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O socialismo foi traído: entrevista com Roger Keeran Lukács: tempo e modo
e Thomas Kenny
Por Derek Ford, via Liberation School, traduzido por Marcella Torres
Segundo Engels, ele e Marx davam tanta ênfase à importância da base por causa de seu
contexto histórico e material, porque estavam respondendo àqueles que negavam a
importância da produção. Em uma carta de 1890 ao socialista alemão Joseph Bloch, na qual
Engels esclarece seu modelo, ele observa que “temos que enfatizar o princípio fundamental vis-
à-vis nossos adversários, que o negaram” [3]. Anteriormente na carta, ele escreve que “o fator
determinante em última instância na história é a produção e reprodução da vida real” e que “se
alguém distorce isso dizendo que o fator econômico é o único determinante, ele transforma
essa proposição em um frase sem sentido, abstrata, absurda” [4].
Engels infere que as questões de Bloch vêm de seu estudo apenas da literatura secundária, e ele
pede a Bloch que leia as fontes primárias, se referindo em particular ao livro de Marx de 1852, O
Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, talvez o único outro lugar onde Marx mencionou a
superestrutura explicitamente (embora ele faça alusão a ela em outro lugar). Neste trabalho
anterior, Marx formula a superestrutura assim:
As classes, ou seja, os coletivos definidos por sua localização na totalidade da produção social,
produzem modos de sentir, pensar e compreender a vida.
Que o modelo não é uma fórmula mecânica – na qual a base produz unidirecionalmente a
superestrutura – fica evidente quando consideramos o contexto em que ele surge.
A Contribuição à Crítica da Economia Política foi o produto do trabalho contínuo de Marx sobre O
Capital. Quais foram algumas das principais críticas de Marx à economia política? Primeiro,
considerou as aparências como certas e não questionou sobre as estruturas subjacentes que
geraram tais aparências. Em segundo lugar, via a economia política e o mundo como uma série
de objetos e sujeitos independentes, quando eram partes interconectadas e inter-relacionadas
de uma unidade ou totalidade que estava em constante movimento. Terceiro, e como resultado
das duas primeiras críticas, não fez uso de uma abordagem histórico-materialista para
compreender essas transformações, projetando categorias do presente no passado e no futuro,
de modo que o capitalismo como um sistema social fosse figurado como eterno.
Aqueles que tomam a base como independente e estática ficam, assim, do lado dos adversários
burgueses de Marx. Não é uma fórmula economicista na qual mudanças na economia levam
automaticamente e previsivelmente a mudanças na sociedade. A base-superestrutura é uma
“metáfora espacial” que serve a propósitos descritivos [6]. Embora possa se prestar a uma leitura
em que o que acontece embaixo determina o que acontece no topo, se lido como um modelo
marxista, é útil para entender e analisar a dinâmica da luta de classes.
É por isso que Marx usou a superestrutura em O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte: para
“distinguir ainda mais as frases e fantasias dos partidos de seu organismo e seus interesses reais,
sua concepção de si mesmos a partir de sua realidade” [7]. Ele passa a localizar parcialmente o
fracasso da revolução parisiense de 1848 e o sucesso do golpe de 1851 de Napoleão III no
surgimento da social-democracia, que
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23/05/2022 11:21 Base e superestrutura: um modelo para a análise e a ação | LavraPalavra
As relações de produção no capitalismo dos EUA não são unificadas, nem estritamente
econômicas, no sentido de que são estruturadas e divididas por raça, nacionalidade, gênero,
deficiência, sexualidade e outras hierarquias. Engels afirma que as relações de produção são
sociais (e raciais) em uma carta de 1894 ao anarquista alemão Walther Borgius. Respondendo
ao pedido de esclarecimento de Borgius sobre o papel da base, Engels reconhece que “as
condições econômicas… em última análise, determinam o desenvolvimento histórico. Mas a
raça em si é um fator econômico” [9]. Claramente, raça é parte da base, mas é obviamente
superestrutural também, pois 1) raça é uma categoria historicamente construída e em evolução
e 2) é mantida e ordenada não apenas por forças e relações econômicas, mas por elementos
como cultura, mídia, e o sistema jurídico.
De fato, Engels logo depois diz que “o desenvolvimento político, jurídico, filosófico, religioso,
literário, artístico etc. se baseia no desenvolvimento econômico. Mas todos estes respondem
um ao outro e também em consequência da base econômica” [10]. As fronteiras entre a base e
a superestrutura não são estáticas ou fixas, e os elementos superestruturais da sociedade
operam para reproduzir elementos da base.
O capitalismo requer, por exemplo, que o sistema legal do Estado faça valer os direitos da
propriedade privada. Neste caso, é crucial para a reprodução da base. Como o sistema jurídico
capitalista surge das relações capitalistas de produção, mudanças no sistema jurídico podem
alterar as relações de produção existentes, mas não podem derrubá-las fundamentalmente, pois
isso requer a criação de um novo sistema social e econômico.
Embora Marx não tenha passado muito tempo estudando a economia política da atividade
cultural, outro exemplo do dinamismo do modelo aparece em seu argumento de que artistas e
outros trabalhadores culturais são agentes produtivos. Ele distingue aqueles que produzem
mais-valia daqueles que não produzem, embora ambos possam ser formas de
trabalho assalariado (por exemplo, trabalhar para o Estado não produz mais-valia, mas é uma
forma de força de trabalho vendida a outro). Marx conceitua o trabalho intelectual, a dança, a
escrita, o canto e outras ações “artísticas” ou “culturais”, quando realizadas através da
mercadoria da força de trabalho, como formas de trabalho assalariado [11]. Tais formas de
trabalho podem assim ser vistas através do prisma da base ou superestrutura.
https://lavrapalavra.com/2022/05/19/base-e-superestrutura-um-modelo-para-a-analise-e-a-acao/ 4/11
23/05/2022 11:21 Base e superestrutura: um modelo para a análise e a ação | LavraPalavra
Tudo isso destaca que a base e a superestrutura são uma metáfora e um modelo para os
marxistas, uma forma de analisar e abordar a sociedade e a transformação social ao
invés de
uma explicação fácil.
Para entender melhor a relação entre produção material e ideias ou concepções mentais, pense
na proliferação de “telefones inteligentes”. Quando, para enviar um e-mail, costumávamos nos
sentar em um computador e nos conectar via cabos à internet, tínhamos uma ideia de tempo e
comunicação diferente da que temos agora, que muitos de nós podem enviar e-mail em
qualquer lugar e a qualquer momento. Uma pesquisa da Pew Research de 2021 descobriu que
85% das pessoas em geral (e 73% das pessoas que ganham menos de US$ 30.000 por ano) nos
EUA têm smartphones, então esse não é um fenômeno pequeno [12].
A tecnologia possibilita que seu chefe exija que você responda a e-mails (por exemplo, para
trabalhar) à noite. Borra a distinção entre trabalho e vida, que dirá entre trabalho e lazer.
Quantos de nós respondemos a e-mails de trabalho nas férias? O telefone inteligente me
permite fazer uma pequena pergunta ou uma série delas ao longo do dia, em vez de esperar e
digitar um único e-mail. Começamos a pensar no tempo de maneira diferente e começamos a
nos relacionar de maneira diferente. Quando eu era estudante, por exemplo, era normal os
professores responderem aos e-mails em poucos dias. Agora, a expectativa é que os professores
respondam em poucas horas.
Até nossos sentimentos e corpos mudam. Você já sentiu seu telefone vibrar no bolso e logo
percebeu que não aconteceu? Isso é chamado de “síndrome da vibração fantasma”. Um estudo
de 2011 com 290 estudantes de graduação descobriu que cerca de “89% da amostra
experimentou vibrações fantasmas e 40% experimentaram essas vibrações pelo menos uma
vez por semana” [13]. No entanto, o telefone inteligente não surgiu espontaneamente, não caiu
dos céus. Os trabalhadores o conceberam, projetaram, produziram e tornaram tudo isso
possível. É uma força material produtiva que muda nossas formas de consciência, maneiras de
sentir, sentidos de tempo e muito mais. No entanto, a razão pela qual os telefones inteligentes
foram produzidos e posteriormente distribuídos por toda a sociedade é porque eles aumentam
a produtividade do trabalho. O mesmo objeto que, quando usado para trabalho, entra na base,
quando usado para fins não relacionados ao trabalho, entra na superestrutura.
A revolução socialista não pode vir sem mudar a base da sociedade, pois implica transformar a
propriedade privada em propriedade coletiva, abolir as relações capitalistas e construir relações
socialistas. Mas a superestrutura reage na base e a informa. Há uma interação dinâmica entre as
duas, e a questão não é tanto o que está localizado em qual parte do modelo, mas qual é o mais
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23/05/2022 11:21 Base e superestrutura: um modelo para a análise e a ação | LavraPalavra
No capítulo sobre a jornada de trabalho em O Capital, Marx descreve a luta de décadas por uma
jornada de trabalho “normal”. Ele cita detalhes horríveis sobre os abusos do capitalismo
industrial perpetrados por inspetores de fábrica sobre trabalhadores. Ao final do capítulo, ele
declara que “os trabalhadores devem se unir e, como classe, obrigar a aprovação de uma lei,
uma barreira social toda-poderosa que impedirá os próprios trabalhadores de vender, por
contrato voluntário com capital, eles e suas famílias à escravidão e à morte”. Em outras palavras,
o objetivo tático é estabelecer “uma jornada de trabalho legalmente limitada” [14].
Este é um toque de clarim para uma mudança na superestrutura, para uma reforma legal. É uma
luta significativa para reduzir a jornada de trabalho, não apenas para proteger os trabalhadores
dos abusos dos patrões, mas também para dar aos trabalhadores mais tempo para se organizar.
Ao mesmo tempo, também impacta a base da sociedade, pois, dada uma jornada de trabalho
limitada, o capital precisa buscar outros caminhos para acumular mais-valia extra. De fato, é
com essas limitações que o capital se volta para a produção de mais-valia relativa, que é
quando o capitalismo como modo de produção passa a existir propriamente [15].
Outro exemplo é a crítica de Marx a Alfred Darimon, um seguidor de Proudhon, que queria
introduzir uma “forma socialista” de dinheiro que representasse o tempo real de trabalho dos
trabalhadores. Enquanto Marx reconheceu que “uma forma [de dinheiro] pode remediar males
contra os quais outra é impotente… enquanto permaneceram formas de dinheiro”
reproduzirão esses males em outros lugares do mesmo jeito que “uma forma de trabalho
assalariado pode corrigir os abusos de outra, mas nenhuma forma de trabalho assalariado pode
corrigir o abuso do trabalho assalariado em si” [16]. O capitalismo não pode ser derrubado sem
mudar as relações de produção.
Notas:
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23/05/2022 11:21 Base e superestrutura: um modelo para a análise e a ação | LavraPalavra
[1] Thanks to Jon Greenway for feedback on an earlier draft of this article.
[2] Marx, Karl. (1859/1970). A contribution to the critique of political economy (New York:
International Publishers), 20-21.
[5] Marx, Karl. (1852/1972). The eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte (New York:
International Publishers), 47.
[6] Althusser, Louis. (1995/2014). On the reproduction of capitalism: Ideology and ideological
state apparatuses, trans. G.M. Goshgarian (New York: Verso), 54.
[11] Marx, Karl. (1939/1990). “Appendix: Results of the immediate process of production.” In Karl
Marx, Capital: A critique of political economy (vol. 1), trans. B. Fowkes (New York: Penguin),
1044.
[12] Pew Research Center. (2021). “Mobile fact sheet.” Pew Research center, April 7 Available
here.
[13] Drouin, Michelle, Daren H. Kaiser, and Daniel A. Miller. (2012). “Phantom vibrations among
undergraduates: Prevalence and associated psychological characteristics.” Computers in Human
Behavior 28, no. 4: 1493.
[14] Marx, Karl. (1867/1967). Capital: A critique of political economy (vol. 1): A critical analysis of
capitalist production, trans. S. Moore and E. Aveling (New York: International Publishers), 285,
286.
[15] See Majidi, Mazda. (2021). “Relative surplus value: The class struggle intensifies.” Liberation
School, 18 August. Available here.
[16] Marx, Karl. (1939/1973). Grundrisse: Foundations of the critique of political economy (rough
draft), trans. M. Nicolaus (New York: Penguin), 123.
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