura já definida e por vontade própria.
pecadores perdoados e pede a aplicação de um absoluto, Da mesma fo rma, trata-se para mim de servir o proje­
de um ideal e de um projeto de vida e de sociedade: o to e a verdade do Reino de Deus como as parábolas de
Reino de Deus.39 Tal pregação é uma dádiva (é um fato Jesus os caracterizam.
da história, mesmo sendo em parte uma criação da Igreja
primitiva) que tenho como uma verdade, assim como, É possível que Deus seja uma invenção, mas o projeto do
por exemplo, uma prescrição da Declaração dos Direitos Reino de Deus é minha convicção. É a verdade que quero
Humanos de 1789. Tenho fé no que ela enuncia e decido defender e promover. É a verdade na qual creio.
submeter-me a ela.
O fato de confessar Deus e o projeto do seu reino vem de
Eu me comprometo por Deus, pela causa de Deus e pela uma decisão. É mais da ordem da vontade que do senti­
utopia do Reino de Deus, tal como prega Jesus Cristo. E mento. A confissão vem de uma vontade de resistir"º às
eu me comprometo sem que haja uma razão razoável, por exigências do realismo, à fatalidade do mal, do absurdo
e da injustiça. É verdade: tudo é noite, e eis uma razão

39 O projeto do Reino é o projeto de um mundo em que os pecadores se­


riam perdoados, em que os últimos seriam os primeiros, em que as ovelhas
perdidas encontrariam o seu lugar, em que os feridos estendidos à beira da
'°Laurent Gagnebin e Raphael Picon, Le Pro testantisme. La Foi lnsoumise.
estrada seriam socorridos...
Paris, Flammarion, 2005.

62 Deus: uma invenção?


capítulo 1 - pode-se provar a existência de Deus? 63
a mais para pregar a luz. Aliás, o próprio Santo Tomás
o diz, visto que define dessa forma o ato de fé: "Um ato
de inteligência determinado por uma única posição sob a
dominação da vontade".41 Quanto a Pascal, ele co.nsidera­
va a fé como uma aposta, ou seja, como um comprome­
timento durável, um ato de vontade pelo qual o homem
escolhe um caminho : o seu caminho.42

"Deus é uma invenção?", eis uma pergunta à qual res­


pondo sem hesitar: "Não".

Entre as várias concepções de Deus nas sociedades arcai­


cas, por mais numerosas que sejam, há semelhanças de­
mais para que a hipótese de uma pura "invenção" possa
ter a menor chance de ser verdadeira.

Em primeiro lugar, Deus é a personalização do que


chamamos de sagrado. E o sagrado é uma experiência
da violência tão súbita, temível e opressora nas comuni­
dades, que os homens acreditam reconhecer aí um poder
superior a eles, uma força literalmente transcendente que
temem demais para desobedecê-la, e a fortiori para negar
a sua existência.

Deus é essa experiência perso nalizada, repito. Os deu- ·

ses arcaicos não são o verdadeiro D eus, evidentemente,


tampouco são invenções gratuitas, mas interpretações
inexatas, embora necessárias, de violências sociais,
" Santo Tomás de Aquino, Summa, llae; q. 4; par. 1 . entendimentos sem os quais, para mim, jamais teria
•2 Jean-Claude Guillebaud, La Forre de Conviction. Paris, Seuil, 2005, p. 274-77. existido a humanidade. São elas, de fato, que durante

64 Deus: uma invenção? capitulo 2 o bode expiatório e Deus


- 65
muito tempo respeitaram a violência que nos ameaça, em relação aos modos de fala r e de se com
portar, mas
a violência que todos produzimos. São interpretações em relação ao desejo. Os hom ens imi tam
os desejos uns
sobre as quais podemos dizer de forma muito legítima, dos outros e, por isso, estão destinados
ao que cha mo
creio, que são inseparáveis do verdadeiro Deus, qo Deus de riva lidade mim ética, processo que exis
te entre pa� ­
que tampouco é inventado, mas formidavelmente real e ceiros sociais e que ten de a se agravar constan
temente
que, aos meus olhos, é o Deus judaico e cristão. Tentarei pelo próprio fato de que a imitação repercu
te de alguma
explicar o meu pensamento. forma ent re os doi s parceiros. Quanto mai
s desejo esse
objet� que você já deseja, mai s ele lhe par
ecerá desejável,
A presença constante de deus observada pela antropolo­ e mais, por sua vez, ele se mostrará desejáv
el aos meu s
gia revela imposições de ordem social. O maior sociólogo olhos. Dessa forma, sab emo s que todas as
rivalida des
francês, Émile Durkheim, disse: "O social e o religioso são tendem a se exasperar. Nos anim ais, as rivalida
des se ma­
a mesma coisa". Essa frase é frequentemente mal interpre­ nifestam nos com bates, em particu lar pela
s fêmeas. p0_
tada: aqueles que creem, no campo francês, tendem a ver rém, esses com bates não são mortais. O
m ime tism o não
em Durkheim um ateu que reduziu o religioso ao social, é tão pod eroso a pon to de só par ar qua ndo
um dos doi s
enquanto que, curiosamente, os anglo-saxões o conside­ com batentes morrer. O com bat ent e mai s
fraco se sub mete
ram como uma espécie de místico que reduziu a sociedade ao vencedor que por isso não o mat a. Há
mui to pou cos
ao religioso. Na verdade, creio que nenhuma das visões crimes intraespecíficos nas esp écie s anim
ais, mes mo entre
é verdadeira. Para compreender o religioso, se formos os mais mim éticos. No hom em, é diferen
te, poi s sab emo s
modernos e acreditarmos na ciência - e, de certa maneira, que o com bat e mimético pod e se torn
ar infi nito, e leva r a
é preciso crer nisso; aliás, tento tornar o meu trabalho essa primeira inv enç ão hum ana : a vin
gan ça.
científico -, temos de admitir que o religioso começa com
a própria humanidade. Creio mesmo que, de certa forma, Vingar-s� é devolver ao adversá
rio a vio lênc ia que ele
a humanidade é filha do religioso: não existiria sem ele. exerceu. E, portanto, o assassinato
. A vin gan ça transcen­
de os individuas, visto que env
olv e os parentes, as fam i­
O homem evolui num meio social que lhe impõe determi­ lias. D�. certa � ane ira, ela tran
scende o tem po e o espaço,
nadas obrigações, as quais não estão presentes no plano o que Jª lhe da, por ass im dize
r, alg o de religioso.
animal, edibora, hoje, falemos em "sociedades" para
descrever os grupos animais. Eu analiso essas obrigações Se, nas sociedades, a vingan
ça fosse tolerada, é evidente
a partir da noção de "mimetismo'', que os gregos cha­ que a espécie hum ana se
destruiria mu ito rap ida mente.
mavam de mímesis e que fazia Aristóteles dizer que o Quando hoje, os me ios de
vin gan ça se tor nam extre­
homem é o animal mais mimético de todos. Isso signi­ mamen te poderosos, a des
truição da vida no pla neta se
fica que, se os animais são miméticos, os homens são toma poss1ve .
· 1 . Que r que iram os ou não , vem o-n os hoj e
ainda mais. A imitação deve ser concebida não somente n uma s"tu
1 açao pro pna men te apo
-
· calí ptic a, no sentido de

66 Deus: uma invenção? capit ulo 2 o bode expiatório e Deus


-
67
revelação drástica da violência humana. A violência do
do desejo mimético. Quando dois individuos desejam a
homem é delatada pelo que acontece hoje, e como ela
rnes ma coisa, virá juntar-se a isso um terceiro ; quando
ultrapassa as possibilidades humanas, coloca também a há três, logo chegará um quarto, e a partir desse momen­
espécie em perigo. Essa espécie que, boje sabemqs ser
to, já se pode prever, as sociedades primitivas tendem
mais antiga do que imaginávamos, mesmo sendo muito
to das a se mobilizar em lutas insanas. Passam então a ser
recente em relação à duração cosmológica.
ameaçadas pela destruição total.

Se a humanidade se perpetua, isso significa que algum


E m todas as épocas arcaicas, inúmeras sociedades foram
processo interrompeu a vingança, impedindo, assim, que
destruídas, pois não encontraram solução para esse pro­
os homens se matem uns aos outros. Portanto, a pergun­
blema. Mas há uma solução natural para esse problema?
ta mais interessante é: "O que impediu que os homens Creio que sim.
se massacrassem completamente, visto que a vingança
não tem fim?". Essa vingança sem fim é uma contradição Chega um momento em que a rivalidade se toma tão
viva, pois ela é proibida em todos os lugares pelo fato forte que os objetos do debate são destruídos. Quando os
de poder destruir a sociedade, e a vingança não é senão homens brigam pela posse de um objeto, nunca podem
um esforço para dar um fim à vingança. Aliás, é por se entender; vão continuar a lutar até que o combate seja
essa razão que, com muita frequência, as medidas sociais decidido. Mas, durante a batalha, esse objeto vai muitas
tomadas contra a vingança não funcionam. vezes ser destruído, e, a partir desse momento, o antago­
nismo passará a ser "puro": ele sempre será mais forte,
Quando as sociedades estão em crise, ou seja, quando mas, o mimetismo não será mais relativo ao objeto, mas
t o do mundo deseja a mesma coisa e procura obtê- aos próprios antagonistas.
J a pela força, há o que denomino de crise mimética,
extremamente violenta, pois cada individuo participa Uma reconciliação paradoxal toma-se possível : se todos
dessa violência. Sabemos que uma sociedade pode se os homens que desejam a mesma coisa nunca se enten­
desorganizar a ponto de levar a uma crise que ameaça dem, porém, aqueles que odeiam juntos o mesmo adver­
a sua sobrevivência. sário se entendem com muita facilidade. De certa forma,
essa harmonia é o que chamamos de política ! Também é
Ao observar os mitos, constata-se que a maioria come­ o que chamo de mecanismo da vitima única, o mecanis­
ça por uma crise dessas. Por exemplo, a peste do mito mo do bode expiatório.
edipiano é uma imagem dessa violência espalhada por
todas as partes. Às vezes, é uma crise social, às vezes, é Quando individuos são contaminados pelo contágio
uma crise natural, ou que se mostra como natural, mas do adversário, ou seja, quando esquecem o seu próprio
que dissimula de fato o que estou descrevendo: a crise adversário para adotar o adversário do seu vizinho que

68 Deus: uma invenção?


capítulo 2 o bode expiatório e Deus
- 69
parece mais atraente, chega um momento em que toda a
E rn outras palavras, por trás do deus, há algo real, um
comunidade está do mesmo lado contra um único indiví­
rn eca nismo que chamo aqui de bode expiatório. Muitas
duo, e não se sabe por que finalmente ele é o escolhido.
vezes pensamos que as pessoas que têm um bode expia­
Se estudarmos os mitos, o de Édipo, por exemplo, vere­
tório deveriam saber. Mas é exatamente isso: ter um bode
mos que essa passagem acontece no próprio momento em
expiatório é não saber que se tem um, é ver essa vítima
que se acredita descobrir o culpado da crise: Édipo. Mas
como o verdadeiro culpado.
Édipo é, entre outras coisas, um manco, um homem dife­
rente dos outros. Não se sabe de onde vêm os seus pais, a
Po rtanto, nas sociedades arcaicas, o deus é sempre cul­
sua família, etc.
pado , e muito mau, muito perigoso, mas às vezes ele se
tra nsfo rma em um salvador, ele decide nos salvar, não se
Finalmente, o herói mítico é uma vítima unânime: ele será
sabe muito bem por quê. Vamos, então, prestar um culto
morto por todo mundo. Todo mundo está contra ele, todo
a ele para tentar tomá-lo favorável .
mundo transferiu a violência - e utilizo a palavra trans­
ferência com conhecimento de causa -, a ponto de toda
O sacrifício, que a meu ver é a primeira instituição
a sociedade matar esse indivíduo. Esse fenômeno existe e humana, consiste, para uma comunidade que conheceu
tem um nome: chama-se linchamento unânime. Nos gran­
esse fenômeno e que se reconciliou, em procurar repetir
des textos sagrados, inclusive os textos bíblicos, percebe­
o assassinato de uma vítima, como na primeira vez em
se que o linchamento tem um papel extraordinário; nos
que essa primeira vítima que todos matamos juntos, em
mitos, na Bíblia, e finalmente nos próprios Evangelhos, de
nome da comunidade, nos salvou. Se recomeçássemos,
uma forma apenas atenuada. Em outras palavras, o assas­
talvez fôssemos novamente salvos. Essa é a razão pela
sinato coletivo tem em todos os textos religiosos um papel
qual creio que o sacrifício é eficaz, pois é o sucedâneo
tão importante que pede uma explicação, e essa explica­
do fenômeno do bode expiatório. Entretanto, ele perde a
ção é o mimetismo, e não a culpa real da vítima.
sua eficácia aos poucos, embora as sociedades arcaicas
funcionem baseadas nele.
O linchamento, por sua unanimidade, reconcilia a
comunidade, e o personagem que foi linchado é vísto
Temos exatamente o mesmo processo no cristianismo.
como muito mau, pois causou a violência na comuni­
Uma comunidade inteira - os sacerdotes do Sinédrio,
dade. Talvez tenha causado um parricídio e um i ncesto
Pilatos, e mesmo Herodes em São Lucas - quer que a ví­
segundo a tese edipiana, muito frequente nos mitos (ao
tima morra, mesmo que fosse somente para desfrutar do
contrário do que Freud acreditava), mas parece muito
espetáculo da sua morte. Dessa forma, nos Evangelhos,
bom a partir do momento em que a sua morte reconcilia
vemos a reformulação desse linchamento, e é a vítima
a comunidade. Ele se torna, então, o deus arcaico, ao
desse linchamento que é divinizada. Aliás, essa é a razão
mesmo tempo muito bom e muito mau.
pela qual os antropólogos da grande época, que eram

70 Deus: uma invenção?


capítulo 2 o bode expiatório e Deus
- 71
todos anticristãos, puderam dizer que os mitos e o cristia­ O que é preciso compreender, então, é essa inversão absoluta
nismo eram parecidos e que o erro dos cristãos foi buscar do sacrifício que faz de Cristo uma pessoa absolutamente
um mito a mais para ter a verdade. Esse religiocentrismo ún ica. Aliás, a Paixão está cheia de fórmulas que nos dizem
é uma forma de etnocentrismo. ex atamente o seguinte: "A pedra desprezada pelos constru­
tores tomou-se a pedra angular''. O que isso quer dizer? Cris­
É muito inquietante. Tão inquietante que o cristianismo to pergunta aos seus ouvintes e ninguém responde. Pode-se
não o aceitou, e não entendeu que poderia tê-lo aceita­ imagin ar que os teólogos medievais e modernos retomaram
do, e que estava prestes a compreender a superioridade uma pergunta colocada por Cristo, para tentar respondê-la.
infinita do bíblico e do cristão a partir do momento em Vocês já viram um teólogo se interessar por essa questão
que via que nos dois casos os mecanismos enganadores colocada pelo próprio Cristo? Nunca ! Ele se interessa por
do bode expiatório agiam. filosof1a grega e por todas as coisas que não estão nos Evan­
gelhos, mas não pela pergunta feita por Cristo.
O que as pessoas não viam e que, no entanto, é de uma
simplicidade desconcertante, é a diferença fundamen- "É melhor que um só homem morra e que o povo seja
tal que há entre os mitos e os Evangelhos. Nos mitos, a salvo''. Isso quer dizer que Cristo é o bode expiatório? Cer­
vítima é sempre culpada, enquanto que na Bíblia, e em tamente: ele próprio aceita tomar-se esse bode expiatório
particular no cristianismo, a mesma vítima é inocente. e mostrar-nos o que nós todos fazemos. Vejam, por exem­
Dessa forma, os textos evangélicos nos dizem a verdade e plo, como nós, os países, nos tratamos. Isso chama muito
o funcionamento do mecanismo, em vez de mentirem. a minha atenção, pois, quando volto dos Estados Unidos,
eu reencontro exatamente a mesma coisa: os culpados são
É a coisa mais simples que existe. Contudo é, ao mesmo os americanos ao invés de serem os franceses. É sempre
tempo, a de mais difícil entendimento na minha tese. igual dos dois lados, e há poucos que compreendem essa
Quando a compreendemos verdadeiramente, compreen­ igualdade na responsabilidade, na culpa.
demos que a Bíblia e o cristianismo têm uma dimensão
da verdade que nenhuma outra religião pode ter, pois Eu tentei explicar a vocês, de maneira muito sumária
retomam o mesmo fenômeno, e em vez de ir até o fim e desajeitada, por que eu penso que os deuses arcai-
da mentira, eles a contradizem e na realidade revelam a cos, mesmo não sendo reais, não são de forma alguma
mentira tal como ela é. inventados. São a interpretação equivocada, porém,
inevitável da nossa própria violência, por muito tempo
Graças à Paixão, Cristo quer que os homens reconheçam indispensável para a humanidade, pois ela permite que
o seu papel de criadores de vitimas, de perseguidores. É os individuos e as comunidades com ela coexistam, com
por proclamar as regras do Reino e renunciar totalmente a violência que não paramos de produzir e de atenuar.
à violência sacrificial, que o próprio Cristo é sacrificado. O fenômeno do bode expiatório unânime coloca um fim

72 Deus: uma invenção? capítulo 2 o bode expiatório e Deus


- 73
nas crises violentas das sociedades arcaicas e estabelece A. H . : Ah, é? Todavia, são muito signi ficativos ... Dessa
a ordem "sacrificial", a ordem que consiste em repetir o forma, para o senhor, Deus aparece como um personagem
fenômeno catártico nos sacrifícios rituais. num jogo social, num funcionamento que o senhor des­
creve de maneira bastante convincente. Mas Deus existe
O cristianismo, e antes dele, a Bíblia, são ao mesmo independentemente dos homens?
tempo muito parecidos e muito diferentes. A Paixão é
um fenômeno de bode expiatório quase unânime, mas R. G.: Claro, porém, sem dúvida, para intervir na situa­
os Evangelhos, em vez de se deixarem enganar por essa ção de que estou falando, é preciso que ele se tome um
mentira, como fazem os mitos e as religiões arcaicas, de­ homem para ser exposto aos mesmos perigos que os ho­
nunciam na crucificação o que ela é de fato: uma inj usti­ mens vivem, e reagir de forma diferente. Ou stja, ele não
ça detestável que os homens devem agora evitar, pois ela reage de forma defensiva, nem utilizando a violência que
nunca será compensadora. todos nós utilizamos, visto que não somos crucificados.

rmos Há uma ligação direta com a predicação do Reino de


A crise do mund o mode rno vem do fato de refuta
ão e, Deus, hoje, ou seja, a ausência de todas as represálias,
essa mens agem , de recusarmos a sua comp reens
ça­ cujo resultado é fazer que Jesus não participe do jogo da
sobretudo, de segu i-la. Somos cada vez mais amea
que cultura, um jogo defensivo e ofensivo num sistema em
dos por nossa própr ia violê ncia e não fazem os nada
agem que a violência é dominante.
seja razoável ou eficaz para compreender a mens
armo s a
bíblic a e evan gélic a, e, sobretudo, para nos adapt
ríamos A. H.: O senhor diria que Cristo é Deus?
ela. Essa mens agem vai tão além de nós que deve
que nos
recon hecer nela a palavra do verdadeiro Deus,
R. G. : Evidentemente. Mas há etapas intermediárias entre
ensina a renúncia de toda violên cia.
o que eu disse e essa conclusão. Não há outro Deus senão
* em Cristo. Os outros deuses são deuses fa lsos, que repou­
sam nesse mecanismo não resolvido e não compreendido.

Alain Houz iaux: O seu discu rso é extre mame


nte des­
o senh or O que digo é que temos aí uma via de acesso nos ra­
conce rtant e para um teólogo como eu, pois ou
r cria ciocínios antropológicos profundos para mostrar que o
apresenta Deus como um personagem, ou o senho
de certos cristianismo nos traz uma visão absolutamente diferente
um quali ficati vo que atribui a diversas funções
da nossa, e que nos leva a uma certa noção do divino
seres como Jesus Cristo .
que corresponde perfeitamente àquela que os Evangelhos
Deus descrevem. Portanto, não tenho nenhum conflito com a
René Girar d: Sim, a teologia atual se recus a a levar
teologia. O que há de milagroso com a teologia é que ela
a sério. Mas, não é esse medo que é ridícu lo?

capítulo 2 o bode expiatório e Deus


- 75
74 Deus: uma invenção?
diz muitas coisas verdadeiras a partir de raciocínios que, raciocínios análogos ... A partir daí, os aspectos dire­
de certa maneira, são falsos, a partir de um tipo de pen­ tamente transcendentes da metafísica e da teologia se
samento muitas vezes incompreensível, sem ver os textos tornam para mim um pouco mais acessíveis. Mas, ao
da forma mais simples, nem ver que há no cristianismo mesmo tempo, tenho a impressão de não ter de forma
uma singularidade absoluta que ninguém percebe porque alguma talento para isso. O que não quer dizer que ou­
é muito fácil de ser vista. tros não tenham, e que a sua postura não seja legítima.
Porém, o que constato é que vivemos em um mundo em
A. H. : A singularidade do cristianismo estaria então no que, justamente, a velha metafísica e a teologia não têm
seu caráter verdadeiro, portanto, divino. André Gounelle, nenhuma ação sobre os homens. E tenho a impressão que
o senhor acredita que Deus existe independentemente um a abordagem antropológica é preferível, dado que ela
dos homens? é compreensível.

André Gounelle: Eu não retomaria, nesse contexto, a pa­ Falando num plano científico, e creio que a ciência é
lavra existir, mas pensando que René Girard pode reagir muito importante para a nossa época, o que aconteceu
dizendo que uso a füosofia grega, utilizarei de preferên­ nesses últimos tempos é que todas as ciências foram
cia a palavra ser. Existir quer dizer situar-se (sistere) fora historicizadas. Elas, que eram completamente imóveis e
de si (ex). Existimos sempre em função de uma exteriori­ estát icas, como a astro nomia, se tornaram astrofísicas...
dade e de uma alteridade, sendo que se "é" em si. Deus é De certa forma, eu gostaria de dizer a mesma coisa :
independentemente dos homens, ele não existe indepen­ entre o mundo arcaico, onde se fez religião do bode
dentemente deles. expiatório, e o mundo j udaico-cristão, há uma ascensão
histórica, a qual aliás os Evangelhos e Paulo levam em
Depois de ter lido René Girard e, mais ainda depois de conta, posto que nos dizem que chegou a hora de passar
tê-lo ouvido, tenho vontade de lhe fazer uma pergunta : de um ali mento de crianças a algo m ais forte e difícil.
segundo a sua perspectiva, podemos pensar, perceber Esse valor educativo do religioso é um tema constante
alguma coisa de Deus fora da humanidade? Sei que o para Paulo, assim como chegar a um mundo em que
senhor é antropólogo e que, nessa qualidade, o senhor esse alimento mais forte se tornou necessário e, de certa
busca e percebe vestígios de Deus no homem e na socie­ forma, inevitável.
dade humana. Volto a formular a pergunta da seguinte
maneira: o senhor acha que a sua abordagem é abran­ A. H.: André Gounelle, para o senhor, uma boa religião é
gente e exclusiva? uma religião educativa, ou antes, uma religião que leva
ao bem, ou ainda que ensina o que é verdadeiro? Qual
R. G.: Minhas próprias tendências me levam mais para o seria o verdadeiro critério para uma religião autentica­
tipo de raciocínio que expus nesta noite. Restam alguns mente divina?

76 Deus: uma invenção? capitulo 2 - o bode expiatório e Deus 77


A. G.: Cada pal avra da sua pergunta necessitaria de lon­ interiores do ser humano - grandeza/miséria - continua
gas definições! Creio, de fato, que uma religião se avalia sendo pertinente ou o seu argumento o substitui?
em sua capacidade de melhorar o destino do homem, de
melhorar a sociedade, e de levar ao bem. R . G. : A crise mimética está presente de certa forma nos
textos de Pascal, mas de uma maneira mutilada, pelo fato
Dou razão ao senhor Girard sobre um ponto : penso como del e jamais ter vivido uma certa experiência. Se pegarmos
ele que a teologia clássica utiliza categorias e fórmulas de a França dos séculos XVI e XVIl, é surpreendente consta­
outra época. Elas foram pertinentes no seu tempo, mas, tar que, em relação à Inglaterra, os dois grandes escrito­
hoje, não funcionam mais, não nos dizem m ais nada. res que se respondem e se correspondem são Montaigne
e Pasc al. E também constatar que os dois tinham uma
Em certos aspectos, a abordagem do senhor Girard evoca pequ ena experiência justamente no plano das rivalida-
para mim o que vemos se insinuar em Blaise Pascal. Ele des miméticas. Porque, para os dois, e por razões muito
pretende chegar a Deus não por provas ontológicas, cos­ diferentes, a sexualidade, por exemplo, não teve nenhum
mológicas e metafísicas, mas a partir do funcionamento papel. Pascal, sabe-se, tomou-se uma espécie de santo - e
do ser humano, e em particular da dualidade entre a sua era doente, a ponto de tomar-se inválido - e Montaigne
miséria e a sua grandeza. Essa argumentação apologética também, pela razão inversa, pois, mesmo sendo um
era, no século xvn, extraordinariamente nova : el a reno­ pouco menos "pequeno aristocrata" do que dizem, ele era,
vou a problemática, mesmo tendo parecido chocante para entretanto, um privilegiado que devia "seduzir" todas as
alguns, como podem parecer chocantes as suas teses, mas mulheres da vizinhança sem nunca ter que entrar numa
ela era fecunda. relação de rivalidade. Portanto, é surpreendente observar
que esses dois grandes escritores são mais limitados no
Embora haja semelhança na abordagem, não há paren­ campo da rivalidade do que Shakespeare ou Cervantes,
tesco na análise da realidade humana: Pascal não me que tiveram uma experiência mais completa de homens.
parece insistir, como o senhor faz, na crise mimética.
Não contesto, de forma alguma, a pertinência das suas Contudo, na análise de Pascal sobre o divertimento, há
análises, que mostraram alguma coisa que não havíamos aspectos de crise mi mética muito fortes.
visto antes. Contudo, a crise mimética é aos seus olhos a
única chave, ou uma chave privilegiada para compreen­ A. H. : Voltando à noção de sacrifício, o senhor pensa que
der as sociedades humanas, a religião e Deus, ou o senhor é algo especificamente religioso, ou ele também tem uma
acredita que se trata de uma chave dentre outras? Dito de existência profana e, poderíamos dizer, laica?
outra maneira : o senhor crê que o raciocínio de Pascal,
análogo ao seu no movimento, mas com um conteúdo R. G. : O sacrifício é o elemento intermediário entre o re­
diferente, por basear-se nas contradições e contrariedades ligioso e todas as culturas, que são sacrificiais num certo

78 Deus: uma invenção? capitulo 2 - o bode expiatório e Deus 79


plano. Basta ver instituições que são ligadas a formas de Quando dizemos que o cristia nismo é sacrifi cial, isso é
hierarquia. Elas exigem formas de disciplina ou deixam verdade. Para ver o probl ema do sacrifício no seu plano
de funcionar: são sempre derivadas do sacrifício. Tentei m ais nítido , é preciso ir nesse texto extraordinário que é
mostrar como o sacrifício se transformava em justiça. o Julgamento de Salom ão, no prime iro livro dos Reis. Há
Quando se sacrifica uma vitima, em geral de preferência duas prostitutas, e as duas querem a criança viva. Talvez
um inocente, decide-se sacrificar "o" culpado, e somente te nham trocado essa crianç a a noite inteira. Salom ão
uma instituição muito forte pode fazer isso, porque as ouve o que têm a dizer, Salom ão repete o que dizem , e as
instituições arcaicas têm medo de sacrificar o culpado, duas dizem exatamente as mesmas palav ras: "A crian-
pois incita a vingança. Ao contrário, o sacrifício evolui ça viva é minha , a criança morta é dela ". Salom ão diz:
para o assassinato de individuos que não têm nenhuma "Tragam minha espad a, vou cortar a criança no meio". E
relação direta com a situação considerada, o que, aos a mãe má, ou seja, a sacrifi cial, considera que está certo
nossos olhos, é muito mais injusto. assim, pois a sua rival tampo uco ficará com a crianç a. A
mãe boa, ao contrário, deixa a criança para a sua rival
A. G.: No cristianismo, a eliminação do sacrifício, ou an­ para que possa viver. E Salom ão reconhece nela a ver­
tes, o inverso, que faz com que não seja mais o culpado o dadeira mãe. A frase de Salom ão é válida mesmo que
ser sacrificado, ou que o sacrificado não seja mais decla­ essas mães tenha m trocado a crianç a a noite inteir a, e
rado culpado, segundo o senhor, tem um papel essencial que nenhu ma das duas saiba de quem é a criança viva. A
e, de certa forma, constitui a especificidade do cristianis­ mãe verdadeira é aquel a que é capaz de deixa r a c�i ança
mo. Eu me pergunto sobre essa especificidade. Não é uma longe dela para que ela viva. É um texto marav ilhoso que
critica, e de fato não sei qual é a resposta para essa per­ também é uma metáfo ra da educa ção cristã, em relaçã o
a
gunta: o senhor fala do cristianismo e de religiões arcai­ uma educação egoísta.
cas; ora, o mundo religioso é maior; não vemos também o
desaparecimento do sacrifício em outras religiões - penso A. H . : Opõe-se, com frequência, o Deus do Antigo
no budismo, mas também um pouco no islamismo? Testamento ao Deus do Novo Testa ment o. Acontece
que
se considera o Deus do Antigo Testa mento como
uma
R. G.: Há uma leve tendência nas outras religiões ao invenção da vontade de violê ncia, uma legiti maçã
o da
desaparecimento do sacrifício, mas só o cristianismo o agress ividade do povo de Israe l para conqu istar
a sua
eliminou completamente. Não nos damos conta da revo­ terra. A partir dessa perspectiva, haver ia uma dífere
nça
lução extraordinária que isso representa. O sacrifício é, de fundamental entre o Deus do Antigo Testamento
e o do
forma universal, em quase todas as sociedades, um meio Novo Testa ment o. O que o senhor acha ?
de pacificação admirado, querido, em particular no terre­
no budista. Se o senhor for ao Sri Lanka, por exemplo, o A. G. : Ficou impo ssíve l para mim (e não sou
o úni­
senhor se dará conta. co nesse caso) falar do Deus do Antig o
Testa ment o (e

80 Deus: uma invenção? capitulo 2 o bode expiatório e Deus


-
81
talvez também até do Deus do Novo Testamento) de humano, ' ele anuncia o movimento em direção à não
maneira inequívoca e no singular. O Antigo Testamen- violência absoluta que não é senão de Cristo.2 É um mo­
to compreende um conjunto de escritos redigidos por vimento progressivo : quanto mais avançamos no Antigo
seres humanos que expressam neles a sua experiência Testamento, mais nos dirigimos para a visão profética.
espiritual, ou seja, a sua maneira de compreender e O profeta é sempre um homem, primeiramente, idola­
viver Deus. Não se tem "uma" concepção de Deus, ou trado pela multidão entusiasmada pela mensagem que
"uma" imagem de Deus no Antigo Testamento ; há várias ele traz, mas, após algum tempo, quando a multidão se
e, mesmo quando se trata do mesmo Deus, elas estão dá conta das consequências temerosas do seu discurso,
em conflito. É verdade que há no Antigo Testamento a ela se volta contra ele. Hoje, toda a nossa sociedade se
compreensão arcaica de Deus, mas também encontramos volta contra Cristo de uma forma admiravelmente sim­
outras concepç'ães de Deus. O conflito não se situa entre ból ica ! Em todos os países do mundo, basta ler os textos
Israel (falo, é claro, de Israel de antigamente) e os outros, da imprensa ou da televisão para constatar essa posição
mas em Israel, da mesma forma que há um debate dentro radical do mundo contra Cristo, numa espécie de tota­
do Novo Testamento. Pode-se falar maciçamente do lização dos próprios Evangelhos, que já nos mostram o
"Deus do Antigo Testamento em oposição ou continui­ mesmo movimento na existência de Cristo, que sempre
dade do Deus do Novo Testamento?". Há muitas aborda­ vai para a Paixão.
gens, visões, posturas, no mundo bíblico, no judaísmo,
no cristianismo. É a personalidade de Cristo que nos
permite ter um critério de discernimento entre elas.

A. H . : René Girard, o senhor pode explicar o que entende


por: " Cristo é Deus"?

R. G.: Vemos que Cristo tem um conhecimento do


homem que é mais humano. Nesse sentido nenhuma
filosofia, nenhum pensamento laico, nenhuma outra
religião percebeu no homem essa violência que ele per­
cebe, e que ele próprio aceita sofrer para revelá-la aos
homens, p ara revelar o que eles são, de forma alguma
para "fazer sacrifícios".
' Ver o sacrifício do primogênito, que aliás tem uma relação simbólica com
o sacrifício de Cristo, pois a própria história é única.
O que faz a grandeza do Antigo Testamento é que, ' Pois o não violento absoluto q ue ele é será destruído por uma sociedade
enquanto os primeiros livros têm um fundo de sacrifício tão violenta quanto a nossa.

capitulo 2 o bode expiatório e Deus 83


82 Deus: uma i nvenção?
-
À pergunta que serve de título para este livro, "Deus é
uma invenção?", respondo, da minha parte, "ao mesmo
tempo sim e não". Não pretendo, dessa forma, me furtar
com uma evasiva ao aspecto radical da interrogação.
Desejo, entretanto, chamar a atenção em relação às ar­
madilhas que as palavras geral mente preparam. Elas nos
permitem pensar, esclarecer e especificar as nossas ideias;
sem elas, seríamos incapazes de refletir e trocar. Mas, ao
mesmo tempo, elas deformam o pensamento e o aprisio­
nam em evidências equivocadas; além disso, entravam a
comunicação através de mal-entendidos. O seu sentido
e suas conotações variam, às vezes, consideravelmente
segundo as pessoas ou os contextos, o que toma necessá­
rio um trabalho de elucidação e definição. A teologia e a
filosofia começam em geral a sua reflexão estabelecendo
e especificando o vocabulário utilizado. A definição é um
momento essencial do pensamento.

Neste caso, seria necessário ater-nos a duas palavras :


"Deus" e "invenção". De fato, de uma forma que será
vista talvez como altiva, por falta de tempo e lugar,
eu deixarei de analisar aqui o que informa o vocábulo

capítulo 3 - Deus i nventado e inventor 85


"Deus". 1 Por outro lado, estruturarei minha posição a n ossas cabeças e nos nossos discursos. Eles não existem
partir do outro termo do titulo, o de invenção. A manei­ em mais nenh uma parte. Quan do se tem consciência de
ra de compreendê-lo ou defini-lo orienta, até determina sua inan idade , desaparecem, se apagam, por não estarem
a resposta. Ao contrário do que poderíamos crer pri­ no mund o das coisas e dos seres. Ficam confi nado s no
meiramente, não se trata de uma noção fácil e límpida ; único luga r em que vivem : num imag inári o subjetivo
ao examinarmos com mais cuidado, descobrimos a sua desconectado do factual, o que curiosamente não impe de
complexidade, ambiguidade, plurivocidade. Simplifi­ qu e cont inuem produtivos, por assim dizer. A religião
cando, é possível interpretar o conceito de invenção de não seria um conto de fadas ou uma h istória de bruxas
quatro maneiras diferentes que se sobrepõem e coinci­ que contamos para ter prazer ou medo, e que permite
que
dem em parte, mas que eu acho prático diferenciar, a fuja mos algu ns instantes de um cotid iano , de uma
mon o­
fim de favorecer a p recisão do pensamento e a clareza tonia e mediocridade frustrantes, mas que não nos reme
te
da exposição. a nada de concreto?

Nos séculos XVIIl e XIX, nas correntes fortemente


anti­
clericais e em gera l ateia s, surg e e se expressa a susp
eita,
Uma fabricação até mesm o a acusação de que Deus e a religião teria
m
sido inventados pelos sacerdotes, para seu proveito
e
Geralmente, para nós, "invenção" é equivalente a "fa­ benefício; teriam assim obtid o para si, a um bom
preço,
bricação". Nessa perspectiva, a pergunta que nos fazem poder e riquezas; teriam inven tado e utiliz ado
um meio
é se Deus não foi completamente inventado, ex nihilo, a excel ente para oprim ir e chan tage ar os povo
s, expl o­
partir do nada. Não teria sido imaginado pelos homens rando astuciosamente a sua cred ulida de e igno
rânc ia. A
ou não teria sido inventado por alguns? Longe de ser o religião seria uma imag inaç ão não nobre, mas
desonrosa,
seu criador, não seria preciso ver nele uma criatura ou não desin teressada , mas muito vantajosa para
algu ns; ela
uma criação, par�cida com esses seres puramente fictícios seria da ordem da trapa ça e do abuso de confi
ança . De
como, por exemplo, o Homem do Saco e o Papai Noel, fato, ness a perspectiva, Deus seria uma inve
nção diab óli­
cuja função, respectivamente, é fazer as crianças ficarem ca no sentido de suscitar e manter, atrav
és de uma crença
boazinhas e assegurar o funcionamento do comércio? ilusória, a alien ação da grande maioria dos
hum anos
para maio r conforto de uma pequ ena mino
'

Esses personagens não têm nenhuma realidade, não têm ria.


nenhuma consistência própria, só estão presentes nas
Se o argu men to teve um forte i mp
acto psico l ógic o
num a socie dade em que o clero goza
1 Foi o que fiz, aliás, no meu livro Parler de Dieu, nas edições Van Dieren, e
va de priv ilégi os
consi derá veis , ele não resis te, a meu
de forma mais breve, na minha contribuição ao volume da mesma coleção: ver, a um exam e
Dieu, C'es t Ouoi Finalement? (Ed. de !'Atelier, 2005). e, de fato, é muito pouc o defe nsáv
el seria men te. Num

86 Deus: uma invenção? capitu lo 3 Deus inventado e inventor


-
87

livro publicado em 1898, intitulado Sois u n Hom me, U m a projeção


o pastor liberal Charles Wagner, que deu o seu nome
para uma rua do 11!! arrondissement de Paris, mostra En tretanto, existe uma forma muito menos superficial,
bem a sua fraqueza: rnai s elaborada e profunda da hipótese de uma fabricação
de Deus pelo homem. Ela se inspira mais ou menos na
Não nos deixemos seduzir pela opi­ tese defendida pelo filósofo alemão Ludwig Feuerbach,
nião superficial que atribui a origem no seu livro A Essência do Cristian ismo, publicado em

das crenças a uma impostura. Segundo 1 841 , que teve sucesso. Feuerbach considera que Deus é
aqueles que a professam, homens muito uma projeção do homem ; ou uma projeção da riqueza do
espertos teriam inventado e inculcado a seu ser, ou, ao contrário, uma projeção que vem compen­
religião nos outros, para dominá-los e sar sua angústia econômica ou seu mal-estar psicológi­
explorá-los. É como se sustentássemos co. Deus não surge, portanto, da vontade consciente de
que os proprietários de restaurantes e alguns; ele é o produto da natureza do ser humano ou de
cozinheiros tivessem inventado a fome suas condições de existência. Ele é a expressão metafísica
e a sede para lucrar com isso. A fé em não de um ser sobrenatural, mas de uma realidade antro­
Deus não é resultado de uma impostura. pológica física e natural.
Ela foi muitas vezes, é verdade, vergo­
nhosamente utilizada, mas a sua origem Para pensar sobre si mesmo, o ser humano tem neces­
não se encontra aí. sidade de um outro diante do qual ele pode se colocar;
é preciso que haja um outro em relação ao qual ele vai

Da mesma maneira, em um livro recente, Les Origines apreender a si mesmo e defmir-se. Ele só percebe o que é
de la Culture, 2 René Girard afasta, com desdém, a "tese e o que o caracteriza com a ajuda de alguém ou de algo

absurda" de que os "padres inescrupulosos e ávidos estão que, como um espelho, envia-lhe a sua imagem e indica­
por todas as partes e impõem suas abracadabras ao povo lhe, por contraste ou semelhança, a sua identidade. Dessa
extremamente crédulo". Seria preciso, de fato, ainda ex­ maneira, macho e fêmea precisam um do outro para
plicar como se pode imaginar tamanho engano, e parti­ pensar sobre a virilidade ou feminilidade, para dar sentido
cularmente, por que pode prosperar e se difundir. É pelo a elas (mesmo que seja recusar quando não a sexualidade,
pelo menos a sua importância). Assim sendo, só nos per­
fato de a religião existir que foi possível utilizá-la mal,
não é o seu emprego fraudulento que a fez nascer e que cebemos como pessoas ou individuos a partir do momento
explica a sua existência. em que concebemos a esfera daquilo que se distingue de
nós. O "eu" é revelado a si mesmo, o "eu" se mostra aos
seus próprios olhos em oposição ou contraste ao "você",
ao "eles". A alteridade é constitutiva da identidade. Só
2 Livro que será publicado na Biblioteca René Girard. (N. T.)

capitulo 3 Deus inventado e inventor


- 89
88 Deus: uma invenção?
chegaremos à consciência de nós mesmos colocando uma Sem ceder à sedução das teorias da projeção, há muito a
exterioridade distante e diferente de nós, ou, em outras pe nsar sobre a ligação estreita entre Deus e o homem e
palavras, inventando o mundo. Ele existe sem mim, vocês q ue, de certa maneira, eles se condicionam mutuamente.
me dirão, eu não o invento. Certamente, mas a realidade Só existem um pelo outro na sua complementaridade e
que está ao meu redor só forma um mundo em relação a diferença. Retomando um tema que desenvolvi em Dieu,
mim, na medida em que eu a vejo, penso e falo dela como Cest Quoi Finalement? (2005), posso expressar essa ideia
tal ; é pelo fato de diferenciar-me dela, de projetar diante numa terminologia e perspectiva mais religiosa do que
de mim e fora de mim as minhas percepções e sensações filosó fica. Deus precisa de homens para ser Deus; ele não
que elas se tornam "mundo". é Deus sem o homem, da mesma maneira que não se é es­
poso ou esposa sem cônjuge, da mesma maneira que não
Continuemos nessa linha de pensamento, que desen­ se é pai sem filhos, como não se é amigo sem alguém com
volve a filosofia chamada de idealista pelos livros (por quem se tem uma ligação. É a minha mulher que faz de
causa da importância que ela dá ao pensamento ou à mim um marido, são as minhas filhas que fazem de mim
consciência; idealista remete aqui a conceituai, e não a um pai, é Pierre e Bernard que fazem de mim um amigo.
ideal). Para pensar sobre si enquanto ser que pertence ao Pode-se dizer legitimamente, que no papel de marido, pai
mesmo tempo ao mundo e se diferencia dele, para situar ou amigo, sou a invenção deles; eles fazem de mim isso '

e construir a sua humanidade, o homem precisa de um me tornam isso; eles não me conferiram o ser, mas me

outro, ao mesmo tempo semelhante e diferente, próxi- permitem ser isso ou aquilo. Sou sem eles, mas o que sou
mo e longínquo. Ele passa assim a ter consciência de nasce das redes de relações que tecem a minha existência.
que ele não é somente um objeto, não simplesmente um
animal (mesmo se ele o é também), tampouco um deus. Da mesma maneira, se ninguém o adora, não o suplica,
Feuerbach dizia, nesse sentido, que Deus é uma projeção não o ouve e não o serve, Deus talvez seja o ser infinito,
do homem, aquele ou o que permite ao homem perceber o grande arquiteto do universo, o princípio de todas as
a sua própria realidade. A invenção de Deus não seria coisas, o primeiro motor, a substância em si e para si,
o fruto de um complô destinado a garantir para alguns o "desejo inteligente" que dirige e orienta a evolução.
poder e riquezas; ela decorre da estrutura ontológica do Pode-se ou não reconhecer que ele tem uma realidade
homem que p recisa de outro para ser ele mesmo. Há va­ enquanto condição necessária do mundo. Entretanto,
riáveis desse tema, a meu ver menos profundas, como a quando isso é dito, não se trata verdadeiramente de Deus '

ideia de que é a estrutura socioeconômica da humanidade porque Deus, em todo caso tal como a Bíblia o apresenta,
(o que marxistas pretenderam) ou a sua estrutura psicoló­ é amor, comunhão, relação, ser com (o que quer dizer
gica (o que foi defendido por psicanalistas) que fez Deus a pal avra Emanuel, que o profeta Isaías aplica a Deus).
Se Deus, segundo a famosa expressão do Memorial de
surgir; a religião funciona ao mesmo tempo como ópio e
Pascal, é o Deus de Abraão, Isaac, Jacó e de Jesus Cristo
como reveladora da nossa miséria material ou mental. '

90 Deus: uma invenção? capitulo 3 - Deus inventado e inventor 91


cosmológico não identificado anteriormente, diz-se que
deduz-se que os patriarcas e Cristo são elementos cons­
ele os inventou. Se ele os tivesse inventado ou forj ado,
titutivos da sua identidade, que ele não seria o que ele é
seria chamado de falsário e não de inventor.
sem eles, enquanto que o Deus dos filósofos e sábios não
precisa da reflexão e dos conhecimentos desses pensado­
Pois bem, Deus não é um objeto ou um ser que se pode
res para ser o que é.
ver de todos os ângulos. Como o iceberg, do qual só se vê
Portanto, a rigor, a fé pode admitir que Deus é uma in­ a ponta que emerge, só o percebemos parcialmente; muito,
talvez o essencial do seu ser, fica desconhecido para nós.
venção do homem, no sentido de que é o fiel que, acredi­
Nós o designamos, mas é impossível descrevê-lo exata e
tando nele, através de sua fé e pelo culto que lhe presta,
completamente num livro, observá-lo num laboratório e
faz dele um Deus, e não somente uma entidade ontoló­
expô-lo num museu. Mesmo quando o conhecemos bem,
gica ou um princípio metafísico, assim como é Deus que
ou assim acreditamos, por terrnos aprendido o catecismo,
toma o homem um fiel, um crente, um ser espiritual, e
não somente uma máquina animada. feito orações, vivido a compaixão, lido a Bíblia ou outros
livros inspirados, refletido muito sobre ele, sentido a sua
presença e força na sua existência, nunca temos um saber
suficiente e acabado sobre ele. O inexplorado, o inédito,
o desconhecido encontram-se nele de forma inesgotável.
Uma descoberta
Numa bela carta endereçada à senhorita de Roannez,
Pascal insiste justamente que quanto mais o conhecemos,
Num terceiro sentido, talvez menos corrente e mais
mais misterioso ele nos parece ; quando ele se revela para
erudit o, "inven tar" quer dizer " descob rir". O verbo latim
nós de forma mais completa, é nesse momento que temos
inveni re que deu, em francês, "inven tar", não signifi ca
mais consciência de que ele é um "Deus escondido". O que
origin almente "criar algum a coisa" , "forjar uma ficção ",
ele esclarece, aumenta a sua parte de sombra em vez de
ou "fabri car uma realida de", mas "encon trar o que não
diminuí-la. Há e haverá sempre muito a descobrir nele, e
se conhe cia até então" , " perceber o que não fora visto
quanto mais falamos justamente dele, mais descobrimos
antes" ou "ampli ar o nosso conhec imento ao que se ig­
que há algo bem diferente a dizer e a compreender sobre
norava anterio rmente ". Invent a-se quand o se desenterra
ele, sem falar de tudo que necessariamente nos escapa.
um vaso antigo que estava enterrado há século s sob um
A teologia é interminável, dizia Ricoeur, porque Deus é
túmulo , quand o se detecta uma jazida de petróle o sob a
infmito, e porque nunca se atinge a totalidade dele; mes­
terra ou o mar que a escond ia, quand o se chega numa
mo o que se percebe dele é aproximado. O discurso mais
ilha deserta não cartografada , quand o se observa pela
pertinente e informado é muito minguado e insuficiente;
primeira vez no firmam ento uma estrela ou um plane­
ele deve ir mais adiante, de forma mais profunda, deve
ta. Quand o alguém encontra um manuscrito antigo , um
continuar e ampliar uma palavra sempre insuficiente.
sítio arqueo lógico , um lugar geográfico ou um objeto

capitulo 3 Deus inventado e inventor


- 93
92 Deus: uma invenção?
Gosto muito desta frase de um manifesto da seita quaker ela pod ia con ter, inc lus ive o de um
a pre sen ça mis ter io­
do século XIX que compara os crentes com explorado­ sa e pro vid enc ial, a do cap itão Nem o
res: "Não buscamos o Atlântico, ele diz, nós o explora­ observand o-o s e
velando inv isiv elm ent e por eles des
de o seu sub ma rino
mos". Mesmo aqueles que encontraram Deus, ou que fo­ escond ido e fech ado em um a gruta.
ram encontrados por ele, sempre o exploraram e devem
sempre fazê-lo, achar coisas novas nele e, nesse sentido, Os náu fragos inventam a sua ilha, faz
end o-a entrar
inventá-lo. O explorador inventa novos caminhos e na sua linguagem e no seu sab er, apoder
paisagens inéditas. Pois bem, não deixamos de explorar am-se dela,
nomeand o-a e organi zan do- a, por ém, ain
a realidade, a verdade, o significado de Deus, e sempre da resta muita
coisa inédita, desconhecida, misteriosa.
descobrimos, portanto, sempre i nventamos coisas novas. Con tinu am sendo
exploradores, des cob rido res, inv ent ore
s, e seu trabalho
Se Deus, como diz o Apocalipse, é aquele que "faz novas nunca term inar ia sem a obrigação, par a
todas as coisas", ele propõe e também nos sugere procu­ um autor, de
colocar num certo momento um ponto
final no seu livro,
rar o novo, procurá-lo no inédito e inaudito. Ele inventa o que Jules Verne faz ima gin and o um a
espécie de apo ca­
e nos torna i nventores. lipse (a erupção vul cân ica que destrói
a ilha ) e da res­
surreição (o nav io inesperado que reco
lhe os náufragos à
Em 2005, celebrou-se o centenário da morte do gran- beira da morte).
de romancista Jules Verne. Quando eu era adolescente,
um dos seus livros, A Ilha Misteriosa, uma variante A flha Misteriosa cria um a liga
ção entre Os Filh os do
interessante e engenhosa sobre o tema de Robinson, Cap itão Gra nt e Vinte Mil Lég uas
Sub ma rina s, dan do a
era apaixonante para mim. Passei horas, dias, semanas eles uma con clus ão na sua própria
intriga (com o o Novo
lendo e relendo-o ; meus pais achavam que eu exagera­ Testamento reto ma nele elem ent
os da cultura jud aica e
va e ficavam preocupados. Uma passagem em particu­ grega e as religa à sua ma nei ra).
Eu não chegaria a fazer
l ar me fascinava : quando os náufragos davam nomes do capitão Nem o uma metáfora
de Cristo,' ma s essa ten­
a montanhas, rios, l agos, baías e cabos da ilha deserta tação já me oco rreu. Meus am
igos ach am que, às vezes,
onde haviam naufragado e onde estavam condenados tenho preferências de ado lesc
entes de outra época, e di­
a viver. A ilha estava lá, e lhes fora dada. Sem ela, zem que os filó sofos ide alistas
são um a referên cia mu ito
estariam mortos, ela os salvara ; oferecia-lhes um abrigo mais conveniente par a um teó
log o. Ma s, ess e rom anc e
e dava-lhes de que viver. Ao mesmo tempo, tinham que me parece muito ma is teo lóg
ico do que se pod e pen sar
inventá-la, o que fizeram ao percorrê-la e nomeá-la. Os de início ; seja m quais for
em as intenções do seu autor,
nomes que conferiam a seus variados sítios a tornavam o seu sucesso
não se deve ao fato de pod er
civilizada e humanizada, da mesma forma que a sua ha­ fun cio nar
como um a lon ga par
ábo la que fala de Deu s e da
bilidade para utilizar os seus recursos. De tal forma, eles cia humana (contudo, existên­
com essa fraqueza eno rm e
a tornavam familiar; mesmo assim, quantos segredos somente masculin de ser
o) ?

94 Deus: uma invenção?


capít ulo 3 Deus inventado e inventor 95
-
De todas as fo rmas, e é o que permite falar no seu Fazer vir e m
caso de invenção, o cristianismo bem compreendi-
do, ou sej a, fiel ao Evangelho, não tem nada a ver Chegamos à quarta maneira possível d e compreender a
com uma moradia em que ficamos, e em que n ão h á pergunta que o título do livro propõe. Invenção, disse,
m a i s n a d a a descobrir, como em uma casa que nós vem do verbo latim invenire. Mesmo que um li nguista
mesmos construímos, mobiliamos e decoramos. Nós
contestasse provavelmente a pertinência dessa descons­
a conhecemos a fu ndo, esco lhemos e dispomos tudo
trUção, é possível decompor esse verbo em latim em duas
o que nela se encontra, não há surpresa que se possa
pal avras: ven ire, que quer dizer "vir" ou "fazer vir", e in,
esperar nem nada estranho a ser descoberto ; tudo que
que significa "em".
está nela é obra nossa e sabemos como e do que ela
é feita. A fabricação i nicial elimina a sua invenção Inventar significa então introduzir alguma coisa no nosso
posterior. A fé parece m ais, crei o, com um caminhar.
mundo , colocá-la na nossa vida, infiltrá-la no nosso
Deve-se compará-l a com uma expl oração em um país horizonte, insinuá-la no nosso contexto ou inseri-la na
com múltiplos aspectos, em que se deve sempre ir nossa realidade. Se Deus nos escapa e vai além de nós,
adiante, ir mais lo nge e onde, ao lado do habitual, se a sua essência e a sua verdade se encontram fora do
adquirido, conhecido (há disso), as surpresas, as nosso alcance, ele pode ser para nós ausente ou inexis­
admirações (mas também, às vezes, as decepções), os tente. Para que ele nos atinja e possa nos tocar, é pre-
achados e as novidades se sucedem, in esgotavelmen­ ciso inventá-lo, em outras palavras, fazê-lo vir até nós,
te. Eu poderia fazer da ilha mi steriosa uma metáfora em nós, entre nós, no nosso mundo: inventar discursos
ou uma parábo l a do que representa Deus para m i m . que permitem dizê-lo ou dizer algo a respeito, inventar
Ele está aí, maciçamente. De certa maneira, mesmo categorias que ajudam a pensar, mesmo ultrapassando as
através das minhas dúvidas, minhas interrogações e noções da nossa inteligência ; inventar cerimônias que o
revoltas, ele se impõe a m i m ; j ustame nte quando eu tornam mais ou menos sensível ; inventar cantos que o
me deb ato com ele, não consigo negá-l o seriamente louvam e glorificam. Sua alteridade permanece, mas ela
ou contestá-lo, tamanha é a sua presença na minha não i mpede que se invente uma proximidade, até mesmo
vida. Entretanto, ele fica sempre explorando, i nven­ um parentesco, que o Gênesis evoca ao falar do homem
tando, e sempre surge do inesperado. enquanto imagem de Deus e que Paulo afirma em Atenas,
proclamando: " Somos da raça de Deus". Não se trata de
Nesse senti do, D eus é mesmo uma invenção da fé, não forma alguma de divinizar os homens, mas de enfatizar
porque ela o fabrica e o faz surgir do nada como uma que Deus vem num terreno que permite encontrá-los.
il usão, mas porque ela o explora sempre, o descobre, o
faz entrar no seu discurso e sempre enco ntra nele algo Retornando os termos do prólogo do Evangelho de João,
novo e desconhecido. o inefável, aquele que não se pode nunca dizer, cujo

96 Deus: uma invenção?


capítulo 3 Deus inventado e inventor
- 97
nome é impronunciável, como se enfatiza na tradição perdem, que o mascarem, o dist
anc iem , o tomem inacre­
j udaica, o invisível, aquele que foge aos olhos do corpo ditável ; nesse caso, em vez de inv
ent á-lo , elas o "ex -ve n­
como aos da inteligência, aquele cuja realidade foge de tam", tom and o a libe rda de de cria
r ess e neo log ism o, ou
toda linguagem deve se manifestar como logos, palavra seja, elas o expulsam e se tomam os
seus sep ulta dores.
(exatamente palavra sensata, articulada, estruturada, que
a razão pode apreender) e como sarx (realidade tangível). Da mesma ma neira, num certo sen tido
, inv ent a-s e a
Toda religião, e em particular o cristianismo (mas não água qua ndo garrafas ou cop os para
beb ê-la são in­
somente), repousa num paradoxo: o inefável é dito sem ventados, lav abo s ou duc has par a
nos lav arm os, can ais
deixar de ser i nefável ; aquele que não é indiscernível, para irri gar a terra. Sem cop os, ban hei
ras, con dut os não
impalpável, imaterial, que está além de tudo o que nós podería mo s tira r proveito da águ a,
ela não entraria nas
percebemos naturalmente torna-se sa rx, carne ou corpo. nossas casas. Ma s, tod os esses inst
rum ent os que a i nve n­
Encarnar ou encarnar-se consiste em inventar um modo tam (fazem com que chegue à nos sa
cas a) pod em tam ­
de existência, uma maneira de ser que seja acessível aos bém deterio rá- la, dispersá-la , pol uí-
la. E, evi den tem ent e,
seres de carne e sangue, que é o que somos. Deus, anun­ não se deve con fun dir a águ a com
aqu ilo que per mit e
ciam as religiões, comunica e se comunica ; ele não fica que nós a util izem os. Ao contrário
de um a exp ressão
no "céu", em alguma região metafísica; ele vem à terra, tão corrente quanto abs urd a, não se
toma um copo, mas
no nosso mundo. Ele estabelece, instaura, organiza u m o que está dentro dele e que poderia
muito bem estar
terreno comum conosco e, dessa maneira, ele muda e nos numa xícara ou algo par ecid o. Às
vezes, as religiões ten­
muda. Ele nos modifica, por exemplo, retomando as aná­ tam nos fazer eng olir o rec ipie nte
no lug ar ou jun to com
lises de René Girard, quando abre uma via que permite o líqu ido que o con tém .
ultrapassar a crise mimética e a sua resolução sacrificial
pelo bode expiatório. Ele nos transforma em seres dife­ Num livr o ma gist ral, pub lica do
em 1 9 1 7, O Sagrado, 0
rentes, novas criaturas, como diz o Novo Testamento. filósofo e hist oria dor das reli giõ
es Rud olf Otto ressaltou
justame nte que o sagrado sem
pre tem dua s faces, com ­
Limitando-me somente ao cristianismo, há vinte séculos, plementares e opo sta s: ele é,
ao me smo tem po, fasc i­
ou seja, desde as origens, as múltiplas teologias e as vá­ nante e rep ugn ant e ; ele atr ai,
sed uz e dá me do, am e­
rias Igrejas sempre inventam doutrinas para dizer Deus, dronta ; ele estrutura e am eaç a
des tru ir a hum ani dad e. A
ritos para celebrá-lo, organizações para que seja percebi­ inventiv ida de reli gio sa me par
ece ter esse dup lo car áte r:
do e dar-lhe corpo na sociedade. Dessa forma, elas inven­ é uma ativ idad e ao mes mo
tem po nec ess ária e per igo sa,
tam Deus, quero dizer que nos ajudam a descobri-lo, a � la nos parece, sim ulta nea me nte , ma rav ilho sa e
p ercebê-lo, a entrar em contato com ele. Elas contribuem tem íve l.
As vezes, ela tem um a fac
e ang élic a, qua ndo tra z um a
a torná-lo presente; lutam contra o seu desaparecimento mensa gem que vem de ma
is lon ge do que ela, que nos
do universo dos home.ns. É também possível, quando se atin ge no ma is pro fun do
de nós e que nos col oca no

98 Deus: uma invenção?


capít ulo 3 Deus i nventado e inven
-
tor 99
alter idade . A que ela fala. Associa-se o copo, identifica-se o lavabo '
cami nho em direç ão a um futuro ou uma
aplic a àque le confunde-se a canalização com a água.
prop ósito , anjo quer dizer mens ageir o e se
o quer dizer
que comu nica e reún e, enqu anto que diab
ntivi dade Sou um homem de Igreja, e não procuro mascarar isso,
divis or e desig na aqui lo que sepa ra. A inve
demo níaca , fa ltar com a lealdade que lhe devo, negar minhas adesões
relig iosa tem, em outras ocas iões, uma face
nos imob iliza e meus compromissos. É justamente por ser um homem
quan do nos encla usura em nós mesm os,
é esma gado ­ de Igreja, que a conhece bem e que está ligado a ela, que
em noss as cidad elas e na noss a rigid ez; ela
e de práti cas me parece fundamental dizer claramente, com convicção,
ra e destruido ra quan do nos i mpõ e o limit
que, em vez que as nossas doutrinas e ritos são invenções, ou seja,
insen satas e de dogm as inco mpre ensív eis
m eios humanos de expressar o que excede, ultrapassa
de nos remeter a Deus , se subs titue m a ele.
e transcende a nossa humanidade. A religião não sabe
ta, não é a o que é ou quem é Deus, mesmo sendo sensível à sua
E m tal caso, não é mais Deus que ela inven
urantismo e presença e realidade. Ela não descreve o seu ser nos seus
vida e a esperança, mas a superstição, o obsc
funç ão escla­ ensinamentos; ela diz, o que já é muito, e o que, de todas
o fana tism o. Aquf lo que deveria ter como
ndas trevas, e as formas, é necessário, como o experimentamos, perce­
recer nos mergulha , ao contrário, em profu
cami nhos bem os e pensamos, o que ele representa e significa para
nos desvia em impasses em vez de nos mostrar
vez de nos ajuda r a nós num dado momento da história, na nossa cultura. Ela
ou saida s, nos precipita na morte em
cuida do para deve fazê-lo, porque ele está, ou para que ele esteja pre­
viver e a desenvolver a vida. Mas, é preciso
imen to, a abertura) sente e aja ; porém, ela deve tomar cuidado para não con­
saber se é mesmo Deus (a vida, o mov
o diabo que fundir a realidade e o poder divinos com as fórmulas e
que é inven tado por nossas religiões, e não
gestos que o refletem ; ela criaria ídolos. E como as situa­
esclerosa e opõe .
ções mudam e variam permanentemente, ela é chamada,
os, sob a ação do Espírito, a inventar sempre outros meios
Mas justa ment e, quan do adot amos dogm atism
s, recus amo­ de dizer Deus, maneiras distintas de fazer senti-lo. o que
ritua lismo s, fund amen talism os e fanat ismo
por pouc o significa que todas as doutrinas, todas as cerimônias são
nos forte ment e a admi tir que a relig ião é,
como uma reformáveis sem.per reformanda, dizem os reforma-
que seja, uma inven ção. Ela é apres entad a
-

desej ada, dos - ou seja, devemos sempre nos reformar. A vocação


revel ação ou uma insti tuiçã o divin a, criad a,
te que ela do protestantismo. é protestar em nome de Deus e em
orga nizad a e dirig ida por Deus . Não se admi
o relat ivo nome do homem contra aquHo que, por querer fixá-los
tenh a um valo r relat ivo; quero lemb rar que e exprimi-los, os aprisiona e imobiliza. É preciso perma­
ou o que nasc e de
é o que liga - como faz um cano -
e abso luta e nentemente retomar, modificar, retocar, melhorar, mudar
uma relaç ão. Atrib ui-se a ela uma auto ridad
ncia, a me­ para adaptar as nossas fórmulas, para "adequar", segundo
indis cutív el. Não se admite a meno r distâ
aquil o de uma expressão de Calvino, nossos gestos e palavras para
nor difer ença entre o que ela diz e aque le ou
capitulo 3 Deus inventado e inventor
- 101
100 Deus: uma i nvenção?
que desempenhem a sua função : a de testemunhar uma im plicam todos, sem dúvida, que Deus é em parte, sob
presença que ao mesmo tempo está em nós e é fugidia, um certo ângulo, uma invenção do homem. Entretanto,
que nos convida não ao repouso, mas ao movimento. ao observarmos com mais atenção, eles sugerem, sobre­
tu do, e mais profundamente que Deus é ao mesmo tempo
"Deus", escreveu o teólogo teuto-americano Paul Tillich, sujeito e objeto da invenção, ou seja, que Deus é uma in­
"está acima de Deus", ou seja, acim a do seu nome, acima ven ção de Deus. A cada instante, sua vida surge a partir
do discurso que fala dele, acima dos quali ficativos que dela mesma, se renova, avança. Ela progride e enriquece.
atribuímos a ele, acima do que percebemos dele, acima Ele não é "perfeito", no sentido de acabado, realizado,
das nossas ideias e sacramentos, acima do nosso pensa­ mas ele se caracteriza por um movimento incessante
mento e de nossa compaixão. Nesse sentido, sim, posso que faz dele sempre de novo o que ele é. "Aquele-que-é,
bem dizer, e mesmo afirmar, que Deus, a palavra Deus, a Aquele-que-era e Aquele-que-vem", declara o Novo Tes­
tamento (Apocalipse 1 ,8); não se diz "Aquele-que-será",
ideia de Deus, é uma invenção, uma invenção para falar
e revelar o que ou aquele que está muito além de nos­ o que orientaria para uma permanência sem mudança,
sas linguagens - tanto quanto daqueles que o dizem -, sen do que passado, presente e futuro são idênticos; dizem
para falar e revelar aquilo ou aquele que ultrapassa toda "Aquele-que-vem", o que indica que o "ad-vir'', que é o
inteligência, inclusive os conceitos que o designam e as tem po da invenção, é uma parte constitutiva do seu ser
doutrinas que tentam dar conta dele. ou de sua existência. O que leva a afirmar que Deus se
inventa continuamente. "Deus se cria permanentemente",
escreve Tillich, na sua Teologia Sistemática.

Q uem inventa? Ele se inventa, num primeiro sentido, colocando diante


dele, como parceiro e interlocutor, o ser humano, e sem
Falta apresentar uma última observação, que servirá de dúvida as outras criaturas terrestres ou extraterrestres, se
é que existem. Através da história, por suas ações e com­
conclusão. O título desse livro : "Deus: uma invenção?"
não determina quem inventa. Ele nomeia e designa o prometimentos, ele se torna o Deus de Abraão, de Isaac,
inventado, sem dar a menor indicação sobre o inventor. de Jacó, o Deus de Moisés, de Elias, de Jeremias, o Deus
Até aqui, eu me expressei como se fosse natural o homem de Jesus Cristo e o de muitos outros, o que lhe dá um
ser o sujeito que inventa e Deus o objeto inventado. Eu rosto e uma personalidade que ele não tinha antes. O re­
me perguntei se e em que medida se pode dizer que Deus lato da criação nos diz que ao suscitar o universo, ele se
é uma invenção do homem. toma o Deus do céu e da terra, das estrelas, dos animais
e dos vegetais, da mesma forma que nosso. É preciso des­
Todavia, se agora volto atrás e retomo os diversos signifi­ confiar do antropocentrismo que crê que os humanos são
cados da palavra "inventar" que distingui e analisei, eles os únicos parceiros ou os parceiros privilegiados de Deus.

capitulo 3 Deus inventado e inventor 103


-

102 Deus: uma invenção?


Ele se inventa, num segundo sentido, revelando o que Fiquei tranquilo ao compreender que, para o senhor, a
traz nele, fazendo com que o descubramos melhor, dei­ invenção é muito provavelmente uma invenção de Deus
xando bem claro que ele não é e não será nunca total­ m esm o. É uma fórmula muito profunda, pois as religiões,
mente explorado, e que ele sempre nos espanta e talvez e em particular a arcaica, são cheias de intuição, de for­
ele mesmo se espante. Ele se inventa, um pouco como mas que poderiam ser i nterpretadas como simbólicas do
todo ser vivo e histórico se inventa, mostrando as múlti­ que vai acontecer com Jesus, dado que é exatamente o
plas possibilidades e virtualidades que estão escondidas inverso. O erro seria não ver essa inversão.
nele, expondo através do seu agir as facetas ocultas do
seu ser, e nomeando (portanto, nos permite nomear) os Eu disse, creio, que todo o sistema religioso, inclusive os
diversos aspectos da sua verdade ou realidade. mecanismos de bode expiatório, são uma invenção de
Deus. Em outras palavras, o fluxo de mimetismo do ho­
Ele se inventa, enfim, num terceiro sentido, entrando mem, perigoso para ele, que no fundo é o pecado origi­
no mundo dos homens, penetrando na sua existêncía, nal, é também de certa maneira o p rocesso histórico que
inscrevendo-se na sua cultura para que possam em parte desencadeia a salvação.
decodificá-lo. Respeitando-os, ele age neles, entre eles;
ele se toma solidário e se concretiza através de suas for­ A. G. : Uma palavra para defender o ceticismo, até certo
mas de vida, de sensibilidade e de pensamento. A encar­ ponto. Em todos os tempos, não somente hoje, a teologia
nação (através da qual vejo a manifestação do seu ser na tem a ver com o ceticismo. Quando refletimos sobre Deus
nossa realidade existencial) dá forma ao seu rosto. intelectualmente e tentamos compreendê-lo, quando
trabalhamos com rigor e utilizamos os dados da história
Cada um de nós inventa permanentemente a sua vida e a sobre as Escrituras, somos afetados, sacudidos, interpe­
sua personalidade. Também é assim com Deus. A fórmula lados. Não é possível deixar de fazer perguntas que têm
pode parecer paradoxal, mas creio que ela é profundamen­ cheiro de enxofre ou de ceticismo. Evita-se todo ceticis­
te justa: Deus é a mais bela e a maior invenção de Deus. mo, o que é mais confortável, quando nos poupamos esse
trabalho de aprofundamento.
*

A meu ver, todo pensamento religioso comporta dúvidas


R. G . : A meu ver, a sua intervenção faz concessões e introduz umá certa dose de ceticismo; é a sua própria
demais para o gosto contemporâneo, na mesma linha do natureza que o impl ica. O ceticismo só se toma um pro­
que eu chamaria de religiosamente correto. Os protestan­ blema quando se é incapaz de atravessá-lo e ultrapassá­
tes como os católicos são cada vez mais céticos. O au­ lo, ao permanecermos, ao consentir e comprazer-nos
mento do ceticismo é representado como a melhor forma nele. O questionamento me parece totalmente necessário
de religião. Não estou de acordo com isso. e legítimo. Não há nada pior do que afastar ou camuflar,

104 Deus: uma invenção? capítulo 3 - Deus inventado e inventor 105


como tendem a preconizar certos meios religiosos, as asas da violência, infelizmente! A violência, nossa vio­
questões que nos habitam e que, às vezes, nos torturam. lên cia que já começa a se esfregar na nossa cara, e que
É somente enfrentando-as que podemos avançar. vai nos obrigar a refletir sobre as questões que, por agora,
preferimos substituir pela linguagem adocicada da maio­
A. H . : O senhor escreveu um livro sobre o dinamismo ria dos teólogos atuais. Há um momento geral das Igrejas
criador de Deus, que é uma maneira de apresentar Deus que faz com que tenham uma semelhança estranha, pois
segundo a teologia do processo, como uma autoinvenção deixaram de ter personalidades distintas.
de Deus. Deus é, portanto, um processo que se inventa e
que se desenvolve por si mesmo. Nessa amplificação de Os textos apocalípticos, sobre os quais ninguém fala e
Deus ao longo do tempo, pode-se dizer que há um tipo de não quer mais falar, não vão demorar a mostrar a sua
força criadora e poética de Deus, em que os sacrifícios, os perti nência imediata. Hoje, nós os consideramos insigni­
rituais, os mitos pertenceriam a essa espécie de autoin­ ficantes, por causa do caráter por assim dizer primitivo
venção de Deus? do primeiro cristianismo. Isso vai ceder sob a violência
da própria história. É por isso que eu creio que o ceticis­
A. G.: Mesmo que o meu discurso me leve a isso, hesito mo tem muito menos futuro do que pensa a maioria dos
em dizer que ritos ou doutrinas são invenções de Deus. eclesiásticos que procura proteger as formas convencio­
Acredito que Deus se inventa através disso. Ritos e dou­ nais da Igreja e que pensa que é preciso tranquilizar os
trinas são linguagens culturais ou atos sociais profunda­ homens. A dúvida não tem outra utilidade, pois tran­
mente enraizados na antropologia. Através dessas formas, quilizar os homens significa dizer-lhes que Deus não é
o ser humano fala de Deus inventando a si mesmo, ele necessário, que não haverá retorno de chama, e que os
expressa de sua maneira o movimento de Deus entre os textos sagrados não têm de fato sentido, e que o que eles
homens. Por um lado, distingo claramente o que as nossas anunciam é puramente humano. Começamos a pressentir
palavras e gestos visam, por outro, o que se diz e o que que poderia ser diferente.
se faz. Parece-me que através da doutrina e do rito, o que
importa é ir além deles para buscar a sua intenção profun­ A. H . : Um livro sobre os sobreviventes do Apocalipse fez
da. A meu ver, a intenção profunda dos textos bíblicos é furor nos Estados Unidos. Nas seitas, mas também em
proclamar e fazer perceber, sentir, viver Deus como aquele algumas correntes protestantes, há um movimento extre­
que faz "novas todas as coisas", retomando a expressão do mamente forte no sentido de ressuscitar o Apocalipse. O
profeta Isaías e do Apocalipse. Todas as coisas novas: não que o senhor acha?
somente nós, não somente o mundo, mas também Deus.
A. G.: Os best-sellers não são as obras que trazem a refle­
R. G.: Penso que hoje, no Ocidente, a problemática de xão mais profunda e pertinente. De fato, constata-se que
Deus, que parece longínqua, vai voltar carregada pelas renasce hoje um gosto pelo apocalíptico.

106 Deus: uma invenção? capítulo 3 - Deus inventado e inventor 107


Não creio que os teólogos contemporâneos deixem de
lado os temas apocalípticos e escatológicos. No começo
do século XX, o doutor Albert Schweitzer, ao mesmo
tempo muito conhecido e desconhecido (ignora-se o seu
pensamento), mostrou a importância central desses temas
no Novo Testamento e na predicação de Jesus. E a exe­
gese do século XX insistiu no tema do Reino futuro que
estrutura a mensagem evangélica. E ntretanto, se no Novo
Testamento, o Apocalipse tem às vezes um aspecto aterro­
rizador, temível, também é, sobretudo, uma esperança. Ele
se mostra como uma crise que atravessamos, e c:tisso sairá
o bem. Hoje, nossa cultura desenvolve uma sinistrose, e é A. H.: René Girard, sobre esse tema da invenção de Deus,
verdade que o catastrofismo se baseia numa quantidade que ligações podem ser feitas entre o seu pensamento e o
significativa de boas razões. Mas a mensagem do Evange­ de Freud, Jung e Lacan?
lho convida não ao desespero e ao medo, mas à esperan­
ça, dizendo-nos que depois do Calvário vem a Páscoa, que R. G.: Falemos de Freud, mas não é muito importante.
depois da Sexta-Feira Santa vem a ressurreição, e que o Em A Violência e o Sagrado, há um capítulo sobre Freud,
Apocalipse significa que no mundo há uma força positiva e eu continuo aderindo ao que ali escrevi. Nunca tive re­
funcionando, uma força que ultrapassará os males de que lação negativa com Freud, mas ao mesmo tempo há nele
sofremos, uma força que o crente tenta servir. muitas interpretações equivocadas que se devem ao que
eu denominaria seu modernismo.
Sim, há uma luta de religião contra a religião: luta da
religião que sacode contra a que adormece, luta da reli­ Freud viu todos os tipos de coisas espantosas, em par­
gião que mobiliza contra a que leva ao conformismo, luta ticular, ele viu que o religioso começa sempre com um
da religião que anuncia um futuro contra a que prediz linchamento. Ele não disse isso como psicanal ista, mas
catástrofes. Cristãos, não percamos a esperança ! A fé é como etnólogo, a partir de textos puramente etnológicos
esperança, esperança apesar de tudo, a despeito de tudo. que ele leu de maneira perspicaz. Mas essa perspicácia
não é retomada por absolutamente ninguém, ao contrá­
rio, todo mundo a rejeita.

Em Totem e Tabu, o linchamento original é único no


começo da história. Freud vivia num mundo em que se
acreditava que a humanidade havia começado mais tarde

108 Deus: uma invenção?


capítulo 4 debate
- 109
do que se pensa hoje. Ele concebeu esse linchamento A. G.: A frase de Voltaire é um pouco paradoxal, porque
como linchamento do pai, o que para mim é absurdo, se pre se "inventa" a partir de algo ; só se pode inven­
m
porque são posições de família que, na crise sacrificial, se ta r Deus a partir de Deus (ou a partir do sentimento ou
diferenciam, o que faz com que a maneira com que Freud do pensamento de Deus), e não a partir de nada. Com
entende o parricídio seja excessiva. A família é muito im­ frequência, acredita-se que as teorias da proj eção nega­
portante. O erro de Freud e o seu modernismo radical se vam a realidade de Deus; de fato, elas fazem com que nos
encontram, justamente, no fato de atacar incessantemen­ perguntemos: por que a projeção ganhou essa forma, por
te a família, ou seja, as últimas formas da sociedade que que ela se dá na forma de religião? Toda invenção reflete
ainda a mantinham. A família se deteriorou mais desde uma realidade e a ela nos remete.
então, em parte por causa das teses de Freud.
Real mente, a frase de Voltaire é muito clara, e não somos
Isso não impede que em alguns dos seus textos sobre a obrigados a vê-la de forma negativa. Para ele, há de
tragédia, sobre o coro trágico, por exemplo, Freud veja a fato um funcion amento social positivo de Deus. Pode-se
crise sacrificial, e veja a sua resolução no assassinato de interpretá- lo, em boa parte, dizendo : " Sim, é verdade,
uma única vitima, o que me parece profundo. Deus ajuda os homens a viver juntos". Pode-se também
compreender essa frase por um lado negativo ; conside ­
O próprio fato de que hoje pareça impossível que nos rando que Deus é - ou foi - o melhor endossa dor que se
interessemos pelo começo, pela fundação da cultura, já pode encontr ar para uma ordem social que não é de uma
é bastante, considerando que se tratava de algo muito justiça exemplar.
ultrapassado e que era visto como evidente na época em
que Freud falava. R. G. : É fácil compre ender. Voltair e vê muito bem - e
é preciso reconhecer a sua intuiçã o porque ele era um
Freud é um homem que tem essa virtude extraordinária realista - que, sem o religioso, as sociedades se desagre­
de crer no real, num mundo que acredita cada vez menos gam completamente, o que vemos atualm ente em todas
nisso e que repete : "Não se preocupem, só há textos". É as partes do Ocidente. O problema para as religiões ainda
o que a vanguarda francesa diz há cinquenta anos, mas vivas é permanecer vivas, porque uma religião morta não
as pessoas começam a ver que talvez não seja tão sério resolve. Nós nos encontramos na situaçã o do Império
como parecia na época de Roland Barthes e Lacan. Roman o no século TV. Na época em que a decadê ncia era
menos avançada do que hoje, falava-se muito dela; agora
A. H.: Retomando uma das questões clássicas de Voltaire: ela está praticamente em todas as partes, saiu de moda.
"Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo". Na realida­
de, isso nos faz apresentar o seguinte questionamento: uma Ao mesmo tempo, Voltaire afirmav a : "Tenho mui­
sociedade ateia seria pior do que uma sociedade religiosa? ta dificuld ade para acredit ar, m as é melhor que as

110 Deus: uma invenção? capitulo 4 debate


- 111
dame nte nem por isso deixam de funcionar, apenas suavizam-se.
pesso as acred item ". Essas palav ras são nota
ortáv eis Podem, entretanto, voltar a ser instituídas, mas che-
i nsup ortáv eis, mas há muit as palav ras i nsup
urkh eim, o ga um momento em que não podem mais. Portanto,
que cont inua m verd adeiras! Reto mem os D
se fala destruindo o religioso arcaico, o cristianismo pode
maio r soció logo franc ês de quem quas e não
socie dade é co ntinuar nesse caminho, mesmo que isso nunca seja
hoj e porq ue o noss o pens amen to sobr e a
veri ficado, numa época que é a divisão dos tempos, a
muito super ficial .
partir da qual os meios que até então foram úteis para
e mais o homem para não destruir completamente não fun­
A. H.: O senhor acha que a religião de Deus troux cionam mais. É preciso então arriscar tudo e revelar a
a sociedade?
mal do que bem, ou mais bem do que mal para vocação do homem : essa não violência que é puramente
nta, porque d ivina. Trata-se então de j untar-se a Deus. A verdadeira
A. G. : É muito difíci l respo nder a essa pergu
pode reparti­ teologia é uma teologia mística, que compreende que
o mal e o bem não estão separados. Não se
eraria de um Deus é o absoluto, a verdade, o melhor, o que os melho­
los num balan ço de duas colunas que enum
tivos. São res de nós suspeitam - mas é muito difícil alcançá-lo -,
lado os elementos positivos, do outro os nega
frequ ência , e é o que as fórmulas tranquilizadoras e a publ icidade
interligados e interdependentes. Com muit a atual não compreendem.
que se
um mal é um bem que dá errado, que dege nera,
ivo apare ce, há uma
perverte. Cada vez que algo de posit
os demô nios
A. H.: Há múltiplas teorias sobre a origem da religião,
contrapartida nega tiva. A lenda que diz que
ente verd adei- entre as quais temos a do espanto diante do poder dos
são anjos caído s me parece profu ndam
se torna r fenômenos naturais - poder do mar, da fecundação e da
ra : o que é angé lico sempre corre o risco de
velm ente o concepção, poder dos xamãs, da doença e da cura ... As
demo níaco , e a relig ião comp orta indis socia religiões arcaicas associam esses fenômenos a espíritos
a ou a uma
melh or e o pior. Quan do aderimos a uma Igrej
ia e lutar para que representam uma forma de poder, atribuem isso a
instit uição relig iosa, é preciso ter cons ciênc um Deus todo-poderoso. O que o senhor pensa a respeito
que o melh or venç a o pior. dessa maneira de ver?
, no amor,
A. H . : A religião lhe parece fund ada no medo R. G. : Todas essas fórmulas. são verdadeiras, de certa ma­
na necessidade de ser amad o? neira. Ao analisarmos os mitos, vemos doenças naturais
a violê ncia como a peste, e todos os tipos de males como a seca, mas
R. G . : Quan do digo "no medo ", é j ustam ente não se trata nunca da violência que é o essencial. Isso
base iam na
que caus a o medo . As relig iões arcai cas se mostra que o homem é incapaz de criticar-se e é por isso
prov a de
violê ncia, e no medo . Isso já é muit o bom. A que ele rejeita a violência sobre Deus. E é esse p rocesso
é que os sacrifí­
que essas relig iões arcai cas funci onam que está recomeçando intensamente agora.
ntos, mas
cios tendem a se tornar cada vez meno s viole

capitulo 4 debate
- 113
112 Deus: uma invenção?
É preciso ser realmente louco para acreditar que foi o O Ramo de Ouro ( The Golden Bough), de James F razer.
cristianismo que nos levou à violência. De fato, o cris­ Nesse capítulo, trata-se muito da natureza, mas trata­
tianismo só tem palavras de paz. Se os homens o inter­ se muito também da sucessão do padre de Nemi que
pretam de outra maneira, é problema deles. Deus só pode acontece de maneira extraordinária, pois o sucessor é
falar conosco ; ele não intervém para nos impor nada, aquele que consegue assassinar o padre d o lugar. Isso
justamente por respeitar a nossa liberdade. Somos nós m ostra que, em geral, a l iteratura é mais fo rte que a
que devemos nos dirigir a ele. Mas, se começamos ne­ teori a, pois ela nos faz ouvir coisas que não queremos
gando essas propriedades evidentes de Deus que a Idade diz er explicitamente.
Média conhecia perfeitamente, escondemos a verdade de
nós mesmos. Quando fazemos a pergunta "Deus é uma inven­
A. H . :
ção?", fazemos também a pergunta resultante: "Deus
A. G.: Da minha parte, não me pergunto e não tento di­ pode ser provado?", visto que todas as tentativas para
zer o que está na origem das religiões (eu não estava ali). prová-lo buscam demonstrar j ustamente que Deus não
Não tenho certeza de que a busca da origem possibilite é uma invenção. Algumas dessas provas são célebres,
distinguir com nitidez suficiente diversos elementos. sendo uma delas a de Santo Tomás de Aquino, e a de
Descartes. 1 Esse desejo de provar que Deus não é uma
Todavia, estou propenso a dizer que quando se é sensível invenção é muito antigo? Encontramos vestígios na
ao poder que existe no mundo, percebemos a sua violên­ antiguidade, na Bíblia, ou na teologia antes da primeira
cia. A angústia vem do confronto com a violência. Sen­ dessas provas, a de Santo Anselmo no século XI?
timos o desejo de livrar-nos dela. Na evolução da socie­
dade, o religioso constitui, creio, uma tentativa, às vezes A. G. : Sim, enco ntra mos vestígios muit o antig
os disso,
bem-sucedida, às vezes fracassada, de sair da violência mas talvez não na forma de provas filos ófica
s. Quando 0
ligada ao que René Girard chama de crise m imética. salmista decl ara: "Os céus cont am a glór
ia de Deus ", tem
uma percepção de Deus através do universo
. E m muitos
A. H . : Uma outra origem possível da religião é a que autores da Idade Média, enco ntra-se essa
ideia presente,
Freud associa à culpa. Ao contrário do que normal mente por exemplo, em Santo Ans elmo , de que
é preciso ser
se pensa, Freud não diz que foi a religião que causou a louco para não ver Deu s.
culpa ; ao contrário, para ele, foi a culpa que surgiu do
linchamento coletivo do pai que gerou a religião. O que o É preciso que nos perguntemos sobre a próp
ria noçã o de
senhor acha? prova. Temos duas posi ções . A prim
eira acredita que se

R. G . : Creio que isso não tem muito i nteresse. O senhor


conhece, sem dúvida, o primeiro capítulo do clássico ' Confo rme minh a própria exposição
, p. 35 a 47.

114 Deus: uma invenção?


capítulo 4 - debate 115
Deus existe, deve-se poder prová-lo, e ela busca argu­
haveria, na coerência das leis que fazem funcionar 0
mentações que estabeleceriam a sua existência e natureza
un iverso, um tipo de índice que o universo não é pura­
como se demonstra um teorema de matemática. Para a
m ente natural, mas obedece a uma Inteligência superior;
outra posição, Deus não se demonstra, ele se afirma como
a ciência vem, por assim dizer, socorrer a fé para mostrar
um paradoxo: tudo desmente a sua existência, porém, eu
a credibilidade da noção de Deus. O seu trabalho, René
a proclamo, e creio a despeito do que vejo, creio apesar
Girard, é particularmente interessante no sentido de que,
do que sei, creio contra a observação e a razão. Por um
a partir de dados antropológicos, o senhor tenta demons­
lado, temos uma lógica da obrigação de crer e, por outro,
trar a verdade do cristianismo. O senhor acredita que a
uma afmnação da impossibilidade da fé que não seja
sua reflexão é um suporte científico que permite atestar a
como escolha gratuita e desafio arriscado.
credibilidade da religião, mais particularmente do cristia­
nismo e, de forma mais geral, de Deus?
Acredito que seja necessário introduzir uma terceira
posição que se basearia na credibilidade de Deus. O que é
R. G.: Creio que sim. Apesar de tudo o que o lado ateu da
crível não é provado e talvez não seja possível prová-lo.
ciência pode fazer, é inegável que há hoje uma coisa evi­
Mas o crível não é insano, não é um desafio para a razão
dente, ou seja, que desde o início da vida nos dirigimos
e observação. É possível, sem ser certo. A meu ver, não se
para uma complexidade cada vez maior que toma o ser
pode demonstrar Deus, e a fé sempre comporta um risco
vivo mais capaz de refletir sobre a sua própria condição e
e um comprometimento além do que se sabe e se vê. Mas
existência.
há espaço para uma correlação, para um encontro, uma
aproximação entre um certo número de fenômenos e de
Sabe-se que a evolução biológica sempre evolui para for­
lógicas humanas e a noção de Deus.
mas de complexidade cada vez maiores. Como o homem
é, entre as criaturas, a mais recente, ele é o mais comple­
Entre uma religião racional, que se imporia pela lógica, e
xo. Não há objeto, entre todos os objetos do universo, que
uma fé irracional, que seria um desafio para a realidade e
atinja o grau de complexidade do cérebro humano, ou
0 pensamento, eu defendo uma fé razoável que tem suas
seja, a da inteligência capaz de refletir sobre o seu desti­
razões, mas não provas. Uma das tarefas da teologia con­
no, sobre a sua existência e sobre a existência de Deus.
siste em mostrar que há uma credibilidade de Deus : não é
insensatez crer em Deus. Mas, mostrar que não é insensa­
Então, evidentemente, os sábios ateus dirão que não há
tez não quer dizer que se prova a existência de Deus !
significado espiritual na evolução biológica. Eu penso
que há. Esse movimento em direção da inteligência me
A. H . : Acredita-se com frequência que pode haver u m
parece extraordinariamente significativo. Não há nada
acordo entre a ciência e a fé. Muitos sábios, aliás, em
de mais bonito hoje do que as ciências antes imóveis,
geral muito criticados por outros sábios, consideram que co mo a astronomia que se tomou astrofísica. Havia

116 Deus: uma invenção?


capítulo 4 debate
- 117
alguém na F rança que dizia essas coisas de maneira textos bíblicos sobre a Criação . A maioria dos p rotestan­
extraordinária, ninguém p restava atenção nele, é claro : tes aprendeu, desde então, a conside rar as coisas de outra
Claude Tresmontant. Nas suas crônicas d e L a Vo ix du forma. Parece-me que haveria filmes magníficos a serem
Nord e nos seus últimos livros em particular, ele de­ feitos sobre a harmoni a entre a ciência e a religião.
monstrava a unidade total da evolução em direção ao
mais complexo e mais capaz. A. H . :No Concílio Vati cano 1, no fim do século XIX, a
teol ogia católica afirmou solenemente: "Deus pode ser
A grande fraqueza da evolução , tal como a concebem os conhecido com certeza à luz da razão humana". Ela se
hoje, é imaginar que tudo isso aconteceu por acaso, esse baseava no texto da Epístola aos Romanos, que afirma
acaso que soube fazer o cérebro humano precedido de que as perfeições e as qualidades invisíveis de Deus são
todas essas formas cada vez mais complexa s e próximas visíveis no funcionamento do universo. O que o senhor
da autonomi a, mesmo no plano da vida purament e física. acha dessa tomada de posição de Vaticano I ?
Os mamíferos são mais autônom os do que os répteis. Eles
vêm depois e não são mais submetido s ao meio ambiente A. G. : Tenho duas observações. A primeira fa l a d a no­
como era o caso dos répteis. E é verdade para todas as ção de "certeza ". Creio que todo o pensam ento contem­
formas, inclusive a humanidade, que ultrapassa indubita­ porâneo diz que o que conhece mos, nós o conhece mos
velmente a animalida de. É por essa razão que não com­ com uma probabi lidade alta, menos alta ou baixa, mas
preendo os fundame ntalistas que não veem na teoria da não com uma certeza absoluta . A pretensã o da certeza
evolução esse poder e essa maravilh a, sobretudo, quando absoluta desapar eceu da p rópria ciência. Se quiserm os
expandim os isso para toda a criação. encontrar o razoáve l na fé em Deus, não elimina mos a
parte de aposta, de compro metimen to, a fé não contra­
A. H . : O que o senhor diria da frase que se atribui a Eins­ diz necessaria mente a razão, mas vai além do que ela

tei n : "O acaso é o pseudônimo de Deus quando ele não pode saber e pensar.
quer assinar"?
Segunda observação : o senhor citou uma afirmaç ão
R. G.: Nada mal ! Os fundamen talistas americano s são do Concílio Vatican o 1. Teríamo s praticam ente a mes-
muito atormentados porque mantivera m um princípio ma ideia, não necessa riamente nos mesmos termos, em
protestante - que o protestant ismo francês perdeu - que Calvino, no primeir o volume da Instituição da Religião
diz que a Bíblia não pode se enganar no menor deta­ Cristã que admite um conheci mento de Deus pela razão.
lhe: trata-se da infalibilid ade da Bíblia. Eles se obrigam, Entretanto, Calvino afirma que se trata de um conheci ­
portanto, a brigar por posições indefensáveis, os primei­ mento parcial e limitado , ele faz conhece r Deus como
ros capítulos do Gênesis, que interpretam ao pé da letra. criado r, não como salvado r, e ele não permite entrar no
Se pensarmo s assim, a teoria da evolução se opõe aos que ele denomin a o segredo de Deus; ele percebe algo de

11 B Deus: uma invenção? capitulo 4 debate


- 119
Deus, mas Deus ultrapassa esse saber. Conhecemos Deus?
Não temos um conhecimento total dele pela razão nem
pela revelação. Porém, a revelação nos desvenda alguns
aspectos dele. A razão oferece também um conhecimento
que é da ordem da probabilidade, não da certeza, e que é
muito li mitado.

R. G . : Toda a minha tese é um esforço que procura


mostrar que hoje, e de maneira muito mais clara do
que no passado, a razão leva a Deus. As circunstâncias
históricas são cada vez mais favoráveis ao que não é
uma demonstração, mas uma mostração. A partir do mo­ Arnaldo Momigliano inspira nossa tarefa, já que a alqui­
mento em que vemos o retomo cristão dos fenômenos
mia dos antiquários jamais se realizou: nenhum catálogo
vitimários, é muito difícil considerar que o cristianismo esgota a pluralidade do mundo e muito menos a dificul­
seja uma religião sacrificial violenta. Pois esse retomo dade de uma questão complexa como a teoria mimética.
é a cruz de Cristo. A religião arcaica, tanto quanto o
cristianismo, divinizam os bodes expiatórios, mas não O cartógrafo borgeano conheceu constra ngimento
reconhecem neles vitimas inocentes da multidão. O cris­ semelh ante, como Jorge Luis B o rges revelou no poema
tianismo diviniza Cristo, mas Cristo revela a falsidade do "La Luna". Como se sabe, o cartógrafo não pretendia
religioso arcaico, revelando-nos o seu funcionamento e muito, seu p roj eto era modesto : "cifrar el universo /
a nossa violência. A verdadeira religião é acima de tudo
En un libra". Ao terminá-lo, l evantou os olhos "con
revelação da falsidade de todo o religioso anterior, com
ímpetu i nfi nito " , provavelmente surpreso com o poder
exceção da Bíblia.
de pal avras e compassos. N o entanto, logo percebeu
que redigir catálogos, como p roduzir livros, é uma
tarefa i n finita :

Gracias iba a rendir a Ia fortuna


Cuando al alzar los ojos vio un brufüdo
Disco en e! aire y comprendió aturdido
Que se había olvidado de Ia Iuna.

Nem antiquários, tampouco cartógrafos: portanto, es­


tamos livres para apresentar ao público brasileiro uma

1 20 Deus: uma invenção?


breve explicação 121
cronologia que não se pretende exaustiva da vida e da
obra de René Girard.

Com o mesmo propósito, compilamos uma bibliografia


sintética do pensador francês, privilegiando os livros pu­
blicados. Por isso, não mencionamos a grande quantidade
de ensaios e capítulos de livros que escreveu, assim como
de entrevistas que concedeu. Para o leitor interessado
numa relação completa de sua vasta produção, recomen­
damos o banco de dados organizado pela Universidade
de Innsbruck: http ://www.uibk.ac.at/rgkw/mimdok/suche/
index.html.en. René Girard nasce em Avignon (França) no
dia 25 de dezembro de 1 923; o segundo
de cinco filhos. Seu pai trabalha como
De igual forma, selecionamos livros e ensaios dedicados, curador do Museu da Cidade e do famoso
direta ou indiretamente, à obra de René Girard, incluindo "Castelo dos Papas". Girard estuda no liceu
local e recebe seu bacca/auréat em 1 940.
os títulos que sairão na Biblioteca René Girard. Nosso De 1 943 a 1 947 estuda na École des
objetivo é estimular o convívio reflexivo com a teoria Chartes, em Paris, especializando-se em
mimética. Ao mesmo tempo, desejamos propor uma cole­ história medieval e paleografia. Defende
a tese La Vie Privée à Avignon dans la
ção cujo aparato crítico estimule novas pesquisas. Seconde Moitié du XVme Siecle.
Em 1 947 René Girard deixa a França e
Em outras palavras, o projeto da Biblioteca René Girard começa um doutorado em História na
Universidade de Indiana, Bloomington,
é também um convite para que o leitor venha a escrever ensinando Literatura Francesa na mesma
seus próprios livros acerca da teoria mimética . . universidade. Condui o doutorado em
1 950 com a tese American Opinion on
France, 1 940- 1 943.
No dia 18 de junho de 1 9 5 1 , Girard casa-se
com Martha McCullough. O casal tem três
filhos: Martin, Daniel e Mary.
Em 1 954 começa a ensinar na Universidade
Duke e, até 1 9 57, no Bryn Mawr College.
Em 1 957 toma-se professor assistente de
Francês na Universidade Johns Hopkins,
em Baltimore.
Em 1 961 publica seu primeiro livro, Mensonge
Romantique et Vérité Romanesque, expondo
os princípios da teoria do destjo mimético.

cronologia de René Girard 123


122 Deus: uma invenção?
Em 1 962 toma-se professor associado na Em 1 982 publica Le Bouc Émissaire e, em
Universidade Johns Hopkins. 1 985, La Route Antique des Hommes
Organiza em 1 962 Proust: A Collection Pervers. Nesses livros, Girard principia a
of Criticai Essays, e, em 1 963, publica desenvolver uma abordagem hermenêu­
Dostofevski, du Double à l'Unité. tica para uma leitura dos textos bíblicos
Em outubro de 1 966, em colaboração com com base na teoria mimética.
Richard Macksey e Eugenio Donato, Em junho de 1 983, no Centre Culturel In­
organiza o colóquio internacional "The ternational de Cerísy-la-Salle, Jean-Pierre
Languages of Criticism and the Sciences Dupuy e Paul Dumouchel organizam o
of Man ". Nesse colóquio participam Lu­ colóqufo "Violence et Vérité. Autour de
cien Goldmann, Roland B arthes, Jacques René Girard". Os "Colóquios de Cerisy"
Derrida, Jacques Lacan, entre outros. Esse representam uma referência fundamental
encontro é visto como a introdução do na recente história intelectual francesa.
estruturalismo nos Estados Unidos. Nesse Em 1 985 recebe, da Fríje Universiteit de
período, Girard desenvolve a noção do Amsterdã, o primeiro de muitos douto­
assassinato fundador. rados honoris causa. Nos anos seguintes,
Em 1 968 tranfere-se para a Universidade do recebe a mesma distinção da Universida­
Estado de Nova York, em Buffalo, e ocupa de de Innsbruck, Áustria ( 1 988); da Uni­
a direção do Departamento de Inglês. versidade de Antuérpia, Bélgica ( 1 995);
Principia sua colaboração e amizade com da Universidade de Pádua, Itália (200 1 ) ;
Michel Serres. Começa a interessar-se mais d a Universidade de Montreal, Canadá
seriamente pela obra de Shakespeare. (2004) ; da University College London,
Em 1 972 publica La Violence et le Sacré, Inglaterra (2006); da Universidade de St
apresentando o mecanismo do bode Andrews, Escócia (2008).
expiatório. No ano seguinte, a revista Em 1 990 é criado o Colloquium on Violence
Esprit dedica um número especial à obra and Religion (COVEtR). Trata-se de uma
de René Girard. associação internacional de pesquisadores
Em 1975 retorna à Universidade Johns dedicada ao desenvolvimento e à crítica da
Hopkins. teoria mimética, especialmente no tocante
Em 1 978, com a colaboração de Jean­ às relações entre violência e religião nos
Michel Oughourlian e Guy Lefort, dois primórdios da cultura. O CoUoquium on
psiquiatras franceses, publica seu terceiro Violence and Religion organiza colóquios
livro, Des Choses Cachées depuis la Fon­ anuais e publica a revista Contagion. Gi­
dation du Monde. Trata-se de um longo e rard é o presidente honorário da institui­
sistemático diálogo sobre a teoria miméti­ ção. Consulte-se a página: http://www.
ca compreendida em sua totalidade. uibk.ac.at/theol/cover/.
Em 1980, na Universidade Stanford, recebe Em 1990 visita o Brasil pela primeira vez:
a "Cátedra Andrew B. Hammond" em encontro com representantes da Teologia
Língua, Literatura e Civilização France­ da Libertação, realizado em Piracicaba,
sa. Com a colaboração de Jean-Pierre São Paulo.
Dupuy, cria e dirige o "Program for Em 1 991 Girard publica seu primeiro Livro es­
lnterdisciplinary Research", responsável crito em inglês: A Theatre of Envy: William
pela realização de importantes colóquios Shakespeare (Oxford University Press). O
internacionais. livro recebe o "Prix Médicis", na França.

1 2 4 Deus: uma invenção? cronologia de René Girard 125


Em 1 99 5 aposenta-se na Universidade
Stanford.
Em 1 999 publica Je Vois Satan Tomber
comme l 'Éclair. Desenvolve a leitura
antropológica dos textos bíbl.icos com
os próximos dois livros: Celui par qui
/e Scandale Arrive (200 1 ) e Le Sacri.fi.ce
(2003).
Em 2000 visita o Brasil pela segunda vez:
lançamento de Um Longo Argumento do
Princípio ao Fim. Diálogos com João Cezar
de Castro Rocha e Pierpaolo Antonello.
Em 2004 recebe o "Príx Aujourd'hui" pelo
livro Les Origines de la Culture. Entre­
tiens avec Pierpaolo Antonello et João
Cezar de Castro Rocha. Mensonge Romantique et Vérité Romanesque.
Em 17 de março de 2005 René Girard é Paris: Grasset, 1961. [Mentira Romântica e
eleito para a Académie rrançaise. O "Dis­ Verdade Romanesca. Trad. Lília Ledon da
curso de Recepção" foi feito por Michel Silva. São Paulo: Editora É, 2009.)
Serres em 1 5 de dezembro. No mesmo Proust: A Collection of Criticai Essays.
ano, cria-se em Paris a Association pour Englewood Cliffs: Prentice Hall, J 962.
les Recherches Mimétiques (ARM). Dostoi'evski, du Double à l'Unité. Paris:
Em 2006 René Girard e Gianni Vattimo Plon, 1 963. (Este livro será publicado na
dialogam sobre cristianismo e moderni­ Biblioteca René Girard)
dade: Verità o Fede Debole? Dialogo su La Violence et le Sacré. Paris: Grasset, 1 972.
Cristianesimo e Relativismo. Critique dans un Souterrain. Lausanne:
Em 2007 publica Achever Cla usewitz, L'Age d'Homme, 1 976.
um diálogo com Benoit Chantre. Nessa To Double Business Bound: Essays on
ocasião, desenvolve uma abordagem Literature, Mimesis, and Anthropology.
apocalíptica da história. Baltimore: Johns Hopkins University Press,
Em outubro de 2007, em Paris, é criada a 1 978. (Este livro será publicado na Biblio­
"lmitatio. [ntegrating the Human Sci­ teca René Girard)
ences'', (http://www.imitatio.org/), com Des Choses Cachées depuis la Fondation du
apoio da Thiel Foundation. Seu objetivo é Monde. Pesquisas com Jean-Michel Oughour­
ampliar e promover as consequências da lian e Guy Wort. Paris: Grasset, 1978.
teoria girardiana sobre o comportamento Le Bouc Émissaire. Paris: Grasset, 1 982.
humano e a cultura. Além disso, pretende La Route Antique des Hommes Pervers.
apoiar o estudo interdisciplinar da teoria Paris: Grasset, 1 985.
mimética. O primeiro encontro da lmitatio Violent Origins: Walter Burkert, René Girard,
realiza-se em Stanford, em abril de 2008. and Jonathan Z. Smith on Ritual Kill-
Em 2008 René Girard recebe a mais im­ ing and Cultural Formation. Org. Robert
portante distinção da Modem Language Hamerton-Kelly. Stanford: Stanford
Association (MLA): "Lifetime Achieve­ University Press, 1 988. (Este livro será
ment Award". publicado na Biblioteca René Girard)

126 Deus: uma invenção? bibl iografia de René Girard 1 27


A Theatre of Envy: William Shakespeare. Achever C/ausewitz (Entretiens avec Benoit
Nova York: Oxford University Press, 1 99 1 . Chantre). Paris: Camets Nord, 2007. (Este
[Shakespeare: Teatro da Inveja. T� d. Pedro livro será publicado na Biblioteca René
Sette-Câmara. São Paulo: Eclitora E, 2010.] Girard)
Quand ces Choses Commenceront... Le Tragique et la Pitié: Discours de Récep­
Entretiens avec Michel Treguer. Paris: tion de René Girard à l 'Académie Fran­
Arléa, 1 994. (Este livro será publicado na çaise et Réponse de Michel Serres. Paris:
Biblioteca René Girard) Editions le Pommier, 2007. (Este livro será
The Girard Reader. Org. James G. Williams. publicado na Biblioteca René Girard)
Nova York: Crossroad, 1 996. De la Violence à la Divinité. Paris: Grasset,
Je Vois Satan Tomber comme l 'Éclair. Paris: 2007. Reunião dos principais livros de
Grasset, 1 999. Girard publicados pela Editora Grasset,
Um Longo Argumento do Prindpio ao Fim. acompanhada de uma nova introdução
Diálogos com João Cezar de Castro Rocha para todos os títulos. O volume inclui
e Pierpaolo Antonello. Rio de Janeiro: Top­ Mensonge Romantique et Vérité Ro­
books, 2000. Este livro, escrito em inglês, manesque, La Violence et /e Sacré, Des
foi publicado, com algumas modificações, Choses Cachées depuis la Fondation du
em italiano, espanhol, polonês, japonês, Monde e le Bouc Émissaire.
coreano, tcheco e francês. Na França, em Dieu, une Invention?. Com André Gounelle
2004, recebeu o "Prix Aujourd'hui". e Aláin Houziaux. Paris: Editions de
Celui par Qui le Scandale A rrive: Entre­ !'Atelier, 2007. (Este livro será publicado
tiens avec Maria Stella Barberi. Paris: na Biblioteca René Girard)
Desclée de Brouwer, 200 1 . (Este l ivro será Evolution and Conversion. Dialogues on the
publicado na Biblioteca René Girard) Origins of Culture. Com Pierpaolo Antonello
La Voi..r Méconnue du Réel: Une Théorie des e João Cezar de Castro Rocha. Londres: The
Mythes Archai"ques et Modernes. Paris: Continuum, 2008. (Este livro será publicado
Grasset, 2002. (Este l ivro será publicado na Biblioteca René Girarei)
na Biblioteca René Girard) A nore.rie et Désir Mimétique. Paris:
Il Caso Nietzsche. La Ribellione Fallita L'Heme, 2008. (Este livro será publicado
dell 'Anticristo. Com colaboração e eclição de na Bibl ioteca René Girard)
Giuseppe Fomari. Gênova: Marietti, 2002. Mimesis and Theory: Essays on Literature
Le Sacrifice. Paris: Bibliotheque Nationale and Criticism, 1 953-2005. Org. Robert
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do na Biblioteca René Girard) Press, 2008.
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Rivalry and Desire. Org. Mark R. Anspach. 2008. Este livro é acompanhado por um
Stanford: Stanford University Press, 2004. DVD, Le Sens de /'Histoire, que reproduz
Miti d 'Origine. Massa: Transeuropa Edi­ um diálogo com Benoit Chantre. (Este livro
zioni, 2005. (Este livro será publicado na será publicado na Biblioteca René Girard)
Biblioteca René Girard) Gewalt und Religion: Gespriiche mit Wolf­
Verità o Fede Debole. Dialogo su Cristiane­ gang Pa/aver. Berlim: Matthes Et Seitz
simo e Relativismo. Com Gianni Vattimo. Verlag, 2010.
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Girard) ropa Ediz io­
ni, 200 9. (Este livro será pub
LANCE, Daniel. Vous A vez Dit Eleves lica do na
Bibl ioteca Ren é Girard)
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logue. Paris, L'Harmattan, 2007. (Este Revelation - Leo
Strauss, Eric Voegelin, and the
livro será publicado na Biblioteca René Bible.
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Girard) Missouri
, Press, 2009. (Este livro será pub
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Bib lioteca Ren é Girard)
logie du Sacré. Paris: L'Harmattan, 2007. GooDHART, San dor ; JoRGENSEN,
(Este livro será publicado na Biblioteca J.; RYBA, T.;
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René Girard) é Girard.
Essays in Friends h ip and in
OuGHOURUAN, Jean-Michel. Genese du Désir. Tru th. East
Lansing, MI: Michigan State
Paris: Camets Nord, 2007. (Este 1.ivro será University
Press, 2009.
publicado na Biblfoteca René Girard) ANsPACH, Mark Rogin. Oedipe
Au!ERG, Jeremiah. A Reinterpretation of , Mimétique.
Paris: Edit ions de L'Heme, 2010 . (Este
Rousseau: A Religious System. Nova York: livro será pub lica do na Bibl iote
Paigrave MacmiUan, 2007. (Este livro será ca René
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publicado na Biblioteca René Girard) MENDOZA-ÁLVAREZ, Carlos. El
Duruv1 Jean-Pierre. Dans l'Oeil du Cy­ Dios Escondi­
do de la Posmodernidad. Deseo,
clon e - Colloque de Cerisy. Paris: Camets Memo­
ria e Imaginación Escatológic
Nord, 2008. (Este livro será publicado na a. Ensayo
de Teología Fundamental Pos
Biblioteca René Girard) moderna.
Gua dalajara : ITESO, 2010. (Est
Duruv, Jean-Pierre. La Marque du Sacré. e livro será
pub lica do na Bibl ioteca René
Paris: Camets Nord, 2008. (Este livro será Girard)
ANDRADE, Gabriel. René Gira
publicado na Biblioteca René Girard) rd: Un Retrato
Intelectual. 2010 . (Este livro será
ANSPACH, Mark Rogin (org.). René Girard. pub 1.ica ­
do na Bibl ioteca Ren é Girard)
Les Cabiers de l'Heme n. 89. Paris:
L'Herne, 2008. (Este livro será publicado
na Biblioteca René Girard)
DEPOORTERE, Frederiek. Christ in Postmodern
Philosophy: Gianni Vattimo, Rene Girard,
and Slavoj Zizek. Londres: Continuum,
2008.

1 3 6 Deus: uma i nvenção? bibli ografia selecionada sobre René


G irard 137

���----·-
representação de, Herói Modernidade, 53
27, 30, 47, 49 como vítima, 70 Modernismo, 109
segredo de, 1 1 9 mítico, 70 Monoteísmo, 32
Difusionismo, 17 Hipóstase, 48 emergência do, 32,
Distãncia conceituai, Humanidade 34-35
1 5, 1 7 emergência da, 66 Não violência, 1 1 3
Divertimento (Pascal), Idealismo, 90, 9 5 Neoplatonismo, 5 6
79 Identidade, 89 Objeto
Duplo caráter, 99 Imaginação destruição do, 69
Duplo vinculo, 1 9 apocalíptica, 67, 107 Ontologia, 60
Educação cristã, 8 1 Imitação, 66 Paixão, 72, 74, 83
Engajamento, 1 4 Império Romano, 1 1 1 Panteísmo, 3 5, 54
Entropia, 39 Interpretação Paradoxo, 1 9, 46, 69,
Escalada mimética, 67 figural, 9 5 11 1, 1 1 6
Escatologia, 108 l n tertextuaJidade, 1 6 Parricídio, 70
Escolástica, 29, 36 Invenção, 1 1 , 1 8, 28, Política, 69
Absoluto, 25, 62, 1 1 3 Ceticismo, 104-05, 107 Deus
Estoicos, 30 32, 3 5-36, 42, 55, Prece, 50
defesa do, 105 arcaico, 70
busca do, 2 5
Etnocentrismo, 72 65, 86, 9 6 Protestantismo, 104,
Ciências como invenção, 9,
Absurdo, 22, 58
Eutanásia conceito de, 27-28 107, 1 1 8
historicização da, 77 li, 1 3, 23, 25, 27,
Acaso, 44, 58-59,
legalização da, 10 etimologia da, 1 3- vocação do, 101
Criação 3 1 , 46, 48, 5 1 , 53,
118 Evolução, 23, 30, 40- 1 4, 92, 97 Prova
etimologia da, 1 4 56-57, 62-63, 85,
Alteridade, 89
87, 90, 94, 102, 109 41, 91 Islamismo, 80 noção de, 1 1 5
Animismo, 32-35, Crise
criadora, 30 Judaísmo, 34, 36, Providência, 59
mimética, 68, 78- como invenção da
53, 5 5 das espécies, 43 66, 82 Psicologia da religião,
79, 98, 1 1 4 fé, 96
como invenção,
teoria da, 1 1 8 tardio, 60 58
sacrificial, 1 10 como invenção de
32, 34 Fé, 2 1 , 27, 36, 46, 52, Linchamento Realismo, 1 4, I l i
Cristianismo, 22, 27, Deus, 1 3
retorno ao, 5 5
como invenção
57, 62-63, 88, 92 original, 109, 1 1 4 exigências do, 63
Antropologia da 36, 66, 7 1 , 80, 82,
como aposta, 64 unãnime, 70 girardiano, 1 6
96, 98, 1 1 3 - 1 4 necessária, 101
religião, 58
como esperança, Lógica, 43 Reino de Deus, 62-63,
apologia do, 1 9 como invenção
Apocalipse, 94, 108
retórica, 29, 57
108 leis da, 43 72, 75, 108
Argumento antrópico, caráter sacrificial
confissão de, 56-60 Mana, 33 Religião, 87
do, 8 1 definição de, 26, 32,
43 emergência da, 49 Metafisica, 36, 38, 47, arcaica, 27, 32, 49,
e p a radoxo, 98 38, 47, 82
Assassinato
emergência da ideia
e mundo 53, 77 74, 80, 105, 1 1 2
coletivo, 70 especificidade do,
contemporãneo, e animismo, 36 como invenção, 100
7 5, 80 de, 32
fundador, 22, 1 10
essência de, 30, 6 1
27 Milagre, 44 emergência da, 66
Ateísmo, 1 1 , 22, 24, primitivo, 60, 107
experiência da, 13 definição de, 44 origem da, 23, 88,
verdade do, 1 1 7 experiência de, 52-53
60, 66, 87, 1 10
impossibilidade da, Mimetismo, 66-67, 113
Cristo função de, 48, 50-52
Bode expiatório, 22,
ideia de, 23, 27, 29,
116 69-70, 105 origem violenta da,
65, 7 1 , 73 como bode
razoável, 1 1 6, 1 1 9 Mistério, 52 109
mecanismo do, 69, e x piatório, 73 57, 1 1 6
Filosofia grega, 73, 76 Mística, 52-53 psicologia da, 48
Desejo, 49, 67 ideia judaica de, 36
7 1 , 98, 105
Finitude, 23, 52 Mito, 22, 48, 68, 70, universal.idade da, 26
mimétic� 1 8, 22, 67 prova da existência
religião do, 77
de, 1 2, 2 1 , 27, 3 1 ,
Fundamentalismo, 72, 74, 106, 1 1 3 utilidade da, 23
Budismo, 80 Desenho
37-39, 4 1 , 44, 53, 100, 1 1 8 cosmogônico, 34 valor educativo
Causa inteligente, 23, 40,
Graça, 22, 58, 60 edipiano, 68, 70 da, 77
4 1, 91, 1 1 7 115
ideia de, 4 5

índice analítico 1 39
1 38 Deus: uma invenção?
Religiocentrismo, 72 Violên cia, 65, 75, 107,

Religiosamente 112
correto, 1 1 , 104 controle da, 73
sacrificial, 72
Religio sidade , 53
social, 65
Religi oso arcaico
superação do, 1 1 3 Vítima, 72, 80
inocência da, 72
Retórica, 57, 6 1
Rito, 48, 106 unânime, 70

R ivalidade, 69
mimética, 22, 67, 79
Sacrifí cio, 71, 79-80 ,
106, 1 1 2
elimin ação do, 80
ritual, 74
Sagrado, 22, 52, 65, 99 Andrade, Oswald Grote, Jim, 1 6 Santo Tomás de
Secularismo, 1 9, 82 de, 1 5 Heidegger, Martin, 3 5 Aquino, 2 1 , 29, 32,
Semâ ntica, 6 1 Aristóteles, 39, 66 Houziaux, Alain, 2 1 , 36-43, 45, 47, 64,
Sexua lidade , 79 Barthes, Roland, 1 10 25, 53, 74 115
Símbo los, 48 Barth, Karl, 45-46 Jung, Carl Gustav, 109 São João, 97
Tabu Bergson, Henri, 30 Kant, lmmanuel, 1 2, 42 São Paulo, 50, 6 1 ,
do incesto, 70 Bin Laden, Osama, 26 Kierkegaard, S0ren, 26 77, 97
Teologia, 38, 75, 77, 85 Bruno, Giordano, 30 Lacan, Jacques, 109-10 Schweitzer, Albert,
caráter infinit o da, Bush, George W., 26 Leeuw, Gerardus van 48, 108
93 Calvino, João, 101, 1 1 9 der, 33, 38 Shakespeare, Willfam,
católica, 45, 1 1 9 Cervantes, Miguel Leibniz, Gottfried, 39 79
clássica, 78 de, 79 Lutero, Martinho, 61 Steiner, George, 1 4
da graça, 6 1 Chemama, Roland, 5 1 McGeeney, John, 1 6 Tylor, Edward
d a trindade, 48 Descartes, René, 2 1 , Mersch, Bernard van Burnett, 34
do processo, 106 38-39, 1 1 5 der, 51 Tillích, Paul, 102, 103
e ceticismo, 105 Durkheim, É mile, 66, Montaigne, Michel Tresmontant, Claude,
tarefas da, 1 1 6 112 de, 79 118
tomista, 47 Einstein, Albert, 29, 1 1 8 O'Gorman, Edmundo, Vaihinger, Hans, 1 2
Teoria mimética, 1 5 Espinosa, Bento de, 30 1 4- 1 5 Vergotte, Antoine, 52
e história cultural Otto, Rudolf, 99
Feuerbach, Ludwig, Verne, Jules, 94-95
latino-americana, 89-90 Pascal, Blaise, 26, 64, Voltaire, 40, 1 10- 1 1
15 Frazer, James, 34, 1 1 5 78-79, 9 1 , 93 Wagner, Charles, 88
epistemologia da, Freud, Sigmund, 50, Picon, Raphael, 26, 63
1 4, 1 6- 1 8 70, 109-10, 1 1 4 Platão, 38
metodologia da, 1 1 Gagnebin, Laurent, 63 Ricoeur, Paul, 93
resistência à, 1 9 Geffré, Claude, 53 Rousseau, Jean-
Vanguarda francesa, Goethe, Johann Jacques, 40
1 10 Wolfgang von, 38 Santo Anselmo, 2 1 ,
Vingança, 22, 67, 80 Goodman, Nelson, 1 3 37-38, 1 1 5
controle da, 68

índice onomá stico 1 41


1 40 Deus: uma invenção?
Dostoiévski: do duplo "Despojada e despida": Aquele por quem o
à unidade a humilde história de escândalo vem
René Girard Dom Quixote René Girard
Cesáreo Bandera
Anorexia e desejo O Deus escondido da
mimético Descobrindo Girard pós-modernidade
René Girard Michael Kirwan Carlos Mendoza-Álvarez

A conversão da arte Violência e modernismo : Deus: uma invenção?


René Girard lbsen, Joyce e Woolf René Girard, André
William A. Johnsen Gounelle e Alain Houziaux
René Girard: um retrato
intelectual Quando começarem a Teoria mimética: a obra
Gabriel Andrade acontecer essas coisas de René Girard (6 aulas)
René Girard e Michel João Cezar de Castro
Rematar Clausewitz: Treguer Rocha
além Da Guerra
René Girard e Benoit Espertos como serpentes René Girard: do
Chantre Jim Grote e John mimetismo à hominização
McGeeney Stéphane Vinolo
Evolução e conversão
René Girard, Pierpaolo O pecado original à luz O sacrifício
Antonello e João Cezar da ressurreição René Girard
de Castro Rocha James Alison
O trágico e a piedade
O tempo das catástrofes Violência sagrada René Gi rard e Michel
Jean-Pierre Dupuy Robert Hamerton-Kelly Serres

•A Biblioteca reunirá cerca de 60 livros e os títulos acima serão os primeiros publicados.


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) uma personalidade, porém, como uma ilha. miste­
(Cãmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
riosa que smipre permanece uma trrra incopita,
Girard, René Deus fica infinitamente desconhecido. Ele se im­
Deus: uma invenção? / René Girard, André Gounelle, Alain Houziaux; tradução põe, mas como um abismo de mistáto. A religião
Margarita Maria Garcia Lamelo. - São Pa ulo: É Realizações, 2011 .
é uma maneira de inventar meios para conduzir tal
Titulo original: Dieu, une invention? mistáto a� nós, um pouco como criamos cana­
ISBN 978-85-8033-049-6 UzaçGes para diredonar a qua das fonm a� as

1 . Ateísmo 2. Deus - Existência 3. Irreligião 4. Religião 5. Religião - Filosofia


casas. Entretanto, Dlo se den confimdir a
1. Gounelle, André. li. Houziaux, Alain. Ili. Titulo. 6pa viva de Deus com as canaUzaç6es dos rituais
e doutrinas nMglmas hnmtadas pelas �as.
1 1 -08235 CDD-2 1 2. 1

Índices para catálogo sistemático:


1. Deus: Existência: Filosofia da religião 2 1 2.1
2. Existência de Deus: Filosofia da religião 212.1

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Preço:

Dara· �-
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--/ 08 I A�
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Este livro foi impresso pela Prol Editora Gráfica para É Realizações, em agosto de
201 1 . Os tipos usados são da fa milia Rotis Serif Std e Rotis Semi Sans Std. O papel
do miolo é pólem bold 90g, e o da capa, cartão supremo 300g.
Deus seria uma invenção dos homens? Ele seria uma
criação de sua angústia, de sua culpa, de sua sede de
imortalidade? Ou, simplesmente, do seu desejo de encon­
trar a paz, o amor e o perdão?

Pode-se provar que Deus não é uma invenção? Pode-se


de fato provar que existe?

Este livro coloca à disposição do leitor um diálogo


surpreendente, reunindo o pastor Alain Houziaux, o
An r R n'

r ""'�rr
9 7 8 8 5 8 0 3 3 04 9 6

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