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© 2020, Vasco Rato e Alêtheia Editores • Todos os direitos de publicação em Portugal reservados por: Vasco Rato e ALÊTHEIA EDITORES • Zona Industrial da Ponte Seca, 2510-752
Gaeiras – Óbidos • Tel.: (+351) 21 093 97 48/49 • E-mail: aletheia@aletheia.pt • www.aletheia.pt • Capa: Sylvie Lopes • Imagem de capa: Zachary Keimig – Unspalsh • Paginação: Sylvie
Lopes • ISBN: 978-989-8906-80-9 • outubro de 2020

Ó
LISTA DE ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

AIIB – Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura
APEC – Cooperação Económica Ásia-Pací co
ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático
CMC – Comissão Militar Central
Comintern – Internacional Comunista, Terceira Internacional
ELP – Exército de Libertação Popular
EUA – Estados Unidos da América
GMD – Guomingdang, Partido Nacionalista Chinês
CPEC – Corredor Económico China-Paquistão
IFR – Iniciativa Faixa e Rota (BRI- Belt and Road Initiative)
MIC2025 – Made in China 2025
MFN – Nação Mais Favorecida
NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte
OMC – Organização Mundial de Comércio
ONU – Organização das Nações Unidas
PCC – Partido Comunista Chinês
PCUS – Partido Comunista da União Soviética
PLD – Partido Liberal Democrata
PNTR – Relações Comerciais Normais Permanentes
RPC – República Popular da China
RCEP – Parceria Económica Global Abrangente 
THAAD – Terminal de Defesa Aérea de Alta Altitude
TTP – Parceria Trans-Pací ca
 
INTRODUÇÃO
 
“I’ve read hundreds of books about China
over the decades.
I know the Chinese. I’ve made a lot of money with the Chinese. I
understand the Chinese mind”.
(Donald Trump, The Art of the Deal )

 
Num discurso radiofónico transmitido pela BBC a 1 de outubro de 1939,
Winston Churchill caracterizou a Rússia como “uma charada envolta em
mistério, dentro de um enigma. Mas talvez haja uma chave. Essa chave é o
interesse nacional russo”. Um dos primeiros políticos ocidentais a sublinhar os
perigos do poderio soviético, Churchill constatava que o comportamento de
Moscovo em busca do seu interesse nacional obedecia a uma lógica que nem
sempre era convenientemente decifrada no Ocidente. Todavia, a história do país
e a ideologia que movia a cúpula dirigente estruturavam os interesses nacionais
prosseguidos pelo estado soviético. Nos nossos dias, a República Popular da
China, tal como a União Soviética de outrora, também parece constituir um
enigma para algumas democracias ocidentais.
Não será excessivo a rmar que a política internacional atravessa um período
de mutação vertiginosa que nos encaminha para um novíssimo ordenamento
global. Centrada no Indo-Pací co, a nova carta estratégica que se vislumbra
num horizonte relativamente próximo substituirá o mundo organizado em
torno do Atlântico erguido na sequência das viagens de descoberta que levaram
Vasco da Gama às geogra as asiáticas. Dir-se-á, portanto, que a época de
domínio ocidental terminou. Não signi ca isto que a Europa e os Estados
Unidos passarão a ser potências periféricas, meros espetadores do desenrolar dos
grandes acontecimentos. Mas as novas instituições, regras e fatores de
legitimação internacional que emergirão em conformidade com a nova
distribuição de poder deixarão de assentar, como até agora, na ordem liberal
euroamericana criada a partir de 1945.
Também não será excessivo a rmar que 2020 foi, para as autoridades
comunistas chinesas, um annus horribilis  que marca um ponto de viragem no
modo como a República Popular da China se relaciona com o resto do mundo e
na forma como o país é percecionado internacionalmente. Vários
acontecimentos produziram uma tempestade perfeita que, na prática, nos
obrigam a olhar para a China a partir de outro prisma. Desfez-se a convicção de
que o país poderá emergir paci camente como grande potência sem pôr em
causa os alicerces fundamentais da ordem liberal vigente. Ruiu a ideia de que a
inserção da República Popular numa economia globalizada encaminhará o país
no sentido do pluralismo e da democratização.
Prevalecentes ao longo das décadas que se seguiram ao desmoronamento da
União Soviética e ao m da Guerra Fria, tais fantasias deram lugar às realidades
impostas pela agudização da con itualidade entre as grandes potências. Nas
primeiras semanas do surto Covid, generalizou-se a ideia de que nada seria
como dantes, que, perante o cataclismo, jamais regressaríamos à normalidade
dos tempos que precederam Wuhan. Tais a rmações eram hiperbólicas porque,
a bem dizer, a crise apenas evidenciou fenómenos políticos que há anos se
manifestam, acelerando-os e tornando-os mais transparentes. Este mundo de
incessante competição geoestratégica não é uma originalidade dos nossos
tempos, pois a lógica e as dinâmicas que acompanham a rivalidade entre as
grandes potências moldam o comportamento dos estadistas desde que Tucídides
se debruçou sobre a “ascensão de Atenas e o pavor que instilou em Esparta”.
Verdadeiramente excecional foi a ordem liberal construída e preservada sob a
hegemonia americana, uma ordem que agora se apaga com o regresso das
dinâmicas que há séculos pautam a política internacional.
À medida que a pandemia alastra pelo mundo nos primeiros meses de 2020,
Beijing oculta informações cruciais relativas ao vírus e manipula os dados
entregues à Organização Mundial de Saúde (OMS). Indiferentes às
consequências provocadas no resto do mundo, as autoridades chinesas geram o
surto de acordo com critérios políticos e lançam uma campanha de
desinformação que, entre outras torpezas, alega que o vírus teria tido origem
em Itália ou nos Estados Unidos1. Mas o escândalo internacional irrompe
aquando da morte de Li Wenliang, o médico do Hospital Central de Wuhan,
recorre à internet para alertar o grande público para o perigo antes de sucumbir
ao vírus em fevereiro de 2020.
A corrida para descobrir o mapa genético do coronavírus começara semanas
antes da morte de Li Wenliang. Em nais de dezembro de 2019, os médicos de
Wuhan detetam pacientes cujos sintomas não reagem aos tratamentos
usualmente ministrados em casos de gripe. A OMS será alertada para os casos
misteriosos a 31 de dezembro e, a 1 de janeiro de 2020, solicita informações
adicionais2. Dois dias depois, a China admite a existência de 44 casos de
contágio, mas não relata nenhuma fatalidade. Ao longo de janeiro de 2020, a
OMS elogia o governo chinês por ter “imediatamente” partilhado o mapa
genético do vírus, acrescentando que o compromisso de Beijing com a
transparência era “muito impressionante”3. A realidade era, porém, outra4.
Vários laboratórios, tanto comerciais como governamentais, possuíam a
sequência genética completa do vírus nos primeiros dias de janeiro, mas esses
dados só seriam divulgados no dia 11 do mesmo mês, um atraso que di culta a
identi cação de novos casos noutras regiões do globo. Durante mais de uma
semana, Beijing recusa partilhar o genoma do vírus com a OMS5. Entre o dia
em que o genoma completo fora decodi cado por um laboratório
governamental, a 2 de janeiro, e o dia em que a OMS declara a emergência
global, a 30 de janeiro, o surto ganha dimensão mundial. A 14 de janeiro, as
autoridades de saúde chinesas caracterizam o novo surto como “o desa o mais
grave desde a SARS em 2003” e, secretamente, ordenam a preparação do país
para uma pandemia6. Não obstante esta declaração da emergência pública, as
autoridades insistem que a probabilidade de transmissão entre humanos era
reduzida e Xi Jinping apenas avisa o público do perigo a 20 de janeiro. Embora
o Direto Internacional obrigue os países a relatar informações à OMS que
possam ter impacto na saúde pública, a China demora, no mínimo, duas
semanas a fornecer à organização os dados detalhados sobre pacientes e casos.
Gauden Galea, o principal funcionário da OMS na China, testemunhava esta
situação ao a rmar que “estamos atualmente num ponto em que nos entregam
informação 15 minutos antes de ser transmitida na CCTV”, a televisão estatal
chinesa7.
Em 2020, os cidadãos ocidentais também descobrem os perigos associados à
utilização das tecnologias de ponta chinesas. A controvérsia em volta da
infraestrutura 5G comercializada pela Huawei, tal como a ilegalização do
TikTok e do WeChat na América, são as faces mais visíveis de uma competição
em volta da liderança cientí ca e tecnológica que invariavelmente ressuscita
memórias dos anos Sputnik. A imagem ocidental da China como “fábrica do
mundo”, país importador de tecnologia avançada e incapaz de inovar, deu lugar
à realidade de uma China em vias de consolidar a sua liderança em áreas
tecnológicas cruciais para a nova economia, tais como a inteligência arti cial
(IA), a robótica e os automóveis autónomos. Subitamente, a liderança
económica dos países ocidentais era posta em causa pelos saltos tecnológicos que
ninguém parecia ter antecipado.
As tensões em volta da inovação cientí ca e tecnológica eram inseparáveis dos
receios quanto à relação comercial entre a China e o Ocidente, em geral, e os
Estados Unidos, em particular. Popularizou-se a expressão “guerra comercial” e
levantou-se o espetro do regresso às políticas protecionistas da década de 1930.
Se a discussão dos últimos anos se fez em torno de de cits comerciais, da
concorrência desleal, dos obstáculos no acesso ao mercado chinês e do uso
indevido da propriedade intelectual, hoje a polémica gira em volta da
reindustrialização do Ocidente e, por conseguinte, do desmantelamento das
cadeias de fornecimento que geram tremendas vulnerabilidades. A crise do
coronavírus expôs, de forma nítida, estas vulnerabilidades, particularmente no
sector dos equipamentos médicos e dos fármacos. A m de colmatar estas e
outras vulnerabilidades, os Estados Unidos, o Japão, a Índia e a Coreia do Sul,
nos meses mais recentes, anunciaram a intenção de promover políticas de
repatriamento das suas empresas a operar na China e, assim, de desmontar as
cadeias de fornecimento construídas ao longo de décadas de globalização. Não
surpreende, pois, que Xi Jinping venha assumir a bandeira da globalização e do
“comércio livre”, conceitos crescentemente sinónimos do status quo comercial
que manifestamente bene cia a estratégia comercial da República Popular.
Neste quadro de competição geoeconómica, restam poucas dúvidas de que o
decoupling das economias americana e chinesa se encontra em franca e irreversível
aceleração.
É tentador concluir que estes assuntos espelham as obsessões de Donald
Trump e, por conseguinte, tudo voltará à “normalidade” quando este abandonar
a Casa Branca. Parece, aliás, que é justamente esta perspetiva que a União
Europeia adotou nos tempos mais recentes8. A verdade, porém, é que Trump é
uma consequência – e não a causa – das mudanças veri cadas na última década.
Independentemente do destino pessoal e político do presidente americano, é
hoje patente que a rivalidade sino-americana se prolongará no tempo. Este
endurecimento relativamente à China é, aliás, anterior à Administração Trump,
pois iniciou-se com o “pivot” para a Ásia de Barack Obama. Por outras palavras,
a rivalidade passou a ser um elemento estrutural da política mundial e, assim,
qualquer presidente americano traçará uma política externa mais
confrontacional face à China do que aquela que foi seguida nas décadas mais
recentes.
Neste quadro de polarização sino-americana, algo mudou na Europa. A
opinião pública passou a ser mais hostil relativamente à China e, cada vez mais,
os dirigentes europeus assumem posições de choque com Beijing, como cou
claro aquando da visita a Taiwan, em nais de agosto de 2020, de Milos
Vystrcil, presidente do Senado da República Checa9. De igual modo, a recente
cimeira bilateral UE-China, de setembro 2020, saldou-se por um
aprofundamento das clivagens quanto aos valores, às liberdades em Hong
Kong, às práticas comerciais e ao papel da República Popular na ordem
internacional10. O agudizar da situação fez-se também sentir em Lisboa. A
título exempli cativo, o embaixador dos Estados Unidos em Portugal, George
Glass, em entrevista ao Expresso de 26 de setembro de 2020, tornava claro que
se aproxima a hora de Portugal “escolher” entre os “aliados e os chineses”,
acrescentando que “não se pode ter os dois”11.
Parte da razão pela qual os públicos ocidentais começam a alterar as suas
perceções da China deve-se à natureza autocrática do regime, que, se dúvidas
restassem, se torna cristalina durante a crise do coronavírus. Se é verdade que,
numa primeira fase, o con namento chinês suscitou alguma admiração nas
sociedades ocidentais, é igualmente verdade que rapidamente se percebeu que a
“e cácia” do regime assentava na repressão generalizada que se tem vindo a
acentuar na “era Xi” e que se expressou através da adoção de uma nova lei de
segurança nacional para Hong Kong, que efetivamente pôs m ao princípio de
“um país, dois sistemas” e liquidou as liberdades no território.
Ao mesmo tempo, a vigilância social chinesa alargou-se para a esfera mais
íntima do ser humano: a fé religiosa12. O assalto à fé evidencia-se na ilegalização
do Falun Gong, na investida contra os muçulmanos de Xinjiang, e na crescente
perseguição dos cristãos e dos budistas do Tibete. Publicado em 2017, um
relatório da Freedom House alertava para o incremento da repressão religiosa
depois de Xi Jinping ter assumido a liderança do Partido Comunista Chinês
(PCC), em novembro de 201213. O relatório concluía que pelo menos 100
milhões de pessoas pertenciam a grupos religiosos que enfrentavam níveis
“altos” ou “muito altos” de perseguição. Em abril de 2016, Xi sancionava a
nova dureza do regime ao a rmar que “devemos, de forma resoluta, resguardar-
nos contra in ltrações do exterior por meios religiosos”14. Desde então, a
situação continuou a deteriorar-se, particularmente depois do início da
campanha anti-religião lançada na Primavera de 2018, que se saldou pelo
encarceramento de centenas de milhares de muçulmanos de Xinjiang em
“campos de reeducação”, um eufemismo bem conhecido de outras épocas e
geogra as.
A Santa Sé, por sua vez, capitula perante as autoridades de Beijing a 22 de
setembro de 2018, quando as duas partes assinam um acordo de dois anos
referente à nomeação dos bispos chineses. Segundo os termos do acordo, o
governo chinês indicará os bispos a serem nomeados pelo Papa, embora este
possa exercer o seu direito de veto. A Santa Sé argumenta que se tratou de um
acordo imposto pela realidade que visava garantir a sobrevivência da Igreja na
China. Para que a Igreja sobreviva, o Vaticano colocou na mão de Beijing o
poder para governamentalizar e silenciar os éis ativos na Igreja clandestina.
Em 23 de Setembro de 2018, um dia depois da assinatura do acordo, a Igreja
Católica na China promete permanecer leal ao Partido Comunista Chinês.
Ficava claro que Bergoglio não era Karol Józef Wojtyła15.
*
Bibliotecas inteiras transbordam de livros, revistas e jornais que se propõem
dissecar as múltiplas dimensões da história, política, sociedade e cultura
chinesas. Mesmo assim, e não obstante a variedade e a inquestionável riqueza do
conhecimento atualmente disponibilizado, abunda a produção académica,
como, aliás, atestam as várias monogra as recentemente editadas que visam
lançar nova luz sobre inúmeros e díspares acontecimentos, entre os quais se
destacam as Guerras do Ópio, o controverso papel desempenhado por Yuan
Shikai durante a fase inicial do republicanismo, o impacto global do maoismo e
as implicações da recém-inaugurada “era Xi Jinping”16. Quer-nos parecer que
parte do interesse demonstrado por estes assuntos resulta do ressurgimento da
República Popular da China (RPC) como grande potência e do papel que,
previsivelmente, virá a desempenhar na cena mundial ao longo das próximas
décadas17. Eis o tema deste livro.
Dir-se-á que a experiência histórica de Zhōngguó (China) continua, de forma
decisiva, a assombrar a política internacional contemporânea18. Nem sempre
adequadamente interiorizadas no Ocidente, as lições da história chinesa
referentes ao lugar apropriado do país na comunidade de estados iluminam as
escolhas e os comportamentos políticos contemporâneos, razão pela qual o
Partido Comunista Chinês (PCC) sanciona, hoje, o estudo e a divulgação da
história “como uma forma de integrar o passado com um pensamento político
enraizado no presente”19. A panóplia de preocupações, reivindicações,
ressentimentos e ambições expressas pela elite comunista chinesa, fora, de forma
mais transparente ou mais dissimulada, profundamente moldada pelas
narrativas sobre o notável papel desempenhado pelo país ao longo de séculos20.
Presos a um entendimento que vê fenómenos e forças históricas impessoais
como motores da mudança, resquícios de um “marxismo vulgar” inerente à
alegada “cienti cidade” do materialismo histórico, o PCC concebe a sua razão
de ser como o instrumento incumbido de cumprir o destino chinês; isto é, de
restituir a grandeza nacional bruscamente interrompida pelo “século da
humilhação nacional”.
Se é verdade que os comportamentos políticos chineses permanecerão
amplamente incompreensíveis se não forem examinados pelo prisma do
conhecimento histórico, é igualmente verdade que tais análises arriscam ser
exercícios teleológicos, pois os acontecimentos tendem a ser vistos como pré-
determinados. De qualquer forma, a célebre observação de George Santayana de
que “os que não se conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”
continua a ser um conselho judicioso para analistas e políticos a braços com as
complexidades do dia21. Infelizmente, e apesar destas sábias palavras, em muitos
meios ocidentais o conhecimento histórico parece ter deixado de ser considerado
como uma ferramenta analítica útil. À medida que os países do Ocidente se
trans guram em comunidades ahistóricas, efetivamente divorciadas do passado,
os públicos democráticos deixam de compreender as motivações e ambições da
China, do Irão, da Rússia e de outras potências cujo comportamento continua
enraizado nas tragédias políticas que a história acaba sempre por impor.
Somos quotidianamente expostos a uma in ndável cacofonia de notícias (reais
e fake), de factos, de opiniões, de comentários, a que se acrescentam os posts e
tweets do cidadão anónimo ativo nas múltiplas redes sociais. Num mundo
digitalizado de acesso fácil à informação, desfazem-se os tradicionais ltros que
nos permitiam dar sentido aos acontecimentos, a distinguir o acessório do
essencial, a super cialidade da espuma dos dias do evento genuinamente
histórico. A comunicação social tradicional, que durante décadas assumiu essa
ltragem, mergulhou em crise profunda porque, em parte, sucumbiu ao
facilitismo da correção política, ao sensacionalismo, ao click bait e, em muitos
casos, à politização. Este agelo é evidenciado pelos caminhos seguidos por
jornais de referência como o The New York Times e o The Washington Post,
convertidos em veículos de cruzadas ideológicas e culturais. Não será este o
lugar indicado para se fazer uma re exão sobre o papel dos media nas sociedades
ocidentais. Basta constatar que, ano após ano, os índices de descon ança quanto
à veracidade da comunicação social não deixam de aumentar. E, ano após ano,
assiste-se à degradação da linguagem política, à tribalização ideológica e à
erosão da civilidade e da convivência democráticas.
Talvez mais preocupante, a universidade também se confronta com o
esvaziamento da sua autoridade assente na ciência, na investigação e no saber
especializado. No campo das Relações Internacionais, particularmente no
mundo anglo-americano, afastou-se o conhecimento histórico da re exão sobre
a política mundial, substituído por abstrações conceptuais divorciadas dos
acontecimentos dos nossos dias. Ao privilegiar a “inovação” teórica/conceptual
desenraizada da contingência histórica, o estudo académico da política
internacional tornou-se largamente irrelevante para o grande público e para os
decisores políticos. Tornou-se especialmente inútil para entender as ações de
estados que, abstraídos dos seus respetivos contextos histórico-culturais,
passaram a ser simplesmente incompreensíveis. Hoje, na oferta de unidades de
crédito das grandes universidades americanas, cadeiras de história militar
desapareceram do currículo. Cadeiras de “Introdução à Civilização Ocidental”
que, por muitos defeitos que lhes possamos apontar, permitiam a transmissão
de um conhecimento mínimo sobre a tradição ocidental, desapareceram porque,
segundo os críticos, propagandeavam a história de “homens brancos”, racistas e
genocidas.
A crise da universidade e da comunicação social tradicional abriu caminho ao
desnorte, frequentemente expresso pela opinião pública em termos de
a rmações do tipo “já não compreendo nada do que se passa no mundo”. Ou,
noutra versão do mesmo fenómeno, a política entre estados passou a ser
apresentada como uma contenda entre o líder X do país Y e o líder A do país B,
como se o con ito entre estados se reduzisse a uma luta entre o bem e o mal.
Particularmente visível na informação televisiva, os acontecimentos passam a
ser “culpa” do “ignorante” Trump, do “sanguinário” Putin, do “incon ável” Xi
ou do “insano” Erdoğan. De forma semelhante, as complexidades do Médio
Oriente reduzem-se a um confronto entre os “carrascos” israelitas e as “vítimas”
palestinianas, encarnações contemporâneas de David e Golias. De forte pendor
idealista e moralizante, tais narrativas nada explicam e nada podem explicar a
não ser as preferências de quem as constrói.
Concomitantemente, fez escola a ideia de que “os outros são como nós”, que
outros estados, outras nações, são, essencialmente, motivados pelas mesmas
preocupações, ambições e aspirações dominantes nas sociedades ocidentais
prósperas, laicizadas e pós-históricas. E também se generalizou a falta de
empatia para com os outros; empatia, neste sentido da palavra, não signi ca
concordar, desculpar ou a recusa em julgar. Muito menos se pode confundir
com o hiper-relativismo cultural pós-moderno que tudo aceita. Empatia
signi ca, muito simplesmente, uma capacidade de nos colocarmos no lugar do
outro de forma a melhor entender as suas intenções, motivações e ações.
Empatia permite construir um olhar mais desapaixonado e uma opinião
fundamentada. Por exemplo, entender a União Soviética jamais foi sinónimo de
apoiar ou desculpabilizar Moscovo. Todavia, para se compreender a União
Soviética, era, primeiro, necessário apreender a lógica do pensamento marxista-
leninista, o contexto histórico-cultural da Rússia e as particularidades de
personagens como Lenine, Estaline e Gorbachev. Permeada pela arrogância
cultural de uma certa intelectualidade ocidental, esta ilusão de que os outros são
como nós dispensa conhecimento especí co. E explica a nossa incapacidade de
de nir uma resposta adequada ao surgimento da República Popular da China.
A ideologia que orienta o Partido Comunista Chinês é uma preocupação
central deste livro. Depois do colapso da União Soviética e do comunismo
europeu, generalizou-se a ideia de que o marxismo-leninismo deixara de ser
relevante para se compreender os regimes que continuavam a subscrever essa
visão do mundo. Se a ideologia aparentava ter ainda algum signi cado na
Coreia do Norte ou em Cuba, era menos claro que restasse algum vestígio de
ideologia entre a casta que conduzia os destinos da República Popular da China.
Parecia, mas nunca assim foi. Apesar das mutações, que, aliás, começam a ser
introduzidas por Mao Zedong nos anos 1930, a ideologia desempenha um papel
central na legitimação do regime e proporciona o prisma através do qual os
dirigentes chineses continuam a interpretar o mundo. Dito de forma mais
simples, compreender a China exige que compreendamos a ideologia subscrita
pelo PCC. O regresso à ideologia é um dos elementos característicos da “era Xi
Jinping”. Por isso mesmo, este livro debruça-se, com algum detalhe, sobre a
ideologia, as mudanças que o PCC introduziu no marxismo-leninismo e a forma
como o comunismo continua a interpretar o mundo visto de Beijing.
Dir-se-á que a ascensão da China marca o ponto de viragem do século XX.
Desde que, em 1978, Deng Xiaoping iniciou a célebre “reforma e abertura” ao
mundo, essa longa marcha do país rumo à modernidade gerou resultados
fenomenais. Todavia, apesar dos tremendos ganhos obtidos na era pós-Mao, não
deixa de ser precipitado concluir que o país tenha garantido para si um futuro
de prosperidade sustentável e poderio internacional. Dito de forma diferente, o
surgimento da China como grande potência mundial, por muito provável que
seja, não está assegurado. As clivagens duradouras que atravessam a sociedade
chinesa, e que no passado provocaram numerosos con itos internos,
permanecem submersa numa superfície de acalmia. Aos imprudentes, a história
recorda que os “cisnes negros” fazem intrusões periódicas e indesejáveis e que a
vida política frequentemente se faz por rutura22. Nada disto demove os crentes
no progresso, nos futuros radiosos e nos admiráveis mundos novos, mesmo
quando recordamos que depois das conquistas civilizacionais de Roma se seguiu
e as trevas dos bárbaros. Lembremo-nos, pois, da advertência de Robert Burns
quanto à futilidade dos “melhores planos dos homens” para que rejeitemos
determinismos políticos23.
Ao longo da sua história milenar, a China foi um império civilizacional de
fronteiras surpreendentemente uidas, particularmente nas margens norte e
oeste24. Embora a identidade chinesa seja fundamentalmente fruto da pertença
“civilizacional” e não do exclusivismo étnico, os Han, o maior das dezenas de
grupos étnicos que constituem a nação chinesa, representam aproximadamente
92% da população. São, para todos os efeitos, coincidentes com a nação chinesa.
Todavia, salienta-se que a população não-Han atesta a natureza imperial da
China histórica, de um império centrado na preservação da ordem, organizado
de forma a impedir a instabilidade desencadeada pelo caos social e pela
desagregação do poder político.
A relevância desta observação reside em dois pontos distintos. Primeiro, não é
rigoroso generalizar a partir das políticas recentes prosseguidas por Beijing que
visam destruir a identidade cultural dos tibetanos e dos uigures, inclusivamente
pela colonização interna inerente à migração em massa dos Han para estas
regiões. Houve períodos em que a diferença, a tolerância e a natureza
multicultural da China era respeitada. A política de “hanização” levada a cabo
por Xi Jinping no Tibete e em Xinjiang não é, por isso, uma inevitabilidade
nem o espelho da “essência” da civilização chinesa. Segundo, a preocupação com
a preservação da ordem política não é um exclusivo da sociedade chinesa.
Outras sociedades também enfatizam a ordem política. Dito isto, não será
excessivo sugerir que a China tem sido a mais consistente a fazê-lo, mesmo que
nem sempre tenha sido a mais bem-sucedida. Eis uma das especi cidades que
explana por que motivo o estado chinês contemporâneo é concebido em moldes
atípicos no Ocidente. Esta diferença manifesta-se com maior nitidez nos
Estados Unidos (EUA), onde o estado é visto como potencialmente tirânico e
onde se faz um esforço hercúleo para impedir que o leviatã possa obstar à busca
da liberdade individual.
Em contraste com a tradição ocidental, as recorrentes experiências chinesas
com a desordem e as devastadoras consequências individuais e coletivas
desencadeadas apontam para a importância de um estado forte e centralizado.
No passado recente, o colapso da dinastia Qing iniciou um período repleto de
desordem, de desagregação territorial, de tirania, de domínio dos senhores da
guerra, de guerra civil, de intervenção estrangeira e de ocupação japonesa. As
instituições republicanas pós-1912 e os procedimentos semidemocráticos da
época fracassaram perante as ambições de Yuan Shikai, tornando-se obstáculos à
harmonia social e à preservação da integridade do território nacional. Mais
recentemente, a Grande Revolução Cultural Proletária gerou uma década de
arbitrariedade e violência desenfreada que recon rmou os perigos inerentes ao
colapso da autoridade do estado25. A ênfase dada por Mao à revolução
permanente e à ação das massas populares imunizou as elites comunistas contra
processos políticos gerados de baixo para cima, tornando a política num assunto
a ser tratado exclusivamente pelas elites do PCC.
Receios similares ressurgiram em 1989, quando os protestos estudantis de
Tiananmen alastraram a outros setores da sociedade, incluindo à classe operária
em cujo nome se construíam “os amanhãs que cantam”. Tendo recentemente
superado o caos da Revolução Cultural, e temendo que os eventos ocorridos na
União Soviética e na Europa do “socialismo real” viessem a contaminar a
República Popular da China, a casta comunista concluía que a sua estratégia de
sobrevivência teria de assentar na repressão do novel, embrionário movimento
popular26. As décadas seguintes testemunharam uma “normalização” do regime
e inauguraram a “ascensão pací ca” que, mais recentemente, deu lugar ao
“Sonho Chinês” de Xi Jinping de “tornar a China novamente grande”. Tudo
indica que Beijing superou o “século da humilhação nacional” e se prepara
agora para desempenhar um papel preponderante na formação de uma nova
ordem internacional pós-liberal. Numa era pós-moderna desorientada e
desprovida de âncoras rmes, as nações modernas, à semelhança do trágico
Gatsby, são “barcos contra a corrente, incessantemente puxados de volta ao
passado”. Eis, aliás, a ilação que Xi Jinping retira da longuíssima experiência
histórica chinesa.
Este livro encontra a sua justi cação no contributo que procura dar para uma
discussão pública que se pretende pragmática e desapaixonada. Destina-se ao
cidadão interessado por assuntos de política internacional e que procura decifrar
o papel reservado à China no mundo contemporâneo. Independentemente do
juízo que possamos fazer quanto à bondade (ou não) desse novo papel, é da
maior importância debater, de forma descomplexada, uma realidade que
acarretará consequências duradouras para o futuro dos portugueses. Esse debate,
ainda na sua infância, deve ser feito sem cairmos nas generalidades e mitologias
que, não raras vezes, enviesam a discussão pública.
Este livro não é uma história da China, pois existem muitas e de qualidade.
Trata-se de um trabalho interpretativo sobre a ascensão da República Popular
como grande potência e as consequências daí decorrentes. Analiticamente, o
ensaio enquadra-se, genericamente, na tradição do pensamento “realista” das
Relações Internacionais. Nas páginas que se seguem, são abordados alguns
acontecimentos da política interna da RPC; outros são referidos de forma mais
condensada e na medida do estritamente necessário para enquadrar a ascensão
do país. O leitor que procura desenvolver conhecimentos mais especí cos sobre
as questões aqui levantadas deve consultar as notas de referência, onde
encontrará sugestões de leitura adicional. Há, também, temas de grande
interesse e atualidade que o ensaio omite porque nada acrescentam ao propósito
fulcral do livro. Por exemplo, uma discussão sobre as relações da União
Europeia com a República Popular, que certamente farão correr muita tinta nos
próximos meses e anos, não é central para entender a ascensão da China. Em
contrapartida, e por razões que parecem óbvias, a política externa dos Estados
Unidos relativamente à China merece destaque. Similarmente, salienta-se a
natureza complexa da rivalidade sino-americana na Ásia e, em particular, no
Mar do Sul da China, a zona mais perigosa do globo.
 
*
Um livro nunca é um trabalho individual. Gostaria, pois, de agradecer à Zita
Seabra, e à equipa da Alêtheia, por ter apostado na publicação deste trabalho.
Uma versão preliminar foi apresentando no Instituto de Defesa Nacional, a cuja
diretora, Helena Carreiras, agradeço. O Sérgio Vieira da Silva e o Jorge Gabriel
deram sugestões que melhoraram o texto nal. Estou-lhes grato.
 
*
A minha maior dívida é para com as pessoas que me são mais próximas.
Sabem quem são. Roubei-lhes muito tempo e, ainda assim, estiveram lá,
sempre.

1. Ver, por exemplo, Ralph Peters, “China Lies, China Kills, China Wins”, Strategika, Issue 63, Hoover
Institution, 23 de abril de 2020, acessível em: https://www.hoover.org/research/china-lies-china-kills-
china-wins. Sobre a posição o cial chinesa, ver, “Reality Check of US Allegations Against China on
Covid-19”, Xinhua, 10 de maio de 2020, disponível em: http://www.xinhuanet.com/english/2020-
05/10/c_139044103.htm.
2 . Ver, World Health Organization, “Novel Coronavirus (2019-nCoV), Situation Report 1, 21 de janeiro
de 2020, acessível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200121-
sitrep-1-2019-ncov.pdf.
3 . As a rmações do Diretor-Geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, podem ser encontradas em, “Press
brie ng on WHO Mission to China and novel coronavirus outbreak, 29 de janeiro de 2020, consultado
em: https://www.who.int/dg/speeches/detail/press-brie ng-on-who-mission-to-china-and-novel-
coronavirus-outbreak.
4. Ver, “China delayed releasing coronavirus info, frustrating WHO”, Associated Press, 3 de junho de
2020, consultado em: https://apnews.com/article/3c061794970661042b18d5aeaaed9fae.
5 . Cf., Shawn Yuan, “Inside the Early Days of China’s Coronavirus Coverup”, Wired, 1 de março de
2020, disponível em: https://www.wired.com/story/inside-the-early-days-of-chinas-coronavirus-coverup/.
6 . Ver, “China didn’t warn public of likely pandemic for 6 key days”, Associated Press, 15 de abril de
2020, disponível em: https://apnews.com/article/68a9e1b91de4ffc166acd6012d82c2f9.
7 . Ver, “China atrasou partilha de mapa genético do vírus com a OMS”, Diário de Notícias, 2 de junho de
2020, acessível em: https://www.dnoticias.pt/2020/6/2/49184-china-atrasou-partilha-de-mapa-genetico-
do-virus-com-a-oms.
8 . Para uma discussão, ver, Kiliç Bugra Kanat, “Transatlantic Relations in the Age of Donald Trump”,
Insight Turkey, Vol. 20, No. 3, Verão de 2018, pp. 77-88 e Jeremy Shapiro e Dina Pardijs, “The
Transatlantic Meaning of Donald Trump: A US-EU Power Audit”, European Council on Foreign
Relations, setembro de 2017, disponível em https://www.ecfr.eu/page/-/US_EU_POWER_AUDIT.pdf.
9 . Cf., Joyce Huang, “China, Czech Republic at Odds After Czech Of cials Visit Taiwan”, VOA News, 5
de setembro de 2020, disponível em https://www.voanews.com/east-asia-paci c/china-czech-republic-
odds-after-czech-of cials-visit-taiwan.
10 . Ver a nota à imprensa do Conselho Europeu na cimeira de Junho de 2020, “EU-China Summit:
Defending EU interests and values in a complex and vital partnership – Press release by President Michel
and President von der Leyen”, Conselho Europeu, 22 de junho de 2020, acessível em:
https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2020/06/22/eu-china-summit-defending-eu-
interests-and-values-in-a-complex-and-vital-partnership/. Para as conclusões da “follow-up”, realizada a
14 de setembro de 2020, ver, “EU-China leaders’ meeting via video conference, 14 September 2020”,
Conselho Europeu, 14 de setembro de 2020, disponível em:
https://www.consilium.europa.eu/en/meetings/international-summit/2020/09/14/.
11 . Cf., Vítor Matos, “Portugal tem de escolher agora entre os aliados e os chineses”, Expresso, 26 de
setembro de 2020, p. 14. No mesmo dia, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros,
responde às declarações de George Glass. Ver, “Santos Silva responde a embaixador dos EUA: “Quem toma
as decisões é Portugal”, Público, 26 de setembro de 2020, disponível em:
https://www.publico.pt/2020/09/26/politica/noticia/santos-silva-responde-embaixador-eua-toma-decisoes-
portugal-1932962.
12 . Sobre a perseguição religiosa na China contemporânea, ver, inter alia, Gina Goh, “Religious
Suppression in China: The legal underpinning and practical implications of China’s systematic repression
of religion”, International Christian Concern, julho de 2020, disponível em:
https://www.persecution.org/wp-content/uploads/2020/07/071720_icc_china_report.pdf e United States
Department of States, Of ce of International Religious Freedom, “2019 Report on International
Religious Freedom: China (Includes Tibet, Xinjiang, Hong Kong, and Macau)”, 10 de junho 2020,
consultado em: https://www.state.gov/wp-content/uploads/2020/06/CHINA-INCLUDES-TIBET-
XINJIANG-HONG-KONG-AND-MACAU-2019-INTERNATIONAL-RELIGIOUS-FREEDOM-
REPORT.pdf. Ver, também, Ian Johnson. The Souls of China: The Return of Religion After Mao.
Londres: Allen Lane, 2017.
13 . Cf., Sarah Cook, “The Battle for China’s Spirit: Religious Revival, Repression, and Resistance under
Xi JInping”, Freedom House Special Report, fevereiro de 2017, disponível em:
https://freedomhouse.org/sites/default/ les/2020-02/FH_ChinasSprit2016_FULL_FINAL_140pages.pdf.
14 . Ver, “China’s Xi warns against religious in ltration from abroad”, Associated Press, 24 de abril de
2016, disponível em: https://apnews.com/article/0181dc9eb62b4c91ae76818b97c17eb0.
15 . Ver, Anna Carletti, “As Relações entre Santa Sé e a República Popular da China durante o Ponti cado
de João Paulo II”, Revista Conjuntura Austral, Vol. 2, No. 6, junho/julho de 2011, pp. 69-91, disponível
em: https://www.seer.ufrgs.br/ConjunturaAustral/article/viewFile/20558/12056.
16 . Algumas das mais recentes contribuições incluem: Stephen R. Platt. Imperial Twilight: The Opium
War and the End of China’s Last Golden Age. Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 2018; Patrick Fuliang Shan.
Yuan Shikai: A Reappraisal. Vancouver: UBC Press, 2018; Elizabeth C. Economy. The Third Revolution:
Xi Jinping and the New Chinese State. Nova Iorque: Oxford University Press, 2018; George Magnus.
Red Flags: Why Xi’s China is in Jeopardy. New Haven: Yale University Press, 2018 e Julia Lovell.
Maoism: A Global History. Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 2019.
17 . O mais completo trabalho sobre a política externa da República Popular da China é: John W. Carver.
China’s Quest. The History of the Foreign Relations of the People’s Republic of China. Oxford: Oxford
University Press, 2016. Sobre o papel da China no sistema internacional ao longo da Guerra Fria até aos
nossos dias, cf., Carlos Gaspar. O Regresso da Anarquia: Os Estados Unidos, a Rússia, a China e a Ordem
Internacional. Lisboa: Alêtheia Editores, 2019.
18 . Cf., Sulmaan Wasif Khan. Haunted by Chaos: China’s Grand Strategy from Mao Zedong to Xi
Jinping. Cambridge: Harvard University Press, 2018.
19 . Cf., Jean Chesneaux. China: The People’s Republic, 1949-1976. Nova Iorque: Random House, 1979,
p. ix.
20 . Cf., por exemplo, Li Zhaojie, “Legacy of Modern Chinese History: Its Relevance to the Chinese
Perspective of the Contemporary International Legal Order”, Singapore Journal of International and
Comparative Law, 5, 2001, pp. 314-326, disponível em: https://cil.nus.edu.sg/wp-
content/uploads/2018/07/li-zhaojie-legacy-of-modern-chinese-history-its-relevance-to-the-chinese-
perspective-of-the-contemporary-international-legal-order.pdf.
21 . Ver, George Santayana. The Life of Reason: Introduction and Reason in Common Sense. Cambridge:
MIT Press, 2011, p. 172.
22 . Cf., Nassim Nicholas Taleb. The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable. Nova Iorque:
Random House, 2007.
23 . Cf., John Wain (ed.). The Oxford Anthology of English Poetry: Blake to Heaney. Oxford: Oxford
University Press, 1990, p. 22.
24 . Sobre o conceito de “estado civilizacional” e a sua aplicação à China, cf., Weiwei Zhang. The China
Wave: Rise of a Civilizational State. Hackensack: World Century Publishing Corporation, 2012; Weiwei
Zhang. The China Horizon: Glory and Dream of a Civilizational State. Hackensack: World Century
Publishing Corporation, 2016 e Christopher Coker. The Rise of the Civilizational State. Cambridge:
Polity Press, 2019.
25 . Sobre a Revolução Cultural, cf., inter alia, Roderick MacFarquhar and Michael Schoenhals. Mao’s Last
Revolution. Cambridge: Harvard University Press, 2006 e Frank Dikotter. The Cultural Revolution: A
People’s History, 1962-1976. Londres: Bloomsbury Publishing, 2016.
26 . Relativamente ao “contágio” europeu, cf., M. E. Sarotte, “China’s Fear of Contagion: Tiananmen
Square and the Power of the European Example”, International Security, Vol. 37, No. 2, Outono de 2012,
pp. 156-182.
– 
Capítulo I – A HISTÓRIA COMO PRESENTE
 
“The past is never dead. It’s not even past”.
(William Faulkner, Requiem for a Nun)
 
Referência incontornável para aclarar a especi cidade do comportamento da
casta comunista chinesa, o “século da humilhação nacional” ( 中 华 民 族 伟 )
denota o período tumultuoso decorrente entre a Primeira Guerra do Ópio,
iniciada em 1839, e a vitória do Partido Comunista Chinês (PCC) sobre o seu
rival nacionalista, o Guomindang (GMD), cuja retirada forçada para a Formosa,
em 1949, põe termo à devastadora guerra civil que assolara o país durante duas
décadas. No dia 1 de outubro de 1949, Mao Zedong, discursando do alto do
Portão da Paz Celestial (Praça Tiananmen) de Beijing, solenemente proclama o
estabelecimento da República Popular da China (RPC), assinalando
formalmente o m do “século da humilhação nacional”. Pouco antes dessa
seminal cerimónia, o novo autocrata comunista explicava que o seu triunfo
signi cava que a China nalmente se “levantara”, encerrando deste modo o
período calamitoso marcado pela fraqueza nacional e pela irrelevância
internacional27. A “libertação” ocorrida em 1949, o acontecimento que sustenta
a atual narrativa o cial da República Popular, e que, não menos importante,
que confere legitimidade ao PCC para realizar o “rejuvenescimento” do país,
constituía, pois, o primeiro e necessário passo para viabilizar a reemergência da
China como grande potência mundial28.
Dir-se-á que Mao Zedong abriu caminho para a realização do “Sonho Chinês”
do “grande rejuvenescimento da nação chinesa” que Xi Jinping se propõe
cumprir. A grande estratégia que hoje orienta o comportamento internacional
da República Popular é, portanto, incompreensível na ausência de uma análise
do impacto do “século da humilhação nacional” na Weltanschauung – na
mundividência – das elites comunistas detentoras do poder em Beijing29. O
prisma através do qual entendem a experiência histórica do país, e, em
particular, o “século da humilhação nacional”, continua a moldar de forma
decisiva a sua visão do mundo e das relações internacionais
contemporâneas.  Orientado pelo objetivo de tornar a RPC num estado
moderno, desenvolvido e forte, o PCC, qua instituição, garante a linha de
continuidade estratégica que une a “era Mao Zedong” e a “era Xi
Jinping”. Reconhecendo esta mesma continuidade, Xi, aquando de uma visita à
província de Hebei pouco tempo depois de conquistar a liderança do partido,
a rma que a história revolucionária do país era o “melhor nutriente” para
“garantir que a cor da China vermelha nunca mudará”30. Dito de outra forma, o
futuro comunista da China é indissociável do seu passado.
Componente nuclear da propaganda do Partido Comunista Chinês desde
1949 e da complexa narrativa legitimadora do regime, o “século da humilhação
nacional” a gura-se como uma patente rutura com a história milenar do país.
Durante séculos, Zhōngguó posicionou-se no centro do mundo, dominando
“tudo debaixo dos céus”. No mundo hierarquizado imaginado pela corte
imperial, a centralidade do país manifestava-se por meio de uma rede de
relações tributárias com as unidades políticas circundantes31.  Será justamente
esse mundo sinocêntrico que se desmorona nos anos subsequentes às Guerras do
Ópio, altura em que as potências estrangeiras relegam o Império do Meio para
um lugar de dependência, subjugação e humilhação.  Num sistema global de
estados modernos que atuam em conformidade com as regras e dinâmicas
de nidas pela Paz de Vestefália, o destino da China, no período posterior às
Guerras do Ópio, passa, em larga medida, a residir nas chancelarias
estrangeiras.
Deveras traumático, este inesperado choque das elites imperiais com o mundo
exterior à civilização chinesa abalou os alicerces da dinastia Qing. A sua
manifesta incapacidade de antecipar e moldar o encontro com o mundo
moderno dos séculos XVIII e XIX deixa marcas profundas na consciência
nacional chinesa que, ainda hoje, não sararam. Todavia, contrariamente às
conclusões sub-repticiamente promovidas pela narrativa do “século da
humilhação nacional”, seria um equívoco sugerir que a China fora apenas uma
vítima passiva da malvadez e da voracidade estrangeiras. Na realidade, a China
foi também – ou, talvez, sobretudo – vitimizada pelas elites imperiais e
republicanas que se recusaram a abraçar as novas realidades internacionais
introduzidas pela modernidade. Não surpreende, pois, que a caminhada
histórica do país ao longo do século XX seja fundamentalmente marcada pela
busca da modernização, pela tentativa de encontrar um modelo de
desenvolvimento político e socioeconómico passível de inserir a China num
mundo moderno estruturado pelo capitalismo e o estado-nação. A menos que se
modernizasse, a China jamais superaria o “século da humilhação nacional”.
 
 
Um império celestial
 
Embora não tenham sido os primeiros europeus a visitar Zhōngguó, os
portugueses deixaram nesse país uma marca tão profunda quanto
duradoura.  Avanços no âmbito da tecnologia náutica ocorridos ao longo do
século XV permitiram que Vasco da Gama chegasse à Índia por via marítima
em maio de 1498, um feito que, na formulação de Shihan de Silva Jayasuriya,
“transformou o Oceano Índico numa zona de contato cultural entre o Oriente e
o Ocidente”32. A leste de Calecute (Kozhikode), os marinheiros portugueses
alcançaram a ilha nipónica de Tanegashima em 1543, sendo os primeiros
europeus a estabelecer contacto com o Japão, onde introduziram armas de fogo,
modernizaram o comércio a partir do porto de Nagasáqui e abriram caminho
para as disruptivas missões de evangelização jesuíta. Balizado por estes dois
acontecimentos, os portugueses, depois de consolidarem a sua presença no
Oriente por meio de um sistema de entrepostos comerciais, avistam as terras
dos Ming quando Jorge Álvares, partindo de Malaca, desembarca na ilha de
Ling-Ting em 1513, o primeiro europeu a atingir a China por mar. Dois anos
mais tarde, Rafael Perestrelo encontra o estuário do rio das Pérolas, um feito
que dá início à longa presença comercial, militar e religiosa de Portugal na
China33. Sob a administração de Lisboa a partir de 1557, Macau, o último posto
imperial da Europa em terras asiáticas, será nalmente transferido para a
soberania chinesa em 1999, meio século depois da “libertação” de 1949, e um
portentoso símbolo do novo “século chinês” avidamente antecipado pelas
autoridades comunistas de Beijing34.
Marinheiros portugueses chegaram a Zhōngguó menos de um século depois
de o Reino do Meio se ter isolado do mundo exterior. Nas primeiras décadas do
século XV, o almirante Zheng He fez sete célebres viagens marítimas de
descoberta e engajamento no “Oceano Ocidental”, atingindo as terras distantes
do Sudeste Asiático, do Médio Oriente e de África. Sancionadas pelo Imperador
Yongle, as viagens, a primeira das quais mobiliza 62 navios e 28,000 homens,
chegam abruptamente ao m por ordem do Imperador Xuande35.  Como
resultado dessa decisão, que ainda hoje permanece largamente insondável, o
Império Celestial fechou-se sobre si próprio.  Excetuando as pedras raras, os
animais exóticos e os novos conhecimentos geográ cos chegados à corte
imperial, as viagens não produziram benefícios duradouros.  Nos nossos dias,
particularmente desde a ascensão política de Xi Jinping, o regime comunista
insiste em enaltecer Zheng He, elegendo-o como símbolo da longa tradição
nacional de exploração e descoberta, da “abertura” do país ao mundo e das suas
intenções pací cas36.A realidade histórica é, porém, consideravelmente menos
benigna: o império era deveras ambíguo, quando não condescendente e
xenófobo, em relação às longínquas terras bárbaras escudadas da salutar
in uência da civilização siníca. Com o m das viagens oceânicas de Zheng He,
Zhōngguó assume-se como um império continental e apenas regressa aos mares
nos nais do século XX.
A história moderna da China coincide essencialmente com o domínio da
dinastia Qing, abrangendo o período entre 1644 e 1912, ano em que a
república de Sun Yat-sen emerge dos escombros do estado
imperial37.  Originários da Manchúria, os Qing adquiriam uma identidade
distinta quando Nurhaci, chefe do clã Aisin Gioro, une sob o seu comando as
várias tribos jurchens, que passam a ser conhecidas como manchus. Uni cados,
derrotam ou absorvem os seus rivais à medida que, paulatinamente, marcham
para o sul em direção às prósperas terras Ming38. Um ano antes de os guerreiros
manchu se apoderarem da capital imperial, a crise da dinastia Ming acentua-se
quando Chongzhen, o último Imperador Ming, se suicida no seguimento da
captura de Beijing pelo exército rebelde comandado por Li Zicheng.  Quando
este investe contra o exército imperial Ming do general Wu Sangui, incumbido
de guardar a passagem de Shanhai da Grande Muralha, Wu destranca os
portões, permitindo assim a ofensiva nal dos manchu contra Beijing39. Depois
de três gerações de guerra aos Qing, os manchus, em 1644, estabelecem
nalmente o seu domínio sobre Zhōngguó.
Se é verdade que os imperadores da dinastia Qing são hoje lembrados por
terem reinado durante o “século da humilhação nacional” e presidido ao colapso
de um império milenar, é igualmente verdade que a dinastia produziu dois
governantes excecionais –, o Imperador Kangxi (no trono entre 1661 e 1722) e
o Imperador Qianlong (no trono entre 1735 e 1796) – que supervisionaram
verdadeiras “épocas douradas” de prosperidade material e expansão territorial.
Aliás, até às primeiras décadas do século XVIII, a economia chinesa gerava
aproximadamente um quarto do produto mundial, um feito que contribuía para
a convicção de que tudo “debaixo dos céus” permanecia harmonioso40.
Enquanto os Qing constroem um império multicultural orientado pelo
confucionismo, Zhōngguó, próspera e autocon ante, rodeia-se de colónias e
estados tributários, tais como a Coreia e o Vietname, que, com maior ou menor
relutância, aceitam a sua subordinação ao Imperador Celestial. Após a conquista
e anexação de Taiwan, em 1683, a estabilidade prevalece na costa leste, onde,
com a notável exceção do Japão, os demais estados litorais são incorporados na
zona de in uência chinesa através de relações tributárias. A prudência política
dos Qing dissuadia geralmente o exercício direto do poder político sobre estas
terras estrangeiras, razão pela qual os estados vassalos usualmente conduziam os
seus assuntos com um grau substancial de autonomia.  Neste sistema
hierarquizado, o relacionamento sino-coreano era atípico justamente porque
Beijing se envolve diretamente na política quotidiana da Coreia, efetivamente
transformando-a numa colónia. Tratava-se de uma relação que, nos derradeiros
anos do século XIX, provocará grandes dissabores a Beijing.
Excluído deste espaço sinizado, ordenado e hierárquico, o mundo dos
bárbaros, intocados pela civilização milenar de Zhōngguó, era, para a corte
imperial, destituído de interesse porque nada poderia ensinar ou oferecer.
Mesmo assim, e em notório contraste com o litoral, o perigo paira no anco
norte do império sob a forma de um poder irrequieto e crescentemente
beligerante que se estende desde a vastíssima planície europeia às in ndáveis
terras baldias da Sibéria41. A imensidade geográ ca da Rússia, englobando
intermináveis territórios repletos de variados recursos naturais, faz do império
czarista um formidável perigo que não pode ser simplesmente ignorado.
Determinada a impedir a eclosão de eventuais hostilidades, a corte chinesa
recorre à diplomacia para garantir a manutenção do status quo nas fronteiras
setentrionais. Mas a imensidão geográ ca do império czarista também acarreta
vulnerabilidades consideráveis para os moscovitas. Atendendo às di culdades
inerentes ao exercício pleno da soberania do Czar numa região escassamente
povoada e de defesa difícil, Moscovo vê utilidade em acordar arranjos
diplomáticos que pudessem diminuir o fardo da defesa territorial sem
comprometer a sua futura expansão imperial.
Neste quadro de vulnerabilidade estratégica mútua, o Czar Ivan V e o
Imperador Kangxi celebram o Tratado de Nerchinsk de 1689, que demarca a
fronteira ao longo do rio Amur e clari ca as condições para a condução do
comércio transfronteiriço. A singularidade do Tratado, o primeiro selado entre a
China e uma potência europeia, reside no facto de a corte chinesa nunca antes
ter reconhecido um monarca estrangeiro que não se encontrasse vinculado ao
Império Celestial por relações de tributo. Pela primeira vez, o Imperador vê-se
obrigado a estabelecer relações de plena igualdade com uma potência bárbara.
As realidades externas começavam, pois, a impor-se à corte celestial. Mais tarde,
em 1727, os termos do Tratado de Nerchinsk são reforçados pelo Tratado de
Kiakhta, através do qual as autoridades chinesas consentem em aprofundar o
comércio transfronteiriço e aceitam a presença de 200 mercadores russos em
Beijing a cada três anos. Notáveis conquistas diplomáticas, os tratados
efetivamente impediram a eclosão da guerra entre os dois impérios até meados
do século XIX, quando, impulsionado pela fraqueza dos Qing, o expansionismo
russo investe contra terras chinesas há muito cobiçadas.
Paci cadas as relações com a Rússia por meio do Tratado de Nerchinsk, o
Imperador Kangxi prossegue a expansão territorial para as vastas terras
fronteiriças da Ásia Central para conter as incessantes rebeliões dos zunghar,
face aos quais o império revela a sua extrema crueldade42. Na década de 1750, o
Imperador Qianlong cimenta a integração do Tibete e da Mongólia no império
e rea rma o controlo sobre a parte ocidental da Ásia Central43. Neste período,
são conduzidas campanhas militares selváticas contra a Zungharia, um canato
mongol que se estendia desde o coração da Mongólia até às fronteiras do
Tibete.  Após sete décadas de guerra implacável, o Imperador Qianlong,
determinado a encontrar uma “solução nal” para quebrar a resistência dos
zunghar, emite uma “ordem de extermínio” destinada a suprimir a
população44.  Assassinatos em massa são sancionados e uma fronteira – o
signi cado literal de Xinjiang – será, brutalmente, incorporada no
império45. Guerras imperiais foram também prosseguidas mais a sul, onde, na
década de 1760, o Imperador Qianlong perde 70,000 soldados numa tentativa
fracassada de manter a Birmânia sob a tutela da Corte Celestial. No Vietname, o
estado mais sinizado da vizinhança, a in uência Qing diminui depois de
Qianlong intervir na guerra civil do nal da década de 1780 com o intuito de
auxiliar Lê Chiêu Thông a recuperar o seu trono46.  Embora os vietnamitas
tenham voltado a pagar tributo depois desta debacle, que ceifa a vida de
200.000 soldados chineses, os Qing sofrem uma avultada perda de prestígio.
Em resultado do discurso o cial do Partido Comunista Chinês, generalizou-se
a impressão de que a China, ao longo da sua história, pautara as suas relações
externas pela “harmonia”, jamais constituindo uma ameaça para os seus
vizinhos. Aceitando acriticamente esta premissa, conclui-se que, em
conformidade com esta mesma tradição histórica, o regresso da China à mesa
das grandes potências mundiais far-se-á por meio de um “surgimento pací co”.
Como é sobejamente sabido, a narrativa do “surgimento pací co” tem sido
incansavelmente promovida pelas autoridades comunistas. Acontece que a
realidade não coincide com tal leitura benigna do passado. Antes da ruína das
Guerras do Ópio, a China fora um império expansionista inteiramente
confortável com o uso da força militar para impor e manter a sua hegemonia em
terras conquistadas – hoje conhecidas como Tibete e Xinjiang – na periferia do
heartland imperial dos Han.
 
 
As guerras do ópio
 
Em meados do século XVIII, aquando das duas desastrosas Guerras do Ópio
que assolaram o Império do Meio, as “épocas douradas” dos imperadores
Qianlong e Kangxi são memórias distantes num país relegado ao atraso. São
várias as razões que explicam a estagnação chinesa. Desde logo, a inovação
tecnológica impulsionada pelo capitalismo permitiu que as nações ocidentais se
distanciassem, económica e militarmente, do Império do Meio. Mas o
indubitável atraso tecnológico chinês não fora o único motivo dos fracassos
veri cados durante as Guerras do Ópio.  A bem dizer, as raízes do declínio
encontram-se, precisamente, nas guerras imperiais de expansão prosseguidas
durante as décadas anteriores que, no início do século XIX, se manifesta na
forma de uma “sobreextensão imperial”47. Em simultâneo, fruto da paralisia do
aparelho administrativo, da indiferença e da corrupção generalizada das elites
imperiais, a dinastia Qing tornara-se incapaz de delinear respostas inovadoras
para superar as vulnerabilidades do país face às colossais capacidades das
potências estrangeiras.  Nesse sentido, a ofensiva britânica de 1839,
evidenciando a inaptidão da dinastia para se adaptar às novas realidades
domésticas e internacionais, meramente acentua um rol de problemas há muito
enfrentado pelos Qing.
As origens imediatas das Guerras do Ópio remontam a 1757, ano em que o
Imperador Qianlong, a braços com a expansão do comércio britânico de ópio
para o norte do país, decreta que Cantão será o  único porto aberto a navios
comerciais ocidentais48. Embora sujeitos a restrições signi cativas, os navios
europeus seriam autorizados a realizar trocas nesta cidade situada no estuário do
rio das Pérolas. Longe de consubstanciar um regime de comércio livre, o
“sistema Cantão” distinguia-se pelas suas inúmeras limitações: navios de guerra,
armas de fogo e mulheres estrangeiras eram proibidas no interior do perímetro
da cidade. Con nados às “fábricas estrangeiras” localizadas fora dos portões que
davam acesso a Cantão, os  mercadores podiam visitar o porto apenas entre
outubro e março, durante a época comercial, e, antes, sendo-lhes exigido que
atracassem antes em Huangpu, a sul de Cantão, depois de obterem uma licença
comercial em Macau. A maioria destes homens de negócios representavam a
Companhia das Índias Orientais, cujo comércio com a China era estimulado
pela insaciável procura de chá, cujo consumo fora popularizado por Catarina de
Bragança. No entanto, uma vez que os chineses recusavam comprar mercadorias
europeias e exigiam prata como pronto pagamento pelo chá, Londres acumulava
elevadíssimos de cits. Dada a necessidade de equilibrar a relação comercial e de
inverter a balança de pagamentos, os homens de negócios britânicos concluíram
que a inversão da situação passava pela abertura do mercado chinês ao ópio
produzido, a baixo custo, na Índia.
Fruto da sua crescente penetração comercial da Ásia, Londres, em 1793,
incumbe George Macartney com a missão de encabeçar a primeira embaixada
da Grã-Bretanha ao Império do Meio com o propósito explícito de incrementar
as relações diplomáticas e comerciais entre os dois impérios49. Todavia, a missão
con ada a Macartney encalha devido a intransponíveis di culdades de
entendimento. Presumindo que os visitantes pretendem prestar-lhe
homenagem, o Imperador Qianlong manifesta a sua estupefação quando o
enviado britânico solicita o alívio das restrições comerciais em vigor e a
autorização para que delegados comerciais do seu país passassem a residir em
permanência em Beijing. 
Para a Corte Celestial, as ousadas, indecorosas solicitações dos bárbaros eram
inaceitáveis, como aliás, atesta a carta dirigida pelo Imperador Qianlong ao rei
George III. A missiva, na qual o Imperador se dirige ao rei britânico de forma
extraordinariamente condescendente, expõe o profundíssimo fosso cultural que
separa os dois monarcas. Justi ca-se, por isso, a seguinte citação: “Você, ó rei,
vive além dos limites de muitos mares. No entanto, impelido pelo seu humilde
desejo de participar dos benefícios de nossa civilização, você enviou uma missão
respeitosamente levando o seu memorial (...). Eu examinei o seu memorial: os
termos mais sérios em que é expresso revelam uma humildade respeitosa da sua
parte, o que é altamente louvável. Considerando que o seu Embaixador e seu
vice percorreram um longo caminho com o seu memorial e homenagem,
mostrei-lhes grande favor e permiti que fossem introduzidos na minha
presença. Para manifestar a minha indulgência, recebi-os com um banquete e
entreguei-lhes numerosos presentes (...). Quanto à sua solicitação de enviar um
dos seus nacionais para ser credenciado junto da minha Corte Celestial e para
controlar o comércio do seu país com a China, o pedido é contrário a todo o
costume da minha dinastia e não pode ser equacionado. (...) o representante que
propõe enviar à minha Corte não poderia ser colocado numa posição semelhante
à dos funcionários europeus em Beijing que estão proibidos de deixar a China,
nem poderia, por outro lado, ter a liberdade de circulação e o privilégio de se
corresponder com o seu próprio país;  pelo que não ganharia nada com a sua
residência no nosso meio”50. A missiva revela o elevado grau de desdém,
autoconvencimento e autocomplacência que permeia a mundividência da elite
imperial. Dir-se-á que, na ausência de um tão profundo desconhecimento do
mundo exterior, di cilmente a China teria embarcado nas desastrosas Guerras
do Ópio que originaram o “século da humilhação nacional”. Não se quer com
isto dizer que a Grã-Bretanha deva ser ilibada de responsabilidade pelo con ito.
Quer-se somente frisar que a versão chinesa que atribui responsabilidade
exclusiva às potências estrangeiras, assim permitindo o discurso da vitimização,
é historicamente insustentável.
Londres, porém, não será dissuadida pelo insucesso de Macartney. Passados 22
anos, envia, em 1816, uma segunda embaixada, liderada por William Pitt (Lord
Amherst), que, essencialmente devido às mesmas razões, termina igualmente
em desastre. Chegado à corte imperial, em 29 de agosto de 1816, Lord Amherst
invoca uma indisposição e abandona o Antigo Palácio de Verão imediatamente
antes do início da audiência com o Imperador.  Na realidade, o emissário
britânico retira-se do palácio porque recusa prostrar-se perante o Imperador, um
ato de reconhecimento simbólico da subordinação da Grã-Bretanha à dinastia
celestial51. A importância do episódio reside na forma como cada império vê o
seu lugar no mundo e a forma como concebem a condução apropriada das
relações entre estados. Tratava-se de um abismo intransponível entre dois
poderes convencidos da sua centralidade na política mundial.
Quando Lord Amherst se desloca a Beijing, as relações entre as partes são, na
melhor das hipóteses, ténues. A descon ança chinesa relativamente às potências
estrangeiras agravara-se quando a corte imperial barra o dilúvio de ópio a entrar
em Zhōngguó52. Com o objetivo de conter o in uxo, o Imperador Yongzheng,
em 1729, declara a proibição da sua venda e consumo. A proibição será
reiterada em 1796 e, três anos depois, em 1799, o Imperador Jiaqing reforça a
proibição e ilegaliza tanto a importação como o cultivo de ópio. A Companhia
das Índias Orientais desa a abertamente a lei chinesa quando introduz no país
quantias copiosas da droga,53 amplamente produzida e disponível a baixo custo
na Índia. A quantidade de ópio exportado para a China triplica na década de
1820, e, em paralelo, o contrabando torna-se numa fonte signi cativa da receita
da Companhia das Índias Orientais e da coroa britânica. Inversamente, o
tesouro do Imperador esvazia-se54.
Neste quadro de tensão aguda, os comerciantes britânicos clamam pelo alívio
das restrições impostas pelo “sistema de Cantão”, exigências que se tornam mais
insistentes após a decisão do parlamento de Westminster, tomada em agosto de
1833, de abolir o monopólio do comércio com a China detido pela Companhia
das Índias Orientais.  Confrontado com interesses comerciais britânicos
crescentemente assertivos, o Imperador Daoguang (que, em 1820, sucedera ao
seu pai) recusa suspender a proibição e, em 1838, envia Lin Zexu para Cantão
com ordens expressas para pôr termo às atividades contrabandistas. Chegado a
Cantão, em março de 1839, Lin prende os contrabandistas chineses associados
aos mercadores estrangeiros, con sca os stocks da droga e decide bloquear o
porto se os navios europeus não entregassem as suas cargas às autoridades55.  A
situação degrada-se quando Charles Elliot, o comissário comercial britânico
residente em Cantão, organiza um bloqueio à cidade e aconselha os estrangeiros
a abandonarem a localidade. Procurando rmar um acordo com os britânicos,
Lin Zexu propõe substituir o ópio por quantidades iguais de chá a preço xo. A
oferta será recusada e, no seguimento do colapso das negociações, tropas
chinesas são enviadas para o enclave ocidental para con scar e destruir os
valiosos stocks de ópio. Sob a supervisão de Lin Zexu, “20,281 baús, avaliados
entre dois e três milhões, foram destruídos com precauções extraordinárias entre
3 de maio e 23 de maio”56.
Meses mais tarde, no início de setembro de 1839, navios britânicos e chineses
confrontam-se nas águas da península de Kowloon e, em junho de 1840, a
Marinha Real apreende Cantão, permitindo assim, através do rio das Pérolas, a
entrada das suas forças no interior chinês.  A inequívoca superioridade militar
europeia é simbolizada pelos tecnologicamente so sticados navios a vapor, tais
como o Nemesis, cujo poder de fogo possibilita o bombardeamento das cidades
costeiras, dilatando assim a profundidade estratégica a Grã-Bretanha. Xangai
será ocupada no ano seguinte por forças britânicas que desembarcam em
Tianjin. Derrotado, o Imperador Daoguang, em 29 de agosto de 1842, assina o
Tratado de Nanjing que põe m à Primeira Guerra do Ópio, cujos termos serão,
um ano depois, reforçados com a celebração do Tratado complementar de
Bogue57. Para além das reparações nanceiras impostas por estes “tratados
desiguais”, Beijing cede a Londres “em perpetuidade” Hong Kong e várias
pequenas ilhas. Também abre Cantão e quatro portos adicionais – Xangai,
Ningpo, Foochow e Amoy – a interesses estrangeiros. Quanto aos mercadores
britânicos que abandonaram Cantão, é-lhes atribuída compensação pecuniária
pelos prejuízos sofridos. Um ano depois, a Grã-Bretanha obtém o estatuto de
nação mais favorecida e disposições de extraterritorialidade.  Impulsionados
pelos notáveis sucessos de Londres, os franceses, em 1843 e 1844, impõem
tratados garantindo concessões virtualmente idênticas. Mas as concessões não
serão atribuídas somente às potências europeias. Por meio do Tratado de
Wanghsia, celebrado em julho de 1844 (e em vigor até 1943), os Estados
Unidos são contemplados com concessões e privilégios praticamente idênticos
àqueles que foram extraídos pelos estados europeus.
Ao acentuar a instabilidade no Império, a derrota militar da dinastia Qing às
mãos das potências ocidentais detona a Rebelião Taiping58.  Proclamando-se o
irmão mais novo de Jesus Cristo, Hong Xiuquan, em 11 de janeiro de 1851,
anuncia o estabelecimento de Taiping Tianguo, o “Reino Celestial de Grande
Paz”.  Portador de uma mensagem messiânica de salvação e de unidade cristã,
Hong mobiliza um exército camponês para expulsar os manchus do poder e
integrar a China num imaginado estado cristão universal59. A dimensão
religiosa/ideológica do movimento popular funde-se com reivindicações sociais
concretas relativas a impostos e à posse da terra, as principais fontes do
descontentamento entre os camponeses revoltosos.  A rebelião alastra
velozmente pelo sul da China, mas será de nitivamente suprimida em 1864,
quando as forças imperiais ocupam Nanjing, a capital rebelde. A mais
sangrenta guerra civil da história mundial salda-se pela perda de mais de 20
milhões de vidas60. Embora Taiping Tianguo tenha sido brutalmente
suprimido, a rebelião, e as razões que mobilizaram o campesinato, marcará
profundamente o pensamento e a praxis política de Mao Zedong e do
movimento comunista chinês.
Direcionados para as tarefas inerentes à mobilização dos vastos recursos
requeridos para reprimir os revoltosos Taiping, os Qing abrem,
inadvertidamente, uma janela para as potências ocidentais exigirem concessões
adicionais. As tensões voltam a agravar-se em nais de fevereiro de 1856, altura
em que o missionário francês  Auguste Chapdelaine é preso, julgado e
decapitado por pregar o cristianismo. O incidente provoca ultraje generalizado
no Ocidente e leva Paris a aliar-se aos britânicos para reclamar a legalização
imediata do comércio de ópio e outras concessões61. Neste clima de fricção
incessante agudizada pela escalada de exigências, as autoridades chinesas, em 8
de outubro de 1856, inspecionam o Arrow, um navio de Hong Kong de
bandeira britânica, e detêm virtualmente toda a sua tripulação62. As autoridades
imperiais alegavam que o registo britânico  do Arrow havia expirado e, como
consequência, a rmavam tratar-se de um  navio chinês sujeito à jurisdição
imperial63. O incidente ganha relevância porque os navios de bandeira britânica
habilitavam os comerciantes chineses a negociar nos portos do país nos mesmos
termos concedidos aos navios da marinha mercante britânica, um privilégio
negado a navios de bandeira chinesa.
Independentemente da razoabilidade dos argumentos chineses quanto à
legalidade das suas ações, a verdade é que a crise diplomática se acelera
vertiginosamente quando o  cônsul britânico em Cantão, Harry Parkes, alega
que, durante a detenção da tripulação do Arrow,  a Union Jack fora insultada
pelas autoridades imperiais.  Convidado a pedir desculpas pela afronta à
bandeira britânica, o Governador-Geral de Cantão, Ye Mingchen, a autoridade
imperial responsabilizada pelo incidente, recusa.  Perante esta resposta,  o
Governador e superintendente de comércio de Hong Kong, John Bowring,
implora as autoridades navais do seu país a tomarem medidas
retaliatórias.  Pouco depois, anuindo ao pedido de Bowring, a Marinha Real
bombardeia o complexo residencial de Ye Mingchen. Mas o assunto não seria
encerrado uma vez que a arrogância e a imprudência do mandarim o levam a
escalar a crise. Apela publicamente “a todos os militares e ao povo, famílias e
outros, que devem unir-se com todos os meios ao vosso dispor para ajudar os
soldados e a milícia a exterminar estes problemáticos vilões ingleses, matando-
os sempre que os encontrarem, seja em terra ou nos seus navios”64. Entendendo
os apelos de Ye como uma provocação inaceitável, Londres delibera avançar com
retaliações militares suplementares.
Sujeito a uma descomunal pressão na Câmara dos Comuns por parte dos
Whigs de William Gladstone, que o acusa de procurar fomentar a guerra, o
Primeiro-Ministro Palmerston acaba por subscrever a resposta militar
reclamada por John Bowring. Os confrontos que se seguem terminam com a
captura dos fortes do rio das Pérolas que vigiam as entradas a Cantão e,
posteriormente, a apreensão da própria cidade por forças britânicas e
francesas. O desfecho nal dos múltiplos confrontos será o Tratado de Tianjin,
assinado a 26 de junho de 1858, prevendo o  pagamento de reparações pela
guerra, permitindo o estabelecimento de embaixadores estrangeiros em Beijing
e abrindo dez portos adicionais ao comércio europeu. Acrescenta que
estrangeiros passam a poder viajar para o interior chinês, garantindo, assim, a
liberdade de circulação dos missionários cristãos e, nalmente, o comércio de
ópio é legalizado65. Embora as concessões tenham sido signi cativas, o que
parcialmente explica a razão pela qual o Imperador Qing não rati ca o tratado,
os britânicos insistem no estacionamento de forças militares em Beijing, uma
exigência considerada insultuosa e, por conseguinte, liminarmente rejeitada
pelos chineses. Surge, assim, o  casus belli que, na ótica ocidental, justi ca o
recomeço das hostilidades.
No Verão de 1860, uma força mista anglo-francesa de 20.000 soldados
desembarca no norte da China e, após ter derrotado as tropas imperais, dirige-se
para Beijing.  Determinados a vingarem as sevícias e o assassinato de 17
cidadãos britânicos e 7 franceses, por ordem do Imperador Xianfeng, as tropas
europeias arrasam os Jardins de Brilho Perfeito, o Antigo Palácio de Verão
(Yuanming Yuan)66.  Residência principal dos Qing, o palácio, concluído em
1750, simbolizava o poder da dinastia e expressava tanto a grandeza da
civilização chinesa, como as suas aspirações universalistas.  A destruição de
Yuanming Yuan evidencia, se dúvidas restassem, a incontestável supremacia
militar do Ocidente e, como corolário, demonstra que Zhōngguó deixara de ser
o centro de “tudo debaixo dos céus”. Tratava-se, pois, de um presságio
indiciando que o “mandato dos céus” dos Qing, a fonte ancestral da
legitimidade dos imperadores, fora revogado nas ruínas de Yuanming Yuan.
Hoje, mais de um século volvido, os escombros de centenas de edifícios
saqueados e queimados pelas tropas anglo-francesas são integralmente
preservados a m de recordar a agressão e humilhação sofrida às mãos dos
soldados estrangeiros.
Encerradas as hostilidades, os termos da Convenção de Beijing, de outubro de
1860, impõem à China a rati cação do Tratado de Tianjin, celebrado dois anos
antes67.  Ao ceder uma parte considerável da Península de Kowloon aos
britânicos, a Convenção de Beijing consolida a presença europeia na região.
Quanto à Rússia, o ambicionado Ussuri krai e uma fatia da Manchúria Exterior
são transferidos para o Czar. Para Moscovo, que sistematicamente minara a
autoridade e a soberania dos Qing através da assistência que prestava às
rebeliões muçulmanas de Xinjiang, subjugadas apenas em 1878 no seguimento
de uma onda de repressão implacável ainda hoje recordada na região, abria-se
assim o caminho para futuras conquistas territoriais no Extremo Oriente.
Também a França, autointitulando-se defensora da fé cristã, sai reforçada na
medida em que assegura o retorno das propriedades das ordens religiosas e das
organizações de caridade anteriormente con scadas pelas autoridades chinesas68.
No anco sul do império, Paris apodera-se da Indochina e, em 1883, assume o
controlo direto do estado vietnamita, até então um estado tributário de Beijing.
Os Qing respondem a esta incursão europeia com o envio de tropas para o norte
do Vietname, mas as forças navais francesas desembarcam em Taiwan e na costa
de Fujian, onde destroem grande parte da frota naval imperial. Os franceses são
repelidos e obrigados a retirarem-se para Hanói somente em 1885, quando
tentam penetrar na província de Guangxi. Mas, com cada desastre a ser
agravado por novos desastres, as elites chinesas, profundamente desalentadas
pelos avanços ocidentais, vêem-se obrigadas a deslocar as suas atenções para
acontecimentos ainda mais inquietantes a decorrer nas ilhas nipónicas.
 
 
Sol nascente imperial
 
Cumprindo as instruções do Presidente Millard Fillmore, o Comodoro
Matthew Perry atraca os seus black ships no Japão para “abrir” os portos do país
ao comércio ocidental e pôr, assim, termo a dois séculos de autoisolamento
nipónico69. Em 31 de março de 1854, Perry assina a Convenção de Kanagawa,
que formaliza a abertura de um conjunto de portos japoneses ao comércio
americano e prevê o estabelecimento de um consulado dos Estados Unidos em
Shimoda. A “abertura” forçada pelo Comodoro Perry desencadeia uma
verdadeira revolução no Japão, consubstanciada na queda do shogunato
Tokugawa e na Restauração Meiji de 1868. Inicia-se um processo de
industrialização acelerada, acompanhado pela modernização das forças armadas
e a abolição dos samurai, que sofrem a sua derradeira derrota às mãos do novo
exército imperial  aquando da rebelião de 187770. Cientes das vulnerabilidades
japonesas, as elites Meiji reconhecem que a inexorável rede nição da relação do
país com o Ocidente obriga à renúncia do tradicionalismo e à concomitante
modernização da sociedade e do estado. Procuram, a bem dizer, preparar o país
para confrontar as potências europeias em plena igualdade. O êxito da
abordagem rapidamente se torna evidente. Adotando táticas, métodos de treino
e armamento ocidentais, o recém-criado Exército Imperial Japonês (e a Marinha
Imperial japonesa, inspirada na Royal Navy britânica) obtém sucessos militares
tão sensacionais quanto inesperados durante a Primeira Guerra Sino-Japonesa
de 1894/95 e a Guerra Russo-Japonesa de 1904/05. A medida do vertiginoso
sucesso militar e político do Japão torna-se óbvia quando, em 1902, a “Terra do
Sol Nascente” rma uma aliança com a principal potência europeia, o império
onde o sol nunca se punha. Em contraste com as suas congéneres chinesas, as
elites nipónicas abraçam um modelo de modernização de inspiração ocidental
para assegurarem a emergência do Japão como grande potência mundial.
A expansão imperial japonesa colide invariavelmente com a zona de in uência
chinesa na Coreia, que passa a ser palco de incessante con itualidade sino-
nipónica. Após a eclosão da Rebelião de Donghak, em 1894, China e Japão
enviam tropas para a península com o objetivo de reforçar o rei Gojong71. No
entanto, a superioridade da força expedicionária nipónica permite a Tóquio
nomear um regente notoriamente pró-japonês. Em resposta a este revés
político, Beijing reforça o seu contingente militar, mas, perante a inequívoca
superioridade do moderníssimo exército nipónico, a manobra acaba por não
surtir efeito e, em outubro, numa ousada jogada estratégica, as tropas japonesas
atravessaram o rio Yalu para estabelecer a sua presença em território chinês. No
seguimento de vários embates militares desastrosos, o Imperador Qing,
destituído de alternativas, aceita os termos do Tratado de Shimonoseki, de 17de
abril de 1895, que obriga a China a pagar indemnizações exorbitantes e a
conceder quatro portos adicionais, incluindo o de Chongqing, aos japoneses.
Adicionalmente, e ainda mais devastador para Beijing, os Qing reconhecem a
“plena e completa independência” da Coreia, território que se torna num
protetorado dos Meiji. A humilhação atinge o ao seu zénite com a cedência “em
perpetuidade” da província chinesa de Taiwan a Tóquio, bem como as ilhas
Pescadores e a Península de Liaodong, no sul da Manchúria, sendo que, em
resultado da pressão dos estados ocidentais, a transferência destes dois
territórios seria posteriormente anulada72.
A profundíssima humilhação provocada pela assinatura do Tratado de
Shimonoseki supera as humilhações impostas pelas potências ocidentais
aquando das Guerras do Ópio. A nal de contas, a China acabara de ser
redondamente derrotada por um wojen (inferior “povo anão”, um termo
depreciativo usado pelos chineses para se referirem aos nipónicos)73. Igualmente
preocupante, a expressiva derrota do Império do Meio ocorre na sequência de
duas décadas de reformas de “auto-fortalecimento” iniciadas pelos Qing após os
desaires das duas Guerras do Ópio74.  Respondendo às múltiplas derrotas, o
movimento reformista chinês de 1898 conclui pela necessidade de abraçar o
conhecimento e a tecnologia ocidentais. Seria a única forma de evitar mais
humilhações às mãos das grandes potências. Ironicamente, com o Japão em
veloz ascensão geopolítica, era demasiado tarde para se adotar a estratégia Meiji.
Daí que a pesada derrota sofrida na Primeira Guerra Sino-Japonesa abale tão
profundamente a Corte Celestial e acabe por gerar duas consequências críticas
para o posterior desenvolvimento político da China. Primeiro, impossibilita que
o império se continue a de nir como o centro do mundo; claramente, deixara de
o ser. Segundo, o sucesso militar japonês encoraja a voracidade dos demais
estados imperialistas, que, de imediato, procuram obter novos proveitos. A
França, por exemplo, estabelece uma base militar na ilha de Hainan e os
Estados Unidos, em 1900, anunciam a sua política de “Porta Aberta”.
Neste quadro de intensi cação dos antagonismos geopolíticos regionais, a
China será reduzida a uma arena de rivalidades imperialistas. Irrompe, em
fevereiro de 1904, o con ito entre a Rússia e o Japão em torno da Coreia e da
Manchúria. Sob o comando do almirante Zinovy Rozhestvensky, a frota russa
parte do Báltico e percorre 18.000 milhas náuticas até ao Extremo Oriente,
apenas para, em 27/28 de maio de 1905, no Estreito de Tsushima, colidir com
uma força naval japonesa de menor dimensão. Decorridos dois dias de batalha, o
almirante nipónico Tōgō Heihachirō prevalece. A estrondosa vitória suscita
admiração em toda a Ásia porque, desde a Idade Média, nenhuma potência
asiática triunfara militarmente sobre um estado europeu75. A guerra quebra o
mito da invencibilidade ocidental e transforma o Império Japonês na potência
liderante da região, que passa a ser fonte de inspiração para os incipientes
movimentos anticoloniais asiáticos, para os quais a Batalha de Tsushima parecia
indicar o início do declínio do Ocidente76.
Neste novel quadro regional cada vez mais dominado pelo poderio nipónico,
as guerras de expansão imperial conduzidas por Tóquio evidenciam a
precariedade da segurança da China. Aliás, a Primeira Guerra Sino-Japonesa
havia denunciado a fraqueza do Império Médio e a sua incapacidade para se
adaptar à modernidade77. Humilhados às mãos do Japão, um antigo estado
tributário cuja cultura era considerada “inferior” por ser “derivada” da chinesa,
os Qing assistem a um cataclismo que desencadeia recriminações generalizadas
e dúvidas quanto ao futuro do país e à capacidade de liderança das suas elites
imperiais.  Se os “tratados desiguais” impostos pelas potências europeias
abalaram a con ança das elites Qing, é igualmente verdade que a submissão da
China ao Japão quebra a longa complacência e corrói a paroquial mundivisão
das elites sínicas.
Com efeito, o desmoronamento do poder imperial será despoletado pelo
levantamento dos trabalhadores ferroviários de Wuchang, que, por sua vez,
desencadeia o motim militar de 10 de outubro de 1911. A manobra dos
militares revoltosos prepara o terreno para a Revolução Xinhai, liderada pelo
Novo Exército de Wu Zhaolin, fortemente in uenciado pela Tongmenghui, a
organização republicana fundada no Japão, em 1905, por Sun Yat-sen e Huang
Xing. Inspirados pela modernização Meiji, Sun e Huang integram o grupo de
inúmeros opositores da dinastia Qing que buscam exílio nas ilhas japonesas.
Sujeito às pressões das autoridades de Beijing, o Governo nipónico acaba por
expulsar os dois revolucionários do país, razão pela qual Sun se encontra em
Denver, no estado americano do Colorado, aquando da eclosão da Revolução
Xinhai. Sun Yat-sen regressa prontamente ao seu país natal e, no dia de Ano
Novo de 1912, proclama o estabelecimento da República da China, com
Nanjing como capital.
Incapaz de angariar apoios expressivos nas leiras das forças armadas
nacionais, que julga imprescindíveis para assegurar a sobrevivência da nova
ordem política, Sun disponibiliza-se para ceder o cargo de Presidente provisório
a Yuan Shikai, comandante do poderoso exército de Beiyang78. Bastava, para
isso, que o general abraçasse o republicanismo. Em nais de janeiro de 1912,
com o sul da China nas mãos do governo republicano sediado em Nanjing,
dezenas de comandantes das tropas de Beiyang exigem que o Imperador
Xuantong (Pu Yi), de seis anos de idade, dissolva o império e estabeleça a
república. Perdido o apoio das forças armadas e esgotadas as alternativas, o
Imperador abdica no dia 12 de fevereiro. Neste quadro, Sun Yat-sen cumpre a
promessa de transferir o seu apoio para Yuan Shikai.  Invocando os confrontos
violentos a decorrer em Beijing, Yuan insiste na necessidade de assumir a
presidência na sede imperial do governo e não em Nanjing, a capital de Sun
Yat-sen.
Simbolicamente, a transferência ordeira do poder para o novo governo em
Beijing serve para efetivamente legitimar Yuan como sucessor do último
Imperador. Dessa forma, enquanto o general amotinado se apodera do estado
através daquilo que só se pode caracterizar como um pronunciamento militar, o
executivo de Sun Yat-sen era relegado à condição de usurpador desprovido de
legitimidade. À medida que Yuan Shikai consolida o seu poder pessoal, vê-se
forçado a ceder amplos poderes aos senhores da guerra que dominam várias
regiões do país, transformando-as  em feudos essencialmente independentes  do
governo central. Para sair deste impasse e precaver a plena desagregação do
estado chinês, Yuan, em 1915 e 1916, visa instalar-se como imperador, uma
manobra que lhe rende a inimizade duradoura de nacionalistas e comunistas.
Em vésperas da Primeira Guerra Mundial, o grau de penetração política e
comercial da China por parte das potências evidencia-se pela existência de 48
portos concedidos por tratado a interesses estrangeiros.  A maioria destes
encontra-se na posse da França e da Grã-Bretanha, mas a Alemanha, o Japão e
os Estados Unidos também dispunham de concessões.  Mesmo potências
europeias menores, sem vínculos duradouros à China, como a Bélgica e Itália,
marcavam presença em Tianjin e Beihai, enclaves que permitiam que os
estrangeiros desenvolvessem os seus negócios e que vivessem de acordo com as
regras de extraterritorialidade, sujeitos apenas à autoridade dos seus respetivos
consulados e, portanto, imunes à soberania chinesa. Para efeitos de dissuasão, as
autoridades imperiais eram mantidas à distância por navios de guerra
estrangeiros que, ocasionalmente, bombardeavam as cidades costeiras. Todavia,
a existência dos “tratados desiguais” não signi cava que benefícios consideráveis
não chegassem a um número reduzido de cidadãos chineses; na realidade, os
comerciantes locais prosperavam e algumas cidades, principalmente Xangai e
Hong Kong, seriam modernizadas através da introdução de ideias e capital
estrangeiro.
Na Grande Guerra de 1914, a China republicana juntou-se aos aliados,
contribuindo para o esforço de guerra através do envio de 100,000
trabalhadores para a frente ocidental europeia. Ao integrar a coligação
vencedora da guerra a China, muito naturalmente, esperava que os arquitetos
do acordo de paz reunidos em Paris fossem sensíveis aos interesses vitais do país
e atendessem às suas reivindicações. Não obstante as elevadas expetativas, a
Conferência de Paz de Versalhes, de 1919, genericamente ignora as pretensões
chinesas, até porque Londres força a transferência das concessões alemãs na
China para o Japão, o parceiro estratégico da Grã-Bretanha no Extremo
Oriente79. Previsivelmente, o desfecho de Versalhes dá azo a acusações de traição
às mãos das democracias ocidentais. Protestos anti-japoneses liderados por
intelectuais denunciam os “Catorze Pontos” de Woodrow Wilson, amplamente
elogiados antes de Versalhes. Acusa-se Washington de, hipocritamente, quebrar
as promessas wilsonianas de autodeterminação dos povos.
Neste quadro de avolumado sentimento anti-estrangeiro, nasce o Movimento
Quatro de Maio, saído do mais amplo movimento cívico Nova Cultura.
Promove manifestações estudantis dirigidas contra o governo de Yuan Shikai,
mas a sua atividade não se esgota na contestação de rua.  Elites urbanas,
incluindo os estudantes, abraçam e divulgam valores e ideias ocidentais
inovadoras que rompem com a tradição nos costumes e com o marasmo reinante
na ciência, tecnologia e política80. No que diz respeito à política, o Movimento
Quatro de Maio populariza o anarquismo e, depois de 1917, o marxismo, vistos
como instrumentos poderosos para transcender o endémico atraso da sociedade
chinesa. Será, justamente, por via do Movimento Quatro de Maio que Mao
Zedong faz um trajeto ideológico típico desta geração, levando-o do reformismo
ao anarquismo e, nalmente, ao marxismo.
Os anos posteriores à Grande Guerra trazem outra novidade. Nas décadas de
1920 e 1930, os Estados Unidos incrementam os seus laços nanceiros e
comerciais com o Extremo Oriente81.  Vislumbrando novas oportunidades
comerciais, Washington rea rma o princípio da “Porta Aberta” declarado em
1900.  No entanto, a política americana seria profundamente abalada quando,
em 18 de setembro de 1931, perto da cidade chinesa de Mukden (Shenyang),
uma explosão destrói uma seção da linha férrea detida por capitais nipónicos.
Nacionalistas chineses foram responsabilizados pela sabotagem e o “incidente”
será invocado para justi car eventos que terminariam com a impressionante
conquista japonesa da Manchúria82. Pessimamente treinadas, mal equipadas e
ine cazes em combate, as forças armadas chinesas limitaram-se a oferecer mera
resistência simbólica ao invasor. Pouco depois, a 1 de março de 1932, as forças
de ocupação estabelecem formalmente o estado de Manchukuo,  nominalmente
independente, mas, de facto, sob o controlo do exército japonês e entronizam
Xuantong (Pu Yi), o último Imperador Qing, deposto pela república vinte anos
antes.  Procurando integrar o Manchukuo na economia imperial nipónica,
investimentos massivos são canalizados por Tóquio para novas infraestruturas e
para a extração de recursos naturais estratégicos83.
A ofensiva japonesa na Manchúria não fora exclusivamente motivada por
razões económicas. Tóquio temia que a província, governada pelo senhor da
guerra Zhang Xueliang, fosse deveras vulnerável a uma invasão por parte da
Rússia bolchevique84.  Para impedir a expansão soviética, uma eventualidade
que invariavelmente acarretaria a tomada do poder pelo PCC, os japoneses
recorrem à ação militar85. As suspeitas de Tóquio quanto às intenções soviéticas
não eram inteiramente descabidas porque, durante a década anterior, Moscovo
tomara medidas árias para rea rmar o seu controlo sobre a Ásia Central. Por
exemplo, reforça a sua tutela na Mongólia Exterior através da criação da
República Popular da Mongólia, proclamada a 26 de novembro de 1924, que
passa a ser um estado-satélite soviético governado pelos comunistas locais, o
Partido Revolucionário Popular da Mongólia. Suprimidas as rebeliões
nacionalistas que eclodiram por toda a Ásia Central, Moscovo passa então a
promover a expansão comunista no Extremo Oriente através do Comintern,
abrindo no mundo colonial uma “segunda frente” da revolução mundial. Dado
o fracasso dos esforços para fomentar a revolução proletária na Europa, Lenine
exorta os bolcheviques a “voltarem o rosto para a Ásia” na expectativa de que “o
Oriente nos ajude a conquistar o Ocidente”86. Para atingir esse m, na China, a
ajuda soviética passará a ser canalizada para o PCC e para o Guomindang.
Eventualmente excessivos, os receios de Tóquio quanto às ambições e aos
perigos colocados por Moscovo não eram inteiramente infundados.
Depois de duas guerras destinadas a barrar o expansionismo russo na Coreia e
na Manchúria, Tóquio olhava para Moscovo com trepidação. Similarmente, a
União Soviética considerava que os objetivos geopolíticos do Japão e a sua
voracidade imperial consubstanciam uma ameaça à sua segurança.  As
autoridades soviéticas estavam rmemente convictas de que, depois de colonizar
a Coreia, Tóquio acolhia ambições relativamente aos territórios mongol e
chinês. As suspeitas eram reforçadas pelo fato dos japoneses, durante a guerra
civil russa, terem enviado milhares de tropas para a Sibéria, o maior
contingente de combatentes estrangeiros a prestar apoio aos “brancos” contra os
“vermelhos”87.  Havia também uma razão ponderosa de teor ideológico que
explicava o interesse dos bolcheviques russos pelo Japão. A teoria marxista
sugeria que o Japão possuía um elevado potencial revolucionário em resultado
da modernização acelerada promovida pelo estado Meiji. Com efeito, a transição
para o capitalismo que varria a terra do Sol Nascente gerara uma classe operária
industrial comparável com o proletariado europeu. Daí que o potencial
revolucionário do Japão contrastasse marcadamente com os restantes países da
região, onde o marxismo antecipava, na melhor das hipóteses, meras revoluções
nacionais e anti-imperialistas. Seja como for, a invasão nipónica da Manchúria
será interpretada como um ensaio geral para uma futura investida contra a
China, que, aliás, se concretiza em 1937, dois anos antes de Adolf Hitler lançar
a sua blitzkrieg em terras polacas88. Paradoxalmente, será justamente essa
agressão que permitirá à China emergir da Segunda Guerra Mundial como
estado vitorioso, integrando o Conselho de Segurança das Nações Unidas e
assumindo-se como uma das novas grandes potências mundiais.

27. A a rmação foi feita a 21 de setembro de 1949 durante o discurso de abertura de Mao Zedong
aquando da Primeira Sessão Plenária da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês. Em declarações
aos delegados da Conferência, Mao a rma que: “estamos todos convencidos de que o nosso trabalho cará
para a história da humanidade, demonstrando que o povo chinês, um quarto da humanidade, já se
levantou. Os chineses sempre foram uma nação grande, corajosa e laboriosa; foi apenas nos tempos
modernos que caram para trás. E isso deveu-se inteiramente à opressão e à exploração pelo imperialismo
estrangeiro e pelos governos reacionários internos. Por mais de um século, os nossos antepassados nunca
pararam de travar lutas in exíveis contra os opressores nacionais e estrangeiros, incluindo a Revolução de
1911 liderada pelo Dr. Sun Yat-sen, nosso grande precursor na revolução chinesa. Os nossos antepassados
ordenaram-nos que realizássemos a sua vontade não realizada. E agimos de acordo. Cerrámos as nossas
leiras e derrotámos opressores nacionais e estrangeiros por meio da Guerra Popular de Libertação e da
grande revolução popular, e agora estamos a proclamar a fundação da República Popular da China. De
agora em diante, a nossa nação pertencerá à comunidade das nações amantes da paz e da liberdade do
mundo e trabalhará com coragem e diligência para promover a sua própria civilização e bem-estar e, ao
mesmo tempo, promover a paz e a liberdade mundiais. A nossa não será mais uma nação sujeita a insultos
e humilhações. Nós levantámo-nos”. Cf., Mao Tse-tung. “The Chinese People Have Stood Up”, Selected
Works of Mao Tse-tung, Vol. 5. Beijing: Foreign Languages Press, 1977, p. 17.
28. Para uma interessante discussão sobre a “libertação” de 1949 e as suas consequências, ver, Frank
Dikötter. The Tragedy of Liberation: A History of the Communist Revolution 1945-1957. Londres:
Bloomsbury Publishing, 2013.
29. Cf., Howard W. French. Everything Under the Heavens: How the Past Helps Shape China’s Push for
Global Presence. Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 2017.
30. Ver, “Xi urges CPC members to keep China red”, China Daily, 12 de julho de 2013, disponível em:
http://www.chinadaily.com.cn/china/2013-07/12/content_16769833.htm.
31. Cf., por exemplo, John King Fairbank and S. Y. Têng, “On the Ch’ing Tributary System”. Harvard
Journal of Asiatic Studies, Vol. 6, No. 2, junho de 1941, pp. 135-246, consultado em:
https://pdfs.semanticscholar.org/57ec/010193f117d52f0ed428fd28b60db22bd80b.pdf.
32. Cf., Shihan de Silva Jayasuriya. The Portuguese in the East: A Cultural History of a Maritime Trading
Empire. Londres: I.B. Tauris, 2017, p. 1.
33. Sobre a expansão imperial portuguesa, cf., inter alia, C. R. Boxer. The Portuguese Seaborne Empire,
1415-1825. Londres: Hutchison and Co., 1969 e A. R. Disney. A History of Portugal and the Portuguese
Empire, Vol. 2. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
34. Sobre a transição de Macau para a soberania chinesa, cf., Richard Louis Edmonds and Herbert S. Yee,
“Macau: From Portuguese Autonomous Territory to Chinese Special Administrative Region”, The China
Quarterly, No. 160, dezembro de 1999, pp. 801-817.
35. As viagens chegaram ao seu m durante o mandato do Imperador Hongxi, no trono entre 1424 e
1425. Seu lho, o Imperador Xuande (no trono entre 1425 e 1435) permitiu que Zheng He zesse uma
viagem nal. Aparentemente, Zheng morre durante esta sétima viagem e foi enterrado na costa da Índia.
Cf., Edward L. Dreyer. Zheng He: China and the Oceans in the Early Ming, 1405-1433. Nova Iorque:
Longman, 2006
36. Cf., Mure Dickie, “A less Admirable Admiral”, Financial Times, 30 de setembro de 2005, disponível
em: https://www.ft.com/content/6622ddee-2fcc-11da-8b51-00000e2511c8.
37. Interpretações da história moderna chinesa podem ser encontradas em, inter alia, Jonathan D. Spence.
The Search for Modern China. Nova Iorque: W.W. Norton & Company, 1990; John King Fairbank and
Merle Goldman. China: A New History (Second Enlarged Edition). Cambridge: Harvard University
Press, 2006; Jonathan Fenby. The Penguin History of Modern China: The Fall and Rise of a Great Power,
1850 to the Present (Third Edition). Londres: Allen Lane, 2008 e Klaus Mühlhahn. Making China
Modern: From the Great Qing to Xi Jinping. Cambridge: Harvard University Press, 2019; Muito
interessante é Henry Kissinger. On China. Nova Iorque: The Penguin Press, 2011.
38. Cf., William T. Rowe and Timothy Brook. China’s Last Empire: The Great Qing. Cambridge:
Harvard University Press, 2012.
39. Ver, Angela N. S. Hsi, “Wu San-kuei in 1644: A Reappraisal”, Journal of Asian Studies, Vol. 34, No.
2, 1975, pp. 443-453.
40. Para uma discussão, cf., Stephen N. Broadberry, Hanhui Guan e David D. Li, “China, Europe and the
Great Divergence: A Study in Historical National Accounting, 980-1850”, CEPR Discussion Paper No.
DP11972, abril de 2017, disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2957511.
41. Cf., Michael Khodarkovsky. Russia’s Steppe Frontier: The Making of a Colonial Empire, 1500-1800.
Bloomington: Indiana University Press, 2004.
42. Para mais detalhes, cf., Fred W. Bergholz. The Partition of the Steppe: The Struggle of the Russians,
Manchus, and the Zunghar Mongols for Empire in Central Asia, 1619-1758 – A Study in Power Politics.
Nova Iorque: Peter Lang, 1993.
43 . Ver, Peter C. Perdue. China Marches West: The Qing Conquest of Central Eurasia. Cambridge:
Harvard University Press, 2005.
44. Ibid., pp. 283-287.
45. Sobre a história de Xinjiang, cf., inter alia, Justin M. Jacobs. Xinjiang and the Modern Chinese State.
Seattle: University of Washington Press, 2016; Nick Holdstock. China’s Forgotten People. Londres. I.B.
Tauris, 2015; Gardner Bovingdon. The Uyghurs: Strangers in their Own Land. Nova Iorque: Columbia
University Press, 2010 e James Milward. Eurasian Crossroads: A History of Xinjiang. Nova Iorque:
Columbia University Press, 2007.
46. Cf., Ben Kiernan. Viêt Nam: A History from the Earliest Times to the Present. Oxford: Oxford
University Press, 2017, pp. 261-262.
47. Paul Kennedy, no seu The Rise and Fall of the Great Powers, escreve que “o triunfo de qualquer uma das
grandes potências neste período, ou o colapso de outra, geralmente foi a consequência de combate
prolongado por parte de suas forças armadas; mas também tem sido a consequência da utilização mais ou
menos e ciente dos recursos económicos produtivos do estado em tempo de guerra e, mais no fundo, da
forma como a economia desse estado vinha crescendo ou diminuindo, em relação às outras nações líderes,
nas décadas anteriores ao con ito”. Paul Kennedy. The Rise and Fall of the Great Powers: Economic
Change and Military Con ict from 1500 to 2000. Nova Iorque: Random House, 1987, p. xv.
48. Cf., Paul Arthur Van Dyke. The Canton Trade: Life and Enterprise on the China Coast, 1700–1845.
Hong Kong: Hong Kong University Press, 2005 e Paul A. Van Dyke. Merchants of Canton and Macao:
Politics and Strategies in Eighteenth-Century Chinese Trade. Hong Kong: Hong Kong University Press,
2011, pp. 7-30.
49. Sobre a missão Macartney, ver, Mark Simner. The Lion and the Dragon: Britain’s Opium Wars with
China, 1839-186. Stroud: Fonthill, 2019, pp. 30-33 e Immanuel C. Y. Hsü. The Rise of Modern China
(3rd ed.). Oxford: Oxford University Press, 1983, pp. 155-163.
50. A carta do Imperador pode ser consultada, na íntegra, em: https://china.usc.edu/emperor-qianlong-
letter-george-iii-1793.
51. Gao Hao argumenta, com inteira razão, que a missão, durante a viagem de quatro meses de regresso de
Cantão a Beijing, teria um impacto tremendo nas perceções britânicas quanto à China, que, por sua vez,
moldaram a opinião pública e das elites durante as Guerras do Ópio. Cf., Gao Hao, “The Amherst
Embassy and British Discoveries in China”, History, Vol. 99, No. 337, outubro de 2014, pp. 568-587.
52. Cf., Chris Feige e Jeffrey A. Miron. “The opium wars, opium legalization and opium consumption in
China”, Applied Economics Letters, Vol. 15, No. 12, 2008, p. 911-913, disponível em:
https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/11379703/miron-opium-wars.pdf?sequence=3.
53. Cf., John F. Richard, “The opium industry in British India”, The Indian Economic and Social History
Review, Vol. 39, No. 2/3, 2002, pp 149-180. Sobre o surgimento da East India Company, cf., William
Dalrymple. The Anarchy: The Relentless Rise of the East India Company. Londres. Bloomsbury
Publishing, 2019.
54. Cf., Sarah Deming, “The Economic Importance of Indian Opium and Trade with China on Britain’s
Economy, 1843–1890”, Whitman College, Economics Working Papers No. 25, Primavera de 2011,
disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?
doi=10.1.1.684.9923&rep=rep1&type=pdf.
55. Cf., Warren I. Cohen. East Asia at The Center: Four Thousand Years of Engagement With the World.
Nova Iorque: Columbia University Press, 2000, pp. 249-252.
56. Cf., Joshua Rowntree. The Imperial Drug Trade. Londres: Methuen and Co., 1905, p. 54.
57. Para uma discussão, ver, Dong Wang, “The Discourse of Unequal Treaties in Modern China”, Paci c
Affairs, Vol. 76, No. 3, Outono de 2003, pp. 399-425.
58. Sobre a Rebelião Taiping, ver, Jonathan D. Spence. God’s Chinese Son: The Taiping Heavenly
Kingdom of Hong Xiuquan. Nova Iorque: Norton & Norton, 1996 e Stephen Platt. Autumn in the
Heavenly Kingdom: China, the West and the Epic Story of the Taiping Civil War. Londres: Atlantic
Books, 2013.
59. Para uma discussão da dimensão religiosa/ideológica do movimento Taiping, ver, Rudolf G. Wagner.
Reenacting the Heavenly Vision: The Role of Religion in the Taiping Rebellion. Berkeley: Institute of
East Asian Studies, 1982.
60. Nanjing seria capturada pelos Taiping no dia 19 de março de 1853 e recapturada pelo Exército
Imperial a 19 de julho de 1864. Estimativas apontam para que, durante os combates pela cidade, 150,000
rebeldes tenham morrido.
61. Cf., Harry G. Gelber. Opium, Soldiers and Evangelicals. Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2004, pp.
173-174.
62. Cf., Y. J. Wong. Deadly Dreams: Opium and the Arrow War (1856-1860) in China. Nova Iorque:
Cambridge University Press, 2002.
63. Gelber descreve Ye Mingchen como um “homem, gordo, inteligente, mal-humorado com gosto pela
astrologia e uma reputação de crueldade, era especialmente duro em relação aos rebeldes e suas famílias,
que executava logo que os apreendia. Houve tempos em que provavelmente decapitou 200 pessoas por
dia”. Ver, Gelber, Opium, Soldiers and Evangelicals, p. 173. Sobre este episódio, cf., Robert Bickers. The
Scramble for China: Foreign Devils in the Qing Empire, 1832-1914. Londres: Allen Lane, 2011, pp. 138-
144 e Paul U. Unschuld. The Fall and Rise of China: Healing the Trauma of History. Londres: Reaktion
Books, 2013, p. 55.
64. Cf., Mark Simner. The Lion and the Dragon, p. 153.
65. Cf., Robert Bickers, The Scramble for China, p. 148.
66. Cf., Paul U. Unschuld, The Fall and Rise of China, p. 58.
67. A Convenção de Beijing, de outubro de 1860, engloba os três tratados assinados entre os Qing e os
governos britânico, francês e russo.
68. Warren J. Cohen, ao descrever a natureza destas missions religieuses, a rma que os franceses se
“consideravam o braço militar do Vaticano”. Cf., Warren Cohen, East Asia at the Center, p. 266.
69. Cf., Peter Booth Wiley. Yankees in the Land of the Gods: Commodore Perry and the Opening of
Japan. Nova Iorque: Penguin Books, 1991.
70. Originalmente publicado em 1940, o livro de Herbert Norman sobre os Meiji continua a ser uma
excelente fonte de informação. E de clareza. Cf., Herbert Norman. Japan’s Emergence as a Modern State:
Political and Economic Problems of the Meiji Period (60th Anniversary Edition), Vancouver: UBC Press,
2007.
71. Cf., Larisa Zabrovskaia, “Qing China’s Misguided Foreign Policy and the Struggle to Dominate Korea
(According to Russian Archive), Korean Studies, Vol. 44, 2020, pp. 80-96.
72. Em abril de 1895, depois da derrota chinesa na Primeira Guerra Sino-Japonesa, os termos do Tratado
de Shimonoseki previam a entrega da Formosa e das Ilhas Pescadores (Penghu) ao Japão. Porém, notáveis
locais declaram, unilateralmente, o estabelecimento da República da Formosa, com o Governador-Geral
Qing, Tang Jingsong, como primeiro – e único – Presidente. Todavia, a novel república era frágil e
largamente destituída de apoio popular dentro e fora da Formosa. Também não conseguiu obter apoio
diplomático de Beijing que, naquele momento, se empenhava em convencer os japoneses a abdicarem da
Península de Liaotung, igualmente cedida ao Japão através do Tratado de Shimonoseki. Forças japonesas
desembarcaram na costa norte da ilha, nas proximidades de Keelung, em nais de maio de 1895. Forças
chinesas e milícias hakka resistiram durante cinco meses de guerrilha, mas, no dia 21 de outubro, a queda
de Tainan para o invasor selou efetivamente o desfecho do con ito.
73. Cf., Chalmers Johnson, “How China and Japan See Each Other”, Foreign Affairs, Vol. 50, No. 4,
julho de 1972, pp. 711-721.
74. Ver, Jonathan D. Spence, The Search for Modern China, 216-222.
75. Orlando Figes, na sua monumental história da Revolução Russa, observa que “(…) o Czar e os seus
conselheiros tomaram a vitória como adquirida. Kuropatkin a rmara que necessitava de apenas dois
soldados russos por cada três japoneses, tão superiores que eram em relação aos asiáticos. Cartazes
governamentais caracterizavam os japoneses como pequeníssimos macacos, de olho de bico e pele amarela,
em pânico, a fugir de um punho branco de um robusto soldado russo”. Cf., Orlando Figes. A People’s
Tragedy: A History of the Russian Revolution. Nova Iorque: Viking, 1996, p. 168.
76. Cf., Pankaj Mishra. From the Ruins of Empire: The Revolt Against the West and the Remaking of
Asia. Nova Iorque: Picador, 2012, p. 6.
77. Cf., Wei-Bin Zhang. Japan versus China in the Industrial Race. Nova Iorque: St. Martin’s Press,
1998.
78. Ver, Patrick Fuliang Shan. Yuan Shikai, pp. 144-164.
79. Cf., Margaret MacMillan. Paris 1919: Six Months That Changed the World. Nova Iorque: Random
House, 2002, pp. 322-344.
80. Para uma discussão interessante, cf., Rana Mitter. A Bitter Revolution: China’s Struggle with the
Modern World. Oxford: Oxford University Press, 2004.
81. Cf., John Pomfret. The Beautiful Country and the Middle Kingdom: America and China, 1776 to the
Present. Nova Iorque: Henry Holt, 2016, pp. 150-203.
82. Cf., S. C. M. Paine. The Wars for Asia, 1911-1959. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2012,
pp. 13-14.
83. Depois da Primeira Guerra Mundial, o Japão fez investimentos massivos nos caminhos de ferro
chineses. Por exemplo, entre 1912 e 1920, 1,500 quilómetros de linha for a acrescentada à infraestrutura
existente. Cerca de um-terço deste total fora construído na Manchúria e nanciado largamente por capitais
japoneses. Cf., S.C.M. Paine, The Wars for Asia, 1911-1959, pp. 14-34 e Wei-Bin Zhang. Japan versus
China in the Industrial Race, p. 96.
84. Cf., por exemplo, Jacob Kovalio, “Japan’s Perception of Stalinist Foreign Policy in the Early 1930’s”,
Journal of Contemporary History, Vol. 19, No. 2, abril de 1984, pp. 315-335.
85. Ver, S.C.M. Paine, The Wars for Asia, 1911-1959, pp. 22-25 e Peter Hopkirk. Setting the East
Ablaze: Lenin’s Dream of an Empire in Asia. Nova Iorque: Kodansha International, 1984, pp. 37-51.
86. Ibid., p. 1.
87. Sob o comando do general Ōtani Kikuzō, o contingente militar japonês chegou a contar com 70,000
homens. Cf., Leonard A. Humphreys. The Way of the Heavenly Sword: The Japanese Army in the 1920s.
Stanford: Stanford University Press, 1996, p. 26.
88. Cf., Rana Mitter. China’s War with Japan, 1937-1945: The Struggle for Survival. Londres: Allen
Lane, 2013.
-
 
CAPÍTULO II – HASTEEMOS A BANDEIRA VERMELHA
 
“The point, as Marx saw it, is that dreams never come true.”
(Hannah Arendt, Crises of the Republic)
 
Se o nacionalismo é usualmente justaposto ao internacionalismo proletário, é
igualmente verdade que a interação entre os dois fenómenos é
consideravelmente mais complexa do que aquela visão maniqueísta sugere. O
discurso nacionalista do Partido Comunista Chinês (PCC), do qual o “século da
humilhação nacional” é um componente nuclear, encaixou -se sem di culdade
maior no léxico do marxismo-leninismo; isto é, o nacionalismo sínica e o
internacionalismo proletário do PCC não eram somente complementares, como,
até, se reforçavam mutuamente. Durante o período republicano, o anti-
imperialismo militante partilhado por comunistas e nacionalistas do
Guomindang (GMD), que aceitam a formulação de Lenine do imperialismo
como o “último estágio” do capitalismo e aderem ao Comintern, leva os dois
partidos a concluir que o imperialismo havia estendido a sua voracidade à
China. Ambos, por conseguinte, concebem o “século da humilhação nacional”
como um período de espoliação da riqueza nacional e de degradação da posição
do país na cena internacional.
Dir-se-á que as diferenças que separavam o GMD do PCC não residiam nas
respetivas narrativas quanto ao passado recente do país. As diferenças
fundamentais, política e ideologicamente relevantes, diziam respeito ao
caminho a prosseguir no futuro. Mais concretamente, os dois partidos
preconizam projetos irreconciliáveis quanto à forma de superar as fraquezas do
país.  Eram, pois, duas propostas radicalmente divergentes quanto ao rumo da
modernização. Para o Guomindang, impunha-se a inserção do país no sistema
mundial capitalista e o estabelecimento de um poder estatal autoritário
desenvolvimentista capaz de uni car a China e de cumprir a modernização
nacional.  Tratava-se, essencialmente, do mesmo modelo posto em prática por
Chiang Kai-shek em Taiwan após a sua fuga para a ilha. Em contraste, na ótica
de Mao, a proposta do GMD colocaria o país de novo à mercê das principais
nações imperialistas. A conquista da independência nacional pressupunha uma
rutura clara com o sistema capitalista mundial e o lançamento da construção
socialista assente no internacionalismo proletário. Há, entre os rivais, um ponto
importante de convergência: a modernização far-se-ia através de um estado
autocrático e desenvolvimentista. Não se colocava uma terceira via democrática
e liberal, pois o Guomindang, organização leninista, nunca representara esse
caminho. A divergência entre os dois partidos prendia-se com o tipo de
modernização a fazer para que a China pudesse encerrar o “século de
humilhação”.
Impulsionado por uma incessante hostilidade dirigida às potências
imperialistas que responsabiliza pelo “século da humilhação nacional”, Mao,
depois da “libertação” de 1949, traça um caminho para a modernidade assente
na “autossu ciência” gerada pela industrialização acelerada e pela coletivização
da agricultura. Frequentemente expressa em termos xenófobos, a descon ança
relativamente às potências capitalistas molda o caminho desenvolvimentista
delineado pelo PCC e serve para legitimar o monopólio do poder nas mãos dos
comunistas. A m de retirar o país de uma economia mundial dominada pelo
capitalismo ocidental e ciente de que a modernização chinesa não prescindia de
capital e dos conhecimentos externos, Mao vê os laços estabelecidos com a
União Soviética de Estaline como a condição sine qua non para consolidar o rumo
escolhido pelo PCC. Reconhecia-se que a retirada do sistema capitalista
mundial e a concomitante necessidade de recorrer ao apoio técnico e nanceiro
soviético era suscetível de gerar uma indesejada dependência relativamente a
Moscovo. Este potencial risco era, todavia, minimizado pelos comunistas
chineses porque, alegavam, a URSS não era uma potência europeia “normal”.
No entender de Mao, a revolução de 1917 quebrara a lógica expansionista do
império russo, substituindo-a pela lógica do internacionalismo proletário.
É certo que essa retirada do novo estado bolchevique do sistema capitalista
mundial acarretou custos elevados, até porque o imperialismo reagira à
Revolução de Outubro de 1917 com o uso da força militar, ingerência
semelhante à que a China fora sujeita após a proclamação da república. Esta
história comum de violenta intromissão capitalista e de resistência anti-
imperialista e o elo ideológico entre comunistas chineses e soviéticos, tornava
altamente improvável uma eventual aliança entre o Kremlin e as potências
imperialistas para derrubar a recém-criada República Popular da China (RPC)
89
.  Do ponto de vista dos novos mandarin vermelhos, os potenciais perigos
associados ao incremento da dependência em relação a Moscovo eram passíveis
de serem geridos e, certamente, eram consideravelmente menos graves do que a
dependência chinesa relativamente aos estados capitalistas. Dito isto, convém
realçar que nem todas as ansiedades foram inteiramente dissipadas. A
arrogância e o paternalismo do Kremlin, decorrentes do estatuto da URSS como
primeira pátria do socialismo, atormentam Mao e os líderes da RPC. Ainda
assim, Mao dispunha-se a “inclinar-se para um lado” e a replicar o modelo
soviético. Humildade para apreender com os “irmãos mais velhos” soviéticos e
mais experientes com a construção socialista era o preço exigido para
desenvolver o país e resistir aos diktats de Washington, Tóquio, Londres e
Paris90.
 
 
Um saco de batatas
 
Em 1949, sob a liderança férrea de Mao Zedong, o Partido Comunista Chinês
conquista nalmente o poder num país explorado, brutalizado e empobrecido
em função de décadas de estagnação socioeconómica, guerra civil e ocupação
estrangeira. A devastação deixada pelas guerras ocorridas neste período,
conjugada com o atraso estrutural do país, imprime urgência à obtenção da
assistência externa indispensável ao lançamento da reconstrução nacional. Eis
um motivo su cientemente ponderoso para induzir Mao a celebrar uma aliança
estratégica com Estaline. A aliança suspende, temporariamente, a acrimónia e a
suspeição mútua que permeava – mas que nunca se sobrepôs – as relações entre
os dois titãs comunistas91. Desde a fundação do PCC, em 1921, que as “relações
fraternas” entre os dois “partidos irmãos” eram enviesadas, em resultado das
suscetibilidades chinesas, do chauvinismo russo, da interferência contínua de
Moscovo, usualmente através do Comintern, nos assuntos internos do PCC e do
apoio concedido ao Guomindang pelos soviéticos a partir do Verão de 1923.
Havia, no entanto, outro lado da moeda. Mao devia, em parte, a sua ascensão à
liderança do PCC a Estaline, que, ao longo das duas décadas que antecederam a
“libertação” de 1949, consistentemente apoiou o rumo que o líder chinês
imprimira ao PCC92. A acrimónia e o ressentimento eram reais, mas a
admiração e deferência demonstrada a Estaline por Mao não eram menos reais.
As origens longínquas do Partido Comunista Chinês remontam aos últimos
tempos da dinastia Qing e aos primeiros anos da nova república93. Atendendo
aos acontecimentos decorridos nessas décadas, não será excessivo concluir que a
“república que surgiu no lugar da dinastia era um mito; a China era uma
mistura de estados em guerra e potências estrangeiras”94. A observação é
fundamental para se entender a dimensão do fracasso global do projeto
republicano e o feito extraordinário que representa a uni cação da China sob a
autoridade de Mao. Para todos os efeitos, a proclamação da República Popular
da China inverte as tendências centrifugas que, durante o período republicano
dominado pelo Guomindang, impulsionaram o país para o abismo da
desintegração.
A revolta de Wuchang, que despoleta o desmoronamento do império e a
tomada do poder pelos bolcheviques russos, em 1917, convencem o jovem Mao
Zedong que, na ausência de amplas alianças de classe, o proletariado chinês,
mesmo que conseguisse adquirir o poder, di cilmente o conservaria num país
rural, feudalizado e agelado pelo desmembramento territorial. São estas
condições objetivas que explicam a heterodoxia de Mao de atribuir ao
campesinato o papel central na estratégia revolucionária do PCC. A
excecionalidade da China residia, segundo Mao, precisamente no facto de “a
escala de levantamentos e guerras camponesas na história chinesa não tem
paralelo em nenhum outro lugar. As lutas de classe dos camponeses, as revoltas
camponesas e as guerras camponesas constituíram a verdadeira força motriz do
desenvolvimento histórico na sociedade feudal chinesa”95.
A observação de Mao salienta a importância determinante dos movimentos
camponeses que surgem com a Rebelião do Lótus Branco de 1796, uma revolta
tributária que se alastra por toda a China central e, durante uma década, se
transforma na primeira grande ameaça à ordem imperial. Posteriormente, nas
décadas de 1850 e 1860, numerosas e devastadoras guerras civis varrem o país,
a mais sangrenta das quais seria a Rebelião Taiping, que se prolonga entre 1851
e 1864. Compreensivelmente, Mao destaca a centralidade da guerra civil
Taiping, caracterizando-a como um “movimento revolucionário de massas
inacabado, dirigido principalmente contra os estrangeiros manchu”96.  Dado o
espírito rebelde, transformativo que permeia e impele os movimentos
camponeses, o comunismo chinês preconizado por Mao, encapsulado no
conceito de “guerra popular prolongada”, diverge do modelo marxista-leninista
clássico que emergira de uma realidade europeia moldada pela industrialização
e pela urbanização.
A glori cação do campesinato como agente revolucionário feita por Mao
Zedong depois do cataclismo do “Terror Branco” de 1927, que quase destrói o
PCC, con gura um corte com o pensamento marxista ortodoxo da época97. No
seu O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, publicado em 1852, Karl Marx
manifestara abertamente o seu desprezado pelo campesinato, descrevendo-o
como “um saco de batatas” destituído de consciência de classe e de potencial
revolucionário98.  As numerosas rebeliões camponesas ocorridas na China
deixaram uma marca duradoura, no entendimento de Mao (e só posteriormente
do PCC) quanto às tarefas do partido e ao papel dos camponeses.  As
reivindicações sociopolíticas impulsionadoras dos movimentos camponeses,
incluindo a redistribuição das terras, a condenação da corrupção moral e, em
particular, o sentimento anti-estrangeiro enraizado no mundo rural, seriam
cooptados pelos comunistas. Instalado no poder, o PCC, ao fundir o
messianismo dos movimentos camponeses e o materialismo histórico marxista-
leninista, procurará, através da luta das massas, “puri car” a sociedade chinesa
por intermédio de um calvário revolucionário que desaguará na Grande
Revolução Cultural Proletária. Ao procurar erguer a “sociedade nova”, o PCC
reproduz o utopismo milenar camponês, subsequentemente expresso no léxico
maoista em termos da “ação das massas” e da “pureza ideológica”99.
A heterodoxia ideológica de Mao só se instala na cúpula do PCC depois do
encerramento do Movimento de Reti cação de Yan’an, que decorre entre 1941
e 1945, altura em que Mao assiste ao triunfo das suas teses e se torna o líder
inquestionável do partido. O triunfo da heterodoxia maoista deve-se, pelo
menos parcialmente, à chegada tardia (e truncada) do pensamento marxista à
China. Convém notar que o Manifesto Comunista de Karl Marx, traduzido por
Chen Duxiu e Li Dazhao, seria impresso apenas em 1908, seis décadas depois de
ser publicado na Europa100. Nos anos que antecederam a fundação do PCC, o
estudo do marxismo era super cial, restringido a pequenos núcleos académicos
nas principais cidades do país, que o difundem em publicações como a Nova
Juventude, editada por Chen Duxiu. Dir-se-á que, em muitos aspetos críticos, o
entendimento do marxismo subscrito pelos fundadores do PCC devia mais à
história chinesa, e à experiência recente do Movimento Quatro de Maio do que
aos rigores da dialética marxista e da análise de classe.
Enraizado num contexto nacional concreto, o partido visava adaptar o
marxismo às tarefas especí cas colocadas pelas realidades chinesas. Mas essa
mesma adaptação à realidade nacional obriga o partido a rever e, em alguns
casos, a enjeitar fundamentos doutrinais do marxismo. Os acontecimentos que
se desenrolam após a proclamação da república levantam questões teóricas
complexas para o marxismo chinês na década de 1920. A burguesia nacional
consegue estabelecer a república sob a orientação de Sun Yat-sen, mas o caos
que se segue, e a usurpação do poder por Yuan Shikai, demonstra a fraqueza da
minúscula classe operária num país rural e semifeudal. Com efeito, os eventos
do pós-1912 também evidenciam a tremenda debilidade da burguesia nacional,
incapaz, por si só, de concretizar a “revolução democrática e nacional” que, na
perspetiva dos ideólogos marxistas, teria de anteceder a “revolução socialista”.
Neste vazio, a ênfase dada por Mao ao potencial revolucionário do campesinato
nasce da necessidade ou, para recorrer à formulação maoista, da procura da
verdade a partir dos factos. A China, muito simplesmente, não era a Rússia.
A Grande Revolução de Outubro, por várias razões, dá um impulso colossal à
difusão das ideias comunistas na China.
A centralidade do acontecimento para o desenvolvimento do marxismo chinês
seria destacada por Mao, em 1949, no artigo “Sobre a Ditadura Democrática
Popular”. Debruçando-se sobre o impacto de 1917 nos meios marxistas
chineses, Mao a rma que fora “através dos russos que os chineses encontraram o
marxismo. Antes da Revolução de Outubro, os chineses não eram apenas
ignorantes de Lenine e Estaline; nem conheciam Marx e Engels. As salvas da
Revolução de Outubro trouxe-nos o marxismo-leninismo. A Revolução de
Outubro ajudou os progressistas na China, assim como outros em todo o
mundo, a adotar a perspetiva proletária do mundo como instrumento para
estudar o destino de uma nação e para considerar novamente os seus próprios
problemas”101. Mais do que um conhecimento do corpus teórico marxista-
leninista, a tomada de poder pelos bolcheviques russos traz um conhecimento
da organização leninista do partido e do caminho insurrecional para assaltar o
poder. Atendendo a este desconhecimento generalizado dos fundamentos
doutrinais, não surpreende que o embrionário movimento comunista chinês
fosse mais do que recetivo à mão orientadora estendida pela Internacional
Comunista (Comintern).
 
 
Na sombra do Comintern
 
Ao mesmo tempo que os bolcheviques conduzem uma luta desesperada pela
sobrevivência, face às resistências dos “russos brancos” e dos combatentes
estrangeiros que os socorriam, os caminhos das revoluções russa e chinesa
cruzam-se quando Lenine conclui que o destino da Revolução de Outubro
estava intimamente ligado às vitórias anti-imperialistas no mundo colonial102.
A viragem estratégica em direção ao mundo colonizado opera-se após o
esmagamento dos movimentos operários na Alemanha, na Hungria e na
Turquia. Por outras palavras, o fracasso da revolução proletária nas nações
industrializadas do Ocidente, justamente nas sociedades onde Marx previa que a
revolução triunfasse103, leva Lenine, em 1920, a instruir o Comintern, criado no
ano anterior sob os auspícios dos bolcheviques russos, a abrir uma “segunda
frente” contra o imperialismo no mundo colonial104. Desse modo, na Primavera
de 1920, no momento em que decorriam os preparativos para o Congresso dos
Povos do Oriente, realizado em Baku em setembro de 1920, dois agentes do
Comintern, Grigory Voitinsky e Yang Mingzhai, chegam à China para
fomentar a criação de um partido bolchevique local105. Assegurada a adesão
chinesa aos preceitos ideológicos e organizacionais estabelecidos pelos “21
Pontos” do Comintern, Voitinsky, o Secretário do Departamento de Assuntos
Orientais da Internacional Comunista, con a a Chen Duxiu, prestigiado
intelectual da Universidade de Beijing e proeminente ativista do Movimento
Quatro de Maio, a tarefa de estabelecer um “partido leninista de tipo
novo”106. Dando seguimento às instruções do Comintern, Duxiu estabelece, em
maio de 1920, um Comité Central provisório encarregado de preparar o
lançamento do Partido Comunista Chinês.
No dia 1 de julho de 1921, numa modesta escola para meninas localizada na
concessão francesa de Xangai, doze homens, em representação de cinquenta e
sete comunistas, reuniram-se para formar o Partido Comunista
Chinês107.  Perseguidos pela polícia, inteirada do encontro por agentes
in ltrados na organização, os delegados abandonam a escola e reúnem-se em
vários locais. Encerram os trabalhos do Congresso fundador num barco turístico
alugado no Lago Sul, em Jiaxing.  Sob vigilância policial, Chen Duxiu e Li
Dazhao, as personalidades dominantes do partido nos anos que seguem à
fundação, vêem-se impossibilitados de marcar presença no conclave108. Todavia,
Mao Zedong, na altura com 28 anos de idade, encontra-se entre os delegados ao
I Congresso que selecionam (in absencia) Chen Duxiu como primeiro Secretário-
Geral do autointitulado “partido militante e disciplinado do proletariado”,
organizado para “exortar o proletariado a participar e ou liderar o movimento
democrático burguês”109.  Salienta-se que o PCC se recusa a exigir, por
considerá-la prematura, a “revolução socialista”, procurando “liderar o
movimento democrático burguês” até que amadurecessem as condições
objetivas que permitissem a tomada revolucionária do poder. Sociedade
semifeudal nos primórdios da modernização, a China teria, na ótica dos
comunistas, de passar por uma “revolução democrática e nacional” antes de
poder avançar rumo à “revolução socialista”.
Apesar de se conformar com as orientações do Comintern, a retórica
revolucionária do Partido Comunista Chinês não oculta as suas ambiguidades
estratégicas.  Espelhando a sua escassa preparação político-ideológica, os
delegados ao I Congresso dividem-se quanto à prioridade imediata: construir
um partido conspiratório dedicado à organização dos operários ou proceder à
construção de um partido de massas habilitado a participar abertamente na vida
da república.  Acrescenta-se que, embora a minoria tivesse manifestado a sua
oposição a qualquer aliança com o Guomindang de Sun Yat-sen, a maioria,
instigada pelo delegado do Comintern, propõe, a m de solidi car o
“desenvolvimento do movimento antimilitarista e anti-imperialista”, a
“colaboração não-partidária” com os nacionalistas110.  A formulação constituía,
em muitos aspetos, uma franca admissão da impotência política e estratégica do
novíssimo partido. Aliás, estas e outras questões relacionadas com a teoria e
a  praxis  do partido seriam resolvidas apenas com a ascensão de  Mao à liderança
do PCC no decorrer da Conferência de Zunyi, de janeiro de ١٩٣٥111.
Paradoxalmente, as ambiguidades e contradições evidenciadas a partir do I
Congresso não impedem o PCC de assumir um papel relevante na política
chinesa porque a sorte intervém na pessoa de Estaline. A morte de Lenine, em
janeiro de 1924, provoca a intensi cação da luta pelo poder na recém-
construída URSS, com Estaline a juntar-se a Grigory Zinoviev e a Lev Kamenev
para bloquear as ambições de Lev Trotsky. Consumada a derrota deste último,
Estaline alia-se a Nikolai Bukharin e à direita bolchevique para marginalizar os
seus antigos aliados, Zinoviev e Kamenev. Uma das divergências que separa
Estaline do chamado “grupo anti-partido” de Zinoviev, Kamenev e Trotsky, que
acabam por ser expulsos do partido em nais de 1927, incide sobre o papel do
Comintern e a estratégia de alianças a seguir na China. Este debate, por sua vez,
re ete duas visões distintas quanto ao papel da revolução mundial e a sua
relação com o poder soviético. Adepto da “revolução permanente”, Trotsky
mantém que a revolução russa será bem-sucedida se for escudada por revoluções
operárias, que fortaleceriam o socialismo soviético. Insiste, portanto, que cabe
ao PCC, a vanguarda da classe operária, liderar a revolução chinesa. Estaline, em
contraste, mantém que a prioridade absoluta do movimento internacional
comunista reside na preservação do poder bolchevique na URSS, na construção
do “socialismo num só país” cercado por potências capitalistas hostis. Para isso,
alianças de classe no estrangeiro são necessárias para enfraquecer o imperialismo
e para, assim, resguardar a “pátria do socialismo”. Partindo desta leitura que
ganha numerosos adeptos no Comintern à medida que Estaline reforça a sua
posição política, o déspota escolhe apoiar o PCC, mas também os nacionalistas
do Guomindang, que lideraram a “revolução democrática e nacional”.
Astuto, pragmático, calculista e destituído de escrúpulos, Estaline impõe a
sua vontade e Moscovo encarrega o delegado do Comintern Maring (o holandês
Hendricus Sneevliet, também conhecido como Ma Lin) de orientar o PCC e o
GMD para a formação de uma Frente Unida capaz de consolidar a “revolução
democrática e nacional” e anti-imperialista que o Comintern entende estar a
desenrolar-se no país112.  Porque estavam por reunir as condições para fazer a
revolução socialista, o PCC teria de se aliar ao nacionalista, burguês e anti-
imperialista Guomindang. Ambos conduziriam a revolução “democrática e
nacional” à sua fruição.  Desprovido de recursos nanceiros, contando com
aproximadamente 200 membros inscritos, o Secretário-Geral Chen Duxiu anui,
ante as instruções transmitidas por Maring, e, em 22 de agosto de 1922, numa
sessão plenária especial do PCC, rati ca a orientação estratégia apresentada
pelos senhores do Comintern113.
A estratégia de cooperação entre nacionalistas e comunistas consubstanciada
na Frente Unida visava derrubar o “imperialismo estrangeiro” e construir um
estado chinês forte e uni cado, pré-requisitos para realizar com êxito a
“revolução democrática e nacional”. Não surpreende, pois, que, perante os
pedidos do PCC de ajuda destinada à criação de uma força de combate capaz de
desalojar a ala militar do Guomindang, o tirano georgiano argumente que as
forças nacionalistas incorporam “pessoas capazes, que ainda dirigem e lideram o
exército contra os imperialistas”114. A postura de Estaline era expectável porque,
na altura, os soviéticos apoiam inequivocamente os militares do Guomindang e
as suas instituições, incluindo a Academia Militar de Whampoa, onde cidadãos
soviéticos instruem o corpo de o ciais do exército republicano. A prudência de
Estaline re ete o seu ceticismo em relação à capacidade do PCC de disputar o
poder nacional, ao mesmo tempo que, denuncia o seu propósito de
instrumentalizar o GMD para conter o expansionismo japonês na China.
Se é verdade que o acordo frentista atendia aos interesses de Estaline, é
igualmente verdade que a nova aliança coloca problemas monumentais aos dois
partidos chineses. Da parte dos nacionalistas, suspeitava-se das verdadeiras
intenções dos militantes do PCC. Estes, que não totalizam mais do que umas
centenas, temiam, com inteira razão, serem engolidos pelos seus rivais. É certo
que, de acordo com os termos da Primeira Frente Unida, os membros do PCC
que optassem por aderir ao Guomindang cariam isentos de jurar lealdade
pessoal a Sun Yat-sen, até então uma condição prévia de adesão à organização.
Ainda assim, o PCC mantinha que a aliança com o Guomindang, embora
concebida como de natureza estritamente tática, era imperativa para combater
os “senhores da guerra de tipo feudal”115. Realizada a “revolução democrática e
nacional”, a aliança com o Guomindang tornar-se-ia supér ua porque o PCC
conduziria a classe trabalhadora à “ditadura do proletariado aliado aos
camponeses pobres contra a burguesia”116.  Desnecessário será referir que o
Guomindang não partilhava a leitura do PCC quanto ao futuro do país.
Também o GMD atravessava uma fase de desorientação estratégica. Em 1919,
após a dissolução do Partido Revolucionário, Sun Yat-sen imediatamente forma
o Partido Popular Nacional (Guomindang). Embora inicialmente carecesse de
seguidores e de um aparato militar robusto, tais limitações eram parcialmente
compensadas pela imensa autoridade pessoal conquistada por Sun Yat-sen
durante anos de exílio e de ativismo político. Imbuído com a autoridade
política de Sun e orientado pelo delegado do Comintern, Grigory Voitinsky, o
GMD adota uma  estrutura organizacional leninista, reforçada por um
juramento de lealdade pessoal a Sun Yat-sen. A coesão ideológica do partido,
por sua vez, repousava nos  Três Princípios de Nacionalismo, Democracia e
Subsistência, de nidos por Sun Yat-sen117. Em março de 1923, dá-se um passo
signi cativo para consolidar a in uência do partido, quando a liderança
soviética lhe atribui ajudas nanceiras, assessores e formação militar118.  Ao
apostar nos nacionalistas, o Kremlin restringe a autonomia do PCC,
vinculando-o às fortunas do Guomindang, crescentemente dividido entre as
fações esquerda e direita, que se polarizam após a morte de seu fundador e líder,
em março de 1925. A che a do Guomindang passa então para Chiang Kai-
shek, um del m de Sun  Yat-sen que recebera treino militar na URSS  e que
comandava a  Academia Militar de Whampoa119.  Pouco tempo depois, caria
claro que Chiang estava longe de ser um compagnon de route, ou até um mero
simpatizante, dos comunistas chineses.
A Frente Unida alcança o seu apogeu  em 1926/7, momento em que os
comunistas se unem ao Exército Nacionalista de Chiang Kai-shek na Expedição
do Norte, a ofensiva militar que visa esmagar os senhores da guerra que
impedem a formação de um governo republicano coeso. O êxito da Expedição
do Norte permite a tomada de posse, em abril de 1927, de um governo
nacionalista em Nanjing, recém-libertada do senhor da guerra Sun
Chuanfang120.  Nesse mesmo mês,  Chiang Kai-Shek, um dos soldados
nacionalistas “capazes” que Estaline elogiara, desencadeia o “Terror
Branco”  contra os seus aliados da Frente Unida. Altos quadros do PCC são
encarcerados; sendo muitos sumariamente executados durante o “massacre de
Xangai”121.  Mais tarde, por ocasião do 60º aniversário do PCC, a Sexta Sessão
Plenária do XI Comité Central descreve a extensão desta devastação nos
seguintes termos: “O número total de membros do Partido, que havia crescido
para mais de 60,000, caiu para um pouco mais de 10,000”122. A imensidão do
desastre sofrido às mãos de Chiang Kai-shek, que atormentará a cúpula do PCC
durante décadas, provoca duas consequências imediatas: em 12 de julho de
1927, Chen Duxiu será afastado do cargo de Secretário-Geral e, em paralelo, a
liderança do partido mergulha numa fase conspirativa enquanto luta pela
sobrevivência no interior do país, onde Mao Zedong conquista a liderança do
PCC. Por sua vez, o Generalíssimo Chiang Kai-shek, depois de neutralizar a
contestação da ala esquerda do Guomindang, redireciona o movimento
nacionalista para prosseguir um combate sem quartel aos comunistas, que
recorriam à luta armada nas montanhas da China rural.
 
 
Na mão do Grande Irmão
 
Em 1936, com o aproximar dos tambores da guerra mundial, o Governo de
Chiang Kai-shek, a braços com os senhores da guerra e com os insurretos
comunistas, via-se impedido de mobilizar recursos para conduzir a luta anti-
japonesa a bom porto.  Convictos de que a luta armada de Chiang contra os
guerrilheiros do PCC fragilizava a resistência aos japoneses, um grupo de
generais nacionalistas, sob a liderança de Zhang Xueliang, protagoniza o
bizarro “Incidente de Xi’na”. Em dezembro de 1936, com o intuito de
pressionar Chiang a chegar a um acordo com o Exército Vermelho que pudesse
reforçar o combate anti-nipónico, os revoltosos raptam e sequestram o
generalíssimo123. Humilhado pelo levantamento e coagido pelos seus generais,
Chiang Kai-shek cedeu às exigências de Zhang Xueliang e, nessas
circunstâncias nada auspiciosas, consumou-se, pelo menos no papel, a Segunda
Frente Unida.
Forças nacionalistas esporadicamente colidiam com o Exército Imperial
Japonês na Manchúria durante a Campanha do Norte. Mas será o “Incidente da
Ponte Marco Polo”, ocorrido a 7 de julho de 1937, que desencadeia a Segunda
Guerra Sino-Japonesa. A complexa situação política decorrente da agressão
nipónica, incluindo a “violação de Nanjing” e a ocupação da grande parte da
China oriental124, impossibilitava a rejeição dos pedidos de “união” formal entre
nacionalistas e comunistas, isto é, o rompimento da Segunda Frente Unida. Ao
mesmo tempo, as memórias da fracassada Primeira Frente Unida,
particularmente a recordação das matanças que acompanharam o “Terror
Branco”, revelam-se intransponíveis.  Não surpreende, pois, que Chiang
continue a conter militarmente a guerrilha comunista e, enquanto Mao persiste
em minar a in uência do GMD de forma a consolidar o PCC nos campos.
Dividida por estas e outras clivagens, a Segunda Frente Unida resiste apenas
como parceria formal sem expressão operacional. Uma vez que as divergências
separando os campos nacionalista e comunista não seriam ultrapassadas, a
derrota do projeto imperial japonês em 1945, abre o caminho para mais uma
ronda da interminável guerra civil chinesa.
Durante a primeira semana de fevereiro de 1945, seis meses antes do cessar
das hostilidades no Pací co, o destino da China no pós-guerra fora decidido
pelos “Três Grandes” – os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Soviética –
no resort de Ialta, na Crimeia125. Politicamente fortalecido pelas “realidades no
terreno” ditadas pelo Exército Vermelho na Europa Oriental, Estaline apresenta
a Franklin D. Roosevelt e a Winston Churchill as suas reivindicações relativas
ao Extremo Oriente. As exigências do autocrata soviético não se compaginam
com o silêncio anglo-americano porque Roosevelt necessita de convencer o seu
homólogo soviético a entrar na guerra do Pací co. Antevendo uma invasão
prolongada, e sanguinária das ilhas nipónicas, os Estados Unidos procuram o
destacamento dos exércitos de Estaline para a China e para a Coreia, de forma a
abrir uma segunda frente contra os japoneses.
O ditador anui à solicitação de Roosevelt, mas extrai um preço elevado.
Compromete-se a aceitar declarar a guerra a Tóquio três meses após a vitória na
Europa; em contrapartida, o Primeiro-Ministro britânico e o Presidente
americano aceitam repor o  status quo ante  que vigorava no Extremo Oriente
antes da ascensão japonesa. Aceitam restaurar os “direitos” históricos “violados”
pelo Japão em 1904, incluindo a devolução do sul da ilha Sacalina e das ilhas
Curilas, territórios cedidos a Tóquio pelo império czarista na sequência da
Guerra Russo-Japonesa. Adicionalmente, Port Arthur e Dairen, bem como as
ferrovias leste e sul da Manchúria, seriam entregues aos soviéticos. Não menos
crítico, Ialta previa a permanência da República Popular da Mongólia
(Mongólia Exterior, uma parte da China até 1912) sob tutela moscovita, um
estado-tampão visto como indispensável para garantir a segurança da União
Soviética na Ásia Central. São ganhos geoestratégicos importantes, ainda mais
porque são rati cados por Churchill e Roosevelt em Ialta.
Estaline, depois de prometer pôr m à assistência material e nanceira
prestada ao PCC, reconhece o governo do Guomindang e convence Chiang Kai-
shek a assinar um “Tratado Sino-Soviético de Amizade e Aliança” que, no
essencial, reproduz o acordo de Ialta.  Indubitavelmente satisfeito com os
impressionantes ganhos que obtém na frente diplomática, o tirano georgiano
cultiva uma distância prudente relativamente ao PCC, persuadindo Mao a
aceitar um entendimento político global com o Guomindang. Fá-lo porque não
acredita na capacidade do Exército Vermelho de Mao de in igir uma derrota
militar ao Guomindang e porque está determinado a evitar provocar a ira de
Washington. No entanto, o acordo versando o Extremo Oriente rmado em
Ialta acaba por se desfazer quando os Estados Unidos anunciam que reservam
para si a exclusiva responsabilidade pela ocupação do Japão. Ao mesmo tempo
que os Estados Unidos intensi cam as ajudas a Chiang Kai-shek, Estaline,
receoso de um “cerco americano”, não tem outra alternativa senão continuar a
fornecer armas aos comunistas chineses. Não obstante os ajustes à sua estratégia
para o Extremo Oriente ditados pela conjuntura, Estaline, na véspera do triunfo
de Mao na guerra civil, aconselha a remoção do Exército Vermelho do rio
Yangtzé e insiste na formação de um governo de coligação nacionalista-
comunista. Até aos derradeiros momentos da guerra civil, o Kremlin, cético em
relação à vitória comunista, visa condicionar a margem de manobra das partes
chinesas e, assim, salvaguardar os interesses vitais do estado soviético, a
prioridade das prioridades.
A postura de Estaline na Europa de Leste sob ocupação dos tanques do
Exército Vermelho con rmara que o seu compromisso com a revolução
socialista e o internacionalismo proletário estava nitidamente subordinado à
lógica da segurança e do interesse nacional do estado soviético. A revolução era,
no dizer do déspota, “um meio de poder e não um objetivo em si”. Mas, em
última análise, a política externa soviética pós-1945 será impulsionada pelo
imperativo de demarcar esferas de in uência e de evitar con itos que possam
comprometer interesses estratégicos moscovitas126. Uma coisa era clara: a
metamorfose do frágil estado bolchevique do pré-guerra na assertiva grande
potência do pós-guerra. Mas esta imensa expansão do poderio soviético também
gera inseguranças que se agudizam à medida que as relações russo-americanas
degeneram. Ora, esta insegurança estratégica de Estaline, decorrente do receio
do cerco capitalista, leva-o a estabelecer relações preferenciais com Mao, de
quem espera sacrifícios em prol do avanço da “construção socialista”
soviética.  Esta visão utilitária quanto aos partidos comunistas “fraternos”,
patente nas mudanças de orientação estratégica do Comintern nas décadas de
1920 e 1930, bem como nos destinos trágicos dos comunistas estrangeiros cujas
opiniões colidiam com as de Estaline, vêm à tona nas relações mantidas com o
Partido Comunista Chinês.
As tensões entre os partidos soviético e chinês não emergem de imediato, até
porque a dedicação de Mao ao marxismo-leninismo assentava na convicção de
que a transformação revolucionária do estado e da sociedade chinesas restauraria
o país à grandeza negada pelas potências imperialistas. Para atender aos
objetivos domésticos da revolução preconizada por Mao, torna-se inevitável
traçar uma orientação anti-imperialista em política externa. Restaurar a posição
legítima da China no mundo exigiria que o novo governo da RPC des zesse o
legado do “século da humilhação nacional”; isto é, impunha-se a reformulação
das relações de Beijing com as potências ocidentais.  As políticas interna e
externa do PCC eram, pois, indivisíveis, reforçavam-se
mutuamente.  Acrescenta-se que, impulsionado pela rejeição do legado do
“século da humilhação nacional”, o nacionalismo do PCC encaixava no léxico
anti-imperialista dos partidos marxistas-leninistas do Comintern. A
solidariedade interpartidária inerente à participação no movimento
internacional comunista signi ca que Mao dispõe de aliados preparados para
defender a revolução chinesa e inserir o país num sistema internacional não-
capitalista que descarta as regras ocidentais de comportamento entre
estados.  Independentemente das desconsiderações pessoais provocadas pelo
chauvinismo russo e pelas “más maneiras” de Estaline, Mao estava refém do
entendimento do georgiano quanto ao internacionalismo proletário127.
Há a tentação de enfatizar a inexorabilidade do cisma sino-soviético, iniciado
em fevereiro de 1956 pelo “discurso secreto” de Nikita Khrushchev,
entendendo-o como o resultado inevitável da busca de independência face a
Moscovo.  No entanto, o con ito entre os dois colossos comunistas não fora
predeterminado. Um dos mais conhecidos slogans chineses da década 1950
a rmava que a “URSS de hoje é a China de amanhã”. Resumia-se, assim, a
essência das expectativas e ambições chinesas no período posterior à “libertação”
de 1949.  Independentemente das diferenças que obstaculizavam as relações
entre os dois partidos marxistas-leninistas, Mao descreve os soviéticos como os
“grandes irmãos” e diz-se se “pupilo” de Estaline, a quem reconhece o papel
principal no movimento internacional comunista. Para o PCC, e tantos outros
partidos comunistas, a URSS era o farol que iluminava a trajetória da
modernização e do sentido geral do progresso e da história. Para os novos
dirigentes da República Popular da China, Moscovo possuía capital e meios
técnicos de cooperação para viabilizar a reconstrução e a industrialização do
país. O país tinha muito a aprender com a experiência adquirida pelos
camaradas soviéticos e a assistência de Moscovo era absolutamente essencial
para construir o socialismo chinês e restaurar o status do país como grande
potência mundial.
As desavenças entre comunistas soviéticos e chineses são temperadas e os
impulsos revolucionários de Mao e Estaline resfriados pela presença militar
massiva dos Estados Unidos na Ásia depois da vitória aliada na guerra do
Pací co. Em face desta nova realidade geopolítica e dos acontecimentos
surgidos no pós-1945 que apontam para uma notável degradação do
relacionamento soviético-americano, os dois ditadores comunistas rmam, a 14
de fevereiro de 1950, o Tratado Sino-Soviético de Amizade, Aliança e
Assistência Mútua128. A recém-criada República Popular sinaliza a importância
da aliança com a deslocação de Mao Zedong a Moscovo, onde permanece entre
dezembro de 1949 e fevereiro de 1950 para participar na fase nal das
negociações e na cerimónia de assinatura. Para Mao, a estadia em Moscovo não
seria uma experiência aprazível. Tratava-se, aliás, da primeira de apenas duas
vezes que o Grande Timoneiro se ausentaria de solo chinês.
É evidente que Mao via a aliança como um instrumento para retirar a RPC do
sistema capitalista mundial e para impulsionar a integração do país no “campo
socialista” sob a liderança soviética. Em Moscovo, pressiona os soviéticos e pede
a Estaline um novo tratado, mas o líder soviético revela-se relutante. As razões
de Estaline para manter o antigo tratado celebrado com o Guomindang são
óbvias. Contudo, um novo arranjo poderia minar o entendimento de Ialta e
assim, provocar a intervenção dos Estados Unidos na China, algo que
desesperadamente pretende evitar. Menos razão para Estaline, depois de
procrastinar durante quase duas semanas, ceder nalmente ao pedido de Mao.
Mas o autocrata impõe numerosas condições à parte chinesa, incluindo uma
zona de interesses exclusivos na Manchúria, e o direito (particularmente
humilhante para a China) de movimentar tropas soviéticas através da
Manchúria em tempo de guerra. Moscovo também conserva a sua base naval em
Port Arthur (Lüshun) e adquire participações em várias empresas conjuntas,
uma concessão que desagrada a Mao.
Eis os chamados “frutos amargos” da aliança sino-soviética, a que o líder
chinês se referiria mais tarde. Em contrapartida, a China obtém garantias de
segurança, sendo colocada sob o “guarda-chuva nuclear” soviético. A ajuda
económica passa pela criação de novas indústrias, incluindo a militar, com o
auxílio dos cooperantes soviéticos que trabalham na República Popular na
década de 1950 e dos estudantes chineses que se deslocam para os países
socialistas. Mais importante ainda, a aliança sino-soviética legitima Mao,
integrando-o no movimento revolucionário encabeçado por Moscovo. Embora
tenha resistido apenas uma década, a aliança anuncia uma profunda alteração do
equilíbrio regional de poder e acelera as dinâmicas da novel Guerra Fria. As
implicações regionais da aliança tornam-se claras em 1950, na Coreia.
A proclamação da República Popular da China ocorre num quadro de
intensi cação de tensões leste-oeste. Na Ásia, o Japão, a grande potência da
primeira metade do século, encontra-se sob ocupação e integralmente devastado
pela guerra. Assente na proeminência japonesa, a ordem asiática em vigor antes
de 1945 implodia, criando um vácuo de segurança na região. Na Índia e na
Indonésia, as potências europeias rapidamente se revelam impotentes para
travar a descolonização. A França regressa ao Vietname apenas para se envolver
numa nova guerra com as forças comunistas de Ho Chi Minh. A Coreia, divida
em dois estados, vê o norte da península, a parte mais industrializada do país,
cair para os comunistas de Kim Il-sung, instalado no poder pelas autoridades de
ocupação soviéticas.
São, porém, os acontecimentos a decorrer na Europa Oriental e na Grécia que
dão origem à Guerra Fria. Em resposta a esses episódios, em 12 de março de
1947, Harry Truman, dirigindo-se a uma sessão conjunta do Congresso,
delineia a “doutrina de contenção” e explica que “a política dos Estados Unidos
deve apoiar os povos livres que resistem à tentativa de subjugação por minorias
armadas ou por pressão externa”129. Reproduzindo o universalismo de Truman,
o ideólogo do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Andrei Zhdanov,
durante a reunião fundadora do Cominform, a 22 de setembro de 1947, anuncia
a doutrina dos “dois campos”, postulando a inevitabilidade da guerra entre o
polo “antidemocrático e imperialista” liderado pelos Estados Unidos e o bloco
“democrático e anti-imperialista” encabeçado pela União Soviética130. Uma vez
que o campo “democrático e anti-imperialista” abrangia os partidos operários e
comunistas, e também reunia os movimentos de libertação do mundo colonial,
o conceito tradicional marxista-leninista de “dois sistemas” dá lugar ao conceito
de “dois campos irreconciliáveis”131. Eis a novidade das relações internacionais
da fase inicial da Guerra Fria: um mundo dividido entre duas potências de
vocação universalista que comandam campos mutuamente antagónicos.
A inimizade de Estaline e Mao em relação ao mundo capitalista gera
incentivos para que os dois autocratas se aliem para equilibrar o poderio dos
Estados Unidos.  Beijing, logicamente, procura obter o apoio de Moscovo de
forma a escudar-se das manobras de Washington, que visa isolar, política e
economicamente, a República Popular. Quando Mao “se inclina para um lado”,
fórmula utilizada para expressar a sua preferência pelo campo político tutelado
por Moscovo, Estaline passa a contar com o maior país asiático como aliado,
assim equilibrando a correlação de forças numa zona que assiste a um intenso
buildup da presença militar americana132. Por último, e certamente não menos
relevante, o apoio concedido pelo PCC à União Soviética e o reconhecimento do
PCUS como líder indiscutível do movimento internacional comunista
solidi cam o prestígio e a liderança de Estaline do campo “democrático e anti-
imperialista”.
A aliança sino-soviética assegurava, pois, os objetivos políticos imediatos dos
dois tiranos.
 
 
O Oriente é vermelho
 
As origens longínquas da Revolução Cultural remontam às duas visões
existentes no interior do PCC desde a fundação da República Popular ao
modelo de construção socialista a seguir. As origens imediatas encontram-se no
processo de “destalinização” iniciado no XX Congresso do PCUS, realizado em
fevereiro de 1956133. Em 1953, Estaline morre e com ele desabada o monólito
É
que era o comunismo internacional. É certo que a dissidência de Leon Trotsky
e, em 1948, a heresia de Josip Broz Tito, provocaram tremores dentro do
movimento internacional comunista. Mas eram casos pontuais que Estaline,
com a sua imensa autoridade e uso indiscriminado da violência, ultrapassara.
Tudo muda no dia 25 de fevereiro de 1956. Proferido por Nikita Khrushchev
no XX Congresso do PCUS, o “discurso secreto” – formalmente intitulado
“Sobre o Culto da Personalidade e as suas Consequências” – dá início a uma
duríssima condenação do culto da personalidade e dos demais pilares
estruturantes do estalinismo. Khrushchev enfatiza a natureza subjetiva de
Estaline – os erros, desvios e abusos de poder –, concluindo que a construção
socialista carece de mudanças, mais ou menos profundas na nomenklaturae e a
liberalização da sociedade soviética. Ao salientar esta natureza subjetiva do
estalinismo, faz uma leitura difícil de conciliar com a “cienti cidade” do
materialismo histórico e, em última análise, com o marxismo-leninismo. O
discurso secreto despoleta um terramoto no movimento internacional
comunista ao qual o PCC, logicamente, não permanecerá incólume.
O assalto impiedoso ao legado de Estaline, outrora líder incontestável que
vencera a “guerra contra o fascismo” e grande obreiro da construção socialista,
leva Mao a temer que “algum ‘Khrushchev chinês’ se levantasse no PCC e
atirasse Mao, assim como Khrushchev atirara Estaline, para o poço da história e
transformasse o comunismo na China em nada mais do que uma fórmula para o
crescimento económico e a prosperidade”134.  Politicamente astuto, o Grande
Timoneiro não estava totalmente incorreto na sua leitura da conjuntura política.
É verdade que Mao jamais poderia ser liminarmente afastado, pois o seu
estatuto de fundador do PCC, vencedor da guerra civil e gura cimeira da
República Popular não o permitiria. Mas, evidentemente, o seu poder era
suscetível de ser esvaziado, transformando-o numa gura simbólica destituída
de poder real. Disputas entre fações e purgas individuais eram endémicas ao
PCC, mas o terror generalizado empregado por Estaline para dizimar as cúpulas
do PCUS jamais seria replicado nas leiras do partido chinês. É certo que o
terror generalizado, pela mão de Kang Sheng, um sicofanta de Mao, fora
utilizado com grande e cácia nos anos da guerrilha. Porém, a
institucionalização do PCC que ocorre depois do estabelecimento da RPC
signi ca que, ao contrário de Estaline, Mao, apesar de ser um primus inter pares
no PCC, não podia recorrer ao terror sistemático para sufocar vozes dissidentes
no seio do partido e exterminar os seus rivais.
Mao, em maio de 1956, optando por expor potenciais adversários
su cientemente ousados para denunciarem os erros do PCC, ordena o início da
Campanha das Cem Flores. Inspirado pelo poema “deixar desabrochar uma
centena de ores, deixar orescer uma centena de escolas de pensamento”(百花
齐 放 , 百 家 争 鸣 ), o Movimento das Cem Flores, reminiscente do
“descongelamento” de Khrushchev, instiga intelectuais a encetarem a discussão
sobre a cultura socialista. O cialmente, o objetivo último da iniciativa era
demonstrar a superioridade do socialismo face ao capitalismo e, assim, acelerar o
desenvolvimento socialista. Em “Sobre a Justa Solução das Contradições no Seio
do Povo”, publicado em nais de fevereiro de 1957, Mao apela à “crítica
construtiva”135. Meses depois, renova o apelo à denúncia dos excessos do
governo e do aparelho burocrático. Desta vez, as críticas não só se multiplicam,
como extravasam os parâmetros da “crítica construtiva”. Por exemplo, surge no
campus da Universidade de Beijing um “Muro da Democracia” que repudia
abertamente a política do PCC e os privilégios injusti cados da  nomenklatura. A
extensão e o alcance da contestação surpreendem Mao e a cúpula do PCC e, em
julho de 1957, a “abertura” era subitamente terminada.  Intelectuais que
ousaram levantar a voz contra os atropelos do regime passam a ser reprimidos
no âmbito do Movimento Anti-Direitista, orientado por Deng Xiaoping, que
segue a Campanha das Cem Flores136.
O regime resistia ao apelo da liberalização, como voltaria a fazer durante os
eventos de Tiananmen, em 1989.  As lições da Campanha das Cem Flores
também explicam por que razão, durante a Revolução Cultural, esforços
hercúleos foram empreendidos para garantir a adesão à linha partidária
“correta”, delimitando os parâmetros aceitáveis do discurso ideológico em plena
conformidade com os escritos teóricos de Mao, posteriormente codi cados no
Livro Vermelho.  Por outro lado, acontecimentos veri cados fora das fronteiras
da China na segunda metade da década de 1950 encorajam Mao a resistir à
desestabilização político-ideológica associada ao “revisionismo” soviético.  A
desmisti cação de Estaline por Khrushchev, bem como a Revolta Húngara
anticomunista de 1956, demonstraram até que ponto o edifício ideológico do
PCC poderia ser desconstruído se o partido não estreitasse as suas fronteiras
ideológicas137. Um exame crítico do passado recente levaria, invariavelmente, a
um aumento da contestação dos pilares ideológicos fundamentais sobre os quais
repousava a legitimidade e a autoridade do regime. Ora, em 1956, um desses
pilares era o próprio Mao, o “libertador” e fundador do PCC e da República
Popular.  Se o imperialismo ameaçava o socialismo a partir do exterior, o
revisionismo era o insidioso inimigo interno que espreitava nas sombras mais
profundas do partido e do estado. Não era, pois, tempo de contemplação e
recuo. Na realidade, para garantir que os inimigos do socialismo não
conseguissem conquistar posições, impunha-se uma vertiginosa aceleração da
construção socialista.
Alternativamente conhecido como o Grande Salto Em Frente, o Segundo
Plano Quinquenal, abrangendo os anos 1958-62, era uma aceleração da
construção socialista. Preconizado por Mao, o Grande Salto Em Frente
desencadearia um “avanço imprudente” para o comunismo. Assente na
abundante mão de obra da imensa população chinesa, o “avanço imprudente”
permitiria que a China, em menos de quinze anos, ultrapassasse o produto
nacional da Grã-Bretanha. O Grande Salto Em Frente resulta de um debate no
interior do PCC sobre o ritmo da industrialização e da coletivização da terra que
se arrastava desde os primeiros dias da RPC.  Inspirado pela coletivização
estalinista operada na década de 1930, Mao procura nanciar a industrialização
acelerada com o excedente extraído do sector agrícola, razão que o leva a propor
a coletivização imediata dos campos (isto é, o estabelecimento das comunas
populares).
Em contraste com a utopia maoista, Liu Shaoqi, Zhou Enlai e Deng Xiaoping
surgem como os principais defensores do planeamento industrial pragmático e
de um ritmo mais suave de coletivização. De modo a resolver as diferenças
decorrentes desse choque no seio da cúpula do PCC, realiza-se, entre 17 e 30 de
agosto de 1958, em Beidaihe, a reunião ampliada do Comité Central, que
aprova as orientações de Mao para estabelecer as comunas populares e os “fornos
de quintal”. A primeira era apresentada com uma “política fundamental para
orientar os camponeses a acelerar a construção socialista, para concluir a
construção do socialismo antes do tempo e realizar a transição gradual para o
comunismo”138.  Quanto aos “fornos de quintal”, pretendia-se duplicar a
produção de aço dentro de um ano. Acrescenta-se que as comunas populares
estruturavam relações sociais de modo a torna-las mais igualitárias.  Pouco
depois, numa segunda reunião do Comité Central, realizada em Wuchang, em
nais de novembro, Mao, apesar das crescentes evidências que apontavam para o
insucesso do “avanço imprudente”, insiste em acelerar a “comunalização” da
China rural.
Analisando o contexto mais vasto do debate a decorrer dentro do PCC, a
obstinação política e a imobilidade ideológica de Mao tornam-se
compreensíveis. Note-se que, em 1957, Khrushchev conduzia uma luta política
implacável contra o chamado “Grupo Antipartido” – Georgy Malenkov,
Vyacheslav Molotov, Lazar Kaganovich e Dmitri Shepilov139. Lembrando a
proximidade e cumplicidade de Khrushchev com Estaline, o “Grupo
Antipartido”, leais colaboradores de Estaline que haviam apoiado Krushchev
durante a sucessão do autocrata georgiano, denuncia a hipocrisia do novo chefe,
condena os excessos da “destalinização” e opõe-se à liberalização em curso. Em
política externa, a “coexistência pací ca” vislumbrada por Khrushchev era
entendida pelo grupo rebelde (e pelos chineses) como uma capitulação perante o
campo capitalista, suscetível de gerar uma mudança da correlação de forças
internacionais desfavorável aos estados socialistas e que, em última análise,
enfraqueceria a União Soviética.
Não era de todo seguro que Khrushchev viesse a sobreviver ao confronto com
os seus adversários. Dado que o “Grupo Antipartido” reunia a maioria no
Presidium, Khrushchev convoca uma reunião especial do Comité Central do
PCUS, realizada em junho de 1957. Contando com o apoio do prestigiado
Ministro da Defesa, Georgy Zhukov, Khrushchev assegura, por unanimidade
dos votos, a expulsão do “Grupo Antipartido” e sobrevive como Primeiro
Secretário. Procurando robustecer a sua legitimidade interna, convoca, para
nais de janeiro e inícios de fevereiro de 1959, o XXI Congresso
(Extraordinário) do PCUS. Antes de partir para o Congresso, Zhou Enlai será
avisado que Khrushchev tenciona anunciar a política de “coexistência pací ca”
e, como corolário, abandonar a doutrina dos “dois campos hostis”.
A decisão provoca profundo desagrado em Beijing, mas não impede a assinatura
de um programa bilateral de cooperação económica sino-soviética.
Deveras inquieto quanto ao rumo dos acontecimentos a decorrer na URSS,
Mao confronta-se com monumentais problemas económicos que, no essencial,
apontam para o fracasso do Grande Salto Em Frente. As di culdades
económicas, por sua vez, minam a autoridade de Mao, como, aliás, se veri ca no
decorrer dos trabalhos do Congresso Nacional do Povo, de abril de 1959. Sob
intensa pressão política, Mao cede o cargo de Presidente da RPC a Liu Shaoqi, o
número dois do partido que assim emerge como o sucessor natural de Mao. Eis
o reconhecimento da fragilidade política do Grande Timoneiro.  Num claro
revés, outros dois defensores do pragmatismo económico saem reforçados do
encontro: Zhou Enlai é con rmado como Primeiro-Ministro e Deng Xiaoping é
nomeado Secretário-Geral do PCC. Embora politicamente debilitado em
virtude destas mudanças que permitem aos seus rivais gerir o quotidiano do
partido e do estado, o prestígio pessoal de Mao impede-o de ser integralmente
afastado. Com efeito, o Grande Timoneiro preserva o seu cargo de Presidente do
Comité Central, um modesto lugar que irá utilizar com astúcia e tremenda
e cácia em batalhas futuras. A nova correlação de poder dentro do PCC é-lhe
desfavorável, mas a fragilidade do equilíbrio estabelecido entre as fações
pragmática e radical será, meses depois, testada em Lushan140.
Na Conferência de Lushan, que se prologa durante os meses de julho e agosto
de 1959, assiste-se a um inédito desa o à autoridade de Mao. Surge sob a capa
da contestação aberta, embora limitada, as políticas falhadas do Grande Salto
Em Frente.  Temendo o elevado preço a ser pago por combater abertamente o
Presidente, vários líderes do partido insatisfeitos com o rumo da economia
refugiam-se num prudente autoimposto silêncio que, esperam, permitir-lhes-á
contornar o cabo das tormentas políticas. As exceções serão Chen Yun e Peng
Dehuai, Ministro da Defesa e um dos dez marechais do Exército de Libertação
Popular.  Lutador comunista desde 1928, Peng torna-se célebre durante a
Guerra da Coreia como comandante do Exército Popular Voluntário.  Imbuído
de uma autoridade política e pessoal enraizada nos seus feitos em prol do
socialismo, Peng terá pensado estar imune a represálias quando escreve uma
longa “Carta de Opinião” dirigida a Mao a tecer críticas ao Grande Salto Em
Frente. Recomendando o retardamento do “avanço imprudente”, a carta de
Peng alerta que “algumas pessoas não têm comida e roupas su cientes (...), o
desperdício de alimentos e materiais é generalizado (...), a qualidade da colheita
do Outono é má, e o custo do cultivo é muito elevado”141. Denunciando o
“fanatismo pequeno-burguês” que impulsiona o voluntarismo de Mao, o
marechal exige o m efetivo do Grande Salto Em Frente e o regresso às políticas
prudentes e realistas.
Ao longo de duas semanas, Mao ouve, pacientemente, as críticas de Peng e de
alguns, poucos, dos seus aliados142. Depois, distribui a carta de Peng ao Comité
Central. Em 23 de julho, Mao Zedong, Lin Biao, Peng Zhen, Bo Yibo e An
Ziwen iniciam uma violentíssima ofensiva contra o marechal, caracterizando o
confronto entre Mao e Peng como uma “luta de classes de vida e morte entre o
proletariado e a burguesia que decorre há uma década”143.  A equivalência
estabelecida entre a burguesia e Peng Dehuai transforma-o num inimigo de
classe, isto é, num inimigo objetivo do partido e do socialismo. Levando o
ataque ainda mais longe, Mao dirige-se ao marechal para o acusar de organizar
uma “camarilha militar” para derrubar o governo. De seguida, a m de
subverter a autoridade do Ministro da Defesa junto das forças armadas, Mao
ameaça que, caso o complot seja bem-sucedido, “irá para o campo para levar os
camponeses a derrubar o governo.  Se vocês do Exército de Libertação não me
seguirem, irei encontrar um Exército Vermelho e organizar outro Exército de
Libertação. Mas acho que o Exército de Libertação seguir-me-à”144. Mao acusa o
marechal de liderar um ataque ao Presidente (e, por extensão, ao PCC) em nome
de um “grupo antipartido”, uma designação que efetivamente coloca as críticas
de Peng para além dos parâmetros da opinião tolerada.
As investidas e as autocríticas prolongam-se durante duas semanas, ao longo
das quais Peng será denunciado como “burguês” e “oportunista de direita”. Em
resultado do assalto político conduzido pelos maoistas, em 17 de agosto, Peng
Dehuai é demitido como Ministro da Defesa, chefe do Estado Maior e purgado
da poderosíssima Comissão Militar Central.  Acusado de fomentar uma
conspiração, é preso. Lin Biao, escolhido por Mao para suceder a Peng como
Ministro da Defesa e primeiro Vice-Presidente da Comissão Militar Central,
não perde tempo em robustecer o seu domínio sobre a instituição militar. Para
balançar a impressionante acumulação de poder nas mãos de Lin Biao, Liu
Shaoqi e Deng Xiaoping são encarregados de desfazer os danos económicos
produzidos pelo Grande Salto Em Frente. Estão, assim, demarcados os campos
políticos que se irão confrontar durante a Grande Revolução Cultural
Proletária.
Na frente externa, Nikita Khrushchev intensi ca a sua investida contra Mao
Zedong145. Usando a Conferência de Bucareste de junho de 1960, dos partidos
operários e comunistas para atacar o rumo percorrido pelos dirigentes chineses,
o soviético demonstra até que ponto o PCC estava dessincronizado com o
sentimento geral existente no seio do movimento internacional
comunista146. As posições chinesas são secundarizadas apenas pelo Partido do
Trabalho da Albânia, de Enver Hoxha, enquanto norte-coreanos e norte-
vietnamitas mantêm uma saudável equidistância relativamente ao PCUS e ao
PCC147. Liderada por Peng Zhen, a delegação do PCC não consegue chegar a
um acordo com os soviéticos, cada vez mais assertivos nas suas advertências
quanto ao “perigoso aventureirismo” do Grande Salto Em Frente. Uma vez que
Mao fora o principal arquiteto e defensor do Grande Salto em Frente, o ataque
soviético atinge diretamente o Grande Timoneiro. Com o intuito de impedir
um maior isolamento, os chineses subscrevem o comunicado nal da
Conferência, que basicamente rea rma os objetivos e a estratégia geral da
reunião de Moscovo de 1957148. Trata-se, na verdade, de uma repreensão
explícita por parte do movimento internacional comunista das posições
maoistas e um voto de con ança nas teses soviéticas. Procurando diminuir o
impacto do comunicado de Bucareste, o PCC publica uma declaração escrita
atacando Khrushchev pelo nome, a primeira vez que o faz149.  Em resposta, a
URSS retira os 1,390 cooperantes presentes na China150. Apesar da escalada das
tensões, a rutura de nitiva entre as duas partes não seria ainda consumada. Mas
as divergências que separam as partes tornam a reconciliação cada vez mais
inalcançável.
Mao Zedong intui que pode explorar o con ito com o PCUS para benefício
próprio, usando-o para limitar a margem de manobra dos seus opositores no
interior do PCC.
À medida que a relação com os soviéticos em volta das questões de política
internacional se degrada e que, mais importante, o caminho aceitável da
construção socialista se torna dogmático, os dirigentes chineses que se
manifestam contra o radicalismo de Mao passam a ser estigmatizados como
“revisionistas”.  Dessa forma, divergências quanto às linhas mestras da política
económica tornam-se sinónimas de heresias ideológicas quanto aos méritos do
modelo da construção socialista chinesa vis-à-vis o modelo soviético. Colocada a
questão nestes termos, o “revisionismo” deixa de ser um desvio ideológico;
torna-se equivalente a tomar partido pelos soviéticos contra o PCC. Em resumo,
as divergências políticas passam a ser testes contínuos de lealdade para com Mao
Zedong e, mais criticamente, para com o PCC e a própria República
Popular.  Discordar de Mao passa a ser entendido como traição à pátria e ao
socialismo. Ainda assim, dentro dessas enormes restrições, à medida que a
economia evidenciava sinais inequívocos de deterioração existe espaço de
manobra limitado para a fação reformista de Liu Shaoqi se a rmar.
Ao mesmo tempo que observavam a retórica maoista de inabalável lealdade
pessoal ao Grande Timoneiro, Liu Shaoqi e Zhou Enlai procuraram reorientar a
política económica.  Consumada a queda política de Peng Dehuai, Zhou
aproveita a oportunidade para proclamar os seus “Doze Artigos”, uma série de
medidas de “descomunização”, incluindo a restauração de pequenas parcelas de
terra para uso privado, mercados agrícolas rurais e o regresso a sistemas de
salários abolidos nas comunas populares151.  Apresentados ao Politburo para
aprovação em 29 de outubro de 1960 e rati cados, três meses depois, no Nono
Plenário do VIII Comité Central do PCC, os “Doze Artigos” procuram reverter
as execráveis políticas agrícolas do Grande Salto Em Frente152. Um ano depois,
os “Sessenta Artigos” consolidaram a redução do número de comunas
populares153.
Aproveitando a vulnerabilidade política de Mao, Liu Shaoqi, durante a
Conferência dos Sete Mil Quadros, que se prolonga entre 11 de janeiro e 7 de
fevereiro de 1962, repreende Mao. Com efeito, o relatório submetido por Liu à
Conferência, no dia 27 de janeiro, reconhece que os problemas enfrentados na
esfera económica eram fruto de escolhas políticas, das “de ciências e erros do
nosso trabalho desde 1958”154.  Durante a apresentação do relatório aos
delegados, cuja leitura se prolonga durante três horas, Liu admite que “o povo
tem inadequados alimentos, vestuário e outras necessidades. (...) a produção
industrial também diminuiu, em pelo menos 40 por cento”155. Em jeito de
conclusão, rejeita a fórmula de Mao de que os “erros são apenas um dedo,
enquanto as realizações são nove dedos”, observando que “nalguns lugares por
todo o país, pode dizer-se que as de ciências e os erros superam as realizações”
e, portanto, propõe uma proporção de 7: 3, ou seja, o desastre económico era
30% culpa da natureza e 70% erro humano156. Mao era, obviamente, o visado.
A maioria dos delegados à Conferência dos Sete Mil Quadros seria mais
cuidadosa na sua apreciação de Mao.  Por exemplo, Lin Biao, determinado a
evitar confrontos frontais com Mao, exime-o de culpas. A bem dizer, Lin Biao
vai muito para além da desculpabilização, alegando que “se tivéssemos ouvido o
Presidente Mao e aprendido com ele, teríamos feito menos desvios e hoje
estaríamos a enfrentar menos di culdades”157. Expectavelmente, Mao responde
que “o camarada Lin Biao falou muito bem sobre a linha do partido e as
políticas militares do partido”158 e, depois, ordena que o discurso seja publicado
e disseminado às massas populares. Apesar da adulação de Lin Biao, Mao vê-se
acantonado politicamente e, na ausência de alternativa viável, submete-se a uma
sessão de autocrítica e transfere a gestão quotidiana do país para Liu Shaoqi,
Zhou Enlai, Deng Xiaoping e os pragmáticos. O “avanço imprudente” ditara o
isolamento do Grande Timoneiro, que se retira na expetativa de viver melhores
dias. Antecipando as divisões que surgem durante a Revolução Cultural, a
cúpula do PCC divide-se, com Mao, Chen Boda e Ke Qingshi a expressarem
con ança nos objetivos gerais do Grande Salto Em Frente. Do outro lado da
barricada, Liu Shaoqi, Deng Xiaoping, Peng Zhen, Peng Dehuai, Deng Zihui,
Li Fuchun, Zhang Wentian e Li Xiannian pretendem descartar as políticas que
provocaram o cataclismo. Como sempre, Zhou Enlai, apesar de sinalizar o seu
apoio à ala pragmática, mantém a equidistância relativamente aos dois grupos.
 
 
Caos total debaixo dos céus, excelente
 
A Grande Revolução Cultural Proletária, que alastra entre 1966 e 1976,
constituindo “uma separação de águas, a década de nitiva de meio século de
domínio comunista na China”159, foi, sem dúvida, o maior cataclismo que
abalou a República Popular. Essa tumultuosa década ainda hoje assombra o
legado histórico-político do Partido Comunista Chinês.  Cinco anos após a
morte de Mao, durante a Sexta Sessão Plenária do XI Comité Central do PCC,
realizada em junho de 1981, o partido toma um passo crítico no sentido de
enfrentar a complexa herança daquela década. O documento-chave saído da
reunião – “Sobre Questões da História do Partido: Resolução sobre Certas
Questões da História do Nosso Partido Desde a Fundação da República Popular
da China” – examina os principais acontecimentos da época e declara, de forma
cristalina, que a “revolução cultural, que durou de maio de 1966 a outubro de
1976, foi responsável pelos mais severos contratempos e pelas maiores perdas
sofridas pelo Partido, pelo Estado e pelo Povo desde a fundação da República
Popular. Foi iniciada e liderada pelo camarada Mao Zedong (...). A história da
‘revolução cultural’ provou que as principais teses do camarada Mao Zedong
para iniciar essa revolução não se conformavam nem com o marxismo-leninismo
nem com a realidade chinesa. Representam uma avaliação totalmente errónea
das relações de classe predominantes e da situação política no Partido e no
Estado”160.
Apesar da dureza do julgamento o cial, um veredito desta natureza era
incontornável uma vez que as reformas propostas em 1978 por Deng Xiaoping
pressupunham a denúncia pública dos “erros” cometidos pelo PCC durante a
Revolução Cultural. Com efeito, as novas elites dirigentes responsabilizam Mao
Zedong pelos erros de percurso e descartam a utopia radical da fação maoista
hostil à modernização económica preconizada pela cúpula congregada em volta
de Deng Xiaoping. Para avançar com as reformas, era necessário virar a página
do maoismo através da crítica ao culto da personalidade e à Revolução Cultural
que o gera161.
A sessão alargada do Politburo de maio de 1966, convocada para mobilizar
apoios em volta da agenda de Mao, marca o início da ofensiva política do
Grande Timoneiro contra os seus adversários que, nos anos anteriores, o haviam
marginalizado politicamente. A “Noti cação de 16 de maio”, o principal
documento saído do encontro, alerta para a nocividade do revisionismo que
conquistara posições no partido, no estado, as forças armadas e na cultura, com
o objetivo de estabelecer uma “ditadura da burguesia”. Sem rodeios, o texto
declara que, no seio do partido, havia “muitos Khrushchev” que “levantam a
bandeira vermelha para se oporem à bandeira vermelha”. Para expor e combater
esses inimigos de classe, era necessário recorrer aos ensinamentos de Mao
Zedong. Trata-se de mais um dos numerosos combates em que Mao visa impor
a sua autoridade e, ao fazê-lo, conduz o partido e o país para uma luta de fações
de consequências calamitosas.
Che ado por Lin Biao, o Exército de Libertação Popular será o primeiro
campo de batalha entre as “duas linhas” políticas que se confrontam nos
primeiros dias da Revolução Cultural. Reclamando ser o el interprete do
pensamento de Mao, Lin de ne a missão das forças armadas em termos de luta
ideológica e distribui milhões de exemplares do célebre Livro Vermelho que
reúne a citações de Mao.  Mas será no campo das artes que os primeiros
confrontos do processo revolucionário se fazem sentir quando Wu Han,
historiador e Vice-Presidente da câmara de Beijing, é criticado por,
alegadamente, ter satirizado Mao e elogiado Peng Dehuai.
Ao longo da Primavera de 1966, multiplicam-se as purgas dos responsáveis pela
arte e pela literatura, entre os quais Peng Zhen, Lu Dingyi e, posteriormente,
Zhou Yang. Sugeria-se que, por detrás destes, existia um “gang negro” na
educação e na cúpula do PCC que teria de ser igualmente denunciado. Abria-se,
assim, caminho para o afastamento dos quadros dirigentes que Mao considerava
responsáveis pelos maiores pecados políticos e ideológicos. A Revolução
Cultural estende-se, portanto, do campo cultural para as cúpulas do partido.
Secundado por aliados importantes como Lin Biao, Jiang Qing, Kang Sheng e
Chen Boda, em maio de 1966 Mao atribui tarefas essenciais ao exército no
campo da cultura e da educação. Com o intuito de criar um novo sistema
educativo passível de eliminar as diferenças entre a cidade e o campo, entre
trabalhadores e camponeses, Mao procura apoio junto da juventude, que mais
tarde será a verdadeira vanguarda da Revolução Cultural. Era natural que assim
fosse porque, formalmente, a Revolução Cultural pretendia revitalizar os valores
revolucionários da geração pós-1949. Ao mesmo tempo, Mao encontra nos
estudantes um grupo disponível para avançar com uma “revolução da
superestrutura”, na máquina burocrática, de forma a transferir o poder para um
sistema de base popular sob a sua tutela tutela. Com o PCC dominado pelos
setores mais pragmáticos, Mao desencadeia um assalto contra o partido, o
estado e as demais instituições.
Em conformidade com as instruções de maio de 1966, a investida contra o
sistema educativo torna-se prioritária. Assiste-se à profusão de grandes cartazes
e jornais de parede nos principais campus de Beijing a denunciar professores e
funcionários do PCC, acusados de elitismo e afastamento do povo. Encorajados
pelas autoridades centrais, estudantes realizam reuniões em massa e, em junho,
os exames para admissão nas universidades são suspensos e a reabertura das
universidades adiada. Esta fase inicial da Revolução Cultural termina em agosto
de 1966, com a realização de uma sessão plenária do Comité Central e o
lançamento de um poster de Mao a apelar para se “bombardear o quartel-
general”, isto é, um apelo à denúncia e à destituição de altos quadros. Em
conformidade com os desejos de Mao, o Comité Central emite uma “decisão de
16 pontos”, traçando as linhas gerais para a Revolução Cultural, cujo objetivo
imediato era recuperar o poder caído nas mãos das autoridades “burguesas”162. A
luta seria conduzida nas fortalezas urbanas onde a burguesia detinha mais
poder. Mais do que nunca, o pensamento de Mao era o único guia para a ação.
Temendo que a China enveredasse pelos caminhos da revolução soviética e
receoso do seu poder pessoal, Mao lança o caos nas cidades chinesas.  Estipula
quatro objetivos: substituir a elite partidária por quadros éis ao seu
pensamento, proceder com a “reti cação” do PCC, fornecer à juventude uma
experiência revolucionária e combater o elitismo no sistema educativo e no
estado em geral.  Para cumprir este leque de objetivos, impunha-se uma
mobilização dos jovens urbanos, organizados em brigadas de Guardas
Vermelhos, virtualmente imunes do controlo do PCC e do ELP. Formalmente,
Mao lança a Revolução Cultural em agosto de 1966, e nos meses seguintes, os
Guardas Vermelhos atacam os valores “tradicionais” e “burgueses”. É a luta
contra os “Quatro Antigos” – ideias antigas, costumes antigos, cultura antiga e
antigos hábitos de pensamento. Idosos e intelectuais sofrem abusos físicos e
multiplicam-se as mortes.  Dirigentes do PCC não escapam ao vendaval
revolucionário, assistindo-se à crítica e à humilhação pública de prestigiados
quadros.
Entre meados de 1966 e o início de 1969, os Guardas Vermelhos comandam a
Revolução Cultural com o beneplácito de Mao, que os recebe, juntamente com
Lin Biao, em des les que congregam mais de um milhão de jovens em Beijing,
todos a expressar a sua devoção inquestionável ao Grande Timoneiro. À medida
que Mao recupera a sua autoridade política e ideológica, os principais líderes do
Politburo, incluindo Liu Shaoqi e o Secretário-Geral do PCC, Deng Xiaoping,
são destituídos dos seus cargos e expostos à humilhação. Em outubro de 1966,
Liu e Deng fazem autocríticas públicas, que Mao rejeita como inadequadas.
Está consumada a ascendência de Mao sobre os antigos revolucionários, muitos
dos quais o acompanhavam desde a Longa Marcha.
Em janeiro de 1967, os revolucionários começam a desmontar os comités
provinciais do PCC, erguendo novos órgãos de “poder popular” saneados dos
apparatchiks partidários.  A primeira dessas “tomadas de  poder” ocorre em
Xangai, onde rapidamente se instala o caos em volta das novas estruturas
políticas.  Cria-se uma “comuna” que será rapidamente substituída por um
“comité revolucionário”. O caos provocado pelo derrube das antigas autoridades
de Xangai induz vários líderes do PCC, em fevereiro de 1967, a pedir o m da
Revolução Cultural. Porém, essa “corrente adversa de fevereiro”, será
celeremente derrotada à medida que Revolução Cultural entra numa novo
espiral de radicalismo e de desordem.
No Verão de 1967, as cidades são palco de violentos confrontos entre as várias
fações dos Guardas Vermelhos, cada uma alegando ser a “verdadeira” intérprete
do pensamento de Mao Zedong. Ao mesmo tempo que o processo
revolucionário em curso devora os seus, o culto da personalidade de Mao assume
proporções religiosas.  Contudo, e como seria de esperar, a anarquia e o terror
dos dias levam a uma queda astronómica de produção industrial, que em 1968
se salda em 12%. Alarmado, Mao, ainda em 1967, convoca o ELP de Lin Biao
para intervir junto dos Guardas Vermelhos. Mas o efeito desse envolvimento
político-militar gera tremendas divisões nas próprias leiras militares, cujas
estruturas de comando abalam.  As tensões expressam-se de forma nítida no
Verão, quando o general Chen Zaidao, comandante militar de Wuhan, prende
Xie Fuzhi e Wang Li, dois proeminentes maoistas163.Com efeito, as autoridades
militares de Wuhan tomaram partido pela fação revolucionária “conservadora”,
violando assim a diretiva do Comité Central que exigia a promoção da unidade
entre as forças revolucionárias. Tal desa o direto a Beijing, remanescente do
período em que os senhores da guerra agiam independentemente das diretrizes
centrais, leva à exoneração do general Chen e o incidente passa a ser
caracterizado como “contrarrevolucionário”. Na realidade tratou-se da primeira
vez que os militares e uma parte signi cativa da sociedade se levantam contra a
Revolução Cultural.
Na sequência do incidente, e com o encorajamento de Jiang Qing, o assalto ao
poder transfere-se para a instituição militar, onde os maoistas passam a investir
contra os comandantes regionais e a trazer o vigor da bandeira vermelha para as
leiras do Exército de Libertação Popular.
O “Incidente de Wuhan” representa, um ponto de viragem da Revolução
Cultural. Diante da possível revolta generalizada entre os comandantes
militares locais, Mao desesperadamente procura restabelecer a ordem. Neste
quadro de deterioração da autoridade do estado, Mao decide, em 1968,
reconstruir o PCC. Militares são enviados para assumirem a administração das
escolas, das fábricas e das agências governamentais.  Concomitantemente, o
exército força milhões de Guardas Vermelhos urbanos radicalizados a deslocar-
se para o interior do país para efetuarem trabalho manual junto dos camponeses.
Eis o reconhecimento de que os Guardas Vermelhos eram incapazes de superar
as suas diferenças faccionais e, como força revolucionária, se encontravam
esgotados.  A urgência de voltar a estabelecer a ordem seria acentuada pela
invasão soviética da Checoslováquia, em agosto de 1968, que aumenta a
insegurança chinesa. Regressa, assim, alguma normalidade com a abertura das
escolas.
Em outubro de 1968, reúne uma sessão plenária do Comité Central para
convocar um congresso a m de reconstruir o PCC. A questão de quem herda o
poder político no pós-Revolução Cultural torna-se o assunto central da política
chinesa. Imediatamente depois da reunião, a China pediu aos Estados Unidos
que retomassem as negociações a nível de embaixadores em Varsóvia. Moscovo,
agora orientada pela Doutrina Brezhnev, constituía um perigo porque há muito
que acreditava que uma “ditadura burocrática militar” havia usurpado o poder
dos “verdadeiros comunistas” chineses. Para aumentar a preocupação de
Beijing, a União Soviética, a partir de 1966, destaca uma força militar
considerável ao longo da fronteira sino-soviética, antes desmilitarizada. Em
abril de 1969, surge na sequência de dois sangrentos confrontos fronteiriços
ocorridos em meados de março , realiza-se o congresso do PCC.
O XIX Congresso do PCC toma um passo sem precedentes: a nova
constituição do partido formalmente indica Lin Biao como sucessor de Mao. Os
militares reforçam o seu poder sobre a sociedade, dominando o XIX Comité
Central – mais de dois quintos dos seus membros ocupam cargos militares –,
tal como os novos comités do partido estabelecidos em todo o país.  A deriva
revolucionária enfrenta resistência na pessoa do Primeiro-Ministro Zhou Enlai,
que tenta conter o poder de Lin Biao. No entanto, este declara a lei marcial e
purga os seus rivais.  Vários líderes são afastados durante os anos de 1966 a
1968, incluindo Liu Shaoqi, que morre durante a vigência da lei marcial. A
acumulação de poder por parte de Lin Biao leva Mao a descon ar do seu
sucessor, que parece pretender acelerar a sucessão. Começa, então com Zhou
Enlai, a manobrar contra Lin. Mas a manobra de Mao não é unânime junto do
grupo radical, pois Chen  Boda decide juntar-se a Lin Biao.  Assiste-se ao
regresso a uma certa normalidade na sociedade, mas as tensões que dividem a
cúpula do PCC são cada vez mais severas.
O confronto político no topo do partido intensi ca-se no Verão de 1970
quando, numa reunião do Comité Central, Chen Boda e Lin Biao provocam a
ira de Mao, que, como aviso a Lin, purga Chen. Meses depois, Mao inicia uma
crítica aos principais apoiantes de Lin nas forças militares, chamando-os à
atenção em resultado da sua arrogância e indisponibilidade para acatar as
autoridades civis. Durante a Primavera de 1971, Lin Liguo, lho de Lin Biao,
equaciona um possível golpe contra Mao para salvaguardar a posição do pai. É
nesta mesma conjuntura que Lin Biao se opõe à abertura aos Estados Unidos,
consubstanciada pela visita de Henry Kissinger a Beijing. Depois desta derrota,
em setembro de 1971, Lin morre quando o seu avião se despenha na Mongólia.
O cialmente, trata-se de uma tentativa de fuga para a União Soviética na
sequência do golpe de estado falhado. Supostamente comprometido com a
tentativa de golpe, o alto comando militar de Lin será saneado nas semanas
seguintes à sua morte.
Zhou Enlai emerge como o maior bene ciário político da morte de Lin e, de
1971 até meados de 1973, tenta devolver a estabilidade ao país. Reabilita vários
quadros caídos em desgraça nos anos anteriores e, gradualmente, a China
começa a retomar a atividade económica. Mao permanece cauteloso à medida
que vê a Revolução Cultural ser revertida. Em 1972, sofre um derrame e Zhou
prepara Deng como sucessor. 
A recuperação dos quadros afastados durante a normalização económica leva o
grupo maoista a organizar-se contra Zhou e os seus colaboradores. A partir de
meados de 1973, a correlação de forças políticas oscila entre o grupo reunido
em volta de Jiang e os partidários de Zhou e Deng.  Mao tenta, sem sucesso,
manter o equilíbrio possível entre as fações, mas os radicais ganham vantagem
entre meados de 1973 e meados de 1974, período em que iniciam uma
campanha de crítica a Lin Biao e Confúcio para atacar Zhou Enlai. Entretanto,
em julho de 1974, o declínio económico faz com que Mao se volte para Zhou e
Deng. Quando Zhou é hospitalizado, em fase terminal de doença, Deng assume
o poder, que exerce entre o Verão de 1974 e nais de Outono de 1975. Procura,
com o apoio inequívoco de Zhou, implementar as reformas previstas pelas
“Quatro Modernizações”.
Para promover esse esforço, Deng continua a reabilitar as vítimas da
Revolução Cultural.  Mas os radicais nalmente convencem Mao de que as
políticas seguidas por Deng acabarão por repudiar as conquistas da Revolução
Cultural e o legado do próprio Mao. O velho Grande Timoneiro reage,
autorizando posters de parede críticos das políticas dengistas. Quando Zhou
morre, em janeiro de 1976, Deng faz o elogio e, meses depois, com a anuência
de Mao, é purgado. A razão imediata para a queda de Deng são as manifestações
massivas em Beijing e outras cidades em homenagem à memória de Zhou, um
claro desa o ao poder dos radicais. Segue-se a campanha para criticar o “desvio
de direita” de Deng Xiaoping. Embora tenha sido o cialmente encerrada
aquando do XI Congresso do PCC, em agosto de 1977, a Revolução Cultural
conclui-se, de facto, com a morte de Mao e a purga do Grupo dos Quatro.

89. Eis parte da razão que leva os chineses a reagirem tão veementemente à política de “coexistência
pací ca” de Nikita Khrushchev. Para Mao, tal apaziguamento dos “tigres de papel” levantava a
possibilidade da USSR abandonar a RPC em caso de ofensiva imperialista.
90. A política de “inclinar-se para um lado” fora delineada por Mao num discurso proferido a 30 de junho
de 1949, para comemorar o 28º aniversário do Partido Comunista Chinês. Na passagem relevante, Mao
a rma: “Está-se a inclinar para um lado. Exatamente. Os quarenta anos de experiência de Sun Yat-sen e os
vinte e oito anos de experiência do Partido Comunista ensinaram-nos a inclinar para um lado e estamos
rmemente convencidos de que, para obter a vitória e consolidá-la, devemos apoiar-nos num lado. À luz
das experiências acumuladas nestes quarenta e vinte e oito anos, todos os chineses, sem exceção, devem
inclinar-se para o lado do imperialismo ou para o lado do socialismo. Ficar em cima do muro não serve,
nem existe uma terceira via. Opomo-nos aos reacionários de Chiang Kai-shek que se inclinam para o lado
do imperialismo e também nos opomos às ilusões sobre uma terceira via”. Cf., Mao Tse-tung. “On The
People’s Democratic Dictatorship”, Selected Works of Mao Tse-tung, Vol. 4, p. 415.
91. Ver, Maurice Meisner. Mao Zedong: A Political and Intellectual Portrait. Cambridge: Polity Press,
2007, pp. 114-117.
92. Ver, Lee Feigon. Mao: A Reinterpretation. Chicago: Ivan R. Dee, 2002, pp. 70-72.
93. Sobre as origens do Partido Comunista Chinês, cf., inter alia, Robert C. North. Moscow and Chinese
Communists. Stanford: Stanford University Press, 1953; Jacques Guillermaz. A History of the Chinese
Communist Party, 1921-1949. Londres: Methuen and Co., 1968; Lee Feigon. Chen Duxiu, Founder of the
Chinese Communist Party. Princeton: Princeton University Press, 1983 e Ishikawa Yoshihiro. The
Formation of the Chinese Communist Party. Nova Iorque: Columbia University Press, 2013.
94. Cf., Sulmaan Wasif Khan, Haunted by Chaos, p. 11
95. Cf., Mao Tse-tung. “The Chinese Revolution and the Chinese Communist Party”, Selected Works of
Mao Tse-tung, Vol. 2. Beijing: Foreign Languages Press, 1965, p. 308.
96. Cf., Mao Tse-tung. “On Protracted War”, Selected Works of Mao Tse-tung, Vol. 2, p. 190. Mao
caracteriza a rebelião Taiping como uma guerra revolucionária de camponeses contra o poder feudal e a
opressão nacional da Dinastia Ching. Cf., Mao Tse-tung. “Bankruptcy of Idealist Conception of History”,
Selected Works of Mao Tse-tung, Vol. 4, p. 459.
97. Sobre o “comunismo caponês” de Mao, cf., inter alia, Mary C. Wright, “The Chinese Peasant and
Communism”, Paci c Affairs, Vol. 24, No. 3, setembro de 1951, pp. 256-265; Chalmers A. Johnson.
Peasant Nationalism and Communist Power. Stanford: Stanford University Press, 1962; Richard Baum.
Prelude to Revolution: Mao, the Party, and the Peasant Question. Nova Iorque: Columbia University
Press, 1975 e Asish Kumar Roy, “Lenin, Mao and the Concept of Peasant Communism”, China Report,
Vol. 14, No. 1, 1978, pp. 29-41.
98. Cf., Karl Marx and Frederick Engels. “The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte”, Selected Works,
Vol. 1. Moscovo: Progress Publishers, 1977, p. 479.
99. Sobre este assunto, Mao a rmou que “por mais ativo que o grupo de liderança possa ser, a sua
atividade resultará num esforço infrutífero por um punhado de pessoas, a menos que seja combinada com a
atividade das massas”. Cf., Mao Tse-tung. “Some Questions Concerning Methods of Leadership”, Selected
Works of Mao Tse-tung, vol. 3. Beijing: Foreign Languages Press, 1965, pp. 118. No mesmo texto (p.
119), acrescenta que, “em todo o trabalho prático do nosso Partido, toda liderança correta é
necessariamente ‘das massas, para as massas’. Isto signi ca: agarrar nas ideias das massas (ideias dispersas e
não sistematizadas) e concentrá-las (através do estudo transformá-las em ideias concentradas e
sistemáticas); depois vai-se para as massas e propaguem-se e expliquem-se essas ideias até que as massas as
abracem como suas, se mantenham éis a elas e traduzam essas ideias em ação, e testem a correção dessas
ideias na ação”.
100. Cf., Rebecca E. Karl. Mao Zedong and China in the Twentieth-Century World: A Concise History.
Durham: Duke University Press, 2010, p. 14 e Ishikawa Yoshihiro, The Formation of the Chinese
Communist Party, pp. 16-17.
101. Ver, Mao Tse-tung. “On The People’s Democratic Dictatorship”, Selected Works of Mao Tse-tung,
Vol. 4, p. 413.
102. Para uma discussão do entendimento teórico de Lenine do novo contexto, cf., Fernando Claudín, The
Communist Movement: From Comintern to Cominform, Part 1. New York: Monthly Review Press,
1975, pp. 46-102.
103. Ibid., pp. 247-260.
104. Cf., Kevin McDermott and Jeremy Agnew. The Comintern: A History of International Communism
from Lenin to Stalin. Londres: Macmillan Press, 1996, pp. 160-161.
105. Cf., Stephen White, “Communism and the East: The Baku Congress, 1920”. Slavic Review. Vol. 33,
no. 3, setembro de 1974, pp. 492-514.
106. Cf., Jonathan D. Spence, The Search for Modern China, pp. 320-325; Conrad Brandt. Stalin’s Failure
in China. Cambridge: Harvard University Press, 1958, pp. 201-21 e Lee Feigon, Chen Duxiu, Founder of
the Chinese Communist Party, pp. 164-165.
107. Cf., Jacques Guillermaz, A History of the Chinese Communist Party, p. 58. Existem algumas
incongruências quanto ao número exato de delegados presentes no Primeiro Congresso, bem como ao
número de comunistas que representavam. Algumas fontes sugerem 12 delegados e 53 membros; outras
sugerem 13 delegados. Cf., Jonathan D. Spence, The Search for Modern China, p. 323. Comentando a
fundação do PCC, Guillermaz a rma que “o Primeiro Congresso do Partido Comunista Chinês ainda está
envolto em brumas, que os historiadores o ciais parecem não querer dispersar. O aniversário de 1 de julho
é celebrado todos os anos, mas nunca é acompanhado de quaisquer detalhes que esclareçam este
importante acontecimento. Essa reticência é facilmente explicada. Pelo menos seis dos doze delegados que
participaram deixariam o Partido, enquanto um futuro apóstata, Ch’en Tu-hsiu (Chen Duxiu), fora
escolhido Secretário-Geral. Quanto a Mao Tse-tung, que na altura tinha 28 anos, o papel discreto que
desempenhou era indigno do grande destino que o aguardava; a lenda nada tem a ganhar seguindo a
história de perto” (Guillermaz, p. 57).
108. Chen Duxiu seria destituído da liderança do partido durante uma Conferência especial do partido,
realizada a 7 de agosto de 1927, acusado de oportunismo e de ser responsável pelo colapso da Frente
Unida. Cf., Lee Feigon, Chen Duxiu, Founder of the Chinese Communist Party, p. 191.
Subsequentemente, Chen seria in uenciado pelas posições de Leon Trotsky. Para a defesa feita por Chen
das suas ações, ver o seu trabalho de 1929, “Appeal to All the Comrades of the Chinese Communist
Party”, disponível em: https://www.marxist.com/chen-du-xiu-appeal-comrades-ccp.htm.
109. Robert C. North, Moscow and Chinese Communists, p. 58.
110. Ibid., p. 59.
111. Ibid., pp. 173-178.
112. Cf., Kevin McDermott and Jeremy Agnew, The Comintern, pp. 165-169.
113. Ver, Lee Feigon, Chen Duxiu, Founder of the Chinese Communist Party, pp. 169-170.
114. Cf., Odd Arne Westad, The Global Cold War. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p.
53.
115. Cf., Jonathan D. Spence, The Search for Modern China, p. 325.
116. Ver, Robert C. North, Moscow and Chinese Communists, p. 63 e Jonathan D. Spence, The Search
for Modern China, p. 325.
117. Enunciadas pela primeira vez em 1905, as ideias seriam sistematizadas nas palestras de Sun sobre os
“Três Princípios do Nacionalismo, Democracia e Subsistência”, proferidas em 1924. Sun rejeita o
etnonacionalismo, concebendo um nacionalismo chinês congregando todos os grupos étnicos a m de
alcançar a independência do domínio imperialista. O conceito de democracia de Sun era aproximadamente
equivalente ao constitucionalismo ocidental. Quanto ao socialismo, sugeria uma preocupação com o bem-
estar social e uma sociedade mais justa. No entanto, tal não implicava necessariamente a nacionalização
dos altos comandos da economia. Para uma discussão, cf., Audrey Wells. The Political Thought of Sun
Yat-sen: Development and Impact. Nova Iorque: Palgrave, 2001, pp. 61-101.
118. Cf., Martin Wilbur e Julie Lien-ying How. Missionaries of Revolution: Soviet Advisers and
Nationalist China, 1920-1927. Cambridge: Harvard University Press, 1992, p. 80.
119. Uma excelente e equilibrada biogra a de Chiang Kai-shek é: Jay Taylor. The Generalissimo: Chiang
Kai-shek and the Struggle for Modern China. Cambridge: Harvard University Press, 2011.
120. Sobre a “década de Najing”, cf., Rebecca Nedostup and Liang Hong-Ming, “Begging the Sages of
the Party-State: Citizenship and Government in Transition in Nationalist China, 1927-1937”,
International Review of Social History, Vol. 46, No. S9, dezembro de 2001, pp. 185-207, disponível em:
https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-
core/content/view/024E4859AC3F2821AD50F106BBE47DF3/S0020859001000372a.pdf/begging_the_
sages_of_the_partystate_citizenship_and_government_in_transition_in_nationalist_china_1927_1937.p
df.
121. Sobre este período, o estudo de Harold Isaacs, publicado em 1938, justi ca atenção, particularmente
o Capítulo 18, sobre o massacre de Xangai de 1927. Cf., Harold Isaacs. The Tragedy of the Chinese
Revolution. Chicago: Haymarket Books, 2009 Jay Taylor, The Generalissimo, pp. 64-68.
122. Certamente in acionados, os números proporcionam uma indicação do desastre que atingiu o PCC
naquele momento. Cf., “On Questions of Party History – Resolution on Certain Questions in the History
of Our Party Since the Founding of the People’s Republic of China (Adopted by the Sixth Plenary Session
of the 11th Central Committee of the Communist Party of China on June 27, 1981”, Beijing Review, No.
27, 6 de julho de 1981, p. 10.
123. Zhang Xueliang, o instigador do complot, morre em 2001, depois de passar quase meio século em
detenção domiciliária, primeiro na China continental e depois em Taiwan. Sobre o “Incidente Xi’an” e os
acontecimentos que o precederam, cf., Aron Shai. Zhang Xueliang: The General Who Never Fought.
Palgrave Macmillan, 2012, pp. 31-67 e Jay Taylor. The Generalissimo, pp. 124-137.
124. Sobre a destruição japonesa da cidade e as consequências para a sua população, cf., Iris Chang. The
Rape of Nanking: The Forgotten Holocaust of World War II. Nova Iorque: Basic Books, 1997.
125. A melhor discussão sobre a Conferência de Ialta encontra-se em S. M. Plokhy. Yalta: The Price of
Peace. Nova Iorque: Viking Press, 2010. O destino da China foi traçado durante a Conferência do Cairo,
mas seria de nitivamente encerrado em Ialta.
126. Cf., Chen Jian. Mao’s China and the Cold War. Chapel Hill: The University of North Carolina
Press, 2001, p. 4.
127. Em de 4 de janeiro de 1923, numa adenda ao seu testamento político, Lenine escreve: “Estaline é
muito rude e este defeito, que é inteiramente aceitável no nosso meio e nas relações entre nós comunistas,
tornou-se intolerável no cargo de Secretário-Geral. Proponho, portanto, aos camaradas que encontrem uma
forma de removê-lo deste cargo e designem alguém que se diferencie do camarada Estaline em todos os
demais aspetos apenas por uma vantagem, a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais correto e mais
atento aos camaradas, menos caprichoso, etc.”. Cf., Robert Service. Lenin: A Biography. Cambridge:
Harvard University Press, 2000, p. 469.
128. Em Moscovo, em 16 de dezembro 1949, Estaline e Mao discutiram a assistência soviética e os termos
do novo tratado. A transcrição dessa conversa, disponível no Arquivo do Presidente (Federação Russa),
pode ser consultado em: “Conversation Between the Soviet Union’s Joseph Stalin and China’s Mao
Zedong, 1949”, disponível em: https://china.usc.edu/conversation-between-soviet-unions-joseph-stalin-
and-chinas-mao-zedong-1949. Sobre a aliança resultante do Tratado Sino-Soviético de Amizade, Aliança e
Assistência Mútua de 1950, cf., Austin Jersild. The Sino-Soviet Alliance: An International History.
Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2014.
129. Cf., David McCullough. Truman. Nova Iorque: Simon and Schuster, 1992, p. 548. Para o
desenvolvimento do conceito de “contenção”, ver, George Kennan (X), “The sources of Soviet conduct”,
Foreign Affairs. Vol.26, No. 2, julho de 1947, pp. 566-582. Sobre a contribuição de George Kennan para
a “doutrina de contenção”, cf., por exemplo, David Mayers. George Kennan and the Dilemmas of US
Foreign Policy. Nova Iorque: Oxford University Press, 1988.
130. Para a transcrição do discurso de Zhdanov, cf., “Speech by Andrei Zhdanov (member of the Soviet
Politburo) at the founding of the Cominform (a Communist International Organization) in September
1947”, consultado em: http://educ.jmu.edu/~vannorwc/assets/ghist%20102-
150/pages/readings/zhdanovspeech.html.
131. Cf., inter alia, Frederic S. Burin, “The Communist Doctrine of the Inevitability of War”, The
American Political Science Review, Vol. 57, No. 2, junho de 1963, pp. 334-354 e Vojtech Mastny, “Stalin
and the Militarization of the Cold War”, International Security, Vol. 9, No. 3, Inverno de 1984/1985, pp.
109-129.
132. Cf., Dieter Heinzig. The Soviet Union and Communist China, 1945-1950. Nova Iorque: Routledge,
2015, pp. 119-122.
133. Cf., Richard Lowenthal, World Communism, pp. 23-28 e William Taubman. Khrushchev: The Man
and His Era. Nova Iorque: Simon and Schuster, 2017, pp. 270-275.
134. Cf., Gao Wenqian. Zhou Enlai: The Last Perfect Revolutionary. Nova Iorque: PublicAffairs, 2007, p.
90.
135. O conteúdo deste discurso seria posteriormente editado de forma a conformar com a campanha “anti-
direitista” que segue à Campanha das Cem Flores.
136. Jonathan Spence caracteriza-a como uma disputa no interior do PCC sobre a melhor forma de
enfrentar a dissidência. Ver, Johnathan D. Spence, The Search for Modern China, pp. 508-513.
137. Cf., Richard Lowenthal. World Communism: pp. 54-59.
138. Cf., Jonathan D. Spence, The Search for Modern China, p. 579.
139. Sobre este episódio, cf., Carl Linden. Khrushchev and the Soviet Leadership. Baltimore: The Johns
Hopkins University Press, 1966 e William Taubman, Khrushchev, pp. 310-324.
140. A Conferência de Lushan fora, na realidade, dois encontros: a Reunião Alargada do Politburo (2 de
julho a 1 de agosto de 1959) e o Oitavo Plenário do VIII Comité Central (2 a 16 de agosto). Sobre os
acontecimentos que conduziram à Conferência, cf., Franlin W. Houn. A Short History of Chinese
Communism. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1973, pp. 232-246.
141. A carta encontra-se reproduzida em Christopher Howe e Kenneth R. Walker. Foundations of the
Chinese Planned Economy: A Documentary Survey, 1953-65. Londres: Palgrave Macmillan, 1989, pp.
88-94.
142. Cf., Han Suyin. Eldest Son: Zhou Enlai and the Making of Modern China. Londres: Jonathan Cape,
1994, pp. 275-276.
143. Cf., Michael Dillon. Zhou Enlai: The Enigma Behind Chairman Mao. Londres: I.B. Tauris, 2020, p.
222.
144. O texto completo do discurso de Mao na Conferência de Lushan, proferido a 23 de julho de 1959,
pode ser consultado em: https://www.marxists.org/reference/archive/mao/selected-works/volume-
8/mswv8_34.htm.
145. Sobre os acontecimentos anteriores à Conferência de Bucareste e os crescentes con itos entre os
comunistas chineses e Nikita Khrushchev, ver, Edward Crankshaw. The New Cold War: Moscow v. Pekin.
Harmondsworth: Penguin Books, 1965, pp. 83-96.
146. Para mais detalhes sobre a Conferência de Bucareste, cf., Richard Lowenthal, World Communism,
pp. 177-180.
147. Sobre a posição do partido albanês, cf., Enver Hoxha, “Real Unity is Achieved and Strengthened only
on the basis of Marxist-Leninist Principles” August 27, 1960, disponível em: http://www.enver-
hoxha.net/librat_pdf/english/selectedWorksIII/1960/2.august-october.pdf. Ver, também, o discurso de
Enver Hoxha na reunião preparatória de Moscovo, Enver Hoxha, “Reject the Revisionist Theses of the XX
Congress of the Communist Party of the Soviet Union and the Anti-Marxist Stand of the Krushchev’s
Group! Uphold Marxism-Leninism”, Speech Delivered by Enver Hoxha as Head of the Delegation of the
Party of Labor of Albania Before the Meeting of 81 Communist and Workers Parties, Moscow, 16
November 1960, disponível em: https://www.marxists.org/reference/archive/hoxha/works/nov1960.htm.
148. Para o texto completo, cf., “Statement of 81 Communist and Workers Parties Meeting in Moscow”,
em: https://www.marxists.org/history/international/comintern/sino-soviet-
split/other/1960statement.htm#2.
149. Cf., Danhui Li, “Open Struggles and a Temporary Truce, 1959-1961”, In Zhihua Shen (ed.). A Short
History of Sino-Soviet Relations, 1917-1991. Singapura: Palgrave Macmillan, 2016, pp. 240-241 e
Edward Crankshaw, The New Cold War, pp. 113-117.
150. Sobre as razões subjacentes à decisão soviética, cf., Alfred D. Low. The Sino-Soviet Dispute: An
Analysis of the Polemics. Londres: Associated University Presses, 1976, pp. 118-121.
151. Ver, Byung-Joon Ahn, “The Political Economy of the People’s Commune in China: Changes and
Continuities”, The Journal of Asian Studies, Vol. 34, No. 3, maio de 1975, pp. 631-658.
152. Cf., Jean Chesneaux. China: The People’s Republic, 1949-1976, pp. 106-107. Relativamente ao
monumental custo humano do Grande Salto em Frente, Chang e Halliday a rmam: “Esta foi a maior fome
do século XX – e de toda a história humana registada. Mao conscientemente matou de fome e por
trabalhos forçados dezenas de milhões de pessoas ... Mao permitiu muitas mais mortes. Embora a
carni cina não fosse seu propósito com o Salto, estava mais do que pronto para uma miríade de mortes e
deu a entender aos seus mais próximos que não deveriam car muito chocados se acontecessem”. Cf., Jung
Chang e John Halliday. Mao: The Unknown Story. Londres: Jonathan Cape, 2005, p. 457. Para um retrato
devastador das atrocidades cometidas durante um período que Dikötter sustenta ter conduzido a mais de
45 milhões de mortes, cf., Frank Dikötter. Mao’s Great Famine: The History of China’s Most Devastating
Catastrophe, 1958-62. Londres: Bloomsbury Publishing, 2010, p. x.
153. Sobre as consequências políticas deste debate, cf., Marc Blecher. China: Politics, Economics and
Society. Londres: Frances Pinter, 1986, pp. 76-80.
154. Cf., Michael Dillon. Zhou Enlai, p. 232.
155. Cf., Yang Jisheng. Tombstone: The Untold Story of Mao’s Great Famine. Londres: Allen Lane, 2012,
p. 501.
156. Ibid., p. 502.
157. Ibid., p. 503.
158. Ibid.
159. Cf., Roderick MacFarquhar e Michael Schoenhals. Mao’s Last Revolution, p. 1.
160. Cf., “On Questions of Party History – Resolution on Certain Questions in the History of Our Party
Since the Founding of the People’s Republic of China (Adopted by the Sixth Plenary Session of the 11th
Central Committee of the Communist Party of China on June 27, 1981”, Beijing Review, No. 27, 6 de
julho de 1981, pp. 20-21.
161. A este propósito, Robert J. Thompson, escreve que “as reavaliações dos cultos da personalidade de
Estaline e Mao simbolizam reconsiderações fundamentais pelas elites sucessoras dos objetivos
revolucionários e métodos identi cados com esses líderes. As reconsiderações são fundamentais pelo
domínio, real e simbólico, que essas duas lideranças exerceram nos seus sistemas políticos e pelo destaque
das suas contribuições para a constituição e consolidação de seus respetivos regimes”, cf., Robert J.
Thompson, “Reassessing personality cults: the cases of Stalin and Mao”, Studies in Comparative
Communism, Vol. 21, No. 1, Primavera de 1988, pp. 99-128.
162. Cf., “Mao’s 16 Points on the Cultural Revolution”, emitido em 8 de agosto de 1966, disponível em
https://alphahistory.com/chineserevolution/mao-zedongs-16-points-on-the-cultural-revolution-1966/.
163. Cf., Thomas W. Robinson, “The Wuhan Incident: Local Strife and Provincial Rebellion During the
Cultural Revolution”, The China Quarterly, No.47, julho/setembro de 1971, pp. 413-438.
– 
Capítulo III – DENG ATRAVESSA O RIO
 
“Growltiger was a Bravo Cat, who travelled on a barge/In fact he was the
roughest cat that ever roamed at large”.
(T.S. Elliot, Growltiger’s Last Stand)
 
Talvez a mais famosa fotogra a de Deng Xiaoping foi tirada num rodeo nas
proximidades de Simonton, perto de Houston, Texas, após uma visita do líder
chinês ao Johnson Space Center. Deng, com o seu tradicional “fato Mao”, coloca
na cabeça um chapéu de cowboy branco que lhe acabara de ser oferecido por uma
das participantes no rodeo164. Com este gesto, Deng, que se encontra nos Estados
Unidos pouco depois de Jimmy Carter normalizar as relações entre os dois
países, altera a perceção do público americano sobre a China. Humanizado pelo
gesto, o poderoso líder chinês parece indicar a aceitabilidade da aproximação
cultural e económica com o Ocidente. Aliás, a narrativa da abertura e
“transição” da República Popular para o capitalismo deve muito a este gesto
texano. Dez anos volvidos, a imagem de Deng não resistirá ao massacre de
Tiananmen. Mas, em bom rigor, Deng era simultaneamente o homem do
chapéu de cowboy e o homem que ordena o Exército de Libertação Popular a
abrir fogo contra os manifestantes.
A morte de Mao Zedong, em 9 de setembro de 1976, intensi ca as lutas de
fação a decorrer no interior do PCC165. Assiste-se entre, ١٩٧٦ e ١٩٧٨, uma
feroz luta de sucessão que resultará na acessão de Deng Xiaoping ao poder166.
Desde que ingressa nas leiras do PCC em 1924, Deng fora sempre um
guerreiro político ágil e resiliente, um sobrevivente das disputas internas entre
fações167. Será denunciado por cometer erros “oportunistas de direita” e
purgado, pela primeira vez, em 1933. Reabilitado um ano depois, durante a
Longa Marcha, cairá novamente em desgraça em 1966, uma das primeiras
vítimas da Revolução Cultural. Acusado de ser o segundo “seguidor do
capitalismo” devido à sua proximidade a Liu Shaoqi, Deng (e toda a sua família)
foi enviado para trabalhar nos campos de Jiangxi. Zhou Enlai, manobrando para
in uenciar o desfecho da sucessão de Mao, recupera-o em 1973, nomeando-o
Vice-Primeiro-Ministro. Contudo, em 1976, em resultado do “primeiro
incidente de Tiananmen”, de 5 de abril de 1976, será novamente afastado de
todos os cargos que desempenha no partido e no estado168. Será vindicado em
março de 1977, altura em que o Comité Central endossa o seu “regresso ao
trabalho”, abrindo assim caminho à sua plena ascensão à liderança do partido e
do país.
Longe de ser uma mera vítima dos seus rivais de partido, Deng era um
veterano gladiador político, um manobrador hábil marcado pelas incessantes
intrigas palacianas. Essas consideráveis qualidades políticas levaram Henry
Kissinger a caracterizá-lo, talvez de forma não inteiramente lisonjeira, como
“um homenzinho desagradável”169.  Astutamente, Deng posicionara-se para a
luta de sucessão algum tempo antes da morte do Grande Timoneiro,
argumentando, em 1974, que a autossu ciência maoista não obrigava a China a
fechar-se perante o resto do mundo, ou seja, que a autarcia delineada por Mao e
seus seguidores não constituía o único caminho para alcançar o socialismo.
Dado que uma política autárcica não era um requisito absoluto para viabilizar a
construção socialista, algum grau de abertura ao mundo era aceitável para
realizar a modernização do país. Embora sendo uma formulação deveras
cautelosa, e os cuidados eram inteiramente compreensíveis no sufocante quadro
de ortodoxia maoista prevalecente, a visão “liberal” de Deng seria ferozmente
atacada em 1976, quando os maoistas do Grupo dos Quatro iniciam a
campanha “criticar Deng” (Pi Deng), reprovando-o por procurar “reverter o
veredicto correto da Revolução Cultural”. Na perspetiva dos radicais, derrotar
Deng era sinónimo de “repelir o vento desviador da direita” e de retomar o
rumo genuíno da construção socialista170.
 
 
A sucessão do Sol Vermelho
 
Nos meses que antecederam a sua morte, Mao Zedong criticara severamente
Deng Xiaoping, levando-o, em janeiro de 1976, a apresentar a demissão do
cargo de Vice-Primeiro-Ministro. Em abril do mesmo ano, sob ataque feroz dos
maoistas, era removido de todos os cargos partidários, ao mesmo tempo que
Mao “abriu o caminho para Hua liderar o país”171. A decisão de Mao de indicar
Hua Guofeng como seu sucessor foi, de acordo com Ezra Vogel, ditada por não
haver “escolha melhor de quem seria leal à reputação de Mao e poderia dar-se
bem com radicais e altos funcionários”172. Personagem inofensiva, aceitável para
a maioria dos militares e dos quadros do partido, Hua tinha duas desvantagens:
não suscitava entusiasmo nem era objeto de lealdades políticas173. Era apenas o
denominador comum dos grupos em confronto, quem menos ameaçava o poder
dos vários rostos e fações agrupadas em torno da sua liderança. Incapaz de
impedir a ressurreição partidária de Deng após a morte de Mao, Hua Guofeng
junta-se aos dengistas para neutralizar o Grupo dos Quatro, os autoproclamados
herdeiros do igualitarismo radical defendido por Mao174.  Che ados por Jiang
Qing, a viúva de Mao execrada nas leiras do partido, o Grupo dos Quatro
engloba Wang Hongwen, Zhang Chunqiao e Yao Wenyuan. Alarmados com a
reabilitação dos “seguidores do capitalismo” expurgados durante a Revolução
Cultural, procuram consolidar o poder de forma a evitar o regresso de Deng,
uma eventualidade entendida como o golpe mortal para o projeto maoista
iniciado em 1949 e intensi cado com a Revolução Cultural.
Mas o campo de manobra de Jiang Qing fora severamente circunscrito
quando Mao escolhe o relativamente obscuro e politicamente irresoluto Hua
Guofeng para o suceder. Fruto da sua inabalável lealdade à linha política traçada
por Mao, Hua alcançara algum destaque e notoriedade durante a Revolução
Cultural. Esperava-se que, no novo quadro, conservasse o legado do Grande
Timoneiro.  A ironia reside, precisamente, no fato de se tratar de uma tarefa
impossível de cumprir após o desaparecimento de Mao, pois era justamente esse
legado que era ferozmente combatido pelos quadros mais pragmáticos que,
desde os anos de 1950, deixaram de estar sincronizados com as orientações
político-ideológicas do Grande Timoneiro. Um mês depois do falecimento de
Mao, a primeira fase da luta pelo poder chega a um m abrupto quando, em 6
de outubro de 1976, os principais rostos do Grupo dos Quatro são presos
durante as primeiras horas da madrugada numa manobra que, para todos os
efeitos, não passa de um golpe executado por uma ala do partido que conta com
o poder de fogo do Exército de Libertação Popular. Sob as ordens do marechal
Ye Jianying, Ministro da Defesa e Vice-Presidente do Comité Central do PCC,
os militares desempenham um papel determinante na queda do Grupo dos
Quatro175. Indicando até que ponto o país se encontra exaurido depois de uma
década de con itualidade exacerbada, a detenção de Jiang Qing e dos seus
aliados não desencadeia as manifestações de apoio popular esperadas pelos
radicais. Particularmente revelador, não há mobilização em defesa do Grupo dos
Quatro na província de Xangai, o epicentro do seu poder político, onde
estimularam, durante a “Tempestade de Janeiro” de 1966, o fanatismo
ultraesquerdista da “Comuna Popular de Xangai”176.
Logo de seguida, a heterogeneidade dos setores que se juntaram para eliminar
o Grupo dos Quatro faz romper a coligação anti-radical, que efetivamente se
desmorona quando Deng e a velha guarda do partido investem contra Hua
Guofeng. Embora Hua tenha sancionado a prisão dos cabecilhas do Grupo dos
Quatro, seus rivais pelo poder e pelo legado de Mao, a sua base de apoio no
PCC era frágil. Socorre-se, principalmente, de quadros leais à indicação de Mao
apontando Hua como seu sucessor. Porque lhe exigem que permaneça el ao
património político-ideológico de Mao Zedong e para os apaziguar, Hua
publica, em fevereiro de 1977, o artigo “Estude Bem os Documentos e
Apreenda os Elos Principais”, descrevendo a doutrina dos “dois quaisquer” (两个
凡 是 ). Rea rmando o compromisso com o maoismo, os “dois quaisquer”
resumem-se no slogan “resolutamente defenderemos quaisquer decisões
políticas adotadas pelo Presidente Mao e seguiremos sem reserva quaisquer
instruções dadas pelo Presidente Mao”177. Esta rea rmação do sectarismo
partidário, da adesão cega e da descontextualização dos “pensamentos” de Mao
gera condições propícias para Deng Xiaoping tomar a ofensiva
ideológica.  Censura o dogmatismo dos “dois quaisquer”, caracterizando-os
como não-marxistas, acrescentando que “para aplicarmos o que o camarada Mao
Zedong disse num assunto em particular ou noutro, para aplicar o que ele disse
num determinado local ou noutro, para aplicar o que ele disse num momento
especí co ou outro, ou aplicar o que ele disse numa condição especí ca ou outra
– tudo isso certamente não funcionará!
O camarada Mao Zedong disse em várias ocasiões que algumas das suas próprias
declarações estavam erradas”178.
Num segundo momento, Deng Xiaoping faz publicar o artigo “A Prática é o
Único Critério para Julgar a Verdade”, apresentado como um entendimento
“correto” e “abrangente” do pensamento de Mao Zedong. Nessa ocasião, alega
que “a única forma de avaliar a verdade é pela ampla experiência social do povo.
(...) o marxismo deve ser continuamente reinterpretado à luz da experiência. (...)
mas se a experiência revelar erros, mudanças devem ser feitas”179. Empregando
esta mesma metodologia, Deng “aceitou a autoridade de Mao, ao mesmo tempo
que a rmava que Hua Guofeng não era o único com autoridade para interpretar
os pontos de vista de Mao”180. Por outro lado, enquanto postula que o
pensamento de Mao Zedong era su cientemente robusto para interpretar o
momento atual, conclui que o entendimento maoista de “luta de classes” e da
“revolução permanente” deveriam ser descartados devido aos resultados
desastrosos produzidos no passado recente. Formalmente exortando a relevância
e atualidade do “Pensamento Mao Zedong”, as teses avançadas em “A Prática é
o Único Critério para Julgar a Verdade” constituíam um ataque semi-velado à
ortodoxia maoista, à herança da Revolução Cultural e à escolha de Hua Guofeng
como sucessor do fundador da República Popular.
Para além das diferenças ideológicas que separavam as fações, o confronto
entre Deng e Hua re etia uma incontornável divisão geracional nas leiras do
PCC.  Dir-se-á que, de forma geral, os partidários de Hua eram mais jovens,
muitos dos quais eram antigos Guardas Vermelhos que durante a Revolução
Cultural purgaram os militantes mais velhos que, após a morte de Mao, foram
reabilitados por Deng.  À medida que o espectro da Revolução Cultural
retrocedia, “a maioria dos anciãos rejeita não apenas a visão utópica de Mao da
sociedade igualitária subjacente ao Grande Salto em Frente e a luta
interminável de classes da Revolução Cultural, mas também o modelo
estalinista de controlo estatal da economia, a coletivização da agricultura
e a ênfase colocada na indústria pesada desde os anos ١٩٥٠”181. Não deixa de ser
irónico veri car que o dogmatismo ideológico de Mao – e o aventureirismo
político que produz – acaba por gerar o efeito bumerangue que o Grande
Timoneiro procurara evitar: o pleno descrédito das suas ideias quanto à ação de
massas e ao comunismo utópico. Consumado o afastamento de Hua, e ciente da
necessidade de tranquilizar o sector maoista, Deng a rma que “não seria o
Khrushchev da China”, acrescentando que as contribuições do primeiro líder da
República Popular eram vitais e, portanto, o PCC “não deve lançar um ataque a
Mao como o ataque de Khrushchev a Estaline”182.  Apesar das garantias
oferecidas aos setores mais radicais, estava aberto o caminho para o
ressurgimento dos “seguidores do capitalismo” que Mao implacavelmente
combatera até à morte. O Grande Timoneiro fora presciente quanto ao
surgimento de um “Khrushchev chinês” que desmontasse o seu legado.
Ironicamente, a sorte de Mao fora que Deng se assemelhava mais a Khrushchev
do que a Gorbachev.
Saído vitorioso da luta pelo poder, Deng Xiaoping rma a escolha histórica de
“abrir” a China à economia mundial.
A trajetória delineada por Deng para alcançar o desenvolvimento nacional não
era, porém, inevitável. Vários caminhos alternativos poderiam, naquela
conjuntura especí ca, ter sido traçados.  Primeiro, embora altamente
improvável, a elite partidária poderia ter optado pela democratização e pelo
desenvolvimento capitalista, em linhas gerais, o caminho percorrido pelo Japão,
por Taiwan e pela Coreia do Sul na fase pós-autoritária dadécada de
1980183. Este percurso teria exigido o impossível: o PCC teria de renunciar ao
seu monopólio do poder. Segundo, a modernização do país poderia ser cumprida
através da construção de chaebols num quadro de ditadura militar, como zeram
Park Chung Hee na Coreia do Sul e Suharto com a sua Nova Ordem
indonésia184.  Por estranho que possa parecer, o modelo de modernização
autoritária dirigida pelas forças armadas não era implausível porque a
preponderância do Exército de Libertação Popular dentro do partido, e a
autoridade pessoal do marechal Ye Jianying, poderia viabilizar tal solução. É
verdade que o ELP é o braço armado do PCC – são forças armadas do partido e
não do estado – e Mao sempre exortou o “partido a comandar a arma”,
expressando assim a tradição de supremacia civil sobre os militares advogada
pelo partido. Mas, dado o papel central do ELP durante a última fase da
Revolução Cultural e para a queda do Grupo dos Quatro, a hipótese de uma
ditadura militar não era impensável185. Por m, e por mais improvável que fosse
na medida em que pressupunha a restauração do poder nas mãos dos maoistas,
abria-se outro caminho: o comunismo puritano, xenófobo, desencadeado pela
lógica genocida dos Khmeres Vermelhos de Pol Pot, uma via derivada de uma
certa lógica maoista186. Cada uma das três opções apresentava riscos e
oportunidades. Mas o ponto essencial é outro: o “socialismo com características
chinesas” de Deng Xiaoping não era um caminho pré-determinado. Não era a
consequência inexorável de uma lógica única inerente ao comunismo chinês.
 
 
Thermidor de Jiangxi
 
O alcance do plano reformista proposto por Deng Xiaoping seria esclarecido
durante o Terceiro Plenário do XI Comité Central do Partido Comunista
Chinês de dezembro de 1978187. A cúpula dirigente que emerge desta histórica
reunião revela até que ponto Deng, por esta altura, dominava o Comité Central,
a pré-condição indispensável para reverter as políticas maoistas de autarcia
nacional, planeamento central e comunas populares. Maioritariamente
composta pelos homens que governaram durante a era de ouro do início dos
anos 1950, que supervisionaram os sucessos económicos do PCC antes da
imprudência do Grande Salto em Frente, os rostos mais destacados da nova
liderança também haviam presidido ao breve interlúdio entre a Conferência de
Lushan e a Revolução Cultural. Não admira, pois, que a “abertura” de Deng
invocasse os sucessos anteriores produzidos pela exibilidade no âmbito da
economia de planeamento central e pelo papel desempenhado pelos mercados
rurais. Por isso mesmo, os anciãos do partido que acompanhavam Deng
possuíam a autoridade histórica e a legitimidade política para prosseguir com o
programa de reformas que fazia eco das orientações que defenderam no passado.
A nal, e sendo que a “prática é o único critério para julgar a verdade”, a história
tinha demonstrado que as soluções então propostas por Deng Xiaoping e os
seus aliados eram as mais corretas.
Um dos motores da reforma encontra-se na vizinhança imediata. A geração de
líderes que assume o poder no pós-maoismo está ciente das vulnerabilidades
militares, económicas e tecnocientí cas da China. Eram fragilidades
particularmente inquietantes para um país que partilhava uma longuíssima
fronteira terrestre com uma superpotência em franca expansão política e
ideológica. Convém notar que, no nal da década de 1970, nada leva a concluir
que a União Soviética era um estado à beira do desmoronamento. Moscovo
aparentava estar no auge do seu poder e in uência, com uma rede de clientes e
aliados que congregava, inter alia, os países da Europa de Leste, Cuba, Angola,
Etiópia, Nicarágua, Iémen do Sul e Afeganistão. A cúpula do PCC ignorando
ao facto de soviéticos, taiwaneses, sul-coreanos e outros vizinhos terem superado
a RPC em praticamente todos os indicadores de desenvolvimento188. 
À medida que esses países se distanciavam da China, o fracasso do regime sínica
em de nir saídas para a pobreza e o subdesenvolvimento mina a legitimidade
do PCC como veículo para realizar a modernização.
Mais de uma década antes da chegada do dengismo ao poder, a debilidade
estratégica da China levara o Primeiro-Ministro Zhou Enlai  a apelar, na
Conferência de Trabalho Cientí co e Tecnológico de Xangai, realizada em
janeiro de 1963, à implementação das “Quatro Modernizações”: da agricultura,
da indústria, da ciência/tecnologia e da defesa nacional189.  A preocupação de
Zhou com o atraso destes setores estratégicos explica o seu empenho na
reabilitação de Deng Xiaoping, nomeando-o, em 1973, como seu Vice-
Primeiro-Ministro. Acrescenta-se que, na esfera da segurança nacional, a
incontestável degradação do relacionamento sino-soviético decorrente dos
confrontos fronteiriços de março de 1969 na ilha de Zhenbao e no rio
Ussuri,  constitui um forte incentivo para se proceder ao aprofundamento da
reaproximação aos Estados Unidos, iniciada aquando da visita de Richard
Nixon a Beijing.  A morte de Mao Zedong torna claro que a preservação
do  status quo, personi cado por Hua Guofeng, era inviável se a China
pretendesse alcançar o desenvolvimento nacional e diminuir as suas
vulnerabilidades estratégicas num quadro regional de mudança vertiginosa.
No plano ideológico, ao subscrever um ambíguo “socialismo de mercado com
características chinesas”, o Terceiro Plenário do XI Comité Central abandona o
igualitarismo utópico e a linha de massas maoista. Durante a sua histórica
“viagem ao sul” de 1992, Deng, numa admissão reveladora, a rma que “ao
estudar o marxismo-leninismo, precisamos de apreender a essência e aprender o
que precisamos de saber. Tomos pesados são para um pequeno número de
especialistas; como podem as massas lê-los? É formalista e impraticável exigir
que todos leiam tais obras. Foi a partir do Manifesto Comunista e do ABC do
Comunismo (sic) que aprendi os rudimentos do marxismo (...). O marxismo é a
verdade irrefutável. A essência do marxismo é buscar a verdade aos fatos. É isso
que devemos advogar, não a adoração de livros”190.
As palavras de Deng indicavam que, no contexto chinês, a preservação do
marxismo-leninismo não era incompatível com a exibilização da economia de
comando, com a acomodação de um setor privado, com um setor não-estatal
nem com o investimento estrangeiro.  Perante a exigência destas tarefas, o
dogmatismo maoista teria forçosamente de ser substituído por uma abordagem
ideológica exível, se bem que inequivocamente intransigente quanto ao papel
do partido e à sua missão de ressuscitar a grandeza da China. Apesar de todas as
adaptações teóricas introduzidas por Deng, o PCC pós-Mao enfatiza a sua
continuidade ideológica. Desde 1921 que o PCC, ininterruptamente, mantinha
o compromisso de construir uma China moderna, próspera e poderosa
(rejuvenescida), liberta do legado do “século da humilhação nacional” e sob a
orientação do partido único. Se “formalismos” contidos nos tomos constituíam
entraves à concretização dessa missão histórica, seriam, muito simplesmente,
descartados.
A 30 de março de 1979, três meses depois do Terceiro Plenário do XI Comité
Central, Deng Xiaoping,profere o discurso “Defenda os Quatro Princípios
Cardeais”191, onde começa por a ançar que o PCC se libertara dos “efeitos da
década de turbulência criada por Lin Biao e pelo Grupo dos Quatro e assegurava
uma situação política marcada pela estabilidade e a unidade;  esta situação é
tanto um pré-requisito como uma garantia da nossa modernização
socialista”192. Esta nova fase do desenvolvimento socialista exigia a “reforma e a
política de porta aberta” dentro dos parâmetros estipulados pelos Quatro
Princípios Cardeais: o caminho para a sociedade socialista, a ditadura do
proletariado, a liderança do Partido Comunista e, por m, a relevância continua
do marxismo-leninismo e do Pensamento de Mao Zedong. Em suma, o sucesso
das “Quatro Modernizações” pressupunha a delidade aos Quatro Princípios
Cardeais, concebidos como “o pré-requisito básico para alcançar a
modernização”193.
As “Quatro Modernizações” constituem o programa geral de mudança
proposto por Deng Xiaoping. A primeira modernização – da agricultura –
visava a mecanização da produção e a introdução do “sistema de
responsabilidade”, que incumbia todas as famílias de produzirem bens agrícolas
para venda no mercado aberto depois de uma parte da colheita ser vendida ao
estado a preço xo. A segunda modernização – da indústria – pretendia
transitar da indústria pesada para a ligeira. Gestores passam a escolher os bens
que produzem, mas esperava-se que as rmas fossem rentáveis. A terceira
modernização – da ciência e à tecnologia – abria a China ao conhecimento e
tecnologia do estrangeiro para colmatar o atraso nestas áreas. A quarta
modernização – da defesa – enfatiza o desenvolvimento e a aquisição de
armamentos modernos e reformas militares de forma a preparar as forças para o
combate contemporâneo. As “Quatro Modernizações” iriam, no seu conjunto,
impulsionar o crescimento chinês, mas também produziram problemas sociais e
ambientais que, ainda hoje, não foram superados.
Segundo Deng, a necessidade de defender esses princípios “continua porque
alguns camaradas do Partido ainda não se libertaram da in uência maligna da
ideologia ultraesquerdista de Lin Biao e do Grupo dos Quatro”194. A conciliação
das reformas de mercado com o controlo centralizado do partido feita por Deng
fora sancionada pelo Terceiro Plenário nos seguintes termos: “a sessão plenária
convoca todo o Partido, todo o exército e o povo de todas as nossas
nacionalidades a trabalhar com um coração e uma mente, aperfeiçoar a
estabilidade e a unidade políticas, mobilizar-se imediatamente para dar tudo de
si, reunir a sua sabedoria e esforços para realizar a nova Longa Marcha para
tornar a China um país socialista moderno e poderoso antes do nal do
século”195. A referência a uma “Longa Marcha”, hoje utilizada com frequência
por Xi Jinping, evoca os valores da mítica Longa Marcha de Mao: sacrifício,
resistência e um horizonte de luta prolongada. Mas sugeria, também, que a
vitória era inevitável se os princípios fundamentais fossem observados. Mais
tarde, aquando de uma visita a Beijing de uma delegação o cial do Partido
Comunista Romeno, as intenções de Deng cam ainda mais claras quando
confessa aos seus convidados que “o objetivo do socialismo é tornar o país rico e
forte”196.
Como é sabido, no mesmo Terceiro Plenário de dezembro de 1978, Deng
Xiaoping argumenta que o desenvolvimento chinês não dispensa a introdução
de mecanismos de mercado.  O signi cado concreto e o alcance da declaração
cam por esclarecer cabalmente porque o “líder supremo” se abstém de
apresentar ao Plenário um plano detalhado, estruturado para promover o
crescimento económico. Dito de forma diferente, as reformas são iniciadas na
ausência de um roteiro sistematizado, detalhado.  A formulação “gato preto,
gato branco”, essencialmente uma recapitulação do ditado de Mao “busca a
verdade dos fatos”, expressa a abordagem pragmática de Deng; isto é, as
reformas seriam consolidadas e expandidas quando bem-sucedidas e não porque
eram sancionadas pelos tomos. Se se mostrassem ine cazes, seriam
descartadas.  A mudança, pelo menos nos primeiros momentos, seria
necessariamente experimental e incremental. Excluía-se, assim, um big bang,
um corte brusco com práticas anteriores. Pragmática, exível e avaliada de
acordo com critérios de e cácia, a agenda reformista da nova cúpula dirigente
visa impor a racionalidade a uma economia de comando e ao mundo agrícola,
sem, no entanto, descurar as inevitáveis perturbações sociais resultantes da
“reforma e abertura”. Nesse sentido, os limites das reformas eram de nidos pela
capacidade da sociedade de as absorver, pois a con itualidade social suscetível
de levar à mudança de regime era inaceitável, era a linha vermelha do PCC.
As mudanças introduzidas pela “abertura e reforma” incentivam os produtores
locais a experimentar com mecanismos de mercado e, muito rapidamente,
superaram os níveis de produção agrícola nas comunas populares. A agricultura
era o setor que, na realidade, mais carecia de reforma imediata porque, em
1978, o país que Deng pretende modernizar deixara de ser autossu ciente na
produção de cereais, cujo output não havia ainda recuperado do cataclismo do
Grande Salto em Frente. A m de estimular a produção agrícola, o PCC adotou
o “sistema de responsabilidade”; isto é, as famílias camponesas recebiam lotes
de terra para uso privado. Em troca, o estado recebia uma quota de produção
adquirida a preço xo. Em resultado destas mudanças, a produção de cereais
cresce de 305 milhões de toneladas em 1978 para uns impressionantes 407
milhões em 1984. Os preços pagos aos produtores da lavoura aumentaram entre
25% e 40% em 1979, provocando assim um ainda maior aumento de produção
e o enriquecimento das famílias197.
O reformismo dengista passa também pela introdução de Zonas Económicas
Especiais (ZEE), enclaves industriais desenvolvidos para atrair empresas
estrangeiras que bene ciam de um regime de incentivos especiais, incluindo
uma carga tributária reduzida e uma estrutura regulatória consideravelmente
mais exível do que a existente no regime geral198. Quanto às empresas estatais
não-competitivas, ine cientes na alocação do capital, eram sujeitas a processos
de racionalização, um eufemismo de downsizing e exibilização laboral. Caso não
viessem a obter lucro, eram encerradas. Desta forma, o sector industrial estatal
não será desmantelado por decreto: as rmas são gradualmente obrigadas a
competir com companhias privadas e a obter lucros num novo ambiente
competitivo.  Algumas adaptaram-se às novas circunstâncias e ainda hoje
prosperam como empresas que disputam mercados em várias partes do mundo;
muitas encerraram as portas.
Dado que o processo de reforma era severamente circunscrito por critérios
político-ideológicos, talvez não houvesse alternativa à abordagem experimental
e incremental de Deng Xiaoping199. Com efeito, em nais de 1978, a margem
de manobra do dengismo era limitada porque a autoridade de Deng no interior
do PCC e junto da hierarquia do Exército de Libertação Popular não era ainda
incontestável. Por outro lado, setores do partido comprometidos com o
comunismo utópico de Mao, a face do PCC e do estado nas zonas rurais,
continuavam a oferecer resistência às reformas. Similarmente, os quadros
regionais mostravam-se relutantes em implementar reformas que
invariavelmente acabariam por enfraquecer os seus feudos pessoais. Quanto ao
ELP, Deng não era estranho aos meandros militares, pois participara na guerra
civil e, no início dos anos 1930, servira em Guangxi como comissário político
do Segundo Exército de Campo. Muito transformado desde a Revolução
Cultural, altura em que a instituição militar se assume como corporação, o ELP
desempenha um papel cada vez mais interventivo no interior do PCC200.  Por
mais poderoso que fosse naquela encruzilhada, Deng não podia excluir a
possibilidade de vir a ser deposto por rivais em posições-chave no estado, nas
forças armadas e no partido, determinados a reverter o ímpeto reformista.
As descon anças dos mais recalcitrantes sectores da nomenklatura forçam Deng
a renovar as garantias quanto à continuação do monopólio do poder do PCC.
Eis a linha vermelha impossível de atravessar. Mas as garantias eram destituídas
de credibilidade a menos que os processos de reforma económica e reforma
política fossem nitidamente destrinçados. 
A condição sine qua non para avançar com as reformas económicas era, portanto,
a liminar exclusão de reformas políticas suscetíveis de ameaçar o monopólio do
poder detido pelo PCC. Evidentemente, a “abertura” de Deng Xiaoping exigia
algum grau de reforma administrativa, mas essas mudanças seriam executadas
pela  nomenklatura do partido e não contra os interesses instalados dos quadros
partidários. Deng, a bem dizer, propôs-se cooptar os quadros para o campo
reformista, escolhendo não os confrontar com medidas que tentariam
bloquear. E uma vez que não era de excluir que o PCC, num momento futuro,
optasse por desfazer a “reforma e abertura”, os quadros concederam a Deng
latitude su ciente para prosseguir com o reformismo enquanto a “abertura” não
colidisse com o monopólio do poder. A margem de manobra de Deng estava,
neste sentido, condicionada pelo desempenho económico resultante de
mudanças desencadeadas dentro dos parâmetros políticos ditados pelos
princípios ideológicos do PCC. Anos antes da ascensão de Mikhail Gorbachev à
liderança do Partido Comunista da União Soviética, Deng Xiaoping estipula os
limites fundamentais do modelo reformista chinês, de nido uma década antes
dos manifestantes de Tiananmen exigirem profundas “reformas políticas” que
Deng simplesmente não podia (e, muito provavelmente, não queria) conceder.
 
 
As mãos esquerda e direita
 
Visando a reconciliação do partido e do país com o tumultuoso passado
recente, o Quinto Plenário do XI Comité Central, reunido entre 23 e 29 de
fevereiro de 1980, reabilita Liu Shaoqi, que morrera em 1969 em resultado de
ferimentos in igidos por Guardas Vermelhos. A reabilitação de tão
proeminente vítima da Revolução Cultural e notório adversário político de Mao
representa nada menos do que a repreensão pública do Grande Timoneiro pela
sua cumplicidade ativa com a devastação económica, a violêcia eas perseguições
generalizadas da época201. Em resultado da longa associação política entre Liu e
Deng, a reabilitação post mortem do primeiro também con gura uma espécie de
validação política do segundo, atestando da “correção” das suas reformas.
Estabelecia-se, assim, uma linhagem histórica entre as escolhas políticas de
Deng e as linhas mestras traçadas por Liu Shaoqi e Zhou Enlai, o arquiteto das
“Quatro Modernizações”. Nesse sentido, a reabilitação de Liu sinaliza a natureza
e a legitimidade ideológica das reformas que a coligação denguista procura
introduzir. Por isso mesmo, meses mais tarde, em outubro de 1980, um
segundo sinal era dado pelo partido. Em contraste com a reabilitação de Liu, o
PCC expulsa postumamente Kang Sheng, um dos dirigentes mais execrados
que morrera em 1975, depois de pôr em marcha a campanha de 1976 para
criticar o desvio de direita cujos alvos eram Zhou Enlai e Deng Xiaoping. Fora,
porém, a sua atuação nos anos 1940, quando assume o papel de principal
cérebro do terror dirigido contra o próprio partido durante o Movimento
Reti cativo, e o seu papel de enforcer da Campanha Anti-Direitista de 1957, que
levam Hu Yaobang, num discurso secreto proferido em 1978, a compará-lo a
Félix Dzerzhinski e a Lavrenti Beria, os carrascos de Estaline.
Meses depois da reabilitação de Liu Shaoqi, a Terceira Sessão do V Congresso
Nacional do Povo reúne em Beijing, entre 30 de agosto e 10 de setembro de
1980, para nalizar a renovação de pessoal de topo iniciada durante o Quinto
Plenário do XI Comité Central de fevereiro desse ano. Crescentemente seguro
da coesão da sua base de apoio, Deng renuncia ao cargo de Vice-Primeiro-
Ministro, assim forçando a “renúncia voluntária” de vários revolucionários da
velha geração, incluindo Li Xiannian, Chen Yun, Xu Xiangqian e Wang
Zhen202.  A “renúncia voluntária” permitiu a Deng, mantendo o controlo da
importantíssima Comissão Militar Central, colocar aliados no partido e no
estado e, assim, “remover obstáculos reais e potenciais à reforma”203. A mais
signi cativa destas alterações à nomenklatura fora a elevação de Hu Yaobang a
Secretário-Geral do PCC, um protegido político de Deng e entusiasta do
processo de reforma. Uma das várias vítimas desta renovação foi, precisamente,
Hua Guofeng. Praticamente destituído de poder, é substituído como Primeiro-
Ministro por Zhao Ziyang. Descritos por Deng como as suas “mãos esquerda e
direita”, Hu e Zhao são integrados no Comité Permanente do Politburo, o
órgão máximo do Partido Comunista Chinês.
Com uma base de apoio rmemente consolidada, Deng Xiaoping, ao longo
dos anos 1980, conta com as suas “mãos esquerda e direita” para fazerem
avançar a “reforma e abertura”204. A partir do seu cargo de Secretário-Geral do
PCC, Hu Yaobang alarga a coligação de Deng, reunindo apoios junto dos
quadros intermédios que se haviam destacado durante a Revolução Cultural.
Alguns, ainda apegados ao igualitarismo maoista e à linha da luta de massas,
foram cooptados; outros, os mais recalcitrantes, seriam afastados e substituídos
por defensores da reforma.  Por sua vez, o Primeiro-Ministro Zhao Ziyang
assume a che a do aparelho estatal encarregado de implementar as políticas
reformistas e, posteriormente, substitui Hu Yaobang como Secretário-Geral do
PCC.  Gradualmente, Deng e seus aliados passam a dominar a máquina
partidária. Não obstante, e quando a década de 1980 se aproxima do m, os
dois homens entram em con ito com a linha-dura que insiste em abandonar ou,
no mínimo, atenuar a mudança. À medida que as reformas económicas se
intensi cam, ambos divergem do incrementalismo de Deng Xiaoping. Passam
a advogar vastas reformas políticas de modo a garantir o sucesso do
desenvolvimento nacional. Atendendo a estas dúvidas quanto ao monopólio do
poder do PCC, particularmente evidentes no caso de Hua Yaobang, ambos
acabam por partilhar o mesmo destino: Deng Xiaoping demite Hu no início de
١٩٨٧ e Zhao, acusado de ser excessivamente indulgente para com os estudantes
acampados em Tiananmen, será afastado de todos os seus cargos em maio de
١٩٨٩, pouco antes da matança na principal praça de Beijing.
Esta crise na cúpula central do PCC remonta a meados dos anos 1980, altura
em que o expressivo crescimento gerado pelas reformas dengistas provoca um
aumento generalizado de preços, in ação e corrupção. A título exempli cativo,
veri ca-se que, no ano de 1985, a produção industrial cresce 20%, um surto de
crescimento acompanhado pelas “explosões de in ação que aumentaram o custo
das necessidades básicas em 30% nos primeiros meses de 1985, deprimindo os
padrões de vida dos setores menos abastados da população urbana,
especialmente os trabalhadores industriais e os funcionários públicos de nível
inferior”205.  O tsunami de investimento estrangeiro, a explosão de bens de
consumo e um regime que sinaliza que “ser rico é glorioso” (a versão
simpli cada da exortação de Deng “deixem algumas pessoas carem ricas em
primeiro lugar”) cria um ambiente de boom propício à corrupção
desenfreada.  Em resumo, “porque as reformas de mercado que provocaram o
dinamismo económico da China não foram acompanhadas por uma estrutura de
regulamentação ou por reformas políticas fundamentais do estado-partido,
deram origem à corrupção desenfreada, a desigualdades sociais crescentes, a
disparidades regionais e poluição ambiental generalizada”206.  Um estado
centralizado e burocrático gerador de uma teia kafkiana de regulamentos
estimulou a corrupção o cial e, consequentemente, uma onda de
descontentamento social.  À medida que o debate se intensi cava quanto à
forma de abordar  a insatisfação popular, profundas clivagens surgem nos
escalões principais do PCC.
É justamente neste contexto de agravamento da crise social que, em Beijing,
se realiza o XIII Congresso do Partido Comunista Chinês, entre 25 de outubro
e 1 de novembro de 1987. Muito naturalmente, o conclave reitera a “correção”
da “reforma e abertura” denguista adotada durante o Terceiro Plenário do XI
Comité Central de dezembro de 1978. Para além de validar a orientação traçada
por Deng, o Congresso volta a renovar a cúpula do PCC por meio de mais
“demissões voluntárias” dos quadros mais idosos. Numa espécie de repetição da
Terceira Sessão do Congresso Nacional Popular de 1980, destacados opositores
do processo reformista – como Peng Chen, Chen Yun e Li Xiannian – afastam-
se dos seus cargos. A renovação geracional também varre o Politburo: 9 dos seus
20 membros são removidos. Procurando dar o exemplo, Deng recusa todos os
cargos formais no partido e no estado, mas mantém a presidência da
poderosíssima Comissão Militar Central. Eleva Zhao Ziyang a primeiro Vice-
Presidente da Comissão Militar Central, um revés político para os conservadores
que, mesmo assim, conseguem manter Li Peng no Comité Permanente do
Politburo.  Praticamente relegado ao esquecimento, Hua Guofeng conserva o
seu lugar no Comité Central, mas é privado do escassíssimo poder que ainda lhe
resta.
Uma década depois de iniciar a sua caminhada rumo à liderança do Partido
Comunista Chinês, Deng Xiaoping emerge do XIII Congresso como o
incontestável “líder supremo” da China.  Mas o conclave é mais do que a
consagração de Deng; salda-se pelas inovações ideológicas apresentadas no
relatório principal do Congresso. Entregue pelo Secretário-Geral Zhao Ziyang,
o documento formalmente “reiterou a política do partido de intensi car e
expandir as reformas económicas e traçou caminhos para a reestruturação
política”207. Na realidade, trata-se da última estogada no maoismo. Alegando
que a China acabara de entrar no “estágio primário” da construção “através da
prática, do socialismo com características chinesas”,  Zhao declara que tal
empreendimento “num grande, atrasado país oriental como a China é algo de
novo na história do desenvolvimento do marxismo”208.  Acrescenta que “não
estamos na situação prevista pelos fundadores do marxismo, na qual o
socialismo é construído com base num capitalismo altamente desenvolvido,
nem estamos exatamente na mesma situação que outros países socialistas. Não
podemos, portanto, seguir cegamente o que os livros dizem, nem podemos
imitar mecanicamente os exemplos de outros países”209.  O verdadeiro alcance
destas palavras era revelado dias antes da abertura do Congresso, quando,
reunido com Arthur Dunkel, diretor-geral do Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (GATT), Zhao con dencia que “apenas 30% da economia da China
permanecerá sujeita ao planeamento central em dois ou três anos”210.  A
mensagem era clara: o caminho socialista da China divergia signi cativamente
do “socialismo real” existente na URSS e da Europa Oriental.
Para dar resposta aos desa os impostos pela construção de um “socialismo
com características chinesas”, o partido era incumbido de racionalizar
procedimentos burocráticos impeditivos do crescimento da economia
nacional. As mudanças, por sua vez, deveriam ser cirúrgicas, de modo a tornar o
estado chinês capaz de responder às exigências da reforma económica211. Zhao
refere-se diretamente à questão da relação entre as reformas económicas e
políticas, sugerindo que “a estrutura económica torna a reforma da estrutura
política cada vez mais urgente.  O processo de desenvolvimento de uma
economia socialista de bens transacionáveis também deve envolver a construção
de uma democracia socialista. Sem a reforma da estrutura política, a reforma da
estrutura económica não pode ter sucesso nal. O Comité Central do Partido
acredita que é hora de colocar a reforma da estrutura política na agenda de todo
o Partido”212.  Ficava patente que a tarefa de desenvolver a “democracia
socialista” não era sinónimo de desenvolver a democracia liberal, burguesa.
Muito simplesmente, a reforma política era concebida como a reforma do
estado, entendida como um veículo para maximizar a e ciência
económica.  Salienta-se, pois, que a reforma do aparelho burocrático-
administrativo excluía uma mudança de regime213. A este propósito, sem deixar
margem para dúvidas, Zhao alertou que “não podemos interpretar a política de
“reforma e abertura” como algo liberal burguês, para não nos desviarmos do
caminho do socialismo.  No estágio primário em que o país ainda está
subdesenvolvido, a tendência no sentido da liberalização burguesa, que rejeita o
sistema socialista em favor do capitalismo, persistirá por muito tempo”214.
Curiosamente, depois de três décadas de maoismo, o PCC admitia que o terreno
continuava fértil para uma ofensiva burguesa que tendencialmente culminaria
na mudança de regime.
Eufemisticamente caracterizado por Zhao como o “estágio primário” da
construção socialista, o atraso da China gera um espectro de reivindicações
populares com vista ao estabelecimento da democracia burguesa.  A tese, à
primeira vista, parecia impossível de reconciliar com a destruição da burguesia
efetuado depois da “libertação” de 1949, depois de décadas de luta maoista
contra os “inimigos de classe”. Na realidade não o é porque a burguesia a que
Zhao se refere é, a bom rigor, uma nova burguesia surgida nos anos de “reforma
e abertura”, e não a burguesia existente antes do estabelecimento da ditadura do
proletariado aquando da proclamação da República Popular. O atraso chinês, o
tal “estágio primário”, obriga, para recorrer a Marx, a uma acumulação
primitiva do capital. Em paralelo com as reformas, veri ca-se o aumento da
deslocalização e das desigualdades sociais. A diminuição da repressão, por sua
vez, abre espaço de uma nova classe que exige à emergência ter uma voz ativa
na política nacional.  Até que se pudesse garantir a consolidação plena do
socialismo, a democracia liberal ocidental continuava, pois, a ser uma espécie de
íman para estes novos setores e, por conseguinte, uma ameaça ao poder do PCC.
Considerando que Zhao viria a ser uma das principais vítimas políticas dos
“eventos de Tiananmen”, a formulação, delineada pouco mais de um ano antes
do esmagamento dos protestos de 1989, contribui para legitimar o uso da força
contra os manifestantes. Não deixa de ser paradoxal constatar que Zhao
efetivamente con rma os contornos da “teoria da modernização” que, pouco
tempo depois, levará os presidentes americanos (particularmente Bill Clinton) a
tentarem absorver a China como stakeholder responsável no mundo globalizado.
Mas, ironicamente, quando Clinton chega à Sala Oval, no início de 1993, a
possibilidade de democratizar o regime já havia passado porque, no seguimento
dos “eventos de Tiananmen”, o PCC estenderia a liação partidária aos novos
grupos sociais e, dessa forma, as reuniões partidárias substituíam as ruas (e o
estado) como arenas de articulação dos novos interesses.  Recorrendo à
terminologia de Samuel Huntington, as instituições (neste caso, o PCC) evitam
a “decadência” da ordem vigente porque absorvem as novas exigências
sociais. Talvez procurando mudanças institucionais no nível estadual, europeus
e americanos ignoravam que a abertura das leiras do PCC, a criação efetiva de
um “partido de todo o povo”, era mais importante do que a mudança na esfera
do estado, rmemente subordinado às diretivas do partido.
Articulada uma década após o início da era Deng, a formulação teórica de
Zhao visava tranquilizar os quadros quanto à continuidade do processo de
reforma dentro dos parâmetros da construção socialista traçados pelo PCC. 
A garantia era fornecida nos seguintes termos: “A adesão aos Quatro Princípios
Cardeais – isto é, manter o caminho socialista e sustentar a ditadura popular, a
liderança do Partido e o Marxismo-Leninismo e o ‘Pensamento Mao Zedong’ –
é a base subjacente a todos os nossos esforços para construir o país. A adesão ao
princípio geral da ‘reforma e abertura’ tem sido um novo desenvolvimento da
linha do nosso Partido desde a Terceira Sessão Plenária do XI Comité Central
que acrescentou aos ‘Quatro Princípios Cardinais’ um novo conteúdo adequado
ao nosso tempo”215. A fórmula volta a enfatizar a abordagem incremental de
Deng Xiaoping e, ao mesmo tempo, exclui qualquer rutura com os pilares
ideológicos do PCC consubstanciados nos “Quatro Princípios Cardinais”. A
continuidade do sistema era, pois, inquestionável. Não obstante, era possível
ajustar o sistema socialista através da introdução de mecanismos de mercado de
forma a torná-lo mais e ciente no campo económico.  Expectativas ocidentais
infundadas apontavam para a “evolução” da China em direção ao capitalismo e à
democracia liberal. A realidade era outra: o “socialismo com características
chinesas” continuava a ser socialismo comandado pelo partido único.  E era
lógico que assim fosse porque apenas o partido era capaz de orientar as
reformas, preservar a estabilidade social e prosseguir o “socialismo”. A
alternativa ao monopólio do poder do PCC era, na perspetiva da casta
comunista, a restauração capitalista e a inevitável instabilidade social que
conduziria à liquidação do regime e ao desmembramento do país.
Se é verdade que o legado político-ideológico de Mao não fora abordado
explicitamente no relatório de Zhao,  é igualmente verdade que a formulação
“Mao estava 70% certo e 30% errado”, o princípio que se generaliza e que se
torna numa espécie de avaliação abreviada da dualidade da “era Mao Zedong”,
genericamente aceite na cúpula do PCC. No essencial, a formulação mantinha
que Mao estava “certo” ao uni car a China, ao estabelecer um estado
centralizado, ao atribuir o papel de liderança ao CPP e ao ter, episodicamente,
anuído à política económica da RPC orientada por Liu Shaoqi, Chen Yun, Zhou
Enlai e Deng Xiaoping.  Em contraste, os 30% “errados” resultaram da
insistência dogmática na luta ideológica e nas suas consequências,
principalmente o Grande Salto em Frente e a Revolução Cultural, períodos
durante os quais a ideologia e a luta de classes foram privilegiadas em prejuízo
de uma política económica pragmática. A avaliação 70/30 também reconcilia
dois objetivos políticos essenciais.  Primeiro, era necessária uma apreciação
crítica do dogmatismo de Mao para legitimar as reformas de Deng.
Naturalmente, os 70% “certos” fornecem a cobertura político-ideológica
necessária para o dengismo persistir no caminho do reformismo. Segundo, uma
rejeição liminar de Mao subverteria a própria legitimidade do PCC e da RPC
porque tanto o partido como o estado eram componentes nucleares do legado
ideológico (e pessoal) de Mao Zedong. Procurando fazer a tortuosa quadratura
do círculo, o grupo de Deng enaltece a contribuição de Mao para a fundação do
estado, para garantir o papel de guia do partido, bem como para a gestão
económica pragmática realizada em momentos especí cos. Em contraste, tudo
que estava associado às catástrofes políticas e económicas do Grande Salto em
Frente e da Revolução Cultural, porventura a essência da heterodoxia de Mao,
era reputado.
Uma das mais importantes consequências da orientação traçada pelo XIII
Congresso prende-se com a estratégia de Zhao Ziyang para desenvolver o litoral
do país. Revelada no início de 1988, e recebida com profundo desagrado pela
ala conservadora do partido, a estratégia postulava que as áreas costeiras, cujos
motores económicos eram as ZEE, teriam de expandir o fabrico de
manufaturados destinados à exportação.  Devido à abundância de mão-de-obra
barata resultante da deslocação de um exército de trabalhadores indiferenciados
dos campos para as cidades, o objetivo era viável.  As resistências sentem-se
porque a estratégia implica a aquisição de matérias primas nos mercados
internacionais e inviabiliza, assim, a “autossu ciência” maoista.  Maior
dependência face às commodities estrangeiras provoca apreensões quanto às
vulnerabilidades inerentes às leiras de produção globalizadas, até porque não
era líquido que a economia mundial pudesse absorver a produção chinesa ou se
medidas protecionistas seriam impostas aos produtos chineses.
Esta tensão entre reformadores e conservadores nunca seria verdadeiramente
superada e voltaria a manifestar-se em 2012, quando irrompe o “caso Bo Xilai”.
Após a supressão da Primavera de Beijing, a fação conservadora, cuja in uência
aumenta signi cativamente depois de 1989, passa a resistir à “reforma e
abertura” e advoga a desaceleração do processo. No início de 1992, quando
Deng Xiaoping faz a sua célebre “viagem ao sul”, a última, contribuição
decisiva do “líder supremo” para a política chinesa, a agenda de reforma
encontra-se bloqueada e o país em apuros económicos. Tendo conquistado o
apoio inequívoco das forças armadas, Deng desa a os conservadores, exigindo
que o partido aprofunde as reformas económicas. Impõe a substituição da
“política no comando” por a “economia no comando”, a inversão do
entendimento maoista (e dos conservadores) da primazia da luta política sobre a
atividade económica216. A ofensiva contra os ideólogos conservadores agrupados
em torno de Li Peng, que manobra insistentemente para neutralizar as reformas
mais ousadas, é acompanhada por garantias de Deng ao partido, reiterando
que  “não há contradição fundamental entre o socialismo e a economia de
mercado”217.  Nada disto equivalia a dizer que se preparava a restauração
capitalista, como usualmente se chegou a pensar no Ocidente. Para Deng,
“mercados” eram “mercados socialistas” que, orientados pelo PCC, eram meros
instrumentos para cumprir a “construção do socialismo” chinês.
Ainda assim, a estabilidade exibida no XIII Congresso não se prolonga no
tempo. Depois de substituir Hua Guofeng como Presidente do PCC em 1981,
Hu Yaobang torna-se Secretário-Geral quando a presidência do partido é
abolida no ano seguinte.  Veterano da Longa Marcha, descrito como “um
daqueles raros líderes de um partido leninista que havia defendido valores e
procedimentos democráticos”, Hu seria cercado pela linha-dura, acusado de
falta de vigor ideológico e de fomentar uma relação cooperante com o
Japão218.  Renuncia ao cargo em 15 de janeiro de 1987, sendo substituído por
Zhao Ziyang, que passa a acumular o cargo de Secretário-Geral (a che a do
partido) com o cargo de Primeiro-Ministro (a che a do governo). Esta
concentração de poder transforma Zhao no mais in uente adepto das reformas
dengistas, até porque tudo indicava que seria o sucessor do “líder supremo”.
Mas era uma quimera. A caminhada será, bruscamente, abortada quando, dias
antes de o Exército de Libertação Popular ter recebido ordem para a reprimir as
manifestações de Tiananmen, os conservadores forçam Zhao a abandonar os seus
cargos, remetendo-o para prisão domiciliaria até à sua morte, em janeiro de
2005.  Com efeito, a queda de Zhao remonta a novembro de 1987, altura em
que Li Peng, membro do Politburo e porta-voz dos setores conservadores,
assume a liderança do governo e desa a a autoridade e as orientações liberais de
Zhao.  Consumado o afastamento deste, a ala reformista do PCC perde o seu
rosto mais proeminente e Deng Xiaoping perde a última das suas “mãos
esquerda e direita”.
 
 
O grande irmão herege
 
Trinta anos depois de Nikita Khrushchev ter visitado a República Popular,
em setembro de 1959, Mikhail Gorbachev aterra em Beijing para quatro dias
de conversações destinadas a repor a normalidade no relacionamento sino-
soviético. A visita, que decorre em maio de 1989, seria tudo menos rotineira.
Imediatamente antes da chegada de Gorbachev à cidade, 200 mil manifestantes
congregaram-se na Praça de Tiananmen para expressarem o seu apoio ao líder
soviético. Desobedeceram à ordem de evacuação do local, obrigando o
cancelamento da cerimónia de boas-vindas laboriosamente preparada.
Terminada a visita, a cúpula do PCC, humilhada pelos acontecimentos, impõe a
lei marcial e, na noite de 4 de junho, destaca tropas para a Praça Tiananmen
para reprimirem os manifestantes. A Primavera de Pequim chegara, assim, a
um abrupto e trágico m219.
Ainda hoje o processo de reforma soviético iniciado por Mikhail Gorbachev
em meados da década de 1980 continua a ser da maior pertinência para a
cúpula do PCC.  Avaliando o resultado dessa experiência, Xi Jinping concluiu
que “o Partido Comunista da União Soviética, que, no entanto, era um grande
partido, foi dissolvido como um bando de pardais… Essa é a lição que retemos
dos erros do passado”220. 
As palavras, semelhantes a outras subsequentemente proferidas, não deixam
espaço para mal-entendidos: Xi jamais seria um Gorbachev chinês que
presidiria à liquidação do PCC e do regime comunista.  Seguindo os passos de
Deng Xiaoping, o novo “líder central” invoca o destino do PCUS para frisar os
limites aceitáveis da “reforma” num quadro geral de “socialismo com
características chinesas”. Desde logo, Xi exclui qualquer processo de reforma
política “liberal, burguesa” que possa desaguar em rutura com o status quo. As
observações de Xi, no essencial, reiteram a posição de longa data assumida pelo
PCC. Note-se que o seu antecessor, Hu Jintao, em setembro de 2004, pouco
antes de substituir Jiang Zemin na presidência da Comissão Militar Central,
também excluiu reformas suscetíveis de corroerem o monopólio do poder do
PCC, a rmando, sem margem para ambiguidade, que a democracia liberal
ocidental era um “beco sem saída” que jamais seria abraçada pela República
Popular da China221.
Mesmo assim, e apesar de todas as provas em sentido contrário, nos dias que
antecederam a subida de Xi à liderança do PCC, os media ocidentais retratam-
no como um reformador gorbacheviano disposto a democratizar a autocracia
comunista. Por exemplo, John Simpson, o veterano correspondente estrangeiro
da BBC, comparou o XVIII Congresso do PCC, realizado em novembro de
2012, com a decisiva Conferência de junho de 1988 do Partido Comunista da
União Soviética. Confessa-se surpreendido com os paralelismos que diz
vislumbrar entre Xi e Gorbachev, acrescentando que “em 1998, no bloco
soviético, a maioria dos intelectuais sentia-se divorciada dos processos formais
da política marxista-leninista. E muito em breve o sistema antigo quebra
devido à sua absoluta irrelevância para a vida das pessoas reais”222. Concluía que
também a China estava “à beira de mudanças radicais”223. Simpson não estava
destituído de razão ao sugerir que qualquer discussão séria sobre a China
contemporânea deveria invariavelmente começar pelo reconhecimento de que a
República Popular é uma autocracia comunista. Deveria, no entanto, ter focado
o essencial: a casta não pretende abandonar os princípios fundamentais do
leninismo, incluindo o “centralismo democrático” e o “papel de liderança”, de
vanguarda, do partido.  Independentemente do pragmatismo manifestado ao
longo dos anos, a conservação do monopólio do poder do PCC é uma linha
vermelha inegociável que não será atravessada pelo “líder principal”.
Os relatos jornalísticos raramente se debruçam sobre o legado histórico e as
especi cidades ideológicas do PCC, como se estas fossem variáveis destituídas
de relevância para o entendimento mais profundo da política chinesa
contemporânea.  Esta minimização do per l ideológico do regime chinês não
surpreende. Na primeira grande reportagem sobre Mao e o PCC produzida por
um ocidental, o livro Red Star Over China de Edgar Snow, publicado em 1937, o
repórter, por ingenuidade ou dissimulação, desvaloriza as convicções comunistas
de Mao, retratando-o como um bem-intencionado reformador agrário224. Ao
suavizar a natureza revolucionária do PCC, Snow descreve Mao como um
idealista, porventura incompreendido, não muito diferente dos socialistas
europeus da época.
Hoje generalizou-se outro mito: o de que a China é uma economia de
mercado (ou capitalista de estado) a caminho da democratização. É certo que
existem mecanismos de mercado na República Popular, mas a sua simples
existência não faz da China uma economia de mercado. Mecanismos de mercado
também vigoraram durante a “Nova Política” de Mao, a “Nova Política
Económica” de Lenine, na Hungria do “comunismo de goulash”, sendo que no
momento atual, vigoram no Vietname, no Laos e, até, se bem que de forma
deveras limitada, na Cuba castrista e na Coreia do Norte de Kim Jong-un. Nem
o PCC preside a uma economia de mercado (ou capitalista de estado) nem o
PCC comanda um regime autoritário tradicional suscetível à liberalização
gradual rumo à democratização, conforme teorizado pela ciência política
convencional225.  A casta que determina os destinos da República Popular
continua a construir o socialismo sob a orientação de um partido marxista-
leninista, impedindo escolhas que possam colidir com o dirigismo económico
(por meios formais e informais) e com a forma como o PCC entende a sua
ideologia e o futuro do país. Todavia, ao rejeitar a reforma política, o PCC
gerou um bloqueio. Uma vez que a mudança gradual em direção ao liberalismo
e ao pluralismo político deixou de ser possível, a mudança de regime só poderá
ocorrer por colapso cataclísmico.
Convém, a este propósito, recordar que, até à dissolução do poder soviético,
praticamente todos os “sovietólogos” depreciavam os estudos que destacavam a
centralidade da ideologia, principalmente quando expressos na linguagem do
totalitarismo226.  Ao mesmo tempo, na academia e nos media, “revisionistas”
avançavam “teorias da convergência” para demonstrarem que o sistema
soviético iria persistir porque seria capaz de se reformar e evoluir para um
socialismo democrático227. Quando a realidade nalmente se impôs, descobriu-
se que o quadro ideológico de referência do regime era um elemento – de fato,
“o elemento” – crucial para se compreender o comportamento soviético228. A
desvalorização da ideologia continua depois do colapso da União Soviética, pois
o triunfalismo que emerge após a conclusão da Guerra Fria fomenta narrativas,
entre as quais o “ m da história” e o “momento unipolar”, que efetivamente
negavam a centralidade da ideologia229. Numa ordem internacional assente em
princípios ideológicos liberais, a crença na inevitabilidade histórica da
democracia e nos mercados era mantida. Em relação à China, ilusões similares
produziram escolhas políticas irrealistas, como o engajamento, a promoção da
democracia e o fascínio pela tese da “emergência pací ca” da China.
A menos que a ideologia seja colocada no centro da análise do comportamento
chinês, o regime continuará a ser um enigma impenetrável e uma fonte
in ndável de expectativas frustradas. Todavia, em tempos mais recentes, voltou-
se a valorizar o papel da ideologia na política externa, como demonstra o
“discurso da China” de Mike Pompeo em outubro de 2019, proferido no
Hudson Institute. O Secretário de Estado de Donald Trump a rmou que  “já
não é realista ignorar as diferenças fundamentais entre os nossos dois sistemas e
o impacto desses dois sistemas, as diferenças nesses dois sistemas para a
segurança nacional americana”, acrescentando que “ nalmente estamos a
perceber o grau da verdadeira hostilidade do Partido Comunista Chinês
relativamente aos Estados Unidos e aos nossos valores”230.  A perspetiva de
Pompeo coincide com a visão de um número crescente republicanos e indicia o
“novo normal” nas relações sino-americanas231. Mesmo assim, dir-se-á que os
políticos americanos chegaram tarde à “estrada de Damasco”. De qualquer
forma, a viragem ideológica americana coincide com a de Xi Jinping, o líder
que, depois de Mao Zedong, mais importância atribui à ideologia232.
Para se compreender o comunismo chinês pós-Deng, urge considerar a leitura
feita por Beijing do reformismo de Mikhail Gorbachev da segunda metade da
década de 1980233.  Constata-se, desde logo, que a leitura não corresponde à
caracterização de Gorbachev dominante no Ocidente: um reformador corajoso
cujo desmantelamento pací co da URSS abriu caminho para o desanuviamento
das tensões geopolíticas e para a breve experiência russa de democratização
durante a presidência de Boris Ieltsin. Em contraste com este entendimento,
“na China, Gorbachev é visto como um desastre – e uma história de
advertência”234.  Para os mandarins do PCC, os acontecimentos ocorridos na
União Soviética, e nos estados europeus do “socialismo real”, demonstram os
perigos inerentes à reforma política. À luz da turbulência vivida na China
durante os últimos anos da dinastia Qing e no período republicano, a implosão
do estado soviético e a concomitante desintegração do império russo/soviético
constituíram um aviso quanto às ameaças que poderiam surgir caso o PCC
optasse pela liberalização. As forças centrífugas desencadeadas pelo programa de
democratização de Gorbachev levaram ao enfraquecimento do poder, até então
incontestável, do PCUS. Incapaz de manter o seu domínio sobre as regiões, o
centro assiste à implosão da URSS. Num país historicamente dotado de uma
autoridade central fraca e ameaçado pelo desmembramento territorial, os
comunistas chineses depreendiam que resultados semelhantes aos de Gorbachev
se produziriam se o PCC enveredasse pelo reformismo seguido pelos
soviéticos235.
Impostas à sociedade a partir do estado, as reformas de nidas por Gorbachev
foram sequenciadas: a reestruturação económica (perestroika) precedeu a abertura
política (glasnost). À medida que a perestroika evidenciava sinais inequívocos de
fracasso, a glasnost era intensi cada de modo a estimular as reformas
económicas236.  Frustrado pela insistente oposição à perestroika expressa no seio
do PCUS, Gorbachev liberaliza para neutralizar os focos de oposição partidária
e, ainda mais desestabilizador, apela à mobilização extrapartidária. Chegado a
uma encruzilhada que o obriga a acelerar o ritmo e a extensão da reforma
económica ou a vê-la implodir, Gorbachev abre a esfera política à sociedade
civil, permitindo que o debate político ultrapassasse os limites até então
delineados pelo PCUS. Dada a contestação cada vez mais acentuada aos pilares
ideológicos do sistema, particularmente após a nova campanha de
“destalinização” de 1986, a glasnost abre uma janela para que grupos recém-
constituídos da sociedade civil possam reivindicar o m do monopólio do poder
do PCUS. Comprometido o papel dirigente do partido, todo o edifício
comunista ruiu num ápice.
Também os partidos comunistas da Europa de Leste capitularam diante dos
manifestantes que saíram às ruas em 1989. A escolha de não recorrer ao uso
expressivo da força para conter a onda revolucionária encorajou a oposição a
maximizar as suas reivindicações. Protestos transformaram-se em revoluções
quando as reformas oferecidas às multidões pelos regimes deixaram de ser
aceitáveis. Nada menos do que o derrube do regime passou a satisfazer a
multidão. Neste quadro de maximização das exigências dos contestatários, os
partidos marxistas-leninistas, nas palavras de Xi, “dissolveram-se como um
bando de pardais”237. Consumada a rendição política dos partidos comunistas,
os regimes de “socialismo real” implodem. Reveladora é a sugestão de Xi de
que os partidos comunistas europeus foram derrotados porque perderam a
vontade de resistir, porque quebraram ideologicamente.
Para evitar a erosão da autocon ança que provoca a capitulação, o PCC terá,
nesta ótica, de se dedicar ao combate ideológico e, não menos crucial, estar
preparado para usar a violência contra as multidões. Politicamente pertinente, a
observação de Xi é, por si só, todo um programa de rea rmação ideológica, de
re-ideologização do PCC e da sociedade chinesa. Mas a observação é, em termos
históricos, um tanto enganadora, já que Gorbachev, ao contrário da maioria dos
líderes comunistas europeus, tentou, particularmente após o Outono de 1990,
montar o tigre e enquadrar as suas reformas dentro dos parâmetros traçados pela
constituição federal. Foi justamente a intenção de Gorbachev de assinar um
novo Tratado da União que despoleta o putsch de agosto de 1991, organizado
pela linha-dura do PCUS. Importa, também, salientar que Gorbachev recorre à
violência em várias ocasiões: na Geórgia em 1989, no Azerbaijão em 1990, e na
Lituânia em 1991. Não autorizou, é certo, o uso da força para dispersar os
manifestantes reunidos nas ruas de Moscovo em 1990 e no início de 1991,
hesitação que permitia aos setores mais radicais, como Boris Ieltsin, entrarem
em rutura com o PCUS.
Mas a relutância de Gorbachev em recorrer à força era, como caria
demonstrado no Verão de 1991, indissociável do problema da lealdade das
forças armadas soviéticas. Recorrer à violência pressupunha, muito
simplesmente, que os militares e as forças de segurança defenderiam o regime
soviético. Ora, a prudência de Gorbachev revela-se presciente quando Boris
Ieltsin mobiliza setores da polícia e das forças armadas para contrariarem os
golpistas de agosto de 1991, denunciando assim as profundas divisões
existentes nas leiras militares. Contrariamente ao Exército de Libertação
Popular, que são as forças armadas do PCC e que existem para defender o PCC,
as forças armadas soviéticas obedeciam em larga medida ao modelo tradicional
das instituições militares: a sua missão era defender o estado e o não regime.
Para o PCC, a implicação era clara: manter o ELP rmemente sob a alçada da
direção política do partido, uma convicção que se reforça quando o general Xu
Qinxian se recusa a dar o seu consentimento ao uso da força em Tiananmen por
considerar tratar-se de um problema político que deveria ser resolvido através
da negociação238.
Seja como for, o momento-chave do processo reformista soviético ocorre no
Outono de 1990, com a aprovação das reformas contempladas pelo Plano de
500 Dias, da autoria de Stanislav Shatalin239.  Mikhail Gorbachev deixa de
apoiar o controverso e ultraliberal Plano quando as tensões entre conservadores
e reformadores dentro do PCUS se tornam impossíveis de conciliar. Contudo, a
deserção dos conservadores da coligação gorbacheviana em protesto contra o
projeto de Shatalin marca o momento de viragem porque isola
irremediavelmente o líder soviético. O fracassado golpe de agosto de 1991
apenas evidencia o fosso entre a linha-dura golpista e os radicais reunidos em
torno de Boris Ieltsin nas ruas de Moscovo.  Ocupando o centrismo que visa
manter o equilíbrio entre as fações, Gorbachev acaba por perder a sua
capacidade de manobra quando o centro político se desfaz perante a crescente
polarização dos campos em confronto. Gorbachev simplesmente ca sem chão
político. A partir do momento em que a manobra golpista liquida a linha-dura,
o PCUS é dissolvido e assiste-se à inexorável queda política de Gorbachev. O
destino do partido soviético gera duas lições: a necessidade da vigilância
ideológica e a necessidade de equilibrar as sensibilidades no seio do partido de
forma a evitar a polarização de posições. Nada disto seria possível na ausência de
uma cúpula férrea.
Era precisamente este caminho trilhado pelos partidos comunistas europeus,
culminando na perda do seu monopólio do poder, que a liderança chinesa
decide evitar. Como poderia, então, o PCC escudar a esfera política das
dinâmicas sociais altamente desestabilizadoras produzidas pela
modernização?  Cientes das tremendas repercussões geradas pelo reformismo
soviético e do leste europeu, outros partidos comunistas enfrentavam o mesmo
dilema. Reformar sem provocar o colapso do regime era o puzzle por resolver em
Beijing, mas também em Havana, Hanói, Vienciana e Pyongyang. Quase dois
séculos antes, Alexis de Tocqueville, re etindo sobre a Revolução Francesa,
identi ca o seguinte paradoxo: “geralmente, o momento mais arriscado para um
mau governo é aquele em que tenta emendar o caminho”, porque “nem sempre
as revoluções eclodem quando as coisas correm de mal a pior”240. Em 1968,
Samuel Huntington abordou o mesmo dilema no seu Political Order in Changing
Societies241. Embora não tenha sido o primeiro politólogo a analisar a ordem
política e a sua relação com a modernização, argumentava que a mudança, por si
só, não gera instabilidade. É o ritmo dessa mudança, e as respostas
institucionais desenvolvidas para responder à mobilização produzida pelas novas
forças sociais, que faz a diferença. Dito de outra forma, a “decadência” política
ocorre quando, durante um período longo, a mobilização social ultrapassa a
adaptação institucional. Em contraste, quando as instituições dispõem de
tempo su ciente para absorver as novas reivindicações da sociedade, o colapso
do regime pode ser evitado porque as instituições dispõem de tempo para se
reformarem e, assim, passarem a dar resposta às pressões da sociedade.
Antes dos eventos que varreram os partidos comunistas europeus do poder no
annus mirabilis de 1989, estas mesmas questões eram motivo de preocupação
para a cúpula do PCC. Deng Xiaoping adianta uma resposta: tenta conter a
mobilização popular por via do forte desempenho económico, ao mesmo tempo
que procura assegurar a adaptação institucional e o robustecimento das
capacidades do estado através das reformas ao aparelho burocrático-
administrativo242. Sob  as lideranças de Jiang Zemin e Hu Jintao, o PCC dá
continuidade à abordagem dengista. Aumenta consideravelmente o número de
membros, abrindo as leiras do partido a novos setores e grupos sociais que,
esperava-se, passariam a articular os novos interesses sociais dentro das
estruturas partidárias.  Em certo sentido, a “política dos grupos de interesse”
corporativista passa a ser articulada nas leiras do PCC e não nas ruas ou através
da competição eleitoral, as duas formas mais comuns de participar
politicamente em sociedades liberais243. Mais recentemente, na “era Xi
Jinping”, o partido recorre ao controlo social por meio da vigilância em massa e
do sistema de “crédito social”, enquanto reduz signi cativamente o pluralismo
no interior do PCC244.
 
 
A revanche dos duros
 
A desintegração do comunismo na Europa de Leste e na União Soviética e,
não menos crítico, os tremendos custos produzidos pelas lutas de fação no
interior do PCC em décadas anteriores convergem para solidi car a ampla
rejeição da “reforma política”. A morte de Hu Yaobang – em 15 de abril de
1989, uma semana após ter sofrido um ataque cardíaco durante uma reunião do
Politburo – desencadeia as manifestações de Tiananmen. Quando a notícia do
falecimento se torna pública, os estudantes de Beijing marcam uma
homenagem a Hu para 17 de abril, que leva 4,000 pessoas a a uir à Praça
Tiananmen. No dia seguinte, um grupo de mil estudantes recusa abandonar o
local a menos que o Congresso Nacional do Povo receba a sua petição
reclamando, inter alia, o aumento de recursos nanceiros para estudantes e
instrutores e o reforço de verbas para iniciativas educacionais.  E mais
importante, porque não eram exigências limitadas ao quotidiano estudantil,
pedem a reavaliação do papel de Hu Yaobang nos acontecimentos que lhe
valeram a ostracização partidária, a publicação dos salários dos principais
funcionários do partido e do estado (e dos seus lhos), e garantias quanto à
liberdade de imprensa e à liberdade de expressão. No dia em que se realiza o
funeral de Hu, a 22 de abril, as autoridades voltam a tentar impedir a
congregação dos contestatários na Praça Tiananmen. 
As diligências para dispersar os manifestantes revelam-se infrutíferas e milhares
invadiram a praça. Nas ruas circundantes, mais de um milhão de pessoas
testemunham as cerimónias fúnebres. Dois dias depois, numa clara escalada da
crise, os estudantes iniciam o boicote às aulas.
Protestos no período pós-Mao não eram inéditos, pois manifestações populares
também ocorreram em 1976, 1978 e 1986. No entanto, em 1989, os
contestatários acreditam ter em Zhao Ziyang, Secretário-Geral do PCC, um
aliado sincronizado com a sua agenda reformista, um líder disposto a dialogar e
transmitir as suas reinvidicações à cúpula do partido245. Todavia, em nais de
abril, era claramente visível a exasperação da liderança com a
contestação. Espelhando as opiniões do Primeiro-Ministro Li Peng e da ala dura
do PCC (e, muito provavelmente, as de Deng Xiaoping), um editorial do Diário
do Povo classi ca o movimento como uma “conspiração planeada”, insinuando
um conluio entre os estudantes e interesses estrangeiros que incentivam e
sustentam os protestos246. Enquanto as autoridades aguardavam a chegada de
Mikhail Gorbachev, os estudantes recusam acatar a ordem de desmobilização e
transformam Tiananmen numa “cidade tenda” albergando dezenas de milhares
de pessoas. Pouco depois, seguem-se as greves de fome e o cancelamento das
cerimónias o ciais de boas-vindas a Gorbachev. Em resultado deste sucesso, os
estudantes intensi caram a luta, mas, ao pedirem as demissões de Li Peng e de
Deng Xiaoping, dão-lhe um carácter político que o regime não pode tolerar.
É neste quadro que Li Peng aceita, nalmente, reunir com os líderes da greve
de fome. Todavia, atendendo às diferenças temperamentais e geracionais, o
abismo que separa as partes mantém-se intransponível247. Nos dias 17 e 18 de
maio, um milhão de pessoas congrega-se em Tiananmen e nas ruas
circundantes. Pouco antes do amanhecer do dia 19 de maio, Zhao Ziyang visita
os grevistas numa derradeira tentativa para os convencer a terminar os
protestos. Perante o fracasso do encontro, Zhao abandona a praça em
lágrimas.  Li Peng, que acompanha Zhao, conversa, brevemente, com os
manifestantes. Previsivelmente, não faz nenhum pedido e nada promete. Às
primeiras horas do dia seguinte, Li Peng e o Presidente da RPC, Yang
Shangkun, colocam o país sob lei marcial. No discurso televisivo anunciando a
decisão, o Primeiro-Ministro a rma que os manifestantes pretendem “subverter
organizacionalmente a liderança do PCC, derrubar o governo do povo eleito
pelo Congresso Popular de acordo com a lei e negar totalmente a ditadura
democrática do povo. Eles causam problemas em todo o lado, estabelecem laços
secretos, instigam a criação de todos os tipos de organizações ilegais e forçam o
partido, o povo e o governo a reconhecê-los”248. As duras palavras de Li Peng
indiciam que a cúpula do PCC se prepara para quebrar o impasse e tomar
medidas extremas. Nas primeiras horas de 4 de junho, as tropas isolam a Praça
Tiananmen e ordenam a sua evacuação.
À medida que os estudantes dispersam, os soldados desmontam as tendas e
começam a demolir a “Estátua da Liberdade” que se tornara num símbolo
mundialmente conhecido das aspirações estudantis.  Logo depois, inicia-se a
matança.
Enquanto lutava para encontrar a melhor forma de conter a contestação, a
liderança do PCC divide-se249. Recordando episódios passados, incluindo a
generalizada e destrutiva luta de fações da Revolução Cultural, a unidade do
PCC desfazia-se à medida que a contestação social se intensi cava. Chegado a
esta perigosíssima encruzilhada, Deng e aos seus aliados no Politburo optam
por uma estratégia de sobrevivência assente no aprofundamento da repressão. O
movimento de protesto não se restringia à capital;  ações semelhantes foram
organizadas em mais de uma centena de cidades.  A contestação era perigosa
para o regime justamente porque não se limitava a estudantes; setores da classe
trabalhadora urbana e, mais preocupante para as autoridades, militares fardados
saíram às ruas para expressar o seu descontentamento. Uma vez que o custo de
vida nas cidades ultrapassara os salários, os protestos sinalizam a insatisfação das
classes populares com a gestão económica do partido. E precisamente porque os
protestos não estavam con nados a um punhado de agitadores estudantis
reunidos na Praça Tiananmen, o Politburo decidiu recorrer à supressão violenta
do movimento democrático.
Para impedir o tipo de momento revolucionário que minaria os regimes
marxistas-leninistas da Europa Oriental e da União Soviética, o PCC aceita
empregar níveis de violência que os partidos comunistas europeus recusaram
contemplar. Tiananmen representa, para todos os efeitos, o traçar de uma linha
vermelha por parte do Partido Comunista Chinês a delimitar as fronteiras do
reformismo aceitável. Denúncias de corrupção, pedidos de reforma económica e
burocrática-administrativa eram consentidos desde que não se transformassem
num desa o aberto à autoridade política do partido. Mas o massacre de
Tiananmen deixou claro que qualquer movimento que pretendesse pôr m ao
monopólio do poder do PCC enfrentaria repressão implacável. Hoje, trinta anos
depois, os custos da dissidência continuam a ser extraordinários, como ilustra o
caso de Liu Xiaobo, ativista dos direitos humanos e vencedor do Prémio Nobel
da Paz de 2010250. Para além dos casos individuais, a intensi cação da repressão
coletiva no Tibete e em Xinjiang gerou um “novo normal” facilitado por
tecnologias de vigilância em massa, pelos chamados “campos de reeducação” e
pela colonização interna dessas províncias pelos Han.
Duas semanas após o massacre de Tiananmen, entre os dias 19 e 21 de junho,
o Politburo alargado reúne com o propósito de rati car a decisão de Deng
Xiaoping de recorrer às forças armadas para suprimir os protestos.  Anciãos
in uentes, referências históricas do partido como Bo Yibo, Chen Yun e Peng
Zhen, foram convocados para sinalizar a unidade do partido e o seu apoio a
Deng Xiaoping. A demonstração pública de lealdade era, também, uma forma
de comprometer a liderança (e os líderes históricos aposentados) com o uso da
força.  Dois documentos balizaram a discussão: o discurso de Deng de 9 de
junho perante os soldados do Exército de Libertação Popular que participaram
no esmagamento das manifestações e, segundo, o relatório de Li Peng
extremamente crítico do comportamento de Zhao Ziyang durante toda a
crise251. A reunião do Politburo alargado caracteriza as manifestações como um
“distúrbio” que se transformou num “motim contrarrevolucionário”252. Embora
sugerisse que os manifestantes eram “mal orientados, mas não hostis ao
regime”, a cúpula também avisa que foram incitados por “ideias de liberalização
burguesa” e forças estrangeiras que “planeavam” derrubar o partido e o
regime253.
Hu e Zhao, as antigas “mãos esquerda e direita” de Deng caídos em desgraça,
foram culpabilizados pelo “motim contrarrevolucionário”. Alguns anciões
alegam que a parca vigilância ideológica que possibilitou os acontecimentos
começara durante o consulado de Hu Yaobang, acrescentando que Zhao Ziyang,
por sua vez, se revelara incapaz de inverter o desvio. Ao defender uma
abordagem conciliatória, e ao opor-se à decisão de usar a força, permitiu que os
eventos extravasassem os limites aceitáveis do protesto.  Apesar da veemência
das críticas, Zhao, na verdade, jamais defendera a concorrência política
multipartidária ou a democracia liberal: meramente advogara uma maior
exibilização do regime de forma a refrescar a legitimidade do PCC: propôs
maior liberdade de imprensa e o diálogo com os manifestantes para assegurar a
descompressão geral. Zhao era, sem dúvida, um reformador. Mas nunca fora um
revolucionário pedindo o desmantelamento do sistema. Permaneceu leal ao
partido e, ao contrário de Boris Ieltsin, não escalou um tanque em solidariedade
com os manifestantes. Dir-se-á que o seu mais relevante desa o ao regime
ocorreu antes da sua morte, em 2005. Con nado em prisão domiciliar, fez
chegar ao Ocidente um manuscrito das suas memórias254.
Alguns dias depois do encontro do Politburo, o partido reúne o Quinto
Plenário do XIII Comité Central, ao qual se juntam, de novo, os notáveis do
partido255.  Neste encontro, Jiang Zemin, entretanto nomeado para suceder a
Zhao como Secretário-Geral, solicita os conselhos da “velha geração de
revolucionários” e desdobra-se em promessas para uni car o partido. Alega que
Deng nunca procurou minar a disciplina ideológica do PCC. Recorda que “de
1979 a 1989, o camarada Xiaoping insistiu repetidamente na necessidade de
expandir a educação e na luta para apoiar rmemente os Quatro Princípios
Cardinais e opôs-se à liberalização burguesa”; mas acrescenta que “essas
importantes visões do camarada Deng Xiaoping não foram completamente
implementadas”256.  Se os colaboradores próximos de Deng eram sacri cados
para apaziguar a linha-dura, o “líder supremo” era poupado porque os
conservadores não reuniam condições para o destronar.  Não obstante, Deng é
impelido a ceder considerável terreno político aos seus adversários; a nal, os
protestos eram o resultado das dinâmicas geradas pela sua política de “reforma e
abertura”. Jiang Zemin conclui com uma exortação ao partido para dedicar
maior atenção à defesa da ortodoxia ideológica, uma reversão da abertura
ideológica dos anos anteriores que desaguara em Tiananmen257.
A liderança do partido tirou, pois, uma ilação vital da crise de Tiananmen: a
indispensabilidade de manter a ortodoxia ideológica e de recorrer à repressão
em caso de necessidade última. A maioria dos quadros superiores partilhava da
visão de que o Partido Comunista Chinês estava cercado por inimigos
estrangeiros aliados a grupos domésticos sob a in uência de ideias importadas
do Ocidente burguês. Perante a investida dos inimigos internos e externos, as
divisões manifestas do seio do partido constituíam um claríssimo perigo para o
monopólio do poder do PCC e, como corolário, para a sobrevivência da própria
República Popular da China. Previsivelmente, a maioria dos quadros concluiu
que, nessas condições, a reforma económica teria de ser subordinada às
exigências políticas. Por isso, o PCC procura reforçar a sua hegemonia
ideológica na sociedade através da recuperação da tradição e do nacionalismo.
Através do reforço da disciplina ideológica e do controlo social, procura-se
regressar à diretriz maoista da “política no comando”. Nos três anos seguintes,
os conservadores mantêm a sua ofensiva, até que, em 1992, Deng lança a sua
“viagem a sul”. Com 88 anos de idade, e rmemente apoiado pela hierarquia
militar, desloca-se às Zonas Económicas Exclusivas a m de relançar a reforma e
substituir a “política no comando” pela “economia no comando”. Alerta Jiang
Zemin e a linha-dura do PCC que “quem é contra a reforma deve deixar o
cargo”258. Deng Xiaoping dispõe de autoridade su ciente para obrigar Jiang e a
cúpula dirigente a retomar a liberalização económica, mas a questão da
liberalização política estava de nitivamente encerrada.
Uma vez que as fronteiras aceitáveis de dissidência foram inequivocamente
delineadas pelo PCC, e tendo demonstrado as terríveis consequências inerentes
à ultrapassagem dessas mesmas fronteiras, o partido procura minimizar as
fontes de descontentamento social e político. A sobrevivência e a persistência do
regime exigem que o PCC absorva as mudanças e que evite a politização da
sociedade. Em suma, o reformismo arquitetado por Gorbachev, que leva a luta
política para o exterior das muralhas do partido, passa a simbolizar tudo o que
deve ser evitado pelos comunistas chineses. Talvez por esse motivo, com o
passar do tempo, a opinião do PCC em relação ao líder soviético endurece. Por
exemplo, em setembro de 2004, Hu Jintao denuncia Gorbachev como “um
traidor ao socialismo e o principal culpado da transformação da Europa
Oriental”, acrescentando que “por causa do pluralismo e da abertura que
defendia, Gorbachev causou confusão entre o Partido Comunista Soviético e o
povo da União Soviética. O Partido e a União desmoronaram sob o impacto da
‘ocidentalização’ e do ‘liberalismo burguês’ que ele implementou”259.  O rigor
histórico da leitura feita por Hu era altamente discutível, mas não deixava de
exprimir as amplas ilações políticas apreendidas pela liderança do PCC antes e
depois da Primavera de Beijing.
Visto a partir do prisma do Partido Comunista Chinês, a dissolução da União
Soviética, após a suspensão e subsequente ilegalização do PCUS nos dias e
semanas que se seguiram à manobra golpista de agosto de 1991, demonstrara,
de modo conclusivo, que a construção socialista, conforme de nida pelo PCUS,
fracassara.  Longamente denunciado pelos “grandes irmãos” soviéticos, o
caminho para o socialismo traçado pelo PCC emerge como o único vencedor da
disputa histórica entre as duas organizações marxistas-leninistas. O fracasso do
partido de Lenine em construir o socialismo na pátria da Revolução de Outubro
constitui uma espécie de validação post facto de décadas de denúncias feitas pelo
PCC quanto ao “capitulacionismo” e “revisionismo” soviéticos. A liquidação do
PCUS põe m à tutela de Moscovo sobre o movimento internacional
comunista. Daí que a solidariedade concedida à URSS pelos “partidos fraternos”
fosse, na maioria dos casos, diretamente transferida para o Partido Comunista
Chinês. Considerando que, durante décadas, as elites chinesas insistiram em que
o revisionismo soviético levaria à degradação e ao colapso nal do socialismo, a
resiliência do comunismo chinês ia muito para além da mera desforra
ideológica.
Criticamente, a desintegração da União Soviética dissipou as preocupações de
Beijing em relação às fronteiras militarizadas do norte e do oeste. É certo que as
forças centrífugas que ameaçavam desfazer a integridade territorial do estado
russo e as incertezas em torno do seu arsenal nuclear continuavam a apresentar
desa os à segurança chinesa.  Não obstante estas apreensões, a implosão da
União Soviética ocorre no exato momento em que a República Popular se abre
ao mundo e olha para além das suas fronteiras. À medida que o comércio
externo e o acesso à energia necessária para sustentar o crescimento económico
do país se tornam determinantes do interesse nacional, o eixo principal da
segurança muda para as vastas zonas costeiras.  Fronteiras seguras a norte e a
oeste permitiam que Beijing mudasse o foco de segurança para o litoral do país,
destacando recursos para reforçar o seu poderio naval. Uma consequência
estratégica duradoura da “reforma e abertura” dengista, esta viragem para o mar
está hoje na origem de vários focos de con itualidade regional.

164. Cf., Adam Taylor, “How a 10-gallon hat helped heal relations beween China and America”, The
Washington Post, 25 de setembro de 2015, disponível em:
https://www.washingtonpost.com/news/worldviews/wp/2015/09/25/how-a-10-gallon-hat-helped-heal-
relations-between-china-and-america/.
165. Alguns dos trabalhos mais relevantes sobre o período que se seguiu à morte de Mao incluem, inter
alia, Immanuel C. Y. Hsü. China Without Mao: The Search for a New Order (2nd ed.). Oxford: Oxford
University Press, 1990; Lowell Dittmer. China under Reform. Boulder: Westview Press, 1994; Richard
Baum. Burying Mao: Chinese Politics in the Age of Deng Xiaoping. Princeton: Princeton University
Press, 1994 e Frederick C. Teiwes e Warren Sun. The End of the Maoist Era: Chinese Politics During the
Twilight of the Cultural Revolution, 1972-1976. Nova Iorque: Routledge, 2007.
166. Várias biogra as de Deng Xiaoping foram publicadas, entre as quais se destacam: Richard Evans.
Deng Xiaoping and the Making of Modern China. Nova Iorque: Viking, 1993; Ezra F. Vogel. Deng
Xiaoping and the Transformation of China. Cambridge: Harvard University Press, 2011; Alexander V.
Pantsov and Steven I. Levine. Deng Xiaoping: A Revolutionary Life. Oxford: Oxford University Press,
2015 e Michael Dillon. Deng Xiaoping: The Man Who Made Modern China. Londres: I.B Tauris, 2015.
167. Várias datas da adesão de Deng ao PCC são avançadas. Ezra Vogel, na sua monumental biogra a,
escreve: “Deng foi trazido para o Comité Executivo da Liga da Juventude Comunista Chinesa na Europa.
Na sua reunião de julho de 1924, de acordo com uma decisão do Partido Comunista Chinês, todos os
membros desse Comité Executivo, incluindo Deng, tornaram-se automaticamente membros do Partido
Comunista Chinês. Na época, todo o Partido Comunista Chinês, na China e na França, tinha menos de mil
membros e Deng não tinha ainda vinte anos”. Deng, assim como Zhou Enlai e vários outros estudantes,
posteriormente comunistas proeminentes, estudaram em França nessa época. Cf., Ezra F. Vogel, Deng
Xiaoping and the Transformation of China, p. 22.
168. Provocado pela morte de Zhou Enlai, o Primeiro Incidente de Tiananmen ocorreu a 5 de abril de
1976, durante o Festival Qingming, o dia tradicional de luto chinês. Protestos ocorridos na Praça
Tiananmen foram caracterizados pelo Grupo dos Quatro como encontros “contra-revolucionários” e
suprimidos. Deng foi acusado de ser o mentor do incidente e, consequentemente, colocado em prisão
domiciliária. Cf., Alexander V. Pantsov and Steven I. Levine. Deng Xiaoping, pp. 296-300.
169. Cf., Lucian W. Pye, “An Introductory Pro le: Deng Xiaoping and China’s Political Culture”, The
China Quarterly, Vol. 135, setembro de 1993, pp. 412-443 e Steven W. Mosher. Bully of Asia: Why
China’s Dream is the New Threat to World Order. Washington DC: Regnery Publishing, 2017, p. 116.
170. O nome completo da campanha era “Criticar Deng e Combater a Tentativa dos Devisionistas de
Direita de Reverter Vereditos”. Cf., Kwok-sing Li. A Glossary of Political Terms of the People’s Republic
of China. Hong Kong: The Chinese University Press, 1995, pp. 310-313. Cf. também, Richard Baum,
Burying Mao, pp. 40-41 e Frederick C. Teiwes e Warren Sun. The End of the Maoist Era, pp. 456-461.
171. Cf., Ezra F. Vogel, Deng Xiaoping and the Transformation of China, p. 170. Também, Dorothy
Grouse Fontana. “Background to the Fall of Hua Guofeng”, Asian Survey, Vol. 22, No. 3, março de 1982,
pp. 237-60.
172. Cf., Ezra F. Vogel, Deng Xiaoping and the Transformation of China, p. 170.
173. Para detalhes biográ cos de Hua Guofeng, ver, Ting Wang. Chairman Hua: Leader of the Chinese
Communists. Londres: C. Hurst and Company, 1980 e Robert Weatherley. Mao’s Forgotten Successor:
The Political Career of Hua Guofeng. Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2010.
174. Cf., Immanuel C. Y. Hsü, China Without Mao, 16-19 e, também, Frederick C. Teiwes e Warren
Sun. The End of the Maoist Era, pp. 536-594.
175. Cf., Alan P. L. Liu, “The ‘Gang of Four’ and the Chinese People’s Liberation Army”, Asian Survey,
Vol. 19, No. 9, setembro de 1979, pp. 817-837.
176. Sobre a Revolução Cultural em Xangai, cf., Elizabeth J. Perry e Li Xun. Proletarian Power: Shanghai
in the Cultural Revolution. Boulder: Westview Press, 1997.
177. A a rmação fora feita por Hua em outubro de 1976 e publicada a 7 de fevereiro de 1977 no Diário
do Povo, na Bandeira Vermelha e no Diário do ELP. Cf., Kwok-sing Li, A Glossary of Political Terms of
the People’s Republic of China, pp. 235-237.
178. Cf., Deng Xiaoping, “The ‘Two-Whatever Policy Does Not Accord With Marxism”, Peking Review,
24 de maio de 1977, disponível em: http://www.bjreview.com.cn/nation/txt/2009-
05/26/content_197547.htm. e Alexander V. Pantsov, Deng Xiaoping, 325-328.
179. Ver, Ezra F. Vogel, Deng Xiaoping and the Transformation of China, P. 211.
180. Ibid., p. 195.
181. Cf., Merle Goldman and Roderick MacFarquhar, “Dynamic Economy, Declining Party-State”, In
Merle Goldman and Roderick MacFarquhar (Eds.). The Paradox of China’s Post-Mao Reforms.
Cambridge: Harvard University Press, 1999, pp. 4-5.
182. Cf., Ezra F. Vogel, Deng Xiaoping and the Transformation of China, p. 241.
183. Chiang Kai-shek fora sucedido, em 1975, por seu lho, Chiang Ching-kuo, hoje reconhecido como o
arquiteto do “milagre económico” taiwanês de 1978/88. Antes da sua morte, em janeiro de 1988, Chiang
Ching-kuo pôs termo a 38 anos de lei marcial imposta por seu pai. Este primeiro passo no sentido da
reforma política foi seguido por uma extensão gradual das liberdades cívicas e políticas. A política
democrática chegou à Formosa em 1996, com a realização de eleições presidenciais livres. O processo de
transição da Coreia do Sul foi igualmente estendido no tempo. Escolhido como candidato do regime
militar autoritário, Roh Tae-woo, confrontado com protestos em massa, prometeu, num discurso de 29 de
junho de 1987, apoiar a elaboração de uma nova constituição garantindo eleições presidenciais diretas.
Quando a votação foi realizada, em dezembro de 1987, Roh saiu vitorioso sobre uma oposição
fragmentada. Inaugurado em fevereiro de 1988, o governo Roh desmontou as estruturas autoritárias do
país e expandiu as liberdades cívicas e políticas. Em 1992, quando o mandato de Roh Tae-woo chega ao
m, Kim Young-sam era eleito presidente. Da vasta literatura sobre estas transições, cf., inter alia,
Yangsun Chou e Andrew J. Nathan, “Democratizing Transition in Taiwan”, Asian Survey, Vol. 27, No. 3,
março de 1987, pp. 277-a299; Tun-jen Cheng, “Democratizing a Quasi-Leninist Regime in Taiwan,’
World Politics, Vol. 41, No. 4, julho de 1989, pp. 471-499; Masahiro Wakabayashi, “Democratization of
the Taiwanese and Korean Political Regimes: A Comparative Study”, The Developing Economies, Vol.
35, No. 4, dezembro de 1997, pp. 422-439; Shelley Rigger. Politics in Taiwan: Voting for Democracy.
Londres: Routledge, 1999; Larry Diamond e Byung-Kook Kim (eds.). Consolidating Democracy in South
Korea. Boulder: Lynne Rienner, 2000 e Hahm Chaibong, “South Korea’s Miraculous Democracy”, Journal
of Democracy, Vol. 19, No. 3, julho de 2008, pp. 128-142.
184. Sobre Park Chung Hee, cf., Byung-Kook Kim and Ezra F. Vogel (eds.). The Park Chung Hee Era:
The Transformation of South Korea. Cambridge: Harvard University Press, 2011. Sobre os antecedentes
da “era Park”, cf., Carter J. Eckert. Park Chung Hee and Modern Korea: The Roots of Militarism, 1866-
1945. Cambridge: Harvard University Press, 2016. Sobre Suharto e a Nova Ordem, cf., Harold Crouch.
Army and Politics in Indonesia. Ithaca: Cornell University Press, 1978 e Robert E. Elson. Suharto: A
Political Biography. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. Sobre o custo humano dos anos
Suharto, cf., Geoffrey B. Robinson. The Killing Season: A History of the Indonesian Massacres, 1965-66.
Princeton: Princeton University Press, 2019. Dir-se-á que o caso do Chile pode também ser incluido neste
grupo. Para duas perspectivas opostas sobre o Chile de Pinochet, cf., Carlos Huneeus. The Pinochet
Regime, Boulder: Lynne Rienner, 2007 e Marcus Taylor. From Pinochet to the ‘Third Way’:
Neoliberalism and Social Transformation in Chile. Londres: Pluto Press, 2006.
185 . Cf., Alan P. L. Liu, “The “Gang of Four” and the Chinese People’s Liberation Army”, Asian Survey,
Vol. 19, No. 9, setembro de 1979, pp. 817-837 e Richard D. Nethercut, “Deng and the Gun: Party-
Military Relations in the People’s Republic of China”, Asian Survey, Vol. 22, No. 8, agosto de 1982, pp.
691-704. Mao, num discurso de 1938, declarava que: “Todos os comunistas devem entender a verdade. ‘o
poder político cresce a partir do cano de uma arma’. O nosso princípio é que o Partido comanda a arma, e
a arma nunca deve comandar o Partido. No entanto, tendo armas, podemos criar organizações do Partido”.
Cf., Mao Tse-tung. “Problems of War and Strategy”, Selected Works of Mao Tse-tung, Vol. 2, pp. 224-
225.
186 . Sobre as relações entre a China e os Khmers Vermelhos, cf., Pao-min Chang, “Beijing versus Hanoi:
the diplomacy over Kampuchea” Asian Survey, Vol. 23, No. 5, May 1983, pp. 598-618; Andrew Mertha.
Brothers in Arms: Chinese Aid to the Khmer Rouge, 1975-1979. Ithaca Cornell University Press, 2014 e
Wang Chenyi, “The Chinese Communist Party’s Relationship with the Khmer Rouge in the 1970s: An
Ideological Victory and a Strategic Failure. Cold War International History Project (CWIHP) Working
Paper #88, dezembro de 2018, disponível em: https://www.wilsoncenter.org/publication/the-chinese-
communist-partys-relationship-the-khmer-rouge-the-1970s-ideological-victory. Sobre os anos de poder de
Pol Pot, cf., inter alia, Ben Kiernan. The Pol Pot Regime: Race, Power, and Genocide in Cambodia under
the Khmer Rouge, 1975-79. New Haven: Yale University Press, 2008. Philip Short escreveu uma
excelente biogra a de Pol Pot. Ver, Philip Short. Pol Pot: Anatomy of a Nightmare. Nova Iorque: Henry
Holt & Company, 2004.
187 . Cf., Tan Zongji, “The Third Plenum of the Eleventh Central Committee Is a Major Turning Point
in the History of the Party Since the Founding of the People’s Republic of China”, Chinese Law and
Government, Vol. 28, No. 3, 1995, pp. 5-87; Richard Baum, Burying Mao, pp. 63-65 e Alexander V.
Pantsov, Deng Xiaoping, pp. 341-343.
188 . Durante a “viagem ao sul” de 1992, Deng continuou a enfatizar a necessidade absoluta de
ultrapassar os estados vizinhos. O líder supremo insistiu que “Guangdong está a tentar alcançar os ‘quatro
pequenos dragões’ da Ásia em 20 anos, não apenas em termos de crescimento económico, mas também em
termos da melhoria da ordem pública e da conduta social geral – ou seja, devemos superá-los em progresso
material e ético. Só isso pode ser considerado construir um socialismo com características chinesas”. Cf.,
Deng Xiaoping, “Excepts from talks given in Wuchang, Shenzhen, Zhuhai and Shanghai”, January 18 –
February 21, 1992, consulado em: https://cpcchina.chinadaily.com.cn/2010-
10/26/content_13918381.htm.
189 . As “Quatro Modernizações” foram primeiro de nidas por Zhou Enlai em 23 de setembro de 1954,
durante o Primeiro Congresso Nacional do Povo. Cf., Kowk-sing Li, A Glossary of Political Terms of the
People’s Republic of China, pp. 422-423 e Immanuel C. Y. Hsü, The Rise of Modern China, pp. 833-
835.
190 . Cf., Deng Xiaoping, “Excepts from talks given in Wuchang, Shenzhen, Zhuhai and Shanghai”,
January 18 – February 21, 1992.
191 . Cf., Kowk-sing Li, A Glossary of Political Terms of the People’s Republic of China, pp. 438-439;
Richard Baum, Burying Mao, pp. 79-81 e Alexander V. Pantsov, Deng Xiaoping, pp. 355-356.
192 . Cf., Deng Xiaoping, “Uphold the Four Cardinal Principles”, March 30, 1979, disponível em:
https://cpcchina.chinadaily.com.cn/2010-10/15/content_13918193.htm
193 . Ibid.
194 . Ibid.
195 . Ver, “Communique of the Third Plenary Session of the 11th Central Committee of the Communist
Party of China – Adopted on December 22, 1978, Peking Review, Vol. 21, No. 52, 29 de dezembro de
1978, p. 11.
196 . Cf., Fox Butter eld, “Mao and Deng: Competition for History’s Judgment”, The New York Times,
15 de November de 1987, disponível em: https://www.nytimes.com/1987/11/15/weekinreview/the-
world-mao-and-deng-competition-for-history-s-judgment.html.
197 . Cf., Susan L. Shirk, The Political Logic of Economic Reform in China. Berkeley: University of
California Press, 1993, pp. 38-44.
198 . Cf., Clyde D. Stoltenberg, “China’s Special Economic Zones: Their Development and Prospects”,
Asian Survey, Vol. 24, No. 6, junho de 1984, pp. 637–654.
199 . Cf., Immanuel C. Y. Hsü, China Without Mao, p. 168.
200 . Ver, June Teufel Dreyer, “Deng Xiaoping: The Soldier”, The China Quarterly, No. 135, setembro de
1993, pp. 536-550.
201 . Philip Short, na sua biogra a de Mao Zedong, faz um julgamento contundente da responsabilidade
do Presidente Mao na morte de Liu Shiaoqi: “O presidente não deu uma ordem direta para matar Liu,
assim como não ordenou a morte de He Long ou Tao Zhu, ou de Peng Dehuai, que morreu vários anos
depois num hospital prisional. Mas não moveu um dedo para evitá-las”. Ver, Philip Short. Mao: A Life.
Londres: Hodder and Stoughton, 1999, p. 585.
202 . Cf., Lowell Dittmer, “Patterns of Elite Strife and Succession in Chinese Politics”, The China
Quarterly, No. 123, setembro de 1990, pp. 405-430.
203 . Cf., Michael Dillon, Deng Xiaoping, p. 258.
204 . Um documento crítico para se entender o papel de Hu é o seu Relatório ao XII Congresso do PCC,
realizado em 1982, cf., Hu Yaobang, “Create a New Situation in all Fields of Socialist Modernization –
Report to the 12th National Congress of the Communist Party of China, September 1, 1982, Beijing
Review, Vol. 25, No. 37, 13 de Setembbro de 1982, pp. 11-40.
205 . Cf., Maurice Meisner. Mao’s China and After. A History of the People’s Republic, (3rd ed.). Nova
Iorque: Free Press, 1999, pp. 484-485.
206 . Cf., John King Fairbank and Merle Goldman, China: A New History (Second Enlarged Edition), p.
410.
207 . Consultar o relatório na sua totalidade em, Zhao Ziyang, “Advance Along the Road of Socialism
With Chinese Characteristics – Report Delivered at the 13th National Congress of the Communist Party
of China on October 25, 1987”, Beijing Review, Vol. 30, No. 45, 9-15 de novembro de 1987, pp. i-xxvii.
Ver, também, Lev P. Deliusin, “Reforms in China: Problems and Prospects”, Asian Survey, Vol. 28, No.
11, novembro de 1988, p. 1101-1106.
208 . Cf., Richard Baum, Burying Mao, 218-220.
209 . Cf., Zhao Ziyang, “Advance Along the Road of Socialism with Chinese Characteristics – Report
Delivered at the 13th National Congress of the Communist Party of China on October 25, 1987”, p. iv.
210 . Ver, “Planning to Rule Only 30% of Economy”, Beijing Review, Vol. 30, No. 45, 9-15 de
novembro de 1987, p.6.
211 . Ver, Richard Baum, Burying Mao, pp. 220-222.
212 . Cf., Zhao Ziyang, “Advance Along the Road of Socialism With Chinese Characteristics – Report
Delivered at the 13th National Congress of the Communist Party of China on October 25, 1987”, p. xv.
213 . Sobre o problema da reforma administrative, cf., John P. Burns, “Reforming China’s Bureaucracy,
1979-82”, Asian Survey, Vol. 23, No. 6, junho de 1983, pp. 692-722.
214 . Cf., Zhao Ziyang, “Advance Along the Road of Socialism with Chinese Characteristics – Report
Delivered at the 13th National Congress of the Communist Party of China on October 25, 1987”, p. vi.
215 . Ibido.
216 . Ver, Xing Li, “From ‘Politics in Command’ to ‘Economics in Command’: A Discourse Analysis of
China’s Transformation”, Copenhagen Journal of Asian Studies, 18 August 2005, pp.65-87, disponível
em:
https://www.researchgate.net/publication/279680382_From_’Politics_in_Command’_to_’Economics_in_
Command’_A_Discourse_Analysis_of_China’s_Transformation. Para mais detalhes sobre este assunto, ver,
Stuart R. Schram, “Economics in Command? Ideology and Policy Since the Third Plenum, 1978-1984”,
The China Quarterly, Vol. 99, setembro de 1984, pp. 417-461.
217 . A a rmação, feita em outubro de 1985, numa entrevista à revista Time, é reproduzida em: “There is
no fundamental contradiction between socialism and a market economy”, China Daily, 21 de outubro de
2010, disponível em: http://www.chinadaily.com.cn/china/19thcpcnationalcongress/2010-
10/21/content_29714520.htm.
218 . Cf., Maurice Meisner, Mao’s China and After, pp. 483-484.
219 . Sobre a crise de Tiananmen, cf., inter alia, Lowell Dittmer, “The Tiananmen Massacre”, Problems of
Communism, Vol. 38, No. 5, setembro/outubro de 1989, pp. 2-15; Andrew J. Nathan, “The Political
Sociology of the Beijing Upheaval of 1989”, Problems of Communism, Vol. 38, No. 5, setembro/outubro
de 1989, pp.16-29; Richard H. Yang (ed.). PLA and the Tiananmen Crisis. Kaohsiung: SCPS Papers, No.
1, outubro de 1989; Timothy Brook. Quelling the People: The Military Suppression of the Beijing
Democracy Movement. Stanford: Stanford University Press, 1998; Andrew J. Nathan e Perry Link (eds.).
The Tiananmen Papers. Londres: Little, Brown and Company, 2001; Louisa Lim. The People’s Republic of
Amnesia: Tiananmen Revisited. Oxford Oxford University Press, 2001 e Philip Cunningham. Tiananmen
Moon: Inside the Chinese Student Uprising of 1989. Landham: Rowman and Little eld, 2009.
220 . Cf., François Bougon. Inside the Mind of Xi Jinping. Londres: C. Hurst and Co., 2018, p. 39.
221 . Cf., “China – What price reform?”, The Economist, 23 de setembro de 2004, consultado em:
https://www.economist.com/asia/2004/09/23/what-price-reform.
222 . Cf., John Simpson, “New leader Xi Jinping opens door to reform in China”, The Guardian, 10 de
agosto de 2013, disponível em: https://www.theguardian.com/world/2013/aug/10/china-xi-jinping-
opens-door-reform.
223 . Ibid.
224 . Cf., Edgar Snow. Red Star over China: The Classic Account of the Birth of Chinese Communism
(Revised Edition). Nova Iorque: Grove Press, 1968.
225 . Juan Linz de niu regimes autoritários como “sistemas políticos de pluralismo político limitado, não
responsável, sem ideologia elaborada e orientadora, mas com mentalidades distintas, sem mobilização
política extensa nem intensa, exceto em alguns pontos do seu desenvolvimento, e nos quais um líder ou,
ocasionalmente, um pequeno grupo exerce poder dentro de limites formalmente mal de nidos, mas na
verdade bastante previsíveis”. Cf., Juan J. Linz, “An Authoritarian Regime: The Case of Spain”, in Erik
Allardt and Stein Rokkan (eds.). Mass Politics: Studies in Political Sociology. Nova Iorque: Free Press,
1970, p. 255.
226 . Sobre o totalitarismo, cf., inter alia, Hannah Arendt. The Origins of Totalitarianism. Nova Iorque:
Harcourt Brace, 1968; Carl J. Friedrich and Zbigniew K. Brzezinski. Totalitarian Dictatorship and
Autocracy (2nd rev. ed.). Cambridge: Harvard University Press, 1965; Abbot Gleason. Totalitarianism:
The Inner History of the Cold War. Nova Iorque: Oxford University Press, 1995 e Leonard Schapiro.
Totalitarianism. Nova Iorque: Praeger, 1972. Para uma discussão interessante, cf., Matt Killingsworth.
Civil Society in Communist Eastern Europe: Opposition and Dissent in Totalitarian Regimes. Colchester:
ECPR Press, 2012. Um estudo estimulante que argumenta que o modelo totalitário pode ser aplicável à
China pós-Mao, cf., Sujian Guo. Post-Mao China: From Totalitarianism to Authoritarianism. Westport:
Praeger, 2000.
227 . Alguns dos melhores trabalhos “revisionistas” sobre as reformas de Gorbachev incluem: Stephen F.
Cohen. Rethinking the Soviet Experience: Politics and History Since 1917. Oxford: Oxford University
Press, 1985; Timothy J. Colton. The Dilemma of Reform in the Soviet Union. Nova Iorque: Council on
Foreign Relations, 1986 e Jerry F. Hough. Russia and the West: Gorbachev and the Politics of Reform.
Nova Iorque: Simon and Schuster, 1988.
228 . Cf., por exemplo, Martin Malia, “From Under the Rubble, What?”, Problems of Communism, Vol.
41, No. 2, janeiro-abril de 1992, pp. 89-95 e Peter Rutland, “Sovietology: Notes for a Post-Mortem”,
The National Interest, No. 31, Primavera de 1993, pp. 109-122. Para uma perspetiva oposta, cf., George
Breslauer, “In Defense of Sovietology”, Post-Soviet Affairs, Vol. 8, No. 3, 1992, pp. 197-238.
229 . Cf., Francis Fukuyama, “The End of History?”, The National Interest, No.16, Verão de 1989, pp. 3-
18. Para uma das muitas refutações a Fukuyama, cf., Robert Kagan. The Return of History and the End of
Dreams. Nova Iorque: Knopf, 2008. Surpreendentemente, Charles Krauthammer, no seu in uente “The
Unipolar Moment” foi virtualmente silencioso sobre o papel da China no momento unipolar. Nesse artigo,
Krauthammer explicita a sua visão nas seguintes palavras: “Hoje não faltam potências de segunda linha.
Alemanha e Japão são dínamos económicos. A Grã-Bretanha e a França podem utilizar recursos
diplomáticos e, em certa medida, militares. A União Soviética possui vários elementos de poder – militar,
diplomático e político – mas todos estão em rápido declínio. Existe apenas uma potência de primeira linha
e nenhuma perspectiva no futuro imediato de qualquer potência que se compare”. Cf., Charles
Krauthammer, “The Unipolar Moment”, Foreign Affairs, Vol. 70, No. 1, Inverno de 1990/1991, p. 24.
Num artigo publicado dez anos mais tarde, a China justi ca a atenção de Krauthammer. Cf, Charles
Krauthammer, “The Unipolar Moment Revisited”, The National Interest, No. 70, Inverno de 2002/03,
pp. 5-17.
230 . Cf., “2019 Herman Kahn Award Remarks: US Secretary of State Mike Pompeo on the China
Challenge”, proferido no Hudson Institute, 30 de outubro de 2019, disponível em:
https://s3.amazonaws.com/media.hudson.org/Transcript_Secretary%20Mike%20Pompeo%20Hudson%2
0Award%20Remarks.pdf.
231 . Um bom exemplo é um livro recente de Newt Gingrich, antigo Speaker da Câmara dos
Representantes. Cf., Newt Gingrich. Trump vs. China: Facing America’s Greatest Threat. Nova Iorque:
Hachette Book Group, 2019.
232 . Ver, “Xi stresses ideological and political education in schools”, Xinhua, 18 de março de, 2019,
disponível em: http://www.xinhuanet.com/english/2019-03/18/c_137905379.htm; Jamil Anderlini, “The
return of Mao: a new threat to China’s politics”, Financial Times, 29 de setembro de 2016, disponível em:
https://www.ft.com/content/63a5a9b2-85cd-11e6-8897-2359a58ac7a5 e Jie Lu, “Ideological and
Political Education in China’s Higher Education”, East Asian Policy, Vol. 9, No. 2, 2017, pp. 78-91.
233 . A literatura especializada sobre Mikhail Gorbachev e o processo de reforma é, obviamente,
volumosa. A biogra a política de nitiva de Gorbachev é William Taubman. Gorbachev: His Life and
Times. Nova Iorque: W. W. Norton and Co., 2017. Sobre a experiência soviética que contextualiza as
reformas de Gorbachev, ver, inter alia, Mikhail Geller e Aleksandr M. Nekrich. Utopia in Power: The
History of the Soviet Union from 1917 to the Present. Nova Iorque: Summit Books, 1982; Moshe Lewin.
The Gorbachev Phenomenon: A Historical Interpretation. Berkeley: University of California Press, 1988;
Zbigniew Brzezinski. The Grand Failure: The Birth and Death of Communism in the Twentieth Century.
Nova Iorque: Charles Scribner’s Sons, 1989; Alec Nove. An Economic History of the USSR 1917-1991.
Londres: Penguin Books, 1992; Martin Malia. The Soviet Tragedy: A History of Socialism in Russia,
1917-1991. Nova Iorque: The Free Press, 1994; John L. H. Keep. Last of the Empires: A History of the
Soviet Union, 1945-1991. Oxford: Oxford University Press, 1995; Christopher Read. The Making and
Breaking of the Soviet System: An Interpretation. Nova Iorque: Palgrave, 2001; Stephen Kotkin.
Armageddon Averted: The Soviet Collapse, 1970-2000. Oxford: Oxford University Press, 2001 e Serhii
Plokhy. The Last Empire: The Final Days of the Soviet Union. Nova Iorque: Basic Books, 2014.
234 . Cf., Matt Schiavenza, “Where is China’s Gorbachev?”, The Atlantic, August 14, 2013, disponível
em: https://www.theatlantic.com/china/archive/2013/08/where-is-chinas-gorbachev/278605/.
235 . Para uma comparação dos processos de reforma na URSS e na RPC, cf., Minxin Pei. From Reform to
Revolution. The Demise of Communism in China and the Soviet Union. Cambridge: Harvard University
Press, 1994. A reação soviética aos acontecimentos chineses é tratada em Alexander Lukin, “The Initial
Soviet Reaction to the Events in China in and the Prospects for Sino-Soviet Relations”, The China
Quarterly, Vol. 125 / No. 1, março de 1991, pp. 119-136.
236 . Cf., Chris Miller. The Struggle to Save the Soviet Economy: Mikhail Gorbachev and the Collapse of
the USSR. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2016.
237 . Ver, François Bougon. Inside the Mind of Xi Jinping, p. 39.
238 . Cf., Andrew Jacobs e Chris Buckley, “Tales of Army Discord Show Tiananmen Square in a New
Light”, The New York Times, 2 de junho de 2014, disponível em:
https://www.nytimes.com/2014/06/03/world/asia/tiananmen-square-25-years-later-details-emerge-of-
armys-chaos.html.
239 . Sobre este assunto, cf., Merton J. Peck and Thomas J. Richardson (eds.). What Is To Be Done?
Proposals for the Soviet Transition to the Market. New Haven. Yale University Press, 1991.
240 . Cf., Alexis de Tocqueville. The Old Regime and the French Revolution. Nova Iorque: Anchor
Books, 1955, pp. 176-177.
241 . Cf., Samuel P. Huntington. Political Order in Changing Societies. New Haven: Yale University
Press, 1968.
242 . Para uma discussão, cf, Hongxing Yang and Dingxin Zhao, “Performance Legitimacy, State
Autonomy and China’s Economic Miracle”, Journal of Contemporary China, Vol. 24, No. 91, 2005, pp,
64-82, disponível em: https://core.ac.uk/reader/87131480.
243 . Ver, por exemplo, Frederick C. Teiwes, “The Problematic Quest for Stability: Re ections on
Succession, Institutionalization, Governability, and Legitimacy in Post-Deng China” In Hung-mao Tien e
Yun-han Chu (eds.). China under Jiang Zemin. Boulder: Lynne Rienner, 2000 pp. 71-95; Zheng
Yongnian, “Interest Representation and the Transformation of
the Chinese Communist Party”, Copenhagen Journal of Asian Studies, Vol. 16, 2002, pp. 57-85; Zheng
Yongnian. The Chinese Communist Party as Organizational Emperor: Culture, and Transformation. Nova
Iorque: Routledge, 2010; Richard McGregor. The Party: The Secret World of China’s Communist Rulers.
Nova Iorque: HarperCollins, 2010 and Bruce J. Dickson. The Dictator’s Dilemma: The Chinese
Communist Party’s Strategy fro Survival. Oxford: Oxford University Press, 2016.
244 . Para uma discussão geral, cf., Kai Strittmatter. We Have Been Harmonized: Life in China’s
Surveillance State. Exeter: Old Street Publishing, 2019 e Xiao Qiang, “The Road to Digital Unfreedom:
President Xi’s Surveillance State”, Journal of Democracy, Vol. 30, No. 1, janeiro de 2019, pp. 53-67.
245 . Jonathan Spence escreve: “Zhao, pela sua parte, pode ter visto as manifestações dos estudantes como
uma potencial força política que poderia fortalecer a sua base no partido, permitindo-lhe afastar Li Peng e
talvez até Deng Xiaoping (em 1978, Deng Xiaoping usara para benefício próprio os protestos da
“Muralha da Democracia” para solidi car a sua posição contra Hua Guofeng). Cf., Jonathan D. Spence,
The Search for Modern China, p. 740. Cf., também, Alfred L. Chan, “Power, Policy and Elite Politics
under Zhao Ziyang”, The China Quarterly, Vo. 203, No. 3, setembro de 2010, pp. 708-718.
246 . Cf., “It is Necessary to Take a Clear-cut Stand Against Disturbances”, People’s Daily, 26 de April
de 1989, disponível em: http://tsquare.tv/chronology/April26ed.html.
247 . Para consultar a transcrição da reunião de 18 de maio, cf., “Li Peng Holds Dialog With Students”,
disponível em: http://tsquare.tv/chronology/May18mtg.html.
248 . Ver, “Li Peng Delivers Important Speech on Behalf of Party Central Committee and State Council”,
disponível em: http://tsquare.tv/chronology/MartialLaw.html. No mesmo discurso, antes de chegar a esta
conclusão, Li Peng argumentara que “o partido e o governo têm repetidamente a rmado que muitos
jovens estudantes são bondosos, que subjetivamente não querem turbulências e têm fervor e espírito
patriótico, desejando promover reformas, desenvolver a democracia e superar a corrupção (...). No entanto,
o uso intencional de várias formas de manifestações, boicotes de aulas e até mesmo greves de fome para
fazer petições prejudicou a estabilidade social e não será bené ca para resolver os problemas. Além disso, a
situação desenvolveu-se independentemente dos desejos subjetivos dos jovens estudantes. Cada vez mais
caminha numa direção que vai contra as suas intenções. No momento, tornou-se cada vez mais claro que as
poucas pessoas que tentam criar turbulência querem alcançar, sob condições de turbulência, precisamente
os objetivos políticos que não podiam alcançar através dos canais democráticos e legais normais; negar a
liderança do PCC e negar o sistema socialista. Promoveram abertamente o slogan de negar a oposição à
liberalização burguesa. O seu objetivo é obter liberdade absoluta para se oporem, inescrupulosamente, aos
Quatro Princípios Cardeais. Espalham muitos rumores, atacando, caluniando e abusando dos principais
líderes do partido e do estado. No momento, a ponta de lança está voltada para o camarada Deng
Xiaoping, que tem feito contribuições tremendas à nossa causa de reforma e de abertura ao mundo
exterior”.
249 . Cf., Andrew J. Nathan and Perry Link, The Tiananmen Papers, pp. 175-252.
250 . Encarcerado em resultado do seu papel nos protestos de Tiananmen, Liu seria sentenciado, em 2009,
a onze anos de prisão pelo crime de subversão. Depois de solicitar e ver indeferida a autorização para viajar
ao estrangeiro para obter tratamentos médicos para o cancro em fase terminal, Liu morre a 13 de julho de
2017. Cf., Emile Kok-Kheng Yeoh, “Brave New World Meets Nineteen Eighty-four in a New Golden
Age: On the Passing of Liu Xiaobo, Advent of Big Data, and Resurgence of China as World Power”,
Contemporary Chinese Political Economy and Strategic Relations, Vol. 4, No. 2, julho/agosto de 2018,
pp. 593-764, disponível em: http://rpb115.nsysu.edu.tw/var/ le/131/1131/img/2374/113040557.pdf.
251 . Cf., Deng Xiaoping, “June 9 Speech to Martial Law Units”, consultado em:
http://www.tsquare.tv/chronology/Deng.html. Também, cf., Li Peng, “Full Text of Top-Secret Fourth
Plenary Session Document: Li Peng’s Life-Taking Report Lays Blame on Zhao Ziyang”, Chinese Law &
Government, 2005, Vol. 38, No. 3, 2005, pp. 69-84. Para uma discussão, ver, Andrew J. Nathan, “The
New Tiananmen Papers”, Foreign Affairs, Vol. 98, No. 4, julho/agosto de 2019, pp. 80-91 e Ian Johnson,
“China’s ‘Black Week-end”; The New York Review of Books, 27 de junho de 2019, pp. 34-37, disponível
em: https://www.nybooks.com/articles/2019/06/27/tiananmen-chinas-black-week-end.
252 . Cf., Andrew J. Nathan and Perry Link, The Tiananmen Papers, pp. 431-437.
253 . Ibid., p. 440.
254 . Cf., Zhao Ziyang. Prisoner of the State. The Secret Journal of Chinese Premier Zhao Ziyang.
Londres: Simon and Schuster, 2009.
255 . Cf., Andrew J. Nathan and Perry Link, The Tiananmen Papers, pp. 437-447 e, também, David L.
Shambaugh, “The Fourth and Fifth Plenary Sessions of the 13th CCP Central Committee”, The China
Quarterly, Vol. 120, No. 4, dezembro de 1989, pp. 852-862.
256 . Cf., Andrew J. Nathan, “The New Tiananmen Papers”, pp. 87-88.
257 . Ver, Bruce Gilley. Tiger on the Brink: Jiang Zemin and China’s New Elite. Berkeley University of
California Press, 1998, 145-148.
258 . Cf., Hugh Peyman. China’s Change: The Greatest Show On Earth. Londres: World Scienti c
Publishing, 2018, p. 168 e Bruce Gilley, Tiger on the Brink, pp. 83-87.
259 . Cf., Jean-Pierre Cabestan. China Tomorrow: Democracy or Dictatorship?: Londres: Rowman &
Little eld Publishing Group, 2019, p. 28.

Capítulo IV – UM NOVO TIMONEIRO
 
“Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se
transforme também em monstro”
(Friedrich Nietzsche, Para Além do Bem e do Mal) 
 
Assinalando o primeiro mandato quinquenal de Xi Jinping como Secretário-
Geral do Partido Comunista Chinês, o XIX Congresso do PCC, realizado em
outubro de 2017, dissipou quaisquer dúvidas remanescentes relativas ao poder
de Xi Jinping no partido e no estado. Os delegados presentes neste conclave
encarregar-se-iam de clari car a realidade política quando votam, por
unanimidade, consagrar na constituição do PCC o “Pensamento Xi Jinping
sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era” (习近平新时代
中国特色社会主义思想). Meses mais tarde, a 11 de março de 2018, na sessão de
abertura da Décima Terceira Sessão do Congresso Nacional do Povo, o
“Pensamento Xi Jinping” será incorporado na Lei Fundamental da República
Popular.  Desde que o “Pensamento Mao Zedong” fora reconhecido como
ideologia orientadora do PCC, em 1945, apenas Deng e Xi viram as suas ideias
consagradas na constituição, embora Deng, em 1997, tenha sido postumamente
honrado com a inclusão da sua “teoria”, menos signi cativa do que o
“pensamento” atribuído a Mao e a Xi. Ainda que o legado ideológico do PCC
englobe o marxismo-leninismo, o “Pensamento Mao Zedong”, a “Teoria Deng
Xiaoping”, as “Três Representações” de Jiang Zemin e a “Perspetiva de
Desenvolvimento Cientí co” de Hu Jintao, o “Pensamento Xi Jinping” difere
na medida em que, tal como Mao e Deng, que iniciam novas eras, lhe é
atribuído lugar de destaque na elaboração do conceito de “socialismo com
características chinesas” para a época em que vivemos260.
Pilar estruturante do discurso do PCC, o conceito “socialismo com
características chinesas” fora introduzido por Deng Xiaoping durante o XII
Congresso do Partido, de 1982, quando o “líder supremo” a rma que a
modernização do país exige a adaptação de novas ideias e práticas, algumas das
quais estrangeiras, às realidades chinesas. Conceito fundamental para robustecer
a legitimidade do regime, o “socialismo com características chinesas” visava
reconciliar os objetivos gerais traçados pelo poder comunista com a introdução
de mecanismos de mercado numa economia coletivizada e orientada pelo
planeamento central. Para todos os efeitos, o “Pensamento de Xi Jinping sobre
o socialismo com características chinesas para uma nova era”, que de ne os
desa os das próximas décadas, preserva a continuidade político-ideológica entre
Xi e a renovação do socialismo operada por Deng e os seus sucessores. Após a
inclusão do “Pensamento de Xi Jinping” nas constituições do partido e do
estado, seguiu-se uma ofensiva ideológica sem paralelo desde a Revolução
Cultural, com o propósito de disseminar as contribuições teóricas de Xi261. Eis
uma das particularidades da “era Xi”: nenhum líder no pós-maoismo
manifestou o mesmo grau de preocupação com questões ideológicas ou
monstrou tanto empenho na batalha das ideias.
As diferenças que separam Xi dos seus antecessores não caram pela ênfase
dada à ideologia. Mecanismos de liderança coletiva adotados pelo partido na era
pós-Mao, que procuravam evitar as armadilhas que minaram o PCUS de
Mikhail Gorbachev e os malefícios do culto da personalidade maoista, eram
esvaziados e, como corolário, o poder concentrou-se nas mãos do novo homem-
forte. É patente que, desde Mao, nenhum líder chinês acumulou tanto poder ou
foi objeto de um culto da personalidade tão amplo. Após a matança de
Tiananmen e a década de Li Peng como Primeiro-Ministro, os ciclos de
liderança de Jiang Zemin e Hu Jintao incutiram a estabilidade e a gestão
tecnocrática. A liderança de Xi rompe com essa tradição. 
Os eventos de Tiananmen demonstraram que o domínio contínuo do PCC era
inegociável, até porque o partido era o garante da integridade da RPC e o
veículo da recuperação da antiga grandeza da China. Quando Xi assume as
rédeas do poder, questionava-se até que ponto o PCC continuava, de ponto de
vista substancial, a ser um partido comunista. Enquanto o papel de liderança do
PCC (e o seu monopólio do poder) era inquestionável, era igualmente evidente
que o seu legado ideológico fora objeto de revisão signi cativa nas  décadas
anteriores.  Restava saber se essas mutações, no seu conjunto, não
consubstanciavam uma abdicação da própria essência e natureza do partido.
Dir-se-á que, no quadro da realidade chinesa, o  corpus  teórico de Marx  nunca
fora determinante, pois excluía a possibilidade de construir o socialismo num
país “atrasado” como a China. 
Após a adoção do relatório de Zhao Ziyang, de novembro de 1987, durante o
XIII Congresso, Marx tornou-se, em larga medida, uma referência histórica
fundamentalmente desprovida de aplicabilidade concreta na China moderna.
Não signi ca isto que o marxismo fora descartado tout court pelo PCC. Com
efeito, os valores genéricos do marxismo estruturam, pelo menos formalmente,
a denúncia feita pelo PCC da extrema desigualdade de rendimento associada ao
desenvolvimento capitalista e a centralidade atribuída ao setor estatal na
construção socialista.  Mas era igualmente verdade que o Grande Salto. Em
Frente revelara que o modelo assente no planeamento central, no fomento da
industria pesada estatizada e na coletivização agrícola era inadequado às
realidades do país. Se o marxismo assumia uma relevância difusa, histórica, já as
noções leninistas referentes à organização partidária – os princípios do
“centralismo democrático” – foram consistentemente respeitadas por Deng
Xiaoping. Nem mesmo Hu Yaobang ou Zhao Ziyang sugeriram abandoná-los.
Similarmente, era conservada a conceção vanguardista do partido que justi cava
o monopólio do poder.  Quanto ao modelo de liderança coletiva dos anos de
Jiang Zemin e Hu Jintao, que será efetivamente descartado por Xi Jinping,
havia revelado sinais claros de erosão muito antes do “caso Bo” cativar, em
2012, as atenções mundiais262.
 
 
Eu tenho um sonho
 
Em 2012, nos derradeiros meses do segundo e último mandato de Hu Jintao,
o país era abalado pela espetacular
– e muito publicitada – imolação política de Bo Xilai. Membro do Politburo,
antigo Ministro do Comércio e Secretário do partido em Chongqing, Bo seria
formalmente acusado de irregularidades criminais e implicado no assassinato do
empresário britânico Neil Heywood, um crime alegadamente cometido pela sua
mulher263.  As acusações eram nada menos do que extraordinárias porque Bo
Xilai, tal como Xi Jinping, era um “príncipe vermelho”, um lho privilegiado
da velha guarda do regime. Seu pai, Bo Yibo, ingressara no PCC em abril de
1925, servira no Politburo de Mao e fora um dos “61 renegados” purgados
durante a Revolução Cultural. Reabilitado por Deng, regressa ao Politburo e,
mais tarde, emerge como um dos “Oito Imortais”, velhos revolucionários que
durante décadas acompanham Mao e, depois da morte do déspota, se aliam a
Deng. Atendendo à sua linhagem vermelha, a queda política do jovem Bo “foi
tão signi cativa que foi amplamente descrita como um terramoto político de
magnitude que rivaliza com a queda do herdeiro designado por Mao, Lin Biao,
em 1971, ou com a repressão de 1989”264. Tratava-se, pois, de um “terramoto
político” que extravasa o mundo insular, enclausurado da casta comunista.
A 28 de setembro de 2012, os órgãos de informação estatais divulgam a
expulsão de Bo Xilai do PCC, acrescentando que enfrentaria acusações criminais
de corrupção, abuso de poder, suborno e “relações impróprias” com
mulheres. Escassas semanas depois, a 8 de novembro de 2012, o PCC abre o seu
XVIII Congresso Nacional.  A desgraça pública de Bo Xilai não seria uma
ocorrência anormal durante a Revolução Cultural. Porém, a natureza pública da
sua queda, para além de evidenciar a impiedade da luta pela sucessão de Hu
Jintao, traz ao de cima as profundíssimas clivagens existentes no seio do PCC,
que, para serem sanadas, exigem o linchamento político e a humilhação pública
de um quadro comunista de renome nacional.  Na realidade, mais do que o
delito criminal, o pecado cardeal de Bo era de natureza política. Primeiro,
desa ou o amplo consenso existente no PCC em relação ao modelo socialista de
desenvolvimento do país.  Segundo, ao conduzir a luta pela liderança fora de
muros, desrespeitando assim as regras quanto ao tempo e ao modo da sucessão,
o populismo de Bo colide frontalmente com o equilíbrio entre os respetivos
papéis das elites e da opinião pública. Tratava-se de um precedente que, a ser
consentido, tornaria o partido vulnerável a pressões inaceitáveis decorrentes da
opinião pública e da mobilização social.
Político populista pertencente à tendência neo-normalista, Bo Xilai lidera, na
sua província natal de Chongqing, lidera uma campanha anticorrupção
extremamente bem-sucedida e granjeadora de grande adesão e recetividade
públicas265. Designada como o “Modelo Chongqing”, a abordagem de Bo
englobava três distintos, mas interligados, componentes: “cantar músicas
vermelhas” (changhong), “esmagar a corrupção e os gangs criminosos” (dahei) e
“políticas sociais distributivas” (minsheng)266. Este “Modelo Chongqing” era, por
sua vez, de nido em oposição ao “Modelo Guangdong”, introduzido por Deng
Xiaoping e assente nos mecanismos de mercado. Críticas neo-maoístas ao
“Modelo Guangdong” salientavam a corrupção generalizada, as vastas
desigualdades sociais, o materialismo grosseiro e os valores individualistas que
se sobrepunham aos valores coletivos.  Em contraste, o “Modelo Chongqing”
enfatizava o desenvolvimento harmonioso da comunidade, o igualitarismo, a
defesa dos valores socialistas e a mobilização revolucionária267.  Em
conformidade com esta visão, Bo reforça o papel do estado na economia de
Chongqing de modo a viabilizar rmas estatais, tornando-as lucrativas.
Concomitantemente, o seu governo provincial conduz um combate implacável
à corrupção e promove o vigor ideológico por meio de changhong. O “modelo”
preconizado por Bo Xilai con gurava, portanto, o desa o da esquerda neo-
maoísta do PCC às elites partidárias dominantes que persistiam na defesa do
“Modelo Guangdong”268.
Se é verdade que a queda de Bo fora provocada por uma colisão política em
volta dos dois modelos de modernização socialista, é igualmente verdade que o
choque fora muito mais do que isso. No nal de outubro, duas semanas antes da
abertura do XVIII Congresso Nacional do PCC, a imprensa internacional revela
detalhes da fortuna imensa da família do Primeiro-Ministro Wen Jiabao,
património acumulado por meios nada transparentes269.  O momento da
revelação de apenas mais um dos muitos exemplos da degradação moral da elite
comunista não terá sido inocente.  Embora prestes a abandonar a liderança do
governo, Wen era, nessa altura, o porta-voz mais respeitado do sector reformista
e nada o impedia de continuar a advogar o reformismo a partir de outros cargos.
Com efeito, a publicação das alegações teve como objetivo comprometer a ala
reformista e, dessa forma, atenuar os danos políticos causados à ala neo-maoísta
pelo “caso Bo”. A queda de Wen Jiabao, antigo assistente de Zhao Ziyang e
presente ao lado deste na Praça de Tiananmen na noite de 19 de maio de 1989,
quando Zhao se reúne com os manifestantes pela última vez antes da declaração
da lei marcial, reequilibra as fações mas remove também mais um potencial
crítico de Xi Jinping.
Filho do veterano comunista Xi Zhongxun, Xi Jinping não era o nome óbvio
para ascender ao principal cargo de liderança do PCC270. Antigo membro do
Politburo e Vice-Primeiro-Ministro do Conselho de Estado, Xi Zhongxun,
preso em 1968, fora uma das inúmeras vítimas da Revolução Cultural. Um ano
depois, em consequência do encarceramento do seu pai, Xi Jinping, com apenas
quinze anos de idade, era enviado para “reeducação” em Shaanxi, uma zona
rural do país. Ingressa na Liga da Juventude Comunista Chinesa em 1971 e,
após várias tentativas fracassadas, será nalmente aceite nas leiras do PCC em
1974. Durante o XV Congresso do partido, realizado em 1997, será o último
dos membros suplentes eleitos para o Comité Central. Depois de várias
promoções dentro das estruturas partidárias locais, é, nomeado, em 2007,
Secretário do Comité Municipal de Xangai. Nesse mesmo ano, no XVII
Congresso do PCC, emerge como um dos nove membros do Comité
Permanente do Politburo, o núcleo duro da liderança do partido e, por
extensão, do estado. 
A cooptação para o Politburo consagra-o como líder de dimensão nacional,
responsável pelos dossiers de Macau e Hong Kong, bem como pela supervisão
geral dos Jogos Olímpicos de Verão de 2008, concebidos como uma vitrina do
poder chinês e da emergência internacional do país.  Promovido a Vice-
Presidente da República Popular, substitui Hu Jintao como Secretário-Geral do
PCC aquando do XVIII Congresso Nacional, realizado em novembro de 2012.
Instalado no pináculo do poder, Xi imediatamente desencadeia uma
vastíssima campanha anticorrupção que resulta na expulsão de
aproximadamente um milhão de membros do partido implicados em práticas
ilegais271.  No passado, o país assistira a outras campanhas de combate à
corrupção, relativamente comuns ao longo da história da RPC272.  Os enormes
perigos resultantes da corrupção foram, aliás, expressos publicamente no
Relatório apresentado por Hu Jintao ao XVIII Congresso do PCC, onde a rma
que “combater a corrupção e promover a integridade política é uma questão
política importante e de grande preocupação para o povo, é um compromisso
político inequívoco, e de longo prazo, do Partido. Se não conseguirmos lidar
bem com a questão, pode ser fatal para o Partido e até causar o colapso do
Partido e a queda do estado”273.
No entanto, a publicidade dada à campanha de Xi – e o zelo que a impulsiona
– sinaliza que a iniciativa visa alcançar dois objetivos essenciais274. Primeiro, e
certamente não o menos relevante, servia um propósito instrumental óbvio: a
remoção dos rivais de Xi de posições de poder no partido e no
estado.  Formalmente, a campanha visa expurgar “tigres e moscas” do Partido
Comunista Chinês, isto é, os altos funcionários e empresários corruptos275.
Porém, a investida contra a corrupção rapidamente se transforma num
instrumento para expulsar os rivais políticos do recém-empossado Secretário-
Geral. A investida de Xi contra as “práticas corruptas” não difere
substancialmente das campanhas anteriores ostensivamente justi cadas pela
luta contra a corrupção, mas, na realidade, também utilizadas para remover
opositores internos da liderança.  Segundo, a campanha passou a ser um
mecanismo para limpar a imagem pública e repor a autoridade do partido, até
então tremendamente degradadas pelos escândalos ocorridos nos últimos anos
da presidência de Hu Jintao. As quedas de Wen Jiabao e Bo Xilau do topo do
establishment partidário concedem a Xi a oportunidade de redimir a reputação e
o prestígio do partido, restaurando assim a “pureza” da organização e o elo de
con ança com as massas populares.
Ao mesmo tempo que Xi Jinping afasta os seus rivais, uma densa e
tecnologicamente so sticada teia de vigilância estende-se pela sociedade
chinesa. Em paralelo, intensi ca-se a repressão cultural e política quando Xi
restringe a liberdade de atuação dos media, obrigando editores e repórteres a
submeter-se às diretrizes do Departamento Central de Propaganda. Huang
Kunming, membro do Politburo responsável pelo departamento, justi ca que
“a reestruturação mostrou a necessidade de fortalecer a liderança geral do
Partido nessas áreas, e foi boa para promover o sistema de governança ideológica
e a prosperidade do setor”276.  Nas universidades e nos think tanks do país, o
conformismo ideológico era também imposto, estreitando consideravelmente os
parâmetros do debate permitido pelas autoridades. Com efeito, Xi adapta o
populismo neo-maoísta de Bo, colocando o vigor ideológico, as “canções
vermelhas”, ao serviço do status quo e dos interesses representados pelo “Modelo
Guangdong”. A cooptação política feita por Xi dos principais temas associados
ao populismo de Bo – anticorrupção, rejuvenescimento ideológico e uma maior
presença do estado na condução do desenvolvimento económico –, destinava-se
a aumentar a legitimidade do “líder principal” que, através da síntese que faz
das sensibilidades no interior do partido, passa a encarnar a unidade do PCC.
Quando ascende à che a do PCC, Xi enfatiza a centralidade das Três
Con anças, a doutrina que, conjugada com os Quatro Abrangentes e o “Sonho
Chinês”, passa a balizar os parâmetros aceitáveis do debate e da ação
política. Introduzidas por Hu Jintao nas vésperas do XVIII Congresso Nacional
do PCC, as Três Con anças exortam o partido e o povo a orientar-se pela
“con ança na direção” do PCC, pela “con ança no fundamento teórico” do
partido e pela “con ança no sistema” comunista criado em 1949277. Uma
“quarta con ança”, na cultura chinesa, fora adicionada em dezembro de 2014.
Com efeito, as “Quatro Con anças” apelam à autocon ança nas instituições do
partido e do estado e à mobilização popular em volta do regime e das suas
instituições.  A rea rmação das “Quatro Con anças” equivale a uma defesa
acérrima do status quo e do legado histórico-ideológico do partido face às críticas
externas e internas que suscitam dúvidas quanto à legitimidade do poder do
partido.  As “Quatro Con anças”, por sua vez, sustentam os  “Quatro
Abrangentes”. Articulados por Xi em 2014, e virtualmente idênticos aos
“Quatro Compreensivos” delineados na “Teoria de Deng Xiaoping”, os “Quatro
Abrangentes” expressam a linha política geral do regime: construir uma
sociedade moderadamente próspera, governar a nação de acordo com a lei,
aprofundar o processo de reforma e governar o partido com disciplina férrea.
Na “era Xi Jinping”, a legitimidade do partido assenta numa amálgama de
elementos díspares, como sejam o nacionalismo histórico-civilizacional, o
tradicionalismo confucionista, os valores fundamentais socialistas, o monopólio
do poder do partido e o seu papel como guardião da República Popular da
China. Um exemplo de como o partido se tem apropriado da história recente do
país pode ser encontrado no discurso de Xi para comemorar o centenário do
Movimento Quatro de Maio. Proferido em nais de abril de 2019, praticamente
coincidindo com os 40 anos dos protestos de Tiananmen e numa altura em que
os estudantes de Hong Kong se mobilizavam nas ruas, Xi caracteriza o
movimento de 1919 como “patriótico” na medida em que servira os interesses
do povo chinês. Não obstante, para evitar equivalências com Hong Kong ou
com Tiananmen, disse claramente que “a juventude chinesa na nova era tem de
seguir e obedecer ao partido”278. Por outras palavras, o patriotismo, na “era Xi”,
é incarnado pelo PCC. Dissidentes que questionam as linhas mestras do partido
são, logicamente, antipatrióticos e, por conseguinte, “uma desgraça ao olhos do
país e aos olhos de todo o mundo”279.
Este mix de fontes de legitimação encontra expressão no conceito mais amplo
de “Sonho Chinês” (中国梦 ), resumido na “declaração de 38 caracteres” de Xi
Jinping nos seguintes termos: “para realizar o Sonho Chinês, devemos seguir o
caminho chinês; para perceber o Sonho Chinês, precisamos de avançar o espírito
chinês; para realizar o Sonho Chinês, devemos consolidar o poder chinês”280.
Embora sucessor das formulações de “doutrina estratégica” de nidas por
lideranças anteriores – as Três Representações, o Desenvolvimento Cientí co e a
Sociedade Harmoniosa –, o “Sonho Chinês” atualiza-as em conformidade com as
exigências da era contemporânea. Dito de outra forma, o “Sonho Chinês” de Xi
constitui uma linha de continuidade com as orientações ideológicas traçadas
pelos seus antecessores, modernizando-as e, no processo, criando um
“pensamento” para dar resposta às especi cidades da “nova era”. A necessidade
de atualizar a doutrina deve-se à necessidade de renovar – mas jamais abandonar
– o marxismo-leninismo e o “socialismo com caraterísticas chinesas”.
Em 29 de novembro de 2012, apenas duas semanas após a sua ascensão à
presidência do partido, num discurso proferido durante uma visita à exposição
“Caminho para o Rejuvenescimento” no Museu Nacional da China, Xi Jinping
faz a primeira referência direta ao “Sonho Chinês”, a rmando que  “o
renascimento da nação chinesa é o maior sonho da nação chinesa na história
moderna”281. Uma pista quanto à relevância do discurso era proporcionada pelo
cenário, uma vez que o local e o tema da exposição transmitiam a importância
simbólica do fuxing, noção que pode ser traduzida como “renascimento”,
“recuperação” ou “rejuvenescimento”, o termo usualmente utilizado. O
rejuvenescimento a gura-se como indispensável para conservar o monopólio do
poder do PCC na medida em que abre o caminho para o incremento das
oportunidades e da prosperidade da população. No seu primeiro discurso o cial,
Xi declarou que os chineses “têm a oportunidade de ter sucesso na vida, de ver
o seu sonho tornar-se realidade, de progredir e de se realizarem ao mesmo
tempo que realizam o seu país e a sua terra natal”282. No entanto, em contraste
nítido com o “Sonho Americano”, assente no pressuposto de que a busca do
interesse individual gera resultados coletivos desejáveis, a visão de Xi sugere
que os empreendimentos coletivos, de nidos e executados pelo PCC, produzem
resultados individuais bené cos. Salienta-se que, para cumprir o “Sonho
Chinês”, a população é chamada a fazer sacrifícios individuais em prol do bem
comum, a razão porque, com alguma frequência, se invoca o espírito da “Longa
Marcha”.
Rejuvenescimento abrange duas dimensões distintas mas
interligadas .  Primeiro, proclama a ascensão da China como país in uente e
283

poderoso na cena mundial e, como corolário, o m dos vestígios do “século da


humilhação nacional”. Segundo, invocando a robustez e o orgulho nacionais,
abarca uma dimensão moral na forma da superação da decadência por meio da
renovação espiritual. O rejuvenescimento nacional não se restringe, portanto, a
uma celebração do crescimento económico, à prosperidade da população ou,
mesmo, à assertividade do país além-fronteiras. Engloba e sintetiza todas estas
dimensões, enquanto denota uma nova autocon ança resultante do
renascimento espiritual impulsionado pelo nacionalismo renovado.  Signi ca
isto que o nacionalismo tem, paulatinamente, vindo a complementar o
desempenho económico como principal fonte de legitimidade do regime, uma
tendência nitidamente acentuada após a crise nanceira de 2008.
 
 
Ser rico é glorioso
 
Em 1949, abrindo o caminho ao socialismo, Mao Zedong começa a demolir a
China feudal e tradicionalista, libertando-a das injustiças históricas perpetuadas
pelo Ocidente ao longo do “século da humilhação nacional” e estabelecendo o
estado moderno chinês. Eis a “primeira revolução”. Deng Xiaoping conduz uma
“segunda revolução”, colocando a República Popular no caminho do
desenvolvimento, possível de percorrer porque Mao destruíra a velha ordem que
bloqueara a modernização do país. Da mesma forma que o empreendimento de
Deng teria sido impossível na ausência do contributo de Mao, o
empreendimento de Xi era impossível sem a contribuição de Deng. De acordo
com esta narrativa, a “era Xi” irá consumar a modernização da RPC e restituir-
lhe a preponderância internacional. Eis uma tarefa histórica, incompatível com
o aventureirismo utópico da Revolução Cultural e com a rotinização burocrática
das eras Jiang Zemin e Hu Jintao. Herdeiro de uma civilização milenar, o
Partido Comunista Chinês exorta o povo a realizar um empreendimento de
proporções históricas, assente em “canções vermelhas” e em um novo vigor
ideológico trazido por Xi.
Generalizou-se o consenso de que a “era Hu Jintao” fora uma “década
perdida” porque as reformas de que o país carecia para continuar a desenvolver-
se foram proteladas.
O problema residiu no facto de as fações do partido terem divergido quanto à
natureza dessas mesmas reformas. Nas décadas seguintes ao lançamento da
“reforma e abertura” de Deng, a China obteve elevadíssimas taxas de
crescimento económico que, até 2011, se situavam, em média, nos 10% ao ano.
Embora estes inéditos índices de crescimento se tenham retraído após a crise
nanceira de 2008, o país, em termos comparativos, continuou a registar a um
crescimento invejável impulsionado por injeções massivas de liquidez. Embora
os dados económicos chineses não sejam inteiramente con áveis, não há forma
de negar o impressionante desenvolvimento das últimas décadas. Em 1980, o
PIB chinês representava apenas 7% do PIB americano; em 2015 situa-se em
61%284. Igualmente impressionante, como salienta Peter Ferdinand, “em nais
de junho de 2014, as reservas cambiais chinesas haviam aumentado para quase
US$ 4 triliões; no nal de 2001, antes de a China ingressar na OMC, situam-se
nos US$ 212 bilhões”285. A economia chinesa ultrapassa a alemã em 2007 e, em
2009, a China passa a maior país exportador mundial.  Um ano depois, em
2010, supera o Japão, tornando-se a segunda maior economia mundial. Em
2013, ultrapassa os Estados Unidos como maior nação comercial. Além disso,
dados do Banco Mundial indicam que, em 2014, a China ultrapassara os EUA
em termos de paridade do poder de compra (PPP). Embora os números sejam
verdadeiramente extraordinários, desa os substanciais permanecem. Note-se, a
título exempli cativo, que o PIB per capita chinês em 2018 situava-se nos US$
9,770, em comparação com US$ 62,794 nos Estados Unidos e US$ 23,407 em
Portugal286.  Atendendo a este desfasamento, e mesmo presumindo a
continuação das taxas históricas de crescimento chinês, serão necessárias décadas
que Beijing se possa aproximar aos níveis americanos de PIB per capita.
Independentemente dos ganhos obtidos pelo “socialismo com características
chinesas”, o modelo de crescimento assente em exportações, adotado após a
“abertura” de Deng em 1978, enfrenta sérias di culdades quando Xi Jinping se
torna o “líder principal”. Já em 2003, o PCC modi ca a orientação de Deng ao
abraçar o “conceito cientí co de desenvolvimento”, sinónimo de mudanças
destinadas a assegurar o desenvolvimento sustentável da economia chinesa287.
Reunido em outubro de 2007, o XVII Congresso Nacional do PCC dá
seguimento a esta orientação, comprometendo o partido com a aceleração da
“transformação do modo de desenvolvimento económico”288. Um ano depois,
com a eclosão da crise nanceira de 2008, a cúpula partidária conclui que o
capitalismo entrara em declínio acelerado e, por conseguinte, a “renovação
socialista” era o único caminho passível de ser seguido pela China. Em termos
práticos, o modelo de crescimento impulsionado pelas exportações precisava,
como, aliás, defendiam os neo-maoístas, de ser acompanhado por políticas
estruturais destinadas a atenuar as desigualdades sociais. Porém, como caria
demonstrado pelo “caso Bo”, os interesses ligados às indústrias de exportação
situadas no litoral e os intelectuais “liberais” resistiam à reorientação do
desenvolvimento nos moldes prescritos pelo neo-maoísmo. É precisamente
neste quadro que Xi emerge a sintetizar as posições da esquerda e da direita
partidárias, ampliando o poder do estado na economia e na sociedade,
promovendo uma economia assente na inovação e de nindo, com a Iniciativa
Faixa e Rota (IFR), uma estratégia para a a rmação internacional do país.
País de rendimento médio alto, a República Popular terá agora de produzir
bens e serviços de maior valor acrescentado, de subir nas cadeias de valor. De
fábrica do mundo terá de passar a estar no mundo com as suas empresas,
nanciamentos e poderio militar. Convém reconhecer que os desa os da “era Xi
Jinping”, resultantes da realização da transição para uma “sociedade
moderadamente próspera”, não são inéditos nem exclusivos da China. A
dimensão do problema enfrentado pelo PCC fora retratada pelo Banco Mundial,
cujos dados con rmam a tarefa hercúlea confrontada por países que embarcaram
neste tipo de empreendimento. Dos 101 países de rendimento médio existentes
na década de 1960, apenas 13 zeram a transição para uma economia de
rendimento alto até 2008289. Para um regime cuja legitimidade estava
amplamente assente em critérios de desempenho económico e de melhoria dos
padrões de vida, os precedentes históricos eram, pois, deveras desanimadores. A
questão agrava-se quando se recorda que, depois do massacre de Tiananmen, o
PCC celebrou um contrato social com o povo chinês: em troca da aquiescência
política da sociedade, o partido prometia proporcionar a prosperidade
individual e nacional. O célebre ditado de Deng de que “ser rico era glorioso”
continha um pressuposto infrequentemente explicitado: o povo chinês devia
deixar a política entregue ao Partido Comunista Chinês.
Este “pacto” entre partido e população era passível de ser cumprido desde que
o crescimento permanecesse constante. Dadas as incertezas e complexidades que
acompanham a transição bem-sucedida de uma economia de rendimento médio
para uma de rendimento alto (no léxico do regime, uma “sociedade
moderadamente próspera”), a legitimidade do poder vigente não poderia
continuar a repousar quase exclusivamente em critérios de performance. Mas a
legitimidade do regime também não poderia dispensar esse mesmo
desempenho, pois o projeto de modernização do PCC, desde 1949,
comprometera o partido com o pleno desenvolvimento.  Por outro lado, seria
impossível restituir a grandeza e o status internacionais da China se o país não
continuasse a desenvolver uma base de poderio material para sustentar os
demais instrumentos de poder, o militar em particular. A solução residia, pois,
na alteração do “mix de legitimidade” de forma a diminuir a centralidade do
desempenho económico e, concomitantemente, passar a privilegiar as fontes
político-ideológicas crescentemente invocadas no período pós-Tiananmen: a
tradição civilizacional, a unidade nacional da RPC, a centralidade do ELP, a
superação do “século da humilhação nacional” e, por último, o regresso às
narrativas anti-japonesa e antiocidental. Quando o partido de vanguarda dá
lugar a um “partido de todo o povo”, essas fontes de legitimidade são
reforçadas.
Preservar o desempenho económico e alcançar uma economia de alto
rendimento exigia outra transição: a passagem de uma economia industrial
liderada pela exportação de manufaturados de baixo valor para uma economia
impulsionada pela inovação e por empresas internacionalizadas altamente
competitivas. Receando que a China casse inde nidamente atolada à
“armadilha do rendimento médio”, o PCC adicionou a estratégia Made in
China 2025 (MIC2025) (中国制造 2025) à sua caixa de ferramentas políticas290.
Inspirada na estratégia “Indústria 4.0” alemã, publicada em 2013, bem como
na abordagem japonesa à inovação e ao desenvolvimento, a MIC2025 fora
apresentada em maio de 2015 pelo Primeiro-Ministro Li Keqiang291. Destinada
a modernizar e a aumentar a capacidade industrial do país, e entendida como
uma estratégia global para uma década292, a proposta concentrava-se nos dez
setores estratégicos em que a China procurava ser líder mundial, incluindo a
aviação, a robótica, a inteligência arti cial, os automóveis autónomos e a
biofarmácia e outros setores que, previsivelmente, serão os motores da futura
economia global293.
Para assegurar a liderança mundial nestas áreas, a MIC2025 prevê a realização
de investimentos massivos em pesquisa de ponta, bem como injeções de capital
em rmas chinesas inovadoras capazes de competir nos mercados doméstico e
global.  O programa é largamente nanciado pelo estado, cujo veículo mais
conhecido é o Fundo Nacional de Investimento Integrado. Todavia, em 2015,
“297 novos fundos dirigidos pelo governo foram criados com mais de RMB1,5
triliões em capital para nanciamento do Made in China 2025”294. Atendendo à
dimensão da aposta, vistos de Washington, os objetivos do programa são tudo
menos benignos. Procurando dar voz a esta inquietação, o Vice-Presidente Mike
Pence, num discurso proferido no Hudson Institute, em outubro de 2018,
observa que “através do plano Made in China 2025, o Partido Comunista tem
como objetivo controlar 90% das indústrias mais avançadas do mundo,
incluindo a robótica, a biotecnologia e a inteligência arti cial. Para conquistar
os setores chave da economia do século XXI, Beijing instruiu os seus burocratas
e empresas a obter propriedade intelectual americana – a base de nossa liderança
económica – por qualquer meio necessário”295. Se dúvidas restassem quanto à
transferência de tecnologia de ponta americana para a China, e à presença de
tecnológicas chinesas no mercado americano, as palavras de Pence não poderiam
ser mais cristalinas. Expressam, com quase dois anos de antecedência, a decisão
da Casa Branca, por muitos inesperada, de forçar a venda do Tiktok e de
ilegalizar o WeChat.
A estratégia chinesa para fomentar o crescimento de rmas
internacionalmente competitivas replica, no essencial, a abordagem adotada nas
últimas décadas pela Huawei e companhias similares296. A dimensão gigantesca
do mercado interno oferece às empresas, altamente protegidas da concorrência
internacional, oportunidades para crescerem até estarem su cientemente
consolidadas e competitivas, isto é, até obterem dimensão para “saírem” em
busca da conquista dos mercados externos. Com este m no horizonte, o estado
chinês cria um ambiente altamente vantajoso para a emergência deste tipo de
rma, disponibilizando subsídios diretos e indiretos, nanciamentos
direcionados para companhias favorecidas pelo poder político, incentivos às
empresas exportadoras, transferências forçadas de tecnologia estrangeira como
preço de entrada no mercado sino e imunidade às empresas que se apoderam
indevidamente da propriedade intelectual297.  Para fazer a transição para uma
nação desenvolvida, o país terá forçosamente de subir na cadeia de valor,
competindo com países como a Alemanha, a Coreia do Sul e o Japão.  Daí a
vantagem de um mercado doméstico extremamente condicionado que permite
o crescimento das empresas antes de se aventurarem para o estrangeiro. O
desenvolvimento dos setores identi cados pela MIC2025 garante, assim, um
maior controlo sobre todas as cadeias de valor e também uma menor
dependência relativamente aos mercados de exportação.
Há, porém, um problema. Comparativamente pobre e subdesenvolvido, o
mercado interno está longe de poder absorver a produção e impulsionar o
crescimento. Parte do problema reside nos elevadíssimos índices de aforro,
normalmente um indicador da existência de uma pool de capital disponível para
investimento. Acontece que, na China, as famílias recorrem à poupança porque
o rudimentar – para não dizer inexistente – Estado Social obriga ao pagamento
da educação e saúde e, obviamente, à canalização de poupança para a reforma. É
certo que o estado poderia investir numa rede de proteção social, mas para isso
seria obrigado a efetuar cortes signi cativos nos fundos destinados às
infraestruturas e à inovação. Porque vários objetivos colidem, o equilíbrio não é
fácil de preservar.
A MIC2025 con gura, em parte, uma resposta ao aumento da concorrência
direta de países como o Vietname e o Camboja, cujas estruturas de custos
começam a tornar-se altamente atrativas. Ao mesmo tempo, em resultado de
ganhos de e ciência impulsionados pela inovação tecnológica, a concorrência
oriunda dos EUA, da Europa e dos países asiáticos impede a China de manter o
status quo. O vastíssimo exército de mão-de-obra barata perdeu competitividade
e, só por si, é manifestamente incapaz de suster o crescimento com base nas
exportações. Impossibilitada de reduzir substancialmente os custos de mão-de-
obra ou de desvalorizar signi cativamente o valor do renminbi, Beijing tem de
obter vantagens competitivas através da inovação e da de nição e aceitação dos
seus padrões técnicos. Cumprir a “sociedade moderadamente próspera”, descrita
por Hu Jintao e rea rmada no “Sonho Chinês” de Xi Jinping, exige a subida
nas cadeias de valor.  Assim sendo, mesmo que a MIC2025 que aquém de
alguns objetivos, a promoção pelo estado chinês de políticas de inovação
provocará um enorme aumento da concorrência em virtualmente todas as
economias industrializadas. Dito de forma simples, a tendência aponta no
sentido de uma concorrência comercial cada vez mais acérrima com os países
ocidentais. E a menos que a China desmantele o seu modelo de crescimento, tal
como lhe é exigido pelos Estados Unidos, não há razão para pensar que o futuro
não se encaminhar para incessantes guerras tecno-comerciais.
O PCC reconhece que o surgimento da RPC como uma das principais
potências mundiais exige que a economia do país venha, rapidamente, a ser um
líder em inovação298.  Dois setores tecnológicos – Inteligência Arti cial (IA) e
wireless de quinta geração (5G) – são pilares centrais da estratégia chinesapara
fomentar a inovação, a competitividade e o crescimento. Uma nota de pesquisa
recente produzida pela Corporação Financeira Internacional (IFC) do Banco
Mundial concluía que “os Estados Unidos e a China lideram o investimento em
IA, com a China a dominar o nanciamento global de IA. As empresas chinesas
de IA arrecadaram um total de US$ 31,7 bilhões no primeiro semestre de 2018,
quase 75% do total global de US$ 43,5 bilhões. A China parece pronta para
liderar o espaço da IA em vários setores, incluindo cuidados de saúde e
automóveis autónomos.  O progresso da China na IA é, em grande parte, o
resultado de um apoio forte e direto dado pelo estado à tecnologia, à liderança
de gigantes da indústria tech chinesa e uma comunidade robusta de capital de
risco”299. À medida que se faz o upgrade para sistemas 5G, a IA torna-se
indispensável para viabilizar as potencialidades da conectividade 5G em tempo
real.
Dir-se-á que as tecnologias de IA e 5G são as pedras basilares da nova
economia mundial300. A vantagem substancial da China no campo da IA é uma
consequência de vários fatores, e o facto de o país abrigar quase 20% da
população mundial não é de somenos importância301. Signi ca isto que as rmas
chinesas têm acesso praticamente ilimitado a uma quantidade gigantesca de
dados que recolhem para tornar a IA mais precisa e, não menos importante,
consideravelmente mais valiosa. O gigantesco programa de “crédito social”,
para além da sua componente de vigilância estatal, tem uma dimensão
comercial. Virtualmente sem limites, dados são recolhidos sobre todos os
aspetos da vida nanceira e das preferências de consumo dos cidadãos, dados
que são, aliás, partilhados como os serviços de vigilância do estado. Esta
informação constitui um recurso inimaginável para aumentar a competitividade
das empresas. A este propósito, Kai-Fu Lee observa que “a con ança nos dados
cria um ciclo de autoperpetuação: produtos melhores levam a mais usuários,
esses usuários levam a mais dados e esses dados levam a produtos ainda
melhores e, portanto, mais usuários e dados”302. A China, por este motivo, tem
vindo a celebrar acordos com vários governos para aceder a dados estrangeiros,
de modo a tornar as suas bases de dados mais variadas em termos de per l dos
usuários e, portanto, mais con áveis303. A competição em volta dos dados é
outro motivo pelo qual as empresas chinesas de telecomunicações lutam por
mercados. É também uma das razões que levou o governo de Trump a iniciar
uma campanha internacional contra o crescente domínio da Huawei no
mercado 5G e a razão invocada para afastar a TikTok do mercado americano304.
A corrida à inovação para recolher os benefícios da nova economia reproduz
essencialmente as dinâmicas ocorridas no período imediatamente posterior a
1945, quando, em consequência das vantagens obtidas através da
internacionalização das suas empresas tecnologicamente avançadas e dos seus
padrões técnicos, os Estados Unidos estabeleceram a sua hegemonia
internacional305. Empresas que lideram o estabelecimento de padrões (standard
setters) distanciam-se dos seus rivais e preservam vantagens competitivas que
forçam os concorrentes a seguir sua liderança. Os primeiros líderes de setor são,
previsivelmente, capazes de reter vantagens de mercado (quando não domínio)
durante algum tempo. Convém frisar que a tecnologia de telecomunicações tem
emergido como um dos principais veículos para obter uma maior aceitação dos
padrões técnicos chineses. Os principais fabricantes chineses de equipamentos
de telecomunicações – Huawei, ZTE e China Mobile – investiram, ao longo das
duas últimas décadas, enormes recursos no desenvolvimento tecnológico e, não
menos relevante, atuam em organismos internacionais do setor, como a União
Internacional de Telecomunicações, onde Beijing procura de nir e controlar
padrões, essenciais para a competitividade porque são posteriormente
alavancados em negociações comerciais306. Não é de admirar que Beijing veja o
setor das telecomunicações como crucial para o êxito da Made in China 2025.
Concebendo estas como instrumentos que permitem uma maior penetração em
países terceiros, não é mera coincidência que o governo chinês procure usar a
Iniciativa Faixa e Rota para construir redes de telecomunicações em todo o
mundo.
Não admira, pois, que durante a cimeira da NATO de dezembro de 2019,
comemorando os 70 anos da aliança, Donald Trump repita as já familiares
preocupações com a segurança dos países europeus que pretendem contratar a
Huawei para instalar a sua infraestrutura 5G307. Ao mesmo tempo, em Lisboa,
Mike Pompeo alegava que a fonte da sua preocupação não era uma “empresa em
particular”, mas o regime chinês e seu partido comunista308. Respondendo a
Pompeo, a embaixada da China em Lisboa faz uma duríssima repreensão
pública, sugerindo que o “manchar” da Huawei re etia a “mentalidade da
Guerra Fria e os preconceitos ideológicos enraizados da parte americana”,
acrescentando que a verdadeira intenção do governante americano era “nada
mais do que suprimir a exploração legítima da empresa tecnológica chinesa sob
o pretexto da segurança”309. Para os chineses, as palavras do Secretário de Estado
mascaravam uma disputa comercial e consubstanciavam uma tentativa
cristalina de di cultar negócios legítimos.  A postura da parte chinesa era,
todavia, dissimulada porque, a bem dizer, a discussão não é reduzível a um
mero con ito comercial. Trata-se, na realidade, de uma disputa em volta da
liderança internacional geopolítica no século XXI.
Re ra-se que a IA se encontra, ainda na sua infância, aplicada a um número
reduzido de negócios e de atividades relacionadas com a Internet.  As
antecipadas terceira e quarta vagas de desenvolvimento da Inteligência
Arti cial – perceção e IA autónoma – prometem ser mais disruptivas, até
porque contêm maior potencial para transformar assuntos militares por meio da
introdução de novos sistemas de armas e de novas formas de
ciberguerra310.  Algumas dessas armas de nova geração já existem, mas
permanecem desconhecidas do público. Contudo, informações de fonte aberta
permitem concluir que o desenvolvimento de sistemas de armas autónomas
(AWS) progride a passo acelerado311. Tal armamento gera desa os monumentais
no âmbito da segurança, que certamente se tornarão ainda mais complexos
quando se concretizarem novas descobertas na computação quântica312. Dir-se-á,
então, que a natureza dos con itos militares futuros, e a forma como serão
conduzidos, se encontra à beira de uma radical transformação que, e a guerra
algorítmica conduzida por sistemas de armas autónomas passará a ser uma
característica permanente do con ito internacional.  Não se pretende aqui
desenvolver tão complexo tema. Apenas se sugere que o objetivo nal desta
busca da inovação e liderança tecnológica não se reduz à vantagem comercial.
Embora obviamente de importância crítica para Beijing, a competitividade
económica não reproduz a lógica ocidental. Daí que os EUA tenham alargado o
âmbito do seu entendimento da segurança nacional, que passou a incluir as
novas tecnologias e a inovação.
 
 
Caminhar pela Faixa e Rota
 
À primeira vista, parecia contraintuitivo que Xi Jinping selecionasse o Fórum
Económico de Davos de ٢٠١٧ para proferir uma importantíssima declaração
sobre o livre comércio e a globalização.  A nal, o líder do mais poderoso país
comunista deslocava-se a um dos encontros mais paradigmáticos da “ordem
liberal internacional” e do capitalismo corporate mundial. Não era apenas o
simbolismo que parecia incongruente. Nas a rmações produzidas no discurso
intitulado “Responsabilidade Conjunta dos Nossos Tempos,  Promova o
Crescimento Global”, o homem-forte do PCC a rma que “quer se goste ou não,
a economia global é o grande oceano do qual não se pode escapar. Qualquer
tentativa de cortar o uxo de capital, tecnologias, produtos, indústrias e pessoas
entre economias é canalizar as águas do oceano de volta para lagos e riachos
isolados. Simplesmente não é possível.  De fato, contraria a tendência
histórica”313. Xi acrescenta que os países “grandes ou pequenos, fortes ou fracos,
ricos ou pobres, são todos membros iguais da comunidade internacional. Como
tal, têm o direito de participar na tomada de decisões, gozar de direitos e
cumprir obrigações em bases iguais. Os mercados emergentes e os países em
desenvolvimento merecem maior representação e voz (...). Devemos aderir ao
multilateralismo para manter a autoridade e a e cácia das instituições
multilaterais. Devemos honrar promessas e cumprir as regras. Não se deve
selecionar ou manipular as regras como se achar melhor”314. Eis a teoria e a face
do discurso diplomático.
Para todos os efeitos, o “líder principal” argumentava que a globalização era
imparável e, por conseguinte, qualquer estratégia de dissociação (decoupling)
empreendida pelos EUA estava fadada ao fracasso. Na ótica de Xi, o sistema de
comércio internacional assente em regras multilaterais não deveria ser
abandonado. Num certo sentido, a defesa da atual ordem comercial não
surpreende porque, de forma geral, a República Popular, manipulando ou
simplesmente ignorando as regras do comércio internacional traçadas pela
OMC, tirou proveito do regime internacional de comércio. Um ano depois, em
plena “guerra comercial” com o governo de Donald Trump, o ditador chinês
repete a mensagem articulada em Davos. No início de abril de 2018, num
discurso no Fórum Boao para a Ásia, Xi inaugura uma “nova fase de abertura”,
assumindo compromissos para liberalizar a economia da China, “ampliando
signi cativamente” o acesso ao mercado interno chinês, facilitando as restrições
às rmas estrangeiras e reduzindo as tarifas de importação315. Com efeito, estas
mesmíssimas promessas são repetidas, ano após ano, desde que a República
Popular aderiu à OMC.
Ao mesmo tempo que Xi se dizia empenhado em promover as “reformas”, o
Gabinete do Representante Comercial dos Estados Unidos informa que a
República Popular, desde que ingressou na OMC, violara sistematicamente os
seus compromissos destinados a avançar no sentido de uma “política aberta,
orientada pelo mercado”, em conformidade com os seus compromissos de
adesão. Responsável pela scalização das regras de comércio internacional, o
Representante Comercial americano apresenta um relatório ao Congresso, em
janeiro de 2019, onde concluía que “a China aderiu à OMC, mas não
interiorizou as normas de mercado aberto da comunidade da OMC. A China
mantém a sua estrutura económica non-market a e sua abordagem mercantilista,
liderada pelo estado, em detrimento dos seus parceiros comerciais.  Ao mesmo
tempo, a China usou os benefícios adquiridos com a adesão à OMC – incluindo
a garantia de acesso aberto e não discriminatório aos mercados de outros
membros da OMC – para se tornar o maior país comercial da OMC, enquanto
resistia aos apelos à maior liberalização do seu regime comercial porque alega
ser um país em vias de desenvolvimento316. Neste brevíssimo parágrafo, o
relatório capta a realidade fundamental que impulsiona a política comercial de
Beijing e muitas das suas prioridades de política externa. E também atesta as
razões que justi cam a “guerra comercial” de Washington.
Desde que iniciou o seu mandato, a Administração Trump tem expressado
uma profunda insatisfação relativamente à OMC e, em meados de julho de
2019, em vésperas de mais uma ronda de negociações no âmbito da “guerra
comercial”, o Presidente sentenciou que a organização estava “partida”317. Mais
tarde, em janeiro de 2020, durante uma conferência de imprensa realizada na
Casa Branca, declarou que a OMC “tem sido muito injusta relativamente aos
Estados Unidos, há muitos, muitos anos. E, sem a OMC, a China não seria a
China e a China não estaria onde está agora”318. Salienta que, em grande parte
como consequência da adesão da RPC à OMC, em dezembro de 2001, Beijing
quadruplicou o seu PIB quintiplicou as suas exportações319. Se a deslocação da
indústria ocidental criou milhões de empregos na China, uma das
consequências da adesão chinesa à OMC foi o consumo excessivo nos Estados
Unidos e, como corolário, a diminuição da poupança nacional. Em resposta a
Trump, o diretor-geral da OMC, Ricardo Azevedo, admitia que a organização
“precisa de ser atualizada. Tem que ser mudada. Tem que ser reformada”320. Em
2002, Bill Clinton caracterizara a OMC nos seguintes termos: “não há
substituto para a con ança e a credibilidade que a OMC empresta ao processo
de expansão do comércio na base de regras. Não há substituto para o alívio
temporário que a OMC oferece à economia nacional, especialmente contra o
comércio desleal e os aumentos bruscos das importações.  E não há substituto
para a autoridade da OMC na resolução de disputas que exigem o respeito de
todos os estados membros”321. Vinte anos depois, quão remoto e naïf parece o
juízo de Bill Clinton sobre os méritos da adesão chinesa.
Embora “abertura” e “mercados” sejam conceitos centrais da narrativa traçada
por Xi sobre a “comunidade de destino comum para a humanidade”, o
entendimento do líder chinês quanto ao livre comércio e aos mercados abertos
não coincide com as visões americana e europeia. Os decisores ocidentais pedem
a abertura do mercado chinês e o cumprimento pleno das normas da OMC
porque tendem a concluir que Deng Xiaoping converteu o país às conceções
liberais do mercado e do livre comércio. Beijing, em contraste, entende a
“abertura” e o “livre comércio” como elementos da integração da China numa
economia global adaptada às necessidades do projeto desenvolvimentista
chinês.  Na nova fase que se enceta, Beijing mantém que as atuais regras
reguladoras do comércio mundial e as instituições multilaterais que as
encarnam terão de ser reformuladas de forma a dar resposta aos interesses vitais
da China. O discurso de Xi em torno da “reforma” das instituições
multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional,
assenta, precisamente, no pressuposto de que as instituições serão modi cadas
de modo a acomodar os interesses e as pretensões chinesas322.
O mesmíssimo raciocínio leva Beijing a promover o Grupo dos 20, a
Cooperação Económica Ásia-Pací co (APEC) e o Fórum de Cooperação China-
África.  Nestas novas instituições, criadas em paralelo e, usualmente, não em
oposição frontal às organizações multilaterais existentes, o governo chinês
impõe novas regras, novos procedimentos, garante novas delidades e, por
vezes, dependências e relacionamentos de natureza clientelar. A China está,
portanto, a criar uma nova ordem paralela que pretende sobrepor às instituições
existentes, que também são paulatinamente transformadas pela RPC de dentro
para fora. Enquanto Washington insiste, erroneamente, que a “abertura” da
China é fundamentalmente uma questão de acesso ocidental ao mercado chinês,
Beijing busca uma revolução silenciosa da ordem internacional, mudando
gradualmente o sistema multilateral de acordo com os seus interesses vitais e
cujo desfecho último será deixar essas organizações fundamentalmente
irreconhecíveis.
Esta lógica global da “comunidade de destino comum para a humanidade”
preconizada por Xi manifesta-se através da Iniciativa Faixa e Rota, que “conecta
o Sonho Chinês às aspirações do mundo inteiro em prol da paz e do
desenvolvimento”323. Extremamente ambicioso, o projeto de Xi, lançado em
2013, a gura-se como o instrumento privilegiado de Beijing para concretizar a
visão do “líder principal” no tocante à construção à “comunidade de destino
comum”. A primeira menção da construção de um Cinturão Económico da
Rota da Seda e de uma Rota Marítima da Seda do Século XXI foi feita por Xi
Jinping nos últimos meses de 2013324. A rmou que, por via terrestre, o
Cinturão Económico da Rota da Seda pretendia conectar a fronteira ocidental
chinesa à Ásia Central e, nalmente, à Europa.
A Rota da Seda Marítima previa uma rede de portos e ferrovias a conectar o sul
da China ao Sudeste Asiático e, nalmente, à África. Alternativamente
designada como Uma Faixa, Uma Rota (OBOR) ou Iniciativa Faixa e Rota, a
visão de Xi consubstancia um programa ambicioso de construção de
infraestruturas para interligar as regiões fronteiriças chinesas menos
desenvolvidas com os países vizinhos.
É sabido que a Rota da Seda original, uma rede comercial desenvolvida em
plena dinastia Han à medida que o comércio uía para o oeste, estendeu-se
desde as vastas terras da Ásia Central (passando pela Índia e Paquistão de hoje)
até à Europa continental.  Hoje, mapas chineses a ilustrar a Iniciativa Faixa e
Rota traçam percursos imprecisos, con rmando que a iniciativa é de nida à
medida que corredores são adicionados (e, ocasionalmente, subtraídos) às novas
geogra as. Não é, portanto, um projeto fechado. Em termos imediatos, a
Iniciativa Faixa e Rota visa assegurar a conectividade por meio de
infraestruturas físicas e digitais entre a China e o mundo exterior325.  É, aliás,
desta forma que a iniciativa é genericamente entendida no Ocidente, como uma
espécie de Plano Marshall. Mas a conectividade contém uma ressalva crítica: o
mundo adaptar-se-á às regras, padrões e prioridades de Beijing. A importância
estratégica do projeto foi destacada durante o XIX Congresso do PCC, em
outubro de 2017, altura em que o partido alterou a sua constituição para
englobar a Iniciativa Faixa e Rota e a construção de “uma comunidade de
destino comum”, a visão geopolítica que a sustenta326.  A alteração
constitucional visa sinalizar que estes objetivos estratégicos passaram a ser
linhas mestras da política externa, que serão prosseguidos mesmo depois de Xi
abandonar a liderança do país.
No balanço provisório da iniciativa feito no discurso de Davos de 2017, Xi
atestara que, nos três anos anteriores, “mais de 100 países e organizações
internacionais deram respostas calorosas e apoio à IFR.  Mais de 40 países e
organizações internacionais assinaram acordos de cooperação com a China e
aumentou o nosso círculo de amigos ao longo da Faixa e Rota. As empresas
chinesas zeram mais de US $50 bilhões em investimentos e lançaram vários
projetos importantes nos países ao longo das rotas, estimulando o
desenvolvimento económico desses países e criando muitos empregos locais.  A
Iniciativa Faixa e Rota teve origem na China, mas trouxe benefícios muito para
além das suas fronteiras”327. A IFR, em suma, tornou-se no instrumento
privilegiado para a disseminação da in uência internacional da China, o que,
aliás, explica os imensos recursos estatais que lhe foram alocados.
Geralmente descrito pelos media ocidentais como um projeto de construção
massiva de infraestruturas, a IFR é vista em Beijing como um instrumento para
vincular países à China por meio da conectividade e, assim, obter, para Beijing,
vantagem geopolítica. Quando inicialmente apresentada, a IFR proporcionava
uma resposta imediata ao “pivô” do governo Obama e à sua Parceria Trans-
Pací ca.  Porém, a discussão relativa às opções estratégicas da RPC, com
incidência particular no Sudeste Asiático, antecedeu o “pivô” americano.  Em
nais de 2013, aquando da Conferência de Trabalho sobre Diplomacia
Periférica, que contou com a participação de todos os membros do Comité
Permanente do Politburo, indiciando a sua importância, Xi apelou ao
fortalecimento das relações com os países circundantes porque estes detinham
“valor estratégico extremamente signi cativo” para a China. Acrescentara que
“a estabilidade na vizinhança da China é o objetivo principal da diplomacia
periférica. Devemos incentivar e participar no processo de integração económica
regional, acelerar o processo de construção de infraestrutura e conectividade.
Precisamos de construir o Cinturão Económico da Rota da Seda e a Rota
Marítima da Seda do século XXI, criando uma nova ordem económica
regional”328.  Dito de forma diferente, os recursos nanceiros e económicos
chineses são concebidos como uma ferramenta para manter a estabilidade
regional e para a rmar a liderança de Beijing na vizinhança. Os instrumentos
até podem ser o investimento e as infraestruturas, mas o objetivo da
conetividade é de natureza geopolítica.
Crescentemente assertiva, a nova política externa chinesa reforçou a suspeição
de que a IFR era impulsionada por aspirações geoestratégicas de dimensão
mundial. Essas dimensões geoestratégica e geoeconómica da IFR são claramente
exempli cadas pelo Corredor Económico China-Paquistão (CPEC), que liga
Kashgar, em Xinjiang, à cidade portuária paquistanesa de Gwadar, situada na
costa de Makran, na orla do Mar Arábico329. O CPEC concebe Gwadar como
ponto de transbordo e o corredor interior que liga à cidade de Kashgar permite
que a China contorne o “ponto de estrangulamento” do Estreito de Malaca e as
águas contestadas do Mar do Sul da China. Descrito como o porto de águas
mais profundas do mundo, Gwadar poderá, à medida que a Marinha do
Exército de Libertação Popular estende a sua presença ao Oceano Índico,
hospedar porta-aviões e submarinos330.  O projeto é, obviamente, estratégico
para os paquistaneses, cujo Ministro das Relações Exteriores, Shah Mahmood
Qureshi, o caracterizou como um “projeto transformacional e a sua conclusão é
a principal prioridade do atual governo”331. A primeira fase do CPEC,
enfatizando a infraestrutura física, principalmente energia e estradas (e, mais
perturbador, um sistema de monitorização e vigilância para as cidades do país),
deu lugar à segunda fase, assente em “zonas económicas exclusivas”
vocacionadas para a modernização da agriculta, da indústria e para o
desenvolvimento socioeconómico da população332. Mas o custo do projeto,
espelhando a “armadilha da dívida” num país economicamente fragilizado, tem
vindo a explodir: inicialmente orçamentado em US $46 bilhões, supera agora os
US $62 bilhões.
Do ponto de vista económico, Gwadar é vital para Xinjiang, província sem
acesso ao mar, pois os custos de transporte para essa região podem ser
substancialmente reduzidos por um corredor originário no litoral do
Paquistão.  Contudo, o motivo subjacente ao corredor é político. Acreditando
que a pobreza e o subdesenvolvimento são a principal causa do separatismo na
Á
província, Beijing mantém que a conectividade entre Xinjiang e a grande Ásia
Central neutralizará o movimento independentista, especi camente o
Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (ETIM)333. A preocupação com o
desenvolvimento de Xinjiang não é recente, pois, a m de mitigar as
assimetrias regionais entre as províncias ocidentais e costeiras, Jiang Zemin, em
1999, lança a campanha popularmente conhecida como “vá para o oeste!”, um
plano de promoção do crescimento assente em investimentos massivos em
infraestrutura (rodovias, ferrovias, telecomunicações)334. Excluindo estas novas
infraestruturas físicas, os avolumados dinheiros alocados pelo governo central
produziram parcos resultados, razão pela qual Beijing tem acentuado a
repressão da população local nos últimos anos. Beijing tenta agora utilizar a
IFR para integrar as suas províncias ocidentais na economia mundial, a mesma
estratégia seguida nas regiões pobres da China que fazem fronteira com o
Sudeste Asiático.
Ultimamente, no Paquistão, o CPEC tem sido confrontado com obstáculos
políticos semelhantes aqueles que a China enfrenta noutros países englobados
pela IFR. Enquanto liderava a oposição, Imran Khan, eleito Primeiro-Ministro
em 2018, criticara frequentemente o projeto negociado pelo governo da Liga
Muçulmana do Paquistão (Nawaz), apontando a corrupção, os custos
gigantescos, o uso de trabalhadores chineses em vez de mão-de-obra local e os
riscos de uma dívida insustentável.  Com efeito, a questão da “armadilha da
dívida” preocupa a maioria dos observadores, e não apenas no Paquistão,
porque, de forma geral, os países que assinaram a IFR já se encontram
profundamente endividados e, portanto, aceitam condições predatórias impostas
por Beijing. As autoridades chinesas negam praticar “diplomacia da armadilha
da dívida”, mas a con scação pelos chineses do porto de Hambantota, no Sri
Lanka, sugere que o endividamento associado às iniciativas do Faixa e Rota será
um instrumento para manter os parceiros submissos aos interesses de Beijing335.
À medida que a China se vê envolvida nos con itos internos paquistaneses, a
opinião pública do país torna-se crescentemente crítica do regime de Beijing.
Repreende o tratamento dos muçulmanos uigures e denuncia as pressões
diplomáticas de Beijing para cancelar uma investigação ordenada por Islamabad
ao trá co de mais de ٦٠٠ noivas paquistanesas para a China336. Neste quadro,
não surpreende que o partido Tehreek-e-Insaf de Imran Khan tenha pedido a
revisão dos acordos do CPEC e reduzido as dotações orçamentais previstas para
o cumprimento do projeto.  Acrescenta-se que a lógica das rivalidades
geopolíticas dos estados da região arrasta a China para complexos problemas de
segurança. Dado que Islamabad descon a da aproximação de Nova Deli aos
Estados Unidos e aos seus aliados do Indo-Pací co, existem escassas
possibilidades de o Paquistão se retirar da rede de dependências gerada pela sua
parceria com Beijing.  Contudo, a China está ciente de que o CPEC constitui
um obstáculo à participação da Índia na IFR.  Para o bem ou para o mal, o
Paquistão encontra-se na órbita geoestratégica de Beijing, exempli cando o
quanto a retórica de Xi de em matéria de “relações iguais” apoiadas em
parcerias bilaterais pode reduzir signi cativamente a margem de manobra
estratégica de um país.
O valor estratégico da IFR depende da forma como os projetos se venham a
articular para estruturar as cadeias de produção, com a China como hub central
da inovação, do fabrico avançado e do estabelecimento de padrões
técnicos337.  Beijing espera que a IFR desempenhe um papel essencial na
abertura dos novos mercados aos produtos chineses de alta qualidade que ainda
hoje se deparam com di culdade em penetrar nos exigentes mercados europeu e
americano. As autoridades esperam ainda que novas cadeias de produção forcem
os fabricantes chineses a subir nas cadeias de valor. Ao exportar os seus produtos
e serviços, a RPC também exporta padrões chineses indispensáveis para que o
país se torne no principal polo mundial de investigação cientí ca e
desenvolvimento tecnológico. As telecomunicações e a tecnologia ferroviária de
alta velocidade exempli cam a forma como a IFR pode ser aproveitada para
modernizar a indústria chinesa.
A ligação ferroviária de alta velocidade Jacarta-Bandung revela como Beijing
pretende usar a IFR para promover a sua tecnologia de ponta e a engenheiria,
bem como os seus padrões técnicos.  Rejeitada a proposta do Japão num
concurso fortemente contestado, a Indonésia assinou o contrato de construção
com a China em outubro de 2015. Fê-lo, pelo menos formalmente, porque
Beijing aceita nanciar o projeto em troca do uso de “padrões chineses,
tecnologia chinesa e equipamentos chineses”338. Não muito diferente de outros
projetos envolvendo empresas chinesas, o acordo alimentou controvérsia e
suspeitas generalizadas quanto à corrupção e práticas comerciais predatórias da
China.  É importante notar que a construção da linha Jakarta-Bandung será
de citária. Todavia, em vez de se enfatizar a ausência da racionalidade
económica do empreendimento, deve-se entender este tipo de projetos
de citários como investimentos a longo prazo em troca da adoção futura de
tecnologia, conhecimento e padrões chineses. Visto assim, os benefícios
económicos e políticos dos projetos IFR passam a ser mais do que óbvios.
É nesse contexto que a decisão de Donald Trump de retaliar contra as práticas
comerciais chinesas, a chamada “guerra comercial”, deve ser analisada. A bom
rigor, “guerra comercial” é um termo impróprio para o aumento de tarifas
alfandegárias num quadro de intensi cação da rivalidade geopolítica sino-
americana.  O comércio foi totalmente politizado e, agora, é uma das muitas
esferas em que essa luta geopolítica global se desenvolve.  Em maio de 2019,
com a “guerra comercial” a de agrar, Xi Jinping visita a província de Jiangxi,
onde o Exército Vermelho iniciou a sua mítica Longa Marcha. Reagindo à
decisão de Washington de colocar a Huawei na sua lista negra comercial, Xi,
invocando o espírito da luta de resistência, exorta os seus compatriotas a
mobilizarem-se para “uma nova Longa Marcha, e temos de começar tudo de
novo”339. Pouco depois, Xi desloca-se a uma instalação de mineração e
processamento de terras raras, um sinal subtil de que a China poderia proibir a
exportação de minérios essenciais para o fabrico de componentes eletrónicos e
outros produtos de alta tecnologia340.  Embora ainda hoje o negue, Beijing
impôs uma  proibição  (nunca formalmente declarada) à  exportação de  terras
raras para o Japão após a colisão de navios destes dois países em Senkaku, em
2010341. Relatando a visita de Xi, a agência noticiosa Xinhua a rmava que “o
bullying do lado dos EUA” fora a causa do fracasso das negociações comerciais,
acrescentando que  “a China se preparava totalmente para uma prolongada
guerra comercial com os Estados Unidos, pois parece altamente possível que os
atritos comerciais entre a China e os Estados Unidos estão longe de terminar.
Todo o povo chinês está pronto para embarcar numa nova “Longa Marcha” com
maior coragem e resiliência e nunca cederá ao bullying e assalto
estrangeiros”342.  A rivalidade estratégica com os Estados Unidos e os seus
aliados deixara de ser negável.

260 . Sobre as “Três Representações” de Jiang Zemin, cf., Joseph Fewsmith, “Studying the Three
Represents”, China Leadership Monitor, Hoover Institution, No. 8, Outono de 2003, pp. 1-11, disponível
emt: https://www.hoover.org/sites/default/ les/uploads/documents/clm8_jf.pdf.
261 . Ver, por examplo, Zheping Huang, “China’s most popular app is a propaganda tool teaching Xi
Jinping Thought”, South China Morning Post, 24 de fevereiro de 2019, disponível em:
https://www.scmp.com/tech/apps-social/article/2186037/chinas-most-popular-app-propaganda-tool-
teaching-xi-jinping-thought e Sarah Cook, “The Chinese Communist Party’s Latest Propaganda Target:
Young Minds”, Perspectives, Freedom House, 30 de abril de 2019, disponível em:
https://freedomhouse.org/article/chinese-communist-partys-latest-propaganda-target-young-minds.
262 . Sobre o m da liderança coletiva, a concentração de poder em Xi Jinping e as mudanças
institucionais resultantes do m da liderança coletiva, ver, inter alia, Sangkuk Lee, “An Institutional
Analysis of Xi Jinping’s Centralization of Power”, Journal of Contemporary China, Vol. No. 26, No. 105,
2017, pp. 325-336 e Björn Alexander Düben, “Xi Jinping and the End of Chinese
Exceptionalism”, Problems of Post-Communism, Vol. 67, No. 2, 2020, pp. 111-128.
263 . Sobre o “caso Bo”, ver, Yuezhi Zhao, “The Struggle for Socialism in China: The Bo Xilai Saga and
Beyond”, Monthly Review, Vol. 64, No. 5, outubro de 2012, pp. 1-17 e Alice L. Miller, “The Bo Xilai
Affair in Central Leadership Politics”, China Leadership Monitor, No. 38, Verão de 2012, 6 de agosto de
2012, consultado em:https://www.hoover.org/sites/default/ les/uploads/documents/CLM38AM.pdf. Gu
Kailai, a mulher de Bo, alegou ter sofrido um “colapso mental” depois de ter sido chantageada por
Heywood, que também ameaçou seu lho. Aparentemente confessou o assassinato, talvez a razão por que o
seu julgamento se prolongou apenas durante sete horas. O episódio permanece opaco, mas o timing dos
acontecimentos foi fortuito para os rivais políticos de Bo. Cf., Edward Wong and Andrew Jacobs,
“Blackmail Cited as Motive in a Killing That Shook China”, The New York Times, 10 de agosto de 2012,
consultado em: https://www.nytimes.com/2012/08/11/world/asia/blackmail-emerges-as-gu-kailai-motive-
for-heywood-killing-in-china.html?pagewanted=1&hp.
264 . Cf., Yuezhi Zhao, “The Struggle for Socialism in China: The Bo Xilai Saga and Beyond”, p. 1. Ver,
também, Joseph Fewsmith, “Bo Xilai and Reform: What Will Be the Impact of His Removal?”, China
Leadership Monitor, Hoover Institution, No. 38, Verão de 2012, pp. 1-11, disponível em:
https://www.hoover.org/sites/default/ les/uploads/documents/CLM38JF.pdf.
265 . Sobre os neo-maoistas, ver, Kerry Brown and Simone Van Nieuwenhuizen. China and the New
Maoists. London: Zed Books, 2016 e Jude D. Blanchette. China’s New Red Guards: The Return of
Radicalism and the Rebirth of Mao Zedong. Oxford: Oxford University Press, 2019.
266 . Ver, Lin Chun, “China’s leaders are cracking down on Bo Xilai and his Chongqing model” The
Guardian, 22 de abril de 2012, consultado
em:https://www.theguardian.com/commentisfree/2012/apr/22/china-leaders-cracking-down-chongqing-
xilai.
267 . Para um argumento que postula que, mesmo após a queda de Bo, o “Modelo Chongqing” continuou
a ter ressonância junto dos setores mais desfavorecidos da sociedade chinesa, ver, Lance P. Gore, “The Fall
of Bo Xilai and the Seduction of the Chongqing Model”, East Asian Policy, Vol. 4, No. 2, abril/junho de
2012, pp. 53-61.
268 . Cf., Joseph Y. S. Cheng, “The ‘Chongqing Model?: What It Means to China Today”, Journal of
Comparative Asian Development, Vol. 12, No. 3, dezembro de 2013, pp. 411-442.
269 . Ver, David Barboza, “Billions in Hidden Riches for Family of Chinese Leader”, The New York
Times, 25 de outubro de 2012, disponível em:
https://www.nytimes.com/2012/10/26/business/global/family-of-wen-jiabao-holds-a-hidden-fortune-in-
china.html.
270 . Para detalhes biográ cos, ver, Kerry Brown. CEO, China: The Rise of Xi Jinping. Londres: I.B.
Tauris, 2016 e Evan Osnos, “Born Red: How Xi Jinping, an unremarkable provincial administrator,
became China’s most authoritarian leader since Mao”, The New Yorker, 30 de março de 2015, consultado
em: https://www.newyorker.com/magazine/2015/04/06/born-red?.
271 . Cf., “One million Chinese of cials punished for corruption”, BBC News, 24 de outubro de 2016,
consultado em: https://www.bbc.com/news/world-asia-china-37748241.
272 . Cf., Xiaobo Lü. Cadres and Corruption: The Organizational Involution of the Chinese Communist
Party. Stanford: Stanford University Press, 2000.
273 . Para o texto completo, ver, “Report of Hu Jintao to the 18th CPC National Congress”, 12 de
novembro de 2012, disponível em:
http://www.china.org.cn/china/18th_cpc_congress/201211/16/content_27137540_12.htm.
274 . Cf., Guilhem Fabre, “Xi Jinping’s Challenge: What is Behind China’s Anti-Corruption
Campaign?”, Journal of Self-Government and Management Economics, Vol. 5, No. 2, 2017, pp. 7-28;
Andrew Wedeman, “Xi Jinping’s Tiger Hunt: Anti-corruption campaign or factional Purge?”, Modern
China Studies, Vol. 24, No. 2, 2017, pp. 35-94; Kerry Brown, “The Anti-Corruption Struggle in Xi
Jinping’s China: An Alternative Political Narrative”, Asian Affairs, Vol. 49, No. 11, 2018, pp. 1-10;
Macabe Keliher and Hsinchao Wu, “How to Discipline 90 Million People”, The Atlantic, 7 de abril de
2015, consultado em: https://www.theatlantic.com/international/archive/2015/04/xi-jinping-china-
corruption-political-culture/389787/ e Alexandra Fiol-Mahon, “Xi Jinping’s Anti-Corruption Campaign:
The Hidden Motives of a Modern –Day Mao”, Foreign Policy Research Institute, 17 de agosto de 2018,
disponível em: https://www.fpri.org/article/2018/08/xi-jinpings-anti-corruption-campaign-the-hidden-
motives-of-a-modern-day-mao/.
275 . Ver, Jon S.T. Quah, “Hunting The Corrupt ‘Tigers’ and ‘Flies’ in China: An Evaluation of Xi
Jinping’s Anti Corruption Campaign (novembro de 2012 a março de 2015)”,Maryland Series in
Contemporary Asian Studies, Occasional Papers, Carey School of Law, University of Maryland, 2015, pp.
1-98, disponível em: https://digitalcommons.law.umaryland.edu/cgi/viewcontent.cgi?
referer=https://scholar.google.com/scholar?
hl=ptPT&as_sdt=0%2C5&q=xi+anticorruption+one+million+members&btnG=&httpsredir=1&article=
1224&context=mscas.
276 . Cf., “China Unveils Three State Administrations on Film, Press, Television,” Xinhua, 16 de abril de
2018, disponível em: http://www.xinhuanet.com/english/2018-04/16/c_137115379.htm.
277 . Cf., Hui Jin, “Research on the Development of Socialism with Chinese Characteristics from the
Perspective of Four Self-Con dence”, Open Journal of Political Science, 10, 2020, pp. 41-49.
278 . Ver, Chris Buckley e Amy Qin, “Xi Praises a Student Protest in China. From 100 Years Ago”, The
New York Times, 29 de abril de 2019, disponível em:
https://www.nytimes.com/2019/04/29/world/asia/china-xi-jinping-speech-may-4-protest.html.
279 . Ibid.
280 . Citado em Antonio Talia, “China’s National Dream Needs Chinese Power: the New Era in Xi’s
Thought”, Italian Institute for International Political Studies, 6 de abril de 208, p. 3, consultado em:
https://www.ispionline.it/sites/default/ les/pubblicazioni/commentary_talia_06.04.2018.pdf.
281 . Ver, Cary Huang, “Just what is Xi Jinping’s ‘Chinese dream’ and ‘Chinese renaissance’?”, South
China Morning Post, 6 de fevereiro de 2013, disponível em:
https://www.scmp.com/news/china/article/1143954/just-what-xi-jinpings-chinese-dream-and-chinese-
renaissance.
282 . Cf., François Bougon, Inside the Mind of Xi Jinping, p. 24.
283 . Zheng Wang descreve sucintamente o signi cado intuitivo do conceito no contexto chinês nos
seguintes termos: “Embora os estrangeiros quase sempre falam da ‘ascensão’ da China, os chineses gostam
de se referir às suas impressionantes realizações recentes e ao futuro desenvolvimento planeado como
‘rejuvenescimento’ (fuxing). O uso desta palavra sublinha um ponto essencial: os chineses vêem a sua
fortuna como um retorno à grandeza e não uma ascensão do nada. Na verdade, o rejuvenescimento está
profundamente enraizado na história chinesa e na experiência nacional, especialmente no que diz respeito
ao chamado ‘século da humilhação nacional’. (...) Embora o signi cado do ‘Sonho Chinês’ seja prático e
intuitivamente compreendido no país, tem a infeliz consequência de permanecer opaco para não-chineses”.
Ver, Zheng Wang, “Not Rising, but Rejuvenating: The ‘Chinese Dream’, The Diplomat, 5 de fevereiro de
2013, disponível em: https://thediplomat.com/2013/02/chinese-dream-draft.
284 . Para dados económicos comparativos da China e dos Estados Unidos, ver, “China’s Economic Rise:
History, Trends, Challenges, and Implications for the United States”, CRS: Congressional Research
Service, updated June 25, 2019, disponível em: https://fas.org/sgp/crs/row/RL33534.pdf.
285 . Cf., Peter Ferdinand, “Westward ho—the China dream and ‘one belt, one road’: Chinese foreign
policy under Xi Jinping”, International Affairs, Vol. 92, No. 24, 2016, p. 941.
286 . Ver, World Bank Development Indicators data, disponível em:
https://databank.worldbank.org/reports.aspx?
source=2&series=NY.GDP.PCAP.CD&country=PRT,CHN,USA.
287 . Cf., Joseph Fewsmith, “Promoting the Scienti c Development Concept”, China Leadership
Monitor, Hoover Institution, No. 11, 30 de julho, Verão de 2004, pp. 1-10, disponível em:
https://www.hoover.org/sites/default/ les/uploads/documents/clm11_jf.pdf.
288 . Cf., “Full text of Hu Jintao’s report at 17th Party Congress”, Qiushi, 30 de setembro de 2011,
consultado em:
http://www.cscc.it/upload/doc/full_text_of_hu_jintaos_report_at_17th_party_congress___qiushi_journal
.pd. Para uma comparação, ver, “Full text of Hu Jintao’s report at 18th Party Congress”, People’s Daily,
19 de novembro de 2012, disponível em: http://en.people.cn/90785/8024777.html.
289 . Cf., The World Bank and Development Research Center of the State Council, the People’s Republic
of China, China 2030: Building a Modern, harmonious, and Creative Society. Washington DC, 2013, p.
12.
290 . Cf., Jost Wübbeke, Mirjam Meissner, Max J. Zenglein Jaqueline Ives e Björn Conrad, “Made in
China 2025: The making of a high-tech superpower and consequences for industrial countries”, Mercator
Institute for China Studies (MERICS), No. 2, dezembro de 2016, disponível em:
https://www.merics.org/sites/default/ les/2017-09/MPOC_No.2_MadeinChina2025.pdf. Também,
“Strategic Plan of Made in China 2025 and Its Implementations” (with Ma H.), Analysing the Impacts of
Industry 4.0 in Modern Business Environments. 2018, pp. 1-23. IGI Global, disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/326392969_Strategic_plan_of_Made_in_China_2025_and_its
_implementation; Scott Kennedy, “Made in China 2025”, Critical Questions, Centre for Strategic and
International Studies, 1 de junho de 2015, consultado em: https://www.csis.org/analysis/made-china-2025
e Mirjam Meisnner and Jost Wüebbeke, ‘China’s High-Tech Strategy Raises the Heat on Industrial
Countries’ The Diplomat, 16 de dezembro de 2016, consultado em:
https://thediplomat.com/2016/12/chinas-high-tech-strategy-raises-the-heat-on-industrial-countries/.
291 . Cf., “Made in China 2025” plan unveiled to boost manufacturing”, GB Times, 20 de maio de 2015,
disponível em: https://gbtimes.com/made-china-2025-plan-unveiled-boost-manufacturing.
292 . Anunciada em julho de 2010, a Estratégia de Alta Tecnologia 2020 para a Alemanha enfatiza a
pesquisa e a inovação. A inovação é orientada para cinco áreas prioritárias: clima/energia, saúde/nutrição,
mobilidade, segurança e comunicações. O objetivo de Berlim é aumentar a digitalização e a
interconetividade de produtos num período de dez a quinze anos, obtendo assim vantagens na
manufaturação digital. A tecnologia de informação e a internet-das-coisas são de importância crítica
porque, ao conectar as empresas alemãs às cadeias de produção globais, estas companhias tornar-se-ão mais
competitivas. O Ministério Federal da Educação e Pesquisa atualizou a estratégia 2020.
293 . Cf., The State Council of the People’s Republic of China, “Made in China 2025 plan issued”, 19 de
maio de 2015, disponível em:
http://english.www.gov.cn/policies/latest_releases/2015/05/19/content_281475110703534.htm. Dez
setores são prioritários a m de desenvolver e modernizar a indústria chinesa: tecnologia de informação
avançada, robótica e maquinaria automatizada, equipamento aeroespacial e aeronáutico, equipamento
marítimo e transporte marítimo hi-tech, equipamento moderno de transporte ferroviário, veículos e
equipamentos de novas energias, equipamento elétrico, equipamentos agrícolas, novos materiais, produtos
médicos avançados e biofarmácia. A importância do último tornou-se evidente para todos durante a “crise
Covid”.
294 . Cf., Nicholas R. Lardy. The State Strikes Back: The End of Economic Reform in China?.
Washington: Peterson Institute for International Economics, 2019, p. 2.
295 . Ver, The White House, “Remarks by Vice President Pence on the Administration’s Policy Toward
China”, The Hudson Institute, Washington, DC, 4 de outubro de 2018, disponível em:
https://www.whitehouse.gov/brie ngs-statements/remarks-vice-president-pence-administrations-policy-
toward-china/.
296 . Para informação adicional sobre as principais empresas tecnológicas chinesas, ver, Rebecca A.
Fannin. Tech Giants of China. Boston: Nicholas Brealey Publishing, 2019. Sobre a estratégia
internacional da Huawei, ver, Brian Low, “Huawei Technologies Corporation: from local dominance to
global challenge?”, Journal of Business and Industrial Marketing, Vol. 22 No. 2, 2007, pp. 138-144 e
Sunny li Sun, “Internationalization Strategy of MNEs from Emerging Economies: The Case of Huawei”,
Multinational Business Review, Vol. 17, No. 2, 2009, pp. 133-159, 2009, disponível em:
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1528265.
297 . Cf., Nicholas R. Lardy, The State Strikes Back, pp. 99-117. Estas práticas estão exaustivamente
documentadas no Relatório do Representante Comercial americano de março de 2018, resultante da
investigação das injustas práticas comerciais, autorizadas pela Section 301. Ver, Of ce of the United States
Trade Representative, Executive Of ce of the President, “Findings of the Investigation into China’s Acts,
Policies, and Practices Related to Technology Transfer, Intellectual Property, and Innovation Under
Section 301 of the Trade Act of 1974”, 22 de março de 2018, disponível em:
https://ustr.gov/sites/default/ les/Section%20301%20FINAL.PDF.
298 . Para uma discussão, ver, Elizabeth C. Economy, The Third Revolution, pp. 121-151.
299 . Ver, Xiaomin Mou, “Arti cial Intelligence: Investment Trends and Selected Industry Uses”,
International Finance Corporation, EM Compass, Note 71, setembro de 2019, p. 2, consultado em:
https://www.ifc.org/wps/wcm/connect/7898d957-69b5-4727-9226-277e8ae28711/EMCompass-Note-
71-AI-Investment-Trends.pdf?MOD=AJPERES&CVID=mR5Jvd6.
300 . Cf., por examplo, Adam Segal, “When China Rules the Web: Technology in Service of the State”,
Foreign Affairs, Vol. 97, No. 5, setembro/outubro de 2018, pp. 10-18.
301 . Ver, Sarah Zhang, “China’s Arti cial-Intelligence Boom”, The Atlantic, 16 de fevereiro de 2017,
disponível em: http://paramita.co/wp-content/uploads/2018/01/Chinas-Arti cial-Intelligence-
Boom_The-Atlantic.pdf.
302 . Cf., Kai-Fu Lee. AI Superpowers: China, Silicon Valley and the New World Order. Nova Iorque:
Houghton Mif in Harcourt, 2018 e Sophie-Charlotte Fischer, “Arti cial Intelligence: China’s High-Tech
Ambitions”, CSS Analyses in Security Policy, No. 220, fevereiro de 2018, disponível em:
https://www.research-collection.ethz.ch/bitstream/handle/20.500.11850/321542/CSSAnalyse220-
EN.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
303 . Ver, por examplo, Amy Hawkins, “Beijing’s Big Brother Tech Needs African Faces, Foreign Policy,
24 de julho de 2018, disponível em: https://foreignpolicy.com/2018/07/24/beijings-big-brother-tech-
needs-african-faces/.
304 . O texto completo da “ordem executiva” presidencial pode ser consultado em The White House,
“Executive Order on Addressing the Threat Posed by TikTok”, 6 de agosto de 2020, disponível em:
https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/executive-order-addressing-threat-posed-tiktok/. Sobre
os eventuais efeitos negativos da ordem, cf., Keman Huang e Stuart Madnick, “The TikTok Ban Should
Worry Every Company”, Harvard Business Review, 28 de agosto de 2020, disponível em:
https://hbr.org/2020/08/the-tiktok-ban-should-worry-every-company.
305 . Para uma discussão, cf., Daniel Immerwahr. How to Hide an Empire: A Short History of the
Greater United States. Londres: Bodley Head, 2019, pp. 298-316.
306 . Ver, Samm Sacks and Manyi Li, “How Chinese Cybersecurity Standards Impact Doing Business In
China,” CSIS Briefs, agosto de 2018, pp. 1-15, disponível em: https://csis-prod.s3.amazonaws.com/s3fs-
public/publication/180802_Chinese_Cybersecurity.pdf?EqyEvuhZiedaLDFDQ.7pG4W1IGb8bUGF.
307 . Ver, George Parker, Helen Warrell e Nic Fildes, “Boris Johnson toughens stance on Huawei after
Trump lobbying”, Financial Times, 4 de dezembro de 2019, consultado em:
https://www.ft.com/content/b4bbd218-16a2-11ea-8d73-6303645ac406 e Sebastian Payne e Katrina
Manson, “Donald Trump ‘apoplectic’ in call with Boris Johnson over Huawei”, Financial Times, 6 de
fevereiro de 2020, disponível em: https://www.ft.com/content/a70f9506-48f1-11ea-aee2-9ddbdc86190d.
Depois de alguma hesitação, a NATO introduziu a questão do 5G na sua agenda. A Declaração Final de
Londres de dezembro de 2019 do Conselho do Atlântico Norte a rma: “Estamos a abordar a amplitude e a
escala das novas tecnologias para manter a nossa vantagem tecnológica, enquanto preservamos os nossos
valores e normas. Continuaremos a aumentar a resiliência das nossas sociedades, bem como da nossa
infraestrutura crítica e da nossa segurança energética. A NATO e os Aliados, de acordo com a respetiva
autoridade, estão empenhados em garantir a segurança das nossas comunicações, incluindo o 5G,
reconhecendo a necessidade de con ar em sistemas seguros e resilientes. Reconhecemos que a in uência
crescente da China e das suas políticas internacionais apresentam tanto oportunidades como desa os que
precisamos de enfrentar juntos como uma Aliança”. Ver, London Declaration Issued by the Heads of State
and Government participating in the meeting of the North Atlantic Council in London 3-4 December
2019, disponível em: https://www.nato.int/cps/en/natohq/of cial_texts_171584.htm.
308 . Cf., “Pompeo alerta Portugal contra Huawei. ‘Mentalidade da Guerra Fria’, diz embaixada da
China”, Diário de Notícias, 6 de dezembro de 2019, consultado em: https://www.dn.pt/dinheiro/pompeo-
alerta-portugal-contra-huawei-mentalidade-da-guerra-fria-diz-embaixada-da-china-11586440.html.
309 . Ver, “Chinese embassy in Portugal refutes Pompeo’s anti-China allegations”, Xinhua, 12 de maio de
2020, consultado em: http://www.xinhuanet.com/english/2019-12/06/c_138611653.htm.
310 . Para uma discussão sobre a Europa, cf., Meia Nouwens e Helena Legarda, “Emerging technology
dominance: what China’s pursuit of advanced dual-use technologies means for the future of Europe’s
economy and defense innovation”, The International Institute of Strategic Studies (IISS), dezembro de
2018, disponível em: https://www.merics.org/sites/default/ les/2018-
12/181218_Emerging_technology_dominance_MERICS_IISS.pdf.
311 . Ver, inter alia, Brad Smith e Carol Ann Browne. Tools and Weapons: The Promise and Peril of the
Digital Age. Nova Iorque: Penguin Press, 2019; Paul Scharre. Army of None: Autonomous Weapons and
the Future of War. Nova Iorque: W.W. Norton, 2018 e Pavel Sharikov, “Arti cial intelligence,
cyberattack, and nuclear weapons – A dangerous combination”, Bulletin of the Atomic Scientists, Vol.
74, No. 6, 2018, pp. 368-373.
312 . Cf., por exemplo, Katie Kline, Marco Salvo e Donyae Johnson, “How Arti cial Intelligence and
Quantum Computing are Evolving Cyber Warfare”, The Institute of World Politics, 27 de março de
2019, disponível em: https://www.iwp.edu/cyber-intelligence-initiative/2019/03/27/how-arti cial-
intelligence-and-quantum-computing-are-evolving-cyber-warfare/.
313 . Ver, The State Council Information Of ce, The People’s Republic of China. “Full Text: Xi Jinping’s
keynote speech at the World Economic Forum”, Davos, Switzerland, 17 de janeiro de 2017,
disponível em: http://www.china.org.cn/node_7247529/content_40569136.htm.
314 . Ibid.
315 . Cf., Sarah Zheng, “Xi Jinping’s defence of globalisation and open markets: key takeaways from
Chinese leader’s speech to Boao Forum”, South China Morning Post, 10 de abril de 2018, consultado em:
https://www.scmp.com/news/china/economy/article/2141032/xi-jinpings-defence-globalisation-and-open-
markets-key-takeaways.
316 . Cf., Of ce of the United States Trade Representative, “2018 Report to Congress On China’s WTO
Compliance”, fevereiro de 2019, p. 5, disponível em: https://ustr.gov/sites/default/ les/2018-USTR-
Report-to-Congress-on-China%27s-WTO-Compliance.pdf.
317 . Ver, Jacob M. Schlesinger e Alex Leary, “Trump Denounces Both China and WTO”, The Wall
Street Journal, 26 de julho de 2019, disponível em: https://www.wsj.com/articles/trump-presses-wto-to-
change-china-s-developing-country-status-11564166423.
318 . Cf., “WTO has been very unfair to US for many years: Trump”, Business Standard, 23 de janeiro de
2000, consultado em: https://www.business-standard.com/article/news-ani/wto-has-been-very-unfair-to-
us-for-many-years-trump-120012300078_1.html.
319 . Para uma discussão dos benefícios obtidos pela China aquando da sua adesão à OMC, ver, Stewart
Paterson. China, Trade and Power: Why the West’s Economic Engagement Has Failed. Londres: London
Publishing Partnership, 2018.
320 . Cf., Silvia Amaro, “A reform-or-die moment: Why world powers want to change the WTO”,
CNBC, 7 de fevereiro de 2020, consultado em: https://www.cnbc.com/2020/02/07/world-powers-us-eu-
china-are-grappling-to-update-the-wto.html.
321 . Cf., The White House, “Remarks by the President at the World Economic Forum”, Davos,
Switzerland, 29 de janeiro de 2000, consultado em: https://1997-
2001.state.gov/travels/2000/000129clinton_wef.html.
322 . Ver, Gregory Chin, “Two-Way Socialization: China, the World Bank, and Hegemonic Weakening”,
The Brown Journal of World Affairs, Vol. 19, No. 1, Outono/Inverno de 2012, pp. 211-230.
323 . Cf., “Spotlight: Chinese Dream connects aspirations of the whole world for peace, development”,
Xinhua, 29 de novembro de 2017, disponível em: http://www.xinhuanet.com/english/2017-
11/29/c_136788472.htm.
324 . O conceito do Cinturão Económico da Rota da Seda foi apresentado em setembro de 2013, num
discurso proferido na Universidade de Nazarbayev, no Cazaquistão. Num discurso proferido no
Parlamento indonésio em outubro de 2013, Xi propôs uma Rota da Seda Marítima para o Século XXI
para promover a cooperação marítima, sugerindo também a criação do Banco Asiático de Investimento em
Infraestrutura (AIIB) para nanciar a construção de infraestruturas, promover a interconectividade
regional e a integração económica. Para o texto completo do discurso delineando a proposta apresentada
no Cazaquistão, ver, Foreign Ministry of the People’s Republic of China, “President Xi Jinping Delivers
Important Speech and Proposes to Build a Silk Road Economic Belt with Central Asian Countries”, 7 de
setembro de 2013, consultado em:
https://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/topics_665678/xjpfwzysiesgjtfhshzzfh_665686/t1076334.shtm.
Para a proposta feita no Parlamento indonésio, ver, “Speech by Chinese President Xi Jinping to
Indonesian Parliament”, Jakarta, Indonesia, 2 de outubro de 2013, disponível em: https://reconasia-
production.s3.amazonaws.com/media/ ler_public/88/fe/88fe8107-15d7-4b4c-8a59-
0feb13c213e1/speech_by_chinese_president_xi_jinping_to_indonesian_parliament.pdf. Um terceiro
discurso, proferido no lançamento o cial do Belt and Road Forum, em 2017, também é relevante. Ver,
President of the People’s Republic of China, “Work Together to Build the Silk Road Economic Belt and
The 21st Century Maritime Silk Road”, Speech by H.E. Xi Jinping at the Opening Ceremony of the Belt
and Road Forum for International Cooperation, 14 de maio de 2017, disponível em:
http://www.xinhuanet.com//english/2017-05/14/c_136282982.htm.
325 . Sobre a Iniciativa Faixa e Rota (Belt and Road Initiative – BRI), cf., inter alia, Peter Frankopan. The
New Silk Roads: The Present and Future of the World. Londres: Bloomsbury Publishing, 2018; Bruno
Maçães. Belt and Road: A Chinese World Order. Londres: Hurst & Company, 2018; Tom Miller. China’s
Asian Dream: Empire Building along the New Silk Road. Londres: Zed Books, 2019; Jonathan Holslag.
The Silk Road Trap: How China’s Trade Ambitions Challenge Europe. Cambridge: Polity Press, 2019 e
Daniel Drache, A. T. Kingsmith e Duan Qi. One Road, Many Dreams: China’s Bold Plan to Remake the
Global Economy. Londres: Bloomsbury Publishing, 2019.
326 . Ver, “19th Party Congress: Belt and Road in CCP charter shows China’s desire to take global
leadership role”, The Straits Times, 24 de outubro de 2017, disponível em:
https://www.straitstimes.com/asia/east-asia/19th-party-congress-belt-and-road-in-ccp-charter-shows-
chinas-desire-to-take-global.
327 . Para o texto completo do discurso de Xi em Davos, ver, “Jointly Shoulder Responsibility of Our
Times, Promote Global Growth”, Keynote Speech by H.E. Xi Jinping at the Opening Session Of the
World Economic Forum Annual Meeting 2017, Davos, 17 January 2017, CGTN America, 17 de janeiro
de 2017, consultado em: https://america.cgtn.com/2017/01/17/full-text-of-xi-jinping-keynote-at-the-
world-economic-forum
328 . Cf., Peter Cai, “Understanding China’s Belt and Road Initiative”, Lowy Institute for International
Policy, março de 2017, p. 5, consultado em: https://www.lowyinstitute.org/publications/understanding-
belt-and-road-initiative.
329 . Sobre o projeto CPEC e as relações entre os dois estados, ver, por exemplo, Andrew Small. The
China-Pakistan Axis: Asia’s New Geopolitics. Oxford: Oxford University Press 2015 e Siegfried O. Wolf.
The China-Pakistan Economic Corridor of the Belt and Road Initiative: Concept, Context and
Assessment. Cham: Springer Nature Switzerland, 2020.
330 . Uma perspetiva mais cautelosa sobre Gwadar pode ser encontrada em: Robert D. Kaplan. Monsoon:
The Indian Ocean and the Future of American Power. Nova Iorque: Random House, 2010, pp. 67-94.
331 . Cf., “Completion of CPEC top priority of govt: Qureshi”, Daily Times, 25 de abril de 2020,
disponível em: https://dailytimes.com.pk/601613/completion-of-cpec-top-priority-of-govt-qureshi-daily-
times/
332 . Ver, Michael Kugelman, “Pakistan’s High-Stakes CPEC Reboot”, Foreign Policy, 19 de dezembro
de 2019, disponível em: https://foreignpolicy.com/2019/12/19/pakistan-china-cpec-belt-road-initiative/.
333 . Sobre o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (ETIM), ver, inter alia, Chien-peng Chung,
“China’s ‘War on Terror’: September 11 and Uighur Separatism”, Foreign Affairs, Vol. 81, No. 4,
julho/agosto de 2002, pp. 8-12; John Z. Wang, “Eastern Turkistan Islamic Movement: A Case Study of a
New Terrorist Organization in China”, International Journal of Offender Therapy and Comparative
Criminology, Vol. 47, No. 5, outubro de 2003, pp. 568-584; Rohan Gunaratna e Kenneth George
Pereire, “An Al-Qaeda Associate Group Operating in China?”, The China and Eurasia Forum Quarterly,
Vol. 4, No. 2, maio de 2006, pp. 55–61 e Michael Clarke, “China’s “War on Terror” in Xinjiang: Human
Security and the Causes of Violent Uighur Separatism”, Terrorism and Political Violence, Vol. 20, No.
2, abril de 2008, pp. 271-301.
334 . Cf., Wuu Long Lin and Thomas P. Chen, “China’s widening economic disparities and its ‘Go West
Program”, Journal of Contemporary China, Vol. 13, No. 41, 2004, pp. 663-686.
335 . Cf., Kinling Lo, Sri Lanka wants its ‘debt trap’ Hambantota port back. But will China listen?”;
South China Morning Post, 7 de dezembro de 2019, consultado em:
https://www.scmp.com/news/china/diplomacy/article/3040982/sri-lanka-wants-its-debt-trap-hambantota-
port-back-will-china. Ver, também, Christian Saint-Étienne. Trump et Xi Jinping: les apprentissorciers.
Paris: Editions de L’Observatoire, 2018, pp. 74-75.
336 . Cf., Ben Farmer, “Pakistan halts investigation into sale of 629 brides to China ‘because of nancial
ties to Beijing”, The Telegraph, 4 de dezembro de 2019, disponível em:
https://www.telegraph.co.uk/news/2019/12/04/pakistan-halts-investigation-sale-629-brides-china-
nancial.
337 . Cf., Peter Cai, “Understanding China’s Belt and Road Initiative”, p. 13.
338 . Ibid., p. 11.
339 . Cf., Zhou Xin, “Xi Jinping calls for ‘new Long March’ in dramatic sign that China is preparing for
protracted trade war”, South China Morning Post, 21 de maio de 2019, disponível em:
https://www.scmp.com/economy/china-economy/article/3011186/xi-jinping-calls-new-long-march-
dramatic-sign-china-preparing.
340 . Cf., James T. Areddy, “Xi Jinping Flexes China’s Trade Muscle With Visit to Rare-Earths Hub”,
The Wall Street Journal, 21 de maio de 2019, consultado em: https://www.wsj.com/articles/xi-jinping-
exes-china-s-trade-muscle-with-visit-to-rare-earths-hub-11558442724 e Yang Kunyi, “Xi’s visit boosts
China’s critical rare-earth sector”, Global Times, 20 de maio de 2019, disponível em:
https://www.globaltimes.cn/content/1150779.shtml.
341 . Ver, Yuko Inoue, “China lifts rare earth export ban to Japan: trader”, Reuters, 29 de setembro de
2010, consultado em: https://www.reuters.com/article/us-japan-china-export-
idUSTRE68S0BT20100929.
342 . Cf., “Commentary: China ghts U.S. trade bullying with ‘Long March’ spirit”, Xinhua, 24 de maio
de 2019, disponível em: http://www.xinhuanet.com/english/2019-05/24/c_138086295.htm.

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Capítulo V – A ILUSÃO AMERICANA
 
“It isn’t that there’s no right and wrong here. There’s no right”
(V.S. Naipaul, A Bend in the River)
 
Donald Trump dinamitou o consenso bipartidário americano em política
externa relativamente à China. Críticos da abordagem em vigor durante as três
últimas décadas a rmam que as administrações de Bill Clinton, George W.
Bush e Barack Obama “perderam a China”, tal como Harry Truman, no nal da
década de 1940, “perdera” o país para os comunistas de Mao Zedong. Mesmo as
críticas mais moderadas sugerem que, no mínimo, o trio presidencial globalista
esbanjou a oportunidade de retardar a ascensão da República Popular. Quando
formulado em termos maximalistas, o argumento pouco esclarece porque, ao
contrário da década de 1940, a política externa americana na era pós-Mao vê a
sua margem de manobra reduzida quando Deng Xiaoping prossegue com a
“reforma e abertura”. Washington não estava destituída de instrumentos para
in uenciar, talvez de forma decisiva, o rumo dos acontecimentos mundiais, mas
a sua capacidade de moldar os destinos da China depois da morte de Mao vou-se
reduzida porque as elites congregadas em volta de Deng aperceberam-se do
beco sem saída em que se encontravam. 
A ideia de que foram os americanos a perder a China – e não os chineses a
encontrar-se a si próprios – revela a ilusão americana de poder desmedido que
permite moldar o mundo na ausência de constrangimentos signi cativos.
Embora seja verdade que os EUA poderiam, através de um outro mix de
políticas, ter atrasado a vasta integração da República Popular nas cadeias de
produção e nas cadeias de valor, a reemergência económica do país era
incontornável. Partindo da premissa de que o engajamento modi caria a
natureza do regime comunista, políticos americanos e europeus traçaram uma
política que acelerou consideravelmente a ascensão da RPC. Essa opção
desperdiçou a oportunidade de formular uma resposta que pudesse preparar
adequadamente as nações ocidentais para enfrentarem os desa os colocados pela
ascensão chinesa. A ilusão americana que leva Washington a considerar que tem
uma capacidade praticamente ilimitada para moldar os acontecimentos chineses
tem sistematicamente impulsionado o relacionamento sino-americano. A
convicção de que era possível transformar a China num país democrático foi a
última, mas não a única, expressão dessa mesma ilusão.
Debate-se, nos últimos tempos, se estamos a caminho de uma nova Guerra
Fria entre a China e os Estados Unidos.
A este propósito, Mike Pompeo a rmou recentemente que o con ito sino-
americano era “ainda mais perigoso do que a competição com a União
Soviética”343. Alguns sugerem que a analogia da Guerra Fria não deveria ser
utilizada porque o grau de globalização – e a respetiva integração da China na
economia mundial – não é comparável com o isolamento económico vivido pela
União Soviética. Outros a rmam, e não inteiramente destituídos de razão, que a
natureza da Guerra Fria residia na multidimensionalidade da competição e que
se a URSS estava isolada da economia internacional, essa circunstância se devia
à contenção feita pelos Estados Unidos. A discussão, por muito interessante que
possa ser, provavelmente obscura mais do que revela. Desde logo porque a
Guerra Fria tem muitos signi cados.
Entre outras coisas, a Guerra Fria foi uma desenfreada competição em volta da
ciência, tecnologia e sustentabilidade de modelos económicos alternativos. A
corrida ao espaço, Sputnik e o programa Iniciativa de Defesa
Estratégica/”Guerra das Estrelas” de Ronald Reagan exempli cam essa
competição. É certo que os soviéticos não canalizavam a inovação para o
mercado dos bens de consumo, mas a inovação não deixava de ser colocada ao
dispor do complexo industrial-militar que sempre absorveu grande parte dos
recursos económicos de Moscovo. Note-se, também, que a ambição de
ultrapassar a economia americana levou Nikita Khrushchev, no célebre “debate
de cozinha” com Richard Nixon, a declarar que a União Soviética “enterraria”
(economicamente) os Estados Unidos e o mundo capitalista. Houve competição
económica – e foi perdida pelo “socialismo real”. De qualquer forma, se
entendermos – Guerra Fria como uma a competição global, universalizada,
abrangendo todas as dimensões do poderio nacional, estamos, de facto, perante
uma nova Guerra Fria. Mas independentemente da forma como se escolhe
caracterizar o momento atual, é absolutamente inegável que se entrou numa
nova fase da política internacional ,caracterizada pela rivalidade sino-americana.
 
 
Concorrentes, Rivais, Inimigos
 
Estabelecida a nova república americana em nais do século XVIII,
comerciantes e missionários dirigiram-se para Cathay em busca de negócios e
almas344. Tal envolvimento com a China era, no essencial, um empreendimento
individual porque o novo estado, ciente da advertência de George Washington
quanto à necessidade de evitar “enredamentos estrangeiros”, concentrava-se em
proteger a independência recentemente adquirida e as fronteiras instáveis do
débil estado.  Para além deste conselho prudente do primeiro Presidente, a
necessidade de evitar con itos estrangeiros era ditada pela parca capacidade da
nova nação de projetar poder militar para fora das suas fronteiras
nacionais.  Após as cataclísmicas Guerras do Ópio dos Qing, o envolvimento
americano no Reino do Meio aumenta porque, com a cessação das hostilidades,
os Estados Unidos e as potências europeias extraíram privilégios comerciais e
concessões extraterritoriais. Imposto às autoridades imperiais, o Tratado de
Wangxia, o primeiro acordo bilateral entre os Estados Unidos e a China
imperial, assinado a 18 de maio de 1844, era “basicamente um resumo, com
re namentos signi cativos, dos dois tratados que os chineses haviam assinado
com os britânicos”345. Era, também, um dos “tratados desiguais” impostos aos
chineses pelo imperialismo durante o “século da humilhação nacional”.
Durante meio século, a política americana na China será orientada pelo
princípio da “Porta Aberta”, esboçado por John Hay, Secretário de Estado do
Presidente William McKinley346. Em 6 de Setembro de 1899, na primeira de
uma série de notas diplomáticas, Hay propunha-se estabelecer um “mercado
aberto” a todos os comerciantes, independentemente da nacionalidade,
presentes em solo chinês. Solicita às potências – Grã-Bretanha, França, Japão,
Alemanha e Rússia – que seguissem políticas que bene ciassem os cidadãos
chineses e que se abstivessem de estabelecer colónias.  No entanto, a “Porta
Aberta” parecia comprometida pela Rebelião dos Boxers, apoiada pela
Imperatriz Dowager Cixi, que tem como alvo os interesses económicos e os
missionários ocidentais347. Procurando articular uma resposta à eclosão da
revolta dos Boxers, Hay, a 3 de julho de 1900, distribuiu outra nota às
potências, pedindo respeito pela “integridade territorial e administrativa” da
China;  isto é, recomendava que as potências não invocassem a revolta como
pretexto para “retalhar” a China em possessões coloniais. Ironicamente, a
política da “Porta Aberta” expôs os limites inerentes à política externa de
Washington; especi camente, os parcos recursos militares disponíveis para
salvaguardar os interesses vitais americanos na China.  O apelo ao “acesso
aberto” e ao “comércio livre” denota que os mercadores americanos poderiam
prosseguir a obtenção de lucros, mas, implicitamente, incumbe ao Japão e as
potências europeias suportarem os custos de “abrir” às portas da China.  Em
suma, da mesma forma que a RPC hoje depende da Marinha dos EUA para
garantir que as rotas oceânicas – e os “pontos de estrangulamento” que lhes dão
acesso – permaneçam desobstruídas, a política da “Porta Aberta” con gurava
uma estratégia de free-rider assente no sangue e tesouro de terceiros.
Na alvorada do século XX assiste-se à emergência dos Estados Unidos como
potência do Oceano Pací co, uma potência asiática. Triunfantes na da guerra
hispano-americana de 1898, herdam os vestígios do império espanhol,
incluindo as Filipinas, que, nas cinco décadas posteriores, se torna no principal
entreposto americano no Extremo Oriente. Concomitante com esta viragem
imperialista, Theodore Roosevelt preconiza a expansão do poderio naval do
país, simbolizado pela viagem da Grande Frota Branca, entre dezembro 1907 e
fevereiro 1909, consolidando assim o estatuto de grande potência asiática348. O
período que segue à Primeira Guerra Mundial testemunha uma intensi cação
da presença americana na Ásia. Uma potência autocon ante e em expressãono
Oceano Pací co, presente nas Filipinas, Guam e Havai, os Estados Unidos
promovem, de forma ativa, os laços comerciais e de investimento com a China e
o Extremo Oriente durante as décadas de 1920 e 1930. Concomitantemente,
missionários de várias denominações, particularmente ativos na China desde o
Segundo Grande Despertar (1790-1840), duplicam os esforços para consolidar o
cristianismo na região.
Washington procura defender os seus interesses no Extremo Oriente através
de uma política regional assente em três pilares. Primeiro, com a intenção de
garantir o “acesso igual” a oportunidades comerciais na China, reitera o
princípio da “Porta Aberta”.  A rea rmação do princípio no pós-1918
consubstancia uma refutação inequívoca da política nipónica de esferas de
interesse, mais tarde institucionalizada pela Esfera de Coprosperidade da
Grande Ásia Oriental, e proporciona uma antevisão do choque imperial entre o
Japão e os EUA durante a Segunda Guerra Mundial. Segundo, Washington
sustenta que a integridade territorial da China era sacrossanta e, por extensão,
denuncia a con scação imperialista de território chinês, com o argumento de
que colónias restringiam o livre comércio. Terceiro, os EUA comprometem-se a
cooperar com as demais potências na busca de “interesses legítimos”,
entendidos como o livre comércio e a atividade missionária livre.
Tóquio, sem se deixar intimidar pelo princípio da “Porta Aberta”, ataca
Xangai em 1932, a cidade que abriga as maiores e mais relevantes concessões
internacionais formalizadas por tratado.  Embora a agressão ameaçasse a
integridade das concessões estrangeiras, o Secretário de Estado Henry Stimson,
sem alternativas políticas credíveis, anuncia que a violação nipónica dos termos
do Tratado dos Nove Poderes isentava os Estados Unidos de continuarem a
observar as restrições ao poderio naval estabelecidos nesse acordo. Stimson abre,
dessa forma, caminho para uma corrida aos armamentos navais no Pací co que
aumentará a insegurança japonesa e levará, por m, o almirante de frota Isoroku
Yamamoto a atacar Pearl Harbor em 1941.
  No entanto, o Relatório Lytton, enviado à Liga das Nações em outubro de
1932, era rati cado349.  Designando o Japão como estado agressor, o relatório
caracteriza o Manchukuo como um estado fantoche e apela ao retorno da
Manchúria à soberania chinesa. Em resposta, a delegação japonesa abandona o
Conselho da Liga. É certo que a China e o Japão acabam por assinar uma trégua
que visa estabilizar a situação, mas o domínio japonês da Manchúria expõe a
impotência de Beijing num quadro geoestratégico degradado e crescentemente
ameaçador.
Mas a margem de manobra americana era escassa. As exigências colocadas pela
Grande Depressão, precipitada pelo colapso do mercado acionista em 1929, e os
interesses limitados do país no Manchukuo levam os EUA a excluir o uso da
força contra o Japão.  Mesmo um eventual regime de sanções económicas
limitadas não reúne o apoio de um público descon ado de emaranhados
distantes.  Face a estes constrangimentos, os Estados Unidos dão um passo
diplomático sem precedentes: recorrem à Liga das Nações para fazer cumprir os
termos do Pacto Briand-Kellogg, que ilegalizava a guerra entre estados350.
Atendendo ao previsível fracasso da Liga em resolver o problema, o Secretário
de Estado, em janeiro de 1932, esboça a “Doutrina Stimson”, estipulando que
recusa reconhecer qualquer tratado ou acordo celebrado entre o Japão e a China
que viole os direitos americanos estabelecidos por tratado. A retórica não
corresponde à realidade dos factos veri cados no terreno, pois os Estados Unidos
ainda não são decisivos na geopolítica da região.
A região sofre uma transformação vertiginosa em resultado da invasão
nipónica da China em 1937 e a política americana muda de rumo. A expansão
do império japonês leva Washington a estabelecer laços privilegiados com o
Guomindang de Chiang Kai-shek, reforçados durante a guerra civil para
impedir a tomada do poder pelo PCC. Mas os americanos também estenderiam
a mão a Mao durante a fase nal da guerra de resistência à ocupação
japonesa.  Contactos com o PCC seriam estabelecidos em Yan’an, em julho de
1944, pelo Grupo de Observação do Exército dos Estados Unidos (Missão
Dixie), liderado pelo diplomata John S. Service e pelo coronel David D.
Barrett. Virtualmente a única fonte de informação dos decisores americanos, os
relatórios elaborados por Service em Yan’an propuseram a colaboração dos EUA
com as forças de Mao, descritas como um movimento cuja orientação ideológica
se assemelhava mais ao socialismo europeu do que ao bolchevismo russo351. Esta
avaliação da Missão Dixie seria posteriormente utilizada para acusar a
Administração Truman de responsabilidade pela perda da China para Mao.
Quando os japoneses se rendem na sequência dos bombardeamentos de
Hiroshima e Nagasaki, o Exército Vermelho de Mao não se encontra em posse
de nenhuma cidade importante, uma limitação mais do que compensada pela
superior organização e elevado moral das forças comunistas e por ter sido
poupado às batalhas devastadoras com os japoneses. Em contraste com o PCC, o
Guomindang, sujeito a incessantes ataques japoneses durante anos, via a sua
popularidade reduzida em resultado da corrupção e da ine ciência
administrativa nas suas zonas. Nesta encruzilhada, em conformidade com os
compromissos rmados pelas potências em Ialta, Mao e Chiang reúnem-se em
Chongqing com o propósito de discutir a formação de um governo pós-guerra
que pudesse garantir a “democracia”, o estabelecimento de um exército
uni cado e a “igualdade” entre partidos políticos352.
As conversações saldam-se pelo Acordo Décimo Duplo, de 10 de outubro de
1945, através do qual o PCC reconhece a legitimidade do governo GMD,
enquanto Chiang acolhe os comunistas como uma força de oposição
legítima.  Semanas depois, Truman incumbe o general George Marshall de
persuadir Chiang e Mao a formarem um governo conjunto sob os auspícios da
Missão Dixie. Marshall e Mao reúnem-se em Yan’an, mas décadas de suspeitas e
descon anças frustram os esforços para formar o governo de
coligação353.  Previsivelmente,  o Acordo Décimo Duplo implode em  1946,
quando as partes retomam a luta armada.  Harry Truman, não totalmente
convencido de que as relações com a China nacionalista eram de importância
estratégica, mas condicionado pelas exigências de política doméstica geradas
pelo lobby pró-Guomindang, prolonga a ajuda nanceira e militar concedida aos
nacionalistas. Em 11 de março de 1947, os últimos elementos da Missão Dixie
abandonam Yan’an, o m simbólico da abertura ao PCC e da tentativa de forjar
um acordo entre nacionalistas e comunistas.
Pouco antes de o PCC declarar formalmente o estabelecimento da República
Popular da China, o governo Truman, em agosto de 1949, divulga um Livro
Branco da China354. Procurando minimizar o papel desempenhado por
Washington nos assuntos da China após as primeiras alegações de ter “perdido”
o país para o comunismo, o documento a rma que a política da Administração
Truman fora ditada pelo princípio de que cabia apenas às forças chinesas
determinarem o desfecho da guerra civil.  A realidade era outra, mas o Livro
Branco revela até que ponto a política chinesa da Administração se transformara
num assunto de política doméstica. Por esta altura, as investigações do Un-
American Activities Committee da Câmara dos Representantes chegavam ao
seu auge. Com efeito, os excessos do Comité, simbolizados pelo bombástico
Joseph McCarthy, levariam Truman a denunciá-lo como “a coisa mais ‘un-
American’ da América”355. O Livro Branco também expôs a vulnerabilidade do
governo de Truman ao “lobby da China”; isto é, aos apoiantes de Chiang Kai-
shek no Congresso que garantiam que Washington, incapaz de impedir a
tomada da China continental pelos comunistas, assumisse responsabilidades
especiais em relação à defesa do governo Guomindang instalado em Taipei.
Em resposta à proclamação da República Popular da China, os Estados
Unidos e vários dos seus aliados impõem um embargo comercial ao novo
regime. Mao, por sua vez, “inclina-se para um lado”, o eufemismo que expressa
a sua preferência por uma aliança com a União Soviética. Em resultado destas
decisões, o relacionamento sino-americano ca suspenso durante as duas
primeiras décadas da Guerra Fria. No entanto, a Guerra da Coreia, cujo início
coincide com o incremento das tensões americano-soviéticas na Europa, marca
uma mudança radical no equilíbrio de poder regional e nos respetivos papéis
reservados aos Estados Unidos, à China e à União Soviética.
Com o objetivo declarado de reuni car os dois estados coreanos sob a bandeira
vermelha, a agressão de Pyongyang (25 de junho de 1950) leva os Estados
Unidos a intervirem sob a forma de uma ação policial autorizada pelo Conselho
de Segurança das Nações Unidas356. Na sequência dos sucessos militares norte-
coreanos iniciais, o general Douglas MacArthur, comandante das forças
conjuntas das Nações Unidas, realiza com êxito um desembarque anfíbio na
retaguarda das linhas inimigas, em Inchon, em meados de setembro de 1950.
Quando tropas aliadas empurram as forças de Kim Il-sung para a Coreia do
Norte, “voluntários” chineses sob o comando de Peng Dehuai entram na guerra
e forçam o recuo das forças da ONU para o sul. MacArthur sugere uma incursão
em território chinês e levanta a eventualidade de recorrer às armas atómicas
para interromper a investida do “Exército Popular Voluntário” chinês.  As
declarações imprudentes de MacArthur, consubstanciando um desa o à
autoridade do Presidente Truman, provocam a sua demissão. 
A guerra da Coreia terminaria num impasse, formalizado pelo Acordo do
Armistício Coreano de julho de 1953, congelando a fronteira ao longo da Zona
Desmilitarizada (DMZ).
A guerra da Coreia alterou profundamente a paisagem geopolítica regional. A
União Soviética bene ciou com o desfecho da guerra porque as pressões sobre
Estaline na Europa Oriental foram atenuadas quando os EUA transferem
recursos da Europa Central para a Ásia.  Quanto à China, as perdas sofridas
durante a guerra acentuaram a sua dependência económico- nanceira face a
Moscovo. Em contrapartida, Mao adquiriu um prestígio tremendo, pois não só
evitou uma derrota às mãos dos americanos, como auxiliou, a grande custo, um
“partido irmão”; vê, assim, o seu estatuto e gravitas orescerem no movimento
internaciona comunista l. Sancionada por Mao e Estaline, a decisão de Kim Il-
sung de invadir o Sul inviabiliza qualquer reconciliação entre a RPC e os
Estados Unidos. Reagindo a esta nova realidade, Washington destaca a Sétima
Frota americana para a costa chinesa para impedir Mao de atacar Taiwan e
compromete-se com a sobrevivência futura do governo de Chiang Kai-shek357.
Episódio decisivo da Guerra Fria, a Guerra da Coreia envenena o
relacionamento sino-americano entre as décadas de 1950 e de 1970. A retoma
do diálogo diplomático entre os dois países teria de aguardar a eleição de um
Presidente republicano ferozmente anticomunista. Após a sua vitória de 1968,
Richard Nixon, auxiliado por Henry Kissinger. Assistente do Presidente para
os Assuntos de Segurança Nacional, de ne uma nova abordagem358.  Razões
geopolíticas obrigam os Estados Unidos e a República Popular a considerar
uma reaproximação, vista pelos líderes dos dois países como uma oportunidade
histórica para alterar a correlação de forças a nível internacional. Ciente da
ameaça existencial constituída pelas armas nucleares soviéticas, Nixon pretende
uma aliança com Beijing para cercar a União Soviética e, dessa forma, obrigar
Moscovo a negociar a détente. Recordando uma conversa tida com os soviéticos
sobre a limitação de armamentos, Nixon observara que “uma das principais
razões do interesse de Brezhnev num tratado de não-uso pode ser a sua suspeita
de que estávamos prestes a concluir um acordo militar com Beijing.  Os
soviéticos achavam que a renúncia ao uso de armas nucleares minaria muito da
nossa utilidade para os chineses no caso de uma guerra sino-soviética”359. 
A aproximação à China constituía, pois, um incentivo para que Moscovo
negociasse a redução dos armamentos nucleares. Henry Kissinger, de forma
mais assertiva, a rma que “não procuramos juntar-nos à China num confronto
que provocasse a União Soviética.  Mas concordamos com a necessidade de
dissuadir as ambições geopolíticas de Moscovo”360.
Preocupações imediatas, práticas, levam Nixon e Mao a convergir. Para Mao,
uma década de elevada tensão sino-soviética incentiva-o a explorar o degelo nas
relações com os Estados Unidos.  Preocupações de segurança decorrentes dos
confrontos na fronteira partilhada com a URSS e o temor de uma guerra sino-
soviética generalizada,induzem Beijing a concluir que um entendimento com
os EUA equilibraria os soviéticos.  Realidades políticas domésticas também
motivam o Grande Timoneiro. Embora a fação pró-soviética do PCC tenha sido
derrotada antes da Revolução Cultural, a paranoia de Mao convence-o de que os
soviéticos não descartam um rst strike nuclear ou uma invasão da China, receio
aparentemente con rmado pela supressão da Primavera de Praga, em agosto de
1968, justi cada pela invocação da nova Doutrina Brezhnev de soberania
limitada361.  Para Nixon, a “abertura” à China era um resultado lógico da
promessa feita durante a campanha presidencial de 1968 para pôr termo à
guerra no Vietname362. A normalização das relações com a China permitiria
isolar Ho Chi Minh, a condição sine qua non para assegurar a “vietnamização” da
guerra e a retirada das tropas americanas. A estratégia americana para
abandonar a Indochina passava pela rede nição das relações bilaterais com
Beijing.
Sinalizando interesse em recon gurar o relacionamento, Nixon diminui as
restrições às viagens e ao comércio em vigor desde a Guerra da Coreia.
Recorrendo aos bons ofícios do Presidente paquistanês, Yahya Khan, os
americanos estabelecem um canal secreto com as autoridades comunistas de
Beijing, que o utilizam para manifestar interesse em reabrir discussões de alto
nível com os Estados Unidos. Um sinal diplomático heterodoxo, mas
inequívoco, foi emitido quando Mao con dencia a Edgar Snow, então na China
a convite do Grande Timoneiro, a sua disposição de entrar em conversações
diretas com Nixon363. Este responde à abertura, em 1971, eliminando as
restrições ainda existentes à deslocação de cidadãos americanos à República
Popular. A ronda seguinte deste jogo de sombras diplomáticas ocorre em abril
de 1971, quando as equipas de ping-pong americana e chinesa se encontraram
e, inesperadamente, confraternizam durante uma competição internacional
realizada no Japão. A equipa americana era então convidada a disputar uma
partida na China e, em abril de 1972, a chinesa retribuiu com uma visita aos
Estados Unidos.
À medida que aumentam os sinais incipientes de um degelo diplomático,
Henry Kissinger, ainda em ١٩٧١, fez duas viagens secretas a Beijing a m de
planear a visita de Nixon ao país, a primeira das quais começa a 9 de julho. A
sensibilidade histórica de Kissinger leva-o a concluir que “a visita de um
emissário americano a Beijing estava prestes a desencadear uma revolução
geopolítica; em Hanói o efeito seria traumático”364. Coincidindo com a segunda
viagem de Kissinger, em 25 de outubro, as Nações Unidas encetam uma
discussão sobre o estatuto da China na organização. Washington sustenta que a
ONU deveria acomodar Beijing e Taipei, mas a Assembleia Geral decide-se
pela passagem da Resolução 2758 que reconhece a RPC como “o único
representante legítimo da China nas Nações Unidas”, atribuindo-lhe, assim, o
lugar de membro permanente no Conselho de Segurança. Apesar do revés, os
Estados Unidos não recorrem ao uso do veto. Taiwan, por sua vez, abandona a
organização e inicia décadas de um isolamento internacional que ainda se
mantém.
Com efeito, os acontecimentos ocorridos nas Nações Unidas abrem caminho à
visita de Richard Nixon, realizada em fevereiro de 1972, para conversas com
Mao Zedong e Zhou Enlai365. Esses encontros produzem o Comunicado de
Xangai, que expressa o desejo das partes de normalizarem o relacionamento
bilateral366. Não obstante o interesse em abrir um novo capítulo na relação
bilateral, várias divergências continuam a separar os dois países. A mais
signi cativa prendia-se com o estatuto de Taiwan porque, na verdade, os
chineses recusam normalizar os laços bilaterais a menos que Washington rompa
relações diplomáticas com Taipei. Para tranquilizar a liderança chinesa, o lado
americano evita comentar a a rmação de Beijing de que o governo da RPC “é o
único governo legal da China” e que “Taiwan é uma província da China”, a
fórmula inserida pelo governo comunista no Comunicado de Xangai. Por sua
vez, Richard Nixon reitera que a sua administração não apoia a independência
da Formosa, acrescentando que “todos os chineses de ambos os lados do Estreito
de Taiwan sustentam que existe apenas uma China e que Taiwan faz parte da
China”367. Depois de apelarem a uma “solução pací ca” para o problema, e
como gesto adicional de boa vontade, os EUA anunciam a intenção de remover
as suas tropas estacionadas na Formosa; mas abstêm-se de estipular uma data
concreta para a retirada. A questão de quem seria chamado a governar “uma
China unida” era, desta forma, contornada. Com efeito, a política de
Washington não difere signi cativamente da posição do governo Guomindang,
pois Chiang Kai-shek sempre fora in exível ao a rmar que liderava o legítimo
governo de uma China indivisível.
Estavam, assim, criadas as condições que permitiriam a Jimmy Carter, em
1979, encerrar a “normalização” sino-americana. Ao longo da década seguinte,
tensões periódicas no relacionamento diplomático entre os dois países seriam
provocadas, quase exclusivamente, pela “questão de Taiwan”. A República
Popular procura evitar qualquer alteração ao princípio de “uma única China” e
pressiona Washington a fazer um downgrade do seu compromisso da América
com Taiwan. Por sua vez, os americanos recusam abandonar o governo da
Formosa, algo que invariavelmente colocaria Taipei à mercê de Beijing.  Não
obstante as divergências quanto a Taiwan, as relações continuam a melhorar
após a ascensão de Deng Xiaoping ao poder, até porque os decisores americanos
convencem-se que a RPC entrara numa fase de liberalização do regime que
encaminharia o país para o capitalismo e, porventura, para a democracia liberal.
Esta ilusão americana quanto à democratização da China acentua-se com o m
da Guerra Fria. Confrontado com o desa o hercúleo de gerir a crise geopolítica
suscitada pelo desmoronamento do comunismo europeu, o Presidente George
H.W. Bush, ex-chefe do escritório de ligação em Beijing (efetivamente,
Embaixador não o cial dos EUA na China), procura atenuar a volatilidade no
relacionamento bilateral provocado pelo massacre de Tiananmen de 1989368.
Dias depois da supressão das manifestações, Bush confessa que “não creio que
devamos julgar todo o Exército de Libertação Popular por esse terrível
incidente”369. Uma vez que o ELP estava sob o comando de Deng Xiaoping e da
cúpula partidária e que era o “braço armado” do PCC, a declaração do
Presidente, no mínimo, ofusca mais do que revela. Apesar dos esforços de Bush,
a indignação doméstica gerada pelo massacre dos estudantes não poderia deixar
de despoletar sanções punitivas. Bush, no entanto, rejeita um pacote amplo de
sanções, anunciando apenas o cancelamento do diálogo militar bilateral, a
suspensão de contatos militares e limitações à transferência de tecnologia370.
Considerando que a resposta da Casa Branca era demasiado branda, os líderes
do Congresso reclamam a imposição imediata de tarifas aduaneiras, a proibição
de transferências de tecnologia e a cessação da cooperação militar. A Câmara dos
Representantes, em julho de 1989, alterando uma lei referente à autorização de
ajuda externa, vota a proibição da venda de armas à China e outras medidas. A
legislação, porém, continha uma ressalva importante:  o Presidente poderia
anular a aplicação de sanções especí cas se invocasse “interesses de segurança
nacional”. Pouco depois, no início de 1990, o Senado substitui a formulação
“interesses de segurança nacional” pelo genérico “interesses nacionais”, uma
alteração que acentuava a capacidade unilateral do Presidente de determinar a
aplicação concreta das sanções371. Divergindo da posição assumida por Bush, o
senador George Mitchell e a representante Nancy Pelosi redigem, em 1991, um
projeto de lei que impede que o Presidente aprove a renovação anual do estatuto
de nação mais favorecida (MFN) à China sem contemplar os direitos humanos.
Este estatuto era importante para a China porque permitia que as exportações
chinesas que entrassem no mercado americano não sofressem as altas
penalizações previstas pela Lei Smoot-Hawley372.
O projeto reúne apoio su ciente nas duas câmaras do Congresso para obter a
passagem, mas será vetado por Bush.  Ano após ano, até 2001, os lobbies na
órbita do establishment de política externa e das grandes empresas atentos ao
gigantesco mercado chinês, asseguram que iniciativas legislativas semelhantes
morressem, silenciosamente, nos corredores do Congresso.
 
 
O Globalizador-Chefe
 
A resposta de George Bush ao massacre de Tiananmen insere a “questão
chinesa” na corrida presidencial de 1992, com o democrata Bill Clinton a
censurar Bush por  “mimar ditadores desde Bagdad a Beijing”373. Acusando o
Presidente em exercício de timidez ao enfrentar os “carniceiros de Beijing”,
Clinton promete que, caso fosse eleito, renovações futuras do status MFN da
China seriam determinadas pela aceitação chinesa de padrões de direitos
humanos. No entanto, logo depois da sua chegada à Casa Branca, Clinton
efetivamente capitula perante os interesses dos big business. Estes alegam que a
competitividade das empresas americanas no mercado chinês seria
comprometida (e empregos americanos destruídos) se o linkage aos direitos
humanos não fosse descartado. Embora Nancy Pelosi tenha manobrado para
manter a questão viva, a Câmara dos Representantes valida a posição de Clinton
em agosto de 1994. As administrações americanas subsequentes continuariam,
pelo menos publicamente, a enfatizar os direitos humanos nas suas negociações
com a China. Porém, na ausência de uma ligação entre comércio e direitos
humanos, a retórica era simplesmente desprovida de qualquer substância.
Porque a implosão da União Soviética remove os pressupostos subjacentes ao
consenso bipartidário em política externa, Clinton vê-se forçado a de nir um
novo rumo estratégico, uma nova grande estratégia nacional. Concebendo os
Estados Unidos como a “nação indispensável”, a Administração Clinton
empenha-se em de nir um consenso bipartidário assente na promoção dos
mercados e da democracia. A preponderância americana – e a liderança
internacional que dela resulta – será empregue para cumprir a missão principal
do país, que, segundo o conselheiro de Segurança Nacional Anthony Lake,
residia no alargamento da “comunidade de nações livres”, alargamento esse que
tornariam os EUA “mais seguros, prósperos e in uentes”374. Quanto à China e à
Rússia, de nidas pelo Presidente como os “nossos ex-adversários”, seriam
absorvidas pelo “sistema internacional como nações abertas, prósperas e
estáveis”375. Propondo um engajamento contínuo, Clinton acrescentou: “qual é
a melhor coisa a fazer para maximizar a oportunidade de a China seguir o rumo
certo e de, por causa disso, tornar o mundo estará mais livre, mais pací co e
mais próspero no século XXI? Não acredito que possamos trazer mudanças para
a China se isolarmos a China das forças da mudança”376.
A Doutrina Clinton era de importância vital porque estrutura o consenso
bipartidário em política externa no pós-Guerra Fria, particularmente coeso ao
longo da década de 1990, deem torno da unipolaridade americana.
A premissa fundamental do “consenso da China” postulava, como indicara
Anthony Lake, que o engajamento destinado a integrar a República Popular na
economia globalizada,gerava crescimento económico que, por sua vez, originava
uma classe média cujos interesses diferenciados a levariam a exigir acrescida
participação política. As pressões sociais junto do estado desencadeariam
mudanças institucionais, pois o regime, para sobreviver, não teria outra
alternativa senão acomodar as exigências e os interesses da nova classe média. O
crescimento do pluralismo social, ou seja, uma sociedade chinesa cada vez mais
complexa, estimularia reformas económicas e a democratização. Vistos a partir
deste prisma, os interesses americanos na China (investimentos e o acesso a
mercados) passam a ser entendidos como uma força para promover a
democracia. A defesa de interesses e princípios coincidiam e, por isso, a defesa
do interesse americano era um bem moral. Os europeus, naturalmente,
partilhavam esta visão.
A Doutrina Clinton postulava que a globalização, entendida principalmente
em termos de liberalização dos mercados e de extensão do livre comércio, gerava
mudanças socioeconómicas favoráveis à democratização377. E à medida que a
expansão da globalização fomentava a democracia, a segurança nacional seria
consolidada pela “paz interdemocrática”378. Enraizada no pressuposto kantiano
de que as democracias não fazem guerra entre si, a paz entre democracias era um
meio para alcançar a segurança internacional, também desejável do ponto de
vista normativo. A democratização e a globalização eram, pois, instrumentos
para incrementar a segurança nacional dos Estados Unidos. Em suma, não havia
contradição percetível entre a promoção da democracia e a satisfação dos
interesses nacionais fundamentais da América e do Ocidente em geral. Ainda
assim, Lake reconhecera que a promoção da democracia seria necessariamente
restringida pelas limitações do poder de Washington, levando-o a admitir que
regimes “não democráticos” seriam, por vezes, apoiados para promover os
interesses nacionais dos EUA. O edifício teórico subjacente à Doutrina Clinton
era frágil porque partia da premissa de que a globalização era um fenómeno
benigno, uma causa da tolerância e do pluralismo e, portanto, geradora de um
impulso democrático. Esta visão idealista repousava na crença deveras
reducionista de que “quanto mais as pessoas souberem, mais opiniões terão;
mais a democracia se espalha”379. Igualmente questionável era o conceito de que
a absorção da China na ordem globalizada transformaria o país ao mesmo tempo
que escudava os Estados Unidos da mudança. Para todos os efeitos, Clinton e
Lake viam a mudança como unilinear e pareciam não antecipar a possibilidade
de os Estados Unidos serem profundamente abalados pela globalização.
Assente nestes pressupostos teóricos, a Administração Clinton estabelecia o
padrão das relações sino-americanas que permanecerá inalterado até à eleição de
Donald Trump. O momento decisivo do relacionamento, o início da chamada
“Americhina”, ocorre em 2000, quando o Congresso autoriza “relações
comerciais normais permanentes” (PNTR) com a República Popular380. PNTR
representa um tremendo upgrade para a República Popular porque a Lei de
Comércio de 1974 excluía a China e uma série de nações comunistas do estatuto
de MFN, a menos que cumprissem certas condições prévias. Em resultado da
melhoria nas relações bilaterais, em 1980 a RPC recebe o estatuto de MFN,
sujeito a renovação anual pelo Congresso. A concessão de “relações comerciais
normais permanentes” opera, pois, uma viragem radical, uma  vez que era
acompanhada pelo compromisso do “acesso favorável” permanente ao mercado
americano. Praticamente garantia também a entrada de Beijing na OMC. Mais
importante, ao eliminar a incerteza inerente a uma revisão anual dos termos do
comércio bilateral, o PNTR permite que  empresas americanas e chinesas
estabeleçam cadeias de fornecimento interligadas. Como resultado do aumento
da con ança dos investidores, as duas economias tornaram-se cada vez mais
entrelaçadas à medida que se avolumavam os uxos de investimento e as trocas
comerciais.
Em maio de 2000, aquando da aprovação do PNTR pelo Congresso, Clinton
resumia as esperadas consequências da medida: “entretanto, exportaremos mais
do que nossos produtos. Com este acordo, também exportaremos um dos nossos
valores mais queridos, a liberdade económica. A entrada da China na OMC e a
normalização do comércio fortalecerão aqueles que lutam pelo meio ambiente,
pelas normas de trabalho, pelos direitos humanos e pelo Estado de Direito. Para
a China, esse acordo aumentará claramente os benefícios da cooperação e os
custos do confronto”381. Bill Clinton errou estrondosamente em todas as suas
previsões, mas, ainda assim, esta visão da República Popular não seria
questionada durante duas décadas. Com a sua ascensão à OMC, em dezembro
de 2001, a China reunia as condições necessárias para assegurar o seu
crescimento e a sua adesão vertiginosa como grande potência. Clinton e Lake
foram, pois, os arquitetos da doutrina e do consenso bipartidário que torna os
EUA nos enablers do surgimento chinês.
Durante a campanha para a Casa Branca de 2000, George W. Bush rejeita a
visão de Bill Clinton da China como um “parceiro estratégico”, alegando que os
Estados Unidos e a República Popular eram “concorrentes estratégicos” e, para
sublinhar a diferença, jura fazer “o que for preciso” para defender
Taiwan382. Bush teve razão antes do tempo, mas as suas intenções não resistem à
atrocidade da al-Qaeda de 11 de setembro de 2001. Com efeito, os ataques a
Nova Iorque e Washington também zeram esquecer que a primeira crise de
política externa enfrentada por Bush envolveu a China. Três meses depois de
iniciar o seu mandato, o novo Presidente, em abril de 2001, era confrontado
com o “Incidente da Ilha Hainan”, desencadeado quando uma aeronave EP-3E
da Marinha americana colide nos céus do Mar do Sul da China com um
intercetor J-8 chinês, vitimando o piloto chinês 383.
O avião americano é forçado a fazer uma aterragem de emergência em Hainan e
os 23 tripulantes são prontamente presos pelas autoridades chinesas. Segue-se
uma prolongada batalha diplomática, concluída apenas quando o embaixador
Joseph Prueher entrega uma “carta de duas desculpas” ao Ministro das Relações
Exteriores Tang Jiaxuan. A missiva a rma que Washington estava “muito
arrependida” pela morte do piloto e “muito arrependida” pelo avião da Marinha
não ter obtido “autorização” para aterrar em solo chinês384. Visivelmente
satisfeita com o pedido de desculpas, Beijing liberta a tripulação. Embora os
Estados Unidos mais tarde aleguem que a carta não consubstanciava um pedido
de desculpas, que apenas expressava “arrependimento e tristeza”, a vitória de
propaganda dos chineses era indesmentível385. Pouco depois, em junho, o
Presidente revela que Washington não se opõe à realização dos Jogos Olímpicos
em Beijing no Verão de 2008.
O cataclismo desencadeado pela al-Qaeda em 11 de setembro de 2001
provoca uma viragem profunda na política externa dos EUA e, como não
poderia deixar de ser, nas relações sino-americanas.  Imediatamente após os
ataques, o Presidente Jiang Zemin expressa a “profunda simpatia” do seu país e
reitera que o “governo chinês sempre condenou e se opôs a todo o tipo de
violência terrorista”386. Para além desta expressão de solidariedade, a China
endossa várias resoluções do Conselho de Segurança da ONU que autorizam o
uso da força contra a al-Qaeda e o governo afegão dos taliban, como também
exige que o Iraque desista de obstruir as inspeções de armas autorizadas pelo
Conselho de Segurança. Previsivelmente, as tradicionais críticas americanas ao
comportamento chinês, em particular às violações dos direitos humanos,
diminuíram de forma signi cativa. No discurso do Estado da União, de janeiro
de 2002, George Bush chega ao ponto de a rmar que  “neste momento de
oportunidade, um perigo comum apaga as antigas rivalidades.  Os Estados
Unidos estão a trabalhar com a Rússia, a China e a Índia como nunca zemos
antes para alcançar a paz e a prosperidade”387.  Pouco depois, em 2003,
Washington abandona o seu tradicional patrocínio de uma resolução anual do
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas a censurar as violações dos
direitos humanos na China.
O foco estratégico da política externa americana no pós-11 de setembro – a
“Guerra Contra o Terror” e as intervenções militares no Afeganistão e no Iraque
que a acompanham – faculta à China espaço de manobra acrescido.
Compromissos militares substanciais em vários países da Ásia Central,
imprescindíveis à condução da guerra no Afeganistão, renovam os temores de
Beijing quanto a um novo cerco estratégico. Ao mesmo tempo, à medida que se
estabelece o “admirável mundo novo” da “cooperação antiterrorista” sino-
americana, Washington concede aos chineses uma mão livre em Xianjing, onde
o regime procura intensi car a repressão do movimento “terrorista” uigure388.
Con ante no amplo apoio diplomático reunido para prosseguir a “guerra ao
terror”, Bush mostra-se disposto a acomodar a China em troca da “moderação”
do país na cena internacional.  Todavia, ao recorrer ao Conselho de Segurança
para legitimar as suas ações militares, a estratégia diplomática de Bush coloca-o
à mercê da Rússia e da China. Con ando que estes dois membros permanentes
do Conselho de Segurança não iriam vetar decisões destinadas a conduzir a
“guerra ao terrorismo”, Bush abre a porta para que  Moscovo e Beijing se
oponham à intervenção militar destinada a derrubar Saddam Hussein.
Centrada no Grande Médio Oriente, a “Guerra Contra o Terror” distrai
Washington das mudanças vertiginosas a decorrer na Ásia, permitindo, assim
que Beijing reforce as suas posições na região, particularmente nos mares Sul da
China e Leste da China. Em grande parte, o “pivô” para a Ásia deliberado por
Barack Obama, e anunciado dez anos após o 11 de setembro, procura
“reequilibrar” a correlação regional de poder a favor de Washington, um
objetivo que, por si só, constitui uma admissão dos ganhos obtidos por
Beijing389. Desenvolvido pela Secretária de Estado Hillary Clinton, num artigo
publicado em outubro de 2011 na revista Foreign Policy, intitulado “America’s
Paci c Century”, o “pivô” procura reorientar as prioridades estratégicas de
Washington, centradas no Atlântico desde 1945390.
A reorientação para o Pací co era imprescindível porque, muito
simplesmente, a ascensão da China transformara a Ásia no “principal motor da
política mundial”391.  Para que os EUA pudessem conservar a sua liderança na
cena mundial, era imperativo investir no Pací co da mesma forma como se
promoveu o relacionamento transatlântico após a Segunda Guerra Mundial.
Implicitamente, Clinton sugeria que os recursos gastos nas guerras do Iraque e
do Afeganistão re etiam prioridades políticas erróneas e, portanto, Washington
teria de voltar a concentrar-se no espaço Ásia-Pací co.  Entendido como uma
reorientação de prioridades e recursos, o “pivô” a gurava-se como uma resposta
ao desa o suscitado pela emergência da China. Para todos os efeitos, o “pivô”
sinaliza a recusa de Washington de assistir paci camente ao estabelecimento de
Beijing como líder regional”392.
Mas a viragem para a Ásia era mais do que uma resposta à ascensão da China;
era uma réplica ao dinamismo da região e à sua crescente relevância na política
mundial393. Era também o regresso ao espaço natural do poderio americano.
A América volta a centrar-se no Pací co depois do desvio para a Europa e o
Atlântico provocado pelo expansionismo soviético. Do ponto de vista comercial,
o interesse nacional ditava que os Estados Unidos não se podiam ausentar da
mais robusta região do mundo. Contudo, o “pivô” não era motivado
exclusivamente pelo comércio, pelo investimento e pelo crescimento.  Ao
provocar uma série de mudanças na balança de poder regional, a ascensão da
China passa a ameaçar a preponderância dos Estados Unidos no Pací co e, num
horizonte mais imediato, a ordem regional asiática mantida pelo poderio
americano. Numa reunião de Ministros dos Negócios Estrangeiros da ASEAN,
realizada a 23 de julho de 2010, Hillary Clinton expressa essas mesmas
preocupações quando declara que os Estados Unidos tinham “um interesse
nacional na liberdade de navegação, no acesso aberto aos bens marítimos da
Ásia e no respeito pelo Direito Internacional no Mar do Sul da China”394.
A estratégia do “pivô” exige o fortalecimento das parcerias asiáticas,
particularmente com os aliados tradicionais, como sejam o Japão, a Coreia do
Sul e a Austrália.  Hillary Clinton argumenta que uma participação americana
mais robusta na região será garantida por meio das instituições multilaterais
existentes, como a ASEAN e a APEC. Mas o aumento do comércio e do
investimento exigiria novas iniciativas, como a Parceria Trans-Pací ca (TPP),
complementada por acordos de livre comércio com os aliados tradicionais.
Centrada no Japão, a Parceria Trans-Pací ca oferecia o acesso ao mercado dos
EUA a um bloco de doze países, muitos dos quais já tinham tratados bilaterais
de comércio com a América. Apesar de ser visto como um caminho alternativo
ao aprofundamento das relações comerciais com Beijing, o TPP não era, porém,
uma simples zona de livre comércio. Previa-se que impulsionasse a criação de
regras sobre “práticas anticoncorrenciais”, assim como o estabelecimento de
uma entidade supranacional que pudesse zelar pela sua aplicação.
Embora a integração da China não estivesse de nitivamente excluída, tal
eventualidade só seria possível se, em algum momento, o país se conformasse
com as regras do TPP, o que obrigaria Beijing a abandonar as suas empresas
estatais e a abrir os seus mercados. Na prática, obrigaria a República Popular a
descartar o modelo do “socialismo com características chinesas”. Obama seria
claríssimo quanto a este assunto quando a rma que “o TPP permite que os
EUA – e não países como a China – escrevam as regras para o século XXI, o que
é especialmente importante numa região tão dinâmica quanto a Ásia-
Pací co”395. Muito mais que do projeto de livre comércio, o TPP visava forçar
mudanças na economia chinesa e, por extensão, no sistema político do país, ao
mesmo tempo que privava a China dos mercados das nações aliadas e,
retardando assim, a sua plena ascensão. É evidente que, Obama partilha a
convicção de Bill Clinton de que a mudança política na China seria
impulsionada pelo incremento do comércio e pela lógica inerente à
interdependência. Mas, à luz da experiência com a OMC, entendia que era
crucial retardar a conquista de mercados por Beijing, o que pressupunha novas
regras multilaterais.
Consciente da ameaça representada pelo projeto americano, Beijing
rapidamente responde ao desa o colocado pelo TPP. Acelera a Parceria
Económica Regional Abrangente  da ASEAN (RCEP) e, em 2013, Xi Jinping
anuncia a Iniciativa Faixa e Rota.  Congregando as dez nações da ASEAN e a
China, a Austrália, o Japão, a Coreia do Sul e a Nova Zelândia, a RCEP seria
lançada em novembro de 2012 com o intuito de estimular a liberalização das
trocas comerciais entre os países-membros396. Embora não fosse entendida como
uma área de livre comércio, a parceria, na ótica de Beijing, deveria fomentar a
uniformização das regras comerciais e dos padrões técnicos (standards) associados
às novas tecnologias. Atendendo ao peso colossal da economia da RPC, esses
standards, previsivelmente, favoreciam as empresas chinesas.  Ao propor uma
área de comércio cujas regras e padrões técnicos eram substancialmente
divergentes dos standards promovidos por Washington, a RCEP
consubstanciava uma resposta direta e global ao TTP.  Igualmente importante,
representava uma tentativa chinesa de exercer maior domínio sobre os estados
da ASEAN. Se é verdade que o objetivo primordial dos Estados Unidos era
excluir a China do TPP, é igualmente verdade que o objetivo fundamental da
China era excluir os Estados Unidos da Ásia.
Embora o TPP fosse uma ferramenta geopolítica concebida para conter a
China, o “pivô” de Obama não ignorava as demais questões de segurança
regional397. Neste campo especí co, os Estados Unidos pretendiam modernizar
os tratados de defesa bilateral celebrados com a Austrália, o Japão e a Coreia do
Sul. Ao mesmo tempo, antecipavam o desenvolvimento de novas alianças e
parcerias com os estados emergentes da região. Uma presença militar robusta
manter-se-ia através da projeção do poderio naval e do fornecimento de bens
coletivos de segurança regional, como a liberdade de navegação.  Ainda mais
crítico, era a responsabilidade pela preservação da liberdade de navegação e a
abertura permanente das rotas marítimas que recaáa sobre as forças navais
americanas. Beijing, seria portanto pressionada a respeitar estes princípios nos
mares Sul da China e Leste da China. 
O “pivô” signi cava que recursos militares adicionais, sobretudo navais, seriam
transferidos para o Pací co, enquanto as bases militares existentes seriam
ampliadas e modernizadas398.  Aliados regionais como o Japão seriam
incentivados a assumir responsabilidade acrescida pela sua segurança,
modernizando capacidades militares de modo a garantir maior prontidão e, não
menos relevante, a aliviar o fardo imposto ao tesouro americano.  A m de
serenar a China, estas inovações seriam equilibradas com o aprimoramento do
diálogo militar bilateral com a República Popular. Era esta a visão expressa pelo
“pivô”; porém a realidade no terreno resultante das escolhas da Administração
Obama seria outra.
 
 
Rollback de Trump
 
No dia 15 de junho de 2015, ao som de “Rockin’ in the Free World” de Neil
Young, o bilionário nova-iorquino Donald Trump desce a principal escadaria
rolante da Trump Tower para anunciar a sua entrada na corrida pela nomeação
presidencial do Partido Republicano399. Dado que Trump era frequentemente
apontado como eventual candidato, o anúncio não era inteiramente inesperado,
se bem que a maioria dos observadores acreditasse tratar-se de mais um golpe
de publicidade orquestrado por uma personalidade consagrada do show business.
Com efeito, Trump fora durante décadas um elemento xo no panorama do
entretenimento americano, tornando-se numa vedeta televisiva como
apresentador
do “The Apprentice” ao longo de catorze temporadas400.
Geralmente negligenciadas na época eram, porém, as vagas crenças políticas e
as declarações públicas de Trump apontando o declínio industrial da América e
a sua convicção de que o resto do “mundo se ri dos políticos americanos”. Essas
crenças expressar-se-iam durante o anúncio da candidatura, que se prolonga por
mais de uma hora. Trump refere explicitamente a sua intenção de reverter o
“declínio” do país de forma a “Tornar a América Novamente Grande”.
Introduziu vários temas que posteriormente vieram a de nir a sua candidatura:
a imigração ilegal, as desigualdades nos acordos de livre comércio, a
desindustrialização e a perda de postos de trabalho, o terrorismo, os
preconceitos políticos dos media e a rejeição do elitismo cultural e do
politicamente correto.  Tratava-se, para todos os efeitos, de uma visão
coincidente com as prioridades nacionais e internacionais que, nos anos 1990,
de niram as campanhas de Pat Buchanan em busca da nomeação presidencial
do Partido Republicano. Por muito controverso que fosse, Trump articulava
uma perspetiva que durante duas décadas zera a sua caminhada nas leiras do
partido e obtivera ressonância na sociedade.
O discurso de lançamento da candidatura provoca uma tempestade de críticas,
a maioria das quais sobre os comentários centrados na imigração mexicana.
Trump a rmara que “quando o México nos envia o seu povo, não envia o seu
melhor (...). Enviam pessoas que têm muitos problemas e trazem esses
problemas com eles. Eles trazem drogas. Eles trazem crime. Eles são violadores.
E alguns, suponho, são pessoas boas”401. A natureza das a rmações gerou a
tempestade, mas as declarações mais signi cativas prendiam-se com a alegação
de que os empregos bem remunerados dos trabalhadores americanos de
colarinho azul estavam a ser deslocalizados para o México e para a China402.
Curiosamente, Trump não culpabiliza a China pelo estado das coisas. A rma
que Beijing apenas prosseguia os seus legítimos interesses.
A responsabilidade pela devastação da indústria americana e pela perda dos
postos de trabalho residia diretamente no governo de Barack Obama, conivente
com uma relação comercial desigual que remontava aos anos 1990. Não deixava
de ser irónico constatar que 70 anos após a abolição dos “tratados desiguais”
impostos à China durante o “século da humilhação”, quem agora clamava
contra tratados comerciais injustos eram os Estados Unidos.
À medida que a longa e imprevisível campanha das primárias republicanas se
desenrola, uma candidatura quixotesca transforma-se numa cruzada contra o
status quo, doméstico e internacional. Trump permanece in exível nos ataques às
práticas comerciais chinesas e denuncia os danos provocados aos interesses
americanos pelo comportamento predatório de Beijing. Rotula, reiteradamente,
o país como o “campeão da manipulação de moeda” e promete que, caso seja
eleito, no seu primeiro dia de trabalho na Sala Oval formalmente designará a
China como manipulador da moeda403. Denuncia os obstáculos à entrada das
empresas americanas no mercado chinês e as promessas incumpridas da China:
as barreiras e práticas discriminatórias, as transferências forçadas de tecnologia,
o roubo agrante da propriedade intelectual, a ausência de reformas no setor
estatal. Esta vasta litania de queixas leva o candidato a concluir que a melhor
forma de manter uma saudável relação bilateral com a República Popular era
exigir reciprocidade para as empresas americanas e a igualdade de condições no
âmbito do comércio bilateral.
Trump não seria o único a criticar o comportamento chinês. Há muito que
Hillary Clinton denunciava o passado sombrio do país no campo dos direitos
humanos e da igualdade de género. Mas, em contraste com Trump, as suas
opiniões quanto às relações comerciais eram consideravelmente menos assertivas
porque, sem dúvida, acreditava que o engajamento económico com Beijing
continuava a ser a mais adequada opção de política externa. A antiga Secretária
de Estado de Obama não estava preparada para abandonar a abordagem do
establishment de nida por Bill Clinton nos anos 1990.  Não obstante as
relutâncias, porventura compreensíveis, de Hillary Clinton, a realidade
impunha-se à medida que a sua campanha presidencial procura articular uma
mensagem coerente que pudesse neutralizar as críticas de Trump ao
establishment, encarnado em largamedida pela própria Clinton.  No início de
outubro de 2015, acabará por introduzir um volte-face e declarar publicamente a
sua rejeição do TPP, sugerindo que o acordo não coincidia com o interesse
nacional dos Estados Unidos404. Considerando que, na sua qualidade de
ministra da Administração Obama, fora responsável pela arquitetura do “pivô”
que englobava o TPP, Trump pôde, legitimamente, reclamar uma estrondosa
vitória política a escassas semanas da ida às urnas.
Dir-se-á que, em vários aspetos fundamentais, a assertividade de Trump face à
China era a continuação lógica do “pivô para a Ásia” de Barack Obama. Embora
este tenha prosseguido a contenção sem a assumir, Trump fora deveras
transparente quanto à abordagem à RPC.  Poucos dias depois de ser eleito,
aceitou uma chamada telefónica de Tsai Ing-wen, Presidente de Taiwan,
tratando-a simbolicamente como chefe de estado e não como líder de uma
“província chinesa”405. Desde o rompimento das relações entre os EUA e a
República da China (Formosa), em 1979, nenhum outro presidente americano
(neste caso, um presidente eleito) falou diretamente com o mais alto responsável
taiwanês. Embora as razões que levaram Trump a agir de maneira tão
heterodoxa permaneçam obscuras, Beijing mal poderia ignorar o sinal porque,
já durante a campanha, Trump questionara a política da “China
única”.  Entrevistado pela Fox News, Trump admitia não compreender a
necessidade de manter tal política, a menos que fosse viável negociar outros
assuntos, inclusive comerciais, com o governo chinês406. Mesmo que Trump
estivesse apenas a maximizar a sua margem negocial, questionar publicamente a
política da “China única” con gurava uma rutura com a política externa
americana dos cinquenta anos anteriores.
Com efeito, a política da “China única” fora adotada por Washington após a
histórica reunião entre Richard Nixon e Mao Zedong, em fevereiro de 1972.
Formalmente ela, reconhecia que o país era indivisível, mas não se pronunciava
quanto à questão da legitimidade dos governos sediados em Beijing e Taipei.
Ao consumar essa viragem política, a Administração Nixon, com o
consentimento de Beijing, nunca deixou de manter uma relação privilegiada
com Taipei. Ao longo de três décadas, os EUA preservaram a sua “ambiguidade
estratégica” quanto à resposta a dar caso a RPC recorresse à força para reuni car
o país407. Porque “testar” a determinação americana relativamente à defesa da
Formosa acarretaria o risco de provocar uma guerra, os chineses aceitaram esse
entendimento informal entre os dois governos. A correlação de forças era o que
era e o status quo sustentava a paz no Estreito de Taiwan, garantida pela presença
periódica da Marinha americana. Foi precisamente esse  status quo  que Trump,
deliberadamente ou não, questionou ao atender a chamada telefónica de Tsai
Ing-wen.
Sinais adicionais de endurecimento político em relação a Beijing emergem
quando Peter Navarro e Steve Bannon, dois críticos acérrimos da RPC, são
indicados para cargos de destaque na Administração, com Bannon a integrar o
núcleo duro dos conselheiros pessoais do Presidente408.  As che as dos
departamentos do Estado e da Defesa são igualmente con adas a homens cujas
opiniões sobre a China não indicam qualquer descompressão futura.  Por
exemplo, o Secretário de Estado designado, Rex Tillerson, durante as audições
da sua con rmação no Senado, sugere que a construção de ilhas arti ciais no
Mar do Sul da China era “semelhante à tomada da Crimeia pela Rússia”,
acrescentando que “vamos, primeiro, ter de enviar um sinal claro à China para
pôr termo à construção das ilhas e, segundo, também não será permitido o
acesso a essas ilhas”409. Aparentemente indicando à possibilidade de um
bloqueio naval a m de impedir o controlo efetivo de Beijing sobre as Ilhas
Spratly, caracteriza a política da RPC como “extremamente preocupante”,
acrescentando que, caso se consumasse o controlo, estar-se-ia perante uma
ameaça potencial a “toda a economia global”. Apontando o dedo ao Presidente
Obama, Tillerson a rma que o “fracasso de proporcionar uma resposta permite
que continuem a forçar o envelope”, ou seja, Beijing não fora dissuadida410.
Apesar da dureza destas palavras, Tillerson distancia-se de Trump quanto a
uma questão essencial: expressa o seu apoio à Parceria Trans-
Pací ca. Demonstrando uma preferência por relacionamentos bilaterais com os
países do Pací co, Trump caracteriza o TPP como um acordo comercial injusto
e prejudicial para os interesses dos EUA. A título exempli cativo, num discurso
de campanha, a 6 de junho de 2016, no Ohio, a rma que “a Parceria Trans-
Pací ca é outro desastre impulsionado por interesses especiais que desejam
violar o nosso país, apenas uma violação contínua do nosso país. 
É o que isso é.  É uma palavra dura: é uma violação do nosso país”411. No seu
terceiro dia de mandato, Trump abandona o TPP, declarando, a partir da Sala
Oval, que a decisão era “um grande acontecimento para o trabalhador
americano”412. Não obstante a decisão presidencial, a odisseia do TPP não
termina aqui. Determinados a evitarem o colapso do projeto, os restantes países
negoceiam novas disposições que, esperava-se, convenceriam Trump a regressar
ao TPP.  No início de abril de 2018, a Vice-Secretária de Imprensa da Casa
Branca, Lindsay Walters, admite que “o Presidente sempre disse que estaria
aberto a um acordo substancialmente melhor, inclusive no seu discurso em
Davos no início deste ano.  Por isso, pediu ao Embaixador Lighthizer e ao
diretor Kudlow que examinassem se um acordo melhor poderia, ou não, ser
negociado”413. No dia 30 de dezembro de 2018, o Acordo Global e Progressivo
para a Parceria Trans-Pací ca entra em vigor, mas a posição da Administração
americana, menos enfática do que no passado, permanecia inconclusiva.
Trump tem sido decisivo na moldagem de um novo consenso bipartidário
quanto à formidável ameaça que a China hoje representa. Embora a ortodoxia
na política externa do pós-Guerra Fria tivesse postulado que o engajamento dos
Estados Unidos com a China modi caria o comportamento internacional da
RPC, o robustecimento do autoritarismo e a uma política externa cada vez mais
assertiva por parte de Beijing levaram a opinião pública americana a aceitar
uma nova orientação política. Embora esse novo “consenso bipartidário” ainda
não se tenha solidi cado, é geralmente aceite que o rumo prosseguido desde os
anos 1990 fracassou. Kurt Campbell e Ely Ratner, dois altos responsáveis pela
condução da política da Administração Obama na Ásia,  descrevem a China
como o “concorrente mais dinâmico e formidável da América na história
moderna” e reconhecem que as premissas subjacentes à tradicional política dos
EUA “começam a parecer cada vez mais ténues”414. Preservou-se o “consenso da
China” até à eleição de Trump porque não era inteiramente evidente que a
abordagem tivesse chegado a um beco sem saída. Dir-se-á que, até à ascensão de
Xi Jinping à liderança do PCC, sinais apontavam para uma abertura incipiente
do regime. Esses sinais não eram inequívocos porque as reformas eram
usualmente contraditórias, e, obviamente, sujeitas à reversão.  Muitos
observadores também se deixaram iludir pela retórica da “ascensão pací ca”,
sustentando que o incremento do poderio económico chinês não seria
convertido em ativos militares suscetíveis de perturbar o equilíbrio de poder
regional. As persistentes declarações de Beijing de que o país estava a traçar um
“caminho pací co” encaixavam na narrativa avançada por académicos e políticos
ocidentais seduzidos pelas teorias do declínio americano.
Trump desfaz o “consenso da China” do establishment político e quebra as
expectativas benignas subjacentes ao engajamento que pareciam “naturais” num
mundo globalizado.  Denunciando os parcos resultados do engajamento, o
Secretário de Estado Mike Pompeo a rmou: “ zemos muito para acomodar a
ascensão da China na esperança de que a China comunista se tornasse mais livre,
mais orientada para o mercado e, nalmente, mais democrática. E zemos isso
durante muito tempo”415. O endurecimento das políticas interna e externa de
Xi Jinping aparentemente demonstrara até que ponto a política dos EUA fora
um equívoco. Não foram as violações dos direitos humanos nem convicções
anticomunistas que levaram Trump a agir; foram as relações comerciais injustas,
e a devastação industrial produzida nos Estados Unidos. Movidos pelo acesso ao
vasto mercado chinês, as grandes empresas foram (e são) os principais defensores
da política de engajamento.
Para os políticos, os riscos de assumirem uma retórica mais robusta e posições
mais a rmativas no Congresso diminuíram porque a opinião pública americana,
mesmo antes da “crise Covid”, deixou de ver a China como uma potência
benigna. Longe iam os tempos em que a opinião pública, bene ciária das
importações chinesas baratas que impulsionavam o chamado “efeito Wal-Mart”,
mantinha uma expetativa favorável da República Popular416. Um inquérito
conduzido pela Pew Research,  de agosto de 2019, revelava que as perceções
negativas atingiam os 60%, o índice mais desfavorável desde que a Pew
começou a incluir a questão nos seus inquéritos417. Os resultados indicam uma
série de dados interessantes. Quando interrogados sobre qual o país que
constituía a maior ameaça para os Estados Unidos, 24% dos inquiridos
indicaram a China, o mesmo número que identi cou a Rússia, enquanto a
Coreia do Norte reunia 12% das respostas.  Por m, tanto democratas como
republicanos viam a China de forma negativa, embora “a opinião republicana
seja um pouco mais negativa: 70% dos republicanos e independentes que
apoiam os republicanos têm uma opinião desfavorável, em comparação com
59% dos democratas e independentes de tendência democrata”418. A “crise
Covid” provocou um ainda maior endurecimento da opinião pública americana
contra a China.
Um segundo aspeto do “novo consenso da China” assenta na convicção de que
o momento unipolar americano foi de nitivamente substituído pela rivalidade
entre grandes potências419, uma mudança salientada pela Estratégia de
Segurança Nacional dos Estados Unidos da América de dezembro de 2017. O
texto, o mais importante documento de segurança nacional, de ne a China
como um “concorrente” e uma “potência revisionista”420, acrescentando que “a
China e a Rússia desa am o poder, a in uência e os interesses americanos numa
tentativa de minar a segurança e a prosperidade americanas. Estão determinadas
em tornar as economias menos livres e menos justas, a aumentar as suas forças
armadas e a controlar informações e dados para reprimir as suas sociedades e
expandir a sua respetiva in uência”421.
A Estratégia de Segurança Nacional de Donald Trump ganha relevância ao
sugerir que a ameaça chinesa representa um desa o abrangente, de amplo
espetro, ao poderio americano. 
A partir do momento em que a Casa Branca de ne tal viragem, uma política
que essencialmente reduz a rivalidade a
de cits, balanças de pagamentos e barreiras alfandegárias começa a ser
insustentável. No preciso momento em que Trump negoceia a pausa na “guerra
comercial”, a “crise Covid” obriga-o a ir para além dos de cits e do comércio
injusto. Rival global, a China requer uma resposta estratégica de espetro total.

343 . Cf., “Pompeo: Chinese threat may be worse than a Cold War 2.0”, Politico, 8 de agosto de 2020,
disponível em: https://www.politico.com/news/2020/08/12/pompeo-chinese-threat-may-be-worse-than-
cold-war-communism-394350.
344 . Ver, John Pomfret. The Beautiful Country and the Middle Kingdom, pp. 1-28.
345 . Cf., Warren E. Cohen. America’s Response to China: A History of Sino-American Relations (6th
ed.). Nova Iorque: Columbia University Press, 2019, p. 13. O texto complete do Tratado de Wangxia
pode ser consultado em: https://china.usc.edu/treaty-wangxia-treaty-wang-hsia-may-18-1844.
346 . John Hay foi nomeado pelo Presidente William McKinley no dia 30 de setembro de 1898. No
seguimento do assassinato de McKinley, no dia 1 de setembro de 1901, serviu o Presidente Theodore
Roosevelt na mesma capacidade até à sua morte, em 1 de julho de 1905.
347 . Sobre este assunto, cf., inter alia, David J. Silbey. The Boxer Rebellion and the Great Game in
China. Nova Iorque: Hill and Wang, 2012 e Jung Chang. Empress Dowager Cixi: The Concubine Who
Launched Modern China. Londres: Jonathan Cape, 2013, pp. 256-279.
348 . Ver, Edmund Morris. Theodore Rex. Nova Iorque: Random House, 2002, pp. 492-495.
349 . Cf., Arthur K. Kuhn, “The Lytton Report on the Manchurian Crisis”, The American Journal of
International Law, Vol. 27, No. 1, janeiro de 1933, pp. 96-100.
350 . Os Estados Unidos, a Alemanha e a França assinaram o documento no dia 27 de agosto de 1928. O
artigo I a rmava que “As Altas Partes Contratantes declaram solenemente em nome dos seus respetivos
povos que condenam o recurso à guerra para solucionar controvérsias internacionais e renunciam-na como
instrumento de política nacional nas relações recíprocas”. O Artigo II a rmava que “As Altas Partes
Contratantes concordam que a solução de todas as disputas ou con itos de qualquer natureza ou de
qualquer origem que possam surgir jamais será procurada exceto por meios pací cos”. Em caso de violação
do Pacto, os estados “deveriam ser negados os benefícios proporcionados” pelo acordo. Como não havia
mecanismo de aplicação, o Pacto não foi particularmente útil como meio de dissuasão. O texto completo
pode ser consultado em: https://avalon.law.yale.edu/20th_century/kbpact.asp.
351 . Ver, Robert C. North, Moscow and Chinese Communists, 228-235.
352 . Para a versão de Mao sobre estas negotiações, ver, Mao Tse-tung, “On the Chungking Negotiations”,
Selected Works of Mao Tse-tung, Vol. 4, pp. 53-63. Sobre as conversações, cf., Sergey Radchenko, “Lost
Chance for Peace: The 1945 CCP-Kuomintang Peace Talks Revisited”, Journal of Cold War Studies, Vol.
19, No. 2, Primavera de 2017, pp. 84-114.
353 . Sobre a missão de George Marshall, ver, Danies Kurtz-Phelan. The China Mission: George C.
Marshall’s Un nished War, 1945-1947. Nova Iorque: W.W. Norton, 2018.
354 . Sobre a resposta de Harry Truman à acusação de que “perdera” a China, ver, Kevin Peraino. A Force
So Swift: Mao, Truman and the Birth of Modern China, 1949. Nova Iorque: Crown, 2017.
355 . Cf., Gay Talese, “Truman Day Here: Talk, Walk, Talk”, The New York Times, 30 de abril de 1959,
p. 17, consultado em: https://timesmachine.nytimes.com/timesmachine/1959/04/30/89188649.html.
356 . Sobre a Guerra da Coreia, ver, John Merrill. Korea: The Peninsular Origins of the War. Newark:
University of Delaware Press, 1989 e Bruce Cummings. The Korean War: A History. Nova Iorque:
Random House, 2010.
357 . Cf., Gao Wenqian. Zhou Enlai, p. 5.
358 . Cf., Chris Tudda. A Cold War Turning Point: Nixon and China, 1969–1972. Baton Rouge:
Louisiana State University Press, 2012.
359 . Ver, Richard Nixon. The Memoirs of Richard Nixon. Nova Iorque. Grosset & Dunlap, 1978, pp.
880-881.
360 . Cf., Henry Kissinger. White House Years. Boston: Little, Brown and Company, 1979, p. 764.
361 . Ver, Gao Wenqian. Zhou Enlai, p. 6. Sobre a Doutrina Brezhnev, cf., R. Judson Mitchell, “A New
Brezhnev Doctrine: The Restructuring of International Relations”, World Politics, Vol. 30, No. 3, abril
de 1978, pp. 366-390 e Matthew J. Ouimet. The Rise and Fall of the Brezhnev Doctrine in Soviet
Foreign Policy. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2003.
362 . Richard Nixon levantou a possibilidade de retomar relações com a República Popular antes de
conquistar a Casa Branca. Cf., Richard M. Nixon, “Asia After Viet Nam”, Foreign Affairs, Vol. 46, No. 1,
outubro de 1967, pp. 111-125.
363 . Cf., Gao Wenqian. Zhou Enlai, p. 11 and Richard Nixon, Memoirs, p. 547.
364 . Ver, Henry Kissinger, White House Years, p. 691.
365 . Ver, Margaret MacMillan, Nixon and Mao: The Week that Changed the World. Nova Iorque:
Random House, 2007.
366 . O texto complete do Comunicado de Xangai pode ser consultado em: “Joint Communiqué of the
United States of America and the People’s Republic of China (“Shanghai Communiqué”, February 28,
1972)”, http://afe.easia.columbia.edu/ps/china/shanghai_communique.pdf.
367 . Ibid.
368 . Cf., George Bush e Brent Scowcroft. A World Transformed. Nova Iorque: Alfred A. Knopf, 1998,
pp. 86-111. O conservadorismo político de George Bush e a sua aversão à mudança na China é
demonstrado pela seguinte citação, reproduzida por um dos seus biógrafos, Jon Meacham: “A força da
liberdade e da democracia é fantástica, é maravilhosa”, ditou Bush, “mas a mudança tem de ser ordeira em
muitas situações. O ponto é que não podemos fomentar a revolução senão as coisas podem acabar pior”.
Cf., Jon Meacham. Destiny and Power: The American Odyssey of George Herbert Walker Bush. Nova
Iorque: Random House, 2015, p. 374.
369 . Cf., Jeff Jacoby, “Kissing and Coddling China’s Dictators”, Capitalism Magazine, 6 de junho de
2001, disponível em: https://www.capitalismmagazine.com/2001/07/kissing-and-coddling-chinas-
dictators/.
370 . Sobre o debate em torno das sanções após o massacre de Tiananmen, ver, David Skidmore e William
Gates, “After Tiananmen: The Struggle over US Policy toward China in the Bush Administration”,
Presidential Studies Quarterly, Vol. 27, No. 3, Verão de 1997, pp. 514-539.
371 . Pouco depois, Bush autorizou a venda de quarto aviões Boeing. Outras sanções, incluindo USTDA,
mas não OPIC, foram abandonadas por Bill Clinton. Durante a “Guerra Contra o Terror”, George W.
Bush permitiu a venda de sensores e equipamentos destinados à polícia. Em suma, a retórica das sanções
punitivas não era geralmente coincidente com a realidade da sua aplicação.
372 . Em 1980, a China obteve “non-discriminatory MFN status”, sujeito a revisão anual pelas
autoridades americanas. Cf., Csilla Lakatos, “Back to the 1930s: Do US tariffs signal a shift to Smoot-
Hawley-type Protectionism?”, Brookings Future Development, 26 de julho de 2018, disponível em:
https://www.brookings.edu/blog/future-development/2018/07/26/back-to-the-1930s-do-us-tariffs-signal-
a-shift-to-smoot-hawley-type-protectionism/.
373 . Cf., James Kirchick, “Dems marching backward on foreign policy”, Politico, 26 de novembro de
2007, disponível em: https://www.politico.com/story/2007/11/dems-marching-backward-on-foreign-
policy-007039.
374 . Anthony Lake, o primeiro Diretor do Conselho de Segurança Nacional (NSC) de Bill Clinton,
articulou os pilares estruturantes da Doutrina Clinton num discurso proferido a 21 de setembro de 1991,
na Johns Hopkins University. Ver, Anthony Lake, “From Containment to Enlargement”, 21 de setembro
de 1993, disponível em: http://www.mtholyoke.edu/acad/intrel/lakedoc.html. Também sobre a Doutrina
Clinton, cf., The White House, A National Security Strategy of Engagement and Enlargement, fevereiro
de 1996, consultado em: https://www.hsdl.org/?view&did=444939. Para uma discusão destes assuntos,
cf., Douglas Brinkley, “Democratic Enlargement: The Clinton Doctrine”, Foreign Policy, No. 106,
Primavera de 1997, pp. 110-127 e J. Dumbrell, “Was There a Clinton Doctrine? President Clinton’s
Foreign Policy Reconsidered”, Diplomacy & Statecraft, Vol. 13, No. 22, 2002, pp. 43-56.
375 . Cf., The White House, “Remarks by the President on Foreign Policy”, Grand Hyatt Hotel, San
Francisco, CA, February 26, 1999, acessivel em: https://www.mtholyoke.edu/acad/intrel/clintfps.htm.
376 . Ibid.
377 . Expressando este ponto de vista, Bill Clinton, em 1997, a rmou: “O isolamento da China é
impraticável, contraproducente e potencialmente perigoso. Medidas militares, políticas e económicas para
fazer isso encontrariam escasso apoio entre os nossos aliados no mundo e, mais importante, até mesmo
entre os próprios chineses que trabalham em prol de maior liberdade. O isolamento encorajaria os chineses
a se tornarem hostis e a adotarem políticas em con ito com os nossos próprios interesses e valores.
Di cultará, não facilitará, a cooperação no âmbito da proliferação de armas. Isso di cultaria, não ajudaria,
os nossos esforços para promover a estabilidade na Ásia. Iria exacerbar, não melhorar, a situação dos
dissidentes. Isso fecharia, não abriria, um dos mercados mais importantes do mundo. Isso tornaria a China
menos, e não mais, propensa a seguir as regras de conduta internacional e a fazer parte de um consenso
internacional emergente” Ver, The White House, “Remarks by the President in Address on China and the
National Interest”, Voice of America, Washington, DC, 24 de outubro de 1997, consultado em at:
https://1997-2001.state.gov/regions/eap/971024_clinton_china.html.
378 . Há uma literatura copiosa que explora a correlação robusta – mas que não deixa de ser apenas uma
correlação – entre a democracia e a paz. Alguns dos trabalhos pioneiros incluem, inter alia, Michael Doyle,
“Kant, Liberal Legacies and Foreign Affairs. Part 1”, Philosophy and Public Affairs, Vol. 12, No. 3, Verão
de 1983, pp. 205-235; Michael Doyle, “Liberalism and World Politics”, American Political Science
Review, 80, 1986; Zeev Maoz e Bruce Russett, ‘Normative and Structural Causes of Democratic Peace,
1946-1986’, American Political Science Review, Vol. 87, No. 3 setembro de 1993, pp. 624-638;
Raymond Cohen, “Paci c Unions: A Reappraisal of the Theory That Democracies Do Not Go to War
with Each Other”, Review of International Studies, Vol. 20 No. 3, julho de 1994, pp. 207-223; Michael
Doyle. Ways of War and Peace: Realism, Liberalism, and Socialism. Nova Iorque: W.W. Norton &
Company, 1997; J.R. Oneal e J.L. Ray, “New Tests of the Democratic Peace: Controlling for Economic
Interdependence, 1950-85,” Political Research Quarterly, Vol. 50, No. 4, dezembro de 1997, pp. 751-
775; John M. Owen. Liberal Peace, Liberal War. Ithaca: Cornell University Press, 1997 e Stephen van
Evera. Causes of War: Power and the Roots of Con ict. Ithaca: Cornell University Press, 199. Ver, em
português, Vasco Rato, “Mas são mesmo mais pací cas?”, Política Internacional, No. 18, Outono/Inverno
de 1998, pp. 93-114.
379 . “Quanto mais as pessoas sabem, mais opiniões irão ter; quanto mais a democracia se dissemina – e
tenha em mente que mais de metade do mundo agora vive sob governos da sua própria escolha – , mais
pessoas acreditarão que deveriam ser donos do seu próprio destino”, a rmou Bill Clinton. Cf., The White
House, “Remarks by the President at the World Economic Forum”, Davos, Switzerland, 29 de janeiro de
2000, disponível em: https://1997-2001.state.gov/travels/2000/000129clinton_wef.html.
380 . Cf., Niall Ferguson e Moritz Schularick, “Chimerica and the Global Asset Market Boom”
International Finance, Vol. 10, No. 3, Inverno de 2007, pp. 215-239.
381 . Ver, The White House, “Remarks by the President on the Passage of Permanent Normal Trade
Relations with China”, The Rose Garden, 24 de maio de 2000, consultado em: https://1997-
2001.state.gov/regions/eap/000524_clinton_china.html.
382 . Ver, Richard Baum, “From ‘Strategic Partners’ to ‘Strategic Competitors’: George W. Bush and the
Politics of U.S. China Policy”, Journal of East Asian Studies, Vol. 1, No. 2, agosto de 2001, pp. 191-220.
383 . Sobre este incidente e as suas consequências, cf., Shirley A. Kan et. al., “China-U.S. Aircraft
Collision Incident of April 2001: Assessments and Policy Implications”, CRS Report for Congress,
Updated October 10, 2001, disponível em: https://fas.org/sgp/crs/row/RL30946.pdf. e Minnie Chan,
“How a mid-air collision near Hainan 18 years ago spurred China’s military modernization”, South China
Morning Post, 2 de abril de 2019, disponível em:
https://www.scmp.com/news/china/diplomacy/article/3004383/how-mid-air-collision-near-hainan-18-
years-ago-spurred-chinas.
384 . Para o conteúdo da carta, cf., “The letter that led to release of U.S. crew”, CNN.com, 11 de abril de
2001, consultado em: https://edition.cnn.com/2001/WORLD/asiapcf/east/04/11/prueher.letter.text/.
385 . Curiosamente, o Incidente da Ilha Hainan praticamente não é referido nas memórias de George W.
Bush, pois o antigo president dedica-lhe menos de uma página de atenção. Cf., George W. Bush. Decision
Points. Nova Iorque: Crown, 2010, p. 426. Sobre o mesmo assunto, ver, Condoleezza Rice. No Higher
Honor: A Memoir of My Years in Washington. Nova Iorque: Crown, 2011, pp. 45-48.
386 . Ver, “Jiang Expresses Sympathy to Bush, Condemns Terrorists”, 11 de setembro de 2001, disponível
em: http://bg.chineseembassy.org/eng/dtxw/t131603.htm.
387 . Ver, The White House, “President Delivers State of the Union Address”, consultado em:
https://georgewbush-whitehouse.archives.gov/news/releaSes/2002/01/20020129-11.html.
388 . Sobre a “Guerra Contra o Terror” de Beijing em Xinjiang na sequência imediata do 11 de setembro,
cf., Chien-peng Chung, “China’s “War on Terror”: September 11 and Uighur Separatism”, Foreign
Affairs, Vol. 81, No. 4, julho/agosto de 2002, pp. 8-12.
389 . Ver, Kurt M. Campbell. The Pivot: The Future of American Statecraft in Asia. New York: Twelve,
2016. Campbell, Secretário de Estado Adjunto para a Ásia durante o primeiro mandato da Administração
de Obama, foi, na prática, o principal arquiteto do “pivô” para a Ásia. 
390 . Cf., Hillary Clinton, “America’s Paci c Century”, Foreign Policy, 11 de outubro de 2011,
disponível em: https://foreignpolicy.com/2011/10/11/americas-paci c-century/.
391 . Ibid.
392 . Ver, Jude Woodword. The US vs China: Asia’s New Cold War?. Manchester: Manchester University
Press, 2017.
393 . Pouco depois, em janeiro de 2012, o Departamento de Defesa americano reproduzia a linguagem de
Clinton num relatório onde se pode ler: “Os interesses económicos e de segurança dos EUA estão
inextrincavelmente ligados aos desenvolvimentos no arco que se estende desde o Pací co Ocidental e Leste
Asiático até à região do Oceano Índico e Sul da Ásia, criando uma mistura de desa os e oportunidades em
evolução permanente. Assim, embora as forças armadas dos EUA continuem a contribuir para a segurança
global, iremos necessariamente reequilibrar em direção à região da Ásia-Pací co. Os nossos
relacionamentos com os aliados asiáticos e parceiros-chave são essenciais para a estabilidade e o
crescimento futuro da região. Enfatizaremos as nossas alianças existentes, que fornecem uma base vital
para a segurança da Ásia-Pací co. Também expandiremos as nossas redes de cooperação com parceiros
emergentes em toda a Ásia-Pací co para garantir a capacidade coletiva e a capacidade de proteger
interesses comuns”. Ver, Department of Defense, “Sustaining Global Leadership: Priorities for 21st
Century Defense”, Washington, DC, janeiro de 2012, disponível em:
https://archive.defense.gov/news/Defense_Strategic_Guidance.pdf.
394 . Cf., US Department of State, “Remarks at Press Availability”, Hanoi, Vietnam, 23 de julho de
2010, disponível em: https://2009-2017.state.gov/secretary/20092013clinton/rm/2010/07/145095.htm.
395 . Para as palavras de Obama, ver, The White House, “Statement by the President on the Signing of
the Trans-Paci c Partnership”, 3 de fevereiro de 2016, disponível em:
https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-of ce/2016/02/03/statement-president-signing-trans-
paci c-partnership.
396 . Cf., por exemplo, Min Ye, China and Competing Cooperation in Asia-Paci c: TPP, RCEP, and the
New Silk Road”, Asian Security, Vol. 11, No. 3, 2015, pp. 206-224 e Shintaro Hamanaka, “TPP versus
RCEP: Control of Membership and Agenda Setting” Journal of East Asian Economic Integration Vol. 18,
No. 2, junho de 2014, pp. 163-186.
397 . Para uma discussão do signi cado geopolítico do acordo comercial, cf., Michael J. Green e Matthew
P. Goodman. “After TPP: The Geopolitics of Asia and the Paci c”, The Washington Quarterly, Vol. 38,
No. 4, outubro de 2015, pp. 19-34 e Jane Perlez, “U.S. Allies See Trans-Paci c Partnership as a Check on
China”, The New York Times, 6 de outubro de 2015, disponível em:
https://www.nytimes.com/2015/10/07/world/asia/trans-paci c-partnership-china-australia.html.
398 . para uma análise crítica, ver, Bruce Klingner, “The Misssing Asia Pivot in Obama’s Defense
Strategy”, The Heritage Foundation WebMemo, 6 de janeiro de 2012, consultado em:
http://thf_media.s3.amazonaws.com/2012/pdf/wm3443.pdf.
399 . Cf., Michael Kruse, “The Escalator Ride That Changed America”, Politico, 14 de junho de 2019,
consultado em: https://www.politico.com/magazine/story/2019/06/14/donald-trump-campaign-
announcement-tower-escalator-oral-history-227148.
400 . Ver, Charlie Laderman e Brendan Simms. Donald Trump: The Making of a World View. Londres:
I.B. Tauris, 2017, p. 3.
401 . Ver, Washington Post Staff, “Full text: Donald Trump announces a presidential bid”, Washington
Post, 16 de junho de 2015, disponível em: https://www.washingtonpost.com/news/post-
politics/wp/2015/06/16/full-text-donald-trump-announces-a-presidential-bid/.
402 . Ver, Justin R. Pierce e Peter K. Schott, “The Surprisingly Swift Decline of US Manufacturing
Employment”, American Economic Review, Vol. 106, No. 7, 2016, pp. 1632–1662.
403 . Depois de ser investido, Trump continuou a designar a China como um manipulador da moeda. Ver,
por exemplo, Steve Holland e David Lawder, “Exclusive: Trump calls Chinese ‘grand champions’ of
currency manipulation”, Reuters, 24 de fevereiro de 2017, consultado em:
http://www.reuters.com/article/us-usa-trump-china-currency-exclusive-idUSKBN1622PJ. Dois meses
depois de assumir a presidência, numa entrevista concedida ao The Wall Street Journal, Trump
aparentemente mudara de ideias e recusou rea rmar a designação perante os jornalistas. Cf., Gerard Baker,
Carol E. Lee e Michael C. Bender, “Trump Says Dollar ‘Getting Too Strong,’ Won’t Label China a
Currency Manipulator” The Wall Street Journal, 12 de abril de 2017, disponível em:
https://www.wsj.com/articles/trump-says-dollar-getting-too-strong-wont-label-china-currency-
manipulator-1492024312.
404 . Para uma exposição sobre a política interna do Partido Democrata subjacente à decisão, cf., Jonathan
Allen e Amie Parnes. Shattered: Inside Hillary Clinton’s Doomed Campaign. Nova Iorque: Crown, 2017,
pp. 86-87. Também, Anne Gearan e David Nakamura, “Hillary Clinton comes out against Obama’s
Paci c trade deal”, The Washington Post, 7 de outubro de 2015, consultado em:
https://www.washingtonpost.com/news/post-politics/wp/2015/10/07/hillary-clinton-comes-out-against-
obamas-paci c-trade-deal/.
405 . Cf., Mark Landler e David E. Sanger, “Trump Speaks with Taiwan’s Leader, an Affront to China”,
The New York Times, 2 de dezembro de 2016, disponível em:
https://www.nytimes.com/2016/12/02/us/politics/trump-speaks-with-taiwans-leader-a-possible-affront-
to-china.html.
406 . Cf., Mark Lander, “Trump Suggests Using Bedrock China Policy as Bargaining Chip”, The New
York Times, 11 de dezembro de 2016, disponível em:
https://www.nytimes.com/2016/12/11/us/politics/trump-taiwan-one-china.html?
action=click&contentCollection=Asia%20Paci c&module=RelatedCoverage&region=Marginalia&pgtype
=article. Pouco tempo depois, na sequência de um telefonema com Xi Jinping, o Presidente Trump
anuncia que, a nal, iria respeitar a política da “China única”. Ver, Mark Landler e Michael Forsythe,
“Trump Tells Xi Jinping U.S. Will Honor ‘One China’ Policy”, The New York Times, 9 de fevereiro de
2017, consultado em: https://www.nytimes.com/2017/02/09/world/asia/donald-trump-china-xi-jinping-
letter.html.
407 . Para uma discussão, cf., Jonathan Manthorpe. Forbidden Nation: A History of Taiwan. Nova Iorque:
St. Martin’s Grif n, 2009, pp. 211-225.
408 . Antes de entrar para o staff da Casa Branca, era Navarro, uma gura controversa e conhecido crítico
das práticas comerciais chinesas, detalhadas no seu livro Death by China. Foi nomeado diretor da White
House National Trade Council em dezembro de 2016. Meses depois, em abril de 2017, passou a che ar o
National Trade Council, quando esse gabinete foi integrado no Of ce of Trade and Manufacturing Policy.
Em setembro de 2017, este seria absorvido pelo National Economic Council, a entidade que proporciona
aconselhamento económico ao presidente. Cf., Peter Navarro e Greg Autry. Death by China: Confronting
the Dragon – A Global Call for Action. Upper Saddle River: Pearson Education, 2011. Sobre Steve
Bannon, ver, Joshua Green. Devil’s Bargain: Steve Bannon, Donald Trump, and the Storming of the
Presidency. Nova Iorque: Penguin Press, 2017 e Keith Kof er. Bannon: Always the Rebel. Washington:
Regnery, 2017.
409 . Cf., David Brunnstrom e Matt Spetalnick, “Tillerson says China should be barred from South China
Sea islands”, Reuters, 11 de janeiro de 2017, disponível em: https://www.reuters.com/article/us-congress-
tillerson-china-idUSKBN14V2KZ.
410 . Ibid.
411 . Ver, Adam Taylor, “A timeline of Trump’s complicated relationship with the TPP”, The
Washington Post, 13 de abril de 2018, consultado em:
https://www.washingtonpost.com/news/worldviews/wp/2018/04/13/a-timeline-of-trumps-complicated-
relationship-with-the-tpp/.
412 . Cf., David Smith, “Trump withdraws from Trans-Paci c Partnership amid urry of order”, The
Guardian, 23 de janeiro de 2017, disponível em: https://www.theguardian.com/us-
news/2017/jan/23/donald-trump- rst-orders-trans-paci c-partnership-tpp.
413 .Ver, Alana Abramson, “White House Explains Trump’s Reversal on TPP”, Fortune, 12 de abril de
2018, consultado em: https://fortune.com/2018/04/12/white-house-explains-trumps-reversal-on-tpp/.
414 . Cf., Kurt M. Campbell and Ely Ratner, “The China Reckoning: How Beijing De ed American
Expectations”, Foreign Affairs, Vol. 97, No. 2, março/abril de 2018, p. 70. Para uma perspetiva diferente,
cf., Fareed Zakaria, “The New China Scare: Why America Shouldn’t Panic About Its Latest Challenger”,
Vol. 99, No. 1, janeiro/ fevereiro de 2020, pp. 52-69. Para uma discussão interessante sobre este assuntos
ver, James Curran, “How America’s Foreign Policy Establishment Got China Wrong”, The National
Interest, 17 de dezembro de 2018, disponível em: https://nationalinterest.org/feature/how-america’s-
foreign-policy-establishment-got-china-wrong-39012?page=0%2C1.
415 . Ver, “2019 Herman Kahn Award Remarks: US Secretary of State Mike Pompeo on the China
Challenge”, delivered at the Hudson Institute, 30 de outubro de 2019, disponível em:
https://s3.amazonaws.com/media.hudson.org/Transcript_Secretary%20Mike%20Pompeo%20Hudson%2
0Award%20Remarks.pdf.
416 . Cf., Charles Fishman. The Wal-Mart Effect: How the World’s Most Powerful Company Really
Works – And How It’s Transforming the American Economy. Nova Iorque: Penguin Press, 2006.
417 . A pesquisa de campo foi efetuada entre 13 de maio a 18 de junho de 2019, um período marcado
pelo aumento das tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China. Ver, Laura Silver, Kat Devlin e
Christine Huang, “US Views of China Turn Sharply Negative Amid Trade Tensions”, Pew Research
Center: Global Attitudes and Trends, consultado em: https://www.pewresearch.org/global/2019/08/13/u-
s-views-of-china-turn-sharply-negative-amid-trade-tensions.
418 . Ibid.
419 . O Departamento de Defesa de ne atualmente um “global peer competitor” como “uma nação ou
coligação rival com a motivação e as capacidades para contestar os interesses dos EUA à escala global”. Ver,
Thomas S. Szayna, Daniel Byman, Steven C. Bankes, Derek Eaton, Seth G. Jones, Robert Mullins, Ian O.
Lesser, e William Rosenau. The Emergence of Peer Competitors: A Framework for Analysis. Santa
Monica: RAND Corporation, 2001, p. 8, nota de pé 1, consultado em:
https://www.rand.org/pubs/monograph_reports/MR1346.html. Ver, também, José Manuel Félix Ribeiro.
EUA versus China: confronto ou coexistência. Lisboa: Guerra e Paz, 2015 e Carlos Gaspar. O Regresso da
Anarquia: Os Estados Unidos, a Rússia, a China e a Ordem Internacional. Lisboa: Alêtheia Editores,
2019.
420 . Para uma discussão, cf., Feng Huiyun, “Is China a Revisionist Power?”, The Chinese Journal of
International Politics, Vol. 2, No. 3, Verão de 2009, pp. 313–334.
421 . Cf., The White House, “National Security Strategy of the United States of America”, dezembro de
2017, p. 2, disponível em: https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2017/12/NSS-Final-12-18-
2017-0905.pdf. Para uma discussão, cf., John M. Weaver, “The 2017 National Security Strategy of the
United States”, Journal of Strategic Security, Vol. 11, No. 1, 2018, pp. 62-71.
-
CAPÍTULO VI – TUCÍDIDES REDUX 
 
“Standing in the grey world looking with sodden,
molten eyes out into what irrevocably is –”.
(Rainer Maria Rilke, Leaving)
 
As grandes potências procuram maximizar o seu poder, dominar aliados e
adquirir prestígio. Não há, historicamente, exceção a este padrão
comportamental. A política internacional é, portanto, con ituosa, ditada por
considerações de poder e a busca da segurança nacional. E porque não existe um
poder comum que se possa sobrepor aos estados – isto é, não há um leviatã
mundial –, o sistema internacional é anárquico, de natureza hobbesiana, onde,
em última análise, cabe a cada estado garantir a sua segurança e soberania. Eis,
pois, a essência das relações entre estados. Dirão os mais idealistas que, mesmo
que tenha sido assim no passado, não é forçoso que assim seja no futuro. A
observação é compreensível e comum num Ocidente pós-histórico que se
refugia em abstrações e normativismos para escapar à realidade, e aos
compromissos moralmente ambíguos que invariavelmente acompanham o
exercício do poder. Porém, se forem descartas as ilusões quanto à lógica da
política internacional, o comportamento da China (e dos Estados Unidos) torna-
se tão transparente quanto previsível.
Durante o XIX Congresso Nacional do PCC, que consagra a liderança
indiscutível de Xi Jinping no partido e no estado, o autocrata a rma que a
China “alcançou uma tremenda transformação: levantou-se, enriqueceu e está a
fortalecer-se”422. Recorrendo a esta fórmula, o homem forte chinês descreve, de
forma sucinta, os objetivos fundamentais que durante décadas pautaram o labor
do PCC. Num livro recente, Elizabeth Economy observa que a trajetória do
comunismo chinês desde a “libertação” de 1949 até aos nossos dias pode ser
subdividida em três distintas, mas interligadas, “revoluções”423. Durante a
“primeira revolução”, sob a liderança de Mao Zedong, assiste-se à “libertação” e
à uni cação de um país que se “levanta” de forma a encerrar o “século da
humilhação nacional”. A “segunda revolução” consubstancia-se nas reformas
empreendidas por Deng Xiaoping e pelos seus dois sucessores, Jiang Zemin e
Hu Jintao. A “terceira revolução”, assente no sucesso das duas anteriores,
permite consumar o “grande rejuvenescimento da nação chinesa”
( 中华民族伟 ), isto é, devolver ao país a sua grandeza “natural”. Esta “terceira
revolução” engloba duas componentes distintas, mas complementares: uma
economia moderna que proporcione o aumento do nível e qualidade de vida da
população e que, concomitantemente, sustente a a rmação do poderio chinês na
esfera internacional. Eis a missão histórica con ada a Xi Jinping.
Se as “três revoluções” coincidem com vitórias signi cativas do PCC, essas
mesmas “revoluções” são marcadas por erros e insu ciências – para não dizer
derrotas – da casta comunista. Inequivocamente, a “revolução de Mao” revelou-
se incapaz de concretizar o grande desa o nacional assumido pelo PCC: a
modernização plena. Durante a “segunda revolução”, a de Deng Xiaoping,
assiste-se a uma modernização parcial, mas a corrupção e a estagnação geraram
profundos problemas de legitimação interna. No plano externo, a fraqueza
relativa do país impunha uma política de dissimulação de capacidades e de
ambições. A “terceira revolução”, a decorrer sob a liderança de Xi Jinping,
ameaça provocar um efeito boomerang, como se pode constatar pelo
endurecimento da política dos EUA. Parece, aliás, ser este o receio de uma parte
da elite chinesa, a qual suspeita que Xi tenha avançado de forma demasiado
imprudente e, assim, comprometido o surgimento do país424.
No XVI Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, realizado em
outubro de 2002, Jiang Zemin a rmara que a República Popular dispunha de
duas décadas de “oportunidade estratégica”425, sendo a mais vital dessas
oportunidades, justamente, a adesão do país à Organização Mundial do
Comércio (OMC), concretizada em 11 de dezembro de 2001. Visto como o
principal motor para garantir o crescimento durante a “segunda revolução”, a
integração na OMC garantia o acesso praticamente ilimitado aos cobiçados
mercados europeu e americano.  Atendendo a que as empresas ocidentais
acreditavam que a entrada da RPC na OMC diminuía o risco de investir no
país, esperava-se o uxo de tecnologia e capitais ocidentais no seguimento da
adesão. Concomitantemente, de forma a aumentar a con ança ocidental,
Beijing delineia uma “política de boa vizinhança” enfatizando o seu apoio à
ASEAN e a outras instituições regionais;  O que procura, na verdade, é
convencer as nações circundantes, e os Estados Unidos em particular, das suas
intenções benignas e do seu “surgimento pací co”426. Dito de outra forma, o
comportamento da RPC seria compaginável com a ordem internacional que
dizia não procurar derrubar.  Era exatamente esse tipo de mensagem
tranquilizadora que os formuladores da política externa em Washington e
Bruxelas pretendiam ouvir.
 
 
Xi, o Revisionista
 
Em 2012, volvidos dez anos de idealismo inebriante que alastrou pela política
ocidental nas décadas de 1990 e 2000, o mundo era irreconhecível. Nesse ano,
Xi Jinping conquista a che a do partido e do estado. Determinada a retomar o
seu papel central na política mundial, a China de Xi assume-se como uma
potência con ante e disponível para utilizar o seu recém-adquirido poderio
económico e militar. Um sinal desta nova assertividade ocorre  em maio de
2014, quando Xi declara que “cabe ao povo da Ásia dirigir os assuntos da Ásia,
resolver os problemas da Ásia e defender a segurança da Ásia”427. Interpretada
por alguns como uma “Doutrina Monroe Chinesa” destinada a excluir os
Estados Unidos de uma futura arquitetura de segurança regional que Beijing
antecipa dominar, a a rmação era, no mínimo, inequívoca quanto à intenção de
do novo líder desempenhar o papel predominante naquela região428. A sua
premissa de que o “povo da Ásia” dirige os assuntos regionais atribui uma
opinião uniforme ao “povo da Ásia”. Não era uma declaração surpreendente na
medida em que a China tende a diluir a distinção entre “interesses asiáticos” e
os seus interesses paroquiais; usualmente considerando-os como sinónimos.
Todavia, o Japão, a Coreia do Sul e outros estados vizinhos (para não mencionar
Taiwan) não fazem essa equivalência. Recusam acolher uma ordem regional
dominada pela RPC, que os deixaria vulneráveis à hegemonia de Beijing.
Igualmente evidente, os Estados Unidos não se mostram minimamente
disponíveis para serem afastados do palco asiático, onde consideram possuir
interesses vitais. Vislumbram-se, pois, num horizonte não muito distante,
confrontos entre a China e os EUA e os seus respetivos aliados regionais.
Desde que ascendeu ao topo da política chinesa, Xi Jinping tem feito
inúmeras referências à “comunidade de destino comum para a humanidade” (人
类命运共同体), também traduzido como “comunidade de futuro comum para a
humanidade”429. A visão de Xi engloba temas privilegiados pela política
externa chinesa desde 1954, quando Zhou Enlai delineia os “Cinco Princípios
da Coexistência Pací ca”430. Mas o conceito “comunidade de destino comum
para a humanidade” não se resume a princípios de política externa ou a uma
doutrina de grande estratégia nacional. Deve ser entendido como um
paradigma alternativo das relações internacionais e, como tal, o desenho para
uma arquitetura internacional pós-liberal. Dito de forma diferente, sob Xi
Jinping, a RPC de nitivamente emergiu como uma potência revisionista que
desa a a ordem liberal construída no pós-1945. Essa tentativa de rever o status
quo encontra-se hoje mais adiantada na vizinhança imediata da República
Popular, ou seja, nos mares do Sul da China e do Leste da China. Embora o
propósito revisionista sínico tenda a ser subestimado no Ocidente, onde as
estratégias de engajamento continuam a dominar a política externa de vários
governos, o projeto disruptivo de Xi é uma consequência lógica da “terceira
revolução” chinesa.
O conceito de “destino comum” assume um lugar de destaque no discurso da
política externa da RPC antes da subida de Xi à che a do PCC. Utilizada por
Hu Jintao em 2007 para descrever as relações entre a República Popular e
Taiwan, a expressão “comunidade de destino comum” restringia-se ao “destino
comum” ostensivamente partilhado pela nação chinesa residente nos dois lados
do Estreito431.  Hu Jintao, em 2005, aproveita a ocasião de um discurso nas
Nações Unidas para pedir um “mundo harmonioso” baseado em “relações
amistosas e cooperação com todos os países com base nos Cinco Princípios da
Coexistência Pací ca, temas que Xi mais tarde recupera432. A visão de Xi não
representa, pois, qualquer descontinuidade com a política externa traçada pela
RPC no passado recente. Rea rma, a bom rigor, a intenção de romper com os
princípios essenciais da ordem internacional liberal denunciada
consistentemente por Beijing ao longo das décadas, incluindo o “hegemonismo
das superpotências” e as alianças de segurança criadas e mantidas pelos Estados
Unidos na Ásia depois de 1945. Com isto não se pretende dizer que a postura
de Xi seja exatamente a mesma da dos seus antecessores, pois Xi inova num
aspeto essencial: pretende “realinhar a governança global em pelo menos cinco
dimensões principais: política, desenvolvimento (incluindo economia, sociedade
e tecnologia), segurança, cultura e meio ambiente”433.  Ao contrário dos seus
antecessores, Xi não se limita a repetir as advertências tradicionais dos
dirigentes chineses; articula uma visão global, uma alternativa global, à atual
ordem liberal.  Embora dissimulada através de um discurso orwelliano de
sentido duplo e, aparentemente benigno, a “comunidade de destino comum
para a humanidade” constitui, na realidade, um desa o global para os Estados
Unidos e os seus aliados, tanto asiáticos como não-asiáticos434.
Dias depois de fazer uma inesperada defesa da globalização e do livre comércio
em Davos, Xi articula a nova abordagem revisionista das relações internacionais
num discurso proferido a 18 de janeiro de 2017 nas Nações Unidas, em
Genebra435. Perante os delegados, ele a rma que “a proposta da China é
construir uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade e
alcançar um desenvolvimento compartilhado em que todos saiam a
ganhar”436.  A rmando a existência de uma “harmonia de interesses” entre a
China e as demais nações, defende o estabelecimento  de uma  “ordem
internacional justa e equitativa” enraizada na “igualdade soberana”437. Pretende-
se que o princípio operacional subjacente à interação entre unidades de
igualdade soberana seja a “consulta” porque,  “enquanto mantivemos a
comunicação e nos tratavamos com sinceridade, a Armadilha de Tucídides pode
ser evitada”438.  Este mecanismo de “consulta”, por sua vez, estrutura as
“parcerias internacionais” baseadas no “diálogo, no não-confronto” e na rejeição
das alianças439. Declarava que, em contraste com o comportamento das grandes
potências do passado e do presente, “a China é o primeiro país a fazer da
construção de parcerias um princípio que guia as relações entre
estados”440. Beijing, vê-se, portanto, como o centro de uma vasta rede global de
parcerias abrangendo várias áreas de atuação.  Porque as regras que governam
esse novo sistema devem ser moldadas em conformidade com o princípio da
igualdade entre estados soberanos, os países em desenvolvimento passam a ter
uma voz ativa nas questões internacionais. Articulada esta visão de “igualdade
soberana”, Xi, de forma dissimulada, conclui que “a China nunca buscará
hegemonia, expansão ou esferas de in uência”441.
Ao substituir as atuais alianças pelas chamadas parcerias “win-win”, a China
procura pôr termo ao “domínio de um ou vários países”, um eufemismo para
descrever alianças institucionalizadas por tratados442.  Em acentuado contraste
com as alianças americanas de tratado, as parcerias chinesas ostensivamente
permitem fomentar a cooperação independentemente de diferenças ideológicas,
culturais e políticas.  A título exempli cativo, a China mantém “parcerias
estratégicas abrangentes” com a Austrália, o Irão, a União Europeia e uma
panóplia de países e organizações, independentemente de a nidades ideológicas
ou culturais.  Na ausência de compromissos especi cados por tratado, as
parcerias são exíveis e objeto de upgrade (ou downgrade) consoante o interesse
nacional da China e o comportamento dos parceiros. Por exemplo, em 2019, no
exato momento em que a União Europeia rotula a China de “rival sistémica”,
Portugal transforma a sua “parceria estratégica” num “diálogo estratégico”443. 
A preferência chinesa por negociações bilaterais com os países da União
Europeia permite semear a divisão e impedir a articulação de políticas comuns
em toda a Europa.  A exibilidade é, de facto, uma fonte de tremenda
alavancagem. Dito de forma mais simples, a preferência de Beijing por parcerias
consubstancia uma abordagem de “dividir e reinar” com o intuito de obter
vantagem máxima.
Esta rejeição de alianças institucionalizadas traduz a refutação chinesa da
ordem pós-1945. No essencial, Xi descarta “qualquer contribuição dos Estados
Unidos e dos seus aliados para manter a paz e aumentar a prosperidade global
desde a Segunda Guerra Mundial.  Em vez disso, atribui o êxito às Nações
Unidas e à comunidade global. Como consequência, defende a resolução de
crises por via do diálogo entre as partes diretamente envolvidas ou pela
mediação das Nações Unidas, cujo Conselho de Segurança deve desempenhar o
papel central na conservação da paz mundial”444.  Se forem entendidas como
uma a rmação de propósito diplomático, as palavras de Xi não oferecem reparo.
Todavia, nem todas as crises são suscetíveis de ser resolvidas pelo mecanismo do
diálogo.  E também é uma evidência que, desde a sua criação, o Conselho de
Segurança demonstrou escassa vocação para manter a paz, frequentemente
devido a vetos ou ameaças de veto da RPC. Com efeito, ao enfatizar a
legitimidade do Conselho de Segurança para resolver con itos, Xi procura
minar as alianças dos EUA, vistas por Beijing como um impedimento
estrutural à sua ascensão. A longo prazo, a “comunidade de destino comum para
a humanidade” implica um futuro em que as alianças dos Estados Unidos
ndam e os estados democráticos são forçados a lidar com a China
bilateralmente. As fórmulas da cooperação “sem compromisso” e as “grandes
potências devem tratar os pequenos países como iguais” são mantras, meros
dispositivos retóricos que não correspondem à praxis chinesa. A ênfase colocada
no princípio da igualdade entre os estados também não é congruente com as
reivindicações feitas pela China no passado, alegando que a dimensão e o
poderio do país lhe conferem uma voz coincidente com o seu poder.
Caracterizadas por Beijing como instituições da Guerra Fria inadequadas às
exigências das relações internacionais contemporâneas, as alianças colocam um
desa o a outro nível445. Como destaca Liza Tobin, “a oposição de Beijing às
alianças de segurança dos EUA também se deve ao potencial coercivo
representado pelas coligações de democracias”446. Alianças baseadas em valores
comuns são um problema espinhoso para a China, porque o regime comunista
não pode fomentar alianças assentes nos valores políticos do PCC. Em contraste,
as alianças lideradas pelos Estados Unidos no Indo-Pací co estão, pelo menos
em parte, enraizadas em valores democráticos comuns. Beijing pode, no
entanto, apelar a um “modelo de desenvolvimento chinês” enfatizando o
crescimento, mas omisso em relação aos valores políticos. Por outras palavras, as
parcerias não obrigam à adesão aos valores de Beijing, mas pressupõem que o
modelo de desenvolvimento chinês seja passível de imitação. Todavia, se o
sucesso do modelo resulta dos métodos de “liderança sábia” e “consultiva” do
PCC, a linha de demarcação entre o êxito do modelo e os valores que o
sustentam torna-se difícil de estabelecer.
Os líderes chineses advogam a democracia “consultiva” não apenas nas
relações entre estados; também a defendem dentro dos estados, argumentando
que se trata de um modelo superior à democracia ocidental. Esse “leninismo
consultivo”, no dizer de Steven Tsang, evidencia “um foco obsessivo em
permanecer no poder; reforma contínua da governança, projetada para antecipar
as reivindicações públicas em prol da democratização; esforços sustentados para
aumentar a capacidade do partido para obter, responder e direcionar mudanças
na opinião pública; pragmatismo na gestão económico- nanceira; e a promoção
do nacionalismo no lugar do comunismo”447. Embora o PCC detenha o
monopólio do poder, o partido “consulta” os chamados “grupos não liados” e
outras “entidades representativas” no âmbito da Conferência Consultiva Política
do Povo Chinês. A “democracia” harmoniosa da China é apresentada como
superior e mais e ciente do que o modelo burguês ocidental que articula, e
procura resolver, con itos de interesse por meio da concorrência eleitoral, onde
os interesses se organizam em partidos políticos. Ao desvalorizar a “democracia
burguesa”, o governo chinês visa deslegitimar a competição eleitoral e, por
extensão, minar a in uência global de Washington e dos seus aliados
democráticos.
Para alargar a sua in uência, Beijing recorre cada vez mais a instrumentos de
soft power.  A a rmação cultural no exterior, sobretudo por meio do Instituto
Confúcio, passou a ser um componente essencial do  rejuvenescimento
nacional.  Convém salientar que, na ótica de Xi, a “cultura” é sinónimo de
“cultura socialista” e “valores socialistas fundamentais”, sendo estes uma
condição prévia para alcançar um “grande país socialista moderno” até meados
do século XXI448. Ao mesmo tempo, a “comunidade de destino comum para a
humanidade” convive com a diversidade. Recorrendo a uma fórmula padrão,
Xi, no discurso de Genebra, a rma que “não  existe civilização superior ou
inferior, as civilizações diferem apenas em identidade e localização.  A
diversidade das civilizações não deve ser uma fonte de con ito global;  pelo
contrário, deveria ser um motor para impulsionar o avanço das civilizações
humanas.  Qualquer civilização, com o seu apelo distinto e raiz próprias
constitui um tesouro humano.  Diversas civilizações devem apoiar-se para
alcançar um progresso comum. Deveríamos fazer das trocas entre civilizações
uma fonte de inspiração para o avanço da sociedade humana e um vínculo que
mantém o mundo em paz”449. Percebe-se que a preocupação de Xi em enfatizar
a convivência civilizacional seja evitar o fenómeno do “choque das civilizações”
huntingtoniano que serviria para delimitar as fronteiras da in uência chinesa.
Curiosamente, a noção da igualdade cultural é minada não apenas pelas
políticas concretas de assimilação e colonização cultural prosseguidas pelo PCC
no Tibete e em Xinjiang, mas também pela a rmação de Xi de que “ao longo
de vários milénios, a paz está no sangue de nós, chineses, e parte do nosso
ADN”450.  Ao sugerir que, em contraste com outros países, a “essência” da
identidade chinesa é a paz, Xi abraça um tipo de essencialismo cultural,
atribuindo características opostas a outras nações, que aparentemente, têm a
guerra programada no seu ADN.
Previsivelmente, questões ambientais e de sustentabilidade permitem que
Beijing mobilize a opinião pública internacional em seu favor. Embora
a  praxis  ambiental do governo chinês  não coincida com a sua retórica, a sua
adesão, ainda que relutante ao Acordo de Paris e à Agenda 2030 das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Sustentável surtiu ganhos junto da opinião
pública ocidental. Durante o XVIII Congresso do PCC, realizado em 2012, Hu
Jintao eleva o “progresso ecológico” a um componente estrutural dos planos de
desenvolvimento do país, traçando metas para reduzir a poluição e os danos
ambientais causados pela industrialização do país 451. Por sua vez, o XIX
Congresso Nacional do PCC consolida essa orientação por meio da “China
Bela”, apresentada como uma meta de rejuvenescimento nacional para
2035452.  Embora as iniciativas políticas não se traduzam necessariamente em
mudanças práticas, o ambiente continuará a ser uma prioridade do PCC por
duas razões.  Primeira, a rápida modernização da China provocou uma
devastação ambiental incalculável que precisa de ser gerida. Segunda, a aposta
estratégica chinesa em tecnologias associadas à “energia limpa”, geradora de
padrões internacionais, deixa o país posicionado para se tornar líder da
economia verde. Para a RPC, o ambientalismo serve para promover os interesses
comerciais em todo o mundo, ao mesmo tempo que se apresenta como um
estado empenhado em resolver problemas universais.
A agenda revisionista de Xi obrigou-o a frisar, em inúmeras ocasiões, que “o
desenvolvimento da China não representa uma ameaça para nenhum país (...).
Não importa o quanto a China se desenvolva, nunca buscará hegemonia”453. No
entanto, apesar da ênfase colocada publicamente nos conceitos de “consulta”, de
relações “win-win” e “igualdade soberana”, jamais descartou o uso da força
militar. Apesar de Xi garantir que a RPC é um estado benigno em ascensão, o
documento  “A Defesa Nacional da China na Nova Era”, tornado público em
٢٠١٩, antevê uma ordem mundial multipolar acompanhada por um sistema
“reformado” de governança global454.  Quer isto dizer que à medida que se
expande para novas regiões do globo, a China pretende, incrementalmente,
erguer uma nova arquitetura de segurança internacional. Debruçando-se sobre a
segurança na Ásia-Pací co, o documento a rma que os países da região estão
“cada vez mais conscientes de que são membros de uma comunidade de destino
compartilhado”455.  Em resposta à estratégia de segurança nacional dos
Washington, o documento chinês descreve a cooperação sino-russa como uma
“parceria estratégica abrangente de coordenação para uma nova era”,
acrescentando que a relação entre os dois estados é essencial para “manter a
estabilidade estratégica global”456.  A a rmação não é inteiramente inequívoca,
mas sugere estar-se perante uma estratégia de equilíbrio que junta dois países
contra os Estados Unidos.
Partindo da constatação de que o êxito económico fora assegurado pelos seus
antecessores, Xi a rma que a riqueza material obtida deve agora ser utilizada
para tornar a China, novamente, grande. A inexorável marcha de Beijing para a
conquista do status de grande potência tem, como é sabido, estimulado intenso
debate sobre a probabilidade da guerra entre grandes potências. Um contributo
particularmente in uente surgiu com o trabalho de Graham Allison sobre a
“Armadilha de Tucídides”, conceito delineado no seu livro Destined for War457.
Allison testou empiricamente a observação de Tucídides, encontrada na Guerra
do Peloponeso, de que “foi a ascensão de Atenas e o pavor que instilou em Esparta
que tornou a guerra inevitável”. A “Armadilha de Tucídides” sugere que a
guerra é um desfecho provável quando uma potência em ascensão ameaça
superar a potência dominante458. Allison con rma que 12 das 16 transformações
desta natureza ao longo dos últimos 500 anos resultaram em guerra. Porém ela
fora evitada em 4 dessas ocasiões, três das quais ocorreram no século XX, sendo
que a atual rivalidade sino-americana é o caso mais recente do
fenómeno459.  Compreensivelmente, a de Armadilha Tucídides suscitou ampla
discussão na China, fato abertamente reconhecido quando Xi Jinping faz
referência ao debate durante a sua visita aos EUA em 2015. O Presidente chinês
a rmou que “não existe a chamada ‘Armadilha de Tucídides’ no mundo. Mas, se
os principais países repetidamente zerem erros de cálculo estratégicos, poderão
criar essas armadilhas para si mesmos”460. Para evitar a possibilidade de cair
nessa autoinduzida armadilha, Xi propôs que as “relações de poder” sino-
americanas fossem baseadas na cooperação mútua, no respeito e no diálogo. A
bem dizer, os dados recolhidos por Allison sugerem que a guerra não é um
resultado inevitável da competição pelo poder. Daí que aconselhe a
hierarquização dos interesses vitais para se evitar a dispersão estratégica461. Mais
importante ainda, recomenda uma compreensão mais profunda da política
interna da China e dos seus interesses nacionais; em resumo, uma abordagem
mais subtil que contemple as ambições estratégicas chinesas462.
Aceitam a probabilidade de guerra não é sinónimo de admitir a
inevitabilidade da guerra. No entanto, à luz das recentes posturas estratégicas
americanas e chinesas, o perigo de um confronto militar não pode ser
descartado.
O comportamento dos dois estados baseia-se na maximização da segurança num
sistema internacional crescentemente imprevisível. Neste quadro, o conceito do
“dilema de segurança” é indispensável para esclarecer o problema. Dilemas de
segurança surgem porque ações dos estados que buscam reforçar a sua segurança
exacerbam a insegurança de outros, provocando, assim, uma espiral de
insegurança463.  Como a segurança nacional é fundamentalmente determinada
pelas capacidades do estado, o dilema da segurança não pode ser dissipado por
intenções e pro ssões de boa-fé.  É certo que o dilema de segurança pode ser
atenuado por tratados, pelo Direito Internacional, por instituições
Internacionais e por outros instrumentos de cooperação inter-estatal.  Na
medida em que moderam o dilema da segurança, esses instrumentos são
valiosos.  Ainda assim, porque os estados não renunciam ao seu direito
inalienável à autodefesa quando todas as outras opções se esgotam, esses
instrumentos cooperativos mitigam, mas não transcendem, o dilema da
segurança. Este, na verdade jamais será transcendido. Assim, em ultima análise,
a sobrevivência do estado depende da força militar, a razão pela qual os estados
se preparam para a guerra como a última ratio.
A crescente assertividade chinesa no Mar do Sul da China e no Mar do leste da
China Oriental expressa a lógica política do dilema da
segurança. Acontecimentos veri cados nesses teatros são justi cados por Beijing
como uma forma de repor os “direitos históricos” e, portanto, inteiramente
compatíveis com a retórica da harmonia, cooperação e relações “win-win”. Essas
mesmas ações são evidentemente interpretadas de maneira diferente em
Washington e nas capitais asiáticas. A postura da China nessas áreas alimenta
suspeições de que o país esteja envolvido num processo de expansão territorial e
na apropriação indevida dos recursos naturais reivindicados pelos estados
vizinhos. As manobras da RPC, particularmente no Mar do Sul da China e nas
águas em volta das ilhas Senkaku, são, pois, vistas como ofensivas e,
consequentemente, a decisão dos Estados Unidos de se envolverem (ou não)
nessas disputas abre ou fecha oportunidades para conter a assertividade chinesa.
A menos que Washington atue decisivamente para dissuadir a República
Popular, terá um incentivo para continuar a escalar as tensões e, desse modo,
intimidar os seus vizinhos. Os comportamentos de Beijing para com os países
circundantes são, portanto, indissociáveis das escolhas americanas.  Por outras
palavras, o envolvimento regional americano con gura um fator estrutural para
restringir a ascensão da China. Não surpreende, pois, que a crescente tensão no
Mar do Sul da China (e na Ásia em geral) seja, segundo os chineses, o resultado
das estratégias de balanceamento americanas de nidas com vista a prejudicar os
interesses legítimos da RPC.
O interesse generalizado suscitado por um debate académico em torno da
“inevitabilidade” da guerra entre grandes potências ilustra a extensão da
mudança veri cada na opinião ocidental quanto às consequências da ascensão da
China464. Em grande medida, o endurecimento da opinião pública face à RPC –
e o concomitante consenso emergente em Washington relativo a Beijing –
antecipa o abandono da estratégia de engajamento de nida no início dos anos
1990. Eis mais um re exo da convicção de que os esforços para cooptar a
Républica Popular na ordem internacional fracassaram e, como corolário, foi
igualmente desacreditada a ideia de que a globalização desencadearia dinâmicas
sociais que invariavelmente conduziriam à democratização do regime
comunista. Líderes políticos e públicos ocidentais estão, gradualmente, a
concluir que a RPC constitui uma ameaça real à ordem liberal
internacional. Atendendo a estas mudanças de perspetiva, a abordagem política
ocidental dos últimos trinta anos deixou de ser sustentável. Em suma, os dois
países caminham inexoravelmente para o confronto.
 
 
Os militares e os renegados
 
No dia 25 de outubro de 2018, ostentando os seus melhores camu ados, Xi
Jinping inspeciona o Comando de Teatro do Sul, sediado em Guangzhou.
Embora não tenha sido a primeira visita do Presidente a instalações militares, a
deslocação adquire uma importância simbólica porque o comando abrange o
Mar do Sul da China, onde as tensões decorrentes da nova assertividade chinesa
são claramente evidentes.
A m de sinalizar a determinação chinesa de fazer valer as suas reivindicações
sobre essas águas, Xi alerta os o ciais do Exército de Libertação Popular para a
“importância de se prepararem para o combate” e aprimorar as “capacidades
para vencer a guerra”465. Não menos crítico, o “líder principal” instruiu os seus
militares a realizarem “uma implementação completa do pensamento do
partido de forma a construir um exército forte na nova era”466. O sinal não
poderia ser mais cristalino.
Xi impôs a sua autoridade pessoal ao Exército de Libertação Popular e,
concomitantemente, exibe o poderio militar da China, seja por meio de
exercícios de treino, da realização de des les massivos ou de visitas a instalações
destinadas a destacar a modernização e a prontidão de forças467. Desde Mao,
nenhum outro líder da República Popular foi tão longe na invocação do espírito
marcial do país e na glori cação das forças armadas nacionais. Jiang Zemin e
Hu Jintao subiram ao topo da hierarquia do partido sem possuírem uma base
sólida de poder dentro do ELP. Eis a razão que os levou a consolidar a sua
posição política atribuindo aos militares uma mistura de concessões, aumentos
das dotações orçamentais e, mais importante, permitindo que a instituição se
envolvesse em atividades económicas lucrativas que geraram um vasto
complexo industrial-militar. Esta “compra” dos militares conduziu à corrupção
generalizada, incluindo a compra de patentes.  Em resultado da década de
liderança débil de Hu Jintao, raros foram os entraves colocados à expansão da
autonomia da hierarquia militar.  À medida que os militares desenvolviam
interesses corporativos especí cos, diminuía consideravelmente a capacidade do
PCC de supervisionar o poder militar, ou, no dizer de Mao, de “controlar a
arma”.
Para rea rmar o predomínio civil sobre as forças armadas, Xi embarca numa
profunda reforma militar. Chegado ao poder, imediatamente reestrutura a
burocracia, um processo que se salda pelo saneamento de mais de cem generais
considerados desleais ou envolvidos em casos de corrupção. Entre estes, o o cial
graduado mais severamente sancionado foi Guo Boxiong, ex-general e Vice-
Presidente da Comissão Militar Central468. Em julho de 2015, será expulso do
PCC e, um ano depois, condenado a prisão perpétua, enquanto o estado con sca
os seus bens469. Antes da desgraça de Guo, outro ex-membro do Politburo e da
Comissão Militar Central, Xu Caihou, fora colocado sob investigação.  As
suspeitas relacionavam-se com práticas de corrupção na nomeação e promoção
de o ciais graduados, responsabilidade pro ssional con ada a Xu no período
entre setembro de 1999 e novembro de 2012470. Aberto em março de 2014, o
inquérito não termina em acusação porque, um ano depois, em 15 de março de
2015, Xu morre de cancro. Estes e outros casos altamente publicitados pelas
autoridades tornam claro que os o ciais que não anuíssem aos interesses de Xi
Jinping seriam tratados de modo semelhante471.
Xi manifestara a sua intenção de prosseguir com uma reforma profunda das
forças armadas no início de 2014, altura em que assume a che a do grupo de
trabalho do PCC encarregado da reforma militar, o “Grupo Líder de Defesa
Nacional e Reforma Militar da Comissão Militar Central”472. Dominando esta
instituição, aprova largas mudanças organizacionais do ELP, incluindo a
reorganização da estrutura burocrática, a criação de um sistema de cinco
comandos conjuntos de teatro, o estabelecimento da Força de Apoio Estratégico
e a criação da Força de Apoio Logístico Conjunta473. Realiza-se, em meados de
2015, uma redução adicional de pessoal do ELP que se salda pelo afastamento
de 300,000 não-combatentes. Pouco depois, durante o XIX Congresso do PCC,
Xi reforça o seu domínio sobre as altas patentes por via da diminuição da
Comissão Militar Central CMC) de onze para sete membros, a grande maioria
dos quais lhe são pessoalmente leais. Em contraste com a prática anterior, a
remodelada CMC exclui os chefes dos ramos, sinalizando assim que as agendas e
interesses corporativos das forças armadas passariam a estar subordinados às
considerações políticas do “líder principal”. Se dúvidas restassem quanto à
supremacia civil sobre os militares, a nova CMC incluía o Secretário da
Comissão de Inspeção Disciplinar, a entidade encarregada de investigar a
corrupção no ELP. Este conjunto de alterações deixava transparecer que a
hierarquia militar se encontrava rmemente sob a tutela da Comissão Militar
Central, que, por sua vez, estava sob o domínio absoluto de Xi Jinping e dos
seus aliados mais próximos474.
Uma vez consolidado o seu poder pessoal sobre o ELP, Xi intensi ca a
construção da “marinha de águas azuis” e  novos  comandos regionais são
encarregados de desenvolver capacidades modernas de combate aéreo, terrestre e
naval. Embora os antecessores de Xi tenham aprovado o reforço massivo do
orçamento militar a m de modernizar as forças, a visão de longo prazo
articulada durante o XIX Congresso do Partido, de outubro de 2017, previa
que até 2035 (provavelmente 2049, o centenário da RPC) o país fosse dotado de
“forças de classe mundial”; isto é, forças superiores às possuídas pelos Estados
Unidos475.  Para cumprir este objetivo nos anos mais próximos, o aumento de
verbas destinado às forças armadas pode ser difícil de garantir se a economia
chinesa pós-“crise Covid”, sobrecarregada pela dívida, continuar a desacelerar.
Se tal cenário se concretizar, Xi pode optar por ações ousadas para mobilizar
apoio; isto é, o PCC poderá provocar confrontos militares em Taiwan ou no Mar
do Sul da China, até porque as atuais capacidades militares da RPC tornam a
ação militar na vizinhança tão atrativa quanto arriscada.
Salienta-se que a principal bandeira política de Xi Jinping, o “Sonho Chinês”,
engloba um “forte sonho militar”, conceito claramente expresso no documento
“A Defesa Nacional da China numa Nova Era” de 2019476. Um dos aspetos
mais interessantes do documento prende-se com um aviso enviado às
autoridades de Taipei, que, na ótica de Beijing, caminham no sentido da
independência unilateral à medida que o modelo “um país, dois sistemas” se
desmorona em Hong Kong. O texto a rma que “as autoridades de Taiwan,
lideradas pelo Partido Progressista Democrático (DPP), obstinadamente,
aderem à ‘independência de Taiwan’ e recusam reconhecer o  ‘Consenso de
1992”, que consagra o princípio da ‘China única’.  Avançaram ainda mais no
caminho do separatismo ao intensi carem os esforços para romper a ligação com
o continente a favor da independência gradual, pressionando pela
independência de jure, intensi cando a hostilidade e o confronto, recorrendo à
força da in uência estrangeira. 
As forças separatistas da ‘independência de Taiwan’ e as suas ações continuam a
ser a mais grave e iminente ameaça à paz e à estabilidade no Estreito de Taiwan,
e a maior barreira a di cultar à reuni cação pací ca do país. Forças separatistas
externas favoráveis à ‘independência do Tibete’ e à criação do ‘Turquestão
Oriental’ iniciam ações frequentes que ameaçam a segurança nacional e a
estabilidade social da China”477. Alegando que “a luta contra os separatistas está
a tornar-se mais aguda”, o documento conclui que “resolver a questão de
Taiwan e alcançar a reuni cação completa do país é do interesse fundamental da
nação chinesa e essencial para a realização do rejuvenescimento nacional”478. No
seu habitual discurso televisivo de Ano Novo, em 2 de janeiro de 2019,
marcando o quadragésimo aniversário da “declaração de 1979”, põe m à
política de “libertação” de Taiwan, apela ao cumprimento do “Consenso de
1992”, rea rma a rejeição absoluta da independência de Taiwan e destaca a
atualidade da fórmula “um país, dois sistemas”479.
Se Beijing enquadra a questão de Taiwan em termos de separatismo,
equiparando a Formosa ao Tibete e a Xinjiang, é igualmente verdade que,
durante os primeiros meses de 2020, se aprofunda o ceticismo dos taiwaneses
quanto à viabilidade do modelo “um país, dois sistemas”480. Com efeito, o
projeto de “rejuvenescimento nacional” de Xi para 2049 permanecerá
incompleto a menos que seja alcançada a “reuni cação” da “província renegada”
com Beijing. Segundo as autoridades comunistas, o obstáculo fundamental à
reuni cação não reside na vontade dos taiwaneses, mas antes na “interferência
estrangeira”; isto é, no apoio concedido pelos Estados Unidos às elites políticas
de Taiwan. No entanto, enquanto aguarda a reuni cação, Beijing constrói um
arsenal maciço de mísseis capazes de atingirem a Formosa e as forças aeronavais
do ELP exercem sobre a à ilha uma pressão implacável. Tais exercícios militares
visam intimidar Taiwan ao mesmo tempo que, a nível internacional, a RPC faz
uso da sua in uência diplomática para deslegitimar e isolar Taipei. Em vários
países, embaixadas de Taiwan foram fechadas em troca de ajuda económica e
nanceira. A China também conseguiu apoio para congelamentos e/ou atrasos
na venda de armas a Taiwan durante as administrações de George W. Bush e
Barack Obama e, não menos importante, fez lobby para que as vendas de caças
F-16 e de navios Aegis fossem canceladas.
Na ótica de Beijing, a defesa da soberania nacional justi ca o eventual uso da
força para consumar a “reuni cação” do país. O entrave é que a uni cação feita
nestes termos faria implodir o status quo formalizado na sequência da histórica
reunião de fevereiro de 1972 entre Richard Nixon e Mao Zedong, altura em
que Washington adota a “política da China única” e reconhece a
indivisibilidade do território chinês. O “Consenso de 1992” congelou a disputa
e solidi cou o  status quo da  “China única”, ao mesmo tempo que Washington
promovia o seu relacionamento privilegiado com Taiwan. Em junho de 1998,
durante uma visita de nove dias à República Popular da China, Clinton declara:
que “tive a oportunidade de reiterar a nossa política quanto a Taiwan, que é que
não apoiamos a independência de Taiwan, ou duas Chinas, ou um-Taiwan uma-
China.
E não acreditamos que Taiwan deva ser membro de qualquer organização para a
qual o estatuto de ‘estado’ seja um requisito”481.  Esta política dos “três não”
explicitamente congela um  status quo que nem Beijing nem Taipei aceitariam
sem reserva. Washington também preserva a “ambiguidade estratégica” em
relação à resposta a dar-se caso o governo da RPC tentasse uni car o país através
do uso da força482.  Perante o risco de uma guerra caso viessem a “testar” a
determinação dos EUA quanto ao estatuto da Formosa, os comunistas chineses
conformam-se – para já – com a existência o status quo que sustenta a paz no
Estreito de Taiwan, onde a presença regular da Marinha dos Estados Unidos
continua, por enquanto, a dissuadir o aventureirismo chinês.
Dir-se-á que a estratégia chinesa de impulsionar fricções entre Taiwan e o
resto do mundo provocou um efeito boomerang em Taipei. Desde logo, o sucesso
económico e político de Taiwan ao longo das últimas décadas refuta as previsões
de Mao quanto à impossibilidade da existência de um capitalismo democrático
em solo chinês. Taiwan continua a ser um irritante para Beijing justamente
porque demonstra que há outro caminho possível para além do modelo de
desenvolvimento seguido pelo PCC. Por sua vez, com o passar do tempo, os
taiwaneses tornam-se ainda mais determinados em preservar o seu sistema
económico e a sua democracia. Ano após ano, torna-se mais difícil alegar que a
democracia taiwanesa carece de legitimidade, particularmente quando Beijing
anula as liberdades consagradas no estatuto especial atribuído a Hong Kong
aquando do acordo de transferência de soberania – o modelo que, supostamente,
seria estendido à Formosa no caso de uma eventual reuni cação. A repressão
ordenada por Xi em Hong Kong aumentou a perceção de vulnerabilidade em
Taipei e acentuou o distanciamento entre os dois lados dos Estreitos.
Contrariando a expectativa de Beijing, a interpenetração económica das
últimas décadas forjada entre Taiwan e a RPC não aproximou os dois lados.
Taiwan é hoje um elo importante nas cadeias de valor internacionais, assente na
Foxconn e em outras gigantes tecnológicas, e a sua integração forçada na
República Popular não pode ser concretizada a menos que Beijing esteja
preparada para ser diplomaticamente isolada e sofrer uma enorme perturbação
económica.  Face às opções limitadas disponíveis, a liderança chinesa não
abandona a sua retórica beligerante e a pressão militar. Com efeito, o Livro
Branco da Defesa, de 2019, reitera que “não prometemos renunciar ao uso da
força e reservamos a opção de tomar todas as medidas necessárias”483. Incapaz de
concretizar a uni cação, exceto pelo uso da força, Xi pode sucumbir à tentação
de invadir a ilha se os Estados Unidos sinalizarem que se absteriam de auxiliar
Taiwan.  Evitar a guerra exige, pois, que os EUA mantenham uma postura
estratégica robusta na região, particularmente no Mar do Sul da China e no Mar
Leste da China, onde a assertividade chinesa, se não for rmemente combatida,
levará Beijing a concluir que um ataque militar à Formosa não acarretará custos
suportáveis.
É neste quadro que, a 9 de agosto de 2020, o Ministro da Saúde, Alex Azar se
desloca a Taipei, a primeira visita de um Ministro americano desde a
normalização de 1979484. Reagindo à presença de Azar, em Taiwan para,
formalmente, analisar a resposta taiwanesa à pandemia, Beijing ordenou deu
ordem para que os seus caças atravessassem a linha central do Estreito de
Taiwan. Estava, assim, registado o seu desagrado relativamente aos esforços da
Administração Trump no sentido de reforçar a sua parceria com a ilha. O
Congresso aprovou vários projetos – por exemplo, a Lei de Viagens de Taiwan e
a Lei de Autorização de Defesa Nacional – que visam auxiliar Taiwan a
preservar a sua soberania. Todavia, independentemente destas ações, Taipei não
pode excluir que esta ou outra Administração americana não venha a ser tentada
a trocar a Formosa por um acordo global sino-americano.
 
 
Um mar de problemas in nitos
 
Desde que Mao Zedong estabeleceu a República Popular, a política externa do
país atribui um papel vital ao Sudeste Asiático485.  Se é verdade que a Grande
Muralha da China simboliza as recorrentes invasões terrestres vindas do Norte e
do Oeste, é igualmente verdade que em meados do século XIX, com o início da
Primeira Guerra do Ópio, a principal ameaça enfrentada pelos Qing era a
penetração imperialista europeia e japonesa a partir do litoral. Depois de 1949,
as autoridades comunistas temiam o cerco e a contenção dos EUA e dos seus
aliados – Japão, Filipinas, Tailândia, Coreia do Sul, Taiwan e outros países do
Sudeste Asiático. A casta comunista estava convencida, e com alguma razão, de
que o cerco fora projetado para “manter a China subjugada” e, em última
análise, para provocar a queda do regime. Décadas depois, o colapso do PCUS e
o posterior desmantelamento da União Soviética parecia nalmente validar a
narrativa de “contenção” subscrita pelo PCC.  Dado que, em resultado das
reformas de 1978, a vasta costa chinesa passa a ser a porta de saída do país para
a economia global, o PCC, no início dos anos 2000, proclama abertamente que
a China era “um país marítimo”. Embora o legado histórico da China nos mares
vizinhos fosse, no mínimo, ambíguo, a perceção de cerco permanecia, fruto do
arco de poderio militar americano que se estende do Japão à Coreia do Sul e à
Austrália.
Com o intuito de furar o cerco, e reconhecendo que o Sudeste Asiático era o
elo mais fraco do cordão geoestratégico erguido por Washington, Deng
Xiaoping abandona o patrocínio da maioria das insurreições na região e opta
por privilegiar o comércio e as relações estado a estado486.
Mas também se mostra preparado para recorrer à guerra, como foi o caso em
1979, para punir os vietnamitas pelo derrube dos Khmeres Vermelhos, aliados
cambojanos de Beijing487. Dotados de abundantes recursos naturais, os países do
Sudeste Asiático eram facilmente acessíveis aos interesses comerciais chineses
envolvidos na extração dos recursos necessários para sustentar a base industrial
do país. Nos anos pós-Deng, o Sudeste Asiático continuou a ser um foco de
interesse económico chinês, culminando na Iniciativa Faixa e Rota de Xi
Jinping, que vê a região como uma extensão económica natural da República
Popular.
O comportamento de Beijing em relação aos vizinhos asiáticos indica que o
status quo regional em que assenta a hegemonia americana deixou de ser
aceitável. A ênfase de Xi Jinping no “rejuvenescimento nacional” e a postura
estratégica assertiva da República Popular são desenvolvimentos críticos que
contribuem para a formulação de estratégias de equilíbrio por parte dos estados
vizinhos. Embora os países circundantes tenham aproveitado a oportunidade
para aprofundar os laços comerciais e de investimento com a RPC, não se
mostram preparados para conceder-lhe um cheque em branco no que toca ao
estabelecimento de uma ordem de segurança regional sinocêntrica. A presença
dos EUA na Ásia continua, portanto, a ser requisitada pelos principais aliados
regionais que enfatizam a urgência de reforçar os laços com Washington para
combater o poderio chinês. Uma coisa é certa: a abordagem de “manter um
per l discreto” de Deng Xiaoping fora estrondosamente descartada por Xi
Jinping.
A a rmação da China como grande potência é claramente visível nas águas do
Mar do Sul da China488.  A importância que lhe é atribuída por Beijing
expressa-se, de forma inequívoca, no Livro Branco da Defesa de 2019. Intitulado
A Defesa Nacional da China na Nova Era489, o documento a rma que “a
segurança interna da China ainda enfrenta ameaças. As disputas territoriais em
terra ainda precisam de ser plenamente resolvidas.  Ainda existem disputas
quanto à soberania territorial de algumas ilhas e recifes, bem como a
demarcação marítima.  Países de fora da região realizam frequentes
reconhecimentos próximos da China por via aérea e marítima e entram
ilegalmente nas águas territoriais da China e nas águas e espaço aéreo adjacente
às ilhas e recifes da  China, assim subvertendo a segurança nacional da
China”490. Para além destas questões, o mesmo documento enfatiza que “as ilhas
do Mar do Sul da China e as ilhas Diaoyu são partes inalienáveis do território
chinês. A China está comprometida em resolver disputas relacionadas por meio
de negociações com os estados diretamente envolvidos com base do respeito
pelos fatos históricos e pelo Direito Internacional. A China continua a trabalhar
com os países da região para manter a paz e a estabilidade. Defende rmemente
a liberdade de navegação e de sobrevoo de todos os países de acordo com a lei
internacional e protege a segurança das linhas de comunicação marítimas
(SLOC)”491.  Por outras palavras, a narrativa o cial do governo chinês adianta
que as reivindicações de soberania na área visam apenas corrigir as injustiças
históricas do “século da humilhação nacional”. Para isso, declara-se disponível
para resolver as contendas “por meio de negociações com os estados diretamente
envolvidos”, ou seja, excluindo os Estados Unidos de qualquer solução. A este
propósito, Xi reconhecera que o “atraso da nação em assuntos militares tem
uma in uência profunda na segurança de uma nação.  Costumo ler os anais da
história moderna da China e sinto-me de coração partido pelas cenas trágicas e
de termos sido vencidos por causa da nossa ineptidão”492.
A leitura de Beijing quanto à centralidade estratégica da área re ete-se,
naturalmente, na postura da administração americana.  Por exemplo,  a
Estratégia de Segurança Nacional  de 2017 caracteriza a República Popular
como um “concorrente”, acrescentando que “a China e Rússia desa am o poder,
a in uência e os interesses da América, tentam minar a segurança e a
prosperidade americana. Estão determinados a tornar as economias menos livres
e menos justas, a aumentar as suas forças armadas e a controlar informações e
dados para reprimir as suas sociedades e expandir a sua in uência”493.  Esse
entendimento estratégico do papel da China é rea rmado no Relatório Militar
da China, anualmente submetido ao Congresso pelo Secretário de Defesa.
O relatório de 2019 a rma que os chineses “durante as próximas décadas, estão
focados em realizar uma China poderosa e próspera, equipada com um exército
de ‘classe mundial’, assegurando o estatuto da China como grande potência com
o objetivo de emergir como a potência preeminente na região do Indo-
Pací co”494. Adotando uma perspetiva idêntica, a Estratégia de Defesa Nacional
de 2018 conclui que “a China é um concorrente estratégico que usa a sua
economia predatória para intimidar os seus vizinhos ao mesmo tempo que
militariza formações no Mar do Sul da China”495.  Os eventos ocorridos neste
mar, e o que representam para os decisores sínicos e americanos, transformaram
este canto do globo numa arena privilegiada da escalada da rivalidade entre as
duas potências.
Uma dimensão da con itualidade no Mar do Sul da China prende-se com a
disputa da posse de mais de cem ilhas, atóis, recifes, rochas, bancos e águas
adjacentes que envolve seis estados – a RPC, a República da China (Taiwan), as
Filipinas, a Malásia, o Vietname e o Brunei. A discórdia gira em torno de
questões relacionadas com a soberania territorial, mas também em torno dos
abundantes recursos económicos encontrados na zona, particularmente
quantidades signi cativas de peixe496. Estima-se, por exemplo, que as reservas
de petróleo e gás natural sejam vastas e a exploração preliminar indica que se
trata de “uma das regiões produtoras de hidrocarbonetos mais prolí cas do
mundo, rivalizando com a região do Golfo Pérsico ou qualquer outra região
comparável”497.  Igualmente crítico, um terço de todo o transporte marítimo
mundial passa por estas aguas, pelo que o livre acesso desimpedido aos
mercados e às commodities con gura um interesse vital da China nestas águas.
Historicamente, o Mar do Sul da China nunca fora palco das prioridades
estratégicas chinesas498.  No entanto, no início de 1980, o Ministério das
Relações Exteriores da República Popular da China publicou um documento
intitulado “Soberania Indiscutível da China sobre as Ilhas Xisha e Nansha”499.
Tratava-se de uma declaração crucial da política externa da “era Deng”
destinada a esclarecer ambiguidades relacionadas com reivindicações chinesas,
legitimando as pretensões territoriais do país sobre os arquipélagos no Mar do
Sul da China. Alegando uma presença histórica na região anterior à Era
Comum, Beijing insiste que as Ilhas Xisha (Paracels) e Nansha (Spratly) “são
território da China desde tempos antigos”500.  Todavia, os factos não
correspondem a esta narrativa. Antes da chegada das potências europeias, que
demarcaram linhas de soberania na região, as fronteiras eram uidas e o Mar do
Sul da China era uma zona de interação que dispensava linhas de soberania
xas. Na realidade, os Qing atribuíram ao almirante Li Zhun a tarefa de povoar
as Paracels somente em 1902 e 1908, mas nenhuma presença permanente
resultou desses esforços.  Beijing não pode, pois, a rmar que os chineses
habitaram em permanência as Ilhas Spratly e Paracels501.  Estas reivindicações
históricas são, aliás, questionadas pelos estados circundantes, que
desenvolveram as suas próprias reivindicações históricas. Por exemplo, o
Vietname assenta a sua reivindicação às Ilhas Spratly na declaração de soberania
francesa de 13 de abril de 1930502.
Em contrapartida, o Japão, um participante ativo nas disputas territoriais da
região antes de 1945, renuncia a todas as reivindicações às Ilhas Spratly e
Paracels quando, em setembro de 1951, assina o Tratado de San Francisco.
A bom rigor, o interesse chinês pelo Mar do Sul da China surge em  1947,
altura em que o governo nacionalista de Chiang Kai-shek produz o “Mapa de
Localização das Ilhas do Mar da China Meridional”503.  Elaborado para uso
interno do governo chinês, o mapa da “linha dos nove traços” – também
conhecido como o “mapa linha U” – seria mais tarde divulgado
internacionalmente como o “Atlas das Áreas Administrativas da República da
China”. As nove linhas englobavam as Ilhas Diaoyu (Senkaku), hoje também
reivindicadas por Tóquio; o arquipélago Paracels (conhecido como Xisha na
China e Hoang Sa no Vietname), atualmente também reivindicado por Hanói,
bem como o Banco de Areia Scarborough (ilha de Huangyan) e o Banco de
Areia Second Thomas (Renai), reivindicados por Manila e Beijing504. 
O signi cado exato da “linha dos nove traços” nunca fora cabalmente
explicitado pelo governo nacionalista e, depois de 1949, a RPC continuou a
utilizar o mapa, mas sem nunca esclarecer as razões subjacentes à
decisão.  Abrangendo Taiwan, a “linha dos nove traços” aparentemente servia
para demarcar a fronteira marítima da RPC e para rea rmar a “unidade” de
Formosa com a China continental. Beijing, no entanto, absteve-se de exercer a
sua autoproclamada soberania dentro da “linha dos nove traços” ou de
reivindicar as águas505.
Não signi ca isto que a região era livre de con itos territoriais antes da
década de 1980. O Mar do Sul da China testemunhou vários confrontos em
pequena escala entre a República Popular e os seus vizinhos mesmo antes de
Deng Xiaoping chegar ao poder. Por exemplo, em 1955, a República Popular
da China ocupa Woody Island (Paracels oriental) depois de, inexplicavelmente,
o governo nacionalista de Taiwan a ter evacuado. Um ano depois, quando a
administração colonial francesa se retira do oeste das Paracels, o estado sul-
vietnamita assume a responsabilidade pela administração do arquipélago, ao
mesmo tempo que Taiwan reocupava Itu Aba, a maior das Ilhas Spratly e ainda
hoje sob administração de Taipei506.  Em janeiro de 1974, um incidente,
posteriormente conhecido como a Batalha das Paracels, irrompe quando uma
frota marítima do Vietname do Sul recebeu ordem para remover tropas do
Exército de Libertação Popular das ilhas Robert e Money. Perante o colapso
iminente do regime de Nguyễn Văn iệu, a China sai vitoriosa do confronto e
assume posições na Ilha Pattle e o controlo efetivo sobre todo o arquipélago das
Paracels. Porque a retirada de Saigão fora feita sob coação, o estado sucessor, o
Vietname uni cado, continua a reivindicar a Ilha Pattle.  Reagindo a estes
eventos, outros estados da vizinhança procuram ocupar várias ilhas e outras
formações do Mar do Sul da China. Vinte anos depois, em 1995, as Filipinas
denunciam a ocupação do Recife Mischief pelo ELP; Beijing replica que a sua
única instalação no recife, uma estrutura sobre pala tas de madeira, nada mais
era do que um refúgio para os pescadores chineses que o utilizavam como
abrigo de emergência. Esse abrigo temporário deu lugar a uma estrutura de
betão, de múltiplos andares, que hoje abriga 50 fuzileiros navais da RPC. As
Filipinas e a China também colidiram sobre o Banco de Areia Scarborough,
cujas águas são ricas em recursos pesqueiros. Independentemente do mérito
destas reivindicações históricas, em última instância insondáveis, todos os
estados procuram fundamentar a legitimidade das suas respetivas reivindicações
na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), em vigor
desde 1994507.
A relevância estratégica do Mar do Sul da China aumenta exponencialmente
após a “reforma e abertura” de Deng Xiaoping. À medida que as infraestruturas
industriais da RPC se concentravam no litoral em resultado do crescimento das
exportações, o acesso a rotas marítimas internacionais seguras passa a ser um
objetivo primordial.  A rápida expansão económica da China também exigia
energia, particularmente o petróleo oriundo do Oriente Médio que transita pelo
Estreito de Malaca e pelo Mar do Sul da China antes de chegar aos portos
chineses. Em suma, as “rotas marítimas de comunicação” (SLOC) no Sudeste
Asiático tornaram-se críticas para a economia e a segurança do país. Embora o
acesso irrestrito da RPC ao mar fosse indispensável, era a Marinha dos Estados
Unidos, assistida pelos países que fazem fronteira com o Estreito de Malaca, que
mantinha a segurança das SLOC que garantiam o acesso chinês aos mares.
Para superar essa vulnerabilidade – o chamado “dilema de Malaca” – a China
teria, obrigatoriamente, de se tornar numa potência marítima capaz de zelar
pelos seus interesses vitais508. A internacionalização da economia chinesa torna
incomportável uma defesa vocacionada para o interior e destituída de recursos
navais que cumprissem as tarefas que agora se colocavam.
A predileção de Deng Xiaoping por explanar objetivos políticos através de
aforismos tradicionais é sobejamente conhecida.  Um destes,  resumido na
“Estratégia de 24 Caracteres”, aconselhava os líderes do país a “observar com
calma; garantir a nossa posição; lidar com os assuntos com calma;  esconder as
nossas capacidades e aguardar o nosso tempo; manter um per l baixo; e nunca
reivindicar a liderança”509. Inspirado por Sun Tzu, o conselho de  Deng
encapsulava  os princípios essenciais que acabariam por orientar  o
comportamento externo da RPC nas décadas posteriores ao massacre de
Tiananmen. Explica, igualmente, por que motivo as reivindicações de soberania
no Mar do Sul da China nunca foram de nitivamente abandonadas nem
ativamente prosseguidas.  Até que um equilíbrio de poder favorável à China
pudesse ser estabelecido, a a rmação de reivindicações territoriais na região
exigia prudência e, não menos importante, dissimulação. Este “aguardar o nosso
tempo” de Deng era uma abordagem pragmática, mas não era sinónima de
passividade. Por isso, a estratégia de Beijing na década de 1990 passa pelo
desenvolvimento de relações de cooperação com os estados vizinhos, uma forma
de demonstrar que a “ascensão pací ca” do país acarretaria benefícios para toda
a região. Adicionalmente, o governo chinês passa a invocar as disposições da
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar para justi car as suas
reivindicações no Mar do Sul da China, sinalizando assim que aceita as regras
formalizadas pelo tratado.
A viragem, porém, dá-se em 25 de fevereiro de 1992, quando o Comité
Permanente do Congresso Nacional do Povo aprova a passagem da “Lei da
República Popular da China no Mar Territorial e na Zona Contígua”. A nova lei
a rma a soberania nacional sobre as Paracels, as Spratly, Maccles eld e outras
ilhas, ilhotas, rochas, recifes e “baixios a descoberto” que permanecem
submersos durante a maré alta510. O costume internacional e a UNCLOS
de nem “águas territoriais” como aquelas que se estendem por 12 milhas
náuticas a partir da linha de base. No entanto, quando a China assina a
UNCLOS, em 10 de dezembro de 1982 (rati cando-a em 15 de maio de 1996),
apresenta uma série de declarações que efetivamente rede niram os conceitos de
“águas territoriais” e os direitos dos estados costeiros descritos na
UNCLOS511.  Para todos os efeitos, o resultado prático da  “Lei da República
Popular da China no Mar Territorial e na Zona Contígua” foi formalizar a
declaração da jurisdição soberana chinesa sobre uma ZEE de 200 milhas
náuticas de largura e a sua plataforma continental”512. E como a República
Popular igualmente reivindica as ilhas, recifes e outras formações como partes
integrantes do seu território nacional, também acaba por reivindicar uma ZEE
de 200 milhas náuticas a partir de cada uma dessas formações.
O problema, claro, é que a abrangência do “traço das nove linhas” signi ca
que os demais estados apenas poderão reivindicar ZEEs minúsculas, quase
simbólicas. De acordo com os termos da “Lei da República Popular da China no
Mar Territorial e na Zona Contígua”, Beijing passaria a ter direitos exclusivos à
pesca e aos minerais num mar cujos recursos atualmente proporcionam
rendimentos consideráveis aos países do litoral.  A título exempli cativo,
pescadores lipinos e vietnamitas são, com regularidade, presos e banidos das
suas águas tradicionais de pesca porque, segundo Beijing, pesqueiros
estrangeiros estão proibidos de praticar a sua atividade comercial em “águas
chinesas”. Similarmente, a China impede a exploração de recursos nas Zonas
Económicas Exclusivas reclamadas por países terceiros.  Um dos países mais
fustigados por estas práticas, o Vietname, sistematicamente assiste à violação da
sua ZEE, com navios de pesquisa da guarda costeira chinesa a impedirem o
acesso de Hanói aos seus recursos513.  Em 2011 e 2012, navios cientí cos
vietnamitas que mapeavam o fundo do oceano da sua ZEE foram assediados
pelas forças navais chinesas. Reagindo às provocações de Beijing, a Assembleia
Nacional do Vietname aprova, em 2012, uma “Lei Marítima” que rea rma as
tradicionais reivindicações do país relativas às ilhas Paracels e Spratly.
Em clara violação do direito consuetudinário marítimo e das disposições da
UNCLOS, as autoridades de Beijing também rede nem o sentido de “passagem
inofensiva” de forma a tornar a “noti cação prévia” praticamente obrigatória,
uma disposição igualmente aplicada aos navios de guerra. A mudança signi ca
que a ZEE reclamada pela China deixa de ser uma fronteira económica e passa a
ser entendida como uma fronteira política, de soberania. Signi ca isto que, caso
a República Popular tivesse o direito de impor a sua soberania sobre o Mar do
Sul da China, os navios mercantes que atravessassem essas águas estariam
sujeitos às leis, regulamentos, deveres ou qualquer outra restrição legal que
Beijing considerasse adequado impor.  Restrições desta natureza
impossibilitariam a Marinha dos Estados Unidos de proteger as SLOC e de
mantê-las abertas ao comércio internacional. Eis a razão pela qual Washington,
Tóquio e outras capitais preocupadas com as ações de Beijing intensi caram as
suas operações navais com vista a garantir a liberdade de navegação na região.
As tensões acentuaram-se em 2009, com a aproximação do prazo estabelecido
pela  Comissão  das Nações Unidas  para os Limites da  Plataforma
Continental  (CLCS) para solicitar alterações às plataformas
continentais.  Descon ados das intenções hegemónicas da China, os estados
circundantes optaram por maximizar as suas reivindicações. Mais
signi cativamente, no início de março de 2009, o USNS Impeccable, no Mar do
Sul da China para monitorizar a atividade submarina, foi, durante vários dias,
recorrentemente assediado pela Marinha do ELP. Com efeito, os chineses quase
provocaram uma colisão com o Impeccable, evitada apenas porque este consegue
efetivar uma paragem de emergência. Washington considerou o incidente uma
violação do Direito Internacional que prevê a “passagem inofensiva” pelas ZEE,
enquanto o Ministério das Relações Exteriores chinês respondia que as queixas
do Pentágono  ”violam gravemente os fatos e confundem preto e branco e são
totalmente inaceitáveis para a China”514. Embora não houvesse motivos legais
para impedir a presença de navios militares estrangeiros na sua ZEE, a China
insistia que agira em conformidade com as disposições previstas pela
UNCLOS515. Para os Estados Unidos e os seus aliados regionais, o pior ainda
estava no horizonte.
Em 2010, o Ministério da Defesa chinês proclama a “soberania incontestável”
sobre praticamente a totalidade do Mar do Sul da China. Quando, em junho de
2012, a China apreende o Banco de Areia Scarborough, reclamado pelas
Filipinas, a Casa Branca recusa dar uma resposta robusta. Um ano depois, em
setembro de 2013, a draga Tianjing permanece ancorada durante três semanas
nas águas em redor do recife Cuarteron, sem, todavia, iniciar qualquer trabalho
de recuperação de terras. Barack Obama, eventualmente contemplando o
estabelecimento de uma entente G-2, volta a não sinalizar a inaceitabilidade da
construção adicional nas ilhas. Neste quadro, em dezembro de 2013, Beijing
lança um ousado plano de construção de ilhas arti ciais nessas águas516.
A Tianjing dá então início ao depósito de sedimentos no Recife Johnson South,
parte do arquipélago de Spratly e conquistado pela China ao Vietname do Sul
em 1974. Meses depois, com um navio de guerra da Marinha da ELP a
supervisionar as  operações do Tianjing, o recife era dotado de um novíssimo
porto e de onze hectares de “novas terras” recuperadas do mar. Três anos depois,
sete recifes das Spratly foram transformados em ilhotas suscetíveis de ser, tal
como o Recife Johnson South, militarizadas. Aliás, desde então, em vários locais
do Mar do Sul da China, Beijing construiu instalações portuárias, instalou
radares e sensores, assim como abrigos endurecidos para abrigar mísseis.
Diversas infraestruturas militares, incluindo depósitos de munição, combustível
e água, também foram instaladas. Após a recuperação maciça de terras, o Recife
Mischief, o Recife Subi e o Recife Fiery Cross tornaram-se as maiores “ilhas” do
Mar do Sul da China, cada uma possuindo uma pista de aterragem superior a
três quilómetros de comprimento, mais do que su ciente para acomodar
aeronaves militares chinesas.
Evidentemente, a construção das ilhas arti cias visava mudar o status quo
territorial  em favor da República Popular.  As duvidosas reivindicações
históricas quanto ao Mar do Sul da China eram assim suplantadas pela força dos
factos consumados, pelas realidades no terreno criadas pela posse efetiva dos
territórios contestados. Em 2015, Ashton Carter, o Secretário da Defesa de
Obama, exigia a “interrupção imediata e duradoura” da recuperação de terras,
alertando para a “perspetiva de maior militarização e para o potencial dessas
atividades para aumentar o risco de erro de cálculo ou de con ito entre os
estados”517. As palavras de Ashton Carter, um caso nítido de “too little, too late”
depois de anos de inação, não impediram que, nos dois últimos anos da
Administração Obama, se veri casse um aumento vertiginoso de construção de
ilhas arti ciais por parte da China.
Ao mesmo tempo que inicia o programa de construção das ilhas arti ciais, a
China vê-se envolvida numa disputa com as Filipinas que a Administração
Obama simplesmente não podia ignorar. Em abril de 2014, numa deslocação a
quatro países asiáticos, o Presidente americano reitera a intenção de
“reequilibrar” o Pací co, dizendo que “não achamos que a coerção e a
intimidação sejam a maneira de gerir as disputas”518. Dias depois de reiterar as
obrigações de tratado dos EUA de defenderem o Japão em caso de ataques às
Ilhas Diaoyu, Barack Obama, em Manila, insinua que as reivindicações chinesas
no Mar do Sul da China constituíam uma violação da Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar519. Contudo, ainda convencido dos méritos do
Direito Internacional, aconselha o Vietname e as Filipinas a procurarem resolver
as suas contendas com a China por via dos tribunais internacionais.
A verdade é que, no preciso momento em que o Tianjing era enviado para o
Recife Johnson South as Filipinas já se encontravam em litígio com Beijing.
Com efeito, em 22 de janeiro de 2013, nos termos do anexo VII da Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, a República das Filipinas iniciara
formalmente um processo arbitral contra a RPC centrado na questão das
formações marítimas e na ilegalidade das ações chinesas.
O Tribunal Internacional de Arbitragem de Haia examina as alegações de
Manila e, em julho de 2016, decide que as reivindicações da RPC eram
destituídas de mérito520. 
A decisão esclarece que o Direito Internacional não impede o programa de
construção chinês em áreas que se encontram sob seu controlo efetivo. Todavia,
o tribunal constata que vários recifes recuperados pelos chineses se situam
dentro dos limites da ZEE lipina. Nos argumentos submetidos ao Tribunal, a
China a rmara que os programas de recuperação e construção eram
indistinguíveis daqueles que foram levados avante desde os anos 1970 pelos
estados do Sudeste Asiático, como o Vietname, a Malásia e as Filipinas. Quando
a decisão foi tornada pública, o jornal Diário do Povo, porta-voz das posições do
PCC, caracteriza o tribunal como “um lacaio de algumas forças externas”,
acrescentando que a “sentença desconsidera os fatos básicos, pisa o Direito
Internacional e as normas básicas que governam as relações internacionais, e
dani ca a soberania territorial da China e os seus direitos e interesses
marítimos.  O governo e o povo chinês opõem-se rmemente à decisão e, de
forma alguma, a reconhecerão”521. Igualmente incisivo, mas recorrendo a uma
linguagem diplomática mais suave, Xi Jinping retrucou que a  “soberania
territorial e os direitos marítimos” do seu país não seriam alterados pela decisão.
Prudentemente, aditou que a China continuava “comprometida com a resolução
de disputas” na região522.
A reação da República Popular à decisão do tribunal de arbitragem con rmou
várias suspeitas quanto ao seu comportamento no Mar do Sul da China e ao seu
desdém pelas regras internacionais.  A construção das ilhas arti ciais
consubstancia uma demonstração de determinação estratégica
nacional523.  Igualmente crucial, a reação intransigente à decisão evidenciou a
intenção da China de criar fatos no terreno que pudessem reforçar as suas
reivindicações legais. 
O mais importante de tudo era que a rejeição da sentença do tribunal
demonstrava até que ponto o governo de Beijing se inclinava para incumprir as
regras internacionais, neste caso consagradas pela UNCLOS, se elas fossem
inibidoras dos seus objetivos e interesses. A República Popular, em suma, adota
uma postura revisionista porque a Administração Obama, no devido tempo, se
recusara a sinalizar que os Estados Unidos não aceitariam a construção de ilhas
ou outros faits accomplis nessas águas.  Quando os governantes americanos,
particularmente o Secretário de Defesa Ashton Carter, nalmente empregam
uma linguagem mais dura, era demasiado tarde.
A aversão de Obama ao uso da força, ilustrada pela debacle de 2012 em volta da
“linha vermelha” traçada na Síria, neutraliza efetivamente qualquer valor
dissuasor que um endurecimento de posições pudesse surtir. Se é excessivo dizer
que os EUA “perderam” a China, não o é a rmar que Obama perdeu, em larga
medida, o Mar do Sul da China.
Nos anos mais recentes, em vez de depender exclusivamente da Marinha ELP
para reforçar a sua jurisdição na área, Beijing tem recorrido a instrumentos
administrativos e as agências governamentais civis524. O exemplo mais recente
dessa metodologia ocorre em nais de abril de 2020, com as atenções mundiais
concentradas na gestão da pandemia Covid-19. Dois novos distritos
administrativos – Xisha (Paracels) e Nansha (Spratly) – foram criados pelo
Ministério de Assuntos Civis. Segundo a novíssima determinação
governamental, “o distrito de Xisha administrará as ilhas Xisha e Zhongsha e as
suas águas circundantes, com o governo do distrito localizado na ilha de
Yongxing. Governando a ilha de Nansha e as suas águas, a administração do
distrito de Nansha está sediado em Yongshu Jiao”525.  O distrito de Nansha
estará sediado no Recife Fiery Cross, reivindicado pelas Filipinas e pelo
Vietname, agora dotado de uma estação de radar de alerta precoce e servindo
como centro de comando e controlo para operações nas Ilhas Spratly. Note-se
que, desde 2012, os arquipélagos estavam englobados sob o guarda-chuva
administrativo de Sansha, uma “cidade” de 1,800 habitantes, que dispõe de
uma área de dois milhões de quilómetros quadrados (mas apenas vinte
quilómetros quadrados de área terrestre), abrangendo mais de duzentas
formações no Mar do Sul da China. Os novos departamentos administrativos
destinam-se a enfatizar que o esta zona geográ ca, sob a soberania plena de
Beijing, é parte integrante do território da RPC. Em simultâneo com a criação
dos dois distritos, o Ministério de Recursos Naturais e o Ministério de Assuntos
Civis, numa clara a rmação adicional de soberania, atribuíram nomes chineses
às formações geográ cas da área. Estes acontecimentos recentes fazem parte de
um padrão pelo qual, furtivamente, a China faz uso das suas instituições
domésticas, e da sua estrutura legal, para consolidar as suas reivindicações no
Mar do Sul da China. Assim se vão criando fatos inalteráveis no terreno.
Para todos os efeitos, a forti cação dos ilhéus e recifes permite que a
República Popular anexe grandes extensões do Mar do Sul da China. Ao mesmo
tempo, as forças armadas, em acelerada modernização, são equipadas com
embarcações de superfície, aeronaves, submarinos, mísseis e meios de
reconhecimento espacial. Através destes meios, as forças armadas projetam
poder, coadjuvadas por uma milícia marítima (que o Pentágono designa como a
Milícia Marítima das Forças Armadas Populares) que reúne 20,000
“pesqueiros”, maioritariamente tripulados por pessoas que receberam treino do
Exército de Libertação Popular. A operar dentro da “linha dos nove traços”, a
milícia permite à RPC a rmar a sua presença estratégica no Mar do Sul da
China e, não menos importante, intimidar os países vizinhos. Coincidente com
esta projeção de poderio bélico, a China, em novembro de 2013, um mês antes
do início da construção no Recife Johnson South, proclamou unilateralmente o
estabelecimento de uma zona de identi cação de defesa aérea sobre partes do
Mar do Leste da China. Antecipa-se que, no curto prazo, fará o mesmo no Mar
do Sul da China, onde instalações de radar “expandem signi cativamente
os  recursos de reconhecimento em tempo real (ISR) e as capacidades de
bloqueamento (jamming) do ELP em grande parte do Mar do Sul da China,
apresentando um desa o substancial às operações militares dos EUA nessa
região”526. À medida que os dias de “aguardar o nosso tempo” dão lugar a uma
assertividade palpável, o Mar do Sul da China emerge como a nova face do
poderio chinês527.
As che as militares americanas têm insistentemente reiterado a sua profunda
preocupação com os acontecimentos decorridos nesta parte do globo.  Por
exemplo, em 2015, no Fórum de Segurança de Aspen, o almirante Harry
Harris, na época a che ar o Comando do Pací co, alertou para o fato de que a
China “está a mudar o  status quo  regional através da construção agressiva de
ilhas na ausência de esforços diplomáticos relevantes para a resolução de
disputas ou arbitragem”, concluindo que “a China está a mudar os fatos no
terreno, (…) essencialmente, a criar falsa soberania (…) através da construção de
ilhas arti ciais em cima de recifes de coral, rochas e bancos de areia”528. Harris
também salientou que Beijing estava a “construir portos su cientemente
profundos para receberem navios de guerra e a construir uma pista de 10,000
pés no Recife Fiery Cross… Estão a construir hangares de alta segurança  em
algumas das instalações para, a meu ver, abrigar aviões de  caça táticos”529.
Talvez ainda mais importante, o uso das ilhas como postos de escuta alarga uma
rede de vigilância que poderá ser operacionalizada com a “instalação de radares,
recursos de guerra eletrónica e similares”530.
Meses depois dos avisos públicos do almirante Harris, em setembro de 2015,
durante a conferência de imprensa conjunta realizada no Rose Garden aquando
da primeira visita de estado de Xi Jinping aos Estados Unidos, Barack Obama
confessa que “transmiti ao Presidente Xi as nossas preocupações sobre a
recuperação de terras, a construção e a militarização das áreas disputadas, o que
di culta aos países da região resolverem desentendimentos de forma pací ca”531.
Em resposta às a rmações de Obama, Xi nega que a militarização estivesse em
curso, alegando que “a atividade de construção relevante que a China está a
realizar nas Ilhas Nansha (Ilhas Spratly) não tem como alvo ou afeta nenhum
país e não há intenção de militarizar”532. Dado que o programa de construção já
se encontrava em andamento, as palavras de Xi consubstanciavam uma agrante
negação dos fatos con rmados no terreno. A mesma ousadia veri ca-se quando
Xi alega, sem fundamento histórico, que “as ilhas do Mar do Sul da China são,
desde os tempos antigos, território chinês (...). Temos o direito de defender a
nossa própria soberania territorial e os direitos e interesses marítimos
legítimos”533.
O ponto de vista de Xi Jinping sobre o que constitui território soberano
chinês não é certamente secundarizado pelos estados vizinhos nem pelas
instituições internacionais.  De qualquer forma, a conferência de imprensa do
Rose Garden evidenciou a autocon ança e a pura audácia do novo homem forte
da RPC. Inversamente, expôs a impotência política de Barack Obama. Não por
mero acaso, o Vice-Presidente Mike Pence retornaria a este episódio durante um
discurso em outubro de 2018, observando que “o líder da China estava no Rose
Garden na Casa Branca, em 2015, a a rmar que seu país não tinha, e cito,
‘nenhuma intenção de militarizar’. Hoje, no Mar do Sul da China, Beijing
coloca mísseis antiaéreos avançados num arquipélago repleto de bases militares
construídas em ilhas arti ciais”534.
As reivindicações chinesas decorrentes da “linha dos nove traços”
transformaram o enquadramento estratégico da Ásia marítima porque,
conforme traçada, a demarcação substitui e efetivamente anula a maioria das
ZEEs da região. Se as pretensões da RPC forem aceites, os recursos do Mar da
Sul China pertencerão à República Popular.  Pescadores de outras nações
poderão operar nestas águas somente se tiverem a aprovação de Beijing.  Da
mesma forma, as águas onde se encontram as SLOC estarão sob jurisdição
chinesa e, como tal, só poderão ser utilizadas por outros estados mediante a
autorização prévia de Beijing. Igualmente grave, as marinhas estrangeiras,
particularmente a americana e a japonesa, entrarão nas águas do Mar do Sul da
China apenas com o consentimento da China. Em depoimento escrito enviado
ao Congresso em maio de 2018, antes de substituir o almirante Harry Harris
como chefe do Comando do Pací co, o almirante Philip Davidson concluía que
“a China agora é capaz de controlar o Mar do Sul da China em todos os cenários
que não sejam de guerra com os Estados Unidos” e, para fazer frente à situação,
recomendava que o país desenvolvessem armas avançadas e mantivessem uma
forte presença na região535.
No mesmo mês em que Davidson manifesta os seus anseios, o Departamento
de Defesa americano revela que a RPC colocara mísseis anti-navio e terra-ar nas
Ilhas Spratly, um sinal indesmentível da militarização do arquipélago. Meses
depois, Mike Pence denuncia a agressão ocorrida quando uma “embarcação
chinesa chegou a quarenta e cinco jardas do USNS Decatur, que realizava
operações de liberdade de navegação no Mar do Sul da China”. Numa repetição
do incidente Impeccable de 2009, o contratorpedeiro viu-se forçado a tomar
medidas de urgência “para evitar uma colisão”536. Acrescentou que, apesar desse
“assédio imprudente, a Marinha dos Estados Unidos continuará a voar, a
navegar e a operar sempre que o Direito Internacional o permita e que os nossos
interesses nacionais o exijam.  Não seremos intimidados e não
recuaremos”537. Com efeito, a Administração Trump intensi ca as operações de
liberdade de navegação a  menos de 20 quilómetros das ilhas e recifes
reivindicados pela China. Essas ações, particularmente o recente reforço dos
patrulhamentos de bombardeiro, constituem um desa o direto às reivindicações
de soberania de Beijing.  Eis um impasse que não pode ser prolongado
inde nidamente.
 
 
Redesenhar a ordem asiática
 
Estimulada por conceções contrastantes quanto à natureza da ordem regional,
a insistente competição estratégica sino-americana tem produzido confrontos
regulares.  À medida que a distribuição de poder crescentemente bene cia a
RPC, a América procura ajustar a sua estratégia relativamente à  China (e aos
estados circundantes). Ao adotar o conceito de um “Indo-Pací co livre e
aberto”, a Administração Trump sinaliza uma mudança em relação à forma
como a ordem regional fora anteriormente conceptualizada em Washington,
Seul, Tóquio e outras capitais. Independentemente das divergências que
separam as abordagens de Obama e de Trump, ambas convergem num ponto
crítico: a Ásia passou a ser o principal teatro da competição das duas grandes
potências. De forma de nitiva, o foco estratégico americano migrou do
Atlântico para o Pací co (ou, na formulação mais abrangente de Trump, para o
Indo-Pací co)538. Essa mudança é, simplesmente irreversível.
Destinada a preservar a preponderância americana na região, a estratégia do
Indo-Pací co revelada pelo Presidente Donald Trump durante a Cimeira da
APEC, realizada no Vietname, em novembro de 2017, traça os objetivos-chave
da nova abordagem, incluindo a defesa do Estado de Direito, da liberdade de
navegação, do fortalecimento das alianças e da promoção de um Indo-Pací co
“livre e aberto”539.  Passadas poucas semanas, em dezembro de 2017, a
Estratégia de Segurança Nacional da Casa Branca proclama que o poderio
chinês teria de ser contrariado, pois procurava suplantar os Estados Unidos
como principal potência do Indo-Pací co.  As linhas mestras da Estratégia de
Segurança Nacional seriam reproduzidas no Relatório do Poderio Militar da
China de 2019. Elaborado pelo Pentágono, o documento mantém que, no Indo-
Pací co, “a China apresenta-se a seguir uma estratégia de surgimento pací co e
identi ca os Estados Unidos como o ator regional dominante que pretende
conter a ascensão da China”. Em conformidade com o conceito do Indo-Pací co
introduzido na Estratégia de Segurança Nacional e na Estratégia de Defesa
Nacional, o Relatório de Estratégia do Indo-Pací co de junho de 2019,
elaborado pelo Departamento de Defesa, esclarece cabalmente o signi cado de
um “Indo-Pací co livre e aberto”540.  Estes documentos governamentais são
unânimes na a rmação da centralidade do Indo-Pací co para a estabilidade, a
segurança e a prosperidade dos EUA. Todos veem nas motivações da China uma
tentativa de reordenar a região por meio da rápida modernização das suas
capacidades militares.  Enraizado nestas premissas, o conceito “Indo-Pací co
livre e aberto” constitui, no essencial, uma rea rmação do compromisso de
Washington para com a atual ordem regional e o sistema de alianças que
o sustenta.
A Estratégia de Defesa Nacional a rma que a vantagem militar americana em
relação à China e à Rússia se encontra em processo de “erosão”, a qual, a não ser
estancada, provocará uma mudança no equilíbrio regional de poder que, por sua
vez, consubstanciará um desa o à ordem livre e aberta subjacente à
prosperidade e à segurança global dos Estados Unidos e dos seus
aliados541.  Quanto aos objetivos e métodos prosseguidos pela China, o
documento do Pentágono sugere que o país “alavanca a modernização militar,
operações de in uência e economia predatória para coagir os países vizinhos a
reordenar o Indo-Pací co em seu proveito. Enquanto a China continua a sua
ascensão económica e militar, a rmando o seu poderio através de uma estratégia
de toda a nação de longo prazo, continuará a prosseguir um programa de
modernização militar que procura a hegemonia regional no Indo-Pací co no
curto prazo e suplantar os Estados Unidos no futuro para alcançar a
proeminência global”542. A referência feita pelo Pentágono à estratégia de “toda
a nação” é de importância vital, pois indica que se trata de uma competição de
espectro total (full-spectrum), que não se limita às dimensões militar e de
segurança. Engloba, também, aspetos económicos, tecnológicos, culturais e
ideológicos543. Apesar de não ser abertamente mencionada, a implicação é que a
busca da hegemonia regional por parte de Beijing con gura o passo preliminar
para que a China venha a substituir os Estados Unidos como a mais poderosa
potência mundial.
A Estratégia de Defesa Nacional rotula a China como uma potência
“revisionista”, acrescentando que “a República Popular da China (RPC), sob a
liderança do Partido Comunista Chinês, corrói o sistema internacional por
dentro, explorando-o em benefício e simultaneamente minando os valores e
princípios da ordem baseada em regras”544. Segundo o documento, o Indo-
Pací co “é a região mais importante para o futuro da América.  Abrangendo
uma vasta extensão do globo, da costa oeste dos Estados Unidos às costas
ocidentais da Índia, a região abriga o estado mais populoso do mundo, a
democracia mais populosa e o maior estado de maioria muçulmana, e inclui
mais da metade da população da terra. Entre os dez maiores exércitos
permanentes do mundo, sete encontram-se no Indo-Pací co; e seis países da
região possuem armas nucleares. Nove dos dez portos marítimos mais
movimentados do mundo estão na região e 60% do comércio marítimo global
transita pela Ásia, com cerca de um terço a passar pelo Mar do Sul da China”545.
Rea rmando o compromisso americano com a manutenção da estabilidade
nesta região, a Estratégia de Defesa Nacional acrescenta que o país “deve estar
preparado para sustentar uma postura credível de combate avançado; garantir o
fortalecimento de alianças e a construção de novas parcerias; e promover uma
região cada vez mais conectada em rede”546.
De forma semelhante, o Relatório de Estratégia do Indo-Pací co salienta que a
rede de aliados e parceiros americanos con gura um multiplicador de forças
para alcançar a paz, a dissuasão e a capacidade interoperável de combate na
guerra547.  Uma vez que a preservação da ordem assenta em regras
internacionais, o mesmo relatório indica que os aliados dos Estados Unidos
terão de ser inseridos numa arquitetura de segurança robusta.
Salvo a eclosão de uma guerra entre as duas grandes potências, os Estados
Unidos poderão salvaguardar a sua primazia militar no Indo-Pací co no futuro
próximo548. Enquanto essa primazia for conservada, a rivalidade sino-americana
di cilmente se traduzirá numa ordem regional bipolar. Se é verdade que a
China se tornou o maior parceiro comercial dos países da região, é igualmente
verdade que as relações comerciais não são sinónimas de dependência
estratégica. Obviamente, a dependência pode surgir no futuro, mas, à exceção
do Laos e do Camboja, essa dependência estratégica não se consumou. Dito isto,
a participação de vários países na Parceria Económica Global Abrangente
(RCEP), na Iniciativa Faixa e Rota e na ASEAN tende a expô-los à alavancagem
chinesa. De qualquer forma, dir-se-á que os países buscam segurança em
Washington e comércio em Beijing. No entanto, a situação atual pode tornar-se
insustentável e, nessa eventualidade, a tendência no sentido de uma maior
polarização acentuará as estratégias de balanceamento.
A formidável presença militar dos Estados Unidos na Ásia durante o pós-
1945, assente nas bases situadas no Japão e na Coreia do Sul, também
estruturou as relações da China com a vizinhança e a sua capacidade para
projetar poder. Limitações ao exercício do poderio chinês tornaram-se
excessivamente onerosas e, com Xi Jinping, são cada vez mais inaceitáveis. Em
defesa da sua hegemonia regional, Washington, apoiada por aliados alarmados
pela assertividade de Beijing, não permitirá que a RPC simplesmente estabeleça
uma nova ordem de segurança. No seu Livro Branco de Defesa de 2019, A Defesa
Nacional da China na Nova Era, Beijing faz a seguinte avaliação da correlação de
forças regional: “à medida que o centro económico e estratégico mundial
continua a mudar em direção à Ásia-Pací co, a região torna-se num foco da
competição entre os principais países, trazendo incertezas à segurança
regional. Os EUA estão a fortalecer as suas alianças militares na Ásia-Pací co e
a reforçar as suas capacidades de intervenção militar, acrescentando
complexidade à segurança regional. A implantação do sistema Terminal de
Defesa Aérea de Alta Altitude (THAAD) na República da Coreia pelos EUA
tem minado severamente o equilíbrio estratégico regional e os interesses
estratégicos de segurança dos países da região.  Na tentativa de contornar o
mecanismo do pós-guerra, o Japão ajustou as suas políticas militares e de
segurança, virando-se mais para o exterior nos seus empreendimentos
militares. A Austrália continua a fortalecer sua aliança militar com os EUA e a
seu envolvimento militar na Ásia-Pací co, procurando um maior papel nos
assuntos de segurança”549.
Este extrato do Livro Branco espelha de forma cristalina o pensamento
estratégico do regime comunista. Com efeito, a RPC vê-se como alvo de uma
coligação liderada pelos EUA que pretende conter o seu poderio e in uência.
Um desses instrumentos de dissuasão é, na ótica de Beijing, o sistema de defesa
antimísseis THAAD, que os americanos instalaram na Coreia do Sul. A decisão,
tomada em 2016 pelo Presidente Park Geun-hye, antes de ser demitido e preso
em resultado de um escândalo nanceiro, fora entendida pelos chineses como
uma tentativa de minar a capacidade de dissuasão nuclear do país, para impedir
a sua resposta a eventuais ataques rst strike.  A reação foi robusta e incluiu,
primeiro, a démarche dos embaixadores dos EUA e da Coreia do Sul credenciados
na China e, segundo, uma campanha pública conduzida pelos media estatais a
denunciar a decisão550. Mais insidiosamente, embora sem o cializar a medida, a
RPC agiu contra empresas coreanas a operar no mercado chinês, incluindo por
meio do “escrutínio adicional” dirigido à Lotte, o conglomerado que “cedeu
terrenos ao governo sul-coreano para a implantação do sistema”551.  Visto de
Beijing, esta e outras ações dos EUA e dos seus aliados são a verdadeira fonte de
perturbação do equilíbrio regional.
A ordem de segurança asiática continua a assentar em dois tratados bilaterais
rmados com os Estados Unidos: o Tratado de Cooperação e Segurança Mútua
de 1951 com o Japão (revisto em 19 de janeiro de 1960) e o Tratado de Defesa
Mútua de outubro de 1953 celebrado entre americanos e sul-coreanos. O Artigo
V do tratado com Tóquio a rma que “um ataque armado contra qualquer uma
das partes nos territórios sob a administração do Japão constituiria um perigo à
sua própria paz e segurança e declara que agiria para fazer frente ao perigo
comum de acordo com os seus processos e disposições constitucionais”552.
Similarmente, o Artigo III do tratado com Seul a rma que “cada parte
reconhece que um ataque armado na área do Pací co a qualquer uma das partes
em territórios agora sob o seu respetivo controlo administrativo, ou doravante
reconhecido por uma das partes como legalmente submetido ao regime
administrativo da outra, seria perigoso para a sua própria paz e segurança e
declara que agiria para enfrentar o perigo comum de acordo com seus processos
constitucionais”553. A credibilidade destas garantias de defesa mútua reside na
presença de  28,500 soldados americanos na Coreia do Sul e de 50,000 no
Japão.  A dimensão do dispositivo, conjugado com os ativos dos aliados
regionais, com a importantíssima base de Guam e com uma poderosa marinha
de águas azuis, faz dos Estados Unidos um colosso militar na Ásia.
Preocupado com os custos astronómicos inerentes à manutenção deste
dispositivo, Donald Trump, cuja descon ança em relação às alianças formais é
sobejamente conhecida, solicitou aos aliados que suportassem uma fatia
orçamental maior do custo de estacionar tropas americanas na Ásia. Pressionou
os aliados regionais, particularmente o Japão e a Coreia do Sul, a fazerem
contribuições adicionais (burden sharing) de forma a compensar os investimentos
signi cativos feitos pela China na sua marinha azul e, não menos importante,
no sistema de acesso de área/negação de área (A2/AD). Tóquio, que já assumia
mais de 80% desses custos, nos últimos anos aumentou a sua contribuição,
responsabilizando-se pelo pagamento de serviços públicos, conservação do
parque residencial e uma série de despesas variadas554. Trump fez exigências
semelhantes a Seul. No entanto, foi relatado que, para além dessa partilha de
custos, Washington pretendia que parte da despesa da manutenção do seu
“guarda-chuva nuclear” fosse assumido pelos sul-coreanos555.  Não obstante as
pretensões da Casa Branca, o problema reside na natureza do dissuasor nuclear:
abrange uma vasta gama de sistemas de armas, incluindo mísseis balísticos
intercontinentais, bombardeiros, submarinos nucleares, porta-aviões, sistemas
de comando e controlo, bem como sistemas de alerta precoce.  Uma vez que
muitas dessas armas e sistemas são parcial ou totalmente secretos, e a menos
que os EUA estejam dispostos a abrir esses sistemas à inspeção dos aliados, não
há como saber o seu custo exato, mesmo que fosse possível destrinçar o custo
especí co de estender o guarda-chuva nuclear aos aliados asiáticos dos restante
encargos globais associados aos nukes americanos.
Donald Trump introduziu um grau surpreendente de incerteza no equilíbrio
regional quando propôs, em março de 2016, que o Japão e a República da
Coreia deveriam considerar o desenvolvimento de armas nucleares
autónomas556.  Como é sabido, o Japão permanece vinculado aos seus três
princípios não-nucleares: não construir, não possuir e não permitir armas
nucleares em solo nipónico.  Mais inquietante, a aquisição de armas nucleares
pelo Japão ou pela Coreia do Sul certamente desencadearia uma espiral de
insegurança cujo m seria uma corrida às armas na região, provavelmente
arrastando o Vietname e outras potências emergentes.  Inerentemente perigosa
porque ocorreria numa zona geoestratégica  crítica, a lógica da nuclearização
acabaria por impactar adversamente Washington.  Ainda que a nuclearização
fosse limitada aos dois aliados, aumentaria a probabilidade de o país vir a ser
arrastado para um con ito nuclear e desvalorizaria a importância estratégica da
presença das forças americanas no Pací co.
Procurando restaurar a previsibilidade da política dos EUA, o Secretário de
Defesa Jim Mattis prudentemente rea rmou o “ rme compromisso” dos
Estados Unidos com os seus aliados regionais557. A declaração foi crucial porque
as forças navais e aéreas chinesas têm aumentado as suas investidas na cadeia de
ilhas japonesas. O Livro Branco de Defesa anual de Tóquio de 2019 observa que
a “escalada unilateral” de atividades chinesas despoletou fortes preocupações de
segurança e enfatiza a determinação de Xi Jinping de transformar o ELP numa
das principais forças de combate do mundo em meados do século XXI, bem
como a intenção de Beijing se envolver em “tentativas unilaterais e coercivas de
alterar o status quo com base nas suas próprias a rmações que são incompatíveis
com a ordem internacional existente”558. De acordo com o mesmo Livro Branco
nipónico,  “desenvolvimentos militares chineses, e outros, juntamente com a
falta de transparência em torno da sua política de defesa e poderio militar,
representam uma séria preocupação de segurança para a região, incluindo o
Japão, e para a comunidade internacional”559.  Apesar de observar a devida
correção diplomática, o relatório nota que a China demonstra interesse em
iniciativas para evitar choques inesperados entre forças aéreas e
marítimas.  Muito previsivelmente, o Livro Branco do Japão recomenda o
fortalecimento da aliança EUA-Japão.  O destacamento dos mais recentes
equipamentos militares, como os caças F-35B Lightning II, estacionados na
Marine Corps Air Station Iwakuni, mostra o rme compromisso dos EUA com
a aliança, a segurança do Japão e da região Ásia-Pací co. Por outro lado, o
sistema de defesa de mísseis balísticos do Japão, conjugado com o sistema Aegis
Ashore, visa o upgrade das capacidades da defesa nacional nipónica.
Existe, no entanto, uma questão estratégica, eventualmente a mais relevante
de todas neste canto do globo, virtualmente impossível de gerir na ausência da
cooperação ativa da China: o programa nuclear da Coreia do
Norte.  Considerando que a Coreia do Norte é comercial e nanceiramente
dependente da China – 85% do comércio exterior de Pyongyang faz-se com a
RPC –, Beijing tem, muito naturalmente, uma in uência considerável em
Pyongyang. Kim Jong-un está largamente condicionado pelas escolhas de
Beijing, embora seja duvidoso que Xi Jinping queira usar o seu capital político
junto da família Kim para alterar o comportamento coreano.  Uma vez que o
colapso abrupto e imprevisto do regime de Pyongyang provocaria
consequências assoladoras para a segurança chinesa, incluindo uxos maciços de
refugiados, Beijing tem de ser deveras ponderada na forma como exerce a sua
preponderância junto do clã Kim560.  Os cenários resultantes do colapso da
dinastia Kim, todos profundamente desestabilizadores, são, portanto,
dissuasivos de uma maior assertividade chinesa, especialmente porque a
uni cação da península sob a tutela de Seul saldar-se-ia invariavelmente por
uma alteração dos equilíbrios desfavorável para Beijing. 
À luz destas realidades, Washington parece ter concluído que Beijing jamais
tomará medidas suscetíveis de resultarem no derrube da dinastia Kim, uma das
razões que leva Trump a lançar a sua iniciativa coreana.
Porque a China e os Estados Unidos divergem no entendimento quanto à
ordem regional, a visão dos dois sobre o status quo na região também não pode
coincidir.  Sob a direção política de Donald Trump, os Estados Unidos foram
além do “reequilíbrio” para articularem uma visão do Indo-Pací co “livre e
aberto”.  Porém, erros políticos goraram alguns dos esforços de Washington.
Signi cativamente, com Trump, o TPP e as relações multilaterais deram lugar a
acordos comerciais bilaterais, ao mesmo tempo que os EUA exigem mais
concessões dos seus aliados. Em contraste com a abordagem americana, a China
procurou expandir e fortalecer as suas redes multilaterais por meio da Iniciativa
Faixa e Rota, do apoio às conversações da Parceria Económica Global
Abrangente e da criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura
(AIIB).  Paradoxalmente, tudo isto leva a que alguns estados, receosos das
ambições chinesas, procurem, de novo, aproximações a Washington. Dir-se-á
que tem sido essa a dinâmica veri cada nas capitais dos países do Quad. O
diálogo Quadrilateral de Segurança que abrange os EUA, a Australia, o Japão e
a Indía.
Ocupando rotas marítimas de comunicação entre o Médio Oriente e o Leste
da Ásia, a Índia vê o Quad como um meio para reduzir a sua exposição a
ameaças marítimas e à “linha de pérolas” chinesa561. Abrangendo os oceanos da
Índia e do Pací co, a Austrália investe na segurança das duas regiões e na
redução da sua profunda dependência face à China.  Porque acreditam que o
nacionalismo chinês tem como alvo preferencial o Japão, as autoridades
nipónicas são as mais entusiastas quanto às potencialidades do Quad. Mas para
que o este seja estrategicamente relevante, o Indo-Pací co terá de ser aceite
como o novo princípio organizativo das políticas externas e de segurança da
Austrália, da Índia, do Japão e dos EUA. A transição japonesa para a era pós-
Abe será um teste crucial da resiliência do Quad562.
 
 
A Comunidade Democrática e o Quad
 
O Livro Branco de Defesa de Beijing de 2019 descreve as forças armadas
chinesas como “uma força rme em prol da paz mundial, da estabilidade e da
construção de uma comunidade de destino comum para a
humanidade”563.  Enfatizando as intenções benignas do país, este retrato visa
tranquilizar os estados vizinhos que olham com inquietação para o crescimento
do poder militar chinês. Todavia, perante a assertividade das autoridades
chinesas, a insistência no “surgimento pací co” carece de
credibilidade. Atualmente, a República Popular não é a única grande potência
que avança com um amplo plano geopolítico para a região, pois a estratégia
para o Indo-Pací co do governo Trump constitui um roteiro para resistir às
pretensões hegemónicas chinesas.  Curiosamente, o Relatório Indo-Pací co,
publicado em novembro de 2019 pelo Departamento de Estado, a rma que a
“visão dos EUA para o Indo-Pací co não exclui nenhuma nação. Não pedimos
que os países escolham entre um parceiro ou outro. Em vez disso, pedimos que
mantenham os princípios fundamentais da ordem regional no momento em que
esses princípios estão sob nova ameaça”564. A retórica inclusiva do documento
não ofusca que a formulação obviamente exclui a República Popular, de nida
na Estratégia de Segurança Nacional como uma potência “revisionista” que não
“defende os princípios fundamentais da ordem regional”.  Por de nição, uma
potência revisionista não pode defender o status quo.
Uma estratégia de equilíbrio contra a China exige que os Estados Unidos
possam congregar os estados democráticos da região sob a sua liderança. Nas
décadas mais recentes, tal empreendimento não se revelou isento de di culdades
e reveses. Há mais de uma década, uma experiência não inteiramente proveitosa
com o “Quad”evidenciou a complexidade dos equilíbrios na região. 
O Quad surgiu a partir do Tsunami Core Group, criado para enfrentar os
incalculáveis desa os impostos pelo terramoto e tsunami de 26 de dezembro de
2004, que ceifaram mais de 200,000 vidas. Com a chegada de Shinzō Abe ao
topo da política japonesa, o Quad fora inserido como prioridade da agenda
política regional.  Quando contestou a liderança do Partido Liberal Democrata
(PLD), Abe delineou uma política externa enraizada em valores pluralistas
compartilhados e no aprofundamento de uma Comunidade de Democracias, um
conceito que à época fazia caminho em várias capitais565.
Assumindo o cargo de Primeiro-Ministro no Verão de 2006, Abe, no início de
novembro do mesmo ano, anuncia que a sua política externa visava formar um
“um arco de liberdade e prosperidade” na região566. Pouco depois, o Ministro
das Relações Exteriores Tarō Asō, ao explicitar a nova abordagem, apelou à
construção de um “Arco de Liberdade e Prosperidade” que abrangesse a Ásia
Central, a Mongólia, a Índia, o Sudeste Asiático e a Coreia do Sul. Tratar-se-ia
de um instrumento vocacionado para promover valores universais e relações
estreitas entre países com a mesma visão global567. A ousada iniciativa de
Tóquio repousava numa convergência estratégica entre as quatro principais
democracias da região e numa panóplia de estados autoritários receosos da
ascensão da China e, por isso, dispostos a equilibrá-la. Para todos os efeitos,
tratava-se de uma proposta estratégica desenhada para consumar o cerco
político-ideológico à RPC.
As democracias integrantes do Quad enfrentavam um desa o comum: como
lidar adequadamente com a liderança económica da China na região e, ao
mesmo tempo, resistir à sua assertividade geoestratégica? Quando Shinzō Abe
pede um “diálogo estratégico quadrilateral” para defender a ordem “baseada em
regras”, a sua proposta foi imediatamente interpretada por Beijing como uma
estratégia projetada para conter o poderio chinês. Na época, por razões várias, a
Austrália, a Índia e os Estados Unidos mostravam-se relutantes em adotar esse
caminho. Mesmo assim, representantes dos quatro governos aceitam discutir a
iniciativa em maio de 2007, à margem do Fórum Regional da ASEAN,
realizado em Manila. Nunca formalmente concebido como uma aliança
institucionalizada, o “Quadrilateral” alinhava estados preocupados com o
desa o da China e dos seus respetivos interesses e valores. Para que não fossem
vistos como provocadores da RPC, nenhum dos quatro sugeriu transformar o
Quad numa aliança forma, o que, no entanto, não impediu que os oponentes da
iniciativa a tivessem caracterizado como uma NATO embrionária. Meses
depois, o Japão, a Austrália e Singapura aderem ao exercício naval Malabar, até
então uma iniciativa bilateral Índia-EUA568. A RPC, de forma incisiva, protesta
centra a inclusão de Tóquio.
A verdade é que a falta de coesão e convergência estratégica entre as quatro
nações impossibilitaria uma aliança estruturada através de compromissos
formalizados em tratado. A oposição ao Quad, incluindo críticos dentro dos
quatro países, repousava em grande parte no pressuposto de que a República
Popular simplesmente não era uma ameaça que justi casse uma estratégia de
contenção. Para muitos destes críticos, a “ascensão pací ca” era considerada
uma proposta “win-win” e, na pior das hipóteses, a China tornar-se-ia na
potência economicamente preponderante da região, mas continuaria a
prosseguir os seus interesses sem licitar uma resposta militar dos Estados
Unidos.  Fazendo caixa de ressonância da linha de Beijing, tais argumentos
minimizavam as capacidades bélicas da China e aceitavam, prima facie, as
declarações de intenção chinesas. Uma crítica mais séria mantinha que o
verdadeiro perigo inerente ao estabelecimento do Quad seria a degradação da
ordem de segurança regional porque, invariavelmente, Beijing interpretaria a
iniciativa como um cerco e responderia com medidas que acabariam por gerar
maior insegurança. Mesmo que o clima de segurança não fosse degradado em
resultado do estabelecimento do Quad, a iniciativa poderia reforçar a linha-dura
do PCC, que passaria a exigir uma política externa mais assertiva. Esta leitura
pressupunha a existência de clivagens substanciais entre “pombas” e “falcões”
na cúpula do PCC; na realidade, a clivagem residia no facto de os “falcões”
procurarem acelerar a realização de objetivos por todos comungados.
Como frequentemente acontece em sociedades pluralistas, o debate (que
incidia sobre variadíssimos assuntos) acabaria por se resolver pelas vicissitudes
da política interna de cada um dos quatro países. A discussão sobre o futuro do
Quad fora efetivamente suspensa , em nais de 2007, a liderança de Shinzō Abe
estremece porque, pela primeira vez em mais de cinco décadas, o Partido
Liberal Democrata perde o controlo da câmara alta. Sitiado por vários
escândalos de improbidade nanceira que envolviam os seus ministros e por um
controverso debate em torno da revisão das regras da sucessão monárquica, Abe
vê o seu espaço de manobra política encurtado e, em 12 de setembro de 2007,
renuncia ao cargo de Primeiro-Ministro569. Apesar de assistir à redução da sua
bancada parlamentar, o PLD comandava uma maioria na câmara baixa,
garantindo, assim, que o vencedor da corrida à liderança partidária viesse a
che ar o governo. Yasuo Fukuda derrota Asō Tarō e torna-se Primeiro-Ministro
em 25 de setembro de 2007. Porque não comunga das opiniões de Abe sobre a
China, Fukuda passa a executar uma política de engajamento com Beijing.
Quando o quási-paci sta Partido Democrata assume o executivo, na sequência
da derrota do PLD de 2009, as discussões sobre o Quad foram abandonadas.
O Primeiro-Ministro indiano Manmohan Singh não rejeitou cabalmente o
Quad, mas, expressando as ambiguidades estratégicas de Nova Deli naquela
conjuntura, também não abraçou a iniciativa. Durante a presidência de George
W. Bush, a Índia aprofunda o seu relacionamento com os Estados Unidos e, por
esse motivo, Nova Deli mostra-se disponível para fazer concessões relacionadas
com a proposta. Era uma viragem inconcebível durante os anos de Guerra Fria,
altura em que a Índia se coloca do lado da União Soviética, assinando um
Tratado de Amizade e Cooperação com Moscovo. A China e a Índia
envolveram-se numa breve guerra fronteiriça em 1962 e as questões em torno
das reivindicações territoriais continuavam por resolver, como, aliás,
demonstram os con itos fronteiriços de junho de 2020 no vale do rio
Galwan570. No entanto, a China mantinha relações amigáveis com Islamabad,
razão pela qual Nova Deli não pretendia abdicar da in uência detida em
Beijing. Qualquer estratégia de contenção era, portanto, problemática, até
porque os dois países pretendiam naquele momento ampliar a cooperação em
fóruns como o BRIC e o G-20571. Singh fez a sua primeira visita à China no
início de janeiro de 2008,  onde assina uma declaração conjunta destinada a
promover uma “Parceria Estratégica e Cooperativa para a Paz e a
Prosperidade”572. Depois de o governo australiano de Kevin Rudd se mostrar
indisponível para o Quad, o Primeiro-Ministro indiano, durante a cimeira
inaugural dos BRIC, realizada em julho de 2009 na cidade russa de
Yekaterinburg, garante a Hu Jintao que “a China não é concorrente da Índia” e,
acrescenta, “dará prioridade máxima às suas relações com a China”573.
Ainda hoje apontada como o coveiro do Quad, a Austrália foi, por várias
razões, o país que mais pressão sofreu por parte do governo chinês. A
vulnerabilidade de Camberra era acentuada pela crescente dependência da sua
economia relativamente ao investimento símico e pelo volume colossal de
exportações, principalmente de recursos naturais e produtos agrícolas, para o
mercado chinês574. Em 5 de fevereiro de 2008, apenas quatro meses após o
Partido Trabalhista de Kevin Rudd ter vencido as eleições de novembro de
2007, o Ministro das Relações Exteriores Stephen Smith, durante uma
conferência de imprensa conjunta com seu homologo chinês, Yang Jiechi,
realizada em Camberra, declara que “uma das coisas que causou preocupação à
China no ano passado foi uma reunião desse diálogo estratégico (...). Eu
indiquei quando estava no Japão que a Austrália não estava a propor um
diálogo dessa natureza”575. Com esta declaração, a Austrália, para todos os
efeitos, abandona o Quad para iniciar o seu próprio “diálogo” com Beijing.
Recentemente, o Primeiro-Ministro australiano responsável pelo volte-face,
Kevin Rudd, num artigo tão revelador quanto auto-justi cativo, esvaziou a
relevância do Quad, a rmando que era tão limitada que “quando visitei
Washington, em março de 2008, logo depois de esclarecermos que não
continuaríamos a participação australiana no Quad, durante um dia inteiro de
reuniões com o Presidente George W. Bush e os membros mais senior do seu
gabinete, a questão do Quad nunca foi levantada pelo lado americano”576. Claro
que, depois de Camberra ter decidido abandonar o Quad, não havia razão para
Washington se debruçar sobre um assunto encerrado. Mais intrigante é o
entendimento de Rudd quanto aos interesses nacionais australianos quando
escreve: “seria sensato transferir o futuro de nosso próprio relacionamento
bilateral com a China para a evolução do relacionamento China-Japão, sobre a
qual não poderíamos exercer in uência ou controlo algum? A verdade
desconfortável era que séculos de toxicidade mútua coloriram profundamente as
lentes através das quais Beijing e Tóquio se olhavam.  Para a Austrália, em
2007, começar a envolver-se em qualquer aliança militar emergente com o
Japão contra a China, na ausência de uma reconciliação formal entre Tóquio e
Beijing sobre os eventos da Segunda Guerra Mundial, seria incompatível com
nossos interesses nacionais de longo prazo”577. Não deixa de ser curioso notar
que Rudd julga que “séculos de toxicidade mútua”, a existirem, serão
ultrapassados por uma reconciliação sobre acontecimentos ocorridos nos anos
1940. Seja como for, trata-se de uma con ssão sincera de considerações de
realismo político e, portanto, não há razão para não a aceitar como
verdadeira578.  Era também uma visão extremamente míope dos interesses
estratégicos australianos.
Passados dez anos, aquando da Cimeira da ASEAN de 2017, o Primeiro-
Ministro australiano Malcolm Turnbull, Shinzō Abe, Narendra Modi e Donald
Trump acordaram em retomar o diálogo quadrilateral. Muito mudara na década
que se seguiu à primeira tentativa de erguer o Quad, particularmente no Mar
do Sul da China. A assertividade de Xi Jinping e o uso da Iniciativa Faixa e
Rota para consolidar posições em países vizinhos geraram apreensões quanto às
ambições regionais de Beijing, acabando por impulsionar o renascimento do
Quad. Mas os valores políticos comuns e o compromisso com a conservação de
uma ordem regional sob o assalto de Beijing revelaram-se igualmente decisivos.
O principal fator que explana a reativação do Quad foi, porém, a mudança de
orientação estratégica de nida por Donald Trump. Aliás, uma das promessas
contidas na Estratégia de Segurança Nacional da Administração Trump era,
precisamente, “aumentar a cooperação quadrilateral com o Japão, a Austrália e a
Índia”579. Esta decisão de voltar a engajar com a região ocorreu depois do
Presidente americano retirar o seu país da Parceria Trans-Pací ca, um erro
incalculável que suscitou dúvidas substanciais em relação ao compromisso de
Washington para com a ordem regional580. Aproveitando o passo em falso de
Trump, Xi Jinping desdobrou-se na promoção da China como o novo campeão
global do comércio livre, ao mesmo tempo que surgiam indicações de que
alguns aliados dos EUA, como o Presidente lipino Rodrigo Duterte,
começavam a gravitar em direção a Beijing, pelo menos no tocante às questões
de liderança económica.
Outras razões explicam o interesse renovado no Quad. Primeiro, a deferência
às sensibilidades chinesas que levaram ao abandono da proposta inicial
simplesmente não surtiu uma alteração do comportamento regional da RPC.
Segundo, abandonando a abordagem de Deng Xiaoping de “aguardar o nosso
tempo”, Beijing põe m à política de congelamento de disputas, isto é, de adiar
a busca de “soluções nais”, se existisse a possibilidade de a procura de tais
soluções suscitar novas tensões. A mudança era particularmente evidente no
Mar do Sul da China, onde os chineses deixavam de ter qualquer receio de
provocar con itos. Terceiro, assistia-se a mudanças profundas na política interna
dos quatro países, que os predispunha a trabalharem em conjunto para
contrariar o poderio da China. Em suma, o Quad foi recuperado porque a
assertividade chinesa transformou o ambiente de segurança regional e, por
conseguinte, o quadro da política doméstica nas quatro democracias se alterou
signi cativamente.
Neste novo quadro, o governo de coligação australiano, liderado pelos liberais
de Malcolm Turnbull, e a coligação che ada pelo PLD nipónico assumiam o
ónus de recuperar o Quad. Mais tarde, no nal de outubro de 2017, seria a
Primeira-Ministra em exercício, Julie Bishop, a sinalizar que Camberra via
como positivas as “discussões entre a Austrália, a Índia, o Japão e os EUA para
fortalecer acordos de cooperação e maximizar as nossas oportunidades na região
Indo-Pací co, onde o Direito Internacional e ordem assente em regras é
respeitada, para que os países possam continuar a prosperar”581. Da mesma
forma, aquando da reeleição de Shinzō Abe, em 2017, o Ministro das Relações
Exteriores Tarō Kōno a rma que Tóquio pretende que as democracias
promovam o livre comércio e a cooperação de defesa no âmbito do Indo-Pací co
para impedir a construção de infraestrutura comercial e de segurança através da
Iniciativa Faixa e Rota582. A iniciativa do Japão fora imediatamente saudada por
Alice Wells, Secretária de Estado Assistente Interina dos EUA para os assuntos
do sul asiático, comentando que “a quadrilateral discutida pelo Ministro das
Relações Exteriores do Japão seria construída em cima da muito produtiva
trilateral que temos com a Índia e o Japão (...) para reforçar esses valores na
arquitetura global”583. Previsivelmente, Wells descarta a noção de que o Quad
visa a contenção da China, mas reconhece que a parceria buscava soluções
alternativas para fomentar infraestruturas e o desenvolvimento económico “que
não incluam nanciamento predatório ou dívida insustentável”, uma forma
eufemística de caracterizar as práticas da República Popular em geral e da
Iniciativa Faixa e Rota em particular584.
Em resposta às novas realidades, a China procura atenuar as tensões
estratégicas que permeiam as relações do país com a Índia e o
Japão. Sinalizando o m de um congelamento de sete anos no relacionamento
bilateral, Abe visita Beijing em outubro de 2018585. A Índia, no entanto,
seguiu um caminho mais ambíguo com o intuito de maximizar a sua margem
de manobra. Narendra Modi realizou uma cimeira bilateral com Xi Jinping em
abril de 2018, indiciando um hedging motivado por dúvidas quanto à
con abilidade do governo Trump586. Recordando o abandono brusco de Rudd
do Quad dez anos antes, Nova Deli também resistiu à inclusão da Austrália nos
exercícios navais Malabar, realizados com os Estados Unidos e o Japão587.
Todavia, durante a primeira metade de 2020, as hesitações da Índia dissiparam-
se em particular, particularmente após os confrontos violentos na fronteira com
a China. Um sinal revelador da acrimónia ocorre em 29 de junho, quando Nova
Deli anuncia a ilegalização do TikTok588. Já antes, a 12 de maio, Narendra
Modi anunciara, no âmbito geral do “Make in India”, um programa de €242
mil milhões para estabilizar a economia e, em parte, atrair novas empresas para
o país. As medidas são reveladas na sequência de um programa iniciado em
abril, o “Production Linked Incentive Scheme (PLI) for Large Scale Electronics
Manufacturing”, dirigido a fabricantes de telefones móveis e de componentes
eletrónicos, oferecendo-lhes incentivos nanceiros para iniciarem ou
aumentarem a capacidade de produção no país589. São medidas que têm como
nalidade atrair rmas a produzirem que atualmente produem em território
chinês, uma indicação de que Nova Deli está decidida a substituir a China
nalgumas leiras de produção.
Independentemente das ambiguidades, dos avanços e dos recuos, a
necessidade de consolidar a cooperação entre as democracias impôs-se à medida
que a assertividade chinesa gerava novos focos de tensão. Esse incremento da
cooperação quadrilateral re ete o quão profundamente o ambiente estratégico
no Indo-Pací co se transformara.
As agendas domésticas e os interesses nacionais deixaram de impedir a
cooperação reforçada entre os membros do Quad. É certo que todos os países
receiam ser arrastados para eventuais con itos entre Beijing e um dos outros
membros do Quad. As di culdades não são intransponíveis mas, para serem
plenamente ultrapassadas, exige-se uma liderança americana coerente. Para cada
país, o relacionamento com Washington é o laço bilateral mais importante. Não
obstante a importância vital do aliado americano, a China é o segundo mais
crítico desses laços, superando a importância do relacionamento bilateral com as
demais democracias. Em resultado desta realidade, surgirá, invariavelmente, a
tentação de apaziguar Beijing de forma a evitar a rmar as sensibilidades
chinesas. O perigo reside no facto desse eventual apaziguamento ser feito à
custa dos interesses das demais democracias.
Dado que, muito naturalmente, uma potência em franca expansão dotada de
um projeto hegemónico visa impedir o condicionamento das suas ações, da sua
liberdade de atuação estratégica, a reação da China ao Quad era inteiramente
previsível. Em Washington, depois de alguma inde nição, o Quad começa a ser
entendido como um instrumento para refrear a assertividade geopolítica da
China; de facto, o Quad é “controverso porque é entendido como uma forma de
conter a China”590.  Na realidade, a necessidade sentida por Washington de
agrupar aliados para balançar a República Popular tornou-se, nos últimos anos,
pací ca entre Democratas e Republicanos, um elemento do “novo consenso”
sobre a China. Chegados a este ponto, o dilema do Quad reside precisamente no
papel reservado ao instrumento militar. Transformado num agrupamento
militar com uma agenda explícita de contenção, o Quad muito provavelmente
desencadearia a polarização da região.
Na ausência dessa agenda militarizada, interesses divergentes e agendas
domésticas antagónicas impedirão a “comunidade de democracias” de agir em
uníssono. Eis o dilema que o tempo – e as escolhas chinesas – se encarregará de
resolver.

422 . Cf., “Socialism with Chinese characteristics enters new era: Xi”, Xinhua 18 de outubro de 2017,
consultado em: http://www.xinhuanet.com/english/2017-10/18/c_136688475.htm.
423 . Ver, Elizabeth C. Economy, The Third Revolution, pp. 1-12.
424 . Um porta-voz de Beijing, o coronel Zhou Bo, num artigo de opinião publicado no South China
Morning Post, descreve o confronto com os Estados Unidos como “meros eventos contrários” ao
“desenvolvimento pací co” da China, acrescentando que “a mudança mais profunda que o mundo está a
experimentar é a China car cada vez mais forte”. Cf., Zhou Bo, “Why China must beware a less con dent
US, politically divided and pessimistic about its future”, South China Morning Post, 27 de julho de
2020, disponível em: https://www.scmp.com/comment/opinion/article/3094566/why-china-must-beware-
less-con dent-us-politically-divided-and. São poucas as vozes que abertamente criticam Xi. Uma exceção
recente é o general Dai Xu, um proeminente “falcão” do ELP, que defende que a China faça uma avaliação
das suas fraquezas em relação aos Estados Unidos. E recomenda que Beijing se comporte em
conformidade, pois o confronto com Washington não lhe trouxe amigos. Acrescenta que nenhum país
manifesta interesse em estabelecer com a China uma aliança anti-americana. Cf, Richard McGregor,
“Beijing hard-liners kick against Xi Jinping’s wolf warrior diplomacy”, Nikkei Asian Review, 28 de julho
de 2020, disponível em: https://asia.nikkei.com/Opinion/Beijing-hard-liners-kick-against-Xi-Jinping-s-
wolf-warrior-diplomacy.
425 . Cf., “Full Text of Jiang Zemin’s Report at 16th Party Congress on November 8, 2002”, consultado
em: https://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/topics_665678/3698_665962/t18872.shtml. Cf., também, Avery
Goldstein. Rising to the Challenge: China’s Grand Strategy and International Security. Stanford: Stanford
University Press, 2005, p. 203.
426 . Para uma discussão sobre o “surgimento pací co” (também conhecido por “desenvolvimento
pací co”), cf., State Council White Paper, “China’s Peaceful Development Road”, People’s Daily, October
22, 2005, disponível em: http://en.people.cn/200512/22/eng20051222_230059.html. Também, Henry
Kissinger, On China, pp. 499-513; Zheng Bijian, China’s ‘Peaceful Rise’ to Great-Power Status”, Foreign
Affairs, Vol. 84, No. 5., setembro/outubro de 2005, pp. 18-24; Barry Buzan, “China in International
Society: Is ‘Peaceful Rise’ Possible?”, The Chinese Journal of International Politics, Vol. 3, No. 1,
Primavera de 2010, pp. 5-36 e Raquel Vaz-Pinto, “Peaceful rise and the limits of Chinese
exceptionalism”, Revista Brasileira de Política Internacional, 57, 2014, pp. 210-224, consultado em:
http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v57nspe/0034-7329-rbpi-57-spe-00210.pdf.
427 . Cf., David Lague e Benjamin Kang Lim, “Special Report: How China is replacing America as Asia’s
military titan”, Reuters, 23 de abril de 2019, consultado em: https://www.reuters.com/article/us-china-
army-xi-specialreport/special-report-how-china-is-replacing-america-as-asias-military-titan-
idUSKCN1RZ12L.
428 . Ver, por exemplo, Patrick Mendis, “Chinese behaviour in Asian seas driven by Monroe Doctrine of
its own”, South China Morning Post, 26 de maio de 2014, consultado em:
https://www.scmp.com/comment/insight-opinion/article/1519437/chinese-behaviour-asian-seas-driven-
monroe-doctrine-its-own.
429 . Sobre este assunto, sigo a perspetiva de Liza Tobin, “Xi’s Vision for Transforming Global
Governance: A Strategic Challenge for Washington and its Allies”, Texas National Security Review, Vol.
2, No. 1, novembro de 2018, pp. 155-166, disponível em: https://2llqix3cnhb21kcxpr2u9o1k-
wpengine.netdna-ssl.com/wp-content/uploads/2018/11/TNSR-Vol-2-Issue-1-Tobin.pdf. Ver, também,
Nadège Rolland “China’s Vision for a New World Order” The National Bureau of Asian Research, NBR
Special Report #83, janeiro de 2020, disponível em: https://www.nbr.org/wp-
content/uploads/pdfs/publications/sr83_chinasvision_jan2020.pdf.
430 . Cf., Ronald C. Keith. The Diplomacy of Zhou Enlai. Londres: Palgrave Macmillan, 1989, pp. 209-
215.
431 . Ver, Jin Kai, “Can China Build a Community of Common Destiny?”, The Diplomat, 28 de
novembro de 2013, consultado em: https://thediplomat.com/2013/11/can-china-build-a-community-of-
common-destiny/.
432 . Hu a rmou: “Gostaria de reiterar aqui o que a China representa. Continuaremos a erguer bem alto a
bandeira da paz, do desenvolvimento e da cooperação, a seguir inabalavelmente o caminho do
desenvolvimento pací co, a prosseguir rmemente a política externa independente de paz e a dedicar-nos
ao desenvolvimento de relações amistosas e de cooperação com todos os países com base nos Cinco
Princípios da Coexistência Pací ca. Sempre a integrar o nosso desenvolvimento com o progresso comum
da humanidade, aproveitamos plenamente as oportunidades trazidas pela paz e pelo desenvolvimento
mundiais para buscar o nosso próprio desenvolvimento, ao mesmo tempo que procuramos uma melhor
promoção da paz mundial e do desenvolvimento comum através do nosso bem-sucedido
desenvolvimento”. Cf., “Build Towards a Harmonious World of Lasting Peace and Common Prosperity”,
Statement by H.E. Hu Jintao President of the People’s Republic of China At the United Nations
Summit, New York, 15 de setembro de 2005, consultado em:
https://www.un.org/webcast/summit2005/statements15/china050915eng.pdf.
433 . Cf., Liza Tobin, “Xi’s Vision for Transforming Global Governance”, p. 165.
434 . Cf., Lam Peng Er, “China, the United States, Alliances, and War: Avoiding the Thucydides Trap?”,
Asian Affairs, Vol. 43, No. 2, 2016, pp 36-46.
435 . Para o texto completo do discurso, ver, “Work Together to Build a Community of Shared Future for
Mankind” Speech By President Xi Jinping At the United Nations Of ce at Geneva, Geneva, 18 de
janeiro de 2017, disponível em: http://iq.chineseembassy.org/eng/zygx/t1432869.htm.
436 . Ibid.
437 . Inspirado na “mão invisível” de Adam Smith, E.H. Carr, analisando um contexto histórico diferente,
originou o termo “harmonia de interesses” para sugerir que as grandes potências invariavelmente a rmam
que os seus interesses especí cos coincidem com os interesses globais dos demais estados, da comunidade
internacional. Cf., E.H. Carr. The Twenty Years’ Crisis, 1919-1939. Londres: Palgrave Macmillan, pp. 42-
60.
438 . Ver, “Work Together to Build a Community of Shared Future for Mankind” Speech By President Xi
Jinping At the United Nations Of ce at Geneva.
439 . Ibid.
440 . Ibid.
441 . Ibid.
442 . Ibid.
443 . Ver, Luis Felipe, “Portuguese-Chinese relations rise on a political level with annual contacts”,
Portugal iNews, 29 de abril de 2019, disponível em: https://portugalinews.eu/portuguese-chinese-
relations-rise-on-a-political-level-with-annual-contacts/. Sobre a decisão da União Europeia, ver, EU
Commission, “EU-China – A Strategic Outlook”, 12 de março de 2019, consultado em:
https://ec.europa.eu/commission/sites/beta-political/ les/communication-eu-china-a-strategic-
outlook.pdf.
444 . Ver, Liza Tobin, “Xi’s Vision for Transforming Global Governance”, p. 159.
445 . Cf., Sun Xiaokun, “A Chinese Perspective on US Alliances”, Survival, Vol. 61, No. 6, novembro de
2019, pp. 69-76.
446 . Cf., Liza Tobin, “Xi’s Vision for Transforming Global Governance”, p. 159.
447 . Ver, Steven Tsang, “Consultative Leninism: China’s new political framework”, Journal of
Contemporary China, Vol. 18, No. 62, novembro de 2009, p. 865
448 . Ver, “Xi Urges Efforts in Building China into a Great Modern Socialist Country”, Xinhua, 20 de
março de 2018, consultado em: http://www.xinhuanet.com/english/2018-03/20/c_137052370.htm.
449 . Cf., “Work Together to Build a Community of Shared Future for Mankind” Speech By President Xi
Jinping At the United Nations Of ce at Geneva.
450 . Ibid.
451 . Ver, Elizabeth C. Economy, The Third Revolution, pp. 152-185.
452 . Ver, “CPC incorporates ‘Beautiful China’ into two-stage development plan”, China Daily, 18 de
outubro de 2017, consultado em: https://www.chinadaily.com.cn/china/2017-
10/18/content_33404172.htm.
453 . Xi Jinping fez estas a rmações durante a comemoração dos 40 anos das reformas de mercado de
Deng Xiaoping. Ver, Samuel Osborne, “China does not seek global domination, president Xi Jinping says
in landmark speech”, The Independent, 18 de dezembro de 2018, consultado em:
https://www.independent.co.uk/news/world/asia/china-xi-jinping-president-speech-beijing-economy-
nance-global-domination-a8689231.html.
454 . Ver, “China’s National Defense in the New Era”, The State Council Information Of ce of the
People’s Republic of China, julho de 2019, o texto está disponibilizado em:
http://english.www.gov.cn/archive/whitepaper/201907/24/content_WS5d3941ddc6d08408f502283d.ht
ml.
455 . Ibid.
456 . Ibid.
457 . Cf., Graham Allison. Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap?. Nova
Iorque: Houghton Mif in Harcourt, 2017. Os 16 casos documentados no “Thucydides’s Trap Case File”
do Belfer Center da Universidade de Harvard, consultados em: https://www.belfercenter.org/thucydides-
trap/case- le. Numa recensão do livro de Allison, Lawrence Freedman escreve: “Se há lições a serem
tiradas das anteriores lutas pelo poder, talvez a mais relevante venha da Guerra Fria e é que, neste caso, o
evitar de uma guerra quente teve algo a ver com armas nucleares. A questão nuclear também pode
encorajar cautela entre a China e os Estados Unidos. Os outros exemplos vêm de épocas em que as
questões da guerra e do poder eram vistas de forma diferente do que são hoje e as suas implicações não são
convincentes. Tentar tirar lições de Portugal e da Espanha do século XV ou da Inglaterra e da República
Holandesa do século XVII di cilmente será frutífero”. Cf., Lawrence Freedman, “Review of Graham
Allison, Destined for War”, Prism, Vol. 7, No. 1, setembro de 2017, pp. 175-178, disponível em:
https://cco.ndu.edu/Portals/96/Documents/prism/prism_7-1/15-BR_Freedman.pdf?ver=2017-09-14-
133601-573.
458 . Ver, Graham Allison, Destined for War, pp. 27-40.
459 . a Os quatro casos são (i) Portugal e Espanha na segunda metade do século XV, (ii) a Grã-Bretanha e
os Estados Unidos na alvorada do século XX, (iii) os Estados Unidos e a União Soviética na segunda parte
do século XX e (iv) o Reino Unido e a França/Alemanha no século XX.
460 . Ver, Pamir Gautam, “US, China and the Thucydides trap”, ChinaDaily.com, 15 de agosto de 2018,
disponível em: http://www.chinadaily.com.cn/a/201808/15/WS5b7397bca310add14f385e37.htm.
461 . Ver, Graham Allison, Destined for War, p. 235.
462 .Para uma discussão estimulante, ver, Christopher Coker. The Improbable War: China, the United
States and the Logic of Great Power Con ict. Londres: C. Hurst and Company, 2015.
463 . Resumidamente, o dilema de segurança ocorre quando as ações defensivas de um estado, destinadas a
aumentar a sua própria segurança, são interpretadas como potencialmente ofensivas pelo segundo estado.
Este toma então medidas para aumentar sua segurança, provocando insegurança no primeiro. Isso ocorre
porque os estados são guiados por capacidades e não por intenções. Ver, John H. Herz, “Idealist
Internationalism and the Security Dilemma”, World Politics, Vol. 2, No. 2, janeiro de 1950, pp. 157-180
e Robert Jervis, “Cooperation under the Security Dilemma”, World Politics, Vol. 30, No. 2, janeiro de
1978, pp. 167-214.
464 . Ver, Of ce of the Secretary of Defense, “Annual Report to Congress: Military and Security
Developments Involving the People’s Republic of China, 2019, China Military Power Report” Ibid, p. 6.
465 . Ver, “Xi inspects PLA Southern Theater Command, stresses advancing commanding ability”,
Xinhua, 26 de outubro de 2018, disponível em:
http://www.xinhuanet.com/english/201810/26/c_137561097.html.
466 . Ibid.
467 . Ver, David Lague e Benjamin Kang Lim, “Special Report: How China is replacing America as Asia’s
military titan”, Reuters, 23 de abril de 2019, consultado em: https://www.reuters.com/article/us-china-
army-xi-specialreport/special-report-how-china-is-replacing-america-as-asias-military-titan-
idUSKCN1RZ12L.
468 . Cf., Ben Blanchard, “China jails former top military of cer for life in graft case”, Reuters, 25 de
julho de 2016, disponível em: https://www.reuters.com/article/us-china-corruption-military-
idUSKCN10511X.
469 . Nas margens do XIX Congresso do PCC, Liu Shiyu, chefe da Comissão Reguladora de Valores
Mobiliários da China, acusou Bo Xilai, Sun Zhengcai (antigo líder do partido em Chongqing e apontado a
ocupar um lugar no Comité Permanente do Politburo), Zhou Yongkang, Ling Jihua, Xu Caihou e Guo
Boxiong de “conspirar a m de usurpar a liderança do partido e capturar o poder estatal”. Muito
naturalmente, elogiou Xi Jinping por ter “salvo o Partido Comunista”. Cf., Wendy Wu and Choi Chi-
yuk, “Coup plotters foiled: Xi Jinping fended off threat to ‘save Communist Party’, South China Morning
Post, 19 de outubro de 2017, disponível em: https://www.scmp.com/news/china/policies-
politics/article/2116176/coup-plotters-foiled-xi-jinping-fended-threat-save.
470 . Bo Zhiyue, comentando este caso, escreveu: “Deng Xiaoping apenas promoveu um lote de 17
generais em 1988. Como Presidente da CMC, entre novembro de 1989 e setembro de 2004, Jiang Zemin
promoveu um total de 79 generais. Como Presidente da CMC, entre setembro de 2004 e novembro de
2012, Hu Jintao promoveu um total de 45 generais. Mas Xu Caihou selecionou e recomendou 83 generais
– mais 4 do que os promovidos por Jiang, mais 38 do que Hu e quase cinco vezes mais generais do que os
promovidos por Deng”. Ver, Bo Zhiyue, “The Rise and Fall of Xu Caihou, China’s Corrupt General”, The
Diplomat, 18 de março de 2015, disponível em: https://thediplomat.com/2015/03/the-rise-and-fall-of-
xu-caihou-chinas-corrupt-general/.
471 . Ver, Minnie Chan, “Communist Party ‘controls the gun,’ PLA top brass reminded”, South China
Morning Post, 5 de novembro de 2014, disponível em:
https://www.scmp.com/news/china/article/1632136/communist-party-controls-gun-pla-top-brass-
reminded e, também, Li Jing, “President Xi Jinping lays down the law to Chinese Army in rst ‘precept’
speech since Mao Zedong”, South China Morning Post, 4 de janeiro de 2016, consultado em:
https://www.scmp.com/news/china/diplomacy-defence/article/1898000/president-xi-jinping-lays-down-
law-chinese-army- rst.
472 . Ver, Zachary Keck, “China Creates New Military Reform Leading Group”, The Diplomat, 21 de
março de 2014, disponível em: https://thediplomat.com/2014/03/china-creates-new-military-reform-
leading-group/.
473 . Para uma discussion, cf., Manoj Joshi,“Xi Jinping and PLA Reform”, ORF Occasional Paper #88,
Observer Research Foundation, New Delhi, fevereiro de 2106, pp. 1-38, disponível em:
https://www.orfonline.org/wp-content/uploads/2016/02/OP_88.pdf e, também, Joel Wuthnow e Phillip
C. Saunders, “Chinese Military Reform in the Age of Xi Jinping: Drivers, Challenges, and Implications”,
China Strategic Perspectives, No. 10, Center for the Study of Chinese Military Affairs Institute for
National Strategic Studies, National Defense University, Washington, D.C., março de 2017, pp. 1-87,
consultado em: https://apps.dtic.mil/dtic/tr/fulltext/u2/1030342.pdf.
474 . Para uma discussão, ver, Joel McFadden, Kim Fassler, e Justin Godby, “The New PLA Leadership:
Xi Molds China’s Military to His Vision” In Phillip C. Saunders, Arthur S. Ding, Andrew Scobell,
Andrew N.D. Yang, e Joel Wuthnow (eds.). Chairman Xi Remakes the PLA: Assessing Chinese Military
Reforms. Washington, DC: National Defense University Press, 2019, p. 557-582.
475 . Ver, Lim Yan Liang, “19th Party Congress: China to have world-class military by 2050”, The Straits
Times, 18 de outubro de 2017, consultado em: https://www.straitstimes.com/asia/east-asia/19th-party-
congress-china-to-have-world-class-military-by-2050.
476 . Cf., Jeremy Page, “For Xi, a ‘China Dream? Of Military Power”, The Wall Street Journal, 13 de
março de 2013, disponível em:
https://www.wsj.com/articles/SB10001424127887324128504578348774040546346.
477 . Ver, “China’s National Defense in the New Era”, n.p.
478 . Ibid.
479 . Cf., Richard C. Bush, “8 key things to notice from Xi Jinping’s New Year speech on Taiwan”,
Brookings, 7 de janeiro de 2019, disponível em: https://www.brookings.edu/blog/order-from-
chaos/2019/01/07/8-key-things-to-notice-from-xi-jinpings-new-year-speech-on-taiwan.
480 . Para mais detalhes, ver, Kerry Brown e Kalley Wu Tzu Hui. The Trouble with Taiwan: History, the
United States and a Rising China. Londres: Zed Books, 2019.
481 . Cf., Shirley A. Kan, “China/Taiwan: Evolution of the ‘One China? Policy – Key Statements from
Washington, Beijing, and Taipei”, CRS Report for Congress, Updated March 12, 2001, p. CRS-39,
disponível em:
https://digital.library.unt.edu/ark:/67531/metacrs9896/m1/1/high_res_d/RL30341_2006Sep07.pdf.
482 . Ver, Warren I. Cohen, America’s Response to China, pp. 254-262.
483 . Ver, “China’s National Defense in the New Era”, n. p.
484 . Cf., Nick Aspinwall, “Taiwan and US Pledge Health Partnership, Possible Trade Agreement After
Azar Visit”, The Diplomat, 14 de agosto de 2020, disponível em:
https://thediplomat.com/2020/08/taiwan-and-us-pledge-health-partnership-possible-trade-agreement-
after-azar-visit/.
485 . Para uma discussão, ver, Ian Storey. Southeast Asia and the Rise of China: The Search for Security:
New York: Routledge, 2011.
486 . Para algum background, ver, Golam W. Choudhury, “Post-Mao Policy in Asia”, Problems of
Communism, Vol. 26, No. 4, julho/agosto de 1977, pp. 18-29.
487 . Cf., Xiaoming Zhang. Deng Xiaoping’s Long War: The Military Con ict between China and
Vietnam, 1979-1991. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2015.
488 . Existe uma crescente literatura especializada a versar o Mar do Sul da China. Cf., inter alia, Sarah
Raine e Chistian Le Mière. Regional Disorder: The South China Sea Disputes. Nova Iorque: Routledge,
2013; Robert D. Kaplan. Asia’s Cauldron: The South China Sea and the End of a Stable Paci c. Nova
Iorque: Random House, 2014; Bill Hayton. The South China Sea: The Struggle for Power in Asia. New
haven: Yale University Press, 2014; James Borton (ed.). Islands and Rocks in the South China Sea: Post-
Hague Ruling. Xlibris Books, 2017; Humphrey Hawksley. Asian Waters: The Struggle over the South
China Sea and the Strategy of Chinese Expansion. Nova Iorque: The Overlook Press, 2018 e Anders Corr
(ed.). Great Powers, Grand Strategies: The New Game in the South China Sea. Annapolis: Naval Institute
Press, 2018.
489 . Sobre o debate interno chinês sobre a estratégia a seguir no Mar do Sul da China, ver, Feng Zhang,
“Chinese Thinking on the South China Sea and the Future of the Regional Order”, Political Science
Quarterly, Vol. 132, No. 3, 2017, pp. 435-466.
490 . Ver, The State Council Information Of ce of the People’s Republic of China, “China’s National
Defense in the New Era”, julho de 2019. O texto completo está disponível em:
http://www.xinhuanet.com/english/2019-07/24/c_138253389.htm.
491 . Cf., “China’s National Defense in the New Era”, n. p.
492 . Citado em Joel Wuthnow e Phillip C. Saunders, “Chairman Xi Remakes the PLA”, In Phillip C.
Saunders, Arthur S. Ding, Andrew Scobell, Andrew N.D. Yang, e Joel Wuthnow (eds.). Chairman Xi
Remakes the PLA: Assessing Chinese Military Reforms. Washington, DC: National Defense University
Press, 2019, p. 1.
493 . Ver, White House, National Security Strategy of the United States of America, p. 2.
494 . Ver, Of ce of the Secretary of Defense, “Annual Report to Congress: Military and Security
Developments Involving the People’s Republic of China, 2019”, China Military Power Report”, p. 5.
495 . Cf., Department of Defense, “Summary of the 2018 National Defense Strategy of the United States
of America”, Sharpening the American Military’s Competitive Edge”, janeiro de 2018, p. 1, disponível
em: https://dod.defense.gov/Portals/1/Documents/pubs/2018-National-Defense-Strategy-Summary.pdf.
Porque a totalidade da National Defense Strategy permanece em segredo de estado, o Departamento de
Defesa apenas disponabiliza um sumário para consulta pública.
496 . Ver, Leszek Buszynski, The South China Sea: Oil, Maritime Claims, and U.S.-China Strategic
Rivalry, The Washington Quarterly, Vol. 35, No. 2, 2012, pp. 139-156.
497 . Ver, Mu Ramkumar, M. Santosh, Manoj J. Mathew, David Menier, R. Nagarajan, Benjamin
Sautter,“Hydrocarbon reserves of the South China Sea: Implications for regional energy security”, Energy
Geoscience, Vol. 1, No. 1-2, julho de 2020, p 1, disponível em:
https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S2666759220300044?
token=0722BE7FE658554D521EF13F14BE4627AF0BB25E6FF247B1CEF79A2F1F03758608C68222
BD67DCB95324819707180076
498 . Ver, Fu Ying e Wu Shicun, “South China Sea: How We Got to This Stage,” The National Interest,
23 de maio de 2016, disponível em: http://nationalinterest.org/print/feature/south-china-sea-how-we-got-
stage-16118.
499 . O documento está reproduzido em: “China’s Indisputable Sovereignty Over the Xisha and Nansha
Islands”, Beijing Review, No. 7, fevereiro de 1980, pp. 15-24.
500 . Ibid.
501 . Ver, Teh-Kuang Chan, “China’s Claim of Sovereignty over Spratly and Paracel Islands: A Historical
and Legal Perspective”, Case Western Reserve Journal of International Law, Vol. 23, No. 3, 1991, pp.
399-420, consultado em: https://scholarlycommons.law.case.edu/cgi/viewcontent.cgi?
referer=https%253A%252F%252Fscholar.google.pt%252Fscholar%253Fq%253Drelated%253AoAfXZj
vrqVMJ%253Ascholar.google.com%252F&=&scioq=spratly+island+historical&=&hl=pt-
PT&=&as_sdt=0%2C5&=&httpsredir=1&=&article=1644&=&context=jil&=&sei-
redir=1#search=%22related%3AoAfXZjvrqVMJ%3Ascholar.google.com%2F%22.
502 . Cf., Bill Hayton. The South China Sea, pp. 53-54.
503 . Ver, “Statement on the South China Sea”, Ministry of Foreign Affairs, Republic of China (Taiwan), 7
de julho de 2015, consultado em: https://www.mofa.gov.tw/en/News_Content.aspx?
n=0E7B91A8FBEC4A94&sms=220E98D761D34A9A&s=EDEBCA08C7F51C98.
504 . Para uma discussão, cf., Zhiguo Gao e Bing Bing Jia, “The Nine-Dash Line in the South China Sea:
History, Status, and Implications,” American Journal of International Law, Vol. 107, No. 1, janeiro de
2013, pp. 98–124.
505 . Ibid.
506 . Ver, Steven Lee Myers, “Island or Rock? Taiwan Defends its Claim in the South China Sea”, The
New York Times, 10 de maio de 2019, disponível em:
https://www.nytimes.com/2018/05/20/world/asia/china-taiwan-island-south-sea.html.
507 . Para uma discussão, ver, Lowell Bautista, “Thinking Outside the Box: the South China Sea Issue
and the United Nations Convention on the Law of the Sea (Options, Limitations and Prospects)”,
Philippine Law Journal, Vol. 81, No. 4, 2007, pp. 699-731, disponível em:
https://ro.uow.edu.au/cgi/viewcontent.cgi?article=1779&context=lhapapers.
508 . Ver, Marc Lanteigne, “China’s Maritime Security and the “Malacca Dilemma”, Asian Security, Vol.
4, No. 2, 2008, pp. 143-161. 
509 . Cf., Henry Kissinger, On China, pp. 438-439.
510 . Cf., Nien-Tsu Alfred Hu, “The Two Chinese Territorial Sea Laws: Their implications and
comparisons”, Ocean & Coastal Management, Vol. 20, No. 1, 1993, pp. 89-96,
511 . Para uma discussão, ver, inter alia, Nalanda Roy. The South China Sea Disputes: Past, Present, and
Future. Lanham: Lexington Books, 2016; Xavier Furtado, “International Law and the Dispute over the
Spratly Islands: Whither UNCLOS?”, Contemporary Southeast Asia, Vol. 21, No. 3, dezembro de 1999,
pp. 386-404; Sam Bateman, “UNCLOS and Its Limitations as the Foundation for a Regional Maritime
Security Regime”, Korean Journal of Defense Analysis, Vol. 19, No. 3, Outono de 2007, 27-56 e David
Rosenberg, “Governing the South China Sea: From Freedom of the Seas to Ocean Enclosure Movements”,
Harvard Asia Quarterly, Vol. 12, No. 3 & 4, Inverno de 2010, pp. 4-12, disponível em:
http://www.southchinasea.org/ les/2013/02/Governing_The_South_China_Sea.pdf.
512 . Ver, Sébastien Colin, “China, the US, and the Law of the Sea”, China Perspectives, No 2016/2, pp.
57-62, disponível em: https://journals.openedition.org/chinaperspectives/6994? le=1.
513 . Cf., Ankit Panda, “Making Sense of China’s Latest Bid to Administer Sovereignty in the South
China Sea”, The Diplomat, 21 de abril de 2020, consultado em:
https://thediplomat.com/2020/04/making-sense-of-chinas-latest-bid-to-administer-sovereignty-in-the-
south-china-sea.
514 . Cf., Chris Buckley, “China says U.S. naval ship broke the law”, Reuters, 10 de março de 2009,
disponível em: https://www.reuters.com/article/us-usa-china/china-says-u-s-naval-ship-broke-the-law-
idUSPEK9458120090310.
515 . Para uma discussão das complexidades legais da questão e das várias pretensões dos estados
envolvidos, ver, Jonathan G. Odom, “The True ‘Lies’ of the Impeccable Incident: What Really Happened,
Who Disregarded International Law, and Why Every Nation (Outside of China) Should be Concerned”,
Michigan State Journal of International Law, Vol. 18, No. 3, 2010, pp. 1-42, disponível em:
https://jnslp.com/wp-content/uploads/2010/06/the-true-lies-of-the-impeccable-incident-odom-msujil-
may-2010.pdf
516 . Para uma dicussão, cf., Tara Davenport, “Island-Building in the South China Sea: Legality and
Limits”, Asian Journal of International Law, Vol. 8, No. 1, janeiro de 2018, pp. 76-90.
517 . Ver, Ben Brum eld, “U.S. defense chief to China: End South China Sea expansion”, CNN, 30 de
maio de 2015, consultado em: https://edition.cnn.com/2015/05/30/china/singapore-south-china-sea-ash-
carter/index.html.
518 . Ver, The White House, “Remarks by President Obama and President Benigno Aquino III of the
Philippines in Joint Press Conference”, Malacañang Palace, Manila, Philippines, 28 de abril de 2014,
disponível em: https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-of ce/2014/04/28/remarks-president-
obama-and-president-benigno-aquino-iii-philippines-joi.
519 . Ver, Lowell B. Bautista, “The Legal Status of the Philippine Treaty Limits in International Law”,
Agean Review of the Law of the Sea and Maritime Law, No. 1, 2010, pp. 111-139, consultado em:
https://www.academia.edu/446908/The_Legal_Status_of_the_Philippine_Treaty_Limits_In_Internationa
l_Law.
520 . A sentença é de leitura indispensável. Não apenas porque as questões legais são exaustivamente
tratadas, mas porque revela a fragilidade das reivindicações terrotoriais chinesas. A sentença pode ser
encontrada em Judge Thomas A. Mensah et al., The South China Sea Arbitration Award, The Hague, 12
de julho de 2016,disponível em: https://pcacases.com/web/sendAttach/2086.
521 . Ver, “China’s determination to safeguard territorial sovereignty and maritime rights unwavering:
People’s Daily”, People’s Daily Online, 13 de julho de 2016, disponível em:
http://en.people.cn/n3/2016/0713/c90000-9085312.htm.
522 . Para a declaração o cial da RPC relativamente à sentença, ver, “Statement of the Ministry of Foreign
Affairs of the People’s Republic of China on the Award of 12 July 2016 of the Arbitral Tribunal in the
South China Sea Arbitration Established at the Request of the Republic of the Philippines, 12 de julho de
2016, disponível em: http://ae.china-embassy.org/eng/xwdt/t1380341.htm. Para uma discusssão, cf., Tom
Phillips, Oliver Holmes e Owen Bowcott, “Beijing rejects tribunal’s ruling in South China Sea case”, The
Guardian, 6 de julho de 2016, consultado em:
https://www.theguardian.com/world/2016/jul/12/philippines-wins-south-china-sea-case-against-china.
523 . Ver, Feng Zhang, “Chinese Thinking on the South China Sea”, p. 445.
524 . Cf., Sarah Raine and Chistian Le Mière, Regional Disorder, pp. 78-82.
525 . Cf., “China’s Sansha City establishes Xisha, Nansha districts in major administrative move”,
CGTN, 18 de abril de 2020, disponível em: https://news.cgtn.com/news/2020-04-18/China-s-Sansha-
City-establishes-Xisha-Nansha-districts-PN5hyJkgFy/index.html e Richard Javad Heydarian, “China lays
ever larger claim to South China Sea”, Asia Times, 21 de abril de 2020, consultado em:
https://asiatimes.com/2020/04/china-lays-ever-larger-claim-to-south-china-sea.
526 . Ver, “Advance Policy Questions for Admiral Philip Davidson, USN Expected Nominee for
Commander, U.S. Paci c Command”, n. d., p. 17, disponível em: https://www.armed-
services.senate.gov/imo/media/doc/Davidson_APQs_04-17-18.pdf.
527 . Cf., Dingding Chen and Jianwei Wang, “Lying low no more? China’s new thinking on the tao
guang yang hui strategy”, China: An International Journal, Vol. 9, No. 2, 2011, pp. 195–216.
528 . Ver, Kevin Baron, “China’s New Islands Are Clearly Military, U.S. Paci c Chief Says”, Defense One,
24 de julho de 2015, consultado em: https://www.defenseone.com/threats/2015/07/chinas-new-islands-
are-clearly-military/118591/.
529 . Ibid.
530 . Ibid.
531 . Ver, David Brunnstrom e Michael Martina, “Xi denies China turning arti cial islands into military
bases”, Reuters, 25 de setembro de 2015, disponível em: https://www.reuters.com/article/us-usa-china-
paci c/xi-denies-china-turning-arti cial-islands-into-military-bases-idUSKCN0RP1ZH20150925.
532 . Ibid.
533 . Ibid.
534 . Ver, The White House, “Remarks by Vice President Pence on the Administration’s Policy Toward
China”, The Hudson Institute, Washington, DC, 4 de outubro de 2018, disponível em:
https://www.whitehouse.gov/brie ngs-statements/remarks-vice-president-pence-administrations-policy-
toward-china/.
535 . Cf., “Advance Policy Questions for Admiral Philip Davidson, USN Expected Nominee for
Commander, U.S. Paci c Command”, p. 18, n. d., disponível em:
https://www.armed-services.senate.gov/imo/media/doc/Davidson_APQs_04-17-18.pdf. Ver, também,
“Short of war, China already controls the South China Sea: US admiral”, Asia Times, 24 de abril de 2018,
consultado em: https://asiatimes.com/2018/04/short-war-china-already-controls-south-china-sea-us-
admiral.
536 . Ver, The White House, “Remarks by Vice President Pence on the Administration’s Policy Toward
China”, The Hudson Institute, Washington, DC, 4 de outubro de 2018, disponível em:
https://www.whitehouse.gov/brie ngs-statements/remarks-vice-president-pence-administrations-policy-
toward-china/.
537 . Ibid.
538 . Sobre o Indo-Paci c, cf., Timothy Doyle e Dennis Rumley (eds.). The Rise and Return of the Indo-
Paci c. Oxford: Oxford University Press, 2019; Rory Medcalf. Indo-Paci c Empire: China, America and
the Contest for the World’s Pivotal Region. Manchester: Manchester University Press, 2020; Richard
Javand Heydarian. The Indo-Paci c: Trump, China, and the New Struggle for Global Mastery. Singapore:
Palgrave Macmillan, 2020 e Oliver Turner e Inderjeet Parmar (eds.). The United States in the Indo-
Paci c: Obama’s Legacy and the Trump Transition. Manchester: Manchester University Press, 2020.
539 . Cf., The White House, “Remarks by President Trump and President Quang of Vietnam in Joint
Press Conference, Hanoi, Vietnam”, Presidential Palace, Hanoi, Vietnam, 11 de novembro de 2017,
disponível em: https://www.whitehouse.gov/brie ngs-statements/remarks-president-trump-president-
quang-vietnam-joint-press-conference-hanoi-vietnam/ e The White House, “Remarks by President
Trump at APEC CEO Summit, Da Nang, Vietnam”, Ariyana Da Nang Exhibition Center, Da Nang,
Vietnam, 10 de novembro de 2017, consultado em: https://www.whitehouse.gov/brie ngs-
statements/remarks-president-trump-apec-ceo-summit-da-nang-vietnam.
540 . Ver, The Department of Defense, “Indo-Paci c Strategy Report: Preparedness, Partnerships, and
Promoting a Networked Region”, 1 de junho de 2019, disponível em:
https://media.defense.gov/2019/Jul/01/2002152311/-1/-1/1/DEPARTMENT-OF-DEFENSE-INDO-
PACIFIC-STRATEGY-REPORT-2019.PDF.
541 . Ver, “Summary of the 2018 National Defense Strategy of the United States of America”, p. 1.
542 . Ibid., p. 2.
543 . Para um exemplo desta abordagem chinesa de “toda a nação”, ver, Qiao Liang and Wang Xiangsui.
Unrestricted Warfare: China’s Master Plan to Destroy America. Dehradun: Natraj Publishers, 2007.
544 . Cf., “Summary of the 2018 National Defense Strategy of the United States of America”, p. 7.
545 . Ibid., p. 1.
546 . Ibid., p. 3.
547 . Ver, “Indo-Paci c Strategy Report: Preparedness, Partnerships, and Promoting a Networked
Region”, p. 21.
548 . Cf., por exemplo, Paul Dibb e John Lee, “Why China Will Not Become the Dominant Power in
Asia”, Security Challenges, Vol. 10, No. 3, 2014, pp. 1-22, consultado em:
https://www.hudson.org/content/researchattachments/attachment/1437/sc10_3_dibb_lee.pdf.
549 . Ver, “China’s National Defense in the New Era”,
550 . Para uma breve discussão da questão THAAD e das reações de Beijing, ver, Ethan Meick e Nargiza
Salidjanova, “China’s Response to U.S.-South Korean Missile Defense System Deployment and its
Implications”, Staff Research Report, US-China Economic and Security Review Commission, 26 de julho
de 2017, disponível
em:https://www.uscc.gov/sites/default/ les/Research/Report_China’s%20Response%20to%20THAAD%
20Deployment%20and%20its%20Implications.pdf.
551 . Cf., Ankit Panda, “China Hits Back at South Korea’s THAAD Deployment Following North
Korea’s Latest ICBM Test”, The Diplomat, 8 de agosto de 2017, consultado
em:https://thediplomat.com/2017/08/china-hits-back-at-south-koreas-thaad-deployment-following-
north-koreas-latest-icbm-test/.
552 . Ver, Treaty of Mutual Cooperation and Security between the United States and Japan (January 19,
1960), disponível em: http://afe.easia.columbia.edu/ps/japan/mutual_cooperation_treaty.pdf.
553 . Cf., Mutual Defense Treaty Between the United States and the Republic of Korea, consultado em:
https://avalon.law.yale.edu/20th_century/kor001.asp.
554 . Em 1966, os dois países assinaram o Acordo de Estatuto de Forças (Status of Forces Agreement),
cujo Artigo V estabelece que os Estados Unidos arcarão com todos os custos da manutenção das tropas
americanas, exceto aqueles assumidos especi camente pela Coreia do Sul. Para apurar essa contribuição,
Acordos de Medidas Especiais (Special Measures Agreements – SMAs) têm sido periodicamente
renegociados desde 1991. No último, datado de fevereiro de 2019 e com a duração de um ano, Seul
concordou em aumentar a sua contribuição para US $927 milhões, um aumento de US$ 70,3 milhões em
relação ao acordo anterior. Donald Trump inicialmente pediu à Coreia do Sul que pagasse US$ 5 mil
milhões. O Japão destina cerca de US$ 1,8 mil milhões às forças dos Estados Unidos, maioritariamente
estacionadas em Okinawa.
555 . Ver, Hiroyuki Akita, “Trump demands Japan and South Korea pay for nuclear umbrella” Nikkei
Asian Review, 4 de fevereiro de 2020, consultado em:
https://asia.nikkei.com/Spotlight/Comment/Trump-demands-Japan-and-South-Korea-pay-for-nuclear-
umbrella.
556 . Cf., por exemplo, Demetri Sevastopulo, “Donald Trump open to Japan and South Korea having
nuclear weapons”, Financial Times, 27 de março de 2016, disponível em:
https://www.ft.com/content/c927017c-f398-11e5-9afe-dd2472ea263d and “Full Rush Transcript: Donald
Trump, CNN Milwaukee Republican Presidential Town Hall, CNN”, 29 de março de 2016, consultado
em: https://cnnpressroom.blogs.cnn.com/2016/03/29/full-rush-transcript-donald-trump-cnn-milwaukee-
republican-presidential-town-hall/.
557 . Ver, Michael R. Gordon e Choe Sang-Hun, “Jim Mattis, in South Korea, tries to reassure an ally”,
The New York Times, 2 de fevereiro de 2017, disponível em:
https://www.nytimes.com/2017/02/02/world/asia/james-mattis-us-korea-thaad.html.
558 . Ver, Ministry of Defense, “Defense of Japan 2019”, p. 44, consultado em:
https://www.mod.go.jp/e/publ/w_paper/pdf/2019/DOJ2019_Full.pdf.
559 . Ibid., p. 44.
560 . Cf., por exemplo, Thomas Plant, “China, North Korea and the Spread of Nuclear Weapons”,
Survival, Vol. 55, No. 2, abril/maio de 2013, pp. 61-80.
561 . Sobre este tema, ver, Bertil Lintner. The Costliest Pearl: China’s Struggle for India’s Ocean. Londres:
Hurst and Company, 2019 e Gurpreet S. Khurana, “China’s ‘String of Pearls’ in the Indian Ocean and its
Security Implications”, Strategic Analysis, Vol. 32, No. 1, 2008, pp. 1-39.
562 . Ver, Michael J. Green e Nicholas Szechenyi, “Shinzō Abe’s Decision to Step Down”, CSIS Critical
Questions, Center for Strategic and International Studies, 28 de agosto de 2020, disponível em:
https://www.csis.org/analysis/shinzo-abes-decision-step-down.
563 . Ver, “China’s National Defense in the New Era”, n. p.
564 . Ver, Department of State, “A Free and Open Indo-Paci c: Advancing a Shared Vision”, 4 de
novembro de 2019, p. 6, disponível em: https://www.state.gov/wp-content/uploads/2019/11/Free-and-
Open-Indo-Paci c-4Nov2019.pdf.
565 . Ver, “Toward a Community of Democracies Ministerial Conference”, Final Warsaw Declaration:
Toward a Community of Democracies, Warsaw, Poland, 27 de junho de 2000, disponível em:
https://archive.is/20130414143601/http://www.ccd21.org/articles/warsaw_declaration.htm. Para uma
discussão sobre a “Comunidade das Democracias”, cf., Ivo H. Daalder e James Lindsay, “Democracies of
the World, Unite,” Public Policy Research, Vol. 14, No. 1, março/maio de 2007, pp. 47-58; John
McCain, “An Enduring Peace Built on Freedom,” Foreign Affairs, Vol. 86, No. 6, novembro/dezembro de
2007, pp. 19-34 e Robert Kagan, “Case for a League of Democracies,” Financial Times, 13 de maio de
2008, disponível em: https://www.ft.com/content/f62a02ce-20eb-11dd-a0e6-000077b07658.
566 . Ver, Yuichi Hosoya, “The Rise and Fall of Japan’s Grand Strategy: The ‘Arc of Freedom and
Prosperity’ and the Future Asian Order”, Asia Paci c Review, Vol. 18, No. 1, 2011, pp. 13-24. Sobre a
“Doutrina Abe”, ver, inter alia, Michal Kolmaš. National Identity and Japanese Revisionism: Abe Shinzō’s
Vision of a Beautiful Japan and Its Limits. Londres: Routledge, 2019; Hugo Dobson, “Is Japan Really
Back? The “Abe Doctrine” and Global Governance”, Journal of Contemporary Asia, Vol. 47, No. 2, 2017,
pp. 199-224 e H. D. P. Envall, “The ‘Abe Doctrine’: Japan’s new regional realism”, International
Relations of the Asia-Paci c, Vol. 20, No. 1, janeiro de 2020, pp. 31–59.
567 . O conceito foi inicialmente articulado em novembro de 2006, num discurso de Tarō Asō, Ministro
das Relações Exteriores. Cf., “Speech by Mr. Tarō Asō, Minister for Foreign Affairs on the Occasion of the
Japan Institute of International Affairs Seminar “Arc of Freedom and Prosperity: Japan’s Expanding
Diplomatic Horizons”, 30 de novembro de 2006, disponível em:
https://www.mofa.go.jp/announce/fm/aso/speech0611.html. Um discurso posterior, com o intuito de
clari car o conceito, é “Address by H.E. Mr. Tarō Asō, Minister for Foreign Affairs on the Occasion of the
20th Anniversary of the Founding of the Japan Forum on International Relations, Inc. “Arc of Freedom
and Prosperity”, 12 de março de 2007, disponível em:
https://www.mofa.go.jp/policy/pillar/address0703.html.
568 . Sobre a relevância dos exercísios Malabar de 2007, cf., Gurpreet S. Khurana, “Joint Naval Exercises:
A Post-Malabar-2007 Appraisal for India”, Institute of Peace and Con ict Studies, IPCS Issue Brief, No.
52, New Delhi, setembro de 2007, pp. 1-4, consultado em: https://www. les.ethz.ch/isn/44702/IPCS-
IssueBrief-No52.pdf.
569 . Ver, Hiroko Nakata, “Abe announces he will resign”, The Japan Times, 13 de setembro de 2007,
consultado em: https://www.japantimes.co.jp/news/2007/09/13/national/abe-announces-he-will-
resign/#.XrorHS2ZMxc.
570 . Ver, “Galwan Valley Fight: Beijing Gives Step by Step Account of India-China Border Clash at
Galwan Valley”, The Eurasian Times, 20 de junho 2020, disponível em:
https://eurasiantimes.com/galwan-valley-what-does-beijing-say-about-india-china-border-clash-at-
galwan-valley/.
571 . Sobre algumas das limitações colocadas ao relacionamento sino-indiano, cf., Hu Shisheng and Peng
Jing, “The Rise of China and India: Prospects of Partnership”, In Sudhir T. Devare, Swaran Singh e Reena
Marwah (eds.). Emerging China: Prospects of Partnership in Asia. Nova Deli: Routledge India, 2012, pp.
348-374.
572 . Para o contexto das questões dominantes nas relações sino-indianas na altura da deslocação, ver,
Jabin T. Jacob, “Manmohan Singh’s Visit to China: New Challenges Ahead”, China Report, Vol. 44, No.
1, 2008, pp. 63-70, disponível emt:
https://www.researchgate.net/publication/234051740_Manmohan_Singh’s_Visit_to_China_New_Challe
nges_Ahead.
573 . Ver, “Hu meets with Indian prime minister”, China Daily, June 16, 2009, disponível em:
http://www.chinadaily.com.cn/world/2009recovery/2009-06/16/content_8602161_2.htm.
574 . Grande parte do recente debate público australiano sobre a in uência chinesa no país foi provocado
pela publicação do livro de Clive Hamilton, detalhando a forma como “o Partido Comunista Chinês (PCC)
está engajado numa campanha sistemática para in ltrar, in uenciar e controlar as instituições mais
importantes da Austrália” e cujo “objetivo nal” é “quebrar a nossa aliança com os Estados Unidos e
transformar este país num estado de tributo”. Ver, Clive Hamilton. Silent Invasion: China’s In uence in
Australia. Londres: Hardie Grant Books, 2018, p. 1.
575 . Citado em Frank Ching, “Asian Arc doomed without Australia”, The Japan Times, 22 de fevereiro
de 2008. Disponível em: https://www.japantimes.co.jp/opinion/2008/02/22/commentary/asian-arc-
doomed-without-australia/#.XmoMyC2cYxc.
576 . Cf., Kevin Rudd, “The Convenient Rewriting of the History of the Quad”, Nikkei Asian Review,
26 de março de 2019, consultado em: https://asia.nikkei.com/Opinion/The-Convenient-Rewriting-of-the-
History-of-the-Quad.
577 . Ibid.
578 . Ibid. Isso não signi ca que o governo Rudd estivesse inteiramente despreocupado com o papel da
China na Austrália. Como Rudd apontou algum tempo depois de abandonar o poder, no seu artigo “The
Convenient Rewriting of the History of the Quad”, Camberra “também foi o primeiro governo não-
americano no mundo a negar autorização à Huawei para vender seus produtos – no Australian National
Broadband Network – por motivos de segurança nacional. E o nosso Livro Branco de Defesa de 2009
mencionava explicitamente o orçamento militar expansivo da China e suas inexplicáveis movimentações
militares na região como razão para a Austrália redobrar a sua frota de submarinos e aumentar a sua frota
de superfície em um terço”.
579 . Ver, “National Security Strategy of the United States of America”, p. 46.
580 . Em agosto de 2016, em visita a Washington, Lee Hsien Loong, Primeiro-Ministro de Singapura,
assume frontalmente que a rejeição americana do TPP prejudicaria a sua credibilidade junto dos aliados
regionais. Ver, Pearl Lee, “PM Lee Hsien Loong warns of harm to US’ standing if TPP isn’t rati ed”, The
Straits Times, 27 de outubro de 2016, disponível em: https://www.straitstimes.com/singapore/pm-lee-
warns-of-harm-to-us-standing-if-tpp-isnt-rati ed.
581 . Ver, David Wroe, “Australia weighing closer democratic ties in region in rebuff to China”, The
Sydney Morning Herald, 31 de outubro de 2017, disponível em:
https://www.smh.com.au/politics/federal/australia-weighing-closer-democratic-ties-in-region-in-rebuff-
to-china-20171031-gzbzhq.html.
582 . Cf., Saki Hayashi and Yosuke Onchi, “Japan to propose dialogue with US, India and Australia”,
Nikkei Asian Review, 26 de outubro de 2017, disponível em: https://asia.nikkei.com/Politics/Japan-to-
propose-dialogue-with-US-India-and-Australia2.
583 . Ver, David Brunnstrom, “U.S. seeks meeting soon to revive Asia-Paci c ‘Quad’ security forum”,
Reuters, 27 de outubro de 2017, consultado em: https://www.reuters.com/article/us-usa-asia-quad/u-s-
seeks-meeting-soon-to-revive-asia-paci c-quad-security-forum-idUSKBN1CW2O1.
584 . Ibid.
585 . Para uma abordagem geral, mas excelente, das relações sino-nipónicas, ver, Ezra F. Vogel. China and
Japan: Facing History. Cambridge: Harvard University Press, 2019.
586 . Sobre o relacionamento Trump-Modi, cf., Varghese K. George. Open Embrace: India-US ties in the
Age of Modi and Trump. Haryana: Viking, 2018.
587 . Cf., Suhasini Haidar e Dinakar Peri, “Not time yet for Australia’s inclusion in Malabar naval
games”, The Hindu, 22 de janeiro de 2019, consultado em:
https://www.thehindu.com/news/national/not-time-yet-for-australias-inclusion-in-malabar-naval-
games/article26058080.ece.
588 . Cf., Maria Abi-Habib, “India Bans Nearly 60 Chinese Apps, Including TikTok and WeChat”, The
New York Times, 29 de junho 2020, disponível em:
https://www.nytimes.com/2020/06/29/world/asia/tik-tok-banned-india-china.html.
589 . Ver, “Electronics incentive schemes launched”, The Hindu, 2 de junho de 2020, disponível em:
https://www.thehindu.com/business/electronics-incentive-schemes-launched/article31733734.ece.
590 . Ver, Huong Le Thu (ed.), “Quad 2.0: New Perspectives for the Revised Concept. Canberra:
Australian Strategic Policy Institute, 2019, p. 2, disponível em: https://s3-ap-southeast-
2.amazonaws.com/ad-aspi/2019-02/SI134%20Quad%202.0%20New%20perspectives_0.pdf?
Ml2ECFvmUJTTFzK.RsBIsskCRRAqEmfP.

Ã
CONCLUSÃO
 
 
“Somos defensores da abolição da guerra, não queremos guerra; mas a
guerra só pode ser abolida através da guerra e, para se livrar da arma, é
necessário pegar na arma”.
(Mao Zedong, Problemas Estratégicos da Guerra
Revolucionária na China)
 
A violência em massa e a destruição incalculável que marcam a história
moderna chinesa teve origem de dentro e de fora das fronteiras do país. A
avareza imperialista – europeia, russa, americana e japonesa – vitimou
Zhōngguó, mas nem todos os problemas do país resultaram da exploração pelas
potências estrangeiras. Senhores da guerra regionais dividiram o país,
mergulhando-o em recorrentes e sangrentos con itos. Vários governos, tanto
imperiais como republicanos, perpetraram tremendas atrocidades ao tentarem
conter rebeliões, travar guerras civis in ndáveis ou, simplesmente, na condução
de implacáveis lutas pelo poder.  Não menos relevante, atribui-se ao Partido
Comunista Chinês a morte de dezenas de milhões de pessoas em resultado da
fome provocada pelas desastrosas escolhas ideológicas do Grande Salto Em
Frente e pelo caos desencadeado pela Revolução Cultural. Essas vagas de fome,
terror e violência em massa só terminariam em meados da década de 1970, com
a purga do Grupo dos Quatro e o regresso ao poder de Deng Xiaoping e dos
Oito Eternos. Hoje, sob a tutela de Xi Jinping, a violência das épocas anteriores
deu lugar à insidiosa vigilância em massa, ao genocídio cultural e ao
internamento de mais de um milhão de uigures591.
A narrativa contemporânea do “século da humilhação nacional” chinesa ganha
consistência quando o Guomindang, na década de 1920, após o falecimento de
Sun Yat-sen, rede ne os acontecimentos da Primeira Guerra do Ópio, que
passam a ser caracterizados como uma “tragédia nacional” em vez de uma
“disputa”. Doravante, a Primeira Guerra do Ópio seria entendida como o início
do “século da humilhação nacional”, um período marcado pela guerra, pela
ocupação, pela turbulência sociopolítica e pela ameaça permanente de
desagregação territorial do estado chinês. As investidas imperialistas provocam
a perda da autocon ança das elites e a revolta doméstica em consequência da
derrota militar às mãos do Ocidente e, mais tarde, do Japão. Estes cataclismos
acabam por minar a legitimidade dos Qing, cada vez mais vistos como
usurpadores estrangeiros que haviam perdido o “mandato dos céus”.
Com efeito, o “século da humilhação nacional” expôs a fraqueza global da
China perante as grandes potências e, como consequência, denunciava a
vulnerabilidade do império num mundo em mudança vertiginosa. Inúmeros
“tratados desiguais” obrigam a China a comprometer a sua soberania e
integridade territorial, impondo ao Reino do Meio um estatuto impróprio da
sua civilização e da sua grandeza nacional. O “século da humilhação nacional”
tornou-se, assim, num sinónimo do m da centralidade chinesa no mundo, o
derrube de “tudo debaixo dos céus”. A intrusão brutal de um mundo bárbaro
que desempenhara um papel mínimo, periférico, na mundivisão chinesa,
devastou a autoimagem das elites imperiais. Pode-se, pois, dizer que, “a um
nível fundamental, foi a incongruência entre a ordem mundial chinesa e a visão
vestefaliana das potências ocidentais de soberania do estado e o choque dos
impérios chinês e ocidentais que levaram a uma série de con itos militares a
partir da Primeira Guerra do Ópio”592.
Uma nova geração de reformadores e revolucionários, alguns dos quais
posteriormente fundam o Partido Comunista Chinês, interroga-se sobre os
insucessos do país num sistema internacional de estados competitivos e de
capitalismo industrial. A dinastia Qing colapsa em 1912 e o estado centralizado
dá lugar a governos nacionais fracos, minados pela insurreição comunista, pela
ocupação japonesa e pelos feudos regionais comandados pelos senhores da
guerra virtualmente independentes da autoridade de Beijing. A humilhação
revelou-se profundamente traumática porque as elites concebiam a China como
a nação indispensável da Ásia, um excecionalismo que hoje continua a
in uenciar o comportamento do país.  Se entendermos a narrativa de
“humilhação nacional”, entenderemos o signi cado de Mao Zedong restituir a
“dignidade” ao país e de o unir sob um governo forte e centralizado que
manteve a integridade do estado. Em suma, Mao coloca a China no caminho da
modernidade sem sacri car as fronteiras do império. É justamente esse feito que
explica a relevância continuada de Mao e a indispensabilidade do seu legado
para a narrativa de legitimação contemporânea do PCC. Mao não fora apenas
um déspota; foi, também, o homem que voltou a uni car o país sob um regime
su cientemente forte para travar os processos centrífugos e que traçou um novo
rumo nacional.
Proclamando a criação da República Popular, Mao anuncia que a China “se
levantara”. A realidade não era bem assim porque, ao “inclinar-se para um
lado”, a República Popular troca as iniquidades do imperialismo pela
dependência em relação ao “grande irmão” soviético. O país de Mao ter-se-á
“levantado”, mas era incapaz de caminhar sozinho e não alcançará a grandeza
nacional que o tirano imaginara. Os desastres do Grande Salto Em Frente e da
Revolução Cultural – no fundo, do maoismo – convencem o PCC a alterar a sua
estratégia na sequência da morte do Grande Timoneiro, em setembro de 1976.
Após uma breve luta pelo poder, Deng Xiaoping e um grupo de antigos
revolucionários, os Oito Imortais, consolidam o poder e, no Terceiro Plenário do
XI Comité Central do Partido Comunista Chinês, reunido em dezembro
de  1978, trilham o caminho que conduz ao milagre económico das últimas
décadas do século XX. Deng prosseguia com a “reforma e abertura”, mas o
massacre de Tiananmen de 1989, uma advertência para a elite do PCC, revela os
limites da reforma política. Com a supressão da Primavera de Beijing, cou
demonstrado que a “reforma política” não contempla o abandono do monopólio
do poder do PCC. Com efeito, o “socialismo com características chinesas”
continuava a ser “socialismo” construído pela mão de uma liderança esclarecida
de um partido leninista que, evidentemente, excluía qualquer tipo de transição
conducente à democracia liberal.
Neste quadro, o colapso do comunismo soviético não poderia deixar de ter um
impacto profundo junto das elites chinesas, convencendo-as, de forma
de nitiva, que a “abertura política” terminaria num desastre semelhante.  No
Ocidente, o desmoronamento do comunismo europeu leva americanos e
europeus a concluir, para parafrasear Marx, que a ideologia comunista teria sido
lançada para o “caixote do lixo da história”.  Apesar dos acontecimentos de
Tiananmen, generalizou-se a convicção de que, tal como o PCUS, o PCC era
uma relíquia histórica, um artefacto que, mais dia menos dia, seria abandonado
por um país convertido ao capitalismo.  Moldados por uma série de teorias da
modernização e alguns pressupostos questionáveis sobre democratização,
Washington e Bruxelas chegaram à conclusão de que o envolvimento com a
China transformaria a RPC num stakeholder responsável e, ao mesmo tempo,
desencadearia a mudança do regime.  Bill Clinton, em particular, de niu um
percurso estratégico que, ironicamente, garante a entrada da RPC na OMC e
acelera a ascensão do país.  Defensores da globalização e do engajamento
pareciam incapazes de compreender que Beijing não estava interessada em
tornar-se numa boa cidadão global. Estava – e está – empenhada em substituir a
ordem liberal do pós-1945.
A ascensão de Xi Jinping ao poder estava destinada a gerar maiores tensões
com os Estados Unidos porque o rejuvenescimento do “Sonho Chinês” colidia
com o status quo mantido pelos americanos. A m de obter e consolidar o seu
poder, Xi, sob o disfarce das campanhas anticorrupção, expurga incontáveis
adversários do partido, do estado e das forças armadas. Seguiu-se uma vaga de
repressão político-ideológica visando limitar a liberdade de expressão, silenciar
grupos religiosos e amordaçar as minorias étnicas, particularmente no Tibete e
em Xinjiang. O pluralismo limitado anteriormente consentido pelo regime nas
universidades, nos think tanks e na comunicação social dava lugar à estrita
ortodoxia sob a supervisão do Departamento Central de Propaganda dirigido
por Huang Kunming. 
A rigidez ideológica passou a ser o novo padrão e a China de Xi efetivamente
metamorfoseou-se numa sociedade de vigilância pós-moderna monitorizada por
câmaras, telefones celulares, aplicativos e outras tecnologias.  Como corolário,
implementa-se  um sistema de “crédito social” para aferir a lealdade dos
cidadãos ao partido  e ao estado.  Empossado de um novo vigor ideológico, o
estado regressa em força à esfera económica, reforçando o seu controlo sobre
todas as áreas da economia593. Não menos importante, o estado promove a
criação de campeões nacionais que agora se tornam incontornáveis nas cadeias
de fornecimento internacionais. 
À medida que conquistam terreno, empresas como a Huawei geram
controvérsia política em todo o mundo.
Xi Jinping, o novo Grande Timoneiro, determina as principais iniciativas da
política externa da China; nenhuma decisão estratégica é tomada sem o seu
consentimento. 
À semelhança de Mao Zedong e de Deng Xiaoping, o novo homem forte do
PCC, se resistir no poder, tornar-se-á num líder transformativo, levando a China
a um admirável mundo novo e com o estatuto de grande potência.  Sob a
orientação de Xi, a RPC passou, sem dúvida, a ser uma potência autocon ante e
assertiva, guiada pelo “Sonho Chinês” de ressurgimento e a rmação nacional.
Recorrendo a uma fórmula que se tornou sobejamente conhecida, Xi pretende
“Tornar a China Novamente Grande”. Reclamando uma nova ordem global
pós-liberal para realizar a sua “comunidade de destino comum para a
humanidade”, Xi lança a Iniciativa da Faixa e Rota, um programa de trilhiões
de dólares que suscita intensa suspeita no Ocidente quanto à sustentabilidade
da dívida em vários países em vias de desenvolvimento. Teme-se que quando os
países deixarem de reunir condições nanceiras para saldar essa divida Beijing
terá adquirido os ativos mais cobiçados. Eis a diplomacia da “armadilha da
divída”.
Mas as ambições de Beijing são ainda mais grandiosas.
O relacionamento estratégico com a Rússia ameaça desfazer o equilíbrio
internacional de poder e, na vizinhança imediata, a República Popular desa a o
status quo nos mares do Sul da China e do Leste da China. Um período
prolongado de confronto estratégico parece inevitável porque, em resposta, os
americanos delinearam um plano alternativo de ordenamento regional, o “Indo-
Pací co livre e aberto”. A nível global, a disputa entre Washington e Beijing
faz-se em torno do Direito Internacional, das normas internacionais e das
instituições multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio e a
Organização Mundial da Saúde. E, claro, através da batalha da inovação e da
liderança tecnológica. Estamos, literalmente, a testemunhar um con ito
universal entre dois poderes que competem entre si para moldar dois futuros
distintos e incompatíveis.
Dir-se-á que, até certo ponto, esse futuro chegou com a “crise Covid”. Perante
a eclosão da pandemia mundial, a resposta do PCC não se revelou feliz: Wuhan
veio a simbolizar a falta de transparência, a manipulação da opinião pública e a
insensibilidade do governo central.  Dir-se-á que a gestão da crise pelas
autoridades chinesas, incluindo as suas táticas de “diplomacia de Lobo
Guerreiro”, se saldou pelo desastre594. Se, numa primeira fase, houve a tentação
de admirar a capacidade de reação da China, uma reação só possível num quadro
de autoritarismo político, já numa segunda fase se começou a duvidar das
intenções benignas de Beijing. A sobranceria do estado chinês, as manipulações
e as mentiras contribuíram para uma viragem na perceção do país em vários
cantos do mundo. Não será excessivo a rmar que, talvez pela primeira vez, se
abriu uma janela de descon ança sobre os motivos, intenções e ambições
chinesas. E, de uma forma cristalina, percebeu-se que a República Popular
passou a constituir uma séria ameaça à segurança e ao bem-estar dos estados
ocidentais.
À luz da crise, muitas certezas foram descartadas. Mesmo antes do início da
crise, as previsões de longo prazo sobre o crescimento do PIB chinês dependiam
de variáveis que as autoridades chinesas não determinam.  Apesar dos avanços
signi cativos feitos pela RPC nas últimas décadas, os Estados Unidos
continuam a contar com uma série de vantagens em relação à China: população
mais jovem, superioridade tecnológica e empresas internacionais exíveis. Se
excluirmos ruturas na ordem económica e nanceira internacional que possam
ocorrer em consequência da crise atual, benefícios signi cativos também
continuarão a ser acumulados pelo dólar, a principal moeda de referência
mundial, um status que permite aos EUA importar capital e, portanto,
compensarem baixos níveis de crescimento. Essas vantagens parecem destinadas
a perdurar por algum tempo, principalmente porque existe uma preocupação
generalizada com a opacidade do sistema nanceiro chinês e dos níveis da sua
dívida.
A mudança para as moedas digitais apoiadas pelos bancos centrais pode levantar
numerosos problemas para a hegemonia do dólar, mas não substituirá no futuro
próximo. Não se pretende sugerir que a hegemonia americana seja duradoura
ou que os desa os à preponderância dos Estados Unidos não se intensi quem
nos próximos meses e anos. Tudo, aliás, indica que haverá cada vez mais
contestação. Mesmo antes da crise atual, um número crescente de estados
expressava vários graus de desconforto com a forma como a Administração
Trump utiliza a moeda e o sistema SWIFT para viabilizar o uso extensivo de
sanções. Ainda assim, os EUA, com os seus mercados de capitais e centenas de
milhões de consumidores prósperos, continuam a ser um ímã para as empresas
internacionais.
A “crise Covid”, porém, já fez uma vítima: a globalização tal como a
concebemos nos últimos quarenta anos. Previsivelmente, o confronto
estratégico de Washington com Beijing implica algum grau de dissociação
(decoupling) comercial e nanceira. As preocupações expressas quanto às cadeias
de fornecimento de da indústria farmacêutica, da saúde e de equipamentos
médicos, questões que agora foram englobadas no conceito de segurança
nacional americano, aumentarão a pressão para se proceder à renacionalização da
produção em setores-chave. Essa tendência já é aparente no pedido de Tóquio
para que as empresas japonesas iniciem o reshoring e no apoio estatal oferecido
para compensar o custo da mudança595. Donald Trump também acredita que
restringir o acesso dos chineses à tecnologia e ao mercado dos Estados Unidos
diminuirá o poder de Beijing. Depois das habituais hesitações e ambiguidades,
a União Europeia caminha no mesmo sentido596.
O “acordo provisório” de janeiro de 2020 que suspendem a “guerra
comercial” é exatamente isso: uma pausa. A dissociação económica intensi car-
se-á, independentemente de Donald Trump permanecer ou não na Sala Oval. A
politização da atividade económica, que na China é a norma, começa a ser vista
pelos americanos como a forma mais adequada de resistência597. Menos
dependente das exportações do que no passado, a China será sempre afetada
negativamente pelo retrocesso da globalização. Uma vez que a legitimidade do
regime ainda assenta no desempenho económico, o PCC enfrentará a erosão do
apoio popular, uma probabilidade que se transformará em certeza se a promessa
de Xi de erguer uma “sociedade moderadamente próspera” for estendida para
um horizonte distante. No plano teórico, o PCC pode atenuar os danos causados
pela desaceleração económica598. Beijing, em última análise, pode recuar há
Iniciativa Faixa e Rota e canalizar fundos para o seu sistema bancário e para os
serviços sociais domésticos. Mas o mais provável é que Xi Jinping faça rufar os
tambores do nacionalismo chinês. Convém apenas recordar que, desde os
eventos de Tiananmen de 1989, o PCC tem vindo a recorrer ao nacionalismo
para aumentar a sua legitimidade. A dissociação e a consequente desaceleração
económica dariam a Beijing a oportunidade para reanimar um nacionalismo
tóxico assente em animosidades históricas e para demonizar ainda mais o Japão
e os Estados Unidos. Se tudo mais falhar, o partido recorrerá aos seus
so sticadíssimos mecanismos de repressão social e política, e à ortodoxia
ideológica que hoje se impõe a todos os níveis da “superstrutura”.  Seria
certamente oneroso suprimir a totalidade dos desa os que se possam vir a
colocar no futuro; mas, com os partidários de Xi no comando do PCC e do ELP,
os instrumentos da repressão estão disponíveis. Contrariamente ao PCUS, o
PCC não “se dissolverá como um bando de pardais”.
Em jeito de conclusão: uma palavra sobre a democracia na conjuntura que
atravessamos.  O pluralismo democrático garante, a longo prazo, maiores
probabilidades de resolver tensões sociais e de gerir paci camente mudanças
institucionais.  É verdade que, nos nossos conturbados dias, as democracias
ocidentais enfrentam problemas domésticos árduos. É igualmente verdade que
as nossas democracias carecem de mudanças a m de garantir que os desa os do
momento não se tornem nos coveiros das normas e das instituições liberais.
Todavia, a quem subscreve a noção de que o mal-estar nas democracias começou
no dia em que Donald Trump entrou na Sala Oval, será útil lembrar que a
polarização nos Estados Unidos se acentuou anos antes do atual Presidente
ocupar a Casa Branca. A sua eleição é uma consequência e não uma causa dessa
mesma polarização. A tendência no sentido da tribalização política,
impulsionada em grande parte pelos media e pelas redes sociais, apenas se
intensi cou com Trump. Na Europa, a mesma radicalização remonta aos anos
1990. Ainda assim não há razão para supor que as instituições políticas não
possam superar esses desa os. Salvaguardando o surgimento dos tais “cisnes
negros”, uma perspetiva histórica mais longa, e porventura mais serena, sugere
que as instituições euro-americanas são su cientemente robustas para superar
testes tão severos se abraçarem o impulso reformista.
Mas há uma ressalva: a ascensão da República Popular é acompanhada por um
modelo político autoritário alternativo num mundo em que a democracia tem
sido a forma dominante de legitimação ideológica e política. O triunfo da
revolução democrática no pós-1945 ocorre num mundo efetivamente criado
pelos Estados Unidos e pelos seus aliados. Xi Jinping oferece agora uma visão
alternativa de governança global à ordem liberal que esses aliados
estabeleceram.
O “socialismo com características chinesas” parece não ser de aplicação
universal; a nal, é-nos dito que se trata de uma via especi camente chinesa. Ou
assim parece. Dir-se-á que se um regime autoritário coeso, empregando a
vigilância em massa, pode proporcionar prosperidade, então a especi cidade
política do regime torna-se irrelevante. O autoritarismo chinês é chinês, mas
também é autoritarismo. E o apelo do autoritarismo é tudo menos exclusivo da
China. Ora esse despertar para a conclusão de que o autoritarismo funciona, que
não é apenas a democracia que proporciona o bem-estar socioeconómico, reúne
agora seguidores na Rússia, no Irão e na Turquia, mas também em Budapeste e
em outras capitais ocidentais. Esse apelo à fuga da liberdade, esse “medo à
liberdade” identi cado por Erich Fromm, é, a longo prazo, certamente o
problema mais insidioso.

591 . Cf., por exemplo, Lindsay Maizland, “China’s Repression of Uighurs in Xinjiang”, CFR
Backgrounder, Council of Foreign Relations, 25 de novembro de 2019, disponível em:
https://www.cfr.org/backgrounder/chinas-repression-uighurs-xinjiang e, também, a apresentação do
Reuters Investigates, “Tracking China’s Muslim Gulag”, disponível em:
https://www.reuters.com/investigates/special-report/muslims-camps-china/.
592 . Cf., Phil C. W. Chan, “China’s Approaches to International Law since the Opium War”, Leiden
Journal of International Law, Vol. 27, No. 4, dezembro de 2014, p. 866.
593 . Ver, a este propósito, Dexter Roberts. The Myth of Chinese Capitalism: The Worker, The Factory,
and the Future of the World. Nova Iorque: St. Martin’s Press, 2020.
594 . Ver, inter alia, Edward Lucas, “Wolf Warrior Diplomacy: The West Needs a Coordinated Response
to China’s Overreach”, CEPA Common Crisis, 11 de maio de 2020, disponível em:
https://www.cepa.org/wolf-warrior-diplomacy; Zhiqun Zhu, “Interpreting China’s Wolf-Warrior
Diplomacy”, The Diplomat, 15 de maio de 2020, consultado em:
https://thediplomat.com/2020/05/interpreting-chinas-wolf-warrior-diplomacy/ e Dean Cheng,
“Challenging China’s ‘Wolf Warrior’ Diplomats”, The Heritage Foundation Backgrounder, No. 3504, 6
de julho de 2020, disponível em: https://www.heritage.org/sites/default/ les/2020-07/BG3504.pdf.
595 . Ver, Mercy Kuo, “Japan prods rms to leave China, affecting ties with Beijing and Washington”,
The Japan Times, 8 de maio de 2020, disponível em:
https://www.japantimes.co.jp/news/2020/05/08/national/politics-diplomacy/tokyo-china-us-relations-
business/#.Xrt_Yi2ZMxc. Para uma perspetiva chinesa reproduzida pela agência noticiosa do regime, a
Global Times, cf., Liu Zhiqin, “Shifting production out of China would be a big mistake for US, Japanese
companies”, Global Times, 13 de abril de 2020, consultado em:
https://www.globaltimes.cn/content/1185500.shtml. Não são apenas as empresas japonesas que
abandonam a China. Firmas sul-coreanas também consideram abandonar o país, cf., Rajesh Chandramouli,
“Korean companies keen to move out of China to India”, The Times of India, 14 de abril de 2020,
disponível em: https://timeso ndia.indiatimes.com/business/india-business/korean-companies-keen-to-
move-out-of-china-to-india/articleshow/75130387.cms.
596 . Ver, Thibault Larger e Giorgio Leali, “Brussels forges new weapons to shield EU market from
China”, Politico, 16 de junho de 2020, disponível em: https://www.politico.eu/article/brussels-eu-china-
weapons-shield-market/ e, também, European Commission, “Joint Communication to the European
Parliament, the European Council and the Council: EU-China – a Strategic Outlook”, 12 de março de
2019, consultado em: https://ec.europa.eu/commission/sites/beta-political/ les/communication-eu-china-
a-strategic-outlook.pdf.
597 . Por exemplo, Jack Detsch e Robbie Gramer, “The Coronavirus Could Upend Trump’s China Trade
Deal”, Foreign Policy, 21 de abril de 2020, consultado em:
https://foreignpolicy.com/2020/04/21/coronavirus-trump-china-trade-war/.
598 . Para uma leitura provocativa, eventualmente excessiva, da capacidade da República Popular para
resistir a estes desa os, ver, Minxin Pei, “China’s Coming Upheavel: Competition, the Coronavirus, and
the Weakness of Xi Jinping”, Foreign Affairs, Vol. 99, No. 3, maio/junho de 2020, pp. 82-55

Ê
BIOGRAFIAS DE REFERÊNCIA
 
 
Bo Xilai
Nasce em 1949, em Beijing. Filho de Bo Yibo, um dos Oito Imortais. Estuda
na Universidade de Beijing entre 1978 e 1979. Em 1982, obtém um mestrado
em jornalismo. Adere ao PCC em 1980 e faz carreira na província de Liaoning.
Desempenha responsabilidades no partido e no estado e, em 1993, assume as
funções de Presidente da Câmara de Dalian, capital de Liaoning. Em 2001,
torna-se Governador de Liaoning. Foi membro do XVI Comité Central do PCC
e Ministro do Comércio entre 2004 e 2007. Secretário do PCC do município de
Chongqing entre 2007 e 2012. Em 2012, é afastado do Comité Central e do
Politburo. Encontra-se em prisão perpétua.
 
 
Bo Yibo
Nasce em 1908, na província de Shanxi. Adere ao PCC em abril de 1925. Na
sequência do “Terror Branco” de 1927, entra na clandestinidade na província de
Shanxi. Libertado da prisão, será, entre agosto de 1937 e outubro de 1942,
comandante e comissário político durante a luta anti-japonesa.  Depois da
proclamação da República Popular, é nomeado primeiro secretário do PCC no
norte da China e comissário político.  Em 1957, é nomeado Vice-Primeiro-
Ministro e diretor do Comité Económico do Estado. Perseguido durante a
Revolução Cultural, regressa, pela mão de Deng Xiaoping, ao cargo de Vice-
Primeiro-Ministro, em julho de 1979. Em maio de 1982, torna-se Conselheiro
de Estado. Membro do Politburo, era um dos Oito Imortais. Morre em 2007.
 
 
Chen Boda
Nasce em 1904, na província de Fujian. Oriundo de uma família camponesa
pobre, adere ao PCC em 1924. Entre 1927 e 1930, estuda na Universidade Sun
Yat-sen, em Moscovo. É preso pelo Guomindang quando regressa à China.
Chega a Yan’an em 1937 e, até 1941, desempenha o cargo de secretário político
de Mao Zedong. Torna-se proeminente durante o Movimento de Reti cação de
1942. Entre 1958 e 1970, che a o Hongqi (Bandeira Vermelha), o órgão teórico
do PCC. Um dos principais teóricos do partido, será decisivo na criação do
culto da personalidade de Mao. Em 1966, torna-se chefe do Grupo da
Revolução Cultural. Em 1970, no Segundo Plenário do IX Comité Central,
apoia Lin Biao contra Zhang Chunqiao, uma manobra que leva Mao a descrevê-
lo como “o principal criador do caos”. Dez anos depois, é acusado de ter
pertencido aos grupos de Lin Biao e Jiang Qing. Julgado em 1981, é condenado
a 18 anos de prisão, mas é libertado em 1988. Morre em 1989.
 
 
Chen Duxiu
Nasce em 1879, na província de Anhui. Em 1902, parte para estudar em
Tóquio. Regressa à China in 1903 e participa na fundação da revista
oposicionista Guomin Riribao, em Xangai. Em 1906, regressa ao Japão para
estudar na Universidade Waseda. Permanece menos de um ano em terras
nipónicas, onde se recusa a aderir ao partido de Sun Yat-sen. Regressa à China
em 1908. Proclamada a república, participa, em 1913, na revolução contra
Yuan Shikai. Foge para Xangai e, um ano depois, exila-se no Japão. Regressa à
China em 1915, onde funda a revista Qingnian, que posteriormente muda de
nome para Xinqingnian (Nova Juventude), que conta com a colaboração de Mao
Zedong. Em 1917, é nomeado dean da Universidade de Beijing, onde reúne
intelectuais cujo “novo pensamento” e “nova literatura” dominam o Movimento
Quatro de Maio. É obrigado a demitir-se da universidade e preso entre junho e
setembro de 1919. Prepara a fundação do PCC, que ocorre em julho de 1921. É
eleito como primeiro Secretário-Geral do partido, cargo que desempenha ao
longo de sete anos. Em 1927, é culpabilizado pelo Comintern pelo colapso da
Primeira Frente Unida e afastado da liderança do PCC. Em novembro de 1929
é expulso do partido e aproxima-se das teses trotskistas. Preso em outubro de
1932, é julgado e, em 1933, condenado a 15 anos de cadeia pelo governo
Nacionalista. É libertado em 1937, após a eclosão da Guerra Sino-Japonesa.
Morre a 27 de maio de 1942.
 
 
Chen Yun
Nasce em 1905, em Xangai. Ativista sindical em nais dos anos de 1920,
participa na Longa Marcha. Regressa a Yan’an em 1937, depois de uma breve
estadia em Moscovo. Apenas com o ensino primário completo, passa a ser um
dos especialistas em economia do PCC. Depois de 1949, ocupa vários cargos no
estado e no partido, incluindo Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Indústria
Pesada. Em 1957, é um dos poucos líderes partidários que critica o Grande
Salto Em Frente e é afastado dos cargos. Regressa em 1961 para liderar o grupo
responsável pela recuperação económica. Condenado por ser um “seguidor do
capitalismo” durante a Revolução Cultural, é removido de todos os cargos
menos o do Comité Central. Com o regresso de Deng Xiaoping ao poder, volta
à cúpula. Adere à ala conservadora e ajuda a obstaculizar as reformas das
décadas de 1980 e 1990. Membro do Comité Central entre 1931 e 1987, e do
Politburo durante mais de 40 anos, reforma-se em 1987, mas continua a exercer
uma forte in uência na política económica. Morre em 1995.
 
 
Chiang Kai-shek
Nasce em 1887, na província de Zhejiang. Frequenta a Academia Militar de
Baoding, e, entre 1907 e 1911, estuda no Japão. Integra o Exército Japonês,
altura em que se converte ao republicanismo. Regressa à China em 1911, e
alista-se nas leiras do Exército da república para combater Yuan Shikai. Junta-
se, em 1918, ao Guomindang. Em 1923, durante quatro meses, visita a a União
Soviética para estudar as instituições do país e o Exército Vermelho. Regressa à
China para assumir o comando da Academia Militar de Whampoa. Após a
morte de Sun, em 1925, com o apoio dos militares de Whampoa, torna-se líder
do Guomindang. Inicia a Expedição do Norte e, em 1927, entra em rutura com
o PCC e lança o “Terror Branco”. Estabelece, em Nanjing, um novo governo
Nacionalista. Converte-se, em 1930, ao cristianismo. Derrotado na guerra civil,
foge para Taiwan. Homem-forte do regime da Formosa até à sua morte, em
1975.
 
 
Deng Xiaoping
Nasce em 1904, na província de Sichuan. Em 1920, parte para a França, onde
trabalha e estuda. É nesta altura que se a rma marxista-leninista e, em 1924,
adere ao PCC. Em 1926, estuda na Universidade Sun Yat-sen, em Moscovo.
Regressa à China em 1927. Alista-se no Exército Vermelho chinês durante a
primeira guerra civil contra o Guomindang. Em 1934, durante a Longa
Marcha, é Secretário-Geral do Comité Central do PCC. Nos anos de 1930 e
1940, participa na Guerra de Resistência contra o Japão e na segunda guerra
civil contra o Guomindang. É nomeado para vários cargos depois de 1949. Em
1957, torna-se Secretário-Geral do PCC e, com o então Presidente Liu Shaoqi,
dirige a República Popular. Crítico do Grande Salto em Frente, Deng (e Liu),
no início dos anos de 1960, conduzem o programa de reformas económicas. É
purgado durante a Revolução Cultural, e enviado para Jiangxi para trabalhar no
campo. Zhou Enlai reabilita-o em 1974, e atribui-lhe o cargo de primeiro Vice-
Primeiro-Ministro. Depois da morte de Zhou, em janeiro de 1976, é purgado
pelos maoístas. Em setembro de 1976, derrota o sucessor indicado por Mao,
Hua Guofeng. Inicia a “reforma e abertura”, as “Quatro Modernizações” e
abraça a “economia de mercado socialista”. Em junho de 1989, ordena o uso da
força contra os manifestantes da Praça Tiananmen.
Na Primavera de 1992, faz a sua “viagem ao sul”, por Cantão e Shenzhen, para
relançar as reformas económicas paralisadas desde 1989. Morre a 19 de fevereiro
de 1997.
 
 
Guo Boxiong
Nasce em 1942, na província de Shanxi. Adere ao PCC em março de 1963.
Alista-se no Exército de Libertação Popular em agosto de 1961. Formado pela
Academia Militar do ELP, chega a general. Foi Chefe do Estado Maior do 19º
Exército entre 1983 e 1985. Na segunda parte dos anos de 1990, é Vice-
Comandante do Comando da Área de Beijing e Comandante da Área Militar de
Lanzhou. Membro do Comité Central e da Comissão Militar Central do PCC
em 1999. Em 2015 é expulso do PCC por corrupção.
 
 
Hu Jintao
Nasce em 1942, na província de Anhui. Adere ao PCC em abril de 1964. No
mesmo ano, forma-se em engenharia pela Universidade Tsinghua. Na década de
1970, exerce cargos na província de Gansu e, mais tarde, no Tibete. Vive em
Beijing nos anos 1990, tornando-se presidente da Escola Central do
PCC.  Exerce os cargos de Secretário-Geral do PCC, membro do Comité
Permanente do Politburo, presidente da Comissão Militar Central e Presidente
da República Popular. Em 2012, abandona a che a do partido e do estado,
substituído por Xi Jinping.
 
 
Hu Yaobang
Nasce em novembro de 1915, na província de Hunan. Nascido numa família de
camponeses pobres, junta-se aos comunistas aos 14 anos de idade. Adere ao
PCC em 1933. Veterano da Longa Marcha, torna-se num dos colaboradores
mais próximos de Deng Xiaoping. Comissário Político, sob o comando de
Deng no Segundo Exército durante a guerra civil de 1947 a 1949. In 1952,
segue Deng para Beijing, onde, entre 1952 e 1966, che a a Liga da Juventude
Comunista da China. Durante a Revolução Cultural é, juntamente com Deng,
purgado. Reabilitado em 1977, torna-se diretor do departamento responsável
pela organização do partido. Com Deng na liderança do país, torna-se chefe do
departamento de propaganda e membro do Politburo. Em 1980, é nomeado
Secretário-Geral do PCC. Em junho de 1981, substitui Hua Guofeng na
presidência do PCC, cargo abolido no Congresso de 1982. Entre 1980 e 1987, é
Secretário-Geral do PCC. Em 1987, sob pressão da ala conservadora, demite-se.
Permanece como membro do Comité Permanente do Politburo. Morre a 15 de
abril de 1989.
 
 
Hua Guofeng
Nasce em 1920 (ou 1921), na província de Shanxi. Em nais dos anos de 1930,
junta-se à guerrilha anti-japonesa. Em 1949, integra as leiras do Exército de
Libertação Popular na província de Hunan. Em Xiangtan, distrito nativo de
Mao Zedong, supervisiona vários projetos (incluindo um projeto de irrigação
em Shaoshan, a aldeia natal de Mao). Chama a atenção de Mao. No início da
década de 1970, é nomeado primeiro secretário do Comité Provincial do PCC
em Hunan e Comissário Político da região militar de Cantão. Ingressa no
Comité Central do Partido. Em 1971, é nomeado Vice-Primeiro-Ministro da
República Popular. Eleito para o Politburo em 1973, torna-se Ministro da
Segurança Pública em 1975. Indicado por Mao como o seu sucessor o cial. Em
outubro de 1976, um mês após a morte de Mao, ordena a prisão do Grupo dos
Quatro. Perde o poder para Deng Xiaoping e seus aliados: Hu Yaobang
substitui-o como Secretário-Geral do Partido, Zhao Ziyang sucedeu-o como
Primeiro-Ministro, e Deng retirou-lhe a che a da Comissão Militar Central do
PCC. Manteve-se apenas como membro do Comité Central. Morre em agosto
de 2008.
 
 
Imperador Kangxi
Nasce em1654, em Beijing. Em fevereiro de 1661, aos seis anos de idade,
torna-se imperador. Começa, de facto, a governar aos quinze anos. Em 1681,
entra com o seu exército na cidade de Kunming, e assim salva a dinastia. Em
1683, incorpora Taiwan no império. Em 1689, assina o Tratado de Nerchinsk.
Incorpora a Mongólia Exterior no império e, em 1720, o Tibete. Abre quatro
portos, incluindo Cantão, aos navios estrangeiros. Reina durante um “período
dourado” de 61 anos. Morre em 1722.
 
 
Imperador Qianlong
Nasce em 1711, em Beijing. Sobe ao trono em 18 de outubro de 1735, aos 24
anos. No seu reinado, a China atinge os seus limites territoriais. Entre 1755 e
1760, lidera sucessivas campanhas militares que levam à incorporação de
Xinjiang no império. Derrota a revolta no Tibete, em 1752, e consolida o poder
de Beijing no território. Em 1748, lança campanhas militares contra as tribos
de Yunnan e, em 1769, contra as tribos da Birmânia. Ambas terminaram em
fracasso. Em 1776, uma nova expedição esmaga os rebeldes de Yunnan. Em
1787, põe m à rebelião de Taiwan. Em 1788 e 1789, sofre pesadas derrotas no
Vietname. O elevadíssimo custo destas expedições esgota o tesouro. Em
setembro de 1793, recebe a “missão Macartney”. Depois de ter reinado durante
60 anos, abdica em fevereiro de 1796. Morre em fevereiro de 1799.
 
 
Imperador Xuantong (Pu Yi)
Nasce em 1906, em Beijing. Em novembro de 1908, com três anos de idade,
torna-se imperador. Em 12 de fevereiro de 1912, abdica. Em 1924, deixa
Beijing para viver na concessão japonesa de Tianjin. Entre 1934 e 1945, é
imperador do estado fantoche do Manchukuo. Em agosto de 1945, é preso pelos
soviéticos. Em 1950, regressa à China para ser julgado como criminoso de
guerra. Em 1959, volta a viver em Beijing, como mecânico. Publica a
autobiogra a De Imperador a Cidadão. Morre em outubro de 1967.
 
 
Jiang Qing
Nasce em 1914, na província de Shandong. Em 1929, junta-se a uma trupe de
teatro. Em 1933, é presa por pertencer a uma organização comunista. Junta-se
às forças comunistas em Yan’an e passa a usar o nome Jiang Qing. Casa com
Mao em 1939, mas a cúpula do partido obriga-a a abandonar a política durante
os próximos 20 anos. Em 1963, torna-se impulsionadora do movimento de
reforma cultural. Em 1966, junta-se aos Guardas Vermelhos e assume-se como
uma das mais importantes líderes da Revolução Cultural. Che a o Grupo dos
Quatro que contesta o poder após a morte de Mao. Em 1976, é presa e, em
1977, expulsa do PCC. Em 1980 e 1981, é julgada por ser membro do Grupo
dos Quatro e acusada de fomentar a agitação civil. Recusa confessar a sua culpa
e recebe uma pena de morte suspensa, comutada para prisão perpétua em 1983.
Suicida-se 14 de maio de 1991.
 
 
Jiang Zemin
Nasce em 1926, na província de Jiangsu. Em 1943, participa em movimentos
estudantis tutelados pelo PCC. Em 1946, ingressa no partido. Em 1947, forma-
se no Departamento de Maquinaria Elétrica da Universidade Jiaotong de
Xangai. Nas décadas de 1950 e 1960, ocupa uma série de cargos no setor
industrial de Xangai, seguido por um ano de formação em Moscovo.
Regressado da URSS, ocupa cargos de responsabilidade em Wuhan e Beijing,
onde se torna Ministro da Indústria Eletrónica. Em meados da década de 1980,
volta a Xangai como presidente da câmara da cidade e Secretário do Comité
Municipal do PCC de Xangai. Membro do Comité Permanente do Politburo.
Em 1989, é eleito Secretário-Geral do PCC e presidente do Comité Militar
Central do PCC. Em 1993, é escolhido como Presidente da República Popular.
Em 2002, abandona o cargo de Secretário-Geral. Renuncia ao cargo de
presidente da Comissão Militar Central do PCC em setembro de 2004.
 
 
Kang Sheng
Nasce em 1898, na província de Shandong. Oriundo de uma família de
proprietários, ingressa no PCC em 1925. Em 1927, participa na revolta dos
trabalhadores de Xangai, mas escapa ao “Terror Banco” de Chiang Kai-shek.
Em 1928, é escolhido para integrar o Comité Central e, em 1933, é enviado
para Moscovo para estudar com o NKVD. Regressa a Yan’an em 1937, onde
dirige, até 1946, o Departamento de Assuntos Sociais, a polícia política do
Comité Central. Amigo íntimo de Jiang Qing, apresenta-a a Mao. Em Yan’an,
como chefe da polícia política, desempenha um papel importante durante o
Movimento de Reti cação. Na década de 1950, é um apoiante das políticas
maoistas e mentor do culto da personalidade de Mao. No início dos anos 1960,
torna-se membro do Secretariado de Deng Xiaoping. Em julho de 1966, é
“conselheiro” da Revolução Cultural. Eleito para o Comité Central e membro
do Comité Permanente do Politburo. Morre em 1975. É expulso
postumamente do PCC em 1980.
 
 
Li Dazhao
Nasce em 1889, na província de Hebei. A partir de 1913, no Japão, estuda a
loso a marxista. Três anos depois, regressa à China e envolve-se com o
Movimento da Nova Cultura. Em 1918, torna-se bibliotecário-chefe e professor
de economia. Logo após a Revolução de Outubro de 1917, na Rússia, é um dos
primeiros intelectuais a apoiar os bolcheviques. Escreve para a revista “Nova
Juventude”, de Chen Duxiu. Em 1919, é um dos líderes do Movimento Quatro
de Maio e estabelece o grupo dirigente comunista de Beijing. As suas obras
in uenciam Mao Zedong e Zhou Enlai. Em 1921, é um dos fundadores do
PCC. Em nome do PCC, negoceia a Primeira Frente Unida com Sun Yat-sen.
Em 1924, é eleito para o Comité Executivo Central do Guomindang. Em 1927,
aos 38 anos de idade, é capturado e executado por ordem do senhor da guerra
Zhang Zuolin.
 
 
Li Peng
Nasce em 1928, na província de Sichuan. Adere ao PCC em 1945. Estuda no
Instituto Yan’an de Ciências Naturais e na União Soviética. Engenheiro de
formação, inicia a sua carreira na Usina Hidrelétrica de Fengman quando
regressa à China. Ocupa diversos cargos de gestão em outras usinas e de
liderança no PCC. Durante a Revolução Cultural, ocupa cargos de liderança no
partido e de gestão na Administração de Energia de Beijing. Em 1977, torna-se
Ministro da Indústria Elétrica. Membro do Comité Permanente do Politburo.
Em março de 1988, é nomeado Primeiro-Ministro, cargo que ocupa durante 10
anos. Destaca-se por ser o porta-voz da ala mais dura do regime e é um dos
dirigentes que exige o uso da força contra os manifestantes de Tiananmen.
Morre a 22 de junho de 2019.
 
 
Lin Biao
Nasce em 1907, na província de Hubei. Em 1925, adere à Liga da Juventude
Comunista da China. Estuda na Academia Militar de Whampoa, onde conhece
Zhou Enlai. No comando do Grupo do Primeiro Exército Vermelho, defende o
soviete de Jiangxi contra Chiang Kai-shek. Em Yan’an, che a a Universidade
Operária-Camponesa do Exército Vermelho. É ferido em combate contra as
tropas japonesas e recebe tratamento médico em Moscovo durante os anos de
1938 a 1942. Destaca-se na guerra civil de 1946 a 1949 pela sua habilidade
estratégica. Responsável pela derrota dos exércitos do Guomindang na
Manchúria e por “libertar” Beijing e Tianjin. Em 1955, é nomeado marechal do
Exército de Libertação Popular. Em 1958, torna-se vice-presidente do Comité
Central. Após o Plenário de Lushan, em 1959, substitui Peng Dehuai como
Ministro da Defesa. Em 1969, Mao designa-o como seu sucessor, mas
rapidamente o abandona. É acusado de che ar uma tentativa de golpe contra
Mao. Aparentemente em fuga para a União Soviética, o seu avião despenha-se
na Mongólia, em 1971.
 
 
Liu Shaoqi
Nasce em 1898, na província de Hunan. Oriundo de uma família de
camponeses ricos. Em 1921, ingressa no PCC e vai para Moscovo, onde estuda
na Universidade Comunista dos Trabalhadores do Oriente. Em 1922, regressa à
China para organizar o movimento operário. Em 1925, torna-se o primeiro
presidente da Federação do Trabalho de Toda a China. Em 1927, é eleito para o
Comité Central, onde permanece até 1968. Em 1931, é eleito membro do
Politburo. Depois de 1949, serve na maioria dos órgãos do governo central. Em
١٩٥٩, substitui Mao como Presidente da República Popular. Em 1966, é um
dos principais alvos da Revolução Cultural. Em outubro de 1966, faz a sua
primeira ‘autocrítica’, rejeitada por Mao. Um mês depois, é acusado de ser o
“líder supremo de um gangue negro”. Em janeiro de 1967, é rotulado como o
“Khrushchev da China” e “o seguidor número 1 do capitalismo”. Em outubro
de 1968, é o cialmente denunciado como “um renegado, traidor, lacaio do
imperialismo, do revisionismo moderno e dos reacionários do Guomindang”. É
afastado de todos os cargos e expulso do PCC. Morre na prisão de Kaifen em
novembro de 1969 quando Mao lhe recusa tratamento médico. Em 1980, é
reabilitado.
 
 
Oito Imortais
Deng Xiaoping, Chen Yun, Li Xiannian, Peng Zhen, Yang Shangkun, Bo Yibo,
Wang Zhen, Song Renqiong.
 
 
Peng Dehuai
Nasce em 1898, em Hunan. Alista-se no exército de Hunan e, durante a
Expedição do Norte, assume o comando de um regimento. Em 1927, com a
falência da Frente Unida, junta-se à guerrilha comunista. Em 1928, adere ao
PCC. Em 1931, é nomeado para o Comité Central do soviete de Jiangxi.
Participa na Longa Marcha. Em 1945, entra para o Comité Central e é eleito
membro alternativo do Politburo. Declarada a República Popular, assume
vários cargos governamentais. Em outubro de 1950, é nomeado Comandante do
Exército Popular Voluntário, que vê ombate na Coreia. Em 1954, torna-se
ministro da Defesa, Vice-Primeiro-Ministro e vice-presidente Mo Conselho de
Defesa Nacional, onde advoga a pro ssionalização da Marinha. Em 1955, recebe
o bastão de marechal. Em setembro de 1959, é afastado de todos os cargos
depois de criticar Mao. Purgado do PCC e preso, permanece no Politburo até
1965. Morre em novembro de 1974. Exonerado postumamente, em 1978.
 
 
Peng Zhen
Nasce em 1902, na província de Shanxi. Oriundo de uma família de
camponeses, frequenta o ensino médio. Na clandestinidade, ingressa na Liga da
Juventude Comunista da China. Em 1923, torna-se membro do PCC. Em
1929, é preso e cumpre seis anos por organizar atividades subversivas. Lidera,
no norte da China, a resistência à invasão japonesa e junta-se a Mao Zedong em
Yan’an. Em 1949, é nomeado o primeiro chefe do partido em Beijing e, dois
anos depois, Presidente da Câmara da cidade. Com o Grande Salto Em Frente,
alia-se a Deng Xiaoping contra Mao Zedong. Em 1966, é enviado para o
campo, o primeiro alto dirigente a ser vitimizado pela Revolução Cultural. Em
1978, volta do exílio interno para colaborar com Deng Xiaoping. Em 1983, é
nomeado presidente do Congresso Nacional do Povo. Reforma-se em 1988, mas
permanece in uente. Apoia os afastamentos de Hu Yaobang e de Zhao Ziyang,
e a supressão das manifestações de Tiananmen. Morre em 1997.
 
 
Sun Yat-sen
Nasce em 1866, na província de Guangdong. Oriundo de uma família de
agricultores pobres. Em 1879, junta-se ao irmão em Honolulu, Havaí, onde
estuda numa escola missionária britânica durante três anos e numa escola
americana, Oahu College, durante um ano. Regressa à China em 1883. Aceita o
cristianismo e é batizado por um missionário americano. Em 1886, matricula-
se na Escola Médica do Hospital de Guangzhou. Muda-se para a Faculdade de
Medicina Chinesa em Hong Kong, onde se forma em 1892. Em 1894, regressa
ao Havaí, onde desempenha atividade política. Em 1895, planeia um
levantamento em Guangzhou, que fracassa. Inicia um exílio de 16 anos no
exterior. Em 1904, estabelece várias células revolucionárias na Europa. Em
1905, em Tóquio, torna-se líder de uma coligação revolucionária, a Liga Unida
(Tongmenghui). Em 1907, é expulso do Japão. Em 1909 e 1910, faz oposição às
autoridades imperiais na Europa e nos Estados Unidos. Em 1911, regressa à
China e é eleito Primeiro presidente provisório da república. Em 12 de fevereiro
de 1912, o imperador abdica; no dia seguinte, renuncia à presidência a favor de
Yuan Shikai. Em setembro de 1912, Yuan nomeia-o diretor-geral do
desenvolvimento ferroviário. Em fevereiro de 1923, declara-se generalíssimo.
Em 1924, reorganiza o Partido Nacionalista (Guomindang) em moldes
leninistas. Morre em 1925.
 
 
Xi Jinping
Nasce em 1953, na província de Shanxi. Em 1971, torna-se membro da Liga da
Juventude Comunista da China. Adere ao PCC em 1974.  Ocupa cargos no
Comité do PCC da cidade de Fuzhou. Em 1990, torna-se presidente da escola
do partido de Fuzhou. Em 1999, é eleito Vice-Governador da província de
Fujian e, um ano depois, Governador. Em 2002, assume altos cargos no governo
e no partido na província de Zhejiang. Em 2007, é eleito membro do Comité
Permanente do Politburo. Em 2008, é nomeado Vice-Presidente da República
Popular da China. Em 2010, torna-se vice-presidente da Comissão Militar
Central do PCC e vice-presidente da Comissão Militar Central da RPC. Em
2012, é escolhido como Secretário-Geral do PCC, membro do Comité
Permanente do Politburo e presidente da Comissão Militar Central do PCC.
Em 2013, é eleito Presidente da Comissão Militar Central da RPC e presidente
da República Popular da china.
 
 
Yuan Shikai
Nasce em 1859, na província de Henan. Inicia a carreira militar na brigada
Qing do exército de Anhui, enviada para a Coreia em 1882 para evitar a invasão
japonesa. Em 1885, é nomeado comissário chinês em Seul. Com a destruição da
marinha e do exército da China pelo Japão na Guerra Sino-Japonesa de 1894-
95, reorganiza o exército. Em 1900, a divisão militar sob o seu comando é a
única que sobrevive à Rebelião dos Boxers. Em 1901, inicia a modernização
militar. Em 1912, é eleito Presidente da China republicana. Em 1913, enfrenta
uma revolta e pôe o m à democracia parlamentar na China. Declara-se
imperador de uma nova dinastia. Em março de 1916, é forçado a abolir o novo
império. Morre a 6 de junho de 1916.
 
 
Zhao Ziyang
Nasce em 1919, na província de Henan. Filho de proprietários ricos, ingressa
no PCC em 1938. Na década de 1950, envolve-se nas campanhas de reforma
agrária na província de Guangdong. É perseguido durante a Revolução
Cultural. Em 1973, é reabilitado por Zhou Enlai. Regressa da Mongólia
Interior para assumir responsabilidades em Guangdong. Em 1973, é eleito
membro do Comité Central. Em 1976, é transferido para Sichuan, a província
natal de Deng, onde desenvolve o “sistema de responsabilidade” na agricultura.
Em 1978, são aprovadas as reformas rurais de Deng Xiaoping, inspiradas pelo
trabalho realizado por Zhao em Sichuan. Em 1980, é nomeado Primeiro-
Ministro. Em 1989, é acusado de divisionismo. No Verão de 1989, é afastado
do cargo e colocado em prisão domiciliar. Morre em 2005.
 
 
Zhou Enlai
Nasce em 1898, na província de Jiangsu. Desempenha um papel importante no
movimento estudantil. Em 1919, a sua participação em manifestações
estudantis durante o Movimento Quatro de Maio leva-o à prisão. Libertado,
junta-se a um grupo de jovens intelectuais que partem para a França como
estudantes trabalhadores. Em 1922, adere ao PCC. Em França, conhece Deng
Xiaoping. Na Europa, cria vários células do PCC. Em 1924, regressa à China, e
torna-se diretor do Departamento Político da Academia Militar de Whampoa,
che ada por Chiang Kai-shek. Em 1926-27, durante a Expedição do Norte,
lidera o levantamento armado dos trabalhadores de Xangai, suprimido durante
o “Terror Branco”. Abandona Xangai e junta-se a Mao em Jinggangshan. Em
1934-35, participa na Longa Marcha. Em Yan’an, torna-se responsável pelos
contatos externos do PCC. Em 1949, é nomeado Primeiro-Ministro e Ministro
das Relações Exteriores. Resiste ao radicalismo maoista do Grande Salto Em
Frente e da Revolução Cultural. Elemento chave com normalização das relações
com os Estados Unidos, que culmina na visita de 1972 de Richard Nixon.
Morre de cancro em janeiro de 1976, depois de Mao lhe recusar tratamento
médico.
-
ÍNDICE
LISTA DE ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS 6
Capítulo I – A HISTÓRIA COMO PRESENTE 23
Um império celestial 27
As guerras do ópio 33
Sol nascente imperial 43
CAPÍTULO II – HASTEEMOS A BANDEIRA VERMELHA 52
Um saco de batatas 55
Na sombra do Comintern 61
Na mão do Grande Irmão 68
O Oriente é vermelho 77
Caos total debaixo dos céus, excelente 88
CAPÍTULO III – DENG ATRAVESSA O RIO 97
A sucessão do Sol Vermelho 100
Thermidor de Jiangxi 106
As mãos esquerda e direita 114
O grande irmão herege 126
A revanche dos duros 137
CAPÍTULO IV – UM NOVO TIMONEIRO 146
Eu tenho um sonho 150
Ser rico é glorioso 160
Caminhar pela Faixa e Rota 173
CAPÍTULO V – A ILUSÃO AMERICANA 187
Concorrentes, Rivais, Inimigos 189
O Globalizador-Chefe 203
Rollback de Trump 216
CAPÍTULO VI – TUCÍDIDES REDUX  226
Xi, o Revisionista 229
Os militares e os renegados 243
Um mar de problemas in nitos 251
Redesenhar a ordem asiática 272
A Comunidade Democrática e o Quad 283
CONCLUSÃO 297
BIOGRAFIAS DE REFERÊNCIA 308
Bo Xilai 308
Bo Yibo 308
Chen Boda 308
Chen Duxiu 309
Chen Yun 310
Chiang Kai-shek 310
Deng Xiaoping 311
Guo Boxiong 312
Hu Jintao 312
Hu Yaobang 312
Hua Guofeng 313
Imperador Kangxi 313
Imperador Qianlong 314
Imperador Xuantong (Pu Yi) 314
Jiang Qing 314
Jiang Zemin 315
Kang Sheng 315
Li Dazhao 316
Li Peng 316
Lin Biao 317
Liu Shaoqi 317
Oito Imortais 318
Peng Dehuai 318
Peng Zhen 319
Sun Yat-sen 319
Xi Jinping 320
Yuan Shikai 321
Zhao Ziyang 321
Zhou Enlai 321

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