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Autismo e Síndrome de Asperger:

O Guia Fácil de Entender para Pais,


Educadores e Portadores de Autismo

E se fosse possível realmente entender


o autismo?

Tiago Henriques

“Ciência complicada explicada de modo


simples”
Youtube: Ciência Desenhada
Tabela de Conteúdos

AVISO LEGAL
AVISO DE DIREITOS AUTORAIS
Introdução — Como sua vida seria diferente se
entendesse o que se passa dentro do cérebro de alguém
com autismo?
Capítulo 1 — Diferente, Estranho, ou Fascinante?
O que é um síndrome?
Síndrome de Asperger
O que é o autismo?
Capítulo 2 — Como Funciona o Cérebro Autista?
Um cérebro, muitas áreas especializadas
Comunicação — a base do processamento mental
Como ajudar o autista?
Qual a conclusão?
Capítulo 3 — A Diferença Entre Pensamento Concreto
e Pensamento Abstrato — O Segredo Para Comunicar
Com Alguém Com Autismo
“Os cães são mamíferos.”
“Temos de amar os outros.”
“É bom estar vivo.”
O que é um conceito abstrato?
Como você pode se treinar para explicar algo abstrato de modo concreto?
Capítulo 4 — Inteligência Emocional para Autistas —
sim, é possível para um autista entender as emoções
Por onde começar?
Necessidades
Recursos
Emoções
● Entendendo as emoções: Alegria
● Entendendo as emoções: Medo
● Entendendo as emoções: Raiva
● Entendendo as emoções: Repulsa
● Entendendo as emoções: Surpresa
● Entendendo as emoções: Tristeza
Como o autista sente as emoções?
Várias emoções podem ocorrer juntas e em graus
Como aplicar a inteligência emocional de modo prático no caso do
autismo
● Identificar e lidar com a Alegria
● Identificar e ajudar alguém com Medo
● Identificar e acalmar alguém com Raiva
● Identificar e ajudar alguém com Repulsa
● Identificar e ajudar alguém Surpreendido
● Identificar e ajudar alguém muito Triste
Engenharia reversa nas emoções
Capítulo 5 — Desvendado o Mistério do Stimming
Como lidar com o stimming de alguém com autismo moderado, como o
síndrome de Asperger?
Como lidar com o stimming de um autista profundo?
A mensagem importantíssima por trás do stimming
Capítulo 6 — Hipersensibilidade Sensorial — Um
Aspecto Fundamental do Cérebro Autista
Frequentemente Ignorado
Afinal, quantos sentidos nós temos?
O autismo e a percepção das sensações
● A audição
● A visão
● O olfato
● O tato e a nocicepção — percepção da dor
● O paladar
● O aparelho vestibular e a propriocepção
● A termocepção — percepção de temperatura
Uma nota sobre a neuroplasticidade e a terapia de dessensibilização
Sobrecarga sensorial
Capítulo 7 — Como Identificar e Parar Um Meltdown?
O que acabou de acontecer?
O que é um meltdown?
O que provoca o meltdown?
Como prever que está quase a acontecer um meltdown?
Como impedir que o meltdown ocorra?
Como lidar com um meltdown depois de ele começar?
Capítulo 8 — Pessoas Favoritas — Mito ou Realidade?
O que todas estas ligações têm em comum?
Como adquirir o estatuto de pessoa favorita?
Alterações de rotina e a pessoa favorita
Será que você conseguirá alcançar o estatuto de pessoa favorita?
E se você cometer erros?
E quando somos nós a pessoa que tratou mal a outra?
Como comunicar com alguém autista?
Capítulo 9 — Necessidades Especiais do Autista e
Como as Preencher
O diagnóstico
1. Processamento sensorial
2. Processamento emocional
3. Processamento social e teoria da mente
4. Comunicação
5. Funções executivas
Definindo “Autismo” de modo concreto
Quais são as necessidades especiais de alguém com autismo?
A. Necessidade de Processar a Informação
B. Necessidade de Controlar as Emoções
C. Necessidade de Se Proteger da Hipersensibilidade Sensorial
D. Necessidade de Descansar
E. Necessidade de Sentir Apoio
Capítulo 10 — As Dificuldades de Um Diagnóstico
Oficial
Doenças que se confundem com algumas particularidades do autismo
Capítulo 11 — Um Novo Vocabulário
Capítulo 12 — Porque Podemos Ter Esperança de
Melhoras?
Existe esperança?
Apêndice — Quatro suplementos que demonstraram
aliviar os sintomas de autismo em estudos científicos
publicados
Vitamina D3
L-carnitina
N-acetilcisteína
Enzimas digestivas
Outros Livros e Projetos de Tiago Henriques
Vitamina D e Vitamina K2: Desvendando o Mistério das Altas Doses em
Segurança
Como Fazer um Currículo e Uma Carta de Apresentação, Otimizados e
Irresistíveis em 24 Horas — um guia passo a passo
Você Sabia?
Como Parar um Ataque de Pânico Rapidamente?
A Cafeína é Perigosa? Como Funciona?
Antidepressivos Impedem a Paixão? Como?
Ciência Complicada Explicada de Modo Simples
Referências e Bibliografia
AVISO LEGAL
O autor fez todos os esforços para garantir a precisão das informações
constantes neste livro e que elas eram corretas no momento da publicação. O
autor não assume, e renuncia, qualquer responsabilidade perante qualquer
parte por qualquer perda, danos ou inconvenientes causados por erros ou
omissões presentes neste livro, quer tais erros ou omissões sejam o resultado
de acidente, negligência ou qualquer outra causa.

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reproduzidas ou utilizadas sobre qualquer forma, sem a autorização expressa
por escrito do autor, exceto no que diz respeito ao uso de breves citações em
uma crítica ao livro.

Copyright © 2018 por Tiago Henriques


Introdução
Como sua vida seria diferente se
entendesse o que se passa dentro do
cérebro de alguém com autismo?
“O seu filho tem Autismo”. Estas palavras podem ser devastadoras para
qualquer pai.

O que é o Autismo?

Quando você olha para uma lista de sintomas fica com uma ideia geral. Mas
as perguntas persistem: “O que realmente se passa na mente do meu filho?
Como é viver no mundo dele?”

E se fosse possível realmente entender o que se está passando na mente


dele?

Imagine como tudo seria mais fácil: Você iria se tornar capaz de prever
quando aconteceriam os ataques de nervos ou pânico.

Esses ataques são normalmente chamados de meltdowns. Esse termo,


meltdown, vem do inglês e é usado para duas coisas: para descrever os
ataques que o autista tem e para descrever a fissão de um reator nuclear!

Porque é esse mesmo termo usado em ambos os casos?

Bem, do ponto de vista de um pai ou de uma mãe, observar uma criança ou


um adolescente gritando, batendo as mãos e até atirando coisas, pode ser tão
assustador e confuso quanto testemunhar a fissão de um reator nuclear. Mas
não tem de ser assim.

Imagine se você soubesse exatamente o que fazer nessas alturas. Nesse caso,
você não se sentiria mais impotente e passaria a poder ajudar imediatamente
seu filho a lidar com esses ataques.

“Que alívio isso seria,” talvez esteja pensado e tem razão. Isso seria algo
único, que poucas pessoas conseguem fazer. Seria um grande alívio. Mas
mais do que alívio, saber o que fazer, e o que não fazer, fará com que o seu
filho se sinta confortável na sua presença. Isso é realmente importante, pois
muitos pais de filhos autistas se queixam de que têm dificuldades na hora de
se achegar emocionalmente a seus filhos.
No entanto, se suas ações mostrarem, vez após vez, que realmente o está
entendendo e levando a sério, o que irá acontecer? Ele começará a ganhar
uma forte confiança em si. Esse tipo de confiança profunda é fundamental
pois ela lança a base para um relacionamento achegado.

Você ama o seu filho e quer o melhor para ele. Prova disso é o que está
fazendo agora ao ler este livro. Mas o autismo, incluindo o Síndrome de
Asperger, o coloca numa situação complicada, porque o seu filho não vê o
mundo da mesma maneira que você.

A verdade é que muitas das coisas que um pai faz por amor e que ajudam
outras crianças a se achegar a ele, simplesmente não funcionam com o
autista. De fato, algo tão simples como um abraço, pode piorar as coisas.
Qual a solução?

Este livro nos ajuda a entender claramente o que fazer e o que não fazer para
que todo o filho autista realmente sinta o amor de seus pais por ele. Essa é a
solução. E isso é algo que todo o pai amoroso valoriza.

Mais ainda, cada um destes princípios será útil para qualquer portador de
autismo e também para os educadores, professores, e profissionais de saúde
que tenham de lidar com alguém com autismo ou Síndrome de Asperger.

Boa leitura,

Tiago Henriques, pesquisador e educador independente e autor. Aprenda


mais sobre mim, meus livros e meu trabalho no fim deste livro.
Capítulo 1
Diferente, Estranho, ou Fascinante?
Nenhum de nós é igual. Temos cores de cabelo, tons de pele, alturas e pesos
diferentes. No entanto, certas diferenças são mais diferentes do que outras.
Como assim?

Pense por exemplo na cor do cabelo. Se eu tenho cabelo preto e você tem
cabelo ruivo nossas cores de cabelo são diferentes mas nenhum de nós acha
isso estranho. Agora, imagine que alguém com o cabelo loiro chega perto de
nós. Mais uma vez, essa cor é diferente mas não é estranha.

Com o tempo nós nos habituamos a todas essas diferenças, sejam elas ao
nível da cor dos cabelos, do peso ou da altura.

Agora, imagine que um dia nós vemos alguém com o cabelo verde. Verde?
Sem dúvida que isso é diferente mas é um diferente diferente. É estranho.

Mas porque razão o cabelo verde é estranho? Porque ninguém tem.

O mesmo acontece com a altura. Alguém com 3 metros de altura não seria
apenas diferente, ele seria bem estranho.

Porque estamos falando nisso?

Porque os cientistas se interessam bastante pelas características humanas que


fogem à norma. Nós talvez as chamemos de estranhas mas um investigador
as chama de fascinantes.

De fato, alguém de cabelo verde ou com 3 metros de altura seria fascinante


para se conhecer. Com certeza iríamos querer entender o porquê dessa
diferença e perceber como isso afeta a vida da pessoa, não concorda?

Com o tempo talvez começassemos desejando ter 3 metros de altura ou até


cabelo verde. De repente, o estranho se tornaria desejável para nós.
O que é um síndrome?
Um síndrome é um conjunto de características estranhas.

Essas características são suficientemente fora do normal para saltarem à vista.


Além disso, embora não pareçam estar directamente relacionadas, ocorrem
juntas na mesma pessoa com frequência.

Por exemplo, quando o cientista começa observando mais de perto todas as


pessoas que ele conhece com cabelo verde, ele acaba descobrindo que quem
tem cabelo verde costuma ter apenas 4 dedos no pé direito, embora continue
tendo 5 dedos no pé esquerdo e em ambas as mãos. Aí o cientista para e
raciocina: “Eu não sei porque razão essas pessoas têm cabelo verde e 4 dedos
no pé direito, mas parece haver uma ligação entre estas duas diferenças.
Talvez ambas estejam relacionadas com o mesmo gene.”

Com o tempo, o cientistas descobre que todas estas pessoas partilham outra
característica em comum. Todos eles conseguem tirar a carteira de motorista
rapidamente, parece que nasceram com o dom de conduzir veículos
motorizados. Você pega até em um caminhão e eles começam conduzindo
como se tivessem passado toda a vida fazendo isso.

Bem, agora as coisas estão se tornando cada vez mais fascinantes. Você não
sabe porquê, mas percebe que todo o mundo que tem cabelo verde tem quatro
dedos no pé direito e conduz seu carro desde o primeiro dia com a mesma
habilidade de um motorista com 20 anos de experiência.

Bem, suponha agora que você se chama Roberto Aguiar. Acontece que você
foi o primeiro investigador a entender que essas 3 características sempre
ocorrem juntas. Daí, você publica os resultados de sua pesquisa numa revista
científica conceituada.

Em algumas semanas você começa recebendo emails de outros


investigadores ao redor do mundo. Você descobre que existem muitos outros
médicos que estavam intrigados quer pelo cabelo verde, quer pelos pés com
quatro dedos. Mas esses outros médicos nunca tinham compreendido que
existia uma ligação entre esses 2 sintomas e a capacidade para aprender a
conduzir rapidamente.

De um momento para o outro você nota que esses cientistas estão começando
a se referir a esse conjunto de 3 sintomas estranhos como “Síndrome de
Aguiar” em sua honra.
Síndrome de Asperger
Hans Asperger viveu entre 1906 e 1980 e foi o Diretor da Clínica para
Crianças da Universidade de Viena. Através de suas observações, ele notou
que algumas crianças eram diferentes. No entanto, essas diferenças eram
estranhas .

Que diferenças ele observou?

Por exemplo, ele observou que algumas crianças tinham muitas dificuldades
em fazer amizade com outras crianças da sua idade. Hans Asperger ficou
intrigado pois estas crianças tinham uma inteligência normal. De fato,
Asperger os chamava de “pequenos professores” pois quando nós falávamos
com eles sobre um assunto do seu interesse eles eram capazes de o explicar
detalhadamente.

Quando analisou mais de perto estes jovens, Asperger notou que eles tinham
muitas dificuldades em entender a comunicação não-verbal. Parecia que eles
prestavam atenção apenas ao que ouviam, sem levar em conta as expressões
faciais, a linguagem corporal ou o tom de voz da outra pessoa. Mais ainda,
eles pareciam ter muita dificuldade em expressar empatia e em se interessar
pelos outros.

Além de tudo isso, eles eram algo desajeitados, revelando dificuldades acima
do normal ao nível da coordenação motora.

Hans Asperger escreveu mais de 300 artigos científicos, muitos dos quais
sobre o autismo. No entanto, a sua pesquisa só recebeu o devido
reconhecimento após a sua morte.

Hoje muitos pesquisadores ficam fascinados por estes sintomas estranhos


originalmente descritos por Hans. Com o passar do tempo, a comunidade
científica começou dizendo que as pessoas que tivessem este conjunto de
sintomas tinham “Síndrome de Asperger,” em honra do trabalho original de
Hans Asperger.
Hans não foi o único a notar estes sintomas. Outros pesquisadores também já
havia feito referência a eles, mas nenhum deles ganhou a mesma notoriedade
que Hans Asperger.

Mas o asperger é apenas uma das formas mais moderadas de autismo.


O que é o autismo?
Conforme abordado em meu livro sobre suplementação segura com altas
doses de vitamina D e vitamina K2, nosso cérebro é composto por bilhões de
células especializadas em processar informação. Essas células são chamadas
de neurônios. Se imaginarmos que o cérebro é uma empresa,[1] podemos
pensar em cada membro da empresa como representando um neurônio. E, da
mesma forma que cada empregado da empresa está designado a um
departamento, também cada neurônio de nosso cérebro pertence a um
módulo. De que maneira?

Por exemplo, uma empresa grande tem um departamento de marketing, um


departamento de recursos humanos, um departamento de serviço ao cliente e
assim por diante. Da mesma maneira, nosso cérebro tem áreas especializadas
em processar os sons que ouvimos, áreas especializadas em determinar se
esses sons se originam de outros humanos ou de uma outra fonte e áreas
especializadas em decifrar as mensagens verbais que esses sons contém.

Além disso, temos uma outra área fascinante, a área responsável por extrair
mensagens subtis presentes no tom de voz usado e nas expressões faciais de
quem falou.

Por exemplo, imagine que se aproxima de alguém conhecido e lhe diz: “Olá,
tudo bem com você?” Essa pessoa poderá responder “Oi, tudo bem” mas,
será que ela está sendo sincera? Depende. Para entender o sentido real do que
ela falou, você presta atenção no tom de voz dela. Se ela falou de modo
vagaroso, num volume baixinho e num tom mais grave você se apercebe que
não está tudo bem. Sua próxima pergunta será: “Estou vendo que você não
está se sentindo bem hoje, o que aconteceu?” e provavelmente a pessoa
começará a desabafar consigo. No entanto, se ela falou num tom agudo, com
um passo mais rápido e num volume mais elevado, você concluirá que seu
amigo está mesmo bem e ajustará sua reação de acordo.

Você nem notou, mas dentro de seu cérebro a informação passou por diversos
departamentos, ou áreas. Isso aconteceu de modo automático. Você não
precisou ficar pensando e gastando energia mental para conseguir interpretar
a informação. Porquê? Porque você não tem autismo.

No autismo o cérebro se desenvolveu de um modo diferente do comum. Num


cérebro autista as áreas do cérebro relacionadas com a comunicação,
socialização e processamento emocional, entre outras, não se desenvolvem
adequadamente. Devido a isso o cérebro de um autista tem muitas
dificuldades em processar a informação subtil presente numa expressão facial
ou numa variação de volume ou tom de voz.

O autismo existe num espectro. Isso significa que uma pessoa pode ser mais
ou menos autista. Como isso funciona?

Por exemplo, alguém com uma forma moderada de autismo — muitas vezes
chamado de síndrome de Asperger — talvez tenha muitas dificuldades em
entender se este “Sim, está tudo bem” foi sincero ou não. Os departamentos
do cérebro dele relacionados com o processamento de tom de voz não
funcionam bem, então ele precisa ficar pensando no significado subjacente
das palavras de seu interlocutor.

Talvez ele leve alguns minutos comparando este “Sim, estou bem” com
outras frases semelhantes que ele ouviu ao longo de sua vida. Passado um
pouco de tempo ele consegue chegar a uma conclusão.

No entanto, por vezes, o autista não tem tempo para ficar pensando no
assunto e precisa arriscar reagir. Talvez ele decida que a pessoa estava sendo
sincera, então ele não lhe vai perguntar: “Nossa, que se passou?” pois não
detetou que o tom de voz era o de alguém triste e deprimido. A pessoa, por
outro lado, encara essa indiferença como desprezo e conclui que o autista é
alguém frio e desinteressado nos assuntos alheios. Isso não é verdade. O que
aconteceu foi apenas o resultado do autista ter um cérebro configurado de
maneira diferente.

No fundo, é o equivalente do departamento de serviço ao cliente de uma


empresa receber muitas reclamações referentes a um dos seus produtos.
Como a empresa não reage, os clientes concluem que os dirigentes da
empresa não querem saber de seus clientes. No entanto, o que está
acontecendo é que o departamento de serviço ao cliente não está
comunicando direito as reclamações à direção da empresa, então a direção
não tem uma noção real da gravidade do problema.

Mas nem todo o autismo é assim. Algumas pessoas sofrem de um autismo


mais profundo. Isso significa que os departamentos do cérebro relacionados
sobretudo com o processamento da comunicação e da informação
socioemocional estão muito afetados.

Uma pessoa com autismo profundo pode ser incapaz de falar ou de reagir a
estímulos externos. Voltando à ilustração da empresa, é como se o
departamento de serviço ao cliente nem existisse. Então as reclamações nem
são processadas, elas simplesmente acumulam nas caixas de correspondência.

O autismo, no entanto, não afeta apenas essas áreas. Simplesmente, essas são
as áreas em que mais se nota que a pessoa tem autismo. Que outras áreas são
afetadas? Por exemplo, as relacionadas com o processamento de informação
sensorial, como a percepção de temperatura, as áreas relacionadas com o
controlo de impulsos, entre muitas outras.

Ao mesmo tempo, especialmente se o autismo não é do tipo profundo, áreas


relacionadas com o processamento de teoria musical, matemática, arte e
design, e compreensão e produção de matéria escrita, podem ter se
desenvolvido muito além do comum.

Isso significa que você pode ter alguém com uma forma mais moderada de
autismo, como o síndrome de Asperger, que toca piano e compõe música
como um gênio musical, mas que é incapaz de perceber se você está usando
de ironia ou sendo sincero.

Atualmente o autismo, de forma leve ou profunda, afeta 1 em cada 68


pessoas. Os rapazes são 4 vezes mais afetados do que as meninas.[2]

No entanto, os pesquisadores estimam que o valor real seja mais elevado.


Porquê?
Devido à natureza do autismo moderado, ele passa por vezes indetectado.
Não porque os traços incomuns não sejam notados, mas sim porque eles são
difíceis de distinguir de algumas doenças mentais. O autismo se camufla de
outras doenças mais comuns. E, em muitos casos, promove essas doenças
mais comuns, como a depressão.

O síndrome de Asperger é muitas vezes o feiticeiro de Oz atrás das cortinas.


Ele não mete muito medo e é possível lidar com ele, mas é preciso descobrir
que ele lá está primeiro.

Conforme se tornará evidente, quem tem Asperger consegue facilmente


perceber que “Síndrome de Asperger” é o seu diagnóstico. Mas um médico,
por não estar dentro da cabeça da pessoa, terá de fazer diversos exames de
despiste das doenças que o Asperger imita e das doenças que o Asperger têm
tendência a causar. Da mesma maneira, você talvez não tenha certeza de seu
diagnóstico ou do diagnóstico de seu filho. Você nota algumas
características, mas não tem certezas quanto a outras. Como resolver esse
problema? Abandonado esse paradigma por completo. Não pense em termos
de características e sintomas.

Em vez de lhe dar uma lista de sintomas do autismo, vamos olhar de


perto para o que se passa dentro da cabeça e do corpo de alguém com
um cérebro assim.

Isso vai permitir que você entenda o que fazer para lidar com esse detalhe
específico da personalidade autista. Não interessa se quem tem esse detalhe
da personalidade autista, ou em que grau. Pode ser você, seu filho, seu aluno
ou um colega de trabalho. A partir do momento em que você entende o que
se está passando, você saberá como lidar com esse detalhe em qualquer
pessoa.

Porque esta abordagem é mais vantajosa?

Por exemplo, imagine que seu filho tem o que é chamado de


hipersensibilidade sensorial. Isso significa que as áreas do cérebro dele
relacionadas com o processamento de um ou mais sentidos são super
sensíveis.

Talvez esse seja o único sintoma de seu filho, além de algumas dificuldades
de interação social. Se for esse o caso seu filho nunca receberá um
diagnóstico de autismo. Mas o problema da hipersensibilidade continua lá e
você precisa de saber como agir para minimizar as dificuldades que esse
problema causa.

Além disso, quando você souber como lidar com cada um desses detalhes,
você será um especialista em autismo.

Nenhum dos sintomas será estranho para você, apenas fascinante.

Por outro lado, se é você quem tem esses sintomas, este livro lhe permitirá
olhar toda a sua vida de uma perspectiva completamente nova.

Imagine olhar para trás e dar por si a dizer: “Ah, então é por isso que eu..:”
ou então: “agora entendi! É por isso que eu agi assim quando…”

Mais ainda, equipado com o conhecimento que este livro lhe dá, você
conseguirá tomar decisões melhores. Decisões que o beneficiarão a si e
qualquer outra pessoa com autismo, especialmente aqueles que estão aos seus
cuidados.
Capítulo 2
Como Funciona o Cérebro Autista?
Num bar as pessoas parecem mais atraentes. Porquê?

Porque uma das propriedades do álcool, ao entrar no cérebro, é perturbar a


parte responsável por detectar a assimetria na cara das pessoas.

Nós achamos mais atraentes pessoas com o lado direito da cara parecido com
o lado esquerdo, ou simétrico. Se uma pessoa tem o olho direito maior do que
o olho esquerdo não a achamos tão atraente como acharíamos se os dois
olhos tivessem o mesmo tamanho. O mesmo acontece com a boca, o nariz e
todos os outros detalhes da face humana.

Como isso acontece?

Quando olhamos para a cara de outra pessoa existe uma parte específica em
nosso cérebro que responde a esta pergunta: “De 0 a 10, em que 0 significa
‘completamente diferente’ e 10 significa ‘os dois são iguais’ qual é o grau de
semelhança entre os dois lados da cara dessa pessoa?”

Se essa área do cérebro achar que a resposta é “10” isso vai influenciar
positivamente o que nós achamos sobre a beleza da pessoa. Mas se a resposta
for 0 a influência vai ser muito negativa. Como o álcool afeta esse processo?

Se você beber álcool demais seu cérebro vai dar nota 10 a todo o mundo.

Mas essa não é a única forma em que o álcool afeta o cérebro.

Quando alguém bebe álcool demais isso afeta também sua coordenação
motora, seu raciocínio e sua capacidade de inibir reações — o autodomínio.
Você não espera que alguém embriagado consiga manter uma conversa
inteligente, ande em linha reta ou tenha pleno controle sobre seus impulsos.

Este exemplo nos ajuda a entender que nosso cérebro tem muitas áreas e que
quando uma dessas áreas é afetada, isso modifica por completo as
capacidades e a personalidade da pessoa.

Como isso se relaciona com o autismo?


No capítulo 1 analisamos brevemente que as áreas relacionadas com o
reconhecimento do tom de voz, das expressões faciais e da linguagem
corporal não funcionam da mesma maneira em alguém com autismo. Agora
vamos analisar essa idéia mais a fundo.
Um cérebro, muitas áreas especializadas
A cada momento, nosso cérebro tem uma tarefa tremenda: nos manter ligados
ao mundo real. Essa tarefa inclui processar estímulos sensoriais e decidir
quais as informações a descartar e quais as informações a que dar atenção.

Por exemplo, para conduzir seu carro, seu cérebro tem de prestar atenção à
estrada, aos sinais de trânsito, aos outros carros e a quaisquer outros
obstáculos.

Imagine que vai na estrada e o carro da frente freia de repente. Talvez você
estivesse distraído, mas assim que vê as luzes vermelhas acender o que
acontece? Imediatamente seu coração dispara, você começa a respirar mais
rápido e as suas mãos ficam geladas. Mas graças a essa energia extra,
consegue reagir a tempo, frear e evitar bater no carro da frente.

Tudo aconteceu num instante mas exigiu o processamento de imensa


informação e uma coordenação extraordinária entre todo o seu cérebro.

Vamos olhar mais de perto para esse processo. Quando você der por isso vai
ter aprendido algo fundamental sobre o autismo. Preparado?
Comunicação — a base do processamento mental
Quando as luzes vermelhas do carro da frente acenderam seu cérebro teve
uma conversa consigo próprio, fazendo perguntas e respondendo a cada uma
delas. Para simplificar as coisas, imagine que todas as áreas de seu cérebro
estão comunicando em videoconferência umas com as outras:

Área responsável pela visão: “As luzes vermelhas acenderam. O que


isso significa?”

Área responsável pela comparação do que está acontecendo no


mundo real com nossas memórias anteriores: “O carro da frente vai
parar rapidamente, se continuarmos à mesma velocidade vamos bater
nele.”

Área responsável pelas decisões: “O que devemos fazer?”

Área responsável pela comparação do que está acontecendo no


mundo real com nossas memórias anteriores: “Precisamos nos
desviar ou frear.”

Área responsável pelas decisões: “Qual é a melhor opção?”

Área responsável pela comparação do que está acontecendo no


mundo real com nossas memórias anteriores: “A esta velocidade se
desviar é mais perigoso, podemos perder o controlo do carro. É melhor
frear.”

Área responsável pelas decisões: “Como é que eu faço para frear?”

Área responsável pela comparação do que está acontecendo no


mundo real com nossas memórias anteriores: “Tem de pressionar o
pedal do centro com o pé direito.”

Área responsável pelas decisões: “Obrigado, vou enviar toda essa


informação para a mente consciente.”

Agora, do seu ponto de vista, conduzindo seu carro, o que aconteceu?

Você percebeu que as luzes acenderam e, momentos depois, surgiu em sua


mente consciente a idéia de mover seu pé direito para o pedal central e
carregar nele a fundo. Você apenas teve de autorizar essa reação.

Mas, olhe mais de perto para esse diálogo. Podemos imaginar esse mesmo
diálogo acontecendo em uma aula de condução. O aluno está pegando no
carro pela primeira vez e, embora ele esteja indo muito devagar, tudo chama
sua atenção. Ele vai apenas a 30 km/h e o carro da frente freia subitamente.
Ele pergunta a seu instrutor: “E agora?” O instrutor responde: “Agora você
frea. Carregue no pedal central, rápido!”

Semanas depois, quando você já tem sua carteira e conduz seu próprio carro,
o que acontece? Você já consegue tomar decisões por si mesmo, mas ainda
precisa processar a informação de modo consciente.

“Bem, o carro da frente está abrandando, é melhor eu abrandar também.”

Nessas primeiras semanas talvez você tenha de se concentrar tanto em sua


condução que não consegue manter uma conversa com os passageiros em seu
carro. Mas com o tempo você ganha experiência.

Alguns meses depois seu cérebro já se habituou a conduzir. Ele sabe como
lidar com situações inteiramente novas. Por exemplo, talvez você nunca tenha
lidado com um animal que se atravessa no meio da rua. Mas quando isso
acontece você não precisa ficar pensando no que fazer. Imediatamente surge
em sua mente consciente o desejo de frear. Esse desejo é tão intenso e
consumidor que você não tem outra possibilidade senão carregar no freio o
mais rápido possível. Mas o diálogo que você teve com seu instrutor não
desapareceu. Como assim?

A conversa que você tinha com ele em voz alta, durante suas aulas de
condução, continua lá. Simplesmente ela se tornou automática, ou seja,
inconsciente.

Parabéns. Agora você acabou de aprender algo fundamental sobre o cérebro


autista. Como assim?

Bem, você não nasceu com nenhuma área de seu cérebro responsável por
conduzir seu carro, não é mesmo? Você teve de aprender a fazê-lo. Ao início
o processo era desgastante. A primeira vez que tocou num carro tudo era
novo.

Você dependia de seu diálogo com seu instrutor. Ele lhe dizia o que fazer,
como fazer, e quando o fazer.

“Agora você precisa colocar a primeira mudança. Carregue no pedal da


esquerda com seu pé esquerdo. Enquanto ele ainda está em baixo mova a
manete das mudanças para a frente e para a esquerda.”

Bem, como você se sentiria se em vez de o guiar passo a passo, o instrutor de


condução lhe dissesse simplesmente: “Vamos para sua casa e depois
voltamos aqui ao estacionamento da escola.” Como você ficaria?

Você diria: “Mas eu nunca conduzi. Eu não sei nem como ligar o carro. Eu
preciso de instruções detalhadas.”

Quando nós temos de executar uma tarefa, e não temos nenhuma área de
nosso cérebro preparada de nascença para executar essa tarefa, nós
necessitamos de instruções detalhadas.

Você lembra as pessoas com o síndrome que inventamos no início? Pessoas


com síndrome de Aguiar tinham cabelo verde, 4 dedos no pé direito e eram
excelentes motoristas.

Imagine que que essas pessoas nascem com cérebros já com várias áreas
dedicadas à condução. Os cientistas não conseguem entender porquê, mas os
portadores de síndrome de Aguiar possuem uma área de seu cérebro
inteiramente dedicada ao uso do volante. Outra área está preparada logo
desde nascença para processar informação relativa ao uso dos pedais. Além
disso, têm ainda 2 áreas dedicadas ao uso da manete das mudanças. Parece
magia, mas quando você coloca uma pessoa com síndrome de Aguiar em um
automóvel ele parece um peixe na água. Ele está em casa. Suas mãos e seus
pés viajam para todos os sítios certos. É algo fascinante de se ver. Parece que
ele fez isso toda a sua vida.

Bem, agora imagine que alguém com síndrome de Aguiar vai ensinar outra
pessoa a conduzir. Como seria seu diálogo? Vejamos.

Pessoa com Síndrome de Aguiar: “Muito bem, agora por favor, ligue
o carro e conduza à volta do bairro.”

Pessoa comum: “Mas como eu faço para ligar o carro?”

Pessoa com Síndrome de Aguiar: “Como assim? Você simplesmente


liga o carro e pronto.”

E assim chegamos ao fim da ilustração, por agora. Talvez você não tenha
percebido, mas já aprendeu mais sobre autismo do que a maioria das pessoas.
Vamos analisar as verdades fundamentais sobre o autismo que aprendeu.

O autista não possui as conexões neurológicas relacionadas com empatia,


interpretação de linguagem não-verbal e socialização plenamente
desenvolvidas. Para ele tudo isso é como conduzir um carro pela primeira
vez. A diferença é que este “carro” tem centenas de mudanças!

Por outro lado, quem não tem autismo, consegue conduzir este “carro” logo
desde que nasceu. Uma pessoa que não tem autismo é chamado de
neurotípico, ou seja, alguém cujo cérebro tem uma configuração neurológica
típica, ou comum. O neurotípico não tem nem idéia de como isso acontece,
mas suas “mãos e pés,” isto é, suas palavras, expressões faciais e linguagem
corporal simplesmente batem certo. Ele consegue fazer amigos e entender as
pessoas pois seu cérebro está capacitado para processar tudo isso
inconscientemente, logo de origem.
Bem, e como você pode ajudar o autista a melhorar suas aptidões sociais?
Note o seguinte diálogo que nos mostra o que não fazer.

Pessoa Neurotípica: “Muito bem, agora por favor, vá ter com seus
coleguinhas de escola e faça amigos.”

Autista: “Mas como eu faço para fazer amigos?”

Pessoa Neurotípica: “Como assim? Você simplesmente chega perto


deles e faz amizade com eles.”

Consegue entender a frustração de ambos?

A pessoa neurotípica não entende porque o autista tem tantas dificuldades.


Ao mesmo tempo, o neurotípico se sente frustrado, afinal, é tudo tão básico.
“Você chega lá, cumprimenta as pessoas e tudo flui naturalmente.” De fato,
mesmo que o neurotípico queira, ele tem dificuldades em explicar tudo passo
a passo. Afinal, a interação social surge de modo natural para ele pois seu
cérebro, através de dezenas de áreas dedicadas, está capacitado para fazer
incontáveis processamentos ao nível inconsciente.

Como é que o neurotípico pode olhar para o que seu inconsciente está
fazendo e discernir como ensinar isso passo a passo para alguém que não
possui essas áreas? Isso é como pedir a um inglês para ensinar sua língua a
um português. Por onde começar? A não ser que o inglês tenha algum curso
na área da educação será muito difícil. Para ele falar inglês simplesmente
surge naturalmente.

Por outro lado, para o autista a situação não é menos frustrante. Dependendo
do grau de autismo dele, o conceito de fazer amigos pode ser tão complexo
quanto conduzir um avião comercial de último modelo. Quando o autista
chega perto de outra pessoa ele se sente como se estivesse entrando no
cockpit do Boeing A320.

Ele fica tentando relembrar o que fazer: “Muito bem, primeiro eu digo ‘oi
tudo bem?’ depois espero pela resposta e digo… digo o quê mesmo?”
O problema é maior ainda do que isso pois, mesmo que ele memorize tudo o
que deve dizer, a verdade é que as interações sociais são demasiado
imprevisíveis.

O autista chega perto da pessoa e o seu “oi tudo bem?” sai furado pois ele
não usa a expressão facial correta. É como se ele chegasse no cockpit do
avião e mexesse na manete certa, mas acabasse empurrando ela em demasia.
Todo o mundo que percebe de pilotagem de aviões perceberia imediatamente
que ele não é um bom piloto. Do mesmo modo, as outras crianças percebem
que algo não está certo naquele “oi tudo bem?”
Como então ajudar o autista?

Voltamos ao exemplo inicial da escola de condução. Antes de ligar o carro,


quando você está sentado ao lado do instrutor, ele não lhe ensina logo tudo
sobre como conduzir um carro. Antes, ele lhe ensina apenas o básico. Você
aprende que não pode bater com seu carro em outros carros. Você aprende
que pé corresponde a que pedais e aprende algumas outras regras. Mas é
somente quando está na estrada que você tem uma real noção de como tudo
funciona na prática.

Aí você aprende que quando um carro está bloqueando a estrada pode ser
necessário violar algumas regras para poder continuar seu caminho, como por
exemplo a regra de nunca pisar um traço contínuo.

Quanto mais tempo você andar na estrada junto com seu instrutor de
condução e mais situações diferentes você viver, maior será a sua capacidade
de interpretar corretamente o que fazer numa situação inteiramente nova.

Isto é verdade sempre que você tem de executar uma tarefa para a qual
você não tem nenhuma área especializada em seu cérebro.

Nós não nascemos com um cérebro preparado de origem para conduzir


carros. Nós não nascemos com um cérebro preparado para mudar uma
lâmpada fundida, nem para assentar tijolo e fazer uma parede.

Por isso, em cada um desses casos, nós necessitamos de ser ensinados, passo
a passo. Esse ensino tem de ser bem específico, simples e fácil de entender.
Depois, nós tentamos fazer por nós mesmos e só aí temos uma noção real do
que está envolvido na tarefa. Quanto mais vezes nós repetimos a tarefa tanto
mais as situações diferentes que surgem. À medida que aprendemos a lidar
com cada uma dessas novas situações nós aumentamos nossa especialização
na tarefa.

Por exemplo, se você assenta tijolos há 30 anos e já participou na construção


de todo o tipo de paredes, você está bem preparado para lidar com qualquer
situação nova que surja em seu trabalho.

Ao início, esta tarefa lhe exigia esforço consciente constante: “agora eu pego
qual tijolo mesmo? E ponho quanta massa? Onde? E agora de que jeito e com
quanta força eu devo colocar um novo tijolo em cima dos outros tijolos?”

Mas 30 anos depois todo esse diálogo acontece automaticamente em sua


mente. Você nem vê isso acontecer. Se a parede começa entortando você
automaticamente sabe como agir. Mesmo quando surge um desafio
inteiramente novo e você precisa parar para pensar em como o vai resolver, a
maior parte do processamento ocorre na parte inconsciente de sua mente.

É verdade que você não nasceu com uma área especializada na construção de
paredes, mas com o tempo e com muita experiência você desenvolveu uma
“pseudo-área”. De que maneira? Acontece que as outras áreas com as quais
você de fato nasceu — como a coordenação motora, o pensamento abstrato, o
cálculo matemático, a percepção de cores e distâncias, entre muitas outras —
aprenderam como trabalhar em conjunto para permitir que você assente
tijolos como ninguém.

É exatamente isso que acontece no autismo.

Sempre que o autista tem de executar uma tarefa para a qual ele não tem
uma área especializada em seu cérebro ele precisa ser ensinado passo a
passo. Esses passos têm de ser específicos e simples, tais como aqueles que
você encontra num manual de instruções de uma máquina de lavar roupa.
Afinal, esse manual foi escrito para ajudar alguém que nunca usou aquela
máquina na vida.
Qual a conclusão?
Quanto mais complexa for a tarefa, tanto maior é a necessidade de instruções
simples e diretas.

Depois, o autista precisa de muito espaço para aprender por tentativa e erro.

Ele coloca em prática as sugestões e observa os resultados..

Ele necessita de alguém especialista na tarefa o ajudando a entender que “o


tijolo não está bem assentado.” Mas isso, por si só, não chega. Ele precisa
igualmente que esse especialista lhe diga o que ele deveria ter feito para
assentar bem o tijolo. E essa orientação tem de ser dada numa linguagem
simples e direta.

É verdade que há muitas áreas no cérebro do autista que não funcionam bem,
mas há outras que estão lá e que funcionam adequadamente. De fato, algumas
delas funcionam mesmo muito bem. Isso significa que as instruções têm de
ser dadas numa forma que essas áreas entendam.

Por exemplo, áreas relacionadas com o pensamento abstrato não funcionam


bem. Então você precisa de falar de um modo concreto. Isso é vital.

O que isso envolve? O próximo capítulo analisará isso.


Capítulo 3
A Diferença Entre Pensamento Concreto
e Pensamento Abstrato — O Segredo
Para Comunicar Com Alguém Com
Autismo
Um autista tem muitas dificuldades em processar linguagem abstrata. Por
outro lado, processar linguagem concreta é mesmo muito fácil. Então, se
você quer falar com alguém com autismo moderado, como por exemplo,
síndrome de Asperger, você será muito mais bem sucedido se usar linguagem
concreta.

Se seu objetivo for comunicar com um autista profundo, talvez os centros de


comunicação dele estejam quase completamente inoperantes. Mesmo assim a
linguagem concreta continua sendo sua melhor opção.

O que é linguagem concreta?

Algo concreto é algo para o qual você pode apontar. São coisas que
envolvem os sentidos. Elas podem ser vistas, cheiradas, tocadas, ouvidas ou
até, em alguns casos, saboreadas.

E que dizer da linguagem abstrata?

Note alguns exemplos de pensamento abstracto:

● “Os cães são mamíferos.”


● “Temos de amar os outros.”
● “É bom estar vivo.”
“Os cães são mamíferos.”
Uma pessoa neurotípica lê essas frases e entende imediatamente o que elas
significam.

Alguém com autismo necessita de converter essas ideias abstratas para algo
concreto e só depois é que consegue entender. Este processo é praticamente
automático, mas o ponto é que este processo de conversão de concreto para
abstrato está presente em quem tem autismo.

“Cães” e “mamíferos” são categorias, não são coisas concretas para as quais
podemos apontar como “pão”, “água”, “Sol” e por aí adiante..

Note o comentário de alguém com autismo:

« No meu caso, para entender o conceito abstrato de “cães”, meu cérebro me


dá imediatamente imagens de vários tipos de cães. Isto é tão instantâneo e
rápido que eu preciso de estar atento para ver isso a acontecer. O mesmo se
passa com a palavra “mamíferos”. Assim que a ouço vêm-me imediatamente
à mente uma imagem bem concreta de uma baleia saltando da água,
seguindo-se uma imagem com muitos animais diferentes da categoria
“mamífero,” como focas, golfinhos, ursos, leopardos e por aí adiante. Se eu
perguntar a mim mesmo “o que é um mamífero?”, meu cérebro responde:
“são animais que bebem leite quando nascem”. »

Notou qual o ponto? Para entender o conceito abstrato de “mamífero” este


homem com síndrome de Asperger precisou que surgissem em seu cérebro
coisas concretas, palpáveis, como por exemplo imagens, ou uma definição
da palavra que recorre a ideias concretas — neste caso: beber leite.

Se isso não acontecer, a palavra “mamífero” não terá qualquer significado


para a pessoa com autismo.

Quantos mais exemplos de membros de uma categoria — cães, mamíferos,


roupa, ou outra categoria qualquer — maior o entendimento do autista sobre
os limites abrangidos por essa categoria.

O pensamento abstrato é uma capacidade que se desenvolve desde bem


jovem. Quando você ouve a palavra “mamífero” você sabe imediatamente o
que é, sem necessidade de ter acesso a coisas concretas como “imagens” ou
“definições com explicações concretas”.

Sobre este assunto, um homem com asperger disse: “Eu não fazia ideia que
isso [o pensamento abstrato] existia. E sinceramente, não consigo entender
bem como é possível entender algo sem recorrer a exemplos concretos.”

Por exemplo, para entender a palavra “possível”, note como este mesmo
homem descreveu seus processos mentais:

« Imediatamente vem-me à mente a imagem de alguém a atirar a mão para


tentar apanhar algo. Se eu quiser entender o que a palavra quer dizer mais a
fundo, aparece-me a imagem de alguém a saltar um precipício e a conseguir.
Basicamente, o meu cérebro dá-me várias imagens e vídeos concretos para
me permitir ter uma ideia do que significa o conceito abstrato representado
pela palavra “possível”. »

Nem todas as imagens que surgem na mente do autista fazem sentido para
outras pessoas. Algumas são imagens misturadas com sentimentos e todas
surgem muito depressa. Mas o ponto é que o seu cérebro sempre necessita
de recorrer a algo palpável que ele já conhece a fim de entender a
linguagem abstrata.

É como se a linguagem abstrata fosse o telhado e a linguagem concreta


fossem as paredes, os pilares e toda a restante fundação que suporta o
telhado.
“Temos de amar os outros.”
O mesmo se passa com a frase “Temos de amar os outros.”

Mais uma vez recorremos a alguém com Asperger, que preferiu permanecer
no anonimato, e lhe pedimos que descreva o processo para nós:

« Para mim a expressão “amar os outros” não significa nada. Se me disserem


“tens de me amar” eu não sei o que a pessoa quer dizer. Então,
automaticamente surge no meu cérebro a imagem de uma pessoa a abraçar
outra, de uma pessoa a oferecer algo a outra, junto com um sentimento no
meu corpo. »

O que é “amar”? É somente depois de conjugar todas estas imagens concretas


que o cérebro autista consegue chegar a uma conclusão.

No entanto, essa conclusão acontece apenas dentro da esfera dos exemplos


concretos que o autista conhece.

Quantos mais exemplos concretos ele possuir, maior o seu entendimento do


conceito e maior a sua capacidade de perceber se uma ação inteiramente nova
encaixa, ou não, dentro da categoria “amar os outros”.

Por exemplo, perguntamos a essa pessoa: “Será que dar um aperto de mão faz
parte de “amar os outros?” Note a fascinante explicação:

« Quando penso em apertar a mão e em amor, surge em minha mente a


imagem de duas pessoas vestidas com fato e gravata, eles estão apertando a
mão e sorrindo. Um coloca a mão no ombro do outro. Dá para ver que são
bons amigos. Por isso, sim, apertar a mão pode fazer parte de amar outros. »

A pessoa neurotípica não necessita deste passo intermédio porque seu


cérebro, por estar bem configurado, entende automaticamente o que significa
“amar”.
“É bom estar vivo.”
« Da mesma maneira, a expressão “É bom estar vivo.” faz surgir em minha
mente a imagem de alguém sentado a sorrir e o foco da câmera está no acto
de respiração. A pessoa está a sorrir de olhos fechados enquanto respira bem
fundo. Se eu quiser entender o significado das palavras individuais usadas na
frase, “bom” faz-me pensar na imagem de alguém a sorrir. “Vivo” faz-me
aparecer um pequeno filme de alguém a respirar. Se eu pensar mais no
significado de “vivo” aparece a imagem de alguém num caixão e um
comentario a dizer: “é o contrario disto”. »

Estes exemplos concretos são variáveis. Não significa que sempre vão
aparecer estas imagens e vídeos específicos, mas algo aparecerá.

O ponto é sempre o mesmo: o cérebro autista apenas entende conceitos


abstratos se tiver exemplos concretos suficientes ilustrando o conceito.
Quantos mais exemplos concretos o autista tiver, maior o seu entendimento
do significado do conceito abstrato que lhe está sendo comunicado.

Isso significa que a melhor forma de ensinar algo a alguém com autismo é
por apresentar uma imagem ou uma história e dizer: “isto é um é um exemplo
de “x”.”

Ao fim de muitos exemplos de “x” o autista entenderá o significado de “x”. A


forma como a pessoa saberá que o autista realmente entende o significado de
“x” é quando ele for capaz de formular seus próprios exemplos de “x”
inteiramente novos.
O que é um conceito abstrato?
Todos os conceitos abstratos possuem uma lista de regras do que pertence a
esse conceito e do que não pertence.

Essas regras estão escritas de modo concreto. Ou, quando não estão, estão
escrita numa linguagem abstrata mais próxima do concreto. É como uma
cebola. Você tem várias camadas de abstração.

Por exemplo, note a palavra “mamíferos.” Algumas regras são:

● São animais vertebrados.


● Têm glândulas mamárias que, nas fêmeas, produzem leite para
alimentação dos filhotes
● Têm pêlos ou cabelos, com exceção dos golfinhos e de algumas baleias,
que somente na fase embrionária possuem pêlos.
● O coração tem quatro câmeras

Pegando na última característica: “Coração com quatro câmeras” isso é bem


menos abstrato do que “mamíferos.”

Mais uma vez, recorremos a alguém com autismo para nos dizer como seu
cérebro funciona:

« Eu consigo imaginar facilmente um coração com quatro divisões. Se bem


que a palavra “câmeras” já é abstrata. Para a entender eu imagino as
pirâmides com suas muitas câmeras, ou divisões, e aí o conceito é claro:
coração com quatro salinhas.”

Por outro lado, “glândulas mamárias” já é bem mais concreto.

«Penso na vaca, com suas tetas. É a primeira imagem que surge em minha
mente »

Qual a lição a tirar daqui?


Para comunicar com alguém autista lhe dê o máximo de exemplos que poder.
Use linguagem concreta nesses exemplos. Depois, peça para ele criar seus
próprios exemplos. Se ele não conseguir criar exemplos inteiramente novos é
porque ele ainda não entendeu a fundo o conceito abstrato que você está
tentando lhe transmitir.

No entanto, quando ele entender, você se surpreenderá com a fluidez mental


com que ele consegue ligar esse entendimento novo com tudo o resto que ele
já conhece e com o modo como ele se torna capaz de criar ideias novas.
Como você pode se treinar para explicar algo abstrato
de modo concreto?
Imagine que estava proibido de falar ou escrever. Como você faria para
explicar o assunto?

Imagine explicar o significado da palavra “mamífero” sem poder falar ou


escrever. Como você faria?

Talvez fizesse mímica. Que gestos você usaria? Para onde você apontaria? O
que desenharia numa folha de papel?

Com certeza você daria por si a desenhar animais. Mas será que se você
desenhasse 3 ou 4 isso seria suficiente para a pessoa entender que você estava
se referindo a mamíferos e não, por exemplo, ao conceito abstrato de
“animais”?

Talvez você acabasse desenhando outros animais que não são mamíferos,
como aves ou peixes e colocasse um “X” em cima deles para mostrar que
esses estão fora.

Na verdade, você estaria como que dizendo:

“Olhe, estes são os limites do conceito abstrato que eu lhe quero ensinar.
“Baleia, cão e gato estão dentro dos limites. Esta sardinha, esta águia e este
sapo já estão do lado de fora dos limites.”

Mas mesmo assim, isso não seria suficiente para definir o conceito de
“mamífero.” Você precisaria de mais animais, muitos mais. Dezenas ou
centenas de bonecos na folha de papel de muitos tipos diferentes de animais.
Quantos mais exemplos de animais você desse, maior a compreensão daquilo
que você estava tentando descrever.

Chegaria a uma altura em que a pessoa já seria capaz de perceber que animais
fazem parte da categoria e que animais não fazem, mesmo se você nunca lhe
tivesse dito literalmente que estava falando de “mamíferos”.

Agora, tente fazer o mesmo com outras ideias ainda mais abstratas como, por
exemplo, explicar o conceito de “categoria” ou explicar o significado de
“abstrato” ou até mesmo, explicar o conceito de “exemplo” e da própria
palavra “conceito”! Se torna cada vez mais complicado fazê-lo sem poder
falar ou escrever, não concorda?

Por outro lado, se você descer o grau de abstração e tentar explicar palavras
abstratas mais simples como “roupa”, “comida”, “cães” ou “livros” sua tarefa
se torna mais fácil.

Portanto, comece pelo mais concreto e aos poucos, use as palavras concretas
que o autista já conhece para lhe ensinar coisas ligeiramente mais abstratas.

Use imagens da Internet ou de revistas, faça desenhos ou lhe mostre os


objetos para lhe ensinar conceitos concretos. Depois, use esses mesmos
conceitos para, aos poucos, encher o cérebro dele de exemplos concretos.
Exemplos que, aos poucos, o próprio cérebro dele organizará a fim de
entender a linguagem falada e escrita.

Quanto mais profundo o nível de autismo maior será seu desafio. Alguns
autistas podem até levar muito tempo para aprender algumas palavras
básicas. Mas não desista! Seu esforço será recompensado.

Por outro lado, se está lidando com alguém com uma forma mais moderada
de autismo e que já tem domínio da linguagem falada, como acontece com o
síndrome de Asperger, que coisas deverá ensinar?

Deverá focar seus esforços em o ajudar a assimilar conceitos abstratos mais


complexos, relacionados com as áreas em que ele tem maior dificuldade.
Como?

No próximo capítulo analisaremos uma das áreas em que o Autista mais


necessita de ajuda: o desenvolvimento da Inteligência Emocional.
Olharemos para cada uma das emoções humanas fundamentais e
procuraremos entender como aplicar o que acabamos de aprender sobre
pensamento concreto e pensamento abstrato de modo a ajudar o autista a
aprofundar sua capacidade para lidar com emoções.

Embora as instruções que se seguem sejam especialmente úteis para quem


consegue se comunicar, os princípios basilares se aplicam a qualquer tipo de
autismo.
Capítulo 4

Inteligência Emocional para Autistas —


sim, é possível para um autista entender
as emoções
Este capítulo foi preparado para ensinar algo muito abstrato, a inteligência
emocional, de maneira concreta. Isso significa que para educar alguém com
autismo você poderá adaptar o próprio capítulo. Adapte os exemplos à idade
e ao nível de compreensão da pessoa a quem você estiver ensinando.

Ao mesmo tempo, se você tem autismo, este capítulo o ajudará a aumentar


significativamente sua inteligência emocional.

De fato, até mesmo alguém sem autismo se beneficiará da informação contida


aqui pois ela é universal.
Por onde começar?
Começamos pelo cérebro. Em nosso cérebro nós temos áreas específicas
responsáveis por avaliar como estão nossos recursos internos e nossas
necessidades.

Quando existe uma alteração ao nível dos recursos ou das necessidades nosso
corpo nos avisa e se modifica para nos ajudar a lidar com essa alteração.

Estas duas frases deixaram você confuso? Não se preocupe. Vários exemplos
vão deixar o assunto claro. Depois falaremos sobre como tudo isso se
relaciona com o autismo.
Necessidades
Todos nós temos as mesmas necessidades humanas. Essas necessidades
incluem:[3]

● Alimentação
● Ingestão de água
● Dormir
● Descansar
● Respirar
● Ter nosso corpo na temperatura certa
● Estar longe de coisas que nos causem dor
● Excreção

E para satisfazer estas necessidades nós usamos recursos.


Recursos
Um recurso é tudo aquilo que permite satisfazer uma necessidade. Por
exemplo, para satisfazer a necessidade de nos alimentar podemos usar vários
recursos como pão, carne, arroz, fruta, legumes e por aí adiante.

Para satisfazer necessidade de ingerir água necessitamos de um recurso


muito específico e insubstituível: água potável.

Quanto à necessidade de dormir, apenas necessitamos de ter acesso a algum


local suficientemente confortável para permitir que nosso corpo se desligue e
durma tranquilo. Para descansar basta um local onde possamos nos sentar
um pouco.

No que diz respeito a respirar é necessário outro recurso que não dá mesmo
para substituir: ar com a concentração correta de gases.

Já para termos nosso corpo na temperatura correta temos uma variedade de


recursos a nossa disposição, como uma casa, roupa, ar condicionado,
ventoinhas, aquecedores e muitos outros meios de modificar nossa
temperatura.

Estar longe de dor já requer acesso a recursos mais específicos, como um


médico, medicação, ou informação específica sobre como agir para aliviar
qualquer dor que estejamos sentido. Mas, na sua forma mais básica, apenas
necessitamos de ter espaço suficiente para nos afastarmos de qualquer coisa
que nos possa causar sofrimento.

A necessidade de excreção envolve recursos como instalações sanitárias


adequadas, ou, no mínimo: um campo aberto.

Em todo o caso, o ponto é: Existem necessidades básicas que todos nós temos
e todos usamos recursos para as satisfazer.

Além destas, existem outras necessidades mais abstratas que falaremos daqui
a pouco.
Emoções
O que acontece quando nossas necessidades não estão sendo satisfeitas? Duas
coisas:

1. Nosso corpo nos avisa através de sensações.


2. Nosso cérebro coloca em nossa mente consciente ideias sobre como
agir.

1. Nosso corpo nos avisa através de sensações

Existem áreas de nosso cérebro responsáveis por verificar como estão nossas
necessidades. A forma como elas fazem isso é muito complexa e envolve
hormônios, sinais elétricos e a interacção entre o cérebro e vários outros
órgãos.

Por exemplo, para que uma sensação como a fome surja, acontece o seguinte:

1. Nosso cérebro vai comunicando com o estômago e com os outros


órgãos. Chega a uma altura em que o cérebro recebe a seguinte
mensagem: “Precisamos de mais alimento.” Tudo isto acontece sem
nos darmos conta. É um processo inconsciente.

2. Nessa altura a parte inconsciente do cérebro envia uma mensagem para


a parte consciente. E a pessoa, que estava atarefada nos seus afazeres,
subitamente sente vontade de comer. Sua mente estava cheia de
pensamentos sobre o trabalho que ela estava entretida a fazer, mas
agora ela pensa cada vez mais em comida. Quanto mais nosso corpo
acredita que nós temos necessidade de comer, maior a fome que ele nos
faz sentir.

O mesmo acontece com as outras necessidades:

● Alimentação ⇒ Sentimos fome.


● Ingestão de água ⇒ Sentimos sede.
● Dormir ⇒ Sentimos sono.
● Descansar ⇒ Sentimos cansaço.
● Respirar ⇒ Se estamos impossibilitados de respirar, como por
exemplo quando estamos nadando abaixo da superfície da água,
sentimos uma aflição cada vez maior para inspirar.
● Ter nosso corpo na temperatura certa ⇒ Sentimos desconforto.
● Estar longe de coisas que nos causem dor ⇒ Sentimos dor quando
estamos perto dessa coisas.
● Excreção ⇒ Vontade de urinar ou defecar.

2. Nosso cérebro coloca em nossa mente consciente ideias sobre como


agir.

Nosso cérebro aprendeu desde muito cedo quais os recursos que usamos para
satisfazer nossas necessidades. Por isso quando temos sede pensamos em
água, não em nossa cama.

● Alimentação ⇒ Pensamos cada vez mais em comida.


● Ingestão de água ⇒ Pensamos em beber água.
● Dormir ⇒ Pensamos em como seria bom nos deitar em nossa caminha.
● Descansar ⇒ Pensamentos sobre como seria bom nos sentar e
descansar ficam surgindo em nossa mente.
● Respirar ⇒ Não conseguimos mais pensar em outras coisas. Todo o
nosso foco é em arranjar forma de respirar.
● Ter nosso corpo na temperatura certa ⇒ Se estamos com frio surge
em nossa cabeça ideias sobre como nos aquecer. Se por outro lado o
problema é o calor, só pensamos em tirar a roupa ou num duche frio.
● Estar longe de coisas que nos causem dor ⇒ Quando tocamos em
algo que nos aleija automaticamente nossa reacção é nos afastar. Se
acreditamos que algo representa um perigo, pensamos em sair dali.
● Excreção ⇒ Só pensamos no banheiro. Se a vontade já é muito grande
começam a surgir em nossa cabeça ideias mais ousadas, como urinar
atrás de um arbusto.

Agora, vamos entrar na parte abstrata e mais complexa. Preparado?


● Dependendo do que nós acreditamos sobre os recursos disponíveis
para satisfazer nossas necessidades, nós sentiremos uma emoção.

Daqui a pouco analisaremos a fundo o significado desta frase. Primeiro, no


entanto, é necessário falar sobre essas emoções que nosso corpo nos faz
sentir.

Existem muitas palavras diferentes para descrever emoções. Apesar disso, os


especialistas concordam que existem apenas algumas emoções fundamentais,
que depois se misturam umas com as outras, em maior ou menor grau, e com
as restantes sensações para formar outras emoções mais complexas

Quais são as emoções fundamentais?

1. Alegria
2. Medo
3. Raiva
4. Repulsa
5. Surpresa
6. Tristeza

Vamos agora analisar cada uma delas. Não desespere. Daqui a alguns
minutos tudo fará pleno sentido e você estará na posse de informação
concreta que lhe permitirá entender e explicar de modo simples todo este
mundo abstrato de necessidades, recursos e emoções.

Veja se nota o padrão.


Entendendo as emoções: Alegria
Nós sentimos alegria quando acreditamos que temos acesso a um recurso
capaz de satisfazer uma necessidade e depois, quando de fato usamos esse
recurso para satisfazer nossa necessidade.

Exemplos:

● Eu tenho fome. Aí eu me lembro do prato suculento que minha esposa


preparou para mim. Eu sinto alegria. Eu chego em casa, sinto o cheiro
da comida. Minha expectativa de que minha necessidade será satisfeita
em breve aumenta. Minha alegria sobe. Eu me sento na mesa, começo a
comer e me sinto satisfeito. Essa satisfação é a alegria de que estamos
falando. É mais do que um simples momento de riso.

● Eu tenho sono. Começo pensando que no fim do dia vou ter uma cama
bem fofinha onde me deitar: eu sinto alegria. Quando chega na hora de
ir dormir eu me deito. Ao acordar eu me sinto bem, pois satisfiz minha
necessidade de descansar.

● O mesmo acontece quando respiramos bem fundo ou quando finalmente


deixamos de sentir alguma dor que tínhamos.

● Quando temos frio e nos enrolamos em uma manta agradável ou quando


temos calor e entramos em um local com o ar condicionado fresco.

● Quando estamos cansados e finalmente nos sentamos.

● Quando estamos aflitos e finalmente chegamos no banheiro.

Tal como as outras emoções, a alegria também existe em graus. Quanto maior
minha certeza de que minha necessidade vai mesmo ser satisfeita maior o
meu grau de alegria. Depois de considerarmos as restantes emoções,
falaremos mais sobre os graus.
Qual o objetivo da alegria?
A alegria serve de motivação. Ela nos faz desejar usar os recursos e é uma
recompensa que nosso corpo nos dá quando obtemos um recurso de que
necessitamos. Dessa forma, da próxima vez desejaremos ainda mais usar
aquele recurso.
Entendendo as emoções: Medo
Nós sentimos medo quando acreditamos que algo mau vai acontecer a um
recurso capaz de satisfazer uma necessidade. Essa expectativa de que algo
mau vai acontecer causa muitas mudanças em nosso corpo. Essas mudanças
causam sensações. Nós chamamos “medo” a esse conjunto de mudanças e
sensações.

Por exemplo, imagine que eu trabalho numa empresa e meu chefe me


telefona pedindo para eu ir com urgência ao gabinete dele. A voz dele está
tensa e irritada. Eu começo a pensar nos erros que cometi na última semana.
Será que vou levar uma reprimenda? Será que vou ser despedido?

Quanto mais eu acreditar que é possível que essas coisas aconteçam, maior
será o meu medo.

Mas porque eu sinto medo? Porque eu acredito que preciso do emprego para
ter acesso aos recursos que me permitem satisfazer necessidades. Eu acredito
que aquele emprego é necessário para me dar dinheiro, o que por sua vez me
dá acesso a comida e a outras coisas importantes.

Esse emprego também aumenta o valor que eu acho que tenho. Perder o
emprego significa perder esse valor. Porque o valor é importante? É
interessante que no grego antigo, a palavra “valor” estava intimamente ligada
com o conceito de “peso.” Quanto menos “valor” eu tiver diante dos olhos
das outras pessoas menos “peso” minhas necessidades terão para eles.
Quando eles tiverem de tomar decisões eu terei menos poder para influenciar
essas decisões e para lidar com elas.

Então, perante a possibilidade de perder o emprego, nosso cérebro fica


remoendo todas essas possibilidades e tenta preparar nosso corpo parar
sair dessa situação.

Outro exemplo envolve nossa saúde. Se eu começo tendo dores no peito eu


talvez acabe indo ao google para pesquisar “sintomas de ataque cardíaco.” Aí
eu começo a ler “dor no peito, fadiga, dificuldade em respirar.” Quanto mais
esses sintomas forem parecidos com o que eu estou sentido, mais eu vou
acreditar que estou tendo um ataque cardíaco. Quanto mais eu acreditar que
estou tendo um ataque cardíaco maior será o meu medo.

Nestes exemplos parece que o medo não é útil. Afinal, como é que o medo
me protege de ser despedido? Como é que o medo me protege de ter um
ataque cardíaco?

A verdade, no entanto, é que o medo é bastante útil. O medo serve para


proteção. Quando temos medo estamos mais atentos, temos mais cuidado e
estamos muito mais motivados a tomar decisões que nos protejam.

Por exemplo, se eu me sentir confiante, eu vou falar com meu chefe de um


modo completamente diferente do que se eu estiver sentindo medo. O medo
me ajudará a ter mais cuidado, a reconhecer que errei e a pedir desculpas.

O mesmo acontece com os sintomas de ataque cardíaco. O medo me levará a


fazer algo a respeito. Seja isso marcar uma consulta ou ir até ao hospital.

Como último exemplo, imagine que está descendo a rua e aparece um cão.
Esse cão é bem grande e fica ladrando na sua direção. Ele rosna e se
aproxima. Você não sabe como agir, então seu cérebro faz um cálculo rápido:
“esse cão é perigoso, se ele me atacar eu vou ficar bastante mal.” Quanto
mais você acreditar que pode ser atacado e que esse ataque lhe fará danos,
maior será o seu medo. Quanto maior for o seu medo tanto mais concentrado
você estará em fazer o melhor que pode para se proteger.

Agora, dependendo daquilo que você acredita que o vai proteger, o medo
poderá motivá-lo a ficar parado, paralisado sem se mover, a fugir para dentro
de algum quintal ou até a atacar o cão!
Qual o objetivo do medo?
O medo é o nome que se dá às sensações que sentimos em nosso corpo
quando nosso cérebro detecta um perigo. O medo garante que não vamos
ignorar esse perigo e que vamos fazer tudo o que pudermos para tentar nos
livrar dele. A ação que nós tomaremos debaixo do medo depende do que nós
acreditarmos que é o melhor a fazer para nos protegermos.
Entendendo as emoções: Raiva
A raiva é uma das emoções mais fascinantes. Ela surge quando acreditamos
que ocorreu uma injustiça. Isso porque a necessidade de justiça é tão
importante para nós que temos toda uma emoção desenhada para lidar com
qualquer ataque ao que acreditamos que é justo.

A raiva é uma emoção muito poderosa. Quando nosso cérebro detecta uma
injustiça ele envia vários hormônios, ou mensageiros, que nos modificam por
completo. De que maneira?

Nossa mente consciente fica cheia de pensamentos sobre como a injustiça


poderá ser corrigida. Sentimos nosso coração bater com força, nossa
respiração aumenta, nossos músculos ficam tensionados. Porque isso
acontece? Porque nosso cérebro está transformando todo o corpo em uma
máquina de guerra.

A raiva, quando deixada fora do controle é uma emoção devastadora. Ela


pode levar a pessoa a cometer atos dos quais ela se arrependerá muito, depois
de a raiva passar.

No entanto, a raiva em si mesma não é má.

Tal como o medo, a raiva é uma emoção que nos leva a ação. Infelizmente a
raiva pode ser tão grande que se torna difícil perceber como agir. Esse é o
problema.

O que é uma injustiça?

“Injustiça” é uma palavra abstrata. Como a podemos transformar em algo


mais concreto? Imagine um juiz. O trabalho do juiz envolve de perto a
justiça. Como é que funciona o trabalho dele?

Quando um caso é levado a tribunal o juiz faz uma comparação. O juiz


compara o que deveria ter acontecido com o que realmente aconteceu. Daí o
juiz decide o que deve ser feito para corrigir as coisas. A fim de tomar essa
decisão o juiz leva em conta a intenção de quem cometeu a ação errada.

Por exemplo, se uma senhora idosa vai andando pela rua e deixa cair algumas
moedas, como as outras pessoas devem agir? A coisa certa a fazer é apanhar
a moeda do chão, chamar a senhora e lhe devolver a moeda. Isso significa
que se um homem pega na moeda e a guarda no bolso, ele está fazendo algo
errado.

Perante esta situação o juiz compara o que foi feito — roubar a moeda ou
devolver a moeda — com o que deveria ter sido feito: entregar a moeda à
senhora. Se a moeda foi devolvida, o juiz decide que ação foi justa e fica
feliz, elogiando o homem por ter sido correto em suas ações. Mas, se a moeda
foi roubada, o juiz se sente irritado pois a ação do homem foi ruim, ou seja:
injusta.

Depois, o juiz decidirá uma medida apropriada que corrija as coisas. Essa
medida poderá envolver compensar a senhora pela perda do dinheiro e pelos
nervos que ela passou e punir o ladrão pela sua ação errada.

No entanto, o juiz também leva em conta a intenção do homem. Isso pode


mudar tudo. Por exemplo, se fica provado através do relato de várias
testemunhas que o homem colocou a moeda no bolso com o objetivo de a
devolver, mas que ele não o fez devido a circunstâncias fora do controle dele,
a opinião do juiz mudará. O que foi feito continua sendo igual, as como a
intenção do homem não foi má, o juiz não sente mais raiva. Talvez ele fique
com tristeza, pensando no mau estar que toda esta situação causou tanto para
o homem como para a senhora idosa.

Da mesma maneira, nosso cérebro tem como que uma longa lista de regras.
Essas regras se relacionam com todas as nossas necessidades. Já falamos
sobre as necessidades mais óbvias, como a necessidade de comer ou dormir.
Mas existem outras necessidades mais abstratas.

Talvez não pensemos muito nisso, mas o ser humano tem uma forte
necessidade de justiça. Isso é observado logo nas crianças. Por exemplo, elas
acham injusto se seu coleguinha recebe uma fatia de bolo maior do que a sua.
É interessante que até mesmo um ladrão possui senso de justiça. O ladrão não
gosta de ser roubado. Ele fica irritado. Seu cérebro fica lhe dizendo: “Não é
justo!” e ele fica com raiva de quem o roubou.

Essa raiva nos move a ação. No caso da criança ela poderá chorar ou dizer
“Porque a fatia dele é maior do que a minha?” No caso do ladrão ele poderá
partir para a violência física.

A raiva é assim: uma força interior que nos leva a desejar fazer algo para
corrigir aquilo que nós achamos que é injusto. Essa força surge sempre que
nosso cérebro, igual a um juiz, compara o que aconteceu com o que nosso
livro de regras internas diz que deveria ter acontecido. Se é detectada uma
diferença entre essas duas coisas e se acreditamos que a pessoa agiu com
intenção nós criamos uma imagem em nossa mente de um inimigo a abater.

Às vezes ficamos até com raiva de nós mesmos. Isso acontece quando
percebemos que fizemos algo que não devíamos ter feito. Embora
normalmente não usemos uma palavra tão forte como “raiva”. Usamos outras
expressões como “estou chateado comigo mesmo” ou “fiquei frustrado
comigo próprio.” No entanto, todas essas expressões se referem à mesma
emoção em maior, ou menor grau: a raiva.

Qual o objetivo da raiva?


A raiva nos leva a ficar impacientes. Desejamos agir para corrigir as coisas.
Infelizmente a raiva é cega. Ela nos move a agir, mas não nos revela como
agir. Alguém com maus princípios ou com pouco autodomínio pode acabar
sendo motivado pela raiva a agir de modo errado, talvez até agredindo
alguém. Mas quando usada de modo correto a raiva pode motivar a pessoa a
agir de modo a corrigir uma injustiça.

Por exemplo, se eu observo uma senhora a ser roubada, a raiva me levará a


querer fazer algo a respeito para ajudar a senhora, até mesmo chamando a
polícia e esperando que a polícia chegue junto da senhora. Eu me sinto
indignado, ou com raiva, e essa emoção me impede de ficar indiferente.
Entendendo as emoções: Repulsa
Um dos recursos mais importantes que nós temos é nossa energia física e
mental. Por isso nosso cérebro está projetado para nos fazer desejar afastar
de tudo o que possa nos desgastar física ou mentalmente.

Por exemplo, se eu pedir a você para fazer muitas contas de cabeça como
você se sente?

Faça o teste:

● 1+1 = ?
● 3+5=?
● 24 + 65 = ?
● 55 + 15 = ?
● 9 x 78 = ?
● 1849 x 4 = ?
● 354651 - 456651 = ?
● 2375 / 51 = ?

Notou? À medida que os problemas se foram tornando cada vez mais


complexos seu cérebro começou a rejeitar resolvê-los. Ele fez você sentir
repulsa. Se isso não aconteceu é porque você tem muita energia mental
disponível. Nesse caso continue resolvendo problemas cada vez mais
complicados. Eventualmente sua mente acusará o desgaste. De que maneira?

A não ser que você ame aritmética, seu estômago se comprimirá um pouco,
seus músculos ficarão tensos e, caso você deteste mesmo todas as formas de
matemática, poderá até sentir um certo nível de náusea e vontade de vomitar!
Isso é o sentimento de repulsa e é uma das emoções primárias dos seres
humanos.

Estamos acostumados a associar a repulsa com o cheiro de comida podre ou


com o avistamento de uma imagem perturbadora. No entanto, a repulsa é um
mecanismo de proteção muito mais geral. A toda a hora, nossa mente
inconsciente tem de decidir se um estímulo é demais para nós ou não e, se
for, o nosso corpo se modifica para facilitar rejeitar esse mesmo estímulo.
Como podemos exemplificar isso?

Mais uma vez, a comida estragada nos fornece um exemplo familiar. Assim
que você sente o cheiro a podre pode facilmente sentir seu corpo se
constringindo e seu sistema digestivo se modificando para promover a
expulsão de comida, ao invés de se preparar para a digerir.

O que muitas vezes não nos apercebemos, é que outras pessoas ou coisas,
podem provocar essa mesma emoção em nós. O que acontece é que, da
mesma forma que nosso corpo tem dificuldade em digerir alimento estragado,
nossa mente também tem dificuldade em processar uma interação com uma
pessoa difícil.

Pessoas complicadas são desgastantes para nossa psique. Não é de admirar


então, que o simples pensamento de passar uma tarde com uma dessas
pessoas possa contrair todo o nosso corpo, como se nossa mente nos dissesse
que rejeita lidar com essa pessoa com a mesma intensidade com que nosso
sistema digestivo rejeita digerir uma refeição estragada.

Às vezes, estar cansado é tudo o que é necessário. Quando você está cansado,
até mesmo o pensamento de resolver 41+27 pode fazer com que seu
estômago se contraia em sinal de repulsa.

Consegue se recordar de uma altura em que não lhe apetecia ver ninguém?
Talvez você estivesse se sentindo com muito sono ou talvez simplesmente
estivesse se sentido muito desgastado depois de um dia de trabalho intenso.
Em momentos como esses, até mesmo a ideia de lidar com um ente querido
pode causar certo nível de repulsa.

Nessas alturas, é como se o nosso cérebro nos estivesse dizendo: “Eu me


recuso a processar mais informação! Eu quero é descansar! Ouviu?”

Quanto mais nós acreditarmos que algo nos irá desgastar, maior a
repulsa que sentimos.
Qual o objetivo da repulsa?
A repulsa nos dá força para rejeitar coisas que nos desgastam ou nos fazem
mal. É apenas um mecanismo de proteção. Ela nos motiva a cair fora.
Entendendo as emoções: Surpresa
Nosso cérebro é muito rápido. Toda a hora ele processa quantidades
gigantescas de informação. No entanto, nosso cérebro não é infinitamente
rápido.

Imagine que você está prestes a abrir a porta para entrar em casa depois de
um dia de trabalho. Nesses instantes em que você está abrindo a porta seu
cérebro está trabalhando para o auxiliar. Na sua mente surgem detalhes sobre
o que você precisa fazer a seguir. Você se imagina a entrar em casa, ligar as
luzes, colocar suas chaves e casaco no sítio certo e caminhar até ao banheiro
para lavar as mãos e refrescar sua cara.

Dessa forma, quando você termina de rodar a chave e destranca a porta, todas
essas ações fluem suavemente, quase de modo automático. Você não
necessita de gastar energia mental. Dessa forma você não tem repulsa de
entrar em casa. Entrar em casa é seu refúgio mental, sua fonte de descanso.
Mas…

Imagine que ao acender a luz você se depara com uma desarrumação


completa. Tudo está virado do avesso. As gavetas do móvel do corredor estão
abertas. Roupa e papéis estão espalhados pelo chão. O que você pensa?
Como você se sente?

Durante uns breves instantes você fica parado. Processando tudo o que acaba
de observar.

A situação com que você se deparou é tão diferente do que você esperava
que seu cérebro não consegue processar tudo em tempo real. Ele leva uns
segundos. Você está sentindo surpresa.

A surpresa é uma emoção que ocorre quando aquilo que acontece é muito
diferente daquilo que tínhamos previsto. Nessa ocasião nosso cérebro e nosso
corpo se modificam para facilitar o processamento daquela situação nova e
inesperada.
Note alguns exemplos:

● Seu celular toca enquanto você estava absorvido numa tarefa e durante
uns momentos você paralisa, mudando de “disco” em seu cérebro.

● Você atravessa a estrada ao mesmo tempo que imagina o que fará


quando chegar à loja e de repente ouve o chiar de pneus a derrapar. Seu
corpo paralisa por um instante enquanto seu cérebro processa o que está
acontecendo “um carro está vindo em nossa direção, o que preciso
fazer? Fico quieto? Corro? Salto? Grito? Qual a melhor opção?” E aí
você corre para o outro lado.

● Você está falando com sua esposa e de repente a cara dela fica pálida.
Você fica paralisado por um instante “o que aconteceu?” aí você reage
e pergunta: “Você está bem?”

● Você está passando férias longe de casa e de repente, de entre a


multidão alguém grita seu nome.

Todos estes exemplos evidenciam o ponto-chave: quando nosso cérebro


precisa processar algo novo com urgência ele paralisa todos os outros
processos mentais e foca sua energia mental em tentar processar o que está
acontecendo.

Podemos até dizer que, de certa forma, a surpresa é uma “pré-emoção” pois
ela ocorre antes das outras emoções. É o instante antes de nosso cérebro
decidir como deve reagir. Mas às vezes esse instante de surpresa dura
alguns segundos.

Por exemplo, depois de ficar parado uns momentos, observando a bagunça


que está em sua casa, você finalmente termina de processar o assunto e
exclama: “fui assaltado!”

Aí você sentirá medo se acreditar que os ladrões ainda podem estar em casa
ou se ficar pensando que existe uma forte probabilidade de voltar a ser
assaltado. Ou raiva, à medida que se apercebe da injustiça tremenda da
situação. Pode até sentir uma forte dor no estômago à medida que sua mente
se apercebe do quão inconcebível esta situação é.

“Ligar para a polícia, verificar tudo para perceber o que foi roubado, lidar
com a perda das coisas” tudo isso é demais para processar. Pode até acabar
literalmente vomitando de repulsa.

Qual o objetivo da surpresa?


A surpresa modifica nosso corpo para processar informação mais
rapidamente. Nós ficamos parados e todos os pensamentos que estávamos
tendo passam para segundo plano. Nosso corpo fica em modo de espera,
pronto para reagir à situação assim que o cérebro a processe o suficiente.

O cérebro avalia como a situação nova afeta nossos recursos e as


necessidades que eles satisfazem e aí decide qual a emoção seguinte mais
apropriada. Tudo isto ocorre muito rapidamente, mas não tão depressa a
ponto de nós não nos apercebermos.
Entendendo as emoções: Tristeza
A tristeza está intimamente ligada com a perda. Por exemplo, as pessoas são
um recurso que satisfaz nossas necessidades. Talvez esta frase lhe pareça fria.
Se esse for o caso note o seguinte: Uma das necessidades mais importantes
que os seres humanos têm é a de dar de si mesmos aos outros. As outras
pessoas permitem isso. Dessa forma, elas mesmas se tornam um recurso que
nos permite satisfazer nossa necessidade de dar de nós a elas.

Por exemplo, à pouco falamos sobre a alegria. A alegria ocorre quando


satisfazemos nossas necessidades. É uma forma de nosso cérebro nos
recompensar. Agora a questão é: O que nos dá mais alegria, satisfazer nossas
próprias necessidades ou satisfazer as necessidades das outras pessoas?

Imagine estas situações:

● Eu tenho um pão. À minha frente está uma criança faminta. Eu posso


até ver as suas costelas pois ela é só pele e osso. Bem, eu posso até ter
fome. Comer o pão iria satisfazer minha necessidade e me daria certa
medida de satisfação. Mas como eu me sentiria se comesse o pão
enquanto aquela criança faminta me observa? Será que eu ficaria
alegre? Por outro lado, se eu der o pão todo para ela, como eu me
sentirei? O meu grau de alegria será tão elevado que posso até acabar
com lágrimas escorrendo em meu rosto.

● Alguns vídeos gravados por câmeras de segurança de estações de trem


mostram pessoas que por descuido, ou por outra razão, caem para a
linha. O que muitas vezes os outros fazem de seguida? Arriscam sua
vida, saltando para a linha e ajudando o outro a sair para fora. Como
elas se sentem ao pensar no que fizeram? Felizes, satisfeitas.

● Um pai que ama seu filho se oferece para transplantar um órgão, como
um rim ou uma porção do seu fígado.

Quanto mais amamos nosso próximo, mais fácil se torna colocar suas
necessidades à frente das nossas. E quando fazemos isso sentimos uma
satisfação muito grande.

Dessa forma os outros se tornam um recurso para satisfazer nossas


necessidades.

Naturalmente, quando perdemos esse recurso, isso é muito traumático.


Quando morre alguém que amamos nós não podemos mais contribuir para o
bem estar dessa pessoa. Dessa forma, nossa vida perde uma porção do seu
significado. Qual o tamanho dessa porção? Depende.

No caso da perda de um parente muito chegado, como um filho, um dos pais,


um vovô querido ou o cônjuge amado, a perda é avassaladora. Leva muitos
anos para recuperar por completo. Por vezes essa recuperação nunca é
completa pois o que foi perdido é insubstituível.

O mesmo pode acontecer quando perdemos um animal de estimação querido


ou quando perdemos nossa saúde. São perdas muito grandes, difíceis de
ultrapassar.

Outras perdas são mais pequenas. Se eu gosto muito de um objeto, talvez


algo que me foi oferecido por um amigo ou algo que me é muito útil, como
eu me sinto quando o perco? Fico triste, claro.

O mesmo acontece quando perdemos algo abstrato. Voltando ao exemplo do


emprego. Esse emprego me fazia sentir valorizado. Agora que perdi o
emprego eu começo a acreditar que os outros me vão dar menos valor.
Minhas opiniões e minhas necessidades vão ter menos peso nas decisões dos
outros. Eu sinto medo mas também sinto tristeza.

A tristeza é assim, um testemunho da importância que aquilo que perdemos


tinha para nós.

É muito difícil lidar com a tristeza. Primeiro precisamos dar tempo a nosso
cérebro para processar o que aconteceu e as mudanças que irão acontecer em
nossa vida agora que não temos mais esse recurso que desapareceu. Depois
precisamos buscar outros recursos que nos permitam satisfazer as
necessidades que estavam sendo satisfeitas por ele. Esse tempo e essa busca
por outros recursos que satisfaçam nossas necessidades irá atenuar a tristeza
causada pela perda.

Qual o objetivo da tristeza?


A tristeza nos ajuda a lidar com a perda. Ela nos leva a tirar o tempo
necessário para processar o significado que tudo o que o que foi perdido
tinha para nós. É como se nosso cérebro tivesse de tirar uns dias de folga de
tudo o resto para reorganizar tudo o que se relaciona com o que foi perdido.
A tristeza é uma forma de nosso cérebro nos ajudar a reconhecer a
importância que aquilo que foi perdido tinha para nós.

Além disso, a tristeza promove reações que estimulam nos outros o desejo de
ajudar. Quanto maior a tristeza tanto maior o choro, as expressões faciais
expressando dor e as mudanças em nosso tom de voz e linguagem corporal.
Tudo isso estimula nos outros compaixão e o desejo de ajudar. É como se, ao
provocar essas mudanças em nosso comportamento, nosso cérebro
estivesse recrutando outros cérebros para nos ajudarem a processar a
perda.

Só pensar na possibilidade de perder alguém, ou algo que amamos, já é


suficiente para nos fazer sentir tristes. Isso nos move a cuidar ainda mais,
amar ainda mais e proteger ainda mais esse recurso.

Dessa forma a tristeza não precisa ser encarada como algo mau, pois ela não
é má em si mesma. Ela é apenas a reação correta para lidar com a perda de
algo importante.
Como o autista sente as emoções?
Recapitulando de modo simplificado:

● A alegria é sentida quando usamos um recurso para satisfazer uma


necessidade.
● O medo é sentido quando nosso cérebro prevê que um recurso que
satisfaz necessidades está em perigo de ser perdido.
● A raiva é sentida quando nossa necessidade de justiça é perturbada.
● A repulsa ocorre em relação às coisas e pessoas que nos desgastam,
tanto mental como fisicamente.
● A surpresa acontece em resposta a um estímulo inesperado.
● A tristeza é um meio de lidar com a perda de um recurso.

Pessoas com autismo têm dificuldades de processamento nas áreas do cérebro


relacionadas com as emoções. Isso significa que elas nem sempre percebem o
que estão sentindo, a razão de estarem sentido isso e o que devem fazer a
seguir.

Como isso funciona na prática?

Note a diferença:

Imagine que um jovem neurotípico — ou seja, um que não tem autismo —


perdeu um brinquedo que ele gostava muito. O que acontece de seguida?

1. Seu cérebro regista a perda.

2. O cérebro ordena a modificação do organismo para facilitar o


processamento da perda: o jovem sente tristeza.

3. Automaticamente o jovem começa sentido uma forte necessidade de ir


para ao pé das pessoas que ele ama. Seu cérebro reconhece que as
outras pessoas são uma fonte de apoio e por isso cria dentro do rapaz o
desejo de correr para perto delas. Seu cérebro dá início ao processo de
choro, pois ele reconhece imediatamente que isso o ajuda a sinalizar
aos outros cérebros que ele precisa de apoio.

4. Ao mesmo tempo, o jovem sente medo do futuro. Como vai ser sua
vida agora que ele não tem mais seu objeto favorito? Isso faz com que
seu estômago se contrai e ele fica aflito.

5. Seu cérebro cria nele a necessidade de partilhar esses receios com sua
mãe em busca de ajuda.

6. Ao mesmo tempo o jovem está sentindo raiva também. “Como pude ser
tão bobo e perder meu urso?” diz ele em voz alta. Isso permite que sua
mãe o ajude a ver as coisas de um modo mais equilibrado.

Imagine agora que um jovem com autismo passou pela mesma situação. O
que acontece?

1. Seu cérebro regista a perda.

2. A comunicação entre as áreas que estão processando a perda e o resto


do cérebro não ocorre da melhor maneira.

3. O jovem sente dores de estômago, mas não associa isso a tristeza ou


medo.

4. Ele pode até reconhecer que precisa de apoio mas seu organismo sente
repulsa dos outros, pois eles são desgastantes para sua psique,
especialmente agora que ele está lidando com todas estas sensações
desagradáveis em seu corpo.

5. Ele fica quieto, fechado, sente raiva mas não entende bem porquê e é
incapaz de verbalizar as imagens que estão passando em sua mente.

6. A mãe se aproxima preocupada mas não entende o que aconteceu e o


jovem não consegue explicar o que se passa.
7. Ele tenta chorar mas pode acabar guinchando ou fazendo outros sons
dependendo da gravidade de seu autismo, pois as várias áreas de seu
cérebro não estão conseguindo comunicar corretamente umas com as
outras.

8. A aflição que ele sente dentro dele é tão grande que ele começa se
abananado e se mexendo muito.

9. Sua mãe tenta abraçá-lo para o reconfortar mas ele rejeita o abraço pois
o toque é mais uma informação para seu cérebro esgotado processar.

10. A mãe se afasta e o observa se abanando muito até que aos poucos ele
começa a se acalmar.

Daqui a pouco entenderemos exatamente o que aconteceu nos passos 8, 9 e


10. No entanto, tudo o que consideramos até agora sobre o fato dos autistas
pensarem em termos concretos, e terem dificuldade em processar as emoções
e em lidar com elas, é suficiente para entendermos porque a reação do jovem
autista foi tão diferente da reação do jovem neurotípico.

Se o jovem tem autismo isso significa que ele pode ficar quieto, fechado, sem
querer ver ninguém ou até se tornar agressivo. Em todo o caso, é muito mais
provável que ele não queira ver ninguém se ele for autista do que se ele não
fosse autista.

Se alguém tentar obrigar o jovem autista a interagir, o forçando a explicar o


que se passa, ele pode até reagir com violência. Alguém sem perspicácia
concluirá: “Esse jovem é rude e mal educado.”

Mas alguém com discernimento entenderá as coisas mais a fundo: “Esse


jovem está lidando com fortes sensações e pensamentos aflitivos que seu
cérebro não consegue processar neste momento.”

A partir de agora, você que está lendo este livro, faz parte desse grupo de
pessoas perspicazes, capazes de entender as coisas mais a fundo. Use esse
conhecimento para educar os outros.
Várias emoções podem ocorrer juntas e em graus
Além da dificuldade em processar o que são emoções — visto que elas são
abstratas — e da dificuldade em perceber o que ele está sentido, alguém com
autismo tem ainda outras dificuldades. Um dos problemas do autismo tem a
ver com o grau das suas reações.

Por exemplo, imagine que toda a família combinou ir visitar um museu no


fim-de-semana. Chega o sábado de manhã e o filho com Asperger está
ansioso com a viagem, assim como toda a família. Nisto ocorre um
imprevisto e a família já não pode ir. Todos ficam desapontados mas o filho
com Asperger reage como se fosse o fim do mundo. Parece que só tem
“preto” ou “branco” sem tons de cinzento. Ou está tudo bem, ou é o fim do
mundo. De zero a 10 parece que o nível de tristeza, raiva ou medo ou está no
0 ou no 10, sem passar pelos valores intermédios.

Além disso, a própria pessoa tem dificuldade em entender qual a emoção que
está sentido, excepto quando ela já está num grau muito elevado.

Isso pode ser causado por problemas relacionados com a área responsável por
detectar a contração do estômago, ou por uma incapacidade de associar a
contração do estômago com um estímulo externo.

Ou seja, é como se eu sentisse repulsa porque colocaram um prato com


comida estragada à minha frente. No entanto, meu cérebro não faz a ligação,
então eu não entendo que a repulsa que estou sentindo está sendo causada
pela comida estragada. Devido a isso eu continuo comendo até que acabo
ficando muito mal disposto e nauseado e só aí é que eu faço a ligação: foi a
comida!

Porque isso acontece?

Há essencialmente duas razões: Ou as áreas responsáveis não estão


funcionando bem, ou estão funcionando corretamente mas os “cabos
eléctricos” que fazem a ligação entre essa e as outras áreas não estão
adequadamente ligados. Então a mensagem não passa. A informação não
chega ao processamento consciente.
Da mesma maneira, uma pessoa neurotípica consegue fazer o inverso. Depois
de sentir medo ela consegue se acalmar. Uma pessoa autista tem muito mais
dificuldades. Por mais que sua mente consciente deseje se acalmar parece que
a informação não passa.

É comum alguém com autismo ter mais dificuldades em dominar o seu


espírito. Ela parece explodir mesmo quando não o desejava fazer. O chamado
meltdown que abordaremos mais à frente.

Por enquanto, no entanto, nossa questão é: Como aplicar este entendimento


concreto do que são as emoções de um modo que ajude tanto o autista como
sua família? Vejamos.
Como aplicar a inteligência emocional de modo prático
no caso do autismo
A inteligência emocional se divide essencialmente em duas áreas:

1. A capacidade de perceber o que se passa com as outras pessoas e o que


se passa connosco. Isso envolve identificar as emoções e as situações
que despoletaram essas mesmas emoções.

2. A capacidade de influenciar o que os outros estão sentindo e o que nós


mesmos estamos sentindo. Isso envolve, por exemplo, acalmar alguém
assustado ou irritado e consolar alguém que está triste.

Vamos observar como aplicar o que aprendemos em cada uma dessas duas
áreas.
Identificar e lidar com a Alegria
Como identificar a alegria?

A alegria é muito mais do que rir, ela é caracterizada por sensações


agradáveis em nosso corpo. Sensações que gostamos de ter. Quando estamos
sentindo esse tipo de sensações podemos nos perguntar:

● Aconteceu algo que satisfez alguma de minhas necessidades?


● Contribui para o bem estar de alguém?
● Aconteceu algo que aumentou meu amor próprio ou auto estima?
● Alguém me elogiou?
● Satisfiz uma necessidade básica como dormir, comer ou descansar?
● Estou acreditando que algo bom irá acontecer? O quê?

Como a alegria nos afeta?

A alegria cria em nós um desejo de partilhar nossas ideias e experiências com


outros. Sentimos uma curiosidade natural a respeito das coisas em nossa volta
e uma vontade de explorar o ambiente em nosso redor e interagir com os
outros — mesmo que tenhamos dificuldades sociais.

Como fazer para sentir alegria?

Ajudamos a nós mesmos a ficar alegres sempre que fazemos algo por outra
pessoa — pois isso satisfaz nossa necessidade inata de dar de nós aos outros
— ou quando nós, ou outra pessoa, satisfaz qualquer outra de nossas muitas
necessidades.

Sentimos alegria no mesmo grau em que nossas necessidades humanas estão


sendo preenchidas.

Além disso, a própria expectativa e a crença de que nossas necessidades irão


ser atendidas nos dá alegria.
Neste sentido “alegria” é sinônimo tanto de “satisfação” como de
“esperança”.

De seguida analisaremos as emoções “negativas”. Não que elas sejam más


em si mesmas, é apenas que elas normalmente estão associadas a sensações
que não gostamos de sentir durante muito tempo. Porquê?

Porque elas têm em comum muitas sensações, como por exemplo estômago
apertado, formigueiros, tensão muscular e alterações do ritmo cardíaco e
frequência respiratória.

Além disso, o fato de elas terem em comum tudo isso, torna difícil identificar
a emoção negativa apenas à base dessas sensações.

Como tal, focaremos outro aspecto: a relação entre cada uma destas emoções
com (1) nossas necessidades e (2) os recursos que nosso cérebro acredita que
conseguem satisfazer essas necessidades.

Nesse sentido o termo “recurso” se aplica tanto a coisas como a pessoas.


Identificar e ajudar alguém com Medo
Que perguntas nos ajudam a perceber se as sensações desagradáveis
evidenciam medo?

● Há alguém de quem eu fugiria se pudesse?


● Há alguma coisa que eu acredito que me pode fazer mal?
● Acredito que eu, ou algum recurso, está em perigo?
● Vai acontecer alguma coisa no futuro que eu acredito que me pode
prejudicar?
● Vou ter de me ir encontrar com alguém que eu acredito que me pode
fazer mal a mim ou a algum dos meus recursos?
● Há alguém ou algum recurso que eu acredito que estou em risco de
perder?
● Estou em risco de deixar de ter acesso a algum recurso que satisfaz
minhas necessidades?

Se respondemos “sim” a alguma destas perguntas então é muito provável que


estejamos sentido medo. Isso não significa que o medo é a única emoção que
estamos sentido. Mas é uma delas.

Como lidar com o medo?

Se não podemos escapar do que acreditamos que é prejudicial para nós temos
pelo menos três opções:

1. Mudar as probabilidades. Convencer a nós mesmos que as coisas que


temos medo que aconteçam não são assim tão prováveis.
2. Criar um plano B. Convencer a nós mesmos que mesmo que as coisas
más aconteçam, não vai ser tão mau assim pois temos um meio de lidar
com isso.
3. Criar aliados para lidar com a ameaça. Isso envolve buscar ajuda
para lidar com as coisas más que temos medo que aconteçam. Isso
inclui falar com outras pessoas de nossa confiança e lhes revelar o que
pensamos que vai acontecer de mal no futuro. Ou seja, falar a elas
sobre nossos receios. Essas pessoas poderão nos ajudar de diversas
maneiras. Por exemplo, elas poderão nos ajudar a definir um plano B
para lidar com as coisas más ou nos ajudar a ver que embora sejam
más, não é provável que essas coisas aconteçam.

Como ajudar alguém que está sentindo medo?

Podemos aplicar exatamente as mesmas sugestões:

● Ajudar a pessoa a identificar o que está causando esse medo — usando


as perguntas referidas acima.
● Ajudar a pessoa a reavaliar as probabilidades de algo mau realmente
acontecer.
● Ajudá-la a criar um plano B que lhe dê confiança de que mesmo que a
coisa má se torne realidade, ela conseguirá lidar com ela.
● Ajudá-la a encontrar mais aliados.

Quantas mais pessoas compreensivas se unirem para lidar com uma ameaça,
menor essa ameaça parecerá aos olhos da pessoa que está com medo.

Lembre-se que o medo, tal como todas as outras emoções, existe em graus.
Isso significa que mesmo que não consigamos tirar todo o medo da pessoa,
podemos ajudá-la a reduzir o medo que ela está sentido, ou no mínimo,
ajudá-la a entender o que está originando esse receio.
Identificar e acalmar alguém com Raiva
Que perguntas nos ajudam a perceber se as sensações desagradáveis
evidenciam raiva?

● Aconteceu alguma coisa que eu considero uma injustiça?


● Vai acontecer alguma coisa que eu acho que será uma injustiça?
● Alguém me está fazendo algo que eu preferia que ela não me estivesse
fazendo?
● Alguém, ou alguma coisa, está bloqueando minha capacidade de
satisfazer minhas necessidades?
● Há alguma regra que eu acredito que foi violada?
● Há alguma necessidade minha que não está sendo preenchida e que eu
sinto urgência em satisfazer?
● Há algum limite que eu acho que foi ultrapassado por outra pessoa?
● Há alguma coisa em minha vida que eu acredito que deveria estar
tentado mudar?

Responder “sim” a qualquer destas questões é um indicativo de que a raiva é


uma das emoções provocando as sensações desagradáveis que estamos
sentido.

Como lidar com a raiva?

Para lidar com a raiva é necessário identificar qual a necessidade ou recurso


que está em perigo. Quando identificamos essa necessidade, regra geral, a
raiva se transforma em outra emoção mais de acordo com o problema em
questão.

Por exemplo, se uma pessoa fica me buzinando na estrada e eu começo


ficando irritado eu posso me perguntar: “Qual a necessidade que está sendo
violada?” E a resposta poderá ser: “A necessidade de paz mental” ou “a
necessidade de ver as pessoas tratando bem umas às outras.” No momento em
que eu identifico essas necessidades eu deixo de encarar a pessoa que está
buzinando como um alvo a abater pois o meu foco mudou. A raiva cumpriu
sua função, pois me ajudou a reparar na minha necessidade que estava sendo
violada.

A partir daí eu posso me perguntar: “Como posso agir para proteger minha
necessidade?”

E aí talvez surjam na minha cabeça respostas como:

● Posso levantar a mão e pedir desculpa ao homem para que ele pare de
buzinar.
● Posso aguardar até que o trânsito volte a fluir e me afastar do homem.
● Posso me obrigar a pensar em outra coisa.
● Posso contar até 10 e respirar bem fundo.
● Posso pensar nas consequências de agir de acordo com a raiva que estou
sentindo. Como isso afetaria minha reputação? Meus familiares? Os
familiares do homem que está buzinando?

A raiva foi útil pois me alertou para a necessidade que estava em perigo de
ficar insatisfeita. No entanto, ela não era útil para me ajudar a lidar com o
problema.

Às vezes é difícil transformar a raiva em outra emoção. Por exemplo, se meu


filho chega em casa com a cara negra e eu descubro que dois valentões lhe
bateram, como eu me sinto? É normal ficar com muita raiva. Afinal, aquilo
que aconteceu foi uma completa injustiça!

No entanto, até que ponto é útil essa raiva? A verdade é que se eu fizer aos
valentões o que eles fizeram ao meu filho a violência apenas irá continuar
escalando e as consequência serão cada vez piores. Como então lidar com a
raiva?

Primeiro identifico as necessidades que foram violadas. Elas incluem: A


necessidade de que meu filho esteja bem, a necessidade de sentir que é
seguro meu filho sair à rua, a necessidade de justiça e assim por diante.

Daí eu pergunto a mim mesmo: “Como posso agir para proteger essas
necessidades?”

Isso me ajuda a pensar em soluções:

● Apresentar queixa perante as autoridades escolares e na delegacia.


● Considerar a hipótese de mudar de escola.
● Analisar a fundo os hábitos de meu filho na escola a fim de perceber se
ele pode fazer algumas alterações em sua rotina que o ajudem a evitar
futuros confrontos.
● Considerar a hipótese de falar com os pais dos valentões.
● Considerar a hipótese de falar com os valentões na presença de uma
autoridade escolar e dos pais deles.
● Inscrever meu filho em algum tipo de programa que ofereça orientação
específica sobre como lidar com este tipo de problemas.
● Procurar ajuda especializada de pessoas treinadas para ajudar pais e
filhos a lidar com este tipo de situações.
● Pedir ajuda a outras pessoas mais maduras que passaram pelo mesmo e
conseguiram resolver o problema.
● Ler livros e artigos online sobre o assunto.

Dessa forma a raiva terá cumprido sua função: me alertado para a injustiça
que ocorreu e que não pode ser ignorada. A raiva me motiva a agir e se
transforma em medo devido a ameaça que paira sobre meu filho. Mas não é
um tipo de medo paralisante. Antes, se trata do tipo de medo baseado em
fatos que me leva a tomar ação no sentido de tentar ajudar meu filho a evitar
o desfecho que receamos.

O ponto é sempre o mesmo: quando identificamos as necessidades e os


recursos que estão em perigo e que despoletaram a raiva, a raiva se torna
muito útil. Porquê? Porque nos impediu de ficar quietos.

Como fazer para ajudar alguém a lidar com a raiva?

Depois de identificar que a emoção em causa é mesmo a raiva, usando as


perguntas descritas acima, concentre-se em ajudar a pessoa a identificar quais
as necessidades que estão em perigo e quais as formas de as proteger.
E quando a raiva é dirigida contra nós?

Quando sofremos bullying ou alguém começa sendo agressivo connosco


requer muita inteligência emocional para dar a volta à situação. Muitos
jovens que sofrem bullying não sabem como lidar com esse tipo de agressão
psicológica, que por vezes acaba por se tornar em agressões físicas.

No caso de alguém com autismo, o bullying muitas vezes começa na escola,


continua no local de trabalho e se propaga por outras interações sociais.

Mesmo que alguém com autismo chegue a dominar as formas de processar


informação emocional descritas neste capítulo a ponto de conseguir ajudar
outros que estão sentido raiva contra terceiros, se defender de alguém que
está fazendo bullying a ele é muito mais complicado.

Isso acontece porque o bullying exige uma resposta adequada naquele


momento. Não dá para o autista ir para casa e se aconselhar sobre como se
defender, ou para pegar no telemóvel e rever estes princípios para se recordar
sobre como deve reagir.

Nesse sentido, se torna necessário o acesso a técnicas simples de entender e


fáceis de executar.

Sobre este assunto de lidar com alguém agressivo, uma das técnicas que eu
mais gosto é a proposta pelo Dr. David M. Burns, Professor Adjunto
Emeritus do Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da
Escola de Medicina da Universidade de Stanford, Estados Unidos.

É a chamada técnica do desarme. Ela é muito fácil de memorizar e executar.


Ela não vai funcionar sempre, especialmente se estamos lidando com alguém
que só quer armar confusão. No entanto, ela é de bastante ajuda quando
temos de lidar com críticas e acusações.

Em termos simples, quando alguém nos chama nomes ou nos acusa de algo
temos duas hipóteses para desarmar essa pessoa:
1. Acalmar a pessoa mostrando que ela tem alguma razão. Quer aquilo
que ela está dizendo esteja certo ou errado, procure achar um meio de
concordar com a pessoa. Isso desarma a crítica.

2. Peça exemplos. Faça perguntas que ajudem a pessoa a lhe dar


pormenores. Isso promove um diálogo saudável para ambas as partes.

Se alguém é agressivo connosco, responder na mesma moeda apenas faz com


que a pessoa fique ainda mais agressiva. A única forma de a agressividade
funcionar é se formos tão agressivos a ponto de fazer com que a outra pessoa
fique com medo de nós. Esse tipo de mentalidade, no entanto, dá origem às
notícias de agressões, hospitalizações e mortes que preenchem nossos
noticiários.

Por outro lado, dar razão a quem nos critica ou é agressivo, tem a tendência
de acalmar a pessoa. Ao mesmo tempo, pedir exemplos é uma excelente
forma de conduzir rapidamente a conversa na direção de um diálogo pacífico.
No fim da conversa não se surpreenda se a pessoa agressiva acabar lhe
pedindo desculpa por sua atitude.

A chave para que a técnica funcione é que é proibido mentir. Você só pode
dar razão nos campos em que a pessoa realmente tem razão. Existem duas
formas de conseguir fazer isso:

● Concordar que às vezes você faz as coisas de que está sendo acusado.
● Concordar que a pessoa tem razão para estar zangada com aquele tipo
de assunto.

Como isso funciona na prática? Veja os seguintes exemplos.

Exemplo 1:

● Frase agressiva: Você não vale nada!

● Resposta desarmante 1: É verdade que eu às vezes faço coisas


incorrectas, (dar alguma razão ao agressor), você está pensando em
alguma coisa em específico? (Pedir detalhes)

● Resposta desarmante 2: Entendo que você está muito perturbado com


algo que aconteceu (concordar que a pessoa está zangada) pode me
dizer o que aconteceu? (Pedir detalhes)

Exemplo 2:

● Frase agressiva: Porque você nunca faz nada certo?

● Resposta desarmante 1: Já vi que houve algo que eu fiz que não esteve
bem (dar alguma razão ao agressor), pode me dizer o que foi? (Pedir
detalhes)

● Resposta desarmante 2: Vejo que você está furioso porque gosta que
as coisas sejam bem feitas (concordar que a pessoa está zangada por
uma razão válida) pode me dizer o que fiz de errado? (Pedir
detalhes).

● Resposta desarmante 3: Realmente, é muito frustrante quando a gente


quer que uma coisa seja bem feita e vê que os outros não estão
ajudando (concordar que é normal este tipo de assunto estar
perturbando a pessoa) pode me dizer onde eu poderia ter ajudado
mais? (Pedir detalhes)

Exemplo 3:

● Frase agressiva: Você é o aluno mais burro que esta escola alguma vez
teve!

● Resposta desarmante 1: É, às vezes eu não entendo mesmo as coisas,


(dar alguma razão ao agressor), pode me dizer o que gostaria que eu
entendesse melhor? (Pedir detalhes reconhecendo que por mais que
você entenda tudo, sempre é possível entender melhor).
● Resposta desarmante 2: Deve ser frustrante desejar que eu aprenda as
coisas igual a todo o mundo e ver que eu tenho muitas dificuldades e
nem sempre consigo (concordar que a pessoa está zangada por uma
razão válida), de entre as coisas que já tentou me ensinar e eu não
consegui aprender logo, está pensando em qual? (Pedir detalhes).

● Resposta desarmante 3, caso a acusação seja completamente falsa:


Deve ser muito frustrante quando as pessoas não aprendem ao ritmo
que o professor deseja (concordar com o princípio geral que faz com
que a pessoa esteja zangada), o que você gostaria que eu tivesse
entendido? (Pedir detalhes, dando à pessoa a oportunidade de
revelar em que está pensando).

Exemplo 4:

● Frase agressiva: Você nunca será ninguém na vida.

● Resposta desarmante 1: É possível que isso aconteça e eu também não


desejo que minha vida seja assim (dar alguma razão ao agressor e
mostrar que concordamos com ele), pode me dizer onde eu poderia
melhorar? (Pedir detalhes)

● Resposta desarmante 2: Dá para ver que este é um assunto que o está


preocupando muito (concordar que a pessoa está zangada por uma
razão válida), pode me explicar melhor porque você acredita que esse
será o meu futuro? (Pedir detalhes)

Em cada um destes casos a crítica agressiva veio de uma pessoa que estava
em modo de batalha. Ela lançou suas palavras iguais a flechas, tentando
perfurar você e vencer a guerra.

No entanto, sua resposta branda, não contraditória, envia uma mensagem


clara ao sistema límbico dessa pessoa de que você não é uma ameaça. Isso
facilita que a pessoa se acalme aos poucos e esteja disposta a entrar em um
diálogo mais agradável.
Além da técnica do desarme, existe uma outra muito eficaz apelidada de “o
efeito Benjamim Franklin.” Em que ela consiste?

O efeito Benjamin Franklin

Benjamin Franklin foi um dos fundadores dos Estados Unidos e é


reconhecido como o inventor do pára-raios.

Em sua autobiografia ele descreveu como lidou com a rivalidade de um


adversário político:

“Tendo ouvido que ele tinha em sua biblioteca um livro muito raro e
interessante, eu escrevi uma nota para ele, expressando meu desejo de
ler esse livro, e pedindo que ele me fizesse o favor de emprestá-lo por
alguns dias. Ele o enviou imediatamente, e eu o retornei em cerca de
uma semana com outra nota, expressando fortemente o meu
agradecimento. Quando nos encontramos na Casa [dos Representantes],
ele falou comigo (o que ele nunca havia feito antes) e com grande
civilidade; e daí em diante ele sempre manifestou prontidão em me
servir em todas as ocasiões, de modo que nos tornamos grandes
amigos, e nossa amizade continuou até à sua morte.”[4]

Porque pedir um pequeno favor haveria de funcionar tão bem? Acontece que
nosso cérebro sente a necessidade de ser congruente. É como se a parte
inconsciente de nosso cérebro ficasse raciocinando:

“Eu não gosto daquela pessoa, mas eu fiz aquele favor para ele. Como eu
posso ter feito um favor para ele se eu não gosto dele? Obviamente eu devo
gostar um pouco dele. Sim, isso faz mais sentido do que acreditar que não
gosto dele.”

Esse processo é descrito em psicologia como a necessidade de nosso cérebro


de resolver as chamadas dissonâncias cognitivas — ou diferenças de
pensamento.

Esta é a mesma razão pela qual nós temos tendência de gostar mais de um
produto logo após o termos comprado. Novamente, é como se a parte
inconsciente de nosso cérebro ficasse pensando:

“Bem, eu estava muito indeciso quanto a se este produto era bom ou não, mas
eu o acabei comprando, não foi mesmo? Com certeza isso significa que eu
não estou assim tão indeciso quanto a se ele é bom ou não.”

Tudo isto faz sentido. Mas talvez exista uma razão adicional. Qual?

Por exemplo, você já reparou como as pessoas ficam animadas e felizes


quando você lhes pede direções? Faça o teste. Peça indicações para chegar no
supermercado mais próximo. Verá como as pessoas ficam alegres em poder
ajudar.

O que está acontecendo?

Conforme já observamos, fazer o bem aos outros é uma das necessidades


mais importantes que nós temos. Alguém muito crítico e agressivo talvez
nem nunca tenha reparado nisso, mas a verdade é que quando ele faz algo que
contribui para o bem estar de outra pessoa, ele se sente satisfeito.

Existe apenas algo que você precisa ter em mente. O quê?

Quando um favor é grande e exige que se gaste muita energia física ou


mental, isso pode acabar gerando alguma repulsa. No entanto, quando se trata
de executar um pequeno favor o resultado poderá ser uma inesperada
satisfação.

Como aplicar estes princípios para ganhar o favor de alguém agressivo?

Peça-lhe pequenos favores. Coisas simples. Depois, expresse seu


agradecimento sincero. Talvez seja difícil saber por onde começar. Veja
alguns exemplos:

● Pode me dizer as horas? Muito obrigado.


● Qual é a próxima aula? Muito obrigado por sua ajuda.
● Pode me passar aquilo ali por favor? Lhe agradeço muito.
● Pode segurar nisto por um momento enquanto eu pego aquilo ali? Isso
foi muito bondoso de sua parte. Lhe agradeço muito.

Que mais você pode pedir? Pode pedir algum conselho ou opinião:

● “Olhe, eu sei que você é um dos melhores jogadores do [nome do jogo].


Pode me ajudar a perceber como eu passo esse nível?”
● “Estou indeciso entre estas duas opções, pode me ajudar a decidir?” —
isto funciona para qualquer coisa.

O processo é sempre o mesmo: peça algo que a pessoa tenha satisfação em


fazer por si. Algo simples, que não cause repulsa.

Claro, alguns valentões na escola podem ser bastante resistentes, mas a


perseverança em ser bondoso com certeza trará bons resultados.
Identificar e ajudar alguém com Repulsa
Que perguntas nos ajudam a perceber se as sensações desagradáveis que
estamos sentido evidenciam repulsa?

● Sinto nauseas?
● Sinto vontade de vomitar?
● Vou ter de fazer algo que eu desejaria não ir fazer?
● Vou ter de ir ter com alguém que me gasta muita energia mental?
● Acabei de estar junto de algo ou alguém que me gastou muita energia
mental ou física?
● Me pediram para fazer algo que me obrigou a parar de fazer algo que eu
estava gostando de fazer?
● Há alguma coisa que faz parte da minha vida que eu desejo muito que
deixe de fazer parte dela?
● Me estou sentindo mentalmente cansado?
● Noto que meu cérebro está rejeitando até pensar?

Todas estas perguntas têm em comum um forte sentimento de repulsa. A


repulsa é difícil de identificar e muitas vezes passa despercebida. Mas, pelo
fato de estar intimamente ligada com a energia mental e física que temos
disponível, é fácil perceber que estamos sentindo repulsa se as sensações
desagradáveis vêm numa altura em que estamos mentalmente cansados

Como lidar com a repulsa?

O melhor modo de lidar com a repulsa é nos afastar e descansar nossa mente.
Se estamos sentindo mesmo muita repulsa devido ao cansaço mental pode ser
necessário nos envolver em alguma atividade que realmente gostamos. No
caso de alguém com autismo isso envolveria isolar-se com a sua obsessão.
Por exemplo, um passatempo favorito.

Outra possibilidade é ficar quietos, deitados, descansando. Tony Attwood,


considerado o maior especialista mundial em síndrome de Asperger,
recomenda que, por cada hora passada na companhia de pessoas, o portador
de Asperger deverá passar uma hora isolado, descansando sua mente. Mais à
frente falaremos mais sobre o desgaste que as pessoas provocam em alguém
com autismo.

Assim como a raiva é uma forte emoção que nos leva a querer nos aproximar
da situação e a agir, a repulsa nos leva a rejeitar a situação e a nos afastar.

Além disso, podemos procurar identificar que necessidade nossa está sendo
afetada. Na maioria dos casos a necessidade sendo perturbada se trata da
necessidade de descansar a cabeça. No entanto, se afastar e descansar não
resolver o problema, isso é sinal que existem outras necessidades envolvidas.

Como ajudar alguém que está sentindo repulsa?

É essencial ajudar a pessoa a se afastar do estímulo que está provocando a


repulsa. Obrigar a pessoa a continuar a ter de processar esse estímulo, ou a
continuar a interagir com a pessoa que está despoletando a repulsa é uma
péssima idéia. Porquê? Porque fará com que a repulsa aumente a ponto de
criar nela uma aversão muito grande. Mais ainda, obrigar um autista a
processar quando ele já está cansado pode até acabar provocando uma crise
de nervos — um meltdown.
Identificar e ajudar alguém Surpreendido
A surpresa costuma durar apenas alguns instantes. Quando ela se prolonga
nos referimos a ela como “choque” e dizemos que estamos chocados e que
ainda não processamos, ou assimilamos, o que aconteceu.

Então, que perguntas nos ajudam a perceber se as sensações desagradáveis


que estamos sentido evidenciam surpresa?

● Aconteceu algo fora daquilo que eu estava esperando?


● Aconteceu algo que me deixou chocado?
● Aconteceu algo que me deixou confuso?

Como lidar com a surpresa?

Mais uma vez, a solução passa por tirar tempo para processar tudo. Além
disso, a ajuda de um amigo compreensivo que esteja familiarizado com o
autismo será de muita ajuda.

Como ajudar alguém que está se sentindo chocado ou confuso?

A surpresa sinaliza a necessidade de processar informação nova e inesperada.


Algumas perguntas bem colocadas ajudarão a pessoa a fazer isso. Essas
incluem questões como:

● O que aconteceu?
● Porque isso surpreendeu você?
● O que esperava que tivesse acontecido?
● Porque acha que as coisas aconteceram de outra forma?
● Como acha que as coisas vão mudar no futuro por causa do que
aconteceu?
● Quais são os pontos negativos do que aconteceu?
● Quais são os pontos positivos?
● Como poderá se adaptar para lidar com os pontos negativos?
● Quem o poderá ajudar?
● O que precisa que faça por si agora para o ajudar a lidar com a situação?

Queremos ajudar a pessoa a construir uma narrativa. Essa narrativa inclui a


resposta a estas perguntas:

● Porque isto aconteceu?


● Como o que aconteceu mudou as coisas?
● O que preciso fazer para me adaptar ao que aconteceu?

Quando a pessoa entender isso ela estará pronta para sair do estado de
choque. Mas isso não é o fim da história. Agora, dependendo de como o seu
entendimento da situação a faz encarar o futuro ela poderá sentir medo,
repulsa, raiva ou tristeza e terá de ser ajudada de acordo.
Identificar e ajudar alguém muito Triste
Que perguntas nos ajudam a perceber se estamos sentido tristeza?

● Perdi algo, alguém ou algum animal de estimação?


● Alguém que eu amo, ou algum animal de estimação, está doente?
● Faleceu alguém que eu amava?
● Alguém de quem eu gosto se mudou, ou vai se mudar, para longe?
● Há alguém que eu desejava que estivesse junto a mim mas que não está?
● Aconteceu algo que me fez perder o amor próprio, o respeito dos outros
por mim ou o desejo de viver?
● Foi-me diagnosticado algum problema de saúde?
● Estou a pensar que algo de mau vai de certeza acontecer a algo ou
alguém que eu amo?

Todas estas perguntas têm uma temática em comum: a perda. Quer ela seja
real ou imaginada, a sensação de perder algo que nos é precioso causa
tristeza.

Como lidar com a tristeza e ajudar outros?

A tristeza acalmará quando pelo menos duas coisas acontecerem:

1. Dermos tempo suficiente a nossa mente para ela reorganizar as ideias.


No caso de uma perda grande, como a morte de alguém amado, isso
pode levar bastante tempo.

2. Encontrar novos recursos e estratégias para satisfazer as necessidades


que ficaram em perigo após a perda.

Para isso, precisamos fazer dois tipos de perguntas:

1. Perguntas que ajudem outros a explicar porque razão aquilo que foi
perdido é tão importante assim. Esse tipo de perguntas são as que
ajudam a pessoa a estabelecer uma relação entre o recurso perdido e
suas necessidades.

2. Perguntas que os ajudem a raciocinar sobre como ajustar sua vida para
encontrar novos recursos. Esse tipo de questões são as que auxiliam a
pessoa a entender como usar outros recursos a fim de satisfazer essas
mesmas necessidades.

Vejamos alguns exemplos práticos. Claro que, esse tipo de perguntas deverá
ser feito quando a pessoa estiver preparada. Dependendo da magnitude da
perda pode ser preciso esperar vários dias, ou até semanas, até que a pessoa
esteja capaz de raciocinar deste jeito sobre o que foi perdido.

● Perguntas que ajudam a estabelecer uma relação entre o recurso perdido


e a necessidade:

 Porque você gostava dessa pessoa?


 O que o alegrava nessa pessoa?
 Como essa pessoa o ajudava?
 O que você costumava fazer para o bem dela?
 De que maneiras você sente que dependia dela?
 Como sua vida ficou diferente agora que ela partiu?

 Porque você gostava de seu animal de estimação?


 O que vocês costumavam fazer juntos?
 Do que você sente mais falta?
 Como sua vida ficou diferente agora que ele partiu?

 Porque esse objeto era tão importante para si?


 Para que você o usava?
 Como sua vida ficou diferente agora que o perdeu?

Por exemplo, se a pessoa que foi perdida era um amigo achegado, um


confidente, um companheiro de brincadeiras, pode ser necessário encontrar
várias pessoas que assumam cada um desses papéis. Não se trata de substituir
a pessoa perdida. Simplesmente, você continua tendo a necessidade de ter
amigos, de ter confidentes, de ter companheiros de brincadeiras. Ao procurar
novas formas de satisfazer essas necessidades você estará aumentando suas
chances de conseguir lidar melhor com a perda. Nada substitui a pessoa
perdida, mas muitas pessoas podem tentar satisfazer as mesmas necessidades
que ela, mesmo que em menor grau. E qualquer ajuda contribuirá para
diminuir a sensação de desespero.

● Perguntas que ajudam a entender como usar outros recursos a fim de


satisfazer essas mesmas necessidades:

 Que outras pessoas valiosas você tem em sua vida?


 De que ajuda essas pessoas precisam?
 O que você pode fazer para ajudar uma delas já amanhã?
 Como ajudar elas contribuíria para satisfazer sua necessidade de
contribuir para o bem estar dos outros?
 Como essas pessoas contribuem para seu bem estar?

 Qual é o seu animal favorito?


 Que animalzinho de estimação você gostaria mais de ter?
 Porquê?
 Você acha que um dia estará pronto para cuidar de outro animal?
 Que acha de ir a casa de um de seus amigos brincar com o
animal de estimação dele?

 Que outros objetos você pode usar para alcançar o mesmo que o
objecto perdido lhe permitia fazer?
 Se o objeto perdido tinha sido oferecido e era uma memória de
uma pessoa querida, poderia se perguntar: “Que outros objectos
você tem que o ajudam a recordar essa pessoa?”
Engenharia reversa nas emoções
Neste capítulo adquirimos uma noção concreta das emoções e do objectivo
delas em nosso corpo. Isso nos permite fazer uma “engenharia reversa.”

Se o autista está sentindo raiva e não sabe porquê, ele pode usar estas
perguntas para perceber qual é a injustiça que seu cérebro detetou:

“Qual a injustiça que eu sofri? O que aconteceu diferente do que eu esperava?


Qual a minha necessidade que está ficando em perigo por causa do que
aconteceu? Qual o meu recurso que está em risco de ficar perdido?”

Todas essas perguntas ajudam o autista a fazer manualmente aquilo que seu
cérebro deveria ter feito automaticamente. A boa notícia é que devido às
características neuroplásticas de nosso cérebro, com o tempo e o treino, este
processo manual se tornará cada vez mais automático e rápido.

Chegará num ponto em que a pessoa com autismo processará as coisas cada
vez mais rápido. Por exemplo, após passar várias vezes por este processo ela
talvez comece se apercebendo que existem 2 ou 3 necessidades que surgem
com mais frequência.

“Sofri uma injustiça! Minha necessidade de respeito não foi levada em conta.
Isso me faz sentir irritado. Mas se perdi respeito isso também me faz sentir
triste. Como posso fazer para recuperar o respeito sem ser agressivo?”

E o que antes levaria muitos minutos ou horas, agora acaba sendo processado
em alguns instantes.

Claro que, tudo isto pressupõe que a pessoa com autismo tem uma forma
mais moderada dessa condição, tal como síndrome de Asperger. Alguém com
uma forma mais profunda de autismo, em que até as áreas do cérebro
relacionadas com a comunicação estão afetadas necessitará de uma ajuda
muito maior para entender estes conceitos abstratos de um modo que seu
cérebro consiga processar. Infelizmente pode até não ser possível que isso
aconteça nos próximos anos. Mas para quem tem a capacidade de ler, até
mesmo a leitura deste capítulo pode ser suficiente para mudar para sempre a
sua vida e a forma como essa pessoa lida com as sensações estranhas que
surgem em seu corpo.

Ainda sobre o tópico das emoções, com certeza você já notou a tendência
autística para a pessoa se abanar, mover de modo aparentemente errático e
fazer ruídos com sua boca. Tudo isso é parte de um mecanismo interno para
lidar com as emoções. Porque isso acontece? O que pode ser de ajuda? No
próximo capítulo analisaremos isso.
Capítulo 5

Desvendado o Mistério do Stimming


Imagine que está falando com alguém sobre seu tópico favorito. Você está
muito entusiasmado mas repara que a outra pessoa está começando a bater
com o pé. Você decide ignorar isso, pensando “estou quase terminando
minha explicação.” No entanto, quanto mais explica, mais ideias fantásticas
surgem em sua cabeça.

Os minutos passam e você nem dá por isso. Apenas se ouve sua voz. A outra
pessoa já nem olha para si, ela apenas fica olhando para o relógio imaginando
quando a conversa vai finalmente acabar. As mãos dele não param quietas.
Ora cruza os braços, ora coloca as mãos nos bolsos apenas para as tirar de
seguida, para depois as colocar sobre as ancas e de novo nos bolsos.

Bem, não há dúvida que seu ouvinte está ficando muito impaciente. Mas
aquilo que nos interessa saber é: Porque razão as pessoas começam se
mexendo muito quando ficam impacientes?

Isso acontece por pelo menos duas razões. Primeiro, é uma forma educada de
mostrar à outra pessoa que estamos com pressa que a conversa termine. Em
segundo lugar, esses movimentos nos acalmam.

É um fato que os movimentos musculares exercem um efeito calmante.


Quanto mais melhor. Diversos estudos clínicos demonstram as propriedades
calmantes e antidepressivas do exercício físico. Qualquer um de nós que já
tenha chegado a casa depois de um dia de trabalho envolvendo esforço físico
sabe bem que só apetece chegar à cama e descansar.

Os pais também observam isso em seus filhos. Quando eles brincam lá fora,
correndo e jogando com a bola eles se cansam, acalmam e ficam mais
sossegados

Com isto em mente vamos relembrar uma das características básicas do


autismo: Quando alguém tem autismo as áreas responsáveis pela modelação
das emoções não funcionam corretamente. Na prática, isso significa que é
difícil para o autista controlar a intensidade daquilo que ele está sentido.

Algumas páginas atrás observamos o efeito que isso tem sobre a forma como
ele lida com as emoções.

Um jovem neurotípico sente instintivamente a necessidade de desabafar, de


se distrair com outra atividade ou de controlar suas emoções por pensar em
outros assuntos.

Já um jovem autista usa uma estratégia completamente diferente para tentar


reduzir a intensidade das emoções. Ele abana as mãos, salta, dança, se abana
para a frente e para trás na cadeira, se mexe erraticamente, enrola seu cabelo,
trauteia com os dedos, risca uma folha com um lápis ou caneta, faz ruídos
com a boca, bate palmas, se rebola no chão ou na cama, esfrega texturas
interessantes com as mãos, e por aí adiante.

Tudo o que funcionar para reduzir um pouco a intensidade das sensações


desagradáveis causadas pelas emoções que ele tem tanta dificuldade em
entender e em controlar.

Estes movimentos são conhecidos por uma expressão inglesa chamada de


stimming.

Mas nem todo o stimming é bom. Algumas estratégias de stimming não são
boas, tais como: magoar a si mesmo, derrubar coisas, agir de modo violento,
gritar com os outros. O que fazer então?

Você precisa impedir seu filho de magoar a si mesmo ou a outras pessoas,


mas como fazer isso de um modo que permita que seu filho continue tendo
uma forma de acalmar a si mesmo?
Como lidar com o stimming de alguém com autismo
moderado, como o síndrome de Asperger?
Quando um pai observa seu filho pequeno se abanando todo é normal ficar
em choque. Mais ainda, é perfeitamente natural sentir a necessidade de fazer
com que o filho pare de fazer isso e se comporte como os outros meninos sem
autismo.

Qual o problema? O problema é que o stimming é a única estratégia que o


autista tem para controlar a tensão nervosa e a intensidade de suas emoções.
Todos nós temos essa necessidade de controlar as sensações desagradáveis
em nosso corpo. No caso do autista, o stimming é a estratégia de eleição para
satisfazer essa necessidade.

Devido a isso, impedir o stimming faz com que a pessoa desenvolva tics
nervosos, tremores — nos lábios e nas pálpebras, por exemplo — e crises de
nervos. Proibir o stimming é também uma garantia que mais cedo ou mais
tarde o autista entrará em depressão.

Pode ser duro ouvir isso. Mas não há nada a fazer. O stimming faz parte de
quem é autista assim como a respiração faz parte de todos nós.

Sendo assim, como agir se o seu filho exibe stimming destrutivo?

É necessário encorajar a criança a substituir o stimming destrutivo por


stimming inofensivo. Mostre-lhe como fazer stimming construtivo. Talvez os
outros pais o achem louco por estar ensinando seu filho sobre os benefícios
de rebolar na cama ou abanar as mãos erraticamente.

Mas é o seu filho. O cérebro dele não possui as ligações neurológicas


necessárias para efetuar o controle da intensidade das emoções. Se não for
você a ensinar seu filho a trocar o stimming destrutivo por stimming
construtivo será apenas uma questão de tempo até que o stimming destrutivo
comece causando problemas para toda a família e sofrimento a seu filho na
escola.
Assim que conseguir, ensine seu filho sobre a necessidade de fazer stimming
de modo dissimulado. Ensine-o que quando ele estiver em público e começar
sentido sensações desagradáveis que lhe dão vontade de fugir ou gritar, é
essencial pedir licença e se fechar em um banheiro público ou procurar outro
lugar reservado e fazer stimming até acalmar.

Assim que ele tiver capacidade para entender, explique a ele o que são as
emoções usando um estilo de ensino concreto. Use tantos exemplos quanto
for necessário. Use vídeos, imagens e desenhos para ilustrar seus pontos.
Esses exemplos devem ser adaptados à idade e à compreensão da criança,
adolescente ou adulto.

Sempre que possível use exemplos relacionados com os interesses dele. Se


ele ama trens use esse tema como base para seus exemplos. Se ele ama a
guerra das estrelas use isso. Faça isso e você vai mudar a vida de seu filho
para sempre.

Assim que seu filho ganhar uma compreensão superior do que se está
passando com ele e da turbulência emocional que está na origem das
sensações desagradáveis que o levam a fazer stimming, poderá ajudá-lo a
encontrar formas ainda mais construtivas de se acalmar. Essas formas
incluem principalmente ficar sossegado num local calmo e sem pessoas e
envolver-se numa tarefa favorita, como ouvir música ou a produção de arte.
Como lidar com o stimming de um autista profundo?
Se o seu filho tem autismo mais profundo pode ser muito difícil ensinar a ele
os princípios básicos da inteligência emocional. Então o que deve fazer?

Por incrível que pareça, a forma mais eficaz de se conectar com alguém com
autismo profundo é imitando o stimming dele.

Se seu filho se está rebolando no chão, deite-se no chão e rebole com ele.
Se ele está abanando as mãos abane as mãos ao pé dele.

Parece loucura. Mas apenas experimente.

Eu próprio não acreditaria que funciona se não tivesse experimentado. É


talvez a forma mais eficaz de criar uma ligação com alguém com autismo
profundo, independentemente do grau de autismo e da idade do autista.

Aos poucos e com o passar do tempo você conseguirá entrar um pouco no


mundo de seu filho e terá uma maior capacidade de influenciar o seu
comportamento.
A mensagem importantíssima por trás do stimming
O stimming deve ser endarado com, por exemplo, tremer.

Se o seu filho começa tremendo nenhum pai amoroso diz: “Pare de tremer!”
Muito pelo contrário. Esse pai percebe de imediato a mensagem: Seu filho
está com muito frio. Se depois de ajudar seu filho a aquecer os tremores
continuam o pai entende que algo mais grave está provocando esse sintoma.
Será que seu filho está cheio de medo de alguma coisa? Será que está com
febre? Será que ele está tendo algum tipo de ataque e necessita de ajuda
médica imediata?

Um pai amoroso é assim. Ele está atento aos sinais que o corpo do seu filho
dá, especialmente quando o filho é bebê e não consegue comunicar.

Da mesma maneira, o pai de alguém autista necessita de encarar o stimming


como uma forma do autista comunicar que algo não está bem com ele.

Quanto mais profundo for o autismo maior será a dificuldade do autista


em comunicar o que se passa com ele. Nesse sentido, o autista profundo é
como um bebê. Porquê?

Porque um bebê que está tremendo de frio depende do pai para perceber isso
e ir buscar um cobertor. Da mesma maneira, o autista profundo depende da
capacidade do pai, ou mãe, para identificar o que está criando nele a
necessidade de fazer stimming.

No capítulo anterior analisámos uma fonte comum: as emoções. Emoções


fortes causam sensações. O stimming ajuda o autista a lidar com elas e a
reduzir sua intensidade.

Isso se aplica até mesmo no caso da alegria. Por exemplo, se alguém lhe fizer
cócegas você se ri. Mas se lhe continuarem fazendo cócegas essa sensação
agradável se torna muito rapidamente numa sensação bem desagradável. O
mesmo acontece no autismo. É por isso que o autista faz stimming até quando
se sente feliz.

Ele salta, grita, e se abana de felicidade. É apenas seu cérebro tentando


arranjar uma forma de exercer controlo sobre a intensidade das sensações de
felicidade que ele está sentido. Já que o cérebro não consegue controlar as
emoções pelos meios normais, ele usa meios externos como os movimentos
corporais.

Na verdade seu filho autista é um gênio. Desde muito pequeno ele descobriu
que através do stimming conseguia modelar o grau das emoções. Ele é como
um hacker que perdeu a senha de sua conta de email mas que, mesmo assim,
arranjou um meio de entrar na conta e ler seus emails.

No próximo capítulo analisaremos outra fonte comum de sensações


desagradáveis que acabam levando ao stimming: os estímulos sensoriais.
Capítulo 6
Hipersensibilidade Sensorial — Um
Aspecto Fundamental do Cérebro Autista
Frequentemente Ignorado
Um bebê chora para sinalizar uma necessidade ou uma sensação
desagradável, como uma dor de barriga. O autista faz stimming.

Mas as sensações físicas são apenas um dos tipos de estímulos sensoriais que
nosso cérebro consegue processar.

Um cérebro humano processa informações referente a vários sentidos.


Quantos? Normalmente pensamos em cinco:

● Visão
● Audição
● Tato
● Olfato
● Paladar

Atualmente, no entanto, sabemos que existem outros sentidos.


Afinal, quantos sentidos nós temos?
Bastantes. Estes incluem, por exemplo:

● Os sentidos coordenados pelo aparelho vestibular presente em nossos


ouvidos, também conhecido como órgão gravitoceptor. Ele é
responsável por nossa capacidade de perceber a direção em que nosso
corpo se está movendo, a aceleração com que ele está fazendo isso e
por nos permitir ter noção da inclinação do corpo de modo a nos
permitir equilibrar nossa postura.

● A termocepção ou a capacidade de sentir a temperatura. Geralmente,


quando se fala em tato acabamos incluindo a capacidade de sentir
temperatura, apesar de ser um sentido separado.

● A propriocepção, também chamada de cinestesia. Ou seja, a percepção


da localização de nossos próprios membros (braços e pernas) no
espaço. Sem usar a visão, nosso corpo sabe onde está cada membro em
relação aos demais e qual a força que cada músculo está exercendo. É a
capacidade de propriocepção que nos permite tocar em nosso nariz
mesmo quando temos nossos olhos fechados e é ela que dá a um
futebolista bem treinado a capacidade de conduzir a bola com os pés
mesmo quando seus olhos estão fixados na baliza.

● A nocicepção ou percepção de dor. Novamente, este é outro sentido


muitas vezes confundido com o tato. Além dos sensores de pressão
responsáveis pelo sentido do tato, existem três tipos de receptores de
dor responsáveis pelo sentido da nocicepção. Esses três tipos de
receptores nos permitem receber sinais de dor a partir de (1) nossa pele,
(2) nossos ossos e articulações e (3) de nossos órgãos internos.

Além destes, nosso corpo tem também sensores envolvidos em detectar o


nível de sal em nosso sangue. Dessa forma, nosso cérebro é constantemente
informado sobre a concentração de sais em nosso sangue. Se o sal aumenta
demais sentimos sede.
Do mesmo modo, muitos outros sensores se relacionam com as outras
sensações, como a fome. Estes sentidos estão intimamente ligados com
nossas necessidades, conforme exploramos anteriormente.

Além disso, cada sentido pode ser dividido em partes menores.

Como assim?

A visão, para ilustrar, envolve o processamento de cores, texturas, formas,


perspectiva tridimensional, linhas e a relação entre tudo isto à medida que os
objectos e as ondas de luz atingindo esses objetos se movem e alteram.

Também, a audição envolve volume, ritmo, tom — mais agudo ou mais grave
— além do processamento de informações presente nos sons, como as
palavras e a separação destas do ruído de fundo.

Bem, nós nem pensamos na extraordinária máquina de processamento que é


nosso cérebro. Um verdadeiro supercomputador. Conforme já explicado, todo
esse processamento depende de redes neurais especializadas, as chamadas
áreas ou módulos, responsáveis por metabolizar as informações e transmitir
suas conclusões às demais áreas. Dessa forma, todo o cérebro trabalha junto
para construir uma percepção do mundo real que nos envolve e nos faz sentir
parte da realidade. Uma experiência sensorial muito rica.
O autismo e a percepção das sensações
Pegue em cada um dos sentidos. No autista existem três possibilidades para
cada um deles. Quais?

● A hipersensibilidade.
● A normalidade.
● A hipossensibilidade.

Vamos começar por analisar um sentido em que cada uma destas três
características é bastante fácil de entender. Depois exploraremos os restantes
sentidos.
A audição
Todos nós gostamos de ouvir música. E todos nós temos um volume predileto
para escutar essa música. Alguns de nós gostam de ouvir música muito alto,
outros preferem ouvi-la mais baixo.

Além disso, todos nós temos preferências diferentes. Algumas pessoas


gostam bastante das batidas de baixa frequência presentes em algumas
músicas populares. Outros preferem a música erudita e sua riqueza
instrumental e ritmos variados.

Esta diversidade é normal, faz parte do que nos torna únicos.

No entanto, no caso de alguém com autismo, é comum encontrar pessoas que


não só não gostam como não aguentam certos sons. Porque isso acontece?

Por exemplo, como você se sentiria se tivesse de trabalhar com um martelo


pneumático sem proteger seus ouvidos? O ruído elevado com certeza lhe
causaria muito desconforto e poderia até acabar lhe causando dor de ouvidos
e perda de audição.

Podemos dizer que todos nós temos um limite de volume. Alguns de nós
conseguem estar ao pé de colunas poderosas sem sentir repulsa do barulho.
Outros ficam muito incomodados. No caso de alguém com autismo, a
tolerância pode ser bem menor.

Alguém com autismo pode ser hipersensível ao volume. Se você tem um


filho autista note como ele reage à medida que você aumenta o volume da
música que está ouvindo. Nota que ele tapa os ouvidos quando a música
ainda está num volume que você considera aceitável? Isso significa que para
o cérebro dele a música pode estar tão alta quanto um martelo pneumático.

Se seu filho tem síndrome de Asperger ou outra forma de autismo moderado,


uma música um pouco mais alta pode fazê-lo verbalizar seu desconforto:
“Baixa a música! Está muito alta!” Mas no caso de um filho com autismo
profundo, a música alta demais — “demais” segundo a perspectiva do
cérebro dele — apenas causará stimming.

Isso significa que seu filho pode estar num dia bom, sossegado, e de repente
quando você começa ouvindo música num volume perfeitamente aceitável
para si, ele começa gritando, rolando no chão ou até chorando. O que está
acontecendo?

O que aconteceu é que o volume que é aceitável para si, soa como um avião
decolando dentro da cabeça dele. Como não consegue verbalizar o seu
desconforto e muito menos modelar a repulsa que está sentindo, ele reage
através do stimming. Esse stimming cumpre duas funções: o acalma um
pouco e sinaliza para você: “Baixa essa música! Meus ouvidos estão me
matando!”

Além disso, a própria frequência dos sons pode ser um problema. Tons
baixos como as batidas presentes em muitos tipos de música podem ser uma
fonte de tormento, assim como tons muito agudos. Isso significa que o som
do motor de motas, o som de sirenes de ambulância ou de alarmes disparando
provoca um verdadeiro estado de emergência dentro do cérebro do autista.

Eu costumo brincar dizendo: “Se você quer descobrir quem tem autismo
espere que uma ambulância passe, com suas sirenes buzinando, e observe
quem cobre seus ouvidos e se contorce em sofrimento.” Essas são as pessoas
com hipersensibilidade auditiva e há uma boa probabilidade de terem alguma
forma de autismo.

Embora menos comum, o contrário também é possível. O cérebro autista


pode ser hipossensível a alguns tipos de frequência ou sons. Isto pode causar
dificuldades na interpretação da linguagem pois pode tornar muito difícil
compreender certas sílabas.

Como se tudo isso não fosse suficiente, no caso do autismo profundo, o som
pode ser processado de uma maneira tão divergente que torna impossível que
a pessoa autista tenha uma percepção adequada do que é real.
Consegue lembrar o que acontece quando você está dormindo e está
sonhando e os barulhos lá fora estão afetando o que você vê e ouve no sonho?
À base dos relatos existentes, é um pouco assim que talvez seja a percepção
dos sons do mundo exterior por parte de alguns autistas profundos.

Um grande exemplo é o de um homem chamado Tito Rajarshi


Mukhopadhyay que escreveu já alguns textos, incluindo o mais recente:
Beyond the Silence: My Life, the World and Autism. (Para além do silêncio:
Minha vida, o mundo, e o autismo). Embora o cérebro dele esteja
configurado de uma forma que o impede de ativar suas cordas vocais e falar,
ele aprendeu a ler e a escrever no computador. Isto permitiu ter uma janela
para o mundo dos autistas profundos, que é muito diferente do que que os
pesquisadores acreditavam! E que apenas no mostra o potencial até para
quem tem autismo profundo.
A visão
No caso da visão, a hipersensibilidade se manifesta de um modo fácil de
desperceber.

É muito importante ter isso em atenção.

É que, no caso da audição, mesmo que você não seja hipersensível ao som, à
medida que você conhece cada vez melhor seu filho com autismo (ou seu
próprio corpo, caso você seja autista) você consegue ter uma boa noção dos
tipos de sons à vossa volta e do volume deles. Dessa forma você se torna
capaz de ter uma boa percepção de como esses mesmos sons podem estar
perturbando seu filho.

Isso é bem diferente no caso da hipersensibilidade visual. Como assim?

Você sabia que algumas luzes piscam? Por exemplo, as luzes fluorescentes
cintilam bastante. Esse é um fenômeno denominado flickering em inglês.
Acontece que o autista não só consegue perceber essa cintilação como
também fica muito incomodado com ela.

Além disso, o cérebro autista pode ficar sobrecarregado com informações


visuais. Como isso acontece?

Imagine que você está circulando por um supermercado, buscando uma


marca específica de sucos. À medida que seus olhos percorrem as prateleiras
você se depara com dezenas de rótulos com cores vibrantes tentado capturar
sua atenção. Um a um seu cérebro processa rapidamente o nome de cada suco
e o compara com o nome que você está procurando.

Você nem nota, mas no espaço de alguns minutos seu sistema visual
processou inumeráveis detalhes visuais. Tudo isso gastou alguma energia
mental, mas como tudo está configurado adequadamente dentro de seu
crânio, você nem notou.
As coisas podem ser bem diferentes para alguém com autismo.

Regra geral, alguém com autismo tem muitas dificuldades em ignorar


estímulos sensoriais.

Conforme alguém com autismo moderado — síndrome de Asperger — se


expressou:

« Eu estou a conduzir meu carro e meu cérebro não está apenas a processar a
informação referente aos carros. Ao mesmo tempo, estou prestando atenção
aos edifícios em minha volta, aos detalhes na estrada, ao barulho do vento, à
temperatura de meu corpo, ao banco no qual estou sentado e a pressão que ele
faz sobre meu corpo. É como se meu cérebro não conseguisse isolar e ignorar
estímulos sensoriais. Isto é especialmente irritante quando quero dormir ou
quando quero me concentrar numa tarefa. Qualquer coisa me distrai. Daí eu
preferir ouvir música suficientemente alta para isolar os outros ruídos e
distrações. Mas tem de ser música que eu já conheço bem caso contrário a
letra e os ritmos da música me desconcentram. »

Devido a esta incapacidade de muitos autistas para ignorar estímulos


sensoriais, como eles se sentem quando estão diante de muita informação
visual?

Bem, imagine que estão à sua volta 50 pessoas. Todas elas estão falando
consigo ao mesmo tempo de tópicos bem diferentes. Normalmente, você
tentaria prestar atenção apenas a uma delas e ignoraria as restantes. Mas, e se
você não conseguisse ignorar as outras 49 pessoas?
Você se esforça para prestar atenção e responder a cada uma delas, mas não
consegue. Sua cabeça fica cansada e você fica com repulsa delas. Seu único
desejo é sair dali para fora.

Dessa forma, se seu filho autista começa ficando impaciente em centros


comerciais ou em outros locais contendo muitos detalhes, quer visuais, quer
auditivos, uma causa é a quantidade de informação sensorial presente nesses
sítios.
Esse excesso de informação para processar causará repulsa, náuseas e até
uma crise que falaremos no próximo capítulo.

Além disso, a hipersensibilidade visual pode se manifestar através da


intolerância à luz mais forte. Assim como os sons mais altos causam dor de
ouvidos, a luz mais forte causa dor de cabeça e aflição ocular.

Além dos supermercados, da luz forte e de outros locais com muita


informação para processar, outras coisas mais simples também podem se
tornar desesperantes — tal e qual como ter de prestar atenção a 50 pessoas
falando ao mesmo tempo. Que coisas? Padrões complexos ou cores berrantes.
Roupas com padrões axadrezados de várias cores, ou de outro tipo, podem
ser tudo o que é necessário para levar um cérebro autista à loucura.

Você coloca sua blusa favorita e seu filho autista começa fazendo stimming.
Você nem se apercebe da relação, mas ela está lá.

Agora imagine o seguinte: suponha que sua casa, incluindo o quarto do


autista, está decorada com muita bonecada e bugigangas, além de papel de
parede com padrões e cortinas com cores berrantes. Se seu filho tiver
hipersensibilidade visual, estar em casa será um pesadelo tremendo para ele.

Para seu filho, estar em casa é como estar entre duas prateleiras de
supermercado: desgastante e repulsivo. No entanto, do ponto de vista de
qualquer outra pessoa neurotípica sua casa é um exemplo de decoro e bom
gosto. E essa?

Além da hipersensibilidade, existe também a hipossensibilidade. Essa última


se manifesta através de uma dificuldade em ser estimulado por informação
visual. Tudo depende de como as áreas do cérebro responsáveis pelo
processamento sensorial foram afetadas aquando do desenvolvimento das
redes neurais respetivas.
O olfato
Já foi obrigado a ficar perto de uma daquelas pessoas que exageram em muito
a quantidade de perfume que colocam? Talvez ficasse sentado ao seu lado
num transporte público ou numa sala de cinema. Como você se sentiu quando
pode finalmente sair de ao pé delas? Que alívio!

Agora imagine como alguém com hipersensibilidade se sentiria. O desagrado


daria lugar à náusea — um sintoma de repulsa — a dores de cabeça e até a
sintomas de reação alérgica.

Alguém com autismo pode desenvolver sensibilidades a muitos tipos


diferentes de cheiros. Alguns podem se referir a essas hipersensibilidades
como “alergias” pois não sabem qual o termo adequado para se referir a seus
sintomas. Mas uma coisa eles sabem: cheiros fortes os afetam muito.

Mais uma vez, o contrário também pode ser verdade: hipossensibilidade a


alguns cheiros e um encanto com cheiros que a maioria das pessoas
consideraria bem desagradáveis, como o cheiro do próprio suor.

Baseado em minha própria observação, cheiros de origem artificial tendem a


causar muitos mais problemas de hipersensibilidade do que cheiros naturais,
mesmo que os cheiros naturais sejam bem desagradáveis.

Cada autista é diferente e você precisa estar atento ao que afeta seu filho —
ou a si próprio — e fazer os possíveis para evitar contato prolongado com
esses odores.
O tato e a nocicepção — percepção da dor
O tato é um dos campos sensoriais onde a dicotomia “hipersensibilidade e
hipossensibilidade” é mais fora do vulgar.

Por um lado o toque de outras pessoas pode ser bastante desagradável.

Não raro, o autista evitará o toque. Isso inclui evitar abraços, apertos de mão
e beijos de cumprimento. Por isso, não estranhe se seu filho for de imediato
limpar a cara que acabou de ser beijada — ou lambusada por baba viscosa,
fria e desagradável, segundo a perspectiva dele. De fato, a perspectiva de um
simples beijo na bochecha pode ser encarada do mesmo modo que alguém
neurotípico encararia ser lambido vigorosamente por um cachorro babão.

De fato, não é incomum ouvir alguém com uma forma moderada de autismo
dizer “eu não gosto que me toquem.” Porque isso acontece? Mais uma vez, a
resposta está no modo como as diversas redes neurais envolvidas no
processamento das sensações de toque processam essa informação.

Os toques podem acabar por fazer com que o autista sinta o mesmo que
alguém neurotípico sentiria se estivessem constantemente espetando a ponta
de uma vassoura em seu corpo. Bastante desconfortável, não concorda?

Isso acontece por causa da hipersensibilidade ao toque.

Ao mesmo tempo, é fácil provocar dor com o toque, pois os receptores de


nocicepção podem ser bem mais sensíveis. Um aperto de mão que o
neurotípico considera firme pode ser doloroso. Uma “pancadinha” nas costas
é percepcionada como uma chapada violenta.

Outro campo que causa muito sofrimento é a roupa. Etiquetas roçando na


pele são de levar o autista à loucura, assim como roupa que arranha.

Pais de filhos autistas por vezes se queixam que seus filhos teimam em despir
a roupa. Isso é uma clara indicação que você precisa comprar roupa com
outro tipo de fibras.

Na verdade, este campo é mais uma forma de descobrir quem é um provável


autista ou portador de síndrome de Asperger. Como assim? Observe quem
tem a tendência de usar sempre a mesma roupa. Não necessariamente a
mesma peça, mas sim o mesmo conjunto de 3 ou 4 peças: peças de roupa que
têm em comum possuírem fibras fofas e agradáveis ao toque e cores suaves.

Mais ainda, roupa gasta é mais suave, pelo que o autista pode acabar usando
a mesma roupa por anos, mesmo quando ela já está ficando velha e
desatualizada. Outro aspecto comum envolve a tendência de usar roupa um
pouco mais larga. Mais uma vez, o conforto extra proporcionado é a razão
dessa escolha.

Um jovem que trabalhava numa empresa de programação informática se


queixou de um colega de trabalho que usava sempre a mesma t-shirt, não
tomava banho e cheirava bastante a suor.

Bem, você vê aqui um provável portador de Asperger? Repare: A mesma


roupa, a hipossensibilidade ao cheiro do próprio suor e a aversão ao banho.

Porquê a aversão ao banho?

Tomar banho significa passar por muitas variações de temperatura e uma


quebra de rotina — além da necessidade de alterar a roupa. Tudo isso são
coisas que podem ser desgastantes e alguém com autismo pode preferir evitá-
las.

Nem todos os autistas têm aversão ao banho. Pois o ato do banho em si


mesmo pode ser bastante agradável e relaxante. Mas é algo que pode
acontecer. Se seu filho tem aversão ao banho experimente, por exemplo, pré-
aquecer o local do banho para que o choque térmico seja menor.

No entanto, ao mesmo tempo que temos alguém com aversão ao toque — e


completando o que dissemos há pouco sobre a dicotomia da percepção do
tato — temos também no autista alguém que ama sentir pressão sobre o
corpo.

Ele não gosta de abraços, a não ser que o abraço seja apertado. É normal ver
autistas se enfiando em espaços apertados ou dormindo debaixo de muitas
mantas: o peso e a pressão exercidos sobre a pele acalmam o autista — é no
fundo uma forma de stimming.

Isso não quer dizer que deva apertar seu filho. É importante deixar que seja
ele a escolher quando e por quanto tempo deseja sentir pressão. Caso
contrário poderá acabar agitando-o ainda mais.

Além da pressão, outras formas de stimming que envolvem o tato incluem


passar a pele ou os lábios por superfícies com texturas rugosas, esfregar
seixos entre os dedos e enfiar as mãos em cestos de grãos ou feijões secos,
entre outros.
O paladar
Já observou seu filho tendo o cuidado de retirar cada ervilha do prato antes de
comer? Rejeitando comer peixe? Agrupando as batatas, a carne e as verduras
em grupos separados e comendo um desses grupos por vez? Ou exigindo
comer sempre a mesma coisa?

Esses são alguns exemplos dos resultados da hipersensibilidade ao nível do


paladar.

Por esta altura já deve ser bem claro que, tal como acontece com os outros
sentidos, também no paladar existem muitas estratégias que o autista usa para
diminuir seu desconforto com as sensações que diversos sabores — e
misturas de sabores — provocam em seu corpo.

Dessa forma, seu filho se dará a grandes trabalhos para garantir que nem um
única ervilha, ou outro sabor qualquer que ele não suporte, entra em sua boca.

As espinhas do peixe podem provocar uma sensação de tal modo


desagradável em sua boca que ele simplesmente se recusa a comê-lo.

Embora ele aprecie o sabor das batatas e ame a textura da carne, os dois
juntos não funcionam em sua boca — pelo menos não ao mesmo tempo. Qual
a solução simples? Comê-los separadamente. Pronto. Problema resolvido.

E que dizer daquele bife com arroz que lhe soube tão bem? É tão difícil
encontrar um comer que contenha um equilíbrio perfeito de texturas e sabores
e sabe uma coisa? Seu arroz branco com bife grelhado é a epítome da
perfeição para os centros do paladar no cérebro de seu filho. Então, faz o
favor de fazer sempre isso em todas as refeições, pelo resto da vida?

Por outro lado, o obrigar a comer algo que ele não quer provoca stimming e
até mesmo crises nervosas.

Bem, o que fazer?


O primeiro passo envolve fazer uma distinção importantíssima: Ele está
fazendo birra ou é hipersensibilidade?

É difícil saber a resposta caso seu filho não consiga comunicar consigo. Se
seu filho já comeu esse comer no passado e gostou e se agora ele faz
stimming quando você o tenta dar para ele, talvez seja birra. Mas se ele come
bem qualquer outro comer, excepto esse, é provável que estejam envolvidas
hipersensibilidades.

Será que isso significa que ele nunca comerá peixe ou ervilhas?

Não. Mas significa que tem de procurar encontrar um meio de tornar esses
alimentos mais apelativos para ele. Isso pode envolver usar especiarias ou
outros temperos que alterem significativamente o sabor ou o cheiro ou usar
outros métodos de preparação que alterem a textura ou a aparência final do
alimento.

Continue alterando as variáveis e use a imaginação. Será que pode triturar o


peixe e misturá-lo com outro comer que ele aprecia? Existem inúmeras
formas de lidar com o problema da rejeição do comer, com o tempo você
entenderá cada vez melhor como as hipersensibilidades de seu filho
funcionam.

E que dizer da hipossensibilidade? Aqui ela não é tão problemática. Talvez


seu filho ame comida a ferver e não goste de comida sequer morna ou tenha
outra característica incomum como gostar mais do salgado do que do doce.

Claro que essas características fazem parte de cada um de nós, quer sejamos
autistas ou neurotípicos. O ponto é que no autismo, devido às dificuldades
para modelar a intensidade das emoções, uma hipersensibilidade pode acabar
se tornando em mais um motivo para muito stimming ou uma crise de nervos.
O aparelho vestibular e a propriocepção
A coordenação motora pode ser um desafio para alguém com autismo. Isto
acontece porque, como em tudo o resto, o cérebro é que comanda. Se as redes
neurais responsáveis pela percepção da localização dos músculos não
comunicam adequadamente com as outras microáreas responsáveis pelo
movimento, o resultado poderá ser uma pessoa que tem uma forma muito
fora do vulgar de caminhar, ou um jovem que simplesmente não se enquadra
no time de futebol.

Afinal, imagine conduzir um carro em que as rodas nem sempre respondem à


rotação do volante da mesma maneira, ou em que o velocímetro marca a
velocidade errada. Quem observasse os movimentos desajeitados do carro
concluiria que você é um mau motorista, mas na verdade o problema está no
carro. Do mesmo modo, se seu filho autista é desajeitado, o problema está no
cérebro dele, não nele.

Isso não significa que não possa haver melhoras com o treino adequado ou
que ele não possa vir a se tornar muito bom em algum tipo de atividade
esportiva, mas significa que os desafios para alcançar esse nível serão bem
maiores.

Para ilustrar, nosso dedos das mãos estão bem mais adaptados para tocar
piano do que nossos dedos dos pés. A coordenação motora que nosso cérebro
consegue exercer sobre a movimentação individual dos dedos dos pés é bem
menor. No entanto, provavelmente você já viu pessoas tocando piano com os
pés. Isso mostra os desafios que podem ultrapassados com treino e
perseverança.

Nosso cérebro é plástico. Ele se adapta. Alguém com autismo simplesmente


começa com desvantagem.

No entanto, em circunstâncias normais, não se espante se seu filho de vez em


quando falhar a porta e acabar acertando com o braço nas ombreiras. Ou se
ele acabar acertando com os dentes em sua cara com força demais enquanto
tentava lhe dar um beijo. A verdade é que para ele, o simples ato de
desacelerar a cara à medida que ela entra em rota de colisão com sua
bochecha, pode ser tão complicado quanto aterrissar o módulo lunar intacto
na superfície da lua.

Mais ainda, executar tarefas aparentemente simples, como atar os sapatos,


pode ser um desafio. Isso acontece porque as áreas relacionadas com os
movimentos de precisão, como os que executamos com os dedos, têm
tendência a estar entre as áreas subdesenvolvidas no cérebro autista. Além
disso, lembra do que falamos sobre a necessidade do autista de aprender
fazendo? Isso significa que se tentar ensinar seu filho a atar os sapatos e
apenas lhe mostrar como isso se faz, ele terá dificuldades em repetir o
movimento. Por outro lado, se o guiar passo a passo, sempre colocando as
mãos dele na posição correta, ele terá mais hipóteses de aprender.
A termocepção — percepção de temperatura
Neste campo a hipersensibilidade ao calor pode significar que o verão é uma
estação de pura tortura.

Quando você tem frio sempre pode vestir mais roupa, mas lidar com o calor é
mais complicado. Um ar condicionado é de ajuda, mas o barulho do ar
condicionado pode trazer alguns problemas devido a hipersensibilidades
auditivas.

Nesse sentido, não se espante se seu filho preferir andar com o mínimo de
roupa e se mover o mínimo possível — afinal, os movimentos geram calor.

No caso da hipersensibilidade ao frio, o autista pode acabar andando vestido


como se estivesse vivendo no círculo polar ártico, especialmente se ele viver
numa zona tanto fria quanto úmida.

Ao mesmo tempo, em casos de hipossensibilidade, ele pode andar de t-shirt


quando todo o mundo anda de casaco e cachecol.

Neste campo da termocepção o maior alerta é mesmo para os casos em que


existe hipersensibilidade ao calor, é aí que os pais têm de estar mais atentos
para garantir que o filho se mantém com uma temperatura corporal mais
fresca.
Uma nota sobre a neuroplasticidade e a terapia de
dessensibilização
Conforme já o mencionamos algumas vezes, nosso cérebro é um órgão em
constante desenvolvimento. Lá porque alguém é muito sensível em algum de
seus sentidos, isso não significa que ele sempre será assim.

Por exemplo, o estado de espírito, o nível de cansaço físico e mental e outros


fatores como o controle que a pessoa com autismo acredita ter sobre o
estímulo sensorial — tudo isso influencia o grau de hipersensibilidade. Daí
que não é de estranhar se um nível de volume de música que ontem era
agradável hoje esteja sendo doloroso.

De fato, nossas próprias ações podem acabar influenciando os graus de


hipersensibilidade. Como assim?

Por exemplo, pessoas com fotossensibilidade — mesmo as que não têm


autismo — costumam andar de óculos escuros. Isso faz com que sua
hipersensibilidade aumente. Do mesmo modo, se você costuma andar com
tampões nos ouvidos, com o tempo, sua sensibilidade ao som aumenta.

O contrário também é verdade. Uma exposição gradual, sempre debaixo do


controle da pessoa com a hipersensibilidade, pode ter efeitos benéficos
sobre a capacidade do cérebro dela de tolerar estímulos.

Por exemplo, a tolerância que alguém com hipersensibilidade auditiva tem a


sons altos é maior se for ela quem está controlando o nível de volume. Porque
isso acontece? Porque ela sabe que assim que for necessário, assim que o
volume fizer doer os ouvidos ou se tornar desconfortável, ela o poderá baixar
ou desligar de imediato. Dessa forma, ela pode controlar sua experiência.
Com o tempo, a exposição gradual e controlada aos sons pode ajudar seu
cérebro a se tornar mais tolerante.

É uma terapia de dessensibilização.


No entanto, o caso é bem diferente caso a pessoa for obrigada a lidar com
estímulos sensoriais desagradáveis por muito tempo. Isso o levará à
sobrecarga sensorial. O que é isso?
Sobrecarga sensorial
Caso a pessoa seja obrigada a lidar com estímulos sensoriais aos quais ela é
hipersensível isso apenas piorará as coisas e fará com que a pessoa com
autismo ganhe repulsa contra a pessoa que lhe causou essa tortura. Apenas
ver essa pessoa vindo em sua direção fará com que o autista comece se
sentido nervoso e com a necessidade de fazer stimming.

Ao mesmo tempo, ser obrigado a permanecer numa sala de cinema, centro


comercial ou outro local quando a pessoa já ultrapassou sua capacidade de
lidar com os estímulos sensoriais provocará uma sobrecarga. Na literatura
inglesa isso é chamado de “sensory overload.”

O que isso significa?

Imagine que você passou vários dias vivendo numa cave, sem ver o sol.
Quando você finalmente é obrigado a encarar a luz do dia, como você se
sente? É isso o que o autista sente quando está debaixo de sobrecarga
emocional — excepto que ele sentirá isso em vários dos seus sentidos.

Como ele poderá lidar com a situação? Usando a ferramenta que ele conhece:
o stimming. Mas, e se o stimming já não for suficiente para o acalmar? Se
ninguém o retirar daquele local, para um sítio calmo e sem estímulos em
demasia, o autista terá uma crise de nervos. Essas crises são muito específicas
e são chamadas de meltdowns. No próximo capítulo analisaremos o que é o
meltdown e o que se pode fazer para o evitar e para o aliviar quando ele
surge.
Capítulo 7

Como Identificar e Parar um Meltdown?


Durante as últimas semanas seu filho com síndrome de Asperger passou o
tempo todo falando sobre o novo filme de super heróis que ele tanto deseja
ver. Agora vocês estão finalmente no cinema e ele está muito entusiasmado.

Infelizmente, o filme acaba ficando muito abaixo das expectativas dele. Ele
fica triste e desapontado. Essas sensações desagradáveis ficam dançando em
seu corpo e ele começa abanando os braços para tentar aliviá-las.

No caminho de volta a casa você coloca o rádio tocando uma música para
ajudar a todos a relaxar. Mas a música está um pouco alta. Você tenta
comunicar com seu filho mas ele está visivelmente amuado e lhe responde
mal.

Quando chegam a casa as coisas não melhoram. “José, preciso que você
arrume seu quarto” você lhe diz. “Mas mãe, eu não estou com vontade!” ele
responde, num tom de desagrado. “José, o que é que nós tínhamos
combinado? Nós iríamos ao filme que você tanto queria ver e quando
chegássemos você arrumaria seu quarto. Você me prometeu isso José, agora
tem de cumprir”, você retruca, já um pouco irritado.

Do nada, seu filho explode, lhe responde mal e corre para o quarto, batendo a
porta com força.
O que acabou de acontecer?
Um meltdown. Conforme falado na introdução do livro, esta palavra vem do
inglês e é usada para duas coisas:

● Os ataques de nervos e pânico que o autista tem.


● A fissão de um reator nuclear.

Porque esse termo é usado em ambos os casos?

Porque do ponto de vista de um pai ou de uma mãe, observar uma criança ou


um adolescente gritando, batendo as mãos e até atirando coisas, pode ser tão
assustador e confuso quanto testemunhar a fissão de um reator nuclear.

Como lidar com algo assim? Para responder a essa pergunta a dividiremos
em várias partes e analisaremos cada uma delas de seguida. Elas são:

● O que é um meltdown?
● O que provoca o meltdown?
● Como prever que está quase a acontecer um meltdown?
● Como impedir que o meltdown ocorra?
● Como lidar com um meltdown depois de ele começar?
O que é um meltdown?
Nosso cérebro está desenhado para analisar o ambiente em nossa volta em
busca de sinais de perigo. Sempre que o cérebro detecta um perigo, nosso
corpo se transforma. Ficamos mais atentos, rápidos e fortes.

Porquê?

Porque a adrenalina extra, junto com os outros hormônios do estresse, causa


várias mudanças dentro de nós.

Chamamos a isso de resposta ao estresse. Se trata de um modo de


emergência. Nosso corpo se transforma numa espécie de super humano. Com
certeza você já passou por isso. Por exemplo, quando estamos cheios de
medo ou cheios de raiva, nosso coração bate mais rápido, nossa frequência
respiratória aumenta e nossos músculos se tensionam. Nosso corpo não se
está preparando para a batalha, ele se está preparando para vencer essa
batalha.

Uma dessas mudanças tem que ver com a forma como processamos
informação. Quando estamos em perigo nossa mente se foca no problema até
que este seja resolvido. Em situações normais isso é muito útil. Afinal, se
estamos sendo perseguidos por um animal feroz faz sentido que nosso
cérebro se foque no problema até que o animal pare de nos perseguir.

No entanto, a resposta ao estresse pode se tornar problemática. Isso acontece


quando ela se ativa para nos ajudar a lidar com problemas que não podem ser
resolvidos por meio da força.

Por exemplo, se o autista está lidando com um ruído muito alto, algo que
causa dor em seus ouvidos, seu corpo ativa a resposta ao estresse. O coração
dele bate com mais força e seu corpo se transforma para vencer aquela
situação. A mente do autista se foca no ruído alto e na solução: sair dali.

Mas há um problema. Devido às dificuldades de comunicação entre as várias


áreas, ou redes neurais, a resposta ao estresse pode facilmente sair do
controlo. Como assim?

Para ilustrar, imagine duas situações envolvendo alguém neurotípico. Ambas


as situações causam a ativação da resposta ao estresse em intensidades
diferentes.

Situação 1:

Você está na fila do supermercado e o jovem que está na caixa está


levando algum tempo devido a sua inexperiência. Você está com
pressa. Você tenta ser compreensivo, mas está vendo os minutos
passarem. Isso é um problema. Seu cérebro detecta esse perigo e injeta
adrenalina no seu sistema. Isso faz com que seu corpo se prepare para a
batalha. De 1 a 10 sua resposta ao estresse está no nível 3 de ativação.

Desagradável, é verdade, mas dá para você se controlar facilmente.


Essa não é uma situação que se possa resolver pela força, por isso você
fica quieto.

Nisto, um espertalhão pede licença para passar, mas quando você se


desvia para que ele possa continuar se deslocando para o outro lado do
supermercado ele acaba ficando na fila, bem na sua frente! Aí seu
corpo fica fervendo de estresse. Imagens de guerra passam por sua
cabeça e você mal se consegue controlar. De 1 a 10 diríamos que essa
situação é um 8. Felizmente você exerce autodomínio e evita uma
guerra aberta.

Situação 2:

Você vai ao banco receber sua renda mensal. Ao voltar para casa dois
homens encapuzados bloqueiam seu caminho e o ameaçam com uma
faca. Seu coração explode de imediato, inundando seus músculos de
sangue rico em adrenalina. Instantes depois, sua mente inconsciente
devolve o controle dos assuntos para a mente consciente. Cabe a você
decidir o que fazer agora.
Seu corpo já está transformado em super humano, mas agora você tem
de tomar uma decisão: lutar, entregar o dinheiro ou fugir. Se decidir
lutar ou fugir seu corpo está plenamente preparado para dar a seus
músculos a energia e o oxigênio necessários para executar a tarefa da
melhor maneira.

Felizmente você consegue se controlar e decide que sua integridade


física vale muito mais do que qualquer soma de dinheiro. Você lhes
entrega o dinheiro e os criminosos se afastam. Aos poucos você fica um
pouco mais calmo.

No entanto, de 1 a 10, enquanto a arma estava apontada para si, você


tinha sua resposta ao estresse ativada em nível 10.

Agora que eles estão finalmente fora de vista ela baixou para 6.

Notou o que aconteceu?

Em cada um dos casos seu corpo o preparou para a guerra. Isso aconteceu de
modo automático e inconsciente.

A resposta ao estresse é controlada por nosso sistema límbico. É um processo


sobre o qual não temos qualquer controle. É nosso cérebro quem decide, em
instantes, se a resposta ao estresse vai ou não ser ativada e em que nível essa
ativação vai ocorrer.

No entanto, notou o que aconteceu sempre em seguida?

A decisão final sobre o que fazer foi dada à mente consciente. Essa área
responsável pela tomada final das decisões se chama de córtex pré-frontal.

É por meio dessa área que nós somos capazes de exercer autodomínio e nos
controlar, mesmo quando debaixo de extrema pressão para lutar ou fugir.

Agora, como teriam sido as coisas se a comunicação entre o sistema límbico


e o córtex pré-frontal estivesse danificada? É exatamente isso o que acontece
no autismo. Com que resultado?

Novamente, a resposta é “depende,” pois cada pessoa com autismo é afetada


de modo diferente. Mas, generalizando, o que acontece é que, quando alguém
tem autismo:

● A resposta ao estresse tem tendência a ser ativada com muito mais


frequência.
● A resposta ao estresse tem tendência a ser ativada com muito mais
intensidade,
● A comunicação entre o sistema límbico e o córtex pré-frontal não ocorre
com tanta clareza, o que impede a pessoa de entender plenamente o que
está acontecendo com seu corpo.
● A comunicação entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico é muito
mais reduzida, o que dificulta bastante exercer autodomínio sobre o
sistema límbico.

Assim sendo, no caso de alguém com autismo, até uma situação simples pode
acabar ativando uma resposta ao estresse de nível 9 ou 10. Com que
resultado?

Visto que a pessoa com autismo não consegue exercer controle internamente,
ela tenta acalmar seu sistema límbico externamente, através do stimming.
Mas o stimming é limitado na sua capacidade de reduzir a intensidade do
estresse. Qual o resultado?

Uma crise de nervos, ou meltdown. Essa crise de nervos pode assumir ares de
ataque de pânico, ataque de raiva, vômitos, ataque de choro e depressão ou
paralisação e desligamento.

Tudo depende das emoções que estão por trás.

Por exemplo, no caso do espertalhão corta-filas, a injustiça da situação


poderia causar um ataque de raiva. Pois a injustiça da situação levaria a que
nosso sistema límbico preparasse o corpo para lutar pelo restabelecimento da
justiça. Essa raiva subiria facilmente para nível 10, junto com o apoio de uma
resposta ao estresse de nível 10.

Imagine se a pessoa olhasse para trás com ar de gozão. Facilmente o autista


poderia simplesmente não ter capacidade para controlar o impulso para
reagir, quer por palavras, quer mais violentamente.

Do mesmo modo, um medo intenso junto com uma resposta ao estresse


intensa provocaria um ataque de pânico mais rapidamente no autista do que
neurotípico, devido às dificuldades do autista para exercer autocontrole pelos
meios cerebrais internos.

Igualmente, uma tristeza que subisse em demasia levaria a um ataque de


depressão ou desligamento. Esse estado de depressão poderia levar vários
dias para passar ou acabar se transformando em depressão clínica.

A repulsa extrema, por outro lado, levaria a náuseas e vômitos literais. Da


mesma maneira, se algo surpreender o autista num grau muito elevado ele
poderá ficar paralisado e desligado, não por alguns minutos, mas por várias
horas.

Ao mesmo tempo, várias emoções juntas, ocorrendo num grau intenso, ao


mesmo tempo que a resposta ao estresse provocariam um tipo de meltdown
que juntaria características de vários tipos de ataques de nervos.

Tudo porque a dança entre o sistema límbico, o córtex pré-frontal e as outras


áreas do cérebro envolvidas correu muito mal.
O que provoca o meltdown?
Em alguém com autismo, o meltdown é provocado pela acumulão de
situações desgastantes. Tudo o que causa estresse acaba por provocar um
meltdown caso esse estresse se acumule o suficiente.

O stimming atrasa o meltdown, mas nem sempre o impede.

Que coisas causam desgaste a alguém com autismo?

● Tudo o que ativa as hipersensibilidades sensoriais únicas de cada


autista.
● Lidar com pessoas.
● Mudanças inesperadas de rotina.
● Ter muita informação nova para processar.
● Todas as outras situações normais da vida que até os neurotípicos
acham estressantes.

Imagine uma escala de 0 a 100. O autista começa seu dia com a escala no 0.
Eventualmente os estresses vão acumulando. O ruído irritante de uma mota
passando (+ 5 pontos por cada segundo que o barulho dura), as luzes
cintilantes da sala (+10 pontos por cada 15 minutos que o autista permanece
no local), ter de interagir com uma pessoa por 20 minutos (+10 pontos). Uma
mudança inesperada de planos (+20 pontos). Descobrir que afinal não vai ter
oportunidade de ficar sozinho para recarregar (+30 pontos). Quando você dá
por isso chegamos perto dos 100.

Por essa altura, as pessoas em volta já estão comentando sobre o modo


estranho como aquela pessoa se está abanando na cadeira — o que reduz o
estresse em 10 pontos.

Na verdade o autista está fazendo tudo o que pode para evitar o meltdown. No
entanto, se as situações estressantes continuarem se acumulando, o número
de pontos de estresse acabará passando dos 100 e ocorrerá um meltdown.
O único ponto positivo do meltdown é que quando ele finalmente termina, a
escala volta de novo ao zero.

No entanto, a pessoa se sentirá envergonhada e seu amor próprio estará muito


embaixo. Além disso, passar pelo meltdown é muito difícil.

Conforme certo autista se expressou:

« Em casos extremos de sobrecarga sensorial eu posso até ficar com


pensamentos suicidas. É mesmo assim tão horrível. »
Como prever que está quase a acontecer um meltdown?
O stimming é uma forma eficaz de analisar o nível de estresse com que seu
filho está lidando. Mesmo que ele pareça calmo e relaxado, uma perna
abanando ou dedos das mãos batendo na mesa ou esfregando a perna são
evidências da turbulência emocional interna que ele está tentando manter
sobre controle. Não ignore isso.

Mesmo uma expressão facial serena não é confiável. No autismo as áreas


responsáveis pelas expressões faciais não funcionam do mesmo modo que em
um neurotípico. Isso significa que as emoções que a pessoa está sentindo nem
sempre transparecem. Na verdade, o contrário ocorre. Um autista triste pode
acabar rindo de tristeza. Algo que pode causar bastante transtorno, por
exemplo, num funeral ou em outra ocasião triste.

Se seu filho está fazendo stimming é importante fazer trabalho de detetive.


Algo está provocando o stimming.

● É algum ruído que seu cérebro neurotípico já aprendeu a desconsiderar,


mas que o cérebro de seu filho não tem capacidade de ignorar?
● Será alguma preocupação?
● Será um sinal de que ele já atingiu o seu limite de interação com
pessoas?
● Ele precisa de ajuda para lidar com alguma alteração de rotina?
● Está demasiado calor ou frio?
● Será que ele está sentindo alguma dor ou outro desconforto físico?
● Está simplesmente entediado?

Você usará essa informação para evitar o meltdown.


Como impedir que o meltdown ocorra?
Existem várias formas de impedir um meltdown:

1. Remover para longe o que está causando o estresse. Ajudar seu filho
a tirar a roupa que está causando comichão ou calor. Desligar as luzes
que estão causando uma reação de fotossensibilidade. Desligar a
música e reduzir ao máximo outros ruídos. Remover objetos de cores
berrantes ou com padrões.
2. Retirar o autista do meio de coisas estressantes. Levar seu filho para
um local sem pessoas. Um local que ele conheça e onde tenha controle
sobre o ambiente, idealmente o seu quarto.
3. Deixar que ele se distraia com algum passatempo que ele ame.
4. Ajudá-lo a ir para um local onde possa fazer todo o stimming que
ele quiser.
5. Falar com ele num tom calmo. Isso é calmante mesmo que seu filho
não entenda o que você está dizendo.
6. Colocá-lo num sítio que faça pressão sobre o seu corpo ou abraçá-
lo com força. Note, no entanto, que é vital que o autista tenha controle
total sobre a quantidade de pressão que é exercida sobre ele e por
quanto tempo. Caso contrário, a pressão pode ter o efeito contrário. Se
abraçar seu filho fique atento a qualquer sinal da parte dele,
empurrando você.

Do mesmo modo, existem coisas que, se forem feitas quando ele está à beira
do meltdown, apenas irão piorar as coisas. O meltdown irá acontecer mais
rapidamente e com mais intensidade. Essas coisas incluem:

1. Ralhar com seu filho. Isso apenas ativará ainda mais a resposta ao
estresse.
2. Obrigá-lo a interagir com pessoas. Essa é uma das formas mais
eficazes de desgastar mentalmente um autista.
3. Fazer perguntas que exijam que ele pense bem no assunto. Ou seja,
perguntas que causem desgaste.
4. Exigir que ele se adapte às mudanças de rotina. Lembre-se que ele
só se adaptará depois de ter tempo suficiente para se imaginar
executando a nova rotina. Isso implica que ele tenha acesso ao máximo
de informação sobre o que irá acontecer.
5. Ignorar as hipersensibilidades sensoriais e a sobrecarga sensorial.

Com o tempo você ganhará uma boa noção do que mais perturba seu filho e
será capaz de distinguir entre o stimming causado por algum estresse e o
stimming que indica que está quase a ocorrer um meltdown. Mais ainda, você
será capaz de distinguir o meltdown da birra.

O meltdown tem sempre uma causa lógica relacionada com uma incapacidade
de exercer autocontrole sobre o sistema límbico. A birra, por outro lado, é
uma estratégia que a criança usa para tentar levar sua vontade avante.
Como lidar com um meltdown depois de ele começar?
Faça o máximo para colocar seu filho num ambiente o mais neutro possível.
O melhor sítio do mundo é o quarto dele. Porquê? Porque aqui ele tem
controle sobre as coisas. Infelizmente muitos meltdowns ocorrem fora de
casa. Ou, mesmo que ocorram dentro de casa, ocorrem devido a
circunstâncias dentro do corpo do autista. Como assim? Preocupações e
outras emoções causam turbulência que vem de dentro e que você não pode
ver.

No entanto, o simples fato de você se preocupar em tentar perceber o que está


causando o meltdown e tentar fazer o que pode para ajudar, transmitirá paz e
segurança ao seu filho. Com o tempo isso criará uma ligação forte entre
vocês. Um vínculo único. É muito improvável que ele alguma vez encontre
outra pessoa que encare as suas necessidades especiais com tanto carinho e
boa vontade.

Mesmo que ele não o consiga expressar, ele sente o seu amor e você pode ter
certeza que esse amor é correspondido.

É nessa altura que algo mágico acontece. Na literatura sobre autismo há


diversas referência às chamadas “pessoas favoritas.” Uma pessoa favorita é
toda a pessoa que dá energia mental ao autista ao invés de retirar. Isso lhe
parece pouco científico e improvável?

Muito pelo contrário.

Na verdade, este assunto é tão vital que merece seu próprio capítulo.
Capítulo 8

Pessoas Favoritas — Mito ou Realidade?


Todos nós temos pessoas de quem gostamos mais do que outras. Muitas
pessoas nunca passam de conhecidos. Algumas se tornam amigos, mas
pouquíssimas se tornam como irmãos de sangue. No entanto, quando isso
acontece, nossa vida melhora muito.

Imagine as situações que descrevemos há pouco. Você está na fila de


supermercado, irritadíssimo, com o espertalhão fura-filas à sua frente. Nisto
você vê entrar no supermercado seu melhor amigo. Ele é alguém que
realmente o entende e sempre o apoia. Ele é uma pessoa bondosa, amigável,
inteligente, madura. Os adjetivos positivos são poucos para descrever o
quanto você aprecia essa pessoa. Quando você o vê sua irritação baixa
muitíssimo, é como se seu sistema límbico dissesse a si mesmo:

“Bem, agora que meu amigo está aqui já não preciso lutar sozinho, então já
não necessito de ativar tanto assim a resposta ao estresse.”

Este tipo de relacionamento é muitas vezes observado em casais felizes. Ele e


ela se amam muito e aprenderam a criar uma dependência saudável um no
outro.

Quando ele está por perto ela fica muito mais calma e confiante. Parece que
as situações difíceis da vida não a afetam tanto assim. Quando ela está por
perto ele tem mais motivação ainda para lidar com os problemas e enfrentar
as dificuldades.

O mesmo acontece entre filhos neurotípicos e pais amorosos. Por exemplo,


quando o filho vê seu pai entrando pelo portão da escola ele sabe que os
valentões já não têm qualquer poder sobre ele.

No entanto, esta dependência saudável também é observada em áreas da vida


completamente diferentes. Por exemplo, entre o corpo de bombeiros é normal
crescer um sentimento forte de irmandade. Esses homens sabem que a vida
deles está nas mãos uns dos outros. Com o passar dos anos eles viveram tanto
o “nenhum homem fica para trás” que criaram uma ligação que por vezes é
mais forte do que os laços familiares.
O que todas estas ligações têm em comum?
Todas elas se baseiam em pessoas que estão muito atentas às necessidades
do outro e fazem todos os possíveis para as satisfazer. Este tipo de atitude
cria uma tendência natural na outra pessoa para fazer o mesmo.

No caso dos autistas as necessidades deles são muito especiais. Por isso é
preciso estar ainda mais atento. Mas quando você se esforça em fazer isso
sistematicamente, o sistema límbico do autista — o mesmo sistema
responsável pela detecção inconsciente de perigos — aprende que você é
sinónimo de segurança.

Isso faz todo o sentido. Afinal, se eu tenho autismo e se sempre que os ruídos
altos estão me fazendo entrar em meltdown, minha mãe chega perto de mim e
coloca suas mãos em meus ouvidos até que eu me acalme, não é preciso
passar muito tempo para eu aprender que “mãe = alívio.”

Se cada vez eu tenho aflições emocionais causadas por medo ou tristeza


minha mãe sempre chega perto de mim e me fala de modo calmo, me
ajudando a processar a informação, não leva muito tempo para eu aprender
que “mãe = alívio”.

Se sempre que eu começo entrando em meltdown minha mãe faz tudo o que
pode para me ajudar, qual poderia ser o resultado senão o meu cérebro passar
a associar essa pessoa com tudo o que de melhor este mundo tem para
oferecer?

Autistas não são estúpidos. Diversas áreas de seu cérebro funcionam de modo
atípico e as linhas de comunicação entre elas não funcionam lá muito bem,
mas eles sabem distinguir entre pessoas que lhes causam alívio e pessoas que
lhes causam sofrimento.

Com o tempo, essas pessoas se tornam nas chamadas “pessoas favoritas”.


Isso significa que o autista é muito mais tolerante à presença delas, muitas
vezes desejando que elas estejam presentes, pois a simples presença delas é
calmante e lhes dá energia mental ao invés de os desgastar.
Como adquirir o estatuto de pessoa favorita?
Talvez até aqui você tenha tentado amar seu filho autista do mesmo modo
que ama seus filhos neurotípicos. Isso talvez funcione até certo ponto, mas se
depois você ignora o efeito que centros comerciais e outros locais ruidosos
têm sobre seu filho, ou se o obriga a manter vestido roupa que arranha, todos
os seus esforços podem cair por terra.

Não que seu filho deseje ignorar todo o bem que você faz por ele.
Simplesmente, da perspectiva do cérebro dele, “você = pessoa que às vezes
me faz bem e às vezes me faz mal.”

Por exemplo, imagine que durante a viagem de carro o rádio começa afetando
seu filho. Quando ele se queixa de que o ruído está demasiado alto e todos
começam dizendo que está até baixo demais, o que você faz? Se ignorar isso,
ele aprenderá que às vezes ninguém se importa com suas necessidades.
Mesmo que ele nunca consiga verbalizar isso, é assim que ele se sente.

Por outro lado, se você sempre se preocupa com isso, quando ele estiver em
outro carro com o rádio alto e as pessoas reagirem mal a seus pedidos para
baixar o volume, ele pensará: “quem me dera que minha mãe estivesse aqui”
ao invés de pensar “quem me dera estar sozinho.”

No caso de filhos com Asperger, ser a pessoa favorita significa que você se
tornará o alvo de suas longas conversas sobre os tópicos favoritos dele. Mas
esse é um pequeno preço a pagar em troca da ligação forte que se
desenvolverá. E veja o lado positivo: com o tempo você se tornará um
especialista nos tópicos favoritos dele.
Alterações de rotina e a pessoa favorita
Ao longo do livro falamos várias vezes sobre o efeito negativo que uma
alteração de rotina tem sobre o autista, mesmo sobre aqueles que têm uma
forma moderada de autismo, como o síndrome de Asperger. Porque isso
acontece?

Devido à forma diferente da sua configuração, o cérebro autista precisa de


mais tempo para processar alguns tipos de informação, como informação
abstrata ou informação com conteúdo socioemocional.

Então, quando ocorre uma mudança de rotina que envolva algum desses tipos
de informação, a pessoa com autismo necessita de tempo para considerar
tudo o que a nova alteração de rotina exigirá dele.

Por exemplo, imagine que um jovem com autismo sabe que tem de ir ao
supermercado. De início ele não quer ir. Ele sente repulsa. Então ele fica
fazendo stimming ao mesmo tempo que tenta se obrigar a desejar ir. Ele fica
se imaginando a executar a tarefa, tentando prever tudo o que pode correr mal
e como ele poderá lidar com isso. Ele se prepara mentalmente para lidar com
as sensibilidades sensoriais que ele já sabe que serão ativadas no
supermercado. Após alguns minutos, ou horas, ele já está plenamente
mentalizado do que vai fazer.

Esse processo exigiu esforço mental e foi desgastante. Mas agora, ele até
sente certo entusiasmo em ir.

Nesse meio tempo, o pai desse jovem acabou por terminar a tarefa que estava
fazendo mais rápido do que ele imaginava. Aí o pai pensa: “Bem, eu sei
como meu filho odeia supermercados. Visto que eu tenho algum tempo vou
ter com ele e lhe direi que ele já não precisa de ir. Nesse caso vou-lhe pedir
que vá apenas arrumar o quarto.”

O pai espera que isto cause muita alegria no autista. E tem razão para esperar
isso. Afinal, esta mudança de rotina parece que vai satisfazer a necessidade
do autista de poupar sua energia mental e de se manter afastado de locais que
ativem suas sensibilidades.

No entanto, assim que o filho percebe que sua rotina mudou por completo ele
entra em meltdown e se fecha no quarto. O pai fica atônito sem entender o
que se passou. “Porque meu filho é tão complicado?” ele pensa, entristecido.

A verdade é que depois de estar mentalizado para uma tarefa, a mudança de


rotina poderá gastar mais energia mental do que a execução da tarefa inicial.

Porquê?

Porque agora ele terá de lidar com o desapontamento de já não ir ao


supermercado, além de ter de ser obrigado a processar tudo o que está
envolvido na nova tarefa.

Por todas estas razões é importante comunicar com o autista e tentar entender
como ele se sente a respeito da mudança de rotina.

Sempre que possível, avise-o com bastante antecedência de alterações em sua


rotina diária. Talvez você pense: “Mas se ele souber com antecedência apenas
passará mais tempo em estresse.”

Talvez. Mas ele também terá tempo extra para se mentalizar. Além disso, ao
aplicar as sugestões encontradas no capítulo 4 você poderá fazer muito para
minimizar a aflição emocional que a perspectiva de uma alteração futura de
rotina causa no autista.
Será que você conseguirá alcançar o estatuto de pessoa
favorita?
Claro que sim. Afinal, você tomou tempo para ler todo este livro. Só isso já é
evidência de seu interesse amoroso nas pessoas com autismo. Elas têm muita
sorte de conhecer você. É esse amor que o motivará a colocar em prática as
sugestões deste livro, mesmo quando for difícil fazê-lo.
E se você cometer erros?
Isso é normal.

É interessante que John Gottman, professor de psicologia e autor de diversos


livros sobre relacionamentos entre casais, fala da regra do 5 para 1.

Essa regra diz que por cada má ação que fazemos a alguém, temos de
fazer 5 boas ações a fim de compensar.

Isso acontece devido à forma como nosso sistema límbico está construído. As
áreas de nosso cérebro responsáveis por detectar perigos dão muito mais peso
a uma má acção do que a uma boa.

Por exemplo, se eu me aproximo de um cachorro e ele me faz mimo, mas no


fim me dá uma dentada, será que eu vou para casa pensando: “Nossa, que
cachorro meigo”? Não. Meu cérebro dará todo o peso à dentada e irá ignorar
o mimo que o cão me fez de início.

O mesmo acontece com os traumas.

Talvez eu tenha passado minha vida andando de elevador sem qualquer


problema. Mas, a partir do momento em que eu fiquei algumas horas preso
no elevador, minha opinião sobre elevadores muda por completo.

Na verdade, usar um elevador continua sendo tão seguro depois de eu ter


ficado preso tal como já era antes. De fato, qual a probabilidade de alguém
ficar preso duas vezes dentro de elevadores? Podemos dizer que é menor do
que ficar preso uma vez na vida. Mas nosso sistema límbico não está
projetado para avaliar as coisas assim.

Antes andar de elevador não era perigoso, agora é. Ponto final.

Algo semelhante se aplica nos tratos com outros humanos.


Se às vezes alguém nos trata bem e outras vezes nos trata mal, nós
começamos a ganhar alguma repulsa por essa pessoa. Para transformar essa
opinião negativa numa opinião mais equilibrada é necessário fazer um
esforço para expressar empatia. Temos de ficar nos questionando:

● Porque ela agiu assim?


● Será que estava cansada ou com alguma preocupação?
● Se eu estivesse na mesma situação, o que me garante que eu não
acabaria fazendo algo igual ou até pior?
● Não será que me consigo lembrar de alturas em que fiz coisas
semelhantes? Será que isso prova que sou má pessoa?
● Quais são as qualidades dessa pessoa?
● Será que ela não tem qualidades ou será que eu simplesmente não a
conheço bem o suficiente?

Devido à forma como nosso cérebro está projetado para dar mais atenção a
coisas más do que a coisas boas, é necessário fazer um esforço consciente
para lutar contra a tendência de encarar os outros de modo negativo quando
eles nos fazem alguma coisa que nós não gostamos.
E quando somos nós a pessoa que tratou mal a outra?
É essencial ajudar a pessoa a processar o que aconteceu.

Por exemplo, imagine que o cão que me deu a dentada sabia falar. Aí ele
aparecia em minha casa e me explicava que me mordeu porque eu o tinha
aleijado no pescoço quando o estava apertando. Ele me explica que sempre
teve problemas de temperamento e me pede muitas desculpas.

Nos dias seguintes eu noto como esse cão faz todo o esforço para me tratar
bem. Com o tempo minha opinião começa mudando.

Talvez eu comece a raciocinar: “Bem, talvez aquilo tenha sido uma vez sem
exemplo. A verdade é que eu realmente o apertei com força. Além disso, ele
nem me mordeu com violência, apenas encostou seus dentes em minha mão.
Eu é que me arranhei nos dentes quando puxei a mão para fora em reflexo.”

Da mesma maneira, se fizemos algo que magoou o autista é importante pedir


desculpa e tentar explicar o que se passou — numa forma adaptada à
profundidade do autismo com que estamos lidando.

Em todo o caso, com o tempo, futuras boas ações rapidamente falarão mais
alto que qualquer coisa errada que tenhamos feito.

Afinal de contas, se você é pai ou mãe, você ainda tem a tarefa de educar seu
filho com autismo. Isso envolve dar a disciplina adequada quando
apropriado. Além disso, muitas vezes um bom pai tem boas razões para não
fazer ou dar ao filho tudo o que ele quer.

Simplesmente, quando disciplinar seu filho tenha em atenção as necessidades


especiais dele. Por exemplo, se você disser ao autista que ele é mau ele vai
interpretar isso literalmente. Afinal, ele pensa de modo concreto.

A expressão “você é mau” vai fazer surgir em sua mente imagens do que
significa ser mau. Daí, ele associará todas essas imagens a si próprio. Ele o
ama, por isso sua opinião terá um grande impacto nele. O que fazer então?
Seja específico. O discipline por lhe dizer que a ação específica foi má.
Mostre como a ação o fez sentir e explique como ele deveria ter agido.

Devido à forma como seu cérebro está configurado para pensar de modo
concreto, dizer ao autista exatamente o que se espera dele, passo a passo —
se possível por escrito — é muito mais eficaz do que lhe dizer o que ele não
deve fazer.
Como comunicar com alguém autista?
Para ilustrar, suponha que você quer que seu filho arrume o quarto. Note o
que não funcionaria:

“Este quarto está uma bagunça.”

Para a mente autista esta declaração é encarada e registrada como uma


opinião. “Meu pai acha que meu quarto está uma bagunça.”

“Quero este quarto arrumado!”

O que significa “arrumado”? Essa palavra é abstrata. Além disso, pensar em


cada um dos passos envolvidos na tarefa pode acabar fazendo o autista
encarar a tarefa de arrumar o quarto como algo extraordinariamente difícil. O
equivalente de você chegar perto de seu filho neurotípico e lhe dizer: “vá
mudar o óleo do carro.” Seu filho neurotípico ficaria à toa, sem saber por
onde começar, nem o que fazer.

Além disso, o tom irritado de sua voz poderia despoletar ansiedade e até
pânico.

O que fazer então?

Seja o mais concreto e direto possível. Mostre o que fazer passo a passo.

“Primeiro preciso que se levante e apanhe a roupa que está no chão e a


coloque num monte aqui mesmo onde eu estou. De seguida pegue a roupa
toda e a coloque no cesto da roupa suja Depois apanhe as coisas que estão no
chão e as coloque nas prateleiras do jeito que você achar melhor. No fim
pegue a vassoura e varra o quarto.”

Idealmente, exemplifique para ele o que cada tarefa envolve.

E não esqueça a lista escrita. Pode parecer loucura entregar a um filho uma
lista dos passos necessários para fazer algo aparentemente tão simples como
limpar o quarto. Mas tudo isso são passos que facilitam o trabalho dele.

Aí, se ele se recusar a fazer a tarefa você poderá decidir o disciplinar de


algum modo apropriado. Por exemplo: “Enquanto não se levantar para
apanhar a roupa do chão e a colocar num monte não vai poder ir jogar.” Esse
é um pedido razoável com uma consequência igualmente equilibrada.

Novamente, cada caso é um caso. Não há dois autistas iguais. Tudo depende
do grau de autismo e das necessidades e sensibilidades especiais e da
personalidade única que seu filho tem. Uma personalidade que existe junto
com o autismo e é tão ímpar como a de qualquer outra pessoa.

Com o tempo você perceberá que certas tarefas causam demasiado


desconforto a seu filho. Como o pai amoroso que você é — ou então não
estaria se preocupando em ler matéria como esta — com certeza você saberá
como adaptar seus pedidos às dificuldades exclusivas de seu filho.

Para ilustrar, se lidar com os cheiros dos detergentes causa sensibilidades ao


seu filho, você poderá optar por comprar detergentes neutros ou deixar que
seja seu filho a escolher que cheiros ele tolera. Caso contrário, poderá decidir
que sempre será você, ou sua esposa, a lavar a casa, quando seu filho não
estiver e houver tempo suficiente para que os cheiros desapareçam antes de
ele voltar.

No próximo capítulo reuniremos as várias necessidades especiais que


consideramos ao longo dos vários capítulos e analisaremos as estratégias que
podem ser implementadas a fim de as satisfazer.
Capítulo 9

Necessidades Especiais do Autista e


Como as Preencher
Ninguém entende realmente o que causa o autismo. Devido a fatores
genéticos e ambientais o cérebro não se desenvolve de modo igual ao das
outras pessoas. Alguns pesquisadores propõem que complicações ou
deficiências em alguns nutrientes chave durante a gravidez, como a vitamina
D, estão associadas ao desenvolvimento de um cérebro com autismo.

Outros sugerem que problemas no aparelho digestivo durante o


desenvolvimento do cérebro o impedem de receber a nutrição adequada para
ele se desenvolver adequadamente. Ainda outros sugerem uma possível
relação entre a exposição a metais pesados e o autismo.

Ainda algumas pessoas defendem que existe uma relação entre as vacinas e o
autismo. Esse é um tópico onde existem opiniões muito fortes em ambos os
lados da questão. Isso é compreensível e uma análise detalhada desse assunto
está fora do objetivo deste livro. Se o leitor possui informação sobre esse
tópico, que o fazem optar por um dos lados da questão, eu faria gosto em a
analisar. Poderá me contatar para o email:
Tiagohenriques@academiaciencia.com

Uma coisa, no entanto, é certa: não existe um consenso sobre as causas do


autismo. É possível que o culpado acabe sendo o conjunto de tudo isso, ou de
pelo menos algumas dessas coisas, em diversos graus.

No entanto, a maioria concorda que, em resultado de ter um cérebro atípico, o


portador processa a realidade de uma forma diferente. É aí que este livro e
minha experiência pretendem ajudar.

O que acontece é que as redes neurais estão todos lá, mas não funcionam de
modo comum.

O que é afirmado por alguns pesquisadores, como Temple Grandin, é que o


portador de Asperger/Autismo tem uma quantidade superior de cabos dentro
das áreas, ou módulos neurais e uma quantidade inferior de fibras nervosas
ligando as vários áreas entre si. Além disso, o portador de Asperger/Autismo
tem comparativamente poucas fibras nervosas, ou “cabos elétricos,” ligando
as diversas áreas ao córtex pré-frontal.

Isso significa que a mente consciente recebe uma informação incompleta


sobre o que se passa no resto do cérebro e tem uma capacidade limitada para
influenciar o que está acontecendo nas áreas em seu redor.
O diagnóstico
O diagnóstico de autismo ocorre quando se observa que alguém tem
dificuldades sobretudo nos seguintes aspectos:

1. Processamento sensorial.
2. Processamento emocional.
3. Processamento social e teoria da mente.
4. Comunicação.
5. Funções executivas.

Dependendo do grau de dificuldades, a pessoa pode até acabar recebendo um


diagnóstico incorrecto, conforme veremos mais à frente.

Por agora, o ponto importante a manter em mente é que cada um destes


aspectos está dependente de uma área, ou áreas, específica dentro do cérebro.
Esse tem sido o foco em toda a nossa consideração.

Agora, ao recapitularmos cada um destes aspectos procuraremos fazê-lo de


modo concreto.

Para isso, imaginaremos que as áreas do cérebro responsáveis pelo


processamento de cada um destes aspectos estão tentando responder a
perguntas que elas fazem constantemente a si mesmas.

Dessa forma, podemos considerar que ter problemas em um destes 5 aspectos


envolve ter dificuldades em obter respostas às perguntas que as áreas do
cérebro fazem a si mesmas, ter dificuldades em transmitir as respostas
encontradas às outras áreas do cérebro e ter dificuldades em modificar o
comportamento de acordo com as respostas encontradas.

Dessa forma, podemos definir “grau de autismo” como “o grau em que essas
três dificuldades afetam o dia a dia da pessoa.” Confuso? Não se preocupe.
Faremos uma análise detalhada, e concreta, do assunto já de seguida.
1. Processamento sensorial
Esse tipo de processamento ocorre à medida que nosso cérebro tenta obter
respostas às seguintes perguntas:

● Qual a informação que está dando entrada no cérebro através de cada


um dos sensores internos e dos órgãos sensoriais?
● O que estou vendo, ouvindo, cheirando, tocando e saboreando?
● Qual a temperatura de meu corpo e o meu grau de dor?
● Qual a localização, inclinação e aceleração dos meus músculos e dos
membros de meu corpo?
● Qual o grau de intensidade dessas sensações?
● Como elas devem ser interpretadas?
2. Processamento emocional
Esse tipo de processamento envolve as seguintes perguntas:

● Quais são as minhas necessidades?


● Tenho os meios (recursos) para as satisfazer?
● Como me devo adaptar para garantir que as conseguirei satisfazer?

● Quais são as sensações que estão em meu corpo?


● O que elas significam?
● Como devo reagir a elas?
3. Processamento social e teoria da mente
A expressão “teoria da mente” se refere à capacidade de entender que as
outras pessoas são diferentes de nós, que têm uma mente ímpar e única, como
nós temos. Estas são as perguntas a que nosso cérebro está tentando
responder à medida que processa a informação social:

● O que se passa com este outro ser humano que eu detectei no meu
ambiente?
● O que ele está sentindo?
● O que ele está comunicando?
● O que ele está pensando e não me está comunicando abertamente?
● Quais são as suas intenções?
● Quais são suas necessidades?
● Ele é uma ameaça para mim?
● Como devo reagir a ele?

Alguém com autismo tem muitas dificuldades neste campo da teoria da


mente. Por exemplo, se eu como de boca aberta isso não me faz diferença.
Afinal, eu não vejo meu comer sendo mastigado atráves de minha boca
aberta. No entanto se você come de boca aberta isso me causa repulsa.

O resultado? Alguém com pouca teoria de mente pode acabar comendo de


boca aberta, achando que isso não tem nenhum mal, ao mesmo tempo que se
irrita e se sente enojado por você estar fazendo o mesmo. O cérebro dele não
estabeleceu uma ligação aparentemente simples: “Se isto me faz sentir assim,
é provável que se eu fizer o mesmo aos outros, isso também os acabe
afetando de maneira semelhante”

Conforme alguém com Síndrome de Asperger se expressou:

« Eu não gosto que me interrompam quando eu estou a falar, mas eu próprio


interrompo os outros, sempre. Eu nunca tinha pensando nisso a fundo, mas a
verdade é que se eu não gosto que me interrompam, é natural que os outros
também não gostem que eu os interrompa. Na verdade eu pensava: “Eu acho
piada à reacção das pessoas quando eu as interrompo, portanto é natural que
eles também achem piada”. »

Se não for ajudado a ter uma perspectiva mais equilibrada, o autista


automaticamente presume que a reacção que ele está a ter naquele momento,
é a mesma reacção que as outras pessoas estão a ter.

Isso significa que quando ele come de boca aberta ele pensa: “isto não faz
diferença a mim, então também não faz aos outros.” Já quando é você quem
está comendo de boca aberta, ele raciocina: “Isto me enoja, então também
deve estar enojando todo o mundo.”

Devido a isso, a teoria da mente está ligada de perto com a empatia.


4. Comunicação
Este aspecto está intimamente relacionado com o processamento social. Aqui,
as áreas do cérebro se juntam para tentar extrair informação dos estímulos
sensoriais captados pelos olhos e pelos ouvidos:

● Este sons são ruído ou contém informação?


● Essa informação se refere a que conceitos abstratos e concretos?
● Como ela se relaciona com o que eu já conheço?
● Como ela deve influenciar o que eu já conheço?
● Qual o tom de voz?
● Como ele modifica o que está sendo comunicado?
● Quais são as expressões faciais?
● Qual é a linguagem corporal?
● A pessoa está sendo irônica ou sarcástica?
● Existe humor no que foi dito?
● Ela está falando a verdade ou está mentindo?
● Ela está em silêncio porque terminou de comunicar ou porque está
pensando no que dirá a seguir?
5. Funções executivas
Raramente ouvimos falar em “funções executivas.” No entanto, elas são
importantíssimas. Elas incluem a capacidade de bloquear impulsos, planejar
coisas, controlar nossas emoções e pensamentos e ignorar estímulos
sensoriais intrusivos.

Todas essas funções exigem uma boa comunicação entre todo o cérebro:

● Devo continuar prestando atenção a este estímulo sensorial?


● O que eu estou sentindo é apropriado?
● O grau dessas emoções é o mais indicado?
● Faz sentindo me preocupar com este assunto?
● Devo impedir esta emoção de continuar crescendo?

● Como eu devo agir para completar esta tarefa?


● Qual o resultado final que pretendo alcançar?
● Qual o próximo passo?
● Que recursos posso usar?
● Se eu não tenho um dos recursos, como o posso adquirir?
Definindo “Autismo” de modo concreto
Levando em consideração cada um destes 5 aspectos, quanto mais
dificuldade um cérebro tem em (1) responder a estas perguntas, (2)
transmitir estas respostas às outras áreas do cérebro e (3) usar essas
informações para modificar o comportamento, maior o grau de autismo.

Claro que nenhum de nós é perfeito. Dificilmente alguém consegue exercer


pleno controle sobre suas emoções. Mas em alguns casos essa dificuldade
causa muitos problemas.

Normalmente, ao se definir o grau de autismo, se presta muita atenção aos


aspectos 3, 4 e 5 (Processamento social e teoria da mente, Comunicação e
Funções executivas). Afinal, se alguém tem suas redes neurais danificadas a
ponto de não conseguir comunicar ou de não conseguir inibir impulsos, isso
causa muitas mais dificuldades do que se alguém tem dificuldades em
expressar empatia.

Dessa forma, o diagnóstico da profundidade do autismo está ligado


principalmente às dificuldades nesses aspectos.

Os aspectos 1 e 2 (Processamento sensorial e Processamento emocional) são


por vezes ignorados, mesmo apesar de causarem muito sofrimento à pessoa.
Afinal, conforme observamos, a sobrecarga sensorial pode até levar a pessoa
a contemplar o suicídio como um meio de se livrar do sofrimento. Além
disso, quanto maior a dificuldade de controlar emoções desagradáveis, como
o medo e a repulsa, menor a qualidade de vida.

Da mesma maneira, a mistura entre dificuldades de inibir a raiva e falta de


teoria da mente causará muitos problemas interpessoais.

Assim sendo, a ajuda e o aconselhamento de parentes amorosos, de


educadores familiarizados com o autismo e de outras pessoas com formas
mais moderadas de autismo fará toda a diferença na qualidade de vida de
alguém com autismo mais profundo.
Quais são as necessidades especiais de alguém com
autismo?
Podemos dividir as necessidades especiais de alguém com autismo em 5
partes (não relacionadas diretamente com os 5 aspectos mencionados antes).
Elas são:

A. Processar a Informação
B. Controlar as Emoções
C. Proteger-se da Hipersensibilidade Sensorial
D. Descansar
E. Sentir Apoio

Essas são necessidades que todos os seres humanos têm. Então porque
dizemos que no caso de alguém autista elas são especiais?

Porque as estratégias corretas para satisfazer essas necessidades não são


comuns. De fato, conforme já consideramos, as estratégias que normalmente
funcionam com outras pessoas podem acabar tendo o efeito contrário em
alguém com autismo.

Para ilustrar, todos necessitamos de comer, mas nem todos podemos comer as
mesmas coisas. Alguém alérgico ao marisco não pode usar a estratégia
“comer marisco” para satisfazer sua necessidade de se alimentar. Se o fizer,
ele sofrerá as consequências. Será que isso o torna sub-humano? Será que nos
revela alguma coisa sobre o caráter real dessa pessoa? Não.

Da mesma forma, alguém com um metabolismo mais rápido necessita de


comer com mais frequência e alguém com um peso acima do ideal para ele
ou com uma doença grave talvez decida modificar sua dieta.

Existe a mesma necessidade básica em todos estes casos: alimentar-se. Mas,


pelas mais diversas circunstâncias, essa necessidade precisa ser satisfeita
recorrendo a estratégias diferentes, executadas em frequências e intensidades
diferentes.
Da mesma maneira, visitar um local cheio de pessoas pode ser uma excelente
estratégia para distrair e acalmar alguns neurotípicos mas pode acabar
despoletando um meltdown em alguém com autismo.

Sendo assim, quais são as estratégias adequadas para satisfazer as


necessidades especiais de alguém com autismo?
A. Necessidade de Processar a Informação
Devido às dificuldades para processar informação emocional, social e
abstrata, o cérebro autista necessita de períodos frequentes longe de
informação nova a fim de ter tempo para poder processar tudo e traçar
conclusões.

Podemos imaginar que cada nova peça de informação que alguém com
autismo adquire é como uma peça de um puzzle. Quando as peças do puzzle
não encaixam, a pessoa fica com ansiedade. Quando finalmente completa o
puzzle ela se sente bem. Mas o mundo real nunca pára de enviar informação
nova, então o puzzle realmente nunca acaba.

A claridade mental só surge após o cérebro terminar de construir o puzzle o


suficiente para que o autista tenha uma imagem clara, lógica e concreta do
assunto que ele está analisando.

Enquanto isso não acontecer o autista só conseguirá falar do aspecto atual do


puzzle, que está em constante mutação. Isso significa que é normal um autista
mudar de opinião sobre um assunto, sempre que surgem novos dados. Não se
trata de instabilidade, mas sim do desejo intenso de viver de modo
congruente com o que ele acredita ser verdade e de falar com convicção sobre
isso.

Isso significa que quando o autista precisa de espaço e tempo para processar
informação, adquirir esse silêncio e esse tempo é tão vital como beber água
quando se tem sede.

A empatia de outros e bons conselhos de pessoas maduras podem ajudar a


processar a informação, mas nada substitui o estar a sós, de preferência a
ouvir uma música agradável ou a fazer stimming.

Se ele não conseguir neutralizar pensamentos aflitivos necessita de terapia,


recomendando-se a terapia cognitiva. Em termos simples, a terapia cognitiva
consiste em escrever aquilo em que se está a pensar e avaliar, também por
escrito, os dados que temos a favor e contra a veracidade daquela declaração.

A terapia cognitiva também consiste na aprendizagem de técnicas que ajudam


a pessoa a encarar as emoções em vários graus e não em termos de “8” ou
“80”. Alguns autistas, quer por mero acaso, quer por pesquisa ou por
conselhos de outros, desenvolvem formas próprias de lidar com os
pensamentos aflitivos.

O capítulo 4 deste livro é um exemplo de um método de processar mais


rapidamente informação social e emocional.

Quando alguém com autismo é forçado a descrever a imagem incompleta do


puzzle que está em sua mente, o resultado pode ser uma condição
denominada de mutismo. O mutismo acontece quando o autista não
consegue transformar as ideias e imagens em sua mente em linguagem. Ele
quer falar mas o seu tradutor mental fica em silêncio.

Podemos imaginar que as palavras são como carros presos em uma fila de
trânsito. Por mais pressa que aquelas pessoas tenham em sair da fila, elas vão
ter de esperar até que o trânsito acalme e volte, aos poucos, a circular.

O mesmo se passa no mutismo. Podemos imaginar o mutismo como um tipo


de meltdown. Continuar a obrigar um autista a comunicar quando ele está
sofrendo de mutismo é uma forma eficaz de provocar um meltdown ainda
mais grave ou um desligamento.

O desligamento acontece quando o cérebro autista tira “baixa médica” e


deixa de trabalhar, não interessando o quanto a pessoa deseje que ele
funcione. Podemos imaginar esse acontecimento como um mecanismo de
defesa, uma espécie de síndrome vasovagal moderado.

O mutismo súbito e os desligamentos são uma das razões da fobia social que
frequentemente acomete os autistas — além dos meltdowns.

Quando o autista fica em mutismo, ou desligado, isso é uma indicação clara


de que ele precisa mesmo de ser deixado sozinho em seu mundo, o tempo que
for necessário, até se recuperar.

Se essa recuperação não ocorrer no espaço de um dia é necessário algum tipo


de “intervenção terapêutica”, como a empatia de uma pessoa favorita ou, se
isso não resultar, uma intervenção por parte de um profissional de saúde bem
familiarizado com o autismo.

Mantenha psicólogos e psiquiatras que não estejam bem familiarizados com o


autismo bem longe do seu filho. Dessa forma evitar-se-á muito sofrimento. A
última coisa que vocês necessitam é de um autista medicado sem
necessidade, ou de receber conselhos indicando que você deve exigir que o
autista se comporte como um neurotípico.
B. Necessidade de Controlar as Emoções
As estratégias naturais que um autista usa para exercer controle sobre suas
emoções envolvem maioritariamente (1) o stimming, (2) o processamento
detalhado das informações que contribuem para o desequilíbrio emocional e
(3) a distração obtida quando ele se dedica a fundo a uma obsessão, como um
hobbie ou uma pessoa favorita.

Usamos aqui o termo “obsessão” não num sentido pejorativo, mas como
indicação da capacidade do autista de se abstrair completamente enquanto se
dedica a pesquisar, ler, ou a interagir com algo que ele ama demais.

Essas afeições podem envolver trens, astronomia, jogos de tabuleiro, cartas


de coleção, a guerra das estrelas, cães, legos, uma pessoa, um livro, um
videojogo, tocar um instrumento, uma atividade física ou outra coisa
qualquer.

Nem todas essas obsessões são saudáveis. Por exemplo, se seu filho fica
dedicando seu tempo e energia a uma pessoa e depois essa pessoa falha em
corresponder, isso será devastador. No entanto, dedicar seu tempo e energia à
astronomia ou a outro campo da ciência fará dele — e da pessoa favorita que
fica escutando suas explicações — um “pequeno professor” do assunto, como
Hans Asperger dizia.

Em todo o caso, esses interesses especiais irão variar muito dependendo de


outros fatores, como o grau de autismo, as hipersensibilidades sensoriais e o
desenvolvimento intelectual e emocional do autista.

Em todo o caso, não existe muita capacidade para controlo directo das
emoções sem que haja primeiro uma reeducação emocional, em que a
inteligência emocional é ensinada de um modo concreto e compatível com os
interesses do autista.

Visto que é difícil para ele perceber o que está a sentir e qual a causa dessas
emoções, a empatia de outros e a segurança de saber que se tem esse apoio
disponível, sem censura, é vital.

Por fim, a expressão das emoções por meio da produção de escrita, da


fotografia, das artes plásticas ou do teatro também é uma forma de exercer
algum controle sobre as emoções.

A música certa na altura certa também exerce um efeito muito imediato e


poderoso sobre as emoções.

Todos temos a necessidade de controlar nossos impulsos emocionais e níveis


de estresse. O autista não é excepção. São apenas as estratégias que têm de
ser diferentes em virtude da configuração neurológica atípica de seu cérebro.
C. Necessidade de Se Proteger da Hipersensibilidade
Sensorial
Muitos autistas têm diversas hipersensibilidades sensoriais. Estas são
causadas pelo cérebro e não por disfunções nos órgãos sensoriais. É como se
o cérebro, ao processar a informação, amplificasse grandemente, ou
diminuísse demais, os sinal que está recebendo.

Se a hipersensibilidade for ao ruído alto é preciso tapar os ouvidos, mas se a


hipersensibilidade for visual pode ser necessário fechar os olhos ou
abandonar um local onde está muita gente se mexendo ou onde existe muita
informação visual para processar — como um corredor de uma loja ou de um
supermercado.

Etiquetas e roupa que arranha ou que é desconfortável também causam muita


aflição ao autista.

Ser tocado com alguma força por outras pessoas é bastante desconfortável e
pode até causar dor. Como por exemplo, quando apertam a mão dele com
força.

Cheiros fortes, sons de motores, luzes que cintilam — e que por vezes apenas
o autista tem a sensibilidade suficiente para detectar, como as lâmpadas
fluorescentes — levam gradualmente ao meltdown.

Estratégias específicas e uma análise detalhada de cada um dos sentidos


principais e de vários outros estão disponíveis no capítulo 6.
D. Necessidade de Descansar
A adrenalina e a transformação em super humano que ela promove são muito
desgastantes.

Esse desgaste está na base de muitas depressões.

No caso do autista, além de todas as outras causas de estresse comuns ao ser


humano, existem algumas outras bem específicas do autismo:

● Processar informação nova debaixo de pressão.


● Lidar com pessoas fora do seu círculo de pessoas favoritas.
● Sempre que suas hipersensibilidades são estimuladas.

Em si mesmo, o estresse desgasta e cansa.

Além disso, o estresse faz com seja mais difícil relaxar e adormecer,
dificultando assim a ativação dos meios normais que nosso corpo usa para
recuperar a energia mental e física.

Mais ainda, o estresse prejudica nosso sistema digestivo. Isso faz com que a
pessoa tenha mais dificuldade em absorver a nutrição dos alimentos que
consome, além de afetar diretamente o apetite e a flora intestinal.

O descanso extra é por isso vital. Ele é especialmente importante como mais
um meio de reduzir as possibilidades de um meltdown e de promover a
recuperação pós-meltdown.

Entendemos que se levantar todos os dias e tentar levar uma vida normal
pode ser um ato heróico para alguém com um nível de autismo que lhe
permite trabalhar e ir à escola.

A necessidade de estar sozinho e de descanso depois de uma interação social


é tão real como a necessidade de parar para respirar depois de correr uma
maratona. É tão real como a necessidade do neurotípico de descansar depois
de passar uma hora a resolver problemas matemáticos complexos. A origem é
inteiramente biológica e está fora do controle da pessoa.

Exigir que o autista tome decisões quando ele tem necessidade de processar
informação ou de descansar é como obrigar o maratonista ofegante a cantar.
E pode levar ao meltdown.
E. Necessidade de Sentir Apoio
Pessoas com autismo não são anti-sociais nem anti-pessoas. Elas
simplesmente têm tendência a sentir muito estresse quando estão junto de
outros. Isso acontece porque eles não só não entendem bem as pessoas, como
também não sabem ao certo como evitar sofrer bullying, intimidação ou
outros tipos de maus tratos por parte de algumas delas.

A verdade é que é fácil para um autista se tornar o alvo predileto dos


valentões.

Ele é estranho em sua forma de andar, pensa e fala de um modo fora do


vulgar, tem interesses incomuns e costuma andar sozinho. É o alvo perfeito.

Mesmo quando pessoas amorosas o tentam ajudar, procuram fazer isso na


linguagem dos neurotípicos. Talvez o incentivando a não fazer stimming ou a
simplesmente “deixar para lá” os meltdowns e as hipersensibilidades
sensoriais.

Até mesmo outros autistas podem não ser capazes de providenciar o apoio
necessário. Imagine um autista que é sensível ao ruído passando tempo com
um que ama escutar música alta.

Dessa forma, o apoio real de alguém que o entende é algo único e muito
necessário. Esse tipo de apoio ajudará na satisfação das outras necessidades
especiais aqui referidas.

A família achegada, empregadores, professores e educadores, todos os que


lidam diariamente com um autista, necessitam entender as funções biológicas
do stimming e dos meltdowns.

Isso lhes permitirá dar a ajuda necessária quando um meltdown está prestes a
ocorrer.

Eles podem fazer isso por (1) dar a necessária empatia ― no caso de um
meltdown que está surgindo devido a pensamentos aflitivos, (2) ajudar a
pessoa a se proteger de estímulos sensoriais aflitivos ― no caso de um
meltdown que está em risco de ocorrer devido a uma sobrecarga sensorial e
(3) por retirá-lo da presença de pessoas que o obrigam a processar
continuamente “qual a coisa certa a dizer” e “qual a coisa certa a fazer” — ou
seja, a maioria das pessoas com as quais o autista não está bem familiarizado.

Se o meltdown mesmo assim acabar por acontecer, é importante relembrar o


autista que o meltdown foi apenas uma reacção natural, e incontrolável, do
seu sistema nervoso ao desgaste. Não é indicativo de absolutamente nada
sobre o caráter da pessoa, nem é indicativo de problemas neurológicos, nem
causa esse tipo de problemas. É apenas um processo fisiológico normal e
inevitável nos autistas, caso eles sejam levados acima dos seus limites.

O máximo que o autista pode fazer é escolher, por exemplo, chorar em vez de
se tornar violento, mas tirando isso, não existe muito mais que ele possa fazer
para se controlar caso as coisas cheguem ao ponto do meltdown e ele não
consiga se afastar das causas do desgaste.

Esse tipo de apoio informado é de especial importância imediatamente antes,


durante e após um meltdown.

Você, meu leitor, tem em sua posse a informação necessária para se tornar
esse tipo de pessoa para qualquer autista. No entanto, quanto mais
informação procurar adquirir, quer através de literatura científica, quer
através da leitura de relatos bibliográficos, maior se tornará a largueza de seu
entendimento.

Use esta informação para ajudar. Use-a para educar outros a ajudar. Não
deixe de fazer uso do que aprendeu aqui.
Capítulo 10
As Dificuldades de Um Diagnóstico
Oficial
O diagnóstico oficial é importante porque os autistas são sensíveis aos
medicamentos. Por exemplo, no caso dos antidepressivos, Temple Grandin
recomenda que iniciem com uma dose de ⅓ (33%) da dose recomendada para
outras pessoas. No caso de outros medicamentos, é preciso levar em conta
que a dose recomendada poderá ser de ¼ (25%) a ½ (50%) da dose usada
com outras pessoas sem autismo.

Caso contrário, o autista poderá acabar sofrendo mais efeitos secundários do


que o normal. Isso pode fazer com que alguns médicos encarem a pessoa
como hipocondríaca e poderá até levar a própria pessoa a ter medo de tomar
medicamentos e de lidar com os médicos.

Quanto menos visível é o autismo subjacente mais difícil é obter o


diagnóstico. Pessoas com síndrome de Asperger podem passar toda a vida
sem ser receber o diagnóstico correto. Isso é especialmente mau pois, caso os
problemas da vida os façam buscar ajuda psiquiátrica de alguém que não
esteja bem familiarizado com o autismo, eles podem acabar sendo
diagnosticados com algumas doenças mentais que requerem medicação bem
forte.

Qual o resultado?

Você verá autistas sendo medicados com calmantes fortíssimos ou


antipsicóticos desnecessários. Isso apenas causará mais sofrimento e os
efeitos desses medicamentos sobre o sistema nervoso apenas irão mascarar
ainda mais o autismo que está por trás.
Doenças que se confundem com algumas
particularidades do autismo
Segue-se uma lista não exaustiva de condições que podem ser diagnosticadas
a alguém com autismo quando o profissional de saúde envolvido no processo
de diagnóstico não está bem familiarizado, nem com o autismo clássico, nem
com o síndrome de Asperger:

● A necessidade de analisar os estímulos, a dificuldade do seu cérebro de


isolar e ignorar estímulos sensoriais e a ansiedade de sentir algo
desconhecido no corpo é encarada como indicando hipocondria.
Juntando a isso a sensibilidade aos medicamentos, fica fácil para um
médico descartar as queixas do paciente.

● O desejo de seguir rotinas e de ter as coisas organizadas de um modo


que reduza a necessidade de processar informação nova é isoladamente
diagnosticado como obsessão compulsão.

● As mudanças de humor causadas à medida que a informação é


processada podem ser encarada como volatilidade emocional. Os
meltdowns podem levar a um diagnóstico como borderline.

● Como o autista não consegue dosar adequadamente a euforia que sente


quando está envolvido num projecto, ele consegue ficar sem comer e
sem vontade de dormir quando está entusiasmado com algo. Isso pode
ser confundido com a fase maníaca da bipolaridade. Por sua vez,
meltdowns depressivos seriam encarados como a fase depressiva da
bipolaridade.

● Quando um autista interage com outros, ele adquire facilmente os


maneirismos e o sotaque deles, além de copiar as expressões faciais
deles. Juntando a isso sua personalidade contemplativa e a busca
contínua da resposta à pergunta “quem sou eu?” ele pode ser
confundido com alguém com transtorno dissociativo de identidade
ou outra desordem mental exótica grave.
● Quando um autista se isola por dificuldades nas interações sociais, a sua
mente criativa pode desenvolver mundos e histórias, incluindo amigos
imaginários, o que pode levar ao diagnóstico errado de esquizofrenia.

● Um meltdown de natureza depressiva junto com o subsequente


desligamento pode ser confundido com depressão clínica intratável.

● A ansiedade continuada pode ser equivocadamente analisada em


isolamento dos outros sintomas do autismo. Desse modo, o médico
pode achar que tudo se resume a algum tipo de fobia ou a um quadro
de ansiedade generalizada a ser tratado com ansiolíticos cada vez
mais fortes.

● O stimming pode ser erroneamente diagnosticado isoladamente como


hiperatividade. Em vez de se reconhecer o stimming como o um meio
de regulação externa das emoções, o médico o rotularia como um
sintoma a corrigir por meio de medicação.

● A incapacidade do cérebro de ignorar estímulos sensoriais novos pode


levar o autista a dar a aparência de sofrer de distúrbio do déficit de
atenção.

● Devido às suas dificuldades para gerar empatia intuitivamente e devido


às dificuldades ao nível de teoria da mente, alguém com autismo gera
empatia olhando para dentro de si e procurando experiências pessoais
em que ele esteve numa situação semelhante à da pessoa que ele está
tentando entender. Isso permite-lhe saber o que, mais ou menos, a outra
pessoa estará a sentir. Por causa desse processo interno, o autista tem
tendência a falar muito sobre si mesmo, em vez de focar a atenção na
outra pessoa. Isso pode levar ao diagnóstico equivocado de Distúrbio
Narcisístico de Personalidade.

É claro que essas doenças podem, e por vezes surgem, junto com o autismo,
pois o autista não é imune a eles.
No entanto, quando um desses diagnósticos surge, antes de partir para a
medicação, é importante verificar se o problema não está na rotina do
autista. Como assim?

Uma rotina que impeça o autista de usar as estratégias adequadas para


satisfazer suas necessidades especiais pode dar origem a sintomas que
parecem ser de alguma doença, quando na verdade não o são. É apenas o
autismo.

Por exemplo, se na sua rotina diária o autista está sempre na companhia de


outras pessoas, isso vai aumentar muito a necessidade que ele tem de fazer
stimming, a frequência e a intensidade dos seus meltdowns e a necessidade de
ele se fechar e isolar, dedicando-se a suas obsessões noite a dentro.

Então o que se está passando?

Será que está correcto diagnosticar e medicar o autista como se ele tivesse
bipolaridade ou borderline? Não. O autista simplesmente necessita de ajustar
sua rotina um pouco, para ter mais espaço para recuperar sua energia mental
após cada interação social.

Da mesma maneira, se os pais estão proibindo o filho autista de fazer


stimming e a situação só continua piorando, faz sentido partir logo para um
diagnóstico de hiperatividade ou distúrbio do déficit de atenção e acabar
medicando a criança? Certamente que não.

No entanto, terapias que ajudem o autista a atender à raíz dos seus problemas
são sempre úteis. Essas incluem terapias que lhe ensinem estratégias para
lidar com pensamentos aflitivos — como a terapia cognitiva, ou exercícios
que aumentem sua inteligência emocional — como os apresentados no
capítulo 4.
Capítulo 11
Um Novo Vocabulário
Neste livro usamos palavras e expressões com as quais o leitor talvez não
estivesse familiarizado. E se elas se tornassem comuns? Em casa, na sala de
aula, entre os amigos da família e os vizinhos?

Antes o professor diria aos pais:

1. O seu filho tem muitas dificuldades em entender o que lhe ensinamos.

2. O seu filho tem muitas dificuldades em expressar empatia.

3. O seu filho está muito agitado, não sabemos mais o que fazer.

4. Ele tem muitas explosões de raiva.

5. Ele sempre está perdido em seu mundo.

Mas com o novo vocabulário ele passaria a dizer:

1. Nós temos tido necessidade de modificar o nosso modo de ensinar.


Agora incluímos muitos exemplos em linguagem concreta e notamos
que o aproveitamento escolar e o interesse de seu filho nas aulas subiu
muito.

2. Temos usado esses mesmos métodos de ensino para o ensinar sobre


emoções, inteligência emocional e estratégias simples que ele pode
implementar para comunicar melhor com os outros. Temos notado
melhoras significativas.

3. Notámos que seu filho estava fazendo mais stimming que o normal. Por
isso nos juntamos convosco para avaliar a rotina diária do vosso filho e
tentar perceber se poderíamos encontrar alguns pontos onde as coisas
pudessem ser reorganizadas para levar mais em conta as necessidades
especiais dele.

4. Hoje seu filho teve vários meltdowns. Por isso recomendamos que ele
fique em casa o resto da tarde para ter tempo de se acalmar e recuperar
energia. Amanhã veja como ele está e se já está preparado para voltar a
escola.

5. Aprendemos a fazer muitas perguntas sobre os interesses especiais


dele. É verdade que ele se alonga um pouco em suas explicações, mas
notamos como ele fica engajado connosco. Ele nos trata como se
fossemos irmãos da mesma idade. É muito gratificante vê-lo tão
interessado em se comunicar com os outros.

Antes o pai ou a mãe pensariam:

1. Porque meu filho não pára de se mexer? Será que lhe devo dar
calmantes? Será que o devo tentar impedir e o disciplinar por ele fazer
isso?

2. Não sei mais o que fazer! Os ataques estão se tornando cada vez mais
frequentes e incontroláveis, tenho medo que meu filho acabe passando
a vida internado em algum hospital psiquiátrico.

3. Parece que meu filho não se importa com meus sentimentos. Ele nem
sabe que eu existo.

4. Mas será possível que ele esteja sempre cansado? Porque ele não ajuda
mais na lida da casa?

5. Mas porque ele sempre faz uma cena quando vamos ao supermercado?

Mas com o novo vocabulário eles passariam a pensar:

1. Ele continua fazendo stimming. Primeiro tenho de fazer algum trabalho


de detetive e tentar perceber quais os estímulos sensoriais que podem
lhe estar causando estresse. Depois preciso reavaliar sua rotina diária e
verificar se posso reduzir o tempo total de interação que ele está tendo
com as pessoas a fim de ele ter mais tempo para recuperar sua energia
mental. Finalmente, preciso tentar descobrir se há alguma coisa que o
esteja preocupando ou se o seu stimming é um sintoma de dor ou de
outro desconforto.

2. Meu filho continua tendo meltdowns e não sei mais o que fazer. Preciso
procurar ajuda médica de um profissional de saúde que esteja bem
familiarizado com o autismo para que meu filho não acabe
indevidamente medicado ou institucionalizado num local onde suas
sensibilidade sensoriais dificilmente seriam levadas em conta.

3. Preciso entender que tópicos realmente fascinam meu filho e me


envolver neles. Preciso educá-lo sobre inteligência emocional usando
suas obsessões como base para lhe dar exemplos. Preciso me lembrar
de usar o máximo de linguagem direta e concreta.

4. Meu filho anda muito cansado. Isso é sinal que seu corpo está ativando
frequentemente a resposta ao estresse. Preciso analisar de perto sua
rotina diária para ver que coisas estão despoletando esse estresse extra.
Até lá vou deixar que nossa casa seja seu refúgio e cuidar que não
hajam coisas que ativem suas sensibilidades sensoriais.

5. O supermercado é um local com muitas pessoas desconhecidas e


imensos estímulos sensoriais. Eu não quero que meu filho acabe
ficando sempre fechado em casa, mas também não quero que ele
permaneça nos supermercados até que eles esgotem toda a sua energia
mental. Vou tentar ser mais equilibrado e reduzir o tempo total que
passo com ele no supermercado. Vou usar o stimming dele como um
meio de avaliar quando está na hora de ir para casa. Dessa forma ele
não ganhará aversão aos supermercados e pode ser que com o tempo
ele dessensibilize um pouco e passe a aguentar mais tempo seguido no
supermercado.

Além disso, a própria forma como o autista comunica — se ele possuir essa
capacidade — com os pais, com os professores e com os empregadores pode
mudar.

Antes ele simplesmente se isolaria, faria stimming e teria meltdowns, mas


com o tempo ele pode começar a usar o novo vocabulário para ajudar outros
a entendê-lo melhor. Em vez dos outros terem de tentar perceber como estão
os seus níveis de energia mental, o seu nível de estresse e quão perto ele está
de um meltdown, poderá ser o próprio autista a providenciar essas
informações.

Esta nova forma de pensar muda todo o paradigma do autismo.

Não mais olhamos para o diagnóstico mas sim para os sintomas e para as
necessidades especiais que esses sintomas evidenciam. Depois, usam-se
estratégias adequadas para satisfazer essas mesmas necessidade. Assim todos
saem ganhando.
Capítulo 12

Porque Podemos Ter Esperança de


Melhoras?
A depressão é por vezes chamada de “a doença dos poderosos”. Isto porque a
maioria das pessoas teria desistido perante o desgaste emocional, mas a
pessoa poderosa continuou a aguentar as coisas até que o seu sistema
emocional não aguentou mais.

No caso do Asperger, uma autora mencionou que a razão pelas quais os


portadores — especialmente as mulheres — são pessoas compassivas e
meigas é porque ao longo da sua vida passaram por quantidades imensuráveis
de sofrimento emocional junto com diagnósticos incorrectos, rótulos,
bullying, medicações incorrectas e incompreensão daqueles à sua volta.

Por causa disso, autistas sabem o que é sofrer e fazem o máximo para evitar
dizer ou fazer algo que cause sofrimento a outros. Infelizmente, têm de lidar
com dificuldades grandes a nível do autodomínio, meltdowns e muito estresse
emocional — o que só dificulta as coisas.

É fácil imaginar porque alguém com autismo facilmente desenvolve


problemas de autoestima e amor próprio

No entanto, o poder que lhe permite levantar cada dia apesar de todas essas
crescentes dificuldades continua lá. Latente.

Devido a todo esse poder interior podemos esperar que, com ajuda dos pais e
dos educadores, pequenos ajustes chave nas rotinas de um autista causem
alterações significativas na sua qualidade de vida.

Um dos livros de Tony Attwood, aclamado pesquisador no campo do


Asperger, tem a citação de um portador de Asperger que disse:

« Nós não temos pele, pele emocional, é por isso que nos escondemos. »

Isto significa que se o autista está muito entusiasmado com um projecto,


embora consiga passar um dia inteiro acordado a trabalhar nele, pode bastar
alguém fazer um comentário muito negativo para ele abandonar o projecto. E
porquê? Porque ele não consegue lidar com a tristeza e o desapontamento e
conciliar essas emoções negativas com o seu entusiasmo. Além disso, com
certeza ele ficaria irritado com a pessoa que, da perspectiva dele, lhe roubou
o entusiasmo.

Autistas, em especial os que têm síndrome de Asperger, colocam seu senso


de identidade nas coisas que fazem. Isso significa que quando criticam o seu
trabalho o autista se sente como se o estivessem criticando a ele.

Conforme certo autista se expressou:

« Isso dói mesmo muito e só passa depois de irmos para casa e analisarmos
tudo o que aconteceu, às vezes durante dias a fio. »

Em compensação, autistas são muito sensíveis a elogios. Qualquer coisa


basta para os deixar “nas nuvens”.

Cada autista é diferente na forma como lida com a realidade, na forma como
escolhe fazer stimming e na maneira como escolhe expressar o seu puzzle
eternamente inacabado com o mundo. Mas acredito que todos têm em
comum as necessidades especiais que aqui descrevi. Necessidades que são
comuns a todos os seres humanos, mas que necessitam de estratégias
específicas para serem satisfeitas e preenchidas devido à neurologia única do
autistas.

Estatisticamente, caso um membro da família seja portador de autismo, é


provável que os membros mais imediatos também o tenham, ou pelo menos
que possuam alguns dos traços, devido ao fator genético.

Muitos adultos só descobrem que são portadores de formas mais moderadas


de autismo, como Asperger, quando um dos seus filhos é diagnosticado.

Curiosamente, dada a personalidade bastante específica de um autista, é


provável que os seus amigos mais íntimos — as pessoas favoritas com quem
ele não sente quase nenhum desgaste — também sejam portadores ou, pelo
menos, tenham muitos dos traços do autismo.

Na Internet, na informação disponível nos sites em português, dá-se muito


ênfase à descrição do autismo quando este não está sobre controle, e pouco se
fala sobre a capacidade do autista de ultrapassar as dificuldades que o
autismo lhe causa.

Essa informação está disponível em diversos livros em língua inglesa, nos


livros escritos pelos pesquisadores e cientistas que exploram este assunto.
Especialmente nos livros de autoria de pessoas no espectro autista, como o
caso da supracitada Temple Grandin. Por sua vez, a informação que está
escrita e em livre acesso na Internet pode chegar a ser deprimente. Porquê?
Porque lemos sobre os desabafos de bloggers e youtubers que vivem com o
autismo sem terem noção das estratégias que deveriam estar usando para lidar
com suas necessidades especiais e sem terem pessoas como você,
interessadas em se educar sobre como devem lidar com alguém com autismo.

No entanto, essa mesma informação é positiva no sentido que nos ajuda a


entender o que é viver com autismo quando não se tem acesso ao apoio
correto. Isso nos deve motivar a reconhecer o valor desta informação e a
necessidade de a partilhar com outros autistas e com os seus familiares e
educadores.

Afinal, se alguém tem autismo moderado e nunca descobre isso, o que será de
sua vida?

Podemos imaginar como ele desenvolverá uma rotina diária e acabará


tomando decisões que não levam em consideração suas necessidades
especiais.

Decisões que o farão passar por situações com as quais ele não conseguirá
lidar, como ter um emprego que sempre fica estimulando suas sensibilidades
sensoriais ou estar casado com alguém que não tem noção de suas
necessidades especiais. Como o autista poderá educar essa pessoa se ele
mesmo não sabe o que se está passando com ele?

Em jeito de conclusão note estas palavras elucidadoras:

« Saber que tenho Asperger fez com que eu me perdoasse por muitas coisas
que aconteceram no meu passado, me deu um grande entendimento sobre
quem eu sou, e me permitiu começar a mudar a minha forma de interagir com
o mundo para evitar os meltdowns e as outras coisas que o Asperger provoca.
»

O meu objectivo é que se use a informação contida neste livro como base
para entender melhor como viver com autismo e com um autista. Isso
permitirá que tanto o portador como a sua família e seus educadores ganhem
um maior controle sobre a vida e o futuro.

Para entender o que se consegue fazer quando o autismo está sobre controle,
poderá observar-se a biografia de algumas das pessoas que se acredita que
tenham tido autismo moderado.

Essas pessoas incluem nomes conhecidos como:

● Mozart
● Nikola Tesla
● Thomas Jefferson
● Albert Einstein
● Ludwig Wittgenstein

Será que todos eles seriam diagnosticados com autismo se tivessem feito os
testes necessários? Não sabemos, pois esses testes não existiam no seu tempo.
Mas uma coisa é certa, o que ficou registrado sobre sua vida revela
características que hoje associamos ao autismo e nos mostra a capacidade
intelectual e artística latente no mesmo cérebro que talvez tenha muita
dificuldade em lidar com alterações de rotina, ruídos altos ou em expressar
empatia.
Existe esperança?
Alguns, talvez com demasiado orgulho pessoal, afirmam que as pessoas com
Asperger são responsáveis pelo avanço intelectual no mundo. Calcula-se que
os já citados Albert Einstein, Mozart e Ludwig Wittgenstein tivessem
Asperger devido ao que ficou registrado sobre eles.

Ter Asperger significa, em alguns casos, ter um intelecto com aptidões


especiais, incluindo a capacidade de absorver informação suficiente sobre um
tópico a ponto de adquirir conhecimento de nível universitário no espaço de
meses ou de aprender uma língua com facilidade e a capacidade de detectar
padrões e ligações onde mais ninguém os consegue ver.

No caso de autismo clássico, casos como o de Temple Grandin e Raun K.


Kaufman demonstram que mesmo autistas profundos podem recuperar a
ponto de levar uma vida satisfatória e bem sucedida.

Por isso: Sim, existe esperança. O autismo é considerada uma doença do


desenvolvimento. As descobertas ao nível da plasticidade neural explicam
porque razão muitos autistas com certeza conseguirão aprender a lidar com as
suas dificuldades de um modo que lhes permita ter controlo sobre os seus
impulsos, conhecimento sobre as suas emoções e capacidade de interagir
socialmente.

Assim como alguém que não tem aptidão para a musculação pode
desenvolver força muscular, também alguém que não possui a maquinaria
cerebral necessária para interações sociais poderá desenvolver capacidade de
interpretar informação social. Com o tempo, com a repetição e com a
introdução de novas experiências a pessoa autista possuirá uma base de
exemplos concretos suficientemente grande à qual poderá recorrer para saber
como lidar com experiências sociais inteiramente novas.

No entanto, tal como uma pessoa geneticamente predisposta para ser magra
dificilmente ganhará tanto músculo quanto o seu colega de treino
geneticamente predisposto para ganhar músculo, também a pessoa com
autismo poderá nunca desenvolver o mesmo nível de aptidão social que
alguém cujo cérebro já nasceu com toda a maquinaria necessária. Mas isso é
muito diferente do conceito generalizado, presente nos filmes e nos mídia, de
que ter autismo é o fim da linha e de que não existe nada a fazer.

Além de que, como dizem os ingleses “normal is boring” (o normal é


aborrecido).

Sem autistas será que teríamos todas as invenções de Nikola Tesla? Ou os


avanços científicos idealizados por Albert Einstein ou computadores e
Internet — pois se calcula que muitos dos atuais gênios da informática
tenham formas moderadas de autismo.

Termino por convidar o leitor a dar uma olhada aprofundada no apêndice que
se segue. Ele descreve alguns suplementos que podem ser tomados por
alguém com autismo, após cuidadosa consideração da relação
custo/benefício.
Apêndice
Quatro suplementos que demonstraram
aliviar os sintomas de autismo em estudos
científicos publicados
Embora estas indicações não substituam a necessidade de uma consulta com
um médico especializado, elas nos mostram que sempre existe algo que pode
ser feito para ajudar alguém com autismo, mesmo quando todos à nossa volta
pensam o contrário.

Em cada caso são feitas referências aos estudos clínicos específicos. Isso
permitirá que os dê a conhecer a seu médico e a outras pessoas.
Vitamina D3
Conforme observamos, embora existam muitas teorias sobre as causas do
autismo, ninguém sabe ao certo qual a causa, ou conjunto de causas,
definitiva. No entanto, em tempos recentes, os cientistas descobriram algo
extraordinário: a relação entre a vitamina D e o autismo.

O primeiro ponto é que se você tem autismo, a suplementação com vitamina


D tem um bom potencial de melhorar seus sintomas.[5] Especialmente quando
se ultrapassa a marca das 40 ng/mL nos níveis de 25(OH)D3, ou
Colecalciferol.[6] Além disso, parece que quanto mais cedo se inicia a
suplementação maior o benefício.[7]

Mais ainda, pesquisas recentes demonstram que os níveis de vitamina D da


mulher durante o período de gravidez têm uma relação direta com as
chances do seu bebê vir a nascer, ou não, com um cérebro autista.[8][9][10]

Além disso, existem evidências de uma relação entre a carência de vitamina


D e o desenvolvimento de alexitimia — o nome dado à incapacidade de
identificar e descrever as emoções que estão sendo sentidas — uma das
características do autismo.[11]

Portanto, se você, ou alguém que você conhece, está grávida ou planeja


engravidar é fundamental que conheça seus níveis de vitamina D, assim
como os benefícios da suplementação com vitamina D. Claro, sempre sobre a
devida supervisão médica em virtude da fragilidade do feto em
desenvolvimento.

Atualmente o autismo, de forma leve ou profunda, afeta 1 em cada 68


pessoas. Os rapazes são 4 vezes mais afetados do que as meninas.[12]

Daí que em meu livro sobre suplementação segura com altas doses de
vitamina D se tenha levantado esta questão: “Como seriam essas estatísticas
se todas as mães suplementassem com doses adequadas de vitamina D
durante a gravidez?”
A análise adequada para verificar os níveis de vitamina D é a que verifica os
níveis de Colecalciferol ou 25 (OH) D3. Outros nomes para esta análise
incluem “Calcifediol”, “Calcidiol”, “25 (OH) D” e “25-
hidroxicolecalciferol.”

Os valores de referência segundo a Sociedade Brasileira de Patologia


Clínica e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia são os
seguintes:

● Acima de 20 ng/mL é o valor desejável.


● Entre 30 e 60 ng/mL é o valor “recomendado para grupos de risco como
idosos, gestantes, lactantes, pacientes com raquitismo/osteomalácia,
osteoporose, pacientes com história de quedas e fraturas, causas
secundárias de osteoporose (doenças e medicações),
hiperparatireoidismo, doenças inflamatórias, doenças autoimunes,
doença renal crônica e síndromes de má absorção (clínicas ou pós-
cirúrgicas).”
● Acima de 100 ng/mL acarreta o risco de toxicidade e hipercalcemia.[13]

Em todo o caso, a ingestão diária máxima (IDR) de vitamina D considerada


segura para adultos é de 10,000 unidades internacionais (UI).[14][15] Esta
dosagem é bem mais alta do que a IDR recomendada pela ANVISA de 200
UI.[16]

Pessoas com dificuldades ao nível da metabolização da vitamina D


necessitam de doses bem mais elevadas a fim de obter um efeito terapêutico
adequado. Diversos procedimentos precisam ser seguidos para garantir que
dosagens altas assim não causem problemas sérios.

Esses procedimentos são analisados em detalhe em meu livro sobre vitamina


D e vitamina K2 e incluem análises aos níveis de cálcio no sangue e na urina
de 24 horas e aos níveis de hormona paratiroideia (PTH), restrições
alimentares e a ingestão dos co-fatores da vitamina D, como a vitamina K2, o
magnésio e a vitamina B2 e o consumo de quantidades elevadas de líquidos,
na ordem dos 2,5 litros por dia.
A administração de qualquer suplemento durante a gravidez ou a uma criança
deverá ser feito apenas após verificar junto de um médico qualificado que
isso pode ser feito em segurança.

Com isso em mente, em um dos estudos envolvendo mulheres que já tinham


pelo menos um filho com autismo, foram usadas as seguintes dosagens de
vitamina D:

● 5,000 UI diárias durante o período de gestação, sendo esta dose, na


maioria dos casos, iniciada apenas a partir do segundo trimestre.

● 7,000 UI diárias durante todo o período de amamentação da criança.


(Note que as 7,000 UI eram tomadas diariamente pela mãe, não pela
criança).

● Caso a criança parasse de beber o leite da mãe, ela (a criança) deveria


iniciar suplementação com 1,000 UI diárias até que completasse os 3
anos de idade.

Para exemplificar, se a criança mamasse até aos 12 meses, isso significaria


que ela começaria a tomar 1,000 UI de vitamina D desde essa altura e até
completar os 36 meses.

Após isso, os investigadores verificaram qual a percentagem de crianças que


acabaram por desenvolver autismo em comparação com o que seria de
esperar em virtude dessas mulheres já terem tido pelo menos uma criança
com autismo.

Qual foi o resultado?

Quando uma mulher que já teve um filho com autismo tem outro filho, existe
20% de chances desse novo filho vir a desenvolver autismo. No entanto,
apenas 5% das crianças envolvidas no estudo desenvolveram autismo. Ou
seja, das 19 crianças envolvidas, apenas 1 acabou por desenvolver autismo.[17]
Este foi um estudo de proporções pequenas, mas ele ilustra o potencial da
vitamina D quando administrada à mãe durante a gravidez e período de
amamentação e à criança após esse período de amamentação e até aos 36
meses.

Em outro estudo,[18] 106 crianças com autismo que apresentavam níveis


sanguíneos abaixo dos 30 ng/mL receberam uma dose diária de vitamina D
correspondente a 300 UI por cada quilograma de massa corporal, cuidando-se
de que a dose diária total não excedesse as 5,000 UI. 83 crianças
completaram os 3 meses de tratamento.

Qual foi o resultado?

67 das 83 crianças que receberam vitamina D revelaram melhora em seus


sintomas de autismo.

Porque haveria de haver uma relação entre a vitamina D e o autismo?

O Doutor John J. Cannel, do Vitamin D Council,[19] em um de seus trabalhos


publicados no jornal científico Medical Hypothesis[20] apresenta alguns
argumentos difíceis de ignorar:

● “O aparente aumento do autismo nos últimos 20 anos [entre 1987 e


2007, altura em que o Dr. Cannel publicou o seu trabalho] corresponde
ao aumento do aconselhamento médico para evitar o sol, conselhos
esses que provavelmente reduziram os níveis de vitamina D e que
iriam, em teoria, provocar uma grande redução nos níveis de vitamina
D ativada (calcitriol) nos cérebros em desenvolvimento.”

● “Dados de estudos em animais mostraram repetidamente que a


deficiência severa de vitamina D durante a gestação desregula dezenas
de proteínas envolvidas no desenvolvimento do cérebro e leva a
filhotes de ratos com cérebros maiores e com ventrículos aumentados,
anormalidades similares àquelas encontradas em crianças autistas.”

● “As crianças com Síndrome de Williams, que podem ter níveis de


calcitriol [vitamina D ativada] muito elevados no início da infância,
geralmente têm fenótipos [ou características] que são o oposto do
autismo.”

● “Crianças com raquitismo causado por uma deficiência de vitamina D


têm várias características associadas ao autismo que aparentemente
desaparecem com o tratamento com altas doses de vitamina D.”

● “O estrogênio e a testosterona têm efeitos muito diferentes sobre o


metabolismo do calcitriol, diferenças essas que podem explicar as
discrepâncias entre o número de homens que têm autismo, em
comparação com o número de mulheres.”

● “O calcitriol [a vitamina D ativada] regula a produção de citocinas


inflamatórias no cérebro, reduzindo-a. Citocinas essas que estão
associadas ao autismo.”

● “O consumo de peixe contendo vitamina D durante a gravidez reduz os


sintomas de autismo nos filhos subsequentes.”

● “O autismo é mais comum em áreas de penetração de UVB [radiação


ultravioleta B, a radiação solar envolvida no metabolismo da vitamina
D] reduzida, tais como as latitudes próximas dos pólos, as áreas
urbanas, as áreas com muita poluição atmosférica e as áreas de alta
precipitação [isto porque o tempo nublado e chuvoso bloqueia a
radiação UVB].”

● “O autismo é mais comum em pessoas de pele escura e a deficiência


severa de vitamina D é excepcionalmente comum nas mães de pele
escura.”

Além disso, em um outro trabalho publicado no mesmo jornal, o Dr. Cannel


fala sobre como o Verão parece estar associado a uma redução nos sintomas
de autismo em algumas crianças, evidenciando-se uma potencial relação entre
a produção de vitamina D e os sintomas de autismo.[21]
Algo assim não seria de estranhar em virtude da íntima relação entre a
vitamina D e o desenvolvimento do cérebro e entre a vitamina D e diversos
outros processos como a ativação e a regulação da resposta ao estresse.[22]

Em todo o caso, a causa do autismo é ainda um tópico com muitas incertezas


e envolto em muito debate. O que um pai preocupado pode retirar daqui?
Várias coisas:

1. A suplementação da mãe com doses adequadas de vitamina D durante a


gravidez e amamentação pode apenas beneficiar a mãe e o bebê,
conquanto não exista nenhum problema de saúde específico que possa
colocar esses benefícios em causa, como hipercalcemia ou disfunção
renal grave preexistente. Dois problemas que as análises sanguíneas
acima referidas poderiam descartar.

2. A suplementação do bebê durante os primeiros anos de vida tem um


papel fundamental no desenvolvimento saudável da criança e do seu
respectivo cérebro. Mesmo que ela acabe por desenvolver autismo, é de
esperar que esse autismo seja mais moderado, pois o efeito da vitamina
D sobre o cérebro envolve o aumento da capacidade do corpo de
reparar o ADN, a redução dos processos inflamatórios, o aumento da
tolerância a convulsões, o aumento dos linfócitos T-reguladores
envolvidos na redução da resposta inflamatória, a proteção das
mitocôndrias — as responsáveis pela produção de energia celular — e a
redução do estresse oxidativo através da promoção da produção de
glutationa.

3. Níveis sanguíneos adequados de vitamina D são benéficos para


qualquer pessoa, independentemente da sua idade ou estado de saúde.

4. A necessidade de ter cuidado com a toma de medicações que afetem o


metabolismo da vitamina D durante a gravidez como antiácidos e a
cortisona e os seus derivados.
L-carnitina
Num estudo, 100 mg/kg/dia de carnitina foram dados a crianças com
autismo. Essa dose foi tomada todos os dias durante 6 meses. A conclusão
dos pesquisadores? “A terapia com l-carnitina (100 mg/kg massa
corporal/dia) administrada por um período de 6 meses causou uma melhora
significativa na severidade do autismo, mas estudos subsequentes são
necessários.”[23]

Como se calcula uma dose de 100 mg/kg?

Isso significa que a cada quilo de massa corporal corresponde uma dose
de 100 miligramas.

Por exemplo, uma criança de 20 quilos acabaria tomando 2 gramas de l-


carnitina por dia. Isto porque 20 kg x 100 mg = 2,000 mg.

Já para uma criança de 50 quilos a dose seria de 5 gramas diárias, visto que
50 kg x 100 mg = 5,000 mg.

Resultados semelhantes foram reportados até mesmo com doses mais baixas
de 50 mg/kg/dia por um período de 3 meses.[24]

Segundo alguns pesquisadores, um defeito nas mitocôndrias das células está


na origem da relação entre a carnitina e o autismo.[25] Uma deficiência em um
dos genes responsáveis por controlar funções envolvendo a carnitina e a
mitocôndria, o TMLHE,[26] tem sido apontada como a razão dessa relação.
Havendo até mesmo pelo menos um caso descrito na literatura médica em
que a suplementação com carnitina foi responsável pela recuperação de uma
criança de 4 anos que começava a exibir os sintomas de autismo.[27]

Quanto a efeitos secundários, a administração de carnitina está


desaconselhada nos casos de quem já teve convulsões. Além disso, ela pode
piorar os sintomas do hipotiroidismo — o nome dado à doença envolvendo
uma glândula tireóidea que está trabalhando demasiado pouco.[28]
N-acetilcisteína
A suplementação com N-acetilcisteína (NAC) demonstrou efeitos sobre,
especificamente, a irritabilidade resultante do autismo.

Isso significa que além do stimming e das estratégias de inteligência


emocional definidas no capítulo 4, a NAC pode ser mais uma ferramenta a
usar para auxiliar o autista a lidar com suas emoções.[29]

O estudo em questão teve a duração de 12 semanas.

Durante as primeiras 4 semanas a dose diária de NAC foi de 900 mg. Nas 4
semanas seguintes foi usada uma dose de 900 mg 2 vezes por dia, ou seja
1,800 mg diárias. Nas últimas 4 semanas a dose de NAC foi administrada 3
vezes por dia, ou seja 2,700 mg diárias.

Dose de NAC Dose total diária de


NAC
Semana 1 a 4 900 mg — 1 vez por 900 mg / dia
dia
Semana 5 a 8 900 mg — 2 vezes por 1,800 mg / dia
dia
Semana 9 a 900 mg — 3 vezes por 2,700 mg / dia
12 dia

Alguns dos efeitos secundários observados em alguns dos participantes do


estudo incluíram obstipação, diarreia, náuseas e vômitos, pelo que se deve
exercer cuidado com a administração desta substância. Sendo essa uma das
razões de não se iniciar logo com as dosagens mais elevadas.

A razão do uso da NAC tem que ver com uma hipótese que liga o estresse
oxidativo e anormalidades nas vias glutamatérgicas — ou seja, nos caminhos
percorridos pelo glutamato, um neurotransmissor — com o autismo. Sendo a
NAC um modulador glutamatérgico e um antioxidante, ela foi usada no
estudo.
Enzimas digestivas
Devido à ligação entre a saúde de nosso sistema digestivo e o bom
funcionamento do cérebro, vários investigadores tentaram verificar qual o
efeito que a suplementação com enzimas digestivas teria sobre os sintomas de
autismo.[30]

Durante o período de 3 meses de duração do estudo foram observadas


melhoras significativas na resposta emocional e no comportamento, além de
melhoras nos sintomas gastrointestinais.

As enzimas digestivas usadas no estudo foram apenas duas: a papaína e a


pepsina.

Cada dia, os participantes do estudo receberam 15 ml do líquido contendo as


enzimas. 5 ml antes de cada uma das três refeições principais.

Isso corresponde, de acordo com os dados fornecidos pelo estudo, a 80


miligramas de papaína e a 40 miligramas de pepsina por cada 5 ml.

Papaína Pepsina
Antes do café da manhã 80 mg 40 mg
Antes do almoço 80 mg 40 mg
Antes do jantar 80 mg 40 mg
Total diário: 240 mg 120 mg

Os efeitos secundários reportados foram ligeiros e incluíram alguns casos de


erupções cutâneas, comichão e dores abdominais.
Outros Livros e Projetos de Tiago
Henriques
A Vitamina D pode matar?
A ingestão diária de vitamina D recomendada pela ANVISA é de apenas
200 unidades internacionais.
Se lhe dissessem para tomar 50,000, 100,000 ou até 200,000, acha que
seria possível fazer isso em segurança?
Os médicos dizem que os níveis de vitamina D no sangue devem estar
entre os 20 e os 60 ng/mL. E se sua análise dissesse 2000, 3000 ou mais?
Entraria em pânico?
Bem-vindo à terapia com doses altas de vitamina D. Uma terapia que está
curando pessoas com doenças tão graves como a esclerose múltipla, a artrite
reumatóide, o lúpus, entre muitas outras doenças autoimunes com 95% de
sucesso.
Além disso estudos clínicos mostram que com a vitamina D, o risco de
enfarte do miocárdio baixa em 50% entre quem é submetido a uma
angiografia. O risco de câncer de cólon pode baixar em até 80% e o risco de
câncer da mama baixa em 83% — imagine! Milhões de homens e mulheres
ainda poderiam estar vivos se apenas tivessem sido informados sobre a
necessidade de tomar vitamina D com a devida antecedência. Apesar disso,
mais de 1 bilhão de pessoas têm um nível de Vitamina D insuficiente.
Imagine como as coisas seriam diferentes se você tivesse o conhecimento
necessário para tirar todos os benefícios da vitamina D, sem medos. Pessoas
como o Dr. Cícero Coimbra criaram protocolos que lhe permitem fazer
exatamente isso.
Neste livro exploramos em detalhe os protocolos do Dr. Coimbra e de
outros médicos como o Dr. Manuel Pinto Coelho e de investigadores
independentes como Jeff Bowles com suas experiências em seu próprio
corpo.
Você aprenderá tudo o que precisa saber, passo a passo, num guia prático
escrito com uma linguagem atual e fácil de entender. Através de muitas
ilustrações simples e diagramas fáceis de perceber você aprenderá sem
esforço tudo o que é vital dominar:
● Como funciona a vitamina D.
● Quais os perigos.
● Como evitar esses perigos.
● Que análises fazer.
● Como interpretar os resultados dessas análises.
● Que suplementos tomar.
● Como cada um desses suplementos se relaciona com a vitamina D.
Dessa forma, você não ficará paralisado por toda a informação pois
saberá exatamente o porquê de cada recomendação. E isso faz toda a
diferença. Mais ainda, cada declaração vital vem acompanhada de referências
a estudos clínicos recentes e de fontes cientificamente acreditadas. Nada fica
por explicar.
Ao ver como tudo encaixa de modo lógico, você estará pronto para
partilhar esta informação salvadora de vidas com outros, incluíndo seu
médico.
Você obterá respostas claras, cientificamente validadas, a cada uma das
perguntas-chave:
● Como é que eu posso saber qual a dose ideal de vitamina D para
meu corpo?
● Como tomar essas doses em segurança?
● Como posso ter certeza de que funciona mesmo?
● Qual a relação entre a Vitamina D e a Vitamina K2?
● Quantos tipos de Vitamina K2 existem e qual devo tomar?
Todas estas questões são finalmente respondidas de modo simples e
direto em um único livro em língua portuguesa. Um livro desenhado para o
ajudar a entender tudo o que você precisa saber logo a partir do primeiro
dia.
Este guia prático tem mais de 300 referências bibliográficas,
informação detalhada sobre como interpretar o resultado de suas análises e
muitas explanações simples e diretas sobre depressão, autismo, câncer,
osteoporose, diabetes, doenças autoimunes, fibromialgia e dor crônica, entre
muitos outros problemas de saúde.
Desvende finalmente os mistérios da vitamina D e da vitamina K2 e
colha os benefícios da terapia com altas doses ao mesmo tempo que evita os
perigos.

Pode adquirir o livro através da Amazon:

Amazon Brasil: https://www.amazon.com.br/dp/B07BNVCTZN

Amazon.com: https://www.amazon.com/dp/B07BNVCTZN
E se aplicassemos principios científicos sólidos à
escrita de um currículo?
Qual destas pessoas você chamaria para uma
entrevista?
Deixe que eu lhe apresente Joel. Joel tem 19 anos e muito pouca experiência
de trabalho. Em seu currículo, na seção sobre Experiência Profissional, ele
tem apenas esta entrada:

Experiência Profissional:
● Operador de Caixa, Wallmart, Setembro de 2015 até ao presente
Meu trabalho envolve registar os produtos que os clientes compram.

Notou o que Joel fez?

Ele fez o que a maioria das pessoas faz na hora de preparar seu currículo. Ele
escreveu seus detalhes de modo claro e sucinto. Ao mesmo tempo, ele se
pergunta porque não está recebendo aquele convite para uma entrevista.

Agora dê uma olhada no currículo do colega de Joel, João:

Experiência Profissional:
● Operador de Caixa, Wallmart, Setembro de 2015 até ao presente
 Meu trabalho envolve registar milhares de produtos diariamente.
 Presto atendimento a mais de 100 pessoas cada dia.
 Procuro sorrir ao cumprimentar cada cliente e reagir com
empatia quando alguém demonstra uma atitude agressiva.

Viu a diferença? João aplicou os conselhos deste livro.

Qual deles você chamaria para uma entrevista? João, sem dúvida.

Será que um recrutador pensaria da mesma forma?


Considere o seguinte: Um recrutador precisa analisar centenas de currículos.
A maioria é igual ao de Joel. Está bem redigido, mas parece uma cópia de
todos os outros.

Agora, imagine só quando o recrutador pegar no currículo de João.

Porque João se destaca?

Não é o caso que lidar com muitas pessoas ou registar produtos seja algo
impressionante em si mesmo. O ponto é que o currículo de João pinta uma
imagem em nossa mente, conseguimos imaginar o que é ser o João e
enxergar o ser humano real que ele é, trabalhando atrás de sua caixa e sendo
bem sucedido em suas muitas interações diárias com cada cliente.

Mais ainda, sem ter de o dizer, João nos revela que é alguém atento ao
detalhe, interessado nos outros e capacitado para lidar com pessoas difíceis.

Quem não gostaria de entrevistar João?

Seja como ele. Aprenda a criar o currículo que agarra a atenção do


recrutador.

Como?

Aprendendo os 7 segredos do currículo e carta de apresentação que ganham a


vaga.

Neste livro você aprenderá:


● A técnica que os melhores romancistas usam para dar vida aos seus
personagens e fazê-los saltar da página.
● O que é o copywrite e como os copywriters têm usado suas técnicas de
marketing para vender todo o tipo de coisa a todo o tipo de pessoa ― e
você aprenderá como usar essas mesmas técnicas poderosas para fazer
com que o recrutador anseie comprar uma entrevista consigo.
● Como o trabalho do Nobel da Economia Daniel Kahemann o ajuda a
evitar que o erro comum que faz com que o recrutador sinta repulsa do
currículo que está lendo.
● A neurociência por trás de cada conselho e técnica. Dessa forma você
saberá como adaptar cada conselho ao seu próprio caso.

Preparado? Vamos a isso. Mas não fica por aqui...

Este livro lhe dará também:

● Mais de 50 perguntas essenciais que lhe permitirão obter conteúdo de


qualidade para seu currículo.
● Um guia passo a passo que lhe permite começar sem nada e terminar
com um currículo e carta de apresentação superiores e prontos para
serem enviados ― tudo isso em menos de 24 horas.
● Tudo o que precisa saber sobre formatação.
● 5 exemplos concretos de currículos com comentários explicativos e 5
cartas de apresentação correspondentes, para que você possa ver com
seus próprios olhos como são os currículos e cartas de apresentação que
conseguem as vagas.

Sendo assim, você vai querer ser como quem?

Joel ou João?

Pode adquirir o livro através da Amazon:

● Amazon Brasil: https://www.amazon.com.br/dp/B07BV5M127

● Amazon.com: https://www.amazon.com/dp/B07BV5M127
Você Sabia?

Este livro foi publicado de modo independente. Isso significa que não há
nenhuma editora por de trás. Isso tem suas vantagens mas uma desvantagem
fundamental é que não existe nenhuma campanha de marketing nacional
promovendo este livro.

Como você pode ajudar?

Se você gostou do que leu, que acha de deixar uma crítica no sítio da
Amazon Brasil? Sua crítica ajudará outras pessoas a entender os benefícios
que podem colher da informação contida neste livro.

Pode o encontrar através deste link:


https://www.amazon.com.br/dp/B07C6M74LS

Por outro lado, se existe alguma informação com a qual você não
concorda ou se precisa de informação adicional, sinta-se à vontade para me
contatar através do seguinte email:

● TiagoHenriques@academiaciencia.com

Para terminar, convido você a tirar um tempinho para checar meu canal
no youtube. Esse canal se chama Ciência Desenhada e nele poderá encontrar
vídeos instrutivos no estilo de animação de quadro branco. O moto do canal é
“Ciência complicada explicada de modo simples.” Se você gostou do estilo
de escrita e das explicações ponteadas de analogias usadas ao longo deste
livro tenho a certeza que gostará do canal.

Alguns de meus vídeos favoritos são:


Como Parar um Ataque de Pânico Rapidamente?
Um vídeo explorando a relação entre o oxigênio e adrenalina e os passos
que precisam ser tomados a fim de ganhar rapidamente controlo sobre os
ataques de pânico. Ele está disponível neste link:

https://www.youtube.com/watch?v=npx4rvhkTro
A Cafeína é Perigosa? Como Funciona?
Nesse vídeo aprendemos sobre a bioquímica da cafeína e descobrimos
um método simples para avaliar se a quantidade de cafeína que alguém está
bebendo está sendo prejudicial ou não. Ele está disponível neste link:

https://www.youtube.com/watch?v=RK_oZdKwE6I
Antidepressivos Impedem a Paixão? Como?
Aqui descobrimos como as pessoas se apaixonam, incluindo o papel
fundamental da serotonina e a relação entre o processo de paixão e os
inibidores seletivos da recaptação da serotonina — os infames ISRS —
usados no tratamento da depressão. Poderá vê-lo aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=PVu96Q4emjM
Ciência Complicada Explicada de Modo Simples
Meu canal do youtube é também meu meio de preferência para dar a
conhecer novos lançamentos de livros e de outros projetos da Academia
Ciência. Espero que goste de meu sotaque europeu. Vejo você por lá!

https://www.youtube.com/channel/UCPPI9W_DVjS2LK_kJPlVwWA
Referências e Bibliografia
Aston MC. Aspergers in Love, Couple Relationships and Family Affairs.
Jessica Kingsley Publishers; 2003.

Attwood T. The Complete Guide to Asperger's Syndrome. Jessica Kingsley


Publishers; 2008.

Burns DD. When Panic Attacks, The New, Drug-Free Anxiety Therapy That
Can Change Your Life. Harmony Books; 2007.

Ekman P. Emotions Revealed, Second Edition, Recognizing Faces and


Feelings to Improve Communication and Emotional Life. Macmillan; 2007.

Goleman D. Emotional Intelligence. Bantam; 2005.

Grandin T. The Way I See it, A Personal Look at Autism & Asperger's.
Future Horizons; 2011.

Grandin T, Panek R. The Autistic Brain, Helping Different Kinds of Minds


Succeed. 2014.

Grandin T, Attwood T. Different . Not Less, Inspiring Stories of


Achievement and Successful Employment from Adults With Autism,
Asperger's, and ADHD. Future Horizons; 2012.

Grandin T, Barron S. Unwritten Rules of Social Relationships. 2017

Henriques T. Vitamina D e Vitamina K2, Desvendando o Mistério: Altas


Doses Em Segurança, Benefícios Extraordinários — O Protocolo Coimbra e
Outros Segredos da Terapia com Vitamina D e Vitamina K2. Amazon Digital
Services LLC. 2018

Kahneman D. Thinking, Fast and Slow. Macmillan; 2011.


Kaufman RK. Autism Breakthrough, The Groundbreaking Method That Has
Helped Families All Over the World. St. Martin's Griffin; 2015.

Kaufman BN. Son-rise, The Miracle Continues. H J Kramer; 1994.

Rosenberg MB. Comunicação Não-Violenta, Técnicas para aprimorar


relacionamentos pessoais e profissionais. Editora Ágora; 2006.

Simone R. Aspergirls, Empowering Females with Asperger Syndrome.


Jessica Kingsley Publishers; 2010.

Simone R. 22 Things a Woman with Asperger's Syndrome Wants Her Partner


to Know. Jessica Kingsley Publishers; 2012.

Simone R. 22 Things a Woman Must Know If She Loves a Man with


Asperger's Syndrome. Jessica Kingsley Publishers; 2009

Simone R, Grandin T. Asperger's on the Job, Must-have Advice for People


with Asperger's Or High Functioning Autism, and Their Employers,
Educators, and Advocates. Future Horizons; 2010.

Stanford A. Troubleshooting Relationships on the Autism Spectrum, A User's


Guide to Resolving Relationship Problems. Jessica Kingsley Publishers;
2013.

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Uma ilustração popularizada por Temple Grandin


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Artigo: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmedhealth/PMHT0024869/
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Segundo o trabalho do psicólogo Abraham Maslow.


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Jia F, Wang B, Shan L, Xu Z, Staal WG, Du L. Core symptoms of autism improved after
vitamin D supplementation. Pediatrics. 2015;135(1):e196-8.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25511123
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Saad K, Abdel-rahman AA, Elserogy YM, et al. Vitamin D status in autism spectrum disorders
and the efficacy of vitamin D supplementation in autistic children. Nutr Neurosci. 2016;19(8):346-351.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25876214
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Feng J, Shan L, Du L, et al. Clinical improvement following vitamin D3 supplementation in


Autism Spectrum Disorder. Nutr Neurosci. 2016; https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26783092
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Cannell JJ. Vitamin D and autism, what's new?. Rev Endocr Metab Disord. 2017;18(2):183-
193. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28217829
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Cannell JJ, Grant WB. What is the role of vitamin D in autism?. Dermatoendocrinol.
2013;5(1):199-204. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24494055
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Zhongguo Dang Dai Er Ke Za Zhi. 2013;15(8):698-702.
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Altbäcker A, Plózer E, Darnai G, et al. Alexithymia is associated with low level of vitamin D in
young healthy adults. Nutr Neurosci. 2014;17(6):284-8.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24593042
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Artigo: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmedhealth/PMHT0024869/
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Artigo: http://www.sbpc.org.br/noticias-e-comunicacao/novos-intervalos-de-referencia-de-
vitamina-d/
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Hathcock JN, Shao A, Vieth R, Heaney R. Risk assessment for vitamin D. Am J Clin Nutr.
2007;85(1):6-18. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17209171
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Artigo: https://www.vitamindcouncil.org/about-vitamin-d/am-i-getting-too-much-vitamin-d/
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Documento: http://portal.anvisa.gov/documents/33916/389979/Rotulagem Nutricional


Obrigatória Manual de Orientação às Indústrias de Alimentos/ae72b30a-07af-42e2-8b76-10ff96b64ca4,
página 34.
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Stubbs G, Henley K, Green J. Autism: Will vitamin D supplementation during pregnancy and
early childhood reduce the recurrence rate of autism in newborn siblings?. Med Hypotheses.
2016;88:74-8. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26880644
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Saad K, Abdel-rahman AA, Elserogy YM, et al. Vitamin D status in autism spectrum disorders
and the efficacy of vitamin D supplementation in autistic children. Nutr Neurosci. 2016;19(8):346-351.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25876214
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Ligação: www.vitamindcouncil.org
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Cannell JJ. Autism and vitamin D. Med Hypotheses. 2008;70(4):750-9.


https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17920208
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Cannell JJ. Autism, will vitamin D treat core symptoms?. Med Hypotheses. 2013;81(2):195-8.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23725905
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Spedding S. Vitamin D and Depression: A Systematic Review and Meta-Analysis Comparing


Studies with and without Biological Flaws. Nutrients. 2014;6(4):1501-1518. doi:10.3390/nu6041501.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4011048/
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Artigo: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1750946712000827
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Geier DA, Kern JK, Davis G, et al. A prospective double-blind, randomized clinical trial of
levocarnitine to treat autism spectrum disorders. Med Sci Monit. 2011;17(6):PI15-23.
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Artigo: http://www.genecards.org/cgi-bin/carddisp.pl?gene=TMLHE
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with TMLHE deficiency following carnitine supplementation. Am J Med Genet A.
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Artigo: https://www.webmd.com/vitamins-supplements/ingredientmono-1026-l-carnitine.aspx?
activeingredientid=1026&activeingredientname=l-carnitine
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Hardan AY, Fung LK, Libove RA, et al. A randomized controlled pilot trial of oral N-
acetylcysteine in children with autism. Biol Psychiatry. 2012;71(11):956-61.
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Saad K, Eltayeb AA, Mohamad IL, et al. A Randomized, Placebo-controlled Trial of Digestive
Enzymes in Children with Autism Spectrum Disorders. Clinical Psychopharmacology and
Neuroscience. 2015;13(2):188-193. doi:10.9758/cpn.2015.13.2.188.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26243847

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