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A Força do Perdão
1o QUADRO
Em casa de Madalena. Judas entra, vai até uma porta, ergue o reposteiro e
chama.
JUDAS: Madalena! Madalena! Vem... Preciso falar-te...
MADALENA: (aparecendo, ao fim de alguns instantes) Que queres tu
aqui, Judas Iscariotes?
JUDAS: Bem o sabes... Porque te fazes alheia ao mal que me abrasa?
MADALENA: Voltaremos novamente a êsse triste assunto já morto?
JUDAS: Morto, como, se cada vez mais vivo é o meu amor por ti?
MADALENA: Amor... E chamas a isso... amor?
JUDAS: Dá-lhe o nome que quiseres, mas não zombes de mim...
MADALENA: Zombar? Quem sou eu para zombar de alguém, meu pobre
Judas?
JUDAS: Não quero a tua piedade... Não quero que me chames teu pobre
Judas... O que eu quero é que me ames... Que me queiras como eu te
quero!...
MADALENA: Isso é impossível.
JUDAS: Impossível porquê?
MADALENA: Porque hoje sou outra mulher. Operou-se em mim profunda
transformação. E, em parte, eu te agradeço, pois foste tu quem concorreu
para que essa transformação se realizasse.
JUDAS: Eu? Que queres dizer?
MADALENA: Nada... Tu não me compreenderias...
JUDAS: Em todo caso, fala. Tua voz tem para mim suaves e irresistíveis
encantos. Apesar de ser um bronco, como talvez imagines, quem sabe se eu
te posso compreender? Fala.
MADALENA: A mulher que tu desejavas, Judas Iscariotes, era outra, bem
diferente desta que tens na tua presença....
JUDAS: Não digas isso... Meus sentidos não me enganam... Os olhos
lânguidos que sempre me seduziram, ei-los aí, envoltos numa nuvem de
tristeza... A boca, que sempre me atraiu, é esta mesma boca que fito enleado
neste momento... Os braços esculturais, que sempre anelei sentir em torno do
meu pescoço, como um colar de infindas doçuras, são os mesmos braços que
procuras ocultar sob as dobras da túnica modesta em que te envolvestes...
Todo aquele corpo atraente, que me aparecia nos delírios das noites sem
sono, é este mesmo corpo que palpita aqui, junto de mim... Como dizes que
és outra mulher?
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mais perto do teu coração, confiei-te o meu segredo... Disse-te que eu era um
daqueles que o seguiam por toda parte. Pediste-me que o trouxesse aqui... E
eu, ingênuo, eu, louco, acedi ao teu desejo... Trouxe-te Jesus de Nazaré...
Êsse mesmo Jesus de Nazaré que, com seus ares mansos, seus ademanes
hipócritas, conseguiu fazer de ti sua escrava, tirando-me toda a esperança de
vir a possuir o teu amor!...
MADALENA: Cala-te! Estás proferindo impiedades!
JUDAS: Pois já não confessastes que o amas?
MADALENA: Confesso-te, Judas... Quando me aproximei dele, foi com a
idéia de ter mais uma vez incensada a minha vaidade de mulher. Aquele
homem simples, de quem todos contava maravilhas, aquele homem que
pregava idéias novas e diferentes, aquele homem que arrostava a cólera de
César e de seus prepostos, despertava a minha curiosidade... Foi por isso que
te pedi que o trouxesse à minha casa. Mas quando o vi, na sua mansidão e
simplicidade, quando o vi abrindo o seu coração, todo bondade, aos que dele
se aproximavam, compreendi que ele não era um homem igual aos outros...
Compreendi que havia nele um que de sobrenatural, de divino, mesmo. E foi
esse homem, cujas sandálias traziam o pó das estradas, esse homem pobre
que nada tinha para oferecer-me, foi ele que me fez a maior dadiva que
jamais alguém poderia conceder-me... Ele mostrou-me o caminho do Céu... o
caminho da Redenção!...
JUDAS: Não te acredito! Não creio nessa transformação!... Esse homem
usou artes do diabo para enfeitiçar-te... Vejo que a sua obra foi terrível!...
Mas terrível será também a minha vingança.
MADALENA: Judas... Que intentas fazer?
JUDAS: Pela última vez: - queres ou não ser minha?
MADALENA: Nem Tua nem de mais ninguém. Juro-o em nome do Pai, do
Filho e do Espirito Santo.
Amém
JUDAS: Pois bem. Verás que não se burla impunemente de um homem que
se chama Judas Iscariotes. Haveis de Ter notícias minhas... tu e aquele
maldito Nazareno... Hei de perturbar o festim dos vossos amores! ... Nem
minha nem de mais ninguém, disseste... Mas o que te garanto é que dele
nunca mais serás! Adeus!... (sai violentamente)
2º QUADRO
(Em casa de Maria. – Ela está só Jesus entra)
JESUS: Mãe querida, eis-me aqui.
MARIA: Meu filho...Tu tardaste...
JESUS: Mas afinal cheguei e espero que isso baste para diminuir, talvez, tua
aflição.
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MARIA: Bem dizes, filho meu... Meu pobre coração durante a tua ausência
estala-se de dor... Vivo em perene angustia e tremo de pavor, a pensar... que
sei eu?... a pensar coisas tristes... Penso nelas talvez desde que tu existes...
Quando chegas, porém, eu me alegro e me acalmo, como se ouvisse os sons
de confortante psalmo... E só assim se esvai meu sofrimento atroz...
JESUS: Que diferença mãe, a que existe entre nós... Tua aflição se esvai
com um remédio, apenas... Tens, com minha presença, as horas mais serenas.
No entanto, dor maior todo o meu peito invade.
MARIA: Sofro por ti, meu filho...
JESUS: E eu, pela humanidade...
MARIA: São maus os homens, sei... e sei também que o nega teu coração.
JESUS: Oh! Mãe, a humanidade é cega... Os homens não são maus, assim
como tu dizes... São todos pobres cegos, fracos e infelizes... Espero que o
Senhor minhas preces atenda, tirando-lhes dos olhos, para sempre, a venda
que não lhes deixa ver, com franco destemor, o caminho do Bem, o caminho
do Amor... Teu filho se demora e vem para o teu lado e tornas a sorrir e
esqueces o passado... Eu, porém, continuo a esperar, a esperar... e a doce
conversão sempre e sempre a tardar... São ovelhas, que, embalde, eu chamo
para o aprisco e se conservam presas da desgraça ao risco... Mas a missão
que foi por mim empreendida, não terá sido em vão. Darei a minha vida á
vitória final dessa causa sagrada: tornar a humanidade menos desgraçada.
Tenho esperança, Mãe, de nunca ver, tristonho, na dor de uma ruína o
fracasso de um sonho. Sofro? E a dor que importa? O que importa é a missão
a que consagrarei meu pobre coração. Hei de sorver inteiro o cálix da
amargura, mas deixarei no mundo a chama da ventura!... Todos hão de
enxergar, ao fim desta aflição, o caminho da Luz, do Amor, da Salvação!...
Nesse dia, verei que meu sofrer profundo não paga o grande bem de redimir
o mundo!...
MARIA: Meu filho, tua mãe, pobre mulher sem brilho, só pensa no perigo a
que se expõe seu filho... Mais que a voz egoísta e fria da razão, somente
escuto os ais de um pobre coração... Reconheço-me fraca e minha alma não
quer que eu esqueça o que sou... Sou mãe e sou mulher... Se peco, meu
pecado encontra a penitência na dor que me sufoca e amargura a existência...
(depois de pausa) Ceias comigo, filho?
JESUS: Mãe, sou esperado. Recomendei a Pedro e ele há convocado os
discípulos meus para uma reunião, uma ceia modesta... apenas vinho e pão.
É tudo o que no mundo de mais puro existe... E assim festejaremos esta
Páscoa triste...
MARIA: Triste é também, meu filho, o som da tua voz, que ecoa dentro em
mim como um pássaro atróz... Tudo o que eu vejo, ou ouço, ou sinto, é só
tristeza... Dize... Que farei eu nessa triste incerteza?
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4º QUADRO
(No jardim das oliveiras. – Jesus, ajoelhado junto a uma pedra, ora)
JESUS: Senhor... Aproxima-se o martírio de teu filho... Antevejo as torturas
que passarei, as dores que sofrerei... Mas sinto que me faltam as forças para
suportar todo esse sofrimento... Ilumina-me, Senhor... Ilumina-me!...
(Nesse momento, uma luz intensa, e ao mesmo tempo, suave, enche de
claridade um recanto do jardim. Enquanto se ouve uma melodia
dulcíssima, resplende, no campo luminoso, o símbolo sagrado: - a Cruz. –
E uma voz celestial se faz ouvir)
A VOZ: Jesus... Tu o disseste... É chegada a hora do teu martírio... E não
poderás evita-lo. O teu sofrimento é imperioso para a vitória da tua missão
na terra. Mas a cruz onde irás agonizar e expirar, deixará de ser em breve um
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JESUS: Pobre Judas... Esse escolheu, por suas próprias mãos, as agruras e os
tormentos do inferno... Para ele as portas do paraíso estarão sempre
cerradas...
PEDRO: Não podemos evitar que se realize a vil traição?
Não podemos evitar que se realize a vil traição?
JESUS: Não, Pedro...
PEDRO: Senhor, sou velho, mas sou forte. Meus músculos ainda tem o
vigor da mocidade. Além disso, sei manejar o gladio com destreza absoluta.
Se o quiserdes, poderei defender a vossa vida, defendendo a nossa
felicidade!
JESUS: Pedro, abandona a idéia da força e pensa apenas na força da idéia.
Do gladio, guarda somente a figura do seu punho. Ele representa a cruz, a
cruz que será o símbolo da doutrina que espalharás pelo mundo...
(descrevendo com a mão o sinal da cruz) Com este sinal, havereis de
vencer...
PEDRO: Mas deixar-vos, só e desamparado, entregue aos malvados que não
terão um vislumbre, sequer, de piedade...
JESUS: Assim é preciso, Pedro... O destino há de se cumprir...
PEDRO: Destino doloroso e cruel!...
JESUS: Não te lamentes. Tira, antes, do teu sofrimento, a força necessária
para levar a bom termo a missão que te impus e para fortalecer cada vez mais
a fortaleza da tua alma forte...
PEDRO: (olhando subitamente as trevas densas) Pareceu-me ouvir... Sim,
não me engano... Vem alguém...
JESUS: É Judas.
PEDRO: Ele? Pois o miserável terá a audácia de...
JESUS: Deixa que se aproxime...
JUDAS: (aparecendo) Tranqüilizai-vos... Sou eu...
JESUS: Sei que és tu, Judas...
JUDAS: Não me esperavas, garanto... Mas, depois das palavras ásperas que
trocamos há pouco, necessário se torna que nos entendamos... Tudo não
passou de simples mal entendido... Devemos fazer as pazes...
JESUS: Como queira, Judas.
JUDAS: Consente em que eu te beije...
JESUS: Sim (Judas aproxima-se dele e beija-o Jesus dirige-se a Pedro)
Vês, Pedro? Tudo se realiza conforme eu te predisse.
PEDRO: Mas... não compreendo... Ele beijou-te...
JESUS: Sim. E esse beijo passará á história como o símbolo da traição. É o
beijo de um traidor.
JUDAS: Que queres dizer?
JESUS: Tu sabes muito bem.
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primeira vez que vos falo... Quisera tecer-vos hinos de paz e de louvores
mil... Em vez disso, minha voz adquire os tons plangentes das aves
agourentas... Quisera calar-me... quisera fugir daqui do vosso lado... Mas
forças ocultas obrigam-me a ficar e a comunicar-vos a infausta nova...
MARIA: Há muito que meu coração se habituou a sofrer... Fala, minha filha.
MADALENA: Jesus, vosso filho e meu Senhor, foi feito prisioneiro.
MARIA: (Uma pausa dolorosa. Ela levanta-se e leva a mão ao peito) Já o
sabia...
MADALENA: Já o sabeis? Oh! Graças, Senhor... Não sou eu, então, quem
vos dá a noticia triste... Respeito e venero a vossa dor, Virgem Maria, mãe
dos homens, virtude e bondade imperecível!...
MARIA: (Numa sublime atitude de resignação) Há trinta e três anos que
sofro, e ofereço a Deus meu sofrimento, em paga da imensa honra de ter sido
eleita para trazer ao mundo o Redentor da humanidade... Era ele ainda
pequenino, um pedacinho de carne rosada e linda, quando um homem mau,
um outro Herodes, temendo o nascimento de uma criança que foi chamada
logo de Filho de Deus, ordenou a matança de centenas de inocentes... Mas o
Senhor velava por seu filho e um dos seus anjos celestiais aconselhou-nos a
que fugíssemos de Belém e viajássemos para o Egito... Assim fizemos e
assim pode Jesus escapar à sanha dos seus perseguidores. Mas o seu destino
teria de cumprir-se... Ele não pertencia apenas a nós, apenas aos seus pais...
Ele pertencia a toda a humanidade!... Quando se fez homem, saiu a pregar a
doutrina que seu Pai lhe inculcara... Essa mesma doutrina pela qual ele dará a
vida no meio dos mais atrozes sofrimentos... Meu coração de mãe sangra de
dor... Meu peito estala fibra a fibra... E meus olhos derramam as lágrimas de
uma agrura infinita...
MADALENA: Vós que sois boa, pura e piedosa, dizei-me... Nesse transe
amargurado que faremos? Que poderemos fazer?
MARIA: Nada.
MADALENA: Nada?
MARIA: Nada, a não ser orar por ele e acompanha-lo no seu sofrimento...
Se ele subir o monte Calvário, subiremos com ele... Sua agonia será a nossa
agonia, sua paixão será a nossa paixão...
braços esqueces o teu valor e te reduzes a uma pobre desgraçada que sente,
pensa e age de acordo com a vontade do covarde que a domina pêlos
sentidos!...
MADALENA: (Profundamente sentida) Pilatos... Olha para mim... Vês as
lágrimas que brotam dos meus olhos? São lágrimas fingidas, porventura?
Pois bem fingido não será, também, o juramento que te faço... Esse homem
jamais tocou em um fio dos meus cabelos... jamais roçou a sua mão pela
minha... Acredita que a verdade está nas minhas palavras e não nas tuas
ironias... Essas ironias que tanto me cruciam... que tanto me maltratam!...
(E caída sobre si própria, chora sentidamente...)
PILATOS: (Depois de grande pausa, mudando o seu tom faceto) Seja.
Mas, afinal que queres de mim? Vieste procurar-me para dar-me parte dessa
transformação que se operou em ti? Eu nada tenho com isso... Não sou teu
tutor nem teu guia espiritual.
MADALENA: Vim pedir-te piedade para esse homem que desprezas sem
conhecer... Vim pedir-te graça para ele!...
PILATOS: Ignoras que nada posso fazer? Ele foi feito prisioneiro à ordem
do Sumo Sacerdote dos Judeus...
MADALENA: Não o ignoro. Mas a justiça, na Judéia, é controlada por
Tibério César e tu és o seu representante. Além disso, estamos na Páscoa, e,
por esta época, a lei judaica não permite aos seus sacerdotes o derramamento
de sangue. A sentença deverá ser firmada por um procurador da lei romana.
PILATOS: Mesmo assim, não creio que possa ter ingerência em seu
processo. Jesus é galileu. Seu caso, portanto, deverá ser julgado por Herodes,
que é tetrarca em Galiléia.
MADALENA: Mas o teu prestigio é considerável. Se Herodes souber que te
interessas pelo prisioneiro mostrará clemência e ordenará que ele compareça
diante de ti.
PILATOS: (Relutando, ainda) Seja. Prometo que... se esse Jesus de Nazaré
comparecer perante meu tribunal... estudarei com atenção o seu caso e... e
deliberarei de acordo com a minha consciência.
MADALENA: Será preciso que tenhas muita força de vontade, muita
energia... Em uma palavra, será preciso que “queiras” salvar Jesus!...
Prometes que tudo farás para salvá-lo?
PILATOS: Prometo que tudo farei para salvar a vida desse a quem julgas
inocente.
MADALENA: Basta. Agradeço-te. (Vai a sair)
PILATOS: Retiras-te?
MADALENA: Sim. Preciso sair o mais depressa possível.
PILATOS: Para que? Onde vais?
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PILATOS: Milagres?
CENTURIÃO: Entre outras coisas assombrosas que praticou, dizem que
num banquete de bodas que se realizou não sei onde, transformou em vinho a
simples água do poço.
PILATOS: (Rindo) E houve quem bebesse desse vinho?
CENTURIÃO: (Rindo também) Quero crer que sim... É possível mesmo
que os seus vapores tenham subido à cabeça dos que proclamam o milagre...
PILATOS: E que mais? Que mais?
CENTURIÃO: Tolices... Loucuras... Dizem também que, numa localidade
cujo nome me escapa, o feiticeiro multiplicou o número de pães existentes
numa padaria, uns cinco ou seis ao todo, e conseguiu dar de comer a uma
verdadeira multidão!
PILATOS: (Sempre rindo) Pelo que vejo, esse homem não é nada
inteligente... Se, com efeito, ele conseguiu esse artifício, era muito mais
lógico que, em de profeta, se transformasse em padeiro... Dentro de pouco
tempo estaria rico...
CENTURIÃO: (Também rindo) Entretanto, apesar de pobre, prefere comer
o pão que o diabo amassou...
PILATOS: É inaudito... Inaudito!... E dizer-se que houve homens capazes
de acreditar em semelhantes balelas!
CENTURIÃO: E ainda não sabes da maior, da mais fantástica de todas...
PILATOS: Alguma coisa ainda mais assombrosa?
CENTURIÃO: Tu o julgarás. É crendice geral que o carpinteiro ressuscita
os mortos!
PILATOS: Não!...
CENTURIÃO: Foi o que me contaram. Ele ressuscitou um homem que
morrera de peste. Dizem que chegou junto ao túmulo onde jazia o cadáver e
ordenou que se levantasse e caminhasse.
ILATOS: E o tal... Levantou-se?
CENTURIÃO: Levantou-se e caminhou!
PILATOS: (Explodindo em gargalhadas) Que grande patife! Com certeza
era sócio do outro nas suas maroteiras!...
CENTURIÃO: Palavra que eu tinha vontade de conhece-lo, para perguntar-
lhe como são as coisas lá pelo outro mundo...
PILATOS: Povo estúpido e atrasado... Como se deixa ludibriar pelo
primeiro charlatão que aparece...
CENTURIÃO: É um bando de cretinos... Mas cretinos que amanhã se
podem transformar em fanáticos perigosos...
PILATOS: Esse foi, com certeza, o raciocínio de Caifaz. Mas creio que será
um caso simples de resolver. Herodes coibirá os abusos praticados por esse
mentecapto e eu não serei chamado a opinar.
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CENTURIÃO: E se fores?
PILATOS: Se o processo vier às minhas mãos, contentar-me-ei em mandar
aplicar-lhe algumas chibatadas e ele que se vá de retorno à sua terra, de onde
nunca mais poderá sair.
CENTURIÃO: Poderias, também, mandar açoitar os mais exaltados porta
vozes da suas feitiçarias...
PILATOS: Bem lembrado... Um castigo coletivo... Servirá de padrão e de
exemplo... Só vejo nisso um perigo... Apenas um perigo imagino que possa
transtornar a aplicação de castigo tão simples e tão espetacular.
CENTURIÃO: Um perigo? Qual?
PILATOS: Pode ser que o homem, com as suas artes diabólicas, consiga
transformar-se, de réu em algoz, e passe a castigar com o azorrague, diante
de toda gente, em plena praça pública, os solados da minha guarda
pretoriana...
CENTURIÃO: (Rindo) É verdade! Olha que seria uma boa peça que ele nos
pregaria...
PILATOS: Mas se isso acontecer, prometo que pedirei demissão do meu
cargo e embarcarei imediatamente para Roma!...
CENTURIÃO: E eu deixarei de ser Centurião nas hostes de Tibério e ficarei
em casa, fiando como uma matrona!...
PILATOS: Isso!... Encontraste excelente ocupação para guerreiros
falhados... Iremos tecer, Galba... Teceremos uma alegoria ao profeta
carpinteiro da Galiléia... Quando tivermos sede, pedir-lhe-emos que
transforme em vinho a água do nosso poço... Quando tivermos fome, ele nos
dará pão, um pão macio e branco... E nem precisará de farinha para fabricá-
lo!...
(E riem ambos... Riem muito... Riem às gargalhadas...)
7º QUADRO
A treva é densa – A música entra forte, subindo ao paroxismo. – Ouvem-
se, no meio de vozerio de multidão enraivecida, algumas frases soltas: -
“Morte ao Nazareno”, “À cruz o falso profeta”, “Morte ao impostor”, etc.
– Na escuridão do espaço entreve-se vagamente a figura de Jesus pregado
ao madeiro. Sua voz ressoa dolente pelo espaço infinito.
JESUS: Meu pai... Perdoa-lhes... Eles não sabem o que fazem... Tudo,
Senhor, se há consumado...
(Jesus expira. – A música sobe novamente, com estalar de raios e trovões.
O vento sibila terrivelmente. A gritaria, infrene, vibra intensamente com a
música que exprime o desespero coletivo...)
8º QUADRO
Uma estrada que conduz ao monte Calvário. Nas trevas que se adelgaçam,
vê-se Madalena que entra com Maria.
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torturas mais diabólicas... E foi ele que morreu... Foi ele que morreu
torturado... Quando me livrarei deste tormento? Quando?...
(Vai a sair e abalroa um Velho que vem entrando)
VELHO: Pôr favor... Tu és daqui?
JUDAS: Que queres, velho?
VELHO: Dizei-me onde poderei encontrar um rabino chamado Jesus, que
veio da Galiléia?
JUDAS: Jesus? Que queres com ele?
VELHO: Preciso encontra-lo. Venho de longe, de muito longe... Vivo do
outro lado da montanha, para além do Hebron... Mas até lá chegou a fama
desse profeta de Nazaré... Todos dizem que ele é miraculoso... Ao ouvir,
falar em seus milagres, meu coração alvoroçou-se... Tenho fé em que ele há
de curar-me... Para isso viajei até aqui...
JUDAS: És doente?
VELHO: Sou cego. Há bastantes anos que não vejo nada nem ninguém...
Mas tenho certeza de que, se Jesus tocar suas mãos em minhas retinas
mortas, meus olhos tornarão a ver a luz... Dizei-me... Onde poderei
encontra-lo?
JUDAS: Pobre de ti, velho... Chegaste tarde.
VELHO: Cheguei tarde? Que queres dizer?
JUDAS: Não sabes? Não ouviste falar? Ninguém te contou?
VELHO: Não... Cheguei hoje a Jerusalém... E não conheço ninguém por
aqui...
JUDAS: Jesus é morto.
VELHO: Morto?
JUDAS: Sim. Acaba de morrer, ainda não há uma hora. Seu corpo ainda está
lá em cima, no monte... Foi crucificado entre dois ladrões...
VELHO: Entre dois ladrões? Mas que fez esse homem para merecer morte
tão afrontosa?
JUDAS: Nada... Não fez nada... Garanto-te que não fez nada... Não lhe
retires a tua fé... Ele era um bom , era um justo, podes ter a certeza...
VELHO: Sim, eu sei... Mesmo sem conhece-lo, tenho essa certeza que me
recomendas... Mas a dúvida paira em meu espírito e não a dissipaste... Se ele
era bom e justo, mais razão para que o estimassem... Porque, então essa
morte tão cruel?
JUDAS: Tu não sabes, velho... Tu não sabes... E quisera eu não sabe-lo
também... Ele foi traído!...
VELHO: Traído?
JUDAS: Sim... Traído miseravelmente... Um dos que o acompanhavam, um
dos seus discípulos... Entregou o seu Mestre nas mãos daqueles que o
odiavam porque ele pregava uma doutrina de amor e de bondade... Não
calculas, velho, como o supliciaram, como o martirizaram... Açoitaram-no,
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dos meus olhos, senti um bem estar, uma tranqüilidade, uma paz inaudita... E
a fé entrou em meu coração... (Em voz pausada e sentida) Pilatos... Aquele
homem era Deus... Aquele homem era Deus...
PILATOS: (Desorientado) Não! Não pode ser!... Não digas isso!... Eu não
acredito... Eu não posso... Eu não quero acreditar!...
(Neste momento, trevas invadem a sala. – Ouvem-se os sons de melodia
celestial e, no alto, acima da cadeira de Pilatos dominando a altaneira
águia romana, uma luz intensa fulgura... Dentro dessa luz a figura de
Jesus aparece, a mão erguida, como o símbolo vivo e eterno do perdão...)
CENTURIÃO: (Caindo de joelhos e fazendo o sinal da cruz) Senhor meu
Jesus... Eu vos rendo graças em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo...
Amém.
PILATOS: (Desesperado) Senhor... Tu voltaste... Tu vieste pedir-me contas
da tua condenação... Mas eu não tenho culpa... Eu fui forçado... Eu não podia
fazer outra coisa... Eu estou inocente! Eu estou inocente!... Perdão, Senhor...
Perdão! Perdão!... Perdão!...
(Joga-se de bruços no chão. A luz é cada vez mais intensa... A musica
adquire a força de um hino de Glória...)