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Donatela

Capítulo 01

O silêncio da noite foi quebrado pelo som de pneus frenando no


beco deserto. O furgão, preto e com rodas cromadas, parou na
frente da última porta, que dava acesso a um estacionamento. Dois
homens mascarados, vestindo trajes pretos e portando armamento
de grosso calibre, desceram e olharam tudo ao redor, atentamente.
Após o sinal de um deles, mais três pessoas desceram, trajando as
mesmas vestimentas. Rapidamente, os dois tiraram as bolsas de
dentro do veículo, repassando para os outros. Antes de entrarem no
estacionamento, atearam fogo no furgão.
Dentro do antigo prédio, correram em direção a dois carros
populares estacionados lado a lado, com placas de cidades
diferentes. Despiram-se e atearam fogo nas roupas e toucas,
dividindo-se em dois grupos e entrando nos carros logo em seguida.
A única mulher entre eles, uma morena na casa dos trinta anos,
informou:
— Na casa três, em cinco dias.

— Dois milhões! – exclamou o delegado, jogando uma pasta


na mesa. — Dois milhões de reais e ninguém sabe de nada!
Gisele trocou um olhar com Arthur, seu parceiro de trabalho, e
voltou sua atenção para o chefe, que continuava andando de um
lado para o outro, resmungando alguma coisa que ela não
entendeu. Esforçou-se para acompanhar o que ele dizia, tentando
manter a feição neutra, mas era um ato quase impossível ao
encarar o homem de baixa estatura e uma grande barriga que caía
por cima do cinto da calça. O terno amassado revelava o tanto de
tempo que ele passava dentro daquela delegacia policial.
— Vamos lá, pessoal! É a terceira vez que esses filhos da puta
agem e não temos nem uma pista sequer?!
— Não sabemos se é a mesma quadrilha, chefe! – falou
Carlos, um dos investigadores presentes na pequena reunião.
— O modus operandi é o mesmo, Carlos! – Gisele se opôs,
com segurança. — Eles estudam o local e seguem sempre a
mesma linha de atuação: vão direto para o cofre, nunca deixam
qualquer rastro e queimam o carro e as roupas em algum beco ou
estacionamento abandonado.
— Quadrilhas que são especializadas em assalto a cofres de
bancos sempre vão seguir a mesma linha de atuação! Não temos
como afirmar que são os mesmos! – Carlos contrapôs.
— Podem até seguir a mesma linha, mas não com as mesmas
ferramentas!
A ruiva se levantou para pegar uma pasta na mesa ao lado.
Deixara ali justamente para criar aquele minuto de suspense antes
de tirar as fotos que guardara com cuidado. Entregou cópias das
fotografias a cada um dos presentes.
— Essas são imagens que foram coletadas das câmeras de
segurança do primeiro banco. E essas daqui, – puxou um segundo
bloco de fotografias de dentro da pasta – do segundo. E, por último,
as do assalto de ontem.
— E onde está a semelhança? – perguntou Carlos, analisando
as fotos.
— Observem que o maçarico é verde, com uma faixa preta.
Pesquisei em todos os fabricantes e nenhum produz um modelo
assim. Nem mesmo em lotes antigos. Esse é personalizado.
— Você não quer que saiamos cidade afora tentando achar
um maçarico verde com listra preta, quer?! – debochou.
— Não, mas já é um indício que estamos lidando com a
mesma quadrilha!
— Eu não sei o que vocês farão, mas quero resultados! Quero
digitais, provas, nomes e rostos! – ralhou o delegado, tirando o
paletó. — Sumam da minha frente e só retornem quando tiverem
boas notícias. Gisele, espere um pouco.
A ruiva recolheu as fotos e guardou no envelope, junto com as
poucas informações que possuía do caso. Voltou a se sentar na
mesma cadeira que ocupara antes, esperando a saída de todos.
— Quero que fique exclusivamente nesse caso, durma e
acorde pensando nesses bandidos! Você só irá tirá-los da cabeça
quando todos estiverem atrás das grades!
— Sim, senhor!
— Agora, vá e passe seus outros casos para Carlos. Nos
vemos amanhã.
Gisele concordou, antes de se levantar e sair da sala. Andou
apressada até sua mesa, pegou a bolsa e consultou o relógio.
Precisava de um drinque, urgente.

Donatela entrou no barzinho, atenta à movimentação do lugar.


Ainda na soleira da porta, não encontrou uma mulher bonita que lhe
chamasse atenção, mas, decidida a ter uma noite de diversão,
resolveu baixar seu padrão de exigência. Sentou-se numa das
várias banquetas que rodeavam o balcão e pediu um uísque,
notando algumas garotas jogando bilhar, rindo e conversando,
embaladas por torres de cerveja e aperitivos. No canto do balcão,
na outra extremidade, uma belíssima ruiva finalmente chamou sua
atenção. O cabelo vermelho, quase vinho, caía por seus ombros,
em leves ondulações, ornando o rosto pálido, cujos belos olhos
negros se destacavam, bem como os atraentes lábios rosados e o
pequeno e reto nariz. Concentrada em sua taça, não percebeu que
era observada por Donatela.
— O que ela está bebendo? – Donatela indagou o barman,
sem deixar de mirar a ruiva.
— Martini.
— Eu quero um! – pediu, terminando seu uísque.
— Boa sorte! – respondeu o rapaz, com sarcasmo.
— Por quê?
— Essa mulher vem aqui toda sexta. Bebe dois ou três
drinques e vai embora, sozinha. Nunca deu chance para nenhuma
das garotas que vem aqui. Talvez ela só frequente um bar gay para
fugir da azaração de um ambiente hétero.
— Isso me parece ótimo! Adoro desafios! – sorriu.
O rapaz balançou a cabeça em sentido negativo, preparando o
Martini. De posse da taça, Donatela tomou um gole, estudando a
melhor tática. No balcão, ao lado da ruiva, sentava uma loira com
um estilo bem masculino, provavelmente procurando coragem ou
uma brecha para se aproximar. Do outro lado, um jukebox velho e
quebrado. Donatela se levantou, carregando sua bebida, andou em
direção às duas mulheres, sorriu e pôs a taça em cima do balcão,
no meio das duas.
— Boa noite, – cumprimentou alto, chamando a atenção de
ambas, sentando-se em seguida, com o corpo virado para a loira –
posso beber com você?
A ruiva a olhou rapidamente e voltou sua atenção para o seu
drinque.
— Sim, – respondeu, com uma surpresa bem disfarçada nos
olhos castanhos – qual seu nome?
— Donatela, e o seu? – disse, ainda de costas para a ruiva.
Bebeu um gole do drinque e depois colocou o copo perto do celular
da garota.
— Andreia, muito prazer! – beijou seu rosto.
— Eu sei que é a pergunta mais manjada do mundo, mas você
vem sempre aqui?
— Essa realmente é manjada! Não muito, sou nova na cidade.
Você, pelo visto, não vem!
— Não. Eu até moro aqui, mas não frequento esse lugar. É a
primeira vez que venho.
— Gostei das suas tatuagens. O que são?
— Aqui é uma naja, ainda em construção, – apontou o braço
esquerdo, aproveitando a oportunidade para tirar a camisa que
usava, ficando apenas de regata, notando o olhar da ruiva, através
do espelho no fundo do balcão – que vai ficar uma meia manga.
Essa é um dragão oriental, que termina acima do seio, passando
pelo ombro. – virou-se, para mostrar o braço direito.
— Muito lindas! Você tem outras?
— Tenho. Uma fênix nas costas e um leopardo na coxa.
— Só bichos?
— Símbolos de força, coragem e renascimento! Amanhã farei
mais uma sessão da naja. O tatuador usará uma gama de amarelos
e vermelhos, – falou, visivelmente empolgada, fazendo um gesto
amplo com as mãos – ficará incrível! – finalizou, batendo a mão na
taça, deliberadamente.
— Droga! – exclamou a loira, pegando o celular encharcado.
— Ah, meu Deus! Me desculpe! – pediu, levantando-se. —
Que merda eu fiz! Me desculpe! Deixa eu te ajudar...
— Não, valeu. Vou buscar uns papeis no banheiro! – a loira se
afastou, visivelmente irritada.
— Eu só faço besteira! – resmungou Donatela, pegando um
monte de guardanapo para colocar em cima da pequena poça. —
Posso? – olhou para a ruiva, apontando outro porta-guardanapos
perto da parede.
— Claro! – entregou os guardanapos. — Isso foi um péssimo
começo!
— Nem me fala! – concordou. — Lá se foi minha paquera da
noite! – comentou, assim que viu a loira sair do bar.
— Acho que ela não volta. Meu nome é Gisele.
— Donatela.
— Vou guardar meu celular, por segurança! – sorriu, ao
colocar o aparelho no bolso do casaco. — Rodrigo, mais dois
Martini! Seu nome é bem diferente, Donatela. Acho que nunca
conheci alguém com esse nome.
— É italiano. Minha vó era italiana.
— Já foi pra lá?
— Itália? Não! Um dia irei. Por enquanto, está só nos projetos.
— Não deixe como projeto por muito tempo. A vida passa
muito rápido!
— Eu sei. Já realizou os seus projetos?
— Sou ótima em teoria!
— Talvez eu também seja! Sabe jogar sinuca? – o clima era
descontraído.
— Você não vai querer jogar comigo! Não perco na sinuca!
— Isso é um desafio? – indagou, já de pé. — Veremos se é
tão boa quanto diz!
— Pode apostar que sim!
Compraram fichas do jogo, além de mais bebidas. Esperaram,
pacientemente, até que chegasse a vez delas, conversando sobre o
pequeno incidente com Andreia. Donatela, mais uma vez, se perdeu
nos olhos negros e expressivos.
— Nossa vez! – chamou Gisele, pegando sua mão e tirando-a
do seu devaneio. — Agora, você aprenderá a nunca desafiar
estranhos num bar!
— Vamos ver o quanto você sabe jogar! – respondeu,
abaixando-se para tirar as bolas da gaveta e entregando-as a
Gisele, que as arrumava.
— Vou te dar uma vantagem, pode começar. – falou a ruiva.
— Vamos tornar isso mais interessante! O que você quer se
ganhar? – propôs Donatela.
— Uma rodada de tequila na sua conta. E você?
— Uma dança comigo.
— Eu vou ganhar! – assegurou Gisele.
Donatela assentiu e escolheu um taco. Propositalmente, fez
com que fosse uma jogada curta e sem efeito, para não correr o
risco de mandar alguma bola para a caçapa. Levantou a cabeça,
contemplando o sorriso lindo de Gisele. Queria ver como ela se
sairia antes de começar a jogar pra valer.
— Não vá me decepcionar, ruiva! – pediu, pegando a bebida e
apoiando-se no taco. Observou, calmamente, a jogada de sua
adversária, que encaixou a bola na caçapa.
— Uma já foi!
Gisele se inclinou do seu lado, proporcionando à Donatela
uma boa dimensão do seu bumbum, desenhado na calça social. Só
desviou o olhar do seu corpo quando a ruiva se ergueu, lamentando
a jogada errada.
— Minha vez! – Donatela lhe entregou a taça.
Parou na frente da mesa, analisando suas possibilidades.
Poderia acabar com aquele jogo com cinco tacadas, mas, ao invés
disso, fez o taco deslizar suavemente, pegando a bola de lado,
jogando-a para a direção oposta.
— Você é péssima nisso! Saiba que minha tequila é em dose
dupla!
Donatela sorria, assistindo a ruiva encaixar todas as bolas
pares, errando na última.
— Sua última oportunidade de fazer pelo menos um ponto.
— Não cante vitória antes do tempo! – alertou, ao analisar a
mesa. Posicionou-se e encaixou a primeira bola.
— Olha só, ela finalmente conseguiu!
O sorriso cedeu lugar à incredulidade, pois a morena
encaçapou suas bolas em jogadas perfeitas, dignas de um
competidor profissional.
— Que safada! Você me enganou! – exclamou, quando a
morena fez sumir sua última bola.
— Eu não te enganei, – Donatela se aproximou, depois de
dispensar o taco na mesa – você cantou vitória antes do tempo! Não
se pode subestimar uma desconhecida desse jeito! – finalizou,
encostando-a contra a mesa.
— É... Eu subestimei. – concordou, olhando para os lábios
carnudos. Deixou o taco de lado e pôs a mão no braço tatuado.
— Minha dança! – lembrou Donatela, afastando-se com um
sorriso. – Adoro essa música!
— Ninguém está dançando! – Gisele foi atrás da morena. — E
ninguém dança Stairway to Heaven.
— Nós dançaremos!
Donatela se virou, pegou na cintura da ruiva, puxando-a e
grudando os corpos. Gisele acariciou seus braços, antes de enlaçar
seu pescoço
— Você terá que me ensinar, pois não sei dançar. – avisou, ao
se aproximar do rosto da morena.
— Então somos duas! – riu, encaixando o rosto no pescoço da
ruiva. Lentamente, começaram a se movimentar.
— Você é louca!
— A loucura, às vezes, faz bem! – respondeu, voltando a fitar
seu rosto. Os olhos baixaram para os lábios rosados, entreabertos,
e as mãos passearam pelas costas de Gisele, numa leve carícia. —
Às vezes, só a loucura me mantém sã.
— E quem pode dizer que é sã? A vida me parece uma grande
loucura!
— É o que eu acho, – concordou, antes de beijar o rosto da
ruiva – mas filosofia não é o meu forte.
— Nem o meu! – riu, acariciando o rosto da morena e pondo
seu cabelo para trás, delicadamente. — Ainda bem que derrubou
seu drinque no celular da loira. Azar dela, sorte minha!
— Foi de propósito! Eu sabia que não me daria uma brecha
para conversar. – confessou.
— Como podia ter tanta certeza disso?
— Uma pessoa que sai direto do trabalho e vem para um
barzinho como este, sozinha, não está atrás de romance. Muito
menos de sexo casual.
— Como sabe que eu saí do trabalho e vim direto pra cá?
— Seu terninho, sapatos e a postura, praticamente com uma
placa de “não perturbe”.
— Você é observadora ou está tão na cara assim?
— Um pouco das duas coisas.
— E você? Veio atrás de que?
— Não sei. Um pouco de diversão, talvez. Conhecer pessoas
fora do meu convívio.
— Sexo casual?
— Não sei fazer sexo casual. Gosto de romance.
— Não parece a sua cara.
— Nem tudo o que parece é! – beijou o lóbulo da orelha da
ruiva. — Você, por exemplo, é uma exímia dançarina!
— Você também não fez feio! – comentou, acariciando seu
rosto. — Parece que sabemos dançar!
— Sabemos fazer isso juntas – disse, antes de beijar o belo
queixo.
— Acho que podemos fazer mais coisas juntas. – Gisele roçou
seus lábios nos de Donatela. — Podemos tentar fazer várias coisas
diferentes.
— Devemos tentar!
Donatela apertou a ruiva num abraço, beijando seus lábios,
num lento bailar de línguas. O gosto do Martini, misturado com seu
sabor, acendeu todo o corpo da ruiva, que logo fez menção de se
afastar.
— Eu tenho que ir.
— Ainda não, – Donatela pediu, prendendo-a em seus braços
– a noite está só começando.
— Eu não quero romance e você não quer sexo casual. Temos
um dilema!
— Temos outras coisas! – advertiu, beijando-a mais uma vez.
— E o que é?
— Duas fichas de sinuca e um bar à disposição. Prometo que
não farei você se apaixonar por mim!
— Agora, sim, me sinto mais segura em continuar com você! –
debochou Gisele, puxando-a pelo braço, em direção ao bar.
Descontraídas, beberam e conversaram sobre coisas banais,
mas nada de cunho pessoal. Quando o relógio marcou duas da
manhã, Gisele levantou, pois precisava ir embora.
— Obrigada pela companhia, a noite foi ótima! – Gisele se
despediu, já na calçada
— Você está bem para dirigir? Bebeu muito!
— Sim. Dirijo até de olhos fechados! Onde está seu carro?
— Ali. – disse, apontando para o outro lado da rua. — Volto a
te ver por aqui?
— Quem sabe? Até qualquer dia! – beijaram-se
demoradamente.
— Até. Fica com o meu cartão, se precisar de uma analista
bancária, estou à disposição.
— Se eu resolver montar um banco, eu ligo!
Donatela sorriu e acenou para ruiva, que entrava no carro.
Virou-se e atravessou a rua, esperando o veículo de Gisele se
afastar por completo. Desejava levar alguém pra casa e a ruiva não
era uma opção para o tipo de diversão que queriam, mas sabia
exatamente onde encontraria o que procurava.
— O que você quer aqui? – indagou a mulher, com terror nos
olhos, ao vê-la.
— Você já sabe o que eu quero! – respondeu, ao pegar a
Glock automática. — Não teremos nenhum tipo de problema,
teremos?
— Me deixa em paz, por favor!
— Schiii, – colocou a arma rente à cintura da mulher,
aproximando-se de seu ouvido – não quero que nada de ruim lhe
aconteça! Entra no carro!

— Bom dia, Arthur. – cumprimentou Gisele, entrando na


delegacia.
Logo na entrada, deparou-se com uma senhora desesperada,
chorando e falando coisas desconexas.
— O que aconteceu? – apontou, com a cabeça, a mulher.
— Encontraram o corpo da filha dela no início da manhã. Foi
espancada até a morte. Tinha só vinte anos.
— Nossa! Estupro?
— O corpo ainda está com os legistas. Sem relatório oficial,
por ora.
— Nenhuma pista?
— Sem pistas!
— Igual ao nosso caso! – suspirou, rumo à sua mesa.
Estavam no escuro.

Capítulo 2

A pacata rua estava deserta naquela manhã de segunda-feira.


O som que se ouvia era de uma movimentada avenida, à distância,
e dos pássaros nas árvores. A quietude foi ligeiramente quebrada
pelo barulho de um carro preto, ao estacionar na frente de uma casa
térrea simples, que em nada se destacava das outras. Duas
crianças estavam sentadas no quintal e miraram o veículo, mas
continuaram a brincar, distraídas.
Donatela desceu do carro, tranquilamente. Estava ao telefone
com um amigo e os olhos percorreram toda a extensão do lugar,
procurando por algo fora do comum.
— A área está limpa. – anunciou, desligando o aparelho em
seguida.
Abriu o porta-malas e pegou uma pesada bolsa. Trancou o
veículo e entrou na casa, pelo corredor lateral, sob o olhar das
crianças.
Na cozinha, deparou-se com uma mulher, cabisbaixa, sentada
à mesa, que era o único objeto da casa. Passou pelo corredor
interno e parou na frente de uma porta, destrancando-a e entrando,
rapidamente. Uma cortina escura protegia a janela de olhares
curiosos. Donatela jogou a bolsa na mesa e sentou numa das
cadeiras, com a arma apoiada no joelho, em direção à entrada. Dez
minutos depois, escutou uma conhecida batida na porta e, atenta,
viu André, mais conhecido como China, entrar.
— Oi, Dona! Tudo certo? – cumprimentou, jogando sua bolsa
ao lado da outra.
— Tranquilo, cara. E você? – levantou-se para cumprimentá-
lo. Deixou a arma em cima da mesa, num ponto em que a
alcançaria apenas esticando o braço.
— Tudo certo. E essa mulher e essas crianças?
— Gringo arrumou. Trouxe hoje de manhã.
— São de confiança?
— Não sei, mas parece que não teremos problemas com ela.
— Isso é bom. Os caras já estão chegando. Mexeu na sua
bolsa?
— Não tive paciência para contar! Contou o seu? – os dois
sentaram.
— Não. Cheguei, coloquei no cofre e só tirei hoje de manhã. A
surpresa é bem melhor!
— Também acho! – concordou.
Outra batida na porta, igual a primeira, chamou atenção dos
dois. Donatela trocou um olhar com China, antes de voltar seus
olhos para os homens que entravam.
— Fala, Júlio! Oi, Digão! Tudo bem? – cumprimentou,
levantando novamente.
— De boa. E Gringo? – Júlio indagou, depositando a bolsa ao
lado das outras.
— Tá estourando por aí. Algum problema com vocês? – China
os cumprimentou.
— Nenhum. Acompanhou as notícias? – Digão sentou na
cadeira antes ocupada por Donatela.
— Acompanhei. Foi perfeito, eles não têm nada! – respondeu
a morena, apoiando-se na mesa.
— E o seu contato?
— Estão no escuro.
— Isso é ótimo! – foram interrompidos por nova batida,
anunciando a chegada do último componente do grupo.
— E aí, pessoal? De boa por aqui? – cumprimentou Gringo.
— Tudo tranquilo!
— Vamos começar? – Donatela abriu uma das bolsas,
derramando vários maços de dinheiro em cima da mesa.
— Eu peguei mil para pagar a mulher que está aqui, – Gringo
fez questão de avisar, já abrindo sua bolsa – depois, tenho que dar
mais mil.
— Ela é de confiança? – China, o mais desconfiado do grupo,
indagou.
Preventivamente, Júlio e Digão sacaram armas e se
posicionaram na janela e porta, aguardando que as bolsas fossem
esvaziadas.
— Sim. Ela é cunhada de um amigo e faz qualquer coisa por
grana!
— Beleza, – Donatela posicionou um maço na máquina de
contar notas – vamos começar logo. Quero passar minhas férias na
Bahia!
Três horas depois, cada um pegou um montante de dinheiro e
guardou. O sexto montante fora reservado para ser investido em
equipamentos e armas. Donatela sentou com a bolsa ao seu lado e
esperou ter toda a atenção da equipe.
— Tem uma parada que vale a pena ser feita! Com a onda de
assaltos que estamos fazendo, as agências estão transferindo o
dinheiro para o Banco Central, toda sexta-feira. Um carro-forte
passa por três agências, entre seis e oito da noite. O último banco é
do lado da rodovia. O acesso para a pista é de cem metros, mais ou
menos. Temos condições de agir ali.
— Um carro-forte? É bem arriscado! – China coçava o
cavanhaque. — Teríamos que colocar barreiras na pista, além de
mais pessoas na ação. Fora o armamento para perfurar a
blindagem!
— Eu sei! Isso você consegue, né, Digão?
— Com certeza! Só que é mais gente pra dividir o lucro, o que
não compensa os riscos!
— Escolha homens que possam ser descartados. – esclareceu
Donatela.
Nesse instante, seu celular pessoal tocou. Pediu silêncio e
atendeu.
— Oi, Donatela! Atrapalho?
— Não! – respondeu, sorrindo. — Gisele?
— Isso! Acho que vou montar um banco e queria saber se está
disponível para conversarmos sobre os trâmites legais, durante um
jantar, hoje à noite.
— Eu vou adorar! Passo para lhe pegar onde você preferir.
— Nos encontramos no restaurante Le Dult, às oito, pode ser?
— Perfeito! Esperarei no bar.
— Estarei lá! Beijo!
— Beijo! – despediu-se, desligando o aparelho.
— Namorada nova? – Gringo gracejou.
— Uma garota que conheci na última sexta, num bar. Vamos
sair para jantar.
— Conhece alguma coisa dela? – China, sempre desconfiado,
quis saber.
— Não. Quando cheguei, ela já estava. Foi um barzinho
aleatório.
— Fale mais sobre a parada do carro-forte. – pediu Gringo.
Donatela passou a hora seguinte explicando todo o processo
que estudara, durante um mês, e mais meia hora contornando
objeções dos colegas. Era uma coisa natural entre eles: avaliar o
que poderia dar errado e discutir soluções. Ao fim da conversa,
decidiram estudar o caso minuciosamente noutra oportunidade, já
que havia um assalto a um banco já planejado. Despediram-se,
agendando novo contato para dali a dez dias.

Gisele desligou o telefone, pensando no belo sorriso da


morena intrigante que, apesar daquele ar de bad girl, lhe pareceu
ser uma doce e romântica mulher. Olhou novamente para o cartão:
Donatela Garcia. Estava decidida a conhecer um pouco mais da
sedutora morena.
— Sonhando acordada? – Arthur indagou, logo que entrou no
carro.
— Não. Tentando achar algum fio solto nesse mistério. É
impossível que não tenham deixado uma pista sequer, em três
bancos! Eles não podem ser tão organizados assim!
— Você está convicta de que é a mesma quadrilha?
— Sim! É sempre a mesma coisa: dois de vigilância, um
trabalhando para abrir o cofre e dois entrando. Eu aposto que eles
nunca trocam de posição! São bem treinados!
— Eles estudam o banco com antecedência, vez que vão
direto ao cofre. Me parece coisa de gente de dentro, de
funcionários.
— Não creio, já que são bancos diferentes. É difícil que
tenham contatos em todos.
— Temos que repassar todas as câmeras dos bancos e das
ruas, falar com os seguranças de novo, acho que estamos perdendo
alguma coisa.
— Tem que existir um fio solto, alguém que fale demais! Não
tem como manter um grupo tão coeso desse jeito.
— Bom, vamos ao primeiro banco, falar com os seguranças.
Mais tarde, podemos rever as imagens.
— Hoje não, tenho compromisso.
— Vai começar a ter uma vida social?
— Conheci uma mulher na sexta passada – Gisele não
conteve o sorriso – e convidei para jantar, hoje.
— Uau! Temos que brindar a isso! – Arthur se empolgou. Já
fazia três anos que trabalhava com Gisele e nunca tinha visto um
relacionamento da ruiva durar mais que uma noite. – Você faz bem.
Não pode ficar tão grilada no trabalho.
— Farei isso! Com uma morena linda!
— Como ela é?
— Misteriosa, jeito de durona, mas que não sabe fazer sexo
casual. Adorei isso nela!
— E fisicamente?
— Cabelos negros e compridos. Olhos verdes. Têm os dois
braços tatuados até o cotovelo. Resumindo, é linda!
— Só toma cuidado, tá bom?
— Não vou me apaixonar, não se preocupe!
— Como se pudéssemos mandar nos sentimentos! Só não vai
com o pé no acelerador. Vamos para o banco?
— Vamos.
Gisele passou a tarde percorrendo os três bancos assaltados
e nenhuma novidade foi atribuída ao caso. Pediu as imagens de
segurança de uma semana antes de cada assalto e foi prontamente
atendida por cada gerente. Deixou o material coletado com Arthur e
foi direto para seu apartamento.

Donatela chegou ao restaurante quinze minutos antes do


horário marcado. Como de costume, analisou toda a frente do lugar,
procurando por algo que pudesse ser suspeito. Desceu do carro,
carregando a pequena bolsa de mão, que cabia apenas o celular, o
batom e as chaves. Foi encaminhada para o pequeno bar e pediu
um uísque, bebericando lentamente.
Gisele entrou no bar buscando por Donatela, sem sucesso.
Novamente percorreu o local com os olhos e, desta vez, seu rosto
se iluminou com a surpresa. A morena, sentada numa banqueta
rente ao balcão, usava um belo vestido preto, justo, até os joelhos,
cuja meia manga escondia as tatuagens. Os cabelos, presos em um
rabo de cavalo sobre o seu ombro esquerdo, deixavam à mostra o
pescoço longilíneo. A maquiagem destacava seus olhos verdes. Nos
pés, uma delicada sandália de tiras finas. “Será que é Donatela
mesmo?” Gisele se questionou, encantada. Estava mais linda do
que se lembrava.
Andou lentamente até a morena, cujo sorriso nos lábios,
pintados de vermelho, deixavam a ruiva embasbacada. Donatela
levantou-se assim que a viu.
— Oi! – cumprimentou.
— Oi! – Gisele respondeu, já puxando a morena pela cintura,
beijando-a demoradamente. — Você está linda!
— Obrigada. É bom te ver sem aquela carinha de quem
acabou de sair do trabalho!
— Você devia fazer sexo casual! Como vou me comportar com
uma mulher como você do meu lado? – lamentou.
— Você ainda se lembra disso? Vou lhe mostrar como se
comportar, então! Não faremos nada antes do tempo! – piscou o
olho, descontraída.
— Vamos pra mesa? Ou podemos ir pra minha casa, o que
acha? –Gisele pegou sua mão.
— Primeira opção! – a morena sorriu e pegou a bolsa,
seguindo-a.
Gisele vestia calça e camisa pretas, bem ajustadas ao belo
corpo. Os cabelos vermelhos e lisos caíam sobre o seu ombro, indo
parar no meio das costas. Donatela admirava suas curvas, ao passo
que a hostess as guiava até a mesa. O garçom se aproximou.
— Que tal um champanhe? – Gisele sugeriu, logo que recebeu
a carta de bebidas.
— Pode ser!
Gisele sinalizou para o garçom, que recebeu a carta de bebida
e entregou o menu.
— Vamos descobrir seus gostos gastronômicos! – brincou
Donatela.
— Eu amo massas e frutos do mar! Não tenho frescura para
comer. Você tem?
— Não gosto de nada saído no mar! Não gosto de temperos
mirabolantes e de nada cru. Pra mim, tem que ser mais passado.
Quase queimado! – sorriu.
— Você é enjoada para comida. – concluiu Gisele.
— Sou, confesso!
O garçom retornou, serviu-as e depositou a garrafa num balde
de gelo.
— Então, me conte dos bancos. – pediu Gisele, retomando a
conversa assim que ele se afastou.
— Só trabalho com um, – Donatela sorriu e recostou-se na
cadeira, analisando as intenções da ruiva – ou melhor, com a rede
desse banco. Por isso, às vezes viajo.
— Seu trabalho consiste em que?
— Análise de sistemas e segurança de informação. Toda a
rede é ligada pelo mesmo programa. Tenho que fazer com que tudo
dê certo.
— Em que banco você trabalha?
— No Bolsacap.
— Agora, com essa onda de assalto a banco, vocês precisam
se preparar. Podem ser os próximos.
— Estamos aumentando a segurança, mas é complicado,
porque temos centenas de agências pelo país. Como saber aonde
eles irão agir?
— Isso é um problema, mas meu palpite é que estão
concentrados aqui, onde a movimentação de dinheiro é maior.
— Espero que a polícia pegue logo esses cretinos! É
complicado trabalhar com essa insegurança. – Donatela a
observava.
— Eles não têm o que fazer. Os jornais dizem que não há
pistas.
— Eu li isso também.
— Se fosse no seu banco, onde você acha que está a maior
falha na segurança?
— Você é assaltante ou é da polícia? – Donatela indagou,
sorrindo.
— Nem um, nem outro. Apenas uma curiosa.
— Fico mais aliviada. Acho perigoso me envolver com ambos.
— Com bandidos tudo bem, mas por que medo de se envolver
com alguém da polícia?
— Eu assisto séries policiais e sei que os bandidos se vingam
na família e amigos dos policiais. – Donatela sorriu, disfarçando o
arrependimento de ter deixado sua arma no carro.
— Você realmente assiste muita série policial! – Gisele
gracejou. — Mas, entendo seu receio.
— Você trabalha com o quê? – Donatela sondou.
— Mercado financeiro. Compro e vendo ações.
— Um trabalho de risco.
— Sim, mas isso me fascina. Adoro essa inconsistência do
mercado. Um dia ganho muito, no outro, perco muito. É como um
jogo. Sou viciada nisso!
— Parece bem arriscado. Em que escritório você trabalha?
— Sou uma consultora autônoma, à disposição de quem
quiser me contratar.
— Entendi. Então, senhorita “consultora autônoma”, já decidiu
seu prato?
Conversaram por mais de duas horas, amenidades e assuntos
relacionados ao mercado financeiro, pois Donatela queria testar a
veracidade das informações. Por ora, optou em não fazer algo com
a ruiva, já que queria sair mais vezes com ela. Se fosse necessário,
“sumiria” com ela depois.
— A noite foi ótima, de novo! Tem certeza que não quer tomar
um último drinque em minha casa? – Gisele parou ao lado do carro.
— Não ficaríamos só no drinque! Estou gostando muito de sair
com você. Vamos com calma, tá? – Donatela sorriu e puxou a ruiva,
beijando-a.
— Tudo bem. E quando nos veremos novamente?
— Na quinta e sexta não estarei na cidade, volto de viagem no
sábado de manhã. Podemos nos encontrar à tarde e...
— Quietinhas! – falou uma terceira voz, ao pé do ouvido de
Donatela, que estava de costas para a rua, com os braços ao redor
do pescoço de Gisele. — Eu só quero a grana e os celulares. –
sentiu o frio do metal pressionado contra sua cintura.
— Fica calmo, – Donatela pediu, esticando a bolsa e mirando
o rosto do rapaz, através do vidro do carro – na bolsa tem o celular
e um pouco de dinheiro, pois uso mais o cartão.
— Devagar, vou colocar a mão no bolso apenas para pegar o
que pediu! – anunciou Gisele, analisando a situação.
As duas estavam frustradas, mas disfarçavam o nervosismo.
Donatela, irritada por ser assaltada por um “bandidinho fajuto” e
Gisele, por não poder sacar a arma e prender o assaltante.
Resignada, entregou o celular e a carteira ao homem, que correu,
atravessando a rua e sumindo do campo de visão das duas.
— Está tudo bem, Donatela?
— Sim, só estou nervosa. Nunca tive uma arma apontada pra
mim! – respondeu, apoiando-se no carro, fingindo respirar fundo.
— Temos que ir na delegacia, fazer o boletim de ocorrência. –
Gisele se lamentava por ter de revelar seu pequeno segredo, ainda
mais depois do que Donatela dissera.
— Não precisa, – disse, pensando rápido – ele não fará nada
com o cartão sem a senha. Amanhã eu vejo isso na agência, mas
você tem que ir. Levaram seus documentos.
— Sim, preciso.
— Eu vou com você. – prontificou-se.
— De maneira nenhuma! – Gisele queria manter sua profissão
em sigilo. — Isso tudo já foi muito pesado! Eu te levo pra casa.
— Estou de carro. Melhor você ir logo, não pode demorar em
dar queixa.
— As chaves não estavam na bolsa?
— Droga! – lamentou, pois não poderia fazer uma ligação
direta na frente da ruiva. — Bom, ligarei para meu irmão e para um
chaveiro.
Retornaram ao restaurante e aguardaram, por cerca de trinta
minutos, a chegada de Gringo.
— Oi, Danilo. – Donatela se levantou e abraçou o “irmão”.
— Oi, Dona, como você está? – o moreno fingia preocupação.
— Essa é Gisele, uma amiga. Esse é Danilo, meu irmão. –
apresentou-os.
— Uma pena nos conhecermos nessa situação. – Gisele
ponderou.
— Que foda, hein?! O assalto foi aqui na frente?
— Foi! – assentiu a morena.
— Levaram o que seu? – Donatela entendeu a preocupação
do comparsa.
— O celular e as chaves do carro.
— Não levaram o carro?
— Não. Era um bandidinho qualquer. Só queria dinheiro para
se drogar!
— Também acho que era pra isso. – concordou a ruiva.
— Vocês estão bem?
— Sim, mas tenho que ir à delegacia. – Gisele lamentou.
— Eu levo você lá.
— Não precisa, estou de carro.
— Tá bom.
— Amanhã irei recuperar meu número, se quiser se arriscar
novamente, pode me ligar a partir da tarde.
— Esse é meu número de casa. Me liga! – Donatela anotou o
número num guardanapo. — Tirando esse pequeno infortúnio, foi
uma noite ótima!
— Eu vou te ligar! Fica bem! Até mais, Danilo. – despediu-se,
com um beijo no rosto da morena e acenando para o rapaz.
— Ah, o que é isso? – Donatela sorriu, beijando-a na boca. —
Você também, tenta ficar bem.
— Ficarei! – Gisele se afastou, lentamente, dando um passo
para trás. – Eu vou te ligar!
— Eu vou esperar!
Donatela ficou admirando a ruiva se afastar, atenta ao seu
belo rebolado. Ainda sorrindo, ouviu Gringo comentar:
— Que gostosa, Dona! Caralho, que ruivinha sensacional!
— Essa é só minha, gato!
— Então, não se beijem assim, na minha frente. Que delícia!
— Vai se foder! – respondeu, rindo e caminhando em direção
à saída. — Valeu por ter vindo, cara!
— Você vai ficar bem daqui?
— Vou. Só lhe chamei porque ela não me deixaria ir pra casa
sozinha.
— O que você vai fazer? – Gringo indagou, enquanto Donatela
pegava uma pedra.
— Vou matar aquele filho da puta! Tem uma boca perto daqui,
tenho certeza que ele estará lá! – respondeu, ao quebrar o vidro do
carro.
— Quer ajuda? Ou alguma coisa? Minha arma tá aqui e tenho
outras no carro. – ofereceu, vendo a morena se abaixar para
desligar o alarme.
— Não, valeu. Tenho tudo aqui. Só dá um tempo aí na porta. –
pediu, pulando para o banco traseiro e tirando o vestido.
— Você beija uma gostosa daquele jeito e agora tira a roupa
na minha frente! Está conseguindo me seduzir, irmãzinha.
— Isso seria incesto, irmãozinho! – riu, vestindo uma calça
preta e calçando tênis.
Mexeu na bolsa e pegou uma blusa de manga comprida, da
mesma cor, vestindo-a rapidamente. Calçou um par de luvas nas
mãos e pegou uma chave de fenda, para fazer a ligação direta.
— Valeu, mais uma vez! – despediu-se.
— Precisando, basta chamar!
— Falou! – ligou o carro e saiu, rumo à boca de fumo.
Como previra, encontrou o rapaz na esquina do beco. Pegou
uma capa impermeável e arrumou o banco do carona, protegendo-o
de respingos. Pôs a arma na cintura e uma pequena adaga na
manga. Desceu do carro e caminhou lentamente.
— Oi. – falou, sorrindo e chamando sua atenção.
— Tá procurando diversão, gata? Posso ajudar! – o rapaz
respondeu, também sorrindo.
— Eu sei que você pode. Você assaltou minha namorada e eu,
minutos atrás. Quero meu celular de volta, só isso!
— Você é da polícia? – perguntou, sacando um revólver
calibre trinta e oito.
— Não, mas você certamente iria preferir que eu fosse! –
respondeu, mantendo o sorriso no rosto. — Cadê meu celular?
— Tá vendo aqueles dois caras, ali? – apontou dois homens
com armas na cintura. — Seu celular está com eles! Vai lá pedir e
eles vão te arrombar inteira antes de abandonar seu corpo em
alguma sarjeta!
— Aqueles ali? – Donatela sacou sua arma e deu dois tiros,
certeiros, um em cada cabeça. O terceiro disparo foi no joelho do
assaltante, que tombou no asfalto, tamanha a dor.
— Vou perguntar de novo, – afastou o revólver com o pé –
cadê meu celular?
— Sua vadia, filha da puta! Eu vou te matar!
— Odeio isso! – puxou a adaga e abaixou-se ao lado do rapaz.
— Qual é o seu nome?
— Vai se foder! – gritou, contorcendo-se de dor.
— Então, Sr. Vai Se Foder, eu tenho um pente com mais sete
tiros e essa minha amiga aqui, – deslizou a adaga pelo seu rosto –
se você me disser onde está meu celular, eu lhe deixo na frente de
um hospital sem retalhar a sua carne, mas, se você continuar a se
comportar como um frouxo, transformarei esse encontro numa
reunião familiar. O que você escolhe?
— Os dois celulares tão com o cara de jaqueta azul. Joguei a
carteira fora, só peguei o dinheiro.
— Obrigada! – sorriu.
Donatela foi até os corpos e pegou seus pertences.
Aproximou-se do assaltante, ajudando-o a levantar. Solícita,
colocou-o no banco do carona. O rapaz estranhou o plástico.
— Vamos dar uma voltinha. – anunciou, sorrindo.

Capitulo 03
Logo que se viu longe do restaurante, Gisele estacionou
próximo a um bar e contatou Arthur. Cerca de vinte minutos depois,
o colega chegou e retornaram à imediações do restaurante,
procurando o assaltante.
— Tem um beco no final dessa rua, – Arthur lembrou, ao virar
o carro – mas temos que tomar cuidado. É um ponto de droga e os
caras estão sempre bem armados.
— Vamos lá! Devia ter detido aquele imbecil lá mesmo! –
Gisele se arrependeu, sacando a arma.
— Você precisa contar pra Donatela que é policial. Se você
quer um relacionamento com ela, tem que jogar limpo. Até mesmo
para segurança dela!
— Eu não quero assustá-la. Preciso contar isso com calma,
não sacando uma arma da bota na frente de um restaurante! –
Gisele observava o lugar, ao passo que Arthur estacionava o carro.
— Estou curtindo ficar com ela! – os dois desceram, armas em
punho.
— Tem alguma coisa ali. – Arthur apontou e a parceira olhou
ao redor, cautelosa.
Gisele se aproximou dos dois corpos e verificou a pulsação,
confirmando o óbvio: mortos, com um tiro certeiro na cabeça.
Enquanto Arthur ligava para central, a ruiva analisava a cena do
crime. Pela altura, constatou que o atirador estava distante e pegou
os dois homens de surpresa. Mais adiante, encontrou um revólver
calibre trinta e oito, cápsulas de balas e uma mancha de sangue.
— Arthur, – gritou – foi daqui!
Gisele se abaixou e, sem tocar nas cápsulas, observou a
disposição da cena. Arthur veio ao seu encontro.
— Eram três! – a ruiva apontou as cápsulas. — Dois tiros nos
nossos amigos ali e um terceiro aqui, no dono desse sangue, que foi
levado daqui.
— Os pingos são pra lá, – Arthur caminhou, seguindo o
rastro de sangue – param aqui. Olha as marcas de pneus. Aqui ele
entrou em um carro.
— Nosso atirador? – Gisele apontava para arma.
— Acho que não. Por que ele deixaria a arma? As cápsulas
são de calibre quarenta e cinco e aquele é um trinta e oito. Tinha
uma quarta pessoa aqui.
— O que será que aconteceu? – Gisele indagou, ao lado da
poça de sangue de sangue. Olhou para os corpos, posicionou-se de
lado, como se estivesse vindo do carro, sacou a arma e simulou um
tiro.
— Ele atirou daqui. Dois tiros perfeitos, sem sequer fazer
mira! – concluiu.
— Um profissional. Pode ter sido acerto de contas. – Arthur
arriscou.
— E o terceiro?
— Vai aparecer boiando por aí!

Gisele entrou na delegacia tentando, mais uma vez, falar com


Donatela, sem sucesso. Supôs que a morena havia dormido na
casa do irmão e decidiu ligar no final da tarde. No corredor, ouviu a
conversa de dois colegas.
— O que você disse, Carlos? – indagou, entrando na
pequena divisória.
— O corpo de um meliante foi achado no início da manhã.
Torturaram o cara até a morte! – o colega lhe entregou algumas
fotos.
— É ele! – reconheceu o assaltante da noite anterior. —
Arthur! – chamou o parceiro, que logo se aproximou.
— Fala, ruiva!
— O cara que me assaltou ontem achou o que estava
procurando! – passou-lhe as fotografias.
— Fizeram um belo trabalho nele! Por que preservaram o
rosto?
— Não sei. Um aviso, talvez.
— Putz! É isso! – Arthur bateu na foto, empolgado. —
Gisele, seu celular foi encontrado com um dos traficantes de ontem.
Esse cara tem um tiro de um calibre quarenta e cinco, né?
— Tem, no joelho esquerdo. – respondeu Carlos.
— O terceiro cara! – Gisele e Arthur falaram ao mesmo
tempo.
— Parece que alguém tava com mais raiva dele que você.
— Pois é, um claro acerto de contas.
— Três traficantes pequenos e aparentemente nada sumiu,
mas queriam esse daqui. Os outros só estavam no lugar errado e na
hora errada.
— O celular de Donatela estava junto?
— Não. Só o seu e outros dois que, aparentemente,
pertenciam a eles.
— Esse caso está com vocês? – Gisele perguntou aos
colegas.
— Sim, mas não há nada a ser investigado. Não tem
câmeras de segurança, testemunhas e nenhuma evidência no
corpo. Quem fez isso, fez um favor! Limpou a cidade desse lixo!
— Verdade! – concordou. Entregou as fotos ao colega e foi
buscar café, com Arthur em seu encalço.
— No que está pensando, ruiva?
— Eles eram peixes pequenos. Três merdinhas. Por que um
assassino profissional?
— Nunca saberemos! Agora, você precisa se concentrar no
nosso caso. Vamos recomeçar, do zero! Vamos pras ruas, fazer
algumas perguntas e torcer para achar alguma resposta!
— Vamos! – anuiu, seguindo o amigo.
No carro, Gisele ainda remoia o ocorrido: onde estava o
celular de Donatela? Será que estava com o atirador?

Donatela entrou em casa, carregando a capa suja de sangue.


Tirou as próprias roupas e colocou tudo na churrasqueira, ateando
fogo. Recolheu as cinzas e despejou no vaso sanitário, dando
descarga em seguida. Tomou um banho demorado e ouviu o
telefone tocar. Sem reconhecer o número, deduziu que era Gisele.
Sorriu, mas não atendeu. Deitou-se e dormiu tranquilamente. À
tarde, providenciou o conserto do carro e ligou para Gisele.
— Oi, Gi. É Donatela. – identificou-se, ao ouvir a voz da
ruiva.
— Oi, linda, estava tentando te ligar! Você chegou bem?
— Cheguei. Fui pra casa de Danilo, não queria ficar sozinha.
– respondeu, achando graça da preocupação da ruiva. — E você,
conseguiu fazer o boletim?
— Consegui. Quando eu estava lá na delegacia, os policiais
disseram que acharam três corpos. Um deles era o cara que nos
assaltou. – Gisele se odiava por fazer aquilo, mas preferia manter o
segredo e só contar pessoalmente.
— E que horas foi isso? – Donatela indagou, com alguns
alarmes disparando na cabeça.
— Umas sete da manhã.
— Entendi, – a morena relaxou, pois havia abandonado o
último corpo por volta das três da manhã – mas acharam nossas
coisas?
— O meu celular, apenas. Inclusive, já está comigo.
— Será que preciso ir reconhecer o corpo também?
— Acho que não. Foi horrível, ele apanhou muito. Não quero
que passe por isso.
— Você passou a noite na delegacia?
— Sim. Tinha um monte de casos na frente. Tomei um bom
chá de cadeira.
— Eu deveria ter ido com você, pelo menos teria companhia!
–Donatela amansou a voz.
— Já foi, minha linda. E, de qualquer forma, não ficaria
tranquila com você numa delegacia.
— Tá, vamos esquecer esse assunto! – Donatela pediu,
suavemente. — Pensei em algo bem mais seguro para fazermos,
hoje.
— E o que é?
— Um jantar, lá em casa.
— Tem certeza de que isso é seguro?
— Absolutamente! Pedimos comida e ninguém se machuca!
— Eu vou adorar! Que horas?
— Oito, pode ser? Mando o endereço por mensagem.
— Combinado!
Donatela mandou uma mensagem para os seus amigos,
informando sobre seu compromisso e pedindo cautela, caso
entrassem em contato. Em seguida, mandou uma segunda
mensagem, pedindo a liberação total da casa. Por último, mandou o
endereço para a ruiva. Em casa, recolheu as várias armas,
espalhadas em lugares estratégicos, e guardou-as dentro do cofre,
atrás de um grande quadro na sala. Obsessiva com organização,
conferiu a arrumação da casa, repassando cada cômodo. Quando
finalmente ficou satisfeita, pegou uma faca afiada e escondeu entre
a cabeceira e o colchão de sua cama. Se houvesse algum
problema, resolveria com rapidez.

Por volta das dezessete horas, Gisele saiu da delegacia


comprou uma garrafa de vinho e foi para seu apartamento. Banhou-
se e vestiu-se casualmente, calça jeans, camiseta branca e tênis, já
que ficariam em casa. Prendeu o cabelo num rabo de cavalo e
olhou-se no espelho, satisfeita: básica, mas atraente. Pegou a arma
com o coldre, seu distintivo e o vinho, decidida a contar sobre o seu
trabalho, pois queria ser honesta com Donatela.
Gisele guiava seu carro vagarosamente, procurando o número
indicado na mensagem. Localizada numa área nobre da cidade, a
casa de Donatela era uma bela construção de dois andares. Através
dos portões, avistou um jardim bem cuidado, com Azaleias e
Arecas. Olhou ao redor, procurando a campainha, mas a luz do
jardim foi acesa e Donatela abriu a porta. A ruiva, visivelmente
encantada com a beleza da morena que usava um vestido branco
longo, com um decote até a cintura, sorriu, deu três passos para trás
e, discretamente, colocou a arma e o distintivo no carro.
— Você não me disse que era um jantar formal! – justificou-
se, ao se aproximar do portão.
— E não é! – Donatela abriu o portão e puxou-a, para beijá-
la
— Você está linda! Muito, muito linda!
— Obrigada, vamos entrar? Tomei a liberdade de escolher
nosso jantar. Espero que goste, – Donatela pegou Gisele pela mão,
guiando-a para sala – mas já aviso que não tem frutos do mar!
— Tudo bem, posso sobreviver sem peixe essa noite! – riu,
admirando a sala harmoniosamente decorada em tons branco e
vermelho. — Você trabalha no banco ou é dona dele? Que casa
linda!
— Obrigada, mas é herança de família. Só tive que fazer
uma reforma e adaptar ao meu gosto pessoal.
— Um bom gosto! Trouxe vinho. – mostrou a garrafa.
— Esse é ótimo, um dos meus preferidos! – comentou,
olhando o rótulo.
— É o meu preferido, temos gostos bem parecidos. – Gisele
enlaçou a cintura da morena, beijando-a.
— Sem dúvida. – concordou, ao morder de leve seu
pescoço. — E isso me parece ótimo! – finalizou, ao colocar a garrafa
na mesa e buscar a boca da ruiva, num beijo apressado, provando
do seu gosto viciante.
Gisele envolveu a morena em seus braços, permitindo que
suas línguas se enroscassem num rápido bailar. As mãos
passearam por suas costas e pernas, subindo seu vestido com
ousadia. Donatela se afastou, sorrindo e mordeu seu lábio,
provocando.
— Saidinha, – pegou uma das suas mãos – temos tempo de
sobra para a sobremesa depois!
— Não faz isso comigo, – Gisele pediu, grudando os corpos
novamente – você já conseguiu me seduzir com esse vestido!
— Eu percebi! Vamos beber o vinho? – Donatela se afastou
e pegou a garrafa.
— Com gelo! – Gisele gracejou. — Ok, tudo a seu tempo...
— Isso! – Donatela a guiou para a cozinha. — Sente-se, vou
lhe servir.
Gisele assentiu e sentou no lugar indicado. Olhou ao redor e,
mais uma vez, admirou o bom gosto da morena. Tudo era
impecável. Donatela abriu a garrafa, serviu vinho em duas taças e
entregou-lhe uma.
— A outra noite maravilhosa com você, – Donatela encostou
sua taça na dela – como foram as duas primeiras.
— A uma terceira noite! E sem riscos!
— Sem riscos, – riu a morena, bebendo um gole de vinho – a
não ser que o forno resolva explodir!
— Espero não ter tanto azar assim!
— Vou colocar para esquentar, será rápido.
Gisele acenou, em concordância, observando Donatela se
abaixar para colocar a travessa no forno, revelando a pequena
calcinha através do tecido fino. Bebeu mais um pouco de vinho,
levantou-se e abraçou a morena por trás.
— Tá difícil resistir! – sussurrou em seu ouvido.
A ruiva grudou seu corpo no da morena, deixando a mão
passear por sua cintura, subindo pelo decote do vestido. Sentiu a
pele quente, arrepiada pelos seus toques. Passou a mão pela lateral
do decote, apalpando o seio esquerdo, cujo bico estava teso,
tamanha excitação.
— Você também quer, seu corpo está te denunciando!
Donatela virou o rosto, buscando a boca da ruiva. Começou
a rebolar, provocante, contra o seu corpo, erguendo as mãos,
passando pelo pescoço e segurando, firme, seu cabelo. A
massagem em seu seio se tornou mais intensa, demonstrando o
quanto as duas se excitavam. Desviou-se da boca e apoiou as mãos
no fogão, inclinando-se para que seu bumbum se encaixasse na
ruiva. Gisele tirou a mão do seio e passou em sua perna, subindo o
vestido e revelando a bela tatuagem na coxa da morena. Donatela
soltava gemidos baixos, esfregando-se e deixando-as acesas. A
mão direita subiu pela virilha, encontrando a calcinha de renda.
— Aqui não, – pediu, erguendo-se e grudando o corpo em
Gisele, novamente – vem pra cá, é mais confortável. – guiou a ruiva,
aos beijos, até o sofá. Sentou-se em seu colo, rebolando e beijando-
a, ardentemente.
— Você é tão gostosa, Dona, – Gisele se recostou no sofá,
as mãos explorando o corpo da morena – quero você inteira!
— Vamos resolver isso. – respondeu, ficando de pé.
Sem pressa, tirou o scarpin, mirando os olhos negros, cheios
de desejo, e baixou um lado do vestido, revelando um seio. A ruiva
ostentou um sorriso malicioso.
— Uau, – Gisele se inclinou, puxando a morena de volta para
seu colo – deixa que eu tiro o resto! – ajudou a tirar o vestido.
As línguas se enroscaram, numa louca e excitante coreografia.
Donatela prendeu e chupou a língua de Gisele, enquanto puxava
sua camisa, rapidamente. Abriu seu sutiã, jogando-o no chão, para
se juntar ao vestido e a camisa. Afastou-se um instante, apenas
para fitar a mulher sob o seu corpo, com um olhar cheio de
promessas. Abaixou-se, beijando com força seu pescoço branco,
deixando marcas vermelhas por onde sua boca passava, até chegar
ao delicado par de seios, com rosadas auréolas. Chupou e lambeu
cada um, com prazer, ouvindo os deliciosos e provocantes gemidos
de Gisele.
A morena se ajoelhou e abriu o zíper da calça da ruiva,
deslizando a peça pelas suas pernas, junto com a calcinha. Deixou
que suas mãos conhecessem o corpo da ruiva, ao passo que
beijava suas pernas, erguendo uma delas, delicadamente, por cima
de seu ombro. Gisele deslizou o corpo, ficando na ponta do sofá,
oferecendo-se. Donatela beijou a parte interna de suas coxas,
deslizando a mão pelo seu sexo, conferindo o quanto ela estava
excitada.
— Que delícia, ruivinha, – beijou levemente seu sexo – toda
molhadinha pra mim.
— Impossível não ficar com uma mulher como você! –
respondeu, abrindo mais as pernas. — Me chupa bem gostoso!
— Assim não, deita. – pediu, ao se levantar e sentar em seu
colo, outra vez.
Gisele prontamente obedeceu. Donatela virou-se de costas,
dando-lhe a visão de todo o seu bumbum. A ruiva mordeu o lábio,
salivando quando entendeu o que aconteceria, e desfez os laços
laterais da pequena calcinha, livrando-se da única peça que ainda
atrapalhava sua visão. Excitada ao extremo, puxou o quadril da
morena, acomodando-a em seu rosto. Penetrou seu sexo,
massageando devagar, substituindo seus dedos pela língua macia,
causando um gemido alto na morena, que arqueava o quadril,
permitindo que Gisele grudasse a boca em seu sexo.
Delicadamente, Donatela abriu as pernas da ruiva e enfiou a
cabeça no meio delas, provando seu sabor. Gisele soltou um
gemido abafado, ao sentir suas chupadas rápidas, envolvendo sua
cintura em seus braços. A morena começou a rebolar, provocante,
suspendendo e abaixando o quadril, enlouquecendo a ruiva, que
perdeu completamente o controle do seu corpo quando sentiu dedos
lhe penetrando magistralmente, de uma forma que ela poucas vezes
provara. Entregou-se completamente ao momento de prazer,
gemendo alto, cravando suas unhas na sua pele morena. A cabeça
pendeu no sofá, enquanto Donatela lhe proporcionava um intenso
orgasmo.
Carinhosamente, a morena agarrou as pernas de Gisele,
chupando-a com calma, esperando a ruiva recuperar o fôlego.
Devagar, saiu de cima do seu corpo, apenas para se virar,
encarando os olhos negros. Gisele respirava fundo, tentado
controlar os tremores do corpo, mirando os olhos verdes que lhe
fitavam, risonhos.
— Agora eu entendo porque não faz sexo casual! –
comentou, sorrindo.
— Por que?
— As garotas se apaixonam! Você é sensacional!
— E sabe qual é a melhor parte? – Donatela deitou sobre o
seu corpo, beijando-a no pescoço.
— Não foi essa?
— Não.
— E qual é? – quis saber, enfiando as mãos nos cabelos
negros.
— Temos a noite inteira! – respondeu, puxando-a e
encaixando-a entre suas pernas, grudando seu sexo na ruiva,
rebolando lentamente.
— Quem diria que aquela morena desastrada era isso tudo!
– gracejou, beijando-a e acompanhando o movimento do seu
quadril.
— Quem diria que aquela ruiva, que esnobava todas, estaria
nua no meu sofá! – retrucou, aumentando o ritmo. — Nunca
sabemos o que esperar das pessoas que encontramos ao acaso! –
agarrou os cabelos da ruiva, com firmeza.
— Me arrependeria até meus últimos dias se não tivesse
falado com você!
— E eu, se não tivesse tentado uma aproximação!
Donatela esfregou o bumbum da ruiva contra seu corpo,
deslizando a boca pelo pescoço, cuja pele estava avermelhada. Não
conseguiu suprimir os gemidos, cada vez mais intensos, assim
como o ato, mas conseguiu controlar seu instinto, evitando que a
machucasse enquanto gozava.
Gisele contemplou, satisfeita, a morena relaxar em seus
braços, aninhando-se em seus braços, com a cabeça apoiada em
seu ombro. Ficaram em silêncio por alguns minutos, até que a ruiva
se levantou e encarou os olhos verdes, fixos no teto. Tocou seu
rosto, chamando sua atenção, e a presenteou com um sorriso.
— Um real pelos seus pensamentos! – brincou, roçando a
boca nos lábios carnudos.
— Meus pensamentos valem muito mais do que um real!
Mas, eu estava pensando o quanto você é incrível!
— Sabemos fazer isso juntas! – riu, subindo no corpo
moreno.
— Acho que existem muitas coisas que sabemos fazer
juntas, como queimar nosso assado, por exemplo! – Donatela
lembrou do jantar.
— Não podemos deixar isso acontecer! – Gisele ficou de pé
e catou suas roupas no chão.
— Pra que isso? Só pra me dificultar depois?– a morena
indagou, ao se sentar.
— Pra deixar a coisa mais interessante. – a ruiva vestiu a
calcinha.
Donatela apenas riu, puxando-a para um beijo ardente e
afastando-a em seguida, sob alegação que iria ao quarto vestir uma
camisa mais confortável. Lembrou-se da faca e, decidindo que não
faria nenhum mal a ruiva, retirou do pequeno esconderijo. Desceu
as escadas e topou com Gisele parada, na frente de um quadro,
admirando a pintura.
— Que tela linda! É de algum pintor conhecido?
— Uma cópia de Kandinsky.
— Hum... Entende de arte? – Gisele indagou, sorrindo e
olhando para a faca na mão da morena.
— Gosto de coisas bonitas. – respondeu, com sinceridade,
caminhando ao seu encontro. — Vamos? – beijaram-se
rapidamente.
Gisele anuiu seguindo-a para a cozinha. No caminho pararam
no pequeno lavabo e, devidamente prontas, terminaram de preparar
o jantar.
— Quer que eu corte? – Gisele se ofereceu, notando a
dificuldade da morena em manusear a faca.
— Quero, – respondeu, demonstrando alívio – sou uma
negação com facas e queremos meus dedos inteiros essa noite, não
é?
— Com toda a certeza! – concordou, beijando o pescoço da
morena, antes de ocupar seu lugar na bancada.
— Penne ao molho de queijo de cabra, espero que goste. –
Donatela retirou a travessa do forno e pôs em cima da bancada.
— Eu vou provar primeiro, depois te digo o que achei. Como
foi o seu dia?
— Um pouco tenso, pela manhã, mas me concentrei no
trabalho e passou. Depois, comprei um celular novo e resgatei
minhas coisas, aí, ficou melhor. Não sou ninguém sem o meu
celular! – respondeu, enquanto pegava pratos e talheres.
— Uma pena que não encontraram o seu, mas acho que o
atirador ficou com ele.
— Como assim? – Donatela quis saber, curiosa.
— O cara que matou os bandidos deve ter ficado com ele, –
Gisele transpareceu naturalidade, tentando corrigir sua pequena
gafe – pois só acharam o meu.
— Ou então ele já tinha passado pra outra pessoa, era um
modelo muito bom. Nunca saberemos! – pôs a garrafa de vinha em
cima da mesa.
— Verdade...
— Vamos esquecer esse assunto, não é bom ficar
lembrando essas coisas. Me fala do seu dia!
— Sem progressos. Achei que fecharia algum contrato hoje,
mas recebi somente respostas evasivas. Quando você ligou, eu
estava com um cliente. Remarcamos para amanhã, cedo.
— Não queria atrapalhar, – Donatela enlaçou sua cintura,
por trás – deveria ter dito que estava com um cliente.
— Não atrapalhou! – Gisele virou o rosto, beijando-a. —
Assim está bom? – Gisele pôs os talheres na mesa.
— Está ótimo! – Donatela se afastou e pegou a travessa de
macarrão, colocando-a em cima da mesa. — Serve o vinho?
Gisele pegou a garrafa e duas taças, observando Donatela
arrumar a mesa. Sentou-se, encheu as taças, ao passo que a
morena pôs a massa em um dos pratos e se aninhou em seu colo.
— Estou sem calcinha, – explicou, sorrindo – você se
importa se eu ficar aqui?
— De maneira nenhuma! – respondeu, dando uma leve
mordida no seu braço. — Ficará melhor se você rebolar.
— Assim? – Donatela provocava, apoiando as mãos na
mesa e encaixando seu bumbum na ruiva, rebolando de forma
sedutora.
— Assim mesmo, – Gisele sorria com malícia, erguendo a
camisa da morena e admirando o belo desenho do bumbum
arredondado e da cintura fina, esfregando-se em seu corpo – que tal
se formos para a sobremesa? Podemos jantar depois...
— Você é uma tarada! – riu, grudando seu corpo na ruiva. —
Vamos comer e depois lhe dou sobremesa.
— E o que você me dará? – mordeu a orelha direita.
— O que você quiser! – Donatela prometeu, virando-se para
encarar seus olhos. — Estou adorando que esteja aqui, comigo!
— E eu estou adorando estar aqui! – admitiu, beijando sua
boca. — Já que você não vai liberar sobremesa agora, vamos jantar
antes que esfrie.
Donatela beijou rapidamente os lábios da ruiva, comeu e
bebeu um gole de vinho.
— Me conta um pouco de você. – pediu, encostando-se na
ruiva.
— O que você quer saber?
— Coisas básicas! Seu nome completo, sua idade, onde
você mora, essas coisas.
— Meu nome é Gisele Amparo Rosa, tenho trinta e dois
anos e moro numa kit, no centro. Não tenho filhos e sou solteira.
— Pareceu uma entrevista de emprego, – riu, bebendo mais
vinho – qual o nome da sua melhor amiga?
— Não tenho melhor amiga. Tenho um amigo muito querido,
Arthur, e alguns colegas do tempo da faculdade.
— Você já foi casada?
— Já. Dos vinte até os vinte e sete, mas não deu certo.
— Por quê?
— Acabou o amor. Caímos em uma rotina que acabou
fazendo que nossa paixão se transformasse em amizade.
— Você mantém contato com ela?
— Tenho amizades com todas as minhas ex. Não são
muitas, antes que me pergunte. Só mais duas. Uma antes e outra
depois de Raquel. Agora, sua vez.
— Meu nome é Donatela Ferri Garcia, tenho trinta anos,
moro nessa casa, não tenho filhos e sou viúva.
— Sério? – a surpresa era evidente.
— Sério. Casei quando tinha vinte e quatro anos. O nome
dela era Ludmila, uma mulher linda, inteligente. Vivemos juntas por
dois anos.
— O que aconteceu com ela?
— Foi assassinada, – revelou, deixando o garfo de lado –
não quero falar sobre isso.
— Claro, – Gisele compreendeu, acariciando suas costas –
eu sinto muito pela sua perda.
— Obrigada, – Donatela a beijou, rapidamente – um dia eu
te conto isso.
— Tá bom.
— Depois dela, não me envolvi com ninguém por dois anos.
Conheci outra garota, mas era muito novinha, tinha dezoito anos.
Nossas ideias eram muito diferentes.
— E amigos?
— Eu tenho um grupo legal de amigos. Todos homens. Meu
melhor amigo é o meu irmão, mas pouco sei de minha irmã.
— Irmã?
— Sim. Danilo e eu fomos criados em um orfanato. Dois
grandes amigos, que sempre estão comigo, também são de lá.
Minha irmã foi criada por uma tia, no sul, mas não temos contato há
muito tempo. Quando Danilo completou dezoito anos foi atrás dos
nossos pais, queria entender o porquê de nos abandonar. Desculpe
o palavrão, mas eram dois grandes filhos da puta. Não quero falar
sobre isso, também.
— Tudo bem.
— Mas foi aí que eu me dediquei a aprender tudo o que sei e
Danilo me ajudou muito! Jamais serei como eles!
— Mas, e essa casa? Você me disse que era herança de
família. Como?
— Eles morreram sem outros filhos e nós não fomos
adotados. Então, tecnicamente, éramos os únicos herdeiros.
Comprei a parte de minha irmã e perdemos o pouco contato.
— Você tem uma história de vida bem pesada. Entendo
porque não se entrega com facilidade para as pessoas.
— Me fez forte. – confessou, com sinceridade. — Acho que
já nos conhecemos um pouquinho, né? Qual seu filme preferido?
A conversa girou em torno de assuntos banais. Donatela
havia contado a verdade parcial, omitindo, principalmente, que ela e
a irmã foram as responsáveis pela morte de todos.

Capitulo 04

— Bom dia, Arthur! – cumprimentou Gisele, alegre,


aproximando-se do colega.
— Bom dia. Chegou animada, hein?! A noite, pelo visto, foi
muito boa!
— Foi fora de série! Donatela é incrível, não existe como
descrever! Sensacional!
— Não entendo de pele, mas parece que você está radiante.
— Estou mesmo! E olha que nem dormi essa noite! Acho que
estou apaixonada.
— Você acha? – zombou.
— Eu sei que ainda é muito cedo para falar de sentimentos,
mas, caramba, como ela me faz bem!
— Realmente é cedo. Você não sabe nada sobre ela. Já
imaginou se ela é uma bandida procurada pela polícia?
— Desse mal eu não padeço! Ela seria incapaz de fazer
qualquer coisa pra alguém. E eu já sei algumas coisas. Ela é órfã,
viúva e tem trinta anos. O tipo de pessoa que dá vontade de pegar
no colo e proteger de tudo!
— Você tá mesmo apaixonada, hein?! Só toma cuidado! –
alertou, caminhando até sua mesa. — Ela é viúva?
— Sim, a mulher dela foi assassinada. Vou ver se tem
registros aqui, – falou tomando a frente do computador – o nome é
Ludmila. Quantas grafias existem para esse nome?
— Pelo menos umas três.
— Donatela me disse que elas se casaram quando tinha vinte
e quatro anos. Ficaram dois anos juntas até a sua morte, isso dá
quatro anos atrás, – comentou, inserindo dados no programa de
busca – vamos ver o que temos aqui.
Gisele tentou duas formas de grafia do nome de Ludmila,
antes de localizar o registro de um assassinato de quatro anos atrás
e enviar para impressão.
—Vamos ver. Foi espancada, esfaqueada e... Meu Deus! –
chocou-se ao ver a foto.
— Que foi? – Arthur pegou os papeis.
Enojado com a brutalidade evidenciada pela foto, tentou
discernir o rosto, em vão. Conseguiu apenas ver um amontoado de
carne envolto num rio de sangue.
— Que tipo de mente demente faz isso com outra pessoa?
— Um psicopata! – respondeu, voltando a pegar a ficha. —
Mulher de vinte e oito anos, morta em casa. Casada com Donatela
Ferri Garcia. A cônjuge não estava em casa. Segundo o depoimento
da própria, estava com o irmão e um amigo, viajando a trabalho.
História confirmada por ambos. O assassino continua desconhecido.
— Que barra deve ter sido pra Donatela. Nada foi roubado,
queriam ela. Houve violência sexual?
— A análise do corpo diz que não. Quem investigou o caso foi
Armando. Ele está aqui? – Gisele se levantou antes mesmo do
colega responder.
— Na sala, com o chefe.
Gisele olhou uma última vez a foto do corpo e colocou-a em
cima da mesa, virada para baixo. A imagem era chocante. Releu,
com calma, todo o arquivo. Ludmila fora encontrada por uma
vizinha, pois, segundo depoimento de Donatela, após inúmeras
tentativas de contato, pediu que a vizinha fosse a sua casa, conferir
se estava tudo bem. A fechadura havia sido forçada, indicando que
não era uma pessoa conhecida. Outros depoimentos foram
coletados, nenhum vizinho ouviu barulho ou notou alguma pessoa
estranha no prédio.
Com a imagem fixa em sua mente, Gisele esperou
pacientemente o colega sair da sala do chefe, pois queria mais
informações sobre o caso. Tentou medir a dor que Donatela deve ter
sentido ao receber a notícia, algo impossível de se supor.
— Armando! – chamou, logo que o colega se dirigiu à máquina
de café.
— Oi, ruiva, bom dia. – cumprimentou.
— Bom dia, – respondeu, estendendo-lhe os papeis – quero
fazer algumas perguntas sobre esse caso.
— Está arquivado. Algum problema?
— Não. Eu conheci Donatela, estamos saindo e ela me disse o
que aconteceu. Só queria mais detalhes.
— Eu me lembro desse caso. Foi horrível olhar para o corpo
no apartamento, como pode perceber pelas fotos. O que você quer
saber?
— Não tiveram nenhuma pista do assassino? Digitais,
câmeras de segurança, nada?
— Não. Foi um trabalho bem feito. As câmeras do prédio não
gravavam as imagens e o porteiro não viu alguém estranho
entrando. Cheguei até suspeitar que tinha sido a mulher, que alegou
não estar na cidade. Quando tomei seu depoimento, vi o desespero
dela e logo descartei a hipótese. Ainda mais que ela comprovou a
viagem e as investigações posteriores não a ligou a nada do crime.
— O depoimento foi difícil?
— Foi. Tivemos que parar várias vezes para que ela pudesse
falar. Me deu pena, ela estava em choque. Mais ainda porque não
encontramos o filho da puta que fez isso.
— Algum histórico de inimigos ou algo parecido?
— Inimigos não, mas, segundo uma amiga, ela tinha
descoberto algo muito perigoso. Disse que ia contar para a polícia,
mas não teve tempo para isso. Alguém a silenciou antes.
— Ela trabalhava com o quê?
— Em um hospital. Era enfermeira.
— Nem a amiga ficou sabendo do que se tratava?
— Não.
— Tá bom, obrigada, Armando.
— Sempre às ordens, ruiva. Donatela está bem?
— Está. Obrigada por perguntar.
— Manda um abraço meu pra ela.
— Pode deixar. Até mais.
Gisele voltou para sua mesa, com os papeis pesando em sua
mão. Depois de tudo que soubera, precisava contar a verdade à
morena.

Donatela se despediu de Gisele, logo no início da manhã,


dizendo que organizaria as coisas da viagem antes de sair.
Espalhou as armas pela casa e dormiu, tranquilamente, horas a fio.
Após o descanso, ligou para Gringo e combinou o horário do
encontro. Antes de almoçar, ligou para Gisele, numa conversa
carinhosa. Desligou, pensando no quanto a ruiva era divertida,
carinhosa e atenciosa. Estava começando a gostar dela, sentindo o
quanto era fácil e prazeroso ficar ao seu lado. De qualquer sorte,
sabia que era uma total desconhecida, por isso, ligou para China.
— E aí, China? Preciso de uma informação. Tem como
pesquisar um nome pra mim?
— Oi, Dona! Claro, mas só vou conseguir te passar amanhã,
porque tô terminando de arrumar o esquema do trabalho.
— De boa, depois você me passa. É a mulher que estou
saindo. Quero apenas me precaver. Anota aí: Gisele Amparo Rosa.
— Ah, tranquilo. Tudo certo pra amanhã?
— Tudo certo. Só vou confirmar alguns detalhes, mas é a
mesma coisa de sempre.
— Tá bom. Nos vemos mais tarde.
— Não esquece do nome.
— Relaxa, já anotei. Amanhã te passo tudo.
— Falou! Tô indo me encontrar com Gringo. Até mais.
— Beleza!
A morena conferiu os últimos detalhes e, antes de sair, ligou
para Gisele.
— Oi, linda. Pode falar?
— Duas ligações no mesmo dia! Que coisa boa! – a voz da
ruiva demonstrava sua sinceridade.
— Viajarei agora, queria ouvir sua voz antes de pegar a
estrada!
— Que bom! E pra onde você vai?
— Uma cidade perto. Vou de carro.
— Toma cuidado na estrada – sua preocupação era genuína –
e me liga quando chegar.
— Ligo sim, pode deixar – Donatela sorriu, achando meiga a
preocupação da ruiva – e, quando eu voltar, quero repetir a noite de
ontem.
— Com certeza! Sábado, não é?
— Talvez na sexta. Estou indo de carro justamente para voltar
logo.
— Ótimo, mas venha sem pressa! Me liga quando chegar lá,
só pra dizer que está tudo bem? – pediu, carinhosamente.
— Ligo sim, linda. Até mais. Beijo.
Despediram-se e Donatela foi ao encontro de Gringo e do
restante do grupo, em sua chácara, numa região mais afastada da
cidade. Ao chegar, notou as luzes acesas e a movimentação.
Estacionou ao lado de um carro de modelo popular e adentrou pela
porta da cozinha, deparando-se com o amigo preparando bebidas,
abraçado a uma mulher loira, de corpo malhado e bem torneado.
— Fala, Gringo! Começando a diversão sem mim? –
abraçou o amigo, que se soltou da loira.
— Você sabe como a coisa funciona. Essa é Márcia. Márcia,
essa é Donatela.
— Olá, – acenou, ao se sentar no banco, rente à mesa – o
que vocês estão fazendo de bom?
— Umas caipirinhas. Ela tem mais algumas amigas na sala,
quem sabe você não gosta de alguma? Vai lá dar uma olhada!
Donatela sorriu e se dirigiu ao lugar indicado. Encontrou
mais quatro belas mulheres, com corpos bem trabalhados e vestidas
de maneira vulgar, mas provocante. Cumprimentou-as e retornou
para cozinha, sozinha. Não teve vontade de ficar com nenhuma
delas, ainda mais depois de passar uma noite inteira com a bela
ruiva. Conversou coisas banais com Gringo, até que China, Digão e
Júlio chegaram. Foram para sala, onde os rapazes escolheram as
prostitutas que lhe fariam companhia e começaram uma pequena e
particular festinha. Era algo comum entre eles: antes de um assalto,
sempre se divertiam muito, conscientes dos riscos que corriam.
Aquele poderia ser o último dia de qualquer um deles. Ou de todos.
Ao cair da noite, Donatela deixou os rapazes na sala, bebendo
e trocando carícias com as garotas. Entrou num dos quartos e ligou
para a ruiva. Conversaram animadamente, por quase uma hora e
meia. Donatela se despediu e desceu, em busca de mais bebidas.
Sentou-se no sofá, com o copo na mão, cabeça apoiada no encosto,
com os olhos fechados. Os amigos já estavam espalhados pela
sala, transando e se divertindo.
— Não quer se divertir, linda? – uma morena se ofereceu,
ajoelhando-se entre suas pernas, acariciando-a.
— Que tipo de diversão você me daria? – Donatela se
inclinou.
— A que você quiser. – sussurrou, insinuando-se.
Donatela sorriu, encaixando a mão direita no cabelo preto,
puxando-a para mais perto, ao passo que a mão esquerda
escorregava pelo corpo sarado. Beijou o queijo da morena e soltou-
a, afastando-a.
— Sua sorte é que hoje não estou afim de diversão. Vai
atrás de Digão, que adora duas garotas ao mesmo tempo.
A garota se levantou e obedeceu, sem entender a recusa da
morena, muito menos o que ela quis dizer. Donatela bebeu mais um
gole da caipirinha e relaxou no sofá, pensando na bela ruiva de
olhos negros. Acordou no dia seguinte com Gringo lhe cutucando.
Espreguiçou-se, levantou e foi pegar uma bolsa no carro. Ao
retornar, viu Digão e Júlio encostados numa árvore, com as calças
sujas de terra. Dentro da casa, nada evidenciava a presença das
cinco prostitutas na noite anterior.
Numa das suítes, tomou um banho demorado e relaxante,
buscando se concentrar nas atividades programadas para o dia.
— Cadê o carro? – perguntou Júlio, na cozinha, terminando
de montar uma submetralhadora.
— Aqui, nos fundos! Já coloquei dois galões de gasolina
dentro. Só está faltando nossas coisas. – Gringo avisou, colocando
algumas ferramentas em uma bolsa grande, dentro do carro.
— Eu já tenho tudo certo aqui. – Donatela informou,
conferindo, uma última vez, os equipamentos de informática, com os
quais invadiria o sistema de segurança.
— Sairemos daqui uma hora, não se esqueçam de ir ao
banheiro antes de sair. – Gringo brincou, levando a última bolsa
para o carro.
— Tá bom, mamãe! – Donatela zombou. — Vou ligar pra
minha ruiva e já volto.
— Você tá mesmo na pegada dessa mulher? Nem quis se
divertir com as meninas.
— Estou! E isso é muito foda! – confessou
— Por quê?
— Não quero um repeteco de Ludmila, mas estou fascinada
por ela! Nem consegui transar com outra garota.
— Eu percebi. E se você abrir o jogo com ela antes que
esteja muito envolvida? Como China fez com a mulher dele.
— Seria até engraçado contar pra ela que sou uma
assaltante e assassina profissional. Acredito que ela não aceitaria
tão de boa como Paula.
— Se ela não aceitar, simula um suicídio, sem chamar tanta
atenção. Não dá pra rolar aquilo de novo.
— Eu estava pensando nisso. Não queria ter que mentir pra
ela, mas é complicado explicar o que fazemos. E não quero matá-la
só por não concordar.
— Sim, é complicado! Por isso, prefiro uma puta de cada
vez!
— E as garotas?
— Vão adubar minhas macieiras.
Gringo se afastou, sorrindo, e Donatela aproveitou para ligar
e se despedir de Gisele, afinal, não sabia se estaria viva no fim do
dia.
— Oi, linda. Boa tarde!
— Oi, Dona! Boa tarde! Achei que não ia falar com você
hoje!
— Muito trabalho. Como você está?
— Estou bem. E sua viagem?
— Trabalho, trabalho e trabalho. Inclusive, não posso
conversar muito. Daqui a pouco tenho que voltar aos afazeres.
— Que pena. Me liga quando terminar.
— Ligo sim! Queria que estivesse aqui!
— Seria muito bom estar aí, com você. – respondeu, dando
uma pausa e mudando o tom de voz. — Precisamos conversar,
tenho que lhe contar uma coisa.
— Estou escutando, – Donatela disfarçou o fio de
preocupação – pode falar.
— Tem que ser pessoalmente. No sábado.
— Não se deve fazer isso com uma mulher! – Donatela
fingiu indignação. — E agora? Ficarei me roendo de curiosidade até
sábado?
— Eu só quero que me lembre, que me cobre essa
conversa. Não quero fugir disso.
— É algo tão sério assim? Devo me preocupar?
— Vai depender muito da sua reação.
— Você quer parar de se encontrar comigo?
— Não! Claro que não, – Gisele sorriu, tentando desanuviar
a tensão da conversa – é justamente o contrário! Quero ficar com
você, mas preciso lhe contar umas coisas.
— Tá bom. Desculpa, mas preciso desligar. Tentarei ligar
mais tarde. Me deseje sorte!
— Boa sorte! E volta logo pra mim!
— É o que mais quero! Beijo.
— Beijo.
Donatela desligou o aparelho, remoendo sobre qual seria o
assunto misterioso. Ciente que precisava se concentrar no trabalho
de logo mais, optou em esperar a conversa, para, então, decidir o
que faria.

Gisele desligou o celular e olhou para Arthur, sentando ao


seu lado, no banco do motorista. O amigo aprovava sua decisão de
contar toda a verdade à Donatela.
— Vai dar tudo certo, ruiva! Ela não ficará brava porque você
defende a lei. – incentivou.
— Meu receio é que fique brava por eu ter omitido isso.
— Você explica tudo direitinho! Num bom restaurante,
apreciando um bom vinho!
— É o que pretendo! Espero que ela não me odeie. Olha o
nosso cara ali. – chamou atenção de Artur, que já abria a porta.
—Ei! – gritou.
O rapaz, informante da dupla, balançou a cabeça em sentido
negativo. Gisele manteve a mão na arma, discretamente,
aguardando sua aproximação.
— Porra, vocês não podem aparecer aqui desse jeito! Tão
querendo me foder?!
— Relaxa, a área está limpa. – Arthur respondeu.
— Não consegui nada de concreto pra vocês. Só sei que os
caras são invisíveis, não se misturam com os manos. Se eu fosse
vocês, procurava no meio da sua gente.
— E os caras da zona norte? – Gisele inquiriu.
— Também estão na cola, mas estão sem respostas.
Ninguém sabe de nada.
— Nada de diferente? – Gisele insistiu.
— Esses caras não são traficantes, nem adianta perder
tempo procurando nas gangues. São operadores independentes,
gente da pesada!
— Vaza! Se souber algo de diferente, entre em contato. –
Arthur encerrou a conversa, não queria expor seu informante, que
saiu apressadamente.
A dupla logo tomou o caminho da avenida mais próxima,
misturando-se ao congestionado trânsito paulista.
— É como se eles não existissem! – Arthur lamentou, atento
ao trânsito.
— Fantasmas! Mas, como pode isso? – a ruiva indagava em
voz alta o que martelava em sua cabeça.
— Meu palpite é que eles silenciam qualquer um que saiba o
que fazem. Aí, fica difícil encontrar qualquer pista!
— Teremos que esperar o próximo assalto. Uma hora eles
irão errar e vamos pegá-los! Por ora, vamos jantar. Estou com fome
e está ficando tarde.
Cerca de duas horas depois, Gisele se despediu do amigo e
optou por passar por um caminho mais longo, porém menos
movimentado àquela hora. Já próxima de um banco, notou um
furgão preto, estacionado rente à saída do estacionamento privativo
de funcionários. Estranhou e ligou para o parceiro.
— Arthur, – falou assim que ouviu a voz do parceiro no
segundo toque – acho estão agindo.
— Como assim, Gisele?
— Eu estou na Rua Marina, atrás do Banco Credit. Tem um
furgão preto no estacionamento que não se encaixa.
— Eu estou perto, chego em cinco minutos. Não faz nada no
impulso, ruiva. Vou acionar alguma viatura próxima. Me espera!
— Cinco minutos!
Enquanto Gisele reduzia a velocidade, apagou os faróis e
estacionou alguns prédios depois do banco. O grupo agia,
escondido de sua visão pelo próprio furgão.
Donatela conectou seu computador portátil à fechadura
eletrônica, que abriu rapidamente. Todos entraram, silenciosos. Um
segurança foi logo rendido por Júlio e Digão, ao passo que a
morena correu para um computador, derrubando os firewalls,
desativando os sistemas de alarme e monitoramento remoto dos
cofres. Gringo rendeu outro segurança e trancou-os no banheiro,
desarmados e sem celular.
A ruiva desceu do carro, esgueirando-se, à espera do parceiro.
Cerca de quatro minutos depois, viu dois homens mascarados,
vestidos de preto, carregando duas bolsas que pareciam pesadas.
Colocaram dentro do furgão e retornaram para agência, em poucos
segundos. Gisele sentiu que não poderia mais esperar, pois o bando
era rápido demais. Ligou a câmera do celular, fotografou a placa do
carro, sacou a arma e se aproximou, com o celular na mão, na
intenção de fotografar alguém do grupo. Virou-se, assustada, ao
sentir um toque em seu ombro.
— Eu falei pra você me esperar, porra! Quer tomar um tiro?
– Arthur sussurrou, nervoso.
— Eles estão saindo. Colocaram alguma coisa dentro do
furgão, acione toda a polícia. Hoje acaba essa brincadeira! – entrou
no estacionamento com Arthur no seu encalço, discando o número
da central.
Gisele estava quase alcançando a porta, quando foi
interrompida por uma voz atrás de Arthur.
— Desliga essa merda! – mandou, pegando o celular de
Arthur.
Gisele se virou, lentamente, deparando-se com o parceiro
sob a mira de uma sub, portada por um homem de
aproximadamente um metro e noventa. Somente os olhos eram
visíveis através de uma pequena abertura na máscara. Abaixou-se e
colocou a arma no chão, erguendo as mãos, em sinal de rendição.
O homem apontou a porta e os dois entraram, braços rendidos e
desarmados.
— Pessoal, temos companhia! – anunciou aos outros.
Gisele olhou ao redor, vendo mais quatro pessoas nos
mesmos trajes. Um deles revistou-os, pegando suas carteiras. O
que havia lhes rendido recebeu a carteira, vasculhando-a, enquanto
o outro continuava a revista, encontrando as armas reservas.
— Gisele e Arthur. Investigadores. Polícia Civil de São Paulo.
A ruiva se mantinha alerta, captando todos os detalhes. Dois
homens esvaziavam o cofre e um terceiro guardava os
equipamentos eletrônicos usados para burlar a segurança. Notou
que esse lhe lançou um olhar mais demorado e encarou-o, podendo
ver seus olhos verdes antes que ele se virasse, gesticulando para
seus parceiros, pedindo silêncio.
Um dos mascarados soltou a bolsa, ergueu o dedo, girando-o
no ar, claramente dando por encerrado a ação. Cochichou algo no
ouvido do parceiro, que fechou a mochila com os equipamentos e
sacou a arma, de longe, na direção da policial, que fechou os olhos,
esperando o estampido do tiro. Segundos depois, abriu os olhos,
sem entender o porquê de ainda estar viva, mas a tempo de ver o
homem, que lhe pareceu ser o líder da operação, colocar a mão no
braço do que lhe apontava a arma, abaixando-o. No mais completo
silêncio, ele fez um sinal com a cabeça indicando a saída e,
prontamente, dois deles retornaram ao cofre, para pegar mais duas
bolsas. Gisele ainda viu quando saíram e jogaram as bolsas no
furgão. O que lhe apontava a arma foi o último a sair, fechando a
porta.
Gisele correu em direção à porta, em vão, pois o sistema
travou-a, trancando-os dentro do banco. Através do vidro pode ver a
primeira viatura se aproximando e o homem mais baixo sacando a
arma novamente, disparando dois tiros certeiros, atingindo os
policiais. Bateu com violência contra o vidro, desesperada em
assistir a execução de seus colegas.

Donatela entrou no furgão, nervosa. Esmurrou a lataria antes


de perceber que Gringo lhe que apontava uma arma.
— Abaixa essa porra! – gritou, também sacando sua arma.
— Abaixa essa merda, agora!
— Que porra é essa, Donatela?
— Ei, ei, ei, – Júlio se posicionou entre os dois – parem com
isso! Seja lá o que for, vocês não farão nenhuma merda aqui!
Vamos terminar essa parada!
— Abaixa essa porra, Gringo! – Donatela continuou, arma
em punho.
— Ok, – abaixou a arma, encarando Donatela – mudança de
planos. Vamos pegar os carros e ir direto pra chácara.
— E aí? Vocês vão contar pra gente o que está rolando? –
Júlio indagou, sentando-se entre as bolsas.
— Conversaremos na chácara. Por ora, vamos terminar isso!
– Donatela deu o assunto por encerrado.

O furgão se afastou, em alta velocidade. Arthur percorreu o


interior da agência, buscando um telefone. Gisele notou a ausência
dos vigias e, preocupada, procurou-os, até localizá-los num dos
banheiros. Retirou as mordaças, ajudando-os a se levantar, ainda
algemados.
— Eles já foram e chamamos mais reforços, – quis
tranquilizá-los – mas estamos trancados. Vocês precisam nos tirar
daqui.
O guarda apontou o cartão e explicou como desbloquear a
porta, ao passo que Arthur estudava o cenário. Logo que a porta foi
aberta, os dois correram até a viatura, checando a pulsação dos
colegas. Era uma tentativa inútil, já que cada um levou um tiro
certeiro na cabeça.
— Eu vi o cara atirando, Arthur! – falou, apoiando-se no
carro. — Ele não tinha uma boa condição para atirar. Ele não fez
mira! – continuou, ouvindo o barulho das sirenes cada vez mais
perto.
— Estamos lidando com profissionais de alto nível, – Arthur
constatou
Duas viaturas estacionaram, com os policiais descendo dos
carros, armas em punho. Arthur e Gisele ergueram as mãos, sob a
mira dos colegas.
— Meu nome é Arthur Pacheco, investigador da Civil. Essa é
Gisele Rosa, minha parceira. Levaram nossa identificação, mas o
delegado Campos irá confirmar nossa identidade.

Num estacionamento abandonado, o grupo seguiu a rotina de


sempre e se desfez de qualquer evidência. Donatela e Gringo
ocuparam um carro e, em poucos segundos, saíram ganhando a rua
com outros dois carros guiados pelos colegas seguindo-os
discretamente.
— Por que você não me deixou matá-la? – Donatela inquiriu,
irritada.
— Eu quero respostas! Donatela, – Gringo desviou os olhos da
pista, encarando-a – você não sabia disso?
— Se eu soubesse não teria nem me envolvido! Qual é,
Gringo? Você realmente acha que se eu soubesse já não teria
sumido com ela na primeira oportunidade?
— Você acha que ela sabe quem você é?
— Acho que não, – respondeu, pensativa – mas foi muita
coincidência ela aparecer no banco e não gosto de coincidências.
Preciso pensar. Sei que não dei nenhuma bandeira. Ela não soube
do assalto por mim.
— E sua irmã?
— Ela não sabia que íamos agir hoje e continua se negando a
tomar um lugar na equipe.
— Liga para o seu contato.
Donatela pegou o celular no bolso, discou o número que já
havia decorado e esperou, até escutar a voz do homem no segundo
toque.
— Preciso de uma informação.
— Bota no carro. – Gingo estava desconfiado e a parceira
entendia. Acionou a função bluetooth e a ligação foi transferida para
o sistema do carro.
— Preciso que me fale tudo sobre a investigadora Gisele
Amparo Rosa.
— O que você quer saber dela?
— Há quanto tempo ela trabalha na polícia?
— Três anos e quatro meses. Está cuidando do caso de
vocês. Fiquei sabendo que deu ruim no banco, hoje. Ela e Arthur
apareceram.
— Foi. Ela sabia que íamos agir hoje?
— Não. Eu saberia.
— Ela sabe quem eu sou?
— Não, garanto que não. Ela já teria me dito. Mas, por que a
pergunta?
— Ela mencionou que está saindo com alguém?
— Comigo não, mas percebi que essa semana ela não está
trabalhando tanto, como de costume. Você está saindo com ela?
— Alguém aí sabe se ela está saindo com alguém?
— Não sei, mas posso verificar isso em dois tempos.
— Descubra. Vou esperar sua ligação. – encerrou, sem
responder as perguntas do homem. — Ele vai me retornar até
amanhã. – garantiu ao parceiro.
Gringo meneou a cabeça, em sentido positivo, e nada disse,
atento à movimentação do trânsito. Cerca de trinta minutos depois,
chegaram à chácara. Donatela entrou na sala cautelosa, ciente que
suas chances de sair dali com vida eram de cinquenta por cento.
Todos esperavam uma explicação sua.
— A investigadora que apareceu no banco é a mulher que
estou saindo, – sentou num sofá, com as mãos segurando as duas
armas, presas na cintura – mas antes que me perguntem, não sabia
que ela era da polícia.
— Que palhaçada é essa, Donatela? – China questionou,
olhos atentos à movimentação da parceira.
— Estou me perguntando isso até agora, – seu tom era de
sincera surpresa – pois ela me disse que trabalhava com mercado
de ações. Filha da puta!
— Você já conhecia, Gringo? – Digão demonstrou sua
desconfiança.
— Conhecia. Na segunda, Dona foi assaltada quando estava
com ela. Para armar uma cena, ela me ligou e eu fingi que era seu
irmão, pra fazer a ruiva ir embora e Dona resolver a parada.
— Você foi assaltada? Que ironia! – China sorriu.
— Pois é, mas já resolvi e o cara já está com Deus. —
relaxou mais, sentindo o clima melhorar, mas sem perder o foco. —
O que importa, agora, é Gisele. Eu não sabia que ela era da polícia,
inclusive pedi ao China para verificar o nome dela!
— Verdade. Eu ia fazer isso hoje, mas estava ocupado com
o trabalho, – concordou, também mais relaxado – enfim, conta os
detalhes de como você a conheceu e tudo o que vocês fizeram até
hoje.

— Oi, delegado. – Gisele cumprimentou o homem que se


aproximava.
— O que aconteceu exatamente? – indagou, observando a
movimentação. A rua estava tomada por policiais.
— Eu vim ao banco sacar dinheiro, antes de ir pra casa.
Notei um furgão preto estacionado rente à porta do estacionamento
de funcionários e isso chamou minha atenção. Parei mais na frente
e liguei para Arthur, que pediu reforços e veio pra cá, pois estava
perto. Fiquei a uma certa distância e vi dois dos assaltantes saindo
com bolsas e entrei em ação. Arthur chegou e fomos verificar de
perto, mas fomos surpreendidos e rendidos por um deles. Entramos
na agência e ficamos cara a cara com os cinco.
— Então vocês os viram? Podem identificar?
— Não. Estavam com o rosto cobertos, não tinha como
identificar. O que nos rendeu estava falando, mas percebi que o
outro pediu que ele se calasse.
— Algum motivo para isso?
— Não sei, preciso pensar sobre isso. Eles saíram rápidos e
deram de cara com a viatura. Um deles atirou contra o carro.
— Por que você não esperou a chegada da viatura?
— Eles estavam saindo, íamos perdê-los!
— E segui-los não era uma opção? – Campos indagou
ironicamente. — Você arriscou sua vida e a do seu parceiro! Dois
colegas de farda acabaram levando a pior. Quanto profissionalismo!
— Eu sei que fiz besteira, mas não queria perdê-los! Era
uma oportunidade!
— Eu espero que tenha uma boa ideia de quem são, só
assim para tanta estupidez! Alguma tatuagem, marca, cor da pele,
tipo de cabelo, qualquer coisa!
— Não consegui capturar nada, – Gisele disse, olhando para
Arthur, que silenciou – foi como ver fantasmas! Estavam na minha
frente, mas é como se não existissem!
— Que bela simbologia! Faz um favor pra todos aqui: vai pra
casa, toma um banho frio e tenta pensar em tudo, em todos os
detalhes! Quero um relatório completo amanhã, bem cedo!
— Sim, senhor. – assentiu e saiu, deparando-se com um
corpo sendo removido da viatura. Guardou a imagem na cabeça,
determinada. “Aqueles filhos da puta iriam pagar caro por fazer
aquilo”.
Campos esperou a ruiva se afastar, com Arthur em seu
encalço. Indagou os outros policiais, mas nada fora acrescentado ao
que Gisele havia dito. Após se despedir da colega, Arthur se
aproximou do chefe.
— Se ela continuar assim, Arthur, terei que afastá-la. Dois
homens morreram hoje!
— Ela foi movida pelo impulso, chefe, mas é ótima no que
faz. E se tem alguém que consegue pegar esses caras, sabemos: é
ela. – defendeu Arthur.
— To achando que ela precisa arrumar uma mulher, ter uma
vida social e amorosa. Ela está muito fissurada no trabalho!
— Ela está saindo com uma mulher. Conheceu na semana
passada e só fala nela. Está, finalmente, se apaixonando.
— Quem é? É da corporação?
— Não, se chama Donatela. Eu não a conheço
pessoalmente, ainda. Tivemos um caso, anos atrás, de uma mulher
brutalmente assassinada em casa, Ludmila Fernandes. Armando
investigou, mas o assassino não foi encontrado.
— Lembro vagamente.
— Então, Donatela é viúva dessa Ludmila. Um caso muito
triste.
— Que elas tenham melhor sorte, – falou Campos, dando as
costas – mas vê se mantém sua parceira sob controle ou terei que
tomar medidas drásticas.
— Pode deixar!

Donatela contou aos parceiros sobre seu encontro com


Gisele, sempre com as mãos segurando as pistolas. Parou de falar
quando escutou seu celular tocar.
— Meu contato. – anunciou, pegando o aparelho, mão direita
segurando a arma. Acionou a função viva-voz. — Pode falar.
— Tenho a informação que me pediu. Arthur sabe que ela
está saindo com você, acha até que ela está apaixonada. Andaram
fuçando no caso de Ludmila, foram atrás de Armando, para saber
mais detalhes. – Campos contou o que havia descoberto.
— Beleza. E sobre hoje? Como ela sabia que íamos agir?
— Ela não sabia. Estava indo pra casa, só passou no caixa
eletrônico para sacar dinheiro e desconfiou do furgão estacionado
perto da entrada do banco. Enfim, a mesma coisa de sempre. Só
estão mais furiosos porque vocês abateram dois policiais, mas não
viram nada que levasse a identidade de vocês.
— Valeu. – Donatela desligou o celular, sem esperar
resposta.
— Andou falando demais, Donatela, – China se levantou e a
morena permaneceu alerta – e agora?
— Eu contei pra ela que era viúva. Deve ter jogado meu
nome nos arquivos e achou tudo. Agora, vocês decidem, – sacou as
duas automáticas – posso terminar isso do meu jeito ou terminamos
tudo aqui.
— Vamos ficar frios, – pediu Gringo, pensando rápido – você
não pode fazer nada com ela! Não dá pra outra mulher sua aparecer
morta, ainda mais sendo policial!
— Eu posso terminar com ela e simular o suicídio. Não seria
complicado.
— É uma saída. – concordou China.
— Galera, vamos pensar um pouco, – Júlio se manifestou
pela primeira vez desde que chegaram à chácara – Donatela tem
um trunfo a nosso favor. Se ela continuar com Gisele, estaremos
sempre um passo a frente da polícia! Só que ela precisa lhe contar
que é da polícia. Se ela insistir em esconder isso, aí você acaba
com ela.
— Usando os neurônios em vez da força bruta, – Gringo
comentou, em tom zombeteiro – mas eu estava pensando
exatamente nisso. Donatela, guarda essas merdas, – pediu,
apontando para as armas, ciente do quanto a morena era letal –
você só não pode se apaixonar, pra não foder com tudo. Manter um
namoro com a encarregada da investigação nos dará uma puta
vantagem! Saberemos de tudo em primeira mão!
— É uma saída, – concordou, colocando as armas na
mesinha de centro, onde alcançaria facilmente – além do mais, não
vou me apaixonar por uma policial! Arrancarei tudo dela,
combinado?
Donatela, satisfeita, relaxou ao sentir o clima mais ameno.
No final, acabou sendo algo vantajoso para o grupo e para a
morena, que manteria a ruiva ao seu lado, sem que algo interferisse
no seu trabalho.

Capitulo 05

Logo que chegou em casa, Gisele se serviu de um copo de


uísque e ligou para Arthur, pedindo que o encontrasse assim que o
delegado liberasse. Repassou, mentalmente, tudo o que houve, sem
conseguir relaxar. Foi interrompida pelo barulho do celular. Pela tela,
identificou uma chamada de Donatela.
— Oi, linda. Ainda acordada essa hora?
— Estava sem sono. Espero não ter lhe acordado.
— Não me acordou. Na verdade, ainda estou trabalhando.
— Pelo que sei, a bolsa de valores já fechou no Brasil.
Aconteceu alguma coisa?
— Sim, mas não quero discutir isso por telefone. Vamos nos
encontrar amanhã e lhe conto tudo, – a campainha tocou –
combinado?
— Acho que pegarei a estrada mais cedo, já adiantei
bastante coisa. Isso foi a sua campainha?
— Foi. Espera um minuto, por favor.
Gisele tapou o microfone do aparelho, abriu a porta para
Arthur e pediu que esperasse a ligação acabar.
— Quem é, uma hora dessas? – inquiriu, fingindo um tom de
ciúmes.
— Meu parceiro, – respondeu, passando a mão no cabelo,
andando em círculos – preciso acertar algumas coisas com ele. Me
liga antes de pegar a estrada?
— Se você prefere assim, – Donatela suspirou – amanhã
nos falamos. Tchau.
— Não precisa ficar assim. Prometo que explicarei tudo
amanhã.
— Tudo bem. Boa noite, Gi.
— Eu estou com saudades. – contemporizou.
— Eu também. Bom trabalho.
Gisele desligou, sentou e bebeu mais um gole de uísque.
— Como foi lá?
— Péssimo! O delegado ficou puto da vida!
— Imagino. Bom, vamos aos fatos. Vi o furgão e liguei pra
você. O que você fez?
— Liguei pra central e pedi apoio, enquanto dirigia para lhe
encontrar. Não quis perder tempo.
— Eles sabiam que estávamos lá! O cara que nos rendeu
saiu por outro lugar, não estava lá fora.
— Tem sentido. Alguém de dentro envolvido?
— O informante disse para procurarmos na nossa gente. Ele
pode estar certo. Tem alguém de dentro da corporação protegendo
esses bandidos. Ou são da própria polícia.
— A central deve ter passado em canal aberto e eles podem
ter captado. Você viu os equipamentos que eles possuem.
— Sim, mas foi muito rápido. Eles sabiam antes da central
repassar, pois a primeira viatura demorou a chegar, mesmo estando
duas quadras de distância. Além do mais, depois que entramos, não
ouvi barulho de rádio. Ou seja, se eles estivessem acompanhando
nossa frequência, não desligariam justamente quando capturaram
dois policiais.
— Isso é verdade. O que mais?
— O mais baixo, de olhos verdes, pediu que o colega
parasse de falar. Reconhecimento de voz.
— Alguém conhecido?
— Não consegui identificar a voz, mas eles sabem quem
somos.
— Também faz sentido. O que mais?
— Eles mataram os policiais da viatura, mas nos pouparam.
Por que?
— Porque nos conhecem. – Arthur reconheceu.
— Senti a hesitação do cara que me apontou a arma. O
parceiro o impediu, também hesitou.
— Quantas pessoas você conhece com aquela estatura e
olhos verdes?
— Só Donatela. Mas, entenda: eles nos conhecem, nós não
os conhecemos. É diferente.
— Pode ser Donatela. Vai que ela lhe abordou, no bar, de
propósito!
— Minha temível ladra, – debochou – que não sabe nem
manusear uma faca! Você viu como o cara atirou. Dois tiros
certeiros, sem sequer fazer mira!
— Você já disse isso antes.
— Os caras que encontramos no beco! Dois tiros perfeitos!
Calibre quarenta e cinco.
— Os de hoje também eram quarenta e cinco.
— Os mesmos? – perguntou Gisele, já de pé. — Não faz
sentido! Aqueles moleques eram vendedores, metidos a traficantes.
Os caras de hoje são profissionais bem treinados.
— Talvez viram algo, estavam no lugar errado, na hora
errada. Não esqueça que nossos amigos de hoje adoram um beco.
— Pode ser, mas de uma coisa temos certeza: eles estão
um passo a frente, já que nos conhecem. Temos que ter cuidado
com as pessoas com quem comentamos os nossos avanços.
— Concordo. Vamos nos reportar somente ao delegado e
pedir discrição. Vou pra casa, são quase três da manhã. Tenta
dormir um pouco.
— Beleza, nos vemos amanhã.
— Até mais.

Donatela desligou o celular satisfeita, percebendo o quanto


Gisele estava perdida, já que discutia o caso com o parceiro, tarde
da noite.
— Adorei sua ceninha de ciúmes, – zombou Gringo – mas
toma cuidado, Dona. Você precisa ter muito cuidado com o que fala
pra ela.
— Pode deixar, sei fazer meu trabalho direito. E os frutos de
hoje?
— Nos encontramos na casa cinco, em sete dias, – anunciou
China – Donatela, fica esperta em relação ao seu suposto trabalho.
Se a ruiva investigar, descobrirá que você não trabalha em banco
nenhum.
— Já pensei nisso, direi que fui demitida, até porque, o
próximo é o Bolsacap.
— Antes tem a parada do carro-forte.
— A partir de segunda estudarei horários, pessoas e tudo o
mais. Precisamos de mais quatro pessoas.
— Eu conheço uns caras que podem nos ajudar, – falou
Júlio – uns bandidinhos da zona norte. São totalmente descartáveis.
— Ótimo, depois vemos isso, – concordou Donatela, pondo-
se de pé, com o copo de uísque na mão – agora, preciso de
diversão. Quem tá a fim de tiro ao alvo?
— Sério? Se eu colocar a porra da garrafa no topo da árvore
do outro lado da chácara, você acerta. – Digão comentou, em tom
de brincadeira.
— Aliás, muito bom hoje, Dona, – China elogiou – como
conseguiu?
— Não vou contar meus segredos! Preciso treinar de olhos
vendados. – o tom era descontraído.
— Bom, agora ficou mais interessante! Você está com o
silenciador? –Gringo se animou.
Donatela sorriu, pegou o silenciador no bolso traseiro da
calça e encaixou na pistola. Encheram garrafas com pedras, para
que Donatela pudesse ouvir o barulho ao serem lançadas no ar.
Cada um foi para um canto do imenso pátio da chácara e passaram
a noite se divertindo, com a morena estourando garrafas no ar.

Por volta das onze horas, Donatela despertou com a ligação


de Gisele, embora não tenha atendido. Levantou e viu os amigos
espalhados pela casa, ainda adormecidos. Tomou um banho
demorado, buscando aliviar as dores nas costas, após a incômoda
noite no sofá. Arrumou a mochila, entrou no carro e acionou o
bluetooh, antes de pegar a estrada.
— Bom dia! Estava finalizando uma reunião, não pude
atender.
— Tudo bem, linda. Ainda tá brava comigo?
— Não estou brava, não tenho motivos para isso, tenho?
— Não. Eu também não ficaria confortável se alguém
chegasse em sua casa às duas da manhã.
— Não temos um relacionamento, anjo. Você pode receber
quem quiser, na hora que quiser. Desculpe a intromissão.
— E se a gente resolver ter um relacionamento?
— Aí, ficarei com ciúmes. Coisa de trabalho se conversa
durante o expediente! Você não quer me contar mesmo? Estou tão
curiosa!
— Você vem hoje?
— Vou. Só tenho que acertar umas coisas. Irei almoçar com
os colegas e por volta das três da tarde saio daqui. Com mais três
horas de viagem, devo chegar umas seis, sete da noite, no máximo.
— Vamos nos ver hoje?
— Claro! Não passarei mais uma noite nessa curiosidade!
— Como você é curiosa! Conversaremos a noite, então!
— Isso é maldade! Você não faz nada de errado ou ilegal,
faz? Ou é casada?
— Não!
— Desisto! Não ficarei brincando de adivinhação, – suspirou
– como está sendo seu dia?
— Um saco! Muita coisa pra fazer e nada resolvido!
— À noite farei uma massagem bem gostosa, vou lhe deixar
relaxada.
— Quer que eu vá te buscar, seja lá onde estiver? Pode ser
agora?
— Engraçadinha! Na minha casa, às oito?
— No meu apartamento, que tal? Você chegará cansada,
preparo algo bem gostoso pra gente.
— Ótimo, vou adorar conhecer sua casa!
— É do tamanho da sua sala, mas vamos nos divertir.
— Não esquenta com isso, estarei lá às oito. Manda o
endereço por mensagem.

Gisele desligou o telefone e entrou na sala de reuniões.


Sentou-se ao lado de Arthur, ouvindo o que o delegado dizia. Após
entregar o relatório logo cedo, a dupla pediu ao delegado que fosse
discreto, pois queriam que os fatos relatados ficassem sob sigilo.
— Você não vai falar nada, Gisele? Você ficou cara a cara
com eles e não tem nada a acrescentar? – inquiriu Carlos.
— Não, o chefe já disse tudo. São profissionais altamente
qualificados. Reitero: é o mesmo grupo em todos os assaltos.
— Porque usavam o mesmo maçarico? – perguntou, rindo.
— Sim. O mesmo modus operandi. – ignorou o deboche.
— Esses caras não podem ser tão bons assim! Alguma
coisa deixaram para trás! – Campos interrompeu.
Gisele notou que o delegado vestia a mesma roupa do dia
anterior, indicando que passara a noite trabalhando. A pressão
midiática era intensa, fazendo com que a Secretaria de Segurança
Pública ficasse em cima do delegado.
— Nada! Usam luvas todo o tempo, camisas compridas,
rostos cobertos, sem mostrar um fio de cabelo! Atiram muito bem,
não esquecem nenhuma ferramenta, descartam o furgão em becos
sem câmeras e ateiam fogo em tudo. São fantasmas!
— Fantasmas criminosos! – esbravejou Campos. — Tenho
duas viúvas chorando a morte dos maridos e quero as cabeças
desses caras. Não importa o que vocês vão fazer! Estamos no
quarto assalto! Eles são profissionais e vocês, são o que? Pelo
amor de Deus!
Gisele ficou calada o resto da reunião. Mais uma vez,
repassava tudo o que presenciou, tentando buscar algo novo.
Frustrada, só percebeu que a reunião havia acabado quando todos
levantaram. Arthur segurou seu braço e disse que o delegado queria
falar com eles.
— Vocês me pediram sigilo e atendi. Agora, quero detalhes.
— Tem gente de dentro envolvida, – Gisele falou baixo –
pois quando o cara nos rendeu, já sabia que estávamos lá.
— Bandidos tem acesso fácil ao canal da polícia, ainda mais
sendo tão profissionais como você diz.
— Pensamos nisso, – concordou Arthur – mas não
escutamos nenhum som de rádio dentro do banco. Se fosse o caso,
eles ficariam ligados, buscando mais informações.
— Vocês desconfiam de alguém aqui dentro?
— No momento, todos são suspeitos. Só passaremos
informações sobre nossos avanços ao senhor. Estou convencida de
que esses bandidos nos conhecem.
— Como assim?
— Eles tiveram uma boa oportunidade de nos matar, mas
nos pouparam. Já os policiais militares, foram sumariamente mortos.
Poderiam atirar nos pneus, mas foram tiros com intenção de matar.
— Assassinos profissionais?
— Não sei, mas é uma boa base de pesquisa. Pelo menos o
que matou os policiais é assassino profissional. Um assaltante,
ainda que profissional, não acertaria dois tiros como aqueles.
— Façam uma busca nos nossos arquivos.
— Pode deixar. E o enterro dos policiais?
— Amanhã, às oito.

Logo que a dupla saiu da sala, Campos ligou para Donatela.


— Acabei de fazer uma reunião com o pessoal. Não sabem
de nada, mas desconfiam que tem alguém de dentro envolvido.
Gisele e Arthur só se reportarão a mim.
— Ótimo, continue assim. O acerto será daqui a dez dias.
— Ok.
Pouco tempo depois de ter desligado o telefone, Donatela
chegou em casa. Dormiu, acordando no final da tarde, com uma
mensagem de Gisele. Ignorou e chamou a irmã, precisavam acertar
os detalhes da noite.

Donatela estacionou o carro nafrente do prédio onde Gisele


morava. Antes de sair, conferiu as imediações, focando em câmeras
de segurança e movimentação. Na portaria, atenta às câmeras,
apresentou-se e inclinou-se, discretamente, rente ao balcão,
observando o horário no canto superior da tela. Compreendeu que
as imagens eram gravadas.
— Pode subir. – o porteiro autorizou, após contato com
Gisele
— Obrigada, – sorriu e virou-se, mas retornou à posição
inicial, mantendo o sorriso – se eu quiser fazer uma surpresa pra ela
no meio da noite, tem alguém na portaria ou preciso tocar
diretamente no apartamento?
— Fica uma pessoa aqui vinte e quatro horas. Se for alguma
coisa de entrega, liberamos a entrada.
— Tá bom. Obrigada.
Aguardando o elevador, a morena percebeu uma câmera
focando a porta da escada de emergência. Ao sair no andar, notou o
quanto as portas dos flats eram próximas umas das outras,
inviabilizando qualquer ação no local. Em frente à porta do flat da
ruiva, respirou fundo, buscando relaxar e aparentar uma postura
natural.
— Oi, linda! Pontual! – Gisele abriu a porta, dando espaço
para que ela entrasse.
— Sou. Isso é um defeito! – respondeu, antes de beijar seus
lábios.
— E desde quando pontualidade é defeito? – indagou, ao
fechar a porta, enquanto a morena observava o apartamento.
— Desde que comecei a sair com mulheres! – respondeu,
mirando a ruiva, que usava uma camisa aberta, revelando parte dos
seus seios, e um short curto, exibindo o belo par de coxas à mostra.
— Então, você é uma exceção à regra? – Gisele enlaçou a
morena pela cintura, puxando-a para perto.
— Sou, sem dúvida! – a morena sorriu, deixando a bolsa de
lado e beijando a ruiva. — Já dá para sentir falta de alguém com
três encontros?
— Acho que sim, – respondeu, passando a mão no seu
cabelo – pois senti a sua falta.
Aos beijos, sentaram no sofá, com Gisele se acomodando no
colo da morena, cujas mãos passeavam pelo seu corpo, numa
carícia lenta, entorpecendo seus sentidos. Levantou-se, carregando
a ruiva grudada em seu corpo. Entrou pela porta que, entreaberta,
deixava a cama exposta.
— Nossa, como você é forte! – Gisele comentou, beijando
seu pescoço.
— Você é leve!
— Mas, calma, precisamos conversar! – pediu, sentindo a
cama em suas costas e o peso da mulher sobre o seu corpo.
— Minha curiosidade aguenta até depois. Agora, estou com
saudades do seu corpo.
— É melhor que seja logo! – insistiu, tentando se desviar das
carícias tentadoras.
— Tá, – concordou, rolando para o lado – o que você tem
pra me contar? – sentou-se na beirada da cama.
— Eu menti pra você. – começou.
— Como assim?
— Eu não trabalho com ações. Uso isso como um disfarce.
— Por que? – quis saber, transparecendo desconfiança. —
Com o que você trabalha?
— Trabalho na polícia. Sou investigadora.
Donatela suspirou e olhou para o teto, demonstrando pesar.
— Você tinha que ter me dito isso antes! – levantou-se,
contendo uma exasperação. — Eu... eu lhe disse que não me
envolvo com policiais!
— Eu não contei antes por uma questão de segurança!
Minha, em primeiro momento. Eu não lhe conhecia, você me
abordou, poderia ser alguma meliante querendo uma aproximação.
Depois, você me disse no restaurante que não se envolvia com
policiais e eu não queria parar de te ver! Quando fomos assaltadas,
não pude agir contra aquele bandido para não lhe assustar e não
colocar sua vida em risco!
— É por isso que não me envolvo com policiais, – cortou,
olhando para os seus olhos – eu não quero colocar minha vida em
risco! E se alguém, para lhe atingir, vier atrás de mim?
— Isso é coisa de cinema, linda! E jamais permitirei que
você corra algum risco. Eu ia contar na terça, mas você estava tão
linda, não quis estragar a noite.
— E preferiu me esconder isso?
— Não! Tanto que comecei a lhe falar por telefone.
— Negativo, você instigou minha curiosidade! É diferente!
— Para que eu não fugisse dessa conversa, hoje! – Gisele
se colocou na frente da morena. – Dona, quero ficar com você, mas
não íamos longe com mentiras.
— Eu me envolvi, estou curtindo isso!
— Eu sei, também estou! – Gisele acariciou seu rosto. — Me
desculpa.
— No que mais você mentiu pra mim?
— Em mais nada, juro! Não é tão ruim ficar com uma policial,
vou lhe provar isso! – beijou-a delicadamente.
Em segundos, o beijo ficou mais intenso. Gisele pôs a mão na
nuca da morena, prendendo seus cabelos com força, mas
carinhosamente. Passou a língua no pescoço, mordendo-o,
deixando a morena com dificuldade para continuar fingindo
indignação. Enfiou a mão por debaixo da regata preta, acariciando
seu seio e arrancando um gemido involuntário. Nesse momento,
recobrando seu papel, a morena se afastou.
— Você... você não terminou de me dar explicações. O que
houve noite passada? Quem estava em sua casa tão tarde?
— Coisa do trabalho. – Gisele tentou tirar a regata da
morena.
— Você não vai fugir, quero saber de tudo! – afastou-se de
uma só vez, caminhando para sala.
— Estou investigando esses assaltos dos bancos. Ontem eu
fiquei frente a frente com eles. – deu-se por vencida, seguindo-a até
a sala.
— Eles foram pegos? Você prendeu todos? – fingiu um leve
entusiasmo.
— Não. Ainda não, mas irei. Ontem eles me pegaram na
frente do banco. Eu e meu parceiro, Arthur. Em resumo, saíram do
banco com o dinheiro, mataram dois policiais e fugiram. Arthur e eu
conversamos até tarde, para rever os acontecimentos que ainda
estavam frescos em nossa memória. Precisávamos fazer o relatório.
— Que perigo! Como você consegue lidar com isso?
Apontaram uma arma pra vocês? Imagina se eles fizessem alguma
coisa? E se alguém fizer no futuro? Não vou aguentar passar por
isso de novo!
— Eu sou treinada, linda. Ludmila não teve a menor
condição de defesa, mas eu sei me cuidar. – Gisele contemporizou,
tocando seu rosto. — Eu vi o arquivo dela.
— O caso foi arquivado, sem provas. Talvez você conheça o
detetive Armando, que cuidou do caso dela. – explicou Donatela,
suspirando.
— Conheço. Falei pra ele que estamos saindo. Ele me disse
que antes de ser morta, ela falou para uma amiga que tinha
descoberto algo muito perigoso. Ao que parece, ela morreu por
causa disso.
— Soube dessa história e contatei Janete, amiga dela na
época. Elas não chegaram a conversar. Eu daria tudo pra saber e
acabar com quem fez isso!
— Eu imagino! – Gisele a abraçou, beijou levemente seus
lábios e se afastou. — Vamos beber alguma coisa? Tenho vinho,
uísque e Martini.
— Não, preciso pensar sobre o que me disse. Vou pra casa.
— Não vai, não, – a ruiva pediu, segurando seu braço – fica
aqui! Me dá uma chance de mudar esse medo!
— Tá, só por hoje! Onde é o banheiro? – sorriu.
— Ali, – apontou – vai beber o que?
— Uísque.
No banheiro, a morena procurou um lugar para esconder a
arma que carregava na bota. Supondo que Gisele não lavaria a
roupa em plena sexta-feira, com visita em casa, usou o cesto de
roupas sujas como esconderijo. Em seguida, lavou o rosto, despiu-
se, ficando apenas de calcinha e abriu a porta, deparando-se com a
bela ruiva, segurando dois copos nas mãos.
— Uau! – exclamou, sorrindo e pondo os copos em cima da
mesa de cabeceira.
— Se é pra correr riscos, que seja de uma maneira mais
segura! – falou Donatela se sentando no seu colo a prendendo com
as pernas.
— Isso pode ser perigoso, – avisou, mordendo o bico de um
seio – vai se arriscar?
— Quero pagar pra ver...

Acordada pela claridade do dia, a morena levantou com


cautela, para não acordar a ruiva. Vestiu a calcinha e uma blusa
social de Gisele, que cobria parte de seu corpo, e caminhou pela
casa, estudando-a. Na gaveta do aparador encontrou, travada e
com o pente do lado, uma Glock, mas não tirou do lugar. Após a
revista na pequena casa, foi à cozinha, preparar café. Deixou a
cafeteira ligada e retornou ao quarto, encontrando Gisele dormindo
profundamente. Escalou a cama, lentamente, passando a beijar a
virilha da ruiva, que se mexeu, mas não acordou. Aproveitou o
momento para se encaixar entre suas pernas, alcançando seu sexo,
chupando calmamente. Gisele acordou e abriu mais as pernas,
puxando o cabelo da morena, rebolando em seu rosto.
— Uau, – gemeu, com a voz rouca – que delícia acordar
assim!
A morena nada disse, intensificando os movimentos da língua.
Penetrou-a com dois dedos, lentamente, cadenciando o ritmo de
acordo com a reação e gemidos da ruiva, que aumentava o ritmo do
quadril. Não demorou para que se entregasse a um intenso
orgasmo.
— Bom dia! – a morena cumprimentou, aos beijos no corpo
sob o seu.
— Bom dia, – respondeu, sorrindo – que delícia acordar com
você.
— E não é só isso! Já comecei a preparar nosso café. Hoje
você será servida na cama.
— Posso acabar me acostumando mal, – a ruiva se aninhou
em seus braços – você encontrou as coisas na minha enorme
cozinha?
— Achei. Precisei de um GPS, mas consegui me localizar.
Dormiu bem? – beijou seus cabelos.
— Maravilhosamente bem!
— Você trabalha hoje? Aliás, agora que você foi sincera
comigo, gostaria de saber quais são seus horários.
— É complicado, – riu – não existe um horário certo pra mim.
Dependendo do caso, trabalho só durante o dia, mas, se surgir
qualquer coisa, estou à disposição. Falando nisso, que horas são?
— Onze e meia.
— Ah, caramba! – Gisele pegou o celular e viu cinco
chamadas perdidas de Arthur.
— O que foi?
— Hoje, cedo, foi o enterro dos policiais mortos na ação de
ontem.
— Se tivesse me dito, colocaria o celular para despertar e
iríamos juntas.
— Pra ser sincera, nem lembrei! – Gisele se virou e beijou-a.
— Bom, agora já foi. E o meu café?
— Em cinco minutos! – respondeu, pulando da cama.
Gisele tomou um banho rápido e vestiu um roupão. Ouviu o
barulho da campainha, supondo ser Arthur, estranhando seu
sumiço. No curto trajeto, sorriu ao ver Donatela atrapalhada com
sua torradeira.
— Oi, Arthur! – cumprimentou, dando espaço para o colega
entrar.
— Oi, ruiva. Está tudo bem? Você não deu noticias hoje e...
— Linda, não consigo me acertar com essa... – parou de
falar, ao notar a presença do homem no meio da sala – me
desculpe! – fechou a camisa que revelava, parcialmente, seu
abdômen.
— Ah, claro, – Arthur sorriu e acenou para morena, que
correu em direção ao banheiro – está explicado!
— Não olha! – deu um tapa no braço do parceiro. —
Desculpe por não ir ao enterro, perdi a noção do tempo.
— Nem imagino o porquê, aliás, tatuagem sensacional na
coxa. Gostosa! – finalizou, cochichando.
Gisele deu outro tapa no braço do colega. Foram
interrompidos pela morena, já vestida, inclusive com sua pistola
escondida na bota.
— Não se incomodem, só queria saber se estava tudo bem!
— Tudo certo! Essa é Donatela Garcia. Dona, esse é Arthur,
meu parceiro.
— Olá, tudo bem? – apertaram as mãos, em cumprimento.
— Foi ao enterro? – Gisele indagou o colega.
— Fui. Achei que ia te encontrar lá.
— Perdi a hora, acordamos agora.
— Pelo visto, nada de trabalho hoje, certo?
— Só se for muito importante! – decretou, sorrindo para a
morena.
— Me desculpe por atrapalhar. Se você tivesse atendido o
celular, nem teria vindo.
— Não vi tocar. Como foi lá? – quis saber.
— Ela já... – titubeou, pois não sabia se a parceira havia
contado à Donatela sobre sua profissão.
— Já, conversamos ontem.
— Muito pesado. A esposa de um dos policias está grávida
do primeiro filho e o outro tinha dois filhos. Todo mundo revoltado!
— Vou pegar o desgraçado que fez isso, – Gisele não
escondia sua raiva – ele vai pagar muito caro!
— São os policiais do assalto? Que coisa horrível!
— Esse é o meu trabalho, Dona, – Gisele olhou para a
morena – lidar com psicopatas desse tipo e tirá-los das ruas.
— Espero que consigam logo. Como um ser humano pode
fazer isso com outro? – seu tom transparecia asco.
— Sãos os mistérios da mente humana. Nunca saberemos!
– Gisele suspirou e virou-se para Arthur. — Alguma novidade?
— Nenhuma! Aproveite seu final de semana, farei o mesmo.
Nos vemos segunda-feira.
— Qualquer coisa, me liga.
— Pode deixar. Foi um prazer conhecê-la, Donatela, – Arthur
beijou seu rosto – precisamos marcar um jantar. Levarei minha
mulher.
— Será ótimo! – concordou, sorridente.
Gisele acompanhou Arthur até a porta, trancando-a.
— Está na hora de tirar essa roupa, de novo. – sorriu,
livrando-se do roupão e encarando a morena, parada no meio da
sala.

Capitulo 06

Depois do último orgasmo, as duas se jogaram na cama,


exaustas depois de horas na cama. Enquanto Gisele recuperava o
fôlego, a morena conferiu o celular.
— Estou com fome, – comentou, notando o olhar de cobiça
da ruiva, que mordia os lábios – tem noção de que só tomamos
aquele projeto de café da manhã que preparei?
— Tenho. E também estou com fome, – riu, ao se apoiar em
um braço – mas é que você é tão viciante, nem dá vontade de sair
dessa cama!
— Mas temos que sair, nem que seja por meia hora! Preciso
recuperar o fôlego para o resto da noite.
— Quer dizer que você ficará aqui? Vou adorar acordar com
você, novamente!
— Quer dizer que esse final de semana você é minha e lhe
levarei pra onde eu for!
— E pra onde vamos?
— Primeiro, vamos parar em algum lugar para comer.
Depois, minha casa.
— E o que você vai preparar de surpresa pra mim? – a ruiva
subiu no corpo moreno.
— Se eu contar, não será surpresa! Mas não é nada
espetacular.
— Sendo sincera, tudo o que estamos vivendo está sendo
espetacular, – assumiu, antes de dar um beijo calmo na boca de
lábios carnudos – se você quiser ficar sentada na sua sala, bebendo
água, já será maravilhoso!
— Então, vamos?
— Sim, mas, antes, – subiu a mão pela coxa grossa,
explorando-a – vamos tomar um banho?

Duas horas depois, prontas e vestidas, a morena mandou


uma mensagem para a irmã, informando seus planos. Na sala,
deparou-se com Gisele pegando o coldre na gaveta do aparador,
junto com sua arma. Depois de inserir o pente com agilidade, a ruiva
conferiu a trava e guardou na cintura, escondida pelo casaco. No
fundo da gaveta estava o distintivo.
— Você tem que sair com isso? – perguntou, apontando a
arma.
— É importante que eu saia. Nunca se sabe o que pode
acontecer, – respondeu, guardando o distintivo no bolso – mas, não
se preocupe, está travada.
— Não quero te abraçar e tomar um tiro no pé!
— Isso não acontecerá, – sorriu, debochando – por isso,
existe a trava!
— É estranho, – a morena riu com sinceridade – nunca saí
com uma mulher armada.
— Você irá se acostumar. E saiba que eu só ando armada.
— Você estava com isso nos outros encontros? – sua
curiosidade era genuína.
— Sim, você nem percebeu. Viu como sou boa em esconder
as coisas? É só fingir que ela não está aqui.
— Percebi. Vamos, linda?
Entraram no carro de Donatela e foram para shopping, direto
para praça de alimentação. Quando deu por si, já estavam
caminhando pelos corredores de mãos dadas com um sorriso no
rosto e um brilho especial nos olhos toda vez que a olhava. Não
tinha como controlar o que estava sentindo com a bela morena que
a olhava com o mesmo brilho nos olhos verdes intensos. Sabia que
podia se machucar, mas não podia controlar o que estava
acontecendo e o melhor a fazer era se jogar de cabeça.
Logo que abriu a porta de casa, a morena grudou no corpo da
ruiva, aos beijos. As mãos percorreram o corpo, numa carícia
apressada. Gisele tirou a arma da cintura e colocou em cima do
aparador, permitindo que a morena deslizasse a mão por dentro da
calça, alojando-a em seu sexo, iniciando uma lenta e deliciosa
masturbação. A ruiva tirou rapidamente a blusa e seus seios foram
explorados pela hábil língua da morena. À medida que os gemidos
se intensificavam, a morena aumentava o ritmo de suas investidas,
levando Gisele ao gozo em minutos.
— Bem-vinda à minha casa!
— Adoro o jeito como me recepciona, – riu, apoiando-se na
porta, ainda trêmula – mas você não devia fazer essas coisas!
— Fazer o que? – perguntou, abraçando a ruiva ofegante.
— Me comer desse jeito! Vou acabar viciada em você.
— É um bom vício, – olhou dentro dos olhos da ruiva – pois
já estou viciada no seu corpo.
— Isso é loucura! Nos conhecemos apenas há nove dias!
Você prometeu que não me deixaria apaixonada, mas, desse jeito,
vou acabar me apaixonando.
— Isso, podemos resolver – beijou-a nos lábios –
transformando a paixão em amor.
— Seria uma boa solução! – concordou, sorrindo.
— Quero te mostrar uma parte da casa que você não
conhece. – a morena tirou o resto das roupas da ruiva e puxou-a
para seu colo, encaixando as pernas em sua cintura.
— Você faz academia? – Gisele estava impressionada com
a facilidade que a outra tinha em lhe carregar.
— Já fiz, por muito tempo. Posso levantar até cem quilos
com facilidade. – caminhava pelo corredor, rumo ao fundo da casa.
— Então, meus cinquenta e oito quilos são fáceis pra você.
— São! Continua olhando pra mim. – pediu, antes de colocá-
la no chão.
— Tá bom. – respondeu, fingindo desconfiança.
Após acionar alguns botões, sem perder a ruiva de vista, a
morena beijou-a, caminhando vagarosamente até a área externa.
— Pode olhar.
Gisele se virou, admirando o espaço ao redor. As luminárias,
no entorno do jardim impecavelmente bem cuidado, iluminavam
indiretamente a piscina, no centro do espaço. Na lateral, uma
churrasqueira, com um balcão de apoio e armário. No deck, duas
espreguiçadeiras separadas por uma mesinha, com um grande
guarda-sol.
— Você está de brincadeira, que lugar incrível! – sorriu,
virando-se para a morena.
— Eu adoro nadar de noite, me relaxa.
— Uau! Será que ainda sei nadar? – caçoou. — Caramba,
que lugar lindo!
— Vem! – puxou a ruiva pela mão.
— Estou sem biquíni.
— Pra que? – indagou, conferindo a temperatura da água. —
Ainda está um pouco fria, mas logo ficará numa temperatura boa. E
não se preocupe em ficar nua no meu quintal, não temos vizinhos
tão próximos e o muro é alto.
— Você é louca! Tira essa roupa, então! – abraçou a
morena, beijando-a.
— Daqui a pouco, – pediu, afastando-se delicadamente,
para pegar uma toalha no armário – quero que me espere aqui. –
forrou uma das espreguiçadeiras.
— Sim, senhora! – concordou, deitando-se.
Dentro de casa, a morena se deparou com a irmã, parada no
primeiro degrau da escada. Subiram juntas para o quarto e, depois
de uma rápida conversa, se despediram. Donatela abriu o cofre e
guardou a última arma. Pegou toalhas do guarda-roupa e desceu,
ao encontro da ruiva.
— Achei que tinha que ir lhe buscar! – brincou, ao ver a
morena se aproximar, carregando um balde de gelo, com uma
garrafa e duas taças. Na outra mão, várias toalhas.
— Estava preparando algumas coisas pra gente, –
respondeu, colocando as coisas na borda da piscina e tirando a
tolha que lhe cobria – a água já está quente. Vem!
Gisele sorriu e aceitou a mão que lhe era estendida. A
morena entrou primeiro, descendo devagar os degraus da escada.
Mergulhou e emergiu já no meio da piscina. A ruiva fez o mesmo,
juntando-se à mulher lhe esperava com um olhar cheio de
promessas. Beijaram-se calorosamente, as línguas desvairadas de
desejo e loucura.
— Você é tão linda! Essa imagem sua ficaria perfeita em
uma foto!
— Não está mais com receio de ficar comigo? – Gisele quis
saber.
— Eu posso conviver com isso, – suspirou – você quer ficar
comigo?
— É o que eu mais quero! – respondeu, abraçando-a.
Beijaram-se demoradamente, com paixão. Donatela sabia
que brincava com fogo, já que a ruiva era uma policial. Mesmo
ciente de que não poderia se envolver romanticamente, seu coração
teimava, prestes a sucumbir aos sentimentos que a ruiva lhe
despertava. Não queria atentar contra a vida de Gisele, mas
precisava encontrar uma saída que fosse boa para todos, evitando
um desentendimento com seus amigos e companheiros.
— Vamos brindar a isso. – pegou a garrafa e encheu as
duas taças com champanhe.
— Um brinde ao começo de qualquer coisa que isso vire,
mas que seja incrível! – sorriu, recebendo sua taça.
— Um brinde a qualquer coisa que isso vire e que seja
eterno enquanto dure. – Donatela concordou, bebendo um gole do
champanhe.
Aos beijos, a morena ergueu Gisele, sentando-a na beirada
da piscina, numa das toalhas. Explorou o corpo da ruiva, que se
abriu, permitindo que sua língua penetrasse entre suas pernas.
“Sim, seria muito complicado se livrar dela”, pensou.

Gisele acordou, mas não viu Donatela. Vestiu um roupão,


escovou os dentes e saiu em busca da morena. Viu a mesa posta
na cozinha, mas a casa parecia vazia. No corredor que dava para o
quintal, viu uma porta aberta e encontrou-a, vestindo um roupão e
lendo um livro.
— Bom dia! – cumprimentou, da porta, percebendo o quanto
a morena estava concentrada.
— Bom dia, linda, – respondeu, fechando o livro e pondo em
cima da mesinha – achei que dormiria mais.
— Acordei sozinha! – Gisele fez manha, sentando-se no colo
da morena, que tirava os óculos e colocava em cima do livro. —
Desde quando você usa óculos?
— Uso somente para leitura e no trabalho. Não posso
prejudicar minha visão! – beijou-a.
— Sou uma péssima leitora! – confessou.
— Vou lhe ensinar a gostar de ler. Quando eu estava no
orfanato devorava livros e mais livros das bibliotecas. Quando pude
comprar os meus, viciei. Prefiro um livro a um sapato novo.
— Você é intrigante! Culta, gosta de obras de arte, tem uma
biblioteca impressionante, – olhou ao redor – acho que tem algo que
está me escondendo!
— E o que seria? – o clima era descontraído.
— Você não me disse que era tão especial! Pareço um
patinho feio ao seu lado! Você não tem televisão?
— Tenho uma, na sala de tevê, mas não gosto. Passa
semanas desligada. Você quer assistir alguma coisa?
— O jornal, mas eu pego na internet depois.
— Acho que uma hora dessas já acabou! – Donatela sorriu,
apontando o relógio na parede.
— Onze e meia da manhã, meu Deus! Você está me
acostumando mal, – Gisele deu um leve tapa no seu braço – nunca
durmo até essa hora!
— Hoje é domingo, está permitido! Vamos tomar café? –
finalizou, beijando seus lábios.

Na cozinha, conversaram amenidades, nascendo uma


deliciosa cumplicidade entre as duas. Após terminar de lavar e
enxugar as louças, voltaram para o quarto, sendo interrompidas no
caminho pelo barulho da campainha. Donatela suspirou e foi até a
porta.
— Meus amigos e meu irmão, – falou, baixinho, para Gisele,
que continuava parada na escada – sobe, vou dispensá-los
rapidinho.
— Não precisa, – a ruiva sorriu – quero conhecê-los. Vou me
vestir e já desço!
— Tá bom – assentiu, liberando a entrada dos colegas. — O
que vocês estão fazendo aqui? – indagou, logo que abriu a porta.
— Viemos conhecê-la! Trouxemos carne e bebidas! – Gringo
falou alto, para que a ruiva ouvisse.
— Vocês são foda! – Donatela sorriu, dando espaço para
que eles entrassem.
— Mesmo esquema de sempre: sou seu irmão, Júlio e Digão
são nossos amigos do orfanato e o China trabalhou com a gente. –
explicou o moreno, num tom mais baixo.
— Nada de armas, ela pode sacar.
— Deixamos no carro. – China avisou.
Os quatro rapazes foram para cozinha e Donatela subiu,
topando com Gisele saindo do banheiro, já vestida.
— Vamos aturá-los só um pouco, – pediu, abraçando a ruiva
– prometo que mando eles embora daqui a pouco.
— Vai ser legal conhecer seus amigos. – Gisele
contemporizou.
Vestidas com roupas leves, desceram e encontraram dois
dos rapazes na cozinha.
— Gisele, como você está? – Gringo a recebeu com um
abraço.
— Vou bem, obrigada!
— Esse é Júlio, cresceu com a gente no orfanato.
— Muito prazer, Júlio.
— André já está lá fora? – inquiriu Donatela, referindo-se a
China.
— Sim, ele e Rodrigo.
— Vem, deixa eu te apresentar para o resto do pessoal! –
Donatela levou-a para área externa.
Os rapazes estavam mexendo na churrasqueira. Donatela
chamou a atenção deles, que se aproximaram.
— Esse é Rodrigo – apontou o moreno de estatura mediana
– e esse é André. – um homem loiro, de cavanhaque.
— Oi, prazer em conhecê-los! – cumprimentou, dando um
beijo em ambos.
— Você é a famosa ruiva – China, agora André, zombou,
coçando o cavanhaque – que Donatela falou o tempo todo!
— Sou? – perguntou, sorrindo para a morena.
— Valeu por isso, André, obrigada por me dedurar!
— Foi verdade! A ruiva é isso, a ruiva é aquilo... –
acrescentou Digão, entrando na brincadeira.
— Parem! Assim vocês assustam a garota! – pediu, sorrindo.
— Assusta nada! Gosta de um churrasco, ruiva? – André
apontou a churrasqueira.
— Opa, adoro! Quer ajuda? Sou uma boa churrasqueira.
— Agora eu vi vantagem! Você sabe salgar uma carne sem
estragar tudo? Danilo não sabe fazer porra nenhuma! – Digão já
estava na churrasqueira, ateando fogo no carvão.
— Quem disse que eu não sei fazer porra nenhuma? –
Danilo apareceu no quintal, segurando uma bacia.
— Sempre fica ruim, Danilo. Você coloca muito sal! –
concordou Donatela.
— Até tu? Na boa, vai fazer a salada. Júlio está
assassinando as alfaces lá dentro!
Gisele riu e ajudou na preparação das carnes. Achou os
amigos de Donatela loucos e divertidos, e era fácil ficar junto deles.
Arrumaram mesas e cadeiras e logo estavam todos sentados, à
beira da piscina, comendo e bebendo.
— Vocês não são casados? Ou tem namoradas? – Gisele
tomou um gole de cerveja.
— Sou divorciado, – Gringo trocou um olhar imperceptível
com Donatela – já aqueles dois putos ali tão na farra desde sempre!
– apontou Rodrigo e Júlio.
— Eu sou casado. Paula, minha mulher, tinha um chá de
qualquer coisa para ir hoje. – André disse.
— Além do mais, hoje era o domingo dos amigos. Donatela
pensou que ia mudar os planos, mas nós não deixamos! – Rodrigo
zombou.
— Eu me esqueci! – reconheceu, sorrindo.
— Percebemos, por isso viemos! E era uma oportunidade
para nós te conhecermos melhor. – Danilo não escondeu a intenção
do grupo.
— Vocês tem um crivo de aprovação? – Gisele fez uma
careta.
— Não sei se você sabe ruiva, mas a chance de um namoro
dar certo depende oitenta e cinco por cento da aprovação dos
amigos. Se você não conquistar a turma toda, o namoro desanda
em um mês.
— E eu passei?
— Estamos falando de namoro, já? – Donatela indagou.
— Eu quero saber a resposta dele, anjo.
— Por enquanto, você está sob uma análise minuciosa.
Saiba que ela tem quatro irmãos mais velhos, além de uma irmã
bem perigosa que mora no sul.
— Eu percebi, me diga se eu estiver fazendo algo errado. –
a ruiva riu.
— Nós avisaremos!
— Não dê ouvidos a ele! – Donatela jogou um guardanapo
no amigo.

Gisele entrou na delegacia, cumprimentou os colegas e


sentou-se de frente para seu computador. Distraída, pensando no
maravilhoso fim de semana ao lado da bela morena e seus amigos
fiéis, não percebeu a chegada do colega. Estava feliz por entrar em
uma turma como aquela.
— Viajando, ruiva?
— Sim, na minha bela morena. Passamos um final de
semana fora de série!
— Sua carinha não nega. Ficaram em sua casa?
— Não, no sábado fomos para a casa dela e ontem o irmão
e uns amigos apareceram. Foi muito divertido.
— Você parece ótima! Estou vendo um bronzeado ou é
impressão minha?
— Ela tem uma piscina em casa. Passamos a tarde
comendo churrasco e bebendo.
— Que luxo! Ela é só uma analista bancária mesmo? –
Arthur desconfiou.
— É.
— Qual é o carro dela?
— Um Santa Fé, por quê?
— Mora num casarão, dirige um carro de mais de cento e
cinquenta mil... você não acha coisa demais para uma mortal
bancária?
— Ela recebeu uma herança de família. Não sei exatamente
o que ou quanto, mas ela tem dinheiro, sim. Você está insinuando
alguma coisa?
— Só acho estranho. Uma órfã, criada num orfanato até os
dezoito anos, praticamente jogada no mundo e, agora, rica aos trinta
anos?
— Alguns têm sorte, outros, família rica ou inteligência. Ela
tem os três.
— Pode ser. – Arthur percebeu o quanto Gisele estava
encantada por Donatela e não quis contrariar.
O policial foi para sua mesa e jogou o nome Ferri Garcia no
programa de buscas. Leu atentamente: Antonio Garcia e Giovanna
Ferri Garcia, um casal de classe alta, mortos em um acidente de
carro. Tiveram três filhos: Danilo, Donatela e Dayane. Os dois
primeiros cresceram em orfanatos e Dayane, com uma tia no sul,
pois o pai desconfiou que a mulher tivera um caso extraconjugal e
as crianças não eram seus filhos biológicos. Viveram juntos, num
casamento de fachada. Moravam em um bairro nobre da capital
paulista e eram donos de uma fábrica de plásticos. Com a morte do
casal, os herdeiros da família eram os filhos renegados.
Arthur fechou o arquivo, pensando na ironia do destino. Os
filhos abandonados foram os únicos herdeiros de todo o patrimônio
na família. Giovanna também fora fraca, pois se recusara a lutar
pelos filhos, dando mais valor à vida cômoda. Talvez fosse o
momento de dar um crédito para Donatela.
— O que vamos fazer hoje? – perguntou à ruiva.
— Vamos ao banco do último assalto. Quero falar com os
guardas novamente e pegar as imagens do circuito de segurança de
três semanas.
— Você acha que encontraremos alguma coisa?
— Não podemos deixar de tentar, não é?

Donatela entrou no escritório da empresa irreconhecível,


trajando um vestido social de meia manga, escondendo suas
tatuagens. Usava uma peruca loira e lente de contato, deixando
seus olhos castanhos. Ao seu lado, Gringo, também disfarçado, com
barba postiça e lentes verdes. A secretária os encaminhou para sala
do diretor da empresa de transporte de valores.
— Tenho uma pequena rede de supermercados e preciso
fazer a transferência do dinheiro para o banco, como já disse no e-
mail. Não são valores exorbitantes, mas preciso que chegue com
segurança ao destino final. – Gringo introduziu o assunto.
— É a rede Preço Zero, não é? Vocês estão mudando a
empresa de transporte?
— Fazíamos esse processo com escolta armada, mas fomos
assaltados duas vezes. Prefiro pagar mais caro, mas ter a certeza
de que profissionais estão cuidando do meu dinheiro. Um dos sócios
da Varejo 10 me indicou essa empresa.
— Sim, trabalhamos com eles há um bom tempo.
— Vocês têm vinte anos no mercado e poucos foram os
assaltos com sucesso. Sua empresa tem o menor índice de risco do
mercado.
— Sim, nós somos...
Donatela passou os quinze minutos seguintes prestando
atenção no que o homem dizia, coletando dados sobre a blindagem
e segurança. Ao final, Gringo agradeceu pelo atendimento e
informou que entraria em contato em breve.
— Precisamos de um armamento de guerra! Explosivos e
munição antiaérea. – Donatela comentou, já no carro, estacionado
na rua paralela ao escritório.
— Digão consegue arrumar. Já temos um lançador bacana
pra explodir a frente do carro. – Gringo tirou o paletó e a gravata.
— Será que esses caras que Júlio arranjou sabem manusear
armas pesadas? – Donatela tirou parte do disfarce quando já
estavam bem longe do estacionamento.
— Ele disse que sim. Primeiro, vamos conversar com eles.
Depois, faremos alguns testes no interior. Se eles não forem bons,
já descartamos por lá mesmo.
— É uma boa. Vamos dar uma passada na rodovia?
— Demorou.
A dupla passou o resto do dia analisando a área, escolhendo
possíveis lugares para abordagem. À noite, seguiram o carro-forte,
descobrindo sua rota. A ação não poderia durar mais que dez
minutos. Com o equipamento apropriado e pessoal bem
sincronizado, o sucesso seria garantido.

Capitulo 07

Já era noite quando Gisele saiu da delegacia. Passara os


últimos três dias em busca de informações sobre os assaltos aos
bancos, sem avanço algum. Imersa nas investigações, não pode se
encontrar com Donatela, apesar de sempre manter contato
telefônico. Naquela tarde, a morena praticamente a intimou para um
jantar, dizendo-se saudosa e que precisava de uma atenção
especial.
Encontrou Donatela caminhando na calçada do prédio
policial, deslumbrante, com os cabelos soltos, num leve bailar ao
redor do seu rosto, provocado pela brisa suave da noite. Seu sorriso
fez a policial esquecer suas frustrações.
— Você não para de me surpreender com sua beleza! –
Gisele roçou seus lábios nos da morena, rapidamente.
— Isso é ótimo! Quero te surpreender sempre!
— Você veio de carro?
— Não, vamos no seu. Posso dormir na sua casa?
— Claro que sim! Estou morrendo de saudade! Meu carro
está no estacionamento aqui do lado. Já pensou no restaurante?
— Tem um bem legal, aqui perto. Servem ótimos coquetéis.
— Não bebo durante a semana, – caminharam juntas, na
direção do estacionamento – ah, deixa eu te apresentar o delegado.
– Campos estava chegando na delegacia, conversando com outro
policial.
— Seu chefe?
— Sim. Delegado! – a ruiva chamou sua atenção.
— Oi, Gisele, – respondeu, ao se virar, dando de cara com
Donatela e ficando momentaneamente estático, enquanto as duas
se aproximavam – oi… eu...
— Quero te apresentar Donatela. Acho que vocês já se
viram no passado.
— Já, sim, – Donatela estendeu a mão – muito prazer revê-
lo, delegado Campos.
— É um prazer revê-la, Donatela. Como você está?
— Bem, obrigada.
— Vou buscar o carro e já volto, está logo na frente. – Gisele
se afastou rapidamente.
— Tudo bem, meu anjo. – Donatela esperou a ruiva se
afastar. — Se você der outra mancada dessa, eu te mato!
— Ela não percebeu, – respondeu, num tom mais baixo – eu
não esperava te ver por aqui!
— Sempre conte com o inesperado, Campos. E, pelo seu
bem, espero que ela não tenha percebido sua hesitação.
— Nos vemos mais vezes? – Campos falou alto, ao perceber
o carro de Gisele se aproximar.
— Certamente! Até breve! – Donatela se manteve cordial.
Durante o curto trajeto, conversaram sobre o ritmo de
trabalho intenso da ruiva, mas sem entrar em detalhes sobre a
investigação. O restaurante tinha um ar descontraído e
aconchegante. Suas paredes exibiam quadros de artistas nacionais
e belos vasos de ráfias. Acomodadas, conferiam o cardápio e
escolheram seus pratos. Optaram por coquetéis de frutas, sem
álcool.
Donatela acariciou a mão da ruiva, admirando sua beleza
mesmo após um longo dia de trabalho. Notou o brilho especial nos
belos olhos negros, ciente de que os seus brilhavam na mesma
intensidade.
— Você me disse que precisa de atenção especial hoje. O
que aconteceu?
— Pedi demissão do banco, – suspirou – estou oficialmente
disponível para o mercado de trabalho.
— Por que, o que houve?
— Eles transferiram a central de informática para o sul e me
deram duas opções: ou seguia para outro estado ou pedia
demissão. Optei pela segunda.
— E eles não podiam ter te encaixado em outra área?
— Poderia, mas eu não trabalharia mais com sistemas. Não
quero fazer algo que eu não goste.
— E você está bem com isso?
— Sim. A verdade é que esse trabalho já estava me
cansando. Tinha que viajar praticamente todo mês e meu gestor era
um chato. Continuava porque amo o que faço.
— Entendi. E o que pretende fazer agora?
— Vou tirar um mês de descanso, depois, decido. Danilo me
chamou para abrirmos uma consultoria de segurança de informação
ou desenvolvimento de aplicativos para celulares. André também
entende muito da área.
— É uma boa ideia, mas vocês precisam saber muito sobre
programação, não é? – observou a ruiva.
— Sim, mas nessa parte não teríamos problemas. André e
eu entendemos. Danilo também, mas acredito que ele se sairia
muito bem com o comercial da coisa. Mas, por ora, são apenas
ideias.
— Pense nisso com cuidado. Não existe nada melhor que
trabalhar no que é seu, sem chefes e sem encheção de saco! –
comentou, abrindo espaço para as bebidas.
— Pensarei. Fiz um bom acordo com o banco, me darei um
mês de descanso.
— Será ótimo ter você sempre por perto!
— Ainda não, pois nesse fim de semana viajo com Danilo.
Havíamos marcado isso há umas três semanas. Espero que não se
incomode.
— De maneira alguma. Você vai quando?
— No sábado de manhã e voltamos no domingo a tarde.
Podemos aproveitar o finalzinho do domingo juntas.
— Eu vou adorar! Pra onde vocês vão? – não segurou a
curiosidade.
— Para o interior. Primeiro, passaremos no orfanato. Depois,
na casa de uma mulher que trabalhou lá e sempre cuidou da gente
muito bem. É praticamente nossa única referência de família.
— Isso é muito bacana.
— Vamos?
— Para o interior? Infelizmente não posso, preciso estudar o
caso dos bancos. Quem sabe numa próxima?
— Tudo bem, não faltarão oportunidades.

Donatela parou o carro em frente a porta da casa,


observando a movimentação. Minutos depois, Gringo veio ao seu
encontro.
— Já chegaram?
— Estão lá no fundo.
— O que você achou?
— Para o que a gente quer, acho que servem. Precisamos
testar. Como foi com a ruiva?
— Tudo certo. Acreditou na demissão, me deu conselhos
sobre nossa empresa e lamentou não poder ir conosco.
— Conselhos? Isso é bom! Vamos lá conhecer os caras?
— Vamos. Mas vou esconder o rosto, por ora. – avisou, ao
vestir uma blusa de manga comprida. Amarrou o cabelo e escondeu
sob um boné.
— Está certa, agora que você anda transando com a polícia,
pode acabar sendo reconhecida por um desses bandidinhos.
— O seguro morreu de velho, meu caro – sorriu, antes de
colocar um par de óculos escuros, cuja armação escondia parte do
seu rosto. Ao sair do carro, jogou o capuz da blusa sobre a cabeça.
Dentro da casa, acenou para os quatro desconhecidos.
Permaneceu em silêncio, observando a empolgação deles com a
possibilidade de ganhar muito dinheiro.
— Quem é ela? – quis saber um homem loiro, de estatura
mediana. — Por que não fala nada e nem mostra o rosto?
— Ela é peça fundamental, mas não quer papo. Vamos
deixá-la quietinha ali. – explicou Gringo.
— Não gosto da ideia de trabalhar com uma mulher.
Atrapalham na hora da fuga e são as primeiras a abrir o bico para
polícia.
— Que tal esquecermos ela? – foi a vez de China intervir. —
Júlio disse que vocês fazem parte da segurança do morro.
— Com mais alguns caras, – respondeu o loiro, cheio de
marra, mantendo os olhos sob Donatela – não confiamos às
mulheres trabalhos de homens.
— Nós não estamos em uma guerra dos sexos, – Gringo
pegou uma cerveja – como é o trabalho de vocês no morro?
Donatela escutou, calada, todo o relato. Imaginava algumas
maneiras de acabar com a marra do loiro que, volta e meia,
encarava-a. Ao término da explicação superficial de Gringo,
combinaram de se encontrar no sábado, pela manhã.
— Já puxou a ficha deles? – Donatela inquiriu, assim que
eles saíram.
— Já, são de confiança. Dois são procurados por matar
policiais. Se tivessem algum infiltrado, já teriam pegado. Júlio ficará
na cola deles. – China informou.
— Ótimo, mas eu quero o loirinho marrento. E vai ser do
meu jeito!
— Ele será todo seu. Que cara otário! – concordou Gringo.
Nos dois dias seguintes, os cinco amigos discutiram detalhes
da ação, rotas de fugas e possíveis percalços. Planejaram atuar dali
a quinze dias, pois precisavam treinar e esperar a chegada do
armamento. Donatela buscou manter contato telefônico com Gisele
sempre que podia, aproveitando que a ruiva estava bastante
ocupada com as investigações.
No sábado, Gringo e China e Donatela foram, juntos, para o
local combinado. A fazenda tinha um aspecto abandonado e era
uma propriedade dos Ferri Garcia que sequer fazia parte do
inventário. Estavam literalmente “fora do mapa”. No entorno da casa
velha, os carros estacionados indicavam que o resto do grupo já
havia chegado. Os três entraram pela porta dos fundos, com
Donatela à frente, sem nenhum disfarce.
— E aí? De cara limpa hoje? – Digão indagou.
— De cara limpa, – respondeu alto, para que todos ouvissem
– pois não teremos nenhum tipo de problema. Meu nome, por ora, é
Maria.
— Você é da polícia? – um moreno, de baixa estatura, quis
saber.
— Não, mas preciso ter cautela.
— Não vá quebrar as unhas, viu bonitinha! Não quero que
fique chorando depois, pra não borrar sua maquiagem! – provocou
o loiro marrento.
— Ela é a prova d’agua, – gracejou, em seu íntimo, ansiosa
para por em prática seus planos com o rapaz – não se preocupe.
— E o que viemos fazer aqui? Esse lugar está abandonado!
– perguntou outro rapaz.
— Não gostamos de curiosos, por isso, estamos aqui.
Vamos praticar paintball. – Gringo anunciou.
— Você está de zoeira, né? Paintball?
— Eu não brinco em serviço e logo vocês descobrirão.
Depois, para relaxarmos, faremos um churrasco. Quem vencer,
paga a carne!
— Não vou pagar carne pra ninguém! – Donatela se
esquivou.
— Você não vai jogar, – China fez uma careta – não tem
graça!
— É claro que vou, quero ver se tem alguém páreo pra mim
nesse grupo. – rebateu.
— Morena, com todo o respeito, não vai se machucar! Você
pode ser a juíza. Que tal? – o loiro mantinha o tom de escárnio.
— Que tal vocês se moverem? Os equipamentos estão no
carro. Pra quem não quiser se sujar, macacão e máscaras. –
Donatela abriu o porta-malas e Júlio pegou as duas bolsas.
Depois que todos se protegeram com os macacões, o loiro
notou que Donatela usava as mesmas roupas.
— Não vai se vestir, morena? Esses óculos de sol não irão
lhe proteger!
— Claro que irão! Meus olhos são sensíveis aos raios
solares. Atenção, a primeira carga será de tinta amarela. A segunda,
azul e a última vermelha. Dez minutos para acharem suas
barricadas. Marquem seus relógios.
— Ela tá zoando, né?
— Se eu fosse você, cara, não provocava mais. – Júlio
aconselhou, antes de se afastar.
Donatela correu para a varanda, observando a
movimentação dos rapazes. Em menos de dez minutos da rodada,
acertou Gringo e dois rapazes da zona norte. Levantou-se,
cautelosa, rente à parede. Por um buraco, avistou Digão, escondido
atrás de uma janela que tinha um rombo na lateral. Acertou o amigo,
voltando à posição inicial. Viu quando o loiro implicante acertou um
dos rapazes, com tinta vermelha. Saiu do seu esconderijo,
acertando-o no rosto.
— Algum problema com as instruções? – indagou, mantendo o
tom calmo, ao contrário do comparsa, que tirou a máscara com
raiva.
— Que diferença tem a tinta? Me falaram de um serviço
sério, não de uma palhaçada de um jogo de paintball! – sentiu o
rosto um pouco dolorido, por conta do impacto.
— Escuta aqui, seu otário, nós vamos lidar com vários tipos
de armas, num curto espaço de tempo. Se você não consegue
distinguir amarelo de vermelho, como vai saber a diferença entre
uma munição e outra?
— Vai se foder! Não preciso que uma mulherzinha venha me
ensinar meu trabalho! – vociferou. — E eu não tenho problema
nenhum em acabar com uma vadia metida a mandona como você!
— Ótimo! Então, vem e vamos resolver logo isso! – Donatela
jogou o marcador no chão e entregou os óculos a Júlio. — Será que
você é tão bom quanto diz?
— Eu vou acabar com essa vagabunda! – falou, olhando
para Gringo.
— Vai fundo, – o moreno assentiu, acenando para que
ninguém interferisse – vacilão!
Donatela esperou que o homem viesse rápido em sua
direção, desviando-se com agilidade. Num giro rápido, golpeou-o na
nuca, com o pé. A força do golpe derrubou o loiro, que foi
imobilizado pela morena, cujo joelho atrapalhava sua respiração.
— Ninguém está te obrigando a participar, – falou, com uma
raiva contida – mas se quiser continuar, tenha em mente que quem
dita as ordens aqui somos Gringo e eu. E aí?
O homem bateu de leve no seu joelho, quase sem respirar.
Donatela levantou, permitindo que o loiro se sentasse, buscando o
ar.
— Galera, seguinte, – Gringo chamou a atenção do grupo,
ao passo que o loiro marrento ainda se recuperava – nós
trabalhamos com Maria há mais de oito anos. Ela é indispensável.
Se alguém aqui tem algum problema com mulheres, sei lá, não
gosta da coisa, é só pegar o carro e ir embora. Se formos fazer essa
merda juntos, tem que ser sem nenhum erro e nunca, jamais,
discutiremos entre nós. A nossa linguagem tem que ser única e
nossas ações muito bem orquestradas. Se quiserem ficar, essas são
as regras.
Todos balançaram a cabeça, em sentido positivo.
Retomaram as atividades e no final da tarde a afinidade começava a
despontar, embora a vontade da morena em dar uma lição no loiro
implicante permanecesse acesa.

Gisele e Arthur aguardavam a chegada de seu informante,


numa rua menos movimentada.
— O que você tem pra gente? – Gisele não perdeu tempo,
atenta aos gestos do rapaz.
— Os caras da zona norte entraram em um negócio grande,
muita grana envolvida.
— Eles são os cabeças? – foi a vez de Arthur questionar.
— Não, foram recrutados por um cara. Segundo me
disseram, esses caras precisam de proteção para agir.
— Quem são os caras envolvidos?
— Sei do Bocão, César e Paulinho, de certeza. O outro, não
sei direito, mas soube que é Camarão.
— E do outro grupo?
— Não faço ideia.
— Quando vão agir?
— Não sei, mas hoje eles saíram com dois caras. Já pode tá
acontecendo. Quando pintar mais alguma coisa, procuro vocês. –
afastou-se, dando dois passos pra traz e colocando o capuz sobre a
cabeça.
— Valeu. – Gisele esperou o informante se afastar e abriu a
porta do carro.

Quando Arthur manobrou, tomando a rua no sentido contrário


do rapaz, Gisele deixou sua inquietude tomar voz.
— Esquisito! Quem precisa de segurança para fazer um
assalto?
— Grandes assaltos precisam de mais gente. Nossos
amigos?
— Alguma coisa não está encaixando, – Gisele estava
pensativa – ele disse que os caras não são os cabeças, então, são
meros fantoches, somente para proteção. E, sabemos: nossos
amigos não precisam de proteção para agir, estão em um bom
número. São cinco, sempre os cinco!
— Talvez eles tenham um alvo maior. A central de um banco,
por exemplo.
— Não acredito que eles se arriscariam em uma central
usando amadores. Meu palpite é que vão partir para um confronto
direto.
— O depósito da polícia?
— Não sei. O foco deles é dinheiro, não armas e drogas
para descarte. E se fosse sequestro de alguém importante,
armariam um bom plano, sem confronto direto, sem precisar de
proteção, com menos gente envolvida. Não correriam qualquer
risco, eles são muito bons.
— Vou pela rodovia, – Arthur anunciou, ao parar no sinal
vermelho – preciso passar em casa.
— Tudo bem. –disse, perdida em seus próprios
pensamentos. Intuía que algo estava fora de lugar, mas não sabia o
que era.
Na rodovia, um acidente deixava o trânsito lento. A ruiva
suspirou ao perceber a imensa fila de carro. Olhou para trás, pelo
retrovisor, atenta às motos, mas a visão foi bloqueada por um carro-
forte.
— É isso, Arthur! – bateu no painel do carro.
— Isso o que, ruiva? – Arthur não entendeu seu rompante.
— Pensa como um criminoso! Um assalto grande, muitas
pessoas envolvidas e muita grana. Onde você faria?
— Um carro-forte! – o moreno concordou, sorrindo quando o
carro-forte pareou com seu carro. — Isso! Eles precisam de
proteção porque ficam vulneráveis num lugar aberto. Não dá pra
arrombar um carro-forte e se proteger ao mesmo tempo só com
cinco pessoas!
— Exatamente! Só que pra isso, precisam de um armamento
pesado pra perfurar blindagem nível cinco. Tem mais gente
envolvida!
— Sim. Pelo menos traficante de armas. Isso se eles não
comprarem direto na fronteira! – conjecturou Arthur.
— Não duvido, eles pensam em tudo! Precisamos descobrir
que empresa de transportes será o alvo!
— Depois dessa onda de assaltos, os bancos estão
transportando o dinheiro com a Lambda, que tem o melhor esquema
de segurança do Brasil.
— São nossos amigos, Arthur, são eles! – afirmou Gisele.
— Vamos fazer algumas perguntas por aí.

Donatela estacionou o carro na frente do prédio da ruiva.


Pegou algumas sacolas no banco do carona e logo que se
identificou, o portão foi aberto, indicando que Gisele já tinha
anunciado sua presença ali. Tocou a campainha do apartamento e
não demorou mais de um minuto até ela aparecer na sua frente,
completamente nua.
— Oi, meu bem! – cumprimentou, pulando em seu colo, aos
beijos.
— Oi, – Donatela sorriu, segurando a ruiva com um braço e
colocando as sacolas no chão – está tudo bem?
— Sim, estou com saudades. Te vi só na quarta, lembra?
— Também senti sua falta!
Entregaram-se aos beijos e amassos, com Gisele tirando a
blusa da morena, afoita. Donatela deitou no sofá, aproveitando o
momento que os corpos se desprenderam para tirar a calça. Sentira
muita falta daqueles lábios. Mais do que queria admitir.
— Tira essa calcinha, tira! – Gisele sussurrou ao ouvido da
morena.
— Que tesão é esse? – perguntou, dando uma mordida no
seu pescoço.
— Estou louca pra gozar com você! – Gisele se virou,
encaixando-se entre as grossas pernas da morena. — Você é tão
gostosa, Dona... – gemeu baixo, esfregando-se, os corpos nus.
— Será como você quiser! – respondeu Donatela, passando
a mão pelo corpo da ruiva.

Assim que a ruiva adormeceu, exausta, Donatela se


levantou. Notou o quanto Gisele estava empolgada e desconfiou.
Algo estava acontecendo e precisava descobrir. Em sua mochila,
pegou o tablet e um pequeno aparelho, interligando-os ao celular de
Gisele. Habilmente, quebrou a frágil criptografia do celular da ruiva,
copiando todos os dados em seu tablet. Abriu a gaveta do aparador
e conferiu os envelopes: faturas de cartões de crédito, conta de luz
e um bloco de anotações, escrito apenas “Lambda”. Tornou a fechar
a gaveta, retornou para o quarto e abraçou a ruiva, num encaixe
perfeito. Estava exausta, também precisava descansar.
Gisele despertou com Donatela no meio das suas pernas,
penetrando-lhe com a língua, delicadamente. Gemeu antes mesmo
de abrir os olhos, rebolando contra a boca da morena, que
intensificava a investida de acordo com os movimentos da ruiva.
Não conseguiu se segurar por muito tempo e relaxou com o prazer
que a morena despertava em seu corpo.
— Bom dia! – Donatela sorriu, encostando o rosto na virilha
da ruiva.
— Bom dia, – respondeu, espreguiçando-se, totalmente
relaxada – quer casar comigo? Quero acordar assim todos os dias!
— Quero lhe despertar assim todos os dias! – Donatela
escalou o corpo da ruiva, aos beijos, até encontrar a boca rosada.
— Uma pena hoje ser segunda, –suspirou, com pesar –
adoraria passar o dia inteiro com você. Ah, meu Deus! Que horas
são? – levantou, procurando o relógio.
— Seis e meia. Não sei que horas você entra no trabalho,
então...
— Eu entro as sete, – respondeu, entrando no banheiro –
estou atrasada.
— Você não pode se atrasar um pouquinho?
— Infelizmente, não posso! Tenho uma reunião as oito, fora
da corporação. – lamentou, ao ligar o chuveiro.
— Que pena, – a morena se encostou no batente da porta –
vou preparar alguma coisa pra você.
— Não precisa, linda. Desculpa a pressa, mas é realmente
importante!
— Tudo bem. Você tem que pegar os caras maus. Vou pra
casa dormir mais um pouco. – Donatela catava suas roupas,
espalhadas pela casa.
— Não precisa sair comigo, fica com as chaves e eu te
encontro mais tarde – Gisele procurava uma roupa.
— Não, só é bom quando você está aqui!
— Você é uma fofa, – Gisele achou graça – prometo lhe
compensar por essa trágica manhã!
— Vou cobrar! Quero que você pegue logo esses bandidos,
para que possa ter mais tempo comigo na segunda de manhã.
— Eu vou pegá-los logo! Eles terão uma bela surpresa!
Dez minutos depois, as duas se despediram na calçada do
prédio, cada uma tomando seu caminho. No carro, Donatela
contatou Campos.
— O que eles sabem? – indagou, sem sequer cumprimentar
o homem.
— Nada de novo. Algum palpite?
— Alguma coisa do Lambda. Verifica essa informação. –
desligou, arremessando o celular no banco do carona. Não havia
mais nada que pudesse fazer.

Capitulo 08

Gisele e Arthur apresentaram os distintivos na recepção do


escritório da empresa Lambda. Gisele notou as câmeras espalhadas
pelo lugar. “Se eles vieram aqui, pegaremos nas filmagens!”,
pensou.
— Bom dia, investigadores, meu nome é Carlos. Sou
gerente comercial do Lambda.
— Obrigada por nos receber prontamente, Carlos. Sou
Arthur e essa é minha colega Gisele. – apertaram as mãos.
— No que posso ajudá-los?
— Suspeitamos que um dos seus carros será atacado em
breve, –Gisele foi direta – especificamente algum que faz a coleta e
transporte final entre os bancos.
— Até que ponto isso é suspeita?
— Com a onda de assaltos, os bancos estão optando em
transportar o dinheiro, evitando cofres cheios. Os bandidos sabem
disso e nossas investigações levaram à empresa de vocês. – Gisele
não entrou em maiores detalhes.
— Tem que ter equipamento apropriado e muito
conhecimento técnico para conseguir arrombar um carro nosso.
— Não os subestime, eles são profissionais. Nas últimas
semanas alguma empresa contatou vocês, pedindo informações
sobre o processo de transporte ou equipamentos? Eles contatariam
sob a alegação de analisar melhor proposta ou alguma coisa assim.
– a ruiva explicou.
— Tivemos algumas, – o gerente mexia no computador –
dois bancos privados, que já assinaram contrato conosco, três
lotéricas e uma rede de mercados, que ainda não retornou nosso
email.
— Algum motivo?
— Preço, talvez. Temos um prazo de quinze dias antes de
entrar em novo contato e fazer propostas diferenciadas para a
contratação.
— Você falou com eles pessoalmente? – Arthur quis saber.
— Sim.
— Podemos ver as imagens? – enquanto Arthur perguntava,
o gerente procurava o arquivo.
— Bom, nesse dia tivemos um problema com a rede de
segurança e as imagens não foram gravadas. Ficamos toda a
manhã e parte da tarde no escuro. Nossos analistas ainda não
identificaram a causa do problema.
Os policiais trocaram um olhar, captado pelo gerente.
Preocupado, pediu que sua secretária ligasse para rede de
supermercados. Em menos de cinco minutos teve a confirmação
que não desejava.
— O telefone é da rede, mas informaram que não fizeram
contato algum conosco. – suspirou.
— São eles! – Arthur não se conteve, pegando seu bloco de
notação. — Preciso de uma descrição detalhada deles. Tudo que
lembrar será fundamental!
— O homem é alto, mais ou menos a minha altura, com uns
quarenta anos. Barba bem aparada e olhos verdes. A mulher é loira,
um metro e sessenta e cinco, setenta. Olhos castanhos. Usava
óculos.
— Temos que fazer um retrato falado, Arthur. Alguém mais
teve contato com eles?
— Minha secretária. Ah, tenho o e-mail dele, se precisar.
Enviamos a relação de documentos por email.
— Podemos tentar um rastrear. Você pode conseguir a rota
dos carros que trabalham com os bancos?
— Agora mesmo.
— Acho que vocês deveriam aumentar a vigilância desses
carros. – Arthur sugeriu.
— Certo. Por favor, me mantenha informado.
— Pode deixar. Podemos falar com a sua secretária?
— Claro.

Após coletar informações da secretária, a dupla saiu do prédio.


Antes de atravessar a rua, Gisele notou uma câmera de segurança
na sacada de um escritório de contabilidade. Chamou o colega e
apontou a câmera. Atravessaram a rua e tocaram a campainha se
identificando para a recepcionista que logo liberou a entrada.
— Quem é o responsável pelo escritório? – Arthur mostrou o
distintivo ao rapaz que abriu a porta.
— Massao, dono daqui.
— Ele está? – Arthur olhou para Gisele, que segurava a
porta, pondo-se debaixo da câmera.
— Sim, um momento. – o jovem entrou pelo corredor.
— E aí, ruiva?
— A câmera tem um bom ângulo daqui, pega toda a frente
do Lambda.
´— Vamos torcer para que tenha uma boa imagem e dê para
fazer uma identificação. Como eles conseguiram derrubar o sistema
interno de segurança dentro de uma empresa de segurança?
— Não faço ideia. Só sei que temos um atirador de elite, um
gênio de informática e um mentor. Temos que achar o ponto forte
dos outros dois.
— O que me rendeu é o segurança! – gracejou. Nesse
momento, o proprietário apareceu na recepção.
— Bom dia, meu nome é Gisele. Esse é o meu parceiro,
Arthur. Podemos conversar por alguns minutos? – mostraram os
distintivos.
— Claro. Meu nome é Massao, sou contador e dono do
escritório, – respondeu o homem com traços orientais, apertando a
mão de ambos – algum problema?
— Não. Só gostaríamos de pedir um favor. Estamos
investigando um crime e precisamos ver as gravações de suas
câmeras de segurança. – explicou Gisele.
— Tudo bem. De que período vocês precisam?
— Da segunda-feira passada.
— Acho que foi o dia que caiu nosso servidor, – o homem
pegou o telefone e discou o número de um ramal – mas vou
confirmar com o rapaz da TI.
Gisele e Arthur sentaram, aguardando a resposta que já
sabiam.
— Foi nesse dia mesmo. Nossos servidores ficaram off-line
por seis horas.
— Posso conversar com seu funcionário? – perguntou
Gisele.
— É algum problema envolvendo o escritório?
— Não. Precisamos das imagens que cobre a frente do
Lambda.
— Ok.
Massao ligou para o rapaz e explicou a situação. Em cinco
minutos a dupla encontrou o jovem Bernardo, responsável por toda
a estrutura de tecnologia da informação da empresa.
Cumprimentaram-se e o contador se despediu, deixando-os na sala
de reuniões.
— Então, Bernardo, segunda passada vocês tiveram uma
queda no servidor que desativou as câmeras de segurança, certo?
— Não. Desativou os computadores em rede e não permitiu
a gravação das câmeras.
— O que provocou isso?
— Não consegui identificar. Foi como se tivessem colocado
um bloqueio na rede, porque os computadores que não estavam
interligados continuaram a funcionar normalmente.
— Você consegue colocar um bloqueio desse tipo na rede?
— Sim, mas precisa ter acesso ao programa, além da senha
de administrador. Muda algumas configurações e desativa o sinal
em rede. Como se fosse um botão de “liga e desliga”.
— Um hacker conseguiria fazer isso?
— Sim, mas teria que conseguir passar pelo firewall. E nós
temos um muito bom!
— Ele teria que acessar manualmente uma de suas
máquinas para fazer isso?
— Não, pode ser feito de forma remota, desde que tenha o
número de IP de uma máquina da rede.
— Que nível de conhecimento é necessário para fazer esse
tipo de invasão?
— Tem que ser um programador muito experiente.
— Como alguém conseguiria o IP de uma máquina daqui?
— A partir de uma simples troca de e-mail.
— Obrigada pelo seu tempo. Suas informações foram
valiosas! – Gisele agradeceu, pondo-se de pé.
— Tranquilo.

Gisele ainda deu uma última olhada nas câmeras. No carro, os


dois policiais conversavam.
— Esses caras são muito bons, não deixam rastros! – Arthur
reconheceu, desanimado.
— São, mas tenho a pessoa certa para nos ajudar! Donatela.
— Donatela? – estranhou Arthur.
— Ela é programadora. André, amigo dela, também.
— Mas, de qualquer sorte, não adiantará muito. Nada foi
gravado!
— Talvez ela consiga rastrear a origem da invasão, usando o
mesmo artifício do IP. Se pegarmos a origem, podemos identificar o
gênio da informática.
— Seria um grande avanço! Por ora, precisamos nos
concentrar na rota que Carlos passou e pedir ao nosso contato pra
ficar de olho em notícias sobre armas para perfurar blindagem.
— Sabendo o caminho das armas, poderíamos ter uma noção
do dia do assalto.
— Nós descobriremos, ruiva! E estaremos preparados. Vamos
falar com o delegado.

Donatela despertou com o celular tocando ao seu lado. Era


Campos, que ligava para lhe passar as últimas informações sobre
os avanços da polícia. Desligou, com um semblante levemente
preocupado.
— Gringo, precisamos nos reunir. Aqui em casa, em duas
horas.
Tentando relaxar, a morena entrou num banho demorado,
permitindo que a água quente percorresse seu corpo. A mente
trabalhava arduamente. “Como Gisele descobriu sobre o carro-
forte?” Certamente alguém estava falando e precisava descobrir
logo. Vestiu um roupão e pegou o tablet, consultando os arquivos
que copiou do celular da ruiva.
— Oi, meu bem. – atendeu carinhosamente.
— Oi, linda. Está ocupada?
— Não. Estou vendo algumas coisas sem importância.
Conseguiu chegar a tempo no seu compromisso?
— Consegui. Quero conversar com você. Arthur e eu
precisamos lhe fazer umas perguntas, podemos passar aí agora?
— Perguntas? Sobre o que? – estranhou.
— Prefiro que seja pessoalmente. Prometo que será rápido!
— Tudo bem. Os meninos estão vindo pra cá, iremos
conversar sobre a empresa de consultoria. Tem problema?
— Melhor ainda, já pego os três juntos! Não iremos lhe
atrapalhar, serão apenas uns minutos.
— Tá bom. Até mais, linda! – sem pestanejar, ligou para o
comparsa.
— Gringo, mudança de planos. Gisele e o parceiro estão vindo
cá. Ela disse que precisa me fazer umas perguntas, mas não entrou
em detalhes. Avisei que vocês viriam, para tratarmos sobre nossa
empresa, então, só você e China entram. Deixa os meninos de
vigia, mais afastados. Não usem armas, vou esconder algumas pela
casa.
— Chegamos em cinco minutos. – foi objetivo.
Desligou o telefone e começou a espalhar armas pela casa,
em pontos estratégicos. Foi interrompida pela irmã.
— Algum problema, maninha?
— Gisele está vindo, preciso que fique no quarto.
— Vou sair fora hoje, essa casa está movimentada demais
para o meu gosto! E, maninha, fica esperta: essa ruiva vai te foder!
E no pior sentido! – a morena olhou dentro dos olhos da irmã. —
Hoje à noite venho buscar minhas coisas. Se precisar de mim, sabe
onde me encontrar.
— Lavínia...
— E vê se não faz mais nenhuma tatuagem no tempo em que
eu ficar fora! Não tô a fim de virar um gibi!
Donatela suspirou, observando a irmã se afastar pelo
corredor. Lamentava por saber que Lavínia nunca se encaixaria em
lugar algum. Escondia uma arma numa poltrona, quando ouviu
barulho no portão. Olhou pelo canto da janela e viu seus amigos.
Antes que tocassem a campainha, liberou o portão automático.
— E aí, Dona, você acha que é grave? – Gringo foi direto.
— Acho. Aqui nessa poltrona tem uma arma, do lado direito.
Embaixo daquela mesinha tem outra. Nessa aqui, também. No vaso
da ráfia tem uma coberta pelas lascas de madeira. Gringo, dentro
dessa almofada tem uma, deixa do seu lado. Precisamos ficar
espertos. – Donatela dava instruções aos amigos.
— O que está rolando?
— Dormi na casa de Gisele, noite passada. Encontrei um
bloco de papel com o nome Lambda e número de telefone. Fucei
com meu contato, que me disse que eles falaram com o diretor da
Lambda hoje e já sabem que nosso alvo é um carro-forte. E estão
sabendo que recrutamos os caras da zona norte.
— Ela tem um informante. Mas não acredito que seja um dos
quatro que estamos usando. – China comentou, sentando na
poltrona que escondia uma arma.
— Eles chegaram, – foram interrompidos pela campainha –
vamos agir naturalmente. Estamos conversando sobre a abertura da
nossa empresa, não esqueçam.
Donatela liberou a entrada pelo portão e abriu a porta da
casa, sorrindo.
— Oi, meu anjo! – puxou a ruiva, beijando-a. — Oi, Arthur!
— Prometo que não vamos atrapalhar muito.
— Você não atrapalha nunca!
— Que casa linda! Obrigado por nos receber em cima da
hora! – agradeceu, olhando ao redor.
— Imagina! – tomou a dianteira, guiando-os para a sala. —
Meninos, esse é Arthur, parceiro de Gisele. Arthur, esse é Danilo,
meu irmão, e André, nosso amigo.
Cumprimentaram-se e todos se sentaram, os dois policiais no
sofá que não tinha arma alguma escondida. Donatela sentou no
braço do sofá, ao lado da ruiva.
— Então, em que podemos ajudá-los?
— Tem como rastrear uma invasão em um computador,
derrubar o servidor e passar pelo firewall? – a ruiva inverteu as
ações, tentando se lembrar das palavras de Bernardo.
— Como assim? – Donatela enrugou a testa, fingindo não
entender. Percebeu o quanto Gisele pouco entendia de segurança
da informação.
— Um computador de uma empresa foi invadido. Quem fez
isso conseguiu passar pelo firewall e derrubou o servidor, fazendo
com que as máquinas ficassem off-line. Tem como rastrear essa
invasão? – explicou Arthur, com seu bloco de anotações na mão.
— Sim, mas é bem complicado. Roubaram arquivos?
Deixaram algum rastro? – Gringo indagou, querendo entender a real
intenção dos dois.
— Não. Queriam apenas que as câmeras de segurança não
gravassem a presença deles no lugar. – Gisele entregou. — Nada
foi roubado e só temos uma troca de e-mails.
— Foi como conseguiram o IP, – Donatela explicou – mas se
usaram uma máquina com IP dinâmico, complica demais o rastreio.
Quase impossível.
— Por quê? – quis saber Arthur.
— Porque o número do IP mudará a cada acesso na rede, –
China ajudou – quando é fixo, fica fácil de localizar.
— Eles não cometeriam esse erro! – Gisele direcionou sua
fala para Arthur. — É fácil para um hacker quebrar uma barreira de
segurança virtual?
— Depende. De que nível de segurança estamos falando? –
perguntou China.
— De uma empresa de transporte de valores.
— Putz! Tem que ser um cara muito bom! Os firewalls
dessas empresas são os melhores!
— É, não é pra qualquer um, anjo. – concordou Donatela.
— Vocês não tem alguém de TI na polícia? – China inquiriu,
desconfiado.
— Estamos com uma certa dificuldade de compartilhamento
de informação, – Gisele sorriu, mostrando um pouco de desconforto
– vocês entendem, não é?
— Acho que sim. Então, me dá o número do IP e tentarei
rastrear pra vocês.
— Se eu lhe encaminhar o email da empresa, você consegue
descobrir? Não tenho o número!
— Você mesma pode pegar, Gi. No e-mail onde foi recebida
a primeira mensagem, você clica em exibir origem e vai abrir uma
segunda tela, com códigos. O endereço do IP está entre parênteses.
Pede para alguém da própria empresa pegar pra você.
— Vou fazer isso. Obrigada, linda! – agradeceu, dando um
beijo nos seus lábios. O telefone de Arthur tocou.
— Oi, pode falar, – levantou – onde? Beleza, estamos indo!
– desligou apressadamente. — Precisamos ir, Gisele. Agora.
Obrigado pelas informações, pessoal.
— Precisando, basta falar! – Donatela se dispôs,
acompanhando-os até a porta.
— Tentarei passar aqui mais tarde, pode ser?
— Vou adorar! Até mais!
— Até, – beijou a morena – obrigada, meninos! Nos vemos
em breve.
— Até qualquer hora, ruiva! – Gringo acenou, ainda do sofá.
Donatela os acompanhou até o carro. Logo que saíram,
acenou para Júlio, que os seguiu.
— Por que você ensinou como encontrar o IP? – perguntou
China, confuso.
— Porque se eles resolvem perguntar para o TI da polícia,
como você mesmo falou, descobrirão facilmente! Temos que
demonstrar veracidade na vontade a ajudar. Você ligou pro Digão
seguir eles?
— Pedi – respondeu Gringo se sentando em uma banqueta
– quero saber pra onde estão indo. O que você vai fazer?
— Nada. Amanhã digo que não consegui rastrear.
— E se ela perguntar para outra pessoa?
— Eu não deixei rastro. – garantiu.
— Ótimo. Vamos falar com o pessoal da zona norte. Quero
descobrir quem é o informante da polícia.

Arthur estacionou o carro, sem notar a dupla que lhe seguia.


O informante logo apareceu, tenso por estar se expondo no meio do
dia, numa rua movimentada.
— É urgente, por isso a pressa. Um carregamento está
chegando, sob encomenda. Armas de grosso calibre, para perfurar
blindagem e dois lançadores anti-tanque.
— Quando isso vai entrar na cidade? – perguntou Gisele.
— Amanhã. Não sei aonde.
— Quem fez o pedido?
— Um cara com o apelido de Digão. Só tenho esse nome.
— Você viu o rosto?
— Não. Fiquei sabendo que fizeram uma espécie de
treinamento de abordagem, no sábado. E um dos cinco é uma
mulher.
— Uma mulher? – Gisele se surpreendeu. — Essa
informação é segura?
— O próprio Camarão me confirmou. Ela é tipo cabeça da
operação junto com outro cara. Segundo palavras dele “o melhor
atirador que já viu na vida”.
— Algum nome?
— Maria, mas ela mesma confirmou que era um nome falso.
— Tem a descrição dela ou de algum deles?
— Não. Preferi não entrar em detalhe para não dar na cara.
Tô tentando entrar no esquema.
— Valeu, cara. Tenta conseguir uma descrição dela – pediu
Arthur – e a localização do assalto.
— Se eu conseguir, entro em contato. – afastou-se
rapidamente.
A dupla de policiais retornou para delegacia conversando
sobre as informações que descobriram naquele dia, eufóricos com
os avanços. Sequer notaram que um carro seguiu a moto de seu
informante.

Donatela e os amigos entraram no barracão, num local


ermo. Os rapazes da zona norte já estavam lá, com um novato. Sem
delongas, sentaram em bancos improvisados.
— Não marcamos de nos encontrar hoje, mas surgiu um
problema inesperado: temos um informante.
— Como assim, cara? – Camarão demonstrou verídica
surpresa.
— O quanto vocês confiam nele? – apontou o novato.
— Do que você tá falando, cara? – o novato tentava
disfarçar o nervosismo.
— Do fato de Gisele e Arthur já saberem do meu nome, o
nome falso de Maria, o nome de cada um de vocês. – Digão
apontava os colegas enquanto falava.
— Quem é Gisele e Arthur? – quis saber um dos rapazes,
conhecido como Bocão.
— São nossos conhecidos.
— Que viagem, cara! Eu sei lá quem são esses! – tentou ser
natural.
— São as pessoas que você encontrou hoje a tarde, na rua
da Glória. – explicou Júlio.
— Que porra é essa, Leonardo? – Camarão se irritou.
— Esses caras estão viajando, velho! Não existe isso!
— Somos invisíveis porque cortamos todas as arestas.
Vamos pular a parte da enrolação e diga logo o que você contou pra
eles! – Gringo foi direto ao ponto.
— Peraí cara, você não pode falar assim com um dos meus!
– Camarão se levantou, irritado.
— No final dessa conversa, se você achar que estamos
errados, liberamos ele. Se estivermos certos, ele será nosso! –
Gringo transparecia uma calma perturbadora.
— Fechado! O que você tem pra falar, Leonardo?
— Nada, eu não fiz nada! – o rapaz não conseguiu mais
disfarçar o medo.
— Talvez essa foto possa refrescar sua memória, – Digão
caminhou em sua direção com o celular na mão – quem são esses
dois? – mostrou a Leonardo e, depois, a Camarão.
— São... peraí cara, não é isso que vocês estão pensando! –
desesperou-se ao ver a foto do encontro com os policiais.
— E o que estamos pensando?
— Eu não sabia que eles eram da polícia!
— E eu não disse que eles eram da polícia, meu jovem!
Bom, você irá nos contar tudo o que disse a eles, mas, vamos lhe
dar duas opções: com uma sessão de tortura, e devo dizer que
minha amiga ali adora essa prática, ou te dou apenas um tiro na
têmpora e você morre sem dor. O que prefere?
— Peraí, cara! Vamos conversar! Eu nunca passei nenhuma
informação que não fosse...
Donatela, que já começava a ficar impaciente, levantou e,
ágil, colocou-se na frente do rapaz. Antes que pudesse terminar a
frase, Leandro urrou de dor, por conta da pequena faca cravada em
sua perna.
— Porra! Eu não sei de nada, caralho!
— Cara, você não vai sair daqui com vida. Facilita as coisas,
– Gringo se abaixou, calmo, enquanto o jovem se contorcia no chão
– será menos dolorido!
— O que você contou pros canas? – indagou Camarão,
irritado com a postura do amigo que lhe deixava mal visto no grupo.
— Que porra! – gemeu, segurando a perna. — Quando eu
fui preso... fiz um acordo. Tudo o que acontecia eu... tinha que
falar...
— Então, nos conte tudo! – Gringo sentou.
Leonardo, ciente de que não sairia com vida daquele galpão,
resolveu contar toda a verdade.
— Seu filho da puta! – Camarão deu um chute na barriga do
jovem. — Eu confiei em você, te coloquei dentro da minha casa! Eu
vou enfiar uma bala na sua cara, desgraçado!
— Nós temos um acordo, – Gringo se pôs na frente do
homem – nós tiramos esse lixo do seu quintal, então, ele é nosso!
— Está certo, não volto atrás da minha palavra!
— Em relação ao nosso trabalho, não conte nem para o seu
cachorro de estimação. Isso vale pra todos. Espalhem pela zona
norte que o serviço miou por causa desse filho da puta. Nós
saberemos se tiver mais alguém falando.
— Como vocês souberam desse desgraçado?
— Isso é assunto nosso! – Gringo não quis entrar em
detalhes. — Obrigado por terem vindo. Nós entraremos em contato.
— Falou, cara, – Camarão acenou e os três rapazes saíram
– mata esse filho da puta bem devagar!
— Não se preocupe com ele, – Donatela sorriu – teremos
uma noite bem longa.
Após a saída de todos os rapazes da zona norte, Donatela
prendeu o cabelo, pegou o celular e caminhou lentamente em
direção ao rapaz, que chorava copiosamente.
— Tem alguém que você queira ligar para falar um adeus?
— Não. – Leonardo balbuciou.
— Desbloqueia a tela. – pôs o aparelho ao alcance das mãos
do rapaz.
Astuta, a morena procurou nas chamadas discadas o número
que mais se repetia.
— Aline é sua mulher? – virou o aparelho para Leonardo, que
apenas balançou a cabeça, confirmando.
De pé, Donatela ligou para a esposa de Leonardo. Antes que
mulher atendesse, fez um sinal para Júlio, que colocou o rapaz
sentado num banco e ordenou que se calasse.
— Aline? Oi, meu nome é Maria... Sim, ele está aqui. Faz um
favor pra ele? Vá à Delegacia de Furtos e Roubos do centro e
procure Gisele e Arthur, tenho um recado! Avise que Leonardo está
fora de serviço, por tempo indeterminado! Seja rápida! Obrigada. –
desligou, deixando a mulher atônita do outro lado da linha.
— Vamos começar? – Gringo tirou a camiseta. — Estou com
fome! Podíamos passar numa pizzaria. – falou, pegando uma barra
de ferro.
— É uma boa! Tô louca pra comer uma boa pizza de
mussarela, –Donatela concordou, ao retirar a faca da perna de
Leonardo – só pra constar, meu nome é Lorena.
— Você disse que seria uma morte rápida.
— Somos do mal. Não temos palavra! – caçoou Gringo.

Gisele entrou correndo na delegacia. Encontrou Arthur


conversando com uma jovem, visivelmente assustada.
— Maria ligou pra ela do celular do nosso informante, –
explicou Arthur – instruiu-a para que nos procurasse e desse o
recado: Leonardo está fora de serviço, por tempo indeterminado.
— Pegaram ele! Filhos da puta! – Gisele sentiu um arrepio
no corpo.
— Amanhã encontraremos o corpo. Ou o que sobrar dele.

Capitulo 09

— Oi, linda. – Gisele ligou para Donatela.


— Oi, meu bem, – a morena estava descontraída –
conseguiu o número?
— Consegui, te passo amanhã. Não poderei ir aí hoje.
— Sério? Que pena! Aconteceu alguma coisa?
— Coisas do trabalho, – suspirou, cansada – não quero lhe
chatear com esse mundo doentio em que vivemos.
— A coisa foi grave, então.
— Vai passar, sempre passa! O que você está fazendo?
— Estava lhe esperando, mas já que você não vem, vou sair
com os meninos. Pizza. Quem sabe mais tarde você nos encontra?
— Eu adoraria, mas agora está um pouco complicado.
Provavelmente irei trabalhar a noite toda.
— Tá bom, linda. Qualquer coisa, liga.
Gisele desligou o aparelho, pensativa. “Como haviam
chegado ao seu informante? Alguém deve ter seguido ele, mas
como não viram nada suspeito na hora do encontro? Maria era uma
das cabeças, uma dos cinco que estavam por trás do assalto. Os da
zona norte só estavam agindo como cúmplices. Eles sabiam de
todos os seus passos. Como?” Retornou à sala de interrogatório, a
tempo de ver Arthur se despedindo de Aline.
— Como eles chegaram nele? – Arthur despejou, dividindo
das suas dúvidas.
— Ele foi seguido. Como não percebemos que estávamos
sendo observados? – Gisele lamentava.
— Não foram os caras da zona norte, isso foi coisa da
quadrilha.
— Sim, ainda mais pela ousadia da mulher em mandar
recado pra gente. Uma clara afronta, como um desafio, um aviso.
— Foi tudo isso. O retrato falado ficou pronto, já viu? –
Arthur apontou o arquivo em cima da mesa.
— Vi. O rosto da mulher não me parece estranho, nem o do
cara. Não sei, soa familiar.
— Temos que fazer uma teia, usar o que Leandro nos disse.
Maria é uma atiradora de elite e uma das cabeças. Deve ter atirado
nos policiais. Aliás, – lembrou do que Carlos disse – quem tem os
olhos verdes é o cara, então, temos dois atiradores. E os dois
estiveram na transportadora.
— Naquele assalto tudo aconteceu muito rápido, mas tenho
certeza: o cara que atirou tinha olhos ver des e era mais baixo do
que esse cara que Carlos conversou. Além do mais, eles são
espertos. Devem ter usado disfarces e lentes de contato na visita à
transportadora. Esse retrato falado não vale nada!
— Tem sentido, – concordou Arthur – vamos fazer um
fluxograma.
— Certo. Maria é uma das líderes, atiradora profissional, –
escreveu o nome na folha de papel – e Digão encomendou as
armas. O outro chefe, sem nome. E temos mais dois, sem nomes e
nada que possa classificá-los.
— Um desses caras foi o que me rendeu no banco. –
conjecturou Arthur.
— Só que pode ser o próprio Digão. – observou Gisele.
— Que porra, – Arthur esmurrou a mesa – é como montar
um quebra cabeças, mas faltando um monte de peças!
— E não fazemos a mínima ideia de quantas peças estão
faltando. – Gisele concordou, desanimada, ciente do quanto
estavam distantes de qualquer resolução.

Donatela parou o carro na frente da delegacia, pegou a caixa


de bombom no banco do carona e relaxou o corpo, antes de descer.
Na entrada, cumprimentou um policial e perguntou por Gisele.
Encontrou-a de costas para o corredor, conversando com Arthur.
— Gisele? – chamou a atenção da ruiva, discretamente.
— Dona, – Gisele se virou, surpresa ao reconhecer a voz – o
que você está fazendo aqui? Que surpresa boa!
— Parece que consegui te surpreender, – a morena sorriu
para Arthur, num cumprimento gestual – não quero atrapalhar...
— Você não me atrapalha, – interrompeu – posso dar uma
pausa.
— Não quero tirar seu foco, – estendeu a caixa para a ruiva
– trouxe pra você. Achei sua voz muito preocupada ontem, então,
quem sabe um chocolate pode te animar um pouco!
— Que fofa! Obrigada, linda, – agradeceu, com um afago em
sua mão – realmente preciso produzir serotonina para melhorar meu
humor!
— Vou aproveitar a pausa e ligar pra minha mulher, – Arthur
se afastou – até mais, Dona.
— Até. Ei, o chocolate é pra você também! – deu um leve
tapa em seu ombro, sorrindo. — Como você está? – voltou sua
atenção para Gisele.
— Problemas do trabalho. Será que você acertou o tipo de
chocolate que gosto?
— Não sei, por isso trouxe duas opções: meio amargo e ao
leite. É difícil alguém gostar de chocolate amargo.
— Não seria minha primeira escolha, – Gisele tentou abrir a
caixa decorada com fitas – tem um manual de instrução para abrir
isso?
— Calma, linda. Aqui, – Donatela ajudou – pronto. São seus!
— Você é uma linda, – Gisele agradeceu, mirando os olhos
verdes que lhe encantava – obrigada por isso. Estava realmente
precisando de um mimo.
— Fico feliz que tenha gostado. Não sabia como você
reagiria à minha presença no seu trabalho.
— Minha reação nunca será menos que isso, – prometeu,
dando um selinho nos seus lábios – obrigada.
— Ei! – Carlos, colega de Gisele, jogou uma bola de papel
na direção das duas. Donatela habilmente a interceptou no ar,
encarando o homem por um breve momento.
— Uau! O que foi isso? Que reflexo! – Gisele se
surpreendeu com a agilidade da morena.
— Anos se defendendo de crianças maiores, – Donatela
sorriu, com ar maroto – sei como segurar uma bolinha no ar.
— Mais alguma coisa, Carlos? – Gisele se dirigiu ao colega.
— Não. Foi mal, mas não fiquem se pegando aqui!
— Não dê ouvidos a esses cretinos, Dona. – Gisele pediu,
rindo.
— Já vou, não quero atrapalhar mais – pegou as fitas e
embalagem da caixa de chocolates, notando a folha de papel com
os nomes “Maria” e “Digão” e algumas anotações – isso é aquele
negócio de criar perfis dos criminosos?
— Mais ou menos, – Gisele acompanhou o olhar da morena
– não tenho muito o que somar a essas informações.
— Você vai conseguir, tenho certeza! Tenta pensar em tudo
como uma máquina, um conjunto de engrenagens: se um falha, os
outros sentem.
— Tá certo, eu acho, – concordou, achando graça – nos
vemos mais tarde?
— Claro! Vai lá pra casa quando sair daqui. Pedimos comida
e ficamos mais à vontade. Estou com saudade!
— Ruiva, – Arthur se aproximou – minha mulher mandou
lembrar que hoje tem bolo do aniversário de Pedro. Vai também,
Donatela!
— Caramba, eu esqueci! Pedro é o filho mais novo de
Arthur, – explicou – quantos anos ele está fazendo?
— Quatro anos. O tempo passa muito rápido!
— Mudança de planos, – a morena sorriu – passamos lá e
depois vamos pra minha casa. O que ele gosta, Arthur?
— Não precisa se preocupar com presente!
— Nunca apareça num aniversário de uma criança de mãos
vazias. Ele se tornará seu inimigo pelo resto da vida e sempre
jogará isso na sua cara!
— Verdade, Arthur, – concordou Gisele – Pedro é muito
esperto! Dona, ele gosta de bonecos, tipo super-herói.
— Ótimo! Você passa lá em casa para me pegar?
— Passo, até mais tarde. – caminharam na direção do
corredor. Antes, Donatela pegou a bola de papel e acertou o
distraído Carlos, com força e precisão. Os colegas gargalharam e a
morena sorriu, virando-se rumo à saída.

Ao cair da noite, Gisele buscou Donatela e, juntas, rumaram


para casa de Arthur, num bairro mais afastado da cidade. Foram
recebidas por Pedro, que agarrou as pernas da ruiva, abraçando-a.
Gisele ergueu o garoto e beijou-o, sendo interrompidos por uma
garotinha agitada, de no máximo oito anos, que tentava chamar a
atenção da ruiva. Donatela parecia encantada com o jeito carinhoso
que os três se tratavam.
— Como é que se fala? – perguntou uma mulher na casa
dos trinta anos, aparecendo no corredor no momento que Gisele
entregava o pacote ao garoto.
— Obrigado, tia. – agradeceu.
— De nada, meu amor. Essa é Dona.
— Dona do que? – perguntou a Pâmela, filha de Arthur.
— Dona é o meu apelido, – a morena achou graça da
espontaneidade da garota – meu nome é Donatela. E isso é pra
você! – entregou o presente ao aniversariante.
— Obrigado! – agradeceu e correu na direção dos
amiguinhos, com os dois embrulhos nas mãos.
— Vamos entrar, meninas, – convidou – meu nome é
Cristina, sou esposa de Arthur! – cumprimentou.
Donatela seguiu a mulher, observando a casa simples e bem
decorada. Ocuparam uma das mesas dispostas na área lateral da
casa. Pâmela sentou no colo da ruiva, admirando as tatuagens de
Donatela. Arthur logo se juntou a elas, numa conversa animada. A
ruiva estava relaxada e alegre, cercada pela mulher por quem era
apaixonada e pela família que a tinha cativado.

Gisele acordou na manhã seguinte com o celular tocando


insistentemente. Desviou-se dos braços de Donatela e pegou o
aparelho. Dois minutos depois, desligou.
— Bom dia, meu bem. – percebeu que Donatela havia
acordado.
— Bom dia. Perdemos a hora? Não escutei o despertador. –
a morena estava sonolenta.
— Não, são cinco horas ainda. Arthur me ligou, não queria
lhe acordar. Desculpa!
— Você precisa ir, não é?
— Infelizmente, sim. Temos uma ocorrência, Arthur já está
no local.
— Tudo bem, – assentiu, afastando o edredom e saindo da
cama, nua – vou preparar algo pra você comer, enquanto toma
banho.
— Não precisa se incomodar, anjo. Vem dormir, eu...
— Nem continua, mocinha! – cortou, vestindo um roupão. —
Você não sairá sem comer! Serei rápida, prometo!
— Ok, não vou lhe contrariar! – Gisele a beijou, feliz com o
cuidado.
Na cozinha, a morena conferiu seu celular. Gringo havia
mandado uma mensagem informando que estava tudo certo.
Sorrindo, Donatela preparou um misto quente e suco. A ruiva comeu
rapidamente, despedindo-se enquanto caminhava para o portão.
— E aí, Gringo? Gisele acabou de sair daqui, por conta de
um chamado urgente.
— Então já encontraram os caras que entregaram as armas.
– respondeu, com voz de sono.
— Deu tudo certo?
— Tudo tranquilo. Mais tarde vamos testá-las na fazenda.
Quer ir?
— Vou, mas tenho que voltar hoje mesmo.
— Tranquilo. O trabalho será na segunda, nove da noite.
— Beleza, pensarei em algo. Vou passar o final de semana
com Gisele.
— Certo. Nos vemos mais tarde.

Gisele estacionou atrás de uma viatura e caminhou,


apressada, em direção ao pequeno aglomerado de pessoas.
Mostrou o distintivo e logo sua passagem foi liberada para a cena do
crime. Encontrou Arthur do outro lado dos corpos, acompanhando o
trabalho da perícia.
— Bom dia, ruiva. Nosso dia começou mais cedo hoje.
— E me parece que não será um bom dia. Por que me
ligou?
— Esses caras eram traficantes de armas, – apontou os três
corpos – todos com passagem na polícia. Eles trouxeram as armas
para nossa quadrilha.
— Como você sabe disso?
— Os peritos olharam o celular de um deles e, nos contatos,
identificaram os nomes de Digão e Leonardo. Ontem a noite a última
ligação foi para Digão. O delegado me ligou avisando da ocorrência,
assim que soube.
— As armas entraram na cidade. – lamentou.
— Entraram.
— Por que mataram todos?
— Viram o rosto deles ou, talvez, ainda seja uma retaliação
por conta de Leonardo. É óbvio que eles não toleram quem fala
demais.
— O dia será longo!
A dupla passou o dia inteiro conversando com familiares e
amigos dos traficantes, sem conseguir nenhuma informação útil
para o caso. Ao cair da tarde, já na delegacia, se deu conta de que
não havia falado com Donatela.
— Oi, linda, me desculpe por não ligar antes. Tive um dia
bem corrido. – disse, logo que ouviu sua voz.
— Imaginei, – respondeu, com a voz afável – por isso não te
liguei. Não queria te atrapalhar. Está tudo bem?
— Sim. O mesmo de sempre.
— Você já vai sair do trabalho?
— Ainda não, preciso... – Gisele ouviu sons de tiros – isso foi
um tiro?
— Danilo arrumou um home theater. Estou na casa dele. A
onda da vez é filmes policiais e estamos testando a potência da
aparelhagem.
— O som é bem realista! – observou.
— Não é? O aparelho é ótimo! Estou pensando em comprar
um desses para colocar na sala de tv, – demonstrou empolgação –
como está sendo o seu dia?
— Longo, – Gisele achou graça do entusiasmo da morena –
quero lhe fazer um convite. Na sexta, iremos ao centro de
treinamento. Quer nos acompanhar?
— Centro de treinamento do que?
— Da polícia. Tenho que treinar tiro com certa frequência.
— Não sei, anjo. Isso não é perigoso?
— De maneira nenhuma! Vai ser divertido e talvez eu até
deixe você dar um tiro.
— Nem pensar, – reagiu, efusiva – não pego em armas de
fogo! E depois, aquele ricocheteio me jogará longe!
— O ricocheteio só acontece com a bala. Acho que está se
referindo ao tranco que a arma dá quando é disparada.
— É, isso aí mesmo! Bom, eu vou, mas quero uma coisa em
troca!
— E o que seria, sua chantagista?
— Que você faça uma pequena viagem comigo!
— Pra onde?
— Tem uma cidade no interior que tem umas pousadas
lindas, além de várias opções para praticar esportes radicais. Quero
saltar de paraquedas.
— Não me diga que você é um desses loucos que pulam em
queda livre de um avião?!
— Tenho um total de doze pulos. Adoro a sensação de
liberdade que a queda proporciona!
— Você é louca, – o clima descontraído permeava a
conversa – eu posso até ir com você, mas não me peça para pular.
Tenho medo de altura, fobia mesmo. Eu passo mal.
— Tudo bem, não pedirei que pule. Podemos fazer outras
coisas no solo.
— Os meninos também irão?
— Não, será um final de semana nosso! Farei a reserva.
— Tudo bem, acho que não tenho como dizer não.
— Exatamente!
— Tá bom, linda, preciso desligar. Mais tarde nos falamos.
Gisele desligou o aparelho e mirou a tela. Seria um final de
semana interessante, pensou, sorrindo.

Na sexta-feira, Donatela passou no apartamento de Gisele e


foram para o centro de treinamento. A ruiva levou a mochila para o
fim de semana no interior, pois teria folga após o treino. Alguns
colegas já estavam praticando quando as garotas chegaram.
Donatela se afastou, enquanto Gisele cumprimentava os colegas e
preparava sua arma. A morena observou os policiais, rindo ao
constatar o quanto eram inaptos para trabalhar em sua equipe.
— Está se divertindo, linda? – Gisele se aproximou.
— É diferente! – confessou, com sinceridade.
— Vem ver de perto. Coloca isso, – ofereceu o protetor
auricular – pra não ficar com zumbido depois.
— Obrigada! Como você consegue acertar esses alvos
tão distantes?
— Treino, muito treino e uma visão mais apurada. Sou uma
das melhores atiradoras daqui.
Donatela sorriu e se afastou, para que Gisele pudesse tomar
posição e disparar contra o alvo no fundo do galpão. Dos cinco
disparos, a morena observou que três atingiram fatalmente o alvo,
mas os outros dois acertaram braço e perna, o que não faria uma
pessoa parar. Gisele acionou o controle, trazendo o alvo para perto,
conferindo o que Donatela já tinha visto, mesmo distante. A morena,
em seu íntimo, lamentava que o centro não fosse equipado com
alvo em movimento, pois queria ver a ruiva em ação.
— Você foi bem? – indagou.
— Numa escala de zero a dez, tirei um oito. Não é tão ruim.
— Me parece bom! – notou que Gisele recarregou a arma.
— Sua vez! – a ruiva lhe estendeu a arma.
— Não, linda, tenho um pouco de medo! – protestou.
— É bom treinar defesa pessoal, – Gisele pôs a arma na
bancada e trocou o alvo – só experimenta. Uma mulher que pula de
paraquedas não terá medo de dar um tiro num papel!
— Tá, só um teste! – concordou, aproximando-se da
bancada. Gisele se posicionou atrás, orientando.
— Você tem que afastar essa perna pra cá, para ter
estabilidade quando receber o tranco. Sua mão tem que ficar nessa
altura – posicionou – e você faz a mira aqui. O tranco pode te dar
uma desestabilizada, mas você é forte, concentra sua força nos
braços.
— Tá bom, quando posso puxar o gatilho?
— Estarei aqui, – Gisele apoiou as mãos na sua cintura –
pode puxar quando quiser.
Donatela relaxou o corpo, mirou no canto inferior da folha e
atirou. Deixou o corpo pender para trás, permitindo que Gisele lhe
segurasse.
— Nossa! Acho que sou péssima nisso, – gracejou, virando-
se para Gisele e oferecendo a arma – onde foi o tiro?
— Em algum lugar do galpão, – respondeu, recusando a
oferta – você tem mais quatro tiros!
Donatela novamente olhou para o alvo e disparou
aleatoriamente, sem acertar sequer o papel.
— Ainda bem que você ganha a vida como analista de
sistema. Você é péssima nisso, – riu Arthur – morreria de fome!
— Como diz o ditado: cada macaco no seu galho! –
concordou Donatela.
— Eu faço sua segurança, linda! – Gisele recebeu a arma.
— Vamos tornar isso mais interessante, – sugeriu Campos,
ao se aproximar do grupo – quero ver entre Arthur, Gisele e Carlos
quem faz mais pontos. Uma caixa de cerveja para quem ganhar!
—Opa! Demorou, – comemorou Arthur – to louco por uma
loirinha gelada!
Donatela manteve o sorriso no rosto, enquanto Gisele e
Arthur iam para o guichê de Carlos. Campos ficou ao seu lado.
— Como conseguiu errar tão feio? Até eu acreditei! E olha
que já te vi atirando com uma Uzi.
— Infelizmente, não posso mostrar o quanto eles são
péssimos atiradores, – sorriu, apontando para Arthur – dos três, ele
é o menos pior.
— Me fala algumas das suas técnicas.
— Não existe técnica, – respondeu, vendo Gisele tomar o
lugar de Arthur e atirar – somente treino! – rapidamente, pegou a
arma de Campos e montou. Olhou para o guichê, onde Gisele se
mantinha de costas, e levantou a mão parcialmente, acertando três
balas na cabeça do alvo.
— Isso! – exclamou Campos, recebendo a arma
discretamente. — Seus tiros são perfeitos, você nem faz mira!
— Não preciso dessa bobagem, – respondeu, mirando o trio,
notando que Arthur lhe encarava, atônito – acho que Arthur me viu
atirar.
— Ele não viu, Gisele estava na frente. – Campos afirmou,
convicto, antes de mirar o alvo e disparar dois tiros.
Donatela voltou sua atenção para Campos e tornou a
encarar Arthur, que cutucava Gisele e Carlos, apontando para o alvo
do delegado. O trio se aproximou.
— Caramba, delegado! Mandou bem, hein! – Gisele acionou
o botão, trazendo o alvo para perto do grupo. — Três na cabeça, um
no coração e outro no abdômen. Com toda a certeza esse bandido
foi liquidado. – disse, com o papel na mão.
— Com certeza! Donatela nos inspirou hoje! – brincou.
— Eu sou apenas uma distração! E quem ganhou?
— Arthur, como sempre! – Gisele suspirou.
— Parabéns, Arthur! – a morena parabenizou, mantendo a
expressão leve, que não era compartilhada por Arthur. Restou-lhe
claro que o policial a vira atirar.
— Obrigado, mas esses tiros foram bem melhores. Os três
primeiros na cabeça, então, coisa de profissional muito bem
treinado! – apontou o papel.
— Sem dúvida, – Donatela manteve o sorriso – vamos,
linda? Ou você tem que fazer mais alguma coisa?
— Não, por hoje acabou. Galera, ficarei fora de comunicação
até domingo a noite. Só me perturbem se pegarem os desgraçados
dos bancos!
— Falou, “delegado”, – debochou Carlos – pra onde vocês
vão?
— Uma pousada no interior!
— Vai descansar, ruiva, – tranquilizou Campos – retorne com
o gás renovado na segunda.
— Pode deixar. Até mais, pessoal.
— Tchau, pessoal. Foi um prazer revê-los! – Donatela se
despediu, mirando Arthur nos olhos. Precisava agir com prudência,
pois o silêncio dele mostrava o quanto era um homem cauteloso e
observador.

Quatro horas depois, as duas chegaram à pousada. Gisele,


encantada com a construção em estilo vitoriano, caminhava
lentamente, admirando a vegetação ao redor, iluminada pelos
pequenos postes. Na recepção, observava cada detalhe, em estilo
provençal. Nunca havia ido a um lugar como aquele. Era uma
viagem no tempo, um completo desapego da realidade.
— Linda, – Donatela chamou sua atenção – preciso da sua
identidade.
— Claro, – respondeu, encabulada pela distração – que
lugar lindo! – entregou sua identificação policial.
— Ficaremos protegidos durante o final de semana! –
gracejou a simpática senhora.
— Eu espero, fervorosamente, que não precisemos de
proteção! – riu Gisele.
— Eu também! – Donatela comentou, assinado os papéis do
registro de entrada.
— O quarto de vocês é o quinze. Subindo essa escada, lado
direito, – a senhora orientou, entregando a chave e um folder – aqui
é a lista dos ramais. O café da manhã é das seis as dez, no
restaurante.
— Obrigada!
O quarto, decorado no mesmo estilo que a recepção, era
aconchegante e com uma bela vista das montanhas.
— Linda, vem ver isso! – Donatela apareceu na porta do
banheiro. — Olha que graça! – apontou para a banheira vitoriana,
ao lado de uma imensa janela.
— Caramba, que lindo! Um quarto perfeito para uma lua de
mel! – exclamou Gisele.
— Podemos ir treinando a nossa... – Donatela a encostou
contra o batente da porta. As mãos subiram para os seios da ruiva,
numa leve massagem.
— Podemos. Você é incrível! Obrigada por me proporcionar
isso, – agradeceu, dando um longo beijo em seus lábios – estou
oficialmente apaixonada por você. Vai ter que aguentar uma mulher
apaixonada no seu pé.
— Você já me aguenta, – Donatela empurrou a ruiva,
delicadamente, em direção a cama – eu me entreguei a você mais
do que queria. Mais do que deveria. Independente de tudo, meu
sentimento por você é verdadeiro! – confessou, sentando-a na
cama.
— O meu também, minha linda! Prometo fazer de tudo para
não lhe magoar.
— Também prometo, mas sei que, em algum momento, irei
lhe magoar. Espero que consiga me perdoar, – Donatela emanava
sinceridade – eu ia fazer isso amanhã, – pegou uma caixinha na
mochila – mas acho que esse momento é perfeito: meu amor, você
aceita essa louca e psicopata como sua namorada?
— Você é louca mesmo, – Gisele a presenteou com um
largo sorriso – é claro que sim! Eu aceito, minha adorável psicopata!
Donatela tirou a aliança da caixinha e pegou a mão de
Gisele, colocando a delicada peça no dedo anelar direito. A ruiva fez
o mesmo. Beijaram-se apaixonadamente. Era o primeiro passo para
uma história de amor inesquecível. Literalmente.

Capitulo 10

Donatela dirigia devagar em direção a casa de Gringo, o


pensamento em Gisele e no fim de semana maravilhoso. A aliança
reluzia em seu dedo e cada vez que a mirava, sentia o coração
disparar. O sorriso, o olhar apaixonado, o cheiro da pele, tudo
gravado em sua mente. Estava, irremediavelmente, apaixonada pela
ruiva.
Estacionou ao lado do carro de Gringo, pegou uma pequena
bolsa, atenta à movimentação da rua. Encontrou parte da equipe
reunida na sala.
— E aí, pessoal! – cumprimentou.
— Fala, Do... Maria, – corrigiu Júlio – pronta?
— Opa! Já chegou todo mundo?
— China já está chegando.
— Alguma coisa nova? Algo diferente foi acrescentado?
— Não, tudo de boa, – Gringo olhou para sua mão – isso é
uma aliança?!
— Sim, – confirmou, sorrindo – pedi ela em namoro nesse fim
de semana. Estou oficialmente comprometida!
— Vamos comemorar! Isso merece um churrasco!
— Você só pensa em churrasco, – zombou – mas vamos
comemorar no próximo final de semana. E por minha conta!
— Ótimo! Só se lembre de quem você é e de quem ela é.
Toma cuidado!
— Eu sei quem sou e sei quem ela é. Não se preocupe com
isso.
— Beleza. Você vai parar a rodovia e eu paro o carro-forte.
China chegou, – foram interrompidos pela porta sendo aberta –
vamos nos arrumar. Saímos em quarenta minutos.
Donatela foi para um dos quartos, trocar de roupa. Prendeu
o cabelo, calçou as luvas de couro sintético e conferiu suas armas
pessoais. O grupo se dividiu em duas caminhonetes. Digão topou
com o carro-forte e o seguiu. Já a que Gringo dirigia, rumou para
rodovia. A morena sentia a velha sensação de adrenalina
entorpecer seus sentidos.
— O carro-forte já está vindo. – anunciou Gringo, baixando a
touca, vendo o carro-forte se aproximar da pista.
Todos se aprontaram e assim que o veículo entrou no
acesso à rodovia, Donatela desceu da caminhonete, empunhando
uma Heckler. Gringo posicionou o lançador no ombro e mirou na
frente do carro-forte, que foi erguido do chão tamanha força da
explosão. Os comparsas se concentraram em render os
seguranças, ao passo que a morena foi em direção à rodovia,
atirando nos veículos. Alguns motoristas foram alvejados, perdendo
o controle, batendo noutros carros e postes. Outros, feridos,
abandonaram seus veículos e se esconderam das rajadas. Assim,
Donatela conseguiu criar uma barreira para a passagem da polícia.
Júlio acenou e a morena retornou para a pista de acesso,
aproximando-se do carro-forte. Montou a pequena bomba na porta,
arrombando-a. No meio da pequena cena de guerra, Donatela ouviu
o barulho de sirenes.

Arthur e Gisele estavam retornando para delegacia, depois


de mais uma visita à Lambda. Ouviram, pelo rádio, as informações
sobre o ataque ao carro-forte. Trocaram um breve olhar e Arthur
acelerou.
— A rodovia está bloqueada. Vamos pelo acesso secundário e
voltamos até a saída. Pegaremos eles de frente!
— É arriscado, ruiva, – protestou Arthur – ficaremos cara a
cara com eles. Você ouviu sobre os armamentos. É melhor irmos
pelo acesso normal e nos juntarmos ao resto do pessoal.
— É isso que eles esperam! Nós não vamos assistir de
camarote, Arthur!
— Ok, mas seremos discretos. Nada de sirene. Pretendo dar
um beijo de boa noite nos meus filhos mais tarde.
— Você vai, – garantiu, empolgada – eu prometo!

Bem treinado, o grupo transportou o dinheiro rapidamente.


Com um gesto, Gringo encerrou a operação e todos retornaram
para os carros, para vibração dos novatos. Donatela olhou para trás,
vendo os veículos amassados, o carro-forte incendiado e pessoas
abaixadas. O estrago havia sido bem maior do que imaginara.
— Coloquem as toucas. Tem um carro nos seguindo! – Gringo
anunciou, chamando atenção da morena.
— De onde eles saíram? – indagou, reconhecendo Arthur e
Gisele.
— Não sei. Acho que começaram a nos seguir depois da
segunda saída, – o moreno se virou, ignorando os demais –
precisamos detê-los.
— Sim, mas sem baixas. Ainda precisamos deles! – pegou a
submetralhadora. — Que merda! Ela deveria ter se juntado ao resto
dos policiais. Garota complicada!
— Sua garota, não é? – Gringo zombou.
— Minha garota! – concordou, entrando na brincadeira do
amigo.
Gringo fez uma manobra rápida, pondo o carro de frente
para o deles. Arthur freou, bruscamente. Donatela desceu e
disparou nos pneus. Paulinho, um dos bandidos da zona norte,
desceu inesperadamente e atirou, com um revólver, contra o para-
brisa.
— Qual é o seu problema? – Donatela suspendeu seu braço.
— Você é surdo? Eu quero eles vivos!
— São da polícia! Pra que você quer esses merdas vivos?
— Isso é assunto meu! Vamos tirá-los de lá e torça para que
estejam vivos! – respondeu, caminhando em direção ao carro.
Os dois se aproximaram, armas em punho. No primeiro
instante, Donatela não os viu. Em seguida, identificou Gisele
deitada, em cima de Arthur. Notou o sangue e sentiu o coração
disparar. Pegou a arma e antes que pudesse quebrar o vidro, foi
alvejada, na altura do abdômen. O impacto no colete fez com que
desse um passo para trás, deixando o caminho livre para Paulinho,
que pôs o dedo no gatilho. De pronto, Donatela lhe apontou a arma
e, ao mesmo tempo, Gisele jogou a sua no assoalho do carro.
— Ok, achei que iam te acertar! – justificou, erguendo a
pistola.
Em silêncio, Donatela abriu a porta e puxou Gisele, que se
ajoelhou com as mãos suspensas. A morena percebeu que o
sangue não era dela, voltando sua atenção para Arthur, que sentava
no banco, a mão cobrindo a ferida no ombro. Paulinho o puxou, com
força, causando um gemido de dor no policial.
— Podemos acabar com eles agora?
Donatela balançou a cabeça em sentido negativo, mantendo
o olhar atento sobre a ruiva. Levantou Arthur e colocou a arma na
sua nuca, arrastando-o em direção ao carro.
— E ela? – Paulinho quis saber o que fazer.
A morena gesticulou para que Paulinho a seguisse.
Contrariado, o rapaz suspirou e obedeceu, mas sem deixar de
apontar a arma para a ruiva, que permanecia ajoelhada.
— Ele não, – Gisele finalmente entendeu o que ia acontecer –
por favor, Maria, me leva no lugar dele, por favor!
Donatela acenou para Paulinho, que continuou o percurso
até o carro, e se virou para Gisele, que implorava pelo parceiro.
Olhou-a atentamente, por um breve momento, mas deu as costas e
correu para o carro.
Em prantos, Gisele viu o carro se afastar. Ciente de que
jamais veria o amigo com vida novamente, chorou, deixando a
emoção aflorar em soluços altos. As pessoas começaram a se
juntar ao seu redor, perguntando se ela estava ferida. Buscando se
recompor, entrou no carro, pegou a arma e o distintivo, avisando via
rádio o ocorrido. Dilacerada, imaginou a dor que Arthur sentiria ao
ser torturado pelo bando.

Donatela entrou no galpão e fez Arthur sentar num caixote


de madeira. Tirou o colete e viu a pele vermelha por conta do
impacto. O resto do grupo entrou, carregando as bolsas de dinheiro.
Os homens da zona norte tiraram as toucas e ficaram ao redor do
policial.
— Um cana! Vou matar você bem devagar, cara! – Camarão
ameaçou, empolgado.
Gringo, em silêncio e de touca, assim como os amigos,
balançou a cabeça em sentido negativo. Pegou as bolsas com
armas e dinheiro e colocou no outro carro, com auxílio de Júlio e
Digão.
— Temos que acabar com ele! – Camarão novamente
manifestou sua vontade, abaixando-se na frente de Arthur. — Ele
não pode sair daqui com vida depois do que viu!
— Me deixa dar um telefonema, só quero me despedir dos
meus filhos! – Arthur implorou.
— Que sentimental! Acabou pra você, queridão. Ninguém aqui
tem coração mole pra cair nessa conversa. – Bocão zombou.
Gringo olhou para Donatela, deixando claro que a decisão
era dela. A morena gesticulou, de forma que somente ele
entendesse, indicando que deveriam continuar como planejado.
Sem que o rapaz esperasse, acertou Paulinho com um tiro na testa.
Júlio e Digão derrubaram os outros. Apenas Camarão permaneceu
vivo.
— Que porra é essa!? – gritou, surpreso e assustado. — Que
merda é essa, Gringo?! – procurou por sua arma na cintura, vendo-a
num caixote, distante de suas mãos. Sentiu o impacto do tiro
desferido por Donatela e tombou.
— Qual é Maria, somos uma equipe, porra! Seus desgraçados,
filhos da puta!
Arthur tentou se manter atento, mas ficou assustado demais
ao assistir a surra que a mulher dava no parceiro. O sangue sujava
o chão, quando, finalmente, a mulher parou, de costas para ele, e
ergueu a touca parcialmente, para respirar melhor. Andou até um
canto no galpão, pegou algumas cordas e jogou no chão, perto do
rapaz que gemia de dor. Composta, caminhou na direção do policial,
digitando algo no celular. Mostrou a mensagem na tela: “Se
não quiser ver, feche os olhos”.
Arthur nada disse, apenas baixou a cabeça. Amedrontado,
ainda pode ver a mulher se aproximar dos comparsas e falar algo
num tom baixo. Os quatro mascarados recolheram as armas e
bolsas, ao passo que Donatela amarrou as mãos de Camarão,
jogou a ponta da corda numa viga, içando-o, sob protestos
dolorosos. A última visão de Arthur, antes de fechar os olhos, foi da
mulher despejando uma série de ferramentas no chão. “Que Deus
nos ajude!”, orou.
Gisele, inconformada, relatava para mais um colega o que
havia ocorrido. Preocupados, os policiais sabiam o quão letal era
aquele grupo. Somente um milagre salvaria a vida de Arthur. Por
conta de seu envolvimento pessoal, Campos destacou outros
policias para assumir o caso do sequestro, mas Gisele, apesar de
entender, não aceitava. Sentia-se culpada.
— Vai tentar descansar, ruiva, – Campos tocou seu ombro –
não há mais nada para você fazer aqui.
— Me deixa atuar no caso, delegado, – insistiu – preciso
encontrar meu amigo!
— Você sabe que não pode! E, de qualquer forma, mesmo se
Arthur não tivesse sido levado, você está definitivamente fora do
caso! Oito baixas, três civis mortos e vários feridos!
— Delegado, eu não sabia que eles iam agir...
— A questão não é essa, Gisele! O ponto aqui é o tanto que
você foi irresponsável, impulsiva! Se você escutasse seu parceiro,
os dois estariam aqui, tomando essa bronca juntos! E não teríamos
que avisar às famílias que seus entes queridos não voltarão mais!
— Você acha mesmo que eles serão capazes de matá-lo? –
perguntou, sem esconder a lágrima que escorria pelo canto do olho.
— Me responda: com tudo que você sabe sobre esse grupo,
acha que Arthur sairá com vida?
— Não, – admitiu, com pesar – o que você vai falar pra Cris?
— A verdade. Ela merece saber o que está acontecendo. Vai
pra casa, ruiva. Eu te mantenho informada.
Gisele suspirou e foi para o banheiro, lavar o rosto. Entrou
num reservado, baixou a tampa do vaso sanitário e sentou,
abraçando as pernas. Precisava fazer alguma coisa, mas não sabia
o que ou como.

Donatela terminou a sessão de tortura, admirando, satisfeita, o


seu trabalho. Camarão morreu antes do que a morena gostaria,
mas, pelo menos, pode dar o que ele merceia por ser tão arrogante.
Voltou sua atenção para Arthur, cujo medo estampava seus olhos.
Calculava o que fazer: acabar com aquilo, ali mesmo, era o mais
prudente. Todavia, a imagem das crianças brincando no colo do pai
não saía de sua mente.
Recolheu as ferramentas, ainda deliberando se estava fazendo
o certo. Olhou novamente para o policial e deu-lhe as costas,
afastando-se. Trocou poucas palavras com o bando, retornando
com o celular de Camarão. Entregou o aparelho a Arthur, com a
função viva-voz ativada.
— Alô? – Gisele atendeu, com a voz abafada.
— Ruiva? – Arthur reconheceu a voz da amiga.
— Arthur!? Meu Deus, Arthur! Você está vivo! Onde você está?
Você está machucado? O que fizeram...
— Escuta, ruiva, – pediu – não sei onde estou. É bem provável
que eu não saia daqui com vida.
— Não diz isso, por favor, não fala isso...
— Eu ainda estou com o grupo, – disse, observando a mulher
pegar uma corda e amarrar seus pés – me faz um favor: fala pra
Cris que eu a amo e que nossos filhos foram tudo pra mim!
Obrigado por tudo, ruiva. Você foi uma grande amiga. Dá um abraço
na Donatela por mim. É uma pena que eu não pude conhecê-la
melhor. – finalizou, vendo a mulher o encarar atentamente, antes de
amarrar seus braços, deixando o celular em sua mão.
— Eu sinto muito, Arthur! eu sinto muito...
— Você vai ficar bem, – o ombro latejava, pressionado pelas
cordas – sei que você vai ficar bem! – continuou, tentando ganhar
tempo.
Em seu íntimo, Arthur torcia para que a polícia estivesse
rastreando a ligação. Viu a mulher pegar a bolsa e sair com o resto
do bando.
— Para de falar essas coisas, Arthur! Eu te adoro tanto, cara...
— Eles saíram, – disse, se esticando para ver a porta – me
fala que você está rastreando essa ligação!
— Estamos, – confirmou – eles foram embora?
— Saíram do meu ponto de vista, mas podem voltar. Eles
matam todo mundo! Eu não estou seguro!
— Nós vamos te achar. Te prometo!
— Se eles voltarem, não esquece, dá meu recado à minha
família!
— Pode deixar! Eu juro que cuidarei deles! O que você pode
nos dar de pista?
— É um galpão abandonado. Andamos uns vinte minutos para
chegar até aqui. Assim que entrei no carro, vendaram meus olhos.
Deu pra perceber que seguimos pela rodovia por pouco tempo.
— Alguma coisa chamou sua atenção?
— Eles mataram os caras da zona norte. Camarão foi
torturado até a morte, com requintes de crueldade! Quem fez isso foi
a mulher, a tal Maria. Ela tem olhos verdes, um metro e setenta. Os
outros, entre um e oitenta a um e noventa. Um é conhecido como
Gringo. Não vi os rostos deles, nem conversaram perto de mim.
Eles realmente nos conhecem.
— Algum palpite?
— Não, – mentiu – já conseguiram achar?
— A ligação está vindo de um ponto da zona sul, já saindo
para o interior. Quadra quinze. Achamos! Estamos saindo daqui.
Fica comigo no telefone, não desliga.
— Nem se eu quisesse, não consigo mexer o ombro e estou
amarrado a uma viga. A mulher deixou o celular comigo.
— Eles não vão voltar, – Gisele concluiu – fizeram isso para
que pudéssemos te encontrar.
— Espero que não voltem, – riu, com amargura – a mulher é
louca! Fria, psicopata! Não quero passar pela mesma coisa que
esse cara pendurado na minha frente.
— Os corpos estão aí?
— Estão me fazendo companhia. Acho que a bateria não vai
durar muito. Se a ligação cair, já sabe.
— Estamos a caminho. Quinze minutos. Fizeram alguma coisa
com você?
— Não, só me amarraram. Me tira daqui ruiva, estou contando
com você!
— Eu vou te tirar, cara! Estamos chegando!

Após a troca de carros, Donatela permaneceu calada, imersa


em seus próprios pensamentos. Nunca antes tinha se importando
com as pessoas que atingira, mas um mal estar tomava conta da
sua mente. Não era remorso ou alguma bobagem nesse sentido.
Indagava-se sobre o que seria capaz de fazer se algo tivesse dado
errado e Gisele fosse ferida. Não responderia pelos seus atos. Tinha
plena consciência disso: jamais permitiria que alguém machucasse
Gisele. Nunca.
— Algum problema, Dona? – Gringo inquiriu, atento.
— Matamos mais que o necessário, – suspirou, voltando os
olhos para o colega – isso vai gerar uma repercussão enorme na
mídia!
— Só isso te incomoda?
— O que mais me incomodaria? – encarou o parceiro.
— Arthur, por exemplo. Por que deixou ele vivo?
— Porque se eu o matasse, Gisele ficaria desestabilizada e
seria afastada do caso. Depois de hoje, virão atrás de nós com
muito mais empenho. Precisamos saber dos mínimos detalhes.
— Nesse ponto, você tem razão. Foi só esse o motivo para
deixá-lo vivo?
— Não me envolvi sentimentalmente com ele, não se
preocupe. Mas, matá-lo hoje seria como dar um tiro no próprio pé!
— Nisso você tem razão, Dona – concordou China – mas ele
viu algumas coisas que não era pra ver. Você tem que prestar muita
atenção nele!
— Eu vou! Pode ter certeza! E se perceber algo fora do
padrão, me encarrego de dar um tiro na cabeça dele.
— Ótimo! Agora, precisamos ser mais cautelosos, – Gringo
prestava atenção na pista – pois contei uns quatro policiais mortos.
Vão querer nossa cabeça a qualquer custo! Evitem qualquer coisa
que possa chamar a atenção.
— Sem problemas, eu já tinha programado uma visita pra
minha sogra, no sul. Vou ficar por lá uns vinte dias. – China
anunciou.
— Nada de gastar muito dinheiro, pessoal!
— E não agiremos tão cedo, – a morena suspirou, recostando-
se – toda a polícia ficará em alerta!
— Mas, de qualquer forma, com o lucro de hoje, minha reserva
está bem folgada, – Gringo contou vantagem, sorrindo – dá pra
passar um bom tempo sem me preocupar! No mínimo um ano eu
tenho sossegado!
— Só isso? – Donatela entrou na brincadeira. — Eu tô com
uma boa grana, também. Vou ter que comprar outro cofre, pois o
meu não cabe mais nada! Que horas são?
— Onze e quinze.
— Hora de ligar pra minha ruiva!
Os meninos sorriram e Donatela pegou o celular, no bolso da
calça.
— Oi, linda! Tá bom, quando puder, me liga. Estou saindo da
casa de Danilo, quando eu chegar em casa, ligo. Pode ser? Você
está bem? Tá... tá bom. Beijo.
— Encontraram o cara?
— Acho que sim. Segundo ela, não podia falar porque está no
meio de uma operação. Disse que já está nos noticiários.
— A cobertura vai ser maciça mesmo!
Na chácara, o grupo se reuniu em frente à televisão. Os
plantões dos jornais relatavam o ataque, mas as informações eram
vagas. Oito policiais mortos e três civis, além de quinze pessoas
feridas. Decidiram esperar a poeira baixar nos próximos meses,
para que pudessem voltar à ativa.

Capitulo 11

A ligação caiu e Arthur ficou mirando a tela do celular,


desligado, evitando olhar para a cena horripilante ao seu redor. O
silêncio reinava, interrompido apenas pelo barulho dos grilos e
sapos. Rememorou tudo o que viveu naquela noite intensa, certo de
que Maria era, na verdade, Donatela. A forma de agir, quando pediu
para Gisele se despedir dela em seu nome, os olhos verdes, o jeito
como atirou no dia do treinamento, tudo apontava a morena. E, se
realmente estivesse certo, o resto do grupo era formado pelos
amigos inseparáveis e seu irmão. Mas, como provaria sua teoria?
Gisele estava apaixonada, não poderia compartilhar suas suspeitas
com ela, pois a colocaria em risco. Depois daquela noite, sabia o
quanto Donatela era perigosa e letal, precisava ser cauteloso.
A quietude foi quebrada pelos sons de sirene e seu coração
disparou por alguns segundos. Esperou tiros, indicando uma cilada,
mas, em menos de dois minutos, aliviado, viu a ruiva entrando no
galpão, acompanhada por vários policiais.
— Arthur! – exclamou, feliz em ver o parceiro. — Meu Deus,
Arthur, como é bom te ver! – correu para abraçá-lo.
— Digo o mesmo, ruiva, – gemeu – cuidado com o meu braço.
— Desculpe, – afastou-se, olhando as amarras que prendiam
seu amigo – alguém tem um canivete para cortar essas cordas?
— Nenhum sinal deles por aí? – Arthur indagou, enquanto um
policial cortava a corda.
— Não, foram embora. O que aconteceu aqui? – quis saber,
olhando os corpos ao redor.
— Acredito que usaram os caras da zona norte e depois
descartaram, pois não tinham mais serventia. Fizeram uma
execução sumária, menos o pendurado ali. Esse deve ter irritado a
mulher. Ela torturou o cara durante quarenta minutos!
— Só ela fez isso tudo? – Gisele notou a brutalidade sofrida
pelo homem.
— Só. E acredito que já estava planejado, porque os outros
ficaram esperando e não se envolveram. Depois, ela pegou o celular
do cara e te ligou.
— Ela discou?
— Sim, ela conhece seu número. – falou, apoiando o braço
machucado e pondo-se de pé.
— Normal, esse tipo de mente grava tudo! – Gisele
acompanhou Arthur que se sentou num banco para o médico
examinar seu ombro. — Fizeram alguma coisa com você?
— Não. E nem conversaram na minha frente. Nós convivemos
com eles ou, pelo menos, os conhecemos.
— Ou são muito cautelosos. Conseguiu algum tipo de
identificação, alguma coisa que nos ajude?
— Não. Conversou com Donatela?
— Ela me ligou, mas eu já estava chegando, não pude
conversar. Por quê?
— Onde ela estava?
— Na casa de Danilo. Alguma coisa que quer compartilhar?
— Não é nada. Só acho que devemos ficar mais próximos de
quem amamos. Cheguei a essa conclusão ao ver a mulher matar
esse cara.
— Não pensa nisso agora. Você vai para o hospital e ficará
bem!
Durante toda a noite, equipes de perícia trabalharam no local,
sem sucesso. O grupo era cuidadoso e não deixou pista alguma.
Horas depois, as duas caminhonetes foram encontradas
carbonizadas, num lugar ermo, afastado rodovia.
Já no hospital, Gisele se despediu de Arthur, deixando-o com
os filhos e a esposa. Depois pensaria no trabalho, pois, naquele
momento, o melhor a fazer era encontrar sua morena.

Donatela acordou com o celular tocando. Sorriu ao identificar a


ligação.
— Oi, linda!
— Oi, meu anjo. Estou chegando, abre pra mim?
— Claro, – falou, de pé – já estou descendo! Só um minuto.
Donatela desligou o aparelho e olhou ao redor, conferindo se
algo estava fora de lugar. Escovou os dentes e desceu as escadas,
apressada. O sorriso se tornou maior em seus lábios ao ver a ruiva
fechando o portão.
— Oi, meu amor! – deu espaço para ela entrar.
— Oi, meu bem, – Gisele abraçou e beijou a morena – é tão
bom te ver!
— É muito bom te ver, também! Fiquei tão preocupada quando
vi o jornal! Que coisa horrorosa! Você está bem?
— Estou bem, Arthur é que não está. Ele foi levado pelo grupo.
— Mas ele… – fingiu pavor.
— Ele está bem, conseguimos resgatá-lo. Mas, mesmo assim,
é um choque. Estou sem dormir há mais de vinte e quatro horas.
— Eu vou cuidar de você, – sorriu e puxou Gisele pela mão,
delicadamente, até a sala – aposto que está sem comer!
— Estou. Não consegui pensar em nada, – confessou,
aninhando-se em seu abraço – nunca quis tanto sentir seu abraço!
— Eu estou aqui, não deixarei que nada lhe aconteça. Vem,
vou preparar alguma coisa pra você comer.
— Desculpa te acordar.
— Tudo bem, já estava na hora mesmo. Estou me
acostumando mal dormindo até tarde! – caminharam abraçadas até
a cozinha. — Comprei algumas coisas ontem, imaginei que você
viria. Não vai demorar!
— É tão gostoso o jeito que você cuida de mim! Vou me
acostumar mal!
— Eu sou sua namorada! – Donatela sorriu. — O mínimo que
posso fazer é cuidar bem de você! Quer conversar sobre o que
aconteceu?
— Não, agora não, quero esquecer essa noite um pouquinho.
– respondeu, tirando o casaco.
— Você tem que voltar hoje para a delegacia ou vai tirar o dia
para descanso? – a morena preparava o café.
— Vou tirar o dia de folga. Fui afastada do caso.
— Por quê? – o tom era natural.
— Eu fiz besteira. Se Arthur não tivesse dado ouvidos a mim,
não estaria num hospital!
— Não foi culpa sua, linda, – Donatela segurou o rosto de
Gisele, olhando profundamente em seus olhos – foi uma fatalidade.
A culpa é dos bandidos!
— Um bandido. Uma mulher, Maria. Quando eu encontrar essa
mulher, vou matá-la! Lentamente, com requintes de crueldade!
— Você não é cruel, – a morena sorriu, acariciando o rosto da
ruiva – seria incapaz de fazer as coisas que ela faz. Esquece isso!
Sente esse cheirinho gostoso de café. Relaxa a mente de tudo o
que aconteceu.
— Tentarei. Dona, acho que hoje não serei uma companhia
muito agradável.
— Não ligo! O importante é que está aqui e bem! Vou te
encher de carinhos e mimos. – Donatela sentou em seu colo.
— Obrigada, meu amor. Eu te amo!
Donatela segurou o rosto de Gisele, beijando-a
apaixonadamente. Virou-se de frente para a ruiva, encaixando os
corpos. As mãos deslizaram pelos seus braços e voltarem para a
nuca, segurando firme, sem deixar de mirar o belo par de olhos
negros. Sentiu as mãos da ruiva passeando pelo seu corpo,
vagarosamente, apertando com suavidade, causando-lhe arrepios.
Beijaram-se com ardor e Donatela desamarrou o roupão que vestia,
ficando parcialmente desnuda. Gisele traçou o caminho até os seios
de sua morena aos beijos e mordidas, roçando os lábios úmidos
contra a pele quente. Donatela fechou os olhos e pendeu a cabeça
para trás, saboreando a deliciosa sensação que a ruiva despertava
em cada cantinho que alcançava. A língua, habilidosa, revezava
com as mãos, numa deliciosa massagem nos seios da morena, que
encaixou as mãos nos cabelos vermelhos, puxando seu rosto e
encarando os olhos negros.
— Eu te amo.
Gisele sorriu, numa felicidade contida, sentindo a veracidade
nas palavras de Donatela. Para a ruiva, não existia outra mulher no
mundo que fosse mais perfeita que a morena em seu colo.
— Como pude passar tanto tempo sem você? – indagou, entre
um beijo e outro. — Ou melhor, como pude me envolver tanto e em
tão pouco tempo?
— Se achar uma resposta, me diga, pois também não faço a
mínima ideia de como me envolvi tanto! – Donatela levantou,
puxando a ruiva e subiu na mesa, abrindo as pernas para encaixá-
la.
— Vamos deixar as respostas pra lá, – Gisele pediu,
debruçando-se sobre o corpo moreno e lambendo a pele toda
arrepiada – você é a melhor coisa que poderia ter me acontecido.
Eu sou louca por você!
— E sou toda sua! Sempre!
Com o coração batendo mais forte, Gisele beijou a morena,
intensamente. Trocando carícias, foram para o quarto e Donatela se
viu entregue à ruiva, por inteiro. De corpo e alma.

Donatela acordou e beijou levemente os lábios da ruiva, que


dormia profundamente. Sem que ela soubesse, a morena pôs um
remédio em seu suco, para que ela pudesse relaxar e dormir horas
a fio. Vestiu o roupão e foi para área externa, ligar para Campos.
— Por que afastou Gisele do caso? – o tom de voz era calmo.
— Eu não podia mantê-la depois de tudo o que aconteceu,
ainda mais com o sequestro do parceiro. Isso é regra.
— Coloque-a de volta.
— Não posso! Arthur ainda está...
— Não me interessa como, quero ela no caso. Preciso saber
de tudo o que acontece e é fundamental que ela esteja à frente das
investigações.
— Escuta aqui, Lorena, você não pode falar comigo desse
jeito! Eu te protegi até hoje e vou te proteger sempre! Eu lhe
coloquei no lugar onde está...
— E posso resolver isso com um rifle, a hora que eu quiser. Dá
pra baixar o tom? Você escolhe: ou põe ela no caso de novo ou
esquece sua parte do carro-forte e suas férias fora do país.
— Vou ligar pra ela agora e pedir que venha aqui...
— Não, agora não! Ela está dormindo e mais tarde visitaremos
Arthur. Ah, fica de olho nele. Tenho certeza que já está começando
a desconfiar de mim e detestaria deixar mais duas crianças órfãs.
— Fica tranquila, Arthur não faz nada sem o consentimento de
Gisele. Muito menos ela, sem o meu.
— Ótimo. Liga lá pelas seis, sete da noite.
— Por que deixou Arthur vivo?
— Justamente para que não precisasse afastar Gisele do
caso! E nunca mais me chame de Lorena. Essa pessoa não existe!

Gisele acordou com o toque suave da mão de Donatela em


seu rosto, que lhe presenteou com um lindo sorriso. Aninhou em seu
colo, languidamente.
— Acho que dormi muito. Que horas são?
— Seis e meia. Seu chefe ligou várias vezes. – Donatela fazia
cafuné nos cabelos vermelhos.
— Não sei pra que encher meu saco, ele já me tirou do caso!
O que mais quer? Depois eu retorno.
— Tá bom, minha linda. Você disse que queria visitar Arthur
hoje. É melhor irmos cedo pra deixar ele descansar depois.
— É, sim. Preciso ir em casa, tomar um banho rápido e trocar
de roupa.
— Eu lavei as suas roupas, já estão secas. Você pode tomar
um banho aqui e depois vamos direto para o hospital.
— Já lavou minhas calcinhas? Não faça isso parecer um
casamento! – gracejou.
— Eu gosto de fazer as coisas pra você e lhe deixar
confortável. Ainda não percebeu isso?
— Percebi que você me ama! Obrigada.
— Pela calcinha ou por te amar?
— Pelos dois! Eu te adoro tanto!
— Eu também, – sussurrou em seu ouvido, rolando por cima
da ruiva – está mais calma?
— Estou. Você me acalma, – as mãos exploravam o corpo
moreno – principalmente quando está assim, por cima de mim.
— Sua tarada! – Donatela beijou de leve a ruiva e levantou,
puxando-a com carinho. — Vamos logo tomar banho para não nos
atrasarmos.

No hospital, o casal foi recebido por Cristina. Donatela sorriu


quando deparou com Arthur cercado pelos filhos. A cena lhe
mostrou que havia tomado a decisão certa: não era hora de deixar
aquelas pequenas crianças órfãs.
— Oi, ruiva! Oi, Dona. – Arthur as cumprimentou.
— Como você está? – Gisele foi abraçada pelas crianças,
antes de conseguir chegar na cama.
— Melhor. A dor está diminuindo. – respondeu, olhando para
Donatela.
— Que coisa horrorosa, Arthur, – a morena também recebeu
carinho das crianças, antes de se aproximar e beijar Arthur no rosto
– quando Gi me contou, quase não acreditei!
— Tive sorte, dessa vez. Na próxima, não sei!
— Não terá uma próxima, eles vão pegá-los antes!
— Como assim? – Arthur não entendeu a fala de Gisele.
— Fui afastada do caso, você está de licença. Estamos fora!
— Por que o delegado fez isso?
— Óbvio: ferrei com tudo, como sempre!
— Não foi sua culpa, ruiva! Tudo o que aconteceu foi culpa
daqueles meliantes.
— Enfim, não viemos falar disso. Você já conversou com o
delegado?
— Passei pra ele tudo o que vi, mas nada que nos traga
alguma luz. O grupo é perfeito, não deixam nenhuma ponta solta!
— Nada é perfeito, – Donatela comentou – alguma coisa eles
fazem de errado.
— Não fazem. Mas, o pior, é que eles sabem de tudo. Tem um
deles infiltrado no nosso meio. Tenho certeza disso!
— Será que é Maria? Ela pode ser uma policial ou estar
envolvida com algum. — Gisele conjecturou.
— Não creio. Não passamos nada pra ninguém além do
delegado. Talvez possa ser ele.
— Campos? Ele não faria isso! Quer dizer, não tem sentido ele
ser um informante dos bandidos.
— Por que não? Já imaginou o tanto de dinheiro que esses
bandidos já levaram? E dinheiro corrompe até os mais honestos!
— Deixaria de ser honesto e seria um corrupto, – Donatela
opinou, encarando os olhos de Arthur com naturalidade – mas o
chefe? Soa esquisito, não é? Não entendo disso, mas quando
penso em polícia, penso em segurança, confiança. Ainda mais
sendo um delegado!
— Era como deveria ser, – Gisele suspirou – mas,
infelizmente, as coisas não funcionam assim. Tem muito policial
corrupto no nosso meio.
— É lamentável! – Donatela demonstrou frustração.
— Sim. É lamentável! – concordou Arthur, perscrutando-a. Sua
convicção fora abalada. Julgou que estava errado, Maria não era
Donatela. Ninguém poderia ser tão dissimulado daquela forma.
Donatela despertou, no dia seguinte, com a ruiva acarinhando
seu rosto. Naquela manhã seria o enterro de alguns policiais mortos
na ação. Após um rápido banho, vestiu uma calça jeans e uma
camisa preta. Prendeu o cabelo num coque e esperou Gisele se
arrumar.
Inconformada e com o semblante pesado, Gisele observava os
familiares, arrasados, prestando uma última homenagem aos entes
queridos. Até aquele momento, eram dez policiais mortos, pois
alguns faleceram no hospital. Procurou consolo no olhar de
Donatela, mas a morena usava óculos escuros. Mirou, então, em
Arthur, que havia pedido alta para participar da cerimônia. O amigo,
ao lado da esposa, estava visivelmente abalado, com os olhos
perdidos na multidão. Baixou a cabeça, contendo uma lágrima,
prometendo-se, em silêncio, que todos seriam justiçados. Os
bandidos não escapariam impunes!
Donatela se manteve em alerta, ciente de que toda a polícia da
cidade queria sua cabeça. Entediada, controlou-se para disfarçar,
aproveitando-se dos óculos escuros. Achava cansativa aquela
cerimônia e o choro irritante dos familiares. Gisele, assim como seus
colegas, estava triste e revoltada com tudo o que houve. A morena
sentiu, em alguns momentos, o olhar de Arthur sobre si: se não
fosse por sua generosidade, Cristina também estaria chorando a
morte do marido e ele sabia que só estava vivo por sua causa. Só
não tinha provas ou indícios para abrir uma investigação a seu
respeito.
Ao fim da cerimônia, Donatela, em seu íntimo comemorou o
que julgava ser uma torturante sessão de tédio.
— Foi lindo, não mereciam menos que isso! – Gisele
comentou, secando uma lágrima.
— Foi muito emocionante – Donatela concordou, beijando o
cabelo ruivo e pondo o braço ao redor de Gisele – e muito triste!
— E revoltante, – completou Arthur, deixando-se levar pela
raiva – chega a ser assustador como uma pessoa pode ter tanto
sangue frio! Acho que já ultrapassam os limites aceitáveis da
psicopatia, se é que existe algum!
— Eles vão pagar, Arthur! E pagar caro! Vão apodrecer na
cadeia, sendo violentados todos os dias! – Gisele esbravejou.
— Eu sei que vão, – concordou, encarando Donatela – como
você mesma disse, Dona, não existe perfeição. Eu vou achar a
ponta solta, porque sei que ela existe.
— E eu te desejo sorte, – respondeu, tirando os óculos
escuros para que ele pudesse ver seus olhos – espero que tenha
mais sucesso do que esses policiais que foram enterrados hoje.
— E a revolta reina, – Cris interrompeu, interpretando mal as
palavras ditas pela morena – mas, agora, você precisa descansar.
Eu sei que vocês farão um bom trabalho depois!
— Exatamente, Cris! – concordou Gisele, virando-se para
Donatela, que recolocava os óculos escuros. — Vamos, linda?
— Claro, meu amor! Vamos pra sua casa.
O delegado se aproximou, interrompendo-as.
— Oi, delegado. Vi que me ligou, mas não queria contato com
o mundo. – explicou, de pronto.
— É bom que tenha descansado, ruiva. Temos muito trabalho
para prender esses filhos da puta!
— Eu posso voltar para o caso? – indagou, contendo a
empolgação.
— Bom, se tem alguém que tem um bom perfil desses
criminosos é você. Quando Arthur estiver apto, retorna como seu
parceiro.
— Obrigada, delegado! Farei um bom trabalho. – agradeceu.
— É o que eu espero, nada menos que isso.
— Já que está de volta, acho que nossos planos mudam. –
Donatela se mostrou compreensiva.
— Sim. Deixarei você em casa e vou para a delegacia. Antes,
preciso falar com Arthur, serei rápida. Me espera?
— Claro!
A dupla se afastou e Cristina se despediu. Donatela aproveitou
o momento e conversou com Campos.
— A partilha será amanhã. Me encontre no Cyber Café do
centro, três da tarde. Mereceu um bônus.
— Certo. Minhas férias do final de ano serão em alto padrão!
— Me passe tudo o que estiver sendo investigado. Se acharem
qualquer coisa, quero ser informada.
— Pode deixar. Acha que encontrarão alguma coisa?
— Só se forem videntes! – sorriu, discretamente.

Capitulo 12

Arthur entrou na delegacia, cumprimentou os colegas e foi


para sua mesa. Sentou e puxou um papel do bolso. Nos quarentas
dias de sua recuperação, buscou repassar todos os acontecimentos
desde que conheceu Donatela. Custava a acreditar que ela fosse
capaz de tudo aquilo, mas não podia esquecer aqueles olhos verdes
no assalto, muito menos sua precisão no estande de tiros. A postura
desafiadora da morena, no dia do enterro nos policiais, deu-lhe a
convicção de que suas desconfianças tinham fundamento.
Certamente, Campos era seu cúmplice, concluiu.
Durante sua recuperação, Arthur recebeu a visita de sua
parceira, sempre acompanhada por Donatela, cuja confiança
excessiva de impunidade lhe era evidente. E o policial, por sua vez,
acreditava que esse era o primeiro erro que a morena cometera:
confiança demais sempre fazia com que criminosos perdessem o
controle dos seus atos. E Arthur decidiu esperar, na surdina, os
próximos deslizes.
— Arthur, – Gisele interrompeu as elucubrações do parceiro –
como é bom ter você de volta!
— É bom voltar, ruiva, – guardou o papel no bolso – agora é
oficial. Sou seu parceiro novamente!
— Sempre será. Só você que embarca nas minhas loucuras!
— Me atualiza de tudo, preciso estar a par do que estão
fazendo.
— Não temos nada. Procuramos por Gringo, Digão e Maria,
mas parece que eles não existem! Sem digitas em lugar nenhum!
Os carros foram incendiados e abandonados, sem câmeras de
segurança. Estamos no escuro e, para piorar, eles sumiram!
— Eles voltarão a agir, estão só esperando a poeira baixar. –
notou o delegado caminhando em sua direção. — Bom dia,
delegado.
— Bom dia, Arthur. Espero que esteja bem disposto.
— Você não tem ideia do quanto! Farejar a morte de tão perto
me fez ficar mais alerta.
— Isso é muito bom! Use esse novo faro para pegar esses
caras. Quero todos atrás das grades antes do ano novo!
— Tentaremos de tudo, delegado.
Campos apertou a mão do colega e foi para sua sala.
— Como você está? E Donatela? – Arthur continuou a
conversa com Gisele.
— Estamos bem. Melhor, impossível! Essa semana ela abriu o
escritório junto com Danilo. Agora, eles são consultores de
informática ou analistas de sistemas, sei lá! Algo nesse sentido.
— Você foi ao escritório?
— Fui. Uma gracinha, todo arrumadinho! É num prédio
comercial aqui perto. Ela está bem empolgada.
— No começo será difícil conseguir clientes, mas dará tudo
certo.
— Ela me disse que o foco é desenvolver programas para
empresas e Danilo ficará com a parte comercial. Não sei bem como
funciona, mas estão dispostos a fazer dar certo.
— Boa sorte a eles. O que faremos hoje?
— Reanalisar o que temos e procurar alguma brecha.
Enquanto você estava fora, cuidei de outros casos.
— Donatela conseguiu rastrear aquele endereço de IP do
Lambda?
— Conseguiu, mas era um IP falso. O número foi localizado na
China.
— Na China?
— É. Usaram um método de trocas de IPs, impossível de
rastrear. O acesso foi daqui mesmo, mas o IP verdadeiro se perdeu
em uma das várias trocas que acontece durante esse processo.
— Isso complica um pouco.
— Isso complica muito! Os caras são gênios de informática!
— Vou precisar sair por umas duas horas hoje a tarde, resolver
um problema pessoal.
— Algo que eu possa ajudar?
— Não. É uma poupança que estamos fazendo para as
crianças. Prometo voltar rápido.
— Tá bom. Vamos começar com o relatório da perícia. Temos
muito o que rever.

Donatela fechou o livro e jogou de lado, entediada. Nunca


havia ficado tanto tempo sem ação. Ligou para Gisele, convidando-a
para almoçar, mas a ruiva havia combinado algo com Arthur.
Colocou o livro na estante, guardou os óculos na caixinha e foi para
o quarto, trocar de roupa. Vestiu um short curto e uma blusa
decotada, mas guardou uma calça preta e uma blusa de manga
comprida na mochila. Desceu as escadas e, já na área externa, num
esconderijo no canto do jardim, pegou algumas coisas que lhe
seriam úteis.
Por fim, abriu o cofre e pegou duas pistolas, escondendo-as na
cintura. Estava pronta.
No bairro que Arthur morava, a morena estacionou em frente a
um bar. Observou um rapaz saindo do estabelecimento e seguiu-o,
até uma rua praticamente deserta.
— Com licença, – pediu, parando o carro ao lado do rapaz – eu
me perdi na saída da rodovia. Como faço para voltar no sentido do
centro?
— Você volta essa rua e entra na próxima, à esquerda. Segue
direto até o final e já verá o viaduto. É só passar por baixo que sairá
no sentido do centro.
— Obrigada, – sorriu – mas preciso de um mecânico, também.
Tudo que poderia dar errado, comigo, aconteceu hoje! Meu motor
está com um barulho estranho.
— É bom ver isso antes de pegar a rodovia, – o rapaz
correspondeu ao sorriso – aqui no final dessa rua tem um mecânico
de confiança.
— É o que eu preciso! Não posso entregar meu bebê para
qualquer um! Você está indo pro lado de lá? Quer uma carona?
Assim, você me indica o caminho certo.
— Pode ser, – concordou, contornando a frente do carro – é
pertinho. Virando a direita, aqui.
— Ótimo, já que não posso demorar muito.
Logo que o rapaz sentou, a morena se inclinou para o banco
traseiro, roçando os seios no braço do homem. Pegou a mochila e
uma chave de roda pesada, surpreendendo-o com um golpe
certeiro. O rapaz caiu sobre o painel, desmaiado.

No centro de treinamento, Arthur pediu ao supervisor acesso


às filmagens da câmera de segurança. O colega prontamente
atendeu, prometendo ser discreto quanto ao pedido. Arthur adiantou
as imagens, até a cena que queria rever: Campos se aproximando,
a breve conversa e os três policiais caminhando para o outro guichê,
enquanto Donatela montava rapidamente a arma, atirando em
seguida. Assistiu mais três vezes, notando que a morena sequer
levantou a mão numa altura suficiente para que pudesse fazer mira.
Além disso, não apoiou com a outra mão, aguentando o tranco e
mantendo a estabilidade num só braço. Ela sabia onde e como
atirar, era treinada e eficiente.
Após agradecer ao supervisor, Arthur retornou à delegacia. No
caminho, concluiu que Donatela era a atiradora do bando,
recordando dos dois traficantes que foram mortos no beco, quando
Gisele disse, pela primeira vez, a frase que martelava sua mente.
Não havia mais resquício de dúvida: Donatela era uma exímia e letal
atiradora e ele precisava ser cauteloso.
— Dois tiros perfeitos, sem nem fazer mira! – socou o volante.

Inquieto, logo que entrou na delegacia Arthur acessou o sistema.


Reviu as mortes do assaltante e de Camarão, ambos com um tiro no
joelho. Anotou essa informação em seu bloco de notas, construindo
um padrão. Lembrou que Donatela era viúva e sentiu o corpo ficar
tenso. Antes que pudesse ler a ficha do caso de Ludmila, Gisele
apareceu em sua frente, mas atrás da tela do computador.
— Já voltou e nem me falou nada?
— Acabei de chegar, – respondeu, fechado o programa e
guardando o bloco de papel no bolso – acho que uma hora dessas
não temos mais o que fazer. Não é?
— Pois é. Pensou no que conversamos de manhã?
— Pensei. É um beco sem saída.
— Tem que existir uma saída. Tem que existir uma ponta solta!
— Às vezes a resposta está na nossa frente e nem vemos, –
comentou, pondo-se de pé – tenho a impressão de que estão mais
perto de nós do que imaginamos.
— Pode ser. Estamos perdendo um mínimo detalhe que pode
ser fundamental!
— Ei, Arthur, – Carlos veio em sua direção – acharam um
corpo lá no seu bairro. Um cara chamado Felipe Lucas Figueiredo.
Conhece?
— O nome não me é estranho, – respondeu, pensativo – o que
aconteceu com ele?
— Estão indo pra lá, mas a viatura que chegou primeiro disse
que foi encontrado por uma senhora. Identificaram pelas roupas,
pois parece que o cara foi torturado.
— Eu vou pra lá. Você vem, ruiva?
— Por que? Não faz parte do nosso caso!
— Verei se era algum conhecido, se posso ajudar em algo. E
já fico em casa. Vou retomando aos poucos, não estou preparado
para uma rotina de quatorze horas de trabalho.
— Acho que eu vou com você, então. De lá, vou pra casa de
Donatela.
— Vocês estão bem próximas, não é?
— Muito, – caminharam juntos para o estacionamento –
metade das minhas coisas está na casa dela. Na semana passada
ganhei um espaço no closet. Estamos praticamente casadas.
— Tem dois meses que vocês se conhecem?
— Um pouco mais, quase quatro. Se não fosse ela me dando
força, nem sei o que seria de mim esses dias. Acho que teria dado
uma pirada!
— Ela te faz perguntas sobre o trabalho?
— Coisas evasivas. A pergunta clássica de “como foi seu dia”,
por exemplo. Por que?
— Por nada, curiosidade. Cris me pergunta tudo e eu sempre
tenho que me desviar das perguntas quando não posso falar. –
desconversou. — Você parou para somar quantas pessoas
torturadas estamos vendo ultimamente? Não seria um padrão?
— Não, porque uma das mortes sabemos quem foi a autora.
Maria. Além de Camarão, só o bandido que me assaltou. Não fiquei
sabendo de nenhuma mais.
— O de hoje, se for mesmo verdade. Se puxarmos no banco
da Homicídios, veremos que se repete.
— Você tem um palpite que não quer me contar, não é?
— Acho que temos um padrão. Pode ser apenas um palpite
falso, mas tudo vale a pena ser verificado.
— Se for um padrão mesmo, quem está matando é Maria.
Assaltante de bancos e serial? Não é comum! – Gisele observou.
— Matar pode ser um hobby ou uma forma de se manter
presente, uma autoafirmação.
— Vaidade?
— Vaidade, ego, psicopatia, mas, principalmente, poder. Se eu
estiver certo, essa Maria gosta de se sentir poderosa e faz isso
através dos assassinatos.
— É uma mente muito doentia.
— E sabe qual é o pior disso? Ela pode estar perto de nós!
Podemos tomar café da manhã com ela e nunca notaremos do que
ela é capaz. Tenho certeza que ela pode brincar por horas com uma
criança antes de atirar na cabeça do pai e da mãe.
— Você já traçou um perfil dela, – notou Gisele – quer me
contar onde está buscando essas certezas?
— Não são certezas, ruiva. São possibilidades. Temos que
cogitar tudo!
— Você tem alguém suspeito e não quer compartilhar comigo?
– Gisele foi direta, encarando-o.
— Não, – Arthur não pestanejou – não tenho um suspeito.
— Tá. Se não surgir um padrão, deixemos os assassinatos
com a Homicídios e nos concentremos nos assaltos, embora não
tenhamos nada novo para investigar. E se não aparecer nada,
teremos que esperar eles agirem novamente ou alguém começar a
falar. Isso pode levar tempo e mais algumas vidas no meio do
caminho.
— E mais algumas vidas... – repetiu, distraído. Pensava no
quanto queria impedir que isso acontecesse.

A rua estava isolada pela polícia e a perícia coletava provas.


Gisele e Arthur caminhavam juntos, conversando. Concluíram que o
rapaz havia sido torturado e morto noutro lugar, tendo o corpo
desovado numa das ruas de menor movimentação do bairro. Era
difícil ver um padrão antes de limpar o corpo ensanguentado. Rente
à faixa de isolamento, uma mulher chorava copiosamente,
amparada por alguns de seus vizinhos. Arthur a reconheceu,
morava algumas quadras antes de sua casa.
— Sem condições de falar com ela agora. – Gisele comentou,
condoída pelo desespero da mulher.
— Ela não vai nos falar nada que possa ser útil, afinal, o corpo
foi trazido pra cá. Ela não agiria aqui.
— Ela? Você viu um padrão?
— Modo de falar, ruiva, – Arthur caminhou, observando o
cenário, com Gisele em seu encalço – além do mais, do jeito que o
corpo está, não consigo identificar algo que sugira um padrão.
— A Homicídios vai cuidar disso. Eu vou pra casa, Donatela já
deve ter voltado do escritório.
— Com toda a certeza ela já voltou, – concordou, mirando a
ruiva – já são mais de cinco da tarde – completou, com um sorriso.

Donatela entrou em casa carregando a bolsa, direto para o


jardim. Guardou as ferramentas no esconderijo, sem tempo para
lavá-las. Gisele chegaria a qualquer instante e não poderia correr o
risco de ser flagrada pela ruiva. Ateou fogo nas roupas e banhou-se,
sentindo a velha sensação de euforia abandonar seu corpo. Bem
humorada, decidiu preparar um jantar para sua ruiva. O silêncio da
cozinha lhe incomodou, então, ligou o rádio, colocando uma música
suave. Passou as horas seguintes cortando temperos e frango.
Gisele chegou em casa sentido o delicioso aroma que exalava
da cozinha. Abriu a porta sorrindo, sem fazer barulho. As duas, por
iniciativa de Donatela, trocaram cópias das chaves das casas. A
ruiva passava mais tempo na casa da morena do que em seu
próprio apartamento.
— Oi, minha linda! – cumprimentou, admirando a morena que
mexia na panela.
— Oi, meu amor! – Donatela se virou, esboçando surpresa ao
ouvir a voz de Gisele. — O que foi? – Gisele permaneceu encostada
na soleira da porta.
— Eu sei que vai soar machista, mas é tão bonitinho chegar
aqui e te ver no fogão, preparando o jantar!
— Não levarei como um comentário machista, – sorriu,
aproximando-se da ruiva e abraçando-a – você demorou a chegar.
— Apareceu um problema hoje, no fim da tarde, fui lá
pro bairro de Arthur. – explicou, acariciando o corpo moreno.
— Alguma coisa grave?
— Um assassinato.
— Eu realmente não sei o porquê de lhe perguntar coisas
sobre o seu trabalho. É sempre assassinato, assalto, assassinato.
Me lembra de não perguntar mais? – desprendeu-se do abraço e
retornou à beira do fogão.
— Vou lembrar! – gracejou.
— Só pra encerrar, era algum conhecido dele?
— Só de vista, do bairro. Acho que não tinham nenhum tipo de
ligação.
— Tá. Olha o que estou fazendo para o jantar: risoto de frango!
— Que delícia! Eu adoro frango! – Gisele chegou perto do
fogão, sentindo de perto o cheiro da comida.
— Eu sei! Vamos ver se consegui fazer isso direito, não é? –
riu, ao se virar para a ruiva. — Vai tomar um banho, enquanto
coloco a mesa.
— Estou precisando! Como foi seu dia?
— Foi proveitoso! Fiz uma coisa que amo, então, o dia passou
rapidinho.
— E o que você ama tanto assim que até as horas passam
mais rápido?
— Fiz um novo cliente, quer dizer, fiz um projeto visual para
um novo cliente. Ficou muito bacana!
— Já é um dos que Danilo está conseguindo para o escritório?
— Não. Esse eu fiz a captação sozinha, o que torna mais
interessante. Era um cliente do banco. Conversei com ele e acabou
aceitando meus serviços. Um pouco relutante, devo dizer, mas, no
final, deu tudo certo!
— Que bom, meu amor! Fico feliz por você, – parabenizou,
beijando seus lábios – eu já desço!
— Não demora muito porque já está quase pronto.
— Tá bom!
Gisele foi para o quarto e Donatela organizou a mesa,
pensando no dia proveitoso que teve. Na próxima, iria atrás de uma
mulher, pensou. Cerca de vinte minutos depois, a ruiva desceu e
jantaram num clima descontraído e carinhoso.

O despertador acordou Gisele, que se esticou para desligar o


aparelho. Donatela se mexeu, vagarosamente, apertando a ruiva em
seu abraço.
— Já amanheceu? – quis saber, sonolenta e descabelada.
— Já. Bom dia, linda. – Gisele tirou o cabelo do seu rosto.
— Bom dia, meu amor! Dá tempo de ficar mais um pouquinho
na cama?
— Só um pouquinho. Tenho que passar em minha casa para
pegar algumas coisas.
— Você já está em casa, não se acostumou ainda?
— Na minha outra casa! – sorriu.
— Está na hora de dispensar aquele apartamento. Você pega
o resto das suas coisas e trás pra cá. Não tem sentido continuar
pagando o aluguel de lá.
— Isso é um pedido de casamento?
— Isso é um pedido para você dormir e acordar comigo todos
os dias!
— Pensarei no seu caso! – beijou a morena, antes de levantar.
— Você vai para o escritório agora cedo?
— Não, vou trabalhar em casa. Vou começar a desenvolver um
programa e posso fazer isso daqui mesmo.
— Tá. Me acompanha no banho?
— Melhor não, irei lhe atrasar! Vou preparar nosso café!
— Tá bom!

Donatela terminava de arrumar a mesa quando Gisele


apareceu na cozinha, vestida num terninho cinza. Admirou a ruiva,
antes que se sentasse ao seu lado. Beberam suco e conversaram
sobre as atividades planejadas para o dia. Era uma rotina qualquer
de um casal qualquer, mas nada lhe dava mais prazer que aquilo.
— Estava pensando, podíamos fazer alguma coisa aqui em
casa esse fim de semana. O que acha? Convidar Arthur e a família.
Tenho certeza que as crianças irão gostar de brincar o dia inteiro na
piscina!
— Com certeza! Falarei com ele hoje. Chama os meninos,
também. Faz tempo que não nos reunimos.
— Só tenho que alertá-los dos palavrões. Eles são meio
desbocados e teremos crianças por perto.
— Ah, mas acho que saberão se comportar!
— Então, falarei com eles mais tarde. Faremos um churrasco,
não quero ficar grudada no fogão.
— Pode ser, – foram interrompidas pelo celular de Gisele – oi!
Quando você chegou? Um almoço? Vou ver, não posso confirmar
ainda. Você ficará na casa de sua tia? Esse número é o seu? Eu te
ligo mais tarde! Beijo.
— Com quem você está marcando almoço? – Donatela quis
saber, com um sorrisinho.
— Não marquei um almoço. Raquel chegou e me
convidou para o almoço. Isso seria um problema para nós?
— Raquel, a sua ex? – Donatela encarou os olhos negros. —
Por que ela te ligou tão cedo?
— Porque ela conhece meus horários. Será só um almoço,
com uma amiga querida! Você pode ir comigo.
— Não, – respondeu, voltando a sorrir – eu ficaria perdida na
conversa de vocês. Vai, é bom rever os amigos!
— Você não ficará com ciúmes?
— Eu tenho ciúmes de tudo o que se relaciona a você, mas sei
me controlar! Aproveita e convida ela para a nossa reuniãozinha do
domingo. Vai ser legal conhecê-la. – demonstrou naturalidade.
— Tá bom! Tenho que ir, minha linda ciumenta! – riu, ao
abraçar e beijar a morena. — Ligo mais tarde!
— Vou esperar. – correspondeu o beijo.
Gisele pegou o casaco, a arma e o distintivo, despediu-se
novamente da morena, que lhe acompanhou até a garagem.
— Não tenho ciúmes, Gisele – continuou, falando sozinha – eu
tenho uma quarenta e cinco e uma habilidade rara para esconder
um corpo!

Capitulo 13

Donatela tomou um rápido banho e ligou para Gringo,


avisando que precisava de um de seus carros emprestado. Menos
de uma hora depois, encontrou o amigo.
— Algum problema, Dona?
— Acho que não, mas vou verificar para ter certeza.
— O que tá pegando?
— Assunto meu e de Gisele. Coisa de casal.
— Tá com ciúmes da ruiva? – zombou.
— A ex dela está na cidade e marcaram encontro para o
almoço.
— Não vai matar a garota!
— Hoje não. Você viu no jornal o cara que encontraram no
Colombo?
— Foi você, não é? Eu sabia que não ficaria quieta por muito
tempo, – constatou, eufórico – mas, toma cuidado! Precisando de
qualquer coisa, só falar.
— Valeu, cara, mas tô de boa. Só precisava deixar um recado
que, acredito, foi entregue com sucesso.
— Eu sei o quanto aprecia esse jogo psicológico, mas, cuidado!
O bom mesmo é ficar de boa. Não tenho nenhum tipo de
preocupação, ao contrário de você, não é? – zombou, por conta do
ciúme que a morena sentia.
— Minha única preocupação surgiu essa manhã! Quero ver
essa garota e conferir qual é a dela.
— Tá. Se ela for gostosa e se for matá-la, me chama!
— Não farei nada com ela! Só quero conhecê-la e domingo
vai rolar um churrasco lá em casa. Gisele vai chamar Arthur e a
família, talvez essa Raquel vá. Vamos reunir todos!
— Vai chamar os caras também?
— Quem quiser ir. Será divertido, – caminhou até um sedã
preto – mais tarde eu devolvo seu brinquedo. E se for sair com o
meu, cuidado!
— Tá tranqüilo, Dona. Tira uma foto da garota. Quero ver se
ela é boa!
— Vou fazer tiro ao alvo com a foto dela! – riram.
Donatela estacionou no início da rua, de onde poderia ver a
saída do estacionamento da delegacia. Teria uma boa visão quando
ela saísse.

Arthur chegou cedo na delegacia, pois queria pesquisar sobre


o caso de Ludmila. A jovem havia sido brutalmente espancada antes
de ser morta a facadas. A arma do crime, uma faca da cozinha da
casa, fora encontrada ao lado do corpo, sem digitais. Anotou
algumas informações e lembrou do que Gisele havia lhe contado: o
próprio Campos havia descartado Donatela como suspeita, já que a
mesma estava viajando. O moreno relaxou na cadeira, a mente
aguçada: Donatela morava no apartamento, por que não havia
digitais na faca? A faca estava ensangüentada, ela não limpou, será
que teve a frieza de usar luvas?
As fotos do corpo revelavam a violência do atentado, mas,
algo chamou atenção do policial, que aumentou o zoom, notando o
padrão dos cortes: em diagonal, numa incisão única e perfeita, sem
hesitação ou superficialidade. Exatamente como ocorrera com
Camarão e seu vizinho. A morte do jovem não encaixava, pensou.
Qual ligação ela teria com seu vizinho? Teria sido uma morte
aleatória? Não, com Donatela não havia coincidências, concluiu.
Gisele entrou na sala e Arthur fechou o programa, antes de
cumprimentá-la.
— Bom dia, ruiva.
— Bom dia. Chegou cedo!
— Peguei pouco trânsito, tive sorte.
— Que bom! Já tomou café?
— Já. Vamos começar o dia? Quero ver as imagens da
rodovia, no dia do assalto.
— Certo, mas já adianto que não tem uma boa captura de
imagem. Não é muito nítido.
— Pode ser que eu veja algo que você deixou passar.
— Pode ser, tenho uma cópia no meu computador.
— Tem algum plano para hoje?
— Almoçarei com Raquel, mas volto para delegacia depois.
— Sua ex? E Donatela deixou?
— Ela não tem que deixar, ora! Somos adultas, – zombou – mas,
mesmo assim, consultei! Ela me disse que não teria problema.
— Beleza. Já achou o arquivo? Vamos para sala de reunião, lá
a tela é maior.

Donatela esperou, pacientemente, horas a fio. Por volta de


meio-dia recebeu uma chamada de Gisele.
— Oi, meu amor! – atendeu, carinhosa.
— Oi, minha linda, como está sendo sua manhã?
— Um tédio sem você. E a sua?
— Meio parada, também. Falei com Raquel, sairemos para
almoçar, tá?
— Isso já não tinha ficado certo de manhã?
— Eu não havia confirmado. Daqui a pouco sairemos.
— Ela está na delegacia?
— Chegou agora.
— Certo, bom almoço.
— Vem se encontrar com a gente. Eu espero!
— Não, no domingo a conhecerei. Já falei com Danilo, está tudo
certo.
— Eu falei com Arthur, será um final de semana maravilhoso!
— Não esqueça de convidá-la. Te amo!
— Também te amo. Até mais.
Gisele desligou o telefone e caminhou ao encontro da loira,
sentada na ponta oposta.
— Já está tudo certo! – mirou os olhos cor de mel, sorrindo.
— A mulher te deu carta branca? – gracejou.
— Deu! Faz pouco tempo que estamos juntas e nunca se sabe
como uma mulher vai reagir! – ponderou.
— Se ela deixou sem implicar, sinal de que confia em você!
— Donatela não precisa “deixar”, – fez o gesto de aspas com os
dedos – somos adultas! Comunicamos as coisas uma para a outra
e, no máximo, pedimos uma opinião.
— Que bom que ela é compreensiva, vamos? Tenho um monte
de novidades para te contar e quanto mais tempo passar com você,
melhor! – caminharam lado a lado pela delegacia, rumo ao
estacionamento.
— Já escolheu o restaurante?
— Aquele japa que adoro!
— Ótimo!
— Você parece tão bem, tão mais feliz! – Raquel comentou.
— E estou mesmo, – admitiu, já do lado de fora da delegacia –
estou amando! Isso faz um bem danado!
— Você tem uma foto dela? Quero ver a mulher que conseguiu
fazer em três meses o que não fiz em sete anos!
— Não fala assim, você me fez muito feliz! Só nos perdemos
uma da outra, em algum momento. – Gisele pegou o celular.
— É. Não consigo entender isso até hoje! – riu, recebendo o
celular.
— Uau! Uma gata tatuada! Ela é muito linda! Que olhar é esse?
– suspirou, admirando a foto, parada no meio da calçada.
— Um que ela me presenteia praticamente todas as manhãs. É
bonita, não é?
— É linda, impossível abrir concorrência com uma mulher dessa!
— Não existe concorrência, só tenho olhos pra ela!
— Tá apaixonada! Estou tão feliz por você! Quero que seja
muito, muito feliz, você sabe, né? – Raquel abraçou a ex mulher,
com carinho.
— Eu sei! Obrigada. Estou muito, muito feliz! E você, vai se
amarrar quando? – Gisele puxou Raquel pela mão, conduzindo-a ao
estacionamento. — Quando Donatela estiver disponível!
Falando sério, acabei de ficar solteira, quero curtir um pouco antes
de me amarrar de novo. Vou me estabelecer na cidade, arrumar um
emprego e só depois pensarei em mulher.
— Tá certa! Fiquei muito tempo solteira, – Gisele abriu a porta
do carro – mas quando conheci Donatela, não sei, foi automático!
Ela sorriu pra mim e pronto: fiquei louca por ela!
— Como vocês se conheceram? – a loira sentou no banco do
carona.
— Foi num barzinho gay e... – conversaram animadamente até o
restaurante. Gisele contou para amiga, em resumo, toda sua breve
e intensa história de amor com a bela morena dos olhos verdes.

Do lado de fora do restaurante, Donatela aproveitou as janelas


de vidro para observar a interação das duas. Em alguns momentos,
trocaram carícias discretas, mas sem cunho saudosista ou
apaixonado, numa cumplicidade típica de ex namoradas amigas.
Saiu antes que pedissem a sobremesa.

— Acabou com seu momento mulher ciumenta? – Gringo não


perdeu a oportunidade de perturbar a amiga.
— Eu vou matá-la! – resumiu, oferecendo o celular ao amigo.
— Wow! Ela é gostosa, loiraça, essa ruiva tem um bom gosto
pra mulher, hein! – comentou, passando as fotos.
— Obrigada pelo elogio! – desdenhou. — Toda cheia de mimos
com Gisele, abraços, carinhos e toques. Gisele não é touch screen,
não precisa ficar tocando pra conversar!
— Tá, entendi. Você vai matá-la! – Gringo praticamente
gargalhava.
— Vou! Vamos encontrá-la no domingo e, depois, vou atrás dela.
— Para de viagem, Dona! Você está com ciúmes! Acha um cara
por aí, tortura por um dia inteiro que passa! Não vai matar a garota
só porque ela é amiga da sua mulher. Pode até levantar suspeita!
— Certo, vou tentar relaxar.
O celular da morena tocou, interrompendo a conversa.
— Oi, meu amor. Tá bom, meu bem, estou na casa de Danilo,
precisava de um código para a construção do programa.
Combinado, nos vemos mais tarde. Beijo!
— Suas desculpas estão começando a ficar esfarrapadas. Essa
de pegar código não colou. Isso se passar por email, telefone,
mensagem... – alertou.
— Ah, depois eu falo qualquer coisa pra ela! Vou pra casa,
obrigada pelo carro. Te encontro no domingo.
— Estarei lá. Até mais, Dona. Vê se relaxa!

Arthur aproveitou a ausência da parceira para estudar suas


anotações. Num estalo, lembrou do retrato falado do caso Lambda.
— Oi, Luiz, preciso de um favor, mas tem que ser em total sigilo.
– entrou na sala do retratista.
— Sem problemas. O que foi?
— Tem como fazer algumas alterações nos retratos do caso
Lambda?
— Tem. O que você quer mudar? – abriu o programa no
computador.
— Coloca um cabelo preto na mulher, sem essa franja. Esse
cabelo é comprido, mais ou menos no meio das costas pra baixo.
Quero os olhos verdes.
— Tranquilo, – começou a alterar – Gisele sabe disso?
— Não e nem pode saber! No momento certo, conto. É só uma
possibilidade! Não fala nada pro delegado. Não quero criar
expectativas.
— Fechado!
— Tira os óculos, também.
Ao fim, percebeu uma semelhança com Donatela, mas não
poderia afirmar que realmente Maria era a morena. Luiz começou a
alterar a foto do homem.
— Tira a barba, deixa o cabelo maior um pouco. Os olhos são
castanhos, num tom mais escuro.
O policial teve mais sorte nesse retrato, pois claramente se via a
imagem de Danilo, aquele que julgava ser o chefe da quadrilha. Os
irmãos do crime.
Arthur imprimiu e guardou os retratos. Retornou para sua mesa,
tentando achar sentido em tudo que descobrira. Os irmãos haviam
herdado muito dinheiro, propriedades, eram inteligentes e tinham
bons empregos, por que assaltar? Donatela havia trabalhado no
maior banco privado do país, com um bom cargo e salário, será que
ficou tentada ao ver tanto dinheiro? Planejou ir ao hospital, saber
mais de Ludmila, e passar no banco, puxar informações sobre
Donatela. Mas, primeiro, precisava contatar um colega na
Homicídios, pois tudo indicava que a morena era uma assassina em
série. Pegou o telefone para ligar e antes que pudesse terminar de
discar o ramal do colega, Gisele retornou do almoço, caminhando
direto para sua mesa. Desligou, adiando, mais uma vez, os planos.

Gisele chegou em casa e não achou Donatela. Ao passar pela


cozinha, viu o jantar pronto e a mesa posta. Na área externa,
encontrou a morena deitada numa espreguiçadeira, lendo sob a luz
de um dos postes. Encostou-se na soleira da porta, admirando,
apaixonada, a beleza da morena. Achava-a extremamente sexy
quando usava óculos e se mantinha concentrada.
Donatela fechou o livro, pondo-o de lado assim que viu a ruiva
se aproximar. Bebeu um gole do vinho e aninhou Gisele em seu
colo, beijando-a delicadamente.
— Você fica tão linda concentrada! Adoro esse seu ar
“nerdzinha”!
— Não vi você chegar, faz tempo que está aí?– mentiu, pois
sequer havia lido uma palavra do livro.
— Acabei de chegar. Está tudo bem?
— Sim. Estava me entretendo até você chegar. Como foi seu
dia? Quer dizer, não me responda! Eu já sei!
— Sabe?
— Sei. Assassinato e assalto. Não quero saber!
— Hoje não teve nenhuma ocorrência grave! – Gisele achou
graça do comentário da namorada.
— Como foi seu almoço?
— Foi bom. Não via Raquel há mais de três anos. Ela está de
volta, se separou da mulher.
— Ela é separada? Eu não terei problemas com ela, não é? Sou
capaz de cometer um crime passional!
— Ah, que medo! Sua boba, – beijou-a – sou louca por você!
Não te troco por ninguém nesse mundo, meu amor!
— Fico aliviada, – sorriu – ela virá no domingo?
— Não me deu certeza, mas é bem provável que venha. Ela
ficou super curiosa para lhe conhecer pessoalmente. Te achou
sensacional!
— Você mostrou uma foto minha?
— Mostrei algumas. Quando viu a de biquíni, ficou louca!
— Então, estou em desvantagem! Não sei como ela é.
— Tenho uma foto dela, tiramos hoje. – Gisele pegou o celular e
entregou à morena.
Donatela olhou para a tela do celular onde via Gisele ao lado da
loira sorridente. De perto ela era ainda mais bonita. Olhos castanhos
claros, um sorriso perfeito. A criatura nem parecia ter poros. Quando
a torturasse ia dar uma atenção especial ao seu rosto fazendo os
poros que ela não tinha com uma broca pequena. Uma de 0,3
milímetros seria perfeita. Iria manter aquele sorriso idiota
permanente em seu rosto tirando os lábios com uma faca mal
afiada.
— Ela é muito bonita, – devolveu o aparelho – admito que sou
ciumenta. Não posso evitar!
— Ih, meu anjo, nem se preocupa! Somos como duas irmãs.
— Que já praticaram incesto, – completou, beijando o ombro
da ruiva – enfim, esquece minhas idiotices. Domingo vou conhecê-la
e isso irá passar.
— Ótimo, não combina você ser ciumenta. Você já preparou o
jantar?
— Já, mas esfriou. Precisamos esquentar antes de comer.
— Me acompanha no banho?
— Seu convite me parece irrecusável!
Donatela tirou os óculos, levantou com a ruiva encaixada em
sua cintura, levando-a para quarto, aos beijos.
— Eu te amo tanto! Você me faz tão bem! – sussurrou no
ouvido de Gisele.
— E sempre me esforçarei para lhe fazer somente coisas boas!
— Eu também, minha linda. Mesmo às vezes não conseguindo,
quero somente o seu melhor.
Gisele sorriu de encontro aos lábios da morena que a carregava
para dentro da casa. Era uma privilegiada por ter um amor como o
de Donatela.
O beijo se tornou mais exigente enquanto a morena entrava no
quarto a guiando para a cama. Subiu em seu corpo, sem perder o
contato visual com os olhos castanhos. Passou as pontas dos dedos
no seu rosto, tocando a pele sedosa, delicadamente. Deu mais um
beijo nos lábios rosados e se afastou, o suficiente para desabotoar
os botões da camisa que ela usava, revelando a pele com os
pelinhos arrepiados pelo seu toque. A afastou da cama fazendo ela
se sentar encaixando suas pernas na sua cintura. Fez o casaquinho
sair pelos seus braços junto com a camisa. Gisele puxou a amarra
do roupão fazendo ele escorregar deixando a morena desnuda
revelando os seios redondos já tesos. As bocas voltaram a se
encontrar com urgência, enquanto as mãos se exploravam com
pressa. Donatela prendeu a cabeça da ruiva com uma mão,
segurando seus cabelos na nuca.
— Você nunca vai me deixar, não é? – mordeu o lábio inferior de
Gisele.
— Não, meu amor, – gemeu, ao sentir a boca quente de
Donatela massagear seu seio – nunca!
— É bom mesmo. Detestaria fazer algo de ruim com você! –
falou, percorrendo seu pescoço com a língua.
— E o que você faria de ruim se eu te deixasse? – a ruiva sorriu,
sentindo as mãos da morena percorrerem seu corpo.
— Primeiro, eu iria chorar muito, – respondeu, ao se erguer para
soltar o cabelo – depois, iria atrás de você. Pode ser noutra ordem,
também.
— Você iria atrás de mim pra que?
— Você sempre vai ser só minha, – desconversou – de ninguém
mais!
— Que mulher possessiva! – riu, sentindo a mão de Donatela
penetrando seu sexo, iniciando uma lenta masturbação. — Não
precisa pensar nessa possibilidade, jamais quero perder isso!
— Não perderá, sou só sua! – a morena intensificava o
movimento.
— Assim seja, ou terei que lhe algemar e lhe prender! –
sussurrou, rebolando nos dedos da morena. — Você não vai
escapar de mim, Dona, nunca!
— Eu não quero, já me rendi a você. Aceito uma perpétua.
— Que seja uma perpétua, então! – Gisele se entregou ao ritmo
forte que Donatela imprimia, abrindo mais as pernas. Em poucos
minutos, sentiu um intenso orgasmo. A noite estava só começando.

Arthur ligou para Gisele e avisou que se atrasaria. No hospital,


apresentou-se na recepção e pediu para falar com o chefe dos
enfermeiros. Alguns minutos depois, uma mulher de
aproximadamente quarenta e cinco anos o recebeu em sua sala.
— Bom dia, investigador, em que posso ajudá-lo?
— Bom dia. Preciso fazer algumas perguntas sobre uma
funcionária antiga do hospital, Ludmila Fernandes.
— Pobre garota, teve uma morte horrível!
— Você já era chefe quando ela foi assassinada?
— Tinha acabado de ser promovida. Antes disso, trabalhava no
mesmo andar que ela.
— Como você me descreveria ela?
— O caso foi reaberto? Soube que foi arquivado por falta de
provas.
— Continua arquivado. – não deu detalhes.
— Ela era divertida, alegre, apaixonada pelo que fazia! Uma
beleza incomum, tanto no físico quanto na alma!
— Ela era casada com Donatela Ferri. Vocês chegaram a
conhecê-la?
— Uma vez a vi de longe, numa festa do hospital, mas não
cheguei a ter contato.
— Ela falava sobre Donatela?
— Muito pouco. Ela sempre foi bem discreta em relação a sua
orientação sexual. Antes de conhecer Donatela, ninguém sabia que
ela gostava de mulher. Quem sabia mais da vida dela é Janete. Elas
eram muito amigas e levaram essa cumplicidade para a vida
pessoal.
— Ela ainda trabalha aqui?
— Sim. Ela é supervisora de enfermagem da pediatria e
obstetrícia. Eu posso chamá-la, se quiser.
— Por favor, eu agradeço. E obrigado por seu tempo.
— Espero que tenha sido útil. O assassino tem que ser
encontrado. Não importa o tempo que passe, ele tem que pagar!
Arthur apenas assentiu com a cabeça. Alguns minutos depois,
Janete entrou na sala. De pronto, confirmou tudo o que sua chefa
havia dito.
— Como ela conheceu Donatela? – esperava que Janete
soubesse de mais detalhes, por ser tão amiga de Ludmila.
— Aqui, no hospital. Ela tinha tido um problema, acho que se
machucado com uma faca, não lembro. Eu sei que Mila a atendeu e
se apaixonaram. Nunca vi uma pessoa tão feliz e apaixonada, dizia
que Donatela era perfeita. Éramos amigas e Mila vivia falando dela
pra mim, mas não comentava nada com os outros colegas. Os
últimos anos da vida dela foram os melhores!
— Ela lhe disse que havia descoberto algo muito grave, mas
sei que ela não chegou a lhe contar. Você lembra como ela lhe falou
isso?
— Ela me ligou, eu tinha acabado de sair do hospital. Disse que
tinha algo muito perigoso para me contar, que não estava segura. A
ligação caiu no meio, retornei, mas caiu na caixa de mensagem.
— Donatela estava viajando naquele dia, a trabalho. Ela sempre
ficava sozinha?
— Sim. Moravam em um bom prédio, perto do centro. O
apartamento era de Donatela e Mila havia se mudado uns dois anos
antes. Foram morar juntas pouco tempo depois que começaram a
namorar e nunca soube de nenhuma briga.
— Você conheceu Donatela pessoalmente?
— Conheci. Uma mulher bem diferente. Tão apaixonada por
Mila! Eu não entendia muito bem essa coisa de amor entre duas
mulheres até acompanhar o relacionamento das duas. Nunca vi
duas pessoas tão apaixonadas!
— Donatela trabalhava com o que?
— Era bancária. Analista de alguma coisa.
— Você conheceu o irmão dela, Danilo?
— Conheci. Eu conhecia ele mais pelo apelido. Assim como os
outros amigos de Donatela. O quinteto inseparável.
— Qual o apelido deles?
— O de Danilo é Gringo. Já André, China. Eu era louca por ele!
Não sei porque chamavam ele de China, já que era loiro, com um
estilo bem europeu, barbudo. O outro, não lembro bem, sei que o
nome é Rodrigo...
— Digão.
— Isso! Digão e Júlio. Todos eles gente boa! Adoravam fazer um
churrasco na chácara de Gringo. Fui lá duas vezes com elas.
— Você tem certeza disso?
— Tenho.
— Você chegou a falar com a polícia?
— Sim, falei com Campos. Prestei meu depoimento.
— Eu tenho a transcrição. Voltarei a lhe procurar. Por ora, nossa
conversa é extraoficial. Obrigado por seu tempo!
— Você vai reabrir o caso? Há algum suspeito?
— Só suspeito. Quando eu voltar, será oficial. Você está
disposta a depor novamente?
— Sem dúvida! No que eu puder ajudar, estou à disposição!
— Obrigado! – agradeceu, já se despedindo. Suas dúvidas
foram dissipadas por Janete, agora, só precisava de provas. Estava
disposto a fazer justiça a todos que Donatela havia destruído.

Contente com a notícia, Janete procurou, na agenda de seu


celular, o número de Donatela, ansiosa em contar a boa nova.
— Oi, Dona! É Janete, lembra de mim? Que bom que não
mudou seu número! – disparou, logo que a morena atendeu.
— Claro, – respondeu, amistosamente – como você está?
— Estou bem. Preciso te contar uma coisa que talvez seja boa,
não posso lhe dar certeza ainda. Um investigador veio falar comigo
sobre o assassinato de Ludmila. Eles possuem um suspeito! Quem
sabe nossa garota não seja justiçada?
— Isso seria ótimo! Meu Deus, como tenho esperado por isso!
Quem é o investigador?
— O nome dele é Arthur. Ele me disse que, por enquanto, é
extraoficial, mas, de qualquer forma, é bom saber que eles não
esqueceram dela!
— Com certeza! Nossa, você não poderia ter me dado melhor
notícia! Vamos nos encontrar para beber alguma coisa? Passo aí no
hospital.
— Claro! Vou lhe esperar. Saio às seis!
— Estarei aí, pode contar com isso!

Capítulo 14

Donatela, novamente usando o carro de Gringo, estacionou do


outro lado da rua do hospital e ligou para que Janete fosse
encontrá-la. Ao vê-la, abriu parte da janela do sedan e sorriu.
— Oi, Dona, – Janete cumprimentou, sentando-se no banco do
carona – você não mudou nada! Continua bonita, como sempre!
— Obrigada, você continua ótima, também! – fechou o vidro
fumê do carro.
— Eu fiquei tão surpresa quando o investigador apareceu! Achei
que tinham esquecido do caso de Mila.
— O que você contou para ele? – travou as portas.
— O que eu sabia. Que ela tinha descoberto alguma coisa, mas
não me contou. Não tenho mais nada a acrescentar que leve a
identificação do assassino. Uma pena!
— Força na memória! O que você contou pro Arthur? O que ele
te perguntou?
— Ele me perguntou sobre Mila, sobre vocês. Como era a
relação de vocês duas.
— O que mais? – insistiu.
— Foi só isso! Você parece preocupada, algum problema?
— Espero que não. Ele mencionou o nome de alguém? Você
mencionou o nome de alguém?
— Falei dos seus amigos, só. Ele já conhecia o nome de Digão.
Falando nisso, como está China?
— Você falou o nome de cada um pra ele? – Donatela
estacionou numa rua com pouco movimento.
— O que está acontecendo, Dona? Achei que ficaria feliz em
saber, mas você está preocupada com o que eu disse pra ele? –
Janete começou a desconfiar.
— Você é uma imbecil, – Donatela bateu a cabeça de Janete
contra o painel do carro – olha pra mim!
— Eu quero sair daqui! Abre essa porta! – gritou, tentando abrir
a porta.
— Olha pra mim! – Donatela apontou a arma calibre quarenta e
cinco na cabeça da enfermeira. — Você contou pra alguém no
hospital que íamos sair hoje?
— Foi você! Meu Deus! Foi você! Assassina! – Janete finalmente
compreendeu, com o terror tomando conta dos seus olhos.
— Você contou pra alguém que íamos sair hoje? – tornou a
perguntar, baixando o tom de voz.
— Todo o hospital sabe que eu ia te encontrar! Se fizer alguma
coisa comigo, vão direto pra polícia!
— Espertinha! – sorriu, antes de desferir uma coronhada na
cabeça da mulher.
Janete tombou no banco, gemendo de dor. Donatela desceu
do veículo, encontrando Gringo a postos.
— Tenho que voltar ao hospital, ela contou para o pessoal que
íamos sair.
— Tranquilo. Volta lá com o seu carro, nos encontramos na
chácara, depois. Vou dar um tratamento especial a ela.
— Será rápido, passarei no hospital para me verem e depois vou
direto para a chácara.
— Beleza. Até daqui a pouco! – Gringo algemou e amordaçou
Janete, antes de dar a partida e sair guiando devagar.
Donatela entrou no seu próprio carro e voltou para o hospital. Se
apresentou para a recepcionista, que a informou sobre a saída de
Janete. Astuta, se posicionou de forma que a câmera de segurança
capturasse bem o seu rosto. Por fim, encontrou uma outra
enfermeira conhecida, Norma, a qual confirmou que Janete havia
comentado sobre o encontro das duas, mas lamentou não saber
informar seu paradeiro. Satisfeita com o álibi, retornou à chácara,
pois precisava terminar o que havia começado.

Por volta das vinte e um horas, Donatela já estava de banho


tomado e havia guardado suas coisas no carro.
— Você sabe que teremos que sumir com Arthur, não sabe? –
Gringo sentou no sofá, com uma cerveja na mão.
— Eu sei. Só quero ver até onde ele é capaz de chegar. O meu
contato na polícia é o delegado Campos e quero saber que tipo de
investigadores ele colocou para o nosso caso. Ele me disse que
seriam os mais fracos da equipe. Tenho certeza que Arthur não
pode ir tão longe.
— O delegado? Por isso que você nunca contou antes! Bom,
esse Arthur está na sua cola. Melhor ter cuidado com ele.
— Ele está atrás de mim. Pode até saber de tudo sobre mim,
mas sobre o grupo, não sabe nada. Não existe nenhum tipo de pista
que possa levar uma investigação adiante.
— Ele sabe os nossos nomes, já é mais do que devia! –
ponderou.
— Ele só possui nomes. Quantas pessoas no mundo existem
com nomes iguais aos nossos? Ele não irá longe, eu garanto. Vou
segurar por mais alguns dias e redobrarei minha atenção nele.
— Você será chamada para falar com a polícia. Você foi a
última pessoa com quem Janete falou.
— Já tenho um álibi, falei com a recepcionista, com uma
enfermeira que conheci anos atrás, além de ter sido filmada pelas
câmeras de segurança, tudo isso depois que ela saiu. Direi que
liguei e fui procurar uma vaga no estacionamento, quando cheguei,
fui informada que ela havia saído. Inclusive, falei com Gisele sobre
esse encontro.
— Você nunca deu mancada antes, por isso, deixarei que tome
conta dessa situação. As investigações dos assaltos estão paradas,
talvez não seja mais necessário manter Gisele e Arthur transitando
por aí, fazendo perguntas.
— Nada sairá do controle, Pablo. Como você mesmo disse,
nunca dei mancada antes. E não darei agora! Só quero brincar um
pouco de gato e rato.
— Espero que se divirta. O que eu faço com a mulher? Devolvo
ou sumo com o corpo?
— É melhor sumir. Amanhã venho e lhe ajudo a enterrar. Tenho
que voltar, Gisele chegará em casa daqui a pouco.
— Tranquilo. Até amanhã, Dona.

A manhã do sábado passou rapidamente, enquanto Gisele


trabalhava em um caso de latrocínio. Às quinze horas, o caso já
estava resolvido e Gisele ligou para Donatela, que ia encontrá-la na
delegacia.
— Oi, meu bem.
— Demorei? – Donatela beijou o rosto da namorada.
— Não muito. Adiantei o relatório e já estou livre. Você veio de
táxi?
— Sim. Do mercado, iremos direto para casa. Oi, Arthur, – virou-
se para o policial, na mesa ao lado – estamos esperando você e sua
família amanhã, lá em casa!
— Oi, Dona, – Arthur encarou os olhos verdes – eu irei, mas
talvez Cris vá pra casa da mãe, com as crianças.
— Não vem querer inventar desculpas! Acabei de ligar pra ela e
já está tudo certo!
— Você ligou pra Cristina? – estranhou.
— Acabei de falar com ela. Imaginei que inventaria algum
empecilho. Homens sempre inventam, – gracejou – já pegou suas
coisas? – virou-se para a ruiva.
— Vou pegar, só um minuto! – Gisele se afastou.
— Não sabia que tinha o telefone da minha casa. – Arthur
sondou, ao se aproximar da morena.
— Ninguém escapa de mim Arthur, – manteve o sorriso e a
cordialidade – o que eu quero, eu consigo!
— E o que você consegue?
— Fazer sua mulher e as crianças irem almoçar lá em casa!
Tenho certeza que irão se divertir na piscina. Vou providenciar umas
boias para a crianças.
— Você sempre pensa em tudo, não é?
— Eu não deixo passar nenhum detalhe, – piscou o olho,
notando Gisele retornar – pronta, meu amor?
— Sim. Nos vemos amanhã, Arthur.
— Até mais, ruiva. Até amanhã, Donatela.

Poucas horas depois de terem dormido, a morena acordou e


preparou o café da manhã. Aproveitou para conferir o piso inferior,
deixando tudo em seu devido lugar. Abriu o cofre e tirou dinheiro,
para repor seus gastos. Por fim, subiu com a bandeja de café da
manhã. Beijou o corpo da ruiva, acordando-a com carinho.
— Bom dia, meu amor! – beijou os lábios rosados, cujo rosto
iluminava-se cada vez que via a morena.
— Bom dia, linda. Já amanheceu?
— Já está tarde para o tanto de coisas que temos que fazer, –
Donatela pegou a bandeja que estava na mesa de cabeceira –
trouxe o seu café.
— Você está me acostumando tão mal, – riu, segurando a
bandeja enquanto a morena se acomodava na cama – mas ainda
estou com sono.
— Não dormimos quase nada! E já são nove da manhã.
— Você não me deixa dormir!
— E você queria dormir? – perguntou, dando uma mordida no
seu ombro.
— Não. Posso dormir outra hora! Dona, quero te fazer uma
pergunta. Achei você e Arthur meio tensos ontem. Foi impressão
minha ou rolou um estresse?
— Foi impressão sua. Porque eu ficaria tensa com Arthur?
— Não sei, bobagem minha!
— Bobagem, mesmo! Ele e eu nos damos tão bem! Aliás, tensa
eu ficarei mais tarde. A “senhorita sem poros” virá?
— Quem? – Gisele achou graça.
— Você sabe de quem estou falando, – Donatela revirou os
olhos – Raquel virá?
— Vem! Mandarei o endereço por celular. O que faremos
primeiro?
— Vou arrumar a parte dos fundos e colocar a piscina para
aspirar um pouco. Tem que começar a preparar a carne, mas prefiro
que você faça, se deixar para Danilo, já sabe! Ninguém conseguirá
comer!
— Pode deixar, linda. Farei alguma salada, também. Acho que
vai cair bem.
— Com certeza. Agora, toma o seu café e para de me enrolar!

Arthur estacionou em frente à casa de Donatela, observando os


carros de luxo estacionados, todos custavam acima de cem mil
reais. “Órfãos e meros analistas de sistemas. Qual a probabilidade
de ficarem ricos com menos de trinta anos?”. Cristina parou ao seu
lado, admirando a fachada da casa, ao passo que as crianças
correram para o portão, apertando o interfone histericamente.
Gisele, sorridente, liberou a entrada e recebeu abraços das
crianças.
— Oi, Cris. Que bom que vocês vieram!
— Não chegamos muito cedo? – indagou, ao lado do marido.
— Não, de maneira nenhuma. Os meninos já chegaram e já
começaram os trabalhos. Daqui a pouquinho vou buscar Raquel no
ponto de ônibus.
— Oi, ruiva. Esses dois só falam da piscina que Dona contou pra
eles.
— Eles irão se divertir bastante. A piscina é meio funda, mas
com as boias, ficarão bem. Vamos entrar!
— Que casa incrível, – Cristina comentou, admirada – muito
linda!
— Dona tem bom gosto! – Gisele guiou os convidados para o
fundo da casa. Donatela demorou alguns minutos para aparecer.
— Que incrível ter vocês aqui! Fiquem à vontade, a casa é de
vocês. Ali, fica a cozinha, tem de tudo um pouco na geladeira: suco,
refrigerante para as crianças e uma bebidinha pra nós. A comida já
está pronta, também. Colocamos lá fora. E, oh, se virem! Não vou
ficar pegando coisas pra vocês, não! Vocês já sabem onde fica tudo!
– a morena quis deixar todos à vontade.
— Obrigada, Dona! – agradeceu Cris.
— Vem, o pessoal já está aqui no fundo. Vou lhes apresentar.
Caminharam juntos até a área externa. A morena sorriu ao
notar o brilho nos olhos das crianças ao verem a água da piscina
brilhando contra a claridade.
— Esse é Danilo, meu irmão, André e sua esposa, Paula.
Aquele ali é Júlio e o outro, Rodrigo. Galera, essa é Cris, esposa do
Arthur e as crianças. Se comportem!
Arthur acenou, cumprimentando-os, ao passo que Cris foi ao
encontro de cada um. O policial pensava no quanto pareciam
pessoas normais, curtindo um dia normal de domingo. Quem os
visse, jamais diria que formavam o grupo mais perigoso e letal que
ele já teve notícia.
Donatela se empenhou para receber bem os convidados. As
crianças pularam na piscina, com as boias, sob o olhar atento da
mãe. Destarte, a morena observava o comportamento de Arthur,
que prestava atenção em tudo o que podia. Quando Raquel chegou,
sorridente, teve uma atenção especial de Donatela. Ao vê-la
pessoalmente, a morena concluiu: “a broca de três milímetros ficaria
perfeita para fazer os poros”.
— Como vai? – cumprimentou, beijando-a no rosto. Sentiu a
textura macia e sedosa da pele e, discretamente, apertou sua
cintura, sentindo o abdômen firme. Sem dúvidas, passariam uma
noite memorável.
— Muito prazer em lhe conhecer, Donatela, – sorriu – não é à
toa que Gisele é apaixonada por você. Você é muito linda!
— Obrigada, – encarou os olhos cor de mel – Gi realmente tem
bom gosto para mulheres!
— Obrigada.
— Vou lhe apresentar ao resto do pessoal! – Gisele a conduziu
até a roda de amigos. A morena notou os olhares cobiçosos de
Gringo, certamente, ele gostaria de participar.

O dia transcorreu com tranquilidade e todos se enturmaram


facilmente. Danilo dava atenção especial à loira e Donatela trocou
um sorriso cúmplice com o amigo, antes de ir para a cozinha.
— Você não vai fazer nada com ela, por enquanto. – pediu, num
tom mais baixo.
— Vai tentar levá-la pra cama de boa? Ela não gosta de homem,
se lembra?
— Ela gosta! Eu vou ficar com ela.
— Ela é sapatão, porra! Como você ficará com ela se não for na
base da violência? – Donatela inquiriu, em tom de escárnio.
— Ela é bi, sabia?
— Mentira! Sério!? – a morena estava incrédula.
— Sério! – Gringo se afastou ao ver Gisele entrar, acompanhada
por Arthur.
— Uau, – exclamou Donatela, com um sorriso – isso você não
me disse, anjo.
— Não disse o que? – perguntou, beijando o ombro moreno.
— Que a “senhorita sem poros” é bi!
— Ela já ficou com alguns caras antes de nos conhecermos.
Mas, desde então, sei que ela só sai com mulher, – olhou para
Gringo – tá rolando alguma coisa entre vocês, não é?
— Ainda não, mas vai rolar! Aguardem! – o moreno piscou o
olho e saiu da cozinha.
— Que vagabundo! Ele vai ficar importunando a garota! Espero
que Raquel seja paciente.
— Ela pode estar a fim! – Gisele pegou algumas garrafas na
geladeira e entregou a Arthur. — Seu irmão é muito gato! Se eu
gostasse da fruta, investiria pesado!
— Esquisito, – Donatela suspirou – curtindo, Arthur?
— Muito bom! Tô empanturrado de carne e bebida. Cris pegará
o volante na volta, não me comprometo! – finalizou, rindo.
— É sempre bom um motorista reserva. Eu super apoio, –
caminharam juntos, rumo ao jardim – seus filhos estão adorando!
— Estão mesmo. Se divertindo muito!
— Fico feliz que tenha vindo. De verdade, é muito bom ter vocês
aqui, – havia sinceridade na fala da morena – podemos fazer isso
mais vezes.
— É só chamar!
— Ah, Danilo, nem te contei! Essa semana, Janete, a
enfermeira, me ligou. Lembra da amiga de Lud?
— Lembro. Loucona pelo André! – Danilo fez careta para o
amigo.
— Ela me disse para encontrá-la no hospital e me deu o cano,
você acredita? – continuou, encarando Arthur, cuja pele mudava de
cor. — Me disse que tinha uma coisa pra me contar. Fiquei super
curiosa, mas a criatura não me atende mais!
— Às vezes, aconteceu alguma coisa com ela. – o moreno
comentou, sorrindo.
— Ela pode ter caído de uma escadaria! – Donatela zombou,
também sorrindo.
— Caído de um prédio!
— Foi jogada na frente do metrô...
— Como vocês dois são horrorosos! – Gisele interrompeu,
achando graça. — Ela pode simplesmente ter perdido o celular.
Outro dia você passa lá no hospital e fala com ela.
— Irei!
Trêmulo, Arthur entrou na casa. Donatela continuou a
conversa por mais alguns minutos e foi em seu encalço, deparando-
se com o homem inquieto, cujo rosto estava vermelho de tanta
raiva.
— Está tudo bem, Arthur?
— O que você fez com ela? – indagou, surpreendendo-a ao
pegar sua braço e empurrá-la contra a parede, prendendo-a com
seu corpo.
— Ai, Arthur! O que é isso? O que eu fiz com quem?
— Não se faça de idiota, Donatela, nem tente me fazer de idiota!
O que você fez com ela?
— Ah, Arthur, – suspirou – não sei do que está falando. É sobre
Janete? Você foi vê-la no hospital?
— Por que eu iria vê-la no hospital? – inquiriu, entredentes,
praticamente encostando seu rosto no de Donatela.
— Não sei. Não sei nem do que está falando...
— Eu sei quem você é, Donatela. Cuidado!
— Não, não sabe. Você não faz ideia de quem eu sou! –
respondeu baixinho, notando a presença de outra pessoa.
— O que é isso? – Gisele indagou, encarando Arthur que ainda
mantinha Donatela prensada contra parede. — O que está
acontecendo aqui? – finalizou, puxando Donatela pelo braço, para o
seu lado.
— Um mal-entendido, meu anjo. – falou Donatela, olhando
para Arthur.
— Um grande mal-entendido, ruiva, – Arthur concordou, sem
desviar o olhar – acho que já deu meu horário.
Gisele, atônita, viu o parceiro se afastar, apressado. Donatela
permaneceu em silêncio, esperando a reação da namorada.
— Eu quero uma resposta melhor que um “mal-entendido”,
Donatela. O que aconteceu? – o tom de voz da ruiva não era
amistoso.
— Sério, meu amor, já passou! Arthur é seu parceiro de trabalho
e seu amigo de longa data. Talvez eu tenha dito ou feito algo que foi
mal interpretado por ele, mas já passou. Está tudo bem claro, agora.
Isso não irá se repetir!
— O que ele te disse?
— Nada que vá fazer grande diferença na nossa vida. Eu te
amo. Só confia nisso! – finalizou, beijando-a levemente na boca e se
afastando, rumo ao jardim.
Gisele seguiu para os fundos da casa e encontrou Arthur e
Cristina tentando tirar as crianças da água. Donatela estava sentada
na varanda, conversando com seus amigos. Instantes depois, a
família se despediu. A ruiva estava inquieta, mas tentou ser natural.
O amigo ainda teria que lhe dar muitas explicações.
André e Paula também anunciaram a partida. Raquel
aproveitou a deixa e agradeceu o convite.
— Eu vou te levar, só espera...
— Não precisa, ruiva, – Danilo interrompeu, solícito – eu levo
Raquel.
— É totalmente contramão pra você, vou de...
— Nem precisa terminar. Vou me despedir dos caras e já volto! –
cortou, indo se despedir dos amigos.
— Está rolando alguma coisa entre vocês, não está?
— Não sei, ainda, mas descobrirei logo mais! – admitiu, com
jeito sapeca.
— Achei que só saísse com mulheres...
— É minha preferência, mas esse Danilo, vou te contar uma
coisa! Que família abençoada por Deus! Donatela é muito gata e o
irmão não fica atrás. Digamos que, para ele, eu abra uma exceção!
Donatela observava as duas conversando e o olhar de cobiça
que Raquel lançava sob Danilo. Lastimou, pois não poderia pegar a
loira, por ora.
— Você não vai pegá-la, – Gringo chamou sua atenção – eu vou
ficar com ela!
— Eu percebi que não me daria carta branca desde o momento
em que lhe vi de quatro por ela! – Donatela olhou para o amigo.
— E não dou mesmo! Quero curtir um pouco, se não der em
nada, você pode ir atrás dela.
— Tá certo. Não farei nada com ela, não se preocupe. Mas terei
que fazer com Arthur. Ele me enfrentou na cozinha, diretamente!
— Você já sabe o que tem que fazer.
— Eu sei, vou matá-lo! E será em breve!

Capitulo 15

Gisele entrou na delegacia e procurou por Arthur, mas o


parceiro ainda não havia chegado. Tentou se concentrar no novo
caso, em vão, pois a mente vagava no dia anterior. Antes de dormir,
puxou conversa com Donatela, que foi discreta e não falou nada que
desabonasse o seu amigo. Mas, ainda assim, algo lhe incomodava,
apesar de conhecer bem o parceiro, ao longo dos três anos que
trabalharam juntos. Queria acreditar que tudo não passara de um
mal-entendido e que seu parceiro e amigo jamais daria em cima de
uma namorada sua. Precisava entender o que estava acontecendo.
— Bom dia, ruiva. – não notara a presença de Arthur.
— Bom dia, – respondeu, encarando-o – trânsito?
— Muito! Já temos alguma coisa pra hoje?
— Temos, – Gisele apontou uma cadeira ao seu lado – mas,
antes, o que aconteceu ontem entre você e Donatela?
— Nada, um mal-entendido, como ela mesma disse! – Arthur
não desviou o olhar.
— Eu sei que está acontecendo alguma coisa, Arthur! E quero
saber o que é!
— O que ela lhe disse?
— Ela não me disse nada! Não quis te comprometer.
— Me comprometer? Foi isso que ela disse? – Arthut indagou,
ironicamente.
— Não. Essa conclusão é minha! Ela não disse nada que
respondesse minha pergunta. Você estava assediando Donatela?
— Que pergunta imbecil, Gisele! Por que eu iria assediar sua
namorada? Ainda mais sabendo que ela não gosta de homens?
Aliás, que tipo de homem você acha que sou para assediar uma
mulher?!
— Arthur, qual é? Você é meu parceiro, meu amigo! Você não
agiria daquela forma se não tivesse um motivo forte! Desde que se
livrou daquele sequestro, você sempre está perguntando algo sobre
Donatela!
— Eu estou a fim dela, – mentiu, tentando achar uma saída
sem ter que revelar suas descobertas – é isso que quer ouvir? Fui
um idiota achando que ela ficaria comigo de boa.
— Mentira! Mentira sua! Você nunca faria isso comigo! Você é
louco pela Cris! Me fala o que está acontecendo!
— Por que eu não ficaria na dela? Donatela é gata, gostosa!
Você sabe disso melhor do que eu, afinal, você dorme com ela! Eu
não quis que isso acontecesse, mas não pude controlar o que estou
sentindo!
— Você não pode ser tão filho da puta assim! Existe outro
motivo! Me fala a verdade, Arthur! Não me deixe ficar imaginando
coisas!
— Você queria uma resposta, não queria? Está aí. Vou sair e
você pode pensar o que quiser! – saiu rapidamente, sem esperar
resposta.

Rumo à Delegacia de Desaparecidos, Arthur refletia sobre os


perigos que cercavam Gisele. Certo de que Donatela havia sumido
com Janete, o policial se sentia culpado, pois não previra que a
enfermeira ainda mantinha contato com a morena. “Era essencial
manter Gisele afastada de tudo o que sabia, teria que provar suas
suspeitas e pegá-la primeiro, antes de revelar qualquer coisa para a
ruiva”, concluiu.
Arthur foi recebido por um colega que lhe informou sobre a
queixa do desaparecimento da enfermeira. A investigação estava
aos cuidados de Torres que, no momento, não havia chegado.
Esperou cerca de trinta minutos, quando foi abordado por uma bela
mulher loira.
— Estava me esperando? – perguntou, pondo-se de frente ao
homem.
— Torres? Desculpe, pensei, pelo nome, que fosse um
homem. – Arthur não soube disfarçar sua confusão.
— Estava me esperando? – a loira, com um lindo par de olhos
azuis, ignorou o comentário.
— Sim. Meu nome é Arthur Pacheco, sou investigador da
Delegacia de Roubos e Furtos, – se recompôs – fui informado que
você está com o caso do desaparecimento da Janete Gomes Costa.
— Sim, vamos até minha mesa.
Artur seguiu a loira de porte altivo impressionante. Ela tinha
quase a sua altura, entre um metro e oitenta a um metro e oitenta e
cinco. Os cabelos dourados, presos num rabo de cavalo, caíam
abaixo dos ombros. Sentou na cadeira indicada e esperou,
enquanto Torres tirava o casaco preto, revelando uma blusinha
discretamente grudada ao corpo.
— Em que posso ajudá-lo?
— Eu falei com Janete na sexta passada. Provavelmente,
você já sabe disso.
— Sim, por volta das nove horas.
— Isso. Fui falar com ela porque estou investigando um caso
paralelo e pode estar relacionado. Contarei sobre nossa conversa,
mas preciso de sua total discrição, para não influenciar na minha
investigação.
— Continue.
— Conhece Donatela Ferri Garcia?
— Não.
— Conhece essa mulher? – mostrou a tela de seu celular.
— Não.
— Essa mulher é Donatela Ferri Garcia. Ela foi casada com
uma enfermeira que trabalhava naquele hospital, Ludmila
Fernandes, que foi assassinada há quatro anos, dentro de casa. O
assassino nunca foi encontrado. Na ocasião, Donatela estava
viajando a trabalho, com o irmão e um amigo. Ao saber do
assassinato, voltou para a cidade, desolada. O investigador que
atuou no caso chegou a desconfiar dela, mas o nosso delegado a
descartou como suspeita. Ela tinha o álibi perfeito.
— Continue.
— Janete era melhor amiga de Ludmila, dentro e fora do
hospital. No dia do assassinato, Ludmila ligou para ela e disse que
havia descoberto algo muito grave, mas nunca chegou a contar o
que era. Eu tenho a transcrição do depoimento.
— E onde está a conexão?
— Quem assassinou Ludmila foi Donatela. Tenho certeza
disso, só não possuo provas. Sei, também, que ela está envolvida
numa série de assassinatos, assaltos a bancos e ao ataque daquele
carro-forte, há dois meses. Também não possuo provas, mas tenho
certeza do que estou falando.
— Como pode ter certeza se não possui prova alguma? –
Torres indagou, capturando cada detalhe da conversa.
— Eu conheço Donatela! Ela se tornou uma amiga próxima
nos últimos meses, pois namora a minha parceira, a investigadora
Gisele. Passei a conviver com ela e nada parecia se encaixar.
Comecei as investigações por conta própria depois que fui
sequestrado, no dia do ataque ao carro-forte. Fiquei cara a cara com
todo o grupo e pude ver de perto que era ela, mesmo com o rosto
coberto. Como pode ver, pela foto, ela possui olhos que são difíceis
de esquecer.
— E onde entra Janete?
— Na sexta, conversei com Janete sobre o depoimento dela
na época da morte de Ludmila. Não previ que, com a amizade entre
Ludmila e Janete, Donatela também se tornou uma amiga próxima.
Janete deve ter ligado para contar sobre minha visita. Enfim, ontem,
Donatela fez questão de deixar claro que sabia de meu contato com
Janete. Disse que marcaram de se encontrar, mas que Janete havia
sumido.
— A amiga que ela iria encontrar. Donatela Ferri Garcia. –
Torres anotou algo em seu bloco de papel.
— Se você fizer a quebra do sigilo telefônico, com certeza uma
das últimas ligações foi para Donatela, por isso, a bandida sumiu
com Janete!
— Eu já pedi a quebra. Vou receber esse relatório até o final
da manhã. O que sua parceira acha disso?
— Ela não sabe de nada, está cega de paixão! Não consegue
perceber nada de suspeito nas ações de Donatela. Além do mais,
Dona não faz nada de errado que possa chamar sua atenção. É um
grupo bem coeso! Preferi não contar nada, não quero que ela alerte
Donatela.
— Algo mais que queira acrescentar?
— O telefone dela é esse aqui, – Arthur anotou num papel –
certamente irá aparecer no relatório.
— Sobre Janete, o que suspeita que pode ter acontecido? –
quis saber, ao receber o papel.
— Ela está morta, sem dúvida! Donatela a pegou na frente do
hospital e só iremos encontrar o corpo, torturado.
— É o método que ela utiliza?
— Sim.
— Irei ao hospital agora, pegar as imagens das câmeras de
segurança e vou interrogar Donatela na parte da tarde. Você quer
acompanhar?
— No hospital, sim, mas não quero que ela me veja, nem
saiba do meu envolvimento. Nos bastidores, pode contar comigo
para o que precisar.
— Está certo. Vamos? Temos um caminho de dez minutos até
o hospital. Quero que me conte mais sobre Donatela. – caminharam
pelo corredor.
— Contarei tudo o que sei, mas tome muito cuidado! Donatela
fareja o perigo a distância e, pelo que pude perceber, mata qualquer
um que atravessar seu caminho!
Torres meneou a cabeça, em sentido positivo. Entrou no carro
e destravou, para que Arthur sentasse ao seu lado. Ansiava em
conhecer a morena, pois possuía um faro incomum para criminosos
e queria saber se tudo que Arthur dizia era verdade.
Conferiram as imagens das câmeras de segurança e tomaram
depoimento de alguns funcionários, inclusive o de Norma.
Constaram, por fim, que as provas indicavam a ida de Donatela
após a saída de Janete, de acordo com o ponto de registro de
funcionários. Com cópias das fitas, retornaram para delegacia.
— Torres, o relatório que pediu está na sua mesa. – um
homem anunciou assim que a viu entrar na sala.
— Obrigada, Paulo. – a dupla sentou e passou a analisar os
papeis.
— Bingo! – Arthur logo reconheceu o número de Donatela.
— Teve outra, na parte da manhã, às nove e quarenta.
— Foi logo depois que eu saí.
— Paulo, – Torres chamou o colega – vamos falar com uma
pessoa que pode dar pistas do desaparecimento de Janete Gomes.
Saímos em cinco minutos. Qual é o endereço dela?
— Anota aí. Faça um bom trabalho, Torres!
— Eu farei.

Sem conseguir focar no trabalho, Gisele foi para casa de


Donatela, encontrando-a concentrada, sentada no tapete da sala,
trabalhando no computador. Sorriu ao se deparar com os olhos
verdes lhe observando.
— Oi, minha linda! Aconteceu alguma coisa? Por que chegou
agora? –Donatela fingiu surpresa, tirando os óculos.
— Está sendo um dia complicado, – Gisele afastou o
computador e sentou no colo da morena – senti sua falta. –
beijaram-se demoradamente.
— Está preocupada com alguma coisa? – Donatela a aninhou
em seus braços.
— Sim. Não. Não sei, – respondeu, acariciando seu rosto –
Arthur me disse que está a fim de você.
— O que?! Que absurdo – Donatela riu, achando graça da
desculpa que Arthur havia inventado.
— Conversei com ele, hoje mais cedo. Ele me disse que sente
algo por você. Pra mim, também é um absurdo! Sei que ele está me
escondendo alguma coisa. Tenho certeza!
— Meu amor, não existe nada entre mim e Arthur...
— Eu sei que não, – não deixou Donatela concluir – jamais
pensaria isso de você! Eu te amo, confio em você. Eu quero
acreditar que ele não está apaixonado por você, mas não posso
ignorar o que vi.
— Esquece isso, – pediu, deitando-a no tapete e pondo-se por
cima da ruiva – confia em mim, confia no que eu sinto por você! Não
deixe que um mal-entendido estrague sua amizade com Arthur.
— Com o tempo, tudo voltará ao normal! – Gisele aquiesceu,
beijando seu queixo.
— Acho que precisa dar uma relaxadinha, – a morena
sussurrou, beijando seu pescoço – você quer?
— Quero! Você vai me deixar bem relaxadinha? – deixou a
morena tirar sua roupa, lentamente.
— Com toda certeza! Só desliga a mente de tudo, deixa que
eu faço o resto.
— Sua proposta é irrecusável! – gemeu, ao sentir seu seio
tomado por beijos e chupadas. Enroscou a mão no cabelo negro e
se deixou levar pelas sensações que a morena de olhos verdes lhe
causava.

A ruiva tombou de lado no tapete, o corpo mole pelo prazer


sentido. Donatela, ao seu lado, fitava-lhe sorridente, suada, com
intensidade no olhar. Antes que pudessem trocar uma palavra,
escutaram o som da campainha.
— Que droga, – Donatela deitou de costas no tapete,
lamentando – não acredito que vai aparecer um vendedor uma hora
dessas!
— Pode não ser um vendedor, espera que vou conferir. –
Gisele vestiu a camiseta de Donatela e abriu uma fresta da porta.
Notou uma dupla rente ao portão e um carro da polícia civil.
— Gostaríamos de falar com Donatela Ferri. – a loira mostrou
o distintivo.
— Um momento, – fechou a porta e retornou para sala – dois
policiais querem falar com você. – avisou.
— A polícia? – fingiu estranhamento e começou a recolher as
roupas. — Vou subir e me recompor, pede para esperar um pouco.
— Tá, – Gisele se vestiu rapidamente – vou pedir para eles
entrarem.
— Tá bom, meu anjo. Já desço!
Donatela se vestiu relembrando o que diria aos policiais,
surpresa com a rapidez da investigação. Ao descer, observou a
loira, que se apresentava formalmente à sua namorada.
— Desculpe fazê-la esperar, – estendeu a mão cortês – sou
Donatela Ferri Garcia.
— Obrigada por me receber, Donatela. Meu nome é Alexandra
Torres. Esse é Paulo Lima. Somos investigadores da Delegacia de
Desaparecidos.
— Sentem-se, por favor. Aceitam uma água ou um suco?
— Não, obrigada. Se importa de conversarmos na frente de
Gisele?
— Não, de forma alguma! Não mantemos segredos.
— Janete Gomes Costa. Conhece?
— Eu conheço uma Janete, mas não sei o nome completo. Ela
trabalha no hospital Jordão.
— Ela mesma. Vocês se falaram na sexta-feira, pela manhã.
Marcaram de se encontrar no final do dia.
— Isso! Ela me ligou dizendo que tinha algo para me contar e
pediu que eu fosse encontrá-la, mas me deu um cano! Fui ao
hospital, mas ela já tinha saído.
— A última ligação recebida foi uma sua, às dezessete e
cinquenta e cinco. O que conversaram nessa ligação?
— Algum problema com ela? Janete está bem?
— Não sabemos. Ela está desaparecida, por isso, estamos
aqui.
— Claro, que pergunta idiota a minha! – assentiu, encarando
os olhos azuis.
— Responda a minha pergunta.
— Eu liguei para avisar que havia chegado, estava só
procurando uma vaga para estacionar. Pedi que ela saísse e nos
encontraríamos na portaria.
— As câmeras de segurança registraram sua presença dentro
do hospital à dezoito e quinze. Demorou vinte minutos para achar
uma vaga em um bairro residencial?
— Não, não demorei vinte minutos para estacionar. Fiquei
esperando no lado de fora, como havia dito, – respondeu, lembrado
que tinha câmeras na frente do hospital – comprei uma água na
lanchonete na frente e depois entrei.
— Você ficou esperando ou foi comprar água?
— Fui comprar a água enquanto esperava. A frente da
lanchonete cobre toda a portaria do hospital. Eu a veria saindo.
— Você faz ideia do que ela queria falar com você?
— Não. Talvez alguma coisa relacionada à minha mulher. Quer
dizer, não essa daqui, – explicou, sorrindo e apontando para Gisele
– minha ex mulher. Elas trabalhavam juntas.
— Obrigada pelo seu tempo. Posso contar com você para
novos esclarecimentos? – perguntou, saindo em direção a porta.
— Não sei se poderia ajudar mais do que isso, mas, pode sim!
Com certeza!
— Obrigada! – caminharam rumo ao portão.
— Se você puder, me avisa quando a encontrarem, – Gisele
pediu, entregando seu cartão – caso eu possa ajudar em algo, é só
me procurar na DP de Roubos.
— Obrigada, Gisele. Tenham uma boa tarde e desculpe
atrapalhá-las! – sorriu e piscou o olho.
Gisele fechou o portão e abraçou a namorada, caminhando de
volta para a casa.
— Como ela sabia o que estávamos fazendo? – indagou,
sorrindo. — Ela sabe bem mais do que aparenta! – divagou
Donatela.
No decorrer da tarde, o casal conversou sobre o
desaparecimento da enfermeira. Donatela fez questão de repassar
tudo o que havia dito. Notou que a investigadora sequer fez alguma
pergunta sobre Ludmila. Desconfiou que a policial já sabia mais
sobre o caso do que aparentava, só não sabia qual era sua fonte.
Estava na hora de começar a agir, concluiu.
— Ela está mentindo! Liga para Arthur e põe no viva-voz. –
pediu ao colega.
— Por que você acha que ela está mentindo?
— Ninguém tem o cuidado de saber que a visão de algum
lugar cobre a frente de outro lugar. Só quem quer se esconder!
Janete saiu do hospital cinco minutos depois da ligação. Como ela
mesma disse, ela teria visto Janete sair.
— Como foi, Torres? – Arthur atendeu.
— Podemos nos encontrar agora, Arthur? Estou curiosa com
essa Donatela.
Capitulo 16

Torres se encostou na cadeira, prestando atenção no que


Arthur relatava. Tudo se encaixava e queria mergulhar fundo
naquele caso, desde o princípio, em busca de alguma ponta solta.
— Vamos organizar isso, Arthur, – Torres interrompeu o colega,
guardando os papeis numa pasta e pondo-se de pé – mas, não
aqui. Vamos pra minha casa.
— Não entendi. Sua casa?
— Se Campos estiver envolvido, certamente falará com o meu
chefe, para sondar sobre nossas suspeitas e o que temos sobre
Donatela. Direi que estou investigando, sem entrar em detalhes,
mas se ele topar com um quadro de perfil, montado bem aqui, não
terei como me esquivar.
— Tem razão! Me dá seu endereço, passo em sua casa
amanhã...
— Hoje, ou melhor, agora! Avisa a sua mulher que vai trabalhar
até tarde!
— Eu tenho duas crianças pequenas...
— E eu tenho uma mãe desaparecida, provavelmente morta!
E, pelo que sei, você não precisa amamentar! Se você quer
trabalhar comigo, saiba que só descanso quando o criminoso está
atrás das grades!
— Tudo bem, o que mais quero é que a justiça seja feita!
— Ótimo! Já que estamos conversados, vamos para minha
casa!
Torres residia num bairro mais afastado do centro, num
apartamento prático e funcional, com poucos móveis. A loira pegou
duas latas de cerveja, entregou uma a Arthur e mirou a pasta,
repleta de papeis. Bebeu quase metade da cerveja e puxou um
quadro branco para o meio da sala.
— Donatela Ferri Garcia, – falou, enquanto escrevia o nome no
topo do quadro – quem é essa mulher? Um delírio da nossa
imaginação ou uma das mulheres mais perigosas circulando por
São Paulo?
— Estou com a segunda opção. – Arthur bebeu um gole de
cerveja, antes de afrouxar a gravata.
— Certo. O que sabemos dela? Assaltante de bancos,
assassina em série e o que mais?
— Uma falsária, golpista!
— Certo, – escreveu tudo no quadro – ela foi criada em um
orfanato. Você sabe qual é?
— É no interior, mas não sei qual. Nem a cidade.
— Tudo bem, daremos um jeito de descobrir. A família dela, os
Ferri Garcia, pelo que me disse, não brigaram na justiça pela
herança. Aliás, os pais tiveram uma morte bem suspeita.
— O que você acha?
— Danilo e Donatela saem do orfanato e dois meses depois os
pais morrem em um acidente de carro, por falha nos freios. Você já
pensou na possibilidade de terem sidos assassinados pelos próprios
filhos?
— Não tinha pensado nisso, mas tem lógica. Sabiam que os
pais poderiam doar tudo em vida, sem deixar um tostão sequer. Um
acidente garantiria o passe à fortuna.
— Exatamente! O fio da meada dessa história está aí! Temos
que ir ao orfanato, averiguar se algum funcionário que os conheceu
ainda trabalha lá. Se traçarmos um perfil desde a infância,
poderemos entender melhor seus atos e, quem sabe, conseguir
alguma prova.
— Certo. O que mais?
— Você precisa verificar com a Homicídios quantos corpos
foram encontrados torturados desde que ela saiu do orfanato e se
tem uma conexão. Essas mortes não foram aleatórias! O cara que a
assaltou, um dos cúmplices do assalto ao carro-forte, que deve ter
feito alguma merda com ela, o seu informante. Até o seu vizinho,
num claro recado! Aliás, no dia que vocês foram à casa de
Donatela, pedir ajuda com o IP, o irmão e o amigo estavam, correto?
— Isso, os três!
— Saindo da casa dela, vocês foram encontrar o informante.
Os outros dois caras do bando seguiram vocês! Eles não sabiam de
Leonardo, seguiram vocês e descobriram!
— Eu atendi a ligação na frente deles, mas não disse nada que
pudesse levantar suspeita.
— Se ela for realmente perigosa e esperta a tal ponto, ela
simplesmente percebeu algo, nos seus gestos, tom de voz, sei lá!
Ela pensa como bandido e como polícia, mas age como uma cidadã
cumpridora das leis!
— Um passo à frente, sempre!
— O endereço de IP, você ainda tem?
— Aqui, – Arthur entregou uma folha e apontou outras – esses
são os retratos do caso Lambda e estes sãos os que refiz, depois.
— Ok, – Torres procurava um número na agenda do telefone –
oi, Jefferson, preciso rastrear um IP. Anota aí: 1835824509.
Provavelmente, usaram cobertura. Preciso disso para ontem,
obrigada!
— Não tem como rastrear esse IP, – suspirou, ao ver a loira
desligar o celular – foi utilizado uma técnica de...
— Ele apareceu do outro lado do mundo? – Torres sorriu.
— Foi!
— Arthur, esquece o que Donatela falou! Nós estamos à frente,
nós encontraremos esse endereço! Não existe acesso que não
possa ser rastreado, por mais que ela seja o caralho com um
computador, Jeferson é um rastreador de hackers. Se encontrarmos
o computador dela, encontramos uma prova!
— Espero que dê certo!
— Dará! Vamos voltar aos assassinatos. Ela tortura e mata,
com requintes de crueldade e você achou um padrão.
— Essa mulher é um monstro! Não posso deixar a ruiva perto
dela, preciso contar para Gisele!
— Se eu fosse você, não faria isso. Por mais irônico que
pareça, Gisele está mais segura com Donatela. Se você contar, ou
ela surtará, chamando atenção de Donatela, ou terminará o namoro.
De qualquer maneira, irá assinar sua sentença de morte. Pelo que
me disse, Gisele está apaixonada e não terá inteligência emocional
para agir como se nada tivesse acontecido.
— Isso é um grande pesadelo!
— E ficará pior! Fica esperto, você já está na mira, por tê-la
afrontado! Isso foi um erro!
— Eu perdi a cabeça!
— E vai perder, literalmente, se não prestar muita atenção em
tudo o que fizer. E não deixe sua família desprotegida, – alertou,
bebendo um gole da cerveja – mas, voltemos aos fatos. O último
desaparecimento relacionado à Donatela é o de Janete. É onde eu
entro e tenho interesse. Se ela estiver morta, preciso entregar seu
corpo, para que seja enterrada pelos seus parentes.
— Voltando aos fatos, temos os assaltos aos bancos e ao
carro-forte. Precisamos pegar o grupo todo!
— Em relação aos assaltos, está fora da minha alçada! Não
vou me concentrar nisso, mas quando pegarmos Donatela, Danilo
cai junto. Basta você saber fazer as perguntas certas e terá todos os
cinco!
— Certo, uma coisa por vez. Amanhã eu consigo essas
informações com a Homicídios.
— Ótimo. Vou localizar o orfanato e iremos juntos. Precisamos
descobrir o tipo de pessoa que ela é e com quem estamos lidando.
— Precisamos verificar o suposto emprego no Bolsacap,
também. Se ela não possuir vínculo com o banco, quebra todos os
álibis anteriores, inclusive o da morte de Ludmila.
— Perfeito! Vamos repassar tudo e a agenda de amanhã.
Mantenha Gisele afastada. Se possível, troque de parceira.
— Verei o que consigo!

Donatela estacionou o carro na frente do prédio onde havia


alugado a sala comercial. Os amigos e parceiros de crime lhe
aguardavam.
— O que tá pegando, Dona? Pra que marcou essa reunião? –
China indagou logo que a morena entrou na sala.
— Eu estou sendo investigada, – sentou ao seu lado – Arthur
está fuçando a minha vida e agora tem outra investigadora na
jogada.
— Ta se envolvendo com outra policial? Não tem como você
arrumar uma pessoa normal pra namorar? Uma traficante já
ajudaria. – Digão comentou, em tom de chacota.
— Não estou me envolvendo com outra mulher! É uma
investigadora da Desaparecidos. Chama-se Alexandra Torres.
Esteve lá em casa, ontem, querendo saber sobre meu encontro com
Janete.
— Mas já está tudo certo, não? Você tem um álibi forte! Você
chegou ao hospital depois que ela já tinha saído.
— Sim e ela sabe disso, com o rastreamento das ligações e as
imagens de segurança, mas algo na postura dela não me agradou.
Ela sabe de mais coisas do que aparenta!
— Como assim? – China quis saber.
— Ela me perguntou o que Janete queria falar comigo.
Respondi que não sabia, que poderia ser sobre Ludmila e ela não
fez nenhuma pergunta a respeito disso. Simplesmente se levantou e
foi embora, como se já tivesse o suficiente!
— Alguém está passando informação pra ela?
— Desconfio que seja Arthur. Como ela é responsável pela
investigação do desaparecimento de Janete, ele deve ter lhe
contado o que pensa de mim.
— Ele possui alguma coisa que prove?
— Não, nunca deixo rastros. Mas, de qualquer forma, de agora
em diante, qualquer passo que eu der, os dois ficarão na minha
cola.
— Ela sabe alguma coisa a respeito de nós? Alguma coisa
sobre Lavínia? – Júlio indagou.
— Não, nem tem como saber. Se tivesse alguma coisa a ser
investigado, nesse ponto, Gisele já saberia. Aliás, nosso caso está
parado e eles estão atuando noutras coisas.
— O que você sugere? – Gringo perguntou.
— Irei me desvincular de vocês, assim, as investigações se
concentram só em mim.
— Quando você vai tirar Arthur da jogada?
— Hoje à noite. Vou simular um acidente de carro.
— Você acha que ele pode estar junto com essa Alexandra?
— Existe essa possibilidade, mas Arthur é tão paradinho que
duvido muito. Ele pode até ter falado alguma coisa para ela, mas
duvido que atuariam juntos. Essa Alexandra vai ser um pé no saco
sozinha.
— Não acredito que seja necessário você se afastar da gente,
– China contemporizou – só temos esse escritório de fachada e
iremos ficar parados por um bom tempo ainda.
— Não quero comprometer vocês.
— Isso só acontecerá se você for pega e der com a língua nos
dentes! De qualquer sorte, tiramos você de lá antes disso!
— Não serei presa! Eles não tem prova alguma, nada que
sustente sequer a abertura de um inquérito!
— Se você tem tanta segurança, não há porque se preocupar,
Dona!
— Quero deixá-los em alerta. Tenho quase certeza que eles
estão focados em mim. Preciso de um carro novo, limpo. Consegue
um, Digão? Vidro escuro.
— Consigo, de boa. Modelo popular ou...
— Tem que ser rápido! Um esportivo.
— Fechado. Cento e oitenta.
— Te dou o dinheiro quando me entregar. Sobre hoje à noite,
com Arthur, talvez eu precise da ajuda de alguns de vocês.
— É só chamar!
— Eu vou ligar pra ele e combinar um encontro.
Sob o olhar dos companheiros, Donatela pegou o celular e
ligou para o policial.
— Oi, Arthur, é Dona.
— O que você quer, Donatela? – perguntou, de forma seca e
direta.
— Esclarecer esse mal-entendido. Gi me contou o que você
falou para ela, isso não tem sentido! E sabemos disso!
— Está tudo esclarecido, não precisa se preocupar.
— Eu me preocupo. Vocês são amigos há anos! Vamos nos
encontrar hoje à noite, depois do trabalho e esclarecer tudo. Gisele
não precisa passar por isso.
— Não, Donatela, deixe as coisas como estão. É melhor!
— Estou tentando ser razoável, Arthur! – insistiu.
— Está bem, hoje não posso. Talvez nos encontramos
amanhã. Eu ligo.
— Você manda! Vou esperar sua ligação. – Donatela desligou
o telefone, satisfeita.
— Ele está com medo! – observou Gringo.
— É bom que tenha. Vou arrancar a pele dele! – disse,
lamentando ter errado na época do sequestro. Não deveria ter
deixado Arthur vivo.

Arthur desligou o telefone, sob o olhar atento de Torres.


Estavam no Departamento de Recursos Humanos, na sede do
banco Bolsacap, aguardando a chegada da coordenadora.
— Ela quer você – falou Torres, encarando-o com a mesma
postura seria e dura de sempre, andando de um lado para o outro –
esse “convite” é uma é uma forma de te pegar.
— Eu não darei esse prazer a ela! Donatela vai ter que se
esforçar muito para conseguir me pegar! – respondeu, com
segurança.
— Acho que você é quem precisa se esforçar muito e ficar
atento a todas as situações que ela possa forjar, inclusive usando
Gisele. Toma cuidado!
— Vou me precaver, pode ficar tranquila! – garantiu, vendo
uma mulher na casa dos cinquenta anos se aproximar. — Marilza?
Meu nome é Arthur, essa é Torres. Podemos conversar por alguns
minutos?
— Claro. Me acompanhem, por favor.
O trio caminhou até a sala de Marilza. Logo que a mulher
fechou a porta, Torres iniciou a conversa.
— Precisamos saber de uma funcionária que trabalhou aqui,
há alguns anos. Podemos fazer isso agora ou precisaremos de um
mandado? – a loira foi direto ao ponto, sem rodeios.
— Acredito que podemos resolver sem maiores entraves, a
não ser que seja um caso que envolva a imagem do banco.
— Não é o caso, – assegurou – Donatela Ferri Garcia. Analista
de sistema. Provavelmente atuou como TI.
— Vamos ver o que encontro, – disse, digitando o nome no
teclado – Donatela não é um nome comum. Ah, não. Não tivemos
nenhuma funcionária chamada Donatela.
— Vocês trabalham com empresas terceirizadas para a área
de segurança da informação ou pessoal próprio?
— Tudo é concentrado no próprio banco. Terceirizamos
apenas os canais de comunicação.
— A central de TI foi transferida para o sul nos últimos meses?
– Arthur quis saber.
— Sim, há uns quatro a cinco meses.
— Vocês registraram alguma invasão de hackers nos últimos
anos? Ou algo que possa ter alterado qualquer coisa nesse banco
de dados? – Torres apontou para o computador.
— Não. Quer dizer, mudamos todo o sistema de segurança
depois de uma invasão que apagou o registro de pessoal, mas isso
já faz tempo. Uns seis ou sete anos. Por sorte, mantínhamos todos
os arquivos num depósito e passamos os registros para o novo
banco de dados. Mas, somente dos funcionários que continuavam
na ativa.
— E para termos acesso a esses registros, no depósito,
preciso de uma autorização judicial?
— Precisa. Nesse caso, por se tratar de informação pessoal, é
necessário que...
— Paulo, ligue para o juiz Santiago, – Torres interrompeu a
coordenadora, ao telefone – preciso de um mandato para o arquivo
de funcionários do Bolsacap. Urgente. Se ele não estiver disponível,
tente a Juíza Maira. Escaneia e manda pra, – afastou o telefone da
boca – qual o seu e-mail? – indagou, sem maiores explicações.
Cerca de uma hora depois, a dupla entrou no depósito de
arquivos, no quinto andar do prédio, guiados por Marilza. Foram
direto para a letra D, mas não encontraram pasta alguma com o
nome “Donatela”.
— Você não tem ideia de como nos ajudou, obrigada! – Torres
agradeceu, ciente de que os álibis de Donatela haviam perdido a
credibilidade.
— Se precisarem de mais alguma informação, estamos à
disposição.
— Obrigado. – foi a vez de Arthur agradecer. Antes de
alcançarem a porta, Torres estacou, repentinamente.
— Pensando melhor, quero ver todo o seu arquivo.
— Tudo bem, – suspirou – preciso acompanhar?
— Não será necessário. Caso precisemos de cópias, aviso.
— Combinado. Estarei na minha sala, caso tenham alguma
dúvida. Logo que Marilza saiu, Torres abriu o gaveteiro na
letra A. pegou todas as pastas e pôs em cima da mesa. Arthur parou
ao seu lado, com o cenho franzido.
— O que está procurando?
— Sujeira! Você disse que Donatela sabe desmontar todo o
sistema de segurança de um banco. Então, provavelmente foi ela
quem invadiu o Bolsacap e apagou tudo, para acobertar algo.
Talvez, algum dos comparsas tenha trabalhado aqui e forneceu
informações que a ajudasse. É um tiro no escuro, eu sei, mas quero
arriscar!
— Tem todo sentido. Bom, conheço cada um deles. Posso
identificá-los!
Passaram horas revirando as pastas, em busca de algum
indício. Arthur, com sinais de desânimo, sentou e afrouxou a
gravata. Estavam na letra J e não identificaram nada meramente
suspeito.
— Vamos até a letra L, – Torres mostrou mais uma ficha ao
colega – se não acharmos nada, olhamos os arquivos no
computador. Será mais rápido e confortável do que ficar cheirando
esse pó.
— Pode ser. E se não encontrarmos ninguém?
— Teremos a convicção de que Donatela não possui nenhum
vínculo com esse banco, – mostrou outra ficha – temos...
— Espera! É Júlio! Esse é Júlio! – Arthur interrompeu,
entusiasmado.
— Tem certeza?
— Absoluta, – pegou o arquivo – eu o reconheceria em
qualquer lugar! Aliás, reconheço os cinco em qualquer lugar! E ele
foi mandado embora por fraude!
— Aí está a conexão com os bancos! Eles conhecem toda a
estrutura por dentro!
— Filhos da puta!
— Se meu instinto estiver certo, eles se conheceram aqui. Pelo
menos uma parte. Donatela pode ter entrado depois.
— Pode ser. Temos que continuar! – Arthur teve o ânimo
renovado ao encontrar o arquivo de Júlio.
Torres começou a pegar as fichas com mais rapidez,
mostrando a Arthur e descartando em seguida. A letra L, composta
em sua maioria por mulheres, a loira conferia e descartava. Numa
das últimas fichas, parou, atônita, mirando a foto.
— O que foi? – Arthur quis saber.
— Olha isso! – mostrou ao colega a ficha de Lorena Campos
Batista, cuja foto estampava o rosto de Donatela.

Capitulo 17

— Como... – Arthur balbuciou, perplexo, com os olhos fixos na


ficha – como pode isso? Falsidade ideológica?
— É o que tudo indica, – Torres concluiu, pegando outros
papeis dentro da pasta – também foi demitida por fraude. Trabalhou
aqui só oito meses. Veja a data da demissão na ficha de Júlio, bate?
— Bate, – Arthur pôs as fichas lado a lado – foram demitidos
no mesmo dia. O grupo se formou aqui dentro!
— Ou não. Danilo não apareceu.
— Isso se o nome for Danilo mesmo! Talvez ele não tenha sido
demitido no mesmo dia.
— Vamos direto ao ponto! Os nomes são André, Danilo, Júlio e
Rodrigo, correto?
— Sim. Vou procurar na letra R, mas não podemos nos basear
sem ter visto todas as fichas.
— Lorena... Quem é Lorena? Quem é Donatela? A filha da
puta é boa, muito boa! Que vaca! – Torres sorria, convencida da
inteligência da morena.
— Eu disse que eles são bem coesos e inteligentes! São muito
bons!
— Gosto de pensar que sou melhor ainda! Isso se tornou pra
lá de interessante! Irei até o final, Arthur. Pode contar comigo!
— Obrigado, Torres, – agradeceu, terminando de conferir a
letra R – não tem ninguém aqui.
— Deixa isso para depois. Eu quero Donatela. Vamos falar
com Marilza.

— Nossa! Essa Lorena foi uma dor de cabeça! Lembro


perfeitamente dela. A suspeita é que ela nos tirou mais de meio
milhão, mas não tivemos como provar e fazer uma acusação na
polícia.
— Conte-nos detalhes.
— Em toda agência que ela trabalhava, sempre sumia alguma
coisa, sem rastro algum. O chefe dela desconfiou e passou para o
setor de fraude.
— Ele ainda trabalha no banco?
— Ele faleceu pouco depois que ela saiu.
— Do que ele morreu? – Arthur olhou para Torres.
— A casa dele foi assaltada. Ele reagiu e foi baleado.
— Um tiro? Sem tortura?
— Sim, levaram o computador dele e mais algumas coisas da
residência...
— E o assassino nunca foi encontrado! – completou Torres,
rindo.
— Isso não é engraçado, – repreendeu Marilza – o assassino
deveria estar atrás das grades!
— Em breve! Preciso de uma cópia desses arquivos.
— Minha secretária irá providenciar.
— Uma última pergunta: você lembra quem eram os amigos de
Lorena aqui no banco?
— Júlio e André. Eram da mesma equipe.
— André permaneceu trabalhando aqui?
— Não, ele pediu demissão há alguns anos, pois se envolveu
com uma funcionária e não permitimos relacionamentos amorosos
entre funcionários. Paula continua conosco.
— Me mostra a ficha dos dois. – pediu Torres, dando a volta na
mesa e parando atrás da cadeira da mulher. Arthur confirmou, num
gesto discreto, assim que viu a imagem na tela.
— Quero essas fichas, também. Por que André não foi embora
no bolo?
— Não havia suspeita contra ele. Sempre foi um funcionário
exemplar. Tenho certeza que não sabia o que os amigos faziam e
isso ficou comprovado com as auditorias internas.
— Obrigada por seu tempo, Marilza. Essa conversa tem que
ficar em sigilo, não comente com ninguém. Paula não pode saber,
em hipótese alguma, que estivemos aqui.
— Não tem como ela saber, pois trabalha em outra cidade,
raramente a vejo. Mas, preciso saber se ela está envolvida em
alguma atividade ilegal.
— Isso é sigiloso, mas posso lhe assegurar que ela não possui
nenhum vínculo direto. Ela é amiga da namorada de uma pessoa
que estamos investigando. Se ela comentar qualquer coisa, pode
acabar com o nosso caso!
— Claro, entendi. Não sei nem do que estão falando! –
gracejou.

A caminho da delegacia, Donatela repassava os últimos


acontecimentos. Certa de que Arthur havia descoberto algo, já que
sequer retornava suas ligações, a morena pensava numa forma de
eliminá-lo. Precisava saber acerca das investigações sobre o
desaparecimento de Janete, pois tinha certeza que Torres a
investigava. Na delegacia, cumprimentou alguns policiais e foi direto
para mesa de Gisele, sendo informada que a ruiva e o parceiro
estavam numa reunião com o delegado.
— Eu não quero mais, não adianta! Já decidi! – Arthur disse,
resoluto.
— Arthur, isso é trabalho! Não tem nada a ver com nossa vida
pessoal, você não pode me deixar, cara! Somos parceiros! – Gisele
não escondia sua tensão.
— A decisão é sua, delegado. Ou me muda de parceiro ou
peço uma transferência. Não vejo outra saída!
— Realmente estou surpreso, – Campos disse, com
sinceridade – você e Gisele sempre se deram tão bem! Alguém quer
me explicar o que está acontecendo?
— Um mal-entendido, delegado, – Gisele respondeu, mirando
Arthur – um grande mal-entendido!
— Não é um mal-entendido! Não quero ficar me torturando de
graça, todos os dias! Será que você não percebe que isso vai afetar
o nosso trabalho?
— Arthur, você não está sendo razoável. Isso é tão absurdo
que não dá pra acreditar!
— Eu me segurei até onde deu, ruiva. Agora, já chega!
— Sejam claros, – Campos perdia a paciência – o que está
acontecendo entre vocês?
— Estou atraído por Donatela. Não consegui me segurar no
último final de semana na casa dela e rolou uma situação
embaraçosa. Não quero que isso volte a acontecer. E mais, quero
resgatar meu amor pela minha esposa!
— Isso não tem sentido, – Campos se mostrou confuso –
Donatela gosta de outra coisa, do que Gisele pode oferecer,
digamos assim.
— Pois é, por isso, não vou complicar as coisas. É só me dar
um novo parceiro!
— Não vou nem perder meu tempo com isso! Resolvam o
assunto pessoal de vocês, pois não mudarei minha equipe por
causa de uma paixãozinha à toa!
— Certo, pedirei minha transferência. – Arthur saiu da sala.
Gisele nada disse ao delegado e correu atrás do parceiro,
indignada com a situação. Antes que pudesse lhe dizer algo, viu
Donatela a esperando.
— Está vendo como isso não vai dar certo, – Arthur apontou –
eu não quero ficar passando por isso. Não posso nem chegar perto
de minha mesa!
— Eu perdi alguma coisa? – Donatela levantou, mirando os
dois. Arthur passou direito, sem a cumprimentar.
— Não é nada, meu anjo, – Gisele meneou a cabeça, em
sentido negativo – acho que Arthur perdeu a noção das coisas.
— O que aconteceu, linda?
— Nada demais, só me enganei a respeito do caráter dele.
— Ainda é aquele problema comigo?
— Esquece isso, por que você veio aqui?
— Queria fazer uma surpresa, te levar pra jantar, mas já
percebi que não é um bom dia, de novo.
— Não. Não é.
— Tá. Vou cumprimentar o Campos e já volto, para irmos
embora! – Donatela pegou a bolsa e seguiu, apressada, para sala
do delegado. Gisele foi atrás de Arthur.
— Vida boa! – assustou o delegado, que contemplava a rua,
perdido em seus pensamentos.
— O que está fazendo aqui?
— Vim buscar minha mulher, – respondeu, sorrindo e
mantendo o clima ameno – o que está acontecendo com Arthur?
— Ele me disse que está apaixonado por você. Um absurdo!
— Óbvio que é mentira. Ele está me investigando, por isso não
quer continuar trabalhando com Gisele e inventou toda essa
baboseira. Quero que mantenha os dois juntos.
— Certamente! Não mudarei nada!
— Ótimo. Veja com a Delegacia de Desaparecidos como
andam as investigações sobre o desaparecimento de uma mulher
chamada Janete Gomes Costa. O caso está com Alexandra Torres.
Descubra se ela tem alguma suspeita sobre mim. Diga que Gisele
pediu essa informação. Você sabe como fazer.
— E você sumiu com ela?
— Não vamos tratar disso aqui, não é? Consegue isso e,
depois, eu lhe conto tudo. Fica de olho em Arthur! Ele está fuçando
demais e está difícil pegá-lo sozinho.
— Você vai...
— Vou. Já era pra ter acontecido ontem.
— Cuidado, você está começando a se expor por causa de
Gisele...
— Nada sairá do controle. Só preciso tirar esse abelhudo do
caminho. Até mais, Campos. Foi um prazer revê-lo.
Donatela viu Arthur conversando com um colega e se
aproximou. Gisele não estava na sala, então, aproveitou para
chamá-lo.
— Por que não me retornou? – olhou direto nos olhos do
policial.
— Muito trabalho, – respondeu, sem desviar o olhar – muita
sujeira a ser investigada e descoberta.
— Essa situação já passou dos limites, não acha?
— Não. Não cheguei nem na metade ainda, – inclinou-se para
falar baixo, sorrindo com desdém – mas já encontrei coisas
incríveis!
— Quer conversar sobre isso? Podemos chegar num
consenso vantajoso e lucrativo, tenho certeza que não causará
nenhum dano.
— Não. Obrigado, Dona, mas a sua proposta é recusável –
aproximou-se ainda mais, para cochichar no ouvido da morena –
ou...
— Oi, Arthur. – Torres interrompeu.
— Oi, Torres. – Arthur se afastou e se recompôs.
— Olá, Donatela.
— Oi, você é a mulher que foi lá em casa... Desculpe, não
lembro seu nome.
— Arthur acabou de falar. Torres.
— É verdade, me desculpe. Estou um pouco atordoada com
algumas coisas.
— Uma reunião? – Gisele retornou à sala.
— Vim te falar que Janete voltou pra casa. – Torres encarou
Donatela.
— Que coisa boa! O que aconteceu com ela? – Gisele ficou
feliz com a notícia.
— Se envolveu com a pessoa errada, – a loira desviou o olhar
e mirou Gisele – mas, o bom senso reinou.
— Isso é muito bom, – Donatela havia entendido o recado,
ciente que se tornara o alvo – detestaria que algo de ruim tivesse
acontecido a ela.
— Tipo o que, – a loira matinha o tom de voz controlado – uma
sessão de tortura ou um tiro certeiro na cabeça?
— As duas coisas seriam bem ruins!
— Sem dúvida, muito ruim, – assentiu, sem desviar os olhos
de Donatela – você deveria visitá-la. E, desta vez, cuide para que
ela não suma na sua frente, de novo! Leve Gisele com você. –
finalizou, puxando Arthur pelo braço.
— Que mulher grossa! – Gisele comentou, observando-a
sentar ao lado de Arthur.
Donatela nada disse, refletindo. Mataria os dois, não poderia
adiar. Torres parecia bem mais esperta do que aparentava.

— Que merda você pensa que está fazendo?! – Torres


demonstrou sua irritação.
— Não consigo me controlar perto dela! Minha vontade é de
dar um tiro na cabeça daquela mulher!
— Você tem que relaxar, Arthur! Se continuar assim, terminará
numa vala antes que o dia amanheça. Não posso lhe cobrir desse
jeito! E se essa mulher resolver sumir?
— O ego não vai permitir que isso aconteça. Além do mais, ela
não deixaria Gisele.
— Vamos para minha casa, alimentar aquele quadro. E sua
mulher e seus filhos?
— Foram pra casa da mãe dela, no interior.
— Ótimo. Ela trocou o número do celular?
— Trocou. Não tem como Donatela encontrá-los, nem Gisele
sabe onde fica.
— Perfeito! Pegou os relatórios da Homicídios? – indagou, já
de pé.
— Peguei.
— Vamos pra casa. Você precisa de um uísque e um plano
para amanhã.

Após aquela visita repentina de Torres, Donatela teve a certeza


de que os dois trabalhavam juntos. Em casa, admirou a ruiva, que
dormia profundamente em seu colo. Não permitiria que ninguém as
separasse, nada acabaria com o sentimento que as unia.
Na manhã seguinte, Donatela seguiu direto para a casa de
Digão, para receber o carro novo.
— Preciso de uma arma de longo alcance, temos uma, não é?
— Temos duas. Estão com Gringo, na chácara. Vai atuar de
atiradora agora?
— Preciso eliminar Arthur o quanto antes. Ele e a outra
investigadora, Torres.
— Não sei se tem muitas balas. Qualquer coisa, me fala e eu
arrumo mais.
— Só preciso de duas! – Donatela foi incisiva. — O dinheiro
desse está na mochila, – bateu no teto do carro – valeu pela
rapidez, cara.
— De boa. Toma cuidado para não perder o controle. Você
parece um pouco tensa.
— Nada sairá do controle, pode ficar tranquilo. Só preciso
arrumar isso e tudo volta ao normal.
— Só voltará ao normal quando você eliminar Gisele.
— Vou cuidar de tudo, – olhou nos olhos do comparsa – não
se preocupe.
Digão meneou a cabeça, em silêncio. Torcia para que a
companheira de crime desse um jeito em tudo, pois demorariam até
encontrar outra pessoa como Donatela.

Arthur saiu do apartamento de Torres direto para Delegacia de


Furtos e Roubos, marcando de encontrar a loira logo que
justificasse sua ausência no trabalho. Torres conseguiu descobrir o
endereço do orfanato e a dupla o visitaria. Identificaram pelo menos
sete homicídios com o modus operandis de Donatela, o que deixou
Arthur ainda mais preocupado com sua parceira. Precisava resolver
logo aquela situação e proteger sua amiga.
— Arthur, – Campos chamou logo que o viu entrar – tudo irá
permanecer como está. Não vou mexer no meu pessoal por conta
de bobagens.
— Eu pensei que faria isso. Tudo bem, vou permanecer com
ela, – apontou para a ruiva, que lhe olhava – mas não reclame
quando nossa vida pessoal interferir no trabalho. Eu já avisei!
— Essa nova amizade que você arrumou com Torres não está
te fazendo bem. Você está sendo estúpido igual a ela!
— E quem disse que sou amigo dela? – perguntou, ciente de
que o delegado não havia visto a policial na noite anterior.
— Eu sei de tudo que acontece com o meu pessoal, –
desconversou – se concentre no seu trabalho!
— Até mais, Campos. Se quiser, pode me suspender! – deu as
costas ao chefe.
Arthur parou na frente da mesa de Gisele. Em seu íntimo,
ansiava em contar toda a verdade para a parceira e amiga.
— Algum problema, Arthur? – Gisele parou de escrever e
mirou o colega.
— Continuamos juntos, – respondeu, apoiando-se na mesa –
sinto muito por toda essa situação.
— Não sente, não! Conversaremos apenas sobre trabalho!
— É justo! Sairei agora e não retorno mais.
— No que você está trabalhando?
— Assunto particular. Temos alguma coisa importante?
— Não. Também darei um perdido, hoje. Vou me mudar, em
definitivo, para a casa de Donatela.
— Você está certa disso?
— Estou. Farei uma surpresa, vê se não estraga tudo!
— Boa sorte, ruiva, – Arthur se afastou, mas retornou – vou só
te pedir uma coisa: toma cuidado com tudo. Se você perceber
qualquer coisa estranha, qualquer coisa que não se encaixe, me
procura. Mas, acima de tudo, fica atenta. Sempre atenta!
— Me fala o que é.
— Não posso. Boa sorte, ruiva. Você merece ser feliz! –
finalizou, dando um beijo em seus cabelos.

A viagem até o orfanato demorou três horas. Por sorte, duas


mulheres trabalhavam lá há mais de vinte anos e conheceu os
irmãos Ferri Garcia. Após a identificação dos policiais, sentaram
num banco do jardim e conversaram. Descreveram Donatela como
uma menina gentil e atenciosa, sempre pronta para ajudar com as
crianças menores.
— Me fala mais sobre Danilo.
— Não tem muito o que falar. Ele vivia naquela cadeira de
rodas, fechado no seu próprio mundo...
— Danilo era paralítico?
— Se ele não morreu, ainda é – respondeu a senhora, sorrindo
– Danilo teve paralisia infantil.
Arthur trocou um olhar com Torres, anotando a informação.
Queria saber sobre Donatela.
— Me conta mais sobre Donatela. A senhora disse que ela
sempre foi uma menina muito carinhosa. Sabe se aconteceu alguma
coisa com ela, aqui dentro, que pudesse mudar esse
comportamento?
— Não, acho que não. Ela tinha uma amiga e eram muito
grudadas. Pareciam duas irmãs, fisicamente. Essa menina deu
trabalho! Ela tinha um namoradinho aqui dentro, Pablo, mas quando
elas pegaram amizade, não sei, não. Acho que ela trocou Pablo por
Donatela.
— Qual o nome dela?
— Lorena.
— Tem foto deles? Dos quatro?
— Não. Tivemos um incêndio, pouco depois que eles saíram.
Destruiu todos os arquivos, mas Donatela doou o dinheiro da família
para reconstruirmos. Acho que só Glória pode ter alguma coisa. Ela
guardava fotos de todas as crianças!
— Ela ainda trabalha aqui?
— Não, se aposentou há uns sete anos, mas mora aqui na
cidade. Se quiser, posso lhe passar o endereço.
— Obrigado. A senhora pode nos falar um pouco sobre
Lorena?
— Lorena era ruim! Vivia infernizando a vida de todos, batendo
nas crianças. Só ficava quieta quando estava com Donatela ou
estudando alguma coisa. Eu acho que ela era meio perturbada!
— Só mais uma pergunta: Donatela voltou aqui depois que
saiu do orfanato?
— Não, nunca mais vi nenhum deles.
— Certo, obrigada pelo seu tempo e pelo endereço! – Torres
agradeceu, recebendo o papel com o endereço de Glória.
No carro, Arthur inseriu o endereço no GPS e Torres deu a
partida.
— Lorena tomou o lugar de Donatela! – Torres deu um tapa no
volante. — Como ela fez isso e ninguém desconfiou?
— Onde está a verdadeira Donatela? – Arthur temia a
resposta.
— Morta, com toda certeza!
O celular de Torres tocou, cortando a conversa. Ao identificar o
número, fez questão de atender.
— Oi, Jefferson. Ótimo. Já pegou o endereço com a
operadora? Ok, me manda por mensagem. Valeu! – colocou o
aparelho no painel. — Acharam o computador. Jeferson conseguiu
rastrear o IP. Não disse que o cara é foda?!
— Será que é a máquina dela mesmo?
— Vamos ver isso agora, – Torres ouviu o toque da
mensagem, pegou o aparelho e sorriu, oferecendo ao colega –
pegamos!
Capitulo 18

— Obrigado por nos receber, tomaremos pouco do seu tempo.


– Arthur cumprimentou a senhora.
— Não se preocupem, policiais. No que posso ajudar vocês? –
Glória quis saber, afável.
— O orfanato Caminho de Luz. A senhora trabalhou lá por
muitos anos e soube que guardou fotos de quase todas as crianças
que passaram por lá. – Torres explicou.
— Quase todas, não, – corrigiu, enfática – tenho fotos de
todas as crianças que estiveram sob meus cuidados! E me lembro
de cada um deles!
— Isso é ótimo! Queremos saber de Donatela, seu irmão,
Danilo, e Lorena. – Torres foi direta.
— O que esses três andaram aprontando? Tenho certeza que
é culpa de Lorena! Eu sabia que aquela garota ia ser uma coisa
ruim!
— Ela era tão ruim assim?
— Demais! Mas ela não maltratava na cara da gente. Era
manipuladora! Conseguia tudo que queria, manipulando um,
fazendo um charminho aqui, um dengo ali!
— E Donatela?
— Donatela a adorava! Acho que queria ser tão atraente como
Lorena. Tenho pra mim que as duas eram namoradinhas! Um dia,
encontrei as duas dormindo na mesma cama, abraçadinhas.
— E o namorado da Lorena, Pablo?
— Não falava nada. Nunca entendi aqueles quatro. Só Danilo
mesmo que não fazia nada, porque estava preso na cadeira de
rodas. Se pudesse fazer também, acho que faria!
— Podemos ver as fotos deles? – pediu Torres.
— Claro. Vou buscar! Aceitam uma água? Está um calor tão
forte!
— Não, obrigada. Só queremos ver as fotos e já vamos
embora. – Torres tentava ser paciente. Alguns minutos depois,
Glória retornou com uma caixa embaixo do braço.
— Está por aqui, – falou, ao sentar e abrir a caixa – são muitas
crianças!
— Nós ajudaremos! – Arthur se dispôs, entregando um
punhado de fotos a Torres.
— Ah, Ângela... Quanto tempo que eu não vejo essa menina!
Essa daqui é Luiza, foi adotada por um casal no Japão e Leandro...
— Quem é esse daqui? – Arthur interrompeu, mostrando uma
foto.
— Esse é Pablo, o namoradinho de Lorena!
— Tem certeza?!
— Absoluta! Tô velha, mas minha mente ainda está boa! Olha
essa foto aqui, foi a última que tirei antes de eles saírem. Esse é
Danilo, aqui na cadeira. Do lado dele, Donatela, essa loirinha aqui.
Essa morena é Lorena e, aqui no canto, Pablo. Do lado dele,
Marcos. Esse ruivinho, Felipe...
— Vamos nos concentrar nos quatro, – foi a vez de Torres
interromper, com um sorriso – precisamos de mais fotos. A senhora
tem?
— Tenho sim. Nesse álbum, tenho uma foto de todas as
crianças. Queria fazer algo parecido com um anuário, – comentou,
virando as folhas calmamente, perdida nas lembranças e causando
um comichão em Torres, que optou em esperar ao invés de tomar o
álbum, apesar da impaciência – aqui, Donatela e o irmão. Lorena
está na letra L.
— Podemos ficar com essas fotos?
— Vocês precisam? Eu não queria me separar delas!
— É para uma investigação criminal. Acreditamos que Lorena
possa ter assassinado Donatela e tomado o lugar dela.
— Meu Deus! Que coisa horrorosa!
— Precisamos dessas fotos para provar que Lorena não é
Donatela, como ela diz, – explicou Arthur – prometo lhe devolver,
intacto!
— Vou confiar na sua palavra. Se Lorena fez isso mesmo, tem
que ir pra cadeia!
— A senhora não pode comentar sobre nossa visita com
ninguém! Precisamos manter segredo!
— Ninguém acreditaria numa coisa dessa! – reconheceu.
— Obrigada por sua ajuda!
A dupla se despediu, reforçou as recomendações e partiu, de
volta à capital.
— Vamos detê-la! Já fomos muito longe e quanto mais
pessoas souberem da investigação, maior a chance dela descobrir e
ficar acuada, podendo até mesmo fugir. Temos que deixar claro no
que estamos trabalhando e a periculosidade dela. Se acontecer
alguma coisa com a gente, saberão quem foi.
— É fundamental nos assegurarmos disso! Conversarei com a
ruiva, quero levá-la ao seu apartamento essa noite!
— Agora, sim, pois já temos provas. Quero fazer uma busca
na casa de Donatela. E torcer para Gisele acreditar nas evidências.
— Ela será racional, tenho certeza!

Donatela desviou os olhos da delegacia por alguns segundos,


conferindo a hora no celular. Havia passado o dia inteiro de tocaia,
esperando Arthur aparecer com Torres. O relógio já marcava
dezesseis horas e decidiu esperar até as dezenove. Acabaria com
eles no dia seguinte, se fosse necessário.
Um carro preto parou um pouco a frente do de Donatela, que
observou a nova dupla descer e caminhar em direção à delegacia.
Notou que estavam com pastas e supôs ser algo contra ela. Ligou o
carro e passou pela porta delegacia, estacionando na outra esquina.
Usando um boné preto e peruca loira, entrou num prédio comercial
e subiu até a cobertura, buscando um ponto de boa visão. Montou o
rifle e aguardou, pacientemente, com o dedo no gatilho.
Cerca de trinta minutos depois, Arthur e Torres saíram da
delegacia. Pararam para conversar com um homem, antes de
atravessar a rua. Donatela esperou o momento certo, respirou fundo
e mirou em Arthur, disparando o primeiro tiro. Torres teve o tempo
de um segundo antes de ver Arthur cambalear em sua frente e
começar a cair. Ao se virar para segurar o colega, teve a impressão
de que um tiro passou perto de sua cabeça. Amparou Arthur e
buscou a origem dos disparos, identificando um ponto de luz num
prédio. Atirou na direção do ponto, descarregando a arma. Antes
que pudesse recarregar, vários policiais se aproximaram, para retirá-
los da zona de perigo.
Donatela praguejou, enquanto tirava o rifle do parapeito e
desmontava com a mesma rapidez com a qual montara. Colocou
tudo na bolsa e ajeitou a blusa, alcançando as escadas de incêndio.
No saguão, recompôs-se e andou, cabisbaixa, sem chamar atenção.
Entrou no carro e viu, pelo retrovisor, Torres apontando o prédio.
Esmurrou o volante e jogou a peruca no banco. Tirou a blusa e
observou, pelo espelho interno, o sangue escorrer. Torres havia
acertado seu braço. Com a própria blusa, pressionou o ferimento,
sem parar de dirigir.

— Isso vai dar merda, Donatela! Porra, você tomou um tiro! –


Gringo a recebeu na varanda da chácara.
— Isso não é nada, Gringo! Quem levou a pior foi Arthur! Foi
certeiro! – comemorou, limpando o pequeno ferimento depois de
tirar a bala.
— Conseguiu pegar ele?
— Peguei. Agora, só falta Torres. Amanhã, até a tarde, ela fará
companhia para Arthur, no além!
— Resolve isso, Dona. Não quero ser obrigado a agir!
— Você não precisa fazer nada.
— Você precisa eliminar Gisele, também. Nós vamos voltar
agir somente em agências do interior, não precisaremos mais dela.
— Então, não precisamos nos preocupar com ela! – Donatela
o encarou.
— Isso não está em discussão! Elimine Gisele o mais rápido
possível, sem chamar a atenção da polícia!
Donatela anuiu e buscou se concentrar no ferimento,
terminando de fazer o curativo. Realmente estava na hora de
resolver aquela situação, de uma vez por todas.

Na recepção do hospital, Torres e vários colegas aguardavam


notícias do estado de saúde de Arthur. A bala trespassou sua
cabeça e os médicos tentavam conter uma hemorragia. Na
cobertura do prédio não havia indício algum que Torres pudesse
usar para comprovar a participação de Donatela no atentado, pois
somente as cápsulas foram encontradas. Ouviu o desespero de
Gisele, ao chegar no hospital e ser amparada por amigos. Torres
fechou os olhos e pendeu a cabeça pra trás, tentando apagar o
horror daquela noite, mas a voz alterada de Gisele não permitia.
Minutos depois, notou o silêncio e abriu os olhos, procurando pela
ruiva. Ao vê-la com o celular no ouvido, levantou e foi ao seu
encontro.
— Com quem está falando? – indagou, nervosa, segurando o
braço de Gisele.
— Espera um momento, amor, – Gisele se refez do susto com
a chegada da loira – você sabe o que Arthur estava investigando,
não sabe? Vocês estavam juntos nisso! Irei ignorar suas grosserias
se me der uma pista de quem fez isso!
— Com quem você está falando? – tornou a perguntar.
— Com alguém que pode me dar um pouco de conforto nesse
momento...
— É Donatela? Me deixa falar com ela! – pediu, soltando o
braço da ruiva.
— Torres, você...
— Me dá essa merda, – interrompeu, impaciente, prendendo o
braço da ruiva e pressionando-a contra a parede – eu vou te pegar!
Não importa quem você seja, seus dias de liberdade estão
contados! Pode anotar isso!
Torres soltou Gisele e jogou o celular em sua direção. A ruiva,
confusa, observou a loira orientar os seguranças e policiais,
proibindo que qualquer pessoa se aproximasse de Arthur.
— Oi, minha linda, desculpa por isso. Essa mulher está
surtada!
— Eu percebi. Arthur está bem? Corre risco de vida? – o
interesse de Donatela era genuíno.
— Ele ainda está com os médicos. Ninguém está autorizado a
entrar, por enquanto. Ele sairá dessa, tenho certeza! Eu preciso
desligar.
— Vou aí, ficar com você.
— Não precisa, linda. Não quero que passe por isso,
principalmente com essa perturbada aqui. Tentarei conseguir mais
informações sobre Arthur e vou pra casa. Amanhã as coisas estarão
mais tranquilas.
— Tá bom, minha linda. Estou te esperando.
Gisele desligou o celular e caminhou em direção a Torres,
ciente de que a loira teria informações acerca de Arthur. Parou,
observando a mulher conversar com vários policiais. Para evitar
atrito, desistiu de um novo contato e foi para casa, encontrando
Donatela sentada no sofá, lendo. Correu para os braços da morena,
aninhando-se em seu colo, desabando num choro convulsivo. Aos
prantos, pôs toda a sua frustração para fora. Donatela apenas a
envolveu em seus braços, acariciando-a ternamente, dando leves
beijos em seus cabelos. A morena não queria machucá-la daquela
maneira, mas fora necessário. Nada poderia ficar no caminho das
duas.
— Tá mais calma, meu amor?
— Eu nunca me perdoarei se algo acontecer com Arthur. Eu
tinha que estar ao lado dele, não aquela loira estúpida.
— Não acontecerá nada com ele, – contemporizou, dando um
beijo na sua testa – tudo irá se resolver e ficaremos bem.
— Nada vai ficar bem, anjo. Nada! Está tudo errado, tudo do
avesso! Eu estou perdida, não sei o que fazer, pra onde ir.
— Estou aqui, com você, não se preocupa com nada! Tudo irá
se ajeitar, – pegou um copo com água – bebe um pouco de água.
Toma um banho quente, enquanto preparo algo leve pra você
comer.
— Não estou com fome. Vou tomar um banho e deitar.
— Eu vou com você, vou te proteger de tudo. – Donatela
abraçou Gisele, de forma protetora.

Donatela passou a noite em claro, planejando seu próximo


passo. Lamentou que, apesar do tiro excelente, Arthur ainda
estivesse vivo. Precisava encerrar aquele assunto e tirar Torres de
seu caminho. Após o enterro de Arthur, sairia de férias com Gisele,
pelo menos um mês. Tempo suficiente para decidir o que fazer com
os amigos, pois não permitiria que nenhum deles encostasse um
dedo na sua namorada.
Sons de carros quebraram a quietude do lugar. Donatela mirou
o relógio, que marcava oito e meia da manhã. Levantou
rapidamente e correu para janela, vendo viaturas formando uma
barreira nos portões da casa. Correu para o quarto do fundo,
notando carros estacionando pela rua de trás. Percebeu que era
impossível fugir e retornou para o quarto principal.
— O que foi, linda, – Gisele acordou com a movimentação e
viu Donatela em pé – aconteceu alguma coisa? Arthur...
— Arthur continua vivo, – assegurou Donatela, sentindo seu
castelo desmoronar – você tem que prestar atenção em tudo o que
eu te disser, Gi.
— O que está acontecendo? – Gisele não escondeu a aflição.
— Eu te amo! Eu te amo como nunca amei ninguém nessa
vida, –ouviram o barulho da campainha – como tenho certeza que
nunca mais vou amar. Tudo o que sempre falei a respeito de você,
de nós, foi verdadeiro. Só confia no que eu sinto por você.
— Eu confio, meu amor! – Gisele levantou e abraçou
Donatela, sendo interrompidas pelo segundo toque da campainha.
— Quem está aí?
— Torres e mais alguns policiais. Vai abrir a porta pra eles.
— O que ela...
— Vai abrir a porta. Vou me vestir e já desço.
— Dona, me fala o que está acontecendo!
— Vem cá, meu amor, – beijaram-se delicadamente, ao
terceiro toque da campainha – vai lá abrir a porta. Eu te amo!
Gisele, imóvel, viu Donatela entrar no closet e fechar a porta.
O som do quarto toque da campainha lhe despertou do devaneio,
vestiu um roupão desceu as escadas, alcançando rapidamente o
portão. Notou que a equipe usava coletes à prova de bala.
— O que está acontecendo? – logo que abriu o portão, Torres
entrou, com arma em punho. — Você não pode ir entrando assim...
— Donatela, onde ela está? – interrompeu.
— Escuta aqui, Torres, essa casa é de Donatela e você não
pode entrar sem o consentimento dela!
— Isso é um mandato, – mostrou o papel – você sabe o que
significa, não sabe?
— Como... – balbuciou.
— Onde está Donatela? – tornou a perguntar, entrando na
sala.
— Estou aqui, Torres. No que posso ajudar? – Donatela
desceu as escadas devagar.
— Coloque as mãos onde eu possa ver! – ordenou, apontando
a arma para a morena, que as ergueu. — Você está presa por
falsidade ideológica. – anunciou, virando-a contra a parede e
revistando-a.
— O que é isso? – Gisele, atônita, viu Torres algemando
Donatela.
— Essa é a senhorita Lorena Campos Batista, a sua
namorada!
— O que essa mulher está falando, Dona?
— E isso daqui é um mandato de busca e apreensão. Seu
computador será apreendido, junto com tudo mais que eu julgar
necessário. Você tem o direito de permanecer em silêncio e ser
assistida por um advogado. Se não tiver, a defensoria pública será
acionada. Ah, mas você tem dinheiro, não é? Pegou toda a herança
de Donatela e levou milhões dos bancos!
— Eu tenho o direito de ficar calada, não é? – respondeu,
sorrindo.
— Amor, o que está acontecendo? – Gisele parou na frente de
Donatela, em evidente desespero, e tocou seu rosto. — O que essa
mulher está falando? Me fala, droga!
— Você só precisa saber do que eu disse antes, – respondeu,
beijando a mão da ruiva – fica longe de Danilo e dos meninos. Se
eles te chamarem para qualquer coisa, não vá. Mude todos os seus
hábitos e fique o mais próxima possível de Torres. Vou resolver isso
e volto pra você!
— O computador está aqui. – um policial trouxe o aparelho do
escritório.
— Ótimo! Entregue a Jeferson, com urgência. – Torres se virou
para Donatela. — Nada poderia me dar mais prazer do que fazer
isso, – apontou as algemas – você se acha esperta, não é, Lorena?
Pena que tropeçou em mim pelo caminho e não conseguiu enfiar
uma bala na minha cabeça, como fez com Arthur.
— É você quem diz! – respondeu, desviando seu olhar para a
ruiva. — Eu te amo, Gi. Faz o que eu te pedi e não dê espaço aos
meninos! Não dê nenhuma chance a eles. Eu vou resolver tudo e
voltar pra você.
— Você não vai a lugar nenhum, Lorena, eu garanto! Onde
estão as armas? – indagou.
Donatela permaneceu em silêncio, mirando Gisele. As duas
não desviaram o olhar, no qual a ruiva demonstrava toda a confusão
que sentia. Torres as observou e tentou interromper, em vão.
— Me poupe tempo, Lorena! Onde estão as armas?
— Aqui, Torres, – chamou um policial no topo da escada – tem
algumas coisas interessantes aqui.
Torres indicou a escada e as três subiram, em silêncio. No
closet, viram as roupas espalhadas no chão e uma bolsa aberta,
com vários maços de dinheiro. Na parede, um cofre, outrora coberto
pelas roupas.
— A combinação. – Torres quebrou o silêncio.
Donatela respondeu, observando Gisele ser detida por outro
policial, enquanto a loira digitava os números. Ao abrir o cofre,
Torres sorriu, retirando duas armas automáticas, sendo uma calibre
quarenta e cinco. Puxou Donatela pelo braço, rumo ao quarto.
— Ai! – gemeu.
Torres puxou a gola da blusa e viu o curativo. Puxou o
esparadrapo, sem qualquer delicadeza e confirmou a marca de um
tiro.

— Você está presa pela tentativa de assassinato do


investigador Arthur Pacheco. Levem ela daqui!

Capítulo 19

Inerte, Gisele observou Donatela ser levada por quatro


policiais, ao passo que outros revistavam toda a casa. Torres,
determinada a achar o rifle e comprovar, pela balística, que
Donatela era responsável por mais aquele crime, aproximou-se da
ruiva.
— Gisele, precisamos conversar...
— O que está acontecendo, Torres? Que dinheiro é esse? Que
armas são essas? Isso foi plantado aqui dentro. Donatela... – a ruiva
finalmente saiu do estado de choque.
— Donatela está morta! A mulher que saiu daqui presa, agora,
chama-se Lorena! – explicou, tocando o braço da ruiva.
— Mentira, – gritou, ao se desvencilhar do contato – mentira
sua! Não sei o que você e Arthur pretendem com isso, mas é
mentira!
— Arthur, nesse momento, só pretende ficar vivo, lutando pela
vida na UTI! Vida essa que Lorena tem todo o interesse em tirar! E
que quase conseguiu!
— Isso é um grande pesadelo! Não pode ser real! Eu
perceberia se tivesse algo de errado com ela, porra! Eu durmo com
ela há meses, eu teria percebido! – lamentou, dando vazão às
lágrimas.
— Tenho muito que lhe mostrar e explicar. Me ajude a
encontrar as coisas nessa casa, – pediu, pegando sua mão – eu sei
que tem mais coisas escondidas por aqui. Vou pra delegacia,
efetivar a prisão dela, quero que venha comigo. E, como você
mesma colocou, você dormia com ela há meses, por isso, preciso
conferir se eram cúmplices.
— Cúmplice do que, pelo amor de Deus!? – gritou, passando
as mãos na cabeça.
— O amor não pode ter lhe deixado tão cega! Ela e Gringo,
conhecido como Danilo, mas que, na verdade, se chama Pablo,
eram os líderes do bando que assaltava os bancos. Assaltos que
vocês investigavam! Preciso que me diga onde eu posso encontrá-
lo. Arthur me disse que ele tem uma chácara.
— Eu não sei onde fica, nunca fui lá, – Gisele pegou o celular
– vou ligar para Campos e...
— Não vai, não, – proibiu, tomando o telefone – Campos é
aliado dela. Tenho certeza que são parentes, a contar pelo
sobrenome. Quem vai cuidar dele é a corregedoria!
— Campos... Meu Deus!
— Temos que ir pra DP, Gisele. Pelo que ela disse, Pablo irá
atrás de você, junto com o resto do grupo. Se você não é aliada
nessa sujeira toda, é inimiga deles. Com toda a certeza, irão te
apagar.
— Eu quero ver Donatela, preciso vê-la!
— Fora de cogitação! Ela já está sob custódia do Estado.
— Eu preciso ouvir da boca dela, entende?
— Tá, vamos discutir isso no caminho, – concordou, para
evitar o prolongamento da conversa – veste uma roupa e vamos.
A caminho da Delegacia de Desaparecidos, Gisele, no mais
profundo silêncio, revivia toda aquela manhã confusa. Não queria
acreditar que sua morena, doce e carinhosa, era uma psicopata fria
e sem escrúpulos. Certamente, haveria uma explicação plausível
para todo aquele dinheiro e armas. Torres estava enganada,
Donatela jamais se envolveria com algo ilícito.
Dentro da delegacia, Gisele foi impedida de ver Donatela e
encaminhada para uma sala. Cerca de trinta minutos depois, Torres
entrou, com uma pasta na mão.
— Quando você conheceu Donatela? – começou, mirando a
folha.
— Há seis, talvez sete meses, – respondeu, buscando contato
visual – nunca fui de gravar datas.
— Onde?
— Isso é um interrogatório?
— É o que parece, não é? – a loira mirou os olhos de Gisele.
— Estou detida sob que acusação?
— Cúmplice, obstrução de justiça, omissão... A lista pode ser
imensa.
— Isso é um absurdo!
— Você tem o direito de ficar calada, chamar um advogado e
depor somente perante um juiz, você bem sabe. Mas, por ora, estou
encarando isso como um bate papo. Se você não sabia das ações
de Donatela, não tem o que temer.
— Donatela não fez nada! Vocês estão procurando um bode
expiatório e ela apareceu como uma oportunidade!
— Se ela não fez nada, responde a minha pergunta.
— Em um bar! Eu sempre ia lá quando saía do trabalho. Numa
dessas vezes, ela puxou conversa comigo. Acabamos nos
envolvendo.
— Você já tinha visto Donatela antes disso?
— Não.
— De quem foi a ideia de um segundo encontro?
— Minha. Eu liguei pra ela e convidei para jantar.
— No dia do assalto ao banco Credit, onde ela estava?
— Viajando, a trabalho, no interior do Estado.
— Quando ela saiu do banco Bolsacap?
— Cerca de um mês depois. Ela pediu demissão porque
transferiram a área de TI para o sul do país.
— E os rapazes?
— André e Danilo não trabalhavam mais lá. Na verdade, não
sei no que trabalhavam depois de sair do banco e antes de montar o
escritório.
— Suponho que não saiba, também, o que Rodrigo e Júlio
fazem.
— Não. – Gisele percebeu que desconhecia informações
banais sobre os amigos de sua namorada.
— Como você conseguiu um cargo de investigadora? – Torres
questionou, sarcástica.
— Vá se ferrar, Torres! Eu não tinha motivos para ficar fazendo
perguntas!
— Não é uma questão de fazer perguntas, – disse,
calmamente recolhendo os papeis – é uma conversa durante um
churrasco do tipo: o meu supervisor na empresa x é isso ou eu fiz
um trabalho y. São as coisas corriqueiras, coisas que nos mostram
quem as pessoas realmente são! Mas você estava tão cega com
Donatela que não via nada disso, não é?
Gisele emudeceu, acompanhando, com o olhar, a loira
caminhar até a porta.
— O fato de eu não prestar atenção nesses detalhes não torna
Donatela uma bandida! – reconheceu, em parte, o que a loira dizia.
— Não torna, de fato. Mas, o que ela faz, sim! Donatela é uma
das pessoas mais perigosas com quem tive que lidar até hoje! Vou
lhe mostrar as provas que Arthur e eu conseguimos. Por ora, um
policial da corregedoria virá falar com você. Espere aqui.

Antes de entrar na sala de interrogatório, Torres observou a


morena, estática, olhos fixos na porta. Uma bela mulher, com um
rosto talhado pelas mãos habilidosas de um excelente artista, mas,
extremamente perigosa, ardil e violenta. Respirou fundo, ciente do
quanto Donatela era inteligente, e abriu a porta.
— Oi, Lorena, – cumprimentou, sorrindo e sentando na
cadeira, de frente para a mulher – demorei um pouco, mas, vamos
dar continuidade ao trabalho. Comecemos pela pergunta principal:
onde está Donatela?
A morena relaxou um pouco a postura, recostando-se na
cadeira. Percebeu que Torres havia avançado nas investigações,
mas desconhecia boa parte de seus crimes e de sua real história. A
loira seria uma excelente aliada, se não tivesse um senso de justiça
tão apurado. Além de habilidosa com armas, tendo lhe acertado
mesmo sob estresse e numa distância considerável, era inteligente
e astuta. Atributos que respeitava em qualquer pessoa.
— A casa caiu, Lorena! Me poupe tempo e responda minha
pergunta!
— Como você mesma disse, tenho o direito de ficar calada!
Mas, vou te pedir que cuide de Gisele. Vão tentar pegá-la e, se não
estiver sob proteção, conseguirão!
— Quem vai pegar Gisele?
— Não preciso dizer! Não a deixe sozinha, nunca! Estou
contando com você!
— Eu não acoberto cúmplices de bandidos! Somente Arthur
tem minha proteção e, por isso, você não conseguiu completar seu
serviço! – Torres se pôs de pé.
— Você é quem sabe, mas, lembre-se que é uma vida que
está em suas mãos! Meu telefonema.
— Agora não, estamos conversando. Me conta de Pablo. Ele
foi seu namorado no orfanato, não foi? Como vocês se tornaram
irmãos?
— Onde Gisele está?
— Ele tomou o lugar de Danilo, um cadeirante sem muitas
perspectivas de vida. Onde está Danilo?
— Onde Gisele está?
— Eu faço as perguntas! E quero respostas! – falou, batendo
na mesa.
— Vamos fazer um acordo: me deixa dar o telefonema que
tenho direito e, depois, respondo suas perguntas. – propôs,
encarando os olhos azuis.
— Um telefonema de cinco minutos. Não mais que isso.
— Não preciso disso tudo! – sorriu.
Torres assentiu e saiu da sala por alguns minutos. Donatela
retornou à posição inicial, olhando fixamente para a porta. O corpo
imóvel contrastava com a mente que trabalhava em turbilhão,
planejando os próximos passos. Qualquer deslize seria crucial e
morrer ou ficar presa pelo resto da vida não eram alternativas. Era
hora de acionar Lavínia.
A loira voltou pouco tempo depois e colocou o telefone sem fio
na mesa.
— Cinco minutos! – empurrou o telefone.
Donatela pegou o aparelho com as mãos algemadas e discou,
sob o olhar atento de Torres. Sabia que a ligação seria rastreada.
— Preciso de ajuda, – disse, brevemente, quando a irmã
atendeu no segundo toque – DP Desaparecidos. Venha
imediatamente. – desligou e jogou o aparelho na mesa. Tudo estaria
resolvido em uma hora.
— Qual o nome do seu advogado?
— Você saberá, em breve, – respondeu, sorrindo – mas, como
acordado, estou pronta para responder suas perguntas.
— Onde está Donatela?
— Na sua frente.
— Sem gracinhas, Lorena! Eu quero respostas concretas.
— Quer algo mais concreto do que uma pessoa de carne e
osso na sua frente?
— Se você é Donatela, uma garota loira, quem é essa morena
aqui do seu lado? – inquiriu, ao tirar a foto da pasta e mostrar à
morena.
Donatela olhou demoradamente para a foto, sentindo seu
coração parar por um segundo e o estômago gelar. Uma enxurrada
de lembranças varreu sua mente, memórias de uma vida que
escondida debaixo de um tapete há mais de dez anos. Pegou a foto,
analisando os rostos das crianças que sorriam para a câmera. Seus
olhos se concentraram na adolescente loirinha, cujo sorriso lhe
encantara por tantos anos. Seu primeiro amor, sua primeira paixão
e, principalmente, sua pior loucura.
— Fez a lição de casa, – observou, ainda com os olhos
grudados na foto – eu a amava. Um amor puro e inocente de uma
criança.
— O que aconteceu com esse amor? – indagou, notando que
a morena alisava a foto com as pontas dos dedos, ciente de que a
atingira em seu ponto mais fraco. — Onde está Donatela?
— No lugar onde sempre quis ir, – respondeu, sem notar a
lágrima que escorria pelo seu rosto – ela me pediu, implorou. Eu
não queria, mas jamais negava um pedido dela. Nunca! Não
importava as consequências, fazia qualquer coisa por ela. Ela só
queria que a dor parasse.
— O que você fez? – Torres disfarçou a surpresa por ver um
traço de humanidade na morena.
— Ela tinha uma doença degenerativa, não teria uma vida
longa. Se conseguisse viver, ficaria como Danilo, só que com dores
excruciantes.
— Ela me parece perfeitamente normal nessa foto.
— A mulher que lhe deu essa foto, certamente, não tem idade
para lhe contar exatamente o que aconteceu.
— Me conta, então.
— Não há nada que eu possa falar.
— Danilo e Donatela não foram rejeitados por causa de um
caso extraconjugal, não é? Foram rejeitados porque eram
portadores de necessidades especiais.
— Vivemos em um mundo cruel, Torres. Pode ter certeza que
não sou o único demônio circulando por aí.
— Como aconteceu?
— Só falo quando meu advogado chegar! – jogou a foto em
cima e secou a lágrima, reassumindo a postura ereta. Torres havia
tocado na sua feria mais profunda, mas precisava se recompor.
— Nós temos um acordo! – lembrou.
— Eu lhe dizer o que temos: um caso sem futuro! – sorriu,
sarcástica.
— Vamos lá, Lorena. Você sabe tão bem quanto eu que sairá
dessa delegacia direto para o presídio! Você assumiu a vida de
outra pessoa, roubou a herança dela, há uma coleção de armas
sem registro recolhidas na sua casa e tenho certeza que quando eu
fizer uma busca mais apurada, encontrarei mais coisas. Sem contar
o dinheiro no cofre e na bolsa do seu maleiro. E sabe Deus o que
mais vai aparecer nessa história! Você ainda terá que dar muitas
explicações.
— Gisele está aqui? – quis saber, com um fio de preocupação.
— Ela está detida.
— Sob que acusação?
— Ela era sua cúmplice.
— Qual é, Torres? Você sabe tão bem quanto eu que ela não
sabe de nada! Assim como você! – zombou, sorrindo.
— Então está na hora de começar a falar.
— Eu falo com ela. Onde ela está?
— Você vai falar comigo, Lorena. Eu quero o endereço de
Pablo, mais conhecido como Gringo. Talvez, posso chamá-lo de
Danilo. Como você não se confundia com os nomes?
— Onde ela está? Quero falar com ela! Com você, só falo
quando meu advogado chegar, daqui a exatos quarenta e dois
minutos! Eu só quero me despedir.
— Se despedir?
— Com tanta coisa que você juntou a meu respeito, tenho
certeza que não passarei essa noite abraçada a Gisele, na nossa
cama.
— A única cama que você verá é a de uma cela! Talvez seja
melhor você se despedir, mesmo. O presídio dela será diferente do
seu! – concordou, de pé.
Lorena observou Torres recolher os papeis e a perturbadora
foto. Amou Donatela com todas as suas forças e, depois de sua
morte, vida alguma tinha valor. Mas, Gisele havia mudado isso e
faria qualquer coisa para protegê-la.

— Quer ver Lorena? – Torres indagou, ao entrar na sala de


interrogatório, logo que o policial corregedor saiu da sala.
— Donatela! O nome dela é Donatela, – disse, com firmeza –
onde ela está?
— Vem comigo. Se você se aproximar dela, te tiro da sala em
menos de cinco segundos!
— É um absurdo isso que estão fazendo, eu preciso... –
seguiu a loira.
— A única coisa que você precisa é seguir minhas instruções!
Se chegar perto dela, sai da sala. Ponto. Pergunte sobre Donatela,
uma garota loira com uma doença degenerativa que foi o seu
primeiro e inesquecível amor. Tenho certeza que ela lhe dará
respostas interessantes. Reconhece alguém nessa foto? –
perguntou, mostrando a foto antes de abrir a porta.

— Donatela, aqui, – apontou a namorada – e Danilo, aqui.


— Essa garota loirinha é Donatela e esse, na cadeira de
rodas, Danilo. Os verdadeiros, – respondeu, abrindo a porta – ela
pode te confirmar isso.
Gisele desviou os olhos da foto e viu Donatela sentada, com
os olhos fixos nela. A algema nos pulsos lhe mostrava a dura
realidade. Aproximou-se da mesa, ouvindo a porta ser fechada.
— O que está acontecendo, – parou, mirando os intensos
olhos verdes, que refletiam todo o amor que as unia – quem é você?
— Eu preciso te falar algumas coisas, meu anjo, mas não
temos muito tempo, – inclinando-se, mas Gisele não se aproximou –
preciso que me escute!
— Quem é você?
— Eu sou a mulher que te ama e que faz tudo, absolutamente
tudo, para te ver bem. Prometo que tudo vai se resolver e ficaremos
bem.
— Quem é você?
— Nós não temos muito tempo, – respondeu, pondo-se de pé
– me escute, apenas me escute. Eu vou lhe encontrar, pode
demorar alguns dias, mas voltarei pra você.
— Isso tudo que estão dizendo, sobre os assaltos aos bancos,
o atentado contra Arthur, o assassinato de Janete, Donatela e
Danilo... Me fala que tudo isso é mentira. Me fala que você não é
esse monstro que estão me mostrando... – Gisele deixou a emoção
fluir.
— Tudo irá se ajeitar, eu prometo!
— Nega! Me fala que eles estão errados, que estão
cometendo uma injustiça! – pediu, sem conseguir conter as
lágrimas. — Nega, diz que você não me usou dessa forma!
— Eu te amo! – correu para perto de Gisele, enxugando suas
lágrimas. Torres, pelo sistema de som, mandou que ela se
afastasse, mas foi ignorada pela morena. — Eu te amo como nunca
amei ninguém! Você é tudo de mais importante pra mim. – apertou
as mãos de Gisele, com evidente medo de perdê-la.
— Por que você não nega as acusações? – indagou, puxando
as mãos e fugindo do contato.
— Irão lhe encher de perguntas, mas você não será detida,
pois não sabe de nada. Cuidarei de você da melhor maneira que eu
puder, mas preciso que fique atenta. Grave bem o que eu disse:
mude seus hábitos, fique próxima de Torres e não fale com os
meninos. Eu saberei onde te encontrar.
— Por que você fez isso comigo? Você me usou! – gritou,
antes de esbofetear o rosto da morena. — Você se aproximou de
mim somente para ter acesso às informações das investigações!
Você é uma estúpida, cretina! Eu te odeio! Eu te odeio!
— Eu te amo, – disse, jogando seu corpo contra a ruiva, indo
parar na parede – me perdoa! Eu vou consertar tudo!
— Eu te odeio! Eu te odeio! – continuou gritando, histérica e
batendo na mulher.
Torres e dois policiais entraram na sala, tentando separá-las.
Os dois homens puxaram a morena, com violência, ao passo que
Torres abraçou Gisele que continuava gritando.
— Nunca mais quero te ver na minha frente! Nunca mais!
Donatela sentou e observou as duas saírem da sala,
abraçadas. O policial fechou a porta e a morena assumiu a postura
de antes. Já haviam passado cinquenta minutos de seu telefonema.
Sorriu ao ouvir a primeira explosão.

Capítulo 20

O barulho ensurdecedor se espalhou por todo o prédio. Os


civis trocavam olhares confusos, ao passo que os policiais, armas
em punho, esperavam o próximo movimento. Entendiam que
estavam sob ataque. Uma segunda explosão derrubou a divisória
que separava a recepção do salão, espalhando as mesas dos
investigadores.
Bombas de fumaça foram lançadas, enevoando o ambiente, e
Torres, ainda abraçada a Gisele, sacou a arma, atenta. O barulho de
disparos de metralhadoras ecoou pelo salão. Torres protegeu a ruiva
com o próprio corpo e caminharam, abaixadas, até a sala de
interrogatório.
— Quem está atacando? – indagou, após fechar a porta.
Gisele, de pé, encostou-se à parede, enquanto Donatela
permaneceu imóvel, sentada, olhando fixamente para a cadeira
vazia à sua frente.
— Eu quero uma resposta rápida, Lorena! – gritou, ao socar o
rosto da morena, aproximando a arma em sua têmpora. — Quem
está aqui? Quem você chamou?
Donatela olhou para Gisele, inerte, percebendo o quanto a
ruiva estava confusa. Os olhos negros lhe encaravam, em evidente
incredulidade.
— Eu te amo, – falou, em voz alta – me desculpe por isso.
— Chega de enrolação, Lorena! Quem são e que tipo de
armas...
Torres não completou a pergunta, pois Donatela levantou
rápida, jogando a mesa para cima. Puxou o pescoço da loira,
acertando seu nariz com a testa, desarmando com habilidade.
— Quieta, – ordenou, apontando a arma para cabeça de
Torres – eu não quero atirar em você na frente de Gisele
— Dona... O que você... – Gisele balbuciou, aturdida.
— Desculpa, meu amor, – empurrou Torres e se aproximou de
Gisele, mantendo a arma apontada para a loira – você não
precisava ver isso! Vem comigo? Eu prometo que nada de ruim vai
lhe acontecer!
— Você não sairá impune, Lorena. Eu vou lhe buscar nem que
seja no inferno!
— Boa sorte, Torres! – a porta foi arrombada e Digão
apareceu, com o rosto coberto por uma máscara. — Tenho que ir,
meu amor, – continuou, virando-se para Gisele – você precisa me
dar uma resposta, agora. Vem comigo?
— Não... Não!
— Eu te vejo depois, então! Até mais, meu anjo! – beijou o
rosto da ruiva e correu, sob a proteção do amigo.
Gisele continuou imóvel, encostada à parede. Com ajuda de
Digão, Donatela retirou as algemas e pôs uma máscara. Antes de
sumir no meio da fumaça, efetuou três disparos, despertando Gisele
de seu estado atônito.
— Torres, você está machucada...
— Preciso que você saia desse estado de letargia, Gisele!
Agora, já que pôde ver pessoalmente quem Lorena realmente é,
reaja!
— Você precisa estancar esse sangramento, acho que seu
nariz está quebrado...
— Não se preocupe comigo! Só foi uma veia qualquer que
estourou, – explicou, ao sair da sala – temos pessoas com
ferimentos mais graves que precisam de ajuda!
As duas caminharam entre os escombros, em busca de
feridos. Gisele, com um profundo pesar, estava com dificuldade em
aceitar que Donatela, a mulher que tanto amava, fora responsável
por aquilo. A ruiva se aproximou de um homem, arremessado para
cima de uma mesa, para conferir a pulsação. Morto. Abaixou a
cabeça, respirou fundo e, resoluta, correu para outra pessoa,
sentada numa das cadeiras. Por ora, aqueles feridos seriam sua
prioridade, depois pensaria em Donatela. Ou Lorena.

Digão, Júlio e Donatela correram em direção ao carro, parado


no meio da rua, em frente à porta de saída da delegacia. De dentro
do veículo, China atirou em direção ao prédio, dando cobertura ao
trio. Logo que todos entraram, Gringo acelerou, rumo à avenida.
Parou na esquina e jogou uma granada num carro que China havia
estacionado na rua, bloqueando passagem. Donatela olhou a porta
da delegacia, constatando que nenhuma viatura os perseguia. Mas,
a morena se preocupava com o que havia deixado para trás:
precisava consertar tudo e ter Gisele de volta.
— Vocês foram rápidos! – comentou, sentada entre Júlio e
Digão.
— Tem que ser, não é? Foi muito foda, cara! Faz tempo que
não tenho uma adrenalina dessa! – China comentou, entusiasmado.
— Porra! Um monte de rato foi pelo esgoto! Consegui mandar
três, com certeza! – completou Digão, também empolgado.
— Gisele está morta? – Gringo indagou, olhando pelo
retrovisor.
— Não irei matá-la, – Donatela anunciou, mantendo contato
visual pelo retrovisor – como não agiremos mais na capital, não é
necessário. Além do mais, sua morte será associada a mim em dois
tempos. Quem tem que morrer é Torres!
— Eu disse que isso não estava em discussão, não disse?
— E eu estou lhe dizendo que não farei nada contra ela!
— Isso não é muito inteligente, Donatela! Você irá se expor por
causa dela e não vou lhe tirar da cadeia de novo!
— Esse não é o motivo, é?
— Eu quero Gisele morta, – Gringo sentenciou, mantendo
firme o contato visual com a morena – portanto, ela vai morrer! Você
me agradece depois.
— Pensarei com calma, – falou, relaxando no banco, mas a
mente raciocinando rápido – agora, vamos pra chácara. Quero
tomar um banho e tirar esse cheiro da delegacia do meu corpo!

Debaixo do chuveiro, Donatela se lembrou dos olhos


apaixonados e sorriso lindo que sua ruiva lhe presenteava, toda
manhã, em contraste ao olhar aterrorizado, mais cedo. A morena
sabia o quanto Gisele resistiu em acreditar no que a polícia
descobriu, mas a cena da fuga era inegável. Precisava descobrir
uma maneira de arrumar tudo, pois não admitia perdê-la sem lutar.
Na sala, encontrou os amigos bebendo cerveja e percebeu o
quanto Gringo estava quieto. Ciente da periculosidade do amigo e
do que passava em sua cabeça, sabia que enfrentá-lo diretamente
seria uma estupidez.
— Eu estive pensando em tudo o que aconteceu, – começou,
ao se sentar e pegar uma cerveja – estou agindo com a emoção. Eu
me apaixonei pela ruiva.
— Isso é óbvio! Mas, no que você pensou? – Gringo quis
saber.
— Temos que limpar tudo e isso a inclui. Eu era apaixonada
por Ludmila, não era? Vai passar, assim como passou com
Donatela.
— No que está pensando? – foi a vez de China perguntar.
— Vou pegar todos, incluindo o meu contato, Campos. Ele
será investigado pela corregedoria e, com certeza, será afastado.
Não será mais útil.
— E Gisele? – Gringo a observava.
— Todos! Não permitirei que uma paixão estrague tudo! Nunca
fui passional e Gisele não mudará isso em mim! Eles estão
espertos, temos que ficar na moita. Sumirei por uns dias e, depois,
Lavínia e eu faremos uma faxina. Tudo voltará ao normal.
— Você sempre foi uma boa profissional, faça tudo sem
chamar a atenção.
— Farei, – assentiu, com segurança – mas preciso de um voto
de confiança de vocês. Garanto que tudo voltará aos trilhos. Vamos
nos instalar no interior ou, até mesmo, noutro estado. Há muitas
possibilidades no sul que podemos explorar.
— Você tem o meu voto, Dona! – disse Gringo.
— Preciso de uma nova identidade, além de um banco o mais
rápido possível. Acho que pegaram todo o dinheiro que estava em
casa.
— Fala um que te ajudamos, sem divisão de lucros. Você fica
devendo essa pra gente!
— E eu vou pagar, – ergueu a cerveja, propondo um brinde –
com juros e correção monetária! – brindaram, sorrindo.

Após a chegada das equipes médicas e reforço policial de


outras áreas, Gisele sentou, exausta, por ajudar os feridos. Oito
corpos foram retirados do local e Torres andava pelo salão,
orientando as equipes. Cerca de uma hora depois, conduziu Gisele
para uma sala de interrogatório.
— Gisele, esse ataque partiu de uma ordem direta de Lorena.
Onde posso encontrá-la?
— Eu não sei, – respondeu, encarando a loira que tinha um
curativo no nariz – não faço ideia.
— Tente se lembrar de alguma informação, qualquer coisa que
possa nos ajudar! Se você se negar, terei que lhe entregar à
corregedoria!
— Eu não estou negando informação, realmente não sei onde
ela está!– Eu nem sei quem ela é! – admitiu, passando as mãos no
cabelo.
— Onde é a chácara de Danilo?
— Eu não sei.
— Onde é a chácara de Danilo?
— Eu não sei! Que droga! Eu não faço ideia de onde é a
chácara, não sei aonde os outros meninos moram! Só sei que o
escritório é na...
— Que escritório? – interrompeu Torres.
— Eles tinham um escritório da empresa de informática. É aqui
perto, me dá a caneta.
— Onde Danilo mora? – Torres insistiu, observando Gisele
escrever o endereço do escritório num papel.
— Torres, não estou mentindo! Eu não sei de nada deles!
— Você passou meses com ela e convivendo com o grupo!
Alguma coisa eles devem ter falado!
— Se falou, não percebi, não decorei! Eu não sei! Ah, espera!
Raquel! Raquel ficou com Danilo, talvez tenha ido à chácara.
— O que mais? – perguntou, acenando para um colega, que
saiu da sala.
— Eu não sei, Torres. Não sei, de verdade! Toda vez que nos
encontramos foi na casa dela ou em algum restaurante, barzinho.
Eu não sei nada dela!
— O pior é que eu acredito em você, – suspirou, abrindo os
braços – Lorena lhe cegou de uma forma absurda, você não via
nada a sua volta! Era só ela!
— A gente nunca espera que a pessoa que amamos não é
aquela que idealizamos!
— Nunca é. As pessoas nunca são o que esperamos.
— Eu não podia nem sonhar que Donatela não é Donatela,
que assumiu a identidade de outra mulher. Muito menos que é uma
assassina, assaltante de bancos, – Gisele não conseguiu conter as
lágrimas – não consigo acreditar até agora! Mesmo com tudo o que
vi, parece mentira, parece que a qualquer momento ela vai entrar
por aquela porta, me caçoando por ter acreditado em toda essa
armação.
— Eu queria que fosse armação, que meus amigos não
estivessem indo para o IML, mas, esse não é o caso, – o policial
entrou com um telefone na mão – liga pra Raquel.
Gisele assentiu e pegou o próprio celular, para conferir o
número. A amiga atendeu ao terceiro toque.
— Oi, Gi! Que bom que me ligou! Estava pensando em te ligar
hoje à tarde...
— Oi, linda, me escuta, – interrompeu – preciso que me fale o
endereço de Danilo. Você foi pra chácara dele naquele dia que
saíram juntos da casa de Dona?
— Sim, fomos para a chácara dele, aliás, um lugar lindo! Não
sei o endereço exato, mas sei que fica depois da represa. Dona não
sabe?
— Eu acho que está acontecendo alguma coisa e não quero
perguntar pra ela, quero ir lá averiguar. – mentiu.
— Como assim?
— Não posso entrar em detalhes, mas preciso que não
comente com ninguém sobre nossa conversa. Me conta exatamente
o caminho que você fez pra chegar lá.
— Tá bom.
Alguns minutos depois, Gisele se despediu da amiga e
entregou a Torres um papel com as referências que Raquel citou.
— Quero ir com vocês.
— Pra que? Não, você fica!
— Eu quero ver tudo com os meus próprios olhos. Eu preciso,
Torres. Não me tira isso!
— Ok. Saímos em cinco minutos.

Donatela e Gringo preparavam o jantar quando o telefone da


casa tocou. Gringo atendeu, usando um tom de voz meloso.
Donatela, supondo ser alguma das amantes do amigo, não deu
atenção. Minutos depois, o rapaz retornou à cozinha, irritado.
— A filha da puta da Raquel passou meu endereço para
Gisele! Temos cerca de trinta e cinco minutos para sairmos daqui.
— Vamos recolher as armas e o dinheiro. – Donatela correu
para o fundo da casa, com Gringo em seu encalço. — O que ela
disse?
— Queria saber se estava acontecendo alguma coisa com
você, pois Gisele pareceu preocupada no telefone. Desgraçada!
— Vamos nos concentrar no que é importante: vou pegar as
armas espalhadas e você junta toda a grana! Temos trinta minutos.
Vou combinar com os meninos para nos encontrarmos na fazenda
no interior.
Gringo correu e passou por todos os cômodos da casa,
recolhendo bolsas e pacotes de dinheiro, ao passo que Donatela
recolheu as armas e arrumou no bagageiro do carro.
— Temos mais cinco minutos. Está faltando alguma coisa? –
Gringo indagou, colocando as malas no banco traseiro.
— Temos que colocar fogo na casa! Diminuir as evidências da
polícia.
— Perto da churrasqueira tem gasolina, vou pegar.
Enquanto Gringo procurava o galão, Donatela carregou uma
espingarda calibre doze, camuflou no casaco e foi atrás do moreno.
— Tem outro galão ali...
— Foi bom enquanto durou, Pablo! – Donatela puxou a
espingarda, engatilhou, apontou para o amigo e atirou na perna,
dilacerando-a.
— Que porra é essa, Lorena! Sua filha da puta, desgraçada! –
gritou, tombando de dor
— Isso é uma oportunidade, – admitiu, sorrindo – os meninos
vão acreditar que você foi pego pela polícia. Eu sinto muito, cara!
Ninguém vai colocar as mãos em Gisele, nem mesmo você!
— É assim que se termina uma parceria de mais de vinte
anos? Por causa de uma vagabunda qualquer? – perguntou,
encarando os olhos verdes, que o miravam sem emoção alguma.
Sabia que aquele era o seu fim.
— É assim que tem que ser! Sabíamos que uma hora o fim
chegaria. Bem-vindo a ele!
— Termina logo com isso!
Donatela nada disse. Fechou os olhos e apertou o gatilho. De
fato, havia sido uma bela parceria.

Capítulo 21
As viaturas rodearam a chácara, cobrindo todos os pontos de
saída. Os policiais usavam coletes à prova de balas e portavam
armas de grosso calibre, cientes da periculosidade do grupo. Torres,
consultando uma planta geográfica da região, orientou os policiais,
sob o olhar de Gisele.
— Você espera aqui.
— Nem pensar, Torres!
— Isso não está em discussão, Gisele. Não lhe darei uma
arma até conferir, em detalhes, sua história. Mas, também, não farei
de você um alvo fácil, entrando desarmada. Já estou passando dos
limites permitindo sua presença e você sabe muito bem disso!
— Ok, Torres, – desistiu, pois sabia o quanto a loira era
intransigente – eu espero aqui.
Os policiais iniciaram a incursão no mais absoluto silêncio.
Cercaram a casa e Torres ordenou, com gestos, a entrada da
primeira equipe. Pela porta do fundo, outra equipe também havia se
posicionado. Gisele observava a ação de longe e tão logo Torres
sumiu na penumbra do fim do dia, buscou se aproximar, passando
por dentro da vegetação. Escondeu-se num arbusto e esperou
alguns minutos até que os agentes confirmassem que a casa estava
vazia e a área livre de perigo.
— Qual é o seu problema em obedecer ordens? – Torre a
surpreendeu.
— Você não manda em mim, Torres. Você não é minha chefe!
— Não vou perder tempo discutindo com você, Gisele. Quero
que venha aqui fazer um reconhecimento.
Irritada com a grosseria de Torres, Gisele a mandou para o
inferno mentalmente, seguindo-a casa adentro. Observou tudo ao
redor, estacando ao se deparar com um corpo no chão.
— Danilo! Meu Deus!
— Esse é Danilo? – Torres indagou.
— Sim! – lastimou, sem conseguir conter uma lágrima. — Me
fala que ela...
— Sem sinal de Donatela, – respondeu, conduzindo-a para
cozinha e mostrando o fogão – mas as panelas ainda estavam no
fogo. Sem dúvida, saíram apressados.
— Onde será que ela se meteu?
— Eles foram avisados da nossa chegada, Gisele. Estou
comandando essa operação, Paulo e Marcos, os únicos que sabiam
nosso destino, vieram conosco no carro. Você não saiu de perto de
mim. Então, só resta Raquel. Qual o endereço dela?
— Ela não faria isso! Ela não se aliou a eles! – caminharam
até a varanda, encontrando Paulo e outros policiais.
— Para, chega! Pode parar e vê se me responde! Para de ficar
defendendo as pessoas, porque até agora, você só defendeu
bandidos! – cortou, impaciente.
— Raquel não é uma bandida...
— Quer ser presa por obstrução de justiça?
— Você é uma estúpida! – exclamou, desviando-se da loira e
chamando atenção do moreno. — Paulo, anota aí o endereço.
Paulo entregou o papel a uma dupla de policiais e pediu que
convidassem Raquel a prestar esclarecimento na delegacia.
Comedido, o investigador sabia que não havia tempo para os
trâmites legais e contava com a colaboração da garota. Torres
observou, em silêncio, a conversa entre Gisele e seu parceiro,
olhando demoradamente para a teimosa ruiva. Suspirou, ciente de
que a noite seria longa.

Ao chegar à fazenda, no interior do estado, Donatela escondeu


a maioria das armas e bolsas de dinheiro, aproveitando que seus
amigos ainda não haviam chegado. Atirou no vidro traseiro e lataria
do carro, simulando um ataque e, depois, sentou no degrau da
varanda da casa abandonada, atenta a qualquer movimentação.
Cerca de trinta minutos depois, quase uma hora da madrugada,
ouviu o barulho de um carro e se escondeu. Logo que viu China,
arma em punho, descer do veículo, foi ao seu encontro, preparada
para qualquer reação do parceiro.
— Oi, China.
— O que aconteceu, Dona? – subiu o degrau ao baixar a
arma.
— A polícia estourou a chácara e pegaram Gringo.
— Puta merda! Temos que armar o resgate dele! Por que nos
chamou pra cá? Temos que voltar pra cidade agora e...
— Mataram ele, – explicou, voltando a se sentar no degrau da
escada – não tivemos tempo de nada!
— Como você conseguiu escapar?
— Eu não estava dentro da casa, estava nos fundos,
organizando as armas para fugirmos. Só ouvi o barulho dos
disparos.
— Quantos policiais?
— Dezenas. Não tinha como enfrentá-los sem reforço.
— Pegaram tudo?
— Pegaram. Consegui salvar algumas armas e equipamentos,
mas a maioria rodou.
— Não acredito que isso está acontecendo! – gritou, irritado,
ao passar a mão na cabeça. — Toda essa merda por causa de uma
mulher!
— Gisele nada teve a ver com isso, China! E se eu não
estivesse com ela, certamente estaríamos os cinco na cadeia! Ou
mortos! – finalizou, atenta aos movimentos do parceiro, que matinha
a arma na mão.
— Teve uma morte no nosso meio, Donatela!
— Sabíamos dos riscos! Sempre soubemos que o jogo poderia
se inverter a qualquer hora! E é o que está acontecendo, nos
tornamos a caça! Alguém da época do orfanato guardou nossas
fotos e mostrou pra eles. Além disso, o arquivo do Bolsacap não foi
apagado completamente. Paula não conferiu essa informação direito
e deixou brecha!
— O que faremos, então? – indagou, guardando a arma na
cintura. Donatela citou o nome da esposa do amigo justamente para
controlá-lo.
— Vamos fazer o Bolsacap. Precisamos repor o que foi perdido
e preciso de fundos para me instalar em outro estado. Quando eu
voltar, quero ter uma boa estrutura para acabar com todos que
entraram no nosso caminho!
— Como vamos entrar em um banco com quatro pessoas?
— Entrando! Você está comigo, China?
— Que pergunta idiota, Donatela! É claro que estou com você!
— Ótimo! Vamos fazer o trabalho amanhã, à noite. Manda
Paula vim pra cá, Torres irá atrás dela, com certeza. Vamos arrumar
essa bagunça!

O Departamento de Polícia Técnica mandou seus melhores


peritos para a chácara, em busca de provas contra o grupo de
criminosos. Gisele, ao lado de Torres, acompanhava toda
movimentação, cada vez mais convencida de que não conhecia a
mulher com quem dividiu a cama por meses. Torres observava a
ruiva, notando sua angústia e torcendo para que aquilo passasse
logo, pois precisava do seu bom senso e faro policial para localizar
Lorena e o bando. De madrugada, decidiu levar Gisele para
descansar, mas, antes, deu uma volta pela casa, numa última
tentativa de achar algo que pudesse incriminar diretamente a
morena.
Notou uma pequena área descampada, debaixo da copa de
uma árvore. Caminhou devagar, iluminando o chão com a lanterna.
Ao pisar na terra com a grama rala e nascente, percebeu que se
tratava de uma cova rasa.
— Quero refletores no pomar, temos alguma coisa aqui! –
pediu, ao rádio.
Em instantes, parte da equipe se deslocou para o lugar
indicado, com torres de iluminação e pás. Cerca de quarenta
minutos depois, um perito chamou atenção dos colegas, ao
identificar um braço. Com equipamentos específicos, outros dois
peritos auxiliaram o colega e Torres se aproximou, com Gisele em
seu encalço. O cheiro da putrefação fez com que a ruiva cobrisse o
nariz com a blusa.
— É Janete, – Torres reconheceu, ao se abaixar, segurando
uma máscara rente ao nariz – não há mais nada que eu possa lhe
apresentar de prova contra Lorena! – suspirou, na esperança de que
Gisele finalmente acreditasse.
Gisele não respondeu, apenas observou, silenciosamente, os
peritos escavando ao redor do corpo quase desfigurado. Realmente,
não havia mais como alimentar qualquer fio de esperança de que
Donatela não era o monstro que Torres lhe revelara. O monstro era
real.
Donatela se encostou à parede da sala, após repassar todo o
plano para o assalto ao Banco Bolsacap. Paula, sentada ao lado de
China, não participaria da ação, pois não sabia manusear armas de
fogo, tampouco possuía a agilidade que o grupo precisava.
Enxergava a mulher como um peso desnecessário e, dada às
circunstâncias que o bando vivia, conversaria com China quando
fosse o melhor momento, pois ela precisava se esconder em algum
lugar, por um bom tempo.
— O que vocês acham?
— Acho que dará certo, mas temos que ser exatos em relação
ao tempo. Qualquer minuto a mais pode acabar na prisão de
alguém. Ou, pior ainda, na morte de alguém! – respondeu Júlio.
— Faremos tudo dentro do horário, tudo bem cronometrado.
Além do mais, – Donatela completou, com segurança – não estão
contando com nossa ação. Pra eles, somos apenas foragidos!
— Isso pode nos dar uma vantagem, – concordou China –
mas, e depois?
— Vamos embora. Irei me instalar no sul, vocês podem ir
comigo. Darei um tempo por lá. Depois, voltarei com muita sede!
— Só tem um problema no seu plano perfeito, – Digão tomou a
palavra, depois de muito tempo calado – como vamos quebrar a
segurança do banco sem seu computador? Como vamos arrombar
o cofre se as ferramentas foram levadas?
— Podemos conseguir as ferramentas em dois tempos! Já o
meu computador, quem disse que não o temos? Você acha que eu
deixaria uma máquina daquela, com todos os programas e
tecnologia de ponta, em qualquer lugar? Ele está guardado e
intacto, só preciso passar lá em casa e pegá-lo.
— Sua casa? É perigoso! A polícia lacrou tudo e está
montando guarda na porta!
— Eu sei. Relaxa, Digão! Nos encontramos na casa cinco, em
doze horas. Vou buscar minhas coisas! – despediu-se e entrou no
carro.
— O que vocês acham disso? – perguntou China aos
comparsas, assim que o carro saiu de sua vista.
— Ela perdeu o controle, – Digão começou – mas faremos
esse banco e vamos ficar de olho. Donatela é indispensável para
nossa equipe, não tem como fazer um bom trabalho sem ela. Se ela
continuar indo atrás de Gisele, sumimos com a ruiva sem chamar a
atenção e sem que ela desconfie de nós. E se ela não voltar ao
normal, não terá mais serventia.
— Não seria melhor já resolver isso agora? Entregamos
Donatela pra polícia e sumimos! A polícia não tem prova alguma
contra nós! Para todos os efeitos, Dona fez tudo sozinha. – China
propôs.
— Não irei contra Donatela, tenho amor a minha vida! –
respondeu Júlio, resoluto.

Torres entrou no carro e assustou Gisele, cuja mente vagava


nas memórias de tudo que viveu com Donatela. Antes que a loira
colocasse os óculos escuros, pode perceber seu cansaço.
— Quantos corpos? – Gisele indagou, observando a loira
colocar o cinto de segurança e pondo o seu.
— Oito, até agora. A outra equipe já chegou e irá render o
pessoal. – respondeu, ao ligar o carro.
— O que você vai fazer? – Gisele tentou relaxar, ajeitando o
banco.
— Já mandei um alerta para toda a polícia, inclusive de outros
estados. Onde ela der as caras, vamos pegá-la! E prometo que era
não irá escapar!
— Eu preciso dormir, – Gisele reconheceu, massageando o
próprio pescoço – estou exausta.
— Iremos para o meu apartamento, você poderá tomar um
banho e dormir.
— Prefiro ir pro meu apartamento, se não se importa.
— Donatela deixou claro que virão atrás de você e não lhe
deixarei sozinha. Já temos o corpo de Pablo, mas não sabemos dos
outros. Não sei se ela já... bom, esquece! Você irá pra minha casa
ou para a delegacia. Pode escolher!
— Você acha que ela vai matar o restante do grupo? –
perguntou, completando a frase.
— Acho. E acredito, piamente, que ela matou Pablo.
— Porque ela não fez nada comigo? Ele teve várias
oportunidades! Por quê?
— Acredito que o calcanhar de Aquiles dela sejam as mulheres
com quem se envolve. Ela matou Donatela, a pedido da própria,
num gesto de amor, segundo ela definiu. Ludmila morreu porque
descobriu a vida dupla e ameaçou revelar, renegando-a. Acho que
ela realmente gosta de você. De uma forma bem doente, mas gosta.
— Que amor doentio, – lamentou, com lágrimas nos olhos –
como não percebi nada disso? Ela sempre esteve embaixo do meu
nariz! Por isso que eles sempre estavam um passo à frente, mas
algumas coisas não tem sentido!
— Que coisas?
— Ela sequestrou Arthur e deixou vivo. Por que matá-lo agora?
Ela me avisou sobre o encontro com Janete. Essas coisas não se
encaixam!
— Várias coisas não se encaixam nessa história, mas só ela
pode nos dar respostas.
— Quando ela me pediu em namoro, se auto intitulou uma
psicopata. Noutra vez, quando fazíamos amor, me disse que viria
atrás de mim se eu a deixasse, que eu seria apenas dela e de mais
ninguém. Meu Deus! Como eu pude ser tão cega? Tão burra? Todos
os sinais que ela me deu, suas ameaças veladas com um sorriso,
com aquele olhar lindo...
— Estou vendo de fora e posso dizer que você foi péssima na
sua conduta, acreditando em tudo o que ela disse. Mas, tentando
me colocar no seu lugar, tendo uma mulher linda como ela, não sei
se enxergaria muita coisa também, – gracejou, tentando animar a
ruiva – não se culpe tanto! E você precisa reagir. É difícil acreditar
que é uma investigadora, agindo desse jeito, como uma mocinha
indefesa que foi seduzida pela vilã!
— Você curte mulheres? – perguntou, com um leve sorriso.
— Ah, começando a prestar atenção nos detalhes! Sou casada
com uma mulher, sim. Estamos juntas há oito anos.
— Sério? Você tem jeito mesmo, mas não acredito que uma
mulher te aguente por oito anos! Você é insuportável, Torres!
— Ela não me aguenta! Moramos em casas separadas.
— Um casamento moderno!
— É bom, assim uma não invade o espaço da outra. E, depois,
quanto mais eu mantê-la afastada do meu trabalho, melhor. É mais
seguro!
— Acho que não conseguiria manter um relacionamento
assim. Gosto de dormir abraçadinha, ver televisão dividindo uma
bacia de pipoca, ter as escovas de dente grudadas no banheiro,
coisas assim.
— Nossa, – Torres virou os olhos – me poupe de
sentimentalismos desnecessários! Minha mulher é tão prática como
eu! Acho que por isso nos damos tão bem!
— Tem certeza que quer que eu vá pra sua casa? Ela pode
não gostar.
— Ela não interfere no meu trabalho e, nesse momento, você é
o meu trabalho!
— Tá certo, então! – concordou. “Quando Torres não estava
sendo uma imbecil, era até uma boa companhia”, concluiu.

Gisele entrou na casa de Torres e viu o quadro branco, no


meio da sala. Aproveitou que a loira sumiu pelo corredor e foi
observa-lo, de perto. Abaixo do nome de Donatela, leu algumas
informações e reconheceu a letra de Arthur. Lamentou, em silêncio,
por ter sido tão cega, a ponto de o parceiro precisar inventar
mentiras e se afastar, só para protegê-la. Leu as anotações sobre as
vítimas, modus operandis, assaltos, tudo que a dupla havia reunido
de informações. Aquele quadro descrevia, em detalhes, uma mulher
fria, meticulosa e perversa, contrastando com a mulher doce,
carinhosa e gentil que Gisele conhecia.
— Nosso café da manhã. – Torres se pôs ao lado da ruiva e
ofereceu um copo.
— Uísque? Uma hora dessas? – Gisele indagou, ao pegar o
copo.
— De que adianta ser investigador se não puder beber a hora
que quiser? – Torres virou o copo, bebendo a dose de uma só vez.
— Bom, você me perguntou, no hospital, o que Arthur estava
investigando. Está aí sua resposta! – apontou o quadro.
— Ele devia ter me contado! Vocês deviam ter me contado! –
falou, virando a própria bebida.
— Gisele, mesmo vendo com seus próprios olhos, você
demorou em aceitar! Agora, imagina se te disséssemos alguma
coisa enquanto ainda investigávamos! De cara, sua primeira burrice
seria contar sobre nossa investigação.
— Você me acha bem estúpida, não é? – o tom de Gisele era
apático.
— Não, te acho uma mulher apaixonada. E, se existe um bicho
burro, é uma mulher apaixonada! Você não aguentaria e acabaria se
dedurando, com risco de ganhar uma sessão especial. Vai por mim,
fizemos isso para sua segurança! Você estava mais segura ao lado
dela!
— Irônico, não é?
— Muito, mas é a mais pura verdade. Se você terminasse com
ela ou agisse de maneira estranha, assinaria sua sentença de
morte.
— Preciso dormir, preciso urgentemente descansar de tudo!
— Vem comigo, – chamou, conduzindo-a por um pequeno
corredor – você pode usar esse quarto. Tem umas camisetas no
armário, pode escolher. O banheiro é nessa porta aqui. Tem toalhas
limpas no toucador.
— Obrigada.
— Sua arma, – entregou, com um pente extra de munição –
durma com um olho aberto e outro fechado. Enquanto Lorena
estiver foragida, temos que redobrar a segurança!
Antes que pudesse agradecer, Torres caminhou rumo a seu
quarto, deixando a ruiva conferindo a arma no corredor. Ao abrir a
porta, olhou para ruiva, ergueu o copo e piscou o olho, sorrindo.

Inquieta, Gisele se levantou da cama e foi à cozinha, descalça,


pois não queria fazer barulho e acordar Torres. Em sua mente, um
turbilhão de lembranças lhe tirava o sono. Bebeu um copo de água
e retornou para sala, mirando o quadro branco com um profundo
pesar. A casa permanecia silenciosa e, numa decisão repentina, pôs
a arma na cintura, camuflando-a debaixo da roupa, e saiu, com os
sapatos na mão, calçando-os dentro do elevador.
Na frente do prédio, Gisele chamou um táxi e ditou o endereço
da casa que havia sido seu refúgio nos últimos meses. Notou uma
van de tocaia do outro lado da rua e pediu ao motorista que parasse
uma quadra depois.
— Boa tarde, – aproximou-se, mostrando rapidamente seu
distintivo – tudo tranquilo por aqui?
— Tudo. Quem é você? – quis saber o policial, desconfiado.
— Sou da DP de Roubos. Vim verificar uma informação. Nada
de Lorena?
— Não. Ela não vai aparecer por aqui.
— Ela não seria louca! Vim buscar o que Torres pediu, preciso
ser rápida. Sabe como é aquela loira na TPM!
— Quem não sabe! Vou abrir pra você.
— Não precisa, trouxe a chave.
— Quer que a gente entre junto?
— Não precisa, mas se quiserem, fiquem a vontade!
— Vamos esperar aqui. Qualquer coisa, ruivinha, é só gritar!
— Pode deixar! – agradeceu.
Gisele entrou na sala, deparando-se com a bagunça deixada
pelos policiais e que contrastava com a lembrança vívida da
organização e limpeza com a qual Donatela zelava. O sofá, que
tantas vezes serviu de ninho de amor, rasgado e destruído. Sem se
conter, chorou, permitindo que as lágrimas inundassem seus olhos e
rolassem por seu rosto. Lamentou, certa de que a morena havia
aproveitado do fato dela ser policial, envolvendo-a de uma forma
que não pudesse notar as evidências ao seu redor, servindo de
fonte segura para o bando. Assistindo a cena, do topo da escada,
Donatela sentiu o coração disparar, pois, apesar de tão perto, sua
ruiva lhe era distante.
— Oi, meu amor. – anunciou sua presença, apontando a
arma para a ruiva.
Gisele se virou, assustada, observando a morena descer,
lentamente, os degraus da escada. O coração parou por alguns
segundos.

Capítulo 22

— Larga essa arma, Lorena, – Gisele ordenou, rápida,


sacando a automática – não vou ter problema em enfiar uma bala
em você!
— Qual é, meu amor, – Donatela colocou a mochila no chão –
nunca fomos disso! Você está sozinha?
— Tem uma viatura lá fora! Você não sairá daqui, a não ser
que seja para uma delegacia ou um necrotério!
— Uma viatura? Eu saí de dentro de uma delegacia, o que
uma viatura pode fazer contra mim? Mas, não quero falar disso! Me
desculpe por ter mentido pra você.
— Você não quer que eu acredite nas suas mentiras de novo,
quer? Eu sei quem você é! O monstro que você é! Estou avisando,
pela última vez! Abaixa a arma!
— Certo, – a morena desmontou a automática e jogou as
partes no chão – não quero brigar com você. Eu te amo tanto!
— Continue com as mãos levantadas, – Gisele continuou com
tom imperativo – coloque nos pulsos! – mandou, ao jogar o par de
algemas em sua direção.
— Não farei, – respondeu, dando um passo para frente –
vamos conversar, por favor!
— Eu vou atirar, Lorena!
— Atira! Se eu não signifiquei nada pra você, puxa esse
gatilho e acaba com tudo agora, – continuou, avançando mais um
passo – atira! Vamos, meu amor, eu já te dei minha vida! Pode fazer
o que quiser!
— Para, Donatela, – Gisele recuou um passo – eu não quero
te matar!
— Pois eu prefiro que me mate! Acerta uma bala no meu
coração e termina com tudo isso de uma vez! Se eu não posso te
ter, nada mais tem sentido!
— Você não vai me ganhar com esse showzinho barato, último
aviso, coloque...
Donatela adiantou mais um passo, fazendo com que Gisele
recuasse e esbarrasse na mesinha de centro. Aproveitando a
distração da ruiva, jogou uma almofada, desviando a mão de Gisele,
que puxou o gatilho, atirando para cima. A morena segurou o
antebraço da policial, jogando-a contra a mesinha de centro. Antes
que caíssem, virou o corpo e atingiu o vidro, evitando que a ruiva se
machucasse.
— Eu vou acabar com você, Lorena! Você nunca mais verá a
luz do sol! – Gisele esbravejou, esmurrando a morena.
Donatela tentou, de todas as formas, se desviar dos golpes de
Gisele, mas as pontas dos cacos nas costas, perfurando o tecido da
roupa e sua pele, não lhe permitia segurar o ímpeto da ruiva.
Tentando não a machucar, optou por passar a perna pelo pescoço
da ruiva, fazendo-a cair pra trás, longe dos cacos. Agilmente, pôs-se
de pé e esperou que Gisele se erguesse, enquanto tirava um
pedaço de vidro do ombro.
— Não precisamos disso, meu anjo! Vamos conversar, por
favor! – pediu, ao jogar o caco de vidro no chão.
— Eu acreditei em você, Dona! Acreditei que me amava! Por
que fez isso comigo? – Gisele deixou fluir sua indignação.
— Tudo o que lhe disse é verdade! Eu não sabia que você era
da polícia quando te conheci! Não foi nada tramado! Eu só soube
disso quando você apareceu no trabalho do Credit.
— Mas eu lhe contei que era da polícia! Abri o jogo, fui sincera
e você preferiu se esconder!
— O que queria que eu fizesse? Não podia simplesmente
pegar suas mãos e dizer que tudo estava bem, que eu também
havia mentido e, na verdade, sou uma assaltante! Não tem sentido!
Mas, em relação ao meu sentimento, sempre foi verdadeiro, tudo o
que eu lhe disse foi verdade...
— Como posso acreditar nisso? – indagou, desviando
rapidamente o olhar, mirando a porta, esperando que os policiais
entrassem a qualquer momento por conta do disparo. — Eu vi os
corpos na chácara. Eram pessoas inocentes!
— Eu tenho que ir, meu amor, – anunciou, acompanhando o
olhar da ruiva – daqui a pouco aqueles policiais irão conseguir
passar do portão. Vamos nos encontrar? Eu posso te explicar tudo!
— Como você retardou a entrada deles?
A morena sorriu e piscou o olho, caminhando em direção à
mochila.
— Você está com Torres, como eu te pedi? Segura só por
mais alguns dias e pode retomar sua rotina. Eu te aviso quando
estará segura.
— Os meninos querem me pegar?
— O maior problema era Danilo, mas ele já foi neutralizado, –
respondeu, indo para o seu lado – me perdoa? Eu te amo tanto!
Gisele viu a morena se aproximar com o intenso brilho no
olhar verde, hipnotizante, o mesmo olhar que reluzia paixão quando
se amavam, o olhar que lhe encantava. Nada semelhante ao olhar
sádico que suas vítimas recebiam, ao serem torturadas.
— Não irei mudar meu número de telefone. – avisou, antes de
puxá-la para um beijo rápido e faminto.
Donatela a apertou em seus braços, exprimindo sua saudade
e desejo. Atenta, ouviu o barulho dos policiais invadindo o ambiente.
Soltou Gisele, empurrando-a contra o sofá e sacou a arma que
escondia atrás da cintura, atirando. Correu para os fundos, ainda
atirando, mas parou ao ver Gisele aparecer no seu campo de visão.
Foi para o muro lateral e escalou, alcançando o quintal de um
vizinho.

— Eu tenho apenas uma dúvida, Gisele, – Torres entrou na


sala, visivelmente irritada – até que ponto sua burrice é apenas
burrice? Você está acobertando Lorena?
Gisele nada disse, deixando Torres ainda mais irritada. Vários
policiais vasculhavam o quintal e a vizinhança.
— Eu quero uma resposta, Gisele! Desse jeito, você vai daqui
direto para a corregedoria! Você sabia que Lorena estaria aqui? –
indagou, incisiva.
— Não, eu não sabia!
— E o que você estava fazendo aqui? Saudades?
— Não sei, realmente não sei! – respondeu com sinceridade,
se fazendo a mesma pergunta. “Afinal, por que estava ali?
Saudade? Incredulidade? Raiva? Um misto de tudo isso, na
verdade”, admitiu para si.
— Cheguei a acreditar que você não tinha nada a ver com
essa sujeira, mas a cada hora você me dá provas de que não é tão
estúpida como eu havia imaginado! Vocês estão juntas nisso, não
estão? – Torres caminhava de um lado para o outro.
— Não, mas, por mais que eu negue, você não acredita!
— Como posso acreditar? Você mente para dois policiais,
entra na casa e é flagrada aos beijos com o nosso principal alvo! O
que você quer que eu imagine? Que você é uma pobre donzela
apaixonada?
— Ela estava atrás de alguma coisa aqui. – ignorou o
sarcasmo da loira.
— Que tal você me dizer o que ela veio buscar? Já que você
acobertou a fuga dela.
— Torres, vou tentar explicar apenas uma vez e espero que
você me escute, sem interrupções, – a loira assentiu, sentando em
frente à ruiva – eu não sei exatamente o que me motivou, não sei o
porquê de estar aqui. Mas, sei que Donatela voltou para pegar
alguma coisa e, sem dúvida, ela ainda mantém coisas importantes
na casa, coisas que sua equipe não achou.
— Você quer me convencer de que não está com ela por conta
disso? – perguntou, com desdém.
— Não, mas tem algo mais importante que tudo isso: eu sou o
ponto fraco dela. Ela poderia ter me matado, eu até atirei e ela
sequer revidou.
— Por que não a segurou para que os outros policiais a
pegassem?
— Porque eles iam morrer se ela fosse acuada. Eu já vi
Donatela atirando, ela poderia ter matados os dois, mas só os
poupou porque estava na minha frente. Da mesma forma que ela
não te matou na delegacia! Ela não vai fazer nada na minha frente!
— O que você veio fazer aqui, Gisele? – tornou a perguntar,
passando as mãos no rosto. — E eu quero uma resposta plausível!
— Eu não sabia que ela estaria aqui, Torres! Não tenho
contato algum com ela. Aliás, eu estava com você o tempo todo, na
sua casa, sem celular! Como eu iria me comunicar com ela?
— É isso que vou descobrir! Levem ela para a delegacia, já
chego lá. – encerrou a conversa e levantou.
— Torres, me escuta! Eu sei o que fazer para pegar Lorena! –
implorou pela atenção da loira, que a ignorou. Um dos policiais
conduziu Gisele até o carro.
Embora não tenha confirmado para Gisele, Torres concordava
com a ruiva. Lorena retornou para pegar algo, mas não fazia ideia
do que era.
— Oi, Jeferson, – atendeu ao telefone – não? Como não? ...
Droga! Alguma coisa nele? ... Tá bom, já estou indo para a
delegacia e nos falamos pessoalmente. Obrigada.
Frustrada, a policial recebeu a notícia de que não havia nada
no computador apreendido. Seus instintos lhe diziam que o
aparelho, assim como os principais equipamentos usados nos
assaltos, ainda estavam escondidos pela propriedade. Buscando
qualquer detalhe fora do normal, Torres caminhou pela casa,
parando no quintal. Notou um espaço entre o deck e o chão e
procurou algum alçapão ou tábua solta, sem sucesso. Olhou o
jardim bem cuidado, atrás das duas espreguiçadeiras, e andou na
direção do canteiro.
— Será que Pablo também adubava esse jardim? –
perguntou-se, em voz alta.
A loira pisou na terra, percorrendo toda extensão do jardim.
Percebeu uma pequena área em que a terra era mais elevada,
coberta por grama bem aparada. Chutou a lateral do quadrado e o
barulho, mais abafado, indicava que havia um espaço camuflado.
Com mais força, chutou no mesmo lugar e um pedaço de granito se
soltou na lateral, como se fosse uma portinhola.
— Que merda é essa? – indagou, ao se ajoelhar e segurar a
pedra. Identificou uma alça rente ao chão, mas não conseguiu
erguê-la.
— O que está fazendo aí, Torres? – Paulo surpreendeu a
parceira.
— Tem alguma coisa aqui, – respondeu, desviando os olhos
para o colega – chama alguém para abrir essa porcaria! Tenho
quase certeza que aqui dentro está a prova que procuramos para
deixar Lorena encarcerada pelo resto da vida!
— Só um segundo. – pediu, ao pegar o rádio e chamar uma
equipe. — Acabei de chegar do hospital, Arthur acordou.
— Que maravilha! Como ele está? – Torres vibrou.
— Lúcido, que é o mais importante. A esposa dele chegou
com os filhos. Estão com ele.
— Quero todos sob proteção, vinte e quatro horas! E Raquel?
— Ainda está na delegacia, mas não podemos segurá-la por
muito tempo. Eu a interroguei e, pra mim, é só mais uma tonta que
caiu na lábia daquele marginal. Não sabe de absolutamente nada!
— Quero falar com ela, – Torres levantou e limpou as mãos –
além do mais, não acredito que Gisele seja tão tonta como parece.
Ao que tudo indica, ela está acobertando Lorena.
— Você acredita nisso?
— É o que tudo indica, não é? Ou, então, o que ela veio fazer
aqui? E esse beijo de despedida?
— Sim, mas por que atirar e chamar a atenção dos policiais lá
fora?
— Essa é a parte que não faz sentido! – dois peritos se
apresentaram, com uma pequena máquina policorte. — Há um
alçapão no jardim, ao lado da piscina. Marquei o lugar, preciso que
abram! – a dupla seguiu para o lugar indicado.
— Me parece que não está tão convencida disto! – Paulo
retomou a conversa.
— Eu, sinceramente, não sei o que pensar sobre aquela ruiva!
— Eu sei, já percebi. Ela pode, sim, estar acobertando Lorena,
da mesma forma que pode ser apenas uma mulher apaixonada
cometendo burrices em cima de burrices. Fique neutra para
descobrir de que lado ela está.
— Eu vou ficar, – respondeu, com um sorriso – não pense que
é fácil, mas vou ficar. Irei ao hospital ver Arthur e de lá vou para a
DP. Vira essa casa de ponta cabeça, Paulo! Quero saber o que tem
dentro daquele alçapão, quero saber o que tem dentro dessas
paredes!
No hospital, Torres encontrou Cristina e as crianças na
recepção, conversando com alguns policiais. Acenou com a cabeça,
cumprimentando-a, e seguiu para o quarto de Arthur. Mostrou o
distintivo para a enfermeira, que pediu que aguardasse a liberação.
Cerca de dez minutos depois, entrou no quarto e viu o colega
deitado, com a cabeça enfaixada, rosto inchado e olhos fechados.
— Arthur? – chamou, com a voz baixa.
— Oi, Torres, pegou aquela vadia? – perguntou, com a voz
fraca, ao abrir os olhos.
— Já destruímos o reino dela! Agora, ela está acuada!
— Que bom! Me dá a honra que enfiar uma bala na cabeça
dela? Quero retribuir o favor. – pediu, forçando um sorriso.
— Combinado! – puxou uma cadeira e sentou rente à cama.
— Precisamos conversar. Aguenta um pouquinho?
— Manda!
— Me fala sobre Gisele.
— O que aquela ruiva andou aprontando?
— Ela está acobertando Lorena.
— Impossível! Ela pode ser uma mulher apaixonada, mas não
é bandida e nem cega a tal ponto!
— Essa manhã elas se encontraram, na casa de Lorena.
Quando a polícia conseguiu invadir, as duas estavam se beijando!
— Ela explicou o motivo?
— Pra ser sincera, nem deixei que ela falasse, – assumiu –
fiquei possessa quando acordei com o telefonema de um dos
policiais. Deixei Gisele acomodada no quarto ao lado do meu e ela
simplesmente fugiu! Como se fosse uma bandida!
— Bem a cara da ruiva, – Arthur esboçou um sorriso – bem a
sua cara, também! Você brava é terrível! Mas, Gisele deve ter um
motivo, tenho certeza que quando ouvir o que ela tem pra falar, fará
sentido!
— E se ela estiver tramando, junto com Lorena, uma forma de
me pegar?
— Ela já teria feito isso no seu apartamento, quando vocês
ficaram a sós.
— Talvez Lorena queira me presentear com uma sessão de
tortura.
— De qualquer forma, ela teria facilitado a entrada de Lorena
na sua casa. Gisele pode ser tudo o que você está pensando, mas,
posso te garantir, ela não é uma bandida! Trabalhamos juntos por
mais de três anos, eu teria percebido qualquer desvio de seu
caráter!
— Está certo, então. Vou ouvi-la, darei uma última chance de
provar que estou completamente errada em meu julgamento.
— Faça isso, tenho certeza que ela está pensando em alguma
coisa. E Campos?
— Está sendo investigado pela corregedoria. Foi afastado,
mas até agora não abriu o bico. Não temos provas contundentes
contra ele, só as ligações que rastreamos para Lorena, mas isso
não é prova o suficiente para detê-lo.
— Você achará mais coisa, Campos irá cair. Isso se Lorena
não o pegar primeiro!
— Ele é um comparsa dela...
— Danilo também era e isso não a impediu de explodir o peito
dele. Ou melhor, Pablo, – Arthur se ajeitou na cama – que seja! De
qualquer maneira, Lorena não deixará brecha, ainda mais que
Campos já não tem mais serventia.
— Passou muito tempo andando comigo, – Torres gracejou –
mas, você está certo! Terei que providenciar proteção pra ele
também. A bem dizer, terei que arrumar proteção pra todo mundo
nessa cidade!
— Cuida da minha família?
— Com certeza! Aliás, já estou cuidando! Lorena ou qualquer
um não chegará perto deles! Bom, agora, tenho que ir pra
delegacia. Caso eu não prenda Gisele, viremos lhe visitar mais
tarde.
— Aquela ruiva é um pouco imprevisível, às vezes toma
algumas decisões confusas, mas, no final, sempre acaba dando
certo!
Torres sorriu e saiu do quarto. Explicou a Cristina sobre a
proteção policial e detalhes da escolta. Em seu íntimo, a loira torcia
que não fosse por muito tempo. Tinha sede de pegar Lorena. O
quanto antes, melhor.

Capitulo 23

Na delegacia, Torres confirmou com Jeferson: não havia prova


alguma no computador que ligasse Lorena ao banco. Numa breve
reunião com o delegado e o assessor do Secretário de Segurança
Pública, a loira foi incumbida de conduzir todas as investigações dos
crimes que o bando era suspeito. Após a reunião, conversou com
Raquel, chegando à mesma conclusão que Paulo. Liberou a garota,
com a recomendação de tomar cuidado e evitar exposição.
— Oi, Gisele, – cumprimentou a entrar na sala de
interrogatório – desculpe a demora. Arthur acordou e fui vê-lo no
hospital.
— Como ele está? – perguntou, despertando da apatia. — Ele
está bem?
— Bem, bem, não posso dizer, afinal, sua namorada enfiou
uma bala na cabeça dele. Mas, tirando essa parte, está tudo certo!
— Não preciso das suas ironias, Torres, – respondeu, ríspida –
como ele está?
— Ele está lúcido. Abatido, fraco, mas lúcido. A bala resvalou
na cabeça, sem perda de massa encefálica. Os médicos estão
dando uma chance mínima de sequelas locomotoras, já que
cognitiva ele não teve nenhuma, até agora. Um milagre ou uma
grande incompetência de Lorena, ainda estou decidindo o que
pensar sobre isso.
— Eu quero vê-lo e...
— Nem continua, – cortou – daqui você vai para uma cela!
Mas, antes, disso me diga: o que Lorena foi buscar na casa?
— Eu não sei!
— Como vocês marcaram esse encontro?
— Eu não marquei encontro algum! Nem sabia que ela estava
lá!
— Gisele, você tem cinco minutos para me convencer! O que
você foi fazer lá? Por que facilitou a fuga dela? Seus minutos
começam agora! – apontou o relógio.
— Não sei o que me motivou, mas tudo isso é muito pra minha
cabeça! Um dia eu dormi com Donatela, uma mulher doce e gentil,
e, no outro, acordei com Lorena, uma psicopata violenta e ardil. Eu
precisava assimilar isso, queria ver aquela casa de novo, ver a
grande mentira que vivi nos últimos meses!
— Não está me convencendo.
— Quando eu estava na sala, ela desceu as escadas
apontando uma arma pra mim, – continuou, ignorado a interrupção –
naquele momento a verdade me deu um tapa violento! A mulher que
dizia me amar, que nunca me deixaria, me apontava uma arma!
Hesitei em atirar, sim! Por mais que eu saiba tudo o que ela fez,
estava diante da mulher linda por quem me apaixonei, que ainda
sou loucamente apaixonada! Ela desmontou a arma e jogou de lado,
acabei me distraindo e ela me derrubou, foi quando atirei. Brigamos,
mas ela conseguiu me derrubar. Tentei ganhar tempo, sabia que os
policiais pediriam reforços. Ela conseguiu retardar a entrada deles,
ainda não sei como, e quando percebi que ela tinha outra arma,
permiti que me beijasse, para poupar a vida dos dois!
— Continua sem me convencer! Você disse que sabe como
pegar Lorena. Então, como seria?
— Como você mesma disse, sou o ponto fraco dela. Preciso
ganhar a confiança dela, marcar um encontro e você arma uma
emboscada. Só assim vai conseguir pegá-la!
— Até que ponto posso confiar em você, Gisele? Até agora,
você só me mostrou que está do lado dela!
— Se eu estivesse do lado dela, Torres, Arthur estaria morto!
Você estaria morta! Nem mesmo existiria investigação alguma! E,
ainda que existisse, já teríamos fugido! – encarou os olhos azuis.
Torres não desviou o olhar, admitindo, para si própria, que a
ruiva tinha razão. Caminhou pela sala, pensando no que fazer.
Mirou, novamente, os belos olhos negros, antes de sentar em cima
da mesa, de frente para Gisele.
— Vou lhe dar um voto de confiança, – inclinou o corpo,
apoiando a mão no encosto da cadeira de Gisele, ficando a
centímetros de distância da ruiva – se eu perceber qualquer coisa
que me desagrade, nem se dê ao trabalho de tentar explicar: cana.
Se você sonhar em sair do meu lado sem me avisar, até mesmo
para ir ao banheiro, idem. É a sua última chance! – finalizou.
A loira saiu da sala, batendo a porta. Gisele continuou
sentada, tentando conter um frio na espinha causada pelos gélidos
olhos azuis. Não iria permitir que Torres a intimidasse.
— Você tem permissão para se levantar. – Torres abriu a
porta.
Gisele nada disse, controlando a vontade de xingar a mulher
que tanto menosprezava sua capacidade intelectual. Levantou e, da
soleira da porta, viu Torres conversar com um homem.
— Você não ficará armada e só usará o distintivo quando eu
autorizar, – retornou, já ditando as regras – meu chefe acha que
estou agindo errado e quero provar que nunca tomo decisões
erradas, ok?
— Você é sempre cretina assim? Não é uma decisão errada
acreditar em mim, pois não tenho nada a ver com essa sujeira toda!
Eu quero que Lorena pague pelos seus crimes da mesma forma que
você...
— Fala, Paulo, – Torres atendeu ao telefone, ignorando a
ruiva, cuja irritação era evidente – conseguiram? O que tinha? ...
Isso! Peça prioridade no laboratório, tenho certeza que esse sangue
será compatível com algumas vítimas! ... Outro cofre? Atrás do
quadro, que clichê! Bom, estou cansada, darei uma passada no
hospital e irei pra casa, tentar dormir de novo. Quando tiver com os
resultados, me liga! ... Valeu!
— O que encontraram na casa? – Gisele perguntou,
desanimada.
— As ferramentas de tortura, num alçapão no jardim. Pelo que
Paulo me disse, há algumas marcas de sangue dentro do lugar.
Vamos cruzar com as vítimas que já identificamos.
— Tem outro cofre?
— Na sala, atrás daquele quadro...
— A cópia do Kandisky?
— Puta merda! – pegou o celular no bolso e ligou para o
colega. — Paulo, verifica esse quadro, vê se essa merda é
autentico! ... Não, vê isso amanhã. Precisa ser um especialista. Tá
bom, valeu!
Torres desligou, guardou o aparelho e encarou Gisele,
brevemente, antes de lhe dar as costas e caminhar rumo ao carro.
Olhou de soslaio, apenas para conferir se a ruiva a seguia. Sem
demonstrar relutância, Gisele se acomodou no banco do
passageiro.
— Aonde vamos? – perguntou, observando a loira soltar os
cabelos e passar as pontas dos dedos no couro cabeludo.
— Passar no hospital, ver Arthur e, – olhou para Gisele –
depois, minha casa. Tivemos um dia bem intenso, preciso
descansar!
— Não consegui dormir ainda, – suspirou, voltando sua
atenção para frente – nem comi nada, desde ontem!
— Depois do hospital compramos o jantar, não quero te matar
de fome! – gracejou.
— Obrigada por ser tão gentil, – desdenhou a ruiva – me dá
meu celular.
— Pra que?
— Vou mandar uma mensagem pra ela.
— Agora não, amanhã. Preciso urgentemente ter uma noite de
sono e não posso me preocupar com vocês trocando mensagens de
amor a noite inteira.
— Imbecil, – xingou, sorrindo – você é detestável!
— Sei... – respondeu, acompanhando o sorriso.
Gisele entrou no hospital ansiosa para ver o amigo, culpando-
se por tudo que lhe havia ocorrido. Torres a acompanhou,
cumprindo a promessa de não a deixar só, nenhum instante. Ao
abrir a porta do quarto, viu o amigo sendo medicado e sentiu um
aperto no coração: Lorena ia pagar caro!
— Seu idiota, – cumprimentou, chorando ao abraçá-lo – você
é um imbecil por não ter me falado nada!
— Eu não podia, ruiva! Mesmo mantendo tudo em sigilo,
quase me ferrei, imagina se eu lhe contasse! Um dos dois estaria
num caixão!
— Quando você começou a desconfiar dela? – quis saber,
apertando a mão do parceiro.
— No sequestro. Quando eu vi os olhos de Maria, soube de
imediato, que era Donatela. Ainda tentei buscar provas de que
estava errado, mas eu não estava.
— Como você está?
— Bem. Vou me recuperar aos poucos, – falou, observando
Torres se afastar, com o celular na mão, mas sem deixar de olhar
para os dois – como você está lidando com Torres?
— Essa mulher é um pé no saco, – sussurrou – não posso
fazer mais nada porque sou suspeita!
— Ela me disse que você se encontrou com Lorena hoje,
trocaram beijos de amor...
— Eu só estava ganhando tempo! Não podia permitir que ela
matasse os policiais. Agora sei exatamente o que fazer e eu te juro,
cara, ela vai pagar! Vou fazer justiça por você!
— Faça isso sob a orientação de Torres. Ela é excelente! Se
não fosse por ela, não sei onde estaria.
— Detesto essa mulher, cada vez mais! E, agora, estou sob
sua tutela – riu – onde quer que eu vá, tenho que pedir permissão!
— Logo tudo se ajeita e você se livra dela. Voltaremos a correr
atrás de bandidos!
— É o que eu espero. Se você não se recuperar logo, venho te
tirar dessa cama e lhe obrigar a parar de fazer corpo mole!
Depois de quinze minutos, Torres interrompeu a conversa,
lembrando que ainda precisavam passar num restaurante. As duas,
exaustas, ansiavam por algumas horas de sono.
— Vamos tomar um banho e depois comemos, – Torres
anunciou, assim que entraram no apartamento – a porta está
trancada, não tente gracinhas. – Colocou as sacolas em cima da
mesa.
— Você tem mais de um banheiro? – a ruiva inquiriu,
arqueando uma sobrancelha. — Não precisa chegar ao cúmulo de
tomar banho comigo, com medo que eu fuja!
— Não pensei nisso, – respondeu, com um sorriso malicioso –
não me dê ideias. Usa o banheiro social, tenho um no quarto.
Gisele não retrucou, optou em entrar no banheiro a aproveitar
a água morna, que escorria pelo seu corpo, limpando sua mente.
Sentindo-se mais leve, vestiu um roupão e foi para sala, arrumar a
mesa para o jantar. Ouviu um barulho vindo da porta de entrada e
viu uma mulher ruiva, com cabelos curtos, entrar no apartamento.
— O que é isso? – perguntou, sem sequer cumprimentá-la.
— Você deve ser Bianca, – falou, mantendo uma distância
segura – meu nome é Gisele. Boa noite.
— Cadê Alexandra? – ignorou o cumprimento.
— Oi, Bia, – Torres apareceu no corredor com os cabelos
molhados, enrolada numa toalha – vem aqui comigo.
— Que palhaçada é essa, Alê? – nervosa, a mulher
permaneceu na soleira da porta. — Quem é essa mulher? Estou
atrapalhando alguma coisa?
— Ela é o meu trabalho, no momento, – Torres notou que o
traje de Gisele deixou sua esposa desconfiada, mas a loira
entendia, pois se sentiria da mesma forma – deixe a porta trancada.
— Não! Eu vou embora daqui, eu...
— Me dá suas chaves – interrompeu, parando na frente da
mulher – me espera no quarto.
— Não vou fugir, Torres! – Gisele pegou um prato e se serviu.
— Vou comer no quarto, não quero atrapalhar. Se quiser, pode
trancar a porta do quarto, também! – pegou os talheres e passou
entre as duas.
Gisele fechou a porta, sorrindo. Não fez questão alguma de
explicar a situação à ruiva nervosa, deixando a encargo de Torres,
torcendo para que a loira se desse mal. Com um apetite renovado,
sentou na beira da cama e comeu.

— Desde quando você traz esse tipo de trabalho para casa? E


não venha me dizer que ela é testemunha de alguma coisa e que
você precisa proteger, pois sei que isso não faz parte das suas
funções! – perguntou Bianca, andando de um lado para o outro.
— Desde quando eu te dou satisfações do meu trabalho? –
Torres
devolveu a pergunta, vendo a esposa possuída pelo ciúme. —
Nunca lhe contei detalhes da minha função!
— Por que será, não é Alexandra? Há quanto tempo você está
fazendo a proteção dela?
— Vem cá, meu amor, – puxou a ruiva, encaixando-a num
abraço – vamos parar com isso? Você nunca foi de ficar criando
cenas de ciúmes!
— Você podia ter me contado! Se eu soubesse antes, essa
cena não teria acontecido! – Torres aproveitou que a esposa baixou
a guarda e a direcionou para o quarto.
— Eu tive um dia muito complicado, estou sem dormir direito
há três dias. Sinceramente, não sei nem como estou conseguindo
raciocinar direito. Não vou lhe contar detalhes, mas posso garantir
que Gisele é a última pessoa com quem quero dividir uma cama!
— Não sei o porquê, ela é linda! – a loira fechou a porta do
quarto, assim que entraram, ainda abraçadas.
— Porque ela é apenas o meu trabalho e eu já tenho a mulher
mais linda, – sussurrou, tirando a toalha e empurrando a mulher,
delicadamente, em direção à cama – você é única, vida. Sempre
será!
Gisele tapou os ouvidos para não ouvir os gemidos, sem
sucesso. Bianca gemia, ensandecida, deixando a ruiva curiosa.
Queria saber se ela era muito escandalosa mesmo, se estava
fazendo de propósito para que escutasse ou se Torres era
realmente era muito boa no que fazia. Depois de um longo tempo,
os gemidos cessaram. Quarenta minutos depois, escutou passos no
corredor e o barulho da porta da sala sendo fechada.
Supôs que Bianca havia ido embora e foi à cozinha, pegar um
copo de água. Topou com Torres encostada no balcão do armário,
com as mãos apoiadas na beirada. O rosto vermelho e o cabelo
desalinhado evidenciavam o sexo recente, mas a atenção de Gisele
foi totalmente direcionada para o corpo da loira, exibido através da
camisa social fechada apenas com um botão. Sem conseguir
disfarçar, percorreu o corpo da mulher, admirando suas pernas e os
pés descalços, numa imagem extremamente sensual. Lembrou dos
gemidos de Bianca e, pela primeira vez, viu Alexandra. Não a
policial Torres, mas a mulher desejável que Alexandra era.
— Algum problema, Gisele? Quer alguma coisa? – Torres
percebeu o olhar analítico da ruiva
— Não... Eu... – gaguejou, sem graça por sua falta de ação –
eu não consegui dormir. Vim só pegar uma água, espero não estar
atrapalhando.
— Bia já foi. Só vou comer algo e dormir.
— Ela não dorme aqui? – finalmente desviou os olhos do
corpo de Torres e pegou o copo.
— Hoje não – respondeu, ao pegar o prato no aparelho
microondas.
— Por minha causa? – quis saber, tendo um aceno de cabeça
como resposta. — Você leva a sério essa coisa de não misturar
trabalho com sua vida pessoal!
— Tenho que levar ou tudo desanda, – provou a comida – boa
a comida desse restaurante, não é?
— Sim. O que faremos amanhã?
— Vamos estudar seu plano com atenção e se, escute bem,
se ele for bom, colocamos em ação.
— Eu preciso de roupas, podemos passar no meu
apartamento?
— Podemos, – assentiu, vendo Gisele ir para o corredor – eu
já vou me deitar, não tranque a porta.
— Você vai dormir comigo? – perguntou, incrédula.
— Não cometo o mesmo erro duas vezes, Gisele. E coloque
uma camiseta comportada! – sorriu.
Gisele, atônita, permaneceu estacada, ao passo que Torres,
sem se importar, comia tranquilamente. A ruiva deu as costas,
lamentando ter lavado a calcinha, agora pendurada no banheiro.
Seria uma noite bem complicada.

Na casa combinada, Donatela encontrou Digão e Júlio


terminando de arrumar as armas que precisariam para o assalto.
— Conseguiu pegar as coisas? – Júlio apontou a mochila.
— Sim, – respondeu, ao tirar a camisa – tem alguma coisa de
curativo aí?
— O que aconteceu? – Digão viu o sangue na camisa.
— Encontrei Gisele lá. Tivemos uma briga boba, ela ainda está
bem chateada comigo.
— Imagino que sim, – Digão pegou uma bolsa com material
para assepsia e curativo – você não quer que ela te perdoe e se
junte a nós em um assalto, não é? – zombou.
— Eu sei que ela não faria isso, – riu, entrando na brincadeira
– mas acho que ela seria uma boa motorista de fuga! Aliás, melhor,
uma informante substituta, já que perdemos o delegado.
— Melhor não arriscar. Podemos promovê-la a primeira dama
da equipe e só isso. – o clima era ameno.
— Não fala assim da minha ruiva. Eu amo aquela mulher,
cara! – confessou, com uma careta ao sentir Digão limpando o
ferimento. — Tudo pronto pra hoje?
— Tudo certo. E depois? – Júlio indagou.
— Vamos trocar os carros e seguir direto para a fazenda. De
lá, iremos sumir um tempo. Eu irei pro sul. Onde está China?
— Ele foi deixar Paula em segurança e já está estourando por
aí, – Digão pôs o esparadrapo e sentou à frente da morena – não
sei o que está tramando, Donatela, mas pode contar comigo. E com
Júlio. Ficaremos do seu lado, só não perca o rumo das coisas.
— Há algo que vocês querem me dizer sobre China? –
inquiriu, desconfiada.
— Fica esperta, só isso!
Donatela meneou a cabeça, em sentido positivo. Apesar de
sucinto, Digão fora direto. O barulho do carro de China os
interrompeu. Sorriu ao ver o parceiro de longa data entrar na sala.
Lamentou o rumo que as coisas haviam tomado.

O assalto ocorreu sem nenhum incidente. Com o tempo


rigorosamente cronometrado, entraram e saíram do banco sem
chamar a atenção da vizinhança e da polícia. Fizeram a troca dos
carros e seguiram para o interior. Donatela desceu do carro e
esperou China se aproximar. Sacou a arma, lastimando ter que
tomar aquela atitude.
— Vamos colocar algumas coisas em pratos limpos, China. O
que você está pensando em fazer?
— Como assim, Donatela? – Digão e Júlio pararam atrás da
morena.
— O que você planejou para me trair? – indagou,
aparentemente tranquila. — Me entregar viva ou morta para a
polícia?
— Perdeu a noção? Somos uma equipe, lembra?
— Será mesmo? Até que ponto somos uma equipe?
— Até Gisele ser eliminada e você voltar a ser como antes!
Quem causou toda essa palhaçada foi você e tudo por causa de
uma mulher qualquer!
— Acho que não há mais nada a ser discutido, não é? Como
prefere terminar isso?
— Como nos velhos tempos, – sorriu e puxou a arma da
cintura, arremessando-a para longe – mano a mano.
Em concordância, Donatela sorriu, jogou a arma de lado e,
depois, prendeu o cabelo. Fez sinal, pedindo que os demais não
interferissem. Os parceiros, agora adversários, se encararam,
estudando a melhor hora de atacar. China tentou o primeiro golpe,
mas a morena desviou e chutou suas costas, impulsionando-o para
frente. Júlio vibrava, afoito em assistir a luta. Donatela, embora não
tivesse a mesma força física de China, era ágil e desviava-se com
facilidade das investidas, sempre desferindo algum contragolpe.
Cerca de vinte minutos depois, matinha o ritmo, ao passo que China
demonstrava evidente sinal de cansaço. Com exímia habilidade nas
pernas, Donatela chutou o loiro, que cambaleante, baixou a guarda.
A morena aproveitou para derrubá-lo, com uma voadora.
Aproximou-se e chutou o rosto, já ensanguentado. Pegou uma barra
de ferro e se abaixou, para se despedir.
— Foi muito bom enquanto durou, – falou, pegando seu
pescoço – infelizmente, até mesmo um bom casamento chega ao
fim.
— Foi realmente uma bela parceria, – reconheceu, cuspindo
sangue – não deixe Paula ser pega. Cuida dela!
Donatela assentiu e terminou a luta. Júlio e Digão deram às
costas e foram pegar as bolsas no carro do falecido. Cansada, a
morena sentou na escada da varanda e viu os rapazes colocando o
corpo de China no carro, ateando fogo em seguida. Sentia que o
grupo estava acabando.
— E agora? – Digão sentou ao lado da parceira.
— Precisamos de substitutos, – falou, com um nome saltando
a mente – temos que remontar a equipe. Paramos um ano, para
treinamento. Depois, voltamos!
— Beleza, só temos que comprar novas armas e... – Júlio
lembrou.
— Está tudo aqui, – cortou, pondo-se de pé – eu recuperei
tudo da chácara e escondi pela fazenda. Inclusive o dinheiro de
Gringo. – admitiu.
— Você é uma filha da puta! Quero morrer seu amigo e fiel
escudeiro! – Júlio sorriu.
— É só não pisar na bola comigo! Daqui a quarenta dias,
encontro vocês no sul. Tenho novos números pra vocês, – anunciou,
ao pegar a mochila no carro – manteremos contato, a agenda já
está atualizada. – entregou um celular para cada.
— Valeu, Dona! Cuidado com o que você vai fazer por aqui!
Quero te ver daqui a quarenta dias! – Digão se despediu e entrou no
carro.
— Você verá, pode ter certeza disso!
Capitulo 24

Gisele despertou e enlaçou o corpo quente ao seu lado.


Respirou fundo, aspirando o doce perfume que vinha da mulher que
segurava sua mão, impedindo-a de subir para o seio. Aconchegou-
se mais e abriu os olhos, lentamente, ansiando em ver a cabeleira
negra de Donatela. Ao topar com os fios loiros, assustou-se e
rapidamente retornou ao seu lugar na cama.
— Você sabe que dois corpos não ocupam o mesmo espaço?
– Torres perguntou, encarando os olhos negros arregalados. — É a
lei da física.
— Que droga! – resmungou, ao afastar a coberta e conferir se
estava vestida. — Fiquei te agarrando a noite inteira, não foi?
— Devo dizer que me esforcei bastante para não sofrer
nenhum tipo de violência sexual. Você é bem insistente!
— Me desculpa, – corou, envergonhada – eu...
— Relaxa, dormi a noite inteira! Tenho certeza que, se fizemos
alguma coisa, foi consensual, – zombou – bom dia!
— Bom dia, – respondeu, vendo a loira se levantar ainda
usando a camisa da noite anterior – vou tomar um banho! – avisou,
saindo o mais rápido possível do quarto, querendo se livrar daquela
visão.
Torres achou graça da reação da ruiva e foi para seu quarto,
pensando na madrugada anterior. Por vezes, foi acordada pelo
toque quente e macio da ruiva, esfregando-se em seu corpo. Sentia
que brincava com fogo, já que sua preferência por ruivas mexia com
sua libido, ainda mais uma ruiva tão intrigante quanto Gisele. Entrou
num banho frio para aplacar seu corpo, vestiu-se e foi para cozinha,
encontrando Gisele vestida na mesma roupa dos últimos três dias.
— O que você está fazendo? – viu Gisele abrir os armários da
cozinha.
— Procurando alguma coisa para o café da manhã. –
respondeu, permanecendo de costas para a loira.
— Vamos tomar café na rua. – avisou, voltando para a sala.
Gisele respirou fundo e tirou a cabeça de dentro do armário,
observando a loira mexer no notebook. Vestida sobriamente, num
terninho preto e cabelos presos, Torres voltava a ser vista como
policial, afastando de Gisele a imagem de mulher linda e sexy que
havia lhe perturbado a noite inteira.
— Podemos passar no meu apartamento? – sentou no sofá.
— Sim. Só vamos comer alguma coisa e paramos lá. Depois,
iremos para delegacia. – respondeu, sem desviar os olhos da tela.
Alguns minutos depois, foi ao quarto e, ao retornar, viu Gisele
mexendo em seu computador. — O que você está fazendo?
— Estou verificando meu email. Dona pode ter me mandado
alguma coisa.
— Só isso? – perguntou, pondo-se detrás do sofá, conferindo
a tela.
— Qual é, Torres? Não posso fazer mais nada!?
— Que envolva comunicação, não, – respondeu, fitando seus
olhos – pois ainda não me convenci de que você não tem nenhum
envolvimento nisso tudo!
— Vai se ferrar, Torres! – gritou, exasperada, saindo em
direção a porta. Torres sorriu, sem que a ruiva percebesse. A
animosidade retornara, para alívio da loira.
O café transcorreu sem nenhuma troca de farpas e já no
apartamento da ruiva, Torres notou as malas arrumadas, num canto
da sala.
— Você ia morar com ela! – constatou.
— Sim, ia me mudar nesse fim de semana, – confirmou, com
pesar – imaginando uma vida perfeita ao lado dela!
— Ainda bem que não deu tempo, seria bem complicado
conseguir esse AP de volta!
— Não precisa ser tão prática, – disse, fechando a bolsa – eu
queria isso!
— Já pegou tudo? – mudou de assunto, desviando sua
atenção dos olhos negros, cuja mágoa estampava.
— Já. Acho que não ficarei muitos dias, pois iremos resolver
isso o mais rápido possível! – pegou a pequena mala.
Torres preferiu se manter em silêncio, pois não queria tripudiar
da dor alheia. Ao chegar na delegacia, Gisele entrou e a loira
reduziu o passo, sem perdê-la de vista, e ligou rapidamente para
Bianca.
— Bom dia! – cumprimentou o parceiro, ao lado de Gisele. —
Me atualiza!
— O Bolsacap foi assaltado essa noite, – falou, olhando para
um papel – entraram e saíram sem despertar a atenção de ninguém.
Quando os guardas do turno da manhã chegaram, encontraram os
colegas algemados e amordaçados no banheiro.
— Filha da puta! – Torres exclamou, olhando para Gisele antes
de voltar sua atenção para Paulo. — Alguma pista, evidência?
— Nada.
— Bem típico dela! Pelo menos, sem mortes! Ela assumiu a
liderança do grupo, – pensou, em voz alta, ignorando a presença do
parceiro, acostumado ao jeito da loira, ao passo que Gisele a olhava
com um princípio de careta – como ela conseguiu isso sem Gringo?
Bom, então, ele era peça descartável na ação ou – Torres andava
de um lado para outro – será que tem mais alguém envolvido?
Paula sumiu, mas duvido que tenha agilidade para participar de um
assalto. Não, ela apenas passava as informações das agências.
Talvez não precisassem de mais uma pessoa. Mas e as
ferramentas? Não se consegue tão rápido assim! Paulo, ela foi
buscar as ferramentas! Era isso que ela queria! – parou na frente do
parceiro.
— Agora, já foi! O importante é que sabemos quem são os
assaltantes!
— Onde eles estão escondidos? Com toda a certeza, já
possuíam esse esconderijo há muito tempo. Não acredito que
entrariam em um hotel depois de tudo, – continuou falando sozinha,
sob o olhar perplexo de Gisele – ainda mais os cinco. A casa de
Lorena foi uma herança. Faz um levantamento de quantas
propriedades os Ferri Garcia possuíam. Nossa resposta pode estar
aí! O que mais?
— Um perito verá o quadro hoje, de manhã. Ele me disse que
pode fazer uma avaliação superficial na casa, mas, para ter certeza,
seria bom levá-lo ao museu. Se for autêntico, vale milhões de reais.
Vi no sistema que houve um roubo de obras de arte, há uns cinco
anos, nem todos os quadros foram recuperados.
— Típico: assassina em série intelectual, não acha? –
gracejou.
— Acho. Sobre o sangue coletado no alçapão, teremos o
resultado no fim da tarde.
— Ótimo! Tenho certeza que vai bater com algumas vítimas
que Arthur listou. Acho que já temos provas para uns oitenta anos
de prisão, não?
— Se o sangue bater, sem duvida! Tortura é crime hediondo,
sem contar as pessoas mortas nos assaltos e a tentativa de
assassinato de Arthur. A grande questão é: como pegá-la?
— Isso é ela quem nos dirá! – apontou para Gisele.
— Nós iremos acabar com isso! – confirmou, antes de se
afastar e buscar um copo de água.
Para Gisele, era um tormento escutar a troca de ideias entre
Paulo e Torres, afinal, tudo aquilo se referia à sua namorada, a
mulher que amava e planejava dividir a vida. Conteve uma lágrima,
dando espaço para a realidade: Donatela era um monstro, bem
diferente da morena linda que havia lhe abordado num bar qualquer,
derrubado suas barreiras e lhe mostrado o amor.
— Você acha que ela consegue? – Paulo quis saber.
— Sinceramente, não sei, mas é a nossa única isca para atrair
Lorena. A depender do que ela disser, deixarei fazer contato esse
final de semana. Se a ideia for boa, nos arriscamos. Caso contrário,
voltamos ao antigo método.
— Nosso sabadão será longo! – suspirou.
— Nem me fala! Parece que já tem um mês que estou
trabalhando nisso e não uma semana!
— Você foi rápida nesse caso, achei que levaríamos meses
até desmontar isso tudo! – observou o colega.
— Tive bons parceiros, – respondeu, com um sorriso – mas o
crédito todo é de Arthur. Aquele cara é bom! Só o ajudei a reunir
provas.
— Como Bianca está?
— Bem. Ontem ela pegou Gisele, lá em casa, de cabelos
molhados e roupão. Conseguiu imaginar a cena?
— Duas ruivas brigando deve ser uma coisa sensacional!
Como foi? – riu.
— Não brigaram, até porque não teria sentido, mas ela ficou
com muito ciúme. Poucas vezes a vi tão nervosa, ainda que velado
sob toda aquela roupagem sofisticada. Mas, não posso culpá-la! Eu
pensaria a mesma coisa ao ver outra mulher na casa dela com
indício de pós-sexo.
— Por isso, prefiro morar na mesma casa! Liandra sabe de
tudo o que faço!
— Não é tão simples, meu caro, não é tão simples, – suspirou
– vamos falar com Gisele. – encerrou o assunto.

Na sala de reunião, Gisele expôs seu plano. Torres, Paulo e o


delegado Vicente escutaram, em silêncio, tudo o que a ruiva
explanou.
— Isso é loucura! As chances disso dar certo são mínimas!
Um por cento, talvez menos! – Vicente vociferou, olhando para
ruiva.
— Talvez, se mudássemos alguma coisa na execução, pode
dar certo. Digamos que nossas chances aumentariam para trinta por
cento. – Paulo interveio.
Torres mirava os olhos negros, notando a variação dos
sentimentos de Gisele, ora indignada com as palavras de Vicente,
ora desafiadora, crendo que, apesar da loucura, o plano poderia dar
certo. Reflexiva, a loira lembrava das palavras de Arthur: as
loucuras de Gisele, às vezes, funcionam. Todavia, a policial sabia
que, acuada, Lorena poderia fazer algo com a ruiva.
— O que você acha, Torres? – Vicente a tirou de sua reflexão.
— O caso é seu, portanto, a decisão é sua!
— Vamos fazer, – disse, resoluta, ao jogar o celular de Gisele
na mesa, em sua direção – vamos seguir à risca! – finalizou, ao sair
da sala.
— Isso é loucura, Torres, – Vicente foi atrás da loira – você
está colocando a vida dessa mulher em risco!
— Lorena não é perigosa pra ela.
— Não é o que diriam as ex-namoradas dela! Ah, esqueci!
Estão todas mortas!
— Vai por mim, chefe! Essa é a maneira mais fácil de pegar
Lorena sem ter que esperar por um deslize ou reconhecimento
anônimo! Reunirei todo o material que temos sobre o caso e
começaremos a trabalhar no plano na segunda-feira.
— Não quero mais mortes relacionadas a Donatela ou Lorena,
– baixou o volume da voz ao notar que Gisele e Paulo se
aproximavam – a vida de Gisele está nas suas mãos! Cuide para
que nada aconteça a ela!
Torres anuiu, esperando a ruiva com os belos olhos negros se
achegar. Não deixaria que nada acontecesse com ela.
— Paulo, junte todas as informações desse caso. Precisamos
organizar tudo para fechar o inquérito. Ficarei fora o resto do dia e
amanhã. Qualquer coisa, liga no celular! – avisou, ao pegar suas
coisas.
— Pode deixar!
— Vamos, Gisele. – chamou.
Gisele, no encalço da loira, nada disse, mesmo sem entender
quais eram as intenções de Torres. Ao parar num semáforo, a loira
finalmente quebrou o silêncio e se virou para Gisele.
— Quando foi sua última reciclagem?
— Há uns dez meses, mais ou menos. Está dentro do prazo. –
respondeu, confusa.
— Faremos uma nesse final de semana. Se prepara, será um
intensivo! – disse, voltando sua atenção para a rua. — Você já
mandou alguma coisa pra ela?
— Ainda não. Não acredito que seja necessário um
treinamento para...
— Você não vai pôr em prática esse plano maluco sem ter o
mínimo de treinamento atualizado! Nós duas sabemos que Lorena
não fará nada contra você por livre e espontânea vontade, mas, não
sabemos como ela agirá quando se sentir acuada!
— Eu sei que minhas ações dizem o contrário, mas sou uma
boa policial, Torres!
— Ótimo! Você tem o final de semana inteiro para me mostrar
isso! Você sabe cozinhar?– sorriu.
— Isso não faz parte do plano! – observou, acompanhando o
sorriso.
— Sim ou não?
— Nunca passei fome, se é isso que quer saber.
— Ok. Vamos almoçar e, depois, casa.
Gisele pegou o celular e escreveu uma mensagem para
Donatela. Aproveitou o sinal vermelho e mostrou a Torres, que leu e
nada disse, apenas olhou diretamente nos olhos negros, por alguns
segundos, antes de acelerar ao sinal verde.
Em casa, afastaram os poucos móveis da sala e treinaram
táticas de desarmamento e defesa pessoal. No dia seguinte,
repetiram os exercícios e Gisele pode demonstrar como era boa em
defesa pessoal, omitindo que, de fato, o que lhe travava era o amor
que sentia por Donatela.

Donatela releu a mensagem de Gisele, angustiada, ciente de


que estava perdendo a ruiva. Recostou-se no banco do carro, pegou
o aparelho e leu, mais uma vez: “Estou confusa. Não consigo
acreditar em nada do que me disseram, mas não posso fechar os
olhos para tudo que me apresentaram como prova. Por que fez isso
comigo? Eu só queria saber o porquê.” Ansiava em encontrá-la,
esclarecer tudo e recuperar o amor de sua ruiva, mas não poderia
deixar brechas. Sabia que o celular de Gisele fora grampeado.
Abriu a mochila, pegou um chip, inseriu no celular e respondeu
a mensagem. Retirou o chip, destruiu com um isqueiro e jogou fora
o resto. Pegou outro chip e colocou no aparelho, guardando-o no
bolso. A primeira parte já estava feita.
A morena estava vigiando o prédio de Torres, desde o dia
anterior, e sabia que as duas estavam no apartamento. Usando uma
peruca loira, vestido com mangas compridas para esconder as
tatuagens e salto alto, desceu do carro, em direção à portaria.
Sorriu, calorosamente, para o porteiro.
— Boa tarde! Gostaria de saber se Alexandra Torres está em
casa. Sei que ela mora nesse prédio, mas não sei o apartamento!
— É no oitenta e quatro. Ela está em casa, sim, mas tá com
uma mulher aí – respondeu, em tom de aviso – quer que eu
interfone pra lá?
— Não! Não posso ser anunciada, se é que me entende! –
falou, em tom de confidência, sorrindo e piscando o olho.
— Não é a mulher dela que está aí, mas, como ela está
acompanhada, não sei se isso é um problema! – disse, sorrindo e
quase liberando a entrada da mulher.
— Acho que é! De qualquer, forma obrigada pela ajuda! –
despediu-se, dando espaço para uma mulher que acabara de entrar
no prédio.
— Moça! – chamou, logo que a mulher sumiu de sua visão.
— Sim? – virou-se, forçando um novo sorriso.
— Aquela mulher, a ruiva de cabelos curtos que chegou agora,
é a mulher dela. Acho bom a senhora voltar outro dia!
— Obrigada pelo aviso, – agradeceu, tentando se lembrar do
rosto da ruiva – fico te devendo essa!
Donatela entrou no carro, deu a volta no quarteirão e
estacionou longe da visão do porteiro. Lembrou que a mulher usava
vestido preto e esperou sua saída. Pelas informações do porteiro,
descobriu que Torres era lésbica e, além de ser casada, traía a
esposa. Cerca de duas horas depois, viu a ruiva de cabelos curtos
entrar no carro e seguiu-a. Alguns quilômetros adiante, bateu na
traseira do veículo, deliberadamente.
Antes de sair do carro, Bianca olhou pelo retrovisor, suspirou e
viu uma mulher loira abrir a porta do próprio veículo.
— Me desculpe, – pediu, demonstrando estar tensa – não sei
onde estou com a cabeça! Me desculpe!
— Você tem que prestar atenção! Tem um farol na frente!
Comprou sua carta? – inquiriu, irritada.
— Comprei, – confirmou, sorrindo – me desculpe, por favor!
Vamos puxar os carros do meio da rua, eu me responsabilizo
totalmente pelo seu prejuízo!
Bianca analisou a loira, pensando se deveria ou não fazer a
ocorrência policial. Por fim, querendo evitar mais desgastes, já que
só havia amassado o para-choque, concordou.
— Eu gravei a sua placa, não tente gracinhas!
— Não farei isso, garanto!
As duas retornaram para seus carros e estacionaram rente ao
meio fio. Desceram e caminharam na direção uma da outra.
— Meu nome é Helena! – se apresentou.
— Bianca. – respondeu, secamente.
— Pagarei o conserto do carro, tenha certeza disso! Será
rápido, pois não irei acionar o seguro só por essa besteira. Anota
meu telefone e meu endereço, por favor!
— Ainda bem que você é prática! Você bateu na pessoa
errada e se tentasse algum tipo de gracinha, – Bianca relaxou e
pegou o celular na bolsa – minha esposa é policial!
— Mentira! Minha mulher também é! – Donatela fingiu
surpresa. — Qual a probabilidade de duas sapinhas casadas com
policiais se envolverem em um acidente de carro? – perguntou,
sorrindo, imprimindo um tom leve à conversa.
— Quase zero! Com exceção de nós duas!
— Verdade. Estou um pouco tensa, hoje! Desculpa! Por isso,
acabei causando o acidente! Assim que você me passar o valor do
conserto, transfiro pra sua conta.
— Me desculpe pela grosseria! Estou nervosa por algumas
coisas e acabei descontando na pessoa errada!
— Não se preocupe! Acho que precisamos de um suco de
maracujá, – sorriu, mirando diretamente os olhos castanhos –
aceita? É o mínimo que posso fazer para me desculpar de verdade.
— Aceito, – respondeu, correspondendo ao olhar – já que
tivemos a feliz coincidência de parar na frente de um Café! –
apontou para o outro lado da rua.
— Adoro essas coincidências da vida! – Donatela sorriu.

Acomodadas na parte interna do estabelecimento, fizeram


seus pedidos e continuaram a conversar sobre o pequeno acidente.
Donatela mudou de assunto, falando sobre sua relação com Gisele
e Bianca fez o mesmo, mas não passou nenhuma informação que
pudesse ser útil naquele momento. Cerca de uma hora depois,
aproveitou que Bianca precisou ir ao banheiro e mexeu,
discretamente, em sua bolsa. Identificou uma chave separada do
molho em que a chave do carro estava e julgou ser a do
apartamento de Torres. Guardou e fingiu estar ao celular logo que a
ruiva apareceu.
— Bianca, tenho que ir. A vigilância já quer saber do meu
paradeiro! – disse, em tom de brincadeira.
— Eu também preciso ir, – respondeu, com pesar – tenho que
começar um plantão daqui a pouco.
— Você faz o que?
— Sou médica obstetra. Apesar das circunstâncias, foi bom te
conhecer!
— Eu também gostei, apesar das circunstâncias! Não vou
perguntar se irá me ligar amanhã, pois tenho certeza que ligará!
— Com certeza! – concordou, sorrindo e caminhando ao lado
da morena. — Bom, então até qualquer outro dia! – despediu-se, ao
pegar a chave do carro na bolsa.
— Até qualquer dia! E, espero, que não seja em um acidente
de trânsito!
— Espero que não! – aquiesceu, mirando os olhos verdes.
Donatela deu um passo à frente, vencendo a distância entre
as duas, e tocou o rosto de Bianca, com delicadeza. Deixou a mão
escorregar, suavemente, pela nuca e, sem encontrar resistência,
grudou seu corpo no da ruiva. Mantendo o contato visual, aproximou
o rosto e roçou a boca nos lábios de Bianca. Afastou-se, piscou o
olho e saiu, em direção ao próprio carro.

O relógio já marcava meia-noite quando o movimento na rua


diminuiu. Donatela, em trajes pretos, pegou uma mochila no banco
traseiro do carro e correu em direção ao prédio. Notou que a
portaria estava vazia e se escondeu perto da garagem, aguardando
algum morador entrar ou sair. Quase trinta minutos depois, o portão
foi aberto e conseguiu entrar, esgueirando-se na escuridão da
garagem mal iluminada. Subiu as escadas rapidamente e, ao chegar
no corredor, amorteceu os passos, rumo ao apartamento oitenta e
quatro. No mais absoluto silêncio, pegou a chave no bolso e abriu a
porta, com a arma em punho. Esperou alguma movimentação
interna, mas a casa estava imersa na quietude e escuridão noturna.
Caminhou suavemente, sem fazer barulho algum e viu, no
canto da sala, um quadro com seu nome e informações da
investigação. Leu, com calma, percebendo a ausência de algumas
vítimas. Pegou a caneta piloto e marcou o que julgou necessário. Já
no corredor, abriu uma porta e viu que era o banheiro. Na segunda
porta, viu Gisele dormindo, com os lindos cabelos ruivos
esparramados sobre a cama. Ficou alguns minutos admirando a
mulher que amava, antes de ir para a última porta do corredor.
— Boa noite, Torres. – cumprimentou, apontando a arma para
a cabeça da loira, que acordou e esticou o a mão para a mesa de
cabeceira.
— Tá aqui, comigo, – Donatela sussurrou, mostrando a arma –
não vim te matar. Só quero conversar, por ora.
— Você é muito ousada, Lorena! – falou, com o tom de voz
elevado, quebrando o silêncio da casa, no intuito de acordar Gisele.
— Mais uma dessa e serei obrigada a te matar! – Donatela
entendeu a intenção da mulher e continuou sussurrando. — Posso
contar com sua colaboração para um bate-papo? Não queremos
acordar Gisele!
— O que você quer? Não faço acordos...
— Não quero um acordo! – cortou, pondo-se de pé.
Sem perder Torres de vista, Donatela puxou uma poltrona para
perto da cama, sentou e pôs a arma na perna, na direção da loira.
— Antes de tudo, peça desculpa a Bianca, em meu nome. Fui
obrigada a inventar uma mentirinha para conseguir a chave do
apartamento.
— O que você fez... – Torres fez menção de levantar.
— Ela está bem, senta, – gesticulou com a arma, indicando a
cama, mantendo o tom de voz calmo e baixo – não se preocupe! Só
peguei sua chave emprestada. Aliás, você tem um bom gosto para
mulher. Meus parabéns! Só não é melhor que o meu!
Torres obedeceu, aquietando-se na cama.
— Vou direto ao ponto! Fui obrigada a dar baixa em alguns
membros da minha equipe, por questão de afinidades, e eu estou
procurando novos substitutos. Seu nome foi o primeiro da minha
lista!
— Você está de brincadeira, não é? – perguntou, incrédula.
— Não brinco em serviço. Voltaremos a agir somente no sul,
daqui a um ano. Preciso de uma equipe concisa e sei reconhecer
um talento quando me deparo com um!
— Você também se droga? O que andou injetando?
— Bom senso, sempre! Vou te injetar um pouco, também:
você nunca me pegará, esqueça essa caçada ou fique obcecada até
o resto dos seus dias, isso se eu não cansar e acabar com tudo de
uma vez! Estou lhe oferecendo a oportunidade de ficar milionária em
menos de um ano! É um trabalho de risco, assim como sua
profissão, mas, saiba: por quinze anos trabalhei com os meninos e
não fomos presos, ou seja, temos um bom currículo. Você é boa,
Alexandra, tenho que admitir: adoraria trabalhar com você!
— E o que lhe garante que eu não irei enfiar uma bala na sua
cabeça assim que tiver uma oportunidade?
— Eu farei isso primeiro, caso não esteja do meu lado
totalmente. Gringo e China souberam o que acontece quando sou
contrariada.
— Vou considerar que estou dormindo e isso não passa de um
sonho, – Torres sorriu – você é louca! Jamais me juntaria à sua
sujeira!
— Não quero uma resposta agora. Deixei uma bolsa na sua
mesa, como um sinal de cortesia. É o seu salário de um ano inteiro,
além da parte de Bianca. Irei lhe procurar em breve, para saber sua
resposta, aí conversamos mais. Agora, estou com um pouco de
pressa. Fala pra Gisele que a encontrarei amanhã, à noite. E, fique
tranquila, não farei mal algum a ela. – piscou o olho e levantou,
desaparecendo porta afora.
Torres rolou para o outro lado da cama, pegou a arma reserva
e correu até a sala, mas Donatela já havia saído e trancado a porta
do apartamento. Percebeu que seu molho de chave sumiu e, em
cima da mesa, a bolsa, cheia de dinheiro. De fato, Lorena era mais
abusada do que previra, admitiu.

Capítulo 25

— Gisele, acorda! – Torres chamou, ao acender a lâmpada do


quarto.
— O que foi, Torres? – perguntou, sonolenta, apoiando-se na
cama. — O que aconteceu?
— Vem pra sala! – disse e saiu do quarto.
Irritada, Gisele a mandou para o inferno, antes de afastar o
cobertor e esfregar os olhos, pondo-se de pé. Na sala, viu a loira ao
telefone.
— Oi, Bianca. Preciso que venha pra cá. Sei que está
trabalhando, mas preciso que venha pra cá, agora! Espero que seja
rápida, é urgente! – desligou, sem se despedir.
— O que aconteceu? – Gisele quis saber, já desperta.
— Lorena veio aqui.
— Agora?
— Sim, acabou de sair, – apontou o sofá para a ruiva – você
não escutou nada?
— Qual é, Torres? Acabei de acordar! Tá achando que facilitei
a entrada dela? Aliás, – sentou no sofá – por que você chamou
Bianca?
— Porque ela facilitou a entrada de Lorena! – esclareceu. —
Como ela sabia meu endereço? Ela está nos seguindo! Certamente,
desde que saímos da delegacia!
— Não duvido, – assentiu – pois se ela é capaz das coisas
mais impensáveis, seguir um carro é só um detalhe! O que ela veio
fazer aqui?
— Falar que vai lhe encontrar amanhã, à noite, – respondeu,
parando na sua frente – além de me convidar para fazer parte da
equipe.
— Hã? É sério isso?
— Ela vai acabar alegando insanidade para o juiz, – meneou a
cabeça, em gesto afirmativo – pois uma pessoa em seu juízo normal
não faz isso!
— O que ela lhe disse, exatamente?
— Que me quer na equipe, que sabe reconhecer um talento
como o meu e adoraria trabalhar comigo. Eu fico me perguntando se
ela realmente pensa isso ou veio apenas tirar um sarro da minha
cara!
— Provavelmente, a segunda opção.
— Ela deixou isso aqui, como uma espécie de “convite formal”.
– fez o sinal das aspas com os dedos, mostrando a bolsa.
Gisele olhou para bolsa, atônita com a quantidade de cédulas.
— Ela estava falando sério?
— Ela não veio fazer chacota, Gisele. Ela se arriscou no meio
da noite para me fazer uma proposta de trabalho. Que tipo de
pessoa faz isso? Muita autoconfiança? Muita ousadia ou loucura? O
que devo pensar a respeito dela?
— Você quer uma resposta minha? – Gisele indagou, com
certa ironia. — Não faço ideia do que pensar a respeito de Lorena!
Essa mulher, – apontou o quadro – sequer conheço!
Torres olhou para o quadro e se aproximou, com Gisele em seu
encalço.
— Essa é a letra dela! – Gisele constatou.
— Desgraçada! São nomes de vítimas.
— Que filha da puta abusada! Mariângela Santos Camargo,
quem é essa?
— Cunhada de Campos. Morreu de ataque cardíaco há dois
anos. Tinha transtorno mental e foi internada num manicômio, onde
viveu nos últimos vinte anos. Pelo visto, não foi ataque cardíaco.
Amanda Pires Santos, desconheço. E Lavínia Campos Batista, será
a irmã? – Torres olhou para a ruiva.
— Só sei que a irmã vive no sul do país. Você já viu as
informações da família dela?
— Sim, está tudo com Paulo. Pegamos no RH do Bolsacap. O
nome da mãe dela é Ana da Conceição Campos Batista. O pai se
chama Vagner Oliveira Batista. E essa Andréia Mariana da Silva?
— Depois da morte de Ludmila, – suspirou, antes de voltar os
olhos para Torres – ela conheceu uma Andréia. Me contou que
ficaram pouco tempo juntas, pois a garota era nova e as ideias não
batiam.
— Nas fichas que a Homicídios liberou tem uma Andréia. Foi
espancada até a morte, no início desse ano. Por que ela mataria a
ex depois de tanto tempo?
— Não sei – respondeu, ao se sentar no sofá, dando-se por
vencida – essa Amanda pode ser uma ex também, mas e a cunhada
de Campos? Por que matar uma mulher internada num manicômio?
Não tem sentido!
Torres andava de um lado para o outro da sala, tentando achar
uma conexão entre os nomes e o que possuía de informações
acerca do caso. Suspirou, passando as mãos na cabeça.
— Tudo tem um sentido! Só não sabemos qual!
Sem chegar à uma conclusão, Torres foi ao quarto, pegou o
silenciador e conectou à arma. Atirou na fechadura, danificando-a
completamente. Cerca de quinze minutos depois, Bianca chegou.
— Oi, meu amor, – cumprimentou, beijando a boca da esposa,
rapidamente – não posso demorar. Estou de plantão. O que houve?
— Quero saber da mulher que te abordou hoje, – foi direta,
sem rodeios, ao encostar a porta do apartamento – quem foi e o que
fizeram?
— Eu... Não é nada do que você está pensando, Alê! Foi só
um beijo... – começou a se explicar.
— Você a beijou? – interrompeu, com um sorriso incrédulo. —
Que seja, discutimos a relação depois!
— Você beijou Donatela? – Gisele não se conteve. — Você
não pode...
— Gisele, vamos nos concentrar no que é importante! – Torres
pediu.
— Quem é você pra falar alguma coisa? O nome dela nem é
Donatela... – Bianca não escondia seu nervosismo.
— Parem, as duas! – Torres alterou o tom de voz, chamando
atenção para si. — Me conta tudo a respeito dessa mulher, Bia.
— Helena bateu no meu carro depois que saí daqui, no
semáforo perto do hospital. Conversamos sobre o acidente, ela me
passou os dados dela e me convidou para tomar um suco, no Café
em frente ao lugar da batida. Quando nos despedimos, ela me
puxou e me beijou. Fui surpreendida, não esperava aquilo.
— Como ela era?
— Loira, mais ou menos da minha altura. Olhos verdes. Usava
um vestido preto.
— O que vocês conversaram? – Torres sentou no sofá, ao
lado de Gisele.
— Eu disse que era casada com você e ela me disse que é
casada com uma policial, também. É você? – dirigiu-se a Gisele,
que permaneceu calada.
— Se concentra, Bia. O que mais? O que você disse pra ela?
— Falei de você, do nosso casamento, – respondeu, andando
de um lado para o outro – o que está acontecendo, Alê?
— O nome dessa mulher não é Helena. É Lorena, uma
criminosa que nós estamos caçando. Ela assalta bancos e é uma
assassina profissional, com métodos hediondos. Cadê sua chave
daqui?
— Acho que esqueci em casa ou no carro. Não consegui
encontrar na bolsa.
— Ela pegou. Em algum momento, ela ficou só, com sua
bolsa?
— Sim, quando fui ao banheiro. Uns cinco minutos.
— Tempo suficiente. – suspirou Gisele.
— Vocês vão me contar o que está acontecendo?
— Não! O que mais vocês fizeram, Bia? Ficou apenas no beijo
ou você levou ela para o seu apartamento?
— Eu não transei com ela, se essa é a sua pergunta! Depois
que nos beijamos, ela foi para o carro dela e saiu.
— Terei que lhe colocar sob proteção. A essa altura, ela já
sabe seu endereço, onde você trabalha e seus horários. Meu Deus,
Bia! Não acredito que você beija as pessoas assim, aleatoriamente!
— Não tenho culpa se o seu trabalho me coloca em risco! Se
essa mulher é tão perigosa assim, coisa que não me pareceu, eu
estava correndo risco de vida!
— Não te pareceu porque você estava concentrada no bom
papo e nos lindos olhos verdes, não é?
— Acho que essa é a parte que não me interessa. Preciso de
um café, um uísque, sei lá! Com licença! – Gisele levantou e fez
menção de ir à cozinha.
— Não precisa sair, Gisele, – Torres ficou de pé, na frente da
esposa – você tem que voltar para o hospital, não é? Um policial irá
lhe contatar e fará sua segurança. Não saia das vistas dele! –
informou.
— Sim, tenho que voltar, – Bianca pegou a bolsa e levantou,
olhos fixos nos de Torres – mas não tenho culpa se você me
mantém tanto tempo fora da sua vida, Alexandra. Não tenho culpa
de nada do que está acontecendo!
Torres optou em não prorrogar a discussão, dando as costas à
esposa. Na cozinha, ouviu o baque da porta e trocou um olhar com
Gisele. Retornou à sala, pegou o celular e buscou o contato de um
chaveiro.
— O que faremos? – Gisele quebrou o silêncio perturbador.
— Vamos pensar. Esses nomes são importantes ou ela não
teria nos dado. Tem alguma conexão com quem ela é, tem algum
sentido, mas ainda não sei o que é!
— Que sentido tem matar uma mulher dentro de um hospital
psiquiátrico?
— Ela era cunhada de Campos, que era seu informante e
parente, a julgar pelo sobrenome. Existe uma ligação importante!
Acionou o chaveiro e pediu uma fechadura nova. Depois, sem
se importar com o horário, ligou para Paulo.
— Paulo, preciso que venha aqui em casa, agora. Acabei de
receber uma visita de Lorena. Estamos bem. Vem pra cá e eu te
conto! Preciso que me traga todas as informações do caso.
— Acho que o café ainda está de pé, não é? Vou fazer pra
gente.
— Não coloque fogo na minha cozinha!
— Vai pro inferno, Torres.

O trio passou toda madrugada estudando o caso, tentado


descobrir alguma pista dos nomes que Lorena deixara no quadro.
Sem sucesso, foram para delegacia.
— Eu quero Campos aqui, quero interrogá-lo ainda essa
manhã. – avisou a um colega.
— Não será possível, Torres. Ele e a esposa foram mortos
essa madrugada. – Vicente anunciou, da porta de sua sala.
— Por que não me avisaram?
— Soubemos agora. A empregada chegou, encontrou os
corpos e um bilhete com o telefone daqui, pedindo para te avisar.
— Foi ela! Filha da puta, desgraçada! Paulo, busque
informações no sistema sobre os nomes que Lorena nos deixou.
Quero saber tudo sobre eles! Onde morava, quem é a família, se
tinha gato ou cachorro! Absolutamente tudo! O plano será
executado hoje à noite, – dirigiu-se ao chefe – ela me disse que vai
encontrar Gisele mais tarde.
— Eu perdi alguma coisa? Ela te disse?
— Ela foi lá em casa ontem. – explicou.
— Ela levou um bolo, você fez um café e depois ela lhe
passou mais alguns nomes e avisou que se encontraria com Gisele
hoje, é isso?
— E me convidou para me juntar ao grupo, – respondeu,
encarando-o – mas não levou o bolo. Ela levou uma bolsa de
dinheiro.
— Que porra é essa, Torres?
Gisele, Paulo, Torres e Vicente conversaram por horas sobre a
noite anterior e repassaram cada detalhe do plano. No fim da tarde,
foram interrompidos por uma ligação no celular de Gisele.
— Oi, meu amor, – Donatela cumprimentou, com o tom suave
– que saudades de ouvir sua voz!
— Lorena, onde você está? – acionou a função viva-voz,
observando os técnicos trabalhando no rastreamento da ligação.
— Não posso responder, mas daqui a alguns minutos vocês
conseguirão rastrear a ligação. O importante é que quero lhe
encontrar hoje! Acredito que Torres já tenha passado meu recado.
— Por que não falou comigo ontem? – queria ganhar tempo.
— Você estava tão linda dormindo, não quis lhe acordar. Você
irá se encontrar comigo hoje? Prometo que nada vai lhe acontecer!
— Eu vou, claro que vou. Onde você quer esse encontro?
— Quero que me espere na rodovia. Quilometro vinte e cinco.
Vá sozinha!
— Irei sozinha, com certeza!
— Mentirosa, – zombou – não quero fazer nada na sua frente,
linda, me ajuda nessa parte, está bem? Preste atenção: vá de carro
até o quilometro vinte e cinco. Saia e me espere do lado de fora.
Quando eu passar, você saberá. Agora, se me permite, quero falar
com Torres.
— Eu estou aqui, Lorena. – Torres se manifestou.
— Não farei nada com Gisele, como já lhe disse, – mudou o
tom de voz – o que não se aplica às pessoas que estarão por perto.
Sinceramente, não quero fazer absolutamente nada enquanto
Gisele estiver do meu lado, muito menos que ela se machuque. Sei
que você vai inventar de enfiar policiais em tudo quanto é lugar,
mas, vai por mim, eu detesto me sentir acuada!
— O que você pretende com isso, Lorena?
— Ver a mulher que amo novamente, explicar algumas coisas
que ficaram meio nebulosas entre a gente. Já conseguiu juntar os
pontos do quadro? – inquiriu, sorrindo.
— Os nomes das pessoas que você matou? Estou
trabalhando nisso! E o que foi isso com Campos e a mulher dele?
— Peso morto! Não preciso mais deles me enchendo o saco.
Família é um porre quando quer!
— O que Campos era seu?
— Deixarei você pensar sobre isso. Não me desaponte, esse é
o seu teste. Se você conseguir achar a conexão, saberá de tudo!
— Qual é o prazer que você sente nisso, Lorena? O que você
pretende, realmente?
— Me divertir um pouco. Eu adoro um bom jogo de charada!
Gisele?
— Estou aqui.
— Te vejo mais tarde, meu amor. Eu te amo. – de novo, o tom
ameno.
— Até mais tarde, Dona.
Gisele desligou o telefone, ao mesmo tempo em que Torres
recebia o papel com o endereço de origem da ligação. Acionou
patrulhas próximas ao local, certa de que a foragida não estaria
mais lá.

Depois de repassar, mais uma vez, todo o plano, Torres


devolveu a arma e o distintivo à Gisele. Antes que a ruiva entrasse
no próprio carro, Torres segurou seu braço.
— Cuidado, Gisele, – pediu, olhando fixamente para os olhos
pretos – se você se sentir em perigo, já sabe o que fazer.
— Eu sei, ficarei bem, Torres. – garantiu.
Torres soltou o braço de Gisele, que entrou no carro e saiu,
devagar. Um policial entregou um colete à loira e, juntos, entraram
num furgão, seguindo o carro da ruiva.

No horário marcado, Gisele parou no acostamento, rente à


placa que marcava o quilômetro vinte e cinco. Notou que o fluxo de
carro era constante e que não havia prédios nas proximidades,
impedindo a ação de atiradores de elite da polícia. Trinta minutos
depois, um carro preto parou atrás do seu e Gisele caminhou em
direção a porta do carona. Sentindo o coração disparar, abriu-a,
deparando-se com a morena, que presenteava com um lindo
sorriso.
— Desculpe a demora, anjo. Precisamos ser rápidas, vem! –
pediu, acenando. — Estamos sozinhas? – indagou, ajeitando o
retrovisor.
— Sim, como você pediu. – disse, olhando o rosto da morena.
— Me dá sua arma, anjo! – pediu, sorrindo e recebendo a
arma que Gisele lhe entregava. — Preciso só fazer uma coisa,
rapidinho! – avisou, ao se inclinar para o banco de trás.
Donatela desceu, portando um fuzil, deixando Gisele sem
reação. A morena atirou contra um carro que vinha pela rodovia,
mirando nos pneus.
— Agora, sim, estamos sozinhas. Vamos alinhar algumas
coisas, meu bem. Preciso que me diga a verdade quando eu lhe
perguntar algo. Já é a segunda vez que mente pra mim hoje! E isso
me deixa magoada.
— Lorena, o que você pretende com isso?
— Conversar, explicar as coisas. Não quero que fique esse
mal estar entre a gente!
— É difícil acreditar em tudo isso! Se alguém me dissesse, eu
teria um acesso de riso! Jamais poderia imaginar que aquela mulher
linda, doce, que eu me apaixonei seria alguém tão baixo como você!
— Sei que está chateada comigo e entendo, de verdade. Eu te
amo, Gisele, não quero terminar!
— E o que você pretende? O que você sugere? Que eu feche
os olhos para tudo o que fez e nos encontrarmos às escondidas,
sempre? Ou melhor, que eu me alie a você? E que ideia absurda foi
essa de beijar Bianca?
— Ela contou? Não significou nada! Nós nos encontramos e
quando fui embora, percebi que ela esperou uma atitude a mais
minha. Precisei fazer aquilo para ela não comentar com Torres
sobre o acidente, pois melaria minha ida ao apartamento.
— Você é uma imbecil! – Gisele reagiu, dando um tapa no
braço da morena. — Você não podia ter feito isso comigo!
— Ciúmes, ruivinha? – indagou, achando graça da reação de
Gisele. — Que bom que se importa! É sinal de que ainda tenho
alguma chance, não é?
— Você matou todas as suas ex! Isso me dá alguma opção?
— Sim. Você pode ir embora depois que conversarmos. –
disse, em tom simplório.
Num movimento rápido, a habilidosa motorista cortou alguns
carros e entrou num retorno, na outra extremidade da pista. Olhou
pelo retrovisor e viu dois carros frearem bruscamente, enquanto um
terceiro e quarto carro entravam pelo mesmo retorno.
— Torres, tira seus homens! Já me livrei de dois, como prefere
que eu me livre do resto?
— Com quem você está falando? – Gisele indagou, ao se
segurar na porta.
— Não subestime minha inteligência, Gisele, – respondeu,
ríspida, se virando para encarar seus olhos – estou começando a
ficar chateada com isso! Tira seus homens, Torres! O próximo aviso,
será os corpos esparramados na pista!
Gisele, em silêncio, observou a morena relaxar ao ver alguns
carros mudar a direção. Ágil, entrou pela contramão, retornando
para rodovia.
— Desculpe ter alterado meu tom de voz, – acariciou o rosto
da ruiva – estamos num momento um pouco tenso aqui. Bom,
preciso que tire suas roupas.
— O que? – Gisele sorriu, incrédula, afastando a mão que lhe
tocava.
— Qual é, meu amor? Tenho certeza que está com
localizadores e escutas até no seu sapato! Tira as roupas.
Gisele obedeceu, despindo-se devagar. Jogou as roupas no
tapete do carro e ficou de lingerie. Percebeu os olhos cobiçosos
passeando por todo o seu corpo.
— Aonde vamos?
— Depois eu te falo, mas é um lugar lindo! Você já conhece. –
disse, percorrendo, agora com a mão, o corpo de Gisele. — Como
você é linda! Você não faz ideia da falta que me faz! Joga suas
roupas pela janela, anjo.
— A mulher que eu conheci jamais me faria passar por uma
situação dessas! – reclamou, ao recolher as roupas, abrir o vidro e
jogá-las na rodovia. — Como você conseguiu se esconder por tanto
tempo de mim?
— Tudo o que lhe falei, sobre o que sinto por você, foi
verdade! Não menti, nunca!
— Como você quer que eu acredite? Você sabia que eu
estava investigando os assaltos e o que você fez? Continuou
comigo apenas para saber sobre as investigações! Como você quer
que eu acredite que me ama, depois disso tudo? Não dá pra
acreditar, Dona! Aliás, nem seu nome é verdadeiro! Eu me senti a
pessoa mais idiota do mundo!
— Vem cá, meu amor, – parou o carro no acostamento – me
conta, o que mais está usando?
Gisele preferiu não mentir mais e retirou o aparelho do ouvido.
Após um longo suspiro, tirou o sutiã e jogou pela janela.
— Só isso? Não tem nada na sua calcinha? – perguntou,
ostentando um sorriso safado, a mão deslizando pelo corpo da ruiva
até a pequena peça.
Gisele fechou os olhos, sentindo o corpo corresponder ao
toque da morena em seu sexo. Sem se conter, abriu as pernas,
seduzida pela excitante massagem. Gemeu baixinho e, totalmente
vulnerável às carícias da mulher que tanto amava, puxou-a pelo
pescoço, beijando-a com desejo. Soltou o cinto de segurança e
intensificou o beijo, as línguas se encontrando em sintonia, como
sempre fora.
— Vamos sair daqui! – Gisele pediu, o corpo incendiado pela
paixão.
— Vamos, – a morena concordou, ao se desprender dos lábios
da ruiva – tem uma roupa aqui no banco de trás. Faremos uma
parada e seguiremos viagem. – avisou, ao pegar a bolsa atrás do
banco do carona.
Gisele retirou as roupas, vestindo-as. Acarinhou o rosto da
morena e repousou a mão em sua perna, ciente de que, por mais
que a situação fosse perigosa, ainda mais que ela dirigia em alta
velocidade, sentia-se estranhamente segura e confortável ao seu
lado.

Estacionaram num posto de gasolina. A morena desceu do


carro e foi ao banheiro. Ao retornar, chamou Gisele e, juntas,
entraram noutro carro, previamente estacionado na outra ponta da
loja de conveniência. Sem dar explicação alguma, a morena pegou
o caminho de volta.
— Agora, posso responder suas perguntas. Vamos para
aquela pousada que você gostou, onde lhe pedi em namoro. Já
temos reservas.
— Você irá responder todas as minhas perguntas?
— Quase todas. Algumas não, pois você vai contar à Torres e
quero que ela descubra sozinha. – confessou, sorrindo.
— Ok, vamos lá. Quem é você?
— Meu nome é Lorena, tenho trinta e dois anos. Por um
tempo, fui matadora de aluguel, mas comecei fazendo pequenos
assaltos. Hoje, sou especialista em assaltos a bancos. Ah, sou
formada em tecnologia da informação.
— Admito que não seria tão simples escutar isso num primeiro
encontro, – gracejou – como você tomou o lugar de Donatela?
— Eu cresci com Donatela. Acho que sempre fui apaixonada
por ela! No começo, não dava muita bola, preferia andar com Pablo.
Depois, passei a prestar uma atenção maior nela e no irmão, Danilo.
Ela tinha uma doença que começou a piorar na adolescência. Ela
sofria com as dores constantes e eu me sentia impotente por não
poder ajudar. Eu sentia um ódio imenso dos Ferri Garcia, pois eram
ricos e poderiam pagar médicos, remédios, enfim proporcionar uma
vida mais confortável para os filhos. Mas, pelo contrário, os
abandonaram num orfanato como se fossem descartáveis!
— O que aconteceu?
— Quando Pablo completou dezoito anos, saiu. Um tempo
depois, foi a minha vez. Quando nos encontramos, ele já tinha se
envolvido com o mundo do crime. Me juntei a ele, pois era forma
mais rápida, naquele momento, de ganhar dinheiro. Precisava me
organizar para receber Donatela e Danilo. Quando os dois saíram
do orfanato, foram morar conosco e decidimos procurar seus pais.
Fomos expulsos da casa, aos gritos do pai deles, dizendo que não
os reconhecia, que não tinha filhos, coisas assim. Aí, minha ficha
caiu: os meninos foram bem novos para o orfanato, ninguém da
família os reconheceria e, também, não sabiam da doença, pois o
pai inventou aquela história de infidelidade para não admitir que não
queria os filhos doentes.
— Era a sua chance. – Gisele entendeu.
— Sim. Donatela já sabia o que fazíamos para ganhar dinheiro
e pediu que eu os matasse. Pablo me ajudou e causamos o
acidente, cortando os freios. Só que eles não morreram na batida,
aí, tivemos que improvisar. Foi a primeira vez que matei.
— E Donatela?
— Contei tudo a ela, – sorriu, emocionada com as lembranças
– que me agradeceu e pediu para se juntar a eles. Eu neguei, mas
me doía muito vê-la sofrer com as crises. Cheguei a levá-la em
vários médicos, mas o diagnóstico era sempre o mesmo: doença em
estágio avançado, remédios o tempo todo. Uma noite, concordei
com seu pedido. Ela morreu dormindo.
— E Danilo?
— Ele se tornou um peso, aí o descartamos. Depois,
decidimos assumir a identidade deles. Falsificamos um teste de
DNA e voilá.
— Você tinha dezoito anos, como pensou em tudo?
— Pablo foi um grande mentor, me ensinou muita coisa.
Campos também. Aliás, quando o procurei foi para confessar tudo
que tinha feito, achei que ele fosse me prender. Eu senti muito
remorso por ter matado Donatela. Mas, inesperadamente, ele disse
que eu tinha feito tudo certo e me pediu uma parte do dinheiro que
ganharia com a herança. Foi quando soube que teria sempre a
cobertura dele.
— O que Campos era seu?
— Tio, mas não vou entrar em detalhes da minha família. Essa
é a parte que vou deixar para Torres.
— Isso explica muita coisa.
— Essa sou eu!
— E Ludmila? Como aconteceu?
— Numa briga mano a mano com China, acabei tomando uma
facada. Ela era enfermeira do hospital. Doce, gentil, linda, tinha uma
beleza própria no físico e na alma. Saímos algumas vezes e nos
apaixonamos. Vivemos felizes por dois anos. Um dia, cheguei em
casa e ouvi a conversa dela com Janete. Em cima da mesa,
algumas armas e dinheiro que ela havia encontrado na casa.
Expliquei tudo pra ela, contei toda a verdade, mas ela foi à cozinha,
pegou uma faca e quis me acertar. Acabei perdendo o controle.
— E Andréia?
— Foi importante, mas não tanto como Donatela e Ludmila.
Nos conhecemos dois anos depois da morte de Mila. Ela dançava
na noite, achei que teria uma cabeça mais aberta, mas não rolou.
Passamos a nos encontrar somente para sexo. Ela curtia uma coisa
mais nervosa, se é que me entende. Um tempo depois, começou
com frescura de que não querer mais me ver. No dia que a gente se
conheceu, após nos despedirmos, fui atrás dela. Aquela noite eu
estava à procura de alguém, queria ação. Como você apareceu e
não tive coragem de fazer nada, fui atrás dela.
— Você matou todas as suas ex?
— Tecnicamente.
— Lorena, você não percebe que está falando de pessoas?
De vidas? Você fala como se tivesse jogado uma roupa fora, que
não te servia mais! Se você soubesse que eu era policial aquele dia,
no bar, o que teria feito?
— Eu teria te matado, – respondeu, com sinceridade – pois
não estava envolvida por você, ainda. Por mais que tivesse mexido
comigo, ainda não havia me entregado por completo.
— E os meninos?
— Pablo conheceu André depois que saiu do orfanato.
Conhecemos Júlio e Rodrigo num boteco. Foi um casamento
perfeito, anos a fio! Tivemos uma boa afinidade logo de cara!
— O que a cunhada de Campos, Mariângela, tem a ver com
tudo isso?
— Torres lhe dará essa resposta.
— E Paula?
— Nós nos conhecemos quando começamos a trabalhar no
banco. Na verdade, o banco foi apenas para conhecermos a
estrutura e tudo o mais. Não era um emprego de verdade, não na
minha cabeça. Ela e China se apaixonaram. Ele contou pra ela o
que fazia de verdade e ela disse que não se envolveria diretamente,
mas não queria perdê-lo. Coisas do amor!
— Aí ela passou a ser informante, dentro dos bancos.
— Isso.
— Quem era Amanda?
— Torres também lhe dará essa resposta.
— Você matou Danilo?
— Era necessário. Não podia deixar que ele pegasse você.
— E André?
— A mesma coisa.
— Júlio?
— Júlio e Rodrigo estão bem. Eles são gente boa, não se
preocupa com eles. Nem estão no estado mais!
— É tão absurda a forma como você fala! Parece que foi um
encontro casual de amigos que passaram na sua vida e você não
tem mais contato! Como você consegue ser tão fria?
— Por que eu tenho que me importar com as pessoas se
ninguém se importou comigo? As únicas pessoas com quem me
importei me viraram as costas, com exceção de Donatela. Ela era
importante pra mim, assim como você é, mas eu não podia ser
egoísta a tal ponto de mantê-la ao meu lado. Você não faz ideia do
que ela sofreu! Eu teria dado minha vida por ela!
— Você ainda a ama, – observou, com o coração apertado
pelo ciúme – ela sempre será seu grande amor!
— Nunca a esquecerei, – admitiu – pois ela foi a razão de eu
não ter me entregado totalmente. Eu tinha todos os motivos do
mundo para pirar!
— Como assim?
— Você irá saber.
— Por que você sequestrou Arthur, deixou ele com vida e
depois tentou matá-lo?
— Só levei Arthur porque precisava demonstrar aos meninos
que não havia me envolvido sentimentalmente com vocês. No
galpão, não consegui matá-lo. Sinceramente, não queria deixar as
crianças órfãs, aí disse aos meninos que só ia liberá-lo para que não
lhe tirassem das investigações. Depois, ele começou a fuçar onde
não devia e se tornou um pé no saco! Naquele dia da cozinha, ele
estava me enfrentando, querendo saber de Janete. Tinha que fazer
algo!
— E ela? Janete?
— Ela falou demais. Não tolero quem fala demais!
— Me conta tudo desde o início, quero saber de todos os
detalhes, – pediu, encostando-se no banco – seja honesta comigo!
Lorena meneou a cabeça, permitindo que as lembranças do
passado emanassem. No trajeto para a pousada, contou à ruiva
tudo o que viveu e fez, pois não havia mais motivos para mentir.
Pela segunda vez, era honesta com alguém acerca de seu
verdadeiro eu.

— Perdemos elas! – Torres tirou o fone da orelha, jogando-o


num canto da van.
— Temos duas opções: acharemos o corpo de Gisele ou
teremos que iniciar uma caçada às duas. – Paulo expôs sua
conclusão.
— Eu irei encontrá-la, – Torres contrapôs – elas não irão
longe!
— O que você sugere?
— Ela disse que ia para um lugar lindo que Gisele já conhecia.
Encontramos o carro nesse posto de gasolina, – apontou o mapa,
reluzente na tela do computador, no fundo do furgão – essa saída
dá para o interior – deslizou o dedo noutro ponto da tela – e o
retorno mais próximo fica há um quilômetro. Se ela quisesse ficar na
cidade, não teria ido nessa direção. Eu preciso pensar, – recolheu a
mão, passando-a pelo pescoço – Arthur! Ele pode me ajudar a
encontrar essa resposta! Liga para o policial que está fazendo a
segurança no hospital. Quero falar com ele!
Paulo ligou, explicou rapidamente ao colega o que estava
acontecendo e passou o telefone para Torres.
— Oi, Torres, o plano deu errado? – Arthur indagou, preocupado.
— Ainda não sei. Preciso que me ajude a descobrir que lugar
é esse que Lorena levou Gisele.
— Putz! Elas viajaram algumas vezes, mas não faço ideia de
onde é esse lugar aí!
— Força na memória! Um lugar lindo, que Gisele deve gostar,
pois Lorena não escolheria aleatoriamente. Deve ter algum
significado para as duas!
— Lorena a pediu em namoro numa pousada. Gisele me disse
que ela pulou de paraquedas, mas não tenho ideia mesmo de onde
possa ser.
— Valeu, cara! Depois nos falamos! – desligou e ligou para o
departamento técnico. — Jeferson, olha aí no computador de
Lorena se tem alguma coisa sobre uma pousada no interior, próxima
a algum clube de paraquedismo. Tem que ser pra ontem!
Sentindo-se sufocada, Torres saiu do veículo e caminhou de
um lado para o outro, repassando tudo o que escutara. Certa de que
Lorena não faria nada com Gisele, sua preocupação era com a
possibilidade de Gisele fugir, aliando-se à morena. O telefone tocou,
trazendo-a de volta à realidade.
— Oi, Jeferson. Encontrou? Duas? Quais? – entrou no furgão
e pegou um bloco de papel. — Valeu, cara!
— Encontrou? – Paulo indagou.
— Duas, a Paladium, perto da cidade, e Aurora, nas
montanhas. – indicou os lugares no mapa.
— Certamente, a perto da cidade, pois a rota de fuga é mais
rápida. – o investigador sorriu, convicto.
— É exatamente isso o que pensaríamos, mas ela foi para as
montanhas. Lorena não faria nada tão óbvio, além do mais, pedir
alguém em namoro nas montanhas é bem mais romântico. Reúna o
pessoal. Vamos para essa pousada aqui! – finalizou, apontando o
mapa.

Gisele desceu do carro olhando ao redor. O jardim continuava


impecável e aconchegante, como da primeira vez. Havia estado ali
com Donatela e, agora, retornava com Lorena, que lhe estendia a
mão.
— Boa noite, Donatela e Gisele! – cumprimentou a senhora na
recepção, ao ver o casal entrando de mãos dadas. — É muito bom
receber vocês, de novo!
— Obrigada, – a morena agradeceu, sorridente – é bom voltar
a lugares incríveis como esse! Desculpe o horário avançado. Aqui
está nossa reserva. – pôs o papel em cima do balcão.
— Claro, o quarto já está liberado! O mesmo, número quinze.
Como vocês já possuem cadastro, basta assinar a ficha. Aqui estão
as chaves e a lista dos ramais. Fiquem a vontade!
— Obrigada.
Permanecendo de mãos dadas, as duas subiram. Lorena abriu
a porta, soltou a mão de Gisele e deu espaço para que a ruiva
passasse. Fechou a porta, pôs a mochila no chão.
— E aqui estamos, mais uma vez!
Gisele mirou os belos olhos verdes de Lorena, recebendo o
mesmo olhar intenso, apaixonado, como na primeira vez que
entraram naquele quarto. Sem resistir ao amor que sentia pela
morena, venceu a distância entre as duas, abraçando-a e beijando-a
calorosamente.
Impulsionada pela saudade, Gisele pulou no colo de Lorena,
que, aos beijos, caminhou em direção à cama. Despiram-se com
pressa, os corpos ardendo de desejo, as mãos passeando pelo
corpo uma da outra. Gisele gemeu ao sentir as carícias da morena,
a cada toque mais ousadas, exigentes. Lorena, provocante, mordeu
os lábios da ruiva, antes de descer para o seu pescoço, entre beijos
e chupões. A língua passeava na pele branca, queimando-a de
desejo. Ao sentir o seio ser explorado pela boca que tanto amava,
Gisele gemeu, enfiando as mãos nos cabelos negros. Lorena
passou a mão pela perna da ruiva, aproximando-se, torturantemente
devagar, do seu sexo, molhado pelo tesão crescente. Masturbou
Gisele, lentamente, deixando-a ainda excitada. A ruiva gemeu alto
ao ser penetrada pelos dois dedos ágeis da morena. Num vai-e-vem
agressivo, intenso, Gisele abriu os olhos e viu, nos olhos verdes que
lhe miravam, todo o amor que ela sentia. Notou que a morena
estava mais intensa, apaixonada e desinibida do que antes. Fechou
os próprios olhos e se entregou a um delicioso e forte orgasmo.
— Que saudade desses seus gemidos no meu ouvido! –
confessou, brincando com uma mecha do seu cabelo ruivo. — É
como seu estivéssemos longe há meses!
— Também estava com saudades de você, do seu corpo.
Como posso sentir tanto a sua falta depois de tudo o que
aconteceu?
— Porque nos amamos! É simples, – respondeu, ao entrelaçar
as pernas, colando seu sexo no da ruiva – nossa sintonia é perfeita!
– começou a rebolar, com corpos encaixados.
— Sim, é perfeita, – reconheceu, acompanhando os
movimentos, sem controlar os gemidos – você é incrível, Lorena!
— Eu quero ser sempre sua, Gi, – falou, afastando-se para
olhar seu rosto – não existe ninguém no mundo que pode substituir
uma mulher como você.
— Eu quero ser sua, linda, mas estamos em uma situação um
pouco complicada, não acha? Estamos em lados opostos da lei!
— Eu sei, mas darei um jeito em tudo! Acharemos uma saída.
– falou, fazendo a ruiva se abaixar sobre a cama e intensificando o
movimento do quadril, sentindo o seu sexo colado no dela.
Lorena respirou fundo, recuperando o fôlego após um intenso
orgasmo. Subiu no corpo da ruiva e beijou-a, com calma. Acarinhou
seus cabelos e mirou, profundamente, os olhos negros.
— Eu te amo. Eu te amo mais que tudo nesse mundo! Você é
a coisa mais importante pra mim. Fica comigo? Eu te prometo que
nada de ruim vai acontecer!
Gisele nada disse, admirando o brilho dos olhos verdes. Sabia
que aquele era o momento onde fraquejaria.

Duas horas depois, a comitiva policial entrou na estrada que


dava acesso à pousada. Inesperadamente, Torres deu a ordem para
Paulo parar e os outros carros, atrás, fizeram o mesmo.
— Desçam todos, em silêncio! – pediu pelo rádio.
— Por que paramos? – Paulo indagou.
— O que vocês estão escutando? – Torres inquiriu, quando
todos se juntaram.
— Nada, estamos no meio da floresta.
— Isso mesmo, nada! A pousada fica no alto. O som se
propaga por esses vales. Lorena saberá de nossa chegada quando
estivermos a um quilômetro de distância. Temos que seguir a pé!
— A pé irá demorar mais. Você acha que ela ainda estará lá?
— Se Gisele usar a cabeça e não cair na conversa de Lorena,
vai segurá-la.
Torres conferiu o mapa e identificou que a pousada ficava a
cerca de cinco quilômetros dali. Pegou a lanterna, armas e acenou
para o grupo.
— Vamos seguir a pé, com o mínimo de barulho possível.
Como a região era íngreme, demorariam, pelo menos, uma
hora para chegar. A loira, apreensiva, torcia para que estivesse
certa sobre Gisele.

Capitulo 26

Gisele relaxou nos braços de Lorena, após outro orgasmo.


Estavam na banheira, desfrutando um banho quente e relaxante. A
ruiva não conseguia se desgrudar da morena, ansiando estar perto
todo o tempo possível. Saíram do banheiro e Lorena sentou na
cama, observando Gisele ir até a mesinha de bebidas e retornar
com taças e uísque. Sentou nas pernas da morena e entregou uma
taça.
— Não é um champanhe, mas podemos brindar mesmo assim! –
gracejou, antes de beijá-la.
— E a que vamos brindar? – Lorena indagou, deslizando a
mão na perna de Gisele, mirando os olhos negros expressivos.
— A essa noite! A esse momento – respondeu, ao beber um
gole de uísque e pôr a taça de lado – e ao pedido que lhe farei.
Anos atrás, Donatela pediu para você matar e te apoiou nisso.
Agora, eu peço que pare de matar. Não faz mais isso! São pessoas,
Lorena, são vidas!
Lorena se afastou e fitou os olhos negros, ansiosos por uma
resposta. Sorriu e levou a mão aos cabelos ruivos, acarinhando-os.
— Eu faço tudo o que você me pedir, mas, podemos abrir uma
exceção para pessoas que não merecem viver?
— E qual tipo de pessoa que, em seu julgamento, não merece
viver?
— Eu lido com muitos tipos bandidos, como aquele que nos
assaltou na porta do restaurante. Esse tipo de gente não merece
viver.
— Você não é Deus para decidir quem vive ou morre! Promete
que vai parar de matar?
— Eu paro. Se é isso que quer, eu paro! Faço qualquer coisa
por você, meu amor!
— Obrigada! – agradeceu, sinceramente feliz. Beijou a
morena, o corpo dando sinais da paixão reacendida. As mãos se
tocavam, passeando pelo corpo uma da outra, quando Lorena parou
e segurou os braços da ruiva.
— Você sabia disso?
— Disso o que? – Gisele não entendeu a pergunta, mas
Lorena a empurrou para o lado e pôs-se de pé, agilmente.
— Sabe qual é a vantagem de um lugar no meio do nada? É
que você pode escutar tudo a distância! – disse, vestindo-se.
Gisele correu para a janela, finalmente entendendo o que
estava acontecendo. Viu vultos se aproximando da pousada.
— Vai embora, – pediu, com o coração disparado, abraçando
Lorena – não deixe Torres te pegar! Não deixe! – beijou-a.
Nesse exato momento, a porta foi arrombada e Lorena
empurrou Gisele para cima da cama. Pegou a arma na mesa e
atirou na direção da porta, atingindo Torres, que, também, efetuou
disparos. As duas caíram, mas Torres logo levantou, protegida pelo
colete. Gisele se enrolou num lençol e vários policiais entraram no
quarto, armas apontadas para a morena caída e ensanguentada.
Torres deu ordem para não atirarem e Gisele a amparou,
estancando o sangue com um pedaço do lençol.
— Oi, Lorena. – a loira se aproximou, chutou a arma e
agachou-se.
— Oi, Torres. Você é muito boa, – balbuciou, tentando sorrir –
ponto pra você! – elogiou, antes de desmaiar.
Gisele, chorando copiosamente, chamou pela morena várias
vezes, sem sucesso. Torres a abraçou, tentando confortá-la.
— Ela ainda está viva, – garantiu, acenando para um policial –
chame uma ambulância. Temos que levá-la ao hospital mais
próximo.
— Não deixa ela morrer, Torres, – Gisele pediu, aos soluços,
escondendo o rosto entre o colo e o pescoço da loira – não precisa
terminar assim!
— Não irá terminar assim. Não acertei nenhum local vital.

Gisele ficou alguns minutos abraçada a Torres, que,


educadamente, pediu que ela fosse se vestir. A loira esvaziou o
quarto, pegou um roupão e entregou à ruiva, que recolheu as
roupas e foi para o banheiro, com o coração despedaçado, apesar
do sucesso da operação. Sabia que jamais se perdoaria se algo
acontecesse com Lorena.
Sem demora, a ambulância chegou e os médicos prestaram
os primeiros socorros. Ao abrir a porta do banheiro, Gisele viu a
mulher que amava em cima da maca. No chão, o lençol
ensanguentado. Torres se aproximou e, juntas, foram para o carro,
já estacionado na porta da pousada. Chegaram ao hospital a tempo
de ver os médicos reanimando Lorena após uma parada cardíaca.
Gisele sentou na calçada, na porta do hospital, e chorou. Sequer
percebeu as horas passarem e a noite ceder lugar ao dia. Torcia,
apenas, para que Lorena sobrevivesse.

Para que o corpo se recuperasse, os médicos colocaram


Lorena em coma induzido. Torres e sua equipe ficaram de prontidão,
vigiando o hospital o tempo todo, com Gisele em seu encalço. Dois
dias depois, os médicos finalmente liberaram a transferência da
morena para São Paulo. Nesse período, Gisele contou à policial
tudo o que as duas conversaram. Notando o quanto a ruiva estava
abatida, Torres a liberou do depoimento na delegacia.
Em casa, Gisele permitiu que a dor lhe tomasse. Caiu no chão,
chorando a sua perda. Sentia que, definitivamente, era o fim.

Lorena despertou e, devagar, compreendeu que estava num


hospital. Tentou erguer a mão, algemada à cama, fazendo barulho e
chamando atenção da enfermeira, que anotava algo no prontuário.
Arriscou falar, mas o tubo na garganta a impediu. Assustada, a
mulher saiu e chamou o médico, que logo retirou o tubo e a morena
pôde respirar melhor.
— Onde eu estou? – perguntou ao médico que a examinava.
— Hospital Central. Você sabe me dizer o que aconteceu?
— Torres me pegou, – disse, esboçando um sorriso – filha da
puta. Me deu alguns tiros. Fiquei em coma?
— Você teve uma parada cardíaca, logo que chegou ao
hospital, ainda no interior. Foi colocada em coma induzido para que
pudesse aguentar os primeiros dias e ser transferida pra cá. Está
desacordada há três dias.
— Quantos policiais estão por aqui?
— Muitos. Me parece que você é bem perigosa!
— Sua enfermeira ficou um pouco assustada ao me ver
acordada.
— Ela andou dando ouvidos às conversas de corredor, –
respondeu, sorrindo – afinal, não é todo dia que temos uma
assassina em série entre nossos pacientes.
— Torres não fez jus à minha pessoa! Não sou assassina em
série, só não tenho tanta preocupação com a vida como você.
— Ainda bem que eu me preocupo com a sua vida, não é?
— Depois eu te mando algum. Sei recompensar quem me
trata bem!
— Isso é suborno?
— Não! Uma cortesia. Não estou em condições de suborno.
Preciso ficar algemada?
— Precisa. Vamos garantir que você não pegue uma agulha e
mate alguns funcionários do hospital.
— É bom se precaverem, – riu, sentindo a dor se alastrar no
seu abdômen – como está minha saúde?
— Está indo bem, na medida do possível. Você perdeu muito
sangue, mas recebeu uma transfusão. Foi submetida a duas
cirurgias e todas as balas foram removidas. Seu corpo está muito
debilitado, você ainda ficará um bom tempo com a gente.
— Torres está por aqui? Tenho que dar meus parabéns a ela!
Aquela cretina conseguiu me estragar toda!
— Ela poderia ter lhe matado! Por sorte, não acertou em
nenhum órgão vital. – disse, em tom de confissão.
— Não foi sorte, ela não quis me matar. Não tinha como errar
naquela distância, ainda mais com a técnica que ela tem. Chama
ela, por favor.
— Passarei o recado aos policiais que estão fazendo sua
vigilância.
— Gisele veio aqui?
— Gisele? – perguntou, confuso.
— Uma investigadora ruiva, linda.
— Veio, hoje de manhã. Só que você não pode receber visitas.
— Ok. Bom, o que me resta é descansar, não é?
— Exatamente! Você tem uma boa saúde, irá se recuperar
logo.
— É o que espero. Tenho um encontro daqui a trinta e cinco
dias, no sul do país. Tenho que melhorar logo. – suspirou. — Ah,
doutor, caso eu lhe procure para uma conversa, escute com
bastante atenção e sugiro que não me contrarie.
— Como assim?
— Donatela irá te procurar. Esteja atento!
O médico nada disse. Anotou algo no prontuário e caminhou
até a porta. Bateu e o policial abriu, liberando sua saída.

Na delegacia, Torres trabalhava no inquérito. Paulo lhe


entregou uma pasta, com as informações recolhidas acerca da
família de Lorena. Ao contrário do colega, que não achou utilidade
no material, Torres vibrou, pois havia encontrado exatamente o que
buscava. Anexou a pasta ao inquérito e guardou, pois planejava
visitar Arthur e contar-lhe de suas descobertas. No caminho,
recebeu uma ligação, avisando que Lorena havia acordado e mudou
o trajeto, rumo ao Hospital Central. Preferiu não contar a Gisele,
pois queria, antes de tudo, conversar a sós com ela.
— Oi, Lorena, – cumprimentou, com cortesia, a morena que
apreciava o monitor cardíaco – quer falar comigo?
— Quero lhe dar os parabéns. Nunca conseguiram me
derrubar, você foi a única!
— Obrigada! Gosto de fazer meu trabalho bem feito, –
respondeu, puxando a cadeira e sentando ao lado da cama – como
está se sentindo?
— Viva, ainda. Por que não me matou?
— Não queria fazer isso na frente de Gisele, – disse, em tom
zombeteiro – além do mais, gosto que criminosos paguem por seus
crimes atrás das grades. Não seria legal te matar. Seria fácil demais
pra você!
— Isso também é um tipo de tortura. Não somos tão
diferentes, somos?
— Não, não somos. Só jogamos em times opostos.
— E, pelo visto, não consegui comprar seu passe para o meu
time.
— Ainda não!
— Não vai fazer um interrogatório?
— Não preciso. Já tenho todas as respostas que quero.
— Todas?
— Todas! Devo dizer que fiquei bem surpresa, mas deixarei
para seu advogado lhe contar, quando armarem a defesa para o
tribunal. Desde já, aviso que a promotoria fará uma festa! A soma
das penas, com certeza, ultrapassará os cem anos!
— Você acha que me levará a um tribunal?
— Tenho certeza. Era só isso? Preciso ir.
— Tem algum encontro importante?
— Vou ver Bianca.
— Não ficou chateada por eu ter dado um beijinho nela, ficou?
— Não.
— Filha da puta! Volte mais vezes para me fazer uma visita.
Eu gosto de você, pode acreditar nisso! – admitiu, sorrindo.
— O pior é que acredito! Qualquer dia eu volto, com mais
calma, e batemos um papo. Era só isso?
— Não. Cuidado com Lavínia. – mudou o tom de voz,
alertando-a.
— Não se preocupe.
— Fico aliviada. Ainda espero o dia que se tornará minha
aliada!
— Acho melhor aumentarem a dosagem do seu remédio. Você
não está raciocinando direito! Até mais, Lorena. – despediu-se,
piscando o olho para a morena.
— Até mais, Alexandra. – sorriu, pensando no quanto Torres
realmente era muito boa.

Gisele atendeu a porta do apartamento e Torres quase não a


reconheceu: abatida, com grandes olheiras e os olhos sem brilho
algum.
— Lorena acordou. – avisou, ao entrar e fechar a porta.
— Como ela está? – a apatia fora vencida.
— Bem. O médico me garantiu que ela não corre mais
nenhum risco de morte.
— Que bom, – respirou, aliviada – posso vê-la?
— Amanhã. Avisarei aos policiais que você está liberada.
— Você a viu?
— Vi. Acabei de sair do hospital e vim direto pra cá. Soube
que você pediu uma licença.
— É muita coisa na minha cabeça, não posso voltar. Pelo
menos por agora.
— Se transfere para minha unidade! – propôs, sentando-se no
pequeno sofá. — Arthur me disse que talvez peça transferência para
o interior, quando a licença médica acabar. Se ele for embora,
gostaria que se juntasse a nós.
— Você me acha péssima! Pra que isso?
— Você não é ruim! É cega quando está apaixonada pelo alvo,
mas não desvaloriza o seu trabalho em casos que não conhece o
criminoso.
— Eu vou pensar.
— Pensa com carinho. Adoraria te dar ordens todos os dias! –
provocou, piscando o olho.
— Acho que não vou nem pensar nisso! Eu te odeio, Torres! –
falou, sorrindo.
— Alexandra, me chama de Alexandra. – corrigiu
— Eu te odeio, Alexandra!
— Foi bom ficar com você esses dias. Foi uma boa parceria!
— Mentirosa!
— Estou falando sério! O que vai fazer a respeito de Lorena?
— Não há mais nada que eu possa fazer! Agora, ela irá se
recuperar, aguardar o julgamento no presídio e será condenada.
Acabou! Amanhã, sem dúvida, será apenas uma despedida.
— Está certo. Fica bem, – Torres pôs a mão na perna da ruiva
– qualquer coisa, você sabe onde me encontrar. – disse, sincera.
— Eu sei, – a ruiva reconheceu, ao pegar a mão e acarinhar –
obrigada por tudo! Por me manter viva!
— Eu quase te prendi, não me agradeça por isso! – zombou.
— Você me deu o benefício da dúvida! Já é uma grande coisa!
— Agradeça aos seus belos olhos negros! Foram eles que me
impediram de lhe prender. Afinal, eu ficaria chateada ao acordar e
não vê-los perambulando pelo apartamento!
— Vou agradecer!
— Eu tenho que ir! – levantou e caminhou até a porta.
— Vou te ver de novo? – Gisele indagou, segurando a
maçaneta da porta.
— Bem provável! – disse, já na soleira.
Gisele observou Torres caminhar pelo corredor, antes de
fechar a porta, devagar. Olhou para o pequeno apartamento,
estranhando a sensação de não ter mais a companhia de
Alexandra.

Na manhã seguinte, Gisele foi cedo ao hospital. Apresentou-se


na recepção e foi conduzida ao quarto de Lorena, após a liberação
da equipe médica.
— Oi, Gisele. – cumprimentou, de forma seca, algemada à
cama, olhos fixos na ruiva.
— Oi, Lorena, – respondeu, caminhando devagar – como você
está?
— O que você acha? – perguntou, levantando as mãos e
apontando para o próprio corpo. — Estou toda fodida e presa. Pelo
menos, não estou morta!
— Eu não sabia que Torres ia conseguir nos encontrar. O
plano era te capturar, realmente, mas não sabia que terminaria
desse jeito!
— Você não precisa me dar explicações. Afinal, estava apenas
fazendo seu trabalho! Eu entendo.
— Não fala desse jeito! Fiz meu trabalho até o momento em
que você conseguiu despistá-los. Depois disso, fui apenas eu
mesma.
— Você não tinha contado nada para Torres sobre aquela
pousada? – indagou, com um sorriso desconfiado.
— Não! Sequer imaginei que me levaria lá!
— Mas teria contado, se soubesse. – afirmou.
— Teria! – confessou.
— Acho que isso encerra nossa conversa, não é?
— Acho que sim, – concordou, mirando os olhos verdes – uma
pena que uma relação linda como a que nossa fosse feita de
mentiras. Eu te amei de verdade, Donatela. Ainda te amo!
— Eu também te amo, Gisele. Pode ter certeza que não vou te
esquecer. Ainda nos vemos por aí!
— Nos vemos no tribunal, – assentiu, afastando-se – adeus,
Lorena.
A morena piscou o olho e lançou um beijo no ar, na direção de
Gisele, que bateu na porta e esperou o policial abrir, tentando conter
uma lágrima. O definitivo fim chegara, era hora de virar aquela
página.

Capitulo 27

Ainda debilitada fisicamente, Lorena começou a arquitetar sua


fuga, pois sabia que não seria tão simples invadir, matar algumas
pessoa e fugir. Seria necessário um bom planejamento, o qual
começou a tomar forma quando ouviu a conversa entre as duas
técnicas de enfermagem que lhe davam o banho de leito.
— Desculpe, – interrompeu, agindo de forma cortês – essa
médica da obstetrícia que vocês falaram agora, Bianca, é uma ruiva
de cabelos curtos?
— Isso mesmo. Conhece? – inquiriu a mais velha.
— Tive o prazer de bater nela. Não, não nela propriamente
dito! – corrigiu, ao perceber os olhares assustados. — Tivemos um
acidente de carro, algumas semanas atrás. Meu carro bateu no
carro dela.
— Ah, sim, – compreendeu – me disseram que você é bem
violenta quando quer.
— Pareço violenta? – perguntou, sorrindo.
— Não, mas não vamos pagar pra ver, não é? Uma pessoa
que está algemada e ainda precisa de quatro policiais na sua porta,
dia e noite, não me parece muito confiável.
— Estou sendo superestimada. Mas, gosto que pensem isso
sobre mim! Me dá algum crédito, – gracejou – Bianca trabalha direto
aqui ou só dá plantão?
— Ela dá plantão aqui, duas vezes por semana.
— Diga a ela que Helena está aqui e espera uma visita.
— Acho que ela não virá.
— Não custa tentar, não é? Ela está de plantão hoje?
— Sim.
— Queria tanto poder tomar um banho de chuveiro, –
lamentou, levantando a cabeça – sei que fazem um bom trabalho,
mas adoraria sentir a água escorrendo pelo meu corpo.
— Acredito que os policiais não deixariam você tomar banho
sozinha.
— Eles podem me acompanhar, se quiserem. Faz tempo que
não tenho uma boa ação, se é que me entende! – gracejou,
piscando o olho e ciente que as duas sequer tinham noção ao que
se referia.
— Entendemos! Mas, caso você saia daqui para um presídio,
ficará sem esse tipo de ação por um bom tempo!
— Eu sei. Terei que seduzir os guardas de lá. Isso é, se tiver
algum guarda homem por lá!
— Deve ter bastante homens por lá. Tudo genérico! – disse a
mulher mais jovem.
Lorena acompanhou as gargalhadas, lamentando não poder
torcer o pescoço da mulher preconceituosa. À noite, jantou sob a
supervisão de um policial, com apenas uma das mãos livre. A
morena, que sempre preferiu um bom livro à televisão, viu-se refém
do aparelho, sua única companhia naquele quarto. Quando o relógio
marcou meia-noite e quarenta, ouviu o barulho da porta e pôs-se em
alerta, já que não havia medicação programada.
— Então, é verdade! – Bianca acendeu a luz e viu a morena
na cama. — Helena, que foi Donatela, mas, na verdade, é Lorena,
está internada aqui, nesse hospital! E nem é loira! – constatou, rente
à cama.
— Oi, Bia. Fui uma cretina! Pode me bater, se quiser. –
admitiu, em tom de culpa.
— Não bato em pessoas algemadas, se recuperando de
cirurgias. Até achei que as técnicas estavam tirando uma com a
minha cara!
— Eu deixei o dinheiro do conserto com Torres. Espero que
ela tenha lhe passado.
— Fiquei com o prejuízo! O que aconteceu para estar aqui?
— Torres me pegou. Ela não te contou?
— Não participo do trabalho dela. Pelo visto, ela lhe pegou de
jeito!
— Algumas balas, mas já estou melhor! Já que ela não lhe
passou, ainda estou em dívida. Pagarei assim que sair daqui!
— Hum, parece que isso vai demorar.
— Alguns dias, – aquiesceu, olhando-a fixamente – me
desculpe por ter lhe usado. Eu realmente precisei fazer aquilo!
— Passado! Me serviu para aprender a ficar esperta.
— Isso é muito bom! Obrigada por ter vindo. Ficarei aqui mais
alguns dias, vou gostar se vier me visitar outras vezes. Infelizmente,
não posso ir até você. – lamentou, erguendo os pulsos, sem perder
o contato visual.
— Foi... interessante te ver, Lorena, – a ruiva deu um passo
para trás – a propósito, você fica bem melhor morena!
Lorena sorriu, em sinal de agradecimento. Em seu íntimo,
certa de que a isca havia sido lançada com sucesso.
Daquele dia em diante, Bianca passou a visitar Lorena todas
as noites que trabalhava no hospital. Nos primeiros dias, as visitas
foram rápidas, mas, já na segunda semana, Lorena criou um clima
de cumplicidade entre as duas, prolongando cada vez mais o
contato. Esperou Torres aparecer e repreendê-la, mas, diante da
quietude da loira, pôde entender que Bianca não havia contado à
esposa sobre sua nova amizade.
— Como você consegue passar por essa barreira de policiais?
– Lorena inquiriu, numa das visitas.
— Sou médica. No início, eu explicava algum procedimento
complicado, que eles não entendiam. Hoje, nem me questionam
mais!
No dia que o médico comentou que em breve poderia ter alta,
Lorena compreendeu que era o momento de agir.

— Trouxe chocolate, quer? – Bianca anunciou, ao entrar no


quarto
— Que tipo? – quis saber, mirando os olhos da ruiva.
— Meio amargo, gosta? – indagou, presa no olhar intenso da
morena.
— Adoro, mas prefiro receber de outro modo! – Lorena
insinuou, ao ver Bianca partir um pedaço e levar a mão até sua
boca.
— Vou pensar em alguma coisa criativa. – recuou a mão,
pondo o pedaço na própria boca. Debruçou-se sobre a morena, que
ergueu a cabeça para receber o doce.
Provocante, Lorena passou, de leve, a língua na boca da
ruiva, antes de morder e engolir o chocolate. Bianca se afastou,
sorrindo, e pegou outro pedaço. Dessa vez, permitiu que a morena,
que atiçava sua sanidade, prolongasse o contato. As línguas se
enroscarem, numa lenta e excitante coreografia, antes que a ruiva
se afastasse, fitando os olhos verdes.
— Adoro chocolate desse jeito, – sentiu a mão da morena
passear por sua perna, grudada na cama – o que está fazendo
comigo, Lorena?
— Te seduzindo. Você mexeu comigo desde a primeira vez
que lhe vi, por isso, não fiz nada contra você. Não teria coragem de
fazer alguma coisa com uma mulher tão linda!
— Acho que está conseguindo, – reconheceu, antes de beijá-
la – você realmente não me parece tão perigosa.
— Eu sou! Não me julgue por um momento de fraqueza.
— Acho que sou louca, – comentou, sentando-se na beira da
cama – estou cortejando o perigo!
— Você gosta, quer correr esse risco! Aliás, é por isso que é
casada com uma policial. Você gosta do perigo! E eu posso lhe dar
emoções que nem imagina!
— Você não sabe nada de mim!
— Sei que poderia facilmente estar nua em cima do meu rosto,
gemendo alto, enquanto eu te chupo. Sei que gosta de me ver
assim, algemada, a sua mercê, enquanto se esfrega inteira no meu
corpo, me acendendo de desejo. Estou errada?
— Está, – respondeu, novamente presa ao olhar verde – eu
não seria tão louca a esse ponto!
— Seria, eu sei que seria! Sei que está ensopada de tesão e
deve estar uma delícia por dentro dessa calcinha! Você está louca
de vontade de transar comigo, aqui, em cima dessa cama de
hospital. Suas pupilas dilatadas estão me dizendo que, se não
fossem as algemas, você já estaria em cima de mim, com as pernas
bem abertas, enquanto eu te como bem gostoso, te proporcionando
um orgasmo intenso, sem que pudesse extravasar num gemido alto,
para não chamar a atenção dos policiais lá fora.
— Eu vou embora. Você é louca! – disse, respirando fundo e
disfarçando o quanto aquelas palavras mexeram com sua libido.
— Volta depois! Vou ficar esperando para lhe dar esse
orgasmo que tanto deseja!
Bianca andou, apressada, em direção à porta e bateu. Antes
de sair, olhou para Lorena, mas nada disse. Passou pela recepção,
agradecida por não ter paciente à sua espera. Entrou no banheiro
de funcionários, trancou a porta e sentou, não aguentando a
excitação que tomara seu corpo. Ergueu a saia e se masturbou,
ansiando pela boca de Lorena no lugar de seus dedos. Brevemente
saciada, tirou a calcinha e pôs no jaleco. Foi ao quarto de repouso
dos médicos, pegou a bolsa em seu armário e guardou a pequena
peça.
Sem conseguir se conter, a médica entrou no quarto, sendo
recebida pela morena e seu sorriso safado. Pôs a bandeja de
medicação em cima da mesa e, sem dizer uma só palavra,
suspendeu a saia e subiu na cama. Lorena apertou, com força, a
perna da ruiva e se abaixou, o quanto pôde, para ter uma melhor
posição. Bianca se encaixou no rosto da morena, que levantou a
cabeça para abocanhar o que lhe era oferecido. Lorena sentiu o
quanto a ruiva estava excitada, ao vê-la esfregar o sexo molhado
em seu roso.
— Se abaixa mais, – pediu, sussurrando – senta na minha boca
e rebola bem gostoso.
— Eu quero sentir esse orgasmo que me prometeu, – pediu,
enroscando os dedos nos cabelos negros – não vá me decepcionar!
— Não irei. É só relaxar que eu faço o resto. – prometeu.
Bianca obedeceu e sentou na boca de Lorena, que deslizou a
língua pelo sexo ensopado da ruiva. Sugando-a com desejo, a
morena aumentou o ritmo, num rápido vai-e-vem, até que chupou o
clitóris com força, fazendo Bianca reprimir os gemidos com um
punho na boca. Voltou para a vagina, penetrando-a com a língua
enrijecida, provando todo o líquido que a ruiva minava. Com a
intensidade e habilidade dos movimentos, em poucos minutos sentiu
o corpo da ruiva tremer, entregando-se ao orgasmo.
— Que delícia, – disse, ofegante, ao sair delicadamente de
cima da morena, com receio de machucá-la – você cumpre com a
sua palavra!
— Se me soltar, posso lhe mostrar o que é um orgasmo de
verdade.
— Não tenho as chaves, nem sei como pegá-las. Mesmo se
soubesse, não posso fazer isso. Não sei o tanto que é perigosa!
— Como posso ser perigosa desarmada e com quatro policias
do lado de fora? Você acha que eu seria louca de enfrentá-los te
usando como refém? A única coisa que eu ganharia é outro tiro.
Meu plano para sair daqui envolve intelecto, com certeza, será
durante o dia.
— Mesmo assim, não confio em você.
— Confia em mim! Só quero prazer, assim como você! Sei que
ainda não está satisfeita. Uma mulher como você não fica satisfeita
com uma rapidinha. Você gosta de uma foda completa! Aposto que
adora dar por trás!
— Como você sabe tanto sobre mim?
— Eu sei ler as pessoas. Vejo o quanto seu bumbum está
empinado, pedindo umas boas estocadas, enquanto minha mão faz
uma massagem no seu grelho. Minha boca até saliva só de pensar
em lhe ver de quatro! Você tem uma bunda muito gostosa!
— Como eu abro essas algemas? – perguntou, descendo da
cama.
— Me dá uma agulha mais grossa. – pediu, vendo a ruiva ir
até o armário.
— Essa serve? – mostrou.
— Serve. Pega outra dessa.
— O que eu faço? – indagou, com as duas agulhas na mão.
— Me dá uma de cada vez. – pediu.
Bianca abriu o pacote e entregou uma agulha. Lorena a
dobrou e devolveu, pedindo a outra.
— É parecido com uma cirurgia. Coloca uma aqui, nessa
abertura, – apontou, com a outra mão – até encaixar em uma trava.
Coloca a outra no mesmo lugar e gira devagar.
Bianca assentiu e fez, conforme as instruções. Na primeira
tentativa, não conseguiu encaixar a segunda agulha. Tentou, mais
uma vez, mas a agulha escapou antes que conseguisse fazer a
volta. Na terceira, respirou fundo e buscou se concentrar. Ouviu o
leve clique e puxou as agulhas, ao passo que Lorena sentou na
cama e retirou a algema da mão direita. Bianca entregou as agulhas
à morena e se afastou, assistindo-a retirar as algemas da mão
esquerda.
— Vem aqui, – Lorena pediu, ao descer da cama devagar,
para não assustar mais ainda a ruiva – eu cumpro minhas palavras.
– sorriu.
Bianca correspondeu ao sorriso e aproximou-se, abraçando a
morena. As línguas se enroscavam, com urgência. Lorena pôs a
médica sentada na beira da cama, ajoelhou-se, apoiou a perna em
seu ombro e se dedicou a explorar, com a língua, o sexo molhado
da ruiva. Quando ela deu sinais de que ia gozar, levantou-se e
deixou sua mão ocupar o lugar da língua, em estocadas rápidas e
fortes, ao mesmo tempo em que mantinha sua boca grudada nos
lábios rosados. A mão se encharcou com o tesão da ruiva, que
gozava demoradamente. Não diminuiu o ritmo, proporcionando-lhe
outro orgasmo intenso. Antes que ela pudesse recuperar o fôlego,
virou-a contra a cama e voltou a penetrá-la, encaixando a mão no
bumbum empinado, fazendo Bianca dar pequenos pulos toda vez
que a estocava com força. Lorena apertou os seios, por cima do
tecido, e grudou a boca no pescoço branco, sussurrando
obscenidades ao seu ouvido. Bianca, mais uma vez, entregou-se a
um orgasmo forte, com um leve tremor nas pernas. Desabou o
corpo sobre a cama, com Lorena por cima, beijando e mordendo
suas costas.
— Lorena, o que é isso? Uau! Você é incrível! – exclamou,
com um sorriso.
— Sou uma pessoa de palavra! – disse, ao se afastar e
caminhar até o banheiro.
Voltou alguns minutos depois e deparou-se com a ruiva em
cima da cama, de pernas abertas.
— Agora, você tem que me comer bem gostoso aqui, em cima
da cama.
Lorena olhou a mulher nua, exposta, esperando para ser
saciada. Sorriu e, em seu íntimo, reconheceu: “preciso tirar o
chapéu para Torres! Ela deve ser muito boa de cama para conseguir
apagar o fogo dessa ruiva por oito anos”. Sem perder o contato
visual, a morena caminhou até a cama, subiu por cima do corpo da
ruiva e passou a hora seguinte saciando-a, para garantir suas visitas
nas noites seguintes.

Gisele entrou na Delegacia de Desaparecidos e procurou por


Torres, encontrando-a conversando com Paulo, na sala de reunião.
Sorriu ao abrir a porta, feliz em ver os olhos azuis lhe encarando.
— Ora, quem veio me fazer uma visita! Está tudo bem, Gisele?
– levantou, sorridente, cumprimentando-a com um beijo em seu
rosto.
— Oi, Torres, atrapalho? – indagou, ao cumprimentar Paulo.
— Nunca! Estava de passagem por esse lado da cidade?
— Não. Vim lhe convidar para o almoço. Aceita?
— Aceito! Saio em quinze minutos, me espera? Só preciso
terminar de ver isso. – disse, apontando para os papeis.
— Tem visto Lorena? – quis saber.
— Não voltei mais ao hospital, – respondeu, trocando um olhar
com o parceiro – mas irei lá amanhã. Ela terá alta e irei acompanhar
a transferência para o presídio de segurança máxima. Quer mandar
algum recado?
— Nenhum, só estou curiosa. Já reuniu todas as provas?
— Já. E espero, sinceramente, que o julgamento não demore.
Esse caso já me consumiu mais do que eu esperava!
— Se tratando de quem é e da rede desbaratada, acredito que
será rápido!
— É o que espero. Vou guardar isso aqui e volto, vai pensando
no restaurante!
Gisele sorriu e esperou a loira, já na porta da sala. Optaram
em ir juntas, no carro da ruiva. Durante todo o trajeto e no
restaurante, Gisele preferiu não tocar mais no nome de Lorena, pois
não queria remexer nas lembranças dolorosas. Conversaram
amenidades, num clima leve e descontraído.

Ciente de que teria alta, Lorena começou a agir. Despida,


escondeu as algemas abertas debaixo do lençol e aguardou a
entrada da técnica de enfermagem, que sempre chegava antes da
outra, para preparar o banho de leito. Quando a jovem se
aproximou, Lorena pegou o suporte do soro e atingiu sua cabeça,
fazendo-a desmaiar sobre a cama. Despiu-a e pegou suas roupas,
vestindo-se rapidamente. Pôs o corpo inerte em cima da cama e
algemou as duas mãos, cobrindo-a com o lençol. Procurou algum
sonífero na bandeja de medicação, sem sucesso. Andou pelo
quarto, em busca de algo para apagar a técnica por um longo
tempo, mas não encontrou nada de útil. Olhou para a jovem,
aparentemente dormindo, e pôs a mãos ao redor do seu pescoço,
sufocando-a.
Aproveitando que o jaleco escondia suas tatuagens, Lorena
camuflou o cabelo sob a touca e pôs a máscara no queixo,
exatamente como a técnica costuma usar. Pegou a bandeja e bateu
na porta, aguardando o policial abrir. Baixou a cabeça e arrumou a
ordem dos medicamentos, enquanto caminhava em direção ao
corredor. De soslaio, percebeu que o policial olhou dentro do quarto,
antes de fechar a porta. Ao final do corredor, entrou noutro quarto e,
sem dizer uma só palavra, dirigiu-se à janela, conferindo a altura
econtando cinco andares. O paciente, um idoso, acompanhava seus
atos, confuso, sem entender o que acontecia. Uma jovem entrou no
quarto, chamando sua atenção.
— Oi, enfermeira. Já está na hora da medicação de meu avô?
A morena analisou o corpo da jovem, calculando se suas
roupas caberiam em seu corpo. Sorriu e olhou para o senhor,
provavelmente mudo, antes de caminhar, devagar, até a garota.
— Oi, linda! Preciso das suas roupas.
A garota não teve tempo de reagir, pois Lorena avançou e
tampou sua boca, sufocando-a até perder os sentidos. O senhor se
agitou, ao ver a neta subjugada, e começou a emitir sons. Lorena
segurou a garota com um braço e acertou a cabeça do senhor, com
a outra mão, fazendo-o desmaiar. Despiu a jovem adormecida,
arrastando seu corpo para debaixo da cama. Pegou o celular em
cima da mesa e saiu, rumo ao elevador. Topou com dois policiais e
abriu a porta que dava para as escadas, chegando rapidamente ao
segundo andar. Em frente ao posto de enfermagem,
encontrou o médico que acompanhava seu caso.
— Lorena! – o homem se assustou, com os olhos
arregalados.
— Crie uma distração!
O médico jogou uma bandeja de remédios contra a parede,
chamando atenção de todos. Lorena retornou às escadas, pulando
os corrimãos lance a lance. Quando alcançou a recepção, percebeu
a movimentação anormal do local, com policiais a postos na
entrada, atentos e empunhando armas. Olhou ao redor e viu a porta
que dava acesso ao PS da Ginecologia. Entrou e esbarrou num
homem, que segurava uma chave de carro. Correu para a saída e
parou na frente de um policial.
— Parada! Mãos para o alto! – ordenou, apontando a arma.
Lorena sorriu e, ao suspender a mão, chutou o porta-revista,
espalhando revistas e jornais pelo ar. O policial disparou,
assustando as pessoas, que se jogaram ao chão. A morena
aproveitou o pandemônio e atingiu o homem, desarmando-o. Atirou
para cima, mantendo o clima agitado e correu, em direção à rua.

Cerca de uma hora depois, Torres caminhou pelo corredor do


quinto andar, observando os rostos amedrontados e nervosos das
pessoas que tiveram contato com Lorena, durante sua fuga. Alguns
investigadores tomavam os depoimentos preliminares, mas a loira
sabia que alguém havia ajudado.
— Quem tinha acesso ao quarto? – perguntou aos policiais.
— Só as enfermeiras, o fisioterapeuta e os médicos.
— Ela era cuidada somente por um médico. Que outro médico
esteve aqui?
— Uma médica vinha duas vezes por semana, de madrugada.
Ela sempre fazia alguns procedimentos demorados. Exames,
consulta, sei lá. Ela até passava os nomes do que fazia, mas não
decorei.
— Eu bem sei o tipo de procedimento. Qual o nome dela?
— Bianca Andrada.
— Uma médica obstetra! Não sabia que Lorena estava
grávida, – tentou conter a raiva – vocês são imbecis ou o que?! O
que uma médica obstetra faria com ela?! O que vocês imaginaram?!
— Eu não sabia qual a especialidade dela! – defendeu-se.
— Ok. Alguém morreu?
— Não.
— Busquem Bianca e levem para a DP. Ela está dando
plantão no Hospital Brandão.
— Espera. A sua Bianca? – Paulo indagou, confuso.
Torres anuiu e caminhou pelo corredor, refazendo os passos
de Lorena. Em seu íntimo, seu maior desejo era matá-la.

Na delegacia, Torres coordenava a caçada à Lorena, ciente do


quanto seria difícil encontrá-la. Reviu as cenas da fuga, registradas
pelo circuito interno do hospital, mas a morena não fora vista além
do alcance da câmera da portaria. Em depoimento ao delegado,
Bianca assumiu que teve um breve caso com Lorena e forneceu
agulhas para que ela pudesse se soltar quando transavam. O
delegado a prendeu em flagrante e a encaminhou para audiência de
custódia. Vendo a esposa ser assistida por um excelente advogado
criminalista, Torres preferiu se manter distante.
A equipe passou a noite e madrugada em busca de alguma
pista, sem sucesso. Ouviram vários depoimentos, assistiram vídeos
das câmeras dos estabelecimentos comerciais próximos, sem
qualquer evidência da fuga de Lorena. Ao fim da tarde, exausta e
sem qualquer indício, Torres olhou para Gisele, que acompanhava o
trabalho da equipe, sem interferir. Percebeu que a ruiva também
estava possessa de raiva pelo fato de Lorena ter usado Bianca para
escapar.
— Vou pra casa, – Gisele interrompeu o devaneio da loira –
isso tudo já está me esgotando. Preciso dormir!
— Também preciso de uma pausa! – Torres suspirou,
passando as mãos no rosto. — Lorena está foragida, tem certeza
que quer ficar sozinha?
— Eu preciso. Ela não vai aparecer lá em casa, não cometeria
esse erro sabendo que voltou a ser um alvo.
— Ok. Qualquer coisa, liga!
— Pode deixar! Se cuida e me liga amanhã.
Torres assentiu e acompanhou, com o olhar, a saída de ruiva.
Respirou fundo e mirou a pilha de papel em cima da mesa.
Levantou, foi até o bebedouro e pegou um copo. Atrás da máquina,
distraiu-se olhando o mapa do Brasil, impresso num banner. Num
estalo, correu de volta à mesa e puxou as fichas das pessoas que
Lorena havia marcado por último, no quadro em sua casa. Olhou
para o mapa e sorriu.
— Filhas da puta!

Já era noite alta quando Torres conseguiu um voo para o sul


do país. Desembarcou e digitou a rota no aplicativo celular. Ainda no
aeroporto, alugou um carro e seguiu o caminho estabelecido.
Quarenta minutos depois, estacionou na frente de uma casa, num
bairro de classe média. Olhou ao redor e testou o portão. Sacou a
arma e entrou, encontrando a porta da sala aberta. Em alerta,
caminhou devagar, arma em punho. Conferiu todos os cômodos e
entendeu que estava sozinha. Serviu-se de uma dose de uísque,
sentou no sofá e aguardou. Uma hora depois, escutou o barulho de
um carro estacionando.
Torres olhou para porta e viu duas mulheres entrando,
sacando armas ao vê-la. Sorriu, encarando os olhos verdes
intensos.
— Tenho que admitir: ainda tenho que aprender muito com
você!

Continua em Dissolutas Livro III - Dicotomia

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