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Artigo

Como a Teologia Bíblica Protege e Guia as Igrejas
Jonathan Leeman
26 de Janeiro de 2015 ­ Igreja e Ministério

Teologia  bíblica  é  um  modo  de  ler  a  Bíblia.  É  uma  hermenêutica.  Ela  assume  que  os  muitos  autores  e  os
muitos livros da Escritura procedem de um único autor divino e contam uma única história – sobre Cristo.

Parece um tanto acadêmico? De fato é, porém...

A  disciplina  da  teologia  bíblica  é  essencial  para  proteger  e  guiar  a  sua  igreja.  Ela  protege  a  igreja  contra
falsas  histórias  e  caminhos  errados.  Ela  guia  a  igreja  na  direção  de  uma  pregação  melhor,  de  práticas
melhores, de caminhos melhores.

A teologia bíblica como protetora da igreja

Pense, por exemplo, no liberalismo teológico. Ela reconta a narrativa da salvação como a obra de Deus para
superar, digamos, a injustiça econômica ou uma consciência política egoísta. Tais enredos redentivos podem
não estar de todo errados, mas eles me lembram de como uma das minhas filhas costuma narrar uma briga
com  a  sua  irmã.  Ela  fala  verdades,  mas  também  omite  detalhes,  redistribui  ênfases,  cria  sutis  conexões
interpretativas. Assim acontece com as narrativas do liberalismo em relação ao enredo bíblico do evangelho.

O  mesmo  ocorre  com  o  catolicismo  romano,  no  qual  os  sacerdotes  e  os  sacramentos  desempenham  um
papel mediador que tem um cheiro forte da antiga aliança.

Ou  com  o  evangelho  da  prosperidade,  o  qual  também  importa  elementos  da  antiga  aliança  para  a  nova,
apenas no que diz respeito às bênçãos.

Outros grupos não trazem o passado redentivo ao presente, mas trazem o futuro redentivo ao agora. Houve
os  anabatistas  perfeccionistas,  que  pensaram  poder  trazer  o  céu  à  terra  num  piscar  de  olhos.  Os  liberais
progressistas  tentaram  o  mesmo um século atrás. Hoje, são os viciados em transformação da cultura que
apresentam sutis releituras do enredo bíblico.

A lista é longa, quer pensemos em seitas “cristãs” como o mormonismo e as testemunhas de Jeová ou em
movimentos dentro da igreja, como o evangelho social, a teologia da libertação, o messianismo americano
ou algumas formas de separatismo fundamentalista. Alguns melhores, alguns piores.

O ponto é que evangelhos desequilibrados (ou falsos) e igrejas desequilibradas (ou falsas) são construídos
sobre “textos­prova” descontextualizados de sua narrativa ou sobre enredos completamente destorcidos. Ou
eles  conectam  erroneamente  as  principais  alianças  da  Bíblia,  ou  têm  continuidade  demais  ou
descontinuidade demais, ou falham em distinguir tipos de antítipos, ou têm uma escatologia pouco realizada
ou excessivamente realizada. Talvez eles prometam o céu na terra agora; talvez eles tornem etérea a vida
espiritual presente.

Em todo caso, teologias bíblicas ruins ou desequilibradas proclamam um evangelho ruim ou desequilibrado,
e tais evangelhos constroem igrejas ruins ou desequilibradas.

Entretanto, uma boa teologia bíblica protege o evangelho e a igreja. “Uma teologia bíblica robusta tende a
resguardar os cristãos dos mais notórios reducionismos”, diz D.A. Carson.

Isso  significa  que  é  dever  do  pastor  (i)  conhecer  boa  teologia  bíblica  e  (ii)  ter  alguma  noção  das  más
teologias  bíblicas  que  impactam  a  caminhada  dos  membros  de  sua  igreja.  Atualmente,  muitas  dessas
pessoas  foram  desmamadas  de  alguma  versão  do  evangelho  da  prosperidade.  Você  é  capaz  de  explicar­
lhes por que aquele leite está estragado? (Para alguma ajuda nesse assunto, veja aqui)

A teologia bíblica como guia da igreja
A teologia bíblica, contudo, não é apenas uma protetora, é também um guia – um guia para a boa pregação,
para  o  bom  evangelismo  e  engajamento,  para  a  boa  adoração  corporativa,  para  boas  estruturas
eclesiásticas e para a vida cristã saudável.

Um guia para a boa pregação

Quando  você  senta  para  estudar  um  texto  e  preparar  um  sermão,  a  teologia  bíblica  o  ajuda  a  evitar  o
método de “textos­prova” ou de contar uma história da redenção desequilibrada.

Ela põe cada texto no contexto canônico devido e o ajuda a ver o que o seu texto tem a ver com a pessoa e
a  obra  de  Cristo.  Ela  afasta  o  moralismo  para  que  você  possa  pregar  sermões  cristãos.  Ela  relaciona
corretamente  indicativos  e  imperativos,  fé  e  obras.  Ela  ensina  exposição  evangelística.  Ela  assegura  que
cada sermão seja parte da grande história.

Em  resumo,  pastor,  você  precisa  da  teologia  bíblica  para  fazer  a  parte  mais  importante  do  seu  trabalho:
pregar e ensinar a Palavra de Deus. Para mais sobre este assunto, veja o “Uma introdução à Pregação e à
Teologia Bíblica”, de Thomas R. Schreiner.

Um guia para o bom evangelismo e engajamento

Voltando­nos para o evangelismo e o engajamento da igreja com o mundo afora, a teologia bíblica equilibra
corretamente nossas expectativas entre esperar demais (escatologia excessivamente realizada) ou exigir de
menos (não pregar o imperativo ou pregar uma graça barata, uma fé sem obras, ou a ideia de que a igreja
deve receber na sua comunhão pessoas que ainda não creem).

Uma boa teologia bíblica não nos prometerá a melhor vida agora (quer isso signifique saúde e prosperidade,
transformar  a  cidade,  ganhar  o  favor  da  elite  ou  reconquistar  a  nação  para  Cristo),  tampouco  se
envergonhará de engajar­se na cultura e buscar o bem comum em obras ministeriais em nome do amor e da
justiça.

A teologia bíblica dá primazia à proclamação por meio da palavra (evangelismo e missões), mas não separa
artificialmente palavra e obra. Estes são inseparáveis no testemunho e missão da igreja, como fica claro no
enredo que vai de Adão a Abraão, a Israel, a Davi, a Cristo e à igreja.

Um guia para a boa adoração corporativa

Você acha que a dança nua de Davi, no episódio da arca da aliança, é normativa para as reuniões da igreja?
Não?  O  que  dizer  do  incenso  usado  pelos  sacerdotes  do  Antigo  Testamento  ou  o  uso  de  instrumentos  e
corais  ou  os  sacrifícios  nos  diversos  dias  festivos  ou  a  leitura  e  explicação  do  texto  bíblico?  Uma  teologia
bíblica correta ajuda a responder o que deve ser trazido à era da nova aliança e o que deve ser deixado na
antiga.

Isso  depende  muito,  de  novo,  de  como  se  relacionam  as  alianças,  de  como  se  aborda  a  continuidade  ou
descontinuidade e de como se entende a obra de cumprimento realizada por Cristo. Também depende de
como se entende o que a igreja de Cristo está autorizada a fazer quando se reúne.

Pastor, tudo isso pode soar acadêmico, mas a sua prática depende de alguma teologia bíblica. A pergunta é:
você já pensou qual é a sua?

Um guia para boas estruturas eclesiásticas

Do  mesmo  modo,  o  enredo  da  Escritura  exige  que  atentemos  para  questões  de  continuidade  e
descontinuidade no modo como organizamos nossas igrejas. Em termos de continuidade, o povo de Deus
sempre  teve  uma  distinção  entre  os  de  dentro  e  os  de  fora,  o  que  significa  que  precisamos  praticar  a
membresia  e  a  disciplina.  Em  termos  de  descontinuidade,  os  líderes  do  povo  de  Deus  mudam
dramaticamente  da  antiga  aliança  para  a  nova.  Primeiro,  todas  pessoas  do  povo  de  Deus  se  tornam
sacerdotes. Segundo, os presbíteros de Deus são pastores sujeitos ao Supremo Pastor, os quais alimentam
o rebanho por meio da Palavra.
Sem dúvida, a questão de quem pode ser um membro de igreja depende da teologia bíblica. A membresia é
apenas  para  os  crentes  ou  para  os  crentes  e  seus  filhos?  Isso  depende  do  quanto  de  continuidade  e
descontinuidade você enxerga entre a circuncisão e o batismo.

Um guia para a vida cristã saudável

Por fim, é proveitoso considerar a importância da teologia bíblica para a vida cristã saudável e como essa
vida se relaciona à igreja local.

Na história do Êxodo, a redenção foi corporativa, mas, no Novo Testamento, a redenção é individual, certo?

Bem, isso depende de como se concebe a relação entre a antiga e a nova aliança e o que Cristo realizou na
nova.  Não  é  possível  defender  que  a  existência  de  uma  cabeça  pactual  pressupõe  um  povo  pactual  (ver
Jeremias 31.33; 1Pedro 2.10)? Mais importante, Paulo parece sustentar que a parede da separação entre
judeus e gentios foi derrubada e que um único “novo homem” foi criado precisamente no mesmo momento
em  que  os  pecadores  foram  reconciliados  com  Deus  (Efésios  2.11­22;  para  mais  sobre  os  aspectos
corporativos da conversão, ver aqui).

Se for verdade que a salvação no Novo Testamento é direcionada a um povo tanto quanto no Antigo, ainda
que  a  experiência  dessa  salvação  por  cada  indivíduo  ocorra  em  momentos  diferentes,  e  não  juntamente,
como  no  êxodo,  então  parece  que  a  vida  cristã  é  fundamentalmente  corporativa.  E  o  crescimento  é
corporativo. E a vida na fé é corporativa. Foi o meu pai quem me adotou, mas ele me adotou para pertencer
a uma família, de modo que ser o filho dele significa ser o irmão ou a irmã deles.

Bem,  essa  realidade  corporativa  tem  inúmeras  e  abrangentes  implicações  para  o  ensino,  comunhão  e
cultura  de  uma  igreja.  Um  objetivo  primordial  da  existência  de  uma  igreja  local  –  se  este  relato  teológico
bíblico  estiver  correto  –  é  simplesmente  ser  uma  igreja.  É  ser  essa  nova  família,  novo  povo,  nova  nação,
nova cultura, novo corpo. Então muito do crescimento espiritual não tem a ver com o que eu faço em meus
momentos  devocionais,  mas  sim  com  aprender  a  assumir  essa  nova  identidade  como  membro  de  uma
família.

Por outro lado, é fácil imaginar uma teologia bíblica que supervaloriza o indivíduo em detrimento do corpo
(como  acontece  com  algumas  teologias  conservadoras)  ou  que  supervaloriza  as  estruturas  corporativas  e
sociais em detrimento da responsabilidade individual (como acontece com algumas teologias liberais).

Além  disso,  o  seu  entendimento  desse  enredo  o  ajuda  a  saber  o  que  esperar  de  seus  companheiros  de
membresia:  quanta  justiça,  quanta  vitória  sobre  o  pecado,  quanta  cura  espiritual  para  vítimas  de  injustiça,
quanta restauração em relacionamento falidos. O molde do enredo bíblico – seja lá como você o entenda –
irá moldar como você lida com a tragédia, o mal e a justiça à medida que você se depara com estas coisas
na sua vida e na de outros.

Em  outras  palavras,  uma  teologia  bíblica  correta  conduz  a  uma  visão  já/ainda­não  da  vida  cristã.  É  fácil
desviar­se para muito “já” ou muito “ainda não”.

Em suma: uma teologia bíblica correta oferece um guia fidedigno para a vida cristã, especialmente no modo
como essa vida se relaciona com a igreja local. E ela protege a igreja contra ênfases erradas, expectativas
erradas e um evangelho errado.

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