Você está na página 1de 100

SAUDE

VISÃO SAÚDE

FEV/MAR 2023 | NÚMERO 28


VENCER OS 5 INIMIGOS DA SUA SAÚDE

VENCER OS 5 INIMIGOS
> AS
AS DOENÇAS
DA SUA SAÚDE
DOENÇAS PROVOCADAS
PROVOCADAS PELO
PELO AÇÚCAR,
AÇÚCAR, STRESSE,
STRESSE, CCOLESTEROL,
OLESTEROL, SSEDENTARISMO
EDENTARISMO E SSAL
A
> SAIBA COMO SE PROCESSA O “VÍCIO”
Í NO CÉREBRO
É PARA SE CONSEGUIR LIBERTAR
> QUAIS SÃO AS ALTERNATIVAS SAUDÁVEIS
Á
FEV/MAR 2023

CCORAÇÃO
ORAÇÃO CCANCRO
ANCRO DDIABETES
IABETES ESTEMUNHOS SSAÚDE
TTESTEMUNHOS AÚDE M ENTAL
MENTAL
O
Oss d iferentes ttipos
diferentes ipos Q uando d
Quando evemos
devemos Ass n
A novas
ovas a
armas
rmas Portugueses
P ortugueses P orque
Porque
d
dee a rritmia e ccomo
arritmia omo ccomeçar
omeçar a fazer
fazer para
p ara uuma
ma mmelhor
elhor ccom
om ddoenças
oenças eestamos
stamos no
no
ssee controlam
controlam eexames?
xames? q ualidade d
qualidade dee v ida
vida rraríssimas
aríssimas llimite?
imite?
SAUDE
FEV/MAR 2023 | NÚMERO 28
€5,10 (CONT.) | BIMESTRAL
Imagine
um mundo
sem informação
A saúde é o bem mais importante. E, por isso, a informação
independente, rigorosa e credível é fundamental numa
sociedade aberta, informada e que acredita na Ciência.
Porque é preciso ter VISÃO.

Precisamos de si: assine a VISÃO SAÚDE e apoie o


jornalismo de qualidade.

APROVEITE OS BENEFÍCIOS FISCAIS E RECUPERE PARTE DO IVA DA SUA ASSINATURA

Aceda a loja.trustinnews.pt ou ligue 21 870 50 50


Dias úteis das 9h às 19h. Custo de chamada para a rede fixa, de acordo com o seu tarifário.
VISÃO SAÚDE

Sumário
FEV/MAR 2023 Proprietária/Editora:
TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
Rua da Fonte da Caspolima
– Quinta da Fonte Edifício Fernão de
Magalhães, 8, 2770-190 Paço de Arcos
NIPC: 514674520
Gerência da TRUST IN NEWS:
Luís Delgado, Filipe Passadouro
e Cláudia Serra Campos
Composição do Capital da Entidade
Proprietária: 10 000 euros

17
Principal acionista: Luís Delgado (100%)

TEMA
VISÃO SAÚDE
Diretora: Mafalda Anjos
Diretor-Executivo: Rui Tavares Guedes
OS 5 INIMIGOS Subdiretora: Sara Belo Luís
Editora-Executiva e coordenadora editorial:
Alexandra Correia
DA SAÚDE Textos: Clara Soares, Cláudia Pinto,
Luísa Oliveira, Mariana Almeida Nogueira,
Açúcar, sal, colesterol, Rita Rato Nunes, Sofia Teixeira, Sónia
Calheiros e Susana Pinheiro
sedentarismo Grafismo: Edgar Antunes
e Raquel Fernandes Leal
e stresse. O mal que Fotografia: Fernando Negreira (pesquisa),
José Carlos Carvalho, Lucília Monteiro, Luís
nos fazem, como Barra e Marcos Borga
Revisão: Rui Carvalho e Teresa Machado
funcionam os seus (colaboradoras: Margarida Robalo
e Sónia Graça)
mecanismos no nosso Infografia: Manuela Tomé
Assistentes de Redação: Ana Paula

GETTY IMAGES
cérebro e, acima de Figueiredo, Sofia Vicente
Centro de Documentação: Gesco
Redação, Administração e Serviços
tudo, o que podemos Comerciais: Rua da Fonte da Caspolima
– Quinta da Fonte Edifício Fernão
fazer para nos de Magalhães, 8, 2770-190
Paço de Arcos – Tel.: 21 870 50 00
libertarmos deles Delegação Norte: Rua Santos Pousada
441 – Sala 206/208, 4000-486 Porto
Marketing e publicidade: Vânia Delgado
(diretora comercial) vdelgado@trustinnews.pt
Marketing: Joana Hipólito (gestora de marca)
– jhipolito@trustinnews.pt
Publicidade: Tel.: 21 870 50 00 (Lisboa)
Maria João Costa (diretora-coordenadora
Sala de publicidade) mjcosta@trustinnews.pt
Mariana Jesus (gestora de marca)
de espera Diagnóstico Consultório Alta mjesus@trustinnews.pt
Rita Roseiro (gestora de marca)
rroseiro@trustinnews.pt
Florbela Figueiras (assistente comercial,
Lisboa) ffigueiras@trustinnews.pt

10 70 88 96
Elisabete Anacleto (assistente comercial
Lisboa) eanacleto@trustinnews.pt
Delegação Porto: Tel: 22 099 00 52
Margarida Vasconcelos (gestora de marca)
O QUE COMER ARRITMIAS PORQUE TEMOS LIVROS mvasconvelos@trustinnews.pt
Digital e Parcerias
QUANDO ESTÁ Conheça os sinais TÃO POUCOS Sugestões Hugo Lourenço Furão (coordenador)
hfurao@trustinnews.pt
COM GRIPE? e as vantagens ANOS DE VIDA de leitura e ideias A VISÃO BS é a unidade de produção
E, não, o conhaque dos pacemakers SAUDÁVEL DEPOIS para fortalecer de conteúdos patrocinados

não faz parte DA REFORMA? para parceiros da VISÃO, com


coordenação do TIN Brand Studio.
a memória
do cardápio Por João Produção, Circulação:

76
Vasco Fernandez (diretor)
Gorjão Clara Pedro Guilhermino (coordenador de produção)

98
Nuno Carvalho, Nuno Gonçalves

12
e Paulo Duarte (produtores)
8 MITOS Isabel Anton (coordenadora de circulação)

92
Assinaturas:
Desfazendo SAÚDE MENTAL, Helena Matoso (coordenadora de assinaturas)
5 RAZÕES PARA crenças que nos UM PROBLEMA
Serviço de apoio ao assinante. Tel.: 21 870 50
50 (dias úteis das 9h às 19h)
FAZER IOGA O QUE FAZER POLÍTICO? apoiocliente@trustinnews.pt
fazem mal QUANDO ESTAMOS
Impressão: Lisgráfica – Estrada de São Marcos
n.º 27 São Marcos – 2735-521 Cacém
Todas elas nos Por Gustavo Distribuição: VASP MLP, Media Logistics
mostram como NO LIMITE Park, Quinta do Grajal. Venda Seca,
Jesus, médico 2739-511 Agualva-Cacém Tel.: 214 337 000
a prática é boa para
perder peso
78 Por Miguel Santos
psiquiatra Pontos de Venda: contactcenter@vasp.pt
– Tel.: 808 206 545, Fax: 808 206 133
Tiragem média: 8 500 exemplares
DOENÇAS RARAS Registo na ERC com o n.º 127 138

95
Depósito Legal n.º 440993/18
ISSN n.º 2184 – 2469
Histórias
14 de portugueses
com diagnósticos
CANCRO:
QUANDO DEVEMOS
AS SAUNAS Estatuto editorial disponível
muitos difíceis COMEÇAR A FAZER
FAZEM-NOS BEM? em www.visao.pt
EXAMES E QUAIS A Trust in News não é responsável pelo
Os estudos Por Marta conteúdo dos anúncios nem pela exatidão

82
das características e propriedades
mostram que sim, Vaz Batista dos produtos e/ou bens anunciados.
As respetivas veracidade e conformidade
mas há por aí com a realidade são da integral e exclusiva
muitos exageros COVID-19 responsabilidade dos anunciantes
e agências ou empresas publicitárias.
Há um comprimido Interdita a reprodução, mesmo parcial,
GHWH[WRVIRWRJUDõDVRXLOXVWUD¨¶HVVRE
para este vírus? TXDLVTXHUPHLRVHSDUDTXDLVTXHUõQV
inclusive comerciais.

8
VISÃO SAÚDE

Editorial
COMITÉ CONSULTIVO

PERDOAMOS O MAL Ana Paula Martins


Bastonária da Ordem

QUE NOS FAZ?


dos Farmacêuticos
Ana Rita Cavaco
Bastonária da Ordem
dos Enfermeiros
António Vaz Carneiro
ra um provérbio que me O paladar dos portugueses fica

E
Diretor do Centro de Estudos
lembro de ouvir muito de tal maneira viciado que são pre- de Medicina Baseada na Evidência
na Beira e desde logo cisas leis para o moderar, como a Fátima Cardoso
me vêm as imagens, em que impôs limites à quantidade de Diretora da Unidade
rewind, daqueles mag- sal no pão. Provavelmente, só com de Mama do Centro Clínico
níficos enchidos no fu- uma lei semelhante para o açúcar dos da Fundação Champalimaud
meiro, do cheiro da carne de vi- produtos à venda é que se controla Francisco George
nha-d’alhos, do ritual de ir com as esta “droga” dos tempos modernos. Antigo diretor-
mulheres lavar as “tripas” ao ribeiro, Os mecanismos do vício no cére- -geral da Saúde
da lasca de febra saída da brasa para bro são os de uma droga, de facto. E Francisco M. Rodrigues
o pão, dos guinchos do porco… é preciso conhecê-los para melhor Bastonário da Ordem
“Perdoamos o mal que nos faz os dominar, para deles nos libertar. dos Psicólogos Portugueses
pelo bem que nos sabe”... Açúcar, sal, colesterol, sedentarismo
Germano de Sousa
Perdoamos, claro. Não havia pizzas e stresse – escolhemos estes cinco ini-
Antigo bastonário
nem hambúrgueres; os doces era o migos da nossa saúde para um grande da Ordem dos Médicos
pão de ló caseiro ao domingo; refrige- dossier em que lhe explicamos o fun-
João Almeida Lopes
rantes ou chocolates só quando o “rei cionamento de cada um no nosso cor-
Presidente da Direção
fazia anos”; sem telemóveis, internet po, a forma como nos “agarram” e nos da Associação Portuguesa
ou redes sociais, brincávamos na rua deixam doentes, e, mais importante, da Indústria Farmacêutica
o tempo todo e ninguém falava de o que podemos fazer para os vencer.
Jorge Mineiro
sedentarismo; stresse era palavra que Talvez a maior arma destes nossos
Coordenador do Centro
não constava do nosso dicionário… inimigos seja a sua enorme aceita- de Ortopedia e Traumatologia
Comíamos sopa todos os dias com as ção social – e não há convívio sem do Hospital CUF Descobertas
couves da horta e parte do verão era croquetes, festa de aniversário sem
Manuel Antunes
passado a trepar a cerejeira. muitos doces, jantar fora sem um Cardiologista e professor catedrático
Éramos saudáveis e não sabía- belo bife com batatas fritas.
Maria Amélia Ferreira
mos? Não romantizemos. Os adul- Outra grande arma é a forma como Ex-diretora da Faculdade de
tos bebiam demais (ainda bebem). nos fazem sentir culpados por não Medicina da Universidade do Porto
Fumava-se dentro de casa, à mesa resistirmos à tentação. Como se fôsse- Mário Cordeiro
e na cama. Salgava-se demasiado mos fracos e não vítimas dos ardis quí- Pediatra e professor universitário
a comida. Aliás, o porco ia para a micos com que estes nossos queridos
Miguel Guimarães
salgadeira, não para o congelador. inimigos envolvem o nosso cérebro. Bastonário da Ordem dos Médicos
Abusava-se dos enchidos. Morria-se, Vamos conhecer então o que diz a Orlando Monteiro da Silva
e morre-se, de cancro do intestino. Ciência, para melhor nos munirmos
E só recentemente é que vieram os nesta trincheira. E substituir o pro- Antigo bastonário da Ordem
dos Médicos Dentistas
avisos oficiais da Organização Mun- vérbio do perdão pela sábia frase de
dial da Saúde: a carne processada é Paracelso: “A diferença entre o remé- Paulo Cleto Duarte
cancerígena. dio e o veneno é a dose.” Antigo presidente da Associação
Nacional das Farmácias
Pedro Graça
Antigo diretor do Programa Nacional
para a Promoção da Alimentação
Saudável da Direção-Geral da Saúde

Nota: O comité consultivo


ALEXANDRA
não faz revisão prévia dos textos
CORREIA
a publicar na VISÃO Saúde.
Editora-executiva A responsabilidade pelos
conteúdos, ou eventuais
incorreções, não pode, pois,
ser-lhe atribuída.

9
N OT Í C I A S > E ST U D O S > I N OVAÇ Õ E S

Sala de espera
Tem uma gripe? O que deve
e o que não deve comer
Há certos alimentos que podem acelerar a recuperação
de uma gripe comum e outros a evitar. Os conselhos de
Colleen Tewksbury, especialista em Ciências da Nutrição na
Diabetes Universidade da Pensilvânia, citada pelo The New York Times
Estudo da Escola SOPA E CANJA ÁLCOOL
Nacional A sopa é uma excelente opção, Há quem faça xarope de uísque e mel,
de Saúde Pública, especialmente se incluir um equilíbrio outros usam rum… É preciso reforçar
da Universidade saudável de nutrientes como proteínas que beber álcool, enquanto toma
Nova de Lisboa, (feijão ou frango), hidratos de carbono medicação para a tosse ou para a febre,
avaliou as
(arroz ou batatas), um pouco de não é benéfico. Os medicamentos
principais
preocupações gordura (azeite) e vegetais. Além disso, que contêm paracetamol, ao serem
dos doentes com “ajuda na ingestão de líquidos, satisfaz misturados com álcool, podem ser
diabetes mellitus e dá conforto”. prejudiciais para o fígado. Além disso,
tipo 2 (DM2) Já a canja, que muitos minimizam álcool agride o intestino e contribui
alegando tratar-se apenas de “massa para a desidratação do corpo. São
com gordura”, também foi objeto precisos muitos líquidos para tratar

45,5%
Reportaram “nenhum
de estudos científicos importantes.
Provou-se que tem efeitos no
movimento das células de defesa,
uma gripe, sim, de modo a eliminar as
secreções,mas prefira a água e o chá,
com pitadas de limão, mel e gengibre.
impacto” da doença neutrófilos, reduzindo a inflamação.
na vida familiar Afinal, os mais antigos é que sabiam. LEITE
Muitas pessoas acreditam que o leite de

93,5%
Fazem alguma
MEL
Estudos comprovam que o mel pode
ser um aliado na redução da tosse
vaca agrava um quadro gripal. Porém,
de acordo com a especialista, “existem
poucas evidências de que os laticínios
terapêutica noturna em crianças, havendo menos aumentem a produção de muco no geral
farmacológica, à evidência em adultos. Tem propriedades da população”. Admite, no entanto, que
exceção da insulina antimicrobianas e anti-inflamatórias, esta possibilidade possa variar de pessoa
seja comido à colher ou dissolvido em para pessoa e, por isso, recomenda
bebidas quentes como o chá ou o leite. que, se os laticínios aumentam a sua

27,6%
Percentagem de
Não dê mel a crianças muito pequenas
devido ao risco de botulismo.
expetoração, é aconselhado que os tire da
sua dieta ao apresentar um quadro febril.

jovens, dos 11 aos 20


anos, com DM2, faixa
etária mais afetada Quimioterapia antes da cirurgia
reduz regresso de cancro do cólon
91,1%
Sofrem pelo menos Estudo concluiu que existe um benefício claro
mais do que de uma Fazer quimioterapia, antes Para a realização do e, após a operação,
doença. Tensão alta da cirurgia, a pacientes estudo, os pacientes realizaram 24
(62,3%), colesterol com cancro do cólon, foram divididos em semanas de
elevado (44,3%) durante seis semanas, dois grupos. O primeiro quimioterapia.
e obesidade (43,6%) reduz em 28% o risco fez seis semanas Laura Magill,
são as prevalentes de reaparecimento da de quimioterapia, professora da
doença nos dois anos seguindo-se a cirurgia Universidade

55%
Relataram ter tido
seguintes, de acordo com
os resultados publicados
por um ensaio clínico,
e depois 18 semanas
de quimioterapia.
Quanto ao segundo
de Birmingham,
explica: “Até
um em cada três
alterações sexuais FoxTrot, financiado pelo grupo, os doentes foram doentes podem ver o
resultantes da DM2 Cancer Research UK. submetidos a cirurgia seu cancro voltar após

10
Teste genético
para bebés
Uma forma de
despistar mutações
genéticas na saliva
do recém-nascido
A Europa terá um novo
teste genético destinado a
recém-nascidos. Com ele,
e através da saliva do bebé,
conseguem-se identificar
342 mutações genéticas
hereditárias. O teste da
bochechinha, como se
Esta bochecha
designa na gíria, analisa o
ADN e pode identificar até
está gorda!
205 doenças, antecipando
as suas manifestações na Chama-se “buccal fat removal”
infância ou adolescência. e é a nova obsessão no mundo
Por enquanto em exclusivo dos famosos
no Hospital Fernando
Pessoa, na zona do Porto, Rosto fino, mandíbulas definidas e maçãs delineadas
este meio de diagnóstico, parecem fazer parte de um novo padrão de beleza.
que é rápido e fiável, deve Esta “perfeição” pode ser conseguida através da
ser utilizado no primeiro buccal fat removal, que em português tem o nome
ano de vida. estranho de bichectomia (ou lipectomia jugal).
Este tipo de teste em Trata-se de uma cirurgia irreversível, que consiste
painel já é uma realidade na remoção de gordura bucal, uma massa de tecido
comum nos Estados localizada na bochecha. Através de uma anestesia
Unidos da América e em local e de pequenas incisões no interior da boca dos
alguns países da América pacientes, é possível remover a camada de gordura,
Latina, onde auxiliou por forma que as maçãs do rosto se tornem mais
milhares de famílias na salientes.
identificação de doenças Este padrão de beleza parece ter feito sucesso entre
graves, aumentando as os famosos. Chrissy Teigen, modelo norte-americana
hipóteses de tratamento. de 37 anos, foi uma das muitas celebridades que
Em Portugal, o Programa se renderam a esta tendência, além de Madonna,
Nacional de Diagnóstico Jennifer Aniston, Angelina Jolie, Jennifer Lopez, Mila
Precoce, conhecido como Kunis, Victoria Beckham ou Megan Fox.
a cirurgia. Este número Teste do Pezinho, rastreia Este procedimento médico ganhou visibilidade
é demasiado elevado, 24 doenças hereditárias. na rede social TikTok, através de discussões
precisamos de novas Agora, com esta nova sobre o facto de algumas celebridades terem,
estratégias de tratamento possibilidade, ainda que aparentemente, o rosto mais fino. Nas últimas
para impedir o regresso restrita aos utentes do semanas, a hastag #buccalfatremoval conquistou
do cancro do cólon. A hospital privado, expande- mais de 157 milhões de visualizações. Embora
abordagem padrão tem se o leque de doenças seja o novo procedimento médico favorito das
sido fazer quimioterapia analisadas e identificam-se celebridades, os profissionais de saúde alertam para
após a cirurgia, para patologias raras, muitas os possíveis riscos. Remover a gordura facial pode ter
erradicar quaisquer vezes silenciosas. consequências, entre elas o envelhecimento precoce.
células cancerígenas que O resultado do teste Uma vez que não é possível recuperar a gordura do
possam ter-se espalhado também influenciará rosto, à medida que as pessoas envelhecem podem
antes da cirurgia. Mas a a vida familiar, pois, ficar com uma aparência esquelética. Os médicos
nossa pesquisa mostra no seguimento de um avisam também de que há o risco de paralisia
que fazer quimioterapia diagnóstico de doença, facial. De acordo com a Sociedade Americana dos
antes da cirurgia aumenta pais e outros parentes do Cirurgiões Plásticos, entre os vários problemas
as hipóteses de todas bebé podem descobrir que encontram-se a dormência ou as alterações de
as células cancerígenas são portadores da mesma sensibilidade, o enfraquecimento dos músculos
serem mortas.” alteração genética. faciais e as lesões nas ramificações no nervo facial.

11
SALA DE ESPERA

5
Notícias
lá de fora razões pelas
As novidades que nos
chegam de todos os
quais o ioga é bom
cantos do mundo
para perder peso
Um treino completo para o corpo e a mente
ajuda a fazer escolhas mais saudáveis

1
A meditação frequente, O ioga faz aumentar por alimentos e bebidas
ao longo de vários anos, a frequência cardíaca com alto teor de gordu-
altera a microbiota intestinal, e ajuda a desenvolver ra e açúcar, reduzin-
favorecendo o sistema músculos que, em repou- do, em simultâneo,
imunitário so, conseguem queimar a massa muscular.

3
cerca de duas vezes mais A práti-
calorias do que a gordu- ca de ioga
ra. As formas aeróbicas tradicional,
de exercício são benéfi- conseguindo
Um estudo sugere que cas para perder peso. O sintonizar a mente
o uso de antidepressivos gera
ioga Vinyasa, de alta in- e corpo, ajuda a tra-
resistências aos antibióticos
tensidade, encaixa nessa var velhos hábitos e
categoria. padrões inconscien-

2
Ao reduzir o nível tes, como seja comer
de stresse, mesmo bolachas em momen-
o tipo meditativo de tos de maior ansiedade.
As novas vacinas contra ioga interfere na produ- Respirações profundas
a Covid-19 diminuem para ção de elevados níveis de e lentas podem ajudar
metade o risco de se ficar cortisol, hormona que a fazer melhores esco-
doente, mesmo com pode levar ao aumento da lhas. Alguém que pra-
a subvariante XBB.1.5 gordura abdominal. Um tique mindfulness sen-
pico de cortisol também te um maior controlo e
faz disparar os desejos bem-estar.

A poluição do trânsito
faz mal ao cérebro
Bastam duas horas de exposição
para ficar afetado
O tempo passado má qualidade, os efeitos
diariamente em negativos para a sua saúde
engarrafamentos, dentro ganham potencial de
do carro e com a janela perdurarem. As alterações
aberta, não é inofensivo cognitivas dos 25 adultos
“O médico para o cérebro. Atenção ao
filtro do ar condicionado,
saudáveis participantes
num novo estudo, realizado
que apenas que deve estar em por investigadores das
condições de filtrar universidades de British
sabe medicina com qualidade; e quem Columbia e de Victoria,
nem medicina caminhar ou pedalar numa
artéria com muito trânsito
ambas no Canadá, foram
no entanto temporárias,
sabe” também deve repensar
a sua escolha. Sempre
regressando à normalidade
no final da exposição à
Abel Salazar, que alguém respira, de poluição por gasóleo. Mas
médico e pintor forma contínua, ar de bastou duas horas para que

12
O nosso corpo
tem um “backup”
da juventude
Em laboratórios de Boston,
nos EUA, os cientistas
andam a desafiar as leis
do tempo, rejuvenescendo

4
e envelhecendo ratinhos.
Um e s t u d o Nada que não se tente há
recente, feito muito, na senda do elixir da
com 60 mu- eterna juventude, mas as
lheres com excesso
de peso ou obesida-
últimas descobertas são
extraordinárias. O que nos
Novo medicamento
de, mostra como, a
longo prazo, a prá-
mostra a equipa do professor
de genética David Sinclair é
para o Alzheimer
tica contínua de que o envelhecimento é um
ioga ajuda a perder processo “reversível”. “Não A droga abranda o declínio
peso, dando ferramen- são os danos que nos fazem cognitivo típico da doença
tas cognitivas (tolerância envelhecer”, argumenta,
ao sofrimento, atenção “mas sim uma perda de Se hoje há 57 milhões de pessoas com demência,
plena e autocom- informação na capacidade um novo estudo publicado na Lancet prevê que esse
paixão, humor de a célula ler o ADN original número seja de 152,8 milhões em 2050, afetando
positivo) para a e, por essa razão, esquece sobretudo as mulheres. Ao contrário de outras
sua manutenção. como funciona – da mesma estimativas, esta não se baseia numa projeção

5
Apesar de alguns forma que um computador global, mas na realidade de cada país. O fator de
antigo pode desenvolver um risco mais predominante continua a ser a idade,
tipos de ioga se-
software corrompido. Chamo embora o estudo também tenha considerado
rem mais inten-
a isto a teoria da informação fatores modificáveis, como fumar, obesidade,
sos do que outros, a maioria do envelhecimento.”
dos estudos defende a ideia hipertensão e baixos níveis de educação.
Ora, partindo da É por isso uma excelente notícia que a FDA
de que não existe um estilo epigenética como causa (autoridade norte-americana) tenha aprovado um
ideal para perder peso. Em do envelhecimento, os novo medicamento, lecanemab-irmb, um anticorpo
função do tamanho, idade, investigadores conseguiram monoclonal que abranda o declínio cognitivo na
desafio físico ou historial, a proeza de reverter o doença, mesmo que haja risco de inchaço e de
todos os corpos podem be- envelhecimento em ratos, sangramento do cérebro. Trata-se de uma droga
neficiar da prática. fazendo com que indivíduos intravenosa, administrada a cada duas semanas, a
velhos e cegos voltassem segunda a ser aprovada em duas décadas, e parece
a ver, injetando células mais promissora do que os outros tratamentos
os efeitos se notassem ganglionares danificadas disponíveis. A bula defende que deve ser usada em
– houve uma diminuição da retina na parte de trás pacientes nos estágios iniciais ou intermédios da
na conectividade dos olhos dos animais com doença e que devem ser testados, para se saber
funcional do cérebro, um cocktail de células se têm um dos marcadores, a proteína amiloide
ou seja, na forma como humanas. Os ratos também acumulada, que o medicamento ataca.
as áreas do cérebro desenvolveram cérebros mais
interagem e comunicam. jovens e inteligentes. Outros
“Durante várias décadas, ratos jovens envelheceram
os cientistas pensaram repentinamente. Café com leite
que o cérebro poderia “A descoberta surpreendente
estar protegido dos é que há uma cópia de é remédio
efeitos nocivos da segurança do software no A investigação do Departamento
poluição do ar. Este corpo que se pode redefinir”, de Ciência da Alimentação,
estudo, que é o primeiro explica o cientista. “Estamos da Universidade de Copenhaga,
do tipo no mundo, a mostrar porque é que esse na Dinamarca, anuncia uma boa
fornece novas evidências software foi corrompido e nova para os habitués do café
que sustentam uma como podemos reiniciar o com leite (nas suas mais variadas
ligação entre poluição do sistema tocando num botão de nomenclaturas). Aparentemente,
ar e cognição”, explica reinicialização que restaura a a combinação das proteínas
Chris Carlsten, autor capacidade da célula de ler o do leite com os antioxidantes do
do estudo, professor genoma novamente de forma café, especialmente os polifenóis,
e especialista em correta, como se fosse jovem”, duplica as propriedades anti-
medicina respiratória. conclui Sinclair. inflamatórias nas células imunes.

13
SALA DE ESPERA

As saunas
Anemia
falciforme, fazem-nos bem?

E
a cura
ntre os mitos e tação da pele consegue-se
Este vai ser o ano a realidade, sai- pela ingestão de água, e
em que tudo
ba tudo sobre não pelo contacto direto
pode mudar
as saunas com desta com a pele.”
para milhares de
doentes.
a ajuda de José
Barata, especialista em ELIMINAÇÃO
Duas
medicina interna, dire- DE TOXINAS
farmacêuticas
aguardam a tor clínico da Unidade de De acordo com Jo-
aprovação da Cuidados Continuados sé Barata, o corpo não
FDA, a autoridade Rainha Dona Leonor e acumula toxinas. Por
norte-americana professor auxiliar con- esse motivo, os produtos
do medicamento, vidado na Faculdade de resultantes do metabo-
das suas terapias Ciências Médicas – Nova lismo, que poderiam ser
“Ver” genéticas que,
mostraram os
Medical School nocivos, são eliminados
pelos rins e pelo fígado,
a epilepsia ensaios clínicos,
conseguem
HIDRATAÇÃO
DA PELE
mas não pela pele.
Assim sendo, não
curar a anemia Através do contacto há nenhuma
A tecnologia ajuda falciforme, com um ambien- vantagem na
a classificar uma doença te com altos teores exposição ao
as crises epiléticas hereditária que de vapor de água, vapor de água,
se caracteriza por como acontece na a alta tempe-
O uso da Inteligência Artificial uma alteração sauna (a vapor, não ratura, para
para classificar crises na forma
confundir com a
epiléticas, utilizando um radar dos glóbulos
de infravermelhos e vídeos 3D, vermelhos,
sauna seca), a pele
já foi testado por investigadores causando fica humedeci-
do Instituto de Engenharia de anemia. A nova da, tal como após
Sistemas e Computadores, terapia mostrou um banho normal.
Tecnologia e Ciência, no Porto, que conseguia Contudo, ter a pele
e da Universidade de Munique, corrigir a forma húmida não é o
na Alemanha. Os resultados dos glóbulos mesmo do que ter
da investigação, publicados vermelhos, a pele hidratada.
pela Nature Scientific Reports, eliminando Segundo o
revelam como esta abordagem também os médico, “a
– sistema de apoio ao episódios de dor hidra-
diagnóstico e à monitorização, severa sentidos
permitindo distinguir entre por estes doentes,
crises com origem nos bem como, muitas
lobos frontal e temporal do vezes, derrames e
cérebro ou episódios não
epiléticos – foi a primeira a
danos em órgãos
que têm como
Vacina para HIV sem eficácia
explorar a classificação destes consequência a A Janssen anunciou o fim do ensaio global
acontecimentos neurológicos, morte prematura.
em tempo quase real, a partir Em Portugal Falhou mais outras, embora a combinação
de amostras de vídeo de dois serão menos de uma tentativa de em estados experimental de
segundos. 1 000 os doentes desenvolvimento muito menos vacinas contra
Sendo a epilepsia uma doença com anemia de uma vacina avançados, o HIV com a
neurológica crónica que afeta falciforme, mas há para o HIV, depois que alimentam medicação
1% da população mundial, e zonas do mundo de especialistas alguma preventiva.
as crises um dos principais especialmente independentes esperança. A Mais: de uma
sintomas, através destes devastadas. determinarem saber: há um forma geral,
vídeos os médicos reconhecem, Na Nigéria, por que a vacina da estudo a decorrer os cientistas
visualmente, movimentos exemplo, nascem farmacêutica na África do têm feito
relevantes definidos por todos os anos 150 Janssen não Sul, chamado
características de movimento mil crianças com era eficaz. PrEPVacc, que
(semiologia). a doença. Porém, existem está a avaliar

14
eliminar o que não é eli- ção”, explica o médico,
minável. No ambiente de referindo que, na área
sauna, o que acontece é o respiratória, há vantagens
aumento da transpiração,
constituída por águas e
reconhecidas na inalação
de vapor de água com
Alimentação e autismo
sais e não por toxinas. o intuito de fluidificar A equipa de cientistas, liderada por Joana Gonçalves,
secreções brônquicas investigadora do Centro de Imagem Biomédica
DOENÇAS quando estas se tornam e Investigação Translacional, do Instituto de Ciências
CARDÍACAS abundantes e espessas. Nucleares Aplicadas à Saúde, e coordenadora do estudo
Há pouca evidência Tryp-to-Brain, analisa os potenciais impactos da dieta
científica de que as sau- COMBATE AO STRESSE pré-natal nas perturbações do espectro autista
nas melhoram a função O banho de sauna pos-
cardiovascular. O calor sibilita um relaxamento Quer explicar o seu rebral. O nosso principal
aumenta o ritmo cardía- muscular e, simulta- ponto de partida? objetivo é entender como
co, tal como o exercício neamente, favorece a O triptofano (Trp) é um a disponibilidade materna
físico, e quanto mais se produção de hormonas aminoácido essencial, do Trp afeta a descendên-
exercita um músculo em relacionadas com o bem- obtido sobretudo através cia em termos cognitivos,
melhor forma ele fica, -estar, como é o caso das da dieta e absorvido e nos sistemas neurose-
mas daí a estabelecer uma endorfinas. “Se alguma metabolizado no trato rotoninérgicos, GABAér-
ligação óbvia vai uma vantagem real podere- gastrointestinal. Este ami- gicos e glutamatérgicos,
grande diferença. “Foi mos apontar à sauna será, noácido serve como único nas funções gastrointesti-
publicado há poucos anos eventualmente, o comba- substrato para a síntese nais e no microbioma.
um artigo na revista cien- te ao stresse. O repouso de serotonina (neuro-
tífica BMC Medicine que num ambiente calmo, transmissor que regula o De que forma as ca-
sugere uma redução do aquecido e tranquilo, apetite, controla a tempe- rências em triptofano
risco de doença cardio- poderá trazer a algumas ratura corporal, a ativida- podem provocar lesões
vascular em frequenta- mentes a serenidade de motora e as funções cerebrais, durante
dores regulares de sauna, merecida, depois de um percetivas e cognitivas). a gestação?
mas com conclusões a esgotante dia de trabalho”, Portanto, não é surpreen- Sabe-se que uma redução
necessitar de comprova- conclui José Barata. dente que alterações na do triptofano pode levar à
concentração do Trp e dos diminuição de serotonina.
seus metabolitos estejam Os alimentos ricos em
implicadas numa varieda- Trp, como o salmão e os
de de distúrbios neuroló- frutos secos, são mais
gicos, como a perturbação caros e não são acessíveis
do espectro do autismo. a todos. Ou seja: numa
De facto, vários estudos dieta com níveis reduzidos
descreveram uma defi- de triptofano, irá existir
ciência do Trp em pacien- uma redução na sua ab-
tes autistas. Além disso, sorção e metabolização e,
a hiperserotonemia – consequentemente, uma
elevação da serotonina no redução na produção de
sangue total – foi também serotonina. Ora, a redução
identificada como um bio- neste neurotransmissor,
marcador para o autismo. durante a gestação, que é
Vários estudos científicos um período crucial, pode
indicaram que alterações ter impacto na formação
neuronais, que podem de circuitos neuronais, po-
estar na origem desta dendo originar alterações
perturbação, poderão ter de comportamento ou de
progressos no CoV-2. Cada
um início na vida fetal. cognição na descendên-
desenvolvimento falhanço no
de anticorpos desenvolvimento
No nosso projeto, cia, durante os pri-
poderosos, que de uma arma pusemos a hipó- meiros anos de vida.
podem neutralizar poderosa contra tese de que uma Realço que iremos
o vírus. E ainda: este vírus, que dieta pré-natal testar tanto dietas
estão a ser surgiu há quatro é essencial à deficientes como
testadas novas décadas, sublinha trajetória do com aumento da
tecnologias em que ele continua a desenvolvi- percentagem
vacinas, incluindo infetar 1,5 milhões mento ce- de triptofano.
a mRNA, que tão de pessoas e a
bem resultaram matar 650 mil,
contra o SARS- todos os anos.

15
T E M A D E CA PA

Inimigos
da saúde

Sabia
que...
Quando comprar sal
marinho, deve preferir
a versão enriquecida com
iodo. Este é o sal recomendado
pela Organização Mundial
da Saúde, já que grande
parte da população,
a portuguesa incluída,
tem deficiência
de iodo

17
INIMIGOS DA SAÚDE

CRIANDO O VÍCIO
Em Portugal, o maior
consumo de açúcar é feito
por crianças, dos 5 aos 9
anos, e por adolescentes,
dos 10 aos 17 anos

Açúcar
Meu doce
que amargou
Vivemos rodeados de açúcar por todos os lados e muitas
vezes nem nos damos conta disso. Descubra onde se esconde
e o mal que faz quando ingerido em excesso
LUÍSA OLIVEIRA

18
19
GETTY IMAGES
INIMIGOS DA SAÚDE

S
e abrir trincheiras con-
tra o açúcar foi uma
das resoluções para
2023, este texto vai,
com certeza, dar mais
um empurrão nessa
luta ingrata.
Comecemos pelo
pequeno-almoço, pois é com ele que ini-
ciamos os dias alimentares. Geralmente,
as opções recaem nos ingredientes doces
do mercado – está provado que é a refei-
ção em que se ingere maior quantidade de
açúcar, mesmo sem se dar por ele. Quem
nunca acordou e se pôs a comer cereais,
iogurtes de fruta, pão de forma, bolos,
panquecas ou granola não precisa de ler
nem mais uma linha.
Ainda está aí? Então é porque se sentiu
visado pelos alimentos elencados e quer
saber como se livrar deles. Não é fácil,
avisamos já, porque o açúcar, ao entrar no
organismo, ativa os mesmos recetores de
prazer acionados pela cocaína. Mas não se
assuste, que os pós brancos não têm nada
que ver um com o outro.
Um artigo de revisão de 2016, feito por
investigadores da Universidade de Cam-
bridge, concluiu que a resposta à cocaína e
ao açúcar é feita por diferentes neurónios,
na estrutura do estriado ventral, com um
papel central na recompensa cerebral. Diz
ainda que a resposta dopaminérgica ao
açúcar rapidamente estagna, o que não
acontece com a cocaína, que até é aumen-
tada com o consumo. Mais: os desejos de
alimentos doces são relativamente curtos
e diminuem com a abstinência, enquanto
os anseios por droga não diminuem de -se nos 84 gramas diários, e num consu-
intensidade, quando se deixa de consumir. mo anual de 31,6 quilos por ano. Ainda
Mas é irrefutável que o açúcar também
tem consequências negativas na saúde,
“Através assim, estes números astronómicos têm
diminuído (há dez anos, estávamos nos
quando ingerido em quantidades acima da do açúcar, 96 gramas por dia e nos 36 quilos anuais).
sensatez ditada pela Organização Mundial De 2018 até 2021, os portugueses re-
da Saúde (OMS). Para uma dieta de duas queremos duziram o consumo de açúcar (6 256,1
mil calorias – as que deveria consumir colmatar toneladas), segundo a estimativa do
um adulto por dia –, recomenda-se que Programa Nacional para a Promoção da
apenas 10% da energia provenha de açú- o mal que Alimentação Saudável. A quebra partiu da
cares livres (quatro colheres de sopa) e
sugere-se que, para benefícios adicionais,
sentimos. indústria e resultou de um acordo para a
reformulação dos produtos alimentares.
o limite seja 5%, o equivalente a 25 gramas Acaba por O teor médio de açúcar nos alimentos
ou a cerca de seis colheres de chá.
Mais recentemente, a Autoridade Eu-
ser um definidos por esta reformulação caiu
11,1%, face a 2018 – os refrigerantes
ropeia para a Segurança Alimentar (EFSA) refúgio” foram os que registaram uma que-
indicou que o consumo de açúcares deve da mais acentuada, enquanto os
ser tão baixo quanto possível e inserido néctares mantiveram os teores.
numa alimentação nutricionalmente Sónia Em Portugal, o maior con-
equilibrada. Marcelo sumo de açúcar é feito por
A dose média consumida por cá situa- Nutricionista crianças, dos 5 aos 9 anos, e
O mal que antepassados para terem energia durante

ele nos faz


as tarefas diárias. Inteligentemente, o
organismo acumulava-o e armazenava-o
para os períodos de escassez alimentar.
Em excesso, e na sua versão Esses períodos, entretanto, deixaram
adicionada, este hidrato de existir.
de carbono tem o poder Com a Revolução Industrial, o Ho-
de afetar a saúde mem começou a ingerir alimentos mais
refinados e, por isso, mais ricos em
OBESIDADE E DIABETES açúcar. A partir da segunda metade do
O consumo continuado de século passado, a ingestão passou a ser
açúcar está diretamente ligado massiva por culpa da industrialização
ao aumento de peso, que pode – transformou-se num ingrediente que
degenerar em obesidade. realça e dá sabor, cor, textura, volume e
Este tipo de inflamação está ainda conserva.
associado à diabetes, assim com Hoje, sabe-se que “o hábito/vício de
ao fígado gordo. ingerir açúcar/alimentos doces diaria-
mente causa problemas metabólicos,
HIPERATIVIDADE nomeadamente obesidade, colesterol
Se estiver constantemente elevado, hipertensão, diabetes e proces-
a ser estimulada com shots sos inflamatórios, associados à esclerose
de hidratos de carbono de múltipla, à doença de Alzheimer e ao
absorção rápida, uma pessoa cancro, entre outras patologias”, lê-se no
torna-se reativa, para conseguir livro Guerra ao Açúcar, da nutricionista
lidar com estes picos muito Sónia Marcelo.
intensos. A seguir, dão-se A especialista refere que a nossa
os momentos de cansaço,
dependência de alimentos doces está
provocando uma montanha-
“muito relacionada com os estados emo-
russa de energia.
cionais. Através do açúcar, queremos
colmatar o mal que sentimos. Acaba por
PELE ser um refúgio”. E, claro, quando esse
As estrias e a celulite tendem consumo acaba e a dopamina volta a
a aparecer em pessoas que níveis normais, os problemas mantêm-
GETTY IMAGES

consomem mais açúcar. Ao ser -se e voltamos aos estados stressados e


pegajoso, ele entranha-se na ansiosos rapidamente – e com alguma
rede da pele, causando flacidez culpa por esse abuso.
e rugas. Trata-se, por isso,
também de um acelerador do SALADA PARA O ALMOÇO
envelhecimento cutâneo.
por adolescentes, dos 10 aos 17 anos. Com isto chegamos ao almoço. E que
Também se sabe que são precisamente tal uma daquelas saladas já prontas, que
os refrigerantes – a par dos iogurtes, ce- NEOPLASIAS agora se vendem nos supermercados?
reais e doces – os que mais contribuem A ideia de que o açúcar alimenta Até parece uma opção saudável, mas
para estas cifras. as células cancerígenas é os molhos que as acompanham estão
No ano passado, a OMS Europa lan- controversa. No entanto, carregadinhos de açúcar.
çou a rede Member State led Sugar and começam a existir estudos Se a preferência recair nos legumes,
Calorie Reduction para promover dietas a suportar essa conclusão, há que fugir dos já confecionados, pois
mais saudáveis e assim reduzir os ní- como o de um grupo de nestes casos utiliza-se o açúcar para os
veis de obesidade no Velho Continente. investigadores belgas, conservar e dar palatabilidade.
publicado na revista Nature,
A rede europeia junta as políticas e os A bebida de eleição deve ser sempre
segundo o qual as células
especialistas de 53 regiões, explorando – ou quase sempre, vá – a água. Isto
cancerígenas consomem
maneiras de redução do consumo de muito mais glicose do que as
para não se cair no engodo dos sumos
açúcar e, por inerência, de calorias. O células saudáveis. Porém, não de fruta. A fruta é saudável, sim, mas
Reino Unido lidera este projeto durante há evidências de que, perante também tem muito açúcar e deve, por
três anos. a presença de um tumor, ele isso, ser mastigada (e não bebida), para
regredirá ao se abandonar o se beneficiar da presença da fibra na tra-
UM REFÚGIO GULOSO consumo de açúcar. vagem da entrada de açúcar no sangue.
O açúcar sempre existiu na Natureza, “Às vezes, o problema nem é a quan-
sob a forma de frutos, bagas, plantas tidade de açúcares num determinado
e raízes, e era consumido pelos nossos produto, mas a acumulação diária e re-

21
INIMIGOS DA SAÚDE

O que diz
o rótulo?
A única maneira de não
ingerir açúcar sem saber
passa por aprender a
decifrar a informação
nutricional, obrigatória em
qualquer produto embalado

AS “OSES”
Em primeiro lugar, devemos
saber que há muitas palavras
que denunciam a presença de
açúcar num alimento, muitas
vezes usado para efeitos de
conservação. Há que estar atento
a designações como amido de
milho, glicose/glucose, lactose,
sacarose, maltodextrina, xilitol,
caramelo ou qualquer tipo de
xarope.

ORDEM DECRESCENTE
A ordem dos ingredientes
aparece no rótulo de forma
decrescente, de acordo com
as quantidades presentes nos
produtos. Quer isto dizer que, se o
açúcar estiver nos três primeiros
GETTY IMAGES

lugares, ele existirá em demasia.

A QUANTIDADE
DE HIDRATOS
Se ainda restarem dúvidas petitiva, pois eles estão em todo o lado”, lo?), para detetar alguns dos açúcares
quanto aos níveis de açúcar, expõe Sónia Marcelo. disfarçados”.
podemos olhar para a informação A nutricionista brasileira Sophie De-
nutricional normalmente ram, conhecida por desconstruir a ne- A REGRA DOS TRÊS INGREDIENTES
apresentada em forma de tabela. cessidade de se fazer dieta, defende que Ditam os especialistas que devemos pre-
Aí detetamos o açúcar na coluna não devemos demonizar o açúcar nem ferir produtos que não tenham mais do
dos hidratos de carbono e na decidir não consumi-lo. “Sentimos um que três ingredientes e, assim, deixamos
linha “dos quais açúcares” – essa forte desejo de ingerir o alimento proi- imediatamente de fora os ultraprocessa-
quantidade apresenta-se em
bido, pelo que acabamos por cair na ten- dos. Muitos desses alimentos apresentam
gramas. Até cinco gramas por
tação e exageramos no açúcar. O melhor açúcares em excesso, pois, além de darem
cada 100 é baixo; mais de 15, já
é tê-lo como um importante fornecedor um sabor agradável, contribuem para a
é alto.
de energia rápida.” sua conservação.
Não precisamos de deixá-lo, mas de- Uma equipa de investigadores da Uni-
A DOSE vemos ingeri-lo como manda a lei. “Se versidade da Carolina do Norte descobriu
Mesmo depois de tudo isto usarmos açúcar adicionado, rapidamente que 68% das comidas processadas con-
analisado, ainda é normal que vamos ultrapassar o valor estipulado pela têm açúcar na sua composição. Alguns
não se entenda qual a dose que OMS”, alerta Cláudia Cunha, autora do desses produtos são óbvios, como bo-
se está a consumir, tendo em livro Doce Veneno. lachas, doces ou gelados, mas há outros
conta o que seria desejável. É por A nutricionista defende a educação que surpreendem os mais distraídos:
isso que a informação nutricional alimentar, em vez da substituição do refeições pré-cozinhadas (um bacalhau
fornece a percentagem que os “veneno” por outras opções ditas mais com natas tem 14 gramas), vinagre bal-
produtos têm em relação à Dose saudáveis. Desde logo, “há que saber ler sâmico (36 gramas por 100), molho de
Diária Recomenda (DDR). os rótulos (ver caixa: O que diz o rótu- soja (4 gramas), sopas, pizzas, fiambre...

22
Conheça os limites
As recomendações da Direção-Geral da Saúde para
as quantidades de sal, açúcar e gordura dos alimentos

ALIMENTOS por 100g


GORDURAS GORDURA
(Lípidos) SATURADA AÇÚCARES SAL
mais de mais de mais de mais de
ALTO
17,5g 5g 22,5g 1,5g
entre entre entre entre
MÉDIO
3 e 17,5g 1,5 e 5g 5 e 22,5g 0,3 e 1,5g

BAIXO 3g 1,5g 5g 0,3g


ou menos ou menos ou menos ou menos

BEBIDAS por 100 ml


GORDURAS GORDURA
(Lípidos) SATURADA AÇÚCARES SAL
mais de mais de mais de mais de
ALTO
8,75g 2,5g 11,25g 0,75g
entre entre entre entre
MÉDIO
1,5 e 8,75g 0,75 e 2,5g 2,5 e 11,25g 0,3 e 0,75g

BAIXO 1,5g 0,75g 2,5g 0,3g


ou menos ou menos ou menos ou menos
FONTE Direção-Geral da Saúde INFOGRAFIA MT/VISÃO

“Os doces devem ficar para os dias de regressado ao normal.


festa, pois o seu consumo pontual não é Agora é hora do lanche. Se a ideia for
dramático e também não podemos descu- deixar o açúcar de lado, instala-se a dúvi-
rar a parte social”, defende Cláudia Cunha. da acerca do que comer. A sugestão recai
A nutricionista acrescenta que é possível numa mão-cheia de frutos secos e nalgu-
mudar, embora seja difícil, porque se trata ma fruta, de preferência bagas ou maçãs.
da privação de um prazer imediato. Esta Mais tarde, à noite, as recomendações
atitude deve ser encarada como uma mu- repetem-se e são as do almoço: comida
dança comportamental, feita lado a lado fresca, não embalada, e cozinhada em
com nutricionistas e psicólogos. É que,
até agora, a medicina ainda não inventou
“Se usarmos casa com ingredientes naturais. No final,
pode haver um quadradinho de choco-
a panaceia milagrosa para esta adição. açúcar late – negro, claro está – à nossa espera.
Nos primeiros dias sem açúcares adi-
cionados, é natural sentir que estamos
adicionado, Se mais nada o convencer a deixar de
adicionar açúcar aos alimentos, de forma
agarrados ao sabor doce. Mas, passado rapidamente mais ou menos consciente, fique com a
pouco tempo, começamos a estar mais
energéticos, concentrados e menos irri-
vamos ultra- frase do norte-americano Robert Lustig,
professor de Endocrinologia, na Univer-
tados, já para não falar da perda natural passar o valor sidade da Califórnia, e autor da palestra
de peso. Ao fim de dez dias sem recor- Sugar: The Bitter Truth, com mais de
rer a este alimento, dizem os estudos, estipulado” nove milhões de visualizações: “O açúcar
as melhorias começam a refletir-se nas aciona os programas de envelhecimento
análises. Depois de três semanas, os re- Cláudia Cunha do corpo. Quanto mais açúcar se ingerir,
cetores de dopamina no cérebro já terão Nutricionista mais depressa se envelhece.”

23
INIMIGOS DA SAÚDE

Doce, mas nem tanto


A melhor alternativa ao açúcar é mesmo deixá-lo apenas para
os alimentos que o contêm naturalmente. Nas alturas em que
precisamos de algo mais doce, há muito por onde escolher

Stevia
É o mais comum a substituir adoçantes
artificiais, mesmo que liberte um certo amargo
Obtém-se a partir de glicémico. É, por isso, selénio e zinco. Até ver,
uma planta originária aconselhada em regimes não apresenta qualquer
da América Central de perda de peso e contraindicação, e a sua
e do Sul, quando se em casos de diabetes. comercialização, em pó
descobriu que ela possui Também contém minerais ou em líquido, está já
um poder adoçante 300 inexistentes no açúcar, bastante disseminada
vezes superior ao açúcar como magnésio, enquanto substituto
refinado, aportando potássio, de outros adoçantes

Xarope apenas 0,36 calorias e


sem impacto no índice
mais criticados pelos
consumidores.

de agave
É tão eficaz a adoçar
que até parece
mentira – não é
preciso usar grandes
quantidades para
tornar os alimentos
mais doces
Extraído da mesma planta
usada para fazer tequila,
é 1,4 vezes mais doce do
que o açúcar branco e tem
praticamente as mesmas
calorias. Logo, não é preciso
Tâmaras
utilizar tanta quantidade para
obter o mesmo resultado. Esta fruta é muito bem aproveitada, pelos adeptos de uma
Além disso, tem baixo índice alimentação sem açúcar, para adoçar algumas receitas
glicémico e, portanto, não faz
subir os níveis de açúcar no As tâmaras são manganês, cálcio e É por isso que, para a
sangue com tanta intensidade, originárias do Norte de vitaminas como ácido utilização em receitas,
apesar de ser constituído por África e, além de terem fólico, vitamina K, enquanto substituto do
90% de frutose (atenção aos um poder adoçante vitamina A e do complexo açúcar refinado, a sua
diabéticos). Também contém bastante acentuado, B (riboflavina, niacina versão seca é mais eficaz.
inulina, um prebiótico que são ricas em fibra. Estão e tiamina). As tâmaras Pode optar-se por fabricar
favorece a saúde da flora também repletas de frescas têm cerca de uma pasta de tâmara
intestinal. Pode ser usado para minerais, como ferro, 30% de açúcar e as secas caseira ou comprar
adoçar sumos ou sobremesas. potássio, zinco, fósforo, podem chegar aos 80%. xarope, que contém

24
Mel
É tão calórico quanto
o açúcar, mas tem
a vantagem de ajudar
a fortalecer o sistema
imunitário
Geleia de arroz
Trata-se de um néctar Trata-se de um adoçante bastante equilibrado,
totalmente natural, produzido pois os seus açúcares são de absorção lenta
pelas abelhas e, portanto,
É um xarope de glucose aparência acastanhada, de frutose e sacarose
tem muitos seguidores, que o
feito a partir de arroz, faz lembrar o mel, mas e um elevado índice de
preferem ao açúcar. Os vários
na sua maioria de sem ser de origem minerais naturais. Adoça
minerais, como magnésio,
arroz integral, com animal e, na realidade, menos do que o açúcar
fósforo ou potássio, assim
hidratos de carbono tem o mesmo tipo de de mesa, devendo,
como vitaminas do complexo
de absorção lenta. utilização – no pão, em por isso, ser usada em
B, C, D e E, são os seus
Também contém cevada molhos para salada, em maior quantidade para o
principais atrativos, além do
germinada, um cereal chá ou como adoçante mesmo resultado, tendo
sabor agradável. No entanto,
rico em vitaminas e em geral. Esta geleia presente que cada
e apesar das propriedades
antioxidantes. Pela sua apresenta baixo teor porção vale 312 calorias.
antisséticas, digestivas,
expetorantes e calmantes,
há que ter cautela na sua
utilização, especialmente por
diabéticos ou pessoas com
alergias – o mel tem quatro
calorias por grama, tal como
o açúcar branco, e favorece o
Açúcar de coco
aparecimento de cáries.
Produzido a partir da seiva
da flor do coqueiro, contém 80%
de sacarose, frutose e glucose
Apesar de adoçar bem, cada colher
de chá deste açúcar tem apenas
15 calorias. O seu aspeto lembra
o do açúcar mascavado, e o
seu sabor é parecido com o do
caramelo, mas não contém
conservantes, pois não passa
por processos industriais, como
a refinação. Pelo contrário,
está carregado de propriedades
naturais benéficas: vitaminas do
300 calorias por porção. complexo B e C, potássio, fósforo,
Embora apresentem magnésio, cálcio, zinco e ferro. Além disso,
menos hidratos de tem 16 aminoácidos, unidades que não
carbono do que o existem de todo no açúcar de mesa.
açúcar, são uma opção O seu índice glicémico é de 54, contra
igualmente calórica, pelo os 68 do açúcar tradicional, o que
que deve ter-se cuidado e se justifica pela presença de inulina,
não abusar da dose. uma fibra alimentar.

25
INIMIGOS DA SAÚDE

Por umas
pitadas
de sal
É talvez o mais discreto inimigo da saúde.
Está em todo o lado, mas é pouco referido,
culturalmente aceite e apetitoso. O seu excesso
provoca, no entanto, alguns dos maiores
problemas de saúde pública da atualidade
SOFIA TEIXEIRA

O
sal é tão valorizado e and Salt Study” mostra que a média do
apreciado que cha- consumo de sal na população portuguesa
mar a alguém ou a é o dobro: 10,7 gramas.
alguma coisa “sem “Ninguém vive sem sódio. Ele é es-
sal” é um insulto: sencial para o mecanismo renal de re-
classifica-o como tenção de água. Se não houver sódio, não
desinteressante, sem se consegue reter a água e entra-se em
graça, maçador, sem desidratação”, esclarece o cardiologista
atrativos. Contudo, a expressão é um Luís Bronze, diretor de saúde da Marinha
espelho do nosso vício e de um paladar Portuguesa e presidente da Sociedade
adulterado. Portuguesa de Hipertensão (SPH). Acon-
A verdade é que “sem sal” devia ser tece que, para o funcionamento deste
promovido a elogio, porque este produto mecanismo, basta um grama de sal por
representa um gigante problema de saúde dia. E sal a mais implica reter água a mais,
pública. A pesquisa pelo termo “sal” em o que faz aumentar o volume de sangue
qualquer base de dados de estudos cien- em circulação – logo, a pressão sanguínea
tíficos não devolve quase nada de bom: excessiva na parede das artérias.
o seu excesso está associado a risco de “A hipertensão arterial também é uma
enfarte, ao aumento de acidente vascular pandemia”, defende o médico. “Cerca de
cerebral, ao risco de morte prematura, ao 40% dos adultos, entre os 18 e os 80 anos,
enfraquecimento do sistema imunitário, de ambos os sexos, têm hipertensão.” Isso
a reações alérgicas, à destruição das re- é um problema, porque a pressão arterial
servas de cálcio do corpo, à obesidade e elevada está na origem de muitas doenças
ao cancro do estômago. graves, nomeadamente o acidente vascu-
O problema, claro, não é o sal. É o lar cerebral e as doenças isquémicas do
excesso de sal. A Organização Mundial coração – os enfartes, a angina de peito.
da Saúde (OMS) estabelece um consumo “Penso que as pessoas não têm esta no-
máximo diário de cinco gramas para um ção, mas cerca de 30% dos portugueses
adulto e de até três para as crianças. O es- morrem de doença cardiovascular. É uma
tudo “PHYSA – Portuguese Hypertension mortalidade superior ao cancro”, lembra.

26
Como cortar Segundo o cardiologista, este excesso
neste “veneno”? de sal que consumimos hoje deve-se a
três fatores: “O facto de ser aditivo, como
o tabaco, levando à habituação e a um
► Reduza gradualmente a desejo de consumo”; “a ‘mcdonaldização’
quantidade que adiciona às
da vida, com o recurso a refeições prontas
refeições durante a confeção,
para fazer uma adaptação,
e embaladas, que têm quantidades de sal
também gradual, ao sabor muito elevadas”; e, finalmente, “porque o
dos alimentos sal começou a ser colocado em alimentos
de que as pessoas nem suspeitam”.
► Use colheres de chá ou café O alerta de Luís Bronze sobre este úl-
para medir o sal adicionado e timo ponto mereceu-nos uma inspeção
ter noção da quantidade que à despensa e ao frigorífico. É um exercí-
coloca cio surpreendente que todos podemos e
► Não ponha o saleiro na mesa devemos fazer – olhar com atenção para
no momento da refeição a informação nutricional nos rótulos. O
sal está, literalmente, em todo o lado:
► Para aumentar a cereais de pequeno-almoço, salsichas,
palatabilidade das refeições, grão, queijo, iogurtes, ketchup, leite, na-
use ervas aromáticas (salsa, tas, bolachas, hambúrgueres vegetarianos
coentros, alecrim, louro, pré-feitos, café de cápsula, arroz, gelatina
orégãos, cebolinho, tomilho)
e açúcar. Sim, açúcar.
e especiarias (pimenta,
açafrão, gengibre, cominhos,
OBJETIVO: ADIÇÃO ZERO
noz-moscada, canela)
“A nossa dieta normal, sem adicionar
► Leia os rótulos dos alimentos sal nenhum à comida, já tem os cinco
com a ajuda do descodificador gramas que são o teto máximo apon-
de rótulos da Direção-Geral tado pela OMS”, explica Jorge Polónia,
da Saúde e prefira os produtos médico especialista em Medicina Interna
com menos teor de sal e professor catedrático na Faculdade de
► Evite o consumo frequente Medicina da Universidade do Porto. Isto
de produtos de conserva e, por causa do sal adicionado a produtos
quando os consumir, deixe embalados e também porque mesmo os
fora o líquido – rico em sal alimentos frescos têm cloreto de sódio.
– e passe os alimentos por “A carne, o peixe e os legumes têm sal
água corrente naturalmente presente”, frisa. Por isso,
para não exceder a dose máxima diária,
► No caso de alimentos que
passaram por um processo
de salga (como o bacalhau),
demolhe-os bem antes da
confeção “Cerca de 40%
► Reduza o consumo de dos adultos,
produtos de charcutaria,
como o chouriço e o
entre os 18 e
presunto, e de snacks os 80 anos,
salgados e embalados, como
as batatas fritas e os frutos de ambos os
secos torrados com sal
adicionado
sexos, têm
hipertensão”
© VALENTYN75 | DREAMSTIME.COM

LIMITES CLAROS ► Evite o consumo regular de


A Organização Mundial refeições pré-confecionadas
da Saúde estabelece um e congeladas Luís Bronze
Cardiologista, presidente
consumo máximo diário Fonte: Adaptado de Fundação da Sociedade Portuguesa
de cinco gramas para um Portuguesa de Cardiologia de Hipertensão
adulto e de até três para as
crianças. Mas os portugueses
consomem 10,7 gramas

27
INIMIGOS DA SAÚDE

as indicações são muito claras: é preciso Não sendo a solução ideal substituir
estar atento aos rótulos e é necessário sal por sal, ainda que com menor teor de
não acrescentar sal nenhum à comida. sódio, há alguns substitutos disponíveis
Segundo o médico, a maioria dos no mercado que, observa Luís Bronze,
portugueses, quando questionados so- podem ajudar numa fase inicial ou de
bre o uso de sal, diz que consome pouco, transição. “Nomeadamente o sal para
mas os resultados das análises mostram hipertensos, que, além do cloreto de
uma realidade diferente. “Na minha con- sódio, tem cloreto de potássio, sendo
sulta com doentes hipertensos, costumo um produto barato e que se assemelha
dosear o sódio na urina de 24 horas. De em sabor; ou, em alternativa, a salicór-
facto, há doentes que consomem mesmo “Costumo dizer nia, que tem cerca de 70% do cloreto
pouco, mas, na maioria, esse ‘pouco sal’
que afirmam consumir é, afinal, uma
que o que faz de sódio do sal”, refere o cardiologista.

barbaridade.” mal não é o que TUDO COMEÇA NO BERÇO


Jorge Polónia admite que não é um É difícil deixar o sal, porque ele vicia.
processo fácil deixar de adicionar sal se come entre “Tal como o açúcar, tem um efeito ao
aos cozinhados. No entanto, conside-
rando que “cerca de 25% a 30% do sal
o Natal e o Ano nível de libertação de endorfinas e do-
pamina, as nossas hormonas do prazer.
consumido em Portugal é adicionado na Novo: é o que Há um fenómeno de dependência”, ga-
cozinha ou na mesa”, é essencial fazer
essa transição. E é possível.
se come entre rante Jorge Polónia. Esta dependência
começa na infância, com as papas para
O médico e consultor da unidade de o Ano Novo bebé cheias de sal e com a comida com
Hipertensão e Risco Cardiovascular do sal adicionado, que molda o paladar.
Hospital Pedro Hispano conta que gosta e o Natal” “Há estudos que mostram que, se as
muito de cozinhar, que quem prova os
seus pratos diz que são bons e, contu- Jorge Polónia
do, dentro dos seus tachos, não entra Médico especialista em Medicina
um grão de sal. “Substituo-o por alho, Interna e professor catedrático
tomilho, limão, erva-doce, alecrim. É na Faculdade de Medicina
uma questão de hábito”, frisa. “Nem da Universidade do Porto
sequer tenho sal em casa”, começa por
dizer. Depois, corrige: “Por acaso, há
lá um bocadinho, sim: uso o truque de
pôr uma pitada quando bato claras em
castelo, porque crescem melhor.”
Admite que também consome, por
vezes, alimentos dos quais é muito difícil
tirar todo o sal, como o bacalhau. Mas,
salienta, o problema não são as exceções
ocasionais. “Costumo dizer que o que
faz mal não é o que se come entre
o Natal e o Ano Novo: é o que se
come entre o Ano Novo e o Natal.
Não são as exceções; é o que se faz
por sistema no ano inteiro.”
E, no que toca aos hábitos, a pan-
demia agravou os consumos prejudi-
ciais, refere o médico e investigador.
“As pessoas começaram a comprar mais
alimentos processados, comida emba-
lada nos supermercados, que têm nor-
malmente uma quantidade de sal muito
elevada, porque o sal é usado como
conservante.” Para fazer escolhas mais
saudáveis na altura de comprar comida
pré-feita, é possível usar o descodifica-
dor de rótulos criado pela Direção-Geral
da Saúde (ver infografia).

28
papas das crianças tiverem sal, quando milhões de mortes por ano, devido a
elas chegam aos 15 ou 16 anos, são mais doenças cardiovasculares, como o AVC
hipertensas e mais dependentes da sua Muitos nomes e o enfarte. Há dados extraordinários
ingestão”, alerta.
Este início precoce do consumo de
para o mesmo que mostram que, se cada português
consumisse menos dois gramas de sal
sal, explica Conceição Calhau, nutricio- por dia (corresponde a 0,8 gramas de
nista, docente da Nova Medical School e Ao procurar sódio), a taxa de acidentes vasculares
investigadora do Cintesis, é problemá- as quantidades cerebrais cairia entre 30% e 40% nos
tico, porque os primeiros mil dias de de sal no rótulo cinco anos seguintes.
vida – os nove meses de gestação e os dos alimentos que Mas os malefícios não se esgotam no
dois primeiros anos – são decisivos na compra, lembre- enfarte e no AVC. Jorge Polónia não se
chamada programação metabólica. “É se de que há várias inibe de lhe chamar “um veneno”: “O
uma fase em que tudo está em formação sal tem um efeito tóxico direto sobre o
e em indecisão. A ‘máquina’ está a ser
designações sistema nervoso central. Há estudos que
programada sobre como vai funcionar, ► Sal ou teor de sal
mostram que a capacidade cognitiva é
pelo que tudo aquilo a que estamos francamente diminuída, e o risco de de-
expostos neste período, alimentação ► Sódio mências está aumentado em pessoas que
incluída, tem um impacto muito maior.” ► Glutamato monossódico ingerem grandes quantidades.”
A nutricionista defende, no entanto, que, ► Bicarbonato de sódio Mas a lista continua: o sal favorece
assim como há uma habituação, pode ► Bissulfato de sódio outras condições, como o zumbido nos
haver uma desabituação. ouvidos, a descalcificação óssea, os cál-
► Fosfato dissódico
Pode e é desejável que haja, porque os culos renais e a obesidade.
números são preocupantes: o consumo ► Hidróxido de sódio No novo Programa Nacional para
excessivo de sal é responsável por 2,3 ► Propionato de sódio a Promoção da Alimentação Saudável
► Fórmulas químicas NaCl (2022-2030), a Direção-Geral da Saú-
(cloreto de sódio) ou Na (sódio) de propõe a redução de 10% de sal na
alimentação dos portugueses, até 2027.
Fonte: Adaptado Conceição Calhau diz que é uma “ambi-
da Sociedade Portuguesa ção baixa”, mas que, se não mudar muita
de Hipertensão coisa, apesar disso, “vai ser difícil de al-
cançar”. A nutricionista e investigadora
acredita que é necessário um trabalho no
domínio das políticas públicas, como o
que foi feito com a legislação que limita
o sal no pão que consumimos.
Por exemplo, frisa, não chega a reco-
mendação de retirar o saleiro da mesa
nos restaurantes. “Devia ser ao contrário:
a regra devia ser não usar sal nenhum
na confeção e ter o saleiro na mesa para
quem quiser colocar sal no prato. Assim,
a comida já vem com excesso de sal da
cozinha, e não há nada a fazer.”
De igual modo, acredita que o
caminho será criar também uma
taxação para produtos com exces-
so de sal, tal como foi feito com o
açúcar nas bebidas. “A literacia é
importante, mas não chega. É pre-
ciso legislar.”
Na verdade, já todos nos habituámos
ao pão com as quantidades de sal redu-
zidas, mesmo que, no início, sentísse-
mos a diferença. Este tipo de medidas,
assim legisladas, já se mostrou benéfico
para a nossa saúde. Porque não reduzir
mais um pouco? É o nosso corpo que
agradece.

29
INIMIGOS DA SAÚDE

Outros temperos...
Da salicórnia ao “sal light”, há muitas formas de dar a volta aos pratos. Fique a conhecê-
-las aqui, percebendo também as diferenças entre os vários tipos de sal

Alternativas
ao sal
Produtos mais
saudáveis para
substituir o que
lhe faz mal

“SAL PARA
HIPERTENSOS”
É um produto com 0%
de sódio, constituído
maioritariamente por

GETTY IMAGES
cloreto de potássio. Pode
ser comprado nas lojas de
produtos naturais e nos
grandes supermercados.

SALICÓRNIA
Conhecida como “sal verde”,
é uma planta halófila, que
cresce em zonas costeiras,
O meu sal é melhor do que o teu?
tem um sabor salgado, mas
menos 70% de sódio do que Não há nenhum que seja assumidamente mais saudável,
o sal. Pode ser comprada em apesar do teor de sódio mais baixo de alguns
lojas de produtos naturais
e em algumas grandes
superfícies. SAL MARINHO SAL DOS HIMALAIAS
Obtido através da evaporação da água do Extraído de minas no Paquistão, é conhecido
“SAL LIGHT” mar, é o sal mais usado para adicionar aos pela tonalidade rosa, conferida pelo óxido de
pratos durante a confeção ou para temperar ferro. Tem minerais muito variados (mais de
É composto, geralmente,
antes de confecionar. Tem cerca de 390 a 80), mas em quantidades baixas, e não há
por menos 33% de sódio.
400 mg de sódio por grama. qualquer evidência das muitas alegações de
A substituição só resulta
saúde que lhe são associadas. Tem 230 mg
se o consumidor mantiver
SAL MARINHO IODADO de sódio por grama.
a quantidade que usa
vulgarmente e não a É sal marinho enriquecido com iodo – cerca
aumentar para igualar o de 20 a 40 mg de iodo por quilo de sal. O SAL NEGRO
sabor habitual. iodo é essencial para muitas funções do Também conhecido como Kala Namak, é
corpo, nomeadamente para o funcionamento originário da Índia, Paquistão ou Nepal, tem
da tiroide, e uma parte significativa da um cheiro forte a enxofre e um sabor definido
ERVAS AROMÁTICAS população têm uma carência deste como sulfuroso. É muito solúvel, pelo que é
Para evitar o sal, há que micronutriente. sobretudo usado para cozinhar. Tem cerca de
passar a temperar a comida 380 mg de sódio por grama.
com mais imaginação,
recorrendo à variedade de FLOR DE SAL
ervas que a cozinha oferece, São os pequenos cristais que se formam na SAL LÍQUIDO
como orégãos, tomilho, superfície da salmoura, o que lhes confere É feito através da diluição de sal – por norma
manjericão e hortelã, uma textura crocante e um sabor mais forte. refinado – em água mineral. Tem um sabor
algumas das opções pouco É usado sobretudo para temperar após a suave e é usado para adicionar aos alimentos
calóricas e isentas de confeção e/ou em saladas. Tem cerca de 450 após a confeção. O teor de sal varia conforme
gordura. mg de sódio por grama. os fabricantes e marcas.

30
DIZ QUE DISSE DA SAÚDE PUB

Atividade física
para reduzir
o sedentarismo
Um dos grandes problemas da sociedade atual é o sedentarismo
e as consequências que dele advêm. Sobre este tema há muitas
ideias pré-concebidas enraizadas, que as pessoas julgam ser verdade,
resultando em comportamentos erróneos. O “Diz Que Disse da
Saúde” esclarece os mitos sobre o sedentarismo e a atividade física.

Exercício físico e atividade física são a mes- Passar muito tempo sentado está associado
ma coisa. ao desenvolvimento de doenças.
FALSO. Existem diferenças entre exercício físico Não é novidade que passamos demasiado tempo
e atividade física. O exercício inclui as atividades físicas sentados no trabalho, no carro ou em casa. Estar sentado
PTDS¥LOK@MD@LDMSN QDODSH¢žN QDFQ@RADLCDƥMHC@RD  durante muitas horas é prejudicial para a saúde, uma vez
possivelmente, um local próprio para a sua prática. A ati- que duplica o risco de obesidade, diabetes e doenças car-
vidade física refere-se a qualquer atividade baseada no C¨@B@R /DPTDM@RLNCHƥB@¢°DRRžNADM¤ƥB@R BNLNE@K@Q
movimento do corpo. Tarefas comuns do dia a dia como de pé ao telefone, caminhar um pouco na hora do almoço,
andar, subir escadas ou fazer limpezas são consideradas fazer pausas e levantar a cada hora ou optar por escadas
atividades físicas. ao invés do elevador.

Grávidas devem evitar exercício físico. 10% da mortalidade prematura está associada
FALSO. As recomendações da Organização Mun- ao sedentarismo.
dial de Saúde (OMS) são claras: na ausência de Segundo um estudo da Fundação Portuguesa de
contraindicações médicas, as mulheres devem praticar Cardiologia, 64% dos portugueses são sedentários. Uma
exercício físico ao longo da gravidez. São vários os be- vida sedentária tem como consequência um maior risco de
nefícios: redução do risco de diabetes gestacional e pré- doença e de morte prematura. Os números não mentem: cer-
-eclâmpsia (hipertensão nas grávidas), aumento de peso ca de 10% da mortalidade prematura está associada ao se-
controlado e menor incidência de depressão pós-parto, dentarismo e à inadequação da atividade física. Há forma de
entre outros. reverter esta realidade, pois o risco de mortalidade diminui à
medida que aumenta o tempo de prática de atividade física.
Para ter uma vida saudável, deve-se dar 10
mil passos diários. A saúde ocupacional tem um papel
FALSO. O objetivo dos 10 mil passos surgiu como fundamental na promoção da atividade física.
uma estratégia de marketing associada a uma novidade: Muitas pessoas desenvolvem a sua atividade pro-
o primeiro podómetro. No entanto, apesar dos inúmeros ƥRRHNM@K CD ENQL@ RDCDMSœQH@  MNLD@C@LDMSD M@ ONRH¢žN
benefícios das caminhadas, as recomendações para uma sentada, o que tem um impacto negativo na saúde. Assim, a
vida saudável não se referem a passos. De acordo com a saúde ocupacional desempenha um papel essencial na re-
OMS, ao longo da semana, os adultos devem fazer 150 a dução dos longos períodos de inati-
300 minutos de atividade física aeróbia moderada; ou 75 vidade física. Pequenas transforma- COM O APOIO
a 150 minutos de atividade aeróbia vigorosa; ou uma com- ções no local de trabalho ajudam a
binação de atividade moderada e vigorosa. manter um estilo de vida mais ativo
e saudável, como a utilização de
mesas elevatórias ou a integração
de atividade física programada. www.medis.pt/mais-medis

Fontes utilizadas: Fundação Portuguesa de Cardiologia, Ordem dos Médicos, Hospital da Luz, Lusíadas Saúde,
Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, Serviço Nacional de Saúde, Direção-Geral da Saúde
INIMIGOS DA SAÚDE

Colesterol
O bom, o mau
e o vilão
Este tipo de gordura é indispensável ao bom funcionamento
do organismo, mas, quando em níveis elevados, a fatura
sai cara: dificulta o fluxo de sangue e contribui para
o desenvolvimento de doenças cardiovasculares

I
R I TA R AT O N U N E S


nfelizmente, a população VEIAS ENTUPIDAS
não está devidamente es- Colesterol elevado faz com
clarecida quanto ao papel que os vasos sanguíneos se
fundamental do colesterol tornem depósitos de gordura,
na génese da aterosclero- dificultando a circulação
se (lesões nas artérias), a e provocando doenças
principal causa de morte no cardiovasculares, como
País. Em parte, isto deve-se o AVC ou o enfarte
a campanhas persistentes de desinfor-
mação.” O desabafo é do presidente da
Fundação Portuguesa de Cardiologia,
Manuel Carrageta.
Os números corroboram-no. Dois em
cada três adultos portugueses apresentam
níveis de colesterol elevados (ver caixa:
Sabe descodificar as análises?), segundo
dados divulgados pela Sociedade Por-
tuguesa de Cardiologia. E um em cada
quatro portugueses está classificado com
risco muito elevado.
A este cenário acresce o facto de o co-
lesterol descontrolado ser uma doença
silenciosa – ou são feitas análises ao
sangue para o monitorizar ou en-
tão só o identificamos quando
algum sintoma se manifes-
tar, por exemplo, sob a
forma de dor no peito,
mas, nessa altura, já
podemos estar
perante um
acidente vascular cerebral (AVC) ou um
enfarte agudo do miocárdio.
A Organização Mundial da Saúde
(OMS) estima que 50% dos enfartes

35%
agudos estão associados ao excesso de
colesterol, tal como 20% dos AVC.
Manuel Carrageta culpabiliza as “afir-
mações de que o colesterol faz falta”, a
das doenças retórica de que “é essencial à produção
cardiovasculares das membranas (paredes) celulares, hor-
no mundo são causadas monas, vitamina D e até os ácidos bilia-
pelo excesso res”. Tudo isto tem o seu lado verdadeiro.
de colesterol, segundo a Há um “colesterol bom” e um “colesterol
Organização Mundial da mau”, mas, “na verdade, o nosso orga-
Saúde (OMS)
nismo necessita apenas de uma pequena
quantidade de colesterol para satisfazer
as suas necessidades”.

4,4
“Há também campanhas intensas
contra as estatinas [medicamento usado
para reduzir os níveis de colesterol no
sangue], acusando-as de causar cancro ou
milhões de mortes, doenças hepáticas. Isto leva as pessoas a
pelas mais diversas abandonar a terapêutica e, muitas vezes, a
causas, são associadas
optar por produtos ‘naturais’ muito mais
a níveis de colesterol
caros, com benefícios duvidosos e não
descontrolados.
Isto significa 7,9%
comprovados”, denuncia o cardiologista.
do total das causas Recentemente, a Fundação Portuguesa
de morte, de acordo de Cardiologia desenvolveu um proje-
com a OMS to (Coração Seguro) junto dos utentes
dos centros de saúde e, a partir deste,
percebeu que cerca de 35% dos doentes
diagnosticados com colesterol eleva-

68,5%
do – apesar de se encontrarem a fazer
terapêutica – não estão controlados, de
acordo com os padrões designados pelas
dos portugueses
sociedades científicas.
têm valores de colesterol
acima do recomendado OS DOIS LADOS DA MOEDA
(190 mg/dl), assume O colesterol é um tipo de gordura (lípi-
“Níveis a Sociedade Portuguesa dos) que circula no sangue e desempenha
um papel fundamental no nosso orga-
elevados de de Cardiologia
nismo, na constituição das tais paredes
colesterol são, celulares e na produção de vitaminas,
hormonas e ácidos biliares.
muitas vezes,
25%
Tem duas origens diferentes: uma parte
é produzida pelo corpo (cerca de 75%),
resultado principalmente pelo fígado, e a outra
de uma má dos valores
de colesterol são ditados
é absorvida pelo intestino, a partir dos
alimentos que ingerimos (25%). Daí a im-
alimentação pela nossa alimentação. portância de se seguir uma dieta saudável;
uma das formas de controlar os níveis de
O restante é produzido
e de hábitos pelo organismo, colesterol, sem recurso à medicação, é
sedentários” principalmente
no fígado
com a prática de exercício físico e o afas-
tamento de comportamentos de risco,
como o consumo de tabaco e de álcool.
Ana Ni Ribeiro “Apostar numa alimentação mais variada
Nutricionista e evitar o consumo de alimentos ricos em

33
INIMIGOS DA SAÚDE

gorduras saturadas, nomeadamente a carne


vermelha, produtos lácteos gordos e ali-
mentos altamente processados”, eis o con-
selho da nutricionista Ana Ni Ribeiro (ver Sabe
dicas na página 36: Mais vale do que...).
Os melhores alimentos são não só descodificar
aqueles que inibem o colesterol “mau”
mas que também têm nutrientes capazes
as análises?
de potencial o “bom”, como as frutas e le- Os valores médios
gumes, especialmente os frutos vermelhos. de colesterol são
Há, portanto, dois tipos de colesterol. semelhantes para homens
O HDL (tido como o “bom”) impede o e mulheres. Até aos 45-54
LDL (o “mau”) de se alojar nas paredes anos, a tendência é para
das artérias, mas, quando elevados, os que os valores cresçam
níveis de LDL no sangue aumentam o e, depois disso, estabilizem
risco de obstrução das artérias e, con- nos 220 mg/dl. A maioria
da sociedades científicas
sequentemente, a possibilidade de gerar (incluindo a OMS)
doença cardíaca ou cerebral. Este risco recomenda que:
torna-se ainda superior em pessoas com
hipertensão arterial ou diabetes. ►O colesterol total deve
“Os depósitos de gordura nos vasos ser inferior a 190mg/dL
sanguíneos crescem, dificultando o fluxo
de sangue pelas artérias, e estas podem ► O Colesterol LDL
romper-se repentinamente e formar um (o “mau”) deve ser inferior
coágulo, que causa um enfarte agudo do a 100mg/dL, sendo que,
miocárdio ou um acidente vascular ce- para as pessoas com risco
cardiovascular alto ou muito
GETTY IMAGES

rebral”, alerta o especialista em Medicina


Geral e Familiar e docente na Universi- alto, a recomendação passa
dade do Porto Daniel Beirão. a ser inferior a 70
Tendo em conta que a acumulação das ► O colesterol HDL
placas de aterosclerose (acumulações de (o “bom”) deve ser
colesterol) pode acontecer em todas as superior a 60mg/dL TERAPIAS INOVADORAS
artérias, “se ocorrer nas artérias carótidas O colesterol é quase sempre consequên-
do pescoço, estamos perante doença caro- ► O colesterol não HDL cia de escolhas, ou seja de estilos de vida
tídea, que pode provocar acidentes vascu- (diferença entre o total pouco saudáveis. Contudo, o organismo de
lares cerebrais. Em contrapartida, quando e o LDL) deve ser inferior algumas pessoas fabrica uma quantidade
se formam nas artérias coronárias – que a 130mg/dL. A recomendação excessiva, independentemente do que es-
fornecem o sangue ao coração – temos a desce para 100 se tas comam ou da quantidade de exercício
doença das coronárias. Se o sangue oxige- o risco cardiovascular físico que façam. Este distúrbio responde
nado não chegar em quantidade suficiente for considerado alto pelo nome de hipercolesterolemia familiar
ao músculo cardíaco, na sequência de um ou muito alto e faz com que o colesterol e a gordura se
esforço ou de uma emoção, pode ocorrer ► O triglicérido (outra forma
acumulem no corpo.
uma dor no peito, a chamada angina de de gordura produzida pelo Nestes casos, e se não for possível con-
peito. Se a obstrução da artéria coronária organismo, geralmente trolar o colesterol de forma natural, existe
for completa, pode desencadear um enfar- associada a níveis uma série de fármacos para este efeito.
te do miocárdio”, especifica o presidente elevados de LDL) deve Entre as novas terapêuticas, o cardiologis-
da Fundação Portuguesa de Cardiologia. ser inferior a 150mg/dL ta Manuel Carrageta destaca um anticorpo
Além desta angina de peito, outros monoclonal, que inibe a produção da pro-
dos sinais de alerta podem ser as “pe- teína PCSK 9 através de um mecanismo que
quenas protuberâncias amareladas na vai tornar os recetores de LDL mais funcio-
pele, causadas por excesso de gorduras, nais e duradores. Este fármaco, o Inclisiran,
que se denominam xantomas”, acrescenta é injetável num intervalo de seis meses e
Daniel Beirão. Contudo, raramente o co- num contexto parecido com o das vacinas.
lesterol elevado dá sinais de si e, sem ser “A descida de LDL é de cerca de 50% e
através dos exames de rastreio (análises não há evidência de que afete o fígado ou os
ao sangue), é muito difícil identificar esta músculos”, constata o especialista, notando
patologia. ainda que “a administração injetável veio

34
ALIMENTAÇÃO
DESREGRADA
É uma das principais
causas do excesso
de “colesterol mau”
no sangue
Resista
às tentações
Para controlar o colesterol,
estes são os produtos que
deve consumir com menos
frequência

► Bolos de pastelaria
e confeitaria
(folhados,
croissants)
► Bolachas,
chocolates,
snacks doces
► Empadas, croquetes,
rissóis, pastéis de bacalhau
► Salsichas, salame, bacon,
chouriço, farinheira, morcela
► Costeletas
► Vísceras
resolver o problema da adesão à terapêuti- ► Miúdos
ca, que existe sempre que estamos perante
► Conservas
problemas de saúde assintomáticos. As
pessoas não sentem o colesterol quer esteja ► Fast-food (pizzas,
alto, quer esteja baixo”. hambúrgueres, sopas
Outro medicamento novo é o ácido e refeições pré-preparadas
bempedoico, administrado por via oral, e congeladas)
diariamente, e pode fazer com que o co- ► Leite gordo
lesterol de LDL desça cerca de 29%. “Pode
ser muito útil nos doentes com verdadeira ► Manteiga e margarinas
intolerância às estatinas ou ode ser adicio- sólidas
nado a estas, quando for necessário obter ► Queijos de pasta
descidas mais pronunciadas do colesterol
de LDL”, conclui Manuel Carrageta. “As pessoas mole
► Natas
No entanto – e apesar de o recurso à
medicação ser importante em alguns casos
não sentem
► Banha
–, este tratamento é sempre mais agressivo o colesterol, ► Gorduras trans
e tendencialmente só produz efeitos me-
lhores se for mantido por longos períodos
quer esteja alto ► Óleos de coco
de tempo. Já a alimentação saudável e o quer esteja e de palma
exercício físico podem começar a dar re-
sultados logo passados seis meses. baixo” ► Fritos e assados com
molhos e gorduras
Nada como o tratamento se encontrar
nas nossas mãos. É só preciso procurar a Manuel Carrageta ► Caldos concentrados
força e a coragem e, depois, partir para a Presidente da Fundação
► Sal em excesso
mudança que nos pode salvar a vida. Portuguesa de Cardiologia

35
INIMIGOS DA SAÚDE

Mais vale
prevenir
do que…
… remediar. Eis um conjunto
de hábitos saudáveis que ajudam
a controlar os níveis elevados
de colesterol “mau” e a exponenciar
o “bom”. Os efeitos destas
mudanças começam a ser sentidos
DRõPGHVHLVDGR]HPHVHV

Alimentação
Fazer uma alimentação variada e evitar o consumo
de alimentos ricos em gorduras saturadas, como a carne
vermelha, ajuda a regular os níveis de colesterol
ser moderado, pelo valor que ajuda a produzir HDL,
O QUE DEVE FAZER calórico. e saponinas, capazes de
f Aumentar o consumo de f Preferir azeite, óleos e captar o colesterol alimentar
vegetais e fruta, em geral. cremes vegetais a banha e no intestino, impedindo que
Em particular, o de frutos manteiga. este chegue ao sangue.
vermelhos, que são ricos em f Aumentar as refeições com f Alho. Tem alicina, com-
antioxidantes e impedem a peixes ricos em ómega-3 ponente ativo que ajuda à
oxidação do LDL (coleste- (salmão, atum, cavala, redução do LDL.
rol “mau”). Os arandos, por sardinha). O ómega-3 é um
exemplo, têm uma substân- ácido gordo essencial, cuja
cia (o pterostilbeno), que os ingestão está associada a A EVITAR
torna especialmente eficazes taxas mais baixas de doen- f Alimentos ricos em gorduras
na redução do colesterol até ças cardiovasculares e de saturadas, nomeadamente a
20%. Também as maçãs e as depressão. carne vermelha.
romãs são frutos com carac- f Beber chá verde (até 1 litro f Consumo de produtos lác-
terísticas inibidoras do co- por dia). Trata-se de uma teos não desnatados.
lesterol “mau”, e as últimas fonte de antioxidantes; f Produtos de charcutaria; de
aumentam ainda o “bom” combate o envelhecimento pastelaria e confeitaria; sna-
(HDL), diminuindo o risco de e ajuda a reduzir os níveis cks doces e salgados e ou-
aterosclerose (acumulação de LDL. tros produtos processados,
de lípidos nas artérias). f Comer leguminosas (feijão, ricos em gordura saturada,
f Abacate. É das melhores grão, lentilhas, favas, ervi- trans e açúcares.
fontes de gordura monoin- lhas). Por serem ricas em
saturada. Ajuda a aumentar fibra, reduzem a absorção Esta lista foi criada pela
o HDL e a reduzir o LDL. de colesterol. Além disso, nutricionista Ana Ni Ribeiro
Todavia, o seu consumo deve têm lecitina, uma substância para a VISÃO Saúde

36
Fazer Evitar o tabaco
análises e o álcool
ao sangue Estas substâncias
funcionam como
É a única forma inibidores do
de detetar colesterol “bom”
precocemente (HDL) e favorecem
níveis elevados o “mau” (LDL)
de colesterol LDL
Um exame de sangue O consumo excessivo de
funciona como triagem álcool está associado ao au-
para medir os níveis de mento dos triglicéridos (gordu-
colesterol e de trigli- ras que resultam da transforma-
céridos. As sociedades ção de certos alimentos), que, por
científicas aconselham que sua vez, intimidam o colesterol “bom”.
este rastreio aos níveis de Já o tabagismo acrescenta à redução
colesterol seja feito, em do colesterol HDL a formação de
adultos aparentemente partículas LDL oxidadas (responsáveis
saudáveis, a partir dos 40 pelo colesterol “mau”), uma forma de
anos, no caso dos homens. LDL mais tóxica e que penetra mais
Nas mulheres, aos 50 ou facilmente na parede arterial. A boa
antes, se estas já estive- notícia é que, quando se deixa de fumar,
rem na menopausa. os níveis de HDL são recuperados.

Praticar
exercício físico
Uma boa caminhada todos
os dias já produz resultados
Controlar o peso é fun- excesso de colesterol.
damental para melhorar Em Portugal, a prática
o colesterol “bom”, e de exercício físico nos
uma das formas mais adultos e nos adolescen-
eficazes para alcançar tes está entre as mais
este objetivo é a prática baixas dos países da
regular de exercício União Europeia, segundo
físico. O ideal é que faça, o último relatório do “Es-
pelo menos, 30 minutos tado da Saúde na UE”,
diários. Uma caminhada, publicado no País (2021).
por exemplo, é um bom E a taxa de obesidade
princípio, pois, além tem vindo a crescer, na
de ajudar a controlar o última década, de acordo
peso, também regula com o mesmo documen-
GETTY IMAGES

a diabetes e a pressão to, que refere que, em


arterial – ambos fatores 2019, 17% da população
de risco para a doença adulta portuguesa era
cardiovascular, que, obesa (1% superior à
por sua vez, potencia o média europeia).

37
INIMIGOS DA SAÚDE

INCISÃO MÍNIMA
Médico chega ao coração
com um corte de cinco a seis
centímetros na axila, para
introduzir uma válvula
De peito
fechado
e coração
aberto
A partir de um pequeno corte na zona
da axila, sem abrir o esterno, cirurgiões
do Hospital da Cruz Vermelha tratam
doenças valvulares, coronárias e tumores,
facilitando o pós-operatório
R I TA R AT O N U N E S J O S É C A R L O S C A R VA L H O

39
INIMIGOS DA SAÚDE

O
coração parou às Baquero está confiante de que o problema
11h12. “O facto de não de saúde pode ser ultrapassado.
“Agora é que va- Na mesa de operações, adormecida,
mos descolar”, infor- haver cicatriz está uma mulher do Norte. Veio de Ca-
ma o “piloto”, Luís
Baquero, cirurgião
visível e de a beceiras de Basto, Braga, para fazer esta
operação na Cruz Vermelha. Tudo por
cardiotorácico do recuperação ser causa da técnica “mini-invasiva”, que Ba-
Hospital da Cruz
Vermelha, num português carregado de
rápida alivia quero importou para Portugal, depois de
oito anos a desenvolvê-la, em adultos e
sotaque castelhano. Apesar de a destreza a carga da crianças, na Índia (no Amrita Institute of
das suas mãos sugerir que seria capaz de Medical Sciences, em Kerala). E que hoje
operar com os olhos fechados, o silêncio doença” é utilizada em cerca de 95% das opera-
adensa-se no bloco operatório do piso 5 ções ao coração feitas no departamento
daquele hospital, em Lisboa, onde Baque- Luís Baquero de cirurgia cardiovascular deste hospital
ro e a sua equipa estão há já hora e meia, Cirurgião cardiotorácico no lisboeta, para tratar desde doenças val-
a “abrir caminho” para chegar ao coração Hospital da Cruz Vermelha vulares e coronárias a tumores.
de uma mulher de 75 anos. Na prática, em vez de o especialista
A doente tem uma insuficiência da abrir o esterno ao doente para chegar
válvula tricúspide, que afeta a circulação ao coração, é feita uma pequena incisão
sanguínea, lhe provoca arritmias e torna a na zona da axila, e todo o procedimento
vida mais ofegante. Todavia, o diagnósti- acontece por aqui, facilitando a recupe-
co é reversível. Sensivelmente três horas ração do paciente no pós-operatório.
e meia de operação – uma delas com a 11h13. “Está tudo aberto”, sublinha
linha da vida em standby, para colocar Luís Baquero, encarando a equipa, para
uma prótese biológica –, e o médico Luís lhe dar o mote. Ouvem-se os “bips” das
máquinas, mas estamos sem batimento experimenta a válvula 26, que troca, de ORQUESTRA CIRÚRGICA
cardíaco; o músculo, que até então estava seguida, por uma 29. Tudo se resume a A equipa de cirurgiões,
inquieto, foi adormecido e a circulação, isto: introdução deste pequeno anel com enfermeiras, anestesista
interrompida. cerca de dois centímetros. e assistentes antecipa
As horas anteriores serviram para os movimentos uns dos
ligar as máquinas, através da virilha, aos OS “CASOS IMPOSSÍVEIS” outros, e a operação de três
vasos femorais; fazer a incisão axilar, Não podendo ser aplicada em 100% horas e meia decorre sem
aproveitando o espaço entre as costelas; dos casos, a cirurgia “mini-invasiva” faz sobressaltos
levantar um pouco a maior veia do siste- parte da rotina deste departamento, e é
ma circulatório, a aorta, e encerrar com até usual combinar a técnica com o tra-
clipes uma zona na aurícula esquerda tamento percutâneo (um cateter numa
(apêndice auricular), onde normalmente veia ou artéria que chega ao coração).
se acumulam trombos (coágulos sanguí- Chamam-lhe técnica “híbrida”.
neos formados nas veias ou artérias, que O objetivo é “conseguir um restabe-
dificultam a circulação do sangue para lecimento do fluxo coronário completo
outras partes do corpo). Mas é a partir com a mínima agressão cirúrgica e com
de agora que começa o contrarrelógio. os melhores resultados clínicos”, explica
Baquero ajeita a luz por cima da mesa e Luís Baquero, acrescentando que, graças
a sua touca da sorte, com desenhos de a esta multidisciplinaridade, a equipa da
super-heróis da Marvel; a enfermeira Cruz Vermelha tem conseguido “encontrar
Alexandra Silva troca-lhe as luvas. Vai soluções para doentes que tinham sido
“entrar” no coração. considerados inoperáveis noutros hos-
11h54. Debruçado sobre o pequeno pitais” e que hoje “têm qualidade de vida”.
pedaço de pele a descoberto, o espe- Maria Teresa Nascimento, 75 anos,
cialista chega finalmente aonde quer e personifica as palavras do cirurgião,

41
INIMIGOS DA SAÚDE

RECUPERAÇÃO
Maria Teresa Nascimento, 75 anos, chegou ao hospital
“quase morta”, mas conseguiu fazer a cirurgia ao coração
e recuperou a sua vida normal. “Depois e tudo o que
passei, fiquei internada apenas meia dúzia de dias”, conta

que tão bem conhece. Deu entrada neste dias; fui para casa e retomei logo a minha
hospital em janeiro de 2021, “muito de- Vantagens vida normal”, conta.
bilitada”, recorda o médico, que chegou Na semana a seguir, já conduzia, lim-
a pensar não conseguir fazer nada por da técnica pava a casa e fazia as suas caminhadas.
ela. “Fez três cirurgias à coluna noutra mini-invasiva Aos 75 anos, é uma mulher ativa. Acaba
unidade hospitalar, onde contraiu uma de ir e vir de Lisboa ao Porto no lugar
bactéria que silenciosamente lhe destruía Principal objetivo desta de condutora, faz planos para regressar
o coração.” opção de tratamento à natação e desfia histórias interminá-
Durante dois meses, esteve internada, é facilitar a recuperação veis de encontros com as amigas “para
para tentar controlar uma septicemia. do doente contrariar a morte”. E o coração? “Nunca
E só depois passou pelas mãos de Luís mais deu problemas”, garante.
f Menor impacto estético,
Baquero. “Pode dizer-se que fintou a pois a cicatriz é de pequena
morte graças aos avanços da Ciência. AO ALCANCE SÓ DE ALGUNS
dimensão
Substituiu a válvula aórtica, destruída A grande vantagem desta operação é a
por uma ‘sépsis’, e foi submetida a uma f Redução do pós-operatório redução das dores no pós-operatório. A
intervenção mini-invasiva, ao invés da e regresso antecipado às “recuperação dos doentes é mais rápi-
tradicional cirurgia de peito aberto. A atividades do dia a dia da; o tempo de internamento hospitalar
perda de sangue foi reduzida, a cicatriz f Menos tempo é menor e as pessoas retomam rapi-
ficou quase impercetível e o organismo de internamento damente as suas atividades diárias. A
economizou esforço na recuperação”, taxa de complicações, como arritmias,
continua o especialista. f Menor risco de infeções, é menor, tal como as taxas de infeção e
Maria Teresa Nascimento confirma, de arritmias, de complicações de transfusão de sangue, sem esquecer
após cumprimentar todos por quem pas- pulmonares e de hemorragias a parte estética e psicológica”, completa
sa, do corpo médico aos auxiliares. O seu f Menor necessidade Luís Baquero.
caso correu todo o hospital, há dois anos. de transfusões sanguíneas “Toda a gente devia ter acesso a esta
“Da operação ao coração ficou um gol- cirurgia”, resume Marco Ribeiro, 48 anos,
pezinho apenas. Recuperei que foi uma programador musical e desportista. Da
maravilha. Depois de tudo o que passei, idade à forma física e ao acompanha-
fiquei internada apenas meia dúzia de mento médico regular, Marco Ribeiro

42
Marco Ribeiro continua a corroborar
a teoria. Quer enquanto jogava futebol,
quer mais tarde, quando começou a dedi-
car-se ao ciclismo e se tornou federado, o
programador musical da RDP tinha como
hábito fazer exames médicos para garan-
tir que podia manter o elevado nível de
esforço físico. “Faço coisas como sair de
casa de manhã cedo, ir a Fátima e voltar
de bicicleta, no mesmo dia”, exemplifica.
No entanto, em março do ano passado,
começou a sentir umas pontadas no peito.
Uma angio-TAC revelou uma trombose
coronária, que o deixou de imediato in-
ternado. Foi operado, no início de maio,
e não hesitou quando lhe propuseram o
método da “mini-invasiva”.
“A recuperação foi excelente”, sublinha.
“Fiquei com uma costura com menos de
oito centímetros e, duas horas depois
da operação, já estava a negociar com
as enfermeiras chá e bolachas. Nos dias
seguintes, tinha dores, mas eram perfei-
tamente suportáveis.”
Em setembro, Marco Ribeiro já subia
de novo para a bicicleta e, em outubro,
foi a pedalar até Santiago de Compostela,
Espanha. Comprou uma bicicleta elétrica
para ajudar nas subidas, continua a ser

95%
parecia ter tudo para não se cruzar com acompanhado pelos médicos, mas assu-
uma equipa de cirurgia cardiovascular. me que está recuperado.
Mas não foi bem assim. E, como se revê “O facto de não haver uma cicatriz vi-
em todas as vantagens enumeradas pelo das cirurgias realizadas sível (tem entre cinco e seis centímetros) e
cirurgião, gostaria que esta operação pas- no Heart Center da Cruz de a recuperação ser rápida faz com que,
sasse a ser realizada também no Serviço Vermelha utilizam técnicas mesmo de forma inconsciente, o doente
Nacional de Saúde (SNS), uma vez que minimamente invasivas alivie a carga da doença e retome a vida
o Hospital da Cruz Vermelha é maiori- normal num prazo de duas ou três sema-
tariamente privado (o Estado tem uma nas. E, quanto mais jovem, mais relevante

10 000
participação de 45%), tendo acordos com é este impacto. Estamos a falar de um ou
subsistemas de saúde, como a ADSE, e dois meses de diferença na recuperação,
seguros privados. quando comparado com a cirurgia con-
Luís Baquero partilha com a VISÃO portugueses são vítimas vencional”, nota Luís Baquero.
Saúde que, em breve, a sua equipa come- de morte súbita cardíaca, todos 12h14. No bloco operatório, Baquero
çará a dar formação a médicos do Centro os anos, segundo a Sociedade não resiste a um suspiro de alívio, inde-
Hospitalar Universitário de Coimbra, Portuguesa de Cardiologia pendentemente da quantidade de doentes
mostrando-se disponível para “criar um em que já tenha aplicado, com sucesso,
grupo de trabalho que leve a técnica a esta técnica cirúrgica. “Recuperámos o
mais doentes” no serviço público.
“Não só diferenciaria o SNS como
pouparia recursos a médio prazo”, diz,
alertando, contudo, para o facto de se-
2A3
semanas é a média do tempo
batimento”, sente na ponta dos dedos, e
o monitor dos sinais vitais confirma-o.
Falta o trabalho de costura, mas a des-
compressão no rosto de toda a equipa
de recuperação na cirurgia
rem precisas “equipas dedicadas e um evidencia que entrámos em velocidade
“mini-invasiva”, menos 1
ambiente favorável durante a curva de a 2 meses do que o estimado
de cruzeiro. Daqui a pouco mais de uma
aprendizagem”. “Trata-se de uma técni- para a cirurgia convencional hora, o bloco estará vazio, pronto para a
ca que faz parte da evolução da cirurgia desinfeção. A doente – que não enfrentou
e que beneficia os doentes em todos os complicações de maior – seria transferida
aspetos”, acredita o especialista espanhol, para a enfermaria no dia seguinte e teve alta
que adotou Portugal. ainda nessa semana, para rumar ao Norte.

43
INIMIGOS DA SAÚDE

Sente-se
menos,
levante-se
mais
Combater o sedentarismo com atividade física previne
e controla o aparecimento de uma série de doenças
e o risco de morte prematura. Andar a pé, caminhar
rápido e fazer curtas pausas nas longas horas em que
se está parado ajudam a atrasar o envelhecimento
SÓNIA CALHEIROS

N
os últimos tempos, O corpo humano foi feito para se
muito se tem falado de mexer e apenas pontualmente parar. É o
nómadas digitais e no movimento que o alimenta, fornecendo
conceito que envol- o que precisa para envelhecer de forma
ve todos aqueles que mais saudável. Passar muitas horas pa-
andam com o portá- rado é uma consequência do progresso
til atrás, conseguindo industrial, um dano colateral da mo-
trabalhar em qualquer dernidade.
lugar do mundo. Serão eles o melhor exemplo “Recuemos até dez mil anos antes de
a seguir no que à mobilidade humana e à ati- Cristo, quando éramos nómadas. A nos-
vidade física diz respeito? Na verdade, ao lon- sa sobrevivência fazia-se em virtude de
go do dia, tal como quem tem um emprego conseguir fugir, caçar e arranjar alimento.
comum das nove às cinco, também passam Desde essa altura que o genoma humano
várias horas sentados, em frente a um com- GRAVES CONSEQUÊNCIAS foi sendo impresso nesse sentido e quem
putador, e nem sempre na posição correta. Quando as principais tivesse as melhores características gené-
Se a isso acrescentarmos as deslocações consequências ticas sobreviveria da melhor forma. Pas-
feitas de automóvel, para a escola ou para o do sedentarismo surgem sámos de uma postura nómada ativa para
escritório, as refeições demoradas sentados em simultâneo – obesidade, estar sentado à secretária. Já Hipócrates
à mesa e o serão refastelados no sofá, de diabetes tipo 2, hipertensão, dizia: ‘O que é utilizado desenvolve-se, o
telemóvel em riste e a televisão ligada até aumento dos triglicéridos que não é estraga-se’”, lembra Filipe Be-
adormecer – estão reunidas as condições e baixo nível do “bom” ttencourt, especialista em medicina des-
para surgirem alguns problemas de saúde. colesterol –, surge portiva e fisiatria na Clínica CUF Alvalade.
O único tempo de qualidade que uma pes- a síndrome metabólica, Combater o sedentarismo é prova-
soa deve aproveitar para estar totalmente aumentando muito o risco velmente a melhor forma de investir
inativa é quando está a dormir. Durante o de doença cardiovascular, na saúde, no bem-estar e em tempo
sono, sim, o sossego deve ser total. seja enfarte seja AVC de qualidade. A atividade física regular

44
As dores no pescoço e ombros, nas
regiões cervical e lombar, são lembretes
constantes de que algo não está bem com
o corpo. Tanto pode ser sinal do tempo
passado no carro, na cadeira ou no sofá,
como os quilos a mais derivados dessa
mesma inatividade.
Sem movimento ou exercício físico
não se queimam calorias, consumindo-se
mais do que se gasta. “A dormir temos a
frequência cardíaca de repouso. O coração
bate em média 50 a 70 vezes por minuto e
quando não é estimulado vai-se tornando
preguiçoso, dificultando a chegada de san-
gue aos órgãos. Em atividade, a frequência
cardíaca aumenta e o exercício normaliza
essa mudança”, explica Filipe Bettencourt.
Às suas consultas de medicina física
e de reabilitação e de medicina despor-
tiva têm chegado mais doentes vítimas
do sedentarismo recente, até porque as
repercussões cardiovasculares e muscu-
loesqueléticas do pós-pandemia (com os
confinamentos e o aumento do teletra-
balho) não são imediatas.
E, muitas vezes, as pessoas queixam-
GETTYIMAGES

-se já “tarde demais” de lombalgia (a dor


nas costas mais frequente), cervicalgia,
dores nos ombros (unilateral e associa-
da ao braço que trabalha de forma mais
estática). “Quem aumenta cinco quilos de
ajuda a prevenir e a controlar a hiper- peso, algo notório durante a pandemia,
tensão arterial, hiperglicemia, colesterol, também poderá ter lombalgia, associa-
risco de morte prematura, saúde mental da à falta de exercício e às alterações de
(stresse, ansiedade e depressão) e o risco postura”, exemplifica o médico.
de doenças crónicas não transmissíveis, Passar o dia sentado faz também com
como sejam a obesidade, doenças car-
diovasculares, diabetes tipo 2 e vários
Quanto que os glúteos adormeçam, porque dei-
xam de cumprir a função de estabilizar
tipos de cancro. mais rico o corpo, sendo os responsáveis pela im-
pulsão e por movimentos de extensão
CANSADO DE QUÊ?
é um país, e estabilização da anca. Não é, por isso,
Mas como é possível que, passando a mais elevado exagero falar em “síndrome do rabo mor-
maior parte do dia e da noite sem se to” ou em amnésia glútea, como uma das
mexer, um dos principais sintomas de se- é o nível de consequências de passar o dia sentado.
dentarismo seja a fadiga física e mental?
Parece um contrassenso, mas explica-se.
sedentarismo, As nádegas não começam a doer, mas a
fraqueza do glúteo também tem sido as-
O corpo, ao ser cada vez menos utilizado, podendo sociada a dor lombar crónica inespecífica.
não sente necessidade de descansar ou
recarregar energia, e isso vai dar azo a
alcançar Silenciosa, a osteoporose só a longo
prazo dá sinais da vida sedentária. Por
aparecerem as tão indesejadas insónias. 70% da isso, qualquer simples caminhada, que
Essa noite passada em branco, conse- estimule ossos, músculos e articulações,
quentemente, vai deixar o corpo cansado população seja preventiva da redução da densidade
e, sem a descarga de endorfinas que a óssea. Menos minerais, como o cálcio e
atividade física provoca, ainda fica mais o fósforo, tornam os ossos mais fracos.
desgastado. É a mesma atividade que faz “Por vezes, só se dá conta após uma que-
falta para o cérebro manter o estado de da, com fratura do colo do fémur, numa
alerta e a concentração. pessoa mais velha. Pode parecer inofen-

45
INIMIGOS DA SAÚDE

COM QUE REGULARIDADE


PRATICA EXERCÍCIO
OU UMA MODALIDADE
DESPORTIVA?

NUNCA %
IRLANDA
35

© SIDELNIKOV | DREAMSTIME.COM
FRANÇA
45

Recomendações da OMS
para a atividade física PORTUGAL
73
ESPANHA
47
Saiba o que diz a Organização Mundial da Saúde sobre os
tempos mínimos de exercício que devemos fazer por semana

CRIANÇAS ► Em dois dias da de atividade física


E ADOLESCENTES semana, pelo aeróbica de vigorosa
(5-17 ANOS) menos, atividade intensidade
► 60 minutos por dia, no de fortalecimento ► Em dois dias da FONTE Eurobarómetro da Comissão Europeia 2022

mínimo, de atividade muscular de semana, pelo


física aeróbica de moderada intensidade menos, atividade sivo, mas muitas vezes deixa as pessoas
moderada a vigorosa ► Os adultos podem de fortalecimento acamadas e sem recuperar a marcha e
intensidade aumentar a atividade muscular de a autonomia”, alerta Filipe Bettencourt.
► Em três dias da física aeróbica de moderada intensidade Quando as principais consequências
semana, pelo moderada intensidade ► Em três dias da do sedentarismo surgem em simultâneo
menos, atividade de para mais de 300 semana, no mínimo, – obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão,
fortalecimento dos minutos; ou realizar
atividades físicas para aumento dos triglicéridos e baixo nível do
músculos e ossos mais de 150 minutos
equilíbrio funcional “bom” colesterol – resulta na Síndrome
de atividade física
ADULTOS aeróbica de vigorosa
e treinamento de Metabólica, aumentando muito o risco
(18-64 ANOS) intensidade
força com moderada de doença cardiovascular, seja enfarte ou
► 150 a 300 minutos intensidade acidente vascular cerebral. Nas crianças,
por semana, no IDOSOS (A PARTIR ► Os idosos podem também quanto mais sedentária for a
mínimo, de atividade DOS 65 ANOS) aumentar a atividade rotina do dia a dia, maior a probabilidade
física aeróbica ► 150 a 300 minutos física aeróbica de de virem a ser adultos doentes.
de moderada por semana, no moderada intensidade
intensidade; ou pelo mínimo, de atividade para mais de 300 GEOGRAFIA DA INÉRCIA
menos 75 a 150 física aeróbica minutos; ou fazer O sedentarismo é um problema mundial,
minutos por semana de moderada mais de 150 minutos mas os comportamentos variam consoante
de atividade física intensidade; ou pelo de atividade física a região do mapa-múndi, a idade, o géne-
aeróbica de vigorosa menos 75 a 150 aeróbica de vigorosa ro e a profissão. Análises da Organização
intensidade minutos por semana intensidade Mundial da Saúde (OMS) mostram que

46
Por cá, a situação não melhora, antes
FINLÂNDIA pelo contrário. Os portugueses ainda
SUÉCIA 8 têm um longo caminho a percorrer, e de
12 preferência a pé, para ficarem bem vistos
na panorâmica europeia. Dados de 2022
ESTÓNIA do Eurostat, gabinete de estatísticas da
DINAMARCA 30 MÉDIA
UNIÃO União Europeia, revelam que 45% dos
20 LETÓNIA EUROPEIA entrevistados nunca fazem exercício ou

HOLANDA
53 45 praticam desporto, 38% fazem pelo me-
nos uma vez por semana e 6% cinco ou
25 LITUÂNIA mais vezes por semana.
BÉLGICA POLÓNIA 33 É no Norte da Europa, em países como
28 65 a Finlândia, Luxemburgo, Holanda, Di-
namarca e Suécia que as pessoas têm
ALEMANHA
maior propensão para a atividade física,
32 REPÚBLICA
CHECA incluindo a prática de um desporto, pelo
26 ESLOVÁQUIA menos uma vez por semana. Por outro
43 lado, Portugal, Grécia e Polónia têm os
ÁUSTRIA níveis mais elevados de sedentarismo.
LUXEMBURGO 35 Observando à lupa o território luso,
21 BULGÁRIA ROMÉNIA o relatório do Programa Nacional para
61 62 a Promoção da Atividade Física, da Di-
reção-Geral da Saúde, relativo a 2021,
ESLOVÉNIA revela dados sui generis. Se, por um lado,
HUNGRIA
25 CROÁCIA os portugueses passaram a praticar mais
40 59
atividade física, com mais de metade
(54,3%) dos inquiridos a apresentar níveis
adequados de exercício (mais 8% do que
ITÁLIA GRÉCIA
em 2020), por outro, o tempo de inércia
56 68 CHIPRE (sete ou mais horas diárias) também subiu
46 de 38,9% para 46,4 por cento.

UMA DECISÃO POLÍTICA


MALTA
31 Os benefícios da atividade física vão
AR/VISÃO Saúde
muito além da vantagem individual.
Transformar o mundo num território
um em cada quatro adultos (23%) e quatro VIDA MODERNA mais dinâmico – contemplando mais e
em cada cinco adolescentes (81%), entre Segundo a American Heart melhores redes de transportes públicos,
os 11 e os 17 anos, não praticam atividade Association, os empregos ciclovias, zonas pedestres, ruas sem trá-
física suficiente. Elas mexem-se menos do sedentários aumentaram fego automóvel e parques e jardins para
que eles, 23% versus 32%, e é nos países 83% desde 1950. a prática de modalidades desportivas –
desenvolvidos que há mais gente inativa As profissões fisicamente deve ser considerado um investimento
(37%), comparando com os subdesenvol- ativas representam agora dos governos, para mais tarde pouparem
vidos (16%). menos de 20% da força dinheiro em medidas de saúde pública.
Quanto mais rico é um país, mais ele- de trabalho dos Estados Segundo o relatório Status Global
vado é o nível de sedentarismo, podendo Unidos da América, abaixo sobre Atividade Física 2022, da OMS, se
alcançar 70% da população. A culpa é das de cerca de metade essas boas práticas fossem implemen-
mudanças de comportamentos no tipo de dos empregos em 1960 tadas em 194 países, entre 2020 e 2030,
transporte, no aumento do uso da tecno- evitaria que cerca de 500 milhões de pes-
logia para trabalho e lazer, por exemplo. soas desenvolvessem doenças cardíacas,
Segundo a American Heart Association, os obesidade, diabetes e outras doenças não
empregos sedentários aumentaram 83% transmissíveis. Uma população doente
desde 1950. As profissões fisicamente ati- poderá custar aos diversos executivos 25
vas representam agora menos de 20% da mil milhões de euros por ano. Até cin-
força de trabalho dos Estados Unidos da co milhões de mortes anuais poderiam
América, abaixo de cerca de metade dos ser evitadas se a população global fosse
empregos em 1960. mais ativa.

47
INIMIGOS DA SAÚDE

Este é o momento de os líderes po-


líticos carregarem no acelerador das
políticas preventivas e de motivação.
Exercitar-se em casa
O transporte ativo e sustentável, como
sejam as caminhadas e o uso de bicicleta, Um conjunto de movimentos fáceis de executar, a cada pausa
está presente em cerca de 40% das na-
ções, com projetos de estradas seguras.
Mais uma vez, pôr em funcionamento
novas diretrizes que fomentem a ativida- 1 PONTE GLÚTEO
de física varia de acordo com as regiões ► Deitado de costas, dobre
e o rendimento per capita. Em 2021, a os joelhos. Com uma
Europa tinha a maior percentagem de bola no meio das pernas,
países com promoção de atividade física, aperte e, em simultâneo,
enquanto África estava no fim da lista. eleve a bacia
O plano do Governo português, com ► Obriga a trabalhar
a Estratégia Nacional para a Mobilidade a força das pernas (parte
Ativa Pedonal 2030, pretende reduzir o interior) e da bacia, toda a
índice de sedentarismo até daqui a sete região “core” (abdominal
anos: os 46% de 2020 reduzirão 5% em e lombar), músculos
2024, 10% em 2027 e 15% em 2030. As extensores da coluna
metas nas quotas de mobilidade pedo- ► 3 x 10, descanso
nal também serão revistas e, depois de 30 segundos
ter descido de 25% em 2000 para 16%
em 2011, o objetivo é alcançar os 35%
em 2030.

BASTAM CINCO MINUTOS 2 BANDA ELÁSTICA PERNAS


Se há pessoas para quem a prática de ► Prenda os joelhos com
exercício físico é natural e geradora a banda elástica. Com os pés
de prazer, existe um outro grupo que juntos, abra e feche as pernas.
abomina mexer-se, pela dificuldade e Primeiro, faça deitado
falta de motivação, sem perceber que de costas; depois, deitado
as vantagens irão sempre superar o de lado
sacrifício. ► Exige maior força da parte
Em 2018, a primeira edição do Ob- externa da perna, trabalha
servador Cetelem Exercício e Alimen- a lateral da coxa e os glúteos.
tação Saudável ajudava a perceber a Previne a lombalgia, uma
das consequências mais
motivação dos portugueses para se
prevalecentes do sedentarismo
exercitarem: pressão para manter a
forma e cuidar a aparência (76%), por ► 3 x 10, descanso 30 segundos
fazer bem à saúde (37%) e pelo efeito
antisstresse (36%). Os que ficam em
casa alegavam não ter tempo (57%), falta
de vontade (38%) e não gostar (33%). 3 POSIÇÃO DO GATO
Quem diz a verdade não merece cas- ► De gatas, em quatro apoios
tigo, mas o alerta do American Council (mãos e joelhos no chão),
on Exercise considera que, para ter com os braços alinhados
impacto positivo no quotidiano, meia com a bacia, enrole
hora de exercício moderado por dia ou, e desenrole a coluna
pelo menos, em três dias da semana, são ► Trabalha a mobilidade
suficientes para que note a diferença. com o apoio da bacia
Já a OMS recomenda aos adultos 150 a e dos ombros. Contraria
300 minutos por semana, no mínimo, a rigidez da coluna, com
de atividade física aeróbica de mode- a extensão e a flexão
rada intensidade ou, pelo menos, 75 a ► 3 x 10, alongue
150 minutos por semana de atividade 30 segundos,
física aeróbica de vigorosa intensidade. em posição de reza

48
4 EXTENSORES
DA COLUNA E “CORE”
► De gatas, em quatro apoios (mãos
e joelhos no chão), com os braços 5 WALKING
alinhados com a bacia, cruze um ► Em pé, sem sair do
braço (alinha com a altura do ombro) mesmo sítio, como
e uma perna (alinha com a anca): se fosse a marcha.
► Braço esquerdo com perna direita; Muito parecido com
braço direito com perna esquerda o movimento feito
► 3 x 10, descanso 30 segundos na elíptica. Também
cruza braços e pés
► Interessante para os
idosos na prevenção
de quedas. Melhora
a marcha. Ao
levantar a perna,
trabalha-se o quadril
► 3 x 10, descanso
30 segundos

6 SENTAR
E LEVANTAR 7 STEP
► Sente-se e levante- ► Para trabalhar
se de uma cadeira. os gémeos, com
Simples, mas se as mãos apoiadas
acrescentar a bola na parede, fique
entre os joelhos, em pontas dos pés.
apertando a bola Alongue ao mesmo
ao levantar-se, tempo à medida
aumenta a eficácia que o calcanhar
► 3 x 10, descanso desce
30 segundos ► 3 x 10, descanso
30 segundos

8 FLEXÃO
DOS OMBROS 9 BANDA ELÁSTICA BRAÇOS
► Inspire ao elevar o bastão, ► Prenda a banda elástica
expire na descida a uma porta ou a um corrimão,
► Exercício com recrutamento por exemplo, e puxe.
cardiorrespiratório ► Trabalha a zona escapular
► 3 x 10, descanso e melhora a postura. Contraria
30 segundos a postura ao computador
► 3 x 10, descanso 30 segundos

49
INIMIGOS DA SAÚDE

Um estudo recente feito por fisiologis-


tas do Centro Médico Irving da Universi-
dade de Columbia, nos EUA, e publicado
em janeiro deste ano no site do Medicine
& Science in Sports & Exercise, do Ame-
rican College of Sports Medicine, reforça
ainda mais a necessidade de interrupções.
Depois de testarem cinco tipos de
pausas diferentes (um minuto de cami-
nhada a cada 30 minutos sentado; um
minuto a cada 60 minutos; cinco minu-
tos a cada 30; cinco minutos a cada 60;
e manter-se sentado), concluíram que
apenas cinco minutos de caminhada a
cada meia hora compensam os efeitos
nocivos de ficar sentado por muito tem-
po. Essa foi a única quantidade capaz de
reduzir de forma significativa o açúcar no
sangue e a pressão arterial. Além disso,
esses breves cinco minutos ajudaram os
participantes, que tinham feito grandes
refeições, a baixar os picos de açúcar no
sangue em 58%, em comparação com
quem ficou sentado o dia todo.
Para os sedentários de longa duração
também há esperança, de acordo com
um estudo publicado no British Journal
of General Practice. A fim de medir com
precisão os benefícios da prescrição de
exercício, uma equipa da Unidade de
Investigação em Cuidados Primários do
Serviço Basco de Saúde em Biscaia acom-
panhou durante 15 anos (2003-2018) 3
357 pacientes inativos de 11 centros de
saúde espanhóis.
Os resultados revelam que a mortali-

LUÍS BARRA
dade dos que atingiram as recomenda-
ções mínimas, 150 minutos por semana
de atividade moderada ou 75 de atividade
vigorosa, foi quase 50% menor do que
de quem permaneceu inativo. Também ACELERAR O CORAÇÃO
20% dos óbitos ocorridos (312 mortes) É importante perceber que para se come-
no grupo não teriam ocorrido se todos çar a mexer, as pequenas atividades do
os inativos tivessem aderido às reco- “Passámos dia a dia, como vestir, descer as escadas,
mendações.
O mais importante de demonstrar,
de uma postura correr para apanhar o autocarro, ir tra-
balhar e depois às compras, apanhar os
sobretudo às pessoas que não faziam nómada ativa filhos na escola e fazer as tarefas domés-
qualquer tipo de atividade física há cerca
de 40 anos, é que os benefícios do mo-
para estarmos ticas ajudam a queimar calorias.
“Em profissões que obrigam a posi-
vimento surgem com mudanças muito sentados ções sentadas horas a fio, a pandemia,
pequenas. Com um aumento da atividade com o teletrabalho e o encerramento
moderada de 50 minutos por semana, à secretária” dos ginásios, agravou a questão: retirou
foi registada uma redução de 31% na a muitas pessoas a única atividade física
mortalidade. Filipe Bettencourt que tinham, deslocar-se para o trabalho
E como as pessoas tendem a repetir Especialista em Medicina ou para a escola. Com a agravante de que
comportamentos que as fazem sentir Desportiva e Fisiatria, o tempo passado sentado é muitas vezes
bem, o ideal é continuar a marcha. na Clínica CUF Alvalade mal sentado, num banco de cozinha ou

50
como subir escadas “a correr” (60 passos
em média), três vezes por dia, em três
dias da semana e durante seis semanas,
conduzem a melhorias consideráveis a
nível cardiorrespiratório.
Fazer a poda das árvores do jardim,
cavar na horta, transportar sacos de
compras pesados ou caixotes enquanto
sobe lances de escadas, carregar e mudar
mobília de lugar cabem na categoria das
atividades com intensidade alta.
Aspirar e arrumar a casa, lavar o carro
ou tratar das crianças entram na categoria
de atividades de baixa intensidade e baixo
gasto calórico, a menos que se acrescente
vigor e velocidade às tarefas, até sentir
um aumento significativo das frequências
cardíaca e respiratória.
Carregar baldes cheios de água e lenha
são tarefas de intensidade moderada, à
semelhança das limpezas do jardim ou
de um bom passo de dança – aceleram
os batimentos cardíacos e o consumo
de oxigénio e fazem transpirar, com
resultados próximos dos obtidos com o
GETTYIMAGES

treino de alta intensidade, com ou sem


intervalos (HIIT ou HIT).
A força muscular e a energia física
influenciam, e muito, os resultados. Em
setembro de 2022, um estudo publicado
na revista JAMA Neurology demonstrou
no sofá. Para esses, o peso de estarem TUDO CONTA que, se a atividade física for vigorosa (por
cinco ou mais horas sentados é ainda É importante perceber que, exemplo, caminhar depressa), os resul-
maior”, sublinha Filipe Bettencourt. para se começar a mexer, tados são ainda mais surpreendentes.
Na opinião do especialista em medici- as pequenas atividades do dia Os investigadores analisaram dados de
na desportiva e fisiatria, mudar a postura a dia, como vestir, descer as pedómetros de 78 500 pessoas e concluí-
no trabalho começa logo ao sair de casa: escadas, correr para apanhar ram que caminhar em ritmo ágil, durante
preferir as escadas ao elevador, evitar o o autocarro, ir trabalhar cerca de 30 minutos por dia, levou a um
uso do carro, alternar entre trabalhar e depois ir às compras, menor risco de doenças cardíacas, cancro,
sentado e em pé, por alguns períodos apanhar os filhos na escola demência e morte, em comparação com
(obriga a uma postura mais reta da co- e fazer as tarefas domésticas, andar um número semelhante de passos,
luna, a não ter os ombros tão inclinados ajudam a queimar calorias mas a um ritmo mais lento.
para a frente), em curtas pausas fazer Outro estudo, baseado em dados ge-
movimentos de rotação do tronco para néticos de mais de 400 mil adultos resi-
cada um dos lados, esticar as costas e dentes no Reino Unido, encontrou uma
alongar os braços, hidratar ao longo do ligação entre a velocidade da marcha e o
dia também obriga a levantar-se e ir à comprimento dos telómeros, as estrutu-
casa de banho. Pequenos detalhes que ras situadas no final dos cromossomas,
podem fazer uma grande diferença, assim protegendo-os dos danos. Realizado por
como a atividade física incorporada nas investigadores da Universidade de Lei-
tarefas domésticas. cester e publicado na revista Communi-
Que bem pode fazer ao corpo hu- cations Biology, este estudo revela que
mano carregar sacos cheios de compras andar mais depressa, independentemente
do supermercado? Em 2019, um estudo da quantidade de passos, está associado
publicado no British Journal of Sports a telómeros mais compridos, um bio-
Medicine demonstrava que exercícios marcador da longevidade. Quem não
casuais vigorosos e de curta duração, quer envelhecer o mais tarde possível?
INIMIGOS DA SAÚDE

Stresse
O inimigo
invisível
Quando as pressões são muitas e o cortisol
dispara em excesso, surgem o mal-estar
e as doenças. Mas é possível mudar

U
CLARA SOARES

m mal que se infiltra “Agora sinto-me melhor, menos per-


no corpo, na mente dida, tenho aprendido a levar as coisas
e nos dias, um após com mais calma e a fazer ajustes nas
o outro. Pensa-se minhas rotinas.” Por exemplo, planear as
“amanhã é outro dia”, férias à medida do orçamento, em vez de
mas constata-se que ficar sempre em casa, ou fazer progra-
“pode sempre pio- mas a dois, num futuro próximo. Falta,
rar”. Alda Ramos tem ainda, “conseguir ter tempo de qualida-
51 anos e trabalha na limpeza hospitalar de só para mim, uma ou duas horas por
há seis. Natural de Coimbra, casada e semana, mas tenho fé, hei de lá chegar”,
com dois filhos, considera-se ansiosa e remata, esperançosa.
nunca se adaptou ao bulício da capital, Esta é a realidade de muitos portugue-
onde vive e trabalha. Estar em pós-me- ses. Em situações que constituem amea-
nopausa não ajudou, mas “o pior foi ser ças, o corpo entra em alerta. O problema
mãe tardia, pois eu tenho medo de falhar é quando essa resposta natural passa a
e a sociedade exige muito da mulher”. ser excessiva, devido à acumulação de
A pandemia foi a gota de água a trans- fatores de pressão. Como lidar com este
bordar num copo já cheio. “Quando fui inimigo invisível?
transferida para o ‘covidário’, vi pessoas
a morrer à minha frente, e o mal-estar OS CIRCUITOS DO STRESSE
agravou-se”, conta. Vieram as tonturas, Ele é o “culpado” de boa parte dos pro-
as dores abdominais com espasmos, uma blemas de saúde física e mental. Na pri-
colite nervosa e as insónias. meira década deste século, num dos seus
Um mal nunca vem só, e os acessos de estudos com cobaias, o neurobiólogo Ro-
choro tornaram-se difíceis de controlar, bert Sapolsky, da Universidade de Stan-
levando-a a ficar 15 dias em casa, com ford, demonstrou que a exposição crónica
baixa médica: “Estava exausta, mal con- a fatores de stresse conduz à ativação
seguia pensar e não dava conta do recado, prolongada das glândulas suprarrenais e
até com o meu filho pequeno, disléxico, causa danos no cérebro, levando à atrofia
que precisa da minha atenção.” Para sair do hipocampo (associado à memória).
do marasmo, consultou uma psiquiatra, Outra investigação, coordenada pela
que lhe prescreveu um antidepressivo e psicóloga de saúde Elissa S. Epel, do de-
um comprimido para dormir, e iniciou partamento de Psiquiatria da Universi-
uma psicoterapia no hospital. dade da Califórnia, confirmou a relação

52
Sinais de perigo
Quando a resposta ao
stresse se torna persistente

FÍSICOS
► Falta de ar
► Enjoo, vertigens ou sensação
de desmaio
► Dores no peito e palpitações
► Tensão e/ou dores
musculares e de cabeça
► Problemas de sono e/ou
fadiga acrescida
► Alterações de peso bruscas
► Mal-estar abdominal (azia,
diarreia, prisão de ventre)
► Erupções cutâneas e/ou
queda de cabelo
A SAÚDE É QUE PAGA
Estamos biologicamente COGNITIVOS
programados para responder a E EMOCIONAIS
sinais de perigo, e eles surgem ► Medo e angústia persistentes
a toda a hora e no registo de ► Sentimento de sobrecarga e
que “é para ontem” ou do de opressão
“consigo fazer isto tudo ao
mesmo tempo”
► Incapacidade de “desligar a
cabeça”
► Falhas de concentração e de
memória
► Distorções do pensamento
(“catastrofizar”)
► Irritabilidade e tensão
► Incapacidade de sentir prazer
► Desinteresse, solidão e
depressão

COMPORTAMENTAIS
► Cerrar os dentes, roer as
unhas, coçar-se
► Reações impulsivas
► Distrações e erros em
demasia
► Incapacidade de tomar
decisões
► Abuso de álcool e de drogas
© BULAT SILVIA | DREAMSTIME.COM

► Alterações do
comportamento alimentar
► Evitar estar com outros
Fonte: MSD. Mind (Org. Saúde
Mental, Reino Unido)

53
INIMIGOS DA SAÚDE

entre o stresse psicológico prolongado e


o encurtamento dos telómeros (extremi-
dades dos cromossomas, que protegem
o material genético), acelerando a senes-
cência celular e as doenças associadas ao
envelhecimento.
Hoje não somos apanhados por pre-
dadores na selva, mas estamos biologi-
camente programados para responder a
sinais de perigo, e eles surgem a toda a
hora e no registo de que “é para ontem”,
do “consigo fazer isto tudo ao mesmo
tempo”, e a saúde é que paga.
Por cada notificação de alarme que
chega ao cérebro, este codifica o nível
de alerta e responde à medida. O hipo-
tálamo produz a hormona corticotrofina,
que estimula a hipófise. Esta responde
à chamada e liberta outra substância,
a adrenocorticotrofina, que ativa as
glândulas suprarrenais, a “fábrica” das
hormonas de stresse: o cortisol e a adre-
nalina. Estas alteram o metabolismo da
glicose, inibem a síntese de proteínas e
aumentam os níveis de gordura no san-
gue. Mais cedo ou mas tarde, vêm os sin-
tomas de mal-estar e o risco exponencial
de doenças: diabetes, obesidade, perda
de massa muscular, aterosclerose, pro-
blemas cardíacos e do foro psiquiátrico.
“O stresse não existe, o que há é a
angústia, inquietação, medo de falhar,
de ser despedido, de ficar doente, que
são sinónimos de ansiedade, que todos
temos e é adaptativa”, afirma Miguel Bra-
gança, diretor do serviço de Psiquiatria,
do Hospital de São João, e professor da
Faculdade de Medicina, na Universidade o que lhes vai na alma”, esclarece Miguel
do Porto. Bragança, que reconhece: “Há pessoas
O sistema só fica desorganizado a sofrer muito, os jovens em particular;
quando as angústias se intensificam e ficam desalentados e bloqueados por não
tornam persistentes: “A ativação exage- conseguirem cumprir o seu potencial e
rada do eixo hipotálamo-hipófise-adre- muitos sentem-se deprimidos.”
nal e a libertação excessiva de cortisol Os números dão-lhe razão. O inqué-
fazem subir a tensão arterial e, depois, rito da consultora Deloitte, em 46 países,
vêm a taquicardia, as dores de cabeça e
a ansiedade crónica.”
“Recorre-se mostrou que, na amostra de 400 portu-
gueses, mais de metade (53%) da geração
Com os estados nervosos, aparece ao tabaco, Z e 33% dos millennials se sentiu ansiosa
“a dor de barriga, a diarreia ou a úlcera
nervosa, devido ao excesso de ácido clo-
ao álcool e stressada na maior parte do tempo.
Na população em geral, minimiza-se o
rídrico no estômago, e surge a dermatite e às drogas, mal-estar com comprimidos. Segundo os
atópica; as dores de cabeça e lombares
não passam, cai o cabelo ou a pessoa
ou procura- dados da IQVIA Portugal, relativos a 2021
e a 2022, a média anual de consumo de
fica deprimida”. -se alívio na medicamentos, sujeitos a receita médica

ADAPTAR-SE OU SOFRER
automedicação” para a ansiedade e a depressão, foi supe-
rior a 27 milhões e meio de embalagens.
“No mundo ocidental, não há lugar para Nas consultas de Maria Veludo Chai,
a expressão de emoções (chorar, por Maria Veludo Chai médica-psiquiatra no Hospital CUF Tejo,
exemplo), e as pessoas vivem no corpo Médica-psiquiatra em Lisboa, são muitas as queixas que lhe

54
Como respondemos ao stresse
Quando o cérebro identifica um perigo, a amígdala (sentinela
emocional) ativa os neurónios do hipotálamo e são acionados
mecanismos neuroendócrinos de adaptação à ameaça

SISTEMA DE ALARME: EIXO HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE-ADRENAL


As regiões localizadas na base do cérebro enviam sinais de perigo
e o corpo prepara-se para a ação, reagindo de forma adaptativa
à ameaça (real ou percebida como tal)

1
O regulador de
diversas funções do
corpo (temperatura,
Cérebro sono, apetite, sede,
Hipotálamo pressão sanguínea)
induz a libertação
da hormona
CRH
CR corticotrofina (CRH)
Quando o cortisol
regressa ao
Hipófise hipotálamo
(ou pituitária) interrompe a
produção da
hormona e o corpo
regressa ao estado
AC
CTH
C TH
ACTH normal
2
CORTISOL 4 A central de comando
A principal hormona do do sistema endócrino
stresse faz subir os níveis reage através da
de glicose (açúcar) no libertação da hormona
sangue, facilita o consumo Suprarrenal adrenocorticotrófica
de glicose pelo cérebro e o (ou adrenais)
GETTY IMAGES

(ACTH) que estimula


as suprarrenais

RIM 3
A ACTH chega
chegam: andar em piloto automático, ao rim, através da
longas jornadas laborais, horas passadas aumento das substâncias que reparam os tecidos, corrente sanguínea,
restringindo as funções não essenciais (digestão e na glândula
no trânsito, tensão e intranquilidade suprarrenal
ou prontidão sexual, por exemplo)
constantes, mesmo quando se descansa. estimula a produção
E dá exemplos: a professora que adora Adrenalina: a ação desta hormona conduz ao de cortisol
dar aulas, mas refere que “a vida na esco- aumento da frequência cardíaca e da pressão
la passou a ser um stresse porque deixou arterial, que se traduzem no acréscimo de
de ter pausas, evita ir à casa de banho e energia disponível para responder ao stressor
não come durante tardes inteiras, devi-
do à pressão do trabalho burocrático”;
o investigador que deixou de ter paz no Resposta de ataque e fuga
seu tempo livre, vivido com culpa de não O organismo procura adaptar-se e resistir à ameaça, ativando
estar a estudar... mecanismos fisiológicos (aumento das pupilas e do ritmo
A somar ao rol, “as preocupações cardíaco e da pressão arterial, aceleração da respiração,
financeiras, as contas fixas e os gas- reforço do tónus muscular e do sistema imunitário). Passada
tos extraordinários, que não estavam a ameaça, os níveis de cortisol e de adrenalina diminuem e tudo
programados”, e o stresse associado a volta ao normal. Se o stressor continuar presente e a resposta
de ataque e fuga permanecer ativa, tornando-se crónica,
situações novas. Na tentativa de gerir a
o desgaste pode levar à exaustão e potenciar o aparecimento
ansiedade, “há quem compense com a de doenças (cardiovasculares, gastrointestinais, metabólicas,
alimentação, comendo mal e depressa, perturbações da ansiedade, do sono e, até, de depressão)
saltando refeições, abdicando do exercí-
cio físico, da socialização e dos hobbies”. FONTE Mayo Clinic, Fundação Portuguesa de Cardiologia INFOGRAFIA MT/VISÃO

55
INIMIGOS DA SAÚDE

O abuso de substâncias também é


comum: “Recorrem ao tabaco, ao ál-
Os perigos do
cool, aos canabinoides (canábis, haxixe) “multitasking”
e a outras drogas, ou procuram alívio
na automedicação, com ansiolíticos, Fazer várias coisas em
correndo o risco de desenvolver uma simultâneo, depressa e
patologia de adição.” A solução passa por bem, é um mito. Estudos
mostram que gera stresse,
introduzir mudanças no estilo de vida e aumenta a probabilidade
por aprender a relaxar, priorizando ati- de erro, requer mais
vidades, a que se dá valor e que aliviam energia e rende menos
a sobrecarga diária.
O relatório em mãos requer
É PRECISO TER CALMA atenção, as notificações do
Num contexto de stresse agudo, “um WhatsApp do grupo de trabalho
coração saudável pode ter uma miocar- também, a chamada em linha
diopatia de stresse, também conhecida não pode esperar, os emails
por síndrome de Takotsubo (ou do “co- não param de cair na caixa de
ração partido”)”, esclarece o cardiologista correio... Ir a todas, na crença de
Miguel Nobre Menezes, do Hospital que a polivalência melhora com
de Santa Maria, em Lisboa. “A pessoa o treino, é uma falácia.
sente um aperto no peito, que parece A Ciência mostra que o cérebro
um enfarte.” humano está programado para
se concentrar numa coisa de
O médico admite que é frequente
cada vez. Distribuir a atenção
receber jovens com queixas de dor no por duas ou mais coisas, ao
peito, palpitações e arritmias benignas, mesmo tempo, sem dar atenção
as quais, em boa parte dos casos, surgem exclusiva a nenhuma, pode
associadas ao excesso de disponibilidade resultar numa “desatenção
associada ao teletrabalho e à dificuldade simultânea”.
em separar o espaço laboral do pessoal. Segundo o cientista norte-
Na consulta, o especialista explica americano David Meyer, da
que “aquilo que o doente tem pode ser Universidade de Michigan,
exuberante mas não é preocupante”, a capacidade do cérebro é
e, por vezes, prescreve exames com- limitada, tanto em canais de
plementares de diagnóstico para ter processamento como em
elementos objetivos. O passo seguinte velocidade, memória de trabalho
passa por tranquilizar, demonstrando e de volume de dados. Se as
que não se descobriu uma patologia com tarefas precisarem de usar o
significado clínico relevante. “O mais mesmo canal neural, o cérebro
importante é ter calma e dedicar tem- tem de escolher em qual delas
po à saúde, para não se desenvolverem se centra primeiro. Alternar o
doenças cardíacas.” Se elas já existirem, foco custa caro: envolve stresse,
“é preciso acautelar os níveis de stres- consome mais energia e a Maria foi medicada com fármacos
conclusão das tarefas acaba por
se e ter cuidados acrescidos, para não para a ansiedade e está a fazer psicotera-
sofrer atrasos na ordem dos 40%.
descompensar.” pia. O cenário é bem diferente: “Superei
A neuropsicóloga Raquel
Se o stresse pode levar à doença, o Lemos, investigadora na
o estigma e recorri à ajuda da ACAPO
contrário também acontece. Maria Sil- Fundação Champalimaud, (associação de cegos); estou a conseguir
va, 56 anos, reformou-se por invalidez, confirma: quando se faz aceitar esta perda, já saio de casa e estou
devido a uma incapacidade visual, há duas coisas (dual tasking) a aprender a recuperar a autonomia.”
três anos, deixando para trás a profissão que competem pelo mesmo
de educadora de infância, no Porto. “No recurso atencional, uma ou ENCONTRAR SOLUÇÕES
início, entrei em negação e fechei-me em ambas podem ser prejudicadas “Para sofrer menos com o stresse, é pre-
casa, sem querer ver ninguém”, recorda. (conduzir e falar ao telemóvel, ciso ter estratégias flexíveis adequadas à
“Comecei a ter falta de ar e enjoos, por exemplo, o que põe em risco situação e centradas no problema, que
não conseguia estar em espaços públi- a segurança, como se prova incluem a capacidade de planear e de
cos ou num elevador; irritava-me com pelo número de acidentes de pedir informação ou ajuda a alguém para
tudo e não tinha disponibilidade para viação devido a esse motivo). se encontrar uma solução”, avança Jaime
o marido e o filho.” Foram eles que lhe Grácio, psicólogo clínico e investigador
deram força para ir ao médico, para pôr na Fundação Champalimaud, na área do
fim ao sofrimento. stresse e da ansiedade.

56
um significado, à medida que se progride
noutras áreas da vida, até que o sintoma
deixa de ter lugar”.
Estas intervenções podem ser com-
plementadas por técnicas de relaxamen-
to e de exposição à situação indutora de
stresse, para regular estados ansiosos. Já
o ficar paralisado (até existe a expressão
“fazer-se de morto”) é uma resposta in-
trigante e que se supõe estar implicada
nos processos de decisão. Jaime Grácio
admite que “uma certa dose de para-
gem pode ser adaptativa na resposta ao
stresse, ao permitir que o cérebro use a
informação do corpo para decidir o que
fazer na situação de ameaça”.
Para estudar o assunto, a Fundação
Champalimaud desenvolveu um pa-
radigma, e a experiência começa no
próximo ano: uma amostra de adultos
será sujeita a uma tarefa de 20 minu-
tos, a um estímulo desconfortável e a
uma sinalização de perigo, enquanto
“Um coração são medidos os parâmetros fisiológicos
saudável (cardíacos e outros) para se aferir como
podem influenciar a resposta de blo-
pode ter uma queio. Até se saber o que está ao nosso
alcance para sair do “inferno” em que
miocardiopatia nos vimos metidos, mas continuamos
de stresse. lá. “Corremos 40 quilómetros, em 80
anos, a fazer sprints, caímos e ficamos
Sente-se um uns dias a arfar, quando a vida é uma
aperto no peito, corrida de fundo”, observa o psiquiatra
Miguel Bragança. Muitos ficam à espera
que parece um de que os problemas passem, mas, “na
hora da verdade, a única forma de vencer
enfarte”
GETTY IMAGES

a angústia é enfrentar os problemas, que


não se resolvem sozinhos.”
Miguel Nobre Menezes A máxima aplica-se a todos, incluindo
Médico cardiologista os profissionais de saúde. Aos 48 anos, a
psicóloga clínica Ana Maurício é mãe de
Em circunstâncias específicas, o con- dois gémeos adolescentes e trabalha, em
fronto pode não ser a estratégia mais média, dez horas diárias. Planeamento e
adaptativa: “Diante de um episódio escapes são o segredo para lidar com os
traumático agudo, após se receber um riscos de stresse acrescidos. "Frequento
diagnóstico de uma doença grave, por o ginásio à hora de almoço e termino
exemplo, o evitamento permite à pes- o trabalho às 19 horas; as refeições da
soa organizar-se antes de emergir nas semana foram adiantadas na véspera
emoções mais negativas da situação.” e, quando chego a casa, posso dedi-
Até recentemente, o foco das terapias car-me à família.” Aos fins de semana,
estava no atacar o sintoma, abordagem “fazemos atividades ao ar livre ou vemos
que se revelou infrutífera e inglória. “A exposições; para outros, será ler numa
psicoterapia cognitivo-comportamental esplanada”.
de terceira geração e a terapia da aceita- E remata: “Cada um tem de descobrir
ção e do compromisso têm-se revelado o que funciona melhor para relaxar e
mais eficazes.” Neste caso, a meta passa encontrar a paz, coisa de que muitos se
por “conviver com a ansiedade du- esquecem.” Talvez se esqueçam, talvez
rante algum tempo, aceitar que minimizam, talvez sintam que aguentam
ela pode acontecer e dar-lhe tudo. Até que o corpo lhes doa.
INIMIGOS DA SAÚDE

Ganhar o bem-estar
Em doses q.b., o stresse até é adaptativo e aumenta a resiliência,
mas também pode lançar o caos. Conheça sete pistas para lidar com
este amigo que rapidamente se torna inimigo
CLARA SOARES

VONTADE PRÓPRIA
1 A ARTE DE BEM COMER Fazer algo de que gosta ativa
regiões do cérebro associadas
Manter o “veículo” calibrado e o à criatividade e perde-se
motor em forma requer o combustível a noção do tempo, graças à
certo (sem excessos, como o tabaco, imersão numa experiência
o álcool e as drogas), a intervalos que dá prazer
regulares. Uma boa hidratação (água e
chá) e a dieta mediterrânea são vitais
para o equilíbrio corporal e afinam os
circuitos neurais. Aposte nos hidratos
de carbono de absorção lenta (grãos
integrais de centeio, trigo-sarraceno),
ricos em fibras, e nos açúcares não
refinados, fontes de energia que não
se esgotam rapidamente, como um
lanche com amêndoas, cenouras, hú-
mus ou queijo magro. As vitaminas e
os minerais das frutas e dos legumes
reforçam o sistema imunitário. Os
ómegas (abacate, peixes gordos) me-

GETTY IMAGES
lhoram a saúde do coração e aliviam
os estados depressivos. Além disso,
as nozes, também ricas em magnésio
e vitamina B, reduzem a ansiedade.
Os alimentos com vitamina D (lácteos,
couves, brócolos) combatem a fadiga,
e o chocolate negro, que contém
triptofano (precursor da serotoni-
na), melhora o humor. Mas reduzir o 2 CIRCULAR E ESTAR ATIVO
stresse passa pela saúde do intestino,
o nosso segundo cérebro: um estudo Por mais tentador que seja ficar no sofá, um corpo sedentário não funcio-
publicado na revista Molecular Psy- y na no seu melhor, cabeça incluída. Mexer-se estimula órgãos e tecidos,
chiatryy mostra que uma dieta rica em to
tonifica e remove toxinas, além de ser uma excelente forma de prevenir
probióticos e em fermentados (iogurte, do
doenças inflamatórias. Dar um passeio a pé alivia a sobrecarga mental,
kefir, kombucha) diminui a perceção de
descansa os olhos dos ecrãs, refresca as ideias e até pode facilitar a
de stresse. de
descoberta da solução para aquele problema que não estava a conseguir
re
resolver. A libertação de serotonina, dopamina e endorfinas, durante a
at
atividade física, melhora o humor, a motivação e produz bem-estar. Se o
gi
ginásio não é para si, saiba que toda a atividade física conta como treino:
m
movimentar-se no local de trabalho, passear o cão, arrumar a casa, carre-
ga
gar sacos de compras, arrancar ervas no jardim, pedalar, dançar. Estudos
na área da medicina desportiva demonstraram que fazer exercícios vigo-
ro
rosos e de curta duração, como subir aceleradamente vários lanços de
es
escadas, três vezes por dia, três dias da semana e durante seis semanas,

não só permite queimar calorias como reduz o “mau” colesterol e melho-
ra o funcionamento cardiorrespiratório.

58
3 DORMIR 6 MEDITAÇÃO
O SUFICIENTE COMO “VITAMINA”
E BEM Prática ancestral, associada às filosofias

GETTY IMAGES
orientais, foi estudada e sistematizada
A “culpa”, diz-se, é da por cientistas e é atualmente recomen-
tecnologia: dormitar dada por médicos e psicoterapeutas
na sala a ver séries em para promover a calma interna, lidar
streaming, ficar a jogar com estados de ansiedade e de confusão
à hora de ir para a cama, mental e aumentar a consciência de si.
ver televisão no quarto A atenção plena (mindfulness) é usada
e, pelo meio, fazer um 4 IOGA E PILATES para desenvolver a capacidade de estar
pouco de scrolling nas com a cabeça e o corpo no presente, sem
redes sociais. Porém, Ganhar resistência é essencial para se lidar julgar o fluxo de pensamentos, emoções
as aplicações com com os fatores de stresse. Contrabalançar a e sensações que surge, enquanto se res-
alertas para desligar e aceleração dos dias com práticas que com- pira sem pressas. Com o treino, ganha-se
descontrair podem ser binam respiração, força e flexibilidade tem a clareza mental, serenidade e atenção,
boas aliadas do sono. vantagem de harmonizar o corpo e a mente requisitos essenciais para quando é
Ter conversas sérias ou e ajuda a combater os efeitos nefastos do ex- preciso analisar problemas ou tomar de-
difíceis antes de dormir cesso de cortisol e de adrenalina no sangue. cisões sem precipitações. Pode ser feita
ou terminar tarefas pen- Os ciclos de respiração torácica e abdominal a qualquer hora e lugar, e incorporá-la
dentes é meio caminho regulam o sistema nervoso e dão suporte nas rotinas diárias – a comer, a andar, a
para sonhar com isso aos exercícios. Os de pilates, orientados para lavar a loiça, enquanto espera numa fila
ou, pior, não conseguir a correção postural, incluem alongamentos – evita que ande em piloto automático e
pregar olho. Se o corpo e trabalham a amplitude de movimentos, os ao sabor dos stressores da vida.
não carrega baterias, quais contribuem para libertar tensões mus-
o stresse tende a au- culares acumuladas e a saúde óssea e as arti-
mentar e, com ele, as culações agradecem. As posturas do ioga têm
maleitas do costume finalidades distintas, que vão desde promover
(cabeça pesada, falta de a concentração, eliminar toxinas, treinar o
atenção, irritabilidade, equilíbrio e a força até ao fortalecimento do 7 ANÁLISE E DESENVOLVI-
mau humor, alterações sistema cardiorrespiratório. O alívio de dores MENTO PESSOAL
metabólicas e cardio- e a redução dos estados de ansiedade são
vasculares). Comer uma outras das vantagens da prática, que também Cultivar o hábito de falar com os seus
refeição leve à noite, be- é muito procurada para fins de relaxamento. botões e refletir será útil para avaliar as
ber um chá de camomi- suas fontes de stresse. Pode munir-se
la ou de lavanda, tomar de um bloco de notas e expressar o
um duche quente, ler que lhe vai na alma, libertar angústias,
um livro ou ouvir uma guardar sonhos e traçar planos de ação.
música relaxante ajuda Essa é também uma forma de desenvol-
a ter uma noite santa. 5 VAGAR, CONVÍVIO, LAZER ver o que os psicólogos chamam “locus
Dormir a mais ou a de controlo interno” e sentido interno de
menos é de evitar, pois o Encontrar-se com amigos regularmente, con- coerência, poderosos amortecedores
corpo precisa de rotinas versar com as pessoas do bairro, programar do stresse, a par do suporte social. Se
consistentes para dar o atividades em família e cultivar a intimidade identificar padrões de comportamento e
seu melhor. com as “suas pessoas” promove a liberta- de crenças não adaptativas, na relação
ção de neuroquímicos, como a ocitocina, a consigo e com os outros, pode fazer
“hormona do amor”, que reforça os sentimen- ajustes e mudar de rumo. Exemplos:
tos de tranquilidade, confiança e bem-estar, quais são os seus valores e priorida-
verdadeiros bálsamos antistresse. Sair do des; em que situações é preciso dizer
ramerrame casa-trabalho e marcar na agenda não ou afirmar a sua vontade aquando
um tempo para explorar coisas novas – tocar da delegação de tarefas; como aliviar
um instrumento, aprender línguas, surf, nata- fardos, seja rindo mais dos problemas
ção, etc. – permite desenvolver competências e inadequações seja aprendendo a
e tem um efeito rejuvenescedor. Fazer algo de simplificar, aceitando que a perfeição
que gosta ativa regiões do cérebro associadas não existe (e insistir nela é stressante
à criatividade e proporciona estados de fluxo, e faz mal à saúde). Se os sintomas de
ou seja: perde-se a noção do tempo pela imer- mal-estar psicológico forem intensos, é
são numa experiência que dá prazer. altura de procurar ajuda médica.

59
INIMIGOS DA SAÚDE

Quando
o inimigo são
os genes
Ao contrário do que muitos pensam, a obesidade
depende profundamente da herança genética.
Há quem viva em dieta e faça exercício físico
permanentemente sem conseguir perder peso.
Os especialistas explicam porquê

J
MARIANA ALMEIDA NOGUEIRA

oana Abreu tem 32 anos.


Desde os 15 que luta
ativamente contra a
obesidade. E não é por
falta de vontade que a
bibliotecária da Facul-
dade de Medicina do
Hospital de São João,
no Porto – atualmente com 116 quilos,
devido a uma gravidez, em 2020 –, nunca
conseguiu descer abaixo dos 96 quilos.
Já tentou todo o tipo de dietas, inclusive
o tão famoso jejum intermitente, já esteve
no ginásio, faz caminhadas regularmen-
te – comprou uma passadeira para não
deixar de fazê-las mesmo nos dias mais
frios de inverno – e até se submeteu a um
tratamento à base de injeções com um
medicamento para diabéticos. “O resul-
tado é sempre o mesmo: no primeiro mês,
emagreço quatro a cinco quilos e, depois,
não passa disso. Não adianta, bloqueia.”
A obesidade de Joana está, em parte,
escrita nos seus genes – como acontece,
aliás, na grande maioria das vezes, ao
contrário do que ainda se possa pensar.
Apesar de apenas 1% dos casos de obe-
sidade ser explicado por uma mutação
específica num único gene, “estima-se
que mais de metade do peso que uma
pessoa vai ter na idade adulta (40% a LUTA SEM FIM
75%) dependa de critérios hereditários Joana Abreu já fez todo
e genéticos, mais do que do compor- o tipo de dietas, exercício
tamento isolado da pessoa”, revela João e medicação, mas nunca
Sérgio Neves, endocrinologista no Centro emagrece mais do que cinco
Hospitalar Universitário de São João e no quilos, os quais volta
Hospital Lusíadas Porto. a ganhar ao fim de um mês

60
“Sabemos que há indivíduos que,
mesmo com atividade física normal e cui-
dados alimentares, têm uma propensão,
muito maior do que outros, para arma-
zenar energia sob a forma de gordura”,
acrescenta Eduardo Lima Costa, cirurgião
e diretor do Centro de Responsabilidade
Integrado de Obesidade do Hospital de
São João, no Porto.

DESVANTAGEM GENÉTICA
Porque é que isto acontece? Pessoas como
Joana herdam dos pais uma série de alte-
rações genéticas, chamadas polimorfismos
(sabe-se que existem mais de 500), que tan-
to podem facilitar a acumulação de energia
sob a forma de gordura como alterar o
ambiente hormonal, fazendo com que os
doentes tenham maior apetência para se
alimentar de forma mais compulsiva.
Eduardo Lima Costa adverte que “não
é justo apontarmos apenas problemas
no estilo de vida destes doentes, quan-
do eles, antes de nascerem, já estão em
desvantagem”. Além de nascerem com
mais peso, os filhos de pais obesos, re-
vela o cirurgião, nascem também com
uma probabilidade muito mais elevada
de se tornarem obesos, “com todos os
riscos cardiovasculares e oncológicos
que isso acarreta”. Sem esquecer a im-
portância do estilo de vida individual, “a
componente genética, nos últimos anos,
tem vindo a ganhar relevância e tem um
peso muito maior do que se pensava no
início”, assegura.
Sublinhando a relevância de encarar a
obesidade como uma doença multifatorial,
que está longe de ser uma escolha do doen-
te, João Sérgio Neves dá ainda o exemplo
de estudos que mostraram que o peso de
crianças adotadas se “correlacionava sem-
pre melhor com o peso dos pais biológicos
do que com o peso dos pais adotivos”.
Mas o estigma ainda existe e vem de
onde menos se espera. “Alguns familia-
res do lado da minha mãe, onde não há
excesso de peso, perguntaram-me: ‘Mas
vais fazer uma cirurgia porquê? É só fe-
char a boca’”, conta Joana, atualmente em
lista de espera para a cirurgia.
Eduardo Lima Costa nota que é co-
mum os doentes serem discriminados
por procurarem cirurgias e que chega a
LUCÍLIA MONTEIRO

haver profissionais, “alguns até envol-


vidos nas equipas multidisciplinares de
tratamento da obesidade, que continuam
a ter uma ideia antiga de que é culpa dos
doentes”.
INIMIGOS DA SAÚDE

PREVENIR É MELHOR
DO QUE REMEDIAR
Apesar da hereditariedade, os fatores
ambientais têm também um grande
peso na doença. “Nos últimos 50 a 60
anos, a prevalência do excesso de peso
e da obesidade triplicou em Portugal, na
Europa e no mundo, o que, obviamente,
não significa que os genes mudaram. É
sempre uma interação dos genes com o
ambiente, e nós passámos a viver num
ambiente muito promotor de obesidade”,
alerta João Sérgio Neves.
O médico aponta o dedo a um estilo
de vida pautado pelo sedentarismo, den-
tro e fora do trabalho, bem como à maior
disponibilidade de alimentos hipercaló-
ricos, e acredita que, enquanto socieda-
de, é urgente repensarmos a forma como
organizamos as cidades, o trabalho e os
tempos livres, a fim de diminuir o risco
de obesidade na população.
É que todas estas alterações recen-
tes no estilo de vida têm feito com que
“muito mais pessoas que tinham predis-
posição para ganhar peso acabassem por
desenvolver obesidade”. Joana Abreu,
por exemplo, passa quase todo o dia
ao computador, exceto algumas horas
depois do almoço, em que se esforça
por movimentar-se mais, dentro do
possível, organizando a exposição dos
livros na biblioteca.
A prevenção da doença, que envolve
o controlo nutricional e a promoção da HERANÇA tal”, embora capazes de criar “algumas vias
atividade física, deve começar cedo, con- O endocrinologista João de atuação preferenciais que conduzem à
cordam os especialistas, pois “crianças Sérgio Neves dá o exemplo obesidade”, podem ser “educadas”. Marta
e adolescentes com obesidade tendem de estudos que mostraram Amorim assegura que “já há muita aposta
a ser adultos obesos”. que o peso de crianças nesta área em que aprendemos a reeducar
Hoje em dia, começa-se a conhecer adotadas se “correlacionava o nosso ADN”, mesmo que ainda não
também melhor o papel da epigenética sempre melhor com o peso esteja numa fase clínica.
e de que modo esta poderá ajudar a dos pais biológicos do que
prevenir o desenvolvimento da doença. com o peso dos pais adotivos” TRATAMENTOS REVOLUCIONÁRIOS
A epigenética é quase como o sistema Seja pelas pequenas falhas de atualiza-
operativo dos nossos telefones, que, de ção do nosso “sistema operativo”, seja
tempos a tempos, é atualizado para que pela herança genética, certo é que um
o hardware (ADN) consiga ir suportando dos maiores obstáculos no tratamento
as novas aplicações mais otimizadas. da obesidade é a grande dificuldade que
“É como se o ADN nascesse como a maioria das pessoas tem em manter
uma página em branco e tivesse a capa- a perda de peso, mesmo com esforços
cidade de, ao longo da vida, ir fazendo hercúleos. “Uma das minhas irmãs fez
notas. Essas notas são a epigenética”, uma dieta muito exigente e conseguiu
explica Marta Amorim, especialista em perder muito peso, mas ainda hoje con-
genética médica no Hospital Lusíadas tinua a ter cuidados super-rígidos com a
Lisboa. alimentação”, conta Joana Abreu.
A médica revela que cada vez mais Este fenómeno pode ser explicado
estudos mostram que estas pequenas por alguns mecanismos fisiológicos que
alterações provocadas pelo ambiente, tendem a contrariar a pesa de peso e
“muitas vezes até pelo ambiente pré-na- que o nosso corpo desenvolveu ao longo

62
João Sérgio Neves lamenta o facto de, em
Portugal, tais medicamentos não serem
ainda comparticipados.
Numa fase mais avançada da doença,
ou quando todas as outras abordagens
terapêuticas falharam, surge enfim a
solução cirúrgica, “a mais eficaz e sus-
tentada no tempo”.
“Até há pouco tempo, era considera-
da apenas para pessoas com um índice
de massa corporal (IMC) superior a 35 e
com presença de comorbilidades, mas,
neste momento, começa a ser seriamen-
te equacionada em alguns doentes com
o IMC superior a 30”, revela Eduardo
Lima Costa.
Há mais de dez tipos diferentes de
cirurgias para tratar a obesidade. En-
quanto as chamadas cirurgias metabóli-
cas restritivas fazem com que as pessoas
fiquem saciadas com um volume menor
de alimentos, as metabólicas hipoab-
sortivas diminuem a absorção de alguns
nutrientes.
© AARON AMAT | DREAMSTIME.COM

O tipo de procedimento usado, su-


blinha Eduardo Lima Costa, depende do
doente em questão. As pessoas que têm
uma carga genética com determinadas
alterações de metabolismo, por exemplo,
“respondem melhor a cirurgias com im-
pacto metabólico mais marcado”.
De um modo geral, o que o cirurgião
faz é diminuir o volume e alterar a for-
ma do estômago, bem como modificar
de milhares de anos, para nos proteger, o trajeto do intestino, ou a velocidade
quando a comida, em vez de estar num dos alimentos nesse trajeto, ajustando o
supermercado, tinha de ser cultivada na ambiente hormonal às necessidades do
terra ou caçada na floresta.
Mas é importante perceber que “isto
“Não é justo doente. “É uma espécie de manipulação
costumizada do tubo digestivo.”
é uma doença e deve ser encarado como apontarmos Desta forma, os doentes, além de fica-
um problema de saúde. E, para todas as rem saciados com menos e passarem a ter
situações, desde o aumento de peso leve problemas no uma relação diferente com os alimentos
a moderado até ao mais relevante, há
soluções terapêuticas”, defende Eduardo
estilo de vida – pois a manipulação do tubo digestivo
interfere também com alguns mecanis-
Lima Costa. destes doentes, mos cerebrais –, aborvem uma quanti-
Numa fase inicial, deve começar-se
por “alterações no comportamento”, que
quando eles, dade menor dos alimentos que comem.
Em lista de espera para este procedi-
consistem na reaprendizagem alimentar e antes de mento, Joana sonha com o dia em que a
no aumento da atividade física, “não só ao obesidade limitará menos a qualidade do
nível da intensidade como da qualidade”, nascerem, tempo que passa com o filho, de 2 anos.
escolhendo o tipo de exercício físico mais já estão em “É uma criança muito ativa. E eu não
eficaz para cada um. consigo acompanhá-la nas brincadeiras,
Depois, existe o tratamento farma- desvantagem” canso-me muito rápido.”
cológico, que, na última década, sofreu E permanece atenta, para que o filho
“uma verdadeira revolução”. Eduardo Eduardo Lima Costa combata desde cedo a tendência para
Lima Costa conta que, “pela primeira vez, Diretor do Centro ganhar peso, que também parece ter
temos armas farmacológicas capazes de de Responsabilidade Integrado herdado. “Ainda é muito pequenino, mas,
tratar a obesidade com muito bons resul- de Obesidade do Hospital mal seja mais crescido, quero pô-lo numa
tados, que nos deixam esperançados”. E de São João, no Porto atividade.”

63
INIMIGOS DA SAÚDE

Novas
armas
contra a
diabetes
A evolução tem sido exponencial
e a um ritmo intenso, mas nem só
de novos tratamentos vivem
as pessoas com a doença
CLÁUDIA PINTO

A
diabetes tipo 1 (DT1) um ótimo controlo metabólico, porque, na
entrou na vida de adolescência, é tudo mais difícil”.
Alexandra Costa aos O primeiro campo de férias para jovens
10 anos. Apesar do com diabetes em que Alexandra participou
desafio, a técnica su- mudou-lhe a vida. “Conheci outros jovens
perior de Educação que sentiam o mesmo que eu e falavam a
considera que a ati- mesma linguagem. Mas o melhor foi co-
tude dos pais e ir- nhecer os monitores, adultos que mostra-
mãos foi crucial para o processo de acei- vam que era possível ter uma vida plena,
tação da doença. “A minha mãe nunca me mesmo com a doença.”
impediu de fazer nada. Ensinava-me o Tem consultas de diabetes de quatro
que fosse necessário e confiava em mim”, em quatro meses, com uma médica, um
explica. De resto, sabia que tinha de ser enfermeiro e um nutricionista. “Temos ta-
responsável e fazer contagens permanentes belas de contagem de hidratos de carbono,
do que comia e da quantidade de insulina devemos pesar a comida e fazer regras de
a administrar. três simples para os cálculos. Não ando
Alexandra foi federada de natação no com balança atrás; treino em casa e, fora,
Sport Lisboa e Benfica, treinava seis dias faço a olho.”
por semana, alguns dos quais com treinos ADAPTAÇÃO Com a experiência, foi ganhando a ca-
bidiários. “É uma gestão mental exigente, Diagnosticado com diabetes pacidade de errar o menos possível. “Usei
à qual acresce a gestão terapêutica da DT1. tipo 2, José Macau alterou canetas de insulina durante 15 anos. Em
Mas fiz sempre tudo o que os colegas fa- a sua alimentação 2010, pus a primeira bomba infusora de
ziam: fui atleta de competição, boa aluna, e emagraceu 18 quilos. insulina e, 11 anos depois, coloquei a bom-
saí à noite com os meus amigos, ia em via- Na rotina diária, e por ba híbrida/dispositivo automático.” É com
gens de estudo e estágios desportivos”, par- recomendação médica, passou esta terapêutica que tem tido mais suces-
tilha, orgulhosa, confessando que sempre a fazer caminhadas depois so desde o diagnóstico. “As contagens de
alcançou o que desejou, “nem sempre com do jantar hidratos de carbono continuam a ser uma

64
função humana, de forma a inserirmos o fim da juventude (até aos 18 anos), mas
essas contagens na bomba e recebermos a surgem diagnósticos entre os 19, 20 anos
insulina suficiente para cobrir essa ingestão, e os 70-80 anos”, acrescenta.
mas a máquina faz o resto sozinha, através Recentemente, uma “revolução” acon-
de um algoritmo que é automaticamente teceu na DT1, que tem uma forte com-
adaptado a cada pessoa ao longo dos dias.” ponente genética. A norte-americana
A doença não a define, assegura, e é Food and Drugs Administration aprovou
possível ter uma vida como qualquer outra a primeira imunoterapia que atrasa, em
pessoa. “Costumo dizer que conseguimos média, em três anos o desenvolvimen-
fazer o mesmo que fazem as pessoas sem to da diabetes tipo 1 em pessoas de alto
diabetes, mas com o dobro do trabalho.” risco. Através de um teste ao sangue, é
O facto de continuar a praticar desporto possível detetar os seus sinais precoces
federado – primeiro, natação e, desde os 16 e, com a imunoterapia, retardar o seu
anos, corfebol – implica uma gestão ótima aparecimento.
da glicemia, para “poder render desporti- “Na diabetes, cada dia conta, e o atra-
vamente ao mais alto nível”. so no desenvolvimento da doença é uma
grande vitória! Significa mais três anos,
ESPERANÇA CONTRA O TIPO 1 em média, durante os quais as pessoas
A diabetes é uma doença difícil de definir. podem viver sem terem de se preocupar
“Estamos perante um conjunto de doen- com injeções, contagem de hidratos de
ças que têm como característica comum carbono e controlo da glicemia, mas não
a subida dos níveis de açúcar no sangue. só. Poderá ajudar também a protegê-las do
Depois, vamos tentar perceber quais as desenvolvimento de complicações a longo
causas”, explica João Raposo, endocrinolo- prazo”, frisa José Manuel Boavida, presi-
gista, diretor clínico da APDP (Associação dente da APDP, para quem este é o maior
Protetora dos Diabéticos de Portugal) e avanço no tratamento da doença desde a
presidente da Sociedade Portuguesa de descoberta da insulina, há 100 anos.
Diabetologia.
LUÍS BARRA

Existe uma percentagem de pessoas ATENÇÃO AOS ESTILOS DE VIDA


que desconhecem que têm a doença. “Os Tipicamente, o quadro de surgimento da
cálculos para países da Europa Ocidental, doença na idade adulta é diferente do que
incluindo Portugal, indicam que cerca de surge na criança. “Enquanto na infância
35% a 40% das pessoas não sabem que este é um quadro que se descreve como
têm diabetes”, explica. A título de exemplo, a criança que está bem e, de repente, tem
alguns diagnósticos são feitos por acaso, muita sede, muita fome, urina muito,
quando determinada pessoa precisou de emagrece e fica doente aos olhos de muita
fazer exames antes de uma cirurgia ou gente, nos adultos implica que a destruição
teve de recorrer à urgência por qualquer das células do pâncreas seja um processo
motivo. “Quando fazemos um diagnóstico mais lento e a instalação da doença consiga
de diabetes tipo 2 (DT2) na rotina normal, ser mascarada como uma diabetes tipo 2
calculamos que, em média, essa pessoa já sem grandes sintomas.”
tem diabetes há cinco anos, com todas as A DT2 está muito associada ao excesso
implicações que uma doença não diag- de peso, à obesidade e à resistência de in-
nosticada pode ter.” sulina. Num futuro próximo, assegura João
“Os cálculos Apesar de esta ser uma doença com Raposo, haverá mais (sub)tipos de diabetes.
evolução lenta, João Raposo refere a ja- José Macau foi árbitro de andebol du-
indicam que nela de oportunidade que se perde na rante 25 anos. Percorreu o mundo devido
cerca de 35% intervenção das medidas de terapêutica e à modalidade e tinha uma capacidade física
outras (não farmacológicas) a tomar, que muito acima da média. Continua ligado
a 40% das ajudam a tratar a patologia. ao desporto, enquanto administrativo na
pessoas não A diabetes tipo 1 resulta da falência do
pâncreas em produzir insulina, levando
Federação de Andebol de Portugal, mas,
quando cessou as funções na arbitragem,
sabem que as pessoas a proceder à administração deixou de praticar atividade física e ga-
da mesma para sobreviverem. Este tipo nhou peso.
têm diabetes” continua a aumentar em crianças e jovens, Dois anos depois, perante sinais que
ainda que possa também surgir na idade se arrastaram durante um mês, procurou
João Raposo adulta. “A maior parte dos diagnósticos ajuda médica. “Bebia muita água, ia muito à
Endocrinologista, diretor de DT1, como doença autoimune que é, casa de banho, tinha muitas cãibras e suo-
clínico da APDP acontece entre o primeiro ano de vida e res noturnos, e sentia-me muito cansado.”

65
INIMIGOS DA SAÚDE

Chegava a beber cinco litros de água por


dia, mas associou alguns sintomas ao facto
de o verão ter sido muito quente.
Diagnosticado com uma glicemia a
“quase 500” (“há quem entre em coma
com valores mais baixos”, nota), aprendeu
a comer de forma equilibrada e começou
por administrar insulina. Em dois meses,
conseguiu perder 18 quilos.
Passada a fase inicial com insulina in-
jetável, começou a tomar um fármaco oral
e, atualmente, faz uma medicação mais
inovadora – uma injeção que administra
semanalmente.
“Foi um grande alívio receber o diag-
nóstico, porque achava que podia ter um
problema mais grave e, no caso da diabetes,
a inovação evoluiu muito”, confessa José
Macau, que se define como um “bom gar-
fo”, mas conseguiu perceber que não tem
necessidade de comer tanto.
Na rotina diária, e por recomendação
médica, passou a fazer caminhadas depois
do jantar. Algumas vezes, vai acompanhado
pela mulher e, aos fins de semana, chega
a fazer 12 quilómetros. “Enfrento os pro-
blemas com otimismo, e a diabetes não me
impede de nada.”

O QUE PODE MUDAR NO FUTURO?


Num futuro “razoavelmente próximo”,
sugere João Raposo, para que seja possível SEM SE LIMITAR No caso da DT2, o futuro pode passar
praticar a tal medicina personalizada, o Alexandra Costa vive com por perceber os subtipos da diabetes, o
ideal é que os médicos conheçam um con- diabetes tipo 1 desde os 10 que permitirá encontrar um melhor tra-
junto de características de cada doente, para anos. “Fiz sempre tudo tamento para cada pessoa. “Temos, hoje,
ser possível antecipar o percurso provável o que os meus colegas mais opções para atuar em fases precoces
que essa pessoa terá e escolher a melhor faziam: fui atleta da doença ou colocar as pessoas com a DT2
terapêutica. “Isto é algo que pode aconte- de competição, boa aluna, em remissão. O balanço está relacionado
cer a curto prazo. Refiro-me a algoritmos saí à noite, ia em viagens com os custos e os benefícios associados
que vão sugerir ao profissional de saúde de estudo e estágios a cada uma delas.” Para descobrir um tra-
as opções de tratamento mais adequadas desportivos” tamento mais adequado, há que atuar na
para cada caso.” Em alguns países, já estão razão que levou a determinada doença, logo
em avaliação algumas plataformas com desde o início, não com uma perspetiva de
suporte de Inteligência Artificial e análise cura, mas de melhor controlo.
da big data, a partir da vida real. “O desenvolvimento de insulina oral
Para quem tem DT1, é provável que ganhou força com este impulso recente, e
surjam “boas novidades, que podem vir a a expectativa era muito grande para saber
travar o processo imunológico que leva à os resultados dos ensaios clínicos avança-
destruição das células beta do pâncreas, ou dos, em curso durante 2022”, refere Miguel
seja, se identificarmos muito cedo quem Castanho, professor de Bioquímica da
tem a resposta autoimune, será possível Faculdade de Medicina da Universidade
não evoluir para a diabetes”. A terapêutica de Lisboa e investigador do Instituto de
imunológica já trouxe resultados no Reino Medicina Molecular (iMM). Mas, infeliz-
Unido, e este é o momento de passar para mente, sublinha, “os resultados foram
ensaios de maior escala. No futuro, “poderá conhecidos recentemente e não foram os
ser possível garantir que o corpo volte a ter melhores. Existem outras tentativas, com
células que produzem insulina”. outras formulações, a serem exploradas”.

66
Aumentar
o acesso
a bombas
de insulina
A Associação Protetora dos Diabéticos de
Portugal (APDP) lançou, em novembro,
a petição “Pelo acesso aos sistemas
híbridos de perfusão subcutânea contínua
de insulina (bombas de insulina) e pela
“O ideal qualidade de vida das pessoas com diabetes
tipo 1 em Portugal”, que reuniu mais de 26
seria ter uma mil assinaturas. “A petição já foi entregue
na Assembleia da República, a comissão
formulação parlamentar de saúde já fez a audição e
de insulina aguardamos que o relatório dessa audição
suba ao plenário”, explica João Raposo,
encapsulada diretor clínico da APDP, sublinhando que as
bombas de insulina inteligentes permitem
em “aliviar muitas das decisões diárias da
JOSÉ CARLOS CARVALHO

nanopartículas pessoa com diabetes, traduzindo-se numa


menor variabilidade de parâmetros e
no sangue no ganho de qualidade de vida, que só é
realmente percetível pelas pessoas com
que só se diabetes e pelos seus familiares”.
libertassem A bomba de insulina replica a função
de um pâncreas saudável, libertando

A parte mais delicada da administração


proporcional- automaticamente pequenas quantidades
de insulina de ação rápida. Na prática, os
de insulina exógena é a dosagem. O ideal, mente pais passam a dormir melhor e a viver
realça, seria ter “uma formulação de insu-
lina em que esta molécula estivesse encap- à glicemia” mais tranquilos, permitindo que os filhos
tenham as rotinas de qualquer criança sem
sulada em nanopartículas no sangue e só a doença.
se libertasse proporcionalmente à glicemia. Miguel Castanho Apesar de haver uma comparticipação
Os riscos associados a hiperinsulinemia / Investigador do Instituto total das bombas de insulina e do “esforço
hipoglicemia seriam muito diminuídos. de Medicina Molecular que o País fez para colocar as bombas em
Teríamos uma insulina mais eficaz e mais idade pediátrica e de forma escalonada
segura”. Já há linhas de investigação a tra- ao longo do tempo”, ainda há muitos
balhar neste conceito, mas estão numa fase pais a suportarem sozinhos o valor dos
ainda preliminar. tratamentos dos filhos. “Todas as pessoas
O iMM dedica-se ao desenvolvimento com DT1 seriam potenciais utilizadoras de
de fármacos que têm a natureza química bombas de insulina, em termos ideais, mas
sabemos que, mesmo nos países que as
da insulina, explorando “formas de trans-
oferecem, não há 100% de pessoas a utilizá-
formar as nossas pequenas proteínas para las. Numa visão otimista, haverá cerca de
melhorar a sua ação terapêutica”, refere. 40% a 50% de pessoas com esse acesso.”
As estratégias que foram bem-suce- O médico critica o acesso limitado a este
didas com a insulina podem ser usadas tratamento, pois os serviços de saúde têm
para desenvolver proteínas terapêuticas uma capacidade escassa, “o processo de
contra vírus, Alzheimer ou metástases aquisição e de distribuição das bombas é
do cancro da mama. “Parece confuso, muito moroso e lento, há uma burocracia
mas não é. Basta que nos foquemos excessiva e ainda não foi possível
nos medicamentos, em vez de nos transformar esta colocação das
focarmos nas doenças”, conclui. E a bombas de insulina num tratamento
Ciência avança, a bem dos doentes. banal na vida das pessoas com DT1”.
A SUA ESCOLHA É
O NOSSO MELHOR PRÉMIO

IMPRENSA DE NEGÓCIOS
9 MARCAS AVALIADAS . 578 CONSUMIDORES

A Trust in News foi eleita a Escolha do Consumidor


com seis das suas publicações.

OBRIGADO AOS NOSSOS LEITORES


D O E N ÇA S > A L I M E N TAÇÃO > T E N D Ê N C I A S

Diagnóstico

Sabia
que...
A água-oxigenada caiu
em desuso na desinfeção
de feridas e é até
prejudicial aos tecidos
humanos?
DIAGNÓSTICO

INOVAÇÃO
A primeira vez em que se
implantou um pacemaker
foi nos anos 50.
A evolução, desde então,
tem sido gigantesca,
não só do ponto de
vista tecnológico como
do tratamento médico
GETTY IMAGES
Arritmias
A LG O N Ã O
B AT E C E R TO
Umas são lentas, outras rápidas, outras ainda
malignas e podem causar morte súbita. Há sinais
a que pode estar atento e, sobretudo, existe um
aparelho que lhe salva a vida – o pacemaker
CLÁUDIA PINTO

71
DIAGNÓSTICO

R
ecebeu aos 15 anos uma
notícia que não se coa-
dunava com a idade da
rebeldia, dos sonhos, da
pressa de viver. Mafalda
Januário, hoje com 45,
vive com uma doença
cardíaca congénita, cujo
nome é difícil de se pronunciar: bloqueio
auriculoventricular (BAV) completo. “Prati-
cava atletismo, sofria de bradicardia [ritmo
cardíaco irregular ou lento], mas nunca me
apercebi de que tinha este problema”, conta.
Desde essa idade que é acompanhada
no Hospital de Santa Marta – Centro Hos-
pitalar Lisboa Central (HSM-CHLC), em
Lisboa. Receber a notícia foi “um trauma”,
define. “Aos poucos, comecei a aperceber-
-me da gravidade da situação e da possi-
bilidade de morrer sem sentir.”
Anos depois, durante uma ida a uma
consulta de rotina, para a realização de
alguns exames complementares de diag-
nóstico, que ditariam se estaria apta a in-
gressar na Força Aérea, tudo mudou. Tinha
37 batimentos cardíacos por minuto, e era
preciso agir com urgência.
Mafalda tinha 29 anos e um bebé com 2.
“Não houve tempo para pensar no assunto.
Foi-me dito que teria de implantar um pa-
cemaker, e lembro-me de achar que não era
GETTYIMAGES

justo ter de ser operada com um meu filho


tão pequeno, depois de tantas tentativas
para engravidar.” O médico disse-lhe que
podia ir a casa, devidamente medicada, para
se despedir do filho, mas, no dia seguinte
às sete da manhã, já estava de regresso para ração, a qual, além do eletrocardiograma
ser a primeira a ser operada. convencional, pode hoje ser avaliada com
Existem algumas condições que levam a recurso a smartwatches ou smartphones,
que uma determinada pessoa possa ter de através de aplicações desenvolvidas para
usar um pacemaker. Uma delas é a arrit- esse efeito”, acrescenta.
mia, que não é uma só doença mas várias. “Algumas Pedro Cunha, cardiologista e eletro-
Segundo o cardiologista Mário Martins fisiologista do Hospital de Santa Marta,
Oliveira, as arritmias “podem ser ‘lentas’, arritmias, explica que “o desmaio, que conduz a
devido a frequências cardíacas abaixo do designadas pessoa às urgências, pode ser o grande
normal, manifestando-se, regra geral, sinal de alerta. E o cansaço extremo fora
em cansaço fácil, falta de força muscular, por malignas, do normal também é de se valorizar”.
tonturas e até perda de conhecimento [des-
maio], ou, no caso das arritmias ‘rápidas’,
podem mesmo Alguns sinais podem ser inespecífi-
cos, mas é esse “o grande desafio da
em frequências cardíacas elevadas, palpi- causar morte medicina”, defende o médico. É um
tações, dor no peito, falta de ar e também
tonturas ou desmaio. Algumas arritmias,
súbita” verdadeiro trabalho de detetive,
assinala, até se chegar à resposta
designadas por malignas, podem mesmo mais adequada.
causar morte súbita”, refere o também Mário Martins
coordenador do Centro do Coração do Oliveira PORTUGAL LIDERA
Hospital CUF Tejo. Coordenador NOS PACEMAKERS
Além da avaliação da frequência cardía- do Centro Perante a lentificação do
ca pelo pulso, o diagnóstico é confirmado do Coração coração e para o tratamen-
pelo registo “da atividade elétrica do co- do Hospital CUF to de vários tipos de ar-

72
© PICSFIVE | DREAMSTIME.COM

NOVOS TEMPOS Portugal encontra-se no topo dos paí-


Com o pacemaker do século ses da Europa com “um maior número de
XXI, os doentes já não têm implantação de pacemakers por milhão de
de estar sempre no hospital; habitantes (cerca de 1 500/milhão/ano)”,
estão em casa, e os médicos refere Mário Martins Oliveira.
fazem uma monitorização Isto deve-se ao progressivo e marcante
remota, recolhendo envelhecimento da população, associado a
informação à distância uma boa rede de referenciação nesta área,
que cobre todas as regiões do País, com
centros hospitalares habilitados para o
tratamento adequado dos doentes.
Mafalda Januário passou a ir a consul-
tas de rotina regulares, após a cirurgia,
ritmias cardíacas, existem “dispositivos Descodificar espaçadas ao longo do tempo. “Senti que
cardíacos eletrónicos implantáveis”, entre estava mais ágil e enérgica depois de pôr
os quais os pacemakers, que são a opção
o ritmo cardíaco o pacemaker, apesar de não ter tido sin-
mais indicada quando o coração não tem ► Consideram-se valores tomas antes da cirurgia e de o problema
atividade elétrica ou a mesma está muito normais os que se encontram ter sido encontrado ao acaso.” A técnica
reduzida. entre 60 a 100 batimentos por de compras e de sourcing numa marca
A primeira vez em que se implantou minuto de lingerie adianta que não precisou mais
um pacemaker foi nos anos 50. A evolução, ► A bradicardia é o nome que se da medicação, que a ajudava a controlar
desde então, tem sido gigantesca, não só do dá a frequências mais baixas a doença.
ponto de vista tecnológico mas também ► Os valores mais elevados são O procedimento é relativamente sim-
do tratamento médico. “A inovação tem designados por taquicardia ples e realiza-se com anestesia local, na
acontecido ao nível dos materiais – que ► Perante qualquer sinal maioria dos casos. “O doente é internado,
permitem, atualmente, por exemplo, que suspeito ou de dúvida, procure uma noite ou, grande parte das vezes, deve
o doente possa realizar uma ressonância ajuda médica e especializada, ficar o menos tempo possível no hospital,
magnética, algo que estava proibido ante- pois a frequência cardíaca para o seu conforto, e pode regressar a
riormente –, do tipo de cateteres que uti- difere de indivíduo para casa no próprio dia”, explica Pedro Cunha.
lizamos e ainda da capacidade que temos indivíduo, consoante a idade, A partir de então, “inicia-se uma nova
de conseguir para ler à distância”, explica nível de treino, temperatura história, e o doente fica ligado a este
Pedro Cunha. O doente está em casa e os e outros fatores biológicos e hospital para o resto da vida”. Falamos de
profissionais que trabalham no serviço de ambientais relações longas, que implicam vigilância
Cardiologia conseguem fazer uma moni- e monitorização com uma periodicidade
torização remota e recolher a informação avaliada caso a caso. “Temos de adaptar o
à distância. procedimento às características de cada

73
DIAGNÓSTICO

Conheça
os vários tipos
► A arritmia caracteriza-se
por um batimento cardíaco
anormal e faz com que o
coração bata demasiado
depressa, demasiado devagar
ou de modo irregular
► Existem dois tipos de
arritmias rápidas (mais de
100 batimentos cardíacos
por minuto): as arritmias
supraventriculares (quando
a sua origem é ao nível das
aurículas) e ventriculares
(quando a origem é nos
ventrículos)
► Há ainda outras manifestações
de arritmias cardíacas:
Sinusal respiratória (pode
ocorrer na criança ou no
jovem, e é totalmente normal
que ocorra);
Extrassístole (caracteriza-se
por batimentos precoces, que
ocorrem mais cedo no ciclo
cardíaco. Na grande maioria
das vezes, são benignas
e muito frequentes na
LUÍS BARRA

população);
Taquicardia sinusal
(caracteriza por mais de 100
batimentos por minuto)
doente, não só ao tipo de modelo e de dos anos, o que lhes garante uma melhor
► Taquicardia ventricular
material mas também à alteração da pró- qualidade de vida sem grandes limitações.
mantida (caracteriza-se
por batimentos rápidos ao
pria programação do aparelho, que vamos
fazendo ao longo dos anos.“ NOVA(S) OPORTUNIDADE(S)
nível dos ventrículos e pode
culminar na fibrilhação Em pessoas com vários fatores de risco A durabilidade do dispositivo de Mafalda
ventricular, com paragem e doenças graves, há que avaliar alter- Januário foi 13 anos, e a 5 de janeiro de 2022
cardíaca ou morte súbita) nativas cirúrgicas à implantação por via voltou a ser operada. “Foi muito fácil. Fiz
convencional. “Por exemplo, em algumas a consulta de anestesia, a cirurgia foi com
► Fibrilhação auricular
situações, recorremos à cápsula intracar- anestesia local, estive sempre acordada e a
(arritmia que se manifesta
por batimentos cardíacos
díaca, que é colocada no coração sem que acompanhar todo o processo.” Sentia-se
rápidos e irregulares em que tenha fios”, salienta o cardiologista. mais confortável e menos receosa neste
pode ocorrer uma espécie de O eletrofisiologista compara a durabi- segundo procedimento, em comparação
“curto-circuito” nas aurículas, lidade deste dispositivo com a gasolina de com a primeira cirurgia. “Entrei no hospital
que perdem a capacidade de um automóvel. “Quando o carro entra na às 7 horas e saí por volta das 20. Fui sendo
contraírem normalmente. reserva, temos de pôr gasolina e, com o monitorizada ao longo do dia”, conta.
O coração não funciona de pacemaker, temos de agendar a mudança Atualmente, faz a sua vida normal, entre
forma adequada, torna-se de gerador [nome que se dá à substituição o trabalho, as caminhadas com o marido,
menos eficaz e apresenta o do pacemaker e que implica uma nova os passeios com os filhos Afonso, de 19, e
risco de formação de coágulos cirurgia].” O gasto do aparelho vai ser Salvador, de 15 [que já nasceu depois da
no seu interior. A principal maior ou menor consoante a necessidade implantação do primeiro pacemaker, com
complicação é o acidente de cada doente. toda a vigilância apertada e necessária ao
vascular cerebral) Chegam pacientes de todas as idades controlo de riscos], e considera que a rea-
Fonte: SNS 24 ao Hospital de Santa Marta, e aqui são bilitação da cirurgia, que fez há um ano,
colocados e/ou substituídos cerca de mil foi mais rápida.
pacemakers por ano. Alguns “repetentes” O Hospital CUF Tejo começou recen-
já puseram vários dispositivos ao longo temente a realizar uma nova técnica de

74
TECNOLOGIA
A atividade elétrica do coração
“O desmaio, mede-se já em smartwatches
que conduz ou smartphones, em apps

a pessoa
às urgências,
pode ser
o grande
sinal
de alerta”
Pedro Cunha

© MARCHMEENA | DREAMSTIME.COM
Cardiologista
e eletrofisiologista,
do Hospital
de Santa Marta

A perspetiva inicial visava tratar com


esta modalidade os doentes com necessi-
dade de pacing cardíaco “que sofressem
de algum grau de disfunção da contração
dos ventrículos. Nestes casos, o pacemaker
convencional (por estimular os músculos
e não o sistema elétrico intrínseco) pode
agravar essa mesma disfunção”, salienta o
cardiologista.
Até aqui, a solução para estes doentes
passava pela implantação de um pacemaker
mais complexo, “designado por ‘sistema
implantação de pacemaker – o pacing car- TRANSPLANTE de ressincronização cardíaca’ (ou pacing
díaco fisiológico –, que tem vindo a ganhar DE CÉLULAS? biventricular), que implicava aplicar um
mais adeptos e especialistas, ao reconhece- elétrodo no ventrículo direito e outro,
rem “as mais-valias nesta abordagem. Há Para Rui Cruz Ferreira, diretor através de cateterização do sistema venoso
também mais estudos clínicos a suporta- do serviço de Cardiologia, cardíaco, para estimulação do ventrículo
rem a sua eficácia, tendo já demonstrado do Hospital de Santa Marta, esquerdo”, sublinha.
ser a forma mais fisiológica de estimular o em Lisboa, existe um campo Também Pedro Cunha seleciona este
coração dos doentes que necessitam desse que terá “seguramente um “desenvolvimento extraordinário” subli-
suporte”, denota Mário Martins Oliveira. impacto futuro muito grande nhado pelo colega no tratamento da insu-
O gerador utilizado é o mesmo do pa- e que constituirá um passo ficiência cardíaca, “e em casos específicos
cing dito convencional, mas “o elétrodo que mais óbvio daqui a algumas com perturbação acentuada da condução
décadas”. Refere-se ao
estimula e as bainhas para o colocar dentro elétrica ventricular, mas que é mais com-
transplante das áreas do
do coração foram desenhados por forma a plexa do que a atual opção de pacing fisio-
coração, responsáveis pelo
possibilitar e a facilitar a localização na zona ritmo cardíaco, “ou seja: em vez
lógico”, acrescenta Mário Martins Oliveira.
ideal do órgão, para se estimular o sistema de se utilizar um dispositivo A nova técnica permite “preservar a
de condução elétrica do próprio coração”. externo, poderá ser possível normal ativação elétrica e contratilidade do
A implantação desta técnica não neces- usar células ou tecidos de coração e contribui para manter, e até recu-
sita de preparação especial do doente. O outros organismos, que vão perar, o desempenho cardíaco”. Do ponto
que difere é mesmo o desenvolvimento do recuperar a função atribuída a de vista da capacidade funcional do doente,
procedimento, o treino do cardiologista que essa zona que tem problemas. esta técnica tem “implicações significativas
opera e, por isso, uma curva de aprendiza- A engenharia genética vai na qualidade de vida e na satisfação”.
gem. “O aspeto final do eletrocardiograma evoluir muito nesse sentido”, Mafalda ganhou uma nova vida com o
fica muito semelhante ao da condução elé- defende. pacemaker. Agradece à equipa hospitalar,
trica de um coração normal, o que permite que a segue há 30 anos e que lhe tem per-
um melhor desempenho cardíaco, face ao mitido dar rumo aos sonhos e viver sem
método clássico de pacing cardíaco.” medo.

75
DIAGNÓSTICO

8
mitos
sobre
a saúde
Factos comprovados

GETTY IMAGES
pela Ciência para
GHVPLVWLõFDULGHLDVIHLWDV
INÊS DE BARROS MIRANDA

O
entendimento fonte de hidratos de carbono, como DEVEMOS CAMINHAR DEZ MIL
coletivo sobre a o pão ou cereais integrais, e uma PASSOS POR DIA?
saúde e a nutri- peça de fruta”, revela a nutricionista A Organização Mundial da Saúde
ção está a tornar- Ana Bravo. Na tendência dietética (OMS) define a atividade física como
-se mais comple- mais recente, o jejum intermitente, a qualquer movimento corporal fruto
xo com o avanço modalidade que reúne mais adeptos, do movimento dos músculos esquelé-
da Ciência. A VI- consiste em iniciar o jejum depois ticos, que requer gasto de energia, seja
SÃO Saúde con- de um jantar leve, pelas 20 horas, e ela praticada durante os tempos livres,
versou com especialistas de diversas prolongá-lo até cerca das 11 horas seja no transporte que cada um utiliza
áreas, que nos explicam a verdade por do dia seguinte. Ana Bravo afirma para se deslocar a vários lugares seja
detrás das crenças que esta “abordagem não deve ser ainda como parte integrante da pro-
aplicada a todos os casos, visto que, fissão de uma pessoa. “A questão dos
O PEQUENO-ALMOÇO à semelhança das outras refeições, o dez mil passos é puramente subjetiva,
É ESSENCIAL? pequeno-almoço tem de ser adequa- considero que o melhor indicador de
O pequeno-almoço é a primeira re- do ao indivíduo, consoante as neces- atividade física será o tempo des-
feição diária, após o jejum noturno, sidades, hábitos e rotinas de cada um. pendido semanalmente. O que pode
em que, normalmente, são repostos Além disso, nas primeiras semanas, representar em termos de passos, isso
os níveis de energia e de glicose. Esta os níveis de apetite e de humor ficam já é altamente variável”, diz-nos An-
refeição contribui para que haja uma muito alterados, podendo pôr em dré Ruivo, fisioterapeuta. Os valores
distribuição alimentar mais equili- risco o cumprimento da dieta.” Des- de referência da OMS centram-se em
brada ao longo do dia. “O pequeno- ta forma, a especialista defende que 150 a 300 minutos de atividade física
-almoço deve ser uma refeição equi- deve existir uma individualização das de intensidade moderada ou 75 a 150
librada e completa, em que o ideal recomendações quanto à ingestão do minutos de atividade física de intensi-
seria incluir um produto lácteo, uma pequeno-almoço. dade alta, por semana e para adultos.

76
PRECISAMOS DE DORMIR “a toma de medicamentos, a prática Estudos desenvolvidos pela Agência
OITO HORAS POR NOITE? desportiva, o tipo de clima em que um Internacional de Investigação do
“O sono é o seguro de saúde mais ba- indivíduo vive e diagnósticos clínicos, Cancro concluíram que por cada 50
rato que podemos conseguir”, diz-nos como os renais, os cardíacos ou os gramas de carne processada ingeridos
Clementina Almeida, psicóloga clínica respiratórios, podem afetar o equilíbrio diariamente, o risco de se desenvolver
e especialista em sono. “É basilar, tem normal de líquidos corporais”. Assim, o cancro colorretal aumenta 18%.
uma grande importância na nossa as necessidades hídricas são variáveis
saúde física e mental e na nossa lon- consoante as necessidades e as espe- DEVE USAR-SE ÁGUA-OXIGENADA
gevidade.” Estudos, como o da Western cificidades de cada um. PARA DESINFETAR FERIDAS?
University e do seu The Brain and Mind A água-oxigenada é agressiva para os
Institute, no Canadá, situam o intervalo TEMOS DE ABDICAR tecidos humanos, pelo que atrasa o
ótimo de sono diário entre as sete e as DA CARNE VERMELHA? processo de cicatrização e ainda pode
oito horas diárias, mas este pode variar A carne vermelha tem sido associada danificar os tecidos à volta da ferida.
consoante a idade, o sexo, a residência, a problemas de saúde, como a diabe- Além disso, não apresenta uma maior
o grau de educação e a profissão. Cle- tes tipo 2, doenças cardiovasculares eficácia na eliminação de agentes pa-
mentina Almeida refere que o cum- e o AVC. “Até 2015, existiam muitos togénicos. Uma ferida deve ser limpa
primento de uma boa rotina de sono estudos que ligavam a carne vermelha com soro fisiológico e uma gaze. Em
proporciona mais energia, melhora a a vários tipos de cancro e a diabe- caso de sinais de infeção, dever-se-á
memória e diminui a propensão para tes”, conta Inês Miranda Fernandes, utilizar uma solução iodada, como o
o desenvolvimento de patologias. Esta nutricionista clínica. “Já os estudos Betadine. E já que falamos de primeiros
especialista recomenda que, para se recentes defendem que não há as- socorros, não ponha manteiga ou azeite
dormir melhor, é necessário criar um sim tanta evidência cientifica para se numa queimadura. A água é a primeira
“ambiente pró-melatonina” (a me- poder declarar essas consequências.” coisa que deve usar para o arrefecimen-
latonina é uma hormona, produzida Nesta linha, instituições como a OMS to da queimadura e o alívio da dor. A
no nosso cérebro, que regula o sono). advogam que as preocupações devem manteiga e o azeite vão infetar o local.
Deste modo deve-se evitar os ecrãs, centrar-se na carne processada, ou Vai ser preciso gordura, sim, mas a de
antes de dormir, e substâncias como seja em todos os tipos de carnes que cremes e desinfetantes apropriados.
o café e as bebidas alcoólicas. tenham sofrido uma transformação
que vise aumentar o seu tempo de OS MEDICAMENTOS
TEMOS DE COMER CINCO PEÇAS conservação ou intensificar o seu GENÉRICOS SÃO EFICAZES?
DE FRUTA E VEGETAIS POR DIA? sabor. Este processo é conseguido “Os medicamentos genéricos, apesar
A Organização Mundial da Saúde reco- através da salmoura, da secagem, de não terem um nome comercial
menda a ingestão de 400 gramas diá- da fermentação ou da defumação. associado, continuam a ter o mesmo
rios de frutas e vegetais, o que se traduz São exemplos de carne processada princípio ativo, forma farmacêutica,
em cinco porções de fruta e vegetais o fiambre, as salsichas, o presunto dosagem e indicação terapêutica do
por dia. De preferência mais vegetais e o chouriço. É também importante que o medicamento de referência”,
do que fruta. Estes alimentos são ricos não esquecer que fiambre ou sal- afirma Patrícia Cebola, médica de
em vitamina C, ácido fólico, potássio sichas de aves, considerados carne medicina geral e familiar. “Os ge-
e outros minerais importantes para o branca, são igualmente prejudiciais. néricos estão sujeitos aos mesmos
funcionamento do nosso organismo. As carnes processadas têm um efeito testes de monitorização que os me-
São também ricos em fibra, o que pro- comprovadamente cancerígeno, pelo dicamentos de referência.” Então,
move a saúde do sistema intestinal, e que o seu consumo deve ser restrito. qual é a diferença? Segundo a Agência
diminuem o risco de cancro nestes ór- Europeia do Medicamento (EMA),
gãos, de problemas cardiovasculares e uma empresa só pode desenvolver
de acidentes vasculares cerebrais (AVC). um genérico depois de terminado o
“Obtemos água “período de exclusividade” do me-
TEMOS DE BEBER DOIS também através dicamento de marca. Consequente-
LITROS DE ÁGUA POR DIA mente, os genéricos são mais baratos,
“As recomendações gerais sobre a dos alimentos, porque não envolvem os mesmos
quantidade diária de água apontam
para valores entre um litro e meio a
como a fruta, custos de investigação associados à
descoberta e à conceção de um novo
dois litros por dia. É de salientar que sopas ou fármaco. Adicionalmente, Patrícia
também obtemos água através dos Cebola esclarece que “as substâncias
alimentos e das preparações, como a laticínios” que permitem manter as proprieda-
fruta, sopas e outros caldos, e ainda des do princípio ativo é que podem
dos laticínios”, afirma Ana Bravo. Mes- Ana Bravo variar consoante o laboratório que
mo assim, a nutricionista adverte que Nutricionista as produz”.
DIAGNÓSTICO

Pessoas
raríssimas
Vivem com uma doença rara e que
não tem cura, sabendo que a vida
pode parar a qualquer momento.
Em Portugal, entre 600 e 800 mil
doentes sofrem deste problema
SUSANA PINHEIRO J O S É C A R L O S C A R VA L H O

M
COM O DIAGNÓSTICO aria do Rosário co- conhecidos entre a comunidade médica
Marta Jacinto, 46 anos, meçou por sentir em Portugal e para a qual a Ciência ainda
sofre de pseudoxantoma dores intensas no não descobriu cura.
elástico. Progressivamente corpo e na cabeça, “A minha mãe morreu aos 59 anos, dez
incapacitante, pode causar mas o pior ainda meses depois do diagnóstico. Tinha dores
lesões na pele, claudicação eram as noites a fio terríveis. Gritava a noite inteira”, conta a
intermitente, perda de visão passadas em cla- fisioterapeuta, revoltada com o facto de
central e mineralização em ro. Começou por esta “doença ainda ser muito desconhe-
órgãos sofrer em silêncio, para não preocupar cida no seio da comunidade”, apesar de
os filhos e o marido, até não aguentar já ter vitimado algumas pessoas na zona
mais os dois meses de insónia. Nenhum de Cantanhede, onde vive.
medicamento lhe aliviava as dores ou a O caso clínico da mãe de Célia é des-
adormecia, e inventava mil e uma des- crito, em 2021, na Revista da Sociedade
culpas para a família não desconfiar de Portuguesa de Anestesiologia, pelo Cen-
que ela não dormia. “A minha mãe pas- tro Hospitalar e Universitário de Coim-
sava a ferro até de madrugada”, conta a bra. De acordo com o documento, esta
filha Célia Figueiredo, na ocasião longe doença rara afeta apenas cem pessoas em
de imaginar que a mãe estava acordada todo o mundo, “tendo sido identificadas
até ao romper do Sol. duas famílias em Portugal”.
E o pior ainda estava por vir, com o João Parente Freixo é médico gene-
diagnóstico de uma doença rara chamada ticista no Centro de Genética Preditiva
“insónia familiar fatal”, com poucos casos e Preventiva do Instituto de Biologia

78
que uma cópia do gene responsável pela
doença esteja alterada para virmos a de-
Mistérios senvolvê-la no futuro”.
Outra particularidade da insónia fa-
médicos miliar fatal é o facto de “se manifestar na
fase adulta em pessoas que eram perfeita-
mente saudáveis até determinada idade”,
A médica Lisa Sanders, como aconteceu com Maria do Rosário,
consultora da famosa uma mulher cheia de vida. “A minha mãe
série televisiva Dr. era uma pessoa saudável. Em poucos me-
House, protagoniza um ses, já não conseguia vestir-se sozinha e
documentário na Netflix
demorava uma hora a lavar os dentes”,
recorda Célia Figueiredo, que assistiu
DIAGNÓSTICO ao degenerar do corpo e das capacidades
Assim se chama a série cognitivas da mãe, sem que nada pudes-
documental com sete se fazer para lhe aliviar o sofrimento e a
episódios, baseada na coluna salvar. “É assustador quando queremos
de Lisa Sanders, no The New ajudar a nossa mãe e não conseguimos,
York Times, em que, com porque não há medicamentos que lhe
a ajuda do público, procura tirem a dor e a curem.”
diagnósticos para doenças
misteriosas.
O MEDO DA HERANÇA
A insónia familiar fatal acabou por atirar
PARALISADA Maria do Rosário para uma cama, depen-
Um dos casos retratados dente dos familiares para os cuidados de
é o de uma criança de 6 anos, higiene e alimentação. “Foi terrível vê-la
que fica, momentaneamente sofrer com esta doença neurodegene-
e várias vezes por dia, rativa, que também matou o meu avô
paralisada, e isso inclui materno”, acrescenta a filha, preocupada
a respiração. Perceber o com a hipótese de, um dia, também en-
que desencadeia isso são frentar esta doença hereditária. O médico
momentos de felicidade, mas
geneticista João Parente Freixo confirma
é absolutamente devastador
que, “havendo este diagnóstico na família,
para os pais.
nomeadamente num progenitor, existe
ESTÁ NA CABEÇA? 50% de risco de a pessoa herdar a doença”.
Outro caso é o de uma jovem Célia e os três irmãos vivem, assim,
de 17 anos, que vomita tudo o num turbilhão de emoções, não sabendo
Molecular e Celular (IBMC), no Porto, que ingere, líquidos incluídos. se avançam ou não com o estudo gené-
onde lida diariamente com todo o tipo Sobrevive porque é alimentada tico para aferir se são ou não portadores.
de doenças raras. Assegura que nunca lhe por via intravenosa. Mas será “Um médico geneticista chegou a pergun-
passou pelas mãos a insónia familiar fatal. que esta é uma doença de tar-nos: ‘Estão preparados para saber?
Conhece-a através da literatura científica origem psicológica? Imaginem que dormem mal numa noite.
como sendo “uma doença neurológica Desconhecem se estão ou não a mani-
progressiva e rapidamente incapacitan- “DÉJÀ-VU” festar a doença’”, lembra a fisioterapeuta.
te”, caraterizada pela perda de memória, Depois de uma sensação “As pessoas não têm a noção de como
confusão mental, insónia, alterações de déjà-vu, um rapaz de 20 isso pode afetar a nossa qualidade de vida.
musculares e motoras, como a marcha. anos perde a consciência, e Por outro lado, se soubermos, podemos
O médico nota, contudo, que “a insó- o seu coração para. Será o antecipar os nossos planos.” No fundo, é
nia é um dos sinais e sintomas da doen- seu problema neurológico ou viver em contrarrelógio.
ça, mas não se pode dizer que é a causa cardíaco? João Parente Freixo considera per-
do problema”. Aliás, elucida, “a causa é feitamente “legítimo” as pessoas terem
um defeito genético, que origina esta DORES INEXPLICÁVEIS acesso à informação para poderem tomar
Angel, 23 anos, tem
patologia que, muitas vezes, até pode algumas decisões profissionais e reprodu-
dores musculares agudas
ter apresentações distintas que variam tivas. Ainda assim, avisa, a notícia pode ter
fortíssimas, que não se
pessoa para pessoa na mesma família”. explicam, ou será que a
“um impacto muito agressivo do ponto de
Na prática, explica, “todos temos duas explicação está nos genes... vista psicológico e emocional”. O ideal é
cópias do nosso genoma, de cada um preparar a pessoa, primeiro, para depois,
dos nossos genes, ou seja: herdamos uma numa fase pós-teste, lhe disponibilizar
cópia do pai e uma cópia da mãe. Basta acompanhamento, seja nas consultas de

79
DIAGNÓSTICO

genética, para ficar a par dos riscos, seja LUTA DE PAI


nas de neurologia, para esclarecimento dos O filho de André Correia está
sintomas, além de apoio psicológico, “para entre as duas e cinco pessoas
garantir que, do ponto de vista emocional, estimadas em Portugal com
a pessoa está de tal forma estável e equili- uma doença que, por norma,
brada” que conseguirá lidar com a notícia. afeta as funções cognitivas,
Também é importante ter consciência de locomoção, crescimento,
de que não existe forma de prevenir a entre outras
doença; só é possível vigiar e lidar com
ela, da melhor forma possível.
Uma doença é considerada rara quan-
do afeta uma em cada duas mil pessoas.
A literatura médica estima que existem
seis mil doenças raras, 80% das quais
genéticas, “ou seja: há um erro genético
de base que leva uma proteína a ser pro-
duzida com uma quantidade ou qualidade
inferior, que se expressa sob a forma de
uma patologia genética”, resume Marta
Amorim, especialista em Genética Médica,
da comissão instaladora da RD Portugal –
União das Associações das Doenças Raras
de Portugal. Esta federação representa as
mais de 30 associações de doenças raras
do País e calcula que há 600 mil pessoas
afetadas.
E se “a grande maioria das doenças
raras é causada por defeitos genéticos, é
preciso perceber quais são para, depois, a
partir dessa informação, se conseguir dar
um nome à doença e identificá-la de forma
mais concreta”, afirma João Parente Freixe.
O importante é mesmo “evitar que
nasçam pessoas com esse defeito familiar.
Se os portadores dessa alteração estiverem a atormentar há muito tempo, depois de
em idade reprodutiva e quiserem garantir correr vários médicos à procura de uma
que não há transmissão da doença para a resposta. A informática descobriu que,
descendência, existem algumas opções “à semelhança de tantas outras doenças
disponíveis”. É o caso do diagnóstico ge- raras, esta também é progressivamente
nético pré-implantação, com recurso à incapacitante. Pode causar lesões na pele,
seleção dos embriões saudáveis por fer- claudicação intermitente, perda de visão
tilização in vitro, “ou do estudo pré-natal, central, mineralização em órgãos, como,
durante a gravidez, para se perceber se o
feto foi afetado, com recurso a amniocen-
“A grande por exemplo, nos rins, na mama, nos tes-
tículos”. Em casos raros, realça, podem
tese ou à biópsia de vilosidades coriónicas maioria ocorrer hemorragias graves ao nível gás-
(entre as 11 e as 14 semanas)”, aponta Marta
Amorim.
das doenças trico ou cerebral.
Ao perceber a dimensão da patologia
Existem, contudo, casos clínicos em raras “sem medicação específica”, Marta Jacinto
que não é possível chegar a um diag- viu logo que não podia baixar os braços.
nóstico. “Continua a haver situações em é causada Criou a associação Pseudoxantoma Elás-
que, apesar de uma forte suspeita de uma por defeitos tico Portugal, que lidera, para dar um novo
alteração genética, não é possível ainda alento a todos os que sofrem desta doen-
encontrar a alteração responsável, e o genéticos” ça, a qual incide em “alterações no gene
doente fica sem um diagnóstico.” ABCC6, que codifica uma proteína que se
João Parente Freixo expressa no fígado”. Ou seja: “estando mal
O CHOQUE DO DIAGNÓSTICO Médico geneticista, construído, não permite que uma substân-
Só aos 18 anos é que Marta Jacinto, agora no Centro de Genética Preditiva cia, ainda desconhecida, seja transportada
com 46, soube do diagnóstico da doença e Preventiva do Instituto para a corrente sanguínea, na qual ajudaria
rara pseudoxantoma elástico, que a andava de Biologia Molecular e Celular a regular a mineralização”, conclui.

80
vida do meu filho contaram com muitas
visitas a hospitais e conversas com profis-
sionais de saúde. Havia algo de diferente,
mas o diagnóstico era apenas inconclu-
sivo”, começa por contar André Correia.
A criança acabaria por ser diagnosticada
com uma “síndrome ultrarrara, designada
por ZTTK (Zhu-Tokita-Takenouchi-Kim),
causada por uma deleção no gene SON, no
cromossoma 21”.
Segundo este pai, “estima-se que em
Portugal existam entre duas e cinco pes-
soas” com esta doença, que, por norma,
afeta as funções cognitivas, de locomoção,
crescimento, entre outras. “As pessoas afe-
tadas têm, por isso, necessidades especiais
e muito próprias”, sublinha o vice-presi-
dente da SER.
Apesar de avassalador, o diagnóstico
acabou por “permitir, por um lado, explicar
as diferenças e, por outro, centrarmo-nos
em estratégias e práticas terapêuticas mais
concretas e específicas”. Afinal, desabafa
André Correia, “não são as notícias que
queríamos receber, mas ajudam-nos a
enfrentar este desafio”, sobretudo, frisa,
quando “o caminho entre ter um diagnós-
tico inconclusivo e saber qual a patologia
pode ser árduo, difícil e muito solitário
para as pessoas diagnosticadas, famílias e
cuidadores”.

O “DR. HOUSE” TECNOLÓGICO


Muitos destes doentes passam anos sem
Ainda há muito a fazer na área das saber o verdadeiro diagnóstico, mas a
doenças excecionalmente raras, sublinha Ciência tem evoluído cada vez mais por
Ana Rute Sabino. Tinha acabado de com- forma a dar-lhes resposta. Para João Pa-
pletar 29 anos quando ouviu as seguintes rente Freixo, as tecnologias acabam por ser
palavras: “Provavelmente não pode voltar a “Continua “o verdadeiro Dr. House, porque permi-
trabalhar nem ter filhos. A esperança média tem identificar defeitos genéticos, fazem
de vida é entre dois e cinco anos.” A presi- a haver um diagnóstico definitivo e ajudam depois
dente da SER – Associação das Síndromes
Excecionalmente Raras de Portugal foi
situações em a explicar a doença x, y ou z”.
Ainda assim, nota o médico, “a grande
diagnosticada com linfangioleiomiomatose que o doente maioria das doenças genéticas não tem
pulmonar (LAM).
De acordo com a literatura científica,
fica sem um tratamento efetivo nem cura”, e também
existem patologias que ainda não têm
esta doença ocorre apenas em mulheres, diagnóstico” nome. “Há diagnósticos em que há poucos
dos 20 aos 40 anos, por norma. Entre os casos no mundo, e outros em que nunca
sintomas estão falta de ar, tosse, dor no foi descrita nenhuma situação em Portu-
peito, expetoração com sangue. “A LAM é Marta gal, pois estamos sempre a falar de pato-
uma patologia com uma incidência entre Amorim logias raras”, realça João Parente Freixo.
um e nove, por cada milhão de pessoas. Não Médica Ainda assim, Paulo Gonçalves, presi-
tem cura e é degenerativa. As dores de peito geneticista dente da RD Portugal, chama a atenção
são uma constante. Várias mulheres têm para o facto de a investigação “conti-
pneumotórax”, descreve a farmacêutica. nuar um pouco por todo o mundo, e,
Também para os pais de uma criança como tal, o número de doenças para
com doença rara, a procura de um diag- as quais se conhecem a forma de
nóstico representa muito tempo de grande transmissão e o mecanismo também
sofrimento. “Os primeiros cinco anos de aumenta” – mas o futuro o dirá.
DIAGNÓSTICO

Um comprimido
contra a Covid-19
Já estão na calha novos antivirais contra o SARS-CoV-2.
Em Portugal são reservados a doentes de risco,
e o pneumologista Filipe Froes explica porquê
MARIANA ALMEIDA NOGUEIRA

S
e houve batalha difícil de VACINA ATUAL como Paxlovid) que, quando usado nos
travar na luta contra a A bivalente sazonal primeiros três a cinco dias de manifesta-
Covid-19 foi a da busca “tem a estirpe original ção dos sintomas da doença, era capaz de
por um medicamento do coronavírus, de Wuhan, reduzir a gravidade da infeção e de evitar
antiviral capaz de curar e as estirpes da Ómicron, nove em cada dez internamentos, além
a doença. Ventilavam- que estão em circulação, de salvar vidas.
-se pessoas, medica- a BA.4 e a BA.5”, explica Aprovado pela Entidade Reguladora do
va-se como se podia, o pneumologista Filipe Froes Medicamento (EMA), na Europa, e pela
aliviando-se os sintomas, e, a certa altura, Food and Drug Administration (FDA), nos
prevenia-se com vacinas, evitando-se ter Estados Unidos da América, o medica-
de remediar com as restantes soluções. mento chegou rapidamente às prateleiras
Ao longo do tempo, foram surgindo das farmácias norte-americanas, onde, no
medicamentos antivirais e terapias com início de 2022, era já campeão de vendas.
anticorpos monoclonais, reservadas, No entanto, o mesmo não aconteceu,
porém, a doentes em estados avançados nem acontece, em Portugal e no resto da
da doença. Europa, onde o tratamento antiviral tem
O banal comprimido, tomado antes que sido usado com uma abordagem muito
o caos se instalasse, tardava em aparecer. mais criteriosa. No nosso país, por exem-
Foi então que, no final de 2021, surgiu o plo, é administrado apenas em contexto
nirmatrelvir/ritonavir, um antiviral de hospitalar e está reservado a doentes
toma oral (comercialmente conhecido selecionados.
Podemos perguntar-nos por que razão cardíaca crónica e a renal crónica, a cir-
tal acontece, sobretudo tendo em conta rose hepática, a diabetes, a obesidade, a
que o nirmatrelvir/ritonavir está associa-
do a resultados significativos na melhoria Que vacina síndrome de Down e a doença falciforme.
O nirmatrelvir/ritonavir deve ser usa-
da progressão da doença grave, tradu-
zida em necessidade de internamento
andamos do idealmente nos primeiros cinco dias
de diagnóstico, pois, “tal como qualquer
e em morte, e se tem, até hoje, sempre
mostrado eficaz, independentemente da
a tomar? fármaco anti-infecioso, quanto mais pre-
coce for a sua utilização, maiores serão os
variante e das mutações em jogo, existin- A nova geração já nos benefícios”, explica o pneumologista, su-
do já estudos que demonstram também protege das mais comuns blinhando que a precocidade da toma evita
uma redução de 26% do risco de evolução subvariantes da Ómicron também a necessidade de hospitalização,
para Covid longa, nas pessoas infetadas algo de extrema importância quando fala-
que tomaram o medicamento. Neste momento, a vacina mos de doentes mais vulneráveis ou com
Em primeiro lugar, é preciso ter cons- contra a Covid-19, que se comorbilidades.
encontra disponível, é a
ciência de que o medicamento é fabricado
bivalente sazonal, a que “tem a
nos EUA e, por isso, o País tem acesso a VÊM AÍ NOVIDADES
estirpe original do coronavírus,
uma quantidade significativamente supe- de Wuhan, e as estirpes
Agora que as terapias antivirais, sejam
rior do mesmo. Depois, é importante per- da Ómicron, que estão em elas o nirmatrelvir/ritonavir sejam outras
ceber que o tratamento com este antiviral circulação, a BA.4 e a BA.5”, substâncias destinadas a fases diferentes
acaba por ser uma ajuda para quem não explica Filipe Froes. da progressão da doença, já demonstra-
consegue montar uma resposta imunitária Apesar de não ser obrigatória, ram ser uma ajuda válida no tratamento
apenas com a toma da vacina. atualmente, em Portugal, a da Covid-19, chegou a hora de passar à
Ora, como recorda Filipe Froes, pneu- vacinação contra a Covid-19, à segunda geração de medicamentos.
mologista e coordenador do gabinete de semelhança do que acontece “Já estão na calha outros antivirais,
crise Covid-19 da Ordem dos Médicos, a com as restantes vacinas, o como o ensitrelvir, atualmente a ser estu-
União Europeia tem uma taxa de vacina- pneumologista recomenda aos dado no Japão, que progressivamente vão
ção muito superior à dos EUA, podendo seus doentes que se vacinem, substituir os atuais”, revela Filipe Froes.
reservar o comprimido para quem mais independentemente da idade, Estes novos medicamentos, além de
dele precisa. e isto porque “nunca sabemos implicarem a toma de apenas um compri-
Por fim, a estratégia europeia encontra se a pessoa vai ter uma forma mido por dia, e não de dois, como acon-
justificação na forma como funciona o grave da doença ou qual será tece com o nirmatrelvir/ritonavir, terão
nirmatrelvir/ritonavir e nos doentes em a persistência de sinais e de “maior eficácia e um perfil de segurança
que foi realmente confirmada uma eficácia sintomas”, a chamada Covid mais provável”.
significativa. O medicamento, explica Fili- longa, cujo alcance ainda não Quanto à chegada deste tipo de terapias
GETTYIMAGES

está completamente entendido.


pe Froes, é um inibidor de replicação viral, às prateleiras das farmácias portuguesas, o
Além disso, continua Froes, “a
ou seja vai inibir uma enzima necessária à pneumologista não acredita que tal venha
vacinação é eficaz, segura e
replicação do vírus. a melhor maneira de evitar e
acontecer nos próximos tempos. Além das
O pneumologista considera que, apesar de prevenir uma doença cujas altas taxas de vacinação, ultimamente, em
de ser um fármaco “muito importante consequências só saberemos Portugal, Filipe Froes considera que “tem
e que convém ter” (sobretudo porque no final”. havido uma diminuição do número de
complementa a ação da vacina e reduz Já a comissão de especialistas casos, uma menor consciencialização da
a probabilidade de certos doentes irem da Direção-Geral da gravidade da doença e têm surgido outras
para o hospital, terem doença grave e Saúde comunicou que não alternativas terapêuticas, como os anticor-
morrerem), “quem mais necessita dele são recomendava a vacinação pos monoclonais”.
as pessoas que não conseguem assegurar universal contra a Covid-19 Segundo o pneumologista, todos estes
uma resposta eficaz à infeção através ape- com a segunda dose de fatores desenham um cenário no qual a
nas da vacinação”. reforço às pessoas saudáveis venda do antiviral em farmácia não faz
De facto, para assegurar que a opção entre os 18 e os 49 anos, muito sentido, sobretudo porque convém
terapêutica não falta a estas pessoas, a apesar de ser favorável à não esquecer que o medicamento “tem
norma, que a Direção-Geral da Saúde disponibilização das vacinas algum acréscimo de incompatibilidades e
emitiu, a 28 de maio de 2022, e que, nas a esta faixa da população. Os de interações com outros medicamentos, o
palavras de Froes, “visa permitir um aces- mais jovens devem ponderar, que obriga ou a suspender essa medicação
so mais fácil, precoce e sobretudo racional individualmente, o benefício- ou a ajustar a dose”. Mais: entre 5% e 15%
ao medicamento”, define que o nirmatrel- risco e decidir se se vacinam. das pessoas que fazem esta terapêutica
vir/ritonavir está reservado a pessoas com podem, passados poucos dias, voltar a ter
imunodepressão grave ou com condições infeção por SARS-CoV-2.
de risco de doença grave, nomeadamen- Embora muita gente já encare a Covid-19
te a idade avançada (mais de 60 anos), a como se de uma gripe se tratasse, ainda não
doença pulmonar crónica, a insuficiência temos um “paracetamol” para ela.

83
A CULTURA
EM APENAS DUAS LETRAS
Campanha válida em Portugal até 31/12/2023 salvo erro de digitalização. Consulte todas as opções em loja.trustinnews.pt

PAPEL
6 meses (12 edições)
€40,00 €30,00

Ligue 21 870 50 50 ou aceda a loja.trustinnews.pt


Dias út
Di úteis
i ddas 9h às
à 19h
19h. Custo
C t ded chamada
h d para a rede
d fixa,
fi d
de acordo
d com o seu ttarifário.
ifá i IIndique
di o código
ódi promocional
i l COCDM
OPINIÃO

Consultório

Sabia
que...
O coração aumenta
de peso à medida
que envelhecemos?
Mas não é à custa
do músculo

85
OPINIÃO

O cancro
e a sexualidade

S
exo e cancro. Não, não se en- à sexualidade. Esta deve ser vivenciada de
Mafalda ganou. Talvez não esperasse forma positiva, respeitadora, segura e com
Cruz encontrar estas duas palavras prazer. A questão do prazer é tão importante
Radioncologista na mesma frase. Parecem anta- que, no último ano, o tema de celebração
no IPO do Porto; gónicas e até fora de contexto. do Dia Mundial da Saúde Sexual foi pre-
sexóloga Se calhar nunca pensou num cisamente a expressão “Let’s Talk Pleasure
doente oncológico como alguém sexual- – Vamos Falar de Prazer”.
mente ativo, tal como talvez nunca se tenha Falemos, então! Será possível voltar a ter
questionado como fica a sexualidade de prazer depois de uma doença oncológica?
quem ultrapassa uma doença oncológica. A Claro que sim! Em primeiro lugar, é ne-
verdade é que as necessidades sexuais não cessário esclarecer doentes e famílias que
desaparecem quando um cancro é diag- podem contar com os profissionais de saúde
nosticado. No entanto, podem ter um peso para ultrapassar obstáculos de cariz sexual.
diferente ao longo do percurso e podem Devem colocar todas as dúvidas existentes.
exigir diversos ajustes durante as múltiplas Recomenda-se também que o doente co-
fases da doença. munique abertamente com o parceiro [se
Não é difícil imaginar o impacto que um o(a) tiver]. Os próprios parceiros estão numa
diagnóstico destes terá a nível emocional. A posição vulnerável e poderão precisar de
palavra cancro traz consigo outras locuções tempo para se adaptarem à nova realidade.
igualmente sombrias: medo, ansiedade, de- Perceba que o percurso até à resolução dos
pressão, ameaça de vida. Com tudo isto, a problemas pode ser longo.
disponibilidade para uma vida sexual ativa Durante a fase dos tratamentos, é nor-
diminui e, quase fatalmente, surge o primei- mal não haver apetência para qualquer tipo
ro problema: diminuição do desejo sexual. de envolvimento sexual. Respeite isso e
A seguir ao diagnóstico vêm os tratamen- entenda esta fase como uma oportunidade
tos. As cirurgias podem originar mudanças para descobrir o que é que lhe dá prazer.
na imagem corporal, disfunção erétil, alte- É importante que se explorem outras for-
rações nos órgãos sexuais e zonas erógenas, mas de intimidade. E, acredite, há todo
dores, alterações sensitivas, entre outras. um mundo de intimidade a explorar para
Os tratamentos sistémicos (quimioterapia, além do sexo! No caso de haver dor com a
anticorpos, hormonas) podem causar, por penetração, deverá ser privilegiado o sexo
É exemplo, fadiga, enjoos, queda do cabelo,
falência ovárica e sintomas de menopausa,
não coital e apostar nos preliminares para
uma maior excitação. Além disto, podem
importante secura vaginal ou alterações hormonais. A ser necessários acessórios sexuais, cremes,
deixar claro radioterapia também pode desencadear al-
terações na pele e nas mucosas (oral, vaginal,
lubrificantes, medicação, terapia sexual ou
apoio psicológico.
que as intestinal), dores, secura e estreitamento Porque ter informação é fundamental, o
vaginal, disfunção erétil, entre outras. IPO do Porto lançou recentemente a segunda
disfunções Estas toxicidades têm um impacto negati- temporada do podcast Cancro sem Temor.
sexuais não vo a nível sexual ao causarem dificuldade de
excitação, dificuldade de atingir o orgasmo
O primeiro episódio aborda precisamente
a sexualidade, com o objetivo de esclarecer
são uma ou dor durante o sexo. É importante deixar doentes e familiares relativamente a esta
inevitabili- claro que as disfunções sexuais não são uma
inevitabilidade. Ocorrerão em cerca de 50%
temática.
Dada a complexidade e a multidisciplina-
dade. a 60% dos doentes. ridade destes problemas, as equipas clínicas
Porque é tão importante abordarmos es- têm estado cada vez mais organizadas para
Ocorrerão ta questão? Porque os doentes oncológicos dar resposta a estas questões sob a forma
em cerca vivem cada vez mais tempo e queremos que
tenham qualidade de vida. E não podemos
de consultas de Oncossexologia. O nosso
objetivo é ambicioso, mas não o largamos:
de 50% deixar de parte a saúde sexual. A definição de diminuir o mais possível o impacto do can-
a 60% dos saúde sexual implica não apenas a ausência
de doença ou disfunção, mas sim um estado
cro na qualidade de vida dos doentes, sem
comprometer as taxas de sucesso oncoló-
doentes de bem-estar multidimensional em relação gico. Estamos no bom caminho!

86
Gripes, constipações
e outras viroses

T
odos os anos, desde o final do Se tiver tosse, dores de garganta, con-
Luís Duarte outono até ao início da prima- gestão nasal, rouquidão ou febre baixa (até
Costa vera, há uma vaga de infeções 38 ºC), use uma máscara e evite contactos
Vice-presidente respiratórias que provocam mi- próximos, sobretudo com pessoas de risco,
da Sociedade lhares de idas aos serviços de como os doentes com patologia cardíaca,
Portuguesa de urgência, consultas nas unidades pulmonar ou renal crónica, e os doentes com
Medicina Interna familiares, absentismo e falta de produtivida- baixa imunidade, como os que fazem medi-
de com um custo social e económico eleva- camentos imunossupressores ou com doença
díssimo. Contudo, raramente são situações oncológica. Evite a utilização dos serviços de
com gravidade clínica, com necessidade de saúde, sobretudo as urgências hospitalares,
internamento ou associadas a mortalidade. pois será um foco de transmissão e não ha-
Tosse, dores de garganta, congestão na- verá nenhum benefício.
Nos últimos sal, rouquidão e febre baixa são os sintomas O tratamento não influencia a evolução ou
anos, temos associados a mais de 200 tipos de vírus que
provocam infeção nos humanos. Surgem
duração dos sintomas, que pode ir até às 2-3
semanas, principalmente com a tosse e quei-
identificado nesta altura porque a baixa temperatura e xas de cansaço e mal-estar. Os medicamentos
maior humidade são, por um lado, proteto- que prescrevemos são apenas para aliviar os
mais casos res das partículas virais e da sua replicação e, sintomas, com o intuito de melhorar o bem-
de tosse por outro, dificultam a resposta do sistema
imunológico nas vias aéreas. Concomitante-
-estar e possibilitar uma vida normal e ativa.
Pelo contrário, na presença de febre
convulsa, mente, também nesta altura de frio e chuva, elevada (acima de 38-38,5 ºC), exsudados
cuja vacina estamos mais tempo em meios fechados, fa-
cilitando a transmissão das partículas virais
esbranquiçados da orofaringe ou quando
há agravamento da quantidade e coloração
na infância por aerossóis, por contacto direto ou pelas escura da expetoração, devemos considerar
superfícies, onde os vírus podem sobreviver a hipótese de infeção bacteriana, que, muitas
não impede até duas horas. vezes, surge após a infeção viral. Só nestes
a doença, Neste inverno, sem máscaras e menos
desinfeção das mãos, temos um aumento
casos de infeção bacteriana é que está indi-
cada a prescrição de antibiótico.
mas impede destas infeções, que, como já referi, podem Saliento ainda um caso particular e os
os quadros ser provocadas por mais de 200 vírus (SAR-
S-CoV-2 incluído), capazes de reinfetar a
sinais de alarme que devem motivar observa-
ção médica precoce. Nos últimos anos, temos
graves mesma pessoa ao longo do ano. identificado mais casos de tosse convulsa,
provocada por uma bactéria (Bordetella per-
tussis), cuja vacina na infância não impede
a doença, mas impede os quadros graves.
Se houver tosse persistente, sobretudo
associada a espasmos da laringe ou vómito,
devemos pensar nesta hipótese e fazer anti-
biótico (azitromicina), para reduzir o contágio.
Os doentes imunodeprimidos, com doença
cardíaca, pulmonar ou renal crónica, têm
mais risco de complicações, que se podem
manifestar pela impossibilidade de abertura
normal da boca, estridor (som ofegante du-
rante a inspiração) ou dificuldade respiratória
evidenciada por respiração rápida e incapaci-
dade para atividade física básica. Estes doentes
devem ser observados com maior brevidade,
preferencialmente pelo seu médico assistente.
Para prevenir estas infeções, faça exercí-
GETTYIMAGES

cio físico, não fume, tenha uma alimentação


saudável e controle as suas doenças crónicas.
Tudo o resto não está provado!

87
OPINIÃO

Porque temos tão


poucos anos de vida
João
Gorjão Clara
saudável depois
Professor
de Geriatria
da Faculdade
da reforma?

E
de Medicina
de Lisboa m Portugal, a esperança média A caixa torácica torna-se menos móvel,
de vida é superior à maioria dos os movimentos respiratórios são menos
países do mundo. Os homens eficazes. As secreções brônquicas que cons-
têm uma esperança média de tituem uma barreira às infeções respira-
vida de 77 anos e as mulheres tórias alteram-se e perdem parte daquele
de 83. Só ficamos abaixo do efeito, sendo mais fácil o idoso cansar-se
Japão, da França, do Mónaco e de Espanha. e infetar-se.
Ganhamos a países como os do Norte da O coração aumenta de peso, mas não à
Europa, a Alemanha, a Grã-Bretanha, os custa de músculo, e perde força contrátil.
Estados Unidos da América. Pode tornar-se insuficiente, instalando-se
Depois da reforma, aos 66 anos, os um quadro dito pelos médicos de “insufi-
homens viverão, em média, 11 anos e as ciência cardíaca”.
mulheres 17. Também o sistema elétrico que regula
Esta época da vida após a reforma nem o ritmo do coração pode desregular-se e
sempre é um tempo de bem-estar e de feliz surgem alterações do ritmo cardíaco, as
repouso, porque estes anos são muitas vezes arritmias.
ensombrados por doenças. O fígado e os rins perdem função. São
Porquê? Porque temos tão poucos anos tanto menos eficazes quanto mais velhos
saudáveis depois da reforma? As causas somos. Estes factos são de grande relevância
desta indiscutível realidade são múltiplas. no tratamento das doenças dos velhos, pois
O velho tem um sistema imunitário os medicamentos são eliminados ou des-
menos eficaz do que um adulto jovem, pelo truídos por aqueles dois órgãos, obrigando
que as doenças infeciosas podem ser mais ao acerto das doses da medicação.
frequentes e mais graves, e o cancro pode
surgir também com maior frequência, por
falência da vigilância imunitária.
O velho tem menor tolerância ao açúcar,
razão pela qual a diabetes pode instalar-se
nesta altura da vida.
A elasticidade das artérias reduz-se,
a hipertensão arterial, particularmente a
hipertensão sistólica (a do valor mais alto
quando se avalia a pressão arterial), é muito
comum, e as flutuações da pressão arterial
são muito amplas, surgindo com frequência
“picos” hipertensivos.
A diabetes e a hipertensão arterial agra-
vam o risco de enfarte do miocárdio, de
acidente vascular cerebral e de outras doen-
ças resultantes das alterações arteriais que
aquelas duas doenças provocam.
O desgaste, pelo uso, das cartilagens ar-
ticulares e o aparecimento de deformações
nas articulações provocam dores e limita-
ções motoras.

88
Se as causas, atrás referidas, são da res- Também na reforma se limita o exercí-
ponsabilidade da natureza, existem as ou- cio mental a que a atividade profissional
tras causas associadas ao comportamento obrigava. Sem estimulação intelectual pe-
do reformado, que podem explicar porque la leitura, pela escrita, sem “hobbies” que
são pouco saudáveis os anos de vida depois estimulem e mantenham ativo o cérebro,
da reforma. a memória – e com ela as outras funções
A atividade física a que obrigava o traba- cognitivas – vai-se perdendo. A prática
lho diário durante décadas é substituída por de estimulação cognitiva reduz o risco
excessiva imobilidade. Sem fazer exercício, de demência e, em relação à memória, o
sentado em frente da televisão, na esplanada conceito “Memória? Use-a ou perde-a”
do café ou no banco do jardim, o reforma- é indiscutivelmente verdadeiro.
do vai perdendo massa muscular e óssea, O reformado tem tendência para se
vai perdendo força, autonomia motora isolar. Tendo perdido o contacto com
e equilíbrio. As quedas são por isso mais companheiros de trabalho, sendo esque-
frequentes e, muitas vezes, com compli- cido por familiares próximos, desvalo-
cações graves (fraturas do colo do fémur e rizado socialmente, o reformado depri-
outras, traumatismos cranianos). Também me-se. Em Portugal, o estudo PEN-3s
a falta de atividade física compromete a revelou que a percentagem de idosos com
autoestima, favorece a depressão que re- depressão, na comunidade, ultrapassa os
duz a imunidade, facilitando as infeções e 23 por cento.
as doenças malignas. Alguns estudos revelaram que a re-
Ao reformar-se, o idoso, muitas vezes, forma conduz à ingestão excessiva de
altera a sua dieta. A dieta variada é substituí- bebidas alcoólicas. O que agrava a ocor-
da por uma alimentação monótona de bolos rência de quedas, compromete as funções
e sandes. Insuficiente em proteínas, sem as do cérebro, do fígado, do pâncreas, do
quais os músculos se atrofiam, sem cálcio, sistema nervoso periférico, da visão, e
o que agrava a osteoporose, sem fibras, o reduz a eficácia do sistema imunitário. A
que agrava a obstipação e pode facilitar o ingestão excessiva de bebidas alcoólicas
aparecimento de doenças do aparelho in- pode ser devastadora na saúde física e
testinal. Sem vitaminas, sem sais minerais… mental do reformado.
Para mais, uma alimentação deste tipo é Os reformados que fumam não dei-
excessivamente rica em hidratos de carbo- xam de fumar e muitos fumam mais do
no, conduzindo ao excesso de peso, agra- que na vida ativa. O tabaco arrasta um
vando o risco de diabetes e de hipertensão cortejo de doenças (cancros, doenças
arterial, com as consequências conhecidas respiratórias crónicas) e agrava as con-
destas doenças e atrás citadas. sequências de outras doenças como a
diabetes e a hipertensão arterial.
A procura de apoio médico, para re-
gular o controlo da saúde, é pouco fre-
quente. Por dificuldade várias de acesso
aos serviços de saúde e pela assunção,
O velho tem
completamente errada, mas assumida, de um sistema
que ser velho se acompanha sempre de
um inúmero leque de queixas e sintomas, imunitário
“habituais” no envelhecimento.
Muitos reformados acham que consul-
menos eficaz
tar o médico é expor-se ao reconhecimen- do que um
to de que são velhos e diminuídos… e que
nada há a fazer para a inevitabilidade de
adulto jovem,
que “ser velho é ser doente”, outro con- pelo que
ceito assumido e completamente errado.
As doenças são situações anormais as doenças
tanto nos novos como nos velhos e não
procurar ajuda médica é comprometer
infeciosas
a saúde nos anos que são vividos após podem ser mais
GETTYIMAGES

a reforma.
É necessário lembrar que a velhice não
frequentes
é uma doença, a velhice é um privilégio. e mais graves

89
OPINIÃO

Quando a gengiva
começa a “encolher”

G
engiva a “en- Nos fumadores, existe Recessões estão frequen-
Bernardo colher”, clini- uma diminuição da vascu- temente associadas a uma
Neves camente des- larização dos tecidos gen- técnica de escovagem trau-
Médico dentista crita como givais, podendo causar pro- mática – quer pela força
na Clínica Santa recessão ou gressiva retração gengival. excessiva aplicada, tipo de
Madalena retração gen- Aconselhamento para ces- movimentos realizados ou
gival, é um sinal que apre- sação dos hábitos tabágicos dureza dos filamentos das
senta elevada prevalência na pode ser o primeiro passo cerdas –, podendo nestes
população. A retração gen- para travar a progressão. casos ser observado desgas-
gival pode surgir associada a Fatores anatómicos, co- te do esmalte dentário junto
sangramento gengival, des- mo inserções de freios pró- à margem gengival.
gaste da estrutura dentária ximas das margens gengi- Parafunções, como o
ou sensibilidade dentária, vais podem levar a retração bruxismo (“ranger os den-
e é motivo de alerta pelo gengival, sendo a remoção tes”), são outra das causas,
comprometimento estético, cirúrgica destes freios ne- pelas forças que são exerci-
funcional ou de conforto cessária. Dentes mal posi- das sobre os dentes durante
causados. cionados nas arcadas den- estes movimentos. Nestes
Como sinal clínico, a sua tárias também podem ser casos, é necessário eliminar
origem pode estar assente causa para recessões gen- hábitos prejudiciais.
em múltiplos fatores, sendo givais, podendo por vezes A resposta é estar atento
fundamental estar alerta e ser solucionados com tra- e procurar ajuda profissio-
apostar na prevenção com tamento ortodôntico. nal, de forma a obter um
consultas regulares com o diagnóstico clínico precoce
médico dentista. Consoante para identificar e eliminar
o diagnóstico, o tratamento fatores causais e melhorar o
deve iniciar-se pela elimina- prognóstico do tratamento.
ção do fator causal e pode Numa segunda fase, e em
visar a mera estabilização casos com essa indicação,
de uma situação de doença existem procedimentos ci-
ativa e travar a progressão rúrgicos, com resultados ca-
da migração gengival ou a da vez mais previsíveis, que
correção com o objetivo de podem passar por enxertos
reverter, total ou parcial- ou cirurgias de regeneração
mente, estas recessões. – sejam estes apenas para
Acumulação de placa melhorar a qualidade dos
bacteriana e cálculo são os Existem tecidos gengivais ou para
principais causadores de reposicionar ou regenerar
um quadro de inflamação procedimentos tecidos e permitir então um
gengival, por norma asso-
ciado a aumento do volu-
cirúrgicos, recobrimento radicular.
Em casos em que o tra-
me gengival e sangramento com resultados tamento cirúrgico não seja
que, evoluindo para doença opção, mas persiste com-
periodontal, pode levar não cada vez mais prometimento estético, de
só à recessão gengival como
à perda progressiva do osso
previsíveis, que conforto ou funcional signi-
ficativo, existem atualmente
que suporta os dentes. Sen- podem passar soluções de reabilitação, tais
do a recessão irreversível, o como restaurações estéticas
importante é travar a doença por enxertos e coroas ou facetas cerâmi-
periodontal, até pelas impli-
cações sistémicas associadas
ou cirurgias cas que permitem corrigir
ou minimizar as sequelas
a esta doença. de regeneração das recessões.

90
Como evitar a queda
de cabelo?

T
anto o stresse como a ansie- ou descamação, é importante agir e tratar.
Carlos dade, bem como a depressão, Em caso de seborreia, deve escolher-se
Portinha afetam a qualidade do cabelo, um champô que reequilibre o couro ca-
Médico, diretor sendo o primeiro uma das beludo e regule a produção de gordura. Já
clínico do Grupo principais causas de queda no caso de descamação, existem produtos
Insparya (alopecia nervosa). próprios para a dermatite descamativa.
É importante observar que os cabelos Para evitar a perda de cabelo e melhorar
perdidos devido a stresse, ansiedade ou a sua qualidade, evitando também desca-
depressão podem ser recuperados assim mação ou gordura, os tratamentos usuais
que essa perturbação terminar. são igualmente recomendados, como é o
Os agentes causais mais associados a caso da mesoterapia capilar, que consiste
stresse são o trabalho, crises familiares, na aplicação, ao nível do couro cabeludo, de
atividade formativa ou doenças. um cocktail de vitaminas, proteínas e sais
Na literatura científica, encontramos minerais, fatores de crescimento, fatores an-
uma relação com dois sentidos entre de- tioxidantes, fatores antiandrogénicos e ácido
pressão e alopecia. Ou seja, a depressão hialurónico, que vão alimentar, proteger e
pode levar à queda de cabelo, mas a pró- estimular a unidade folicular, levando a que
pria queda de cabelo (seja genética ou de esta produza cabelo de maior qualidade e
outro tipo) pode levar à depressão. A perda mais resistente à quebra e à queda.
de cabelo, apesar de não ser uma condição Outra opção complementar é o PRP
com risco de vida, é suscetível de causar (Plasma Rico em Plaquetas), que consiste em
limitação e stresse, afetando a qualidade plasma obtido do sangue do paciente, trata-
de vida dos doentes, através da alteração do e reinjetado no couro cabeludo, de forma
Na literatura da imagem corporal que está intimamente a estimular as unidades foliculares para a
ligada à identidade de cada um, com fortes produção de cabelo mais forte e resistente.
científica, implicações na vida social e na autoestima. Assim, perante alterações capilares
encontramos Quando os níveis de stresse crescem, devidas a stresse, ansiedade e depressão,
pode ocorrer um aumento da caspa e é importante que o paciente seja bem
uma relação também da produção de gordura no couro aconselhado, em consulta especializada,
com dois cabeludo (seborreia).
Perante a queda de cabelo, seborreia
de modo que lhe sejam disponibilizados
os tratamentos mais adequados.
sentidos entre
depressão
e alopecia.
Ou seja,
a depressão
pode levar
à queda
de cabelo,
mas a própria
queda
de cabelo
GETTYIMAGES

pode levar
à depressão

91
OPINIÃO

O que fazer quando


estamos no limite

S
abemos que a saúde e o As três psicopatologias são frequen-
Miguel bem-estar psicológicos não temente diagnosticadas de forma con-
Santos existem isolados do seu con- comitante. É de índole fulcral salientar
Psicólogo Clínico e texto, uma vez que são ex- que um número considerável de pessoas
da Saúde no Grupo tremamente influenciados que procuraram acompanhamento psi-
Trofa Saúde pelas condições sociais e cológico/psicoterapêutico relatava que,
económicas nas quais vivemos. numa fase inicial, os seus problemas e
Inegavelmente, o nosso sentimento de sequentes sintomas eram “normais” e
segurança e bem-estar ficou bastante dé- resultantes de um problema situacional.
bil por dois anos consecutivos de pande- Mais a fundo, foi possível indagar que
mia, provocado pelo vírus SARS-CoV-2. elas efetivamente cumpriam critérios,
Consequentemente, a crise socioeco- por exemplo, para uma perturbação de
nómica que dela decorre deixou-nos adaptação ou outras, cujos sintomas não
enérgicos, exaustos, mas principalmente conduziam a situações mais gravosas,
desesperançados. Como agravante, quan- tais como tentativas de suicídio. No
do perspetivávamos o fim da pandemia, entanto, face ao que vivenciaram desde
acabámos por ser confrontados com
uma guerra e com todos os seus efeitos
calamitosos e traumáticos.
Quando falamos em situações de crise,
que podem espoletar resultados impre-
visíveis e de forma contínua num amplo
espetro temporal, os sentimentos de in-
certeza, medo e desânimo podem ser mais
difíceis de gerir. Perante estes e todo o
desgaste emocional que daí possa provir,
e se agregarmos outras vulnerabilidades,
como a pobreza, desemprego e exclusão
social, poderemos assistir a um aumento
da probabilidade de as pessoas desenvol-
verem ou verem agravadas dificuldades e
problemas do foro da saúde mental.
Nos dias que correm, é do conheci-
mento geral que os problemas de saúde
psicológica são tão ou mais debilitantes
do que a maioria dos problemas de saúde
física. A dor mental é tão real quanto a
dor física, sendo muitas vezes mais grave
e incapacitante. A título exemplificativo,
na Europa, os problemas de saúde psico-
lógica são responsáveis por cerca de 40%
dos anos vividos com incapacidade. Em
Portugal, os números são cada vez mais
alarmantes, tendo-se agravado com os
acontecimentos antes citados, nomeada-
mente no que diz respeito à ansiedade,
depressão e burnout.

92
o início da pandemia até ao momento, Numa fase primária, é crucial aceitar
essas pessoas acabaram por desenvolver as nossas emoções e os nossos senti-
quadros psicopatológicos mais graves e mentos. É totalmente natural sentirmos
debilitantes, como depressão, ansiedade muitas emoções e sentimentos diferentes.
e burnout. É perfeitamente razoável chorar, se sen-
Conscientes das razões que conduzi- tirmos vontade de o fazer (muitas vezes,
ram a esses diagnósticos e de que ten- depois, até nos sentimos mais aliviados),
dem a interferir negativamente na saúde ou demonstrar irritabilidade. Podemos
mental, as questões que se legitimamente experimentar todos estes sentimentos e
se impõem são: “O que posso fazer para saber que está tudo bem em expressá-
diminuir o sofrimento?”. Ou, de modo -los de alguma forma. Também é natural
mais simples, “Como posso sair disto?”. que o nosso humor e a nossa motivação
Como resposta, é fundamental reforçar possam flutuar.
as principais estratégias, que promovem De forma subsequente, podemos uti-
a diminuição e a resolução dos problemas lizar estratégias de gestão emocional da
psicopatológicos. ansiedade e do stresse, tais como: falar
com alguém em quem confiamos; parti-
lhar pensamentos e sentimentos com um A dor mental
familiar e/ou amigo/a; concentrarmo-nos
em ações que conseguimos controlar; é tão real
quando sentimos maior ansiedade, respi-
rar fundo, planear diferentes tarefas para
quanto a dor
a semana (e.g. organize um espaço da sua física.
casa ou do seu local de trabalho); realizar
atividades físicas e outras que lhe deem
Na Europa,
prazer e que eventualmente sejam dife- os problemas
renciadoras do que por norma costuma
fazer (e.g. experimente desenhar, pintar, de saúde
cozinhar, ver uma série e/ou escrever).
Por último, é crucial pedir ajuda. Um/a
psicológica são
psicólogo/a tem um conjunto de ferra- responsáveis
mentas e de intervenções baseado na
evidência científica e pode ajudar a saber
por cerca
mais sobre a patologia, a lidar melhor com de 40%
ela e a mudar alguns dos pensamentos e
comportamentos. Um/a psicólogo/a pode dos anos
ajudar a sentir-se melhor, mais seguro e
resiliente, mais capaz de lidar com o que
vividos com
acontece, com as pessoas à sua volta, nos incapacidade
diversos contextos. Este/a pode ajudar a
desenvolver estratégias de regulação emo-
© DABISIK | DREAMSTIME.COM

cional e de autocuidado, que permitam


gerir melhor a ansiedade e o stresse, bem
como o equilíbrio entre a vida e as neces-
sidades pessoais e profissionais.
“A fé é o instinto da ação!” (Fernando
Pessoa)

93
OPINIÃO

Já ouviu falar
em jetlag social?

Q
uando pensa- manter a desejável regularida- afetados pelo jetlag social, mas
Cátia Reis mos em estilos de. A sociedade está “feita” para não são os únicos. Este fenó-
Cronobióloga, de vida saudá- as pessoas matutinas (exemplo meno é transversal a todas as
certificada em veis, há uma disso são os horários de traba- classes etárias. Outro grupo
Sono pela p a l av ra q u e lho e das escolas) e os notívagos no qual existe uma inadapta-
European Sleep imediatamente têm uma maior dificuldade em ção entre os horários de tra-
Research Society ganha relevo: adaptar-se a estes ritmos so- balho e o horário biológico são
regularidade. Se, para o exer- ciais. Estas pessoas (notívagas os trabalhadores por turnos,
cício, a alimentação, a saúde ou vespertinas) veem-se força- que acabam na maioria dos
mental e física é importante das a acordar demasiado cedo seus dias de trabalho por estar
manter alguma regularidade para o que seria a sua hora a dormir e a trabalhar contra
nos nossos hábitos, o sono biológica nos dias de trabalho/ o que a sua biologia ditaria.
não é exceção. Se é daqueles escola, conseguindo dormir Embora possamos reco-
que não tem horas certas para na sua hora biológica apenas nhecer a pressão para adotar
dormir e acordar, então pode quando têm essa possibilida- este padrão de jetlag social-
sofrer de jetlag social. de, ou seja, nas folgas. É este mente imposto, há que su-
Teresa Toda a gente sabe que uma fenómeno que se designa de blinhar os efeitos negativos
Rebelo Pinto boa alimentação implica horá- jetlag social, que conduz mui- para o bem-estar e a saúde em
Psicóloga, certificada rios específicos, que o exercício tas vezes a situações crónicas geral. Por exemplo, aumento
em Sono pela European é benéfico quando se torna de privação de sono durante do risco cardiovascular, obe-
Sleep Research Society mais sistemático e que um os dias de semana e longos sidade, diabetes, consumo de
intestino saudável funciona de períodos de sono no fim de estimulantes e alterações do
forma relativamente previsível semana. Os adolescentes são, humor.
e autónoma. O mesmo acon- por norma, particularmente Se o corpo precisa de saber
tece com a nossa vida afetiva, afetados pelo jetlag social, já com o que é que conta, não há
que se torna mais interessante que são biologicamente mais dúvida que manter um horá-
quando acontece de forma rit- notívagos, e esta situação é ain- rio relativamente regular para
mada e regular, em vez de al- da agravada por outros fatores dormir e acordar é essencial.
ternarmos períodos de grande sociais (como a relação com os Isso significa que devemos
isolamento com alturas em que pares, por exemplo). banir os programas sociais
até nos fartamos de ter pes- Os adolescentes são, sem à noite? De forma alguma,
soas por perto. Além de tudo sombra de dúvida, os mais mas talvez gerir tudo com
isto, a regularidade no ciclo bom senso e evitar mudanças
sono-vigília é crucial para nos drásticas a toda a hora. Não é
mantermos sãos a vários níveis. É o fenómeno demais referir que alguns jo-
O ideal seria que cada pes- vens se deitam à mesma hora
soa conhecesse o seu crono- de jetlag social que acordam no dia seguinte
tipo, ou seja, a sua hora pre-
ferencial/ideal para dormir e
que conduz para ir para as aulas! Seria o
equivalente a viajar 7 ou 8 fu-
estar ativo ao longo do dia, que a situações sos horários e regressar no dia
pode variar de extremamen-
te matutino a extremamente
de privação seguinte. Além de que a dívida
de sono que vão acumulando
notívago. De seguida, seria de sono durante a semana pode mes-
importante adaptar o ritmo mo não ser recuperada.
de vida às nossas necessidades durante os dias O nosso conselho é que da
biológicas, respeitando aquilo
que o corpo precisa em termos
de semana e próxima vez que pensar “E se
dormisse menos horas hoje e
de duração e timing do sono longos períodos recuperasse no fim de sema-
no período das 24 horas.
Mas, em pleno século XXI,
de sono no fim na?”, respire fundo e pense
duas vezes. Valerá mesmo a
são muitos os desafios para de semana pena? Provavelmente não.

94
Cancro: quando
devemos começar
Marta Vaz
Batista
a fazer exames e quais?

O
Oncologista no
Hospital CUF Sintra cancro é a segunda causa mais cancro da mama, 20% no cancro colorretal
frequente de morte no mundo, e 80% no colo do útero.
responsável por 10 milhões de O rastreio de cancro da mama consiste na
vítimas mortais por ano. Sa- realização de mamografia, de dois em dois
bemos que um terço dos casos anos, em mulheres com idades entre os 50
pode ser prevenido e cerca de e os 69 anos. O rastreio de cancro do cólon
um terço pode ser curado, se for detetado e e reto consiste na pesquisa de sangue oculto
tratado atempadamente. nas fezes, a realizar a cada dois anos (ou, em
Quanto mais precoce for o diagnóstico de alternativa, a colonoscopia, realizada de dez em
cancro, maior é a probabilidade de cura. Isto dez anos), em pessoas de ambos os sexos e com
porque é mais provável que o tumor ainda se idades entre os 50 e os 74 anos. O rastreio de
encontre localizado no órgão de origem, sem cancro do colo do útero destina-se a mulheres
haver disseminação para outros locais do corpo. entre os 25 e os 60 anos, consistindo na análise
O diagnóstico precoce, nesta fase inicial, de amostra de células obtidas por citologia
pode ser conseguido por rastreio (quando ginecológica, a realizar a cada cinco anos.
não se tem qualquer queixa) ou através da Estas orientações destinam-se à população
investigação de sintomas. A vigilância regu- em geral. Pode haver necessidade de serem
lar em consulta com o médico assistente, se adaptadas em pessoas com risco aumenta-
necessário com realização de exames, facilita do, pela sua história familiar ou presença de
a adesão aos rastreios e torna mais célere a fatores de risco.
investigação de alterações no estado de saúde. O programa de deteção precoce de cancro do
O rastreio baseia-se na realização de exa- pulmão já demonstrou ter um impacto na di-
mes para se detetar a doença em pessoas sem minuição da mortalidade por este tumor. Des-
sintomas, ou seja quando ainda não se sus- tina-se a doentes fumadores de longa duração
peita de que haja patologias. Em alguns casos, e a ex-fumadores, com idades compreendidas
permite também a deteção e o tratamento de entre os 50 e os 75 anos, com tomografia com-
Em lesões pré-malignas, ou seja de potenciais putorizada (TC) de baixa dose anual. Ainda não
Portugal, precursoras de cancro.
Nem todos os tipos de cancro podem ser
está implementado em Portugal. No entanto,
já se encontra disponível em algumas institui-
os rastreios rastreados. Em Portugal, os rastreios atual- ções de saúde. Está em estudo pela tutela a sua
mente indicados são os de cancro da mama, implementação em todos os indivíduos desta
atualmente cancro do cólon e reto e cancro do colo do população de risco, bem como a dos rastreios
indicados útero. Estes têm resultado na redução de
mortalidade de aproximadamente 30% no
do cancro da próstata e do estômago, também
para grupos populacionais específicos.
são os O diagnóstico precoce poderá ainda ser
de cancro conseguido através da investigação atempada
de sintomas anormais. Neste caso, deve ser
da mama, procurado um médico, para uma avaliação
clínica e, se necessário, realização de exames
cancro do complementares de diagnóstico. Saliento, por
cólon e reto exemplo, a deteção de um nódulo na mama, a
existência de sintomas respiratórios prolonga-
e cancro dos ou a alteração de hábitos intestinais.
do colo Não poderia também deixar de dirigir
uma palavra sobre a prevenção. Relembrar
do útero que a evicção tabágica, a adoção de uma dieta
equilibrada, a realização de exercício físico e
o seguimento habitual pelo médico assistente
têm um papel essencial na prevenção do de-
senvolvimento de cancro.

95
LIVROS

Alta
L E R FA Z B E M
Novidades de leitura acabadas de chegar às livrarias

O que é ter uma


“memória de ferro”
As respostas da autora Belina Nunes, neurologista,
diretora da Clínica de Memória, no Porto

A partir de que momento não saber As falhas de memória recente são


onde se deixou as chaves se torna relevantes e necessitam de avaliação
problemático? médica quando se tornam repetidas
A probabilidade de nos esquecermos e começam a ter implicações na vida
de algo significativo aumenta se diária da pessoa.
estivermos fatigados, em privação
de sono, sob pressão pessoal ou Quais as doenças em que o
profissional ou ainda a responder esquecimento é um sintoma?
a múltiplas tarefas em simultâneo. A mais conhecida e temida é, sem
Trata-se de uma falha da memória dúvida, a doença de Alzheimer, que
de trabalho, a qual é muito sensível à tipicamente se inicia com falhas de
falta de atenção, devida, por exemplo, memória, as quais se revelam como
a fadiga ou stresse. Pelo contrário, a incapacidade de reter a informação,
pessoa que repetidamente esquece de evocar memórias recentes (o tal
onde coloca as chaves, o porta- almoço de ontem). E, por isso, a pessoa
moedas, uma peça de roupa de uso pergunta muitas vezes a mesma coisa,
diário, que deixa de saber os códigos assim como esquece os recados, mas
de multibanco ou números de telefone também compromissos (memória
há muito memorizados, datas de prospetiva). A memória pode, no entanto, MEMÓRIA
aniversário ou nomes de familiares ser comprometida em muitas outras DE FERRO
próximos, isso pode significar falhas de doenças, quer cerebrais orgânicas, quer BELINA NUNES
memória de outra natureza e de maior mentais. Talvez as causas mais comuns MANUSCRITO
gravidade. sejam a depressão e a ansiedade. 224 PÁGS.
Esquecer situações antigas é Como se deve exercitar a mente? €15,90
menos grave do que esquecer o que A robustez da nossa memória
se fez ontem? depende da saúde do cérebro e do perdidas. Nas crianças, a aprendizagem
O esquecimento é essencial para o organismo, de um modo geral. Várias musical poderá ser muito importante
funcionamento normal da memória doenças comuns, como a diabetes, para adquirir robustez do cérebro
de cada um de nós. O que acontece, a hipertensão arterial, a dislipidemia e da memória, uma vez que exige
e nos entristece, muitas vezes é que (níveis elevados de colesterol e concentração, memorização e controlo
gostaríamos de ter maior controlo triglicerídeos) ou o tabagismo, de impulsos, tendo-se revelado um
sobre o que retemos na memória comprometem o funcionamento do dos melhores protetores contra
e o que esquecemos. No entanto, cérebro. Por outro lado, os cérebros o envelhecimento. Para
não recordar um facto concreto são cada vez mais inundados os mais velhos, clubes de
recente, por exemplo, se ontem por imagens e sons, dispersos e leitura, jogos de tabuleiro,
almoçou salmão grelhado ou vitela sem significado, e a neurociência diversos tipos de exercício
assada, reflete que a informação precisará de tempo para entender físico, como a dança, são
não ficou gravada e, portanto, não como [o cérebro] se está a dados como exemplos de
consegue ser recordada e poderá modificar em termos de boas práticas para a saúde
implicar disfunção dos hipocampos. competências ganhas e cerebral. S.C.

96
PERGUNTE
À SUA PEDIATRA
DEPOIS DA MORTE MÓNICA CRÓ BRAZ
COMO TER TEMPO
BRUCE GREYSON Da gravidez até aos 3 anos, há
PARA TUDO
Professor de Psiquiatria na Faculdade um oceano de perguntas que SOFIA PEREIRA
de Medicina da Universidade não para de surgir. Aqui encontra Especialista em Gestão Consciente
da Virgínia, EUA, Bruce Greyson muitas respostas sobre temáticas do Tempo, Sofia Pereira elabora um
estudou as experiências de “quase- como alimentação, sono, plano de sete semanas para alcançar
morte” e dá-nos a sua visão sobre desenvolvimento, doenças, birras... o equilíbrio entre vida pessoal, familiar
a natureza da morte. Será esta o fim Uma ferramenta para ter à mão e profissional. Porque prevenir o
da consciência ou uma transição para e, quem sabe, evitar algumas idas burnout, o stresse e a ansiedade é por
outra forma de consciência? desnecessárias às urgências. demais importante para a sua saúde.

SAÍDA DE EMERGÊNCIA PLANETA MANUSCRITO


304 PÁGS. 304 PÁGS. 176 PÁGS.
€18,80 €17,50 €14,90

TORNA-TE O AMOR
DA TUA VIDA FILHOS ADULTOS
JOANA GENTIL MARTINS PERDER O PARAÍSO DE PAIS
LUCY JONES
Neta do reconhecido médico-cirurgião EMOCIONALMENTE
António Gentil Martins, a psicóloga
Joana Gentil Martins elaborou um
É um livro fascinante sobre a
ligação profunda entre a Natureza
IMATUROS
guia prático para aumentar a sua e a saúde mental. O que acontece LINDSAY C. GIBSON
autoestima. Como enfrentar os medos à nossa saúde, de acordo com Houve quem crescesse com pais
e aprender a Ciência, quando saímos das narcisistas, ambiciosos, negligentes
a ser mais confiantes, é o que nos quatro paredes em que estamos em afetos, que provocaram nos filhos
propõem estes 50 exercícios para o confinados e mergulhamos no lar sentimentos de grande ansiedade e
dia a dia, vídeos explicativos e técnicas primordial, na floresta, nos cheiros instabilidade. Este livro é para esses
usadas em consulta. da terra, nos verdes das árvores? adultos, que precisam de “reparação”.

PLANETA TEMAS E DEBATES LUA DE PAPEL


304 PÁGS. 264 PÁGS. 272 PÁGS.
€15,90 €17,70 €15,50

97
OPINIÃO

Saúde mental: um Gustavo Jesus


problema político? Médico psiquiatra, diretor
clínico da PIN Lisboa

A
saúde mental está hoje no centro da dis- Em 2013, estimava-se que 60% das pessoas com doen-
cussão pública. Das notícias frequentes nos ça mental não obtinha tratamento – números anteriores à
órgãos de comunicação social às campanhas pandemia, que agravou as lacunas existentes nos serviços
publicitárias centradas no tema, passando de saúde. É nos cuidados de saúde primários que é tratada
pelo debate político em que se afirma a a maioria das pessoas com perturbação psiquiátrica (como
saúde mental como uma prioridade, todos depressão e ansiedade). No entanto, a escassez de médicos
parecem ter acordado para o problema. Mas terão per- de família tem vindo a aumentar. Ao mesmo tempo, a quase
cebido a sua verdadeira dimensão? inexistência de psicólogos nos centros de saúde limita as
Embora a pandemia tenha amplificado o sofrimento intervenções terapêuticas.
psicológico das pessoas, a elevada taxa de doença mental Quanto aos serviços hospitalares, a situação também não
em Portugal não surgiu agora. Quando, em 2013, foi publi- é fácil. Aliás, quando o médico de família decide referenciar
cado o último grande estudo epidemiológico, já Portugal um doente à psiquiatria, só 10% das referenciações resultam
se revelava como o segundo país da Europa com maior numa consulta, o que se relaciona com a insuficiência de
prevalência de doença mental, atrás da Irlanda do Nor- recursos humanos, também expressa no aumento recente
te. No nosso país, mais de um em cada cinco indivíduos do tempo de espera para uma primeira consulta que, em
apresentou uma perturbação psiquiátrica nos 12 meses alguns casos, excede os seis meses. Em paralelo, os serviços
anteriores à entrevista. Ao longo da vida, a probabilidade de urgência de Psiquiatria têm visto a sua afluência aumentar
de ter uma perturbação de ansiedade era de uma em cada e os serviços de internamento apresentam taxas de ocupa-
quatro pessoas e de ter depressão correspondia a uma ção próximas ou superiores a 100%, levando a que muitos
em cada cinco. Se estes números já eram preocupantes, doentes tenham de ficar internados no serviço de urgência
a pandemia veio agravá-los, estimando-se, em 2021, um a aguardar vaga.
aumento do número de casos a rondar os 30%. Para fazer face a todos estes problemas, tomou posse em
As consequências não se restringem à saúde mental. 2022 a Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Men-
Ainda que o grande sofrimento psicológico ou os desfe- tal, que herdou a maioria das medidas do Plano Nacional
chos irreversíveis, como a morte por suicídio, devessem de Saúde Mental 2007-2016, por implementar, às quais
ser o suficiente para chamar a atenção de quem desenha as acrescentou aspetos relacionados com a reorganização dos
políticas de saúde, há que lembrar que as doenças mentais serviços. Entre estes, está a criação de 40 novas equipas
também têm impacto na saúde física. Por exemplo, ter de- comunitárias, que irão beneficiar da parcela do Plano de
pressão agrava o estado geral de saúde, aumentando, por Recuperação e Resiliência, de 88 milhões de euros, dedica-
exemplo, o risco de doença cardiovascular ou de diabetes, da à saúde mental. Essa verba inclui ainda a construção de
e diminuindo a esperança média de vida. quatro novos serviços de internamento de agudos, à medida
Escusado será dizer que uma maior carga de doença que se encerram as camas em hospitais psiquiátricos (fica
custa ainda mais dinheiro em saúde. Mas não ficamos por saber como se resolverá o atual problema da carência
por aí – a doença mental tem ainda grandes impactos de vagas, quando, de acordo com o plano atual, o número
económicos. A depressão é a principal causa de dias de total de camas irá diminuir).
vida doente no mundo e de incapacidade para o trabalho Trata-se de um investimento avultado – mas será a es-
em Portugal (e também a que sai mais cara!). Resulta em colha de prioridades mais adequada, face aos problemas
absentismo, com custos para o estado e para as empre- expostos? Irá aumentar o acesso a cuidados de saúde mental
sas, mas também em presentismo, com diminuição da à generalidade da população? Que estratégias serão usadas
produtividade de quem vai trabalhar. para captar médicos de família e especialistas em Psiquiatria,
As políticas de saúde mental podem representar um be- sobretudo para as regiões mais carenciadas? Quando irão ser
nefício muito maior do que os seus efeitos contratados mais psicólogos, em particular
mais próximos. Arquimedes disse: “Dê-me para os cuidados de saúde primários?
uma alavanca e um ponto de apoio e levan- A depressão Dar respostas a todos estes problemas
tarei o mundo.” Melhorar os indicadores em não é uma tarefa fácil. A saúde mental é
saúde mental representaria uma alavanca é a principal um determinante da saúde pública e pode
para melhorias em todo o sistema de saúde,
mas também no mundo do trabalho e na
causa de alavancar melhorias que transcendem a
saúde. É altura de pensar as políticas de
economia. Estarão as políticas de saúde a incapacidade saúde mental e os respetivos investimentos,
ser o ponto de apoio necessário para que as
melhorias sistémicas ocorram? A resposta
para o trabalho de forma a transformá-los num ponto de
apoio que faça, finalmente, funcionar esta
é não – pelo menos até agora. em Portugal alavanca.

98
VENHA REDESCOBRIR
A MADEIRA
O S S E G R E D O S M A I S B E M G UA R DA D O S D O A R Q U I P É L AG O.
N AT U R E Z A , T R A D I Ç ÃO, G A S T R O N O M I A , C U LT U R A , A R L I V R E E M U I TO M A I S

EDIÇÃO ESPECIAL

Naturalmente, a não perder


Procure nos pontos de venda, aceda a loja.trustinnews.pt
ou ligue 21 870 50 50
Dias úteis das 9h às 19h. Custo de chamada para a rede fixa, de acordo com o seu tarifário.
Dra. Bercina Candoso | CP 31793
Ginecologia e Obstetrícia

Você também pode gostar