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Sinergias de

mudança
da
agricultura
amazônica
conflitos e oportunidades
Alfredo Kingo Oyama Homma
Editor Técnico
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Embrapa Amazônia Oriental
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Embrapa
Brasília, DF
2022
Disponível no endereço eletrônico:
https://www.embrapa.br/amazonia-oriental/publicacoes
Embrapa Amazônia Oriental
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CEP 66095-903 Belém, PA
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Unidade responsável pelo conteúdo e pela edição
Embrapa Amazônia Oriental
Comitê Local de Publicação
Presidente
Bruno Giovany de Maria
Secretário-executivo
Luciana Gatto Brito
Membros
Alexandre Mehl Lunz
Alfredo Kingo Oyama Homma
Alysson Roberto Baizi e Silva
Andréa Liliane Pereira da Silva
Laura Figueiredo Abreu
Luciana Serra da Silva Mota
Narjara de Fátima Galiza da Silva Pastana
Vitor Trindade Lôbo
Patrícia de Paula Ledoux Ruy de Souza
Supervisão editorial e revisão de texto
Narjara de Fátima Galiza da Silva Pastana
Normalização bibliográfica
Andréa Liliane Pereira da Silva
Projeto gráfico, capa, tratamento de ilustrações e fotografias e editoração eletrônica
Vitor Trindade Lôbo
Foto da capa
1ª capa - Max Steinbrenner - Rodovia Cuiabá-Santarém, próximo a Rurópolis, antes do asfaltamento.
4ª capa - Marcelo Casimiro Cavalcante - Visão panorâmica de 3 mil hectares de castanheiras plantadas na
década de 1980 nas margens da Rodovia Manaus-Itacoatiara.
1ª edição
Publicação digital (2022): PDF

Todos os direitos reservados


A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,
constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610).
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Embrapa Amazônia Oriental

Sinergias de mudança da agricultura amazônica : conflitos e oportunidades / Alfredo Kingo


Oyama Homma, editor técnico. – Brasília, DF : Embrapa, 2022.
PDF (487 p.) : il. color.
ISBN 978-65-89957-00-3
1. Agricultura – Amazônia. 2. Desenvolvimento sustentável. 3. Produção agrícola. 4.
Mudanças. I. Homma, Alfredo Kingo Oyama. II. Embrapa Amazônia Oriental.
CDD 630.5811

Andréa Liliane Pereira da Silva (CRB-2/1166) © Embrapa, 2022


Autores

Adalberto Araújo Aragão


Físico, analista da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da
Embrapa, Brasília, DF

Adriano Venturieri
Engenheiro-agrônomo, doutor em Geografia, pesquisador da Embrapa
Amazônia Oriental, Belém, PA

Alfredo Kingo Oyama Homma


Engenheiro-agrônomo, doutor em Economia Rural, pesquisador da
Embrapa Amazônia Oriental, Belém, PA

Alexandre Almir Ferreira Rivas


Engenheiro de pesca, doutor em Economia Ambiental, professor da
Universidade Federal do Amazonas e presidente do Instituto Piatam,
Manaus, AM

André Cutrim Carvalho


Economista, doutor em Desenvolvimento Econômico, professor da
Universidade Federal do Pará, Belém, PA

Antônio José Elias Amorim de Menezes


Engenheiro-agrônomo, doutor em Sistema de Produção em Agricultura
Familiar, analista da Embrapa Amazônia Oriental, Belém, PA

Carlos Augusto Mattos Santana


Economista, doutor em Economia Agrícola, pesquisador da Secretaria de
Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa, Brasília, DF

Charles Roland Clement


Biólogo, doutor em Horticultura, pesquisador do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia, Manaus, AM
Claudenor Pinho de Sá
Engenheiro-agrônomo, mestre em Economia Rural, pesquisador
aposentado da Embrapa Acre, Rio Branco, AC

Cláudio Aparecido de Almeida


Engenheiro-agrônomo, doutor em Geomática, pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos, SP

Eliane Gonçalves Gomes


Engenheira química, doutora em Engenharia de Produção, pesquisadora da
Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa, Brasília, DF

Emeleocipio Botelho Andrade


Engenheiro-agrônomo, mestre em Genética e Melhoramento de Plantas,
pesquisador aposentado da Embrapa Amazônia Oriental, assessor técnico
da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará, Belém, PA

Fabricio Khoury Rebello (in memoriam)


Economista, doutor em Ciências Agrárias, professor da Universidade
Federal Rural da Amazônia, Belém, PA

Fernando Antônio Teixeira Mendes


Engenheiro-agrônomo, doutor em Economia Aplicada, auditor fiscal
federal agropecuário na Comissão Executiva do Plano da Lavoura
Cacaueira, Belém, PA

Geraldo da Silva e Souza


Bacharel em Matemática e bacharel em Economia, doutor em Estatística,
pesquisador aposentado da Embrapa e professor da Universidade de
Brasília, Brasília, DF

Geraldo dos Santos Tavares


Engenheiro-agrônomo, especialista em fruticultura da Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca, Belém, PA

Gilberto Ferreira da Silva Júnior


Economista, consultor autônomo, Belém, PA

Gilmar Antônio Meneghetti


Engenheiro-agrônomo, mestre em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade, pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental, Manaus, AM
Gisalda Carvalho Filgueiras
Engenheira-agrônoma, doutora em Ciências Agrárias, professora da
Universidade Federal do Pará, Belém, PA

Hervé Théry
Geógrafo, doutor em Geografia, pesquisador emérito do Centre National
de la Recherche Scientifique e professor visitante da Universidade de São
Paulo, Paris, França

Izabely Vitória Lucas Ferreira


Engenheira-agrônoma, estudante de mestrado na Universidade Federal
Rural da Amazônia, Belém, PA

Jorge Luís Nascimento Soares


Engenheiro-agrônomo, doutor em Engenharia Agrícola, perito federal
agrário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Belém, PA

José Olenilson Costa Pinheiro


Economista, mestre em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento
Sustentável, pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental, Manaus, AM

Josimar da Silva Freitas


Cientista político, doutor em Desenvolvimento Socioambiental,
pesquisador do Grupo Interdisciplinar em Pesquisas Socioambientais e
do Grupo Interdisciplinar de Pesquisas em Gestão e Desenvolvimento
Regional, Universidade Federal do Amapá, Macapá, AP

Lindomar de Jesus de Sousa Silva


Sociólogo, doutor em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido,
pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental, Manaus, AM

Marcos Antônio Souza dos Santos


Engenheiro-agrônomo, doutor em Ciência Animal, professor da
Universidade Federal Rural da Amazônia, Belém, PA

Marcos Ferreira Brabo


Engenheiro de Pesca, doutor em Ciência Animal, professor da Universidade
Federal do Pará, Belém, PA

Marivaldo Palha Palheta


Engenheiro-agrônomo, técnico da Secretaria de Estado da Fazenda, Belém, PA
Marluce Reis Souza Santa Brígida
Engenheira-agrônoma, mestre em Agriculturas Amazônicas, professora da
Universidade Federal Rural da Amazônia, Belém, PA

Moacyr Bernardino Dias-Filho


Engenheiro-agrônomo, doutor em Ecologia, pesquisador da Embrapa
Amazônia Oriental, Belém, PA

Moisés Cordeiro Mourão de Oliveira Júnior


Biólogo, doutor em Geografia, pesquisador da Embrapa Amazônia
Oriental, Belém, PA

Moisés de Souza Modesto Júnior


Engenheiro-agrônomo, especialista em Marketing e Agronegócio, analista
da Embrapa Amazônia Oriental, Belém, PA

Monyck Jeane dos Santos Lopes


Engenheira-agrônoma, doutora em Agronomia, pesquisadora PCI do
Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, PA

Philip Martin Fearnside


Biólogo, doutor em Ciências Biológicas, pesquisador do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia, Manaus, AM

Raimundo Nonato Brabo Alves


Engenheiro-agrônomo, mestre em Agronomia, pesquisador da Embrapa
Amazônia Oriental, Belém, PA

René Jean Marie Poccard-Chapuis


Geógrafo, doutor em Geografia, pesquisador do Centre de Coopération
Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement, Paris,
França

Ronaldo Pereira Santos


Engenheiro-agrônomo e advogado, mestre em Ciências Florestais,
engenheiro-agrônomo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária, Manaus, AM
Agradecimentos

A
Carlos Augusto Mattos Santana, coordenador do Arranjo
NOVOBR, cuja ajuda foi inestimável para a viabilização desta
proposta. A Zander Navarro, cuja visão, assumindo riscos com suas
opiniões, torna-se necessária para criar antíteses, motor para a criatividade
e a “destruição criativa”.

A todos os autores que colaboraram cedendo seus capítulos, pela


paciência em razão da demora na publicação. A Andrea Liliane Pereira
da Silva, Luciana Serra da Silva Mota, Luiza de Marillac Pompeu Braga
Gonçalves, Narjara de Fatima Galiza da Silva Pastana, Vitor Trindade Lôbo,
Adriano Venturieri, entre outros, pelo apoio na viabilização técnica e
administrativa do livro.

Ao Walkymário de Paulo Lemos, chefe-geral da Embrapa Amazônia


Oriental, Bruno Giovany de Maria, Fabio da Silva Barbieri e Maria
Rosa Travassos da Rosa Costa, respectivamente, chefes-adjuntos de
Transferência de Tecnologia, Pesquisa e Administração. Ao Alailson
Venceslau Santiago, na época secretário-executivo do Comitê Técnico
Interno da Embrapa Amazônia Oriental, pela ajuda nos procedimentos
técnicos para a inserção no Ideare. A Carlos Augusto Mattos Santana,
Zander Soares de Navarro, Antônio José Elias Amorim de Menezes, Daniel
Mangas e Vivian Dagnesi Timpani (NAPT Sudeste do Pará), Raimundo
Cosme de Oliveira Júnior, Lucieta Guerreiro Martorano, Edilvar Santos
Pimentel e Nivaldo Nascimento Carvalho (NAPT Baixo Amazonas) e Roni
de Azevedo e Jamil Chaar El Husny (NAPT Belém-Brasília). A Bruno Cabral
Soares (Ufra Paragominas) Fábio Francisco e Adriano Miranda (Santarém),
Abraham Chocron (Óbidos), Carlos Ivan Aguilar Vildoso e Eliandra de
Freitas Sia (Ufopa), José Jayme G. Belicha e Marcos Jayme B. Belicha
(Óbidos), Valdecir Zuffo e Michel Capelari (Paragominas), Marcos Antônio
Araújo (Paragominas), Leomárcio Tessarolo (Capanema), Eliseu Ribeiro
Ramos e Pedro Otavio Pinheiro Ribeiro (Bonito), Jurandir José dos Santos
(Prefeitura Municipal Canaã dos Carajás), Eloy Luiz Vaccaro (1938–2021),
Daniel Ferrazzo (Óbidos), Ediberto Sampaio (Santa Izabel do Pará), Koichi
Kaeda e Roberto Ken Kaeda (Igarapé-Açu), Marcelo Casemiro Cavalcante,
Max Steinbrenner, entre outros.

À Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ao Banco da


Amazônia S.A, à Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do
Pará (Fapespa) e à Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
(Sudam), pelo apoio financeiro para as atividades de pesquisa.

Aos meus familiares, destacando meus pais Takeshiro Homma (1910–


1988) e Yoshime Oyama Homma (1913–2008), minha esposa Liete Kataoka
Homma, minhas filhas Érika Kataoka Homma Paro e Thais Kataoka Homma,
meus genros Walter Roberto Paro e Rafael Balceiro e minha neta Amanda
Kataoka Homma Paro, sobretudo nos difíceis tempos da covid-19.
Apresentação

A
praz-me apresentar o livro Sinergias de Mudança da Agricultura
Amazônica: conflitos e oportunidades, editado pelo pesquisador
Alfredo Homma e do qual participaram 37 autores pertencentes a 16
instituições nacionais e internacionais.

Há um grande conflito entre a conservação e a preservação da Amazônia


para garantir a sobrevivência de sua população e produzir matérias-primas,
alimentos e fibras com sustentabilidade, gerando emprego e renda para o País.

Há muita desinformação sobre a Amazônia, de modo que as oportunidades


e conflitos somente serão aclarados com maiores descobertas científicas
e tecnológicas. A sustentabilidade das atividades agrícolas e pecuárias
depende muito do padrão tecnológico com que estão sendo desenvolvidas.

A região amazônica se transformou em um grande centro produtor de grãos


(soja, milho), carne bovina, frutas nativas (cacau, açaí) e exóticas (abacaxi,
laranja, banana, etc.), matérias-primas (pimenta-do-reino, dendê, algodão,
mandioca), madeira e peixe extrativo e de criatório no âmbito nacional.
Destaca-se como centro produtor de energia hidrelétrica e de minérios no
cenário nacional e mundial. Não é somente a imagem de desmatamentos e
queimadas como são apresentados no País e no exterior.

A melhoria das condições de infraestrutura, das condições de saúde e


educação e do desenvolvimento de uma agricultura tropical com os
produtos da sua biodiversidade mediante o desenvolvimento de plantios
permitirá ganhar a competitividade com produtos exclusivos da Amazônia.

Para aqueles produtos comuns produzidos tanto na Amazônia como fora


dela (soja, milho, pecuária, mandioca, etc.), essa competitividade vai estar
voltada para atender ao mercado regional e com a redução de custos de
transporte para atingir os mercados externos.

É possível desenvolver uma agricultura amazônica utilizando somente as


áreas já desmatadas, especialmente das áreas de pastagens, intensificando
a pecuária, promovendo a liberação de áreas de pastos para as atividades
agrícolas, reflorestamento e piscicultura. A almejada transição florestal
poderá ser atingida, zerando inicialmente os desmatamentos com o
reflorestamento e a recuperação das Áreas de Reserva Legal (ARL) e
Áreas de Preservação Permanente (APP) e, finalmente, o saldo positivo do
crescimento da cobertura florestal.

Uma área destinada para atividades produtivas e para o capital social


representada pelas cidades, povoados, estradas e ferrovias, entre outros,
poderia ser estabelecida mantendo a atual fronteira velha e restringindo a
formação de novas fronteiras na Amazônia. Vai depender da intensificação
tecnológica com sustentabilidade.

São esses desafios que este livro procura colocar em discussão para seus
leitores. Uma boa leitura para todos!

Walkymário de Paulo Lemos


Chefe-Geral da Embrapa Amazônia Oriental
Prefácio
E
ste livro está dividido em três conjuntos de capítulos. O primeiro abarcou
cinco capítulos versando sobre a questão da agricultura na Amazônia, a
sustentabilidade e o meio ambiente. Os autores e coautores sintetizaram
a polarização existente entre uma agricultura de alta produtividade e
mecanizada, e outra de coleta extrativa, sistemas agroflorestais, venda
de serviços ambientais e crédito de carbono, pequenos produtores que
representam o universo de 83% dos estabelecimentos identificados no Censo
Agropecuário 2017, pressões ambientais internas e externas, entre outros.

O segundo conjunto de seis capítulos refere-se ao processo de ocupação


e mudança no uso da terra e agricultura na Amazônia. A região, desde a
entrada dos primeiros colonizadores europeus, se aproveitou das dádivas da
Natureza, iniciando o ciclo da “bioeconomia das drogas do sertão”, da borracha,
da agricultura de toco, da era dos NPKs e da mecanização pelos imigrantes
japoneses, da pecuária, da extração madeireira, dos desmatamentos e
queimadas, até o cenário atual.

O terceiro agrupamento de nove capítulos apresenta as oportunidades


produtivas, das dezenas existentes, que podem ser mais sustentáveis na região
amazônica. Com o recrudescimento dos desmatamentos e queimadas, as
contrapropostas sempre foram acompanhadas por modismos que ganharam
repercussão mundial, como reserva extrativista (resex), bioeconomia, policultivos
e venda de serviços ecossistêmicos. O discurso triunfalista coloca a solução no
aproveitamento do conhecimento dos indígenas, quilombolas, ribeirinhos,
populações tradicionais e pequenos produtores. Será que isto é suficiente?

Finalmente, o livro encerra com um capítulo que atende à à sugestão de um


dos revisores do livro. O longo tempo para a concretização desta publicação,
o atraso provocado pela epidemia da covid-19, exigiram um texto de
fechamento quanto aos desafios futuros da região.

Este livro foi fruto do desenvolvimento do Projeto Transformações Recentes na


Agricultura Amazônica: o Caso do Estado do Pará componente do Arranjo NOVOBR
intitulado Desenvolvimento Agropecuário no Novo Brasil Rural: Implicações para a
Pesquisa, Estratégias Institucionais e a Formulação de Políticas Públicas.

Esta publicação conta com a contribuição de 37 pesquisadores e professores


da Embrapa Amazônia Oriental, Embrapa Amazônia Ocidental, Embrapa Acre,
Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le
Développement (Cirad), Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS),
Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), Federação da
Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa), Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa),
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Museu Paraense Emílio
Goeldi (MPEG), Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa), Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), Universidade Federal
do Pará (UFPA) e Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), que assinam
os 21 capítulos deste livro.

Recebemos com grande satisfação o convite para incluir neste livro o selo dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Sendo assim, é salutar fazer
um breve histórico. A Rio-92 colocou a questão ambiental da Amazônia na
agenda mundial e a redução dos desmatamentos e queimadas passou a ser
cobrada em todos os fóruns internacionais. Em 2000, durante a gestão de Kofi
Annan (1938–2018), no período (1997–2007), a Organização das Nações Unidas
(ONU) estabeleceu oito Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM),
assinado por 189 países e com término para 2015. Durante a gestão de Ban
Ki-moon (2007–2016), foram estabelecidos 17 ODS, com 169 metas até 2030,
assinados por 193 países. A importância da Amazônia no equilíbrio climático
mundial está subjacente em todas as discussões.

As informações dos capítulos deste livro defendem uma Amazônia sem


desmatamentos e queimadas, com melhoria nos indicadores sociais e
econômicos, enfim, uma região que consiga coevolucionar com o restante do
País e do mundo. Defende uma agricultura com crescimento econômico mais
sustentável para a Amazônia com aumento da produtividade, gerando renda
e emprego decente para todos. Dessa forma, entendemos que as informações
aqui disponibilizadas têm conexão com o ODS 8 (Trabalho Decente e
Crescimento Econômico), sendo fortemente vinculadas à meta 8.1 “sustentar o
crescimento econômico per capita, de acordo com as circunstâncias nacionais
e, em particular, pelo menos um crescimento anual de 7% do produto interno
bruto nos países de menor desenvolvimento relativo”.

Boa leitura para todos!

Alfredo Kingo Oyama Homma


Editor Técnico
Sumário

PROLEGÔMENOS, 15 QUO VADIS, CAPOEIRA? OU TIPIFICAÇÃO DE


DESFLORESTAMENTO NO ESTADO DO PARÁ
PARTE I -AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: (2000–2014), 155
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE Moisés Cordeiro Mourão de Oliveira Júnior
Adriano Venturieri
A TERCEIRA NATUREZA DA AMAZÔNIA, 26 Claudio Aparecido de Almeida
Alfredo Kingo Oyama Homma René Jean Marie Poccard-Chapuis
Hervé Théry
A SUSTENTABILIDADE DA AGRICULTURA NA
AMAZÔNIA: MEUS PENSAMENTOS, 46 40 ANOS DE TRANSFORMAÇÕES NA AGRICULTURA
Philip Martin Fearnside PARAENSE: implicações para políticas públicas, 178
Carlos Augusto Mattos Santana
VALOR, PERCEPÇÃO E O FIM DA AMAZÔNIA, 67 Geraldo da Silva e Souza
Alexandre Almir Ferreira Rivas Alfredo Kingo Oyama Homma
Eliane Gonçalves Gomes
EXTRATIVISMO OU CRISE SOCIOAMBIENTAL DE Adalberto Araújo Aragão
RESERVAS EXTRATIVISTAS NA AMAZÔNIA?, 85
Josimar da Silva Freitas BIOPIRATAS, INVENTORES E DESBRAVADORES QUE
MUDARAM A AGRICULTURA NA AMAZÔNIA), 218
ESTIMULANDO UMA TRANSIÇÃO FLORESTAL Alfredo Kingo Oyama Homma
PRODUTIVA, 99
Charles Roland Clement REFLEXÃO SOBRE AS ESCOLHAS ECONÔMICA,
Ronaldo Pereira Santos AGRICULTURA E A SUSTENTABILIDADE NO
PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DO
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA AMAZONAS, 237
Lindomar de Jesus de Sousa Silva
E AGRICULTURA Gilmar Antônio Meneghetti
José Olenilson C. Pinheiro
TEORIAS APLICADAS AOS CONFLITOS EM
PROJETOS DE REFORMA AGRÁRIA: prevenção e
controle, 115 PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS
Jorge Luís Nascimento Soares SUSTENTÁVEIS
DINÂMICA DO USO E COBERTURA DO SOLO NO HISTÓRICO E DESAFIOS DA PECUÁRIA BOVINA NA
ESTADO DO PARÁ: pastagens na década de 2000, AMAZÔNIA, 267
segundo o TerraClass, 128 Moacyr Bernardino Dias-Filho
Moisés Cordeiro Mourão de Oliveira Júnior Monyck Jeane dos Santos Lopes
René Jean Marie Poccard-Chapuis
Alfredo Kingo Oyama Homma PISCICULTURA NO ESTADO DO PARÁ: desafios e
Adriano Venturieri estratégias de desenvolvimento sustentável, 289
Cláudio Aparecido de Almeida Marcos Ferreira Brabo
Hervé Théry Marcos Antônio Souza dos Santos
POTENCIALIDADES DA CULTURA DA MANDIOCA
NO ESTADO DO PARÁ, 310
Raimundo Nonato Brabo Alves
Moisés de Souza Modesto Júnior

PRODUÇÃO DE FARINHA NO JURUÁ, AC:


oportunidades e desafios para desenvolvimento
sustentável, 339
Claudenor Pinho de Sá

A SOJA NO PARÁ: uma visão particular, 357


Emeleocipio Botelho Andrade

A PERSPECTIVA DO MERCADO DA PIMENTA-DO-


-REINO NO BRASIL E NO MUNDO, 382
Gilberto Ferreira da Silva Júnior
Gisalda Carvalho Filgueiras
Antônio José Elias Amorim de Menezes
André Cutrim Carvalho
Alfredo Kingo Oyama Homma

CONJUNTURA E PERSPECTIVA DA CITRICULTURA


NO ESTADO DO PARÁ, 403
Fabricio Khoury Rebello (in memoriam)
Izabely Vitória Lucas Ferreira
Marluce Reis Souza Santa Brígida
Marcos Antônio Souza dos Santos

TENDÊNCIAS DA CACAUICULTURA NO ESTADO DO


PARÁ, 426
Fernando Antônio Teixeira Mendes

ANÁLISE DA PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE


AÇAÍ NO ESTADO DO PARÁ, BRASIL, 444
Geraldo dos Santos Tavares
Alfredo Kingo Oyama Homma
Antônio José Elias Amorim de Menezes
Marivaldo Palha Palheta

PROPOSTAS AGRÍCOLAS PARA A AMAZÔNIA, 464


Alfredo Kingo Oyama Homma
PROLEGÔMENOS

H
á uma vertente exclusivamente ambiental para a região amazônica
defendida por organizações não governamentais (ONGs), organismos
internacionais e uma parcela da comunidade acadêmica nacional e
externa para acabar com os desmatamentos e queimadas. O editor deste
livro sempre tem defendido a necessidade de manter a fronteira velha
contida nos atuais limites e reduzir a incorporação de novas fronteiras,
mediante aumento da produtividade da atual agricultura, além de aumentar
a presença do Estado no interior e na domesticação de recursos da flora e da
fauna que apresentam conflitos com a oferta e a demanda.

No estado do Pará, superior à África do Sul em dimensão de área, dos 144


municípios existentes, os dez maiores respondem por 58,82% do produto
interno bruto (PIB) estadual (2017) e os cem municípios mais pobres
respondem por apenas 17,22% do PIB (IBGE, 2020). O PIB per capita do
estado do Pará nos últimos 10 anos é apenas um pouco superior à metade
do PIB per capita nacional. A taxa de pobreza do estado do Pará, em 2015,
alcançou 22,5% da população paraense, contrastando com 13,3% do País,
onde quase 2 milhões de pessoas estão na faixa da pobreza e metade desse
contingente na faixa da extrema pobreza.

Não poderíamos deixar de registrar neste livro a terrível pandemia da


doença covid-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, identificado
pela primeira vez em seres humanos em dezembro de 2019 na cidade
16 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

de Wuhan, China, e, em 26 de fevereiro de 2020, em São Paulo. Essa


assustadora pandemia mostrou a fragilidade da Humanidade perante um
vírus medido em nanômetros (um milionésimo de milímetro). A trágica
soma de mortos e o pânico associado à histeria coletiva produziram efeitos
tão devastadores quanto as modernas armas de destruição em massa ou
as previsões apocalípticas dos ambientalistas com relação ao aquecimento
global. Seremos lembrados como a geração que sobreviveu a essa grande
catástrofe mundial (Yong, 2020).

O recado desse triste episódio, cuja vacinação começou de forma tímida em


18 de janeiro de 2021, alertou que precisamos melhorar, na Amazônia (e no
País), a aplicação de recursos para os serviços de saúde pública, segurança
alimentar, educação, transporte urbano e políticas sociais em favor dos
desfavorecidos, ao invés da construção de suntuosas arenas (Silva, 2020a).
Até o fechamento desta edição (13 de março de 2022), já morreram no
mundo mais de 6,05 milhões de pessoas e no Brasil, segundo no ranking,
mais de 655 mil. O esforço nacional no controle do covid-19 mostrou que
tarefa similar seria possível para acabar com os ilícitos praticados nos
desmatamentos, queimadas, extração madeireira, garimpo, narcoeconomia,
contrabando da flora e da fauna, invasões de áreas indígenas, entre outros.
Entretanto, mostrou o lado perverso da sociedade brasileira quanto à
irresponsabilidade, o egoísmo, a corrupção, a falta de educação, caráter e
colaboração, necessários para atender interesses coletivos (Silva, 2020b).

As pressões internacionais sobre a Amazônia, que foram ampliadas com o


assassinato do líder sindical Chico Mendes (1944–1988), durante o governo
Sarney Costa (1985–1990), levaram à adoção de diversas medidas para conter
os desmatamentos e queimadas, que prosseguiram nos governos seguintes.
Para resolver a questão ambiental, o governo federal assinou diversos decretos,
leis, medidas provisórias, criação/fechamento de instituições. No início, os
planos governamentais tinham caráter cosmético, sem muita preocupação
com a sua exequibilidade. A partir do governo Collor (1990–1992), os planos
governamentais passaram por forte mudança. A realização da Rio-92 foi
bastante emblemática quanto à nova postura que a sociedade brasileira e
a mundial passaram a seguir. Os resultados começam a surgir a partir de
2004, durante a gestão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003–2011),
mediante a redução dos desmatamentos e queimadas na Amazônia, que
atingiram seu nível mínimo em 2014.

O “Estado ambiental”, muito defendido por organizações internacionais, tem


na venda dos serviços ambientais e de créditos de carbono a espinha dorsal
Prolegômenos 17

de muitas propostas para a Amazônia. O mercado de carbono obedece às


mesmas regras de oferta e demanda de um bem ou serviço econômico
(Wunder et al., 2008). A tendência do crescimento de atividades mais
amigáveis com relação ao meio ambiente no País e no exterior, aumentando
a oferta de serviços ambientais, provavelmente irá reduzir os preços do
mercado de carbono no futuro. Nesse sentido, a busca de alternativas
econômicas e tecnológicas deve ser o caminho a ser perseguido.

É lugar comum nos eventos sobre a Amazônia colocar como solução a


bioeconomia, floresta em pé, coleta extrativa, venda de créditos de carbono
e de serviços ambientais, sistemas agroflorestais, indicação geográfica e
com atenção voltada para populações indígenas, quilombolas, ribeirinhos
e de “agricultura familiar” (Plano..., 2013b). A proposta em si carrega um
surrealismo econômico atemporal, como se fosse possível essa mudança
abrupta e feita com um estalar de dedos, desconhecimento do mercado,
das peculiaridades locais, entre outros. Qualquer proposta que se queira
implantar na Amazônia leva tempo e dedicação. São contra grãos, pecuária,
reflorestamento, dendezeiro, etc., que não são considerados nas propostas
e que representam importantes forças produtivas da economia regional.

A incorporação dos recursos da biodiversidade amazônica vai exigir


uma mudança de foco dos pesquisadores e das instituições de pesquisa
locais, nacionais e da colaboração externa. Ocorreu grande avanço na
fronteira do conhecimento científico na área de recursos naturais com
suas inter-relações, de ciências humanas e de descobertas tecnológicas,
cujas análises estão contidas em outros textos (Homma, 2012, 2013b;
Homma et al., 2014). Ressalta-se, a despeito de todo esse avanço, que os
pesquisadores ainda não produziram o grande choque tecnológico que
a região está aguardando. A reduzida oferta de conhecimento científico
e tecnológico constitui uma das razões dos impactos ambientais, da
depredação dos recursos naturais e da baixa produtividade da agricultura
regional (Academia Brasileira de Ciência, 2008; Plano..., 2013a). Grande parte
das inovações tem sido efetuada pelos empresários schumpeterianos1, com
base no processo de tentativas e de similaridades com outras regiões do País
e do mundo. Há necessidade de desenvolver uma agricultura com produtos
da biodiversidade amazônica, ainda fortemente apoiada na biodiversidade
exótica no contexto de médio e longo prazo.

1
Homenagem a Joseph Schumpeter (1883–1950) para ressaltar o papel dos empresários
inovadores promovendo contínuo processo de “destruição criadora”, alavancando a economia.
18 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

As políticas de governo com relação ao controle dos desmatamentos


e queimadas têm promovido o aumento da Vegetação Secundária e o
crescimento das áreas de pastos limpos e de agricultura anual, com a
incorporação das áreas de pastagens degradadas (Vieira; Gardner, 2012;
Dados..., 2016). O sucesso dessa política vai depender da redução no custo de
recuperação de áreas degradadas, mediante oferta de calcário, fertilizante e
mecanização a preços mais baixos, assistência técnica, crédito, sementes e
mudas de qualidade, sobretudo para o segmento de pequenos produtores,
entre outros. Como as pastagens na Amazônia têm uma durabilidade entre
10 e 12 anos, é necessário que 10% dessa área seja recuperada anualmente
para impedir a incorporação de novas áreas de mata. A política seria manter
os pastos limpos sempre em bom estado e promover a regeneração da
Vegetação Secundária para cobrir o passivo ambiental das Áreas de Reserva
Legal (ARLs) e Áreas de Preservação Permanente (APPs).

A curva de redução de cobertura florestal na Amazônia e a sua consequente


subida com a redução dos desmatamentos, reflorestamento, plantio de
espécies perenes e recuperação do passivo ambiental é possível até certo
limite. A interrupção do desmatamento, decorrente da sua força de inércia,
deverá ser primeiro compensada pela neutralização do desmatamento
(área derrubada compensada pelo reflorestamento + plantio de cultivos
perenes e recuperação das APPs e ARLs), para então subir a até, no máximo,
10 milhões a 15 milhões de hectares. Há necessidade de transferir áreas de
pastos degradados e limpos, mediante aumento da produtividade, para
atividades de agricultura, cultivos perenes, reflorestamento e a recuperação
do passivo ambiental das APPs e ARLs.

Com a tendência da redução absoluta e relativa da população rural,


a agricultura regional terá que intensificar a sua produção. A atual
população urbana/rural na Amazônia indica que cada trabalhador rural
precisa produzir alimento para si e para mais três pessoas que moram nos
centros urbanos, sem contar com as exportações. Esta é uma indicação de
que é preciso aumentar a produtividade da terra e da mão de obra e sair
da agricultura de derruba/queima. Dessa forma, sistemas extrativos que
impliquem na coleta de produtos dispersos na floresta conduzem à perda
de competitividade a médio e longo prazo, dado o custo de oportunidade
de mão de obra. É importante verificar como as grandes empresas,
atividades inovadoras que tiveram sucesso ou a agricultura tradicional
estão contornando a escassez de mão de obra.
Prolegômenos 19

No estado do Pará, como em outras unidades federativas da Amazônia


Legal, o Novo Código Florestal e a Lei da Biodiversidade, a demanda de
grãos, as políticas como a Redução de Emissões por Desmatamento e
Degradação Florestal (REDD) e 21ª Conferência das Partes da Convenção-
-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP-21), a crise
hídrica no Sul e Sudeste, a migração rural urbana, a logística de escoamento
de grãos e minérios, a construção de hidrelétricas e os investimentos
externos deverão induzir a criação de polos agrícolas, levando à perda de
espaço da agricultura tradicional (Santos, 2010; Homma, 2013a; Azevedo et
al., 2015). Há necessidade de entender as limitações para ampliar a oferta de
tecnologia, quadruplicar a produtividade de atividades comuns da Amazônia
e de fora da região, viabilizar a piscicultura ou incorporar aos sistemas
agroflorestais (SAFs) tradicionais e uma agricultura baseada nos produtos
da sua biodiversidade. Para entender essa dinâmica, este livro selecionou
alguns textos para ajudar a entender a mudança da “pecuarização” para uma
“agriculturização” que começa a se evidenciar em alguns polos de produção
agrícola na Amazônia, onde estão ocorrendo essas sinergias.

A efetiva implementação do Novo Código Florestal, ao estabelecer a


correção dos passivos ambientais nas propriedades rurais, produz dois
efeitos imediatos: a redução da área útil para atividades agrícolas e o
fechamento legal da fronteira agrícola na Amazônia. Os produtores
precisam aumentar a produtividade da terra e da mão de obra para garantir
a sobrevivência das atividades agrícolas comuns produzidas na região e
fora da Amazônia. Como nas áreas de floresta da região amazônica só é
possível utilizar 20% da área da propriedade e nas áreas fora da Amazônia
o inverso, será necessário quadruplicar a produtividade. Onde se colocava
um boi por hectare, será necessário colocar quatro bois por hectare. Como a
produtividade na Amazônia é muito baixa para muitos produtos e criações,
isto só será possível mediante a modernização da agricultura. A perda de
competitividade da pequena produção para médios e grandes produtores
vai decorrer da sua incapacidade de se modernizar. O Código Florestal,
no longo prazo, deve promover uma substituição das atuais áreas de
pastagens e culturas anuais, para recomposição de APP e ARL, aumentando
o reflorestamento e reduzindo a produção de alimentos e de carne bovina
obtida de forma extensiva (Guthman, 2004; Homma, 2015a; Gil et al., 2016).

As limitações em relação às propostas internacionais para redução dos


desmatamentos e queimadas para a Amazônia recaem na dimensão
20 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

liliputiana2, na venda de serviços ambientais, green products e coleta


extrativa, considerando a magnitude da população amazônica. Ressalte-se
a dimensão da economia amazônica, da especificidade social, econômica,
histórica e política dos estados componentes. Sobrepõe ainda a perda
relativa e absoluta da população rural e das externalidades provocadas pela
escassez de tecnologia e o baixo nível de educação formal.

A responsabilidade da redução dos impactos ambientais na Amazônia pelos


consumidores constitui a nova vertente de pressão que deverá crescer no
futuro (Carrasco, 2003; Nascimento, 2014). Com as limitações do serviço
de extensão rural oficial, verifica-se a entrada de novas modalidades de
assistência técnica e de apoio efetuado por agências reguladoras como
Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO) e Conservation International
(dendezeiro), por grandes ONGs internacionais como The Nature
Conservancy, Fundação Solidaridad e World Cocoa Foundation (cacau),
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) (cacau e abacaxi),
Sambazon (açaí), Forest Stewardship Council (FSC) (madeira), The Economics
of Ecosystems and Biodiversity (TEEB), Stockholm Environment Institute,
entre outros.

Entender como está se processando a transferência das informações


tecnológicas nas áreas mais dinâmicas e tradicionais da agricultura
amazônica interessa à Embrapa, pelos investimentos que tem realizado
nesse sentido e na busca da sua eficiência (Buainain et al., 2014; Grisa;
Schneider, 2015; Homma, 2015b). Esse monitoramento também é
executado em âmbito territorial, como ocorreu com o extinto Programa
Municípios Verdes, criado pelo Decreto nº 54, de 29 de março de 2011,
pelo governo do estado do Pará. Municípios que tiveram todo o estoque
madeireiro extraído no passado, com a cobertura florestal reduzida e com
a introdução de atividades produtivas dinâmicas, têm maiores chances
dessa conversão. A percepção com relação aos sinais de mercado pode
ajudar nesta reconversão. Para isso, é importante reduzir o custo do calcário,
fertilizantes, serviços de mecanização, outros insumos agrícolas (sementes,
mudas, etc.) e da oferta de tecnologia e de assistência técnica. A melhoria da
infraestrutura e a criação de mercados agrícolas de produtos com gradientes
de sustentabilidade adequados (econômicos, sociais e ambientais) teriam
um efeito positivo e silencioso dessa reconversão para a criação de uma
Nova Natureza na Amazônia.

2
Liliput, terra imaginária habitada por pessoas de minúscula estatura, do romance Viagens de
Gulliver, do escritor inglês Jonathan Swift (1667–1745)
Prolegômenos 21

O uso da irrigação na Amazônia tem sido ampliado para cultivos além


das hortaliças, como para arroz, açaizeiro, bananeira, pimenteira-do-reino,
pastagens, cacaueiro, coqueiro, laranjeira, limoeiro, mamoeiro, aceroleira,
abacaxizeiro. A motivação decorre da obtenção da produção na entressafra,
bem como da necessidade de superar os riscos da seca, que para muitos
produtores tem se acentuado, em comparação com décadas anteriores a 1970.

O cultivo de arroz irrigado avançou no Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí


e Bahia) e na Baixada Maranhense, a despeito da queda da produção de
arroz nos estados do Pará, Maranhão e Mato Grosso, reduzido a um quinto
da sua produção máxima no passado. Uma experiência singular de plantio
de arroz irrigado no Marajó tem sido alvo de fortes pressões ambientais, a
despeito da existência de um grande mercado local.

A falta de água que assolou o Sudeste e o Sul do País em 2014, na qual foi
emblemática a crise do Cantareira, antes exclusivo do Nordeste brasileiro
e com prognósticos de repetição futura, traz diversos recados para a
agricultura e a geração de energia na Amazônia e no País. O primeiro refere-
-se ao aumento de risco climático para as atividades agrícolas nessas regiões,
já presentes, também, na Amazônia, com maior disponibilidade de recursos
hídricos e de energia hidráulica. O segundo diz respeito à necessidade
premente de pôr em prática a recomposição das ARLs e APPs, priorizando
as margens dos rios, tanto na região amazônica como nas áreas fora da
Amazônia. O terceiro ressalta a importância de se desenvolver variedades
de plantas mais resistentes à seca, reciclar a água, aproveitar a água da
chuva e aumentar a produtividade agrícola.

Enquanto houver escassez de informações sobre novas tecnologias e o


conhecimento científico não estiver disponível, uma solução de curto e médio
prazo seria utilizar o conhecimento gerado pela experiência dos agricultores
(Takasaki et al., 2000; Mercante, 2014). Existe uma grande heterogeneidade
tecnológica para qualquer atividade produtiva na Amazônia. Portanto,
somente a sua homogeneização já traria consideráveis benefícios para a
sociedade. Estas “ilhas de eficiência” estão disponíveis mesmo nas atividades
com baixo padrão tecnológico, nas quais se denominam “etnotecnologia”.
São aqueles conhecimentos gerados pelos próprios agricultores através
de tentativas e transmitidos ao longo do tempo, ordinariamente de
maneira oral e desenvolvidos à margem do sistema de pesquisa formal.
São conhecimentos dinâmicos que se encontram em constante processo
de adaptação, com intervenções da extensão rural, da rede bancária, dos
compradores, das tecnologias utilizadas para outros produtos e em outros
22 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

locais, do aparecimento de pragas e doenças, do mercado de insumos e da


legislação trabalhista e ambiental.

Isto faz com que a agricultura amazônica nunca tenha sido tão questionada
e desafiada como no presente. Torna-se urgente identificar uma agenda
de pesquisa que consiga coevolucionar o desenvolvimento agrícola com a
conservação ambiental necessária para o fortalecimento das instituições de
pesquisa agrícola na Amazônia. Há necessidade de tecnologias para utilizar
o solo, a biodiversidade e a água, que compõem o ecossistema amazônico,
por meio do manejo florestal, da pecuária, da agricultura, da silvicultura, em
bases mais sustentáveis.

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PARTE I
AGRICULTURA NA
AMAZÔNIA:
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Foto: Alfredo Homma

Plantio de açaizeiros com 1,4 mil hectares irrigados


no município de Óbidos, Pará
A TERCEIRA NATUREZA
DA AMAZÔNIA1
Alfredo Kingo Oyama Homma

Introdução

A
área1desmatada constitui a Segunda Natureza e a floresta intocada
a Primeira Natureza. O desafio seria como transformar uma parte
da Segunda Natureza em uma Terceira Natureza, com atividades
produtivas mais adequadas. A Terceira Natureza seria uma resposta à
Curva de Kuznets, em que algumas medidas de degradação ambiental
aumentariam nos momentos iniciais do crescimento econômico, porém,
eventualmente, diminuiriam quando certo nível de renda fosse alcançado
(Vesentini, 1996; Cohn et al., 2016; Tritsch; Arvor, 2016). Ressalta-se que a
preocupação exclusivamente ambiental sobre a Amazônia tem colocado
em segundo plano as necessidades prementes como a de garantir
segurança alimentar e a de gerar renda e emprego para a população local.
Entre o Censo Demográfico de 1970 e a estimativa para 2020, a população
da Amazônia Legal passou de 7,8 milhões para 29,3 milhões. Rondônia e
Roraima tiveram a população multiplicada por 15 vezes, Pará e Amazonas,
quadruplicada e Mato Grosso sextuplicada.

As alternativas agrícolas passam a utilizar apenas uma parte dos 78 milhões


de hectares já desmatados (2019) na Amazônia, que corresponde a três vezes
a superfície do estado de São Paulo ou mais do que a soma dos estados de
1
HOMMA, A. K. O. A Terceira Natureza da Amazônia. Revista Paranaense de Desenvolvimento,
v. 38, n. 132, p. 27-42, jan./jun. 2017. Com ampliação e atualização do texto original.
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 27
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, ou ainda duas vezes a superfície
do Japão ou da Alemanha, respectivamente a terceira e a quarta economia
do planeta. A despeito dessa extensão, a participação da Amazônia Legal
no Produto Interno Bruto (PIB) do País é de apenas 8,9% (2017), equivalente
ao dobro do estado de Santa Catarina, e não tem o impacto que deveria ter
para o desenvolvimento local.

A despeito da exaltação da magnitude da biodiversidade amazônica,


os grandes mercados e a sobrevivência da população regional ainda vão
depender dos produtos tradicionais, representados pela biodiversidade
exótica, como o rebanho bovino e bubalino e os cultivos como cafeeiro,
dendezeiro, soja, milho, algodão, pimenteira-do-reino, bananeira, coqueiro,
laranjeira, entre os principais. A biodiversidade nativa, como o cacaueiro,
a seringueira, o pau-rosa, a castanheira-do-pará, o óleo de tartaruga, entre
os principais, foi importante no Brasil Colonial e nos primeiros anos da
República, porém não conseguiu consolidar um modelo de desenvolvimento
permanente. O capital extrativo desestimulou os plantios, pela falta de
tecnologia e pela visão míope dos governantes, empresários e acadêmicos,
levando à sua transferência para novos locais. Enquanto não se concretizar
um parque produtivo local com as plantas da biodiversidade amazônica, o
risco da biopirataria vai estar sempre presente (Homma, 2003, 2010).

Muitos conhecimentos ainda utilizados na região amazônica decorrem da


herança indígena: o cultivo e o beneficiamento da mandioca, as fruteiras
nativas, as plantas aromáticas, medicinais, corantes, oleaginosas e tóxicas, as
técnicas de caça e pesca, a habitação, etc. A designação indígena de plantas,
peixes, animais, utensílios, edifícios, palácios, cidades, praças e aviões reforça
a influência dessa contribuição.

Ao mesmo tempo, na Amazônia, foram construídas a terceira e a quinta


maior hidrelétrica do mundo, pontes pênseis cruzam os rios Negro e Guamá,
cabos de energia da altura da Torre Eiffel cruzam o Rio Amazonas e ferrovias
transportam minério de ferro a longa distância, demonstrando que não
existem barreiras para grandes obras de engenharia.

O desafio atual está relacionado com as tecnologias agrícolas e ambientais


que precisam ser desenvolvidas nos próprios locais para integrar o
conhecimento local com a capacidade tecnológica de nosso país. A falta
dessa integração reflete-se na redução dos recursos naturais, na importação
de alimentos e na geração de emprego e renda. É mais barato consumir
uma maçã do que uma fruta regional. O frango atravessa mais da metade
28 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

do País e é vendido nas cidades amazônicas mais barato do que o pescado


e a carne bovina. O potencial da Bacia Amazônica, por exemplo, pode ser
aproveitado para a criação de peixes, imitando o sucesso da produção de
frangos que, em 2007, superou a produção de carne bovina e o País tornou-
-se o maior exportador desses dois produtos.

As limitações tecnológicas da região são bastante conhecidas. Os cientistas


estão motivados para promover essa mudança e ela é possível. A Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por exemplo, foi protagonista
de duas revoluções tecnológicas, como a produção de agroenergia e a
viabilização da agricultura nos cerrados. Ao mesmo tempo, a engenharia
nacional domina a exploração de petróleo em alto-mar e a fabricação de
aviões regionais, que são exemplos da capacidade nacional de promover
uma revolução tecnológica na Amazônia, desenvolvendo uma agricultura
tropical com sua flora e fauna (Becker, 2010).

Plantas como seringueira, cacaueiro, guaranazeiro e pupunheira fizeram


riqueza nos locais para onde foram levadas. O País importou 38,93%
da borracha (2018) e 33,93% do cacau consumido (26,97% na forma de
drawback) (média 2016/2018), a Bahia produz 68% do guaraná (média
2016/2018), São Paulo, Santa Catarina e Bahia concentram 71% (média
2016/2018) da área de pupunheiras, entre outros (Câmara..., 2019). Não é
o caso de alegar inviabilidade da agricultura na Amazônia, mas aprimorar
nossa criatividade, insumo básico da ciência, na geração de um modelo
fabril de produção científica para a região.

São listadas algumas atividades com potencial de mercado que podem ser
importantes para promover o desenvolvimento da Amazônia e, ao mesmo
tempo, retirar incentivos aos desmatamentos e queimadas. Algumas das
alternativas apresentadas não têm volume e valor de produção em níveis
comparáveis aos cultivos líderes da agricultura brasileira. Porém, são
alternativas importantes para o aumento da renda de um grande número
de pequenos produtores e podem ser a base de agroindústrias necessárias
ao desenvolvimento local e regional (Vieira et al., 2014).

A opção extrativa – voltar à floresta?


Há muitas propostas visando à salvação da Floresta Amazônica e à geração
de renda e emprego. Uma que teve grande repercussão internacional refere-
-se à criação das reservas extrativistas, que ganhou forte impacto, sobretudo
depois do assassinato de Chico Mendes (1944–1988). O extrativismo é
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 29
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

viável enquanto o mercado for pequeno, mas quando o mercado começa


a crescer, os agricultores são estimulados a efetuar plantações e, com isso,
acontece o colapso dessa atividade. Isto ocorreu com mais de 3 mil plantas
cultivadas e dezenas de animais no mundo. A economia extrativa é um ciclo
no qual se tem a fase da expansão, depois a estabilização e finalmente o
seu declínio. Na sequência, têm-se os recursos naturais, o início da atividade
extrativa, o manejo, a domesticação e pode evoluir até para a descoberta
de sintéticos (borracha sintética, sucos artificiais, baunilha sintética, madeira
plástica, fios sintéticos, etc.). Para muitos produtos extrativos da Amazônia já
existe um conflito entre a oferta e a demanda, como ocorre com a castanha-
-do-pará, o açaí, a borracha, o pau-rosa, o bacuri, o uxi, etc., para os quais é
importante efetuar manejo e plantios, além de promover a verticalização.
Muitos produtos extrativos já foram ou estão sendo domesticados, como
cacaueiro, seringueira, guaranazeiro, cupuaçuzeiro, açaizeiro e jambu.
A insistência na manutenção do extrativismo pode levar a prejuízos para
os produtores na possibilidade do seu plantio e para consumidores com
produtos de melhor qualidade e a preços mais baixos, com ampliação da
oferta (Homma, 2012, 2014).

A manutenção do extrativismo, muito defendido por organismos


internacionais e ambientalistas, implica em evitar as pesquisas visando
à domesticação de recursos da biodiversidade e à criação de alternativas
econômicas que criem competição com o setor. Os defensores do
extrativismo alegam que a verticalização, a descoberta de novos produtos,
a venda de serviços ambientais e o ecoturismo, entre outros, enfatizariam a
doutrina do valor da “floresta em pé” como alternativa ideal para a Amazônia.
O grande problema é que a oferta extrativa é fixa e sem condições de
proporcionar sua democratização, apresenta baixa produtividade da terra e
da mão de obra e esbarra na migração rural e urbana. Quanto à valorização
econômica dos ativos naturais, muito defendida pelos ambientalistas, a
grande questão é quem estaria disposto a pagar.

No caso de atividades extrativas capitais intensivas, como a mineral, a


petrolífera, a madeireira e a pesca, a tecnologia de ponta e a economia de
escala são indispensáveis para garantir a viabilidade do empreendimento.
O sucesso da Companhia Vale e de outras empresas mineradoras consiste
na estratégia de vender o minério de baixo valor agregado a longa
distância. Os produtos exportados para outros estados ou para o exterior
são concentrados e, em decorrência da Lei Kandir, de 13 de setembro
de 1996, são isentos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) e geram reduzidos benefícios para os estados produtores.
30 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

Subsistem, contudo, atividades de garimpo (ouro, pedras preciosas), pesca


artesanal, madeira e caça ilegal, com baixo nível tecnológico e grande
custo social e ambiental. Muitas plantas e animais também nunca vão ser
domesticados. Produtos que apresentam alta elasticidade de demanda
ou cujo excedente é todo captado pelos produtores apresentam grandes
chances de domesticação imediata.

Sistemas agroflorestais
Outra solução está relacionada com a evolução do extrativismo e a
domesticação para a implantação de sistemas agroflorestais (SAFs).
Consiste na combinação de cultivos perenes, baseada na experiência da
imigração japonesa em Tomé-Açu, Pará. Trata-se de um sistema adequado
para ocupar as áreas degradadas e seu sucesso depende do mercado das
plantas componentes, tais como cacaueiro, seringueira, castanheira-do-
-pará, cupuaçuzeiro, açaizeiro, árvores madeireiras, bacurizeiro, cumaruzeiro,
uxizeiro, etc. A existência de dezenas de plantas sombreadas e sombreadoras
faz com que as possibilidades de combinações sejam grandes. Deve
ser mencionado que nem todas apresentam viabilidade econômica ou
sustentabilidade no longo prazo. As plantas, ao se combinarem, apresentam
relações complementares, suplementares, competitivas ou antagônicas,
que dependem da densidade e do crescimento, promovendo a mudança
dessas categorias. É regra geral que prevaleça uma relação competitiva entre
as plantas nos SAFs. As mudanças de preços e de mercado, o aparecimento
de pragas e doenças, a legislação ambiental e trabalhista e a migração rural
e urbana tendem a provocar mudanças nos SAFs.

Muitas plantas precisam ser plantadas em monocultivos pelo antagonismo,


excesso de sombreamento, redução da eficiência econômica, entre outros.
Há necessidade de ampliar o conceito de SAFs, não entendido apenas como
a combinação de plantas no mesmo espaço, mas também em espaços
distintos porém interligados. Por exemplo, plantios solteiros de espécies
perenes como dendezeiros, seringueiras e castanheiras, convivendo em
espaços distintos em uma propriedade ou no município, poderiam ser um
SAF macrorregional. Dessa forma, seria possível combinar cultivos perenes
independentes, constituindo SAFs. Não se pode esquecer que as culturas
anuais e a pecuária extensiva exigem grandes extensões de área para
atender ao mercado; no caso de cultivos perenes, uma fração dessa área é
suficiente para garantir o abastecimento interno, suprimir as importações
e gerar excedente para exportação (Barros et al., 2009). Destaca-se o papel
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 31
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

positivo dos cultivos perenes em monocultivos ou em SAFs na melhoria de


renda e na sustentabilidade dos pequenos produtores na Amazônia.

A modernização da pequena produção


Os desmatamentos e queimadas na Amazônia caíram de 2.777 mil hectares
(2004) para o nível de 501 mil hectares (2014) e cresceram, a partir de 2015,
atingindo patamares superiores a 1,1 milhão de hectares (2020). O início do
governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, provocou comoção mundial, como
se a Amazônia estivesse sendo destruída por um grande incêndio florestal.
Desmatamentos por pequenos, médios e grandes produtores, incêndios
florestais, derrubada de Vegetação Secundária, derrubada sem queimada
“para acertar as pontas”, “quebradão”, “brocadão”, entre outros, explicam esse
súbito aumento. A extinção total do desmatamento deverá ser gradativa:
com maior fiscalização e criação de alternativas econômicas e tecnológicas,
o desmatamento deverá reduzir, ocorrerá a sua neutralização, para então
a recuperação de Áreas de Reserva Legal (ARLs) e Áreas de Preservação
Permanente (APPs), reflorestamento e plantio de cultivos perenes superar a
área desmatada. Há necessidade de mudar o perfil produtivo com a difusão
de tecnologias apropriadas e com uso de calcário, fertilizantes, mecanização
agrícola, melhoria do nível de educação formal, assistência técnica e maiores
investimentos em infraestrutura social no meio rural. A perda do espaço da
pequena produção (arroz, milho, feijão, cacau, algodão, etc.) pelos médios e
grandes produtores ou o abandono de atividades (juta, malva, etc.) decorre
da incapacidade de promover avanços tecnológicos nesse segmento e
mudanças de mercado (Plano..., 2013).

Na região amazônica, a contribuição dos pequenos produtores na


alimentação da população regional varia por estado, município, produto e
hábitos alimentares. Os dados do Censo Agropecuário 2017 são bastante
reveladores nesse sentido, mostrando a forte participação dos pequenos
produtores do estado do Amazonas no valor total da produção e a menor
participação do estado de Mato Grosso (Tabela 1). A grande maioria dos
produtos extrativos, como produção de farinha, pesca artesanal, leite,
algumas hortaliças, fruteiras, geralmente intensivas em mão de obra, é
de domínio dos pequenos produtores. Porém, muitas dessas atividades
exclusivas dos pequenos produtores, com o crescimento do mercado,
estão atraindo médios e grandes produtores na Amazônia. Menciona-
-se como exemplo a produção de açaí, farinha de mandioca, castanha-
-do-pará, banana, aves, piscicultura, dendê, entre os principais, em que é
32 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

possível efetuar a mecanização em alguma fase do processo produtivo ou


do beneficiamento, e que passaram a despertar o interesse dos médios e
grandes produtores.

Tabela 1. Participação dos pequenos produtores no valor total da produção


nas unidades federativas da Amazônia Legal, 2017.
Estado %
Amazonas 67,35
Amapá 57,14
Acre 52,37
Pará 38,65
Rondônia 37,94
Roraima 32,94
Maranhão 25,69
Tocantins 16,94
Mato Grosso 6,45
Brasil 22,88

Fonte: IBGE (2022a).

Se analisar os 13 alimentos que compõem a cesta básica do Departamento


Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese): carne,
leite, feijão, arroz, farinha, batata, tomate, pão, café, banana, açúcar, óleo e
manteiga, verifica-se para a região amazônica que arroz, feijão, hortaliças,
frutas, frango, ovos, trigo, leite, óleo e manteiga são provenientes de médios
e grandes produtores de outras regiões do País ou importados (Hoffman,
2014; Homma et al., 2014).

Piscicultura – a próxima revolução


A partir da década de 1960, o País assistiu a uma grande revolução na
avicultura, tornando-se o maior exportador mundial, de modo que a
produção de carne de frango suplantou a da carne bovina, com menores
impactos ambientais. Há quatro décadas o consumo de aves era restrito a
populações rurais e a doentes ou mulheres em resguardo nas áreas urbanas,
passando depois como opção domingueira e tendo sua democratização a
partir da década de 1990. Em termos mundiais, o Brasil é o maior exportador
e terceiro produtor de carne de aves, segundo produtor e maior exportador
de carne bovina e quarto produtor e exportador de carne suína (Associação
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 33
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Brasileira de Proteína Animal, 2018; Associação Brasileira das Indústrias


Exportadoras de Carne, 2019). A liderança mundial nas exportações de
carne de frango, bovina e suína é obtida destinando-se 31% (2020), 23,6%
(2019) e 23% (2020), respectivamente, da produção nacional.

A produção brasileira de pescado ainda é fortemente dependente da


captura, sendo 54,20% de origem extrativa e 45,80% provenientes de
criatórios, enquanto em âmbito mundial está caminhando para um
equilíbrio, com 53,6% extrativa e 46,4% de aquicultura, considerando o ano
de 2017 (The State..., 2020). Ressalte-se que, no País, a produção de pescado
corresponde a apenas 9,95% da produção de carne de frango e 11,85% da
carne bovina produzida em 2017 (Associação Brasileira de Proteína Animal,
2018; Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, 2019). Com
certeza o desmatamento da Amazônia teria sido maior se a produção de
frango não tivesse alcançado os atuais patamares tecnológicos. Os estados
de Rondônia, Mato Grosso, Amazonas, Roraima, Maranhão, Pará e Tocantins
fizeram avanços significativos na produção de pescado via criatórios.

Para os consumidores de baixa renda, a carne bovina representa a fonte


de proteína mais econômica ao se comparar o rendimento de peso similar
de frango ou de peixe, além do custo. A disponibilidade de um quinto de
água doce do planeta na Amazônia permitiria promover uma revolução
na produção de pescado, similar ao que ocorreu com o frango no País.
Enquanto a pecuária de corte leva 2 a 3 anos para se conseguir 300 kg a
500 kg de boi vivo por hectare, nessa mesma área em espelho d’água seria
possível obter 10 t a 15 t de peixe por hectare ao ano de forma comercial.

Em favor do reflorestamento
Na Amazônia, encontram-se somente 9,84% da área reflorestada do País,
com 973.766 ha (2018) de eucalipto, pinus, paricá, etc. Isto representa uma
área reflorestada inferior à de Santa Catarina, São Paulo ou do Rio Grande
do Sul. É possível duplicar o reflorestamento e substituir o modelo de
extração de florestas nativas, sobretudo por meio de concessões florestais
manejadas (Lei 11.284/2006). Para muitas reservas extrativistas (resex), a
extração de madeira representa a melhor alternativa de renda, apoiando-se
no privilégio da dotação de estoques disponíveis, em comparação com os
produtos ditos não madeireiros.

No estado do Amapá, destacam-se os plantios de eucalipto da Jari (1967)


e da Amcel (1976) com 53.819 ha, Maranhão com 253.055 ha, Mato Grosso
34 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

com 258.805 ha e Pará com 208.074 ha em 2018. Os dados disponíveis para


2018 indicam que o reflorestamento com teca, Acacia mangium, paricá,
mogno-africano e mogno-brasileiro alcançaram 175.643 ha, com destaque
para Mato Grosso, Pará, Roraima e Rondônia (Tabela 2).

Tabela 2. Área total dos efetivos da silvicultura, por espécie florestal, 2018.
Outras
Estado Total Eucalipto Pinus
espécies
Brasil 9.895.560 7.543.542 1.984.333 367.685
Mato Grosso 258.805 187.947 - 70.858
Maranhão 253.055 253.043 - 12
Pará 208.074 151.110 - 56.964
Tocantins 152.138 144.793 73 7.272
Amapá 53.819 52.293 48 1.478
Rondônia 26.318 6.686 2.130 17.502
Roraima 21.557 - - 21.557

Fonte: IBGE (2022b).

A implementação do Novo Código Florestal (Lei 12.651, de 25 de maio


de 2012) induzindo a recuperação de APP e ARL deve ser reforçada para
compensar os desmatamentos. A crise hídrica no Sul e Sudeste, em 2014,
teve reflexos não somente no abastecimento humano, mas na geração de
energia, emprego e renda. A escassez de água no Sul e Sudeste pode induzir
o deslocamento das atividades agrícolas dessas regiões para a Amazônia.
Técnicas de recuperação econômica de áreas antropizadas, domesticação
de espécies madeireiras nativas e adaptação de exóticas precisam ser
desenvolvidas pela pesquisa. Há necessidade de garantir a oferta de madeira
e celulose, além de promover a verticalização do setor, com a implantação
da indústria moveleira.

No estado do Pará, que rivaliza com o estado do Paraná como maiores


produtores de mandioca, o reflorestamento para produção de lenha para
torrar a farinha torna-se necessário, pois já encontra dificuldade em obter
lenha suficiente quando os roçados são efetuados em Vegetação Secundária.
É louvável a iniciativa do Instituto Fórum do Futuro, presidido pelo ex-ministro
da Agricultura Alysson Paolinelli, que pretende lançar no dia 7 de setembro de
2022, por ocasião das comemorações do bicentenário da Independência do
Brasil, o maior plano de plantio de árvores do mundo, em cooperação entre
governo, sociedade civil e iniciativa privada (Conspiração..., 2022).
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 35
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Cultivos perenes: sustentabilidade


econômica e ambiental
Duas importantes plantas da Amazônia – o cacaueiro e a seringueira – foram
levadas para os países africanos e asiáticos e tornaram-se importantes
cultivos nesses novos locais. A partir de 1951, o Brasil iniciou a importação
de borracha vegetal, que atinge atualmente 60% do consumo nacional.
Em 1990, a produção de borracha obtida de plantios superou a borracha
extrativa. No triênio 2016/2018, a participação da borracha extrativa
representava apenas 0,32% do total da produção de borracha natural do
País. A produção de borracha vegetal, a despeito de planos como o Prohevea
(1967), Probor I (1972), Probor II (1977) e Probor III (1981), foi um fracasso e
alvo de denúncias de corrupção (Homma, 2012). A Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab) estabeleceu o preço mínimo da borracha extrativa
(R$ 5,42 por quilo), que se apresenta 2,71 vezes maior que o preço da
borracha de plantios (R$ 2,00 por quilo), para o ano de 2017. Trata-se de
uma política assistencialista sem condições de levar o País à autossuficiência
em borracha natural (Homma et al., 2011).

Em 2011, o Brasil bateu o recorde de importação de borracha natural, atingindo


a marca de US$ 1.101,3 milhões (234,8 mil toneladas) contra US$ 645,1 milhões
(235,6 mil toneladas) em 2013 e 212,9 mil toneladas em 2018 (Estatísticas...,
2019; Importação..., 2020). Para suprimir as importações, já deveria estar em
idade de corte um adicional de 300 mil hectares de seringueiras, que poderia
gerar emprego e renda para 150 mil famílias de pequenos produtores. Índia,
China e Vietnã conseguiram aumentar a produção de borracha vegetal
num curto período, enquanto o Brasil produziu pouco mais de 323 mil
toneladas no triênio 2016/2018, destacando-se os estados de São Paulo,
Bahia, Goiás e Mato Grosso. Para não desestimular o setor, recomenda-se o
estabelecimento da política de preços mínimos para borracha vegetal, para
contornar crises de preços (Estatísticas..., 2020).

A efetivação de um Plano Nacional da Borracha é mais que urgente,


considerando o risco do aparecimento do mal das folhas no Sudeste
Asiático, por razões acidentais ou pela ação de bioterroristas, como já
ocorreu com o cacaueiro na Bahia, além do esgotamento das reservas
petrolíferas, e por ser um produto estratégico da indústria mundial
(Protection..., 2011). O crescimento no consumo nacional e mundial de
borracha com previsão de deficit estimulou o interesse pelos plantios no
36 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

estado de São Paulo, com aproveitamento da mão de obra liberada dos


canaviais e como opção para recomposição de Área de Reserva Legal (Lei
Estadual nº 12.927, de 23 de abril de 2008).

O cacau é outro exemplo de que as regras do mercado se opõem ao


extrativismo. O ciclo do extrativismo e do plantio semidomesticado do
cacaueiro foi a primeira atividade econômica na Amazônia que perdurou até
a época da Independência do Brasil, quando foi suplantado pelos plantios
da Bahia. O cacaueiro foi levado, em 1746, por Louis Frederic Warneaux,
para o município de Canavieiras, Bahia, na fazenda de Antônio Dias Ribeiro.
Da Bahia, o cacaueiro foi levado para África e Ásia, transformando-se em
principal atividade econômica em diversos países desses continentes. Com
a entrada da vassoura de bruxa nos cacauais da Bahia, em 1989, a produção
decresceu do máximo alcançado, em 1986, de 460 mil toneladas de
amêndoas secas para o nível mais baixo, em 2003, com 170 mil toneladas,
iniciando a recuperação da produção baiana com as técnicas de enxertia de
copa. Verifica-se o grande crescimento da produção paraense, praticamente
dobrando a produção de 2010 (59 mil toneladas) a 2017 (116 mil toneladas),
superando a produção baiana, para igualar em 2018.

A despeito da existência de 189 mil hectares de cacaueiros plantados na


Amazônia, destacando-se Pará (160 mil hectares), Rondônia (13 mil hectares),
Amazonas (5 mil hectares) e Mato Grosso (1 mil hectares), não se tem dado o
devido apoio à Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).
No triênio 2016–2018, mais de 87 mil toneladas de amêndoa de cacau foram
importadas, dos quais mais de 69 mil toneladas no regime de drawback
(Câmara..., 2019), equivalente a mais da metade da produção brasileira de
cacau. Isto indica a necessidade de duplicar a área plantada na região Norte
nos próximos 5 anos a 10 anos e promover a verticalização, favorecendo a
pequena produção e promovendo a recuperação de áreas alteradas.

O dendezeiro é um exemplo de cultivo de grande potencial como alimento e


agroenergia. A partir do lançamento do programa de plantio de dendezeiro
em 2010, a atual área plantada, que era de 60 mil hectares, alcançou 192 mil
hectares (2019), no estado do Pará, o qual encontra dificuldade para atingir
350 mil hectares, conforme planejado, pela falta de área e mão de obra e
pelas pressões ambientais. O País importa 37% do óleo de dendê consumido
e 76% de óleo de palmiste (2018), implicando evasão de divisas da ordem
de US$ 362 milhões a US$ 450 milhões. Para garantir a autossuficiência,
é necessário plantar mais 300 mil hectares nos próximos 5 a 10 anos.
A produtividade do dendezeiro supera a da soja em até dez vezes, além de
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 37
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

ser cultivo perene. Em 2018, como biocombustível, considerando a mistura


de 10%, seriam necessários mais de 500 mil hectares de dendezeiros para
substituir, principalmente, o óleo de soja (75%) e o sebo bovino (17%)
(Brasil, 2019).

A existência de uma xenofobia botânica e da ojeriza à plantation tende a


prejudicar a expansão de dendezeiro, soja, eucalipto, mogno-africano,
etc., na Amazônia (Jesus, 2012). É interessante frisar que não existe
restrição com pimenteira-do-reino, juta, jambeiro, mangueira, cafeeiro,
laranjeira, etc., todas exóticas, por serem culturas com maior envolvimento
de pequenos produtores. As oportunidades que se apresentam para
a lavoura de biomassa, como substitutos para a gasolina e o óleo diesel,
colocam a agricultura nacional como privilegiada no desenvolvimento de
culturas agroenergéticas. Considerando as possibilidades do dendezeiro, é
possível cultivar uma área equivalente à da Malásia, com mais de 5 milhões
de hectares, conforme estudos de zoneamento ecológico-econômico
realizados, desde que ocorra a liberação das áreas de pastos (Ramalho Filho
et al., 2010; Souza, 2010). O custo social reside na substituição de áreas da
pequena produção para o plantio dessa cultura, expulsando as famílias
para outros locais. Os americanos utilizam a gigantesca produção de milho,
superior quase cinco vezes à produção brasileira (34,5%), para produção de
etanol (2018) (World..., 2020). Ressalte-se que Mato Grosso também iniciou
a produção de álcool à base de milho em 2011, em face da proibição da
lavoura de cana-de-açúcar (Diagnóstico..., 2021).

Há dezenas de produtos da biodiversidade, como fruteiras, plantas medicinais


e aromáticas, que poderiam ser incentivados nas áreas desmatadas,
recuperando áreas degradadas. É necessário plantar açaizeiro, castanheira-
-do-pará, pau-rosa, bacurizeiro, entre dezenas de outras. O preço do açaí,
que já chegou a atingir R$ 32,00 o litro (2019), constitui uma indicação de
que é necessário plantar pelo menos 50 mil hectares nas áreas apropriadas
em consórcio com cacaueiro ou outra planta, ou em monocultivo.

Uma pecuária mais intensiva


A Amazônia Legal concentra mais de 86 milhões de bovinos (39,96% do
País, média 2016/2018), em que Mato Grosso tem o maior rebanho estadual
(13,95%), o Pará o quinto (9,54%) e Rondônia o sétimo (6,52%). Em termos
de rebanho bubalino, a Amazônia Legal concentra 74,06% do rebanho
nacional estimado em 1.021 mil reses, destacando-se os estados do Pará e
do Amapá. A partir de 2003, o estado do Pará inicia a exportação de boi vivo,
38 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

tornando-se o maior exportador nacional, cuja cifra alcançou o recorde em


2010, com 312 mil toneladas e mais de US$ 618 milhões (Alvino; Pena, 2016).

Trata-se de uma pecuária (corte e leite) com grande heterogeneidade


tecnológica, com rebanho de alto padrão visível nas feiras e exposições e,
no outro extremo, uma pecuária leiteira de pequenos produtores com 1 L
de leite por vaca ao dia. Os Estados Unidos, com 43,92% (2018) do rebanho
nacional, produzem 1,11 vez a produção de carne do Brasil (Associação
Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, 2019). Na produção de
carne bovina, os Estados Unidos e o Brasil ocupam, respectivamente, o
primeiro e segundo lugar e a quarta e a primeira colocação, na exportação.
O aspecto positivo é que o crescimento do rebanho tem sido mantido
com o aumento da produtividade obtido com a recuperação de pastagens
degradadas e do rebanho.

Uma pecuária com alta produtividade do rebanho (corte e leite) e das


pastagens (rotação, capineiras, adoção de sistemas agrossilvipastoris, etc.)
poderia reduzir as atuais áreas de pastagens até pela metade, mantendo o
mesmo rebanho. A liberação de área das pastagens permitiria desenvolver
outras atividades produtivas e recuperar o passivo ambiental representado
pelas APPs e ARLs. Os estudos do TerraClass evidenciaram a existência de
37,7 milhões de hectares de pastos limpos e 10,2 milhões de hectares de
pastos em processo de degradação (Informações..., 2016). É regra usar a taxa
de lotação (cabeças por hectare) como sinônimo de produtividade. Deve-
-se substituir a taxa de lotação pelo desempenho animal (ganho de peso
por ano). Outro equívoco é sustentar que a pecuária é um setor de baixa
tecnologia, que cresce prioritariamente à custa da expansão da área de
pastagem (Martha Júnior, 2012; Martha Júnior et al., 2012). O crescimento
do rebanho bovino nas áreas dinâmicas tem sido acompanhado do
decréscimo nas áreas tradicionais, como o Marajó, com a redução de
bovinos e bubalinos.

Desenvolvimento da agricultura periurbana


Na Amazônia Legal, as cidades de Manaus e Belém (incluindo Ananindeua)
chegam a atingir 2 milhões de habitantes, São Luís tem mais de 1 milhão de
habitantes, Cuiabá supera 500 mil habitantes, Porto Velho e Macapá superam
400 mil habitantes e entre 200 e 400 mil habitantes temos Rio Branco,
Boa Vista, Santarém, Palmas, Marabá, Imperatriz e Rondonópolis. Para
garantir o abastecimento da população urbana, uma parte das hortaliças
são produzidas nas áreas periurbanas, sobretudo as de uso regional, e
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 39
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

outra parte, constituída de produtos hortícolas de consumo nacional, é


importada do Sul e Sudeste do País (Homma et al., 2014). A comercialização
de frutas e hortaliças nas Centrais de Abastecimento do Estado do Pará
(Ceasa/PA) (período 2006–2011) indica que 78,09%, em termos de peso,
são provenientes de outros estados, 19,81% do estado do Pará e 2,10% do
exterior (Homma, 2015b).

No Pará, verduras como o cheiro-verde e a alface são cultivadas o ano inteiro;


o jambu tem a sua produção ampliada para as festividades de Dia das Mães,
Círio de Nazaré, Natal e Ano Novo, como componente dos tradicionais
pratos da culinária paraense (pato no tucupi, tacacá) e de novas iguarias
que foram criadas (arroz de jambu, pizza de jambu, cachaça e licor com
jambu, etc.). O jambu também é muito utilizado para ocasiões especiais,
como festas de aniversários, casamentos, formaturas, eventos turísticos,
além de ser componente de cardápios que passaram a ser incorporados
por grandes chefs de cozinha nacionais e estrangeiros. A partir de 2004, o
jambu passou a ser cultivado de forma intensiva nos municípios de Pratânia,
Botucatu, Ribeirão Preto e Jaboticabal, em São Paulo, para atender à
indústria de cosméticos da Natura. Isto repete o que ocorreu com cacaueiro,
seringueira, guaranazeiro e pupunheira, com perdas de oportunidades
locais. Há necessidade de desenvolvimento de tecnologias para apoiar esse
segmento, que vem sofrendo impacto da urbanização e da falta de adubos
orgânicos, água, segurança pública, etc. A falta de água no Sul e Sudeste,
que tornou emblemática a situação do Cantareira, a partir de 2014, constitui
uma indicação de que as atividades agrícolas com necessidade de irrigação
deverão se deslocar em direção à Amazônia, como já vem ocorrendo na
região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Aproveitamento do lixo urbano para fins


agrícolas
Um grande percentual da produção agrícola transforma-se em lixo
orgânico no processo produtivo, no beneficiamento, na comercialização
e, sobretudo, no consumo do produto final. É necessário dar novo sentido
de limpeza às cidades amazônicas, visando ao seu aproveitamento para
a fabricação de compostagem, reduzindo a poluição dos mananciais de
água e a formação de lixões, e o seu aproveitamento na recuperação de
áreas degradadas. A Bacia Amazônica está se transformando num grande
esgoto das cidades ao longo da sua calha (Iquitos, Manaus, Porto Velho, Rio
Branco, Parintins, Santarém, Macapá, etc.). Como o leito dos rios constitui
40 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

a parte mais baixa, todos os dejetos terminam contaminando os corpos


d’água, cuja gravidade tende a aumentar com o crescimento populacional.

Os resíduos gerados pelas populações urbanas constituem outra grande


preocupação planetária, o que não é diferente para a Amazônia, onde a
sujeira predomina nos centros urbanos. Os resíduos gerados pela Natureza
são metabolizados em menor tempo, o que não ocorre com os resíduos
industriais. Há necessidade de estabelecer propostas singulares visando ao
aproveitamento do componente orgânico do lixo urbano, plásticos, papel,
vidros, metais, entre outros. Para muitos desses produtos, a decomposição
pode levar séculos. O incremento ao turismo na Amazônia, bastante
defendido como opção sustentável, necessita de investimentos na criação
de um grande Museu de História Natural, Jardins Botânicos, mudança da
mentalidade da população, caso contrário carrega riscos ambientais, como
já vem ocorrendo. Como as nascentes do Rio Amazonas e da maioria de
seus afluentes têm suas origens nos países vizinhos, onde também ocorrem
desmatamentos, há necessidade de estabelecer um condomínio dos países
da Bacia Amazônica (Kinoshita, 2014). Muitos afluentes da margem direita
do Rio Amazonas e do Rio Tocantins têm suas nascentes nos cerrados, que
têm sofrido forte desmatamento nas suas cabeceiras. A Lei nº 12.305/2010,
que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e deveria iniciar
em agosto de 2014, para desativação dos lixões, foi prorrogada, dependendo
da população dos municípios, para o período entre 2018 e 2021.

Considerações finais
A partir da década de 1990, novas atividades mais intensivas em tecnologia
surgiram em diversos estados da Amazônia Legal, contradizendo a imagem
da contínua destruição, indicando que o pressuposto da Curva de Kuznets
estaria em voga. Com as políticas de governança, o desmatamento na
região amazônica caiu a partir de 2004 até 2014, mas pela falta de uma
política visando à utilização das áreas já desmatadas e de maior fiscalização,
começou novamente a subir a partir de 2015. Outro movimento identificado
pelos levantamentos do TerraClass e das pesquisas de campo pontuais
está relacionado às mudanças de áreas de pastagens para agricultura e ao
crescimento do estoque de vegetação secundária.

A região amazônica passou por diversas experiências de desenvolvimento


agrícola nestes últimos quatro séculos. Produtos da biodiversidade
baseados no extrativismo que já tiveram grande peso na região foram
transferidos para outras partes do País e do mundo, constituindo-se em
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 41
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

fontes de riquezas nesses novos locais, ou sofreram o esgotamento de seus


recursos. O crescimento da pecuária e da lavoura nas áreas desmatadas
de Floresta Densa juntamente com a extração madeireira dominaram a
economia regional até o final da década de 1980, com grandes custos sociais
e ambientais. Paralelamente, a partir da década de 1990, uma agricultura
mais tecnificada começou a despontar nas áreas já desmatadas de Floresta
Densa e de cerrados, com cultivos perenes, grãos, pecuária intensiva,
reflorestamento e agroindustrialização.

Isto fez com que a agricultura regional nunca tenha sido tão questionada
e desafiada como no presente. Torna-se urgente identificar uma agenda
de pesquisa que consiga coevolucionar o desenvolvimento agrícola com a
conservação ambiental, para subsidiar as instituições de pesquisa regionais,
do País e do exterior.

A visão externa sobre a região tem gerado conflitos com as aspirações


passivas da população local. O “Estado ambiental”, muito defendido
por organizações internacionais e organizações não governamentais
(ONGs), tem na venda dos serviços ambientais, de créditos de carbono,
da bioeconomia e da “floresta em pé” baseado no extrativismo vegetal
a espinha dorsal de muitas propostas para a Amazônia. A efetiva
implementação do Novo Código Florestal, ao corrigir os passivos
ambientais das propriedades rurais, produzirá dois efeitos imediatos:
a redução da área útil para atividades agrícolas e o fechamento legal
da fronteira agrícola na Amazônia. Os produtores precisam aumentar a
produtividade da terra e da mão de obra para garantir a sobrevivência das
atividades agrícolas produzidas na região e fora da Amazônia. Como nas
áreas de floresta da região amazônica somente é possível utilizar 20% da
área da propriedade e nas áreas fora da Amazônia o inverso, será necessário
quadruplicar a produtividade.

A perda de competitividade da pequena produção para médios e grandes


produtores vai decorrer de sua incapacidade de se modernizarem. Grandes
projetos minerais, hidrelétricos e de logística estão em curso ou planejados.
Há necessidade de o setor agrícola se inserir nesse contexto e contornar
desafios ambientais e legais.

As lavouras de juta e de pimenta-do-reino introduzidas pelos imigrantes


japoneses, duas culturas exóticas com práticas de cultivo e de beneficiamento
completamente estranhas, foram rapidamente incorporadas pelos
pequenos produtores. Isto demonstra que os pequenos produtores da
42 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

Amazônia não são avessos a inovações, desde que tenham mercado e sejam
lucrativas, estas são rapidamente difundidas. Esta mesma solução precisa
ser encontrada para os problemas ambientais e agrícolas na Amazônia, com
a criação de alternativas tecnológicas e econômicas em vez da criação de
mercados difusos ou artificiais, como a venda de créditos de carbono ou de
serviços ambientais.

Com a tendência do crescimento das atividades mais amigáveis com relação


ao meio ambiente no País e no exterior, aumentando a oferta de serviços
ambientais, provavelmente, o preço do carbono deverá decrescer, indicando
ser vítima do seu próprio sucesso. O leque de serviços ecossistêmicos é muito
amplo. O carbono é apenas um deles. Além disso, o preço é determinado
pela escassez, conjugado com as tecnologias de processo, produto e gestão
– no lado da demanda não existem apenas aquelas substitutas, há também
as complementares. Por isso, os preços sempre caem para qualquer produto
até o ponto em que o equilíbrio ocorre e, a partir daí, segue em suas
flutuações consideradas normais.

A população precisa de alimentos e matérias-primas com menor dano


ambiental. O desafio seria fazer uma nova agricultura exclusivamente
com plantas amazônicas e que tenham mercado. Manter a fronteira
velha controlada com maior produtividade e práticas mais sustentáveis,
evitando a incorporação de novas áreas e sua gradativa redução no
médio e longo prazo até certo limite (10 milhões a 12 milhões) deve ser
o caminho a ser perseguido.

A Amazônia precisa aumentar sua produtividade agrícola para reduzir a


pressão sobre os recursos naturais, promover a domesticação de plantas
potenciais e substituir importações (interna e externa) de produtos
tropicais (borracha, dendê, cacau, arroz, leite, aves, ovos, hortaliças, etc.) e
incentivos à recuperação de áreas que não deveriam ter sido desmatadas.
Os problemas ambientais na Amazônia não são independentes, mas
conectados a outras partes do País e do mundo e sua solução vai depender
da utilização parcial da fronteira interna alterada e de um forte aparato
de pesquisa científica e de extensão rural. Há necessidade de se construir
o futuro da Amazônia em um cenário sem desmatamento e queimadas,
independente de pressões externas.
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 43
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

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A SUSTENTABILIDADE DA
AGRICULTURA NA AMAZÔNIA:
MEUS PENSAMENTOS
Philip Martin Fearnside

N
ão é frequente que alguém seja convidado a escrever sobre suas
perspectivas e experiências pessoais sobre um assunto como este –
as questões criticamente importantes em torno da sustentabilidade
da agricultura na Amazônia. As questões sobre o que faz ou não o uso
sustentável da terra e em que escalas espaciais são fundamentais para
formular políticas nacionais que orientem o desenvolvimento da Amazônia
de forma a manter a produtividade das áreas já desmatadas, os meios
de sustento da população da região e os serviços ambientais da Floresta
Amazônica. Aqui, o que é necessário para a agricultura sustentável é dividido
em discussões dos limites físicos e dos processos sociais que levam à perda
de sustentabilidade. Em seguida, são discutidas as alternativas, divididas
para áreas já desmatadas e para áreas ainda em floresta.

Limites físicos
A agricultura “sustentável” implica que a produção durará para sempre, ou
pelo menos por um tempo muito longo (Fearnside, 2018a). Fisicamente,
a sustentabilidade requer um equilíbrio entre a entrada e a remoção de
nutrientes, de modo que um nível minimamente aceitável de produtividade
para uso humano seja mantido (Luizão et al., 2009). Isso requer evitar a
degradação física que irá impactar o solo, como a erosão extrema (formação
de voçorocas, etc.), bem como a perda de solo por meio da contínua erosão
laminar que ocorre em muitos usos da terra na Amazônia (Fearnside, 1980a,
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 47
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

1989a; Barbosa; Fearnside, 2000). A degradação do solo também pode


ocorrer por meio de períodos inadequados de pousio (Silva-Forsberg;
Fearnside, 1997) e pela degradação do local por repetidas queimadas e
com uso como pastagem, os quais reduzem o crescimento subsequente de
floresta secundária (Fearnside; Guimarães, 1996; Fearnside, 2013a; Wandelli;
Fearnside, 2015) e a taxa associada de recuperação das propriedades
químicas e físicas do solo. O uso extensivo de pastagens que predomina
na Amazônia, também degrada a matéria orgânica do solo e a retenção de
nutrientes associados (Fearnside; Barbosa, 1998).

Os solos da Amazônia apresentam severas limitações de nutrientes


(Fearnside; Leal Filho, 2001), as quais podem ser superadas pela aplicação de
fertilizantes. Porém, a extensão espacial que pode ser mantida dessa maneira
é limitada pelos depósitos de nutrientes apropriados, particularmente
fósforo. O Brasil não é particularmente bem dotado de jazidas de fosfato,
e os fosfatos do País estão praticamente todos comprometidos em manter
a agricultura fora da Amazônia. Se as recomendações da Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para fertilização de pastagens fossem
aplicadas à área já desmatada na Amazônia, os depósitos de fosfato do País
estariam esgotados em poucos anos (Fearnside, 1997a, 1998). Os fosfatos
podem ser importados de outros países, mas os depósitos mundiais
desse elemento vital também estão chegando ao fim e esse limite global
de recursos exige repensar as prioridades para seu uso. Isso acrescenta
às razões para que a criação de gado não seja uma prioridade apropriada
(McAlpine et al., 2009).

Processos sociais que levam à perda de


sustentabilidade
Mesmo que sistemas agrícolas sustentáveis sejam implantados, uma gama
de processos sociais pode levar à perda de sustentabilidade. Um deles é
o aumento da população por meio da reprodução e, especialmente, da
migração (ver Fearnside, 1985a, 2001a), a tal ponto que a capacidade de
suporte humano é excedida. A capacidade de suporte não é um limite estático,
mas a realidade dessa limitação é fundamental para todas as considerações
de sustentabilidade. Para fins de políticas de desenvolvimento, a capacidade
de suporte é definida melhor em termos da probabilidade de o consumo
familiar ficar abaixo dos níveis mínimos definidos como aceitáveis, sendo
a densidade de população compatível com essas probabilidades de “falha”
serem mantidas abaixo de um nível máximo aceitável. Modelos estocásticos
48 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

que simulam o sistema agrícola podem calcular essas probabilidades para


diferentes densidades populacionais (Fearnside, 1985b, 1986). Mudanças
na capacidade de suporte podem ser esperadas com mudanças no sistema
agrícola (que frequentemente têm mudado na direção de usos mais
extensos nas últimas décadas), degradação de recursos como por erosão do
solo e mudanças na variabilidade de parâmetros meteorológicos, inclusive
em função de futuras mudanças climáticas.

A sustentabilidade exige que os usos da terra sejam economicamente


racionais por seus próprios méritos. No entanto, muito do que ocorre na
Amazônia depende de outras fontes de recompensa financeira, como
a especulação imobiliária (por exemplo, Fearnside, 2017). A agricultura
e a pecuária também não podem depender de subsídios do governo.
Hoje, grande parte da agricultura na região depende de alguma forma de
subsídio. Uma parcela significativa da população de agricultores familiares
não produz o suficiente para sustentar um padrão de vida mínimo, e essas
famílias dependem, de fato, da renda de fontes como o Bolsa Família para
crianças em idade escolar e dos benefícios de aposentadoria recebidos por
membros idosos da família. Ao mesmo tempo, grande parte da pecuária
e da agricultura por grandes proprietários de terras é mantida por crédito
agrícola subsidiado pelo governo e por “anistias” periódicas quando, após
falhas na colheita em razão de secas ou outros infortúnios, as dívidas
são perdoadas ou diretamente por meio de “refis” – pagamentos com
descontos concedidos em prestações que, na prática, muitas vezes nunca
são totalmente pagos.

O problema de mudar para caminhos insustentáveis é uma preocupação


primordial para a sustentabilidade agrícola na região (Fearnside, 1985a,
1988, 2018a). As áreas de agricultura familiar evoluíram repetidamente
em extensas pastagens, seja por meio de mudanças no comportamento
dos agricultores residentes seja por meio da rotatividade de proprietários
de terras nessas áreas, com aqueles que compram as terras de pequenos
agricultores sendo mais ricos, levando a um desmatamento mais rápido
(Fearnside, 1987a) e para a concentração da terra em propriedades
maiores (Carrero; Fearnside, 2011). A paisagem resultante de pastagens
extensivas não é sustentável (Fearnside, 1979, 1980a, 1980b, 1989a). Essas
transformações também representam uma perda da “função social da
terra”, já que sustenta uma população menor de grandes proprietários.
As famílias originais de pequenos agricultores, muitas vezes, migram
para novas fronteiras, onde vão repetir o ciclo de desmatamento e da
rotatividade de assentamentos.
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 49
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Alterações como a melhoria dos transportes podem contribuir para


transições adicionais. Pastagens extensivas podem ser convertidas em
pastagens intensificadas com aplicações de fertilizantes, maiores taxas
de lotação e rotação otimizada de gado entre piquetes. No entanto, os
limites de intensificação representados pelos fosfatos e outros recursos se
aplicam quando se considera a intensificação da vasta extensão das áreas
desmatadas na Amazônia. Isso também se aplica à transição atualmente
em andamento de áreas de pastagens no Mato Grosso para plantações de
soja. Essa transição também está ligada à migração dos fazendeiros que
venderam suas terras no Mato Grosso (incluindo as localizadas no Cerrado)
para áreas de Floresta Tropical no Pará, onde a terra é mais barata, assim
permitindo que áreas maiores sejam compradas e desmatadas (Arima et al.,
2011; Richards et al., 2014).

Quando pequenos agricultores são substituídos por proprietários de terras


mais ricos, para pastagem ou soja, a mudança nos indicadores sociais é
enganosa. Embora a renda per capita e outros indicadores de bem-estar
possam ser muito maiores no cenário consolidado, é preciso lembrar
que apenas os “vencedores” permanecem e os agricultores familiares
que venderam suas terras estão fora de vista em outras partes da região
(Fearnside; Figueiredo, 2016).

Essas transições têm sido impulsionadas por uma variedade de fatores,


incluindo uma gama de subsídios do governo para o agronegócio e a
crescente demanda global por commodities de exportação, como soja e
carne bovina, especialmente da China (Fearnside et al., 2013). Do ponto de
vista do Brasil, não se pode esperar que a demanda global seja saturada
em razão de o aumento da produção levar a “mão invisível” da economia
a interromper a expansão desses usos da terra e à consequente perda
da Floresta Amazônica e dos serviços ambientais associados. Em outras
palavras, o País precisa tomar decisões proativas com base nas perdas que
essas transições implicam, ao invés de uma abordagem de laissez faire ou do
atual encorajamento ativo das transições (Fearnside, 2001b).

Alternativas para áreas já desmatadas


Existem algumas alternativas que tornariam a agricultura amazônica mais
sustentável em áreas que já foram desmatadas, mas existem limites rígidos
para sua extensão. Sistemas agroflorestais são claramente mais sustentáveis
do que usos como pastagens, mas a maior parte da região está muito distante
dos mercados para produtos agroflorestais, como frutas, e a extensão de
50 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

terras desmatadas excede em muito os mercados potenciais para produtos


agroflorestais, fazendo com que apenas uma pequena fração das áreas já
desmatadas possa ser convertida para esses sistemas (Fearnside, 1995a,
2009a). A conversão de vastas áreas de pastagens degradadas para sistemas
agroflorestais também enfrenta o dilema inerente de que, do ponto de vista
do proprietário, é sempre mais racional investir seu dinheiro e mão de obra
na limpeza de uma área de floresta para o sistema agroflorestal do que o
colocando em um solo degradado, onde a produção será menor.

Outra opção é hortas ou usos semelhantes, por exemplo, com técnicas


de agricultura orgânica. No entanto, a necessidade de mercados urbanos
próximos e os limites totais do mercado também limitam severamente a
extensão espacial total desses sistemas.

As plantações de culturas perenes oferecem outro caminho, mas também


têm limites severos. O dendezeiro é uma cultura que tem o potencial de
ocupar vastas áreas, mas as consequências de tal transformação não são
benignas (Fearnside, 2009b). Embora o dendezeiro, um nativo da região do
Sahel, na África, possa crescer e sobreviver bem em áreas com fortes estações
secas, a produção de óleo diminui acentuadamente nessas estações. As
áreas climáticas mais apropriadas para o dendezeiro na Amazônia brasileira
estão na parte oeste do estado do Amazonas (por exemplo, Tefé), mas
essas áreas têm muito pouco desmatamento e a expansão do dendezeiro
implica, portanto, a destruição da Floresta Tropical. As áreas com extensas
pastagens degradadas, como o sul do Pará, seriam escolhas ruins para o
dendê (Fearnside, 2003).

A intensificação da produção de pastagens e culturas tem sido


frequentemente apresentada como um antídoto para o desmatamento da
Amazônia, incluindo recomendações em programas oficiais (por exemplo,
Brasil, 2013). A produção intensificada de culturas anuais, como o arroz,
supostamente resultaria em “para cada hectare que é derrubado e colocado
neste tipo de produção, pode-se salvar muitos hectares de floresta do
machado do agricultor de cultura itinerante em sua busca para cultivar a
mesma quantidade de alimentos” (Sánchez et al., 1982). No entanto, existe
uma contradição fundamental na “poupação de terra” (land sparing) como
estratégia de conservação. Nas economias de mercado, o comportamento
dos atores é invariavelmente expandir qualquer atividade que seja
altamente lucrativa. O discurso da “poupação de terra” é expresso como se se
tratasse de tribos isoladas com economias de subsistência, onde as pessoas
param de desmatar quando têm produção suficiente para encher as suas
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 51
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

barrigas. Isso não limita aqueles que estão desmatando para pastagens e
agricultura na Amazônia. A ineficácia da intensificação como remédio para
o desmatamento na Amazônia foi mostrada estatisticamente tanto para a
agricultura (Barretto et al., 2013) quanto para a pecuária (Muller-Hansen
et al., 2019). Os limites implicados pelos suprimentos de fertilizantes,
mercados, etc., também se aplicam a esses sistemas (Fearnside, 1987b). No
caso da pastagem, no entanto, a “mão invisível” da economia também não
impõe um limite razoável, já que, do ponto de vista do Brasil, a demanda
crescente da China representa um potencial essencialmente ilimitado para
a exportação de carne bovina.

Subsidiar a intensificação é politicamente atraente porque praticamente


todos estão a favor dela. Os pecuaristas obviamente têm interesse direto
em receber subsídios. O aumento da produção de carne bovina é bom para
a economia com geração de renda, divisas, impostos, etc. Em contraste,
há poucos defensores de medidas para controlar o desmatamento, como
melhor fiscalização, criação de áreas protegidas e renúncia aos vários projetos
rodoviários, e de outras ações que impulsionam a perda de florestas. Isso leva
a uma tendência para que a “poupação de terra” seja favorecida em muitos
documentos relacionados ao desmatamento, tanto oficiais quanto não.

A intensificação é desejável por razões não relacionadas ao desmatamento,


uma vez que uma produção maior e mais eficiente é um benefício para
a sociedade. No entanto, a transformação para práticas mais intensivas
deve ser paga pelos investimentos dos próprios setores da pecuária e
do agronegócio e não com subsídios do dinheiro “verde”. Os recursos
disponíveis para lidar com o desmatamento são sempre inadequados e não
devem ser usados para subsidiar uma transformação que seja ineficaz na
limitação do desmatamento e lucrativa sem a ajuda dos fundos verdes.

Alternativas para áreas florestais


Para as áreas da Amazônia que ainda estão em Floresta Tropical, aplica-
-se um conjunto diferente de alternativas. Essas áreas não devem ser
desmatadas, inclusive para usos relativamente sustentáveis, como sistemas
agroflorestais. Isso não significa que não haja alternativas para sustentar as
populações humanas tradicionais que habitam as áreas florestais.

A principal fonte potencial de valor da Floresta Tropical é dos serviços


ambientais que esses ecossistemas fornecem ao Brasil e ao mundo, e não
da exploração de commodities físicas, como produtos florestais madeireiros
52 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

e não madeireiros, como borracha e castanha-do-pará. A floresta fornece


serviços de valor muito maior para a sociedade humana do que o que pode
ser obtido pela conversão da floresta para agricultura e pecuária, mas os
mecanismos para converter esse valor em fluxos monetários ainda estão na
sua infância (Fearnside, 1997b, 2008).

A Floresta Amazônica mantém a biodiversidade, que tem importantes


valores utilitários e não utilitários, mas os valores da biodiversidade não
estão próximos de fornecer fluxos monetários em uma escala significativa
(Fearnside, 1999a, 2008). Os benefícios climáticos, por sua vez, têm maior
potencial nas próximas décadas (por exemplo, Fearnside, 1999b, 1999c,
2001b, 2013b). O Brasil é, de longe, o País que tem mais a perder se o
desmatamento da Amazônia for permitido e os benefícios climáticos da
região forem perdidos. Resultados recentes de modelagem indicam que
um aquecimento de 4 °C na região, que é esperado bem antes do final do
presente século, poderia levar a área hoje ocupada pela Floresta Amazônica
brasileira a tornar-se climaticamente apropriada para vegetação de Caatinga
(Sampaio et al., 2018). O desmatamento da Amazônia até hoje já removeu
aproximadamente 20% da floresta original, o que significa que a região já
está perto de um ponto de inflexão (tipping point) que poderia levar à perda
incontrolável da floresta remanescente (Lovejoy; Nobre, 2018).

A Floresta Amazônica recicla uma quantidade de água aproximadamente


50% maior do que a vazão do Rio Amazonas na sua foz, e uma quantidade
aproximadamente igual à vazão no “encontro das águas” perto de Manaus é
transportada para fora da Bacia Amazônica, aproximadamente metade dela
passando para as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil e para países
vizinhos como a Argentina (Fearnside, 2004, 2015). Esse transporte é feito
principalmente pelo jato sul-americano de baixo nível (South American
Low-Level Jet – SALLJ) (Marengo et al., 2004; Arraut et al., 2012). Isso
ocorre principalmente em dezembro, janeiro e fevereiro (estação chuvosa
no Sudeste do Brasil), quando se enchem os reservatórios que fornecem
energia hidrelétrica e abastecimento doméstico de água às maiores cidades
brasileiras. Durante esse período crítico do ano, até 70% da precipitação em
São Paulo é derivada do vapor de água transportado da Amazônia pelos
“rios voadores” do SALLJ (Ent et al., 2010; Keys et al., 2012; Zemp et al., 2014).
Se a Floresta Amazônica fosse convertida em agricultura e pecuária, esse
transporte acabaria. Isso fornece amplas razões para o governo brasileiro
tomar medidas efetivas para acabar com o desmatamento.
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 53
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

O papel da Floresta Amazônica no armazenamento de carbono e, portanto,


na prevenção do aquecimento global é o mais próximo de fornecer
benefícios climáticos em larga escala que se estendem ao mundo como um
todo. O estoque de carbono é enorme, apesar das perdas do desmatamento
nas últimas décadas (Nogueira et al., 2015, 2018a, 2018b; Yanai et al., 2017;
Fearnside, 2018b). Atualmente, os benefícios financeiros se limitam a
projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+)
no mercado voluntário, isto é, não ligados à mitigação sob a Convenção-
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), doações
ao Fundo Amazônia, como aquelas que o Brasil recebeu da Noruega e da
Alemanha, e do Fundo Verde para o Clima, estabelecido sob a UNFCCC e
administrado pelo Banco Mundial. A magnitude do benefício climático
atribuído à Floresta Amazônica depende muito de como o cálculo é feito.

As emissões do desmatamento podem ser computadas como emissões


líquidas comprometidas, em que se contabilizam as emissões menos
as absorções no ano do desmatamento (as emissões imediatas) mais as
emissões menos as absorções nos anos futuros até que uma paisagem
de equilíbrio seja estabelecida (Fearnside 1996a, 1997c, 2000a; Fearnside;
Guimarães, 1996). Emissões líquidas comprometidas referem-se à área
desmatada em um determinado ano, não a toda a paisagem da Amazônia
brasileira, e incluem as emissões comprometidas no futuro da área que foi
desmatada no ano em questão.

Outro meio de contabilizar as emissões de desmatamento é o balanço anual


de emissões, que considera toda a paisagem. Isso requer mais dados do
que as emissões líquidas comprometidas, pois é necessário saber quando
ocorre cada emissão ou absorção, e também exige dados para todas as
áreas desmatadas antes do ano para o qual o balanço anual está sendo
calculado. O balanço anual calcula todas as emissões e absorções no ano
em questão, incluindo as emissões e absorções herdadas, tais como as
emissões de decomposição ou queima de troncos caídos ainda presentes
nas clareiras de anos anteriores, as emissões provenientes da corte de
florestas secundárias e as absorções do recrescimento da floresta secundária
em toda a paisagem (Fearnside, 1996b, 2000b). Se o desmatamento
estiver ocorrendo a uma taxa constante durante um período prolongado
de anos, então as emissões líquidas comprometidas e o balanço anual
terão essencialmente o mesmo resultado, mas se o desmatamento estiver
diminuindo antes do ano em questão, então o balanço anual será maior que
as emissões líquidas comprometidas e, se estiver aumentando, as emissões
comprometidas líquidas serão maiores. É importante que nenhuma mistura
54 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

dos dois métodos seja feita, pois a mistura resulta em contagem dupla de
carbono ou em omissões (Fearnside; Laurance, 2003, 2004).

Uma vez calculadas as emissões que ocorreriam se uma área de floresta fosse
desmatada, precisamos então ser capazes de determinar quanto benefício
climático isso representa. O resultado depende muito da maneira como se
faz os cálculos, e há uma ampla variedade de visões sobre como isso deve
ser feito (Fearnside, 2012a, 2012b). As principais perguntas incluem como é
derivada a linha de base que representa o que teria acontecido na ausência
de um projeto ou programa de mitigação (Yanai et al., 2012; Vitel et al.,
2013; Fearnside et al., 2014), a permanência e o valor atribuído ao tempo
(Fearnside, 1995b, 2002; Fearnside et al., 2000), ajustes para vazamento, ou
seja, o deslocamento da atividade de desmatamento que teria ocorrido
na área do projeto para locais fora da área do projeto (Fearnside, 1995b,
2009c) e exigências (ou ajustes) para certeza nos valores usados no cálculo
(Fearnside, 2000c). A abordagem geral para calcular os benefícios também
tem um efeito muito grande tanto sobre o benefício total quanto sobre quais
atores amazônicos são recompensados: basear os cálculos nos fluxos de
carbono (isto é, a adicionalidade, como no Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo do Protocolo de Kyoto) recompensa os que desmatam mais, como
grandes fazendeiros, enquanto uma abordagem baseada em estoques de
carbono recompensa aqueles com grandes áreas de floresta conservada,
como povos indígenas e extrativistas tradicionais (Fearnside, 2018c). A
proposta deste autor de explorar os serviços ambientais como um meio
de desenvolvimento sustentável para a Amazônia rural defende uma
abordagem “Robin Hood” em que deter o desmatamento por grandes
proprietários gera fluxos financeiros que sustentam a população pobre e
tradicional (Fearnside, 1997b).

A manutenção da Floresta Amazônica requer a manutenção dos povos


tradicionais que a habitam. O valor dos serviços ambientais da floresta
oferece uma oportunidade para apoiar essas pessoas por meio de recursos
obtidos de fontes externas ao atual orçamento nacional, ao contrário dos
subsídios que hoje são concedidos ao agronegócio e a outros grupos
(Fearnside, 1989b; Fearnside et al., 2018). A extração de produtos florestais
não madeireiros, como a borracha, pode gerar algumas receitas, mas o
valor comercial desses produtos é insuficiente para tornar o extrativismo
financeiramente atrativo por si só, e a produção dos produtos ou substitutos
deles em plantações ou como produtos sintéticos é geralmente mais
barata (Homma, 1994). Em vez de uma fonte eficiente de commodities, o
argumento para as reservas extrativistas está no valor de manter a floresta
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 55
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

e seus serviços ambientais (Fearnside, 1996c). O maior desafio em subsidiar


usos sustentáveis, como a extração de borracha, é social e institucional,
em vez de ser a justificação do valor dos serviços ambientais adquiridos.
São necessários meios para assegurar que os fundos sejam utilizados de
forma a evitar efeitos perversos, como atrair uma migração de potenciais
beneficiários. Mecanismos de controle social dentro das comunidades
extrativistas precisam ser eficazes para evitar que os próprios membros da
comunidade se tornem desmatadores, e isso já está começando a corroer os
benefícios ambientais das reservas extrativistas em alguns casos (Fearnside
et al., 2018).

O manejo florestal da madeira enfrenta alguns dos mesmos desafios que o


extrativismo. A produção de madeira pode ser gerida de forma sustentável,
cortando apenas um volume limitado de árvores comerciais de grande porte
e, em seguida, aguardando durante um intervalo adequado antes de fazer
um corte subsequente, definido como 30 anos pela atual regulamentação
brasileira para floresta de terra firme. Para sustentar o sistema financeiramente,
a área de gestão precisa ser dividida em 30 parcelas e uma parcela colhida a
cada ano em um ciclo que, supostamente, deve ser repetido indefinidamente.
Infelizmente, isso não é o que está acontecendo na prática, e essa é uma das
razões pelas quais os planos de manejo florestal sustentável na Amazônia
brasileira são praticamente todos não sustentáveis. Planos de manejo florestal
sustentável pequenos no estado do Amazonas, por exemplo, são definidos
como até 100 ha sob manejo e podem colher toda a área em um único ano.
A espera teórica de 30 anos sem renda antes da próxima safra é obviamente
fictícia. Os grandes planos de gerenciamento geralmente podem abreviar o
ciclo de gerenciamento, levando ao mesmo resultado. Uma área de gestão
de 12 mil hectares no Acre que foi autorizada a concluir em apenas 6 anos
o suposto ciclo de 30 anos fornece um exemplo (Fearnside, 2013c). Outro
impedimento para a sustentabilidade nesses sistemas é a descontinuidade
entre o primeiro ciclo e o subsequente. Praticamente todos os planos de
manejo florestal na Amazônia brasileira estão no primeiro ciclo, quando os
manejadores estão colhendo árvores de grande porte que vêm crescendo
há séculos, sem nenhum custo para os manejadores. Em ciclos futuros,
os que manejam o sistema só poderão colher um volume de madeira que
cresceu enquanto o gestor está investindo dinheiro na defesa da área contra
a invasão, entre outras despesas, tornando o lucro líquido muito menos
atraente (Fearnside, 2003).

O manejo florestal sustentável não é financeiramente atraente devido


a uma contradição econômica inerente envolvendo o valor do tempo,
56 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

expressa por uma taxa de desconto (Clark, 1973, 1990). As árvores crescem
a uma taxa que é determinada pela biologia, que nada tem a ver com a taxa
em que o dinheiro pode ser ganho em investimentos alternativos. Como
o crescimento das árvores é muito mais lento do que o crescimento real
dos fundos investidos em outras partes da economia, é financeiramente
lógico que o investidor destrua deliberadamente o recurso potencialmente
renovável e sustentável, colhendo-o o mais rápido possível, e depois invista
os recursos financeiros em outro lugar. Ilustrações quantitativas deixam
isso claro (Fearnside, 1995c). Essa é a justificativa para a proposta inicial
deste autor de explorar os serviços ambientais, que era proposta como um
subsídio para o manejo florestal sustentável (Fearnside, 1989c).

Serviços ambientais como prioridade para


sustentabilidade
A situação ambiental do Brasil é grave, e o dilúvio de ameaças imediatas
tende a levar a ser visto como uma prioridade menor o trabalho de longo
prazo sobre os aspectos fundamentais da sustentabilidade. É preciso que haja
um equilíbrio entre “apagar incêndios” no combate das ameaças imediatas e
trabalhar em preocupações de longo prazo. A economia atual na Amazônia
rural é quase inteiramente baseada na destruição da floresta: o corte e
venda da madeira e a conversão da terra para usos como pastagem e soja.
Fazer ajustes nos sistemas agrícolas e pecuários para melhorar a retenção de
nutrientes e outros fatores não resolve o problema fundamental enfrentado
pela Floresta Amazônica, apesar de o progresso na melhoria da agropecuária
ser importante por diversas razões. Na verdade, se esses esforços fossem
bem-sucedidos e resultassem em sistemas altamente lucrativos que
poderiam produzir indefinidamente, o efeito seria exatamente o oposto. O
comportamento econômico nas economias de mercado sempre foi o de
expandir atividades altamente lucrativas e o resultado final seria substituir a
Floresta Amazônica pelos novos sistemas agrícolas.

Serviços ambientais, ou serviços ecossistêmicos de regulação, tais como o


papel da Floresta Amazônica na manutenção da biodiversidade, ciclagem
de água e armazenamento de carbono, oferecem uma base alternativa para
a economia, pelo menos para a população rural tradicional. A manutenção
desses serviços ambientais é fortemente do interesse nacional do Brasil.
O Brasil é um dos países mais prejudicados pelo contínuo aquecimento
global, incluindo chuvas acentuadamente reduzidas no Nordeste do
Brasil, diminuição substancial da geração de energia hidrelétrica devido
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 57
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

a reduções nos rios amazônicos e ameaça à própria Floresta Amazônica


devido a estações secas mais longas e severas com incêndios florestais
associados (Sorribas et al., 2016; Margulis; Untersell, 2017; Fearnside, 2018e).
A perda do papel da Floresta Amazônica na reciclagem da água também
seria catastrófica, tanto para a floresta remanescente da Amazônia quanto
para as áreas não amazônicas para as quais o vapor de água da Amazônia
é transportado. Essas áreas incluem as principais áreas agrícolas do País, as
maiores cidades e as represas hidrelétricas que fornecem eletricidade para
essas cidades.

A manutenção dos serviços ambientais requer um limite estrito para o


desmatamento na Amazônia. Isso implica compreender os múltiplos
fatores que causam o desmatamento e implementar políticas eficazes para
lidar com essas causas (Fearnside, 2017). O tratamento de causas é muito
diferente de simplesmente aumentar as medidas de comando e controle
para detectar e punir o desmatamento ilegal, embora isso também seja
necessário. As causas do desmatamento incluem iniciativas governamentais
que são politicamente atraentes, porém ambientalmente desastrosas,
tais como estradas e outros projetos de infraestrutura que desencadeiam
processos que alimentam o desmatamento por muitas décadas depois
que a infraestrutura é implantada. Atualmente, o caso mais evidente é a
controversa rodovia BR-319, que ligaria Manaus, na Amazônia Central, ao
notório “arco do desmatamento”, na parte sul da região, trazendo os atores e
processos do “arco do desmatamento” para todas as áreas no centro e norte
da Amazônia que já estão conectadas a Manaus por estradas, mais o vasto
bloco de floresta intacta na parte oeste do estado do Amazonas que seria
conectado à BR-319 por outras estradas planejadas (Fearnside; Graça, 2009;
Fearnside et al., 2009; Barni et al., 2015; Fearnside, 2018d).

Em todos os níveis, a sustentabilidade implica limites, sejam limites para


cada sistema de produção, limites regionais para desmatamento, sejam
limites globais para gases de efeito estufa. Reconhecer e respeitar esses
limites estão na raiz de todos os esforços para alcançar a sustentabilidade,
mas é comumente resistido. Parte dessa resistência é a percepção de
que limites significam condenar muitas pessoas à pobreza. A ideia de
que o caminho para abordar a pobreza e os múltiplos outros problemas
relacionados é sempre expandir a “torta econômica” é errado. Quando os
limites são reconhecidos, o resultado é que precisa enfrentar a questão de
dividir o bolo (Fearnside, 1997d).
58 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

Agradecimentos
Ao Conselho de Nacional Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq: 305880/2007-1, 575853/2008-5; 573810/2008-7; 304020/2010-9), à
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam: 708565)
e ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa: PRJ13.03), pelo
financiamento das pesquisas deste autor.

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VALOR, PERCEPÇÃO E O FIM
DA AMAZÔNIA
Alexandre Almir Ferreira Rivas

Economia, percepção e escolhas

D
iscorrer sobre visões alternativas em relação à valoração econômica
da Amazônia é uma tarefa desafiadora. Esse é um tema bastante
complexo por envolver percepções muito distintas, entre as quais
estão questões relativas à economia e ao desenvolvimento regional, ao meio
ambiente, à soberania, entre outros assuntos pertinentes à região e com
relevância nacional e internacional. Todos esses elementos têm efeito nas
percepções e, por consequência, na concepção e no desenho de políticas,
ações e seus respectivos financiamentos.

Neste ensaio, o esforço será desenvolvido no intuito de ampliar o


entendimento sobre a valoração da Amazônia a partir da perspectiva da
Economia, de modo geral, e ambiental, de maneira específica. Essa forma
de abordagem será perseguida porque é muito comum existirem muitas
percepções e opiniões a respeito dessa parte do Brasil. Obviamente, estas
são construídas a partir da visão de mundo, nível de conhecimento e
informações que chegam aos indivíduos por meio dos diversos meios, o
que acaba por produzir representações mentais daquilo que eles acham
que é a Amazônia. É nesse sentido que maior entendimento dos aspectos
econômicos se faz necessário.
68 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

Não é incomum ouvir de especialistas de diversas áreas, políticos e mídia


em geral que a Amazônia está sob ameaça e que porção substancial dessa
ameaça é consequência das pressões de mercados tais como o de soja,
carne, madeira, etc. Não obstante, as possíveis soluções apontadas por
esses atores para administrar o problema são tipicamente políticas do tipo
comando e controle ou o desenvolvimento de atividades com forte viés
preservacionista, deixando de levar em conta os aspectos econômicos mais
substanciais, os quais, na verdade, estão por trás de toda essa dinâmica, ou
seja, aqueles que incentivam seus cuidadores, usuários diretos da Amazônia,
a fazerem escolhas e tomarem decisões.

O olhar econômico em relação ao tema aqui desenvolvido leva em conta


o comportamento dos indivíduos e firmas, assim como as consequências
de suas decisões, as quais são materializadas em mercados. Quando estes
falham e geram discrepâncias entre interesses sociais e privados, diz-se
existir uma divergência em que uma das causas são as externalidades1. É
muito importante salientar que esses mercados são formados a partir das
interações entre consumidores e firmas que, em última análise, são indivíduos
comuns exercendo um, outro ou ambos os papéis nessas interações. Assim,
o mercado não é uma entidade ou instituição que pode ser controlada por
meio de algum mecanismo de fácil implementação, mas sim por meio de
forças geradas a partir dos gostos, preferências e estímulos de todos os
indivíduos que dele participam por meio da produção e consumo de bens e
serviços, respondendo a incentivos.

Diante dessas considerações, o objetivo deste trabalho é apresentar a tese


de que, para proteger a Amazônia, será necessário considerá-la como um
recurso cada vez mais percebido como escasso e cuja parte substancial do
seu valor econômico total advém como resultado de diferentes percepções,
gostos, preferências e interesses, sejam estes nacionais sejam internacionais,
mas que determinam de alguma forma o como, quanto, quando e por quem
seus benefícios e custos serão apropriados.

O ensaio está organizado da seguinte maneira: introdução; apresentação


de alguns aspectos que projetam nacional e internacionalmente a
importância da Amazônia; apresentação das explicações para diferenciar
o que representa valorar e valorizar a região; introdução à apresentação
das hipóteses do ensaio; uma breve nota sobre o que se considera como
1
Externalidades são o resultado real de ações de indivíduos e/ou firmas sobre outros indivíduos
e/ou firmas. É não intencional e pode ser negativa ou positiva (ver Rivas, 2014).
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 69
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

escassez no contexto do trabalho; argumentação de que é preciso ter um


olhar econômico da Amazônia; por fim, as considerações finais.

A atenção nacional e internacional


Por que a Amazônia chama tanto a atenção de uma grande parte do planeta?
Entre as prováveis razões, algumas se destacam: a sua biodiversidade,
relevância para o controle climático e aspectos relacionados às populações
indígenas, mineração e agropecuária. Antes de avançar no assunto, é
importante gizar algumas linhas sobre esses pontos, os quais têm relevante
importância no desenvolvimento de percepções que contribuem para forjar
a noção de valor da Amazônia nas mentes das pessoas.

A biodiversidade amazônica é um dos assuntos que atrai a atenção de


muitas pessoas em diversas partes do mundo. Biodiversidade é um recurso
ambiental que deve ser visto como um ativo e sua conservação como um
investimento (Fromm, 2000).

A ciência tem mostrado que está em curso um processo de alteração


climática causado em parte, ou em grande parte, pelas atividades humanas.
Essa alteração ocorre principalmente por conta da emissão de gases que
alteram a composição atmosférica, causando um desequilíbrio que leva a
modificações no sistema climático. Estudos mostram que a Amazônia tem
seu papel nesse processo tanto no que diz respeito às emissões de gases
com origem na queima de florestas quanto na estocagem do carbono
(Nobre et al., 2007).

Povos indígenas são outra fonte de atenção global sobre a Amazônia.


Segundo IBGE (2019), o censo demográfico de 2010 mostrou que a
população indígena total da região Norte do Brasil era de 342.836
indivíduos. Desse total, cerca de 74% vivem em terras indígenas. Eles vivem
em diversas partes do território, mas há uma alta concentração na região
do Rio Negro, no estado do Amazonas. Há também no estado, como é o
caso do vale do Rio Javari, no extremo sudoeste da região, povos que nunca
fizeram contatos com não índios. Em sua maioria, esses povos têm, a cada
dia, demandado mais serviços públicos, como educação e saúde.

A riqueza mineral amazônica ainda não é totalmente dimensionada, mas,


do que já se tem conhecimento, suas reservas são significativas e despertam
o interesse e a imaginação para muito além de suas fronteiras, talvez o
Eldorado. Entre essas riquezas minerais, a água é um dos recursos que faz
70 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

da Amazônia um importante símbolo. Isso ocorre não somente pelo uso nas
atividades humanas, mas também pelas suas funções no meio físico, biótico
e pela importância para o sistema climático do hemisfério, o que permite
e afeta o desenvolvimento da vida e de atividades econômicas em outras
partes do planeta.

Dentre essas fontes de atenção da Amazônia, a agropecuária alegadamente


aparece como uma vilã, por ter forte associação com o desflorestamento,
mas é ao mesmo tempo a grande responsável pela geração de superavit
nas exportações brasileiras. Em 2018, o agronegócio foi responsável
por 45,1% do valor das exportações brasileiras e, até março de 2019, sua
participação foi de 47,6% (Confederação Nacional da Agricultura do Brasil,
2019). A narrativa que confronta o agronegócio e o desflorestamento na
Amazônia argumenta que a demanda por novas áreas tem pressionado
para o aumento do desflorestamento.

Olhando-se ainda para a relação entre o agronegócio e o desflorestamento


da Amazônia, há cerca de 10 anos uma iniciativa com grandes players do
agronegócio da soja buscou utilizar ferramentas de mercado para inibir
a cultura como indutora do desflorestamento. Por 12 anos, foi produzido
anualmente o Relatório da Moratória da Soja (Abiove, 2019). O último relatório,
relativo ao período 2017–2018, apresentou alguns resultados interessantes.
Este indicou que, no período de 2002 a 2008, foram desflorestados 8.037 km2
ao ano nos municípios monitorados da Amazônia Legal; já no período de
2009 a 2017, esse número caiu para 1.548 km2 ao ano. Isso representou uma
redução um pouco maior do que cinco vezes em relação ao período inicial. O
relatório também informa que, em 2017, a taxa de desflorestamento nos sete
estados produtores de soja na Amazônia Legal diminuiu em 12%, mas ainda
se encontra ligeiramente superior à taxa média dos últimos 8 anos. Um trecho
de sua conclusão apresenta o seguinte texto:
Esse levantamento revela que a área de soja responde
por 1,4% do território desflorestado no bioma pós-2008.
Entretanto, se olharmos apenas para a porção do bioma
em que se cultivam 97% da soja (95 municípios) verifica-
-se que, ainda assim, ela responde por apenas 4,6% da área
desflorestada, o que indica que 95,4% dos desflorestamentos
ocorridos no período da Moratória da Soja estão associados a
outros usos da terra, levando em conta apenas a área avaliada
pela Moratória (Abiove, 2019, p. 20).
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 71
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Todos esses elementos, além de outros, contribuem para a construção


das diferentes percepções que cada indivíduo do planeta possui sobre a
Amazônia e para que interesses diversos atuem. De maneira sintética, há
duas perspectivas quanto a como proteger a Amazônia. Uma biocêntrica,
que a considera como um jardim botânico que deve ser a grande reserva da
biodiversidade da humanidade, e a outra antropocêntrica, que deseja seu
desenvolvimento, mas com conservação ambiental.

Diante dessas diferentes visões, o debate sobre o que fazer para salvar
a Amazônia acaba girando em torno de mais do mesmo, ou seja,
maior controle governamental, maior atuação de organizações não
governamentais (ONGs) e muitos discursos. O Brasil, apesar de já dispor
de tecnologia de monitoramento por satélite de alto padrão, ainda hesita
ou não está preparado para atuar com políticas alternativas que levem em
conta os aspectos econômicos e estratégicos de curto, médio e longo prazo
para cuidar da região utilizando essas novas abordagens e tecnologias.

A Amazônia tem valor e não se discute a veracidade dessa afirmação, mas


qual é o seu preço? Valorar e valorizar são definições distintas, mas que são
muito confundidas como sendo a mesma coisa. A tese que apresento neste
trabalho relaciona-se diretamente a essa situação, ou seja, enquanto o Brasil
não assumir que a Amazônia é um bem econômico e que de alguma maneira
pode ser parcialmente precificada para fins de tomada de decisões para a sua
proteção e continuar alimentando o discurso puramente preservacionista,
e por vezes romântico, do seu valor econômico total, o qual existe mas não
é fácil ou possível de ser mensurado em sua totalidade, ela será destruída.

Valorar e valorizar
Valorar é diferente de valorizar. Segundo Mota (2001), valorar significa emitir
juízo de valor, multidimensionalidade, intangibilidade, bio e ecocentrismo,
além de incorporar fortes doses metafísicas e transcendentais. Por sua vez,
valorizar significa atribuir um preço, unidimensionalidade, tangibilidade,
utilitarismo e antropocentrismo. Essa confusão entre valor e valorizar tem
influência direta sobre o desenho de políticas para a proteção e cuidado da
Amazônia. Em relação aos ativos ambientais e naturais, o autor sustenta que
o Valor Econômico Total (VET) é o resultado da soma de três outros valores,
quais sejam: valores de uso, de opção e de existência. Cada um deles ainda
se subdivide indicando que o VET é o resultado de uma compreensão
ampla e complexa de cada indivíduo sobre esses ativos. Considerando-
-se que políticas públicas para a proteção da Amazônia devem levar em
72 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

conta seus benefícios e custos, é necessário que se busque entender como,


objetivamente, os indivíduos formam suas percepções de valoração e
valorização para tomar suas decisões.

Em relação à construção dessas percepções ao ambiente, Tuan (2015)


exemplifica utilizando a superfície terrestre. A superfície da terra é
extremamente variada. Mesmo um conhecimento casual de sua geografia
física e da abundância de formas de vida muito nos diz. Mas são mais
variadas as maneiras como as pessoas percebem e avaliam essa superfície.
Duas pessoas não veem a mesma realidade. Nem dois grupos sociais fazem
exatamente a mesma avaliação do meio ambiente. A própria visão científica
está ligada à cultura – uma possível perspectiva entre muitas, a abundância
desnorteadora de perspectivas, nos níveis tanto individual como de grupo,
torna-se cada vez mais evidente e corremos o risco de não notar o fato de
que, por mais diversas que sejam as nossas percepções do meio ambiente,
como membros da mesma espécie, estamos limitados a ver as coisas de
certa maneira.

A construção do valor da Amazônia teve início quando os primeiros


exploradores espanhóis adentraram a floresta em busca do Eldorado. Nessa
sequência histórica, veio o Ciclo da Borracha, que teve importantíssimo
papel, não só para a região, mas também para toda a economia brasileira.
Projetos como o da Fordlândia, em 1927, contribuíram para que essa
noção de riqueza fosse ampliada. Mais recentemente, durante o governo
militar, várias ações foram implementadas buscando fazer com que a
região com todo o seu potencial se integrasse ao restante da economia
nacional. A exploração de recursos madeireiros, ouro e pedras preciosas foi
por muito tempo a principal referência de riqueza.

A partir da década de 1960, a questão ambiental começou a tomar forma no


mundo por meio da publicação Silent Spring (Carson, 2013). Mais tarde em
1989, com a publicação da matéria Torching the Amazon pela Revista Time2,
que abordava a questão relacionada ao seringalista Chico Mendes (1944–
1988) e o aumento das queimadas na região com a consequente ameaça à
floresta e seus animais3, o Brasil e, em especial, a Amazônia passaram a ser
vistos com outros olhos em relação ao quesito meio ambiente.

Como mencionado, esses e outros fatos foram moldando a percepção sobre


a Amazônia e indicando que havia uma espécie de dilema: uma região
2
Disponível em: http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,958591,00.html.
3
Importante observar que nessa época não se utilizava o termo biodiversidade.
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 73
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

potencialmente rica, porém ameaçada. O avanço dessa percepção por


meio de contínua carga de informações parciais e/ou imperfeitas sobre o
que nela acontecia fez crescer a percepção por parte do grande público,
tanto nacional quanto internacional, de que havia uma potencial ameaça
que fazia com que a região passasse a ser mais e mais percebida como um
recurso que, de alguma forma, tornava-se cada vez mais escasso.

Será o fim da Amazônia?


Em 2009, na 61ª Reunião Anual da SBPC, fui convidado a participar de um
debate cujo tema era “A modernidade e o fim da Amazônia”. Ao longo das
discussões havia uma preocupação dos participantes sobre se o fim da
Amazônia estava decretado por conta do nosso sistema econômico, ou
seja, por conta do capitalismo. Após explicar que o principal problema da
Amazônia não estava no sistema econômico, mas sim em como fazíamos a
gestão ambiental desta, argumentei que o ponto central deveria ser qual a
melhor maneira de se fazer o que deve ser feito para que pudéssemos ter a
proteção ambiental e o crescimento econômico na região e entender mais
amplamente quais vetores estariam nos influenciando a fim de protegê-la
mais ou menos.

A partir dessa perspectiva, apresentei duas hipóteses que tenho em


relação à sobrevivência da Amazônia. A primeira delas é aquela que
denominei hipótese do jardim botânico, a qual é fundamentada na ideia
da intocabilidade, justiça internacional e intergeracional. Seu viés é
preservacionista, portanto, bio e ecocêntrico e externo. A segunda hipótese
sobre o fim da Amazônia relaciona-se ao conceito da conservação. Nela,
considera-se a possibilidade de que seus recursos naturais venham a se
tornar elementos fundamentais para o desenvolvimento econômico e social
da própria região e do País, a fim de que, o mais pragmaticamente possível,
possa melhor ser valorizada e, portanto, refletir seu verdadeiro valor para
o mundo (diferentes mercados). Essa hipótese, além de contemplar a ideia
do desenvolvimento econômico, também pressupõe a coexistência de
harmonia ambiental, justiça nacional, internacional e intergeracional. Seu
viés é antropocêntrico.

Antes de avançar na apresentação dessas hipóteses, é importante deixar


claro o entendimento de dois conceitos das Ciências do Ambiente:
conservação e preservação. Segundo Cunningham et al. (2005), a
conservação está relacionada ao utilitarismo pragmático que começou
a ser utilizado em 1905 pelo presidente norte-americano Theodore
74 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

Roosevelt (1858–1919). O primeiro princípio do conservacionismo é que o


desenvolvimento e o uso dos recursos naturais existentes são para benefício
dos seres humanos que vivem hoje. Essa perspectiva é contraposta por John
Muir (1838–1914), que defende que a natureza deve existir e ser considerada
por si mesma, independentemente de sua utilidade para o ser humano.

Voltando à análise, na primeira hipótese, a intocabilidade relaciona-se,


como o próprio nome diz, à promoção de todas as formas de se estabelecer
a preservação ambiental. Os argumentos em sua defesa sempre são de que
existe uma relação direta entre preservação ambiental e qualidade de vida.
Faz parte desses argumentos também a necessidade da manutenção do
equilíbrio climático e preservação da sociobiodiversidade da região, entre
outros. Nessa abordagem, todas as estratégias são úteis para a manutenção
dos benefícios para o bem-estar mundial, mas em relação ao ônus não está
claro a quem deve caber.

Ainda nessa hipótese, a justiça internacional é fortemente relacionada à


ideia de que a região é um patrimônio mundial e, por esse motivo, as forças
internacionais atuam no sentido de manter o máximo de preservação
possível. Isso é realizado de diversas maneiras, mas principalmente por meio
do financiamento de ONGs que atuam independentemente do governo
central do Brasil ou dos seus estados, formando bases que disseminam
informações visando à consolidação dessas percepções e, portanto, de
valor, orientadas, principalmente, por e para interesses externos.

O aspecto intergeracional é relacionado ao direito que gerações futuras


têm de usufruir dos benefícios que a Amazônia proporciona ao mundo.
É importante notar que a menção genérica de “gerações futuras” não
especifica quais são essas gerações, ou melhor, quem são e em qual
tempo desse futuro estão sendo consideradas. Há um hiato monstruoso
no bem-estar social entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento
que poderá levar décadas e talvez até séculos para ser eliminado ou
minimizado. Assim, gerações futuras de países com altas condições e
expectativas de vida são diferentes daquelas de países com expectativas
e condições de vida piores. Então, a ideia de justiça intergeracional é falha
ou, no mínimo, conveniente.

O aspecto externo ao qual me refiro na hipótese diz respeito à visão que o


mundo tem da Amazônia. Um importante exemplo que tenho foi quando me
disse certa vez o então reitor da Universidade das Nações Unidas, Dr. Konrad
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 75
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Osterwalder4, retornando de uma missão ao Brasil, mas não à Amazônia: “da


próxima vez quero conhecer a Amazônia. Há algo aqui sobre ela, no fundo
da minha cabeça, que me faz querer isso”. Essa percepção de que há algo
diferente na região, talvez mágico, místico ou até metafísico, desvincula
grande parte do restante do mundo de uma visão mais antropocêntrica e
realística a seu respeito e, portanto, opiniões, pareceres e, por consequência,
ações e seus financiamentos são realizados com base em outras realidades
e interesses.

Em relação à segunda hipótese, com população em torno de 22 milhões


de habitantes, é impossível e irrealístico se pensar na pura preservação da
região em detrimento do desenvolvimento econômico. É claro que manter
um equilíbrio ecológico é do interesse de todos, mas gerar emprego e
renda também deve ser uma prioridade. Por que essa prioridade? Com essa
quantidade de pessoas poderá haver sempre o conflito entre a preservação
e as aspirações por melhora em suas vidas, o que normalmente ocorre por
meio da geração de mais renda e melhoria no padrão de consumo, tanto de
bens e serviços privados quanto públicos. Veja, por exemplo, o caso de uma
família vivendo em um local na área do chamado Arco do Desflorestamento5.
Essa família terá que fazer uma escolha entre produzir para gerar renda para
seu sustento ou desmatar um pouco mais para manter ou melhorar seu
padrão de produção e consumo. Se ela não dispuser de nenhum outro meio
ou alternativa para aumentar sua produtividade ou gerar renda adicional,
ela poderá utilizar mais do recurso com menor custo marginal, ou seja, mais
floresta ou algum recurso da floresta, o que pode eventualmente levar a
mais degradação. Considere agora outro exemplo de uma comunidade
indígena em áreas mais remotas. O dilema será tipicamente o mesmo,
com a diferença de que suas demandas podem não ser necessariamente
monetárias, mas sim por acessos a bens e serviços que melhorem seu padrão
de vida. Assim, esses cuidadores da Amazônia possuem necessidades que
precisam ser atendidas e, para isso, é necessário haver a existência de uma
economia que sustente o atendimento dessa demanda.

O fato de essas pessoas que moram na Amazônia brasileira, os seus


cuidadores, enfrentarem dilemas como os mencionados, leva a situações
4
https://unu.edu/about/unu/history/former-rectors/prof-konrad-osterwalder.
5
O desmatamento na Amazônia brasileira tem se concentrado ao longo do chamado Arco do
Desmatamento, que se estende do sul do Pará, norte de Mato Grosso, Rondônia, ao sudeste do
Acre. Mais especificamente, 70% do desmatamento na Amazônia Legal tem ocorrido em cerca
de cem municípios nos estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia, que representam em torno
de 20% da área total da região.
76 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

em que escolhas deverão ser feitas por elas. Tomar uma decisão e escolher
uma alternativa exige comparar custos e benefícios, mesmo que não seja
de maneira explícita e sistemática. Em muitos casos, essa comparação
envolve a consideração de alternativas de ações cujos custos não são tão
claros como podem parecer à primeira vista. Por exemplo, aqueles dois
tipos de moradores mencionados acima podem ter que escolher entre
desmatar mais uma quadra de terra para a plantação ou outra alternativa.
Em qualquer caso, eles estarão considerando, segundo suas percepções e
realidades, quais são os custos e benefícios envolvidos. Quando a escolha for
por produzir um pouco mais de desflorestamento, ele estará considerando
apenas o seu custo adicional (marginal) de incluir mais uma quadra de área
para satisfazer suas necessidades e não os custos ambientais cumulativos e
sinergéticos associados a essa decisão.

Essa análise nos deixa no ponto para considerar a harmonia ambiental


no âmbito da segunda hipótese. Harmonia não quer dizer intocabilidade.
É claro que não se pode pensar no desenvolvimento econômico utilizando-
-se irresponsavelmente a Floresta Amazônica. É responsabilidade
brasileira cuidar da sua manutenção e equilíbrio a fim de que os serviços
ecossistêmicos tão essenciais à nossa sobrevivência e bem-estar por todos
sejam fruídos. No entanto, é necessário haver uma compatibilidade entre
os interesses nacionais e regionais de desenvolvimento econômico e a
conservação da floresta. Essa compatibilidade deverá ser necessariamente
uma escolha nacional e amazônica.

A justiça nacional, internacional e intergeracional será perfeitamente


contemplada se houver o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico
e o meio ambiente. Kahn e Rivas (2009) abordaram essa questão à luz da
visão pós-keynesiana. Na análise, os autores consideraram a perspectiva do
desenvolvimento sustentável a partir de uma argumentação diferente da
pura abordagem neoclássica. Resumidamente, nela o produto interno bruto
(PIB) é obtido a partir de uma função que considera, além de suas variáveis
tradicionais, outros tipos de capitais, tais como o capital humano e o capital
social. Os autores adicionam outra forma de capital na função, que é o capital
natural, o qual é composto de recursos naturais e recursos ambientais6. A
importância do papel do capital natural e, mais especificamente, do capital
ambiental, na função de produção do PIB, é mais pronunciada quando o
desenvolvimento sustentável é visto a partir da perspectiva apresentada
por Brundtland, em que o aumento do bem-estar social das gerações atuais
não deve ocorrer reduzindo as perspectivas das gerações futuras.
6
Ver Rivas (2014).
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 77
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Assim, essa visão antropocêntrica da Amazônia considera que, no atual


estágio da evolução humana, a sobrevivência amazônica ocorre em um
cenário de percepção crescente de sua escassez, no qual a geração de
riqueza e desenvolvimento deverá considerar prioritariamente os nacionais,
seus cuidadores diretos e seus interesses na sua gestão. Isso ocorrendo,
haverá um entendimento mais amplo de sua importância tanto para o
presente quanto para o futuro e um aperfeiçoamento da percepção do
seu valor. Como as pessoas reagem a incentivos, melhor entendimento
de sua importância e valor induzirá à necessidade de maior cuidado por
parte da sociedade que dela cuida e depende diretamente. Assim sendo, a
apropriação dos custos e os benefícios associados a esses cuidados poderão
ser melhor distribuídos por meio de qualidade ambiental e preços dos bens
e serviços que ela produz, tanto do ponto de vista nacional e internacional
quanto intergeracional.

Para que a ideia fique mais clara, é importante enfatizar que essa segunda
hipótese não representa uma concepção estritamente desenvolvimentista.
Pelo contrário, o que é exposto e realçado é a necessidade de predominar a
abordagem antropocêntrica e da liderança institucional brasileira no que diz
respeito à gestão da região. Essa abordagem precisa necessariamente partir
de uma visão global; contudo, formulada a partir da perspectiva regional e
nacional de como cuidar desse patrimônio. Não se pode desprezar todas
as contribuições que visem a sua conservação. Da mesma maneira, não se
pode achar que todas as bem-intencionadas iniciativas disponibilizadas
para a região devam ser aceitas de pronto. Nesse sentido, a construção da
percepção do valor da Amazônia deverá emergir de maneira endógena,
a partir da realização da relação de seus cuidadores com os diferentes
mercados, ou seja, regional, nacional e internacional.

Breve nota sobre escassez


Nas Ciências Econômicas, o que faz com que um determinado recurso se
torne econômico é a sua escassez. Recursos considerados abundantes não
possuem valor econômico. Veja por exemplo o caso da água há algumas
décadas. O fato de a humanidade possuir o recurso em quantidade e
qualidade suficiente era determinante para que não fosse atribuído um
preço a ela. As pessoas dessas épocas não percebiam a escassez. No entanto,
à medida que a população do planeta foi aumentando e a demanda por
esse recurso natural em diversas atividades humanas também, chegamos à
situação atual, em que a água tem um preço por unidade de medida.
78 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

No caso da Amazônia, essa percepção de escassez ocorre por dois motivos


básicos: escassez planetária de recursos ambientais e escassez relativa à
estabilidade e segurança climática quanto ao futuro do planeta. Na primeira
situação, o que ocorre é uma percepção generalizada em todo o mundo de
que os recursos, tanto os ambientais quanto os naturais, de todo o planeta
estão ameaçados em razão do aumento das atividades humanas resultantes
do crescimento populacional. Recursos como os oceanos, a Antártida e a
Amazônia são considerados como as últimas fronteiras do planeta a serem
exploradas pelo ser humano.

A ideia da escassez relativa à estabilidade e segurança climática do planeta


é mais complexa e, em grande parte, resultado da construção, a partir de
percepções externas e algumas evidências científicas, de que a Amazônia
exerce algum papel regulador ou estabilizante no desequilíbrio climático
global ora em curso.

Sem economia, sem floresta


Árvores vivas valem muito mais do que mortas. Em conjunto, elas formam
a floresta e todo o ecossistema que permite a vida e o equilíbrio climático.
No entanto, é muito importante que a Amazônia seja percebida de maneira
racional ao invés de uma visão puramente romântica e inocente. Isso é
imprescindível a fim de que ela possa ser valorizada para além dos seus
mitos e, assim, ser traduzida de forma tal que os seus benefícios, reais e
potenciais, possam ser apropriados tanto por seus cuidadores quanto pelo
resto do mundo. Porção substancial de seu significado/valor deve ser mais
do que uma mera abstração ou expressão sentimental, ingênua ou não, que
atualmente a define. Esse significado/valor deve ser reconhecidamente real
e útil para que sinais positivos possam estimular os indivíduos a buscarem
sua utilização sem destruí-la.

Para que haja qualquer tipo de desenvolvimento da Amazônia, é preciso


que haja acesso físico a muitas de suas localidades e, portanto, que as
condições logísticas sejam favoráveis. Naturalmente, os rios são a primeira
opção. Embora muitos deles sejam navegáveis a maior parte do ano, muitas
adequações ainda precisam ser feitas para torná-los hidrovias. A próxima
alternativa logística é a aérea, a qual já ocorre atualmente, mas é cara e
utilizada no transporte de passageiros e carga de alto valor agregado.
Restam as rodovias, que são alvos de críticas ambientalistas, mas são uma
necessidade para a grande maioria da população da região.
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 79
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Melhor infraestrutura de transporte ou acesso deve existir onde houver


a possibilidade de mercados se estabelecerem ou se desenvolverem.
A região do Arco do Desmatamento, por exemplo, já possui modal de
transporte que vem atendendo em algum nível a demanda dos produtores
da região. Não adianta não asfaltar estradas que hoje estão em péssimo
estado de conservação simplesmente para dificultar o desmatamento.
Essa abordagem é incorreta. Em áreas com maior pressão antrópica deve
existir maior monitoramento e utilização de instrumentos que afetem
financeiramente as potenciais fontes de ameaças ambientais. Outras áreas
mais centrais da Amazônia talvez não tenham a mesma necessidade de alta
capilaridade por razões simples: mercados pouco desenvolvidos, alto custo
para nova infraestrutura com a razão benefício/custo desfavorável, incluídos
nesses custos os ambientais.

Uma vez desenvolvidas as condições necessárias, a Amazônia se aproximará


dos mercados nacionais e globais e então melhores oportunidades
econômicas podem surgir. A exploração mineral é um dos exemplos. Um
grande e óbvio potencial que a região possui é a exploração madeireira a
partir de planos de manejo. No que diz respeito a esse setor da economia, há
de se ter em mente que os mercados internacionais concorrem com madeiras
provenientes da Ásia e África, onde o nível de exigências ambientais é bem
menor ou inexistente. Há também os produtos não madeireiros que possuem
bons mercados tanto nacional quanto internacional. A soja continua sendo
uma importante commodity para o Brasil e boa parte de sua produção é
oriunda do sul da Amazônia. Como explicado acima, medidas econômicas
implementadas pelo próprio mercado nos últimos 10 anos melhoraram
consideravelmente a produtividade da cultura e, por consequência, a redução
no desmatamento oriundo da atividade. Ainda são necessários ganhos de
produtividade na agropecuária. A partir dos dados do TerraClass (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais, 2019), é possível observar que a pecuária
de baixa produtividade é predominante na Amazônia, cerca de um boi por
hectare. Na região, ainda seria possível aumentar a produção dessa atividade
utilizando-se os 23% de área de florestas abandonadas e em regeneração,
sem a necessidade de desmatar. Há uma enorme oportunidade de melhoria
aqui com tremendo ganho ambiental.

Ainda no campo de utilização das riquezas amazônicas, destaca-se a sua


biodiversidade. Trata-se aqui de oportunidade de elevado valor agregado,
mas de alto investimento e razoável tempo de maturação. Parcerias
nacionais e internacionais poderiam acelerar esse processo e contribuir
para a formação mais rápida de especialistas da região, bem como para
80 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

o desenvolvimento científico e tecnológico necessário para tornar essa


potencialidade em efetivo benefício.

A questão dos serviços ecossistêmicos é importante, mas ainda não


propriamente mensurada. Não se trata de mercantilizar a natureza, mas
sim de se eliciar valores para serem utilizados nos processos decisórios. Já
há alguns estudos científicos que procuram estabelecer métricas para que
seja possível sua valoração econômica, mas o grande problema ainda é a
falta de mercados para esse tipo de serviço. Do ponto de vista puramente
ecológico, se reconhece a importância desses serviços, mas, devido à
complexidade associada, eles ainda precisam ser mais bem compreendidos.
Entre esses serviços estão os associados ao sequestro ou manutenção do
estoque de carbono. Especificamente com relação a este último, é possível
ser constituído um mercado de carbono amazônico. Cabe aos governos
da região e dos países que compõem o bioma Amazônia a iniciativa de
liderar uma proposta mundial para desenvolver esse mercado e, assim, que
recursos financeiros sejam gerados para valorizar a floresta e contribuir para
a melhoria da renda de seus cuidadores.

Considerações finais
Considerando que a Amazônia é um recurso ambiental cuja percepção
de sua escassez é crescente, mas que oferece reais oportunidades para a
utilização de seus recursos naturais, a excessiva preocupação em protegê-
-la do seu iminente fim pode na verdade acelerar a sua chegada. Se a
Floresta Amazônica é importante, então ela possui elevado valor, o qual
reflete sua importância intrínseca, bem como sua escassez. Dessa maneira,
todas as ações para a sua conservação devem levar em conta pelo menos
dois aspectos: o preço de sua conservação e a distribuição de benefícios
e custos. No aspecto preço, devem ser levadas em conta compensações
adequadas e formais ao governo do Brasil, a fim de que este possa ter as
devidas condições para cuidar ordenadamente da proteção da Amazônia. O
País então deveria assumir compromissos, mas a liderança do processo deve
ser totalmente nacional.

O segundo aspecto relaciona-se à distribuição dos benefícios e custos


da conservação. A demanda mundial atual para a sua preservação leva
em conta apenas benefícios para o planeta e gerações futuras. Em outras
palavras, o que toda essa pressão que dizer é outra coisa: precisamos manter
o nosso padrão de conforto e qualidade de vida agora e sempre à custa
de alguém. Essa é a percepção e ela não incorpora uma realidade justa.
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 81
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Se considerarmos apenas a questão do aquecimento global, o qual tem


como fonte principal a queima de combustíveis fósseis em todo o planeta,
reconhecida por boa parte dos estudiosos no assunto como a principal
causa do problema, observamos que ter conhecimento da tragédia que
se anuncia não acarretou até agora uma mudança comportamental para
reduzir a temperatura média do planeta em meros 0,5 °C. É mais fácil levar a
opinião pública a acreditar que a solução está na Amazônia.

Conhecimento e informação são importantes por diversas razões, mas


uma é preponderante: o poder. Vários países investem muito em gerar
conhecimento e coletar informações sobre outros países. Essa coleta não
tem objetivo apenas de salvar o mundo, mas também de buscar estratégias
e poder de mercado. Há várias maneiras de obter essas informações. No
caso da Amazônia, esse é um assunto particularmente sensível. Há na
região algumas poucas instituições nacionais (universidades, fundações e
alguns institutos de pesquisa) e várias ONGs internacionais desenvolvendo
pesquisas. As organizações nacionais normalmente desenvolvem suas
atividades com pouquíssimos recursos e, portanto, têm atuação limitada.
Já várias dessas ONGs internacionais possuem focos específicos e dispõem
de recursos suficientes para financiar suas atividades. Os resultados dessas
pesquisas geram importantes informações que, em última análise, vão
abastecer a opinião pública nacional e internacional.

Normalmente, e em especial, é a versão internacional a que exerce maior


papel na formação das percepções das pessoas e desconsideram a realidade
daqueles que efetivamente vivem na região, seus cuidadores, os quais muitas
vezes são considerados como os vilões na destruição da floresta. Assim, muito
do conhecimento gerado é transformado em informação e essa informação
não tem dado contribuição suficientemente necessária para mudar o
comportamento das pessoas no intuito de se formar um comportamento
conservacionista, ele é sempre no sentido preservacionista. Conhecimento
que não muda o comportamento das pessoas é inútil. Nesse contexto de
geração de conhecimento e informação, as ONGs têm um importante papel.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016,


havia na região Norte do Brasil 68 ONGs que tratavam de meio ambiente
e proteção animal e 1.027 que tratavam de desenvolvimento e defesa de
direitos. Contudo, segundo o depoimento do atual ministro do Gabinete de
Segurança Institucional Augusto Heleno, em 2017 havia na Amazônia cerca
de cem mil ONGs (Azevedo, 2020). E o que isso tem a ver com a questão do
conhecimento/informação e as teses apresentadas neste ensaio?
82 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

Da forma como algumas importantes ONGs, principalmente as de origem


internacional, têm atuado na Amazônia, ou seja, sem nenhum controle
do Estado brasileiro, os resultados dos seus trabalhos são interpretados
segundo suas percepções e põem em xeque qualquer política de gestão
ambiental conservacionista nacional. Há organizações desenvolvendo
seus trabalhos com rigor científico, mas estas não são a maioria. Isso ocorre
porque, em grande parte, o resultado desses trabalhos (pesquisas, relatórios,
artigos, declarações, etc.) contribui fortemente para a promoção da tese
do jardim botânico. Tais resultados aumentam os custos dos cuidadores
da Amazônia, o que os leva para atividades ilegais ou a realizar práticas
pouco conservacionistas, ou seja, enfraquecem a segunda hipótese, a do
desenvolvimento econômico com conservação ambiental, e induzem a
continuar o desflorestamento.

A situação descrita favorece o fortalecimento da visão internacional, a qual


é construída basicamente pela ação dessas ONGs, direta ou indiretamente,
via lobby com os principais governos de nações influentes e, ouso dizer,
atendendo a interesses outros não declarados. Tal situação promove a
percepção do aumento da escassez da Amazônia e, por consequência, o
autodeclarado direito de governos estrangeiros a continuarem suas gestões
para a manutenção do jardim botânico. Todos esses elementos juntos
criam no mundo inteiro a percepção de que esse recurso ambiental está
se esvaindo, caminhando para o seu fim. A pressão sobre o Brasil é grande,
mas a pergunta que fica é: nesse mundo de boas intenções, quais são os
verdadeiros motivos para tamanha ação?

Não há dúvida de que uma grande preocupação planetária é a mudança no


clima. Nesse contexto, a Amazônia pode contribuir, mas não necessariamente
ser decisiva no sentido de resolver o problema. As maiores causas do
aquecimento global estão nos países desenvolvidos, além da China e
Índia. No entanto, especialmente naqueles, seus altos padrões de vida e
consumo continuam a demandar recursos que contribuem enormemente
para o aumento desse aquecimento. Na mesma medida, não há sinais de
interesse em compartilhar os custos dessa situação. Alega-se a famosa
sustentabilidade, a qual leva em conta principalmente as gerações futuras e a
justiça intergeracional, mas com esses padrões do mundo economicamente
desenvolvido e líder nas causas de aumento da temperatura do planeta, de
quais futuras gerações estamos falando? Africanas, asiáticas ou da América
Latina? Por que as grandes organizações não governamentais do planeta
que atuam na Amazônia atuam tão fortemente para a sua preservação? Se
essas organizações são not-for-profit, quem as financia? Obviamente, as for-
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 83
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

-profit. E quais são os negócios destas últimas? Em relação aos indígenas da


Amazônia, por que um esforço tão grande para mantê-los em seus locais de
origem para a sua alegada proteção e tão grande publicidade romântica de
suas culturas? Esses mesmos indígenas estão cada vez mais necessitando
de serviços públicos e migrando de suas aldeias para os centros urbanos e,
na maioria das vezes, enfrentando piores condições de sobrevivência, mas
que, ainda assim, parecem ser melhores do que suas vidas sem perspectiva
em seus locais originais.

Se o mundo continuar nessa trajetória, e esse mundo também envolve


as grandes economias do planeta, o fim da Amazônia é iminente. Essa
Amazônia intacta e romântica está com seus dias contados. Entretanto,
se construirmos uma Amazônia que não seja da intocabilidade verde,
mas sim integrada e articulada com os mercados globais, fornecedora de
produtos exóticos, serviços ambientais, paisagens e biodiversidade únicas
e culturalmente rica, na qual seus cuidadores também recebam o bônus
e compartilhem justamente o ônus de sua proteção, poderemos tê-la por
mais alguns séculos.

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bioma Amazônia. [São Paulo, 2019]. Disponível em: http://abiove.org.br/relatorios/moratoria-
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EXTRATIVISMO OU CRISE
SOCIOAMBIENTAL DE
RESERVAS EXTRATIVISTAS NA
AMAZÔNIA?
Josimar da Silva Freitas

Introdução

O
discurso institucional (1960 e 1970) de vazio demográfico, segurança
nacional, crescimento econômico e integração amazônica conduziu
disputas e conflitos territoriais em distintos pontos da Amazônia. De
um lado, fazendeiros em nome do agronegócio, de outro, seringueiros em
defesa da floresta e de sua sobrevivência. A derrubada e queima da floresta
para implantação de projetos agropecuários de larga escala, acompanhada
da expulsão dos seringueiros de suas posses, representou a perda dos meios
de vida de centenas de famílias (Allegretti et al., 2018).

A organização do movimento de seringueiros (fins de 1970 a início de 1980)


no estado do Acre surgiu contra a ameaça aos direitos sociais, culturais,
econômicos e ambientais. Junto com o movimento, os líderes Wilson
Pinheiro (1933–1980) e Chico Mendes (1944–1988) foram protagonistas da
história de sonhos, lutas e desafios. As negociações e ações deveriam ter
acontecido de forma pacífica, no entanto, o comportamento do estado foi
inversamente proporcional aos anseios dos seringueiros do Acre.

O desejo da categoria se resumia numa convivência territorial equitativa,


na qual o predomínio da harmonia familiar e respeito à natureza seriam
proeminentemente valorizados. Não aconteceu dessa forma. As razoáveis
86 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

condições institucionais dadas aos investidores do Sudeste e do Sul foram


suficientes para a entrada de homens com motosserras e máquinas pesadas.
As mortes de seringueiros, os desflorestamentos, os prejuízos à fauna e à
flora na Amazônia ocorreram em nome do progresso.

As reservas extrativistas (resexs)1, proposição dos seringueiros, denunciavam


todas as formas de exploração ambiental ilegal e imoral, assim como
deveriam se aproximar aos modos de vida dos povos indígenas. Do ponto
de vista teórico, as resexs foram instituídas juridicamente após a morte de
Chico Mendes (22 de dezembro de 1988). A mídia nacional e internacional
cooperou relevantemente com o sancionamento das resexs Alto Juruá
(Acre), Chico Mendes (Acre), Rio Ouro Preto (Rondônia) e Rio Cajari (Amapá),
na Amazônia, em 1990.

Os decretos que legalizaram essas áreas garantiram o reconhecimento


dos desafios, das lutas e das conquistas das comunidades tradicionais
amazônicas. As resexs se tornaram modelo de reforma agrária distinta da
época, uma vez que garantia os seringueiros em suas colocações (Silveira,
2018), o domínio público e as regras estabelecidas à conservação (Almeida
et al., 2018).

Após essa etapa, as parcerias público-privadas, a elaboração, o


gerenciamento e a implementação de projetos criam expectativas de
melhoria nas condições de vida dos habitantes dessas áreas. Os 32 anos
de experiência das primeiras resexs foram direcionados à estabilidade
ecossistêmica e à subsistência familiar. Todavia, os desafios de conter
desflorestamentos e assegurar qualidade de vida continuam apenas no
discurso institucional.

Nesse sentido, os modos de vida e as tradições culturais das comunidades


tradicionais foram respeitados? Os trabalhadores agroextrativistas
exercem administração e controle direto nas resexs? O Estado investe
em escolas, unidades de saúde e profissionais? O extrativismo combina
com as atividades produtivas de agricultura e pecuária, sem causar fortes
impactos ambientais? Afinal, as resexs asseguram desenvolvimento com
sustentabilidade?

Essas questões ajudam a compreender a finalidade, os interesses e


investimentos institucionais, como também as relações dos habitantes com
1
Categoria de unidade de conservação de uso sustentável que atribui ações sustentáveis do
homem com a fauna e flora em florestas e mares.
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 87
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

os recursos naturais. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia de


32 anos de experiência das resexs amazônicas.

Essa análise se justifica por dois motivos: mostra o comportamento estatal


por meio de políticas públicas e demonstra a relação de comunidades
tradicionais com as propostas de sustentabilidade. Em adição, essa discussão
está organizada em três seções. Na primeira, faço uma discussão enfatizando
alguns pontos positivos que proporcionaram a criação de resexs. Na
segunda, mostro as fragilidades de dois programas-piloto do ponto de vista
ambiental, econômico e social. Por fim, apresento a conclusão.

Fatores positivos que motivaram a


existência de resexs
Os seringueiros tiveram forte motivação para criação de resexs, uma vez
que viviam constantemente confrontados, desrespeitados e ameaçados
de conviverem em seus territórios com suas famílias. A título de exemplo,
após perdas de florestas, várias mortes e repercussão internacional, o
Estado brasileiro resolveu conceder reconhecimento às primeiras resexs na
Amazônia: Alto Juruá e Chico Mendes, AC; Rio Ouro Preto, RO; Rio Cajari, AP,
em 1990.

Essas resexs foram sancionadas por meio de decretos presidenciais,


documento que autorizava, respeitava e reconhecia a cultura (modos
de vida, hábitos, costumes, tradições, etc.), as políticas sociais (escolas,
postos de saúde e profissionais capacitados das resexs, entre as políticas
principais), econômicas (incentivos produtivos extrativistas, agrícolas e
criação de animais com o mínimo de tecnologias, quando necessário) e
ambientais (equilíbrio entre produção e florestas, de modo a não intensificar
o desflorestamento).

Chico Mendes enfatizou criar reservas florestais para beneficiar comunidades


camponesas com variedades de produtos extrativistas (Ramalho, 2016). Essas
áreas que conciliam conservação da natureza com presença de populações
humanas são bons modelos sustentáveis (Barros et al., 2011). O projeto de
resexs se impôs como projeto de desenvolvimento territorial, na medida em
que mobilizou atores e sua rica biodiversidade (Teisserenc, 2016).

O fato relevante foi a legalização, a qual assegurou permanência e


tranquilidade de habitantes em comunidades das resexs. Nesses termos,
88 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

a demarcação de Unidades de Conservação (UCs)2 pôs fim ao abuso de


poder capitalista, à grilagem de terras públicas, à cobiça e menor ataque às
riquezas minerais.

A política de criação de UCs teve êxito porque criou um mecanismo


institucional de resolução de conflitos em torno da terra (Allegretti, 2008).
Em adição, as terras que eram privadas se tornaram públicas e permitiram
o ingresso de políticas sociais, econômicas e ambientais. Essa estratégia
assegurou permanência dos moradores, direitos à efetivação de roças,
criação de animais, caça, pesca e coleta de produtos naturais.

Com as resexs, iniciam-se os desafios de efetivação das propostas definidas


pelo movimento de seringueiros. E a partir de agora, o que acontece?
O Estado brasileiro não se manifesta por meio de implementação de
projetos e aguarda parcerias e investimentos de organizações e instituições
internacionais. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Eco-92) indicava sinais positivos às resexs e reservas
indígenas. Três anos após a conferência, as propostas aos povos e
comunidades tradicionais entram em processo de execução.

Por exemplo, o Programa-Piloto para Proteção de Florestas Tropicais do


Brasil (PPG7) assegurou apoio financeiro de US$ 350 milhões, sendo 24%
da União Europeia, 7% da Grã-Bretanha, 5% distribuídos entre Estados
Unidos, Japão, França e Países Baixos e 10% do Brasil (Scholz, 2002).
A organização financeira acrescenta que o PPG7 foi estabelecido para
conciliar desenvolvimento social e econômico, preservar a biodiversidade
de Florestas Tropicais, reduzir emissões de gás carbônico na Amazônia e
apresentar exemplo de cooperação internacional.

Todos os esforços do PPG7 tiveram objetivo de reduzir ou frenar a


destruição de florestas. Para isso, a demarcação de resexs e áreas indígenas
foram medidas prioritárias. As resexs Alto Juruá e Chico Mendes, AC, Rio
Ouro Preto, RO, e Rio Cajari, AP, tiveram oportunidades e experiências de
investimentos do PPG7. Na primeira fase (1995–1999), houve realização de
projetos de fortalecimento a cadeias produtivas extrativistas, demarcação
de áreas indígenas e resexs, incentivos técnicos produtivos, projetos de
educação, saúde e aquisição de infraestrutura, entre os principais.

2
Áreas que contemplam as categorias de uso integral e sustentável. A primeira se refere às
de grande interesse biológico e permite visitação, turismo e pesquisa científica. A segunda
autoriza permanência de comunidades tradicionais à subsistência e conservação.
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 89
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Na segunda fase (2003–2009), a União Europeia e o Banco Interamericano de


Desenvolvimento (BID) planejaram investimentos para as UCs amazônicas,
mas ficaram apenas no campo de negociações. A União Europeia achou
difícil fazer compromissos financeiros na segunda fase (2003–2009), em
razão da baixa eficácia da primeira fase (Melo, 2006).

No entanto, o PPG7 investiu US$ 463,1 milhões na implementação de


projetos sustentáveis na Amazônia e na Mata Atlântica, em cinco áreas
estratégicas: apoio à produção sustentável e manejo dos recursos naturais;
estratégias de criação e ampliação de áreas protegidas, com demarcação de
terras indígenas; fortalecimento dos órgãos estaduais de meio ambiente,
com a descentralização da gestão ambiental e territorial; apoio à pesquisa
científica e tecnológica (Brasil, 2009).

De modo positivo, ambientalistas comemoram os números alcançados de


áreas demarcadas destinadas à conservação. Por exemplo:
A criação de mais de 100 milhões de hectares de áreas
protegidas na Amazônia e Mata Atlântica, nos quais estão
incluídos 2,1 milhões de hectares de reservas extrativistas,
44 milhões de hectares de terras indígenas demarcadas e
72 milhões de hectares de corredores ecológicos; apoio a
cerca de 50 iniciativas de manejo florestal sustentável em
escalas comunitária e empresarial, dos quais contribuíram
para formulação de um modelo de exploração madeireira
sustentável; apoio à estruturação de associações de
produtores no emprego de novos modelos de produção
adaptados às condições amazônicas, com atenção especial ao
uso do fogo no manejo agrícola e à geração de renda; manejo
sustentável dos recursos naturais da várzea dos rios Solimões
e Amazonas, região de grande importância ecológica e
econômica; e apoio a iniciativas de manejo comunitário dos
recursos pesqueiros [...] (Brasil, 2009).

Assim, o PPG7 contribuiu para a criação dos pressupostos favoráveis à entrada


do mercado e ao processo de globalização na Amazônia, e essa experiência
de transição aconteceu em dois momentos: o primeiro caracterizado pelo
objetivo da conservação e o segundo, pela mercantilização da natureza
(Antoni, 2010).

Outro plano-piloto de ação que substituiu o PPG7 foi o Programa Áreas


Protegidas da Amazônia (Arpa). A diferença notável se refere ao exagerado
conservacionismo das Florestas Tropicais. A denominação “áreas protegidas
90 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

da Amazônia” faz jus aos propósitos e ações governamentais nacionais,


internacionais e organizações não governamentais (ONGs).

O maior objetivo do Arpa é preservar 135,4 milhões de hectares em UCs


da Amazônia e, para isso, a previsão de investimentos é de R$ 1 bilhão
em 36 anos (2003–2039) (Brasil, 2022). Os investimentos contam com os
seguintes parceiros: Ministério do Meio Ambiente (MMA), World Bank
(WB), Kreditanstalt für Wiederaufba (KFW), Global Environment Facility
(GEF), World Wide Fund (WWF/Brasil), Fundo Amazônia (FA/BNDES), Fundo
Brasileiro para Biodiversidade (Funbio), Natura e Boticário (Freitas, 2018).

Com efeito, o PPG7 foi o primeiro programa-piloto que priorizou


desenvolvimento socioambiental. O Arpa substituiu e continua com
finalidades ainda mais claras e definidas em defesa da fauna e da flora em
UCs amazônicas. Nessa seção, a abordagem aponta a importância e/ou os
fatores positivos que influenciaram a criação de UCs, a exemplo dos desafios
da categoria de seringueiros, reconhecimento internacional e efetivação de
projetos socioambientais, entre os principais.

Os dois programas-piloto (PPG7 e Arpa) foram importantes para a


demarcação de UCs e experiências visando conservação e desenvolvimento.
Além disso, é importante ressaltar a contínua colaboração de
pesquisadores antes, durante e após as resexs. Os estudiosos possuem
vieses antropológicos, sociais, culturais, ambientais e econômicos. Estes se
dividem em duas correntes opostas, particularmente, os conservacionistas
e os desenvolvimentistas. A primeira defende prioritariamente os recursos
ambientais e a segunda, a melhoria nas condições de vida dos habitantes.

Na próxima seção, a discussão e a análise mostrarão os efeitos e as limitações


dos resultados dos programas, a maneira de relação e atuação institucional,
as causas de desflorestamentos, impactos ambientais, e o desequilíbrio
socioambiental de resexs.

Fatores negativos que ameaçam a


existência de resexs
Resgatando a análise dos programas-pilotos (PPG7 e Arpa) mencionados
no tópico anterior, é necessário tecer alguns comentários em relação aos
seus resultados. Na avaliação ocorrida em setembro de 2009, instituições
governamentais e de pesquisa, comunidade internacional e organizações
da sociedade civil comemoraram o sucesso do PPG7 na primeira (1995–
1999) e na segunda fase (2003–2009).
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 91
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Na verdade, a segunda fase estava planejada anos antes da finalização da


primeira, porém, não houve continuidade em razão do insucesso desse
período. Na segunda fase (2003–2009), os valores para realização dos projetos
foram suspensos pelo World Bank (WB) e pelos parceiros internacionais, em
razão das insignificantes metas alcançadas (Freitas, 2018). O Brasil ficou sem
poder para determinar continuidade, porque apresentou contrapartida
de 10% do valor total dos investimentos, bem como foi responsável pelo
gerenciamento e aplicação dos recursos. As UCs ficam sujeitas a um regime
de proteção externa (condicionadas às decisões do G7), mesmo sendo
protagonista legal (Arruda, 1999).

A primeira fase do Arpa (2003–2010) coincide com a segunda do PPG7, o


que demonstra que a avaliação teve discurso político partidário e não foco
nos resultados. Mesmo com a ineficácia do PPG7, a aposta no Arpa foi ainda
maior (2003–2039). Sou cético em relação ao sucesso por dois motivos: o
PPG7 almejou sucesso de aproximadamente duas décadas, implementou
alguns projetos ambientais, econômicos e sociais e mesmo assim foi
ineficaz na primeira etapa (1995–1999); o segundo refere-se à prioridade
na demarcação de UCs e aos milhões de hectares a serem preservados,
ignorando, portanto, as comunidades tradicionais que moram nessas áreas.

Esse objetivo causa muitos problemas e traz consequências negativas


duradouras. Apesar dos instrumentos jurídicos, o discurso de UCs de uso
sustentável perde credibilidade e continua afetado pela insubsistência,
exclusão social e degradação ambiental (Hall, 1991). Apesar disso,
condições de extrema pobreza foram identificadas em casas de muitos
seringueiros (Brown; Rosendo, 2000), a exemplo de insuficiência econômica,
mercados limitados para produtos florestais, altos custos de transação e
vulnerabilidade às flutuações de preços (Hall, 2004).

Do ponto de vista produtivo, não é possível a manutenção de comunidades


tradicionais apenas com renda extrativista, o que torna preocupante o foco
excessivo na conservação. O extrativismo não se sustenta economicamente
e há perdas de recursos ambientais além de seu limite em resexs (Homma,
2012) e perda de valor diante do esfacelamento econômico e crescimento
da agropecuária e da mineração (Clement, 2006).

A produção da borracha obteve grande importância para o desenvolvimento


da Amazônia e economia do País. Foi o extrativismo da seringueira
que permitiu o processo de povoamento da região, a construção de
infraestrutura produtiva, sustentou a economia nacional por três décadas
92 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

(como terceiro produto de exportação), vindo depois do café e do algodão,


e ainda promoveu a anexação do Acre à soberania nacional (Homma, 2012).

Contudo, em decorrência das oscilações e decadência de preços da borracha


na Amazônia, o produto originário do látex reduziu oferta e afetou a renda
de resexs. A produção total de borracha entre todas as famílias caiu de 1996
a 2001 e de 2001 a 2006, apesar do aumento do subsídio durante os dois
períodos (Wallace et al., 2018).

A castanha-do-brasil, por exemplo, se tornou um dos principais produtos


extrativistas de resexs. No entanto, a oferta (3 a 4 meses ao ano) e o preço
somam pouco à composição da renda familiar. As famílias assentadas na
Resex Chico Mendes possuem nível de vida inferior a um salário mínimo e,
mais preocupante ainda, cerca de 15% dessas famílias estão abaixo da linha
da pobreza (Maciel et al., 2018a).

Mesmo com o subsídio da Lei Chico Mendes e a instalação de uma fábrica de


preservativos masculinos (que enfrenta problemas políticos, institucionais e
econômicos), a borracha e a castanha-do-brasil chegaram a seu limite na
geração de renda, devido às dificuldades de implementação de inovações
tecnológicas, racionalização produtiva, organização e regulação de
mercados (Maciel et al., 2018b).

Nessas circunstâncias, com a queda do extrativismo, outros sistemas


produtivos crescem acentuadamente. Não diferentemente de áreas privadas
onde se desenvolve agricultura familiar na Amazônia, as resexs exercem
práticas agrícolas rudimentares tanto pela herança indígena quanto pela
ausência de tecnologias. A título de exemplo, a principal atividade de resex
é a agricultura, com o cultivo da mandioca (Manihot esculenta Crantz), como
sucede comumente na Amazônia, sendo o extrativismo uma atividade
complementar (Calle et al., 2014). A má gestão e a expansão agrícola estão
entre as principais causas de perdas absolutas de florestas em UCs (Collins;
Mitchard, 2017).

Além da agricultura, a pecuária bovina e bubalina tornou-se o produto


de maior crescimento econômico de resexs, em virtude das facilidades
de mercado. O gado é fácil de vender, traz garantias de segurança para o
produtor (Gomes et al., 2012) e se tornou a melhor opção econômica para a
pequena produção (Cavalcanti et al., 2018).

Esses três sistemas produtivos apresentam peculiaridades e potencialidades


distintas. O ideário extrativista retoma importância com o movimento dos
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 93
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

seringueiros nas décadas de 1970 e 1980, período em que o movimento


resolveu lutar por direitos ambientais (resexs sob concessão de uso), sociais
(educação, saúde, etc.) e econômicos (produção extrativista). O momento foi
oportuno porque houve sensibilidade e comoção nacional e internacional
após a morte de Chico Mendes. Nessa lógica, o extrativismo reduziria o
trauma procedente do crescimento econômico e do desflorestamento.

A despeito dos valores culturais e reconhecimento dos modos de vida


tradicionais, a maioria dos habitantes de resexs optaram por questões
econômicas que garantem subsistência, uma vez que a renda extrativista
se tornou complementar à agricultura e à pecuária. Os rendimentos
procedentes da agricultura e pecuária se mostram semelhantes, dado que
a renda domiciliar mensal ficou entre meio e um salário mínimo em cada
sistema produtivo, confirmando, portanto, os desafios extrativistas, isto é,
abaixo de meio salário mínimo (Freitas et al., 2018).

O poder de mercado do boi vem influenciando os habitantes, pois as


resexs foram criadas em resposta aos desflorestamentos para formação
de pastagens. Hoje, com menor impacto à época de investimentos
empresariais, as resexs internalizaram a criação bovina com objetivo de
resolver problemas econômicos. Com a ampliação de desflorestamentos
por meio da forte cadeia da pecuária e desvalorização da cadeia extrativista,
seringais com mais de 20% de desflorestamento podem se tornar norma
para a Resex Chico Mendes (Mascarenhas et al., 2018). Os autores explicam
que, nos últimos anos, a taxa de desflorestamento cresceu intensamente.

Alguns motivos justificam o desequilíbrio que acontece nessas áreas. O modelo


de UCs supõe uma dicotomia conflitante entre ser humano e natureza (Arruda,
1999), ora pelos baixos investimentos financeiros (Araújo; Bernard, 2016), ora
pela ausência de participação comunitária (Bockstael et al., 2016), que demanda
revisão e incorporação de ações efetivas que atendam os objetivos de criação e
manutenção (Vitali; Uhlig, 2009).

E ainda, passou de uma conquista do movimento seringueiro que


administrava seus territórios com autogestão a forte controle governamental
(Prost; Santos, 2016), o formato atual configura concessão de território pelo
Estado para o Estado (Dumith, 2018), e o funcionamento do controle e
poder do Estado gera falsa impressão de que há partilha de poder decisório
nos dispositivos institucionais (Araújo; Nicolau, 2018).

Os problemas enumerados confirmam modelo de gerenciamento institucional


autocrático, com baixa flexibilidade e representação comunitária. O Instituto
94 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) possui visão


predominantemente preservacionista (Prost, 2018), uma vez que suas ações
provocam exclusão e injustiça social (Bernardes et al., 2018), e impactam
negativamente a qualidade dos ecossistemas (Costa, 2018).

Esses problemas acontecem por falta de recursos financeiros e por concentrar


os esforços em objetivos equivocados ao desenvolvimento socioambiental.
O Brasil continua recebendo grandes investimentos externos destinados
a reduzir suas taxas de perda florestal em UCs. No entanto, a má gestão,
a exploração ilegal de madeira, as queimadas e a expansão da agricultura
justificam os desgastes (Collins; Mitchard, 2017).

Por mais que haja oscilações de desflorestamento anual nestes 32 anos


de resexs, as perdas absolutas foram consideráveis. As resexs tinham
estoque de carbono restante na vegetação florestal (acima e abaixo
do solo) de 2,1 bilhões de toneladas, entretanto, o carbono perdido pelo
desflorestamento totalizou 74,9 milhões de toneladas (Fearnside et al.,
2018).

Efetivamente, qual a situação atual das UCs de uso sustentável? A complexidade


e o número de problemas preocupam o presente e o futuro das UCs da
Amazônia. Os desflorestamentos explicam a ineficácia de instituições públicas
como responsáveis por planejamento, organização, direção e controle. O que
confirma o insucesso é a associação da ineficiência e aumento das taxas de
desflorestamento em cerca de 80% das reservas tropicais, cujos resultados
ameaçam o habitat natural e o ecossistema (Lui; Coomes, 2016).

Conclusão
Após 32 anos do assassinato de Chico Mendes, o maior legado do movimento
de seringueiros foi a demarcação de territórios. Contudo, a manutenção dos
habitantes nessas três décadas ocorreu de forma tímida. Isto é, os projetos
com finalidade de suprir as necessidades de sobrevivência e resultar em
qualidade de vida não atingiram as expectativas dos moradores. Além
disso, a maioria das famílias realiza atividades combinadas de agricultura,
criação de animais e extrativismo, porque a renda das atividades de coleta é
insuficiente para sobrevivência familiar.

Os habitantes não exercem gestão e controle direto, não foram


experimentadas tecnologias para potencializar o extrativismo e as atividades
da roça. Em adição, as políticas públicas de saúde e educação são insuficientes
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 95
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

e ineficientes para suprir as demandas e melhoria nas condições de vida.


Aqui concluo que a crise socioambiental nas resexs ocorre em razão da baixa
valorização aos costumes e modos de vida das comunidades tradicionais e
dos baixos investimentos em políticas sociais e econômicas.

É necessário olharmos para as potencialidades locais de cada comunidade


e propormos alternativas que resultem na redução de desigualdades sociais
e pressão aos recursos ambientais. Para isso, o Estado deve respeitar e
valorizar o trabalho científico e implementar projetos viáveis, de modo a
modificar a atual insustentabilidade de reservas extrativistas na Amazônia.

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ESTIMULANDO UMA
TRANSIÇÃO FLORESTAL
PRODUTIVA
Charles Roland Clement
Ronaldo Pereira Santos

T
ransições florestais ocorrem em países, ou regiões dentro de países,
quando a área desflorestada diminui em comparação com áreas de
expansão florestal secundária (Barbier et al., 2017). Transições desse
tipo foram identificadas em países desenvolvidos nas últimas décadas e
estão ocorrendo em alguns estados da Mata Atlântica brasileira. No início
da década 2010–2020, com a diminuição das taxas de desflorestamento
na Amazônia, a ideia de que uma transição florestal poderia ser esperada
em curto prazo na região parecia possível. Infelizmente a instabilidade
política em meados da década e especialmente a eleição de um governo
sem nenhuma preocupação ambiental aparente aumentaram as taxas de
desflorestamento na Amazônia novamente, chegando a serem alarmantes
nos anos de 2019 e 2020.

No entanto, a área em sucessão secundária está em expansão na região


(Silva Filho et al., 2020), o que é um dos pré-requisitos para uma transição.
Na maioria da Amazônia essa expansão está ocorrendo em áreas
agrícolas ou pecuárias onde os donos não têm capital suficiente para os
investimentos necessários para manter a produção agropecuária. Em outras
regiões, especialmente no estado do Amazonas, propriedades estão sendo
abandonadas longe dos centros urbanos, criando vazios demográficos e
expansão da sucessão secundária. Na maioria da Amazônia, agricultores
familiares em assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra) e de outras agências possuem áreas de sucessão
100 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

secundária em suas propriedades. Em toda a região, comunidades


tradicionais, especialmente em unidades de conservação, e comunidades
indígenas em terras indígenas estão continuando suas práticas tradicionais
que envolvem o manejo da sucessão secundária, frequentemente criando
florestas secundárias mais produtivas. Nossa pergunta é: como estimular
uma expansão florestal produtiva em outras comunidades ou até entre
empresas agropecuárias de pequeno porte?

Concomitante com a aceleração das mudanças climáticas em curso, está


se expandido o interesse em restaurar áreas degradadas, especialmente
florestais, e o plantio de árvores em geral para sequestrar carbono.
A recuperação de áreas degradadas é um princípio basilar da Política
Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 9.938/1981), lógica que reverbera em
diversos outros diplomas legais de mesma natureza. Esse interesse de
caráter institucional está explícito na Lei da Política Nacional de Mudanças
Climáticas (Lei nº 12.187/2009), no Acordo de Paris, do qual o Brasil é
signatário, no Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651/2012) e no Plano
de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal.
A Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) estabeleceu
metas de redução das emissões dos gases do efeito estufa de 37% até
2025 e 43% até 2030, a maior parte de que deverá vir de mudanças no
uso da terra, com reduções de desflorestamento para agricultura e
expansão de manejo florestal, inclusive em áreas possivelmente em
transição florestal. Essa meta não será alcançada porque as taxas de
desflorestamento aumentaram dramaticamente em 2019 e 2020. O Código
Florestal pretende contribuir para a gestão de uso da terra via Cadastro
Ambiental Rural (CAR), que usará a regularização fundiária para estimular
o ordenamento territorial, uma vez que permite saber, em tese, quem são
os donos das propriedades. O código também estimula o reflorestamento
em áreas degradadas, que expandiu a demanda para sementes de
espécies florestais nativas, uma parte da qual está sendo atendida por
comunidades tradicionais e indígenas, bem como alguns agricultores
familiares. Aliado a esse fator, a Política Nacional de Recuperação de
Vegetação Nativa (Proveg) pretende reflorestar 12 milhões de hectares até
2030 (Brasil, 2017), com custo estimado entre 31 e 52 bilhões de reais.

Ocorre que esse arcabouço institucional, com estreita relação com as metas
dos gases do efeito estufa, fica ameaçado se o aparato estatal de comando
e controle, responsável pelo controle do desflorestamento ilegal, for
desmantelado, como tem ocorrido recentemente. O cenário político atual
está desfavorável, dado o desinteresse do atual governo em controlar o
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 101
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

desflorestamento, mas também pela falta de alternativas para mudanças


de paradigma no uso da terra que poderiam gerar benefícios para os
proprietários ao mesmo tempo em que alcançam metas legais. Uma possível
alternativa para alterar a forma de condução administrativa no trato com os
infratores foi delineada recentemente por Santos (2019), que chamou de
Gestão Ambiental Integrativa ou Colaborativa, em que empreendedores,
agropecuaristas e governo ganhariam mais se colaborassem mutuamente
do que o contrário: menos litígios gerariam mais confiança no setor, inclusive
dos investidores ou compradores internacionais.

Integrados ao Proveg e ao Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC),


alguns projetos financiados pelo Fundo Amazônia aproximam-se dessa
ideia de restauração florestal. No entanto, a maioria da possível transição
florestal na Amazônia ocorrida na última década estava acontecendo por
interesse individual ou até por acaso, e não em resposta a políticas públicas
ou projetos de organizações não governamentais (ONGs) apoiados pelo
fundo, especialmente na segunda metade da década 2010–2020. A Aliança
pela Restauração na Amazônia, um consórcio de instituições liderado
pela Conservação Internacional, conseguiu identificar 2,7 mil projetos
de restauração que ocupam uma área de 113,5 mil hectares (Aliança pela
Restauração na Amazônia, 2020). A maioria das áreas de sucessão secundária
sequestra algum carbono sem produzir outros benefícios importantes para
o bem-estar das famílias que habitam as áreas em que a sucessão está
acontecendo. Isto é curioso porque Oldekop et al. (2020) demonstraram
numa revisão internacional que a restauração pode ser uma fonte de renda
para os diversos atores que vivem direta ou indiretamente das florestas.

No universo de modelos de produção, nas propriedades rurais na Amazônia


onde ocorre sucessão secundária, podemos identificar três grupos gerais
de atores: comunidades tradicionais e comunidades indígenas; agricultores
familiares (camponeses) recém-chegados à Amazônia (por exemplo,
projetos do Incra) ou não (por exemplo, colonização da época de borracha);
e empresas agropecuárias de diferentes escalas. Evidentemente, qualquer
classificação tão esquemática tem problemas, mas permite pensar em
termos de conhecimento, interesse próprio e possibilidades de investimento
dentro de cada grupo.

Analisando inicialmente os primeiros atores, as comunidades tradicionais


e comunidades indígenas frequentemente manejam suas sucessões
secundárias para produzir alimentos (frutos e caça), plantas medicinais
e madeira para construção e manufatura de artefatos. Além disso, essas
102 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

comunidades manejam as florestas a seu redor, muitas das quais contêm


concentrações de fruteiras, incluindo palmeiras e árvores (Levis et al., 2018).
Com base nas estimativas das populações de quatro palmeiras e duas
árvores hiperdominantes (Steege et al., 2013), Clement (2019) estimou
que essas seis espécies poderiam produzir mais proteína anualmente do
que todos os bois na Amazônia (Tabela 1). Se incluíssemos outras espécies
hiperdominantes com algum grau de domesticação (Levis et al., 2017), a
produção de alimentos e proteína seria bem maior.

Tabela 1. Estimativas conservadoras de produção de alimentos e proteína


de seis espécies hiperdominantes da Flora Amazônica por ordem de
abundância e seu equivalente em número de bois de 500 kg (que tem 42,5 kg
de proteína). Em todos os casos, os menores estimativos de produtividade,
de porcentagem de parte útil e de proteína na parte útil fresco foram usadas.
Polpa Semente Proteína Boi
Ordem Espécie Abundância
(t) (t) (t) (M)
1 Euterpe precatoria 5,4 x 109 3,2 x 107 6,5 x 105 15,3
6 Oenocarpus bataua 3,6 x 109
2,3 x 107
7,6 x 105 17,8
7 Euterpe oleracea 3,6 x 109 2,2 x 107 4,3 x 105 10,1
22 Mauritia flexuosa 1,5 x 109
1,5 x 107
2,3 x 105
5,3
24 Theobroma cacao 1,4 x 109 2,0 x 106 5,9 x 104 1,4
178 Bertholletia excelsa 4,0 x 108 4,0 x 107 6,0 x 106 141,2

t = toneladas métricas. M = milhões.


Fonte: IBGE (2022b).

Essas estimativas demonstram que existe a possibilidade de produzir alimentos


de alta qualidade com a floresta em pé, algo que é ignorado pelas políticas
públicas, mas não pelas comunidades tradicionais e indígenas. Como sempre,
existem alguns gargalos: mão de obra e cadeias de comercialização. Colher
as frutas e castanhas em florestas em pé requer mão de obra especializada,
com conhecimento ecológico local. Uma vez colhidas, as frutas e castanhas
precisam ser escoadas rapidamente ou semiprocessadas localmente, ambos
os quais requerem capital e gestão adequada.

O cacau (Theobroma cacao) e a castanha (Bertholletia excelsa) possuem


longas histórias econômicas na Amazônia, inicialmente como “drogas do
sertão”, durante o período de colonização portuguesa (Homma, 2003).
O cacau ficou tão importante que foi levado para o sul da Bahia, onde
gerou enorme riqueza para os barões locais. No final do milênio passado,
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 103
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

a cultura foi incentivada em diversas partes da Amazônia, algumas das


quais passaram a ser importantes fornecedoras para o mercado nacional.
Na última década, chocolate gourmet virou moda e numerosas pequenas
empresas fabricantes de chocolate estão aparecendo.

A castanha aumentou em importância durante a época da borracha, pois


frutifica quando os seringueiros não estão sangrando látex. No entanto,
a castanha nunca chegou a ser tão importante como o cacau, embora
seja o cartão postal dos produtos florestais não madeireiros da Amazônia
(Guariguata et al., 2017). Mesmo assim, muitas comunidades têm pequenas
fábricas para processamento da castanha que entra no mercado nacional e
até internacional. Tanto o cacau como a castanha ocorrem em aglomerações
na floresta, chamadas de “ais” (cacauais e castanhais, respectivamente)
criados por manejo indígena e tradicional (Levis et al., 2018). A ocorrência
em “ais” facilita a colheita e manejo, viabilizando o início de suas cadeias
de comercialização. Quase todas as novas fábricas de processamento de
cacau e castanha dependem de “ais” e as comunidades estão ativamente
manejando e expandindo os “ais” existentes.

Nas últimas duas décadas, os açaís (Euterpe oleracea e Euterpe precatoria) se


tornaram vedetes entre os produtos florestais não madeireiros, ganhando o
apelido de superfruta e conquistando mercados nacionais e internacionais
(Homma et al., 2014). Essas duas espécies ocorrem em concentrações
populacionais na floresta chamadas de açaizais. No estuário do Rio Amazonas,
o açaí-do-pará ocorre em concentrações maiores que de um monocultivo (com
o espaçamento recomendado pela Embrapa Amazônia Oriental) e existem
ao redor de 10 mil quilômetros quadrados desses açaizais. Na Amazônia
Central e Ocidental, o açaí-do-amazonas não chega a ser tão adensado, mas
é muito abundante em muitas localidades. Como no caso do cacau e da
castanha, as fábricas instaladas para processar açaí dependem de açaizais
e as comunidades envolvidas estão ativamente manejando e expandindo
seus açaizais. No caso do açaí-do-pará, o manejo frequentemente transforma
um açaizal em um monocultivo, eliminando a chance de obter certificação
orgânica ou socioambiental (Freitas et al., 2015).

Essas quatro espécies são usadas preferencialmente para enriquecer


as sucessões secundárias após a coleta das roças de mandioca nas
comunidades tradicionais e comunidades indígenas, sempre quando tem
escoamento de sua produção. Dependendo da localidade, outras espécies
entram no sistema, especialmente quando tem a possibilidade de escoar a
104 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

sua produção para atender novas demandas. No leste do Pará, bacurizeiro


(Platonia insignis) e uxizeiro (Endopleura uchi) estão em expansão para
atender o mercado de Belém (Shanley et al., 2016).

Duas empresas de cosméticos de renome nacional, Natura e O Boticário,


estão ativos em criar cadeias de comercialização para óleos e essências
típicos da Amazônia, muitas das quais estão sendo plantadas em sucessões
secundárias. Em toda a Amazônia, comunidades tradicionais e comunidades
indígenas estão experimentando com diferentes produtos em suas
sucessões secundárias. Em geral, produtos alimentícios possuem cadeias de
comercialização com maiores volumes, embora os preços unitários possam
ser menores, e os produtos cosméticos possuem cadeias com menores
volumes, embora com preços unitários maiores.

Em muitas comunidades tradicionais em unidades de conservação, o


Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) está
incentivando o manejo florestal comunitário, colocando madeira de boa
qualidade no mercado legal. Como o ICMBio segue as recomendações de
manejo florestal do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama), o manejo raramente envolve enriquecimento
com outras espécies produtivas, embora algumas comunidades estejam
experimentando por conta própria. O Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) tentou estimular isto também quando criou um
novo modelo de assentamento sustentável (Esterci; Schweickardt, 2010),
embora tivesse poucos resultados até agora devido à falta de investimentos.
Clement e Higuchi (2006) sugeriram que o enriquecimento deveria ser
adotado em geral, porque as florestas precisam ser manejadas para preparar
para as mudanças climáticas em andamento. Embora esses autores sugiram
usar essências madeireiras melhor adaptadas a estiagens, a mesma lógica
vale para fruteiras, medicinais, óleos e óleos essenciais. Aliás, a floresta já
está se adaptando às mudanças climáticas naturalmente.

O segundo grupo de atores merece uma análise particular. São agricultores


familiares de pequena e média escala que migraram de outras regiões
brasileiras para a Amazônia (ou entre regiões da própria Amazônia) à
procura de novas oportunidades de acesso à terra. Em sua maioria, já
possuem alguma experiência no campo (Bergamasco, 1997). A maioria
dessas famílias foi recrutada pelos processos de seleção das políticas
públicas de assentamentos do Incra no modelo territorial denominado
projeto de assentamento, onde os novos colonos recebem um lote de terra
vendido a preços subsidiados pelo governo. Em geral, as áreas dos projetos
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 105
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

de assentamentos estão localizadas em áreas de terra firme, na beira de


rodovias ou nas suas proximidades (franjas das “espinhas de peixe” nos
mapas de desflorestamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais),
onde estão boa parte desses territórios oficiais do governo. Mesmo quando
os assentados desistem de áreas da reforma agrária dos projetos, geralmente
buscam locais com algum desenvolvimento (estrada, comunidades ou
cidades) cuja dinâmica socioambiental é muito parecida.

Nesse grupo, o perfil de manejo das propriedades se assemelha um pouco às


comunidades tradicionais e indígenas: no geral, baseia-se essencialmente na
subsistência, com emprego de pouca tecnologia, uso do fogo, gerando baixa
renda como resultado. Às vezes arrendam as propriedades para grupos de
maior poder econômico (o que é vedado pela legislação em assentamentos,
diga-se de passagem). Além da subsistência, frequentemente produzem
para comercialização com esperança de melhoria da renda. Apesar disso,
esses agricultores familiares geralmente não estão integrados às cadeias
de comercialização formais e seus resultados de produtividade são
baixos, sobretudo se compararmos ao padrão mais comum de exploração
capitalista que se tem visto na região nas últimas duas décadas [exploração
da madeira, pastagem e soja (Domingues; Bermann, 2012).

Por sua vez, pontualmente algumas iniciativas dentro de projetos de


assentamento caminham para o uso de áreas de sucessão secundária
com alguns bons resultados de mercado e geração de renda, sobretudo
iniciativas ou tecnologias que se aproximam da agroecologia ou de sistemas
produtivos de menor impacto. Sousa et al. (2017) mencionam o relevante
potencial de sistemas agroflorestais (SAFs) em área de capoeira ou em
estágio médio de regeneração, num assentamento Água Branca, Manaus,
Amazonas. Ainda no Amazonas, dezenas de agricultores assentados
estão trabalhando junto à Rede Maniva de Agroecologia do Amazonas,
nas chamadas Unidades de Referência Agroecológica, especialmente nos
municípios de Manaus, Presidente Figueiredo, Rio Preto da Eva e Itacoatiara.
Algumas dessas famílias estão aumentando a oferta de produtos orgânicos
ou em transição às feiras de alimentos da capital. Os SAFs representam a
maioria (59%) dos exemplos de restauração identificados pela Aliança pela
Restauração na Amazônia (2020), com forte presença em Rondônia.

Outras iniciativas menores, mas com potencial, têm origem em projetos de


assentamentos do Incra. A primeira, embora mais antiga (década de 1980),
merece atenção porque ocorre em áreas de sucessão secundária: o Projeto
de Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado (Reca), localizado
106 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

no distrito de Nova Califórnia, município de Porto Velho, Rondônia, à beira


da Rodovia BR-364, intensamente desflorestada. O projeto se inspirou
em sistemas agroflorestais, com açaí, castanha, cupuaçu (Theobroma
grandiflorum) e palmito (Bactris gasipaes), todos com certificado de origem
orgânica. Outro exemplo mais recente é o do plantio de café conilon
(Coffea canephora) no Projeto de Assentamento do Juma, Apuí, Amazonas
(Figueiredo et al., 2016; Aliança pela Restauração na Amazônia, 2020). A
iniciativa mescla o plantio do cafeeiro em áreas ainda com características
de floresta em sistema agroflorestal, intercalando guaraná (Paullinia cupana
var. sorbilis) e açaí, ou outras espécies que proporcionam a exploração da
madeira, como mogno (Swietenia macrophylla) e cedro (Cedrela odorata).
Embora a escala territorial seja ainda tímida, a produtividade e o potencial
parecem ser um indicativo que pode ser uma alternativa para estimular a
transição florestal produtiva em regiões com intenso desflorestamento.

O terceiro grupo, das empresas agropecuárias, é tão diverso como os outros


grupos: constitui-se por empresas de exportação, que seguem as exigências
socioambientais dos países importadores, e outras que querem exportar,
mas que não estão capitalizadas ou não têm como atender as exigências
socioambientais, nem as leis brasileiras sobre desflorestamento. Nesse
grupo é possível incluir também os médios e grandes agropecuaristas
que fomentam a cadeia vendendo para os exportadores. As empresas
de exportação tendem a proteger seus remanescentes florestais e até
praticam reflorestamento de áreas degradadas impróprias para seus
cultivos principais, mas sem pensar em florestas produtivas para além
do carbono. As empresas de menor porte, sem capital e com restrições
legais, são o problema e, provavelmente, são os donos de grande parte da
transição florestal atual. O Cadastro Ambiental Rural, do Código Florestal,
foi desenhado para tentar legalizar esses tipos de empreendimentos, mas
ainda não está claro até que ponto o cadastro está conseguindo incorporá-
-los. Sem capital e sem legalidade, é difícil pensar em estimular transições
florestais produtivas. Mesmo assim, tem havido uma tentativa de setores
do agronegócio que já perceberam a importância de mudança de discurso
e prática, como é o caso da Coalizão Clima, Floresta e Agricultura (Coalizão
Brasil Clima, Florestas e Agricultura, 2022), que tem entre suas diretrizes a
restauração florestal.

As empresas de exportação possuem as condições tecnológicas e capitais


para investir em transições produtivas, especialmente as empresas
pecuárias. A Embrapa Amazônia Oriental recomenda sistemas silvipastoris
para a produção pecuária, que oferecem a vantagem de estocar carbono
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 107
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

ao mesmo tempo em que oferecem sombra para os animais no sul da


Amazônia cada vez mais quente. A inclusão de fruteiras e castanheiras
nesses sistemas pode oferecer alimentos adicionais para os animais, sem
exigir muita mão de obra adicional. As empresas de grãos podem considerar
a ideia de enriquecer suas transições florestais com essências madeireiras
tolerantes às altas temperaturas esperadas na região no futuro próximo,
como recomendado por Clement e Higuchi (2006).

Deste rápido resumo é evidente que comunidades tradicionais, comunidades


indígenas e alguns agricultores familiares estão manejando suas sucessões
secundárias para serem mais produtivas, e o número de casos é muito maior
do que os listados aqui e pela Aliança pela Restauração na Amazônia (2020).
O problema para a transição florestal no âmbito amazônico é que atualmente
essas comunidades manejam uma fração relativamente pequena das
sucessões secundárias. A maioria está em propriedades agropecuárias de
diferentes portes, embora uma parte esteja em assentamentos do Incra,
cujos colonos nunca receberam orientação e treinamento para seguir as
práticas tradicionais e indígenas; mesmo se o Incra iniciasse esse tipo de
treinamento agora, a maioria da sucessão secundária não estará incluída.

E então? O que fazer num cenário de estímulo ao desflorestamento


e desmonte da máquina federal de fiscalização socioambiental? Os
governadores da Amazônia se reuniram no início de agosto de 2019 para
planejar como estimular o governo federal a garantir o Fundo Amazônia e,
se não funcionar, iniciar negociações diretas com os financiadores do Fundo
Amazônia para apoiar as iniciativas estaduais, muitas já em andamento
e outras em planejamento. Todos os governos estaduais têm políticas
públicas de estímulo a suas ideias sobre o desenvolvimento sustentável,
incluindo o incentivo à restauração de áreas degradadas e manejo florestal,
bem como agências ambientais. O gargalo comum é o colapso econômico
em andamento desde 2015, complicado ainda mais pela pandemia da
covid-19 em 2020, que deixou os estados sem recursos e com problemas
para atender a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Se os financiadores do Fundo Amazônia concordam em apoiar as agências


ambientais estaduais para voltar a desestimular o desflorestamento, bem
como apoiar os projetos de desenvolvimento sustentável em andamento,
é possível pensar em incluir ideias para estimular uma transição florestal
produtiva na região. Uma ferramenta ainda pouco explorada pelos governos,
prevista no Código Florestal de 1965 e mantida no de 2012, é a da reposição
florestal. Trata-se da obrigação àqueles que legalmente pedem autorização
108 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

para desmatar áreas naturais (fora de Áreas de Preservação Permanente e


de Reserva Legal) para que restaurem área equivalente explorada. Alguns
estados (Amazonas e Pará) têm preferido receber o valor para o Fundo
Ambiental, em vez de cobrar a restauração em campo. Em tese, o recurso
deveria ser usado para a restauração realizada pelo próprio governo, mas
dada a crise dos orçamentos, é comum a aplicação em outros projetos sem
relação com a restauração.

É evidente, neste curto ensaio, que as propostas para estímulo à transição


florestal produtiva passam por experiências já trilhadas e outras que
precisam ser reforçadas. Por exemplo, não tem nada novo em termos de
alternativas já construídas ao longo dos últimos 25 anos, quando a Eco-92
estimulou muitos projetos voltados para a proteção das Florestas Tropicais,
como o Programa-Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil
(PPG7). Esse modelo fica ainda mais importante quando o governo não
se importa com a redução dos recursos oriundos do Fundo Amazônia
para projetos dessa natureza na Amazônia. Assim, uma das formas de se
incentivar a transição florestal produtiva é por meio do financiamento de
projetos a fundo perdido por agências internacionais e países interessados
em ajudar os estados da Amazônia via suas fundações ou ONGs. Ros-Tonen
(2007) já sugeria este caminho:
Um terceiro efeito da globalização da preocupação com a
questão ambiental é o aprimoramento das relações entre os
atores locais envolvidos com a gestão florestal e a comunidade
internacional, como é o caso das ONGs ambientais e os centros
de pesquisa que apoiam o uso sustentável da floresta. Isso
resulta em novos fóruns de negociações, parcerias, alianças
e ações conjuntas para a conservação e manejo sustentável
das florestas. No nível local, estão surgindo novas parcerias
entre os doadores internacionais, agências governamentais,
ONGs nacionais e internacionais, o setor privado, centros
de pesquisa e as comunidades locais para a proteção e co-
-manejo dos recursos florestais.

Esse caminho do estímulo para a restauração florestal, como uma forma de


resposta à inação do governo federal, passa cada vez mais por iniciativas
de grupos não governamentais. Um exemplo relevante é a Aliança pela
Restauração na Amazônia, um consórcio de organismos sociais (ONGs),
alguns governos e diversos institutos de pesquisa (Aliança pela Restauração
na Amazônia, 2020).
PARTE I - AGRICULTURA NA AMAZÔNIA: 109
SUSTENTABILIDADE E MEIO AMBIENTE

Outra possibilidade para uma transição florestal que não pode ser
negligenciada é o surgimento de um mercado que é resultado do próprio
desmatamento. Mesmo que o Código Florestal tenha dado brecha para uma
moratória das multas ou a não recuperação de parte das áreas degradadas,
verdade é que ainda assim há um vasto conjunto de áreas que por lei
devem ser recuperadas. As pequenas empresas agropecuárias que querem
se associar às cadeias de exportação abertas pelos grandes exportadores
não têm outra opção se querem participar. Por isso, com o avanço do
desmatamento, ganhou força também a ideia de gerar emprego e renda
a partir da recuperação dessas áreas (Checoli et al., 2016). Alguns motivos
dão força a essa previsão, sendo o primeiro o fato de o Brasil ter assumido
no Acordo de Paris o desafio de restaurar 12 milhões de hectares até 2030.
Embora este não pareça ser muito provável, dada a estagnação econômica
atual e o desmonte administrativo federal, o Brasil vai ser cobrado. Segundo,
é o fato de que o Código Florestal estimula a recuperação dessas áreas com
espécies que não precisam ser florestais, mas que possam gerar renda (art.
54 e 66), o que pode ser combinado com o Proveg, o Plano ABC e os recursos
do Fundo Amazônia (se retorna).

Dado o potencial agregador de resultados socioeconômicos, atrelado


à quantidade de famílias e áreas virtualmente candidatas, os projetos de
assentamento novamente figuram como grandes indutores de projetos
voltados para a recuperação de áreas desmatadas. Nesse novo “filão” de
mercado, há várias técnicas de Recuperação de Áreas Degradadas, mas uma
que gerou notícia foi o chamado Projeto Muvuca, pelos seus bons resultados
(técnica de nucleação com o plantio misturado de várias espécies nativas e
exóticas ao mesmo tempo, formando as ilhas de diversidade), do qual fazem
parte também projetos de assentamentos do Incra em Mato Grosso.

O que importa aqui é que muitos atores têm interesse próprio em estimular
transições florestais produtivas, mesmo que às vezes nem reconheçam esse
interesse ainda. Muitos ainda não têm o conhecimento necessário, nem o
capital disponível para investir no que é necessário. Mas existem possibilidades
de colaboração internacional que aumentaram com o desflorestamento
e as queimadas de 2019 e 2020, embora provavelmente vão precisar ser
construídos sem a colaboração do governo federal. É importante lembrar
que há vários mecanismos institucionais e legais prontos para fomentar a
transição florestal: Cadastro Ambiental Rural, Proveg, Programa Agricultura
de Baixo Carbono, estímulos do Código Florestal e recursos do Fundo
Amazônia. No entanto, essas ferramentas são inócuas se não acontecer uma
mudança radical na atual administração pública federal, o que demandará
110 Sinergias de mudança da agricultura amazônica:
conflitos e oportunidades

a agregação de outros setores da sociedade, como a Coalizão Brasil ou a


Aliança pela Restauração na Amazônia.

Os governadores da Amazônia Legal já demonstraram seus interesses. As


grandes empresas agropecuárias exportadoras podem se tornar parceiros
ativos, em lugar de espectadores. Embora as ONGs estejam sendo
demonizadas pelo governo federal, em âmbito estadual e municipal elas
são importantíssimas, e os governos desses níveis na federação reconhecem
esse fato. Dado esse contexto de ação estadual e local, é possível imaginar
um futuro em que os estados da Amazônia Legal assumam posições de
liderança na tentativa de trilhar caminhos mais socioambientalmente
amigáveis para o desenvolvimento da região. Imaginar esse futuro é
especialmente importante para participar efetivamente da Década das
Nações Unidas para a Restauração de Ecossistemas de 2021 a 20301.

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PARTE II
OCUPAÇÃO, MUDANÇA
NO USO DA TERRA E
AGRICULTURA

Foto: Alfredo Homma

Manejo de bacurizeiros a partir de rebrotamentos


no município de Maracanã, Pará.
TEORIAS APLICADAS AOS
CONFLITOS EM PROJETOS
DE REFORMA AGRÁRIA:
prevenção e controle
Jorge Luís Nascimento Soares

Introdução

N
as relações humanas, quando os conflitos de interesse fogem da
capacidade de entendimento entre as partes, o poder público é
demandado para intermediar as discussões ou aplicar os instrumentos
legais de restauração da ordem. A intermediação do Estado nos projetos
de assentamentos implantados pelo governo federal ocorre por ação das
ouvidorias agrárias e tem acomodação na aplicação de legislação específica,
o que torna a barganha célere e justa, mesmo com prejuízo para as partes
envolvidas.

A intervenção legal se faz necessária, mormente quando a situação


alcança estádios extremos e o Estado, por dever de ofício, deve atuar. Há
situações em que a busca por soluções amigáveis, além de fortalecer as
relações interpessoais, pode dar visibilidade às vantagens econômicas
ocultas. Entretanto, é senso comum que parte dos conflitos nos projetos
de assentamentos rurais tem origem na fase de implantação, quando há
inconsistência nos procedimentos de aquisição das áreas, na seleção dos
beneficiários ou na distribuição espacial dos lotes.

O objetivo do presente estudo é abordar algumas teorias aplicadas à solução


de conflitos sociais, na perspectiva de contendas entre famílias beneficiárias
do Programa de Reforma Agrária. São medidas preventivas na condução
dos bens comuns, que devem ocorrer na origem dos projetos, e medidas
116 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

corretivas, quando o momento é de mediação de contendas nos projetos


instalados, de modo a prescindir do apoio externo.

Situação do problema
A Ouvidoria Agrária Nacional é o instrumento de governo criado para
interceder nas situações de conflitos no campo, como os embates pela
posse e uso da terra, os casos que envolvem os beneficiários do Programa
de Reforma Agrária e o Estado e os conflitos entre beneficiários de
assentamentos rurais. Para Lyra (2003), as ouvidorias agrárias têm sido
efetivas na mediação dos conflitos agrários, o que perpassa por busca de
entendimento entre as partes de modo a evitar a evolução para uso da
força, a exemplo dos mandados de manutenção e reintegração de posse,
nas ocupações irregulares, e de busca e apreensão quando há violação dos
direitos humanos.

Ao ser avocado o Estado, em regra, a contenda já se encontra em fase crítica


e as iniciativas do poder público ficam restritas à aplicação da legislação, o
que pode ensejar o uso da força. É o caso das ocupações de terras quando
as demandas judiciais ocorrem motivadas por mortes, ou nos embates por
direitos ao usufruto de bens comuns que, quando extemporâneos, podem
comprometer e até inviabilizar a qualidade dos recursos. A morosidade da
justiça tem registro em Loureiro e Pinto (2005), quando abordam situações
graves de conflitos no estado do Pará e que a presteza dos órgãos de
controle tem motivação consoante a repercussão dos fatos.

São recorrentes os casos em que maciços florestais, pastagens e


reflorestamentos, quando destinados ao uso comum nos projetos
de assentamentos federais (PA), são descaracterizados e ilegalmente
ocupados. Nesses casos, os conflitos ocorrem por desordem na gestão
dos bens, o que precede a apropriação do recurso por terceiros. Em regra,
os institutos de terras optam por reconhecer as ocupações, parcelando e
destinando as áreas ocupadas, na perspectiva de estabelecer ambiente de
responsabilização. Entretanto, a privatização tardia dos bens comuns para
solucionar conflitos e conter os impactos ambientais, além de não proteger
o meio ambiente, motiva novas ocupações, o que tem sintonia com as
observações de Oliveira e Carvalho (2016) ao abordarem a morosidade da
justiça na solução de contendas no estado de Goiás.

Quando os conflitos ocorrem em áreas com interesse minerário, as empresas


mineradoras aplicam o expediente de desafetação “limpeza da área”, com
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 117

indenizações atrativas e o entendimento simplificado da Constituição Federal,


quando assevera que “são bens da União os recursos minerais, inclusive os
do subsolo” (Brasil, 1988). Ao incidirem em áreas de assentamentos rurais, os
beneficiários/superficiários do projeto são motivados a desocupar suas terras
mediante acordos atrativos com os mineradores, restando ao Programa de
Reforma Agrária os ônus econômicos e sociais.

Teorias em foco
Os conflitos nos PAs estão predominantemente relacionados à complexidade
de gestão dos bens econômicos e por externalidades que emanam da
atividade humana, com abordagens que se modificam consoante com os
direitos de propriedade a que estão submetidos. Heller (1998) reitera ao
afirmar que, em uma propriedade rural, os bens de importância ambiental,
social e econômica estão sujeitos a tratamentos construídos ao sabor do
pertencimento a que estão submetidos.

Para o autor, os bens podem ocorrer em propriedades de uso privado,


propriedades de uso comum ou em propriedades do Estado. A propriedade
privada diz respeito a quando uma entidade tem poder sobre o uso de um
determinado recurso; já a propriedade comum se refere ao uso de recursos
compartilhados, para os quais não existe apenas um detentor de direitos; e
a propriedade do estado assemelha-se à propriedade privada, no sentido
de que existe apenas um tomador de decisão sobre o uso, mas difere
no sentido de que esse uso deve ser tal que atenda às necessidades da
sociedade como um todo.

Os bens em uma propriedade rural ainda podem ser tipificados de acordo


com a modalidade de domínio a ele atribuída, quando são identificados,
para o mesmo bem, a condição de bens comuns cuja relação de interesses é
abordada por Hardin (1968) em A Tragédia dos Comuns e por Ostrom (1990)
em Governing the Commons, ou são bens não comuns, com abordagem de
Heller (1998) em A Tragédia dos Anticomuns. As externalidades advindas
das atividades de desenvolvimento local, em que pese serem negativas ou
positivas, dizem respeito ao potencial econômico intangível, ao que Soares
(2013), ao determinar a capacidade de geração de renda em comunidades
rurais no Pará, atribuiu a condição de potencial econômico indireto ou difuso.
Nesses casos, a correlação de interesses foi investigada por Coase (1960), no
que ficou conhecido como O Problema do Custo Social, com visibilidade para
as externalidades nas tratativas para a solução de conflitos.
118 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tragédia dos Comuns


A Tragédia dos Bens Comuns, originalmente descrita por Lloyd (1964)
e defendida em ensaio de Hardin (1968), é uma situação em que
indivíduos agindo de forma independente e racionalmente de acordo
com seus próprios interesses se comportam em contrariedade aos
melhores interesses de uma comunidade, esgotando algum recurso
comum. A hipótese levantada pela teoria declara que o livre acesso
e a demanda irrestrita de um recurso finito culminam por condenar
estruturalmente o recurso por conta de sua sobre-exploração.

Garrett Hardin (1915–2003) chama a atenção para os problemas que não


podem ser solucionados por meios técnicos, isto é, distintos daqueles com
soluções que exigem somente uma mudança nas técnicas das ciências
naturais, exigindo pouca ou nenhuma mudança nos valores humanos ou
ideias de moralidade. Fica evidente que os bens de uso comum integram
a classe de problemas humanos que podem ser chamados de “problemas
técnicos sem solução” ou cuja solução técnica desejada não é possível ou
não é encontrada nas ciências naturais.

O autor apresenta um exemplo hipotético de uma pastagem compartilhada


por pastores locais. Assume-se que os pastores desejam maximizar sua
produção e que assim aumentarão o tamanho do rebanho sempre que for
possível. A utilidade de cada animal adicional possui um componente tanto
positivo, quando o pastor recebe todo o lucro sobre cada animal adicional,
quanto negativo, quando a pastagem é ligeiramente degradada pelo aumento
de unidade animal além da sua capacidade de suporte, o que remonta para o
uso excessivo e completa degradação do bem em longo prazo.

A garantia de proteção ocorre em virtude do comportamento “racional”


do proprietário privado. O pastor racional conclui que o único caminho
sensato para ele seguir é o de adicionar outro animal a seu rebanho, o que
é replicado por todos que partilham do bem comum, momento quando
ocorre a tragédia. Cada homem está preso em um sistema que o compele
a aumentar seu rebanho sem limites num mundo que é limitado. Ruína é
o destino para o qual todos apontam, cada um perseguindo seu próprio
interesse em uma sociedade que acredita na liberdade dos bens comuns.
Os indivíduos beneficiam-se individualmente de sua capacidade de negar a
verdade, no caso, a tragédia iminente, mesmo que sofra a sociedade como
um todo da qual ele faz parte.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 119

Hardin postula uma progressão histórica do uso de todos os recursos comuns


(acesso não regulamentado para todos) para sistemas nos quais os bens
comuns são “cercados” e sujeitos a métodos de uso restrito (acesso proibido
ou controlado). O autor argumenta contra a confiança na consciência como
um meio de policiar os bens comuns, sugerindo que isto favorece indivíduos
egoístas e não aqueles de grande previdência. Mises (1998) em Human
Action, A Treatise on Economics, sobre o tema faz o seguinte comentário:
Se a terra não pertence a ninguém, embora o formalismo
legal possa chamá-la de propriedade pública, ela é
utilizada sem qualquer consideração pelas desvantagens
resultantes. Aqueles que estão em posição de apropriação
dos rendimentos – madeira e caça das florestas, peixes dos
ambientes aquáticos e depósitos minerais do subsolo –
não se preocupam com os efeitos posteriores, decorrente
do seu modo de exploração. Para eles, a erosão do solo, o
esgotamento dos recursos não renováveis e outros prejuízos
de consequências futuras são custos externos, que não
entram no balanço das empresas. Eles cortam as árvores sem
qualquer preocupação com o reflorestamento; quanto à caça
e a pesca eles não declinam dos métodos que impedem o
repovoamento das áreas.

O autor reitera a alegação de que a liberdade num terreno baldio traz ruína
para todos e expressa soluções potenciais na administração de problemas
envolvendo os comuns, quando sugere a privatização ou o loteamento dos
bens em causa, o que favorece a responsabilização de infratores. A aplicação
de expedientes coercitivos e repressivos, a exemplo da estratégia do poluidor-
-pagador e das multas, é uma clara definição dos autores.

A solução mediante privatização mostra-se ofensiva na atualidade,


entretanto os parques nacionais, limitados em extensão e de acesso
irrestrito, apresentam recorrentes ilícitos ambientais, o que contrasta
com o verificado no Bosque Rodrigues Alves na região metropolitana de
Belém, quando 16 ha de Floresta Amazônica com acesso restrito mantêm
preservadas as peculiaridades de floresta nativa (Soares, 2021).

Tragédia dos Anticomuns


A solução para enfrentar a tragédia dos comuns seria a privatização dos
recursos, mas isso pode inadvertidamente desencadear o contrário, o que
Heller (1998) denominou de Tragédia dos Anticomuns. Ele mostrou que
120 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

o oposto ao uso excessivo de um bem comum é a sua subutilização. Em


suma, a perspectiva da Tragédia dos Anticomuns mostra que os direitos
de propriedade, quando fragmentados, burocratizam os procedimentos
de gestão e de uso dos bens, o que concorre para o número expressivo de
instalações em ruínas nos PAs.

A tragédia dos anticomuns refere-se a uma situação na qual os direitos


sobre um recurso passam a ser detidos por entidades que podem excluir
terceiros do seu uso, implicando em sua subutilização. Esse conceito é uma
imagem espelhada da tragédia dos comuns que se refere a situações em que
vários indivíduos esgotam um recurso comum limitado, pois nenhum dos
detentores de direitos pode bloquear as ações dos demais (Michelman, 1982).

Para as edificações na Rússia, Heller (1999) observou que, após a queda do


comunismo, armazéns de rua em várias cidades da Europa estavam vazios
enquanto vários quiosques surgiam. Esses armazéns estavam susceptíveis
a uma subutilização devido ao fato de possuírem vários donos (que podem
ser locais, regionais, agências federais, entre outros), os quais com direitos
de excluir outros de utilizarem o recurso. O autor concluiu que o fato de
alguns prédios estarem vazios se deu do fato de haver múltiplos donos
com direitos sobre o uso do espaço de cada prédio, o que tornava difícil, ou
impossível negociar o uso de um espaço com sucesso, mesmo que todas
as pessoas com direitos sobre o uso dos espaços estivessem perdendo
dinheiro com as lojas vazias.

Filipe et al. (2006) enfatizam que, pela importância que vem assumindo no
tratamento de muitas matérias, a Teoria dos Anticomuns passou a ter uma
relevância considerável em questões que se prendem à disseminação dos
direitos sobre um recurso, que passam a ser detidos por várias entidades. No
caso dos comuns, a existência de muitos agentes a utilizar um recurso leva
a um ineficiente nível de utilização e a uma especial propensão para o uso
excessivo. Quando vários donos têm direitos de exclusão sobre terceiros,
relativo ao uso de recurso escasso, e nenhum desses donos exerce um
efetivo privilégio de uso sobre o recurso, esse recurso poderá ficar sujeito
a uma utilização deficitária, o que corresponde à tragédia dos anticomuns.

Os autores alertam para o fato de que, após o aparecimento de um


anticomum, o processo de passagem para o âmbito de um direito de
propriedade privada pode ser moroso e extremamente lento, dadas
as características associadas aos processos em causa. Essa realidade
deixa antever a existência de dificuldades em ultrapassar a tragédia dos
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 121

anticomuns, assim como requer alguma reflexão sobre a necessidade de


regular os direitos de propriedade para ultrapassar de forma célere esses
problemas, sem levantar ambiguidades e salvaguardando devidamente os
direitos adquiridos ao abrigo da propriedade privada.

Teoria dos Recursos Comuns


Elinor Ostrom (1933–2012), Prêmio Nobel de Economia em 2009,
apresenta uma leitura divergente ao que é apresentado por Hardin. Para
a pesquisadora, a tragédia dos comuns não é tão prevalente ou tão difícil
de ser contornada como sustentam seus idealizadores, uma vez que os
moradores frequentemente surgem com soluções para o problema dos
comuns (Ostrom, 1999). Entretanto, a autora contemporiza ao afirmar
que, quando os comuns são tomados de assalto por indivíduos não locais,
essas soluções deixam de ter aplicação efetiva e passam a assimilar os
entendimentos de Hardin.

A flexibilização de Ostrom tem assento nos projetos de assentamento


convencionais, o que corresponde à modalidade PA federal, notadamente
ocupados por indivíduos forasteiros. Nesses casos, são evidentes
as limitações na condução dos bens de uso comuns, a exemplo de
remanescentes florestais, pastagens e represas, em que a desordem de
interesses culmina na degradação do bem. No mesmo formato, as áreas
destinadas como reservas coletivas, em regra, são objeto de denúncias
por extração ilegal de madeira e caça predatória, o que tem motivado os
institutos de terras a aplicarem o expediente de cercamento ou privatização
das áreas para assegurar direitos e responsabilidades.

A Teoria dos Recursos Comuns defendida pela autora está embasada em


estudos empíricos de avaliação da capacidade gestora de populações
rurais, quando responsáveis pela gestão dos próprios recursos. Conclui
afirmando que os resultados, nos casos de comunidades tradicionais,
são mais eficientes que o previsto pela teoria de Hardin, e que nestas
comunidades o comportamento dos agentes não condiz com egoísmo e
individualismo apresentado na abordagem do mesmo autor. Os estudos
de Ostrom revelam que, desde que o conjunto de princípios e de regras
de pertencimento esteja bem definido, seja aceito e respeitado por todos,
consegue-se evitar a sobre-exploração dos bens comuns.

Com referência aos PAs convencionais, a congregação de recursos comuns


pelas partes interessadas, nos casos de comunidades não locais ou sob
122 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

intensa modificação cultural, são eficazes quando submetidas a apropriada


regulação externa. Quando não, as áreas devem estar submetidas a alguns
requisitos definidos por Ostrom como princípios fundamentais para
solucionar o dilema da tragédia dos comuns, o que sugere monitoramento,
autonomia local e boa governança.

Teorema de Coase
Além das possibilidades econômicas de produção de riqueza e renda,
vinculadas a bens tangíveis, a desordem espacial desencadeada pela
intervenção humana no ambiente suscita externalidades diversas. Para
Soares (1999), externalidades são efeitos colaterais de uma decisão sobre
aqueles que não participaram dela. Existe uma externalidade quando há
consequências para terceiros que não são levadas em conta por quem
toma a decisão. São as intervenções humanas no meio ambiente que
podem apresentar externalidades positivas, quando a floresta é manejada
de modo apropriado, ou negativas, quando os resíduos são descartados
de modo inadequado.

O teorema desenvolvido por Ronald Coase (1910–2013), Prêmio Nobel de


Economia de 1991, em O Problema do Custo Social, procura demonstrar a
possibilidade de uma solução privada ótima às externalidades, a partir
de solução formulada sem a interferência de órgãos de controle e que
maximiza o bem-estar social (Coase, 1960).

De acordo com o Teorema de Coase, quando os custos de transação


são desprezíveis (custos associados à proteção dos direitos), uma boa
política a ser adotada para corrigir ineficiências geradas pela existência
de externalidades é a definição adequada dos direitos de propriedade.
Coase argumenta que a legislação voltada a solucionar tais problemas
não é tão importante ou eficiente em ajudar as partes envolvidas quanto
governantes e legisladores acreditam. Para o autor, se os agentes afetados
por externalidades puderem negociar a partir de direitos de propriedade
bem definidos, normalmente pelo Estado, poderão negociar e chegar a um
acordo em que as perdas por externalidades serão internalizadas.

O autor usa o exemplo de um caso judicial em que um fabricante de doces


barulhento é vizinho de um médico silencioso, que tem seu trabalho
importunado por aquele, tal que ambos foram à justiça para determinar
quem deveria se mudar. Coase argumenta que, independente de o juiz
julgar que o fabricante deveria parar de usar seu maquinário ou que o
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 123

médico deveria se adaptar ao barulho, ambos poderiam atingir um acordo


mutuamente benéfico tal que a eficiência econômica fosse máxima. Por
exemplo, tal que um se mude e o outro o compense financeiramente de
modo que a alocação de recursos seja equivalente à produção exercida pela
parte que se mudou, caso ficasse no local, ou que uma parte compense
a outra financeiramente pelas adequações necessárias tal que ambas
permaneçam no local, de modo que o ganho mútuo seja máximo. Coase
pondera que os custos de transação envolvidos na barganha (custos
adicionais, judiciais e outros) podem inviabilizar aspectos vantajosos de
pouca visibilidade.

Resultados
De acordo com Hardin, a existência de bens comuns nas comunidades
rurais é temerária, uma vez que, por razões de individualismo e egoísmo de
natureza humana, a degradação dos recursos por uso excessivo é iminente.
O autor sugere, para evitar a tragédia e suas derivações sociais e ambientais,
que os prédios rústicos a fazer parte do Programa de Reforma Agrária sejam
parcelados e destinados em sua totalidade. Os direitos de propriedade,
quando bem definidos, favorecem a identificação de infratores e, por
conseguinte, a aplicação dos instrumentos de defesa do meio ambiente.

É o caso do PA Benedito Alves Bandeira, em Acará, PA, quando uma área com
pastagem foi excluída do parcelamento para compor os itens de usufruto
coletivo do assentamento. A dificuldade em compartilhar o manejo do
bem e a desordem de interesses culminaram na completa degradação do
recurso. Na mesma esteira, os remanescentes florestais, a exemplo das áreas
de interesse ambiental, quando coletivos, em regra são objeto de ilícitos
ambientais, o que tem fortalecido a teoria de privatização dos recursos.

Para Ostrom, os fundamentos de Hardin estão alinhados aos PAs com


beneficiários não locais, o que justifica a privatização dos recursos como
medida protetiva. Entretanto, nos casos de projetos agroextrativistas em
áreas sob florestas e ilhas e várzeas no estado do Pará, quando o propósito
é atender comunidades tradicionais, não há tragédia dos recursos comuns,
visto que as famílias extrativistas e ribeirinhas salvaguardam o modus
operandi de trato com a natureza selecionado naturalmente, por gerações,
o que comporta o uso responsável dos recursos naturais.

Por conseguinte, o ambiente de investigação de Ostrom incide em


ambientes tradicionais, o que remonta para famílias de indivíduos locais
124 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

em um cenário de harmonia do homem com o meio ambiente. Para essa


realidade, o desafio dos órgãos de controle externo, mercado e Estado, é o
de distanciamento, de suporte da autogovernança e de reverência à cultura
e às tradições locais. Portanto, os ambientes de estudo de Ostrom e Hardin
não colidem quanto aos atores envolvidos e o objeto de investigação, o que
torna inapropriado comparações e juízo de valor, sem prévia adequação dos
fatores observados.

Por ocasião da implantação de um PA, as edificações, os semoventes e


as culturas permanentes são compartilhados entre os beneficiários do
empreendimento. Porém, mesmo insertos em parcelas demarcadas,
submetidos à responsabilização direta, o que corrigiria a tragédia dos
comuns, os bens são alcançados pela tragédia dos anticomuns, pois os
direitos de propriedade, em regra, não estão claramente definidos. Os
beneficiários, quando fiéis depositários de bens finitos, promovem a sua
subutilização, o que fica evidente nas edificações em ruínas e nos projetos
e sistemas agroflorestais no abandono. Por conseguinte, o desinteresse na
gestão do bem pelo titular não proprietário e a capacidade de impedir que
outros o façam sustentam a tragédia dos anticomuns.

Em estudos preliminares para obtenção da Fazenda Paricatuba, atual PA Abril


Vermelho, em Santa Bárbara do Pará, edificações, represas, galpões, estradas
e culturas permanentes foram indenizados por ocasião da obtenção da
antiga propriedade (Incra, 2018). As benfeitorias não reprodutivas quando
não expostas à ação do tempo foram saqueadas por terceiros ou removidas
pelos assentados de modo desordenado. O mesmo ficou evidenciado
para as benfeitorias reprodutivas, quando a fragmentação dos direitos de
propriedade foi determinante para a subutilização e perda dos recursos,
no caso, as essências florestais nos Sistemas Agroflorestais, o que enseja a
tragédia dos anticomuns no projeto.

O teorema de Coase sugere alternativas para a solução de conflitos após a


instalação dos projetos, quando as externalidades apresentam visibilidade
e devem integrar os acordos, o que pode ocorrer sem a demanda de órgãos
de controle. É o caso de lotes às margens de cursos d’água, quando as
famílias a jusante, quando em conflito com os beneficiários a montante,
contemporizam com medidas compensatórias em assuntos relacionados
à qualidade da água; ou nos lotes com potencial minerário, quando as
famílias resistem em serem expropriadas e condicionam a lavra em suas
terras à participação nos lucros das empresas de mineração.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 125

Coase sugere contrapor o expediente de desafetação das áreas, ocasião em


que as famílias superficiárias, então beneficiárias do programa de Reforma
Agrária, são motivadas a desistir de suas parcelas mediante acordos com as
empresas mineradoras. Para o autor, o entendimento entre as partes deve ser
construído de modo a evitar as barganhas, geralmente longas e onerosas, e
que os termos acordados devem apresentar chancela dos institutos de terra,
em face da magnitude dos interesses envolvidos. Ademais, o estudo rompe
a cultura equivocada em que o subsolo pertence à união em detrimento
dos superficiários e acena com a inclusão dos custos sociais nas tratativas
de acordo.

Ainda sobre as ponderações de Coase em estudo apresentado no II Congresso


Nacional dos Peritos Federais Agrários, Soares (2016) assevera que, além
dos rendimentos diretos advindos da atividade agropecuária, devem ser
considerados os rendimentos indiretos, difusos ou externalidades. De acordo
com o estudo, não é justo avaliar a capacidade de geração de riqueza de
uma comunidade rural com dados restritos aos indicadores econômicos
convencionais, sem reconhecer os valores intangíveis da agricultura
familiar organizada. O autor enfatiza que um projeto de assentamento em
conformidade com o Plano Nacional de Reforma Agrária contribui no controle
de emissão de gases de efeito estufa, promove a conservação dos solos, dos
recursos hídricos e da biodiversidade, além da relevância social ao conter o
processo migratório campo/cidade e a expansão do latifúndio e o minifúndio.

Conclusão
As investigações permitem concluir que parcela dos conflitos nos
assentamentos rurais tem origem nos procedimentos de implantação dos
projetos e em questões de instabilidades nas relações interpessoais. Em
ambos os casos, os problemas estão associados à tipologia das famílias
assentadas e na governança dos empreendimentos.

O estudo revela a importância em conter a presença de bens comuns nos


projetos, quando as famílias são constituídas por indivíduos não locais, o
que resgata reflexões de apelo ortodoxo nas políticas de desenvolvimento.
A privatização dos recursos naturais favorece a responsabilização por
danos ambientais e concorre para a exclusão de um ponto de divergência
nos assentamentos rurais, diretamente relacionado à sobre-exploração
dos recursos comuns. Quanto aos assentamentos tradicionais, em que os
beneficiários são indivíduos locais, não há espaço para a tragédia dos comuns.
Nesses casos, as operações de instalação devem prover a delimitação do
126 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

espaço territorial, enquanto as políticas públicas de desenvolvimento


devem ser pautadas na valorização da cultura e nos saberes locais.

As benfeitorias não reprodutivas, edificações, por exemplo, devem ter


destinação célere e com clarificação de direito de propriedade, para evitar
conflitos, abandono e a depleção do bem, e deve ocorrer por ocasião da
implantação do projeto. Quanto às benfeitorias reprodutivas, gado bovino,
reflorestamento e sistemas agroflorestais, o entendimento é para a sua
exclusão das avaliações imobiliárias, nos casos de aquisição por compra
e venda, de modo a permanecer sob a responsabilidade do proprietário a
sua destinação.

Para os assentamentos rurais em curso, os embates estão associados às


externalidades produzidas nas relações de convivência. Além dos fatos
diretamente relacionados à contenda, devem fazer parte das mediações
valores de importância monetária não aparente, o que condiz com a
intermediação de profissionais com expertise na leitura dos custos sociais
nas relações humanas.

As teorias apresentadas contemplam iniciativas de prevenção e solução


de conflitos recorrentes nos assentamentos rurais, de modo a prescindir
de apoio externo. A política de privatização dos recursos surge para suprir
a inabilidade do poder público na aplicação da legislação ambiental. As
iniciativas conservadoras, excluídas das tratativas de interesse solidário,
assumem protagonismo no enfrentamento dos problemas sociais e
ambientais no meio rural, além de expor a fragilidade de governança dos
assentamentos rurais implantados pelo governo federal.

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DINÂMICA DO USO E COBERTURA
DO SOLO NO ESTADO DO PARÁ:
pastagens na década de 2000,
segundo o TerraClass
Moisés Cordeiro Mourão de Oliveira Júnior
René Jean Marie Poccard-Chapuis
Alfredo Kingo Oyama Homma
Adriano Venturieri
Cláudio Aparecido de Almeida
Hervé Théry

Introdução

D
urante um longo período, a avaliação do uso e cobertura da terra
na Amazônia esteve centrada, quase exclusivamente, na questão
do desflorestamento (Fearnside, 1993, 2005, 2006; Wood; Porro,
2002), seus efeitos (Prates, 2008; Lorena; Lambin, 2009; Prates; Bacha, 2010;
Valeriano et al., 2012) e suas causas (Margulis, 2004; Soares-Filho et al., 2006;
Garcia et al., 2007).

Essa discussão, iniciada no fim dos anos 1980, versa sobre a substituição da
cobertura florestal original em seus diversificados tipos, a saber: Florestas
Densas, Savanas, Campinas/Campinaranas, florestas monodominantes,
Manguezais e Vegetação Secundária. Esta última apresentando diferentes
conformações fitofisionômicas dependentes de seu tempo de regeneração
e uso anterior (Vieira et al., 2003; Almeida et al., 2010; Wandelli; Fearnside,
2015). Entretanto, as avaliações de desflorestamento são orientadas
exclusivamente por seu referencial em Florestas Densas e Vegetação
Secundária (Souza Filho et al., 2006; Câmara et al., 2006).

Após o estabelecimento de uma nova fase, em que foi assinalada a redução


e a estabilidade do desflorestamento (Soares-Filho et al., 2010; Le Tourneau,
2016; Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2017), a partir de meados
dos anos 2000, surge uma nova orientação, na qual a questão dos destinos
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 129

dessas áreas desflorestadas e seus usos alternativos (Aguiar et al., 2016;


Dias et al., 2016) toma a centralidade da discussão. Nesse cenário de pós-
desflorestamento, a compreensão do sortimento do uso e cobertura de
terra (Veldkamp; Lambin, 2001; Turner et al., 2007), suas propriedades
(Aguiar et al., 2007), métricas características (Rosa et al., 2012; Lausch et al.,
2015), escala adotada (Simova; Gdulova, 2012) e dinâmica (Soares-Filho et
al., 2006; Mendonça et al., 2012) são abordagens correntes, algumas vezes
concorrentes, mas com vocação complementar.

Considerando o espaço dos ambientes naturais, os quais são constituídos


de ambientes urbanos, rurais e suas transições (Gribb; Czerniak, 2016),
a qualificação dos usos da terra nesses ambientes é fundamental para
seu entendimento. Um programa como o TerraClass (Coutinho et al.,
2013; Almeida et al., 2016) atua como uma ferramenta de ampliação da
compreensão das formas de uso e cobertura do solo, representando toda
a Amazônia Legal, a qual compreende nove estados brasileiros (totalidade
dos estados Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima,
Tocantins e grande parte do Maranhão), representando cerca de 59% de
todo o território nacional e 25 milhões de habitantes (IBGE, 2019b, 2022).

Segundo Gribb e Czerniak (2016), os sistemas de classificação de uso e


cobertura da terra devem atender a três critérios: (i) descrever a natureza
dos usos e coberturas existentes de maneira acurada e com detalhamento
adequado; (ii) aderir consistentemente à lógica de futuras classes e
planejamentos de uso e cobertura; (iii) ser compatível com tipologias de
uso nas políticas de desenvolvimento, gestão, regulações e ordenações
territoriais. Desse modo, a definição de classes e categorias analíticas
de uso e cobertura da terra é vista como uma questão estratégica para o
entendimento da dimensão territorial, seu ordenamento e avaliação de
políticas públicas (Almeida et al., 2014).

Material e Métodos
Categorias e classes de uso e cobertura da terra
A partir de uma matriz de dados TerraClass consolidada, composta do
total de área nas diferentes categorias e classes de uso e cobertura da
terra no estado do Pará (Tabela 1), compreendendo os anos de 2004, 2008,
2010, 2012 e 2014, foram calculados os valores relativos de cada uma das
categorias e classes, em função da área total dos municípios. Com fins de
análise, foram selecionadas somente as categorias situadas em condições
130 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

pós-desflorestamento, cujo objetivo foi direcionar a análise aos usos e


coberturas mais correntes, buscando retirar condicionantes estruturais
(hidrografia, área urbana, domínio de fitocenoses: representados por floresta
e não floresta), condicionantes de imprecisão (área não observada, outros
usos e cobertura) ou condicionantes de descontinuidade (mineração).

Tabela 1. Classes de uso e cobertura da terra adotadas no TerraClass.


Classes
Acrônimo Descrição(1)
adotadas
Área de floresta primária da Amazônia Legal não alterada,
Floresta FLOR (%)
também utilizada pelo projeto Prodes
Áreas com cobertura florestal de outra natureza que não
Não Floresta N-FLOR (%) a Ombrófila Densa: Savana/Cerrado, florestas de várzeas,
Campinas/Campinaranas, Manguezais, etc.
Área da Amazônia Legal alterada em um ano específico, também
Desflorestamento DESF (%)
utilizada pelo projeto Prodes
Áreas caracterizadas pelo plantio homogêneo de espécies
arbóreas, tais como paricá (Schizolobium amazonicum), teca
(Tectona grandis) e eucalipto (Eucalyptus grandis). Apresentam
Reflorestamento REFLO (%)
como característica principal o plantio em grandes talhões de
formato geométrico regular e resposta espectral semelhante à
Vegetação Secundária
Áreas que, após a supressão total da vegetação florestal,
encontram-se em processo avançado de regeneração da
Vegetação
VEGSEC (%) vegetação arbustiva e/ou arbórea ou que foram utilizadas para
Secundária
a prática de silvicultura ou agricultura permanente com uso de
espécies nativas ou exóticas
Áreas extensas com predomínio de culturas de ciclo anual,
sobretudo de grãos, com emprego de padrões tecnológicos
Agricultura Anual AGRIAN (%)
elevados, tais como uso de sementes certificadas, insumos,
defensivos e mecanização, entre outros
Áreas de pastagem em processo produtivo com predomínio de
Pasto Limpo PAS-LIM (%) vegetação herbácea e cobertura de espécies de gramíneas entre
90% e 100%
Áreas de pastagem em processo produtivo com predomínio da
vegetação herbácea e cobertura de espécies de gramíneas entre
Pasto Sujo PAS-SUJ (%)
50% e 80%, associado à presença de vegetação arbustiva esparsa
com cobertura entre 20% e 50%
Áreas que, após o corte raso da vegetação natural e o
desenvolvimento de alguma atividade agropastoril, encontram-
Regeneração com -se no início do processo de regeneração da vegetação nativa,
PAS-REG (%)
Pasto apresentando dominância de espécies arbustivas e pioneiras
arbóreas. Áreas caracterizadas pela alta diversidade de espécies
vegetais

Continua...
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 131

Tabela 1. Continuação.
Classes
Acrônimo Descrição(1)
adotadas
Áreas que, após o corte raso da floresta e o desenvolvimento de
Pasto com Solo
PAS-SOLEX (%) alguma atividade agropastoril, apresentam uma cobertura de
Exposto
pelo menos 50% de solo exposto
Áreas representadas por uma associação de diversas
modalidades de uso da terra e que devido à resolução espacial
Mosaico de das imagens de satélite não é possível uma discriminação entre
MOSAI (%)
Ocupações seus componentes. Nesta classe, a agricultura familiar é realizada
de forma conjugada ao subsistema de pastagens para criação
tradicional de gado
Áreas de manchas urbanas decorrentes da concentração
populacional formadora de lugarejos, vilas ou cidades
Área Urbana URB (%) que apresentam infraestrutura diferenciada da área rural,
apresentando adensamento de arruamentos, casas, prédios e
outros equipamentos públicos
Áreas de extração mineral com a presença de clareiras e solos
Mineração MINER (%) expostos, envolvendo desflorestamentos nas proximidades de
águas superficiais
Áreas que não se enquadram nas chaves de classificação e
apresentam padrão de cobertura diferenciada de todas as
Outros OUTRO (%)
classes do projeto, tais como afloramentos rochosos, praias
fluviais, bancos de areia entre outros
Representado por rios, lagos e represas, com presença
Hidrografia HIDRO (%)
mandatória de corpos de água com 100% de cobertura
Áreas que tiveram sua interpretação impossibilitada pela
Área Não presença de nuvens ou sombra de nuvens, no momento de
NO (%)
Observada passagem para aquisição de imagens de satélite, além das áreas
recentemente queimadas
(1)
Conforme descrição de Coutinho et al. (2013).

Buscando uma orientação mais sintética, algumas classes foram reunidas


a fim de definir categorias derivativas, tais sejam: (α) cultivos agrícolas –
compreendendo a agricultura anual (AGRIAN) e o mosaico de ocupações
(MOSAI); (β) pastagens – compreendendo todas as classes representantes
de pastagens, tais sejam: pasto limpo (PAS-LIM), pasto sujo (PAS-SUJ),
regeneração com pasto (PAS-REG), pasto com solo exposto (PAS-SOLEX); (γ1)
pastagens em boas condições – sinonímia de pasto limpo (PAS-LIM) e (γ2)
pastagens demandantes de recuperação – todas as classes que englobam
pastagens, à exceção de pasto limpo.
132 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A fim de definir quais das categorias apresentaram poder discriminantes


entre os municípios, foi conduzida uma análise fatorial (factor analysis), tendo
como base a concatenação entre as classes e categorias selecionadas e o ano
de avaliação (LULC-ano). Assim, teríamos, por exemplo, a categoria pasto
limpo nos anos 2004, 2008, 2010, 2012 e 2014. O mesmo procedimento foi
adotado no caso das classes propostas. Ressalta-se que, por tratar-se de uma
análise não inferencial, a antedependência temporal foi desconsiderada,
sendo as concatenações LULC-ano tomadas como independentes.

Na análise fatorial, a extração dos fatores foi obtida por meio da técnica de
componentes principais. Como significante, adotou-se o autovalor com
valor superior a 1,0 (regra de Kaiser) e o autovetor com |λ| ≥ 0,20 (Johnson;
Wichern, 2007; Fabrigar; Wegener, 2011). As análises foram conduzidas com
auxílio da linguagem R.

Dinâmica da categoria pastagens e sua


qualificação
Tomando-se o intervalo entre 2004 e 2014, foram efetuadas as diferenças
obtidas entre cada uma das classes e categorias. Para definição do
incremento ou redução das áreas de pastagens (P(+), P(-)), foi considerado
um valor em módulo de 5%, valores abaixo desse limiar foram considerados
como constantes (P(0)). A mesma abordagem foi utilizada no caso da
qualidade das pastagens (Q(+), Q(0), Q(-)).

Uma tipificação do tamanho dos rebanhos municipais foi adotada,


considerando quartis aproximados (Figura 1). Os níveis dessa tipificação
(GG, G, M, P e PP) demonstraram uma elevada concentração dos rebanhos,
em que 14 municípios (9% do total) foram tipificados como os de maiores
rebanhos (GG, G) e representaram cerca de 50% do rebanho do estado;
enquanto cerca de 50% dos municípios (73 municípios) tipificados como
os de menores rebanhos (PP) representaram menos de 5% do rebanho.
Os segmentos M (18 municípios) representaram cerca de 25% do rebanho
total, enquanto o segmento P (38 municípios) representou cerca de 20% do
rebanho total do estado (IBGE, 2019a).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 133

Figura 1. Disposição da proporção relativa municipal acumulada em função do rank dos


municípios (a) e relação entre o percentual de tamanho do rebanho e a representatividade
dos municípios do estado do Pará (b).

A fim de sintetizar os resultados dessa dinâmica da categoria pastagens (em


função de área e qualidade, bem como da associação à classe Vegetação
Secundária), tentou-se uma representação utilizando o nível de agregação
mesorregional, o qual é constituído de: [BAM] Baixo Amazonas paraense,
[MET] Metropolitana de Belém, [MRJ] Marajó, [NE] Nordeste Paraense, [SE]
Sudeste Paraense e [SW] Sudoeste Paraense, representados na Figura 2.

[BAM]
[MRJ] [MET]
[NE]

[SW]
[SE]
Figura 2. Cartograma da
tipificação das classes
de tamanho de rebanho
municipal, nas mesorregiões
do estado do Pará em 2014.
134 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Resultados e discussão
Categorias e classes de uso e cobertura da terra
Por meio da análise fatorial, foram extraídos cinco componentes principais,
os quais conseguiram explicar cerca de 95% da variação total dos dados. O
primeiro componente (PCA I) compreendeu cerca de 70% da variação total
dos dados, tendo como autovetores significativos (todos com orientação
negativa) todas as observações da categoria pastagens e da classe pasto
limpo ao longo dos anos (Tabela 2). Já o segundo componente (PCA II),
que compreendeu cerca de 15% da variação total e teve como autovetores
significativos (todos com orientação positiva) os usos de pastagens na
primeira observação da série (2004), tanto uso amplo de pastagens, quanto
em boas condições ou em condições demandantes de reforma de pastagens
(Tabela 2). O terceiro componente (PCA III) explicou cerca de 7% da variação
global e teve como autovetores significativos: (PCA III.a) com orientação
positiva – observação inicial das pastagens em boas condições e (PCA III.b)
com orientação negativa – observação inicial das pastagens demandantes
de reformas e da Vegetação Secundária ao longo de toda a série, à exceção
da observação inicial (Tabela 2). Os outros componentes (PCA IV e PCA V)
apresentaram valores de explicação da variação global baixos (< 3%) e, de
um modo geral, reverberaram outros componentes já explicitados (Tabela 2).

Tabela 2. Autovalores e autovetores extraídos na análise fatorial, utilizando


a concatenação do uso e cobertura do solo/ano, ao longo da série TerraClass
(2004–2014).
Indicador
UC-Ano PCA I PCA II PCA III PCA IV PCA V
síntese
DE-04 -0,009 0,017 -0,004 -0,005 0,016
DE-08 -0,004 -0,001 -0,002 0,004 0,006
DE-10 0,000 0,000 0,000 -0,002 0,001
DE-12 0,000 -0,001 0,001 0,000 0,001
DE-14 0,000 0,000 -0,002 0,001 0,000
{AM}-04 0,000 0,000 0,000 0,000 0,002
{AM}-08 0,002 0,004 -0,023 0,009 0,023
{AM}-10 0,001 0,003 -0,031 0,009 -0,001
{AM}-12 -0,001 -0,002 -0,004 -0,002 -0,010
{AM}-14 0,000 -0,001 0,001 0,000 0,001

Continua...
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 135

Tabela 2. Continuação.
Indicador
UC-Ano PCA I PCA II PCA III PCA IV PCA V
síntese
VS-04 -0,010 0,102 -0,134 0,034 0,138
VS-08 -0,053 0,035 -0,353 -0,177 0,094
VS-10 -0,036 0,109 -0,639 -0,335 0,008 VS
VS-12 -0,054 0,022 -0,394 -0,229 0,205
VS-14 -0,032 0,083 -0,341 -0,213 0,238
{P*}-04 -0,258 0,729 0,094 0,092 0,052
{P*}-08 -0,417 -0,101 -0,166 0,044 -0,343
{P*}-10 -0,424 -0,147 0,039 0,110 -0,278 P
{P*}-12 -0,393 -0,159 0,044 -0,057 0,415
{P*}-14 -0,287 -0,163 0,001 0,040 0,286
PL-04 -0,207 0,478 0,314 -0,489 -0,103
PL-08 -0,344 -0,118 0,017 0,049 0,055
PL-10 -0,351 -0,159 0,089 0,015 -0,044 P[+]
PL-12 -0,333 -0,158 0,073 -0,072 0,420
PL-14 -0,261 -0,152 0,063 -0,024 0,317
PS-04 -0,033 0,118 -0,032 0,228 0,044
PS-08 -0,053 -0,002 -0,103 0,030 -0,257
PS-10 -0,034 0,010 -0,022 0,034 -0,096 P[-]
PS-12 -0,045 -0,005 -0,006 0,007 0,031
PS-14 -0,037 -0,006 -0,004 0,001 0,002
{PD}-04 -0,061 0,251 -0,220 0,581 0,154
{PD}-08 -0,073 0,019 -0,183 -0,005 -0,398
{PD}-10 -0,073 0,011 -0,050 0,095 -0,233
{PD}-12 -0,060 -0,001 -0,029 0,014 -0,004
{PD}-12 -0,002 -0,001 -0,014 0,006 -0,001
PR-04 -0,028 0,133 -0,188 0,353 0,111
PR-08 -0,019 0,021 -0,082 -0,035 -0,142
PR-10 -0,039 0,001 -0,028 0,061 -0,137
PR-12 -0,015 0,004 -0,023 0,007 -0,035
PR-14 -0,008 0,002 -0,018 0,004 -0,002
PE-04 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000
PE-08 -0,001 0,000 0,001 -0,001 0,001

Continua...
136 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tabela 2. Continuação.
Indicador
UC-Ano PCA I PCA II PCA III PCA IV PCA V
síntese
PE-10 0,000 0,000 0,000 0,000 -0,001
PE-12 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000
PE-14 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000
Autovalores 2.670 593 263 96 86
Variação (%) 69,0 14,8 6,6 2,4 2,1
Variação
cumulativa 69,0 83,8 90,4 92,8 94,9
(%)

DE: desflorestamento; {AM}: categoria agricultura anual + mosaico de ocupações; VS:


Vegetação Secundária; {P*}: categoria pastagens; PL: pasto limpo; PS: pasto sujo; {PD}:
categoria pasto a recuperar; PR: regeneração com pasto; PE: pasto com solo exposto. Valores
em negrito |λ| ≥ 0,20.

Desse modo, teríamos o PCA I como um arranjo de indicação do amplo uso de


pastagens, mas especialmente das pastagens em boas condições; enquanto
no PCA II seria assinalado um marco referencial das pastagens seja em seu
uso em boas condições seja em condições demandantes de reforma. No
PCA III tem-se a indicação do componente Vegetação Secundária, já que, por
tratar-se de uma observação inicial, as pastagens demandantes de reforma
poderiam ser englobadas na própria dinâmica da Vegetação Secundária.

A categoria {AM; agricultura anual + mosaico de ocupações} não apresentou


poder de maximização de discriminância, mas, mesmo assim, recomenda-se
mantê-la sob a estrutura de classes distintas para fins de análise, vista a sua
perspectiva de adesão à lógica de futuras classes e tipologias em expansão
(Huertas, 2007; Mello-Théry, 2011; Gribb; Czerniak, 2016).

Com base no exposto, temos como indicadores-síntese da dinâmica de


uso e cobertura da terra: a categoria (i) “pastagens”, sua condição positiva,
expressa pela classe “pasto limpo” e a classe (ii) “vegetação secundária”. Como
a condição de pastagens demandante de reforma é definida como a soma de
todas as classes da categoria “pastagens”, excetuando-se a classe “pasto limpo”,
tem-se a suficiência da discriminação nas categorias e classes: uso global de
pastagens, “pasto limpo” e, por diferença, “pastos demandantes de reforma”.

Assim, sugere-se como procedimento analítico a junção das classes


constituintes da categoria “pastagens”, excetuando-se o (i.a) “pasto limpo”
como uma oposição a este, podendo essa nova categoria ser definida como
(i.b) “pasto demandante de recuperação” e (ii) “vegetação secundária”.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 137

Esse protagonismo das pastagens, como componente central da cadeia


de produção pecuária, para compreensão da dinâmica de fronteiras, seu
estabelecimento e consolidação já havia sido assinalado por Poccard-
-Chapuis et al. (2005).

Dinâmica das pastagens


Mesmo com um maior número de municípios (92 municípios, 64% do
total) apresentando manutenção (P(0)) em suas áreas de pastagens, houve
um predomínio de municípios que incrementam (P(+)) (34 municípios, 24%
do total) ou mantém (P(0)), ou seja, municípios que indicam uma condição
positiva quando comparados a um número inferior de municípios que
apresentam uma redução (P(-)) (17 municípios, 12% do total). De modo
geral, a qualificação das pastagens foi predominante, seja ao observar-se o
número de municípios com aumento da qualidade das pastagens (Q(+)) (49
municípios, 34% do total) exclusivamente ou o número de municípios com
manutenção da qualidade das pastagens (Q(0)) (72 municípios, 50% do total)
quando comparado ao número de municípios com redução na qualidade
das pastagens (Q(-)) (22 municípios, 15% do total) (Figura 3).

Figura 3. Síntese da dinâmica da categoria pastagens quanto à sua ampliação e qualificação


em função do número de municípios e tamanho de rebanho do estado em 2014.
Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2022).
138 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Esse elevado número de municípios que exercem a atividade pecuária no


estado é um padrão em praticamente toda a Amazônia. Mesmo com um
incremento na quantidade de municípios que ampliam a qualificação de
suas pastagens, ainda é possível inferir-se sobre a influência da trinca de
determinantes de expansão pecuária “segurança, poupança e liquidez”
(Piketty et al., 2005) em condições de manutenção de áreas e qualificação
de pastagens.

Dado o aumento no incremento de área de pastagens (P(+)), a quase totalidade


dos municípios apresentaram também incremento na qualidade das
pastagens (Q(+)) (31:34 municípios). De modo semelhante, dada a manutenção
de área de pastagens (P(0)), a grande maioria dos municípios apresentou
também manutenção da qualidade de pastagens (Q(0)) (70:92 municípios),
enquanto no caso da redução de pastagens (P(-)), houve uma segmentação,
registrando-se um maior número de municípios que reduziram a qualidade
das pastagens (Q(-)) (12:17 municípios) ou incrementaram a qualidade das
pastagens (Q(+)) (5:17 municípios) (Figura 3).

Considerando-se o tamanho do rebanho, no final da avaliação, a grande


maioria deste encontra-se em municípios que aumentaram e qualificaram
(P(+)|Q(+)) suas áreas de pastagens (45% do rebanho total). Seguidos de
municípios que, mantendo suas áreas de pastagens, ou mantiveram
a qualidade das pastagens (P(0)|Q(0)) ou incrementaram (P(0)|Q(+)) essas
pastagens (35% do total do rebanho). Havendo redução na área de
pastagens, a redução da qualidade destas (P(-)|Q(-)) representou somente
0,4% do rebanho do estado (Figura 3).

De modo geral, as pastagens apresentaram tendência ao incremento


ou manutenção de área (123 municípios, 88% do total) e, também, foi
observado um forte incremento na qualidade dessas pastagens (121
municípios, 84% do total). Essas afirmações também são corroboradas pelo
tamanho do rebanho estadual, em que a quase totalidade deste encontra-se
em municípios que apresentaram incremento ou manutenção (P(+), P(0): 98%
do total do rebanho) de áreas de pastagens e incremento ou manutenção
(Q(+), Q(0): 92% do rebanho total) da qualidade das pastagens (Figura 3).

A tipificação de rebanho GG apresentou-se restrita a duas conformações:


(GG(1)) incremento de áreas e de qualidade das pastagens (P(+)|Q(+)) e (GG(2))
manutenção, tanto de área quanto de qualidade das pastagens (P(0)|Q(0)),
com especial destaque para a primeira conformação, que representou cerca
de um quinto do rebanho do estado (Tabela 3). Como representantes da
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 139

conformação GG(1) temos os municípios [SE] Cumaru do Norte, Marabá e


São Félix do Xingu e na conformação GG(2), tem-se como representantes [SE]
Novo Repartimento e [SW] Altamira.

Tabela 3. Número de municípios e percentual do total do tamanho do


rebanho estadual, em função da tipologia de tamanho de rebanho e
dinâmica de crescimento e qualificação de pastagens.
Tipificação tamanho do rebanho
[P] [Q] Total
GG G M P PP
31
P(+) Q(+) 3 (19,4%) 4 (10,2%) 7 (10,5%) 10 (4,5%) 7 (0,7%)
(45,2%)
P(+) Q(0) 1 (2,7%) 1 (1,3%) 2 (4,0%)
P(+) Q(-) 1 (0,4%) 1 (0,4%)
P(0) Q(+) 3 (4,1%) 3 (1,2%) 7 (0,8%) 13 (6,1%)
70
P(0) Q(0) 2 (8,3%) 3 (7,9%) 5 (6,5%) 17 (10%) 43 (2,5%)
(35,2%)
P(0) Q(-) 1 (1,8%) 1 (1%) 7 (3,9%) 9 (6,8%)
P(-) Q(+) 1 (1,4%) 4 (0,3%) 5 (1,8%)
P(-) Q(0)
P(-) Q(-) 12 (0,4%) 12 (0,4%)
18 38 143
Total 5 (27,6%) 9 (22,6%) 73 (4,8%)
(24,8%) (20,1%) (100%)

[P] áreas de pastagem; [Q] qualidade das pastagens; (+) incremento; (0) manutenção; (-)
redução. Valores entre parênteses referem-se ao percentual do total tamanho do rebanho.

Comparando-se a fases anteriores (Mertens et al., 2002), essa região


apresentou uma mudança substancial quanto à sua orientação sob
consolidação, em que a expansão da atividade pecuária dá-se pela
concomitante ampliação da qualificação das pastagens, em oposição à
expansão mediante o desflorestamento.

Na tipificação G, apresentou uma ampliação das conformações, em que a


predominante G(1) caracterizou-se pelo incremento, tanto de área quanto de
qualidade das pastagens (P(+)|Q(+)) e representou cerca de 10% do rebanho
do estado (Tabela 3), sendo formada pelo municípios [SE] Itupiranga,
Santa Maria das Barreiras, Santana do Araguaia e Xinguara. Uma outra
conformação assinalada G(2) caracterizou-se pela manutenção da qualidade
das pastagens e aumento (P(+)|Q(0)) ou manutenção das áreas de pastagens
(P(0)|Q(0)) e também representou cerca de 10% do rebanho do estado
140 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

(Tabela 3), sendo constituída pelos municípios [SE] Água Azul do Norte,
São Geraldo do Araguaia, [SW] Novo Progresso e Pacajá. Já a conformação
G(3) apresentou manutenção das áreas de pastagens, mas assinalou uma
redução na qualidade (P(0)|Q(-)) das pastagens, concentrando cerca de 2%
do rebanho estadual (Tabela 3), sendo constituída pelo município de [SE]
Rondon do Pará.

A tipificação M foi dentre as tipificações a que apresentou o maior espectro


de conformações, em que a conformação M(1) teve incremento tanto de área
quanto de qualidade (P(+)|Q(+)), representando cerca de 12% do rebanho
do estado (Tabela 3) e foi constituída pelos municípios [SE] Bannach,
Conceição do Araguaia, Eldorado dos Carajás, Piçarra, Rio Maria, [SW]
Anapu, Brasil Novo e Uruará. A conformação M(2) representou os municípios
com manutenção de áreas e que ou mantiveram (P(0)|Q(0)) ou incrementaram
(P(0)|Q(+)) a qualidade das pastagens, representando cerca de 10% do
rebanho do estado (Tabela 3), constando dos seguintes municípios: [BAM]
Alenquer, Monte Alegre; [SE] Curionópolis, Goianésia do Pará, Ourilândia do
Norte, Paragominas, Redenção; [SW] Itaituba. A mesma orientação quanto
à qualidade das pastagens, mas com redução da área dessas pastagens foi
assinalada na conformação M(3), a qual representou cerca de 1% do rebanho
do estado do Pará (Tabela 3), sendo composta pelo município [SE] Canaã
dos Carajás. A conformação M(4) englobou municípios que, mesmo que
com redução de área (P(-)|Q(+)), apresentaram aumento na qualificação das
pastagens, representando cerca de 1,5% do rebanho total do estado (Tabela
3), sendo composta por [SE] Tucumã.

Praticamente, as mesmas conformações observadas na tipificação G


foram observadas na tipificação P (exceção da ocorrência P(+)|Q(-) em
um município), mas com marcante diferença quanto à orientação de
sua expressão. Uma conformação P(1), a qual engloba os municípios
que apresentaram incremento tanto em área quanto em qualidade das
pastagens (P(+)|Q(+)), representou 10:38 municípios e menos de 5% do
rebanho total do estado (Tabela 3), sendo formada pelos municípios
[NE] Aurora do Pará, Capitão Poço, Garrafão do Norte, Santa Luzia do
Pará, Tailândia, Viseu, [SE] Floresta do Araguaia, Palestina do Pará, São
João do Araguaia e Sapucaia. Ressalta-se a conformação P(2), a qual
representa municípios com ampliação de áreas de pastagens, mas com
concomitante redução da qualidade das pastagens (P(+)|Q(-)), sendo
representada exclusivamente pelo município de [SE] Nova Ipixuna, com
representatividade de rebanho menor do que 0,5%. Outra confomação
assinalada P(3) foi caracterizada pela manutenção das áreas de pastagens e
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 141

aumento (P(0)|Q(+)) ou manutenção (P(0)|Q(0)) da qualidade das pastagens, a


qual representou 20:38 municípios, pouco mais de 11% do rebanho total
(Tabela 3), sendo representado por [NE] Ipixuna do Pará, Irituia, Mãe do
Rio; [BAM] Óbidos, Oriximiná, Placas, Prainha, Santarém, [MRJ] Chaves,
[NE] Baião, [SE] Brejo Grande do Araguaia, Breu Branco, Dom Eliseu,
Parauapebas, São Domingos do Araguaia, [SW] Medicilândia, Rurópolis,
Senador José Porfírio, Trairão e Vitória do Xingu. Já a conformação P(4)
assinala a manutenção das áreas de pastagens, mas também a redução
em qualidade (P(0)|Q(-)) das pastagens, englobando, 7:38 municípios, cerca
de 4% do rebanho total do estado, sendo representada por [NE] Tomé-
-Açu, [SE] Abel Figueiredo, Bom Jesus do Tocantins, Jacundá, Pau D’Arco,
Tucuruí e Ulianópolis.

Em se tratando dos municípios constituintes da tipificação de tamanho


de rebanho PP, assinalou-se a conformação PP(1) dos municípios que
apresentaram tanto aumento de qualidade das pastagens (P(+)|Q(+)) quanto
aumento ou manutenção de áreas de pastagens (P(0)|Q(+)) com 14:73
municípios, representando cerca de 1,5% do rebanho total nos municípios
[NE] Braganca, Cachoeira do Piriá, Capanema, Nova Esperança do Piriá,
Santarém Novo, São João da Ponta, Tracuateua, [BAM] Curuá, [NE] Ourém,
Santa Maria do Pará, São Domingos do Capim, São Francisco do Pará, São
Miguel do Guamá e Terra Alta. Enquanto a conformação PP(2), em que
tanto as áreas quanto a qualidade de pastagens (P(0)|Q(0)) foram mantidas,
assinalou 43:73 municípios, cerca de 2,5% do rebanho do estado, sendo
representada por [BAM] Almeirim, Belterra, Faro, Juruti, Porto de Moz,
Terra Santa, [MET] Ananindeua, Belém, [MRJ] Afuá, Anajás, Bagre, Breves,
Cachoeira do Arari, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras,
Portel, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista, Soure,
[NE] Augusto Correa, Cametá, Colares, Curuçá, Igarapé-Miri, Limoeiro do
Ajuru, Magalhães Barata, Maracanã, Marapanim, Mocajuba, Moju, Oeiras do
Pará, Primavera, Quatipuru, Salinópolis, São Caetano de Odivelas, São João
de Pirabas, Vigia, [SW] Aveiro e Jacareacanga. Já a conformação PP(3), em
que foi assinalada a redução de área mas com incremento de qualidade (P(-
)
|Q(+)) das pastagens, com 4:73 municípios, representou cerca de 0,3% do
rebanho total do estado, constando dos municípios [MET] Castanhal, [NE]
Bonito, Nova Timboteua e Peixe-Boi. A conformação PP(4), na qual houve
redução de área de pastagens, bem como de qualidade destas (P(-)|Q(-)),
representou 12:73 municípios, menos de 0,5%, tendo como representantes
os municípios [MET] Barcarena, Benevides, Bujaru, Inhangapi, Marituba,
142 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Santa Bárbara do Pará, Santa Isabel do Pará, Santo Antônio do Tauá, [NE]
Abaetetuba, Acará, Concórdia do Pará e Igarapé-Açu.

Marcantes diferenças na cadeia produtiva pecuária já haviam sido


assinaladas entre as diferentes regiões do estado, sendo sugerido seu uso
como aferidor ao entendimento da dinâmica das fronteiras agropecuárias
(Poccard-Chapuis et al., 2005). Em estudo focalizando as regiões da Zona
Bragantina (Nordeste Paraense), Transamazônica (Sudoeste Paraense)
e Sul do Pará (predominantemente Sudeste Paraense), são indicados
fatores determinantes para a expansão e consolidação da atividade
pecuária, representados por eixos: socioculturais; fatores de produção;
microeconômicos; mercado e cadeias produtivas; políticas públicas e
técnicos. Dentre estes, somente o eixo fatores de produção (constituído dos
fatores: pouca exigência e baixa qualidade de mão de obra; flexibilidade
da pecuária; estratégia de especulação/concentração fundiária; baixo
preço da terra; ocupação/garantia da terra) não apresentou nenhum
impacto de natureza positiva, enquanto outros fatores apresentaram
impacto positivo, tais sejam: eixo socioculturais – tradição pecuária ou
agropecuária, experiência na pecuária; eixo microeconômico – retorno
seguro e rápido apesar de pequeno, boa poupança/liquidez; eixo mercado
e cadeias produtivas – mercados para produtos da pecuária, potencial
socioeconômico; eixo políticas públicas – financiamento para a pecuária;
eixo técnico – boas condições agroecológicas, acesso à tecnologia pecuária,
sistemas técnicos eficientes (Veiga et al., 2004; Piketty et al., 2005), o que
explica a manutenção da atividade pecuária mesmo em condições de menor
intensificação, como observado nos municípios com pequena contribuição
ao rebanho total do estado.

Considerando-se a contribuição ao rebanho do estado, tem-se as


mesorregiões [SE] (67,1%) e [SW] (18,3%) como as maiores contribuintes,
seguidas de [BAM] e [NE] (6,4% e 6,5%, respectivamente) em uma posição
intermediária. As mesorregiões [MET] e [MRJ] (0,4% e 1,3%, respectivamente)
apresentaram uma contribuição inferior a 2% do total do rebanho. Somente
a mesorregião [SW] apresentou todas as tipificações de tamanho de
rebanho, enquanto a [SE] apresentou todas as tipificações, à exceção de
PP. Já a mesorregião [MET] apresentou exclusivamente a tipificação PP. As
mesorregiões [NE] e [MRJ] apresentaram somente as tipificações PP e P,
enquanto [BAM] apresentou as tipificações PP, P e M (Tabela 4).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 143

Tabela 4. Percentual do rebanho estadual, em função da tipificação de


tamanho do rebanho municipal e dinâmica de áreas e qualidade das
pastagens, nas mesorregiões do Pará.
Tipologia P(+) P(0) P(-)
Mesorregião Total
Rebanho Q(+)Q(0) Q(-) Q(+)Q(0) Q(-) Q(+)Q(0) Q(-)
M 2,06 2,06
BAM P 3,26 3,26
PP 1,04 1,04
MET PP 0,14 0,22 0,36
P 0,39 0,39
MRJ
PP 0,94 0,94
P 2,31 1,54 0,50 4,35
NE
PP 0,72 1,06 0,20 0,22 2,19
GG 19,38 4,82 24,19
G 10,19 4,93 1,83 16,95
SE
M 7,68 6,78 1,00 1,43 16,90
P 2,19 0,42 2,96 3,44 9,01
GG 3,45 3,45
G 2,70 2,97 5,66
SW M 4,11 1,73 5,83
P 3,11 3,11
PP 0,29 0,29
Total 49,26 0,42 41,33 6,78 1,76 0,45 100

[P] áreas de pastagem; [Q] qualidade das pastagens; (+) incremento; (0) manutenção; (-)
redução; [BAM] Baixo Amazonas paraense, [MET] Metropolitana de Belém, [MRJ] Marajó, [NE]
Nordeste Paraense, [SE] Sudeste Paraense e [SW] Sudoeste Paraense.

Uma segmentação na cadeia foi expressa por Arima et al. (2005), com
base no uso de eixos rodoviários: {BR-010} » Castanhal e Paragominas,
representando subpolos pecuários nas mesorregiões MET e início da SE;
{PA-150} » Marabá, Xinguara, Redenção, Santana do Araguaia e Conceição
do Araguaia, representando o grande polo pecuário totalmente localizado
na mesorregião SE; {BR-230} » Altamira, representando o subpolo pecuário
na mesorregião SW.

Esses mesmos eixos apresentavam distinção quanto a seus mercados


destinatários, em que, além dos mercados locais, o eixo {BR-010} destina-
-se ao abastecimento da capital Belém e de outras regiões do Brasil, como
Nordeste; o eixo {PA-150} destina-se ao abastecimento da capital Belém e
144 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

de outras regiões do Brasil, como Nordeste e Sudeste, e o eixo {BR-230}, o


abastecimento do estado do Amapá (Arima et al., 2005).

Buscando sintetizar a dinâmica da categoria pastagens no estado do Pará,


teria-se como representação global um fracionamento do rebanho em que:
(w(+)) 49% encontra-se em municípios que apresentaram incremento em
área e orientação positiva para a qualidade das pastagens; (w(0)) 41% em
municípios que apresentaram estabilidade em área e orientação positiva
para a qualidade das pastagens e (w(-)) 9% em municípios que apresentaram
redução em área ou orientação negativa quanto à qualidade das pastagens
(Figura 4). Entretanto, observou-se diferentes padrões entre as mesorregiões,
a saber: δ[+|+] concentração de rebanho em municípios com incremento em
área e qualidade de pastagens, representado pela mesorregião [SE] (w(+):
39%, w(0): 19%, w(-): 8%); δ[+] balanceamento da concentração de rebanho
em municípios com incremento e/ou estabilidade em área e qualidade de
pastagens, representado pela mesorregião [SW] (w(+): 7%, w(0): 12%, w(-): 0%);
δ[-] concentração de rebanho em municípios com estabilidade em área e
qualidade de pastagens, representado pelas mesorregiões [BAM] (w(+): 0%,
w(0): 6,4%, w(-): 0%), [NE] (w(+): 3%, w(0): 2,6%, w(-): 0,9%) e [MRJ] (w(+): 0%, w(0):
1,3%, w(-): 0%) e δ[-|-] concentração do rebanho em municípios com redução
e/ou estabilidade em área e qualidade e pastagens, representado pela
mesorregião [MET] (w(+): 0%, w(0): 0%, w(-): 0,4%) (Tabela 4).

Figura 4. Tipologia da
P(-)│Q(-) dinâmica das áreas e
P(-)│Q(0)Q(+)
P(0)│Q(-)
qualidade das pastagens
P(0)│Q(0)Q(+) (2004–2014).
P(+)│Q(-)
P(+)│Q(0)Q(+) [P] áreas de pastagem;
Não desflorestada [Q] qualidade das
pastagens; (+)
incremento; (0)
manutenção; (-) redução.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 145

Diferenças marcantes já podem ser assinaladas nos polos pecuários, com


especial referência à microrregião SE, que anteriormente era marcada
por uma maior extensividade da atividade pecuária e conflitos fundiários
(Simmons et al., 2007; Ludewigs et al., 2009) e que atualmente encontra-se em
um processo de intensificação com reflexos na dinâmica do uso e cobertura
da terra, mediante sua própria evolução e consolidação (Pacheco, 2009;
Navegantes-Alves et al., 2012).

Ao determinar-se a distinção de padrões entre as mesorregiões, inferiu-se


sobre o efeito da tipificação do tamanho de rebanhos municipais associados
a cada uma das mesorregiões. Desse modo, conduziu-se uma análise de
escala multidimensional (multidimentional scalling – MDS) com o objetivo
de avaliar a estrutura de afinidade entre as diferentes concatenações entre
mesorregião e tipificação de tamanho de rebanho, considerando-se a fração
de rebanho estadual contida em cada uma dessas concatenações, as quais
foram observadas nos diferentes padrões de dinâmica de área e qualidade
das pastagens, como observado na Tabela 4.

A matriz de similaridade foi testada quanto aos efeitos de mesorregião (ANOSIM


ρ = -0,041; p < 0,60) e tipificação de tamanho de rebanho (ANOSIM ρ = -0,531;
p < 0,01), de modo que somente o segundo efeito foi altamente significativo.
Contrastes entre os níveis de tipificação de tamanho de rebanho indicaram
uma segmentação entre os níveis {M, G, GG} e {PP e P} (Figura 5). Todas as
mesorregiões, dada a segmentação {M, G, GG} e {PP, P}, apresentaram distância
considerável entre si, à exceção da mesorregião [BAM], onde um maior grau de
similaridade foi assinalado (Figura 5 e Tabela 3) nas tipificações {M} e {P}.

Figura 5. Topologia de afinidade entre


as tipificações de tamanho de rebanho
nas mesorregiões, a partir de análise
de escala multidimensional (MDS),
com base nos percentuais de rebanho
estadual, em função da dinâmica de
áreas e qualidade de pastagens.
146 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A estratificação observada, proveniente da segmentação em classes


de tamanho de rebanho, vem corroborar a noção de que a integração
gradual a mercados e os contextos associados a políticas flutuantes
tomam papel decisivo no desenvolvimento da pecuária da região
amazônica (Pacheco; Poccard-Chapuis, 2012), especialmente o
primeiro caso. Desse modo, tem-se como expressão sobre a dinâmica
de expansão e qualificação das pastagens esse efeito integrativo.
Esse efeito, segundo os mesmos autores, poderia ser mediado por
quatro fases, que não atuam de modo isolado entre si, podendo
ocorrer de maneira concomitante e resguardando vias complexas de
influência sobre a expansão da pecuária e os usos e coberturas da
terra associados. As fases sugeridas por Pacheco e Poccard-Chapuis
(2012) seriam: (i) incremento do investimento em instalações para
processamento de carne e leite próximas às zonas de produção; (ii)
melhora gradual dos sistemas de manejo dos sistemas pecuários, com
persistência de um caráter expansivo da pecuária; (iii) fragmentação e
concentração simultânea de propriedades; (iv) adoção generalizada da
pecuária por pequenos produtores. Comportamento semelhante, em
que uma maior intensificação da pecuária atua de maneira positiva nas
dinâmicas de uso e cobertura da terra, foram assinalados em Fontes e
Palmer (2017) e Takasaki (2007), ressaltando-se a redução de pressão
de desflorestamento e conservação dos recursos florestais no entorno,
como principais emergências desse processo.

Adotando-se a segmentação das tipificações de tamanho de rebanho


foi possível determinar características distintas, tanto com relação
à dinâmica das pastagens (expressas anteriormente), quanto com
relação à dinâmica das capoeiras. O segmento {M, G, GG} apresentou,
em sua totalidade, valores de áreas municipais na classe vegetação
secundária inferiores ou equivalentes a um patamar de 20% (Figura
6A), ao longo do intervalo observado (2004→2014). Ressalta-se que,
mesmo com um incremento elevado na classe Vegetação Secundária,
essa segmentação apresentou valores inferiores aos observados na
maioria dos municípios pertencentes à segmentação {PP, P} (Figura 6B).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 147

Figura 6. Disposição dos valores relativos de áreas de município na categoria pastagens e na


classe Vegetação Secundária, em função da segmentação de tamanho de rebanho: (a) GG, G,
M e (b) P, PP.

Em todos os municípios, à exceção de [MET] Santa Bárbara do Pará, que


apresentou redução, foi assinalado aumento ou estabilidade nas áreas de
Vegetação Secundária. A maioria dos municípios (94 municípios) apresentou
estabilidade (VS[0]), enquanto uma segmentação de aumento VS[+] (24
municípios) e VS[++] (23 municípios) respondeu pelo restante dos municípios
do estado. Mantendo-se a segmentação baseada na tipificação do tamanho
do rebanho, tem-se um menor número de municípios com incremento nas
áreas de Vegetação Secundária (4:32 municípios) no segmento {GG, G, M},
ao comparar-se 43:111 municípios com o segmento {P, PP} (Figura 6).

Em condições de abandono de pastagens, ou de ocorrência de sucessivos


processos de degradação, acarreta-se o surgimento de espécies adventícias
que reduzem a capacidade produtiva das pastagens, podendo em caso
extremo haver o restabelecimento de Vegetação Secundária (Veiga;
Tourrand, 2001; Dias-Filho, 2015). Não somente as pastagens degradadas
são as responsáveis pela destinação da mudança da categoria pastagem
para classe Vegetação Secundária, mas ressalta-se que essa condição de
menor intensificação pecuária carrega em si características das trajetórias
empregadas no nível das propriedades (Navegantes-Alves et al., 2012).

Avaliando-se a demanda de recuperação de pastagens e área de Vegetação


Secundária nos municípios, propõe-se faixas de demanda de recuperação
148 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

a sistema produtivo, baseado na equivalência de necessidade de demanda


em áreas de pastagem em relação à Vegetação Secundária [pastagem
recuperação (km2):vegetação secundária (km2)]. Um expressivo passivo à
recuperação é assinalado no estado do Pará, com cerca de 33,5x103 km2 em
pastagens a recuperar e 66,6x103 km2 em Vegetação Secundária.

Em combinações de faixas, são listados os seguintes padrões: (α) pastagens a


recuperar muito elevada, Vegetação Secundária muito elevada (> 3x103 km2):
[SE] São Félix do Xingu; (β) Vegetação Secundária elevada (2–3x103 km2) e
pastagens a recuperar intermediária (1–2x103 km2): [BAM] Santarém, [NE]
Moju, [SE] Paragominas; (γ.1) pastagens a recuperar e Vegetação Secundária
intermediárias (1–2x103 km2), com prioridade em pastagens a recuperar:
[SW] Altamira, [SE] Santana do Araguaia, Santa Maria das Barreiras e
Cumaru do Norte; (γ.2) pastagens a recuperar e Vegetação Secundária
intermediárias (1–2x103 km2), com prioridade a Vegetação Secundária: [SE]
Marabá, Ulianópolis, Novo Repartimento, Itupiranga; [SW] Itaituba, Pacajá,
Uruará, Novo Progresso; [BAM] Oriximiná, Monte Alegre; (δ.1) pastagens a
recuperar e Vegetação Secundária mais baixas (1x103 km2), com prioridade
em pastagens a recuperar: [SE] Redenção, Tucumã, Água Azul do Norte;
[SW] Brasil Novo, Medicilândia, Anapu, Vitória do Xingu e (δ.2) pastagens a
recuperar e Vegetação Secundária mais baixas (1x103 km2), com prioridade
em Vegetação Secundária: todos os outros municípios do estado (Figura 7).

Figura 7. Disposição de
municípios, em função
da quantidade de área de
pastagens a recuperar e
Vegetação Secundária,
segundo TerraClass 2014,
em que o tamanho do
bullet é proporcional à
função do tamanho do
rebanho.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 149

Avaliando-se as combinações de faixas e considerando o elevado custo


de recuperação e o muito mais elevado custo de reincorporação, no caso
da Vegetação Secundária, tem-se como orientação que a recuperação das
pastagens é o mais recomendável, com ênfase nos padrões (α), (β) e (γ),
especialmente os dois primeiros, que representam uma área acumulada de
cerca de 8,4x103 km2, a qual poderia ser recuperada por meio de sistemas
mistos ou integrados, como é o caso da integração lavoura:pecuária:floresta
(Macedo; Araújo, 2012).

Conclusão
A diversificação da legenda, representada nas classes fornecidas pelo
TerraClass, pode ser substituída, no caso de estudos de dinâmica de
uso e cobertura da terra por categorias, especialmente as relativas às
classes de pecuária e sua qualificação sob a forma de indicadores-síntese,
especialmente quando associado à interpretação de dados da classe
Vegetação Secundária.

A pecuária no estado do Pará encontra-se em expansão moderada, mas com


expressiva qualificação de pastagens, em que a grande maioria do rebanho
está situado em municípios com esse perfil.

Polos pecuários já consolidados apresentam uma menor necessidade


de recuperação de pastagens, padrão oposto a regiões de menor
especialização em pecuária, onde a expansão de Vegetação Secundária
amplia demasiadamente o custo de reincorporação dessas áreas. Corrobora-
-se o efeito positivo da intensificação da pecuária, provavelmente associado
à integração gradual a mercados estabelecidos.

No caso da reincorporação de áreas ao processo produtivo, visto o elevado


custo de implementação e a magnitude das áreas a serem reincorporadas,
deve-se seguir a orientação de priorizar as áreas de pastagens a recuperar,
podendo buscar alternativas em sistemas mistos, com a integração
lavoura:pecuária:floresta.

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OU TIPIFICAÇÃO DE
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NO ESTADO DO PARÁ
(2000‒2014)
Moisés Cordeiro Mourão de Oliveira Júnior
Adriano Venturieri
Claudio Aparecido de Almeida
René Jean Marie Poccard-Chapuis
Hervé Théry

Introdução

C
omo exemplo mais difundido de expansão do desflorestamento no
mundo (London; Kelly, 2007), a Amazônia brasileira tem apresentado
diferentes comportamentos ao longo de sua história recente.
Segundo Becker (2005), as fases de desenvolvimento da Amazônia podem
ser distinguidas em duas, tais sejam: (i) 1960–1970 – em que, sob orientação
do governo federal, buscou-se agregar e homogeneizar todo o território
nacional, com vistas à integração às demais regiões do País, por meio do
estímulo de assentamentos agrícolas, subsídios a projetos agroextrativistas
e agroindustriais e criação de polos de produção industrial, como no caso
da Zona Franca de Manaus; (ii) meados da década de 1980 até o presente
– em que o avanço espontâneo de atividades econômicas e seus agentes,
na maioria das vezes articulados à economia internacional, buscam atender
demandas por produtos oriundos de recursos naturais.

Nesse cenário, de modo praticamente concomitante à segunda fase de


desenvolvimento na Amazônia, advém a reabertura política do País e,
também, surge a preocupação com o desflorestamento na região (Prates,
2008). Ressaltando-se, também, a diferença dos graus de intervenção
governamental entre as fases (Becker, 2005), o que também pode refletir na
adoção de novas concepções.
156 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Com a disponibilização de novas tecnologias de monitoramento por satélite,


surgem as primeiras bases de dados de desflorestamento, fornecidas pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), representadas pelo Projeto
de Estimativa de Desflorestamento da Amazônia (Prodes) e pelo Projeto
Detectação de Áreas Desflorestadas em Tempo Real (Deter). O Prodes é
o pioneiro e tem como base o uso das imagens dos satélites Landsat 7 e
CEBRS 2, com resolução de 625 m2, e tem como objetivo o fornecimento de
estimativas de áreas da Amazônia Legal desflorestadas em um determinado
período. Já o Deter utiliza imagens dos satélites da família EOS, com
resolução de 62,5 mil metros quadrados (Câmara; Valeriano, 2006; Prates,
2008). Busca-se, desse modo, complementaridade entre a representação
mais precisa do desflorestamento em um intervalo de tempo maior e
um registro acurado da ocorrência de desflorestamento em um intervalo
de tempo mais instantâneo. Entretanto, algumas limitações quanto à
indistinção entre o registro de desflorestamento em áreas de Florestas
Densas e outras formações florestais, como a Vegetação Secundária, ainda
são apontadas como limitantes a essas abordagens (Almeida et al., 2010).

A partir desse ferramental, vários estudos analisando o desflorestamento


foram empreendidos, buscando expressar suas taxas, expressão e expansão
(Fearnside, 1993, 2005, 2006), consequências (Torras, 2000; Wood; Porro,
2002), causas (Lambin et al., 2001; Geist; Lambin, 2001; Margulis, 2004),
cenários e dinâmicas (Lambin et al., 2000; Laurance; Albernaz, 2002; Soares-
Filho et al., 2006, 2008; Kirby et al., 2006; Lorena; Lambin, 2009).

Buscando indicar as causas do desflorestamento em regiões tropicais, Geist


e Lambin (2001) definem duas naturezas de causalidade: (i) causas imediatas
– definidas como um conjunto de fatores de expressão concreta, constitutiva
ou mesmo finalística, sendo representadas por (i.a) expansão agrícola –
agricultura permanente, itinerante, pecuária, colonização, transmigração
e reassentamento; (i.b) extração madeireira – exploração comercial
madeireira, lenha, mourões, produção de carvão vegetal; (i.c) extensão
de infraestrutura – transporte, mercados, serviços públicos, expansão de
assentamentos; infraestrutura de empresas privadas e (ii) causas latentes –
definidas como um conjunto de fatores atuantes de modo subjacente na
forma de um processo, sendo representadas por: (ii.a) fatores econômicos
– crescimento de mercados e comercialização, estruturas econômicas
específicas, urbanização e industrialização, parâmetros econômicos
específicos; (ii.b) fatores políticos e institucionais – políticas formais e
informais, regimes de direito de propriedade; (ii.c) fatores tecnológicos –
mudanças agrotecnológicas, aplicação de tecnologias no setor madeireiro,
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 157

outros fatores de produção; (ii.d) fatores culturais ou sociopolíticos – atitudes


públicas e valores, crenças, comportamento individual e doméstico; (ii.e)
fatores demográficos – pressão populacional, crescimento, densidade,
imigração, distribuição espacial da população. Dentre as causas imediatas,
uma pequena fração é assinalada como causa, sob a forma de fator único, e
em forma combinada os fatores expansão agrícola, extração de madeira e
expansão de infraestrutura foram os mais expressivos.

Entretanto, com a gradual consolidação das atividades agropecuárias


(Pacheco; Poccard-Chapuis, 2012; Soler et al., 2014) na região, assinala-
-se uma nova fase (a partir de meados dos anos 2000), que conjugada à
ação de políticas de redução do desflorestamento, apresenta níveis de
desflorestamento estabilizados em patamares inferiores (Le Tourneau,
2016; Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2017). Surgindo, assim, a
necessidade de uma nova alternativa de produção (Aguiar et al., 2016) e
governança (Dias et al., 2015) nas áreas pós-desflorestamento, consolidando
a transição nas áreas fronteiriças aos remanescentes florestais e promovendo
sua conservação (Gardner, 2013).

Um dos pontos centrais para o entendimento da dimensão territorial do


desflorestamento, ou de qualquer outra condição de uso e cobertura da
terra, é descrever e sintetizar o seu comportamento ao longo de toda uma
série histórica, buscando aferir seu ritmo de expansão ou retração, suas
condições iniciais e finais (Chardonnel, 2007). Assim, o presente trabalho tem
como objetivo propor uma tipologia do desflorestamento nos municípios
do estado do Pará, a partir de uma série de dados compreendendo os anos
de 2000 a 2014.

Material e métodos
A partir de uma matriz de dados TerraClass consolidada (Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais, 2016b; Almeida et al., 2016) contendo as diferentes
formas de uso e cobertura da terra em cada um dos municípios do estado
do Pará no intervalo dos anos de 2000–2014, foram obtidas as taxas de
desflorestamento acumulado em relação a área total do município, oriunda
de uma máscara Prodes (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2016a)
em cada um dos anos constituintes do intervalo.

A fim de obter uma tipologia do desflorestamento no estado do Pará, foram


propostas duas chaves de classificação, sendo (i) limiar de desflorestamento
– valor arbitrado equivalente a 20% de desflorestamento, tomando como
158 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

orientação o limite de reserva legal no nível das propriedades, proposto


pela Código Florestal vigente no período compreendido pela série histórica
avaliada. Mesmo sob a vigência do Zoneamento Ecológico Econômico
(ZEE), que preconiza dada sua promulgação um limiar de 50:50% de reserva
legal, optou-se pela manutenção do valor mais conservativo, no caso 20%
de desflorestamento tolerável, como início da expressão do processo de
desflorestamento. Assim, os níveis adotados na chave de classificação “limiar
de desflorestamento” foram: L0 < 20%; 20% ≥ L1 < 60%; L2 ≥ 60%.

Outra chave de classificação utilizada foi o (ii) ritmo de desflorestamento


– valor equilibrado de desflorestamento líquido entre os intervalos 2000
e 2014, sendo este anualizado, podendo ser tomado como o incremento
médio anual. Os níveis adotados dessa chave de classificação foram: R0 <
0,5% aa (estável); 0,5% ≤ R1 < 1,0% aa (elevado); 1,0% ≤ R2 < 1,5% aa (muito
elevado); R3 ≥ 1,5% aa (extremo).

Após a aplicação de ambas as chaves de classificação, foram obtidas as


combinações lineares destas, as quais foram utilizadas para definição de
tipologias a partir de valores acumulados de desflorestamento.

Essas tipologias definidas foram aplicadas em uma síntese regional,


tendo os valores de área sob uma determinada tipologia em uma dada
microrregião ordenados segundo uma análise de agrupamento (cluster
analysis). Cartogramas de natureza coroplética (Martinelli, 2003; Dent et al.,
2008) foram confeccionados para representação dessas tipologia na escala
municipal e microregional, afim de avaliar a qualidade e conservação da
informação nessa síntese proposta.

Resultados e discussão
Limiar de desflorestamento
A série temporal de desflorestamento acumulado nos municípios foi
segmentada em quatro momentos, a saber: 2000, 2005, 2010 e 2014. Em
cada um desses segmentos foi assinalado o município que compreendia um
limiar mínimo alcançado de 20% de desflorestamento (Tabela 1).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 159

Tabela 1. Número de municípios com ocorrência assinalada no limiar de


desflorestamento.
Limiar 20%
A A A
Mesorregião Microrregião Não Total
partir partir partir
assinalado
2000 2005 2010
Almeirim 2 2
Baixo Amazonas Óbidos 5 5
Santarém 1 2 1 3 7

Metropolitana de Belém 5 1 6
Belém Castanhal 5 5
Arari 7 7
Marajó Furos de Breves 5 5
Portel 4 4
Bragantina 12 1 13
Cametá 3 2 2 7
Nordeste Paraense Guamá 13 13
Salgado 8 1 2 11
Tomé-Açu 5 5
Conceição do
4 4
Araguaia
Marabá 5 5
Paragominas 7 7
Sudeste Paraense
Parauapebas 4 1 5
Redenção 7 7
São Félix do Xingu 3 1 1 5
Tucuruí 6 6
Altamira 1 4 3 8
Sudoeste Paraense
Itaituba 1 5 6
Total 89 12 2 40 143

Na mesorregião do Baixo Amazonas, as microrregiões (a.1) [BAM-ALM]


e [BAM-OBI] apresentaram um padrão homogêneo, em que todos os
municípios constituintes situaram-se abaixo do limiar inferior a 20%
de desflorestamento, enquanto na microrregião (a.2) [BAM-STM] um
padrão bastante heterogêneo foi assinalado, constando de municípios
predominantemente abaixo do limiar de 20% de desflorestamento, bem
como municípios acima do limiar de 20% nos estágios anterior, intermediário
e tardio (Tabela 1).
160 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Um padrão semelhante a (a.1) foi observado em (b), correspondente a


toda a mesorregião do Marajó, em que todos os municípios de todas
as microrregiões ([MAJ-ARA], [MAJ-BRV] e [MET-POR]) apresentaram
desflorestamento abaixo do limiar de 20%.

Já a mesorregião (c) Metropolitana de Belém situou-se em posição


completamente oposta, em que todos os municípios de todas as
microrregiões ([MET-BEL] e [MET-CAS]) apresentaram valores de
desflorestamento acima do limiar de 20%, especialmente em estágio
anterior (Tabela 1).

A mesorregião (d) Sudoeste Paraense apresentou padrão em que ambas as


microrregiões apresentaram um número maior ([SW-ITA]) ou considerável
([SW-ALT]) de municípios situados em um limiar inferior a 20% de
desflorestamento, mas também apresentaram municípios situados acima
do limiar adotado (Tabela 1).

Já a mesorregião Sudeste Paraense apresentou padrão segmentado, em


que (e.1) um predomínio de municípios situados acima do limiar de 20% é
combinado à ocorrência de municípios ainda abaixo do limiar de 20% ([SE-
-PEB] e [SE-SFX]) e também (e.2) todos os municípios das microrregiões [SE-
-COA], [SE-MAB], [SE-TUC], [SE-PGM] e [SE-RED] situaram-se acima do limiar
de 20% de desflorestamento (Tabela 1).

A segmentação observada na mesorregião Sudeste Paraense também foi


assinalada na mesorregião Nordeste Paraense, onde em (f.1) o predomínio
de municípios situados acima do limiar de 20% é combinado à ocorrência
de municípios ainda abaixo do limiar de 20% ([NE-CAM] e [NE-SAL]) e foi
associada a (f.2) a totalidade dos municípios situados acima do limiar de
20% ([NE-TOM], [NE-BRA] e [NE-GUA]) (Tabela 1).

Assim, teríamos uma graduação quanto aos níveis de desflorestamento, em


que, grosso modo, teríamos situados nos extremos: (DF[-|-]) a mesorregião
do Marajó – em que todos os municípios de todas as microrregiões ainda
encontram-se abaixo do limiar adotado – e (DF[+|+]) a Metropolitana de
Belém – em que todos os municípios de todas as microrregiões encontram-
-se acima do limiar adotado (Tabela 1 e Figura 1).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 161

Figura 1. Diagrama sinóptico do número de municípios nas microrregiões/mesorregiões


em relação ao estado atual de desflorestamento, em função do limiar adotado de 20% de
desflorestamento.

Posições intermediárias são representadas pelas mesorregiões (DF[+]) Baixo


Amazonas e (DF[+|-]) Sudoeste Paraense, em que a primeira apresentou um
maior grau de manutenção da cobertura florestal, com exceção de uma
microrregião onde municípios que já ultrapassaram o limiar adotado foram
assinalados, quando comparada à segunda, em que todas as microrregiões
apresentaram esse comportamento (Tabela 1 e Figura 1).

Também em posição intermediária, mas com tendência clara a uma maior


condição de desflorestamento, assinalou-se as mesorregiões (DF[-]) Sudeste e
Nordeste Paraense, em que a grande maioria dos municípios na maioria das
microrregiões encontram-se acima do limiar adotado (Tabela 1 e Figura 1).

Ressalta-se que a grande maioria dos municípios (89 municípios, 62%) já


se apresentava acima do limiar de 20% ainda nos anos 2000, enquanto o
número de municípios situados abaixo do limiar definido (40 municípios,
28%) também foi considerável. Situações intermediárias, com rompimento
do limiar de desflorestamento nos anos 2005 (12 municípios, 8%) e após o
ano 2010 (2 municípios, 1%) apresentaram valores baixos.

Diferenças quanto ao estado atual de desflorestamento foram registradas


entre as fases de assinalação do limiar de desflorestamento adotado (p
< 0.01). Na fase mais antiga (“A partir de 2000”: 66,8±1,6%) foram
assinaladas as maiores taxas de desflorestamento. As menores taxas
foram registradas nos municípios que ainda não assinalaram o limiar
(“Não assinalado”: 7,5±2,3%). Em posição intermediária, situaram-se
as fases entre os extremos (“A partir de 2005”: 30,3±4,3% e “A partir
de 2010”: 20,7±10,5%), sendo ambas equivalentes, mas ressaltando-
-se que a fase mais recente ainda apresentou equivalência à fase “Não
assinalado” (Figura 2). Infere-se sobre a maior instabilidade da fase mais
recente, o que seria corroborado pela sua elevada variabilidade interna
e pequeno número de observações. A partir do exposto, depreende-
162 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

-se que os padrões de acúmulo de desflorestamento foram superiores


nos municípios que já haviam ultrapassado o limiar mínimo antes dos
anos 2000, o que indica também um histórico de desflorestamento nesses
municípios. As outras condições ou foram inferiores ou foram equivalentes
ao limiar mínimo indicado.

Figura 2. Valores médios


e erro padrão da taxa de
desflorestamento nos
municípios, em função
da fase de assinalação do
limiar de desflorestamento
de 20%.

Avaliando-se a extensão dos municípios sob os diferentes momentos de


assinalação ou não do limiar de desflorestamento, tem-se que a grande
maioria (64% da área do estado) ainda não foi assinalado acima desse
limiar, mas uma quantidade considerável (23% da área do estado) já o tinha
ultrapassado antes ou a partir do ano 2000. Outros momentos, como a
partir de 2005 (5%) e 2010 (8%), foram menos expressivos. Dessa resposta
depreende-se um efeito do Plano de Ação para Prevenção e Controle do
Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm-I), política implementada em
2004 (Arima et al., 2014).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 163

Ritmo de desflorestamento
Foi possível adotar um critério situando em três categorias as taxas médias
anuais de desflorestamento, no período de 2000–2014 (amplitude: 0,0% a
2,32%), a saber: (i) estável [R0] – valores inferiores a 0,5% de desflorestamento;
(ii) elevado [R1] – valores iguais ou superiores a 0,5% e inferiores a 1,0%; (iii)
muito elevado [R2] – valores iguais ou superiores a 1,0% e inferiores a 1,5% e
(iv) valores extremos [R3] – valores superiores a 1,5%.

A maioria dos municípios apresentou taxas em um ritmo estável (57


municípios, 40%), mas esta não se configurou predominante, havendo
também municípios com ritmo elevado de desflorestamento (49 municípios,
34%), com ritmo muito elevado de desflorestamento (30 municípios, 21%)
e mesmo com ritmo extremo (7 municípios, 5%), o que com relação ao
número de municípios indica uma partição de dois quintos de municípios
com ritmo de desmatamento estável.

Buscando refinar a condição inicial de desflorestamento entre os


municípios, a fim de uma interpretação mais acurada das trajetórias de
desmatamento, optou-se por segmentar os valores iniciais observados.
Assim, ter-se-ia (i) limiar de desflorestamento não assinalado [L0]; (ii)
assinalado em sua primeira porção [L1] – situado entre os valores de 20%
a 60% de desflorestamento; (iii) assinalado em sua segunda porção [L2] –
situado entre os valores superiores a 60%.

Todos os ritmos de desflorestamento foram assinalados em todas as


condições limiares sugeridas. Desse modo, um contraste entre essas
condições mostrou-se praticável.

Isolando-se a estabilidade de desflorestamento [R0], tem-se uma expressão


dos limiares iniciais de desflorestamento, sem qualquer efeito promotor
associado ao longo da série. Assim, após 14 anos, observa-se uma profunda
diferença (p < 0.001) entre as condições iniciais, em que L0 (7,6±1,2%)
apresenta taxas inferiores, enquanto L2 (81,2±2,9%) apresentou taxas
bem acima do limite mínimo da classe. Comportamento semelhante foi
observado em L1 (42,4±5,3%) que, mesmo em um ritmo estável, apresentou
valores bem acima do limite mínimo da classe (Figura 3).
164 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Desflorestamento(2014)(%)

Figura 3. Valores
médios e erro padrão
da taxa acumulada
de desflorestamento,
em função dos
limiares e ritmos de
Ritmo desflorestamento.

Na condição L0, todos os ritmos, à exceção dos intermediários (R1 e R2),


apresentaram diferenças entre si (p < 0.01). Ressalta-se que, em todos os
ritmos, à exceção do estável (R0), o limiar de desflorestamento (20%) foi
alcançado (R1, R2: 20±2,1%; 26,8±4%, respectivamente) ou superado em
grande magnitude, como no caso de R3 (43±1,2%) (Figura 3).

Já na condição L1, todos os ritmos, à exceção dos mais intensos (R2 e R3),
apresentaram diferença significativa (p < 0.01) entre si e situaram-se próximo
do limite máximo dessa classe (60,4±2,2%; 58,2±5,9%, respectivamente).
A condição L3 apresentou equivalência (p < 0.15) entre todos os ritmos
de desflorestamento, mesmo com a maior oscilação observada no ritmo
extremo (R3: 91,8±5,2%). A variação média de desflorestamento acumulado
nesse limiar situou-se entre 81% e 92%, ou seja, muito próxima do limite
máximo da classe (Figura 3).

A partir do padrão de resposta dos ritmos de desflorestamento nas


diferentes condições limiares, destaca-se a convergência e equivalência dos
ritmos mais elevados de desflorestamento (R2 e R3) nos limiares superiores a
20% de desflorestamento (L1 e L2) e a ocorrência de um teto nesses limiares,
o que pode indicar certo grau de saturação no desflorestamento, devido
em essência à própria rarefação do componente florestal nessas condições.
Outrossim, a destacada taxa de acúmulo de desflorestamento nos ritmos
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 165

mais elevados (R3) no limiar originalmente mais baixo (L0) indica um


comportamento de expansão mais acentuado ante uma maior ‘oferta’ do
componente florestal.

Avaliando-se as taxas acumuladas, propõe-se uma tipificação da trajetória


dos municípios, com relação ao comportamento ante o desflorestamento,
buscando concatenar os limiares originais de desflorestamento e o ritmo de
desflorestamento empregado ao longo da série temporal (Figura 4). Um dos
critérios mais fortes para agrupamento de padrões afins foi a equivalência
das médias destes, como expressa na Figura 3, bem como a taxa acumulada
de desflorestamento no período.
Desflorestamento(2000–2014)(%)

Expansão
00%–10%
10%–20%
20%–30%
30%–40%
40%–50%
50%–60% Figura 4. Disposição
60%–70% das taxas de incremento
70%–80%
80%–90% médio anual e extensão
90%–100% do desflorestamento
entre 2000 e 2014 nos
municípios do estado
Incremento médio anual (%) do Pará.

Desse modo, as combinações entre limiares e ritmos foram agrupadas


em cinco tipificações, tais sejam: conservado, limítrofe, em expansão,
em saturação e rarefeito. A seguir são listados os constituintes dessas
tipificações, suas características e representantes.

• Conservado – combinação do limiar L0 e do ritmo R0 – representa


os municípios que ainda se mantêm abaixo do limiar postulado de
166 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

desflorestamento ou muito próximo desse limiar. Com amplitude


de 0,0%–24,7%, centrado em 7,6±1,2%, foi representado por 37
municípios, a saber: Baixo Amazonas: BAM-Almeirim: Almeirim,
Porto de Moz; BAM-Óbidos: Faro, Juruti, Óbidos, Oriximiná, Terra
Santa; BAM-Santarém: Alenquer, Belterra, Curuá, Prainha, Santarém;
Marajó: MRJ-Arari: Cachoeira do Arari, Chaves, Muaná, Ponta de
Pedras, Santa Cruz do Arari, Soure; MRJ-Furos de Breves: Afuá, Anajás,
Breves, Curralinho; MRJ-Portel: Bagre, Gurupá, Melgaço, Portel;
Nordeste Paraense: NE-Bragantina: Quatipuru; NE-Cametá: Limoeiro
do Ajuru; NE-Salgado: Colares; Sudeste Paraense: SE-Parauapebas:
Parauapebas; SE-São Félix do Xingu: Ourilândia do Norte; Sudoeste
Paraense: SW-Altamira: Altamira, Senador José Porfírio; SW-Itaituba:
Aveiro, Itaituba, Jacareacanga, Trairão (Figura 4).

• Limítrofe – expressa a combinação do limiar L0 e dos ritmos R1 e R2


– representa os municípios que superaram o limiar postulado de
desflorestamento, mas não em ordem de grandeza muito elevada.
Apresentou amplitude de 7,6%–29,6%, centrado em 21±1,9%, foi
representado por 14 municípios, a saber: Baixo Amazonas: BAM-
-Santarém: Placas; Marajó: MRJ-Arari: Salvaterra; MRJ-Furos de Breves:
São Sebastião da Boa Vista; Metropolitana de Belém: MET-Belém:
Barcarena; Nordeste Paraense: NE-Cametá: Igarapé-Miri, Oeiras do
Pará; NE-Salgado: Salinópolis, São João de Pirabas; Sudeste Paraense:
SE-São Félix do Xingu: São Félix do Xingu; Sudoeste Paraense: SW-
-Altamira: Anapu, Medicilândia, Uruará; SW-Itaituba: Novo Progresso,
Rurópolis (Figura 4).

• Em expansão – combinação do limiar L0 no ritmo extremo de


desflorestamento (R3) e do limiar L1 nos ritmos de menor intensidade
de desflorestamento (R0, R1) – representa dois perfis que chegam a um
mesmo patamar de desflorestamento, sendo estes (a) municípios em
condição anterior abaixo do limiar postulado de desflorestamento e
que empreenderam essa prática de maneira extrema nos últimos
14 anos e (b) municípios que já se situavam acima do limiar
postulado e que empreenderam a prática de desflorestamento
em regime menos intenso, mas em ambos os casos o patamar de
desflorestamento assinalado é considerável. Apresentou amplitude
de 21,7%–68,7%, centrado em 49,2±2,1%, foi representado por 33
municípios, a saber: Baixo Amazonas: BAM-Santarém: Monte Alegre;
Metropolitana de Belém: MET-Belém: Ananindeua, Belém, Marituba,
Santa Bárbara do Pará; MET-Castanhal: Bujaru, Inhangapi, Santo
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 167

Antônio do Tauá; Nordeste Paraense: NE-Bragantina: Tracuateua;


NE-Cametá: Abaetetuba, Baião, Cametá, Mocajuba; NE-Guamá:
Nova Esperança do Piriá; NE-Salgado: Curuçá, Magalhães Barata,
Maracanã, Marapanim, São Caetano de Odivelas, Vigia; NE-Tomé-
Açu: Acará, Tomé-Açu; Sudeste Paraense: SE-Conceição do Araguaia:
Conceição do Araguaia, Floresta do Araguaia; SE-Paragominas:
Bom Jesus do Tocantins, Goianésia do Pará, Paragominas; SE-
-Parauapebas: Água Azul do Norte, Canaã dos Carajás; SE-Redenção:
Pau D’Arco; SE-Tucuruí: Tucuruí; Sudoeste Paraense: SW-Altamira:
Brasil Novo, Pacajá (Figura 4).

• Em saturação – combinação do limiar L1 nos ritmos de maior intensidade


(R2, R3) – representa municípios que já encontravam-se acima do
limiar de desflorestamento postulado e continuaram a empreender
o desflorestamento em regime expressivo. Apresentou amplitude
de 42,2%–72,7%, centrado em 60,1±1,9%, foi representado por 21
municípios, a saber: Metropolitana de Belém: MET-Belém: Benevides;
Nordeste Paraense: NE-Bragantina: Primavera, Santarém Novo; NE-
-Guamá: Cachoeira do Piriá, Ipixuna do Pará; NE-Salgado: São João da
Ponta; NE-Tomé-Açu: Moju, Tailândia; Sudeste Paraense: SE-Conceição
do Araguaia: Santa Maria das Barreiras, Santana do Araguaia; SE-
-Marabá: Marabá, São João do Araguaia; SE-Paragominas: Dom Eliseu,
Rondon do Pará, Ulianópolis; SE-São Félix do Xingu: Bannach, Cumaru
do Norte; SE-Tucuruí: Breu Branco, Itupiranga, Novo Repartimento;
Sudoeste Paraense: SW-Altamira: Vitória do Xingu (Figura 4).

• Rarefeito – compreende todos os ritmos de desflorestamento (R0,


R1, R2, R3) no limiar de desflorestamento original mais acentuado (L2)
– representa os municípios com um ritmo mais elevado ou não de
desflorestamento e que chegaram a patamares muito elevados de
desflorestamento, com um comportamento que indica a existência
de um ‘platô’, nível máximo de desflorestamento, dada a rarefação
do componente florestal. Apresentou amplitude de 66,2%–95,3%,
centrado em 83,9±1,2%, foi representado por 38 municípios, a saber:
Baixo Amazonas: BAM-Santarém: Monte Alegre; Metropolitana de
Belém: MET-Belém: Ananindeua, Belém, Marituba, Santa Bárbara
do Pará; MET-Castanhal: Bujaru, Inhangapi, Santo Antônio do
Tauá; Nordeste Paraense: NE-Bragantina: Tracuateua; NE-Cametá:
Abaetetuba, Baião, Cametá, Mocajuba; NE-Guamá: Nova Esperança do
Piriá; NE-Salgado: Curuçá, Magalhães Barata, Maracanã, Marapanim,
São Caetano de Odivelas, Vigia; NE-Tomé-Açu: Acará, Tomé-Açu;
168 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Sudeste Paraense: SE-Conceição do Araguaia: Conceição do Araguaia,


Floresta do Araguaia; SE-Paragominas: Bom Jesus do Tocantins,
Goianésia do Pará, Paragominas; SE-Parauapebas: Água Azul do Norte,
Canaã dos Carajás; SE-Redenção: Pau D’Arco; SE-Tucuruí: Tucuruí;
Sudoeste Paraense: SW-Altamira: Brasil Novo, Pacajá (Figura 4).

A mesorregião do Marajó (Figura 5A) situou-se em sua quase integralidade


(97% área total) na tipificação ‘conservado’, mas também assinalou
uma pequena porção (3% área total) na tipificação ‘limítrofe’. Enquanto
na mesorregião Baixo Amazonas (Figura 5B), mesmo situando-se
predominantemente na tipificação ‘conservado’ (92% área total), também
foi assinalada a ocorrência de municípios na tipificação ‘em expansão’ (5%
área total) e ‘limítrofe’ (2% área total).

Desflorestamento(2000–2014)(%)

Incremento médio anual (%) Incremento médio anual (%)

Figura 5. Disposição da extensão das taxas e ritmo de desflorestamento dos municípios nas
mesorregiões Marajó (a) e Baixo Amazonas (b) do estado do Pará, em função das tipificações
propostas, agregadas sob reticulação do tipo Delanauy.

A mesorregião Metropolitana de Belém (Figura 6A) oscilou entre todas as


tipificações, à exceção de ‘conservado’, com um predomínio da tipificação
‘em expansão’ (53% área total), seguida da tipificação ‘rarefeita’ (25% área
total) e ‘limítrofe’ (19% área total). A tipificação ‘em saturação’ (3% área
total) foi pouco expressiva. A quebra de encadeamento das tipificações
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 169

nessa mesorregião provavelmente indica a presença de processos


anteriores, agora estanques, e de novos processos de desflorestamento
em encadeamento. É a mesorregião com maior densidade populacional
do estado, constituindo-se da área em torno da capital. É a região de
colonização mais antiga do estado e da própria região amazônica.

Desflorestamento(2000–2014)(%)
Incremento médio anual (%) Incremento médio anual (%)

Figura 6. Disposição da extensão das taxas e ritmo de desflorestamento dos municípios nas
mesorregiões Metropolitana de Belém (a) e Sudoeste Paraense (b) do estado do Pará, em
função das tipificações propostas, agregadas sob reticulação do tipo Delanauy.

A mesorregião Sudoeste Paraense (Figura 6B) apresentou municípios


em todas as tipificações, à exceção de ‘rarefeito’. Uma pequena fração
de sua área mostrou-se contida nas tipificações ‘em expansão’ (4% área
total) e ‘em saturação’ (1% área total). O predomínio foi observado na
tipificação ‘conservado’ (77% área total) e ‘limítrofe’ (18% área total). Assim,
tem-se nessa mesorregião um comportamento inicial de expansão do
desflorestamento.

Já nas mesorregiões Nordeste Paraense (Figura 7A) e Sudeste Paraense


(Figura 7B), foram registradas todas as tipificações, assinalando-se, desse
modo, a maior heterogeneidade dentre as mesorregiões. Em ambos os
casos, a menor expressão em área ocorreu na tipificação ‘conservado’
(NE: 3%; SE: 7% área total). Entretanto, algumas diferenças puderam ser
170 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

observadas, de modo que no Nordeste Paraense as maiores proporções de


área situaram-se em tipificações ‘rarefeita’ e ‘em expansão’ (31% e 32% área
total, respectivamente), seguidas de ‘limítrofe’ e ‘em saturação’ (8% e 26%
área total, respectivamente); enquanto no Sudeste Paraense o predomínio
foi oposto, tendo em ‘limítrofe’ e ‘em saturação’ (28% e 35% área total,
respectivamente) sua maior expressão, seguido das tipificações ‘rarefeita’
e ‘em expansão’ (12% e 18%, respectivamente).

Desflorestamento(2000–2014)(%)

Incremento médio anual (%) Incremento médio anual (%)

Figura 7. Disposição da extensão das taxas e ritmo de desflorestamento dos municípios nas
mesorregiões Nordeste Paraense (a) e Sudeste Paraense (b) do estado do Pará, em função das
tipificações propostas, agregadas sob reticulação do tipo Delanauy.

A qualificação do desflorestamento, buscando, por meio da aplicação


dessa tipologia, uma expressão territorial deste, mostrou-se adequada
(Figura 8A), mesmo com a redução ou perda da precisão, quando
comparada à máscara Prodes (Figura 8B). Ao invés de valores estaduais
ou municipais de áreas desflorestadas ou da representação cartográfica
dessas áreas desflorestadas, a apresentação de uma trajetória do
desflorestamento, como a tipologia propôs, parece mais adequada à
avaliação de políticas públicas e planejamento para a região amazônica,
buscando adequar cada vez mais essas atuações do poder público a um
nível administrativo mais próximo do municipal, como preconizado por
Becker (2005, 2010).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 171

Figura 8. Cartogramas da aplicação das tipologias de desflorestamento aplicadas aos


municípios (a) e desflorestamento acumulado no ano de 2014 (b), segundo Prodes (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais, 2016a), no estado do Pará.

Outros exemplos de aplicação de combinações lineares, buscando uma tipologia


do desflorestamento e considerando a extensão do desflorestamento e sua
atividade foram utilizadas em Rodrigues et al. (2009) e Tritsch e Arvor (2016),
sendo o segundo trabalho inspirado no primeiro (Figura 9). Ambos os casos
buscaram estabelecer relações derivativas entre o desflorestamento e indicadores
socioeconômicos, o que não foi o objetivo deste trabalho, que esteve focado na
definição de uma tipificação do desflorestamento no nível municipal.

Figura 9. Definição das classes de fronteira propostas por Rodrigues et al. (2009), adotadas e
adaptadas por Tritsch e Arvor (2016).
172 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Ressalta-se que a abordagem dos autores supracitados apresentou uma faixa


intermediária sem classificação (Figura 9), o que foi parcialmente solucionado pela
agregação das combinações lineares em diferentes patamares, como no caso da
tipificação “em expansão”. Reafirmamos a expressão “parcialmente solucionado”,
posto que, pela própria natureza da aplicação das combinações lineares, estas
geram uma série de misclassifications, mesmo adotando intervalores de confiança
mais estreitos (Witten; Frank, 2005).

Tipologias supramunicipais de desflorestamento


Mantendo a noção de agregação na escala, mas também buscando refiná-la,
optou-se por uma ordenação das microrregiões em função da proporção em
área das tipificações nelas assinaladas. Já que, como visto anteriormente, algumas
mesorregiões, notadamente Nordeste e Sudeste Paraense, apresentam elevada
heterogeneidade quanto à dominância de alguma das tipificações.

Nas microrregiões ratificou-se a ocorrência de regiões ainda (a) conservadas, sendo


algumas dessas (a.1) conservadas em sua quase integralidade – Baixo Amazonas:
Óbidos e Almerim; Marajó: Portel; (a.2) conservadas em quase integralidade, mas
com ocorrência de tipificação limítrofe em pequena expressão – Marajó: Furos de
Breves e Arari; (a.3.1) predominantemente conservadas, mas com ocorrência de
tipificação limítrofe – Sudoeste: Itaituba; (a.3.2) predominantemente conservadas,
mas com ocorrência de tipificação limítrofe e expansão – Baixo Amazonas:
Santarém, Sudoeste – Altamira (Tabela 2 e Figura 10).
Tabela 2. Valores relativos de área total nas diferentes microrregiões em
função das tipificações dos municípios.
Tipificações
Microrregião Em
Conservado Limítrofe Em expansão Rarefeito
saturação
BAM-Almeirim 100%
BAM-Óbidos 100%
BAM-Santarém 71% 8% 21%
MET-Belém 42% 52% 6%
MET-Castanhal 54% 46%
MRJ-Arari 96% 4%
MRJ-Breves 95% 5%
MRJ-Portel 100%
NE-Bragantina 4% 11% 6% 80%
NE-Cametá 9% 35% 56%

Continua...
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 173

Tabela 2. Continuação.
Tipificações
Microrregião Em
Conservado Limítrofe Em expansão Rarefeito
saturação
NE-Guamá 10% 27% 63%
NE-Salgado 10% 16% 67% 3% 4%
NE-Tomé-Açu 40% 57% 3%
SE-Conceição do
30% 70%
Araguaia
SE-Marabá 82% 18%
SE-Parauapebas 31% 46% 24%
SE-Paragominas 60% 38% 1%
SE-Redenção 8% 92%
SE-São Félix 12% 69% 17% 2%
SE-TUC 6% 83% 11%
SW-Altamira 77% 14% 8% 1%
SW-Itaituba 76% 24%
Total 61% 14% 10% 10% 5%

BAM – Baixo Amazonas, MET – Metropolitana de Belém, MRJ – Marajó, NE – Nordeste


Paraense, SE – Sudeste Paraense, SW – Sudoeste Paraense.

(a) (b)

Figura 10. Cartograma dos agrupamentos, baseados nas tipologias de desflorestamento,


das microrregiões do estado do Pará (a), conforme registrado na Tabela 6 e ordenação das
microrregiões em função das proporções de área de suas tipificações e dendrogramas
correspondentes (b).
174 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tivemos ocorrência de zonas (b) menos conservadas ou de conservação


ausente, como no caso das microrregiões com (b.1) predomínio de tipificação
‘em saturação’ ou ‘rarefeito’ – Sudeste: Tucuruí e Marabá; com (b.2) predomínio da
tipificação ‘em expansão’ ou ‘em saturação’ – Sudeste: Paragominas e Conceição
do Araguaia; Nordeste Paraense: Tomé-Açu. Bem como casos extremos, tal como
(b.3) predomínio da tipificação ‘rarefeita’, seguida de tipificações ‘em saturação’
ou ‘em expansão’: Nordeste Paraense: Guamá e Bragantina; Sudeste Paraense:
Redenção (Tabela 2 e Figura 10).

Em uma condição bastante heterogênea, mas (c) centrando em um domínio


da tipificação “em expansão”, tem-se (c.1) zonas sem municípios conservados,
mas, também, sem municípios rarefeitos com predomínio da combinação de
tipificações ‘em expansão’ e ‘limítrofe’ – Metropolitana de Belém: Belém e (c.2)
zonas também dominadas pela tipificação‘em expansão’e‘limítrofe’, mas também
com ocorrência da tipificação ‘conservado’ – Nordeste Paraense: Salgado e
Cametá e (c.3.a) domínio de ‘em expansão’ combinada a ‘rarefeito’ – Metropolitana
de Belém: Castanhal e (c.3.b) domínio de ‘em expansão’ combinada a ‘rarefeito’,
mas com presença significativa de áreas na tipificação ‘conservado’ – Sudeste:
Parauapebas (Tabela 2 e Figura 10).

Conclusão
O desflorestamento no estado do Pará apresenta-se fortemente segmentado,
tendo domínio de zonas conservadas até domínios de rarefeitos. Entretanto, cerca
de 60% de sua área encontra-se em municípios tipificados como “conservados”.

A heterogeneidade em níveis microrregionais qualifica a aplicação de políticas


diferenciadas a cada um desses cenários.

Mesmo com perda de precisão, quando comparada à máscara Prodes, a tipologia


sugerida encerra em si uma trajetória do desflorestamento no âmbito municipal,
fornecendo elementos importantes para a visão territorial do estado do Pará.

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40 ANOS DE
TRANSFORMAÇÕES NA
AGRICULTURA PARAENSE:
implicações para
políticas públicas1
Carlos Augusto Mattos Santana
Geraldo da Silva e Souza
Alfredo Kingo Oyama Homma
Eliane Gonçalves Gomes
Adalberto Araújo Aragão

Introdução

A
agricultura1paraense vem ocupando rapidamente uma posição de
destaque no Brasil e no mundo. Em meados do século passado, o setor
caracterizava-se pelo predomínio do extrativismo e de atividades de
subsistência. A extração de castanha, madeira e borracha, juntamente com
o cultivo de produtos de subsistência como feijão, arroz e mandioca, bem
como a criação de animais de pequeno porte, predominavam na pauta
agropecuária da época. O aproveitamento da malva e da força inercial da
introdução da juta e da pimenta-do-reino também fazia parte do contexto
agrícola daquele período (Rebello; Homma, 2017), assim como uma
estrutura fundiária em que a terra era barata e abundante.

Nas últimas décadas, a situação mudou substancialmente. A condição


incipiente do setor foi deixada para trás. No seu lugar, vem emergindo uma
agricultura mais desenvolvida e pujante, que converteu o Pará no maior
produtor brasileiro de mandioca, dendê, açaí, cacau, abacaxi e pimenta-
-do-reino. Ademais, tornou o estado no principal exportador de boi vivo,
1
Uma versão preliminar das análises foi apresentada no 2º Simpósio da Sober Norte, realizado
em Santarém, Pará, no período de 11 a 13 de setembro de 2019.
Os autores agradecem os valiosos comentários do Dr. Fernando Luís Garagorry, assim como os
dados e informações compartilhados. Eventuais falhas e omissões no capítulo são de inteira
responsabilidade dos autores.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 179

no maior criador de bubalinos do País e em importante player na pecuária


bovina e na produção de laranja, banana e coco-da-baía.

Dado esse contexto, este capítulo procura retratar as principais mudanças


ocorridas na agricultura paraense no período 1975–2015 e, com base
nos elementos observados, apresentar implicações para a formulação de
políticas públicas. Em um primeiro momento, as análises são desenvolvidas
sob uma perspectiva macro, ou seja, examinam sob uma ótica estadual
como evoluiu o interesse dos produtores paraenses pelos diferentes cultivos
temporários e permanentes ao longo do período de análise. Além disso,
identificam os deslocamentos geográficos registrados por essas lavouras
e pelo rebanho bovino. Posteriormente, o foco das análises é voltado para
um nível micro, isto é, investiga as transformações que ocorreram em
microrregiões selecionadas.

Especificamente, o trabalho busca responder as seguintes questões: como


evoluiu a área colhida com as principais culturas temporárias e permanentes
no Pará durante o período 1975–2015? A evolução observada modificou a
posição de destaque dos diferentes cultivos no estado ao longo dos anos?
Como os cultivos agrícolas e a pecuária bovina deslocaram-se espacialmente
no Pará durante o período de análise? Quais microrregiões apresentaram
maior dinamismo em termos de crescimento da área colhida com lavouras
temporárias e permanentes e expansão do rebanho bovino nos últimos 40
anos? Que mudanças foram observadas no perfil estrutural, tecnológico e
socioeconômico das microrregiões mais dinâmicas no período 1975–2015?
E, por fim, que desafios resultam das transformações observadas para o
processo de formulação de políticas públicas?

Dadas as questões acima, o capítulo foi organizado em quatro seções


contadas a partir desta introdução. A segunda apresenta as metodologias
utilizadas para retratar as dinâmicas dos cultivos temporários e permanentes
em termos de área colhida, assim como para investigar as mudanças
espaciais dessas culturas e do efetivo bovino nas últimas quatro décadas.
Ademais, expõe as metodologias usadas para identificar as microrregiões
mais dinâmicas com respeito ao crescimento da área colhida e o aumento
do rebanho bovino e examinar as transformações estruturais, tecnológicas e
socioeconômicas em microrregiões selecionadas. Os resultados obtidos por
meio da utilização dessas metodologias são objeto da terceira seção. Por
fim, as implicações das análises para o processo de formulação de políticas
públicas são apresentadas na última seção a título de conclusão.
180 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Metodologias de análise
As atividades agropecuárias desenvolvidas no Pará apresentaram mudanças
notáveis no período 1975–2015. A área colhida com os diferentes cultivos
temporários e permanentes expandiu substancialmente, modificando a
posição dos produtos na escala de importância: alguns passaram a ocupar
um lugar de destaque ao longo do tempo em termos da área colhida;
outros perderam essa condição ao terem parte da sua área substituída
por outra atividade; um terceiro grupo manteve estável a sua importância
com respeito à área colhida. Ademais, os diferentes cultivos permanentes
e temporários, assim como o rebanho bovino, registraram deslocamentos
territoriais marcantes no estado.

As mudanças na importância relativa dos diferentes cultivos temporários e


permanentes foram examinadas separadamente, com base em uma análise
univariada da distribuição da área colhida com esses vários produtos durante
o período 1975–2015. Especificamente, medidas de tendência central e de
dispersão foram obtidas para as distribuições anuais da área colhida com
os principais cultivos temporários2. O mesmo foi feito para as culturas
permanentes3. Além disso, foram calculadas estimativas do terceiro quartil4
(quartil superior) para a variável área colhida com os diferentes cultivos
temporários e, posteriormente, com os cultivos permanentes por meio do
programa Statistical Analysis System (SAS). Os produtos cuja área colhida
faz parte do terceiro quartil são designados no capítulo como integrantes
ou formadores do Grupo Top 25% (GT 25%). Essa mesma metodologia foi
utilizada para analisar, separadamente, a dinâmica geográfica dos cultivos
temporários, permanentes e do rebanho bovino, ou seja, para determinar os
deslocamentos territoriais de cada uma dessas variáveis no estado.

2
Os cultivos temporários considerados nas análises compreendem os seguintes: mandioca,
milho, arroz, soja, feijão, malva, cana, abacaxi, melancia, tomate, amendoim, batata-doce, fumo,
melão, algodão herbáceo e juta.
3
Os cultivos permanentes considerados nas análises compreendem os seguintes: cacaueiro,
bananeira, coqueiro-da-baía, dendezeiro, pimenteira-do-reino, açaizeiro, cafeeiro, laranjeira,
seringueira, mamoeiro, cajueiro, limoeiro, urucuzeiro, maracujazeiro, tangerineira, palmito,
mangueira, guaranazeiro e abacateiro.
4
O terceiro quartil, também conhecido como quartil superior, é o valor a partir do qual se
encontram 25% das observações com os valores mais elevados (Langford, 2006). Esse conjunto
de observações é designado no capítulo como Grupo Top 25%, isto é, o grupo de produtos ou
microrregiões integrantes do terceiro quartil.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 181

Com o intuito de identificar as microrregiões mais dinâmicas, isto é, aquelas


que apresentaram maior expansão da área colhida e aumento do rebanho
bovino, taxas de crescimento do rank normalizado dessas variáveis foram
calculadas5. Tomando-se como ilustração da metodologia utilizada para a
identificação das microrregiões com maior dinamismo em relação à área
colhida, cabe indicar que, inicialmente, os dados referentes a essa variável
para o período 1975-2015 foram organizados de 5 em 5 anos, formando
nove vetores, cada um com 22 microrregiões, totalizando 198 observações,
as quais foram ordenadas em termos crescentes. O rank resultante desse
procedimento foi posteriormente normalizado por 198, ou seja, pelo maior
posto dos valores ordenados. Os resultados obtidos foram utilizados para
se calcular taxas de crescimento do rank normalizado dessa variável para o
período 1975–20156 com base no seguinte modelo:

Yt = e α + β t

em que

Yt = rank normalizado da área colhida com o cultivo “a” no ano t.

e = constante neperiana (2,718).

α = intercepto.

β = taxa de crescimento média do período.

Por sua vez, as principais transformações estruturais, tecnológicas e


socioeconômicas observadas nas microrregiões que apresentaram maior
dinamismo foram examinadas com base no comportamento apresentado
pelas seguintes variáveis: uso da terra; migração rural; índice de urbanização;
utilização de tratores; área irrigada; pessoal ocupado em estabelecimentos
agropecuários; e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).

No caso da migração rural-urbana estimou-se também o fluxo migratório nas


microrregiões mais dinâmicas, ou seja, o ganho ou perda populacional com
base na metodologia utilizada por Alves (1995). Segundo esse pesquisador,
é possível dimensionar o êxodo rural. Para tanto, uma alternativa é estimar
5
Como mostra a literatura (Garagorry, 2008; Brasco et al., 2014; Freitas et al., 2014), há outras
metodologias para analisar aspectos de dinâmica e de dinamismo agrícola. A opção feita pela
utilizada aqui se justifica pela robustez que ela também apresenta.
6
A taxa de crescimento do rank normalizado da área colhida com as culturas temporárias de
cada microrregião foi calculada com base nos dados de 1975, 1980, 1985, 1990, 1995, 2000,
2005, 2010 e 2015.
182 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

a taxa de crescimento da população rural da microrregião de interesse e da


população do País por meio das Equações 1 e 2 abaixo, respectivamente, e
aplicá-las na Equação 3.

PfMj = PoMj ear

(1)

PfB = PoB ebr

(2)

M = A0 (era – 1) (b – a) / a

(3)

em que

PoMj = população rural na microrregião “j” no início do período.

PfMj = população rural na microrregião “j” no final do período.

r = número de anos do período.

a = taxa instantânea de crescimento da população rural da microrregião “j”.

PoB = população no País no início do período.

PfB = população no País no final do período.

b = taxa instantânea de crescimento da população do País.

A0 = população na microrregião “j” no início do período.

M = número de pessoas que migraram na microrregião “j” no período.

Essa metodologia indica que o indivíduo deixou o meio rural de uma


determinada microrregião, “o destino pode ser o meio rural de outra
microrregião ou a cidade” (Alves, 1995). A metodologia assume que a
população do País e a população rural da microrregião de interesse têm
a mesma taxa natural de crescimento. Ademais, “dentro do período, a
população rural cresce de acordo com a taxa de crescimento do país”.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 183

Resultados
Situação das culturas temporárias
A aplicação das metodologias apresentadas acima revela mudanças
significativas em termos da importância dada pelos produtores para o
cultivo de algumas lavouras temporárias, quando avaliadas sob o ponto de
vista da área colhida. Como mostra a Tabela 1, dos 16 cultivos examinados,
6 fazem parte, em determinados momentos, do terceiro quartil durante o
período 1975–2015. Entre 1975 e 1980, a mandioca, o milho, o arroz e a malva
destacaram-se por integrar o grupo Top 25% (GT 25% ou terceiro quartil), isto
é, por conformar o conjunto de produtos mais relevantes em termos da área
colhida. No período 1985–2005, uma nova situação emerge: a malva deixa de
fazer parte do GT 25% e, em seu lugar, entra o feijão. Posteriormente, em 2010
e 2015, o quadro é alterado novamente. Dessa vez, o feijão é substituído pela
soja no rol de cultivos pertencentes ao grupo Top 25%.

Tabela 1. Pará: dinâmica das culturas temporárias em termos da área


colhida, 1975–2015 (terceiro quartil).
Produtos 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015
Mandioca X X X X X X X X X
Milho X X X X X X X X X
Arroz X X X X X X X X X
Soja X X
Feijão X X X X X
Malva X X
Cana-de-açúcar
Abacaxi
Melancia
Tomate
Amendoim
Batata-doce
Fumo
Melão
Algodão herbáceo
Juta
Participação Top 25% 88 88 91 95 98 98 91 90 93

Fonte: estimativa própria com base em dados do IBGE (2019c).

No caso da malva, a mudança ocorrida (saída do GT 25%) decorreu, em


grande medida, da entrada de sacos plásticos no mercado nacional. Até o
início dos anos 1970, a malva (terra firme) e a juta (várzeas), duas plantas
fibrosas tradicionalmente produzidas por pequenos produtores, eram
184 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

largamente utilizadas como matéria-prima na confecção de sacarias.


Entretanto, a crescente utilização do polipropileno naquele período resultou
na substituição da malva e da juta por esse novo tipo de sacaria no mercado.

O feijão, por sua vez, especialmente a espécie caupi, que se destacava no


Nordeste Paraense como um dos alimentos básicos da dieta local e uma das
principais fontes de renda agrícola e de ocupação da mão de obra familiar,
entrou no grupo formador do terceiro quartil em meados dos anos 1980 e
saiu aproximadamente após 20057. A entrada ocorreu em decorrência de
vários fatores, entre eles, da maior disponibilidade de novas tecnologias.
Por exemplo, entre 1988 e 2007, foram introduzidas 31 novas cultivares de
feijão-caupi, sendo quatro delas específicas para o Pará: BRS Milênio; BRS
Urubuquara; BR 3 Tracuateua (purificada); e BRS Novaera (Freire Filho et
al., 2008). Ademais do anterior, os incentivos de crédito rural provenientes
do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) e os aumentos
significativos no preço do feijão-caupi contribuíram também para o bom
desempenho desse cultivo no período 1985–2005 e, consequentemente,
para a sua participação no grupo de produtos pertencentes ao terceiro
quartil durante aqueles anos (Tabela 1).

Em relação à saída do feijão do grupo Top 25% após 2005, os fatores que
explicam esse fato incluem a decisão dos produtores em optar por cultivos
com preços mais atraentes ou com maior potencial econômico e em expansão
no mercado, por exemplo, mandioca, açaí, pimenta-do-reino, soja e espécies
cítricas (Maciel et al., 2018). Segundo Silva e Navegantes-Alves (2018), a
dendeicultura também interferiu na decisão dos agricultores de cultivar
feijão-caupi, ou seja, eles deixaram de produzir esse alimento e passaram a
comprá-lo com a renda obtida no cultivo do dendezeiro. Um terceiro fator
explicativo da mudança assinalada é o limitado número de instituições que,
como as organizações de produtores e cooperativas, favorecem um bom
desempenho da agricultura familiar, isto é, do principal grupo responsável
pela produção de feijão no Pará (Moreira et al., 2017).

Por fim, a mudança mais expressiva que ocorreu entre as culturas temporárias
no período 1975–2015 foi a entrada da soja no grupo Top 25%. O cultivo dessa
oleaginosa no Pará iniciou em 1997, quando foram colhidos 575 ha, ou seja, o
7
A produção de feijão no Brasil envolve basicamente duas espécies, o feijão-comum [Phaseolus
vulgaris L.] e o feijão-caupi [Vigna unguiculata (L.) Walp]. Os dados estatísticos para essas
espécies, em geral, são apresentados de forma agregada. Entretanto, como mostram Filgueiras
et al. (2009b), o feijão-caupi predomina largamente no Pará. Especificamente, segundo esses
autores, na safra 2007/2008 a área plantada com feijão-caupi respondeu por 85% da área total
cultivada com feijão no estado.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 185

equivalente a 0,06% da área total colhida com as culturas temporárias. Após


aquele ano, a área colhida com esse produto cresceu de forma extraordinária,
alcançando 556 mil hectares em 2018 (49% da área colhida com culturas
temporárias no Pará).

Vários fatores contribuíram para a rápida expansão da soja no Pará, entre eles:
o avanço da fronteira agrícola para o norte do País onde parte da área dedicada
à pecuária de corte no estado foi utilizada por produtores experientes, muitos
deles vindo do sul do País para cultivar a soja; o melhoramento genético e
o desenvolvimento de outras tecnologias que permitiram o cultivo desse
produto em regiões tropicais e de baixa latitude; a disponibilidade de terra
de boa qualidade e relativamente barata em locais com clima favorável; a
existência de uma boa infraestrutura de escoamento e comercialização da
produção (estradas, portos fluviais e tradings); e a concessão de incentivos
governamentais, especialmente o crédito.

Como mostra a Tabela 1, a mandioca, o milho e o arroz figuraram ao longo


do período 1975–2015 como parte do terceiro quartil, ou seja, ocuparam
sistematicamente um lugar proeminente em termos de área colhida entre os
cultivos temporários no Pará durante os últimos 40 anos. A mandioca, produto
essencial na dieta alimentar local e fonte de renda para um grande número de
produtores, especialmente os familiares, registrou uma expansão horizontal
sem apresentar oscilações de queda acentuadas ao longo das quatro décadas
(Figura 1). Entretanto, o mesmo não ocorreu com o milho e o arroz. No caso desses
cultivos, a área colhida, embora tenha estabelecido uma tendência crescente
entre 1975 e 2015, apresentou dois comportamentos distintos: uma trajetória
positiva no período 1975–1999 e uma negativa após 1999 até 2015. Segundo
alguns analistas, as explicações para essa evolução incluem a substituição de
áreas de arroz e de milho por produtos mais atraentes economicamente como a
soja, a pimenta-do-reino, a mandioca, o açaí e o dendê (Zeferino; Martins, 2013;
Alves et al., 2014; Pintor; Piacenti, 2016).

Por fim, cabe mencionar que a evolução da exploração de cultivos


temporários no Pará durante o período 1975–2015 resultou em uma
concentração crescente da área colhida em um número relativamente
pequeno de produtos. Como ilustra a Tabela 1, a participação do conjunto
dos cultivos temporários formadores do Grupo Top 25% na área total colhida
com esses produtos no Pará aumentou de 88% em 1975 para 98% em 2000 e
posteriormente caiu um pouco, alcançando 93% em 2015. A queda observada
após 2000 decorreu, em grande medida, da redução da área colhida com
arroz e milho, em virtude do maior interesse econômico dos produtores por
186 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

outros cultivos temporários como o da mandioca e da soja. O cultivo da


soja expandiu de forma extraordinária nesse período, aumentando a área
colhida de 68.410 ha em 2005 para 337.056 ha em 2015. Porém, como
se pode observar, esse crescimento não foi suficiente para compensar a
diminuição experimentada pelo arroz e pelo milho.

Figura 1. Área colhida (em hectares) com arroz, milho e mandioca no Pará, 1975–2015.
Fonte: IBGE (2019c).

Situação das culturas permanentes


Em contraste com as lavouras temporárias, as permanentes apresentaram
maiores mudanças em termos da importância relativa dos diferentes
produtos sob a ótica da área colhida. Especificamente, dos 19 cultivos
permanentes analisados, 3 mantiveram a sua participação no Grupo Top
25% durante o período 1975–2015 (cacaueiro, bananeira e coqueiro-da-
-baía), 5 saíram desse grupo (seringueira, cafeeiro, cajueiro, mamoeiro e
laranjeira) e 2 passaram a integrá-lo (açaizeiro e dendezeiro) (Tabela 2).

Originário como planta nativa da Amazônia, o cacaueiro registrou um


forte processo de crescimento no Pará a partir da criação do Plano de
Diretrizes para a Expansão da Cacauicultura Nacional em 1976 (Oliveira,
2016). Como resultado da evolução experimentada, o estado tornou-
-se o maior produtor brasileiro de cacau em 2017, dividindo, portanto, o
protagonismo com a Bahia.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 187

Tabela 2. Pará: dinâmica das culturas permanentes em termos da área


colhida, 1975–2015 (terceiro quartil).
Produtos 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015
Cacau X X X X X X X X X
Banana X X X X X X X X X
Coco-da-baía X X X X X X X
Dendê X X X X X X
Pimenta-do-reino X X X X X X X
Açaí X
Café X X
Laranja X
Borracha X
Mamão X
Caju X
Limão
Urucum
Maracujá
Tangerina
Palmito
Manga
Guaraná
Abacate
Participação Top 25% 89 94 93 84 78 82 82 86 91

Fonte: estimativa própria com base em dados do IBGE (2019b).

Vários fatores contribuíram para o desempenho da cacauicultura no


Pará e, consequentemente, para a permanência desse cultivo no terceiro
quartil ao longo do período de análise, entre eles: as excelentes condições
climáticas da região; o estabelecimento de cooperativas de produtores;
a maior possibilidade de controlar enfermidades como a vassoura de
bruxa8. O apoio dos créditos do FNO, da Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-Pará) e da Cooperativa Agrícola
Mista de Tomé-Açu (Camta), a característica do cultivo de apresentar
uma das mais elevadas taxas internas de retorno entre as atividades
do agronegócio paraense e a atuação da Comissão Executiva do Plano
da Lavoura Cacaueira (Ceplac) no desenvolvimento e distribuição de
sementes híbridas e mais produtivas também favoreceram a expansão
sistemática do cacau no estado.

8
No Pará, o cacaueiro é cultivado por meio de sistemas agroflorestais, os quais incluem o cultivo
de pimenteira-do-reino, açaizeiro e outras espécies perenes na mesma área que o cacaueiro,
favorecendo a redução de custos na implantação.
188 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A bananicultura, uma das atividades econômicas e sociais mais importantes


do Pará, também fez parte do Grupo Top 25% durante o período de análise.
A expansão desse cultivo no estado está ligada em boa medida à produção
de cacau. Isto porque os plantios daquela fruta são geralmente realizados
de forma consorciada ou por sistemas agroflorestais (SAF) em que a
bananeira é utilizada para sombreamento do cacau (Boletim Agropecuário
do Estado do Pará, 2015). Além disso, a evolução da bananicultura no Pará
e, em especial, na região Sudeste foi influenciada até o início dos anos 2000
pela ocupação de novas áreas em vez de uma expansão vertical motivada
pela disponibilidade de novas tecnologias (Homma et al., 2001).

Segundo Homma et al. (2001), o crescimento do mercado consumidor


local, os programas de expansão da cacauicultura e a substituição local
das importações procedentes do Sul e do Sudeste do Brasil, favorecida
pela condição precária das rodovias, também influenciaram positivamente
o setor de banana no estado. Mais recentemente, o cultivo da bananeira
no Pará tem se beneficiado de novos desenvolvimentos tecnológicos, por
exemplo, o lançamento da nova cultivar de bananeira-prata, a BRS Pacoua,
gerada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
especialmente para essa região. Além de mais produtiva, essa variedade é
resistente às principais doenças que atacam os bananais, como a sigatoka-
-amarela, a sigatoka-negra, o mal do Panamá e o moko.

O coco-da-baía também manteve a sua participação no Grupo Top 25% ao


longo do período 1975–2015, exceto na primeira metade dos anos 1990,
quando a sua área colhida não foi suficiente para manter esse produto como
parte daquele grupo9. A expansão do coco no Pará decorreu da crescente
demanda local e nacional por água de coco, da consequente elevação
do seu preço (Ferreira Neto et al., 2007; Brainer, 2018) e das condições
edafoclimáticas do estado favoráveis ao desenvolvimento das plantações.
Uma evidência da importância desse último elemento é a presença do
maior coqueiral do mundo no município de Moju, ou seja, uma propriedade
de aproximadamente 20 mil hectares para produção de coco seco em mais
de 5 mil hectares no município de Moju e de coco-verde no município de
Santa Izabel do Pará (Cavalcante, 2016).

Outros fatores que explicam a presença consolidada do coco-da-baía entre


os cultivos do Grupo Top 25% incluem: a difusão de novas tecnologias,
como variedades híbridas decorrentes do cruzamento do coqueiro-anão
e do coqueiro ‘Gigante’; o desenvolvimento de sistemas de irrigação e de
9
Provavelmente isso ocorreu devido à forte expansão do cultivo do dendezeiro no estado.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 189

técnicas de fertirrigação; a disponibilização e o uso de defensivos químicos


e orgânicos; a introdução de máquinas e equipamentos agrícolas voltadas
para a produção de coco; a consolidação de um setor agroindustrial do
coco (Cavalcante, 2015). O fortalecimento do segmento industrial do coco-
-da-baía e o apoio a um maior desenvolvimento do mercado do coco-verde
poderiam contribuir significativamente para que esse setor consolide ainda
mais a trajetória registrada ao longo do período 1975–2015.

O cultivo da pimenteira-do-reino também apresentou um dinamismo


relativamente constante ao longo do período 1975–2015, participando de
forma consolidada do conjunto de produtos integrantes do terceiro quartil.
Esse fato é explicado pelas excelentes condições edafoclimáticas para a
sua produção no estado, pela adoção de sistemas agroflorestais como
um novo sistema de produção a partir dos anos 2000 e pela capacidade
de resposta dos agricultores paraenses aos preços e aos sinais de mercado
(Filgueiras et al., 2009a). No tocante a este último elemento, há uma
correlação importante entre a evolução da área colhida com pimenteira-
-do-reino e o comportamento dos preços recebidos pelos produtores entre
1975 e 2015. Especificamente entre 1975 e o final dos anos 1980, o preço real
desse produto e a área colhida registraram trajetórias ascendentes. Nos anos
1990, entretanto, ambas as variáveis apresentaram um comportamento de
queda, o qual foi modificado a partir do final daquela década, quando uma
tendência de recuperação foi estabelecida.

Como ilustra a Tabela 2, tomando-se apenas os cultivos do cacaueiro, da


bananeira, do coqueiro-da-baía e da pimenteira-do-reino, a dinâmica das
lavouras permanentes permaneceu praticamente inalterada no período 1975–
2015. Entretanto, uma situação diversa emerge quando se considera a evolução
excepcional da área colhida com dendezeiro e com açaizeiro e o desempenho
menos favorável do cultivo de cajueiro, mamoeiro, laranjeira, seringueira e
cafeeiro, que resultou na saída desses produtos do Grupo Top 25%.

A dendeicultura é uma atividade produtiva que, até o final dos anos 1980,
não fazia parte de forma significativa da paisagem de lavouras do Pará e
da formação do produto interno bruto (PIB) estadual. A partir do início da
década de 2000, a situação mudou rapidamente, convertendo o estado no
principal produtor de dendê do País. De acordo com a literatura (Veiga et al.,
2005; Zoneamento..., 2010; Homma; Vieira, 2012; Nahum; Malcher, 2012, entre
outros), essa transformação resultou, principalmente, da adoção de políticas
públicas como o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB),
190 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

em 2004, em conjunto com o Selo Combustível Social10 (SCS), o Programa


de Produção Sustentável da Palma de Óleo (2010) e o Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Eco Dendê (2010), da
substituição de importações de óleo bruto de dendê e de palmiste, assim como
do estabelecimento do Zoneamento Agroecológico do Dendê.

O boom do dendê no Pará foi favorecido também por outras contribuições


do sistema nacional de pesquisa agropecuária, além do desenvolvimento
do zoneamento, por exemplo: a geração de híbridos resistentes a algumas
doenças, como o amarelecimento fatal; a introdução de insetos polinizadores
do dendezeiro (Elaeidobius singularis, Elaeidobius plagiatus e Elaeidobius
kamerunicus); a elaboração de estudos que demonstram a viabilidade técnica,
econômica, ambiental e social da produção de biocombustíveis de óleo de
palma (Muller et al., 2006).

Segundo Homma e Vieira (2012), o crescimento da dendeicultura no Pará afetou


em parte o cultivo da mandioca, substituindo pequenas áreas de plantio. Em
relação à perspectiva de expansão do dendezeiro, os autores assinalaram que
o cultivo deveria continuar expandindo, ocupando áreas de pastagem e “roças
abandonadas”, especialmente no quadrilátero formado pelas cidades de Santo
Antônio do Tauá, Igarapé-Açu, Paragominas e Tailândia.

De forma similar ao dendezeiro, o cultivo do açaizeiro experimentou uma


expansão extraordinária, particularmente a partir do início da década de
2000. Como resultado, ele passou a fazer parte dos produtos formadores do
terceiro quartil (Tabela 2). Até os anos 1990, a palmeira do açaizeiro era utilizada,
principalmente, para a exploração do palmito. Durante aquele período, o
crescimento do mercado e a mudança estrutural no nível de preço doméstico
do açaí fruta, ocasionada pelo aumento da demanda11 interna e externa e
pela baixa capacidade de aumento da oferta nacional, alterou radicalmente a
realidade produtiva e industrial do cultivo.

Os produtores, movidos pela expectativa de ganhos maiores, passaram a


investir no manejo de açaizeiros em áreas de várzea e a cultivá-los em áreas de
terra firme. A nova dinâmica de mercado do açaí estimulou também a adoção
de sistemas mais avançados de plantio e de coleta do fruto, o uso de adubação e de
10
O propósito desse instrumento de política é promover a participação de pequenos
produtores rurais na produção de biodiesel, mediante a venda do dendê à indústria. Isso é feito
por meio da concessão de benefícios tributários às indústrias que adquirirem a matéria-prima
dos pequenos produtores.
11
A mudança na demanda doméstica e internacional resultou, entre outros motivos, de
inovações no processo de beneficiamento e de congelamento da polpa de açaí, o que
contribuiu para a expansão do consumo.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 191

técnicas de manejo, a incorporação de açaizeiros em SAFs e a utilização de irrigação


e da cultivar de açaizeiro BRS Pará lançada pela Embrapa em 2004 (Homma et al.,
2006). Ademais desses elementos, a expansão do açaizeiro no Pará beneficiou-se
também da inclusão do açaí na pauta da Política de Garantia de Preços Mínimos
(PGPM) e da concessão de crédito proveniente do FNO e do Pronaf. Dado esse
contexto, a área colhida com açaí no Pará expandiu de 77.627 ha (Nogueira et al.,
2013) em 2010 para 190.567 ha em 2018 (IBGE, 2019b).

De acordo com a Tabela 2, os cultivos de cajueiro, mamoeiro, laranjeira, seringueira


e cafeeiro tiveram participação pontual no Grupo Top 25% entre 1975 e 2000. Essa
dinâmica pode ser explicada, entre outros motivos, pela menor expressividade
econômica desses produtos em comparação com a de cacau, banana, coco-da-
baía, dendê, pimenta-do-reino e açaí. No caso do café, fatores como a falta de mão
de obra, a dominância do cafeeiro ‘Robusta’, a distância em relação aos mercados,
a inexistência de usinas de torrefação e a competição com o produto beneficiado
também contribuíram para o comportamento apresentado (Costa et al., 2017). Com
respeito à seringueira, as causas para o seu menor desempenho relativo em termos
de área colhida incluem a perda de importância da produção dos seringais nativos em
virtude da expansão crescente de seringais plantados em São Paulo e Mato Grosso e a
redução dos preços internos do látex a partir de 1987 (Martin; Arruda, 1993).

Situação geográfica: cultivos temporários, permanentes e


rebanho bovino
Ademais de apresentar mudanças na importância dada pelos produtores
aos diferentes cultivos ao longo dos anos, a agricultura paraense registrou
deslocamentos territoriais das lavouras temporárias e permanentes e do rebanho
bovino, modificando, dessa forma, a geografia da produção agropecuária. A seguir
apresentam-se as principais dinâmicas espaciais observadas.

Cultivos temporários
Como ilustra a Figura 2, em 1975, o terceiro quartil da área colhida com o
conjunto das culturas temporárias12 compreendia seis microrregiões (Salgado,
Bragantina, Guamá, Cametá, Altamira e Santarém), quatro delas localizadas na
mesorregião Nordeste Paraense, uma no Baixo Amazonas e outra no Sudoeste
Paraense. Dessa maneira, naquela ocasião, a produção estava concentrada na
primeira dessas regiões. Vinte anos depois, o quadro foi alterado com a saída
das microrregiões Guamá, Cametá e Altamira do Grupo Top 25% e a entrada
de Redenção, São Félix do Xingu e Itaituba. Em outras palavras, com o passar
do tempo, uma parcela da área colhida com cultivos temporários deslocou-se
12
Esse conjunto é formado pelos mesmos cultivos indicados na nota de rodapé 2.
192 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

da mesorregião Nordeste Paraense para o Sudeste e Sudoeste do Pará. Essa


mudança ocorreu, em boa medida, pela expansão do plantio de milho nas
microrregiões São Félix do Xingu, Redenção e Itaituba.

Figura 2. Dinâmica espacial das culturas temporárias no Pará (1975–2015).

A situação em 2015 revela a consolidação dos cultivos temporários em


duas microrregiões do Nordeste Paraense (Guamá e Tomé Açu), em duas
do Sudeste Paraense (Paragominas e Conceição do Araguaia) e em outras
duas do Baixo Amazonas (Santarém e Óbidos). Essa consolidação ocorreu
principalmente pela entrada da soja no Pará em 1997 e pela sua rápida
expansão, especialmente nas microrregiões Paragominas, Conceição do
Araguaia e Santarém.

As explicações para o surgimento desses polos sojicultores incluem:


a disponibilidade de terra relativamente barata; a experiência e o
empreendedorismo de agricultores provenientes do sul do Brasil; incentivos
governamentais na forma de financiamento à produção e infraestrutura
logística de transporte, como a rodovia BR-163 (Cuiabá- Santarém); o
estabelecimento de um terminal portuário em Santarém, que facilitou
a conexão com mercados externos; a facilidade de venda da soja para
tradings, e o acesso ao crédito concedido para financiar operações de
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 193

custeio; a difusão de tecnologias e o estabelecimento de um zoneamento


econômico agrícola realizado pela Embrapa (Flexor et al., 2006; Oliveira;
Santana, 2012; Sauer; Pietrafesa, 2013).

Cultivos permanentes
Em comparação com as culturas temporárias, as permanentes registraram
deslocamentos territoriais mais moderados durante o período 1975–
2015. Não houve modificação nem participação significativa de lavouras
permanentes no sudeste do Pará. As mudanças ocorreram, principalmente,
nas mesorregiões Nordeste, Sudoeste e Baixo Amazonas. Em 1975, a área
colhida com cultivos permanentes predominou em quatro microrregiões
do Nordeste Paraense, em uma do Baixo Amazonas e em outra do Sudoeste
Paraense (Figura 3). Em 1995, tais cultivos mantiveram uma presença
importante em três microrregiões do Nordeste Paraense e em uma do
Baixo Amazonas, ao mesmo tempo, e passaram a ocupar mais áreas nas
microrregiões de Altamira e de Itaituba no sudoeste do estado.

Figura 3. Dinâmica espacial das culturas permanentes no Pará (1975–2015).


194 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Como se pode observar, uma das principais mudanças geográficas dos cultivos
permanentes foi a inclusão da mesorregião Sudoeste Paraense no grupo das
regiões de maior destaque. Analisando o que ocorreu, nota-se que a dinâmica
ocorrida está associada especialmente à acentuada evolução da exploração
de cacau na microrregião de Altamira. A área colhida com esse produto nessa
localidade aumentou de forma extraordinária entre 1976 e 1995, passando de
82 ha para 28.927 ha. A área nesse último ano foi aproximadamente quatro
vezes maior do que a apresentada pela microrregião de Cametá (7.989 ha),
maior área colhida em 1995 depois da observada em Altamira.

A geografia da área colhida com cultivos permanentes em 2015 apresentou


um quadro um pouco diferente do registrado em 1995. A mesorregião
Nordeste Paraense consolidou um pouco mais o seu papel como uma das
principais regiões que exploram culturas permanentes com a expansão da
área cultivada com o açaí nas microrregiões de Cametá e Tomé-Açu. Outra
mudança significativa foi o deslocamento das lavouras permanentes para a
mesorregião Sudeste Paraense, mais especificamente para a microrregião de
Tucuruí. Essa modificação foi determinada em boa medida pela expansão
de dois cultivos nessa região, da bananeira e principalmente do cacaueiro13.
Observa-se também que a região do Baixo Amazonas, representada pela
microrregião de Santarém, perdeu um pouco a sua importância com respeito
à exploração de cultivos permanentes. Provavelmente isso ocorreu como
resultado da acentuada expansão da soja na região.

Rebanho bovino
A pecuária bovina apresentou uma dinâmica espacial bem definida no
Pará entre 1975 e 2015, concentrando o rebanho em diferentes regiões
durante alguns anos e, posteriormente, deslocando parte do efetivo para
outros locais, transformando-os em polos produtivos e deixando parte
da área anteriormente ocupada em outras localidades para a exploração
de lavouras. Como reflexo da estratégia nacional de desenvolver a região
amazônica, o governo brasileiro executou uma série de iniciativas, a partir de
meados dos anos 1960, que contribuíram para o processo de pecuarização
(Santos, 2017), ou seja, a expansão da pecuária nas mesorregiões Sudeste
Paraense, Nordeste Paraense, Baixo Amazonas e Marajó, as quais, em 1975,
se destacaram por conformar o terceiro quartil do efetivo bovino do estado
(Figura 4). Tais iniciativas incluem: a construção de rodovias como a Belém-
-Brasília e a Transamazônica; a concessão de incentivos fiscais a empresas que
A área colhida com cacaueiro passou de 395 ha em 2002 para 11.715 ha em 2015. No caso da
13

bananeira, a expansão foi de 2.040 ha para 9.450 ha no mesmo período.


PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 195

investissem na Amazônia, especialmente na agricultura e na criação de gado;


o acesso a crédito subsidiado (Walker et al., 2009; Bowman et al., 2012).

Figura 4. Dinâmica espacial do efetivo bovino no Pará (1975–2015).

O baixo custo de implantação de pastagens, vis-à-vis o de outras atividades


agropecuárias, as condições edafoclimáticas relativamente mais favoráveis da
Amazônia que privilegiam a produção de forragens e a criação de gado, o
acesso a extensas terras públicas e condições que permitiam a sua apropriação
ilegal também favoreceram o desenvolvimento da pecuária nas mesorregiões
mencionadas (Imazon, 2015; Sousa, 2017).

Em 1995, a distribuição espacial do rebanho bovino no Pará apresentou


uma nova configuração. As mesorregiões do Baixo Amazonas e do Marajó
continuaram integrando o grupo das regiões de maior destaque em termos
de efetivo bovino. Porém, a mesorregião Nordeste Paraense deixou de fazer
parte desse conjunto, a Sudoeste foi incorporada e a Sudeste registrou uma
pequena mudança com a saída da microrregião de Marabá e a entrada da
microrregião de Redenção. Vários fatores contribuíram para esse quadro, entre
eles: a instalação de frigoríficos em municípios do sudoeste e do sudeste do
Pará; menor custo relativo de transporte para grandes centros consumidores
de carne como Belém e Manaus devido a melhorias na rede viária; aumento
da demanda da carne brasileira para exportação; e preços recebidos pelos
pecuaristas relativamente mais atraentes do que em períodos anteriores
(Walker et al., 2000).
196 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A dinâmica espacial da pecuária no Pará na década de 1990 foi influenciada


também por elementos adicionais que, por sua importância, estabeleceram
um novo marco no processo de desenvolvimento desse setor e de sua
ocupação territorial no estado. Tais elementos incluem a estabilidade
macroeconômica promovida pela execução do Plano Real a partir de 1994.
Ao controlar a hiperinflação que assolava o País, o plano criou um ambiente
favorável para investimentos em tecnologias e práticas gerenciais que
contribuíram para o aumento da produtividade e para a redução de custos
da pecuária. A geração e a difusão de novas tecnologias desenvolvidas pela
Embrapa e por outras instituições de pesquisa nas áreas de nutrição animal,
genética, sanidade pecuária (controle de doenças como raiva, brucelose e
aftosa) e formação de pastagens também são parte do contexto delineador
da nova fase da pecuária paraense.

Um terceiro elemento formador desse contexto consiste na intensa e crescente


atenção nacional e internacional dada ao desenvolvimento sustentável que,
após a publicação do Relatório Brundtland em meados da década de 198014,
tomou força nos anos seguintes e, com isso, aumentou as preocupações com
o impacto ambiental da pecuária e de outras atividades. Como resultado,
sucessivas medidas foram tomadas pelo governo com o propósito de
restringir a expansão horizontal da agricultura, por exemplo: a criação de
unidades de conservação ambiental; o estabelecimento de zoneamento
ecológico-econômico; a extinção da Superintendência do Desenvolvimento
da Amazônia (Sudam); o fim da política de incentivo fiscal e financeiro; a
execução do Programa Agricultura de Baixo Carbono; a adoção do Plano
Nacional sobre Mudança do Clima, o qual inclui limitações à expansão de
áreas de pastagem como mecanismo de redução de gases de efeito estufa.
O novo marco normativo e institucional favoreceu o início de um processo de
modernização da pecuária no Pará e, ao mesmo tempo, promoveu um menor
avanço do setor em novas áreas como ocorria anteriormente.

Dado o quadro resumido, a dinâmica espacial do efetivo bovino evoluiu entre


1995 e 2015, registrando no último ano desse período uma configuração
caracterizada pelo predomínio do rebanho nas mesorregiões Sudeste e
Sudoeste Paraense (Figura 4). É interessante observar que, durante os 15 anos
do período 2000–2015, as microrregiões Conceição do Araguaia, Redenção,
Altamira, Parauapebas e São Félix do Xingu figuraram sistematicamente no
Grupo Top 25%, o que sugere uma situação consolidada da pecuária nessas
regiões (Tabela 3).

14
Esse relatório ficou conhecido pelo título Nosso Futuro Comum.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 197

Tabela 3. Dinâmica territorial do efetivo bovino no Pará no período 1975–


2015 (Grupo Top 25%).
Microrregião 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015
Conceição do
X X X X X X X X X
Araguaia
Redenção X X X X X X X
Altamira X X X X X X
Parauapebas X X X X
São Félix do Xingu X X X X
Tucuruí X X
Paragominas X X X X X X X
Santarém X X X X X
Arari X X X X X
Marabá X X X
Guamá X X

A Tabela 3 mostra também que as microrregiões de Paragominas e Santarém


deixaram de fazer parte do conjunto das regiões de maior destaque
com respeito à presença da pecuária bovina. Esse fato reflete a maior
lucratividade que as atividades agrícolas passaram a demonstrar nessas
regiões em virtude do aumento dos preços dos grãos, em especial o da soja,
e os ganhos de produtividade apresentados por esse e outros cultivos. Por
sua vez, a modernização tecnológica da pecuária paraense, materializada
no uso de novos sistemas de produção, no aumento de pastagens mais
produtivas e na melhoria genética e sanitária do rebanho, vem contribuindo
também para a transformação de parte das pastagens em lavouras. Segundo
Martha Júnior et al. (2011), o efeito poupa-terra associado aos ganhos de
produtividade da pecuária bovina na região Norte do Brasil entre 1996 e
2006 superou 70 milhões de hectares.

Transformações estruturais, tecnológicas e


socioeconômicas
Como visto anteriormente, o Pará foi palco de importantes mudanças na
atenção dada pelos produtores à exploração de diferentes cultivos ao longo
do tempo. Ademais, o estado apresentou alterações substanciais na geografia
de produção de cultivos temporários e permanentes e na criação de gado.
Dados esses aspectos, os propósitos desta seção consistem em identificar as
microrregiões que apresentaram maior dinamismo em termos do crescimento
da área colhida e da expansão do rebanho bovino no período 1975–2015 e,
posteriormente, investigar o que ocorreu em cada uma delas com respeito a
transformações estruturais, tecnológicas e socioeconômicas.
198 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Para perseguir esses objetivos, as microrregiões mais dinâmicas foram


identificadas com base na estimação de taxas de crescimento do rank
normalizado do efetivo bovino e da área colhida com cultivos temporários e
permanentes, separadamente. A Tabela 4 apresenta os resultados obtidos15.
Como se pode observar, 6 microrregiões se destacaram por apresentar taxas de
crescimento positivas mais elevadas para as três variáveis analisadas, 3 fizeram
o mesmo para as culturas temporárias e rebanho bovino, 4 sobressaíram em
relação ao desempenho registrado com as culturas permanentes e o efetivo
bovino e 2 com respeito apenas a culturas permanentes.

Tabela 4. Microrregiões do estado do Pará mais dinâmicas em termos da


área colhida com culturas temporárias e permanentes e da evolução do
rebanho bovino, no período 1975–2015.
Culturas
Microrregião Culturas temporárias Rebanho bovino
permanentes
Itaituba X X X
Paragominas X X X
Parauapebas X X X
São Félix do Xingu X X X
Tomé-Açu X X X
Tucuruí X X X
Conceição do
X X
Araguaia
Óbidos X X
Santarém X X
Altamira X X
Bragantina X X
Guamá X X
Marabá X X
Almeirim X
Castanhal X

Dados esses resultados, foram selecionadas as cinco microrregiões mais


dinâmicas, ou seja, aquelas com taxas de crescimento mais elevada em
termos de área colhida e aumento do rebanho bovino: Paragominas, São
Félix do Xingu, Tucuruí, Altamira e Itaituba. As três primeiras fazem parte
da mesorregião Sudeste Paraense e as duas últimas da Sudoeste Paraense.
À continuação, apresentam-se as principais transformações observadas
nessas microrregiões.

15
Os critérios para identificar as microrregiões mais dinâmicas consistiram em selecionar aquelas
que apresentaram estimativas estatisticamente significativas (R2 ≥ 0,60) para os parâmetros
da equação Yt = eα+βt e que as taxas de crescimento foram positivas e relativamente mais
elevadas.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 199

Transformações estruturais
A evolução da agricultura juntamente com outros fatores alterou a configuração
do setor nas diferentes regiões do estado, por exemplo, modificou a estrutura
do uso da terra e influenciou o processo de migração para áreas rurais e urbanas.
Os itens abaixo examinam o que ocorreu nas microrregiões mais dinâmicas
com respeito ao comportamento dessas variáveis.

Utilização das terras

O uso agrícola da terra nas microrregiões mais dinâmicas expandiu mais de


3,2 vezes no período 1975–2017, passando de 4,4 milhões de hectares para
14,3 milhões (Tabela 5). Em todas essas microrregiões, a participação da área
utilizada com pastagem16 em relação ao total de uso registrou uma tendência
crescente ao longo dos anos e a participação da área com matas (plantadas
e naturais) apresentou uma trajetória de queda. Essa evolução corrobora os
resultados de alguns estudos que apontam a conversão de uma parte da área
de matas em pastagem (Margulis, 2003; Arima et al., 2005; Rivero et al., 2009).
Tabela 5. Uso da terra nas microrregiões mais dinâmicas, no período 1975–2015.
Uso Lavoura Lavoura
Pastagem Mata
Microrregião Ano agrícola permanente temporária
(%) (%)
(ha) (%) (%)
1975 2.062.553 0,10 0,63 0,88 98,39
1995 2.158.082 1,75 4,60 25,88 67,77
Altamira
2006 2.861.785 3,65 2,02 37,73 56,60
2017 4.301.081 2,38 0,77 46,19 50,65
1975 15.245 0,89 4,74 3,18 91,19
1995 1.638.668 0,23 2,63 38,25 58,89
São Félix do Xingu
2006 2.993.629 0,53 0,76 59,79 38,92
2017 3.976.429 0,44 0,46 63,52 35,57
1975 1.599.144 0,09 1,37 20,82 77,72
1995 1.758.315 0,32 2,66 46,29 50,73
Paragominas
2006 1.783.921 2,23 3,91 55,04 38,81
2017 2.180.161 2,26 10,41 41,06 46,27
1975 596.735 0,60 3,27 8,37 87,76
1995 938.774 0,89 6,59 38,03 54,50
Tucuruí
2006 1.212.949 0,72 2,38 56,58 40,32
2017 1.956.318 0,74 0,81 67,46 30,99
1975 141.475 4,68 11,26 5,87 78,20
1995 791.758 1,51 5,88 21,38 71,23
Itaituba
2006 1.277.818 0,97 2,37 40,61 56,06
2017 1.857.054 0,64 2,10 41,35 55,91

Fonte: IBGE (1979, 1998, 2009, 2019a).


16
Considera-se a área utilizada com pastagem plantada e pastagem natural.
200 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

No tocante às lavouras temporárias e permanentes, a análise revela situações


diferentes para as microrregiões mais dinâmicas. Primeiro, com exceção da
microrregião de Paragominas, em todas as outras a participação da área
usada com cultivos temporários diminuiu ao longo do período 1975–2017.
Além disso, nota-se que na microrregião de Paragominas a participação da
área usada com cultivos permanentes também registrou uma trajetória de
aumento. Esse quadro de aumento da participação do uso da terra com
pastagem e com cultivos temporários e permanentes na microrregião de
Paragominas reflete, entre outros, os seguintes fatos: a grande expansão das
lavouras de soja na região a partir de 1997; a posição de liderança ocupada
pela microrregião em termos do número excepcional de bovinos em
comparação com o observado em outras regiões do estado, especialmente
no período 1983–1995, o que demandou vastas áreas de pastagem; a
relevância e o crescimento dos cultivos permanentes de pimenteira-do-
-reino, bananeira, urucuzeiro, cajueiro e coqueiro-da-baía na microrregião.

No caso das microrregiões de Altamira e Tucuruí, a expansão da participação


das culturas permanentes no uso da terra está relacionada ao interesse dos
produtores pela atividade cacaueira e pelo cultivo de bananeira ao longo do
período de análise.

Migração rural e urbanização

A decisão de migrar do campo para a cidade é um processo complexo para


as famílias rurais. Como assinala Alves (1995), ele envolve o exame de um
grande número de variáveis, tais como: mercado de trabalho nas áreas
urbanas; acesso a infraestrutura de saúde, educação e lazer; ganhos e perdas
da renda familiar no curto e no longo prazo; probabilidade de encontrar
emprego. Esse conjunto de elementos somados à execução de políticas
de incentivos fiscais, financeiros e de colonização, o estabelecimento de
infraestrutura de apoio ao desenvolvimento da região Norte, como estradas
e usinas hidroelétricas, a implantação de grandes projetos econômicos
(agropecuários, madeireiros e minerais) e a atração exercida por cidades-
-polo como Paragominas, Redenção, São Félix do Xingu, Altamira, Marabá
e Parauapebas, impactaram fortemente a migração rural-urbana nas
microrregiões paraenses.

A aplicação da metodologia de análise já descrita aos dados dos Censos


Populacionais de 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010 mostra que, durante as
décadas de 1970 e de 1980, todas as cinco microrregiões mais dinâmicas
ganharam mais população ao invés de registrar um êxodo rural (Tabela 6).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 201

No primeiro desses períodos, as microrregiões de Tucuruí e Paragominas


destacaram-se por apresentar os maiores números de pessoas recebidas,
tanto em termos absolutos como relativos. No caso de Tucuruí, o ganho
estimado foi de 44.468 habitantes entre 1970 e 1980, ou seja, uma expansão
correspondente a 451% vis-à-vis a população existente no ano-base de
1970. Em Paragominas, o incremento foi de 17.224 pessoas (132%) no
mesmo intervalo de tempo. No tocante ao período 1980–1991, os maiores
ganhos populacionais durante os 11 anos ocorreram nas microrregiões de
Altamira (93.179 pessoas) e São Félix do Xingu (46.531 pessoas). As principais
explicações para o afluxo de pessoas para o meio rural das microrregiões
mais dinâmicas nas décadas de 1970 e 1980 incluem a atração exercida pela
frente agropecuária17 e pelos programas públicos de estímulo à colonização.

Tabela 6. Migração rural-urbana nas microrregiões mais dinâmicas, no período


1975–2015.
Taxa Taxa Migração
Migração
Microrregião Período crescimento crescimento do ano-base
(número)
rural (1) país (2) (%)
1970–1980 5,40 2,45 -6.510 -39,16
1980–1991 9,16 1,91 -39.278 -137,62
Itaituba
1991–1900 3,15 1,62 -12.452 -15,93
2000–2010 -1,19 1,16 23.057 22,22
1970–1980 7,38 2,45 -8.776 -72,94
1980–1991 15,06 1,91 -93.179 -370,14
Altamira
1991–1900 -1,06 1,62 30.330 23,00
2000–2010 -0,54 1,16 19.920 16,62
1970–1980 18,25 2,45 -44.468 -450,58
1980–1991 2,99 1,91 -8.652 -14,13
Tucuruí
1991–1900 2,15 1,62 -4.485 -5,27
2000–2010 0,20 1,16 10.089 9,77
1970–1980 10,11 2,45 -17.224 -132,35
1980–1991 5,46 1,91 -19.143 -53,54
Paragominas
1991–1900 0,29 1,62 7.906 12,13
2000–2010 2,33 1,16 -8.788 -13,14
1970–1980 7,99 2,45 -1.217 -84,83
1980–1991 25,62 1,91 -46.531 -1.458,19
São Félix do Xingu
1991–1900 -1,23 1,62 12.946 24,21
2000–2010 3,85 1,16 -15.685 -32,76
(1)
Taxa de crescimento da população rural no período.
(2)
Taxa de crescimento da população total do País no período.
Fonte: IBGE (1970, 1983, 1994, 2012).
17
No caso da mesorregião Sudeste Paraense, que inclui as microrregiões de Paragominas, Tucuruí
e São Félix do Xingu, a frente agropecuária envolveu, entre outras atividades, a implantação de
projetos de colonização e o estabelecimento de grandes empreendimentos rurais.
202 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Em contraste com o anterior, uma nova situação é observada a partir da década


de 1990, isto é, algumas microrregiões passaram a exibir uma migração do
campo para a cidade. Esse é o caso das microrregiões de Altamira, São Félix do
Xingu e Paragominas. Na primeira delas, 30.330 pessoas deixaram o meio rural
entre 1991 e 2000, um êxodo equivalente a 23% da população rural da região
em 1991. Na microrregião de São Félix do Xingu, a migração rural-urbana foi
de 12.946 indivíduos no mesmo período (24%) e, na de Paragominas, 7.906
deixaram o campo durante aqueles 9 anos (12%).

Na década 2000–2010, o quadro de migração rural-urbano foi alterado


novamente. As microrregiões de Itaituba e Tucuruí, que até então se
caracterizavam como regiões com ganho de população rural ao longo
dos períodos 1970–1980, 1980–1991 e 1991–2000, viram essa situação se
transformar em êxodo populacional no campo em 2000–2010. Outra mudança
ocorrida na década de 2000 foi que, ao invés de perder população rural, como
observado no período 1991–2000, as microrregiões de Paragominas e São Félix
do Xingu voltaram a receber habitantes rurais como fizeram entre 1970 e 1991.

Não obstante o ganho de população tenha predominado nas microrregiões


mais dinâmicas e superado largamente o êxodo de pessoas do meio rural
para centros urbanos, o índice de urbanização nessas regiões cresceu
substancialmente no período 1970–2010, chegando a ultrapassar a faixa
de 50% em todas elas em 2010 (Tabela 7). Esse fato sugere que a expansão
da urbanização nessas microrregiões sofreu pouca influência da migração
rural. Na realidade, ela foi mais determinada pelo aumento da população
urbana resultante do crescimento vegetativo da população local e pelo
afluxo de pessoas oriundas de fora das microrregiões mais dinâmicas. Isto
ocorreu em virtude da atração exercida pela construção de grandes obras de
infraestrutura, como a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, o desenvolvimento de
atividades mineradoras e o estabelecimento de agroindústrias.
Tabela 7. Índice de urbanização(1) das microrregiões mais dinâmicas, no
período 1970–2010 (em porcentagem).
Microrregião 1970 1980 1991 2000 2010
Paragominas 11 26 56 69 71
Tucuruí 44 33 47 59 68
Altamira 34 52 33 47 59
São Félix do Xingu 38 36 37 46 58
Itaituba 23 44 47 48 56
Pará 47 49 52 67 68
Brasil 56 68 76 81 84

Índice de urbanização = (população urbana da microrregião j /população total da


(1)

microrregião j) * 100.
Fonte: elaboração própria com base nos dados do IBGE (1970, 1983, 1994, 2012).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 203

Como mostra a Tabela 7, a mudança mais expressiva em termos de aumento


do nível de urbanização ocorreu nas microrregiões de Paragominas e
Itaituba. Na primeira delas, o índice de urbanização passou de 11% da
população total da microrregião em 1970 para 71% em 2010. No caso de
Itaituba, o incremento foi de 23% para 56% no mesmo período. Outro
aspecto a observar é que tanto Paragominas como Itaituba apresentaram
os menores índices de urbanização entre as cinco microrregiões mais
dinâmicas em 1970, portanto, a intensidade da transformação registrada
durante os 40 anos foi realmente bastante elevada nessas localidades.

Transformações tecnológicas
O nível de mecanização, o uso de irrigação e o grau de utilização de alguns
insumos, como fertilizantes, agroquímicos e sementes melhoradas, são
associados, em geral, à transição de um padrão tradicional de agricultura
para um moderno (Rebello, 2004; Alves et al., 2008).

Uso de tratores

No caso da mecanização, o número de tratores no Pará aumentou mais de


18 vezes no período 1975–2017, passando de 1.169 unidades para 21.222
(Tabela 8). Não obstante esse crescimento, a participação do número
de tratores desse estado na frota nacional é relativamente baixa, ou seja,
apenas 0,4% em 1975 e 1,7% em 2017, o que sugere um menor nível de
modernização da agropecuária paraense vis-à-vis outros estados (IBGE,
1979, 1998, 2009, 2019).

Tabela 8. Número de tratores nas microrregiões mais dinâmicas, no período


1975–2107.
Microrregião 1975 1995 2006 2017
Paragominas 89 485 862 2.353
São Félix do Xingu - 190 606 2.314
Altamira 2 402 868 1.881
Itaituba - 193 378 1.440
Tucuruí - 95 388 1.039
Pará 1.169 4.867 7.589 21.222
Brasil 323.109 799.742 820.718 1.229.907

Fonte: IBGE (1979, 1998, 2009, 2019a).

Examinando o que ocorreu com o número de tratores nas microrregiões


mais dinâmicas, observa-se que São Félix do Xingu e Altamira registraram
crescimentos bastante elevados nos subperíodos 1995–2006 e 2006–
204 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

201718. Tucuruí e Parauapebas experimentaram crescimentos expressivos


entre 1995 e 2006, isto é, 308% e 175%, respectivamente, e um pouco
menores em 2006–2017 (169% e 103%, respectivamente). Paragominas e
Itaituba, por sua vez, foram as microrregiões que apresentaram mudanças
de crescimento mais acentuadas nas suas frotas de tratores. No caso da
primeira, o crescimento passou de 78% em 1995–2006 para 173% em 2006–
2017; no caso da segunda, o incremento foi de 96% para 281%.

A expansão no número de tratores nas microrregiões analisadas deve-se,


em grande medida, ao desenvolvimento do cultivo da soja, em especial
em Paragominas, São Félix do Xingu e Itaituba, da pecuária bovina em São
Félix do Xingu, Altamira e Tucuruí, e do milho em Paragominas e São Félix
do Xingu. Outros fatores que contribuíram para a evolução observada
consistem na capacidade dos produtores de alavancar financiamentos e
na crescente oferta de serviços de mecanização a agricultores de pequeno
porte proporcionada por prefeituras municipais, por exemplo, programas
de patrulhas mecanizadas ou patrulhas agrícolas com o propósito de
facilitar o cultivo de produtos como milho, mandioca, arroz, feijão e
batata-doce. O desmatamento para a implantação de pastagens plantadas
e a expansão da mandiocultura, principal cultivo do Pará, também
favoreceram o aumento do número de tratores, inclusive mediante
operações de terceirização de serviços para mandiocultores vizinhos.

Irrigação

No tocante ao uso da irrigação, o Pará tem apresentado uma evolução


importante ao longo dos anos, particularmente entre 2006 e 2017, quando
a área irrigada aumentou de 29.519 ha para 103.343 ha, respectivamente.
Não obstante esse crescimento, como mostra a Tabela 9, a irrigação é uma
tecnologia pouco utilizada pelos produtores paraenses como instrumento
de modernização e aumento da produtividade em comparação com o
observado em outros estados. Uma evidência nesse sentido é a baixa
participação do Pará na área irrigada no Brasil. Segundo Souza et al. (2012),
os motivos para essa situação incluem a predominância de uma agricultura
de baixo nível tecnológico no estado, limitada capacidade de investimento
e de conhecimentos técnicos dos produtores e pouca disponibilidade de
energia elétrica.

18
Aproximadamente 116% em cada um dos subperíodos no caso de Altamira. Em São Félix do
Xingu, os crescimentos registrados foram 219% em 1995–2006 e 282% em 2006–2017.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 205

Tabela 9. Área irrigada nas microrregiões mais dinâmicas, no período 1995–


2017 (em hectares).
Microrregião 1995 2006 2017
Paragominas 121 5.119 10.577
Tucuruí 238 1.984 1.416
Altamira 30 1.740 1.161
São Félix do Xingu 174 65 813
Itaituba 5 178 425
Pará 4.797 29.519 103.343
Brasil 3.121.642 4.545.534 6.694.245

Fonte: IBGE (1998, 2009, 2019a).

Em relação ao uso da irrigação nas microrregiões mais dinâmicas, nota-


se que, em termos gerais, o crescimento foi mais acentuado no período
1995–2006 do que em 2006–2017. Isso ocorreu de modo mais especial
nas microrregiões de Paragominas, Altamira e Itaituba. De acordo com
Souza et al. (2012), as maiores áreas irrigadas no Pará estão localizadas na
região do Rio Capim, a qual inclui alguns municípios da microrregião de
Paragominas. Para esses autores, a predominância da irrigação nessa região
resulta da condição climática e do processo de ocupação que favoreceu o
desenvolvimento de uma agricultura mais intensiva. Os principais cultivos
irrigados compreendem o açaizeiro, a pimenteira-do-reino, o cacaueiro,
a bananeira e as hortaliças. A expansão da irrigação nas microrregiões
de Tucuruí e Altamira está associada, respectivamente, à exploração do
açaizeiro e do cacaueiro.

Transformações socioeconômicas
Ademais de experimentar mudanças estruturais e tecnológicas, as
microrregiões mais dinâmicas registraram modificações no quadro de
pessoal ocupado nos estabelecimentos rurais, assim como no nível de bem-
-estar da população. À continuação, apresenta-se a situação observada no
período 1975–2015 com respeito a essas duas variáveis nessas microrregiões.

Pessoal ocupado

O pessoal ocupado em estabelecimentos rurais no Brasil percorreu uma


tendência crescente entre 1975 e 1985 e depois seguiu uma trajetória de
queda, totalizando 15,1 milhões de pessoas ocupadas em 2017 (IBGE, 2019a).
O Pará apresentou um comportamento similar, exceto no período 2006–
2017, quando, ao invés de registrar um crescimento negativo como o Brasil
(-8,8%), aumentou o número de pessoas ocupadas nos estabelecimentos em
206 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

aproximadamente 24%. As explicações para essa diferença de comportamento


podem ser, entre outras: a maior participação no Brasil de culturas que
apresentam uso mais intenso de maquinário, como soja, milho e algodão, do
que no Pará; a queda no País da demanda de mão de obra utilizada no cultivo
da cana-de-açúcar e do cafeeiro, em decorrência do acentuado processo de
mecanização dessas culturas; e a migração dos jovens para os centros urbanos
relativamente mais expressiva em âmbito nacional.

Diferentemente do ocorrido com o Brasil e o Pará, a ocupação nos


estabelecimentos rurais nas microrregiões mais dinâmicas aumentou em
termos gerais ao longo do período 1975–2015, estabelecendo, portanto, uma
trajetória persistente de expansão. Como mostra a Tabela 10, os crescimentos
foram bastante expressivos em todas as microrregiões, especialmente em
Altamira e São Félix do Xingu. Esse comportamento decorre, entre outros
motivos, da expansão da agricultura e do aumento da população rural
nessas regiões, especialmente nas décadas de 1970 e 1980. Segundo o
Censo Populacional do IBGE, a população rural em Altamira passou de 12.033
habitantes em 1970 para 131.886 em 1991. No caso de São Félix do Xingu, o
aumento foi de 1.435 pessoas para 53.468 no mesmo período.

Tabela 10. Pessoal ocupado nas microrregiões mais dinâmicas: participação das
categorias de ocupação, no período 1975–2015.
Pessoal Produtor e
Permanente Temporário Parceiro
Microrregião Ano ocupado familiares
(%) (%) (%)
total (%)
1975 12.370 92,81 1,58 5,38 0,24
1995 66.721 88,11 4,72 4,78 2,40
Altamira
2006 62.122 85,15 3,68 10,38 0,79
2017 81.342 78,57 5,59 12,14 3,70
1975 16.774 86,74 2,81 10,37 0,08
1995 34.063 92,44 2,67 4,74 0,16
Tucuruí
2006 31.699 86,95 4,52 8,48 0,06
2017 49.718 86,43 7,74 5,45 0,39
1975 688 89,24 0,44 10,17 0,15
1995 32.185 84,77 5,57 9,22 0,45
São Félix do Xingu
2006 33.811 90,27 5,22 4,47 0,05
2017 39.657 74,04 14,94 10,49 0,53
1975 10.611 68,22 11,46 20,23 0,08
1995 20.649 56,88 18,72 23,49 0,92
Paragominas
2006 20.538 66,48 17,47 14,72 1,33
2017 30.700 64,60 20,01 14,59 0,80
Continua...
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 207

Tabela 10. Continuação.


Pessoal Produtor e
Permanente Temporário Parceiro
Microrregião Ano ocupado familiares
(%) (%) (%)
total (%)
1975 11.598 96,38 1,85 1,77 0,01
1995 24.753 87,86 3,54 8,25 0,35
Itaituba
2006 25.501 92,14 3,57 4,27 0,02
2017 25.618 83,39 8,53 7,50 0,58

Fonte: IBGE (1979, 1998, 2009, 2019a).

Em relação à evolução das diferentes categorias de ocupação, nota-se


que o nível de ocupação dos produtores e seus familiares aumentou
substancialmente em termos absolutos entre 1975 e 2017 nas microrregiões
mais dinâmicas. Porém, a participação dessa categoria de ocupação no
número total de pessoas ocupadas nos estabelecimentos diminuiu em todas
elas, exceto em Tucuruí. As reduções foram mais acentuadas em Altamira, São
Félix do Xingu e Itaituba19. A situação observada nestas três microrregiões e
na de Paragominas deve-se, em parte, ao intenso crescimento das atividades
agropecuárias nessas regiões e, ao mesmo tempo, à necessidade progressiva
de complementar a mão de obra familiar com a utilização de empregados
permanentes e temporários, alguns deles com conhecimentos especializados,
por exemplo, para operar máquinas e equipamentos agrícolas, outros com
habilidades para colaborar na realização de serviços como colheita, capina,
construção de cerca e extração de madeira.

A Tabela 10 mostra também que a queda da participação dos produtores e


dos seus familiares no número total de pessoas ocupadas foi acompanhada
pelo aumento da participação de empregados permanentes nas cinco
microrregiões mais dinâmicas. Esse comportamento sugere uma possível
compensação da redução da força de trabalho dos produtores e familiares pela
contratação de mão de obra, parte da qual para realizar tarefas especializadas
como operar máquinas e equipamentos agrícolas. Essa hipótese é reforçada
pelo aumento da participação dos empregados temporários no número total
de pessoas ocupadas nas microrregiões de Altamira e Itaituba.

Um terceiro aspecto a ser observado é que, no caso de Paragominas, a


participação das categorias empregados permanentes e temporários no
número total de pessoas ocupadas é muito mais expressiva do que nas
outras microrregiões mais dinâmicas (varia entre 32% e 42%). Isto parece
19
A queda observada nessas microrregiões durante o período de análise situou-se entre 13%
e 15%.
208 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

resultar do fato de Paragominas apresentar um nível de modernização


agropecuária relativamente mais avançado.

Qualidade de vida

As mudanças nas microrregiões mais dinâmicas incluíram também alterações


no nível de bem-estar da sua população. Para retratá-las, utilizou-se o Índice
de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), o qual é formado por
indicadores relacionados a três dimensões do desenvolvimento humano –
longevidade, educação e renda. O desempenho da agricultura contribui, em
certa medida, para o nível do IDHM. Porém, outras atividades, como mineração
e gastos públicos com saúde e educação, também influenciam. Dessa forma, é
importante assinalar que não se busca aqui associar a evolução do IDHM nas
microrregiões mais dinâmicas, ou mudanças no bem-estar da população local,
exclusivamente a transformações na agricultura.

Conforme ilustra a Tabela 11, em 1991, todos os municípios das microrregiões


mais dinâmicas registraram IDHM muito baixo. Em 2000, em termos gerais,
a situação foi praticamente a mesma, exceto nos municípios de Abel
Figueiredo, Novo Progresso, Altamira, Tucumã e Tucuruí, onde o índice
observado melhorou um pouco, passando a enquadrar-se na faixa de baixo
desenvolvimento humano.

Em comparação com os períodos anteriores, o quadro em 2010 foi bem


melhor nas microrregiões mais dinâmicas, entretanto situou-se abaixo da
classificação de alto desenvolvimento humano alcançado pelo Brasil (IDHM =
0,727). Especificamente, a condição de desenvolvimento humano muito baixa
desapareceu por completo nas microrregiões mais dinâmicas. No seu lugar, 13
dos seus municípios exibiram índices de médio desenvolvimento humano e os
19 restantes baixo IDH.

Entre as microrregiões mais dinâmicas, Paragominas destacou-se pela acentuada


melhora no nível de desenvolvimento humano em 2010 vis-à-vis 2000. Como
se pode observar (Tabela 11), cinco dos seus sete municípios elevaram a
sua classificação de desenvolvimento humano para a faixa de IDHM médio.
Examinando a evolução dos indicadores que compõem as três dimensões do
IDHM, nota-se que o IDHM renda aumentou nos municípios da microrregião de
Paragominas como nos das demais microrregiões. Porém, o IDHM educação foi o
que experimentou maior crescimento entre 2000 e 201020.
20
Por exemplo, no caso da microrregião de Paragominas o crescimento do IDHM educação
nos sete municípios situou-se entre 54% e 159% no período 2000–2010 enquanto o aumento
máximo do IDHM renda e do IDHM longevidade foi de 16%.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 209

Tabela 11. Indice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) nos municípios


das microrregiões mais dinâmicas.
Microrregião Município 1991 2000 2010
Paragominas 0,336 0,471 0,645
Abel Figueiredo 0,357 0,508 0,622
Dom Eliseu 0,299 0,452 0,615
Paragominas Ulianópolis 0,277 0,420 0,604
Rondon do Pará 0,392 0,461 0,602
Bom Jesus do Tocantins 0,309 0,429 0,589
Goianésia do Pará 0,235 0,422 0,560
Novo Progresso 0,377 0,553 0,673
Itaituba 0,355 0,489 0,640
Trairão 0,271 0,395 0,562
Itaituba
Rurópolis 0,257 0,421 0,548
Aveiro 0,281 0,368 0,541
Jacareacanga 0,242 0,371 0,505
Altamira 0,386 0,553 0,665
Brasil Novo 0,288 0,433 0,613
Vitória do Xingu 0,262 0,422 0,596
Uruará 0,298 0,450 0,589
Altamira
Medicilândia 0,293 0,470 0,582
Anapu 0,250 0,392 0,548
Pacajá 0,257 0,340 0,515
Senador José Porfírio 0,253 0,361 0,514
Tucumã 0,305 0,553 0,659
Ourilândia do Norte 0,309 0,438 0,624
São Félix do Xingu Bannach 0,305 0,424 0,594
São Félix do Xingu 0,315 0,435 0,594
Cumaru do Norte 0,309 0,405 0,550
Tucuruí 0,421 0,553 0,666
Jacundá 0,367 0,477 0,622
Nova Ipixuna 0,238 0,432 0,581
Tucuruí
Breu Branco 0,293 0,422 0,568
Novo Repartimento 0,222 0,372 0,537
Itupiranga 0,258 0,354 0,528

Alto Médio Baixo Muito baixo


Fonte: PNUD Brasil (2013).

Esse resultado sugere que o fator educação foi o que mais contribuiu para
a melhora no nível de bem-estar ou de desenvolvimento humano dos
residentes das microrregiões mais dinâmicas. Os elementos que favoreceram
essa situação incluem, entre outros, a execução do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) que possibilitou a construção de várias escolas; o
210 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

financiamento à educação por meio de diferentes iniciativas, como Fundo


de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (Fundef ), Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização de Profissionais da Educação (Fundeb)
e Programa Universidade para Todos (Prouni); a execução de planos como
Plano Nacional de Educação (PNE), Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE) e Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
(Parfor) e programas como Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) e Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão
das Universidades Federais (Reuni); e a adoção do modelo Universidade
Multicampi como política de gestão acadêmica e administrativa.

Conclusões
As análises realizadas retrataram com nitidez alguns aspectos marcantes
do processo de transformações em curso na agricultura paraense, o qual
vem convertendo rapidamente o estado em um dos principais atores do
sistema agroalimentar brasileiro. A evolução desse processo traz importantes
implicações para a formulação de políticas públicas.

Como visto anteriormente, com a intensificação do capitalismo agrário


no Pará, os cultivos comerciais vêm aumentando a sua importância
relativa na pauta de produção, enquanto alguns produtos tradicionais têm
perdido espaço. Provavelmente, os elementos que sustentam essa situação
continuarão a exercer influência similar nos próximos anos. Dessa forma,
estratégias de desenvolvimento do setor deveriam incluir políticas que
priorizassem cultivos e atividades econômicas de maior potencial produtivo
no curto prazo, por exemplo, o cultivo de soja, milho, mandioca, cacaueiro,
dendezeiro, pimenteira-do-reino, palmito de pupunheira, frutas nativas
(açaizeiro, cupuaçuzeiro, bacurizeiro, castanheira-do-pará e tucumanzeiro),
frutas exóticas (bananeira, coqueiro-da-baía, laranjeira, limoeiro, abacaxizeiro,
mamoeiro e melão), pecuária de corte e leiteira. Ademais, ações deveriam
ser desenvolvidas para atender a demanda por produtos hortifrutigranjeiros,
pequenos animais e farinha, entre outros, proveniente de mercados locais
estratégicos, como os das regiões metropolitanas de Manaus, Belém,
Santarém e outras cidades de maior porte.

As seções anteriores do capítulo revelaram também que os cultivos agrícolas


e o efetivo bovino deslocaram-se espacialmente no estado ao longo das
décadas. Como resultado dos movimentos registrados, observou-se, nos
últimos anos, uma relativa consolidação das atividades agropecuárias nas
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 211

mesorregiões Nordeste e Sudeste Paraense. Dado esse fato e a importância


de se obter resultados em curto prazo, sugere-se que as políticas de
fortalecimento da agricultura no Pará foquem, inicialmente, em municípios
dessas mesorregiões.

Um terceiro aspecto que emerge das análises desenvolvidas é que, apesar


dos avanços realizados, o nível de modernização da agricultura paraense
permanece limitado, como sugere o pequeno uso de tratores e de irrigação
assinalado na seção Transformações Tecnológicas. Em face dessa realidade, é
conveniente reforçar políticas de crédito de investimento para a aquisição de
máquinas e equipamentos agrícolas, assim como de custeio e comercialização
de produtos agrícolas. Ademais, considera-se importante aprimorar
atividades de pesquisa agropecuária. Por exemplo, desenvolver variedades
de soja específicas para a região; aumentar a geração de tecnologias para
cultivos chave, como mandioca, dendezeiro, bananeira e cacaueiro; estreitar
os laços de cooperação entre instituições de pesquisa, como a Embrapa e
as Universidades Federais do Pará; ampliar os esforços de pesquisa com o
açaizeiro, especialmente com respeito à nutrição da planta, definição de
espaçamento, melhoramento genético e geração de variedades precoce.

Além de ações de pesquisa para consolidar a competitividade do açaizeiro


paraense, caberia definir um código específico para esse produto no Sistema
Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias. Essa medida, ao
permitir o registro adequado de dados de exportação e importação mundial
desse produto, facilitaria a formulação de políticas públicas, negociações
comerciais e comparações estatísticas internacionais, ou seja, possibilitaria
expandir a participação do açaí em mercados internacionais.

No tocante à irrigação, além de medidas de crédito para facilitar o


estabelecimento das infraestruturas necessárias, é essencial aumentar a
atenção dada ao desenvolvimento de soluções tecnológicas para o cultivo
de produtos agrícolas com maior produtividade e para o uso eficiente
e sustentável dos recursos hídricos. Uma área relacionada ao melhor
aproveitamento do potencial hídrico da região é a exploração da piscicultura,
ainda incipiente no Pará. Não obstante esse elemento não ter sido objeto das
análises, cabe assinalar que traria grandes benefícios para os produtores rurais
e para a economia paraense intensificar as pesquisas dirigidas à domesticação
do pirarucu e de outras espécies, como o tambaqui e o pintado. A criação
de um centro de pesquisa em aquicultura no Pará e a realização de estudos
voltados para a redução dos custos de alimentação de peixes seriam passos
adicionais relevantes nessa direção.
212 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

As análises desenvolvidas indicam também que, em virtude da evolução


da agropecuária paraense, a participação das categorias de empregados
permanentes e temporários no número total de pessoas ocupadas vem
expandindo ao longo do tempo, enquanto a dos produtores e seus familiares
segue uma trajetória de queda. Esse quadro sugere a necessidade da adoção
de medidas que elevem a produtividade da mão de obra mediante o uso de
tecnologias, inovações, máquinas e equipamentos.

Outro elemento resultante das análises é que, apesar da melhora do bem-


-estar dos habitantes de municípios agrícolas das mesorregiões Nordeste e
Sudeste Paraense, especialmente em 2010, o IDHM observado permanece
relativamente baixo como reflexo do comportamento das dimensões
longevidade, educação e renda do índice. Dado esse aspecto, o aumento do
bem-estar em áreas agrícolas deveria ser perseguido por políticas agrícolas,
assim como por medidas nas áreas de saúde e educação.

Ademais dos elementos acima, observou-se que a evolução do uso da terra


no Pará inclui, como parte de suas características, a redução da área de matas
e o aumento das pastagens. Esse aspecto corrobora a preocupação crescente
com o desmatamento da Amazônia, em especial no Pará, e, ao mesmo
tempo, reitera a necessidade de medidas de desenvolvimento agropecuário
sustentável. A esse respeito entende-se que a estratégia a seguir consiste em
adotar políticas que promovam a expansão da produção via aumento da
produtividade e preservação da biodiversidade.

Entre outras medidas, isto envolve: priorizar o aproveitamento/recuperação de


áreas degradadas21, que totalizam aproximadamente 4,5 milhões de hectares
no estado; definir e executar medidas que contribuam para reduzir o custo de
recuperação de áreas degradadas, por exemplo, estimular o estabelecimento
de indústrias de calcário na região e criar mecanismos que reduzam o custo
de transporte e de distribuição de fertilizantes; intensificar a aplicação do
Código Florestal e o controle do desmatamento ilegal; promover a expansão
da pecuária via maior capacidade de lotação de animais por unidade de área;
desenvolver alternativas econômicas viáveis e rápidas, principalmente para as
famílias rurais mais pobres; adotar políticas de utilização de áreas desmatadas
e de recuperação das que não deveriam ter sido desflorestadas. Com respeito
a esse último ponto, as alternativas incluem fomentar o reflorestamento com
espécies nativas, como o paricá e o mogno-brasileiro, e espécies exóticas
(eucalipto, mogno-africano, teca, acácia, etc.)

21
Essas áreas poderiam ser utilizadas para o cultivo de lavouras ou como pastagem.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 213

Em síntese, os desafios resultantes das transformações experimentadas pela


agricultura paraense nas últimas quatro décadas apontam para a necessidade
de serem adotadas estratégias e políticas públicas que contribuam para o
desenvolvimento sustentável do setor no estado. Isto envolve a formulação
de novas estratégias e políticas, assim como o aprimoramento de algumas
que estão em execução.

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BIOPIRATAS, INVENTORES
E DESBRAVADORES QUE
MUDARAM A AGRICULTURA
NA AMAZÔNIA1
Alfredo Kingo Oyama Homma

Introdução

N
este capítulo procurar-se-á enfocar o papel dos introdutores de plantas
e animais, inventores1e desbravadores que foram responsáveis pelo
desenvolvimento da agricultura e das inovações tecnológicas na
Amazônia. Esses pioneiros nem sempre são pesquisadores ou técnicos da
área agrícola, mas indivíduos dotados de grande curiosidade, sentido de
observação, perseverança e perspicácia em antever o futuro (Tecnologia...,
2009; Mercante, 2012).

Há quatro fontes de origem das tecnologias agrícolas utilizadas na


Amazônia: a dos indígenas, a transplantada pelos imigrantes (nacionais e
externos), as transferidas das instituições de pesquisa (nacionais e externas)
e a tecnologia autóctone (Nascimento; Homma, 1984).

Da civilização indígena, tem-se o produto emblemático da alimentação


regional representada pela farinha de mandioca, que envolve a descoberta
e a domesticação dessa planta e o processo de beneficiamento iniciado
há 3,5 mil anos. Dezenas de plantas alimentícias, medicinais, corantes,
inseticidas e aromáticas foram identificadas pelos indígenas, cuja
presença comprovada na Amazônia data de 11,2 mil anos (Roosevelt et
1
HOMMA, A. K. O. Biopiratas, inventores e desbravadores que mudaram a agricultura na
Amazônia. Olhares Amazônicos, v. 4, n. 1, p. 730-746, jan./jun. 2015. Ampliado e atualizado.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 219

al., 1996). Acrescenta-se o conhecimento sobre a fauna, as técnicas de


captura e o ecossistema ao seu redor, a cultura, a organização social, entre
outros atributos. Por exemplo, o amplo conhecimento sobre as frutas
nativas da Amazônia, que muitos antropólogos atribuem aos indígenas,
a domesticação primitiva das castanheiras, pupunheiras e outras espécies
vegetais existentes na floresta.

O segundo aspecto diz respeito à transferência de tecnologia


proporcionada pelos imigrantes, tanto nacionais como externos, que se
estabeleceram na Amazônia. A maior parte da ampliação da fronteira
científica até o século 19 deve-se aos exploradores estrangeiros
interessados em conhecer sobre a flora, a fauna e a geografia da
Amazônia. O padre jesuíta João Daniel (1722–1776), que viveu na
Amazônia entre 1741 e 1757, escreveu um enorme tratado sobre a
região amazônica, Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas, em que
fez detalhadas observações sobre a agricultura praticada na época. Esse
livro foi escrito no período de 1757 até sua morte, quando ficou preso
em Portugal – no período da caça aos jesuítas promovida por Sebastião
José de Carvalho e Melo, o Marquês do Pombal (1699–1782). Esse texto
é interessante para comparações com o atual processo produtivo de
algumas atividades, como a lavoura de mandioca, técnicas de pesca e
caça, uso de plantas medicinais, muitas das quais ainda são utilizadas
(Daniel, 2004). Para a grande maioria, ocorreu uma completa mudança
dos cultivos, atividades, processos utilizados, etc.

A terceira vertente refere-se à tecnologia gerada por instituições de pesquisa


extra-amazônica (nacionais e externas), cujas tecnologias e conhecimentos
acabam drenando para a região amazônica, quer por seminários, feiras e
exposições, quer por pesquisadores, extensionistas, técnicos, empresários,
agricultores e vendedores de insumos agrícolas. Dessa forma, muitas
atividades relacionadas com fruticultura (como castanha-do-pará, coqueiro,
açaí, cupuaçu, laranja, cacau, guaraná, abacaxi), agroindústrias de sucos
e polpas, palmito, grãos, pecuária, reflorestamento e piscicultura acabam
sendo beneficiadas.

As instituições de pesquisa nacionais fora da Amazônia e do exterior


geraram muitas tecnologias que estão sendo utilizadas no reflorestamento
(eucalipto, gmelina, Acacia mangium, etc.), em plantios mecanizados de
soja, algodão, arroz, milho e feijão, pecuária intensiva, laranjeira, dendezeiro,
entre os principais. No século 20, destaca-se o Projeto Radambrasil, a
220 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

prospecção por meio de satélites, as descobertas minerais, o entendimento


do ecossistema amazônico e os avanços nas diversas áreas disciplinares.

A quarta origem refere-se à tecnologia gerada pelas instituições locais


correlatas com a agricultura, que, na Amazônia, tem uma história bastante
recente. A fundação da Associação Philomática (Amigos da Ciência), em
outubro de 1866, pelo mineiro Domingos Soares Ferreira Penna (1818–1888),
atual Museu Paraense Emílio Goeldi, seria um contraponto para a busca da
pesquisa autóctone, então dominada pelos exploradores estrangeiros. A
Companhia Ford Industrial do Brasil, implantada em 1927, em Santarém,
por Henry Ford (1863–1947), e o Projeto Jari, implantado em 1968, por
Daniel Keith Ludwig (1897–1992), trouxeram inestimáveis resultados para a
seringueira e para a silvicultura na Amazônia, respectivamente. A despeito
das críticas com relação às multinacionais, essas duas empresas não tiveram
lucros financeiros no País.

Com a fundação do Instituto Agronômico do Norte (IAN), em 1939, pelo


presidente Getúlio Vargas (1882–1954), iniciou-se a geração de tecnologia local.
A criação da Escola de Agronomia da Amazônia em 1951, do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em 1954, da Universidade Federal do Pará em
1957, seguida de outras universidades federais e estaduais, e a instalação da
Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) em 1965 foram
importantes na ampliação do conhecimento sobre agricultura na região.

Ressalta-se que o ensino agrícola nos estados do Amazonas e do Pará é


bastante antigo e tem origem na Escola Universitária Livre de Manaus (17
de janeiro de 1909), a mais antiga do País, com a criação da Escola Média de
Agricultura (26 de fevereiro de 1912), transformada em Escola Agronômica
de Manaus, que diplomou a primeira turma de três agrônomos em 1918, a
qual teve entre seus brilhantes alunos Frederico de Menezes Veiga (1911–
1974), razão do prêmio máximo concedido pela Embrapa. A criação da
Embrapa, em 1973, daria real impulso para a geração de tecnologia agrícola
na região.

Os resultados de pesquisa são aditivos, associativos e multiplicativos. Isto


indica que diversos resultados de pesquisa do passado e do presente podem
ser somados, produzindo descobertas ou interpretações de fenômenos.
Podem ser associativos, pois o conjunto de informações tende a produzir
avanços na fronteira científica e tecnológica. Ou podem ser multiplicativos,
visto que uma descoberta pode desencadear novas interpretações dos
resultados anteriores (Nascimento; Homma, 1984; Homma, 2015).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 221

Os introdutores de plantas e animais


(biopiratas positivos e negativos)
Na Amazônia, o papel dos introdutores de plantas e de criações responde
pelo sucesso de muitas atividades agrícolas. Pode assumir resultado inverso
quando essas atividades culminam na transferência de recursos genéticos
para outros locais, promovendo a desintegração econômica ou a perda
de oportunidades locais. Quando plantas da biodiversidade amazônica
são transplantadas para outros locais, como o cacaueiro, levado por Louis
Frederic Warneaux2, em 1746, para a Fazenda Cubículo de Antônio Dias
Ribeiro, no município de Canavieiras, Bahia; a seringueira, levada por Henry
Alexander Wickham (1846–1928), em 1876, para o Sudeste Asiático; o
guaranazeiro, para a Bahia; seringueira, pupunheira e jambu, para o Sul e
Sudeste, entre outros, a região amazônica perde oportunidades de geração
de renda e emprego.

O impacto dessas introduções destrói muitas das concepções recomendadas


pelas instituições de pesquisa agrícola no País, como pesquisa multi, inter,
trans e pluridisciplinar, portfólio, arranjos produtivos, cadeias produtivas,
quando na maioria constituem resultados individuais. As pessoas que
fizeram contribuições reais para a agricultura amazônica tiveram vocação
voltada para determinada planta ou atividade, com perseverança e nunca
seguindo o caminho fácil dos atalhos.

Entre esses pioneiros dos séculos 18 e 19, merecem destaque: Francisco


de Mello Palheta (1670–1750), que introduziu o cafeeiro trazido da Guiana
Francesa em 1727, o qual se tornou a maior riqueza nacional e, ao lado do
ramo de fumo, representa o símbolo do brasão da República brasileira; e
Vicente Chermont de Miranda (1849–1907), que introduziu o rebanho
bubalino, também trazido da Guiana Francesa em 1882.

Nas primeiras quatro décadas do século 20, destacam-se Henry Ford (1863–
1947), que em 1927 iniciou o primeiro grande plantio de seringueiras no
País na região de Santarém; Ryota Oyama (1882–1972), que aclimatou
a juta indiana para as condições das várzeas amazônicas desde 1937; e
Makinosuke Ussui (1896–1993), que introduziu as mudas de pimenta-do-
-reino em 1933, tornando o País um dos grandes produtores mundiais dessa
cultura (Homma, 2012, 2013).
2
A este respeito, procurar o excelente livro de Fernando Antônio Teixeira Mendes,
Agronegócio cacau no Estado do Pará: origem e desenvolvimento, que, após extensa pesquisa
na Universidade de Coimbra, apresenta outra versão sobre a introdução do cacaueiro na Bahia.
222 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Akihiro Shirokihara (1923–), em 1970, trouxe as sementes de mamoeiro, da


variedade Sunrise Solo, desenvolvida na University of Hawaii, por Richard
Airth Hamilton (1915–2006), que modificou o hábito de consumo dessa
fruta no País. A introdução da biodiversidade exótica ainda ocorre na época
contemporânea, como o noni, introduzido no estado do Pará por Noboru
Sakaguchi (1933–2007), e o nim, com a introdução efetuada em 1993 por
Belmiro Pereira das Neves, que plantou em Goiânia, e, em 1997, o fazendeiro
mineiro Amiraldo Pereira Santos efetuou os primeiros plantios na sua
propriedade, localizada no município de Castanhal. Essas duas plantas estão
amplamente disseminadas no estado do Pará. Uma planta ornamental, a
mussaenda (Mussaenda alicia) foi introduzida em Manaus pelo pesquisador
Vicente Haroldo de Figueiredo Moraes (1937–2008), da Malásia, na década
de 1980, e rapidamente se espalhou no País.

O plantio pioneiro de pimenta-do-reino com tutor vivo de gliricídia tinha


no seu auge mais de 70 mil pés, em 55 ha, efetuado na Fazenda Tangará,
no município de Santo Antônio do Tauá, PA, na propriedade do agricultor
Shigetoshi Kodama. A gliricídia foi introduzida da República Dominicana
por Armando Kouzo Kato (1949–2000), em 1995, e expandida por
Yukihisa Ishizuka.

Em 1990, o técnico agrícola Adilson Pereira introduziu a variedade de


pupunheira sem espinho procedente de Yurimaguas, Peru, no município de
São Mateus, ES, procedendo à disseminação para todo o País.

As oportunidades para a biodiversidade amazônica vão depender de


pessoas que dediquem 10, 20 ou 30 anos para pau-rosa, tucumanzeiro,
uxizeiro, puxurizeiro, piquiazeiro, plantas medicinais, aromáticas, inseticidas,
etc., procurando vencer as limitações existentes (Lima; Costa, 1997). Os
pesquisadores antigos estavam muito mais sintonizados com esse perfil
do que os da atualidade, mais preocupados com a publicação de trabalhos
científicos, induzidos pelo atual sistema de avaliação Qualis, que tem
prejudicado seriamente as pesquisas agronômicas na Amazônia.

Desbravadores ou destruidores?
Com a intensificação da questão ambiental pós-assassinato de Chico
Mendes (1944–1988), o papel dos desbravadores, responsáveis pela
fundação de diversos povoados, municípios e grandes empreendimentos,
está sendo associado à ideia da destruição da Amazônia. A região conhecida
como Matopiba, acrônimo criado com as iniciais dos estados do Maranhão,
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 223

Tocantins, Piauí e Bahia, considerada a grande fronteira agrícola da


atualidade, constitui um celeiro dos atuais desbravadores e de inovações.

São exemplos desses pioneiros Hachiro Fukuhara (1874-–1943) e Tsukasa


Uyetsuka (1890–1978), responsáveis pela imigração japonesa na Amazônia,
a fundação de Sinop por Enio Pipino (1917–1995), de Alta Floresta por Ariosto
da Riva (1915–1992), entre outros. A lista de personagens que provocaram
impactos nacionais, regionais, estaduais, municipais ou locais seria imensa.
Não se pode deixar de mencionar o papel das políticas públicas e das
grandes obras como a abertura da Belém-Brasília e da Transamazônica,
incentivos fiscais, etc., como indutoras dessas transformações.

Na época contemporânea, os empresários schumpeterianos3 tem


aproveitado as inovações tecnológicas disponíveis ou, quando inexistentes,
efetuado adaptações, transferindo de outras regiões do País e do exterior e
arriscando em novos empreendimentos. Essa forma de expansão ocorreu
com o plantio de arroz irrigado em Roraima, desativado em 2009; com o
plantio de soja no estado de Mato Grosso; e com o dendezeiro, aproveitando
a experiência iniciada em 1963 por Clara Pandolfo (1912–2009), quando
implantou, por meio da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
(Sudam), o plantio pioneiro no atual município de Santa Bárbara do Pará.
Daniel Keith Ludwig (1897–1992), em 1967, iniciou o plantio de gmelina,
eucalipto e pinus em larga escala na Amazônia com a implantação do
Projeto Jari; em 1977, o produtor holandês Leonardus Josephus Phillipsen
(1923) efetuou o primeiro plantio comercial de soja de 32 ha, no município
de Balsas, Maranhão; Noboru Sakaguchi (1933–2007) e Mitinori Konagano
dedicaram-se ao aperfeiçoamento e difusão dos sistemas agroflorestais
em Tomé-Açu; Katsutoshi Watanabe (1945), de Tomé-Açu, iniciou em
1978 o plantio de cupuaçuzeiro em escala comercial no estado do Pará. O
agricultor Seya Takaki (1959–2014) e o agrônomo Sérgio Vergueiro (1939),
formados em 1960 na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq),
são incentivadores do plantio de castanheiras (Yamada, 1999).

Noboru Takakura (1941–2008) e Shigeru Hiramizu foram pioneiros no


plantio com açaizeiro irrigado, que estimulou o empresário Eloy Luiz
Vaccaro (1938–2021), de Xanxerê, SC, no plantio de mais de 1,4 mil hectares
de açaizeiros irrigados no município de Óbidos, PA, considerado o maior
do mundo (Bellante, 2016). Esse empresário foi escolhido Produtor do Ano,
em 2011, prêmio concedido pela Associação dos Engenheiros-Agrônomos
3
Alusão a Joseph Alois Schumpeter (1883–1950), referindo-se aos empresários que arriscam
em inovações como promotoras do desenvolvimento capitalista.
224 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

do Estado do Pará, e homenageado pelo governador do estado do Acre,


Sebastião Viana, em 18 de fevereiro de 2015.

Em Roraima, cabe destacar a introdução de Acacia mangium, pelo empresário


suíço Walter Vogel, em 1999, visando ao fornecimento de matéria-prima
para serraria e celulose e que conta, atualmente, com uma área plantada
de aproximadamente 30 mil hectares. Outro projeto em andamento refere-
-se ao plantio de mogno-africano, o qual, se totalmente implantado, será
o maior do mundo. Em que pesem as críticas sobre os empreendimentos,
trata-se de repor com cobertura vegetal áreas que estavam completamente
desmatadas e degradadas.

A expansão de arroz irrigado no estado de Roraima permitiu o abastecimento


desse produto para a cidade de Manaus e outros núcleos urbanos até a sua
desativação. Em junho de 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou
a desocupação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde os arrozeiros
haviam se instalado no início da década de 1970. Em 20 de março de 2009,
a decisão final do STF confirmou a homologação contínua da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol, determinando a retirada dos não indígenas da região.

A lista seria imensa, muitos em âmbito local, como o maior plantio de


coqueiros do País (5 mil hectares), iniciado em 1979, no município de Moju,
PA; o plantio de goiabeiras no município de Dom Eliseu, PA, do agrônomo
sergipano Antônio Soares Neto, da Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-Pará), que, no início da década
de 1970, trouxe mudas de laranjeiras de Sergipe, iniciando os primeiros
plantios no município de Capitão Poço, PA; o cultivo de abacaxizeiro em
Floresta do Araguaia, PA, que se tornou o maior centro produtor do País; o
cultivo de arroz irrigado em Cachoeira do Arari, PA, desenvolvido por Paulo
César Quartiero; os cultivos de cafeeiros em Rondônia, entre dezenas de
outros exemplos. No início da década de 1990, Silvio d’Agnoluzzo deu
início ao plantio do paricá (Schizolobium amazonicum) nos municípios de
Dom Eliseu e Paragominas, em escala comercial, que teve rápida expansão,
atingindo mais de 88 mil hectares nos estados do Pará, Maranhão e
Tocantins (Marques et al., 2006; Abraf, 2013).

Os inventos e os inventores
Já passou a época em que as invenções e, sobretudo, as descobertas
tecnológicas decorriam do acaso e da sorte. Isto ocorreu, por exemplo, para
Benjamin Franklin (1706-1790) ao inventar o para-raios, em 1753, quando
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 225

empinava uma pipa; Edward Jenner (1749–1823), com relação à vacina


para varíola, em 1796; Alexander Fleming (1881–1955), na descoberta da
penicilina, em 1921, entre dezenas de outros exemplos. O grande desafio
da Amazônia é que conhecemos os problemas agrícolas e ambientais e
pouco se avança em solucioná-los. O famoso psicólogo estoniano Jaan
Valsiner (1951) advoga que as instituições de pesquisa deveriam adotar um
modelo fabril de geração de tecnologia aplicando o fordismo e o taylorismo
(Valsiner..., 2005).

Em 1945, o comerciante Ovídio Bastos, estabelecido na Rua dos Mundurucus,


em Belém, desenvolveu o primeiro protótipo da máquina de amassar açaí,
iniciando o processo de substituição das “amassadeiras de açaí” e batedeiras
de madeira.

O primeiro modelo de apanhador de cacho de açaí foi confeccionado com


madeira pelo senhor Dorival Costa Carvalho, colono maranhense que
morou na localidade Sapecado, no município de Marabá, em 2000. Outra
variante desse coletor de açaí foi desenvolvida no Maranhão, utilizando
um vergalhão de ferro amarrado na ponta de uma vara. Convém ressaltar
que, em meados da década de 1980, o pesquisador Carlos Hans Müller
(1947–2016), da Embrapa Amazônia Oriental, antevendo as possibilidades
do cultivo do açaizeiro em terra firme e considerando a possível escassez de
mão de obra devidamente habilitada para escalar os estipes, elaborou um
modelo de vara colhedora de frutos de açaí, confeccionada com alumínio.
Essa vara, com comprimento de 6 m, apresentava em sua parte terminal
uma lâmina para corte do cacho e um recipiente em forma de meia-lua,
confeccionado com tela de plástico, que acondicionava o cacho após o
corte. O recipiente com o cacho de açaí era trazido até o solo por um sistema
de roldana, sem nenhuma perda de frutos (Nogueira et al., 2005).

Um terceiro modelo de apanhador de açaí foi desenvolvido pelo agricultor


Noboru Takakura (1941–2008), para efetuar a mecanização no seu plantio de
85 ha de açaizeiros. Para isso, procurou efetuar plantios com espaçamento
de 6 m x 7 m, deixando faixas para o trânsito de tratores para facilitar as
operações de limpeza, adubação e colheita do açaí, e desenvolveu uma vara
com um mecanismo de gancho, com pressão na extremidade, que consegue
prender o cacho e puxar, sem necessidade de escaladores. Com um trator e
dois operários, um em cada lado de uma caçamba acoplada ao trator, vão
rodando nos renques de açaizeiros, colhendo e depositando os frutos na
caçamba. Para evitar danos aos frutos, os cachos só batem levemente um
no outro. Com esse procedimento, conseguia colher cem latas de frutos por
226 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

dia. O aumento da produtividade da mão de obra é grande, se comparado


com o processo tradicional, em que um escalador experiente consegue
colher entre 8 e 12 latas de frutos por dia.

Esse método de colheita evita outro problema decorrente da adubação


orgânica com cama de aviário, representada pela presença de formigas-
-de-fogo (Solenopsis spp.) nos pés de açaizeiros plantados nas áreas de terra
firme, dificultando em muitos locais a colheita pelo método de escalada das
árvores. Nas várzeas, não há ocorrência de formigas-de-fogo. Apesar das
formigas, o roubo de frutos constitui risco presente. Em alguns pomares de
açaizeiro, vigias com espingardas são mantidos na área até o anoitecer, para
evitar o furto de frutos. Os produtores de açaí irrigado colocam como perda
normal decorrente de furtos em torno de 5% a 20% (Homma et al., 2006).

O quarto modelo constitui outro aperfeiçoamento efetuado pelo agricultor


Shigeru Hiramizu, que teve ampla aceitação, envolvendo uma vara para
colheita e outra para debulha (Homma et al., 2006). O produtor Edilson
Cavalcante (1978), de Abaetetuba, PA, divulgou no Globo Ecologia (edição
de 4 de abril de 2015), o aperfeiçoamento do equipamento desenvolvido
por Shigeru Hiramizu, dando mais ergonomia e rendimento. O agricultor
Trajano Alves de Brito desenvolveu uma máquina que exige o acoplamento
no estipe do açaizeiro, cuja patente está em nome de Magno Lima de Brito,
o qual, em 17 de julho de 2012, efetuou o depósito de patente da máquina
de tirar açaí e juçara. Essa máquina compõe-se de três partes principais:
o acoplador deslizante forma a parte central e tem a função de acoplar o
conjunto no tronco da palmeira para deslocamento; a tesoura multifunção
compreende a parte superior e tem três funções – acoplar, cortar e segurar
o cacho; o suporte de elevação forma a parte inferior e tem a função de
proporcionar a subida e a descida do conjunto. Em 26 de agosto de 2014, sob
os auspícios do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae/PA), realizou-se a demonstração dessa máquina em São Sebastião
da Boa Vista e, em 24 de abril de 2015, no I Encontro da Cadeia Produtiva do
Açaí, em Castanhal (Figura 1).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 227

Fotos: (A) Antônio José Elias Amorim de Menezes; (B), (D), (E) e (H) Alfredo Homma; (C) e (F) João Tomé Farias Júnior; (G) Oscar Lameira Nogueira

A B

C D

E F

G H
Figura 1. Evolução do apanhador e do debulhador de açaí desenvolvidos por produtores: (A)
debulhador desenvolvido por Shigeru Hiramizu; (B) modelo mecanizado por Eloy Luís Vaccaro;
(C) e (D) coletor rústico desenvolvido por Eloy Luís Vaccaro; (E) coletor inventado por Shigeru
Hiramizu; (F) variante do modelo simples inventado por Shigeru Hiramizu; (G) apanhador de
vergalhão; (H) apanhador primitivo inventado por Noboru Takakura (1941–2008).
228 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A grande novidade é um apanhador muito simples que consiste em uma


vara de alumínio, com uma crista para dar um corte no cacho e um laço
com dois palmos de diâmetro para prender o cacho e fazer uma torção.
Esse coletor foi desenvolvido por um operário de Igarapé-Açu, PA, chamado
Abia. Permite coletar até 70 latas por dia e está revolucionando a extração.
Esses inventos são indicadores de que, nos próximos anos, o arriscado e
laborioso serviço de subir nos estipes de açaizeiros pode ser substituído
por procedimentos de colheita mais eficazes e eficientes, utilizando varas
telescópicas de alumínio e tratores com carretas. Esse procedimento seria
apropriado também para efetuar a coleta de cachos de pupunha (Bactris
gasipaes), substituindo o atual processo de corte e de aparar o cacho com
saco, envolvendo, no mínimo, duas pessoas. Com isso, permitiria aumentar
a produtividade da mão de obra, evitando a incorporação de mão de obra
infantil no arriscado serviço de subir nos estipes, além das conotações morais,
e expandir o plantio em grande escala. O empresário Eloy Luiz Vaccaro,
detentor do maior plantio de açaizeiro irrigado, desenvolveu colhedeira de
açaí e batedor de cacho acoplado ao trator, totalmente mecanizado.

Outra invenção notável é a da farinha de tapioca, atribuída ao agricultor


potiguar João Ferreira da Costa (1895–1986), conhecido como “João
Miguel”. Nascido em Ceará-Mirim, RN, chegou com os pais como migrantes
para a Vila de Americano, PA, em 1900, e, em 1945, descobriu casualmente
que flocos de goma levados ao forno de cobre quente davam origem à
farinha de tapioca.

Como sinal de novos avanços, uma firma sediada em Manaus, construiu uma
embarcação com 80,20 m x 17,50 m, na qual transporta uma unidade de
beneficiamento de açaí, frigorificação, tratamento de água, pasteurização,
entre outros, na qual pretende beneficiar açaí nas regiões produtoras
(Gobeth, 2021).

Há um conjunto de máquinas ou equipamentos para pequenos produtores à


espera de inventores. Podem ser mencionadas a descascadeira de castanha-
-do-pará, a quebradeira de ouriços de castanha-do-pará, a despolpadeira
de fruto de bacuri e de tucumã, a quebradeira de caroços de murumuru,
tucumã e cumaru, a prensadora de sementes de andiroba, a descorticadeira
de juta e malva, a beneficiadora de sementes de malva, o colhedor de açaí,
a debulhadora de frutos de açaí, o descascador de mandioca, entre dezenas
de outros.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 229

A atual fronteira tecnológica da agricultura


amazônica
Os resultados das pesquisas agrícolas na Amazônia têm conseguido provocar
impactos no setor produtivo, positivos e negativos, independentemente
da sua origem de geração, associados à experiência dos produtores e das
indústrias de insumos modernos. Tenta-se listar a seguir as tecnologias que
foram consideradas as mais importantes. Espera-se que, no futuro, essa
oferta tecnológica seja gerada de forma contínua e ampliada. Quanto às
conquistas científicas, isso seria motivo para outro capítulo (Homma, 2015).

• A expansão do cultivo mecanizado de soja, milho, algodão, arroz e


caupi, sobretudo nos estados de Mato Grosso, Tocantins, Maranhão,
Rondônia e Pará. Em 1998, o estado do Mato Grosso tornou-se o
maior produtor de algodão do País; em 2000, de soja; em 2007,
segundo maior de milho, sem falar de outras atividades. Técnicas de
cultivo de arroz irrigado em Roraima, Maranhão, campos de Marajó,
Jari e várzeas do Rio Caeté (Bragança, PA) e Rio Formoso, no Tocantins.

• O sistema de plantio direto na palha que no País já alcança 50 milhões


de hectares (2017), sendo 10 milhões na Amazônia Legal; uma parte já
está sendo utilizada pelos produtores da Amazônia Legal nos plantios
de grãos.

• Dos 81 milhões de hectares desmatados na Amazônia Legal


(2020), cerca de 50 milhões de hectares são de pastagens, dos
quais 34 milhões de hectares em bom estado e 11,9 milhões de
hectares de pastos degradados. A pesquisa agrícola efetuou uma
grande contribuição com a introdução de capins africanos (colonião,
braquiária, etc.), que constituem a maioria das áreas de pastos da
Amazônia. Há tecnologias e processos que permitem a recuperação
de pastagens degradadas formadas por meio de desmatamentos de
Florestas Densas (Dias Filho, 2011).

• Reflorestamento com espécies madeireiras exóticas, como gmelina,


eucalipto, teca, mogno-africano, pinus e Acacia mangium, e nativas,
como paricá, mogno-brasileiro, freijó, entre outros, totalizando
1.017 mil hectares (2019).
230 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

• Técnicas de plantio de pimenta-do-reino levaram o País a atingir


a autossuficiência em 1953 e situar-se entre o primeiro e o quarto
produtor mundial.

• Lavoura de juta que conduziu o País à autossuficiência em 1953 e


à retomada das importações em 1970, e o estabelecimento de um
centro produtor de sementes de juta no município de Alenquer, PA,
até a sua desativação.

• Cultivares de mandioca adaptadas para as áreas de várzea e de


terra firme e tratos culturais. A despeito de o estado do Pará ser
o maior produtor nacional de mandioca e esta ser componente
básico da alimentação, os esforços de pesquisa têm sido restritos
com essa cultura.

• Não obstante a queda na extração madeireira na Amazônia a partir da


década de 1990, as técnicas de manejo florestal estão sendo utilizadas
para projetos de extração madeireira e de comunidades.

• Tecnologias com relação ao cacaueiro pela Ceplac levaram o estado


do Pará à condição de primeiro produtor nacional a partir de 2017 e
com área três vezes inferior (Mendes, 2018).

• Cultivo do cafeeiro, cujas primeiras mudas foram introduzidas no


estado do Pará, em 1727, por Francisco Melo Palheta (1670–1750),
com destaque para Rondônia, com mais de 62 mil hectares de área
colhida (2019/2020).

• Técnicas de criação de bubalinos (várzea e terra firme), introduzido


em 1882, por Vicente Chermont de Miranda (1849–1907), tornando-
-se ícone da Ilha de Marajó, de modo que os estados do Pará e Amapá
concentram mais de 844 mil reses, totalizando 59% do rebanho
nacional.

• Domesticação da seringueira a partir dos plantios da Ford Motor


Company na região de Santarém, em 1927, e das pesquisas iniciadas
pelo Instituto Agronômico do Norte (1939), cujos conhecimentos
foram transferidos para São Paulo, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais,
Espírito Santo e Paraná, permitindo ultrapassar a produção de
borracha extrativa em 1990. Atualmente, representa menos de 0,5%
do total de borracha produzida no País. O eixo do conhecimento sobre
a seringueira mudou-se da região amazônica para o Sudeste do País.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 231

• Manejo de açaizais nativos em áreas de várzeas do estuário amazônico


para produção de frutos (mais de 100 mil hectares manejados).

• Domesticação do guaranazeiro a partir da década de 1970, com


lançamento de cultivares. A Bahia produz 60% do total nacional,
seguida do estado do Amazonas (30%) (2019/2020).

• Utilização de motosserras, roçadeiras costais, herbicidas, fertilizantes


químicos, calcário, etc., pelos pequenos produtores para aumentar a
produtividade da terra e da mão de obra.

• Domesticação inicial de peixes amazônicos (pirarucu, tambaqui,


matrinchã, híbridos, etc.), permitindo a criação comercial em grande
escala e para pequenos criatórios. A piscicultura teve grande avanço
em Rondônia, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Tocantins, Roraima,
Amazonas, Acre e Amapá, nessa ordem.

• Açaizeiros para produção de frutos em áreas de terra firme, com e sem


irrigação, estimulados pelo crescimento do mercado.

• Produção de dendezeiro que permitiu a expansão dessa cultura com


mais de 162 mil hectares plantados no estado do Pará a partir de
2010. Os pequenos produtores da Comunidade de Arauaí, município
de Moju, PA, associados à Agropalma, que iniciaram os plantios de
dendezeiro em 2002, estão recebendo como lucro líquido mensal o
equivalente a quatro salários mínimos.

• Lançamento de cultivares de cupuaçuzeiros resistentes à vassoura-


-de-bruxa, permitindo plantio de 25 mil hectares, sobretudo nos
estados do Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Amapá e Bahia.

• Domesticação da pupunheira, permitindo o plantio de mais de 25 mil


hectares; São Paulo com 10,7 mil hectares, Santa Catarina com 5,6 mil,
Paraná com 3,4 mil, Bahia com 3,2 mil hectares e pouco mais de 1,1 mil
hectares na Amazônia Legal (2020).

• Domesticação da castanheira-do-pará fazendo com que 3% da atual


produção seja proveniente de plantios em grande escala e isolados.
A dificuldade do seu plantio decorre do longo tempo para a entrada
em frutificação, risco de queda de frutos nas proximidades de casas
e em plantios consorciados nos quais apresentam períodos de
colheita comum.
232 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

• Domesticação da malva, erva daninha que vigorava nas áreas


degradadas de terra firme do Nordeste Paraense, que passou a ocupar
o lugar da juta e a produção de sementes para distribuição nas áreas
de várzeas dos estados do Amazonas e Pará.

• Desenvolvimento de sistemas agroflorestais pelos colonos nipo-


-brasileiros de Tomé-Açu, tornando-se referência mundial e modelo
de ocupação da Amazônia, utilizando áreas degradadas.

• Criação de abelhas-nativas-sem-ferrão e africanizadas, que constituem


base de muitos projetos de pequenos produtores.

• Variedades resistentes de bananeira do grupo maçã e prata para


conter a sigatoka-negra, constatada em fevereiro de 1998, nos
municípios de Tabatinga e Benjamin Constant, AM, em novembro
de 2000, no município de Almeirim, PA. Chegou ao Vale do Ribeira,
SP, em junho de 2004; em agosto, alcançou Mato Grosso do Sul,
Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais e, em outubro, o estado
de Santa Catarina.

• Sistemas de agricultura sem o uso de queima, variando desde a


utilização de tratores e implementos inovadores até aqueles mais
simples com tecnologia convencional.

• Cultivo de hortaliças regionais (jambu, chicória, cubiu, etc.) e exóticas


nas áreas periurbanas, fruteiras nativas (manejo de bacurizeiros,
uxizeiro, tucumanzeiro, maracujazeiro, etc.), fruteiras exóticas
tradicionais (coqueiro, laranjeira, abacaxizeiro), criação de aves,
etc. Para muitas dessas culturas, como coqueiro, abacaxizeiro,
maracujazeiro e laranjeira, o estado do Pará destaca-se nacionalmente.

• Fruteiras exóticas como mamão-havaí, melão, mangostão, rambutã,


que tiveram como porta de entrada o estado do Pará e foram
disseminadas para os estados do Nordeste e Sudeste.

• Plantios de jaborandi nos estados do Maranhão e Piauí e início do


processo de domesticação de pau-rosa, bacurizeiro, camucamuzeiro,
uxizeiro, plantas ornamentais, aromáticas, timbó (perdida), etc.

• Na área de produtos agroindustriais, houve avanços na produção do


açaí em pó, farinha de pupunha, aproveitamento do couro de peixe
e outros produtos obtidos por meio do beneficiamento do pescado.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 233

• Cerveja com aroma de bacuri, açaí, taperebá e priprioca, suco de açaí


com diversos sabores, maniva pré-cozida, maniçoba e pato no tucupi
congelado, fármacos e cosméticos, etc. foram desenvolvidos pela
iniciativa privada e exigem aperfeiçoamentos.

• Tecnologias agroindustriais relacionadas com o beneficiamento de


frutas nativas, pescado, oleaginosas, secagem de madeira e guaraná
em pó solúvel têm sido desenvolvidas.

• A contribuição institucional foi marcante na produção de sementes


de juta, em Alenquer, pelo Instituto Agronômico do Norte a partir de
1948, viabilizando seu cultivo; expansão do cacaueiro na Amazônia
após a instalação da Ceplac em 1969, em Belém; na domesticação do
cupuaçuzeiro e do guaranazeiro com lançamento de cultivares pelas
Unidades da Embrapa; técnicas de criação e manejo de peixes pelo
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e pelo Instituto
de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá; manejo do açaizeiro pela
Embrapa Amazônia Oriental e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi;
lançamento de cultivares de açaizeiro e difusão do mogno-africano
pela Embrapa Amazônia Oriental; expansão da soja na Amazônia pela
Embrapa Soja e instituições de pesquisa de Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul, entre outros. Entre as ações emanadas dos movimentos sociais,
destaca-se a criação de reservas extrativistas tendo como ícone o líder
sindical Chico Mendes, que teve repercussão mundial, considerado
como modelo ideal para a Amazônia, a despeito de suas limitações.

Conclusões
Ainda é forte a contribuição da tecnologia transferida de outros locais e
gestada pelos pequenos, médios e grandes produtores na região, por meio
de tentativa e acerto. O sinal de desenvolvimento seria a redução dessa
participação, válida também para as transferências governamentais (Bolsa
Família, Seguro-Defeso, Bolsa Verde, Bolsa Floresta, aposentadorias, etc.) na
sustentabilidade dos pequenos produtores. Para ganhar tempo, enquanto
não surgirem opções tecnológicas produzidas pelas instituições de
pesquisa, há necessidade de aproveitar as etnotecnologias mais eficientes
desenvolvidas pelos próprios produtores, procurando homogeneizar a
heterogeneidade tecnológica existente na região, decorrente da escassez
de tecnologia gerada pelas instituições de pesquisa. Alerta-se que esse
modelo não pode servir para um contexto de médio e longo prazo, pois
ocorre o esgotamento dessas alternativas.
234 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Lamentavelmente, a despeito das críticas dos reitores das universidades


federais, estaduais e privadas, das instituições de pesquisa e de
desenvolvimento e do setor privado, quanto à falta de recursos financeiros
e humanos para ciência e tecnologia (C&T), já há bastante tempo não existe
uma proposta concreta de C&T para os estados da região Norte (Academia
Brasileira de Ciência, 2008). Propostas, quando aparece carimbado para a
Amazônia Legal, um espaço que supera a Europa, estão condenadas ao
fracasso pela obviedade. Há necessidade de propostas estaduais para
os estados que compõem a Amazônia Legal. Para que serve um mapa
mostrando o desmatamento do estado do Maranhão cortado ao meio pelo
meridiano da Amazônia Legal para fins de planejamento?

Sem dúvida, ocorreu um grande avanço na fronteira de conhecimento


científico e tecnológico na Amazônia nestas últimas cinco décadas. A
despeito desse avanço, a comunidade científica na Amazônia ainda não
produziu o choque tecnológico que a agricultura regional está aguardando.
Grande parte da destruição dos recursos naturais na Amazônia decorre
da falta de assistência técnica e de inovações tecnológicas apropriadas
que criem opções econômicas e encontrem as soluções agronômicas e
ambientais sustentáveis que os produtores estão necessitando.

Resultados práticos para agricultura e o meio ambiente são atividades de


pesquisa com risco de insucesso presentes e com baixo valor científico,
dessa forma têm despertado pouco interesse da área acadêmica. Há
necessidade de criar estímulos para os pesquisadores por entidades como
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
Fundações de Amparo à Pesquisa, Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação, Secretarias Estaduais de Ciência e Tecnologia, fundações e
empresas privadas, entre outros.

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REFLEXÃO SOBRE ESCOLHAS
ECONÔMICAS, AGRICULTURA
E SUSTENTABILIDADE NO
PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO
DO AMAZONAS
Lindomar de Jesus de Sousa Silva
Gilmar Antônio Meneghetti
José Olenilson Costa Pinheiro

Introdução

A
reflexão sobre os desafios da agricultura no Amazonas passa
necessariamente por uma leitura da opção industrial feita pelo estado,
na segunda metade do século passado. Desde sua implantação, a
Zona Franca de Manaus passou a centralizar todas as decisões, mobilizações
e discursos dos empresários, políticos e agentes públicos. Embora houvesse
concessões e outorgas para o desenvolvimento de projetos agrícolas,
toda a discussão do processo de desenvolvimento econômico do estado
esteve pautada no desenvolvimento industrial. O modelo industrial que
se consolidou foi um modelo fortemente alicerçado nos incentivos fiscais
e, “isoladamente, não foi capaz de interiorizar o crescimento econômico”
(Silva, 2018).

O modelo de industrialização, com uso de técnicas e processos modernos,


implementado na capital do Amazonas, ocorreu com pouca conexão
ou interação com outros setores da economia local, incluindo o setor
agrícola. A agricultura e o extrativismo, que deram suporte ao processo de
desenvolvimento em outras épocas, ficaram à margem do modelo econômico
adotado e distante da nova onda de desenvolvimento. Aliás, houve um
aprofundamento da crise do fim da era da borracha e posteriormente da
juta, com a “expulsão” da população do meio rural em direção à capital em
busca de emprego e renda. Essa desconexão entre setores econômicos
238 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

resultou, e perdura até hoje, na dependência generalizada da importação de


alimentos de outros estados e regiões do País. Ocorreram dois fenômenos
simultâneos com a criação da zona franca: um foi a atração de um grande
número de pessoas para o novo polo industrial em busca de trabalho e
outro foi o êxodo rural amazonense, também em direção ao polo. Esses dois
fatores refletiram diretamente na favelização de Manaus.

A existência de indústrias que se utilizam de matéria-prima oriunda da


agricultura e/ou do extrativismo regional, como o guaraná, não impactou
no desenvolvimento agropecuário do estado com uso de tecnologias
modernas, não houve uma apropriação tecnológica que revolucionasse
e impulsionasse a produção, transformando o Amazonas em um grande
produtor agrícola, por meio das pequenas unidades de produção, que
sempre predominam no estado (Meneghetti; Souza, 2015). Os números
disponibilizados mostram que Manaus abriga 90% das fábricas de
concentrados de bebidas do País (Indústria..., 2015). As indústrias de
concentrados haviam projetado um crescimento de 15% no consumo
de bebidas nos próximos anos, principalmente as energéticas, em que
o guaraná configura insumo básico (Robson, 2017). Essa perspectiva,
entretanto, não impulsionou a produção de guaraná, que teve até mesmo
uma redução de área plantada e produção, mesmo existindo uma demanda
industrial e tecnologia agropecuária disponibilizada pela Embrapa.

Muitos estudos relacionados ao baixo nível de inovação e desenvolvimento


da agricultura no estado apontam como causa para tal situação a
“incapacidade do agricultor” em aderir a tecnologias desenvolvidas. Essas
respostas são concepções preconceituosas e do senso comum a respeito
das populações amazônicas, que são passadas na sociedade desde as
viagens dos missionários no século 17 e que escondem fatores que levaram
à crise vivenciada hoje no mundo rural, ou seja, que foi um processo de
industrialização não harmônico, desconectado e não integrado com o setor
agrícola e outros setores da economia.

Há teorias, muitos documentos e normativas que tentaram fazer a conexão


da agricultura do estado com o processo de industrialização, mas sempre
esbarraram na ausência de uma estratégia de sociedade e de Estado, seja
estadual ou federal, para o desenvolvimento rural. Entre outras coisas, pode-
-se citar a falta de uma visão estratégica para as potencialidades locais que,
quando conectadas com outros setores da economia, podem alavancar o
desenvolvimento. É o caso das frutas amazônicas, de princípios ativos, de um
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 239

processo de agroindustrialização por meio de pequenos agentes, com alto


valor agregado. Outros problemas são a pouca valorização da assistência
técnica e extensão rural (Ater), a regularização fundiária, o acesso a crédito
agrícola e outros.

De certa forma, a industrialização produziu uma miopia que fez com


que os problemas do meio rural deixassem de ser abordados ou fossem
abordados superficialmente. Com essa miopia, o setor agropecuário foi
marginalizado, como pode ser visto nos dados relacionados às políticas
públicas promovidas pelo Estado para estímulo à produção agropecuária e
produção de alimentos pelos agricultores, assim como para os agricultores
desempenharem a “função de guardiões da paisagem e conservadores
da biodiversidade. A agricultura familiar constitui, assim, a melhor forma
de ocupação do território, respondendo a critérios sociais (geração de
autoemprego) e ambientais” (Sachs, 2004, p. 368).

A ausência ou baixo engajamento do Estado podem ser comprovados nos


estudos de Maciel et al. (2003), que mostram a redução da participação
do setor agropecuário no Produto Interno Bruto estadual (PIB), na baixa
escolaridade dos agricultores (Costa et al., 2015), na baixa aplicação de
recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(Pronaf ) e do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), em
que o Amazonas aplica “70 vezes menos do que os estados de Rondônia e
do Pará” (Meirelles, 2017b), e a assistência técnica, na qual há uma relação
de um técnico para 600 agricultores, média superior ao preconizado pelo
Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) de um para cada cem
(Meirelles, 2013).

É importante ressaltar que o presente texto busca suscitar um debate, uma


reflexão crítica relacionada ao desenvolvimento rural e à necessidade de
superação dos dilemas colocados pelo agravamento da situação social
e econômica do Amazonas. Essa reflexão torna-se ainda mais importante
num momento em que se planeja ou se aventa a possibilidade de retirada
de benefícios fiscais do polo industrial, podendo dessa forma ocorrer uma
evasão do capital. O texto pretende despertar “(...) para a importância da
reflexão sobre o problema antes mesmo de inferir sobre a solução” (Teixeira
et al., 1985, p.12). O problema de um setor, muitas vezes, não é somente
técnico, às vezes é também de concepção e de compreensão da dinâmica
socioeconômica, política e cultural, ou seja, o problema exige uma reflexão
multi e interdisciplinar para a sua solução.
240 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Os grandes desafios e um possível


diagnóstico
Entre os grandes desafios do Amazonas para as próximas décadas está o
desenvolvimento do setor primário como meio de produzir alimento para
os seus habitantes, assim como para estruturar mais uma opção na matriz
econômica do estado, hoje baseada no modelo industrial, que dominou
o debate, o pensamento, as estratégias de desenvolvimento econômico e
inibiu outras opções, ao longo de mais de 50 anos.

A superação dos desafios para a inclusão e fortalecimento de novas opções


na matriz passa, necessariamente, por ajustes na forma de entender o
desenvolvimento, os problemas que não foram solucionados ao longo do
tempo e de problemas que, se não solucionados, poderão continuar travando
a agropecuária amazonense. A viabilidade do setor agropecuário, como
parte fundamental de uma política de desenvolvimento estadual, passa pela
remoção de obstáculos como: acesso a recursos como terra, água e força
de trabalho; acesso a mercados, melhorando e viabilizando a infraestrutura
de transporte; agregação de valor aos produtos comercializados; aporte
de canais de informação sobre mercados seguros; garantia de direitos;
acesso a políticas públicas; acesso a insumos e crédito. Os fatores para o
desenvolvimento informados anteriormente têm potencial de promover
um encadeamento de atividades econômicas e, assim, alcançar um
desenvolvimento harmônico entre a agricultura, a indústria e os serviços
no Amazonas.

Uma nova compreensão do


desenvolvimento
Há muito tempo o significado da palavra desenvolvimento no Amazonas
está diretamente vinculado à ideia do “industrial”, ou mais precisamente
à Zona Franca de Manaus. Esse pensamento está presente em vários
pronunciamentos oficiais que justificaram o surgimento e fortalecimento do
modelo industrial em vigor no Amazonas. Passarinho (1971, p.19) disse que
a fábrica e a indústria teriam a função de modificar a “fisionomia do velho
e místico Inferno Verde”. Numa clara associação da exuberância florestal ao
atraso socioeconômico e cultural.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 241

A floresta como símbolo do atraso e a indústria como vetor de


desenvolvimento também está presente na mensagem do governador
Gilberto Mestrinho (1928–2009) à Assembleia Legislativa, em 1960:
Quero um Amazonas verde, não o verde triste da mataria
imensa, o verde monótono da floresta inaproveitada,
mas um verde pintado pela mão do homem que lavra e
semeia a terra, que faz crescer a riqueza e torna os povos
economicamente fortes. Quero um Amazonas ativo. Não
este Amazonas conformado e conformista que olha as águas
dos rios, contempla a floresta e a placidez dos lagos; mas um
Amazonas trepidante, despertado com as sirenes das fábricas,
transformando as nossas matérias-primas, dando trabalho
ao braço amazonense, valorizando o caboclo e exportando
manufaturas. Que a floresta seja abalada pelos golpes dos
machados e das serras, que as árvores também, as jangadas
desçam os rios e conquistemos o mercado madeireiro do
mundo (Raposo, 1960, p. 6).

É evidente que as falas oficiais buscavam capitalizar uma possível


solução à decadência da borracha. Essa visão encontrava eco em muitas
formulações teóricas como a de Campos (1953, p. 62), que entendia que “o
processo de desenvolvimento econômico não poderia ser levado a bom
termo sem a industrialização”.

Entretanto, na opção pela industrialização, por mais que tenha encontrado


no Amazonas um terreno fértil e um contexto que tornou mais fácil
sua justificação, sua implantação ocorria em uma conjuntura na qual a
ditadura militar buscava ocupar uma região despovoada e atender os
interesses do capital internacional. Para Seráfico e Seráfico (2005, p. 100),
a criação da Zona Franca de Manaus é um capítulo da Operação Amazônia,
com a compatibilização do “discurso nacionalista do militarismo com as
reivindicações acerca do desenvolvimento regional da Amazônia e com o
processo de transnacionalização do capital”.

O fato é que a industrialização foi um modelo imposto, com pífias análises


de cenários e com uma nítida compreensão de que seria um método
produtivo mais eficaz. O diagnóstico limitado não levou em consideração a
valorização do potencial endógeno da região e o enraizamento industrial.
Nesse sentido, não houve o fortalecimento de transações recíprocas
interdependentes entre a indústria e a agricultura, nem com a indústria
produtora de insumos e bens de capital agrícolas ou indústria processadora
de produtos agrícolas, a agroindústria, o que reduz a possibilidade de
242 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

difusão da inovação equitativamente entre os segmentos econômicos.


(Mazzali, 2000).

Com isso, a industrialização surgiu divorciada do setor primário e, assim, seu


efeito no desenvolvimento da agricultura e da pecuária foi pueril. A demanda
industrial não dialogou com o campo amazonense. Se tivessem existido, o
diálogo e a interação poderiam ter induzido os agricultores a buscarem
aperfeiçoar seus sistemas de produção, introduzindo novas máquinas e
equipamentos, novas tecnologias produtivas, como ocorreu em diversas
partes do mundo (Leite, 2001).

Mazoyer e Roudart (2010, p. 381) descrevem como a industrialização no


noroeste da Europa estava intimamente ligada à revolução agrícola, com
a utilização de matéria-prima. É assim que se desenvolve “a criação de
ovelhas, baseada nas novas rotações forrageiras, fornecendo quantidades
crescentes de lã necessárias à expansão da indústria de tecido em Flandres
e na Inglaterra”, como também “o linho e o cânhamo, para a fabricação de
tecido no norte da França e da Alemanha; o lúpulo e a cevada nas cervejarias
em todo o norte da Europa; a batata para a fabricação de álcool e de fécula
na Prússia”, além das “plantas para tintura como o pastel e a garança, que
cresceram na mesma proporção das indústrias têxteis”.

Com as instalações de indústrias no Amazonas, poderíamos prever, a


partir da leitura de Delgado (1985), que cresceria a demanda por produtos
agropecuários, formando-se um sistema agroindustrial dirigido para
abastecer a demanda por matéria-prima do Polo Industrial de Manaus (PIM).
Tal aspecto não ocorreu.

A consequência desse processo foi que o setor agropecuário sofreu


grande impacto do modelo Zona Franca de Manaus. Esses impactos foram
sistematizados por Maciel et al. (2003, p.3). Focamos somente os impactos
diretos que atingiram a agropecuária e o rural do Amazonas: “a) redução da
importância do setor primário para a economia do estado; b) crescimento
populacional vertiginoso da cidade de Manaus; c) concentração das
atividades econômicas na cidade de Manaus; d) estagnação econômica do
interior; e) balança comercial deficitária; f ) reestruturação das atividades
econômicas do Amazonas”.

Diferentemente do que poderia ter acontecido, a indústria se desenvolveu


de forma desarticulada da agricultura no Amazonas. Não foram ampliados
os cultivos nas áreas disponíveis e não houve um processo de intensificação
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 243

tecnológica na agricultura. Em alguns casos, o estado perdeu sua hegemonia


na produção e passou a importar matéria-prima de outras regiões, é o caso,
por exemplo, do guaraná (Meneghetti et al., 2021).

O guaraná é uma fruta típica da Amazônia, que primeiramente foi utilizada


pelos índios da etnia Saterê-Mawé devido às suas propriedades energéticas.
Esse fruto, a partir de 1921, passou a ser popularizado por meio da criação
do refrigerante de guaraná. De um produto, fruto outrora consumido
pelos indígenas, passou a ser fonte de matéria-prima para indústria, o que
motivou o cultivo em outras regiões do Brasil (Figueroa, 2016).

O documento do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços,


Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e Coordenação-
-Geral de Estudos Econômicos e Empresariais, diz que o segmento de
concentrados de bebidas não alcoólicas está presente no Polo Industrial
de Manaus desde o ano de 1990 e é um dos mais “importantes no cenário
econômico do estado do Amazonas”. Segundo o documento, o segmento
é composto por “25 empresas e, de acordo com os dados do Sistema de
Indicadores Industriais – Suframa, essas empresas faturaram no ano de 2017
R$ 8,7 bilhões com a produção e comercialização de concentrados, extratos,
xaropes, aromas, entre outros produtos” (Vaz et al., 2018, p. 3).

Teoricamente, a existência de indústrias que têm como matéria-prima


produtos cultivados no Amazonas deveria impulsionar a expansão de
plantios no interior do estado, como afirma Silva (2006, p. 11): “o polo
industrial dinâmico de Manaus, com o aumento de suas exportações,
tem permitido o aumento da escala de produção, condição essencial
para a transferência para Manaus de seus fornecedores mundiais”. Tendo
como premissa tal afirmação, buscamos analisar a evolução dos plantios
de guaraná no decorrer dos últimos 37 anos, de forma a observar os
impactos da indústria sobre a dinâmica produtiva da cultura. Escolhemos
o guaraná por se tratar de uma espécie que é nativa da Amazônia, e é uma
das culturas mais “conhecidas no Brasil e no exterior, o guaraná ainda é um
produto exclusivamente brasileiro e muito apreciado por suas qualidades
energéticas e gastronômicas” (Projeto..., 2003, p. 2). Esses aspectos deveriam
propiciar algumas vantagens.

Os dados do IBGE (2019) mostram que, no período de 1981 a 2018, ocorreu


uma redução da área plantada de guaraná no estado do Amazonas. Do total
da área cultivada no Brasil, o Amazonas detinha 74,82%, enquanto a Bahia,
principal produtor da atualidade, representava 8,48%. No período de 2011
244 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

a 2018, o Amazonas passou a deter 36,78% da área colhida, enquanto a


Bahia possuía 58,48% do total. Nesse período, houve um aumento das áreas
plantadas e colhidas na Bahia e em outras regiões, enquanto no Amazonas
ocorreu uma redução (Tabela 1).
Tabela 1. Área de guaraná colhida no período de 1981 a 2018.
1981–1990 % 1991–2000 % 2001–2010 % 2011–2018 %
Brasil 8.753,30 100 9.314,90 100 12.191,90 100 11.093,12 100
Amazonas 6.550,00 74,82 4.797,60 51,50 5.649,20 46,33 4.081,00 36,78
Bahia 702,7 8,48 3.228,40 34,65 6.265,40 51,38 6.479,25 58,48

Fonte: IBGE (2019, 2022).

Com a produção o efeito é o mesmo, o Amazonas, que no período de 1981


a 1990 produzia 49,01% do total do País, passou no período de 2011 a 2018
a responder por somente 21,42%. Enquanto a Bahia saltou, no mesmo
período, de 29,81% para 70,57% (Tabela 2).

Tabela 2. Quantidade de guaraná produzido, em toneladas, no período de 1981


a 2018.
1981–1990 % 1991–2000 % 2001–2010 % 2011–2018 %
Brasil 1.305,60 100 3.046,59 100 3.632,6 100 3.478,25 100
Amazonas 640 49,01 876,6 28,77 951,6 26,19 745,12 21,42
Bahia 389,2 29,81 1.711,60 56,18 2.229,00 61,36 2.454,75 70,57

Fonte: IBGE (2019, 2022).

A produtividade também é um fator a ser observado. Quando comparamos


a Bahia, como pode ser observado na Tabela 3, com o Amazonas e a
produção brasileira, de 1981 a 2018, observamos uma grande diferença de
rendimento por área no estado do Nordeste do Brasil. Na Bahia, o rendimento
por área sempre foi superior ao nacional, enquanto no Amazonas sempre
ficou abaixo da média nacional. Estudo de Baqueiro et al. (2019) expõe
que a produtividade dos plantios baianos deve-se às condições propícias
das regiões que adotaram a cultura, como: boa distribuição de chuvas ao
longo do ano, solos com alta fertilidade e baixa incidência de doenças como
antracnose, somada à adoção de tecnologias pelos agricultores.
Tabela 3. Produtividade do guaraná no período de 1981 a 2018 (kg/ha) e
porcentagem em relação à média brasileira.
1981–1990 % 1991–2000 % 2001–2010 % 2011–2018 %
Brasil 157,10 100 321,20 100 283,8 100 312,15 100
Amazonas 105,3 67,02 166 51,68 170,2 59,97 183,5 58,78
Bahia 510,2 324,7 539,70 168,00 357,30 125,80 375,00 120,13

Fonte: IBGE (2019, 2022).


PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 245

Podemos observar na Figura 1 que a Bahia superou o Amazonas em


produção de guaraná em 1987, produzindo nesse ano 600 t contra 586 t
do Amazonas, que se recupera no ano seguinte produzindo 746 t contra
609 t da Bahia. A partir de 1989, assumiu a liderança da produção da
cultura no Brasil.

Figura 1. Produção de guaraná (em toneladas) no Amazonas, na Bahia e o total produzido no


Brasil no período de 1981 a 2018.
Fonte: IBGE (2019, 2022).

A Bahia assume a liderança da produção nacional de guaraná 28 anos depois


da introdução da cultura na região de Ituberá, ao norte da região cacaueira,
por volta de 1961. Segundo Brandão et al. (1980, p. 3), essa introdução
ocorreu a partir das “poucas plantas trazidas da Amazônia” que forneceram
“as sementes que permitiram a multiplicação e estão sendo difundidas na
região, principalmente nos municípios de Camamu, Ituberá, Nilo Peçanha,
Taperoá, Valença e Uma”. Segundo os autores, “tal expansão se verificou pelo
fato de atribuir-se ao guaraná propriedades benéficas à saúde humana, tais
como: preventivo da arteriosclerose, antidiabético, febrífugo, afrodisíaco e
estimulante em geral”.

A expansão e a liderança da Bahia na produção de guaraná geram


comparações com o estado do Amazonas a respeito do tema. Os diagnósticos
atribuem a baixa produção e produtividade do Amazonas “à incapacidade
dos agricultores familiares de adotarem as inovações tecnológicas que lhes
246 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

foram propostas e de tornarem seus sistemas de produção uma agricultura


familiar dinâmica” (Tricaud et al., 2016, p. 41).

Faz-se um questionamento: por que o Amazonas, terra de origem do


guaraná, que tem uma grande biodiversidade de materiais, tem tecnologias
geradas, não se consolida e não assume a liderança na produção dessa
fruta? A literatura mostra que a ideia e a necessidade de introdução de
tecnologia na cultura do guaraná tiveram origem em 1921, com a criação
do refrigerante Guaraná Antártica e sua difusão no âmbito nacional. Em
1971, a empresa Antártica se instalou em Maués, em uma área de mil
hectares, e iniciou o processo de melhoramento da cultura. Posteriormente,
a Embrapa também se instalou, e passou a desenvolver cultivares, a partir
de seu programa de melhoramento genético do guaranazeiro. A ideia
básica é desenvolver variedades com maior produtividade, estabilidade e
resistência a doenças, principalmente a antracnose e a doença que provoca
o superbrotamento na cultura. A Embrapa já disponibilizou, ao longo dos
anos, 19 cultivares altamente produtivas e resistentes às doenças.

No rol das iniciativas e tentativas voltadas a ampliar a produção do guaraná,


está a distribuição de mudas de variedades melhoradas, programas com crédito
específico associados a pacotes tecnológicos e insumos químicos e assistência
técnica e garantia de aquisição da produção dos agricultores. Diante de tantas
iniciativas, fica a pergunta: todas essas iniciativas não foram suficientes para
colocar o Amazonas como um grande ou maior produtor de guaraná?

Para Tricaud et al. (2016, p. 41), o problema não está na incapacidade dos
agricultores e sim nos “modelos de inovação descendentes e que ignoram
tanto as práticas locais como o papel das organizações locais sobre a atitude
do agricultor”, como a pouca familiarização “com as modificações propostas
pelos pacotes tecnológicos modernizantes e, sobretudo, negligenciados no
próprio processo de inovação, pois são considerados como simples usuários
passivos da tecnologia”.

A justificativa para a queda da produção, que atribui mesmo com tecnologia


e algum aporte devido à “incapacidade do agricultor”, deixa muitas lacunas
e não responde à questão do declínio da produção do guaraná. Na verdade,
ele atualiza o discurso dos viajantes-cientistas-naturalistas do século 19,
que passaram pela Amazônia e classificaram os indígenas na condição de
sujeitos rudes e preguiçosos (Sepp, 1980). Esse discurso foi classificado
por Guedelha (2014) como um discurso localizado na margem, exterior
e arbitrário. O mesmo pode-se dizer da argumentação que justifica o
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 247

insucesso de uma política pública ou a ausência de um projeto estratégico


na incapacidade do agricultor amazônico.

Alguns aspectos precisam ser agregados às análises que apontam a queda


da produção no município de Maués e no estado do Amazonas. Esses
aspectos são: a inexistência de uma organização com caráter municipal
ou territorial que possa representar os interesses dos produtores, que na
maioria das vezes vendem suas produções ao atravessador, a produção
regulatória de empresas que têm o guaraná como insumo básico, há
plantios empresariais em Manaus e Presidente Figueiredo. Outro aspecto é
a fragilidade da assistência técnica pública, que dificulta a transferência de
tecnologias, e o insucesso dos programas de créditos associados a pacotes
tecnológicos. É comum evidenciar, em propriedades que receberam
financiamentos para produção de guaraná, insumos agrícolas armazenados
de forma inadequada e que não são utilizados pelo desconhecimento do
agricultor em manejar esses insumos.

A produção baiana não é diferente da produção amazonense no seu aspecto


de uso de mão de obra e concentração da produção territorializada. Ambas
utilizam predominantemente mão de obra familiar e concentram sua
produção em regiões definidas. A Bahia concentra a produção no território
baixo sul baiano, composto por 15 municípios.

Entretanto, um olhar sobre o aporte institucional ao desenvolvimento da


cultura do guaraná no estado nordestino mostra a organização de uma
câmara setorial do guaraná, em que há uma visão de futuro que tem
como definição “tornar a produção do guaraná da Bahia reconhecida
mundialmente e consagrar o fruto como produto de qualidade” (Bahia,
2010, p. 29). Como foco estratégico, o estado baiano volta-se a uma
agenda estratégica que visa à criação do programa guaraná da Bahia,
com políticas públicas voltadas para reconhecimento da produção,
desenvolvimento e fortalecimento da cadeia produtiva do guaraná da
Bahia; fortalecimento da assistência técnica, através da contratação e
capacitação de profissionais e instrumentalização das instituições para
Ater pública e privada, com base no Plano Nacional de Assistência Técnica
e Extensão Rural para a cadeia produtiva do guaraná da Bahia; implantação
de infraestruturas de beneficiamento, padronização, comercialização
e adoção de incentivos fiscais para o guaraná da Bahia (Bahia, 2010). A
Bahia está articulando e institucionalizando uma política de estado de
sociedade para o desenvolvimento da cultura. Que fatores, estruturas e/
248 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

ou organizações sociais e de mercado diferenciam as duas experiências


e estimulam ou inibem o desenvolvimento da cultura nos dois estados?

As intervenções do Estado para o desenvolvimento de determinados setores


da economia, e a do guaraná é uma delas, desde a década de 1950, têm um
claro objetivo de realizar de cima para baixo, a “superação das tensões que
punham em jogo algumas das condições de manutenção e expansão da
acumulação capitalista no Brasil” (Seráfico; Seráfico, 2005, p. 1030).

Em consonância com a visão de Seráfico e Seráfico (2005), que afirmam que


as indústrias que vieram para Manaus têm pouca conexão ou compromisso
com o incentivo da produção e não necessitavam de um setor primário
forte, Teixeira et al. (1985), em sua análise da relação da indústria com o
setor primário no Amazonas, diz em que, nas décadas de 1960 e 1970, as
indústrias mais representativas na Zona Franca de Manaus eram a química
(39,10%), a têxtil (28,52%) e a de produtos de alimentos (16,95%).

Em 1979, as indústrias de material elétrico e de comunicação representavam


48,70%, a têxtil 11,97% e a de transporte 7,53%. O estudo de Holland
et al. (2019, p. 16) mostra, com base no boletim do PIM, que, em 2017 o
faturamento total das indústrias “foi de R$ 82 bilhões, sendo que 75% do
faturamento do Polo foi obtido basicamente por quatro setores: bens
de informática, eletrodomésticos, duas rodas e setor químico (matérias
plásticas)”. Os produtos que mais contribuíram foram “televisores de tela
LCD (11 milhões de unidades produzidas), telefones celulares (13,5 milhões
de unidades produzidas) e motocicletas (884 mil unidades produzidas)”.
Essa produção faz com que os três produtos respondam por 40% de todo o
faturamento do PIM (Holland et al., 2019).

Os dados relacionados à indústria e os do setor primário mostram


uma dissintonia entre os segmentos produtivos. Na linha histórica, é
possível observar que no período de 1972 a 1980 a participação do setor
primário no PIB estadual passou de 17,78% para 7,20%, uma queda de
aproximadamente 59% em relação à participação do setor no total da
economia. Essa tendência continuou nas décadas seguintes. Um estudo
de Maciel et al. (2003), com base em Amazonas (2008), mostra que “a
participação da agropecuária na composição do PIB entre 1986 e 1999
passou de 6,93% em 1986 para 2,66% em 1999” e, em 2005, atingiu 5,19%,
já em 2011 ficou em 6,10%, oscilando para baixo nos anos seguintes e
alcançado 6,68% em 2015. Em 2017, a participação do PIB do setor
agropecuário ficou em 7,30% (Amazonas, 2019, p. 95).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 249

Os dados mostram que, a existência de uma indústria têxtil e de alimento


em algum momento da história não impulsionou o setor agropecuário, ao
contrário, a produção de fibras esvaneceu, fazendo com que o estado, que
já foi um dos maiores produtores e concorreu com a produção indiana, hoje
importe o produto. Dados divulgados em 2015 apontam que 80% da fibra
utilizada na indústria têxtil vem de Bangladesh (Araújo, 2015). A perda da
capacidade produtiva evidencia a necessidade de uma maior reflexão sobre
a dinâmica de desenvolvimento no estado. A juta e a malva já propiciaram
renda para 60 mil famílias nas várzeas amazonenses e “hoje são espécies
descuidadas pelo poder público e pela timidez parlamentar em legislar a
favor do uso obrigatório de nossas fibras nas sacarias de exportação de
algumas commodities do agronegócio” (Lopes, 2019, p. 1).

Lopes (2019, p. 1) lembra o acervo “imensurável de fibras” da biodiversidade


amazônica, como o curauá. Para o autor, “são raras e discretas as pesquisas
de compósitos reforçados com fibras naturais como inovação tecnológica
regional, dentro da lógica da sustentabilidade para agregar valor à produção
de materiais ambientalmente corretos e economicamente rentáveis, para
geração de empregos verdes”.

A fibra, o guaraná, como pode ser percebido nos dados já citados, e tantos
outros produtos, que articulados com a indústria poderiam alavancar
o desenvolvimento da comunidade e do Amazonas, vivem em crises
constantes. A justificativa da incapacidade e indolência dos amazônicos de
outras épocas continua a ser usada como justificativa para esconder os reais
motivos que inviabilizaram a produção agrícola no estado do Amazonas.
Destacam-se aqui as mais relevantes.

A ausência de mecanismos socioeconômicos que ampliem e valorizem os


produtos agrícolas e extrativistas, como também fortaleçam a organização
e o sistema de escoamento da produção agrícola, faz com que produtos
que têm alta demanda no mercado e poderiam contribuir incisivamente
para o desenvolvimento de comunidades rurais sejam controlados por
atravessadores. É o caso da castanha-do-brasil que, quando não vai parar
nas mãos dos atravessadores da região, é drenada para as indústrias do
estado do Pará e mais recentemente para a Bolívia. Além da castanha, temos
a farinha de mandioca, o tucumã e tanto outros produtos que têm seus
valores apropriados por agentes externos à unidade de produção agrícola
ou extrativa e que contribuem diretamente para a manutenção e ampliação
do empobrecimento das comunidades rurais.
250 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Os processos relacionados ao fortalecimento de atividades produtivas


sustentáveis praticadas por comunidades amazônicas são lentos e demoram
a ser legalizados pelas instituições públicas. Um exemplo é o manejo do
pirarucu. A primeira experiência de manejo realizada no Amazonas ocorreu
no Médio Solimões, aprovado em 1999 pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) (Viana et al., 2004).

O manejo do pirarucu é uma prática comprovadamente benéfica para


a manutenção do estoque do pirarucu. Essa prática ficou durante muito
tempo relegada aos interesses dos atravessadores, trazendo pouco
benefício aos extrativistas. Meirelles (2017a) aponta que o quilo do pirarucu
estava sendo vendido ao valor de R$ 7,22 e era pago ao extrativista entre
R$ 3,00 e R$ 3,50. Tal distorção, depois de muitas reuniões e mobilizações,
começou a ser corrigida em 2019, quando passou a fazer parte do rol de
produtos que fazem parte da lista da Política de Garantia de Preços Mínimos
para Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio). Com isso, quando o
pirarucu for comercializado a preço inferior ao mínimo fixado, este recebe o
pagamento de um bônus corrigindo tal distorção.

As estruturas socioeconômicas, entraves legais e aspectos socioculturais


dificultam o acesso dos agricultores ao financiamento rural subsidiado,
em quantidade e no tempo adequado. Os dados mostram que, em 2019,
o Amazonas acessou somente 0,1% do Pronaf, ou seja, R$ 20 milhões
dos R$ 25 bilhões aplicados em todo o território nacional. Esse valor é a
metade do valor acessado por Roraima, seis vezes menor que o acessado
pelo Acre, 17 vezes menor que o Pará e 50 vezes menos em relação a
Rondônia. O Amazonas é o último estado no ranking do acesso ao Pronaf
no País (Meirelles, 2020).

O número divulgado pela Agência de Fomento do Estado do Amazonas


(Afeam) mostra que, entre 2018 e 2019, oito atividades agropecuárias
receberam financiamento pela agência. Essas atividades são: pesca
artesanal, cultivo de mandioca, pecuária mista, cultivo de açaí,
pecuária de corte, cultivo de banana, cultivo de hortaliças e coleta da
castanha. Há nas informações da agência ainda outras atividades não
especificadas. No total, em 2018, foram 2.781 projetos financiados, que
totalizam um valor de R$ 34.356.357,71. Em 2019, foram financiados
529 projetos num valor de R$ 8.159.072,33, o que significa 81% a
menos que o ano anterior (Figura 2).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 251

Figura 2. Projetos agropecuários aprovados pela Afeam em 2018–2019.


Fonte: Amazonas (2020).

O total de projetos financiados nos 2 anos somou 3.310. Esses dados são
indícios de que esse número de contratos seja o do total de agricultores
familiares que acessaram o crédito pela Afeam nesses 2 anos. É pouco, se
considerarmos o número de estabelecimentos rurais do estado. Dados
do censo agropecuário realizado em 2016–2017 mostram que havia na
época mais de 54 mil produtores de mandioca, mais de 8 mil agricultores
que cultivavam banana e 1.701 agricultores que cultivavam guaraná,
dentre os 80 mil estabelecimentos rurais identificados, segundo o
IBGE (2017). Isto significa que o financiamento chega a apenas 4% dos
estabelecimentos rurais.

A dificuldade de obter a licença ou isenção ambiental, atrelada à


insuficiência dos serviços de Ater, contribui para o baixo acesso ao crédito
pelos agricultores familiares (Meirelles, 2019). O órgão oficial de Ater no
estado, depois de décadas sem realizar concurso público, realizou em
2019, porém, até o momento, não iniciou o processo de contratação
dos aprovados. Há a necessidade de equipes multidisciplinares e de
especialistas em áreas específicas, como fruticultura, pecuária, hortaliças
e outros. Hoje, um técnico tem que entender minimamente de diversas
áreas do conhecimento no decorrer do mesmo dia de expediente. Há
necessidade de equipamentos, estrutura e pessoal. Um artigo de Meirelles,
escrito em 2013, traduz a realidade do Idam, explicitando que, dos mais de
“600 colaboradores, apenas 334 atuam no campo e um expressivo número
em processo de aposentadoria” (Meireles, 2013, p. 2). Fala que a relação
252 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

extensionista rural por famílias atendidas era de 1/300 e que, em alguns


municípios chegava a 1/600, e na época o Ministério de Desenvolvimento
Agrário (MDA) estabelecia a métrica de 1/100 para a relação de técnico
por famílias. Passados 7 anos da publicação do artigo, o Idam mudou de
direção diversas vezes, decorrente da conjuntura política marcada pela
troca de governadores nesse período, e nesse tempo muitos contratos com
colaboradores foram encerrados. O concurso realizado é um avanço, porém
não supre a necessidade do setor rural dos municípios onde há escritório
do Idam.

O Amazonas tem uma infraestrutura de produção e comercialização muito


incipiente quando comparada a de outros estados e regiões (Batista et al.,
2020). As políticas de fortalecimento do processo produtivo no meio rural,
apesar dos esforços, ainda são tímidas. Algumas regiões, principalmente
as próximas de Manaus, recebem alguma infraestrutura e apoio do poder
público para o fortalecimento da infraestrutura de produção e para a
comercialização. Contudo, a falta de infraestrutura de produção, transporte
e comercialização leva à perda da qualidade e desperdício dos produtos nas
feiras organizadas pelo governo em diversos bairros, shoppings e praças
públicas, porém, a iniciativa de feiras itinerantes na capital tem contribuído
para a comercialização dos produtos com uma margem de lucro melhor para
o produtor. O estágio de desenvolvimento de muitos setores da agricultura
no estado ainda necessita muito do apoio do poder público, fator que
reflete diretamente em toda a cadeia produtiva, envolvendo desde o preço
dos insumos até a assistência técnica e comercialização.

Um entrave que se reflete no acesso ao crédito é a falta de titulação de


milhares de pequenos estabelecimentos rurais (Santos et al., 2018). Grande
parte dos agricultores do Amazonas vive e cultiva terras que não têm
uma titulação de propriedade. Esse fato dificulta ou impossibilita o acesso
ao crédito e execução de outras políticas públicas. Há diversos exemplos
nos municípios do interior do estado cujas terras ainda se encontram em
nome de castanheiros, os quais já morreram há muito tempo e que, de
fato, não possuíam título. Tefé é um dos exemplos, a comunidade de Jutica,
grande produtora de farinha de mandioca e castanha-do-brasil, ainda tem
como dona a família Cunha. Santo Isidoro, também grande produtora de
produtos agrícolas e extrativistas, pertence à família Rezala e, assim, muitas
comunidades têm seu desenvolvimento bloqueado pela ausência de uma
ação estatal que legalize e dê estabilidade e segurança aos agricultores,
para que legalmente possam dialogar com o sistema de financiamento rural
(Silva et al., 2018a).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 253

O cenário do Amazonas mostra que os agricultores que permanecem no


meio rural são os das comunidades extrativistas e os das bordas dos rios
e lagos da região (Sousa et al., 2018). As diversas pesquisas realizadas com
centenas de agricultores familiares nos municípios amazonenses mostram
que permanecem no meio rural:

• Aqueles que desenvolveram uma capacidade técnica mínima


para gerenciar sua produção, criando mecanismos capazes de
superar a lógica dos atravessadores, que participam e fortalecem as
associações ou cooperativas ou de redes de comercialização, com
apoio governamental ou de instituições públicas ou privadas.
• Os que conseguem por meio de múltiplas estratégias garantir renda
suficiente para manter sua família dentro de um padrão mínimo.
Porém, para sustentar essa renda, exige que se dedique também a
atividades externas à propriedade. O trabalho fora da propriedade é
realizado com instrumentos e técnicas rudimentares.
• Os agricultores prestadores de serviços, a grande maioria como
temporários para instituições públicas, como escolas e postos de
saúde, principalmente. Essas atividades são, principalmente, em
serviços gerais, como vigilantes e condutores de transporte escolar
(fluvial ou terrestre).
• Os que têm rendas não agrícolas, como aposentadoria, bolsa família,
seguro defeso ou mesmo os que trabalham como diaristas em
outras unidades produtivas. Em nenhum momento encontramos
agricultores que, por usufruírem de programas públicos como
bolsa família ou seguro defeso, deixaram suas atividades. A renda
desses programas públicos compõe uma lógica e ganhos, em que o
agricultor estabelece uma lógica de sobrevivência, diante da ausência
de condições logísticas, material e tecnologia. Ele reduz a atividade
produtiva, proporcionalmente à renda geral da família, quando acessa
um programa de transferência de renda que possibilite a família
sobreviver. Isso acontece quando passa a receber a aposentadoria.
Em alguns casos, os agricultores que mais acessaram tecnologias e
inovaram, adquirindo rabetas e roçadeiras passaram a usar sementes
e mudas de qualidade genética superiores e insumos para a produção,
são os que possuem uma renda fixa, como o programa de transferência
governamental e a aposentadoria. A existência de uma renda fixa e
permanente permite que o agricultor estabeleça uma estratégia de
aquisição da tecnologia e inove, ele compra os insumos e sementes
a prazo. As pesquisas mostram que os programas de transferência
254 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

de renda ou as rendas não agrícolas não são os responsáveis pela


redução da produção. Esse fenômeno de a aposentadoria financiar
processos produtivos também acontece em outras regiões do País.
Afirmações em contrário, sem pesquisas mais aprofundadas, são
especulações ou má-fé.

A ausência de uma estratégia de estado, de sociedade, com a participação


dos agricultores, visando ao desenvolvimento rural, torna qualquer
iniciativa pouco frutífera, insustentável, contribuindo pouco para a melhoria
da qualidade de vida dos agricultores e para tornar o meio rural um lugar
bom para se viver e gerar renda. Projetos isolados tendem a desaparecer em
tempo breve, principalmente com as mudanças políticas locais e de estado
e com as conjunturas econômicas. Inúmeros projetos, como unidades de
transferência de tecnologias realizadas por órgãos de pesquisa e extensão,
construções de agroindústrias, distribuição de mudas e tantos outros, não
lograram êxito. As estratégias e políticas de estado e de sociedade para o
meio rural precisam incluir o tema do envelhecimento da população rural
e evasão dos mais jovens. O meio rural amazonense segue a tendência
nacional e de mundo, as pessoas mais velhas permanecem e os jovens
nascidos no campo migram para a cidade para estudar, trabalhar ou deixar
para trás a dureza e as restrições da vida rural e a falta de perspectiva
para construir um espaço bom para se viver. Em que condições os jovens
sucessores nas famílias estão dispostos a permanecer ou retornar para o
meio rural?

A conjuntura política e econômica atual não é muito favorável ao modelo


de desenvolvimento como o da Zona Franca de Manaus, ou seja, baseado
em isenções ou reduções tributárias, alicerçada em fatores exógenos ao
ambiente, isto é, os fatores que o sustenta estão fora do estado do Amazonas.
Há uma frágil conexão com os setores internos da economia que poderiam
viabilizá-lo, como exemplo, as indústrias conectadas à agricultura. Políticas
dessa natureza isoladas trouxeram no seu bojo o empobrecimento do meio
rural. No meio rural amazonense, podemos considerar a pobreza como um
“nível insuficiente de rendimento, da falta de acesso a bens e serviços e da
negação de direitos elementares, que significa o” acesso restrito a terra; a
existência de um deficit educacional; dificuldade de acesso a outras formas
de capital físico (fora a terra); deficiências infraestruturais, especialmente,
no que diz respeito a habitação, saneamento básico, transportes, lazer,
cultura e serviços específicos nas áreas de saúde e educação; difícil acesso
e participação nos mercados; problemas de alocação da mão de obra rural
(Mattei et al., 2011, p. 17).
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 255

Os dados relacionados ao aumento da pobreza do Amazonas são


assustadores. O estado é o segundo da federação com maior número de
pobres. Os dados do IBGE mostram que 47,9% (1,8 milhões de pessoas) da
população do Amazonas vive na pobreza e 14,4% (587.52 mil pessoas) vive
na extrema pobreza, conforme os critérios do Banco Mundial (IBGE, 2017).

Em seu boletim, Ano I, nº 2, de setembro de 2019, o ODS Atlas Amazonas,


os pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas calcularam, com
“base no número de habitantes rurais e urbano de cada município, qual
deveria ser a população extremamente pobre esperada de habitantes da
zona rural. A diferença da proporção esperada e a observada compõem o
índice de ruralidade da pobreza”. Dessa forma, os pesquisadores chegaram
à conclusão de que a pobreza rural no Amazonas “como um todo, é de
30,2%. Ou seja, há mais pessoas extremamente pobres nas zonas rurais do
que o esperado”, além de que em “todos os municípios têm uma população
rural pobre maior do que o esperado”, com variação de “1% a 41%”. Sendo
assim, em “média, nos municípios amazonenses, para cada pobre urbano
existem dois pobres na área rural” (Boletim Atlas ODS Amazonas, 2019, p.
2). O indicador de extrema pobreza e sua incidência por municípios no
Amazonas pode ser visualizado na Figura 3, no mapa temático produzido
pelas pesquisadoras do Observatório ODS Amazonas e na Tabela 4.

Figura 3. Indicador de extrema pobreza e sua incidência por municípios no Amazonas.


Fonte: Boletim Atlas ODS Amazonas (2019).
1) Manaus; 2) Rio Preto da Eva; 3) Maraã; 4) Santa Isabel do Rio Negro; 5) Santo Antônio do Içá; 6) Itamarati; 7) Parintins; 8)
Maués; 9) Coari; 10) São Gabriel da Cachoeira e 11) Itacoatiara.
256 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tabela 4. Relação pobreza, desempenho e população dos municípios no


Amazonas.
Apenas o município de Manaus (7%) estaria mais próximo da meta, seguido de Rio
Mais próximo da
Preto da Eva (15%), município da região metropolitana de Manaus. No entanto,
meta
Manaus concentra 20% da população do estado em situação de extrema pobreza

Piores Municípios de Maraã, Santa Isabel do Rio Negro, Santo Antônio do Içá e Itamarati,
desempenhos todos com mais de 50% da população em situação de extrema pobreza

Maiores Os municípios de Manaus, Parintins, Maués, Coari, São Gabriel da Cachoeira e


populações Itacoatiara apresentavam as maiores populações extremamente pobre que juntas
pobres somam um terço da população nessa condição no estado

O quadro de empobrecimento torna-se mais crítico quando observamos as


análises de Osíris Silva (Silva, 2015), economista e escritor, que vem ao longo
do tempo dedicando-se a analisar o desenvolvimento do setor primário
no Amazonas. Entre outras coisas, diz que a produção agrícola do estado
“não se coaduna com as necessidades da população”, o que fez com que o
“Amazonas (capital e interior) importasse peixes, leite, laticínios, verduras,
frutas, bebidas, feijão, frango, arroz, carnes, farinha e cheiro-verde. O interior
produz muito pouco, quase nada” (Silva, 2015, p. 240).

Há uma redução da produção, até mesmo para o consumo das famílias.


Nas comunidades rurais do Amazonas, é cada vez maior a dependência das
famílias dos mercados varejistas em detrimento da produção de alimentos
que faziam parte das dietas dos agricultores, extrativistas, pescadores e
comunidades indígenas. O estudo de Schor et al. (2015), que analisou a
dinâmica alimentar ao longo das redes estabelecidas nos rios Solimões e
Amazonas, chegou à conclusão que no Amazonas há uma “monotonia
alimentar”. Para os autores, tal fenômeno expressa-se pela prevalência
do “frango industrializado oriundo da agroindústria do sul do País” como
principal fonte de proteínas para a população “melhor de vida” e a “calabresa
(consumida com pão) e o ovo (consumido com farinha na forma de farofa)
para a população” localizada em áreas de mais baixa renda.

O trabalho dos pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas também


concluiu que a “farinha continua sendo uma importante fonte calórica e
o macarrão entra em cena, em muitos casos misturado, o que significa um
aumento no consumo de carboidratos”, e o que “mais se modificou nos
hábitos alimentares nas cidades analisadas foi o café da manhã”, que passou
a ser mais “padronização e monotonia” com a prevalência do café (bem doce)
e pão com margarina substituindo muitos dos produtos tradicionais e típicos
da região. Defendemos a tese de que essa mudança de consumo rompe a
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 257

inter-relação campo e cidade (o rural é urbanizado), aumenta a dependência


de produtos vindos de fora, reduz a capacidade de a comunidade reagir e
buscar alternativas para aperfeiçoar seus plantios ou criações e amplia o
consumismo e o individualismo na zona rural.

Ou seja, os dois relatos mostram que a crise do setor rural se amplia e aprofunda,
ganha contornos estruturais e caminha rumo à catástrofe. A mudança de rumos
está em construção com a afirmação de um projeto de desenvolvimento no qual
o fortalecimento da agricultura figura como um dos elementos estratégicos.
Nessa perspectiva está a valorização de aspectos endógenos como a grande
biodiversidade, que precisa ser apropriada.

A valorização e fortalecimento da agricultura familiar, como fonte de


produção de alimento, oportunidade de trabalho e geração de renda, pode
ser um dos elementos para uma produção sustentável. O fortalecimento
passa pela assistência técnica, com equipes multidisciplinares e capacitadas
para a complexidade amazônica, ou seja, os técnicos precisam estar
preparados para os cultivos, o extrativismo, o manejo e o fortalecimento
da organização socioeconômica das comunidades rurais; pela produção
agropecuária por meio do Zoneamento Econômico e Ecológico (ZEE) e do
Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), instrumentos essenciais
para balizar o desenvolvimento e os quais o Amazonas se dá o luxo de ser
o único estado a não possuir. Passa por uma ampla e massiva legalização
de terras, dando condições legais para que os agricultores passem a ser
incluídos em políticas de crédito e outros projetos e programas de incentivo
à produção; ampliação da articulação entre os órgãos e instituições do meio
rural, com a elaboração de ações articuladas, de forma a garantir ações e
programas que estejam em harmonia com a realidade das comunidades
rurais do estado e o ambiente; trazer para a realidade amazônica projetos
e programas governamentais de forma a incluir e valorizar a produção local
endógena, como o açaí, a pupunha, o tucumã, o pirarucu, a castanha-do-
-brasil, a bacaba, o patuá e tantos outros produtos típicos e muitas vezes
abundantes nas comunidades amazônicas.

Além desses aspectos, é essencial fortalecer a organização socioeconômica


dos agricultores como cooperativas, associações, colônia de pescadores,
sindicatos de trabalhadores rurais e movimentos sociais, com a criação de
espaços de diálogos estratégicos de desenvolvimento, como conselhos,
fóruns, câmaras técnicas e tantos outros instrumentos e outras organizações,
com voz e poder de voto, e assim orientar e adequar as políticas públicas.
258 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Marcio de Souza (Souza, 2002, p. 31) afirma que é preciso se afastar dos
“entulhos promocionais, das falácias da publicidade e a manipulação dos
noticiários de acordo com os interesses econômicos” e percebemos que
a “Amazônia vem sendo quase sempre vítima, repetidamente abatida
pelas simplificações, pela esterilização de suas lutas e neutralização das
vozes regionais”. É preciso desconstruir a ideia de desenvolvimento, que
foca somente no escutar a voz da indústria e compreender a política de
incentivos fiscais como a única capaz de civilizar os bárbaros da região, além
de desdenhar das experiências vividas pelas comunidades locais, impondo
modelos e métodos ineficazes, estéreos e deletérios.

No campo tecnológico, é fundamental ampliar a participação da


biodiversidade no desenvolvimento das comunidades rurais. Isso de forma
mais efetiva. Um estudo de Revilla (2001) indica 70 espécies com potencial
econômico, entre as quais estão as que são utilizadas para a produção
de cosméticos. Na lista dos possíveis motivos do não aproveitamento da
biodiversidade estão a ausência de informações, parâmetros legais, aspectos
ligados à sazonalidade da produção, como é o caso do açaí, da castanha e
da copaíba, entre outros. A logística de transporte na região e a ausência
de incentivo de uma matriz econômica pautada na biodiversidade também
dificultam o desenvolvimento. Como diz Homma (2009, p. 2) precisamos
que a “revolução tecnológica no País, se dê sobre a Amazônia, visando o
domínio da sua biodiversidade, atividades mais apropriadas e encontrar
novas alternativas econômicas”.

Na perspectiva de novas alternativas, é fundamental utilizar as áreas já


desmatadas com introdução de tecnologias e assim ampliar a área destinada
à produção de alimento, com aumento da produtividade, sem aumentar
os custos e outros benefícios que a tecnologia traz. Homma (2012, p. 168)
afirma que a redução do desmatamento vai depender de “ações concretas
visando à utilização parcial da fronteira interna já conquistada”. É preciso
também considerar a domesticação e o cultivo de algumas espécies com
alto valor comercial e cuja coleta, devido a fatores socioeconômicos, tem se
tornado inviável, como é o caso da borracha, da castanha-do-pará e outros.
Fundamental é aprender com a história, que mostra que “as atividades
extrativas se iniciam, passam por uma fase de expansão, de estagnação,
e depois declinam, no sentido do tempo e da área espacial”. Há produtos
muito apreciados pelo mercado e que, para garantir sua disponibilização,
necessitam de domesticação e cultivo, tendo grande potencial de
impulsionar o desenvolvimento rural.
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 259

Para muitos produtos, a oferta extrativa não consegue


atender o crescimento do mercado como acontece com o
pau-rosa (Aniba rosaeodora Ducke), o bacuri (Platonia insignis
Mart.), a madeira, o uxi [Endopleura uchi (Huber) Cuatrecasas],
a seringueira, entre outros. São possibilidades econômicas
que estão sendo negligenciadas para a geração de renda e
emprego. Nem sempre a sustentabilidade biológica garante
a sustentabilidade econômica e vice-versa, e o crescimento
do mercado tende a provocar o colapso da economia
extrativa pela incapacidade de atender a demanda. É falsa a
concepção de considerar todo produto não madeireiro como
sustentável. (Homma, 2012, p. 167-168).

Um modelo de desenvolvimento rural precisa conectar-se à necessidade da


população e a fatores endógenos, como a grande disponibilidade de água.
O fator água pode favorecer a piscicultura e assim aproveitar a demanda e
o potencial da região. Entretanto, para viabilizar o desenvolvimento rural, é
essencial que ocorra uma articulação entre a política ambiental e a produtiva.
Para isso, é imprescindível que haja uma legislação que regule o desenvolvimento
da agropecuária amazonense. A normatização e a regulação andam muito
devagar. O caso da piscicultura é emblemático. A atividade surgiu no estado em
1980, com o Programa de Desenvolvimento da Piscicultura, porém, a primeira
lei que normatiza a atividade foi apreciada e aprovada em 2016, 36 anos
depois do início da atividade no Amazonas (Silva et al., 2018b). Ainda assim, o
Ministério Público Federal afirmou que a lei que visava disciplinar a atividade de
aquicultura no estado do Amazonas “padece de vícios de inconstitucionalidade
formal e material, além de ferir os Princípios da Precaução e da Vedação de
Retrocesso em matéria ambiental” (Brasil, 2016, p. 2), devido principalmente
à liberação da criação de peixes exóticos, que na lei passou a depender do
licenciamento do órgão ambiental estadual, contrariando a legislação federal, e
retorno de autorização para barramento de igarapés e outros cursos d’água para
a aquicultura, além de outros pontos. Tais aspectos mostram desconhecimento
e pouco diálogo entre os diferentes órgãos. O resultado é a necessidade de
reformular e adequar à lei que disciplina a piscicultura do estado.

O desafio do Amazonas está ligado à construção de um modelo de


desenvolvimento capaz de elevar a produção, tendo como base fatores
endógenos, a melhoria da educação, a tecnologia e inovação e ampliar a
conexão entre o setor industrial e a agropecuária. As políticas e ações terão
êxito se forem assumidas como políticas de estado e da sociedade com
participação direta e efetiva de todos os protagonistas dessas políticas,
260 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

agricultores, comunidades amazônicas, representações da sociedade. As


políticas precisam estar conjugadas ao conhecimento científico e tradicional.

Considerações gerais
O processo de desenvolvimento do Amazonas está pautado em um
modelo industrial, desconectado de outros setores da economia, que tem
seu fundamento e ponto de atração e sustentação nos incentivos fiscais e
sujeito às oscilações das conjunturas econômicas internas e externas, assim
como das políticas macroeconômicas dos governos.

Ao longo do tempo, apesar de algumas iniciativas e dos esforços de algumas


pessoas e agentes de desenvolvimento e de algumas instituições, não se
consolidou uma agricultura capaz de reter a mão de obra, inovar, produzir
e fornecer alimentos para os centros urbanos do Amazonas, principalmente
Manaus. Ao contrário, a opção pela industrialização promoveu o êxodo rural
no estado e a atração de centenas de milhares de pessoas de outras regiões
do País.

As indústrias que se instalaram e usam produtos da agricultura, como


insumo, é o caso das indústrias de concentrados, não conseguiram
avançar no uso das tecnologias da produção das lavouras, como é o
caso do guaraná, por exemplo. Elas internalizaram parte da produção da
matéria-prima demandada e a tecnologia utilizada nas suas lavouras não
se irradiou para as lavouras dos agricultores.

A Suframa busca reduzir esse deficit com a implantação do distrito


agropecuário, localizado na região metropolitana de Manaus, por meio
da disponibilização de áreas destinadas a projetos agropecuários e
agroindustriais. “Entende-se por atividade agropecuária a produção, o
processamento e a comercialização dos produtos, subprodutos e derivados,
serviços e insumos agrícolas, pecuários, pesqueiros e florestais, inclusive do
extrativismo vegetal” (Suframa, 1999).

Contudo, com a sinalização da retirada gradual de incentivos fiscais das


indústrias da Zona Franca, as indústrias também dão indícios de que podem
emigrar do Amazonas, caso se concretize a retirada dos incentivos. Qual seria
o impacto para a economia do estado, caso essa hipótese se confirmasse
em parte? Quais setores absorveriam essa mão de obra? O que mudaria
na economia, na prestação dos serviços públicos à população e na vida do
Amazonense, principalmente, aquele que vive na capital?
PARTE II - OCUPAÇÃO, MUDANÇA NO USO DA TERRA E AGRICULTURA 261

A agricultura pode ser uma opção econômica e social para a economia


amazonense junto com a indústria? Que estruturas, políticas e ações são
necessárias para estruturar esse setor da economia?

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PARTE III
OPORTUNIDADES
PRODUTIVAS MAIS
SUSTENTÁVEIS
Foto: Antônio José Elias Amorim de Menezes

Sistema agroflorestal com castanheira-do-pará e


cacaueiro no município de Tomé-Açu, Pará.
HISTÓRICO E DESAFIOS
DA PECUÁRIA BOVINA NA
AMAZÔNIA1
Moacyr Bernardino Dias-Filho
Monyck Jeane dos Santos Lopes

A gênese da pecuária bovina na Amazônia

A
pecuária1bovina na Amazônia tem a sua gênese no longínquo século
17, quando se tem o registro da entrada, através de Belém, no estado
do Pará, das primeiras cabeças de Bos taurus no vale amazônico,
trazidas pelo colonizador português. Esse gado pioneiro, originário da
Península Ibérica, foi inicialmente criado em áreas abertas a fogo, ao redor
de Belém (Reis, 1960). Em seguida, esses animais foram levados para a
Ilha de Marajó e, depois, para outros locais da Amazônia, onde a atividade
pecuária se expandiu em diferentes proporções.

A primeira fase da pecuária bovina


na Amazônia – ineficiência e baixa
produtividade
Durante cerca de três séculos, isto é, de meados dos anos 1600 até
meados dos anos 1960, a Ilha de Marajó foi o principal centro da pecuária
(em tamanho do rebanho bovino) na Amazônia brasileira. Também se
1
Adaptado de DIAS-FILHO, M. B.; LOPES, M. J. dos S. Histórico e desafios da pecuária bovina
na Amazônia. Belém, PA: Embrapa Amazônia Oriental, 2020. 34 p. (Embrapa Amazônia
Oriental. Documentos, 454).
268 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

destacavam, em número de animais, os trechos marginais da região do


Baixo e Médio Amazonas, o Vale do Rio Branco (ao leste do atual estado de
Roraima) e o litoral do atual estado do Amapá (Dias-Filho, 2019).

Ao longo desse período, que caracterizou a primeira fase (Fase 1) da


pecuária na Amazônia, praticamente toda a produção de carne dessa região
era dependente de bovinos crioulos (gado “comum”, “curraleiro” ou “pé-
-duro”), criados em pastagens naturais. Esses bovinos eram descendentes
degenerados do gado introduzido pelos portugueses no início da
colonização (Figura 1).

Figura 1. Aspecto dos bovinos crioulos, introduzidos pelos colonizadores portugueses na


Amazônia. Foto tomada na Ilha de Marajó, no início dos anos 1900.
Fonte: Pará (1908).

As pastagens eram, em grande parte, de baixa produtividade e de baixo valor


nutritivo e, em alguns locais, sujeitas às cheias periódicas do Rio Amazonas
e seus afluentes, episódio que, anualmente, inviabilizava o seu uso por
alguns meses, causando a morte de milhares de animais. Aliado a isso, a
infraestrutura de transporte para o abastecimento de carne à população das
principais cidades, grandemente dependente das vias fluviais, era precária
e ineficaz (Figura 2).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 269

Figura 2. Notícia
publicada no jornal O
Liberal do Pará, de Belém,
PA, em 1885, informando
sobre acidente causado
por um raio, durante o
transporte de bovinos
da Ilha de Marajó para
Belém, PA.
Fonte: O Liberal do Pará
(1885).

A crise no abastecimento de carne bovina


Em decorrência da conjuntura deficiente de produção e abastecimento
de carne, aliada a um crescente descompasso entre o crescimento
populacional e o do rebanho bovino, instalou-se uma crise crônica no
abastecimento de carne in natura (carne verde) na região amazônica. Essa
crise no abastecimento de carne bovina, que começou na era colonial (início
do século 19), estendeu-se até meados dos anos 1960, atingindo, com maior
força, a população mais pobre, ou seja, a grande maioria dos habitantes da
Amazônia (Dias-Filho, 2019) (Figura 3).

Figura 3.
Anúncio
publicado no
jornal O Liberal,
de Belém do
Pará, em 1946,
comunicando
a falta de carne
bovina para o
abastecimento
da população de
Belém.
Fonte: O Liberal
(1946).
270 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tal condição de insegurança alimentar, caracterizada pela escassez e, por


conseguinte, o alto preço da pouca carne bovina disponível, foi, por mais de
um século, uma das principais causas do baixo consumo de proteína animal
na Amazônia, sobretudo nos maiores centros urbanos.

A esse respeito, o então diretor do Instituto Agronômico do Norte (hoje,


Embrapa Amazônia Oriental) Felisberto Cardoso de Camargo (1896–1977),
em texto escrito em meados do século passado, afirmava que a Amazônia
brasileira há séculos sofria fome endêmica, a qual podia ser julgada pela
“diminuição do porte e do peso do próprio homem” (Camargo, 1948). Na
mesma época, o médico nutrólogo Josué Apolônio de Castro (1908–1973)
informava em seu livro clássico Geografia da fome: a fome no Brasil que, na
Amazônia, a deficiência proteica na alimentação “se revela de logo pelo
crescimento insuficiente, pela estatura abaixo do normal que apresentam
os componentes da população amazônica que são dos mais baixos do
continente sul-americano [...]” (Castro, 1948, p. 69).

Da mesma forma, artigo publicado no início da década de 1960 explica que


a baixa expectativa de vida humana na Amazônia de então (39 anos) seria,
sobretudo, uma consequência da subalimentação da população do que das
endemias típicas da região (Gomes, 1960). No mesmo artigo, cita-se, como
base dessa afirmação, depoimento contido em relatório da missão florestal
da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO)
ao governo brasileiro, escrito nos anos 1950. Nesse relatório, informa-se que
os três e meio milhões de quilômetros quadrados da Amazônia
produzem menos da metade dos gêneros necessários à
alimentação de apenas dois milhões de habitantes, os quais
são tão mal alimentados que a desnutrição e a alimentação
inadequada – e não as doenças endêmicas – constituem o
problema principal, do ponto de vista médico (Gomes, 1960).

De fato, em estudo conduzido em 1966 sobre o desenvolvimento


econômico da Amazônia, alegava-se que a desnutrição da população
amazônica tomava proporções “extremamente dramáticas” e que a carência
de proteínas animais na dieta era um problema que não teria solução
enquanto a pecuária regional fosse “inadequada e deficiente” (Banco da
Amazônia, 1967).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 271

O abastecimento de carne bovina por via aérea na


Amazônia
A deficiência na produção e abastecimento da carne bovina produzida na
Amazônia, que prevaleceu até meados do século 20, obrigava a importação
desse alimento, para tentar suprir as necessidades de consumo das
principais cidades da região. Essa importação era procedente de locais
dentro da própria região amazônica, de outras regiões do País, ou até do
exterior (Dias-Filho, 2013).

A partir do final de 1947, o abastecimento de parte da carne bovina verde,


consumida em Belém, PA, passou a ser feito também por via aérea, por meio
dos chamados “aviões carniceiros”. Nos anos seguintes, o transporte aéreo
de carne verde também foi estendido para outras cidades da região, como
Manaus, AM, e Rio Branco, AC (Ferreira Filho, 1961; Borges, 1986).

A carne transportada pelos aviões carniceiros era originária de matadouros,


na época chamados de “charqueadas”, localizados, principalmente, ao norte
do atual estado do Tocantins (na época, Goiás), onde o gado era abatido,
esquartejado e embarcado nos aviões (Valverde; Dias, 1967). Marabá,
Santarém e Ilha de Marajó, no Pará, e Carolina, no Maranhão, também eram
locais de abastecimento de carne bovina para os aviões carniceiros (Dias-
-Filho, 2013).

Oscar Steiner, empresário de ascendência austríaca, radicado em Belém,


proprietário da firma Oscar Steiner e Cia., foi o pioneiro no serviço de
transporte aéreo regular de carne verde bovina (voo carniceiro) na
Amazônia brasileira. As viagens eram feitas até três vezes por semana entre
Araguacema, Goiás (hoje, Tocantins) e Belém do Pará, em uma aeronave
Curtiss C-46A Commando, prefixo PP-DKF, de propriedade de Oscar Steiner.
Essa aeronave era pilotada por Pedro Antunes Steiner, tenente da reserva da
Aeronáutica, filho do empresário Oscar Steiner (Ribeiro, 1948).

O primeiro voo carniceiro do C-46A PP-DKF foi feito em 18 de novembro de


1947, após Oscar Steiner ter construído, com recursos próprios, uma pista
de terra batida de 1,3 mil metros de extensão e 60 m de largura, próxima a
um matadouro (charqueada), em Araguacema, no atual estado do Tocantins
(Ribeiro, 1948). A carne transportada por via aérea para Belém, pela firma
Oscar Steiner e Cia., que até o final dos anos 1940 era a única que fazia esse
tipo de transporte, era comercializada em um frigorífico construído por
Oscar Steiner. Esse frigorífico, localizado ao lado do mercado do Ver-o-Peso,
em Belém, PA, na época, era o único do estado do Pará (Figura 4).
272 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Figura 4. Nota de
esclarecimento publicada,
em 27 de novembro de 1947,
sobre a venda de carne in
natura pelo frigorífico da
firma Oscar Steiner e Cia., em
Belém, PA.
Fonte: O Liberal (1947).

Em 5 de maio de 1949, o Curtiss C-46 Commando PP-DKF da firma Oscar


Steiner e Cia. caiu próximo à cidade de Moju, no Pará, na tentativa de fazer
um pouso forçado nas margens do Rio Moju (Desapareceu..., 1949). Nesse
acidente, ocorrido quando o avião regressava de Araguacema, morreram
o piloto Pedro Steiner e o proprietário da charqueada, em Araguacema,
Salomão Solino (Desastre..., 1949).

Após o acidente, o frigorífico da firma Oscar Steiner e Cia. passou a ser


chamado de Frigorífico Comandante Pedro Steiner, o qual, pelo menos até o
final dos anos 1950, ainda estava em pleno funcionamento (No frigorífico...,
1951; Representante..., 1957), protagonizando episódios que marcaram um
período de grande insegurança alimentar da população local (Figura 5).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 273

Figura 5. Notícia publicada em 1951


sobre a revolta de populares, em
virtude da falta de carne verde, em
Belém, PA.
Fonte: Irritaram-se... (1951).

A iniciativa pioneira de Oscar Steiner abriu caminho para que outras firmas
passassem a explorar o ramo do transporte aéreo de carne bovina para
Belém e para outras cidades da Amazônia (Figura 6).

Figura 6. Parte da reportagem


publicada em 1967, sobre o uso do
avião da firma Frigopar, de Belém, PA,
no abastecimento de carne bovina na
Amazônia.
Fonte: As asas... (1967).
274 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Assim, pelo menos até 1965, cerca de 40% da carne bovina consumida em
Belém chegava à cidade por via aérea, resultando em “preços proibitivos
para a maioria da população” (Penteado, 1968). A consequência era o baixo
consumo per capita de carne bovina pelos habitantes de Belém: 23 kg em
1960, 25 kg em 1961, 20 kg em 1962 e apenas 19 kg em 1963 (Penteado, 1968).

Revertendo a crise na produção e abastecimento de carne


bovina
Visando reverter essa situação regional desoladora, na qual a insegurança
alimentar era um dos principais óbices, o governo federal lançou, em
1966, a chamada Operação Amazônia (Amazônia, 1969a, 1969b). Essa
ação de governo visava, em tese, reverter o quadro de miséria do
amazônida e de abandono da região, estabelecendo, dentre outros
benefícios, uma política de concessão de incentivos fiscais, estimulando
investimento privado para integrar essa região ao processo econômico
produtivo nacional. O mecanismo dos incentivos fiscais procurava suprir
o que seria a maior carência para o desenvolvimento econômico da
Amazônia daquela época – o capital.

Em decorrência dessa política de incentivos, houve uma migração massiva


de grandes investidores para a região. Na época, grande parte desses
investidores optaram pela agropecuária (pecuária de corte extensiva) como
a principal linha de projeto submetido à aprovação (Figura 7). A razão para
isso é que, em uma região extremamente carente de infraestrutura e de mão
de obra qualificada, como era a região amazônica dos anos 1960 e 1970, a
pecuária de corte extensiva era uma atividade conveniente, em decorrência
da sua menor necessidade de infraestrutura, aporte de tecnologia, recursos
financeiros e mão de obra para a implantação e condução. Ademais, essa
atividade permitia a mais rápida ocupação de área (uma exigência da
política fundiária da época) e potencial de retorno do capital investido,
quando comparada a outras atividades produtivas.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 275

Figura 7. Anúncio publicado


no jornal Folha de São Paulo,
em 1967, promovendo a
adesão de acionistas a um
projeto pecuário implantado
na Amazônia, com incentivos
fiscais da Superintendência
do Desenvolvimento da
Amazônia (Sudam).
Fonte: Folha de São Paulo
(1967).

A partir do início dos anos 1960, ou seja, um pouco antes de ter sido
deflagrada a Operação Amazônia, teve início uma gradativa expansão das
áreas de pastagens plantadas em terra firme na região amazônica. Essas
pastagens foram formadas com relativo sucesso inicial, principalmente ao
longo da recém-aberta Rodovia Belém-Brasília (BR-010), em particular no
atual município de Paragominas, no Pará (Penteado, 1968).

A Belém-Brasília e outras estradas de integração regional possibilitaram o


acesso a novas áreas para a formação de pastagens e expansão do rebanho.
Essas rodovias também facilitaram o escoamento da produção de carne e
impulsionaram o melhoramento genético do rebanho bovino regional,
com a intensificação da importação de reprodutores e matrizes zebuínas do
Triângulo Mineiro, MG (Valverde, 1967; Valverde; Dias, 1967).

Antes da abertura dessas rodovias de integração, a importação de zebuínos


(e outras raças bovinas) era feita esporadicamente, em pequena proporção,
por animais que chegavam ao porto de Belém por via marítima, ou a outros
276 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

locais da Amazônia por via fluvial ou aérea, a um custo muito elevado (Dias-
-Filho, 2019) (Figura 8).

Figura 8. Anúncio publicado no jornal Estado do Pará, de Belém, PA, em 1917, comunicando a
venda de reprodutores zebuínos em Belém, PA.
Fonte: Estado do Pará (1917).

O sucesso inicial alcançado pela criação de gado na região de Paragominas


(Valverde; Dias, 1967; Valverde, 1968) serviu como incentivo para a contínua
expansão da pecuária naquele município, assim como em outros locais da
região amazônica (Dias-Filho, 2019). Essa expansão foi subsidiada pelos
incentivos fiscais da Operação Amazônia e facilitada pela abertura de
novas estradas de integração regional, estabelecendo o fim da Fase 1 e
inaugurando a Fase 2 da atividade pecuária na Amazônia.

A segunda fase da pecuária bovina na


Amazônia – o fim da crise no abastecimento
de carne
A segunda fase da pecuária regional foi fundamentada na ampliação das
áreas de pastagens plantadas, na facilidade de escoamento da produção
e no gradativo incremento do grau de sangue zebuíno no rebanho
regional. Esses eventos expandiram grandemente a oferta da carne bovina,
diminuindo, por conseguinte, o preço desse alimento para a população. Tal
cenário teve um profundo impacto na melhoria da segurança alimentar
regional, mudando radicalmente a condição crônica de desabastecimento
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 277

de carne e, como consequência, a insegurança alimentar, em grande parte da


região amazônica. Um efeito direto dessa nova fase da pecuária amazônica
foi a extinção do transporte aéreo de carne verde bovina, inicialmente em
Belém e, depois, em outras cidades da região. Esse fato tornou o preço da
carne bovina ainda mais acessível para a população (Dias-Filho, 2013).

A partir do início dos anos 1970, o padrão predominantemente extensivo


de condução da chamada Fase 2 da pecuária amazônica, bem como a
carência de tecnologias de manejo de pastagens e de opções de capins
mais adaptados à região amazônica, cobrou o seu preço.

Como consequência, a euforia inicial com o sucesso da formação de


pastagens plantadas, vivida no final dos anos 1960, foi, aos poucos, cedendo
espaço para a preocupação com os crescentes casos de insucesso dessa
atividade, que resultavam da queda de produtividade dessas pastagens
plantadas à medida que envelheciam. O principal indicador dessa queda de
produtividade, ou degradação, era a proliferação de plantas daninhas em
pastagens outrora produtivas, decorrente, principalmente, de mau manejo,
ataques de cigarrinha em pastagens de Brachiaria spp., e da relativa baixa
adaptação à pecuária regional da maioria dos capins disponíveis na época.

Nesse cenário, em decorrência da incapacidade em manter alta


produtividade por área, ao longo do tempo, as metas de produção eram,
geralmente, alcançadas à custa do abandono das pastagens improdutivas
(degradadas) e da formação de novas pastagens nas áreas de floresta. Tal
modelo de produção, que persistiu durante os anos 1970 e parte dos anos
1980, contribuiu para a expansão das áreas de pastagens degradadas e do
desmatamento na Amazônia, servindo grandemente para estereotipar a
pecuária regional como uma atividade improdutiva e prejudicial ao meio
ambiente (Dias-Filho, 2014).

As primeiras ações de pesquisa para recuperar pastagens


degradadas na Amazônia
Nessa conjuntura, na qual prevalecia uma pecuária de corte majoritariamente
extensiva, agronomicamente precária e com poucas opções tecnológicas
para aumentar sua longevidade e produtividade, foram idealizadas as
primeiras ações de pesquisa para reverter esse quadro.

O convênio entre a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia


(Sudam) e o Ibec Research Institute (IRI), celebrado em 1975, foi pioneiro.
278 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Essa iniciativa objetivava conduzir pesquisas em fazendas particulares


para avaliar plantas forrageiras e recuperar pastagens degradadas na
região de Paragominas e no nordeste do Mato Grosso (Koster et al., 1977;
Rolim et al., 1979).

Seguindo essa mesma metodologia de pesquisa em fazendas particulares, a


atual Embrapa Amazônia Oriental coordenou, a partir de 1976, um projeto de
abrangência regional, com a participação de várias unidades de pesquisa da
Embrapa, na Amazônia – o Projeto de Recuperação, Melhoramento e Manejo
de Pastagens da Amazônia Legal (Propasto Amazônia Legal). O objetivo geral
desse projeto foi estudar as causas da baixa produtividade das pastagens nas
diversas regiões pastoris amazônicas e estabelecer estratégias para reverter
esse processo (Embrapa, 1979, 1980; Serrão et al., 1979; Dias-Filho; Serrão,
1982; Dias-Filho, 2019).

Embora oficialmente o Propasto tenha tido uma duração efêmera (1976–


1979), essa iniciativa de vários centros de pesquisa da Embrapa na Amazônia
teve um profundo impacto na geração de conhecimento, permitindo o
desenvolvimento de tecnologias para o manejo adequado e recuperação
de pastagens na região.

Mesmo após o encerramento oficial desse projeto, em dezembro de 1979,


diversas atividades experimentais, iniciadas durante a vigência do Propasto,
continuaram sendo conduzidas e aprimoradas, mudando radicalmente a
situação de forte carência tecnológica para o manejo correto de pastagens
na região. Aliado a isso, a partir dos anos 1980, a Embrapa intensificou o
lançamento de diversos capins. Esses capins mais do que dobraram as opções
antes existentes de forrageiras adaptadas para a formação de pastagens na
Amazônia, contribuindo sobremaneira para o aumento de produtividade
das pastagens regionais. Nessa conjuntura de sucessivo aumento de
produtividade e maior disponibilidade e uso de tecnologia vivida pela
pecuária amazônica, a partir de meados dos anos 1980, inaugurou-se uma
nova etapa na pecuária regional, a Fase 3.

A terceira fase da pecuária bovina na


Amazônia – o aumento de produtividade
via uso de tecnologia e o papel da Embrapa
O aumento de produtividade nessa nova fase da pecuária na Amazônia
pode ser mensurado pela evolução estimada, superior a 200%, na taxa
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 279

de lotação (cabeça de bovinos por hectare de pastagem) calculada para a


região Norte entre 1975 e 2006 (Dias-Filho, 2014). Da mesma forma, ocorreu
intensa desaceleração na ampliação das áreas de pastagens plantadas
nessa região, a despeito do forte crescimento do rebanho bovino nesse
mesmo período (Dias-Filho, 2014). Tal desaceleração, que perdura até o
presente, sugere aumento substancial na produtividade dessas pastagens,
além de tendência de crescente reutilização de áreas já abertas, por meio da
recuperação de pastagens degradadas (Figura 9).

Figura 9.
Evolução (%)
das áreas de
pastagens
plantadas na
região Norte
entre 1975 e
2016.
Fonte: IBGE
(2009, 2018,
2019).

Essa terceira fase da pecuária amazônica, iniciada a partir de meados


dos anos 1980, priorizou o aumento de produtividade, ou seja, a busca
de uma pecuária com maior nível de tecnificação e a diminuição do viés
especulativo na sua gestão. Se a base para essa nova fase da pecuária
regional foi a maior disponibilidade de tecnologia e a sua adoção, vários
foram os motivadores para essa mudança de rumo na condução da pecuária.
Dentre esses motivadores, foi particularmente importante o aumento das
pressões políticas e ambientais contra o desmatamento. Também tiveram
grande influência a crescente valorização do preço e a relativa diminuição
na disponibilidade de terra na Amazônia. Esse fenômeno foi motivado pelo
avanço da agricultura de alta tecnologia em áreas outrora ocupadas por
pastagens e pela expansão demográfica sobre as terras agricultáveis. Além
disso, deve ser mencionada como motivador importante a mudança de
atitude de muitos produtores regionais, os quais, por iniciativa própria, ou
280 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

por necessidade ou pressão, passaram a desenvolver a atividade de forma


mais intensiva, por meio do uso de tecnologia.

Portanto, a Embrapa teve um papel fundamental na construção da chamada


terceira fase da pecuária na Amazônia. A razão para isso foi sua atuação
como um dos principais provedores da base tecnológica que permitiu
o maior refinamento da atividade pecuária, via uso de tecnologia, pelos
produtores rurais.

Desafios para o futuro da pecuária na Amazônia – a busca


de maior produtividade e eficiência
Atualmente, a pecuária na Amazônia vislumbra grandes desafios para
o futuro. O maior desafio é aumentar a produtividade para ampliar o seu
papel fundamental na manutenção da segurança alimentar, em um cenário
regional restritivo para a condução dessa atividade. Compondo esse dito
cenário, apresentam-se como limitantes para o desenvolvimento da
pecuária na região a atual legislação ambiental, que impede o uso, para
fins agropecuários, de 50% a 80% do total da área, em propriedades rurais
na Amazônia. Também é um limitante a legislação trabalhista, que impõe
certas exigências de aplicação prática mais difícil, em locais com carências
de infraestrutura e de mão de obra qualificada, como é o caso de grande
parte da região amazônica.

Associado a esse desafio por aumento de produtividade das pastagens


amazônicas, soma-se o crescente interesse de produtores regionais de
gado de corte em empregar o cruzamento industrial como ferramenta
para exploração da heterose, objetivando a precocidade. Esse cruzamento
conduz a um produto animal cuja exigência nutricional tende a superar a
do zebuíno puro, demandando, portanto, pastagens mais produtivas e de
melhor valor nutritivo.

Nessa conjuntura restritiva e desafiadora, o desenvolvimento adequado da


atividade pecuária conduzida em pastagem na Amazônia requer uma busca
ainda maior de aumento de produtividade, por meio da intensificação
racional no uso dessas pastagens. Ou seja, o objetivo será produzir mais,
em menores áreas, com harmonia aos princípios agronômicos, econômicos,
ambientais, sociais e de bem-estar animal. Nessa situação, o amadorismo
que ainda persiste na condução da pecuária na Amazônia, terá que ceder
espaço para uma conduta mais profissional.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 281

A profissionalização da pecuária conduzida em pastagem é um dos maiores


desafios para uma parcela considerável dos pecuaristas brasileiros, sendo
ainda mais laboriosa, na sua plena aplicação, para quem desenvolve essa
atividade em áreas de fronteira agrícola, como na região amazônica.
Nesses locais, o acesso a assistência técnica, insumos e mecanização,
ferramentas essenciais para a intensificação racional, é normalmente mais
difícil e oneroso.

A plena profissionalização da pecuária requer a quebra de paradigmas,


ou vícios culturais, de manejo de pastagens herdados do passado e ainda
comumente praticados e aceitos. Dentre esses vícios, talvez o mais danoso
seja o de não tratar as pastagens como uma cultura agrícola, assumindo que
estas possam ser mantidas produtivas sem o uso de insumos para melhorar
ou manter a fertilidade do solo, ou ainda, sem o cumprimento dos princípios
básicos de manejo do pastejo.

Portanto, embora não se possa contestar o progresso tecnológico


alcançado pela pecuária amazônica, que permitiu a mudança de padrões
essencialmente improdutivos (Fase 1) e extensivos (Fase 2) para um modelo
comparativamente mais tecnificado (Fase 3), em geral, a eficiência da
pecuária regional ainda é relativamente baixa. Essa baixa eficiência se traduz
no montante das áreas de pastagens degradadas, ou em degradação, que
existem na região amazônica e no uso muito abaixo do seu real potencial
de uma parte considerável das pastagens ainda produtivas nessa região.
A principal razão dessa baixa eficiência é o manejo amador dessas áreas,
nas quais, entre outras falhas, a taxa de lotação animal não é corretamente
ajustada, não se observa um intervalo adequado de descanso entre pastejos
e não se aduba ou corrige regularmente o solo para manter, ou aumentar, a
produtividade da pastagem.

Assim, para ser mais competitiva e assegurar a sua persistência em um


cenário regional restritivo à sua condução e global de crescente atenção
com impactos ambientais e carente em produção de alimentos, a pecuária
bovina amazônica tem que se tornar ainda mais eficiente. O acesso pleno
a essa eficiência será a condução da atividade pecuária em pastagem,
independentemente do tamanho do empreendimento pecuário, como uma
atividade econômica empresarial. Isto é, para a pecuária se profissionalizar,
ela tem que ser administrada de maneira responsável e competente.

Para isso, é necessário que a pecuária bovina amazônica conduzida em


pastagem evolua para uma nova fase, abdicando o amadorismo que ainda
282 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

existe na condução dessa atividade, em favor do profissionalismo, próprio


de uma pecuária empresarial.

A profissionalização da pecuária pode ser alcançada em duas etapas (Dias-


-Filho, 2017a). A primeira etapa deverá ser a melhoria no aproveitamento
das pastagens, via reutilização das áreas já abertas, que atualmente se
encontram abandonadas ou subutilizadas. O objetivo principal seria reduzir
desmatamentos e tornar a atividade pecuária conduzida em pastagem
mais produtiva e sustentável. Dentro desse foco, o manejo das pastagens
ainda produtivas deve também ter um tratamento profissional, ou seja,
é necessário abandonar preceitos herdados do passado. Dentre esses,
destaca-se o de se negar às pastagens a condição de serem tratadas como
uma cultura agrícola, podendo ser mantidas produtivas sem o aporte de
insumos para melhorar a qualidade do solo, ou sem a observância dos
princípios básicos de manejo do pastejo. Ou seja, o segundo e efetivo passo
da profissionalização da pecuária conduzida em pastagem é estimular a
capacidade gerencial do produtor em manter as pastagens produtivas,
desde a sua formação, por meio do chamado manejo preventivo (Dias-
-Filho, 2017b). Para isso, o produtor deve ter controle constante do quanto a
pastagem produz em forragem e em carne ou leite.

Dessa forma, a recuperação de pastagens degradadas, assim como o manejo


responsável (i.e., profissional) das pastagens ainda produtivas e daquelas já
recuperadas deverá ter papel decisivo nesse processo de profissionalização
da pecuária regional. Esse processo vai permitir o contínuo crescimento da
produção, sem a expansão das áreas de pastagem ou aumento das áreas
degradadas na região. Isto é, o aumento da produtividade e a preservação
ambiental deverão ser a base dessa profissionalização, conciliando a
melhoria da segurança alimentar com a redução dos desmatamentos.

A construção da quarta fase da pecuária


amazônica – a profissionalização da
atividade
Essa plena profissionalização da pecuária bovina na Amazônia inauguraria
uma nova fase de desenvolvimento dessa atividade na região, a Fase 4. Essa
nova fase se adequaria às restrições impostas pelas legislações ambiental
e trabalhista ao pleno desenvolvimento da pecuária amazônica e estaria
alinhada às metas brasileiras no Acordo de Paris. Mais especificamente, nas
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 283

metas para zerar o desmatamento na Amazônia, intensificar a atividade


pecuária, recuperar pastagens, reduzir emissões de gases-estufa e recompor
a vegetação florestal, aumentando, ao mesmo tempo, a capacidade de
produção de carne (e leite) em pastagens na região amazônica.

Assim como ocorreu na transição da Fase 2 para a Fase 3, a contínua adoção


de tecnologia será fundamental para que a pecuária regional ingresse
definitivamente nessa nova fase de desenvolvimento (Fase 4).

Na região amazônica, a adoção de tecnologia em temas ligados a recuperação


e manejo de pastagens tem que contornar dificuldades que extrapolam
problemas relativos às barreiras criadas pela infraestrutura deficiente e
ao enfraquecimento da assistência técnica pública. Assim, o alto custo e a
sua usual necessidade de desembolso imediato são barreiras econômicas
importantes para a adoção de tecnologias em manejo de pastagens. Isso
é particularmente válido para locais mais remotos e com infraestrutura
deficiente, em que o preço da terra ainda seja relativamente baixo, como
é o caso de alguns locais da Amazônia. Nesses locais, o benefício financeiro
para altos investimentos em adoção de tecnologia tende a ser menor.

Nessa situação, a intensificação seria prioritariamente impulsionada


mediante uma política atraente de financiamento de custos, além do
fortalecimento da assistência técnica pública. Paralelamente, seria útil
a inserção do próprio corpo técnico da Embrapa, assim como de outras
instituições de pesquisa e ensino superior, para auxiliar no processo de
difusão de tecnologia, como já vem ocorrendo, em alguns casos, na região.

Em vista do exposto, seria possível concluir que a Embrapa, como importante


provedora de tecnologia e facilitadora da sua difusão, terá um papel essencial
para direcionar a pecuária desenvolvida na região amazônica a essa nova
fase de desenvolvimento tecnológico, aqui chamada de Fase 4. Para isso, o
fortalecimento das atividades de pesquisa em pastagens na Amazônia deve
ser prioritário. Para que a Embrapa cumpra convenientemente esse papel,
serão necessárias algumas ações fundamentais.

Assim, a grandeza territorial da região amazônica, seus problemas


infraestruturais e as singularidades biológicas desse ecossistema conduzem
a atributos inerentes às atividades de pesquisa com pastagens nessa região.
Um desses atributos é que essas pesquisas necessitam de um aporte
financeiro relativamente alto, quando comparado a pesquisas semelhantes
conduzidas em outras regiões do Brasil. Além disso, um requisito essencial
284 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

para a condução eficiente das pesquisas em pastagens na Amazônia é a


necessidade de uma equipe relativamente grande de profissionais, com
formação em forragicultura e manejo de pastagens, experiência profissional
local e, acima de tudo, comprometimento com a região amazônica (Dias-
-Filho, 2019).

Infelizmente, no entanto, a realidade observada em alguns centros de


pesquisa estrategicamente importantes da Embrapa na Amazônia tem sido
a não reposição das equipes de pesquisadores em pastagem, ou a evasão,
para outros locais do Brasil, daqueles que ainda atuavam nessa região. Essa
realidade leva a que, atualmente, exista uma força de trabalho insuficiente
conduzindo pesquisa com pastagens na região. Por conseguinte, é
fundamental a urgente recomposição dessas equipes, as quais devem
preferencialmente ser formadas por profissionais com “raízes” na região
amazônica. Alternativamente, deve-se procurar criar meios que incentivem
uma permanência mais longa na região do profissional oriundo de outros
locais do Brasil.

Portanto, a plena transição da pecuária atualmente praticada na região


amazônica de um patamar amador para um nível mais profissional será
respaldada na contínua geração e adoção de tecnologia. A efetivação dessa
transição necessitará do apoio fundamental da Embrapa, assim como de
instituições privadas e públicas de ensino superior, pesquisa e extensão,
sediadas na região.

Para que essa meta seja atingida, algumas ações serão necessárias, devendo,
portanto, ser vistas como prioritárias na região amazônica (Dias-Filho, 2014):

a) Continuidade na geração de tecnologia, visando ao desenvolvimento


de novas alternativas de forrageiras, de estratégias de recuperação
de pastagens degradadas e, sobretudo, de manejo de pastagens
ainda produtivas.

b) Fluxo constante de investimento público e privado em pesquisa e


desenvolvimento sobre manejo de pastagens e em estratégias que
incentivem a adoção de tecnologia e a intensificação produtiva
entre os produtores rurais da Amazônia.

c) Contratação de pesquisadores e técnicos especialistas em manejo


de pastagens por instituições de pesquisa e ensino superior na
Amazônia.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 285

d) Aperfeiçoamento ou criação de cursos técnicos e superiores


voltados à formação de profissionais (pesquisadores, professores,
extensionistas e consultores) aptos para impulsionarem a
intensificação racional da pecuária na Amazônia.

e) Fortalecimento dos serviços de assistência técnica pública em


pecuária na Amazônia.

Considerações finais
A intensificação racional é a alternativa correta para superar os atuais
desafios e legitimar a sustentabilidade da pecuária amazônica do futuro
em um novo patamar de condução. Para isso, produzir mais em menores
áreas de pastagem com coerência em relação aos preceitos agronômicos,
econômicos, ambientais, sociais e de bem-estar animal será a exigência
fundamental. Nesse cenário, o amadorismo no manejo das pastagens
amazônicas deverá definitivamente curvar-se ao profissionalismo, próprio
de uma pecuária empresarial, independentemente do tamanho do
empreendimento pecuário. Para a completa estruturação dessa nova fase da
pecuária na região amazônica, a Embrapa deverá ter papel essencial como
fiadora dessa transição, provendo tecnologia e facilitando a sua difusão.

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PISCICULTURA NO
ESTADO DO PARÁ:
desafios e estratégias
de desenvolvimento
sustentável
Marcos Ferreira Brabo
Marcos Antônio Souza dos Santos

Introdução

A
s condições naturais e socioeconômicas do Brasil o credenciam como
um dos principais países com capacidade de incrementar a oferta
mundial de pescado por meio da aquicultura nas próximas décadas,
em especial pela piscicultura continental. Entretanto, os números de
produção atuais ainda são tímidos se comparados aos maiores produtores
mundiais, principalmente por conta de questões burocráticas e ambientais
presentes no arcabouço legal em diferentes esferas administrativas (FAO,
2018, 2019; Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).

Um exemplo de aspectos burocráticos a serem aperfeiçoados na esfera


federal é o processo de cessão de águas públicas da União para fins de
aquicultura, que ainda representa uma limitação para o aproveitamento de
reservatórios de usinas hidrelétricas e de açudes públicos para a produção
de peixes em tanques-rede. A criação de mecanismos mais dinâmicos e
de menor complexidade para regularização desses empreendimentos,
combinada com melhorias infraestruturais nos seus entornos, tem
capacidade de atrair grandes investimentos para todas as regiões brasileiras,
bem como viabilizar maior rentabilidade para iniciativas de menor porte
(Brabo et al., 2014a; Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).
290 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Em termos ambientais, o licenciamento no âmbito estadual para o


desenvolvimento da piscicultura em estabelecimentos rurais conta com
normas distintas, inclusive para unidades da federação que integram a
mesma região hidrográfica e bioma. Essa situação tem promovido um
avanço discrepante entre os estados que contam com organizações sociais
de produtores mais atuantes e legisladores dispostos a dinamizar o marco
regulatório da atividade em seu território em relação aos demais (Associação
Brasileira da Piscicultura, 2019; IBGE, 2019b).

No estado do Pará, integrante da região Norte, o desempenho da piscicultura


é influenciado negativamente pelas duas questões mencionadas, o que
implica na incapacidade de atendimento da demanda local por produtos
piscícolas e na necessidade de consumir peixes frescos e filés congelados
advindos de pisciculturas de diversas regiões brasileiras (Brabo et al., 2016,
2017; Viana et al., 2018). Nesse contexto, é fundamental compreender os
fatores que levam uma unidade da federação dotada de condições naturais
propícias a contribuir significativamente com o incremento da oferta
nacional a ter que adquirir pescado de cativeiro de outros estados e regiões
do País.

Este capítulo é composto por cinco seções, além dessa breve introdução.
As três primeiras seções contextualizam o cenário mundial, nacional e
regional da atividade. A seguir, caracteriza-se e discute-se a conjuntura da
piscicultura paraense, além de se apontar os fatores que estão limitando o
seu desenvolvimento. Na última seção, são apresentadas as considerações
finais e proposições de políticas públicas que visam contribuir para a tomada
de decisão de atores privados e públicos envolvidos com a cadeia produtiva
da piscicultura no estado do Pará.

A piscicultura no contexto mundial


O pescado representa um importante item na dieta alimentar dos seres
humanos e por muito tempo sua única forma de obtenção foi o extrativismo,
ou seja, a pesca. Posteriormente, a aquicultura surgiu como forma de
incrementar a oferta e, hoje, carrega a responsabilidade de ser a alternativa
mais viável para suprir a crescente demanda da população, visto que a
produção da pesca está estagnada há cerca de três décadas e os principais
estoques pesqueiros se encontram em estado de sobre-exploração (FAO,
2018, 2019) (Tabela 1).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 291

Tabela 1. Produção mundial e consumo per capita de pescado entre 1980 e 2017.
Produção anual (milhões de toneladas)
Atividade
1980 1990 2000 2010 2017
Pesca 67,2 84,7 93,6 87,1 92,5
Aquicultura 4,7 13,1 32,4 57,8 80,1
Total 71,9 97,8 126 144,9 172,6
Consumo per capita (kg/ano) 11,6 13,2 15,7 18,2 20,3

Fonte: FAO (2019).

No ano de 2017, a produção mundial de pescado, excluindo as plantas


aquáticas, foi a maior da história, com 172,6 milhões de toneladas. O
grupo dos peixes respondeu por 66,4% do total da produção aquícola, ou
seja, 53,2 milhões de toneladas, seguido dos moluscos com 20,5%, dos
crustáceos com 10,4% e de outros animais, como rãs, tartarugas, jacarés e
equinodermos, com 2,7% (FAO, 2019).

No tocante exclusivamente à piscicultura, 83,8% eram peixes de água


doce, com destaque para a carpa-capim (Ctenopharyngodon idellus)
(Valenciennes, 1844), a carpa-prateada (Hypophthalmichthys molitrix)
(Valenciennes, 1844), a tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus) (Linnaeus,
1758), a carpa-comum (Cyprinus carpio) (Linnaeus, 1758) e a carpa-cabeça-
-grande (Hypophthalmichthys nobilis) (Richardson, 1845). Peixes diádromos,
aqueles que efetuam migrações entre os ambientes dulcícola e marinho,
foram responsáveis por 10,6% e os peixes estritamente marinhos, por
apenas 5,6% (FAO, 2019).

O continente asiático, berço da atividade por volta de 2000 a.C., é responsável


pela maior parcela da produção piscícola, principalmente pelo desempenho
da China. Dessa forma, considerando a relevância do ambiente de água
doce para a piscicultura e que as principais espécies produzidas são de
clima tropical, a maior expectativa pelo incremento da produção aquícola
mundial no curto e médio prazo recai sobre os países cortados por grandes
bacias hidrográficas e que ocupam essa faixa do globo, em especial nos
continentes africano e americano (FAO, 2018) (Tabela 2).
292 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tabela 2. Expectativa de crescimento da produção da aquicultura por continente


entre 2016 e 2030.
Produção aquícola
Expectativa de
Continente (milhões de toneladas)
crescimento (%)
2016 Estimativa para 2030
África 1,9 3,1 61,2
América do Norte(1) 0,6 0,7 15,4
América Latina(1) 2,7 4,0 49,2
Ásia 71,5 97,1 35,8
Europa 2,9 3,9 34,2
Oceania 0,2 0,2 42,1
Total 80 109,3 36,7
(1)
Subdivisões do continente americano.
Fonte: FAO (2018).

Para o continente africano, a Organização das Nações Unidas para a


Alimentação e a Agricultura (FAO) estima um incremento de 61,2% na
produção aquícola entre 2016 e 2030, mas isso não representa um valor
significativo em termos de crescimento absoluto, visto que foi produzido
apenas 1,9 milhão de toneladas no ano de 2016. Nesse cenário, o Egito, atual
sexto colocado no ranking mundial, aparece como protagonista, saindo de
1,3 milhão de toneladas para 2,3 milhões. Quanto aos demais países, de
modo geral, graves problemas de cunho socioeconômico dificultam um
desenvolvimento mais célere da atividade (FAO, 2018, 2019).

Na América Latina, a estimativa de crescimento relativo para o período


é de 49,2% a partir da produção de 2,7 milhões de toneladas, em 2016.
Atualmente, os números mais relevantes pertencem ao Chile, oitavo maior
produtor no ranking mundial e que apresenta uma previsão de incremento
de 26,4% até 2030, baseado sobretudo na criação de salmão do Atlântico
(Salmo salar) (Linnaeus, 1758) em estruturas de grande volume instaladas
em ambiente costeiro. O país com a segunda maior produção do continente
é o Brasil, onde se deposita uma das maiores expectativas de expansão
aquícola em termos absolutos e relativos, excetuando-se os tradicionais
produtores asiáticos e o Egito (FAO, 2018) (Tabela 3).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 293

Tabela 2. Expectativa de crescimento da produção da aquicultura por país entre


2016 e 2030.
Produção aquícola
Expectativa de
País (milhões de toneladas)
crescimento (%)
2016 Estimativa para 2030
China 49,2 64,5 31,1
Índia 5,7 8,2 44,1
Indonésia 4,9 8,2 66,7
Vietnã 3,6 5,0 40,3
Egito 1,3 2,3 68,0
Chile 1,0 1,3 26,4
Brasil 0,5 1,0 89,0
Peru 0,1 0,2 120,9

Fonte: FAO (2018).

A perspectiva de incremento nos números da aquicultura brasileira


é fundamentada especialmente na piscicultura continental, tendo os
grandes reservatórios de domínio da União como maior oportunidade
e a tilápia como espécie principal (Associação Brasileira da Piscicultura,
2019). Contudo, o País foi somente o 13º no ranking mundial em 2017,
com 595 mil toneladas (FAO, 2019).

É uma tendência que países em desenvolvimento de clima tropical dotados


de recursos naturais privilegiados, como o Brasil, invistam nessa atividade
para atender a demanda de países desenvolvidos caracterizados como
grandes importadores de pescado, como os Estados Unidos, o Japão, a
China, a Espanha e a França. Porém, esse mercado é bastante competitivo
e demanda uma política de exportação bem estruturada (FAO, 2019;
Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).

Em suma, fica evidente que o aumento da demanda por pescado, em razão


do crescimento populacional e do incremento do consumo, somado à
incapacidade da pesca de impulsionar a oferta têm estimulado os números
da aquicultura em escala mundial. Nesse cenário, a piscicultura continental
constitui atividade estratégica, pela disponibilidade de tecnologia de
produção para diversas espécies e pela crescente importância de seus
produtos no mercado internacional, a exemplo dos filés congelados de
tilápia e de panga (Pangasius hypophthalmus) (Sauvage, 1878) (FAO, 2018).
294 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A piscicultura no Brasil
O Brasil possui a quinta maior extensão territorial do mundo, com 8,5 milhões
de quilômetros quadrados. Em termos de população, também é quinto
colocado, com estimativa de 210,5 milhões de habitantes em 2019. É
banhado exclusivamente pelo Oceano Atlântico, faz fronteira com todos
os demais países da região Sul do continente, exceto o Chile e o Equador,
e está dividido em 26 estados e um Distrito Federal, distribuídos em cinco
regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul (IBGE, 2019a).

Em 2017, a produção brasileira de pescado foi estimada em 1,2 milhão


de toneladas, 0,6% do total mundial, sendo 704,1 mil e 595 mil toneladas
advindas da pesca e da aquicultura, respectivamente (FAO, 2019). A exemplo
do panorama mundial, o extrativismo não apresenta mostras de que ainda
pode contribuir para o incremento da oferta, enquanto a aquicultura possui
um crescimento relativo superior à média mundial há mais de uma década
(World Wide Fund for Nature, 2016; Associação Brasileira da Piscicultura,
2019; IBGE, 2019b).

O potencial para desenvolvimento desse setor no País é indiscutível,


principalmente em função da disponibilidade de 12% da água doce do
planeta, da extensão costeira de aproximadamente 8,5 mil quilômetros, do
clima favorável, da significativa produção de grãos e da alta diversidade de
espécies de organismos aquáticos promissoras em termos zootécnicos e
mercadológicos (Ostrensky et al., 2008).

O órgão governamental responsável pela estatística oficial da aquicultura no


Brasil é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que a divulga,
anualmente, como parte integrante da publicação denominada Produção
da Pecuária Municipal (PPM). Nesse contexto, os ramos da atividade que
apresentam os números mais significativos atualmente são: a piscicultura
continental, a carcinicultura marinha e a malacocultura. As demais, como
a ranicultura, a carcinicultura continental e a piscicultura marinha, não
somam 0,5% da produção total (IBGE, 2019b).

Em 2018, a produção aquícola brasileira foi de 579,1 mil toneladas, excluindo


os ramos menos desenvolvidos, com a piscicultura continental respondendo
por 89,6%, seguida da carcinicultura marinha com 7,9% e pela malacocultura
com 2,5%. A piscicultura explora um grande número de espécies, enquanto
as outras atividades são baseadas em poucos organismos: a carcinicultura
marinha exclusivamente no camarão cinza (Penaeus vannamei) (Boone,
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 295

1931); e a malacocultura no mexilhão (Perna perna) (Linnaeus, 1758), na


ostra-japonesa ou ostra-do-pacífico (Crassostrea gigas) (Thunberg, 1793),
na ostra nativa (Crassostrea gasar) (Adanson, 1757) e na vieira (Nodipecten
nodosus) (Linnaeus, 1758) (Brasil, 2013; IBGE, 2019b) (Figura 1).

Figura 1. Produção da aquicultura brasileira por atividade entre 2014 e 2018.


Fonte: IBGE (2019a).

Dentre as principais espécies de peixes cultivadas em empreendimentos


aquícolas no Brasil estão: a tilápia, a carpa-comum, as carpas chinesas,
o tambaqui (Colossoma macropomum) (Cuvier, 1816), o pacu (Piaractus
mesopotamicus) (Holmberg, 1887), a pirapitinga (Piaractus brachypomus)
(Cuvier, 1818), o pirarucu (Arapaima gigas) (Schinz, 1822), o jundiá (Rhamdia
quelen) (Quoy & Gaimard, 1824), o tambacu (Colossoma macropomum
x Piaractus mesopotamicus), a tambatinga (Colossoma macropomum x
Piaractus brachypomus), a patinga (Piaractus mesopotamicus x Piaractus
brachypomus), o pintado-amazônico (Pseudoplatystoma reticulatum x
Leiarius marmoratus), os pintados/cacharas/surubins (Pseudoplatystoma
spp.), as matrinxãs/piabanhas/piracanjubas/jatuaranas (Brycon spp.), os
piaus/piauçus/piavas/piaparas (Leporinus spp.) e os curimatãs (Prochilodus
spp.) (Brasil, 2013; IBGE, 2016). Em termos de valor monetário, a produção
piscícola brasileira de 2018 representou R$ 3,3 bilhões (IBGE, 2019b).

Em 2017, o censo agropecuário do IBGE georreferenciou todos os


estabelecimentos que contavam com iniciativas comerciais de piscicultura
no território brasileiro, o que totalizou 41,8 mil empreendimentos. Desse
296 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

número, as parcelas mais significativas estavam respectivamente nas


seguintes regiões: Nordeste com 31%, Sul com 28,3% e Norte com 20,2%
(IBGE, 2019b) (Figura 2).

Figura 2. Número de empreendimentos comerciais de piscicultura por região brasileira.


Fonte: IBGE (2019a).

Quanto à produção por região em 2018, o Sul respondeu por 32% do total,
com destaque para a produção de tilápia, carpa-comum e carpas chinesas;
o Norte contribuiu com 19%, tendo o tambaqui como principal espécie; o
Nordeste com 19% e o Sudeste com 17,7%, ancorados também na tilápia; e o
Centro-Oeste com 12,3%, com a tambatinga, o pacu, os pintados/cacharas/
surubins e a tilápia sendo responsáveis pelos números mais significativos
(IBGE, 2019b).

Os três estados que integram a região Sul estavam entre os dez maiores
produtores do País, a região Norte contou com um único representante
e as demais regiões com duas unidades federativas cada uma (Tabela 4).
Nesse ano, os estados que apresentaram as menores produções piscícolas
foram respectivamente: Distrito Federal, Amapá e Rio Grande do Norte
(IBGE, 2019b).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 297

Tabela 4. Estados brasileiros com as maiores produções piscícolas em 2018.


Produção piscícola
Estado Região
(mil toneladas)
Paraná Sul 121,2
São Paulo Sudeste 51,1
Rondônia Norte 50,1
Minas Gerais Sudeste 35,4
Mato Grosso Centro-Oeste 33,9
Santa Catarina Sul 30,5
Maranhão Nordeste 27,3
Pernambuco Nordeste 20,5
Goiás Centro-Oeste 15,5
Rio Grande do Sul Sul 14,2

Fonte: IBGE (2019a).

Outra fonte de dados estatísticos relativos à atividade é a Associação Brasileira


da Piscicultura (Peixe BR), organização social que contempla toda a cadeia
produtiva e lança o seu anuário a partir de uma coleta de dados diferenciada do
IBGE, que procede estimativas por município. Segundo a Peixe BR, a produção
da piscicultura nacional, em 2018, foi de 722,5 mil toneladas, 203,7 mil toneladas
a mais do que as 518,8 mil toneladas divulgadas pelo IBGE (Associação Brasileira
da Piscicultura, 2019).

No anuário de 2019, a tilápia aparece como responsável por 400,2 mil toneladas,
em 2018, o que rendeu ao País a quarta colocação no ranking mundial de
produção da espécie, atrás de China, Indonésia e Egito. Desse total, 70,5%
estavam concentrados em cinco estados brasileiros: Paraná, São Paulo, Santa
Catarina, Minas Gerais e Bahia (Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).

Em relação aos peixes nativos, a produção nacional divulgada nesse documento


foi de 287,9 mil toneladas, com destaque para o tambaqui. Nesse cenário, as
unidades da federação com números mais representativos e que totalizaram
69,4% da oferta foram: Rondônia, Mato Grosso, Maranhão, Pará e Roraima
(Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).

Quanto às produções estaduais, as divergências entre os dez maiores produtores


estão na Bahia e no Mato Grosso do Sul, citados pela Peixe BR em detrimento de
Pernambuco e Rio Grande do Sul, que têm participação mais significativa nos
dados do IBGE. As menores produções convergem entre as duas fontes, apenas
com a alteração do último lugar, do Distrito Federal para o estado do Amapá no
anuário da associação (Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).
298 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Apesar das divergências em termos de dados de produção entre os órgãos


que divulgam a estatística, os principais desafios para o desenvolvimento da
atividade são unanimidade entre os especialistas: estabelecimento de marcos
regulatórios estaduais que ofereçam segurança jurídica aos investidores no
tocante à regularização dos empreendimentos, viabilizando também o acesso
ao crédito rural disponibilizado pelos agentes financeiros; desburocratização e
celeridade dos processos de cessão de águas públicas da União para fins de
aquicultura, a fim de possibilitar o aproveitamento dos grandes reservatórios
para a piscicultura em tanques-rede; e fortalecimento das organizações
sociais de produtores, no intuito de promover maior cooperação em busca de
competitividade (Ostrensky et al., 2008; Brasil, 2013; Associação Brasileira da
Piscicultura, 2019).

Outro consenso é a necessidade de incrementar o consumo de pescado no País,


visto que no cenário mundial essa proteína figura como a mais consumida e no
Brasil é somente a quarta, atrás de aves, bovinos e suínos. Mesmo com o baixo
consumo, menos da metade da média global, nem o mercado interno consegue
ser atendido pela atual produção brasileira de pescado, o que culmina em uma
balança comercial deficitária, ou seja, um volume de importações superior ao
de exportações (Farias; Farias, 2018; Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).

A piscicultura na região Norte do Brasil


A região Norte do Brasil está localizada integralmente no bioma amazônico
e compreende sete estados: Amapá, Amazonas, Acre, Pará, Rondônia,
Roraima e Tocantins. Em 2018, essas unidades federativas somaram a
produção de 98,4 mil toneladas de pescado oriundo da piscicultura, 18,9%
do total nacional, com destaque para Rondônia, que contribuiu com mais
da metade desse valor (Tabela 5). Em termos monetários, esse volume
representou R$ 747,1 milhões (IBGE, 2019b).
Tabela 5. Produção da piscicultura nos estados brasileiros que integram a região
Norte em 2018.
Estado Produção piscícola (mil toneladas)
Rondônia 50,1
Pará 13,5
Tocantins 11,3
Roraima 10,8
Amazonas 8,1
Acre 3,8
Amapá 0,8
Total 98,4

Fonte: IBGE (2019a).


PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 299

Quanto ao número de empreendimentos comerciais, a região Norte


totalizou 8.484 iniciativas, em 2017, o que correspondeu a 20,2% do total do
Brasil. O estado do Pará contribuiu com 35,2%, o Acre com 19,4% e Rondônia
com 19,1% (IBGE, 2019b) (Tabela 6).

Tabela 6. Número de empreendimentos comerciais de piscicultura nos estados


brasileiros que integram a região Norte em 2017.
Estado Número de empreendimentos comerciais
Pará 2.993
Acre 1.646
Rondônia 1.628
Amazonas 972
Tocantins 574
Roraima 514
Amapá 157
Total 8.484

Fonte: IBGE (2019a).

No estado de Rondônia, os municípios de Ariquemes, Cujubim, Urupá,


Mirante da Serra e Porto Velho assumem papel de destaque em termos
de produção, inclusive em âmbito nacional (IBGE, 2019a). Estima-se que
essa unidade da federação disponha de cerca de 15 mil hectares de lâmina
d’água voltados à piscicultura e produza entre 30 milhões e 40 milhões de
alevinos anualmente, além de possuir quatro fábricas de ração para peixes
e quatro unidades de beneficiamento de pescado com selo de aprovação
do Serviço de Inspeção Federal (SIF). É o maior produtor de tambaqui e de
pirarucu do Brasil, tendo o estado do Amazonas como principal mercado
(IBGE, 2019b; Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).

Mesmo com o significativo volume ofertado pelo município de Rio Preto


da Eva na região metropolitana de Manaus, um dos maiores produtores do
Brasil, o Amazonas desponta também como o mercado consumidor mais
importante do tambaqui produzido em Roraima, em especial em Boa Vista
e arredores. No Baixo Acre, principal polo de piscicultura do estado do Acre,
a atividade segue um padrão similar ao dos demais da Amazônia Ocidental,
com a predominância de criação de peixes redondos em açudes e viveiros
escavados (IBGE, 2019b; Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).

No Tocantins, o município de Almas se destaca entre os maiores produtores


do Brasil de peixes redondos. Porém, o marco regulatório da atividade foi
alterado recentemente e o estado passou a incentivar também a produção
de tilápia em tanques-rede, até mesmo no reservatório da Usina Hidrelétrica
300 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Luiz Eduardo Magalhães, o que já atraiu investimentos para a região, em


especial para os municípios de Porto Nacional e Brejinho de Nazaré (IBGE,
2019b; Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).

Nos estados do Amapá e do Pará, os empreendimentos comerciais de


piscicultura são predominantemente de pequeno porte, operam em regime
de economia familiar e produzem peixes redondos em viveiros escavados.
Dentre os municípios paraenses, Paragominas é quem detém os números
mais representativos, que lhe rendem notoriedade nacional em termos
de peixes nativos. Contudo, o elevado custo de produção da atividade faz
com que o Maranhão atenda uma parcela significativa do mercado dessas
duas unidades da federação, principalmente pela elevada oferta do produto
nas regiões do Vale do Mearim e da Baixada Maranhense (IBGE, 2019b;
Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).

De maneira geral, o diferenciado consumo per capita de pescado da região


em relação ao restante do País, a elevada demanda por peixes amazônicos
e a sobrepesca das principais espécies estimulam a piscicultura e fazem
do Norte, atualmente, o maior responsável pela oferta de peixes nativos.
A expectativa é de que, em um futuro próximo, as privilegiadas condições
naturais e mercadológicas sejam devidamente aproveitadas, fazendo com
que todos os seus estados figurem entre os maiores produtores do Brasil
(IBGE, 2019b; Associação Brasileira da Piscicultura, 2019).

A piscicultura no estado do Pará


O estado do Pará é a segunda maior unidade federativa do Brasil em
extensão territorial, com 1,2 milhão de quilômetros quadrados, atrás
apenas do Amazonas. Conta com cerca de 8 milhões de habitantes, possui
144 municípios, sua capital é Belém e seus confrontantes são: o estado do
Amapá ao Norte; Roraima a Noroeste; Amazonas a Oeste; Mato Grosso ao
Sul; Tocantins a Sudeste; Maranhão a Leste; e Suriname e Guiana ao extremo
Norte (IBGE, 2019a).

O território paraense apresenta um litoral de 562 km e é contemplado por


três regiões hidrográficas de águas continentais: Amazônica, Tocantins-
-Araguaia e Atlântico Nordeste Ocidental. Essa disponibilidade hídrica
superficial, somada ao grande volume acumulado em aquíferos, como o
Alter do Chão e o Pirabas, faz dele um dos mais promissores em termos de
potencial hídrico para o desenvolvimento da aquicultura (Brabo et al., 2016).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 301

A piscicultura é o ramo da aquicultura mais desenvolvido no estado do


Pará, estando presente em todos os seus municípios. No ano de 2018, a
produção piscícola paraense foi de 13,5 mil toneladas, o que correspondeu
a R$ 109,9 milhões, com destaque para o tambaqui, os híbridos tambacu e
tambatinga e a pirapitinga, respectivamente (IBGE, 2019b) (Figura 3).

Figura 3. Produção da piscicultura no estado do Pará entre 2014 e 2018.


Fonte: IBGE (2019a).

Além das espécies supracitadas, foram produzidas em larga escala: piauçu


(Leporinus macrocephalus) (Garavello & Britski, 1988), curimatã (Prochilodus
nigricans) (Spix & Agassiz, 1829), matrinxã (Brycon amazonicus) (Spix & Agassiz,
1829), pintado-amazônico, pirarucu e tilápia. A estatística oficial também
atesta iniciativas com: carpa-comum, tucunaré (Cichla spp.), lambari (Astianax
spp.) e traíra (Hoplias malabaricus) (Bloch, 1794) (IBGE, 2019b).

Apesar da ampla distribuição no território e da diversidade de espécies


exploradas, a produção piscícola estadual ainda está muito aquém
do potencial, em especial pelas seguintes características: grande
extensão territorial, inclusive com áreas já desflorestadas para a prática
de bovinocultura extensiva ou de extrativismo vegetal; acentuada
disponibilidade hídrica, inclusive com dois dos maiores reservatórios
de usinas hidrelétricas do Brasil; clima ideal para a produção de espécies
tropicais ao longo do ano inteiro; elevado consumo per capita de pescado
da população local, com ótimas possibilidades para inserção de produtos da
aquicultura; logística favorável à exportação por via marítima ou aérea para
os Estados Unidos e a Europa (Brabo, 2014; Brabo et al., 2016).
302 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Em 2017, havia 2.993 iniciativas comerciais de piscicultura no território


paraense, com a maior concentração de empreendimentos no Sudeste
Paraense, onde os municípios de Marabá e Parauapebas assumiram
protagonismo, seguido pelo Nordeste Paraense, em que Cametá e Moju
apresentaram o maior número de iniciativas (IBGE, 2019b) (Tabela 7).

Tabela 7. Municípios do estado do Pará com maior número de empreendimentos


comerciais de piscicultura.
Número de empreendimentos
Município Mesorregião
comerciais
Cametá Nordeste 250
Marabá Sudeste 204
Parauapebas Sudeste 109
Ourilândia do Norte Sudeste 73
Itupiranga Sudeste 69
Ponta de Pedras Marajó 69
Novo Repartimento Sudeste 67
Tucumã Sudeste 64
Pacajá Sudeste 57
Moju Nordeste 56
Total Pará 2.993

Fonte: IBGE (2019a).

As formas jovens dos peixes e as rações extrusadas representam os principais


insumos da piscicultura, devendo ter sua qualidade e regularidade na oferta
avaliadas continuamente pelos empreendimentos comerciais de engorda,
de forma a realizar uma adequada seleção de fornecedores em termos
de custo-benefício. Atualmente, o estado do Pará não é autossuficiente
na produção de nenhum desses dois insumos, adquirindo uma parcela
significativa em outras unidades da federação (Brabo et al., 2014b, 2016).

Quanto às formas jovens, os fornecedores locais produzem geralmente peixes


redondos, como o tambaqui, a pirapitinga, o tambacu e a tambatinga, mesmo
assim aquém da demanda (Figura 4). Dessa forma, os produtores que criam
piauçu, curimatã, matrinxã, pintado-amazônico e pirarucu têm sua demanda
atendida principalmente por produtores de outros estados, como Maranhão,
Tocantins, Rondônia, Mato Grosso, Amazonas, Sergipe e até São Paulo. A tilápia
representa um caso à parte, pois os produtores obtêm os alevinos e juvenis de
reproduções naturais realizadas sem o devido controle na própria piscicultura,
o que compromete a genética dos lotes disponíveis para engorda, além de não
efetuarem reversão sexual, técnica que implica diretamente no desempenho
zootécnico da espécie (Brabo et al., 2014b, 2016).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 303

Figura 4. Produção de alevinos no estado do Pará entre 2014 e 2018.


Fonte: IBGE (2019a).

Em termos de qualidade genética, dois empreendimentos paraenses assumem


papel de destaque por terem chipado suas matrizes de tambaqui recentemente,
as 18 pisciculturas sediadas no município de Igarapé-Açu e uma piscicultura
em Peixe-Boi, ambos localizados no Nordeste Paraense, mas com clientes em
todas as mesorregiões. Outras estações de alevinagem também têm iniciado
o controle genético de suas matrizes, o que tende a ser uma prática rotineira
em um curto período de tempo e pode resultar em contribuições para o
melhoramento genético das espécies (Brabo et al., 2016).

Além dos empreendimentos particulares de produção de formas jovens, a


Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap),
órgão estadual responsável pelo fomento da aquicultura, possui estruturas
voltadas à distribuição gratuita de alevinos para piscicultores que atuam
em regime de economia familiar: a Estação de Reprodução e Alevinagem
Orion Nina Ribeiro, no município de Terra Alta, região Guamá, e a Estação de
Reprodução e Alevinagem de Santa Rosa em Santarém, no Baixo Amazonas
(Brabo et al., 2016).

Os projetos de engorda ou pequenas iniciativas que efetuam a recria de pós-


-larvas para comercializar alevinos ou juvenis, empreendimentos chamados
de centros de distribuição, têm aumentado de forma significativa no território
paraense, em especial pelo menor investimento em relação à estrutura de
estações de alevinagem, visto que não demanda um laboratório com tanques
para manutenção de matrizes e incubadoras, e de mão de obra especializada
304 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

permanentemente, já que não há necessidade de um profissional de maneira


contínua para acompanhamento da reprodução e da larvicultura, etapas mais
complexas do processo (Brabo, 2014).

No tocante às rações extrusadas para peixes, o estado do Pará conta com


duas fábricas de ração instaladas em seu território com oferta regular, uma
no município de Jacundá, região Lago de Tucuruí e outra em São Miguel do
Guamá, região Guamá. Nenhum dos empreendimentos produz rações para
peixes carnívoros e as rações para peixes não são os únicos produtos oferecidos
por essas empresas, pois alimentos para aves, suínos e outros animais também
são ofertados aos consumidores (Brabo et al., 2014b, 2016).

Outros insumos, como tanques-rede, equipamentos e produtos utilizados


na preparação de viveiros escavados, são facilmente adquiridos localmente,
encomendados em lojas de produtos agropecuários ou até solicitados via
internet, dependendo da escala. Logo, as formas jovens e as rações extrusadas
são os insumos que representam fatores limitantes na competitividade dos
empreendimentos, devendo ter seus preços, periodicidade dos pedidos e
logística para aquisição considerados como aspectos relevantes na tomada de
decisão dos investidores (Brabo et al., 2016; Viana et al., 2018).

De maneira geral, os projetos de engorda no estado do Pará atuam em regime


de economia familiar e adotam baixa tecnologia de produção, mas possuem
uma grande diversidade de estratégias produtivas e estruturas de criação. Essas
características são diretamente influenciadas pela vocação agropecuária na
região em que estão localizados, bem como pela oferta de insumos, capacidade
técnica do empreendedor e mercado consumidor. As estruturas empregadas
são: açudes, viveiros de barragem, viveiros escavados, tanques escavados e
suspensos, tanques-rede, gaiolas flutuantes e canais de igarapé (Brasil, 2013;
Brabo, 2014; Brabo et al., 2016).

A mesorregião Sudeste Paraense possui nove municípios entre os dez maiores


produtores do estado do Pará, com destaque para Paragominas, que detém 30%
do total (Tabela 8). Essa cidade é reconhecidamente um polo do agronegócio
paraense, em especial pela produção de grãos e pela bovinocultura, e mais
recentemente pela piscicultura (IBGE, 2019b).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 305

Tabela 8. Municípios do estado do Pará com maior produção piscícola e total do


estado em 2018.
Município Mesorregião Produção (toneladas)
Paragominas Sudeste 4.054,6
Marabá Sudeste 1.149,4
Uruará Sudoeste 560,9
Xinguara Sudeste 360,4
Novo Repartimento Sudeste 359,5
Breu Branco Sudeste 332,6
Tucuruí Sudeste 320,0
Ulianópolis Sudeste 262,5
Piçarra Sudeste 248,0
Tucumã Sudeste 241,5
Estado do Pará 13.501,0

Fonte: IBGE (2019a).

Em termos de transformação, o estado não conta com estabelecimentos


processadores de pescado construídos com a finalidade de processar a
produção oriunda da piscicultura, mas essa situação não representa
um fator limitante para esse elo da cadeia produtiva, visto que os
empreendimentos voltados ao beneficiamento da produção advinda da
pesca podem fazê-lo. Contudo, o elevado custo de produção da piscicultura
e o baixo rendimento dos cortes nobres das principais espécies e híbridos,
em especial dos peixes redondos, dificultam essa forma de agregação de
valor (Brabo, 2014; Brabo et al., 2016).

Desse modo, a comercialização de produtos da piscicultura se dá


principalmente por meio do peixe vivo ou inteiro fresco nos próprios
empreendimentos, para o consumidor final ou para atacadistas, que
atendem feirantes, peixarias, supermercados e restaurantes. Vale ressaltar
a significativa participação de peixes oriundos de pisciculturas de outros
estados nesse mercado, em especial do Maranhão, de Rondônia e do Mato
Grosso (Brabo, 2014; Brabo et al., 2016).

Fatores limitantes ao desenvolvimento da


piscicultura
De maneira geral, os fatores limitantes para a realização do potencial da
piscicultura no estado do Pará são: falta de segurança jurídica promovida
pelo marco regulatório da atividade, que ocasiona burocracia, exigências
excessivas e morosidade na regularização dos empreendimentos,
306 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

principalmente no tocante ao licenciamento ambiental e na obtenção da


outorga de direito de uso dos recursos hídricos; carência de assistência técnica
aos produtores, em especial nas regiões de logística mais complexa e menor
densidade demográfica; baixa profissionalização dos empreendimentos,
em termos de rigor nos controles zootécnico e econômico; organizações
sociais pouco atuantes; oferta de formas jovens aquém da demanda local
e irregularidade no seu fornecimento; elevado preço das rações comerciais,
mesmo as fabricadas por empresas locais (Brabo, 2014; Brabo et al., 2016).

Dentre os maiores problemas enfrentados pelos proprietários de estações de


alevinagem estão: regularização dos empreendimentos perante os órgãos
governamentais, o que pode ser notado também na irregularidade das
iniciativas estatais; a renovação do plantel de matrizes, com peixes selvagens
ou peixes de lotes domesticados mantidos sob o devido controle genético.
Em relação aos produtores que adquirem as formas jovens de peixes em
iniciativas locais, as dificuldades mais relevantes são: irregularidade no
fornecimento, inclusive de tambaqui, que pode ter sua reprodução induzida
ao longo do ano inteiro; ausência de serviços de entrega do produto em
algumas regiões ou condicionamento da entrega à aquisição de grandes
volumes (Brabo, 2014; Brabo et al., 2016).

Para as fábricas de ração, a maior dificuldade é a obtenção de ingredientes


a preços competitivos, aquisição que geralmente ocorre em outros estados
brasileiros, em especial os farelos de soja (Glycine max L.) e de milho (Zea
mays L). A produção paraense desses grãos tem sido incrementada, até
mesmo nas adjacências dessas fábricas, como nos municípios de Tailândia,
Goianésia do Pará, Paragominas e Dom Eliseu, mas o custo operacional
ainda é elevado e o preço praticado é pouco competitivo se comparado
a outros estados, como Maranhão, Piauí, Tocantins, Goiás e até São Paulo
(Brabo et al., 2016).

Considerações finais
Não adianta ser um excelente piscicultor no que diz respeito ao manejo
se o cenário econômico e institucional fora da unidade de produção for
desfavorável e, da mesma forma, não é suficiente ter ótimos fornecedores
de insumos e um mercado consumidor atraente se não houver um
planejamento adequado e eficiência no controle da produção. A união
desses fatores, internos e externos à iniciativa, é a chave para minimizar os
riscos dos empreendimentos, o que é dificultado pelo cenário econômico
paraense para a prática da atividade, ou seja, dado o preço praticado pela
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 307

ração e a relevante participação desse insumo no processo, não há como


evitar o elevado custo de produção.

Nesse contexto, a prioridade em prol do desenvolvimento da atividade reside


no planejamento e na execução de políticas públicas eficientes. A doação de
alevinos foi uma política pública de fomento à piscicultura que se popularizou
na década de 1980, quando a atividade entrou em sua fase comercial e não
havia um número significativo de produtores de formas jovens, bem como
as tecnologias de reprodução induzida de peixes reofílicos e de reversão
sexual de tilápias ainda estavam em fase inicial de transferência dos órgãos
de pesquisa e fomento para os empreendimentos particulares.

Atualmente, a eficiência dessa prática pode ser contestada pela quantidade de


iniciativas ofertando formas jovens e pela baixa participação desse insumo no
custo de produção da atividade, cerca de 5%, dependendo da espécie. Logo,
subentende-se que o produtor que não apresenta condições financeiras de
adquirir os alevinos, não terá meios de comprar ração para alimentá-los até
chegarem ao tamanho comercial, visto que a ração representa em torno de
70% do total requerido em termos de custo operacional.

Em relação à doação de rações para que o piscicultor possa se capitalizar


ao vender a produção do primeiro ciclo, é uma prática comum e ainda mais
ineficiente, pois geralmente culmina em um manejo alimentar inadequado
pelo baixo rigor no controle zootécnico efetuado pelo produtor e pela
dificuldade de gerir o recurso apurado com a comercialização da produção ao
longo de todo o ciclo posterior. Essa política não pode ser classificada como
fomento, pois gera dependência vitalícia ao órgão que a pratica, que ao sair
de cena também finaliza a operação dos empreendimentos assistidos.

A disponibilização de maquinário para escavação de viveiros para


piscicultura pode ser uma política pública eficiente de fomento à atividade,
desde que haja critério na seleção das áreas que receberão os projetos e
que os beneficiários tenham condições financeiras de custear a atividade,
assim como possuam capacitação para o manejo e gestão econômica da
iniciativa. Porém, é fundamental que seja considerado um módulo mínimo
viável a ser escavado, ou seja, uma área capaz de conferir perenidade ao
negócio, mesmo que a iniciativa seja familiar.

Em termos de comercialização, a realização de feiras do peixe vivo ou


mesmo de comercialização de pescado da piscicultura na forma inteiro
fresco deve ser iniciativa dos produtores e de suas organizações sociais,
308 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

com os órgãos públicos oferecendo uma infraestrutura adequada para


que isso ocorra. Custos com transporte, técnicos e equipamentos para
viabilizar a venda de 1 t ou outras quantidades irrisórias, independente do
município, só demonstram a dificuldade que a atividade apresenta de se
manter sem assistencialismo.

Dessa forma, os passos iniciais e que não demandam elevados investimentos


em termos de políticas públicas na esfera estadual são: revisão do defasado
marco regulatório da atividade e diminuição da carga tributária, mais
especificamente no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
para os insumos das fábricas de ração. A priori, apenas essas duas iniciativas
já têm capacidade de atrair investidores, contribuir para a estruturação da
cadeia produtiva e melhorar a competitividade das iniciativas.

Caso contrário, os empreendimentos continuarão incapazes de se regularizar,


não haverá possibilidade de atração de investimentos, o custo de produção
ainda será superior ao dos estados vizinhos e eles permanecerão ofertando
seus produtos no mercado paraense com preços mais atraentes, dando
continuidade à subutilização da vocação natural do estado.

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e o papel dos subsídios. São Paulo, 2016. 76 p.
POTENCIALIDADES DA
CULTURA DA MANDIOCA NO
ESTADO DO PARÁ
Raimundo Nonato Brabo Alves
Moisés de Souza Modesto Júnior

Introdução

A
mandioca (Manihot esculenta Crantz), originária do Brasil, hoje se
constitui no alimento básico para mais de 700 milhões de pessoas em
pelo menos 105 países (Souza, 2013). Quando os colonizadores aqui
chegaram, já encontraram os indígenas dominando o sistema de cultivo e
exploração da cultura da mandioca, tradição que se disseminou pelo mundo
tropical, atualmente como uma das principais fontes de carboidratos para
as populações carentes.

É interessante ressaltar que os indígenas demonstravam que não


conheciam a técnica do preparo de farinhas. Frikel (1959) cita que os índios
mundurukus fabricavam somente beiju, que segundo depoimento dos
próprios índios, em tempos mais remotos, esses produtos eram torrados
em chapas de pedra. Com isso, pressupõe-se que o forno de preparo de
farinhas feito de metal ou outro material é influência dos colonizadores.
A produção de farinha dos índios mundurukus foi tão significativa que há
citações desde 1867 a 1944 relatando a produção para o autoconsumo e um
forte intercâmbio comercial com os regatões de Santarém, PA, e do Baixo
Rio Tapajós (Alves, 2001). De um modo geral, com o passar do tempo, houve
uma tendência à superespecialização das roças, provavelmente em virtude
do caráter fortemente comercial dessa produção.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 311

Nesse sistema, a produtividade obtida em roça feita em bosque maduro era


de 12,4 t ha-1 no primeiro ciclo e de 7,7 t ha-1 no segundo ciclo. Em roça
de capoeira, esses índices eram 9,2 t ha-1 e 6,8 t ha-1, respectivamente.
A quantidade resultante de farinha de mandioca representava para os
indígenas 35% do peso dos tubérculos colhidos (Pereira; Lescure, 1994).

Portanto, a especialização das atividades produtivas deu-se em consequência


da imposição do mercado, transformando a agricultura indígena altamente
diversificada para o monocultivo da mandioca. Além do mais, em busca de
oferecer farinha na qualidade e maior volume de produção, de acordo com
as exigências do mercado, os indígenas reduziram a variabilidade genética
do material de cultivo.

O cultivo da mandioca na região amazônica pouco evoluiu, salvo em


algumas exceções de plantios mecanizados, considerando que os atuais
indicadores médios de produtividade continuam os mesmos, em alguns
locais até inferiores ao nível obtido pelos índios em suas roças. Esses índices
de produtividade equivalem aos rendimentos médios obtidos ainda hoje
pelos produtores do estado do Pará, que variaram de 12,4 t ha-1, em 1990, e
14,6 t ha-1 de mandioca, em 2019 (IBGE, 2019).

Destaca-se a tendência de queda de produtividade na Amazônia, em razão


da atual pressão de crescimento populacional e uso continuado da área com
a agricultura de derruba e queima e consequente redução do período de
pousio das capoeiras, resultando em sérios danos ambientais e econômicos,
caso o referido sistema de produção não venha a ser modernizado.

A farinha de mandioca é sem dúvida um dos alimentos mais tradicionais


da população brasileira, sendo conhecida como a Rainha do Brasil, durante
a colonização. Os três primeiros governadores do Brasil sediados na Bahia
– Tomé de Souza, Duarte da Costa e Mem de Sá – não comiam o pão feito
de trigo, por problemas digestivos, e suas dietas eram à base de farinha de
mandioca. Os indígenas consumiam farinha com carnes e frutas. Durante o
Brasil Colonial, por volta do ano de 1584, a farinha era usada como permuta
e oferenda entre amigos e também como suprimento nas viagens de navio
no trecho Brasil-Portugal para consumo da tripulação, que a denominava
de farinha de guerra, por ser mais seca, grossa e resistente, suportando as
longas viagens, além de ser bastante saborosa, quando molhada no caldo
de carne ou de peixe (Cascudo, 2017).
312 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A mandioca, de grande importância econômica, social e política para


o Brasil, vem participando da história de nosso país desde o Império.
Logo após a Proclamação da República, em 1823, foi promulgada a
primeira constituição do Brasil. Na época, os constituintes prepararam um
anteprojeto constitucional, que deveria ser a base da Constituição Nacional.
Esse documento tinha um caráter anticolonialista, com certa rejeição ao
estrangeiro, principalmente contra os portugueses, devido às constantes
lutas com os brasileiros na Bahia, no Pará e na Cisplatina, com ameaças da
recolonização do País.

Além de afastar a ameaça da recolonização e do absolutismo, era preciso


evitar o radicalismo das camadas populares. Assim, para afastar a massa
popular e os comerciantes portugueses, o anteprojeto estabeleceu a
eleição em dois graus, de tal sorte que somente a aristocracia rural pudesse
eleger seus representantes. A capacidade eleitoral foi condicionada à renda,
não em dinheiro, mas com base numa mercadoria de consumo corrente: a
farinha de mandioca. Daí o nome de “Constituição da Mandioca”, dado pelo
povo, cobrindo de ridículo o anteprojeto. Nela constava que os eleitores
da paróquia, ou de primeiro grau, tinham que ter uma renda mínima
equivalente a 150 alqueires de farinha de mandioca. Eles elegeriam os
eleitores da província, cuja renda mínima deveria ser de 250 alqueires. Estes,
por sua vez, deveriam eleger os deputados e senadores que necessitavam
ter rendas equivalentes a 500 e 1.000 alqueires, respectivamente (Koshiba;
Pereira, 1999).

Para a agricultura familiar da Amazônia brasileira, a mandioca é uma das mais


importantes culturas, destacando-se o Pará como o maior produtor regional
e nacional há 27 anos. Da cultura da mandioca não se perde nada, todas as
partes da planta podem ser beneficiadas e transformadas em produtos de
elevado valor agregado. Suas folhas podem ser utilizadas na alimentação
humana e animal pela riqueza em proteínas; a base do caule pode ser
aproveitada para geração de energia, o terço médio do caule seleciona-
-se para novos plantios e pode ser triturado para forragem na alimentação
animal. Das raízes, extrai-se a fécula, que tem mais de mil aplicações, sendo
utilizada em diversos produtos na indústria têxtil, cosmética, alimentícia e
outros; das raízes trituradas se produz a farinha e também se pode extrair
o tucupi, líquido de cor amarelada, utilizado como molho na composição
de pratos típicos da culinária paraense, como o pato no tucupi e o tacacá;
as cascas das raízes podem ser utilizadas na composição de rações para
animais ou como adubo orgânico.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 313

Neste artigo são apresentadas as potencialidades da cultura da mandioca


e de seu cultivo mecanizado no contexto cultural, econômico e ambiental
para o estado do Pará.

Importância no Brasil e no Pará


A mandioca é cultivada em todo o território brasileiro com uma área colhida
de 1,19 milhões de hectares e produção de 17,49 milhões de toneladas de raiz.
A região Norte é a principal produtora com 35% da produção brasileira, tendo
o Pará com 3,71 milhões de toneladas de raízes colhidas em 262.021 ha com
produtividade de 14,16 t ha-1 (IBGE, 2019). Com essa produção, o Pará atende
sua demanda interna e exporta para os estados do Amazonas, Amapá,
Maranhão, Tocantins e eventualmente para alguns estados nordestinos em
períodos de secas prolongadas na região semiárida.

É a cultura de maior importância econômica, social e cultural no estado do


Pará, chegando a ocupar duas pessoas no campo durante o ano para cada
3 ha cultivados, com estimativa de geração de mais de 200 mil ocupações
no meio rural (Conto et al., 1997; Homma, 2000). Considerando a produção
paraense de raízes em 2019 e a produção média anual de fabricação de
farinha, pelos processos artesanais e semiartesanais, da ordem de 212 sacos
de 60 kg por trabalhador (Modesto Júnior; Alves, 2015), estima-se a ocupação
de 83,2 mil pessoas trabalhando nas agroindústrias e casas de farinha no Pará.

As maiores produções de mandioca no Pará estão concentradas nas


mesorregiões Nordeste Paraense e Baixo Amazonas, que apresentam grande
oportunidade para investimento em agroindústrias de processamento de
mandioca para produção de farinha, tucupi, fécula e folha para alimentação
humana e animal.

No estado do Pará, existe uma diversificada categoria de mandiocultores.


A grande maioria é de pequenos agricultores que ainda praticam a
derruba e queima, obtendo baixa produtividade, produção predominante
para subsistência e pequeno excedente para o mercado. Um grupo de
produtores em menor número já adotam tecnologias de correção de
fertilidades do solo e desenvolvem atividades mecanizadas obtendo maior
produtividade com produção voltada para o atendimento de mercado.

Existe um mito na Amazônia de que a mandioca é uma cultura atrelada


à pobreza, o qual precisa ser quebrado. Isto depende do contexto
econômico, social e político em que ela se insere. No Paraná, é uma cultura
314 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

do agronegócio do estado, com excelente geração de empregos e renda,


mantendo inúmeras agroindústrias com objetivo principal de transformação
de fécula para exportação, sendo uma commodity de diversificadas
aplicações. A Tailândia, país do Sudeste Asiático que levou material genético
de nosso país, transformou-se em primeiro exportador de pellets e fécula de
mandioca para o mundo.

No estado do Pará existem dois perfis de mandiocultores: o de nível


tecnológico mais elevado, tanto no sistema de cultivo quanto no de
processamento da farinha, e que tem o foco de seu empreendimento
voltado para o mercado; o de subsistência, que cultiva a mandioca em
sistema tecnológico tradicional e processa a farinha em instalações
rudimentares, com o objetivo de segurança alimentar e pequeno excedente
para o mercado (Alves; Modesto Júnior, 2019).

O agricultor de nível tecnológico mais elevado cultiva a mandioca em


sistema semimecanizado com área média de 10 ha anuais, com preparo
de solo no sistema de aração e gradagem com reposição de fertilidade
com esterco de aves, resíduos de cultura e fertilizante químico, além de
aplicar herbicidas para controle de plantas daninhas. Planta a mandioca
com seleção de cultivares, preparo de manivas-semente e com definição
de espaçamento entre plantas. Faz o controle de invasoras fazendo até
duas aplicações de herbicidas, complementado com uma a duas capinas
manuais, e colhe mandioca conforme a necessidade de processamento
após os 12 meses, com produtividade média de 25 t ha-1. Contrata mão de
obra para o processamento médio de 30 sacos de farinha por semana.

O agricultor de subsistência planta mandioca em pequenos roçados de


uma a três tarefas (< 1 ha), com preparo de área no sistema de derruba
e queima, em capoeiras de curto pousio, até 4 anos de idade. Planta a
mandioca sem seleção de cultivares, sem preparo de manivas-semente e
sem definição de espaçamento entre plantas. Faz de uma a duas capinas
para o controle de invasoras e colhe mandioca conforme a necessidade
de processamento após os 12 meses, com produtividade média variando
de 9 t ha-1 a 12 t ha-1. Processa em média três sacos de farinha por semana.
Na Tabela 1, apresentam-se os indicadores de rentabilidade dos dois
perfis de agricultores.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 315

Tabela 1. Indicadores de rentabilidade de 1 ha de mandioca para produção de


farinha referente aos perfis de agricultores de nível tecnológico mais elevado e
de subsistência.
Agricultor de nível
Indicador Agricultor de subsistência
tecnológico mais elevado
Produtividade de raízes (t ha-1) 12 25
Produção de farinha
50 177
(sacos de 60 kg)
Preço do saco da farinha (R$) 250,00 250,00
Receita bruta (R$) 12.500,00 44.250,00
Custo operacional total (R$) 9.590,00 36.267,48
Margem bruta (R$) 2.910,00 7.982,52
Relação benefício/custo (B/C) 1,30 1,22
Custo unitário (R$/saco) 191,80 129,53
Ponto de nivelamento (saco) 38,4 145,1
Margem de segurança (%) 23,28 18,04

Fonte: Alves e Modesto Júnior (2013a).

Para a análise dos indicadores de rentabilidade, considerou-se o preço do


saco de 60 kg de farinha, comercializado na mesorregião Nordeste Paraense
pelas duas classes de agricultores no valor de R$ 250,00, que é o preço
médio anual praticado no mercado. A relação benefício/custo foi de 1,30
e 1,22, respectivamente, para o de subsistência e de nível tecnológico mais
elevado. Isso indica que cada real investido pelo agricultor de subsistência
retornou R$ 1,30 na colheita da mandioca, enquanto para o agricultor de
nível tecnológico mais elevado retornou R$ 1,22.

No tocante à margem bruta, a do agricultor de nível tecnológico mais


elevado foi 2,7 vezes maior que a do agricultor de subsistência. Ressalta-
-se que o agricultor de nível tecnológico mais elevado cultiva em média
10 ha por ano, portanto a lucratividade de sua lavoura foi de R$ 7.982,52,
enquanto a do agricultor de subsistência com apenas 1 ha foi de apenas R$
2.910,00. O custo unitário de cada saco de farinha de mandioca foi estimado
em R$ 191,80 no sistema do agricultor de subsistência e de R$ 129,53 no do
agricultor de nível tecnológico mais elevado.

O perfil dos agricultores paraenses de nível tecnológico mais elevado e


de subsistência caracteriza consequentemente o estado de riqueza e de
pobreza em função dos diferentes sistemas de manejo, que levam em
conta os contextos econômico, social e cultural em que os agricultores
estão inseridos. As diferentes lucratividades são consequência do retorno
de investimento que a cultura pode proporcionar. Cabe ao poder público
316 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

e à sociedade optar pelo aumento do número de agricultores de nível


tecnológico mais elevado ou permanecer com a realidade dos agricultores
de subsistência. Se aumentam os investimentos para a agricultura familiar e
desenvolvem um agronegócio semelhante ao estado do Paraná e à Tailândia
no Sudeste Asiático ou permanece no estágio atual de subdesenvolvimento.

Observa-se uma tendência de aumento de áreas mecanizadas para


produção de mandioca feita por agricultores com visão empresarial.
Ressalta-se que essas iniciativas têm que ser orientadas por técnicos
experientes, considerando as limitações de ordem tecnológica para
obtenção de uma boa colheita de mandioca. Os solos com vocação para
a mecanização são aparentemente planos. Porém existem regiões, como
o Sudeste Paraense, em que existem micro-ondulações que dificultam a
uniformização do preparo do solo, em média com até oito morretes por
hectare, que em contrapartida determinam a formação de bacias de água
nas chuvas mais intensas, favorecendo o apodrecimento da lavoura de
mandioca, principalmente em solos com maior teor de argila e de drenagem
deficiente. Em alguns tipos de solo, a mandioca poderá ser cultivada apenas
com o preparo do solo com arações e gradagens, mas em outros haverá
necessidade do cultivo em leiras ou camalhões, para facilitar a drenagem da
água pluvial, reduzir a umidade do solo e contornar o problema da podridão
de raiz de mandioca.

Sistemas de produção da mandioca


Os diferentes sistemas de produção de mandioca são importantes na
agricultura do estado do Pará e se caracterizam pela abrangência com que
são praticados, pelo nível tecnológico do sistema de cultivo e pelo poder
econômico dos agricultores.

O sistema de derruba e queima ainda é praticado pela maioria dos


agricultores familiares descapitalizados. É o de menor adoção de
tecnologias e o mais impactante para o meio ambiente, com produtividade
média da ordem de 15 t ha-1, com pouco retorno econômico. A cultura
fica dependendo apenas das cinzas das queimadas, processo secular de
cultivo ainda com uso do fogo, que contribui para degradação e redução
da fertilidade dos solos e da produtividade da mandioca e demais culturas,
obrigando os agricultores a abandonar a área de cultivo após a colheita de
um ou dois ciclos de produção.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 317

O sistema de roça sem fogo tem sido a alternativa proposta pela pesquisa
para esse estrato de agricultores, para redução dos impactos ambientais
e produtividade que podem ultrapassar 28 t ha-1 quando associadas com
aplicação do Trio da Produtividade da Mandioca e uso de fertilizantes
(Alves; Modesto Júnior, 2013b; Modesto Júnior; Alves, 2016). Esse grupo
de produtores, em geral, cultiva roçados de 1 a 3 tarefas por ano, em
média, utilizando a mão de obra familiar. Para esse perfil de agricultores, os
retornos econômicos são perceptivelmente maiores que os agricultores da
tradição de derruba e queima. Porém, devido à baixa escala de produção,
podem extrair produtos madeireiros, como lenha para torragem de
farinha ou para carvão, caibros para construção civil e moirões para cercas.
Também podem extrair produtos não madeireiros, como frutas, óleos,
resinas, artefatos para artesanatos, entre outros, provenientes de espécies
que podem permanecer na área de cultivo. Os produtos da mandioca,
como folha, farinha, tucupi e fécula, se destinam predominantemente à
subsistência, com a venda do excedente.

Já os sistemas de produção mecanizado e semimecanizado são praticados por


agricultores empreendedores, com maior nível tecnológico, utilizando mão
de obra terceirizada especializada, com áreas variando de 5 ha a 25 ha para os
médios produtores e de 25 ha, 50 ha até 100 ha para os grandes produtores,
com aplicação de capital próprio ou de crédito rural, utilização de fertilizantes
e agroquímicos para controle de plantas daninhas. A produtividade pode
atingir até 40 t ha-1 e a produção é destinada predominantemente ao
mercado paraense, com o excedente comercializado para outros estados,
como Amapá, Amazonas e estados do Nordeste, que têm alta demanda de
farinha eventualmente nas secas prolongadas.

Também existe sistema para cultivar a mandioca intercalada com milho


ou arroz e feijão-caupi, denominado de Sistema Bragantino, que é uma
tecnologia que dispensa o uso do fogo no preparo da área para plantio e
visa o cultivo contínuo da mesma área, usando a prática do plantio direto,
com a realização de até três cultivos por ano em rotação e consórcio entre
as culturas, ao invés de um como no sistema tradicional (Cravo et al., 2005).
O Sistema Bragantino tem como protocolo de recomendações a correção
da fertilidade do solo por meio de calagem, fosfatagem e aplicação de
micronutrientes, com base em resultados de análises de solo, podendo ser
utilizado tanto na agricultura familiar como na empresarial e adaptado a
qualquer parte da região amazônica, com possibilidades de obtenção
de produtividades acima de 40 t ha-1 de raízes de mandioca (Cravo et al.,
2008). Esse sistema é eventualmente adotado por agricultores no Nordeste
318 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Paraense, mas é prática de mais de uma centena de agricultores no estado


do Amapá, onde foi adotado como política pública.

Principais limitações
De modo geral, os agricultores familiares utilizam cultivares de baixa
produtividade, plantadas em arranjos espaciais aleatórios, sem o controle
adequado de invasoras que resultam em baixas produtividades. Nos
últimos 10 anos, a produtividade de mandioca do estado do Pará oscilou
entre 14,27 t ha-1 em 2014 e 15,80 t ha-1 em 2011, muito baixa considerando
que alguns extratos de agricultores conseguem produtividades acima de
40 t ha-1.

Doenças como a podridão radicular têm afetado seriamente a cultura


da mandioca, podendo atingir até 100% de perdas em variedades mais
suscetíveis no estado do Pará. A maior incidência da doença ocorre
nos períodos de chuvas fortes e em áreas mecanizadas com grade
aradora e mal preparadas, em solos com baixo teor de matéria orgânica,
compactados e sujeitos ao encharcamento mesmo que temporário, em
épocas de elevada precipitação.

Como o agricultor não executa a seleção de manivas-semente para o


plantio seguinte e raramente pratica a rotação de culturas, pragas e doenças
são propagadas de um plantio para outro, refletindo no decréscimo da
produtividade e até na perda total da lavoura. Essas condições favorecem a
disseminação de doença causada por patógenos como Phytophthora spp.,
Fusarium spp., entre outros.

Custos de produção
Para que os produtores e os agentes financeiros possam nortear suas decisões
a serem tomadas no momento do planejamento da safra de mandioca,
considerando o sistema de cultivo mecanizado em expansão na mesorregião
Nordeste Paraense, que obtém produtividade média entre 25 t ha-1 e 30 t ha-1,
torna-se oportuno conhecer os custos de produção e os resultados financeiros.
Nesse sentido, é fundamental conhecer o custo da unidade produzida, o
resíduo gerado a cada safra e o retorno dos investimentos, considerando as
condições de mercado (Guiducci et al., 2012).

Os dados dos coeficientes dos custos de produção do cultivo mecanizado


da mandioca na mesorregião Nordeste Paraense desde o preparo do solo,
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 319

plantio, materiais, insumos, tratos culturais e colheita foram obtidos a partir


de dados de pesquisa de campo e entrevista com agricultores e técnicos
que adotam os diferentes sistemas de cultivo. Para a estimativa dos custos,
utilizou-se a metodologia proposta pelo Instituto de Economia Agrícola
(Matsunaga et al., 1976).

Considerou-se como despesas indiretas o custo de oportunidade do capital


investido, calculado com base em 6% ao ano da somatória das despesas
diretas necessárias ao sistema de produção da mandioca. O custo da terra
foi calculado de acordo com Guiducci et al. (2012), estimado na base de 4%
ao ano, tendo-se como referência o valor de R$ 4.000,00 por hectare em
área destocada e R$ 2.000,00 em área de capoeira. Considerou-se também
o Imposto Territorial Rural na ordem de R$ 5,00 o hectare por ano.

Os preços dos produtos e serviços utilizados foram obtidos no comércio


local da mesorregião Nordeste Paraense em 2020. A renda total (RT)
origina-se da venda da raiz da mandioca, sendo obtida a partir da
quantidade produzida em tonelada, comercializada na mesorregião
Nordeste Paraense. O preço da raiz de mandioca recebido pelos
produtores em 2020 se manteve entre R$ 450,00 e R$ 650,00 a tonelada.
Considerando as condições de elevação atípica e abrupta do preço da raiz
de mandioca, que até pode se evidenciar em receitas superestimadas e
induzir produtores a investirem de forma equivocada, adotou-se, nos
indicadores de rentabilidade, o preço de R$ 370,00 a tonelada da raiz,
que é o valor médio informado pelos agricultores e técnicos da região em
condições normais de comércio de raízes de mandioca na região. Na análise
de rentabilidade, comparou-se o custo total (COT), frente à RT, obtendo-se,
da diferença entre esses valores, um diferencial que constitui a margem
líquida (ML).

A relação benefício/custo (B/C) foi calculada conforme procedimento


adotado por Pessoa et al. (2000), Araújo et al. (2005) e Melo et al. (2009) e
significa o resultado do quociente entre RT e COT. O ponto de nivelamento,
em termos monetários, foi obtido pela razão entre o COT e o total de
unidades produzidas, medida em toneladas de raízes por hectare. Já o
ponto de nivelamento, em termos de produção de raízes em toneladas,
foi calculado pela razão entre o COT e o valor de cada tonelada de raiz
produzida, utilizando-se o preço médio de R$ 370,00 por tonelada. A
margem de segurança do sistema foi gerada pela diferença entre o COT e a
RT, dividindo-se pelo RT em percentagem.
320 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Na Tabela 2 apresentam-se os indicadores de rentabilidade de raízes de


mandioca cultivadas em área de 1 ha preparada mecanicamente no município
de Tracuateua. A relação benefício/custo foi de 1,39, indicando que para cada
real investido obteve-se R$ 1,39 na comercialização de raízes. No tocante ao
ponto de nivelamento ou equilíbrio, que se refere ao que deve ser produzido
para cobrir os custos de produção, obteve-se 21,65 t ha-1 de raiz. A margem de
segurança de 27,85% indica o quanto pode variar o preço ou a produtividade
sem que a margem bruta se torne negativa.

Tabela 2. Custo de produção de mandioca em área destocada, em sistema


mecanizado no Nordeste Paraense, município de Tracuateua, Pará, 2020.
Valor (R$)
Descrição Unidade(1) Quantidade (%)
Unitário Total
DESPESAS DIRETAS
Roçagem com roçadeira
H.T.P. 1 150,00 150,00 1,87
hidráulica de 1,7 m de largura
Gradagem pesada (1 passada) H.T.P. 1 150,00 150,00 1,87
Gradagem leve niveladora
de 4,20 m largura (duas H.T.P. 1 150,00 150,00 1,87
passadas)
Calcário dolomítico t 1,5 350,00 525,00 6,56
Fosfato natural (Arad) t 0,5 900,00 450,00 5,62
Adubo químico NPK 10-28-20 saco 7 110,00 770,00 9,61
Aplicação do calcário e Arad
Verba 1 100,00 100,00 1,25
no preparo da área
Cloreto de potássio saco 2 130,00 260,00 3,25
Inseticida (controle do
litro 0,5 70,00 35,00 0,44
mandarová)
Manivas-semente(2) Verba 1 400,00 400,00 4,99
Plantio e adubação do NPK H.T.P. 2 155,00 310,00 3,87
Herbicida (no plantio) Verba 1 250,00 250,00 3,12
Corte manual de moita aos
DH 2 50,00 100,00 1,25
45 dias
Adubação de cobertura
DH 2 50,00 100,00 1,25
(potássio) aos 60 dias
Amontoa manual aos 60 dias DH 16 50,00 800,00 9,99
Herbicida Glifosato aos 4, 7 e
Verba 3 250,00 750,00 9,36
9 meses após o plantio
Roçagem manual DH 6 50,00 300,00 3,75
Colheita (arranquio) t 30 65,00 1950,00 24,35
CUSTO OPERACIONAL EFETIVO 7.400,00 92,40
Custo de oportunidade de
%/ano 6 7.400,00 444,00 5,54
capital de custeio
Custo da terra por hectare %/ano 4 4.000,00 160,00 2,00
Imposto sobre propriedade
R$ 1 5,00 5,00 0,06
rural (ITR)
Continua...
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 321

Tabela 2. Continuação
Valor (R$)
Descrição Unidade(1) Quantidade (%)
Unitário Total
CUSTOS INDIRETOS E ENCARGOS ADMINISTRATIVOS 609,00 7,60
CUSTO TOTAL 8.009,00 100
RECEITA BRUTA 11.100,00
Venda de raízes t 30 370,00 11.100,00
MARGEM BRUTA 3.091,00
Relação benefício/custo (B/C) 1,39
Ponto de nivelamento (R$) 266,97
Ponto de nivelamento (t) 21,65
Margem de segurança (%) 27,85
(1)
H.T.P.= hora trator de pneu de 110 CV, 4 cilindros; DH = dia homem-1.
(2)
Hastes de mandioca selecionadas pelo potencial de produção e sanidade.

Nível de verticalização da produção


A mandiocultura paraense pode ser totalmente industrializada, com a
possibilidade de expandir seus produtos para a indústria alimentícia, têxtil,
mineração, bebidas, farmacêutica, cosmética, combustível, entre outros. No
Pará, mais de 90% da produção de mandioca é transformada em farinha de
mesa. Em menor escala, também são produzidos farinha de tapioca, tucupi,
fécula e maniva pré-cozida, que são produtos usados no preparo de iguarias
típicas como o tacacá, o pato no tucupi e a maniçoba. Quanto à expansão
da cultura visando à produção de fécula, a política agrícola do estado deve
ser paulatinamente equilibrada para não desestabilizar a cadeia produtiva
de farinha de mesa, considerando a sua importância para a segurança
alimentar da região.

Farinha de mesa
No Pará são produzidos diferentes tipos de farinha, em consequência das
diversas cultivares de mandioca utilizadas como matéria-prima: bravas ou
mansas e com raízes de cores branca, creme e amarela. Os consumidores
expressam maiores preferências pelas farinhas amarelas, obtidas a partir das
raízes de mesma cor, principalmente para o consumo de farofas.

Como a oferta de mandioca com raiz de polpa amarela não é suficiente para
atender a demanda do mercado por farinha amarela, os farinheiros tiveram
que recorrer ao uso de corantes artificiais utilizados em outros produtos
para intensificar a cor amarela nas farinhas obtidas de raízes de polpa branca
e creme, para torná-la mais atraente ao consumidor. Passaram a usar o
322 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

corante amarelo-tartrazina (produto permitido na indústria de alimentos e


medicamentos pelo órgão de vigilância sanitária). O problema é que o uso
indiscriminado desse corante pode prejudicar a saúde dos consumidores,
por estar incluído no rol de substâncias alergênicas, principalmente se usado
acima das doses recomendadas, prática comum entre os farinheiros da região.

Prospecções realizadas em algumas farinheiras do Nordeste Paraense


evidenciaram a utilização do corante amarelo-tartrazina na dosagem de
400 g para 20 L de água, solução suficiente para 1 mil quilos de farinha,
quando a dose máxima seria de 300 g de tartrazina por tonelada de farinha
(Alves; Modesto Júnior, 2017b). O consumo de tartrazina acima das doses
permitidas pode provocar reações alérgicas em pessoas sensíveis ao
corante, como asma, bronquite, rinite, náusea, broncoespasmos, urticária,
eczema e dor de cabeça.

A farinha produzida também se diferencia pelos diferentes processos de


fabricação: farinha-seca, farinha-d’água, farinha mista e farinha lavada.
A farinha mais famosa e de maior preferência popular e valor agregado
é a farinha lavada de Bragança, produzida por agricultores familiares do
município de Bragança, que aperfeiçoaram o processo de fabricação da
farinha-d’água, aferindo melhor qualidade ao produto. A lavagem das raízes
e da massa é feita três vezes durante o processo de fabricação da farinha,
com a retirada de talos, impurezas e fibras, sendo a principal etapa para obter
a qualidade que tanto encanta os apreciadores do produto, diferenciando
entre a farinha-d’água e a comum (seca), que recebem apenas uma lavagem
(Alves; Modesto Júnior, 2019).

As lavagens contribuem para a redução da concentração do cianeto presente


nas raízes de mandioca-brava, tornando a farinha mais crocante e bastante
consumida pela população. Segundo depoimento dos agricultores produtores
dessa farinha, ela teve origem pela necessidade de atendimento ao consumo
de mulheres parturientes e pessoas com problemas gástricos, pela menor
produção de gases estomacais. A farinha lavada de Bragança se caracteriza
como um dos principais produtos derivados do processamento diferenciado
da mandioca com maior valor agregado e, caso sejam atendidas as exigências
da fiscalização da vigilância sanitária pelas farinheiras que a produzem, poderá
ser um produto que pode conquistar a sua indicação geográfica.

Nos últimos anos, os agricultores da mesorregião Nordeste Paraense têm


obtido ótimas rentabilidades no processamento de farinha de mesa e
isso vem despertando a atenção de novos empreendedores, interessados
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 323

em investir em agroindústrias para produção de farinha. Os agricultores


familiares, organizados por meio de suas associações e sindicatos, também
têm se manifestado com interesse por crédito para instalação de unidades
de processamento comunitário.

Esse interesse na expansão e instalação de novas casas de farinha se deve à


elevação da demanda e pela facilidade de comercialização da farinha, que
pode ser produzida o ano todo.

Os projetos de agroindústrias de farinha devem seguir as recomendações


e as diretrizes contidas na Portaria Adepará nº 3.672 de 2 de outubro
de 2014 (Pará, 2014), que dispõe sobre a habilitação sanitária do
estabelecimento agroindustrial rural tipo agricultura familiar no estado e
dá outras providências.

Também existe a possibilidade de aproveitamento de outros subprodutos,


considerados como resíduos, tais como as cascas e bagaços, que podem ser
destinados para ração animal e/ou para compostagem, visando à produção
de adubo orgânico; a manipueira, que é o líquido extraído da prensagem das
raízes, também pode ser usada na alimentação animal, como fertilizante, na
produção de gás metano, entre outros.

Fécula para produção de farinha de tapioca e tapioquinha


A farinha de tapioca é um produto genuinamente paraense de grande
aplicação na culinária local, nas sorveterias e muito apreciada quando
consumida com açaí ou café. Ela é produzida a partir da fécula (amido), que
é considerada o subproduto mais nobre da mandioca, tendo mais de mil
aplicações, que vai desde sua utilização na indústria de alimentos até como
lubrificante de brocas, na perfuração de poços de petróleo (Felipe, 2012).

A fécula de mandioca é a matéria-prima usada para a fabricação de farinha de


tapioca, sendo praticamente toda importada do estado do Paraná, em fardos de
25 kg com 13% de umidade. Estima-se que sejam importadas 8.484 t de fécula
por ano para a fabricação de farinha de tapioca, por cerca de 140 minifábricas
artesanais que funcionam no Distrito de Americano, município de Santa Isabel
do Pará (Alves; Modesto Júnior, 2012). Sendo, dessa forma, uma excelente
oportunidade de investimento em pequenas agroindústrias de extração de
amido de mandioca para atender esse arranjo produtivo.

Destaca-se também a possibilidade de investimentos em agroindústrias


para processamento de farinha de tapioca. Por exemplo, estudo de caso
324 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

de uma farinheira semiartesanal de Santa Isabel do Pará revelou que, com


investimento de R$ 52.258,00 em 2014, processou 399 pacotes de 14 kg
ou 100 L de farinha de tapioca por mês e teve um lucro líquido mensal
de R$ 3.812,72, com uma taxa interna de retorno da ordem de 13,7 meses
(Modesto Júnior; Alves, 2015).

A fécula é um produto muito usado para o preparo de tapioquinhas e


se constitui em uma atividade que vem atraindo a atenção de novos
empreendedores no Pará, com mercado em expansão, de excelente
retorno econômico, geradora de emprego e renda. A fécula também
serve de ingrediente para o tacacá, no preparo de mingaus e biscoitos.
Os intermediários adquirem a fécula do Paraná, com 13% de umidade,
adicionam água até atingir de 40% a 45% de umidade, ficando no ponto
ideal para o preparo de tapioquinhas. O comércio se dá em embalagens de
1 kg em forma de tabletes embalados a vácuo e em sacos transparentes
com o produto peneirado, com identificação de marcas de fabricantes e
código de barras.

Existe uma empresa estabelecida no município de Santa Isabel do Pará que


importa 19,2 mil fardos de 25 kg de fécula do Paraná por ano para o preparo
de tapioquinhas, equivalente a 480 t (Modesto Júnior; Alves, 2019a), que
somado à demanda por farinha de tapioca resulta em 8.964 t de fécula por
ano, correspondente a uma importação de R$ 22,2 milhões, considerando o
valor médio da tonelada de fécula em R$ 2.475,00 em novembro de 2020, de
acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (2020).

Para a diversificação da produção de mandioca visando à produção de


fécula, deve-se enfatizar a experiência malsucedida da instalação da única
fecularia no estado, no município de Moju, com capacidade para processar
200 t diárias de raiz, que funcionou precariamente pela dificuldade da
obtenção de matéria-prima no seu entorno, considerando que, apesar de
ter sido instalada no epicentro de produção do estado, no seu planejamento
não levaram em consideração que a produção era originária de pequenos
roçados de em média 1 ha a 2 ha, inviabilizando a logística de transporte
de matéria-prima da área de produção para a plataforma da fecularia.
Além disso, a fecularia não tinha o plantio próprio para estabilizar o
processamento na falta de matéria-prima de terceiros. Se uma nova política
de incentivo à produção de fécula for retomada, sugere-se que as fecularias
sejam planejadas conforme o porte das farinheiras de três fornos, que
possuem capacidade de trituração diária de 10 t de raiz em média. Escala
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 325

recomendada inclusive para exportação de fécula, considerando uma maior


participação social na cadeia produtiva da mandioca.

Tucupi
O tucupi é um líquido de cor amarelada, retirado da raiz da mandioca-
-brava de polpa amarela, que passa por processo artesanal de lavagem,
descascamento, trituração, adição de água e prensagem da massa.
Posteriormente, é colocado em repouso por 24 horas, para que ocorra a
fermentação e decantação, separando o tucupi do amido (fécula a 45% de
umidade). Porém, a raiz da mandioca apresenta glicosídeos cianogênicos
(linamarina e lotaustralina) que por si só não são tóxicos, mas liberam o ácido
cianídrico (HCN) conhecido como cianeto, responsável pela toxidez, após a
ação de enzimas (linamarase). Para eliminar ou reduzir o cianeto, o tucupi
passa por fervura de 40 minutos, sendo adicionados condimentos (alho,
alfavaca, sal, chicória e outros) para ser usado como molho em diferentes
pratos típicos com peru, frango, suíno, peixes, camarão, caranguejo, arroz a
paraense e molho de pimenta-de-cheiro.

Resultados de pesquisa obtidos por Campos et al. (2016) indicam que


não há padronização para o processamento do tucupi comercializado na
cidade de Belém, pois as amostras apresentaram grandes variações em suas
características físico-químicas e microbiológicas. Segundo Campos et al.
(2017), as etapas de fermentação e cocção são as mais importantes para a
redução dos teores de cianeto livres e total a níveis seguros no produto final
para consumo humano. Porém, não existe um padrão de fabricação com o
tempo de fermentação variando de 6 horas a 24 horas e o tempo de cocção
de 60 minutos após o ponto de ebulição (Campos et al., 2016).

Como avanço do conhecimento, pesquisa conduzida por Campos (2016)


estabelece que o tempo de fermentação do tucupi seja de 24 horas e o
tempo de cocção de 40 minutos, para que as propriedades físico-químicas
e sensoriais características do produto estejam em conformidade com a
legislação, além de apresentar níveis de cianeto total e livre seguros para o
consumo humano, podendo ser armazenado por 30 dias sob refrigeração.

A venda e o consumo de iguarias como o tucupi se dão durante o ano


todo, sendo bastante consumido no famoso prato denominado de pato no
tucupi, porém também são consumidas outras aves como o frango, o peru e
o chester. Mas é nas semanas que antecedem a maior festa religiosa do País,
considerada por muitos como a maior do mundo, o Círio de Nossa Senhora
326 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

de Nazaré, realizado em Belém, no segundo domingo de outubro, que ele


realmente dispara em vendas nas feiras e supermercados, sendo necessária
a compra em dobro dos produtos e a contratação de mais pessoas para
auxiliar nos atendimentos. Para se ter ideia, há quem venda 2 mil garrafas
pet de tucupi por dia nas principais feiras de Belém (Valente; Pereira, 2017).
Essas iguarias também são bastante consumidas por ocasião das festas
juninas e natalinas.

O Círio de Nazaré é a única festa religiosa no País capaz de levar às ruas mais
de 2 milhões de pessoas em procissão, como revelam os dados de 2016 da
Diretoria da Festa de Nazaré e do Departamento Intersindical de Estatística
e Estudos Socioeconômicos do Pará (Dieese/PA). Não existem dados sobre o
consumo de tucupi durante o Círio, mas Homma (2017), a partir de receitas
do vídeo “Cozinha Paraense” do chef-de-cuisine Paulo Martins (1946–2010),
estabelece uma relação de 1 pato para 3 L de tucupi e 3 maços de jambu.
Estimando que cinco pessoas consomem um pato, calcula-se que cerca de
20% dos romeiros (400 mil pessoas) possam consumir o tradicional pato
no tucupi no almoço do Círio. Considerando essas informações, é possível
haver um consumo de 80 mil patos, 240 mil litros de tucupi e 240 mil maços
de jambu.

No processamento de tucupi são extraídos 70 L do produto de 100 kg de raízes


de mandioca de polpa amarela. Logo, para atender a demanda do almoço
do Círio, seriam necessárias 343 t de raízes de mandioca. Considerando
a produtividade média do estado do Pará na ordem de 15 t ha-1, seriam
necessários o equivalente a 23 ha de área colhida.

Nos últimos anos, a demanda por tucupi tem aumentado significativamente,


pois o produto possui sabor e aroma que estão conquistando outras regiões
do Brasil, por ser conhecido como um dos produtos mais importantes da
culinária paraense e as agroindústrias estão aumentando a produção
e expandindo suas instalações. Nesse contexto, várias unidades de
processamento de tucupi e fécula estão sendo atendidas pelas ações de
certificação artesanal da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará
(Adepará), que busca certificar a produção oriunda de pequenos produtores,
com base na legislação estabelecida pela Portaria da Adepará nº 3.672 de
2 de outubro de 2014 (Pará, 2014). Os produtos registrados, segundo essa
portaria, têm trânsito livre no estado e o reconhecimento pela qualidade.
A certificação permite ampliar mercados, expandir as vendas, diferenciar
e qualificar os produtos, desenvolver a confiabilidade dos consumidores e
gerar riquezas para o agronegócio, principalmente ao pequeno produtor.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 327

No município de Santa Izabel do Pará, a comunidade Centrinho se destaca


no arranjo produtivo por possuir agroindústrias com certificação de produtos
artesanais concedida pela Adepará para processar raízes de mandioca amarela
para fabricação de tucupi e fécula. Um empreendedor fez um investimento
de R$ 165.640,00 numa agroindústria, com capacidade de processamento
de 11,6 mil quilos de raízes por mês, que resulta na fabricação de 7.980 L
de tucupi e 2.280 kg de fécula, gerando seis empregos diretos. O tucupi se
destacou como principal produto e, com a sua comercialização, juntamente
com a fécula, o empreendedor obteve um pró-labore mensal de R$ 2.800,00 e
um lucro líquido de R$ 3.218,69, que somados equivalem a quase seis salários
mínimos (Modesto Júnior et al., 2019a).

Maniva pré-cozida
Na Amazônia quase todo o potencial proteico das folhas e ramas da planta
da mandioca é deixado no campo após a colheita das raízes, exceto nas
propriedades que atendem os nichos de mercado de folhas para produção
de maniçoba. A folhagem é rica em proteína, com teor em torno de 20,77%,
em base seca, (Penteado; Ortega Flores, 2001), podendo atingir 33,04% a
38,44%, aos 12 meses de idade (Modesto et al., 2001). Também é rica em
vitamina A e C, com conteúdo de minerais relativamente alto, especialmente
ferro (Penteado; Ortega Flores, 2001).

Nos últimos anos, o uso de proteína extraída das folhas da mandioca tem
se tornado uma excelente alternativa para alimentação humana e animal,
em razão de a produção de folhas ser muito abundante e da adaptação
da mandioca aos diversos ecossistemas, o que possibilita o seu cultivo em
todo o território brasileiro. Estima-se a produção entre 5 t ha-1 e 10 t ha-1 de
folhas frescas (Almeida; Ferreira Filho, 2005) que podem ser submetidas a
diferentes processos, para obtenção de produtos destinados à alimentação
animal e humana.

Na região Norte do Brasil, principalmente no Pará, usa-se as folhas da


mandioca como principal componente de um prato denominado de
maniçoba, de origem cabocla e tradicional da culinária paraense, muito
delicioso e apreciado pela população. Esse prato é uma tradição no almoço
do Círio de Nazaré, que também é realizado em Bragança, Vigia, Castanhal,
Curuçá e em vários municípios do Nordeste Paraense e Baixo Tocantins.
Nessa época, os pedidos por pratos prontos de maniçoba começam a ser
feitos no início do mês de setembro, estendendo-se até às vésperas dos
Círios, devido ao esforço e ao trabalho que se tem para cozinhar o prato
328 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

por um período cuja tradição é de 7 dias, principalmente para reduzir a


níveis seguros os teores de ácido cianídrico naturalmente existente na parte
aérea e nas raízes da planta, pois, caso a maniva seja ingerida sem a fervura
suficiente, pode levar a casos extremos de envenenamento.

O consumo de maniçoba tem se tornado cada vez mais frequente em


festas de aniversário, restaurantes temáticos, quiosques e lanchonetes, cuja
demanda tem gerado um mercado em crescimento para a comercialização
das folhas trituradas e pré-cozidas de mandioca, resultando em ótima
rentabilidade para as agroindústrias.

Segundo informações da Adepará obtidas em novembro de 2020, existiam


cerca de sete unidades de processamento de folhas pré-cozidas que haviam
recebido ou estavam em fase de acompanhamento para recebimento do
registro do Serviço de Inspeção Estadual (SIE) ou certificado de produto
artesanal. Os empreendimentos processam folhas da mandioca-brava e da
macaxeira ou aipim (Manihot esculenta Crantz) e também da maniçobeira
(Manihot cf. pseudoglasiovii Pax & k. Hoffm).

No caso da maniçobeira, trata-se de uma espécie com ampla dispersão


em todo o território paraense, porém pouco cultivada, por suas raízes não
acumularem amido e serem inapropriadas para fabricação de farinha.
Diferencia-se da mandioca pelo seu hábito de crescimento arbustivo e por
ser semiperene. É uma planta que apresenta produção de folhas da ordem
de 14.850 kg ha-1 ano-1, suporta várias podas, com possibilidades de até seis
colheitas de folha por ano (Alves et al., 2019). A comunidade de Tracuateua
da Ponta, no município de Santo Antônio do Tauá, situado na mesorregião
metropolitana de Belém, a 54 km da capital paraense, vem se destacando
como pioneira no cultivo dessa espécie, com cerca de 44 agricultores que
cultivam em média 0,28 ha por agricultor ao ano, destinados à produção
de folhas para maniçoba. Em 2016, existia nesse município um arranjo
produtivo com três unidades processadoras artesanais de folhas pré-cozidas,
proporcionando a ocupação de 12 pessoas (Modesto Júnior et al., 2019b).

A maioria das agroindústrias de processamento de folhas de maniçobeira e


de mandioca para fabricação de maniva pré-cozida no estado do Pará adota
o cozimento das folhas sendo feito após a moagem. Entretanto, algumas
unidades preferem cozinhar as folhas antes da moagem. As folhas de
maniçobeira e de mandioca cozida após a moagem apresentaram teores de
cianeto total abaixo de 10 mg HCN/kg, que é o limite recomendado como
seguro para farinhas de mesa pela Organização das Nações Unidas para a
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 329

Alimentação e a Agricultura (FAO) (Speijers, 1993; Codex Alimentarus, 1995).


Contudo, o processo de cozimento antes da moagem demonstrou ser em
torno de sete vezes menos eficiente na redução dos teores de cianeto nas
folhas de mandioca. Esse fato pode ser devido à inativação prévia de parte
da enzima linamarase durante o cozimento, indicando a necessidade de
estudos mais detalhados (Modesto Júnior et al., 2019).

Recomendações estratégicas
Nos últimos anos, observam-se diversas mudanças no cultivo da
mandioca, principalmente na mesorregião Nordeste Paraense. Os
agricultores estão aumentando suas áreas de cultivo utilizando a
mecanização no plantio, nos tratos culturais e na colheita. Já existem
casos de agricultores se especializando como produtores de raízes
(que não fabricam farinha) e de agricultores se especializando como
produtores de farinha (farinheiros). O comércio de raízes de mandioca
entre agricultores e farinheiros já é uma realidade na cadeia produtiva.

A precária infraestrutura das instalações da grande maioria das casas de


farinha não atende os pré-requisitos mínimos de higiene e segurança
alimentar exigidos pela vigilância sanitária que, associados ao processo de
fabricação artesanal de baixa escala e baixo rendimento de produção, vêm
forçando a elevação do preço da farinha em razão do alto custo de produção.
Essas evidências se caracterizam como oportunidades de melhorias, bem
como possibilidades de entrada de empreendedores que possam investir
em agroindústrias adequadas à legislação.

As associações, cooperativas e sindicatos de agricultores poderiam assumir


o processo de produção de mandioca e comercialização da farinha, porém
isso não tem ocorrido, ressaltando-se que menos de 2% da produção de
farinha é comercializada por organizações de produtores. No Pará, observa-
-se que o insucesso das organizações de agricultores na concepção de
cooperativismo e associativismo deve-se ao alto índice de analfabetismo,
baixa escolaridade e incapacidade dos agricultores familiares para
administrar uma cooperativa (Pará, 2004). A maioria das associações de
agricultores existentes é formada com objetivo de obter financiamentos
ou beneficiar-se de programas governamentais. Assim, existe uma carência
generalizada de organização que ajude, oriente e facilite o planejamento
e a profissionalização da produção, na aquisição combinada de insumos e
implementos e na comercialização de modo coletivo de produtos derivados
da mandioca, para reduzir custo e agregar valor à produção.
330 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A farinha de mesa é o principal produto da mandioca, porém uma


campanha deve ser conduzida para orientar os agricultores e farinheiros
sobre os problemas causados pelo uso indiscriminado de corantes artificiais
na fabricação de farinha e tucupi, que são prejudiciais à saúde humana, e
incentivá-los a aumentarem a área de produção de mandioca com cultivares
de polpas amarelas para o preparo de farinha amarela natural. Quando o
uso do corante for indispensável, deve-se adquirir de estabelecimentos
idôneos e usá-los conforme a dosagem recomendada em suas embalagens,
atendendo a exigência legal. Aos consumidores é recomendado se
alimentarem de farinhas de cor branca e creme e, quando optarem pela
amarela, escolham aquelas sem uso de corantes artificiais.

E não é somente a farinha que está em evidência, diversas agroindústrias estão


funcionando adequadamente, processando outros derivados da mandioca,
tais como: tucupi, fécula, folhas de maniva pré-cozida e farinha de tapioca e
estão demandando elevada quantidade de matéria-prima, com possibilidades
de agregação de valor com a industrialização, gerando emprego e renda,
devido ao excelente potencial para crescimento do mercado.

No caso do tucupi, os resultados da pesquisa indicaram que há necessidade


de os fabricantes padronizarem as variáveis de processamento, passando a
adotar 24 horas de fermentação e 40 minutos de cocção, para que atenda
os parâmetros da legislação quanto aos limites dos teores de cianeto
adequados para o consumo humano. Para atender outros mercados, há
necessidade de ampliar a escala de produção para facilitar a inserção no
mercado nacional de produtos artesanais.

Outra vertente potencial de verticalização da produção de mandioca é difundir


a utilização da parte aérea para a fabricação de ração animal, considerando a
riqueza em proteínas e ressaltando-se que na maior parte dos plantios essa
matéria-prima é abandonada nos campos durante a colheita.

Tecnologias como definição de melhor época de plantio, preparo de


área sem fogo, seleção de cultivares mais produtivas e tolerantes à
podridão radicular, seleção e preparo de manivas-semente, orientação
de espaçamentos adequados e controle de invasoras nos períodos
críticos de formação das raízes, podem ser objeto da pauta de extensão
rural, tecnologias de processos com maior possibilidade de adoção pelo
produtor visando o aumento da produtividade de raízes. A intercalação
de culturas com a mandioca, tal como preconizado no Sistema Bragantino
(Cravo et al., 2008), deve ser objeto de intensa difusão de tecnologias,
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 331

considerando o aumento de produtividade da mandioca, a diversificação


de culturas e a segurança alimentar, principalmente para o extrato de
agricultores familiares.

Para a expansão da cultura com o objetivo industrial, tecnologias de


conservação de solo devem ser difundidas simultaneamente com a
mecanização, como plantio em curvas de nível e plantio em leiras ou
camalhões visando o controle da podridão radicular, especialmente em
solos com elevado teor de argila e drenagem deficiente (Alves et al., 2020).
Programas de orientação técnica por parte da extensão rural devem ser
executados no intuito de restringir o uso indiscriminado de grade aradora
no preparo do solo para mandioca no estado do Pará, predominante na
maioria das patrulhas mecanizadas das prefeituras municipais, cuja ação
vem contribuindo para a formação do chamado “pé-de-grade”, que resulta
no encharcamento do solo e perdas de quase toda a lavoura mecanizada
por infestação da podridão radicular.

Em algumas áreas, deve ser orientado até, de 3 em 3 anos, a utilização


de subsoladores para quebrar essas camadas de solo compactadas, ou
a utilização de cultivos mínimos como o plantio direto com manejo de
leguminosas para elevação do teor de matéria orgânica dos solos.

Ainda para os cultivos em grandes áreas, especial atenção deve ser


dada à multiplicação e distribuição de manivas-sementes de cultivares
mais produtivas e resistentes a pragas e doenças, além da difusão de
tecnologias para o uso correto de herbicidas no controle de invasoras,
visando a melhor eficiência no controle da competição do mato e redução
dos impactos ambientais.

Um programa estadual de difusão do uso de fertilizantes e corretivo


na cultura da mandioca torna-se necessário visando o aumento de
produtividade, aumento da escala de consumo desses insumos para
redução dos preços elevados no mercado, como consequente indutor
da oferta, considerando a falta desses insumos para atender a demanda
(Alves; Modesto Junior, 2013c). Uma política de fomento à mecanização
deve ser simultaneamente executada, com linhas de crédito especiais para
microtratores e equipamentos das casas de farinha, para compensar a
carência de mão de obra no campo, que limita a expansão de grandes áreas
de cultivo e de escala de produção de farinha.

Para a expansão da cultura no estado, deve ser considerada a dependência


da cadeia produtiva da mandioca em relação à lenha como principal fonte
332 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

de energia. O bioma mais impactado pela conversão de mandioca em


farinha é o da Amazônia, com uma equivalência de desmatamento anual
de 171.707 ha de capoeiras em regeneração (Alves; Modesto Junior, 2017a),
sem considerar a área propriamente dita para o cultivo da mandioca. Em
algumas regiões do estado do Pará, a área cultivada da mandioca vem
reduzindo pela falta de lenha para o processamento, como é o caso da
mesorregião Sudeste Paraense. Isso converge para a necessidade do
fomento de florestas energéticas visando compensar o passivo ambiental
provocado por essa cadeia produtiva no bioma Amazônia e manter a
sustentabilidade da cadeia produtiva.

Como a maioria dos agricultores familiares possui baixo grau de escolaridade,


sugere-se investimentos em mecanismos para facilitar o entendimento
e a adoção das tecnologias, por meio da difusão e comunicação, com
recomendações técnicas em linguagem e canais adequados, com a
produção de material de divulgação impresso, vídeo e áudio, dirigido a esse
público específico, associando ao texto algumas ilustrações que possam
sintetizar em poucas palavras as recomendações técnicas.

Deve-se priorizar investimento em extensão rural e assistência técnica


com ações de difusão de tecnologias sobre boas práticas de fabricação
de farinha aliado a financiamentos para melhoria da estrutura disponível
das precárias casas de farinha dos agricultores familiares. Esses são
indicadores para abertura de créditos de longo prazo para financiamentos
com taxas compatíveis para adequação da infraestrutura familiar existente,
mecanização parcial do processo de fabricação de farinha via oferta de
energia elétrica, recuperação de estradas vicinais, aquisição de máquinas e
implementos, instalações de minifecularias, financiamento de agroindústrias
comunitárias e/ou de agroindústrias de pequena escala ajustados para
unidade familiar.

A mandiocultura no estado do Pará pode ser caracterizada como uma


atividade agrícola tipicamente migratória, tanto nas propriedades como nas
microrregiões, em razão de ainda se utilizar predominantemente o sistema
de derruba e queima, dependente da biomassa da capoeira ou da floresta.
Estudos executados por Gusmão et al. (2016) demonstram a dinâmica de
deslocamento de produção da cultura da mandioca, especialmente em
função da disponibilidade de biomassa, inicialmente de floresta e depois
das capoeiras (Figura 1).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 333

Figura 1. Dinâmica da área plantada de mandioca em hectares nas microrregiões do Estado


do Pará, nos anos de 1990, 1995, 2000, 2005 e 2010.
Fonte: Gusmão et al. (2016).

Uma política inovadora deveria ser executada pelo Estado no intuito de


aumentar o tempo de cultivo na mesma área, seguindo as sugestões
estratégicas, visando reduzir a pressão ambiental no bioma Amazônia, com
elevação de produtividade, renda e inserção de um maior número de atores
na cadeia produtiva da mandioca.

Considerando que a cultura da mandioca é a mais tradicional do estado do


Pará, recomenda-se a concepção de uma política pública dirigida ao seu
fomento, fortalecendo a difusão de tecnologias com a intensificação da
extensão rural visando obter pelo menos 30 t ha-1, nível de produtividade
possível de ser atingido com as tecnologias já disponíveis.

Referências
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334 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

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www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/doc/402939/1/OrientalDoc105.PDF. Acesso em: 3
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PRODUÇÃO DE
FARINHA NO JURUÁ, AC:
oportunidades e desafios
para desenvolvimento
sustentável
Claudenor Pinho de Sá

Fundamentação histórica

A
área de interesse corresponde à região geográfica imediata de
Cruzeiro do Sul, anteriormente denominada microrregião do Vale do
Juruá, compreendendo os municípios Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima,
Marechal Thaumaturgo, Porto Walter e Rodrigues Alves. Faz fronteira com o
Peru, o estado do Amazonas e os municípios acreanos de Jordão e Tarauacá.
Possui uma população estimada em 154.965 habitantes e uma área total de
31.944,729 km2, aproximadamente 20% da área do estado do Acre.

A região teve no passado o extrativismo da borracha como a principal


atividade econômica, seu apogeu compreende o período entre 1877 e
1912, tendo uma sobrevida durante a Segunda Guerra Mundial, período
em que os seringais estavam nas mãos dos japoneses. Após o período áureo
da borracha, os seringais de cultivo implantados nas colônias britânicas
na Ásia (Malásia, Ceilão e Cingapura) passam a produzir a borracha a
preços mais competitivos e o Brasil perde a supremacia da borracha
natural em 1913. A produção da borracha natural da Malásia, oriunda dos
seringais de cultivo, supera a produção da borracha amazônica brasileira.
O extrativismo da borracha não consegue suportar a concorrência com o
cultivo e se instala uma crise sem precedente na atividade, provocando a
decadência e falência dos seringais.
340 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Nesse período, com a impossibilidade de incluir outras atividades


extrativistas nos seringais do Juruá, a subsistência dos seringueiros e de
seus familiares ficou comprometida e passa a depender de atividades
agrícolas, entre as quais se destacou o cultivo da mandioca. Inicialmente
contribuiu para subsistência e evoluiu para uma atividade geradora de
emprego e renda. Assim, o novo modelo de uso da terra se contrapõe ao
convencional, quando a atividade agrícola era proibida, pois o objetivo era
ter total dedicação do seringueiro na extração da borracha, como também
assegurar sua dependência ao dono do seringal, tendo em vista que a
venda da mercadoria era fornecida na forma de adiantamento para garantir
a posse da borracha produzida pelo seringueiro.

Nesse contexto, conclui-se que a falência do extrativismo da borracha foi


a força indutora do processo de mudança do modelo extrativista para
o agrícola (Freitas et al., 2021). O cultivo da mandioca para produção de
farinha é incrementado por migrantes provenientes do nordeste do Brasil e
produtores indígenas. Na segunda metade do século 20, a atividade agrícola
passa a ser a principal atividade econômica, sendo a produção de farinha a
principal fonte de renda e sustento da maioria dos agricultores.

Atualmente a mandioca para produção de farinha é cultivada em todos


os municípios acreanos e 35% dos estabelecimentos agropecuários que
cultivam a mandioca estão na região imediata de Cruzeiro do Sul, com
uma produção anual aproximada de 234,6 mil toneladas da raiz. Na região
estão instaladas 6.346 agroindústrias familiares de farinha de mandioca,
representando 51,46% do total no Acre. A produção de farinha de mandioca
na região é de 23.765 t, representando mais de 65% da produção do Acre.
Contudo, a produtividade da raiz é baixa quando comparada com as
demais regiões do Acre. O cultivo é realizado numa mesma área por 2 anos,
deixando em pousio por até 3 anos. No preparo da área, geralmente fazem a
broca, utilizam o fogo ou trator para aração e gradagem da terra no preparo
do solo. O plantio é escalonado durante o ano, fato que possibilita colheitas
sucessivas, promovendo uma melhor distribuição da renda e utilização da
mão de obra familiar disponível.

Portanto, a região imediata de Cruzeiro do Sul é a principal produtora de


farinha de mandioca do estado do Acre. A produção de farinha é uma
atividade tradicional, fruto de uma herança cultural de mais de um século,
executada e gerida pelo proprietário do estabelecimento e sua família, e
desempenha importante papel econômico, social e ambiental (condições
do solo pelo uso), presente nos três setores da economia dos municípios da
região e no cotidiano das comunidades rurais.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 341

Considerando a importância dessa atividade para a região imediata de


Cruzeiro do Sul (Juruá), uma vez que a economia local gira em torno da
produção da farinha, discutir as possíveis oportunidades e desafios que
podem influenciar na sobrevivência da unidade de produção familiar é
fundamental para entender as consequências. Os desafios traduzidos como
obstáculos podem contribuir para a concentração da posse dos imóveis
rurais, uma vez que o insucesso econômico e ambiental coloca em risco
a sobrevivência da unidade de produção familiar no meio rural, enquanto
as oportunidades traduzidas como vantagens competitivas podem ser
estratégicas para o sucesso da atividade.

Oportunidades
Indicação geográfica
O registro de indicação geográfica (IG) é conferido a produtos ou serviços
com o objetivo de distinguir a origem de um produto por meio da
identificação da área de produção, valorizando e atestando seus níveis de
qualidade, os quais são fruto dos fatores naturais de uma área delimitada e
daqueles relacionados à intervenção do homem.

Com relação à farinha de Cruzeiro do Sul, trazida por migrantes nordestinos


e adaptada por produtores indígenas, com o tempo, percebeu-se que era
um produto diferenciado com qualidade superior quando comparada
à farinha produzida em outras localidades. Agregou cultura, tradição e
evoluiu, tornando-se um produto de orgulho regional.

Diversas instituições uniram esforços para o fortalecimento desse ativo de


inovação por meio do reconhecimento da IG, dentre elas: a) Central das
Cooperativas dos Produtores Familiares do Vale do Juruá (Central Juruá);
b) Superintendência Federal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do
Acre (SFA-AC); c) Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa
Acre); d) Secretaria de Estado de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar
(Seaprof ); e) Secretaria de Estado de Desenvolvimento Florestal, da Indústria,
do Comércio e dos Serviços Sustentáveis (Sedens); f ) Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae); g) Departamento do
Patrimônio Histórico e Cultural (DPHC) da Fundação Elias Mansour (FEM); h)
Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf ); i) Universidade Federal
do Acre (Ufac); e j) Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

Após atender as exigências para obtenção da IG, tais como: a) identificação


do produto; b) organização dos agricultores; c) definição da delimitação
342 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

geográfica da região; d) regulamento de uso; e) estudo histórico-cultural


da região; f ) constituição do conselho regulador; g) aprovação de uma
logomarca que identifique o produto, em outubro de 2015, o pedido de IG
“Cruzeiro do Sul” foi protocolado pela Central Juruá no Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (Inpi). A concessão foi autorizada em agosto de 2017,
fato que permite à Central Juruá comercializar a farinha de mandioca com
“Indicação de procedência Cruzeiro do Sul” (Álvares et al., 2016).

A IG pode ser entendida como uma oportunidade de garantia e expansão de


novos mercados, por proporcionar um diferencial competitivo, além de ser
uma estratégia que agrega valor ao produto, gera emprego e renda para os
produtores familiares de farinha do Território da Cidadania do Vale do Juruá.

Mercado da farinha de Cruzeiro do Sul


A região de Cruzeiro do Sul comercializa a farinha de mandioca para a
maioria dos estados brasileiros. Sendo os estados do Amazonas, Rondônia
e Mato Grosso os maiores compradores, com destaque para o Amazonas,
destino de quase 70% da farinha de Cruzeiro do Sul comercializada para os
estados brasileiros (Figura 1).

Figura 1. Quantidade de farinha de mandioca comercializada da região imediata de Cruzeiro


do Sul (em sacos de 50 kg) para os principais compradores. Acre, 2018.
Fonte: Conab (2022); Acre (2022).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 343

A farinha é comercializada em sacos de 50 kg ou fardos com 25 kg, 10 kg


e 5 kg, em embalagens fracionadas de 0,5 kg e 1 kg. As farinhas mais
procuradas são do tipo 1, grossa ou fina, amarela ou branca e a farinha de
mandioca com coco.

Ressalta-se que a farinha de Cruzeiro do Sul é comercializada para outros


países, geralmente em pequenas quantidades, fardos com 25 kg, em
embalagens de 1 kg. Em 2018, a quantidade comercializada foi o equivalente
a 170 sacas de 50 kg.

O transporte da farinha, mesmo após a pavimentação asfáltica da BR-364 (Rio


Branco-Cruzeiro do Sul), continua sendo realizado por balsas, aproveitando
o frete de retorno, geralmente com preços mais acessíveis. Contudo, o
transporte rodoviário passou a ser utilizado para a farinha comercializada
para Rondônia, Mato Grosso e Goiás.

Em Rondônia, segundo maior comprador da farinha de Cruzeiro do Sul,


o saco de 50 kg é comercializado no mercado atacadista em Porto Velho
por R$ 190,00 (preços válidos para junho de 2019), enquanto o custo total
da comercialização, que inclui o frete (Cruzeiro do Sul-Porto Velho) mais
o Imposto de Circulação de Mercadoria e Serviço (ICMS), calculado com o
percentual de 7% sobre o valor da pauta (R$ 50,00 por saca de 50 kg), foi
calculado em R$ 15,50 por saca de 50 kg.

Nesse aspecto, observa-se que a farinha de Cruzeiro do Sul vem conquistando


consumidores dos mais diferentes níveis de renda em todos os estados do
País. Produzida de forma artesanal, com uma tradição de mais de cem anos,
assegura a fidelidade dos clientes.

No mercado intermunicipal, a farinha de Cruzeiro do Sul está presente em


todos os municípios, sendo Rio Branco, Epitaciolândia, Sena Madureira e
Brasileia os maiores compradores. Rio Branco, em 2018, com uma população
de 401.155 habitantes (aproximadamente 50% da população do estado), foi
destino de 67.041 sacas de farinha (Figura 2).
344 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Figura 2. Quantidade de farinha de mandioca comercializada da região imediata de Cruzeiro


do Sul (em sacos de 50 kg) para os municípios. Acre, 2018.
Fonte: Conab (2022); Acre (2022).

A preferência pela farinha de Cruzeiro do Sul é muito bem aceita entre


os acreanos. No mercado varejista, o preço da farinha de Cruzeiro do Sul
é superior em quase 100%, quando comparado com as demais marcas de
farinha. Muitos atacadistas, em razão da preferência dos consumidores,
incluem o produto em seu portfólio. Compram a farinha de Cruzeiro do Sul
em sacos de 50 kg e empacotam em sacos de 1 kg.

Desafios (dificuldades)
Sistema de produção da matéria-prima e agroindústria
Na região imediata de Cruzeiro do Sul, a atividade agrícola predominante é o
cultivo da mandioca para a produção de farinha, sendo a principal fonte de
renda e subsistência da grande maioria dos pequenos produtores familiares
(Landau et al., 2020).

O modelo de utilização das terras para o cultivo agrícola quase sempre


degrada o solo, tornando o sistema de produção de alimento insustentável,
tanto no aspecto econômico como ambiental (Freitas et al., 2021). A lavoura
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 345

anual mais cultivada no sistema de derruba e queima é a mandioca para


produção de farinha, caracterizada como um sistema tradicional de cultivo
com baixa produtividade e aparato tecnológico adequado (Costa et al., 2014).

As formas e as etapas do uso do solo no Juruá, uma das regionais de


desenvolvimento do Acre, ainda não diferem dos demais estados da
Amazônia brasileira. Envolvem o sistema de derruba e queima da floresta,
tanto primária como secundária, o uso geral do solo em monocultivo e/
ou sucessão por períodos de até 5 anos com culturas mais exigentes em
fertilidade do solo, como o arroz, o milho e o feijão nos dois primeiros
anos após o corte e queimada da floresta. Nos anos seguintes, cultiva-se a
mandioca, que é menos exigente em fertilidade e mais tolerante à acidez do
solo (Costa et al., 2020).

De uma forma geral, no quinto ano de uso do solo e normalmente no terceiro


ano de cultivo da mandioca, segundo relatos dos próprios produtores, a
produtividade da área é reduzida em mais de 50% em relação ao primeiro
ano de seu cultivo. O solo é então deixado em pousio por um período de
até 5 anos, quando é novamente utilizado para a produção, geralmente
também no sistema de derruba e queima (Costa et al., 2020).

A mecanização vem sendo utilizada como uma alternativa de preparo do


solo sem uso do fogo. Contudo, essa prática pode acelerar o processo de
degradação, pois os solos na sua maioria são arenosos na camada superficial
e apresentam relevo ligeiramente ondulado (Landau et al., 2020). Ressalta-
-se ainda que o plantio da mandioca se concentra nos meses que antecedem
o início do período chuvoso e possui brotação e desenvolvimento iniciais
lentos, fato que contribui para que os solos permaneçam sem cobertura no
início do período chuvoso, tornando-os mais susceptíveis à erosão (Modesto
Júnior; Alves, 2016; Alves; Modesto Junior, 2019).

A área média de cultivo varia em torno de 3 ha a 6 ha por produtor, dos quais


apenas 1 ha a 2 ha são utilizados a cada ano para a fabricação de farinha.
Entre as variedades de maior aceitação pelos produtores destacam-se: Chico
Anjo, Caboquinha, Mansibrava (ligeirinha), Branquinha e Mulatinha (Siviero;
Santos, 2019; Siviero; Lessa, 2020). As manivas utilizadas para os plantios
são retiradas de lavouras existentes na propriedade ou, ocasionalmente,
obtidas de outros produtores vizinhos (Santos et al., 2003).

De maneira geral, a farinha de mandioca é fruto do trabalho do produtor


e sua família que são responsáveis pelos segmentos de produção
346 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

da matéria-prima (raiz de mandioca) e processamento (produção da


farinha). A família é composta em média por cinco pessoas com baixo
grau de escolaridade. O sistema de produção da mandioca empregado
pelos produtores familiares do Juruá causa a perda da fertilidade do
solo e a redução da produtividade da raiz ao longo dos anos. A região
é bastante deficiente em infraestrutura de ramais de acesso, transporte,
associativismo e cooperativismo (Santos et al., 2003).

O processamento da farinha é uma etapa importante da cadeia produtiva


da farinha de mandioca, representando quase 70% das atividades e
despesas operacionais. Na região de Cruzeiro do Sul, as casas de farinha
estão classificadas por tipo: tradicional (84,55%), primeira geração (1,42%),
segunda geração (4,53%) e terceira geração (6,4%) (Alvares et al., 2011).

A casa de farinha de modelo tradicional apresenta estrutura em madeira


roliça, piso de terra batida, é baixa e desprovida de paredes, cobertura com
palha de palmeira caranã, forno de tijolo e prensa do tipo varão ou alavanca
e gamelas confeccionado em madeira (Alvares et al., 2011).

As casas de farinha de primeira, segunda e terceira geração foram uma


iniciativa do governo do estado com o objetivo de melhorar os padrões de
qualidade, higiene e eficiência na produção da farinha. Foram projetadas
por técnicos do governo e construídas em parceria com os produtores
que participaram com a mão de obra para construção, preconizando as
boas práticas de fabricação de alimentos, conforme resolução da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Caracterizam-se por apresentar
inovações de ordem estrutural, entre as quais se destacam as estruturas em
madeira serrada, meia parede em tijolos ou madeira, piso liso e cimentado,
poços para captação de água, cobertura com telha de zinco, sistema para a
condução de água ao tanque de lavagem, tanques para lavagem das raízes
em alvenaria revestidos com lajota, dois fornos de tijolos, cerca com telas de
náilon, espaço físico para armazenar lenha, sistemas de ventilação e outras
tecnologias, como o uso de prensa parafuso e macaco hidráulico (Álvares et
al., 2016).

As casas de farinha, independentemente do tipo, assemelham-se no


processo de trituração das raízes (uso de motor a gasolina), na composição
da força de trabalho familiar e nas diferentes etapas da produção, além de
não possuírem equipamentos industriais automáticos ou maquinário nos
processos de descascamento das raízes e torrefação da massa (Siviero;
Lessa, 2020).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 347

Existe um modelo de uso comunitário da casa de farinha para produção


da farinha de mandioca na região. Contudo, a grande maioria dos
produtores possui sua casa de farinha, das quais duas a três famílias
fazem uso, geralmente com algum grau de parentesco, seguindo
uma periodicidade que pode ser mensal, quinzenal, semanal e
esporadicamente trimestral ou anual, dependendo da necessidade e
oportunidade das famílias (Alvares et al., 2011).

Na produção de farinha, as raízes são arrancadas e transportadas para a casa


de farinha pela manhã. Após a chegada, inicia o processo de fabricação da
farinha de mandioca, conhecido como “farinhada”, que dura em média de
24 horas a 48 horas. Para produzir uma farinha de qualidade, a área colhida
deve ter menos de 1 ano de idade, uma vez que, para os produtores, são
menos fibrosas, característica que confere qualidade à farinha, além de
exigir que os tubérculos sejam arrancados e descascados no mesmo dia.
A mandioca precisa ser bem lavada com uma escova. Nessa atividade,
a qualidade da água é fundamental, sendo sempre retirada de poços
artesianos e cacimbas. Cada “farinhada” produz em média cinco sacos de
farinha (50 kg), enquanto a produtividade média varia de 50 a 70 sacos
por hectare, utilizando uma quantidade de raiz que varia de 8,5 t a 13 t.
Portanto, uma baixa produtividade, quando comparada com a obtida em
outros municípios do Acre (Velthem et al., 2015).

Preço da farinha pago aos produtores


Os preços correspondem ao valor pago aos produtores por um saco de
farinha de 50 kg. Para eliminar o efeito inflacionário, foram corrigidos pelo
Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação
Getúlio Vargas, válidos para setembro de 2019.

Na análise da série histórica dos preços pagos aos produtores (Figura 3),
observa-se que os preços da farinha de mandioca se comportaram em
ciclos de elevação e queda com uma tendência de alta. Contudo, a partir
de 2013, observa-se uma queda acentuada. Os melhores preços da farinha
estão relacionados à ocorrência de fatores externos e internos. Entre os
fatores externos, destacou-se o ataque de pragas severas (mandarová) e a
intervenção do governo por meio de políticas públicas (compra antecipada).
Quanto aos fatores internos, destaca-se a atuação das cooperativas,
comprando a produção dos associados com o objetivo de fazer estoque.
348 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Preço da farinha (R$)

Período
Figura 3. Preço médio anual da farinha (saca de 50 kg) pago aos produtores da região de
Cruzeiro do Sul, AC, entre janeiro de 2000 e setembro de 2019, deflacionados pelo IGP-DI,
base setembro de 2019.
Fonte: Conab (2022); Acre (2022); Siviero et al. (2012).

No período de maior baixa, o preço da farinha de mandioca ficou próximo


a R$ 50,00 por saco de 50 kg. Esse preço equivale ao seu custo de produção,
quando a produção de raiz é proveniente do sistema tradicional de cultivo.

Para identificar as influências dos ciclos de alta e baixa dos preços pagos
aos produtores, foi analisado o comportamento dos preços durante o ano,
entre janeiro de 2000 e dezembro de 2019, no município de Cruzeiro do Sul,
considerado o centro comercial da farinha na região (Figura 4).
Preço da farinha (R$)

Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
Período
Figura 4. Preços médios mensais da farinha (saca de 50 kg) pagos aos produtores da região
de Cruzeiro do Sul, AC, entre janeiro de 2000 e dezembro de 2019, deflacionados pelo IGP-DI,
base setembro de 2019.
Fonte: Conab (2022); Acre (2022); Siviero et al. (2012).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 349

Na análise, observa-se que, no período de estiagem, caracterizado pela


paralisação do transporte fluvial, a oferta de farinha de mandioca aumenta.
Nesse período, os grandes atravessadores aproveitam para estocar,
comprando a farinha a preços mais baixos. Não existe outra opção de
venda para grande parte da farinha produzida pelos pequenos produtores
familiares, uma vez que os mercados atendidos pelo transporte rodoviário
necessitam de pequena quantidade para atender suas necessidades,
quando comparado com o mercado atendido por balsas. Ressalta-se ainda
as condições adversas de trafegabilidade na BR-364, trecho Rio Branco-
-Cruzeiro do Sul, mesmo depois da pavimentação asfáltica.

No final do período da estiagem, os preços apresentam um movimento


ascendente, quando os grandes atravessadores estão fechando suas
compras para os embarques no período das chuvas. Em novembro,
quando o transporte fluvial começa a operar com regularidade, os grandes
atravessadores estão com a farinha estocada, fazendo o preço despencar.
O preço volta a aumentar com a intensificação do transporte fluvial, entre
janeiro e março, a partir deste último, inicia novo ciclo de preços em baixa,
que vai até o início de um novo período chuvoso. Assim, o preço da farinha
na região de Cruzeiro do Sul é determinado por uma estrutura de mercado
oligopsônio, tendo poucos compradores para muitos produtores de farinha.

Para separar o efeito da pavimentação asfáltica da BR-364, foi calculado o


índice sazonal dos preços em dois períodos: de janeiro de 2001 a dezembro
de 2006 (antes da pavimentação asfáltica) e entre janeiro de 2013 e
dezembro de 2018 (depois da pavimentação asfáltica) (Figura 4).

As análises foram realizadas através do método da média aritmética móvel


centrada em 12 meses. Para eliminar o efeito inflacionário, os preços foram
deflacionados pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas, tendo como base o
mês de setembro de 2019. Com as médias móveis determinadas, procedeu-
-se o cálculo dos índices sazonais.

Na análise do período que antecede a pavimentação asfáltica, entre 2001 e


2006, observa-se que os índices exibem ciclos de crescimento e queda. No
início do ano (janeiro, fevereiro e março), os preços mantiveram-se acima da
média, período que antecede o pico dos embarques por balsa. O período
de baixa dos preços (entre abril e setembro) coincide com período em que o
transporte fluvial entra em colapso. Em outubro, a navegação fluvial começa
se normalizar e os preços reagem (Figura 5).
350 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Índice Sazonal (R$)

Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
Período
Índice sazonal Índice sazonal
antes médio
Figura 5. Índice sazonal dos preços pago aos produtores da região de Cruzeiro do Sul, AC,
entre janeiro de 2001 e dezembro de 2006. Acre, 2019.
Fonte: Conab, 2022; Acre (2022); Siviero et al. (2012).

Nesse aspecto, observa-se que o preço da farinha é influenciado pelo


fluxo de transporte fluvial, sendo produzida durante o ano todo,
predominando períodos de preços baixos. A farinha de mandioca
apresentou uma tendência de preço com crescimento negativo,
praticamente igual a zero. Portanto, os preços pagos aos produtores
tendem a permanecer inalterados.

Na análise do período posterior à pavimentação asfáltica, entre 2013 e


2018, observa-se que os índices exibem ciclos de crescimento e queda. No
início do ano (janeiro, fevereiro e março), os preços estão próximos à média,
atingindo o maior valor em abril, mês que antecede o pico dos embarques
por balsa. Em outubro, o transporte fluvial começa a se normalizar e os
preços reagem. Nesse aspecto, observa-se que o período de baixa de
preços é menor, apenas quatro meses (junho, julho, agosto e setembro),
fato influenciado pela pavimentação asfáltica da BR-364, proporcionando o
escoamento de parte da produção. Contudo não foi suficiente para alterar o
comportamento dos preços de maneira significativa (Figura 6).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 351

Índice Sazonal (R$)

Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
Mês
Índice sazonal Índice sazonal
depois médio

Figura 6. Índice sazonal dos preços pagos aos produtores da região de Cruzeiro do Sul, AC,
entre janeiro de 2013 e dezembro de 2018. Acre, 2019.
Fonte: Conab (2022); Acre (2022); Siviero et al. (2012).

Na análise da sobreposição das curvas dos índices sazonais, observa-se


que o comportamento dos preços dos dois índices é bem parecido, com
ciclos de crescimento e queda dos preços. As alterações estão relacionadas
à maior amplitude no período que antecedeu a pavimentação da BR-364.
Nesse período, os grandes atravessadores dispunham de um maior tempo
para programar as compras, enquanto para os pequenos produtores a
farinha de mandioca é a principal fonte de renda, sendo imprescindível
para cobrir as despesas correntes. No período pós-pavimentação da BR-
-364, os produtores passaram a ter novas alternativas para comercializar
a produção, novos mercados proporcionaram o aumento da procura. No
último trimestre, os preços são maiores que a média, fato que confirma as
novas opções de comercialização (Figura 7).
352 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Índice Sazonal (R$)

Jan. Fev. Mar. Abr. Maio Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
Mês

Índice sazonal Índice sazonal


antes médio
Figura 7. Índice sazonal dos preços pagos aos produtores da região de Cruzeiro do Sul, AC,
entre janeiro de 2001 e dezembro de 2006 e janeiro de 2013 e dezembro de 2018. Acre, 2019.
Fonte: Conab (2022); Acre (2022); Siviero et al. (2012).

Conclusões
A sobrevivência da unidade de produção familiar converge para dois pontos
críticos: sistema tradicional de cultivo para produção de mandioca praticado
pelos produtores e mercado da farinha controlado por poucos compradores
exercendo grande influência no preço.

O sistema de produção de raiz utilizado pela maioria dos produtores de


mandioca degrada o solo, tornando-os improdutivos, o que compromete
a sobrevivência da unidade de produção familiar. Estudos têm mostrado
que, no sistema tradicional, a produtividade média da raiz de mandioca na
região é inferior a 15 t (Costa et al., 2020). Transformar sistemas tradicionais
de cultivo de mandioca em sistemas de produção economicamente viáveis
e ambientalmente sustentáveis exige a utilização de insumos modernos
que, no comércio de Cruzeiro do Sul, são vendidos a preços superiores aos
praticados nas outras regiões. Também é necessária a utilização de práticas
conservacionistas, sendo imprescindível um programa de assistência
técnica continuado e de qualidade.

Referindo-se à comercialização, observa-se que predomina a venda da


farinha de mandioca para pequenos atravessadores nas propriedades,
podendo ser comercializada para comerciantes urbanos, assumindo o custo
do transporte.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 353

A concessão da indicação geográfica da farinha de Cruzeiro do Sul à Central


Juruá pode alterar esse cenário. Os produtores possuem um produto com
indicação geográfica (IG), que passa a ser reconhecido pela qualidade
diferenciada quando comparado com produtos similares, além de proteger
a utilização indevida do nome “farinha de Cruzeiro do Sul”. Isto favorece o
comércio da farinha de Cruzeiro do Sul na expansão do mercado. Contudo,
para garantir que os produtores sejam beneficiados, é necessário que
a Central das Cooperativas assuma uma posição estratégica junto aos
produtores, intermediando a comercialização da farinha, como também
proporcionando melhores condições para produção, disponibilizando aos
produtores insumos agrícolas a preços mais acessíveis, quando comparado
com o disponível no mercado local.

Também é necessário, de imediato, capital de giro para fazer o adiantamento para


os filiados para que possam entregar a farinha nas cooperativas. É fundamental
manter estoque para forçar o aumento do preço da farinha no mercado, como
também uma estratégia para comercializar a farinha armazenada. Essa atividade
deve ser contínua, não se restringindo apenas aos períodos de baixa de preços,
uma vez que irá influenciar no preço da farinha no mercado. Isto pode beneficiar
o universo dos produtores de farinha da região, inclusive os não detentores da IG.
São mais de 6 mil agroindústrias familiares de farinha de mandioca na região, que
representam aproximadamente 18 mil famílias.

Na prática, até o momento, as consequências têm sido o desestímulo, uma


vez que o produtor de farinha de mandioca não consegue uma remuneração
adequada para mão de obra que trabalha na atividade, principal fator de
produção presente em todas as etapas do processo produtivo. Essa situação
é a realidade dos produtores da região de Cruzeiro do Sul nos últimos anos.
Entre 2014 e 2018, a produção de raiz de mandioca caiu 48%, passando
de 451.369 t para 234,6 mil toneladas, refletindo na diminuição da área
cultivada de mandioca por alguns produtores e desistência de muitos em
permanecer na atividade.

Neste contexto, observa-se que os produtores não conseguem se apropriar


do fruto de seu trabalho. No varejo, a farinha é comercializada no centro
comercial de Cruzeiro do Sul por preço superior a 400% do preço pago aos
produtores. A grande maioria dos produtores vende a farinha para pequenos
atravessadores que repassam para grandes atravessadores. O produtor tem
comercializado a farinha na propriedade para pequenos atravessadores ou
para comerciantes na cidade, assumindo o custo do frete. As casas de farinha
354 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

ficam localizadas próximas aos rios navegáveis e estradas que facilitam o


escoamento e a compra do produto pelos pequenos atravessadores.

Ressalta-se ainda que produtores residentes em outros municípios do Acre,


principalmente em Tarauacá e Xapuri, estão plantando mandioca para
produção de farinha de mandioca. Esses produtores utilizam um sistema de
produção com mais aporte tecnológico, inclusive com plantio mecanizado
e adubação. Fato que pode favorecer a competitividade do mercado de
farinha intermunicipal em razão das melhores condições de preço e acesso.

A sobrevivência da unidade de produção familiar de Cruzeiro do Sul exige


mudanças no sistema de produção de mandioca e apoio das entidades de
classe que representam os produtores, facilitando a compra de insumos
modernos e proporcionando uma assistência técnica de qualidade e
continuada. Do lado da comercialização é necessário manter um estoque
regulador e implementar estratégias de comercialização que extrapolem os
limites da região de Cruzeiro do Sul e do estado.

Considerando a complexidade e urgência para solução dos problemas


de ordem socioeconômica e ambiental que envolvem um universo de
unidades de produção familiar da região, provavelmente a grande maioria
dos produtores não terão condições de aguardar as mudanças necessárias
e, em curto prazo, serão obrigados a mudar de atividade ou migrar para
centros urbanos.

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A SOJA NO PARÁ:
uma visão particular
Emeleocipio Botelho Andrade

Introdução

O
uso da terra no estado do Pará, a partir do século 19, sempre esteve
ligado à incipiente produção de alimentos básicos, uma vez que a
sustentação econômica da região era o extrativismo das chamadas
“drogas do sertão” (Reis, 1966). No século 20, após a queda do Ciclo da Borracha
(1876–1912), as disputas pela ocupação e posse da terra iniciam sua ascensão,
dado o encaminhamento dos seringueiros retirantes para as áreas rurais da
região do Nordeste Paraense, via Estrada de Ferro Belém-Bragança (1883–1964),
e da região Sul do Pará, via alternativa econômica da coleta e beneficiamento
da castanha-do-pará, com sede no município de Marabá (Emmi, 1988). A partir
da segunda metade do século 20, uma grande extensão de terras do Nordeste
do Pará, no entorno da ferrovia, estava destituída de sua cobertura vegetal
original, fato que recrudesceu, a partir da implantação da Rodovia Belém-
-Brasília e do advento da intervenção militar de 1964 e seu Plano de Integração
Nacional, que favoreceu a ocupação da região amazônica, via incentivos fiscais
da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), e os demais
planos de desenvolvimento regional – Programa de Polos Agropecuários e
Agrominerais da Amazônia (Polamazônia), Programa de Redistribuição de Terras
e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (Proterra), Programa de
Incentivo à Produção de Borracha Natural (Probor), entre outros.
358 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tanto nas regiões Nordeste como Sul e Sudeste do Pará, inescrupulosas


demarcações e registros espúrios de terra foram práticas generalizadas, cujas
consequências prejudiciais ocasionaram uma inusitada, complexa e grave
crise jus-agrarista que persiste até a atualidade (Schmink; Wood, 2012). As
atividades econômicas consistiam na retirada da madeira nobre, existente
em abundância na floresta nativa, como o cedro (Cedrela odorata), o acapu
(Vouacapoua americana), mas, sobretudo, o mogno (Swietenia macrophylla),
comercializadas até sua quase extinção. A vegetação remanescente era
queimada e, sobre as cinzas, que temporariamente fertilizavam o solo,
era implantada a pastagem. Dada a baixa fertilidade natural dos solos,
essa atividade econômica não apresentava sustentabilidade e a área era
abandonada. Em 2014, cerca de 29,9% das áreas paraenses (37,3 milhões de
hectares) estavam antropizadas e, de 1988 a 2012, da área desmatada, 66%
foram destinados à pastagem e 34% convertidos em Vegetação Secundária.
Dessa área de pastagem, 3% transformaram-se em Vegetação Secundária e
0,7% em agricultura (Adami, 2015).

Com a implantação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária


(Embrapa), em 1973, e a consequente criação dos seus centros de produtos
(Centro Nacional de Pesquisa de Soja, Centro Nacional de Pesquisa de Milho
e Sorgo, Centro Nacional de Pesquisa de Arroz e Feijão, Centro Nacional
de Pesquisa de Gado de Corte, Centro Nacional de Pesquisa de Gado de
Leite, entre outros), bem como os centros de recursos (Centro de Pesquisa
Agropecuária dos Cerrados, Centro Nacional de Pesquisa de Recursos
Genéticos, entre outros), obedecendo a um bem elaborado modelo
estratégico, no que se convencionou chamar Modernização Conservadora
da Agricultura Brasileira, baseada nos ditames da Revolução Verde
(Ricardio, 2011), foi possível, de forma inequívoca, proceder uma vigorosa
contestação ao secular e amplamente difundido conceito do determinismo
geoclimático, relacionado às regiões tropicais desde os tempos remotos
até os seus seguidores atuais, demonstrando a viabilidade do crescimento
econômico sustentado, dentro da ampla faixa tropical do planeta.

Dentre os seus benefícios, sem dúvida, a possibilidade de incorporar ao


processo produtivo agropecuário nacional 204 milhões de hectares de solos
pertencentes ao bioma Cerrado foi um dos mais expressivos. Sendo áreas
reconhecidas como marginais ou inaptas, essa conquista foi considerada
como uma das três revoluções da tecnologia brasileira das últimas quatro
décadas, ao lado do Programa Nacional de Álcool Combustível e Programa
de Capacitação Tecnológica de Prospecção de Petróleo em Águas Profundas
(Becker, 2005).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 359

Após a Embrapa Soja conseguir incorporar as características genéticas ligadas


ao “período juvenil longo” às melhores cultivares de soja existentes em seu
amplo banco de germoplasma, cuja ausência condicionava seu cultivo às altas
latitudes, a soja passou a ser cultivada em todo o território nacional. Os processos
de correção de acidez, fertilização e manejo dos solos, bem como a utilização de
cultivares de elevada produtividade de arroz, soja, milho, pastagens e outros
cultivos, aliados a um planejamento centralizado e incentivado com recursos
financeiros atrativos, em uma parceria binacional (Brasil/Japão) e por meio do
Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados
(Prodecer), possibilitaram a difusão e implantação de um rentável sistema de
produção para essas áreas inaproveitadas.

A partir de meados da década de 1980, um grupo de pioneiros gaúchos


tencionou implantar no planalto dos cerrados maranhenses, no entorno da
cidade de Balsas, com latitude de 7°33’ S, o processo agrícola já exitoso dos
cerrados do Brasil Central. Essa experiência floresceu de forma surpreendente
ao contar com o apoio da Embrapa, que instalou, naquela cidade, uma base
de pesquisa (Paludzysyn Filho, 1991). O resultado surgiu em 1994, com a
produção de cem mil toneladas de grãos de soja, após pouco mais de uma
década desde o início dessa iniciativa. Esse fato foi decisivo para a ampliação
dessa experiência para áreas de latitudes semelhantes, como Redenção, no
sul do Pará, e mesmo latitudes e altitudes mais baixas, como Paragominas,
no Nordeste Paraense, ou Santarém, no médio Rio Amazonas (Figura 1).
Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a
microrregião Gerais de Balsas colheu 1,529 milhões de toneladas de grãos
de soja na safra 2019/2020, em quase 500 mil hectares plantados. Foto: Emeleocipio Botelho de Andrade

Figura 1. Plantio de soja na margem da BR-010, município de Paragominas.


360 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A ampliação do cultivo de soja para os solos paraenses ocorreu a partir de


1992, pela iniciativa de um grupo de técnicos da Secretaria de Estado de
Agricultura do Pará (Sagri): o engenheiro-agrônomo Emeleocipio Botelho
Andrade, diretor-geral da Sagri (pesquisador da Embrapa, cedido ao
governo do Pará); Francisco Benedito da Costa Barbosa, assessor técnico do
secretário da Sagri e Paulo Sérgio Botelho Soares, diretor-técnico da Sagri.
Percebendo o êxito da soja no estado vizinho do Maranhão e considerando
a existência de centenas de milhares de hectares de solos de Cerrado no
sul do estado do Pará e na mesma latitude de Balsas (Redenção, PA, 8°03’
S), resolveram, em colaboração com o Centro Nacional de Pesquisa de Soja
da Embrapa, realizar uma viagem de estudo à região de Balsas, no intuito
de avaliar a possibilidade de introduzir o plantio de soja no estado Pará
(Andrade et al., 1992). Ante a confirmação dessa possibilidade, a Embrapa
Amazônia Oriental inicia os testes de avaliação de cultivares dessa cultura
no município de Redenção, no Sul do Pará, tendo à frente seu especialista
na cultura da soja, o pesquisador Jamil El-Husny.

Com os resultados promissores dessa iniciativa, foi lançado, em 14 de junho de


1994, pelo então secretário da Sagri Carlos Alberto Franco, com a presença do
governador do estado Carlos Santos (março/1994–janeiro/1995), o primeiro
Polo Agroindustrial de Soja no Sudeste Paraense (Sagri, 1994). Em 1997, o
então prefeito de Paragominas Sidney Rosa (1996–2000), solicitou à Embrapa
Amazônia Oriental a intensificação das pesquisas sobre o comportamento
de cultivares de soja no seu município, sendo prontamente atendido. A
excelência dos resultados permitiu, a partir do ano 2000, a indicação de
cultivares de soja com produtividades superiores a 50 sacos por hectare, que
viabilizavam o seu cultivo econômico (Embrapa, 1997; El-Husny et al., 1997,
1998a, 1998b, 1998c). Desse ponto em diante, inicia-se, com certa timidez, a
produção de grãos em escala empresarial, em que era recomendado alternar
o binômio soja e milho em cultivos sucessivos. Após 4 anos de safras de grãos,
a pastagem pode ser introduzida ao sistema e o efeito residual dos fertilizantes
permitirá a sustentação da produtividade de rebanhos com matrizes de
melhor desempenho produtivo (Andrade, 2005; Andrade et al., 2005).

A partir de 2004, o município de Santarém, no oeste paraense, ao observar


o êxito dos plantios desse sistema em suas áreas, iniciou a expansão de sua
área plantada com soja. Esse fato recrudesceu o temor das organizações
não governamentais ambientalistas, que intensificaram suas ações de
proteção. Com vistas a encontrar uma solução para esse aparente entrave,
as organizações públicas de pesquisa e as ambientalistas decidiram realizar
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 361

um simpósio para discussão do tema. Esse evento, intitulado A geopolítica


da soja na Amazônia, deu origem a uma publicação com a contribuição de
16 técnicos que expressaram seus diferentes pontos de vista (Andrade et al.,
2005). Hoje, decorridos 28 anos da iniciativa pioneira, a situação do cultivo
da soja no estado do Pará é uma realidade.

A cadeia produtiva da soja no estado do


Pará
No estado do Pará, a dinâmica cadeia produtiva do agronegócio da soja
(Figura 2) tem por base a experiência de produtores rurais que, apesar das
dificuldades impostas pelo insidioso ambiente comercial amazônico, resistem
com surpreendente desenvoltura a essas adversidades. Composta, a montante,
pelos fornecedores de insumos básicos, máquinas e equipamentos, tem ao
centro a unidade de produção e a jusante, as empresas comercializadoras,
geralmente multinacionais que se encarregam da comercialização e
exportação de grãos. Esses três segmentos, focados em suas atividades
específicas, transitam em um ambiente interativo composto, de um lado, pelo
ambiente institucional público, cujas entidades regulamentam e desenvolvem
as atividades de fomento, pesquisa, ensino e assistência técnica. De outro lado,
o ambiente organizacional privado, representado pelos parceiros ligados aos
financiamentos e diferentes segmentos que complementam, cada um em
seu setor, o suporte a essa atividade.

Figura 2. Cadeia produtiva da soja no estado do Pará.


362 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

O sistema produtivo da soja, no Pará, segue o modelo utilizado em todas


as zonas produtoras do País. Obedece a todos os processos, regulamentos
e marcos jurídicos estabelecidos, inclusive acordos adicionais específicos
estabelecidos para o plantio de soja no bioma amazônico, como é o caso da
Moratória da Soja. Os plantios ocupam áreas já desmatadas, representadas
pelos pastos em diferentes estádios de uso ou com Vegetação Secundária.
Dado o relativamente baixo teor de alumínio no solo (áreas de Latossolo),
em comparação às áreas de Cerrado, a quantidade de calcário utilizada é
relativamente baixa e sua correção e adubação adicional é realizada de
acordo com a análise do solo. O calcário é oriundo de jazidas próximas,
sendo as de Xambioá e Riachão, MA, ou de Palestina, PA, as mais adequadas
aos polos de produção do Sul/Sudeste e Nordeste do Pará, dado o preço
competitivo do produto em tonelada por quilômetro. Os polos de Santarém
e Transamazônica deverão utilizar as jazidas de calcário existentes no
município de Itaituba. Os fertilizantes e defensivos têm preços competitivos,
dada a proximidade do porto de Belém e Santarém.

Inicialmente houve dificuldade na disponibilidade de sementes para o


plantio, em razão das diferenças entre épocas de plantio das outras regiões
produtoras. A princípio, os materiais da Embrapa eram os mais utilizados.
Com o advento da soja transgênica, as cultivares importadas passaram a
ocupar espaço destacado. De acordo com informação dos produtores, cerca
de 70% das sementes plantadas no Polo de Produção de Paragominas,
por exemplo, são da cultivar Monsoy 8644. Em outras áreas, as cultivares
da Embrapa BRS 9383 IPRO e BRS 9180 IPRO são as mais promissoras, com
produtividade de 66 sacos por hectare.

Uma vez plantada, a cultura irá depender das condições climáticas, que
estabelecem um considerável nível de risco aos produtores. A ocorrência
de pragas e doenças ainda não tem sido um fator determinante de
preocupação. As doenças mais frequentes têm sido plenamente controladas
com os defensivos existentes no mercado, a saber, antracnose, mancha-
-alvo e outras de ataque menos severo. O aparato mecânico envolvido na
colheita mecanizada é, em grande parte, de propriedade dos produtores
ou contratado de empresas especializadas que atendem as solicitações
quando o negócio lhes é compensador.

Um fator determinante no processo produtivo de grãos é o tratamento


pós-colheita. Um aparato constituído de secadores que retira o excesso
de umidade dos grãos, os quais são tratados e levados aos silos para
armazenamento. Os silos representam a capacidade estática que, ao
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 363

protegerem os grãos de intempéries, garantem a segurança na ocorrência


de indisponibilidade de transporte. A capacidade estática segura de um
sistema de produção de grãos situa-se em cerca de 50% do total de grãos
colhidos. Esse parece ser um índice já atingido nos diferentes polos de
produção. Essa infraestrutura é, em grande parte, assumida pelas empresas
comercializadoras de grãos.

De acordo com os dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab),


a produção de soja nacional está migrando para novas áreas localizadas nos
estados do Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia (Matopiba, com 1,8 milhão de
hectares de pastagens propícias ao cultivo de soja), Rondônia e Pará, os quais
responderam por 14% da produção brasileira de soja na safra 2018/2019
(Conab, 2022). Nos estudos de prospecção da Embrapa, em que foram
avaliados diferentes indicadores regionais, tais como o comportamento
da expansão da produção, rebanho bovino, abate de animais e preços
de terra, foi identificada uma nítida tendência para a expansão do cultivo
da soja, principalmente no estado do Pará. Em uma avaliação preliminar,
foi estimado um crescimento modesto e conservador de 4,5% ao ano, na
área plantada do estado na próxima década (Brasil, 2019). Confirmada essa
tendência, tal fato poderá pressionar a urgente implantação de um plano de
infraestrutura de transporte multimodal na região do Arco Norte.

Baseado nessa tendência, a Figura 3 apresenta a modesta e conservadora


evolução da área plantada na próxima década, em que, na safra 2028/2029 é
estimado o plantio de 862 ha, o que propiciará, na atual produtividade, uma
colheita de 2,59 milhões de toneladas de grãos.

Figura 3. Evolução da área plantada com soja no estado do Pará (2028/2029).


Fonte: Conab (2022), Brasil (2019).
364 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Dada a intensa procura e a elevada competitividade do mercado


internacional de soja, favorecido pela elevação do valor do dólar, uma
completa mudança no comportamento da evolução da área plantada
poderá ocorrer, com valores muito maiores que os agora projetados.

Polos de produção de soja no estado do


Pará
O estado do Pará é o mais oriental dos seis estados dotados de biota
amazônica que compõem a região Norte do Brasil. Essa condição de
pertencimento à região amazônica o enquadra na falácia, tecnicamente
equivocada, de área dotada de extrema fragilidade e vulnerabilidade
agroecológica. Essa generalização arbitrária é reflexo da ancestral visão
distorcida da uniformidade ambiental amazônica. A comprovada existência
de inúmeros ecossistemas confere à Amazônia uma ampla diversidade de
ambientes ecológicos (Benchimol, 2011). No Pará, esse equívoco assume
proporções significativas, devido à influência incômoda dos grupos
ambientalistas que, em seu vigoroso posicionamento em defesa das
Florestas Tropicais Úmidas, enfatizam, sobremodo, esse aspecto e incluem
no bojo dessa distorção técnica as amplas áreas de Cerrado do sul do estado
e as já centenárias áreas desmatadas do Nordeste Paraense e da região da
Rodovia Transamazônica (Fearnside, 2001; Osorio, 2018).

Em termos pragmáticos, a população do planeta deverá atingir, em


2050, 9,5 bilhões de pessoas a serem alimentadas. Dada a inexistência
de terras disponíveis à produção agropecuária, ao Brasil cabe a nobre
responsabilidade de manutenção da segurança alimentar do planeta
(Buainain et al., 2014). A soja, como importante fonte de proteína e gordura,
deverá desempenhar significativo papel nesse processo. O posicionamento
geográfico das áreas disponíveis à produção de soja, no Pará, apresenta
um panorama negocial extremamente favorável, tendo em vista a sua
proximidade dos portos de exportação.

As anunciadas melhorias na plataforma de infraestrutura logística regional,


em termos de uma ampla matriz multimodal de transporte rodo-ferroviário-
-fluvial, envolvem a sua malha rodoviária, os portos de Miritituba, Santarém,
Outeiro, Barcarena e a futura navegabilidade dos rios Araguaia-Tocantins
(Miranda, 2017), além do projeto ferroviário conhecido como Ferrogrão,
em fase de licitação, o qual deverá correr paralelo à BR-163, servindo ao
escoamento da produção agropecuária das áreas de Cerrado do oeste mato-
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 365

-grossense (Matopiba). Futuros braços ferroviários poderão interligá-la à


Ferrovia Carajás-Itaqui com melhorias no escoamento da produção regional.

O estado do Pará apresenta, no momento, quatro polos de produção de soja:


o Polo de Paragominas, localizado no Nordeste Paraense, com 57,92% da
produção de grãos; o Polo do Sul/Sudeste do Pará, constituído, em grande
parte, de áreas de Cerrado, o segundo produtor, com 26,97% da produção; o
Polo de Santarém, localizado no Oeste do Pará; e o Polo da Transamazônica,
localizado no entorno dessa rodovia.

Como pode ser observado na Tabela 1, o estado do Pará plantou, na safra


2019/2020, 606.504 ha de soja, com uma produção estimada em 2.010.635 t
desse grão, com um valor bruto de 1,9 bilhões de reais (IBGE, 2021; Conab, 2022).

Tabela 1. Área plantada e produção de soja no estado do Pará, 2019/2020.


Polo Área (ha) Produção (t) %
Paragominas 350.000 1.164.600 57,92
Sul do Pará 165.203 542,207 26,97
Santarém 50.881 157.302 7,82
Transamazônica 40.420 146.526 7,29
Total 606.504 2.010.635 100

Fonte: IBGE (2021); Conab (2022).

No contexto desse novo paradigma, grandes empresas nacionais e


transnacionais iniciaram seus investimentos nesse agronegócio e uma
lucrativa atividade no plantio de soja foi iniciada, com crédito facilitado
e compra antecipada da produção, gerando significativa quantidade de
emprego e renda, com reflexos substanciais nos índices e indicadores
socioeconômicos dos principais municípios dos polígonos onde se
concentram as atividades dessa cadeia produtiva. Os grãos de soja
produzidos no estado do Pará são todos comercializados com empresas
transnacionais, que os exportam aos países consumidores e, por esse
motivo, exercem forte influência e dependência econômica sobre a decisão
dos produtores que, com baixo nível de autonomia, ficam submetidos aos
interesses desses grandes grupos exportadores.

Polo de Produção de Soja de Paragominas


Localizado na região do Nordeste Paraense, tem como sede a capital do
município de Paragominas (3° S, 47°22’ W), distante 300 km de Belém. É
composto por 11 municípios, cujo polígono perfaz uma área de 3,08 milhões
de hectares, entretanto, apenas sete municípios apresentam produção de
366 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

soja acima de 4 mil hectares. Assentada em um platô com relevo levemente


ondulado, sua altitude máxima não ultrapassa os 150 m acima do nível do
mar. É formado por solos predominantemente da classe dos Latossolos e
Argissolos, que são solos profundos, friáveis com textura argilosa média a alta,
com baixa fertilidade natural. Apresenta 89,27% dessa área (2,75 milhões de
hectares) convertidos em Vegetação Secundária rala e pastos em diferentes
estádios de conservação (Terraclass, 2014). O Polo de Paragominas é o mais
dinâmico e, segundo a Conab, produz 55% da produção estadual, o que
representa 350 mil hectares plantados na safra 2019/2020 (Conab, 2022) e
uma produção de 1,13 milhão de toneladas de grãos (Tabela 2).

Tabela 2. Área plantada e produção no Polo de Produção de Soja de


Paragominas, 2019/2020.
Polo Município Área (ha) Produção (t) %
Paragominas 162.000 486.000 41,73
Nova Esperança
7.000 21.000 1,80
do Piriá
Ulianópolis 50.000 155.000 13,31
Paragominas
Dom Eliseu 85.000 363.500 31,20
Ipixuna do Pará 7.000 21.700 1,86
Rondon do Pará 35.000 105.000 9,02
Abel Figueiredo 4.000 12.400 1,06
Total geral 350.000 1.164.600 100,00

Fonte: IBGE (2021).

No sistema de produção de grãos, como já referido, é recomendada a rotação


de culturas como a soja, seguida de milho ou arroz, finalizando com o plantio
de capim para o pastejo do gado, com o intuito de evitar a ocorrência e
disseminação de pragas inerentes a cada cultura. Essas culturas, em modo
consorciado, podem também fazer parte do sistema de integração de lavoura
de grãos, pecuária e florestas, no que se convencionou chamar de sistema
iLPF, bastante utilizado na região. O plantio de essências florestais é uma
excelente alternativa, sendo muito utilizado em áreas após longo tempo de
utilização agropecuária.

O escoamento da produção ocorre pelo modal rodoviário, utilizando


as rodovias federais ou estaduais, até o porto de Barcarena (Figura 4).
Futuramente poderá utilizar o multimodal rodofluvial utilizando o Rio Capim,
ou poderá, oportunamente, utilizar a Ferrovia Carajás-Itaqui, com embarque
em Açailândia.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 367

Foto: Alfredo Homma


Figura 4. Caminhões aguardando desembarque de soja no porto de Vila do Conde, município
de Barcarena, Pará, transformando em novo polo exportador.

Nesse polo de produção específico, a produção e a distribuição de sementes


estão sendo regularizadas por uma tradicional empresa comercializadora
de produtos agropecuários, que detém uma unidade de beneficiamento
de sementes, com domínio de todo o processo de produção (plantio,
secagem, testes de germinação, classificação, tratamento, embalagem e
venda do produto final). Seu material botânico é oriundo de parceiras que,
ao concederem a licença das sementes genéticas, produção das sementes
básicas e a comercialização das sementes certificadas, recebem os devidos
royalties. As sementes certificadas produzidas são: Monsoy 864, Monsoy
7739, Monsoy 8644 e Monsoy 8349, Syngenta 1183 e Syngenta 1285, todas
portadores do gene RR (Roundup Ready).

Polo de Produção de Soja do Sul/Sudeste do Pará


A ocupação dessa região é fruto de uma saga histórica permeada de heroísmo,
violência e ilicitude (Schmink; Wood, 2012) e as mazelas da ilegitimidade da
documentação de terras seguem o mesmo padrão de outras regiões (Emmi,
1988). Embora ainda palco de conflitos e várias anomalias legais, a ampliação
e melhoria dos meios de transporte, a modernidade e rapidez dos meios de
comunicação, as exigências de um ambiente jurídico, embora lento, porém
progressivamente mais presente, aliadas a gestões municipais mais aderentes
às normas administrativas modernas, dão novo alento e despertam maior
interesse em empreendedores mais arrojados e experientes.

A existência de jazidas de calcário em Palestina, PA, e Xambioá, MA, garantem


os produtos básicos para correção da acidez dos solos de Cerrado. A
existência da Ferrovia Carajás-Itaqui pode facilitar a colocação da produção
no porto de Ilha da Madeira, em São Luís, MA. Adicionalmente, a derrocada do
368 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Pedral do Lourenço, que obstrui a navegação pelo Rio Tocantins, de Marabá


a Tucuruí, permitirá, com a utilização das eclusas da Hidrelétrica de Tucuruí,
alcançar o porto de Barcarena ou Outeiro, com custos muito compensadores.
A concretização das projetadas Ferrovia Paraense ou Ferrogrãos trará
adicionais vantagens competitivas.

A atividade econômica predominante é a pecuária bovina de corte a qual


ocupa uma área de 8,64 milhões de hectares de pastagens em diferentes
estádios de uso e que podem ser disponibilizados para o cultivo de grãos que
pode ser rotacionado com a pastagem (Terraclass, 2014).

O polo de soja localizado nessa região apresenta diferentes tipos de solos,


variando de Latossolos e Argissolos a Podzólicos indiscriminados. O clima
tipo Aw da classificação de Köppen condiciona a um período seco definido,
porém com pluviometria adequada e suficiente ao cultivo. Constituído
inicialmente por dez municípios que estão iniciando essa atividade, todos
os demais municípios da região se apresentam aptos ao desenvolvimento
dessa cultura. Os municípios de Nova Ipixuna, Marabá, Eldorado de Carajás,
Curionópolis, Parauapebas, Xinguara, São Félix do Xingu, Redenção,
Conceição do Araguaia, Santa Maria das Barreiras e Santana do Araguaia vêm
demonstrando muito boa perspectiva nessa rentável atividade (Tabela 3). O
polígono formado por esses municípios ocupa uma área de 14,85 milhões
de hectares, em que 5,33 milhões de hectares (935,9%) são constituídos de
pastagens em diversos níveis de uso e Vegetação Secundária.

Tabela 3. Área plantada e produção no Polo de Produção de Soja do Sul/Sudeste


do Pará, 2018.
Polo Município Área (ha) Produção (t) %
Conceição do
3.372 9.442 1,74
Araguaia
Cumaru do Norte 11.220 43.992 8,11
Floresta do
3.680 10.304 1,90
Araguaia
Redenção 5.461 16.383 3,02
Sul do Pará São Félix do Xingu 13.030 46.236 8,53
Santa Maria das
45.000 162.000 29,88
Barreiras
Santana do
69.000 191.337 35,29
Araguaia
Tailândia 11.000 30.160 5,56
Outros 3.440 32.363 5,97
Total geral 165.203 542.207 100,00

Fonte: IBGE (2021).


PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 369

Polo de Produção de Soja da Transamazônica


Ainda incipiente nessa cadeia produtiva, esse polo tem como municípios mais
ativos Altamira, Novo Progresso e Itaituba, localizados na faixa da Rodovia
Transamazônica, BR-230 e BR-163. O cultivo da soja pode ser uma adicional
alternativa econômica para essa região, principalmente se for atendida a
antiga reivindicação de pavimentação e plena trafegabilidade da Rodovia
BR-230. De ocupação recente, os produtores rurais detêm mais de cinco
décadas de experiência. Como área prioritária de colonização, pelo Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os conflitos pela posse de
terras são relativamente limitados. Os solos com predominância do Latossolo
Amarelo apresentam ocorrências esparsas do Latossolo Bruno Avermelhado
eutrófico, conhecido como terra roxa. O clima Am da classificação de Köppen
lhe confere condições propícias ao cultivo de grãos.

Os 340 km entre Altamira e Rurópolis, no entroncamento da BR-230 com a BR-


-163, a qual segue 220 km ao Norte até a cidade de Santarém, e os 143 km de
Rurópolis em direção sudoeste até o porto de Miritituba, às margens do Rio
Tapajós, garantem bom acesso ao porto de exportação de grãos situado em
Santarém (Tabela 4). Em sentido leste, os 45 km entre Altamira e o porto de
Vitória ou os 156 km até o porto de Senador José Porfírio são opções fluviais
para atingir os portos de Outeiro ou Barcarena.

Tabela 4. Área plantada e produção no Polo de Produção de Soja da


Transamazônica, 2018.
Polo Município Área (ha) Produção (t) %
Altamira 15.000 56.700 38,69
Itaituba 13.980 44.568 30,42
Transamazônica
Novo Progresso 12.500 41.250 28,15
Outros 1.710 4.008 2,74
Total geral 40.420 146.526 100,00

Fonte: IBGE (2021).


Os municípios que se estendem ao longo da Rodovia BR-230 apresentam 1,76
milhão de hectares de áreas ocupadas por pastagens em diferentes graus de
utilização e Vegetação Secundária propícias ao cultivo de grãos.

Polo de Produção de Soja de Santarém


Está localizado na porção centro-ocidental do estado do Pará. Com seus
limites sendo ao norte o Rio Amazonas e a oeste o Rio Tapajós, segue em
direção sul até o município de Trairão, tendo por referência toda a área no
370 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

entorno da Rodovia BR-163. Dessa forma, esse polo de produção se insere


em uma das regiões mais protegidas por reservas florestais do estado, na
qual se sobressai a área conhecida como Terra do Meio. Por esse motivo,
é um dos maiores redutos de organizações não governamentais (ONGs)
ambientalistas que, na sua luta pela conservação da biodiversidade
florestal, desestimulam as atividades da cadeia produtiva da soja na região
(Schoneker, 2007; Conab, 2017).

Constituído de solos da classe dos Latossolo e Argissolos, típicos da região


amazônica, na qual se encontram com maior frequência. O clima Am da
classificação de Köppen lhe permite boa condição para o cultivo de grãos,
porém a sempre constante elevada umidade relativa do ar lhe confere
perigosa susceptibilidade a agentes bióticos fitopatogênicos.

Esse polo tem como ponto de apoio o porto para exportação, na cidade
de Santarém (2°22’ S/54°42’ W), o qual, em 2018, exportou 4,3 milhões de
toneladas de grãos, oriundos da região Centro-Oeste (Conab, 2022). Por
sua vez, o porto de Miritituba, às margens do Rio Tapajós, que permite o
transbordo dos caminhões que trafegam na BR-163, complementa esse apoio
logístico. Atualmente, apenas os municípios de Santarém, Belterra e Mojuí
dos Campos apresentam uma crescente atividade produtiva (Tabela 5).

Tabela 5. Área plantada e produção no Polo de Produção de Soja de Santarém,


2018.
Polo Município Área (ha) Produção (t) %
Santarém 15.530 51.249 32,58
Santarém Belterra 13.851 41.553 26.42
Mojuí dos Campos 21.500 64.500 41,00
Total geral 50.881 157.302 100,00

Fonte: IBGE (2018).


Com uma participação de 7,82% na produção de soja do estado, existe uma
disponibilidade de 970 mil hectares com áreas de pastagem e Vegetação
Secundária, propícias ao cultivo da soja e melhoria da competitividade nos
usos dessas áreas.

A sustentabilidade do uso da terra e o


cultivo da soja
Dada a baixa fertilidade natural dos solos paraenses, é no revestimento
florístico que estão armazenados os escassos nutrientes que ocorrem no
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 371

solo, em um processo evolutivo de reciclagem após centenas de milhares


de anos. Essa vegetação natural, ao ser queimada, restitui ao solo esses
nutrientes em forma de cinza, a qual sustenta, por curto período, os cultivos
e as criações.

No intuito de oferecer alternativa para essa atividade produtiva,


as pesquisas desenvolvidas pela Embrapa definiram o papel de
cada nutriente na manutenção das pastagens e a quantidade a ser
aplicada ao solo para que o sistema de produção de carne bovina
recuperasse sua sustentabilidade (Falesi, 1976). O elemento fósforo é
o mais essencial e a aplicação de 50 kg/ha de P2O5 são suficientes para
manter essa produtividade, além de outros, como potássio, magnésio e
micronutrientes. Todavia, os baixos preços da carne não apresentavam, à
época, compensação econômica para a utilização desse sistema, mesmo
quando aperfeiçoamentos mais sofisticados, como o Pastejo Rotacionado
Intensivo (PRI), foram propostos (Carvalho; Costa, 2000; Homma, 2000).

Mesmo assim, considerando o elevado volume de madeira explorada


ilegalmente em áreas florestadas e as pastagens nelas implantadas,
existem 16,21 milhões de hectares de pasto em diferentes estádios de
desenvolvimento no estado do Pará e 6,36 milhões de áreas cobertas com
Vegetação Secundária. Isto significa uma disponibilidade de 22,57 milhões
de hectares a serem utilizados na expansão do plantio de soja. Como pode
ser observado na Tabela 6, somente nos 31 municípios que constituem
os polos de produção de soja no estado do Pará, existem 5,16 milhões de
hectares abandonados, constituídos de pasto sujo, regeneração com pasto
e Vegetação Secundária (Terraclass, 2014). Por sua vez, os 5,89 milhões de
pasto limpo existentes apresentam uma baixa capacidade de suporte e
necessitam de aporte tecnológico para atingirem melhores performances no
PRI proposto. Tem sido enfatizada a utilização de culturas agrícolas de curto
ciclo, como os grãos, para amortizar os custos da adubação das pastagens
(Teixeira; Simão Neto, 2000). A integração lavoura-pecuária, na qual a
soja desempenha papel fundamental, em termos de margem de retorno
econômico, principalmente considerando a exploração de grandes áreas,
tem sido o recomendado. Esse sistema é o que vem sendo desenvolvido,
com excelente retorno financeiro aos produtores. Pode-se afirmar que existe
disponível para uso imediato, apenas nos polos de produção de soja do Pará,
uma área de 10,8 milhões de hectares sem necessidade de desmatamento.
372 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tabela 6. Áreas de pastagens em diferentes estádios de manutenção nos


municípios componentes dos polos de produção de soja no estado do
Pará, 2018.
Área disponível à produção de grãos (ha)
Polo Município Pasto Regeneração Vegetação Pasto
Total
Limpo Pasto Secundária Sujo
Capitão Poço 146.033 15.527 54.043 23.211 238.814
Garrafão do
66.064 18.190 34.453 15.855 134.562
Norte
Mãe do Rio 30.715 509 8.277 1.482 40.983
Aurora do
79.117 7.451 39.391 12.317 138.276
Pará
Nova
Esperança 51.913 19.024 35.343 21.763 128.043
Piriá
Paragominas
Ipixuna do
137.909 21.458 80.310 10.155 249.832
Pará
Paragominas 333.239 49.766 219.816 522.728 1.125.549
Ulianópolis 85.569 17.190 68.954 33.819 205.532
Dom Eliseu 86.706 32.546 98.969 41.033 259.254
Abel
25.696 5.193 13.009 11.374 55.272
Figueiredo
Bom Jesus do
87.179 8.765 42.630 33.804 172.378
Tocantins
Subtotal 1.130.140 195.619 695.195 727.541 2.748.495
Nova Ipixuna 58.066 7.874 24.034 19.605 109.579
Pará 528.587 50.296 167.547 70.267 816.697
Eldorado de
213.045 8.310 29.210 20.874 271.439
Sul do Pará Carajás
Curionópolis 147.085 10.060 29.976 16.018 203.139
Parauapebas 66.505 7.176 28.584 14.211 116.476
Xinguara 270.117 11.340 33.564 18.255 333.276
São Félix do
1.048.267 86.064 343.909 200.334 1.678.574
Xingu
Pará 154.121 15.932 45.509 44.143 259.705
Conceição do
206.331 20.199 41.461 31.783 299.774
Sul do Pará Araguaia
Santa Maria
384.058 24.994 89.219 70.302 578.563
das Barreiras
Santana do
442.919 40.049 85.996 97.668 666.632
Araguaia
Subtotal 3.519.101 282.294 919.009 603.460 5.333.854
Santarém 75.280 38.678 222.859 17.804 354.621
Belterra 18.527 3.426 36.466 2.228 60.647
Santarém
Novo
352.552 16.762 109.042 44.095 522.451
Progresso
Subtotal 446.359 58.866 368.367 64.127 937.719

Continua...
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 373

Tabela 6. Continuação.
Área disponível à produção de grãos (ha)
Polo Município Pasto Regeneração Vegetação Pasto
Total
Limpo Pasto Secundária Sujo
Altamira 408.953 45.126 151.606 75.310 680.995
Brasil Novo 109.851 41.879 41.006 34.095 226.831
Medicilândia 68.332 36.362 63.671 27.783 196.748
Transamazônica
Uruará 127.838 36.846 95.501 38.353 298.538
Placas 47.182 32.781 76.080 24.248 180.291
Rurópolis 38.022 34.122 78.551 26.417 177.112
Subtotal 800.178 536.779 277.116 226.206 1.760.515
Total geral 5.895.778 1.073.558 2.488.986 1.621.334 10.780.878
Fonte: Terraclass (2014).

Os mercados consumidores globais exigirão produtos de elevada


qualidade e que, adicionalmente, contemplem os preceitos e princípios de
sustentabilidade econômica, social e ambiental. Desse modo, é necessário
que os produtores atendam às exigências referentes às normas contidas
na legislação vigente e, por conseguinte, se credenciem à obtenção do
respectivo certificado de sustentabilidade.

Assim, o advento da cultura da soja no estado do Pará, ao contrário


de ser um problema, poderá tornar-se a solução capaz de viabilizar a
incorporação de extensas áreas, ociosas ou abandonadas, ao processo
produtivo, sem a necessidade da contínua e desnecessária derrubada
de floresta nativa, demonstrando ser possível conciliar os interesses
ecológicos dos ambientalistas sinceros com a praticidade econômica dos
produtivistas sensatos.

Principais entraves ao desenvolvimento da


cadeia produtiva da soja no estado do Pará
A cadeia produtiva da soja tem estado frequentemente submetida a
diferentes pressões que contribuem para elevar os níveis de riscos dessa
atividade, principalmente nos polos localizados no bioma amazônico. O
apoio das instituições públicas nas diferentes esferas, principalmente aquelas
responsáveis pela regulamentação e licenciamento dos empreendimentos
rurais, tem dificultado um melhor desempenho do setor.

No âmbito do governo estadual, o viés ambientalista que tem caracterizado


as últimas gestões, na medida em que dificulta o bom andamento dos
374 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

trâmites burocráticos oficiais, incentiva a ação severa das entidades


ambientalistas que persistem no intuito de encontrar mecanismos capazes
de arrefecer o dinamismo natural da cadeia produtiva na região, como a
Moratória da Soja e o recente Protocolo Verde dos Grãos (Protocolo…, 2017).

Em 2017, com a criação do programa Pará 2030, a cadeia produtiva dos grãos
mereceu sua inclusão entre as 13 cadeias eleitas para receber os incentivos
de políticas públicas. Entretanto, dada a autonomia apresentada por essa
cadeia produtiva, as ações efetivas de apoio advindas do governo estadual
têm sido limitadas.

Três são os principais obstáculos que impedem um desempenho mais


acelerado da cadeia produtiva do agronegócio da soja no estado do Pará:

1) A plataforma logística (matriz de transporte multimodal).

2) A regularização fundiária.

3) O processo de regulamentação e licenciamento ambiental.

Plataforma logística
Os custos de transporte dos produtos do agronegócio, no Brasil, são elevados.
Segundo dados da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec),
em 2013, o custo do transporte de grãos de soja brasileiro (US$ 92,00 por
tonelada) foi quatro vezes maior que nos Estados Unidos (US$ 23,00 por
tonelada) e 4,18 vezes maior que na Argentina (US$ 22,00 por tonelada).
Entre os apelos que sensibilizam os produtores a investirem no agronegócio
da cadeia produtiva da soja no Pará estão o baixo preço da terra e a relativa
curta distância que separa as áreas de produção dos polos produtivos, em
relação aos portos de escoamento (Figura 5). Dessa forma, é imprescindível a
conclusão da plataforma logística multimodal de transporte rodo-ferroviária-
-fluvial-marinha já referida, parte da qual se encontra em estado avançado
de realização. Em 2009, o Brasil exportou 43 milhões de toneladas de soja e
milho. O volume de exportação desses produtos realizado pelos portos do
Arco Norte atingiu 5,24 milhões de toneladas (12,19%). Em 2017, o volume
da exportação brasileira foi de 111,9 milhões de toneladas. Os portos do Arco
Norte exportaram 23,5 milhões de toneladas (21,0%).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 375

Foto: Emeleocipio Botelho de Andrade


Figura 5. Os silos para armazenamento de grãos passaram a fazer parte da paisagem nas
áreas produtoras de soja e milho no estado do Pará.

São, portanto, imprescindíveis as ações que promovam a conclusão dessa


ampla plataforma, incluindo a Ferrogrão e a revitalização do Rio Capim, com
a criação do porto na PA-256.

Regulamentação fundiária
As áreas de domínio público nos estados da região amazônica têm estado
submetidas a forte interferência do governo federal. Durante as últimas quatro
décadas, as intervenções legais nesse patrimônio estatal têm sido prejudiciais.
Essas perdas têm ocasionado limitação na adoção de políticas públicas
capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico estadual, o que se
reflete em uma fragilidade na soberania dos governadores. Essa supressão de
dominialidade ocorre em 62,6% das áreas dos estados da região Norte, exceto
o Tocantins, que estão legalmente atribuídas a diferentes usos na forma de
reservas legais, reservas biológicas, florestas nacionais, terras indígenas, áreas
militares, entre outras, e que somam 223,8 milhões de hectares (Tabela 7).
376 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tabela 7. Áreas legalmente atribuídas nos estados da região Norte, exceto


o Tocantins.
Estado Área (ha) Área federal (ha) % Estado
Amazonas 155.915.764 87.586.609 56
Pará 124.795.667 84.736.724 68
Rondônia 23.759.069 13.940.122 59
Roraima 22.430.051 16.316.712 73
Acre 16.412.346 9.494.461 58
Amapá 14.282.852 11.756.295 82
Total geral 357.595.749 223.830.924 62,6

Fonte: Miranda et al. (2020).

Especificamente no estado do Pará, além dessa intervenção federal, a


jurisdição fundiária sob domínio federal é exercida por três superintendências
do Incra, em uma área de 19 milhões de hectares destinados aos
assentamentos da reforma agrária que correspondem a mais de 15% de seu
território. É dizer que o governo estadual tem o domínio sobre apenas 17%
de seu território.

No referente ao montante remanescente dessa área, o marco regulatório


jurídico oficial dos documentos expedidos é, como já referido, em
significativa quantidade, eivado de inconsistências normativas. A fragilidade
ou mesmo a frequente ausência de uma nítida cadeia dominial dificulta
os procedimentos de regularização desses documentos, o que torna
redundante e oneroso o processo burocrático. Grande parte dessa situação
tem sido atribuída à ocorrência das atitudes espúrias já comentadas.

Em alguns polos de produção de soja, 70% das áreas adequadas e aptas à


produção agropecuária não dispõem de situação fundiária regularizada.
A dificuldade da regularização fundiária das propriedades rurais é o
principal obstáculo à expansão do agronegócio nesses polos, uma vez que
o processo de aprovação para a produção é iniciado com a comprovação
da legalidade da área a ser cultivada. Para a solução desse entrave ao
desenvolvimento econômico, é de singular importância o papel da
prefeitura. Seu gestor, como agente político, deve utilizar sua liderança
municipal, no intuito de pleitear aos governos federal e estadual a atuação
efetiva de seus respectivos órgãos fundiários – Incra e Instituto de Terras
do Pará (Iterpa) – os quais, atuando de modo convergente num projeto
discriminatório da cadeia dominial das áreas ainda não regularizadas e
disponíveis à produção agropecuária e florestal possibilitam a emissão da
devida titulação.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 377

Além dos órgãos fundiários, deverão se fazer presentes como apoiadores a


própria Prefeitura Municipal e, também, as representações dos diferentes
elos das cadeias produtivas instaladas nos municípios, detentores de
informações úteis e necessárias ao processo discriminatório. A titulação
da área é decisiva ao oferecer a segurança fundiária necessária aos
desdobramentos nos segmentos ambiental, do financiamento da produção,
da certificação para a comercialização, bem como segurança jurídica, fator
importante para a decisão de investimentos.

O modus operandi convencional, em que somente os órgãos fundiários


atuam demandados pela conjuntura estadual, não linear no seu aspecto
econômico, não tem surtido efeito prático e necessário a responder àqueles
polos de produção, como é o caso de Paragominas. Portanto, é necessário
que um novo sistema operacional, como o aqui proposto, localizado e
contando com uma união de esforços de todos os segmentos da sociedade,
seja operacionalizado de modo permanente até a solução da regularização
fundiária do município, de modo a se tornar mais um fator de atração
a novos empreendimentos que continuem a alicerçar o crescimento
econômico, impulsionador do desenvolvimento. Trata-se, portanto, de uma
prioridade política do município, no intuito de viabilizar seu crescimento
econômico. Caso essa solução torne-se exitosa, a repercussão positiva
deverá se refletir nos demais municípios que, ao colocá-la em prática,
favorecerão os interesses do próprio estado, o qual, impulsionando sua
regularização fundiária, priorizará aqueles municípios que se encontram à
frente no crescimento econômico.

A inexistência de um foro decisório, com mandato e outorga, legalmente


estabelecido, capaz de definitivamente solucionar essas questões polêmicas,
coloca o agronegócio paraense na dependência de atuar apenas nas glebas
regularmente documentadas. Dessa forma, é necessário um procedimento
austero que permita e autorize uma maior agilidade aos órgãos estadual
(Iterpa) e federal (Incra), responsáveis por esse moroso processo burocrático.
O recente Programa Terra Legal, instituído pelo governo federal, pode
contribuir adicional e efetivamente sobre a legalização de pendências
fundiárias pretéritas.

Processo de regulamentação e licenciamento ambiental


Os princípios que estabelecem a base para o uso sustentável dos
recursos naturais ligados ao agronegócio estão contidos no Código
Florestal Brasileiro (CFB), estabelecido pela Lei nº 12.651/2012. Com a
378 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

implementação desse marco regulatório, julga-se possível compatibilizar o


desenvolvimento econômico com a proteção natural das florestas e demais
formas de vegetação nativa. Dentre os mecanismos básicos que compõem
a regulamentação do código, destacam-se o Cadastro Ambiental Rural
(CAR); o Programa de Regularização Ambiental (PRA) e as Cotas de Reserva
Ambiental (CRA). Embora ainda não totalmente regulamentado, o CFB, por
meio do CAR, tem possibilitado a regulação de cerca de 281 milhões de
hectares de vegetação nativa remanescentes em imóveis rurais brasileiros
(Observatório do Código Florestal, 2016). O Congresso Nacional deve
regulamentar o Artigo 41 do código e, em estreita parceria com os governos
estaduais e municipais, deve implementar as bases estabelecidas na lei, de
forma que todos possam usufruir dos seus benefícios.

Infelizmente, diferentes problemas inerentes à máquina administrativa


pública têm dificultado a implementação efetiva do código e, nesse
contexto, prejudicado o bom desempenho do setor produtivo rural.
Urge a presteza na emissão das licenças ambientais e o estabelecimento
de mecanismos que viabilizem a negociação de códigos de conduta
aos produtores que tenham dificuldades em cumprir as diversas
normativas estabelecidas. É necessário criar um sistema de certificação
de sustentabilidade, seja oficial seja privado, que permita aos produtores
atestar o cumprimento de suas responsabilidades e, com isso, merecer a
compensação na oferta de seus produtos.

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A PERSPECTIVA DO MERCADO
DA PIMENTA-DO-REINO NO
BRASIL E NO MUNDO
Gilberto Ferreira da Silva Júnior
Gisalda Carvalho Filgueiras
Antônio José Elias Amorim de Menezes
André Cutrim Carvalho
Alfredo Kingo Oyama Homma

Introdução

A
pimenteira-do-reino (Piper nigrum L.), originária da Ásia, é consumida
em todo o mundo e tem sua utilização em produtos alimentícios
industrializados, fazendo com que seu preço seja cotado na bolsa de
valores. No mercado, são três tipos de pimenta-do-reino comercializados
no mundo: a verde, que é produzida no Brasil (reduzida escala) e em
Madagascar; a branca, produzida na Indonésia, Malásia, Brasil e República
Popular da China; e, finalmente, a preta, que é produzida na Índia, Vietnã,
Malásia, Indonésia, Brasil (dominante), Sri Lanka e Tailândia (Duarte, 2002).

Por sua vez, o mercado agrícola necessita de informações sobre os principais


países produtores e em que regiões do globo se localizam, utilizando
critérios de expansão ou restrição dessa cultura, mediante suas principais
variáveis: área colhida, produção e produtividade no decorrer de um
determinado período, para, com isso, gerar subsídios de como o mercado
funciona e suas oscilações durante um determinado espaço de tempo. Logo,
os dados dos principais países exportadores do produto da pimenteira-do-
-reino e informações sobre a evolução do preço no mercado internacional
são importantes para orientação de produtores brasileiros e que os adidos
agrícolas das embaixadas brasileiras nestes países concorrentes deveriam
se preocupar.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 383

A pimenteira-do-reino é cultivada há 200 anos no território nacional, mas


sua produção era feita em quintais utilizando tutores de árvores frutíferas na
região Norte e Nordeste do País. Somente na década de 1950 sua produção
se intensificou, com os imigrantes japoneses que se estabeleceram em Tomé-
-Açu desde a década de 1920 e também com a valorização da pimenta-do-
-reino no mercado internacional (Duarte, 2004). Com esse cenário favorável,
sua área de cultivo teve ampliação significativa na região Norte do Brasil.

De outra forma, a lavoura da pimenteira-do-reino teve seu cultivo como


monocultura por longo tempo e, atualmente, é utilizada em sistema
agroflorestal, em que esta planta tem seu cultivo substituído por plantas
perenes, como fruteiras e essências florestais (Barros et al., 2009).

Portanto, a produção da pimenta-do-reino no Brasil tem basicamente a


destinação da exportação, de modo que 90% do total da produção destina-
-se para o exterior e apenas 10% desta fica no mercado interno (Duarte,
2004). Esse cenário vem apresentando modificações ao longo do tempo.

Seu cultivo era feito com estacas e/ou estacões, o que causava problemas,
como a retirada de madeira dura para esse fim, mas atualmente vem
ganhando destaque o cultivo com tutores vivos em alguns municípios do
estado do Pará, diminuindo assim os danos ambientais (Menezes et al., 2013).

Por ser uma planta de origem tropical, adaptou-se de maneira fácil na região
amazônica, normalmente em solos de textura média e argilosa, como
descrito por Carneiro Júnior et al. (2017). A partir de 2018, o estado do Pará
foi suplantado pelo estado do Espírito Santo, como tem acontecido com
mamoeiro, pupunheira, cacaueiro e outros cultivos da região amazônica.

Dado esse contexto da cultura da pimenteira-do-reino, pretende-se estudar


seu mercado no âmbito nacional e internacional, sendo o objetivo maior
deste trabalho averiguar a expansão dessa cultura no âmbito mundial,
começando pelo Brasil, um dos grandes cultivadores dessa lavoura.

Este estudo se justifica em razão da falta de informações sobre como


o mercado internacional funciona, dificultando ao agricultor a escolha
da melhor opção para investimento em determinada cultura para sua
propriedade e a época ideal de venda para obtenção de lucros futuros, com
menor risco.

Nessa direção, este estudo pretende responder a seguinte questão: a cultura


da pimenteira-do-reino vem crescendo nos mercados nacional e internacional,
384 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

de forma que compense aos produtores do estado do Pará manter e investir


nessa cultura? A hipótese deste trabalho é que a pimenteira-do-reino é ainda
de muito risco, por isso, mais informações sobre o mercado e a redução de
custo devem ser difundidas aos produtores rurais.

Referencial teórico e revisão bibliográfica


A microeconomia estuda o comportamento das unidades econômicas
básicas, como a relação dos consumidores com produtores e o mercado do
qual fazem parte, preocupando-se com a formação dos preços e a quantidade
em determinados mercados específicos (Varian, 2012). Considerando que a
pimenteira-do-reino é um produto cultivado por muitos produtores, faz-se
uma analogia com um sistema de produção de concorrência imperfeita, que
é um campo da microeconomia. Portanto, essas unidades de produção são
consideradas diversas firmas, cujo preço não é imposto por eles, mas sim
num mercado no qual, pelo lado da compra (consumidores), encontra-se um
pequeno número de outras firmas, que impõem os preços, transformando
em uma estrutura de mercado considerada um oligopsônio. Por tudo isso, no
presente caso, é perfeitamente possível analisar a pimenta-do-reino nesse
prisma de mercado imperfeito mediante a expansão e/ou manutenção da
cultura por muitos agricultores, que participam dessa atividade tanto com
a exploração em seu próprio lote, como, em períodos de colheita dessa
espécie, podendo trabalhar como diarista em grandes áreas de plantio no
Nordeste Paraense, local de maior expressão dessa atividade no Pará.

Com relação ao preço da pimenta-do-reino, sua cotação está diretamente


ligada à relação de demanda e oferta, conforme a própria lei de mercado
(oferta versus demanda), como mostra a Teoria Microeconômica. As
variáveis que afetam a demanda e a oferta da pimenta-do-reino são renda,
crise nacional e mundial, mudança de hábitos de consumo, presença de
agroquímicos, salmonela e produção de países asiáticos. Portanto, aqui se
registra a concorrência de produtores, bastante presente na curva da oferta
de produtos agropecuários, inclusive doenças, que acabam elevando o
custo de produção (pelo lado da oferta) e baixando a qualidade do produto
(pelo lado da demanda), dentre outros fatores, que acabam por afetar
sobremaneira o mercado dessa commodity.

As variáveis que afetam a oferta de pimenta no estado do Pará são: preço da


pimenta, custo dos estacões (tutores) e dos fertilizantes, disseminação da
doença, disponibilidade de mão de obra, condições climáticas, legislação
ambiental e trabalhista, roubos, produção de países asiáticos, entre outros
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 385

(Albuquerque, 1987; Vasconcellos, 2006). Entretanto, em estudos pioneiros


sobre o mercado da pimenta-do-reino, em âmbito nacional e internacional,
Homma e Miranda (1979) e Homma (1981) constataram que:
(...) tais fatores concorrem para o aumento nos custos de
produção, por conseguinte, diminuindo a margem de lucro
da exploração em relação às décadas anteriores. Ressalta-
-se ainda o fato de o produtor ter desenvolvido métodos de
plantio de pimenta-do-reino em combinações, envolvendo
pelo menos dez sistemas de produção distintos, procurando
melhor utilizar os seus recursos disponíveis, comportando-se
de maneira dinâmica frente aos diversos fatores negativos,
principalmente, da expansão do Fusarium, quer através de
opções com novas culturas ou através de um pimental de
risco e/ou expansão (Homma; Miranda Filho, 1979, p. 6-7).

Revisão bibliográfica
Carneiro Júnior et al. (2017), mediante um estudo mercadológico da pimenta
em nível abrangente (mundial, nacional e local), constataram que, apesar de
demanda e oferta oscilarem no período analisado (1990 a 2015), os países
asiáticos (Vietnã, Indonésia e Índia) detém a hegemonia do mercado dessa
commodity, correspondendo a mais de 60% da produção de pimenta.

Andrade et al. (2017) analisaram as alterações ocorridas entre os anos de


1998 e 2012 no valor bruto da produção (VBP) de pimenta-do-reino no
estado do Pará, o qual foi crescente nesse período, com retração no início e
recuperação a partir de 2006. A área colhida e o preço da pimenta no estado
paraense tiveram aumento, mas a produtividade mostrou-se constante,
sem grandes variações. O aumento na área colhida e na produtividade se
mostra importante para o crescimento da cultura da pimenteira-do-reino
no mercado. Para isso, facilidade de crédito e repasse de conhecimento aos
agricultores são importantes.

Lourinho et al. (2014) mostraram o destaque do Brasil na produção de


pimenta-do-reino, sendo o maior produtor não asiático e apresentando
melhores técnicas de produção. Analisando a cadeia produtiva no panorama
regional, destacou-se três regiões produtoras de pimenta. Na região Norte,
estima-se que metade da produção é formada por pequenos produtores.
Outrossim, os produtores da região enfrentam o risco do aparecimento da
fusariose, que diminuiu o tempo de vida da planta para 7 ou 6 anos, a queda
de preços com a produção do Sudeste Asiático e a produção do estado do
386 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Espírito Santo, que superou a produção paraense em 2018 e é mais próxima


do mercado do Sul e Sudeste. Para o mercado da pimenta-do-reino no
estado do Pará, a falta de assistência técnica, problemas tecnológicos não
solucionados e a necessidade de maiores cuidados no beneficiamento
dificultam o desenvolvimento da cultura (Filgueiras et al., 2004, 2009).

Filgueiras et al. (2004) avaliaram as fontes de crescimento da cultura da


pimenteira-do-reino, confirmando a crise do setor na década de 1990 em
relação à década de 1980, em que os preços não compensavam os custos.
Apesar disso, o Pará manteve a posição hegemônica como maior produtor/
exportador da pimenta-do-reino até 2017, em razão da sua área cultivada,
mas a sua produtividade perdia para o estado do Espírito Santo. Tudo isso
confirma a falta de eficiência do setor responsável pela agricultura em
vencer obstáculos, como as pragas e doenças que atacam a lavoura de
pimenta, a falta de melhoria de infraestrutura produtiva, a drenagem dos
lucros da agricultura para outros locais, entre outros, que contribuem para a
manutenção do círculo vicioso da pobreza.

Em termos atuais, segundo fonte da Empresa de Assistência Técnica e


Extensão Rural do Estado do Pará (Emater), representantes desta instituição
em tempos recentes (outubro de 2020) se reuniram em Castanhal com
a diretoria de uma empresa especializada em rastreabilidade, seleção,
treinamento e monitoramento da pimenta-do-reino, para discutir e alinhar
objetivos no intuito de alavancar a produção no estado, mesmo porque
essas duas instituições possuem um Termo de Cooperação Técnica (TCT)
que visa fortalecer a cadeia produtiva da pimenta no Pará, especialmente os
que atuam com o segmento de pequenos produtores. Conforme o diretor
técnico da Emater Rosival Possidônio, um dos objetivos é desenvolver os
serviços utilizando a metodologia participativa, no contexto da Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER). Vale ainda
destacar que essa ação está contando com o apoio da Embrapa Amazônia
Oriental e da Universidade Federal Rural do Pará (Ufra), haja vista que
essas instituições possuem pesquisa que visa o fortalecimento da cadeia
produtiva da pimenta, de modo a desenvolver boas práticas de cultivo,
colheita e pós-colheita do produto no Pará, dado que essa atividade
envolve mais de 30 mil famílias em todo o estado paraense (Viana, 2021).

Na seção seguinte, considerando a necessidade de novas tecnologias


no cultivo da pimenteira, faz-se uma revisão acerca de como têm se
desenvolvido novos processos com o cultivo dessa espécie, no intuito de
vencer barreiras relativas a menor custo de produção, melhor condução no
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 387

controle de doenças e oportunidades de geração de renda dos produtores


envolvidos, de forma a obter melhores preços no mercado, dado que essa
variável (preço) é fundamental nos estudos de mercado.

Novas tecnologias utilizadas para o plantio da pimenta-


-do-reino
Uma das dificuldades de se implantar o trabalho com a cultura da pimenteira-
-do-reino é conseguir estacões para serem utilizados como tutor morto,
pois estes se tornaram difíceis de obter com as restrições ambientais e com
o esgotamento das espécies de madeira-de-lei, além de serem responsáveis
por danos ambientais, uma vez que áreas são desmatadas para sua obtenção
(Lemos et al., 2014).

É inegável a importância da pimenta-do-reino na região Norte, tanto no que


diz respeito ao caráter econômico como social, com destaque ao estado do
Pará. Desde a década de 1980 até o ano 2000, sistemas novos vêm sendo
desenvolvidos para atender as necessidades das regiões produtoras, e várias
tecnologias foram criadas por instituições voltadas à pesquisa, as quais têm
implementado inovações que, na sua maioria, são aceitas pelos produtores
(Deser, 2008; Silva et al., 2017). Uma dessas novas formas de plantio da
pimenteira-do-reino, criada pela Embrapa Amazônia Oriental, é a utilização
de tutor vivo com uso de gliricídia (Gliricidia sepium L).

Ishizuka et al. (2004) mostraram que a procura de madeira-de-lei para


confeccionar estacões afeta diretamente espécies como aquariquara
(Minquartia guianensis), acapu (Vouacapoua americana) e jarana (Eschweilera
jarana), pois são extraídas de forma desordenada. Para se plantar 1 ha de
pimenta-do-reino é preciso derrubar cerca de 30 árvores de madeira-de-lei
para a confecção dos estacões. Uma opção para evitar todos esses danos é a
utilização do tutor vivo, que se torna uma opção viável principalmente para
os pequenos produtores.

A economia feita na escolha de tutor vivo a estacas de madeira é real. A gliricídia


utilizada para essa função é originária do México até o norte da América do
Sul, sendo uma espécie tropical, uma leguminosa que pertence à família das
Fabaceae, atuando em simbiose com bactérias, formando nódulos nas raízes.
Esse processo fixa o nitrogênio tão necessário à pimenta (Lemos et al., 2014).
Sua altura pode chegar a 12 m, com diâmetro de 30 cm e apresentando caule
fino e esbranquiçado. Sua copa é ampla e sua forma pode variar, pois depende
das podas. A gliricídia habita lugares ao nível do mar até 1,5 mil metros de
388 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

altitude e com precipitação de 1 mm a 3 mm por ano. Existem várias espécies,


mas somente a Gliricidia sepium é usada como tutor vivo.

O plantio da pimenteira-do-reino utilizando o tutor vivo é feito da seguinte


maneira: o agricultor escolhe a área e o solo que tenham características
como um terreno plano com suave declividade e com textura do solo
franco-argilosa ou franco-arenosa, com pH do solo de 5,0 a 6,5 e com boa
drenagem. Para conseguir a matriz, que são estacas compridas e eretas,
deve ser estabelecida uma área matriz de gliricídia, em que a estaca para
produção das mudas deve ter de 1,0 m a 1,5 m de comprimento e as
covas devem ter 50 cm de profundidade com espaçamento de 2 m x 2 m
no campo da matriz. Todo esse processo deve ser feito antes do início do
período chuvoso (Menezes et al., 2014).

Para alcançar a formação do tutor vivo, deve-se ter um manejo adequado


dos galhos, pois, se existirem muitos galhos altos, a gliricídia pode se inclinar
e, com isso, os galhos podem cair. Para que isso não ocorra, o tutor vivo tem
que sofrer podas periódicas no período chuvoso. Quando não existirem
galhos eretos, o tutor vivo tem que ser amarrado e podado até alcançar o
ponto desejado. Se mesmo com esses cuidados o agricultor notar que o
tutor vivo continua inclinado, o aconselhado é fazer a troca por outro.

No primeiro ano do manejo do tutor vivo, os brotos não devem ser retirados
até completarem 40 dias, se for no período chuvoso, isto deve ser feito para
enraizar e engrossar o tronco. Passando esse período, os galhos e também
os brotos devem ser retirados, somente poucos galhos devem permanecer.

No segundo ano, todos os galhos devem ser cortados no começo do período


chuvoso. Isso os deixa eretos, fazendo-os ficarem mais altos. Os galhos
grossos que forem podados devem ser utilizados para futuros tutores vivos.
Quando o tutor vivo alcançar a altura de 2,5 m a 3 m, deve ocorrer a primeira
poda, com a retirada de galhos e brotos, o que deve ser feito nos meses de
fevereiro e março, e a segunda poda nos meses de abril ou maio.

No período chuvoso, as mudas de pimenteira-do-reino devem ser plantadas


em covas abertas de 40 cm x 40 cm, respeitando 10 cm de distância do tutor.
Passados 30 dias da adubação básica, as mudas necessitam ser cobertas
temporariamente com folhas de palmeiras e levadas ao tutor vivo por meio
de amarrio. O primeiro amarrio é feito 1 mês depois do plantio da muda
e o processo é repetido até a planta atingir o tutor vivo. Seis meses após
esse processo, quando o fio estiver apertando o tronco grosso, este deve
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 389

ser cortado e amarrado novamente. O ramo de pimenta-do-reino deve ser


amarrado à estaca com mais de 45º de inclinação.

Com o plantio adequado do tutor vivo e sua manutenção técnica, é


realizado o plantio da pimenteira-do-reino. Esse processo substitui as
estacas de madeira quando não se utiliza tutor vivo. A estimativa do custo
de implantação dos tutores vivos, segundo Menezes et al. (2013), é de que
os custos de implementação de 1 ha de pimenta-do-reino em sistemas
intensivos com tutor vivo são mais baixos quando comparados aos demais
sistemas de produção com tutor morto.

O processo de utilização de tutor vivo apresenta menores danos ao


ambiente onde é implantado e também maior longevidade para a cultura
da pimenta-do-reino, além de contribuir para melhorar a qualidade do solo,
pois fixa biologicamente o nitrogênio atmosférico a este. Quando se encerra
o ciclo produtivo da pimenta-do-reino com a morte das pimenteiras, as áreas
podem ser utilizadas para o plantio de cacaueiro, aproveitando a adubação
residual das pimenteiras e o sombreamento das gliricídias.

Metodologia
Método empírico
A presente pesquisa tem como ponto de referência o mercado da pimenta-
-do-reino no Brasil e no mundo. Utilizou-se informações da Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2019) e do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020), pela captura das variáveis de
produção (área colhida em hectares, produção em toneladas, produtividade
em quilogramas por hectare, assim como preços obtidos pela divisão do
VBP pela produção, transformados em preços por quilograma da pimenta).

Após a organização em tabelas, foram confeccionadas figuras para melhor


visualização e análise dos dados. Utilizou-se um editor de planilhas para esse
procedimento, de modo a se obter a ilustração da evolução dessa cultura no
período de 1998 a 2020.

Cálculo das taxas geométricas de crescimento


Estudos sobre o mercado de pimenta-do-reino no Brasil e no mundo
são recorrentes, por ser uma das principais atividades agrícolas no Pará,
logo, tais estudos têm empregado diversas metodologias, simples e que,
390 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

dependendo do propósito do estudo em si, têm atendido a proposta de


averiguar a dinâmica do mercado dessa commodity. Como exemplo, o
artigo elaborado por Filgueiras et al. (2009) com a metodologia de taxas
geométricas de crescimento (TGC) demonstrou a expansão da pimenteira
na região Norte, no Pará e no mundo. Carneiro Júnior et al. (2017) analisaram
o mercado de pimenta-do-reino, entre 1995 e 2015, com relação à oferta e
demanda desse produto, utilizando como metodologia as taxas geométricas
de crescimento, com a fórmula de juros compostos, para a tendência de
oferta e demanda da pimenta até 2025. Nesse sentido, considerando uma
metodologia importante para a análise mercadológica, utiliza-se a TGC
neste estudo.

Adicionalmente, no que se refere ao método, utiliza-se a estatística


descritiva (média, desvio-padrão e coeficiente de variação), adicionando
o cálculo das TGCs das variáveis área colhida, produção e produtividade
da pimenteira-do-reino, obtidas mediante o modelo de regressão linear,
conforme indicado por Santana e Silva (1998) e Hoffmann (2006).

Zt = A (1 + n)t (1)

Analogamente, tem-se que pode ser transformada em uma equação de


regressão linear simples, tal que:

Yt = a + bXt +Єt (2)

em que

Yt = variável dependente.

a = intercepto.

b = inclinação, que indica quanto deve variar, para mais ou menos essa
inclinação atrelada ao Xt.

Xt = variável requerida (taxa de crescimento).

Єt = termo de erro, aleatório.

Então, logaritmiza-se (ln) todos os termos da regressão, como segue:

lnYt = lna + lnb*Xt (3)


PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 391

De modo que log b = log A + tlog (1+n), que corresponde a Yt = a + bX


+ Ԑt (equação linear), como já explicitado acima, em que Yt é o logaritmo
natural de Zt, a é o logaritmo natural de A e b é o logaritmo natural da
taxa geométrica de crescimento (1+i). Portanto, a taxa de crescimento
foi calculada pela fórmula i = {antilog b)-1, sendo antilog simplesmente o
antilogaritmo (reversa o processo). X é t, ou seja, é uma variável tendência
que para 1998 = 0...2017 = 20 e Ԑt é erro aleatório, com média zero e
variância constante.

Resultados e discussão
A conjuntura do mercado nacional
A Figura 1 ilustra as oscilações da produção brasileira nos anos de 1998 a
2020. No ano de 1998, a produção brasileira registrou o pior desempenho
do período analisado, mas com crescimento nos anos seguintes, chegando
nos anos de 2005, 2006 e 2007 com seu melhor desempenho. Nos anos
seguintes, a produção caiu e só voltou a crescer nos anos de 2015 a 2020,
superando a de 2006.

Figura 1. Área colhida (AC), produção (PROD) e produtividade (REND) de pimenta-do-reino


no Brasil, no período de 1998 a 2020.
Fonte: IBGE (2020).
392 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

No ano de 2020, o Brasil teve uma área colhida de 37.345 ha de pimenteira-


-do-reino, 114.749 t produzidas e um VBP de R$ 1.066.279 mil.

A Figura 1 registra a evolução da cultura da pimenteira-do-reino no


Brasil, em que nota-se uma ampliação da área colhida no início dos anos
2000, com ápice em 2006, voltando a retrair-se em 2010 e só a partir de
2015 volta a expandir novamente. A produção também acompanha os
resultados da área colhida, mas a produtividade praticamente se encontra
estável no período.

Destaca-se o estado do Pará com uma produção de 39.577 t e com uma


área colhida de 16.139 ha, cujo VBP correspondeu a R$ 515.742 mil reais, e
o estado do Espírito Santo com uma área colhida de 9.701 ha, quantidade
produzida de 34.591 t e VBP de R$ 346.633 mil, em 2017.

Destaca-se que historicamente, no Brasil, o estado do Pará por décadas foi


o maior produtor. Contudo, a partir de 2018, o Espírito Santo passou a ser
o maior produtor, seguido pelo Pará e pela Bahia. A área plantada entre os
dois maiores produtores é similar, porém a produtividade capixaba é quase
o dobro quando comparada ao Pará (Partelli, 2020).

Somando o valor da produção desses dois estados (Pará e Espírito


Santo), equivale a 92,66% do total nacional no ano de 2017 (IBGE, 2019).
Analisando os dados desses dois estados, nota-se que o Espírito Santo,
com uma área de 9.701 ha, tem uma produção de 34.591 t, equivalente a
somente 60,11% da área colhida do estado do Pará e com uma produção
que chega a 87,40% da produção paraense. Isso mostra que os produtores
do estado do Espírito Santo aproveitaram o alto preço alcançado pela
pimenta no período de 2010 a 2016. Relativamente a preços, na Figura 2,
observa-se a evolução dos preços da pimenta-do-reino no período que
vai de 1998 a 2020. No final da década de 1990, o preço apresentou uma
breve melhora e, em 1999, o preço da pimenta fechou em R$ 30,02, que
não prosseguiu na década seguinte, na qual se apresentou em baixa e de
maneira constante na década de 2000, tendo seu pior desempenho em
2005, em que o valor pago foi de R$ 4,80, e só teve sua recuperação a partir
de 2010, alcançando seu ápice em 2015, com o valor de R$ 30,72.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 393

Figura 2. Preços da pimenta-do-reino no Brasil e no Pará de 1998 a 2020, com valores


atualizados pelo IGP-DI, base 2018=100.
Fonte: IBGE (2020).

Filgueiras et al. (2004), analisando o desempenho do VBP da pimenta-do-


reino pelo método shift-share, constataram que as oscilações ou ciclos das
variáveis preço e VBP são bem caracterizadas em toda cultura permanente
que opera em ciclos decorrentes principalmente da variação de preços
ditados pelo mercado internacional, do qual é formador. Em relação ao
preço da pimenta-do-reino pago ao produtor, observa-se, também, grandes
oscilações ao longo do período em estudo, em razão de a comercialização
continuar como grande entrave dos produtores, uma vez que estes
são desorganizados e por existir no estado a estrutura de um mercado
oligopsônico. Portanto, nesta pesquisa, confirma-se um ciclo de aumento
e diminuição de preços, confirmando a pesquisa dos autores supracitados.

Do final da década de 1990 até 2010, vinha recebendo as consequências da


crise da superprodução da pimenta, em que os preços estavam baixos. Os
preços só vieram a se recuperar a partir de 2010. Em 2015, chegou ao seu
ápice. Em 2019, os preços tiveram queda, fechando em R$ 6,31.
394 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Para uma análise mais completa, as Tabelas 1 e 2 ilustram as taxas geométricas


de crescimento referentes à área colhida e produção dos estados do Pará e
do Espírito Santo e o total nacional em três períodos: 1998 a 2007; 2008 a
2017 e 1998 a 2017.

Tabela 1. Taxas geométricas de crescimento (TGC) referentes à área colhida de


pimenta-do-reino dos estados do Pará, Espírito Santo e do País, 1998 a 2017.
Taxas geométricas de crescimento (%) – Área colhida
Período Pará Espírito Santo Brasil
1998–2017 0,42ns 7,48* 1,80ns
1998–2007 13,80* 6,34* 13,10*
2008–2017 -4,29** 15,20* -0,79ns

*, ** e **, significância estatística a 1%, 5% e 10%, respectivamente. ns não significativo.


Fonte: IBGE (2020).

Analisando-se os dados relacionados ao período que se estende do ano


de 1998 a 2017, nota-se um crescimento em âmbito nacional de 1,80%
da área colhida. Esse desempenho positivo tem relação direta com o
crescimento do estado do Espírito Santo no cultivo da pimenteira-do-
-reino, enquanto o estado do Pará teve um crescimento de apenas 0,42%
a.a. No período de 2008 a 2017, o Pará teve um decréscimo de -4,29%
contra uma alta taxa de crescimento do Espírito Santo, que foi de 15,20%
a.a. Mesmo com esse resultado positivo, o Brasil teve uma taxa negativa
de -0,79%. No período que vai de 1998 a 2007, nota-se que o Pará vinha
com uma taxa de crescimento positiva de 13,80% a.a. e o Espírito Santo
de 6,34% a.a. Nacionalmente a taxa foi de 13,18% a.a., portanto, o melhor
resultado foi o segundo período analisado.

Tabela 2. Taxas geométricas de crescimento referentes à produção de pimenta-


-do-reino, de 1998 a 2017.
Taxas geométricas de crescimento (%) – Produção
Período Pará Espírito Santo Brasil
1998–2017 -0,09ns 9,19* 1,82ns
1998–2007 15,22* 16,44* 14,90*
2008–2017 -4,18*** 12,26** -0,19ns

*, ** e **, significância estatística a 1%, 5% e 10%, respectivamente. ns não significativo.


Fonte: IBGE (2020).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 395

As taxas de produção mostram um desempenho positivo no período que vai


de 1998 a 2007, em que o Espírito Santo registrou uma taxa de 16,44% a.a.
e o Pará 15,22% a.a. O Brasil apresentou uma taxa de 14,90% a.a., refletindo
o ótimo preço da pimenta-do-reino no mercado internacional, que fez com
que os produtores intensificassem a produção. No segundo período, que
vai de 2008 a 2017, nota-se um desempenho negativo do estado do Pará
em contraposição ao desempenho positivo do Espírito Santo. No aspecto
nacional, o Brasil teve uma taxa negativa que se deve às dificuldades que o
estado do Pará teve no escoamento de sua produção (Filgueiras et al., 2009).
Já no estado do Espírito Santo, que tem um histórico de cultivo do cafeeiro
e por isso já mantém uma infraestrutura básica, com o preço positivo da
pimenta-do-reino no mercado internacional, muitos cultivadores de
cafeeiro optaram por plantar pimenta-do-reino.

Na Tabela 2, dos 20 anos analisados, observa-se que o Pará teve uma


taxa decrescente de -0,09% a.a., enquanto o Espírito Santo teve uma
taxa positiva de 9,19% a.a. e a taxa nacional foi de 1,82% a.a., porém sem
significância estatística.

O cenário da pimenta-do-reino no mercado internacional


A pimenteira-do-reino, no ano de 2020, teve uma área de 624.488 ha no
âmbito mundial, do qual a Indonésia corresponde a 31,74%, a Índia a
21,94% e o Vietnã a 18,08%. O Brasil ocupou a quinta posição na escala
mundial, com 5,98%, que equivale a 37.345 ha. Os oito principais países são
responsáveis por 93% dessa área colhida no ano de 2020 (Tabela 3).

Tabela 3. Área colhida, produção e produtividade da pimenteira-do-reino nos


principais países produtores, em 2020.
Área colhida Produção Rendimento
País
(ha) (%) (t) (%) (kg/ha)
Indonésia 198.222 31,74 89.041 11,92 449,2
Índia 137.000 21,94 66.000 8,83 481,8
Vietnã 112.881 18,08 270.192 36,16 2.393,6
Sri Lanka 48.274 7,73 43.557 5,83 902,3
Brasil 37.345 5,98 114.749 15,36 3.072,7
China 18.365 2,94 33.348 4,46 1.815,8
China
18.237 2,92 33.131 4,43 1.816,7
Continental
Malásia 8.022 1,28 30.804 4,12 3.839,9
Madagascar 8.000 1,28 4.532 0,61 566,5
Etiópia 7.160 1,15 4.409 0,59 615,8

Continua...
396 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tabela 3. Continuação.
Área colhida Produção Rendimento
País
(ha) (%) (t) (%) (kg/ha)
Gana 5.479 0,88 3.732 0,50 681,1
México 3.889 0,62 10.399 1,39 2.674,0
Filipinas 1.493 0,24 1.028 0,14 688,5
Malaui 422 0,07 370 0,05 876,8
Outros 19.699 3,15 41.900 5,61 2.127,0
Mundo 624.488 100,00 747.192 100,00 1.196,5

Fonte: Dados básicos de FAO (2022).

Observando a produção, o Vietnã é o país que mais se destaca, com uma


produção de 270.192 t, que equivale a 36,16% da produção mundial de
pimenta-do-reino, seguido pela Indonésia com 89.041 t (11,92%) e Índia com
66 mil toneladas (8,83%). O Brasil ocupou a quarta posição com 114.749 t,
representando 15,36% da produção mundial. Esses países representam juntos
72,27% da produção de todo o mundo.

Nota-se uma disparidade em produtividade em países como Indonésia e


Índia, que são responsáveis por quase 54% de toda a área colhida mundial e
tem uma produtividade de 449,2 kg/ha e 481,8 kg/ha, respectivamente. Ou
seja, praticamente iguais, embora a Indonésia tenha quase 40 mil hectares
colhidos a mais que a Índia. Em contrapartida, o Vietnã e o Brasil são os
países com maior produtividade, somando as áreas com pimenteira-do-reino
desses dois países, não chega a 24% da área colhida mundial, pois o Vietnã
teve uma produtividade de 2.393,6 kg/ha e o Brasil de 3.072,7 kg/ha. Países
que investem num maior grau de tecnologia, como Brasil e Vietnã, alcançam
maiores taxas de produtividade (Alves; Rocha, 2010).

Tratando-se da concorrência no mercado internacional, o Vietnã apresenta


uma mão de obra barata, com menores restrições ambientais e com
disponibilidade de área para expansão. A Índia, que é um dos maiores
produtores mundiais em termos de área, tem sua produção voltada para
o mercado interno, pois também é um dos maiores consumidores da
pimenta-do-reino no mundo.

A Figura 3 descreve o caminho das variáveis relacionadas a área colhida,


produção e produtividade do cultivo da pimenteira-do-reino na escala
global, no espaço de 50, entre 1970 e 2020, no qual se observa pontos de
alta produtividade nos anos de 1980 e 1990, só voltando a esse patamar em
2005 e a partir de 2010. Isto foi causado por problemas como a fusariose no
Brasil, doença fúngica que afeta diretamente a produção da pimenteira- -do-
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 397

reino, pois reduz pela metade o seu ciclo produtivo, em média de 12 anos
para apenas 7 anos. A partir de 2015, a produtividade registrou seu melhor
desempenho, pois a alta nos preços permitiu a aplicação de fertilizantes de
forma mais adequada (Filgueiras et al., 2009). No período que vai de 1970
a 2015, observou-se uma taxa de variação em relação à área colhida de
164%, produção de 396% e produtividade de 87%. Nesse quesito, o Brasil se
destaca em comparação aos seus principais concorrentes por ainda ter um
potencial territorial que permita esse crescimento, com terras abundantes e
baratas, como mostram Conceição e Conceição (2014).

Figura 3. Evolução da área colhida (mil hectares), produção (mil toneladas), e produtividade
(kg/ha) da pimenta-do-reino, em âmbito mundial, com intervalo de 5 anos: 1970–2020.
Fonte: Adaptado de FAO (2022).

A evolução do cultivo da pimenteira-do-reino nos principais países produtores


dessa cultura pode ser observada na Tabela 4, em que se apresentam as TGC
da área colhida, produção e produtividade, respectivamente, no espaço que
vai de 1970 a 2015, divididos em quatro períodos: 1986 a 1996, 1996 a 2006,
2006 a 2016 e 1986 a 2016.
398 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tabela 4. Taxas geométricas de crescimento (TGC) da área colhida (AC), produção


(QP) e produtividade (RD) nos principais países que se destacam em relação à área
destinada ao cultivo de pimenta-do-reino, 1986–2016.
1986–1996 1996–2006
País
AC QP RD AC QP RD
Indonésia 3,24** -2,61* 0,55ns 8,86* -3,30*** 5,26*
Índia 4,57* 1,00ns 5,63* 2,72* 0,55ns 3,30**
Vietnã 2,55ns 9,06* 11,84* 18,57** 1,51ns 20,37*
Sri Lanka 7,69* 4,22* 12,24** 1,51* -0,63** 0,88*
Brasil -2,13ns -3,41ns -5,49*** 11,14* 3,06* 14,54*
China 0,00*** -0,01ns -0,00ns 0,00** 0,00** 0,01*
China
-2,08 ns
14,31* 11,93* 2,98* 2,17* 5,22**
(continental)
Madagascar -4,10* -0,33ns -4,42*** 7,54** 4,13ns 11,98**
Malásia 1,49ns -2,34ns -0,88ns 2,32** -1,19ns 1,10ns
Mundo 3,64* -1,09ns 2,50ns 5,25* 2,40* 7,77**
1986–1996 1996–2006
País
AC QP RD AC QP RD
Indonésia -1,54* 2,34* 0,75*** 4,53** -2,65** 1,75**
Índia -7,65* 5,74*** -2,34ns 0,15ns 0,68*** 0,84***
Vietnã 6,43* -0,93ns 5,44* 10,08** 3,64** 14,09***
Sri Lanka 3,13* 0,94** 4,11* 3,51** 1,25** 4,81***
Brasil -4,55** -0,9** -5,41* 0,03ns 0,54*** 0,58ns
China 1,20* 2,14* 3,37** 1,50*** 4,49** 6,06***
China
1,20* 2,15* 3,39** 1,50* 4,53** 6,10**
(continental)
Madagascar 0,43 ns
0,89* 1,33 ns
2,39* 1,30* 3,73*
Malásia 0,20ns 4,05*** 4,26** 1,29* -0,26ns 1,02**
Mundo -2,40* 3,54* 1,04n.s 2,40** 0,97* 3,14**

*, **, *** significância estatística em 1%, 5% e 10%, respectivamente. não significativo.


ns

Fonte: Dados básicos FAO (2022).

No primeiro período (1986 a 1996), a pimenteira-do-reino teve um


crescimento de 3,64% a.a. na área colhida, com significância estatística de 1%
de probabilidade de erro. O país que teve o maior destaque nesse mesmo
período foi o Sri Lanka (7,69% a.a.), logo após vem Índia (4,57% a.a.), Indonésia
(3,24% a.a.) e Vietnã (2,55% a.a.). Este último vinha de um crescimento
acelerado, principalmente na década de 1980, mas caiu consideravelmente
na década de 1990. O Brasil apresentou taxa negativa (-2,13% a.a.). Em
relação à produção, a China (continental) se destacou (14,31% a.a.) e o Vietnã
também (9,06% a.a.), seguido pelo Sri Lanka (4,22% a.a.). Importante notar
que, em relação ao mundo, a produção no período teve índice negativo
(-1,09 a.a.) e a produção brasileira teve o menor desempenho dentre os
períodos estudados (-3,41 a.a.).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 399

Com relação à produtividade desse primeiro período, o Sri Lanka (12,24% a.a.)
e o Vietnã (11,84% a.a.) se destacam e são os dois países que tiveram taxas
positivas tanto em área colhida, quanto em produção e produtividade. A
China (continental) apresentou índice significativo (11,93% a.a.) enquanto o
Brasil apresentou taxa negativa (-5,49% a.a.), mas, no âmbito geral, o mundo
teve um crescimento nesse período (2,50% a.a.).

Sobre o segundo período (1996 a 2006), na escala mundial, houve


crescimento nos três setores: área colhida (5,25% a.a.), produção (2,40% a.a.) e
produtividade (7,77% a.a.). O Vietnã foi o país que mais cresceu em relação
à área colhida (18,57% a.a.), seguido por Brasil (11,14% a.a.) e Indonésia
(8,86% a.a.). Sobre a produção, o maior foi Madagascar (4,13% a.a.), que não
chegou a 5%. O Brasil, que vinha de índices negativos, teve um aumento
considerável (3,06% a.a.). Nesse período, todos os países estudados
apresentaram índices positivos em relação à produtividade.

No terceiro período (2006 a 2016), Vietnã (6,43% a.a.) e Sri Lanka


(3,13% a.a.) apresentaram as melhores taxas e o Brasil voltou a ter um
desempenho negativo (-4,55% a.a.). Em relação à produção, a Índia
(5,74% a.a.) e a Malásia (4,05% a.a.) tiveram as melhores taxas. Na
produtividade, o Vietnã (5,44% a.a.), a Malásia (4,26% a.a.) e o Sri Lanka
(4,11% a.a.) tiveram as melhores taxas e o Brasil (-5,41% a.a.) apresentou
as piores taxas em relação aos países estudados.

No último período, que abrange todo o quadro do estudo que vai de


1986 a 2016, o mundo teve um crescimento em relação à área colhida
de 2,40% a.a. Vietnã (10,08% a.a.) e Indonésia (4,53% a.a.) foram os
países que mais se destacaram. Sobre a produção, o mundo teve um
crescimento de 0,97% a.a. e os países que tiveram melhor desempenho
foram China (4,49% a.a.) e Vietnã (3,64% a.a.). Para a produtividade do
período completo, o mundo teve um crescimento positivo (3,14% a.a.).

Considerações finais
Em âmbito mundial, observou-se que os países que dispõem de maior
área destinada à colheita da pimenteira-do-reino não necessariamente
apresentam os melhores índices em relação à produtividade, que estão
relacionados à aplicação de fertilizantes, risco de pragas e doenças,
condições climáticas, tratos culturais, entre outros.
400 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A pimenta-do-reino apresenta oscilações no nível de preços, o que gera uma


expectativa no plantio, tratos culturais, mercado, entre outros. Os produtores
rurais deveriam ter mais opções de baixar os custos dessa cultura, solução
para o Fusarium, que vem afetando por mais de seis décadas, e novas
alternativas de cultivo. Portanto, a sustentabilidade da pimenteira-do-reino
depende de que a pesquisa agrícola procure solucionar as pragas e doenças,
novas variedades, reduzir custos dos mourões, produção de pimenta-
-branca de forma adequada, sistemas agroflorestais (SAFs) apropriados,
verticalização da produção, processos de beneficiamento, entre outros.

Mundialmente, os países que mais se destacam estão na Ásia, onde existe


uma competição por terra para produção de alimentos, diferente do
Brasil, que apresenta potencial de crescimento, obedecendo às limitações
ambientais. Observou-se um crescimento da produção de pimenta do estado
do Espírito Santo, atraído pelo preço, competindo com a lavoura cafeeira.
Esse fenômeno foi similar ao ocorrido com o cultivo de mamoeiro, cacaueiro
e pupunheira, que foram transferidos da Amazônia e tiveram sucesso no
estado de Espírito Santo, mais próximo dos centros consumidores.

Nesse sentido, pesquisas de melhoramento genético e intercâmbio com as


instituições de pesquisa com o cultivo de pimenteira-do-reino dos países
maiores produtores asiáticos devem ser tentados, ampliando a capacidade
científica local com essa cultura, entre outras ações que necessitam ser
viabilizadas para aumentar a sustentabilidade.

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AGRÁRIAS, 2., 2017, Natal. Anais... [S.l.: s.n.], 2018.

VARIAN, H. R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
821 p.

VASCONCELLOS, M. A. S. Economia: micro e macro. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2006. 441 p.

VIANA, M. Grupo de Trabalho (GT) orienta produtores sobre a cultura da pimenta-do-reino no


Pará. Agência Pará, 31 jul. 2021. Disponível em: https://agenciapara.com.br/noticia/30238/.
Acesso em: 10 out. 2021.
CONJUNTURA E PERSPECTIVA
DA CITRICULTURA NO
ESTADO DO PARÁ
Fabricio Khoury Rebello (in memoriam)1
Izabely Vitória Lucas Ferreira
Marluce Reis Souza Santa Brígida
Marcos Antônio Souza dos Santos

Introdução

N
ativas da China1(laranja) e da Índia (limão), as frutas cítricas tornaram-
se uma das principais atividades agrícolas do mundo. Seus produtos
despertam grande interesse do mercado consumidor, independente
da classe social, em razão de seu sabor e das propriedades funcionais presentes
na vitamina C. Sua disseminação pelo mundo está relacionada ao tempo das
Grandes Navegações, no século 17, quando se associou o tratamento da
“doença do explorador”, o escorbuto, considerada uma maldição pior do que
os piratas e o mau tempo, ao consumo de cítrus (Laws, 2013).

Por ser de fácil adaptação a variados climas, a citricultura se estabeleceu


por todas as regiões brasileiras, estimulando o investimento no cultivo, a
consolidação de polos produtivos e o direcionamento de considerável massa
de recursos para o desenvolvimento de pesquisas aplicadas à atividade.

A produção brasileira de frutas cítricas é a maior do mundo, sendo seguida


pelos Estados Unidos, China, Índia e México. Em 2019, a produção de
cítrus no País (laranja, limão e tangerina) foi da ordem de 19,6 milhões
de toneladas, tendo ocupado uma área cultivada de 702,4 mil hectares,
em que a laranja participou com 87,25% da produção e 84,40% da área
plantada. Os sete principais estados produtores foram São Paulo (75,14% da
1
Paraense nascido em 17/6/1966, faleceu vítima de covid-19 em 21/4/2021. Dedicou-se ao
ensino, pesquisa e extensão em favor do desenvolvimento agrícola mais sustentável para a
Amazônia. Este texto escrito para compor este livro foi uma das suas últimas contribuições.
404 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

produção), Minas Gerais (6,56%), Paraná (4,35%), Bahia (3,34%), Rio Grande
do Sul (2,64%), Pará (2,29%) e Sergipe (1,96%), que participaram com 96,28%
da produção nacional de cítrus (IBGE, 2020).

No estado do Pará, a citricultura ocupa uma área de 20.587 ha (69,32%


só com laranjeira) e responde pela produção de 447.922 t de frutos,
considerando os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) para o ano de 2019 (IBGE, 2020). O Valor Bruto da Produção (VBP) da
citricultura paraense nesse mesmo ano foi de R$ 269 milhões, representando
4,49% de participação no conjunto das culturas permanentes e 2,49% se
considerarmos a soma de todas as culturas (permanentes e temporárias).
A despeito da reduzida participação da citricultura paraense no cenário
nacional e no conjunto da economia estadual, a Federação da Agricultura
e Pecuária do Pará (Faepa) e os empresários do setor apostam que o polo
citricultor instalado no município de Capitão Poço, PA, e seu entorno se
tornará, nos próximos 20 anos, o maior polo produtor de frutas cítricas do
mundo (Citricultura..., 2019), em razão das condições climáticas favoráveis,
baixa incidência de pragas e ausência de greening, pinta-preta, cancro-
-cítrico e clorose variegada dos cítrus (CVC).

Ainda que o cenário traçado pelos representantes do setor citrícola paraense se


configure, no momento, mais como um discurso de plataforma política ou como
um sonho longínquo, sem uma base material e histórica concreta, o estado do
Pará pode ampliar sua participação nesse mercado e expandir a contribuição
da citricultura a uma condição de oportunidade emergente, fortalecendo,
dessa forma, estratégias para diversificar e fortalecer a economia paraense
(Faepa, 2019). A citricultura paraense pode se beneficiar, sobretudo, pelas
condições edafoclimáticas favoráveis, preço competitivo da terra, expertise de
alguns empresários rurais já instalados no estado e perspectiva de ampliação
do consumo pela recente alteração do hábito alimentar em decorrência da
pandemia da covid-19 de fortalecer, ainda mais, a demanda por alimentos
funcionais como reforço da imunidade e a busca por uma alimentação
adequada como fator primordial de prevenção de doenças e de boa saúde.

Neste capítulo, procurou-se apresentar a conjuntura e a perspectiva para


a citricultura paraense, com ênfase para o cultivo da laranjeira, como
forma de contribuir com informações para os interessados na atividade,
principalmente os formuladores de políticas públicas e empresários rurais.
As informações aqui analisadas foram levantadas junto à base de dados do
IBGE e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(FAO), na literatura disponível sobre o tema e em entrevistas realizadas com
atores-chave ligados à citricultura no município de Capitão Poço, PA.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 405

Conjuntura da citricultura no mundo e no


Brasil
Conjuntura internacional
O Brasil é líder na produção internacional de cítrus, sendo a laranja o principal
produto. De acordo com a FAO (2020), a safra mundial de laranja, em 2018,
foi de 84.659.680 t, sendo 3,24% superior à observada no ano anterior. As
principais formas de comercialização da laranja são em suco ou in natura,
mas a maior demanda do mercado, tanto externo quanto interno, é pelo
consumo do suco concentrado de laranja.

Conforme dados da Tabela 1, percebe-se que seis países são responsáveis


por 62,60% da produção mundial. O cultivo da laranja ocorre principalmente
nos continentes asiático e americano, onde, em termos de produção, o
destaque maior foi para o Brasil, com a produção de 16.713.534 t (19,74% da
produção mundial), seguido por China (10,92%), China Continental (10,75%),
Índia (9,88%), Estados Unidos da América (5,71%) e México (5,60%).

Tabela 1. Produção, área e produtividade dos seis maiores países produtores de


laranja, 2018.
Produção Área colhida Produtividade
País
(t) (%) (ha) (%) (t/ha)
Brasil 16.713.534 19,74 589.139 11,83 28,37
China 9.246.305 10,92 509.760 10,24 18,14
China Continental 9.103.908 10,75 504.683 10,14 18,04
Índia 8.367.000 9,88 613.000 12,31 13,65
Estados Unidos 4.833.480 5,71 206.349 4,14 23,42
México 4.737.990 5,60 326.689 6,56 14,50
Demais países(1) 31.657.463 37,39 2.229.861 44,78 14,20
Mundo 84.659.680 100,00 4.979.481 100,00 17,00

São 117 países enquadrados nessa categoria, dos quais 80,65% possuem participação
(1)

individual menor que 0,50% da produção mundial (cem países). A média de produção desse
conjunto é de 40.967 t.
Fonte: FAO (2020).

Os dados evidenciam a disparidade tecnológica nos cultivos entre esses


países, retratada pela elevada variabilidade observada na produtividade
da cultura. O Brasil, por exemplo, registrou a maior produtividade com
28,4 t/ha, seguido pelos Estados Unidos com 23,4 t/ha. Por sua vez, em
países como China, Índia e México, importantes produtores mundiais,
a produtividade oscila entre 14,5 t/ha e 18,1 t/ha. É interessante registrar
406 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

que a produtividade norte-americana, entre 2017 e 2018, cresceu 8,84%


enquanto a brasileira cresceu 2,90%, mesmo com os efeitos do greening
na Flórida. A produtividade mundial, no mesmo período, no entanto,
decresceu, passando de 21,2 t/ha para 17,0 t/ha.

A alta produtividade da laranja no Brasil é resultado de investimentos


massivos em pesquisa aplicada realizada ao longo de várias décadas,
principalmente no polo citrícola do estado de São Paulo. Os países asiáticos
como Índia e China apresentam mão de obra mais barata, o que de certa
forma estimula o crescimento da sua produção pela expansão das áreas de
plantio, com adoção de menor nível tecnológico.

A partir da safra 2011/2012, a exportação de suco de laranja concentrado


recuou em 36%, mantendo uma tendência de baixa (Figura 1). A produção
de laranja no Brasil se manteve em baixa devido aos altos custos de produção
e manejo da fruta e, ainda, em razão da baixa rentabilidade em comparação
com outras culturas. Mesmo com a entrada de novos produtores no mercado,
a produção brasileira, no curto prazo, deve se manter baixa devido ao tempo
de crescimento da planta de aproximadamente 3 anos (USDA, 2019).

Figura 1. Evolução das exportações mundiais do suco de laranja concentrado do Brasil e dos
Estados Unidos, 1996–2016.
Fonte: FAO (2021).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 407

A grande redução das exportações brasileiras de suco de laranja, no ano


de 2012, também está relacionada com a suspensão da importação norte-
-americana, por conta da política interna que fixa em, no máximo, dez partes
por bilhão (ppb) para os resíduos do fungicida carbendazim que implicam
em substituição do defensivo agrícola nos pomares do Brasil.

Por sua vez, tem-se percebido uma queda de consumo, ano a ano, dos
produtos da citricultura, com reflexos sobre a exportação brasileira que
apresenta uma tendência de queda (Neves; Trombin, 2017), em decorrência
de alterações no hábito de consumo, principalmente nos Estados Unidos,
e pela concorrência com outras opções de suco que tem se intensificado.

A pandemia da covid-19, decretada a partir de março de 2020 pela


Organização Mundial de Saúde (OMS) em decorrência da disseminação do
vírus SARS-CoV-2 (ONU, 2020), por conta da recomendação de isolamento
social (quarentena), fez retornar o hábito de se tomar o café da manhã em
casa, ampliando os cuidados com a alimentação saudável e adequada.
Nessa linha, há uma tendência de se fortalecer o consumo de alimentos
funcionais, entre os quais se incluem os cítrus, por conta do seu teor de
vitamina C, como reforço da imunidade e prevenção de doenças. Há,
no entanto, a necessidade de se destacar o pertinente alerta de que os
problemas de alimentação inadequada e má nutrição, em grande medida,
são decorrentes da pobreza, miséria e má distribuição de renda (Silva, 2020),
portanto, necessitando de encaminhamentos no âmbito de políticas de
saúde pública, educação e segurança alimentar. Só a efetivação de políticas
nessa linha pode, em larga escala, assegurar uma tendência de ampliação
do consumo de alimentos saudáveis com as frutas cítricas.

No que diz respeito às importações mundiais de laranja, os principais


importadores do produto, entre os anos de 1996 e 2016, foram União
Europeia, Arábia Saudita e Rússia (FAO, 2020).

Conjuntura nacional
De acordo com o levantamento realizado pelo Departamento de Agricultura
dos Estados Unidos (USDA, 2019), o Brasil responde por 34% do fruto
produzido e mais da metade do suco processado em todo o mundo,
considerando as últimas cinco safras. Além disso, o País responde por 76% de
participação no comércio mundial de suco de laranja, consolidando-se como
o mais importante fornecedor global desse produto (Neves; Trombin, 2017).
408 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A produção brasileira de laranja, em 2019, foi da ordem de 17,1 milhões


de toneladas cultivadas em uma área de 592.814 ha e produtividade de
29 t/ha. Vinte anos antes, em 1999, a produção era de 18,3 milhões de
toneladas cultivadas em uma área de 1.029.832 ha, o que representava um
rendimento de 17,8 t/ha (IBGE, 2019b). Nesse período, a taxa de crescimento
foi negativa para produção (-0,20% a.a.) e área (-1,97% a.a.), mas positiva
para o rendimento, que cresceu 1,8% a.a., indicando que a atividade obteve
ganho de produtividade. A maior safra do País foi observada no ano de
2011, quando a produção foi de 19.811.064 t.

A redução de área foi causada, principalmente, pela incidência do greening


e pelas dificuldades com a comercialização. Isso, no entanto, estimulou a
busca por produtividade, novos mercados e a diversificação de muitos
produtores que passaram a investir em diferentes plantações de frutas
e no cultivo de grãos (Aposta..., 2017). A produção nacional de laranja
está concentrada, basicamente, em três estados. Das 17,1 milhões de
toneladas produzidas em 2019, o estado de São Paulo foi responsável por
13,3 milhões (75,14%), o que, adicionado aos percentuais de Minas Gerais
(6,56%) e Paraná (4,35%), representava 86,06% da produção nacional. Bahia,
Sergipe e Rio Grande do Sul tinham participação relativa de 3,36%, 2,14% e
2,05%, respectivamente. O estado do Pará ocupava a sétima posição nesse
ranking, com 324.442 t produzidas, respondendo por 1,90% da produção
do País (IBGE, 2020). Essa participação dos estados na produção nacional
tem se mantido estável. Registra-se apenas que houve pequeno avanço nos
percentuais de São Paulo e Minas Gerais, entre 2017 e 2019, e declínio na
participação do estado do Paraná. O estado do Pará ampliou levemente sua
participação relativa no cenário nacional, passando de 1,64%, em 2017, para
1,90% em 2019, ou seja, 0,26 pontos percentuais.

Conjuntura e estrutura produtiva da citricultura no estado


do Pará
A citricultura no estado do Pará
A introdução da citricultura no estado do Pará deu-se a partir do esforço
do agrônomo sergipano Antônio Soares Neto, da Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater/PA), que trouxe as
primeiras 4 mil mudas originárias do estado de Sergipe e as introduziu
em áreas decadentes com cultivo de pimenta-do-reino no município de
Capitão Poço, PA, durante a década de 1970, com apoio da atual Secretaria
de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e Pesca (Sedap) e Emater/PA
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 409

(Rebello; Homma, 2017; Costa et al., 2017). Na década de 1980, essa atividade
apresentou um forte impulso com a entrada de agricultores de São Paulo,
tornando o município de Capitão Poço o maior produtor paraense. Na
Tabela 2, tem-se a evolução da produção, área colhida e produtividade da
laranja no estado do Pará para o período de 1999 a 2019.

Tabela 2. Evolução da produção (t), área colhida (ha) e produtividade (t/ha) da


laranja no estado do Pará, 1999–2019.
Produtividade
Ano Produção (t) Área colhida (ha)
(t/ha)
1999 225.754 14.671 15,39
2000 198.135 13.418 14,77
2001 210.923 12.704 16,60
2002 210.636 12.788 16,47
2003 205.574 12.375 16,61
2004 218.119 13.341 16,35
2005 213.972 13.093 16,34
2006 213.513 13.086 16,32
2007 210.360 12.757 16,49
2008 204.397 12.277 16,65
2009 203.188 12.203 16,65
2010 200.922 12.154 16,53
2011 201.458 12.056 16,71
2012 197.832 11.943 16,56
2013 197.766 11.851 16,69
2014 197.814 11.839 16,71
2015 201.212 11.952 16,84
2016 191.287 13.465 14,21
2017 286.768 17.317 16,56
2018 304.268 13.628 22,33
2019 324.422 14.265 22,74
Taxa Geométrica de Crescimento(1) (%a.a.)
1999–2019 1,05 0,14ns 0,90
2009–2019 4,66 2,37 2,24ns
ns
não significativo.
(1)
Taxa Geométrica de Crescimento, significativa a 0,05.
Fonte: IBGE (2020).

O estado do Pará participa com 1,90% da produção nacional de laranja,


ocupando a sétima posição. A produção paraense se manteve em torno
de 200 mil toneladas de laranja até 2016. A partir de 2017, estimulada pela
perspectiva de processamento da laranja com a instalação de uma fábrica,
que ocorreria naquele ano, a produção começa a tomar impulso, chegando
a 324.422 t do fruto em 2019 (Tabela 2).
410 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A produção de laranja no estado do Pará apresentou crescimento para


os dois períodos calculados, ou seja, tanto considerando os últimos
20 anos (1999–2019), como para o período mais recente (2009–2019),
e nos últimos 10 anos o incremento foi 4,4 vezes maior, passando de
um crescimento de 1,05% a.a. para 4,66% a.a. A área colhida do estado,
entre os anos de 1999 e 2019, aumentou 2,37% a.a., em razão das boas
expectativas no mercado local dada pela ampliação do projeto da
fábrica, como será discutido mais à frente. A produtividade nos pomares
paraenses atingiu a marca de 22,74 t/ha, em 2019, superando a marca
das 16 t/ha que prevaleceu durante o período analisado.

Confrontando a média da produtividade nacional (28,96 t/ha) com a


paraense (22,74 t/ha), constata-se que a segunda atinge 78,52% da
produtividade da primeira, melhorando em rendimento, pois, em 2017, essa
participação era de 59,91%. Ainda que a média da produtividade brasileira
seja fortemente influenciada pelas produtividades dos estados de São Paulo
(35,15 t/ha), Paraná (32,93 t/ha) e Minas Gerais (27,01 t/ha), esse parâmetro
serve como um indicativo de quanto a atividade pode evoluir no território
paraense quanto ao nível tecnológico adotado, principalmente com os
pequenos produtores.

Os principais municípios produtores de laranja no estado do Pará estão


listados na Tabela 3. O município de Capitão Poço, com produção de 255 mil
toneladas de laranja, responde por 78,60% da produção paraense, seguido
por Garrafão do Norte (22.150) e Ourém (9.200). A economia do município
de Capitão Poço é fortemente influenciada pela citricultura, com seus frutos
in natura direcionados para o mercado dos estados do Pará, Maranhão, Piauí,
Amazonas e Amapá, além de São Paulo, onde a laranja paraense abastece
as indústrias de suco para exportação, contribuindo para gerar cerca de
50 milhões de reais e 30 mil empregos diretos e indiretos (Safra..., 2013).
A agricultura familiar também tem participação representativa na economia
do município, com a produção de pimenta-do-reino, feijão e mandioca,
além de frutas e legumes.

Tabela 3. Municípios paraenses com as maiores produções de laranja em 2019.


Município Quantidade produzida (t) Participação (%)
Capitão Poço 255.000 78,60
Garrafão do Norte 22.150 6,83
Ourém 9.200 2,84
Irituia 4.680 1,44
Alenquer 3.999 1,23
Continua...
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 411

Tabela 3. Continuação.
Município Quantidade produzida (t) Participação (%)
Nova Esperança do Piriá 3.000 0,92
São Francisco do Pará 2.700 0,83
Itaituba 1.914 0,59
Prainha 1.575 0,49
Castanhal 1.500 0,46
Altamira 1.496 0,46
Santarém 1.404 0,43
Vitória do Xingu 1.400 0,43
Estado do Pará 324.422 100,00

Fonte: IBGE (2020).


O estado do Pará possui dois polos citrícolas e áreas livres de cancro-cítrico,
greening, pinta-preta e morte súbita, representados pelos municípios de
Capitão Poço, Garrafão do Norte, Irituia, Nova Esperança do Piriá e Ourém,
no Nordeste Paraense; e os municípios de Monte Alegre, Alenquer, Prainha
e Santarém, no Baixo Amazonas.

Entre os municípios do Baixo Amazonas, o destaque é para a produção de


limão em Monte Alegre (30,4 mil toneladas de frutos) e Alenquer (4.703 t),
segundo e terceiro maiores produtores paraenses, atrás de Capitão Poço
(55 mil toneladas). A produção de tangerina está concentrada em
Capitão Poço (90,97%), mas com pouca representatividade na produção
citrícola paraense (4,15%). O limão representa 23,42% e a laranja 72,43%,
considerando a safra de 2019 (IBGE, 2020).

Aspectos gerais do cultivo nos pomares paraenses


Segundo dados do Censo Agropecuário de 2017, o estado do Pará possui
aproximadamente 3 milhões de pés de laranjeiras cultivadas em uma área
de 17,3 mil hectares e distribuídas em 20.178 estabelecimentos rurais (IBGE,
2019). A produção girava em torno de 286.768 t, equivalente a 1,64% da
produção do Brasil. O município de Capitão Poço, principal produtor de
laranja paraense, concentrava 67,67% (2,03 milhões) dos pés de laranjeiras e
78,03% da área cultivada no estado (IBGE, 2020). A variedade mais plantada
no estado do Pará é a laranja ‘Pera Rio’, uma das mais cultivadas no Brasil ao
lado da ‘Valência’ e a ‘Valência Folha Murcha’.

A laranja ‘Pera Rio’ possui melhores características de sabor, pois é mais doce
que as outras variedades, sendo a mais consumida nacionalmente (Companhia
de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo, 2011), com destaque tanto
para o consumo de frutos in natura, como para o processamento do suco.
412 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Os tratos culturais utilizados na cultura da laranja são adubação e pulverizações


preventivas para o controle de pragas e distintas doenças. Nos primeiros 2 anos
ocorrem brotações nas plantas jovens abaixo da copa, eliminadas com as mãos.
Recomenda-se, nos 2 primeiros anos, a retirada dos frutos, pois não apresenta
significação econômica e atrasam o crescimento e as safras futuras. A capina
pode ser manual, mecânica ou química (Embrapa, 2019).

Entre as principais doenças que atacam a laranjeira em alguns polos de produção


no Brasil estão cancro-cítrico, greening, pinta-preta, CVC e morte súbita, que
são responsáveis por grandes infestações nas áreas onde os plantios estão
concentrados, a exemplo de São Paulo e Minas Gerais. Essas doenças, somadas
aos problemas de restrição e encarecimento de mão de obra, contaminação dos
lençóis freáticos, valorização do preço das terras e outros problemas conexos
aos riscos climáticos, como secas, furacões e invernos rigorosos, encarecem a
produção (Neves; Trombin, 2011).

Esses fatores têm estimulado os citricultores profissionais a buscarem novas


áreas para desenvolver a atividade, com vistas a reduzir os custos de produção
e manter as vantagens competitivas da citricultura nacional. Nesse particular,
o polo de Capitão Poço tem atraído a atenção de investidores nacionais e
estrangeiros, desde a década de 1980, por reunir condições favoráveis, como
ausências das principais doenças encontradas no País, preço reduzido da terra,
condições agronômicas favoráveis, entre outras.

É interessante destacar que, o último inventário realizado pelo Fundo de


Defesa da Citricultura (Fundecitrus, 2018) nas laranjeiras nos estados de São
Paulo e Minas Gerais demonstra que a maior taxa de abandono da atividade
está entre os pequenos produtores (66% estavam no estrato que possuía
áreas de pomares até 10 ha). A justificativa está relacionada, principalmente,
ao fato de as propriedades menores possuírem mais áreas de exposição à
contaminação por doenças (greening) em relação à área total da fazenda, uma
vez que as propriedades menores possuem menos talhões e, portanto, estão
mais próximas de suas divisas, por onde chegam os insetos transmissores da
doença vindos de fora dessas propriedades. As propriedades maiores, nas
quais os talhões de divisa servem como proteção para os talhões internos,
acabam funcionando como uma importante barreira. Outro fator restritivo
está relacionado ao baixo nível tecnológico, que dificulta a adoção de tratos
culturais e fitossanitários adequados, interferindo na sanidade das árvores e
na produtividade obtida. Isso deve servir de alerta para os devidos cuidados
dos novos entrantes na atividade e aos formuladores de políticas agrícolas
no estado do Pará.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 413

O tamanho médio das propriedades citrícolas nas áreas inventariadas pelo


Fundecitrus (2018) é de 68 ha e o número de propriedades que se dedicam a essa
cultura é de 5.882. Os pequenos produtores são a maioria (79,62%), com área de
até 50 ha. No entanto, cerca de 171 propriedades, ou 2,91% do total, estão em
uma faixa de 100 mil a 199 mil árvores, e outras 198 propriedades, ou 3,37%,
possuem acima de 200 mil árvores. Isso significa dizer que as propriedades
médias e grandes são responsáveis por 66% das árvores do cinturão citrícola no
estado de São Paulo e Minas Gerais.

A exemplo do que é realizado pelo Fundecitrus no estado de São Paulo e Minas


Gerais, os grandes produtores de Capitão Poço, juntamente com seus órgãos de
representação, estão encaminhando esforços para realização do primeiro Censo
da Citricultura do município, com vistas a planejar a expansão da atividade.
Conjuntamente a essa iniciativa, deve-se avançar na criação e capitalização de
fundo para financiar outras estratégias na linha da prestação de serviços de
assistência técnica aos pequenos e médios produtores, fomento à pesquisa e
capacitação de quadros com conhecimento técnico para atuar na atividade.
A inércia nesse sentido pode levar a se incorrer em custos de oportunidade
elevados, próprios de muitas das experiências entabuladas na região com base
em tentativa e erro.

A título de ilustração, o Fundecitrus, criado em 1977 por citricultores e a indústria


de suco do estado de São Paulo, tem prestado relevante contribuição para o
desenvolvimento da citricultura paulista e mineira (Fundecitrus, 2019a). Esse
fundo, em seus 42 anos de existência, consolida uma importante tradição em
pesquisa científica, tendo atualmente 80 projetos em andamento, a editoração
de um jornal temático, 65 campos experimentais, laboratórios próprios e já
tendo realizado quatro censos da atividade em sua área de atuação, abrigando
inclusive um mestrado profissional em Controle de Pragas e Doenças de Citros,
entre outras várias iniciativas (Fundecitrus, 2019b). Esse seria um bom caminho
a ser trilhado pelos novos entrantes no estado do Pará.

Entre os insumos agrícolas, o fertilizante é de grande importância para a cadeia


produtiva da laranja, principalmente na composição do custo da atividade
agrícola. Segundo Neves e Lopes (2005), no conjunto dos formulados de
nitrogênio, fósforo e potássio, as importações chegaram a representar 70% do
consumo no ano de 2004. Do mesmo modo, os corretivos de acidez do solo
são cruciais para que a atividade citrícola prospere. Isso pode ser visto pela alta
participação dos cítrus no faturamento do setor de calcário agrícola no estado
de São Paulo. No caso da região, o custo desses insumos configura-se em um
ônus adicional em razão dos custos de frete.
414 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A produção de mudas é outro ponto a ser desenvolvido. Os grandes produtores


de Capitão Poço já possuem estruturas de viveiros modernos (estufa, irrigação,
fertilização, entre outros cuidados), mas isso ainda precisa ser amplamente
disseminado, inclusive a partir de empresas especializadas nessa oferta na
região. Uma questão por trás desse problema tem implicações de custo de
produção e na sanidade da árvore, pois uma muda produzida em viveiro oscila
entre R$ 8,00 e R$ 10,00, enquanto a convencional, produzida no solo, é de
R$ 3,00. Segundo Souza et al. (2018), a nova legislação de mudas cítricas é o
grande desafio enfrentado pelos produtores em Capitão Poço, principalmente
em razão da falta de capital para os investimentos em insumos.

De acordo com Neves e Lopes (2005), o investimento em irrigação também


é um importante fator de concorrência para o agricultor brasileiro, pois
permite um rápido incremento na produtividade agrícola. A cultura da laranja
conjuntamente com a cultura de café são os principais destinos das vendas de
equipamentos de irrigação no Brasil.

Os maiores plantios no estado do Pará são pertencentes a duas empresas


localizadas em Capitão Poço. Uma empresa possui uma área de 2,5 mil hectares
cultivados com cítrus e 1,1 milhão de plantas, sendo 70% de laranja (70% em
fase produtiva). As mudas dessa empresa são produzidas em viveiro suspenso,
com instalações adequadas. Entre os anos de 2016 e 2017, foram produzidas
160 mil mudas. A empresa possui, ainda, um packing house moderno para
processar e despachar sua carga com destino ao mercado do Maranhão, Ceará
e São Paulo, entre os principais, sendo consumida no mercado de mesa ou
adquirida pela agroindústria de suco. A safra da laranja na região ocorre em
agosto e a da tangerina em julho.

A outra empresa, com 25 anos de atividades em Capitão Poço, concentra um


terço de toda a produção de laranja paraense em três fazendas. São 4 mil
hectares de cultivo e 1,7 milhão de pés de laranjeiras e 60 mil toneladas por
safra, com nível tecnológico semelhante ao empregado no estado de São Paulo.
Suas fazendas cultivam laranja ‘Pera Rio’ e variedades, bem como limão ‘Taiti’,
tangerina ‘Pookan’ e Mearina. A produção dessa empresa, a partir de agosto
de 2017, passou a abastecer a unidade agroindustrial do próprio grupo, como
será comentado adiante. Sua produção atual representa 60% da capacidade de
processamento da agroindústria. A empresa é a maior produtora de cítrus do
Norte e Nordeste do País, atendendo aos mercados do Pará, Maranhão, Piauí,
Ceará e Amazonas.

No momento, os grandes grupos instalados em Capitão Poço estão exportando


limão (lima ácida ‘Tahiti’) para a Europa, sendo o único dos cítrus que está
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 415

adotando sistema de irrigação em razão dos bons preços conseguidos no


mercado externo. O volume comercializado é de cerca 69 t (três contêineres)
por semana, mas que passa para cinco contêineres no período de janeiro a abril.
A perspectiva é que esse mercado se expanda rapidamente.

As razões apontadas pelos representantes dos dois grupos para


implementar esses projetos na região estão relacionadas aos menores
custos com os tratos culturais, em razão do baixo índice de doenças, bom
índice pluviométrico e preço da terra e da mão de obra mais atrativo.
O arranjo adotado com espaçamentos menores (6,8 m x 3 m) entre plantas
acaba resultando em um ganho de produtividade de 60% por hectare.

Agroindústria de suco de laranja no município de Capitão


Poço
A primeira fábrica de suco de laranja concentrado da região Norte está
localizada no município de Capitão Poço e foi inaugurada no dia 20 de agosto
de 2017. A fábrica tem capacidade para produzir 80 mil toneladas durante a
safra e 60 t de suco concentrado por dia, com 66 °Brix. O volume de laranja
processado é de 600 t por dia (Citropar, 2019). O projeto implantado permite
dobrar a capacidade instalada rapidamente. A agroindústria permitirá o
aproveitamento integral da fruta, agregando valor à produção regional e
contribuindo para evitar o desperdício, pois a laranja que anteriormente
era descartada por não ter condição para seguir para o mercado de mesa
(consumo in natura), em razão de não possuir tamanho e cor ideais, por
exemplo, poderá ser aproveitada para produção de suco concentrado,
beneficiando-se das vantagens locacionais e das expertises acumuladas
pela empresa. Outro aspecto importante do empreendimento é a geração
de empregos diretos. Somente a empresa vai operar com cem funcionários,
com a possibilidade de fortalecer a atividade no entorno do município de
Capitão Poço.

Nesse sentido, vale citar o exemplo do estado do Rio Grande do Sul, que
possui produção pouco maior que a paraense, mas detém seis agroindústrias
de suco de laranja concentrado, as quais, além disso, processam e exportam
óleo essencial da casca de bergamotas, limões e laranjas. Outra oportunidade
desenvolvida foi a criação de várias empresas de médio porte, fabricantes de
sucos prontos/pasteurizados (Efrom; Souza, 2018).

O município de Capitão Poço possui boas perspectivas com relação ao cultivo


de cítrus. A estratégia de crescimento está pautada na chegada de investidores
416 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

de outros estados para produzir cítrus na região, bem como na diversificação


de copa/porta-enxerto, que é uma importante ferramenta para melhorar a
qualidade da citricultura, devendo considerar as expectativas do produtor e
do mercado consumidor, assim como garantir a sobrevivência das plantas no
caso de aparecimento de novas enfermidades (Machado et al., 2005), pois a
citricultura do Norte do País ainda está baseada quase exclusivamente sobre o
limoeiro ‘Cravo’.

Perspectivas para a citricultura nacional e paraense


Desde o início dos anos 2000, a cadeia produtiva da laranja tem sido desafiada
por uma série de grandes mudanças que acontecem dentro e fora de seus
limites e afetam diretamente a vida de seus integrantes (Neves; Jank, 2006;
Neves; Trombin, 2017; O Pará..., 2021).

Segundo a Revista Citrusbr (2014), o consumo mundial de suco de laranja caiu


15,2% entre 2004 e 2014, como consequência da expansão de outras bebidas
não alcoólicas e a perda do hábito de tomar café da manhã em domicílio.
De acordo com os dados apresentados na pesquisa, houve uma diminuição
equivalente a cerca de 1,6 colheitas brasileiras, que em 2014 permitiram a
produção de 279 milhões de caixas de suco de laranja, com 95% delas destinadas
ao mercado estrangeiro. Dessa forma, com a queda na demanda mundial, tem-
-se o aumento dos estoques e, por consequência, uma diminuição nos preços.

No Brasil, no entanto, a demanda do mercado interno está cada vez maior.


Segundo Cunha (2016), a mudança nos hábitos alimentares da população
brasileira faz com que se consumam mais frutas e sucos saudáveis, como é o
caso do suco de laranja. Dessa forma, o Brasil teve uma alta no consumo de suco
de laranja.

A perspectiva é que o custo da produção diminua, favorecendo uma maior


lucratividade ao produtor. Portanto, o adensamento dos pomares, aumento
da produtividade e redução do custo de produção da laranja são intenções da
oferta no cinturão citrícola do Brasil que tendem a forçar o preço internacional
para baixo em um horizonte não muito distante (Barros et al., 2016). Para tal
fato, ocorrerá o investimento em tecnologia agrícola para diminuir a mão de
obra e maiores esforços em pesquisas.

Além de tais fatores, as doenças e pragas ainda preocupam os produtores de


laranja, por ocasionar a perda da produtividade e diminuir o ciclo produtivo
da planta. Segundo levantamento amostral realizado em 2006, o índice de
contaminação dos pomares paulistas era de apenas 0,19%. Em estudo mais
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 417

recente, realizado no segundo semestre de 2018, notou-se que houve um


aumento de 8,5% em relação ao ano de 2017, o que corresponde a mais
de 35 milhões de árvores doentes no cinturão citrícola de São Paulo e no
Triângulo e Sudoeste Mineiro. O greening (huanglongbing) é o principal
desafio fitossanitário da citricultura mundial e afeta 18,15% das laranjeiras
desse cinturão citrícola. Em números absolutos, são aproximadamente
35,3 milhões de árvores doentes (Fundecitrus, 2018).

No estado do Pará houve investimento para a erradicação do cancro-cítrico


(Agência de Defesa Agropecuária do Pará, 2017), principalmente pelo esforço
conjunto de órgãos públicos, como a Agência de Defesa Agropecuária do
Estado do Pará (Adepará), que se reuniu com associações de produtores rurais
e representantes da Superintendência do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Mapa), Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário
e da Pesca (Sedap) e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater).
Nesse caso, tem-se o monitoramento em campo, a identificação e a erradicação.
Com o avanço desse trabalho, o Pará possui área livre de cancro-cítrico.

Outras perspectivas são referentes aos avanços em melhoramento genético


que permitam levar ao setor produtivo novas variedades de porta-enxerto e
de copa, melhorar a qualidade dos frutos das variedades já utilizadas, além
de possibilitar uma produtividade para o ano inteiro superior aos outros anos
(Brandão, 2015).

De acordo com Franco (2012), muitos agricultores estão repensando os


investimentos, em razão da queda do consumo externo. Com essa diminuição e
com a queda dos preços, os agricultores estão investindo no consumo interno,
pela alta de 10% a 12% ao ano. Os novos hábitos alimentares desenvolvidos na
pandemia da covid-19, em 2020, tendem a impactar positivamente na elevação
do consumo mundial de fontes naturais ricas em vitamina C, colocando os cítrus
em posição privilegiada nos cardápios das famílias.

No estado do Pará, há grandes expectativas quanto à cadeia produtiva da laranja,


como a participação do governo para a abertura de novas áreas, principalmente
no município de Capitão Poço. Em 2017, a região inaugurou a primeira fábrica
de sucos, com os recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte
(FNO), no valor de 16 milhões. A expectativa é de aumentar a produção e não se
restringir apenas à oferta de laranja de mesa, mas contribuir com as exportações
nacionais (Pará..., 2018).

Um aspecto importante é quanto à necessidade de se implementar programas


de melhoramento genético para avaliar porta-enxerto de cítrus sob copa
418 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

de laranjeira, lima ácida e tangerina, com vistas a apontar material genético


que alcance as mesmas características de produção, porte da planta, sabor,
qualidade, tamanho, resistência a pragas e doenças.

Isso, certamente, deve contribuir para se obter uma fruta com melhor
padronização visual para o mercado de mesa (Figura 2) e para a agroindústria,
contribuindo para fortalecer a citricultura paraense, bem como para elevar
o retorno para os citricultores regionais, com a possibilidade de competir
com produtos de padrão mais elevado e que ainda abastecem fortemente o
mercado local, até mesmo com ganhos de preços de mais de 42%, indicando
margem superior ao custo do frete de trazer o produto de São Paulo.
Fotos: Fabricio Khoury Rebello

A B

C D

Figura 2. Aspectos da comercialização de laranja no mercado de Belém: (A) laranja ‘Pera Rio’
da Cutrale e regional (Capitão Poço) sendo comercializada em supermercado no município
de Belém, PA, em setembro de 2019; (B) destaque do aspecto da laranja Pera Rio regional
comercializada em supermercado em Belém, em setembro de 2019; (C) laranja ‘Pera Rio’
sendo comercializada nas ruas de Belém; (D) caminhão abastecido com tangerina, em Capitão
Poço, por atravessador, para comercialização no Maranhão, em julho de 2017.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 419

O principal desafio para toda a cadeia da citricultura é a diminuição do


consumo. Dessa forma, é preciso provocar o interesse e renovar o impulso
dos consumidores globalmente para restabelecer, e até mesmo ampliar, o
consumo do nutritivo e saudável suco de laranja. Outro desafio que se tem
mostrado ameaçador, e até arrasador em algumas regiões, é o greening,
doença bacteriana que tem atingido os pomares de algumas regiões,
provoca a destruição de parcelas significativas da produção e coloca a
lucratividade de muitas áreas em risco (Neves; Trombin, 2017).

Considerações finais e recomendações


O Brasil destaca-se como o principal exportador mundial de suco de
laranja concentrado e congelado, ampliando o mercado para os produtos
da citricultura nacional e tornando-a uma das principais atividades
agropecuárias do País, contribuindo, dessa forma, para gerar divisas em
moeda estrangeira, renda e empregos no campo e nas agroindústrias.

No País, o estado de São Paulo é o principal produtor de laranja e o estado


do Pará ocupa a sétima posição, com 1,90% de participação. A área colhida
nacional está diminuindo ao longo dos anos analisados. Ressalta-se que
a produtividade brasileira é maior que a média mundial, além de possuir
mão de obra especializada e outras condições adicionais, como os fatores
edafoclimáticos. A produtividade no estado do Pará, no entanto, ainda é
menor que a média nacional, indicando a necessidade de avanços no nível
tecnológico dos cultivos.

O consumo do suco de laranja, na última década, vem diminuindo


mundialmente, principalmente em decorrência das mudanças no hábito
alimentar e da concorrência com outros sucos que têm aumentado
participação na preferência dos consumidores. Os ofertantes do produto
acreditam que uma estratégia de marketing patrocinada pelo setor pode
contornar esse problema. Isso, no entanto, não é uma coisa simples de ser
realizada. Os recentes efeitos da pandemia da covid-19, no entanto, devem
apresentar uma inflexão nessa tendência de consumo, com a alteração
no hábito de consumo do café da manhã em família e com o padrão de
alimentação mais saudável para fortalecer o sistema imunológico quanto
ao risco de doenças.

Outro ponto destacado pela agroindústria de cítrus para relativizar a queda


no consumo é que essa tendência coincide com a redução da área cultivada
em razão da incidência de pragas e doenças em áreas tradicionais. Isso, no
420 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

entanto, tem favorecido a migração para novas áreas produtivas, como é o


caso do estado do Pará. Portanto, não se notará uma significativa redução
na oferta por conta desse fator, a não ser pela substituição da citricultura
por outras atividades de maior rentabilidade, como é pertinente pelas
leis da economia, como a produção de açaí em terra firme, que está se
consolidando e apresentando uma importante alternativa de geração de
renda para os agricultores da região, bem como a pimenta-do-reino que já
há muito tempo faz parte da economia do município.

A vantagem momentânea que o estado do Pará possui em ser área livre de


certas pragas e doenças deve ser vista com cautela, pois a intensificação da
atividade, com a atração de produtores de outros locais, como os paulistas
que possuem know-how na citricultura, traz o risco de se introduzir esses
problemas por meio do fluxo do transporte e das sementes. A intensificação
de ações de defesa sanitária e pesquisa, com recursos da atividade e de
instituições parceiras, deve ser estimulada para fazer frente a essa expansão.

Nessa linha, como forma de se apresentar sugestões para o fortalecimento


da citricultura no estado do Pará, elencam-se algumas medidas que podem
ser consideradas no âmbito das políticas agrícolas para criar condições
favoráveis na alavancagem da atividade na economia paraense. A seguir, as
principais recomendações:

a) Trabalhar com rigor nas ações de defesa sanitária para conter a


entrada de pragas e doenças no estado do Pará.

b) Alinhar a legislação fitossanitária e de uso de insumos (defensivos


agrícolas, por exemplo) internamente com as normas da União
Europeia, dos Estados Unidos e dos demais mercados importadores,
com vistas a não restringir esse mercado no futuro.

c) Melhorar a oferta de mudas de qualidade.

d) Avançar na diversificação de variedades de copas e porta-enxertos


adaptados às condições edafoclimáticas da região.

e) Investir em pesquisa sobre nutrição de cítrus em condições


edafoclimáticas da Amazônia, com vistas a identificar a demanda
de nutriente ideal da planta para produção de Brix apropriado.

f ) Avaliar economicamente a consorciação dos pomares com


culturas intercalares de ciclo curto, como feijão-caupi, milho,
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 421

mandioca, abóbora, melancia ou outras fruteiras de ciclo


relativamente curto, a exemplo de abacaxi, mamão ou maracujá.
Isto será relevante para tornar a atividade atrativa para o pequeno
produtor em razão dos custos relativamente elevados para
introdução e manutenção da citricultura.

g) Estudar as principais doenças existentes a partir das condições


do bioma amazônico, como forma de se antecipar aos problemas
que podem ocorrer com a intensificação da atividade na
economia paraense.

h) Pesquisar as causas da morte súbita em cultivos no município de


Capitão Poço, em razão de sua considerável incidência.

i) Realizar o censo da citricultura no município de Capitão Poço como


forma de orientar sua expansão em bases mais racionais.

j) Criar um fundo para financiar esforços coletivos de pesquisa,


assistência técnica e extensão rural (Ater), capacitação e outras
demandas comuns da cadeia produtiva da citricultura no estado
do Pará.

k) Elevar o nível de conhecimento dos agricultores sobre os aspectos


técnicos da atividade, assim como de organização e gestão da
propriedade. Nessa linha, é importante conhecer os custos de
produção dos sistemas adotados pelos pequenos produtores para
avaliar as condições de viabilidade econômico-financeira e de
sustentabilidade da atividade.

l) Estabelecer campos experimentais, linhas de pesquisas e laboratórios


para o estudo e ensino da citricultura no principal polo de produção
na economia paraense. Nesse particular, a Universidade Federal Rural
da Amazônia (Ufra), com campus em Capitão Poço, e a Embrapa
Amazônia Oriental podem ser boas referências para coordenar esse
esforço com o apoio do setor produtivo e de outras instituições de
pesquisa e ensino superior. O fato é que se precisa criar densidade
de conhecimento adaptado à realidade da atividade ao bioma
amazônico para fortalecê-la. A extensão rural também precisa atuar
nessa iniciativa.

m) Fortalecer iniciativas de cultivo em consórcio como estratégia


de baixar o custo de produção, aumentar a oferta de outros
422 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

produtos e promover maior biodiversidade dos sistemas


produtivos. A consorciação dos cítrus com outras culturas já é
uma realidade no município de Capitão Poço, principalmente
com culturas de ciclo curto como feijão-caupi, milho, mandioca
e outros, no espaço e no tempo, com o intuito de favorecer um
alto equilíbrio biológico e reduzir os problemas com pragas e
doenças das áreas em monocultivo.

Desta forma, há de se enfrentar os problemas técnicos, tecnológicos,


jurídicos (legislação fitossanitária), econômicos, gerenciais e de qualificação
do capital humano para atuar na atividade. Um amplo esforço coordenado
pelos agentes públicos e privados envolvidos com o desenvolvimento do
estado do Pará, e com a citricultura em particular, deve promover efeitos
sinérgicos para enfrentar os atuais desafios.

As universidades, centros de pesquisa, órgão de Ater e defesa sanitária,


bancos de fomento, órgãos de planejamento das políticas agrícolas,
empresários rurais e agricultores devem interagir nesse esforço conjunto.
A citricultura praticada no estado de São Paulo já superou muitos desses
desafios, portanto, deve-se aprender com o que já foi realizado no âmbito
tecnológico e de gestão para dotar a economia citrícola paraense de
condições reais de florescimento.

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USDA. United States Department of Agriculture. Disponível em: https://www.usda.gov/.


Acesso em: 22 jan. 2019.
TENDÊNCIAS DA
CACAUICULTURA NO
ESTADO DO PARÁ
Fernando Antônio Teixeira Mendes

Introdução

S
e tomarmos o termo tendência como a de seguir/fazer a preferência
por determinadas coisas, de pronto poderemos admitir que o
estado do Pará tem na cacauicultura uma forte base para o seu
desenvolvimento agrícola.

Desde os Jesuítas, logo após o Descobrimento do Brasil, em que o firme


propósito (além dos aspectos religiosos) era o de investir fortemente na
coleta do cacau para o fortalecimento econômico da missão, passando pela
decisão da Coroa Portuguesa de ordenar o plantio racional de cacaueiros,
ao invés de somente coletar, chega-se ao ano de 1969, ainda com a cultura
do cacau de caráter predominantemente extrativista, haja vista que o
produtor da época se limitava apenas a fazer colheita dos frutos dos cacauais
existentes (Mendes, 2018).

Esses cacauais, na maioria nativos, alguns semicultivados, apresentavam-se


em forma desordenada na floresta, sem obedecer a espaçamento regular. Os
dados estatísticos no final da década de 1969 apontavam a zona bragantina,
com os municípios de Cametá, Mocajuba e Barcarena, respondendo por,
aproximadamente, 65% da produção de cacau do estado.

Considerando o seu habitat natural, a exploração do cacaueiro tinha na


floresta a sua proteção, pois havia grande predominância de palmáceas,
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 427

seringueiras, andiroba, ucuúba, murumuru e outras espécies de valor


econômico dividindo o mesmo espaço, configurando para a cacauicultura
uma exploração consorciada, não se constituindo numa atividade isolada,
independente, capaz de garantir por si só a subsistência do homem, ocorria
exatamente o contrário (Pinheiro et al., 1971). Eis aqui o registro da visão de
sistema agroflorestal primitivo, que depois ganhou registros diversos sem,
contudo, atribuir o verdadeiro crédito a essa originalidade.

O advento da Companhia Geral do Pará e Maranhão (1755 a 1778),


considerando aqui os seus contornos de uma estrutura de “governo”, do tipo
reinado/imperial, idealizada por Sebastião José de Carvalho Melo, conhecido
como o Marquês de Pombal, marca as iniciativas governamentais como
importantes para o desenvolvimento da cacauicultura (Mendes, 2018).

Passados 214 anos, também por iniciativa de uma estrutura de governo –


a Secretaria de Agricultura do Estado do Pará –, precisamente no ano de
1969, a partir das informações estatísticas do Departamento Estadual de
Estatística do estado do Pará, que divulgava uma produção na ordem de
1.219 t de grãos de cacau, dos quais 73% estavam sendo exportados sob
a forma de grãos, decidiu-se pela implementação do Programa Cacau,
concebido no ano de 1971 (Mendes, 2018).

Desde essa primeira iniciativa, pelo menos mais cinco programas foram
implementados no estado do Pará. O último deles, ainda em vigor, trata-se
do Planejamento Estratégico 2012–2022 da Comissão Executiva do Plano
da Lavoura Cacaueira (Ceplac), cuja meta mais importante para o estado do
Pará é, até o final do programa, que o estado do Pará esteja produzindo algo
em torno de 233 mil toneladas de amêndoas secas de cacau (Mendes, 2018).

Ativado, eficientemente, no seu início, pelas estruturas governamentais e,


sem sombra de dúvidas, bem-sucedido, a entrada da Ceplac no contexto
da administração direta do programa cacau no estado do Pará foi acertada.
A ideia de desenvolvimento agrícola das regiões inóspitas do estado do
Pará, pela via de implantação de cacaueiros, indiscutivelmente deu certo:
desde o ano de 2016 o estado se apresenta como o primeiro produtor
nacional de cacau, fato que se repete no ano de 2020, com uma produção
prevista para 140 mil toneladas de amêndoas (Mendes, 2020).

Quis o tempo e os gestores que mudanças estratégicas na administração


da cacauicultura nacional fossem feitas e, passados 47 anos (1974–2020) da
instalação da Ceplac no estado do Pará, a realidade sequer se aproxima do
428 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

desejável. Admitindo-se o ano de 1980 como base, temos que o número


de produtores assistidos cresceu dez vezes; a área plantada cresceu
oito vezes, a produção cresceu 15 vezes e os recursos humanos na área
técnica, disponível para assistência técnica e geração de tecnologia para os
cacauicultores, decresceu 2,5 vezes (informação verbal)1.

É a partir dessa síntese que se pretende indicar a tendência da cacauicultura


no estado do Pará, haja vista a sua atual vocação de produtor importante da
matéria-prima indispensável para um chocolate de qualidade.

Indicadores gerais
A cacauicultura brasileira está distribuída nas regiões: Nordeste (Bahia),
Sudeste (Espírito Santo), Centro-Oeste (Mato Grosso) e Norte (Pará, Rondônia
e Amazonas). Mais recentemente, o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) acrescentou em seus dados do Levantamento Sistemático
da Produção Agrícola (LSPA) os estados de Roraima e Minas Gerais. Na
Tabela 1, encontram-se os dados relativos ao ano de 2020 acumulados até
o mês de dezembro.

Tabela 1. Área total e colhida, produção e produtividade de cacau, segundo o


estado – 2020.
Área total Área colhida Produção Produtividade
Estado
(ha) (ha) (t) (kg/ha)
Rondônia 9.223 9.208 5.069 550
Amazonas 2.404 1.916 1.266 661
Roraima 13 13 8 615
Pará 150.066(1) 150.066 144.663 964
Bahia 450.045 425.045 118.018 278
Espírito Santo 17.185 17.185 11.282 657
Mato Grosso 629 629 366 582
Total 629.565 604.062 280.672 465

Essa área está sendo revisada a pedido da Ceplac, haja vista os números apontarem para
(1)

um pouco mais de 198 mil hectares de cacaueiros plantados no estado do Pará.


Fonte: IBGE (2022).

Segundo dados da Ceplac (que divergem daqueles apresentados pelo


IBGE) referentes ao ano de 2017, o estado do Pará foi responsável por uma
produção de, aproximadamente, 125.104 t (54,5%), cuja área destinada à
1
Palestra realizada em 6 de agosto de 2017 para dirigentes da World Cocoa Foundations, sob o
título State of Pará, the alternative for the production of world cocoa.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 429

colheita totalizou 132.351 ha de um total plantado de 172.450 ha. Essa área


está sendo cultivada por cerca de 22,5 mil produtores.

Segundo os dados da Secretaria de Fazenda do Estado do Pará (Sefa)2,


a lavoura cacaueira, em termos potenciais, respondeu no ano de 2020
por uma arrecadação de tributos relativos ao Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços (ICMS) da ordem de R$ 94,5 milhões. Já a
Superintendência Regional de Desenvolvimento da Lavoura Cacaueira nos
Estados do Pará e Amazonas (Supam/Ceplac)3 informa que, ao final do ano
de 2020, terão sido gerados cerca de 330 mil empregos (formais e informais)
diretos e indiretos, proporcionando uma renda circulante nos municípios
produtores de aproximadamente R$ 1,5 bilhão.

Baseada em sistemas agroflorestais (SAF) estabelecidos em solos


de média a alta fertilidade e explorados predominantemente por
pequenos produtores, a atividade cacaueira estadual revela-se como
uma das mais competitivas do mundo. Mesmo com um baixo aporte
de insumos, a produtividade média da lavoura no estado gira em torno
de 900 kg/ha, alcançando cerca de 1 mil quilogramas por hectare na
região da Transamazônica, onde, com muita frequência, registram-se
produtividades acima de 2 mil quilogramas por hectare. Tais números
mostram-se mais relevantes quando se compara com as produtividades
praticadas na região cacaueira da Bahia (195 kg/ha), ou com a de países
como Costa do Marfim (660 kg/ha) e Gana (550 kg/ha), respectivamente
primeiro e segundo produtor mundial de cacau. Tal desempenho,
associado às características francamente preservacionistas da produção
de cacau em sistemas agroflorestais, elege a cacauicultura como uma
das mais interessantes alternativas agrícolas para o desenvolvimento
rural sustentável do estado do Pará.

Evolução da cacauicultura paraense


A performance apresentada pela cultura do cacaueiro na região amazônica,
ao longo dos últimos 40 anos, tem demonstrado a viabilidade de
reincorporar ao processo produtivo extensas áreas já desmatadas (alteradas
ou degradadas), contribuindo para o resgate do passivo ambiental no estado
– desde 1996 a política de expansão da cacauicultura no estado do Pará é
feita somente em áreas alteradas, somando um total aproximado de 140 mil
2
Dados extraoficiais liberados para a Ceplac para compor o Relatório Final da Safra de Cacau
no Estado do Pará em 2020.
3
Relatório parcial de acompanhamento das atividades planejadas para 2020.
430 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

hectares recuperados com cacaueiros (Mendes, 2014). Tal reincorporação


e consequente valoração dessas áreas certamente contribui para elevar o
custo de oportunidade de alternativas francamente predatórias ou mais
impactantes, contribuindo para conter a pressão e o avanço sobre novas
áreas de floresta.

Por sua vez, a queda da produção de cacau no Brasil, desde o aparecimento


da doença denominada de vassoura de bruxa (Moniliophthora perniciosa)
na região cacaueira da Bahia, impunha, até recentemente, importações
médias da ordem de 40 mil toneladas ao ano de amêndoas secas da África,
de modo a suprir o parque moageiro estabelecido no País que, segundo
a Associação das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) é de 275 mil
toneladas (Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau,
2020). A tradicional região Sul-Baiana, ainda em recuperação dos efeitos
provocados por aquela enfermidade, não apresenta perspectivas de suprir
no curto e médio prazo a referida demanda.

Essa situação, associada à tendência de deficits já detectados na produção


mundial, sugere uma alteração na geografia da produção de cacau
no País, abrindo uma ampla janela de oportunidades para a expansão
da cacauicultura paraense, sem maiores pressões sobre os preços da
commodity. Ao mesmo tempo, a nova escala de produção certamente atrairá
investimentos na industrialização e processamento local da produção,
eliminando uma séria restrição competitiva à economia cacaueira regional,
além de mitigar a vulnerabilidade às frequentes oscilações de preço da
commodity no mercado internacional (Mendes; Mota, 2015).

Com essa perspectiva, a Ceplac redimensionou as metas da cacauicultura


paraense, buscando uma produção anual da ordem de 233 mil toneladas
ao ano, até 2022 (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira,
2012). Em parceria com o governo do estado do Pará e suporte financeiro
do Fundo de Apoio à Cacauicultura do Estado do Pará (Funcacau), esse
cenário vem se consolidando tanto pelo incremento da produção,
como pela expansão da área cultivada, como demonstra a evolução da
cacauicultura retratada na Figura 1.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 431

300.000 1.400
Produtores Área total (ha)
Área em desenvolvimento Área colhida (ha)
Produção Produtividade (kg/ha) 1.200
250.000

1.000
200.000
800
150.000
600
100.000
400

50.000 200

0 0

Figura 1. Cacau no estado do Pará: número de produtores no programa; área total, em


desenvolvimento e colhida; produção e produtividade – evolução (2006–2017) e previsão
(2018–2022).

A Figura 1 mostra, ainda, que a cacauicultura paraense conta com uma área
em desenvolvimento já implantada da ordem de 40 mil hectares, o que
garante um volume adicional de no mínimo 40 mil toneladas de cacau à
produção nos próximos anos, independentemente de novos plantios. A
partir dessa área em desenvolvimento, estima-se que a produção de cacau
no estado do Pará deverá apresentar uma taxa de crescimento geométrico
médio de 6,9% nos próximos 4 anos.

Desafios da cacauicultura paraense


Verticalização da produção
A despeito das vantagens comparativas e da reconhecida performance da
cacauicultura paraense, em termos de escala de produção e produtividade,
ainda enfrenta uma série de limitações, típicas de agricultura de fronteira, que
concorrem para lhe comprometer a competitividade e consequentemente
a renda do produtor, especialmente a partir do momento em que o País
volta a experimentar excedentes de produção de cacau.

Embora responda pela primeira posição no ranking nacional, a cacauicultura


paraense ainda não logrou atrair o segmento industrial para promover o
432 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

processamento local da sua crescente produção. Tal situação, associada


à desorganização do produtor e às enormes distâncias das zonas de
produção aos centros de processamento localizados nos estados da Bahia
(entre 2,3 mil e 2,5 mil quilômetros) e São Paulo (2,9 mil quilômetros), impõe
elevados custos de comercialização em razão das distâncias envolvidas e
da precariedade do transporte rodoviário. Isto se reflete no preço pago ao
cacauicultor paraense, que sofre deságios da ordem de 30% em relação
aos preços da commodity registrados nas bolsas de Londres e Nova Iorque.
Atualmente esse deságio representa R$ 3,30 por quilo de cacau, o que
corresponde a 44% do preço recebido pelo produtor (R$ 7,50) e reduções
da ordem de R$ 330 milhões na renda circulante e de quase R$ 40 milhões
na receita tributária (ICMS) do estado do Pará (Mendes, 2018).

O acesso a mercados mais competitivos junto a países consumidores


ainda é bastante incipiente, pela desorganização dos produtores e falta
de conhecimento de mercado dos exportadores locais, reflexo do longo
período do País na condição de importador de matéria-prima para abastecer
o parque moageiro nacional.

Concorre, ainda, para dificultar o acesso ao mercado internacional, o


desconhecimento por parte da indústria chocolateira da qualidade
potencial e das propriedades intrínsecas do cacau paraense, em razão
da comercialização atual do produto local principalmente como líquor
(massa de cacau) na forma de blends produzidos a partir de misturas de
cacau de diversas procedências. Além disso, há que se considerar a imagem
negativa que se disseminou sobre a qualidade do cacau paraense, em
grande parte decorrente do próprio sistema de comercialização, que não
pratica a diferenciação de preços requerida para premiar a qualidade.
Apesar disso, algumas experiências incipientes isoladas vêm obtendo êxito
na exportação direta de cacau através de cooperativas de produtores com
resultados bastante compensadores. Entretanto, o volume comercializado
ainda é bastante limitado, envolvendo apenas 0,7% da produção local,
direcionando 600 t ao ano de cacau bulk para indústria japonesa (Meiji), a
partir da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta), e 110 t ao ano de
cacau orgânico para a Europa (Áustria), a partir da Cooperativa Central de
Produção Orgânica da Transamazônica e Xingu (CEPOTX).

Desse modo, a manutenção do cenário acima descrito concorre para a


formação de excedentes localizados (mercado regional), cujos efeitos
tendem a agravar-se com o crescimento acelerado da produção de cacau
no estado do Pará. Portanto, faz-se necessária a implementação de políticas
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 433

públicas capazes de remover ou mitigar os efeitos dos gargalos vigentes,


com vistas a consolidar em definitivo a cacauicultura paraense. Nesse
sentido, vislumbra-se como solução prioritária e imediata a implementação
de medidas capazes de promover a imagem do cacau paraense e incentivar
o processamento local da produção, visando à agregação de valor e melhor
remuneração do cacauicultor. Uma das possibilidades é o estabelecimento
de um programa de internacionalização do cacau paraense, no qual a
divulgação de suas qualidades intrínsecas (teor de gordura, acidez, ponto
de fusão, entre outros) e genéticas (diversidade e origem) estivessem
sustentadas por uma análise sensorial média da matéria-prima paraense
atualmente produzida em todo o estado do Pará. A partir dessa informação,
certamente, o mercado externo, comprador de mercadoria de qualidade,
passaria a colocar em seu radar o cacau paraense.

Nessa mesma linha de promoção da matéria-prima paraense, mostram-se


pertinentes as iniciativas empreendidas pelo governo do estado do Pará,
em parceria com Ceplac/Mapa, com vistas a promover a imagem do cacau
paraense por meio de eventos como o Salon du Chocolat (Paris) e o Festival
Internacional do Chocolate e Cacau da Amazônia (Belém, PA). Paralelamente,
o estado do Pará desenvolve negociações bastante promissoras com
indústrias tradicionais, com vistas a viabilizar o estabelecimento de
grandes plantas processadoras de cacau até líquor (massa de cacau) na
região. Ao mesmo tempo, o estado segue fomentando o estabelecimento
de pequenas plantas voltadas à fabricação de chocolate, através de
cooperativas, junto às zonas de produção de cacau, como forma de agregar
valor via exploração de nichos de mercado. Tais alternativas, ainda que
desejadas, não concorrem para a remoção total dos gargalos e realização
plena do potencial representado pela qualidade e diversidade do cacau
paraense. Evidentemente considerando que a fabricação de chocolates
especiais (gourmet, orgânico, fino, de aroma, etc.) ainda está restrita a uma
fatia pequena do mercado (aproximadamente 5% da produção mundial).

O modelo tradicional das grandes indústrias envolve processamento de


grandes volumes de cacau, frequentemente, em blends com cacau de
diversas origens, o que dificulta a construção da identidade que se busca
firmar do cacau paraense nos mercados mais competitivos. Ao mesmo
tempo, os grandes volumes processados impedem a exploração da
interessante diversidade de aromas e sabores oferecidos pelas diferentes
regiões de cultivo de cacaueiros no Pará, somente compatível com volumes
médios de processamento.
434 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Por sua vez, a fabricação de chocolate a partir de pequenas plantas


limita-se a nichos muito específicos de mercado, de difícil inserção, para
se generalizar como solução para pequenas cooperativas diante de um
mercado distante, sofisticado e concorrido. Além disso, mesmo nos casos
de sucesso observados nesse modelo, a reduzida escala de processamento
não atende o crescente volume de produção de cacau da região. Concorre
ainda para dificultar a generalização desse modelo, a incipiente capacidade
de gestão das atuais cooperativas da região para atuação em atividade tão
exigente e sofisticada. Tal limitação tem sido a principal causa de insucesso
de projetos inspirados nesse modelo fomentados pelo poder público em
apoio a cooperativas de produtores de cacau na Bahia e em Rondônia.

Desse modo, faz-se necessário fomentar uma solução intermediária capaz


de viabilizar o processamento local da produção, em escala capaz de revelar
e promover a diversidade e qualidade potencial do cacau paraense, em
nível de complexidade compatível com a capacidade de gestão e realidade
das organizações dos cacauicultores da região.

Tal modelo deve associar uma solução tecnológica capaz de eliminar


ou mitigar os riscos inerentes a iniciativas empreendidas em regime de
parceria entre o poder público e organizações de produtores (cooperativas,
associações, sindicatos, etc.), de modo a evitar que experiências negativas
comprometam a futura replicação espontânea do modelo em bases
cooperativas ou empresariais. A ideia é evitar que se associe à iniciativa a
imagem negativa tão comumente associada a algumas agroindústrias de
cooperativas (fábricas de farinha, miniusinas de extração de óleos, etc.)
no País, verdadeiros “elefantes brancos” que comprometem o alcance e
os objetivos das políticas públicas voltadas ao processamento local da
pequena produção.

Geração e difusão de tecnologia (pesquisa e extensão


rural)
A geração e a difusão de ciência e tecnologia na cacauicultura têm sido
feitas, basicamente, pela Ceplac. Desde os seus primórdios, primeiro com o
advento do Centro de Pesquisa do Cacau (Cepec) e, logo em seguida, com
o Centro de Extensão Rural (Cenex), coube à Ceplac se ocupar desse desafio
de suprir os gargalos tecnológicos na atividade cacaueira.

A partir do início da década de 1960 e por mais 25 anos, o modelo Ceplac


de conduzir a cacauicultura brasileira – montada no tripé: pesquisa,
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 435

extensão rural e ensino sob um mesmo “teto” – foi muito bem-sucedido.


O ano de 1986 marca a fase descendente dos investimentos públicos
para a cacauicultura. Como registros principais destacam-se: a ausência
completa de novas contratações de recursos humanos, a passagem das
escolas médias formadoras de mão de obra para as regiões cacaueiras ao
Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a redução drástica do orçamento
destinado às atividades da Ceplac.

Essa dinâmica teve como consequência a ausência cada vez mais marcante
do extensionista do campo, bem como a diminuição considerável de
projetos de pesquisa acionados para resolver os problemas do campo.

Hoje a Ceplac comemora 61 anos de existência, dos quais 47 no estado do


Pará, espelhando uma instituição envelhecida na qual, em média, 70% de
seus funcionários estão em abono de permanência, ou seja, já completaram
os índices governamentais que lhes dão condições de se aposentarem a
qualquer momento. O desafio mais importante dada essa constatação é:
para quem serão repassados os conhecimentos acumulados até o presente,
caso não seja feita uma “reposição” de recursos humanos para continuar
o processo de desenvolvimento regional/municipal com o cacaueiro? Ou
então, assume-se que o desenvolvimento agrícola à custa do cacaueiro não
é mais uma prioridade.

A despeito de todo o tempo transcorrido no exercício de expandir a


cacauicultura paraense, com o apoio direto do governo federal via Ceplac,
os produtores nos diversos municípios paraenses continuam demandando
novas implantações de cacaueiros, portanto, necessitados de orientações
técnicas para que o seu esforço em produzir tenha o retorno econômico/
social/ambiental desejado.

Assim, não é uma aventura pensar em manter a ampliação, a sistematização


e a garantia de uma assistência técnica para todas as áreas e produtores
envolvidos na produção de cacau em bases sustentáveis. É fundamental que,
nesse momento, em que o mercado mundial é demandante de matéria-prima
para o chocolate, busquemos fortalecer e estimular as organizações sociais e
produtivas das comunidades rurais que cultivam o cacaueiro, assegurando-
-lhes autonomia pela via da agregação de valor à produção e articulação
de redes de comercialização, dentro da visão de cadeias produtivas. Como
apoiar e desenvolver tais iniciativas que certamente promoverão cidadania
e inclusão social sem a presença sistemática no campo? Não se discute a
relevância, em um mundo voltado para a proteção ambiental, de manter
436 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

ações que possam contribuir para a conscientização no uso sustentável


e na conservação produtiva dos recursos naturais das regiões produtoras
de cacau. Para tanto, é preciso qualificar e capacitar recursos humanos em
áreas prioritárias, visando a geração de ocupações, o fortalecimento e a
consolidação dos arranjos produtivos locais nas zonas cacaueiras. Tornar
as unidades de produção mais eficientes requer a compreensão de que
a diversificação agropecuária das propriedades cacaueiras contribuirá
para a redução de riscos, a dependência e a influência de fatores externos
ao desenvolvimento local. Portanto, produzir e divulgar conhecimentos
técnicos para todos os agentes envolvidos nos diversos segmentos dos
arranjos produtivos estabelecidos na área onde a cacauicultura se constitui
em uma das opções que pode e deve ser liderada, ainda, por uma estrutura
de governo com competência para tal.

De qualquer sorte, é muito importante que se promova uma integração


interinstitucional (nacional e internacional), buscando, na execução de
atividades comuns, a otimização da utilização de recursos de todas as
ordens (financeiros, materiais e humanos).

Evidentemente as ferramentas de Ater acionadas pela Ceplac hoje estão


muito alinhadas com a formação dos seus profissionais disponíveis para o
trabalho. Nesse contexto, não podemos perder de vista que, com mais de 30
anos sem renovação do quadro de pessoal, muito do que se aplica no campo
atualmente pode e deve estar defasado. Assim, é indiscutível que se reavalie
a ortodoxia empregada na assistência ao produtor rural, haja vista o quanto
já se evoluiu em termos de Ater no Brasil e no estado do Pará em particular.

O grupo técnico, nomeado pela Secretaria-Executiva (SE) do Ministério da


Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que recentemente avaliou as
ações da Ceplac, apontou como importante a internalização da visão holística
do extensionismo rural, com foco no agronegócio e no desenvolvimento
rural sustentável. Recomendou ainda a necessidade de que o exercício do
profissional da Ater não fique circunscrito aos aspectos agronômicos da
lavoura e não se restrinja à elaboração de projetos de financiamento para
as agências de crédito. Numa ação contemporânea, o extensionista deve
cuidar do desenvolvimento social, econômico e ambiental, devendo, para
isso, ser submetido a uma reciclagem de procedimentos e a um treinamento
de imersão.

O protagonismo absoluto nesse tipo de ação deve ser evitado, buscando


a adoção de medidas que visem à descentralização da Ater para cacau,
incentivando a coparticipação de outros entes nas ações de Ater, cabendo
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 437

à Ceplac o papel de promover a inteligência em extensão rural e capacitar


esses outros agentes (públicos e privados).

Os avanços tecnológicos nos sistemas de comunicação disponibilizam


hoje modernas técnicas de assistir o produtor rural com a utilização de
ferramentas digitais, substituindo ou reduzindo a forma convencional
de assistência à fazenda. No cenário de uma nova cacauicultura nacional,
a tecnologia da informação e comunicação (TIC) é o insumo principal de
toda a cadeia de produção, na qual tablets e smartphones, dentre outros,
constituem importantes instrumentos que auxiliam a assistência ao
produtor. É preciso caminhar a passos largos nessa direção.

Índices técnicos mais exigidos pela cacauicultura


Atualmente, 76% da área plantada com cacaueiros no estado do Pará
está em produção, sendo 50% com mais de 8 anos de campo, 30% entre
5 e 8 anos de campo e 20% entre 3 e 5 anos de campo. Essa estratificação
é útil no estabelecimento de prioridades para o repasse de informações
sobre a execução do sistema de produção de cacau. Nesse contexto se
inclui também o entendimento do funcionamento do mercado.

No que diz respeito ao sistema de produção, existe uma tendência para


se otimizar as práticas agrícolas que redundem no estabelecimento da
produtividade média de 1 kg de amêndoas secas por árvore e por ano, com
a qualidade exigida pelo mercado internacional.

Desse modo, o empenho na prestação de serviço feito pelo serviço de


assistência técnica e extensão rural deve estar voltado para os seguintes
parâmetros e respectivos índices: i) que o stand de cacaueiros explorado pelos
produtores seja 100% de sementes híbridas, cuja origem sejam os campos de
produção da Ceplac; ii) que o sombreamento definitivo esteja bem distribuído
na plantação numa relação em que a luz do sol penetre em 70% e promova
uma sobra de 30%; iii) que o índice de infecção da vassoura de bruxa não
seja maior que um; iv) que uma planta produza por ano, pelo menos, entre
25 e 30 frutos viáveis para beneficiamento; v) que a altura de cada planta
esteja no intervalo de 2,5 m e 3,0; vi) que o número de trabalhadores fixos na
lavoura de cacau seja o equivalente a um homem para 3,5 mil plantas; vii) que
o espaçamento entre as plantas obedeça um quadrilátero de 3 m de lado; viii)
que os solos utilizados para plantio sejam de alta e média fertilidade, ou que
tenham disponíveis no solo (após análise), pelo menos, 824 kg de K2O, 529 kg
de CaO, 469 kg de N, 212 kg de MgO e 121 kg de P2O5; ix) que sejam removidos
438 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

todos os drenos de nutrientes, tais como: chupões, brotos e frutos doentes;


x) que o espaço entre as copas dos cacaueiros apenas se toquem, podendo
haver uma invasão máxima de 10 cm; xi) que a distância entre o final da
copa do cacaueiro e o início da copa do sombreamento definitivo seja, no
mínimo, de 6 m (facilitador para o voo do agente polinizador e conforto
ambiental para a plantação); xii) que a colheita dos frutos seja feita apenas
em frutos maduros; xiii) que a quebra dos frutos seja feita, no máximo, 24
horas após a colheita; xiv) que a fermentação seja feita no tempo de 5 a 7
dias e com intervalos de revolvimento de 24 horas, não sendo feito nenhum
revolvimento nas primeiras 48 horas; xv) que a secagem seja feita em
infraestrutura recomendada para tal, obedecendo-se o limite de 7% a 8%
de umidade nas amêndoas para que o processo se complete.

As alternativas para esse item são poucas. O mercado consumidor de


chocolate tem se tornado cada vez mais exigente e, com isso, a produção
de matéria-prima tem que acompanhar essa tendência. Na atualidade,
seguir rigidamente o sistema de produção de cacau, especialmente no
que concerne ao beneficiamento primário (colheita, quebra, fermentação
e secagem das amêndoas), habilita os produtores na participação do
mercado seletivo do chocolate. Para esse fim, a organização dos produtores
e da produção se faz indispensável e o apoio de um serviço de pesquisa e
extensão rural forte (principalmente com pessoal treinado e bem equipado)
torna-se imprescindível.

Sucessão na propriedade rural


Essa é uma temática que tem desafiado um número significativo de
estudiosos a ela dedicados, cujos relatos se multiplicam com a mesma
velocidade da necessidade de apontar soluções.

Um deles uso aqui como síntese global, haja vista que não se trata de um
problema exclusivo da cacauicultura paraense. Trata-se do artigo escrito
por Raquel Breitenbach e Alessandra Troian, Permanência e sucessão no
meio rural: o caso dos jovens de Santana do Livramento/RS, concordando
com sua tese de que o tema sucessão familiar na agricultura tem se
tornado central nas discussões relacionadas ao campo, assim como
as ações que vêm sendo desenvolvidas na busca em compreender as
dificuldades que circunscrevem o tema, principalmente em torno das
implicações que dificultam a permanência dos jovens no campo e a
adequada transição (especialmente de pai para filhos) de gestão dos
estabelecimentos agropecuários (Breitenbach; Troian, 2020). Uma
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 439

conclusão que tem sido recorrente é a de que essas soluções passam por
ações de cunho social e econômico.

Com essa premissa, qualquer que seja o rumo a ser tomado, não se
pode excluir o reconhecimento de que o fenômeno está umbilicalmente
ligado a um processo acelerado de envelhecimento da população rural,
sem alternativas de curto prazo para manter e melhorar as atividades de
transferência de tecnologias no campo, especialmente agora quando as
ferramentas para esse fim priorizam métodos digitais.

Nos diversos diagnósticos já realizados e publicados, enfatiza-se que:


i) a profissão de agricultor está perdendo o caráter moral que já teve no
passado; ii) a sucessão, quando feita, é tardia, abrindo espaço para querelas
familiares, incluindo aí o desfazimento da propriedade; iii) os jovens estão
cada vez mais atraídos pelas facilidades urbanas e as certezas advindas do
trabalho assalariado.

Um exercício de sucessão familiar da propriedade rural compreende um


processo de transferência de patrimônio entre gerações na agricultura e
implica em retirar do processo de gestão do estabelecimento as gerações
mais velhas, objetivando a formação de um novo agricultor gestor. Nessa
etapa, um problema imediatamente se apresenta, uma vez que os filhos, na
maioria das vezes, não estão/são preparados para gerenciar a propriedade,
bem como não recebem instruções e autonomia no processo de formação
e preparação para a sucessão.

Esse erro gerencial por parte das famílias rurais faz com que muitos filhos só
assumam a propriedade, do ponto de vista gerencial, quando os pais morrem.
Nesses casos, o despreparo e, em alguns casos, a falta de identificação com o
negócio da família podem ocasionar uma inadequada gestão, culminando
com o insucesso e posterior negociação da propriedade.

Tendo por base essa realidade, algumas indicações para a mitigação das
dificuldades apontadas no meio rural podem ser acionadas, quais sejam:
i) estimular o conhecimento dos jovens, favorecendo seus ideais; ii)
implementar programas de Ater com oportunidade de trabalho para os
jovens; iii) fortalecer grupos locais e organizações de produtores; iv) estimular
encontros que propiciem a troca de experiências e socialização no campo;
v) incentivar a modernização no campo, por meio do uso de tecnologias
modernas, mais interativas e atualizadas com a era digital; vi) promover o
reconhecimento, pela sociedade rural, da importância da agricultura como
440 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

setor econômico; vii) desenvolver políticas voltadas para a juventude rural


que difundam a educação com qualidade, numa formatação moderna e
inovadora, capaz de proporcionar uma opção de vida melhor; viii) prover o
meio rural, a partir de políticas de desenvolvimento estruturantes (internet
banda larga de qualidade, energia elétrica, estradas vicinais trafegáveis) que
fixem o jovem no campo.

A Ceplac já tem alguma experiência nessa temática, pois executa programas


com o olhar no desenvolvimento rural, a exemplo do Programa de Sucessão
Rural (na Bahia, mas perfeitamente adaptável ao estado do Pará), envolvendo
jovens empreendedores filhos de agricultores, cujo objetivo é fixar o jovem
no campo, a partir de iniciativas que favoreçam a permanência do jovem na
propriedade, com trabalho, renda e cidadania, vindo a reduzir o êxodo rural
e os graves problemas que as cidades enfrentam.

Administração do Programa Cacau


A cacauicultura brasileira só foi ter uma gestão pública a partir do ano de
1957, mais precisamente no dia 20 de fevereiro de 1957, quando da emissão
do Decreto nº 40.987, criando o Plano Econômico Rural de Recuperação da
Lavoura Cacaueira, que foi gerido por uma comissão executiva (que mais
tarde deu origem à Ceplac) presidida pelo ministro da Fazenda e composta
de quatro membros representantes do Ministério da Agricultura, do
Instituto de Cacau da Bahia, da Carteira de Comércio Exterior, da Carteira
de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil S.A. e da Comissão de
Financiamento da Produção (Ceplac), tendo como missão inicial promover o
saneamento da economia cacaueira, mediante o financiamento de dívidas
de uma cacauicultura submetida, por muitos anos, a quedas de produção e
aviltantes preços de cacau no mercado internacional.

Desde o ano de sua criação em 1957 até 1990, a assistência à lavoura


cacaueira foi financiada com recursos provenientes da própria
cacauicultura, o que permitiu criar todo o patrimônio móvel, imóvel e
cultural da cacauicultura brasileira.

Todavia, em que pese a contribuição da Ceplac para o desenvolvimento das


regiões cacaueiras e a contribuição da lavoura para a formação de um rico
patrimônio imobiliário, nos últimos anos ela vem experimentando progressiva
redução no orçamento aprovado na Lei Orçamentária Anual (LOA).

Nesse contexto, a Ceplac tem reduzido as suas atividades, procurando


adequar projetos e adotando medidas de racionalização e contenção de
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 441

despesas, à luz dos limites orçamentários, sem perder de vista a eficiência


técnica e administrativa.

A depressão orçamentária indica momentos difíceis. Os danos por ela


provocados ganham contornos de irreversibilidade e se materializam na
redução da assistência técnica aos produtores rurais, na desaceleração
do ritmo de desenvolvimento das pesquisas, no sucateamento da
infraestrutura predial, no obsoletismo dos laboratórios e na desqualificação
do aparato organizacional, que terminam por repercutir na cacauicultura
nacional. Do seu principal patrimônio, que são os recursos humanos, sem
qualquer contratação desde o ano de 1987, um quadro com mais de 4 mil
servidores hoje se resume a pouco mais de 1,5 mil em âmbito nacional. Na
permanência dessa tendência, brevemente, o Estado brasileiro deixará de
dispor dessa importante instituição de ciência e tecnologia, considerada,
internacionalmente, uma das mais importantes no mundo da cacauicultura.

Um modelo de gerência de programa federal pode ser aquele apresentado


pelos estados produtores de cacau que vierem a fazer a opção dessa
atividade como importante para o desenvolvimento agrícola local.
Nessa mesma vertente, a ideia pode ser transferida para os municípios.
Evidentemente, haverá necessidade de um interregno de tempo em que
a Federação, via Mapa/Ceplac, repassará a infraestrutura e conhecimento
para que o programa não sofra solução de continuidade.

Considerações finais
Especificando o caso do estado do Pará, em relação ao meio ambiente –
considerando apenas um dos serviços ambientais que a cacauicultura
disponibiliza –, não existe qualquer dúvida de que o sistema de cultivo
do cacaueiro é plenamente amigável às questões ambientais. São mais de
20 milhões de toneladas de carbono sequestrados pelos 200 milhões de
árvores que compõem esse sistema de cultivo (Mendes, 2014, 2018).

Do ponto de vista social, a capacidade empregadora de mão de obra pela


atividade cacaueira pode ser incluída entre aqueles indicadores passíveis
de polêmica, haja vista que, pelo acompanhamento oficial de pessoas
empregadas, via carteira profissional assinada, feito pelo Cadastro Geral
de Empregados e Desempregados (Caged), jamais coincidirá com o
verdadeiro efetivo que está trabalhando na cacauicultura paraense, pelo
simples motivo de que esse tipo de contrato dificilmente se estabelece
no campo (carteira profissional assinada). Na prática, o que acontece
442 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

é que 50% da mão de obra empregada provém de “contratos de meia”,


em que uma família é aceita para trabalhar na propriedade cacaueira,
cuja remuneração é 50% da produção entregue ao final de cada ano.
Considerando que o número médio de integrantes de uma família para
essas condições é de três pessoas, tem-se 33.420 pessoas empregadas
(metade dos 22.293 cacauicultores que exploram o cacaueiro no ano de
2017, multiplicado por três pessoas). A esse número deve ser acrescida (e
considerada) a mão de obra familiar do próprio cacauicultor, cuja média por
família, atualmente, é de duas pessoas que trabalham (existe uma evasão
de mão de obra familiar muito intensa acontecendo). Portanto, seriam mais
22.300 pessoas trabalhando, o que totaliza 44.593 empregos diretos (aqui
não estão considerados os empregos indiretos) (Mendes, 2019).

No que se refere ao parâmetro econômico, considerando os dados


divulgados pelo IBGE no Sistema IBGE de Recuperação Automática (Sidra)
para o ano de 2019, verifica-se que o produto interno bruto (PIB) do Brasil foi
de R$ 7,004 trilhões e que o valor da produção da cacauicultura nacional foi de
R$ 2,513 bilhões, o que revela uma representatividade na economia brasileira
para esse produto de 0,04%. A questão que se estabelece é se esses valores
seriam muito ou pouco para serem considerados investimentos públicos.

Para esse mesmo parâmetro (econômico), em termos de estado do


Pará, a representatividade para as mesmas variáveis relacionadas
(PIB = R$ 161,4 bilhões e valor da produção de cacau4 = R$ 1,2 bilhões)
é de 0,74%. A questão levantada em âmbito nacional se mantém para o
caso estadual. Em ambos os casos (nacional e estadual) as autoridades
ligadas à atividade cacaueira precisam sinalizar as suas estratégias
de desenvolvimento da cacauicultura. Tanto para um como para o
outro, não poderá haver desconexão no âmbito municipal. Para esse
caso, segundo o IBGE (2019), a atividade cacaueira no município de
Medicilândia contribuiu com 66,7% para formação da sua riqueza
no ano de 2015 (PIB municipal de 2018 = R$ 614 milhões e valor da
produção do cacau no município = R$ 409,3 milhões). É evidente que
para o município de Medicilândia a cacauicultura é muito importante.

Cotejar esses números para decidir ações de Ater ou Pesquisa,


Desenvolvimento e Inovação (PD&I) não é uma tarefa trivial. O número
de atores envolvidos e suas aspirações na condição de agentes do
desenvolvimento devem ser considerados na partilha de investimentos
importantes e prioritários (um, o outro e os dois).
4
Disponível em: www.sidra.ibge.gov.br
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 443

Referências
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS INDÚSTRIAS PROCESSADORAS DE CACAU. Disponível em: www.
aipc.com.br. Acesso em: 10 dez. 2020.

BREITENBACH, R.; TROIAN, A. Permanência e sucessão no meio rural: o caso dos jovens de
Santana do Livramento, RS. Revista Ciências Sociais Unisinos, v. 56, p. 26-37, 2020.

COMISSÃO EXECUTIVA DO PLANO DA LAVOURA CACAUEIRA (Brasil). Plano de Gestão


Estratégica. Brasília, DF, 2012.

IBGE. Produção Agrícola Municipal: 2019. Rio de Janeiro, 2019.

IBGE. Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA. Tabela 1612: área plantada,
área colhida, quantidade produzida, rendimento médio e valor da produção das lavouras
temporárias. [Rio de Janeiro]. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/1612. Acesso
em: 20 fev. 2022.

MENDES, F. A. T. A cultura do cacau no estado do Pará: o que se pode esperar? Belém, PA:
Ceplac: Sudam, 2019. 21 p.

MENDES, F. A. T. Agronegócio cacau no estado do Pará: origem e desenvolvimento. Joinville:


Clube dos Autores, 2018. 200 p.

MENDES, F. A. T. Descrição da cadeia produtiva do cacau. In: SANTANA, A. C. (org.). Mercado,


cadeia produtiva e desenvolvimento rural na Amazônia. Belém, PA: UFRA, 2014. p. 113-
139.

MENDES, F. A. T. Relatório final da safra de cacau no estado do Pará: 2020. Belém, PA:
CEPLAC: SUDAM, 2020.

MENDES, F. A. T.; MOTA, J. W. da S. Projeto de encubação de pequenas empresas de


cacauicultores para verticalização industrial do cacau em amêndoas no município de
Medicilândia (PA). Brasília, DF: Ceplac, 2015.

PINHEIRO, E.; ÁLVARES-AFONSO, F. M.; TOURINHO FILHO, E.; CONDURU, J. M.; ZACCARIA, A. M.;
OLIVEIRA, M. L. L. de; SCHINEIDER, A. W.; MORAES, L. P. de. Projeto cacau 1971-1974. Belém,
PA: Governo do Estado do Pará, Secretaria de Estado de Agricultura, 1971. 89 p.
ANÁLISE DA
PRODUÇÃO E
COMERCIALIZAÇÃO
DE AÇAÍ NO ESTADO
DO PARÁ, BRASIL
Geraldo dos Santos Tavares
Alfredo Kingo Oyama Homma
Antônio José Elias Amorim de Menezes
Marivaldo Palha Palheta

Introdução

O
crescimento do mercado de polpa de açaí a partir da década de
1990, facilitado pelo processo de beneficiamento e congelamento,
quadruplicou o consumo paraense da fruta, antes restrito ao período
da safra e da incorporação do mercado nacional e externo (Homma et al.,
2006a; Costa et al., 2017).

Existem três espécies de palmeiras que produzem o vinho de açaí: Euterpe


oleracea, com dominância nos estados do Pará e Amapá, responsável
pela maior parte da produção, com capacidade de perfilhamento; Euterpe
precatoria, com dominância no estado do Amazonas, conhecida como
“açaí do mato” e sem capacidade de perfilhamento, e Euterpe edulis, com
habitat na Mata Atlântica, que não perfilha e sofreu processo de destruição
pela retirada de palmito. O crescimento do mercado no País e no exterior
estimulou o plantio de E. oleracea fora da sua área de ocorrência.

A cadeia produtiva do açaí envolve extrativistas, produtores, intermediários,


indústrias de beneficiamento e batedores artesanais, sendo de importância
crucial para a formação de renda de expressivo grupo de famílias de
pequenos produtores.

Com o início das importações de polpa de açaí pelos Estados Unidos e


alguns países europeus, outros países como Colômbia, Venezuela, Equador,
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 445

Guiana Francesa, Suriname e algumas ilhas do Caribe também despertaram


interesse pelo plantio de açaizeiros, sobretudo pela espécie E. oleracea.

Os preços pagos pelos consumidores locais, chegando a R$ 32,00 por litro


de açaí grosso (2018), na entressafra, conduzem ao questionamento quanto
ao mercado para esse produto, provocando a exclusão da população de
menor poder aquisitivo. É paradoxal afirmar que os preços de polpa para
o mercado externo são inferiores àqueles pagos pelos consumidores no
mercado interno na entressafra.

Há muitas interrogações com relação ao mercado do fruto e à planta, que


dependem de maior avanço técnico e científico (Santana et al., 2012).
É melhor manejar ou efetuar o plantio de açaizeiro irrigado? Quais são
os desafios para transformar o açaizeiro em uma planta plenamente
domesticada para a consolidação da produção? Quais as tecnologias
visando o aproveitamento de seus subprodutos (caroço, estipe, cachos, etc.)
e do desenvolvimento de novos produtos?

Existe certo ufanismo em torno da polpa do açaí que está sendo considerado
como exemplo para o desenvolvimento da Amazônia, justificando a ideia
da “floresta em pé”, com base na coleta extrativa. É interessante que não
enfatizam o guaranazeiro (Paullinia cupana), o cacaueiro (Theobroma
cacao), a seringueira (Hevea brasiliensis), o cupuaçuzeiro (Theobroma
grandiflorum), a pupunheira (Bactris gasipaes), entre outras plantas
da biodiversidade amazônica, muito cultivadas em outros locais, sem
considerar a especificidade de mercados, disponibilidade de tecnologia de
beneficiamento e plantio, dispersão, baixa produtividade da terra e da mão
de obra, logística dos produtos extrativos, entre outros.

Material e métodos
Há necessidade de aprimorar os dados oficiais sobre produção de açaí
extrativo, manejado e plantado e das estatísticas de exportação interestadual
e para outros países. Para essa pesquisa foram utilizados dados disponíveis
no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Sidra, Censo Agrícola
2017 e LSPA), Secretaria da Fazenda do Estado do Pará (Sefa), ex-Ministério
de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Cooperativa Agrícola
Mista de Tomé-Açu (Camta), Ministério da Economia, Prefeitura Municipal
de Belém e Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da
Pesca do Pará (Sedap), das empresas beneficiadoras de fruto de açaí e de
produtores de açaí.
446 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Os dados de exportação são de difícil cálculo, pois as embalagens, os


pesos utilizados e os tipos de produtos derivados da polpa de açaí são
heterogêneos. Os exportadores utilizam diversos códigos da Nomenclatura
Comum do Mercosul (NCM), como 20.09.40.00 (suco de abacaxi não
fermentado), 20.08.99.00 (frutas, preparadas ou conservadas de outro modo
com ou sem adição de açúcar), 08.11.90.00 (frutas congeladas, mesmo
adicionadas de açúcar), 20.09.89.90 (sucos ou sumo de outras frutas, não
fermentadas, sem adição de açúcar).

Os dados foram avaliados com base na experiência dos autores com a cultura
do açaizeiro e de pessoas envolvidas no processo produtivo, comércio e
beneficiamento do fruto (Nogueira; Homma, 1998a, 1998b; Homma et al.,
2006a, 2006b, 2010; Santos et al., 2012).

Resultados e discussões
Nesta seção, procura-se comentar sobre a produção de frutos de açaí
extrativo, manejado e plantado e os aspectos sobre a comercialização de
fruto de açaí, que foi possível agrupar.

Produção de fruto de açaí em áreas extrativas, manejadas


e plantadas
A partir de 2015, o IBGE passou a constar nas suas estatísticas a soma das
áreas e a produção do açaizeiro cultivado e manejado (Tabelas 1 e 2), como
se fosse um cultivo permanente (Almeida et al., 2021b). Para a produção
extrativa existe uma estatística independente, mas que vem sofrendo
mascaramento nos dados nas unidades coletoras municipais do IBGE
quanto às áreas manejadas, plantadas, das unidades de medida utilizadas
e da possibilidade da dupla contagem nos municípios onde os frutos são
desembarcados das embarcações e reembarcados para transporte terrestre.

Tabela 1. Área colhida e quantidade de açaizeiro manejado e plantado nos


estados produtores.
Área (ha) Quantidade (t)
2015 2016 2017 2018 2019 2015 2016 2017 2018 2019
Brasil 136.904 167.478 195.433 198.497 196.158 1.008.387 1.091.667 1.335.040 1.510.022 1.398.328
Pará 135.691 166.464 188.483 190.567 188.015 1.000.850 1.080.612 1.274.056 1.439.249 1.320.150
Amazonas 36 647 4352 5.009 5.210 546 9.576 52.785 62.329 67.757
Roraima 575 182 508 609 600 4.010 851 3.513 3.449 4.153
Bahia 592 146 1.159 1.229 1.244 2.931 504 1.846 2.023 2.188

Continua...
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 447

Tabela 1. Continuação.
Área (ha) Quantidade (t)
2015 2016 2017 2018 2019 2015 2016 2017 2018 2019
Rondônia - - 253 277 268 - - 1.152 1.858 2.242
Maranhão - - 450 575 582 - - 526 742 751
Espírito
10 34 48 51 51 50 114 159 178 190
Santo
Tocantins - - 139 127 151 - - 930 100 839
Alagoas - 5 41 53 37 - 10 73 94 58
Fonte: IBGE (2019b).

Tabela 2. Produção (t) de açaí extrativo em anos selecionados no período de


1986 a 2018.
Período Brasil Pará Amazonas Maranhão
1986 137.595 127.788 - 3.748
1990 120.795 113.292 - 4.030
1995 108.922 102.574 64 2.922
2000 121.800 112.676 932 5.936
2005 104.874 92.088 1.149 9.380
2010 124.421 106.562 3.256 10.930
2011 215.381 109.345 89.480 12.119
2012 199.116 110.937 71.146 12.310
2013 202.216 111.073 71.783 12.837
2014 198.149 109.759 66.642 13.897
2015 216.071 126.027 65.638 14.864
2016 215.631 131.836 57.572 17.508
2017 219.710 141.913 50.503 18.330
2018 221.646 147.730 47.410 17.635

Fonte: IBGE (2019a).

Essas estatísticas têm sido motivo de alguns equívocos na interpretação


de dados, dando a impressão para um leigo de que são todos cultivados.
Em termos teóricos, conflita o conceito de extrativismo, manejo e plantio,
no qual o manejo de açaizeiro passa a ser considerado como se fosse um
cultivo permanente.

O levantamento do Censo Agrícola 2017 identificou 47.855 estabelecimentos


agrícolas no País que declararam possuir mais de 50 pés de açaizeiros, dos
quais 35.374 propriedades no estado do Pará (73,92%), 8.495 no Amazonas
(17,75%) e 1.901 no Amapá (3,97%). A área manejada e plantada no estado
do Pará somava 168.546 ha com uma produção de 241.816 t, perfazendo
4,47 ha de açaizeiro por propriedade, produção de 6,83 t por propriedade
e renda bruta de R$ 13.446,20 por propriedade (IBGE, 2019a, 2019b, 2020).
448 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

No caso da produção extrativa, o Censo Agropecuário 2017 identificou


45.630 propriedades que declararam possuir mais de 50 açaizeiros, com
produção de 397.076 t, dos quais 259.375 t foram vendidas e 137.701 t
foram consumidas. Trata-se de um dado interessante, pois identifica uma
produção média de 8,70 t por propriedade, 3,02 t de fruto de açaí consumido
por propriedade e uma renda bruta de R$ 13.123,65 por propriedade.

Esse dado para o autoconsumo é inédito e permite tirar algumas ilações.


Transformando em polpa, pode-se obter, em média, 1.510 kg de polpa
de açaí médio, perfazendo um autoconsumo diário de 4,14 kg diário de
polpa de açaí por família (IBGE, 2020). Esse dado é considerado muito
baixo para os produtores de fruto de açaí, conforme pesquisa inédita
em andamento sobre o tema. Há necessidade de efetuar pesquisas
visando estimar o autoconsumo de açaí pelas famílias ribeirinhas e pelos
consumidores urbanos. Pesquisas desenvolvidas na região metropolitana
de Belém apontam para um consumo de 63,1 kg de fruto por habitante na
safra e 22,5 kg na entressafra, sendo superior ao consumo de laticínios (15,3 L
por habitante ao ano), carne bovina (39,16 kg por habitante ao ano), cereais
(33,9 kg por habitante ao ano) e de farinha (34 kg por habitante ao ano)
(Santana; Costa, 2008; Santana et al., 2012). Os resultados da pesquisa de
Almeida et al. (2021a), que fez um levantamento da produção e consumo
de açaí pelos ribeirinhos de Igarapé-Miri, indicam um consumo familiar
de 7,46 L de açaí grosso por dia, enquanto na entressafra o consumo é de
8,07 L de açaí fino por dia.

O produto é caracterizado como de demanda elástica a preço. Interessante


observar que quanto menor a renda maior a frequência do consumo,
evidenciando ser um produto que faz parte da cesta básica de grande
parte dos consumidores de baixa renda (Santana; Costa, 2008; Santana et
al., 2012).

O curioso é que a produção total extrativa, manejada e plantada dá um


total de apenas 638.892 t no estado do Pará, de acordo com o Censo
Agropecuário 2017, bastante inferior ao mencionado pelo próprio IBGE
no Sidra, estimado em 1.415.969 t (IBGE, 2020) (Tabela 3).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 449

Tabela 3. Quantidade (t) de açaí extrativo na região amazônica e no Brasil, no


período de 2015 a 2019.
Unidade federativa 2015 2016 2017 2018 2019
Brasil 216.071 215.631 219.710 221.646 222.706
Pará 126.027 131.836 141.913 147.730 151.793
Amazonas 65.638 57.572 50.503 47.410 43.855
Maranhão 14.864 17.508 18.330 17.635 17.590
Acre 5.454 4.459 4.665 4.549 4.738
Amapá 2.413 2.627 2.770 2.873 3.059
Rondônia 1.674 1.605 1.503 1.410 1.601
Roraima 1 23 24 25 39
Tocantins 1 14 30

Fonte: IBGE (2019a).

A produção de açaí extrativo no estado do Pará tem a sua dominância


nos municípios do entorno da foz do Rio Amazonas e da Ilha do Marajó
(Tabela 4). O município de Limoeiro do Ajuru destaca-se como o de maior
concentração da produção extrativa e deverá decrescer nos anos futuros,
com o crescimento de áreas manejadas. Os municípios de Cametá e
Ponta de Pedras vêm apresentando decréscimo da coleta extrativa com o
crescimento de áreas manejadas. Quanto à produção em áreas manejadas,
o IBGE evidencia o decréscimo nos municípios de Inhangapi, Muaná e
Tucuruí (Tabela 5).

Tabela 4. Quantidade de açaí extraído (t) nos principais municípios produtores


do estado do Pará, 1990 a 2019.
Estado e municípios 1990 2000 2010 2018 2019
Pará 113.292 112.676 106.562 147.730 151.793
Limoeiro do Ajuru 15.877 15.254 20.231 41.000 42.000
Oeiras do Pará 350 2.845 8.909 26.000 26.500
Afuá 800 2.585 4.100 9.250 9.300
Mocajuba 5.660 4.209 5.378 8.100 8.200
Muaná 741 5.650 8.505 7.260 7.000
Inhangapi 250 222 3.781 7.000 7.500
São Sebastião da Boa Vista 738 4.100 7.166 6.852 6.300
Ponta de Pedras 42.150 10.600 13.197 6.250 6.000
Magalhães Barata - - 2.750 4.000 4.500
São Domingos do Capim 19 198 2.120 4.000 4.500
São Miguel do Guamá 3.995 1.603 4.700 3.500 3.800
Igarapé-Miri 2.400 9.000 5.800 2.900 2.700
Marapanim - 50 1.600 2.200 2.500
Breves 110 220 810 1.562 1.620
Cachoeira do Arari - 3.010 3.296 1.548 1.487
Continua...
450 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tabela 4. Continuação.
Estado e municípios 1990 2000 2010 2018 2019
Anajás 191 290 980 1.250 1.350
Curralinho 80 350 920 1.250 1.800
Baião 925 848 477 1.029 1.100
Portel 12 35 450 980 1.000
Barcarena 2.550 4.100 2.500 900 700

Fonte: IBGE (2019a).

Tabela 5. Produção de açaí (t) de área manejada e plantada nos principais


municípios do estado do Pará, 2015 a 2019.
Estado e municípios 2015 2016 2017 2018 2019
Pará 1.000.850 1.080.612 1.274.056 1.439.249 1.320.150
Igarapé-Miri 304.300 305.575 280.000 400.000 400.000
Portel 6.500 75.000 271.000 21.450 22.000
Abaetetuba 165.750 109.200 109.200 109.200 111.200
Cametá 120.000 112.000 100.800 105.840 159.450
Breves 1.800 3.785 17.785 60.000 19.500
Barcarena 44.200 56.000 77.000 56.000 70.000
Santa Izabel do Pará 7.000 7.000 11.000 50.000 50.000
Bujaru 51.200 75.600 70.000 49.600 71.467
Acará 16.000 22.500 32.668 42.469 27.816
Limoeiro do Ajuru 53.100 39.900 39.900 39.900 39.900
Anajás 700 550 811 29.250 29.250
Oeiras do Pará 30.000 28.000 39.199 28.932 28.560
São Sebastião da Boa Vista 7.780 20.000 10.134 28.000 19.325
Moju 17.000 26.000 26.000 26.000 26.000
Concórdia do Pará 12.925 10.575 15.000 18.000 13.230
Ponta de Pedras 12.780 12.760 8.468 16.380 13450
Bagre 1.500 280 1.193 15.000 12.600
Tomé-Açu 3.060 7.650 12.000 13.200 46.464
Inhangapi 25.800 10.500 12.000 12.000 11.601
São Domingos do Capim 2.050 2.500 2.000 11.000 11.100

Fonte: IBGE (2019a).

Foram incluídos os valores da produção dos frutos de açaí extrativo,


manejado e plantado para uma possível comparação com outras culturas,
como tem sido o argumento daqueles que defendem a viabilidade da coleta
extrativa baseada na floresta em pé. A soma das três categorias de produção
perfaz 1.731.668 t com valor de R$ 3.857.542.000,00, o que daria R$ 2,23 por
quilo para o produtor, em 2018, com certeza superestimado (Tabelas 6 e 7).
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 451

Tabela 6. Valor do fruto de açaí colhido de áreas manejadas e plantadas no Brasil


e nos estados produtores para o período de 2015 a 2019 (R$ 1.000,00).
2015 2016 2017 2018 2019
Brasil 4.081.079 2.000.489 3.471.878 3.265.513 3.026.873
Pará 4.069.409 1.980.411 3.364.272 3.149.436 2.880.211
Amazonas 821 16.783 84.604 97.080 120.381
Roraima 8.988 1.953 7.115 9.305 8.679
Rondônia - - 1.728 3.594 4.611
Bahia 1.834 1.183 3.127 3.489 4.229
Maranhão - - 1.109 1.581 1.768
Espírito Santo 27 134 554 478 565
Alagoas - 25 225 306 185
Tocantins - - 9.144 243 6.244

Fonte: IBGE (2019b).

Tabela 7. Valor do fruto de açaí extrativo na região amazônica para o período de


2015 a 2019 (R$ 1.000,00).
2015 2016 2017 2018 2019
Brasil 480.450 514.796 577.499 592.039 588.595
Pará 327.935 376.794 443.530 454.355 465.444
Amazonas 116.535 99.761 91.716 94.161 75.543
Maranhão 21.876 25.422 29.195 29.822 31.793
Amapá 3.303 3.942 4.505 5.338 6.064
Acre 7.086 5.568 5.333 5.160 5.524
Rondônia 3.711 3.264 3.173 3.068 3.884
Roraima 4 44 43 63 109

Fonte: IBGE (2019a).

Trata-se de um valor surpreendente, em comparação com 1,9 milhão de


hectares de cafeeiros rendendo R$ 22,6 bilhões ou 600 mil hectares de
laranjeiras gerando R$ 9,5 bilhões, dois cultivos nos quais o País se destaca
no cenário mundial. Esse valor superestimado para o açaí é utilizado para
combater a atividade pecuária ou a soja. Trata-se de uma comparação
que não tem sentido, pois não dimensiona o mercado, desconhece as
especificidades dos produtos extrativos, generaliza o açaizeiro como válido
para outros produtos, a dificuldade da domesticação e manejo, entre outros.
Outro aspecto é que, no caso de cultivos perenes, bastam frações de área
para saturar o mercado nacional e até internacional.

A insegurança com relação aos dados do IBGE pode ser evidenciada na


análise das Tabelas 1 e 6, referentes à produção no estado de Tocantins, que
despenca de 930 t para 100 t em 2018.
452 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A série de dados para a coleta extrativa é muito mais antiga, está disponível
a partir de 1986 e exige cuidados na sua análise (Figura 1). O aumento
brusco da quantidade extraída de 3.256 t em 2010 para 89.480 t em 2011 no
estado do Amazonas é de difícil interpretação. Provavelmente, a valorização
dos frutos de açaí levou ao aumento das áreas manejadas de E. precatoria e
do plantio de E. oleracea, que levaram a promover a atualização dos dados
pela impossibilidade de criar uma categoria de cultivo permanente ou de
área manejada.

Figura 1. Produção extrativa (t) de açaí, considerando os três estados maiores produtores, no
período 1986–2018.
Fonte: IBGE (2019a).

Na produção extrativa, não se menciona a área, pois estas se apresentam


esparsas ou em bolsões de difícil mensuração. Dessa forma, para se obter a
produção total de frutos de açaí, é necessário somar a produção extrativa,
manejada e plantada (Tabelas 2 e 3).

Panorama do mercado
Comercialização de fruto, polpa e derivados
No período de 2015 a 2018, observa-se um incremento anual no valor e
volume de produtos derivados do açaí comercializado (Figura 2), indicando
existir uma tendência de crescimento para os próximos anos.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 453

Figura 2. Volume e valor de produtos de açaí comercializados pelo estado do Pará no período
de 2015 a 2018 (venda interestadual + exportação) (R$ 1.000,00).
Fonte: Marivaldo Palheta (comunicação pessoal)1.

Uma1novidade refere-se à2comercialização interestadual de fruto in


natura no ano de 2018 e a queda de venda de polpa e mix, além da
tendência de crescimento da venda de açaí em pó, considerando o
mercado interno (Tabela 8). Já para o mercado externo, o mix teve um
grande crescimento, indicando a forma de consumo para a polpa de açaí
para os estrangeiros (Tabela 9).

Tabela 8. Comercialização de produtos derivados do açaí, 2018.


Soma de
Valor total
quantidade Preço
Descrição comercializado % Valor total
convertida (R$/kg)
(R$)
(kg)
Polpa açaí médio 31.948.364,19 211.650.566,31 6,62 30,93
Fruto in natura 92.083.888,38 150.351.780,53 1,63 21,97
Polpa não especificada 22.583.792,31 135.268.511,70 5,99 19,77
Polpa popular 29.110.759,76 109.313.946,28 3,76 15,97
Polpa especial 6.135.620,07 50.213.469,20 8,18 7,34
Açaí em pó(1) 283.820,98 19.583.301,11 699,68 2,86
Mix 796.495,28 7.920.258,99 9,94 1,16
Total geral 182.942.740,98 684.301.834,12 100,00
(1)
R$ 700,00 o quilo de pó de açaí.
Fonte: Marivaldo Palheta (comunicação pessoal).2

1
Comunicação pessoal dada por Marivaldo Palha Palheta, Técnico da Sefa, em 2019.
2
Idem.
454 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tabela 9. Valor das exportações de produtos derivados do açaí no estado do Pará,


2017 e 2018, em reais.
2017 2018
Descrição
Valor % Valor %
Polpa açaí médio 38.236.546,01 34,61 10.709.526,85 8,42
Polpa não especificada 58.669.771,12 53,10 49.710.891,41 39,06
Polpa popular 249.634,05 0,23 124.061,50 0,10
Polpa especial 3.223.230,33 2,92 5.429.231,92 4,27
Açaí em pó 4.023.489,62 3,64 4.087.183,97 3,21
Mix 6.082.922,27 5,51 57.191.542,35 44,94
Total 110.485.593,40 100,00 127.252.438,00 100,00

Fonte: Marivaldo Palheta (comunicação pessoal).3

Na3comercialização de açaí em 2018, alguns fatos chamam a atenção. A


comercialização de frutos in natura representou 21,97% das vendas totais,
indicando que mecanismos mais ágeis de transporte e refrigeração foram
implantados. Essas vendas se destinam, basicamente, para os municípios
paraenses que produzem pouco açaí e para os estados do Amazonas, Maranhão,
Amapá e Ceará.

A Tabela 10 ilustra a perda de hegemonia do mercado americano que, em 2012,


destinava 84,65% da quantidade de polpa exportada e o Japão, 10,12%. Em 2014,
a participação americana reduz para 48,77% e a do Japão sobe para 41,66%. O
preço médio vendido para o Japão, a despeito de ser superior, decorre do fato de
ser açaí grosso, para compensar o frete à longa distância, evitando-se o transporte
por água. Os 9,57% restantes são destinados para 29 países, de forma irregular,
com dominância do mercado europeu.

Tabela 10. Destino da exportação de polpa de açaí do estado do Pará:


quantidade, valor e preço.
Estados Unidos Japão Outros países(1)
Valor Valor Valor
Ano Quantidade Preço Quantidade Preço Quantidade
(US$ (US$ (US$
(%) (US$/t) (%) (US$/t) (%)
1.000) 1.000) 1.000)
2012 84,65 2,667 13.688 10,12 3,947 2,423 5,23 1,187
2013 54,93 2,893 7.246 37,50 4,616 7,890 7,57 1,246
2014 48,77 3,489 8.361 41,66 5,790 12,023 9,57 2,140
2015 54,35 3,251 12.333 36,52 4,256 8,287 9,13 3,671

Alemanha, Angola, Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá, China, Coreia do Sul, Dinamarca,
(1)

Emirados Árabes Unidos, Eslováquia, Estônia, França, Holanda, Inglaterra, Israel, Noruega,
Nova Zelândia, Peru, Porto Rico, Portugal, República Tcheca, Rússia, Singapura, Suécia, Suíça,
Taiwan, Uruguai.
Fonte: Tavares e Homma (2015).
3
Comunicação pessoal dada por Marivaldo Palha Palheta, Técnico da Sefa, em 2019.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 455

Em 2012, foram exportados 6.061.194 kg de polpa de açaí, correspondendo


a mais de US$ 17 milhões. Em 2013 o mercado sofreu uma pequena
retração em razão das crises nos Estados Unidos e no continente europeu.
Ainda assim foram exportados 4.559.021 kg de polpa, correspondendo a
mais de US$ 16,38 milhões. Em 2014, as exportações atingiram a cifra de
US$ 22,523 milhões, o que corresponde a 84% do total da pauta de exportação
de sucos do estado do Pará. O volume de 4.983.812 kg do produto sinaliza
uma tendência de aumento no volume exportado (Tabela 10).

As exportações4de 2016 e 2017 evidenciam o decréscimo do mercado


japonês e a primazia do mercado norte-americano. Ocorreu um aumento
de países importadores de açaí, passando de 31 países em 2012 para 42
países em 2017 (Tabela 11).

Tabela 11. Destino das exportações de polpa de açaí e derivados pelo estado do
Pará, no período de 2016 a 2018.
2016 2017 2018
País Valor Participação Valor Participação Quantidade Valor Participação
(R$) (%) (R$) (%) (kg) (R$) (%)
Estados
37.432.270,21 55,77 87.711.129,60 79,38 6.784.672,37 84.619.780,83 66,50
Unidos
Rússia 3.207.752,23 2,90
Reino
948.551,50 1,41 3.005.433,09 2,72
Unido
Japão 9.557.904,68 14,24 2.995.997,26 2,71 623.442,86 7.030.408,20 5,52
Austrália 6.872.666,91 10,24 2.378.649,81 2,15 832.972,69 10.492.239,43 8,25
Alemanha 1.442.725,67 2,15 2.287.554.78 2,07 200.279,05 2.785.316,95 2,19
França 1.633.222,47 1,48 193.579,60 1.945.210,72 1,53
Coreia do
1.173.359,73 1,06
Sul
Cingapura 103.498,52 1.541.189,13 1,21
Países
1.147.194,33 1,04
Baixos
Porto Rico 2.676.966,32 3,99 107.971,20 2.401.950,20 1,89
Portugal 296.889,11 2.648.791,62 2,08
Uruguai 2.433.890,08 3,63 169.754,62 2.337.445,64 1,84
Chile 1.481.441,33 2,21 159.131,80 1.913.053,24 1,50
Demais
4.273.760,19 6,36 4.945.300.10 4,48 624.980,37 9.537.052,04 7,49
países(1)
Total geral 67.120.176,89 100,00 110.485.593,40 100,00 10.097.172,19 127.252.438,00 100,00
(1)
Em 2016 foram exportados para 30 países e em 2017 para 42 países.
Fonte: Marivaldo Palheta (comunicação pessoal).4

A retração do mercado japonês impactou fortemente nas exportações da


Camta, em Tomé-Açu, PA, e se traduziu em uma redução na ordem de 52%
do volume exportado pelo Pará no ano de 2016. Contudo, o incremento na
4
Comunicação pessoal dada por Marivaldo Palha Palheta, Técnico da Sefa, em 2019.
456 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

venda de polpa na ordem de 45% no mercado interno manteve o volume


de vendas em alta. Existe muita especulação sobre o potencial do mercado
chinês, mas este ainda constitui uma incógnita, com uma exportação de
apenas 1.855 kg no valor de R$ 42.945,29, em 2017.

As exportações no período de 2016 a 2018 evidenciam uma instabilidade,


com exceção do mercado americano, onde continua estável. Ocorreu uma
forte retração do mercado japonês e australiano em 2017 e a ampliação e o
surgimento de novos mercados como Rússia, França e Coreia do Sul.

A quantidade exportada é bastante pequena, em torno de 13 mil toneladas


em 20175e 10 mil toneladas em 2018, representando, respectivamente,
9,5% e 13,15% da produção processada nas agroindústrias do estado do
Pará naqueles anos. Isso indica o potencial de crescimento, desde que essas
vendas não criem uma ilusão como uma superfruta, mas como alimento,
respeitando as especificidades culturais de cada país.

Da produção total do estado do Pará, estima-se que 60% são destinados para
o consumo local e 30% são comercializados para outros estados, sobretudo
São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará e Brasília. No período de 2014
a 2018, observa-se incremento crescente nas exportações, com queda em
2016, motivada pela retração da exportação para o mercado americano
(Figura 3), culminando com o ano de 2018 com mais de 127 milhões de reais.

Figura 3. Evolução da exportação paraense de açaí, no período 2014–2018, em R$ 1.000,00.


Fonte: Marivaldo Palheta (comunicação pessoal)5.

5
Comunicação pessoal dada por Marivaldo Palha Palheta, Técnico da Sefa, em 2019.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 457

A empresa detentora do maior plantio em terra firme, iniciou suas atividades


nos municípios de Óbidos e Alenquer em 2002 e os primeiros plantios em
2004. O plantio está concentrado em duas fazendas: a Mangal, com 430
ha de açaizeiros plantados, e a Macupixi, com 970 ha, totalizando 1,4 mil
hectares irrigados, localizadas ao longo da Rodovia PA- -254, que liga Óbidos
a Alenquer. A fábrica de beneficiamento está sediada na periferia da cidade
de Óbidos, procede ao beneficiamento da polpa (grosso, médio e fino) e
destaca-se pela produção de açaí em pó em escala comercial. A produção
de polpa de açaí da empresa está aquém de suas necessidades, levando-a a
importar polpa de açaí do Nordeste Paraense vindo em barcaças.

A venda de açaí em pó representa ainda uma fração de apenas 2,86% das


vendas que deverá crescer nos próximos anos, com alto valor agregado
e evitando-se o transporte por água. O mix apresenta apenas 1,16%,
considerando o mercado nacional e externo, mas teve forte participação no
mercado externo em 2018 (44,94%) (Tabelas 8 e 9).

Na produção de açaí em pó considera-se o rendimento de 10% referente


ao conteúdo de sólidos totais, sendo necessários 10 kg de polpa de açaí
(médio para grosso) para produzir 1 kg de açaí em pó. No procedimento
de evaporização utilizado, a polpa de açaí é submetida a corrente de ar
quente com 98 °C, permitindo secar em minutos com baixa temperatura,
preservando os nutrientes, conservando cor, sabor e aroma, trazendo um
alto rendimento de cristal de alta densidade. Uma grande variedade de
frutas pode ser transformada em pó e facilmente adicionada a sorvetes,
sorbets, cremes, vitaminas e sobremesas. Uma especulação: pela facilidade
de transporte, esta pode ser a modalidade de produto a ser comercializado
no futuro.

As exportações de polpa de açaí e seus derivados são feitas com


diferentes tipos de embalagens e misturas e com pesos distintos.
Associado à inexistência de NCM para categorias de produtos derivados
do açaí, torna difícil calcular a quantidade exportada para diferentes
estados e países importadores.

Dada a carência de dados disponíveis, procurou-se aproveitar as Tabelas 12


e 13, pois, a despeito de estarem incompletas, contém dados importantes
para a compreensão do mercado de açaí. São Paulo absorve 24,91% do açaí
exportado pelo estado do Pará, seguido de Rio de Janeiro (20,16%), Minas
Gerais (17,21%), Espírito Santo (7,83%), Ceará (4,10%) e Distrito Federal
458 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

(3,73%), como os mais importantes. O crescimento do mercado capixaba é


um indicador para estimular o plantio nesse estado, como tem acontecido
para as culturas levadas do estado do Pará, como a pimenteira-do-reino e
mamoeiro e de outras partes da Amazônia, como ocorreu com a pupunheira.

Tabela 12. Quantidade (t) de produtos do açaí comercializados pelo estado do


Pará para outros estados e para o exterior.
2014 2015 2016 % 2017 %
São Paulo 14.795 22.591 32.185 26,99 34.045 24,91
Rio de Janeiro 14.062 18.621 18.303 15,35 27.554 20,16
Minas Gerais 9.207 10.376 9.625 8,16 23.531 17,21
Exportação 5.463 8.028 4.216 3,54 13.082 9,57
Espírito Santo 1.688 2.137 2.335 1,96 10.699 7,83
Ceará 1.688 3.324 5.710 4,79 5.600 4,10
Distrito
2.810 3.110 3.213 2,69 5.097 3,73
Federal
Paraná 642 1.497 1,25 3.053 2,23
Goiás 1.239 2.695 2.218 1,86 2.712 1,98
Bahia 934 1588 3.562 2,99 2.488 1,82
Paraíba 332 860 2.149 1,80
Pernambuco 899 1.339 1.787 1,50
Outros 2.882 6.180 32.424 27,19 8.834 6,46
Pará 56.179 81.491 119.224 100 136.695 100

Fonte: Marivaldo Palheta (comunicação pessoal).6

Tabela 13. Quantidade de açaí fruto, polpa, mix e açaí em pó comercializados no


estado do Pará, no período de 2014 a 2018.
Polpa Mix Pó In natura Valor
Ano
(t) (t) (t) (t) (R$)
2014 55.575 604,8 0 0 225.794.483
2015 76.335 5.095 61 0 391.074.770
2016 113.956 4.869 398 0 481.561.480
2017 134.210 2.226 258 0 593.803.049
2018 89.779 796 284 92.084 684.301.834

Fonte: Marivaldo Palheta (comunicação pessoal).7

A partir de 2018, a Sefa passou a separar as quantidades físicas dos diversos


produtos6derivados7do açaí (in natura, mix, óleo, pó, polpa especial,
indefinida, média e popular). Naturalmente, isto produz erros com relação
à quantidade, pois apresentam somas de produtos heterogêneos, com
taxas de conversão diferentes no processo de beneficiamento, mas reais em
termos de valores.
6
Comunicação pessoal dada por Marivaldo Palha Palheta, Técnico da Sefa, em 2019.
7
Idem.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 459

Dessa forma, procura-se analisar informações fragmentadas para o ano de


2017, quando foram comercializados no mercado nacional e para exportação
R$ 571.256.675,55 de polpa, R$ 12.838.483,68 de mix e R$ 9.707.889.79 de
açaí em pó, totalizando R$ 593.803.049,02 (Tabela 13).

A análise das Tabelas 14, 15 e 16, pelo novo mecanismo de cálculo adotado
pela Sefa, fornece um dado interessante. As exportações representaram
R$ 127.252.438,00, as vendas internas R$ 409.469.624,61 e o comércio
interestadual R$ 251.697.185,67, totalizando8R$9788.419.248,28. Como
as quantidades comercializadas (internas, interestaduais e exportadas)
constituem uma mistura de produtos, infere-se pelo valor que as exportações
atingiram 16,14%, as vendas internas 51,93% e as vendas interestaduais
31,92% em 2018 pelas indústrias de beneficiamento de açaí.

Tabela 14. Comercialização de açaí nas suas várias modalidades pelas indústrias
de beneficiamento no estado do Pará em 2018.
Quantidade Valor Preço médio
Produto
(kg) (R$) (R$/kg)
In natura (fruto) 159.452.582,48 322.724.600,14 2,02
Mix 1.545.472,46 26.187.173,40 16,94
Óleo 1.195,20 90.509,91 75,73
Açaí em pó 6.783,05 111.376,86 16,42
Polpa de açaí especial 1.725.238,53 14.176.639,78 8,22
Polpa de açaí indefinida 1.100.584,53 11.468.792,31 10,42
Polpa de açaí médio 6.567.066,55 28.055.028,91 4,27
Polpa de açaí popular 1.683.808,89 6.655.503,30 3,95
Total geral 172.082.731,69 409.469.624,61 2,38

Fonte: Marivaldo Palheta (comunicação pessoal).8

Tabela 15. Exportação de açaí nas suas várias modalidades pelo estado do Pará
em 2018 pelas indústrias de beneficiamento.
Quantidade Valor Preço médio
Produto
(kg) (R$) (R$/kg)
Açaí em pó 106.583,02 4.087.183,97 38,35
Mix 4.573.027,67 57.191.542,35 12,51
Não especificado 4.060.402,09 49.710.891,41 12,24
Polpa açaí popular 16.854,00 124.061,50 7,36
Polpa de açaí especial 405.698,31 5.429.231,92 13,38
Polpa de açaí médio 934.607,10 10.709.526,85 11,46
Total 10.097.172,19 127.252.438,00 12,60

Fonte: Marivaldo Palheta (comunicação pessoal).9

8
Comunicação pessoal dada por Marivaldo Palha Palheta, Técnico da Sefa, em 2019.
9
Idem.
460 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Tabela 16. Comercialização de produtos derivados do açaí pelas indústrias de


beneficiamento de açaí do estado do Pará em 2018.
Valor
Quantidade Quantidade Preço
Estado comercializado
(kg) (%) (R$/kg)
(R$)
São Paulo 10.968.122,96 20,29 58.819.052,45 5,36
Rio de Janeiro 10.847.883,98 20,07 40.504.336,12 3,73
Ceará 5.302.344,03 9,81 25.832.512,49 4,87
Minas Gerais 5.248.686,45 9,71 23.465.971,97 4,47
Paraná 3.819.006,83 7,07 26.444.237,97 6,92
Rio Grande do Norte 2.882.006,77 5,33 4.038.885,08 1,40
Goiás 2.230.452,71 4,13 13.176.458,79 5,91
Distrito Federal 2.132.952,51 3,95 12.633.915,82 5,92
Pernambuco 1.889.836,90 3,50 8.881.643,36 4,70
Espírito Santo 1.497.171,14 2,77 5.810.078,98 3,88
Santa Catarina 1.325.618,33 2,45 8.386.868,85 6,33
Bahia 1.212.937,45 2,24 6.384.929,32 5,26
Sergipe 866.022,47 1,60 2.506.623,97 2,89
Alagoas 770.121,20 1,42 427.824,85 0,55
Paraíba 732.630,54 1,36 3.896.832,01 5,32
Maranhão 553.936,23 1,02 1.870.508,65 3,38
Mato Grosso 545.465,80 1,01 1.992.666,25 3,65
Tocantins 305.463,61 0,57 1.757.044,97 5,75
Roraima 222.972,29 0,41 1.163.005,01 5,22
Rio Grande do Sul 209.795,09 0,39 1.318.750,66 6,29
Mato Grosso do Sul 162.226,00 0,30 617.400,53 3,81
Piauí 153.645,62 0,28 780.659,22 5,08
Amazonas 105.543,99 0,20 418.083,67 3,96
Amapá 47.764,46 0,09 377.592,71 7,91
Rondônia 18.192,07 0,04 191.301,97 10,52
Total 54.050.799,40 100,00 251.697.185,67 4,66

Fonte: Marivaldo Palheta (comunicação pessoal).10

A Tabela 16 destaca a concentração do comércio interestadual para São


Paulo (20,29%) e Rio10de Janeiro (20,07%), o crescimento do mercado
cearense que se tornou grande importador de fruto in natura e o
crescimento de novos mercados como Paraná e Rio Grande do Norte. A
heterogeneidade do preço médio indica a mistura de produtos derivados
de açaí que são comercializados.

Conclusões
Considerando que apenas Estados Unidos e Japão polarizavam as
exportações, com drásticas mudanças nos últimos 3 anos, e que ainda não
10
Comunicação pessoal dada por Marivaldo Palha Palheta, Técnico da Sefa, em 2019.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 461

houve promoção massiva do produto nos mercados europeu e asiático


(com exceção do japonês em queda), em que a China ainda é um imenso
mercado a ser perseguido, conclui-se que o açaí é uma das poucas frutas em
âmbito mundial com um mercado potencial e inexplorado, o que se traduz
em uma ampla possibilidade de expansão.

O açaí pode seguir o caminho de outras plantas amazônicas que se inseriram


no modo de viver nacional e internacional, como ocorreu com borracha
(Hevea brasiliensis), cacau, mandioca (Manihot esculenta), castanha-do-pará,
guaraná (este em queda) e pupunha. Sem falar de outros produtos menores,
como jambu (Acmella oleracea), cupuaçu, pau-rosa (Aniba rosaeodora),
plantas aromáticas, medicinais, entre outros.

Há necessidade de ampliar o programa de pesquisa visando à domesticação


do gênero Euterpe e cruzamento entre espécies, além do processo de
beneficiamento, novos produtos, mercado, legislação, entre os principais.
O lançamento das variedades BRS Pará (2004) e BRS Pai D’égua (2019),
representa avanço, permitindo o seu plantio, o aumento da produtividade e
a produção na entressafra.

O crescimento do mercado esconde riscos ambientais tanto para as áreas de


várzea como para as áreas de terra firme. A expansão controlada, com assistência
técnica e obediência às normas legais (ambiental, trabalhista e previdenciária),
passa a ser exigida pelos mercados consumidores mais exigentes.

Há um controle do espaço geográfico da produção de açaí extrativo e


manejado pelas beneficiadoras nacionais e estrangeiras. Para as indústrias
destinadas à exportação, não interessa o açaí proveniente de cultivos
irrigados, em razão de seu alto custo. Este destina-se, sobretudo, para os
consumidores locais, obtido na entressafra. É possível que, com grandes
plantios, se obtenha economia de escala, promovendo a redução de custos.
Nesse viés ganha importância o açaí orgânico proveniente de áreas de
várzea e que pode ser certificado de forma coletiva por associações de
pequenos produtores, considerando que os países europeus compradores
intensificam a cada ano a preferência pela compra de produtos com essa
característica. Ressalta-se que a produção de açaí extrativo e manejado nas
áreas de várzeas é praticamente orgânico.

Desafios com relação à escassez de mão de obra, sobretudo para a colheita,


exigem desenvolvimento de equipamentos, ainda bastante precários ou
improvisados, para aumentar a produtividade da mão de obra, quanto à
462 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

segurança e os preceitos éticos e ambientais. Para muitos ribeirinhos, o preço


alto do fruto tem a vantagem de subir menos nos açaizeiros, sugerindo uma
curva de oferta negativa. A domesticação do açaizeiro ainda tem um longo
caminho a percorrer.

Referências
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PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 463

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em: http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/15/acai-para.html. Acesso em: 20 jan. 2022.
PROPOSTAS AGRÍCOLAS
PARA A AMAZÔNIA1
Alfredo Kingo Oyama Homma

Introdução

E
ste capítulo decorreu da opinião de um dos revisores do livro quanto
à necessidade1de contextualizar uma proposta agrícola para a região
amazônica, para não ficar na vala comum de sugestões de políticas
públicas. Há necessidade de sair das discussões abstratas e passar para
propostas concretas para a região. Nesse sentido, procurou-se listar um
conjunto de tópicos que deveriam ser considerados para uma política de
desenvolvimento agrícola para a Amazônia.

A Amazônia Legal concentra 919.057 propriedades agrícolas


identificadas no Censo Agropecuário 2017, representando 18,1% do
País. Existem 760.532 pequenas propriedades representando 82,76%
das propriedades da região. A heterogeneidade tecnológica pode ser
percebida tomando o exemplo do estado do Pará, onde apenas 4,5% das
propriedades agrícolas possuem tratores, em comparação com a média
brasileira de 14,5%. O acesso ao crédito rural no estado do Pará é de 6,3%
e no País é de 15,5%. Mesmo sendo o estado do Pará grande gerador
de energia elétrica no País, 68,3% têm acesso a essa modernidade,
enquanto a média nacional é de 83,1% das propriedades rurais. As
propriedades que não fazem nenhuma adubação no País são 57,2%,
1
HOMMA, A. K. O. Agricultura na Amazônia pós-covid-19: o que fazer? Revista Olhares
Amazônicos, v. 9, n. 1-2, p. 1692-1710, jan./jun. 2021.Versão ampliada.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 465

enquanto na região Norte alcança 81,2%. As propriedades agrícolas que


aplicam calcário são 14,4% para o País e 7,1% na região Norte. O grupo
de proprietários no País que não sabe ler e escrever atinge a cifra de
23,0% enquanto na região Norte a cifra é mais razoável com 20,4%.

A dotação de riqueza recebida da natureza na Amazônia tem dimensão


planetária. Maior floresta tropical, maior rio, um quinto do volume de
água doce, abundância da flora, fauna e minerais, entre outros atributos.
Com relação ao capital social, destacam-se obras de infraestrutura como a
terceira e a quinta hidrelétrica do mundo, duas capitais com seu entorno
superiores a 2 milhões de habitantes, aeroportos nas principais cidades,
instituições de ensino, pesquisa agrícola, desenvolvimento regional, meio
ambiente, segurança pública, forças armadas, judiciário, legislativo, entre
outras. Há questionamentos da população quanto à eficiência e eficácia
dessas instituições, variando de indicadores não satisfatórios a adequados
para as populações menos favorecidas.

A Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017–2018, mais recente, ilustra o


percentual de renda mensal das famílias da região Norte superando apenas
o da região Nordeste. Na região Norte, quase 40% das famílias têm renda
mensal inferior a 2 salários mínimos (Tabela 1) (Pesquisa..., 2019).

Tabela 1. Rendimento médio total e percentual por classes de rendimento total


mensal familiar, segundo as grandes regiões – período 2017–2018.
Renda Mais Mais Mais de Mais de Mais de
Até Mais de
Região média de 2 a 3 de 3 a 6 6 a 10 10 a 15 15 a 25
2 SM 25 SM
(R$) SM SM SM SM SM
Brasil 5.426,70 23,9 18,6 30,5 14,0 6,4 3,9 2,7
Norte 3.647,70 39,1 20,4 25,5 8,8 3,0 2,5 0,7
Nordeste 3.557,98 39,4 22,2 24,4 7,6 3,2 2,1 1,1
Sudeste 6.391,29 16,4 17,4 33,3 16,5 8,1 4,7 3,6
Sul 5.995,55 14,8 16,0 34,3 19,2 8,5 4,6 2,6
Centro-
6.772,86 17,6 17,3 32,7 14,7 6,8 6,3 4,6
Oeste

SM: salário mínimo.


Fonte: Pesquisa... (2019).
466 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) acompanha


o desenvolvimento socioeconômico brasileiro por meio do Índice Firjan
de Desenvolvimento Municipal (IFDM), criado em 2008, sendo o último
de 2018, com dados de 4.471 municípios brasileiros do total de 5.570,
o qual constitui um indicador similar ao Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), este sempre defasado. Segundo os dados do IFDM, os
500 municípios mais desenvolvidos do País estão concentrados nas
cidades das regiões Sudeste (50%) e Sul (41%). A região Centro-Oeste
ficou com 7% dos municípios. O Nordeste teve apenas oito municípios
e, na região Norte, apenas Palmas, a capital do Tocantins, ficou entre os
500 maiores IFDMs do País. Entre os 500 maiores, a última década foi
marcada pelo desenvolvimento da região Centro-Oeste, que mais do
que dobrou a sua participação decorrente da expansão do agronegócio.
A região Sul também aumentou sua participação na parte mais alta do
ranking, aproximando-se ainda mais do Sudeste. Entre os 500 municípios
menos desenvolvidos, o ranking foi dominado por municípios das
regiões Nordeste (68%) e Norte (28%). A pobreza pode ser identificada
pelo contingente de famílias participantes do Programa Bolsa Família.
As regiões Norte e Nordeste concentram 96% dos municípios menos
desenvolvidos do País, dominando o ranking dos 500 menores do país
(Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, 2018).

Todos os estados da Amazônia Legal têm a renda per capita inferior à


média nacional, sendo a menor a do estado do Maranhão e a maior a de
Mato Grosso. Em termos de participação no produto interno bruto (PIB)
brasileiro, a liderança cabe ao Pará, seguida de Mato Grosso, Amazonas
e Maranhão. No estado do Mato Grosso, a agricultura tem maior
participação no PIB estadual, seguido de Rondônia, Pará, Maranhão e
Acre (Tabela 2).
Tabela 2. Famílias participantes no Programa Bolsa Família, renda per capita, participação estadual no PIB nacional e da
agricultura no PIB estadual, estimativa da população, número de assentamentos, famílias assentadas, área total e área média
por família nos projetos de assentamento.
Renda Número de Número Área dos Área média
Bolsa Participação Estimativa
per Participação projetos de famílias projetos de por família nos
Estado Família agricultura PIB população
capita PIB (%) assentamentos assentadas assentamento projetos de
(jan./2021) estadual (%) (2020)
(2019) (2018) (2018) (2018) assentamento
Acre 90.623 890 0,22 8,9 894.470 161 32.658 5.604.066,8183 171,60
Amazonas 410.146 842 1,43 6,5 4.207.714 145 57.231 27.290.997,7034 476,85
Amapá 76.591 880 0,24 1,9 861.773 54 14.719 2.245.309,5680 152,54
Maranhão 960.371 636 1,40 8,9 7.114.598 1.028 132.290 4.741.258,6515 35,84
Mato
161.124 1.403 1,96 20,9 3.526.220 551 82.808 6.054.375,1537 73,11
Grosso
Pará 963.449 807 2,30 10,2 8.690.745 1.119 245.258 23.189.396,8113 94,55
- Belém 397 98.539 4.102.092,2421 41,63
- Santarém
220 75.413 14.458.991,7508 202,77
(2014)
- Marabá
514 72.196 4.628.312,8184 64,91
(2014)
Rondônia 81.390 1.136 0,64 14,2 1.796.460 223 38.931 6.197.042,7737 159,18
Roraima 52.041 1.044 0,19 5,2 631.181 54 16.567 1.442.597,4795 87,08
Tocantins 118.478 1.056 0,51 13,1 1.590.248 377 23.404 1.241.106,2652 53,03
Amazônia
2.914.213 8,89 29.313.409 3.712 643.866 78.006.151,22 121,15
Legal
Brasil 14.232.704 1.439 100,00 5,2 211.755.692 8.884 83.493.392,4325

Fonte: Consulta... (2021).


PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS
467
468 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

A utilização de mecanização e da reposição de nutrientes nas áreas


degradadas é importante para viabilizar a agricultura, sobretudo para
pequenos produtores. Os estados que apresentam maior relação área/trator,
como Mato Grosso e Rondônia, estão bem distantes da média brasileira
e de outros estados mais desenvolvidos do País. Há necessidade de no
mínimo duplicar ou triplicar o número de tratores na região amazônica.
Somente à guisa de comparação, Santa Catarina, que representa modelo de
participação de pequenos produtores no valor total da produção agrícola e
uma organização exemplar em torno das cooperativas agrícolas, apresenta
59 ha por trator e em São Paulo essa relação é de 94 ha por trator (Tabela 3).

Tabela 3. Número de tratores, bovinos, área total dos estabelecimentos e


área/trator.
Área
Área
Estado Tratores Bovinos estabelecimentos
(ha)/Trator
(ha)
Acre 2.133 2.133.001 4.230.216 1.983
Amazonas 2.435 1.253.852 4.042.318 1.660
Amapá 376 36.481 1.506.294 4.006
Maranhão 10.308 5.412.019 12.233.613 1.186
Mato Grosso 71.042 24.118.840 54.830.819 771
Pará 21.217 15.298.613 29.677.672 1.398
Rondônia 12.283 9.827.031 9.219.932 750
Roraima 1.736 674.501 2.624.880 1.512
Tocantins 18.054 674.501 14.857.426 822
Amazônia Legal 139.584 59.428.839 133.223.170 954
Brasil 1.228.634 171.858.168 350.253.329 285

Fonte: IBGE (2020, 2021).

A conexão rural-urbana das cidades amazônicas precisa ser articulada


não somente como mercado de produtos agrícolas visando à segurança
alimentar, fonte de matéria-prima para agroindústrias locais e de produtos
de exportação. A integração política também se faz necessária, uma vez que
a urbanização tem afastado essas populações da realidade rural.

A metabolização de lixo orgânico gerado pela população urbana regional


e pelo fluxo turístico teria grande importância para resolver um problema
ambiental grave para utilização na recuperação de áreas degradadas. Há
falta de adubo orgânico para os solos da Amazônia.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 469

É interessante mencionar que diversos documentos oficiais do Banco


Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Instituto Interamericano
de Cooperação para a Agricultura (Iica) e o recente Science Panel for the
Amazon, entre outros, ao longo do tempo, têm se apoiado em vários mitos,
até por falta de embasamento científico. Interesses políticos e comerciais,
alinhamento à moda do momento, prestígio, etc., podem explicar esse
comportamento que tende a asfixiar a economia local, na busca incorreta
do caminho do desenvolvimento (Silva, 2016; Wittkamper et al., 2021a; The
Amazon we want, 2021).

Como melhorar a vida dos pequenos


produtores?
Há uma heterogeneidade de pequenos, médios e grandes produtores
nos estados da Amazônia Legal, quanto à localização, área média das
propriedades, nível tecnológico, renda, etc. A participação dos pequenos
produtores no valor total da produção é maior no estado do Amazonas
(67,35%) e menor no estado de Mato Grosso (6,45%), sendo a média nacional
de 22,88% (IBGE…, 2020) (Tabela 4). Esta representa a real contribuição da
pequena produção na agricultura brasileira e não os 70% a 80% que lhe
eram atribuídos (Flores; Macedo, 2021).

O estado do Amazonas tem a maior participação relativa dos pequenos


produtores no valor total da produção agrícola, superando três vezes a
média nacional. Seguindo depois o Amapá com mais que o dobro da
participação nacional, depois Pará, Rondônia e Roraima. Esses números
refletem a preocupação política que precisa estar voltada para os estados e
para os bolsões de pobreza.

Todos os pequenos produtores da Amazônia têm uma estratégia de


sobrevivência, quer se apropriando dos bens proporcionados pela natureza,
quer aproveitando das transferências governamentais ou de parentes,
desenvolvendo atividades produtivas no lote ou fora dela e vendendo
mão de obra. Fazer com que aumente a renda familiar e a participação
das atividades produtivas com práticas mais sustentáveis, aproveitar os
recursos da natureza de modo que permita a sua regeneração e reduzir a
participação relativa das transferências governamentais seriam indicadores
de melhoria de vida.
470

Tabela 4. Participação dos pequenos produtores no valor total de produção, número de estabelecimentos agrícolas, área total
dos estabelecimentos, área de lavouras permanentes e temporárias, pastagens naturais, matas naturais e plantadas (2017).
Participação
dos pequenos Estabelecimentos Área total dos Lavouras Lavouras Pastagens Pastagens Matas Matas
Estabelecimentos
Estado produtores no agrícolas pequenos estabelecimentos permanentes temporárias naturais plantadas naturais plantadas
agrícolas
valor total da produtores (ha) (ha) (ha) (ha) (ha) (ha) (ha)
produção (%)
Acre 52,37 37.343 31.109 4.230.216 24.063 57.348 2.902 1.470.260 2.592.861 1.636
Amazonas 67,35 80.914 70.358 4.042.318 108.366 123.269 346.836 795.593 2.529.517 1.865
Amapá 57,14 8.507 6.984 1.506.294 21.233 43.463 387.292 62.342 896.203 56.906
Maranhão 25,69 219.765 187.118 12.233.613 109.820 1.250.326 1.057.114 4.645.134 4.348.858 252.044
Mato
6,45 118.676 81.635 54.830.819 105.244 9.684.623 4.038.736 18.995.877 20.682.060 196.663
Grosso
Pará 38,65 281.704 239.737 29.677.672 778.738 892.228 1.923.911 12.585.818 12.157.209 196.578
Rondônia 37,94 91.437 74.329 9.219.932 125.793 325.288 228.393 5.860.878 2.415.427 29.890
Roraima 32,94 16.850 13.103 2.624.880 35.119 71.558 663.576 447.016 77.293 42.906
Tocantins 16,94 63.691 44.955 14.857.426 172.006 1.007.384 2.379.039 6.019.023 4.703.391 84.543
Amazônia
918.887 749.328 133.223.170 1.480.382 13.455.487 11.027.799 50.881.941 50.402.819 863.031
Legal
Brasil 22,89 5.072.152 3.897.408 350.253.329 7.982.183 55.383.875 46.847.430 111.775.274 106.211.639 8.485.503

Fonte: IBGE (2020, 2021).


Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 471

A evolução do bem-estar por meio das atividades produtivas passa pelo


desenvolvimento de culturas e criações que tenham mercado e garantam
uma parte do abastecimento familiar, quando estas apresentarem
vantagens competitivas. A noção comum de que todos precisam se
dedicar à agricultura nem sempre é possível, pois muitos não têm aptidão
agrícola, moram no meio rural, mas se dedicam à venda de mão de obra
para atividades agrícolas ou não agrícolas. As mudanças de mercado são
frequentes na Amazônia, como aconteceu com guaraná, maracujá, acerola,
mamão, melão, pimenta, feijão-caupi, pupunha, etc., para outros estados do
País mais próximos do mercado ou de vantagens competitivas.

A defesa dos sistemas agroflorestais (SAFs) muito enfatizada nas propostas


internacionais para a Amazônia implica no aumento da mão de obra, nem
sempre existente, e de 10 a 15 anos para a sua estabilização (Wittkamper
et al., 2021b). No que concerne às atividades produtivas, os pequenos
produtores com melhores condições de vida são aqueles que se dedicam
aos produtos conectados com o mercado nacional ou internacional. Mas
há grandes oportunidades para mercados locais, sobretudo para cadeias
curtas, envolvendo hortaliças, pequenos animais e frutas, dependentes
de importações do Sul e Sudeste, etc. Há uma diferença entre pequenos
produtores que se dedicam a cultivos permanentes e aqueles que se
dedicam às atividades de roça.

As transferências governamentais passam a ter um peso preponderante


nos levantamentos realizados com pequenos produtores na Amazônia,
tais como aposentadorias, ajuda de familiares, seguro defeso, Bolsa Família,
Programa Bolsa Floresta, lançado em 2007 para o estado do Amazonas,
Programa Bolsa Verde, lançado em 2011, de iniciativa federal, e auxílio
emergencial da covid-19. Outras transferências indiretas são o Programa
Luz para Todos, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que
oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional
a estudantes de todas as etapas da educação básica pública, o transporte
escolar para a rede pública de ensino, o atendimento do Sistema Único de
Saúde (SUS), igrejas, parentes, entre outros.

A Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021, criou a Política Nacional de


Pagamento por Serviços Ambientais, que pode se transformar em uma
modalidade de “assistencialismo ambiental”, se não for bem administrada
(Consulta..., 2021). O Decreto nº 10.623, de 9 de fevereiro de 2021, que
instituiu o Programa Adote um Parque, com a finalidade de promover a
conservação, a recuperação e a melhoria das Unidades de Conservação
472 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Federais na Amazônia por pessoas físicas e jurídicas privadas, nacionais e


estrangeiras, pode constituir outro mecanismo de transferência de renda
direta e indireta.

Outro desafio é melhorar a vida dos pequenos produtores, reduzindo


os impactos ambientais. A primeira alternativa lógica seria aperfeiçoar
as atividades que já desenvolvem. No âmbito da agricultura, dedicam-
-se ao plantio de mandioca, feijão-caupi, pimenteira-do-reino, cacaueiro,
dendezeiro, fruteiras nativas (cupuaçuzeiro, açaizeiro, etc.) e exóticas
(bananeira, goiabeira, abacaxizeiro, maracujazeiro, laranjeira, limoeiro,
etc.), hortaliças, gado de leite, pequena criação, etc. Estão espalhados ou
concentrados em alguns bolsões, aproveitando nichos de mercado, sendo
necessário elevar o seu padrão tecnológico (Gomes et al., 2012).

Nas comunidades interioranas da região amazônica com reduzido


dinamismo econômico, é comum ver cenas de rapazes e adultos sentados
em volta de mangueiras ou outra árvore sombreadora. A teoria de Costa
(1995) explica que isto decorre de o grau de fadiga do trabalho não
compensar possíveis benefícios da satisfação decorrente do aumento da
renda, por exemplo. Uma forma de estimular seria a indução ao consumo
(energia elétrica, infraestrutura social, radinhos de pilha no passado ou
celulares no presente, etc.), que compensaria o esforço marginal a ser
empregado. Populações que apresentam estratégias de sobrevivência
com o mínimo de esforço nos roçados, na coleta de produtos da natureza
ou no trabalho não agrícola, quando disponível, complementam com
transferências governamentais. Outra alternativa seria a introdução da
mecanização, reduzindo a força braçal e aumentando a sua produtividade,
minimizando o grau de fadiga. A economia de mão de obra permitiria
aumentar a produção, desde que haja mercado, sem criar desemprego.
Pode-se aventar a hipótese, no passado, de os donos dos seringais
aumentarem os preços dos gêneros de primeira necessidade e pagarem
baixo preço para a borracha dos seringueiros, acreditando em uma curva
de oferta com inclinação negativa.

O desenvolvimento de uma nova agricultura amazônica é possível e já vem


sendo incentivado tanto para plantas da biodiversidade local como exóticas.
No contexto dos pequenos produtores, verifica-se os plantios de cacaueiro,
mandioca, açaizeiro, jambu, cupuaçuzeiro, malva, entre os principais.
Quanto à biodiversidade exótica podem ser mencionados pecuária leiteira,
pimenteira-do-reino, juta, bananeira, abacaxizeiro, laranjeira, limoeiro,
dendezeiro, cafeeiro e maracujazeiro, como os mais importantes.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 473

O sucesso dos pequenos produtores em fazer uma agricultura amazônica vai


depender do contínuo fluxo de novidades tecnológicas com relação ao uso
de novos recursos da flora e da fauna. Os resultados nessas cinco décadas têm
sido bastante reduzidos, mencionando as culturas que foram incorporadas ao
processo produtivo em escala comercial: açaizeiro, castanheira, cupuaçuzeiro,
pupunheira, malva e jambu. Já se encontram plantios isolados ou de manejo
de cumaruzeiros, puxurizeiros, bacurizeiros, cubiuzeiro, etc., baseados na
experiência dos produtores com reduzida inserção da pesquisa. No Fórum
de Davos 2021, na seção “Financing the Amazon’s Transition to a Sustainable
Bioeconomy”, as propostas para a biodiversidade se resumiram no açaí pelo
vice-presidente do Brasil e no camu-camu, araçá e pirarucu pelo presidente
da Colômbia (Financing..., 2021).

Culturas anuais e perenes: aumentar a


produtividade
Mato Grosso, Maranhão, Tocantins, Pará e Rondônia se destacam pela
produção de culturas temporárias. Pará e Tocantins no cultivo de lavouras
permanentes, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Roraima e Maranhão em pastos
plantados e Mato Grosso, Pará e Maranhão no reflorestamento.

Para as culturas permanentes, basta uma reduzida área em comparação


com as culturas anuais e pastagens para saturar o mercado nacional e
externo. No País podem ser citados o cafeeiro (1,8 milhão de hectares) e
a laranjeira (604 mil hectares) em contraposição com a soja (35 milhões
de hectares) e o milho (17 milhões de hectares). No caso brasileiro,
determinados cultivos perenes, como o cacaueiro e a pimenteira-do-
-reino, podem ter as atuais áreas ainda mais reduzidas, mediante aumento
da produtividade. Se o objetivo for reduzir a área de soja no mundo, a
alternativa seria substituir pelos plantios de dendezeiro. A produção
mundial de óleo de dendê é 25% superior à de soja, ocupando apenas
um quinto da área dessa cultura, que ocupa 125 milhões de hectares.
O dendezeiro é a cultura perene com maior área plantada no mundo,
com 28 milhões de hectares, seguida de duas plantas amazônicas, a
seringueira com 12,8 milhões e o cacaueiro com 12,3 milhões.

Há necessidade de criar um Plano Nacional do Cacau, um Plano Nacional


da Borracha e um Plano Nacional do Dendê, intentando o País alcançar a
autossuficiência desses três produtos, evitar a evasão de divisas, dobrando
a atual área plantada nos próximos 5 a 15 anos e como forma de recuperar
474 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

áreas de pastos degradados e permitir a recomposição de áreas de reserva


legal (ARL).

Para a maioria dos cultivos anuais de exportação, como soja, algodão


e milho, as possibilidades de aumento de produtividade são bastante
reduzidas (Portocarrero, 2020). Já está se aproximando do máximo da
produtividade física e esses aumentos podem não ser compensados
economicamente. Há que se investir na melhoria da logística e da
organização administrativa da propriedade.

Nos textos internacionais é comum mencionar a baixa lucratividade da


lavoura da soja por hectare. Esquecem que esses produtores não se dedicam
apenas ao plantio da soja, mas do milho safrinha e outras combinações,
fazendo com que a renda bruta possa alcançar até 20 mil reais brutos por
hectare, dependendo dos preços internacionais favoráveis. Com mercado
assegurado, alto índice de mecanização, reduzido contingente de mão de
obra por hectare, com mínimos riscos trabalhistas e alta produtividade, esta
é a razão da expansão de grãos na Amazônia.

Outro elenco de cultivos anuais, como a mandioca, da qual o Brasil já foi o


maior produtor mundial até 1987 e atualmente é o quinto, há uma grande
possibilidade de aumentar a produtividade e, com isso, reduzir a área
plantada. Fala-se muito em bioeconomia de novas plantas desconhecidas
como uma fantástica oportunidade para a Amazônia, mas esquecem,
por exemplo, da bioeconomia das plantas do presente, como é o caso
da mandioca. Antes um cultivo voltado para a produção de farinha,
atualmente o amido, passou a ser o carro-chefe, com grande procura
nacional e até mundial.

No caso do cultivo de arroz, está ocorrendo uma redução na produção


máxima já atingida no passado para os estados do Pará (-82%), Maranhão
(-87%) e Mato Grosso (-78%), entre os principais. A novidade é o estado
de Tocantins, que se tornou o terceiro produtor nacional. A população da
Amazônia está consumindo arroz irrigado proveniente dos estados do Rio
Grande do Sul e Santa Catarina. Isso é uma indicação de que os plantios de
arroz no Sul do País contribuem para reduzir desmatamentos e queimadas
na região.

A oferta de produtos hortícolas e de frutas pode ser ampliada na região


amazônica. São produtos de alta perecibilidade, exigindo cultivo nas
áreas mais próximas dos centros urbanos ou com sistema de transporte
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 475

apropriado. Na região amazônica, existem cidades com mais de 2 milhões


de habitantes (Belém e Manaus) e demais capitais e cidades interioranas
de médio porte, que apresentam demanda insatisfeita desses produtos
supridos por importações do Sul e Sudeste.

Com relação à produção de grãos, a despeito das críticas, o mercado deverá


estimular a expansão em torno de 10 milhões de hectares no País, nos
próximos 10 a 15 anos. A produção de álcool carburante de milho, do qual o
estado do Mato Grosso já conta com 12 usinas de um total de 19 existentes
no País, evidencia a agilidade do agronegócio brasileiro em resposta a
preços e mercados favoráveis.

Para frear a expansão de soja e milho para novas fronteiras (Cerrados ou


Vegetação Secundária), precisa ser direcionado para as áreas de pastagens
degradadas ou a subtração de áreas de pastos, mediante aumento de
produtividade das pastagens e do rebanho (Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo, 2020; Brasil..., 2020). Para culturas que apresentam baixa
produtividade, é importante dispor de insumos modernos (fertilizantes,
calcário e mecanização), novas alternativas tecnológicas ou econômicas.

Pecuária: aumentar a produtividade e


reduzir áreas de pasto
Para as grandes propriedades e nos estados onde está ocorrendo a expansão
de grãos mecanizados, reflorestamento e cultivos perenes, verifica-se
um movimento da “pecuarização” para “agriculturização”. Nas pequenas
propriedades, como em projetos de assentamentos no Sudeste Paraense,
o mecanismo é o inverso, a “pecuarização” passa a ser o objetivo almejado
para a melhoria de vida (Homma, 2019a).

Mato Grosso, Pará, Rondônia e Maranhão são os estados que concentram


os maiores rebanhos na Amazônia Legal. A pecuária ocupa 61% da área
derrubada da Amazônia, constituindo-se na maior forma de uso da terra,
com 48 milhões de hectares, dos quais 10 milhões de pastagens com alto
grau de degradação podem ser reduzidos sensivelmente. O esforço para
redução dos desmatamentos deveria se concentrar nesse setor de atividade.

Quanto à avicultura e a suinocultura avançada, a concentração dessas


criações em pequenas propriedades constitui uma prática usual no Sul
do País e precisa ser expandida na região. No estado do Pará, que tem
um grande consumo de patos, suprido por importações do Sul e Sudeste
476 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

e até do exterior, constituinte do pato no tucupi, esta alternativa é pouco


aproveitada. No caso da pecuária bovina na Amazônia, esta ainda se
caracteriza pela sua forma extensiva. Há necessidade de reduzir o rebanho
via aumento de produtividade, com maior densidade por área, tanto para
a pecuária leiteira como a de corte, adotando confinamento, pastagens
rotacionadas, entre outras modalidades, e liberando áreas de pastos.

A disponibilidade de água na região amazônica representa um grande


desafio em favor do desenvolvimento da piscicultura. A garantia da oferta
de tecnologia, de ração e de assistência técnica é importante para ampliar a
oferta proteica tendo como base a piscicultura.

Extrativismo vegetal e animal: a


necessidade de domesticação
A coleta de recursos proporcionados pela natureza, como o extrativismo
vegetal ou manejado, pesca, caça (a despeito de ser ilegal) e extração
madeireira, varia no espaço e no tempo, quanto ao estoque disponível,
mercado, preço, característica do produto, entre outras variáveis
(Homma, 2020a).

Há uma ênfase muito forte para a vocação extrativa para os pequenos


produtores sendo defendida como opção ideal para a Amazônia. Alguns
produtos que apresentam grandes estoques e a oferta de plantios não
crie competitividade, a despeito da baixa produtividade da terra e da
mão de obra, conseguem sobreviver. Mas, à medida que o mercado vai se
ampliando, os produtores são tentados a efetuar plantios ou mudar para
outras atividades. Com a falta de tecnologia de domesticação para os
produtos extrativos que apresentam conflitos entre a oferta extrativa e a
demanda, tanto os produtores quanto os consumidores saem perdendo.
Os produtores pela oportunidade de lucro advindo dos plantios e os
consumidores de um produto de melhor qualidade e a preço mais reduzido.

Para os produtos extrativos que chegaram ao limite da capacidade de oferta,


é necessário efetuar a domesticação e o seu plantio. Somente dessa forma
será possível reduzir a pressão sobre os recursos na floresta e ampliar o
mercado a custos mais competitivos. Se apresentam ainda grande estoque
no qual é possível efetuar a sua coleta, a recomendação seria proceder o seu
manejo e numa etapa posterior o seu plantio. Há situações em que ocorre
abundância do recurso extrativo, a produção se apresenta declinante não
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 477

por efeito da domesticação, mas pelos baixos preços e lucratividade e pela


comparação marginal da penosidade (Porro, 2021).

Para aqueles que se dedicam à coleta extrativa, é importante a observância


das normas quanto à sustentabilidade biológica. Nem sempre a
sustentabilidade biológica garante a sustentabilidade econômica ou
vice-versa. O Estado criou algumas normas com relação ao período de
defeso para pesca, a extração madeireira comunitária, desmatamentos
e queimadas, entre outros, que não são cumpridas pela impossibilidade
de fiscalização, sendo considerado como ato rotineiro. Ausência de
alternativas econômicas, técnicas de manejo inadequadas, baixo nível
de educação formal e falta de assistência técnica conspiram para uma
utilização mais adequada.

Manejo florestal ou reflorestamento?


Para os recursos madeireiros, mesmo que se apresentem em grande estoque, é
recomendável incentivar o seu plantio, para atender o crescimento do mercado
e o horizonte do projeto ser de médio e longo prazo. A partir de 1994, a produção
de madeira plantada suplantou a madeira extrativa no País. O manejo florestal
muito defendido para comunidades rurais ou mesmo para grandes empresas,
pelo longo tempo para regeneração (30 anos ou mais) e pela administração da
área manejada, sujeita a diversas mudanças, sobretudo econômicas, sociais e
políticas, necessita de certas cautelas (Homma, 2003, 2011).

O reflorestamento deve ser estimulado para ocupar as áreas de pastos


degradados, áreas derrubadas impróprias para agricultura, margens de
cursos de rios e recuperação do passivo ambiental representado por
espécies nativas ou exóticas. A escassez de madeira de florestas nativas
que ficaram reduzidas a um quinto em comparação com seu auge criou
um grande mercado de madeira para movelaria, construção civil, cercas,
moirões, etc., que precisam ser supridos com reflorestamento.

Não se pode iludir que o reflorestamento exige investimento de longo


prazo. No dia 30 de maio de 2008, o governo federal lançou em Belém
um programa de plantio chamado Um Bilhão de Árvores na Amazônia.
Essa proposta tinha uma meta visível, mas não passou de um conjunto de
boas intenções. A cifra que, à primeira vista, espanta pelo número, para
a Amazônia representava apenas o passivo das guseiras que, na época,
já deveriam ter reflorestado 1 milhão de hectares com eucaliptos, para
substituir o carvão vegetal proveniente de florestas nativas. O plano não
teve o sucesso desejado.
478 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Movimentos recentes estão tentando aprovar o Projeto de Lei nº 5.518/2020,


de autoria do deputado federal Rodrigo Agostinho, SP, para flexibilizar
o modelo de licitação e ampliar os contratos para concessão de florestas
públicas. A atual área sob concessão florestal é de apenas 1,05 milhão
de hectares e haveria um potencial de ampliação para 4,37 milhões de
hectares somente em 2021 de um total de 310,5 milhões de hectares de
florestas públicas. A justificativa é que esse novo modelo permitiria reduzir
o desmatamento e a extração ilegal de madeira, gerar renda e emprego,
aproveitamento da biodiversidade no contexto da bioeconomia, venda de
créditos de carbonos e de serviços ambientais, entre outros. A contrapartida
é que os prazos deveriam ser flexibilizados, com contratos mais ágeis,
mudanças nos concessionários, entre outros (Destravando..., 2021).

Considerando a precariedade do serviço de fiscalização e de mecanismos de


comando e controle e das duvidosas vantagens, um cenário de fragmentação
das florestas públicas oficializada, invasões de áreas, incêndios florestais,
entre outros, não é descartado. O reflorestamento das áreas degradadas
mediante concessões ou pelos produtores nas suas propriedades dá sentido
econômico para a recuperação de áreas de preservação permanente (APP) e
ARL e o aprimoramento dos atuais procedimentos é a melhor garantia para
manter a Floresta Amazônica.

Conter a fronteira velha e a nova


Os estados do Pará e do Maranhão concentram em números de projetos
de assentamentos seguindo na mesma ordem na estimativa da população.
A área média dos assentamentos constitui uma dúvida que precisa ser
esclarecida, variando de 35,84 ha (Maranhão) até 476,85 ha (Amazonas).

As áreas dos projetos de assentamento na Amazônia ocupam uma grande


extensão e apresentam baixa produtividade agrícola. Há que ampliar o
esforço de pesquisa agrícola e de extensão rural para atender esse universo
de pequenos produtores. Ou, se os produtores não tiverem vocação agrícola,
estas deveriam ser arrendadas para permitir o desenvolvimento de atividades
com maior sustentabilidade ou transformadas em áreas para recuperação do
passivo ambiental mediante concessão para grandes empresas.

Há necessidade de valorizar as capoeiras que teriam utilidade para


recompor ARL e APP. Costa (2005) criou o interessante conceito de capoeira
capital e capoeira sucata, diferenciando as duas pela possibilidade de
rentabilidade. Dessa forma, o manejo de bacurizeiros nativos nas áreas
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 479

de ocorrência, plantio de espécies amazônicas semidomesticadas e seu


posterior crescimento na capoeira (castanheira-do-pará, cumaruzeiros,
madeira, etc.) poderiam arcar com os benefícios da Lei nº 14.119/2021,
que instituiu o pagamento por serviços ambientais, entre outros. O mesmo
ocorre também com os bacurizeiros manejados e seu posterior abandono
depois de atingirem determinada altura. Ressalta-se que o risco de fogo
acidental ou intencional está sempre presente.

A plena implementação do Novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25


de maio de 2012) vai criar desvantagens econômicas para produtos ou
atividades comuns na Amazônia e fora dela que dependam do uso da
terra. Enquanto na região amazônica é permitido o uso de 20% da área da
propriedade, o inverso ocorre fora da região, bem como a permissão do
uso de 65% para as áreas de cerrados. A permanência dessas atividades
comuns vai depender das vantagens competitivas da Amazônia, como
maior disponibilidade e custo da terra mais barato, dimensão do mercado
local, proximidade de portos, entre as principais. Os riscos são decorrentes
da reduzida oferta de tecnologia, infraestrutura precária, mão de obra
com reduzida qualificação, insegurança fundiária e patrimonial, pressões
ambientais e sociais, entre os principais.

É preciso conter a fronteira velha representada pela área já desmatada nos


atuais patamares e reduzir a incorporação de novas fronteiras em decorrência
da derrubada de Floresta Densa ou de Vegetação Secundária. A construção de
novas fronteiras como a da soja no estado do Amapá precisa ser compensada
e contida em limites pré-estabelecidos (Homma, 2019b).

É importante reduzir o custo de recuperação de áreas degradadas, que


é bastante elevado na Amazônia decorrente dos custos de insumos
como calcário, fertilizante químico e mecanização agrícola. Há jazidas de
calcário e de fosfatos na Amazônia, algumas em exploração, que precisam
ser viabilizadas pela iniciativa privada ou aproveitar a infraestrutura
proporcionada pelos grandes plantios de grãos para facilitar o acesso a
esses insumos.

Viveiros de mudas de cultivos perenes ou de reflorestamento, em regiões


onde o setor privado não mostrou interesse na sua implantação, deveriam
ser estimulados pelas prefeituras municipais em polos estratégicos, para
venda a preço de custo para agricultores interessados. A recuperação do
passivo ambiental das ARL ou de APP varia entre 5 mil reais a 10 mil reais
por hectare.
480 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

O desmatamento, sempre associado a locais distantes, também ocorre em


áreas próximas aos núcleos urbanos, para expansão imobiliária, obras de
infraestrutura, entre outros, em geral sem queimadas. Os desmatamentos
de médios e grandes produtores é passível de controle imediato com
o aumento da fiscalização e do monitoramento. O envolvimento de
comunidades no processo de fiscalização, com a melhoria do sistema de
comunicação, pela movimentação da logística envolvida no processo
de grandes desmatamentos e queimadas, da extração madeireira e da
garimpagem, significa que todos têm condições de contribuir para uma
Amazônia mais sustentável (Acker, 2014).

Bioeconomia é a solução para a Amazônia?


A transformação da bioeconomia em riqueza na Amazônia vai depender
do aperfeiçoamento da legislação e de maiores descobertas científicas
e tecnológicas. A “bioeconomia das drogas do sertão” foi seguida pela
“bioeconomia da borracha extrativa”, sem conseguir consolidar um modelo
de desenvolvimento agrícola para a região.

É preciso reconhecer que o adequado aproveitamento da biodiversidade


na Amazônia esbarra na Lei nº 13.123/2015 e no Decreto nº 8.772/2016.
São preceitos legais que constituem fortes entraves para as pesquisas com
recursos genéticos. É urgente aperfeiçoá-los e adequá-los às realidades da
pesquisa científica (Alves et al., 2018; Bockmann et al., 2018).

A saída secular de material genético da Amazônia iniciou com o cacaueiro


em 1746, depois com a seringueira em 1876, guaranazeiro, pupunheira,
jambu e tambaqui, entre os mais importantes. Essas transferências retiram
oportunidade dos pequenos produtores da região de desenvolverem uma
agricultura tropical baseada em produtos da biodiversidade local.

Plantas exóticas introduzidas inicialmente na Amazônia foram transferidas


também para outras partes do País, como cafeeiro, pimenteira-do-reino,
mamoeiro-havaí, melão, entre outros. Por sua vez, a biodiversidade exótica
(fora da região ou do País) passa a ter grande peso na agricultura regional,
como pimenteira-do-reino, juta, soja, algodoeiro, abacaxizeiro, eucalipto,
teca, mogno-africano, bovinos, bubalinos, tilápia, pequenos animais, entre
outros (Homma, 2020b).

A China se incluiu, também, como produtora mundial do tambaqui.


Comenta-se que o tambaqui foi doado em 1992 pelo então governador
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 481

do Amazonas, Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo (1928–2009),


atendendo ao pedido do primeiro-ministro da República Popular da China
Li Peng (1928–2019), na sua visita a Manaus, após ter provado o peixe, antes
da sua participação na Rio-92, tendo sido enviados 4 mil alevinos (Lopes,
2019; Woynárovich; Anrooy, 2019).

A nova bioeconomia como está sendo proposta vai depender de


investimentos na domesticação de recursos da biodiversidade e do
seu plantio ou criação. É utopia pensar que vai ser mediante coleta de
produtos extrativos da floresta. Se for apoiada somente na base extrativa,
sem plantios ou criação, será um nicho de mercado para reduzido grupo
de produtores, sem condições de gerar emprego e renda para o conjunto
maior de pequenos produtores.

Serviços ambientais: possibilidades


pontuais ou regionais?
Os projetos de recuperação do passivo ambiental das APP e ARL deveriam
priorizar, inicialmente, grandes propriedades que ficam ao longo de
cursos de rios e áreas inapropriadas para agricultura. Teria um efeito
demonstração positivo e poderiam ser compensados em médio e longo
prazo, como pagamentos por serviços ambientais ou créditos de carbono.
Esses pagamentos seriam efetuados quando alcançarem determinados
indicadores de sustentabilidade de longo prazo.

A concessão de Pagamento por Serviços Ambientais para pequenos


produtores, quilombolas, indígenas, ribeirinhos e populações tradicionais
tem o suporte legal concedido pela Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de
2021. O prêmio deveria ser concedido para aqueles que realmente fizeram
esforços visando à recuperação do passivo ambiental e não o sequestro de
recursos disponíveis na natureza.

Outra vertente defende o pagamento por macrosserviços ambientais que o


bioma Amazônia presta ao planeta, que compreende o Brasil e mais sete países
vizinhos. A grande questão é se os países desenvolvidos teriam interesse em
pagar. Quanto, como e quais as obrigações para receber esse pagamento? Se
o desmatamento reduzir não haverá necessidade de pagamento?

Para a recuperação de APP e ARL, uma opção de longo prazo é deixar essas
áreas degradadas em pousio, que seguirão a sequência de capoeirinha,
482 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

“juquira”, capoeira e capoeirão. Evitando-se a entrada do fogo, será possível


recompor a área degradada no futuro.

O pagamento para serviços ambientais ou a venda de créditos de carbono


não podem servir de justificativas de propostas inviáveis economicamente,
criando mercados artificiais e de difícil controle prático. Todas as propostas
acima são no sentido microeconômico, procurando beneficiar organizações
não governamentais (ONGs), movimentos sociais e outros interesses ocultos.
Se realmente os serviços ambientais da Amazônia são importantes para a
saúde do planeta, há necessidade de considerar o estoque de carbono se
fosse uma mina de minério e cobrar por esses serviços.

Como apressar a transição florestal?


Considerando o atual nível de desmatamento da Amazônia estimado em
mais de 81 milhões de hectares (2021), é possível reduzir essa área com a
transição florestal. A redução do desmatamento será obtida primeiro com a
sua neutralização (desmatamento = reflorestamento + recuperação do passivo
ambiental das APP e ARL + plantio de cultivos perenes), para então começar a
ter um saldo positivo no crescimento da cobertura florestal. A curva decrescente
da cobertura florestal passaria a assumir a forma de “U”. Isto traria duas questões:
quando isto poderia ocorrer e qual seria o limite desse crescimento?

O desmatamento da Amazônia deverá prosseguir nos anos vindouros


dependendo de uma efetiva política de coibição dos ilícitos (desmatamento,
queimadas, extração de madeira, garimpo ilegal, narcoeconomia,
contrabando da flora e da fauna, etc.) e da criação de alternativas
tecnológicas e econômicas. Os médios e grandes produtores são mais
propensos a proceder essa reversão e monitoramento. Para os pequenos
produtores é mais complexo e o próprio desmatamento deve fazer dessa
política ambiental.

A reversão da cobertura florestal passará a ser crescente a até pelos menos


10 milhões a 15 milhões no máximo. É indispensável manter pelo menos
em torno de 60 milhões a 65 milhões de hectares para as atividades
produtivas, cidades, infraestrutura, etc. Isto seria possível mediante
intensificação da agricultura e da pecuária, liberação das áreas de pastos,
piscicultura, orientação para cultivos perenes, mudanças para atividades
poupadoras de terra.
PARTE III - OPORTUNIDADES PRODUTIVAS MAIS SUSTENTÁVEIS 483

Conclusões
É praxe em dezenas de congressos, documentos e pronunciamentos
recomendar que a solução da Amazônia está em coleta extrativa, floresta
em pé, sistemas agroflorestais, venda de crédito de carbono e serviços
ambientais e bioeconomia, que ganhou um discurso triunfalista recente.

Há determinadas ações óbvias que precisam ser seguidas pela agricultura na


Amazônia, como ajudar a reduzir a pobreza rural, trabalho infantil, mão de
obra escrava, desmatamentos e queimadas, agroquímicos, passivo ambiental,
em que cada produtor tem condições de contribuir na sua propriedade.

Todas essas propostas desconhecem a atual agricultura em curso,


condicionadas pelas forças de mercado seculares, tanto nacionais quanto
externas, em que, sem uma política adequada, vão incorporando novas
fronteiras agrícolas. A previsão é que somente a lavoura de soja pode
incorporar 10 milhões de hectares adicionais no País nos próximos 10 a 15
anos. A melhoria das estradas existentes é importante para elevar o valor da
terra, estimulando a sua intensificação.

As soluções para reduzir desmatamentos e queimadas e melhorar a qualidade


de vida dos pequenos produtores na Amazônia exigem investimentos,
sobretudo no desenvolvimento de novas alternativas tecnológicas e
econômicas. Não existe solução mágica para a região, leva tempo e
exige persistência. Em face do grande número de pequenos produtores
envolvidos, há necessidade de direcionamento econômico voltado para o
social. Os locais onde ocorrem ilícitos (desmatamento, garimpo, extração
madeireira, contrabando da flora e da fauna, narcoeconomia, etc.) são
facilmente identificáveis com aprimoramento do monitoramento e
fiscalização. A presença das forças armadas deve ser permanente em alguns
eixos rodoviários e rios e não de caráter expedicionário.

A colaboração do setor privado, sobretudo daqueles voltados à exportação,


reservando uma parcela do seu lucro para investimentos na busca de um
desenvolvimento mais sustentável para a região, em editais competitivos
transparentes, seria um procedimento ético responsável. Os países
importadores devem entender que os benefícios da pesquisa agrícola
retornam para seus consumidores, em produtos de melhor qualidade e a
preços mais competitivos.
484 Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades

Os esforços devem estar voltados para manter a atual fronteira velha


contida e reduzir a formação de novas fronteiras mediante aumento de
produtividade. O desenvolvimento de atividades produtivas que promovam
a utilização de áreas degradadas e/ou já desmatadas pode ser executado
por todos os produtores. O aumento da fiscalização para coibir os ilícitos,
reduzir a heterogeneidade tecnológica, aumentar a produtividade das atuais
atividades agrícolas, promover a domesticação dos recursos potenciais da
flora e da fauna, contínua geração de novidades tecnológicas e a melhoria
do seu capital social são os caminhos dessa transformação.

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Acesso em: 3 jan. 2021.
Rio Marapanim, próximo à Vila Matapiguara,
município de Marapanim, Pará.
Foto: Alfredo Homma
É lugar comum nos eventos sobre a Amazônia colocar como solução
bioeconomia, floresta em pé, coleta extrativa, venda de créditos de carbono e
de serviços ambientais e sistemas agroflorestais, com atenção voltada para
populações indígenas, quilombolas, ribeirinhos e “agricultura familiar”. A
proposta em si carrega um surrealismo econômico atemporal, como se fosse
possível essa mudança abrupta e feita com um estalar de dedos, do
desconhecimento do mercado, das peculiaridades locais, entre outros. São
contra grãos, pecuária, reflorestamento, dendezeiro, entre outros, que não são
considerados nas propostas e que representam importantes forças produtivas
da economia regional.
As soluções para reduzir desmatamentos e queimadas e melhorar a
qualidade de vida dos pequenos produtores na Amazônia exigem
investimentos, sobretudo no desenvolvimento de novas alternativas
tecnológicas e econômicas e de extensão rural. Não existe solução mágica para
a região, leva tempo e exige persistência. Perante o grande número de
pequenos produtores envolvidos, há necessidade de direcionamento
econômico voltado para o social, de desvinculação política do desmatamento e
da mudança climática.
A redução do desmatamento será obtida primeiro com a sua
neutralização (desmatamento = reflorestamento + recuperação do passivo
ambiental das APP e ARL + plantio de cultivos perenes), para então começar a
ter um saldo positivo no crescimento da cobertura florestal.
CGPE 017476

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