"[...] O adeus, teu adeus, minha saudade faz que o insano do viver me prive [...]"
Álvares de Azevedo
Ó, flor dos campos, luz de Caliban!
Deixei-te em sonhos meus; nesse retiro
Procuro-a para tê-la em meu divã
E sorver o silêncio em que respiro!
Vencido pela insônia... só... suspiro...
E meu semblante, tal qual Don juan,
Segue a sílfide e risca num papiro:
Dá-me um sossego, sana meu afã!
E sob as sombras o sono pincela;
Se ao meu lado vejo as formas dela,
Livro-me dum sonâmbulo pecado,
Mas, se o alvorecer for anunciado,
O despertar - será a sua partida,
E o abrir dos olhos meus - a despedida!
II A luz que passa no vão corredor
Não fulgura meu quarto e nem a mente,
Pois não traz dela o brilho, somente
Faz da partida caso de rancor...
Tu, que sendo luz, não és minha flor,
Por que mesmo com o teu corpo ausente
Ariel me diz que "ela está presente"
Sendo o coração o meu eu sonhador?
Deixo meu leito sob um turbilhão
De ecos e devaneios e alimento
As lembranças ardentes dum verão;
Verão saudoso que, por um momento,
Trouxera o luzir da flor, e paixão
Ao genésico olhar do sentimento!
III Na fronte minha deixo a mão espalmada
Anelar-se na nuvem de cabelos
Que ela dantes quisera recebê-los
Com as mãos virgens à tez perfumada!
Afastei-me... confesso... a pobre amada
Não entendera meu rúbeo pela face,
Pois um casulo fora nosso impasse:
Tornara-me o verme dessa camada!
Quanto tempo não sei, mas se desfez,
Mãos sóbrias enlevaram meus sentidos;
E o frenesi dos lábios, mais uma vez,
Lembraram-me os momentos suspendidos,
Em que Vênus perdera a sensatez
Sobre o palpitar dos seres despidos!
OS OLHOS TEUS
Os olhos teus... incertos do meu ser,
Mostram, para mim, céticos recados;
E os lábios denotam o quão exortados
Vivem os laços do desconhecer...
Nos olhos teus procuro compreender,
A vida tua que tenho ao meu lado,
Presente no meu verso rabiscado
Que descreve o que sinto por você.
A nudez em teus braços me consome:
Quero, além do palor da tua face,
Sentir a calidez do teu pescoço,
Entrando no meu cerne em alvoroço,
Trazendo para ti um velho disfarce,
Vestindo os olhos teus um novo nome!
COMPROMISSO
Sentada estavas tu! Que aguardava
A chegada, - vir a presença minha;
O relógio que marca não adivinha,
Une o momento e tão logo a palavra!
O deleite melífluo que buscava
Em mim traz a recíproca vizinha:
Silhuetas que dançam sobre a linha
São composições que o destino lavra.
Direis na escada a jura preterida,
Na dimensão onde teu ser me define,
Constelação onde o cosmo nos aduna;
E ao ver tua expressão um tanto ferida,
Lembro-me do passado, tempo insigne,
Em que a promessa era a nossa fortuna!
MEMÓRIAS OFUSCADAS
Memórias sopram em minha janela
E, aos ruídos, caem os fragmentos do amor;
Vejo as pétalas que lembram a flor
Que das tantas escolhas... somente ela!
Lábios soturnos na face em rubor
Deram-me a liderança às caravelas
Onde naveguei sobre as ondas belas
Formadas num sorriso encantador!
Ainda sob lentes, nela, o olhar existe,
Se o mal a natureza lhe fizera,
Eu não pude sentir, pois, quando triste,
Estive em outro mundo, em outra era;
Tudo ficou distante e assim persiste:
Saudade que não lembro, já não espera!
OUTONO
Estava eu no silêncio da floresta
Usando terno cinza, que a ternura
Das rubras folhas a estação apura,
E nas árvores seu tom manifesta.
Não se planta amor com o desamparo Da companheira,,, seus olhos sem véu Tendem não me deixar olhar pro céu, Mas sim um sorriso em vestido claro...
Não conheço o segredo dessas cores
Que faz do ventre dela uma morada Refletida no aroma de outras flores;
Em que o leite da Mãe-terra, na estrada,
Espelha a noite sob velhos amores Preparando o casal para a jornada!
ÁRVORES GÊMEAS
Duas folhas flutuavam num sopro frio
Não era insensato dizer que faziam parte daquele vasto azul As cores da alvorada eram um contraste para os olhares Dos sonâmbulos do sol Da terra banhada pela chuva E também das lágrimas de saudade de um tempo
Havia duas silhuetas advindas de um caule
Uma sombra encobria parte das maçãs E intervia sobre o passar do dia e o chegar da noite Imersos em conclusões e atirados ao relento para si diziam "A lua devia uma prece àqueles sentados próximo à fogueira e, o sol, colorir os passos cinzentos envelhecidos pelo clima"
A tarde composta demonstrava um tom rosado no céu
E uma melodia entoada pela juventude Ascendia o sentimento nos olhares Os dois sentados pareciam árvores gêmeas A contemplar com eufonia O pôr do sol.
DANÇA DE SALTO (II)
Vê-la dançar com vestido desfiado,
É para minha visão um lindo ensaio Enquanto ébria, girando, aos saltos, Mantenho fértil o meu imaginário! Planejo dar o compasso à eufonia, Que envolve todo este exímio ato! E, sinto o peito pulsar de imediato, Vendo o cabelo que exala euforia!
Elevo minha mão ao pálido rosto
Dela! Nos dedos, percebo que amparo: Certa tristeza e também um enfado Que oculta rúbea lascívia no absorto!
Deslizo sobre os contornos da mão
Dela! Tocando sua luva rasgada, Sinto a vaidade já enfim aspirada, E vejo-a digna em doce abstração!