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Atividade Wallon
Atividade Wallon
No presente trabalho, nós nos debruçamos uma vez mais sobre o documentário
“Território do Brincar” (Meirelles & Reeks, 2018), a fim de articular aspectos envolvidos nas
brincadeiras e interações das crianças com o desenvolvimento humano a partir da lente
teórica de Wallon. De forma geral, essa teoria parte da ideia de sujeito enquanto um ser
afetado pelo mundo em uma dupla história: o decorrer de seu amadurecimento biológico,
dado no desenvolvimento do corpo e do cérebro, e de sua vivência no ambiente social no qual
ela está inserida. Isso porque, segundo o autor, as funções psíquicas supõem um componente
orgânico, ao mesmo tempo em que o objeto da ação mental provém do ambiente social.
Sendo assim, para que crianças sejam capazes de brincar como no documentário, manipular
seus brinquedos, construir suas casinhas, mexer em suas panelinhas, juntar galhos e folhas e
interagir umas com as outras em diversos papéis, é necessário que estas tenham desenvolvido
certas capacidades biológicas, psíquicas e sociais, além de uma determinada relação com seu
próprio corpo e sua ideia de eu, mundo e outros, afetada pelas relações sociais e a cultura na
qual ela está inserida.
Com isso, uma grande questão envolvida no desenvolvimento, conforme posto pela
teoria, é a constituição do Eu psíquico, integrando seu aspecto motor, afetivo e cognitivo. É a
partir dessa tríade que a pessoa tem contato com os mundos exterior e interior, possibilitando
que as crianças estejam envolvidas em um mundo repleto de sensações e emoções,
possibilidades de movimentação e uso da inteligência e conhecimentos sociais, tendo o corpo
como base material organizadora dessa constituição do Eu. Assim, para que interajam com o
mundo ao seu redor, ao mesmo passo que são afetadas por ele, uma gama imensa de
processos desenvolvimentais, construídos e em construção, permitem que as crianças
brinquem das formas mostradas no documentário, a partir da constituição de um Eu psíquico
nesta dupla e complexa história.
Partindo deste ponto, delimitamos com mais especificidade a cena compreendida
entre os minutos 5’40” e 17’17”, possibilitando um aprofundamento da análise dos processos
que podem ser depreendidos a partir dela. Na cena, as crianças brincam de casinhas de
diferentes formas: estando sozinhas ou em grupo, construindo as casinhas ou interagindo com
uma casinha já montada, interagindo com materiais da natureza, tais quais folhas e galhos, ou
com objetos domésticos como panelas, colheres, bacias e outros brinquedos, como bonecas.
Além disso, algumas brincam com café, folhas e feijão para cozinhar, ou utilizam terra e
panelinhas de brinquedo, também sendo mostradas brincando de varrer e cuidando de bebês
representados por bonecas. Ainda que a descrição seja breve, torna-se explícito como as
brincadeiras das crianças nos permitem analisar como sua relação com o mundo e consigo
mesmas, e o papel desse processo na constituição de um Eu psíquico, são aspectos
complexos. Cada forma de se movimentar, expressar suas emoções e utilizar sua inteligência
durante as brincadeiras diz muito a respeito de seu desenvolvimento. Em um processo
reflexivo, retomamos uma frase de Heloísa Dantas apresentada na aula que esclarece para nós
como observar atentamente o brincar pode ser um forma de se investigar esses processos:
Por fim, um último comentário a ser colocado envolve discutir, assim como
Nadel-Brulfert (1986), a tendência de se considerar crianças como seres em construção, como
se fossem projetos inacabados e incompletos. No entanto, diante das cenas, a riqueza de suas
brincadeiras e a dinâmica que se desenrola no brincar de casinha são marcadas não pela falta
de um por-vir, mas pela presença e complexidade de diversos processos que constituem a
criança naquela etapa de sua vida. Nota-se, conforme explicitado pelo autor, que em cada
fase do desenvolvimento estão presentes tanto processos já construídos como processos em
construção. Com isso, embora a criança seja um ser em transformação caracterizada por um
vir-a-ser, em sua idade atual elas brincam utilizando de todos seus órgãos e recursos, o que
assegura a atividade presente enquanto que as outras massas que se desenvolverão a
posteriori ainda não tem razão de ser. Quando brincam, as crianças utilizam todo seu
repertório atual de forma adaptativa para que executem as atividades que executam e, a partir
disso, os conflitos nesta constituição servirão de impulso para seu desenvolvimento. Assim,
nas brincadeiras das cenas que observamos, as crianças demonstram grandes potencialidades
em seus processos em construção, da mesma forma que não são meramente seres
“incompletos”, mas pessoas concretas com processos construídos e já em ação, afetadas e
afetando o mundo enquanto se constituem enquanto Eu psíquico, marcadas por sua
complexidade.
REFERÊNCIAS