Você está na página 1de 392

Sobre Comportamento

e Cognição
Expondo a variabilidade

Hélio José Quilhardi


oreen Campbell de Aguirre

ESETec
Sobre
Comportamento e
Cognição
Associação Brasileira de Psicoterapia e
Medicina Comportamental

Diretoria gestão 04/05

Presidente: f lélio lose Quilhardi


Vice-presidente: Maria Martha da C'osta Hübner
1* secretária: Patrícia Pia//on Quciro/
2* secretária: I flian R. Medeiros
1* tesoureira: Marisa Isabel dos Santos de Brito
2* tesoureira: latiana l.ussari

Fjc-presidentes: Hernard rimcnlel Ranflè


I lélio losé Quilhardi
Roberto Alves Banaco
Rachel Rodrigues Kerbauy
Maria Zilah da Silva Brandão
Sobre
Comportamento
e Cognição
Expondo d Variabilidade

Volume 17

Organizado por Hélio José Quilhardi


Norccn Campbell de A guirrc

ESETec
E d ito r« « A s s o c ia d o s
2006
Copyright © desta edição:
ESETec Editores Associados, Santo Andró, 2006.
Todos os direitos reservados

Guilhardl, Hólio José, et al.

Sobre Comportamento e Cognição: Expondo a Vtriabilidado. - Org. Hóllo


Josó Guilhardi, Noreen Campbell de Aguirre 1* ôd. Santo Andró, SP: ESETec
Editores Associados, 2006. v. 17

450 p 24cm

1. Psicologia do Comportamento e Cognição


2. Behaviorismo
3. Análise do Comportamento

CDD 155.2
CDU 159.9.019.4

ISBN - 85-88303-74-6

ESETec Editores Associados

A HSKTec agradece a Ana C arolina (»uerio* Felicio pela enorme eolahoraçAo na


organi/avâoe preparaçüoileste volume.

Solicitação de exemplares: comercial@esetec.com.br


Santo André - SP
Tel. (11) 4938 6866/ 4990 5683
www.esetec.com.br
Sumário
Apresentação......................................................................................................9

A sobrevivência das culturas ó suficiente enquanto valor na ótica


behaviorista ra d ica l? .................................................................................11
Alexandre Dittrich
Comportamentos de indivíduos e práticas culturais: em busca de um consumo
ético, responsável e solidário................................................................................. 23
Ana Lucia Cortegoso
Ambientes não saudáveis e doença: alguns aspectos cognitivos e
comportamentais........................................................................................ 34
Antonio Bento Alves de Moraes e Gustavo Sattolo Rollm
A tecnologia do comportamento na promoção do "bem " da cultura: uma
análise conceituai de trechos da obra de B. F. Skinner.......................... 41
Camila Muchon de Melo e Júlio César Coelho de Rose
Subjetividade, Privacidade e É tic a .................................................................51
Carlos Eduardo Lopes
O Papel do Tempo na Definição e Explicação do Com portam ento........... 57
Carlos Eduardo Lopes
Considerações acerca do planejamento de procedimentos de ensino de
discriminações com plexas........................................................................61
Carmen Silvia Motta Bandlni, Ana Carolina Sella* e Deisy das Graças de Souza
Tecnologia comportamental no contexto de ensino: favorecimento da aprendiza­
gem e do surgimento de comportamentos c ria tiv o s ............................................72
Carmen Silvia Motta Bandini, e Julio César Coelho de Rose
Um exame critico de conceito de causalidade no behavlorismo radical.................. 81
Carolina Laurent
Habilidades sociais de filhos cujas mães não trabalham fo r a .................. 89
Carolina Germano Sicuro, Suzane Schmidlin Lôhr
Psicologia do esporte e sua aplicação: como ser aceito no meio esportivo. 94
Cristiana Tieppo Scala
Investigação da Formação de alunos de cursos de Psicologia em Análise
do C om portam ento......................................................................................99
Cristina Moreira Fonseca, Eliana Isabel de Moraes Hamasaki e Angélica Capelari
A terapia do terapeuta: considerações a respeito da formação do futuro
terapeuta....................................................................................................107
Denise Cerqueira Leite Heller

5
Obesidade infantil: tratamento comportamental....................................... 110
Denise Cerqueira Leite Heller
Comportamento e Saúde: Vulnerabilidade B iológica..............................116
Diana Tosello Laloni
A dor e a delicia de ser um terapeuta: considerações sobre o impacto da
psicoterapia na pessoa do profissional de ajud a.................................135
Eliane Mary de Oíiveira Falcone
“ Quem constrói o quô e como?": uma perspectiva analitico-funcional do
mótodo clínico de P ia get.......................................................................146
Elizeu Batista Borloti, Rafael Rubens de Queiroz Balbi Neto, Anna Beatriz Carnielli
Howat Rodrigues, Daniefly Bart do Nascimento
A contribuição do treinamento de habilidades sociais para a intervenção
em casos de transtorno de ansiedade................................................... 162
Fabricio de Souza, Felipe de Carvalho Pimentel, Thais Tebaldi Carvalho e Eduardo
Barbosa Lopes
Intervenção precoce com crianças agressivas: Suporte à familia e à
escola...........................................................................................................168
Gabriela Reyes Ormeno, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams
Terapia nào-farmacoiógica dos Transtornos de Ansiedade: aplicabilidade
da Terapia Cognitiva e Comportamental................................................ 183
Gildo Angelottia, Marisa Fortesb
A Prática Profissional sob a óptica do Mótodo da Observação Direta .... 204
Gina Nolêto Bueno, Fabiana Alves Leite de Aguiar, Ada Sitna Trindade Silva,
Uólen Camargo dos Passos e Ana Carolina Ferreira Moura
Uma Introdução ao Modelo de Seleção pelas Conseqüências..................222
Helen Lucia Freitas Copque
Urgência e Emergência com crianças: A Experiência de Plantào Psicoló­
gico numa Clinica -E scola.........................................................................226
Helena Bazanelli Prebianchi
História de contingôncias coercitivas e suas implicações: estudo de caso sob
a perspectiva da Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR.... 231
Luciana Júlio Martins, Hélio José Guilhardi
Hlperatlvidade e Dóficit de Atenção: Análise e Intervenção pela Terapia
por Contingências de Reforçamento (TCR)..............................................260
Evelyn Christina Peres Barrelin,Hélio José Guilhardi
Análise de Comportamento e Prática Cultural ACPC:A experiência do
Núcleo de Estudos em Análise do Comportamento e Prática Cultural282
João Carlos Muniz Martinelli.Marco Antônio Amaral Chequer, Maria Auxiliadora
Coelho Lopes Damázlo
Da distância ou da falta de diálogo entre analistas do comportamento
e educadores: alguns apontamentos.......................................................... 289
João dos Santos Carmo

6
Identificação de Estratégias de Enfrentamento Adotadas por Individuos
que Sofreram A m putação.......................................................................297
Michelle Santana Santos, Renóe Menezes Chaar, Eliana Maria Siqueira De Brito,
Lorena Sabá Fonseca, Luciana Costa Pontes, Lucynara Barroso Galo e João dos
Santos Carmo
Análise comparativa entre estresse, Burnout e habilidades sociais de
profissionais de s a ú d e ............................................................................ 305
Karina Mueller, Suzane Schmidlin Lõhr
A perspectiva biológica do lu to ...................................................................313
Katsumasa Hoshino
Contribuições conceituais do contextualismo pepperiano para a compre­
ensão da causalidade no Behaviorismo R adical.................................327
Kester Carrara
Delineamento cultural, Ética e Behaviorismo Contextualista Humanista ..334
Kester Carrara, Marlana P. Carra
Delineamentos culturais e práticas descritas por politicas públicas: análise
conceituai e projetos de intervenção....................................................354
Kester Carrara, Alessandra Turini Bolsoni-Silva e Ana Cláudia Moreira
Almeida-Verdu
A mídia e o desenvolvimento de crianças e jovens. Reflexões fundamen­
tais para a Terapia Analitico-Comportamental Infantil......................... 367
Laércia Abreu Vasconcelos
Pesquisa Sobre Interpretação de Sonhos na Análise de Comportamento 376
Laiz Helena de Souza Ferreira
Inclusão escolar sob a perspectiva da Análise do Com portam ento......... 390
Leila Bagaiolo, Cíntia Guilhardi e Claudia Romano

7
Apresentação

Os capítulos que compõem os volumes 17 e 18 da coleção Sobre


Comportamento e Cognição oferecem uma amostra representativa dos trabalhos
apresentados no XIV Encontro Anual da ABPMC, realizado em Campinas em 2005. Os
artigos de pesquisa, de aplicação e de conceitos abrangem o que se tem produzido no
Brasil nas áreas de Análise do Comportamento e Cognitivo-comportamental. Pode-se
dizer que ambas mantêm preocupações e objetivos comuns, mas, com o passar dos
anos, se afastaram quanto aos pressupostos, metodologia e conceitos que as
caracterizam e as definem. Tal afastamento nâo constitui uma perda, mas um refinamento
de identidades, Há que se louvar a convivência harmoniosa de áreas teóricas,
procedimentos de ação profissional e metodologia de investigação que não se fundem,
mas coexistem como alternativas prósperas, consistentes e eficientes. Os estudiosos
de uma ou outra área encontrarão nos dois volumes textos inovadores, didáticos e
desafiadores para aprofundar e consolidar conhecimentos, que aumentam de
abrangência e se atualizam anualmente, escritos pelos mais lídimos representantes
da área.
As maneiras de abordar o comportamento humano têm se justaposto, expondo
aspectos que se superpõem, ao lado de outros que se diferenciam. O conjunto nâo é
um todo homogêneo. O produto compõe, como metáfora, um grande painel, em cuja
composição foram usadas diferentes técnicas de expressão, aplicadas por diferentes
artistas. Nào é correto falar em comportamentalismo (no singular); mas em
comportamentalismos. Acrescentar aos comportamentalismos adjetivos para identificá-
los produz um resultado peculiar. Os adjetivos não se limitam a justificá-los; mudam-
lhes a essência.
A presente Introdução é um alerla. Cada capítulo ó um produto em si. Tal é uma
maneira de estudá-los: ficar sob controle de cada texto. Por outro lado, o conjunto de
capítulos revela processos diferenciados no desenvolvimento de vínculo com os
behaviorismos. Tais processos vêm se explicitando e se personalizando através dos
anos. Tal é uma outra maneira de ler os textos: organizá-los em sistemas, conforme
vêm sendo selecionados pela comunidade que responde a eles.

Hélio José Guilhardi


Noreen Campbell de Aguirre

Sobre Com portamento e Coqniçâo Ç


Capítulo 1
A sobrevivência das culturas é suficiente
enquanto valor na ética
behaviorista radical?
Alexandre Dittrich
WFPR

Da perspectiva behaviorista radical, estudar ótica ó, antes de tudo, estudar


interações comportamento-ambiente (Skinner, 1971, caps. 6 e 7). Essas interações
ocorrem nos níveis filogenótico, ontogenético e cultural. Fazemos o que fazemos,
gostamos do que gostamos, lutamos pelo que lutamos por que somos: 1) membros de
uma espécie; 2) indivíduos com histórias singulares de interação com o ambiente, 3)
membros de uma cultura. Para Skinner, a ótica não ó um fenômeno “exclusivamente
cultural" - embora falar sobre ela certamente o seja. Ignorar qualquer um dos níveis do
modelo de seleção por conseqüências impede uma abordagem adequada dos
problemas óticos (Skinner, 1981/1984).
A ética nâo constitui um elemento especial, diferenciado, que aja além das
contingências seletivas. Ética ó sinônimo de seleção por conseqüências. A ótica do
behaviorismo radical ó uma ótica das conseqüências - e, como todo comportamento
tem conseqüências, todo comportamento ó controlado por certa ótica.1 Certamente não
estamos, com isso, desconsiderando as peculiaridades da ética compreendida
enquanto fenômeno cultural. Discutir, formular e seguir regras óticas é comportar-se.2
Embora Skinner parta de uma perspectiva descritiva ao tratar de problemas
óticos, não se furta a adotar também uma postura prescritiva - ainda que essa distinção
não seja explícita em seu texto. Em seu aspecto descritivo, a filosofia moral skinneriana
apresenta descrições do comportamento ótico e das variáveis que o controlam.
Enquanto membros de uma espécie, tendemos a “valorizar” nossa sobrevivência
biológica. Enquanto indivíduos, tendemos a "valorizar" conseqüências reforçadoras.
Enquanto membros de uma cultura, tendemos a “valorizar" sua sobrevivência. Note-se,
contudo, que estamos tratando de tendências. Membros de uma espécie podem “não
valorizar" sua sobrevivência; eles terão menor probabilidade de transmitir suas
características genéticas. Indivíduos podem emitir respostas operantes que não

1
(Dtttrtch. 2003:2004«: 20Mb; Dfflrich A Abtb, 2004)
• fim lrab«»K> anterior (Dtttrtch, 2004a), veruimo* »otxn eeta* duaa kxma* de compreender o »ermo "ébca", e *ofore tua» conseqüência» per*
a uMizaçâo do (ermo na expNcaçâo do comportamento

Sobre C o m p o itim cn to e CoRiiiçfio 11


produzem conseqüências reforçadoras; elas terão menor probabilidade de ressurgir
no repertório de tais indivíduos. Membros de uma cultura podem “não valorizar" sua
sobrevivência; tal cultura terá menor probabilidade de sobreviver.
É fácil notar, diante disso, que Skinner utiliza o modelo de seleção por
conseqüências como instrumento para explicar o comportamento ético. É disso que
trata o aspecto descritivo de sua ética. Seu aspecto prescritivo surge quando Skinner,
para além de apenas descrever processos seletivos, tenta influenciá-los através de seu
próprio comportamento. Ele o faz nas diversas ocasiões em que promove a sobrevivência
das culturas enquanto valor fundamental de seu sistema ético (p. ex., 1953/1965; 1956/
1972; 1961/1972; 1974; 1973/1978; 1987).
A ciência do comportamento é também ciência dos valores, afirma Skinner
(1971). Uma ciência dos valores pode; 1) explicar por que um ser humano (o próprio
Skinner, digamos) defende/promove a sobrevivência das culturas (ou qualquer outro
valor); 2) afirmar, com alguma segurança, que se não adotarmos a sobrevivência das
culturas enquanto valor fundamental, esta própria sobrevivência estará sob sério risco.
Uma ciência dos valores não pode, porém: 1) apresentar a defesa/promoção da
sobrevivência das culturas como um princípio científico; 2) afirmar que a sobrevivência
das culturas, por ser um valor "natural", deve ser adotada por todos os seres humanos.
Uma ciência dos valores, como qualquer ciência, deve ser descritiva - deve lidar
essencialmente com tatos. Para além da ciência dos valores, temos a filosofia moral -
esta tendo o Jeg/timo direto de emitir mandos (de promover a sobrevivência das culturas
como objetivo ético fundamental, por exemplo). Skinner é um cientista dos valores e um
filósofo dos valores. Sua filosofia moral é nitidamente inspirada em sua ciência dos
valores, mas não pode receber desta um aval de cientificidade.3
Argumentações dessa natureza são comuns no campo da filosofia moral: afirma-
se que não é possível derivar um “deve" de um “é", um valor de um fato, uma prescrição
de uma descrição - ou, diríamos nós, um mando de um tato.4 O modelo de seleção por
conseqüências pode, perfeitamente, levar-nos a concluir que “a sobrevivência não é um
critério o qual nós sejamos livres para aceitar ou rejeitar (...)" (Skinner, 1955/1972, p. 22),
e que “(...) quer gostemos disso ou não, a sobrevivência é o critério final" (Skinner, 1956/
1972, p. 36). Nada disso nos obriga a adotar a sobrevivência das culturas enquanto
valor - e seria ingênuo afirmar que Skinner limita-se apenas a constatar a existência de
processos seletivos no nível cultural, sem dar qualquer importância ao que efetivamente
fazemos para promover a sobrevivência de nossas culturas. O behaviorista radical,
portanto, não está isento do debate ético e político - entendida a política como o conjunto
de procedimentos através dos quais busca-se concretizar objetivos éticos.
Certamente, nada disso depõe contra a sobrevivência das culturas enquanto
um valor que pode ser legitimamente defendido e promovido - por behavioristas radicais
ou por qualquer outra pessoa. Mas é preciso que haja boas razões para defendê-lo.
Quais seriam as possíveis conseqüências da adoção da sobrevivência das culturas
enquanto valor? Uma delas é Imediatamente óbvia: culturas que adotem tal valor tendem
a sobreviver - e a sobrevivência é um pré-requisito até mesmo para que tenhamos a
oportunidade de discutir valores. Ainda assim, reconheçamos que este argumento - ou
qualquer outro - não nos obriga a adotar tal valor. Podemos, ao invés disso, adotar o
prazer, a felicidade ou a liberdade como valores fundamentais. “De que adianta sobreviver
' Noto aa qua itAo aatamoa quararxío, com Im o , afirmar qu« o* ctentwuw n*o davam m pronunciar tobr« quaatOaa praacrtttva», ou ainda que
oaNóaotoaaa^datenloraa da algurnaauporiorMadaMca qua da qualquaroutraipaaaoa.O próprio Skbiner
manifMtou • • contrariamanl» a Iam pottçAot (1071a; 1071b). Nomoobjetivoé aparta* afirmar qua preacriçOaa ética« n*o podam darlvar
dfratamante de fafoa cwntffiooa
4A quaatio A complexa a polémica. Abordamo la com mala (Malhe am outro» momantoa (Dlrtrich, 2003; ?004b)

12 Alcx«indrc Pittrich
em um mundo onde tais coisas não se façam presentes?", pode alguém argumentar. A
isso, um behaviorista radical bem poderia retrucar: "De que adiantam o prazer, a felicidade
ou a liberdade se a humanidade corre sério risco de, em breve, não poder mais desfrutar
deles?".
Talvez o ideal seja conciliar os dois aspectos. Seria isso possível? Não
poderíamos garantir um longo futuro para nossas culturas e, ainda assim, sentirmo-
nos livres e felizes? Teoricamente, sim! Pensemos em Walden II (Skinner, 1948/1978).
O que temos ali senão pessoas que sentem prazer no que fazem, que são felizes, que
sentem-se livres - e que, em assim sendo, integram a estrutura “(...) sólida, fidedigna,
essencial" (p. 169) de uma comunidade que tanto sabe desfrutar do presente como
planejar o futuro? Não parece, portanto, que Skinner ignore a importância de valores,
digamos, mais prosaicos. Há espaço para outros valores no sistema ótico skinneriano,
para além da sobrevivência das culturas?
Falávamos há pouco em possíveis razóes para defender a sobrevivência das
culturas enquanto valor; já apontamos uma delas. Notemos agora uma segunda:
enquanto valor, a sobrevivência prepara a cultura que a adota para a experimentação e
a mudança. Essa é uma diferença importante em relação aos valores tradicionais. A
sobrevivência é um valor “plástico", que se adapta às circunstâncias - entre outros
motivos, porque aponta não apenas para conseqüências, como ocorre com freqüência
no discurso ético, mas também para sua relação com o comportamento que as precede:
não basta apontar o que queremos, precisamos especificar como isso será conseguido
(Skinner, 1968/1972). Em função disso, qualquer prática derivada desse valor principal
ó mutável: “(...) o que pode, nesse sentido, ser uma ‘boa’ cultura em um período não ó
necessariamente 'bom' em outro" (Skinner, 1953/1965, p. 431). A ótica de uma cultura,
para Skinner (1948/1978, p. 176), deve ser uma “ótica experimental". Sob essa concepção,
não há espaço para valores absolutos: as práticas de uma cultura devem ser
continuamente avaliadas em relação às contingências de sobrevivência.6
No entanto, em diversas ocasiões, Skinner indica o que chamamos, já em
outras oportunidades (Dittrich, 2003; 2004b; Dittrich & Abib, 2004), de valores secundários
- isto ó, valores que, se empregados da maneira correta, presumivelmente contribuirão
para a sobrevivência da cultura que os adote: felicidade (1955-1956/1972, p. 03; 1956/
1972, p. 36; 1971, p. 152), saúde (1955-1956/1972, p. 06; 1956/1972, p. 36; 1971, p.
152), segurança (1956/1972, p. 36; 1971, p. 152), produtividade (1955-1956/1972, p. 03,
p. 06; 1956/1972, p. 36; 1971, p. 152), educação (1955-1956/1972, p. 03, p. 06; 1971, p.
152), criatividade (1956/1972, p. 36), experimentação (1971, p. 153), amor (1955-1956/
1972, p. 06), cooperação e apoio (1972/1978, p. 197) e preservação do melo ambiente
(1971, p. 152; 1987, p 01). Sobre esses valores secundários, porém, ó preciso fazer a
seguinte observação: eles devem estar a serviço do valor fundamental do sistema - a
sobrevivência; dependem deste valor primário, subordinam-se a ele - e, em virtude
desta subordinação, são maleáveis: "Os valores que eu tenho ocasionalmente
recomendado são transitórios" (Skinner, 1956/1972, p. 36).
Obviamente, esta subordinação não se dá de modo automático: “(...) a
sobrevivência está, freqüentemente, em conflito direto com valores tradicionais" (Skinner,
1953/1965, p. 432). Para que os valores secundários de fato promovam a sobrevivência
das culturas ó preciso planejamento. Mas, em princípio, todos os valores dos sistemas
óticos tradicionais interessam ao planejador cujo norte ó a sobrevivência das culturas,

• l$»o explica. em parte, por que a »obmvtvèncl» é um crttério d» dWcHaantãçto •!»"(. .>lem, Utvw, dimeneOM »md« mono» óbvta» do quo
Mlddnde, ltt»rdacle, conhecimento ou Móde’ (Sktnnef, 1963/1866, p. 431). • è “( ) meno* nfttcta [d—i-aA do que alflune crtlérto« obtoMos do
certoeerrado(...)" (Skinner, 1966/19/2,p 22).

Sobre Comport.imcnto e Co^mç.lo 13


pois todos participam, em alguma medida, da determinação das possibilidades de
manutenção dos grupos sociais - dado o fato de que todos dizem respeito a práticas
culturais e suas conseqüências.
O ponto importante, no momento, é o seguinte: a sobrevivência das culturas é o
único valor fixo, imutável, inegociável do aspecto prescritivo do sistema ético skinneriano.
Todos os demais - os valores secundários - são plásticos, mutáveis, possivelmente
transitórios: eles devem adaptar-se às circunstâncias da evolução cultural, pois, a
depender delas, sua contribuição para a sobrevivência das culturas pode mudar. Se
isso garante á ética skinneriana seu caráter experimental, também pode, por outro fado,
torná-la passível de certas criticas.
Voltemos a Walden II: em certo momento da obra, Frazier acena para a
possibilidade de empregar estratégias coercitivas visando a manutenção e expansão
da comunidade (1948/1978, pp. 230-231). A não-coerção, ao que parece, não é um
principio absoluto em Walden II. Métodos coercivos - ainda que tão pouco coercivos
quanto possível - podem ser utilizados, uma vez que outras possibilidades estejam
esgotadas. Isso dá margem a críticas como a de Freedman (1972/1976): se os fins
justificam os meios, não há qualquer garantia de que métodos espúrios não serão
utilizados para a manutenção e expansão de Walden II.
Freedman não está sozinha. Recentemente, Staddon (2004) publicou um artigo
no qual lança críticas à ótica skinneriana, algumas das quais seguem o mesmo espirito
daquelas feitas por Freedman, mas de modo ainda mais contundente. Particularmente,
diga-se, consideramos que o artigo, quando avaliado como um todo, revela-se em sua
maior parto uma crítica equivocada ao sistema ótico skinneriano. Contudo, algumas de
suas observações parecem pertinentes. Restringiremos nossa abordagem a esta última
parte. Eis o que afirma, resumidamente, o autor: se a sobrevivência das culturas é o
único critério para o planejamento de práticas culturais, qualquer prática cujo valor de
sobrevivência seja presumível deve ser adotada, a despeito de qualquer outro argumento
relativo a valores secundários. Em princípio, isso não deveria ser surpreendente, pois o
sistema ótico skinneriano parece levar, de fato, a esta conclusão. Mas o que ocorreria se
aplicássemos tal regra ao pé da letra?
Vamos a um exemplo: o comportamento de fumar ó bom ou ruim para a
sobrevivência das culturas? Nossa tendência seria, possivelmente, afirmar que ó ruim:
pessoas sofrem e morrem em funçôo dele, e muitos recursos s&o gastos no tratamento
de suas conseqüências. Eis, porém, a contra-argumentação de Staddon:
Contudo, as doenças causadas pelo cigarro geralmente nâo matam ató que suas
vitimas tenham chegado aos seus cinquen*a ou sessenta anos, após o que sua
vida produtiva está praticamente encerrada e antes que eles tornem-se um fardo
para seus filhos e para a sociedade. (...) Talvez uma sociedade que encoraje o
fumar - que produz, de modo geral, uma vida curta mas produtiva - seja mais bem
sucedida no longo prazo do que uma que desencoraje o fumar e tenha que lidar
com muitas pessoas velhas e improdutivas (2004, p. 239).
Parece cruel e desumano? Talvez, mas não há nada no sistema ótico skinneriano
que nos impeça de pensar dessa forma. Obviamente, Staddon está sendo irônico. É
claro que o autor não quer dar a entender que ele considera sequer plausível uma
discussão sobre o fumar baseada em tais suposições. O que ele quer afirmar ó que a
lógica do sistema ético skinneriano, diante de um caso como esse, obrigaria um
skinneriano a apoiar o comportamento de fumar. Por quê? Porque esse comportamento
favoreceria a sobrevivência das culturas. Mas e quanto ao sofrimento dos doentes? E
quanto ao valor dos idosos em nossa sociedade? E quanto ao amor que temos por

14 Alcx<intlrc Pittrirh
nossos pais e avós? Bem, podemos discutir sobre tudo isso, mas a pergunta final será
sempre a mesma: em que medida nossas decisões contribuirão para a sobrevivência
de nossa cultura? Amor, bem estar e saúde, por exemplo, são valores secundários.
Podemos adotá-los, mas apenas na medida em que contribuam para o valor fundamental
de nossa ética - e só os adotamos por esse motivo.
Para fortalecer ainda mais seu argumento, Staddon faz referência a uma
reportagem publicada em 2001 no New York Times que informa sobre um estudo enviado
pela fabricante de cigarros Philip Morris ao governo da República Checa. De acordo com
o autor, o estudo afirma que
(...) numa economia socialista, na qual o estado deve pagar pensões, serviços de
saúde e habitação, uma população de fumantes custará menos do que uma
população de nâo-fumantes, porque a redução nos custos com pensões e habitação
mais do que compensa o aumento nos custos módicos A economia chega a 1.227
dólares por cadáver (...) (2004, p. 239).
Novamente, a conclusão de Staddon é: um eventual governo skinneriano, guiado
por uma ética skinneriana, deveria estimular o fumo diante de evidências como essa.
Talvez o leitor possa oferecer objeções aos dados apresentados e ao seu possível
impacto sobre a probabilidade de sobrevivência de uma cultura. Ignore-se por um momento
o fato de que o relatório citado trata a vida humana como reles mercadoria: não poderíamos
rechaçá-lo simplesmente mostrando gue estimular o fumo, na verdade, produz uma série
de efeitos prejudiciais às culturas? E possível que sim. Como aponta Staddon em seu
artigo - e como Skinner reconhece em diversas ocasiões (1953/1965, pp. 434-435; 1971, p.
549, pp. 550-551; 1955-1956/1972, p. 6, p. 13) -, o planejamento cultural é uma tarefa
extremamente complexa, e nunca podemos estar absolutamente certos de que as decisões
que tomamos hoje produzirão os resultados esperados amanhã. O que podemos fazer é
projetar tendências, prever o que poderá acontecer no futuro e como podemos nos preparar
para ele, admitindo abertamente que nossas previsões estão sujeitas a erro. Não obstante,
diz Skinner, se a escolha for entre planejar o futuro das culturas, mesmo que com algum
grau de incerteza, ou desistir da tarefa em virtude de sua complexidade, certamente a
primeira alternativa é preferívell Diante disso, a atitude de uma cultura em relação ao
comportamento de fumar certamente é relevante. Fumar produz diversos efeitos, e tais
efeitos dependem, ao menos em parte, do contexto de cada cultura (como deixa claro o
trecho citado referente ao relatório da Philip Morris). Decisões sobre as práticas culturais
relativas ao fumar devem levar em consideração o maior número possível desses efeitos,
mesmo que eles sejam apenas prováveis. Não poderia tal análise nos levar à conclusão de
que fumar, afinal, é prejudicial à sobrevivência de qualquer cultura?
Deve-se notar, contudo, que o cerne do argumento de Staddon não perde força
diante dessa estratégia, pois estamos lidando com um caso isolado. Mesmo que
consigamos angariar um grande número de dados que indiquem que fumar é,
provavelmente, prejudicial à sobrevivência das culturas, outras situações podem repetir
o mesmo tipo de dilema entre um valor fundamental e valores secundários - e nem
sempre a sobrevivência das culturas estará em harmonia com nossos valores
tradicionais. Estaremos prontos a abdicar deles quando isso acontecer?
A possibilidade de contraposição entre a sobrevivência das culturas e valores
tradicionais não deveria ser surpreendente para os behavioristas radicais. Ouçamos Skinner:
"(...) a sobrevivência está, freqüentemente, em c o n flito d ire to com valores
tradicionais. Há circunstâncias sob as quais é mais provável que um grupo
sobreviva se não for feliz, ou sob as quais sobreviverá apenas se grande número
de seus membros subm eterem -se à escravidão.''(...) Para que aceitem os a

Sobre Comporliimento e Co£niv<io 15


sobrevivência como um critério no Julgamento das culturas, parece, portanto,
necessário a b a n d o n a r principios tais como felicidade, liberdade e virtude."
(Skinner, 1953/1965, p. 432, nossos itálicos)
São palavras fortes, sem dúvida. Talvez em nenhum outro momento de sua
obra Skinner tenha sido tão direto sobre o assunto, mesmo sob risco de criar rejeição
às suas propostas. (Isso não ó, poróm, uma novidade. Skinner nunca (oi dado a “jogar
para a platéia".) Mas, diante disso, qual seria a originalidade da acusação de Staddon?
Seus argumentos nào parecem novos, pois Skinner mesmo reconhece, como vimos,
não apenas a complexidade do planejamento cultural, mas também a possibilidade de
conflito entre valores tradicionais e a sobrevivência das culturas.
Ao que parece, o valor da critica de Staddon reside em seu poder de choque: a
aplicação da ótica skinneriana a situações reais pode gerar resultados que não eram
exatamente aqueles que imaginávamos ao apoiá-la. Staddon quer tornar evidente aos
analistas do comportamento que a sobrevivência das culturas, enquanto um valor
fundamental “(...) do qual todos os outros podem ser deduzidos” (2004, p. 238), pode
obrigar os behavioristas radicais a concordar com práticas culturais que os padrões
éticos tradicionais classificariam como cruéis e desumanas (ou, ainda pior, pode
autorizá-los a apoiar e promover tais práticas).
Vamos a outro exemplo oferecido por Staddon (lembrando que seu artigo contém
diversos deles): qual tipo de sistema político promoveria com mais sucesso a
sobrevivência das culturas? Staddon reúne evidências históricas que, segundo ele,
apontam para a seguinte conclusão: culturas submetidas a regimes autoritários
mostram-se mais estáveis e duradouras do que aquelas guiadas por regimes
democráticos. Vejamos o que diz o autor:
A antiga cultura egípcia sobreviveu substancialmente imutável por milhares de
anos. Os gregos, inventores da democracia, sobreviveram enquanto cultura por
apenas dois séculos, e foram derrotados pelos altam ente antidem ocráticos
romanos, que perduraram três ou quatro veies mais. A mais antiga democracia
existente tem menos de 300 anos (2004, p. 240).
Mais uma vez, a conclusão de Staddon é: caso aceitemos a lógica do sistema
ótico skinneriano, fatos históricos como estes deveriam nos levar a apoiar regimes
autoritários em detrimento dos democráticos.7 Podemos, novamente, discutir a
* Dudas as continu«» mvMtldM de Skinner contra o emprego da contngènoias averslvas no cxjntroto cultural, e dada. por outro lado, sua dotewn
da Importância da utMraçâo do retorço poMtvo na manutenção do práticas cultura» com valor da sobrevivência (para nâo mandonar o problema
do contracontrole), é dífdl Imaginar drcunetânctae *ot> M quai» a mMddade a a eecravldâo po»aam contribua para a perpetuação da» cultura»
Alguma» página» após a paaaagam dtada. o próprio 8Wnner drá '(...) aacravtdâo oomo uma técnloa no controla do trabalx) prova-se, por Dm,
nâo produtiva e muito cuatoaa para sobreviver ( 1863/1866, p 443) Poucos anoa depois. farsa ainda mal» explícito- "Nenhum dentista. lanho
<^/a.deea|adeeenvolver nova» nsiaçôeesenhor-eecravo, ou amoldar a vonlade do povoem lavor de governantes despóticos de novas manelrns
Esses sâo padrOes do controla apropriado» a um mundo «am dénda Ela» bam podam »ar o» prtmalro» a desaparecer quando a anállte
axpertmanlal do comportamanto moatmr valor no fianalarnanto da p r ttk » cutumla" 0 KW 1972. p. 34). laao nto muta, potifcn, o teto da que
um «atema ético mutával, guiado apana» pala sobrevtvénda daa culturas enquanto valor lundamantal. nâo ofarooa garantia» contra prática»
despótkaa A experimentação permite abaolutamente tudo; nada é re|eitedo a priori Nâo podarão, portanto, »urgir drtunetândas qua Indlquam
aos plane|adoree a neceeaidade de experimentar práticas autoritárias de governo?
' Vala obaarvar que Skinner á, notoriamente, contrário * uttzaçâo mdtocflmlnada da analogia» hMóricu. pois a» rtrcunstada» qua aa aplicam
« uma datarmlnada ctrffur*. oom suas pecuKerMades históricas « oaognMoaa. Jamais m repetem O autorcrfloe, poraxempto, a dtnota poMic*
por sau recurso a tala analoglaa ( 186JV1064. p. 30), a alrma laxtualmanla: “(...) geralmente. au nâo aoracMo am argumentoe baaaadoa na história
(... )" (1076, p. 86) Contudo, aata üNma adrmaçâo surge am tom da descufca. pois logo am aagulda Skinner taz exalamonle laao: ulMza ta da uma
analogia Natórlca Tentando persuadk sou leitor da necaealdade da adoção de uma tecnologia do comportamento a flm de reeolvero» problemas
do mundo atual, Skinner procura lluetrv o que pode acontecer a uma cultura que nâo laz uso das tecnoioglae de que dispõe-neoieooso, a cultura
chinesa. A invenção da bússola ade pólvora e o desenvolvimento da Impressão através de Hpoemóvetetoram grande* conquistas da cultura
chinesa, mas somente as cultura» oddentaieuttUaranvne« ostensivamente Na CMna, longas vlagans marítimas aram proibidas: aa manobras
mUMaraa aram sobratudo cerimoniais, sando controladas por latoraa astrológlooa: a a escrita Idaográflca chlneea, oom mdharea da caractaras,
nâo sa banaltoou doa Hpo» móvela. Aaslm, "certae práticas oulturala baetants mofonsJvae privaram-na |a China) dos benefícios de suas próprias
descobertas" (p. 86) Culturas ocidentais exploraram a dominaram o mundo oom o auxIUodas invenções chinesas, enquanto a China "(. ..)
permaneceu uma «odedade medevaT (pp. 86-86). Nâo obelanta. ala permaneceul Nâo tartam aa práâoaa chlnaaas revelado, portanto, "valor de
•obfavtvénda"? Fis aqui um lama dratamante kgado ao qua aatamoa dtocuttndo, mas qua nâo aprofundanemoa no momanlo Diga sa, por ora,
o seguinte’ o processo de evolução cultural é por demale oomplaxo para permitir uma reapoeta apressada sobre o valor de sobrevivência das

16 Alcx.mdrc Pittrich
pertinência do exemplo de Staddon, mas a força de sua crítica permanece inalterada.
Suponhamos que, uma vez realizadas todas as análises e previsões relativas ao
problema (e temos que aceitar que algum tipo de previsão é de fato possível, de acordo
com o próprio Skinner), chegue-se à conclusão de que um regime autoritário é preferível
a um regime democrático na promoção da sobrevivência de certa cultura. Dado o fato de
que todos os valores secundários devem ser julgados, no interior do sistema ótico
skinneriano, a partir de sua possível contribuição para a sobrevivência das culturas,
seríamos logicamente obrigados a apoiar a opção autoritária. Não há absolutamente
nada no sistema ótico skinneriano que nos permita argumentar contra o autoritarismo,
desde que ele tenha valor de sobrevivência. Não há absolutamente nada no sistema
ótico skinneriano que nos permita dizer, por exemplo, que o bem estar dos indivíduos,
ou ainda suas opiniões sobre regimes de governo, devem ser valorizados sob qualquer
circunstância. O único objetivo valorizado sob qualquer circunstância na ética skinneriana
ó a sobrevivência das culturas. Diante dela, qualquer outro valor é instrumental.
Temos, portanto, um problema. Se quisermos preservar o caráter experimental
da ótica skinneriana, não podemos adotar quaisquer valores secundários como valores
fixos. Todos eles devem ser mutáveis, sempre visando atingir o "alvo móvel" denominado
sobrevivência das culturas. Por outro lado, se não adotarmos certos valores secundários
como princípios, deixaremos em aberto a possibilidade de que práticas que agridem
nossas concepções óticas “de senso comum" (autoritarismo, censura, escravidão,
desconsideração pela saúde e bem estar do próximo, etc.) sejam adotadas a fim de
promover nosso valor fundamental. No que segue, buscaremos contribuir para a análise
do problema, reconhecendo a possibilidade de avaliações divergentes.
Parece impossível ignorar os valores secundários na avaliação da adequação
das práticas culturais. Para muitos de nós, que vivemos em culturas democráticas, o
autoritarismo, a censura e a escravidão, por exemplo, tornaram-se intoleráveis - e
nenhuma argumentação sobre seu possível valor de sobrevivência far-nos-á aceitá-los.
Um governo que não adota uma plataforma mínima de valores secundários pode justificar
toda e qualquer medida, sob a alegação de que, num futuro mais ou menos distante,
seus efeitos benéficos para a sobrevivência da cultura finalmente serão reconhecidos.
Decisões políticas, portanto, não podem ter como único horizonte a sobrevivência -
embora esta deva, sempre, ser o critério fundamental mas também aqueles valores
que dizem respeito ao cotidiano imediato dos cidadãos. É provavelmente nesse sentido
que Skinner diz, por exemplo, que a felicidade ó um problema de “grande importância
política" (1978, p. 93). Há, portanto, algum exagero na exortação de Skinner para que
nos libertemos das “(...) atitudes que têm sido geradas em nós enquanto membros de
um grupo ético" (Skinner, 1956/1972, p. 28) - o que contribui, certamente, para a rejeição
à sobrevivência das culturas enquanto valor. Conforme reconhece o próprio Skinner,
Uma ruptura completa com o passado ó impossível. O planejador de uma nova
cultura estará sempre ligado à sua cultura [c u ltu rt-b o u n d ], dado que ele não
poderá llbertar-se inteiramente das predisposições que têm sido geradas pelo
ambiente social no qual tem vivido. Em alguma medida, ele vai, necessariamente.

práticas cutturai» d É M i i citadas por Skinner O lato de uma cultura tof sobrevivido nAo significa que hxJtui as suas práticas tonlwm oontrlbuido
para larrto - ata poda ter sobrevivido « desperto d» certas prátkai Inversamente, nem toda* aa pi ática» de uma cultura extinta contrtbufrom,
naoeaaarlamenta, para aua artnç*o CondueAee como aaaaa podam minar oa exemptoe da Staddon, ma» podom Igualmente aar usattas contra
oa behavtonslaa radoata. pota tomam ainda mata evidente a oomptaxldade da tarefa de determinar o poeeivei valor da sobrevivência (ia» práticas
uoltunM. mesmo cte forma retroepectK* Emutamaanálee.overedKodeSklnnerscbreasprátioaecuíuralecfilneaasbaeela aeemumaaupoeiçáo
htatórk* se tlvaaae ae aproveitado da tecnoiogM que atou, a cultura chineaa leria «jmentoúbauaaohanoÉa da aotorevfver o dlmtnuldouma chance»
de deaaparecer. A anáUee da culturas que eletvamente deaapareceram em funçáo de certas prátcas cruciais retadonadas à sobrevivência pode,
de lato. ser bastante instrutiva (vide Diamond, 2009), e corrobora a preoa^MçÃo oonetante de Stormer oom quealOea ecológicas

Sobre Comporf.im cnto c Cognição 17


planejar um mundo do qual aI« gosta. Além disso, uma nova cultura deve atrair
aqueles que se transferem para ela, e estes sâo, necessariamente, produtos de
uma cultura passada (1971, p. 164).
Certos padrões éticos de culturas atuais incorporam importantes conquistas
históricas. Por exemplo, “a literatura da liberdade fez uma contribuição essencial à
eliminação de muitas práticas aversivas no governo, na religião, na educação, na vida
familiar e na produção de bens" (Skinner, 1971, p. 31). A despeito das justas criticas que
fazemos a tal literatura, parece prudente manter conquistas como essas e progredir a
partir delas, ao invés de ignorar por completo um patrimônio ético que, mesmo imperfeito,
incorpora toda a sabedoria que a experiência humana pôde obter até o momento. Afinal,
mesmo Frazier, a fim de elaborar os princípios do “treinamento ético" a que são
submetidas as crianças em Walden II, começou “(...) estudando as grandes obras de
moral e ética: Platão, Aristóteles, Confúcio, o Novo Testamento, os teólogos puritanos,
Mnquiavel, Chesterfield, Freud e muitos mais" (Skinner, 1948/1978, p. 108). Certamente,
é matéria de debate determinar quais das características desse patrimônio ético os
behavioristas radicais devem ou não preservar - mas o simples fato de reconhecer a
possibilidade e a necessidade desse debate já é, por si só, um avanço importante.
Lembremos, porém, que a adoção de princípios óticos para além da sobrevivência
das culturas pode exigir a reavaliação da idéia de uma ótica experimental - ainda que
afaste os temores que, inevitavelmente, surgem associados a ela. Estamos, sem dúvida,
diante de um problema complexo, cuja solução não pode surgir de forma unilateral.
Porém, é possível que a adoção dos valores secundários da ótica skinneriana (ou de
quaisquer outros valores considerados aptos para tanto pelos behavioristas radicais)
como princípios seja uma alternativa plausível. No mínimo, os analistas do comportamento
deveriam comprometer-se com princípios negativos, apontando aqueles métodos que
jamais serão adotados visando a consecução de seus objetivos. (No campo político, o
autoritarismo, a censura e a escravidão seriam os candidatos mais óbvios.)
A questão que permanece é: como conciliar a adoção de valores secundários
fixos com a defesa de uma ética experimental? E ainda além: é possível tal conciliação?
São questões delicadas, pois envolvem o cerne do sistema ótico skinneriano. O caráter
experimental, mutável, plástico da ótica skinneriana ó ao mesmo tempo sua maior
virtude e seu maior perigo. É sua maior virtude porque nos desobriga de conviver com
um conjunto de regras óticas permanentes, imutáveis, seja por força da tradição ou por
força da autoridade. É seu maior perigo porque a ótica skinneriana pode justificar um
mau pragmatismo, um pragmatismo vulgar - aquele que diz que os fins justificam os
meios; por exemplo, que a luta pela sobrevivência das culturas justifica um regime
autoritário ou o apoio à indústria do cigarro.
Talvez a filosofia moral skinneriana precise ser refinada, a fim de que possamos
evitar os perigos da proposta e reter, simultaneamente, seus inegáveis aspectos positivos.
Certamente, ela não deve ser simplesmente abandonada. Contudo, ainda há muito que
fazer se quisermos torná-la mais adequada enquanto guia para nossas ações e mais
forte diante das críticas que sofre. O costume tipicamente pragmatista de avaliar práticas
culturais projetando suas possíveis conseqüências oferece um mótodo adequado para a
análise de problemas dessa natureza, mesmo que previsões como essas sempre
estejam sujeitas a erro. Talvez devamos, porém, ampliar para além da sobrevivência das
culturas o ieque de conseqüências que consideramos dignas de produzir.
Refletir sobre tais questões não é trabalho a ser feito por uma pessoa, mas por
uma comunidade - e, nesse sentido, o diálogo democrático e bem informado pode ser,
ainda, o melhor método para encontrar boas soluções.

18 Alcx«mdrr Ditlrich
Possíveis objeções a discussão anterior
1) Qual a importância de discutir a ética Skinneriana?

Algum behaviorista radical bem poderia dizer algo como o seguinte: “Toda essa
discussão talvez seja interessante, mas, na prática, os analistas do comportamento
não são pessoas cruéis e desumanas, nem perseguem cegamente a sobrevivência de
suas culturas sem considerar o bem estar das pessoas, e jamais aceitariam práticas
autoritárias, censura ou escravidão. Qual é, portanto, a importância de discutir a ética
skinneriana?" Sugerimos abaixo algumas respostas, dentre outras possíveis:
1) Um dos pilares de um projeto científico digno desse nome é sua coerência
interna. Isso vale para a filosofia e para a ciência, e vale para um projeto como a análise
do comportamento, no qual filosofia e ciência estão intimamente conjugadas. Talvez
nenhuma teoria apresente coerência absoluta - mas, não obstante, devemos tornar
nossa teoria tão coerente quanto possível. Skinner é um autor de coerência notável. Há,
entre os diferentes aspectos de sua teoria, conexões que nem sempre se revelam ao
primeiro olhar, mas que se evidenciam gradualmente mediante estudo dedicado,
ilustrando a beleza e a grandeza de um projeto científico sólido e abrangente. Talvez
este fato tenha ajudado a garantir a sobrevivência do behaviorismo radical. Mas esta
filosofia também tem, em Skinner e para além dele, suas contradições, como acontece
com qualquer filosofia viva, eternamente inacabada.
Um pragmatismo pouco refinado poderia objetar, afirmando que apenas as
conseqüências práticas de uma teoria importam, e não sua coerência interna. Objeções
como essa revelam uma visão limitada do que sejam “conseqüências práticas” - e um
dos aspectos mais ricos do modelo de seleção por conseqüências é, exatamente, sua
capacidade de mostrar que “conseqüências práticas" não se limitam apenas à tecnologia.
Não é à toa que evitamos “naturalmente” proferir sentenças contraditórias em nosso
discurso. A comunidade científica rechaçaria de pronto qualquer teoria que pecasse em
demasia nesse aspecto. A "mera” coerência de nosso projeto filosófico e científico é um
requisito indispensável à sua sobrevivência.
Um behaviorista radical ansioso por encontrar “conseqüências práticas”
imediatas para cada problema enfrentado por sua filosofia pode facilmente concluir que
o trabalho filosófico não é útil. Mais uma vez, trata-se de um pragmatismo grosseiro -
vamos chamá-lo, com o perdão do leitor pela brincadeira, de "pragmatismo mecanicista”.
Os behavioristas radicais, melhor do que ninguém, deveriam mostrar uma compreensão
apurada sobre as conseqüências de curto e longo prazo daquilo que fazem - na filosofia,
na ciência ou em qualquer outro campo.
2) Para além da coerência interna daquilo que falamos e escrevemos, deve
haver algum grau de coerência entre o que falamos e escrevemos e o que fazemos.
Essa afirmação deveria ser óbvia. Discordar dela equivaleria a afirmar que nossa prática
enquanto analistas do comportamento não deve nada à filosofia behaviorista radical.
Novamente, talvez uma coerência absoluta entre falar e fazer seja impossível - mas,
não obstante, devemos buscar nos aproximar tanto quanto possível dessa coerência. É
natural pensar que, também aqui, a comunidade científica reprovaria desvios excessivos.
A ética faz parte da filosofia behaviorista radical. Se nosso comportamento
enquanto behavioristas radicais não está sendo controlado por essa ética, ou está
sendo apenas parcialmente controlado por ela, algo está errado. O que, exatamente,
está errado é discutível, mas arriscaríamos afirmar que os behavioristas radicais não
dedicam a esse aspecto da sua filosofia a mesma atenção que dispensam a outros. O

W >rc C om porl.im cnlo c Coqnição 19


resultado é uma compreensão limitada da ética skinneriana, uma celebração genérica
da sobrevivência das culturas como valor fundamental que não se faz acompanhar de
uma reflexão detida sobre as implicações desta ética. Acabamos seguindo padrões
éticos que, com suas qualidades e defeitos, são ditados pelo senso comum - ou, dito
de outra forma, são ditados pelas comunidades verbais que freqüentamos para além
da comunidade dos behavioristas radicais. Não seria surpreendente se tivéssemos, os
behavioristas radicais, posições éticas e políticas diametralmente opostas.
Pode ser tranqüilizador pensar que os analistas do comportamento aderem aos
padrões consagrados da ética profissional dos psicólogos. Nem por isso essa ética é
necessariamente suficiente. O sistema ético skinneriano serve de suporte a uma filosofia
política (Dittrich, 2003; 2004b). O desprezo de Skinner pelas formas tradicionais de ação
política certamente é responsável pelo interesse reduzido que o tema desperta entre os
behavioristas radicais. A política surge, no texto skinneriano, como um conjunto de
atividades viciadas, ineficazes e sem fundamento científico. Contudo, se tomarmos a
expressão em sentido amplo, “ação política é sempre uma questão de manipular
contingências de reforço (...)" (Skinner, 1969, p. 20). Neste sentido, a filosofia skinneriana
é eminentemente política. Há no texto skinneriano, por exemplo, críticas ácidas aos
conceitos fundamentais que sustentam o liberalismo moderno (como o ideal do indivíduo
livre e auto-suficiente). Há, igualmente, críticas às filosofias socialistas e anarquistas,
ainda que, neste caso, algumas convergências também sejam identificáveis (Dittrich,
2004b). Não teremos oportunidade de aprofundar tais assuntos neste momento. Contudo,
o que queremos evidenciar é o fato de que, embora se faça presente na obra skinneriana,
a política surge, quando o faz, de forma tímida nas discussões de nossa comunidade
verbal. Se os behavioristas radicais brasileiros almejam construir um projeto amplo e
bem fundamentado de inserção social, uma filosofia moral e política que guie nossas
ações individuais e coletivas de modo coerente é indispensável.
Pode-se, ainda, objetar a isso - por exemplo, através da seguinte analogia:
“Partidos políticos normalmente apresentam à sociedade suas plataformas de ação e os
pressupostos que as sustentam, mas raramente fazem o que dizem e escrevem. Seria
diferente com os behavioristas radicais? Uma filosofia moral e política pode controlar
efetivamente nosso comportamento?" De fato, nada garante que um grupo siga o caminho
que leva de uma ética a propostas políticas, e de propostas políticas a ações coerentes
com elas. Mas seria lamentável que nos conformássemos ao exemplo da classe política
quanto a esse ponto. Se a filosofia behaviorista radical controla nosso comportamento
em tantos outros aspectos, por que não poderia fazê-lo também no que diz respeito à ética
e à política? Certamente, é necessário criar e manter as contingências para que, ao
menos em nossa comunidade, o fazer reflita o falar e o escrever da forma mais fiel
possível - mas esse é o tipo de desafio para o qual presumivelmente estamos preparados.

2) Precisamos de um Behaviorismo Radical poá-skinneriano?


Algum behaviorista radical bem poderia dizer algo como o seguinte: “Por que
deveríamos modificar os pressupostos originais do behaviorismo radical? Isso não
complica desnecessariamente as coisas? Não estamos destruindo a herança
skinneriana ao questionar sua filosofia?".
Pensemos no sistema ético skinneriano. Ele é, sob certo aspecto, a própria
expressão da economia: temos um único valor fundamental, e todos os outros valores
orbitam em torno dele, devem a ele sua existência. Há uma beleza estética - baconiana
em sua simplicidade - no fato de a sobrevivência das culturas ser o único valor fixo do
sistema ético skinneriano. Este sistema parece nos livrar de uma série de discussões

20 A lexan d re Dittrich
pesadas e pouco produtivas que caracterizam parte considerável da filosofia moral,
“limpando o terreno" para que possamos raciocinar com clareza. É aproximadamente o
mesmo que ocorre quando Skinner rejeita o mentalismo: ele nos livra da obrigação de
lidar com um inesgotável universo de conceitos psicológicos obscuros e mal definidos
- ó algo como encontrar novo ar para respirar!
Além disso, há no sistema ético skinneriano uma beleza revolucionária,
iconoclasta: todos os valores tradicionais da filosofia moral são derrubados, ou ao
menos assumem papel secundário. Apenas a sobrevivência das culturas - um valor
obviamente estranho às filosofias tradicionais - tem lugar garantido como guia de
nossas ações. Skinner é, nesse e em muitos outros aspectos, um especialista em
confrontar a tradição.
Que interesse haveria em modificar um sistema com tais características? Que
vantagem haveria em fazer a filosofia behaviorista radical progredir para além da filosofia
skinneriana - na ética ou em outros campos? A resposta torna-se evidente caso façamos
as mesmas perguntas em relação à análise experimental e à análise aplicada do
comportamento. Certamente, deve ser motivo de orgulho o fato de que a análise do
comportamento tenha progredido para aiém das descobertas de Skinner. É óbvio que
isso não significa a rejeição de suas descobertas. É da natureza da ciência construir
novos caminhos a partir daqueles anteriormente trilhados. Resultados experimentais
atuais podem mesmo contrariar aqueles registrados ou previstos por Skinner, mas
nada disso nos torna menos skinnerianos. Uma ciência que não expande seu poder
explicativo está morta - não é, aliás, uma ciência.
O mesmo se aplica à filosofia skinneriana. Freqüentemente, praticar o
behaviorismo radical significa apenas estender os conceitos skinnerianos à análise e
interpretação de problemas ou conceitos ainda não abordados por esta filosofia.
Eventualmente, porém, praticar o behaviorismo radical significa questionar os conceitos
skinnerianos e a forma como são utilizados. É natural que assim seja. Tal como ocorre
com a ciência, uma filosofia que não evolui não é digna desse nome. Isso deveria ser
ainda menos surpreendente para os behavioristas radicais, considerando as íntimas
relações entre filosofia e ciência no projeto científico denominado análise do
comportamento. Behaviorismo radical e análise do comportamento devem progredir
conjuntamente - e contribuições à filosofia behaviorista radical que a tornem mais
coerente e produtiva dignificam e engrandecem a obra deste filósofo e cientista sui
generis chamado B.F. Skinner.

Referências

Diamond, J. (2005). Colapso: Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. (A. Raposo,
Trad.) Rio do Janoiro: Rocord.
Dittrich, A. (2003). Introduçôo à filosofia moral skinneriana. Em C.E. Costa, J.C. Luzia & H.H.N.
Sant Anna (Orgs.), Primeiros passos em análise do comportamento e cogniçáo (pp. 11-
24). Santo Andró, SP: ESETec.
Dittrich, A. (2004a). A ética como elemento explicativo do comportamento no bohavlorismo radical. Em
M.Z.S. Brandão, F.C.S. Conto, F.S. Brandão, Y.K. Ingberman, V.L.M. Silva o S.M. Olianl (Orgs.),
Sobre comportamento e cognição - voi. 13: Contingências e metacontingôncias: contextos
sócio-verbais e o comportamento do terapeuta (pp. 21-26). Santo Andró, SP: ESETec.
Dltlrlch, A. (2004b). Behaviorismo radical, ótica e política: Aspectos teóricos do compromisso
social. Tose de doutorado nôo publicada, Universidade Federal de Sôo Carlos.

Sobrf Com|x>rt<imcnlo c Loflniç.lo 21


Dittrich, A. & Abib, J.A.D. (2004). O sistema ótico skinneriano e conseqüências para a prática dos
analistas do comportamento. Psicologia: Retlexào e Critica, 17, 427-433.
Freedman, A.E. (1976). Uma sociedade planejada: Uma análise das proposições de Skinner, (A.R.
Almeida, Trad.) Sôo Paulo: EPU/EDUSP. (Trabalho original publicado om 1972).
Skinnor, B.F. (1971a). A behavioral analysis of value judgements. Em E. Tobach, L. R. Aronson, & E.
Shaw (Eds.), The biopsychology ot development (pp. 543-551). Now York: Acadomic Pross
Skinner, B.F. (1971b). Beyond freedom and dignity. Now York: Alfrod A. Knopf.
Skinnor, B.F. (1972). The control of human behavior (abstract). Em B.F. Skinner, Cumulative record:
A selection ot papers (pp. 19-24). Now York: Appleton-Century-Crofts. (Trabalho original
publicado em 1955).
Skinnor, B.F. (1972). Froodom and tho control of mon. Em B.F. Skinner, Cumulative record: A selection
ot papers (pp. 03-18). New York: Appleton-Century-Crofts. (Trabalho original publicado em
1955-1956).
Skinnor, B.F. (1972). Some issues concerning the control of human behavior. Em B.F. Skinnor,
Cumulative record: A selection of papers (pp. 25-38). Now York: Apploton-Century-Crofts.
(Trabalho original publicado em 1956).
Skinner, B.F. (1972). The dosign of cultures. Em B.F. Skinnor, Cumulative record: A selection ot
papers (pp. 39-50). New York: Appleton-Century-Crofts. (Trabalho original publicado em
1961).
Skinner, B.F. (1972). The design of experimontal communities. Em B.F. Skinnor, Cumulative record: A
selection of papers (pp. 58-65). New York: Appleton-Century-Crofts. (Trabalho original
publicado em 1968).
Skinner, B.F. (1978). Walden II: Uma sociedade do futuro. (R. Morono e N.R. Saraiva, Trads.) Sâo
Paulo: EPU. (Trabalho original publicado em 1948).
Skinner, B.F. (1978). Froodom and dignity revisited. Em B.F. Skinner, Reflections on behaviorism and
society (pp. 195-198). Englewood Cliffs, N.J.: Prentlce-Hall. (Trabalho original publicado om
1972).
Skinnor, B.F. (1978). Are we froe to have to havo a future?. Em B.F. Skinnor, Reflections on behaviorism
and society (pp. 16-32). Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall. (Trabalho original publicado
em 1973).
Skinner, B.F. (1978). Can we profit from our discovery of behavioral sclonce? Em B.F. Skinnor,
Reflections on behaviorism and society (pp. 83-96). Englewood Cliffs, N.J.: Prenllce-Hall.
Skinner, B.F. (1984). Solection by consequences. Em A.C. Catania & S. Hamad (Orgs ), Canonical
papers of B.F, Skinner (pp. 477-481). The Behavioral and Brain Sciences, 7, 473-724.
(Trabalho original publicado om 1981)
Skinnor, B.F. (1984). A matter of consequences: Part three of an autobiography. Now York Univorsity
Press. (Trabalho original publicado em 1983).
Skinnor, B.F. (1987). Why wo aro not acting to save tho world. Em B.F. Skinnor, Upon further
reflection (pp. 01-14). Englewood Cliffs, N.J.: Prentlce-Hall.
Staddon, J.E.R. (2004). Scientific imperialism and behaviorist opistemology. Behavior and Philosophy,
32, 231-242.

22 Alcx«irulre Pittrich
Capítulo 2
Comportamentos de indivíduos e
práticas culturais: em busca de
um consumo ético, responsável
e solidário
Ana Lucia Cortegoso
Universidade Federal de São Carlos

Apresentação
Este texto apresenta uma exploração de aspectos relacionados a práticas de
consumo, do ponto de vista de comportamentos e contingências individuais e de práticas
culturais e metacontingências no campo da Economia Solidária, a partir de uma
experiência concreta de organização de consumidores e produtores, indicativos da
necessidade de aprofundamento da compreensão destes processos, e de uso de
tecnologia comportamental em favor do desenvolvimento de formas alternativas de
relação do homem com seu meio. A experiência a partir da qual estes aspectos foram
identificados é o ConsumoSol - Articulação Ética e Solidária para um Consumo
Responsável, em São Carlos, SP
Dentre as importantes marcas da sociedade capitalista moderna, em tempos
de globalização radical e desequilíbrio sócio-ambiental, os padrões de consumo
promovidos e mantidos pela lógica e pela prática capitalista ocupam um lugar de enorme
relevância. Por meio principalmente da propaganda, embora não apenas dela, a
população é controlada, por meio da criação de privações que não correspondem a
necessidades efetivas e de fortalecimento das respostas de consumir, para orientar
sua vida pessoal e profissional na direção de acúmulo de bens e produtos, seja
efetivando aquisições, seja almejando este bens e serviços e buscando alcançá-los -
mesmo quando eles estão, de fato, inacessíveis. Como parte deste padrão, são
valorizadas as novidades que, deixando de sê-lo de forma muito rápida, em um tempo
de desenvolvimento tecnológico desenfreado - muitas vezes sem valor social efetivo,
enquanto que permanecem sem atendimento necessidades básicas de seres humanos
pelo planeta afora - imediatamente abrem espaço para uma nova privação, e nova
"necessidade de consumo". Em um tempo de descartáveis, também as pessoas e os

Sobro Comport.imcnlo o Cofjniç."io 23


afetos se tornam descartáveis, mercadorias a serem consumidas e substituídas, em
um carrossel de emoções e posses que bem cumprem seu papel de conseqüência
reforçadora imediata à moda dos restaurantes fast food.
De acordo com Malott (1988), ao discutir a necessidade da existência de
planejadores e administradores culturais, contingências de reforçamento e punição
naturais, de açâo direta, freqüentemente levam a agir de modos que são
contraproducentes a longo prazo, especialmente à medida que as sociedades se tornam
mais complexas. Nada pode se aplicar melhor que esta declaração ao que pode ser
observado em relação às práticas de consumo que proliferam em um tempo em que
todos são levados a acreditar que mais é, necessariamente, melhor, e a se comportar
de modo a acumular - ainda que sejam “vazios".
Ao discutir a importância do consumidor no apoio aos empreendimentos de
Economia Solidária, Cortegoso, Uehara, Logarezzi e Ramirez (2006) enfatizam que “a
publicidade estimula e dirige o consumo para além do que demandam as necessidades a
serem atendidas, e certas facilidades oferecidas moldam e sustentam práticas de consumo
danosas para o ambiente e para a própria sobrevivência da espécie”. Os autores destacam
que "os padrões de consumo presentes em nossa sociedade são geradores de desigualdade
social, concentração de renda, exploração no trabalho e degradação ambiental".
No campo da Economia Solidária, muitas iniciativas ocorre no sentido de
fortalecer redes formadas pelos vários atores que atuam neste campo, tanto entre
empreendimentos econômicos de uma mesma cadeia produtiva, quanto destes para a
distribuição e comercialização de produtos e serviços da Economia Solidária. Dentre as
várias iniciativas nesta direção, algumas são voltadas para a atuação junto aos
consumidores, como atores importantes deste processo. Uma destas iniciativas nasceu
dentro de uma incubadora universitária de cooperativas populares, por meio da incubação
de um grupo de articulação entre produtores, consumidores e distribuidores, com a
perspectiva geral de promover um padrão de consumo ético, responsável e solidário,
em relação à preservação do ambiente, não exploração do trabalhador e apoio à Economia
Solidária. A partir dela foi criada o ConsumoSol - Articulação Ética e Solidária para um
Consumo Responsável. Esta experiência é examinada, nesta oportunidade, em termos
de ações deste grupo para atingir seus objetivos e da relação das atividades promovidas
pelo grupo com aspectos relevantes do ponto de vista da promoção de comportamentos
humanos individuais e de práticas culturais de valor para o futuro não apenas para os
seres humanos, mas para todos os que com esta espécie convivem no planeta.

Economia Solidária como resultado agregado de comportamentos


humanos e organizacionais
De acordo com Cortegoso e col (2006), “a implementação da Economia Solidária
pode ser compreendida como resultado, em longo prazo, de práticas articuladas de
diferentes atores sociais, pessoas e instituições de diferentes tipos", e dentre estes
últimos destacam empreendimentos econômicos solidários, entidades de apoio e
fomento, instâncias articuladoras e governamentais. De acordo com os autores, “um
conjunto amplo e diversificado de participantes, cada um deles com determinadas
contribuições na construção deste resultado finar. E completam:
O conceito de metacontingència (Glenn, 1991, entre outros), como unidade de
análise que descreve relações funcionais entre práticas de indivíduos mantidas

24 An«i I ucid Cortcfloso


por contingências próprias e seus produtos agregados, parece descrever muito
apropriadamente o fenômeno que aglutina esforços de um número considerável de
iniciativas neste campo, exatamente em busca de uma mudança cultural, na direção
de relações econômicas mais igualitárias e humanas de melhor qualidade do
ponto de vista do bem estar dos indivíduos, ao invós de acúmulo de capital. Neste
contexto, as práticas relativas a consumo de bens e serviços, dependendo do
como se apresentam, podem representar torma relevante para fortalecer a Economia
Solidária como modo alternativo de geração de renda e de relaçào dos seres
humanos entre si e com seu meio ou, considerando o modo como se dá hoje, o
contrário disto. (Cortegoso e col, 2006)

Estabelecendo regras para a construção do futuro


A partir de situações de debate coletivo de pessoas interessadas em participar de
uma iniciativa de organização de consumidores como condição de apoio à Economia Solidária,
o grupo ConsumoSol elaborou um conjunto de objetivos que correspondem a regras, no
mesmo sentido proposto por Skinner (1969) ao discutir comportamentos controlados por
regras e comportamentos controlados por contingências. Constituem, assim, especificações
verbais de contingências definidas pelo grupo para regular seu próprio funcionamento. No
Quadro 1 podem ser vistos os objetivos propostos pelo grupo, como forma de orientar a açáo
de cada um de seus membros, e do grupo como um organismo social.
Os objetivos propostos para o grupo correspondem a classes de
comportamentos, de indivíduos ou organizacionais, que são esperadas por parte dos
indivíduos que dele fazem parte, e da coletividade que o compõe. Como tais, foram
formulados tomando como referência a noção de comportamento sistematizada por
Botomé (1981), ou seja: uma relação entre a ação do organismo, condições antecedentes,
incluindo aquelas diante das quais esta ação é oportuna (estímulos discriminativos que
indicam a conveniência ou necessidade de apresentação da ação) e dos aspectos do
ambiente com os quais o organismo deve entrar em contato, ou levar em consideração,
para apresentar a ação com propriedades necessárias para alcançar os resultados
desejáveis, bem como estes mesmos resultados, produtos, efeitos, em termos de
condições subsequentes à ação, ainda que nem todos estes componentes da relação
tenham sido explicitados para todos os objetivos. A importância da construção de regras
que garantam, no grau máximo possível, a explicitação dos componentes da relação
comportamental a que a regra se refere, está relacionada à probabilidade de apresentação
de respostas funcionalmente relacionadas às situações em que estas devem ser
apresentadas. Em Los Horcones (2006) o código de condutas dos membros foi alterado,
nesta direção, a partir da constatação de que muitos de seus membros apresentavam
respostas cooperativas desejáveis, mas apenas na presença de outros membros.
Os objetivos propostos pelo grupo representam regras prescritivas de ações, de
acordo com a classificação de Malott (1988). Neste sentido, e ainda que isto não seja
suficiente para alterar significativamente os mecanismos de controle de práticas culturais
de aversivo para positivo, do ponto de vista deste autor, estes objetivos representam uma
proposta afirmativa de construção de futuro, na qual é dado, a cada um, Identificar
possibilidades de ação supostamente relacionadas aos produtos agregados pretendidos:
uma Economia Solidária fortalecida, ambiente utilizado de modo responsável para
satisfação de necessidades, ou, em outras palavras, equilíbrio social e ambiental.

Sobre Comportamento t CoRtiiçdú 25


Quadro 1. Objetivos do ConsumoSol - Articulação ótica e solidária
para um consumo responsável, São Carlos, Brasil.

1) Promover um padrão de consumo que corresponda ao mínimo necessário


para atender a necessidades humanas e dos seres em geral, significativas e
relevantes, de modo a produzir melhor equilíbrio no acesso a produtos e serviços
por todos e com maior grau de conservação ambiental;
2) Promover produção, comercialização e uso de diferentes produtos e serviços
necessários ao atendimento de necessidades humanas e dos seres em geral,
desde que garantidas características como:
melhor qualidade possivel, sendo para tanto necessário estabelecer critérios
para cada tipo de produto ou serviço, considerando o conhecimento e os recursos
disponivels para produção, comercialização e consumo destes produtos ou
serviços;
• preço Justo, significando aquele que, estabelecido por meio de acordo entre os
envolvidos, garanta atendimento equilibrado a todos, do ponto de vista
econômico, legal e humano. Constituem aspectos a serem levados em
consideração, neste caso, os níveis de remuneração praticados, o respeito a
condições trabalhistas, a abrangência do benefício em termos de número de
pessoas alcançadas etc.;
• processo ótico de produção de bens/prestação de serviço, sendo garantidos,
por meio das práticas e metodologias utilizadas: ausência de exploração de
pessoas e de outros seres, transparência e responsabilidade em relação aos
resultados diretos e indiretos do processo;
adequação aos princípios de conservação da natureza, ao longo de todo o
ciclo de vida dos produtos e serviços (incluindo concepção, produção,
comercialização, utilização e destinação pós-uso), promoção da saúde humana,
preservação da diversidade biológica e de processos naturais sustentadores
da vida, prevenção e prudência diante dos limites do conhecimento.
3) Promover a inclusão social para o maior número possível de pessoas, tanto no
processo de produção e comercialização quanto no de consumo, com acesso a
produtos e serviços com as características propostas;
4) Dar preferência a produtos e serviços:
de origem local, de modo a fortalecer a economia local, passando a
abrangências maiores conforme não existam produtos e serviços próximos ou
em função de outras prioridades previstas (por exemplo, possibilidade de
inclusão, oferta por empreendimentos solidários etc.)
• preferencialmente oriundos de empreendimentos solidários, ou que apresentem
potencial para contribuir com a construção de relações solidárias no interior da
economia;
5) Capacitar produtores, fornecedores, distribuidores e consumidores (membros
do grupo ou não) para produzir, fornecer, distribuir, adquirir e utilizar produtos
e serviços com estas mesmas características;
6) Favorecer a educação alimentar e o consumo de produtos mais adequados
para a saúde;

26 A n a l.uciti C o rtejo *«
7) Incentivar e facilitar a relação ética e respeitosa entre produtores, fornecedores,
distribuidores e consumidores, por meio de fidelidade, transparência e integração
das atividades destes atores;
8) Apoiar tambóm empreendimento» que, mesmo atendendo a apenas parte das
características previstas, possam vir a melhorar suas condições de
funcionamento na direção dos objetivos do grupo.
9) Promover a cultura local, valorizando a diversidade cultural, o conhecimento e a
identidade das comunidades tradicionais nas transações comerciais;
10) Contribuir para a construção de práticas de produção, comercialização e consumo
baseadas em valores que questionem as regras dos mercados vigentes
(incluindo os de trabalho, da ciência, da tecnologia, das mercadorias, do dinheiro,
da comunicação, da publicidade, da cultura etc.), priorizando, bem estar do ser
humano (vs das corporações), beneficio coletivo (vs apenas individual), ganho
social (vs ganho e acúmulo financeiro), cooperação (vs competição), prevenção
(vs apenas remedlação);
11) Buscar e consolidar relações com outras iniciativas similares, em redes de
cooperação solidária;
12) Pautar-se, em seu funcionamento, pelos principios do cooperativismo, como:
livre acesso, adesão voluntária, participação coletiva e democrática dos
membros, auto-gestâo, cooperação e intercooperação;
13) Monitorar os processos de funcionamento do grupo, permanentemente, por
meio de indicadores diversos.

ConsumoSol: contingências comportamentais e práticas culturais


Ao definir e implementar ações, por meio das quais os objetivos propostos pelo
grupo podem, pelo menos supostamente ser alcançados, o grupo estabelece
contingências comportamentais no âmbito do próprio grupo, de outros que são alcançados
pelas atividades implementadas pelo grupo e, em certo grau, condições para mudanças
de práticas culturais, no sentido de serem práticas estáveis apresentadas por um conjunto
grande e diversificado de pessoas, em diferentes situações.
A dinâmica de funcionamento do grupo provê, em relação a algumas das ações
indicadas como objetivos do grupo, e a outras que podem ser consideradas como pré-
requisitos para estas, em termos de sustentação do próprio grupo e de suas práticas
organizativas, condições que compõem contingências comportamentais potencialmente
relevantes para promover e manter comportamentos. Como um grupo social que se
reúne pelo menos mensalmente, a permanente divulgação de informações relacionadas
a conhecimento disponível sobre questões relativas ao consumo permite emissão de
estímulos discriminativos para práticas de consumo ético, solidário e responsável, bem
como a liberação de conseqüências capazes de modelar e manter condutas compatíveis
com os objetivos propostos em seus membros, principalmente na forma de aprovação
social. O contato contínuo com informações relacionadas a conhecimento produzido no
campo da Economia Solidária, da conservação do ambiente, da alimentação saudável e
outras áreas afins, possibilita um aumento do controle tecnológico (Gleen, 1986) sobre
as práticas neste campo, ao menos em relação aos membros do grupo, que se constitui
como comunidade verbal significativa para estes indivíduos, particularmente considerando
que a adesão de todos é voluntária e esclarecida.

Sobre Comportamento e Cognição 27


Da mesma forma, a oportunidade de contato direto entre consumidores e
produtores, dentro do grupo, aumenta a probabilidade de acordos, por exemplo em
relação a preços justos, um dos objetivos do grupo, de modo a promover relações
sociais equilibradas, com maior grau de conseqüências naturais para comportamentos
relacionados à prestação de serviços, produção de bens e consumo destes itens. O
contato direto entre os indivíduos que vivem em um mesmo contexto cultural, tal como
indica Skinner ao sugerir que comunidades como Walden Two (1948) não deveriam
crescer a ponto de seus membros não terem contato direto uns com os outros, ou com
o resultado de suas ações sobre os outros que estas ações alcançam, parece constituir
uma condição importante para promover práticas culturais convenientes do ponto de
vista da sobrevivência de culturas promotoras de equilíbrio e igualdade.
Processo coletivo de tomada de decisões, privilegiando decisões por consenso
sempre que possível, e igualdade de participação de todos os membros em situações
em que este consenso não seja alcançado, com cada pessoa tendo direito a um voto,
são condições que favorecem, também, maior grau de adesão das pessoas que
participam dos processos de decisão, a estas decisões. Uma situação semeihante foi
observada em Los Horcones (1990), em que a comunidade, após experimentar vários
processos de tomada de decisão, adotou um sistema denominado personocracia, em
que cada pessoa participa diretamente de todas as decisões (pelo menos de todas
aquelas de que deseje participar, sendo admitida a não participação, desde que garantida
adesão ao que for decidido pelos participantes do processo).
No Quadro 2 podem ser vistas ações implementadas pelo grupo, em dois
anos de sua existência. Estas ações aparecem, no quadro, indicadas em função do
tipo de função predominante que assumem, considerando sua natureza e os resultados
pretendidos.
Algumas das ações do grupo ConsumoSol atingem, em termos de
contingências favorecedoras de cumprimento de seus objetivos, aos membros do próprio
grupo. Outras, contudo, constituem possíveis condições favorecedoras de promoção
de práticas de consumo ético, responsável e solidário que alcançam outros indivíduos
e organizações. As atividades indicadas no quadro como tendo funções informativas
constituem formas de tornar acessível, ao maior número possível de pessoas,
informações sobre práticas de consumo vigentes e suas decorrências, em termos
ambientais e sociais, e sobre práticas de consumo alternativas, bem como sobre
iniciativas voltadas para a mudança das práticas de consumo vigentes, ou mesmo
sobre fontes de informações importantes sobre consumo e outros assuntos afins. De
um modo geral, podem funcionar como estímulos discriminativos, à medida que tais
Informações sinalizem a conveniência de apresentação de respostas disponíveis; como
operações estabelecedoras, à medida que possam alterar o valor das conseqüências
relativas aos diferentes padrões de consumo, seja aumentando o valor aversivo das
conseqüências de práticas de consumo danosas a longo prazo ou, ao contrário, o
valor positivo das conseqüências de práticas de consumo éticas, solidárias e
responsáveis, também a longo prazo. Ou, ainda, como conseqüências, aversivas ou
reforçadoras, para práticas de consumo, respectivamente, danosas ou socialmente
adequadas a longo prazo, desde que as fontes de informações apresentem
propriedades reforçadoras para aqueles que têm acesso às informações oferecidas
por estas fontes.

28 An«i l.uci.1 CurtcRoso


Quadro 2. Atividades desenvolvidas pelo ConsumoSol como
formas de atingir seus objetivos em relação a práticas de consumo,
em termos de função preponderante no que se refere a resultados
esperados.
Nível informativo:
- Sítio do grupo na Internet (para consulta por interessados)
- Folheto de divulgação do grupo (para distribuição ampla)
- Painel ConsumoSol (alocado em estabelecimentos parceiros)
- Boletim ConsumoSol (eletrônico; destinado a membros do grupo e interessados)
Nível motivacional
- Apresentações do ConsumoSol por meio de recurso visual e exposições
- Cine ConsumoSol (exibição de filmes, com debates)
- Barraca de trocas em feira de utensílios usados
Nível de facilitação de condutas individuais
- Compras coletivas (pelos membros do grupo)
- Feira ConsumoSol do Produtor (semanal, aberta ã comunidade)
- Divulgação de contatos com produtores (para membros do grupo e interessados)
• Divulgação de "dicas” para consumo ético, responsável e solidário (para
membros do grupo, interessados e para a comunidade)
Nível formativo
- Oficinas sobre alimentação saudável e reaproveitamento de resíduos
Nível de mudança de prática cultural
- Sacoleco (projeto de substituição de sacolas plásticas por suportes duráveis
para transporte de mercadorias)

Quadro 2. Atividades desenvolvidas pelo ConsumoSol como formas de atingir


seus objetivos em relação a práticas de consumo, em termos de função preponderante
no que se refere a resultados esperados.
De forma semelhante, ações denominadas como motivacionais podem ter
importante papel como operações estabelecedoras em relação a práticas de consumo
mais apropriadas, ou seja, atuarem na disposição dos indivíduos para rever e alterar
suas práticas em direções mais compatíveis com os resultados propostos em relação
ao ambiente físico e social em que estão inseridos. Neste sentido, as ações relativas a
exposições presenciais, a partir de recursos audio-visuais que procuram colocar a
audiênc/a em conlato, ainda que virtual, com práticas rotineiras de consumo e suas
conseqüências a curto, médio e longo prazos, favorecendo que estas pessoas se
identifiquem com aquilo que observam a partir destas exposições, buscam tanto informar
estas audiências sobre os problemas e sobre alternativas disponíveis para lidar com
estes problemas, cotldianamente, quanto gerar disposição para adotar e buscar outras
alternativas, para os mesmos ou para outros problemas similares. A utilização das
práticas de debate a partir de recursos como filmes que abordam, direta ou indiretamente,
questões relacionadas ao consumo, de acordo com múltiplos - e por vezes divergentes

Sobre Comportamento e CoRmçdo 29


- pontos de vista, bem como a criação de situações para experimentar práticas que não
fazem parte da dinâmica econômica e social vigente, mas que são congruentes com a
perspectiva de consumo ótico, responsável e solidário (como ó o caso de trocas de
bens e serviços) são ações que buscam, também, atuar no âmbito da disposição dos
indivíduos para práticas alternativas às predominantes no âmbito do consumo, por
meio de questionamento, ampliação de informações, e conseqüências sociais positivas
para respostas, ainda que verbais, que se aproximem destas práticas socialmente
relevantes, do ponto de vista dos membros do ConsumoSol.
Diversas ações do grupo são voltadas, ainda, para a promoção de práticas de
consumo desejáveis a partir da redução do custo de resposta para a emissão destas
práticas, ou da facilitaçào de acesso a estímulos discriminativos e estímulos necessários
para emissão de respostas que fazem parte de classes de comportamentos desejáveis,
considerando o consumo ótico, responsável e solidário pretendido como resultado
agregado da ação de muitos. A organização de compras coletivas, de modo a tornar
acessíveis produtos que atendem aos critérios estabelecidos pelo grupo, tanto pela
redução de preços pela compra em quantidade mínima maior do que a que poderia
adquirir cada um dos membros do grupo, quanto pela racionalização dos esforços para
compra, ó uma das ações do ConsumoSol com esta característica. A organização de
um ponto de venda para que produtores possam colocar seus produtos à disposição
dos consumidores, eliminando intermediários, considerando as práticas rotineiras
destes consumidores e a possibilidade de acesso aos produtos por uma comunidade
mais ampla, com benefício direto para estes produtores pela comercialização de seus
produtos, apresenta também esta característica de facilitar a apresentação dos
comportamentos entendidos como desejáveis, do ponto de vista dos objetivos do grupo.
Tornar acessíveis informações específicas sobre onde e como encontrar produtos e
serviços que atendem aos critérios propostos pelo grupo para um consumo ótico,
responsável e solidário, bem como sobre práticas relativas a consumo (como a
construção de composteiras domésticas como forma de aproveitamento de resíduos,
por exemplo), podem ser consideradas, também, condições favorecedoras de
comportamentos desejáveis.
Considerando, ainda, a possibilidade de que parte do repertório necessário
para implementar práticas de consumo apropriadas às propostas do grupo não esteja
estabelecido, o grupo implementa ações denominadas "formativas”, como referência à
promoção de condições educativas para instalação deste repertório, por meio de atividades
diversas, como oficinas sobre alimentação saudável, sobre aproveitamento de partes
usualmente descartadas de produtos agrícolas para preparo de alimentos etc.
Embora seja possível considerar que estas ações, à medida que interferem
em contingências comportamentais que atingem pelo menos uma parte daqueles que
constituem uma determinada cultura, podem levar a mudanças mais amplas, por meio
de efeito de multiplicação da ação de cada um sobre outros que fazem parte de sua vida,
mudanças de práticas culturais tão bem instaladas e fortalecidas por meio de agências
sociais lembrar o papel dos meios de comunicação no estímulo ao consumo - requerem
intervenções de diferentes níveis, incluídos aí esforços por implementar mudanças em
práticas de consumo por parte de um grande número de pessoas. Ainda que de forma
modesta - considerando o tamanho do problema que é enfrentar macrocontingências
econômicas que são de amplo e escancarado estímulo ao consumo e ao desequilíbrio
das relações do homem com seu ambiente e com seus semelhantes - o grupo
ConsumoSol vem implementando, também, uma intervenção que pode ser considerada
como de ação direta sobre uma prática cultural muito bem estabelecida no país, e

30 A n .i I uci.i Cortefloso
emblemática em termos das contingências imediatas que a mantém, a despeito dos
efeitos danosos que gera a médio e longo prazos: o uso de sacolas plásticas de baixa
durabilidade para transporte de mercadorias, até mesmo independente de serem estas
efetivamente necessárias para esta finalidade.
O Projeto Sacoleco, como condição para interferir nesta prática, de modo a reduzir
resíduos, substituir práticas produtivas que se utilizem de recursos não renováveis no
planeta por outras mais adequadas do ponto de vista ambiental, e fortalecer iniciativas
econômicas associativas de populações de baixa renda compatíveis com princípios da
Economia Solidária (cuidado ao ambiente entre eles), foi proposto e implementado a
partir de iniciativa do grupo ConsumoSol. A partir de parceria estabelecida com dois
estabelecimentos comerciais do município em que o grupo funciona (uma panificadora e
uma mercearia participante de uma rede de pequenas mercearias que realizam compras
conjuntas) e com dois empreendimentos solidários que atuam nas cadeias de costura e
artesanato, o projeto prevê a produção de sacolas duráveis, inicialmente doadas a clientes
fiéis dos estabelecimentos comerciais parceiros em um contexto em que estes clientes
recebem, também, informações sobre o projeto e o convite para participar dele, por meio
do uso das sacolas duráveis em substituição a sacolas plásticas descartáveis.
Posteriormente, sacolas equivalentes a estas deverão estar à disposição de todos os
clientes para aquisição, principalmente à medida que o uso das sacolas esteja
suficientemente disseminado nestes estabelecimentos, e sejam mantidas as condições
de divulgação do projeto (a partir de cartazes, folhetos explicativos e comportamentos
favorecedores dos funcionários do estabelecimento, consultando clientes sobre a
necessidade e interesse em colocar suas mercadorias em sacolas descartáveis antes
de fazê-lo e oferecendo alternativas). Uma distribuição exploratória de sacolas deste tipo
já foi feita nestes estabelecimentos, para teste dos protótipos criados pelos
empreendimentos solidários e selecionados pelos proprietários dos empreendimentos.
A avaliação deste teste, em termos do uso efetivo das sacolas doadas, indicou a
necessidade de adequar os protótipos às necessidades dos clientes dos
estabelecimentos, bem como de desenvolver novas contingências favorecedoras para
implementar o uso destes equipamentos, a partir das dificuldades apontadas pelos
usuários e das observações feitas no dia a dia dos estabelecimentos, particularmente no
que se refere à ação dos funcionários como suporte de promoção às práticas de interesse.
Como suporte à intervenção, estão previstas (e em parte já implementadas),
atividades de capacitação das equipes de funcionários que trabalham nos
empreendimentos, campanhas de esclarecimento e estímulo ao uso de suportes
duráveis para transporte de mercadorias pelos clientes, e implementação de
contingências reforçadoras artificiais (freqüentes e tangíveis) para uso de suportes
duráveis no transporte de mercadorias adquiridas nos estabelecimentos parceiros.
Desta forma, até o limite do estoque adquirido pelo estabelecimento, sacolas produzidas
pelos empreendimentos solidários serão doadas a clientes interessados que
acumulem cinco cupons, cada um deles correspondente a uma compra, sem valor
mínimo estabelecido, com cada cliente recebendo no máximo um cupom por dia. Após
a distribuição das sacolas, mas valendo também para aqueles que utilizem outros
suportes duráveis (sacolas, carrinhos, caixas, etc), tragam suas próprias sacolas
plásticas, ou simplesmente dispensem a colocação de mercadorias em sacolas
plásticas, e por um período a ser definido pelo estabelecimento, será mantido um
esquema de premiação por meio de troca de um certo número de cupons acumulados
em compras em que sejam atendidos os critérios acima (inicialmente cinco, devendo
ser esta razão gradualmente ampliada e o esquema, finalmente suspenso) por produtos

Sobre Comport.imcnlo e Coflniçfio 31


do estabelecimento. O monitoramento contínuo da implementação do projeto, para
avaliação do impacto alcançado, poderá apontar novas eventuais necessidades de
intervenção, com programação de contingências de manutenção adicionais para
comportamentos dos vários atores envolvidos, e indicar em que medida estas práticas
podem ser mantidas, em situação natural, mesmo na ausência das contingências
arbitrárias utilizadas para promover os comportamentos pretendidos, e em que medida
ocorrerão generalizações na direção de práticas de consumo mais apropriadas.
A redução do uso de produtos que, como as sacolas plásticas descartáveis,
representam um alto prejuízo para o ambiente, é um produto social a ser alcançado a
partir de comportamentos de um número considerável de atores sociais, indivíduos e
organizações. E, tal como ocorre com os comportamentos que hoje mantém práticas
que são danosas ao ambiente, do ponto de vista físico e do ponto de vista social, são
comportamentos mantidos por contingências comportamentais, muitas delas
entrelaçadas, que se sustentam mutuamente, mesmo que em alguns casos estas
relações não sejam conhecidas ou compreendidas pelos atores envolvidos. A pretensão
de interferir em um contexto como este implica em conseguir compreensão e controle
crescente sobre as relações existentes e desejáveis, para alcançar os resultados
pretendidos. Uma tarefa complexa, mas que deve ser assumida por analistas de
comportamento - ainda que não apenas por estes.
A redução de uso de sacolas plásticas descartáveis interessa a proprietários
de estabelecimentos comerciais principalmente porque isto tem um impacto econômico
importante na saúde de seu estabelecimento Isto corresponde a um desejo de,
certamente, grande parte destes empresários, e a razão pela qual não implementam
medidas fortes para redução desta prática é financeira, sendo a prática de oferecer
sacolas plásticas mantida por reforço negativo, já que, de acordo com a cultura que se
estabeleceu no país, deixar de fazer isto pode levar à perda de clientes para concorrentes.
No entanto, e ainda que isto seja suficiente para conseguir parceiros para esta
empreitada, não é suficiente para promover mudanças de práticas de comercialização
compatíveis com propostas de não-exploração, preço justo, conservação ambiental etc.
Por estas razões, esforços importantes são feitos, como parte do projeto, para que
estes indivíduos possam superar as determinações mais imediatas de seus
comportamentos como empresários e para que se coloquem sob controle de resultados
de suas ações a médio e a longo prazos também como cidadãos.
Aos produtores de sacolas plásticas, a redução desta prática não interessa,
pelo menos a curto prazo, e certamente uma proposta que venha a colocar em risco
estas empresas, terá que contar com uma reação correspondente. Até o momento, a
modesta proposta do Projeto Sacoleco não parece constituir uma ameaça a este ramo
de negócios, mas é possível que isto comece a mudar assim que os estabelecimentos
comerciais comuniquem a seus fornecedores uma redução drástica no volume de
compras. Está é, na verdade, uma questão a ser enfrentada pelo conjunto dos que
atuam no campo da Economia Solidária e que se dedicam a ela na crença de que ela
pode ser muito mais do que uma forma remediativa de lidar com os efeitos colaterais -
estruturais - do capitalismo. Como redirecionar o sistema produtivo predominante para
sistemas produtivos mais compatíveis com a construção de um futuro social e
ambientalmente justo e equilibrado, já que muitas das propostas que surgem no âmbito
da Economia Solidária significam impacto sobre empresas tradicionais?
A promoção de práticas de consumo capazes de gerar resultados diversos
daqueles que vêm sendo produzidos a partir de comportamentos de indivíduos e
organizações, requer produção de conhecimento sobre quais são as classes de

32 A n .i l.uci.i Cortetioío
comportamentos desejáveis como parte destas práticas (os objetivos do ConsumoSol
constituem propostas de classes de comportamentos deste tipo), formas de promovê-
las e mantê-las para o maior número possível de pessoas, de articulá-las de modo a
compor produtos agregados que não podem ser alcançados senão coletivamente (por
meio de metacontingências a serem identificadas e construídas); mas requer,
principalmente, desenvolvimento de tecnologia comportamental a partir de conhecimento
sobre comportamento humano que já está disponível, em muitos aspectos, como parte
da produção da Análise do Comportamento. Este texto corresponde a uma análise
preliminar de contribuições conceituais desta área para lidar com um problema social de
grande relevância, ao menos para aqueles que almejam por um mundo menos desigual.

Referências

Botomó, S. P. (1981). Ob|otlvos do Ensino, nocossidados sociais o tocnologia educacional. Tose de


Doutorado, Universidade de Sâo Paulo, Sflo Paulo.
Cortegoso, A. L., Uohara, M. S., Logarozzi, A. e Ramiroz. E. S. (2006) Promoção de práticas do
consumo como parte da construção da Economia Solidária. Trabalho aprosontando no II
Seminário Académico do PROCOAS/AUGM. Universidade Nacional do Rosário, Rosário, Ar.
Glonn, S. S. (1991) Contingencies and metacontingencios: relations among behavioral, cultural, and
biological evolution. In LAMAL, P.A. (Org.). Behavioral analysis o l societies and cultural
practices, Now York, NY, Hemisphere, 1991. p. 39-73.
Qlonn, S. S. (1986) Metacontingencies in Walden Two. Behavior Analysis and Social Action, 5, 2-8.
Los Horconos (2006). Rotirado om 26 Fevereiro 2006, de www.lQshQrconos.orQ.mx/mDcc.html.
(Atualizado em dez 2001).
Los Horconos (1990). Porsonocracia: uma forma de gobiorno basada om la ciocia dot analisis do la
conducta. Revista iatinoamericana de Psicologia, 11, 1, 111-136.
Malott, R. W. Rule governed behavior anthropology. The Behavior Analyst, 11,2, 181-203.
Skinnor, B. F. (1948) Waldon Two New York: Macmillan.
Skinnor, B.F (1969) Contingencies of Reiforcement. Englowood Cliffs. NJ: Prentice Hall

Sobre Comportamento c Cognição 33


Capítulo 3
Ambientes não saudáveis e doença:
alguns aspectos cognitivos e
comportamentais.1
Antonio Bento Alves de Moraes
Faculdade de Odontologia de Piracicaba da
Universidade Fstadual de Campinas
Çustavo Sattolo Kolim
Centro de Pesquisa e Atendimento Odontológico a Pacientes Fspecias

A Psicologia da Saúde se desenvolveu enquanto área de produção conhecimento


e intervenção desde a dócada de 1980. De modo geral, essa área abrange diversas
perspectivas teóricas e tem contribuído para a implementação de programas de intervenção
em muito campos da Saúde, como a Medicina, Odontologia, Enfermagem, etc.
A Psicologia da Saúde ó definida por Matarazzo como um conjunto de
contribuições educacionais, científicas e profissionais da disciplina da Psicologia para
promoção e manutenção da saúde, a prevenção e tratamento de doenças, a identificação
da etiologia e diagnóstico dos correlatos de saúde, doença e funções relacionadas, e a
análise e aprimoramento do sistema e* regulamentação da saúde (Taylor, 1990).
O desenvolvimento das intervenções da área da Psicologia da Saúde tem
possibilitado o manejo de doenças crônicas, das desordens psicológicas e provido
tratamento complementar a outras doenças nâo crônicas O entrelaçamento almejado,
entre pesquisa, aplicação clínica, políticas públicas, educação e treinamento, nesta
área, representam escolhas e guias para projetos de pesquisa e aplicação. Alóm disso,
sua relevância na clínica cria condições para o direcionamento de pesquisas e
intervenções que focalizam diferenças Individuais e fatores contextuais. (Nicassio,
Meyerowitz e Kerns, 2004).
Este trabalho busca, a partir dos conhecimentos da Psicologia da Saúde,
descrever como a análise funcional do comportamento poderia compreender a Inter-
relação entre ambientes ditos não saudáveis e as respostas do organismo no processo
de saúde e doença.

1 laxto baaaado na Cont®réncta apraaontada o« XIV Encontro d* AuocwçAo UraaM«tra da Tarapia Cognlttva - CornportamarUal, Camptnat/SP
em » 0 6

34 Antonio BentoAlvc* ile Mor.ic* cC)u*t«ivoS<itloloRolim


Perspectiva Cognitiva
Para uma abordagem cognitiva, ambientes náo saudáveis são avaliados pelo
indivíduo que reconhece no ambiente o nível de ameaça ou dano que podem gerar e
qual o seu potencial de respostas para o enfrentamento. Assim, processos cognitivos
estão presentes na avaliação e no padrão de respostas.
Taylor, Repetti e Seeman (1997) exploraram o papel de ambientes no
desencadeamento de problemas de saúde crônicos e agudos. Os autores analisam,
de forma correlacionai, como aspectos de ambientes físicos e sociais podem afetar
adversamente a saúde. Assim tomando como pano de fundo para a análise, a condição
sócio-econômica (educação, renda e ocupação) e a raça, consideram que ambientes
como a comunidade, o trabalho, a família e as relações grupais contém preditores de
condições de saúde positivas e negativas ao longo do ciclo vital.
Do ponto de vista social, espera-se que a comunidade ofereça acessibilidade
a unidades e programas de saúde e que alguns de seus componentes como saneamento
básico, asfalto, transporte, telefone público, níveis de poluição relacionam-se à saúde
ou a doença. Em termos gerais, indivíduos que vivem em bairros periféricos apresentam
níveis mais altos de câncer, doenças coronárias, hipertensão e doenças respiratórias
(asma, bronquite e enfisema) do que indivíduos inseridos em comunidades que abrigam
aqueles componentes (Adler e cols 1993; Bradley, 1993; Gottman e Katz 1989).
A família influencia a saúde da criança quando a expõe a drogas; baixa qualidade
de cuidados; situações de conflito ou violência; e saúde mental debilitada dos pais
(Neuspiel e cols 1989). Além dos pais, parentes e amigos podem predispor a ocorrência
de resultados negativos de saúde em ambientes sociais estruturalmente empobrecidos
(poucos laços sociais e carência de interações sociais de suporte) (Boyce e cols 1995;
Repetti e cols 1996).
O ambiente de trabalho pode estar diretamente ou indiretamente relacionado a
doenças, devido a exposição a perigos físicos, químicos ou biológicos, a demanda e a
rotina. Assim tais ambientes pode produzir injúrias, câncer, doenças respiratórias,
cardíacas, etc. (Berkman 1995; Broadhead e cols 1983; Ross e Mirowsky 1995).
Ambientes - comunidade, família, relações grupais e trabalho « quando não
saudáveis dificultam o desenvolvimento de laços sociais que podem ser conflituosos,
abusivos ou violentos. Em contraste, ambientes saudáveis provêem segurança,
oportunidades para a integração social e a aquisição de habilidades para predizer e
controlar saúde ou doença.
Segundo Taylor e colaboradores (1997), o organismo adoeceria ou
permaneceria saudável devido a quatro fatores inseridos nesses ambientes: exposição
a eventos estressantes, as habilidades de enfrentamento do indivíduo, os hábitos diários
de autoculdado e as condições emocionais.
Durante o que denominaram de estresse crônico, os indivíduos responderiam
aos eventos ambientais com reações não-específicas, as quais, com o tempo, freqüência
e intensidade dos eventos, produziriam desgaste e debilidade no sistema imuno-
fisiológico e o indivíduo, assim, adoeceria (Selye, 1956).
Ainda com relação a aspectos significativos do processo de saúde e doença,
as condições de saúde mental, como depressão, ansiedade e hostilidade, podem ser
compreendidas como preditores de risco para o desenvolvimento de doenças cardíacas.
Manifestações como expressar hostilidade ou suprimir a raiva têm implicações na saúde
geral e em desordens específicas, como, a doença cardiovascular e a hipertensão.

S o lw Comport.imcnlo c Coflniçfin 35
A forma como o indivíduo lida com os eventos diários ó denominada estratégia
de enfrentamento. Estas ações são necessárias em situações de conflito e de confrontos,
muito freqüentes nas interações sociais; assim como no controle e na habilidade de
desenvolver laços sociais.
Finalmente os hábitos de saúde incluem o tabagismo, o abuso de álcool e
outras drogas, dieta, exercícios físicos, o uso de serviços de saúde preventivos e adesão
às recomendações profissionais para o tratamento. Ha evidência de que o estilo de vida
sedentário diminui a expectativa de vida, tanto para homens como para mulheres, e
contribui para o desenvolvimento de doenças crônicas (Dubbert, 1992).
A pesquisa cognitiva tem avançado na área da Saúde, quando explícita a
diversidade de variáveis envolvidas e a grande variabilidade dos estudos e programas
de intervenção No entanto, as contribuições da analise do comportamento não tem
sido suficientemente incorporadas ao conhecimento cientifico da área de modo a
representar uma alternativa importante para se compreender o processo saúde -doença.
Um olhar aparentemente sintético para a questão de como os organismos
adoecem, proposto por Taylor e colaboradores (1997), indica que os modelos cognitivos
clássicos de estresse representam uma forma mais ou menos hegemônica de reflexão
e intervenção em Psicologia da Saúde (Lazarus e Folkman 1984; Saraflno, 1998; Straub,
2005). Para tais modelos o estresse representa uma experiência negativa acompanhada
por mudanças emocionais, fisiológicas, cognitivas e comportamentais que se
destinariam a alterar o evento estressor e/ ou adaptar-se a seus efeitos.

Perspectiva Comportamental
Para uma visão analítico-comportamental é preciso identificar as respostas
que ocorrem frente a ambientes/eventos adversos e analisar funcionalmente a inter-
relação entre ambientes ditos não saudáveis e as respostas do organismo e então
compreender como comportamento gera doença ou saúde.
Nesta visâo, náo faz sentido abordar o ambiente exclusivamente, posto que ele
não se separa das respostas que nele ocorrem. Por outro lado, o reconhecimento e
identificação dos ambientes como não saudáveis (poluição, aglomeração, violência,
abandono, negligência, abuso, etc.), mesmo que não tenham sido funcionalmente
identificados, representa uma contribuição importante, enquanto macromodelos para a
compreensão das relações comportamento-doença e eventualmente para a
implementação de intervenções e políticas de saúde.
Pesquisas na área da saúde (Dubbert, 1992; Roberts, 1994; Tkachuk e Martin,
1999;) discutem a correlação entre os estados do corpo e os comportamentos na
produção de doença ou saúde. Há indícios sobre a inter-relaçào ou interferência de um
sobre o outro, no entanto a verificação empírica inequívoca destes indícios tem se
revelada incerta e náo conclusiva. Muitos profissionais de saúde presumem uma relação
quase perfeita entre o comportamento de cuidar da saúde e o estado de saúde, mas
para muitas doenças, a relação lógica entre o comportamento de cuidar da saúde e o
estado de saúde é fraca, inexistente, ou não testada (Johnson, 1994).
Para a análise do comportamento toda ação humana está sempre relacionada a
um contexto. Na história da evolução dos organismos, respostas têm sido continuamente
selecionadas frente a demandas ambientais. Nesta Inter-relaçâo acontece a adaptação
do organismo às exigências do ambiente, ao mesmo tempo o ambiente é modificado
pelas respostas do organismo. Os processos de adaptação são dinâmicos e complexos

3ô A n lo n io Ucnlo A lv c * do M orucs c C/ust.ivo S«iltolo Roljin


e o comportamento deve ser considerado como um todo, mesmo que partes como
mecanismos anátomo-fisiológicos possam ser descritas com maior precisão do que
relações funcionais de ações do organismo e eventos ambientais.
A doença afeta o organismo como um todo. Um organismo ó considerado
"doente" quando apresenta indicadores físicos, comportamentais e sociais, que podem
ser descritos como eventos internos e/ou privados (dor, alteração da pressão arterial,
mudanças bioquímicas do sangue, mudanças de temperatura) e também como eventos
públicos (tomar medicamentos, buscar ajuda profissional e buscar apoio social, emitir
verbalizações que sugerem mal estar, desconforto físico e/ou sofrimento emocional,
comportar-se de forma bizarra nas relações sociais etc).
Estas manifestações são ocorrências normais ao longo do ciclo vital e modulam
o responder do organismo que se adapta aos eventos ambientais. Adoecer é um padrão
de respostas que faz parte da vida As condições biológicas são constitutivas do tenômeno
comportamental, seja ele público ou privado, o que delimita e modula as ações do
organismo, criando possibilidades de respostas diferenciadas (Tourinho, Teixeira e
Maciel, 2001).
O ambiente não esta planejado para proteger o indivíduo em qualquer
circunstância. Um órgão ou um corpo cuja saúde depende de um ambiente plenamente
favorável já não é sadio. O corpo que só funciona perfeitamente desde que nada o lese
já está doente. Como a lesão em algum momento é inevitável; a saúde ó a capacidade
de supera-la. Saúde implica recuperar-se após a lesão. Saúde ó a recuperabilidade da
lesão; saúde é a reversibilidade; é a modificação (Canguilhem, 1990).
Vale a pena lembrar que o processo e a experiência saúde-doença mantêm e
modulam o comportamento dos indivíduos e estes devem ser compreendidos enquanto
“locais que convergem vestígios do passado em determinadas combinações" (Skinner,
1971 em Silva, 1998). Suas vivências alteram-se e integram-se numa dinâmica complexa
e contínua, de forma nunca absoluta, mas que sempre estará relacionada ao contexto
(Coelho, 2002).
Retomando o objetivo do texto, como ambientes não saudáveis influenciam o
responder das pessoas; vimos que o organismo adoeceria ou permaneceria saudável devido
aos fatores: exposição a eventos estressantes, as habilidades de enfrentamento, os hábitos
diários de autocuidado e as condições emocionais do indivíduo (Taylor e cols, 1997).
Pode-se compreender que eventos estressores seriam condições do ambiente
constitutivas de comportamentos que podem gerar doença, caso estas sejam mantidas
em alta freqüência, intensidade e/ou magnitude. Essas condições podem estar relacionadas
aos mais diversos eventos ambientais, desde atividades diárias irritantes (hasless) a
catástrofes como “tsunamis" ou terremotos. O estresse seria o mecanismo psico-fislológico
frente às exigências do ambiente, e na ineficiência deste, haveria o aparecimento da doença,
que age como ambiente interno para a emissão do comportamentos.
Um indivíduo hipertenso mudará seu comportamento quando seu ambiente
interno e/ou externo oferecer avisos de que o corpo mudou e ele se encontra em situação
de risco. Esses avisos tornam-se estímulos discriminativos quando se observa que o
repertorio do individuo muda apresentando respostas designadas como
comportamentos de saúde, isto é, mudanças no comportamento alimentar, ingestáo de
medicamentos, esquiva de situações potencialmente estressoras etc. Se o individuo
não responde tais discriminativos (e então os estímulos não serão propriamente
discriminativos) seu estilo de vida provavelmente não mudará. Mudar estilos de vida
requer aprendizagem auto discriminativa, apoio social e ajuda profissional.

Sobrf C om poríiim enlo c Coflniçilo 37


No contexto em que a “doença” emerge, deve*se compreender que
simultaneamente o indivíduo se comporta de um certo modo que podemos descreve-lo
como "vulnerável" e "desamparado". No entanto, esta mesma situação pode ser
potencialmente promovedora de respostas de enfrentamento. Deve-se compreender
que habilidades de enfrentar sáo comportamentos aprendidos em contexto, deste modo,
podem ser ensinados e incentivados. Espera-se que as habilidades adequadas de
enfrentamento modifiquem condições ambientais adversas (internas ou públicas).
Acolher o indivíduo, oferecer suporte e permitir que ele se perceba doente e que pode
modificar este estado, seriam os objetivos da situação de enfrentamento e base para
as intervenções em saúde.
A forma como o indivíduo lida com as situações está relacionada aos hábitos
diários (tabagismo, dieta, abuso de álcool e exercício) e suas conseqüências (por
exemplo, obesidade, câncer, adicção, etc). Estas constituem respostas de risco para os
grandes problemas de saúde. Sabe-se que são adquiridos por um conjunto determinado
de contingências (por exemplo, grupos de pertença) e mantidos por outras contingências
muito diferentes daquelas relacionadas à aquisição (eliminação de aversivos; condições
de dependência orgânica, etc).
Sobre as contingências relacionadas a fatores emocionais pode-se considerar
que depressão e ansiedade são padrões complexos de respostas que tem recebido
considerável atenção da pesquisa comportamental. Situações de incontrolabilidade do
próprio comportamento e perda de reforçadores sào algumas variáveis consideradas
como constitutivas da depressão (Hunziker, 2003). Eliciação de respondentes e diminuição
na freqüência de operantes, em condições em que os estímulos aversivos primários são
inevitáveis, representam variáveis típicas de modelos comportamentais de ansiedade
(Pessotti, 1985; Silva, 2003). Ansiedade e depressão são relações comportamento-
ambiente e não apenas estados do organismo e assim tem sido estudadas pela analise
do comportamento. Nesse sentido, as pessoas vivem situações de ansiedade e
depressão ao longo da vida, e não são estruturalmente ansiosas ou deprimidas.
Todas estas variáveis, assim como outras, compõem o papel de ambientes no
desencadeamento de problemas de saúde crônicos e agudos (Taylor e cols, 1997). No
entanto, pode-se compreender que estes aspectos não são apenas correlacionais.
Ambientes físicos e sociais afetam adversamente a saúde e estão no comportamento
e são afetados por estes.
Desta forma, a educação, a renda, a ocupação, a raça, a etnia, a comunidade, o
trabalho, a família, as relações grupais, etc, contém preditores de condições de saúde
e doença ao longo do ciclo vital, ou melhor, mantém relação com a forma de responder,
com o modo pelo qual o indivíduo aprendeu a lidar com o mundo.
Alguns autores (Dias, Duque, Silva e Dura, 2004; Ogden, 1999), discutem que a
promoção da saúde e a prevenção de doenças estariam relacionadas ao conceito de risco.
Nesta perspectiva, risco ó considerado como extemo, interno e social. Poluição, exposição
a resíduos químicos e nucleares são entendidos como variáveis externas, as quais o
indivíduo não exerceria controle. O estilo de vida e hábitos seriam considerados risco interno,
ou seja, respostas que a pessoa poderia modificar. O risco social estaria relacionado a
desvantagem social, ou seja a acessibilidade a serviços e programas de saúde.
Nesta perspectiva, pode-se considerar que existem ambientes em que a pessoa
teria pouco ou nenhum controle, ambientes diretamente ou indiretamente relacionados
aos comportamentos das pessoas e vice-versa, e um terceiro nível de ambientes que
seriam relacionados a macro estruturas sociais como educação, planejamento familiar,

38 A n lo n io Benlo A lves de M o n ic * e (,/ustiivo S.iltolo Kolim


acesso a saúde e lazer, etc. Assim, pode-se inferir que a análise funcional do
comportamento poderia contribuir com a área da saúde no sentido de aumentar a
ênfase na inter-relação entre ambientes (ditos não saudáveis) e as respostas do
organismo no processo de saúde e doença.
Essa escolha implica em náo somente responsabilizar o individuo pelo seu
estado de saúde/doença como também em amptiar e destacar a Importância de ações
promovedoras de qualidade de vida. Nâo há estados do corpo separados dos
comportamentos, um limita ou potencializa o outro. Perceber que o ambiente tem ou
produz fortes mudanças no ciclo vital, permite atitudes positivas e ativas à intervenção e
à implementação de serviços e hábitos de sociais.
Imaginemos uma pessoa que se sente bem, mas cujos pulmões estâo sendo
danificados pelo tabagismo e cujas artérias estão sendo obstruídas pela alta ingestão
de gorduras saturadas. Estes são sinais de um funcionamento inadequado do corpo
(Kaplan 1990). Estas pessoas podem ser consideradas saudáveis? Provavelmente
diríamos que elas não estão doentes - elas estão menos saudáveis do que estariam
se não fumassem e não Ingerissem gorduras saturadas. Isso significa que saúde e
doença não são conceitos inteiramente separados, eles se sobrepõem. Parece que é
necessário rever o foco de atenção, procurando entender o que leva as pessoas a se
sentirem bem, mais do que as causas do que as tornam doentes.

Referências
Adler, N.E., Boyce, W.T., Chesney, MA, Folkman, S, & Syme SL. (1993). Socioeconomic inoqunlltios
In health: no easy solution. J.Am. Med. Assoc 269.3140-45.
Borkman, LF. (1995). Tho roio of social relations in health promotion. Psychosom Med. 57.245-254
Boyce, WT, Chosney, M, Alkon, A. Tschann, JM, & Adams S (1995). Psychobiologic reactivity to
stress and childhood respiratory illness: results of two prospectivo studies. Psychosom.
Med. 57Í411-422.
Bradley, RH. (1993). Childron’s homo environments, hoalth. bohavior, and intorvontion efforts: a
roviow using tho home Inventory as a marker moasure. Genet. Soc. Gen. Psychol Monogr.
119:437-490.
Broadhead, EW, Kaplan, BH, Jamos SA, Wagnor, EH, Schoonbach, VJ, (1983). The epidemiologic
ovidonco for a relationship botwoon social support and hoalth Am. J Epidemiol. 117:521-537.
Cangullhom, Q. (1990). Normal e patológico. Forense: Rio de Janoiro.
Coolho, M.T.A.D. (2002) Conceitos de saúde em discursos contomporâneos de referência científica.
História, Ciência, Saúde - Manguinhos, 9 (2): 315-333.
Dias, M.R., Duquo, A., Silva. M.G, & Dura, E. (2004). Promoção da saúdo: O renascimento do uma
Ideologia?, Análise Psicológica. 3 (XXII): 463-473.
Dubberl, P.M. (1992). Exorcise In bohavioral medicine. Journal of Consulting and Clinical Psychology,
60. 613-618.
Gottman, JM, & Katz LF. (1989). Effocts of marital discord on young childron’s poor Interaction and
hoalth. Dev. Psychol. 25:373-381.
Hunzlkor, M.H. (2003). Desamparo aprendido. Livro docôncia. Universidade de Sôo Paulo
Johnson, S.B. (1994). Hoalth bohavior and health status: Concepts, mothods, and applications.
Journal of Pediatric Psychology, 19, 129-141.
Kaplan, R M (1990). Bohavior as tho central outcome in health care. American Psychologist. 45
( ): -
11 1211 1220 .
Lazarus, R.S., & FolkmHn, S. (1984). Stress, appraisal, and coping. Springer Publishing Company:
New York.

Nobre Comportamento c Cognição 39


Nouspiel DR, Rush D, Butler NR, Golding J, Buur PE, & Kurzon M. (1989). Parental smoking and post-
Infancy wheezing in children. Am. J. Public Health 79:168-171.
Nlcassio, P.M., Meyerowitz, B.E., & Kerns, R.D. (2004). The future o health psychology Interventions.
Health Psychology, 23 (2): 132-137.
Pessottl, I. (1985)..Ansiedade. EDUSP: Sfio Paulo.
Ogdon, J. (1999) Psicologia da saúde. Cllmepsl: Lisboa.
Repettl RL, McGrath EP, & Ishlkawa SS. (1996). Dally stress and coping in childhood and adoloscence.
In Handbook of Pediatric and Adolescent Health Psychology, ed. AJ Gorec?ny,M Hersen -
Allyn & Bacon.
Roberts, M.C. (1994). Prevention/promotion In America: Still spitting on the sidewalk. Journal of
Pediatric Psychology, 19:267-281.
Ross CE, & Mirowsky J. (1995). Does employment affect health? J. Health Soc. Behav, 36:230-243.
Sarafino, E. P. (1998). Health Psychology: Blopsychosoclal Interatlons. 3 rd od. Joh Wiloy & Sons:
New York.
Selye H, (1956). The Stress of Life. Now York: McGraw-Hill.
Silva, M.T.A. (2003). Modelos comportamentais em neurocièncla. Livro docência. Unlversldado do
Sâo Paulo.
Silva, M.T.A. (1998). Tho challege of egolossness: Buddhist teaching and Skinnerian concepts.
Cidncla e Cultura, SO. 135-140.
Straub, R.O. (2005). Psicologia da Saúde. Art Med: Porto Alogro.
Taylor, S.E. (1990). Health Psychology. 4th od. McGraw-Hill: Boston.
Taylor, S E., Repetti, R L., & Soeman, T. (1997). Health psychology: What is an unhoalthy environment
and how does it get under the skin?. Annual Reviews 48. 411-447.
Tkachuk, GA. & Martin, G.L. (1999). Exercise therapy for patients with psychiatric disorders: Rosoarch
and clinical implications. Professional Psychology: Research and Practice, 30, 275-282.
Tourlnho, Teixeira, E.R., & Maciel, J.M. (2000). Fronteiras entre análise do comportamento e fisiologia:
Skinner e a temática dos eventos privados. Psicologia: Reflexão e Crítica. 13 (3): 425-434.

40 A n to n io Bento A lves de M or.ie» c C/u*l<ivo íwttolo Rolim


Capítulo 4
A tecnologia do comportamento na
promoção do "bem" da cultura:
uma análise conceituai de
trechos da obra de B. F. Skinner.1

Camila Muchon de Melo* e Júlio César Coelho de Rose'


UFSCar

Na construção de uma teoria para o comportamento humano B. F. Skinner


abarca não apenas questões referentes ao indivíduo, mas também questões que estão
no âmbito da cultura. Em muitas de suas obras ó visível sua preocupação com problemas
humanos mais amplos, tratados por ciências como a política, economia, antropologia,
sociologia, educação, planejamento urbano, etc., tais como: superpopulação, holocausto
nuclear, fome, saneamento básico, poluição ambiental etc. Entretanto, o autor salienta
que as soluções para os problemas desse tipo não devem ser tratadas apenas por tais
ciências, mas principalmente por uma ciência do comportamento. Para Skinner, da
ciência do comportamento baseada em uma filosofia behaviorista radical resulta, como
ordem prática, a possibilidade da manipulação de variáveis ambientais, uma vez que
para essa filosofia as “causas" últimas do comportamento estão no ambiente.
Deparamo-nos com uma tecnologia do comportamento operante,
A ciência do comportamento, baseada em uma teoria cuja causalidade é
selecionista, contraria concepções tradicionais mentalistas e levanta questões
referentes ao controle do comportamento humano, que em última análise recaem sobre
os problemas da liberdade, da dignidade e dos valores. É no campo dos valores que se
discute o emprego da tecnologia do comportamento aos problemas sociais. Como
valores básicos da ética skinneriana têm-se o “bem" do indivíduo, o “bem" dos outros e
’ Trabalho lto*ict«ck> pela Fape*p oomo parte d* elaboração do projeto temático, proa*»*} n» 03000?« 4 • atravé* d* bolM de doutoramento
pota mMma agánda d# fomento.
' Doutoranda no Programa de Pô* graduação em FNoeofla do Departamento de FKo*ofla e Metodologia daa dénda* da Universidade
Federal da SAo Cario*. RoMeta Fapeap. Fndereçoparacorreepondênaa t^mudmnOlmfriiH coin
1Profe«*or do departamento de Patooiogia da Uníverwdede Federal d* Sâo Cario* Endereço para oorreepondénda:
iihmlnniâflflyutiuu.ujinlM

Sobre Comportamento c Cotfntviio 41


o “bem" da cultura. Assim, é através desses “bens" ou valores que Skinner introduz todo
o seu sistema ótico. Nesse sistema, o “bem" da cultura ó o principal valor que deve
nortear a criação ou manutenção daquilo que o autor denominou como práticas culturais.
Tomando a tecnologia comportamental como o meio pelo qual o arranjo deliberado de
contingências pode tornar-se efetivo para a promoção do “bem" da cultura, o objetivo
desse texto ó analisar algumas passagens na obra de B, F. Skinner que demonstram o
uso dessa tecnologia objetivando um compromisso social.

1. Aspectos teóricos da tecnologia comportamental no âmbito da


cultura
Como exemplo da aplicação da ciência do comportamento aos problemas sociais
Skinner (1948/1975; 1969a) introduz a utopia como “um experimento de comportamento".
Tradicionalmente as utopias são vistas como “ficções científicas"; entretanto, em sua
obra o autor demonstra, tanto em seus textos teóricos quanto no próprio “romance" de
Walden II, a utopia como uma possibilidade a ser efetivamente realizada. Skinner (1969a)
defende que as comunidades ditas “utópicas" podem ser locais ideais para a testabilidade
de procedimentos e das conseqüências geradas por estes em busca de sua aplicação
em uma cultura mais ampla, ou seja, uma aplicação dos princípios emergidos do estudo
científico do comportamento ao planejamento cultural
Para o autor, uma comunidade “utópica" como Walden II possibilita vantagens à
experimentação, tais como seu isolamento geográfico, que torna possível negligenciar
alguns problemas decorrentes da ruptura com a tradição, e o fato de ser uma comunidade
pequena onde os procedimentos podem ser mais facilmente aplicados e seus resultados
mais facilmente observados. Entretanto, ó interessante notar que Skinner (1969a) salienta
que comunidades relativamente “isoladas" desse tipo são encontradas na nossa
sociedade e podem ser outros locais interessantes para iniciarmos o planejamento
cultural; exemplos de comunidades desse tipo seriam hospitais psiquiátricos, escolas
correcionais para delinqüentes, colônias de férias e escolas em geral. O autor detende
que os problemas originados em tais “comunidades" náo diferem muito dos de uma
comunidade no sentido utópico Nesse momento frisamos que a preocupação de Skinner
ao escrever um romance como Walden II ou ao discorrer sobre utopias comportamentais
demonstra que a tecnologia utilizada em “especulações" desse tipo pode perfeitamente
tornar-se realidade em espaços da sociedade em geral. Passando a palavra ao autor:
Em longo prazo, é claro, devemos dispensar as simplificações utópicas, pois o verdadeiro
campo de toste de uma cultura ó o mundo. (Skinner, 1969a, p. 47),
Skinner (1953) frisa que o arranjo deliberado de contingências para o
estabelecimento de novas práticas culturais é uma característica comum em várias
culturas. Alguns exemplos de tentativas de inserção de novas práticas podem ser
encontrados, como: os Dez Mandamentos, um exemplo de codificação de práticas a
partir da qual os comportamentos dos membros de determinado grupo podiam ser
reforçados ou punidos pela agência controladora; as leis decretadas por um governo,
que também codificam quais comportamentos devem ser reforçados ou punidos; os
currículos escolares e os livros que "ditam" regras de como devem ser os cuidados com
as crianças e podem, portanto, ser também uma tentativa deliberada da inserção de
novas práticas em uma cultura. Esses são exemplos do arranjo deliberado de
contingências para proporcionar modificações em pequenas partes do ambiente social.
Dito isso, percorreremos no texto, principalmente duas obras do autor: "As
utopias como culturas experimentais” (1969a), enquanto alguns aspectos teóricos dessa

42 Ctim il.i M u ch o n ilc M e lo c Júlio Ccs»ir de Rose


proposta, e “Walden //” (1948/1975), como um exemplo da tecnologia do comportamento
objetivando um compromisso social. Nesses dois textos é importante frisar que a
preocupação última do autor é o emprego de técnicas que aumentem a probabilidade
do comportamento produzir conseqüências que fortaleçam a cultura, ou seja, que a
ação dos indivíduos produza além de seu próprio “bem" ("bem" do Indivíduo ou "bens
pessoais") e o "bem" dos outros, principalmente o “bem” da cultura.
Entendemos que a obra de Skinner defende o planejamento de contingências
para a promoção de certo tipo de equilíbrio entre comportamentos que produzam
conseqüências que promovam o “bem" do indivíduo e comportamentos que geram
conseqüências que possam fortalecer a cultura. Em nenhum momento de sua obra
Skinner defende o “bem" da cultura a “qualquer preço"; isso na verdade seria, para o
autor, decorrência de um "mau planejamento" ou do acaso gerado pela ausência de
planejamento (Melo, 2005).
Uma vez que práticas culturais em última instância são constituídas pelo
comportamento de indivíduos, é nesse contexto que ocorre o planejamento de
contingências. Ou seja, é no nível do operante que podemos planejar contingências
que promoverão o “bem" da cultura. Mesmo sendo as conseqüências de práticas
culturais pertencentes a um terceiro nível de seleção pelas conseqüências, trabalhamos
sempre no nível do operante, ou seja, no nível do indivíduo, ainda que o objetivo seja
obviamente a emergência de práticas culturais que fortaleçam a cultura. Isso demonstra
um dos aspectos primordiais na obra de Skinner - indivíduo e cultura “andam juntos":
para que práticas culturais fortaleçam uma cultura, aumentando suas chances de
sobrevivência, precisamos de indivíduos praticando a prática, ou seja, de operantes.
Não há, portanto, uma dicotomia indivíduo-cultura. Vejamos um trecho de sua obra: ...
uma espécie nào tem existência em separado da de seus membros, nem uma cultura
tem existência em separado das pessoas que a praticam. É somente pelos efeitos nos
indivíduos que as práticas sào selecionadas e planejadas. (Skinner, 1969a, p. 48).
Para efeito de melhor compreensão vamos discorrer, primeiramente, sobre
alguns aspectos gerais do sistema ético skinneriano. Em seu sistema ético Skinner
(1971/1972) defende que o comportamento humano pode produzir três tipos de "bens"
ou de valores: o “bem" do indivíduo, o “bem” dos outros e o "bem" da cultura. Esses bens
estão relacionados com as conseqüências do comportamento
Segundo Dittrich (2003), simplificadamente, bens pessoais são aqueles que
reforçam positivamente o comportamento de quem os produz; com isso temos que
reforçadores negativos são o oposto de bens pessoais - são “coisas ruins". Assim, o
comportamento que produz o "bem" do indivíduo não apenas promove o que é “bom",
mas também evita o que é "ruim".
Por outro lado, o comportamento que produz o “bem" dos outros é aquele que
produz conseqüências reforçadoras para as outras pessoas, ou remove reforçadores
negativos relacionados ao comportamento de outras pessoas. Entretanto, em última
análise, o comportamento relacionado com o “bem" dos outros produz o "bem" do
indivíduo (mesmo em ações não-deliberadas). Investigando-se as relações de controle,
o comportamento relacionado ao "bem" dos outros emerge e é mantido por relações de
reforçamento recíproco. Ou seja, ao se comportar o indivíduo produz conseqüências
reforçadoras para as outras pessoas, mas também produz conseqüências reforçadoras
para o seu comportamento (ou evita a perda de reforçadores, ou evita que seu
comportamento produza conseqüências aversivas).
Vejamos agora o "bem" da cultura. Skinner (1971/1972, p. 129) salienta que
uma vez que ... a cultura poderá se tornar mais forte ou mais fraca, o pode-se prever sua

Sobre C omport.imcnlo e Cognição 43


sobrevivência ou seu desaparecimento. ...a sobrevivência de uma cultura emerge como
um novo valor a se considerar, além dos bens de ordem pessoal ou social.
Com isso temos que: comportamentos que produzem o “bem" da cultura, em
última análise, são comportamentos que possibilitam o "bem" dos "outros do futuro”
(Ablb, 2001; Melo, 2005). Assim, as conseqüências desses comportamentos
possibilitam o fortalecimento da cultura através da emergência ou manutenção de
práticas culturais que aumentem as chances de que a cultura sobreviva, ou seja, como
salientou Dittrich (2004), práticas culturais que possuam “valor de sobrevivência” positivo.
Práticas que produzem o “bem da cultura" são práticas que fortalecem a cultura no
sentido de torná-la mais apta a resolver seus problemas.
Entretanto, Dittrich (2003, p. 19) salienta que a sobrevivência da cultura como uma
conseqüência de certas práticas culturais não ó uma conseqüência que possa exercer
papel reforçador nas contingências de reforço: a escala temporal através da qual podemos
aferir a sobrevivência da cultura (décadas ou séculos) é muito diferente da escala temporal
na qual ocorre o reforço do comportamento operante (tempo de vida de um indivíduo).
Portanto, trabalhamos em prol da cultura não porque sua sobrevivência nos é reforçadora,
mas porque outras conseqüências mais imediatas nos levam a fazer isso.
Skinner nos fornece um exemplo (1981, p. 502): um melhor modo para fazer
uma ferramenta, cultivar alimentos ou ensinar uma criança é reforçado por suas
conseqüências - a ferramenta, o alimento, ou o ajudante útil, respectivamente... Esses
são exemplos de práticas que podem, como conseqüências, fortalecerem uma cultura,
entretanto, outras variáveis devem estar presentes nos ambientes daqueles que as
praticam. Pensemos que artesãos habilidosos fortaleçam uma determinada cultura.
Logo, a prática de ensinar um aprendiz pode produzir conseqüências que fortaleçam
essa cultura (produzindo o “bem" da cultura), mas a própria conseqüência de “ganhar
um ajudante útil" deve ser uma das variáveis que mantém o comportamento de ensinar
do artesão e é essa conseqüência que está no âmbito das contingências de reforço. O
artesào nâo ensina seu ofício porque a transmissão dessa prática cultural fortalece sua
cultura. Ele ensina, isto sim, porque as conseqüências do ato de ensinar lhe são
reforçadoras. (Dittrich, 2003, p. 19).
Ao explicar o comportamento humano como produtor desses três “bens", Skinner
(1971/1972) percorre um outro aspecto em sua obra. Ao defender um planejamento
cultural o autor elege o “bem" da cultura como principal valor de tal forma que todos os
demais valores (o “bem" do indivíduo e o "bem" dos outros) devem ser a ele subordinados.
Esse valor indicaria, portanto, o critério de avaliação para a inserção ou manutenção de
práticas culturais em um planejamento cultural. Com isso temos o “bem" da cultura
como o principal valor na filosofia moral skinneriana.
Valores secundários, tais como felicidade, saúde, segurança, produtividade,
educação, criatividade, experimentação, amor, preservação do meio ambiente podem
ser promovidos desde que contribuam com o valor principal que é o “bem" da cultura
(sua sobrevivência). Segundo Dittrich (2003), esses valores podem ser traduzidos em
práticas culturais diversas de acordo com as especlficidades sociais e históricas de
cada comunidade. Entretanto, tais valores nunca devem ser perseguidos como fins em
si mesmo, mas estar sempre a serviço do valor fundamental que é a sobrevivência da
cultura. Os valores secundários provavelmente estão relacionados com o “bem” do
indivíduo e o "bem” dos outros, portanto, no caso de um planejamento cultural deve-se
investigar em que medida as práticas culturais traduzidas nesses valores contribuem
para o fortalecimento da cultura. Além disso, Dittrich (2003) salienta que no sistema
ético skinneriano os valores secundários são sempre provisórios e flexíveis, estão

44 Cumilii MucliondcMelo clúlíoCtur dc Rote


sempre sujeitos a revisão, modificação e substituição de acordo com a sua efetiva
contribuição para a sobrevivência da cultura.
Planejar contingências para que os indivíduos se comportem de forma que
seus comportamentos resultem em conseqüências que fortaleçam a cultura significa
em última instância comportar-se de modo a produzir conseqüências em longo prazo.
Deste modo, a grande dificuldade no planejamento cultural de acordo com uma
perspectiva skinneriana consiste no fato de que este visa, além do bem estar dos
membros que vivem em uma determinada cultura, a sobrevivência da própria cultura.
Isso significa também o bem estar daqueles que nela viverão (Melo, 2005). Com isso,
entendemos que Skinner (1969a) defende um planejamento que possibilite um estágio
de desenvolvimento cultural em que o indivíduo aprenda a abdicar de alguns
comportamentos que produzem ganhos “excessivos" para si (comportamentos
relacionados principalmente às suscetibilldades herdadas através do primeiro nível de
seleção) em função de comportamentos que possam aumentar as chances de
sobrevivência de sua cultura. Em suma, planejar um mundo que possibilite o
fortalecimento da cultura resulta em permitir que o comportamento dos indivíduos seja
sensível às conseqüências de longo prazo; tais conseqüências podem ser tão longínquas
que chegam a ultrapassar o tempo de vida daquele indivíduo (Melo, 2005).
Dito Isso, enfocaremos dois aspectos na aplicação de uma tecnologia
comportamental ao planejamento cultural: o primeiro aspecto enfatiza as questões
relativas a “gostar do modo de vida" que o planejamento propõe, do que decorre uma
nova perspectiva para o conceito de felicidade; o segundo aspecto traz as questões
referentes ao exercício do controle explícito, trazendo algumas considerações sobre os
conceitos de liberdade e de dignidade.

2. O primeiro aspecto: Felicidade


Vejamos o primeiro aspecto. Skinner (1969a) discorre que uma das objeções a
uma cultura planejada questiona se os indivíduos vão “gostar" desse modo de vida, ou
seja, se vão se sentir "felizes”. O autor defende que dizemos gostar de um modo de vida
na medida em que somos reforçados pelas condições em que nos encontramos. Nas
nossas sociedades, freqüentemente, isso se traduz em um ambiente no qual os
reforçadores naturais e sociais são abundantes, facilmente obtidos, e no qual os controles
aversivos são raros ou facilmente evitados (Skinner, 1969a). Para Skinner (1953, 1969a),
a felicidade, assim tratada, remete principalmente às conseqüências imediatas do
comportamento. Sendo assim, o Indivíduo “sente-se feliz” ao ter seu comportamento
reforçado, mesmo que isso implique em conseqüências aversivas postergadas.
A felicidade medida pela abundância de reforçadores e ausência de estimulação
aversiva deixa de considerar como o comportamento produz suas conseqüências.
Defendemos que para Skinner (1969a) um ambiente que proporciona “homens felizes"
não tem apenas abundância de reforçadores e ausência de estimulação aversiva; esse
ambiente deve permitir que o comportamento ativo, produtivo e criativo seja reforçado de
maneira efetiva; nesse caso as contingências devem maximizar os ganhos líquidos.
Passando a palavra ao autor;
Os homens sào felizes onde o comportamento ativo, produtivo e criativo ó reforçado
de maneira efetiva. O problema tanto com a sociedade próspera como com a
paternalista é que os reforços não são contingentes ao comportamento. Homens
que não são reforçados por fazer alguma coisa fazem pouco ou nada. (Skinner,
1969b, p. 64).

Sobre Com portamento c C ognição 45


Além disso, defendemos que as contingências que possibilitam máxima
eficiência ao comportamento proporcionam o equilíbrio entre os comportamentos que
produzem o "bem" do indivíduo e os comportamentos que promovem o “bem” da cultura.
Isso significa também um aprendizado para o autocontrole. O autocontrole
envolve mudanças na probabilidade de uma açõo que tem tanto conseqüências
reforçadoras como aversivas. Assim, o indivíduo aprende a manipular seu ambiente de
modo que comportamentos que levariam ao reforço imediato e a conseqüências
aversivas atrasadas diminuam suas probabilidades de ocorrência, enquanto que
comportamentos que proporcionam conseqüências reforçadoras atrasadas aumentem
suas probabilidades de ocorrência, mesmo quando isso implique em conseqüências
aversivas imediatas. Dessa forma, o comportamento do indivíduo estaria sendo
"modelado" em benefício da cultura. Portanto, a “felicidade", nesta perspectiva, não
seria apenas estimada pela quantidade de reforçadores presentes no ambiente, mas,
principalmente, pelo arranjo efetivo das contingências de reforço.
Tal questão ó relevante, uma vez que planejar uma cultura que proporciona
“homens felizes" no sentido tradicional não se traduz em planejar uma cultura mais forte
para solucionar os seus problemas. Podemos observar pessoas “felizes" em um sentido
tradicional e concluir que sua cultura seja “forte", uma vez que produz homens "felizes".
Porém, essas características podem estar fortemente relacionadas com a imediaticidade
das conseqüências e não proporcionar a sobrevivência da cultura. Esta é uma das
dificuldades do planejamento baseado em uma perspectiva skinneriana: a sobrevivência
da cultura como um critério para seu planejamento não é um valor tão “visível” como o
valor tradicional de felicidade (Melo, 2005).
Vejamos alguns exemplos do uso da tecnologia comportamental empregada
em Walden II que trazem esses aspectos:

2.1. O planejamento do vestuário em Walden II


Primeiramente, Frazier (personagem que dá voz a Skinner como o principal
planejador cultural de Walden II) descreve que a moda especificada por desenhistas
comerciais pode ser problemática para a cultura. O protagonista explica que tendências,
na moda, que se modificam rapidamente, levam ao desperdício de recursos; além
disso, espera-se que haja uma população, com menos poder aquisitivo, que consuma
as roupas doadas ou vendidas que estiverem “fora de moda". O que ocorre em Walden
II? Planeja-se um vestuário que evite a perda imposta pela mudança de estilo, mas
sem ficar totalmente “fora da moda" (por não estarem completamente isolados da vida
“fora de Walden lt\ para não sugerir que a vida em Walden II tenha algo de singular ou
mesmo inferior, para que suas crianças não se sintam isoladas ou pouco à vontade se
tiverem contato com outras pessoas que não pertencem à comunidade). No
planejamento do vestuário estimula-se a variedade (importante para gerar criatividade)
e ao mesmo tempo, escolhem-se roupas que sofrem uma mudança mais lenta em
relação à moda. Esse planejamento possibilita, através da escolha de tipos de roupas
que não sofrem tanta mudança em relação à moda e através da mudança lenta de
estilos, o não desperdício de roupas em boas condições Ao mesmo tempo o vestuário
não permanece “fora da moda". Deste modo, trabalha-se com a beleza nas vestimentas
de cada indivíduo ao mesmo tempo em que se trabalha com o fortalecimento da cultura.
Esse é um exemplo simples que demonstra um planejamento visando tanto o
“bem" do indivíduo como o "bem" da cultura. Há a preocupação com a beleza no vestuário
de cada indivíduo, mas há também o planejamento do não desperdício de recursos.

46 CtimiLi M u clto n de M e lo c Júlio C c w r dc Ro*c


Além disso, o planejamento leva em conta que nâo devem existir, nessa cultura, “pessoas
marginalizadas" que receberiam as roupas “fora de moda". Esse exemplo mostra ainda
o aspecto referente a um ambiente que não visa apenas abundância de reforçadores (a
tradicional “felicidade"), mas reforçadores planejados para proporcionar o bem de cada
um, de todos e dos outros do luturo. Assim, uma prática de não desperdício de recursos
pode ser uma prática que favoreça o fortalecimento da cultura em questão.

2.2. Planejamento do trabalho doméstico


Em Walden II há refeitórios onde todos comem em horários diversos, há diversidade
de alimentos e também se estimula o conhecimento da origem de cada nova comida do
cardápio. Vejamos o exemplo das bandejas utilizadas nas refeições: as bandejas em que
todos comiam eram transparentes, com o objetivo de economizar um movimento na hora
de sua lavagem: assim, não era necessário ter que virá-las para conferir se estavam
realmente limpas. As bandejas eram colocadas em uma esteira rolante onde recebiam
jatos de espuma de leite: esta espuma com os restos de comidas das bandejas era dada
como alimento aos porcos (prática de não desperdício de recursos). Depois da lavagem
com a espuma do leite as bandejas eram colocadas em sistemas de escovas giratórias
que limpavam as depressões que funcionavam como pratos. Uma pessoa examinava sua
limpeza e a colocava em uma outra prateleira. Nesse momento, a transparência das
bandejas proporcionava que sua limpeza fosse conferida com maior facilidade.
Esse trabalho era realizado por 2 pessoas em cada turno, somando 4 a 5
turnos por dia, o que resultava em no máximo 10 pessoas. Havia, portanto, um ganho se
comparado ao trabalho de aproximadamente 250 donas de casa, lavando 250 jogos de
pratos três vezes ao dia. Além disso, era um trabalho que deveria ser realizado por
qualquer um da comunidade. Seria um de nós, lembro-se, nào uma pessoa “inferior"
contratada por um salário miserável, diz Frazier. (Skinner, 1948/1975, p. 49).
É interessante notar que mesmo os trabalhos não “tão agradáveis", como o da
lavagem das bandejas, devem ser realizados por todos. Trabalhos como o doméstico
ou o de limpeza de esgoto são necessários para a comunidade, mas não são pessoas
“miseráveis ou inferiores" que o realizam. Qualquer membro de Walden II poderia ser
destinado a tal atividade. Em Walden II as pessoas trabalham cerca de 4 horas por dia
e recebem créditos por isso. Atribuem-se valores diferentes para tipos de trabalhos
diferentes que são ajustados, freqüentemente, de acordo com a demanda. Trabalhos
desagradáveis, como o de limpeza de esgoto, têm valores mais altos e trabalhos
agradáveis têm valores mais baixos. Como resultado:
Em longo prazo, uma vez ajustados os valores, todos os tipos de trabalhos sào
igualmente desejados. Se náo o fossem, haveria uma maior procura do mais desejável
e o valor do crédito seria mudado. De vez em quando, manipulamos a preferência
quando um trabalho parece ser evitado sem causa. (Skinner, 1948/1975, p. 54).
O exemplo mostra-nos que podemos planejar contingências para que vários
tipos de trabalhos sejam realizados o também facilitados (como é o caso das bandejas),
mas o mais interessante é que demonstra novamente o equilíbrio entre o "bem" do
indivíduo e o "bem" de todos. Há o planejamento de contingências para que todos trabalhem
em atividades ditas “desagradáveis", mas necessárias, e em atividades “agradáveis".
Ocorre o planejamento de contingências para que as atividades “desagradáveis" tornem-
se menos prejudiciais para seus membros. Práticas cooperativas, como essas, podem
ser também exemplos de práticas que fortaleçam a cultura. É mais um caso da tecnologia
comportamental utilizada para um compromisso social.

Sobro Com porl.im cfito o Cotfniç.lo 47


3. 0 segundo aspecto: Liberdade e Dignidade
Vejamos agora o segundo aspecto na apfícaçáo de uma tecnologia
comportamental ao planejamento cultural. Uma outra objeção a uma cultura planejada
decorre do exercício do controle do comportamento. Em uma anãlise skinneriana o
planejamento apenas explicita o controle e o maneja, mas controle ó algo que já existe
em qualquer ambiente independente de qualquer planejamento. Entretanto, ao explicitar
o controle estamos, grosso modo, contrariando os princípios decorrentes de uma
concepção tradicional de liberdade e de dignidade. Simplificadamente, esses princípios
defendem que o ser humano deve ser livre de qualquer controle e é responsável pelos
seus atos em termos de culpa ou de mérito.
A crítica de Skinner (1971/1972) ao conceito tradicional de liberdade está centrada
na crítica á noção de que o comportamento humano pode ser indeterminado, no sentido
de que pode ser "não controlado". Uma explicação científica behaviorista radicai nos
demonstra que o comportamento ó determinado tanto por contingências reforçadoras
quanto por contingências aversivas. Skinner (1971/1972) enfatiza que a literatura tradicional
da liberdade sugere que o controle não produz liberdade, mas o tipo de controle ao qual
essa literatura se refere é freqüentemente o controle gerado por contingências aversivas.
Essa literatura, quando trata das condições pelas quais considera que o ser humano
pode ser livre, não leva em consideração que mesmo nesse caso há controle, embora
seja um controle não coercitivo. A partir disso, a literatura tradicional da liberdade defende
que toda espécie de controle é ruim (mesmo o controle gerado através de contingências
não coercitivas), portanto, opõe-se ao planejamento cultural.
A proposta de Skinner (1971/1972) é a de que planejemos uma cultura que
possibilite que o comportamento humano esteja "livre” ao máximo de controles aversivos
sem que se abdique do planejamento de contingências.
Por outro lado, ao explicitar o controle lidamos com a tradicional “dignidade" do
Homem. O controle exercido por um planejador (seja ele uma agência controladora ou
uma única pessoa) retira os méritos do controlado. Assim, um professor que utilizou
técnicas para melhorar o desempenho de seus alunos recebe “os méritos" pela boa
aprendizagem, sendo que em um contexto em que os alunos fossem “mal ensinados"
ou não tivessem uma educação formal, os méritos de uma "boa” aprendizagem seriam
destinados a esses alunos. Skinner (1969a) enfatiza que em uma comunidade utópica,
onde as contingências são planejadas para possibilitar ao comportamento humano o
máximo de eficiência, “méritos" e “admirações" seriam desnecessários. Para Skinner
(1969a), “méritos" e “admirações” são exemplos de reforçadores condicionados e são
utilizados para induzir as pessoas a se comportarem de acordo com o comportamento
que seja admirável. Tendemos a utilizar esses reforçadores quando outras formas de
controle não estão disponíveis. Segundo Skinner (1969a, p. 44): A utopia como uma
cultura totalmente gerida parece funcionar como uma espoliaçào em massa desse tipo.
Seus cidadãos são automaticamente bons, sábios e produtivos, e nào temos razòes
para admirá-los ou atribuir-lhes méritos.
Vejamos alguns exemplos do uso da tecnologia comportamental empregada
em Walden II que trazem esses aspectos:

3.1. A escolha de uma profissão em Walden II


Há o planejamento de “vagas" para algumas profissões de acordo com a
necessidade da comunidade. Por exemplo, são oferecidas vagas para aspirantes a
médicos de acordo com a necessidade da comunidade. Planeja-se para que não haja

48 C m u lu M u cb o n de M e lo e lulio C étdr de Rose


nem mais, nem menos médicos que necessitam (levando em consideração que cada
indivíduo trabalha em módia, 4 horas por dia). A questão levantada por um visitante de
Walden II, Castle (personagem que faz sempre o papel do opositor e crítico do
planejamento cultural), é a de que os jovens não teriam “liberdade de escolha" em suas
profissões. Walden II foi planejada de forma que uma ampla variedade de escolhas
fosse igualmente possível e desejada, mas são as necessidades da comunidade que
determinam quais profissões serão mais Hencorajadas" e quais não serão. Não se
discute a liberdade no sentido tradicional: escolhas são possíveis dentro dos padrões
de uma sociedade que visa um compromisso social. Vejamos a passagem do texto:
O fato 6 que é muito pouco provável que qualquer pessoa em Walden II anseie tào
firmemente por um curso de açôo a ponto de ser Infeliz se a possibilidade escolhida
nâo estiver aberta. Isto ô verdade tanto a respeito de uma mulher quanto de uma
profissão Inveja pessoal é quase desconhecida entre nós e por uma razão multo
simples. O sentimento temo de “primeira e única“ tem menos a ver com constância
de sentimentos do que com a oportunidado única. A maior probabilidade ô que o
excesso de aspirantes a médicos achará outros cursos que logo provarão ser
igualmente atraentes. (Skinner, 1948/1975, p. 56).
Os que concordam com a concepção tradicional de liberdade certamente se
“horrorizariam” com esse planejamento, mas o fato é que o comportamento humano ó
determinado por suas conseqüências. Sendo assim, simplesmente Walden II foi
planejada de forma a determinar “escolhas" viáveis para aquela comunidade. Entretanto,
o mesmo controle de contingências visa planejar um mundo no qual os indivíduos
apresentem interesse pela diversidade. Nesse mundo, seria muito pouco provável que
um indivíduo desejasse apenas uma única profissão. Novamente temos o “bem" da
cultura como critério para o planejamento sem que o “bem" de cada indivíduo seja
negligenciado. Práticas desse tipo também podem fortalecer uma cultura, aumentando
suas chances de sobrevivência.

3.2. Um exemplo relacionado ao conceito de dignidade


Mary, um membro de Walden II, estava ensinando um ponto de costura em uma
tela de bordado para alguns homens e mulheres. Algo que havia aprendido com sua
avó e era descrito como sendo muito bonito e fascinante. Vejamos a descrição do autor:
Era evidente, pela reação geral, que a contribuição de Mary era apreciada e eu me
senti um tanto orgulhoso dela. Mas quando o grupo se dispersou, percebi que
ninguém agradeceu ou expressou gratidão de qualquer outra forma. Isso, descobri
mais tarde, estava do acordo com o código de Walden II O que me levou a
reexaminar o incidente foi que Mary claramente nào esperava mais nada. Estava
claramente satisfeita, e, provavelmente, um pouco orgulhosa de sl mesma quando
pegou o braço de Steve e cochichou algo a seu ouvido, mas estou certo de que
qualquer outra demonstração fá-la-ia muito Infeliz. (Skinner, 1948/1975, p. 84).
Esse exemplo mostra*nos que a prática de ensinar os outros membros deve
ser mantida pelas próprias conseqüências do comportamento de ensinar. Proporcionar
que outros indivíduos se desenvolvam, possibilitar a aquisição de uma nova habilidade
ou mesmo ter o ensinar como uma atividade reforçadora são conseqüências que devem
manter tal comportamento. Em Walden II há o planejamento para que as conseqüências
ligadas a tal ato sejam efetivamente produzidas pelo comportamento do educador. Não
há, portanto, nenhuma necessidade de “admirações" e “méritos" para manter o
comportamento. A atividade de ensinar tem seu próprio valor ou não tem nenhum.

Sobre Comportamento e C opnif/io 49


Por outro lado, também não há “culpa" quando os Indivíduos não se saem bem
em uma determinada tarefa. Simplesmente modifica-se o ambiente para que o indivíduo
desenvolva a tarefa de forma mais eficaz ou possibilita-se o desenvolvimento de uma
outra atividade. Em Walden II, um homem que não desenvolve bem seu trabalho não ó
censurado, assim como não se censura um homem quando este fica doente (Skinner,
1948/1975). Ou seja, manejam-se contingências efetivas que participam no controle do
comportamento. Portanto, não há porque atribuir méritos e culpas ás pessoas quando
entendemos o papel do ambiente no controle do comportamento humano.

4. Considerações finais
A partir de princípios que emergem do estudo científico do comportamento, B. F.
Skinner defende o planejamento de contingências para a promoção de “um mundo
melhor", o que em termos comportamentais seria traduzido por uma cultura que
possibilite práticas que a fortaleçam. O valor que estabelece o critério para o emprego
de uma tecnologia do comportamento é a sobrevivência da cultura. Mas, não nos
esqueçamos que Skinner defende um planejamento cultural que proporcione o ‘‘bem"
do Indivíduo, o “bem" dos outros e por fim o "bem" da cultura. È em função desse
equilíbrio que devemos planejar, em vez de deixar que as mudanças sejam frutos de
simplesmente alguns acasos e acidentes...
Passando a palavra ao autor:
Uma cultura bem planejada 6 um conjunto de contingências de reforço, sob o qual
os membros se comportam de acordo com os procedimentos que mantêm a cultura,
capacitam-na a enfrentar emergências, e modificam-na de modo a realizar essas
mesmas coisas mais eficientemente no futuro. Sacrifícios pessoais podem ser
exemplos dramáticos do conflito de interesse entre o grupo e seus membros, mas
sâ o p ro du tos de um m au plan eja m e nto . Sob m e lho re s co n ting ê ncia s, o
comportamento que fortalece uma cultura pode ser altamente reforçador. (Skinner,
1969a, p. 41). (Meus grifos).

Referências
Abib, J. A. D. (2001). Teoria moral de Skinner o desenvolvimento humano. Psicologia: Reflexào e
Crítica, 14 (1), 107*117.
Melo, C. M. (2005). A concepção de Homem no Behaviorismo Radical de Skinner; um compromisso
com o "bem'' da cultura. Sâo Carlos: UFSCar. Dissertação de mestrado.
Dittrlch, A. (2003). Introdução à filosofia moral skinneriana. Em: C. E. Costa, J. C. Luzia, H. H. N.
Sant'Anna (Orgs). Primeiros passos em análise do comportamento e Cognição (pp. 11-
24). Santo Andró, SP; ESETec Edltoros Associados.
Dittrlch, A. (2004). Behaviorismo radical, ótica e política: aspectos teóricos do compromisso
social. Sâo Carlos: UFSCar.Tese de Doutorado.
Sklnnor, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: Macmillan.
Skinner, B. F. (1969a). Utopia as an experimental culture. In: B F. Skinner, Contingencies of
reinforcement: a theoretical analysis (pp. 29-49). New York: Appleton-Century-Crofts.
Sklnnor, B. F. (1969b). Tho environmental solution. In: B. F. Sklnnor, Contingencies of reinforcement:
a theoretical analysis (pp. 50-71). Now York: Appleton-Contury-Crofta.
Sklnnor, B. F. (1972). Beyond freedom and dignity. Now York: Alfrod A. Knopf. Trabalho orlglnalmonto
publicado em 1971.
Skinner, B. F. (1975). Walden II: uma sociedade do futuro. Sâo Paulo: E. P.U. (Tradução de Raquol
Moreno e Nelson Raul Saraiva). Trabalho orlglnalmonto publicado em 1948.
Sklnnor, B.F. (1981). Selection by consequences Science, 213, 4507, 501*504.

50 Camila Mucl)on de Mclo elulio Ccs.ir de Rose


Capítulo 5
Subjetividade, Privacidade e Ética
Carlos Iduardo Lopes
Universidade Federal de São Carlos

Em muitos de seus textos Skinner (1945/1984, 1953, 1969, 1974) emprega os


termos 'público' e 'privado' como qualificadores da acessibilidade a eventos: eventos
públicos sâo aqueles que podem ser acessados por mais de uma pessoa ao mesmo
tempo, e eventos privados sâo aqueles que só podem ser acessados diretamente por
uma única pessoa. Um dos resultados disso é a vinculação de privacidade com
subjetividade; em outras palavras, subjetivo passa a ser sinônimo de privado.
O objetivo do presente ensaio ó criticar tal vinculação, apontando uma alternativa
que circunscreve a discussão da privacidade em um campo de discurso distinto do da
subjetividade. Uma das conseqüências trazidas por essa proposta é o questionamento
da função explicativa da teoria de eventos privados: se privacidade não é sinônimo de
acessibilidade, tal como defende a teoria de eventos privados, por que deveríamos,
então, continuar a empregar essa teoria?

A problemática da acessibilidade
Mas o que há de errado com o emprego tradicional dos termos 'público' e
'privado'? Ou ainda, por que deveríamos abandonar a vinculação entre subjetividade e
privacidade? Para responder a essas questões temos que compreender a origem da
teoria de eventos privados. Tal teoria tem em sua raiz a tese de que se uma "parte do
universo está encerrada dentro da própria pele do organismo (...) uma pequena parte
do universo é prívadá' (Skinner, 1953, p. 257). Essa tese, por sua vez, está vinculada à
tradição que engloba o dualismo, o materialismo, o fisicalismo, e o positivismo lógico1.
Dessa forma, se o behaviorismo radical não se vincula com essa tradição, a
tese que dela deriva tambóm não pode ser defendida por ele. Em outras palavras, ao
formular a teoria de eventos privados, Skinner (1945, 1953, 1957, 1974) parece cair na
esparrela de responder a uma questão que não se põe, vinculando-se, assim
(possivelmente sem perceber), a uma tradição que repudia (Lopes, 2005).
Mas dito dessa maneira parece que o behaviorismo radical está impedido de
empregar os termos 'público', 'privado', ou mesmo falar de privacidade. No entanto,
essa conclusão não é necessária. A crítica, ató aqui apresentada, limita-se ao fato de
que tal terminologia não deve ser aplicada como qualificadora da acessibilidade a
eventos e, conseqüentemente, não devemos identificar subjetividade com privacidade.
'OdmM«MiMnianki(|iM>rKMtnio«MvtnjtaçAonAawnkaprMMnlKloiK|ul EmtahMgMfe.pwtemmdmqMftaprobtoniMIcadaacMSIblIldada
cltoga ao b#havton»mo radtcal por Irtfluénow d# oulrot t>*fi«vk>rt*mo«" (como o wataoniano • o rrnHodolúgèoo) Ora. m o b#h*vtort»mo radical
dManda wdaaM»oono»>pçô**,«tantod*v»r1ariio*lwiWa*qiMilqi»f»i&(frK»poa«tva Par» «itmadoWhMdeaae argumento d. Lopes (?006)

Sobre Comporliimcnto e t.ofliiiç/io 51


Cabe, então, a pergunta: há um campo em que o emprego dos termos ‘público’
e ‘privado’ é legítimo? Tentaremos responder a essa questão de modo afirmativo.

Um emprego legítimo de 'público' e ‘privado’


Há um contexto em que os termos ‘público’ e ‘privado’ podem ser empregados
sem que Isso comprometa o projeto fundacional do behaviorismo radical*' Tal contexto
pode ser encontrado na discussão das relações sociais, mais especificamente no
campo da ética, dos valores e, conseqüentemente, da política. Essa hipótese ganha
força quando encontramos esse tipo de emprego no próprio texto skinneriano: “em
termos tradicionais, o interesse público ó sempre baseado no interesse privado (...)
Feelings são subprodutos de contingências, e não lançam nenhuma luz sobre a distinção
entre público e privado" (Skinner, 1971, p. 110).
Na citação anterior, ‘público’ e ‘privado’ não são empregados como qualificadores
da acessibilidade a determinados eventos. Ao invés disso, tais termos qualificam o tipo
de valor, ou interesse, que está em jogo - valores ou interesses privados são aqueles
que dizem respeito à pessoa que se comporta, e valores ou interesses públicos são
aqueles que dizem respeito aos outros bem como a relação entre esses valores, o
que nos conduz ao campo da ética e da política (Skinner, 1971).

O conceito de ‘valor’ no behaviorismo radical


Mas como podem ser interpretados os conceitos de ‘bem’ ou ‘valor’ no
behaviorismo radical? Skinner (1971) analisa esses termos nos capítulos VI e VII do
livro Beyond Freedom and Dignity. Segundo esse autor, os valores ou bens podem ser
interpretados como conseqüências produzidas pelo comportamento individual e pelas
práticas culturais, bem como por conseqüências almejadas em um planejamento
cultural e que, portanto, não foram ainda produzidas.
Seguindo o texto skinneriano, se em cada um dos três níveis de variação e
seíeção (fiíogenético, ontogenético, e cultural) encontramos um tipo de conseqüência
(de sobrevivência, de reforço, e cultural), podemos encontrar três tipos de valores, um
para cada nível:
a) No nível fiíogenético encontramos o bem da espócie ou, mais
especificamente, os reforçadores primários que promoveram a sobrevivência da espécie.
Um comportamento exclusivamente controlado por esse tipo de valor é aquele voltado
para a satisfação das “necessidades" primárias do indivíduo que se comporta. Por
conta disso, Skinner (1971) considera que esse bem tem um valor privado.
b) No nível cultural nos deparamos com o bem da cultura, mais conhecido
como sobrevivência da cultura. Tornado mais concreto, esse bem consiste em práticas
culturais que promovem (ou promoveram no passado) a sobrevivência da cultura que
adotou tal prática. Como a sobrevivência da cultura depende da sobrevivência de seus
membros, esse bem tem um valor público
c) Na ontogênese encontramos o bem da pessoa, que é o produto da relação
entre valores advindos da filogênese (privado) e da cultura da qual essa pessoa é parte
(público). Isso quer dizer que a pessoa pode ser considerada como a confluência entre

10 concotto do 'profoto hindactoruil' dl/ mapotto ao «anMo atribuído a uma obra duranl« tua IntarprataçAo. D m m forma, uma mtorpretaçAo
Im aaría na alrtbutçÃo da um projalo hindactonal M li n l w n u d i tm traçai influência» a atlntdaóa» teórica» que darão coerência à obra
mtiirpnrtada (Outra* caractarfattoaa da uma tantativa d* Intarprataçâo da obra •Mnnartana «mbasada am um projeto fundadonal podom asr
wKontradM am l.opaa (2006).)

52 C tirlo i ldu<irdo l.opcs


espécie e cultura. No entanto, se por um lado, a pessoa depende tanto da espécie
quanto da cultura, por outro, ela não se reduz nem à espécie nem à cultura somente; a
pessoa emerge da relação entre filogênese e cultura.
Uma das principais vantagens desse tipo de organização dos valores é chamar
a atenção para o fato da pessoa estar na convergência da espécie com a cultura; o que,
aliás, não é muito original, pois Freud já havia feito coisa parecida ao defender que a
constituição do Ego depende da confluência entre Id e Superego.
No entanto, há alguns aspectos da discussão dos valores que parecem escapar
a esse tipo de organização. Um deles é a análise das relações sociais envolvidas e,
conseqüentemente, a discussão sobre o bem do outro. Em outras palavras, como
podemos descrever as relações entre as pessoas, e qual é o papel desempenhado por
cada pessoa nessa relação? Ou ainda, qual é a importância das relações sociais (entre
diferentes pessoas) na constituição dos valores públicos e privados? Na tentativa de
responder a questões desse tipo, e de complementar as possíveis lacunas deixadas,
apresentaremos um modo alternativo de organizar os valores. Essa proposta consiste
basicamente em sistematizar as diferentes relações sociais envolvidas na constituição
dos valores pessoais, mostrando que as classificações 'público' e ‘privado’ podem ser
aplicadas ao tipo de relação social que está sendo analisada. No entanto, para
apresentar essa proposta é preciso algumas discussões preliminares.

Alguns esclarecimentos preliminares


O primeiro esclarecimento que precisamos fazer diz respeito ao conceito de
‘cultura’. Se procurarmos uma definição nos textos skinnerianos encontraremos que
cultura identifica-se com o ambiente social, mais especificamente com as contingências
sociais (Skinner, 1971). Tal definição nos obriga a analisar o termo 'social'. Em outras
palavras, o que é uma contingência social? Podemos definir contingências sociais
como aquelas arranjadas pelo o utro , e que por isso são responsáveis pelo
comportamento individual voltado para o bem desse outro.
Sendo assim, torna-se plausível concluir que o que há de mais primordial na
cultura é a relação 'indivíduo-outro'. Ou seja, só podemos falar de cultura a partir do
momento em que encontramos uma relação entre duas pessoas, sendo que uma
delas se comporta em função de contingências arranjadas pelo outro.

Relações sociais e valores ‘públicos’ e ‘privados’


Dito isso, é razoável afirmar que para analisar a cultura, bem como os valores
pessoais que dela dependem, devemos partir da relação ‘indivíduo-outro’ em direção a
relações culturais mais complexas. Dessa forma, podemos propor uma classificação
das relações culturais em três níveis de análise, que já não coincidem com os níveis de
variação e seleção:
1) Nivel Interpessoal - é o nível mais simples, onde a relação indivíduo-outro
consiste nas relações cotidianas entre pessoas. O comportamento de cada uma das
pessoas é função da tensão entre reforçadores envolvidos no comportamento que
beneficia exclusivamente o indivíduo que se comporta (privado), e reforçadores
condicionados fornecidos peio outro, que geram um comportamento para o beneficio
do outro (público).
Do ponto de vista ético, o que se espera nesse nível é que a satisfação de bens
privados não se dê âs custas do sacrifício do outro, e que o comportamento do indivíduo,

Sobre Comportamento e Cognição 53


quando for função do bem do outro, seja positivamente reforçado. Dessa forma, no nível
interpessoal busca-se um contexto social ético em que haja uma distribuição igualitária
de reforçadores, de modo que todos se comportem para o bem do outro, e sejam
positivamente reforçados por fazerem isso.
2) Nlvel Intracultural - a relação, aqui, ó entre um indivíduo e um representante
de uma agência de controle governamental (um homem público). Dessa forma, nesse
nível a complexidade aumenta. Para o indivíduo, permanece a tensão do nível anterior.
Mas com a participação do representante, a satisfação de bens privados passa a ser
garantida, aumentando, assim, a probabilidade de que o indivíduo se comporte em
função do bem público. Já do lado do representante, seu comportamento está sujeito à
tensão entre reforçadores envolvidos com o comportamento que o beneficia
exclusivamente (privado) e reforçadores condicionados (geralmente generalizado)
relacionados com o comportamento voltado para a satisfação dos bens privados dos
membros da comunidade representada por ele (público).
Parece dispensável dizer que do ponto de vista ético, no caso do indivíduo se
repete o desejado no nível interpessoal. Já no caso do representante, espera-se que
seu comportamento seja voltado para o bem público, ou seja, que ele se comporte em
função do bem dos outros (que ele representa), e que esse comportamento seja
positivamente reforçado. Em suma, a satisfação privada do representante deve ser
contingente ao seu comportamento público.
3) Nivel Intercultural - nesse caso a relação é entre dois representantes de
diferentes agências de controle governamentais. O comportamento de cada um desses
representantes é função da tensão entre a sobrevivência de sua própria cultura (bem privado),
e a sobrevivência das culturas (bem público). Dessa forma, o bem público no nível intracultural
identifica-se com o bem privado do nível intercultural (sobrevivência da cultura)3.
Dessa forma, o que se espera nesse nível, do ponto de vista ético, é que todo
representante defenda a sobrevivência de sua cultura respeitando a sobrevivência de
outras culturas. Ou em outras palavras, que a sobrevivência de uma cultura não se dê
às custas da extinção de outras. Com isso, podemos dizer que relações interculturais
éticas são aquelas pautadas pelo respeito à diversidade cultural.

Valores pessoais
Podemos agora nos voltar para os valores pessoais à luz dos diferentes níveis
de análise das relações sociais. Para tanto, precisamos, inicialmente, explicitar a relação
entre os diferentes níveis. Partindo do nível interpessoal, encontramos um grau crescente
de complexidade, de modo que os níveis superiores (intracultural e intercultural)
emergem a partir desse primeiro nível. No entanto, do ponto de vista de uma discussão
ética, o nível superior é, em última instância, quem “regula" o inferior. Um exemplo pode
deixar essa afirmação mais evidente.
Como podemos empreender um juízo ético no caso de um representante que
conta com grande apoio popular junto à comunidade que ele representa? Uma resposta
adequada não pode ser dada analisando-se apenas um nível. Isso porque nada impede
que o representante em questão apresente um comportamento ético no nível intracultural
(o que se reflete no seu apoio popular), e um comportamento antiético no nível intercultural.
Cabe, então, a pergunta: em qual nível devemos nos basear para julgar a conduta de
um representante?

* 0 qu» no» condu/ à oondurto, qu«M bwMl, de que a aotxwtvtncM da» ouMuom eó ta/ eankdo m ■ •obmwéncia (In ctilture tor ixMorvjidM

54 C<irlot Kluiirdo Lopes


Uma possível resposta é a de que no caso do representante o juízo ético se
embasa na coerência entre os níveis intracultural e intercultural. No entanto, como o
bem público do nível intracultural coincide com o bem privado do nível intercultural, é o
nível superior quem dá a última palavra: do ponto de vista ético, náo basta respeitar a
diversidade dentro de sua própria cultura, ó preciso respeitá-la em todas as culturas.
Mas o que podemos dizer do nível interpessoal? A primeira peculiaridade desse
nível é sua relativa independência em relação aos demais níveis. Isso quer dizer que
um juízo ético acerca do nível interpessoal pode ser empregado de modo independente.
É razoavelmente comum julgar a conduta de um representante por seu comportamento
interpessoal (“se ele é um bom pai de família, então será um bom prefeito"). No entanto,
ao fazer Isso estamos confundindo dois “papéis sociais" diferentes e independentes.
Não deveríamos nos surpreender com o fato de uma pessoa que apresenta relações
interpessoais éticas, ser um representante antiético. Se as contingências responsáveis
pelo comportamento dessa pessoa são diferentes em cada um dos níveis, só podemos
esperar comportamentos diferentes (Skinner, 1953).
Por outro lado, um juízo ético no nível interpessoal guarda alguma semelhança
com os níveis superiores. Assim como acontece nos níveis intracultural e intercultural,
um comportamento considerado ético no nível interpessoal é aquele pautado pelo
respeito à diversidade. Com isso, a ética das relações interpessoais reprova qualquer
comportamento que subjugue ou explore o outro, que considere o outro como meio e
não como fim, independente de quem seja esse outro. Dessa forma, do ponto de vista
ético, o respeito pelo outro pode ser considerado como o principal valor pessoal,
independente do nível de análise.

Conclusão
Com a presente proposta alcançamos alguns resultados interessantes. O
primeiro deles diz respeito à apresentação de uma análise comportamental do conceito
de 'papel social'. Uma pessoa (confluência da filogênese e da cultura), a depender das
contingências sociais, pode ser um indivíduo ou um representante. Isso quer dizer que
contingências sociais diferentes produzem “papéis sociais" diferentes, o que ecoa em
uma discussão ética: a conduta ótica de uma pessoa no nível interpessoal náo garante
que ela será um representante ético, e vice-versa. Logo, um juízo ético não pode pautar-
se em apenas um dos níveis de análise das relações sociais, mas na coerência entre
diferentes níveis.
Além disso, podemos extrapolar a discussão que empreendemos em relação
ao representante governamental para outros tipos de homens públicos. Um
representante é o governante de uma cidade, estado ou país, mas também pode ser
um presidente de um clube, de uma associação, de uma organização não-
governamental, e assim por diante. Em todos esses casos, o que se espera é que o
representante se comporte para o bem dos membros, ou associados, da comunidade
que ele representa. Claro que com isso ampliamos a complexidade de nossa análise
e devemos agora nos perguntar sobre a relação entre agências governamentais e não-
governamentais (o que, infelizmente, não poderemos examinar aqui).
Esses resultados têm um importante desdobramento: o esclarecimento da
escolha da "sobrevivência das culturas" como o bem primordial de uma ética skinneriana.
Na presente proposta a “sobrevivência das culturas”, que à primeira vista pode parecer
um bem abstrato restrito ao nível intercultural, torna-se passível de uma interpretação
mais concreta. Devemos escolher a “sobrevivência das culturas" como bem primordial

Sobre Comporliimento e Cognição 55


porque ela tem em sua raiz um valor pessoal eticamente desejável em qualquer que
seja o "papel social" assumido pela pessoa: o respeito pela diversidade e,
conseqüentemente, o respeito pelo outro.
Por fim, somos, agora, capazes de discutir a privacidade desvinculando-a da
teoria de eventos e, conseqüentemente, da subjetividade. Independente do nível de
análise, a pessoa sempre está sujeita à tensão entre bens públicose bensprivados.
Se, por um lado, é eticamente reprovável defender que o bem privado(privacidade) está
acima do bem público, por outro, seria insensato defender que o bem público deveria
ser satisfeito sacrificando o privado. Dessa forma, uma possível saída é tornar a
privacidade (o bem privado) contingente à satisfação pública; em outras palavras, criar
práticas culturais que garantam que o comportamento eticamente desejado (pautado
no respeito pelo outro) seja positivamente reforçado.

Referências

Lopes, C. E. (2005). Uma crítica ao papol da toorla do eventos privados no estudo da subjetividado.
Em H. J. Quilhardi & N. C. do Agulrre (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Expondo
a Variabilidade, vol. 15 (pp. 126-132). Santo Andrô: ESETec.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. Now York: McMillan.
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New Jersey: Prentico-Hall.
Skinner, B. F. (1971). Beyond freedom and dignity. Now York: Alfred A. Knopf.
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Apploton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1984). Tho operational analysis ot psychological forms. Em Catania, A. C. & Harnad, S.
(Orgs.), The Behavioral and Brain Sciences, 7 (4) December (pp. 547-553). Princoton:
Cambridge University Press. (Originalmente publicado em 1945)

50 Ccirlot Filuiirdo I.ope*


Capítulo 6
O Papel do Tempo na Definição e
Explicação do Comportamento
Carlos Fduardo Lopes
Universidade Federal de São Carlos

O presente texto tem como objetivo discutir a importância do tempo para a


definição e explicação do comportamento. Em outras palavras, defende-se, aqui, que
‘comportamento’ é um conceito que envolve o tempo e, portanto, requer uma explicação
dinâmica ou processual. Se isso for plausível, poderemos concluir que um dos objetivos
centrais da análise do comportamento é alterar a temporalidade do comportamento.
Para essa discussão, dividiremos o texto em duas partes: na primeira parte
examinaremos, brevemente, a definição de comportamento. Faremos isso enfocando a
participação das formas evento, estado e processo. Na segunda etapa, examinaremos
como esse conceito de comportamento nos conduz a uma explicação dinâmica, cuja
principal característica é seu aspecto temporal.

Definição de comportamento
É quase lugar comum o fato de o behaviorismo radical ser a filosofia da ciôncia
do comportamento. No entanto, se analisarmos algumas outras propostas de psicologia
científica, como, por exemplo, aquela embasada pela Gestalttheorie, descobriremos
(talvez com surpresa) que ela também defende a tese de que a psicologia ó o estudo do
comportamento (Koffka, 1935). Assim, parece que a definição de behaviorismo radical
não se constitui pela proposta de estudo do comportamento, mas sim por como essa
filosofia define e explica comportamento.
Resta-nos, então, perguntar pelo conceito de comportamento adotado pelo
behaviorismo radical e, conseqüentemente, pela análise do comportamento. Tal
questionamento, aparentemente simples, revela-se complexo quando tentamos buscar
uma resposta nos textos skinnerianos (Skinner, 1953, 1957, 1969, 1974, 1987/1984). Isso
porque é possível encontrar nesses textos mais de um emprego do termo 'comportamento'.
Na tentativa de construir uma definição que sintetize os diferentes empregos do
termo ‘comportamento’, analisaremos a participação das formas' evento, estado e processo.
10 termo '(ornia’ è ompr«gado rwctn contoxto como a ountnvarttda d* oontaúdo. É pradao dattar daro que oom Imo nûo oatamos ompnoganck >
o termo forma* oomo Wnôntmo d» topogra»« tal como laz alguna textos sklnnerlanoe (e.Q SWonar, 1B74) Além r*Mo, dado o ofo|8ttvo do prosento
texto, nâo poderemos empreender uma dtecussâo »obre o posalvel "oontaodo do comportamanto" Baata detxar dam quo na prosonlo proposta
defandemoaquoaalumia* do comportamento' rtoevanlo.aalado a prooaaao. (UmadtauaatopomMNiori/adadeumapnipoMadeGontetidodo
comportamento, bem como da aua rataçAo com a i trta formas poda s«r encontrada em Lopea. ?000. )

Sobre C\>m|H>r1.imcnlo c Cogniftlo 57


Eventos
No que diz respeito ao comportamento, a forma evento pode ser encontrada na
descrição da ocorrência singular de respostas: as respostas singulares são eventos
comportamentais. Com isso, os eventos comportamentais são considerados como
ocorrências imediatas, geralmente observáveis, e se identificam com o que o organismo
está fazendo agora. Por isso, os eventos comportamentais são o ponto de partida da
análise do comportamento.
Além dos eventos comportamentais, a análise do comportamento lida também
com eventos ambientais, que são os estímulos. (Vale lembrar que eventos ambientais e
eventos comportamentais estão em relação obrigatória. Isso quer dizer que as respostas
definem-se em relação aos estímulos e os estímulos em relação às respostas. Ou ainda,
que não existem respostas sem estímulos, nem estímulos sem resposta.)
No entanto, há um outro sentido envolvido na definição dos eventos
comportamentais: eles são atualizações de estados comportamentais. Em outras
palavras, os eventos são “sinais” da operação de estados. Obviamente, isso nos remete
à análise de uma outra forma envolvida no conceito de comportamento.

Estados
Na análise do comportamento, a forma estado identifica-se com a probabilidade
de responder de um organismo em um dado momento. A primeira coisa que temos que
esclarecer nesse assunto é que todo organismo é ativo, o que equivale a dizer que todo
organismo tem, desde o nascimento, uma tendência a se comportar. Em outras palavras,
sempre encontramos a participação de estados comportamentais (de uma probabilidade
para responder), ainda que em muitos casos a gênese desses estados deva ser
buscada na filogênese.
Uma vez que os estados são a probabilidade de responder, eles não devem ser
confundidos com as respostas (é absurdo dizer que a probabilidade de uma resposta
é a própria resposta). Por isso, o estado comportamental, embora esteja relacionado
com os eventos comportamentais, não se identifica com eles. O estado comportamental
é urna disposição para agir e, portanto, não é o que o organismo está fazendo agora,
mas a tendência, ou mesmo a capacidade, de fazê-lo.
Até aqui já temos duas formas in terrelacionadas no nosso conceito de
comportamento: os eventos comportamentais atualizam os estados comportamentais*.
Desse modo, está barrada a possibilidade de existir um evento comportamental que
não seja atualização de um estado, assim como de um estado comportamental que
não seja atualizado, em algum momento, por um evento.

Processos
A forma processo é a responsável pela explicação da mudança no responder
de um organismo, que sinaliza a substituição de um estado anteriormente vigente, por
um novo estado. Em outras palavras, os processos comportamentais constroem,
mantém e destroem estados comportamentais. Através da articulação entre eventos
comportamentais e eventos ambientais, os processos comportamentais influenciam
os estados comportamentais (a probabilidade de responder). Assim, com os processos
comportamentais é possível, para a análise do comportamento, alterar o comportamento
como um todo (fluxo comportamental).
’ Uiim mlnçAo [wocKla pode ser encontrada mn Rylo (1949/1900). quando aala trata da ralação antra oco rtnd M a dtopoatçAa«

58 Ciirlot Mu.mlo I opet


Com essa breve análise das “formas do comportamento", já é possível extrair uma
definição de comportamento, que supre as necessidades deste texto. Podemos definir
comportamento como a articulação, ou inter-relação, entre eventos comportamentais, eventos
ambientais, estados comportamentais e processos comportamentais, que se dá da seguinte
forma: os eventos comportamentais são atualizações de estados comportamentais, que
são, por sua vez, constituídos a partir de processos comportamentais, que operam através
da relação entre eventos comportamentais e eventos ambientais.

Explicação do comportamento
Podemos agora nos voltar para a explicação do comportamento. Comecemos
com os objetivos da ciência do comportamento. Parece ser lugar comum que esses
objetivos são a previsão e o controla do comportamento. No entanto, podemos
acrescentar uma outra preocupação que parece estar (ou pelo menos deveria estar) no
horizonte de tal ciência: a compreensão do comportamento. Isso se justifica pelo fato
de que sem compreender o "funcionamento" do comportamento a previsão e controle
tornam-se inviáveis. Assim, parece mais razoável dizer que a explicação do
comportamento identifica-se com sua compreensão (explicar é compreender, ou
descrever), o que, em muitos casos, propicia previsão e controle.
A definição de comportamento, anteriormente proposta, nos conduz a um modelo
de explicação que consiste na descrição da inter-relação entre eventos, estados e processos.
Podemos, assim, construir o seguinte itinerário de explicação do comportamento:
1) Nosso ponto de partida é o fluxo comportamental (fluido e evanescente), que
admitimos contar com a participação de eventos, estados e processos. A primeira etapa
será, então, isolar os eventos comportamentais desse fluxo. Isso é feito através da
“proposta" de uma relação entre topografia e função, que pode ser testada através da
manipulação de eventos ambientais.
2) A segunda etapa da explicação do comportamento consiste em considerar a
operação dos estados comportamentais que são atualizados pelas respostas de um
organismo. Isso é feito a partir da regularidade do responder; um responder uniforme
indica a operação de determinado estado comportamental (um operante, por exemplo),
um responder sem uniformidade indica a transição de um estado para outro (ou a
operação de dois estados antagônicos).
3) Por fim, a última etapa da explicação do comportamento consiste em
reconstruir o fluxo comportamental de onde se partiu, introduzindo os processos
comportamentais responsáveis pela mudança ou manutenção de estados e,
conseqüentemente, de eventos comportamentais atuais. Com essa última etapa, é
possível alterar esse fluxo, através da repetição sistemática da organização entre eventos
comportamentais e eventos ambientais até que haja uma mudança na regularidade do
responder, indicando, assim, a criação de um novo estado comportamental.
(É importante notar que embora o ponto de partida e chegada da explicação do
comportamento seja o lluxo comportamental, isso não constitui um itinerário circular.
Os pontos de partida e chegada coincidem, mas não são os mesmos: o fluxo a que se
chega é mais "rico", e pode ser alterado ou controlado.)

Três tipos de explicação do comportamento


A partir desse modelo explicativo é possível a identificação de três tipos, ou
etapas, de explicação do comportamento. A primeira é a explicação funcional que através

SobreComport.imcnlocCoRníçfio 59
da descrição da relação entre topografia e função constrói os eventos comportamentais.
A segunda ó a explicação dlsposicional, que insere os eventos comportamentais em
estados comportamentais, explicando, assim, as regularidades no responder. Por último,
temos a explicação dinâmica, que inclui o tempo na articulação entre eventos e estados,
mostrando que o comportamento está em constante mudança e que essa mudança
pode ser controlada, ou modificada, através da manipulação de eventos ambientais.
Uma vez que o objetivo último da análise do comportamento é previsão e controle,
o interesse dessa disciplina é empreender uma explicação dinâmica do comportamento.
Em outros termos, a análise do comportamento busca controlar o fluxo comportamental,
o que só pode ser feito depois da compreensão de seu "funcionamento" (da relação
entre eventos, estados e processos).
Mas se a análise do comportamento está interessada em uma explicação dinâmica
do comportamento, ela está interessada no tempo. Isso porque o fluxo comportamental
constitui e é constituído por três diferentes temporalidades inter-relacionadas:
1) evento: instantaneidade.
2) estado: constância ou duração.
3) processo: fluidez ou mudança (inter-relação entre instantaneidade e constância).

Conclusão
Com esta breve reflexão podemos dar uma possível resposta ao questionamento
sobre o conceito de tempo na análise do comportamento. Ao contrário de muitas filosofias,
o behaviorismo radical não considera o tempo como uma categoria de análise “externa"
ao comportamento. Ao contrário, o tempo é imanente ao comportamento.
Como conseqüência disso temos o fato de que uma explicação do
comportamento adequada é dinâmica, revelando, assim, não só o interesse, como
também a impossibilidade da análise do comportamento se desvencilhar do tempo.
A busca de uma explicação dinâmica do comportamento, por parte da análise do
comportamento, revela não só o interesse dessa disciplina pelo tempo, mas nos conduz
à conclusão de que ela trabalha construindo o tempo (alterando as diferentes
temporalidades envolvidas no fluxo comportamental: criando e extinguindo estados
comportamentais, o que, conseqüentemente, altera tanto o responder atual - a emissão
de eventos comportamentais quanto o responder futuro - a probabilidade de responder).

Referências
Koffka, K. (1935). Principles of Gestalt psychology. Now York: Harcourl, Brace and Company.
Lopos, C. E. (2006). Behaviorismo Radical e Subjetividade. Tese (Doutorado em Filosofia) - Programa
de Pós-Graduação em Filosofia, Univorsidado Fodoral de São Carlos, São Carlos.
Rylo, Q (1980). The concept of mind. New York: Penguin Books. (Originalmente publicado em 1949),
Sklnnor, B. F. (1953). Science and human behavior. Now York: McMillan.
Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. New Jersey: Prentlco-Hall.
Skinnor, B. F. (1969). Contingencies of reinforcement: A theoretical analysis. Now York: Appleton-
Cenlury-Crofts.
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Applelon-Contury-Crofts.
Sklnnor, B. F. (1987). Tho Evolution of Behavior. Em B. F. Skinner (Org.), Upon Further Reflection (pp.
65-74). New Jersey: Prentlce-Nall. (Originalmente publicado em 1984)

60 Ciirlos hlutirdo l.opci


Capítulo 7
Considerações acerca do planejamento
de procedimentos de ensino de
discriminações complexas
Carmen Silvia Motta Bandini*/ Ana Carolina Sella**
e Deisy das Çraças de Souza***
Universidade Federal de Sáo Carlos

Pesquisas sobre os processos de aprendizagem mostram que a ocorrência


de erros náo é, necessariamente, parte destes processos. Erros ocorrem,
principalmente, como resultado de métodos de ensino inadequados (Sidman, 1992;
Sidman & Stoddard, 1967; Skinner, 1968; Stoddard & Sidman, 1967). Um erro pode ser
definido como comportamento que ocorre sob controle de propriedades irrelevantes de
um estímulo (Stoddard, de Rose, & Mcllvane, 1986). Por exemplo, quando uma criança
não discrimina as diferenças entre as letras “b" e “d", chamando as duas pelo mesmo
nome, pode-se inferir que o comportamento náo está sob controle de todas as
propriedades relevantes do estímulo (no caso, a forma e a disposição espacial das
letras), e está, de outro modo, sob controle de outras propriedades (no caso, apenas a
forma, independente da posição), ocasionando o que se denomina erro.
Quando erros são analisados, trôs aspectos são fundamentais para sua
compreensão. O primeiro deles se refere á formação de repertórios considerados
inadequados devido a topografias de controle de estímulos diferentes daquelas
programadas pelo professor ou experimentador (Dube & Mcllvane, 1997a; Mcllvane,
1998), O segundo, como uma conseqüência do primeiro, está relacionado à possibilidade
de impedimento da formação de um repertório adequado e, até mesmo, de deterioração
de repertórios adequados já existentes (Stoddard e col., 1986). Por fim, o terceiro
aspecto diz respeito aos efeitos emocionais decorrentes da punição do comportamento
quando erros ocorrem (Sidman, 1989; Stoddard e col., 1986).

'Doutor»ida do ProQramo do Pó* GraduaçAo em FloaoflaeMetodotoflia das Cténctas.UnivnriiidiHk» Federal de Sâo Carlos h maH para oontato:
cbandtnfOMjpartg com br
■' Doutoranda do ProQrama da Pós-Graduação am Educação Espacial. Universidade Federal da S*o Carlos E mail para contato'
cflrotsedaOyahoo com br
Professora THular do Departamento de Pticotogú» da Unlvorsldade Federal da SAo Carlo* E ma» para oontato: ddgsOpowor ufscar.br.

Sobrr ComportiimrntoeCognição 61
Dube e Mcllvane (1997b) afirmam que a formação de repertórios inadequados,
decorrentes de topografias de controle de estímulos variadas, pode ser resultado de
contingências de reforço que colocam o comportamento sob controle de um número
menor de propriedades de um estímulo do que o esperado ou de propriedades diferentes
daquelas programadas pelo experimentador ou professor. Exemplos comuns são o
controle pela posição do estímulo (o comportamento fica sob controle apenas da posição
em que o estímulo é apresentado), o controle pela dica (se há um modelo fornecendo
uma dica, o participante atenta apenas à dica e não aos estímulos envolvidos na
discriminação), o controle temporal (o participante escolhe um estímulo baseando-se
na seqüência temporal em que é apresentado, por exemplo, escolhe sempre o primeiro
estímulo apresentado), o controle pelo reforço (escolha do estímulo na presença do
qual foi obtida a conseqüência anterior), entre outros.
Topografias de controle de estímulos inadequadas não são apenas resultantes
de controle espúrio por estímulos antecedentes. Erros acontecem quando a relação
entre propriedades irrelevantes do estímulo e comportamento se fortalece. Conforme
discutido por Sidman (1980), se uma dada relação espúria entre estímulo antecedente
e comportamento for reforçada, além de favorecer a ocorrência de erros, o planejador
das condições de ensino pode não conseguir estabelecer o repertório planejado.
Mais do que o não estabelecimento do repertório programado, pesquisas indicam
que as ocorrências de erros podem ser danosas para o repertório do indivíduo. Lambert
(1980), Sidman e Stoddard (1967) e Stoddard e col. (1986), por exemplo, mostraram que
a ocorrência de erros durante o processo de aprendizagem pode ter um efeito deletério no
repertório do aluno. Isto significa que, havendo reforçamento de relações espúrias entre
estímulos antecedentes e comportamento, pode haver a deterioração de habilidades que
já estavam presentes no repertório do indivíduo e discriminações que aparentemente já
estavam estabelecidas passam a ficar imprecisas ou não acuradas.
Além dos problemas de estabelecimento de repertórios inadequados e da
perda de repertórios já estabelecidos, os erros comumente implicam em punição do
comportamento inadequado. Conforme discutido por Sidman (1989) e Skinner (1953,
1989), entre outros, professores empregam a punição do erro visando reduzir ou suprimir
o comportamento que consideram incorreto, geralmente apresentando um estímulo
averslvo ou retirando reforçadores. O grande problema com a punição são seus efeitos
colaterais (Sidman, 1989; Skinner, 1953, 1989). O primeiro desses efeitos é a ocorrência
de comportamentos de fuga-esquiva da punição, que o indivíduo passa a emitir. Por
exemplo, uma criança que tem seu comportamento punido em sala de aula, pode
passar a evitar freqüentar as aulas. Pode, ainda, como mais comumente ocorre, deixar
de "prestar atenção" às atividades acadêmicas, engajando-se em “devaneios" ou outros
tipos de distrações (de Rose, 1999). Além disso, outros efeitos da punição podem ser
encontrados, tais como a ellciação de comportamentos reflexos associados (taquicardia,
sudorese, enurese).
Devido a todos estes fatores, o desenvolvimento e a aplicação de procedimentos
de ensino que minimizem (ou eliminem) as oportunidades de erros são de grande
importância.
Com base nas pesquisas iniciais de Terrace (1963a, 1963b), Sidman e Stoddard
(1967) mostraram que é possível reduzir o número de erros ao mínimo se o procedimento
utilizado para o ensino for adequadamente planejado. Esses autores elaboraram um
programa de ensino de discriminação entre círculos e elipses para 19 crianças com

62 C iinncn SiIvm M . Hamlini« A n .i C.irolin.) Scll.i e [>ct*y il.it C/r.iv«i* dc Sou/.i


diferentes graus de retardo mental. Os participantes foram divididos em dois grupos.
Um dos grupos, denominado Grupo Programa, foi submetido a um programa que
ensinava a discriminação por meio de procedimentos de discriminação simples e de
esvanecimento com conseqüências programadas para os acertos em cada tentativa.
Os estímulos eram apresentados em uma tela, com nove janelas (uma matriz três x
três), na qual a janela central permanecia sempre apagada e as janelas laterais eram
usadas para a projeção dos estímulos. O programa tinha duas fases. Na primeira, era
estabelecida uma discriminação de brilho que consistia na apresentação de uma das
janelas iluminada e contendo um círculo projetado (S'). As demais janelas permaneciam
apagadas (S ). A escolha na janela iluminada contendo o círculo era reforçada. A cada
tentativa a posição da janela iluminada variava e as janelas escuras iam sendo
vagarosamente iluminadas, até que todas as oito janelas passavam a ter o mesmo
brilho. Contudo, somente uma continha o círculo. O participante agora deveria discriminar
entre a presença de alguma forma (S‘), o círculo, sobre a janela iluminada, e a ausência
de uma forma (nâo forma, ou seja, apenas a janela iluminada - S ). Estabelecida a
discriminação forma-não forma, o programa iniciava a segunda fase, que consistia em
um processo de indução gradual de S (fading in) ao longo do qual, em cada uma das
janelas vazias, iam sendo projetadas elipses esvaecidas. Agora, em cada tentativa, o
contorno das elipses ia sendo cada vez mais definido até que atingisse a mesma
definição que a do círculo. Ao longo dessas tentativas, o participante respondia
discriminando entre o círculo (S*) e as elipses (S ). Um procedimento de correção também
fazia parte do programa. Nesse procedimento, se o participante escolhesse uma janela
incorreta, a mesma tentativa era reapresentada. Se o participante errasse novamente, o
programa retornava à tentativa anterior, na qual o aluno já havia respondido
adequadamente. Com tal procedimento de correção, toda tentativa terminava apenas
quando a criança escolhia corretamente o S \ O segundo grupo, denominado Grupo
Teste, foi exposto apenas a séries de tentativas nas quais deveriam distinguir entre um
círculo e elipses, sendo conseqüenciados os acertos e não os erros. As crianças que
náo conseguiam atingir o critério de acertos eram, então, expostas a uma série de
tentativas de distinção entre forma e náo-forma, ou seja, entre janelas vazias e uma
janela contendo o círculo. Se atingissem o critério de acertos nesta fase, eram novamente
submetidas aos testes de distinção entre círculo e elipses. Se falhassem nesta segunda
apresentação de tentativas de discriminação entre círculo e elipses, eram submetidas
ao programa de esvanecimento das elipses, empregado com o Grupo Programa. Caso
falhassem em aprender a discriminação entre forma e náo-forma, eram submetidas às
tentativas de discriminação de brilho idênticas às do Grupo Programa e, se atingissem
o critério de acertos passavam pelas tentativas de esvanecimento das elipses. A
comparação entre os resultados dos dois grupos mostrou que sete das dez crianças do
Grupo Programa tiveram sucesso em aprender a discriminação entre círculo e elipses.
Já no Grupo Teste, apenas quatro das nove crianças aprenderam a discriminação,
sendo que apenas uma delas aprendeu a discriminação no primeiro teste apresentado.
Mesmo assim, essa criança cometeu muito mais erros do que as crianças do Grupo
Programa. A maior ocorrência de erros no Grupo Teste foi consistente em todas as
análises comparativas entre os dois grupos. O planejamento cuidadoso das
contingências do Grupo Programa garantiu a aprendizagem sistemática e regular com
poucos erros. Esses resultados sugerem que quando as discriminações exigidas em
um programa de ensino contêm passos intermediários sutis entre a resposta inicial do
participante e a resposta final esperada, como aconteceu no Grupo Programa, há uma
facilitação da aprendizagem. Isso pode ser inferido tendo como base o mau desempenho
das crianças do Grupo Teste, no qual a discriminação requerida não utilizava passos

SobreComporl.imcnloe(.'ofinição 63
intermediários que funcionavam como pré-requisitos para um controle de estímulos
mais refinado. Dito de outra forma, se a discriminação requerida começa com uma
tentativa impossível e se não avança de um passo mais fácil para outro sutilmente mais
difícil, então, erros, como os cometidos pelos participantes do Grupo Teste,
provavelmente serão produzidos.
Este estudo teve outros desdobramentos. Stoddard e Sidman (1967) testaram
essas suposições empregando o mesmo procedimento de ensino do Grupo Programa,
porém acrescido de uma tarefa de discriminação entre diferenças sutis no tamanho do
eixo vertical das elipses e do círculo. Mais precisamente, após o esvanecimento da
espessura das elipses, foram introduzidas tentativas nas quais o eixo vertical de todas
as elipses era aumentado gradativamente. Em cada tentativa, portanto, as elipses iam
se tornando mais parecidas com o círculo projetado em uma das janelas. Se o participante
não respondesse corretamente apontando o círculo (S‘), o programa apresentava o
procedimento de correção exemplificado no estudo de Sidman e Stoddard (1967). Em
relação ao estudo anterior, a ordem de apresentação das tentativas também foi alterada.
No Grupo Controle, as crianças que passavam pelo programa de ensino de discriminação
entre círculo e elipses eram submetidas, ininterruptamente, às tentativas nas quais os
eixos verticais das elipses eram gradualmente aumentados, até atingirem critério para
o final da sessão. Nesse procedimento os erros somente apareceriam quando as
diferenças entre o círculo e as elipses eram quase imperceptíveis. Já o Grupo
Experimental fazia o percurso contrário: quando terminavam as sessões nas quais se
estabelecia a discriminação entre círculo e elipses, eram imediatamente submetidas à
última tentativa do novo programa, ou seja, à tentativa na qual o eixo vertical das elipses
estava tão aumentado que ela correspondia, praticamente, a um círculo. Sendo assim,
a discriminação entre círculo (S‘ ) e elipses (S ) passava a ser quase impossível e, desta
forma, as crianças deste grupo eram induzidas ao erro desde o começo. À medida que
respondiam equivocadamente, o procedimento de correção era utilizado. Assim, as
crianças poderiam chegar a tentativas de fácil discriminação e, uma vez estabelecida a
discriminação nessa etapa, poderiam novamente avançar no programa. O Grupo
Controle mostrou altos escores de acertos. As crianças deste grupo progrediram no
programa até graus refinados de discriminação entre círculo e elipses. Já no caso do
Grupo Experimental, as crianças foram cometendo erros, retornando assim, para passos
onde a discriminação exigida era mais fácil. Os resultados indicaram que a contínua
progressão de discriminações fáceis entre círculo e elipses foi suficiente para ensinar
tais discriminações. Segundo os autores, o programa dava à criança a oportunidade de
aprender comportamentos que possibilitavam discriminações cada vez mais refinadas.
Os passos de ensino elaborados por Sidman e Stoddard (1967) e Stoddard e
Sidman (1967) apresentavam uma característica especial que consiste no fornecimento
de dicas. Ao deixar iluminada apenas a janela com o círculo, aumentava-se a
probabilidade do participante responder a esta janela e não às janelas escuras.
Conforme discutido por Skinner (1968), recursos como diferentes tonalidades de voz e
som, iluminação, brilho e cores, podem ser importantes por auxiliarem no controle de
comportamentos relevantes neste tipo de tarefas, como, por exemplo, o comportamento
de atentar. A literatura sobre procedimentos de ensino de discriminações sem erro
demonstra a eficácia de uma variedade de tipos de dicas na redução, ou mesmo na
eliminação da ocorrência de erros, entre as quais podem ser mencionadas, brevemente,
o fading por remoção ou introdução gradual de estímulo ou propriedade de estímulo
(Dube, 1996; Martin & Pear, 1988) e a dica atrasada (Gallo & de Souza, 2004; Ollveira-
Castro, Faria, Dias e Coelho, 2002; Stoddard & Sidman, 1967; Martin & Pear, 1988).

64 Ciirmcn Silvi.i M. R<tmlmi, An.i C.irolin.i Sdl.i cl>ci*ydti dcSou/.i


Dube (1996) sistematizou descobertas sobre aprendizagem discriminativa na
construção de uma estratégia de ensino que leva em conta os seguintes pressupostos:
1) métodos de ensino devem ser planejados para que os erros dos alunos possam ser
minimizados durante o processo de aprendizagem; 2) um programa de ensino eficaz
deve conter passos intermediários nos quais o comportamento pré-requisito para o passo
seguinte seja ensinado, ou seja, o programa deve permitir que o aprendiz avance somente
se apresentar os pré-requisitos para responder corretamente à próxima tentativa, e 3) o
início do programa deve conter estímulos discrepantes, que favoreçam discriminações
imediatas, antes que os alunos possam progredir até discriminações mais acuradas.
Um estudo que vimos conduzindo com leitores iniciantes, sobre a habilidade
de contar histórias, evidenciou alguns aspectos relevantes sobre o ensino de
discriminações complexas. Tais aspectos suscitam uma discussão sobre a importância
da adequação entre os objetivos e o planejamento do ensino de discriminações, para
garantir desempenho sem erro e de acordo com o planejado. À primeira vista, se
focalizarmos apenas a topografia do comportamento de contar uma história, esse
comportamento parece distante de envolver discriminações. No entanto, estudos
sistemáticos da Gramática de História evidenciam que uma base importante para que
os indivíduos sejam capazes de contar histórias, e até mesmo de produzir histórias
originais, reside no conhecimento de elementos estruturais de uma história (Mandler &
Johnson, 1977; Maranhe, 2004; Silva & Spinillo, 2000; Spinillo & Martins, 1997; Spinillo &
Simões, 2003). Considerando que “conhecer” esses elementos estruturais pode
significar discriminá-los no fluxo da história, o comportamento de contar histórias a
partir dessas discriminações pode ser considerado como comportamento sob controle
discriminativo. Nesse caso, a ênfase muda da topografia para a função de controle
discriminativo do comportamento. Uma pesquisa sobre o papel do controle de estímulos
no comportamento de estudar, destacando elementos relevantes de um texto (como as
teses principais, argumentos, etc) e no comportamento de construir textos, evidenciou
que as discriminações de elementos relevantes do texto podem levar à construção
satisfatória de novos textos (Botomé, 1979; Botomé & Gonçalves, 1980). Esses resultados
sugerem que processo semelhante pode ocorrer na produção de narrativas.
Segundo Maranhe (2004), cinco elementos ou categorias micro-lingulsticas
são considerados essenciais na análise de histórias. Tais elementos são: cenário,
tema, enredo, resolução e seqüência. O cenário é composto por local, tempo e
personagens da história. O tema constituí-se dos problemas que os personagens
terão que resolver ao longo da história. O enredo se refere às ações dos personagens
para resolver seus problemas. A resolução da história é como a história termina. E a
seqüência refere-se à análise da ordem na qual os outros elementos são apresentados.
Empregando essas definições, e com o objetivo de avaliar os efeitos de um programa
para ensinar crianças com dificuldades de aprendizagem a identificar categorias
estruturais em histórias orais, além de avaliar o desempenho de produçáo de histórias
originais e de compreensão de histórias relatadas, essa autora programou o ensino
dos quatro primeiros elementos essenciais, por meio de um procedimento de descrição
e identificação de tais categorias. A seqüência não foi diretamente ensinada, mas
esperava-se que emergisse como sub-produto da aprendizagem dos demais elementos.
Os participantes desse estudo mostraram melhora no desempenho em relaçào à
discriminação das quatro categorias, bem como passaram a contar histórias mais
completas, em comparação com seu repertório de entrada. Uma análise do procedimento
de ensino empregado por Maranhe (2004) sugeriu que talvez um procedimento centrado
no ensino sistemático de discriminações entre as categorias, em que o aluno fosse

SobreComportumcnlocCoflmvão 65
exposto tanto a exemplos (S*) como a contra-exemplos (S ) pudesse favorecer
discriminações mais acuradas das diferentes categorias. Ao implementar o
procedimento com alunos de quarta-série que apresentavam muita dificuldade de leitura
e de compreensão de leitura, verificamos que, apesar de um bom desempenho nas
tarefas de discriminação propostas, os participantes apresentaram erros, que, embora
pouco freqüentes, ocorreram de forma sistemática (Sella, Bandinl, & de Souza, em
preparação). Neste texto, serão analisados os possíveis controles de estímulos
inadequados, que podem ter induzido os erros e o papel que o planejamento de ensino
pode ter tido no estabelecimento de tais controles.

Programa de ensino de discriminação de categorias de histórias


Para contextualizar o exemplo que queremos analisar, alguns detalhes do
procedimento parecem importantes. As sessões de ensino consistiram em duas etapas.
A primeira delas foi chamada de descrição das categorias essenciais (cenário, tema,
enredo e resolução). A segunda etapa foi chamada de identificação de tais categorias.
O estudo foi conduzido com oito crianças entre 9 e 12 anos e a seqüência de ensino foi
contrabalanceada entre os participantes (cenário, tema, enredo e resolução, nesta
ordem, para três participantes e, na ordem inversa, para os demais).
Nas sessões de descrição das categorias essenciais, a experimentadora
explicava no que consistia cada uma das categorias. Em cada sessão era descrita
apenas uma categoria. Por exemplo, na descrição da categoria cenário, a
experimentadora dizia: "Você sabe o que é o cenário de uma história? O cenário inclui o
local e o tempo em que se passa a história, e também, os personagens. Os personagens
são quem faz ou fala alguma coisa na história. O local ó onde a história acontece. O
tempo é quando a história acontece.” A seguir, lia-se uma história e juntos,
experimentadora e participante, apontavam o que seria a categoria em questão e porque
era importante conhecê-la.
Após a descrição, tinha inicio a identificação das categorias essenciais. A
experimentadora lia uma nova história para o participante e apresentava três questões de
múltipla escolha, uma de cada vez. Cada questão continha quatro alternativas. As questões
foram planejadas de modo a começar com estímulos bastante discrepantes e avançar
para discriminações cada vez mais refinadas. Um exemplo é apresentado na Tabela 1.
Na questão 1 da categoria resolução, por exemplo, além da alternativa correta,
outras três alternativas apresentavam uma resolução da história completamente diferente
daquela da história lida. A segunda questão apresentada aos participantes incluía, além
da alternativa correta, alternativas nas quais havia a junção de informações corretas e
informações nào contidas na história. A terceira questão continha apenas informações da
história, porém cada alternativa correspondia a uma categoria essencial diferente. Este
procedimento de apresentação das questões era repetido mais uma vez, com uma nova
história. Desta forma, para a identificação de cada categoria ensinada, foram lidas duas
histórias. Cada história foi selecionada por conter todas as categorias essenciais.
A cada nova categoria ensinada, eram retomados os conteúdos das categorias
trabalhadas anteriormente, na forma de perguntas e respostas. Por exemplo, na sessão
de ensino de tema, se este fosso ensinado logo após cenário, perguntava-se ao
participante se ele se lembrava o que era o cenário. Logo em seguida, era apresentada
a definição já utilizada na sessão anterior. Este procedimento era repetido até que o
ensino das quatro categorias fosse finalizado, com a demonstração de que os alunos
haviam aprendido os conceitos e as discriminações relevantes.

6 6 Ciirrncn Silvia M . H.imlini, A n .i t.irolin.i Scll.i c I >ci*y d«is C/r.iç.is tio Nou/.i
Tabela 1
Exemplos de questões de múltipla escolha em graus de dificuldade para a categoria
resolução
História Exemplos

A viagem de mamãe 1 - Como a história de Cláudio foi resolvida?


( ) a avó de Cláudio disse que ela o levaria
Hoje, a mãe de Cláudio está
em uma viagem.
preparando uma viagem.
( ) Cláudio pediu a viagem ao Papai Noel e
Cláudio vai para o quarto de sua
conseguiu ir com a sua mfle.
mãe e olha o jeito como ela
( ) a mâe de Cláudio prometeu-lhe que ele
arruma a mala.
iria na próxima viagem.
-Mamãe, por que vocô nõo me
leva junto? ( ) o pai de Cláudio não deixou que ele
-Eu gostaria muito de levar vocô viajasse com sua mãe.
comigo, - respondeu a mãe - mas 2 - Para que Cláudio ficasse satisfeito o que
a passagem é muito cara. foi feito?
-Entâo me leva na mala - insiste ( ) sua mâe prometeu que iriam viajar juntos
Cláudio. da próxima vez.
-Vocô já ô bem grandinho; nâo ia
( ) sua mâe o dobrou e colocou dentro da
caber dentro dela.
mala.
Cláudio pensa um pouco e dá uma
( ) sua mâe o lavou até que ele ficasse bem
idéia:
pequenininho.
-Me lava. mamâe. Se vocô me
( ) Cláudio foi para o quarto de sua mãe e
avar bastante, bastantâo mesmo,
entrou na mala.
9u vou ficar bem pequenininho.
3 - Como o problema de Cláudio foi resolvido?
-Filhinho, isso nâo dará certo, mas
( ) Cláudio foi ao quarto de sua mãe.
fique tranqüilo que da próxima vez
( ) sua mãe disse que não poderia levá-lo
eu te levo - respondeu
desta vez, mas o levaria em outra.
amorosamente a mãe.
( ) Cláudio propôs ir na mala de sua mãe.
( ) Cláudio ficou aflito porque queria viajar
com a mâe

A partir deste procedimento de ensino, conformo ilustrado na Figura 1, obteve-


se como resultado 169 respostas corretas (88%), nas questões de múltipla escolha.
Tal desempenho pode ter sido fruto de dois fatores presentes no procedimento de
ensino. Em primeiro lugar, as alternativas múltiplas consistiam, Inicialmente, em
estímulos bastante discrepantes, e terminavam, após uma questão com alternativas de
discrepância intermediária, como estímulos que exigiam uma discriminação mais
refinada. Da mesma formaqueos estudos de Sidman e Stoddard (1967) e Stoddarde
Sidman (1967), a gradação da discrepância entre os estímulos permitiu que o aluno
adquirisse o repertório programado com poucos erros, porque tal gradação parte de
uma tarefa mais simples para outra sutilmente mais complexa. Em segundo lugar, as

Sobre Comport.imcnlo c Coflniç.lo 67


alternativas múltiplas, ao fornecerem dicas sobre a resposta a ser apresentada,
facilitaram o responder dos participantes. Diferentemente de questões abertas, que
exigem uma resposta sem apoio textual,
alternativas múltiplas apresentam por
escrito a resposta correta, mesmo que
esta esteja na presença simultânea de
outras, incorretas (Oliveira-Castro e col,
2002; Sidman & Stoddard, 1967; Stoddard
& Sidman, 1967).
Do ponto de vista das categorias,
15 dos 2
categoria cenário. Essa categoria implicava
na identificação de trôs subcategorias,
personagem, tempo e local, o que pode ter
Figura 1 Total d« «cario* e erro« de iodos o« participantes dificultado o desempenho dos participantes.
durante todas as sessões de ensino. Conforme discutido por Dube (1996), para
que o desempenho fosse satisfatório, o
planejamento de ensino deveria conter
tentativas com aproximações graduais para cada uma das subcategorias. Em decorrôncia
deste pressuposto, uma possível solução para tal problema seria o desmembramento do
ensino das subcategorias em uma espécie de esvanecimento (Lambert, 1980; Sidman &
Stoddard, 1967; Stoddard & Sidman, 1967), no qual cada subcategoria fosse incluída de
acordo com uma pró-programação de passos.
Embora a ocorrência de erros, ao longo do procedimento, tenha sido relativamente
baixa (23 respostas incorretas), o ideal seria que não tivessem ocorrido. Se, por um lado, a
gradação da dificuldade das discriminações favorece os acertos, por outro, essa mesma
gradação pode ter sido a fonte dos erros que ocorreram de forma sistemática na categoria
cenário ou nas questões 3 (Q3). Esta categoria era justamente a que requeria um número
maior de discriminações. E as 03 eram as que requeriam discriminações mais refinadas. A
Tabela 2 mostra a distribuição de freqüência de erros nas duas histórias, em função das
categorias e dos tipos de questão'.

Tabela 2
Distribuição de freqüência de erros no treino de Identificação de Categorias por questão,
categoria e história
(Mefjorma mtorrni HlBlÓtlH2 Totalporcm
QÍ 02 03 ÛI Q2 " 02
Canário 0 2 7 0 1 5 15
Tema 0 0 1 0 0 1 2
Enrado 0 1 0 0 0 2
Haanhirao 0 0 0 0 3 1 4
Total por quastio 0 3 8 0 4 8
Tola) por história n 12
* Q1, Q2 e Q3 referem-se ás Questões 1, 2 e 3, respectivamente
1DevtdoaolatoquanèotoramapraaantadaadtfamnçMno*fraudado»oWWutquandoa«damd»analnodaaoatogoriailoialtararia,o*naauftadoa
ohtldosainambasai Mquéndai loramaprMantadoa#mconjuntonaTabata2.

68 Cttrmcn Silvút M. Btimlini/ An«i Curolitw Sell<i c Pcuy d»is C/rdÇdt dc Sou/.t
Quanto à dificuldade discriminativa das questões, os erros, mostrados na Figura
2, foram mais freqüentes nas questões 3 (Q3), que eram exatamente aquelas nas
quais todas as alternativas continham informações incluídas na história lida (embora
em categorias diferentes), o que tornava mais difícil discriminar. No caso, uma informação
empregada como S era verdadeira, do ponto de vista de que se referia à história em
questão, porém era incorreta, do ponto de vista do que estava sendo perguntado (o que
caracteriza a discriminação como uma discriminação condicional). Com base nas
considerações apresentadas por Dube (1996), Sidman e Stoddard (1967) e Stoddard e
Sidman (1967), a discrepância entre os estímulos na passagem das questões 2 para
questões 3 pode ter sido reduzida de forma mais abrupta do que o que seria necessário
para manter o repertório sob controle do estímulo discriminativo (S*). Esse efeito,
decorrente da redução na discrepância, poderia ter sido reduzido se a discrepância
entre as alternativas de resposta tivesse sido diminuída de uma forma menos abrupta.
Questões que contivessem discrepâncias intermediárias poderiam ter minimizado ainda
mais o número de erros cometidos pelas crianças.

15 | A
*
- 12 I *

— «• História 1
■■ História 2
- ac total

Figura 2. Número de erros por fipo de questáo durante o


ensino do Idontificaçâo de Catogorias

Considerações Finais
Este capítulo focalizou aprendizagens discriminativas e empregou alguns
resultados ilustrativos, que foram selecionados de um estudo mais amplo, para evidenciar
alguns aspectos importantes na análise, planejamento e na avaliação de ensino, quando
se pretende um ensino eficiente e livre de componentes aversivos (Skinner, 1968).
O comportamento de interesse era a compreensão e produção de histórias. No
entanto, não tratamos desse aspecto do repertório, que será objeto de outro trabalho
(Sella e col, em preparação), mas da aprendizagem de discriminações complexas (de
aspectos estruturais de conteúdos de histórias), consideradas como importantes
requisitos para se chegar ao comportamento alvo.
De forma geral, o procedimento proposto a partir de uma análise minuciosa
das discriminações a serem ensinadas e do planejamento das condições de ensino,
colaborou com a aprendizagem da descrição e identificação de categorias essenciais
de histórias para os alunos participantes. Tendo em vista o número total de oportunidades
de resposta, o número de acertos foi acentuadamente maior do que o número de erros.
Contudo, o bom desempenho dos alunos poderia ter sido maximizado se o planejamento

Sobre Comportamento c C opni^lo 69


de ensino tivesse envolvido passos (questões) intermediários entre os passos que
foram apresentados. Os resultados indicam que, em algumas categorias e, em alguns
tipos de questões específicas, a gradação na discrepância entre os estímulos
discriminativos (S *e S ) foi mais do que aquela que manteria o desempenho sob controle
do S \ A avaliação cuidadosa do desempenho permite seu monitoramento e a identificação
de aspectos do procedimento ou do material de ensino que favorecem a ocorrência do
comportamento sob controle de propriedades de estímulos diferentes de, e às vezes
incompatíveis com, aquelas pretendidas pelo professor ou experimentador (Dube, 1996;
Skinner, 1968). No procedimento empregado nesse estudo, a eliminação de tais
controles dependerá de uma reprogramação das condições de ensino, com foco em
cada um dos elementos da categoria cenário (local, tempo e personagens) e com o
acréscimo de passos intermediários (e aumento mais gradual) na discrepância entre
S * e S nas questões sobre cada categoria da história.
As análises e considerações apresentadas para este caso podem ser
generalizadas para outras instâncias em que seja necessário o ensino de
discriminações complexas, como é o caso do comportamento verbal em geral.

Referências

Botomó, S. P. (1979). Questões de ostudo: uma condição para instalar discriminação do aspectos
Importantos do um texto. Psicologia, 5, 1*27.
Botomó, S. P., & Gonçalves, C. M. C. (1980) Descubra um novo autor: vocô. Sâo Paulo, SP: Brasilionso.
do Rose, J. C. C. (1999). Explorando a rolação ontre ensino eficaz e manutenção da disciplina. Em:
F. P. N. Sobrinho e A. C. B. da Cunha (Orgs). Dos problemas disciplinares aos distúrbios de
conduta: práticas e reflexões Rio de Janeiro, RJ: Dunya
Dube, W V. (1996). Toaching discrimination skills to persons with mental retardation. Em: C. Goyos,
M A. Almeida, & D. de Souza. Temas em Educaçào Especial. Sâo Carlos, SP: EDUFSCar.
Dube, W. V., Mcllvano, W. J. (1996). Somo implications of stumulus control topography analysis for
omorgont stimulus classes. Em: T. R. Zentall & P. M. Smeets (Org). Stimulus class formation
In humans and animals. North Holland, Elsevier, pp. 197-218.
Dubo, W. V., Mcllvano, W. J. (1997a). Variáveis de reforçamento e discriminação de estímulos
complexos em deficientes mentais. Temas em Psicologia. 2, 7-14.
Dube, W. V., & Mcllvane, W. J. (1997b). Reinforcer frequency and restricted stimulus control.
Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 68, 303-316.
Gallo, A. E., & de Souza, D. G. (2004) Ensino do roconhocimonto de palavras com baso om
procedimentos de aprendizagem som erro. Em: E. G. Mendes, M A Almeida, & L. C. A.
Williams (Orgs). Temas em EducaçAo Especial: avanços recentes. Sâo Carlos, SP: EDUFSCar.
Lamborl, J. L. (1980). Stimulus fading procedures and discrimination learning by retarded children.
Em: J. Hogg & P. J. Mltler (Orgs). Advances in mental handicap research (1). Now York, NY:
John Wiley & Sons.
Macllvane, W. J. (1998). Teoria da coerôncia da topografia de controlo de estímulos: uma brove
Introdução. Temas em Psicologia, 6, 185-189.
Mandlor, J. M., & Johnson, N. S. (1977). Romombranco of things parsed: Story structure and recall.
Cognitive Psychology, 9, 111-151
Maranho, E. A. (2004). Ensinando categorias estruturais de história a crianças com dificuldades
de aprendi/agem. Tese de Doutoramento. Programa de Pós-Graduação em Educação
Espocial. Unlvorsidado Federai de São Carlos - Sâo Carlos, SP.
Martin, Q, & Pear, J. (1988). Behavior modification: What it is and how to do it. Englewood Cliffs, NJ:
Prentice Hall.

70 C.inncn Silvj.i M . H<imlini, Ami Curolimi Scll.i c I>oisy J.u C/mç.i * J c Soum
Ollvelra-Castro, J. M., Faria, J B., Dias, M. B., & Coelho, D. S. (2002). Effocts of task complexity on
learning to skip steps: An operant analysis. Behavioural Processes, 59, 101-120.
Sella, A. C., Bandlni, C. S. M., & de Souza, D. G. (om proparação). Procedimento do ensino de
categorias estruturais de histórias o sua generalização para a comproonsão e a produção
do hlstôflas
Sidman, M. (1980). Anoto on tho moasuremont of conditional discrimination. Journal of the Experimental
Analysis of Behavior, 33, 285-289.
Sidman, M. (1989). Coercion and Its fallout. Boston, MA: Authors Cooperative.
Sidman, M. (1992). Adventitious control by tho location of comparison stimuli in conditional discrimination.
Journal of the Experimental Analysis of Behavior,58, 173-183.
Sidman, M, & Stoddard, L. T. (1967). The effectiveness of fading in programming a simultaneous form
discrimination for retarded children. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 10, 3-5.
Silva, M. E. L., & Splnlllo, A. G (2000). The effect of different situations on written stories. Psicologia:
ReflexAo e Critica, 13, p.337-350.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York, NY: Macmillan.
Sklnnor, B. F. (1968). The tecnology of teaching. Now York, NY: Apploton-Contury-Crofts.
Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Columbus, OH: Morril.
Splnlllo, A.G., & Marlins, R. A. (1997). Uma análise da produção do histórias coorontos por crianças.
Psicologia: Reflexão e Critica, 10, 219-148.
Spinillo, A. G, & Simões, P. U. (2003). O desenvolvimento da consciência metatextual em crianças:
questões conceituais, metodológicas o resultados do pesquisa. Psicologia: Reflexão e
Crítica, 16, 537-546.
Stoddard, L. T., do Rose, J. C. C., & Mcllvane, W. J. (1986). Observações curiosas acorca do
desempenho deficiente após a ocorrência do orros. Psicologia, 12, 1-18.
Stoddard, L. T., & Sidman, M (1967). The effects of errors on children’s performance of a circle-
elllpse discrimination. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 10. 261-270.
Terrace, H. S. (1963a). Discrimination learning with and without “errors". Journal of the Experimental
Analysis of Behavior, 6, 1-23.
Terrace, H. S. (1963b). Errorless transfer of a discrimination across two continua. Journal of the
Experimental Analysis of Behavior, 6, 224-232.

Sobre Comporícimcnto c Cognição 71


Capítulo 8
Tecnologia comportamental no contexto
de ensino: favorecimento da
aprendizagem e do surgimento
de comportamentos criativos1
Carmen Silvia Motta Bandini' e Julio César Coelho de Rose’
Universidade Federal de São Carlos

Introdução
Os problemas na Educação e no ensino vêm sendo amplamente estudados e
discutidos. Comumente nos deparamos com a queixa de que o sistema tradicional de
ensino produz alunos que aprendem pouco, os que aprendem, aprendem mal e, como
conseqüência, são alunos pouco criativos. B. F. Skinner foi um autor diretamente envolvido
na procura de soluções para estes problemas e muitos textos de sua obra foram
dedicados exclusivamente a este tema. Um dos trabalhos mais importantes do autor
sobre o assunto foi o livro Tecnologia do Ensino (1968), o qual, apesar de publicado há
quase quarenta anos, nos mostra muito sobre os problemas encontrados nas queixas
atuais sobre o sistema educacional.
No presente trabalho, realizou-se uma análise conceituai de textos de Skinner
relacionados ao ensino e a aprendizagem, principalmente do livro Tecnologia do Ensino,
com o objetivo de verificar quais tecnologias o autor propôs para a melhoria da Educação,
focalizando de forma especial a formação de alunos criativos no contexto de ensino. O
itinerário a ser seguido envolve uma apresentação do que Skinner considera como sendo
uma Educação eficaz e quais as tecnologias disponíveis para a construção deste tipo de
Educação. Encaminharemos a seguir, uma análise de como o autor concebe o ensino de
comportamentos que usualmente são conhecidos como pensar e como, por meio desta
análise, torna-se possível que comportamentos criativos sejam promovidos.
' fclaboraçâo do trtibulho financiada pota Fundação de Amparo à Peaqulea do Ettado d« S*o Paulo FAPE8P, proceaao 03000?« 4
0
' Departamentode FHoaofla Metodologia daa Clftndaada Untveraidade Federal da 3âoCario« E mad para contato nhanrtmiOaiinnmi nmn.hr
Auxilio financeiro FundaçAo da Ampam A Peaqulea do Estado da Sâo Paulo-FAPfcSP
* Dapamimanto da Pslcoiogin da UntvoriKlado Fodoral de Sâo Cario« Emall para contato minx A n m ii O valtaü.uom.bt

72 Ctimien Silvia M. Rtindimclulio Ccuir Coelhode Ro*e


1 - A tecnologia educacional na concepção skinneriana: as máquinas
de ensinar e a instrução programada
Para conduzir nossa análise, devemos, primeiramente, considerar uma
característica importante da tecnologia comportamental proposta por Skinner no âmbito
educacional, a saber, a de que o desenvolvimento desta tecnologia é resultado de uma
ciência do comportamento, a análise experimental do comportamento (Skinner, 1953/
1965; 1968). É por meio, entào, dos resultados obtidos na experimentação com animais
inferiores e com humanos que temos as bases para o desenvolvimento de uma
tecnologia que possa ser utilizada na resolução dos problemas educacionais. Essa
consideração nos é importante porque salienta que os pressupostos basais desta
tecnologia advêm dos resultados obtidos dentro do escopo de uma ciência que tem
como principais características a determinação e a possibilidade de previsáo e controle
de seu objeto, o comportamento.
Para entendermos a proposta tecnológica skinneriana, então, devemos voltar
nossa atenção para algumas noções resultantes do estudo do comportamento, sendo
a principal delas, para nossos objetivos neste texto, a noção de condicionamento
operante. Isso porque é da noção de condicionamento operante que podemos extrair
três princípios básicos da tecnologia educacional skinneriana, a saber, 1) as
conseqüências de um comportamento interferem na probabilidade de emissão futura
de comportamentos de uma mesma classe, 2) comportamentos desejados e
devidamente reforçados podem ser favorecidos e comportamentos indesejadas podem
ser eliminados de acordo com as leis do reforço e 3) os diferentes esquemas de reforço
podem tornar um comportamento forte ou fraco no repertório do indivíduo.
Mais que isso, como a tecnologia é vislumbrada dentro da perspectiva do
condicionamento operante, devemos entender que a aprendizagem somente pode ser
compreendida dentro das relações estabelecidas em uma contingência de reforço.
Dito de outra forma, é necessário levar em conta a ocasião em que uma resposta
ocorre, a própria resposta e as conseqüências desta resposta, ou seja, as relações
estabelecidas entre um estímulo discriminativo e a resposta e entre a resposta e sua
conseqüência, é a manipulação destas relações que permite o desenvolvimento das
técnicas sugeridas por Skinner e que serão aqui analisadas.
Para Skinner (1968), o ensino é definido como sendo o arranjo de contingências
de reforço. Em contato com o ambiente, um indivíduo aprende sem ser ensinado; porém
se falamos de ensino devemos falar de arranjos programados de contingências que
geram as respostas desejadas. Levando-se em consideração o condicionamento
operante, segundo nosso autor, contingências podem ser planejadas para que: 1)
operantes que não apareceriam naturalmente no repertório do indivíduo, pelo menos
não imediatamente, possam ser emitidos (estabelecimento de um repertório), 2) as
propriedades temporais ou de intensidade de um operante sejam alteradas, 3) operantes
possam ser colocados sob controle de determinados estímulos e, por fim, 4) para a
manutenção do repertório adquirido (depois que um operante foi estabelecido, ele pode
se manter forte mesmo quando a freqüência de reforçamento é gradualmente reduzida).
A tecnologia daí derivada ó, então, o planejamento das contingências de reforço
que estabeleçam repertórios comportamentais, que no caso a ser abordado neste
texto, devem ser repertórios educacionais. Neste plano, podemos destacar duas formas
tecnológicas diferentes apresentadas por Skinner (1968), porém que se completam: as
máquinas de ensinar e a instrução programada.

Sobrf Comporl.imcnto c CoHniyão 73


Para Skinner (1968), uma máquina de ensinar é um dispositivo que implementa
a instrução programada. Nas palavras do próprio autor, uma máquina de ensinar ó
“qualquer artefato que disponha contingências de reforço” (p. 65)4. Existem diferentes
formas de aparatos, assim como existem diferentes formas de contingências a serem
planejadas para os diferentes tipos de material a ser ensinado. Contudo, algumas
características fundamentais são necessárias e devem ser asseguradas pelas
contingências planejadas. A primeira delas é a de que o material deve fornecer
oportunidades para que o aprendiz responda e deve propiciar o reforço imediato da
resposta correta. Em seguida, considera-se que tal material deve ser planejado de
forma que as respostas a serem dadas pelo aluno dependam das respostas dadas
anteriormente, ou seja, deve ser estabelecida uma modelagem da resposta complexa
final. Esta característica é importante em um ensino eficaz porque a aquisição de
comportamentos complexos envolve passos de considerável extensão e sendo assim,
os passos a serem ciados devem ser pequenos para que possam ser dados com
esforço mínimo e com menores chances de erros ao mesmo tempo em que devem
encaminhar o comportamento do aluno à aquisição do comportamento complexo final,
Por fim, o material, caso não seja naturalmente reforçador, deve permitir o uso de reforços
suplementares.
Algumas vantagens de um ensino assim delineado, quando comparado ao
ensino tradicional das salas de aula, são apontadas por Skinner (1968). Em primeiro
lugar, tem-se que, se programada da maneira descrita, uma máquina de ensinar mantém
um aluno em atividade contínua, pois o intercâmbio entre o programa e o estudante não
termina. Consideramos que assim minimizam-se as situações em que, por um motivo
ou por outro, o aluno fica sem qualquer tarefa em sala de aula, podendo-se assim
otimizar o tempo de estudo: o aluno poderia dispensar menos horas em sala e, ao
mesmo tempo, permanecer na escola para outras atividades como as de recreação, de
convívio social etc. Outra vantagem da instrução programada é que o uso da máquina
permite que um dado ponto seja completamente entendido, para que o aluno possa
prosseguir. A progressão pode ser feita, por exemplo, quadro a quadro5, onde o aluno
não avança para o quadro seguinte caso náo fenha respondido corretamente o quadro
atual ou em séries de respostas, onde o aluno volta a responder as questões que
respondeu de forma incorreta após responder todo um bloco de quadros. Mais que
isso, a máquina somente apresenta ao aluno material didático para o qual ele está
preparado e, sendo assim, o aluno somente dá o passo no momento em que tem uma
ampla gama de condições de dá-lo, minimizando os erros do estudante“. Por fim, a
máquina permite reforço imediato que modela e mantém fortes as respostas desejadas.

4Da manoira como (m definida, uma niA<tuinti de miMwir podo assumir drtorentes loimaa Por exomplo, um livro que oontenho maternal
programado do eiwltio ou um computador que exiba um programa tambóm de limtruçAo programada, podem ser, desta perspectiva, uma
máquina de onsJnar NAo nocessariamento, portanto, uma máquma de onslnar precisa se aproximar em sou aspecto IIskx) das máquina«
descritas por Sklnnor em seu livro Tecnologia do bnsmo (1966) ou de qualquer outru de suas pubUcaçôos
' Usualmente o material progmmado é disposto em uma máquina de ensinar na forma de ‘quadros". Cada quadro corresponde A apresentação
de material (Informações, diagramas, figuras, ele) que requer um ttpo de resposta do aluno Dependendo do tipo de máquina utW/ada, a resposta
pcxle sor oral, escrita, de apontar, etc Um computador é, portanto, um Upode máquina de ensinar bastante Interessante porque lucAntenle podo
dls|>or o malnrial programado na forma de quadros
• Pesquisas na área de enalno moetram que contingências de retorço podem ser dispostas de forma a mlntmlíarem oe erroe doa alunos e que.
como resultado, garantem um ensino mala eficiente O ensino de discriminação por meio de procedimento de tmMmi in, por exemplo, pode ser
considerado um procedimento deeto *po o <x*nporlamento do afuno de reeponder a um determinado eehmuto á modelado e, em segukla, um novo
estimulo vai sendo úMrodu/ido de lorma muito gradual (o eetfmuio pode aparecer esmaeodo e eeus uontomoe podem Msendo mal» bem definidos
até que se tomem bem nítido», por exemplo) Ao finai do processo, o aluno consegue reeponder corretamente também diante do novo estimulo
Um estudo clássico que uttza tal prnoecímento á de Stdman e Stoddard (1967), Inclusive oNado por Skinner (1968), no qual Indivíduos oom retardo
mental foram enainadoe a dtocrimmar círculos de eüpses. Inicialmente, o procedimento modelou a resposta dos participantes em responder ao
circulo que aparecia eo/lnho em uma tela Depois de modelada eeta reapoeta. oito elpeee esmaecidas Iam sendo apresentadas simulaneamente
e gradatfvemente, a cada tentattva, seus contornos Iam se tomando nítidos Ao ftnnl do programa de eneino. oe alunos respondwm corretamente
pressionando o circulo meemo diante das aipsee. Para maiores eedareosnentoe ver 9toddarde Stdman, 1967; Sidman e Stnddard. 1967; Skinner,
1968 eStoddard.de Roso oMdh/nno, 1966

74 G irm c n Silvi.i M . R.indini c lulio Ce&ir Coelho de Rose


Com todos estes requisitos, o aluno avança de acordo com seu próprio ritmo,
não ficando exposta às conseqüências aversivas de “ficar para trás” quando não
acompanha o ritmo dos demais alunos. Ao mesmo tempo, diferente do que acontece
em uma sala de aula comum, a máquina é capaz não somente de apresentar um
número ótimo de contingências para o ensino de um determinado assunto, número
este que segundo Skinner (1968) supera em muito o número que uma professora pode
planejar em um ambiente educacional tradicional, como também pode reforçar todas
as respostas emitidas pelo aluno. Neste último caso, o ensino assim apresentado
propicia não somente o estabelecimento do repertório desejado por meio de
reforçamento por aproximações sucessivas, mas permite manter as respostas dadas
anteriormente com alguma força no repertório do estudante.
Outra vantagem apontada por Skinner (1968) é a de que o aluno é a autoridade
final do programa. Como o acompanhamento pode ser feito passo a passo, é possível
identificar quais são os passos que eventualmente provocam erros constantes e quais
as seqüências de respostas exigidas que necessitem ser ampliadas. Isso significa
dizer que, de fato, uma situação como essa permite um ensino realmente individualizado,
que supera em muito as possibilidades de ensino Individualizado conseguidas por
uma professora.
Contudo, a esta altura de nossa apresentação uma pergunta torna-se pertinente:
uma tecnologia que facilita tanto as tarefas dos alunos não estaria contribuindo para criar
alunos incapazes de pensar? Uma "máquina de ensinar" poderia ensinar um aluno a
pensar ou, mais que isso, poderia gerar alunos criativos? Essas perguntas podem ser
analisadas quando consideramos o pensar e o criar na concepção skinneriana.

2 - Desconstruindo os conceitos de pensamento e de criatividade


A questão relacionada ao ensino de um aluno que “pense" e que seja “criativo”
é bastante discutida por Skinner no livro Tecnologia do Ensino (1968) e aparece também
em outros textos em diferentes momentos da obra do autor. Em seu livro Walden II
(Skinner, 1948/1973), por exemplo, o autor dedica um capitulo inteiro para mostrar como
funcionaria a Educação na comunidade utópica de Walden II e mostra a importância do
pensar na formação dos alunos. Em um dos trechos daquele capítulo vemos a
Importância do ensino do pensar sendo discutida por Frazier, o planejador da
comunidade, e alguns visitantes:
Uma vez que nossas chanças eslejam felizes, cheias de energia e curiosas, nào
precisamos ensinar nenhuma matéria'. Ensinamos somente técnicas de aprender a
pensar. Assim, para Geografia, Literatura, Ciências - damos às nossas crianças
oportunidade e orientação e elas aprendem por si mesmas.(Skinner, 1948/1973, p. 122)
Contudo, como podemos conceber o ensino do pensar dentro da proposta
tecnológica de instrução programada e de máquinas de ensino que apresentamos até
o momento? Para responder a esta questão devemos analisar como Skinner compreende
o pensar dentro de sua obra.
Tomemos, então, para realizar esta tarefa, o trecho transcrito acima como ponto
de partida para nossa análise. Nele vemos que Skinner indica as noções de que o
pensar pode ser ensinado e de que existem técnicas para o ensino do pensar. Isso nos
faz pressupor, então, que Skinner não concebe o pensar como uma atividade inacessível
realizada pelo indivíduo, mas sim como uma atividade manipulável, porque pode ser
ensinada e modificada, e sujeita à determinação, porque técnicas podem ser
desenvolvidas para seu ensino. Ou seja, o pensar na visão skinneriana não assume o

Sobre Com porfiim cnlo c Coflniçíio 75


papel comumente acerto e difundido de categoria resultante de um trabalho mental ou
cognitivo, porque é diretamente manipulável, Assim, o trabalho de nosso autor ó o de
transformar a noção de pensamento comumente aceita em uma noção que concebe o
pensar como comportamento, dentro dos moldes de uma ciôncia do comportamento.
Sendo assim, encaminhar esta questão a partir de agora nos faz distinguir dois
focos diferentes no trabalho de Skinner: 1) o autor dissolve a noção de pensamento
como sendo a de um conceito, construto teórico ou atividade mental ou cognitiva e, com
isso, direciona sua análise para uma análise da ação e, em seguida, 2) o autor identifica
quais são os comportamentos que comumente denominamos como pensar, para
realizar uma descrição de suas topografias e explicar tais comportamentos buscando
as variáveis das quais tais respostas podem ter sido uma função. Neste sentido,
entendemos porque Skinner (1953/1965; 1957; 1968; 1974/1976) ao tratar do
pensamento substitui o uso do substantivo pensamento pelo uso do verbo pensar. Ele
o faz porque, com isso, coloca o pensar no nlvel do comportamento para tratá-lo como
tal. A partir dal, pode buscar compreender que tipo de comportamento ó, em geral,
reconhecido como uma forma de pensamento, descrevendo as formas das respostas
e buscando seus respectivos controles. Por exemplo, Skinner comenta que utilizamos
o verbo pensar comumente quando: 1) dizemos que alguém pensa matematicamente,
por exemplo, por se comportar comumente utilizando a matemática em situações
cotidianas; 2) podemos identificar o pensar com comportar-se em relação a um estimulo,
"pensando" que está chovendo ao ser molhado por um esguicho de água ou 3) utilizamos
pensar também como sendo algum processo comportamental como aprender, abstrair
ou discriminar (Skinner, 1968, p. 119), ou ainda 4) simplesmente como "agir fracamente"
no sentido de que emitir a sentença “eu penso" é diferente de emitir a sentença "eu sei"
(Skinner, 1974/1976, p. 114). Para Skinner (1968; 1974/1976), contudo, pensar não
parece exigir, em nenhum desses casos, uma explicação complexa, pois não há a
exigência de qualquer técnica especial de manipulação de variáveis e não há nenhuma
dificuldade, dentro de uma análise operante, de se ensinar qualquer um destes
repertórios. Isso porque são conhecidos da análise experimental do comportamento
procedimentos para estabelecer repertório de discriminação ou abstração, por exemplo.
Quais seriam, então, as formas de pensar complexas exigidas no trabalho
educacional? Por motivos de espaço, não poderemos identificar com muitos detalhes
todas as respostas incluídas neste tipo de pensar discutidas por Skinner. Escolheremos,
então, duas delas, a saber, o comportamento de atentar, comumente denominado de
"prestar atenção", e o comportamento de resolver problemas, por serem estas respostas
típicas em um contexto de ensino.
Trabalhemos agora, então, na resolução de um problema de física, por exemplo,
onde é preciso calcular a velocidade média de um móvel que percorre uma determinada
distância em um determinado tempo. Resolver o problema, neste caso, é mais do que
apenas emitir a resposta final, a velocidade média do móvel, porque envolve a emissão
de passos anteriores a esta resposta de solução: é necessário que o aluno reconheça
um método, ou uma fórmula adequada para resolver o problema e que consiga realizar
as operações matemáticas necessárias para, enfim, encontrar a resposta final. Com
isso queremos dizer que é necessário que o aluno emita respostas precorrentes, que
são, segundo Skinner (1968), as respostas preliminares que não são explicitamente
requeridas pelas contingências, mas que melhoram a eficiência do comportamento
posterior ao aumentarem a chance de reforço. O atentar, ou prestar atenção, a
características especiais do seu ambiente faz parte da resolução deste problema: o
aluno deve saber responder a aspectos relevantes do problema em questão e, ao

76 Cdrmcn Sllvúi M . BtimJini c lulio Céfcir C u d h o ilc Rosf


mesmo tempo, não responder aos aspectos irrelevantes, a fim de que possa emitir a
resposta final desejada. Dito de outra forma, ó somente se o aluno “dispensa sua
atenção" aos estímulos relevantes que ele poderá, com isso, melhorar as suas chances
de emitir a resposta de solução, ou seja, encontrar a velocidade média pedida.
É preciso então que o ensino aquf contemple todas as respostas precorrentes
mencionadas. E não há nada, segundo Skinner (1968), que a instrução programada,
como tecnologia, não possa efetuar em um caso como este porque estamos lidando com
comportamentos que expressam relações matemáticas e físicas e que podem ser
modelados no repertório do indivíduo. Ao mesmo tempo, aprender a atentar, nada mais é
que aprender a discriminar aspectos relevantes do ambiente e o ensino deste tipo de
relação pode ser realizado de muitas formas. Em um procedimento experimental mais
simples, como uma tarefa de “escolha de acordo com o modelo" (matching-to-sample),
por exemplo, o aluno deve atentar para o estímulo amostra (ou modelo) para depois olhar
e pressionar um dos estímulos comparação. Ensinar o aluno a olhar primeiro para o
estimulo amostra pode ser feito por meio da instrução de que, primeiro, ele deve responder
ao estimulo amostra, por exemplo, tocando o estímulo, e somente depois deve selecionar
o estímulo comparação. Caso não haja este tipo de instrução direta existe ainda alguma
possibilidade de que o aluno observe o estímulo amostra antes de pressionar o estímulo
comparação, porque o comportamento precorrente pode ser estabelecido por meio do
reforçamento do comportamento final desejado. Contudo, como o comportamento
precorrente não teria sido diretamente ensinado ao aluno, a sua aquisição não seria
garantida. O que Skinner ressalta é que o professor deve programar a ocorrência dos
comportamentos precorrentes, no caso os comportamentos de olhar e pressionar o
estímulo amostra, instruindo o aluno diretamente e arranjando as contingências
necessárias, como no caso da tarefa de escolha de acordo com o modelo.
Na concepção skinneriana, portanto, o ensino da resolução do problema da
velocidade média do móvel poderia ser feito por meio da instrução programada e das
máquinas de ensinar: o feedback imediato das respostas do aluno ao resolver o problema
de física reforçaria não somente sua resposta final, o valor da velocidade média do móvel,
mas também todos os comportamentos precorrentes envolvidos. Uma das críticas do
ensino fundamental realizada por Skinner (1968) é a de que a professora em uma sala de
aula do ensino regular conseguiria apenas reforçar a resposta final aberta dada pelo
aluno e perderia, assim, muitos dos comportamentos precorrentes emitidos pelo aluno
porque estes, em geral, ocorrem de forma encoberta. Em contrapartida, a máquina poderia
estabelecer as respostas precorrentes, por exemplo, o “olhar atento aos estímulos
importantes", cumprindo sua tarefa de modelar as respostas e, ao mesmo tempo, poderia
manter fortes as respostas de atentar ao longo dos passos
Uma pergunta pertinente neste momento é questionarmos se no exemplo acima
o aluno está de alguma forma pensando. Ao analisarmos o resolver problemas com
soluções conhecidas, denominados problemas algorítmicos, como o problema da
velocidade média do móvel, aparentemente não estamos falando de pensar. Quando
um aluno aprende técnicas de resolução de problemas, atentando para os estímulos
corretos, decidindo a respeito de diferentes cursos de ação etc, ele não parece mais
estar pensando. Parece executar apenas algum tipo de comportamento de forma
“mecanizada", respondendo aos estímulos de acordo com sua história de reforçamento.
Em outras palavras, o agir de acordo com a história de reforçamento parece ser
incompatível com a resolução de problemas heurísticos, ou seja, de problemas onde
uma solução ainda não faz parte do repertório de nenhum indivíduo de uma comunidade
verbal. Como é possível, então, que um arranjo de contingências possa instalar no

Sobre Com portiim ento e Coflniçdo 77


repertório dos indivíduos comportamentos desconhecidos da comunidade verbal como
um todo? É aqui que começamos a falar do que costumamos denominar criatividade
ou originalidade, ou melhor dizendo, onde tentamos resolver o problema da primeira
emissão de uma resposta. Segundo Skinner (1968) “ó indubitável que novas formas de
comportamento humano surgiram. Muito pouco do extraordinário repertório do homem
moderno era manifestado por seus ancestrais." (p. 179). Todavia, como podemos falar
do ensino de repertórios deste tipo?
Para Skinner (1968) esta é uma questão que somente pode ser respondida se
uma análise consistente da resolução de problemas heurísticos for realizada. Para o
autor, resolver problemas deste tipo nada mais é que adquirir técnicas que se destinam
a resolver problemas ainda sem solução. De fato, uma resposta que ainda não existe
no repertório da comunidade não pode ser ensinada por ela, mas há como aprender
técnicas que mudem o ambiente de forma a propiciar que a resposta surja. O que muda
de um caso para outro é apenas a maneira como as contingências podem ser arranjadas.
Vejamos agora como contingências que geram respostas originais podem ser
planejadas, seguindo o raciocínio skínneriano.
Em primeiro lugar, a posição skinneriana frente aos comportamentos criativos
ou originais, considera que existem “contingências fortuitas" ou casuais que podem
gerar novas respostas7. Analisando tais contingências, formas semelhantes de controle
podem ser programadas artificialmente. Dito de outra forma, se comportamentos criativos
não podem ser ensinados, porque se o fossem não seriam originais, é ainda possível
considerarmos que determinados arranjos de contingências podem ser programados
de forma a maximizar as chances de emissão de respostas originais, ou seja, criativas.
Skinner (1968) com a palavra:
Outrora parecia necessário atribuir a extraordinária diversidade das coisas vivas
a uma mente criativa % até que as teorias genéticas e evolutivas da origem das
espécies forneceram uma alternativa. (...) Novas respostas sâo geradas p or
arranjos acidentais de moléculas ou de genes. A descoberta científica o literária
e a invenção artística quase sempre podem ser atribuídas a uma espécie de
programação fortuita de contingências necessárias (pp. 179-180)
Neste sentido, contingências necessárias poderiam ser programadas e, então,
passarem a fazer parte de uma instrução programada como a descrita até aqui. Por
exemplo, o ensino pode ser programado para ensinar tudo, ou muito, do que já sa sabe
sobre um determinado assunto até então. Pode a partir daí, indicar o uso de técnicas de
primeira ordem, isto é, técnicas de resolução de problemas com solução já disponível,
para manipular o ambiente em favor a uma solução para um novo problema relacionado
a este assunto. Isso é possível porque, mesmo em se tratando de problemas heurísticos,
o indivíduo nunca começa do zero. Há sempre um conjunto de respostas que podem
colaborar para a emissão da resposta final, ou seja, um conjunto de respostas com as
quais o indivíduo pode contar para “ter com o que pensar" (Skinner, 1968). A partir destas
respostas iniciais, ou seja, de um repertório inicial, o aluno pode ser ensinado a procurar
como utilizar técnicas de resolução de problemas de primeira ordem e pode, com isso,
vir a produzir uma resposta original.
Além disso, o ensino para Skinner deve ser programado em uma tentativa de
propiciar ao aluno não somente saber sobre o que outros já realizaram, mas a explorar os
ambientes. Se o aluno for ensinado a atentar para estímulos relevantes de seu melo, por
’ NAo quoremo« com laao, aflnnnr que oxMn qualqoor torma d* Inctotermlnaçèo do comportamento Apenaa Skinner entendo quo novoa amin|o*
ambiental» poctom ocorrer acidentalmente (um vidro da tirita cair aotore uma Ma em branco, formando um deaenho) a,podam produzir nova»
raapoalaa. Indueive raapoalaa criaHvaa Ddo da outra tomta. oonUngénaae naoaaaártaa podam aar addenMa no »amido da n*o aararn planejada»
Contiido a determinação do comportamento, ou «afa. noa mlaçêo com um eetlmuto dtealminattvo e oom sua» conaeqüAnda», oonMnua prrmnrvadn

78 O in tie n Silvi.i M . R.imlmi e lulio C é w r Coelho de Ko*e


exemplo, estará mais apto a agir adequadamente em novas situações e diante de novos
problemas. Ao mesmo tempo, o ensino do que já foi descoberto, o repertório inicial do
aluno, deve ser um repertório que não implique em respostas com topografias rigidamente
definidas ou controladas por estímulos muito específicos, porque, se assim o for, dificultará
que o aluno possa generalizar as respostas rapidamente em novas situações. Vejamos
um exemplo dado por Sklnner (1968): um aluno que consegue repetir palavra por palavra
um texto apresenta o comportamento que, em geral, ó reforçado pelos professores em
uma situação tradicional de ensino. Contudo, o autor comenta que este tipo de
comportamento não ó, na maioria das vezes, facilmente generalizável, porque depende
de estimulação muito específica. Ao contrário, o comportamento do aluno que reproduz
mal o que leu, porque leu superficialmente, tende a ser mais generalizável e a produzir
maior originalidade. Dois caminhos seriam interessantes neste caso: 1) o ensino da
leitura que habilitasse o aluno a reproduzir o conteúdo de um texto e, 2) seria interessante
que o ensino pudesse também contemplar as relações de controle estabelecidas quando
o aluno lê mal ou superficialmente um texto, ou seja, contemplar as relações de controle
estabelecidas durante uma leitura superficial, e ensinar isto de forma direta. Não queremos,
em (2), dizer que deveríamos ensinar um aluno a ler superficialmente um texto, mesmo
porque, um argumento deste tipo contrariaria o objetivo expresso em (1). Queremos dizer
que, se desejamos um repertório facilmente generalizável, é necessário que relações de
controle como as encontradas em (2) sejam analisadas e, então, ensinadas. O ensino
assim proposto garantiria que o aluno pudesse ler estritamente sob controle do conteúdo
do texto e também que em algumas situações pudesse ler de forma a estabelecer um
controle mais fraco pelo conteúdo do texto, a fim de produzir respostas passíveis de
serem utilizadas em novas situações.
Outra característica importante para uma Educação que busque originalidade é o
encorajamento de produção de quantidade de comportamento. Uma cultura conseguirá
produzir bons compositores, possivelmente, se incentivar muitos de seus membros a
compor ou bons jogadores de xadrez se incentivar que muitos joguem xadrez. Essa
quantidade de comportamento também vale para o comportamento de um indivíduo
simplesmente. Se um pintor deseja um bom quadro, terá maior probabilidade de consegui-
lo se produzir muitos quadros. Uma grande obra de um pintor como Picasso, diz Skinner,
é fruto de uma vida inteira de pinturas (Skinner, 1968). Nestes casos, contudo, poderíamos
questionar se este argumento se aplicaria também a um pintor comum ou medíocre: se
ainda assim originalidade (ou a “genialidade" de Picasso) poderia ser produzida pelo
encorajamento da quantidade. Há, por exemplo, dezenas de pintores, compositores,
escritores ou artistas que produziram uma grande quantidade de materiais que não são,
porém, nem interessantes e nem sequer originais. Todavia, a questão que se coloca aqui
não parece ser essa. O que Skinner indica é que contingências que induzam a quantidade
de comportamento podem favorecer o aparecimento de novas respostas porque podem
favorecer novos arranjos ambientais, ou podem favorecer um repertório controlado por
uma gama maior e mais ampla de estímulos, favorecendo assim generalização e novas
combinações de comportamentos. Skinner (1968) com a palavra:
Nas contingências que respeitam a quantidade, são emitidas respostas que de
outro modo, nunca apareceriam, muitas das quais podem ser atribuídas a variáveis
que nunca seriam eficazes de outro modo. O comportamento tente a ser, portanto,
original (p. 183).

3. Conclusão
Consideramos importante a discussão sobre como um ensino planejado pode
favorecer a formação de nossos alunos. A proposta tecnológica skinneriana, apesar de
publicada há quarenta anos, aproximadamente, foi pouco difundida entre os profissionais

Sobre Comportamento e Cognição 79


da área, porém enfoca diretamente muitos dos problemas que ainda encontramos
relatados na literatura de Educação. Entendemos que discutir esta proposta pode vir a
favorecer o desenvolvimento de novas e melhores técnicas para o ensino.
É possível que a difusão da tecnologia skinneriana tenha encontrado seus
obstáculos, entre outros fatores, em um desentendimento sobre questões relacionadas
á liberdade e á humanização da escola, visto que incentivar o uso de “máquinas de
ensino" parece ser completamente oposto a permitir liberdade e interação social entre
alunos e entre alunos e professores. Acreditamos que, mesmo que não tenhamos
tratado diretamente destas questões neste texto, fica claro que a posição skinneriana
não é a de limitar as interações entre alunos e professores, mas sim o de aperfeiçoar o
estudo e maximizá-lo, permitindo que a escola possa ser campo para outras atividades
que não somente a de ensino.
Acreditamos também que é preciso que o debate na área seja mais efetivo e que
alguns princípios básicos da teoria skinneriana sejam recuperados pelos próprios
analistas do comportamento que atuam na área. A resolução dos problemas de ensino
depende de mudanças comportamentais dos profissionais da educação, na tentativa de
transformar os métodos aversivos da maior parte das escolas em métodos de ensino
eficazes, garantindo um ensino mais salutar que o atualmente utilizado nas escolas.
Esperamos com este texto fomentar a discussão na área e alertar o analista do
comportamento de que, apesar de um longo caminho a ser percorrido para a
implementação de um ensino realmente eficaz em nossas escolas, alguns
pressupostos básicos para o cumprimento desta tarefa estão disponíveis já há algum
tempo e precisam ser (re)descobertos e utilizados.

Referências

Skinner, B. F. (1957). Verbal behavior. Now York: Appleton-Century-Crofts.


Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: Macmillan. (Texto original publicado
om 1953).
Skinner, B. F. (1968). The technology of teaching. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1973). Walden II. Sflo Paulo: EPU. (Texto original publicado em 1948).
Skinner, B. F (1976). About behaviorism. Now York1 Vintage Books. (Texto original publicado em
1974).
Siriman, M. & Stoddard, L. T. (1967). Tho offoctiveness of fading in programming simultaneous form
discrimination for retarded children Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 10, 3-15.
Stoddard, L. T. & Sldman, M. (1967). The effects of errors on children's performance on a circle-
olllpse discrimination. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 10, 261-270.
Stoddard, L. T., de Rose, J. C. C., & Mcllvane, W. J. (1986). Observações curiosas acerca do
desemponho deficiente após a ocorrência de erros. Psicologia, 12 (1), 1-18.

80 C im ie n Silvid M . K<indini e Julio Cé*dr Coelho de Ro*e


Capítulo 9
Um exame crítico do conceito de
causalidade no behaviorísmo
radical
Carolina Laurent
Universidade Federal de Sáo Carlos

A ‘causalidade’ consiste em um dos temas mais debatidos no contexto da


filosofia da ciência, especialmente pela sua estreita relação com o conceito de explicaçao
científica (Bunge, 1953/1969). O behaviorísmo radical propõe um modelo explicativo
para o comportamento e, por essa razão, esbarra, inevitavelmente, em questões
referentes à causalidade. Mas será que um pedido por explicação do comportamento
supõe um pedido pelas causas do comportamento? Ou a explicação do comportamento
dá-se em termos de outras relações, que não as causais? Sabe-se que Skinner (1953)
explica o comportamento em termos de relações funcionais entre eventos, com uma
ênfase especial nas conseqüências da ação. Para ele, “uma ‘causa’ torna-se uma
‘mudança na variável independente’ e um ‘efeito’ uma ‘mudança na variável dependente’.
A velha ‘conexão causa-e-efeito’ torna-se uma ‘relação funcional’" (p. 23).
Apesar da clareza e vigor dessa proposta de explicação do comportamento,
Skinner (1981/1904) nem sempre se manteve fiel a ela. Não raro, é possível encontrar
trechos skinnerianos que mostram o vínculo com a terminologia ‘causa-efeito’. Por exemplo,
Skinner (1981/1984) define seleção por conseqüências como um modo causai, ainda
que enfatize que o modelo ó distinto da causalidade da mecânica clássica - comprometida
com a noção de força. Esse breve comentário já é suficiente para revelar uma ambigüidade
no texto skinneriano: ora Skinner (1931/1961, 1953) emprega relação funcional, ora
emprega causalidade (Skinner, 1981/1984) - termos, a princípio, incompatíveis entre si.
Em vista dessa perplexidade, o posicionamento skinneriano com respeito à causalidade
sugere dois tratamentos inconciliáveis: ou a relação funcional ó apenas um refinamento
da causalidade, ou consiste em alternativa radical ao modelo causa-efeito.
Considerando esses aspectos, o presente ensaio tem o objetivo de discutir a
segunda proposta, mostrando não só algumas vantagens de assumir a relação funcional,
e não a causalidade, como a maneira mais adequada de explicar o comportamento.

SobreComportamentoeCo^m^lo 81
Mas também argumentar, que se trata de uma alternativa coerente com os pressupostos
do behaviorismo radical. Para sondar essa questào, apresentaremos, primeiramente,
algumas características das relações funcionais na perspectiva do físico Ernst Mach
(1838-1916). Tal estratégia justifica-se pela notável influência machiana na filosofia do
behaviorismo radical, que se revela, inclusive, pelo emprego, por parte de Skinner (1931/
1961, 1953), da relação funcional em oposição à relação causai.

Crítica de Ernst Mach ao conceito de causalidade


Na perspectiva machiana, a ciência tem a tarefa de descrever os fenômenos, e
o objeto dessa descrição nada mais é do que a interdependência complexa dos
elementos da natureza (Mach, 1893/1960). Dadas essas características, Mach propõe a
seguinte questão: os conceitos de causa e efeito são adequados para descrevermos a
interdependência complexa dos eventos? A resposta machiana é negativa e pauta-se
em, pelo menos, duas críticas à noção de causalidade: 1) trata-se de um conceito
rígido, ou seja, pressupõe uma relação unilateral e inexorável entre os eventos, 2) e é
carregado de obscuridades metafísicas, como as noções de força ou agência.
Quando Mach (1893/1960, 1894/1943, 1905/1976) destaca a rigidez da noção
de causalidade parece ter no horizonte a unilateralidade da relação causai, a
correspondência recíproca de “um-para-um" entre causa e efeito. Em outras palavras, a
relação entre causa e efeito é tal que há um único efeito para cada causa e vice-versa. O
laço causai unilateral entre causa e efeito pode ser expresso pelos conceitos de
necessidade e suficiência causai. Exemplificando: consideremos o evento A como causa
e o evento B como efeito. Se A produz sempre B dizemos que A é uma causa suficiente
de B. Dizemos que A é uma causa necessária de B se B não pode ocorrer na ausência
de A. Tendo em vista esses termos, afirmar a unilateralidade do nexo causai equivale
dizer que a causa é necessária e suficiente para a ocorrência do efeito: o efeito B não
teria ocorrido se a causa A não tivesse ocorrido (necessidade) e, uma vez que houve a
causa A, o efeito B tinha que ocorrer (suficiência). Segundo Mach, essa relação obrigatória
de uma única causa para um único efeito, e de um efeito específico para uma causa
específica, não permite ao cientista expressar com precisão a multiplicidade de
combinações que os eventos podem apresentar. Dito de outro modo, o nexo causal
unilateral torna a 'causalidade', uma teoria muito pobre para descrever a riqueza das
relações de interdependência entre os eventos na natureza.
Em contraste, Mach (1886/1959) argumenta que o conceito de função é capaz de
descrever relações entre muitos elementos com maior precisão e flexibilidade. Não
obstante, no nível de relações entre apenas dois eventos, já é possível perceber que a
noção de função rompe com algumas propriedades definidoras das relações causais.
Quando dois eventos são imediatamente dependentes, dizemos que um ó função do
outro. Adotando um exemplo machiano da física, podemos dizer que o condutor térmico a
aquece o condutor b, e este, por sua vez, aquece o primeiro. O que antes era ‘causa’ pode
ser ‘efeito’ e vice-versa (Mach, 1905/1976). Em outras palavras, a noção de função não
satisfaz um dos critérios reveladores de relações causais, a assimetria (causas produzem
seus efeitos e não o contrário). Mas o conceito de função revela sua superioridade de
maneira mais proeminente nas situações em que os eventos estão em dependência
mediata, isto é, quando a relação entre dois eventos é separada por uma série de outros
eventos intermediários. Desse modo, a mudança registrada em um dado evento é descrita
como resultado de uma multiplicidade de combinações entre vários eventos, e não como
produto de uma causa única. Assim, se um corpo fl transmite calor para corpos b, c ... até
n, não mais podemos dizer que a sozinho determina a mudança de n, mas que todos os

82 C<iroli»<i l .iurcnli
corpos intermediários e suas posições participam dessa determinação (Mach, 1905/
1976). Dessa forma, a ‘dependência funcional' quebra com a obrigatoriedade da relação
unidirecional de "um-para-um", afirmada pela relação causal1.
Ademais, a relação funcional ultrapassa a descrição em termos de um laço
inexorável em um outro sentido: as relações funcionais permitem expressar relações
probabilistlcas de interdependência entre eventos. Muitas vezes, a apresentação de
um evento A não é seguida da ocorrência do evento B. Pode ser seguida do evento C, D,
E, F. E mais: a ocorrência do evento B pode não ter sido precedida pela apresentação do
evento A. Em outras palavras, a ocorrência do evento A não é nem suficiente nem
necessária para a ocorrência do evento B. Nesse sentido, não há uma determinação
inexorável na relação de A para B. A noção de função expressa essa não obrigatoriedade
da relação, pois ela é probabilística. Em suma, a noção de dependência funcional
admite exceções' a ocorrência do evento A pode ser seguida da ocorrência do evento B.
Não lidamos, aqui, com as relações implacáveis de necessidade e suficiência causal,
mas com a noção flexível de probabilidade.
Assim como Hume (1748/1980)2, Mach (1893/1960, 1894/1943) também critica
a idéia de causa como força ou agência, argumentando que noção de causa como um
evento ou fator que gera, produz ou impulsiona algo ó adicionada às relações entre os
eventos. Não é verificada empiricamente. Por isso, alega que a idéia de causa como
força está carregada de obscuridades metafísicas Distanciando-se da noção de causa
como força ou agência, o conceito de relação funcional tem conteúdo empírico. As
relações funcionais não são concebidas como conexões necessárias que poderiam
ser conhecidas a priori, elas são determinadas empiricamente através da observação
e experimentação. Elas descrevem, apenas, que os eventos seguem-se uns aos outros
de maneira uniforme ou constante. Nesse sentido, as relações funcionais não expressam
a conexão genética entre os eventos (isto é, a produção de um evento por outro), mas
sim, a dependência mútua entre eventos.
Além disso, a explicação causal, geralmente, rompe os limites da experiência
em um outro nível de análise. Segundo Mach (1893/1960), a noção de causalidade
considera que os eventos que participam de uma relação causal são inicialmente
isolados. Por isso, a constituição do nexo causal exige a postulação de um elo
intermediário, comumente náo-empíríco, que conecte causa e efeito. O principal
problema, indicado por Mach, é que essas entidades hipotéticas, invocadas para
preencher as fissuras entre causa e efeito, acabam por se tornar o objeto principal da
pesquisa3. Contrariamente, o conceito de função expressa uma concepção relacional:
os eventos não acontecem isoladamente. Isso significa que a ocorrência de um evento
é explicada na sua relação de dependência com um outro evento. Em suma: os eventos
não têm sentido neles mesmos; não podem ser definidos fora da relação.
'Acrílica machiai ia relorente à rtgide/ do concerto de cauaa e o dealaque para m vantagana explanatôrta» dtui rotayôw lundu m» fkwin evkientoft
na «egulnl» paaaagem: ‘A antiga ooncapçâo iradMonal rtecauaalWedeértgopeflBltainenle rtgklo: i m i doae do ofotlo togue a uma doto dn causa
Uma eapéde d* concapçào primitiva • tamuniullca do unlvano éaxpnwaa n t w vltâo, oomo na doutrina doa qualm okminnto» A prúpiw iwltwru
cauta' deixa laao ctaro Aa cunexOea da nature/a raramente ato (Ao atmptet que em qualquer caao dado poaaamc» apontar uma uim;a cautu o
um único efeNo. tu , portanto, há muito pmput «ubaltuir a concepção da cauta pala oonoapçto matamAHoa de tunpto - wto ò pota «»»oopçAodn
dependência doa fenômeno» una doa outroa. ou, mala procl«amonla, pala dependênda daa caracterlatca» doa tanômanoa una doa outro» E«na
concepção é capa/de qualquer exlantâo ou Imitação que aadaaa)a, de acordo oomo que 6 exigidopeloafato«ivi«a>gartna*(1BB& 19f>9 p B‘l)
• Segundo Hume (17 W 1880), a experiência. fundamento do conhedmanlo aotxa quaatOaa da lalo, n*o noa pom*o aoaaaar oa atoa quo ounoctnm
liilaUvttliiiei th» a cauaa ao efaMo Em vlata dlaao, aa noçtok de força, energia e podtx nâo ato mala invocada* para promovar uma uumpruorikAo
das relaçOea entre oa avanloa • |4 qua nèo aâo fundamentada» na experténda Flcamoa, entâo, oom aa ralaçA*« que noa »to aulnn/adit» peln
oxiwrVWKia a mninnran r.n«»tant« Nm palavra» do Móaofo eacocéa *a axpertftnoa aó noa enaina t^ua um acxxitociinonlu «agua onnatanUmanlri
n outro, «otn no» moatrar a ronoxâo sacmta qtie o» Kgn entre ai a oa toma InseparáveM” (p 161) Daaaa modo, a cauM iiáo 6 viela oomo o evento
que produz ou impulaiona o ofetto, maa o evento que 6 aaguldo. de maneira unMorme, por um outro evento
‘ Com raipelto a a»»e a»pacto, Mach (1906/1970) cenaurou Newton por poatular qua a gravidada deveria Mr cauaada por um agonto materinl
ou Imalartal contíguo, |Aque «erta um abaurdo. na perapedtva newtonlana, »uatentar que a gravidada podnria aar cauandn (>oln nçflo do algum
oviinlo h dlstAncia

SobreComportiimcntocCofjniçcto 83
Por fim, podemos concluir que Mach (1886/1959) não re-significa ‘causalidade’,
mas propõe uma eliminação do conceito da ciência. Ou seja, ele opera uma
desvinculação entre explicação científica e causalidade. Em vista disso, podemos dizer
que, segundo esse autor, explicar é descrever relações funcionais e não buscar as
causas dos fenômenos.

Behaviorismo radical e causalidade


Considerando a crítica de Ernst Mach ao conceito de causalidade, poderíamos
levar às últimas conseqüências a influência machiana no behaviorismo radical? A análise
de casos complexos mostra a plausibilidade dessa proposta. Aqui Skinner (1953) discute
a complexidade do comportamento em termos da combinação diferenciada das variáveis
independentes e dependentes. Em uma dessas combinações, temos que uma única
variável independente pode ser seguida por mais de uma resposta, ou ocasionar mais
de uma ocorrência no comportamento. Por exemplo, uma variável independente, como
um estímulo aversivo, pode: 1) provocar reflexos; 2) alterar predisposições emocionais
para agir; 3) servir como estímulo reforçador no condicionamento respondente; e 4)
reforçar qualquer comportamento de fuga que termine com o estímulo aversivo (Skinner,
1953). Notemos que, nessas situações, o estímulo aversivo é eliciador; operação
emocional; reforçador no condicionamento respondente; e reforçador negativo no
condicionamento operante.
Um outro caso é a situação em que uma única resposta pode ser função de
mais de uma variável, ou seja, duas ou mais variáveis independentes podem se combinar
e "produzir" uma resposta comum. Por exemplo, a resposta verbal ‘casa’ pode ser
emitida como resultado da combinação de uma variedade de estímulos: estímulo verbal
‘casa’ (ecóico); estímulo verbal ‘lar’ (intraverbal); estímulo impresso 'casa' (leitura);
estímulo não-verbal ‘casa’ (tacto) (Skinner, 1953, p. 210).
Antes de avançarmos a discussão, cabe, neste momento, um breve comentário
acerca do emprego da nomenclatura causal e a análise de casos complexos. Alguém
poderia chamar a atenção que, mesmo na análise de casos complexos, Skinner (1953)
preserva a terminologia ‘causa-efeito’, como pode ser vislumbrado, por exemplo, na
expressão ‘causalidade ou causação múltipla’ (p. 213). Ora, o que se defende, aqui, ó
que justamente a análise de casos complexos consiste em uma situação em que seria
inadequado o emprego da causalidade para explicar as mais variadas combinações e
relações que as variáveis ambientais e comportamentais podem apresentar4.
Não perdendo de vista esse raciocínio, continuemos: considerando a análise de
casos complexos, quais seriam, então, as vantagens explanatórias da relação funcional?
Em primeiro lugar, a relação funcional admite a possibilidade de uma análise
mais dinâmica, ou seja, permite a descrição de uma multiplicidade de combinações
entre as variáveis, tal como expressa na análise de casos complexos. Uma variável
independente pode ser seguida por uma diversidade de respostas, e não está
comprometida com uma resposta específica. E uma dada resposta pode ser o resultado
de uma combinação de variáveis independentes. Nesse sentido, a relação funcional
expressa a complexidade do comportamento e seu caráter dinâmico. Com isso, ela

‘ Nu Mtatm d H U anáUM. uma outra oty«ç*>qu« poda sarlavantadaoontra a noçAo de causaçAomúMpla «sUI am seu próprio nom« Sagurtdo
Utrngo ( I 96W1983), • cautaçfc) rnüMpla' sondo, pof daflrtçio. um« oor»x*o d» “um-para-vários", nio m a|utla às tomxjteçOe* do principio causal,
quo afirmam a conaxâo única (to "um para um". Em suma. a 'causaçAo rnüMpla' n*o é «strttamenla causal. Para outras (usttftcaKvM do porquê
ft'cniisaçtomuniplA'nâoMtlsfiu outras«xlgAndas do princípiocausai, d. Bunga (1053/1909, pp. 122-125).

84 Cumlin.i l .iurcnti
rompe a relação específica e obrigatória da causa ao efeito (a unilateralidade da relação
causal). Além do mais, a relação funcional admite que as relações de dependência
entre os eventos sejam probabilísticas, ou seja, a mudança em um evento ambiental
pode acarretar na ocorrência de um evento comportamental,
Em segundo lugar, as relações funcionais possibilitam uma descrição plástica
e ampla do comportamento. Em um modelo de explicação do comportamento
behaviorista radical, em que a ênfase está nas conseqüências da ação, a nomenclatura
da causa como antecedente, e do efeito como conseqüente (assimetria temporal) perde
o seu sentido. Incorreríamos em um absurdo lógico ao dizer que as causas são as
conseqüências da ação. A noção de variável independente expressa o papel tanto do
estímulo antecedente quanto da conseqüência e a lógica das relações entre eles é
recursiva e nâo-linear. Por exemplo, no encadeamento, um outro exemplo de caso
complexo, a ocorrência da conseqüência não é vista somente como adição de mais um
elemento. Ao contrário, a sua ocorrência dá sentido ou função a toda seqüência de
eventos anterior a ela. Essa afirmação merece o seguinte comentário. Se a explicação
do comportamento, na perspectiva das relações funcionais, mostrou*se, ató o momento,
dinâmica e recursiva, parece não fazer sentido empregar o termo ‘encadeamento’, que
sugere uma seqüência linear entre os eventos, como elos em uma corrente. Uma
representação mais correta poderia ser a de uma rede comportamental
Em terceiro lugar, a relação funcional nos obriga a encarar os eventos ambientais e
comportamentais sempre em relação. Isso significa que estímulos, respostas e
conseqüências são encarados como divisões de trabalho e não como distinções de existência.
O sentido de cada evento é dado pela função que desempenha no todo (na relação com
outros eventos). Sendo assim, estímulos, respostas e conseqüências não são coisas-em-si;
não têm uma existência fixa e independente. São distinções arbitrárias, isto é, são recortes
orientados pelos objetivos da ciência do comportamento (previsáo, controle, compreensão)
Um exemplo pode ser elucidativo. Consideremos uma situação experimental em que a
resposta de um organismo é seguida por choque. Em relação a classes de respostas que o
evitam, o choque tem a função de reforçador negativo. Por outro lado, em relaçáo às respostas
emocionais subseqüentes ao choque, ele tem funçáo de estímulo eliciador. Nos dois casos,
o choque é definido pela função, o que não quer dizer que um mesmo choque desempenha
ora uma função, ora outra. A depender da relação com outros eventos, o choque é reforçador
negativo, ou é estímulo eliciador. Trata-se, pois, de eventos ambientais distintos; e não de um
mesmo evento ambiental com diferentes funções.
Além disso, há outra conseqüência da definição funcional e relacional dos
eventos. Se nessa perspectiva, os eventos não são concebidos como elementos
isolados, desconexos e independentes entre si, evitamos o problema de como relacioná-
los. Assim, não nos comprometemos com explicações que invocam entidades exteriores
ou transcendentes ao comportamento para conectar um evento a outro.
Em suma, a explicação do comportamento, na perspectiva das relações
funcionais, e nào-causais, permite expressar a complexidade do comportamento, ou
seja, as múltiplas combinações entre as variáveis ambientais e comportamentais. Mais
do que isso: destaca o aspecto relacional do comportamento - estímulos, resposta e
conseqüências são definidos na relação. O todo, o comportamento, é o dado primordial,
e a delimitação dos eventos dá-se conforme propósitos estritamente pragmáticos. Em
vista disso, a relação funcional é coerente com os pressupostos do behaviorismo radical,
em especial, o comportamento como matéria de estudo em si mesmo (Skinner, 1989).

SobreComportiimentocCotfniçào 85
Algumas conseqüências da adoção das ‘relações funcionais’ na
explicação do comportamento
Podemos dizer que o behaviorismo skinneriano, assumindo radicalmente o paradigma
das relações funcionais, distancia-se de algumas tradições de pensamento psicológico e de
doutrinas filosóficas, que comumente sâo filiadas ao behaviorismo radical, a saber;
A Psicologia ostfmulo-resposta: a psicologia estímulo-resposta (S-R) estó
comprometida com a noçôo de causa como força ou agência. O estimulo é algo que
Impulsiona ou força a ocorrência do comportamento, assegurando uma relação inexorável
com a resposta (Skinner, 1969). Ora, a noção de relação funcional critica justamente a
noção de causa como força ou agência e o caráter inflexível das relações. Lembremos
que a variável independente não produz ou gera o comportamento, mas altera a sua
probabilidade de ocorrência (Skinner, 1953). Alóm do mais, a noção de causalidade
enfatiza os estímulos antecedentes do comportamento; eles são a causa. Já na
explicação behaviorísta radical, as conseqüências são mais importantes que os
antecedentes: elas selecionam o comportamento. Em vista disso, o paradigma das
relações funcionais descreve o papel das conseqüências na explicação do
comportamento, pois o que está em jogo são os eventos que modificam ou mantêm o
comportamento, sejam eles anteriores ou posteriores à ocorrência do comportamento.
O Associacionismo: como já examinamos, a noção de relação funcional admite
que a ocorrência dos eventos não ó isolada, não havendo existências independentes. A
ocorrência dos eventos ó explicada na relação com outros eventos. Sendo assim,
estímulos, respostas e conseqüências não são "coisas" desconexas que existem na
natureza, e que, portanto, requerem algum princípio de associação, seja ele empirista
(semelhança, contigüidade temporal e espacial) ou intelectualista (cognição, metáfora
computacional da mente) para relacioná-las. Em contraste, a análise do comportamento,
orientada pela noção de dependência funcional, concebe o comportamento como
unidade primordial. Partimos, então, do comportamento em direção à definição funcional
dos eventos comportamentais e ambientais; e não o reverso, tratando estímulos,
respostas e conseqüências como unidades elementares (Morris, 1988).
O Mecanicismo: de acordo com a filosofia mecanicista as causas de todos os
fenômenos da natureza são buscadas em partículas primárias, universais, e imutáveis
da matéria indiferenciada, e na combinação das formas, tamanhos e movimentos
dessas partículas (Gifford & Hayes, 1999). Nesse tipo de explicação, as partes são
prioritárias e o todo é secundário. O que fundamenta um reducionismo, em que a
explicação do todo é dada pela identificação de suas partes constituintes. No contexto
psicológico, isso significa que a explicação do comportamento será reduzida a eventos
neurais, e estes, por sua vez, a eventos físico-químicos subjacentes a uma dada estrutura
neural (Gifford & Hayes). Ora, a noção de relação funcional admite a prioridade da
relação: o todo é primário e os elementos são derivados como abstrações. No caso do
behaviorismo radical, o comportamento é a unidade de análise, e os eventos como
estímulos, respostas e conseqüências são definições funcionais ou abstrações do
fluxo comportamental. Além de uma ênfase nas parles, a causalidade mecânica dispõe
os eventos de maneira contígua, sucessiva, linear e unidirecional como elos em uma
corrente (Chiesa, 1994). Em contraste, a relação funcional, como já mencionamos,
permite expressar a dinâmica dos eventos na forma de redes complexas de relações.
Se por um lado, a noção de relação funcional afasta o behaviorismo radical das referidas
posições psicológicas e filosóficas, por outro, parece aproximá-lo de outras visões de mundo,
tal como o contextualismo de Stephen Cobum Pepper (Morris, 1988; Carrara, 2001).

86 Ciirolirhi I «turrntl
O contextualismo pepperiano apresenta alguns aspectos para a compreensão
da realidade que são coerentes com a proposta de análise na perspectiva das relações
funcionais. A metáfora raiz do contextualismo ó o ato-no-contexto. Aplicada à análise do
comportamento, teríamos uma interpretação que admite uma multiplicidade de
combinações das variáveis que explicam o comportamento. O que abre o flanco para
envolver variáveis remotas ou históricas, e não necessariamente contíguas à ocorrôncia
do comportamento. Nesse sentido, a metáfora contextualista amplia o foco e o escopo de
análise das variáveis que participam da explicação do comportamento (Carrara, 2001).
Por tal razão, o contextualismo privilegia uma análise não-linear das relações entre
organismo e ambiente: o comportamento é visto como uma rede de relações complexas,
que não mais pode ser explicado pela metáfora da cadeia, que pressupõe justaposição,
contigüidade e associação de estímulos e respostas (Morris, 1988; Carrara, 2001).
Ademais, o contextualismo privilegia uma explicação molar do comportamento:
o todo, a relação ou contexto ó primordial. As partes (estímulos, respostas e
conseqüências) só ganham sentido em relação ao todo. Em vista disso, estímulos e
respostas desenvolvem*se historicamente e existem simultaneamente em relação a
um e outro, e são definidos em termos de seu contexto (Morris, 1988). Finalmente, o
contextualismo exige que o contexto não seja mais visto como algo externo, que incita o
comportamento. Mas que seja incorporado ao fenômeno, mantendo com este uma
relação interna e indissociável (Morris, 1988).
Vimos que o paradigma das relações funcionais nos conduz a: 1) uma ênfase
em uma interpretação dinâmica e complexa do comportamento; 2) um compromisso
com uma análise não-linear das relações entre organismo e ambiente; 3) uma prioridade
do todo (comportamento) em relação às partes (os eventos ambientais e
comportamentais); e 4) uma concepção relacional dos eventos. Ora, não são justamente
essas, características de uma interpretação contextualista da realidade?

Conclusão
Há ambigüidades notórias no texto de Skinner (1953, 1981/1984) quando a
questão em tela é o seu posicionamento com respeito à causalidade. Nesse sentido, ó
possível, por um lado, defender a causalidade como o tipo de explicação legítima do
comportamento. Explicar o comportamento consistiria, então, na busca de suas causas.
Nessa perspectiva, a relação funcional seria um refinamento da causalidade.
Uma proposta diferente seria radicalizar o posicionamento skinneriano, e
assumir as relações funcionais, ou interdependência funcional, como a maneira mais
adequada de explicar as relações entre eventos ambientais e comportamentais.
O que tentamos argumentar é que as posturas inovadoras e interessantes do
behaviorismo de Skinner são decorrentes da centralidade do paradigma das relações
funcionais na explicação do comportamento. O que envolve um afastamento completo
da lógica da causalidade. Isso se revelou no contexto científico com a análise de casos
complexos. E também em uma perspectiva filosófica: por um lado, as relações funcionais
permitiram estabelecer um diálogo virtuoso do behaviorismo radical com correntes
filosóficas de inspiração pragmática, tais como o contextualismo pepperiano. Por outro
lado, acabou por distanciá-lo de doutrinas que ainda o assombram, como o mecanicismo
e associacionismo, e a psicologia estímulo-resposta.
Por fim, levando em consideração as influências machianas na filosofia da ciência
de B. F. Skinner, parece razoável admitir que explicar no behaviorismo radical é descrever
relações funcionais entre organismo e ambiente, e não desvendar as causas do
comportamento.

Sofonr Comport.imcntocCojjniÇilo 87
Referências

Bungo. M. (1963). Causality. New York: The World Publishing Company. (Originalmente publicado em 1959)
Carrara, K. (2001). Implicações do contextualismo pepperiano no behaviorismo radical: Alcance e
limitações. Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Quoiroz, M. C. Scoz (Orgs), Sobra comportamento
e cognlçâo: expondo a variablbllldade (Vol 8, pp 234-242). Santo Andró: ESETec,
Chiesa, M. (1994). Radical behaviorism: The philosophy and the science. Boston: Authors
Cooperative.
Gifford, E. V., & Hayes, S. C. (1999). Functional contextualism: a pragmatic philosophy for behavioral
science. Em W. O' Donohuo & R. Kltchoner (Orgs.), Handbook of Behaviorism (pp. 285-327).
San Diego: Academic Pross.
Hume, D. (1980). Investigação sobre o entondlmonto humano (A, Sórgio, Trad.). Em V. Clvita (Org.),
Os Pensadores (2* od.). (pp. 135-204). Sõo Paulo: Abril Cultural. (Trabalho original publicado
em 1748)
Mach, E. (1959). The analysis of sensations. (C. M. Williams, Trad.) Now York: Dovor Publications.
(Trabalho original publicado om 1886)
Mach, E. (1959). The analysis of sensations. (C. M. Williams, Trad.) Now York: Dovor Publications.
(Trabalho original publicado em 1886)
Mach, E. (1960). The science of mechanics: A critical and historical account of its development.
(T.J. McCormack, Trad.) Illinois: Open Court. (Trabalho original publicado om 1893)
Mach, E. (1943). The economical nature of physical inquiry (T.J, McCormack, Trad.). Em E. Mach
(Org.), Popular Scientific Lectures (pp. 186-213) Illinois: Open Court. (Trabalho original
publicado em 1894)
Mach, E. (1976). Knowledge and error: Sketches on the psychology of enquiry (T.J. MacCormack &
P. Foulkes, Trads.) Boston: Reldel. (Trabalho original publicado om 1905)
Morris, E. K. (1988). Contextualism: A world view of behavior analysis. Journal of Experimental
Child Psychology, 46, 289-323
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: The MacMillan Company.
Skinner, B. F. (1961). The concept of the reflex in tho description of behavior. Em B. F. Skinner (Org.),
Cumulative record: a selection of papers (pp. 319-346). Now York: Appleton-Contury-
Crofts. (Trabalho originalmente publicado em 1931)
Skinner, B. F. (1969). Contingencies of reinforcement: a theoretical analysis. Now York: Apploton-
Century-Crofts.
Skinnor, B. F. (1984). Soloction by consoquonces. The Behavioral and Brain Sciences. 7, 477-481.
(Trabalho originalmente publicado om 1981)
Skinnor, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Columbus: Merrill Publishing Company.

88 C<irolin<i I «iiircnti
Capítulo 10
Habilidades sodais de filhos cujas mães
não trabalham fora
Carolina Çermano Sicuro1
Su/üne Schmidlin Lõhr*

Mudanças na sociedade, nas relações de trabalhos provocaram também


alterações nos papéis dentro das famílias. Hoje é comum encontrar mulheres inseridas
no mercado de trabalho, algumas movidas por interesse pessoal de reconhecimento,
outras por necessidades financeiras. Na organização fam iliar os papéis
desempenhados pelos diversos membros da família passam por modificações. Os
meios de comunicação estimulam e exaltam esta nova forma de funcionamento familiar,
o que gera dúvidas e conflitos quanto ao que é o melhor para o desenvolvimento infantil;
a mãe trabalhar fora e ajudar no provento familiar, ou manter-se fiel ao modelo tradicional,
o qual conta com um pai provedor financeiro que vai ao mundo do trabalho, e uma mãe
que permanece no lar.
Compreender o que acontece nas relações familiares, considerando as diversas
combinações de tal organização social, avaliando o impacto das mesmas na relação
entre pais e filhos, pode ser de grande Importância para a prevenção. Del Prette e Del
Prette (2001) citam que mudanças microscópicas no plano das relações entre as
pessoas podem gerar um formidável impacto na estrutura social mais ampla, alterando
valores e normas na direção da mudança desejada pelo conjunto da sociedade. Em
outras palavras, ações no convívio próximo e o efeito multiplicador das mesmas,
interferem no bem comum tendo assim grande relevância para a sociedade.
A importância da família no desenvolvimento infantil é apontada por várias
pesquisas, dentre as quais podemos citar as de Hays,1998; Reppold, Pacheco, Bardagi
e Hutz, 2002.
Hays (1998) entrevistou mães de diversas classes sociais e constatou que a
educação infantil é vista por elas como responsabilidade materna, o que reflete valores
culturais vigentes, além de apoiar-se em teorias psicológicas do século XX, as quais
pregavam a onipotência materna e o amor da mãe como fator decisivo do desenvolvimento
infantil. Os resultados de pesquisas com esta levam à constatação de que os novos
papéis femininos continuam nebulosos. A mulher deve Inserir-se no mercado de trabalho,
0
' Pilcóloga, ««pocinlitln em Torapta comportam« rtal coynWvo cofnporiamanM
’ Doutora em Pwcologta dínica, prototaora adjurrta na UFPH e no UnlcenP

SobreComporl.imentocCofiniç.lo 89
mas a responsabilidade pela educação dos filhos permanece sob sua tutela. As mães
que não trabalham fora são por vezes pressionadas pela sociedade para que contribuam
no orçamento familiar e/ou busquem a realização profissional, o que pode gerar
sentimento de culpa ou deixá-las confusas, já que continuam definindo-se como as
principais encarregadas da educação dos filhos
Dentre as responsabilidades atribuídas à família podemos enfatizar o
desenvolvimento de habilidades que favoreçam o relacionamento interpessoal, as
chamadas habilidades sociais. Reppold, Pacheco, Bardagl & Hutz (2002) apontam os
familiares como essenciais no processo de socialização da criança, pois é através da
família que a criança adquire comportamentos, habilidades e valores da cultura à qual
pertence. A efetivação do processo faz-se via estratégias e práticas educativas utilizadas.
Aron e Milicic (1994) têm posicionamento parecido, ao considerarem o lar o primeiro
contexto social da criança, a matriz social, onde são aprendidos os primeiros
comportamentos interpessoais.
A determinação de aspectos que podem ser englobados sob a denominação de
habilidades sociais foi feita, dentre outros autores, por Falcone (2002). A autora cita que as
habilidades sociais englobam uma série de fatores, como: perceber quais são as
informações necessárias e importantes para aquele contexto social e interpessoal; saber
usufruir dessas informações para poder determinar comportamentos adequados; executar
o comportamento de maneira assertiva visando atingir seus objetivos e também
respeitando a relação com o outro. Em trabalho anterior, Falcone (2000) já citava que é no
contato com os pais, que a criança pode aprender habilidades e valores importantes para
uma boa interação social, sendo que a escola constitui um contexto bastante apropriado
para a criança avaliar as próprias habilidades e sua aceitação no grupo, ao se comparar
com seus pares, colocando em prática as habilidades desenvolvidas no âmbito familiar.
Lubi (2002) descreve os processos que levam à aprendizagem de habilidades
sociais. A autora mostra que grande parte da aprendizagem de habilidades sociais
ocorre através da modelação, ou seja, as crianças observam o comportamento de
outros, especialmente os próprios pais, e passam a imitá-los. A reação dos pais frente
às manifestações de habilidades de seus filhos leva a outra forma de aquisição de
habilidades sociais, a modelagem. Nela os pais ao reforçarem os comportamentos
cada vez mais próximos do desempenho esperado nas relações interpessoais, vão
construindo em seus filhos um repertório de comportamentos socialmente habilidosos
e preparando-os para interações com outras pessoas. É neste ponto que os estudos
de Gomide (2003), tornam-se importante fonte de reflexão, ao definir que as práticas
educativas utilizadas pelos pais poderão tanto desenvolver comportamentos pró-sociais,
como anti-sociais, dependendo da freqüência e intensidade que o casal parental utHize
determinadas estratégias educativas, caracterizando diferentes estilos parentais.
Conte (2001) por sua vez, defende que algumas condutas paternas são
consideradas protetoras para o jovem: suporte parental (qualificação dos sentimentos
da criança, troca de afeto, apoio a iniciativas); encorajamento ao desenvolvimento de
competência social; mais interações positivas que negativas (elogiar, procurar aspectos
positivos que possam ser valorizados e resgatados); expressão de afeto positivo;
fortalecimento da identificação dos jovens com seus pais, desde que esses sejam
boas referências; apoio ao desenvolvimento da autonomia (liberdade para fazer
escolhas); uso de métodos racionais e verbais de disciplina e não as punições físicas;
minimização de brigas e agressões no ambiente familiar. Ou seja, os pais podem agir
preventivamente, protegendo seus filhos, ao estimulá-los no desenvolvimento de
habilidades essenciais para a vida.

90 .1
Girolin C/crmuno Sicuro cSuAinc Sdimkllin I oljr
Tomando por base o panorama teórico descrito, surgiu o interesse em
compreender se a presença contínua da mãe junto aos filhos, não trabalhando fora,
poderia ser um fator protetivo importante do desenvolvimento infantil, especificamente
na área do desenvolvimento das habilidades sociais. Estruturou-se então a monografia
de final de especialização de Sicuro, orientada por Lõhr em 2005, cujos resultados
apresentaremos a seguir.
Participaram da pesquisa 30 crianças na faixa etária de 9 e 10 anos de idade,
estudantes de duas turmas de 3A série e uma turma de 4* série de uma escola de
ensino fundamental da rede pública de Curitiba-PR. Após contato com as turmas, foram
selecionadas de cada turma as crianças cujas mães não trabalhavam fora. Fez-se
contato com as mães das referidas crianças informando sobre o estudo e solicitando
autorização para a inclusão da criança no mesmo. Todas as mães concordaram com a
participação. O estudo realizou-se então na própria escola, com as crianças respondendo
a dois inventários, o IEP - Inventário de Estilos Parentais (Gomide,2004) e o IMHSC -
Inventário Multimídia de Habilidades Sociais (Del Prette e Del Prette, 2003). Cada turma
realizou o preenchimento dos inventários em dois dias não consecutivos, ou seja, um
primeiro encontro para aplicação do IEP e um segundo encontro para a aplicação do
IMHSC em cada turma.
Os resultados do IMHSC e do IEP de cada criança foram colocados em uma base
de dados no software estatístico SPSS 12 for Windows (Stalistical Package for Social
Sciences, Inc, 1994). O teste de correlação de Pearson apontou as possíveis relações
entre as variáveis em estudo, enquanto que o Teste não paramétrico U de Mann-Whitney,
permitiu comparar os grupos de meninos e meninas quanto aos escores do IEP e IMHSC.
Dentre as crianças estudadas 24 mães não trabalham fora de casa o que
possibilita um contato maior com seus filhos e seis mães trabalham fora de casa
apenas no período em que a criança está na escola.
A média do índice das práticas educativas parentais utilizadas com os 16
meninos que compuseram a amostra foi -6, ou seja, em geral estão sendo aplicadas
práticas parentais de risco. A média do indice das práticas educativas parentais utilizadas
com as meninas foi -3 com percentil do IEP 15, ou seja, resultando também em práticas
parentais de risco. Percebe-se, portanto, que tanto as mães de meninos quanto de
meninas, faziam uso de alguma dentre as práticas parentais negativas (punição
inconsistente, negligência, disciplina relaxada, monitoria negativa e abuso físico).
O Teste Estatístico não-paramétrico U de Mann-Whitney, considerando p s 0,05,
mostrou que o alto índice de estilo parental de risco está relacionado com o déficit de
habilidades sociais apresentados pelas crianças. Na amostra estudada os meninos
estão mais sujeitos ao estilo parental de risco (12/16) do que as meninas (8/14).
Pode-se levantar a hipótese de que o convívio social em casa com as mães que
não trabalham fora, não é uma condição essencial para o desenvolvimento de
habilidades sociais das crianças, uma vez que este desenvolvimento depende da mãe
utilizar práticas parentais que possibilitem o desenvolvimento das habilidades sociais,
o que não ocorreu na amostra estudada. Constatou-se, pelas respostas aos inventários,
que muitas das mães não apresentavam manejo que fornecesse modelo e nem
reforçavam a criança na direção de ampliar o seu repertório comportamental social.
Gomide (2004) indica que famílias com práticas de risco apresentam repertório
insuficiente em habilidades sociais. Assim, tais crianças podem estar sem modelos
apropriados, o que poderia levar a um déficit na aquisição de habilidades sociais. Lõhr
(2003) relata que desde cedo se constrói o processo de interação entre mães e filhos

Sobre C om|H>rt.imcnto c CoflHiç«io 91


pautado em reforçadores, os quais podem agir como estímulos discriminativos ou
operações estabelecedoras de novas respostas.
Ao comparar o desempenho de meninos e meninas, observou-se que a diferença
encontrada não tinha significância estatística, ou seja, esta não constitui uma variável importante
ao considerar a relação entre habilidades sociais e permanência da mãe em casa.
O teste estatístico de correlação de Pearson mostrou algumas relações entre
aspectos avaliados pelo IEP e os resultados do IMHSC. Houve correlação positiva entre
Abuso Físico e Dificuldades da criança emitir comportamentos socialmente habilidosos
(r-0,487; p-0,006). Também houve correlações negativas (inversamente proporcionais)
entre Monitoria Positiva e Dificuldade da criança emitir comportamentos habilidosos
(r=-0,442; p=0,014), comportamento moral e Dificuldade em apresentar comportamentos
socialmente habilidosos (r=-0,627; p=0,000), Disciplina Relaxada e Dificuldade em emitir
comportamentos habilidosos (r=-0,414; p=0,023) e Monitoria Negativa e Dificuldade em
expressar comportamentos socialmente habilidosos (r=-0,381; p=0,038).
A dificuldade em emitir comportamentos habilidosos pode estar vinculada às
práticas parentais com uso da violência, seja ela psicológica ou física, desempenhada
em casa. Gomide (2003) relata que pais que usam esse tipo de comportamento
ensinam a seus filhos que a agressão e a coerção são legítimas abordagens para
solucionar problemas, contudo, ao invés de eliminar o comportamento problema ensinam
as crianças que qualquer dificuldade pode ser resolvida com agressão.
Levantou-se a hipótese de que as correlações negativas (inversamente
proporcionais) entre Monitoria Positiva e Dificuldade da criança em emitir
comportamentos habilidosos estariam ligadas ao fato das mães estarem realizando a
leitura das contingências de seus filhos de maneira inadequada. Falcone (2002) acredita
que para a promoção das habilidades sociais é necessário perceber quais são as
informações necessárias e importantes para aquele contexto social e interpessoal.
A correlação negativa entre comportamento moral e dificuldade em apresentar
comportamentos socialmente habilidosos discorda da literatura, pois o posicionamento de
crianças diante das situações cotidianas depende e muito dos valores, regras que lhes são
transmitidos pelas pessoas que estão presentes no seu dia a dia e também da maneira
como esses critérios são ensinados, afirma Gomide (2003). A hipótese explicativa desta
discordância é de que outros fatores, que não os comportamentos ressaltados como
adequados mostrados em casa influenciam um bom desempenho de habilidades sociais,
assim outros contextos deveriam ser analisados para verificar a veemência desse dado.
Disciplina relaxada e a dificuldade em emitir comportamentos habilidosos
podem ser explicadas pela falta de exigência no cumprimento das regras. Gomide
(2003) propõe que o relaxamento dos pais na educação de seus filhos pode gerar a
aceitação de comportamentos não habilidosos como padrões sociais, por exemplo,
gritar ao fazer um pedido ao invés de pedir educadamente.
A questão apresentada quanto à relação inversamente proporcional entre
Monitoria Negativa e Dificuldade em expressar comportamentos socialmente habilidosos
sugere que os filhos estariam sujeitos ao nível de ansiedade elevada, podendo gerar
expectativas na criança para atender as exigências maternas.
Frente ao grupo estudado pode-se dizer que a presença materna contínua em casa
não assegura um estilo parental baseado em condutas pró-sociais. Assim, deve-se dar
maior importância às práticas parentais adotadas, independentemente da mãe permanecer
em casa ou trabalhar fora. Considerando que vários fatores possam interferir nos resultados
do estudo, sugere-se a realização de novas pesquisas ampliando assim a amostra estudada.

92 C.trolin.i C/enttiino Sicuro e Su/.inc SchmiJlin I ohr


Referências

Aron, M. A Mllicic, M. N. (1994) Viver com os outros: Programa de desenvolvimento de habilidades


sociais. Campinas: Editorial Psy.
Conto, F. C. do S. (2001). Promovendo a relação entro pais o filhos In: Dollttl, M. (Org) Sobra
Comportamento e Cognição, vol 2, Santo Andró-S.P: ESETec.
Del Protte, Z., Del Protte, A. (2001) Psicologia das Relações Interpessoais: vivendas para o
trabalho em grupo. Petrópolis, RJ: Vozes.
Falcono, E. (2000). Habilldados sociais o ajustamento: o dosonvolvimonto da ompatia. In: Korbauy, R.
R. (Org) Sobre Comportamento e Cognição, vol 5, Santo André-S.P: ESETec.
Falcono, E. (2002). Contribuiçõos para o troinamento om habilidados do intornçâo. In: Guilhardi, H. J.
(Org) Sobre Comportamento e Cognição, vol 10, Santo Andró-S.P: ESETec.
Falcono, E. O. (2000). Habilidades sociais: para alóm da assortlvldado. In: Wlolonska, R. C. Sobre
Comportamento e Cognição: Questionando e ampliando a teoria e as intervenções clinicas
e em outros contextos. Vol, 6( p. 211-221). Santo André: ESETec.
Qomido. P.l. (2003) Estilos parontais e comportamento anti-social. In: A. Dol Protte; Z. Del Pretto
(Eds.), Habilidades sociais, desenvolvimento e aprendizagem: questões conceituais,
avaliação e intervenção, (pp. 21-60). Campinas: editora Alínea.
Qomido P.l. (2004). Pais Presentes, Pais Ausentes: regras e limites. Potrópolis, RJ: Vozes.
Lõhr, S. S. (2003).Estimulando o desenvolvimento do habilidades sociais om idade oscolar.
Desenvolvim ento e Aprendizagem. Questões conceituais, Avaliação e Intervenção.
Campinas, SP: Alínoa. (pp. 293-310)
Lubl, P. A., (2002). Estilos parental e comportamento socialmente habilidoso da criança com paros. In:
M. Z. S. Brandão, F. C. S. Conto, F. S. Brandão, Y. K. Yngberman, C. B. Moura, V M. Silva, S.
M. Ollane (Orgs). Sobre comportamento e cognição Vol. 11. (pp. 536-541). Santo André:
ESETec.
Roppold, M.H.L.; Pacheco, J.; Bardagi, M. & Hutz, C. S. (2002). Prevenção de problemas de
comportam ento e desenvolvirnonto de com petôncias psicossociais om crianças e
adoloscentes: uma análiso das práticas educativas e dos estilos parentais. In: Hutz, C. S.
Situações de risco e vulnerabilidade na infância e na adolescência: aspectos teóricos e
estratégia de intervenção. Sâo Paulo: Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda.
SPSS, Inc. (1994). SPSS windows user's guide. Now York: MacGraw Hill.

SobreComport.imcntocCognição 93
Capítulo 11
Psicologia do esporte e sua aplicação:
como ser aceito no meio
esportivo
Criitiana Tieppo ScaUí
\JSP

Aplicação de uma ciôncia gera indagações. Quando começamos nossa carreira


profissional, a maior questão é como trabalhar. No esporte, área relativamente nova, há
outra, como entrar e ser aceito no meio de esportistas e profissionais atuantes. Neste
capítulo, optei por falar de como apresentar-se a clubes, propor programas e o
relacionamento com técnicos e atletas de maneira que o psicólogo seja aceito como
parte integrante da equipe e tenha seu trabalho valorizado.
De fato, um clube ou atleta contratam um psicólogo do esporte, para melhorar
seu desempenho esportivo. No início, então, pontua-se o trabalho, com intervenções de
efeito rápido. Geralmente são feitas reuniões para esclarecer os interesses do atleta ou
time. A partir daí, ó possível selecionar algumas intervenções.
Embora a observação de treinamento, que sempre ó sugerida ao psicólogo, seja
importante, não ó necessário que se compareça a muitos treinos antes de intervir. Há situações
esportivas comuns a todos os esportes e atletas, que podem ser priorizadas no início, como
por exemplo a necessidade de controlar 06 níveis de ansiedade para a boa atuação. Uma
intervenção possível ó ensinar ao atleta uma técnica de relaxamento momentâneo, como
controle de respiração, para evitar níveis altos de ansiedade durante a competição. Isto não
significa, como diz Martin (2001), um “livro de receitas”. As observações acontecerão
naturalmente, durante os treinamentos, o que permitirá futuras decisões, já que há tipos
diferentes de problemas e muitas maneiras possíveis de lidar eficazmente com eles.
Há desempenhos esportivos individuais e também de grupo. Geralmente é
preferível começar trabalhando com o indivíduo, através de programas para melhora de
rendimento que incluem planejamento de carreira, controle de ansiedade, otimização
da concentração, técnicas de motivação e de visualização (Scala, 2000). Nos esportes
coletivos, depois deste trabalho, pode-se iniciar intervenções no grupo, como de
relacionamento interpessoal, facilitação da comunicação, papéis de líder, coesão, pois
estas sim, requerem mais observação e compreensão do time.

94 Critliiiriii IicpjH) Sciil.i


Pontuar mudanças
Ao longo do tempo de atuação, vá especificando para técnicos e atletas, mudanças
que ocorreram no comportamento, decorrentes do trabalho do psicólogo. Uma maneira
de salientá-las, é através de mensurações objetivas dos resultados durante o treinamento
e nas competições. Como díz Martin (2001): “fazer mensurações objetivas, contínuas de
desempenhos esportivos, fornecem padrões da eficácia de nossas intervenções".
Considero que mensurações evitam discursos que salientem o técnico como ótimo, nas
vitórias, enquanto que nas derrotas, o problema ó atribuído à “cabeça".
O relato de um corredor barreirista profissional ilustra a valorização do trabalho do
psicólogo como um diferencial em dado momento de sua carreira: “Com esse trabalho que
eu fiz com a Dra Cris, consegui me superar dentro da modalidade...foi uma coisa magnífica,
sem palavras, pretendo usar isso durante toda minha carreira, minha vida...foi muito bom".
Na época em que este atlteta participou do programa de melhora de rendimento
que utilizo, estava entre os trôs primeiros do Brasil. No entanto, queixava-se que ao final
da prova, depois do término das barreiras, não corria tão rápido quanto poderia, como
se tivesse medo de ganhar. As técnicas empregadas, então, objetivaram manter o foco
de atenção do atleta na manutenção da velocidade. Passou a repetir a palavra vai, após
a última barreira, para não perder o foco e assim, correr mais rápido A auto-fala teve
efeito, pois ao dar uma instrução de velocidade, colocou o atleta em contato com
contingências relevantes para a tarefa, neste caso, correr rápido (Scala e Kerbauy, 2005).
Desde então, passou a ser o primeiro do Brasil e está atualmente entre os dez melhores
do mundo em sua modalidade.
No trabalho com atletas de alto nível, percebe-se que muitas das técnicas
propostas já são utilizadas intuitivamente, mas sem sistematização. O psicólogo ao
sistematizar tarefas de autocontrole, pode incrementar décimos, ou centésimos de
segundo, o suficiente para a quebra de um record. É possível também facilitar o percurso
do atleta infanto-juvenil, ensinando técnicas adequadas para suas necessidades. De
fato, quanto mais cedo for ensinado, mais rápido o desenvolvimento.
Syer & Connolly (1984) tem o relato de um jogador de futebol americano eleito
o atleta do ano em 1982, que considera que a chave para o sucesso é estar bem
preparado sob pressão e que o trabalho dos psicólogos o permitiu que adquirisse isto
em pouco tempo. Diz que antes utilizava algumas técnicas instintivamente, mas que
foram necessários muitos anos de carreira para descobrir.
Com o auxílio do psicólogo, é possível ensinar sistematização no emprego de
recursos comportamentais úteis no ambiente esportivo.

Reforçar
Desde o início do trabalho é preciso esclarecer qual a função da psicologia do
esporte e como poderá auxilliar o atleta a incrementar seu desempenho. No entanto é
preciso ser realista e falar francamente das possíveis limitações (Martin, 2001).
O fato de ser realista não impede que o psicólogo coloque o atleta em contato com
reforços logo no início do programa. Deve-se considerar que o treinamento para a competição
é repleto de compromissos e cobranças. Os técnicos, preocupados com o aprimoramento
costumam passar mais tempo corrigindo do que elogiando. O psicólogo pode, em contraponto,
reforçar o auto-aprimoramento com elogios e atenção e fortalecer o repertório que é esperado.
Conseqüenciar positivamente técnicas de aprendizagem para manutenção do repertório,
pode evidenciar melhora de rendimento e manter o atleta treinando apesar das adversidades.

Sobre Comportamento c Cognição 95


O comportamento que se quer instalar, mesmo parecendo adequado, pode, às
vezes, levar a conseqüências inesperadas. Análises constantes de contingências evitam
escolhas equivocadas. Certa vez, um tenista infanto-juvenil faltou ao treino pois tinha que
estudar para a prova da escola. Em seu planejamento de carreira, colocara que queria ser
tenista profissional. No treino seguinte, quando o encontrei, apontei que se quisesse, de fato,
ser profissional, não poderia faltar aos treinos. Embora quisesse enfatizar suas metas e a
necessidade de compromisso para alcançá-las, foi um equivoco. Ao Invés de Instalar
comportamento de freqüência aos treinos, aumentei sua ansiedade, que se refletia em treinos
e jogos. Este garoto estava sobrecarregado com a escola e sua agenda de treinamento,
preparo físico e torneios não permitia que cumprisse as tarefas escolares obrigatórias, levando-
o a recuperações constantes. Uma análise mais apurada, levou-me a organizar junto com o
atleta, uma agenda de treinamento e estudos mais adequada, para que pudesse realizar
suas tarefas. Refizemos, ainda, seu planejamento, para metas condizentes com sua
capacidade atual. Com metas adequadas os reforços eram mais prováveis. Cabe ao psicólogo
auxiliar o atleta a entender sua escolha e as consequências decorrentes dela (Scala, 2004).
Uma outra tenista, certa vez foi muito criticada por pais e técnicos por perder um
jogo de uma adversária visivelmente inferior. O seu comportamento em quadra destoava
do que costumava apresentar nos jogos. Quando ela me relatou o acontecido,
acrescentou a história de jogos e convivência com esta adversária em especial. Ficou
claro que a derrota foi consequência desta história e não da sua qualidade técnica ou
tática. Ao analisarmos a situação completa, a tenista foi capaz de discriminar o que a
incomodava, que eram as atitudes da adversária em quadra, que tiravam seu foco dos
aspectos realmente relevantes do jogo. Ao fim da análise e com melhores discriminações
do ambiente, passou a ter mais condições de controlar seu comportamento num novo
confronto. Neste caso, mostrei que a história passada interferiu no resulatado do jogo,
sem críticas ao comportamento específico de jogar. Ao final da sessão me brindou com
o comentário: "você é a única que me entende".

Conhecer o ambiente esportivo


Conhecer o esporte com o qual se vai trabalhar é fundamental (Weinberg e
Gould, 1996). O primeiro passo do trabalho, antes de observar os treinos é estudar
sobre as regras, as habilidades envolvidas, o jargão utilizado. Falar a linguagem do
esporte, vai ajudá-lo a eliminar a barreira de entrada (Martin, 2001).
Conhecer as habilidades, inclusive físicas do esporte, parece nào fazer parte
do trabalho psicológico, mas só poderão ser dadas instruções efetiva, ao saber o que
se quer instruir. No esporte, a instrução para ser eficiente, deve vir da contingência
(Scala e Kerbauy, 2005). Por exemplo, na ginástica olímpica, para otimizar um giro, o
ponto relevante para se manter no ar, em geral, é o equilíbrio. Auto-falas que ponham o
ginasta em contato com a região abdominal, poderão mantê-lo mais tempo no ar. Por
outro lado, pode-se trabalhar uma dificuldade específica, como aterrizagem. Neste caso
a auto-fala, deve estar voltada para o toque no solo. Observe que isto não implica em dar
dicas técnicas, este é o papel do treinador, que supostamente tem melhor domínio
sobre a técnica do movimento. Mesmo que você conheça muito bem o esporte com o
qual trabalha e até já o tenha praticado, se abstenha de fazer comentários técnicos, uma
vez que você foi contratado como psicólogo e não treinador (Martin, 2001). Ao invadir esta
área, o Psicólogo só tem a perder.

Treinadores
O relacionamento com os treinadores, pode definir o sucesso ou não, do
trabalho do psicólogo. Se eles o consideram importante, a penetração em treinos é

96 C mticin.i I tcp|»o Scdl.i


maior. Conversar com o treinauv. ovuio o esporte, ajuda o psicólogo a entender aspectos
técnicos específicos que facilitarão o trabalho.
Quando trabalhei com barreiristas, queria introduzir no treinamento uma auto-fala
para a passagem das barreiras, que os deixasse mais focados na tarefa e mais rápidos. Ao
repetir esta palavra, aumentariam sua concentração, uma vez que não se distrairiam com
outros pensamentos náo relevantes para correr bem (Scala e Kerbauy, 2005). Antes de
conversar com o treinador, pensei que a palavra salta seria adequada. Porém, conversas e
explicações sobre técnica indicaram que saltar é um movimento alto e longo, incompatível
com velocidade. O adequado para barreiristas seria passa. De fato ao utilizar a auto-fala
passa, os atletas melhoraram sua velocidade. Fica claro, neste caso, a importância da boa
comunicação com técnicos e o respeito por sua posição e conhecimento.
Martin (2001) fala que se o técnico respeita o psicólogo, o ajudará, cobrando do
atleta que ele faça os exercícios de concentração, auto-falas entre outros. Um técnico
com o qual trabalho costuma falar para seus tenistas: “Lembra da Cris". Isto não
acontecerá se o técnico for visto ou tratado como um adversário.
Algumas vezes, em técnicos jovens, há limitações, principalmente na maneira
de lidar com as equipes. Comportamentos inadequados não são incomuns, mesmo
assim, náo os confronte. Haverá algum momento, durante os treinos, em que o psicólogo
poderá mostrar outras possibilidades de condutas.
Certa vez, uma técnica de tênis, quase da mesma idade da tenista que treinava,
fez brincadeiras inadequadas em quadra. Analisando a situação, o que se via, não era
treinadora e atleta, mas sim rivais. As brincadeiras tinham a intenção de diminuir a
adversária, para que ela perdesse o jogo Em um momento oportuno, analisamos uma
série de jogos entre elas, seus comportamentos em quadra (a técnica, assim como a
atleta, demonstrava irritação em quadra, gritando ou batendo a raquete) e o benefício
efetivo para a melhora de rendimento. Elas mesmas concluíram a rivalidade existente e
adaptaram o treinamento para questões mais técnicas e evitavam jogar pelo resultado,
mas sim considerando estratégias.
Os treinadores, muitas vezes, criam expectativas em relação aos atletas, pois
gostariam de formar campeões. Vêem a possibilidade de crescimento na carreira, e se
baseiam em suas expectativas para o nível de treinamento implementado. Este é um
aspecto que o psicólogo pode analisar juntamente com o treinador. Ao fazer
planejamentos de carreira com os atletas, e observar seus comportamentos em treinos,
é possível identificar qual seu real compromisso com o esporte e inferir se a expectativa
do técnico é ou não verdadeira. Independente da habilidade, se não há interesse,
raramente serão obtidos resultados. O treinamento adotado, baseado em expectativa
equivocada, pode ser incompatível com a capacidade e compromisso do grupo, o que
gera frustração, tanto do técnico, quanto dos atletas, que quase nunca alcançam as
metas estabelecidas, já que fogem à sua realidade. Ao demonstrar para treinadores tal
descompasso, evitam-se falsas expectativas e cobranças desnecessárias, pois permite
que ele discrimine melhor seu ambiente e tome novas decisões.
Considero importante, quando possível, orientar o técnico, mas tendo em vista o
atleta. Conversas com a equipe técnica não ultrapassam a ética, nem o sigilo profissional.
Martin (2001) diz que um ponto a decidir, desde o princípio é quem será o foco
principal de seus esforços, o treinador ou o atleta, já que é difícil servir a dois senhores.

C om o tra b a lh a r
Uma boa maneira de começar na área, é desenvolver um programa para
apresentar em clubes. Em palestras pode-se apresentar o que é Psicologia do Esporte,

SobreCom|Hirt<imentoeCoRniçíio 97
quais seus objetivos, as técnicas utilizadas e seus efeitos. Contar pesquisas realizadas
na área e os resultados já alcançados com outros atletas, dá credibilidade ao trabalho.
Um ponto que considero importante e que já discuti em outras publicações é a
postura com a qual se apresentar (Scala, 2000). Para ser visto como especialista em
Psicologia do Esporte evite o trabalho clínico, mesmo que esteja credenciado para fazê-
lo. O atleta não procurou por terapia. Caso apareçam questões que fogem ao
desempenho esportivo, encaminhe. Manter separados os papéis evita confusões por
parte de atletas e treinadores.
Outro ponto que defendo é que para ser psicólogo do esporte, você deve estar
no meio esportivo, isto significa que o trabalho deve ser feito no local de treinamento dos
atletas. Kerbauy (1997) salienta que uma contribuição da Psicologia Comportamental,
decorrente de analisar interação do comportamento com o ambiente, é sua aceitação e
exigência de diversidade de locais de trabalho. As técnicas quando introduzidas na
rotina de treinamento, são incorporadas sistematicamente, de maneira eficaz (Scala e
Kerbauy, 2005).
Para fazer parte deste ambiente, vista-se de maneira adequada, assista aos
treinos, converse com os treinadores, conheça as regras, a linguagem e os atletas
conhecidos da modalidade e o mais importante, traduza a linguagem da análise do
comportamento para o esporte.

Referências

Kerbauy, R.R. (1997). Contribuições da Psicologia experimental para a psicoterapia. In Maly Dollttl
(org.). Sobre comportamneto e cognlçôo, Vol.2. Santo Andró, ESETec.
Martin, G.L. (2001). Consultoria em Psicologia do Esporte: orientações práticas em análise do
comportamento. (Traduzido por Noroon Campboll òe Aguirre) Campinas: Instituto do Análiso
do Comportamento.
Scala, C.T. & Korbauy, R.R. (2000). Penso ou Faço: a prática encoberla no osporto. In Rogina
Chrlstina Wlelenska (org ). Sobre Comportamento e Cognição, Vol. 6, Santo Andró: ESETec.
Scala, C.T. (2000). Proposta de Intervenção em psicologia do esporte. Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva, Vol 2 (1), p. 53-59
Scala, C.T. (2004). O desemponho no osporte como resultado do análises comportamentals complexas,
in Maria Zilah da Silva Brandão e cols (Org.) Sobre Comportamento e cognição, vol 14,
Santo Andró: ESETec,
Scala, C.T. e Kerbauy,R.R. (2005) Auto-fala e esporte: o estímulo discriminativo do ambiente natural
na melhora de rendimento. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva,
vol. VII (2)
Syer, J. e Connolly, C. (1984). Sporting Body, Sporting Mind. Cambrldge: Cambridge Unlversity Pross
Weinborg, R.S. & Qould, D (1996). Fundamentos de Psicologia dei Deporte y el Exercido Físico.
Barcelona: Editorial Ariol.

98 Crisli.iriii IicppoScaLi
Capítulo 12
Investigação da Formação de alunos de
cursos de Psicologia em Análise
do Comportamento
Cristina Moreira Fonseca/ F.liana Isabel de Moraes I lamasaki e
L/niA
Angélica Capelari
VMFSP

A Análise do Comportamento é uma área da psicologia que privilegia o estudo


da aprendizagem e do processo pelos quais o comportamento pode ser modificado
(Carvalho Neto, 2002; Matos & Tomanari, 2002). Sob este rótulo, eventos
comportamentais são descritos e estudados em suas relações com outros eventos
comportamentais do próprio indivíduo ou de outros indivíduos ou eventos do ambiente
físico e social (Matos & Tomanari, 2002).
A Análise do Comportamento se fundamenta na filosofia de ciência proposta
por B. F. Skinner, denominada Behaviorismo Radical. Esta filosofia propõe que o objeto
de estudo da Psicologia seja o comportamento dos seres vivos, especialmente do
homem. Segundo esta perspectiva, o objeto de estudo deve ser entendido dentro de
coordenadas espaço-temporais e na sua interação com o ambiente. Assim, seu objeto
de estudo não está voltado nem para o ambiente nem para o indivíduo, mas para a
interação dos dois (Matos & Tomanari, 2002).
Para entender as mudanças que ocorrem no comportamento dos organismos,
B. F. Skinner propôs um modelo de seleção do comportamento pelas conseqüências.
De acordo com este modelo, a seleção ocorreria pelas conseqüências desse
comportamento sobre o ambiente e sobre o próprio indivíduo em suas relações com
esse ambiente. Este modelo revela a influência da Teoria da Evolução das Espécies de
Darwin que se refere à seleção de algumas características da espécie sobre a adaptação
de seu portador ao ambiente existente e, conseqüentemente, sobre sua sobrevivência.
Neste sentido, segundo o modelo de seleção pelas conseqüências, não só as
características anatômicas e fisiológicas seriam selecionadas, mas as comportamentais
também. Desta maneira, alguns comportamentos são eliminados, por serom inefica/es
e outros são mantidos por serem eficazes para a sobrevivência.
Do corpo filosófico que constitui o Behaviorismo Radical decorre um programa
de trabalho usado para compreender o comportamento dos seres humanos que se
chama Análise do Comportamento. Convencionalmente, emprega-se as designações
(1) Análise Experimental do Comportamento e (2) Análise Aplicada do Comportamento
para distinguir o conjunto de pesquisas básicas (designação 1) do conjunto de pesquisas
aplicadas em Análise do Comportamento (designação 2) (Matos & Tomanari, 2002).

Sobre Lomport.imcnlo c Cognição 99


O programa de pesquisa básica da Análise do Comportamento tem como
objetivo produzir conhecimento acerca das leis gerais que descrevem relações funcionais
entre o comportamento e o ambiente. Essas pesquisas, em geral, são realizadas no
laboratório em situações experimentalmente controladas. Já o programa de pesquisa
aplicada tem como objetivo transpor e adaptar os princípios desenvolvidos no laboratório
para condições específicas com seres humanos em diferentes contextos - hospitais,
escolas, empresas, comunidade etc.
Nas Universidades, a Análise do Comportamento é uma disciplina obrigatória
que pertence à grade curricular do curso de Psicologia e, em geral, aparece sob diversos
nomes: Psicologia Experimental, Análise do Comportamento, Análise Experimental do
Comportamento, Análise Aplicada do Comportamento, entre outros.
A partir de um levantamento pela Internet, via site do Conselho Regional de
Psicologia (CRP/SP) junto às instituições da Grande São Paulo, verificou-se que a
disciplina Análise do Comportamento é ministrada em diferentes semestres, sendo
mais comum ser ministrada nos semestres iniciais, mais especificamente nos 2“ , 3a e
4“ semestres (Capelari, Fonseca & Hamasaki, 2005).
O desenvolvimento da disciplina se dá em duas partes: uma parte prática e uma
parte teórica. A parte prática, em geral, é desenvolvida no laboratório didático com animais
(normalmente utilizando ratos albinos como sujeitos) e com humanos (normalmente
alunos universitários como sujeitos) e tem basicamente dois objetivos: propiciar ao aluno
a oportunidade de testar e estudar alguns princípios básicos da Análise do Comportamento
e promover condições para o aluno pensar e investigar o comportamento do ponto de
vista de uma ciência experimental (Matos & Tomanari, 2002).
Há que se destacar que, além dos objetivos descritos acima, a prática de
laboratório visa também promover mais especificamente:
• contato do aluno com um problema de pesquisa;
• contato do aluno com a metodologia experimental típica da Análise do
Comportamento, observação e registro do comportamento, representações
quantitativas de dados por meio de análise do comportamento,
• contato do aluno com a necessidade de explicar o comportamento de modo que
essas explicações sejam verificáveis;
• comunicação dos dados através de relatórios; e
• situações que discutam diferenças entre o comportamento dos organismos de
diferentes espécies.
A parte teórica da disciplina é desenvolvida em sala de aula com a abordagem
das questões filosóficas e conceituais do Behaviorismo Radical, bem como dos
princípios da Análise do Comportamento (conceitos como reforço, punição, extinção,
esquemas de reforçamento, controle aversivo, controle de estímulos, comportamento
verbal etc.). A discussão filosófica que fundamenta a disciplina bem como a discussão
conceituai e metodológica da disciplina permitem fazer uma relação entre teoria e prática.
Em geral, a disciplina Análise do Comportamento é ministrada por dois
professores, sendo um responsável pela parte prática e o outro, responsável pela parte
teórica.
O programa da disciplina teórica, no 1“ semestre, consiste, basicamente, na
introdução dos princípios básicos da Análise do Comportamento e, no 2° semestre, o
programa consiste na extensão desses princípios para a compreensão de
comportamentos mais complexos.

100 Criftimi Morcir.i lonscca, fliiirw kibcl ile Mor.ics I l.im.i&iki cAiifjclic.i Ciípcl.iri
No 1“ semestre, a disciplina começa com uma discussão filosófica e conceituai
do Behaviorismo Radical fazendo-se uma distinção entre Behaviorismo Metodológico
de J. B. Watson e Behaviorismo Radical de B. F. Skinner. Tal distinção se faz necessária,
uma vez que há confusão na compreensão das duas propostas, tanto entre alunos
como também em livros didáticos, cujos conteúdos fazem referência a Skinner como
um Behaviorista Metodológico (Cirino, 2000). Em seguida, a disciplina se desenvolve
com a discussão dos princípios da Análise do Comportamento, mais especificamente
sobre a aquisição e extinção de comportamento.
No 2a semestre, a disciplina avança para a discussão dos princípios que se
referem à manutenção do comportamento, por meio de diferentes esquemas de
reforçamento, bem como a discussão de comportamentos mais complexos, como
comportamento sob controle de estímulos e comportamento verbal.
As estratégias usadas para a implementação do programa da disciplina
Psicologia Experimental referem-se a; roteiros de estudo, verificação de leitura, discussão
de textos, exercícios em sala de aula, elaboração de relatórios etc.
A despeito de como a disciplina é ministrada, existe grande preconceito em
torno do Behaviorismo Radical e da Análise do Comportamento. O preconceito em
relação à disciplina que vai desde a idéia de “mecanicista" até a idéia de “superficialidade"
por não valorizar a subjetividade humana, muitas vezes se deve à incompreensão da
filosofia da ciência do comportamento - Behaviorismo Radical - bem como da própria
ciência do comportamento - Análise do Comportamento.
Pensando nessa questão, foi desenvolvido um questionário baseado nas 20 críticas
mais freqüentes ao Behaviorismo Radical e discutidas por Skinner em seu livro About
Behaviorísm (1974/2002). Neste livro, Skinner responde às críticas e descreve a concepção
do Behaviorismo Radical acerca de consciência, de emoção, de pensamento etc.
O questionário foi aplicado em alunos do curso de Psicologia de duas
instituições da Grande São Paulo com o objetivo de:
1) Investigar a formação desses alunos em Análise do Comportamento:
2) Comparar a) a compreensão dos alunos acerca dos conceitos da Análise do
Comportamento, nos semestres inicial e final da disciplina de cada uma das
instituições e entre as duas instituições.

M é todo
Participantes
Participaram dessa investigação 142 alunos, sendo que 106 eram alunos da
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e 36 do Centro Universitário de Santo
André (UniA).
Dos 106 alunos da UMESP, 90 cursavam o 3o semestre do curso na disciplina
denominada Pressupostos da Análise do Comportamento, aqui admitida como a
disciplina inicial específica de Análise do Comportamento (a partir daqui, esta disciplina
será referida como disciplina inicial). Os outros 16 alunos cursavam o 6“ semestre do
curso, na disciplina denominada Aplicações da Análise do Comportamento, o ultimo
semestre de disciplina específica de Análise do Comportamento (a partir daqui, esta
disciplina será referida como disciplina finaf).
Em relação aos alunos do UniA, 23 cursavam o 4a semestre na disciplina
denominada Psicologia Experimentall (disciplina inicial) e 13 alunos cursavam o 6“
semestre, na disciplina denominada Psicologia Experimental III (disciplina final).

SobreComport.imcnfocCoflmviio 101
Instrumento
Questionário baseado nas proposições do Behaviorismo Radical de Skinner
(Costa, 2004; Skinner, 1974). O questionário era constituído de duas partes: a primeira
parte contendo oito questões dicotômicas do tipo SIM ou NÀO e a segunda parte contendo
16 questões dicotômicas do tipo VERDADEIRA ou FALSA.

Procedimento
A aplicação do questionário foi coletiva na própria sala de aula.
Para os alunos da UMESP, a aplicação foi realizada pelas próprias professoras
das referidas disciplinas’ .
Para os alunos do UniA, a aplicação no semestre inicial foi realizada pela própria
professora da disciplina e para os alunos do semestre final, a responsável pela aplicação
foi essa mesma professora, em horário cedido pela professora que ministrava a
disciplina Psicologia e Educação.
Após a apresentação da proposta dessa investigação e a assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, os alunos responderam ao questionário.

Resultados e Discussão
A partir da literatura sobre o ensino da Análise do Comportamento e da
investigação realizada, foram elaborados alguns tópicos nos quais os dados coletados
são inseridos. Os tópicos são: A) Concepções errôneas sobre o Behaviorismo Radical
e a Análise do Comportamento; B) Informações prévias acerca da Análise do
Comportamento e C) Negligência ao mundo privado. Assim, foram selecionados alguns
dos dados obtidos que exemplificam os tópicos citados. As Figuras apresentam o
percentual das respostas dos participantes das duas disciplinas (inicial - I e final - F) e
das duas instituições (UMESP e UniA).

A) Concepções errôneas sobre o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento


A questão 3 investigava se, segundo os alunos, a seguinte afirmação estaria correta
(a resposta exigida era SIM ou
NAO): “O Behaviorismo Radical é
a Psicologia do S->R." Na Figura

111
1 verifica-se que a confusão entre
o paradigma do Behaviorismo
Metodológico atribuindo-o (o
paradigma S-» R) á concepção
behaviorista radical ó
Inversamente proporcional entre SIM NAO NR SIM NAO
os alunos da disciplina inicial (I) e UMESP UniA
da disciplina final (F) da UMESP: a
confusão é maior (63,0%) entre os Figura 1: Rospostas à questão 3 (Parte I) dos alunos
alunos que estão na F do que a das disciplinas de Início (I) e Final (F) em AEC das duas
confusão (32,0%) entre os alunos instituições de ensino (UMESP e UniA).
que estão na I. Quanto à confusão

'Umaduaprutoamxiuidaadlic^via de AnMae do CornportaiTMtfo participa daaaagmpo da lnvaa«gaçfc) do anaino da maama a aoutra. participa
Indlrotnmontt)

102 Crislin.i Morcini lorucc.i, Hi.tnd Iwbcl Je Morue* I l.midSdki cAngélicii C.ípcl.in
entre os alunos do UníA, verifica-se um resultado bastante homogêneo entre os alunos que
estáo em I e os que estão em F, sendo que 34,8% dos alunos em Ie 38,5% dos alunosem
F apresentam essa confusão.
A questão 6 investigava se,
segundo os alunos, ua Análise do
Comportamento investiga
sentimentos, pensamentos e
sonhos". A Figura 2 destaca que a
maioria dos alunos - de ambas as
disciplinas (I e F) e das duas
instituições - essa afirmação é ,M 1, í
verdadeira para próximo ou acima NAO NR SIM NAO NF4

de 80,0% dos respondentes. Esse UMESP UnIA


resultado contradiz a idéia
equivocada que se apresentou na Figura 2: Respostas á questào 6 (Parte I) dos alunos
questão discutida acima. das disciplinas de Inicio (I) e Final (F) om AEC das duas
Instituições de onslno (UMESP o UniA).
Levanta-se a hipótese de
que, em parte, essa confusão pode
existir em função de conhecimentos
prévios obtidos pelos alunos acerca da Análise do Comportamento, como apontado
acima e por Cirino (2000). Silva (1987) destaca que a relação professor-aluno pode
influenciar a aquisição de conhecimento e nesse caso, manter confusões acerca do
conteúdo da análise do comportamento. Outro ponto destacado por Silva (1987) refere-
se às questões didáticas que envolvem a seleção dos textos e a metodologia de ensino.
Uma questão decorrente dos dados apresentados nas Figuras acima (1 e 2) é em
relação à não discriminação, por parte do aluno, da contradição e da confusão sobre os
conceitos da Análise do Comportamento.

B) Informações prévias acerca da Análise do Comportamento


A questão 7 investigava se
os alunos já tinham ouvido
“comentários sobre as disciplinas
de Análise do Comportamento", □f
tanto inicial quanto a final, "antes
mesmo de eles serem alunos” das
mesmas. A Figura 3 aponta que,
entre os alunos da UMESP (I e F) e
do UniA (apenas F), há uma divisão
I I . j i . L
SIM NAO
eqüitativa entre os que admitiram e
UnIA
os que não admitiram ter ouvido
comentários (cerca de 50,0% para Figura 3: Respostas à questào 7 (Parte I) dos alunos
os dois casos). Esse equilíbrio não das disciplinas do Inicio (I) e Final (F) om AEC das
é verificado entre os alunos que duas instllulçóes do onslno (UMESP e UniA).
estão em I do UniA, uma vez que
78,3% destes não admitiram ter
ouvido comentários sobre as
disciplinas. Entretanto, as respostas à questão posterior (ilustrada pela Figura 4) apontam
uma incompatibilidade em relação a esse dado dos alunos de i do UniA, conforme será
descrito adiante.

SobreComportamentot Cofiniçtio 103


No caso de os alunos
responderem afirmativamente à
questão 7, a questão 8 investigava
"se os alunos tinham acreditado

:j] r
nos tais comentários ouvidos" e,
conforme verifica-se na Figura 4, a
maioria dos alunos respondeu que j
não acreditou nos comentários: a SIM NAO NR SIM NAO NR

partir de 63,0% e próximo de 80,0% UMESP UniA

entre os alunos da UMESP e acima


Figura 4 : Respostas à questão 8 (Parle I) dos alunos
de 80,0% entre os alunos do UniA.
das disciplinas do Inicio (I) o Final (F) om AEC das
Levando-se em conta os duas Instituições de ensino (UMESP e UniA).
dados apresentados nas Figuras 3
e 4, discute-se que colegas que
tenham concepções errôneas sobre a Análise do Comportamento podem influenciar a
forma como novos alunos irão aprender esses conhecimentos, aumentando e mantendo
o preconceito e a rejeição à análise do comportamento (Guimarães, 2003; Weber, 2002).
E, neste sentido, segundo Silva (1987), o preconceito leva à má leitura ou a não leitura, o
que por sua vez, leva à incompreensão do Behaviorismo Radical. Além disso, parte dos
comentários pode fazer referência ao fato de os princípios básicos da Análise do
Comportamento serem ensinados em aulas de laboratório utilizando animais, algo que a
princípio não agrada os alunos, principalmente se estes não entenderem os reais motivos
dessa atividade (Silva, 1987; Weber, 2002). Machado & Matos (1990) apontam que o
preconceito contra a prática de laboratório pode diminuir se ele for usado para produzir
conhecimento e não apenas para ser mais uma maneira de ver a Psicologia.
C) Negligência ao mundo privado
A questão 1 da segunda parte do questionário (cujas respostas exigidas eram
VERDADEIRA ou FALSA) investigava se, segundo os alunos, “o Behaviorismo Radical
ignora a consciência, sentimentos, estados mentais; não atribui qualquer papel ao 'eu'
ou à ‘consciência"’. Conforme se verifica na Figura 5, a maioria dos alunos assinalou a
alternativa FALSA para essa
afirmação. Por outro lado, não
podem ser desprezadas as
respostas de 32,0% (alunos I da I □!
UMESP) e 30,0% (alunos F do
UniA) à alternativa VERDADEIRA
para essa questão.
Aparentemente, a partir
:J L L i .
V#fd Fal»« Vord FnUn
dos dados ilustrados pela Figura UniA
5, pode-se afirmar que em relação
aos alunos da UMESP, estes Figura 5: Respostas à quastào 1 (Parte II) dos alunos
mudam de opinião em relação à das disciplinas de Início (I) e Final (F) em AEC das duas
Análise do Comportamento, instituições de ensino (UMESP o UniA).
conforme os alunos vão adquirindo
conhecimento sobre essa
abordagem. Os alunos do UniA também passam por esse processo, mas ainda
continuam com idéias errôneas sobre a Análise do Comportamento, Para maiores
discussões acerca dessa diferença, seria necessária uma maior investigação sobre
isso, bem como uma coleta com um maior número de alunos.

104 CrishrKi Morcir.i lon*cc«i/ Hi<inti Iwbcl ilc Mordes I Kimu&iki cAnflclicii C.ipcl«iri
A questáo 3 dessa segunda parte investigava se, segundo os alunos, “o
Behaviorismo Radical procura explicar os processos que convencionalmente são
chamados de cognitivos?. A Figura 6 mostra que, para a maioria dos alunos da UMESP,
essa alternativa é FALSA: 61,0%
para os alunos I e 69,0% para os
alunos F. Entre os alunos do UniA, o i mi
resultado foi totalmente diferente,

I! „11
pois para a maioria desses alunos,
essa alternativa é VERDADEIRA,
segundo 61,0% dos alunos I e 76,9%
dos alunos F.
Em relação especificamente
11
Vord Falsa Vord. Falsa
a essa questáo, é pertinente discutir
UnIA
se o termo cognitivo tenha sido uma
variável que tenha controlado a
resposta dos alunos da UMESP Figura 6: Respostas à questão 3 (Parte II) dos alunos
das disciplinas do Inicio (I) o Final (F) om AEC das duas
gerando certa confusão, pois pode- instituições de ensino (UMESP o UniA).
se verificar que ao longo dos
semestres, os alunos da UMESP,
passaram a responder com maior
freqüência que a afirmação era falsa.
A discussão de que o termo cognitivo pode ter sido uma variável que tenha
controlado a resposta “incorreta" dos alunos, é baseada na idéia de que, geralmente, tal
termo estar atrelado ao mentalismo e, exatamente por isso, ser evitado entre os analistas
do comportamento (a não ser que se especifique a que esse termo se refere).
Por fim, a questão 9 dessa parte do questionário investigava se, segundo os
alunos, “o Behaviorismo Radical só se interessa pelos princípios gerais e, por isso,
negligencia a unicidade individual". Entre os alunos da UMESP foi quase total (com exceção
de 18,0% dos alunos I) a compreensão de que essa afirmação é FALSA. Entre os alunos
do UniA, os resultados apresentam uma maior incompreensão entre os alunos F, uma
vez que 46,2% destes assinalaram a questão 9 como VERDADEIRA. Por outro lado, todos
os alunos I respondentes assinalaram a alternativa FALSA para essa afirmação.
Todas as questões da parte
II do questionário investigavam, mais
especificamente, se os alunos
confundiam Behaviorismo Radical
com o Behaviorismo Metodológico.
Além da própria confusão entre os
behaviorismos (Skinner, 1974),
alguns mitos são freqüentemente
comuns entre os alunos em relação
J I
Falsa NR Vord Falsa
à proposta sklnneriana, como
UMESP UnIA
apontam Debel e Harless (1992).
Dentre esses mitos, destacam-se:
Figura 7: Respostas à questão 9 (Parte II) dos alunos
• desconsideração da fisiologia e das disciplinas de Início (I) e Final (F) om AEC das duas
da genética, Instituições do onsino (UMESP e UniA).
• possibilidade de qualquer
comportamento ser condicionado;

Sobrt Com porl.tm cnlo t Cofjniçuo 105


• negligência à individualidade;
• preferência pelo emprego da punição; e
• negação de eventos internos.
Os dados da presente investigação corroboram os resultados de Debel e
Harless (1992). Ou seja, os mitos tem se permanecido ao longo dos anos e em diferentes
comunidades acadêmicas (americanas e brasileiras).
Weber (2002) indica que talvez uma das variáveis que contribuam para a
manutenção da confusão entre Behaviorismo Radical e Behaviorismo Metodológico,
seria a razâo pela qual os alunos procuram o curso de Psicologia: praticar o “estudo da
mente". Essa prática se torna impossível quando o aluno se depara com a filosofia do
Behaviorismo Radical.
Os resultados do presente trabalho levam à conclusão de que, para que a
opinião dos alunos de graduação possa mudar em relação á análise do comportamento,
algumas medidas devem ser tomadas. Neste sentido, cabe aos docentes que ministram
essas disciplinas:
• analisar criticamente os textos selecionados;
• preparar e avaliar as aulas ministradas;
• avaliar continuamente as estratégias de ensino empregadas;
• propor, aos alunos, discussões baseadas em situações cotidianas; pois á medida
que estas situações se apresentarem pertinentes à vida do aluno, acredita-se que o
preconceito em relação a Análise do Comportamento possa diminuir.

Referências

Capelarl, A.; Fonsoca, C.M. & Hamasaki, E.I.M. (2005). O ensino da análise do compoiiamonto o
análise funcional na graduação: Variáveis independontos. Em: H.J. Guilhardi & N.C. Agulrre
(Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição. Santo Andró (SP): ESETec.
Carvalho Neto, M.B. (2002). Análiso do comportamento: behaviorismo radical, análise experimental
do comportamento e análise aplicada do comportamonto. Interação em Psicologia, 6(1). 13-
18.
Cirino, S. D. (2000). Repensando o onsino da análiso do comportamento. En: R.C. Wlelenska. (Org.).
Sobre Comportamento e Cognição. Santo Andró (SP): ESETec .
Costa, N. (2004). Ató onde o que você sabe sobre o behaviorismo ó verdadeiro? Santo Andró(SP):
ESETec.
Dobol, C. S. & Harloss, D. K. (1992). B. F. Skinner. Myth and MlspercepUon. Teach/ng o t Psychotogy,
19 (2), 68-73.
Gulmarfles, R. P. (2003). Deixando o preconceito do lado o ontendondo o bohaviorlsmo radical.
Psicologia Ciência e Profissão, 23(3), 60-67.
Machado, L. M. C. M. M. & Matos, M. A. (1990). O laboratório em cursos de graduaçõo em psicologia:
Buscando trolnar atitudes Ciência e Cultura 42(9), 647-652.
Matos, M. A. & Tomanari, GL Y. (2002). A análise experimental do comportamento no laboratório
didático. São Paulo: Manole
Silva M.T.A. (1987). Aquóm da libordade: Um problema no ensino de análise do comportamento.
Psicologia 13( 1), 5-10.
Skinner, B. F. (1974/2002). Sobre o behaviorismo. Sâo Paulo: Cultrix.
Webor, L. N. D. (2002), Conceitos o pró-conceitos sobre o behaviorismo. Psicologia Argumento,
20(31), 29-38.

106 Criitin.i Morciru I ontecd, Hiund lubel de Moraes H.im.t&ikí e Anftélicd Ctiprluri
Capítulo 13
A terapia do terapeuta: considerações a
respeito da formação do futuro
terapeuta
Denise Cerquei ra Leite I leller*
UTP

O presente trabalho tem por objetivo discutir e refletir sobre a relação entre o
processo terapêutico do terapeuta e seu comportamento frente ao seu cliente.
Sabe-se que a terapia busca através da análise funcional do comportamento
problema, proceder à discriminação de estímulos que desencadeiam e mantém tal
comportamento. Cabe ao terapeuta facilitar tal discriminação para o seu cliente mostrando-
lhe as respostas que ele dá em situações específicas e como essas são generalizadas.
É um treino discriminativo onde o terapeuta sinaliza para o cliente todo seu encadeamento
de respostas mostrando-lhe os antecedentes e conseqüentes da mesma.
"O processo terapêutico tem, em última análise, como objetivo final o
autoconhecimento por parte do cliente" (Quillhiardi, 2001, p. 44). “A psicoterapia ó,
freqüentemente, um esforço para melhorar a auto observação, para trazer à consciência
uma parcela maior daquilo que é feito e das razões pelas quais as coisas são feitas"
(Skinner, 1991, pp. 46-47). Ser capaz de analisar funcionalmente o seu próprio
comportamento é, em definitivo, a função da psicoterapia. Como o próprio Skinner
afirmou, o condicionamento se mantém a despeito da consciência e, saber as causas
de origem de um dado comportamento não é suficiente para se proceder a sua
modificação. É preciso que se compreendam também suas causas de manutenção.
Para que este processo transcorra de forma adequada e eficaz é mister que o
terapeuta possua boa formação acadêmica, com respaldo teórico consistente além de
experiência profissional. Entretanto, apenas a formação acadêmica não é suficiente. É
importante salientar que o processo terapêutico pode ser comprometido por dificuldades
do próprio terapeuta. Ansiedade generalizada, depressão, déficit em habilidades sociais,
são algumas das situações onde o problema do terapeuta impede ou dificulta a análise
correta do problema do cliente e a busca de soluções.
1
'flnkiiintioll o viiIilkj. i mi hf ■Mmlrn (OT PitcologM peta Unhwrsktacto rtn 8Ao Paulo • USP

Sobrr Com porl.im ento r Cognição 107


Pessoas com auto-estima rebaixada tendem a apresentar insegurança,
dificuldade em resolução de problemas e ansiedade. O aluno que assim se apresenta
tende a emitir comportamentos de esquiva frente ao cliente, demorando a marcar o
primeiro atendimento, apresentando dificuldades de horário, entre outras coisas. Estes
comportamentos evitativos devem ser observados pelo supervisor e mostrados ao aluno.
Nesse momento cria-se um engodo: é papel do supervisor mostrar este
problema para o aluno, porém, esse, por ter este padrão de comportamento, ó pouco
suscetível à crítica e, neste caso específico ó freqüente que se esquive do supervisor
faltando, saindo mais cedo ou apenas negando-se a discutir a questão. Não se pode
esquecer de uma premissa básica em análise do comportamento: a importância da
história de vida de cada indivíduo.
A história de vida de cada aluno ó essencial para a compreensão de seu
comportamento atual. Se ele é apenas aluno, não cliente, saber de sua experiência
enquanto cliente de algum terapeuta parece-me um Sd para se formular hipóteses a
respeito de seus atendimentos futuros enquanto terapeuta.
Muitos alunos, em geral aqueles que não foram submetidos ao processo
terapêutico, confundem seus problemas com os do cliente, tomando partido em algumas
situações, dizendo ao cliente, sob forma de conselhos, como proceder e, em casos
extremos, até brigando com o mesmo.
A psicoterapia aborda temas controversos, complexos e polêmicos. Lida
diretamente com aquilo que ainda é um grande tabu para a humanidade: os sentimentos,
dos mais belos aos mais feios. Fala do preconceito racial, social e de gênero. Aborda a
sexualidade, questão tão evitada socialmente, sobretudo se ligada à questão da
perversão. Tais temas são complexos, o que faz do setting terapêutico uma situação
especial. Aborda temas complicados e esta situação pode tornar-se ainda mais delicada
quando o cliente traz para a sessão problemas que o próprio terapeuta não resolveu em
sua vida particular. Se o terapeuta nunca pôde ou quis refletir a respeito de temas
polêmicos, como ele poderá abordá-los? Este é um bom exemplo da história de vida de
um indivíduo influenciando seu comportamento atual.
Separar o conteúdo que pertence ao terapeuta daquele que pertence ao cliente
é mister, entretanto, nem sempre terapeutas jovens e com pouca experiência conseguem
fazê-lo. É por isso que o processo terapêutico do próprio terapeuta é tão importante para
a sua formação. É a possibilidade de resolução de dificuldades e até de transtornos de
personalidade além de servir como um treino, por modelação, para o futuro terapeuta.
O aluno que faz terapia aprende, observando seu terapeuta, como se comporta
um terapeuta. Ele aprende a discriminar seus padrões de comportamento frente a
diferentes situações e torna-se mais apto a enfrentar a empreitada de facilitar para uma
outra pessoa a compreensão de seu próprio comportamento.
A terapia provê a melhora da auto-estima, da auto-eficácia e permite a
Implementação da qualidade de vida. Os resultados deste processo podem ser
observados no desempenho do aluno que, mais seguro, pára de esquivar-se e torna-
se capaz de atender ao seu cliente. Estando mais seguro não precisa agradar sempre
o cliente e torna-se apto a mostrar, quando necessário, pontos dos quais o cliente
insiste em esquivar-se.
Sentimentos como medo, raiva, tristeza e inveja sempre vão existir e com esse
aluno não será diferente. O único diferencial a ser feito é a separação daquilo que é do
terapeuta daquilo que é do cliente.

108 Penisc Ccrqucir.i I citc I Icllcr


Sabe-se que o terapeuta serve de modelo para o cliente e, portanto, um terapeuta
equilibrado, com repertório comportamental adequado e muitos reforçadores, terá muito
mais chances de ajudar seu cliente.
Minha experiência enquanto supervisora de clínica de quinto ano tem mostrado
que o desempenho do aluno que está ou já esteve em processo terapêutico é melhor do
que aquele do aluno que nunca se submeteu à psicoterapia. O aluno “terapeutizado" é
mais consistente em suas intervenções, tem melhor discriminação e sabe aceitar de
forma mais adequada as sugestões e até mesmo críticas que lhe são feitas na supervisão.
Este aluno, por já ter sido treinado em solução de problemas, é capaz de ver mais
comportamentos alternativos para resolução do problema do seu cliente. Lida melhor
com a manipulação e a sedução do cliente, apresentando uma qualidade de atendimento
superior ao aluno que nunca fez psicoterapia. Este aluno não fica em paradigma de
ansiedade como o outro com medo de perder o cliente, por uma "falha" sua.
Apesar de tudo isso a terapia do terapeuta náo é exigida por lei e a única saída
parece ser esperar que o bom senso impere. Infelizmente isso nem sempre ocorre e
muitos alunos que não se submeteram à psicoterapia, ao começarem a atender, vem á
supervisão com uma demanda terapêutica esperando que o supervisor atue como seu
terapeuta e não como seu professor. Isto não só não é possível como também ó antiético
e, neste momento, cria-se o engodo do professor que deve ajudar o seu aluno e o do
supervisor que deve exercer corretamente sua função.
Parece ser bastante importante que esta questão seja discutida nos meios
acadêmicos e que mais pesquisas na área sejam feitas a fim de que estratégias
efetivas sejam propostas para a solução de uma questão tão importante como a
formação do futuro terapeuta.

Referências
Banaco, R. A. (2001). O impacto do atondimonto sobro a possoa do torapeuta: experiências de vida.
In M Dolltti (O rg ) Sobro Comportamento e Cognição. Santo André: ESEToc.
Delltti, M. (2001). Análise funcional: o comportamento do cliente como foco da análise funcional. In M
Delitti (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. Santo Andró: ESETec.
Gullhlardi, H.&Quelroz. P. P. (2001). A análise funcional no contexto terapêutico: o comportamento do
torapeuta como foco da análise. In M. Delitti (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. Santo
Andró: ESETec.
Silva, W. (2004). Comportamento ótico e liberdade Individual: expressões da Idontidado do torapouta
na clínica comportamontal. In Brandào et alli (Orgs.) Sobre Comportamento e Cognição.
Santo Andró: ESETec.
Skinner, B. F. (1991) Cióncia e Comportamento Humano. Sâo Paulo, SP: Martins Fontos

Sobre Comportitmcnio c C o g n ttfo 109


Capítulo 14
Obesidade infantil: tratamento
comportamental
Denise Cerqueira Leite I leller*
UTP

A prevalôncia da obesidade nos países industrializados tem aumentado


vertiginosamente últimos anos. No Brasil, a obesidade já ó considerada um problema
de saúde pública, pois se têm mais obesos do que desnutridos em nosso país. De
acordo com a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) nos últimos vinte anos
houve um aumento de 240% de obesidade na infância e na adolescência. Embora
estas cifras sejam altas, esta doença continua a ser negligenciada.
O ganho de peso nas crianças acontece geralmente em função de uma
combinação de fatores que incluem: fatores comportamentais, que abrangem os hábitos
alimentares inadequados (dieta hipercalórica) e o estilo de vida da família; a carga
genética; o nível sócio-econômico; fatores psicológicos e a etnia. Tratando-se da
predisposição genética, quanado um dos pais é obeso, a probabilidade do filho ser
obeso é de 30% e quando ambos os pais são obesos, a probabilidade do filho ser
obeso é de 70%. Já quando nenhum dos pais ó obeso, esta probabilidade cai para
13%. O fator social (nível sócio-econômico) mais atrelado ao ganho de peso da criança
é o consumo de fast-foods e alimentos industrializados, que são caros e preconizados
pela mídia. Concomitantemente apresenta-se o sedentarismo, que se traduz em idas
aos shoppings como forma de lazer, além das horas despendidas em frente ao
computador ou vídeo game.
Em pesquisa recente realizada com nove mil crianças, cientistas das
Universidades de Glasgow e Bristol (2005), na Grã-Bretanha, afirmam ter identificado
os oito principais fatores que desencadeiam a obesidade infantil, reforçando a teoria de
que ela pode ser determinada pelo ambiente nos primeiros anos de vida da criança.
São eles: o peso ao nascer; obesidade dos pais (vista não só como um risco devido aos
fatores genéticos, mas também pela criança compartilhar a experiência de comer em

'duluilahull Q vuliou.cuiii tu Meslro em Htlcologi« pda Untv*r*kJ<Kto d« SAo Paulo • USP

110 Perme Ccrqucir.i l.eile l Icllcr


excesso, alóm dos cientistas salientarem que o aumento vertiginoso de casos de
obesidade “não pode ser por causa dos genes"); ver televisão por mais de oito horas ao
três anos (este risco pode atingir outras idades no início da vida, mas seu ponto
fundamental ó o fato da criança não fazer atividades físicas e/ou comer mais); dormir
pouco, menos de 10,5 horas por noite aos três anos (crianças que dormem mais tem
uma probabilidade maior de serem mais fisicamente ativas); tamanho no início da vida,
medido entre oito e dezoito meses; ganho rápido de peso no primeiro ano de vida;
crescimento rápido até os dois anos de vida, desenvolvimento de gordura corporal nos
anos do período pró-escolar, antes da idade em que isto deve ocorrer. Segundo lan
Campbell "é preciso convencer os pais que fatores ambientais são importantes para
assegurar que seus filhos não se tornem obesos".
O tratamento da obesidade na vida adulta é notadamente frustrante já que esta
patologia é recidiva e poucos são os pacientes que obtém sucesso a longo prazo (30%
em média).
O obeso, em qualquer idade, é estigmatizado e este estigma só se compara ao
da cor da pele (Radominski, 1986). A pessoa com sobrepeso é excluída, ridicularizada,
considerada preguiçosa, sem “força de vontade “ e mentirosa. Estes rótulos são a
constatação de que o obeso não é visto como alguém doente, mas sim como indolente
e não digno de respeito. As conseqüências deste padrão de comportamento de nossa
sociedade deixam, muitas vezes, marcas na auto-estima e auto imagem das pessoas
com sobrepeso.
A beleza está hoje associada à magreza. Numerosas pesquisas mostram que
a pressão sócio-cultural para que meninas sejam magras promove transtornos de auto
imagem, de afeto, notoriamente depressão, e transtornos alimentares, principalmente
a anorexia e a bulimia (Heller, 2003). Já nos meninos, a pressão para serem musculosos
e terem corpos definidos faz com que a vigorexia (obsessão por atividade física) e os
transtornos alimentares se instalem
É sabido que o paladar desenvolve-se desde a vida intra-uterina (Thompson & Smolak,
2001). Os alimentos consumidos pela mãe passam pelo líquido amniótico e são discriminados
pelo feto, assim sendo, quando um bebe nasce ele já está predisposto a apreciar alimentos
que “provou" na vida intra-uterina. Mães que consomem açúcar e gordura em excesso na
gravidez já estão contribuindo, mesmo sem saber, para a obesidade de seus filhos.
Filogeneticamente o homo sapiens está programado para apreciar o sabor
doce (o leite materno é doce) tendendo a rejeitar o amargo, pois a maioria dos venenos
é amarga, e é indiferente ao sabor salgado. Aliado a isto, a preferência pela gordura
também é adaptativa já que alimentos gordurosos são calóricos e fazem reserva de
energia. Este fato significava, na idade da pedra, uma maior chance de sobrevivência.
Pelos motivos supra citados é mister que se atente para o tipo de padrão
alimentar que se ensinas às crianças pois se está lutando contra a filogênese e a
sociedade de consumo, ambas defensoras da dieta gordurosa e açucarada.
É sabido que para que uma criança aceite um novo alimento ele deve ser
apresentado a ela diversas vezes (Thompson & Smolak, 2001). Geralmente isto não é
feito. O alimento é oferecido uma única vez e se este for rejeitado os pais tendem a não
mais apresentá-lo à criança alegando que ela não gosta. Reapresentar a comida de
diferentes formas, diversas vezes e separadamente é o primeiro passo para se
condicionar um comportamento alimentar adequado.
O princípio da saciação também deve ser observado. Crianças difíceis de alimentar
tendem a restringir sua ingestão a poucos tipos de alimentos e as mães, com receio de que

Sobre Comporttim cnlo c C opniç*io 111


a criança nào coma, acabam por reforçar este comportamento de só comer certos alimentos.
Além destes condicionamentos resultantes de comportamento de birra, não se pode
esquecer do valor afetivo que ó atribuído ao alimento e de suas conseqüências.
Desde o nascimento a comida vem associada ao prazer. Quando o bebê chora,
a mãe lhe dá o seio, o calor do corpo da mãe, seu cheiro e o carinho do toque recebidos
durante a amamentação são as primeiras associações entre prazer e alimento. O
alimento é o prazer mais primitivo sobre o qual o homem tem acesso desde seu
nascimento. Esta relação normal e adaptativa pode, entretanto, em função de aprendizado
futuro, se generalizar para outras situações, tornando-se inadequada. Muitos pais dão
guloseimas para seus filhos para que estes parem de chorar, de fazer bagunça ou
simplesmente para que fiquem quietos. Empregadas e babás também o fazem.
É importante, entretanto, que se preste atenção às contingências que, sem
querer, muitas vezes se estabelecem. A criança que sempre recebe aíimenfo quando
chora ou quer atenção passará a associar o comportamento de comer com solidão,
com solução para a dor, ou seja, aprenderá a solucionar problemas comendo Aquele
que recebe guloseimas quando está ocioso tenderá a aprender a passar seu tempo
livre comendo. Algumas mães ansiosas fazem este treino errado pareando desconforto
à comida. São aquelas mães que, cada vez que o bebe chora, dão de mamar para ele.
Crianças pequenas choram de cólica, porque estão com a fralda suja ou simplesmente
porque querem atenção e ainda não sabem falar. Se a cada desconforto a criança
recebe alimento é provável que no futuro, em situações estressantes, ela venha a comer,
como resposta de fuga, pois teve este padrão de comportamento reforçado.
Pensa-se que o sobrepeso ó produto exclusivo da qualidade da alimentação,
mas a forma como comemos também é importante para o desenvolvimento ou não da
obesidade. Desde muito cedo, a criança pode aprender que se fazem em média quatro
refeições diárias e que elas devem ser realizadas sempre nos mesmos horários.
Estabelecer horário e local para as refeições além de observar a qualidade e
quantidade do alimento é uma importante tarefa dos cuidadores (pais, avós, empregada,
etc...). Algumas famílias permitem que suas crianças comam assistindo televisão ou
em frente ao computador. Este tipo de padrão dificulta que a qualidade e a quantidade
dos alimentos sejam percebidas, além de Impedir que horários fixos para as refeições
sejam estabelecidos. Normalmente ao comer vendo televisão come-se mais, opta-se
pelas guloseimas e abre-se a porta para a obesidade.
Comer com outras pessoas geralmente é gratificante para a criança, pois a
alimentação tem também um papel social. Crianças que comem em creches tendem a
comer uma dieta mais diversificada, pois imitam os seus pares. É bastante freqüente
que a criança diga que não gosta de um alimento sem sequer tê-lo provado. Na creche
isto geralmente não ocorre, pois a criança imita os colegas. A criança imita o
comportamento das pessoas que tem prestígio para ela, chama-se isto de aprendizagem
por modelação ou vicária (Bandura, 1967).
Pais, familiares e educadores são os principais modelos na infância, daí sua
profunda responsabilidade no desenvolvimento infantil. Famílias que tem uma dieta
equilibrada ensinam este padrão de comportamento alimentar para suas crianças e,
em geral, fazem com que a relação com o alimento seja adequada. A comida passa a ter
o papel apenas de nutrir e auxiliar no desenvolvimento da criança.
Já nas famílias onde ocorre superalimentaçáo tende-se a fomentar a e a
Incentivar a alimentação desequilibrada (muito doce e pouca verdura, por exemplo),
tendo o alimento a função, muitas vezes, de suprir outras necessidades além das
nutricionais.

112 Pcnisc Ccnjucir.i I cilc I Icllcr


Dissociar o comer do ter fome é o princípio da obesidade. Se treinarmos uma
criança a comer sempre, por diferentes razões, estaremos dizendo-lhe que coma o
tempo todo e estaremos incentivando a superalimentação e conseqüentemente, a
obesidade. Tornar o comer um hábito puro e colocá-lo sob o controle da necessidade
física e não emocional é uma maneira efetiva de evitar a obesidade.
Esta preocupação com a prevenção da obesidade se justifica não apenas em
função dos malefícios físicos provocados por tal patologia, mas também por suas
implicações psico-emocionais. Nesta sociedade paradoxal que, hora incentiva, hora
pune a obesidade, a criança com sobrepeso sofre pressão social, recebe apelidos, é
motivo de chacota além de ser muitas vezes excluída do grupo dos pares.
Esta pressão fomenta o rebaixamento da auto-estima (Castilho, 2001, Heller,
2002, 2003) podendo levar até a depressão. Estudos americanos (Furman & Thompson,
2002; Thompson & Smolak, 2001) apontam para uma prevalência da depressão infantil
de 10% entre crianças obesas. Além disso, a criança obesa apresenta problemas
físicos, pois possui características ímpares; são mais lentas, se cansam mais
facilmente, tem suas atividades diárias limitadas pelo peso, especialmente as atividades
recreativas, são mais propensas a desenvolver diabetes, hipertensão arterial, lesões
de coluna, de articulações e dermatites (Heller, 2004).
É comum que a criança, ao se sentir rejeitada, resolva este problema com
comportamentos desadaptativos tais como o isolamento social e a agressividade. Por
não possuir repertório comportamental adequado para lidar com as situações de crítica
(punição), nem ser capaz de discernimento (discriminação) para discutir sobre o assunto
com quem faz a crítica, freqüentemente a criança desenvolve comportamento de esquiva
isolando-se no videogame, na televisão, no computador ou nos estudos para evitar
situações de constrangimento e dor (Heller, 2004).
A outra classe de comportamentos desadaptativos aparece quando a criança,
ao ser criticada, se revolta e passa a agredir pais, professores e pares. A agressão
funciona aqui como resposta de fuga já que não são capazes de solucionar o problema.
Ao se tornarem agressivas passam a ser evitadas pelo grupo e o isolamento se
estabelece da mesma forma que no primeiro caso. Atividades sedentárias e
individualistas como assistir televisão, brincar com o vídeo game ou computador passam
a ser praticadas para evitar a punição social e assim se forma um círculo vicioso que
retro-alimenta a obesidade (Heller, 2004),
A dificuldade de expressão de sentimentos é bastante freqüente entre crianças
com sobrepeso. Em geral elas são dóceis, não reclamam, aceitam ordens e dividem os
brinquedos. Quando elas não conseguem pedir ajuda, o comportamento de comer
como resposta de fuga à situação aversiva de ser “gordo" acaba sendo uma alternativa
viável e exeqüível. Comer é algo fácil de fazer porque se faz sozinho e não é dispendioso.
O problema reside aí. Por ser facilmente exeqüível é difícil de ser extinto e freqüentemente
se mantém na idade adulta.
Além das dificuldades ao nível de repertório social para conviver com pares,
a criança obesa enfrenta outros tipos de dificuldades oriundas de seu sobrepeso
que só aumentam a lacuna que a separa das outras crianças. Ela não possui uma
aparência socialmente desejada e seu sobrepeso lhe impõe limitações físicas, o
que a faz sentir-se duplamente diferente.
O “gordinho" sempre é goleiro no futebol, pois não tem mobilidade, dificilmente
se sobressai no surf, skate ou vôlei. A “gordinha" geralmente está na última fila na

Nobre Comportamento c Coflnifilo 113


apresentação de balé, não faz papel de princesa no teatro da escola e também não se
sobressai nos esportes. Para as meninas esta situação é ainda mais complexa em
função da pressão social para ser bela que ó exercida sobre a mulher. Estudos
americanos mostram que meninas com seis anos de idade já fazem dieta e acham
feias pessoas com sobrepeso. Os colegas, nesta idade, já são escolhidos por sua
aparência e as crianças obesas tendem a ficarem isoladas. Quase 50% das
adolescentes americanas relatam não gostar de seus corpos e querer emagrecer.
A prevenção é ainda a medida mais eficaz para se lidar com a obesidade. A
prevenção pode ser feita através da adoção de hábitos de vida saudáveis: dieta
equilibrada; incentivo à prática regular de exercícios físicos, oferecendo opções de aulas
extra-curriculares (natação, judô, ballet, tênis, etc...; praticar com a criança atividades de
lazer atreladas a exercícios e não à televisão (andar de bicicleta, por exemplo); evitar
associar comida à emoção, ou seja, não dar doces à criança de presente nem de
consolo; não comer para passar o tempo (domingo com pipoca e televisão); ensinar a
criança a comer em horários fixos, sem televisão, usando talheres; evitar oferecer
salgadinhos, refrigerantes e guloseimas; limitar o consumo de fast-foods; aderir à lei
do lanche saudável nas escolas, incentivando a criança a consumi-lo e ajudando a
escola na adesão dos pais a esta medida; adotar o estilo de vida “magro", andar a pó,
preferir escada ao elevador, etc... A exposição maciça a produtos hipercalóricos e sua
oferta abundante dificultam este trabalho. Na pesquisa referida anteriormente, realizada
na Grã-Bretanha (2005), os cientistas afirmam que muitos dos esforços realizados no
sentido de prevenir a obesidade infantil resultaram em insucesso. Eles sugerem que
"futuras iniciativas podem se concentrar em mudanças ambientais em períodos
relativamente curtos, no início da vida, tentando mudar fatores durante a gravidez,
primeiros anos de vida e infância, que são relacionados a um futuro risco de obesidade".
Quando a prevenção falha é necessário se tratar esta patologia. Para se tratar
a obesidade infantil deve-se pensar em tratar conjuntamente pais e filhos. O tratamento
da obesidade na infância precisa ser visto como um tratamento de família onde todos
os membros participam.
Foi com este objetivo que foi criado na Universidade Tuiuti do Paraná, no
Ambulatório de Nutrição, um programa de acompanhamento multiprofissional para
prevenção e tratamento da obesidade infantil. O objetivo deste trabalho é modificar o
estilo de vida de toda a família. Participam deste serviço uma psicóloga, uma nutricionista
e uma terapeuta ocupacional, cada qual com suas estagiárias. Ocorre atendimento
semanal da criança com as três profissionais e mensal de toda a família.
Este atendimento é dividido em duas etapas. Na primeira etapa, são realizadas
atividades com toda a família com o objetivo de introduzir temas relativos à doença, a fim de se
propor estratégias de enfrentamento. Na segunda etapa as crianças são levadas pelos
estagiários para desenvolver atividades lúdicas relacionadas ao tema. Os pais ficam com as
profissionais e discutem dificuldades ou dúvidas encontradas no tratamento. As maiores
dificuldades apresentadas dizem respeito ao sedentarismo e este dado vai de encontro à
bibliografia. O tratamento nutricional visa à reeducação alimentar e o tratamento com terapeuta
ocupacional visa ampliar atividades de lazer com vistas a combater o sedentarismo. Já o
tratamento psicológico da criança prevê a implementação da auto-estima, a ampliação de
repertório comportamental, treino em habilidades sociais, autocontrole e solução de problemas.
A orientação psicológica com os pais pretende promover a modificação do estilo de vida de
toda a família, treino em solução de problemas, prevenção de respostas e discussão sobre
padrões parentais. Os resultados obtidos apontam para 40% de adesão e acredita-se que tal
porcentagem traduza a dificuldade encontrada pelas famílias em modificar estilo de vida.

114 Pcnisf Crnjucir<i I cite I Icllcr


Referências
Bandura, A. (1969). Modificação do comportamento. Rio de Janeiro: Intoramoricana.
Bahls, S. C. (2004). A depressão em crianças e adolescentes e o seu tratamento. São Paulo: Lemos.
Birch, L. L.; Fisher, J. O. (2000). Mothers’ child: feeding practices influonce daughter's eating and
weight. American Journal of Clinical Nutrition, 71, 10541061.
British Modical Journal. Cientistas identificam oito fatores da obesidado. BBC Brasil. Maio/2005.
Bruch, H. (1986). Les yeux et le ventre.
Castilho, S. M. (2001). Imagem corporal. Santo Andró, SP: ESETec.
Cordás, T. A.; Cobolo, A.; Fleitlich, B; Qulmarâos, D. S. B.; Schomor, E (1998). Anorexia e bulimia: o
que são? como ajudar? Porto Alegre, RS: Artmed.
Dominguos, L. A. (2000). Obesidado e atividade física. Jundlal, SP: Fontoura.
Duchosno, M. (1998). Transtornos alimentares. In B. Rangó (Org.) Psicoterapia comportamental e
cognitiva de transtornos psiquiátricos Campinas, SP: Editorial psy.
Forster, C. B.; Lovitt, E. F. (1962). Tho control of oatlng. Journal of Mathetlcs, 1, 87-109.
Fisher, J. O.; Birch, L. L. (2001). Early experience with food and eating: Implications for tho development of
oating disordors. In K J. Thompson; L. Smolak (Orgs.) Body image, eating disorders and obesity in
youth: assessment, prevention, and treatment Washington, DC: American Psychological Association.
Gore, S. A.; Wal, J. S. V.; Tholon, M. H. (2001). Troatmont of oating disordors in children and adolosconts.
In K. J. Thompson: L. Smolak (Orgs.) Body image, eating disorders and obesity In youth:
assessment, prevention, and treatment. Washington, DC: American Psychological Association.
Halpern, A. (1997). Obesidade: conhecer e enfrentar. São Paulo, SP: Contoxto.
Halporn, A. et alii (1998). Obesidade São Paulo, SP: Lemos.
Halporn, A. (2002). Pontos para o gordo. Rio de Janeiro, RJ: Record.
Heller, D. C. L. & Korbauy, R. (2000). Redução de peso: identificação do variávois o olaboração do
procedimentos com uma população de baixa renda e escolaridade. Revista brasileira do
terapia comportamental e cognitiva. Vol It, 1, 31-52.
Heller, D. C. L. (2002). Anorexia nervosa: etiologia e estratégias de enfrentamonto. In H. Guilhardi
(Org.) Sobre comportamento e cognição. Santo Andró, SP: ESETec.
Heller, D. C. L.; Souza, R. C.; Anjos. M. C.; Nogueira, A. (2003). Comportamento alimontar infantil:
influôncia matorna na obosidado infantil. Comportamento humano: tudo (ou quase) tudo
que você gostaria de saber para viver melhor. Santo Andró, SP: ESETec.
Heller, D. C. L. et alli (2004). Obesidade Infantil: manual de prevenção e tratamento. Santo Andró,
SP: ESETec.
Herscovlci, C. R. (1997). A escravidão das dietas. Porto Alogro, RS: Artmod.
Horscovici, C. R.; Bay, L. (1997). Anorexia nervosa e bulimia: ameaças á autonomia. Porto Alogro: Artmod.
Jongsma Jr, A. E.; Peterson, L. M.; Mclnnls, W.P. (2000). The adolescent psychotherapy treatment
planner. Now York, NY: John wiley sons, inc.
O'Connor, M.; Tamara, S.; Cooper, M (2003). Assumptions and beliefs, dieting, and prodictors of eating
disorder; related symptoms In young women and young men. Eating behaviors, 4, 1-6.
Radominskl, R. (1986). Obosidado. Teso de mestrado não publicada. Unlversidado Foderal do Paraná.
Schachter, S.; Gross, L. P. (1968). Manipulated time and oating behavior. Journal of Personality and
Social Psychology. 10, 98 -106.
Steinberg, B.; Pharos, V. (2001). Family functioning, body image,and eating disturbances. In K, J.
Thompson; L. Smolka (Orgs.) Body Image, eating disorders and obesity In youth: assessment,
prevention, and treatment. Washington,DC: American Psychological Association.
THOMPSON, J. K.; SMOLAK, L. (2001). Body image, eating disorders and obesity in youth:
assessment, prevention, and treatment. Washington,DC: American Psychological Association.

Sobrc Comport.imcnlo c Coflm^io 115


Capítulo 15
Comportamento e Saúde:
Vulnerabilidade Biológica
Diana Tosello Laloni*
PUC Campinas

Comportamento e Saúde é o estudo das relações entre fatores biológicos do


organismo e o ambiente. A Organização Mundial da Saúde definiu saúde como um
estado completo de bem estar físico, mental e social. Considera-se saúde um estado
do organismo e não sua propriedade e estado uma condição que depende da interação
de diversos fatores. Assim entende-se a vulnerabilidade biológica como um estado do
organismo produzido pela interação de determinados fatores. Para os Behavioristas
Radicais o homem é visto como um sistema unitário, não há dicotomia entre corpo e
comportamento, porque é o corpo que se comporta. Comportamento é a dimensão
funcional do corpo na sua interação com o ambiente e essa interação não ó independente
do organismo biológico; comportamento é a ação de um organismo num ambiente.
Colocada a questão da saúde ou doença como um estado do organismo e
comportamento como ação do organismo, compreende-se Comportamento e Saúde
como uma relação inseparável: comportamentos promovem saúde como
comportamentos promovem doenças. Isto significa que não se pode analisar o estado
de saúde ou doença de um organismo sem que os comportamentos desse organismo
sejam observados e relacionados ao estado em questão. Estamos entendendo que
comportamentos podem alterar o estado do organismo e produzir vulnerabilidade
biológica para doenças. Comportamentos que diretamente afetam a saúde, como
envolver-se em um acidente, são facilmente observados e podem ser descritos
funcionalmente, no entanto outros produzem efeito na saúde ao longo de um tempo
como fumar, e esse hiato no tempo dificulta a análise da funcionalidade.
O analista de comportamento busca na ciência do comportamento
conhecimentos relevantes à compreensão da saúde física e da doença, e sua relação
com os comportamentos. Esses conhecimentos podem oferecer oportunidades para o
‘ ProloMora Dra Diana Tosello Lalonl, PUC Campinas. NAPSl Camptnas rinum ininmttinrra cmii.bi

11Ô IosciloI .iloni


planejamento de ações de prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. Skinner
(1974), fazendo uma referência a padrões emocionais de respostas, afirmou que seus
efeitos podem ser severos, que respostas emocionais freqüentes ou crônicas das
glândulas e dos músculos lisos podem prejudicar a saúde do indivíduo e continuou
exemplificando que distúrbios do aparelho digestivo, incluindo úlceras, têm sido
atribuídos a respostas de medo, ansiedade, raiva ou depressão, e que essas doenças
algumas vezes são denominadas de doenças “psicossomáticas". Quanto ao estado
emocional que produz a doença, Skinner (1974) referiu que deve ser explicado e tratado.
As variáveis manipuláveis da qual a causa somática e o efeito somático são funções
permanecem na história ambiental do indivíduo, os sintomas psicossomáticos são
efeitos paralelos de uma causa comum, e novamente exemplifica dizendo que um
ataque de asma não ó o efeito da ansiedade, ó parte dela.
A compreensão da relação entre comportamento e saúde difere essencialmente
da abordagem psicossomática. A Psicossomática estuda as relações entre mente-
corpo sobre os mecanismos de produção das enfermidades. O termo "psicossomático"
surgiu no início do século XX quando se procurava distinguir os tipos de influência e
suas diferentes direções ao estudar as relações entre mente e corpo. A observação
empírica da aparente influência dos processos mentais sobre as funções somáticas
deu origem às especulações sobre a gênese psicológica dos transtornos somáticos.
Quando estados emocionais corriqueiros são acompanhados de modificações
somáticas, é difícil resistir à tendência de estabelecer nexos causais entre o medo e a
palidez, a raiva e a azia, a tristeza e a dor. Essa compreensão estabelece uma relaçào
causal, entre mente e corpo, onde se atribui á mente efeito sobre o corpo.
Pretende-se apresentar um estudo da vulnerabilidade biológica apoiado nos
conceitos de Inesta (1990), e a análise comportamental de um caso com doença
dermatológica chamada de psicossomática. O organismo não é uma entidade isolada,
está sempre inserido num ambiento com o qual se relaciona e a partir do qual evolui
ontogeneticamente, nesse meio está a organização social e cultural. Os processos de
interação com o ambiente que produzem as enfermidades podem também estar nas
práticas sociais e culturais. Para a análise da relação entre comportamento e saúde é
necessário que se observem três fatores fundamentais: a história de interação do indivíduo
com o ambiente: as competências funcionais (padrões comportamentais) na interação
com uma determinada situação; a modelagem dos estados biológicos do organismo
por parte das contingências ambientais.
Quando o modelo comportamental de saúde é utilizado, os fatores biológicos e
sócio-culturais são analisados na sua interação. Os fatores biológicos se apresentam
como a principal condição da existência do indivíduo. Os fatores sócio-culturais se
apresentam como as formas particulares que caracterizam o indivíduo em sua inter-
relação com as situações de seu meio, com base em sua história pessoal.
A interação do indivíduo com as contingências não se restringe a uma dimensão
somente psicológica, o indivíduo representa uma totalidade, não se pode separar
comportamento das características biológicas do indivíduo que se comporta. O
comportamento é a funcionalidade adquirida a partir da reação biológica. A participação
indissociável da reação biológica em todos os comportamentos permite afirmar que as
contingências afetam tanto o comportamento quanto o estado biológico. As contingências
modelam o estado biológico do organismo da mesma forma que modelam os
comportamentos. As condições biológicas do organismo podem ser afetadas
diferentemente conforme o organismo responde às contingências.

Nobre Comportamento c C oriiíç<1o 117


Algumas condições que afetam a vulnerabilidade são produto de práticas
inadequadas, como por exemplo, a ausência de anticorpos por não receber vacinação, a
ingestão de alimentos sem cuidados de higiene. Outras vulnerabilidades são aquelas
provenientes de alterações genéticas ou congênitas, as contingências nesses casos podem
ser identificadas na história mais remota desse organismo. No entanto, há vulnerabilidade
produzida diretamente pelo comportamento, as formas particulares com que um indivíduo
se relaciona com seu ambiente favorecem alterações orgânicas específicas, como ocorre
com o aumento da tensão arterial ou o aumento da secreção gástrica, entre outros.
O ser humano é capaz de adaptar-se ao meio desfavorável, mas essa adaptação
não ocorre impunemente. Doenças como úlceras digestivas, alterações dispépticas,
crises hemorroidárias, alterações de pressão arterial, do aparelho gastrointestinal,
afecções dermatológicas e metabólicas, alergias, artrites reumatóides, reumatismo,
perturbações sexuais, comprometimento do sistema imunológico, alterações tiroidianas
sfio encontradas em organismos em que se notou um esforço de adaptação.
Atualmente se aceita que a relação entre comportamentos e doenças ó complexa
e pode ser afetada globalmente por numerosas variáveis biológicas e socioculturais. O
maior desafio é descrever e analisar os efeitos interativos entre esses múltiplos fatores
e avaliar a variabilidade da influência biológica no indivíduo.
Na epidemiologia caracterizam-se os fatores de risco para as doenças. Esses
fatores sáo documentados como comportamentos de tabagismo, obesidade,
dependência do álcool ou outras substâncias e práticas sexuais de risco.
Apesar das dificuldades para identificar a precisa associação entre
comportamento e saúde, uma quantidade razoável de evidências empíricas existe para
afirmar que os comportamentos, sem qualquer dúvida, afetam a saúde física, o início e
o fim de algumas enfermidades. Uma maneira de se classificar esses padrões
comportamentais é reuni-los em duas grandes categorias: comportamentos para a
doença e comportamentos para a saúde.
Alguns estudos foram conduzidos buscando-se relacionar um determinado
padrão compodamenlal com o desenvolvimento de algumas doenças, como doenças
cardiovasculares e Padrão Comportamental Tipo A (PCTA), Friedman e Rosenman
(1974). Definiu-se o PCTA como comportamentos de hostilidade, urgência de tempo,
impaciências, ambição, competitividade, estabelecimento de padrão excessivamente
alto de performance, comportamento auto-exigente, características da fala e da
motricidade com movimentos rápidos do corpo, músculos do corpo e da face tensos,
fala explosiva, mãos apertadas. Da mesma forma estabeleceu-se uma relação entre
Câncer e Padrão Comportamental Tipo C., sendo descrito esse padrão comportamental
como: cooperativo, não assertivo, reprime emoções, concorda com autoridades.
Na interação do comportamento com o ambiente participam vários subsistemas
biológicos, alguns padrões comportamentais de fato afetariam alguns sistemas e não
outros? Essa questão não está respondida, os estudos com padrões comportamentais
são insuficientes para essa afirmação.
Entretanto há outros comportamentos que indicam uma relação direta com a
vulnerabilidade biológica. São os comportamentos denominados de risco, podem-se
apontar algumas classes de comportamento nessa categoria: exposição a condições
ambientais prejudiciais ao organismo, como expor-se ao sol, exercitar-se
exageradamente; exposição a fatores patogênicos como práticas sexuais inadequadas,
ingestão de alimentos contaminados; exposição a situações de perigo, como dirigir
embriagado, trabalhar em lugares altos sem proteção.

118 Piiin.i loscllol .iloni


Outras contingências podem afetar o organismo em suas reações de imunidade,
hormonais, neurovegetativas e metabólicas. Essas contingências afetam o
comportamento dos músculos lisos e glândulas, e essas mesmas contingências afetam
o comportamento do indivíduo. Observa-se que classes de comportamento de evitação
sâo acompanhadas de respostas neurovegetativas, assim pode-se supor que outros
sistemas estão afetados da mesma forma, indicando que comportamentos
funcionalmente sob controle de reforçamento negativo produzem doença.
Os comportamentos relacionados com a saúde são classificados como
comportamentos de prevenção, comportamentos de adesão, e observa-se que
comportamentos funcionalmente sob controle de reforçamento positivo promovem saúde.
Nos estudos de casos com indivíduos portadores de doenças é necessário
que as contingências relacionadas às doenças sejam identificadas e descritas
funcionalmente. As contingências de uma doença crônica são, em geral, muito diferentes
das agudas e, portanto afetam diferentemente o indivíduo.
Neste trabalho pretende-se identificar e analisar as contingências de uma
doença dermatológica crônica, a psoríase. As doenças crônicas não-transmissfveis
são caracterizadas pelo longo período de latência, tempo de evolução prolongado,
etiologia não elucidada totalmente, lesões irreversíveis e complicações que acarretam
graus variáveis de incapacidade ou óbito. Acredita-se que a ocorrência das doenças
crônicas esteja relacionada a um complexo conjunto de fatores que interagem entre si,
potencializando os seus efeitos. Assim, o conhecimento sobre os mesmos é fundamental
para desenvolver atividades para o tratamento e sua prevenção.
A psoríase foi definida por Folks e Kinney (2000) como doença crônica, intratável
e hiperproliferátiva da pele, que se caracteriza pelo aparecimento de placas secas,
eritematosas, coalescentes, cobertas por abundantes escamas branco acinzentadas
em regiões da pele. Os fatores psicológicos afetando as condições dermatológicas
foram objetos de revisão na literatura por esses autores, que concluíram a necessidade
de um esquema diagnóstico e nosológico que interligue esses fatores. A base de dados
dos estudos da relação entre esses fatores é insuficiente e o estudo de um sistema de
diagnóstico que especifique a natureza dos fatores psicológicos e comportamentais
pode melhorar a qualidade e a profundidade das investigações. Fortune (2002) e Lange
(1999) defenderam a utilização de um programa de tratamento multidisciplinar para
pacientes com psoríase, combinando a terapia médica com a terapia comportamental.
Para a ilustração deste tema foram estudados os fatores comportamentais
presentes na relação saúde-doença, de um paciente com psoríase, através da análise
funcional do comportamento. Para a Análise Funcional, foram considerados os
comportamentos de fuga/esquiva, que historicamente estiveram relacionados ao
aparecimento da doença, ou com a intensificação de seus sintomas.

Primeira entrevista
Sexo; Masculino
Idade: 49 anos
Casado, 3 filhos
Escolaridade: Fundamental Incompleto
Doença: Psoríase, há 8 anos
Tratamento médico: “Já procurei tratamento várias vezes e parei. Atualmente
faço tratamento há 6 meses, estou afastado do trabalho e cumpro regularmente os
banhos de luz duas vezes na semana e retorno no médico de 20 em 20 dias. Não tinha

Sobre Comporl.imento e Coflniç/io 119


como seguir o tratamento antes, agora estou conseguindo porque estou em licença
médica do trabalho".
Medicação: Nenhuma medicação, apenas banhos de luz e creme hidratante.
Adesão: Não apresentou adesão a nenhum tratamento anterior, atualmente
está seguindo regularmente as prescrições e justifica que ó porque está em licença
módica do trabalho.
Doença na família: Sobrinho, filho da sua irmã, tem 19 anos e apareceu em
uma pequena parte do corpo.
Preocupações em relação ã doença: “Sou muito vaidoso, quero estar sempre
bem com os outros, preocupo-me em estar bem física e psicologicamente. Estou
preocupado com a minha filha que fez transplante de córnea a semana passada".

Segunda entrevista
Terapeuta: O senhor sabe me dizer quando surgiu a doença?
Cliente: Não sei falar o dia certo, e a época certa, em torno de uns 8/9 anos.
T; O que fazia nessa época, onde trabalhava?
C: Olha, eu fazia a mesma coisa que eu faço hoje, eu era caminhoneiro. E foi quando
começou a surgir a primeira lesão no corpo. Começou a surgir um pouco no cotovelo,
e no joelho. Eu era motorista, só que na época era um serviço mais pesado, era
menos tempo, mais era mais pesado.
T: O senhor viajava muito?
C: Eu viaja o dia inteiro e geralmente voltava à noite. Era uma época corrida, eu tinha
meus filhos quase todos numa faixa da adolescência. O mais velho estava com 11
para 12 anos, e era uma fase que a gente ganhava pouco, e fica aquela coisa,
aquela correria, você entendeu? É cansativo, você trabalha, trabalha, e não consegue
nada. (risos)
T: Então, começou a lesão no cotovelo?
C: Isso, e no joelho. Então, eu acho que foi aonde começou. E aí piorou, porque de lá
para cá, só foi correria, correria, sempre dobrando, tudo sobe, então você tem que
dobrar o serviço para você poder acompanhar o ritmo (risos), então cada dia
aumentava mais, aí foi passando, aí foi subindo, subindo, aí foi nos dois braços, do
joelho também desceu e as pernas ficaram todas ruim.
T: Então as partes do seu corpo onde tem mais lesão são os braços, e as pernas?
C: Teve uma época que pegava o corpo inteiro, nas costas, na barriga, aqui era tudo
aqui eu tenho as marcas, ainda se vêl (mostra as mãos. Era tudo isso aqui (a mão),
quando foi assim que eu afastei e a firma me mandou procurar um médico isso aqui
era tudo inchado, cortava de sair água (mostra as mãos).
T: O senhor sabe me dizer quando, como e onde o senhor começou a fazer o tratamento
para psoríase?
C: Olha, eu fiz uma época, fiz pouco tempo, porque eu voltei a trabalhar e abandonei.
T. O senhor não usa creme, remédio?
C: Nãol Tava usando um creminho, mas nem lembro mais o nome (riso), era um creme
só para amaciar a pele, mas eu parei, porque tá muito caro. Eu tô usando agora um
creme, o óleo de amêndoas, que é bom, o médico falou que é bom para pele

120 locclloLiloni
T: E aí melhorou?
C: É o médico não me mandou passar nada, tomar nada, só fazer o banho de luz, que
eu faço duas vezes por semana.
T: O senhor consegue seguir as orientações do médico?
C: Él Agora eu tô conseguindo porque eu tô afastado, então eu posso vir, entâo não tem
problema com o serviço. Por que como falei meu serviço e eu viajo para fora, como
eu sou caminhoneiro, eu não parava. Parava às vezes no sábado e no domingo à
noite, uma vez por semana eu passo em casa, mas, às vezes, geralmente é à noite
e já tarde, eu passo só pra deixar as roupas mais suja e logo em seguida viajo de
novo, aí volto no sábado à tarde.
T: Mas, e assim dá para o senhor seguir as orientações do módico?
C: É..., tem uns remédios que dá! Porque só não dá se for remédio que tem que ficar na
geladeira. Porque antigamente eu tomava uns remédios homeopáticos, que tinham
que ficar na geladeira, então esses eu não tomava, porque não tinha condições...
T; O senhor sente mais alguma dificuldade de seguir algumas das prescrições do
módico?
C: Não! A única dificuldade era quando eu tava trabalhando, que eu não podia vir no
dia marcado, eu parava, depois voltava e parei de uma vez. Aí eu tava que não
agüentava comigo.
T: Por que piorou?
C: Só piorava e falavam que não tinham como marcar, teve uma vez que eu fiquei tão
nervoso que discuti aí em cima e saí xingando. Eu não tinha condições nem de
andar, a perna tava tudo inchada, e eu tinha que trabalhar, porque eu falei para
afastar e eles não afastaram, porque é uma doença que não é doença.
T: Por que o senhor fala que não é doença?
C: É porque ela é uma doença, mas pra eles, os módicos, não é doença pra afastar, nó?
T: Os módicos acham que não é um motivo para afastar o senhor do trabalho?
C: Isso!
T; O senhor acha que não tinha condições de trabalhar?
C: É, eles não afastavam, porque aqui não afastam, só afastaram porque a minha firma
passou uma carta e mandou eu num módico particular, ela pagou módico particular,
aí eles me deram vinte dias de afastamento. A nossa assistente social olhou e falou:
não tem condições de trabalhar? Ela viu o jeito que a perna tava era terrível, tudo
inchado, a mão você olhava aqui tudo cortado (mostra a parte de cima da mão perto
dos dedos), cortado lá no fundo, a parte assim das nádegas se tirava a cueca ficava
manchada de sangue (por causa da pele), porque cortava, se ia ver no módico, ele
passava um remedinho, uma pomadinha...
T: Não adiantava?
C: Não adiantava, porque você usava um tempo e ficava a mesma coisa, você ficava na
mesma, ai você ficava mais três, quatro meses sem vir.
T: Mas agora o senhor está vindo?
C: É... eu tô vindo pra fazer o acompanhamento, eu venho duas vezes por semana, para
o banho de luz e mais de vinte em vinte dias com a doutora.
T: Quanto tempo que é o banho de luz?

Sobre Comportamento c Coflníç.lo 121


C: O banho de luz é oito minutos, quatro de frente e quatro de trás. Só que você não
pode tomar sol, não pode tomar muito sol, porque se ficar no sol ele queima.
T: O senhor sabe me dizer como o senhor se sente em relação à sua doença, em
relação à psoríase?
C: É (risos), a gente fica mal nó? A gente fica mal, porque eu sou super vaidoso e, às
vezes a gente quer sair, e não consegue não tem como sair, por que a gente vai
passear, e não tem roupa para sair de casa, e eu não consigo colocá um short,
porque tá nas pernas inteira, nos braços, agora não se tá vendo, mas era assim
você olhava nos braços, tava inteiro, os braços inteirinho.
T; O senhor não conseguia sair por que ficava aparecendo?
C: É ficava aparecendo e eu olhava aquilo, e as pessoas começavam a fazer perguntas,
se isso ó pegajoso ou se não é, entendeu?
T; O senhor não se sente bem com isso?
C: Eu me sentia póssimol
T: Aí o senhor não saía mais.....
C: Não saía de casa.
T: Por causa dos outros?
C: É também, mas ela coça e fica na rua e você fica pinicando. Quando ela tá meio
atacada a pele fica como se fosse um inseto mordendo, um pernilongo mordendo, e
incomoda aquela pinicada. A gente dá aquelas encolhidas sabe, você sabe, a gente
fica coçando como se fosse um bicho mordendo. Porque tá na gente e você sai na rua,
está trabalhando o dia inteiro, aquele calorão e aquilo é terrível (fica incomodando). As
pessoas, quando a gente passava, né? Porque muitas vezes a gente faz uma rede de
lojas que tem no interior inteiro, até o Paraná, o Rio Grande do Sul e em outros lados,
a gente fazia essa rede de loja, tem umas que já conhecia, então não perguntava, mas
se chegava na loja, um monte de cliente, eles ficava daquele jeito olhando pra mim. Aí
dava assim no olho entendeu (mostra os olhos), nas orelhas, era terrível.
T: O que o senhor sentiu quando falaram que tinha psoríase?
C. Olha, eles me falaram, você tem psoríase e logo em seguida já falaram, ela é
crônica, ela não tem cura, e quando eu me vi daquele jeito...(hum)
T: E que o senhor entendeu por ser crônica e não ter cura?
C: Ah, eu ficava angustiado, porque eu sou uma pessoa que nem eu falei, sou uma
pessoa vaidosa, e eu senti, e falei agora o que eu vou fazer? Se você afasta tudo
bem, se afasta você tá recebendo e tudo bem, mas se você tem uma família para
sustentar, se tem um parâmetro para manter o filho, você vê daquele jeito e não pode
fazer nada. No meu caso eu tinha que trabalhar, tinha que trabalhar. Vai no módico,
ele fala que não pode afastar, então você tem que trabalhar, e eu me sentia revoltado.
Uma coisa que também achei meio difícil foi numa época que ela aumentou também,
foi quando eu perdi minha irmã, ela morreu de câncer.
T: Aí o senhor percebeu que piorou?
C: É aí deu uma piorada, piorou bastante, porque você tem aquele impacto. Ela veio
mais e foi ficando e foi espalhando mais ainda.
T; E, hoje, como o senhor se sente em relação à psoríase, à doença?
C: É, hoje, no dia de hoje eu me sinto bem, porque olha ela tá bem, eu tô sentindo que
ela tá indo embora. Eu me sinto bem, ela tá indo embora e eu fico bem, Agora

122 |)i<in<i loscllo l iilom


quando ela vem, eu fico desesperado, aí eu penso será que ela vem agora e não vai
embora mais, vai ficar parada assim toda vida?
T: O senhor fica preocupado?
C: Chega até dar aquele desespero. Olha para você, quer sair, que ir num barzinho,
quer bater papo com os amigos ou ir à casa de parente, e eles ficam perguntando
como você tá, e fala usa isso, toma esse remédio, toma aquele remédio.
T: E o senhor tomava o remédio?
C: Ah, agora só tomo o que o médico passa, antigamente eu tomava tudo que me
indicavam e de tanto remédio caseiro, eu piorei. Com esse tratamento agora, que eu
tê fazendo, eu melhorei. Eu não sei se é porque eu estou afastado, com a cabeça
mais tranqüila, em casa, mais sossegado. Mesmo assim a gente fica pensando,
porque, se é afastado não tem erro, desse jeito não é igual quando eu tô trabalhando?
Além de trabalhar, eu chego em casa tem filho, tem isso, tem aquilo, correria e eu
chego em casa tem que correr pra pagar conta, quando não é mercado, é isso é
aquilo, é os menino querem, e falam “pai quero comer uma comida fora, eu queria
ir para algum lugar, às vezes pediam dinheiro e eu já não tinha (risos), era complicado,
mais hoje é mais sossegado, meu filho mais velho está trabalhando.
T; Quanto a doença afetou sua vida e afeta hoje?
C: Ela afetou tudo. Eu, a minha mulher e meus três filhos ficamos apavorados, e eles
ficam perguntando, mãe isso não tem cura? E eles não ficam perguntando para
mim porque sabem que eu estouro logo de uma vez, ficam perguntando para a mãe
se não tem cura, e a mãe diz “filho infelizmente não tem cura", e eles ficam chateados
e eu fico daquele jeito. E quando eu tava trabalhando me viam chegar em casa, eu
botava um short, ou um roupão pra tomar um banho, e eles viam o corpo que tava
vermelho, aquilo que você olhava assim tudo inchado, tinha lugar que cortava nas
pernas, cortava nas costas, no corpo inteiro. Eles que saem, que passeiam, não vão
entender que você tem problema além da dificuldade financeira. E aí você fica nervoso,
a mulher já começa a reclamar, os filhos também, que sai que isso, que aquilo, a
gente não pode..., está cansado, acabou de chegar de viagem, e...
T; O senhor fica nervoso como?
C: Ah, tem várias coisas, vários momentos - “Como o senhor tá?" Eu falo: "tô bem!"
Mas o senhor vai naquele médico? Por que o senhor não vai ao médico? "Como que
eu vou ao médico?" Aí eu falo: "Você sabe a hora que eu vou sair amanhã?" Você
sabe que eu vou sair. Às vezes, a gente tá no domingo à tarde seu caminhão tá
carregado e você tem que ir pra tal lugar. Vou dar um exemplo, você vai pra Curitiba,
ou você vai pra Belo Horizonte, ou você vai pro Rio de Janeiro. Tinha acabado de
chegar de viage, dali a 15 minutos eles ligavam de volta.
T; Para ir trabalhar?
C: É pra voltar pro trabalho. Às vezes, os filhos queriam ir pra um lugar, e a gente não
tinha como ir porque eu já ia trabalhar de novo. Ai vinha a mãe deles, e ela começava
a reclamar, ai a gente fica nervoso, e quando fico nervoso....
T; E como o senhor fica nervoso? O senhor, o que o senhor faz?
C: Ah, eu xingo! Pinto os caneco (risos). Hoje não, hoje eu tô mais sossegado, mas era
terrível.
T: Hoje o senhor acha que a doença afeta de uma forma diferente sua vida do que
afetava antes?

Sobre C'ompor1.imfnto t Cojjniç<io 123


C: Ah...é, hoje ela não me afeta tanto, porque a gente já se acomodou um pouco mais,
já vê que não tem cura. Tem uma fase ela vem, melhora um pouquinho, depois ela
volta af você controla sua fala, ela vai embora. Do jeito que ela está aqui ela pode
daqui há três ou quatro dias....
T; O senhor sabe me dizer se tem alguma coisa que acontece, ou se alguma coisa que
fazem para o senhor, ou que o senhor faz que piora isso?
C: Ela sempre, quando eu tenho algum estado emocional, que eu discuto com um amigo
ou eu discuto dentro de casa, ou eu tenho assim um..., aquele choque, sabe,... quando
se está conversando com uma pessoa, e no meio você discute, você fica nervoso, ela
daf a um dia ou dois ela vem, ela fica que nem se fosse isso aqui ó (mostra a barriga).
T; Vermelha?
C: É ela fica vermelhinha assim, al ela coça, al já fere, aí ela vai espalhando.
T: Então o senhor acha que sempre acontece alguma coisa antes?
C: Acho não, tenho certeza!
T; O senhor twm certeza?
C: Eu tenho certeza que....
T; E a doença piora?
C: É, aconteceram coisas e a gente vê e vai notando aos pouquinhos que vai mudando.
Por mais que eu tente tem hora que eu não quero falar e de repente explode, aí já foi.
Mesmo que eu me arrependa, eu já magoei os filhos e a mulher. Às vezes vou lá
peço desculpas, falo que o pai errou que tava nervoso, às vezes peço desculpas e às
vezes não (risos), não falo nada. Mas a gente percebe que errou, aí vou lá abraço,
beijo, peço desculpas, aí a gente conversa, falo que são coisas da vida.
T: E o senhor sente-se melhor fazendo isso?
C: Eu me sinto melhor, porque eu vejo que eles também se sentem.
T: O senhor sabe me dar um exemplo?
C: Quem sou eu pra achar que eu sou melhor, eu não sou melhor que ninguém. Eu saí
de casa bem jovem, eu perdi minha mãe eu tinha uns 14 anos, e eu saí de casa jovem
e foi o mundáo que me criou. Então os meninos (referindo-se aos filhos) acham que
porque tenho pouco estudo, você não sabe nada. Minha filha, por exemplo, é muito
inteligente, e eles têm mania de achar que eles sabem tudo. E nesse momento que
você discute eu acho que tenho direito, e eles acham que eles também têm direito
(risos) e aí sai o bate boca. E eu tenho uma menina que é a do melo ela tem um gênio
danado, por mais que a gente agrada, que a gente faz as coisas..., às vezes quando eu
posso, no aniversário, eu faço uma festinha, chamo todos os colegas dela, trago
aqueles carros pra fazer telemensagem. Ah! A loucura do amor, pra ela, pra mulher, já
fiz coloquei faixa na rua pra minha mulher. Tem vez que pode, e quando não pode, eles
não quer saber se você pode ou não pode, e aí a gente discuti.

Terceira entrevista
Nesse momento o Sr. D. disse que precisava desabafar. Ele disse que teve
uns problemas no final de semana, que lhe deixaram chateado, que lhe deixaram com
vontade de largar tudo e ir embora, não por não gostar da família, mas por problemas.
Que os filhos, não sabe se é devido a idade deles, não querem entender. E devido a esta
chateação sua psoríase atacou nas pernas e na barriga.

124 Púinu Toscllo Liloni


T: O que aconteceu no fim de semana?
C. Eu já falei para você que eu tenho os filhos adolescentes, a por mais que a gente faça
eles nào entendem, a gente está numa crise financeira, porque eu estou afastado, e
eles nâo entendem, eu não sei se é a cabeça deles, você fala alguma coisa, eles acham
que você não entende, eles acham que sabem tudo, e eu fiquei muito chateado. Foi na
sexta-feira, eu vinha pra cá fazer o banho de luz, eu falei pro meu menino: “Você não está
usando o ar condicionado do carro, desligai Tira a correia do carro, assim não precisa
usar porque vai gastar mais!n Ele respondeu: “o que o pai sabe sobre isso?" Aí acabou,
eu falei o que eu te falei, eu nào preciso provar para falar com você. Aquilo já me deixou
chateado, e ele também já se trancou no mundinho dele. Ontem também, ele chegou do
serviço à noite, eu também estava meio chateado ainda, e ele não conversou com a
gente, eu não vou conversar com ele, porque eles dão uma “puta” de uma resposta para
você. Então eu fico com aquele medo, de falar alguma coisa e.,. levar, digamos assim
um não... não é bem essa palavra, mais digamos, - “Não pai!"
T: O senhor tem medo deles não concordarem com que o senhor fala?
C: É! Medo nâo, porque realmente eles não concordam. No princípio eles não concordam,
depois que o caso passa, aí sim que a coisa acontece, concordam e falam “-Pai você
tava certo". Só que mesmo assim eu preciso explicar pra eles: “Vocês estão vendo,
aquele dia que eu falei para vocês isso, você lembra o que aconteceu?" Aí eles falam:
“Ah é, você tinha razão," mas eles falam ainda cortando (risos).
T: Como o senhor se sente quando eles falam que o senhor tinha razão?
C: É, eu fico contente, aí eu falo pro filho: “Na hora você me chateou, isso não tem como
apagar, por mais que você se arrependa porque você acha que eu estava errado.
Mas e se não acontecesse, eu já falei que eu tô explicando pra você pra não acontecer
mesmo." Não é pra fazer mesmo e sempre isso me chateia, ai eu já passo a discutir.
T: Aí o senhor fica como?
C: Eu não sei o que eu faço, aí eu fico tenso.
T: Então, o senhor chorou este fim de semana?
C: Ah, É difícil falar, é ruim, é chato, eu sou muito emotivo, qualquer coisinha e você pensa
que se é por causa do lado financeiro que eu tô chateado, ou se é por que não falam.
T: E o senhor fala para eles, o pai não gostou, ficou chateado, ficou triste, o pai faz tudo
o que vocês querem e no momento não está podendo, o senhor fala com eles isso?
C: Não, eu não falo que eu estou tristel Eu falo que eu não estou podendo, explico o que
está acontecendo, que o pai financeiramente não tá podendo. "Vocês sabem que
quando eu posso, a gente tem."
T: E a doença?
C: Piora, ela passa um dia, um dia e meio, e você já percebe que... Hoje ela tá terrível, olhai
T; O senhor lembra quando começou a doença, como o senhor estava psicologicamente?
C: Eu estava desempregado, quando ela começou; logo eu entrei no emprego, mas
quando ela começou eu estava desempregado, num era coisa boa nâo,
T; Por que o senhor fala isso?
C: Mais por causa da parte financeira. Mas eu sempre fui uma pessoa que nâo desanima,
por mais que tenha problema, eu não deixo levar o meu problema do meu serviço
pra casa, e da casa pro serviço. Eu tô me abrindo aqui, fazendo das tripas coração.
Eu não gosto de falar pra ninguém.

Sobrr Comporl.tmonto c Coflniçào 125


T; O senhor tem dificuldade em falar o que o senhor sente, é isso que o senhor está me
dizendo?
C: Él
T: O senhor acaba brigando ou nâo?
C: Nâo, nâo Às vezes eu falo, desabafo, mas não de briga, de discutir estas coisas
não. Sou uma pessoa que eu não gosto de ver as coisas erradas, o dia-a-dla, você
liga a televisão, e vê um monte de coisa que você acha que ó errado, que acontece
com pessoas, crianças. E a gente tem os filhos da gente em casa e fica preocupado.
É onde a gente procura, na medida do possível, fazer, pra eles não procurar lá fora,
e é onde eu fico mais nervoso, porque às vezes, ele chega e fala: “ pai eu quero ir a
tal lugar." Aí eu falo: “Infelizmente, hoje não vai dar.”
T; Vamos lembrar um pouquinho de quando começou a doença do senhor. Ela começou
quando o senhor estava desempregado, passando por uma situação financeira que
não estava boa, e com a família em casa também não estava bom. Bem, aí o senhor
arrumou um emprego. E como ficaram as crises do senhor?
C: Não sei se é a fase, nessa época ela teve boa, porque eu fiquei nesse emprego dois
anos e seis meses.
T; O senhor me disse na entrevista passada que atualmente é mais fácil trabalhar que
antigamente, que antigamente o senhor trabalhava menos horas, mas era mais
difícil, e agora o senhor trabalha mais horas e é mais fácil, é isso?
C: Eu trabalho mais agora, eu trabalhava menos, mas o serviço era mais pesado e
ficava mais tempo em casa. E agora eu trabalho bastante e fico mais tempo fora de
casa. Nessa época, eu tava quase todo dia em casa na parte da noite, e agora é só
no fim de semana, eu chego no sábado à tarde, e quase praticamente todos finais
de semana saio no domingo à noite, pra fazer a viagem.
T; E o senhor acha que a doença do senhor está melhor agora, que o senhor passa
mais tempo fora de casa, e mais tempo trabalhando, ou antes?
C: Antes tava bem melhor.
T: Quando o senhor passava mais tempo em casa, e menos tempo trabalhando, mesmo
o serviço sendo mais puxado a doença estava melhor. Por que o senhor fala que o
serviço era mais puxado? O que o senhor fazia?
C: Porque era um serviço pesado, eu tinha que carregar caminhão. E hoje não, eu
ajudo mas não é um serviço tão puxado.
T: O senhor lembra, nesse último ano, as crises que teve da doença. Como foram? Há
um ano atrás?
C: Em de/embro de 2004, eu cheguei do Rio em São Paulo, na matriz, como eu já te falei, eu
tava terrível, bem dizer quase o corpo inteiro, as mãos sangravam, e o serviço era corrido...
T; E o que estava acontecendo na vida do senhor nessa época? Muito trabalho?
C: É, era muito trabalho, além de muito trabalho, você ainda não é valorizado, esse é o
problema que a gente tem no Brasil. Às vezes, eu chegava em casa no fim de
semana, você trabalhou a semana inteira, dia e noite, vai no mercado, abre a carteira...
T; Então, a preocupação do senhor é mais financeira? Então, o senhor acha que de
tanta preocupação a doença começou e chegou como no ano passado?
C: É você trabalhar e não vê o lucro, o padrão de vida que a gente quer. Não que eu queira
ser rico, mais um padrão de vida decente. É onde a família me vê desse jeito e...

126 Piiin.i I oíc II o Lilom


T: O que o senhor acha que piora mais a doença do senhor?
C: É o estado emocional.
T: Relacionado a que?
C: Não sei se é ao meu jeito de ser, a minha pessoa, de eu ficar qualquer coislnha
estressado, ou eu fantasio aquela coisa da pessoa falar uma coislnha deste
tamanhinho e eu acho que aquilo vem na minha cabeça e fica grande. Eu procuro
não discutir, não falá nada pra eles.e a guardo pra mim.
T; Então o senhor ficou com a doença, bastante no corpo, o ano inteiro passado?
C: O ano inteiro.
T; Como o senhor fazia?
C: Ela vinha um pouquinho, ficava uns dois meses, não que ela sumia totalmente, do
jeito que tá agora. À vezes, eu tomava injeção por conta, porque precisava trabalhar
e, às vezes, eu vinha aqui a cada trôs meses, e eles passavam um remedinho, mas
não melhorava nada, passava uns cremes...
T; Mas o senhor usava os cremes e tomava o remédio?
C: Às vezes usava quando eu tava em casa, porque ó um creme que num pode nem
dormir na cama porque senão tem que trocar o lençol. O ano passado eu dormia no
chão, até comprei um colchão pra isso, eu passava o remédio e dormia no chão. Era
um remédio muito forte, com cheiro muito forte e ele manchava a roupa inteira, a
roupa que usava pra dormir podia usar umas duas ou trôs vezes e depois jogar fora,
era com se fosse uma graxa.
T: E havia melhora?
C: Não, eu não achava.
T; Nem o remédio, nem a injeção, nem o creme?
C: A injeção é proibida, eu esqueci o nome, só que ela melhorava uns dois ou trôs dias,
depois voltava de novo, só que é uma injeção que não pode tomar direto, no mínimo
uma vez por mês e eu tomava a cada quinze dia, porque ela incha os órgãos
internos(cortizona).
T: E o que acontecia?
C: Eu melhorava uns dias, mais depois que passava o efeito da injeção ela voltava pior.

Quarta entrevista
Foi perguntado como passou a semana e ele respondeu que foi ótima, porque
foi para a praia tomou um sol, e que melhor impossível. Aparentava estar feliz, com as
unhas feitas, cabelo e roupas arrumados.
T; Então, o senhor foi passear esse final de semana, foi para a praia?
C: É, eu fui sexta à noite e voltei sábado à noite, porque ontem era dia dos namorados e eu
queria fazer uma surpresa pra minha esposa aqui em casa. Comprei pra ela uma cesta
de café da manhã e uns presentinhos, e queria dar aqui em casa porque é mais gostoso.
T; E ela gostou?
C: Ô! Adorou, ficou o dia inteirinho feliz, ela diz que eu sou cheio das surpresas e ela
adora. E eu gosto, porque é gostoso fazer essas coisas pra alguém. E eu sempre
faço, de vez em quando pros meninos, mesmo eles sendo meio fechados comigo.

Sobre Com porliim enlo c Coflniçdo 127


T; Na semana passada o senhor estava preocupado. A doença tinha dado uma piorada,
e como é que está agora?
C: Eu acho que ela melhorou bem. Se olhar a perna do jeito que ela estava e como está
agora, praticamente sumiu. Não sei se toi a água ou o que foi, mas está melhor, bem
melhor.
T; Nas entrevistas anteriores o senhor respondeu que se preocupava muito em se
sentir culpado, pois o senhor já havia feito muita coisa errada. O que o senhor acha
que fez de errado e o que o preocupa?
C: Eu já fiz muita coisa errada... Uma das coisas erradas que eu fiz e que me arrependo
é não ter ajudado minhas irmãs e meus irmãos, na época até meu pai, porque
quando eu era solteiro, que eu estava bem estável financeiramente e eu tinha
condições para ajudar.
T; Quantos irmãos o senhor tem?
C: Hoje eu tenho três irmãs e um irmão, uma irmã faleceu de câncer. Tem a mais velha
que mora lá em Mongaguá.
T: Quando vocês eram pequenos, todos moravam juntos lá noParaná?Namesma
casa? E como era seu relacionamento com seus pais?
C: Com minha mãe, era ótimo. Pelo que eu lembro dela, né? Eu não sei se era o meu
jeito, eu era rebelde, em toda família tem aquele que é a ovelha negra.
T; E por que o senhor achava que era rebelde?
C: Porque eu sempre fui rebelde, eu sempre fui estourado, né?Sefalassealguma
coisa pra mim, eu sempre fui de xingar, discutir, brigar Eu não levo desaforo pra
casa, e também num sô daquelas pessoas que chega e... Eu sou de chegar e falar
a verdade doa a quem doer, eu não tenho papas na língua, como dizem, né? Eu falo
na lata e pronto.
T: E sua mãe e seu pai?
C: Da minha mãe eu lembro muito pouco, porque eu a perdi com 13 pra 14 anos, eu
lembro que ela não gostava. Meu pai me batia muito, por eu ser rebelde, e ela
também sofria muito com isso. Não sei se sou eu que penso assim, que eu sempre
fui excluído, que eu sempre fui a ovelha negra.
T: Por que o senhor pensa assim? Por que o senhor acha isso?
C: Porque eles me deixavam sempre de lado, ele apoiava mais os outros, todas as
coisas eram pros outros e me deixavam sem.
T: Seu pai?
C: Tanto o pai como a mãe. A mãe era menos, mas o pai mais. Eu não sei se era porque
eu era o irmão mais velho dos homens. Às vezes, eles dividiam as coisas e eu
achava que sempre davam mais pros outros (risos).
T; E depois que sua mãe morreu, como foi?
C: Fiquei com meu pai pouco tempo. Ah, eu acho que uns três anos.
T; E o relacionamento com seu pai?
C: Foi terrível... Ele judiava muito. Eu comecei a trabalhar cedo, a gente tinha um sítio,
onde trabalhava durante a semana; o sítio era da família, E quando a gente chegava ao
fim da tarde em casa com um dinheirinho ele pegava todo nosso dinheiro pra ele.
T; Dinheiro do trabalho de vocês?

128 Pi.m.i losclloI .iloni


C: Ele pegava todo o dinheiro, aí dava discussão. Numa discussão eu saí de casa, com 15
ou 16 anos. Aí passou um tempo uns três anos, eu voltei lá, eles tinham sofrido muito.
Os irmãos foram casando, um pra lá, outra pra cá, eu vi só meu irmão com meu pai,
e minha irmã morando sozinha, passando dificuldade. E, hoje, eu me sinto assim,
na época eu não ligava. Eu achava que tinha que viver a minha vida, com o passar do
tempo eu comecei a me sentir culpado, porque eu deveria ter ajudado, deveria ter
sido mais compreensivo na época em que eu era mais jovem e hoje qualquer
coisinha eu fico emocionado, de pensar de voltar atrás. Se eu pudesse voltar atrás
eu voltaria, eu teria mudado as coisas...
T; E seu pai?
C: Meu pai faleceu logo depois em 76 ou 77. No Paraná não tem mais ninguém. Tem
uma irmã que mora em Santos e dois irmãos que moram aqui.
T: O que o senhor fala para as pessoas o quanto sente as coisas?
C: Às vezes, eu falo: Tá vendo eu num avisei". Dá vontade de falar alguma coisa, mas eu fico
num estado de nervo, dá vontade de falar, mas por não querer magoar as pessoas, pra ela
num ficar chateada e não se afastar de mim, eu pego e num falo nada, eu saio de perto.
T; E por que o senhor acha que falando vai magoar?
C: Porque as pessoas num aceitam, nem todas entendem você. As pessoas não
aceitam. Só aceitam depois que a coisa aconteceu aí eles vão baixar a cabeça. Num
sei se eu que sou assim, desse jeito, ou se as pessoas são assim, sei lá.
T: Tudo o que pedem para o senhor fazer dentro da empresa, e mesmo dentro de casa,
o senhor faz?
C: Faço! Faço! Eu me dou inteirinho...
T: Para tudo?
C: Dentro de casa sou aquela pessoa que põe a maçaneta, arruma isso e aquilo, o
chuveiro, a televisão.
T; E isso é bom?
C: Eu me sinto bem. Já no serviço é diferente, lá se você não faz o outro faz, entâo você
passa como ruim. Se você não trabalha você não serve. Vamos supor, se você já
trabalhou há 10 anos é um excelente funcionário, e errou 5 minutos, recusa um
serviço, você não é bom funcionário.
T; Então, o senhor não recusa um serviço por medo de eles acharem que o senhor não
é um bom funcionário?
C: É, penso que eu não quero trabalhar que eu sou um vagabundo. Eu não sei se isso
é coisa minha, que vem dos meus ancestrais, dos meus pais.
T: O que vem dos seus pais?
C. Os antepassados meus, que eram muito assim, gostavam das coisas certinhas, de
não magoar ninguém de sempre trabalhar bastante. Eu sou uma pessoa que não
tem medo de serviço, então eu posso fazer qualquer coisa, falam faz isso, faz aquilo,
faz... Só que, às vezes, tem um probleminha eu vou fazer com o maior prazer, mas só
que não dá certo e tem gente que reclama e eu não aceito também.
T: O senhor não reclama?
C: Muito pouco, pouquíssimo mesmo, é difícil. Mas se eu percebo que eles estão me
usando, não me sinto bem, porque eu acho que tudo devia ser dividido.

Sobrr Comport.im cnto t Cognição 129


T: E o senhor não reclama disso?
C: Não, porque se não vão falar que sempre fui um e o que esta acontecendo agora?
T: O senhor explica o porquê ?
C: Aí eu já solto os cachorro, como eu já falei, falo logo tudo de uma ve/. É um ponto que
eu tenho medo, porque quando eu discuto, eu falo um montão.
T: O senhor tem medo do quê?
C: De xingar, de falar palavrão, de não dialogar mais. Vou para casa chateado, as pessoas
deveriam ter mais respeito. Será que eu não deveria ter soltado os cachorros? Fica
aquilo me machucando. E se eu não falo também, eu levo pra casa aquela coisa.
Eu acho que eles não gostam de mim, ou eles estão me usando porque eu sou uma
pessoa que faz tudo.
T: Com tudo isso que o senhor me disse hoje qual a relação que isso tem com a sua
doença?
C: É, aí acumula tudo isso, você fica com as mãos amarradas. Você não pode fazer
nada. Você num pode brigar na empresa. Você num pode falar nada pros seus filhos
dentro de casa, porque se não você vai magoar. Se você fala, fica chateado porque
falou, se você não fala fica chateado porque não falou. .E aí isso dá uma sobrecarga...
T; E a psoríase fica como?
C: Ela me abate. O que mais eu senti foi de uns tempos pra cá, com a família e tudo né?
E foi onde ela piorou. Aí você tem aquela carga no serviço, numa coisa, em casa os
filhos começam crescer e começam querer as coisas, e você não pode dar...E aquilo
vai sobrecarregando, nó?...
T: O que o senhor acha que faz piorar mais? Os problemas em casa ou os problemas
no trabalho?
C: Ultimamente foi no trabalho. Imagina trabalhar 24 horas, se fosse um serviço leve,
mas é trabalho duro. Às vezes, passava as noites sem dormir.
T; Mas o senhor tomava alguma coisa pra ficar acordado?
C: Uma vez eu queria estar em casa no sábado cedinho, aí eu tomava.
T: O senhor tomava o quê?
C: Eu tomava o rebite, que eles falam.
T: Como o senhor ficava?
C: Não sente nada na gíria de caminhoneiro, a gente fala que fica caçando agulha na
estrada.
T: E não prejudicou o senhor?
C: Se você toma pouco não prejudica.
T: E como ficava a psoríase?
C: Você relaxa, não sente nada. Eu me sentia bem.
T: O senhor relaxa e consegue prestar atenção?
C: Dá a impressão que eu não tenho nada.
T: Não tem nada em relação à doença?
C. É, eu não sinto nada, não sinto canseira, não sinto sono, nada. Só que ela tem certo
tempo, ela vai e ela acaba, e quando vem o sono vem de uma vez, aí tem que dormir.

130 Ditiiw lotello L ilo n i


Então, se você num continua tomando... Eu falava que ia fazer isso, sabendo que eu
estava indo pra casa, que eu ia chegar e não ia mais trabalhar aquele dia. Na
maioria das vezes, era final de semana, aí eu chegava em casa nos sábados de
tardezinha, tomava um banho e ia dormir, nem via o fim de semana passar. Ficar
sabadão longe de casa é ruim, e aquela estrada que parece que não vai chegar
nunca. Um ponto ó gostoso no outro terrível, por que acaba de chegar em casa,
parece que o tempo passa muito rápido, nem vô, não faz nada, e fica chateado. E é
onde a doença piora. Eu chegava em casa. tomava um banho e parecia que tinha um
monte de bichinhos por baixo da pele comendo, como se fosso mosquito picando,
sabe quando dá aquelas fisgadas.
Eu ficava mexendo na cama de um lado pro outro. Eu tava tomando um calmante pra
isso. Tem um pouco lá em casa ainda, eu tomei ató uns dias atrás, ele não é forte...
É, geralmente eu tomava à noite, geralmente eu tomava de fim de semana, porque
durante a semana eu chegava em casa...E no sábado eu tomava geralmente a
noite, e se eu ia viajar no domingo, tomava à noite também...

Quinta entrevista
Perguntei a ele como passou a semana, se estava tudo bem.
Ele disse que não tinha nenhuma novidade que estava super feliz porque em
casa estava tudo na santa paz, com ele, com os meninos e com a esposa. Graças a
Deuslll Dá uma impressãozinha de que alguma coisa mudou.
T. Por que o senhor acha isso?
C. É porque eu estou mais tranqüilo.né?...
T. O que está acontecendo de diferente?
C. A gente está mais calmo, não estamos discutindo, eu estou mais tranqüilo, mais
brincalhão com os meninos. Eu num sei se ó o papo aqui, a gente começa a conversar
sobre estas coisas, começa a entender, que nâo é discutindo, brigando, batendo
boca, que a gente chega a algum lugar, (risos)
T. Então, o senhor está melhor. E como está a psoríase?
C. Deu uma melhorada, melhorou um pouquinho, mas ainda não está bem seca, tem
mais um pouquinho, assim na parte da bunda, é onde está mais um pouquinho de
ferida, bem pouquinho.
T. E quando está brigado com sua mulher, como é? O senhor procura falar com ela,
quando está magoado, chateado?
C. Não eu me tranco no meu mundinho, ela se tranca no dela. Eu fico esperando. Eu
sei lál Não é tanto pela briga, mais é um ponto que eu tenho que eu gostaria que a
pessoa viesse.
T. O senhor sempre espera que alguém...
C. É que ela venha. É porque eu vejo que muitos homens chegam em casa e acham
que a mulher é uma escrava. Os homens chegam em casa, tomam umas a mais, e
acham que a mulher tem que ser objeto sexual dele. Então, eu fico pensando muito
nisso, nó? De eu procurar, e ela achá...
T. E ela acha isso do senhor?
C. É! Então eu não vou. Para não magoar. Para não chatear, às vezes, não ó o dia certo
ou não quer naquele dia. Aí eu pego e não vou. E ela também não vem.

Sobre Com portamento c Coflmçtio 131


T. E o que o senhor pensa disso?
C. Eu fico chateado, porque eu me sinto jovem, eu creio que elatambém, aíeu fico
chateado, porque não vai, al fica naquela...
T. E vocês ficam muito tempo sem conversar, sem se relacionar?
C. O conversar, a gente conversa, mas..., assim,.sem relacionamento,às vezes,passa
de mês.
T. E ela não fala nada para o senhor, não toca no assunto?
C. Nãoll
T. E o senhor não a procura, por quê?
C. Eu percebo que ela não está se sentindo bem, por que a gente tem qu
de casado e percebe que alguma coisa tem. Ela também percebe que eu fiquei
chateado, só que eu não vou. De repente você vai lá, e ela acha que você vai procurar
só por causa daquilo.
T. Vocês sempre, quando brigam, nunca conversavam?
C. Toda vez que a gente volta a conversá sou eu que tenho que perguntar alguma coisa.
T. O que o senhor sente de ter que procurá-la?
C. Eu fico pequenininho, né? Você quer fazê alguma coisa...Se eu pude
caso agradar ela, eu quero agradar, se ela viesse conversar comigo, também sobre
isso eu iria agradar, eu ia procurar fazer um monte de coisas pra agradar. Dar presente,
flores, antigamente, eu levava uma, duas vezes por semana flores para ela.
T. Ela trabalha?
C. Nào ultimamente ela está parada, mas ela trabalhava.
T. E quando ela trabalhava, era diferente o relacionamento de vocês?
C. Era diferente por que ela tinha um horário, que ela entrava às oito da noite, acho que
às 10:00 e saía às 6:00 da manhã, ela trabalhava na Da..., ela trabalhou 10 anos.
T. E como era o relacionamento de vocês?
C. Era bom, porque a gente quase não se via (risos). Muitas vezes não dava para a
gente se encontrar. Então, eu fazia o que eu podia, quando estava em casa, quando
eu não estava viajando eu lavava roupa para ela, e a roupa dela,era branca, eu
colocava de molho, lavava e passava. Eu sempre fui assim, uma pessoa que apesar
de me sentir jovem e moderno, sempre fiz as coisas dentro de casa. Quando tava
em casa cozinhava, fazia a comidinha pros menino e pra ela. Quando eu ia trabalhá,
e ela tava dormindo, eu fazia o possível para ninguém acordar ela.
T. E ela, o que ela falava disso?
C. Ela num falava nada. E é um ponto que eu achava ruim.
T. Então, o senhor está melhor, o senhor está bem?
C. É eu estou melhor eu estou me controlando, conseqüentemente a doença melhorai
T. O senhor está gostando de vir aqui? De conversar?
C. Estou. Não vejo a hora, só seu nome que eu esqueço (risos)...
Com a transcrição das cinco entrevistas iniciais pretendeu-se ilustrar como o
próprio cliente informou as relações funcionais entre seus comportamentos e a
manifestação dos surtos da doença. Apresenta-se a seguir o modelo de análise que foi
adotado para a compreensão da relação comportamento e doença.

132 DiiiOii loscllo I .iloni


Pode-se fazer algumas suposições quanto ao estilo de vida, padrões
comportamentais e a sua história de interação. Desde muito pequeno, trabalhou na
roça com exposição ao sol, favorecendo a ocorrência de alterações dermatológicas. A
adversividade das interações familiares determinou um padrão comportamental de
fuga e esquiva. O pobre repertório verbal nas relações familiares e o modelo de
comportamentos agressivos dos pais possibilitaram o aprendizado de comportamentos
pouco assertivos e de agressão verbal como forma de solução de problemas, observou-
se que esses comportamentos foram reforçados negativamente quando saiu de casa.
A classe de comportamentos em relação ao trabalho, trabalhar muito, excesso
de horas trabalhadas, fazer de tudo em casa, não faltar ao trabalho, foram
comportamentos adquiridos na história de vida e estão sendo mantidos e a função
permanece a mesma, adquirir bens para a família. No entanto, observou-se que o custo
de resposta está muito alto. As necessidades familiares alteraram e a freqüência e
intensidade das respostas aumentaram. Pode-se supor que essas exigências sobre o
organismo sejam fatores de vulnerabilidade biológica.
Outros comportamentos podem ser indicados como participantes do complexo
conjunto que possivelmente provoca a vulnerabilidade biológica:
Comportamentos de adesão: A falta de adesão aos tratamentos propostos
ocorre por várias contingências como aversividade da informação da cronicidade da
doença, ausência de regras simples e claras para o comportamento de adesão,
prescrições de cremes com conseqüências de efeito punitivo imediato (cheirava mal,
dormia no chão), tratamentos longos e sem resolutividade, tratamentos incompatíveis
com o padrão comportamental de trabalho.
Comportamentos associados à doença: arrumar-se, sentimento de vaidade,
evitar contato físico, evitar olhar dos outros sobre suas feridas, ser discriminado por
outros que acreditam que a doença é contagiosa.
Comportamentos diretamente relacionados à doença: coçar a pele ató feri-la
quando sente que está pinicando, ingerir drogas que provocam alivio imediato.
Comportamentos de evitação: evitar consultas médicas, buscar consultas
apenas nos episódios de surto da doença, tomar medicação caseira.
Comportamentos de interação social no trabalho e na família mantidos por
esquemas de fuga e esquiva: sentimento de inferioridade em relação aos filhos,
sentimentos de medo de perder o trabalho, respostas emocionais agressivas, não falar
sobre assuntos conflitantes, afastar-se das pessoas.
Diante dessa análise, a Psicoterapia proposta teve como objetivos principais
favorecer a discriminação sobre os surfos da doença e sua relação com os
comportamentos de fuga esquiva das interações familiares e sociais, estimular a
discriminação das regras de adesão e tratamento e reforçar positivamente todos os
comportamentos de adesão aos tratamentos propostos, analisar as variáveis atuais
presentes e planejar ações que viabilizassem a volta ao trabalho e manutenção das
estratégias de tratamento.

Referências
Folks o Kinnoy (2000). Condições Dermatológicas. In Alan Stoudomire (Eds), Fatores psicológicos
afetando condições módicas (pp. 127-142). Porlo Alegro: Artos Módicas
Fortuno, D.Q., Richards, H.L., Klrby, B„ Bowcock, S.; Main, C J. & Griffiths (2002). A cognitive-
behavioural symptom management programme a adjunct in psoriasis therapy. Br J Dermatol.,
146 (3), 458-65

Sobre Comportamento c Cognição 133


Irtosta, E.R. (1990). Psicologia y salud: um anállsls conceptual. Barcelona: Martinez Roca.
Lange, S., Zschocke, I., Langhardt, S, Amon, U. & Augustin, M. (1999). Effects of combinod
dermatological and behavioural medicine therapy in hospitalized patients with psoriasis and
atopic dermatitis. Hautarzt, 50 (11), 791-7.
Fridman, M. & Rosonman, R. (1974), Type a behavior and your heart. New York: Knopf.
Skinner, B.F. (1974). Clôncia e comportamento humano. (Joâo Clàudlo Todorov, Trad). Sfto Paulo:
Edart. (trabalho original publicado om 1953)

134 Oitiriti loscllo l^loni


Capítulo 16
A dor e a delícia de ser um terapeuta:
considerações sobre o impacto
da psicoterapia na pessoa do
profissional de ajuda
FJiane Mary de Oliveira Falcone
Universidade do Fstado do Rio de Janeiro

Estudos revelam que o exercício da profissão de psícoterapeuta é estressante,


podendo gerar conseqüências nocivas à saúde do profissional, tais como depressão,
dificuldades de relacionamento e até mesmo tentativas de suicídio. Por outro lado,
estudos também apontam conseqüências positivas em longo prazo, decorrentes da
prática psicoterápica, incluindo crescimento pessoal significativo, superação de
dificuldades pessoais, aumento da consideração pela relação terapêutica, entre outros.
A partir de uma revisão da literatura, serão discutidas algumas fontes de estresse
para o terapeuta. Serão também propostas sugestões para ajudar esse profissional na
condução de seu trabalho, ao tirar proveito de suas experiências difíceis na interação
com os seus pacientes, com o objetivo de reduzir o Impacto negativo inerente à profissão,
melhorar a qualidade da relação terapêutica e promover crescimento pessoal.

1. A psicoterapia como um agente estressante para o terapeuta


Várias pesquisas têm revelado sérias conseqüências emocionais advindas da
condição de psícoterapeuta, mesmo entre os profissionais mais experientes. Algumas
dessas conseqüências apontadas em um estudo realizado por Deutsch (1985, citado
em Mahoney, 1998) Incluem: dificuldades de relacionamento (82%); depressão (57%);
abuso de substâncias (11%) e tentativas de suicídio (2%). Outro estudo realizado por
Izquierdo, Navarro e Esteban (2000, in Benevides-Pereira & Jimenez, 2002) encontrou
maior percentual de burnout entre psicoterapeutas (33%) quando comparados com
médicos (18%) e enfermeiros (31%).
Uma revisão de estudos realizada por Benevides-Pereira e Jimenez (2002)
aponta sintomas preocupantes decorrentes do exercício da psicoterapia. São eles:
esgotamento físico e emocional; irritabilidade ou distanciamento físico ou mental;
aumento da ingestão de substâncias, além de depressão e suicídio. Em estudo que
avaliou o estresse em psicólogos clínicos brasileiros, esses autores identificaram
sintomas de estresse, interferência da atividade profissional na vida pessoal,
despersonalização, esgotamento e realização profissional reduzida. Além disso, os

Sobre Comport.tmcnfo c Cognição 135


profissionais mais jovens se mostraram mais propensos ao estresse (Benevides-
Pereira & Jimenez, 2002).
Tantos prejuízos experimentados em conseqüência do exercício da profissão
de psicoterapeuta suscitam questões sobre as fontes de estresse nesses profissionais.
Uma revisão de estudos sobre o tema permitiu a identificação de quatro fontes, quais
sejam: condições de trabalho, comportamentos dos clientes, questões referentes à
pessoa do terapeuta e às demandas da terapia cognitivo-comportamental.

1.1. Condições de trabalho


No que diz respeito às condições de trabalho, Jones (1997) encontrou que os
desafios à auto-estima profissional como resultado de rivalidades com colegas médicos,
em um ambiente de saúde multidisciplinar, constituem uma considerável fonte de
estresse para os psicoterapeutas.
Terapeutas que atendem pacientes traumatizados também podem se tornar
especialmente vulneráveis ao estresse. A convivência com esses pacientes levam o
profissional a se deprimir, ficar aliviado quando pacientes difíceis cancelam as sessões,
viver sob constante terror de ser solicitado para atender a uma emergência, tornar-se
retraído e indisponível para amigos e familiares ou ficar adicto a trauma (Miller, 2004).
Bloomfield (1997) chama atenção para o tempo que o terapeuta despende
trabalhando por dia, podendo a jornada diária chegar de oito a dez horas com os seus
pacientes. Em alguns casos, o profissional freqüenta o mesmo local duas a três vezes
por semana. A experiência constante de passar muitas horas seguidas defrontando-se
com ansiedades, depressões, conflitos, vivendo imerso no mundo dos outros e perdendo
o contato com o próprio mundo, aliada ao sentimento de isolamento do profissional em
seu local de trabalho e à falta de discussão com outros colegas profissionais (Benevides
Pereira & Jimenez, 2002), transforma-se em mais uma fonte de estresse decorrente
das condições de trabalho.
A atenção freqüente aos problemas e necessidades do paciente de forma não
recíproca podendo ser ainda acrescida de identificação e formação de laços, além de
um senso de responsabilidade para com a vida do paciente, também interferem na
saúde do profissional de ajuda (Abreu, Stoll, Ramos, Baumgardt & Kristensen, 2002).
Mahoney (1998) cita uma variedade de estudos que apontam o envolvimento do
terapeuta com o sofrimento do seu paciente como uma fonte de estresse para o primeiro,
quando este leva para casa as angústias, tragédias, negligências, abusos, injustiças e
crueldades sofridas pelo segundo. Assim, o esgotamento pelo engajamento emocional
com o paciente exerce um impacto considerável na saúde do terapeuta. O autor também
encontrou outras condições de trabalho nocivas ao equilíbrio emocional e físico do
terapeuta, tais como: proporção excessiva de clientes difíceis; pressões de tempo;
excesso de trabalho burocrático; incertezas econômicas; perda inevitável de clientes e
carga excessiva de trabalho.
1.2. Comportamentos dos clientes
Sentimentos negativos experimentados pelo terapeuta ocorrem, com razoável
freqüência, na interação com o seu paciente. Dentre os comportamentos dos clientes que
mais estressam o terapeuta incluem-se: suicídios ou tentativas de suicídios,
comportamento agressivo ou hostil, depressão e desespero, intensa dependência,
telefonemas freqüentes para o terapeuta, comportamento sedutor, pagamento irregular,
faltas e/ou atrasos, relutância em sair após a sessão e resistência (Mahoney, 1998).

136 H i.m c M .ir y vlc O liv c im f.ilconc


Ataques físicos, incluindo assaltos; atender crianças que sofreram abusos; atender
pacientes idosos ou portadores de HIV têm sido também sugeridos como fatores do
cliente provocadores de emoções negativas no terapeuta (Pope & Tabachnick, s.d.).
Bloomfield (1997) aponta o suicídio de pacientes, o acesso a pacientes em relacionamentos
destrutivos ou sado-masoquistas, pacientes com anorexia ou que sofrem com abuso
sexual ou violência, como fontes importantes de estresse para o terapeuta.
Skarbeck (1997) afirma que os pacientes costumam ser destrutivos na medida
em que, na relação transferencial com o terapeuta, experimentam medo,
desapontamento, reverência, dependência, orgulho e sedução com o olhar do profissional
de ajuda. Segundo o autor, todos esses sentimentos podem causar considerável
estresse para o terapeuta, interferindo no estabelecimento de uma boa relação e
alterando o curso do tratamento.
Grande parte dos comportamentos dos pacientes citados acima que estressam
o terapeuta são compreendidos na literatura como resistência, a qual é definida como
“qualquer comportamento do cliente que indica oposição, aberta ou encoberta, ao
terapeuta, ao processo de aconselhamento, ou à agenda terapêutica" (Bischoff & Tracey,
1995, p. 487). A resistência à terapia constitui um fenômeno comum no processo
terapêutico, Segundo Newman (2002), embora os clientes desejem obter alívio de sua
ansiedade aguda ou de seus sintomas depressivos, eles estão incertos com relação a
desistir de padrões duradouros de funcionamento. Além disso, eles possuem dúvidas,
medos, hesitações e outros obstáculos internos para crescer e mudar.
A resistência não necessariamente é atribuída a dificuldades psicológicas do
cliente. Para Guilhardi (2002), esta pode significar a manifestação de comportamentos
de fuga-esquiva, de extinção ou de punição por parte do cliente, como resultado das
contingências comportamentais dadas pelo terapeuta. Bischoff e Tracey (1995) sugerem
que além de inevitável no processo terapêutico, a resistência também pode ser
instrumental. Assim, esta parece servir a um propósito, ao regular o comportamento do
terapeuta em direção a uma postura menos diretiva. Falcone e Azevedo (2006) apontam
as demandas da terapia e as histórias de contingências ou esquemas pessoais de
resistência do terapeuta como fatores também importantes de não aderência ao
tratamento Entretanto, existem pacientes com padrões de comportamento tão
desadaptativos e rígidos, que se tornam fortemente ameaçados frente ao menor sinal
de mudança (Falcone, 2004; Falcone & Azevedo, 2006).
Pacientes difíceis, que apresentam transtorno de personalidade, tornam-se ainda
mais resistentes à mudança em função de seus esquemas disfuncionais. Young (2003)
define esquema como uma “representação abstrata das características distintivas de um
evento, um tipo de fotocópia azul de seus elementos mais salientes" (p.6). Os esquemas
são formados no início da vida, continuam a ser elaborados e superimpostos nas
experiências posteriores, mesmo quando eles já não são mais aplicáveis. Isso se deve
a uma necessidade para a consistência cognitiva, para manter uma visão estável de si e
do mundo, mesmo quando essa visão é não acurada e distorcida. Assim, um esquema
pode ser negativo ou positivo, adaptativo ou desadaptativo (Beck & Freeman, 1993).
Indivíduos com transtorno de personalidade possuem esquemas desadaptados
e, por essa razão, tendem a interpretar os acontecimentos de forma tendenciosa
(concepções errôneas, atitudes distorcidas, premissas inválidas e metas e expectativas
pouco realistas). Como conseqüência, eles se sentem freqüentemente ameaçados
com os outros, expressando*se muitas vezes de forma hostil e agressiva. Tais
comportamentos geram reações negativas (rejeição, retaliação) por parte das outras
pessoas e acabam confirmando as interpretações tendenciosas do indivíduo (Beck &

Sobre Com portiim cnlo c CoRniçdo 137


Freeman, 1993), perpetuando o que Safran (2002) chama de ciclos cognitivo-
interpessoais mal*adaptativos. Assim, uma pessoa com transtorno paranóide de
personalidade, por exemplo, está sempre predisposta a encontrar uma intenção negativa
por parte dos outros no intuito de prejudica-la. Diante desta percepção, ela experimenta
ansiedade e raiva a maior parte do tempo e se mostra hostil na interação com aqueles
que, em seu julgamento, querem prejudica-la. Como conseqüência, as outras pessoas
tenderão a hostiliza-la e rejeita-la, confirmando assim as suas crenças persecutórias.
Pacientes com transtorno de personalidade vêem a terapia como ameaçadora
para os seus esquemas, especialmente quando a abordagem de tratamento focaliza a
mudança (Beck & Freeman, 1993). Seus esquemas ativados na terapia resultam em
diferentes formas de demonstrar resistência. Um indivíduo narcisista, por exemplo,
pode ver o seu papel de paciente como humilhante para os seus esquemas de
grandiosidade e com isso depreciar a terapia e/ou o terapeuta. Assim, a resistência de
pacientes difíceis torna-se mais um fator de estresse para o terapeuta.
Alguns dos comportamentos de pacientes considerados como resistência
incluem (Guilhardi, 2002; Leahy, 2001; Newman, 2002; Safran, 2002): chegar atrasado
sistematicamente às sessões; criar problemas com o pagamento das sessões;
expressão excessiva de sentimentos negativos dirigidos ao terapeuta, onde a
competência deste ó atacada ou onde este é acusado de ser frio e insensível;
comunicação indireta de sentimentos negativos ou hostilidade expressa através de
sarcasmo; desacordos a respeito de objetivos e tarefas da terapia; obediência pelo
temor de ameaça seguida de ressentimento; justificativas ou autodefesas para manter
a auto-estima; galanteios excessivos dirigidos ao terapeuta; debates gratuitos com o
terapeuta (ex., encarar as palavras encorajadoras do terapeuta como respostas cínicas;
desaprovar as reflexões acuradas do terapeuta); torcer os comentários do terapeuta
para o lado negativo; comparecer às sessões apenas em resposta a crises; tentativas
de prolongar o tempo da sessão; exigências não razoáveis de cura rápida e sem esforço.
Todos esses comportamentos demandam uma dose extra de paciência do terapeuta e
contribuem para que este se estresse em seu trabalho.

1.3. A pessoa do terapeuta e o impacto da psicoterapia


Características pessoais do terapeuta podem tomá-lo mais vulnerável em sua
prática clínica Algumas características encontradas em terapeutas mais estressados
incluem: sentir-se responsável pelo bem estar do cliente; experimentar baixa auto-estima;
manifestar tendência a levar trabalho para casa; experimentar dúvidas acerca da eficácia
da terapia; manifestar preocupação com as altas dos clientes, manifestar deficiências
em habilidades para estabelecer limites nas relações profissionais, além de expectativas
irrealistas de cura de determinados pacientes (Abreu et al., 2002; Mahoney, 1998).
Embora a empatia do terapeuta seja um atributo desejável para lidar eficazmente
com pacientes difíceis (Burns e Auerbach, 1996), esta também tem sido apontada como
responsável pelo estresse do profissional de ajuda no atendimento a pacientes
traumatizados. Se por um lado o processo de empatia com a vítima do trauma e com
sua família ajuda a compreender a experiência deles, por outro lado este mesmo
processo pode gerar trauma no próprio terapeuta (Miller, 2004).
Freeman (2001) sugere que muitas das dificuldades do terapeuta em lidar com a
resistência de seus pacientes se devem aos seus próprios esquemas religiosos, culturais,
familiares, pessoais etc. Tais esquemas irão influenciar até mesmo a escolha da carreira
de terapeuta, em vez de outra área de trabalho. Leahy (2001) afirma que a decisão de ser um

138 Hiiinc Mtiry ile Olivciru f .ilconc


terapeuta cognitivo-comportamental pode ser resultado da busca de um senso de
competência, superioridade e aparente eficácia. Muitos se sentem atraídos pela possibilidade
de “curar” os seus pacientes em dez sessões, a partir do que encontraram na literatura.
Para o autor, essa ilusáo de competência pode levar o terapeuta a "buscar, inconscientemente,
outras metas, tais como a necessidade de compartimentalizar, intelectualizar e se isolar de
seus próprios problemas" (Leahy, 2001, p. 240).
Os esquemas disfuncionais do paciente levam-no a se comportar de maneira
hostil, dependente, exigente, manipuladora ou exploradora Esses comportamentos, por
sua vez, podem ativar os esquemas e emoções negativas do terapeuta, ocorrendo o que ó
conhecido como contratransferência. O termo “contratransferência", originado da psicanálise,
é definido na abordagem cognitivo-comportamental como “a resposta, ante o paciente, que
está enraizada nos esquemas ativos e inativos do terapeuta" (Freeman, 2001, p.21).
Uma pesquisa realizada por Pope e Tabachnick (s.d.) que avaliou os sentimentos
negativos de 285 terapeutas revelou: 1) medo que o paciente cometa suicídio (97,2); 2)
medo da piora do paciente (90,9%); 3) raiva do paciente que não é cooperativo (89,8%)
e medo de ser processado pelo paciente (89,1%). Os autores chamam atenção para
certos sentimentos comumente experimentados pelos terapeutas, tais como raiva, medo
e atração sexual, que têm sido negligenciados na literatura de pesquisa. Além disso, os
terapeutas experimentam dificuldade para reconhecer seus sentimentos de raiva e de
ressentimento em relação ao paciente. Tais dificuldades algumas vezes sâo refletidas
através de um diagnóstico errôneo de um paciente como borderllne, que serve mais
para expressar a raiva transferencial do terapeuta. Quando reconhecidos e tratados, os
sentimentos negativos experimentados pelo terapeuta em relação ao seu cliente podem
servir como recurso terapêutico. Segundo Epstein (1977, citado por Pope & Tabachnick,
s.d.), os pacientes podem se beneficiar com a expressão adequada de raiva do terapeuta,
desde que dentro de um contexto sustentador de calor, receptividade e respeito.
Quando o terapeuta ignora ou negligencia os próprios esquemas e
vulnerabilidades, ativados a partir da interação com o seu paciente, os seus
comportamentos, tais como se esconder atrás das técnicas, rotular o paciente etc., podem
gerar estresse para ambos e sabotar a terapia (Leahy, 2001). Entretanto, qualquer terapeuta
pode ter dificuldade para permanecer imune a reações negativas de seu paciente e não
resistir à necessidade de lidar com sua própria resposta às demonstrações de resistência
deste (Strupp, 1980, citado em Safran, 2002).
Leahy (2001) encontrou alguns problemas típicos de contratransferência entre
seus supervisados, tais como: 1) ambivalência com relação ao uso de técnicas pelo
medo de indispor o paciente; 2) culpa ou medo da raiva do paciente; 3) sentimentos de
inferioridade no trabalho com pacientes narcisistas; 4) desconforto quando o paciente é
sexualmente atraente; 5) inabilidade para impor limites em pacientes sexualmente
provocantes ou hostis; 6) sessões terapêuticas estendidas além dos limites usuais; 7)
ausência de asserção na cobrança do preço ou no cumprimento do contrato; 8) inibição
na coleta adequada da história sexual; 9) raiva de pacientes que telefonam entre as
sessões; 10) catastrofização sobre as questões relativas a hospitalizar um paciente.
Os problemas de contratransferência resultam dos esquemas pessoais do
terapeuta. Alguns dos esquemas mais comuns dos terapeutas que afetam a
contratransferência incluem (Leahy, 2001): *
1. Padrões elevados de exigência ou perfeccionismo do terapeuta, fazendo com
que este veja o paciente que não adere ao tratamento como irresponsável. Por temer o
fracasso, o terapeuta se torna excessivamente exigente, fazendo com que o paciente se

Sobre C om poiitim cnlo c C o^niido 139


sinta culpado ou controlado. Terapeutas perfeccionistas também costumam recusar
pacientes difíceis.
2. Preocupação com abandono. Terapeutas com esse esquema vêem a
resistência do paciente como rejeição pessoal. Assim, eles tendem a evitar tópicos difíceis
na sessão, deixando de confrontar certas distorções e comportamentos destrutivos do
paciente. Tornam-se defensivos quando o paciente ameaça deixar a terapia.
3. Crenças de ser superior e especial. Terapeutas com esquema narcisista
vêem a terapia mais como uma oportunidade para brilhar do que para ajudar o paciente.
A resistência deste último é ofensiva para os esquemas de grandiosidade do terapeuta,
que se distancia, podendo até mesmo humilhar o paciente
4. Necessidade de aprovação. O terapeuta “agradável com as pessoas" possui
motivação excessiva para fazer com que o paciente se sinta bem, evitando qualquer
coisa que possa irritá-lo ou frustra-lo. Sua necessidade de aprovação faz com que ele
evite abordar assuntos perturbadores para o paciente. O papel de "amigo" pode levar o
cliente a acreditar que o seu terapeuta não se importa com os seus comportamentos
mais negativos. Assim, eles podem sabotar a terapia, chegar atrasados ou faltar às
sessões ou não fazer as tarefas.
5. Senso superdesenvolvido de autonomia. Terapeutas autônomos tendem a
primar pela eficiência e se sentem ameaçados com pacientes dependentes e que se
lamentam. Eles vêem a necessidade de validação do paciente como uma invasão de
limites e se sentem irritados quando este último solicita cuidado extra.
As três fontes de estresse identificadas até agora se referem à prática do
psicólogo clínico, independente do tipo de abordagem teórica por ele adotada. Verifica-
se que a condição de psicoterapeuta, em si, é desgastante e que a interação com o
cliente parece constituir o principal foco de estresse, especialmente quando o terapeuta
não está preparado para lidar com os desafios encontrados no processo terapêutico,
seja por treinamento insuficiente ou por características pessoais. Entretanto, acredita-
se que os terapeutas de abordagem cognitivo-comportamental, por adotarem um tipo
diretivo de intervenção focalizado na mudança, experimentem mais dificuldades no
atendimento de pacientes difíceis e que, além das fontes citadas acima, as demandas
da abordagem possam contribuir para essas dificuldades.

2. As demandas da abordagem cognitivo-com portam ental e a


resistência de pacientes dificeis
A terapia cognitivo-comportamental parte do princípio de que os transtornos
psicológicos estão estreitamente relacionados a um modo tendencioso e distorcido de
perceber os acontecimentos. Tal estilo de percepção enviesada gera emoção negativa e
comportamentos desadaptativos. Assim, o tratamento deve focalizar-se na mudança de
crenças disfuncionais, para a redução do humor negativo e a manifestação de
comportamentos adaptativos (Falcone, 2001; J. Beck, 1997; Knapp, 2004). Com foco
predominante na mudança, a terapia cognitivo-comportamental possui algumas demandas
que incluem: ênfase no aqui-e-agora; sessões estruturadas e contínuas; solução de
problemas; reestruturação de pensamentos disfuncionais; papel ativo por parte do terapeuta
e do paciente; definição de metas e adesão às tarefas de auto-ajuda (Falcone, 2001; J.Beck,
1997; Leahy, 2001; Wells, 1997). Embora existam muitas provas da eficácia desses
procedimentos em uma variedade de problemas clínicos (Dobson & Scherrer, 2004), muitos
pacientes difíceis (que apresentam problemas recorrentes e/ou transtornos de
personalidade) não costumam responder bem aos procedimentos convencionais da terapia
cognitivo-comportamental (Leahy, 2001; Young, Klosko & Weishaar, 2003).

140 Miiim* M.iry ilc Olivcir.i Lilronc


Como foi mencionado anteriormente, os pacientes difíceis sentem-se
ameaçados com a mudança, o que explica a grande resistência manifestada por eles
diante de procedimentos tradicionais da terapia cognitivo-comportamental. O terapeuta
então, por um lado, é pressionado pelas demandas da terapia e pela preocupação com
a eficácia do tratamento e por outro lado, tem que enfrentar a hostilidade ou a resistência
velada ou explícita do paciente que resiste às suas tentativas de intervenção.
Publicações recentes sugerem novas estratégias para lidar com a resistência de
pacientes difíceis, que incluem: 1) reconstruir as experiências passadas que provocaram
a construção de estruturas disfuncionais ou contingências de reforçamento, antes de o
paciente ser encorajado ao enfrentamento com representações alternativas ou solução
de problemas: 2) tentar identificar o conteúdo esquemático ou o comportamento
clinicamente relevante do paciente, relacionando-o com dados de sua história que
contribuíram para a construção desse esquema ou de contingências de reforçamento; 3)
agir de forma diferente daquela apresentada pelas pessoas do contexto interacional do
paciente, favorecendo que este último desconfirme as suas crenças disfuncionais sobre
os outros (Leahy, 2001, Young, Klosko & Weishaar, 2003). Entretanto, os procedimentos
tradicionais de intervenção parecem ainda predominar e os terapeutas que tratam de
pacientes com transtornos de personalidade procuram ajustar as técnicas de solução de
problema e de reestruturação cognitiva ao manejo da resistência desses pacientes.
Falcone e Azevedo (2006) avaliaram como 58 terapeutas de abordagem cognitivo-
comportamental reagiam aos comportamentos de pacientes difíceis na sessão
terapêutica. As autoras construíram um questionário contendo 17 itens referentes a
comportamentos resistentes de pacientes difíceis e solicitaram que os terapeutas
descrevessem seus sentimentos, pensamentos e comportamentos frente a cada um
dos itens. Os resultados desse estudo levaram às seguintes constatações:
1. Os comportamentos resistentes de pacientes difíceis foram estressantes
para os terapeutas dessa amostra.
2. A maior parte dos terapeutas (70,4%) conseguiu manejar com as próprias
emoções e pensamentos negativos, tentando entender a situação e as reações do
paciente de forma profissional, controlando eficazmente as reações pessoais frente á
resistência do paciente.
3. Os terapeutas mais experientes mostraram-se mais capazes de manejar os
próprios sentimentos negativos, manifestaram pensamentos e comportamentos mais
adequados à situação terapêutica e maior percentual de respostas apropriadas na
interação com pacientes difíceis do que os pacientes iniciantes e médios, indicando
que o tempo de experiência exerce um papel importante no controle de reações pessoais
frente à resistência do paciente.
4. Verificou-se, nesse estudo, um percentual muito baixo (5,6%) de respostas dos
terapeutas consideradas na literatura cognitivo-comportamental atual como mais apropriadas
no manejo da resistência de pacientes difíceis. Além disso, a maioria dos terapeutas dessa
amostra (70,4%) pareceu mais preparada para lidar com a resistência de pacientes do eixo
1, do que de pacientes crônicos e/ou com transtornos de personalidade.
5. Considerando-se que a maioria dos terapeutas dessa amostra se revelou
hábil no manejo de suas reações pessoais e que os estudos sobre relação terapêutica
com pacientes do eixo 2 é relativamente recente, pode-se especular que a pouca freqüência
de respostas apropriadas dos terapeutas dessa amostra se deveu mais a uma carência
de estudos de orientação cognitivo-comportamental sobre como lidar com a resistência
de pacientes do eixo 2 do que de limitações pessoais desses terapeutas.

Sobre Comportamento e Cotfniç.lo 141


6. Considerando-se que os terapeutas de orientação cognitivo-comportamental
valorizam a mudança e a eficácia dos procedimentos clínicos, não é de admirar que
estes se sintam estressados diante da resistência dos pacientes e que tendam a
utilizar estratégias de mudança para lidar com ela. Por outro lado, a resistência de
pacientes com transtornos do eixo II se dá exatamente porque para eles, a mudança
constitui uma ameaça aos seus esquemas dísfuncionais. O grande desafio que se
apresenta, então, é o de como conciliar o foco na mudança com o foco na empatia e na
busca de dados históricos do paciente.
7. Os resultados desse estudo também chamam atenção para o trabalho de
supervisão clínica, no sentido de que esta deva focalizar, além do desenvolvimento
teórico e técnico do terapeuta iniciante, os aspectos relacionados às reações emocionais
deste frente às dificuldades inerentes ao processo terapêutico.
A pesquisa acima chama atenção para a questão diretlvidade versus não
diretividade da postura terapêutica. Uma vez que a terapia cognitivo-comportamental
caracteriza-se por uma abordagem diretiva, que focaliza a mudança, esta seria então
inapropriada para tratar pacientes difíceis, que são altamente resistentes à mudança?
Ou ainda, a tensão existente entre a diretividade do terapeuta e a resistência do paciente
difícil deve ser resolvida através de uma postura terapêutica não diretiva?
Uma revisão de estudos encontrada em publicação de Bischoff e Tracey (1995)
sugere uma forte correlação entre a resistência do cliente e o comportamento diretivo do
terapeuta. Ao mesmo tempo, os comportamentos não diretivos do terapeuta tendem a ser
menos seguidos de comportamentos resistentes do cliente. Cabe salientar, no entanto,
que os resultados terapêuticos mais bem sucedidos apontados nesses estudos foram
mais encontrados em díades onde ocorreram níveis mais crescentes de resistência dos
clientes. Além disso, baixos níveis de resistência do paciente se correlacionaram com
efeitos terapêuticos negativos. Assim, embora exista um consenso de que níveis elevados
de resistência do paciente sejam um indicador negativo em terapia, parece haver um
limiar onde a resistência constitui um indicador positivo em terapia. A partir desses
resultados, os autores propõem que o terapeuta deve administrar o seu comportamento
diretivo versus não diretivo de acordo com o nível de resistência do paciente.
Terapeutas de abordagem cognitivo-comportamental confirmam as conclusões
de Bischoff e Tracey (1995) ao sugerirem um equilíbrio entre as posturas diretiva e não
diretiva do terapeuta diante da resistência do paciente. Leahy (2001) e Linehan (1997)
afirmam que o terapeuta deve abrir mão temporariamente da mudança diante de
manifestação de resistência do cliente. Através de uma postura empática, ele deve
validar os sentimentos e pensamentos do paciente, explorando o seu ambiente
invalidante, passado e presente Entretanto, os autores chamam atenção para a
adequação entre a focalização na validação e na mudança. Um foco excessivo na
validação com exclusão da mudança pode resultar na manutenção do papel de vítima
exercido pelo paciente. Alguns pacientes esperam da terapia uma oportunidade para
arejar as suas emoções, tendo um retorno empático do terapeuta, que confirma como
a vida tem sido dura para eles. Entretanto, quando o terapeuta assume uma posição de
total audiência e apoio dessa visão, o paciente se sentirá entendido, mas ainda
necessitado de mudança.
Newman (2002) adota uma postura cognitiva ativa, estruturada e diretiva com os
seus pacientes. Ele sugere que os terapeutas devem se manter observadores, reflexivos,
compreensivos e abertos a formular novas hipóteses e/ou novos modos de lidar com a
resistência do cliente. Por outro lado, o autor também propõe que os terapeutas náo
devem ficar tão temerosos com a persistência e o poder de resistência dos seus clientes,
a ponto de se tornarem demasiadamente passivos e não estimuladores da mudança.
Sobre a questão da diretividade e da resistência, Newman (2002) afirma:

142 11iiinc M .iry ile Oliveir«i fdlconc


... enquanto pode ser imprudente tomar se exageradamente diretivo com um cliente
resistente, é igualmente problemático aceitar em demasia (ou resignar-se, talvez?) que
o cliente continue a se debater indefinidamente, enquanto as habilidades e conhecimentos
valiosos do terapeuta repousam adormecidos e nào abastecidos. Nós nâo podemos
esperar sempre, ató que o cliente alcance aquele estágio mágico de estar pronto-
para-mudança A mudança não ó simplesmente um processo intemo de maturidade -
se assim fosse, nào haveria a necessidade de terapeutasl Nós temos uma
responsabilidade de educar, estimular e encorajar os nossos clientes a ampliar e
aprofundar a sua autoconsciência, e a expandir o seu repertório de comportamentos,
sentimentos e cognições. Manter um ambiente cotaborativo pode facilitar esse processo
e reduzir o confíito e o esforço excessivo a um mínimo admlnistrável (p. 174).
A partir dos estudos acima sobre a postura diretiva versus não diretiva do
terapeuta, pode-se concluir que a característica diretiva da abordagem cognitivo-
comportamental beneficia o progresso mais rápido do cliente, através do
desenvolvimento de habilidades no manejo de seus problemas e do aumento da
autoconfiança. Entretanto, diante da resistência do paciente, o terapeuta deve ser capaz
de se mover dentro de um continuum de diretividade. Tal procedimento, além de beneficiar
o tratamento, reduzirá o estresse do paciente e do terapeuta.

2.1. A psicoterapia como um agente positivo de mudança para o terapeuta


Da mesma torma que a prática da psicoterapia produz estresse no profissional
de ajuda, esta pode também proporcionar um crescimento significativo para o
psicoterapeuta. A atividade clínica constitui uma oportunidade para promover mudanças
teóricas e fenomenológicas no profissional.
Poucas são as pesquisas que avaliam os efeitos positivos decorrentes da
prática em psicologia clínica, em comparação com aquelas que apontam os seus
efeitos negativos. Em uma revisão de estudos realizada por Mahoney (1998) que avaliou
esses efeitos, foram encontrados os seguintes resultados:
1. Crescimento pessoal significativo, através da elevação da autoconsciência,
da assertividade, da auto-estima, da sensibilidade, da capacidade reflexiva, da
flexibilidade emocional, da abertura e da espiritualidade.
2. Terapeutas mais velhos tendem a ser mais ativos nas sessões, menos
angustiados pelas experiências emocionais dos clientes e mais habilidosos em confiar
em seus conhecimentos abstratos para guia-los em suas interações com os clientes.
3. Mudança das crenças dos terapeutas, ao longo da carreira, sobre o
desenvolvimento humano e a psicoterapia ideal. Os melhores preditores foram os papéis
de terapeuta e cliente e o tempo de experiência.
4. Aumento da consideração pela relaçôo terapêutica, pela personalidade do
terapeuta e pelo sistema de apoio social do cliente.
5. Declínio da importância da orientação teórica do terapeuta.
6. Muitos psicoterapeutas não se encontram exauridos. Em vez disso, sentem-
se felizes tanto com o seu trabalho quanto com seus relacionamentos interpessoais.
Mahoney (1998) cita uma afirmação de Bugental sobre as mudanças pessoais
decorrentes de sua experiência como terapeuta:
Nâo sou a pessoa que começou a praticar o aconselhamento ou a psicoterapia há
mais de 30 anos... E as mudanças em mim nào sâo somente aquelas realizadas
pelo tempo, pela educação e pelas circunstâncias de vida compartilhadas por
muitos da minha geração. Uma força poderosa que me afetou foi a minha
participação em tantas vidas.

Sobre Comporttim enlo e Cognição 143


...Minha vida comopsicoterapeuta tem sido... uma fonte de angústia, dor e ansiedade
- às vezes no próprio trabalho, mas mais freqüentemente em mim mesmo e
naqueles que me sào caros... De forma similar, este trabalho e relacionamentos
têm direta e indiretamente trazido a mim e aqueles em minha vida o prazer, a
excitação e um senso de participação em experiências de vida muito verdadeiras
(Bugenlal, 1978, citado em Mahoney, 1998, pp. 341, 342).
As evidências acima sugerem que o exercício da psicoterapia gera, apesar (ou
em razão) do sofrimento inerente ao trabalho, um desenvolvimento psicológico que
Mahoney (1998) atribui como acelerado. Assim, cabe aqui uma breve revisão sobre o que
o terapeuta poderia fazer para tirar proveito dos desafios envolvidos em sua atuação
profissional, reduzindo o seu impacto negativo. Seguem abaixo algumas sugestões
extraídas de revisão de Benevides-Pereira e Jimenez (2002) e de Mahoney (1998): 1)
busca de psicoterapia; 2) supervisão colaborativa entre colegas; 3) redução da quantidade
de atendimento de casos graves; 4) diversificação das obrigações de trabalho (combinar
atendimento, supervisão, ensino e pesquisa); 5) prática de atividades físicas, repouso e
lazer; 6) exercícios de redução de estresse entre as sessões; 6) dedicar-se a hobbies,
música, arte e jogos; 7) ter apoio e ser sustentador nos relacionamentos íntimos.
Além das sugestões apresentadas acima, pode-se considerar o investimento
no treinamento ou supervisão adequados, que oriente o profissional a manejar com as
próprias emoções negativas, ensinando-o a lidar eficazmente com a resistência do
paciente (Falcone & Azevedo, 2006; Pope & Tabachnick, s.d.).

3. Conclusões
Este capítulo procurou discutir os fatores envolvidos no sofrimento e nos
benefícios decorrentes do exercício da psicoterapia. A partir dos estudos apresentados,
pode-se concluir que grande parte do estresse experimentado pelo psicoterapeuta
advém de sua relação com o paciente. Os principais fatores de estresse envolvidos
nessa relação incluem: a resistência excessiva de pacientes difíceis e as dificuldades
do terapeuta para lidar com essa resistência. Tais dificuldades podem decorrer de
treinamento insuficiente e de limitações pessoais do profissional para lidar eficazmente
com a contratransferência. Quando a abordagem teórica que norteia o trabalho do clínico
é diretiva e focaliza a mudança, o profissional necessitará de mais habilidades para
lidar com a resistência do paciente.
Entretanto, se por um lado, a prática da psicoterapia demanda esforço elevado
do profissional, por outro lado, esse esforço constitui um desafio que favorece o
autoconhecimento, especialmente quando o terapeuta investe em treinamento
profissional e psicoterapia, além de outros recursos de manejo do estresse. Assim, a
prática da psicoterapia parece ser um agente de mudança, tanto para o cliente quando
para o psicoterapeuta.
Referências
Abreu, K.L.; Stoll, I.; Ramos, L.S.; Baumgardl, R.A. & Krlstensen, C.H. (2002). Estresse ocupaclonal
o Síndromo do Burnout no exercício profissional da psicologia. Psicologia: Ciência e Profissão,
22, 22-29.
Bock, J.S. (1997). Terapia cognitiva; Teoria e prática. Porto Alogre: Artes Módicas.
Bonovidos-Poroira, A.M. & Jimonoz, B.M.(2002). O burnout om um grupo do psicólogos brasiloiros.
Em A.M.T. Bonovldos-Pereira (Org ). Burnout. quando o trabalho ameaça o bem-estar do
trabalhador. Sâo Paulo: Casa do Psicólogo.
Bock, A. & Freeman, A. (1993). Terapia cognitiva dos transtornos de personalidade. Porto Alogro:
Artes módicas.

144 I lúinc M .ir y ilc O livc ir.i f.ilcone


Bischoff, M. M. & Tracey, T.J.G (1995). Client resistanco as predicted by therapist bohavior. A study
of sequential dependence. Journal of Counseling Psychology, 42„ 487-495.
Bloomfiold, I. (1997). Stress in psychotherapists working outside the National Health Service. Em
V.P, Varma (Ed.). Stress in psychotherapists. London & New York: Routlodge.
Burns, D. & Auerbach, A. (1996). Thorapoutic ompathy in cognitive-behavioral thorapy; does It really
mako a difforence? In P.M Salkovskls e S. Rachman (Eds.). Frontiers of cognitive therapy.
Now York: Guilford.
Dobson, K. & Schorrer, M.C. (2004). História o futuro das torapias cognltlvo-comportamentals. Em P.
Knapp (Org.). Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Porto Alegre: Artmod.
Falcono, E. (2001). Psicotorapia cognitiva. Em B,Range (Org.). P slcoteraplas cognitivo-
comportamentais. Um diálogo com a psiquiatria. Porto Alogre: Artmod.
Falcono, E. (2004). A relação terapôutlca. Em P. Knapp (Org.), Terapia cognitivo-comportamental na
prática psiquiatrica. Porto Alegre: Artmod.
Falcone, E. & Azovodo, V.S. (2006). Um estudo sobro a roaçâo do terapeutas cognltlvo-
comportamentais frente à resistência de pacientes difíceis. Em E.F.M, Silvares (Org.).
Atendimento psicológico em dínicas-escoia. Campinas: Alínoa.
Froeman, A. (2001). Entendiendo la contratransferência: um elemento quo falta om la torapla cognitiva
y dei comportamiento. Revista Argentina de Clinica Psicológica, 10, 15-31.
Gullhardi, H.J. (2002). A reslstôncla do cliente a mudanças. Em H.J.Guilhardl; M.B.B.P. Madi; P.P.
Queiroz & M.C. Scoz (Orgs.). Sobre comportamento e cogniçào: Contribuições para a
construção da teoria do comportamento. Sâo Paulo: ESEToc.
Jonos, D. (1997). Stresses in cognitive-behavioural psychotherapists, Em V.P. Varma (Ed.). Stress in
psychotherapists. London & Now York: Routledge.
Knapp, P. (2004). Principios fundamontais da terapia cognitiva. Em P. Knapp (Org.), Terapia cognitivo-
comportamental na prática psiquiátrica. Porto Alogre: Artmed.
Leahy, R.L, (2001). Overcoming resistance in cognitive therapy. Now York: Guilford.
Linohan, M.M. (1997). Validation and psychotherapy. Em A C. Boart
& L.S. Greonborg (Orgs.) Empathy reconsidered: news directions in psychotherapy. Washington:
APA, 1997.
Mahoney, M.J. (1998). Processos humanos de mudança: As bases cientificas da psicoterapia.
Porto Alogre: Artmed.
Mlllor, L. (2004), Psicotorapoutas traumatizados. In F.M. Dattlllo & A. Froeman (Orgs.). Estratóaias
coonltivo-comportamentais do intorvencflo em situações do criso. Porto Alogre: Artmed.
Nowman, C.F. (2002). A cognitivo perspective on rosistanco In psychotherapy JCLP/ln Sosslon:
Psychotherapy In Practice. 58 , 165-174
Popo, K.S. & Tabachnick, B.G. (s.d.). Therapists' angor, hate, fear and sexual feelings: national
survey of therapist responses, client characteristics, critical events, formal complaints and
training (On-linoj, httfly/KaPQPQ.CQm/thQfflPlatai/tflflf 1.OhP
Safran, J.D (2002). Ampliando os limites da terapia cognitiva: O relacionamento terapêutico, a
emoção e o processo de mudança. Porto Alegro: Artmed.
Skarbok, A. (1997). Stresses In psychothoraplsts Inside the National Hoalth Service. Em V.P. Varma
(Ed.). Stress in psychotherapists. London & Now York: Routledgo.
Wells, A. (1997). Cognitive thorapy of anxloty disorders’ A practice manual and conceptual guide.
Chichester: Wiloy
Young, J.E.; Klosko, J.S. & Welshaar, M.E. (2003). Schema therapy: A practitioner's guide. Now
York: Guilford.

SobreComporl.imcnlocCoflnlç»lo 145
Capítulo 17
"Quem constrói o quê e como?": uma
perspectiva analítico-funcional
do método clínico de Piaget1
Elizeu Batista Borloti*' Rafael Rubens de Queiroz Balbi Neto'
Anna Beatriz Camielli Howat Rodrigues4' Danielly Bart do Nascimento"

Introdução
A Psicologia do Desenvolvimento ó uma área importante da Psicologia e tem
gerado muitas pesquisas, possivelmente por abarcar uma diversidade de orientações
teóricas. Entretanto, a área aparenta uma certa unidade devido à supremacia de uma ou
outra orientação. Em cursos de Graduação ou Pós-Graduação, os estudos do
desenvolvimento da criança, por exemplo, mostram-se com uma certa unidade pela ênfase,
quase que compulsória, no estudo da teoria de Piaget (1896 - 1980). Na visão de Schlinger
(1992), esta prática acadêmica faz com que os alunos aprendam muitos fatos acerca do
comportamento da criança em pesquisas descritivas, mentalistas e pouco pragmáticas;
quando vão trabalhar, por exemplo, em políticas educacionais para a infância, o pouco
conhecimento prático que possuem não pode ser usado de modo seguro para mudar o
comportamento das crianças. Geralmente, as defesas a esta acusação são afirmações
de que uma tecnologia educacional não era o objetivo dos estudos de Piaget.
Entretanto, pelo fato de “muitas das pesquisas existentes na Psicologia do
Desenvolvimento sugerirem um forte componente ambiental no desenvolvimento do
comportamento, a teoria analítico-comportamental está em uma posição ideal para
interpretar as mudanças comportamentais que definem este desenvolvimento"
(Schlinger, 1992, p. 1396). Portanto, considerando esta “posição ideal", e visando contribuir
para uma diversidade de enfoques teóricos no ensino da Psicologia do Desenvolvimento,
este Capítulo apresenta uma análise comportamental de alguns aspectos do
desenvolvimento da criança, contrapondo-os com as posições mentalistas de Piaget. A
proposta aqui ó, partindo de uma pesquisa teórica, esboçar uma análise comportamental
do método clínico de Piaget, enfocando, principalmente, o controle de regras e de
contingências, e a solução de problemas. A fim de alcançar tal objetivo, realizou-se uma
revisão bibliográfica de algumas das publicações de Piaget, de autores recentes que
tratam do método clínico e de textos contendo análises do comportamento do qual

’ t i l e eaprtuk>4 resuftado do (Hcuttòe* tdcrWco dertfflcM ocorrtdae rw apresentação do (rabafto “ArwUlse de operanie* wrtmtg pr*n4tio« ecn
provasplagelanas quemconstróiooonhedmento?"no8JmpôsloNacionaldePsicologia9odaledo()e»wívoMm*n*o« X EnoontroNacional
PHOCAO Pslcoiogla/CAPES. oom professores do PPGP/UFE8. doutore« om Pnootogle do Desenvolvimento, aluno* do PPGPAJFF8 * do curo
de graduação de pstcotogle-UFES, estudanfes da leoriee ptagetlena. a quein agradecemo« à colaboraçAo e atençAo dlapeneada
' IXxrtx em Piloologia, bipecMMi em Terapia Cogrtfca e ComportamenW e em larapia CanportamenlBl de Giupoe, peaqulaarior do PPGM^FS.
’ Graduando do Curto de Psicologia da U f ES
4Graduanda do Curto de Piicotogla da UFES
" Graduanda do Curso de Psicologia da UFES

146 Hi/cu H. Borloti/ R*ifi»cl Rubens dc t3. B. Neto, A nn.i Be.itri/ C . I I. Rotlrifiues e D.inielly B. do
N.iscimcnto
Piaget inferiu conceitos “mentais". As descrições objetivas do mótodo foram destacadas
e, em seguida, uma análise comportamental foi proposta.
A justificativa deste trabalho está no desconhecimento da existência da Psicologia
Comportamental do Desenvolvimento (sim, ela existe: Bijou, 1976; Bijou & Baer, 1978;
Gewirtz, 1972a, 1972b, 1991; Gewirtz & Pelaez-Nogueras, 1990, 1991; Llpsitt, 1981;
Rovee & Fagen, 1976; Rovee-Collier, 1983; Rovee-Collier & Capatides, 1979; Rovee-
Collier & Sullivan, 1980; Rovee-Collier, Sullivan, Enright, Lucas & Fagen, 1980; Ferster,
Culberton & Boren, 1977; Bandura, 1980). De fato, a maioria dos textos usados nas
disciplinas introdutórias da Psicologia do Desenvolvimento (La Taille, Olibeira & Dantas,
1992; Coll, Palacios, & Marchesi, 2004; Wadsworth, 1993; Carraher, 1989) exclui
erroneamente Skinner da lista dos autores interaclonistas, condicionando os alunos a
colocarem Análise do Comportamento e Psicologia do Desenvolvimento em pólos
opostos. Pior: quando tratam da aprendizagem (por excelência, o fenômeno básico da
Análise do Comportamento) apresentam a teoria analítico-comportamental de modo
anacrónico e mecanicista. Resultado: os alunos desconhecem as contribuições de B.
F. Skinner, Albert Bandura, Donald M. Baer, Sidney W. Bijou, Jacob L. Gewirtz, Lewis P.
Lipsitt e Carolyn Rovee-Collier á disciplina. A crítica de Schlinger (1992) deve ser
seriamente considerada; "esta omissão ó um desserviço aos alunos de Psicologia do
Desenvolvimento por privá-los de valiosas análises empíricas e teóricas do
desenvolvimento do comportamento da criança" (p. 1397).
Um grande serviço aos alunos poderia ser feito se fossem discutidos com eles
os seguintes pontos problemáticos na prática tradicional dos psicólogos do
desenvolvimento (Schlinger, 1992, p. 1397-1399):
1) diferenciar o comportamento de acordo com sua forma ou estrutura e,
conseqüentemente, postular categorias tais como comportamento motor, social,
emocional, cognitivo, moral e assim por diante (e dentro dessas, ainda existiriam
distinções: imitação, conservação, etc.), que seriam fundamentalmente diferentes;
2) postular teorias diferentes para cada tipo de comportamento (a piagetiana é
mais propícia para o cognitivo, a freudiana para o afetivo, etc.) e diferentes estruturas
mentais explicariam diferentes fenômenos, mesmo dentro de uma mesma teoria (por
exemplo, na teoria piagetiana uma estrutura explicaria a conservação, uma outra o
egocentrismo e assim por diante); e postular teorias diferentes para os comportamentos
do adulto e da criança como se fossem governados por princípios psicológicos diversos;
3) explicar as classes de comportamentos de um modo circular: uma classe recebe
um nome, ó reificada (vira uma “coisa", como uma “noção", por exemplo) e, por si mesmo,
torna-se o objeto de estudo que ó, então, usado como a explicação para essa classe;
4) enfatizar fatos coletados por métodos correlacionais, ignorar relações
funcionais entre variáveis controladoras, considerar a idade da criança como uma variável
e inferir dela certas relações funcionais que nâo existem (uma estrutura mental é vista
como uma variável independente e a idade é a reflexão lógica das suas transformações):
ué dito que a variável independente é a idade da criança ou alguma estrutura cognitiva
inventada que se desenvolve e que ó convenientemente dita estar em uma Idade
específica" (p. 1397) O propósito dos pesquisadores parece ser demonstrar a presença
ou a ausência de comportamentos na criança e a idade correspondente, mas não o
"como" o comportamento se desenvolve.
"Mesmo quando uma pesquisa experimental pura é conduzida na Psicologia do
Desenvolvimento, raramente os dados resultantes sâo interpretados de acordo
com qualquer teoria específica. Ao Invés disso, os dados são deixados sem

Sobre Comporl.imcnto c Cognição 147


interpretação ou sáo descritos apenas com explicações circulares inferidas. Por
exemplo, diz-se que o comportamento moral resulta da compreensão moral,
comportamentos de apego resultam de vinculo» emocionais entre a criança e
seus pais, e outros comportamentos, chamados cognitivos, resultam de processos
mentais tais como conceitos, memórias ou percepções" (p. 1398);
5) negligenciar processos comportamentais subjacentes às estruturas
hipotéticas, o que gera uma confusão entre descrever e explicar. “Determinantes
maturacionais-constitucionais" Inferidos são enfatizados como “explicação", a despeito
das variáveis ambientais ou fisiológicas envolvidas;
6) manterem uma prática verbal que reifica estruturas mentais, o que facilmente
leva à compreensão da criança (ou melhor, da mente) como a origem do seu
comportamento.
Além de Schlinger (1992) e Catania (1999), autores brasileiros analisaram
criticamente alguns dos postulados da teoria piagetiana. Carmo (2005) abalou a noção
de “estágio" e, assumindo uma posição mais diretiva, mostrou experimentalmente que
“a noção de conservação ó uma habilidade possível de ser ensinada diretamente a
uma criança que, supostamente, pertencia a um estágio de desenvolvimento cognitivo
no qual aquela habilidade estaria ausente". Borloti, Balbi Neto, Nascimento & Rodrigues
(2005) mostraram a função do comportamento do experimentador em provas piagetianas
a partir da freqüência dos operantes verbais primários emitidos nessas provas.
Concluíram que “a maior porcentagem entre os comportamentos emitidos é o de mando
(48%), sendo que 98% dos mandos são do entrevistador"; a principal conseqüência
disto é que “nas provas piagetianas, o entrevistador é extremamente beneficiado, o
participante fornece muitos dados ao entrevistador e sabe praticamente nada sobre
ele” (p. 33). França (1997) discutiu a possibilidade de um diálogo produtivo entre analistas
de comportamento e psicólogos cognitivistas piagetianos desde que ambos estejam
dispostos a despir-se de suas amarras.
Em síntese, continuando a proposta de contribuir de um modo analítico-comportamental
para a Psicologia do Desenvolvimento, a pergunta norteadora deste Capítulo está posta no
título: "Quem constrói o quê e como?". Considerando a importância do método clínico nas
pesquisas dos psicólogos piagetianos, a seção seguinte define o que é este método. Em
seguida são apresentados os conceitos skinnerianos que sustentam a discussão central: o
controle do comportamento da criança emitido durante a aplicação do método clínico.

1. O Método clinico
De acordo com Delval (2002), o método clínico surgiu a partir de um interesse
de Piaget no estudo do problema do conhecimento. Despertado pela Filosofia da Ciência,
ele pensava que esse estudo poderia iniciar-se com a compreensão da História da
Ciência. Ficou curioso em saber qual era a “representação" do mundo que surge,
supostamente, de modo espontâneo nas crianças. Entretanto, ele se deparou com a
ausência de trabalhos sobre a aquisição de “noções" científicas na criança e resolveu
compreender essa aquisição.
Em Paris, Piaget manteve contato com Theodore Simon, que lhe propôs padronizar
os testes de raciocínio de Burt e adaptá-los às crianças. Entâo, a partir da aplicação de tais
testes, Piaget interessou-se não pelos êxitos e fracassos cometidos pelas crianças, mas
sim, em entender o “processo de raciocínio" que ocorria para que elas “alcançassem" tais
respostas. Era uma busca, principalmente, pelo raciocínio existente “por de trás” das
respostas falsas (Delval, 2002). Atentando para as questões da "modalidade do pensamento"
infantil quando a criança explicava o mundo, Piaget (1926) propôs o que denominou de

14 8 Hi/cu B. Rorloli, R«ifiicl Rubens dc O . R. Neto/ Ann.i Bc.ilri/ C . i I. Rinln^ucs c [><iniclly R. ilo
Niiícjm ento
método clínico, sugerindo que esse método fosse aplicado na avaliação das "crenças"
infantis. Carraher (1998) diz que as respostas das crianças durante o método clínico devem
ser analisadas no contexto em que são geradas. Assim, elas funcionariam como um ponto
de partida, pois é mais importante que o pesquisador compreenda o processo que as
resultou, não importando se as respostas sejam “certas” ou “erradas". Foi dessa forma que
esse método, diferentemente da observação pura, possibilitou um maior acesso a
informações minuciosas do contexto da entrevista (Correa, 1991).
Delval (2002) lembra que o método clínico tem como alvo o "pensamento verbal"
e o “não-verbal" da criança, e ele é a própria intervenção do experimentador diante de
tais comportamentos. Portanto, a intervenção sistemática é a essência do método clínico,
consistindo na apresentação de um problema à criança, que terá que resolvê-lo por
melo de “explicações", enquanto o experimentador observa, analisa e esclarece o
significado dos comportamentos. O significado do comportamento da cnança é, então,
relacionado a capacidades “mentais" (cognitivas ou morais) que podem ser inferidas
tanto do comportamento de crianças que ainda não atingiram a etapa da comunicação
por meio a linguagem vocalizada, quanto daquelas que emitem comportamentos vocais,
seja em entrevista aberta, semi-estruturada ou estruturada. Contudo, segundo o seu
próprio criador, o método clínico apresenta problemas: aplicado sob a forma de
entrevista, visa obter o maior número de informações sobre o “pensamento" das crianças,
como conseqüência do aumento do interrogatório a elas, Isto poderia cansá-las ou
aborrecê-las, gerando reações bastante comuns como o "não importismo", a “fabulaçáo"
e a “crença sugerida". Tais problemas ocorreriam, principalmente, devido à forma como
as perguntas são feitas no interrogatório (Piaget, 1926).
Em termos práticos, o experimentador deve clarificar as capacidades “mentais"
da criança, formulando hipóteses sobre o significado ou o sentido das suas ações ou
explicações, levando a criança a comprová-las por meio da intervenção. No trabalho de
Delval (2002) encontramos três formas pelas quais isto pode ser feito: 1) na entrevista
livre a criança é mantida em uma conversa aberta, com pouca ou nenhuma estimulação
física (objetos, especificamente); 2) na explicação sobre uma situação, cria-se um
contexto com objetos e indaga-se a criança sobre mudanças feitas nos objetos; 3) no
método verbal introduzem-se modificações nas situações para comprovar ou refutar
hipóteses sobre o que se passaria na “mente" da criança.
Em quaisquer destas formas, o método clínico vem sendo utilizado para avaliar
supostas “estruturas cognitivas" da criança, seja em intervenções sobre problemas no
desenvolvimento, seja em pesquisas, a partir do pressuposto básico de que a criança
possuiria “pensamentos organizados de forma coerente", que atuariam sobre a sua
ação aberta, mesmo quando ela não tem consciência de sua própria “concepção de
mundo" e do modo como ela o explica. Em resumo, o trabalho do entrevistador é tornar
evidente essa explicação (Delval, 2002). Mostrando-se adequado para a pesquisa na
área da moralidade humana (Alencar, 2003), o método também abriu o campo de
pesquisas na área do desenvolvimento moral.
Tome-se o seguinte excerto de uma transcrição dos comportamentos verbais
emitidos durante a aplicação do método clínico com uma menina de 6 anos 11 meses
e 17 dias, realizado em maio de 2005, na residência da mesma, na Grande Vitória:
Experimentador (E): Você sabe contar? Ou nào sabe?
Criança (C): Sei.
E: [Experimentador coloca notas de dinheiro falso sobre a mesa] Então vamos brincar
de dinheirinho. Estou fazendo um fileira com 8 dinheirinhos.

Sobro Comport.imcnlo c C oRiiiç<'io 149


Construa agora uma fileira do lado da minha que seja igual a minha.
[C constrói a fila usando a mesma quantidade de notas falsas: oito notas]
E: A minha fila é igual a sua?
C: Sim.
E: Por que?
C: Porque tem 8 de cada lado.
E: Se eu crescer essa fila assim (o entrevistador espalha as oito notas de dinheiro
falso, aumentando o tamanho da fila], onde vai ter mais?
C: Continua 8 de cada lado.
E: Continua igual ou diferente?
C: Continua igual. Oito de cada lado.
E; [O entrevistador lembra de uma outra criança entrevistada na semana passada]
Uma criança que eu conheci disse que aqui [aponta para a fileira comprida] tem
mais dinheiro por que está maior, será que ela tá certa?
C: Não.
E: Nâo. É porque ela não sabe contar direito?
C: Porque tem 8 de cada lado.
Uma vez que tais descrições sâo o registro de episódios verbais, a análise
funcional de Skinner (1957, 1969, 1974) poderá ser útil à compreensão da interação
entre o pesquisador e a criança durante a aplicação do método clínico. Quais as variáveis
que controlam o comportamento verbal e não-verbal da criança? Quais as funções do
comportamento verbal do entrevistador nos repertórios de “fabulação". Como o
entrevistador “sugere" crenças à criança? Nem todas estas questões serão respondidas
aqui. Para atingir o objetivo posto na Introdução, segue uma apresentação dos conceitos
comportamentais necessários, lembrando logo que os princípios básicos que servem
à análise do comportamento da criança valem ao comportamento do adulto.

2. Comportamento verbal
Segundo Skinner (1957), as crianças que tôm repertório verbal agem sobre o
meio ambiente de duas formas básicas: ou causam alterações diretas e mecânicas no
ambiente (pelo comportamento não verbal) ou o alteram por meios indiretos, pela
mediação da ação de um outro comportamento (comportamento verbal) que pode ser
dela, dos seus pais ou de outras pessoas.
O desenvolvimento do comportamento verbal depende do reforço provido pelos
ouvintes, agentes especialmente e naturalmente treinados para reforçar o comportamento
das crianças ("criança" deve ser entendida como falante e “pais" como ouvinte). Trata-se,
portanto, de uma interação social que ocorre em uma instância denominada de episódio
verbal total em momentos de vivência da criança em uma comunidade verbal. Como
comunidade verbal, os pais reforçam a fala da criança de acordo com certos padrões de
velocidade, energia e repetição, em função das circunstâncias de sua ocorrência. Portanto,
além da freqüência das emissões, é importante observar em quais circunstâncias o
comportamento verbal da criança é emitido.
Assim como outros comportamentos, o comportamento verbal da criança
apresenta unidades estruturais-funcionais, as quais sâo únicas para cada evento e

150 Hi/cu B. Borloti; Riifiicl Rubem de O . B. Neto, Anrui Reiiln/ C . I I. Rodrigues e D.imclly B. ik>
Niiscimento
definidas por seus efeitos sobre o meio, compondo classes de eventos particulares.
Como expresso por Baum (1999), a ocorrência de um operante verbal depende dos
estímulos discriminativos do meio, por isso uma palavra isolada nâo pode ser tomada
como uma unidade funcional, já que ela adquire diferentes funções em diferentes contextos.
A função do comportamento verbal está no contexto. Portanto, o significado não pode ser
tido como propriedade do comportamento da criança, mas do contexto no qual ocorre.
Dentre os estímulos discriminativos que modelam o comportamento verbal
das crianças, os principais são os auditivos e visuais (verbais ou não verbais,
antecedentes ou conseqüentes) e a audiência; e eles definem funcionalmente os
operantes, permitindo classificá-los como "relações verbais" em função do controle dos
estímulos antecedentes e conseqüentes (Skinner, 1957).
Um mando é identificado quando a resposta da criança é emitida sob controle
de condições antecedentes específicas de privação ou de estimulação aversiva (a
obtenção de objetos, de informação, de remoção estímulos aversivos e assim por
diante). Uma vez que produzem como conseqüência um reforçador especifico provido
pelos pais, os mandos operam em beneficio da criança. Por exemplo, "O que é isto?"
(uma pergunta) é um mando sob controle da privação da informação obtida pela resposta
dada pelos pais; "Cale a boca" (uma ordem) está sob controle da estimulação aversiva
provida por uma criança chorona e ó reforçado especificamente pela cessação do choro.
Mandos possuem a característica de ser breve e seu "significado" é dada pelo contexto
envolvendo o reforço específico que se segue a eles.
Quando os antecedentes são verbais (um letreiro, uma pergunta, uma palavra
ou número), o tipo de controle exercido por eles pode ser formal ou temático.
Comportamentos ecóicos, textuais e transcritivos têm controle formal. No caso do
operante ecóico, o estímulo antecedente é um estímulo verbal vocal (sonoro) e a resposta
verbal, também vocal, reproduz um estímulo igual ou semelhante (ao ouvir “rosa", a
criança diz “rosa" - nestes exemplos as aspas sinalizam estímulo verbal, seja vocal,
seja escrito). No operante textual, o estímulo antecedente é um estímulo verbal impresso
ou escrito (modalidade visual ou táctil), e a resposta é vocal (modalidade auditiva) e,
portanto, é essencial ao desenvolvimento da leitura no repertório da criança (ao ver
“rosa" a criança diz “rosa"). No operante transcritivo, o estímulo antecedente pode ser
vocal ou escrito e a resposta verbal ó sempre escrita, seja a cópia (ver “rosa" e escrever
"rosa”) ou o tomar ditado (ouvir “rosa" e escrever “rosa"). No operante intraverbal o
controle é temático: uma resposta verbal - vocal ou escrita - fica sobre controle temático
de estímulo antecedente verbal - vocal ou escrito (ver ou ouvir “rosa" e escrever ou dizer
“flor"). Todas estas relações formais ou temáticas são mantidas por um reforço
generalizado provido pelos pais, com atenção e elogios, por exemplo: "Muito bem,
quem mora aqui é papai, mamãe e Juju", “Vamos contar novamente quantos antnhos:
um, dois, três", “Muito bem, você está lendo direitinho" e que, depois, passa a controlar
as mesmas relações no futuro (é um reforçador generalizado que mantém os discursos,
as leituras e as transcrições adequadas nos repertórios dos adultos).
Tactos definem operantes verbais que nào especificam um determinado
reforçador, ou seja, a resposta verbal ó emitida sob controle de estímulo antecedente
especifico não verbal (um objeto, um evento, ou propriedade de um objeto ou evento) e
produz como conseqüência um reforço também generalizado. O tacto é um tipo de
operante cujo ensino beneficia mais aos pais por permiti-los inferir sobre as
circunstancias da vida da criança, pois amplia o contato com o meio da criança,
fornecendo mais “informações" sobre ela do que os demais operantes verbais.

Sobre Comportamento e CoRnifdo 151


As relações verbais destacam a função e não a forma verbal emitida pela criança.
Como a função é mais relevante, é preciso analisá-la. Assim, nas provas operatórias de
Piaget, dizer “rosa" diante de uma rosa de plástico é um tato, mas poderia ser um
ecóico. Se, por exemplo, o comportamento verbal de uma criança está sob controle da
propriedade “numerosidade" dos objetos, dizer “cinco” pode ser um tato da
numero8Ídade; se ela, mesmo que “contando mentalmente", repete uma seqüência
numérica apontando para os objetos ("um, dois, três, quatro, cinco"), a contagem está
parcialmente sob controle intraverbal.
A amplitude da proposta de Skinner se mostra na explicação dos processos
verbais que atuam sobre os operantes verbais primários (mando, tato, ecóico, textual,
intraverbal e transcritivo) modificando-lhes a função. Trata-se do autoclítíco, cuja
etimologia deriva de "debruçar-se sobre", e ele pode explicar parte do fenômeno da
"construção" do conhecimento pela criança. Considerando o que se diz, o processo
autoclítico aparece em comentários, qualificações, ênfases, ordenações, coordenações,
negações, afirmações, comparações, quantificações e assim por diante. Como diria
Skinner (1957), se o comportamento verbal denota conhecimento, o autoclítico seria o
processo “construtor do conhecimento".
É importante retomar algumas questões sobre o controle operando sobre o
repertório verbal de uma criança. Acerca dos mandos, como visto, pode ser dito que
estão sob controle de certas “necessidades" do falante. Hall & Sundberg (1987),
trabalhando com crianças surdas, deram sustentação empírica á tese skinneriana de
que os mandos atuam para o benefício exclusivo do falante e sua aprendizagem ó
funcionalmente independente da dos tatos e dos ecóicos. Assim, a emergência de
mandos não ocorre “espontaneamente” após o treino de tatos ou ecóicos: "a
‘espontaneidade’ precisa ser treinada diretamente" (p. 43) no repertório das crianças.
O controle da audiência sob os operantes verbais em meninas de cinco anos foi
demonstrado por Lodhi & Greer (1989) em um experimento manipulando audiências
antropomórficas (brinquedos com propriedades humanas tais como boneca, urso de
pelúcia, etc) e não antropomórficas (blocos, panelas, etc). Os dados desse estudo mostram
que o controle das falas da criança depende do controle de estímulo da audiência -
exercida pelos brinquedos antropomórficos - e não de uma “fala egocêntrica" ou
“interiorizada". Os operantes verbais isolados ocorreram mais na condição antropomórfica
e as conversações ocorreram apenas na condição antropomórfica, mostrando que as
funções de falante e ouvinte são intercambiáveis no repertório da criança.
A importância pragmática da análise funcional do comportamento verbal para a
aprendizagem da leitura foi discutida por Daly (1987), que classificou e comparou a
freqüência de operantes verbais em dois métodos de alfabetização (um "tradicional" e um
outro que poderia ser visto como “construtivista"). A autora comprovou a afirmação de
Skinner sobre o controle do comportamento de ler: de fato, segundo ela, métodos
construtivistas de alfabetização inicialmente reforçam muito mais tatos (a partir da descrição
de objetos e gravuras) e intraverbais (a partir da narração de fatos que extrapolam o que
há em textos, objetos ou gravuras) do que textuais propriamente ditos. Assim, os “erros"
de leitura (quando as respostas das crianças não encontram correspondência nos
estímulos verbais escritos) podem ser analisados a partir do controle de outros estímulos
do contexto, recolocando a questão da importância da definição do comportamento de
leitura e do estudo dos processos verbais envolvidos nele.
Estes estudos mostram como o ambiente - as contingências de reforço -
controla o repertório verbal das crianças. Ao descrever o porquê do seu comportamento,
seja ele verbal ou não-verbal, a criança descreverá a contingência envolvida (quando x,

152 Mi/eu B. Rorloli/ R.if.ifl Rubens tlc O . R. N clo; A nn.i Bc.itri/ C . I I. Rodrigues c l><mielly R. do
N.iscim cnlo
se y, então z). A descrição assim gerada pode atuar como regra no controle de
comportamentos em outras situações. Observando seu próprio comportamento e o
mundo ao seu redor, a criança formula regias podendo usá-las como guia para o seu
comportamento. Vejamos como isto ocorre.

3. Contingências e regras
Quando uma criança ganha um Lego®, ou ela monta o robô olhando a figura
impressa na caixa do brinquedo, ou repete tentativas que dão certo e evita aquelas que
dão errado, ou ela abre o manual de instruções e segue atentamente os passos - ou as
regras - para acertar a montagem.
A regra, segundo Skinner (1980), é um estimulo discriminativo verbal que indica
uma contingência (“Agora eu pego o pescoço e encaixo na cabeça"). De acordo com
Galvão e Barros (2001), a regra pode mostrar (ou não) outros estímulos discriminativos,
especificar as respostas adequadas diante desses estímulos e apontar as conseqüências
da resposta. Além disso, muitas vezes, ela livra a criança de se submeter a estímulos
aversivos (“dar murro em ponta de faca"). Isto acontece quando os pais especificam
verbalmente a contingência com ordens, conselhos, instruções, etc., estabelecendo um
controle por regra (Matos, 1992); em termos do senso comum, “dão limites". De acordo
com Galvão e Barros (2001), caso a criança se coloque como seu próprio ouvinte, o seu
comportamento verbal pode estabelecer um controle por auto-regras.
Citando Baum (1999), o comportamento controlado por regra é comentado, dirigido
e instruído, depende do comportamento verbal de outra pessoa e sobre ele se consegue
falar. Já o comportamento modelado pelas contingências surge sem instrução e sobre
ele não se consegue falar; assim que se passa a descrevê-lo, ele pode se tornar controlado
por regra. Contudo, “estritamente falando, qualquer comportamento - até mesmo aquele
controlado por regras - é modelado por contingências" (BAUM, 1999, p. 156) já que as
regras estão nas contingências e o comportamento de descrevê-las é aprendido em uma
comunidade verbal. Essa afirmação ficou mais clara quando Skinner (1982) disse que o
comportamento não precisa da regra para ocorrer, já que existe comportamento antes do
comportamento verbal: "não precisamos dizer que ‘as regras são construídas pela mente
no processo de aquisição do conhecimento’". (Skinner, 1982, p 111)
Outra diferença importante, de acordo com Baum (1999), é que o comportamento
modelado pelas contingências mantém-se por conseqüências relativamente imediatas,
enquanto o comportamento controlado por regras envolve sempre duas contingências:
a contingência última, que será a razão primeira da regra, justificando o comportamento;
e a contingência próxima, que contém o reforço por seguir a regra, encorajando a emissão
do comportamento. No exemplo acima, as peças devidamente encaixadas é a
conseqüência imediata para montar o robô. Se a criança segue o manual, a contingência
última envolve um robô montado como seguimento da regra e a contingência próxima
envolve um “muito bem, você sabe fazer direitinho" (que pode ter sido ouvido em outras
ocasiões) como um reforço generalizado para o seguir instruções.
Faz-se importante atentar para o fato de que, sendo um estímulo verbal, uma
descrição de contingência só pode atuar como regra caso o sujeito possa descrevê-la
e possa usá-la, de modo consistente, em outras ocasiões de generalização de estímulos
(Reese, 1989). Assim, se uma criança, por exemplo, não pode descrever a contingência
que controla seu comportamento, seu comportamento não pode ser tomado como
sendo controlado por regra; idem se, ao ter aprendido uma regra em uma situação, seu
comportamento não é controlado por essa regra em uma situação semelhante. Estes
fatos estão envolvidos no comportamento de solução de problema.

Sobre Comportamento c Cognição 153


4. Solução de problema
Skinner (1980) considerou a solução de problema como um tipo de
comportamento controlado por regra. Assim, ó possível resolver problemas
reconhecendo-se a natureza das dificuldades e, com isso, construir verbalmente
soluções. Isto é descrever, sob forma de regra, as contingências que definem um
problema de modo a favorecer a solução (“Se eu fizer isto, então eu conseguirei aquilo").
Portanto, solucionar um problema é comportar-se.
Solucionar um problema é comportamento de solução de problema, que não
se limita às respostas dadas pela criança, mas às interações complexas entre estímulo
discriminativo, resposta e estímulo reforçador e a solução depende das manipulação
dos estímulos discriminativos envolvidos. Um problema ocorre diante de uma situação
na qual não há uma resposta disponível; o comportamento-solução está faltando no
repertório da criança (Skinner, 1980). “Deparamos com um problema quando não é
possível emitir, devido ao estado corrente de privação ou estimulação aversiva, uma
resposta que é forte" (Skinner, 1972, p. 124-125). Uma criança pode resolver um problema
de álgebra (12+61) emparelhando dezenas e unidades (pode usar os algarismos como
estímulos verbais, falando ou escrevendo, pode usar objetos como num ábaco ou pode
"somar de cabeça"). Poderá somar 2+1 e depois 1+6, de quaisquer formas. Em qualquer
forma, mesmo quando os estímulos são “de cabeça” a criança terá criado estímulos
discriminativos que controlarão a solução (Catania, 1999).
O termo resposta focaliza a ação da criança, e sozinho fica sem sentido completo
até que se especifique a situação ambiental em que essa ação ocorreu. O sentido de
comportamento fica completo quando também se descreve o resultado da ação, ou
seja, como a resposta alterou as condições ambientais e em essa resposta ocorreu.
Quando se analisa como estímulos simples do ambiente geram respostas também
simples e automáticas, se lida com o comportamento respondente ou reflexo. Quando
se analisa como a criança interage com seu ambiente, operando modificações nesse
ambiente, se lida com o comportamento operante. O comportamento de solução de
problema é um comportamento operante; ou simplesmente operante. A um conjunto de
operantes dá-se o nome de repertório (Skinner, 1953).
/4s situações que identificamos como problemas sáo aquelas em que o reforçador
- a resultante bem sucedida - é claro, mas o comportamento que deve ser emitido
- a soluçôo - ó obscuro. O problema è eliminado quando surge a solução e
obtém-se o reforçador. (BAUM, 1999, p. 168)
Pode-se afirmar que durante a aplicação do método clínico, um psicólogo do
desenvolvimento cria situações para verificar se um comportamento está presente no
repertório da criança. Ao submeter-se ao método, a criança poderá estar diante (ou não)
de um problema a ser solucionado.
5. Uma análise do comportamento no método clínico
O método clínico mostra-se útil para delinear classes de respostas comumente
emitidas por crianças ocidentais em faixas etárias mais ou menos definidas, que
constituem “estádios do desenvolvimento". Qualquer aspecto do comportamento da
criança em qualquer “estádio" pode ser revisto por um prisma analítico-comportamental:
o comportamento do qual se diz que a criança “possui", por exemplo, o “conceito" de
conservação (de número, comprimento, área, massa e volume) e a idade em que este
normalmente ocorre (o "estádio") são fatos importantes, segundo Skinner (1982),
“contudo, deveríamos também saber algo sobre as milhares de vezes em que uma

154 f li/cu B. Borkiti, Kiiltiel Rubens de Q . B. N c lo / A n n .i Bciiln/ C . I I. Rodrigues c [ \im e lly B. do


N .iscim en lo
criança empurrou, puxou, torceu e virou coisas para ‘desenvolver’ esse conceito" (p.
102) e, ainda, os milhares de episódios verbais em torno desse “desenvolvimento". A
síntese oferecida por Catania (1999) torna mais claro este argumento:
“As várias fases do desenvolvimento da criança no sistema de Piaget (sensório-
motora, pró-operacíonal, de operações concretas o de operações form ais)
correspondem a uma progressão a partir de relações relativamente simples entre
as respostas motoras e suas conseqüências (como no alcançar e manipular
objetos) até as relações complexas que dependem tanto de correspondências
entre o comportamento verbal e náo-verbal como de correspondências entre a
estrutura ambiental e a estrutura comportamental" (p. 361).
Para a discussão a seguir, considere esta situação (Schinger, 1992): uma criança
de 4 anos está sentada no chão de uma sala, o pesquisador apresenta-lhe duas bolas
de mesmo tamanho. Primeiramente, ele coloca uma bola perto da criança e outra longe
e pergunta sobre o tamanho das bolas, se são iguais ou se existe uma maior que outra.
Após obter uma resposta da criança, o pesquisador coloca uma bola do lado da outra e
faz o mesmo questionamento anterior a criança.
Neste cenário há a proposta de um “problema" (que ó “cognitivo”, mas poderia
ser “moral", como nas histórias-dilema) a ser solucionado pela criança. O contexto
estabelecido pelo entrevistador inclui coletar a justificativa (a regra) da “solução" do
problema, ou seja, a criança deverá enunciar a regra que controla o comportamento que
"soluciona" o problema. Assim, o método clínico permite 1) que a criança enuncie a
regra elaborada por ela para descrever seu comportamento e as variáveis que operam
sobre ele e 2) a análise do efeito do comportamento do entrevistador sobre o
comportamento, da criança, de enunciar a regra.
Dois tipos de resposta são possíveis de serem emitidas pela criança para enfrentar
a situação criada pelo método clínico: 1) resposta sob controle da generalização da
aprendizagem de outros comportamentos e 2) resposta sob controle da própria situação-
problema. (Nos termos de Skinner, ó esta última resposta que define a solução de
problema, e o problema propriamente dito. Para uma melhor compreensão do que a
criança possa fazer neste cenário, considere “resolução" - no sentido de “solucionar
novamente" - o comportamento de enfrentar a situação que nâo se define como problema;
se a situação se configurar como um problema, a resposta da criança será uma “solução").
Uma análise dos processos ocorrendo neste cenário deve considerar a análise
comportamental do comportamento apropriado ao tamanho. Schlinger (1992) explicou
os processos comportamentais envolvidos quando a distância entre a criança e os
objetos, ou alguma de suas propriedades, muda.
A resposta apropriada ao tamanho ó adaptativa e, obviamente, dependerá da
maturação das estruturas fisiológicas envolvidas (entre elas, as dicas monoculares ou
binoculares). O tamanho das imagens dos objetos na retina da criança serão
proporcionais à distância dos objetos. Se a criança aproxima um objeto dos seus olhos,
a imagem sobre a retina ficará maior, mas ela se comportará diante do objeto como
sendo do mesmo tamanho e, antes de pensar na resposta verbal da criança (“ó menor"
ou “ó maior"), ó preciso entender o controle de estímulo atuando sobre o comportamento
da criança - a resposta apropriada ao tamanho - quando varia a distância dos objetos
em relação à criança. Quando o experimentador apresenta as bolas em distâncias
diferentes pergunta sobre o tamanho, quais estímulos discriminativos são providos?
Dependendo do que criança disser em resposta à pergunta, psicólogos cognitivistas
descreverão como a criança “conhece" e poderão afirmar se ela “adquiriu" ou não a
conservação de tamanho.

Sobre Com portiim cnlo c Coflnição 155


Por outro lado, analistas do comportamento perguntarão acerca das experiências
(ou interações com o ambiente) responsáveis pela aquisição ou manutenção do
comportamento adequado (ou de conservação) ao tamanho. Dirão que os objetos se tornam
“familiares" devido a uma história de reforçamento que produziu respostas apropriadas:
perceptual (ver os objetos ou suas propriedades), motora (alcançar/manipular os objetos)
e verbal (nomear os objetos ou suas propriedades). Dirão também que, à medida que a
criança passa a manipular objetos ao imaginar, falar ou pensar sobre manipular esses
objetos, a “estrutura" do seu comportamento aproxima-se cada vez mais da estrutura das
contingências necessárias à manipulação dos objetos. A estrutura do comportamento
encoberto, do qual se infere “estruturas mentais", se deve à correspondência entre o
comportamento e as contingências ambientais. Portanto, “estruturas mentais" não explicam
o comportamento. “As representações não existem na criança exceto em um sentido
metafórico; em verdade, elas existem em nosso próprio comportamento discriminativo
quando observamos a criança, e correspondem às consistências e correspondências que
observamos nela ou em seu comportamento" (Catania, 1999, p. 362).
Ao analisar o que a criança fala é preciso considerar que as suas respostas
verbais aos objetos do cenário foram adquiridas anteriormente como são adquiridas as
respostas verbais de qualquer um de nós: em condições nas quais variam as
características sensoriais dos objetos. Entretanto, a maioria das comunidades verbais
reforça a constância dos tatos, independente das variações sensoriais produzidas por
outras das suas características. “A aquisição desse comportamento verbal pode ser
antecipada por meio da generalização de estímulo de características de estímulos
presentes quando o tato foi primeiramente condicionado" (Schlinger, 1992, p. 1407).
Catania (1999) lembrou que as progressões na aprendizagem da conservação
ocorrem em paralelo, compondo hierarquias de classes de respostas, das simples às
complexas; ou, de uma propriedade única dos objetos (por exemplo, o tamanho) a
combinações de duas ou três propriedades (volume e área). Em nosso exemplo, a aquisição
do comportamento adequado ao tamanho ocorre paralelo ao desenvolvimento do
comportamento verbal sob controle do objeto (bola) e de suas propriedades (grande-pequena,
maior-menor) como abstrações. Adaptando o que Catania disse em relação à prova de
conservação de volume para o nosso exemplo de conservação de tamanho, é possível
afirmar que há uma diferença importante, em termos de classes de respostas, entre dizer que
uma bola é do mesmo tamanho que outra, escolher uma bola e não outra, enxergar a bola
mais próxima da retina como maior, dentre outras. Também “é importante reconhecer que
equivalências entre essas diferentes classes são conseqüências inevitáveis do modo como
o comportamento verbal e náo-verbal estao relacionados a eventos do mundo" (p. 362).
Por exemplo, considere que a criança esteve diante de duas bolas do mesmo
tamanho. A abstração “menor" pode ter sido adquirida diante de uma das bolas que
estava distante da criança, criando assim uma imagem de retina menor (em contraste
com a outra bola "maior”). Quando uma bola foi aproximada da criança e, ao mesmo
tempo, da outra bola, suas propriedades físicas permaneceram constantes e podem
ter evocado o tato “menor", que pode ter sido "corrigido" pelos outros (contingências
sociais de reforçamento) em resposta ao comportamento verbal da criança, Em todo
caso, se o comportamento apropriado ao tamanho for inferido do comportamento verbal
da criança, uma constância do tato terá sido reforçada, independente das variações na
estimulação provida pelas relações entre os objetos. Se o comportamento for
“inapropriado", possivelmente a constância do tato ainda está por ser adquirida nas
contingências sociais de reforçamento verbal: "Não. As bolas continuam do mesmo
tamanho". Ao mesmo tempo, os tatos "perto" e “longe" (“Vou jogar a bola lá longe") estão
sendo reforçados e podem ser usados pela criança para dar uma justificativa verbal
(regra) ao seu comportamento apropriado ao tamanho. Assim,

156 Hl/cu R. Rorloti, R*il,id Ruboni dc O . R. N d o ; A nn.i Ro.ilri/ C\ I I. Rodrigues c IXmiolly R. do


Niisdm cnto
"a abstraçào e a formaçÂo de conceitos sào operações provavelmente chamadas
de cognitivas, mas elas envolvem também contingências de reforço. (...). Os
referentes dos conceitos estóo no mundo real, nâo sâo idéias na mente [da criança].
Sào descobertas ou Invenções apenas no sentido de ter-se desenvolvido num
ambiente verbal no qual propriedades obscuras da natureza são postas sob
controle do comportamento humano“ (Skinner, 1982, p. 94).
Voltando ao cenário anterior, a resolução (que ô diferente de solução) da situação
pela generalização de estímulo ocorrerá de duas maneiras: por contingência
anteriormente experimentada ou por regra anteriormente aprendida na descrição dessa
contingência. Na primeira condição não haverá um problema: o que poderá ser emitido
ó uma resposta de resolução diante da situação proposta devido à generalização de
estímulo de contingências que controlaram um comportamento adequado, ou não, às
propriedades dos estímulos envolvendo os objetos. Na segunda condição, o
comportamento da criança estará sob controle de uma regra aprendida em uma condição
semelhante: sendo assim, a situação também não se constituirá como um problema.
Se a criança estiver diante de uma situaçâo-problema propriamente dita, ela
não teria a resposta-solução em seu repertório e passaria a se comportar para solucionar
o problema. A solução será um novo comportamento de manipulação de estímulos que
ampliará o seu repertório e, conseqüentemente, sua aprendizagem (definida como
mudança de comportamento). Em todo caso, a solução do problema sempre decorrerá
do processo de modelagem pela contingência, que pode ocorrer com ou sem
discriminação verbal (regra) dos estímulos que definem a contingência.
No método clínico, em ambas as condições, de resolução ou de solução, a
criança deve apresentar a regra que governou o seu comportamento diante da situação.
Quando ela resoluciona a situação sob controle de regra que foi anteriormente aprendida,
ou soluciona o problema sob controle da regra que define a situação nova, ela consegue
enunciá-la com facilidade. Um mentalista tenderá a inferir um “processo cognitivo" do
enunciado: quando a criança resoluciona e tem dificuldade em enunciar a regra, a resolução
provavelmente deriva da generalização de comportamento anteriormente controlado por
contingência; a criança não descreve a contingência que controlou a resolução.
Para o mentalista, o enunciado da criança permitirá a inferência do “processo de
desenvolvimento" de uma “noção de conservação", que passará a ser postulada como
explicação para o seu comportamento verbal de enunciar uma regra ("saber como") e,
conseqüentemente, para a ação de solução do problema (“saber"). Entáo, o experimentador
solicitará que ela analise o comportamento de resolução/solução; que enuncie a regra
que o rege. O método clínico consiste em “favorecer" (leia*se “alterar uma solução dada")
a criança a enunciar a regra que governou o seu comportamento na situação apresentada.
Perguntas com "Porquê?”, “E se?", “Mas?", “E quando?" supostamente favorecem a
"construção" do conhecimento pela criança porque o experimentador atua como um
membro da comunidade verbal. Todavia, se estiver ocorrendo generalização de estímulo
de contingências anteriormente experimentadas e que não foram descritas sob a forma
de regra, a criança poderá não "conhecer" a regra derivada da situação apresentada, a
despeito de qualquer esforço do experimentador. Para "construir" seu conhecimento, ela
deverá analisar o comportamento de resolução/solução de problema; ou seja, descrever
a contingência (elaborar uma regra) que controlou o seu comportamento na situação. E o
experimentador deverá atuar nessa "construção".
Para o analista de comportamento, a descrição e a diferenciação entre as
contingências que atuam sobre o “saber" e o “saber como" bastariam como explicação
satisfatória ao "desenvolvimento" dos comportamentos dos quais se inferem a formação

Sobre Comporttim ento e C o rdíÇcI o 157


de “conceitos" ou outros “processos cognitivos”, uma vez que podem ser treinados por
modelagem ou por instrução (Baum, 1999; Carmo, 2005). E isto traz vantagens adicionais
em termos de uma tecnologia educacional. Dessa forma, o método clínico tem sua
utilidade no desenvolvimento de pesquisas e também pode ser utilizado para o
treinamento da habilidade de solução de problema, ou seja, crianças com dificuldades
em solucionar problema podem ser treinadas por uma aplicação do método clínico
sustentada no pragmatismo do behavlorismo radical.

Conclusões
“Na análise do comportamento, o termo desenvolvimento ó uma abstração para as
mudanças ordenadas e progressivas na organização das relações comportamento-
ambiente. Uma análise tunclonal do comportamento da criança deve locallzar-se
sobre as diversas variáveis que provavelmente sâo diretamente responsáveis
pelos padrões de mudança comportamental que denotam desenvolvimento. Assim,
para compreender o desenvolvimento comportamental, são necessárias análises
das mudanças na complexidade do ambiente controlador (Incluindo as origens e
as mudanças nos estímulos reforçadores para o comportamento da criança), das
experiências iniciais como determinantes potenciais do sistema comportamental
posterior, e das variáveis contextuais (Incluindo fatores sltuacionais) envolvidas e
suas relações nas interações entre funções de estimulo e de resposta" (Gewirtz &
Peláez-Nogueras, 1992, p. 1419-1420)
As seguintes citações de Skinner foram adaptadas ao contexto da criança e
concluem com primor toda a discussão ao longo deste Capítulo:
1) A percepção de uma criança é proposital ou intencional. A criança “não é um
expectador indiferente a absorver o mundo como uma esponja". Ela não está apenas
“atenta" ao mundo no qual interage; ela responde ao mundo de modo idiossincrático
por causa do que já aconteceu quando esteve em contato com ele (1982, p. 67).
2) Uma criança é modificada pelas contingências em que age; ela não armazena
as contingências. Não “possui" “estruturas" ou “esquemas cognitivos" do mundo em
que vive. “Foi simplesmente modificada de tal forma que os estímulos controlam agora
tipos particulares de comportamento perceptivo" (1982, p. 74).
3) Inventar conceitos cognitivos, ao invés de explicar o comportamento das
crianças pelas contingências envolvidas, é bastante penoso e pouco útil diante dos
problemas da alfabetização; ou de infrações legais, quando os conceitos inventados
são morais. Esta é uma prática comum no ensino da comutação matemática, quando
se ensina a resposta a “3+6" e depois a “6+3". Uma criança fica confusa e uma outra
responde adequadamente à segunda expressão. Diz-se que esta última “possui" um
“conceito aritmético". “Mas o que isto nos revela? Será que podemos ter a certeza de que
não ensinaram em alguma outra ocasião a segunda criança a dizer '9' em face à
expressão '6+3'? Terá ela aprendido um grande número de casos tais como '1+2=2+1’
e '1+3=3+17 Terá aprendido a formular a regra da comutação e a exemplificá-la? Se
nos contentarmos em falar de um conceito aritmético, nunca descobriremos o que [e
como] a criança realmente aprendeu" (1982, p. 95).
4) Os processos envolvidos no pensamento de uma criança são processos
comportamentais e uma explicação estruturalista (e mentalista) será incompleta se
negligenciar a história genética e a história pessoal da criança. Metáforas hortículas
povoam o discurso estruturalista do desenvolvimento. Nos “jardins de infância”, como
repolhos, cultivam-se crianças para que se desenvolvam. Com isto, geralmente, os
desenvolvimentlstas fazem vistas grossas ao “como" se desenvolve o mundo no qual

158 H i/e u B. Borloti, Rafael Rubens de O . B. N eto , A n n a Beatri/ C . I I. Rodrigues e P a n ielly B. do


N ascim ento
88 crianças estão expostas (1982, p. 102).
5) A criança não age “pondo em uso” um conhecimento; o conhecimento da
criança è a sua ação, ou regras para essa açào. Assim, seu comportamento operante é
essencialmente o exercício do poder na interação com o ambiente. Portanto, o
conhecimento do mundo por parte de uma criança “se deve a algo mais do que o
contato com determinado cenário; deve-se às contingôncias de reforço das quais esse
cenário faz parte. A 'experiência' de que o conhecimento deriva consiste das contingências
completas" (1982, p. 121).
6) Se uma solução é proposta por um adulto a uma criança que se defronta com
um problema, a solução pode não ser eficiente, mesmo que “correta". Mas, se a criança
chega sozinha à solução, é muito mais provável que adote um curso de ação eficiente.
O método clínico leva isto em consideração. Quando a criança vê e aprende com o "erro"
“não é o fato de que a solução partiu de dentro dela que ó importante, mas o que importa
é que, para descobrir sua própria solução, seu comportamento com relação ao problema
deve ter se alterado enormemente". Uma solução que parta da criança representa um
progresso e nenhum progresso deste tipo pode ser obtido se o entrevistador enunciar
a solução, "(o método clínico] consiste, não em levar [a criança] à solução para o seu
problema, mas em mudã-la de tal modo que seja capaz de descobri-la" (1978, p. 361).
É desta forma que as perguntas do método clínico funcionam; elas modificam as
“soluções" da criança de modo que ela mesma chegue à solução do problema.

Referências
Aloncar, H. M., de (2003) Parcialidade e imparcialidade no juízo moral: a Génese da participação
em situações do humilhação pública. Tese de doutorado, Instituto do Psicologia, Universidade
de Sâo Paulo, Sâo Paulo.
Baum, W. M. (1999). Compreender o Behaviorismo: ciôncia, comportamento e cultura. (M. T. A. Silva,
M. A. Matos & G V. Tomanari, Trad.). Porto Alegre: Artes Módicas Sul Ltda. (trabalho original
publicado om 1994)
Carraher, T. N. (1998) O método clínico: usando os exames de Piaget. São Paulo: Cortoz.
Corroa, J. (1991). O mótodo crítico: o legado metodológico do Piaget ao estudo dos procossos
cognitivos. Revista de Psicologia e Psicanálise, (3), 53-66.
Bandura, A. (1980) Aprendizagem social e Imitação In W S. Sahakian, Aprendizagem: sistemas,
modelos o teorias. (Claudia Tolodo Massadar et al, Trad.), (pp. 261-273). Rio do Janeiro:
Interamericana.
Bijou, S.W. (1976). Child deveiopment: The basic stage of early childhood. Englowood Cliffs, NJ:
Prontlce-Hall.
Bijou, S.W., & Baer, D. M. (1978) Behavior analysis of child deveiopment. Englowood Cliffs, NJ:
Prontice-Hall.
Borlotl, E. B; Balbl Noto, R.R.Q.; Nascimento, D. B; Rodriguos, A B. C. H. (2005). Análise de operantes
verbais primários om provas piagetianas: quem constrói o conhecimenlo? (p.32-33 ). In
Rosumos Simpósio Nacional de Psicologia Social do Desenvolvimento e X Encontro Nacional
do Procad/Psicologia-Capes, 2005, Vitória. Vitória: Programa do Pós*graduaçâo de
Psicologia.
Carmo, J. S. (2005) Conservação do quantidados discretas om crianças nâo conservadoras: Efoito
do troino explicito de conservação na aquisição da habilidade do conservar. In H. J. Gullhardi
& N. C. de Aguirre (Org ), Sobre Comportamento e Cognição: Expondo a varlabllidado. (pp.
248-257). Santo Andró: ESETec.
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre, RS:
ArtMed.

Sobre ComjH irliimcnlo e Coftmç<lo 159


Coll, C., Palacios, J. & Marchosi, A. (2004). Desenvolvimento e Educaçào. Vol. 1: Psicologia evolutiva.
Porto Alegro: Artes Médicas.
Daly, P. M. (1987). A description of the verbal behavior of students during two reading instruction
methods. The Analysis of Verbal Behavior, 5, 67-76.
Delval, Juan A. (2002) Introdução à prática do método clinico: descobrindo o pensamento das
crianças. Porto Alogro: Artmod.
Forster, C. B., Culborton, S. & Boron, M.C.P. (1977) Princípios do Comportamento (M.J. Rocha e
Silva, M. A. C. Rodrigues & M. B. Lima Pardo, Trad.), Sfto Paulo: Hucitec.
França, A. C. (1997). Diforontes abordagens da alfabetização e a análise do comportamento: uma
anàllse prollmlnar. In M. Dolittl (Org.), Sobre Comportamento e Cognição: A prática da anállso
do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental (pp. 333-338). Sfto Paulo: ESETec.
Galvâo, O. F.; Barros, R. S. (2001). Curso de Introdução à Análise Experimental do Comportamento.
Bolóm: CopyMarket.com.
Gowirtz, J. L. (1972a). Attachment, dependence, and a distinction In terms of stimulus control. In J,
L. Gowirtz (ED.) Attachment and dependency (pp. 139-177). Washington, DC: Winston.
Gowirtz, J. L. (1972b). On the selection and use of attachment and dependency Indices. In J. L.
Gowirtz (ED.) Attachment and dependency (pp. 179-215). Washington, DC: Winston.
Gewlrtz, J. L. (1991). Identification attachment their developmental sequencing In a conditioning
framo. In J. L Gowirtz & W M. Kurtines (Eds.) Intersections with attachment (pp 247-255).
Hillsdolo, NJ: Erlbaum.
Gowirtz, J. L., & Pelaez-Nogueras, M. (1990). Infant social referencing as a learned process. In S.
Foinman (Ed), Social referencing end the social construction of reality in infancy (p p . 1-
11). New York: Plenum Press.
Gewirtz, J. L., & Pelaez-Nogueras, M. (1991). Proximal mechanisms underlying the acquisition of
moral behavior patterns. In W. M. Kurtinos & J. L. Gowirtz (Edxs.) Handbook of moral
Behaviour and development. Vol. 1. Theory (pp. 153-182) Hillsdale, NJ: Erlboum.
Gowirtz, J. L. & Pelaez-Nogueras, M. (1992). B. F. Skinner's Legacy to Human Infant Behavior and
Development. In American Psychologist: Reflections on B. F. Skinner and Psychology. Vol.
47. Number 11. p.1411-1422
Kendlor, Howard H, (1968); introdução ò psicologia. Traduzido por António Simões. II volume, 4*
edlçâo. Lisboa: FundacaoCalousteGulbenkian, 1968. (trabalho original publicado em 1963).
Hall, G. & Sundberg, M. L. (1987). Teaching mands by manipulating conditioned establishing operations.
The Analysis of Verbal Behavior, 5, 41-53.
La Taillo, Y. do, Olibeira, M. K. de, & Dantas, H. (1992). Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenôticas
em discussão. Sâo Paulo: Summus.
Llpsitt, L. P. (1981). Sensorimotor development: What infants do and how wo think about what they
do. In I. E. Sigel, D.M. Brodzinsky, & R. M. Golinkoff (ods.), New directions in Piagetian theory
and practice (pp. 29-37). Hillsdalo, NJ: Erlbaum.
Lodhl, S. & Greer, D. (1989). The speaker as listener. Journal o f the Experim ental A n a ly tis o f
Behavior, 51, 353-359.
Piaget, J. (1987) Seis estudos de Psicologia. Rio de Janeiro, Florenso Universitária.
Piaget, J (s/d.) A representação do mundo na criança. Rio de Janeiro: Record. Publicação original de
1926.
Rooso, H. W. (1989). Rulos and rulo-govornance: cognitive and behavioristic views. In S. C. Hayes
(Ed.), Rule-governed behavior. Cognition; contingencies, and instructional control (pp. 3-
84). Now York: Plonum Press.
Rovoe, C.K., A Fagen, J.W. (1976), Extended conditioning and 24-hour retention in infants. Journal of
Experimental Child Psychology, 21, 1*11.
Rovoo-Colller, C.K. (1983). Infants as problem solvers: A psychoblologlcal perspective. In M.D.Zoller
& P. Harzem (E ds./ Advances in analysis of behaviour (Vol. 3; pp. 63-101). Now York:Wiloy.

1Ó0 H l/e u R. Borloti, Rdl.iel Rubens de Q . B. N elo , A n n .i Bo.ttri/ C . I I. Rodrigues e P .m ielly B. do


N iiscim cn lo
Rovee-Collier, C.K. & Capatide9, J. B. (1979). Positive behavioral constrast in 3- month-old infants on
multiple conjugate roinforcement schedules. Journal ot the Experimental Analysis of Behavior,
32. 15-27.
Rovee-Collior, C.K.. & Sullivan, M. W. (1980) Organization of infant memory. Journal of Experimental
Psychology. Human learning and Memory,6, 798-807.
Rovee-Colller, C.K. Sullivan. M. W. Enright, M. K.. Lucas, D., & Fagen, J. (1980). Reactivation of Infant
memoru. Science, 208, 1159-1161.
Schlingor, H.D. (1992). Theory in Bohavior Analysis. In American Psychologist: Reflections on B. F.
Skinner and Psychology. Vol. 47. Numbor 11. p. 1396-1410 .
Skinner, B.F. (1978). Ciência e Comportamento Humano. (J. C. Todorov & R. Azzi, Trad.), 2. ed.
Brasilia, UNB/SP, FUNBEC.
Sklnner, B.F. (1980). Contingências do reforço. Sâo Paulo: Abril Cultural.
Sklnnor, B. F. ( 1957). Verba) Behavior. Nova York: Appleton-Century-Crofts.
Sklnner, B.F. (1982). Sobre o Behaviorlsmo. (M. da P. Villalobos, Trad ); Sâo Paulo : Cultrlx, 1982.
(Trabalho original publicado om 1974)
Wadsworth, B. L. (1993) Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget. São Paulo:
Pioneira.

Sobrc Comportiimrnto c CognlçJo 161


Capítulo 18
A contribuição do treinamento de
habilidades sociais para a
intervenção em casos de
transtorno de ansiedade
Fabrkio de Souza1/ Felipe de Carvalho Pimentel,
Thafs Tebaldi Carvalho e F.duardo Barbosa Lopes

Uma interessante análise acerca de procedimentos não aversivos na


intervenção em casos de transtornos de ansiedade nos é apresentada em Banaco
(2001). Discutindo a propriedade da aplicação de técnicas aversivas na Terapia
Comportamental o autor assinala o fato de que é preciso considerar a minimização do
uso de tais procedimentos em detrimento de formas alternativas que pudessem ser
aplicadas e que significassem mais que o simples emprego de uma técnica.
Em Banaco (2001) encontramos uma clara postura acerca das técnicas
aversivas. Nas palavras do autor;
“O que é sugerido ó que antes da utilização de tais técnicas o terapeuta faça a
utilização de uma análise funcional do comportamento em foco (...). Desnecessário
dizer que para que tal análise seja bem feita, os aspectos ambientais também
devem ser levados em consideração na formulação do problema. Somente quando
o terapeuta se deparar com total impossibilidade de propiciar ao cliente a resolução
do problema através de técnicas positivas a decisão pelo uso de técnicas aversivas
seria justificada" (p. 209-210).
Embora a preocupação com o emprego de uma técnica especifica possa ser a
preocupação de estudantes e profissionais principiantes, Guilhardi (2004), ao discutir a
intervenção comportamental, ressalta a importância do terapeuta saber analisar
criteriosamente o processo comportamental de acordo com os princípios do Behaviorismo
Radical e da Ciência do Comportamento.
Ao se assumir o comportamento é determinado pela rede de
contingências cujos efeitos cumulativos o modelam, é esperado do terapeuta que,
diante dessa intrincada rede que se apresenta no setting terapêutico, exiba variabilidade
para interagir com o cliente e sensibilidade às conseqüências de seu próprio
comportamento, assim como àquelas advindas do comportamento do cliente, de forma

1Doutorando do Programa d« Póa-graduaçâo am PUoutogta - UFES, Núclao do AoAHmi Cotnpodarnoolal da Espirito Santo - NACE-S • fabris
(iouzaOuol.com br

162 Itibrfcio dc So u a i , frlipc dc C. Pimcnlcl/ Ih.tls I. Cdrv.ilbo c í du.ir\Jo R. I.opci


que possam ser modelados procedimentos terapêuticos apropriados à especificidade
de cada caso (Guilhardi, 2004a).
A essas considerações gostaríamos de acrescentar o ponto de vista de Zamignani
(2000) que, fazendo referência à intervenção em casos de Transtorno Obsessivo-
Compulsivo (TOC), ressalta algumas hipóteses relevantes e que consideramos poderem
ser generalizadas às intervenções em outros tipos de transtorno de ansiedade. Segundo
o autor, algumas de suas observações informais e certos dados apontados pela literatura
sugerem que sejam observadas as seguintes hipóteses:
“ - A importância das variáveis encobertas na determinação do comportamento
obsessivo-compulsivo pode estar sendo superdimensionada;

• A contingência de reforçamento negativo pode nào ser a única condição que


mantém a cadeia obsessivo-compulsiva;

O controle operante exercido por variáveis ambientais pode prevalecer sobre


o controle por conseqüências de reforçamento negativo;

O trabalho do terapeuta, portanto, poderia ter maior eficácia caso houvesse


maior atençào à alteração destas outras relações ambientais;

Como decorrência desta última, o procedimento de exposição com prevenção


de respostas pode nào ser a melhor alternativa no tratamento do TOC, pois age
unicamente sobre a contingência de esquiva que compõe o comportamento
obsessivo compulsivo” (Zamignanni, 2000, p. 264).
Coerentes com essas hipóteses, Vermes e Zamignani (2002) discutem
possíveis variações para as técnicas de exposição com prevenção de respostas e
sugerem que, dentre outros procedimentos, o reforço das habilidades sociais
apresentadas pelo cliente, e também a instalação de novas habilidades no repertório
geral deste, configuram-se como alternativas promissoras para a intervenção.
Afirmam-nos Vermes e Zamignani (2002) que os transtornos de ansiedade, de
uma forma geral, estão relacionados à pobreza de reforçamento positivo na história de
vida do cliente, a uma baixa variabilidade comportamental e a um déficit de habilidade
social, o que correlacionados ou não, mais freqüente que sim, afetam o repertório
comportamental de uma pessoa.
Nesse sentido é interessante o que nos dizem Del Prette e Del Prette (2002)
acerca das possíveis relações que podem existir entre os transtornos psicológicos e as
habilidades sociais.
“Sejam as habilidades sociais consideradas com fator principal ou secundário do
problema clinico ou, mesmo, como um de seus desdobramentos, a intervenção
nessa área tem sido usualmente Incluída nos procedimentos de ttatamento e
prevenção (...). Os problemas psicológicos geralmente afetam a qualidade das
relações interpessoais e grande parte desse efeito está relacionada a déficits em
habilidades sociais e competência so cia r (Del Rrette e Del Prette, 2002, p. 377-
378).
Ainda segundo Del Prette e Del Prette (2002), o comprometimento na
comunicação interpessoal pode associar-se a problemas como a esquizofrenia, a
depressão, os transtornos emocionais da infância e da adolescência, os transtornos
afetivos e os transtornos de ansiedade.
Baseados nos pressupostos apresentados acima, decidimos atentar, na nossa
prática clinica, para essas variáveis que, de acordo com Zamignani (2000), estão sendo
negligenciadas ou não estão recebendo a devida atenção por parte do analista. Assim,

Sobre Comportamento e Cognição 1Ô3


este capítulo foi escrito com o objetivo de discutir a importância da implementação das
habilidades sociais em dez pacientes por nós atendidos e que apresentavam queixas
de algum transtorno de ansiedade*.
Não nos preocuparemos em expor aqui os modelos explicativos da ansiedade
assim como em apresentar maiores considerações teóricas acerca deste tema visto
que diversos autores, dentre eles Sidman (1995), Qentil e Lotufo-Neto (1996), Silva
(1997), Banaco (2001), Shinohara (2001), Banaco e Zamignani (2004), Guilhardi (2004b),
Barbosa (2004) e Salles e Lõhr (2005) já o fizeram com bastante propriedade.
Todos os casos atendidos foram submetidos a uma criteriosa análise funcional.
A intervenção terapêutica foi pautada em Guilhardi (2004a) e conduziu-se a partir de
uma investigação sobre o repertório geral de comportamentos do cliente e não
exclusivamente acerca da queixa por este apresentada.
Visto que todos os clientes apresentavam queixas que de alguma forma
relacionavam-se à ansiedade, foram investigados, de acordo com Vermes e Zamignani
(2002) e Guilhardi (2004b), os eventos ambientais que na história comportamental do
cliente selecionaram respostas ineficazes destes para lidar com a estimulação aversiva
experimentada em suas interações. Em outras palavras, frente à informação de que a
condição de ansiedade apresentada pelos clientes pudesse estar relacionada a um
baixo reforçamento positivo de respostas no decorrer da história de vida do cliente, a
uma baixa variabilidade comportamental e a um déficit de habilidade social, assumimos
a investigação, no repertório comportamental geral do cliente, da presença de tais
condições e se estas os tornavam suscetíveis a comportamentos de ansiedade.
Apresentamos abaixo um quadro contendo o resumo de cada caso investigado.
Todas as informações nele contidas foram obtidas a partir da analise funcional da
queixa apresentada pelos clientes.
Segundo Guilhardi (2004b), a ansiedade é um estado de corpo característico
das situações onde a pessoa não possui uma resposta de fuga-esquiva adequada
para interromper ou postergar a ocorrência de uma dada estimulação aversiva.

Caao 1i Hm m iu , 33 m m
UUUIA, alaquaa d* pânico'
UoUdâo a taHa da amigo« vido qua o marki
üuaixa. "FnMa Social, com nuança* da pânico. ailava «ampra Modo tranifarldo d« uma cldad
(Mirto, mama da paraagulçfto Iramorw da vo/. paia oulra*
maagurança a opçâo »anual dHaranta'
Marido ailganla a paitaocioftola. atribuía mullaa
Criado com oa lloa. a Na ara mudo rtgoroaa a laralat à aapoaa a atia •
•uparprolalora a o Ho Talaa*/-lalra\ aotwacarragada.
Cotogai Implicavam po< «la nâo «afrar |o0*' bola Tava mâa alatuoaa. calma a pactai
Itolamanlo quaaa rito brincava na rua. mullo bravo, praocupado a aulganta,
Faculdada aanllu aumanlar tanlo o Mu nlval da Mtlcildi
ailgtncla para com aa colaaa quanm o m u
•antlmaoto da mlartortdada.
Baua variabWdada comportamanlal,
Oélicll no r*p*ftôfto da h ........
DéflcH da autoconfiança.
fiÉÜSÜ-ál J4É2JIM 21Í___

* O» cm m aqui apresentados tornm aHjndWo* p«to prtmolro autor • ctacuMoa como o» dsm M em contonànM com oa principio« «xlgldoa
para irabattHMi (leua nalure/a

164 fabrick» ilc Souia , Felipe Jc C . Pimcntcl/ Ih.ii* I. C.irv.illio e f «.iutinlo R. I opes
Caao 3t Homem, 2S ano*. Caao 4i Homam 32 •
14
. 'Depressão • ansiada«
mça da noiva para 81o Pau
Deacravia a t i como alguém Decepçôea com oa colage* de trabalho a parda
da contiança nat pessoas detencadearam o
•xUamamatMa pert*cck>nmln « axtgfttMe, quadro da aneledade,
Ajudou a criar o* Irmãos mait novoa ao ma
tampo tinha qua trabalhai *8a eu
M ntindo u raapontável por ludo ao m u Irabalhaate eu nâo oomla*;
Crtado por dolt tloa matarnoa;
r»dor Ralação da distanciamento com a mâe,
Vivâncias da carâler aversivo lienla â llgura
materna;
Batata qua seu Irabalho exige multa Amtxente lamlllar pobra om diálogos "Fssa
raeponeabUdede, a dl/ assumir laao cdaa da converta nunoa axlstiu na tamllla*,
' Como é multo exigente comigo mesmo, Alia exigência a pouco reforçamento positivo,
coneldera qualquer Irncasso ‘ uma porrada multo Di/ta nâo tabar negociar com as pessoas
granda*, i o caminho mala drástico",
FamWaraa atatlvoa, mai qua nâo expressavam
•aua sentimentos anlra tl; Déficit da auto M tim a a de
Idantlllca uma oerla superproleçâo por parta da
sua mâe, •is a rtivida de : “queio agradar a gregos o
0 pal lha paracia ’multo severo com
rasponssbiHdedet", tampra o cobrava por troianos";
larata» do dia a dia apaiar da nem tampra
apraaantar ‘bom «»amplo«".
01 diálogos anlra taut famiHares nâo aram algo Isolamento social
multo comum, a nâo tar am momanto« da
cobranças,
O pal apresentava "barreiras para conversas",
i responsabilidade aiiacart>ada a a ansiedade
do Client* atlâo rolaclonadai a uma história da
alta exlgôncla, pouoo reforçamento poaitlvo a

Baixa variabilidade comportamental;

Caao St Homam I I anoa Caao 8: Homam, 27 anoa


Queixa' "Ataques de Pânico* Oualxa: *Fobla Sodal"
Mâe aletiKjea e superprotetora e pal atencloeo. fnurasa notuma até os 15 anoa,
embora maio temperamental a exigente, Mâe auparprotatora e muito preocupada com a
Crtado com « mâe (dava tudo antaa me»mo dele segurança e a saúde do lilho,
buscar), DéttcK da autoconfiança.
Santlmanto de insegurança, Déficit de auto estima;
Extrema ansiedade tranto à i etc olhai. Isolamento sodal.
Oalxa variabilidade comportamental. Déficit de assenividade
<» WMftvKfcJ*
Caao 7s Homam, 42 anoa.
_ . Caao >: Homam, 38 anoa
Queixa, "ataques da pânico* Oualxa 'pensamentos obsessivos envolvendo o
nome da fHha o sentimento do culpa por nâo t<
nigkla educação <«
Pala mufto aukxir eecdhido outro nome"
DKtaildada em a Sempra tot multo ligado * sua mâe,
Perfecciuniela " o «uparprotetora.
Sente-se culpado por comportamento10 pai sempre tava n paluvrn final sobre a
sexual 1quealóas da família: "Sempra aprnndi que pal
Déficit de emo ealima
Alta exigência a
Bahia vi

rWtoutdada para expressar seus s«


eugénda e baixo relorçamento positivo.
Oétlca de aaee«1Mdade.

__SimvtnaNida^owr^odamentai___
oancfl de auto aettma.

Caao 9i Mulher, 21 anoa. Caao 10i Mulhar, 38 anoa.


Oualxa "falta da ar* Oualxa "depressão / ataques de pânico"
Perfeccionista Mâe alcollala.
fclavado sentimento de reaponaabWdada, História de punlçOa* nâo contlngentea liberadas
Conatanta clima da tenaâo entre os pais. pala mâe.
Pais exigentes e ríspidos; Isolamento sodal na mlânda,
n cobrança, alta poaalblNdada rta puntçâo i Contexto de muita cobrança o p
pouoo reforçamento positivo, reforçamento positivo
Déficit de autoconfiança: História de abuso sexual.
Déficit de auto estima. Mando superprotetor - culpa,
Déficit da assertlvtdade, Déficit de assartlvidada,

Sobre Comporl.tmcnlo c Coflntç.lo 165


Analisar os motivos dos clientes nâo saberem emitir uma resposta eficaz para
lidar com o aversivo levou-nos a pensar acerca da análise feita por Guilhardi (2002)
sobre o sentimento de autoconfiança. Este autor assinala que um alto nlvel de exigência,
uma baixa taxa de reforçamento positivo para as respostas adequadamente emitidas e
uma alta probabilidade de punição para respostas inadequadamente emitidas não
favorecem uma variabilidade comportamental necessária à aprendizagem de respostas
adequadas para lidar com aversivos sem que também haja “subprodutos” (Skinner,
1991) de contingôncias aversivas. Tais como sentimentos de inadequação ou ansiedade.
Assim, a análise das informações contidas no quadro acima revela-nos que a
quase totalidade dos clientes interagiram em meio a contingôncias de alta exigência,
rigidez por parte de pais e/ou educadores, punição excessiva de respostas inadequadas
emitidas e pouco reforçamento positivo associado a respostas adequadas emitidas.
É interessante perceber que a superproteção, como mostrada no caso 6,
também não favorece a aquisição de um repertório adequado para lidar com aversivos
visto que em muitas vezes o cliente não agia no sentido de solucionar seus próprios
problemas, já que alguém fazia isso para ele. Essa condição é igualmente deletéria
para a aquisição de um repertório adequado e socialmente habilidoso.
As condições pelas quais passaram os clientes tiveram uma preponderante
importância na aquisição de um comportamento socialmente habilidoso. Isso pode ser
constatado pelo fato de que todos os clientes apresentavam habilidades sociais deficitárias.
Nesse sentido a implementação de um repertório de habilidades sociais
representou um valioso instrumento para fazer com que os clientes adquirissem novas
maneiras de interagir com seu ambiente. E o emprego desse instrumento só se justificou
pelo fato dos clientes apresentarem dificuldades na expressão de seus sentimentos,
atitudes, desejos opiniões e direitos adequadamente a uma dada situação. Como nos
mostra Caballo (2003), não existem evidências de uma inibição fisiológica da ansiedade
a partir de um comportamento socialmente habilidoso. Entretanto, é notável que os
clientes agiram “menos nervosos" quando socialmente habilidosos.
Por fim, é importante ressaltar que o desenvolvimento de um repertório
socialmente habilidoso, embora profícuo, não se constituiu na única forma de intervenção.
Para cada caso em particular foram adotados procedimentos específicos de forma que
outros déficits apresentados pudessem ser trabalhados adequadamente.

Referências
Banaco, R. A. (2001). Alternativas nâo aversivas ara tratamento de problemas de ansiedade. In M.
L Marinho e V. E. Caballo (Orgs), Psicologia clinica e da saúda. Londrina: Ed. UEL; Granada:
APICSA, p. 197-212.
Banaco, R. A.; Zamlgnanl, D. R. (2004). An analytical-behavloral panorama on tho anxioty disordors.
In R. A. Banaco (Org.), Contemporary chailenges in the behavioral approach A Brazilian
ovorviow Santo Andró: ESETec, p. 26.
Barbosa, C. (2004). Anslodade: Possíveis intervenções na análise do comportamonto. In M. Z. S.
Brandão, F. C. S. Conte, F. S. Brandão, Y. K. Yngberman, V. L. M. Silva e S. M, Oliani (Orgs ),
Sobre comportamento e cognição: Contingôncias e metacontlngônclas: Contextos sócio-
verbal8 e o comportamonto do torapouta. Santo Andró: ESETec, vol 13, p. 163-167.
Caballo, V. E. (2003). Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais. São Paulo: Santos
Livraria Editora.
Dol Prette, Z. A. P.; Dol Prette, A. (2002). Transtornos psicológicos e habllidados sociais In H. J.

166 híbrido de Sou/d, felipe de C. Pimenlel, Ilidis t. Cdrvdlho e tduardo B. I opcs


Guilhardí, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz e M C. Scoz (Orgs.), Sobre comportamento e
cognição: Contribuições para a construção da teoria do comportamento. Santo André:
ESETec, vol 7, p. 83-88.
Gentil, V,; Lotufo-Noto, F. (Orgs.) (1996). Pânico, fobias e obsessões. Sâo Paulo: EDUSP.
Gullhardi, H. J. (2002). Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade. In M. Z. S. Brand&o, F.C. S.
Conto o S. M. B. Mezzaroba (Orgs.). Comportamento humano: Tudo (ou quaso tudo)que
vocô gostaria de sabor para viver melhor, Santo Andró: ESETec, pp. 63-98.
Gullhardi, H. J. (2004a). Terapia por contingôncias de reforçamento. In C. N. Abreu e H. J. Guilhardi
(Orgs ), Terapia por contingências de retorçamenta Práticas dlnlcas. Sâo Paulo: Roca, p. 3-40.
Gullhardi, H. J. (2004b). Controlo coercitivo e ansiodade - um caso de “transtorno do pânico" tratado
pola Torapla por Contingôncias do Roforçamento (TCR) In M. Z. S. Brandão, F. C. S. Conto,
F. S. Brandão, V, K. Yngborman, V. L. M. Silva o S. M. Olianl (Orgs.), Sobre comportamento
e cognição: Contingôncias e metacontlngônclas: Contextos sóclo-vorbals e o comportamento
do torapouta. Santo Andró: ESETec, vol 13, p. 188-228.
Sallos, A M.; Lõhr, S. S. (2005). Ansiedade: um probloma ou um jeito do levar a vida. In H. J. Gullhardi
e N. C. Agulrre (Orgs.), Sobre comportamento e cognição: Expondo a variabilidade. Santo
Andró: ESETec. vol 15, p. 70-75.
Shlnohara, H. (2001). O modelo cognitivo da ansiodade e seus transtornos. In H. J. Gullhardi, M. B.
B. P. Madi, P. P. Quoiroz o M. C. Scoz (Orgs ), Sobre comportamento e cognição: Expondo a
variabilidade. Santo Andró: ESETec, vol 7, p. 83-88.
Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. Campinas: Editorial Psy.
Silva T. A. (1997). Modolos animais de ansiedade. In D. R. Zamignani (Org,), Sobre comportamento
e cognição: A aplicação da análiso do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental
no hospital geral e nos transtornos psiquiátricos. Santo Andró: ESEToc, vol 3, p. 91-96.
Sklnner, B. F. (1991). Questões recentes na análise comportamental. Campinas Papirus.
Vermes, J. S.; Zamignani, D. R. (2002). A porspectlva analítico-comportamontal no manejo do
comportamento obsosivo-compulsivo: Estratégias om dosonvolvlmonto. Revista brasileira
de terapia comportamental e cognitiva. 4(2), p. 135-149.
Zamignani, D. R, (2000). Uma tentativa de entendimento do comportamonto obsesslvo-compulsivo:
Algumas variáveis negligenciadas. In R. C. Wlelenska (Org.), Sobre comportamento e
cognição: Questionando e ampliando a teoria e as Intervençõos clínicas e om outros contextos.
Santo Andró: ESETec, vol 6, p. 256-266.

Sobre Comporl.tmcnlo c (_'oflniç»io 167


Capítulo 19
Intervenção precoce com crianças
agressivas: Suporte à família e à
escola
Çabrieta Keyes Ormeno1*e
Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams**
Universidade Federal de São Carlos

Introdução
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-
TR), a agressão infantil está vinculada a diversos transtornos, poróm, encontra-se mais
especificada no quadro de Transtorno de Conduta caracterizado por um padrão
persistente de comportamento no qual são violados os direitos básicos dos outros, ou
normas ou regras sociais importantes apropriadas à idade (Americam Psychiatric
Association, 2003). A agressividade infantil apresenta-se, também, com freqüência, no
quadro de Transtorno Desafiador Opositivo (forma mais branda de Transtorno de
Conduta) e no Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), caracterizado
por problemas de comportamento que se manifestam desde a idade pró-escolar como
déficit de atenção, nível excessivo e crônico de atividade motora, falta de controle ou
impulsividade, tendência à satisfação imediata dos desejos e pouca tolerância à
frustração (Goldstein & Goldstein, 1992).
Há consenso na literatura de que os comportamentos agressivos da criança
estão articulados com os múltiplos contextos em que essas vivem (no âmbito da família,
da escola e das outras instituições da sociedade), sendo identificadas diversas variáveis
de tais contextos como fatores de risco para o seu desenvolvimento (Fiameghi Jr.,
Bressan & Porto, 2003; Lisboa & Koller 2001; Marinho, 1999; Meneghel, 1998; Kaplan,
Sadock, & Grebb, 1997; Webster-Stratton, 1997). Bandura (1977), em sua Teoria da
Aprendizagem Social, defende que novos padrões de comportamentos agressivos sâo
10 prMenta Irabatw constituiu parte iin DlssnrtnçAo d« Moatmdu dofoncfcJa pela primatra autora o orientada pela segunda no Programa de Pós
QraduaçAo am Fchtcaçâo Fspadal da UFSCar O trabafto contou com «|itda Nnanoatra da CAPES
•Condomlnto Moradas do Bosqua bloco 11 apt 23 FundAo Nh4ua. CEP Bahia BraaM g1617840yahoo.oom (73) 3033 5255
“ Rua Vlrgido Pomí « 283 Santa Paula. S«oCartos, CEP' 136W 040 8âo Paulo-Brasl wWamsOpowar ulscar br (18) 3361 -8745 hax: 361 8357

168 C/dbrícl<i R. Ormcno c I úci.i C. dc Albuquerque Willioms


aprendidos em decorrência de exemplos fornecidos por modelos agressivos,
corroborando os dados da literatura.
Entre os estressores que podem afetar o desenvolvimento da criança, Guralnlck,
(1997), destaca as características interpessoais dos pais (grau de depressão, nível
educacional, experiências intergeracionais de estilo parental, incluindo as expectativas
culturais) e características diversas, como a qualidade do relacionamento conjugal, o
temperamento da criança, bem como os recursos ou rede de apoio social da família.
Sobre os últimos alguns exemplos seriam Igrejas, centros comunitários, Secretarias
de Promoção Social, entre outros.
No Brasil ainda são poucos os programas de intervenção que abordam a
temática da agressividade infantil. Na revisão da literatura aqui realizada, destacam-se
apenas os trabalhos de Souza, Soldatelli e Lopes (1997); Marinho, (1999); Santos (2001)
e Silvares, (2001). No estudo de Silvares (2001), a intervenção envolveu tanto os pais
como as crianças. O procedimento utilizado para a intervenção com as crianças consistiu
em 15 sessões em grupo, com duração de aproximadamente 60 minutos cada sessão.
A intervenção com os pais foi, também, realizada em grupo, ocasião em que foram
dadas orientações de como agir com os respectivos filhos de modo a auxiliá-los no
processo de mudança utilizando-se um modelo teórico comportamental.
O trabalho de Santos (2001), consistiu de uma intervenção psicológica a um
grupo de três famílias (1 casal e 2 mães) em um período de sete meses, com o objetivo
de reduzir ou eliminar o comportamento agressor desses pais, todos reincidentes de
agressão aos filhos no Conselho Tutelar. Foram realizados 26 encontros, sendo que
apenas o casal finalizou a intervenção. A família era composta por pai portador de deficiência
física, mãe portadora de deficiência mental, filha portadora de deficiência mental e o filho
(alvo da agressão) com Transtorno de Conduta e Hiperatividade. O procedimento para
avaliar a redução dos comportamentos dos agressores consistiu na análise do auto-
relato semanal dos pais sobre agressões, auto-relato das crianças, entrevistas com os
professores e monitoramentos dos casos via Conselho Tutelar. O alvo da intervenção
consistiu em ensinar novos repertórios de manejo na educação dos filhos por meio de
discussões, aulas expositivas, vídeos, tarefas de casa, etc. Os resultados da intervenção
indicaram uma redução inicial e eliminação duradoura das agressões, bem como
amenizaçâo do grande número de estressores a que a família estava sujeita.
Realizar um programa de intervenção precoce com crianças agressivas significa
não só contribuir para a área de prevenção da violência como da prevenção das
deficiências, uma vez que tais crianças apresentam necessidades educativas especiais
e, na ausência de intervenções, tais necessidades podem tornar-se mais graves.
Um outro ponto relevante ao se trabalhar com famílias diz respeito ao conceito de
empoderamento das mesmas. Tal conceito, utilizado em diversos contextos (ecologia humana,
reabilitação, psicologia comunitária e assistência social) , no geral, implica no processo pelo
qual os indivíduos passam a ter controle sobre suas próprias vidas, influenciando seus
ambientes sociais e interpessoais. (Singh, e cols., 1995; Williams & Aiello, 2004).

Objetivo
O presente trabalho teve como objetivo avaliar um programa de intervenção
precoce com crianças agressivas pré-escolares, dirigido a pais e professores e às
próprias crianças, com o intuito de reduzir o nível de agressividade das mesmas, assim
como incrementar seus comportamentos socialmente adaptados. Sendo assim, se for
conduzido um programa de intervenção junto à família e à escola, poderão ser reduzidos
de forma substancial os comportamentos agressivos da criança pré-escolar?

Sobre Comportamento c Cognição 169


Método
Triagem das Crianças
A triagem das crianças participantes envolveu a indicação das professoras
responsáveis por salas que apresentavam alunos com comportamentos agressivos.
Após essa Indicação, a primeira autora realizou observações nas respectivas salas, no
parque da escola e na aula de educação física, selecionadas, dentre as crianças
Indicadas, aquelas que apresentaram maior freqüência de comportamento agressivo
(por exemplo: esbotear, cuspir, chutar etc.) e maior assiduidade à escola.

Participantes
Fizeram parte desse estudo três crianças, todas do sexo masculino, com quatro,
cinco, e seis anos de idade, matriculadas em uma Escola Municipal de Educação
Infantil (EMEI) da cidade de São Carlos, SP. As crianças freqüentavam uma creche
municipal, no período vespertino. (O horário de entrada das crianças na EMEI era 7h30;
as atividades escolares terminavam às 11:00h e, aproximadamente às 11h15min
chegava o ônibus da prefeitura para levá-las à creche, onde ficavam até às 17h00
horas) Ao completar sete anos de idade, o participante mais velho passou a freqüentar
uma escola pública na periferia da cidade. Além das crianças, também participaram do
estudo suas respectivas mães e professoras.

Procedimento
Procedimento de coleta de dados
Após obter a autorização por escrito da diretoria da EMEI, a primeira autora contatou as
mães ou responsáveis para informar-lhes sobre o estudo e convidá-las a participar do mesmo.
Após a aceitação, era marcado um encontro na casa de cada mãe participante, no qual era
explicado em que consistia o estudo e suas implicações, solicitando-lhe que assinassem o
Termo de Consentimento Livre Esclarecido. Tal termo apresentava informações sobre o objetivo
do estudo e cuidados éticos (sigilo, participação voluntária e ausência de penalidades para a
não participação). Com relação à professora, a primeira autora conversou com cada uma delas
no horário do café, solicitando sua participação por escrito, após as devidas explicações.
1. Dados relativos ao desempenho da criança
• Observação e registro do comportamento agressivo da criança na escola.
Foi utilizado um Protocolo de Observação no qual constavam agressões físicas
(empurrar, chutar, beliscar, morder, cuspir, enforcar), vertais (xingar, falar palavrões) e outros
comportamentos inadequados, tais como, desobedecer instruções e desafiar. As observações
utilizavam um registro de ocorrência de evento que consistia, inicialmente, em definir os
comportamentos e, em seguida, efetuar uma contagem de freqüência da ocorrência do
comportamento previamente selecionado (Fagundes, 1995) Esses registros foram realizados
em três situações diferentes: ao ar livre (parque da escola), na sala de aula e na aula de
Educação Física. Cada sessão de observação teve 20 minutos de duração. Foram conduzidas
três sessões semanais para cada criança, com um intervalo de um dia entre cada sessão de
observação. As observações foram realizadas antes da intervenção, após a mesma e no
Follow-up, sendo o último realizado dnco semanas após o término da intervenção.

Entrevista Inicial com a Criança *


Após a realização das observações de linha-de-base com cada uma das
crianças era feita uma entrevista individual com as mesmas. Tal entrevista teve como

170 l/.ib ric l.i R. O rm cno t I úciti C . ilc Albuquerque W illi.im *


objetivo auxiliar o planejamento da intervenção, (como por exemplo: averiguar as
preferências das crianças que foram utilizadas como atividade de lazer no final da
sessão: pintura ou desenho) e das informações sobre o projeto e suas normas.

• Avaliação das crianças


Com o intuito de melhor entender o desenvolvimento das crianças participantes
do estudo com relaçào à linguagem e raciocínio lógico, foram aplicados Individualmente
o Peabody Picture Vocabulary Test (Teste de Vocabulário Pictográfico Peabody, Dunn &
Dunn, 1981) e a Escala de Inteligência para crianças WISC (Weschler lintelligence
Scale for Children, Wechsler, 1949), traduzida por A. M. Popovick (1962).

Entrevista de Avaliação do Programa de Intervenção.


Essa entrevista continha nove questões com a finalidade de investigar a opinião
da criança sobre a qualidade da intervenção, e se, no seu entender, os problemas que
ela enfrentava antes da intervenção haviam sido sanados. A entrevista foi aplicada no
final da intervenção (Exemplo das questões foram: O que você achou de nosso trabalho?;
O trabalho ajudou você em alguma coisa?; Você acha que tem algum problema na
escola?; Do que você gostou mais, do que gostou menos?).

2. Dados relativos às Màes


• Entrevista Inicial
Tal entrevista foi elaborada com base em Williams e Alello (2001) e Santos
(2001), e continha informações sobre condições de desenvolvimento do filho,
necessidades especiais do mesmo, dificuldades da família em relação aos problemas
da criança, disciplina utilizada e histórico da família com relação à violência. A entrevista
foi gravada, com o intuito de não se perderem informações relevantes.

• Auto-relato das mães


Nas sessões com as mães eram registrados, semanalmente, o auto-relato
das mesmas sobre o manejo do comportamento dos filhos e sobre a agressividade
infantil, os estressores e dificuldades enfrentadas pelas famílias, bem como soluções
de enfrentamento utilizadas.

• Entrevista de Avaliação
No final da intervenção, foi realizada uma entrevista final com as mães para que
as mesmas avaliassem a intervenção, expressando opiniões sobre a qualidade da
mesma. A entrevista foi baseada em um roteiro com oito questões, sendo que exemplos
de tais questões foram: Qual foi o motivo que a levou a participar deste projeto?; Que
problemas você apresentava no Início do projeto?; Em que medida esses problemas
foram superados?; Numa escala de 0 a 10, sendo 0 o pior de atendimento e 10 o melhor
possível, que nota você daria para o atendimento recebido?

• Escala de Empoderamento da Família (FES)


Esta escala, elaborada por Koren, De Chillo e Friesen, 1992, (Tradução de, A.L.R
Aiello. e L.C.A Williams), foi desenvolvida com o objetivo de medir o empoderamento de
famílias que têm filhos com problemas de desenvolvimento. A escala é operacionalizada

SobreC'ompor1.imrnloeCoflniçtJo 171
em quatro fatores. O primeiro fator refere-se ao sistema do militância cujos itens
representam os pensamentos, crenças e comportamentos dos pais a respeito de suas
interações com os membros dos sistemas no qual seu filho está inserido; o segundo
fator refere-se a conhecimento, ou compreensão e habilidade dos pais em trabalhar com
os sistemas de saúde mental; o terceiro fator está relacionado à competência,
representando a percepção dos pais de suas habilidades e competências enquanto
pais; o quarto fator é sobre a Auto-eficácia, representando as percepções dos pais sobre
suas habilidades para produzir mudanças e utilizar o sistema de saúde. Inicialmente
planejou-se aplicar tal escala em três momentos distintos: antes e após a intervenção e
no Follow up, porém, a mesma foi aplicada uma única vez durante a intervenção.

3. Dados relativos às Professoras


• Entrevista Inicial
Tal entrevista continha informações sobre a experiência profissional da
professora, há quanto tempo lecionava para a criança participante, aspectos acadêmicos
e opiniões sobre o desempenho do aluno.

• Entrevista de Avaliação do Projeto


Para a elaboração da entrevista de avaliação com as professoras foi adaptado
o roteiro de Santos (2001). Essa entrevista foi aplicada no final da intervenção, durante
o horário da aula de Educação Física.

Procedimento de Intervenção com as crianças


Foram realizados dois encontros semanais com cada criança, individualmente,
ao longo de cinco meses, com uma duração aproximada de 45 minutos cada encontro.
Tais encontros foram realizados na própria escola das crianças. Na intervenção foram
explorados vários tópicos (como por exemplo: imposição de regras, seguir instruções,
como lidar com a impulsividade, autocontrole, rejeição dos colegas e habilidades sociais )
por meio de exercícios, jogos e brincadeiras. Nos últimos 10 minutos de cada encontro,
a criança tinha diversos materiais à sua disposição, com os quais ela poderia brincar
(lápis de cor, quebra-cabeças, massa de modelar, tinta, guache, lego, etc.). Alguns dos
temas trabalhados com as crianças foram: escutar e manter contato visual; dar feedback;
compartilhar , ajudar; conhecendo seus sentimentos; esperar sua vez; o que fazer
quando estou bravo; resolvendo problemas, decidindo o que fazer; lidando com as
injustiças . Esses temas foram baseados em McGinnis e Goldstein (1990).

Procedimento de Intervenção com as Mães


Foram realizados 12 encontros semanais individuais, ao longo de sete meses,
com uma duraçáo de cerca de 60 minutos por encontro. Os encontros ocorreram nas
casas das famílias, a não ser no caso da mãe 3 (M3), que solicitou, após a quarta
semana, conduzir as reuniões no Laboratório da Universidade, condição que facilitaria
sua rotina, pois estava procurando emprego.
A intervenção com as mães foi realizada paralelamente à intervenção da criança
e da professora. O objetivo da intervenção domiciliar foi o de capacitar as mães a
lidarem com os comportamentos de seus filhos, aumentando os comportamentos
adequados e diminuindo os inadequados (agressão). Foram utilizadas estratégias

172 C/.ibriclii R, O rm en o c I úci<i C . dc Albuquerque W illi.iim


comportamentais que possibilitaram repensar as formas de disciplina dessas para
com seus filhos, tais como dar atenção contingente; elogiar; reforçar positivamente o
comportamento adequado; dar incentivos (ao invés de usar medidas coercitivas); planejar
com antecedência a conseqüência a ser dada (evitando a impulsividade); dar ênfase na
consistência das contingências; aprender a lidar com sua raiva, dentre outras. Entre as
técnicas utilizadas constavam os usos de materiais didáticos e técnicas de relaxamento,
role-play, exposição oral de conteúdos, etc.
As visitas domiciliares começavam com o auto-relato das mães sobre como
havia sido a semana, seguidos por comentários sobre as tarefas realizadas e orientações
subseqüentes. Em seguida, a pesquisadora introduzia um novo tema para discussão
e, finalmente, era combinada uma tarefa de casa para as mâes realizarem com seus
filhos na próxima semana. Os temas trabalhados com as mâes foram: Como combater
o estresse, Técnicas de relaxamento; Como aprendemos a ser pais; Necessidades o
Direitos das crianças; Por que não bater; Limites, Como disciplinar sem bater; Dar
limite é..., Não dar limite é... ; O que pode acontecer quando não se dá limites. Estes
conteúdos foram baseados em Lippi (1998); Del Prette e Del Prette (1999); Santos
(2001) e Zagury (2001).

Procedimento de intervenção com as professoras


Tais encontros foram conduzidos nas respectivas escolas, no horário da aula de
Educação Física, tendo a duração aproximada de 45 minutos durante sois meses. A finalidade
desses encontros consistia em dar suporte à professora, de forma a auxiliá-la no manejo
do comportamento agressivo da criança na sala de aula e no parque, com os colegas de
sala. Os temas trabalhados com as professoras foram: Desenvolvimento infantil;
Conseqüências reforçadoras e imediatas; Ignorar comportamentos inadequados; Reforçar;
Recompensar, Regras; Limites. Todos estes temas forma desenvolvidos a partir do trabalho
de McGinnis e Goldstein (1990). O trabalho de intervenção com as crianças, mães e
professoras foi realizado baseando-se no modelo cognitivo-comportamental.

Delineamento Experimental
Foi utilizado um procedimento de Linha-de-Base Múltipla entre participantes
(Hall, 1974). Assim sendo, foram coletados dados de linha-de-base sobre a freqüência
dos comportamentos agressivos de cada criança, sendo a intervenção escalonada em
períodos distintos de cada linha-de-base. No quarto mês da intervenção houve um
intervalo de cinco semanas, seguido de uma coleta de dados de Follow-up.

Resultados
I. Caracterização dos participantes
Com base nos instrumentos utilizados no início do estudo foi possível sumarizar
as principais características das mães das crianças. A idade das mães foi constituída
de 37 (M1), 34 (M2) e 26 anos (M3). Apenas M3 terminara o Ensino Fundamental, sendo
que as outras duas mães não concluíram o Ensino Básico. No Início do estudo duas
das mães encontravam-se desempregadas e a terceira era empregada doméstica. O
número de filhos por família variou de três (M1), quatro (M2) e um (M3). Todas as mães
eram de etnia negra. A renda per capita das famílias foi constituída de R$ 90.00 (M1), R$
40.00 (M2) e R$ 100.00 (M3) sendo todas consideradas abaixo da linha da pobreza pela
ONU/UNDP (1997).

SobreConiportiimciiloeCoflniç<1o 1 7 3
Família 1
Composição da família
A família 1 era composta por pai, mào e três filhos, sendo o mais velho com 16
anos, uma filha de 14 anos e um menino de 6 anos (Cr1). A família morava em casa
própria com très quartos, sala, cozinha e banheiro. A casa era simples, localizada em
um bairro pôriférico da cidade, construída com material de alvenaria, e contava com
infra-estrutura básica (água encanada, luz e telefone). Durante a entrevista, a mãe relatou
que a gestação de Cr1 não fora planejada, uma vez que ela não queria ter mais filhos
(sua última gravidez havia sido há sete anos). Além disso, na ocasião, M1 e o marido
estavam construindo sua casa (sem ajuda de pedreiro).

Família 2
Composição da família
A família 2 era composta pela mãe, um filho de 14 anos do primeiro
relacionamento, um filho de 10 anos de um segundo relacionamento (esses dois filhos
moravam com a avó materna), e dois filhos de um terceiro relacionamento, sendo um
de 7 anos e Cr2 de 4 anos. O pai de Cr2 encontrava-se proso por consumo e tráfico de
drogas. No início do projeto, a família morava em um apartamento alugado de um
cômodo. M2 relatou que a gravidez de Cr2 não fora planejada o que consumira drogas
(cocaína) até o quinto mês de gravidez. M2 realizou pró-natal, ocasião em que o médico
observara que a mesma não estava ganhando peso. Aos poucos, o médico conseguiu
ganhar a confiança de M2. e, ao descobrir que a mesma era farmaco-dependente,
encaminhou-a para uma instituição religiosa que a ajudou na fase final da gravidez. A
criança nasceu com aparência normal, porém, com baixo peso.

Família 3
Composição da família
A família 3, tal como a família 2, era monoparental, sendo constituída por mãe e filho.
No início do estudo, M3 o Cr3 moravam em um cômodo de um bairro periférico da cidado,
local que fora cedido a M3 para que o cuidasse. O cômodo possuía infra-estrutura básica e os
poucos móveis existentes eram emprestados de sua irmã. Tal como as demais mães, M3
relatou que a gravidez de Cr3 não foi planejada e que escondeu a gravidez do sua mãe adotiva
e do pai de seu filho até o nascimento da criança, tendo que para isso, morar em outra cidade.
No inicio da gravidez, M3 decidiu que doaria a criança assim que essa nascesse. Porém, a
criança nascou com dificuldades respiratórias e teve que ficar na UTI. M3 rolatou que, ao ver a
criança indefesa e frágil, desistiu de dá-la para adoção.

Desempenho das crianças em Testes Normativos


Cr3 obteve a melhor classificação no WISC (Médio Superior) e Cr1 a menor
pontuação, (Limítrofe). Cr2 teve um desempenho Médio e foi a única criança cujo desempenho
na área de Execução foi inferior á área Verbal. Em contraste, Cr1 e Cr3 tiveram um
desempenho inferior na área Verbal. Os resultados de Peabody (PPVT) confirmaram a
tendência acima, pois Cr2 obteve o melhor desempenho na área da linguagem receptiva.
Caracterização das professoras
Durante o estudo as três professoras foram alteradas, sendo que duas delas
pediram transferência da escola, logo no início do ostudo, devido aos comportamentos

1 7 4 C/«ibricl.i R. Orrncno c l.ik M C . dc Albuquerque W illM m *


agressivos das crianças. A terceira alteração foi em decorrência de a criança ser promovida
para outra sórie. As professoras anteriores à substituição serão descritas como PA e as
demais serão descritas como PB. No total seis professoras participaram do estudo.
Cinco das seis professoras eram brancas, sendo a sexta negra. A média de tempo de
magistério das professoras foi de 14.5 anos, porém, naquela escola foi igual a 2.3 anos.
Cinco das seis professoras indicaram que sua maior preocupação era a agressividade
de seus alunos. No caso da sexta professora, essa assinalou que tinha medo de perder
o vinculo com seu aluno, (Cr3). As duas professoras que pediram transferência da escola
tinham de 14 a 22 anos de experiência e tal como relatado por P3A " em mais de 20 a anos
de ensino infantil nunca vi tanta agressividade nas crianças". Por esse motivo, a mesma
pediu remoção da escola, embora morasse a cinco quarteirões da mesma.

II. Resultados da intervenção


• Observação dos comportamentos agressivos das crianças
A Figura 1 apresenta a freqüência de comportamentos agressivos das crianças
nas sessões de observação na escola.

LB ét Um) I ( to t .^ l.) r U IM w * )

Figura 1. Registro da freqüência d« ocorrência de com portam entos agressivos


das crianças durante a observação na escola ao lo ngo das (ases do estudo

Observa-se na Figura 1 que a Cr1 teve nove sessões de observação na fase de


linha de base, fase em que apresentou uma média de 19,8 agressões por sessão. É
importante mencionar que na sessão em que a criança apresentou poucos
comportamentos agressivos (sessão 6), a sala encontrava-se aos cuidados de uma
professora substituta que mantinha a porta trancada e apresentava, freqüentemente,

Sobre Comportamento e (.'ognifílo 1 7 5


contingências positivas aos alunos (elogios, por exemplo). Com relaçào à sessão com
o maior número de comportamentos agressivos, a criança encontrava-se bastante
dispersa, não conseguindo ficar na sala de aula, saindo e praticando agressões em
outras salas. Cr2 teve 12 sessões de observação durante a linha de base, com uma
módia das a gressões de 8,16 por sessão, sendo o n úm ero m in im o igual a 0 (sessão
10) e o máximo 19 (sessôo se is e n o ve ) Na sessão em q ue Cr2 nâo a p re se n to u
comportamentos agressivos (sessão sete), foi relatado que momentos antes de a
pesquisadora realizar a observação, Cr2 havia chutado inúmeras vozes a porta da sala
de aula, empurrando cadeiras e mesas em direção às crianças e proferindo palavrões,
tanto para as crianças quanto para a professora. Já Cr3 teve 11 sessões de observação
durante a linha-de-base, (nas sessões trôs, oito, nove, e 10, a mesma faltou à escola).
A módia de agressões de Cr3 foi de 12,92 por sessão, sendo a freqüência mínima de
seis agressões (sessão quatro) e a máxima de 27 agressões (sessão cinco). Cabe
mencionar que, na sessão em que Cr3 apresentou o maior número de agressões
(sessão cinco), a criança olhava para a observadora antes e depois de cada agressão.
Com relação ao desempenho das crianças após a linha de base, observou-se
que as mesmas diminuíram o número de agressões após o início de intervenção,
sendo que tais comportamentos não foram mais apresentados pelas trôs crianças. A
mesma tendência foi verificada durante o Follow-up.
A fidedignidade da observação dos comportamentos agressivos das crianças
foi realizada por um observador independente, em aproximadamente 30% das sessões,
ocorrendo em três sessões para Cr1, seis sessões para Cr2 e oito sessões para Cr3,
resultando em uma média de 85.3% de concordância nas 17 sessões observadas.
Durante a fase de observação de linha-de-base, Cr2 e seu irmão apresentavam
hematomas sérios pelo corpo, indicativos de espancamento com objeto semelhante a
uma mangueira. Foi perguntado para as crianças o que havia acontecido e as mesmas
responderam "a mãe bateu em nós porque estávamos b rig a n d o As professoras ficaram
constrangidas e comentaram que não fora a primeira vez em que as crianças
apresentaram marcas no corpo. Após reflexão e ponderar as diversas conseqüências,
a primeira autora realizou uma denuncia anônima ao Conselho Tutelar, sendo aberto
um processo para M2. Como parte de tal processo, M2 foi intimada à comparecer à
audiência com o Juiz da Vara da Infância e da Juventude, sondo acompanhada pela
autora a tal audiência, informando ao Juiz que a mãe estava fazendo parte de um
programa de intervenção.

• Dados coletados durante a intervenção com as mães.


Durante as sessões de intervenção com as mães, foram registrados os principais
estressores que as famílias enfrentaram nas semanas no decorrer da intervenção.

• Resultados obtidos na Escala de Empoderamento da Família (FES)


Os resultados das mães na Escala de Empoderamento da Família (FES) ilustra
que o fator “auto-eficácia" foi o que apresentou maior pontuação para todas as mães. O
escore foi de 66% (M1), 70%(M2) e 80%(M3). Já os fatores "conhecimento" e
"competência" obtiveram pontuações similares entre as mães, entre 52% (M1), 57%
(M2) e 70% (M3). Finalmente, o fator "militância" foi o que apresentou menor número de
pontuações para todas as mães 22.22% (M1) 38.33% (M2) e 57.77% (M3).

1 7 6 C/tibricl<i R. O rm cn o c l.úcid C . ite Albuquerque W illl.im s


Tabela 1. Indicação dos principais estressores relatados pelas mães durante a
intervenção

M1 M2 M3

1 Mudou-se de casa,
pois nâo suportava
mais os vizinhos
2 M2 perdeu o
emprego, nâo tendo
dinheiro para pagar o
aluguel
3 0 marido perdeu
o emprego. M1
foi trabalhar
como empregada
durante o dia e,
de noite, como
cozinheira num
restaurante.
4 A filha foi expulsa Nâo tinha gás para Precisou entregar a
da escola. 0 filho preparar os alimentos casa onde mora e não
foi suspenso e tinha lugar para ficar.
CR.1 continuava
agredindo na
escola
5 A filha foi detida Viu Cr2 agredindo na A patroa diminui o dias
pela policia e escola, bateu na de trabalho e M3
levada para o chança na frente dos passou a ganhar
NAI* amigos e das menos. Não tinha
professoras. dinheiro para levar Cr3
na escola, estava
pensando em mandá-lo
so/inho
6 M1 Espancou Bateu muito no filho Não precisa mais sair
Cr1. de 7 anos da casa, mas tinha que
pagar aluguel e estava
desempregada.
7 0 filho mais velho do Continuava
M2 tentou agredi-la desempregada, e
com um martelo. precisou de uma
fonoaudiologia para o
filho
Cr 1 foi suspenso Cr2 foi diagnosticado Tem que sair da casa.
8 da escola por um com sarna, sondo até o final do môs.
dia, por agressão afastado da escola
a um coleguinha .Mãe relatou não ter
de 9ala comida
9 Cr1 agrediu e foi A família continua Precisou arrumar um
suspenso sem alimentos. advogado para nâo
novamente Precisa pagar a conta sofrer ação de despejo.
de energia olótrica
que veio 500% mais
do que no môs
anterior.
*NAI« Núcleo de Atendimento Integrado (Agencia para intervenção com
adolescentes em conflito com a lei)

Sobrr Comportamento c Coflniv.lo 1 7 7


III. Avaliação de programa de intervenção pelos participantes
As crianças relataram ter gostado da intervenção, acreditando que tinham algum
problema na escola. No caso das mães, todas afirmaram que o projeto as ajudara a
lidarem com seus problemas e com a agressividado do seus filhos, assim como
ajudando-as a reponsar formas alternativas do oducação As mâos classificaram o
projeto de "bom" a “excelente" e na somatória dos pontos atribuídos ao projeto de 0 a 10
foi obtido uma módia de 9,6. Examinando-se as respostas das professoras pode-se
concluir que duas delas avaliaram as crianças como continuando a apresontar
comportamontos agrossivos no final da intervenção. No entanto, notaram mudanças do
comportamento exprossivos na sala de aula. As professoras passaram a doscrover
mais aspectos positivos das crianças à primeira autora e classificaram o projoto do
"bom" a "excelente"

IV. Follow up
Na visita de Follow-up, as mães relataram sentir falta da intervenção e da
pesquisadora. M1 disse "as coisas estào andando", Cr1 estava interagindo mais, mas
ainda hão fica quieto". A mãe havia realizado um acordo com o mesmo, elo poderia ir a
escola sozinho, pois parara de agredir seus companheiros de sala
Cabo ressaltar quo Cr 1 pedira à mãe para ir sozinho à escola, mas M1 não
deixava com medo de que alguma coisa acontecesse. Porém, M1 aceitou tal sugestão
corno prêmio por Cr 1 ter parado de apresentar agressões Após algumas semanas,
Cr1 voltou a apresentar comportamentos inadequados, (desta vez perturbando a sala
de aula e desobedecendo a professora). No entanto, Cr1 continuou indo para escola
sozinho, pois segundo a mãe, continuava sem apresontar agressões.
Em relação à M2, essa encontrava-se na ocasião do Follow-up com emprego
de empregada doméstica, ganhando um salário mínimo e continuava realizando faxinas.
Com o aumento da renda, M2 conseguiu comprar alguns móveis (cama, guarda roupas
e sofá) e uma TV. M2 relatou que a relação com seus filhos havia melhorado: haviam
diminuído as agressões físicas aos mesmos (só de vez em quando dando um “tapinha”)
passando a colocá-los de castigo.
Tal como M2, no Follow-up, M3 encontrava-se empregada, trabalhando como
recepcionista de uma empresa do vigilância. Ganhava quase dois salários minirnos,
rocebia cesta básica o vale transporto da firma. Com esse emprego, M3 conseguiu
matricular Cr3 para cursar a primeira série do Ensino básico no Serviço Social da
Indústria (SESI), pois conforme o relato: "Pretondo dar uma molhor oducação o futuro
para Cr3",
M3 relatou que Cr3 estava bem, mas que precisava ser firme com ele. Disse
que não o agredia mais. Informou que Cr3 apresentava um ótimo comportamonto na
EMEI, mas na croche estava "terrível”, pois as profossoras constantomonto reclamavam
do seu comportamonto inadequado. Disse não entender a razão de ele sor uma criança
na EMEI e outra na creche.
As professoras de Cr2 e Cr3 confirmaram, no Follow-up, que as crianças
"molhoraram” oxpressivamento após a intorvonção, já que as mesmas conversavam
mais com as professoras e prestaram maior atenção. As professoras relataram que as
crianças cumpriam os castigos impostos pelas mesmas, com conseqüências para
comportamentos agressivos. Assinalaram, também, que o relacionamento das três
crianças com os colegas de sala de aula havia melhorado consideravelmente, pois os

17 8 C>.ibnei<i R. Orm ono c lú c ia C . tio Albuquerque W illia m s


participantes solicitavam a professora quando acontecia algum mal entendido ou quando
não conseguiam resolver algum problema (“Olha tia, ele tirou meu lápis, vou bater nele
tia"), ao invés de agredir primeiro e se explicar depois, como faziam no passado.
A professora B de Cr2 comentou que a criança melhorou, mas que as vontades
da criança tinham que ser satisfeitas, pois, do contrário, chorava e não obedecia, jogando-
se no chão e proferia palavrões. A professora B de Cr3 relatou que a criança molhorou
muito, que era um ótimo aluno e quando estava realizando a lição não levantava da
cadeira até terminar sua tarefa.

Discussão
O objetivo desse estudo consistiu em avaliar um programa de intervenção
precoce com crianças agressivas pré-escolares, dirigido também a mães o professores,
com o intuito de reduzir o nível de agressividade das crianças, assim como incrementar
sous comportamentos socialmente adaptados.
Durante a intervenção com as crianças, a primeira autora apresentou um modelo
positivo (relacionamento afetuoso, respeitoso), ignorou os comportamentos inadequados
das crianças e reforçou os comportamentos adoquados, ensinando novas habilidades
sociais. Tal procedimento resultou na eliminação do comportamento agrossivo da criança
na presença da pesquisadora, tal como observado na Figura 1. Entretanto, em apenas
um dos três casos houve generalização para a sala de aula, ou seja, aponas Cr3
também passou a se comportar do forma não agressiva diante da professora. Tal falta
do generalização está, possivelmente, associada às dificuldades das professoras em
sala de aula, á falta de um repertório em lidar com comportamentos agressivos, carôncia
no estudo de um procedimento mais intensivo e eficaz para melhorar o repertório de
interação com os alunos por parte das professoras, somadas aos inúmeros estressores
enfrontados pelas famílias. Dentre os estressores mencionados, cabe salientar a falta
de condições associados ao baixo nível sócio-econòmico das mães (carôncia de
alimentos e de moradia adequada) e falta de uma rede de apoio apropriada.
Se o ambiente em que a criança se desenvolvo for coercitivo e não sofrer
mudanças, a criança continuará a se comportar da mesma forma. Isto confirma a
afirmação do Holland (1978): “O comportamento é resultado de contingôncias o
mudanças d© comportamento duradouras envolvem alterações de contingências que
dão origem ao comportamento e o mantôm"(p. 3).
Outro ponto relevante do estudo diz respeito à concepção quo as profossoras
tém sobre crianças agrossivas, como no caso da professora A de Cr1 que alegava:
"esse nâo tem solução, vai ser um delinqüente quanto crescer” ou da afirmação de
professora A ao relatar que Cr3 era "bom mas se não derem um joito nolo, olo vai acabar
mal." Craig (1992), assinala que o professor tem a possibilidade de gerar alternativas e
encorajar o aluno a desenvolver certas capacidades.
No ontanto, a realidade do dia-a-dia do professor acarreta em grandes dosafios,
pois osso procisa lidar com problemas do aprendizagem, com a agressividade, falta de
afoto (tal como relatado pela professora A em relação a Cr3), entre outros problemas.
Além disso, muitas vezes os profossoros tentam solucionar os problemas das crianças,
mas na verdade acabavam fortalecendo os comportamentos inadequados das mesmas,
o que condiz com a afirmação de Romero (1995), de quo os professores reforçam, com
maior freqüôncia, os comportamentos inadequados das crianças o, desta maneira,
acabam fortalecendo-os.

Sobre 1'om port.im enio c t'oflnív.lo 1 7 9


Embora o objetivo deste trabalho fosse a avaliação do um programa de
intervenção, cumpre destacar uma outra característica importante a qual diz respeito à
otnia das trôs crianças e de suas respectivas mães. Todas as crianças e as mães do
estudo eram negras, coincidentemente a mesma etnia da primeira autora. Esta
característica ajudou om muitos aspectos para o bom dosenvolvimonto da intervenção,
tanto para as crianças quanto para as mães, que aparentaram sentir empatia no trabalho
com a mesma. Quando eram trabalhados com as mães assuntos rolacionados à auto-
estima, elas sentiam-se ò vontade para contar suas experiências fazendo comentários
sobro, por oxemplo, sou próprio cabelo, comentários que seriam improváveis de serem
feitos a pessoas do outra otnia. Com relação às crianças, a posquisadora ressaltava a
cor como sendo uma forma especial das mesmas, dizendo: "Nós somos chocolate...
Quom não gosta do chocolate?"
Partindo desses dados é indispensável aprofundar a discussão sobre a questão
otnia É preocupante o fato de todas as crianças agressivas identificadas no estudo
serem todas negras. Tal fato torna-se mais expressivo uma vez que na pesquisa realizada
por Gallo com menores infratores na mesma cidade do presento estudo, o autor
constatou quo 95% dos adolescentes infratores eram negros (A. E. Gallo, comunicação
possoal, 25 de janeiro de 2004).
A representatividade numérica na população nacional aponta significativas
desvantagens dos negros om relaçào aos brancos no quo diz respeito ao mercado de
trabalho, ocupação, emprego, ronda familiar e nível do instrução, alfabetização e anos de
estudo (Soligo & Wescher, 2002). Tal como apontado pela pesquisa "Mulher negra: dupla
discriminação nos mercados de trabalho metropolitanos" divulgado pelo Dieese
(Departamento Intersindical de estudos Sócio-Econômicos), 30% das mulheres negras
exercem trabalho de mão de obra não qualificados como empregadas domésticas, (Folha
São Paulo, 19.11.2003), tal como ocorreu com as participantes do presente trabalho.
Desta forma é imprescindível mostrar a importância de se trabalhar com a
população do meninos negros, em decorrência do estereótipo que sofrem pela cor da
pele, como duplo fator de risco. Uma atitude proconceituosa pode deixar marcas
indissolúveis nas crianças, tomando-as vítimas de uma profecia auto-realizadora
(Brancalhono, Fogo, & Williams, 2004).
Outro ponto que deve ser enfatizado diz respeito à ética que deve ser mantida ao
fazer um trabalho desta natureza, embora as mães estivessem inseridas em um
programa do intervenção, os pesquisadores optaram por não se omitir das medidas de
proteção às crianças, isto é, denunciando violência contra a criança 2 e seu irmão, tal
como estabolocido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. (Brasil, 1990) .
O presente trabalho ilustra a importância da criação de programas de intervenção
precoce com a criança pró-escdar que apresonta comportamentos agressivos. Assim
como aponta a literatura, é fundamental reiterar que quanto mais precoce for a intervenção,
molhoros os resultados, uma vez que há a possibilidade de se minimizar problemas,
diminuindo os impactos negativos e o custo da intervenção (Webster-Stratton, 1997; Silva,
2000; Hood, 2001). É necessário enfatizar que o período de aquisição do compotôncias
novas concentra-se na fase pró-escolar e, é nesta faso, também, quo os pais podom
aprimorar as habilidados parentais exigidas (Webster-Stratton, 1997; Silva, 2000).
Os resultados desse estudo mostraram que as crianças que apresentam
comportamentos agressivos podem alterar expressivamente seus comportamontos
inadequados, ao receberem uma intervenção sistemática. No entanto, são precisos
inúmeros e constantes esforços por parte das autoridades para que sejam supridas as

18 0 (./.tbriel.i R. O rm cn o o I útl.i C \ do Albuquerque W illl.irm


necessidades existentes nas comunidades carentes, como das famílias que fizeram
parte do estudo.
É fundamental ter programas que dèem o suporte necessário, fornecendo aos
pais orientações de como lidar com seus filhos. Do mesmo modo, urge dar-se aos
professores de Educação Infantil uma capacitação para lidar com a criança com
necessidades especiais, de forma que os comportamentos agressivos de seus alunos
não se tornem mais graves, prejudicando irreparavelmente seu desenvolvimento.

Referências
American Psychiatric Association (2003). Manual de Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM-IV-TR) (Tradução Cláudia Dornetles.) Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original
publicado em 2000).
Bandura, A. (1977). Social Learning Theory .Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall.
Brancalhone, P.G., Fogo, J.C. & Williams, L.C.A. (2004). Crianças expostas à violência conjugal:
Avaliação do desempenho acadêmico. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20, (2), 113-117.
Brasil. (1990). Estatuto da Criança e do Adolescente. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de
Fora.
Craig, S.E. (1992). The educational needs of children living with violence. Phi Delta Kappan, 74, 67-
71.
Del Prette, Z.A.P. & Del Prette, A. (1999) Psicologia das habilidades sociais: Terapia e educação.
Petrópolis: Vozes.
Dunn, L. M., & Dunn, L. M. (1981). Peabody Picture Vocabulary Test - Revised. Minesota: American
Guidance Service.
Fagundes, A.J.F.M. (1995). Descrição, definição e registro de comportamento. São Paulo: EDICON.
Fiamengul Jr., G.A., Bressan, C.G. & Porto, J.C. (2003). O desenvolvimento da agressão entre
crianças de pré-escola: subsidios para uma análise das relações sociais. Temas sobre
desen volvimento, 12.26-32.
Hall, R.V. (1974). Manipulação de comportamento. Sâo Paulo: EDUSP.
Goldstein, S &. Goldstein, M. (1992). Híperatividade: Como desenvolver a capacidade de atençào
na criança. Campinas: Papirus.
Guralnick, M.J. (1997). Second-generation research in the field of early Intervention. Em: Autor. The
Effectiveness of Early Intervention, (pp.3-19). Baltimore; Paul Brookes Publishing.
Hood, C.L. (2001). Antisocial behavior in Youth: influence and recommendations, [on line] Humanities
and social Science, 61, 45-49
Holland, J.G. (1978). Behaviorism: Part of the problem of part of the solution? Journal of Applied
Behaviors Analysis, 11,163-174.
Kaplan, H. I, Sadok, B. J. & Grebb, J.A. (1997| Compêndio de Psiquiatria: Ciências do comportamento
e psiquiatria clinica. Porto Alegre: Artes Medicas.
Koren, P.E., De Chillo, N.& Frlesen, B,J.(1992). Measuring empowerment In families whose children
have emotional disabilities: A brief questionnaire. Rehabilitation Psychology, 305-321.
Lippi, M.N. (1998). Relaxamento para todos: Controle seu stress. São Paulo: Papirus.
Lisboa, C. S.M. & Koller, S. H. (2001). Construção e validação de conteúdo de uma escala de
percepção por professores, dos comportamentos agressivos de crianças na escola.
Psicologia em Estudo, 6, 59-69.
McGinnis, E.& Goldestein A. P. (1990). Skill streaming In early childhood: Teaching prosocial skill
to the preschool and the kindergarden child. Illinois: Research Press.
Marinho, M.L.(1999). Comportamento infantil anti-social: programa de Intervenção junto à família. Em R.
Kerbauy e R. Wieleska (Orgs ): Sobre comportamento e cognição: Psicologia comportamental
e cognitiva da reflexão teórica a diversidade na aplicação, (pp. 207-215). São Paulo ESETec.

Sobre Comportamento c CoRniçâo 181


Meneghel, S.N. (1998). Relação entre violência doméstica e agressividade na adolescência. Cadernos
de Saúde Publica, 14, 327-335.
ONU/UNDP. (1997). Human development report 1997; Human development eradicate poverty [On­
line] United Nations Developments Program. Web site.
Romero, J.F.(1995). As relações sociais das crianças com dificuldades de aprendizagem escolar.
Em C. Coll, J. Palácios & A. Marchesi (Orgs.), Desenvolvimento psicológico e educação:
Necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar (pp.71-82). Porto Alegre:
Artes Módicas.
Rolll, C. (2003, Novembro, 19). Mulher negra tem pior situação no mercado de trabalho. Folha de Sâo
Paulo, Caderno Região.
Santos, G.E. (2001). Intervenção com famílias portadoras de necessidades especiais: O caso de
pais agressores. Dissertação de Mestrado: Universidade Federal de São Carlos.
Singh, N. N„ Curtis, W. J.; Ellls, C. R. Nicholson, M. W.; Villanl, T.M. & Wechesler, H.A. (1995).
Psychometric analysis of the family empowerment scale. Journal of Emotional and Behavior
Disorders, 3, 85-91.
Silva, A.T.B. (2000). Problemas de comportamento e comportamento socialmente adequados: Sua
relação com as habilidades sociais. Dissertação de Mestrado: Universidade Federal de São
Carlos.
Silvares, E. F. M. (2001). Ludoterapia cognitivo comportamental com crianças agressivas. Em:
H.J.Guilhardi, M B.B., PMadi, PPQueiroz & M.C. Scoz (Orgs ): Sobre comportamento e
cognição: Expondo a variabilidade\pp.189-199). São Paulo: ESETec.
Souza, M.A.; Soldatelll, M.I.; & Lopes, A R C. (1997). Pslcodlnamlsmo familiar de crianças agressivas.
In: I Encontro Sobre Psicologia Clinica, 61-64 Sâo Paulo, Universidade Mackenzie.
Sollngo, A. F.& Weschsler, S.M (2002). Crianças negras e professoras brancas: Um estudo de
atitudes. Escritos sobre Educação, Instituto superior de educação Anísio Teixeira, 1, 17-
30.
Webster-Stratton, C. (1997). Early Intervention for families of preschool children with conduct problems.
Em M. J. Guralnick (Org ). The effectiveness of early intervention (429-453). Baltimore: Paul
H. Brookes Publishing Co.
Wescheler.D. (1949) Weschler Intelligence Scale for Children, traduzido por A. M. Popovick (1962).
Williams, L.C.A. (1984). Intervenção precoce na excepclonalidade. Cadernos de Análise do
Comportamento, 6, 38-51.
Williams, L C.A. & Aiello, A L. R. (2001). O Inventário Portage Operacionalizado: Intervenção com
famílias Sâo Paulo: Memnon/Fapesp.
Williams, L.C.A.& Aiello, A.L.R. (2004). Empoderamento de famílias: O que vem a ser e como medir.
Em: Gonçalves, E.M., Almeida, M.A. & Williams,L.C.A. Temas em Educação Especial: Avanços
recentes, (pp. 197-202). EDUFSCar: Sâo Carlos.
Zagury, T. (2000). Limites sem trauma: Construindo cidadãos. Rio de Janeiro: Record.

1 8 2 (./tibriflti R. O rm cn o e l.úci.i C . tie Albuquerque W llh .irm


Capítulo 20
Terapia não-farmacológica dos
Transtornos de Ansiedade:
aplicabilidade da Terapia
Cognitiva e Comportamental
Qilrio Angelotti”
Marisd Fortes1’

Introdução
Os transtornos ansiosos vôm despertando cada vez mais interesse em
pesquisadores no mundo todo, uma vez que a curva de ocorrência notadamente
ascendente deste tipo de patologia chama a atenção para uma tendência à pandemia
claramente perceptível. Em nossa prática clinica, por exemplo, é cada vez mais freqüente
o aparecimento de pacientes que padecem de algum destes transtornos, muitas vezes
com graves prejuízos em suas atividades funcionais, afetivas e sociais. Há quem diga
que essa maior afluência de pacientes “ansiosos" está ligada ao estilo de vida que
levamos atualmente, á loucura das grandes cidades e à agitação que muitas vezes
perdura até o momento em que deitamos a cabeça no travesseiro e nos preparamos
para dormir. A população está exposta a situações cada vez mais complexas como
resultado da vida moderna e, dessa forma, as conseqüências se fazem sentir através
da dificuldade em manter a serenidade e esperar pelos acontecimentos naturalmente.
Ao contrário, tendemos a antecipá-los, a nos preocuparmos demasiadamente com
eles e - em um grau já psicopatológico - temê-los.
Vamos utilizar um exemplo para ilustrar o que foi exposto. Quantas vezes já nos
apanhamos imaginando como seria aquele evento (palestra, reunião, etc.) importante
do dia seguinte? Em uma medida salutar, a idéia de antecipar diálogos e preparar-se
para possíveis ocorrências dentro de uma situação importante que está por vir pode ser
considerada prudente e útil. Porém, se a pessoa nào consegue dormir e atravessa a
madrugada em uma sucessão de imagens mentais das possibilidades dos mais
diversos resultados, em um comportamento claramente danoso ao seu bem-estar,
pode-se dizer que a sua ansiedade está provocando estragos. Até porque, provavelmente,
a pessoa não estará descansada no dia seguinte e seu desempenho pode sofrer com
isso, em um efeito justamente oposto ao desejado.
Momentos como esses são cada vez mais corriqueiros no dia-a-dia das pessoas
e muitas vezes os limiares entre o normal e o patológico fica quase impercoptlvel. As
• Psicólogo Clntco, rrmstre em Psicologia Comportamontnl pota PanMflda Universidade Catódcji de Campinas (PUCAMP). docento d«) grnduavflo
•rn P»k:ok>gla da Universidade SAo Marco» (UNIMARCO) • da (»OsgraduavAo Mn Meòldna Comportamental o Terapia« Cognitivo
Comportamenlaie da Umveuldaòe Federal de SAo Paulo (UNIFESP), diretor dlntoo do Inattulu de Neurociénda e Comportamento de Sío Paulo
e Preekientn da Awociaçâo de Terapia» Cognitiva» do Fatado de Sâo Paulo (ATC SP)
" Jomaltala e PMcOloga Clinica, especialista em Paicntogia Hospitalar, eepedaNzanda em Medlcma Comportamental e Teraplaa Cognitivo
Comportamental» pela Universidade Federal de Sâo Paulo (UNIFbSP), mestranda em Psicologia Social pela Universidade SAo Marco»
(UNIMARCO) o psicóloga «ataglArta do Orupo Operativo de Roagate » Integridade P»lqu>ca do liiattuln de Psiquiatria do Ho»pltal das Clinicai
da Faculdade de Medk.liw da UnlvofsWado de Sâo Paulo (GORIP IPq HCFMUSP)

Sobre Comportamento e Cojjnlç.lo 1 8 3


bússolas estão no ambiente, que pode dar dicas de que algo vai mal. A família começa a
perceber que há algo de diferente, o trabalho já não flui tão bem, o sono sofre alterações
significativas, movimentos corporais cadenciais e sistemáticos aparecem, amigos
sinalizam a aceleração verbal em conversas cotidianas. Com o tempo ocorre a eclosão
dos sintomas o a ansiedade instala-se de maneira insidiosa, com os episódios ansiosos
tendendo a aumentar em ritmo e freqüência. É nesse momento que o paciente se dá
conta - ou não - de que precisa de ajuda, de que há algo terrivelmonte errado e que ele
não sabe dizer exatamente quando começou, è nessa hora que entramos em cena.
Com a demanda crescente, torna-se necessário o estudo e divulgação de
técnicas cada vez mais eficazes no controle da ansiedade e no tratamento dos
transtornos dela derivados. Neste capítulo procuramos trazer aspectos relacionados á
ansiedade em si, como etimologia, conceito e epidemiologia. Além disso, nos propomos
a explorar, sob a égide do modelo cognitivo-comportamental, os transtornos ansiosos,
seus sintomas e possibilidades de tratamento não-farmacológico, ou seja, as técnicas
cognitivas e comportamentais mais efetivas e de ampla utilização por profissionais da
saúde mental ligados a essa corrente teórica.

Etimologia
A palavra ansiedade etimologicamente deriva do grego e traz a idéia de constrição.
Já no latim, as duas palavras anxietas e angor originaram respectivamente ansiedade e
angústia no português (Cordás, 2004, p. 11). Segundo Pereira (2004), há uma delimitação
conceituai no que se refere à definição comparativa dos termos angústia e ansiedade nas
línguas românicas, característica já não tão premente na lingua inglesa (onde há apenas
anxiety), no alemão (há o angst que pode significar angústia ou medo) e em suas
aparentadas. De qualquer forma, os significados estão, como se viu, estreitamente
relacionados à idéia de aperto, estreitamento, tormento e constrição.
No Houaiss (2001) encontramos uma rica gama de significados que aqui
transcrevemos, a fim de dar pistas sobre as sensações (aumentadas em freqüência e
intensidade nos transtornos ansiosos) que permeiam o quadro:
1 grande mal-estar tísico e psíquico, aflição, agonia; 2 flg. desejo veemente e
impaciente; 3 flg falta de tranqüilidade, receio, 4 PSICOP estado afetivo penoso,
caracterizado pela expectativa de algum perigo que se revela indeterminado e
impreciso, e diante do qual o indivíduo se julga indefeso (p. 228).
Assim, dada inclusive a antiguidade do termo, podemos inferir que a ansiedade
já é conhecida de nossa espécie de longa data, porém, somente na modernidade ela
adquire o status epidêmico, a ponto de despertar a preocupação de serviços de saúde
pública do mundo todo.

Conceituação de ansiedade e classificação dos transtornos


Interessante observar que a ansiedade pode ser benéfica, na medida em que se
apresenta como fator motivador para a realização de tarefas. Por outro lado, sua intensidade
pode aumentar de forma bastante prejudicial, causando grande sofrimento em pacientes
que não conseguem mantê-la sob controle. De qualquer modo, quando convidados a
conceituar a ansiedade nos vemos diante de uma tarefa difícil: quem já experimentou
sabe perfeitamente do que falamos, porém, até mesmo estes têm dificuldade em descrever
ou ainda nomear essa sensação tão desconfortável. Corroborando esta idéia, Pereira
(2004, p. 03) argumenta que a ansiedade é uma "condição afetiva de difícil delimitação
teórica" e é tratada por ele como um sinônimo da angústia.

1 8 4 C/íMo AntfcloMi c M .ir iw f-ortes


Segundo Figueiredo (2004, p. 31), as primeiras definições do conceito de
ansiedade surgiram por volta de 1869, quando Beard utilizou para doscrever pacientes
com sintomas leves de ansiedade e depressão o termo "neurastenia", denominação
que serviu também para incluir de maneira ampla os que sofriam de histeria, obsessõies,
hipocondria e ansiedade. Ainda sogundo a autora, as primeiras classificações oficiais
dos Transtornos de Ansiedade surgiram tardiamente por duas razões principais, sendo
“ 1. Não eram reconhecidos como entidades clinicas distintas e 2. As primeiras
classificações oficiais de que se tem noticia se destinavam basicamente a registrar
paciontes internados em instituições psiquiátricas". Assim, os sintomas ansiosos eram
confundidos com patologias mais severas e dificilmente descritos isoladamente.
Tomando contato com relatos de casos de síndromes entre militares ingleses
e alemães por volta de um século antes o relacionando-os com o que observou em
combatentes da Guerra Civil americana, Da Costa descreveu em 1891 o quo denominou
do slndrome do "coração irritável". Mais tarde, em 1895, Freud realizou a distinção entre
a chamada “neurose de angústia" da neurastenia, bem como as fobias das obsessões,
utilizando pela primeira vez o termo neurose do ansiedade. Ele chegou à conclusão de
que a ansiedade, gerada por conflitos intrapslquicos, seria a base de todas as neuroses
(Figueiredo, 2004, p. 31).
Skinner (1994, p. 176) a classifica como " um estímulo que preceda
caracteristicamente um forte reforçador negativo terá um efeito de longo alcance" e
continua... " Evoca um comportamento que foi condicionado pela redução de ameaças
semelhantes e também elicia fortes respostas emocionais. Podem ocorrer, entretanto,
apenas quando um estimulo precede caracteristicamente um estímulo aversivo com
um intervalo de tempo suficientemente grande para permitir a observação de mudanças
comportamentais. A condição resultante geralmente é denominada ansiedade".
Atualmente, nos dois mais importantes manuais do classificação de doenças, CID-
101 e DSM-IV™, os principais transtornos ansiosos são apresentados da seguinte forma:
CIO 10 DSM IV
M0-4R Transtorno» neuróticos relaaorvidos Transtornas de Ansiodado (p 410)
no estresse » somaloformne (p. 29)

F40 Transtorno fóblco-ansioso Transtorno de Pânico


F41 OiiIro» transtornos ansiosos 300 21 Com Agorafobia
F42 Transtorno obsessivo-compulsivo 300 01 Sem agorafobia
F43 Reação n estresse grave a transtornou Agorafobia (é codificada apenas em conjunto
da ajuttarnenln com o transtorno no qual ocorra, ex 300 21)
F44 Transtorno» dlssoriatlvo» (ou converslvn*) 300 20 Fobia Especifica
F4S Transtornos somatoformas 300 23 Fobia Social
F4B Outros transtornos neuróticos 300 3 Transtorno Obsesslvo-Compulsivo
309 n 1 Transtorno de Estresse Pós-Traumâttco
Not* Dentro do bloco F40-4A de transtornos, 306 3 Transtorno de Esbessn Agudo
hé hs subdivisões (|ua descrevem cada uru 300 02 Transtorno de Ansiedade Cienerall/ada
dos subtlpos conto, por exem|>lo F40 t
Fobias sociais, F40 2Foblas especificas.
F410 Transtorno de pânico, F41 1 Transtorno

(FonteaD^O0DSM-IV+H)

Epidemiologia
Segundo Hollandor e Simeon (2004, p 20), os transtornos do ansiodado são
os quadros psiquiátricos mais comuns. Os autores realizaram um estudo longitudinal
nos Estados Unidos entre os anos do 1982 e 2002 o descrevem os resultados divididos
por transtorno, sendo que, por exemplo, o Transtorno de Pânico tem uma prevalência

' Classificação dn Transtornos Montais e de Comj>orlamenlo (ta CIO-10


• MHnual Diagnóstico e Estatístico de Trenstomos Mentais (Texto Revisado - 4* edlçâo)

Nobre (.'ompoif.tm ento e Coflniçdo 1 8 5


aproximada do 2% a 4% ao longo da vida da população, bem como na proporção ontre
os géneros ocorre em duas mulheres para cada homom. Já om estudo descrito por
Rangé (2001, p. 151) com os mesmo parâmetros, a prevalência situa-se desde 1,6%
até 2,4%. Os dados epidemiológicos apresentados por Hollander e Simeon (2004),
divididos por transtorno, foram reproduzidos na tabola abaixo:

Trnnstorno .......... ...Prevalftncia (%)______________MulheroB:HomenB


Transtorno de PAnlco 2-4 2:1
TAG 5-7 2:1
Fobia Social 13-16 1:1
F-obias Especificas 10 2:1
Agorafobia 6 2:1
TOC 2-3 1:1
IÊEE____________ __ 7-9 2 1
(Fonts: Hollander & Simeon, 2004, p 20) TAG' Transtorno de Ansiedade Generalizada;
TOC: Transtorno Obsesslvo-Compulsivo; TEPT: Transtorno de Estresse Pós-Traumático

Lima et al. (2004) trazem importantes contribuições sobre o assunto, roferondando


que dados do ECA- Epidomiologic Catchmont Ároa, um estudo conduzido a partir do 1980
nos Estados Unidos, sugorem que "cerca do V* da população geral aprosentam um ou
mais medos irracionais, ataques súbitos de ansiodade ou norvosismo", apesar de a
maioria dos pesquisados não preencherem os "critérios de gravidade ou prejuízo pessoal
e social característicos dos transtornos de ansiedade" (p. 173).
Holmes (2001, p. 94) aponta que pelo menos 15% da população sofrerá, em
algum momento de sua vida, um transtorno de ansiedade e que as fobias foram
caracterizadas como o problema mais comum (13,5%), seguidas do transtorno
obsessivo-compulsivo (2,5%) e do transtorno de pânico (1,4%). Além disso, os
transtornos de ansiedade tendem a ser mais diagnosticados em mulheres do que om
homons, corroborando o exposto na tabela acima e supõe-se que entre 2% a 4% da
população sofra com o probloma.
Tendo realizado estudo de morbidade psiquiátrica om adultos abrangendo trôs
grandes motrópolos brasileiras (Brasília, São Paulo e Porto Alegre), Almeida Filho et al.
(1992) apontam resultados que indicam as fobias e ansiedades como principais
problemas de saúde mental da população urbana do País. Como estimativas do
demanda global variando de cinco a 12% e taxas de prevalência global ontre 8 o 18%.
Os dados divididos por região mostram que a estimativa de prevalência para transtornos
de ansiedade ó de 12,1% para Brasília, 6,9% para São Paulo e 5,4% para Porto Alegre.

Transtornos de ansiedade
Para fins didáticos, dividimos os transtornos de forma a oferecer um resumo de
suas principais características, uma vez que o foco de nossa contribuição ó a
aplicabilidade da torapia cognitiva e comportamental em seu tratamonto. Para os
interessados om aprofundar o conhecimento sobre o toma, há uma vasta litoratura
versando em detalhes sobro cada um dos transtornos de ansiedade, a iniciar pelos
próprios manuais CID-10 e DSM-!VTR.
Consideramos eficaz a divisão de Holmes (2001) dos transtornos de ansiedade
em duas vertentes, os transtornos fóbicos e os estados do ansiodade, segundo a
tabola a seguir:

1 8 6 C/ililo An^eloIM c M.iris«i I orfe*


Classificação de transtornos de ansiedade
Transtornos Fóbicos Estados d * Ansiadad#
Agorafobia Transtorno de pânico
Fobia social Transtorno de ansiedade generalizada
Fobias especificas Transtorno de estresse pós-traumático
Transtorno obsessivo-compulsivo
Transtorno de estresse agudo_______
(Fonte: Holmes, 2001, p 85)

O autor explica que as diferenças principais entre as duas classificações estão


no grau no qual a ansiedade ó localizada ou difusa, ou seja, a ansiedade flutuante,
onipresente e nâo relacionada a algo especifico pode ser considerada como um estado
de ansiedade por sua característica difusa. Já uma ansiedado localizada ospecificamonte
om um objeto ou situação podo ser categorizada como fóbica, a exemplo de pessoas que
tòm reações violentas a espaços abertos ou multidões (Holmes, 2004, p. 85).

Transtornos fóbicos
De uma maneira geral, as fobias caracterizam-se por um medo irracional,
injustificado e persistente de determinadas situações, atividade ou objetos específicos.
A intensidade aumentada tambóm faz parto do quadro, na modida om quo podo aparecer
sob a forma de um receio exagerado om atividados corriqueiras como, por exemplo,
atravessar a rua. Há uma característica importante nos transtornos fóbicos que
fundamentalmonto os diferonciam dos delírios: o paciente tem plena consciência de
que seu temor não tem razão de ser, porém não consegue controlá-lo.
Há neste universo a Agorafobia (incapacidade de exposição a locais públicos
onde, em caso de súbita ansiedade, uma fuga seria dificultada ou, ainda, constrangedora
perante as pessoas): a Fobia Social (dificuldado em se relacionar com outras pessoas
por receio de suas críticas a um eventual comportamento inadequado); e a Fobia
Específica (medo irracional de objetos ou situações especificas que nâo se enquadram
nos anteriores como, por exemplo, altura, locais fechados e animais).

Estados de ansiedade
De acordo com Holmos (2004, p. 85), os estados de ansiedade podem ser
diferenciados dos transtornos fóbicos no sentido em quo nos primeiros "a resposta
emocional é difusa e não rolacionada a qualquer situação ou estímulo particulares".
Dessa forma, não há um objoto específico quo provoquo a eclosão das crises ansiosas,
mas sim, a sensação de flutuação no quo se refero a cronças irracionais sem origem
dotorminada. Como estados de ansiodade descritos polo autor, tomos:
Transtorno de Pânico - extremamente assustadores, súbitos e breves períodos de
ansiedade intensa, aliados às sensações corporais que envolvem a percepção de
morte iminente (tontura, asfixia, taquicardia, dores no peito, sentimento de irrealidado,
formigamento nas extremidades, fraqueza, tremores, calafrios e calor, sudorose,
respiração curta), eclodem de forma imprevisível, causando um grande sofrimento ao
paciente.
TAG - caracteriza-se, como o próprio nome diz, por uma ansiodade generalizada
persistente por polo menos um mês som qualquer associação a um objeto ou situação.
Embora menos intensa do que no transtorno de pânico, esta ansiedade é constante o
prolongada e acaba provocando um ostado de hiporvigilância que pode desencadear
episódios de fadiga o distração.

Sobre Comportamento e Cofl»K<lo 1 8 7


TEPT - após vivonciar um evento ameaçador envolvendo sério risco de morte em relação
a si mesmo ou a outros, o indivíduo passa a experimentar um medo acentuado de
elementos do dia-a-dia que se relacionem de alguma forma ao fato traumático.
Lembranças persistentes e perturbadoras, evitação de situações ou objetos que
lembrem aspectos da vivência traumática, hipervigilância, oxcitação aumentada e
embotamento da responsividado geral. É como so olo revivesse a todo instante e
dolorosamonte tudo o quo sofreu quando do episódio traumático.
TOC - onvolvo dois elementos-chave que são as obsessõos (idéias, ponsamentos,
imagens ou impulsos persistentes e intrusivos que dominam o paciento e o incomodam
freqüentemente) e as compulsões (comportamento persevorativo e estereotipado, não
proporciona prazer e é percebido como irracional pelo pacionte, porém é utilizado para
aplacar a ansiedado por algum tempo). Em um estágio mais avançado, o paciente
acaba por não poder mais desemponhar suas atividades cotidianas por despender
todo seu tempo e energia om longos rituais dedicados a realizar as obsessões,
concrotizando-as através das compulsões As compulsões mais comuns são os rituais
do limpoza, contagom, verificação e toque. Extremamente prejudicial ao indivíduo por
aumentar cada vez mais seu comportamento disfuncional, atinge tambóm a família,
quo precisa lidar com o problema geralmente se esforçando para atender aos rituais de
forma a manter o paciente confortável.
TEA - trata-se de um episódio ansioso intenso com duração aproximada do urn mês.
Recentemente descrito (apareceu pela primeira vez no DSM-IV), trata-se do assunto do
interesse dos estudiosos, pois pode configurar-se a baso para o transtorno de estresse
pós-traumático. Assim como no TEPT, a origem do transtorno pode ser a vivência de
uma situação transitória intonsa e marcante, como um assalto ou acidente grave.

Modelo Cognitivo-Comportamental de ansiedade


Os transtornos ansiosos, em seu espectro, envolvem um comportamento ovitativo
direcionado a determinados objetos ou situações quo tendo a ser disfuncional, na medida
em que o paciente passa a deixar de realizar atividades que o coloquem fronte a frente
com o objeto ou situação aversiva. Essa é a raiz do modelo cognitivo-comportamental
para os transtornos de ansiedade, uma vez que esse comportamento deve ser reestruturado
em virtude dos grandes prejuízos causados no funcionamento global do indivíduo.
Como o nosso comportamonto está baseado na aprendizagom, podomos
dizer que os transtornos de ansiodade funcionam a partir de distorções no
condicionamento clássico (ligado ao desenvolvimento cognitivo do modelo ansioso)
e no condicionamento operante (comportamonto ansioso o área operativa do
transtorno) do indivíduo. Trata-se do possível pareamento de estímulos que antes
eram neutros com estímulos aversivos, tornando-os igualmente avorsivos ao indivíduo
e provocando o comportamento disfuncional evitativo. Holmes (2001) traz uma
explicação bastante clara sobro essa particularidade do condicionamento operante:
A ansiedade é desagradável, enlâo tentamos evitá la ou reduzi la tanto quanto possível
Se fizormos algo que ó eficaz para reduzir a ansiedade (por exemplo, evitar ou fugir
da situação provocadora de medo) nós nos sentimos melhor Sentir-se melhor é
uma gratificação para usar a resposta Uma vez que as respostas gratificadas
tendem a ser usadas de novo, na próxima vez que estivermos ansiosos, usaremos
a resposta de novo na esperança de novamente reduzir a ansiedade (p. 103).
Tratando do modelo cognitivo de ansiedade, há elementos a serem levados
om conta na análise do paciente e no entendimento de sua forma do funcionamonto om
rolação ao ambionto: fluxo de ponsamento desordenado; vulnerabilidade dos processos

1 8 8 C/llilo Anftclotti c M u r iw I ortet


cognitivos; pensamentos negativos automáticos relacionados a catástrofes físicas,
psicológicas ou sociais; esquemas cognitivos relacionados ao perigo. Além disso, os
pacientes costumam superestimar as situações de perigo e subestimar seus recursos
pessoais para lidar com elas. Essas distorções cognitivas tornam a permeabilidade do
paciente aos transtornos ansiosos potencialmente mais elevada, especialmente se o
estímulo aversivo ao qual ele foi exposto é reforçado constantemente e está presente de
forma significativa em seu dia-a-dia.
Para esclarecer as críticas a esta teoria, na medida em que alguns pesquisadores
apontam que há indivíduos que não passaram por um processo de exposição ao objeto
causador da fobia, Holmes (2001, p. 102) chama a atenção para o processo de
condicionamento clássico vicário, em que apenas a menção de uma história envolvendo
medo e determinado objeto já poderia configurar-se no gatilho para o desenvolvimento da
ansiedade. Elo salienta ainda que há um lado bom em tudo isso, uma vez que nâo precisamos
experimentar toda a sorte de más experiências podendo aprender com a observação, no
entanto, ressalta também a possibilidade do aprendizado inadequado de medos inapropriados.
Há no comportamento humano a tendência à generalização, outra das chaves
para o ontendimento do modelo cognitivo-comportamental para os transtornos de ansiedade.
Trata-se de um processo através do qual o indivíduo tende a comparar e procurar agrupari
as informações que recebe do ambiente, com a finalidade de compreendê-las. Com isso,
nâo é raro que ele acabe generalizando uma situação ou objeto aversivo, igualando-os a
estímulos antes indiferentes (neutros) que passam a adquirir caráter igualmente aversivo.
Um exemplo disso pode ser o do paciente que apresenta crises ansiosas ao ter quo
atravessar qualquer rua após um atropelamento. Nesse caso, as ruas (generalização
daquela onde de fato ocorreu o acidente) adquiriram um caráter aversivo e provocam um
medo incontrolável no indivíduo, que teme atravessá-las.«
Falcone (2001, p. 52) explica que, se na depressão a temática dos pensamentos
automáticos baseia-se em idéias de perda e desvalorização, nos transtornos de ansiedade
a tônica é o perigo. Desta forma, há supervalorização das situações temidas e a descrença
em seu potencial para enfrentá-las. Um exemplo dado pela autora é o de que os ataques de
pânico resultam de uma interpretação equivocada e catastrófica dos sintomas de ansiedade
e variações corporais normais. O resultado é que o paciente assume um comportamento
evitativo e hipervigilante perante suas sensações corporais, preocupando-se constante e
sistematicamente com cada uma das mínimas modificações de estado físico percebidas.
Assim, o processo de aquisição de um transtorno ansioso pode ser
relativamente facilitado por um determinado funcionamento cognitivo permeado de
expectativas incoerentes em relação à realidade, pensamentos automáticos *
disfuncionais, dificuldades na interpretação de informações recebidas e uma série de
ocorrências que podem desencadear reações disfuncionais ao longo da vida do indivíduo.
Graças a inúmeros estudos e pesquisas realizados nas últimas décadas sobre o
assunto, é possível estabelecer protocolos de tratamento psicoterápico cada vez mais
eficientes e variados (Salkovskis, 2004; Caballo, 2003).

Sintomas
O diagnóstico dos transtornos de ansiedade é baseado em observações
cfínfcas, a partir de uma queixa específica que pode conter um ou mais sintomas ligados
ao espectro da ansiedade. Em um primeiro momento torna-se necessário diferenciar o
que é a ansiedade eventual, ligada a um acontecimento específico e absolutamente
passageiro, do comportamento ansioso que, dada a sua intensidade, adquire um caráter

Sobre Comportamento e CoflnlçUo 1 8 9


patológico. Castillo et al. (2000) elucidam esta idéia de forma bastante clara, quando
explicam que “a maneira prática de se diferenciar ansiedade normal de ansiedade
patológica é basicamente avaliar se a reação ansiosa é de curta duração, autolimitada
e relacionada ao estimulo do momento ou não" (p. 20).
É muito importante que se diferencio se a ansiodado ó o sintoma primário ou
uma comorbidade decorrente de alguma outra psicopatologia. É comum que outros
transtornos provoquem ansiedade como, por exemplo, um distúrbio alimentar. Por
exemplo, na bulimia há a ânsia de ingerir alimentos compulsivamente e, nesse caso,
eventuais sintomas de ansiedade secundária ao transtorno original são dele derivados
e irão se extinguir naturalmente assim que este for extinto Assim, um diagnóstico
diferencial o mais preciso possível é desejável, com o intuito de aumentar as chances
de sucesso do tratamento.
Holmes (2001, p. 85) divide os sintomas do ansiedade em Cognitivos (refletem
a preocupação antecipatória com eventos averslvos, desviando o foco dos problemas
reais e imediatos e dispersando a atenção); Somáticos (imediatos: pulso rápido, suor,
boca seca, cabeça latejando, elevação da pressão sanguínea, respiração curta, tensão
muscular; atrasados: dores de cabeça, sofrimento intestinal, cronificaçâo do aumento
na pressão sanguínea, fraqueza muscular); de Humor (ansiedade, pânico, tensão,
apreensão, depressão, irritabilidade); Motores (impaciência, inquietação, atividade
motora sem objetivo como movimentos rápidos com os dedos dos pés e respostas de
susto exageradas a ruído súbito).

Aplicabilidade da Terapia Cognitiva e Comportamental


A abordagem Cognitivo-Comportamental para o tratamento dos Transtornos
Ansiosos consiste basicamente em promover modificações na percepção alterada do
ambiente que gera distorções cognitivas e eventualmente a ansiedade (foco na cognição),
bem como trabalhar mudanças no comportamento decorrente desta falha analítico-
perceptual dos estímulos ambientais (foco no comportamento disfuncional ansioso).
Salkovskis (2004) traz uma valiosa contribuição quando ressalta o que considera
um ponto importante em relação à natureza das intervenções cognitivas:
A terapia cognitiva não se refere necessariamente a pensar mais racionalmente,
nem se refere necessariamente a pensar mais positivamente. A Idéia fundamental
é de que podem existir diversas formas alternativas de encarar uma determinada
situação. As pessoas que sofrem de problemas emocionais geralmente estão
presas a uma forma particularmente negativa ou inútil de olhar para a sua situação,
e só conseguem ver essa forma de interpretá-la (p. 62).
A reestruturação cognitiva, portanto, ó a forma emblemática desta abordagem
teórica no manejo dos transtornos de ansiedade e outros. Clark (1997) afirma que a
terapia cognitivo-comportamental tem como objetivo a redução da ansiedade "ao ensinar
os pacientes a identificar, avaliar, controlar e modificar seus pensamentos negativos
relacionados à noção de perigo e a comportamentos associados" (p. 91). Há também um
componente psicoeducativo muito forte, na medida em que procuramos fazer com que o
indivíduo aprenda a se libertar de seus tormentos e, por si só, saiba como conduzir a sua
vida. A osso respeito, Dattilio & Freeman (2004) fazem uma colocação certeira ao oxplicar
que “o objetivo é transformar o indivíduo em seu próprio terapeuta, munindo-o da instrução
e habilidades necessárias para reconhecer e superar a ansiedade (...)” (p. 69).
Algumas técnicas explicitadas mais adiante estão baseadas no pressuposto da
exposição, ou seja, mostrar ao paciente que tal temor não irá se concretizar. Isso pode ser
aplicado de forma a, por exemplo, deixar que um ataque de pânico se desenvolva durante

1 9 0 C/lldo A n g rlo tti e M .ir iw fortes


uma sessão até que o paciente perceba que não vai ter um infarto. Em um processo
denominado habituação, ele comprova que de fato não morreu e que de certa forma
poderá enfrentar as crises e até mesmo dominá-las, extinguindo as reações de pavor que
o descontrolam. E quando o terapeuta não pode objetivamente comprovar a incoerência
da crença irracional? Há, principalmente no transtorno obsessivo-compulsivo, idéias
relacionadas a situações não-plauslveis como, por exemplo, o paciente acreditar que se
não rezar duas horas seguidas por noite será abduzido daqui a 20 anos.
A respeito da questão acima proposta, Salkovskis (2004) apresenta o termo
desconfirmação, que é justamente procurar demonstrar ao paciente a implausibilidade do
perigo percebido por ele e destaca situações como a descrita acima em que há extrema
dificuldade em aplicar esta estratégia. O autor propõe com alternativa, então, a construção
de um entendimento conjunto de terapeuta e paciente a respeito dos problemas desse
último, além de utilizar forma combinada "manobras subseqüentes projetadas, quando
possível, para ajudar o paciente a alcançar a desconfirmaçâo de sua interpretação negativa,
bem como encontrar suporte para a alternativa menos ameaçadora" (p. 69). Concluímos
essa seção apontando que o objetivo final do tratamento cognitivo-comportamental é fazer
com que os sintomas ansiosos entrem em extinção, ou seja, criar uma situação em que
haja um declínio gradual do comportamento disfuncional até o sou dosaparecimento.

Algumas técnicas
Selecionamos as técnicas que consideramos mais efetivas para o tratamento
dos transtornos ansiosos e as apresentamos a seguir. Porém, gostaríamos de ressaltar
a necessidade e importância de uma avaliação criteriosa do terapeuta ao selecionar a
técnica que mais se aplica ao caso em questão. Depois de escolhida, ela deve ser
aplicada com segurança e de forma a não colocar o paciente em risco, uma vez que o
terapeuta lança mão na prática clinica de ferramentas que, se utilizadas de forma
inadequada, podem prejudicar um quadro já do difícil manejo.

Técnica de controle da respiração


É perceptível a forma como a respiração acompanha o estado emocional dos
indivíduos. Não é raro que alguém ansioso perceba que está respirando entrecortadamente
ou em intervalos muito curtos ou, ainda, que alguém profundamente desanimado ou
melancólico apresente suspiros freqüentes. A respiração tem sido alvo de interesse de
estudiosos dos transtornos de ansiedade, pois, além de representar um termômetro para
sinalizar ocasionais estados ansiosos, configura-se uma importante ferramenta no controlo
da ansiedade. O curioso é que em nosso cotidiano poucas vezes nos apercebemos de
nosso ritmo respiratório, a não ser quando já estamos em uma situação de desconforto.
Existem várias formas de trabalhar a respiração, mas vamos aqui descrever a
chamada respiração diafragmática. Trata-se de uma técnica simples, porém bastante
eficaz se ensinada corretamente ao paciente como um recurso para o controle da
respiração e relaxamento. São quatro as etapas que a compõe:
1) Sentado confortavelmente, com a coluna ereta e ambos os pés apoiados no chão,
colocar a mão direita sobre o peito e a esquerda sobre a barriga;
2) Prestar atenção na respiração e no movimento das mãos a acompanhando
naturalmente por alguns segundos;
3) Realizar o seguinte procedimento, fazendo a contagem dos segundos mentalmente:

Sobre Comportamento e Cofjniçío 191


a) inspirar procurando inflar o abdome sem mexer a mão do peito por quatro segundos;
b) parar e segurar a respiração por dois segundos; c) expirar procurando movimentar
apenas a barriga por cinco segundos; d) parar e manter o pulmão vazio por dois segundos;
4) Repetir o procedimento completo por trôs vezes e fazer avaliação comparativa estado
de ansiedade antes e após o exercício.

Técnicas de relaxamento
A grande maioria das pessoas vive em um mundo cheio de tensões que,
normalmente, provocam contrações musculares intensas em determinadas regiões do
corpo, desencadeando reações em determinados grupos musculares. Como tratamos
aqui dos transtornos de ansiedade, cabe ressaltar a estreita ligação entre os sintomas
ansiosos e a tensão muscular. Em um mecanismo atávico e fisiológico de preservação da
espécie, frente a determinado estimulo interpretado como sinal de perigo, o organismo
reage através de uma constrição muscular que o prepara uma ação inesperada (luta ou
fuga). Sendo a ansiedade um estado de alerta constante, permeado por temores e
preocupações, é quase inevitável que o corpo passe a apresentar uma tensão constante e
intensa que pode levar ao desenvolvimento de dores lombares, de cabeça, nos ombros e
no pescoço.
Embora exista uma forte tendôncia a definir o relaxamento referindo-se a seu
correlato fisiológico, o relaxamento no sentido restrito constitui um típico processo
psicofisiológico de caráter interativo, onde o fisiológico e o psicológico interagem como
partes integrantes do processo como causa e como produto (Turpin, 1989). Desta forma,
qualquer definição de relaxamento deve fazer referência necessariamente a seus
componentes fisiológicos - redução da ativação somática e autonômica; cognitivos -
tranqüilidade e alivio dos pensamentos incômodos; e comportamentais - estado de
quiescôncia motora, bem como suas possíveis vias de interação e influência (Vera e Vila,
1996).
A investigação sobre o estresse tem sido, sem dúvida, o marco conceituai mais
relevante para o estudo do relaxamento. O estresse tende a ser conceituado atualmente
como uma resposta biológica frente a situações percebidas e avaliadas como ameaçadoras
e às quais o organismo não possui recursos para enfrentar adequadamente. Esta forma de
compreender o estresse ressalta o componente biológico da resposta, mas, ao mesmo
tempo, evidencia a importância de duas variáveis psicológicas mediadoras: a avaliação
cognitiva da situação e a capacidade do indivíduo para enfrentá-la. Por outro lado, se aceita
que a resposta biológica inclua componentes dos sistemas neurofisiológicos,
neuroendócrino e neurolmunológico, além de ser acompanhada de componentes cognitivos
e comportamentais.
Está, portanto, plenamente justificada a necessidade de que um profissional da
saúde mental esteja ciente das técnicas de relaxamento. Descrevemos aqui duas delas, as
que consideramos fundamentais como recurso de tratamento dos transtornos de
ansiedade: o Relaxamento Muscular Progressivo, criado por Jacobson, e o Treinamento
Autogênico de Shultz.
Relaxamento Muscular Progressivo - em 1906, um médico fisiologista chamado
Edmund Jacobson, em seu laboratório da Universidade de Harvard, desenvolveu uma
tócnica de relaxamento muito utilizada até os dias atuais. Trata-se do R e la x a m e n to
Muscular Progressivo (RMP), técnica que proporciona bem estar e alivio das tensões,
fazendo com que o organismo retome suas energias, gastas demasiadamente sem
nenhum controle dadas as contrações musculares desnecessárias e quase imperceptíveis.

1 9 2 tylldo A n g clo lli e M«irisa Fortes


O RMP é uma técnica especifica para induzir relaxamento de nervos e músculos, envolvendo
a contração de um grupo muscular especifico e seu relaxamento, progredindo de um grupo
muscular para outro, em todo corpo. Possui duas fases: a de contração e a de relaxamento.
A fase de contração ensina o indivíduo a reconhecer o enrijecimento muscular e a fase de
relaxamento a reconhecer e eliciar um estado de relaxamento sempre que for necessário.
Não foram observadas contra-indicações para a técnica, no entanto, a prática deve ser
acompanhada por um profissional especializado (Angelotti, 2003)
Treinamento AutogAnico - cerca de trôs anos após Jacobson publicar a sua técnica de
relaxamento, o psiquiatra alemão Johannes H. Schultz, interessado no trabalho desenvolvido
por Vogt sobre auto-sugestão, une este a algumas das técnicas do yoga e publica urna nova
técnica de relaxamento, o Treinamento Autogônico (TA), também conhecido como treino ou
relaxamento autógeno. Trata-se de uma das técnicas de controle do stress mais eficientes
e completas e consiste em ensinar aos comandos verbais quando e como relaxar e voltar
ao estado de equilíbrio. O procedimento utilizado para o condicionamento verbal foi dividido
em trôs tipos principais de exercícios: o padrão (baseado na concentração corporal), a
meditação (que ensina o indivíduo a voltar-se pra si, focalizando seu pensamento) e os
especiais (que normalizam problemas específicos), O TA ajuda na regulação dos tratos
respiratório e gastrintestinal, além dos sistemas circulatório e endócrino. Também é utilizado
para reduzir a ansiedade generalizada, a dor e a irritabilidade. Não é recomendado nos
casos do transtornos que causam delírio e/ou alucinações, também é desaconselhável
para crianças monores de cinco anos e indivíduos que se apresentem desmotivados.
Deve-se ficar atento para as alterações psicofisiológicas que o TA provoca no organismo,
pois doenças como diabetes e cardiopatias apresentam reações como a hlper ou
hipoglicemia, sendo necessário o acompanhamento módico no intuito de verificar a
regularização da pressão sanguínea proporcionada pelo treinamento (Angelotti, 2003).
Instruções para Aplicação - as instruções a seguir se voltam apenas às duas técnicas
mais aplicadas pelos profissionais da área da saúde no controle do stress, devido ao seu
reconhecimento pela comunidade científica com base em extensas pesquisas sobre o
assunto. Tanto o RMP de Jacobson quanto o TA de Schultz apresentam exercícios que
podem ser aplicados de forma breve ou prolongada, cabendo a decisão quanto à sua
durabilidade ao terapeuta responsável. Iremos abordar nessa seção apenas a forma
abreviada, uma vez que a finalidade da aplicação descrita aqui é o relaxamento e não a
terapia. As versões que serão utilizadas aqui são modificadas a fim de tomar mais fácil o
aprendizado e aumentar a eficiência no ensino da resposta de relaxamento. Após o período
de instrução, as duas técnicas podem ser auto-aplicadas pelo paciente, garantindo a elo
respostas positivas mais rápidas e efetivas no equilíbrio do organismo, restabelecendo
sua homeostase. Eis, pois, os roteiros de aplicação:

Relaxamento muscular progressivo


Antes de iniciar a aplicação, o terapeuta deverá instruir o paciente sobre os pré-
requisitos necessários, independentes da posição corporal apropriada para a execução
dos exercícios.
Em primeiro lugar, o paciente é instruído a identificar as áreas que apresentam
contração muscular, ou seja, áreas com maior número de pontos de tensão distribuído
pelo corpo, tais como dores nos ombros, nas costas, pescoço ou na cabeça, ou apenas
uma área especifica A medida que o paciente for adquirindo prática na auto-aplicação,
sugere-se que reconheça os sinais de tensão e que tente se sentir cada vez mais
preparado para relaxar. Deste modo, ao adquirir confiança na auto-aplicação, o paciente
estará apto a identificar os pontos de tensão e automaticamente sentir alívio ao relaxar.

Sobre 1'om port.im enlo e Coflniç*lo 1 9 3


O ambiente utilizado para a prática dos exercidos deve ser relativamente
silencioso e aquecido, confortável (cadeira ou cama - opta-se pela posição em que se
sentir mais confortável) e livre de distrações. Pede-se ao cliente que afrouxe as roupas
apertadas, retire os calçados e não contraia nenhum músculo tenso quando estiver
sentindo dores. Quanto ao número de sessões a se realizar, não foi possivel encontrar
consenso entre os vários autores pesquisados na literatura, porém, sugerimos ao
paciente que o utilize sempre que sentir necessidade. Como cada paciente apresenta
determinados grupos musculares contraidos, o procedimonto a ser adotado deverá ser
definido conforme o nivel de tensão e a quantidade de feixes afetados. Uma sessão de
relaxamento, em média, deve durar cerca de 30 minutos, sendo que para cada feixe do
grupo muscular exercitado sugere-se uma contração muscular de cinco a dez segundos.
Para cada grupo relaxado, de vinte a trinta segundos. Os grupos musculares que se
encontram cronicamente tensos podem ser divididos em quatro importantes grupos
(Davis, Eshelman e Mckay, 1996):
1. Mãos, antebraços e biceps;
2. Cabeça, rosto, garganta e ombros, testa, bochechas, nariz, olhos, maxilares, lábios
e lingua, pescoço e toda região ao redor da cabeça;
3. Tórax, estômago e parte inferior das costas;
4. Coxas, nádegas, barriga da perna e pós.
Para proceder à aplicação, siga a instrução abaixo sempre lembrando que
após a instrução para a contração segue-se o relaxamento:
“Encontre uma posição confortável e tente se sentir o mais relaxado que conseguir.
Feche a mão direita, tensionando o máximo que puder. Identifique como seus
músculos estão contraídos. Agora identifique a tensão que sentiu, e aos poucos,
abra sua mão e sinta a sensação de relaxamento”.
Em cada grupo sugerido, deve-se seguir a mesma orientação descrita acima.
Veja a seguir as instruções detalhadas de cada grupo muscular:
r CÓNTRACAO ^ IDENTIFICAÇÃO ^ RELAXAMENTO
01 Mâo e antebraço dominante«: apertar o punho
02 Bíceps dominante: empurrar o cotovelo contra o braço da poltrona
03 Mflo, antebraço e bleepe nflo dominantes: prpced[mento lgua! ao do membro dominante.
04 Testa e couro cab«ludo: levantar as sobrancelhas tio alto auanto possíveis
W Olhos e nariz: aoertar os olhos e ao mesmo temoo enruoar o nariz
06 Boca e mandíbula: apertar os dentes enquanto leva os cantos da boca em direçlo ás
orelhas . ___ __ __ . ________ _________________ ___ ______
07 Pescoco: dobrar para a direita e esquerda, para frente e para trás.
08 Ombros, peito e costas: Inspirar profundamente mantendo a respiração e, ao mesmo
tempo Jevar os ombro» par« trás tentando juntar as omoplata»
09 Estftmaflp: encolher, contendo a respiraçflo.
10 Perna e músculo direito: tentar subir a perna com força sem tirar o pé do assento (ou
chio)
11 Panturrilha dobrar o pé para cima estirando os dedos sem tirar o calcanhar do assento
(ou chflo)
12 Pé direito: estirar a ponta do pé e dobrar os dedos para dentro
13 Perna, panturrilha e pé esquerdos procedimento Igual ao dos membro» do lado direito,
14 Sequência completa de músculos: somente relaxamento

Treinamento autogénico
O ambiente ideal para a aplicação do procedimento do TA deve ser o mesmo
descrito acima para o RMP. É essencial manter uma atitude de concentração passiva, sem
nenhuma expectativa, ou seja, apenas ficar alerta à experiência sem a necessidade de

1 9 4 l/i lilo A n flclo lti c M a r iw forte»


tentar analisá-la. A posição corporal pode ser a mais confortável, podendo ser com os
braços descansados sobre as coxas (se estiver sentado) ou deitado com as pernas afastadas
e os pós voltados para a posição duas horas. Não há um numero de sessões definidas,
mas quanto maior a prática melhor o desempenho. Sugere-se que se pratique o exercido
de cinco a oito vezes por dia, por cerca de dois meses no mínimo. Organizamos a tabela a
seguir com os seis estágios Iniciais do TA que, mencionados por Shultz e Luthe (1959),
devem ser experienciados pelo paciente com a fala interna ritmada, calma e lentamente:
ROTEIRO PARA 0 TREIJ»JAMENTO AUTOOÊNICO
1)Peso 2) Calor
Meu braço direito está pesado. Meu braço direito esté quente,
Meu braço esquerdo está pesado, Meu braço esquerdo está quente,
Meus dois braços estAo pesados: Meus dois braços e stio quentes:
Minha perna direita está pesada, Minha perna direita está quente,
Minha perna esquerda estA pesada, Minha perna esquerda está quente;
Minhas duas pernas estAo pesadas, Minhas duas pernas estAo quentes;
Meus braços e minhas pernas estâo pesados Meus braços e minhas pernas estfio quentes.
(repetir cada frase três vezes) (repetir cada frase três v e z e s )_____ ____
3) CoraçAo 4) RespiraçAo
Meus batimentos cardíacos estão calmos e Minha respiração está calma e relaxada. Ela
regulares me anima
(repetir quatro ou cinco vezes) (repetir quatro ou cinco vezes)
5) Plexo solar: 6) Testa:
Meu plexo solar está quente Minha testa está fresca
(repetir quatro ou cinco vezes] ___ (re p ttir quatro ou cinco vezes)

Logo após o domínio da técnica sem a ajuda do terapeuta, passa-se a segunda fase
do treino: o uso de imagens mentais. Nesta fase, solicita-se ao paciente que visualize qualquer
situação ou cena que julgar agradável e se focalize nela. Algumas pessoas costumam visualizar
um passeio em um lago, outras preferem estar numa praia, em um lugar quente e confortável.
Para que esta fase apresente eficácia, diga ao seu paciente que, ao imaginar alguma cena,
busque descrevô-la de forma encoberta tentando experienciar cada momento de realização.
Finalizamos ressaltando que para a aplicação de ambas as técnicas de relaxamento são
necessário treinamento anterior, de preferência com o maior número de sujeitos possíveis,
pois a prática e domínio das técnicas são essenciais para sua efetividade.

Reestruturação cognitiva
Como já exposto, a reestruturação cognitiva é uma das técnicas mais utilizadas
para o tratamento de transtornos de ansiedade e tem alta eficácia, principalmente se
combinada com outras técnicas. Para Greenberger & Padesky (1999), "a ansiedade
pode ser reduzida tanto através da diminuição da percepção do perigo quanto através
do aumento da confiança na capacidade de lidar com ameaças" (p. 154). Assim, ao
trabalhar uma percepção mais próxima da realidade, bem como enfocar aspectos
fortalecedores de recursos que o Indivíduo possui de enfrentamento para estímulos
averslvos, é provocado um processo de reestruturação cognitiva, ou seja, uma mudança
de crenças, percepções e pensamentos disfuncionais.
Como técnicas de reestruturação cognitiva, citaremos trôs recursos descritos
por Dobson e Franche (1996, p. 464) como especialmente efetivos para os casos de
ansiedade:
a) Modificação do componente afetivo - este tópico trata do medo que o paciente tem
de seus estados ansiosos e de quanto isso o perturba e envergonha, principalmente
por temer a reação das pessoas que o cercam frente ao seu descontrole. O papel do
terapeuta é fazé-lo ver que, ao aceitar a ansiedade como um eventual elemento

Sobre Comporttim ento e Copnlçflo 1 9 5


adaptativo de seu funcionamento e parar de tentar controlá-la, poderá se sentir mais
confortável e tranqüilo. Trata-se, portanto, de retirar o afeto impregnado no tema e
olhá-lo de forma mais racional e menos emocional;
b) Descatastrofização * como o próprio nome diz, é uma busca por uma forma menos
dramática de encarar seus próprios medos, sobretudo quando estes parecem
absolutamente improváveis. Uma vez Identificada à cena catastrófica imaginada
pelo paciente, uma série de perguntas baseadas no chamado questionamento
socrático podem ser propostas pelo terapeuta, a fim de ajudá-lo a refletir sobre o
assunto e, quem sabe, desmistificá-lo. Exemplos de questões são: "O que pode
acontecer de mais terrível?"; "Quais são as imagens e pensamentos que passam
por sua cabeça quando vocô se imagina nessa situação?"; "Quais as sensações
corporais que vocô experimenta enquanto imagina tal coisa?"; "Caso isso ocorresse,
o que aconteceria? Como vocô lidaria com isso?"; "Quais seriam as medidas mais
eficazes que vocô proporia para resolver isso, caso ocorresse?". E, após essa reflexão
profunda sobre seu temor, procurar mostrar a ele que as coisas não são tão terríveis
e irremediáveis quanto pareciam em um primeiro momento. Além do mais, caso
seja inevitável á ocorrôncia de tal fato, não há nada que ele possa fazer em relação
a isso e, portanto, não adianta preocupar-se;
c) Estratégias de afrontamento - há um mecanismo denominado imaginação dirigida,
que consiste em utilizar imagens mentais para conduzir o paciente através de uma
vivência imaginativa de uma situação temida na qual ele se vê enfrentando seus
temores como se não estivesse ansioso. No principio pode ser difícil para o paciente
imaginar-se na cena. O terapeuta deve, então, pedir a ele que imagine outra pessoa
e, aos poucos, levá-lo a transferir essa imagem para si mesmo. Quanto mais detalhes
a atividade contiver, mais vívida e rica será a experiência sendo, portanto, mais
efetiva. Segundo Dobson e Franche (1996), "quanto mais freqüentemente se ensaie
a imagem positiva, mais eficaz ela se torna” (p. 466).

Parada de pensamento
A parada de pensamento é uma técnica bastante simples, que envolve um
treino de autocontrole por parte do paciente e consiste na interrupção de um pensamento
desconfortável, intrusivo e recorrente quando da sua ocorrôncia. A questão ó que, muitas
vezes, o indivíduo não se apercebe da afluência deste tipo de pensamento até
experimentar as emoções negativas e desagradáveis decorrentes dele ou, até mesmo,
até a concretização do pensamento através de um comportamento tão disfuncional
quanto ele É como se ele vivesse anestesiado para suas próprias reações, sem uma
percepção muito profunda do que está ocorrendo consigo mesmo.
Para completar essa idéia, vamos fazer uma reflexão sobre a forma como ocorrem
os pensamentos automáticos, conceituados por Beck (1997, p. 87) como a expressão da
interpretação de uma situação (e não a situação em si). Segundo a autora, mesmo parecendo
que os pensamentos automáticos são imprevisíveis, é possível antever sua ocorrência a
partir do conhecimento e identificação das crenças subjacentes do paciente. Ela traz um
excelente exemplo quando conta que algumas pessoas, ainda no início de um texto difícil,
subitamente se apanham pensando "eu não consigo entender isso" e, em casos extremos,
"eu nunca vou conseguir entender isso". Nesse momento, alguém treinado com as técnicas
cognitivas provavelmente conseguirá utilizar seu sentimento negativo para identificar, avaliar e
questionar a veracidade de seu pensamento. Afinal, "quando nos tomamos cientes dos nossos
pensamentos, podemos automaticamente fazer uma checagem de realidade quando não
estamos sofrendo de disfunção psicológica" (Beck, 1997, p. 87).

1 9 6 C/lido A n flclo ü i c M .iris .i f orte*


Voltando às paradas de pensamento, Guimarães (2001) aponta que "a presença
de pensamentos irreais ou improdutivos costuma favorecer a ocorrência de
comportamentos indesejáveis, compulsivos ou de esquiva, bem como dificultar a
realização de tarefas desejáveis (p. 122). Assim é funcional que o paciente aprenda a
identificar a ocorrência de tais pensamentos e consiga afastá-los. Em termos práticos,
o terapeuta deve fazer com que o paciente consiga relatar de forma clara seu pensamento
incômodo e, caso seja necessário, pode exemplificar com qualquer outro a fim de
esclarecer a técnica. Com o pensamento já em curso sinalizado pelo paciente, o terapeuta
irá repentinamente exclamar" Parel"batendo palmas, a fim de associar o barulho ao
momento de parada. O paciente será surpreendido e terá o curso de seu pensamento
interrompido, verificando após sucessivas sessões cada vez mais dificuldade em
retomá-lo. O paciente poderá ser convidado a incorporar essa técnica a seu dia-a-dia,
realizando o exercício sozinho sempre que identificar um pensamento desagradável
em curso (Guimarães, 2001, p. 122).

Indução de sintomas
Também chamada de terapia implosiva ou inundação, a técnica consiste om
apresentar o estimulo aversivo ao paciente repetidamente, a fim de estimular o
aparecimento dos sintomas e trabalhar a sua extinção. A idéia aqui descrita pode parecer
cruel, mas ao provocar intencionalmente a crise ansiosa no paciente em um ambiente
minimamente controlado, é possível demonstrar a ele as formas de experimentar a
sensação, reconhecê-la e lidar com ela. Há diversas maneiras de fazer surgirem os
sintomas de ansiedade. Uma delas, focada no transtorno de pânico, é descrita por
Dattilio & Freeman (2004) da seguinte maneira:
Na indução de sintomas, apresenta-se ao cliente um exercido terapêutico em que
ele ó instruído a acom panhar o terapeuta em sucessivas inspirações curtas,
inalando e exalando, por aproximadamente dois a três minutos. Esse procedimento
reproduz os sintomas de pânico ao ativar o sistema nervoso autônomo e romper o
equilíbrio entre níveis de oxigênio e dióxido de carbono, às vezes também
provocando hiperventilaçâo (p. 70).
É possível ao terapeuta, desta forma, acompanhar em conjunto com o paciente
as etapas da crise e obter descrições dos pensamentos que surgem em seu decorrer,
favorecendo assim o controle do evento ansioso através de reestruturação cognitiva o
técnicas de respiração em tempo real. A meta com esse procedimento é demonstrar ao
paciente de que forma o processo ocorre e que, assim como o ataque pode ser
provocado, é possível também debelá-lo contando consigo mesmo para tanto Há três
aspectos que devem ser objeto de atenção do terapeuta após o processo de indução
dos sintomas: sintomas específicos, pensamentos automáticos e reações emocionais
deles resultantes (Dattilio & Freeman, 2004, p. 70).

Dessensibilização sistemática (DS)


Trata-se de uma técnica que consiste em promover a habituação ao estímulo
aversivo, ou seja, aproximar gradualmente o paciente - após todo um trabalho de base
proporcionando-lhe ferramentas para lidar com manifestações ansiosas - do objeto ou
situação gerador de seu desconforto. Existem duas formas de promover essa exposição,
através da imaginação (imagens) ou ao vivo. Quando nos referimos a dessensibilização
sistemática ao vivo, recorremos a Zamignani (2004) que afirma ser a técnica, elaborada
por Joseph Wolpe no final dos anos 1940, composta basicamente de quatro elementos:

Sobre (.'omportiimcnfo e C ordIçAo 1 9 7


1) treino em técnicas de relaxamento; 2) desenvolvimento de uma escala de
ansiedade subjetiva; 3) planejamento de exposição gradual ao (s) evento (s) que
elida (m) respostas de ansiedade e/ou esquiva, e 4) pareamento dos eventos
ellcladores de ansiedade com o relaxamento (p. 170).
É recomendável que a escala de eventos desencadeadores de reações
ansiógenas deve obedecer a uma hierarquia de intensidade, a fim de proporcionar ao
terapeuta e paciente opções justamente graduais de repercussão ansiógena em relação
à exposição. Em termos do procedimento realizado com a utilização do visualização de
imagens mentais, podemos dizer que os princípios são os mesmos, o que difere ó a
forma de aplicação. Nesse caso, podem ser utilizados recursos visuais como gravuras,
imagens recortadas de revistas ou fotos como referenciais de estímulos neutros e
averslvos durante a construção da hierarquia de ansiedade. Essas imagens serão
evocadas mais tarde, durante a dessensibilização propriamente dita.
Ferraz (2004) enfatiza a importância de uma análise comportamental eficiente
da história do paciente, a fim de atuar mesmo durante o tratamento "identificando e
intervindo nos fatores fundamentais relacionados ao transtorno de ansiedade
apresentado" (p. 180). A autora descreve o andamento de uma primeira sessão:
(...) começa com o paciente sendo solicitado a relaxar tão profundamente quanto
possível. Ele precisa começar a imaginar uma cena que nôo produza ansiedade (o
estimulo neutro). Deve-se ter o cuidado de assegurar que a cena seja visualizada
tâo vividamente quanto possível e que nâo sejam Incorporados quaisquer estímulos
perturbadores. O terapeuta pede que ele Imagine as cenas durante alguns
segundos. Em seguida, pergunta ao paciente o grau de ansiedade que experimentou
pela escala SUDS\ Se ele atingiu um nlvel próximo de zero, è introduzida a cena
mais fraca da hierarquia por alguns segundos, solicitando-se que o paciente
atribua uma nota à ansiedade que a mesma despertou. O terapeuta, entSo, o
conduz novamente ao estado de relaxamento com ansiedade próxima de zero.
Reapresenta a cena anterior até que o paciente atinja o nlvel zero. Uma vez
alcançado esse nlvel, apresenta-se o próximo item da lista e procede-se da mesma
maneira, até se atingir o nlvel zero novamente (p. 180).
Turner (1996) considera a DS apropriada para o trabalho com os temores
irracionais, porém quando tratamos de aspectos reais baseados na observação empirica
do paciente como, por exemplo, déficit nas habilidades, ele recomenda que se ensinem
recursos apropriados para lidar com o problema ao paciente, em vez de dessensibilizá-
lo em relação a um aspecto que configura um dado de realidade. Ele completa
acrescentando que "no caso de medos racionais de perigo, ó necessário aconselhar o
indivíduo sobre a propriedade de seus temores. O terapeuta deve considerar essa
distinção" (p. 175).

Treino de habilidades sociais


Antes de explicitar a técnica em si, é importante situarmos o leitor a respeito da
fobia social, transtorno para o qual o treino de habilidades sociais é mais indicado.
Segundo Caballo, Andrés e Bas (2003), a fobia social caracteriza-se pelo medo que um
sujeito tem de "fazer algo enquanto sabe que os demais estarão observando-o e, em
certa medida, avaliando seu comportamento” (p. 26). Segundo os autores, alguns
exemplos de situações sociais temidas por um fóbico social são: falar ao telefone,
utilizar banheiros públicos, falar em público, trabalhar enquanto sabe que é observado,
manter contato visual com desconhecidos e comer ou beber em público.

1Facala da Unidado« SutifoUvai dmAnsmdHde, «mi gu* ao grau mam atto do nnitodadn/tnfmx é atrMxjldo o valor do 100

1 9 8 Cylldo A n flclo tll c M .t r lw fo r1 «


A idéia central do tratamento é promover um aumento de possibilidades de
atuação presentes no repertório do paciente, no intuito de atenuar suas dificuldades no
âmbito de relacionamentos sociais. Para tanto, é preciso treiná-lo incrementando sua
performance interpessoal e buscando minimizar seu desconforto no trato com as
pessoas. Trata-se, fundamentalmente, de ensiná-lo como agir em situações criticas e
promotoras de ansiedade. Esse aprendizado pode ser adquirido pelo paciente através
do role-playing que, criado a partir de um exemplo especifico de situação fóbica poderá
ser vivenciado por paciente e terapeuta durante as sessões.
Caballo (1996) apresenta um modelo de procedimento que se inicia com a
definição, em conjunto com o paciente, de uma lista de situações especificas de maior
dificuldade. Em seguida, deve ser realizada uma análise das causas que levam o paciente
a comportar-se de forma socialmente adequada. O autor especifica que "antes de iniciar
o treinamento em si, ó importante informar o paciente sobre a natureza do THS, sobre os
objetivos a alcançar na terapia e sobre o que se espera que o paciente faça" (p. 369), além
de estimular a motivação dele para o trabalho preste a ocorrer. Ao iniciar o programa de
sessões, é bom também que o paciente já tenha intimidade com as técnicas de
relaxamento, uma vez que ao abordar assuntos desconfortáveis é recomendável que ele
mantenha uma postura relaxada, a fim de combater a ansiedade emergente naquele
momento. Isso irá contribuir para melhorar seu desempenho no treino.
Como passo seguinte podemos citar a eleição de uma situação que desperte
o menor grau de ansiedade como ponto de partida para o trabalho, analisando-a e
explorando comportamontos alternativos em conjunto com o paciente. Deve-se
considerar, distinguir e debater sobre respostas assertivas, não-assertivas e agressivas.
As tarefas de casa também são fundamentais, a fim de que ele possa estender os
efeitos da terapia e integrá-los em seu dia-a-dia, assumindo uma postura de terapeuta
de si mesmo fora do ambiente do consultório. Pode-se pedir registros diários de
situações ansiógenas ocorridas e uma descrição do que aconteceu, relacionada a
elementos discutidos em sessão como, por exemplo, formas de enfrentamento,
pensamentos e sensações percebidas (Caballo, 1996, p. 366).
Trata-se de um processo bastante amplo e detalhado e seria interessante que
o terapeuta buscasse adquirir conhecimentos aprofundados através de literatura mais
especifica, utilizando as fontes às quais recorremos aqui e muitas outras disponíveis.
De qualquer forma, Caballo (1996) estrutura quatro elementos para o desenvolvimento
completo de um processo de treino em habilidades sociais (THS):
1) Treinamento em habilidades - elemento mais básico e especifico do THS,
consiste em um procedimento pedagógico em que comportamentos mais funcionais
serão ensinados ao paciente, sempre visando um incremento de suas habilidades
sociais. De acordo com o problema do paciente, às vezes somente este procedimento
pode ser aplicado já com resultados positivos;
2) Redução de ansiedade - pode ser obtida através da dessensibilização
sistemática ou técnicas de relaxamento, porém, normalmente será obtida naturalmente
através da aquisição de um comportamento mais adaptativo frente à situação ansiógena;
3) Reestruturação cognitiva - técnica já descrita em detalhes nesse capitulo,
tem como objetivo a modificação de crenças, valores, pensamentos e atitudes
disfuncionaÍ8 do paciente;
4) Treinamento em solução de problemas - trata-se de uma forma de atuação
que pretende ensinar o paciente à "perceber corretamente os ‘valores1 de todos os

Sobrf Comporliim enlo e Cognição 1 9 9


parâmetros situacionais relevantes, a processar os valores desses parâmetros para
gerar respostas potenciais, a selecionar uma dessas respostas e enviá-la" (Caballo,
1996, p. 367) a fim de aumentar ao máximo as chances de atingir o objetivo que eliciou
determinada comunicação interpessoal.
Psicoeducação
Presente durante todo o tratamento, essa técnica fundamenta o trabalho cognitivo-
comportamental com pacientes não só de transtorno de ansiedade, mas em todo o
espectro da saúde mental. Para Savoia e Vianna (2006), a psicoeducação caracteriza-se
como a transmissão ao paciente de informações básicas sobre o transtorno ansioso,
incluindo natureza, tratamento e prognóstico. Dessa forma, ele poderá participar mais
efetivamente de seu próprio processo, estando ciente do curso do trabalho psicoterápico
e de suas possibilidades de atuação dentro dele. Além disso, a relação terapêutica ó
fortalecida diante de uma troca de idéias franca e aberta sobre o transtorno e suas
especificidades. Em relação às ferramentas que podem auxiliar o terapeuta nessa técnica,
as autoras apontam ainda que “é comum utilizar-se de biblioterapia, folhetos, livros que
auxiliam o paciente e seus familiares a compreender o transtorno” (p. 91).

H ipnose
De maneira nenhuma poderíamos em um simples capitulo detalhar ou instruir
o leitor sobre as formas de realizar uma hipnose, dada a complexidade dos conceitos
que precisam ser absorvidos pelo terapeuta disposto a utilizar esta técnica de forma
competente. Mistificada por muito tempo, graças às apresentações de mágicos e
ilusionistas ao grande público, a hipnose ainda permanece com um forte significado de
ausência de controle perante o senso comum. Afinal, de acordo com ele e historicamente,
apenas os que padeciam de "fraqueza mental" eram susceptíveis à hipnose. Na prática
clinica, a hipnose é uma importante ferramenta terapêutica, sendo possível utilizá-la -
ressalta-se que para tanto é imprescindível uma formação acadêmica especifica na
área - para um sem-número de transtornos, em especial os de ansiedade.
A hipnose pode ser caracterizada como a indução a um estado alterado de consciência
e, ao contrário do que pensa a maioria, o hipnotizado não fica sonolento ou "fora do ar", mas sim,
em um estado de alerta maior do que o que experimenta normalmente. Ferreira (2003) esclarece
que “o ponto essencial em qualquer tipo de tratamento é produzir mudança, e por meio da
hipnose pode-se freqüentemente modificar a maneira como se interpreta uma situação e em
conseqüência influenciar as respostas fisiológicas do organismo” (p. 39). Esse conceito vem de
encontro ao objetivo da terapia cognitivo-comportamental para o tratamento dos transtornos de
ansiedade que consiste, basicamente, em eliminar os estados ansiosos que provocam
comportamentos disfuncionais através de, entre outros, uma reestruturação cognitiva.
Dowd (1996) descreve uma divisão do tratamento hipnoteráplco em cinco
etapas, sendo elas:
1) Preparação do paciente - composta de três elementos básicos, sendo o
estabelecimento de relação terapêutica com o paciente, desmistificaçáo de mitos sobre
a hipnose e a exploração de sua capacidade para o transe;
2) indução hipnótica - consiste em eliciar o transe e pode ser executado através
de diversas técnicas, cabendo ao terapeuta escolher a que mais lhe agrade. Alguns
exemplos de técnicas que podem ser utilizadas são o relaxamento progressivo, a fixação
dos olhos e a de levitação da mão e do braço;
3) Aprofundamento da hipnose - como a hipnose é uma experiência progressiva,
tendo o procedimento um transcurso desenvolvido lentamente, esta etapa configura-se

200 C/fido A n # c lotti e M .ir is j f


ortcs
como uma forma de continuação da indução ao transe. Exemplos de técnicas utilizadas
nessa fase são o mergulho (imaginar que está mergulhando no ar, cada vez mais
profundamente) ou a contagem (contar até determinado número, imaginando a cada um
deles um maior aprofundamento no transe);
4) Emprego do transe hipnótico para propósitos terapêuticos - trata-se de utilizar
o estado de transe atingido pelo paciente para a finalidade clinica proposta, ou seja,
trabalhar aspectos como inflexões positivas e sugestioná-lo de acordo com seus
objetivos;
5) Finalização do processo - momento de empregar o percurso inverso do
utilizado para a indução hipnótica, ou seja, retomar com a mesma técnica aplicada de
forma retroativa progressivamente. Simultaneamente podem ser empregadas
sugestões de conteúdo fortalecedor e positivo, de forma que o paciente sinta-se relaxado
e tranqüilo quando da saida do transe (Dowd, 1996, p. 614).

Meditação
Também considerada antigamente como uma forma mística de se obter a
'‘elevaçãoH, a meditação atualmente ganhou o status de recurso clinico no tratamento de
diversas psicopatologias e, de forma muito efetiva, no controle da ansiedade. Diversos
estudos científicos estão sendo realizados nessa área e comprovam que a meditação,
antes considerada apenas ferramenta para o bem-estar e evolução espiritual, tem de
fato grande influência na fisiologia humana e influência sobre diversos sistemas como,
por exemplo, o nervoso, o imunológico e o endócrino.
Um dos preceitos da meditação é despertar e/ou ampliar a capacidade pessoal
de percepção em relação às sensações, uma vez que na maior parte do tempo pouco
nos dá conta de nossos estados internos. O ideal é que a prática, com duração mínima
de 20 minutos seja realizada duas vezes ao dia, logo pela manhã o no fim da tarde. Há
alguns aspectos a se observar para a obtenção de melhores resultados: escolher um
local calmo e claro; não meditar com o estômago muito cheio; sentar-se em postura
ereta e alerta; levantar o pescoço e manter a cabeça firme, sem recostar; manter os
olhos fechados.
No inicio, é difícil conseguir um estado de total relaxamento - proposta da meditação
- mantondo-se alerta às suas sensações sem sentir sonolência e torpor. Mas, com o treino,
é possível atingir o objetivo de ficar no momento presente e deixar os pensamentos fluírem
sem julgamentos ou preocupações em um processo de simples aceitação. Os iniciantes
costumam utilizar âncoras que ajudam no desenvolvimento da prática como, por exemplo,
prestar atenção na respiração, acompanhando a inspiração e a expiração, procurando não
pensar em nada específico. Existem diversas fontes bibliografias que ensinam a meditar e
descrevem as mais variadas técnicas, tanto para iniciantes quanto para pessoas em nlvel
mais avançado de experiência em práticas meditativas.
De acordo com Cardoso et al. (2004), há alguns parâmetros operacionais para
que o processo possa ser caracterizado como meditação, sendo eles: 1) utilização de
uma técnica claramente definida (necessário escolher e manter-se fiel a uma das
técnicas disponiveis); 2) experimentar um relaxamento muscular durante o processo
meditativo (é necessário que ocorra a instalação de um estado psicofisiológico de
relaxamento); 3) vivenciar um estado de "relaxamento lógico" (significa não analisar,
julgar ou criar expectativas em relação aos possiveis efeitos da meditação); 4) ser capaz
de auto-induzir esse estado sempre que julgar conveniente (a idéia é utilizar a técnica

Sobre Comportamento e Couniç.lo 201


como recurso terapêutico freqüentemente e mesmo sem a presença do instrutor/
terapeuta); 5) utilizar uma "âncora" (como, por exemplo, a atenção na respiração ou em
um som) para evitar possíveis estados que atrapalham a prática como transe, sonolência,
torpor e pensamentos indesejáveis (Cardoso et al, 2004, p. 59).

Considerações finais
Os transtornos de ansiedade, de ocorrência cada vez mais freqüente na população
de modo geral, revelam sintomas que podem ser classificados como disfuncionais para a
manutenção da tranqüilidade na rotina do paciente. O sofrimento se estende à família, que
muitas vezes não dispõe de informações suficientes para compreender a patologia e atuar
como coadjuvante no tratamento do ente querido. Assim, um dos componontes mais
importantes do arsenal do qual o psicoterapeuta dispõe para o manejo desses casos é a
informação, tanto para a familia que pode colaborar e muito com o tratamento, quanto ao
paciente que, de posse de detalhes sobre a sua problemática, pode atuar de modo mais
proativo e engajado em prol de sua própria recuperação.
É de vital importância conhecer profundamente o quadro a ser tratado, a fim de
estabelecer um protocolo de atendimento - que pode envolver algumas das técnicas descritas
neste capitulo - personalizado e inserido corretamente no contexto da problemática especifica
de cada paciente. Além disso, a Idéia de envolvê-lo ativamente no processo psicoterápico e
posicioná-lo como promotor de seu próprio bem-estar faz com que possamos contribuir
para a emergência de um indivíduo mais independente, capaz e autoconfianto. Consideramos
essa noção um dos diferenciais da terapia congnitivo-comportamental e uma ferramenta
importante no que se refere às medidas de prevenção de recaídas.

Referências
Almeida Filho, N., & Mari, J.J., & Coutinho, E., & França, J.F., & Fernandes, J., & Andreoll, S.B. et al.
(1992 julho/setembro) Estudo multicéntrico de morbidade psiquiátrica em áreas urbanas
brasileiras (Brasília. Sâo Paulo, Porto Alegre). Revista ABP-APAL, 14(3), 93-104.
American Psychiatrlc Association [APA]. (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais DSM-IV-TR,M. (M.R. Jorge, Coord.). 4 ed. rev. Porto Alegre, RS: ARTMED.
Angelotti, G (2003) O papel do relaxamento no controle do stress. In. Lipp, M.N. Mecanismos
Neuropslcológlcos do Stress - Teoria e Aplicações Clinicas Sâo Paulo: Casa do Psicólogo.
Beck, J S. (1997) Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre, RS: ARTMED.
Caballo, V.E. (1996) Manual de técnicas de terapia e modificação do comportamento. Sâo Paulo:
Santos Editora.
Caballo, V.E., & Andrés, V., & Bas, F. (2003) Fobia social. In Caballo, V. E. (Coord.), Manual para o
tratamento cognltivo-comportamental dos transtornos psicológicos (pp. 25-87) Sâo Paulo:
Santos Editora.
Cardoso, R., & Souza, E., & Camano, L., & Leite, J.R. (2004) Medltatlon in health: an operacional
deflnltlon Brain Research Protocols, 14: 58-60.
Castlllo, A.R.G.L., & Recondo, R., & Asbahr, F.R., & Manero, G.G. (2000) Transtornos de ansiedade.
Revista Brasileira de Psiquiatria, 22(Supl II): 20-23.
Clark, D.M. (1997). Estados de ansiedade: pânico e ansiedade generalizada. In Hawton, K., &
Salkovskls, P.M., & Klrk, J„ & Clark. D.M. (Eds.), Terapia cognltivo-comportamental para
problemas psiquiátricos: um guia prático (pp. 75-137). Sâo Paulo: Martins Fontes.
Cordás, T.A. (2004) Uma breve história dos transtornos ansiosos. Sâo Paulo: Lemos Editorial.
Dattlllo, F.M., & Freeman, A. (Eds.). (2004). Estratégias cognltlvo-comportamentals em situações de
crise. Porto Alegre, RS: ARTMED.
Davls, M., & Eshelman, E.R., & Mckay, M. (1996). Manual de relaxamento e redução do stress. Sâo

202 t/ildo Antfcloltl c Murisd f ortrs


Paulo: Summus.
Dobson, K.S., & Franche, R. (1996). A prática da terapia cognitiva. In Caballo, V. (Org.), Manual de
técnicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 441-470). Sâo Paulo: Santos
Editora.
Dowd, E.T. (1996) Hipnoterapia. In Caballo, V.E. (Org.), Manual de técnicas de terapia e modificação
do comportamento (pp. 609-628). Sôo Paulo: Santos Editora
Falcone, E. (2001) Psicoterapla cognitiva. In Rangé, B. (Org ), Psicoteraplas cognltivo-
comportamentais: um diálogo com a psiquiatria (pp. 49-61). Porto Alegre, RS: ARTMED.
Ferraz, M.R.P. (2004). Dessensibilização sistemática por imagens. In Abreu, C.N., & Guilhardi, H.J.
(Orgs.), Terapia comportamental e cognltlvo-comportamentat. práticas clinicas (pp. 177-
185). São Paulo: Roca.
Ferreira, M.V.C. (2003). Hipnose na prática clinica. Sôo Paulo: Editora Atheneu.
Figueiredo, M.S.L. (2004). Classificação. In L.A.B. Hetem & F.G.Graeff (Eds.), Transtornos de Ansiedade
(pp. 29-51). Sôo Paulo: Editora Atheneu.
Greenberger, D., & Padesky, C.A. (1999). A mente vencendo o humor. Porto alegre, RS: ARTMED.
Guimarães, S.S. (2001). Técnicas cognitivas e comportamentais. In Rangé, B. (Org.), Psicoteraplas
cognltivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria (pp. 113-130). Porto Alegre, RS:
ARTMED.
Hollander, E., & Simeon, D. (2004). Transtornos de Ansiedade. Porto Alegre, RS: ARTMED.
Holmes, D.S. (2001). Psicologia dos transtornos mentais. Porto Alegre, RS: ARTMED.
Houaiss, A., & Villar, M.S. & Franco, F.M.M. (2001). Dicionário Houaiss da lingua portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva.
Jacobson, E. (1974). Progressive relaxation. Chicago: The University of Chicago Press, Midway
Reprint.
Lima, M.S., & Teixeira, V.A., & Andréa. A.C.V., & Magalhães, P.V.S. (2004). Epidemiologia. In L.A.B.
Hetem & F.G. Graeff (Eds.), Transtornos de Ansiedade (pp. 171-187). Sáo Paulo: Editora
Atheneu.
Organização Mundial da Saúde [OMS]. (1993). Classificação de transtornos mentais e de
comportamento da CID-10. descrições clinicas e diretrizes diagnósticas (D. Caetano, Trad.).
Porto Alegre, RS: ARTMED.
Pereira, M.E.C (2004). O conceito de ansiedade In L.A.B. Hetem & F.G. Graeff (Eds.), Transtornos
de Ansiedade (pp. 03-28). Sôo Paulo: Editora Atheneu.
Rangé, B. (Org.). (2001). Psicoteraplas cognltivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria.
Porto Alegre, RS: ARTMED.
Salkovskis, P.M. (Ed.). (2004) Fronteiras da terapia cognitiva. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Savoia, M.G., & Vianna, A.M. (2006). Especlflcidades do atendimento a pacientes com transtorno de
ansiedade In Savoia, M.G. (Org.), A Interface entre psicologia e psiquiatria: novo conceito
em saúde mental. Sâo Paulo: Roca.
Shultz, J., & Luthe, W. (1959). Autogenic Training, a psychophyslologic approach to psychoterapy.
New York: Grune and Stratton.
Skinner, B.F (1994) Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes
Turner, R.M. (1996). A dessensibilização sistemática. In Caballo, V. (Org.), Manual de técnicas de
terapia e modificação do comportamento (pp. 167*195). São Paulo: Santos Editora.
Turpin, G. (1989). Handbook of clinical psychophysiology. Chlnchester; Wiley.
Vera, M.N., & Vila, J. (1996). Técnicas de Relaxamento. In Caballo, V. (Org.), Manual de técnicas de
terapia e modificação do comportamento (pp. 147-165). São Paulo: Santos Editora.
Zamignani, D.R. (2004). Dessensibilização sistemática ao vivo. In Abreu, C.N., & Guilhardi, H.J.
(Orgs.), Terapia comportamental e cognitivo-comportamental: práticas clinicas (pp. 169-
176). São Paulo: Roca.

Sobre Comporlumcnto e C ognlçto 2 0 3


Capítulo 21
A Prática Profissional sob a óptica do
Método da Observação Direta
CJitm N o lfto Hucno/ Fabiana Alves Leite de Ajjuiar
Ada Sitna Trindade Silva; KJéWn Camargo d»» Passos c
Ana Carolina Ferreira Moura
Universidade Católica de Qoiás

O presente estudo teve por objetivo observar a interação verbal entre uma cliente
e uma estagiária-terapeuta nunca clinica escola de psicologia. A finalidade foi verificar
como o comportamento verbal e não-verbal da terapeuta afetaria a cliente e como o
comportamento verbal e não-verbal do cliente afetaria a terapeuta. Objetivou, também,
investigar se a terapeuta mantinha-se atenta a tais comportamentos e se essa intervenção
conseqüenciaria mudanças no repertório comportamental por parte da cliente com o
consoqüente controle dos seus comportamentos-problema.

A Observação Direta na Prática Clinica


O desenvolvimento de pesquisas na área clinica tem favorecido uma melhor
compreensão sobre o comportamento humano. De uma contingência para outra se
observa que uma pessoa apresenta um determinado tipo de comportamento. A função
do terapeuta ó também descrever topografias e avaliar probabilidades de ocorrência ao
buscar as variáveis ambientais das quais a probabilidade do comportar-se é função.
Resultados empíricos, além de favorecerem a construção de novas teorias,
possibilitam a definição de estratégias consistentes que promovam a qualidade das
intervenções terapêuticas.
Expressões faciais, gestos, posturas ou fixações visuais constituem também
material para o terapeuta. Tais comportamentos podem exercer funções sutis nas
interações terapeuta-cliente. Buscar conhecer a ocorrência desses aspectos do
repertório de uma pessoa trará informações úteis sobre os efeitos do meio em relação
ao comportamento. Como adverte Meyer (2004) "A realização de pesquisas clínicas é
tarefa complexa com desafios a serem superados" (355).
Diante dos inúmeros desafios propostos por essa ordem de pesquisa, a
utilização de registro em vídeo das sessões terapêuticas pode ser um facilitador, uma

204 l/in<i N . Hucno/ htbum.i A . L. de AfluMr, A iki S. T. Sllv«i( U ílfn C . ilos P.issos c A n a C.irolin.i
f. Mour.i
vez que esse procedimento favorece a revisão de uma mesma gravação quantas vezes
se fizerem necessárias para observar e descrever diferentes classes comportamentais.
Por esse instrumento, o registro em vídeo, o pesquisador poderá alcançar a
fidedignidade dos dados observados, eliminando falhas. Além de possibilitar a
confrontação dos resultados registrados, através da análise desses dados por outros
pesquisadores, que terão acesso ao material gravado.
Porém, o psicólogo clínico depara-se com a necessidade de técnicas para
observar e descrever os comportamentos emitidos pelo cliente. A eficácia do um processo
de intervenção psicológica inicia-se pela adequada e rigorosa descrição dos repertórios
de comportamentos que se pretende mudados. Estudos observacionais em contextos
clínicos desenvolvidos por Britto, Oliveira e Sousa (2003), Elias e Britto (2004) e
Fernandes e Britto (2005) demonstraram que a possibilidade de reprisar fitas de vídeo
várias vezes tornou possível focalizar diferentes aspectos da relação terapêutica, nas
quais novas categorias próprias daquele contexto emergiram. Desse modo, ficou
evidenciado que "Para a análise em contextos clínicos, o registro obtido por meio de
gravação em vídeo é o mais próximo do dado real, isto é, há uma relação entre o registro
e o que ocorreu na sessão" (Britto, Oliveira & Sousa, 2003, p. 141).

Comportamento Verbal e Não-Verbal


Ao propor uma definição para comportamento vorbal Skinner (1957/1978, p. 16)
salienta ser o “(...) comportamento reforçado pela mediação de outras pessoas". Adverte
que o comportamento do ouvinte, quando ocorre com a finalidade de mediar as
conseqüências do falante "(...) não é necessariamente verbal em nenhum sentido
especial", uma vez que não há como separá-lo do comportamento geral. Desta forma, o
autor considera ser uma definição mais adequada para o comportamento verbal aquela
que compreende "(...) os aspectos do comportamento do ouvinte necessários para
explicar o comportamento do falante" (p. 17). Juntos, ambos os comportamentos - do
ouvinte e do falante - comporão o episódio verbal total.
Skinner (1957/1978) destaca que o repertório operante do ser humano - aquilo
que ele faz - pode ser dividido em verbal e não-verbal. Os comportamentos verbais são
aqueles comportamentos que não exercem uma ação direta no meio ambiente, só
ocorrendo quando há uma interação entre falante e ouvinte. Assim, o que torna o
comportamento verbal efetivo, não é o fazer dele próprio, pois ele mesmo não realiza
coisas, e sim a mediação de outras pessoas. O comportamento verbal é modelado
pelas contingências sociais em que o ouvinte se torna falante e o falante se torna
ouvinte, e o comportamento de um (falante ou ouvinto), reforça o comportamento do
outro. Dessa forma as culturas verbais são sociedades de reforço recíproco (Catania,
1998/1999).
Já os "(...) comportamentos não-verbais operam diretamente sobre o ambiente,
produzindo conseqüências; suas propriedades ou dimensões são relacionadas aos
seus efeitos mecânicos produzidos em contingências mantidas pelo ambiente físico
(...)" (Borloti, 2004, pp. 222 - 223).
"A diferença básica entre o comportamento verbal e os outros operantes (nâo-
verbais) está no fato de que o comportamento verbal é um operante cuja as
conseqüências não guardam relações mecânicas com a resposta a que são
contingentes" (Barros, 2003, p. 75).
Mas não há como negar, na concepção skinneriana, o controle do comportamento
verbal sobre o comportamento não-verbal. Posto isto, uma mudança no comportamento

Sobre Comportamento e Co#nlçJo 2 0 5


verbal do indivíduo poderá facilitar a mudança do comportamento não-verbal
correspondente (Catania, 1998/1999). Knapp e Hall (1992/1999) pontuam o
comportamento verbal como sendo narrativo e conceituai, enquanto o não-verbal é
comunicador de emoções, atribuindo significados ao sinal manifestado pelo indivíduo.
Uma das queixas mais prevalentes no processo terapêutico trazida pelo cliente
é a de que suas emoções estão em HdesequilfbrioH. A posição skinneriana é a de que
emoção ó uma ação sensorial semelhante ao ver e ao ouvir. A discriminação do sentir e
a descrição do mesmo, só são possíveis via comunidade verbal, através das
contingências por ela mediadas (Meyer, 2001). Essa ação sensorial tem alta ocorrência
durante o processo terapêutico.
O comportamento verbal e não-verbal são, essencialmente, os comportamentos
que mais ocorrem na relação terapêutica. Por isso mesmo, a motivação de terapeutas
e estudiosos em melhor conhecô-los: "Este é o novo estágio em pesquisa clinica:
estudar o comportamento verbal do terapeuta e cliente durante a sessão e investigar
quais variáveis são priorizadas durante as sessões terapêuticas" (Kerbauy,1999, p. 64).
Esses esforços justificam-se, pois como salienta Skinner (1989/1991) "Todo o
comportamento, seja ele humano ou não humano, é inconsciente: ele se torna
'consciente' quando os ambientes verbais fornecem as contingências necessárias à
auto-observaçâo" (p. 88).

Processo Terapêutico
Independente da abordagem teórica sabe-se que o processo terapêutico se
destaca pelo seu papel de ensinar, de criar condições que permitam ao cliente aprender
a observar, a descrever e a controlar seu próprio comportamento, através da
automonitoração. Desta forma, de acordo com Kuhn (1962/1977), o conhecimento pela
descrição necessita do amparo do conhecimento por meio da prática. Porém, Guilhardi
(1997) garante que o autoconhecimento - que será favorecido pelo automonitoramento
- só acontece de forma concreta através de questões feitas pelo terapeuta. Mas, como
sugere Skinner (1957/1978), no inicio da terapia o terapeuta não tem muita “força"
perante o cliente, pois ainda não há laços suficientes para tal progresso. Esses laços
serão construídos à medida que o processo de cooperação entre essa dlade - terapeuta
e cliente - for estabelecido. Isto implicará, necessariamente, na adesão terapêutica que
tem caráter decisivo no alcance dos objetivos propostos a essa ordem de tratamento: o
autocontrole. Pois, como salientam Vázquez, Rodrlguez e Álvarez (1998), a adesão é
assunto comportamental, uma vez que sua ocorrência dependerá do comportamento
do cliente e do comportamento do terapeuta.

Método
Participantes
Os sujeitos deste estudo compreenderam a diade estagiária-terapeuta e cliente:
(a) cliente de 63 anos, á época deste estudo, sexo feminino, aposentada, divorciada,
classe social baixa, primeiro grau incompleto, com diagnóstico de depressão e transtorno
de estresse pós-traumático. Queixa principal: tristeza continua e persistente, agravada
após sua aposentadoria e preocupação exacerbada com a possibilidade de seu filho vir
a suicidar-se, por não conseguir suportar a perda do cunhado (e genro da cliente),
ocorrida por suicídio, a um mês do inicio desta pesquisa: (b) estagiária-terapeuta, de 41
anos, sexo feminino, cursando o estágio supervisionado em psicologia clinica.

206 tyln.i N . Bucno, fabiana A . L do Aguiar* Ada S. T. Silva, Ué IcnC. do* Passos r Ana Carolina
F. Moura
Ambiente e Materiais
As observações e sessões terapêuticas da cliente ocorreram em um dos
consultórios-padráo de uma clinica escola de psicologia, vinculada a uma instituição de
ensino superior.
As sessões foram registradas por uma câmera filmadora em VHSC. Para sua
análise houve a utilização de aparelhos de televisão, de vídeo cassete e cronômetro.

Procedimento
Foram registradas em vídeo 10 sessões iniciais do processo terapêutico: da 2"
a 11" sessões. Não houve o registro em vídeo da primeira sessão entre a dlade, pois
serviu para orientação à participante-cllente de como seria a coleta de dados, bem
como assinatura da documentação de autorização e procedimentos normais da terapia
comportamental-cognitiva.
O registro das sessões em video ocorreu em sou tempo total de realização,
segundo contrato terapêutico, dentro do padrão normal de tempo: 50 minutos, cada. O
consultório sempre foi preparado antes que a dlade nele entrasse: (a) poltronas
organizadas de forma transversal, gerando a perspectiva de cliente e terapeuta de frente
uma para outra; (b) mesinha de apoio lateral à terapeuta; (c) janelas fechadas, para
inibirem os ruídos externos; (d) luzes do consultório acesas; (e) filmadora ligada, sendo
posicionada sempre mais lateralmente à terapeuta e de frente à cliente; posição esta
mantida em todas as sessões.
Transcriçáo das Sessões - Foi estabelecido, após o registro em vídeo das 10
sessões, motivado inclusive pela variabilidade de tempo total das sessões -
conseqüenciada por atrasos da cliente - que a transcrição ocorreria dentro dos 10
minutos iniciais de cada sessão.
A transcrição ocorreu em dois momentos distintos: (1) no primeiro momento,
foram transcritos apenas os comportamentos verbais da díade, de forma contínua; (2)
no segundo momento, foram transcritos os comportamentos não-verbaís de ambas,
também de forma contínua.
Após a transcrição das sessões foi feita a categorização dos comportamentos de
maior ocorrência ao longo das 10 sessões gravadas. Foram selecionadas duas classes
de comportamentos igualmente apresentadas pela dlade: (1) comportamentos motores
repetitivos: (a) das mãos; (b) dos braços; (c) da cabeça; e (d) dos pés; e (2) relação
diàdica: (a) olhar da cliente à terapeuta; (b) olhar da terapeuta à cliente; (c) expressões
faciais da cliente; (d) expressão facial e mudança na postura da terapeuta; (e) e relatos da
cliente à terapeuta sobre dificuldades corporais, financeiras e domésticas; perdas e
doenças. Houve a seleção, também, de uma classe de comportamentos relacionada à
terapeuta: (1) comportamentos reforçadores e punitivos da terapeuta à cliente,
compreendida por (a) mudar do foco da intervenção, sem considerar o verbal da cliente;
(b) ignorar o relato da cliente; (c) interromper fala da cliente; (d) sugerir respostas verbais
á cliente; (e) verbalização de sons afirmativos; (0 verbalizar reforços positivos ó cííente.
As classes de comportamentos, com suas respectivas categorias, tanto da cliente
quanto da terapeuta foram anotadas em folhas de registros, previamente padronizadas:
(a) título, definindo se apresentava comportamentos verbais ou não-verbais; (b) data da
sessão; (c) número da sessão gravada; (d) coluna para as categorias de comportamentos
discriminadas na sessão; (e) coluna especificativa da sessão gravada, onde foi colocado
o número de vezes de ocorrência do referido comportamento categorizado.

Sobre Comportamento e CognifAo 2 0 7


Das Classes de Comportamentos e suas categorias
(a) 'Movimentar das Mãos da Cliente’, buscou mensurar a ordem de movimentos
empreendidos pelas mãos da cliente ao longo das sessões, estando ela como ouvinte
ou como falante da interação clinica, com a finalidade de observar os comportamentos
motores que realizava com maior freqüência.
(b) ‘Movimentar das Mãos da Terapeuta'. Esta categoria buscou selecionar os
comportamentos motores mais freqüentes na terapeuta, tais como: (a) apontar o dedo
indicativo à cliente; (b) apontar a caneta à cliente, como sinal indicativo; (c) apoiar as
mãos no queixo; (d) apoiar mãos na coxa; (e) passar mãos nos cabelos; (f) coçar o nariz;
e (g) manusear canetas nas mãos.
(c) 'Movimentar dos Braços da Cliente' e (d) 'Movimentar dos Braços da
Terapeuta', tiveram como objetivo identificar o tipo de topografia que ambas apresentaram
ao longo da coleta de dados, com sua respectiva freqüência.
(e) ‘Movimentar da Cabeça da Cliente' objetivou medir a ocorrência destes
comportamentos verbais não-vocais na contextualização da ocorrência da sessão,
sugestivos de: reforço à condução do procedimento terapêutico; opositivo a esse
procedimento; fadiga e até mesmo fuga.
(f) ‘Movimentar da Cabeça da Terapeuta’, buscou observar as respostas de
confirmação (balançar a cabeça afirmativa) e não confirmação (balançar a cabeça
negativamente) que a terapeuta apresentava nos momentos em que a cliente estava
verbalizando eventos sobre sua vida.
(g) 'Movimentar dos Pés da Cliente'. Esta classe procurou observar
comportamentos motores que não geraram intervenções especificas, tais como cruzar
e descruzar os pós, balançar os pós suspensos do chão, ou mesmo flexionar pés para
o alto, como ocorreu com a terapeuta e que compreende a classe (h) nomeada de
'Movimentar dos Pés da Terapeuta'.
(i) ‘Olhar da Cliente à Terapeuta' e (j) Olhar da Terapeuta à Cliente' objetivaram
descrever a topografia das expressões faciais no contexto clinico. Nela foram
selecionadas as categorias (a) olhares e (b) desvio de olhares de ambas.
(k) 'Expressões Faciais da Cliente' e (I) 'Expressão Facial e Mudanças na Postura
da Terapeuta’, buscaram observar respostas não-verbais sugestivas de ‘empatia’,
‘surpresa’, 'apreensão’ e ‘desconforto’ da cliente em relação à terapeuta e vice-versa
como: sorrir; franzir as sobrancelhas; arregalar os olhos; recostar-se e afastar-se da
poltrona; cruzar e descruzar as pernas, enquanto ouvinte na relação diádica.
(m) ‘Relatos da Cliente à Terapeuta de Dificuldades Corporais, Financeiras e
Domésticas; Perdas e Doenças’, observou relatos de sensações corporais e emocionais
compatíveis aos critérios para o Transtorno Depressivo Maior e Transtorno de Estresse
Pós-Traumático, segundo o DSM-IV-TR (APA, 2000/2003). Nesta categoria foram
selecionados os relatos verbais da cliente à terapeuta expressando conteúdos de
impotência, perdas por morte, choro, dores físicas, estados emocionais negativos e
positivos, dificuldades para identificar e expressar eventos emocionais internos, relatos
sobre doença, além de dificuldades financeiras e de realização da rotina doméstica.
(n) ‘Freqüência de Comportamentos Passíveis de Punição Social e/ou Emissão
de Aprovação Social da Terapeuta à Cliente'. Esta categoria apresenta o padrão de
comportamento da terapeuta: por vezes pune a cliente - quando muda o foca da
intervenção, sem considerar a fala da cliente; ignora relatos verbais da cliente; interrompe
fala da cliente; enquanto noutros momentos das sessões sugere à cliente as respostas

2 0 8 C/in.i N . Rucno, fabian.i A . I.. ilc A flu iar; A tia S. T. Silv,i, U é lc n C . dos l\m o s c A n a Carolina
f. M o u ra
verbais que deve apresentar; e num terceiro momento verbaliza sons afirmativos à
cliente bem como frases reforçadoras positivas da ordem: (a) "Isto!"; (b) "Certo!"; (c)
"Você tá bonita hoje!".
A seleção e definição das classes de comportamentos e suas respectivas
categorias/subcategorias foram obtidas no intervalo de tempo de 10 minutos iniciais de
cada sessão, através de observação/descrição direta o ininterrupta, com aproveitamento
de 100% das gravações.

Resultados
Os resultados alcançados são apresentados por classes de comportamentos
e suas categorias/subcategorias mensuradas em forma de freqüência e percentagem.
O intervalo para observação/descrição e análise dos dados, ocorreu entre a 2*
e 11a sessões iniciais do processo terapêutico da participante doste estudo.
Tabela 1 - Freqüência e porcentagem das categorias dos comportamentos motores
repetitivos da cliente e terapeuta

Categorias Sessões Gravadas


sobre 1a 3a 4' 5a 6a 7a 8a 9a 10a Total %
Movimentos
Movimentos
das mãos
da Cliente:
Mãos
entrelaçadas
apoiadas na
região
anterior do
tronco 29 0 0 4 45 1 27 5 0 23 134 27.85
Mãos tocam
a face 8 13 73 8 9 8 28 10 0 6 163 33.65
Mãos
entrelaçadas
em
movimento 4 43 0 4 0 60 12.5
Mãos tocam
os cabelos 3 1 0 1 0
Mãos tocam
objetos
sobre as
coxas 0 42 11 9 0 20 0 0 85 17.5
Fechar as
mãos
cerrando os
punhos 13 1 0 31 6.5

Total 57 56 88 15 115 84 21 0 38 483 100

% 11.8 11.6 18.2 3.1 23.8 1.9 17.4 4.3 0 7.9 100

Sobre Com|Hirt.imcnto c {.'oRnlÇilo 2 0 9


Tabela 1 - Continuação (a)
Categorias S essões Gravadas
sobre 4* 5a 6* 7a 8a 9a 10a Total
Movimentos
Movimentos
das mãos da
terapeuta:
Apontar dedo
indicativo à
cliente 1 0 3 0 2 0 0 2 0 0 8 4.3
Apontar a
caneta à
cliente 1 0 1 0 6 0 0 0 0 0 8 4.3
Apoiar mãos
no queixo 3 9 7 11 5 0 4 0 0 3 42 22.7
Apoiar mãos
nas coxas 3 1 8 0 41 0 2 1 0 2 58 31.4
Passar mãos
nos cabelos 0 2 0 3 8 8 6 5 0 6 38 20.5
Coçar nariz
com mãos 0 1 1 2 4 2 4 2 0 1 17 9.2
Manusear
caneta nas
mãos 5 1 0 0 0 0 0 4 0 4 14 7.6

Total 13 14 20 16 66 10 16 14 0 16 185 100


,‘OD

% 7 7.6 8.6 35.7 5.5 8.6 7.6 0 8.6 100


o

Movimentar
dos braços
da cliente:
Alongar os
braços para
frente 3 0 1 0 1 3 1 4 0 0 13 7.2
Apoiar os
braços na
poltrona 7 9 39 0 0 3 45 1 0 9 113 63.2
Levantar o
braço
esquerdo 6 26 4 0 1 0 4 10 0 2 53 29.6

Total 16 35 44 0 2 6 50 15 0 11 179 100


CO
00

% 19.6 24.6 0 1.1 3.4 27.9 8.4 0 6.1 100

210 C/ina N . Bucno, fabiana A . I.. de A ^ u i.ir( A d a S. í. Silva, W ílc n C . dos l’ assos c A n a Carolina
E M o u ra
Tabela 1 - Contmuaçâo (b)
Categorias Sessões Gravadas
sobre 1a 2a 3a 4a 5a 6a 7a 8a 9a 10a Total
Movimentos
Movimentar
dos braços
da Terapeuta:

Apoiar braços
na poltrona 59 8 7 2 0 1 18 0 0 10 105 53.6
Apoiar os
braços nas
coxas 23 22 17 0 8 2 17 0 0 2 91 46.4

Total 82 30 24 2 8 3 35 0 0 12 196 100

% 41.8 15.3 12.2 1.1 4.1 1.5 17.8 0 0 6.2________100


Movimentar
da cabeça da
cliente:
Balançar a
cabeça
positivamente 21 4 23 33 30 15 12 11 0 14 163 42.7
Balançar a
cabeça
negativamente 4 7 7 8 26 10 0 6 0 0 68 17.8
Levantar a
cabeça 3 0 0 3 2 0 2 0 0 0 102.6
Inclinar a
cabeça para
um dos lados 23 0 20 15 8 2 5 14 0 0 87 22.7
Apoiar cabeça
em uma das
mãos 15 0 10 4 9 0 2 0 0 14 54 14.2

Total 66 11 60 63 75 27 21 31 0 28 382 100

% 17.3 2.9 15.7 16.5 19.6 7.1 5.5 8.1 0 7.3 100

Sobre Comporl.tmciilo c Cotini(üo 211


Tabela 1 - Continuação (c)
Categorias Sessões Gravadas
sobre 1- 2a 3a 4a 5" 6a 7a 8a 9a 10a Total %
Movimentos
Movimentar
da cabeça da
terapeuta:
Balançar a
cabeça
positivamente 25 7 34 9 48 8 24 12 0 14 181 85.8
Balançar a
cabeça
negativamente 7 1 10 3 1 3 1 1 0 3 30 14.2

Total 32 8 44 12 49 11 25 13 0 17 211 100

% 15.2 3.8 20.9 5.7 23.2 5.2 11.8 6.1 0 8.1 100
Movimentos
dos pés da
cliente:
Pé direito
cruzado sobre
o esquerdo 45 20 20 6 40 6 45 1 0 2 185 49.5
Descruzar os
pés direito e
esquerdo 9 4 4 3 32 3 9 1 0 4 6918.5
Balançar os
pés direito e
esquerdo 0 27 14 4 38 1 19 1 0 16 120 32

Total 54 51 38 13 110 107330 22 374 100


% 14.4 13.6 10.2 3.5 29.4 2.7 19.5 0.8 0 5.9 100
Movimentar
dos pés da
terapeuta:
Flexionar o pé
direito para o
alto 11 0 0 0 20 6 3 1 0 3 44 100

Total 11 0 0 0 20 6 3 1 0 3 44 100
CD
00

% 25 0 0 45.5 13.6 6.8 2.3 0 100

212 C/iiw N . Puerto, Kibl.in.i A . I.. de Aflui.ir, Ad.i S. í. Silvii, U élenC. dos l\i*sos c A n.i C.irolin.i
f . Mour.i
Através da Tabela 1 observa-se que a categoria Movimentos das Mãos da
Cliente’, composta por seis subcategorias, apresenta maiores freqüências nas 3a, 5a e
8a sessões gravadas, com 18.2%, 23.8% e 17.4% respectivamente. Na 3" sessão a
participante deteve-se a descrever, pormenorizadamente, o suicídio do genro e o receio
de que seu filho viesse a fazer o mesmo ato. Na 5a sessão o foco foi o desaparecimento
do filho e o receio de que ele tivesse atentado contra sua vida. Na 8a sessão a participante
verbalizava seu conflito: alegria e tristeza por seu filho ter sido localizado e hospitalizado
em uma clínica para desintoxicação alcoólica. Alegria por ele estar vivo e tristeza porque
elo passaria a semana sem receber visitas: HE se ole se matar, nesse isolamento
todo?”, observava. Ainda nesta categoria de comportamentos é possível perceber que
nas duas primeiras sessões gravadas a froqüência de ocorrência foi superior a casa
dos 11%, momento do processo terapêutico para investigação das queixas explícitas e
implícitas da cliente.
Nas 10 sessões gravadas a cliente apresentou um total de 483 movimentos,
enquanto o total de ‘Movimentos das Mãos da Terapeuta' foi de 185, considerando suas
sete subcategorias Quanto à subcategoria de ‘Passar mãos nos cabelos', apresentada
por ambas (participante e terapeuta) ao longo das 10 gravações, a participante repetiu
este movimento 10 vezes, significando 2% do total; enquanto a terapeuta apresentou um
total de 38 repetições, representando 20.5%.
Já nas categorias ‘Movimentar dos Braços da Cliento' e ‘Movimentar dos Braços
da Terapeuta’ foram observadas três subcategorias para a primeira (participante): alongar
os braços para fronte, apoiar os braços na poltrona e levantar o braço esquerdo; e duas à
terapeuta: apoiar os braços na poltrona e nas coxas. A freqüência total destes movimentos
apresentados pela díade foi de 179 pela participante e 196 pela terapeuta. A participante
apresentou a maior freqüência por sessão, 27.9%, na 7a sessão, quando o filho estava
desaparecido; e 24.6% na 3a, quando relatava o suicídio do genro. Enquanto as maiores
freqüências por sessão da terapeuta foram verificadas na 1a (41.8%), quando da
investigação das queixas e na 7a (17.8%), com o foco da sessão já mencionado. Na 2a
sessão a participante levantou o braço esquerdo por 26 vezes. Este comportamento foi
repetido quando explicava à terapeuta o motivo que a levou ir embora da Clinica Escola
sem atendimento: “Fiquei muito incomodada do a senhora estar ali e eu indo embora,
mas estava agoniada com o que podia estar acontecendo lá em casa”.
Os dados observados quanto ao ‘Movimentar da Cabeça da Cliente’ (com cinco
subcategorias: balançar a cabeça positiva e negativamente, levantá-la, incliná-la para um
dos lados e apoiá-la em uma das mãos) e 'Movimentar da Cabeça da Terapeuta’ (com
apenas duas subcategorias: balançar positiva e negativamente), em seu total geral destaca
que a participante apresentou 163 movimentos positivos; enquanto a terapeuta 181,
representando 85.8% de todos os seus movimentos com a cabeça; sendo que sua maior
ocorrência foi observada na 5a sessão O balançar negativamente a cabeça revela os
seguintes dados: a participante o fez por 68 vezes, enquanto a terapeuta o repetiu 30
vezes, ou seja, 14.2% de todos os seus movimentos com a cabeça; com sua maior
ocorrência verificada na 3a sessão. Os dois outros movimentos feitos pela participante
com sua cabeça, de maior freqüência foram: ‘Inclinar a cabeça para um dos lados’, com
22.7%; e 'Apoiar a cabeça em uma das mãos’, com 14.2%.
Na categoria de movimentos dos pós da participante e da terapeuta ó possível
observar três subcategorias apresentadas pela primeira e apenas uma pola segunda. A
participante movimentou seus pés 374 vezes, enquanto a terapeuta flexionou seus pós
44 vezes. E a sessão com maior registro para ambas foi a 5a: 29.4% para a participante e
45.5% para a terapeuta.

Sobrr Com port.im rnlo r Cojiniç.lo 2 1 3


Tabela 2 - Freqüência e percentagem da relação cliente e terapeuta
Categorias Sessões Gravadas
Comportamentai
s da Relação 1a 2a 3a 4a 5a 6* 7a 8a 9a 10a Total %
Dlédica
Olhar da Cliente:
Olhar à terapeuta 60 81 80 62 92 64 79 0 0 11 529 53.6
Desviar o olhar da
terapeuta 29 81 82 37 91 55 57 22 0 4 458 46.4

Total 89 162 162 99 183 119 136 22 0 15 987 100


% ..„.9 16.4 16.4 10 18.5 12.1 13.8 2.2 0 1.6 100
Olhar da
Terapeuta:
Olhar à cliente 65 74 37 64 78 68 95 13 0 12 506 82
Desviar o olhar da
cliente 18 19 17 14 16 10 6 4 5 2 111 18

Total 83 93 54 78 94 78 101 17 5 14 617 100


% 13.5 15.1 8.8 12.6 15.2 12.6 16.4 2.7 0.8 2.3 100
Expressões
faciais da cliente:
Sorrir à terapeuta 2 9 5 1 1 0 20 0 0 0 38 56.8
Franzir
sobrancelhas
enquanto
terapeuta fala 0 0 0 0 18 0 1 0 0 0 19 28.2
Arregalar olhos
ante verbalização
da terapeuta 0 0 2 0 4 0 0 0 0 4 10 15

Total | 2 9 7 1 23 0 21 0 0 4 67 100
% 3 13.4 10.4 1.5 34.3 0 31.4 0 0 6 100
Expressão facial
e mudanças na
postura da
torapeuta:
Sorrir à cliente 2 2 6 1 1 0 31 0 0 3 46 15.4
Recostar-se na
poltrona enquanto
cliente fala 6 6 4 3 5 1 4 0 0 1 30 10
Afastar-se da
poltrona enquanto
cliente fala 6 6 5 3 21 0 5 0 0 1 47 15.6
Cruzar e
descruzar as
pernas enquanto

2 1 4 C/itn» N . Hucno, f.ibj.m.i A . I . do Ajjuiiir/ Ad<i S. í. Silvd, U dcnC. do* Pdtios c An.i Cdrolln.i
f. Mouru
Tabela 2 - C o n tin u a ç ã o ___
Categorias Sessões Gravadas
Comportamentais
da Relação 1a 2a 3a 4a 5a 6a 7a 8a 9a 10a Total %
Diádica
Relatos cliente à
terapeuta -
Dificuldades
corporais,
financeiras e
domésticas;
Perdas; Doenças:
Relatar estados
emocionais
positivos 0 0 7 5 2 4 2 2 0 2 24 9.3
Relatar estados
emocionais
negativos 7 14 12 5 14 13 4 5 0 3 77 29.8
Relatar Dor 1 2 0 0 3 4 0 4 0 1 15 5.8
Relatar perdas por
morte 3 1 2 1 0 12 1 0 0 0 20 7.7
Relatar eventos
aos quais 8.1
paralisou-se 2 7 3 1 8 0 0 0 0 0 21
Relatar
dificuldades para
expressar-se 3 3 3 0 5 0 0 2 0 0 16 6.2
Relatar
dificuldades
financeiras 0 1 0 0 5 0 0 0 0 0 6 2.3
Relatar
dificuldades em
realizar as
atividades
domésticas 0 5 5 0 5 0 27 0 0 0 42 16.2
Relatar doença 5 0 0 1 1 2 2 10 0 2 23 8.8
Chorar na
presença da
terapeuta 0 2 3 1 8 1 0 0 0 0 15 5.8
Total 21 35 35 14 51 36 36 23 0 8 259 100
% 8.1 13.5 13.5 5.4 19.7 13.9 13.9 8.9 0 3.1 100

Tabela 2
A Tabela 2 apresenta a freqüência e percentagem dos comportamentos que
compreendem a relação terapêutica como: olhar e desviar o olhar uma à outra;
expressões faciais e mudanças na postura (sendo esta última relacionada à terapeuta);
e relatos de dificuldades corporais, financeiras, domésticas, assim como relatos de
perdas e sobre doenças.

Sobre Comporl.tmcnlo e Coflniçáo 2 1 5


As duas primeiras categorias de comportamentos, nela apresentadas, são
‘Olhar da Cliente' e 'Olhar da Terapeuta', sendo que ambas revelam as mesmas
subcategorias: ‘olhar para; e desviar o olhar da'.
Ao longo das 10 sessões a participante olhou para a terapeuta 529 vezes, isto
ó, 53.6% do total geral dessa ordem de comportamento Sendo que a sessão em que
mais olhou sua terapeuta foi a 5a: 92 repetições. A terapeuta olhou para a participante
506 vezes, ou seja, 82% do total de seus olhares. E, esse comportamento registrou
maior freqüência na 7• sessão; 95 vezes.
Já o desviar do olhar da terapeuta, apresentado pela participante, foi computado
em 458 vezes (46.5% do total) e a sessão em que ele mais ocorreu fol a 5": 91. A
terapeuta desviou o olhar da participante por 111 vezes (18% do total), sendo que sua
ocorrôncia maior deu-se na 2a sessão: 19 vezes.
Na categoria 'Expressões faciais da Cliente', ela sorri à terapeuta 38 vezes,
representando 56.8% do total, sendo que a maior freqüência ocorreu na 7a sessão (20
vezes). Enquanto a terapeuta sorriu à cliente 46 vezes, ou seja, 15.4% de todos os seus
comportamentos de ‘Expressão facial e mudanças na postura da terapeuta'. Também
foi na 7a sessão, a exemplo da participante, que a terapeuta registrou a maior ocorrência
desse comportamento (31 vezes).
Outro comportamento com freqüência alta apresentado pela participante foi o de
‘Franzir sobrancelhas enquanto terapeuta fala', com um percentual total de 28.2% (19
ocorrências). Esse comportamento apresentou maior freqüência na 5a sessão (18 vezes).
Enquanto ‘Arregalar os olhos ante verbalizações da terapeuta’ alcançou Indice de 15%
(10 ocorrências) no geral, com a maior freqüência (4) verificada nas 5a e 10a sessões.

Tabela 3 - Freqüência dos comportamentos reforçadores e punitivos da terapeuta


à cliente
Categoria Sessões Gravadas
Comportamentos
reforçadores e 1a 2a 3a 4a 5a 8a 9a 10a Total %
punitivos da
terapeuta
Mudar o foco da
intervenção sem
seqüenciar fala da
cliente 1 2 6 3 3 3 2 2 0 5 27 16.8
Ignorar relato da
cliente 1 2 6 3 3 3 2 2 0 5 27 16.8
Interromper fala da
cliente 6 3 4 1 6 5 5 2 0 2 34 21.1
Sugerir respostas
verbais à cliente 1 2 1 2 9 3 5 5 0 7 35 21.7
Verbalizar
reforçadores
positivos à cliente 0 2 4 1 16 2 3 7 0 3 38 23.6
Total 9 11 21 10 37 16 17 18 0 22 161 100
% 5.6 6.8 13 6.2 23 9.9 10.6 11.2 0 13.7 100

216 l/ina N . Bucno, hibuind A . I.. dc A^uuir, Ad.i S. I. Silva, W ílrn l'. do* í\i«o s c A n.i C\irolin<t
f. M oura
A terapeuta recostou-se e afastou-se da poltrona enquanto a participante falava
30 (10%) e 47 (15.6%) vezes respectivamente. Além de ter cruzado e descruzado as
pernas 177 vezes (59% do total de comportamentos), sendo que a maior ocorrência
(36) deu-se na 5" sessão.
Com relação à categoria ‘Relatos Clionte à Terapeuta - Dificuldades Corporais,
Financeiras e Domésticas; Perdas; Doenças’, a participante apresentou 10
subcategorias, sendo que as duas de maior ocorrência foram: 'Relatar estados
emocionais negativos', com 77 ocorrências, sendo 29.8% do total geral, com maiores
registros (14) nas 2a e 5a sessões; e 'Relatar dificuldades em realizar atividades
domésticas', com 42 ocorrências, ou seja, 16.2%; comportamento ocorrido com maior
freqüência na 7a sessão (27). 'Relatar doença’ e 'Relatar eventos aos quais paralisou-
se', seu percentual foi de 8.8% e 8.1% respectivamente ao longo das 10 sessões
gravadas. Já 'Relatar perdas por morte' ocorreu 20 vezes, isto ó, 7.7% do total geral
desta categoria. As demais subcategorias apresentaram ocorrências inferiores a 7%.
Pela Tabela 3 é possível observar que a categoria 'Comportamentos Reforçadores
e Punitivos da Terapeuta' compreendeu-se por cinco subcategorias. Verbalizar reforçadores
positivos à cliente’, como: "Mmmhmm!”; "Ah!”; “Hhurn!", "Certo!"; "Isto!"; "Muito bom!", obteve
23.6% de todos os comportamentos, sendo que sua maior ocorrência deu-se na 5a
sessão (16 vezes). A segunda subcategoria que mais ocorreu foi a de 'Sugerir respostas
verbais à cliente', com 21.7% do total, com a maior freqüência registrada na 5a sessão: 9
vezes. A seguir, veio a subcategoria 'Interromper fala da cliente' com 21.1% do geral, com
maiores freqüências nas sessões 1a e 5a: 6 vezes respectivamente. Já 'Ignorar o relato da
cliente' e Mudar o foco da intervenção sem seqüenciar fala da cliente', houve a mesma
ocorrência: 16.8%, ou seja, 27 vezes, sendo que a maior freqüência foi registrada, em
ambas, na mesma sessão: 3a, com 6 repetições do referido comportamento.

Discussão
Da coleta de dados, transcrição e análises dos resultados, este estudo ocupou
12 meses. Durante as sessões gravadas (da 2a a 11a do atendimento realizado à
participante, terapeuticamente), o consultório psicológico sempre foi o mesmo, com o
mobiliário disposto igualmente em todas as sessões. Mas é importante relatar que
ambas (participante e terapeuta) apresentaram a cada nova sessão repertórios
emocional-motivacionais diferenciados, o que de acordo com Staats (1996) foram
diretivos na apresentação de novos repertórios sensório-motores e lingülstico-cognitivos.
Apenas nas primeiras sessões e somente nos minutos inicias delas ó que a
dlade observou a filmadora. Posteriormente, tanto a participante quanto a terapeuta
agia como se não mais percebesse o equipamento. O que nos faz levantar a hipótese
de que o mesmo não foi intrusivo á intervenção e a este estudo.
Skinner (1953/1994) destaca a audiência não-punitiva do terapeuta como uma
condição importante para que o cliente possa emitir os repertórios que estão sob controle
aversivo. Quando um indivíduo busca a terapia, essencialmente estará falando sobre
eventos que lhe são aversivos, sobre suas dificuldades e, logicamente, estará entrando
em "(...) contato com o que o faz sofrer. Enquanto o contato com o sofrimento ocorre, o
terapeuta continua exercendo seu papel de audiência não-punitiva, acolhendo,
compreendendo e aceitando as verbalizações ou outros comportamentos apresentados
pelo cliente" (Costa, 2003, p. 2).
Mensurar a emoção, o comportamento, conseqüentemente, identificar os
estímulos que os eliciam, é fator central no processo terapêutico, fonte primária de sua

Sobro (.'ompott.imonfo c Cotfniç«1o 2 1 7


ônfase. Tarefa difícil, especialmente quando ainda se está iniciando o processo de
intervir clinicamente nos comportamentos-problema de uma pessoa desconhecida,
como é o caso de um estagiário, dentro de uma Clinica Escola de Psicologia. Sem nos
esquecermos que a matéria-prima desse acadêmico (assim como de todos os
terapeutas) é o comportamento humano complexo.
Os resultados deste estudo revelam que durante as sessões iniciais a terapeuta
utilizou-se de técnicas de intervenção "punitivas", quando mudou o foco da intervenção,
sem considerar o que falava a participante; quando ignorou o relato verbal e não-verbal
dela e mesmo quando interrompeu sua verbalização.
Através da Tabela 1, ‘Freqüência e percentagem das categorias dos
comportamentos motores repetitivos da cliente e terapeuta' percebe-se que vários
comportamentos - verbais e não-verbais - da participante ou não foram observados pola
terapeuta; ou se foram observados, parece não ter havido o reconhecimento de sua
importância em relação á queixa trazida; ou ainda: se a terapeuta os observou não conseguiu
estabelecer a estratégia de intervenção. Porém, como salienta Kerbauy (1999), o terapeuta
não pode ter receio de investir nos desafios proporcionados pelo processo, expressando
sua maneira de ver e fazer as coisas, realizando até mesmo ensaios das situações.
Os comportamentos motores repetitivos com as mãos da participante alcançaram
grande freqüência (483 vezes, Tabela 1), tendo registrado os maiores percentuais nas
seguintes sessões: 5* com 23.8%, quando o filho dela estava desaparecido e esta
verbalizava o medo intenso que sentia de que o filho viesse a suicidar-se, por não estar
suportando a perda do cunhado, dizendo "Eu não pude pensar em coisa boa. Não tive
jeito, porque fiquei apavorada por ele ter sumido assim sem dar noticia"; 3a com 18.2%,
quando verbalizava com dotalhes o falecimento, por suicídio, de seu genro, pessoa muito
próxima do filho que desaparecera; sendo superior a 11% nas duas primeiras sessões,
momento também de investigação das queixas e da história de vida da participante. Esta
mesma categoria de comportamentos, mas relacionada à terapeuta, apresentou também
as maiores freqüências nas mesmas sessões da participante: 5a e 3a (35.7% e 10.8%
respectivamente). Apresentou, ainda, comportamentos que demonstraram a acolhida da
terapeuta à participante: apoiar as mãos nas coxas, com 31.4% do total geral, tendo
freqüência maior nas 5a e 3a sessões, respectivamente 41 e 8 vezes; assim como apoiar
mãos no queixo, com percentual geral de 22.7%. Porém, uma subcategoria que poderia
sugerir estado ansioso da terapeuta, 'Passar mãos nos cabelos', registrou um dos
maiores percentuais: 20.5%, num total de 38 repetições.
Durante as 10 sessões gravadas a participante movimentou seus braços de
formas específicas (alongando-os para frente; apoiando-os na poltrona e levantando o
braço esquerdo como se indicasse o teto do consultório), num total de 179 vezes. Na 2a
sessão ela levantou seu braço esquerdo por 26 vezes. Mas nenhum desses
comportamentos recebeu da terapeuta qualquer ordem de observação. Nesta mesma
categoria, a terapeuta movimentou seus braços por 196 vezes, mas nela os movimentos
pareceram apontar para o comportamento de atenção à participante. Tendo alcançado
41.8% na 1a sessão; 15.3%, na 2a sessão, fase de coleta de dados; e 17.8% na 7a
sessão, quando a participante relatava sua ansiedade pelo desaparecimento do filho.
Já com relação aos movimentos com a cabeça (Tabela 1), a participante pareceu
ter produzido três padrões específicos: (a) reforçar a terapeuta, com o balançar
positivamente e o levantar de sua cabeça, que juntos somaram 45.3% do total geral; (b)
opor-se à terapeuta, quando balançou negativamente a cabeça, com percentual de
17.8% e maior ocorrência na 5a sessão (26 vezes); e (c) demonstrar-se desconfortável
ou fadigada e/ou frustrada, quando inclinou a cabeça para um dos lados ou mesmo a

218 C/iini N . Bucho , A . I., de A«ui.ir( Aild S. T. Sllv.i, U élcnC . tios Pdssos e A nu Cdrolm.i
F. Mour.i
apoiou em uma das mãos, somando 36.9% do total. Enquanto a terapeuta apresentou
seis vezes mais o comportamento reforçador (balançar a cabeça positivamente) à
participante, que o de oposição, com 85.8%, para apenas 14.2% de oposição ao que
verbalizava a cliente. Mas não expressou-lhe em momento algum o motivo da negativa.
As sessões de maior freqüência dos comportamentos confirmativos da participante
pela terapeuta foram a 5a (48 vezes), 3a (34 vezes) e 7a (24 vezes).
Outra categoria de comportamentos de alta ocorrência, como demonstra a Tabela
1, foi a de 'Movimentos dos pós da Cliente’, tendo apresentado 374 movimentos, ao
longo das 10 sessões, com maiores ocorrências por sessões na 5a e 7a sessões com
110 e 73 movimentos, respectivamente. Também a estes comportamentos a terapeuta
realizou nenhuma observação. Enquanto ela própria, terapeuta, flexionou seus pós
para o alto 44 vezes, nas 10 sessões, sendo que o percentual maior, por sessão,
ocorreu na 5a: 45.5%. E, o segundo maior foi registrado na 1a sessão: 25%.
Os resultados apresentados na Tabela 1 refletem a proposta skinneriana sobre
o quanto o comportamento verbal controla o comportamento não-verbal. Ao analisarmos
os resultados contidos na Tabela 1 com os da Tabela 2, há a indicação de que a partir do
momento em que a terapeuta passou a Intervir no repertório básico de comportamento
da participante, após a 5a sessão, ainda que eventos aversivos co-ocorressem no
ambiente social dela, como o desaparecimento do filho, verifica-se, em todas as
categorias de comportamentos, nestas tabelas, a redução das freqüências dos
comportamentos verbais e não-verbais inadequados ou de desconforto físico, como
salienta Catania (1998/1999).
A Tabela 2 destaca ainda que a empatia entre a dlade parece ter favorecido a
evolução da intervenção, ainda que havendo pouca maturidade profissional da terapeuta,
por estar em seus primeiros momentos de prática clínica: o reforço mútuo com o olhar
uma para outra, com o sorrir. Mas, ao mesmo tempo, apresentaram comportamentos
sugestivos de punição, quando desviaram seus olhares (referentes á díade); quando
franziu as sobrancelhas, ou arregalou os olhos (referentes à participante). É exatamente
por isto que Vázquez, Rodrlguez e Ávarez (1998) afirmam estar a adesão dependente do
comportamento do cliente e do comportamento do terapeuta.
Ainda na Tabela 2 é possível identificar um comportamento sugestivo de intensa
ansiedade na terapeuta: 'Cruzar e descruzar as pernas enquanto a cliente fala', com
177 ocorrências, sendo que as freqüências maiores foram registradas na 1a, 7a e 5a
sessões respectivamente (59; 51; e 36 vezes). Esses dados nos remetem ao seguinte
questionamento: as respostas ansiosas da terapeuta teriam favorecido a sua não
discriminação ou pelo menos não intervenção a uma série de comportamentos verbais
e não-verbais da participante, mantenedores importantes de seu repertório de
comportamento disfuncional?
Os relatos verbais da participante (Tabela 2 - continuação) sugerem o quanto
essa ordem de comportamento gerava-lhe respostas emocionais negativas intensas,
levando-a a comportamentos desadaptados em seus diversos papéis sociais.
Desta forma, o terapeuta ao considerar as expressões faciais, gestos, posturas,
fixações visuais, além do repertório verbal, poderá, como indica Guilhardi (1997) criar
condições para que o cliente possa se automonitorar, o que favorecerá o
autoconhecimento necessário para a decisão de mudar a si, consequentemente, ao
seu meio ambiente.
A Tabela 3 apresenta a categoria de 'Comportamentos Reforçadores e Punitivos
da Terapeuta'. Talvez os comportamentos punitivos como 'Mudar o foco da intervenção

Sobre Comporttimrnto t CogniçAo 2 1 9


sem seqüenciar fala da cliente’, 'Ignorar relato da cliente', ‘Interromper fala da cliente' e
'Sugerir respostas verbais à cliente', possam corroborar a hipótese de ansiedade da
terapeuta quanto ao que fazer e até mesmo a busca do favorecimento do processo
evolutivo da participante, dando-lhe sua própria consciência sobre os eventos. Quando
o esperado é que, com técnicas, o terapeuta possa criar condições para que seu cliente
possa: (a) entrar em contato, (b) observar, (c) descrever o observado, (d) mensurar os
dados descritos, (e) analisá-los para chegar ao (f) autoconhecimento, que favorecerá a
(g) mudança necessária para o processo de evolução de um tratamento terapêutico, o
que produzirá o (h) o autocontrole dos comportamentos-problema do cliente, bem como
o (i) treinamento de novas habilidades sociais.
Evidente que clínicos e pesquisadores almejem o desenvolvimento de uma
terapia com forte base empírica. Mas a necessidade de técnicas de observação e registro
fidedigno dos comportamentos ainda é uma realidade. Dal este estudo ter utilizado-se
do registro em video, ferramenta que possibilitou reprisar as fitas tantas vezes quantas
foram necessárias para a identificação das diversas classes de comportamentos, com
suas respectivas categorias e subcategorias de comportamentos (Britto, Oliveira & Souza,
2003; Elias & Britto, 2004; Fernandes & Britto, 2005). Ainda que o comportamento humano
seja o mais difícil de ser estudado pelo método científico (Skinner, 1974/1986), este
estudo enfrentou essas dificuldades para demonstrar os dados, ora evidenciados.
Diante dos resultados, aqui apresentados, este estudo sugere que, se o
profissional em formação puder analisar as imagens e o áudio das sessões que realizar,
com o suporte de seu professor-supervisor, embora esteja em seus primeiros passos
práticos dentro de uma clinica escola, muito provavelmente aprenderá a utilizar-se dos
recursos proporcionados pela observação direta, e sua devida transcrição, para definir
uma sessão mais bem estruturada, com foco na intervenção de todos os
comportamentos-problema do cliente, verbais e não-verbais. Uma vez que a ocorrência
de um desses comportamentos favorece o reforço do outro.
Sugere ainda que a análise do comportamento em contexto de intervenção,
especialmente numa clínica escola, tornar-se-á mais rica quando estagiários-terapeutas
e seus supervisores puderem gravar em vídeo os atendimentos clínicos. Muito
provavelmente a supervisão de tais sessões, com o auxílio de sua projeção em vídeo,
favorecerá um contexto de maior riqueza e realidade para a análise funcional dos
comportamentos-problema do cliente. Poder-se-á esperar desta forma de supervisão
uma maior maturidade clínica do estagiário-terapeuta e a reprodução do sucesso desta
forma de intervenção a novos estagiários-terapeutas, bem como aos próprios
professores-supervisores. Pois como sugerem Britto et al (2003, p. 141) "(...) o registro
obtido por meio de gravação em vídeo é o mais próximo do dado real (...)".
Mas é claro que esta forma de atuação na Clínica Escola de Psicologia sugere,
inclusive, alteração na metodologia com que as disciplinas de Estágio Supervisionado
são ministradas. Porém, a riqueza possibilitada pela observação direta, transcrição,
descrição, mensuração e análise dos dados de uma sessão filmada, nos leva a acreditar
numa maior maturidade da formação clínica de profissionais que têm como meta a
melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Referências

Associação Americana de Psiquiatria (2003). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos


Mentais - DSM - IV - TR Tradução organizada por C. DorneHes. 4* Edição. Porto Alegre:
Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 2000).

220 l/lna N . Hucno, Fdbúin.i A . I.. »lo Aguiar, A da S. f. Silva/ U élenC. dos l\wsos c A n a Carolma
f . Moura
Barros, R. S. (2003). Uma Introdução ao comportamento verbal. Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva. Volume V, Número 1. (pp. 73 - 82).
Borloti, E. (2004). As Relações Verbais Elementares e o Processo Autoclltico. Revista Brasileira de
Terapia Comportamental e Cognitiva. Volume VI, Número 2. (pp. 221 - 236).
Britto, I. A. G. S.; Oliveira, J. A. & Sousa, L. F. D. (2003). A Relação Terapêutica Evidenciada Através
do Método de Observação Direta. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva.
Volome V, Número 2. (pp. 139 - 150).
Catanla, A. Charles. (1999). Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cogniçdo. Traduçõo organizada
por D. G. Souza. 4* Edição. Porto AJegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1998).
Costa, N. (2003). Terapia: sofrimento necessário? Revista Brasileira de Terapia Comportamental e
Cognitiva. Volume V, Número 1. (pp. 1 -1 0 ).
Elias, P. V. O & Britto, I. A. G. S. (2004). Categorias funcionais de intervenção aplicadas em contextos
terapêuticos. Em M. Z. S. Brandão. F. C. S. Conte, F. S. Brandão, Y. K. Ingberman, V. L. M,
Silva e S. M, Ollanl (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição - Contingências e
Metacontingências: Contextos Sôclos-verbals e o Comportamento do Terapeuta. (Vol. 13,
pp 425-437). Santo André/SP: ESETec Editores Associados
Fernandes, C. R. D. & Britto, I. A. G. S (2005). Atuação Médica Frente ao Paciente Portador de HIV no
Contexto Ambulatorial. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduaçõo
da Universidade Católica de Goiás.
Guilhardi, H. J. (1997). Como fazer pesquisa em dlnlca? Em R. A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento
e Cognição - Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento
e Terapia Cognitiva. (Vol. 1, pp. 338 - 347). Santo André: ESETec Editores Associados.
Kerbauy, R. R.. (1999). Pesquisa em terapia comportamental: problemas e soluções. Em R. R.
Kerbauy & R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição - Psicologia
Comportamental e Cognitiva - da reflexão teórica à diversidade na aplicação. (Vol. 4, pp.
61 - 68). Santo André: ESETec Editores Associados.
Knapp, M. L. & Hall, J. A. (1999). Comunicação Não-verbal na Interação Humana. São Paulo: Editora
JSN. Tradução Organizada por M. A. L. Barros. (Trabalho originalmente publicado em 1992)
Kuhn, T. S. (1977). As Estruturas da Revolução Cientifica. São Paulo: Perspectivas. Tradução B. V.
Boelra e N. Boeira. (Trabalho original publicado em 1962)
Meyer, S. B. (2004). Metodologia de pesquisa da interação terapêutica. Em M. Z. S. Brandão, F. C. S.
Conte, F. S. Brandão. Y. K. Ingberman, V. L. M. Silva & S. M. Ollanl (Orgs.), Sobre
Comportamento e Cognição - Contingências e Metacontingências. Contextos Sócios-
verbais e o Comportamento do Terapeuta. (Vol. 13, pp. 355 - 362). Santo André: ESETec
Editores Associados.
Meyer, S. B. (2001). Sentimentos e emoções no processo clinico. Em M. Delitl (Org ), Sobre
Comportamento e Cognição: A prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo-
comportamental. (Vol. 2. pp. 183 - 189). Santo André: ESETec Editores Associados.
Sklnner, B. F. (1994). Ciência e Comportamento Humano. Tradução de J. C. Todorov & R. Azzl. São
Paulo: Martins Fontes. (Trabalho originalmente publicado em 1953).
Sklnner, B. F. (1991) Questões Recentes na Análise Comportamental. Tradução Organizada por A.
L. Néri. Campinas/SP: Papirus Editora. (Trabalho originalmente publicado em 1989)
Sklnner, B. F (1986). Sobre o Behaviorismo. Tradução Organizada por M. P. Villalobos. São Paulo:
Editora Cultrlx. 13* Edição. (Trabalho originalmente publicado em 1974).
Skinner B. F. (1978). O Comportamento Verbal. Tradução Organizada por M. P. Villalobos. São
Paulo: Editora Cultrlx., Edição da Universidade de São Paulo (Trabalho originalmente publicado
em 1957).
Staats, A. W, (1996). Behavior and personality. Psychological Behaviorism. New York. Sprlnger
Publlshing Company, Inc.
Vázquez, I. A., Rodrlguez, C. F. & Alvarez, M. P. (1998). Manual de Psicologia de la Salud. Madrid:
Ediciones Pirâmide.

Sobrr Comportamento c CoftnlçJo 221


Capítulo 22
Uma Introdução ao Modelo de Seleção
pelas Conseqüências
I iclen Lucia Freitas Copque
UNIFACS

Embora possamos considerar que os artigos Selection by Consequences (1987)


e 'Can psychology be a Science of mindT (1990) sâo os momentos onde Skinner
apresenta o modelo de seleção por conseqüências como eixo de sua teoria, observamos
que muito antes disso ele veio lentamente construindo as bases deste modelo.
Analisando o conceito de comportamento operante, identificamos a noção de
conseqüência como modelo causal. Em Ciência e Comportamento Humano (1953) o
conceito de operante, com mais clareza é descrito como o comportamento que opera
sobre o ambiente, gerando conseqüências que retroagem sobre o organismo, alterando
a probabilidade futura deste comportamento acontecer.
Segundo Andery (1997), para o Behaviorismo Radical, este modelo é importante
por diferentes motivos:
1. fornece uma noção não mecânica de causalidade, na medida em que a
seleção opera em variações comportamentais que ao se mostrarem adaptativas, sào
selecionadas e reproduzidas;
2. introduz a noção de ambiente selecionador de comportamentos, e não
iniciador como culturalmente tende-se a afirmar;
3. critica a noção de intencionalidade no comportamento, afirmando a seleção
no ambiente;
4. concede unidade conceituai, na medida em que o mesmo principio que
explica as leis que determinam a origem dos comportamentos humano e de outras
espécies, também explica as diferenças entre espécies e entre os diversos
comportamentos;
5. possibilita a interpretação de qualquer evento comportamental através da
múltipla determinação.
Tomando como referência estes artigos, propomos uma revisão do modelo de seleção
pelas conseqüências, enfatizando sua relação com alguns princípios básicos da aprendizagem.
No artigo ‘Can psychology be a science of mind?’ (1990), Skinner apresentou a
Análise do Comportamento como sendo a análise das interdependências funcionais
entre o conjunto de variáveis do comportamento e o conjunto de variáveis do ambiente
antecedente e conseqüente. Também destacou alguns conceitos que marcaram sua
proposta de construção de uma ciência do comportamento humano.

222 I Iclen l.uciii Freitas Copque


• o comportamento operante
• as contingências do reforço
• o modelo de causalidade de seleção pelas conseqüências
Segundo Skinner, a Análise do Comportamento busca determinantes
demonstráveis para explicar o comportamento e busca-os no ambiente. Nesta busca
pelos determinantes do comportamento, há uma clara oposição às posturas mentalistas,
que atribuem um status causal aos estados mentais ou aos sentimentos. Tambóm há
uma recusa em se tomar como determinantes do comportamento os aspectos do
ambiente ou estímulos que o antecedem, “nenhuma descrição do intercâmbio entre
organismo e meio ambiente estará completa enquanto não incluir a açâo do ambiente
sobre o organismo depois da emissão da resposta". (Skinner, 1980, p. 10).
O foco de interesse da proposta de Skinner está no comportamento que produz
algum efeito no mundo ao redor. Com esta colocação, Skinner define o comportamento
operante como aquele que opera sobre o ambiente gerando conseqüências. Essas
conseqüências retroagem sobre o organismo, alterando a probabilidade de ocorrência
futura de comportamento semelhante ao que as produziu.
O conceito de operante, entretanto, além de relacionar o comportamento com o
ambiente conseqüente, também o integra ao ambiente antecedente. Neste sentido, a interação
organismoambiente deve sempre especificar a ocasião na qual uma resposta ocorre, a própria
resposta e as conseqüências por ela produzidas (contingências de três termos). 'Não mais
olhamos para o comportamento e o ambiente como coisas ou eventos separados, mas para a
mter-relação entre eles. Olhamos para as contingências de reforço' (Skinner, 1981, p. 14). Tais
interações constituem as contingências de reforço, assim denominadas devido ao provável
efeito da conseqüência de aumentar a probabilidade de emissão de uma resposta semelhante
àquela que produziu o aparecimento ou desaparecimento de uma dada conseqüência. Em
1953, Skinner já chamava a atenção para o fato de que não era correto afirmar que o reforçamento
operante fortalece a resposta que o precede. A resposta já ocorreu e não pode ser mudada. O
que muda ó a probabilidade futura de resposta da mesma classe. É o operante como dasse de
comportamento, e não a resposta como caso particular, o que ó condicionado.
Esta explicação, além de oposta à concepção mentalista, distancia-se também
do modelo de causalidade da mecânica clássica e rejeita a busca do agentes criadores,
de estruturas geradoras ou de mecanismos armazenadores de informação como causas
do comportamento.
Tomando como modelo causal a explicação Darwinista da evolução das
espécies, através da seleção natural, Skinner propõe um modelo de seleção pelas
conseqüências, a partir do qual analisa três niveis de variação e seleção, responsáveis
pela história do comportamento humano.
• a própria seleção natural
• o condicionamento operante
• a evolução da cultura
O processo de seleção natural responsável pela evolução das espécies
possibilita aos organismos de uma dada espécie a aquisição, via processo reprodutivo,
de um conjunto de características e de padrões comportamentais que os prepara para
sobreviver em um mundo semelhante àquele em que a espécie evoluiu.
Partindo da concepção de que comportamento ó um processo que possibilita a
interação de um organismo com o ambiente, consideramos que o processo de seleção
natural tambóm atuou selecionando tais repertórios comportamentais necessários para esta

Sobre Comportiim ento e Coflniçüo 2 2 3


interação. Falando de outra maneira, significa dizer que a seleção natural dotou os membros
das espécies de repertórios comportamentais que permitem comportar-se no mundo.
De acordo com Andery (1997), um passo além na evolução da nossa espécie
ó o surgimento do condicionamento respondente. Segundo a autora, o condicionamento
respondente teria surgido de pequenas variações em relação a respostas especificas,
possivelmente a estímulos aversivos e com ele, os indivíduos passaram a apresentar
novas respostas que antes não podiam por não ser pré-estabelecidas, o que aumentou
a capacidade de adaptação. A autora continua afirmando que essa nova forma de
comportar-se depende da presença dos reflexos incondicionados com os quais foram
pareados, o que exige certa ordenação do ambiente.
Skinner (1990) destacou que todos os tipos de variação e seleção tôm certas
falhas. Com relação à seleção natural é o fato de que ela prepara a espécie somente
para um futuro semelhante com o passado que a selecionou.
Tal falha é corrigida pelo segundo nível de variação e seleção. O segundo nível
prepara o indivíduo para se comportar em ambientes em constantes mudanças. O
produto deste nível, o condicionamento operante garante, a partir de variações também
aleatórias nas respostas do indivíduo durante sua história de vida, que novos
comportamentos sejam selecionados, possibilitando ao organismo a aquisição de um
repertório comportamentaí apropriado a novos ambientes. Variações no comportamento
do indivíduo são selecionadas por aspectos do ambiente que não são estáveis o
suficiente para terem um papel na evolução. No condicionamento operante, o
comportamento é reforçado, no sentido de ser fortalecido ou ter se tornado mais provável
de ocorrer, por certos tipos de conseqüências que adquiriram, inicialmente, o poder de
reforçar por meio da seleção natural' (Skinner, 1987; 1990).
Este novo repertório de comportamento (operante) estabelece a oportunidade
de responder a um mundo em constante mudança, o que dota os organismos humanos
de maior capacidade de adaptação. Este fato ocorre exatamente por conta da
suscetibilidade que os organismos adquiriram às conseqüências imediatas dos seus
próprios comportamentos.
Assim, passamos a apresentar comportamentos não foram determinados
filogeneticamente e mais ainda, passamos a nos comportar não só em direção à
sobrevivência da espécie, mas também na construção de um repertório individual.
Diferentemente das contingências de seleção natural, o condicionamento
operante permite a emergência de um repertório individual e, por isso, mais flexível,
mais maleável, mais adaptado a um ambiente em mudança.
Este segundo nível também apresenta uma falha: a seleção deve esperar até
que a variação ocorra e este processo é geralmente lento. Isto não foi um problema para
a seleção natural porque a evolução poderia levar milhares de anos, mas um repertório
de comportamento tem que ser construído durante o espaço de uma vida (Skinner, 1990).
Esta falha é corrigida pelo terceiro nível de variação e seleção. Neste nível,
outros comportamentos foram selecionados de maneira a permitir novas formas de
interação, de maneira que outros indivíduos passam a ser parte importante do ambiente
e tem-se a condição para a emergência dos ambientes sociais, as culturas.
Para Skinner (1987; 1990), o desenvolvimento da faringe e das cordas vocais
permitiu o surgimento do comportamento social propriamente dito. O comportamento
verbal é fundamental, pois possibilita a acumulação e transmissão de conhecimentos.
Nessa interação entre os indivíduos surge a possibilidade de que o comportamento
de um seja mediado peio comportamento do outro e seja reforçado por esta mediação.

2 2 4 I lelen I uci.i Freitas Copgue


Esta ó uma mudança importante na evolução humana. Outras espécies imitam, entretanto
o sorvir de modelo de comportamento a ser imitado ó apenas produto da seleção natural.
Para os humanos, o comportamento do imitador reforça o servir de modelo. Assim, as
pessoas podem Iniciar o comportamento de outros dizendo-lhes o que fazer, bem como
mostrando-lhes como fazer. E, assim, surgem a imitação e a modelação.
Tais processos encurtam o tempo de aprendizagem, ao permitir que um indivíduo
adquira novo repertório imitando e copiando modelos (tal repertório também ó
selecionado por suas conseqüências). Este novo repertório leva o indivíduo não só a
mostrar e fazer, mas também a fazer pelo outro. Outros indivíduos passam a ser parte
importante do ambiente.
O que garante a evolução de uma cultura, entendida como o conjunto das
contingências sociais, é a ocorrência de práticas cujas conseqüências contribuem para
o sucesso do grupo e não de seus membros individuais. Segundo Skinner (1987, p.
55), uma cultura evolui quando contribui para o sucesso do grupo em solucionar
problemas. Os homens se beneficiam de interações que nem sequer viveram ou
experimentaram. Ou seja, a experiência no mundo não depende mais estritamente da
história do vida individual.
Entretanto, este nível também apresenta uma imperfeição: uma cultura prepara
um grupo somente para um mundo no qual a referida cultura evoluiu. Esta, segundo
Skinner (1990), é uma fonte de preocupação atual (uma terra futuramente habitável). O
produto da evolução de meios sociais produziu não só uma única cultura, mas muitas
culturas que freqüentemente se conflitam.
É importante destacar que Skinner não estava afirmando que as melhores culturas
são as que sobrevivem, Evolução não tem um sentido de perfeição, não é necessariamente
benéfica. Ao contrário, no caso das culturas ele sugere que o sentido da evolução deve ser
corrigido, cabendo isso à ciência ao se discutir melhores práticas sociais.
O complexo conjunto de interações do homem com seu ambiente, com
características comuns o peculiares aos três níveis mencionados, constitui, portanto, o
contexto no quaí o organismo aprende a se comportar e sobrevive enquanto espécie,
indivíduo e participante de uma cultura, ’Em resumo, então, o comportamento humano
é um produto da junção de contingências de sobrevivência responsáveis pela seleção
natural das espécies e as contingências de reforçamento responsáveis pelos repertórios
adquiridos pelos seus membros, incluindo as contingências especiais, mantidas por
um ambiente social evoluído (afinal de contas, tudo isso é uma questão de seleção
natural, uma vez que o condicionamento operante é um processo evoluído, do qual as
práticas culturais são aplicações especiais)’ (Skinner, 1987, p. 55).

Referências

Andery, M. A. (1997). O Modelo de seleçflo por conseqüências e a subjetividade. Sobre


Comportamento e Cognição. Vol. 1, Santo André: ESETec.
Sklnner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: The Macmillan Company.
Sklnner, B, F. (1980). Contingências do reforço. Sflo Paulo: Coleção Os Pensadores: Abril Cultural,
Publicação Original 1969.
Sklnner, B. F. (1987), Selection by consequences. Upon htrther reflectlon. New Jersey: Prentlce-
Hall
Sklnner, B. F. (1990). Can psychology be a sclence of mind? American Psychologlst, 45, 1206-
1210.

Sobre Comportamento e Cognif<)o 2 2 5


Capítulo 23
Urgência e Emergência com crianças: A
Experiência de Plantão
Psicológico numa
Clínica -Escola
\ ielena IW anelli Prebianchi
PUC-Campinas

Em termos de cuidados médicos, os casos de emergência são aqueles mais


graves que necessitam de atendimento imediato ou no máximo num período de 24 horas;
os casos de urgência sâo aqueles que podem ser atendidos num período de 24 a 48 horas.
Ainda que em Psicologia o conceito de risco, nos últimos anos, tenha merecido
diversos estudos, critérios de urgência e emergência psicológicas necessitam de
maiores desen-volvimentos. A discussão da ação do psicólogo nos serviços de Plantão
Psicológico, pode con-tribuir nesse sentido.
Esse trabalho se propõe a apresentar brevemente a situação do atendimento
infantil no Plantão Psicológico de uma Clínica-Escola de Psicologia. Apontam-se as
contingências presentes nos encaminhamentos e as possibilidades de intervenção.

Plantão Psicológico e Crise


O Plantão Psicológico ó uma alternativa de atenção psicológica compatível com
a realidade econômica, política e social vivida nas instituições e que vai ao encontro das
ne-cessidades do psicólogo clínico que nelas atua, possibilitando-lhe oferecer à
população um tipo de cuidado distinto dos tratamentos tradicionais.
Tendo surgido no Brasil na década de 80 como curso de extensão no Instituto
Sedes Sapientiae (Rosenthal, 1999), o Plantão Psicológico, foi incorporado por várias
Clínicas-Escolas de Psicologia às suas modalidades de atendimento (como na Clínica de
Psicologia da PUC-Campinas), constituindo-se assim como uma das novas práticas clínicas
voltadas às necessidades da população que busca este tipo de serviço universitário.
Conceitualmente, o Plantão Psicológico pode ser compreendido como uma mo­
dalidade de intervenção psicológica de natureza emergencial (Messias, 2002), que
funciona sem a necessidade de agendamento prévio e cuja duração varia de um a três
encontros. Embora possa conter semelhanças em relação às características e estratégias
de psicoterapias breves e atendimentos psicológicos de duração pró-determinada, o
Plantão Psicológico constitui-se como prática única com objetivos e metodologia distintos.
Para Rosenthal (1999), o Plantão Psicológico ó uma proposta de oferecer à
popu-lação um espaço de acolhimento, uma intervenção em momentos de crises
psicológicas. Uma crise psicológica pode envolver uma perda ou a ameaça de uma
perda ou de uma mudança radical no relacionamento da pessoa consigo mesma ou
com alguma outra pessoa importante. (Gol-denberg, 1983 apud Rosenthal, 1999).

2 2 6 ( Iclcn.i B.i/.incllí 1’ rcbiiim hi


Segundo Slaiku (1990) crise é um estado temporário de perturbação e desor­
ganização, caracterizado, principalmente pela incapacidade de um indivíduo de enfrentar
uma situação particular utilizando os métodos costumeiros de resolução de problemas
e polo potencial para um resultado radicalmente positivo ou negativo.
A vulnerabilidade individual tem sido considerada como função de vários
aspectos, quais sejam as características pessoais, a história pessoal, os recursos e
dificuldades pessoais e o apoio familiar e social. Quando se pensa na infância, a
vulnerabilidade está relacionada a fatores biológicos e psicossociais (Haggerty, Sherrod,
Gamezy & Rutter, 2000) como: prematuridade, desnutrição, baixo peso, lesões cerebrais,
atraso no desenvolvimento, família desestruturada, minoria social, desemprego, pobreza,
dificuldade de acesso à saúde e educação.
Sapienza e Pedromônico (2005) afirmam:
"Aquelas crianças corn desvantagens socioeconômicas cujas mães sejam também
jovens, sotteiras e pobres ou que tenham vindo de famílias desorganizadas (riscos
psicossociais), ou ainda crianças que tenham pais com desordens afetivas,
esquizofrenia, desordens antisociais, hiperativldade, déficit de atençáo e Isolamento
(riscos genéticos) s ã o potencialmente vulneráveis aos eventos estressores e sáo
consideradas crianças em risco para problemas de desenvolvimento" (p.210)
Outros autores apontam que a exposição aos fatores de risco afeta
negativamente o desenvolvimento da criança, gerando problemas de comportamento
(Conger, Ge, Elder, Lorenz & Simons, 1994, Ferreira & Marturano, 2002; Horowitz, 1992;
Melo, 1999). Para Melo (1999) a combinação de riscos psicossociais podo modelar o
repertório infantil no desenvolvimento de pro-blemas comportamentais e emocionais.
Na maioria dos casos de atendimento clinico psicológico infantil, as crianças
por si só não procuram tratamento ou identificam sintomas ou problemas em si mesmas.
Fre-qüentemente são os adultos (pais/cuidadores, professores) que experimentam as
crianças como inadequadas ou desajustadas e então buscam o tratamento; o quê
determina que o foco do mesmo seja, em parte, o estresse de outra pessoa além da
criança. Dessa forma, o atendimento da criança freqüentemente envolve os pais/
cuidadores e/ou a família de algum modo (Kazdin, Siegel & Bess, 1990).

O Atendimento Infantil no Plantão de uma Clínica-Escola


A Clinica Psicológica da PUC-Campinas ó um dos maiores recursos em termos
de assistência á saúde mental da cidade de Campinas e, assim, referência para uma
população numorosa que busca ali atendimento clinico para problemas diversificados que
afligem as várias faixas etárias, principalmente as crianças, que se constituem na clientela
predominante (Pre-bianchi, 2004). Essa condição, mais do que motivada pela sua localização
na região que segundo o Censo Populacional de 2000, tem a maior taxa de crescimento
anual do município, é determinada pelo convênio mantido com o SUS-Campinas.
O Plantão Psicológico acontece ali desde 1994, tendo surgido de um projeto
realizado por alunos do curso de Especialização em Psicotorapias Institucionais.
Atualmente, funciona em horários pré-determinados, sem necessidade de agendamento
pelos usuários. A divulgação do serviço é feita através de cartazes distribuídos na
Universidade, escolas, hospitais e outros serviços comunitários.
Os plantonistas são os aprimorandos, técnicos e estagiários do 5a ano do
curso de Psicologia da PUC-Campinas.
A caracterização da clientela atendida é semelhante àquela dos serviços de
Saúde Mental no Brasil, havendo prevalência de pessoas do sexo feminino, com idade
inferior a 45 anos, apresentando sintomas depressivos (Messias, 2002).

Sobro Comportamento c Cognição 2 2 7


Em relação ao atendimento infantil, temos observado que as crianças chegam
ao Plantão Psicológico porque seus pais ou cuidadores foram encaminhados pelas
escolas, pelos Centros de Saúde, pelo Conselho Tutelar ou buscaram,
espontaneamente, pelo serviço. A maior parte dessa demanda ocorre nos períodos em
que o serviço de triagem da Clínica de Psicologia não está funcionando.
Tanto as escolas quanto os Centros de Saúde, realizam o encaminhamento
devido ao mau desempenho ou fracasso escolar apresentado pela criança. Via de
regra, tais enca-minhamentos não resistem a uma análise mais cuidadosa. Em relação
às escolas, observa-se que na maior parte das vezes, quando do encaminhamento da
criança, não foram esgotados os recursos do âmbito da ação escolar (Prebianchi &
Cury, 2005). Os profissionais localizam as causas das dificuldades escolares ou no
meio social ou no próprio aluno, isentando a escola, os fatores psicopedagógicos e o
processo ensino-aprendizagem da responsabilidade pelos problemas escolares.
No que diz respeito aos encaminhamentos oriundos dos Centros de Saúde,
cons-tata-se que em sua maioria referem-se a casos recebidos por estes, primeiramente,
vindos das escolas e que em função da qualidade insatisfatória dos serviços oferecidos
pela saúde pública, traduzida pela superlotação e capacitação profissional insuficiente,
acabam por serem dirigidos ao Plantão.
O Conselho Tutelar foi criado para zelar pelo cumprimento dos direitos da criança
e do adolescente, estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio do
atendimento dos casos em que os mesmos tôm seus direitos violados e são vítimas de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Nesse sentido, o
Conselho, tem poder de requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação,
assistência social, previdência, trabalho e segurança. A maior parte de seus
encaminhamentos para a Clínica da PUC-Campinas dirige-se aos atendimentos tradicionais
de psicoterapia; o Plantão Psicológico somente é a referência para os casos onde o
comportamento da criança perturba os pais a ponto de os mesmos buscarem o Conselho
para pedir orientação e/ou por sentirem-se impotentes para lidar com ela. Normalmente,
tais crianças são referidas pelos cuidadores como agressivas e/ou "difíceis de controlar".
A busca espontânea da família pelo serviço, na maioria das vezes, diz respeito
à queixa de mau desempenho escolar e agressividade infantil; menos freqüentemente,
refere-se a casos de violência intrafamiliar.
Retomando-se às definições iniciais de crise psicológica e comparando-as
com os encaminhamentos recebidos pelo Plantão, não seria errôneo afirmar que, de
modo geral existe uma descaracterização dos serviços prestados pelo plantão
psicológico quando do enca-minhamento das crianças, pelos Centros de Saúde e
pelas escolas, em função da qualidade insatisfatória dos serviços oferecidos pela saúde
e ensino públicos no Brasil.
Nesses casos, ao invés de se constituir como um atendimento pontual e emer-
gencial que possibilita esclarecimentos e compreensão mais imediata sobre a situação
problema, colaborando para o seu redimensionamento e enfrentamento, o Plantão
Psicológico torna-se para a população que o procura, uma das únicas (senão a única)
possibilidade de ser prontamente atendida e obter, num curto espaço de tempo, algum
encaminhamento para seu problema, o quê significa ser triado para outra indicação de
serviço dentro da Clínica de Psicologia.

Uma Possibilidade de Intervenção:


Ainda que muitos dos encaminhamentos infantis ocorram de modo equivocado
ou sejam devidos à impossibilidade de ser admitido, de imediato, em tratamentos
psicoterápicos (pela não ocorrência da Triagem), não rara é a constatação de que as

2 2 8 I Iclen.i Rii/iinrlll P rc b unclii


crianças que chegam, via Conselho Tutelar ou busca espontânea da família, podem ser
beneficiadas polo atondimento no Plantão, em função da natureza da queixa.
Em tais situações se tomarmos as definições de crise psicológica e a oxata
caracterização do atendimento em Plantão Psicológico conformo citado no início desse
trabalho, podemos, a partir das queixas apresentadas nos oncaminhamontos do
Conselho Tutelar e na demanda da família, esboçarmos um modelo de atuação, sob a
perspectiva da análise do comportamento.
Assim, considerando que
Uma crise psicológica pode envolver uma perda ou a ameaça de uma perda ou de
uma mudança radical (Goldenberg, 1983 apud Rosenthal, 1999)

ou

...um eslado tem porário de p erturbação e desorganização, caracterizado,


principalmente pela incapacidade de um indivíduo de enfrentar uma situação
particular (Slaiku, 1990)
Entendemos que as adversidades são variáveis ambientais ou contextuais que
aumentam a probabilidade da ocorrência do algum efeito indesejável no dosonvolvimento
mental (Eisenstein & Souza, 1993; Maston & Coastworth, 1995).
Dossa forma, num primeiro momento a atuação do psicólogo no Plantão Psico­
lógico deverá tratar do favorecimento da descrição e discriminação do contingências
poios pais ou cuidadores e, eventualmente, dopondondo da natureza do problema, pola
criança. Muitas vozes, no Plantão, ao favorecer tais comportamentos do(s) cliente(s), o
torapouta conclui o seu trabalho, pois dado o reportório daquelo(s) e apoio social que
possui (em), torna-se possível para os mês-mos, lidar satisfatoriamente com a situação
que motivou a procura por atendimento psicológico.
Simultaneamente, o psicólogo não deve prescindir da roalização da análise
dos fatoros do risco presentes (biológicos e psicossociais) a fim de estimar a
possibilidade do on*frentamento atual do problema e suas possívois implicações
negativas sobre o funcionamento adequado da criança e/ou seus responsáveis, no
futuro. Respostas a estas questões tornarão conhecida a necessidade de indicação de
sorviços distintos e de maior duração ou abrangência do que o Plantão Psicológico.

Referências
Conger, R D , Ge, X., Elder, G. H.. Lorenz, F O., & Simona, R L (1994) Economic stress, coercive
family process, and developmental problems of adolescents ChUd Development,65, 541-561.
Eisenstein, E., & Sou/a, R P de (1993) Situações de risco à saúde de crianças e adolescentes.
Petrópolis: Vozes
Ferreira, M de C T., & Marturano, E M (2002). Ambiente familiar e os problemas de comportamento
apresentados por crianças com baixo desempenho escolar Psicologia: Reflexão e Critica,
f5(1). 35-44
Haggerty, R J., Sherrod, L R., Game/y, N & Rotter, M (2000) Stress, risk and resilience in children and
adolescents: process, mechanisms and interventions New York Cambridge University Press
Horowitz, F. D (1992). The concept of risk: A reevaluation. In Friedman, S L., Sigman, M D. (Eds.).
The psychological developmental of birth weight children, (pp 61-88). Norwood: Ablex.
Ka/dln, A E., Siegel, T C., & Bass D (1990). Drawing upon clinical practice to inform research on
child and adolescent psychotherapy: A survey of practitioners Professional Psychology.
Research and Practice, 21, p 189-198
Masten, A S., & Coastworth, J D (1995). Competence,resilience and psychopathology. Em D.

Sobre Com porfiim enlo c C ofiniçío 2 2 9


Cichetti & D. J.Cohen (Orgs ), Developmental psychopatology (pp. 715-752). New York:
Wiley
Melo, M H. da S. (1999) Um atendimento psicológico preventivo numa cllnica-escola de São
Paulo Dissertação de Mestrado, Curso de Pós-Graduaçâo em Psicologia Clinica,
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo
Messias, T. S, C. (2002). Plantão Psicológico como possibilidade de facilltaçâo a tendôncla
atuahzante; um estudo clinico. Dissertação de Mestrado Pontifícia Universidade Católica
de Campinas, Campinas.
Prebianchl, H B (2004) Atenção Psicológica à Criança: Compreensão do Supervisores e FuncinArios
de Clínica-Escola. Tese Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas
Prebianchi, H B & Cury, V. E. (2005) Atendimento Infantil numa Cllnica-Escola de Psicologia: Percepção
dos Profissionais Envolvidos. Paidóia, 15(31), 249-258
Rosenthal, W R (1999) Plantão Psicológico no Instituto Sedes Sapientlae- uma proposta de atendimento
aberto à comunidade In Mahfoud, M. (org) Plantão Psicológico: novos horizontes (pp. 115-
133) Sâo Paulo: Editora Companhia Ilimitada
Sapienza, G & Pedromônico, M R M (2005) Risco, Proteção e Resiliôncia no Desenvolvimento da
Criança e do Adolescente Psicologia em EstudQ, Maringá, v. 10, n 2, p. 209-216.
Slalku, K A (1990) Crisis Intervention: A handbook for practice and research Boston1 Allyn and
Bacon

2 3 0 I lolcn.i H .i/.m elli I’rcbi.mchi


Capítulo 24
História de contingências coercitivas e
suas implicações: estudo de caso
sob a perspectiva da Terapia por
Contingências de Reforçamento

Luciana Júlio Martins 1


I
Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento

"Coerção nào ó a raiz do lodo mal, mas até que adotemos outros modos, que nào
o coercitivo, para controlar a conduta uns dos outros, nenhum método para melhorar
fisicamente nossa espécie impedirá que o tim er de nossa sobrevivência continue
andando Uma ciência do comportamento desenvolvida pode mais uma vez dar às
p essoas de boa vontade razão para otim ism o sobre nossas chances de
sobrevivência".

Sidman (2003, p x)
Na prática clinica é preocupante a freqüência com quo o terapeuta lida com
clientes que vivem sob controle de contingências coercitivas. A punição reflete uma
herança histórica e cultural ainda froqüentemonto utilizada como procedimento para
suprimir ou controlar o comportamonto do outro. “Nós vivomos om um mundo coercitivo,
bombardeados por sinais de perigo e ameaças." (Sidman, 2003, p. 33)
Toda contingência em que estiver operando alguma forma do evento aversivo será
chamada de contingência coercitiva {Sidman, 2003). Denominaremos de contexto coercitivo
(Guilhardi, 2005) qualquer condição em quo as relações ontre os indivíduos e o ambiento
forem tipicamente de natureza coercitiva. Assim, por oxemplo, uma familia em quo as relações
ontro as possoas se definom por punições e comportamentos de fuga-esquiva podo ser
dofinida como um contexto coercitivo. Em tais contoxtos, o controle aversivo se dá, basicamonto,
atravós do três grupos de procedimentos: paradigma do ansiedado, roforçamonto nogativo o
punição (negativa e positiva). No paradigma experimental de ansiedade, um estimulo (pró-
avorsivo) ê apresentado durante determinado tompo, no final do qual ocorro um evento aversivo
(choque olótrico, por oxemplo), que não ó contingente a nenhum comportamonto especifico e
que não podo ser evitado, nom adiado por nonhuma rosposta particular. Tal procedimonto é
superposto a um esquema de reforçamento positivo intermitonto (om gorai intorvalo variável),

1O* rnikira* HyftKfocnm a Norn««i (k) Ayuirrn Lilian MmJeiro» n ShthM Marln Gimfio» |xtl*i o mvinAo<)o loxlo

Sobre C o m p o rl.im n ilo e CoRniçJo 231


quo so mantém em operação o tempo todo. Após repetidas associações entro os estímulos
pré-aversivo e aversivo, programadas pelo experimentador, o sujeito oxporimontal pára de
responder no esquema de VI durante o tempo de apresentação do ostímulo pré-aversivo e
apresenta respostas respondontes (eriça os pelos, defeca, urina etc.). No reforçamento
negativo, a resposta quo romovo um estlmuk) determinado aumenta de freqüência. A rosposta
ó chamada de fuga, quando remove o estimulo prosonto, e do esquiva, quando impede o
aparocimento do estímulo. O ostímulo quo fortaloco as respostas que o removem ou quo
impodom a sua apresentação ó chamado de reforço negativo ou estímulo aversivo. A punição
ó um conceito mais comploxo o suscita discussões, desde a própria definição do termo, até
os ofoitos que o procedimento produz:
“Enquanto operação, punição consiste em programar, para o responder, uma
conseqüência que o toma menos provável (...) Assim, afirmar que uma resposta foi
punida pode significar que a resposta produziu um estimulo punitivo ou que houve um
decréscimo no responder devido à produçào de um punidor." (Catania, 1999, p. 109).
Catania (1999) está entro os autores que definem punição polo procedimento e
pola mudança comportamental que produz, assim:
"A punição faz a resposta punida dim inu ir (Faz-se uma distinçÃo entre "punição
positiva' e “punição negativa") O adjetivo poa ltlvo significa que a conseqüência
do responder è a adição de um estimulo ao ambiente do organismo. O adjetivo
nogativo significa que a conseqüência do responder ó a %ubtração de um estímulo
do ambiente do organismo " (p. 117).
Para outros autoros, a punição so define pelo procedimento, não poios ofeitos:
"Devemos primeiro definir punição sem pressupor efeito algum." (Skinnor, 1967, p.
109). E, mais adianto, o mesmo autor acrescenta:
"Resolvendo o problema da puniçào simplesmente Inquirimos: Qual è o efeito da
retirada de um reforçador positivo ou da apresentação de um nogativo? Um exemplo
do primeiro seria tirar o doce de uma criança; um exemplo do último, castigá-la.
Nào usamos nenhum termo novo na colocação dessas questões e assim, nada
precisa ser definido (...) essas duas possibilidades parecem constituir o campo
da puniçào Nào houve pressuposição de qualquer efeito; simplesmente levantamos
uma questão para ser respondida com experimentos adequados'(p 110).
O estudo de caso apresentado no prosente artigo foi conduzido de acordo com
a Terapia por Contingências de Roforçamento - TCR (Guilhardi, 2004). Embora o
terapeuta comportamental osteja, em última análise, interessado nos comportamentos
o sentimentos do cliente, "o behaviorista radical não trabalha propriamente com
comportamento, elo estuda o trabalha com contingências comportamentais, isto ó, com
o comportar-se dentro de contextos." (Matos, 2001, p.50) ... "a prática do analista do
comportamento é estudar contingências em seu ofoito cumulativo sobro o desempenho
dos organismos." (Matos, 2001, p. 56).
A TCR utiliza procodimontos para conduzir o processo torapôutico que se baseiam
no Bohaviorismo Radical de Skinnor e na Ciência do Comportamento. A TCR so dofine por
várias características, entro as quais se destacam as dimensões que se seguem. 1. Idontifica
as contingências de reforçamento om operação na vida do dionte e as maneja, de modo quo
produzam alterações, nos comportamentos e sentimentos, compatíveis com as necossidados
dele. 2. Conceitua o relato verbal como comportamento da mesma natureza e sujoito às
mesmas leis que regem quaisquer outros comportamentos. O comportamento verbal ó
analisado na sessão como produto de contingências do roforçamonto na vida da pessoa e da
relação torapeuta-clionte, do tal forma quo importa menos o quo ó dito; mais relevantes são as
contingências que detenninam o relato verbal. Assim sondo, o comportamento verbal tem a
função de descrever as relações comportamentais não obsorvadas dirotamonto polo torapeuta,

2 3 2 I ucl.in.i lúllo M .ir lln t c I lílio lo tt (.'/uilh.inli


ou de dar a ele pistas que lhe permitam a identificação e a composição das contingôncias de
reforçamento. 3. Destaca a análise de contingências produtoras dos sentimentos, pois embora
estes sejam, como os comportamentos, também produtos das contingôncias, são muito
importantes para o funcionamento harmonioso do ser humano. Não basta se comportar; é
necessário, ainda, sentir-se bem, enquanto se comporta. 4. Propõe procedimentos que
instalam comportamentos r»o cliente capazes de reduzir ou eliminar sentimentos averslvos.
Assinale-se, porém, que instalar comportamentos de fuga-esquiva é menos eficaz quo instalar
um comportamento de contracontrole da agônda coercitiva, o qual altera tal agência e remove
a fonto do controle adverso. Não basta responder às contingências coercitivas, deve-se eliminá-
las. 5. Usa procedimentos verbais para manejar os comportamentos do cliente, produzindo
comportamentos governados por regras expostas pelo terapeuta, e auto-regras desenvolvidas
durante a terapia, as quais substituem regras e auto-regras disfuncionais instaladas pela
história de contingências do indivíduo. 6. Usa procedimentos de manejo direto das
conseqüências e dos antecedentes dos comportamentos dos clientes, na interação torapeuta-
cliente, empregando procedimentos de modelagem, fading, controle de estímulos etc. As
contingências manejadas devem ser amenas e priorizar técnicas que levam a mudanças
graduais. 7. Torna o cliente ciente das etapas do processo terapêutico, de maneira que saiba
descrever as contingências de reforçamento em atuação (fala-se que o cliente se tornou
“consciente" da presença delas). "Consciência", no entanto, não produz, nem altera
comportamentos. “Consciência" é comportamento, produto de contingôncias verbais, e não
pode ser considerada causa de novos comportamentos (do ponto de vista da análise do
comportamento, não há lugar para a concepção explicativa "comportamento causa
comportamento"). A descrição das contingôncias é um componente do processo de mudança
comportamental. O cliente, uma vez dente das contingências de reforçamento às quais vem
respondendo, está em melhores condições para alterá-las - sozinho ou guiado pelo terapeuta
-, de forma a produzir comportamentos e sentimentos desejados. O cliente, "consciente" e
instrumentado para alterar contingôncias de reforçamento, passa a ser sujeito ativo das
mudanças, capaz de produzir alterações ambientais, que atuarão sobre ele e selecionarão os
próprios comportamentos. 8. Propõe que o ajustamento da pessoa está diretamente ligado à
sua capacidade do se comportar e de sentir sob controle máximo de contingências reforçadoras
positivas e mínimo de contingôncias reforçadoras negativas. Assim, o terapouta deve levar o
cliente a adquirir repertório comportamental que o habilite para atingir tal objetivo. 9. Descreve
os procedimentos que utiliza, de maneira tecnológica, isto é, com suficiente clareza para
permitir replicação. 10. Compromete-se com produzir resultados socialmente relevantes, ou
seja, que tenham uma dimensão funcional harmônica (maximamente reforçadora e
minimamente aversiva) para a pessoa e para o ambiento social em que ela está inserida. 11.
Caracteriza-se por uma atuação conceitualmente sistemática, o quo significa que todas as
intervenções e análises devem ser expressas em conceitos e procedimentos
comportamentais. 12. Programa a generalização dos ganhos terapêuticos para outras classes
comportamentais, para outros contextos e de forma duradoura, 13. Preocupa-se em ser
analítica, isto è, em demonstrar experimentalmente, sempre que possível, as relações
funcionais estudadas.
De acordo com o arcabouço conceituai exposto, é apresentado o estudo de
caso de um cliente com uma história de contingências coercitivas severas e as
implicações de tais contingôncias na vida dele.

Identificação do cliente
Alex (nome fictício), quando começou a terapia, era solteiro, tinha 22 anos e
havia completado o ensino médio em escola pública. Trabalhava em um escritório de
contabilidade. Morava com o pai (52 anos) e a mãe (51 anos). A irmã de 28 anos,
casada, com filhos, era residente em outra cidade. O pai, aposentado, exerceu a profissão
de pedreiro A mãe nunca havia trabalhado fora de casa e apresentava graves problemas

Sobrr Com portamento c Cognição 2 3 3


renais desde a gravidez de Alex, tendo recebido um transplante, logo após o nascimento
do filho. Ela, atualmente, aguarda o transplante de um novo rim, submetendo-se a
hemodiálise, trõs vezes por semana, em hospital público.

Primeira Sessão
Aconteceu em uma noite fria. Na sala de espera, Alex estava inclinado para
frente e sentado na beira do sofá. A sós com a terapeuta, a testa exibia inúmeras gotlculas
de suor. A ansiedade era notável.
T: - Alex, eu gostaria de saber o que está incomodando você? Por que procurou a terapia?
A: - Ah! No serviço está tudo bem, só que tem umas coisas quo estressam muito em
relação a trabalho. Tem que ter paciência, controlar, tentar ver aquilo de um outro modo
pra nào ter nenhum tipo de constrangimento, mas em outros casos está tudo normal. A
vida, não tão tranqüila como eu queria com relação aos problemas com minha família,
tudo mais, o que tem tipo, certo, não pode desviar pra um outro canto. Tem um problema
sério na minha família, a hemodiálise. Minha mãe perdeu dois rins e agora tá precisando
fazer uma cirurgia no braço e eu e meu pai tem que estar com a cabeça no chão, porque
senão ela não se preocupa muito, mas, com o sofrimento dela, eu não consigo expressar
muito sentimento, isso pra mim, ajudo no que eu posso, só que eu não consigo em
certos casos chorar, estas coisas assim. Não sei seô o caso de eu ser tímido, eu sempre
fui fechado, nunca abri meu coração para alguém. Sabe? Fiquei fechado, trancado no
meu quarto, ficava comigo mesmo, nào se preocupava com o mundo, com o que os
outros pensavam e agora eu estou sentindo umas coisas assim, que estou começando
a me liberar e pretendo, com esse tratamento, ver o que pode ser feito, porque eu ainda
tenho um pouco de receio de conversar com as pessoas. Não sei se é pelo modo de
querer observar primeiro e ver como a pessoa, assim, ver no dia a dia, lida com as
coisas antes de poder chegar pra pessoa e poder falar, começar um assunto. Se eu não
ver a pessoa, raramente vou conseguir conversar com ela. Vou pegando amizade sem
a pessoa se aproximar, se a pessoa aproximar e eu não conhecer, vou ter aquele receio.2
A terapeuta ficou sob controle do relato verbal confuso do cliente e dos
respondentes públicos, tais como sudorese, tremor nas mãos, voz tremida, que
sinalizaram que a situação estava aversiva para Alex.
- Será que tenho função de estímulo pré-aversivo? - pensou a terapeuta. -
Mas, Alex nem me conhece ainda! Pensando bem... não precisa mo conhecer. Posso ter
função aversiva por generalização; a partir de outras pessoas da convivência dele... A
terapeuta atreveu-se a inferir que, em experiências interpessoais passadas, Alex,
possivelmente, teria sido punido na interação com o ouvinte. Temia agora ser punido.
As reações de Alex, na primeira sessão, rometem a um texto de Sidman (2003):
“No experim ento básico, o sujeito (experim ental) aprende a obter alimento
pressionando uma barra ; mas, (...) o trabalho do a nim al è pago apenas
ocasionalmente; ele nào obtém alimento toda vez que pressiona a bana (...) o tempo
entre tentativas bem-sucedidas é imprevisível (...) Agora, enquanto o sujeito está
trabalhando por seu alimento, ligamos um sinal, um tom que dura um minuto. Au finai
do minuto, assim que o tom cessa, um breve choque aparece. Diferentemente do
choque que o sujeito pode prevenir, este é inevitável, nada que o sujeito possa fazer
o manterá longe. Embora desamparado contra o choque iminente, o sujeito pode
continuar pressionando a barra durante o tom e o alimento ainda virá como antes (...)
No laboratório, depois do tom e do breve choque, passa-se um intervalo de duração

1Ttwmrtçfm» das yravaçOM d w m u õ m

2 3 4 I uciiin.i lúlio M .irtin * e I lólio losé l/u íllw rili


Imprevisível antes que o sinal apareça de novo. Uma vez que o tom volte, ele permanece
por um minuto e termina com o choque inevitável. De quando em quando, o sujeito
experiencia este pareamento entre tom de um minuto e choque breve, mas pode
continuar a obter alimento durante e entre os sinais de aviso (...) Depois de algumas
experiências, com a seqüência tom-choque, o sujeito muda drasticamente seu
comportamento quando o tom ê ligado Ainda que ele pudesse continuar a obter
alimento, pára de pressionar a barra assim que ouve o sinal. Em vez de trabalhar,
ele agora se agacha tensamente, tremendo, defecando, urinando, eriçando o pêlo.
Ele m ostra todos os sinais que usualm ente a tribu ím os à ansiedade
avassaladoramente parallsante." (pp. 209 e 210).
Se for feita uma relação análoga entre a pesquisa básica e a primeira experiência
terapêutica de Alex, pode-se cogitar que a terapeuta tinha, para ele, a mesma função do
tom do experimento de Sidman Assim, equivaleriam as relações: tom - contexto
terapêutico e presença da terapeuta - choque (reação da terapeuta esperada por Alex).
Sidman (2003) continua:
“(..,) Fora do laboratório (...) Outros sinais de choques inevitáveis vêm de pessoas,
freqüentemente como efeitos colaterais não-pretendidos das várias formas de
coerção que Impensadamente Impomos uns aos outros (...) Porque a coerçào
social ó tào predominante, a ansiedade severa produzida por sinais de aviso de
punição, perda, fracasso ou embaraço inevitáveis tambòm surge freqüentemente
em nossas interações cotidianas (...) De maneiras semelhantes, muitas pessoas
tornam -se supressores condicionados uns dos outros, com suas práticas
coercitivas gerando ansiedade, pânico, paralisa e depressão...'', (pp. 211 e 212)

“(...) punidores condicionados gerarão, eles mesmos, os mesmos efeitos colaterais


que os punidores dos quais derivam. Am eaças de punição, p or exemplo,
comunicadas em palavras ou ações, sâo uma experiência universal, muito mais
comuns que as realidades que prognosticam. Ê crítico, portanto, reconhecer que
uma parte particularmente importante de nosso ambiente é uma fonte importante
de punição condicionada. Ê o ambiente social." (p. 103)
A sessão continuou assim:
T: - Você está falando de confiança, você quer pegar confiança primeiro...
A: - Ê, tanto como confiança, como um pouco de liberdade, tipo, eu sou assim muito
fechado. Ê eu tenho que conhecer a pessoa muito bem para estar conversando com ela,
entendeu? E em casa eu estou começando, por causa do trabalho, eu estou com muitas
pessoas, e se eu nâo converso, provavelmente eu nào vou estar lá daqui dois ou três
meses, (posteriormente o cliente deixou claro que uma das razões mais urgentes pela
qual procurou a terapia foi se esquivar de uma possivol demissão do emprego, já que
apresentava dificuldades na interação social no ambiente de trabalho) Ai, quando eu
começo a conversar, as pessoas falam para eu parar... Então nâo dá para entender
muito bem o quê que pretendem (neste momento, o cliente apresentou uma evidência
para a terapeuta sobre história de punição diante do ouvinte), assim, em relação a
serviço e algumas coisas a mais, mas pelo contrário, problema que tinha outro a respeito
de conversar era por causa, pelos meus dentes. Eu tinha receio das pessoas observarem,
eu fiz tratamento com quatro anos de idade, que eu tinha bronquite, então por causa dos
medicamentos, meus dentes foram ficando amarelados e tudo mais . Então tinha aquele
receio de chegar nas pessoas ,por causa disso. Meu colega pegava, conversava, e eu
pegava e ficava quieto, só ouvindo. Colega meu falava: 'laia alguma coisa" E eu falava:
“Nào, tô só escutando e tal"...
T: - Faz tempo isso... (ele interrompeu a fala da terapeuta, a qual não completou a
pergunta: - Que você tem receio de conversar com as pessoas?)

SobreComporl.imentoeCognlç.lo 2 3 5
A: - Desde os quatro anos. (Alex não ficou sob controle da pergunta da terapeuta e
respondeu como se a pergunta estivesse relacionada com os remédios que deixaram
seus dentes amarelos)
T: - Faz tempo que você tem esse receio de conversar? (terapeuta retoma a pergunta)
A: - Ah, porque assim, faz bastante tempo, comecei a me liberar um pouco mais com 18
anos.
T: - Dezoito anos, e você está com vinte agora...
A: - Estou com vinte. Porque, assim, por causa dos meus pais, até os 16 anos, não podia
sair de casa. Meus pais colocavam na minha cabeça que eu não tinha amizade nenhuma
na rua, e todo mundo sala, e eu ficava quieto, ficava assim, de casa pra escola, da escola
pra casa, então se eu ficasse na rua ató umas quatro horas da tarde, minha mãe e meu
pai me levavam pra casa. al eu perguntava: "Por quê?", (os pais respondiam) “Tem
muita violência na rua, você vai ser assaltado, vai ser morto e tudo mais". Então ,como eu
não tinha experiência na rua. eu acreditava e ficava em casa. Meus colegas: “Alex,
vamos sad". H Ahf Não posso, que minha mãe não deixa" Aí, com isso, sempre teve briga
em casa do tipo de... conversar não deixa, porque meu pai, você vai conversar com ele,
ele é aquela pessoa que vira as costas pra você e bate a porta na sua cara, ele (pai) nào
dá a resposta do que você está perguntando pra ele, então, algumas vezes, antigamente,
eu retrucava, ele falava alguma coisa, eu pegava, virava as costas, saía e ele ficava
bravo com isso. Al, eu pegava e reclamava da situação, aí eu falava: "Não, você fez isso
comigo primeiro". A gente nunca conversou de pai pra filho até os 16, 17 anos. Depois
que um colega meu abriu uma academia de artes marciais me interessei em fazer, sô
que, antigamente, eu por qualquer coisa eu já brigava, aí por esse motivo também meu
pai nào queria deixar eu sair. Al depois, com tempo, meu vizinho, no caso, convenceu
ele a ir lá ver, porque ele pensava que era só briga, sangue, essas coisas que a televisão
mostra...
O cliente, durante a sessão, apresentou verbalização quase ininterrupta, o que
limitou as intervenções da terapeuta. Os problemas mais importantes que relatou foram
as dificuldades no relacionamento familiar e na interação social. Nas sessões seguintes,
relatou outras dificuldades, as quais se seguem.

Queixas do cliente
1- Dificuldades n at Interações sociais

Além das dificuldades já apontadas, ainda na primeira sessão, Alex apontou


sua dificuldade em iniciar e manter conversação com as pessoas, principalmente com
as do seu trabalho, referindo-se a um “receio":
A: - ... meu pai já tá conversando mais comigo, então isso fez com que eu conseguisse
conversar mais com as pessoas, não do jeito que eu quero, só que ainda fica aquele receio,
eu quero conversar, só que nào sei, algo dentro de mim fala: "Não, esperaTipo trava, eu fico
sem ser espontâneo pra tá falando tudo o que eu quero, tudo mais, e tem aquele receio de
falar, às vozes, eu acho até bom, mas ,às vezes, eu acho que nào seria de acordo.
A: - .. . eu já programava tudo à noite: vou chegar pra tal pessoa e falar isso, falar aquilo,
conversar, daí tudo bem, dormia com isso, na hora que eu chegava pra conversar com
amigos, amigas em questão, aí tinha aquele bloqueio de falar tudo o que eu já tinha
programado no dia anterior, aí tudo bem, eu não falava...

2 3 6 l-UH.in.i lúllo M a rtin s e I iélio Josó (./u llk ird i


A: - ... Aí quando ou chegava em casa, ai eu pensava, puxa eu ficava o dia inteiro
calculando o que eu ia fazer, o que eu ia falar, pra chegar na hora bloquear.
Ainda na primeira sessão, a terapeuta perguntou ao clionto se algo mais o incomodava:
A: - O que mais me incomoda ó o receio de falar com as pessoas, gostaria de conversar
melhor, do nào ter esses receios.

2- Dificuldades no relacionamento familiar


Na mosma sessão, Alex também rolatou ter muita dificuldade em se relacionar
com a família, principalmonto com o pai. Soguom algumas falas de Alex, quo ovidenciam
tal dificuldade:
A: -... sempre teve briga om casa do tipo do conversar não deixa, porque meu pai, você vai
conversar com elo, ele ô aquela pessoa quo vira as costas pra você e bato a porta na sua
cara, ele não dá a resposta do que você está perguntando pra ele, então, algumas vezes,
antigamente eu retrucava, ele falava alguma coisa, eu pegava, virava as costa e saía e elo
ficava bravo com isso, aí eu pegava e reclamava da situação, aí ou falava: não você fez
isso comigo. Primeiro a gente nunca convorsou de pai pra filho até os 16-17 anos
A: - ... em casa, a gente nem se conversa, dá vontade, mas não dá certo, e nào adianta,
tenho que pedir desculpas, às vezes, sem ter porque, só para quebrar um pouco o gelo...
A: - ... tá uma conspiração contra mim em casa...

3- Dificuldades com a primeira relação sexual


Na quarta sessão, Alox contou que havia encontrado Marta, uma antiga namorada
e reatado com ela. Tal relacionamento consistia em raros encontros nos finais de semana
e conversas na presença dos amigos, mas foi se intensificando, até que a namorada disse
que queria "fazer sexo” com ele. Alex “fugiu” da situação com Marta (por exemplo, comportava-
se como se não estivesse entendendo o que ela queria, mudava de assunto, dava desculpas
etc.) e, nas sessões, relatou seus modos e inseguranças em relação á atividade sexual.
Tomia não satisfazer sexualmente a companheira e revelou para a terapeuta estar
desinformado acerca de métodos contraceptivos e doenças sexualmente transmissíveis.
T: - Tem alguma coisa hoje que esteja incomodando você? Que você queira colocar
aqui na terapia?
A: - Ah, assim, eu nunca conversei sobre sexo com os meus pais, com a minha irmà, ou
consigo assim, nó?, mas com os meus pais, sei lá, tem aquele receio, meio vergonha,
mas ou queria falar com eles, eu nunca fiz sexo e eu só sei coisas que nós vê na
televisão e eu tenho, não sei se ó receio, assim medo do pegar doenças, do gravidez, de
nào conseguir fazer certo na hora, não dá prazer pra ela.
T: - Você já conversou com sua namorada sobro isso? Você sabe se ola já teve alguma
experiência sexual?
A: - Não, não, eu nunca falei com ela não.

4- Rituais com o cabelo


Desde a primeira sessão, a terapeuta "notou" o topete de Alex: a franja era
posicionada com todos os fios eretos para cima e na mesma altura. Era como se fosso
uma "parede de cabelo”. Após algumas semanas de atendimento, Alex relatou que estava
"cansado" (de arrumar o cabelo) e o quanto ora “trabalhoso" fazer o manter o topete:

Sobre Comport.imenlo c Co#nlç.lo 23 7


A: - ... ah, uma coisa, eu Unha que sair hcye de manhà e aquela coisa, gel, cabelo, eu
acordei era 7:00 horas pra fazer isso aqui, pra arrumar, porque eu tinha que dar entrada
no fundo de garantia, al eu tinha que me arrumar, entâo aquela coisa, eu acordei, minha
mãe tava dormindo, meu pai tava lá fora, al falei: "Ah, essa é uma boa hora pra começar
me arrumar", né? Entro lá no banheiro, tomo banho... porque pra tomar banho, eu
domoro uns dez minuto ou menos, agora pra arrumar o cabolo, vai de 40 minutos a uma
hora, entâo tem que ficar ajeitando, arrumando o fio, secador, pente, e isso domora...
entâo eu acordo bom cedo... aí eu tô arrumando, arrumando, arrumando e nâo fica do
jeito que eu quero, fica muito grande, aí pego pra abaixar, jogo água tudo de novo e
começo a arruma às sete, às oito, às oito e meia fui sair do banheiro, minha mãe: você
morreu? Nâo tô aqui, al ola entrou no banheiro e eu saí com metade pra cima e depois
voltoi pra terminar de arrumar... eu nâo sei porque, enquanto meu cabelo nâo estiver
assim, ô inacreditável, se um fio estiver pra baixo assim, eu tenho que irpro banheiro pra
arrumar... quando assim, eu tenho que ficar dois dias com o cabelo, eu tenhoque deitar
na cama assim (cabeça reta no travesseiro, olhando para cirna), eu durmocom trôs ou
quatro coberta (ao lado da cabeça), tampar a orelha pra evitar que eu faça assim (virar a
cabeça para o lado), porque se eu dormi de lado, meu cabelo desarruma, al tem que
ficar assim dormindo.
T .-E o que você acha disso?
A: - Ah, é complicado! Porque sempre que eu faço isso, eu sempre acordo na
madrugada, não consigo dormir assim diretão... na terça-feira à noite eu tinha
acabado de tomar banho e tava penteando o cabelo, só que tudo pra baixo, atô
pra baixo, até pra deixar ele desarrumado, eu tenho que deixar ele legal, senão eu
nâo consigo dormir.
T: - Nem para dormir você consegue deixar ele desarrumado?
A: - Não. Só que é assim, eu pego a toalha, tiro o excesso da água, ai eu pego,
deixo tudo pra baixo, mas tem que estar tudo alinhado, mesmo pra baixo, não
deixo o cabelo desalinhado tudo, até pra dormir, assim, se não tiver do jeito que eu
quero, assim, nossa, às vezes, eu acho que me cobro muito.
T: - E, isso faz mal para você? Faz bem? Como é que é?
A: - As vezes, é um pé no saco, dá vontade de pegar e rapar e le...H
O cliente relatou que já ficou um mês som sair de casa por causa do um corte
de cabolo, que "não ficou bom". Disse quo quando chovia era um "terror", pois
desmanchava o topete. Se o cabelo nào estivesse do jeito que deixara, Alex não se
sentia à vontado, não se sontia bem e ficava preocupado Já deixara de entrar na piscina,
em um dia de festa e muito calor, para não desmanchar o topete, mesmo estando com
muita vontade de nadar. Não cabeceava a bola em um jogo de futebol...

5- Problema de retenção de fezes


Após aproximadamento, um ano ininterrupto do processo terapôutico, Alex reJatou
pola primeira voz dificuldados para ovacuar;
A: - ... Ah! Entâo é que eu tenho um problema, é que desde os 11 anos que eu tenho
intestino preso, já cheguei a ficar um mês som ir ao banheiro, ficava internado, e sempre
que vou, a privada entope, isso até hoje...

O cliente ficava semanas som evacuar e sofria de muita cólica intestinal, ató que
conseguisse se aliviar. Alex contou que ficava muito ansioso quando tinha "cólicas intestinais"

2 3 8 I ucuin.i Júlio M .ir t n x c ^ lelio Josó (,/uilb.inli


fora do casa, pois só lá sontia-se à vontade para emitir todo o complexo encadeamento de
rospostas de evacuar o de so “livrar" das fezes. Em casa, o banheiro ostava preparado para
as ocasiões em que evacuava. Lá havia pás, objetos cortantes, sacos plásticos, pois ora
preciso cortar as fezes om pedaços menores e retirá-los do vaso sanitário para que não
entupisse. Um dia, enquanto trabalhava (no escritório de contabilidade) foi acometido de
fortes contrações intestinais o nào houve possibilidado do ir ató sua casa. Não havendo
altornativa, Alox se dirigiu ao banheiro do escritório o evacuou. O vaso sanitário ontupiu, a
água do vaso transbordou pelo chão, sujando o tapoto o todo o chão. Alex ficou o "dia todo"
trancado no banheiro, tentando rosolver o problema. Segundo sou relato, rocobeu ajuda de
aponas uma funcionária, pois não contou a mais nínguóm o que estava ocorrendo. Naquele
dia, os domais funcionários usaram um outro banheiro Ninguóm comentou o fato com ele.
Dopois de uma semana, foi demitido.
- Como uma pessoa podo chegar a tal extremo do constrangimonto? Como
pode tornar tào complexo o ato de evacuar?, pensou a torapouta. - Com quanta puniçào?
Com quantos "choques de natureza social" se constrói um repertório de comportamentos
como esse? Em nenhum momonto se pensou que Alex tivesse um problema anátomo-
fisiológico... Uma história de controlo coercitivo intenso podo oxplicar mudanças em
respostas respondentes o na modelagem de encadeamentos oporantes de fuga-esquiva
como os descritos. Já so viu que o paradigma da ansiedade altera desempenhos
respondentes e operantes. A fuga-esquiva pode se caracterizar pela emissão de um
mínimo de rospostas (esconder-se, calar-se, isolar-se, reter fezes etc.). Quando a
pessoa não discrimina quais comportamentos produzem a conseqüência aversiva ou,
nem mesmo discrimina quo o evento aversivo ó produzido por comportamentos, ela
podo reduzir a probabilidade de ser punida (fuga-osquiva supersticiosa), emitindo cada
vez menos comportamentos perceptíveis pelo outro. Chega-se a uma condição de
min/malismo comportamental Mas, há um limite no caso de Alex. Ao minimalismo
soguia-se uma explosão de gestos, dores, culpa, constrangimento. A que um ser humano
ó capaz de chegar para fugir da repressão de outro ser humano! Que enorme capacidade
de se comportar a sós para encobrir a incapacidade de se comportar diante do outro.
Voltemos no tempo. Na terceira sessão, Alex havia contado para a terapeuta
que havia sido demitido do escritório. Naquela noite, a terapeuta perguntou se elo
identificava as razões da demissão. Alex apenas falou sobre a "injustiça” que os chofes
cometoram, pois ele havia colocado todo o arquivo em ordem o, assim que havia
encerrado a organização das pastas, foi dispensado. A terapeuta, quase um ano dopois,
compreendeu o que havia ocorrido. Mesmo questionado (na sessão presente) pola
terapeuta, Alox não discriminou a estranheza que deve tor causado nas pessoas com
as quais trabalhava, o fato de ter passado um dia todo no banheiro do escritório Manteve
a crença do que foi domitido por causa da “injustiça", não por comportamontos seus.
Alex relatou tambóm quo, quando tinha aproximadamonto 12 anos, rocebou om
casa a visita de uma tia e do uma prima quo moravam em Bauru. Como era um poriodo do
fórias escolares, a tia o convidou para passar uma semana na casa dela. Alex contou quo
ficou muito entusiasmado com o convite e pediu permissão ao pai para viajar com a tia. O
pai disse que poderia ir, poróm impôs uma condição: quo fizosso “cocô” antes do viajar.
So conseguisse, podoria ir, caso contrário, não. A rogra ostava clara para Alex. Foi
imodiatamente ao banheiro, ondo ficou o dia todo tentando evacuar. Não consoguiu, nom
mesmo com o apoio da prima, a qual ficou boa parte do tompo lho fazendo companhia,
incentivando-o. Ao final do dia, quando a tia já ostava para partir, Alex avisou ao pai que não
havia conseguido... Não viajou.
Mesmo sob controle de um tato verbal sobre o passado distante de Alex, a
terapouta não deixou de se comover com a narrativa do episódio. O que gostaria do tor-

Sobrc C om portam ento e Co#nlt<1o 2 3 9


lho dito, pode sor assim resumido:
T: - Seu pai exigiu de você um comportamento operante Evacuar, no entanto, envolve
componentes operantes e respondentes. Sob contingências aversivas intensas, os
componentes respondentes prevaleceram... Você não fracassou. As leis que regem os
comportamentos não lhe foram favoráveis.

História de contingências
Desde que nasceu, Alex foi criado pela irmã, por algumas tias e por vizinhas, já
que sua mãe tinha problemas de saúde e, constantemente, viajava para fazer tratamento
módico.
Ele relatou que presenciava as crises de dor da mãe dosde os quatro anos de
idado e a auxiliava, indo buscar recipientes onde ela pudesse vomitar. Ató os 16 anos, o
clionto não podia sair de casa, pois o pai alegava que havia muita violência na rua.
Alguns comportamentos do pai eram muito inadequados, como, por exemplo, quebrar
o chuveiro, dar murro em objetos e paredes, som quo Alox comproondesso o que
desencadeava tais comportamentos. Utilizou, por várias vezes, tiras de borracha de
pneu para bator em Alox, chegando a machucá-lo. (- E o pai dizia que se preocupava
com a violência das ruas..., ponsou a torapouta) As agrossões, algumas vozes, ocorriam
contingentes a comportamentos de Alex; o pai dizia, gritando, porque batia. Mesmo
assim, eram surras exageradas e os comportamentos punidos oram considerados
inadoquados pelo pai de um modo muito arbitrário. Não havia consistência nas
agressões; o mesmo comportamento ora era punido, ora era ignorado. Outras vezes,
Alex nom sabia a razão pela qual apanhava. O pai não dialogava com elo e,
freqüentemente, mandava “recados" ameaçadores pela mãe (que os repetia para o
filho). Outras vezes, fazia reclamações sobre Alex em voz alta, falando com a esposa,
para quo ele ouvisse. Alex, de uma forma geral, não contrariava as ordens do pai e não
o enfrentava; mantinha-se calado, mesmo que a situação fosse injusta. Sentia-se muito
satisfeito quando o pai fazia algo bom para ele, sondo pouco exigonto com relação a tais
comportamentos. Pode ser citado, como exemplo, o fato de o pai ter-lhe dado pipoca e
10 reais de presente de aniversário. Alex ficou muito feliz com os presentes do pai.
É oportuno apresentar algumas considerações conceituais, que auxiliam a
compreensão dos padrões comportamentais atuais de Alex. Punições severas dificultam
o contracontrolo: a agência controladora que maneja os eventos aversivos inibe e inviabiliza
qualquer comportamento de oposição. Quando o comportamento que produz a
conseqüência punitiva é conhecido, a pessoa pode emitir respostas de fuga-osquiva
(basta omitir outros comportamentos alternativos ou incompatíveis com aquele que produz
a punição). Os comportamentos de fuga-esquiva impedem que o evento aversivo seja
apresentado; não romovem, poróm, as contingências coercitivas. No contracontrole, a
fonte de eventos aversivos é alterada e as contingências coercitivas deixam de operar.
Como so viu, contracontrole não era possível para Alex. As dificuldades do cliente para
lidar com as contingências coercitivas se tomavam ainda mais drásticas porque os eventos
aversivos provenientes do pai não oram, em geral, contingontes a nenhum comportamonto
ospocífico; o pai o agredia sem estar atento às contingências. Não há, em tais
circunstâncias, contracontrolo, nom fuga-osquiva possíveis. Ainda mais, não havia como
discriminar quando o ovento aversivo viria, uma vez que o comportamonto de agrodir
estava sob controlo do eventos inacessíveis para Alex. Uma longa história do contato com
contingências coorcitivas intensas produz dôficits importantes de repertório om múltiplas
áreas, tais como rodução de variabilidade comportamental, com conseqüente aumonto

2 4 0 I m i.in .i Júlio M .irtm * e I léllo Jost l/u ilh .irrii


de estereotipias e rituais; ausência de iniciativa; insensibilidade à contingências de
reforçamento positivo; dificuldade de emitir comportamentos discriminativos, com
conseqüente generalização exagerada da função dos estímulos, avaliados de modo geral
e abrangente como aversivos ou pró-aversivos; excesso de comportamentos de fuga-
esquiva disfuncionais, aqueles que não evitam, nem removem eventos aversivos;
disfunções neurovegetativas. Além das dificuldades comportamentais, aparecem
sentimentos aversivos intensos, tais como ansiedade, medo, fobias, hipocondria,
sentimentos de Incontrolabilidade ou desamparo.
A mãe sempre adotou uma postura passiva diante dos comportamentos
inadequados do pai em relação ao filho. Assistia ao marido "espancando" Alex e apenas
lhe pedia para parar de bater no filho, sem nenhum controle eficaz sobre as agressões.
A topografia do comportamento verbal da mãe era de defesa do filho; a função, não. A
mãe, na presença do pai, sempre o defendia ou justificava os comportamentos que ele
emitia; na ausência dele, falava para Alex: - Você está certo, mas 6 o jeito do seu pai, você
precisa ter paciência. Ela demonstrava temer o marido, embora sempre tenha sido
poupada, devido as suas condições de saúde. Alex sempre fora, e continuava sendo,
muito cuidadoso com a mãe e se preocupava muito com a saúde e com o bem-estar
dela, de uma forma geral. Embora conversasse mais com a mãe do que com o pai, as
interações verbais, mesmo com ela, eram pouco freqüentes.
A irmã sempre apresentara, e continuava apresentando, incoerências na relação
com Alex. Mencionava que o pai tinha com ela os mesmos comportamentos inadequados
que apresentava com Alex; no entanto, ela se aliava com o pai contra o irmão, a cada
reclamação que o pai fazia, sem nunca ouvir a versão de Alex. Freqüentemente, criticava
Alex baseada apenas nos rolatos do pai. Diante de qualquer problema da família, doença
da mãe ou falta de recursos financeiros, ela se unia com o pai contra Alex, sem que este
tivesse qualquer responsabilidade pelos reveses familiares.
O cliente teve uma vida social pouco desenvolvida. Ficava a maior parte do
tempo em casa, no seu quarto. Sempre teve uma grande preocupação com a aparência
física e chegou até mesmo a evitar falar, para não mostrar seus dentes, pois os achava
tortos e amarelos.
O pai impedia Alex de trabalhar; prometia-lhe dinheiro, mas pouco lhe dava. Aos
16 anos, Alex o enfrentou e começou a trabalhar como cobrador em uma empresa de
transporte alternativo. Em seguida, trabalhou num escritório de contabilidade, como
auxiliar. Relatou ter se “esforçado muito", mas tinha dificuldades de relacionamento
com os demais funcionários, pois não conseguia iniciar e nem manter conversação. Foi
o momento em quo procurou a terapia. Logo após as primeiras sessões, ele foi demitido.
Na relação com os amigos, não relatou grandes problemas. Nunca tivera relação
sexual e continuava ansioso com a sua primeira vez.

Relatos que ilustram as dificuldades do cliente


A. Relatos confusos
A: - ... al, nisso tava sol, nó? Ah! Ela mora aqui perto, e eu já tava adivinhando que era
uma certa vizinha. Al eu peguei e falei assim: "Ah! me fala como ela é", (a menina
rospondeu) “Ah eu nâo posso faiar", e nisso eu fui andando pra frente, eu vi uma sombra,
porque meu muro ó assim né? Aqui tampa a visão de quem tá aqui. A i eu vi uma
sombra, eu fui passando em direção da rua pra ver quem era, conversando com essa
menina. De repente, você nem imagina quem me sai do muro! Essa menina que eu tava
com idéia que seja.

Sobre C o m p o rtim c n lo f Cofinlçilo 241


B. Dificuldade em iniciar e manter conversas
A: - ... isso, agora, tipo, uma pessoa do trabalho, que a gente sai pra almoçar e tudo mais,
tem aquele grupo, só que um eu nâo sei se por causa das conversas que eles falam tipo
eu tenho meio receio de falar, deles pensarem alguma coisa, tipo... eu nâo sei te dizer
muito bem.
A: - ... pra tá conversando mesmo, sobre vários assuntos eu nâo consigo, sô consigo
sobre aquele assunto que está ocorrendo no momento, tipo em questão sobre serviço,
falo sobre serviço, ah! Tô no cinema, falo sobre cinema. Nâo consigo, não sei muito bem
se nâo consigo ou se nâo quero, ou se eu tenho receio de falar sobre outras coisas que
a pessoa pode pensar, tipo, nâo gosto do assunto que eu estou querendo falar, então eu
espero a pessoa comentar do assunto pra tá jogando, falando, e essas coisas...

C. Vergonha dos dentes

T: - Você tem medo das pessoas nâo gostarem daquilo que você está falando (cliente
interrompe a fala da terapeuta).
A: - Do que estou falando, principalmente, agora, aquilo que eu tinha receio que como
que eu falei prá você por causa dos meus dentes, então eu sempre, sempre quis colocar
aparelho, mas a condição financeira nâo deixava, até cheguei a falar pro meu pai que ia
trabalhar assim, sem parar, no que ele quisesse fazer que nâo conseguia, e ele nâo
deixava, então sempre ficava em casa trancado.
T: - Com vergonha dos seus dentes...
A: - Da pessoa ver, até agora que eu comecei a trabalhar, a primeira coisa era colocar
aparelho. Coloquei a parte de cima, agora falta a debaixo. A própria dentista, por causa
da minha obsessão de arrumar e tudo mais, ela achou estranho por que as pessoas que
vai, no caso, pra desentortar uma coisa assim, e no meu caso não, foi mais pra clarear
primeiro, pra depois desentortar, no caso, e depois que coloquei, nossa! Já cheguei na
rua, já fui nos outros bairros, comecei conversar, tive aquela... nâo sei, se eu tinha
perdido metade do receio que eu tinha.

D. Não aceitação de brincadeiras no serviço


A: - Essa é a questão: eu nâo fiz nenhuma brincadeira, nâo sei se ó pelo modo de ser
tímido, sabe? Tipo, faz o serviço, entrega na mão de quem tá pedindo, faz todas suas
obrigações e fica no seu canto, pode até conversar com o pessoal, mas nào relacionado
ao que eles conversam. Por exemplo, essa questão do apelido, tipo, eles falavam, tipo,
eu falei: “Oh! Não gosto desse apelido". Poderia estar chamando pelo nome. Al, o pessoal:
"Ah! Bob, Bob, Bob,..." Você tem seu apelido, tudo bem, mas tem que ser da porta do
serviço pra fora, aí sim, pode falar Bob, pode falar o que quiser, mas dentro do serviço ô
totalmente outra coisa. E sô agora o pessoal teve consciência disso, né?

E. Dificuldade no relacionamento familiar


O cliente relatou que os membros da família pouco conversavam entre si, nào
existia diálogo familiar, ele, porém, tomava algumas iniciativas, sem obter resultados
satisfatórios. Por vezes, o pai estava calado e sério, e o cliente dizia quo, para "quebrar
o gelo", pedia desculpas, mesmo sem ter feito nada de errado, apenas para iniciar um
diálogo.

2 4 2 l.ucitin.i Julio M a rtin s t I léiio losé C/ullh.m lí


A: - Em casa cada um fica no seu canto...a gente nem se conversa, dávontade de conversar,
mas não dá certo, não adianta... peço desculpas semter porque só pra quebrar o gelo.
Certa vez, o pai saiu e levou todas as chaves da casa, inclusive a do cliente,
deixando apenas a porta da cozinha aborta. Como não havia mais ninguém na residência,
o cliente teve que ficar em casa preso até o pai retornar. Segundo Alex, o pal fez isso "de
propósito", pois assim ele o manteria em casa. O cliente descreveu suas reações da
seguinte forma:
A: - Eu não podia sair, fiquei nervoso, falava alto comigo mesmo, coloquei um travesseiro
na cara e comecei a gritar, depois comecei a contar...
Quando o pai retornou para casa, Alex disse:
A: - Só faz trôs horas que estou aqui esperando e por quê? Você levou a minha chave.
Por que levou a minha chave?
Pai: - Eu não levei sua chave.
A: - Claro que levou, olha aí.
Pai: - Eu nem percebi.

Conceituação comportamental da problemática do cliente


Pode-se concluir que Alex:
1) Teve uma história de contingências coercitivas, tendo sido punido,
principalmente pelo pai, de forma contingente e não contingente a comportamentos. Os
comportamentos que produziam conseqüências aversivas eram, em geral, definidos
pelo pai como inadequados de forma particularmente arbitrária.
A: - ... Do nada assim, por coisas banais em casa... ele pegava uma fatia de pneu tacava
na minha perna, tacava nas minhas costas, pegava vassoura tacava na minha perna,
você não imagina que dor que eu sentia com aquilo lá...
A: - ...Outro dia minha mãe: "pára com isso", falando pra ele, ele pegava e continuava.
Enquanto eu não tava lá sangrando, deitado no chão, tipo gritando, ele não parava.
2) Sofreu punições severas, as quais produziram excossos comportamentais,
com função de fuga-esquiva, tais como ficar recluso, isolado por longos períodos no
próprio quarto; dóficits comportamentais, tais como dificuldades nas interações sociais,
falta de iniciativa, baixa variabilidade comportamental, pouca clareza nas verbalizações;
sentimentos aversivos. tais como ansiedade, fobias. A intensidade, alta freqüência e
imprevisibilidade da ocorrência dos eventos aversivos produziram muitos comportamentos
de fuga-esquiva supersticiosos ou não funcionais, os quais, por um lado, não alteram a
probabilidade, nem a intensidade de ocorrência dos estimulos aversivos e, por outro,
competem com a emissão de classes comportamentais funcionais, em especial aquelas
que podem produzir reforços positivos.
A: - ... sempre teve briga em casa do tipo de conversar e nào deixar, porque meu pai,
você vai conversar com ele, ele ó aquela pessoa que vira as costas pra você e bate a
porta na sua cara, ele nào dá a resposta do que você está perguntando pra ele... Eu
ficava no quarto sozinho (fuga-esquiva), era de casa pra escola, da escola pra casa, até
meus 16 anos.
3) Foi exposto à condição de privação de atenção e cuidado, como resultado da
doença crônica da mãe. Ela se mantinha longe do lar por longos períodos para se tratar
em hospital localizado em outra cidade. A mãe nào pôde, assim, criar contingências que

Sobre Comportamento e Coflniç.lo 2 4 3


produzem sentimentos de auto-estima e nem repertório comportamental mantido por
conseqüências reforçadoras positivas. Acrescenta-se, ainda, que a mãe não era fonte
de contingôncias alternativas de reforçamento na presença do pai. Era submissa a ele
e acatava as ações do marido. Como conseqüência, Alex não era exposto a controle de
estímulos diferenciais que poderiam instalar nele repertório discriminativo e,
eventualmente, comportamentos diferenciados. Se as contingências de reforçamento
ás quais uma criança é exposta são da mesma ciasse ou tem funções análogas, pouco
resta a ela para discriminar o que ocorre ao seu redor... Comportamentos de
contracontrole e de fuga-esquiva eficazes se reduzem e comportamentos de captação
de reforços positivos são escassos.
A: - ... e/a perdeu esse rim, ai ela ficou um tempo morando em Bauru... minha irmã que
cuidou de mim, e tem também minha tia que veio pra cá...
A: -... Meu pai era muito rígido comigo na escola, eu nâo podia brincar, tinha que estudar
trôs, quatro horas por dia, nâo podia ver TV porque tinha que estudar, eles saiam e eu
ficava em casa estudando, minha mâe cobrava as notas..."
A: - ... eu fazendo academia, treinando, ficava seis a oito horas por dia. Suava, corria,
fazia isso, chegava em casa: “Nossa! Eu tô gordo!",,,
Em resumo, como é possivel observar nas Tabelas 1 e 2, as contingências de
reforçamento reais não permitiram Alex discriminar que os comportamentos que emitia não
eram necessariamente indesejáveis; o pai lidava com eles como se fossem inadequados. A
mãe não apresentava conseqüências diferenciais para os comportamentos do filho, de modo
que Alex não poderia - a partir da relação que tinha com o pai e a mãe - diferenciar
comportamento adequado de inadequado e nem poderia ter repertório discriminativo, pois
havia um único controle de estimulos, o controle aversivo do pai (aprovado pela mãe, pelo
menos pelo que ela demonstrava). Note que, se houvessem conseqüências diferenciadas,
elas poderiam produzir discriminação entre as funções do pai e da mãe, entre resposta
“inadequada" (assim definida polo pai) e adequadas (assim definidas pela mãe). Contingôncias
de reforçamento diferenciadas produzem comportamentos diferenciados, sob diferentes
controles de estimulo. É o primeiro passo para a emissão de comportamentos de contracontrole
ou de fuga-esquiva funcionalmente apropriados. O que está exposto equivale: a. Alex não tinha
consciência, à época, de quais comportamentos punidos eram adequados e quais eram
inadequados om contextos onde o pai não estivesse presente (por exemplo, cantarolar era
inadequado para o pai. E para Alox? E para os demais?); b. o ambiente social não oferecia
SDs, isto é, controlo de estimulo diante do qual a emissão de uma resposta poderia ser
reforçada positivamente (a presença de SD aumenta a probabilidade de ocorrência de
respostas, dentre as quais os membros de uma dada classe são reforçados e, como resultado
são selecionados); c. o ambiente social nào lhe oferecia modelos de comportamentos, nem
instruções que indicassem quais respostas, uma vez emitidas, produziriam reforço
(fortalecimento por reforço positivo) ou eliminariam (ou evitariam) estimulo aversivo
(fortalecimento de respostas de fuga-esquiva). Como produto de tais interações de
contingências advindas do pai e da mâe, Alex apresentava déficit de comportamentos mantidos
por reforço positivo, excesso de comportamentos de fuga-esquiva (sendo a maioria deles
supersticiosos ou disfuncionais) e ausência de comportamentos de contracontrole.
4) Teve prejuízo no desenvolvimento de relações afetivas, como conseqüência
de prolongada exposição a contingências coercitivas intensas. Como produto de
exposição a tais contingências aversivas, desenvolveu amplo repertório de fuga-esquiva,
fortes sentimentos de responsabilidade. Pode-se citar um exemplo na interação com a
terapeuta: em um ano e cinco meses de atendimento, Alex chegou atrasado apenas
uma vez na clinica. Nessa ocasião ligou nove vezes no celular da terapeuta para avisar
que iria atrasar dez minutos.

244 l uchtiu iúilo M iU lin t c í M io loté Q uilhardi


Como foi no passado...
Tabela 1 História de contingências de reforçamento de Alex com o pai e a mãe

Antecedentes Respostas Conseqüências

Pal • m l* (juntoa) Aler a do pai

Pfli (sorlnho) - Pal, vou aalr gilloa, criticas, r.onaequAnclas


- Pal, poaao aalr? avarslvaa, nnlim
- Pai, goataria d« aalr Vor.A ò um vagabundo
VocA A louco? NAo vA oa
oulraa raapoataa da maama pnrlgoa da rua?
clama - pantat'

h da mAa

sllAnclo

MAa (aorlnha) Alax MA»

- VocA viu o que o pai ta/ VonA prnclaa compreender


comigo?

pal
Sau pal (|uar o aeu bom,

A do "pst" tem lunçfto ptA-avai»tva A ptaaança tia lunçêo tl* S / \ CumponamaiMo* do pat 1*m
funçAo averalva Comportamnntoa da mAn tAm funçAo neutra (o comportamanto dlantn dela anfraquflce, ontrn em
nxtlnçAo)

Como poderfã ser...


Tabela 2 História de contingências de reforçamento de Alex com o pai e a mãe - uma possível
alternativa

Antecedentes Raapostas Conseqüências

Pai ernâa (juntos) Alex: a do pai;

- Pai, vou sair,.. As meamas conseqüências


- Pai, posso sair? avwrslvas da Tabela 1.
- Pm, gostaria de sair...
1). da mAe.
Oulraa raapoataa da mesmn
dasae... - Alex eslA pedindo, ê razoAvel
que sala.
- Alex A um menino
responsável Merece sair um
pouco
Você está sendo agreasivo e
intolerante com Alex.

Mfln (sozinha) Alex. MA«'

- Você viu o qua o pal tez - Eu nâo posso com seu pai.
comigo? Apenas posso dl/ar o qun
penso
- Nem o qua penso posso dizer
a sau pai. Mas para você eu
possol
- Você lem razão. Quando
crescer e tiver sau dinheiro você
se libertará dala.
Assim oomo vooê, lenho
medo do sau pal.

A presença do "pai" Um lunçAo pré-aversiva. A presença da “niAa" tem lunçâo de SD. Com|>ortamentoa do pal têm
lunçAo avarslva. Comportamentos da mâe tém funçAo da SD para o pai (emilir (>utr»a classes "deseiêveis" da
comportamentos) e de SD e Sr> para Alex.

Sobre (,'omporl.imento t CoflnlçÜo 2 4 5


Objetivos comportamentais no processo terapêutico
A conceituação comportamental das dificuldades de Alex permitiu estabelecer
os principais objotivos terapôuticos:
■Ampliar repertório social e afetivo de Alex e, assim, levá-lo a produzir reforçadores
powtivos generalizados;
-Colocar os comportamentos do Alox mais sob controlo do conseqüências naturais
dos comportamentos omitidos do que de regras o auto-regras construídas pola história
de contingências;
-Aumentar as classes comportamentais de tomar iniciativas, de modo a se tornar
agente ativo de produção de reforços positivos e de redução de estimulação aversiva;
-Instalar comportamontos adequados de fuga-esquiva dos controlos aversivos;
-Instalar comportamentos adequados de contracontrole em relação às agências
controladoras coercitivas;
-Desenvolver clareza na emissão de tatos verbais sobre o contexto social em que está
inserido e sobre o mundo encoberto;
-Enfraquocer rituais de comportamontos, tais como o pontoado do cabolo;
-Ficar sob controle diferenciado dos comportamentos adequados e inadequados do
pai, da mãe e da irmã;
-Instalar comportamontos para eliminação regular das fezes;
-Aumentar variabilidade comportamental, maximizando relações comportamentais e
afetivas harmônicas (aquelas regidas por contingências amenas de reforçamento
punitivo) no contexto de vida.

Procedimentos terapêuticos
1) Acolhimento

A terapeuta sistematizou e descreveu para Alex a história de contingências a


que foi exposto, detalhando os produtos comportamentais e emocionais-afetivos
decorrentes de tal história. Assim, Alox passou a dispor de um roforencial conceituai,
que integra os eventos do dosenvolvimonto dolo e o torna consciento dos processos
comportamentais responsáveis pela instalação e manutenção dos padrões
comportamentais o dos sentimentos que apresenta atualmente (substituindo crenças,
tais como “nasci assim", "sou assim" por "tenho me comportado e me sentido assim
em função das contingências de reforçamento atuais e as da minha história de vida"). 0
aspocto central de todas as interações terapeuta-cliente foi evitar qualquer forma de
crítica ou desaprovação, de modo a eliminar os evontos sociais aversivos. Por outro
lado, as interações terapêuticas foram pautadas pelo emprego de reforçamento positivo
social generalizado, aplicado diforoncialmente, a partir de episódios mínimos de
adequação comportamental (modelagem). É um problema empírico detectar funções
avorsivas e roforçadoras positivas dos evontos sociais, assim, podo-so afirmar quo a
torapeuta evitou conseqüências avorsivas o maximizou conseqüências positivas dentro
do âmbito da própria discriminação que conseguiu fazor, a partir do ovidências dos
comportamentos de Alox. A terapeuta teve como objetivo, nas interações com Alox, tornar-
se fonte de contingências roforçadoras positivas - um exemplo de agente social
reforçador positivo - em contraste com as interações sociais aversivas quo caractorizararn
a história de desonvolvimonto de Alex. Esperava-se que o contato com tais contingências

u o I utiiin.i Júlio M.irtlns e I léllo José C/uilli.irdi


de reforçamento diferonciadas facilitasse o processo discriminativo de Alex sobre o
papol dos ovontos avorsivos e reforçadores num plano comportamental e não apenas
conceituai ou teórico. A terapeuta o expôs a contingôncias de reforçamento sociais, não
apenas falou sobre elas.

2) Ensaio comportamental de entrevista de emprego


Do acordo com Otero (2004):
“O ensaio comportamental ó um procedimento utilizado em práticas de intervenção,
em diferentes situações, para ensinar comportamentos por meio de treinamentos
(,..)ó um procedimento por melo do qual se instalam ou se aperfeiçoam habilidades
interpessoais que ajudam o cliente a melhorar sua qualidade de vida (...) Ê um tipo
de representação teatral na qual simulam-se situações da vida da pessoa nas
quais ola apresenta algum grau do dificuldade (...) pode ser empregado em uma
grande variedade de problemas clínicos (...) Pode ser usado com crianças,
adolescentes e adultos " (pp 205-207)
No caso de Alex, o ensaio comportamental visou a instalar repertórios de
comportamontos diferenciados, de tal modo a exibir melhor desempenho em entrevistas
de emprego.
Para tal procedimento, foi usada uma metáfora, na qual os comportamentos da
terapeuta seriam equivalentes aos de um técnico de futebol (esta motáfora foi oscolhida,
pois na história de vida do cliente existiu um técnico de futebol muito querido que o
tratava com muito carinho. O técnico usava contingôncias reforçadoras positivas; foi
assim um oásis afetivo na adolescência de Alox ). O cliento seria, ontão, "treinado" pela
terapeuta com o objetivo de aperfeiçoar os repertórios já existontes e instalar outros que
fossem necessários. A função do uso de tal metáfora foi tentar minimizar a aversividade
da intervenção (de interagir com alguém que aponta comportamentos que não estão
adequados e que mostra o quo precisa ser instalado, do ponto de vista do outro), de
maneira a maximizar os efeitos das contingôncias de reforçamento, quer aquelas
apresentadas como regras, quer aquelas diretamente manejadas nas sessões.
Foi combinado com o cliente que seriam realizados ensaios de entrevistas de
ernprego. Ora a terapeuta seria a entrevistadora, ora o cliente, de tal formaquo olo
pudesse emitir comportamentos de entrevistador e entrevistado. A condição deensaio
comportamental permitiu à terapeuta dar modelos, modelar, reforçar diforencialmento
comportamontos emitidos por Alox sob condições análogas às da situação de entrevista.
O manejo direto das contingôncias de reforçamento é mais eficiente para instalar e
selecionar comportamento do que o uso de instruções ou de regras. Alex escolheu
iniciar o onsaio no papel de entrevistador. Foram definidas trôs perguntas, as quais
toriam função do SD, quo o entrevistador faria para o entrevistado:
1 Fale-me um pouco sobre suas experiências anteriores do trabalho.
2. Por que gostaria de trabalhar em nossa emprosa?
3. Fale-me sobro trôs defoitos e trôs qualidades que vocô possui.
Com os papéis definidos e as questões elaboradas, o ensaio começou. A
terapeuta simulou que entrava pela porta e começou a atuar como candidata ao cargo
da empresa de Alex. Procurou se comportar de forma conspícua, dando modelos do
alguns comportamentos úteis na situação de ontrevista, do tal manoira que servissem
- pela gesticulação e fala exageradas - do SDs para Alox emitir comportamontos da
mesma classe, porém com topografia apropriada (por exemplo, a terapeuta apertava a
mão, exagerando no cumprimento, a fim de que o clionto ficasse sob controle do SD

SobreComporl.imcnfoeC'ogniv<1o 2 4 7
"aperto de mão" no ensaio e, depois, goneralizasse para a situação real de entrevista
um aperto de mão firme, sem ser exagerado).
Em seguida, os papéis foram invertidos: Alox também se levantou o simulou quo
entrava pola porta, iniciando sua atuação como candidato à omprosa da torapouta. A terapeuta
ia conseqüenciando os comportamontos de Alox. Os comportamontos adequados eram
ignorados, descritos. ("Você apertou minha mão com firmeza", por exemplo), ou elogiados
("Isso mesmo! Vocô ostá se desemponhando bem", por exompb), usando-so, portanto, um
esquoma do roforçamento positivo intormitente. Os comportamontos inadequados oram
corrigidos: “Veja, ficaria melhor desta forma" (a terapeuta dava o modelo); "Tente de outra
maneira" (SD para apresentar variabilidade, com reforçamento social arbitrário para
aproximações sucessivas). Assim, foram sendo conseqüendadas diferendalmente algumas
respostas, tais como apertar firmemente a mão do entrevistador; olhar nos olhos ao conversar
com alguém; manter postura ereta diante do ouvinte; objetividado nas respostas (melhor
descrito no item "modelagem de tatos adequados"). Ao final do ensaio comportamental, a
torapeuta deu modolos de alguns tatos verbais adequados e inadequados a serem emitidos
em entrevistas de emprogo. tais como não falar mal do emprego anterior; mendonar qualidades
desejáveis o indesejáveis do desempenho, próprias para determinada função a sor
desomponhada no trabalho (por exemplo, um candidato ao cargo de auxiliar administrativo
deve ter conhedmentos de informática, digitar com predsão, não procrastinar tarefas otc.) o,
se necessário, falar de defeitos pessoais, expor defeitos quo possam ser funcionais (por
exemplo: - Quando começo a fazer algo fico "om dma" até terminar ou - Tenho mania de
organização). O diente foi orientado a se aprosentar no local da ontrovista de emprego com
alguns minutos de antecedência, para amenizar possíveis ostados corporais altorados (sede,
sudorese, bexiga cheia etc.). Foi indicado vestuário apropriado para diferentes situações.
Outras orientações foram sendo acrescentadas r»o processo de treinamonto.
O treino descrito, embora tenha sido primeiramente programado para
desenvolver repertório em contexto de emprego, se aplica a inúmeras outras situações
de interação social. Por tal razão, o mesmo padrão de treinamento foi aplicado para
desenvolver outros ropertórios: convidar uma garota para sair, interagir com colegas
numa situação de lazer, interagir no grupo de trabalho etc.

3) Modelagem de tatos verbais


"O condicionamento operante modela o comportamento como o escultor modela
a argila" (Skinner, 1967, p.59) O comportamonto verbal de Alox, om particular os tatos
verbais, mereceu especial atenção da terapeuta. O relato verbal de Alex era
extremamente confuso, criando uma barreira quase intransponível para o relacionamento
social, em geral, e para a compreensão do cliente no contexto terapêutico, em particular.
Do acordo com Andery e Sério (2004):
"Um operante verbaI ô chamado de tato quando a resposta verbal 6 emitida sob
controle de um estimulo antecedente especifico nâo verbal (um objeto, um evento
ou propriedade do objeto ou evento) e produz como conseqüência reforço
condicionado generalizado ou um conjunto de estímulos reforçadores distintos
(n ào e sp e cífico s). O e sta b ele cim en to do re p e rtó rio de tatos supõe o
enfraquecimento da relaçào de controle dos estados de privação específicos ou
de estimulação aversiva sobre a resposta, de tal forma que se estabelece uma
relaçào especial de controle com a estimulaçào antecedente (por exemplo, sob
controle da presença de chuva, alguém diz "está chovendo"). A estimulação
antoccdcntc quo oxorcc caracteristicamontc controlo sobro as rospostas verbais
no tato

2 4 8 I uti.m.i Júlio M.irllns c I Iclio Josc l/uilli.irtli


(...) nada mala ó que todo o ambienta flalco - o m undo daa colaaa e eventoa
de que ae diz que o falante "fala a respeito". O com portam ento verbal sob
controle desses estím ulos é t io Im portante que, freqüentemente, 6 com ele
que se trabalha exclusivam ente no e»tudo da linguagem e nas teorlaa do
algn lfica d o (Sklnner, 1992, p. 81)

Essa caracterização de Sklnner ressalta a Importância do estabelecimento de


controle de estímulos e do desenvolvimento de um repertório de tatos. Sklnner
sintetiza essas características, enfatizando que um repertório de tatos, em geral,
opera em beneficio do ouvinte, uma vez que permitiria ao ouvinte "acesso“ a
informações sobre o mundo (os eventos que controlam o comportamento do falante)
ou mesmo a Informação sobre o próprio falante. “ (pp. 130 e 131)
Duas frases da citação acima merecem destaque. A primeira delas é “um
repertório de tatos, em geral, opera em beneficio do ouvinte, uma vez que permitiria
ao ouvinte ‘acesso’ a informações sobre o mundo”, ou seja, os eventos que controlam
o comportamento do falante. A terapeuta (ouvinte), através do comportamento verbal
de Alex (falante), teria acesso ao contexto do mundo do cliente, muito mais abrangente
que o restrito ambiente terapêutico. O benefício final seria para Alex, uma vez que a
terapeuta, tendo acesso privilegiado (através de tatos adequados) ao que ocorreu
com Alex, pode melhor delinear as contingências de reforçamento em operação nas
situações fora da sessão, em que não esteve presente (as quais compõem a quase
totalidade da vida cotidiana de Alex). Tatos verbais pobres, incorretos ou imprecisos
dificultam o acesso da terapeuta aos eventos ambientais e comportamentais que
ocorrem e, como conseqüência, à composição do instrumento de trabalho
terapêutico, qual seja as contingências de reforçamento. A segunda frase é: “ou
mesmo a informação sobre o próprio falante”. Tatos verbais sob controle de
comportamentos encobertos (inclusive sentimentos) de Alex, bem como sob controle
dos comportamentos públicos, que não ocorreram na presença da terapeuta, permitem
a ela acesso a informações cruciais para que compreenda melhor o cliente.
Tatos verbais são comportamentos complexos. Não se deve esperar que
simplesmente ocorram. Devem ser programadas contingências para evocar a emissão
de tatos. Não se deve esperar também que, uma vez evocados, ocorram na forma final.
É necessário usar modelagem, procedimento que propicia a construção - a partir de
exemplos simples de respostas - de comportamentos extremamente complexos,
usando-se reforçamento positivo aplicado, diferencialmente, em variações
progressivamente mais elaboradas de comportamento, em direção ao padrão
comportamental final. Skinner (1967) apontou que:
'(...) podemos elaborar operantes complicados que nunca apareceriam no repertório
do organismo (...) Reforçando uma série de aproximações sucessivas conseguimos
em pouco tempo uma alta probabilidade para uma resposta multo rara (...) A
contingência que aperfeiçoa a habilidade é o reforço diferencial de respostas que
possuem propriedades especiais (...) O reforço que desenvolve a habilidade deve ser
Imediato De outro modo, a precisão do efeito diferencial se perde", (pp. 59 e 61)
Whaley e Malott (1980) escreveram:
"Modelagem (...) envolve reforçamento positivo de respostas que, a principio, só
ligeiramente se assemelham ao comportamento terminal que o psicólogo deseja.
Através de um processo gradual, as respostas que se assemelham cada vez mais
ao comportamento terminal são, sucessivamente, condicionadas até que o próprio
comportamento terminal seja condicionado." (p. 96)

Sobre Comporttimenk» c Cofiniç.lo 2 4 9


Alex apresentava um relato muito confuso: os tatos verbais que emitia não eram
precisos, ou seja, não ficava claro para o ouvinte, exatamente, sob controle de qual
antecedente ocorria o relato. Cabiam as questões que a terapeuta fazia para si mesma: -
Sobre o que ele está tentando me falar? - O que realmente aconteceu? - Será que eu
consigo reproduzir, a partir do relato de Alex, o contexto que ele tenta me descrever? Por
outro lado, havia uma dificuldade adicional. Alex também estava sob controle das
conseqüências do comportamento de relatar; - Serei criticado? - Serei punido? Tais
questões indicam que Alex - em função da história de contingências punitivas que teve
com o pai - generalizou a experiência aversiva do passado para o presente e também fez
generalização entre pessoas, ou seja, qualquer ouvinte pode ser fonte de conseqüências
averslvas. Conclui-se, então, que o relato verbal de Alex incluía componentes
comportamentais de fuga-esquiva, o que desqualifica a conceituação do relato de Alox
como tato verbal puro. Volte-se para a definição: “O estabelecimento do repertório de tatos
supõe o enfraquecimento da relação de controle dos estados de privação específicos ou
do estimulação aversiva sobre a resposta, de tal forma que se estabelece uma relação
especial de controle com a estimulação antecedente” (os grifos são dos autores do
presente texto). Alex emitia tatos Impuros e o procedimento de modelagem de tatos
(puros) precisa contemplar tal particularidade do relato verbal dele.
Além dos aspectos apontados, Alox não ficava sob controle do ouvinte quando era
falante e não ficava sob controle do falante quando era ouvinte. A terapeuta identificou que
Alex precisava melhorar a clareza dos relatos verbais, ou seja, nào era possível a terapouta
determinar as contingências das quais o comportamento verbal de Alex era função e nem
compor as contingências em operação no cotidiano dele a partir das confusas verbalizações
que emitia. O papel de falante era desempenhado de forma deficiente por Alex. Também, o
ropertório de ouvinte precisava ser melhorado. Assim, a terapeuta estabeleceu como objetivo
modelar tatos verbais, utilizando-se mais uma vez da imagem do técnico de futebol. Foi
combinado que a terapeuta ergueria uma caneta, sinalizando que deveria parar de falar. Foi
solicitado a ele que começasse a narrar um fato do cotidiano. O movimento da terapeuta de
erguer a caneta tinha a função de SD para interromper a fala e ouvir o outro. A prontidão para
responder ao SD (caneta erguida) era conseqüenciada socialmente: - Muito bem. Você
parou imediatamonte. Foi explicado a ele que assim deveria agir, ou seja, ficar sob controle
do ouvinte: - Você deve ficar sob controle de sinais, mesmo que sutis, do outro que deseja
interrompê-lo. O sinal do ouvinte equivale à caneta, mas, por ora, a forma como estamos
interagindo, está boa. Estou aqui para ajudá-lo. As instruções tinham por objetivo instalar
pausas na verbalização do cliente, pois falava incessantemente sem ficar sob controle do
ouvinte. As observações da terapeuta sobre o relato verbal de Alex, mostraram que havia três
condições básicas às quais o cliente deveria responder; a. interromper o próprio relato
verbal quando o ouvinte exibisse algum sinal de que desejava falar; b. ficar sob controle do
relato verbal do falante sem interrompê-lo e c. dar continuidade ao relato verbal do falante
(fazer algum comentário, responder eventuais questões etc.) antes de reiniciar o próprio
relato. Foi explicitada a importância de ouvir o outro e de não falar junto com o outro. Nas
sessões, as interações verbais foram sendo diretamente observadas e conseqüenciadas.
Durante o relato verbal incessante do cliente, a terapeuta erguia a caneta e, se ele parasse
de falar, era conseqüenclado com aprovação, pois segundo Whaley e Malott (1980): "Através
do uso adequado de reforçamento positivo, respostas e seqüências comportamentais
inteiramente novas, que o sujeito nunca tinha emitido, podem ser introduzidas no seu
repertório." (p.83).
Se o cliente interrompesse a terapeuta de forma inapropriada ou falasse ao
mesmo tempo que ela, a caneta era erguida e ele deveria parar imediatamente (em
caso afirmativo era conseqüenciado com aprovação). Se o desempenho de ouvir de
Alex fosse adequado, a terapeuta interrompia a própria verbalização e o elogiava por a
estar ouvindo. Foram usados dois critérios para definir “ouvir de modo adequado: um

2 5 0 I uii.m .i lúlio M .irtln s r I Itllo lusé C/uilh.m li


topográfico e outro funcional. Alex deveria olhar para a terapeuta, acenar com a cabeça,
sorrir etc., enquanto ela falava (critério topográfico). De tempos em tempos, a terapeuta
fazia uma pergunta para Alex, a qual tinha a função de "sondagem" do comportamento
de ouvir: se ele respondesse corretamente á questão (critério funcional), seria
conseqüenciado com um reforço arbitrário (- Muito bem, vocé estava me ouvindo) ou
natural (a continuação do diálogo); se ele não respondesse corretamente, a terapeuta
respondia por ele e continuaria a falar sem nenhuma censura arbitrária. O elogio tinha
função de reforço social generalizado positivo para o comportamento de ouvir sem
interromper (apresentado durante a fala) e de SD para ouvir até o fim (no final a terapeuta
o elogiava por ter esperado). Ou seja, era conseqüenciado por não interromper e por
aguardar o falante terminar o que estava dizendo. O elogio foi aos poucos se tornando
cada vez mais intermitente até ser removido totalmente. Foi introduzido para diminuir a
exigência de razão das respostas (de ouvir) para obter o reforço, pois a razão de reforço
seria muito alta se Alex fosse elogiado somente no final.
Foi também ensinado a fazer apresentações narrativas com começo, meio e
fim para que o ouvinte pudesse compreender o que estava sendo relatado, tornando
assim o discurso mais coeso e claro para o outro. A terapeuta dividia o tema proposto
em trôs partes: começo, conteúdo principal e conclusão. Alex deveria verbalizar apenas
a parte inicial da história (apresentação). Em seguida, apenas o conteúdo principal.
Depois a história completa, ou seja, o inicio, o conteúdo principal e a conclusão. Foi
instruído para tirar a mão da frente da boca e olhar para o ouvinte enquanto falava e a
gesticular moderadamente durante a exposição. Tais ensaios eram repetidos em várias
sessões e a terapeuta conseqüenciava a clareza de conteúdos e a seqüência apropriada
de argumentos, após a apresentação (que Alex preparava sozinho), explicitando os
comportamentos adequados e dando modelos, se necessários. Durante a exposição,
a terapeuta dava sinais sobre a forma de apresentação. Assim, ela colocava a mão na
própria boca, gesticulava com movimentos exageradamente amplos etc., sempre que
Alex pusesse a mão na frente da boca, ou ficasse com os braços imóveis e assim por
diante. Os movimentos da terapeuta poderiam ter função aversiva, mas, como havia
sido combinada a metáfora do técnico, esperava-se que tivessem função de SD para
omissão de comportamentos esperados. Tão prontamente Alex tirava a mão da altura
da boca ou começava a gesticular a terapeuta fazia com o polegar um sinal de "positivo"
sem emitir nenhuma palavra. Em suma, os procedimentos envolveram instruções verbais
(orais e gestuais), com função de SD, que aumentavam a probabilidade de emissão de
comportamentos verbais, e com função de Sr+, que fortaleciam os comportamentos
verbais emitidos e, particularmente, selecionavam o conteúdo das verbalizações.

4) Discriminação entre comportamentos adequados e inadequados do pai, da mãe e


da irmã e sistematização de contingências que estavam ocorrendo entre eles e Alex
Alex era constantemente punido pelos membros da família e os eventos aversivos
dos familiares, em geral, não eram contingentes aos comportamentos dele. A terapeuta
ensinou Alex a identificar os eventos aversivos e reforçadores, proporcionados pelos
familiares, e sistematizou as interações entre ele e as pessoas da família dentro do
paradigma da triplice contingência (antecedente, resposta e conseqüência). Uma vez
sistematizados os comportamentos das interações interpessoais, na forma de tríplices
contingências de reforçamento, tornou-se possível para Alex, alterando os
comportamentos que emitia, re-arranjar as contingências de reforçamento. Inicialmente,
a terapeuta, a partir dos relatos verbais de Alex, descrevia as contingências às quais Alex
estava exposto, auxiliando-o a discriminar os comportamentos adequados e inadequados
de seus familiares e as relações de tais comportamentos com os comportamentos
dele próprio. Tal procedimento é consistente com a análise exposta por Souza (2001):

Sobrr Comportamento e Coflniváo 251


“A Importância de se fazer uma análise de contingências reside exatamente na
possibilidade de se identificar os elementos envolvidos em uma dada situação e
verificar se há ou não uma relação de dependência entre eles. Se houver, o segundo
passo é identificar qual 6 o tipo de relação, uma vez que diferentes relações de
contingências dão origem a diferentes processos e padrões de comportamento
(...) Um analista do comportamento tem como tarefas identificar contingências que
estão operando (ou inferir quais as que podem ou devem ter operado), quando ae
depara com determinados comportamentos ou processos comportamentais em
andamento, bem como propor, criar ou estabelecer relações de contingência para
o desenvolvimento de certos processos comportamentais. Ê através da manipulação
de contingências que se pode estabelecer ou instalar comportamentos, alterar
padrões (como taxa, ritmo, seqüência, espaçam ento), assim como reduzir,
enfraquecer ou eliminar comportamentos dos repertórios dos organismos.“ (p. 85)
Quando os comportamentos dos familiares eram adequados, o cliente foi
orientado a reforçar socialmente tais comportamentos (por exemplo; o pai havia feito
jantar, Alex agradeceu e elogiou o comportamento de cozinhar do pai e, obviamente,
esvaziou seu prato de comida...). Quanto aos comportamentos inadequados, Alox foi
orientado a usar duas classes de procedimentos. Se emitidos pela mãe ou pela irmã,
Alex deveria emitir comportamento de contracontrole. Assim, por exemplo, a mãe disse
para a irmã de Alex, que ele não estava colaborando com a limpeza da casa. De acordo
com o cliente, a mãe estava equivocada. Orientado pela terapeuta, Alex ficou trôs dias
sem lavar louça e a roupa. Após tal período, Alex chamou a mãe e lhe mostrou a pia
cheia de louças e o cesto do banheiro cheio de roupas sujas e disse a ela que fazia trôs
dias que não estava ajudando na limpeza da casa, pois ficara sabendo da queixa dela
feita para a irmã. Se os comportamentos inadequados fossem emitidos pelo pai, o
cliente foi orientado a emitir comportamentos de fuga-esquiva. Assim, por exemplo, o
comportamento do pai se alterava - tomava-se mais agressivo - quando o tio de Alex ia
pedir dinheiro para ele. Em tais circunstâncias, qualquer comportamento de Alex poderia
desencadear reação agressiva do pai. Alex foi orientado pela terapeuta a se manter
afastado do pai. Ficava, então, mais tempo na rua com os amigos
“Esta é a essência da análise de contingências: identificar o comportamento e as
consequências; alterar as consequências, ver se o comportamento muda. Análise de
contingências é um procedimento ativo, não uma especulação intelectual, è um tipo
de experimentação que acontece não apenas no laboratório, mas, também, no mundo
cotidiano. Analistas do comportamento eficientes estão sempre experimentando, sempre
analisando contingências, transformando-as e testando suas análises, observando
se o comportamento critico mudou (...) Se a análise for correta, mudanças nas
contingências mudarão a conduta;“ (...) (Sidman, 2003, p. 104 e 105)
5) Orientação sexual
O cliente estava ansioso com relação à primeira experiôncia sexual e também
relatou dúvidas referentes à contracepção, à prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis (DSTs) e ao ato sexual A terapeuta forneceu informações para Alex sobre
sexualidade; como evitar gravidez com os métodos contraceptivos, o que são DSTs e
quais as mais comuns. O tema foi abordado através de diálogos, nos quais o cliente fazia
perguntas e a terapeuta respondia diretamente às questões formuladas. O foco da
orientação consistiu em esclarecer que a informação correta era um primeiro passo para
reduzir ansiedades típicas da situação de desempenho sexual. O passo seguinte seria
comportar-se em situações adequadas: com uma companheira gentil, eventualmente
conhecida e pela qual tivesse sentimentos afetivos etc. Os passos sugeridos - desde os
comportamentos preliminares até o ato sexual em si - seguiram as orientações que se
encontram em manuais de orientação sexual (Comfort, 1998, por exemplo).

2 5 2 l ud.in.i fúlio M .irfin s c I lélio lo ií C/uilli.m li


6) Discriminação ontro encadeamentos estereotipados (rituais) e encadeamentos com
variabilidade para pentear o cabelo.
De acordo com Andery, Gioia, Micheletto e Sério, (2004), para que haja
discriminação ó necessário que ocorra:
“(...) uma história de reforçamento diferencial (reforçamento de algumas respostas
e de outras não) tendo como critório os estímulos na presença dos quais a resposta
è emitida (a produção de reforço para determinada resposta depende, não
simplesmente da emissão da resposta, mas sim dos estimulo» presentos quando
a resposta é omitida). Como resultado dessa história: a) a resposta será emitida
dependendo dos estímulos presentes e b ) a apresentação de detemmados estímulos
alterará a probabilidade de emissão da resposta Isso significa que, se a história de
reforçamento diferencial for conhecida, 6 possível prever quando a resposta ocorrerá
e, mais, è possível aumentar a probabilidade de ocorrência de uma resposta,
apresentando os estímulos antecedentes que a controlam (...)." (pp. 12 e 13)
O cliente penteava o cabelo do forma estereotipada e muito idiossincrática. A
terapeuta listou com ole algumas perdas decorrentes do ritual, tais como: não cabecear
a bola numa partida de futebol; não entrar om piscinas; noitos mal dormidas devido à
posição “imóvel” sobre o travesseiro, para não desmanchar o cabelo; tempo excessivo
gasto com o ritual e o estresse dal resultante, quando não consoguia arrumar o cabelo,
precisando dosmanchar o recomeçar repetidas vozes etc. A torapeuta sugeriu a produção
de topetos variados, preferoncialmonte mais simples de serem feitos, ora para cima, ora
para o lado direito, ora para o lado esquerdo, um pouco mais baixo etc. A terapeuta
orientou o cliente a observar as conseqüências produzidas pelas novas formas de
pentoado. O cliente foi reforçado arbitrariamento (pela torapouta e alguns cologas) por
algumas formas alternativas de topetes e naturalmente por outras (formas das quais ele
gostou, sem apreciação de ninguém mais). As Tabelas 3 e 4 mostram, respectivamente,
as contingências em operação antes e depois do início da terapia.
Antnnda Terapia

Anlecodentes Reapoftta» ConaeqOAnclaft

Cabelo despenteado EmlasAo de reapontan a. do p ró prio cllanta


ante* d« sair do cata. encadeadas ao to pata;
estereotipadas. «i(o
produto flnal nra o - As Rim está bem,
topotn Idiossincrático resposta encoberta
com funçAo do
reforço nogativo ( -
Assim, nAo crltlcarAo
meu cabelo) ou
positivo (-M eu
cabelo está bonito,
amim ado etc.)

b. d * o u tra * pasaoas
ao topala (por ax., da
tarapauta);

- Quo topotn
esqul&lto...
(ou qualquer outro
comentário, em gorai,
Irônico) com funçAo
avorulva

Tabela 3 Contingências de reforçamento em operação na Instalação e


manutenção dos comportamentos de pentear o topete antes da terapia

Sobrr C o m port.im nito c Ooflnlçilo 25 3


O procodimunto levou Alex a ficar cada vez menos sob controlo da topografia do
topote. Passou simplesmente a se pentear e pronto. Assim, a terapouta foi retirando as
conseqüências diferonciadas contingentes ao penteado, ou seja, apenas eventualmente
fazia comentários sobre o topete, ató ignorá-lo totalmente.

Dapom (In Tarapi»

Aniacodanta»

Cabelo d M |x n lM rio ou Emttaâo da vário» a. do próprio cllanla


topala IdionamcfAlic» ancadaamantoii da m ao “ n ovo" topata:
paníaar, co|oa produto*
hnaia aram topalaa Anairn Irt txim l; -
difarantai» do padrAo Minho lHrH|xiuüi vni
inlrtnl KJloMMMcrtlIco. gonUirt a te ,
raitpoNlHR «irtcotmrUiii
com funçAo da
raforço nagativo (
Vâo parui da ina
anchar.. ) ou dn
raforço poaltlvo ( -
Agora vâo gostar do
mau cabelo)

b. da oulraa paaaoaa
ao “ novo” topala;

- Sau (ui balo anUt


lagnl aaaiml (ou
(jualquar outro
conwnlâno aim
função da raforço
poatlivo) ou
indifarança ao
panlnado
(prooadimanto d*
axünçAo ou da
ramoçAo da
consequência

Tabela 4 Contingências de reforçamento em operação na Instalação e


manutenção dos comportamentos de pentear o topete depois da terapia

7) Instalação de comportamentos que aumentam a probabilidade de evacuar diariamente.


Em relação ao problema do retenção de fezes, Alex foi orientado a procurar um
módico gastroenterologista e uma nutricionista. Durante algumas sessões foi instruído a
comer alguns alimentos que aumentam a probabilidade de evacuar, como, por exemplo,
ameixa, mamão, vorduras, bem como diminuir a ingestão de rofrigorantes , substituindo-os
pela ingestão do sucos naturais e iogurtos. Além destas orientações, torapouta o cliente
estipularam um horário que lhe fosse conveniente, para quo Alox ficasse no banhoiro,
sontado no vaso sanitário, polo período de 15 a 20 minutos, concontrando-se nos movimentos
poristálticos. Este procedimento deveria ser realizado diariamente no mesmo horário e
incluía a ingestão de alguma bebida quente 10 minutos antes de se dirigir ao banheiro. O
procedimonto ó, basicamente, pavloviano, em que o banhoiro, o vaso, o horário etc. tomaram-
se CSs para a oliciação de contrações peristálticas intestinais respondentes.

Resultados
Alox foi aprovado em quatro processos seletivos, os quais incluíam ontrevista: em
um não podo iniciar as atividades, pois precisaria de um carro (o pai não omprostou o carro

2 5 4 I ut lit Oil lulio M .irtin s e I Itlio José l/u ill).m li


da familia para quo elo pudesse trabalhar), no sogundo, o salário era muito baixo. Optou
polo terceiro, uma loja do shopping. Posteriormente, foi selecionado para ingrossar em
uma ompresa multinacional (onde trabalha atualmente), com um salário “muito bom" para
as aspirações de Alex e com oportunidade de crescimento dentro da empresa. Tem mostrado
bom desempenho no emprego, não se atrasa, não falta, tem feito hora-extra. Tem
apresentado alguns excessos comportamentais, pois mesmo sem condições de saúdo,
com febre, nâo faltou, temendo ser mandado embora. Recebeu um prômio de 100 dólares,
pois foi escolhido o molhor operário da sua categoria. Sobre as interações sociais, já no
emprego do shopping, Alox relatou quo "convorsava com todo mundo", "puxava papo" e
sempre "gostava de ajudar as pessoas". Apresentou melhores desempenhos em
habilidades sociais, fez novas amizades, iniciou outros namoros, tendo melhorado os contatos
eróticos o rolatado tor monos ansiedade em tais situações. Há muito a evoluir nesta ároa.
Podo-se dizer que o relacionamento sexual envolvo um longo oncadoamento de rospostas,
no qual há pró-requisitos de interações sociais e de comunicação, que deveriam ser mais
plenamente desenvolvidos em Alox para que a interação mais Intima com uma garota
ocorra de forma apropriada, acompanhada do sentimentos de satisfação, autoconfiança e
liberdade. Alox contou que nâo tinha mais “receio" de conversar com as pessoas:
A: - O receio do falar deu uma parada, não tem mais, por enquanto sumiu ...
A: - Fui numa festa com minha namorada, conheci umas amigas dela, conversei com
elas, perguntei o que elas faziam e na festa dancei um monte, umas danças que eu tinha
inventado em casa e as meninas queriam que eu ensinasse elas, elas começaram a
dançar igual eu, pediram pra mim dar aula de dança pra elas, pra ser professor.
Houvo uma melhora significativa nos tatos verbais. Os enunciados de Alex passaram
a ser ordonados em soqüôncias, de maneira quo olaborava uma frase com sentido completo
e claro, antos de iniciar uma segunda frase o assim por dianto. As vorbalizaçoos permitiram à
terapeuta ter acesso ao que ocorria no cotidiano relatado por Alex, de tal manoira que era
possível - ás vezes, com a ajuda de questões que organizavam o relato dele - seqüênciar os
eventos considerados funcionalmente relevantes para a análise da terapeuta em antecedentes,
respostas e conseqüências. Com as informações fornecidas por Alex, ola pòdo sistomatizar
contingências de reforçamento. Alex adquiriu o conceito da tríplice contingência e passou a
organizar o rolato de sucessivos episódios em seqüências antecedente-resposta, resposta-
conseqüência ató, finalmonto, organizá-las em antocodente - resposta - conseqüência, usando
inclusive a terminologia adequada. O desempenho osperado do falante ostá instalado num
padrão funcional Aprendeu a ficar sob controle adequado do ouvinte: suas oxposiçõos so
tornaram mais brovos, intorrompe as vorbalizações quando o ouvinte sinaliza que deseja
falar, retoma a fala a partir do que o ouvinte falou (rosponde às questões propostas, faz
comentários sobre o que foi dito etc.) ou dá seqüência ao que vinham falando. O dosompenho
como ouvinte está adequado: ouve sem interromper e fala sob controle do que o falanto expôs.
Toma iniciativa duranto a interação verbal: faz porguntas, pode osclarocimentos, solicita à
torapeuta quo ropita o quo não ontendeu etc. A topografia de rospostas motoras associadas
ao falar ostá adequada: não coloca a mão na boca onquanto fala, gesticula razoavelmento
bom, olha para o interlocutor durante a conversa. O repertório verbal, assim doscrito, foi
diretamonto observado pola terapeuta durante as sessões. Não houve avaliação em contextos
fora do ambiente terapêutico.
Seguem-se trechos de comportamento verbal de Alex, transcritos de sessões
gravadas, antos e depois do procodimento:

Antes do procedimento
Trechos transcritos da primeira sessão com Alex.
A: - ... Assim, quando você está em casa, sempre você vai ter algum defeito você que

Sobre Comportamento e CognivAo 2 5 5


tom, mas que provavelmente você não vai ter, ai na hora que você vê uma certa pessoa
aí você reconhece, você tá ideal, só que, às vezes, você também pensa naquela pessoa,
tipo, no caso que é obesa ou não é, algumas vezes você pode pensar: "Não, coitada
dessa pessoa”. Só que você não sabe, a pessoa pode se sentir bem, com o corpo que
ela tá, por exemplo, eu poderia ser gordo, ser isso ou aquilo. So ou mo sinto bem com
aquilo, normal, não tenho quo mo proocupar com o quo os outros vào pensar e, com
isso, antigamente, antes de pensar nisso dal, ou olhava assim as pessoas, nossa! Eu
quoria ser, tipo, igual essa pessoa, tipo, no caso quo tem essas coisas a mais. Al, num
certo tempo, cheguei em casa, assim, nào tenho que me preocupar com o que os outros
vào falar, eles que resolvam os problemas deles, tenho quo resolver o meu, se eu me
sinto bom, ou mo sinto bem. A pessoa, se ela pensar alguma coisa, ó porquo ela nào vai
falar pra mim, ela vai ficar pra ela, vai pensar, tipo, no caso, não sei, nunca aconteceu
comigo isso porque nunca ninguém teve coragem de falar, não sei, ai ou chegava,
conversava normal, olhava, falava e depois ia embora. Al, chegando em casa, ou ficava
pensando naquilo. Nossa! Nào sei se a pessoa nào reparou, sabe? Tipo, se ola nào
parou e não quis falar, ou se, no caso, nào falou comigo mesmo: "Não so preocupa com
isso, fala nonnal” Aí, tudo bem, eu já programava tudo à noite: vou chegar na, pra tal
pessoa, e falar isso, falar aquilo, conversar e tudo mais, daí tudo bem, dormia com isso,
naquela hora que eu chegava, assim, tipo, pra conversar com amigos, bom normal, e aí,
com isso, na hora que eu chegava pra conversar com amigos, amigas om questão, al
tinha aquele bloqueio de falar, tudo o que eu já tinha programado no dia anterior, aí tudo
bem eu não falava. Al, quando eu chegava em casa, al eu pensava: “Puxa!" Eu ficava o
dia inteiro calculando o quo eu ia fazer, o que ou ia falar, pra chegar na hora, bloquear.
A: - Ah! Teve uma menina que, eu saí no portão de casa, a menina tinha apertado a
campainha, aí eu peguei, saí, dei uma olhada: uma menina que eu nunca tinha visto,
nada A menina pegou: "Você quer ficar com uma pessoa?” Ai, eu falei assim: “Quem?”
A menina : “Eu não posso falar", (ele disse) “Como que eu vou saber?” Falou: “É uma
menina que você conhece”, (ele diz) “Como que eu vou conhecer, se você não der
nenhum detalhe dela?" Al, nisso, tava sol, né? "Ah ela mora aqui perto". Eu já tava
adivinhando que ora uma certa vizinha, ai, eu peguei e faiei assim: "Ah! Me fala como eia
ó?”, (a menina respondeu) "Ah! Eu nào posso falar". E nisso eu fui andando pra fronte, eu
vi uma sombra, porque meu muro é assim, né? Aqui tampa a visão de quem tá aqui, al
ou vi uma sombra, eu fui passando em direção da rua pra ver quem era, conversando
com essa menina. De repente, você nem imagina quem me sai do muro! Essa menina
que eu tava com idéia que seja.

Depois do procedimento
T: - Fala um pouquinho pra mim como foi sua semana, o quo você fez?
A: - Ah, essa somana... Procurando trabalho, ia na cidado, ontrogava currículo, chogava
em casa, descansava um pouco, saía com os amigos, jogava bola, conversava à noite... 0
pessoal fazia fogueira na rua, pegava e ficava conversando em volta da fogueira até altas
horas, depois chegava em casa, dormia. Acordava no outro dia, mesmo processo.
Procurando trabalho... Ajudo em casa como pode, né? Tem que saber valorizar o dinheiro
quo tom guardado, porque, antigamente, quando eu tinha um trabalho, assim, até podia
gastar com coisas pessoais o tudo mais. Só que, como agora não posso, tenho que
valorizar, buscar guardar o mais possível, pra tá ajudando em casa. Quando minha mãe
precisar do dinheiro, é só ir no banco, pegar e deixar com ela. Não ficar emprestando das
outras pessoas. Al, dá complicação depois, ficar pagando... Foi até que legal essa semana.
T: - Ela (namorada) nào falava pra você: "Ai, não gosto... você só fala de academia...".?

2 5 6 I ml.m.i lúllo M.irlins e I lélio Jo«c t/uilh.iriii


A: - Nâo, nâo falava. Chamei ela pra ir no cinema. Fomo no cinema, tudo, naquela
ópoca. Al, num dia tava na academia, aí terminou era umas dez e pouco, aí nós foi
embora e no caminho ela falou, ela jogou uma conversinha lá e falou assim: “Gosto
muito de você, mas nâo tem como". Só que nâo explicou, nó? Al, naquela ópoca eu: H
Ah!
Tá, tchau”. Peguei, saí, nó?
T: - Como você se sentiu?
A: - Ah, fiquei decepcionado, assim, nó? Em casa, quando eu ia dormir, lembrava da
pessoa, começava a chorar. Pó! Nào acreditava que eu tava chorando, sabe? Aí, depois,
fiquei pensando... a primeira, tipo, já marca... pra qualquer pessoa... eu acho. Aí toda vez
que a gente se encontrava na academia - cada um no seu canto - eu nào queria conversa
de jeito nenhum.
Começou a discriminar, parcialmente, os comportamentos inadequados dos
familiares e passou a conseqüenciá-los de forma mais adequada.
A: - Tava no carro com minha irmà e as crianças (sobrinhos) e ela começou a falar do
curso que eu ia fazer, perguntar o preço, se nào era muito caro, até que ela falou se eu
nâo tava usando dinheiro do meu pai pra mim pagar o curso. Ele (pai) falou pra ela que
ou tó devendo dinheiro pra ele, mas ele tá me devendo muito mais que eu pra ele. Só
nâo discuti com ela, no carro, por causa das crianças, mas cheguei em casa, desci do
carro e disse pra saber mais das histórias antes de ficar falando.
Alex começou a apresentar maior variabilidade de topetes e chegou a cabecear
a bola em uma partida de futebol.
A: - Fiz um gol de cabeça essa semana, ninguém estava me marcando no campo, lá na
área, porque eles sabiam que eu não cabeceava, mas sobrou uma bola do um
cruzamento e fiz um gol de cabeça.
Começou a tomar iniciativas, mesmo sem o consentimento do pai, como, por
exemplo, fez a inscrição e iniciou um curso técnico de computação.
Mudou os hábitos alimentares, fez tratamento médico e realizou o procedimento
proposto pela terapeuta; com isso a freqüência de evacuação passou a ser diária.
Alex ó um cliente especial. Apresentou resultados positivos logo nas primeiras
sessões. Embora tivesse sido exposto a contingências coercitivas severas, nâo seguiu o
modelo agressivo do pai e não foi buscar alternativas Inadequadas para se esquivar do tais
contingências (como, por exemplo, uso de drogas). Engajou-se na terapia, ficou sob controle
dos procedimentos utilizados nas sessões e os colocou em prática no seu ambiente natural.

Considerações Finais
Através das queixas e da história do contingências, pode-se entender o papel
da punição na vida do cliente. Segundo Sidman (2003):
"O primeiro efeito colateral da puniçào, entào, é dar a qualquer sinal de puniçÂo a
habilidade para punir por si mesmo (...) Se encontramos punição freqüentemente,
aprendemos que nosso caminho mais seguro à ficar quietos e fazer táo pouco
quanto possível. Nós nos congratulamos por cada dia que passa sem catástrofe
(...) Ambientes em que somos punidos tomam-se eles mesmos punitivos e reagimos
a eles como punidores naturais (...) Qualquer um que use choque torna-se um
choque." (pp. 101-103)
Para Alex, diante dos comportamentos agressivos do pai, nada restava a não
ser se recolher em seu quarto, “ficar quieto" e se esquivar de punições severas, tendo

Sobre ComportitmcnU) c Coflniç.1o 2 5 7


como produto desse recolhimento, um repertório generalizado de comportamentos
indesejados. Ambientes sociais adquiriram funções aversivas e se firmaram como
contextos em que prevaleceram comportamentos de fuga-esquiva. Assim, por um lado,
Alex desenvolveu um padrão de fuga-esquiva caracterizado por emissão mínima de
respostas, no qual isolar-se, permanecer quieto, evitar iniciativas etc., compuseram um
quadro de dôflcits comportamentais. Por outro lado, Alex apresentou um padrão de fuga-
esquiva caracterizado por emissão superlativa de respostas, no qual obedecer
prontamente, concordar sempre, falar de modo prolixo, confuso e desordenado, emitir
rituais etc., compuseram um quadro de excessos comportamentais. Tal é o rescaldo do
controle coercitivo: para mais e para menos, o pior para o indivíduo.
O presente estudo de caso ilustra, de maneira dramática e didática, os desastres
do controle aversivo. A literatura comportamental apresenta uma condenação coerente
e enfática ao uso da punição. Catania, (2000) ressalta que "(...) a efetividade da punição
tem sido classicamente objeto de controvérsias." (p. 110). Em concordância com Catania,
Skinner (1967), escreveu:
“(...) a técnica de controle mais comum da vida moderna é a punição... A longo
prazo, a punição, ao contrário do reforço, funciona com desvantagens tanto para o
organismo punido quanto para a agência punidora. Os estím ulos aversivos
necessários geram emoções, Incluindo predisposição para fugir ou retrucar, e
ansiedades perturbadoras ... Mais recentemente, levantou-se também a suspeita
de que a punição não faz, de fato, aquilo que se supõe que faça. Um efeito imediato
na redução de uma tendência a se comportar é bastante claro, mas isso pode ser
enganador. A redução na freqüência pode não ser permanente.“ (pp. 108 e 109)

“(...) Inquestionavelmente a punição severa tem um efeito imediato na redução da


tendência para agir de uma dada maneira... Todavia a longo prazo a punição
realmente não elimina o comportamento de um repertório e seus efeitos temporários
são conseguidos com tremendo custo na redução da eficiência e felicidade geral
do grupo.“ (p. 112)
No laboratório, de acordo com Catania (2000), ”Os efeitos da punição geralmente
são temporários; o responder freqüentemente retorna aos niveis prévios da linha de
base, depois que a punição ó interrompida" (p. 116).
Em suma, Alex foi exposto à história de contingências coercitivas intensas,
caracterizadas por reforçamento negativo e punição severa exercida principalmente pelo
pai. Algumas contingências coercitivas são inevitáveis e, dentro de limites, até necessárias
para um desenvolvimento saudável do indivíduo. Se inevitáveis, porém, elas devem ser
amenas, caso contrário, produzirão efeitos desastrosos, tais como, fortes sentimentos
de medo e ansiedade, supressão de repertório comportamental, perda de iniciativa, baixa
variabilidade comportamental em contextos nos quais prevalecem contingências de
reforçamento positivo, comportamentos de fuga-esquiva (que embora possam ser
funcionais, mais vozes do que o desejável são supersticiosas e disfuncionais) os quais
competem com a emissão de comportamentos quo produzem reforços positivos,
sentimentos de opressão, de raiva, de culpa, de agressividade etc. Em geral, punição
enfraquece comportamento, no entanto, apenas temporariamente e tão somente na
presença da agência punitiva. Mais Importante, porém, punição não desenvolve
comportamentos. As dificuldades comportamentais e afetivas de Alex, apresentadas na
queixa e complementadas pela terapeuta, podem ser entendidas a partir da continua
exposição às mencionadas contingências aversivas.
O estudo de caso apresentado é uma demonstração consistente e enfática do
poder das contingências de reforçamento positivo para construir um repertório de

2 5 8 l uci.tti.i Júlio Martins c I léllo losí Quilh.irdi


comportamonto abrangente; substituir padrões comportamentais indesejados por outros -
estes, sem dúvida - desejados; alterar relações interpessoais, tomando-as mais gratificantes
e amenas e, finalmente, alterar sentimentos das pessoas, de modo que se sintam tranqüilas,
livres e consistentemente mais felizes. Nõo é uma frase ingénua que encerra um conto de
fadas; é uma afirmação que sintetiza o papel das contingências de reforçamento positivo.
O processo terapêutico continua.

Referências
Catanla, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. [4* ed.J Porto Alegre:
Artmed.
Comfort, A. (1998). Os Prazeres do Sexo. Sâo Paulo: Martins Fontes.
Gulllhardl, H. J. (2004). Terapia por Contingências de Reforçamento. In Abreu, C. N., Gullhardl, H.J.
Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamentaI -Práticas Clinicas (pp. 3-40). Sâo
Paulo: Roca.
Gullhardi, H. J. (2002). Auto-estlma, autoconfiança e responsabilidade. In M. Z. S. Brandõo, F. C. S.
Conte e S. M. B Mezzaroba (orgs ). Comportamento Humano: Tudo (ou quase tudo) que
você gostaria de saber para viver melhor. Santo André, SP: ESETec.
Matos, M. A. (2001). Com o que o Behaviorismo Radical trabalha? In Banaco, R. A. (Org.). Sobre
comportamento e cognição. Vol. 1, (pp. 49-56). Santo André, SP: ESEtec.
Otero, V. R. L.. (2004). Ensaio Comportamental. In Abreu, C. N., Gullhardl, H.J. Terapia Comportamental
e Cognitivo-comportamenta/ - Práticas Clinicas (pp. 205-214). Sâo Paulo: Roca.
Sério. T. M A. P., Andery, M. A„ Giola, P. S., Mlcheletto, N. (2004). Os conceitos de discriminação e
generalização. In Sério. T. M. A. P., Andery, M. A., Gioia, P. S,, Micheletto, N. Controle de
Estímulos e Comportamento Operante: uma (nova) introdução (pp. 7-24). São Paulo: Educ.
Sério. T. M A. P., Andery, M A (2004). Comportamento verbal. In Sério. T. M. A. P., Andery, M. A.,
Gioia, P. S., Micheletto, N Controle de Estímulos e Comportamento Operante: uma (nova)
introdução (pp. 113-136). São Paulo: Educ.
Sidman, M. (2003). Coerção e suas implicações. Campinas, SP: Livro Pleno.
Souza, D. G. (2001). O que é Contingência. In Banaco, R. A. (org ), Sobre comportamento e cognição:
Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia
Cognitiva. Vol. 1, (pp. 82-87). Santo André, SP: ESETec.
Skinner, B. F. (2003). Questões Recentes da Análise do Comportamento. [4* ed.]. Campinas, SP:
Paplrus,
Skinner, B. F. (1967). Ciência e Comportamento Humano. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
Whaley, D. L., Malott, R. W. (1980). Princípios Elementares do Comportamento. Vol. 1, São Paulo:
E.P.U.

Sobre Comportamento r Cognlfilo 2 5 9


Capítulo 25
Hiperatividade e Déficit de Atenção:
Análise e Intervenção pela
Terapia por Contingências de
Reforçamento (TCR)
Evclyn Christina Peres Barrelin'
Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento
I fé lio Josê C/uilhardi
Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento Instituto de AnAlise de
Comportamento Campinas-SP

“Amor como um estado ó uma disposição para agir em direção ao outro de maneiras
que são reforçadoras, mas sem prestar atençÃo a quaisquer contingências. No
amor agimos para agradar e nào para ferir, para ser acolhedor o não para ser
maldoso - mas nào agimos para mudar comportamento."

(Skinner, 1980 citado por Epstein, 1980, p. 132).


Tem se tornado freqüente a procura de tratamento para pessoas, crianças e
adultos, com diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH),
terminologia classificatória adotada no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
M entais-D S M -IV (1995).
A utilização do DSM - IV tem-se tornado uma prática comum em contextos de
Análise Aplicada de Comportamento, o que nos parece impróprio, pois tal Manual apóia-
se em conceitos irreconciliáveis e estranhos à Análise do Comportamento, além de
restringir-se, com poucas exceções, a uma sistematização topográfica de comportamentos.
A proposta da Terapia por Contingências de Reforçamento - TCR (Guilhardi, 2004),
assegura que, embora os psicólogos comportamentais se interessem por
comportamentos e sentimentos dos clientes, de fato, trabalham com as contingências de
reforçamento das quais comportamentos e sentimentos são função. Nas palavras
precisas de Matos (2001):
1Ou autora* agradacam a Thak SagNaWM Barro» pota partupaçAo no atandftrwnto oomo oo-tarapmjta, a 1atarmi LuwhhI. Mm» Ido TíhjU. Norean
Carnpbdl, Vamstl Amorkn, 5 arah Marta Ouerloe. JoAo Pauto Silva a Frandaco Rodrigues pekja curnontirtos »obro o texto

2Ô0 f volyn Christiri.i IVres H.irrelln c I lólio losóQuillnmJl


“(...) O b e h a v lo rls ta r a d ic a l n&o tra b a lh a p ro p ria m e n te co m o
comportamento, ele e ttu d a e trabalha com contingência» com portam ental»,
lato i , com o comportar-se dentro de contextos." (p. 50). E, mais adiante, "(...) a
prática do anallata de com portam ento * estudar contingência» e »eu efeito
cum ulativo »obre o desempenho do» organltm o». ’ (p. 56).
A proposta de Matos é consistente com a de Skinner (1991, originalmente
publicada em 1988):
“El» a p o s lç io b e h a vlo ria ta : vo lte ao» evento» am biental» antecedente»
para e xplicar o que alguém faz e, ao meamo tempo, o que e»»a pe»»oa »ente
e n q u a n to faz a lgu m a c o la a .’ (p. 103). E ele prossegue: “O» terapeuta»
preocupam -»e tanto com o que a» pe»»oa» fazem quanto com o que ela»
aentem. O» terapeuta» com portam ental» atribuem o que é feito a dol» tipo»
d» co n a e q u in cla » »eletiva»: com p orta m e nto Inato para a a e le ç io natural
e c o m p o rta m e n to a p re n d id o p a ra re fo rç a m e n to o p e ra n te . Uma dada
Inatâncla i uaualmente um p ro du to de amba» em conju n to “ (p. 103 e 104).
E S kinner (1969) com pletou: ‘ Nenhum a d e » c rlç io do In te rc â m b io entre
organlam o e am biente eatará com pleta »e n io In c lu ir a açào do ambiente
»obre o organlam o depol» que a re»po»ta tenha »Ido em itida . " (p. 5).
Como conseqüência do compromisso conceituai sintetizado por Matos (2001) e
Skinner (1969, 1988, 1991), o psicólogo que trabalha com a TCR se preocupa em
pesquisar quais são os determinantes ambientais - eventos antecedentes e
conseqüentes - dos comportamentos e sentimentos dos clientes, ou seja, em determinar
de que eles são função. Função comportamental e não topografia é o objeto de estudo do
analista de comportamento. As mesmas classes de comportamentos e sentimentos
podem ter sido instaladas e estarem sendo mantidas por contingências de reforçamento
diferentes e particulares em cada caso, o que desqualifica a proposta classificatória
topográfica dos manuais. Comportamentos iguais não são, necessariamente, iguais.
Semelhança topográfica não implica em função análoga. Por outro lado, mesmo que se
demonstre que as pessoas com determinados diagnósticos sejam organismos não
intactos, a proposta da TCR é a de que alterações orgânicas não causam comportamentos
específicos, tão somente limitam ou alteram o potencial da pessoa para responder às
contingências às quais é submetida. Em tais casos, nos quais se demonstra que há
limitações orgânicas (deve ser ressaltado que não se aceita diagnóstico orgânico
conceituai, ou seja, aquele no qual o perito - em geral o médico - afirma que existem
alterações orgânicas subjacentes aos padrões comportamentais, mas não demonstra a
existência delas através de procedimentos biológicos), o tratamento do cliente resulta da
interação entre os dois profissionais, psicólogo e médico, cada qual respondendo pelo
seu objeto de estudo e utilizando procedimentos próprios de sua área de atuação. Um
não se reduz ao outro; ambos se integram (Guilhardi, 2005).
Os procedimentos terapêuticos, adotados pela TCR, para lidar com os
comportamentos e sentimentos do cliente, que foram expostos na queixa, bem como
aqueles que foram identificados pelo terapeuta, incluem:
1. Identificar as contingências de reforçamento que estâo, presentemente, mantendo e
modelando variações comportamentais consideradas indesejadas;
2. Identificar as contingências de reforçamento que podem ser introduzidas para:
(a) enfraquecer as classes de comportamentos indesejados; e
(b) fortalecer as classes de comportamentos desejados, tanto aqueles incompatíveis
com os indesejados, como alternativos (Martin e Pear, 2006);

Sobre Comportamento e Cojjnlçáo 261


3. Identificar a história de contingências de reforçamento que foi responsável pela
instalação do repertório de comportamentos indesejados e pela ausência do repertório
de comportamentos desejados. Pode-se argumentar que bastaria identificar e alterar
as contingências de reforçamento atuais, que mantêm e selecionam os padrões
comportamentais em estudo, para alcançar os objetivos terapêuticos. De fato, tal
p rá tic a p o d e b a sta r. N e m s e m p re b a s ta , p o ré m . C o n h e c e r a s c o n tin g ê n c ia s
responsáveis pela Instalação de determinados repertórios pode ajudar na completa
compreensão de sentimentos e comportamentos que parecem desafiar o manejo
de contingências atuais. Por exemplo, comportamentos mantidos, presentemente,
por conseqüências roforçadoras positivas, porém instalados como comportamentos
de fuga-esquiva de consequências aversivas, são diferentes de comportamentos
mantidos e instalados por contingências de reforçamento positivo. Suponha que a
pessoa entre em contato com eventos aversivos funcionalmente intensos. Uma
história de interação com contingências aversivas pode favorecer a emissão de
comportamentos de fuga-esquiva ou de contracontrole eficazes (o que é desejável),
mas pode, também, favorecer a emissão de comportamentos de fuga-esquiva
ineficazes e supersticiosos (o que é indesejável). Uma história de pouca familiaridade
com contingências coercitivas pode, por outro lado, desostruturar uma gama
exageradamente ampla de comportamentos que vêm sondo omitidos. O
conhecimento da história do contingências permite ao terapeuta e ao clionte
programarem estratégias terapêuticas mais apropriadas sob controlo do tais
informações. Praticamente, tal afirmação significa que, ao saber como determinados
estímulos adquiriram a função específica que apresentam e certos comportamentos
foram instalados, o terapeuta tem acesso a informações fundamentais para alterar
funções de estímulos e para alterar comportamentos construídos no passado
(obviamente, manejando contingências de reforçamento atuais). Tais informações
podem ser pré-requisitos para conseguir mudanças comportamentais presentes. O
passado comportamental deve ser entendido como a interação organismo-ambiente,
na qual os eventos adquiriram as funções que têm. Não se define, portanto, passado
como um fenômeno temporal, mas como o momento da ocorrência da contingência
de reforçamento genitora de funções ambientais e comportamentais. Tais funções
se mantêm no presente até que outras contingências lhes alterem as funções
anteriores. Funções passadas dos eventos são aquelas que não estão mais sendo
evocadas pelas contingências comportamentais presentes. Elas não desaparecem,
nem se perdem. Podem ser prontamente restabelecidas, desde que sejam
reintroduzidas as contingências de reforçamento responsáveis por tais funções.
Conhecer a história de contingências é importante em mais um aspecto. Por exemplo,
o terapeuta pode ter claro o papel coercitivo do pai (ou da mãe) no desenvolvimento
comportamental do cliente, no entanto, a forma de conduzir o processo terapêutico
variará, de acordo com a conscientização que o cliente tem da função que o pai (ou a
mãe) teve na vida dele, independentemente, do papel atual dos pais. Assim, a criança
pode ter ficado sob controle de uma regra, tal como:"Papai ama vocè e tudo o que faz
ó para o seu berri', e não sob controle de contingências coercitivas aplicadas pelo
pai. O produto das contingências coercitivas usadas pelos pais pode ser um excesso
de comportamentos de fuga-esquiva e de sentimentos de ansiedade no presente,
mesmo na vigência atual de contingências roforçadoras. A pessoa adulta não detecta
a origem do repertório comportamental presente porque "papai sempre me deu amor".
Veja como é diferente: "Mamãe nunca me protegeu das atitudes intempestivas do
papai. Ela tinha medo dele. Me dizia que ele me batia por amor. Dizia, porque não
conseguia me defender." O terapeuta lidará com o cliente de maneira diferente em

26 2 fvc lyn Cliriílind IVre* H,irrdm c I lélio losó lyuilli.mli


cada caso. Assim sendo, a estratégia terapêutica precisa levar em conta todas as
informações disponíveis, a fim de levar o cliente a identificar e a lidar com as
contingôncias que originaram as dificuldades atuais e que tornam os comportamentos
e sentimentos pouco sensíveis às contingências presentes. Além disso, a maneira
de conduzir as relações do cliente com os agentes sociais com os quais construiu
sua história de contingôncias é essencial para preservar o vínculo terapêutico;
4. Demonstrar que os procedimentos terapêuticos - basicamente comportamentos do
terapeuta que compõem as contingências de reforçamento, que devem alterar
comportamentos do cliente - são eficientes para alterar comportamentos num nível
socialmente significativo (Baer, Wolf e Risley, 1968), ou seja, produzem mudanças
que têm dimensão funcional, propiciando adequada integração da pessoa com o
contexto físico e social no qual vive;
5. Instalar nas pessoas funcionalmente relevantes do ambiente do cliente - no caso do
uma criança, os membros da escola e da família - os repertórios de comportamentos
necessários para replicar os procedimentos terapêuticos, com as devidas
adaptações para o ambiente natural;
6. Programar a generalização. Em primeiro lugar, a generalização do comportamento
entre contextos. Assim, a ocorrência dos comportamentos desejados e a não
ocorrência dos comportamentos indesejados na clinica devem ser programadas
para acontecer nos demais contextos da rotina do cliente, dentro de critérios razoáveis
para cada contexto (note que não é objetivo da terapia levar a criança a apresentar
apenas comportamentos desejados e nenhum comportamento indesejado, mas
quo se comporto de modo funcional). Em segundo lugar, devem ser programadas
contingências para que os avanços comportamentais se mantenham, mesmo após
a interrupção da terapia (generalização no tempo). Finalmente, os procedimentos
devem ser elaborados de forma a produzir generalização para classes
comportamentais desejadas, com as quais não se lidou diretamente durante o
processo terapêutico (generalização inter classes comportamentais).
O objetivo do presente artigo é apresentar o estudo, realizado com uma criança
encaminhada com o diagnóstico de TDAH, conduzido de acordo com a TCR, relatando
os procedimentos terapêuticos utilizados e os resultados obtidos.

Primeiro encontro com a mãe e com a professora de João


A mãe de João procurou a terapeuta por recomendação da professora e da
coordenadora pedagógica da escola, que o encaminharam porque estava "atrapalhando
muito" a condução das aulas, pois apresentava "hiperatividade e déficit de atenção".
João havia passado por um processo terapêutico há dois anos, no qual havia sido
diagnosticado como "hiperativo" pela psicóloga quo o atendeu.
João tem nove anos e cursa a terceira série do Ensino Fundamental em uma
escola particular. É filho do primeiro casamento. Mora com a mãe, o padrasto e duas
Irmãs (com quatro e dois anos) do segundo casamento.
Na entrevista inicial, a mâe de João relatou que ele não "obedece" à professora
e nem faz as atividades na sala de aula (ou seja, não fica sob controle dos
comportamentos orais e nem textuais emitidos pela professora). Acrescentou, ainda,
que ele anda pela classe, conversa demais com os colegas durante as aulas, abre e
fecha o estojo e a mochila, faz barulho, se antecipa e fala alto, interrompendo a fala dos
colegas. Paula disse: - Ele não pára sentado na carteira, brinca o conversa com os
amigos o tempo todo e fala durante o ditado e as crianças dão risada... ele fala sobre a

Sobre Comportamento e Co«nlç<lo 2Ó 3


fala dos outros. Teve um dia que a professora dele estava fazendo um ditado do monstro
e ela disse que o monstro tinha cinco dedos, aí ele disse que não, que se ele era
monstro, ele tinha que ter seis dedos e a professora dele riu. Ela diz que ele tem umas
"tiradas" muito engraçadas. Continuou: - Ele è muito agitado, não tem parada, não tem
paciência. Ele adora o vídeo game, mas se ele já passou uma fase, ele desliga o vídeo
g am e (nôo persiste m uito tom po no jogo). Ele senta pra assistir desenho, assiste dois,
três e cansa. Ele não fica muito tempo em casa e nào gosta de dormir cedo. Ele ò muito
agitado pra dormir... Ele faz três, quatro coisas ao mesmo tempo. Às vezes, ele tá
jogando xadrez e eu estou no telefone. Se você perguntar pra ele o que está passando
na novela, ele diz pra você e ele também sabe o que você estava falando no telefone.
Paula também relatou que mantinha um relacionamento de ''amizade” com seu
filho: - Nós somos amigos e eu não brigo com ele. Aliás, eu tenho muita dificuldade em
dizer "não” pra ele. Eu dou mais atenção pra ele, porque ele já não mora com o pai e o
Beto (padrasto) nunca foi pai dele de verdade. Ele paga as despesas dele, mas nunca
pegou ele no colo desde que ele era criança, desde que ele tinha um ano.
Posteriormente, a terapeuta confirmou o relato de Paula, num dia em que ligou para
João. Beto atendeu ao telefone e disse que João não estava. Seguiu-se o breve diálogo:
T: - Você poderia pedir para o João me ligar ?
B: - Eu digo para a mãe dele e a mãe dele diz pra ele.
Além disso, Paula mencionou que não tem muito tempo para ficar com o filho:
- O João, eu tenho um tempo pra ele que é o tempo que a gente estuda. Eu vejo as
lições. Acho que é o único tempo que a gente fica junto, porque a bebê é um João
pequeno e pior, menor. Então, eu fico mais com ela.
O pai de João também mantém uma relação distante com o filho, segundo
Paula: - O pai dele não tem o hábito de ligar pra ele. A última vez que eles se viram foi
em novembro ou dezembro de 2004 e depois nào se viram mais. Ele já ficou dois anos
sem ver o Joào.
Paula informou que as reclamações da escola, a respeito dos comportamentos
de João, surgiram há, aproximadamente, um ano e meio, quando cursava a segunda
série do Ensino Fundamental; - A primeira professora da segunda série dizia que ele
falava e andava durante as aulas... Aí, ela colocou ele em frente a sua mesa, mas não
deu certo, porque ele começou a mexer no estojo dela. Já a segunda professora da
segunda série (a primeira deixou a escola) também me chamou para uma conversa.
Ela disse que o Joào abria e fechava a mochila e o estojo, atrapalhando o andamento da
aula e chamando a atenção das outras crianças... Ela também colocou ele sentado
perto da sua mesa, mas não deu certo, porque ele falava demais.
A terapeuta realizou uma entrevista com a professora na escola: - O Joào tem
problemas de comportamento. Não pára quieto, levanta o tempo todo. O pensamento
dele vai longe durante a aula e qualquer coisinha que acontece na sala de aula, chama
a atenção dele. Só hoje ele se levantou umas dez vezes durante a prova. Ele batia a
borracha na carteira, depois batia o lápis, colocava os pés na carteira, ia pro fundo da
sala e se arrastava pelo chão, se escondendo de mim. Ele está se arrastando pela sala.
Ele colocou um capus na cabeça e falava “Olha a maconha! Olha a maconha!” e ai as
crianças riam. Todo mundo achava graça. Aí, eu parei e falei "O que está acontecendo?
Que tipo de conversa é essa?". Eu falava pro João “Você tem que ter modos. Você está
com algum problema?". Aí, ele respondia agressivo, sabe?
A partir dos relatos da mãe e da professora, pode-se concluir que os
comportamentos disciplinares de João, em sala de aula, ocorrem em alta freqüência,

264 Fvdyn Chrfstirui Prrfs Barrrlin t t lílio losé C/uillt.mli


atrapalham as atividades cotidianas na ciasse, produzem atenção da professora e dos
colegas e nunca foram manejados com sucesso pelas diferentes professoras.
No que se refere ao rendimento académico, João obteve notas acima da média
escolar (que é sete) até o final da segunda série. No primeiro bimestre da terceira, tirou notas
abaixo da média (trés e quatro) em Português e em História-Geografia, respectivamente. A
cada nota baixa, João tinha como conseqüência ficar "uma semana sem poder ir ao playground
do seu prédio", segundo o relato da mãe. Tal procedimento não aiterou as notas de João.

Primeiras sessões com João


Foram realizadas, após a entrevista inicial com a mãe, sessões semanais de
50 min com João. Na primeira sessão, assim que entrou na sala, João, sem a menor
cerimônia, pegou uma almofada e começou a brincar com ela: segurava, abraçava,
jogava para cima etc. E não era só isso. Falava sem parar, enquanto se levantava do
sofá, jogava o boné para o alto, balançava as pernas, os pés, mexia nas coisas, voltava
para a almofada. - Entendo por que acham que ele ô hiperativo, pensou a terapeuta.
Nas três primeiras sessões, a almofada não ficou em paz. A terapeuta perguntou para
João: - Você percebe que fica o tempo todo mexendo na almofada? Respondeu: - Eu
sei. Mas não me atrapalha., e continuou a brincar com ela.
Durante algumas atividades, como jogo de futebol de botão, João não ficava
sob controle das instruções verbais omitidas pela terapouta:
T: - Agora é a minha vez de jogar O seu jogador nâo encostou na bolinha.
J: - Espera aíl Encostou sim! (continuava a jogar).
Quando a terapeuta sinalizava o término desta atividade ( - Vamos guardar o
nosso jogo, pois precisamos ir.), João dizia - Nâo. Nào. Só mais essa. Sô depois que a
gente bater três pênaltis. Vamos ver quem faz mais gois.', e continuava a jogar, enquanto
a terapeuta ia guardando as peças do jogo.
Nas sessões, João relatou vários exemplos do relacionamento com as pessoas
da casa:
a. João mostrou á terapeuta um machucado na perna. Quem o ajudou, na hora, foi a
babá das irmãs. Segundo ele, o padrasto, ao ver o machucado, chamou Paula que
demorou para levá-lo ao módico. - Eles demoraram mais de seis horas, por isso o
médico disse que nâo podia dar ponto.
b. João disso à terapeuta que vai ao playground do prédio todas as noites, onde fica
brincando até às 23 h. Raramente a mãe o chama. Ele sobe quando os amigos vão
embora.
T: - Ah... entâo è comum sua mâe deixá-lo lá...
J: - Ê. Ela nunca me chama.
c. João disse que a mâe dá muita importância para a escola: - A maioria dos dias, ela
me faz fazer a tarefa. Ai, eu faço, porque senâo fico de castigo e nâo posso descer
para brincar com meus amigos. A mãe relatou que, de fato, senta-se com João para
fazer a lição da escola, mas que “Dá uns cinco minutos" e não agüenta ficar ali,
levanta-se e sai. Deixa-o fazendo a lição sozinho.
d. Às vésperas de uma prova, Paula faz um questionário, por escrito, sobre a matéria da
prova. João deve respondê-lo antes de ir ao playground. Segundo ele, responde
antes de descer. A mãe dá uma “olhada"... de "qualquer jeito” serve. “Ela nâo confere".
e. João estava triste. Disse que a mãe iria dar o seu cachorrinho porque estava mordendo
os móveis da casa (o cachorro tinha poucos meses.) A terapeuta orientou-o a dizer

Sobre Comportamento e Cofiniçdo 2 6 5


para a mãe que o cachorro era muito importante para ele, que não queria que fosse
embora. Ligou no dia seguinte para saber se havia conseguido convencer a mãe;
T: - E aí, João? O nosso piano de falar com a sua mãe deu certo?
J: - Deu,
T: - Deu? Deu certo?
C: - Não. Ela deu o meu cachorro.
f. Nos primeiros cinco meses, João foi levado à terapia pela avó paterna. João faltou
várias vezes e, freqüentemente, chegava atrasado às sessões (eram comuns atrasos
de até 30 minutos). Quando avisada, a respeito dos atrasos, Paula disse que não
sabia. Nada mudou, porém.
g. Paula desmarcou trôs sessões de orientação. Mais de uma vez, disse à terapeuta,
nos contatos para marcar orientações (a sessão) - Vai demorar multo?
h. Durante um môs, Paula trouxe João à terapia. Depois, passou a alternar as vindas
com a avó. Em uma das vezes, trouxe João uma hora mais cedo e veio buscá-lo mais
de duas horas depois da sessão.
i. João disse que, na casa do pai, costuma assistir a filmes. O pai aluga alguns DVDs, mas
não os vô com o filho. (O pai de João voltou a visitá-lo no decorrer do processo terapêutico.)
Conceítuação dos comportamentos emitidos por João e funções das
interações entre ele e as pessoas socialmente relevantes na sua vida
As descrições das relações de João com seus familiares (mãe, avó, pai e padrasto)
levam à conclusão de que João foi privado de atenção e carinho. Ou seja, Paula não ficava
sob controle de comportamentos que poderiam ser classificados como "desojávois" (brincar
com tranqüilidade, fazer lição, atender a solicitações, cooperar etc.). Tais classes
comportamentais foram, provavelmente, ignoradas pela mãe e enfraquecidas. O repertório
de "híperatividade", provavelmente, foi selecionado - modelado e mantido - no ambiente
familiar pela atenção que produzia, basicamente reações da mãe. Paula, provavelmente,
reforçou, diferencialmente, topografias comportamentais de "hiperatividade" cada vez mais
elaboradas e intensas (modelagem), de tal maneira que o repertório comportamental de
João se caracterizou pela emissão de respostas em alta freqüência e com ampla variabilidade
topográfica, que se generalizaram para todos os contextos que ele freqüontava. O padrão
comportamental de João, considerado inadequado, se generalizou para o contexto escolar,
onde foi fortalecido, diferencialmente, por conseqüências de natureza social, com função
reforçadora positiva, provindas da professora e dos colegas de classe. Na escola, as
diferentes professoras de João ficaram sob controle dos comportamentos inadequados
emitidos por ele (andar pela sala de aula, conversar com os amigos, abrir e fechar o estojo
e a mochila, bater o lápis na carteira etc.), fortalecendo, exatamente, os comportamentos
incompatíveis aos desejados por elas, pela atenção contingente. Assim, as professoras de
João adquiriram a função de SD (estimulo diante do qual uma resposta, se emitida, será
reforçada) para a emissão de comportamentos inadequados, e os comportamentos delas
(dar-lhe atenção), contingentes a respostas inadequadas, tinham a função de Sr-»-. As
professoras também adquiriram a função de S" (estímulo diante do qual uma resposta,
mesmo se emitida, não será reforçada) para a emissão de comportamentos adequados
(exceto os estritamento acadêmicos), e os comportamentos delas (ignorar as respostas
desejadas de João) caracterizavam o procedimento de extinção. A Tabola 1 resume as
contingências em operação.
A privação de afeto e de atenção (operação estabelecedora) produz,
temporariamente, variabilidade comportamental e altera o valor reforçador dos eventos
dos quais a pessoa está privada. Se a privação de atenção e afeto se mantém por longo
período e abrange qualquer classe de respostas, ocorre o enfraquecimento das classes

266 Fvclyn (.'bristin.i Pcrc* Burrdin t I léllo I<hí C/uilfurdi


comportamentais que estão sendo ignoradas, porém se alguma classe de respostas
produz a conseqüência reforçadora, esta classe se fortalece. Acrescenta-se que, a atenção
tem função reforçadora, quer ela tenha topografia de carinho, sorriso, aprovação (atenção
positiva), quer tenha topografia de crítica, repreensão, desaprovação (atenção negativa).
Pode-se resumir as dificuldades de João da seguinte maneira: faltava-lhe
carinho, atenção e amor. Emitiu ampla variabilidade comportamental e o repertório de
comportamentos inadequados foi diferencialmente selecionado e modelado pelas
pessoas dos contextos sociais. Tornaram-se abrangentes e muito fortalecidos pelo
ambiente social - pela atenção que produziam e pela incapacidade das pessoas de
enfraquecerem tal repertório - a tal ponto que competiam com a aquisição de um novo
repertório, mais apropriado, uma vez que o ambiente familiar e escolar não estavam
aptos para alterar as contingências de reforçamento diferencial em operação: ignorar
(usar procedimento de extinção) comportamentos indesejados, que vinham sendo
reforçados, e reforçar positivamente (modelar) comportamentos desejados.
Deseja-se que João produza atenção e ganhe livremente atenção, mas na
forma de afeto e não de repressão, nem de repreensão; adquira um repertório amplo de
comportamentos adequados e viva uma vida comportamentalmente mais funcional e
afetivamente mais feliz.

Antecedente

Reapoatas "hioarativas’ AtençAo sofri ao, oonversaa


Mia da nula com Joio, critions ate
(reforço aodal genwtall/ado)

Indiferença (procedimento da
extinção)

Respostas hlp»ntllvna‘ em Atenção converaa oom o


fllho, "broncas" etc (reforço
social generalizado)

Retpoatas 'admqutô**' em Indiferença (procedimento de


extlnçAo)

Kespostdb 'adoquadm' na AtençAo conversai com


JoAo, sorrisos, elogios,
carinho flaico etc (reforço
social generalizado)

Indiferença (procedimento de
extlnçAo)

•P ro v i (I cixuh flaicujt,
verbais e mexido* com
fundão dc SI) par» cvocur
ou uumentur u
probubilidmlc dc cmissAo
dc reopostas "udequiulas’'

Tabela 1. Contingências de reforçamento em casa, na escola (antes da


orientação da terapeuta) e nas sessões.

Sobro Comporl.imcnlo c CojjnlçJo 2 6 7


Objetivos comportamentais específicos ao caso de João

Teve-se como objetivo terapêutico, criar condições para que os comportamentos


adequados emitidos por João, em casa ou na escola, produzissem atenção e carinho.
Nesse sentido, os procedimentos tiveram os seguintes objetivos:
a. Instalar um repertório de comportamentos em João, incompatível com os
comportamentos indesejados emitidos na escola e em casa, que produza reforços
positivos generalizados na forma de atenção, aprovação, carinho etc;
b. Orientar a professora e a mãe do cliente no manejo adequado de contingências de
reforçamento positivo contingente a quaisquer comportamentos incompatíveis (DRI,
reforçamento diferencial de comportamento Incompatível - Martin e Pear, 2006) e
alternativos (DRA, reforçamento diferencial de comportamento alternativo - Martin e
Pear, 2006), e não exclusivamente os acadêmicos e disciplinares emitidos na escola;
c. Instalar repertórios comportamentais em João que produzam reforços naturais;
d. Instalar repertórios comportamentais de autocontrole, ou seja, João deve emitir -
sem nenhum antecedente de natureza social que especifique a resposta a ser emitida
- comportamentos que produzam conseqüências reforçadoras positivas de natureza
social ou não. Assim, por exemplo, João, em casa, abrir a geladeira e pegar água (e
não refrigerante, o que lhe é mais reforçador) equivale funcionalmente a João, na
sala de aula, fazer uma tarefa corretamente (e não brincar, o que lhe é mais reforçador).
Pegar (e tomar) a água e fazer a tarefa são considerados comportamentos de
autocontrole, pois são emitidos sob controle de estímulos naturais (não dependem
de nenhuma instrução verbal arbitrária dada pela mãe em casa ou pola professora
na aula); produzem conseqüências reforçadoras positivas naturais, intrínsecas aos
comportamentos emitidos; não dependem de controle antecedente social que
especifique qual resposta deve ser emitida para ser reforçada; são respostas,
inicialmente, de baixa probabilidade; são respostas alternativas ou incompatíveis
com outras de maior probabilidade (no caso específico de João, beber refrigerante é
mais freqüente que beber água; brincar em sala é mais freqüente que fazer lição);
produzem conseqüências que são, inicialmente, menos reforçadoras do que aquelas
que vêm mantendo comportamentos mais prováveis (no caso de João, água é menos
reforçadora que refrigerante; fazer lição é menos reforçador que brincar); são
comportamentos que produzirão conseqüências reforçadoras positivas atrasadas,
enquanto as respostas mais freqüentes, no momento, produzirão conseqüências
reforçadoras negativas (aversivas) atrasadas; João fica sob controle do
comportamento emitido, dos antecedentes do comportamento e das conseqüências
que o comportamento produz;
e. Desenvolvor atividades na clínica, nas quais sejam instalados comportamentos que
possam ser generalizados para o contexto escolar;
f. Diminuir a freqüência dos comportamentos ditos "hiperativos", através do reforçamento
positivo diferencial aplicado a outros comportamentos (DRO, reforçamento diferencial
de outros comportamentos.), ou seja, enfraquecer o repertório comportamental
considerado como sendo inadequado, pelo fortalecimento de comportamentos
incompatíveis (DRI - Martin e Pear, 2006) e alternativos (DRA - Martin e Pear, 2006).
O procedimento especifica que não basta aumentar o repertório de comportamentos
adequados de João, se faz necessário enfraquecer o inadequado, que ó abrangente
e muito forte, sem o uso de punição,

26 8 fvclyn Chrislin.i Prrrs B<irrrlin c I lélio José t/uilh.iixli


g. Adesão ao tratamento por parte dos pais: criar contingências para que os pais de
João fiquem sob controle das orientações da terapeuta.

Após a avaliação inicial... A descrição e aplicação dos procedimentos


A partir da queixa inicial da mãe de João e de sua professora, bem como das
observações realizadas pela terapeuta durante as sessões com o cliente, foram
propostas seis atividades a serem realizadas com João. Modelos motores e instruções
verbais para executar as tarefas foram dados a João, na primeira vez que cada atividade
foi proposta pela terapeuta. O objetivo das atividades não era instalar novos
comportamentos em João, mas colocá-los sob controle de estímulos específicos:
deveriam ser topograflcamente semelhantes aos modelos apresentados pela terapeuta
e ocorrer em momentos determinados por ela. As atividades foram:

a. Estátua. A terapeuta dizia: - Vamos brincar de estátua? João deveria, então,


permanecer sentado no sofá, durante dois ou três minutos, respondendo a questões
propostas pela terapeuta, que exigiam dele uma única palavra, como por exemplo: -
Diga seu nome.; - Qual seu time de futebol?, - O nome de uma comida predileta etc.
Critério para considerar a atividade realizada corretamente: João deveria se manter,
durante todo o tempo da atividade, imóvel, sem emitir comportamentos motores
repetitivos, nem incompatíveis (levantar-se, por exemplo) com a atividade roposta
pela terapeuta. Caso João não atendesse aos critérios propostos, tinha o seu
comportamento, contingentemente, sinalizado pela terapeuta (- Você nâo completou
esta atividade.) e uma nova atividade era iniciada.
b. Saci. A terapeuta dizia: - Vamos brincar de saci? João deveria, então, ficar em pó,
equilibrando-se em uma perna só (a dominante), durante 20 seg ou 30 seg.
Critério para considerar a atividade realizada corretamente: João deveria se manter,
durante todo o tempo da atividade, apoiado em uma única perna, sem tocar o chão
com a outra. Caso João não atendesse aos critérios propostos, tinha o seu
comportamento, contingentemente, sinalizado pela terapeuta (- Você nâo completou
esta atividade.) e uma nova atividade era iniciada.
c. Maratona. A terapeuta dizia: - Vamos fazer uma maratona pela sala de espera? João
deveria, então, andar até a sala de espera, dar uma volta ao redor da mesa de
revistas, que está no centro, e retornar á sala de atendimento, uma ou duas vezes.
Critério para considerar a atividade realizada corretamente: João deveria andar durante
o percurso sem correr e sem sair da "rota" definida pela terapeuta. Se corresse ou
saísse do percurso definido anteriormente, tinha o seu comportamento,
contingentemente, sinalizado pela terapeuta (- Você nâo completou esta atividade.)
e uma nova atividade era iniciada.
d. Sapo Manco. A terapeuta dizia: - Vamos brincar de sapo manco? João deveria, então,
ficar em pó e pular com uma perna só (a dominante), emitindo cinco ou sete respostas.
Critério para considerar a atividade realizada corretamente: João deveria pular e retirar a
perna dominante do chão, sem apoiar-se na outra pema, o mínimo de vezes solicitado
pela terapeuta. Se não o fizesse, tinha o seu comportamento, contingentemente, sinalizado
pela terapeuta (- Você nâo completou esta atividade.) e uma outra atividade era iniciada.
e. Aplauso. A terapeuta dizia: - Vamos brincar de aplauso? João deveria, então, bater
palmas emitindo cinco ou dez respostas.

Sobre Comportamento e Cognl(<k> 2 6 9


Critério para considerar a atividade realizada corretamente: João deveria manter uma
distância de aproximadamente 20 cm entre as mãos, antes de cada movimento de
bater palmas, o número de vezes solicitado. Se não o fizesse, tinha o seu
comportamento, contingentemente, sinalizado (- Vocè nào completou esta atividade.)
e uma outra atividade era iniciada,
f. Chefmho Mandou (atividade realizada fora da clinica). A terapeuta dizia: - Vamos brincar de
chefínho mandou? João deveria, então, olhar para a terapeuta e imitar os comportamentos
motores por ela realizados durante dois ou trôs minutos. Além do modelo motor, inicialmente,
eram dadas instruções, tais como - Olhe o que vou fazer. Dê um passo para a direita (era
dado, então, o modelo motor). Posteriormente, a instrução verbal ora totalmente retirada
(após duas ou três seqüências de instrução e modelo). Assim, João deveria ficar apenas
sob controle dos modelos gestuais emitidos pela terapeuta.
Critério para considerar a atividade realizada corretamente: João deveria realizar
movimentos motores, semelhantes aos modelos fornecidos pela terapeuta. Caso
não ofizesse, a terapeuta permanecia parada, olhando em direção ao chão, em silêncio
durante alguns segundos ou até que João emitisse o comportamento motor
especificado anteriormente. Caso João não emitisse o comportamento exemplificado
pela terapeuta, ela reintroduzia a deixa verbal - Olhe o que vou fazer e dava um outro
modelo motor,diferente do anterior. Se João não a imitasse na segunda vez, dizia -
Não tá bom hoje. Vamos voltar para a clinica. Após emitir os comportamentos
imitativos (comportamentos de baixa freqüência) João poderia andar livremente
durante 15 seg (comportamentos de alta freqüência). Em seguida, novos modelos
motores eram apresentados.
Todas as atividades ocorreram duas vezes em cada sessão (ou até terminar o
atendimento) em ordem aleatória. Nunca uma mesma atividade era solicitada duas
vezes seguidas e a exigência variava aleatoriamente. Por exemplo, na atividade Sapo
Manco o número mínimo de saltos era solicitado ao acaso e não alternadamente.
Os comportamentos definidos em cada atividade faziam parte do repertório
comportamental de João, porém não ocorriam no contexto terapêutico. Pode-se afirmar
que eram comportamentos com baixa freqüência de emissão espontânea. Por outro
lado, João manejava uma almofada, que ficava no sofá, com freqüência muito alta. O
procedimento terapêutico envolveu três passos: impedir que João brincasse com a
almofada (nem mesmo deveria tocá-la); solicitar que emitisse determinado comportamento
específico de uma das atividades; permitir, como conseqüência do comportamento emitido,
o manejo livre da almofada durante 15 seg, após os quais era solicitado a devolver a
almofada (Princípio de Premack, 1959). Nas palavras de Vasconcelos e Gimenes (2004):
"Na p ro p o a ta de P rem ack (1959) um e ven to re fo rç a d o r é uma reapoata
d efinida a p rlo rl embaaada na aua re la ç io com um com p orta m e nto a aer
aum entado, aando a proba bilid ad e relativa daaaaa raapoataa a chave para
a o corrência do reforçam ento. Em outraa palavraa, um com portam ento de
a lta f r e q ü in c la , aa c o n tin g e n te a o u tro c o m p o rta m e n to de b aixa
freqüência, reforçará a o corrên cia deaae ú ltim o .", (p. 241)

Princípio de Premack

Emissão de um comportamento Emissão de um comportamento


de baixa freqüência —> de alta freqüência

270 f-vclyn Oliristimi Prres B>irrrlm t I l*lio losí l/uilli.mii


Durante a realização das atividades, a emissão de outros comportamentos
(DRO) era permitida, desde que estes não fossem incompatíveis com as instruções
dadas pela terapeuta. Assim, por exemplo, piscar durante a atividade Estátua era
permitido. Comportamentos de caráter repetitivo ou quaisquer outros que
descaracterizassem a atividade proposta pela terapeuta não permitiam o acesso à
atividade de alta freqüência (manipular a almofada). Por exemplo, balançar repetidamente
a perna durante a brincadeira de Estátua não ocasionava o acesso à atividade reforçadora.
Qualquer comportamento de João, inadequado para determinada atividade, era,
contingentemente, sinalizado pela terapeuta (- Vocè nào completou a atividade.) e uma
nova atividade era iniciada. Após uma atividade correta, a terapeuta dizia: - Muito bem!
Vocô fez direitinhor, - Isso mesmo! Gostei, etc.
Uma co-terapeuta cronometrou as atividades e registrou os comportamentos de
João. Os dados registrados foram comparados com os da terapeuta e houve fidedignldade
de 100% entre os registros. As verbalizações durante as sessões foram gravadas.

Programação de atividades para aumentar a probabilidade de


generalização
A generalização dos comportamentos instalados na clinica para os demais
contextos e a ampliação do repertório diretamente treinado para novas classes
comportamentais que não foram diretamente instaladas não deve ser esperada e sim
programada pelo terapeuta (Baer, Wolf e Risley, 1968). Náo basta que João fique sob
controle dos estímulos definidos e apresentados pela terapeuta durante os atendimentos.
É essencial que o repertório adquirido sob controle da terapeuta ocorra em outros
ambientes, ou seja, que João emita as mesmas classes de comportamentos sob controlo
de estímulos do ambiente natural (generalização). Também não é possível instalar, no
contexto clínico, todas as classes de respostas que a pessoa necessita emitir na rotina
cotidiana. Há necessidade de que sejam estabelecidas contingências de reforçamento
que favoreçam ou aumentem a probabilidade de formação de conceitos, generalizações
e relações de equivalência, de forma a ampliar o repertório de comportamentos funcionais.
Algumas atividades adicionais foram programadas, a fim de atender a tais objetivos,
a. Gincana (atividade realizada na clínica). A atividade de "Estátua" foi alterada com a
finalidade de produzir a generalização do padrão comportamental instalado na clinica
para o contexto acadêmico. Foi denominada "Gincana". A terapeuta dizia: - Vamos
brincar de Gincana? João deveria, então, permanecer sentado em uma cadeira em
frente a uma mesa, fazendo atividades escolares propostas pela terapeuta. Assim, por
exemplo, ele deveria completar, com uma única palavra, frases escritas pela terapeuta.
Tais atividades eram compatíveis com o grau de escolaridade e domínio do assunto de
João (foram executadas atividades que ele já realizava em sala de aula). As atividades
realizadas foram: preencher frases com uma única palavra: responder, por escrito, a
questões de Ciências com uma única palavra: responder, por escrito, a questões de
Português com uma única palavra; e fazer as quatro operações de Aritmética.
Critério para considerar a atividade realizada corretamente: João não poderia levantar-
se da cadeira durante a realização das atividades propostas. Além disso, respostas
erradas eram aceitas sem nenhum comentário (bastava realizar a tarefa). Após emitir
os comportamentos especificados pela terapeuta, de acordo com o critério de definição
do comportamento, o cliente tinha acesso a uma atividade de alta freqüência, qual seja,
ficar em pé e andar pela clínica durante 15 segundos. Note que a atividade de alta
freqüência também foi alterada com o objetivo de facilitar ageneralização (brincar com
uma almofada é menos apropriado na sala de aula que andar durante alguns segundos)

Sobre Comportamento e Co^niçdo 271


b. Marcha Soldado (atividade realizada fora da clinica). A terapeuta dizia: - Vamos brincar
de Marcha Soldado? João devia posicionar-se entre a terapeuta e a co-terapeuta,
compondo uma linha e andar no mesmo ritmo que elas, mantendo a formação inicial
(lado a lado), durante dois ou três minutos, em seqüência aleatória.
Critério para considerar a atividade realizada corretamente: A terapeuta dizia - Jál e
se alinhava com a co-terapeuta. João deveria posiclonar-se entre elas na mesma
linha durante o tempo estipulado. Se saísse da formação em linha, as terapeutas
paravam de andar (punição negativa) até que João se alinhasse com elas novamente.
Durante esta atividade a terapeuta deveria, de tempos em tempos, erguer o seu
braço direito, tocar o ombro esquerdo da co-terapeuta e, simultaneamente, tocar o
seu antebraço direito na cabeça do cliente (o toque da terapeuta funcionava como
reforço positivo generalizado). Além disso, outros reforços positivos generalizados
eram emitidos pela terapeuta (Ex.: - Estou gostando de ver. Vocè está conseguindo
completara tarefa). O final da atividade ocorria em uma lanchonete, próxima à clinica,
onde João ganhava algo que escolhesse (por ex., um suco), não contingente a
desempenho. O número de vezes que a atividade ocorria durante o percurso variava.
c. Projeto Papai Noel da Terapeuta (atividade realizada na clinica e na escola). A terapeuta
preparou com João uma lista das atividades académicas que realizava na escola e uma
lista de comportamentos considerados reforçadores por João como, por exemplo, levantar-
se da cadeira, andar pela sala de aula, pedir uma caneta emprestada, “sentar errado na
cadeira”, assobiar etc. João e a terapeuta combinaram o seguinte: para cada dia de aula,
ele escolheria uma atividade acadêmica que realizaria completamente, sem emitir nenhum
comportamento inadequado durante tal atividade (autocontrole). Quando a atividade fosse
encerrada, ele se daria um reforço, emitindo um comportamento de alta probabilidade,
previamente escolhido dentro aqueles que listou como reforçadores. Portanto, a resposta
de alta frequência poderia ser emitida por João após a emissão de um comportamento de
baixa frequência. João foi orientado sobre a intensidade e duração dos comportamentos
de alta freqüência, pois além de certa intensidade e duração, tais comportamentos, se
"exagerados”, tomam-se inadequados em sala de aula. João foi ensinado pela terapeuta
a se (auto)aplicar o Princípio de Premack. Trata-se de uma tentativa que objetiva instalar
um comportamento de autocontrole. No final de cada dia de aula, a terapeuta:
1. Ligava para a professora de João solicitando que ela indicasse em qual atividade
João tinha se comportado adequadamente no dia do telefonema (o relato dela
seria comparado com o de João):
2. Solicitava também que descrevesse quais comportamentos de João foram mais
adequados e mais inadequados no dia do telefonema (a descrição dela permitiria
à terapeuta orientar João sobre os comportamentos dele em sala);
3. Solicitava, finalmente, a relação das atividades acadêmicas que seriam realizadas
no dia seguinte:
4. Ligava para João depois de faiar com a professora, relacionando as atividades
do dia seguinte e combinava com ele em qual delas ele iria aplicar o Premack.
Combinava também quais comportamentos de alta freqüência João iria emitir
(sempre prevenindo-o para não cometer excessos);
5. Relatava para João os comportamentos emitidos por ele que a professora
considerou adequados (esperava-se que os comentários tivessem função
reforçadora positiva). Relatava também os inadequados (esperava-se que os
comentários tivessem a função de SD para emissão do comportamentos
adequados - alternativos ou incompatíveis aos inadequados);

272 f-vdyn Chriitimi IVrct Borrdin t I Idio lo*é C/uillnirdi


6. Anotava a atividade acadêmica e o comportamento de alta freqüência selecionados
pelo cliente.
Critério para considerar a atividade realizada corretamente: as atividades
escolares, bem como os comportamentos de alta freqüência oram selecionados
por João. Nesse caso, a professora do cliente não sabia quais atividades e
respostas haviam sido, previamente, escolhidas pela criança. Simone (a
professora) era uma observadora “cega". A terapouta, ao falar por telefone com
a professora, coletava dados sobre o desempenho de João em sala de aula e
podia comparar com o relato que ele próprio havia feito (note que ambos sabiam
que os relatos iriam ser comparados). Foi uma maneira de verificar a
fidedignidade do relato de João sobre os comportamentos que emitiu
em sala. Caso o relato da professora e de João fossem diferentes, a terapeuta
dizia para João - Vamos ver se amanhã a sua história fica mais igual a da
Simone. Se os relatos eram parecidos, a terapeuta dizia - João, vocô fez
direitinho o combinado... e completava com alguns elogios.
Os procedimentos terapêuticos tinham algumas características em comum: os
comportamentos desejados de João eram conseqüenciados com reforços positivos
generalizados de natureza social ou com atividades de alta freqüência (ovontualmonte, com
itens comestíveis: doces, sucos etc.); foi usado o procedimento de extinção para
comportamentos indesejados; foi usada breve retirada de atenção e interrupção da atividade
em execução, contingente a comportamentos incompatíveis com a atividade, ou seja, houve
a aplicação de punição negativa, considerada amena, uma vez que, em poucos segundos,
a interação com João era retomada com a proposta de uma nova atividade. Além dos
procedimentos contingentes a comportamentos, os procedimentos incluíram a apresentação
de eventos sociais com características de reforço positivo generalizado, tais como elogios,
sorrisos, toques físicos, abraços, brincadeiras, não contingentes a nenhum comportamento
específico, ou seja, a terapeuta interagia com João sem estar sob controle de nenhuma
contingência específica. A apresentação de atenção generalizada, não contingente, foi um
procodimento extremamente importante devido à história de contingências de João. As
interações dele com a mãe se caracterizavam pela privação de atenção o afeto. João alterou
a relação com a mãe emitindo comportamentos inadequados e, desta forma, passou a
produzir atenção, basicamente com topografia negativa. Os procedimentos terapêuticos
alteraram a relação comportamento ’I atenção em dois aspectos: tornaram a atenção
contingente a comportamentos adequados; a atenção dada pela terapeuta tinha topografia
positiva. Não basta, porém. João precisa ganhar atenção e carinho sem ter que "pagar" por
eles. Deveria sentir-se amado - receber atenção e afeto - independente do comportamento
emitido, ou seja, era importante que as pessoas lhe dessem carinho sem ficar sob controle
de contingências específicas, conformo ressaltado por Skinner, citado por Epstein (1980):
"Amor como um estudo ó uma disposição pare agir em direção ao outro de maneiras
que são reforçadoras, mas aam pra ata r atenção a q ualaquer contlngênclaa.
No amor agimos para agradar e não para ferir, para ser acolhedor e não para ser
maldoso - mas não agimos para mudar comportamento." (pág. 132)
A separação que os autores fizeram entre as atividades, destacando algumas
delas como atividades para produzir generalização, é arbitrária. Todas as atividades
devem, em algum grau, aumentar a probabilidade de que as classes de comportamentos
desejados - aquelas que foram Instaladas, mantidas ou colocadas sob controle de
estimulo em determinado contexto - ocorram em outros ambientes. Assim, por exemplo,
na atividade "Estátua" João foi solicitado a permanecer imóvel sentado (e não em pé),
pois é um comportamento mais apropriado para a sala de aula; na atividade "Maratona",

Sobre Com port.im enlo c CoRniç.lo 2 7 3


a terapeuta solicitou que ele fosse sozinho (e não acompanhado por ela) até a sala de
espera, pois ó um comportamento mais apropriado na escola, onde a professora pode,
por exemplo, solicitar a João que vá buscar giz com a inspetora etc.

E como João se comportou?


a. Estátua. João permaneceu sentado, respondendo às perguntas propostas pela
terapeuta, durante o tempo determinado por ela, nas oito vezes em que a atividade
“Estátua" foi proposta.
MTATUA

b. Gincana (atividade de generalização). João permaneceu sentado, realizando as


atividades académicas selecionadas pela terapeuta, nas dez vezes em que a atividade
foi proposta.

OINCANA

M 4 po«l«« M 3 c»po«t«t |

c. Aplauso. João respondeu corretamente - de acordo com os critérios de definição do


comportamento - a sete, das oito tentativas realizadas. Apenas em uma tentativa,
ultrapassou o número de respostas permitidas pela terapeuta.

APLAUSO

274 Fvelyn Lhriítlrw Pcres Barrrlln e t líllo losé t/ullh.irill


d. Saci. João conseguiu equilibrar-se em uma perna só, em sete, das oito vezes em que
essa atividade foi proposta pela terapeuta. Em uma, das oito tentativas, desequilibrou-
se, o que provocou a interrupção da "brincadeira”.
BACt

| U m M»u ■ 30 —g |

e. Sapo Manco. João atendeu aos critérios de definição do comportamento, em seis das
oito vezes em que essa atividade foi programada. Em apenas duas tentativas,
ultrapassou o número de pulos permitidos, ocasionando a interrupção da atividade.
•APO MANCO

f. Maratona. João andou pela sala de espera, dando uma ou duas voltas ao redor da
mesa de revistas, nas oito vezes em que essa atividade foi proposta. Em uma dessas
tentativas, João contou o número de passos dados pela terapeuta - durante a execução
do modelo de comportamento apresentado à criança antes de cada atividade - e
emitiu o mesmo número de respostas. Na verdade, a terapeuta não sabia quantos
passos havia emitido...elogiou João pela sagacidade da idéia.
MARATONA

[ B 20 tipo«!«» ■ 28 f— po«l»> |

g. Marcha Soldado (atividade de generalização). João manteve a formação inicial - lado


a lado - proposta pela terapeuta, nas seis vezes em que foi realizada.
MARCHA SOLDADO

Sobre Com porl.im cnío e Coflniçito 2 7 5


h. Chefinho Mandou. João realizou os movimentos motores - de acordo com os critérios
de definição do comportamento - nas seis vezes em que a atividade foi proposta.
CHEFINHO MANDOU

Projeto Papai Noel da Terapeuta (atividade de generalização). João realizou as atividades


selecionadas por ele, bem como os comportamentos de alta freqüência combinados -
todas as respostas foram definidas a priori - em cinco das seis vezes em que a atividade
foi programada. Apenas uma descrição de João foi diferente da relatada pela Simone.
PftOJITO PAPAI NOCl OA TERAPEUTA

O comportamento de João segundo descrições da professora e da


própria criança
Algumas descrições de Simone a respeito do comportamento de João, em
sala de aula, indicam a generalização do padrão comportamental instalado na clínica,
bem como a funcionalidade desse repertório. Seguem algumas ilustrações:
a. 31 de outubro de 2005.
Professora: - Hoje ele ficou mais tempo sentado e depois eu percebi que ele começou
a assobiar. Eu percebi, assim, que tem momentos onde ele está mais responsável,
participa das atividades, responde às questões. Igual hoje, ele fez as continhas de
matemática.
João; - Hoje eu fiz as continhas. Eram 15 continhas. Eu consegui, mas ela (professora)
não falou nada. Depois eu fiquei assobiando.
b. 07 de novembro de 2005.
Profestora: - Foi feita uma dupla na biblioteca. O Joào foi super bem. Ele participou
da aula, fez a cópia que eu pedi. Fez uma pesquisa do livro para descobrir informações
sobre o dia da bandeira. Ele fícou sentado com o Gustavo e ficou super bem.
João: - A gente teve que fazer uma cópia que falava da Bandeira. Depois eu sentei
errado na carteira.
c. 08 de novembro de 2005.
Professora: - Hoje foi uma aula muito boa. Na aula de matemática, ele prestou
atenção, fez as atividades, foi muito participativo. Ele realizou toda a atividade e os
comportamentos dele foram bem menos intensos. Depois ele brincou com o jogo de
dominó da cadeia alimentar. Tinha o predador e a presa. Foi o periodo todinho assim.
Ele não causou incômodo nenhum. Eu estou muito feliz.

2 7 6 fv c ly n Chrlstln.i Pcrcs B«irrcltn c I lóllo losó C/ui IIm h Ii


Joâo: - Eu brinquei com o dominó. Teve a aula de matemática e depois brincamos
com o jogo de dominó.
d. 09 de novembro de 2005.
Professora: - Ontem também foi boa a nossa aula. O Joào participou do grupo. Foi
uma participação muito jóia, porque a gente levou a fita métrica e ele ajudou a tirar
medidas. Uma coisa que eu observei nele, que me chamou bastante à atençào, é que
ele ficou mais tranqüilo, ficou sentado e participou da aula. Falava, tirava medidas das
coisas. Ele se concentrou, participou, respondia às questões que eu fazia oralmente.
João: - Teve aula de matemática. Eu tirei medida do meu caderno, da carteira... e eu
conversei com o Renato. Ele tava sentado perto.
e, 22 de novembro de 2005.
Professora: - Nós estamos bem! Ele está bem participativo! Vai à lousa, faz os exercícios,
participa da auto-correçào. Ele está muito diferente. Está indo bem nas provas e eu nem
preciso ficar chamando à atençào dele. Ele está mais responsável, cumpre com as
obrigações dele, traz pesquisa, dá sugestões para o grupo. Ele está muito bem!
f, 23 de novembro de 2005.
Professora: - Hoje ele foi o coordenador do grupo de História e Geografia e é o grupo
quem seleciona o coordenador. Eu não dou opinião nenhuma. Os amigos dele nâo
tôm mais comentado sobre o comportamento dele. Não tem mais aquilo de - Pàra,
Joâo! Ele está mais participativo mesmo! Ele está muito jóia! Ele fez os exercícios de
HG. Foi bem o período todo. Ele conversou, levantou, mas nâo exagerou. £ o que eu
espero do Joâo. Que ele participe. Se for assim, è o que eu espero do Joâo.
João: - Hoje foi o grupo de HG. Eu fui o coordenador e conversei com os meus amigos.
g. 24 de novembro de 2005.
Professora: - Agora é só gincana. Até quarta que vem é só gincana e, depois disso,
é férias e a reunião de pais é na quinta-feira. As outras professoras (Música, Educação
Física, informática e Artes) nâo têm mais reclamado dele e isso era freqüente. Elas
sempre estavam reclamando. O João nâo vai ficar de recuperação!
Esta descrição não foi utilizada como um dado para elaboração do gráfico.

João e a mãe
As descrições do Joào a respeito da relação com a mãe, bom como as
observações realizadas pela terapouta, sugerem que Paula é pouco sensível aos
comportamentos adequados emitidos por João. Grande parte do repertório comportamental
de interação com João emitido por Paula foi selecionado pela suspensão temporária dos
comportamentos inadequados emitidos pelo filho. Tais comportamentos inadequados
tinham para ela a função de Sav, diante do qual a emissão de uma rosposta de fuga-
esquiva ocasiona a suspensão temporária do estimulo aversivo (reforçamento negativo).
Por sua vez, João teve grande parte do seu repertório comportamental selecionado pela
“atenção" que produzia na mãe. Assim, Paula tornou-se para João um SD para a emissão
de comportamentos inadequados e ambos tornaram-se vitimas das contingências em
operação. A terapia teve por objetivo alterar as relações de controle de comportamento em
operação na interação mãe-filho, da seguinte maneira: os comportamentos adequados
emitidos por João deveriam adquirir a função de SD para Paula e a presença de Paula
deveria adquirir a função de SD para emissão de comportamentos adequados de João.
Tais informações encontram-se dispostas, resumidamente, nas Tabelas 2 e 3.

Sobrr Comportamento c Cognição 2 7 7


Infelizmente, nâo foram obtidas mudanças significativas em relação ao padrão de
comportamento apresentado por Paula: foram comuns atrasos, não comparecimento às
sessões de orientação e não seguimento das instruções dadas pela terapeuta, conforme
sugere o exemplo a seguir. Gincana em Casa: a mãe de João foi orientada pela terapeuta a
realizar a atividade Gincana na sua casa, em relação à matéria de Português a ser estudada
por João para uma prova. No dia seguinte à orientação, Paula relatou: - Deu tudo certo. Eu
consegui estudar com ele. O João preferiu brincar, jogar um joguinho. Quando questionado
pela terapeuta a respeito desse episódio (atividade de estudo com a mãe) João relatou: -
Ontem foi melhor que os outros dias. A gente ficou sentado no sofó escrevendo e a minha
mãe ficou do meu lado. A gente ficou na sala, porque eu queha ver as ‘Trás Espiãs'. Aí, eu ia
escutando. Se eu estudasse a gente ia jogar Ludo, mas depois não deu, porque ela teve que
fazer a Roberta dormir. A não correspondência verbal entre aquilo que a mãe relatou ter feito
e aquilo que ela realmente fez, demonstra que Paula ficou sob controle do que ela achou
que a terapeuta gostaria de escutar ao telefone e não sob controle das instruções verbais
passadas no dia anterior e do que realmente linha ocorrido durante a situação de estudo
com João. Em função desse episódio, decidiu-se realizar sessões de orientação ao vivo,
objetivando modelar o comportamento de interação da mãe com João, na presença da
terapeuta, durante os atendimentos. O procedimento consistia em dar instruções para a
mãe durante a atividade, assim, por exemplo: - Peça para Joào copiar..:, - Diga que está
fazendo direitinho a lição...-, - Não dô bola para as brincadeiras dele... etc. Consistia também
em conseqüênciá-la diferencialmente, assim, por exemplo: - Ê isso mesmo Paula...', - Você
está ignorando as brincadeiras dele. Continue assim..:, - Fez bem em ajudá-lo, soletrando
cada sílaba para ele... etc. Esta atividade não foi realizada pelas faltas da mãe às sessões.
A mãe foi informada sobre a “melhora" do comportamento de João na escola, a
partir do momento em que ele passou a emitir comportamentos de "autocontrole".
Depois de três semanas de procedimento na sala de aula, ela interrompeu a terapia.
A não adesão ao tratamento por parte da mãe dificultou a generalização do
padrão de comportamentos instalados no contexto clinico para o ambiente domiciliar,
mas não impediu sua ocorrência em outros contextos, conforme indicaram as
verbalizações de Simone (professora) a respeito do comportamento de João em sala
de aula. João respondeu diferencialmente aos contextos, conforme a Tabela 4.

Tnbela 2. C ontin gência s de reforçam ento que operavam na interação entre Paula e JoAo antes da terapia.

27 8 fvelyn Chrutin.i P er« Korrrlin r Hélio losé (,/uillurdi


AnU cedantM Raapoalaa ConaeqUinclaa

a. Comportamentoa Paula dava atançio para os Comportamento» adequadoa de


adequadot da comportamantot adaquadot J o io ta fortaleçam
J o io fun^io da da J o io (raforçamanto)
SO para a m i«

b Comportamentoa Paula Ignorava os Comportamento» inndaquadoa


Inadequadoa de comportamento* Inadequadoa da J o io ta enfraqueçam
J o io fun^io aa da J o io (extlnçAo)
SA par« h m ia

c. Pratan^a da J o io emitw comportamantot Paula dava atançio para o t


Paula fungioda adequadot comportamentos adequadoa da
SD para emlasio J o io (raforçamanto)
da
com port amenloa
adequadoa da
J o io
Jo io n io amitta Paula Ignorava o t
comportamantot inadequados comportamentoa intidoqundot
d Preten^a da
Paul* fun^io da
0
da J oio . te ela « emitisse
(axtinçio)
SA para a m lttio
da
comportamentoa
j Inadequadoa de
J o io

Tabela 3. C ontin gência s de reforçam ento que operavam na intw açA o entre Paula e J o io depois da terapia

AnUcadantM Raapoataa ConaeqUinclaa

Tompouta clinica Compoftamontoa adequadoa Atançio poaitlva' aprovaçAo.


SD
Profoaanrn oacoia
nob control« daa paaaoaa •
dos ambient»»
«togna «tc 0
powtivaa naturais
contoqüinclan

TarapnutB clinica Comportamontoa inad«quadoa £xtinçio ou puniçio nugatlva


SA •ob control« daa peaaoaa a amnna
ProfoMnra eacofa dot ambtentaa

SO MAo enaa Comportamantoa inadoquadoa Atançio n«aativa: raprovaçio.


aob control« d« Paul« am caaa amaaçaa, critlcaa utc. o
conaoqüènciaa poaittva»
naturala
Comportamantoa adequadoa
SA Mie-caaa aob control« d« Paula «m caaa Fxllnçio ou puniçio nogativti

Tabela 4 C ontrole de estím ulo« estabele cid o pela terapeuta, professora e máe sobre os com portam entos adequados
o inadequados de Joâo.

Conclusões e comentários
O prosento estudo demonstrou que o analista de comportamento deve ficar
sob controle dos determinantes funcionais dos padrões comportamentais do cliente e
não do fenótlpo comportamental (Guilhardi, 2005). João apresentava alta freqüência de
comportamentos e ampla variabilidade comportamental - padrões que eram
considerados indesejados em casa e na escola - em função das contingências de
reforçamento que vigoravam nos dois contextos.

Sobre Comportamento c CognlçAo 2 7 9


Não é importante a terminologia proposta para categorizar ou rotular os
comportamentos do cliente, desde que tais rótulos não suponham explicações
subjacentes aos padrões comportamentais. Dizer que João era “hiperativo" em nada
acrescenta para a análise e controle dos comportamentos de interesse. Demonstrar que
o fenótipo comportamental de Joâo era mantido pelas conseqüências sociais reforçadoras
generalizadas, que selecionavam diferencialmente tais comportamentos, permite mudar
a relação do cliente com seu ambiente social significativo. Dizer que João era "hiperativo"
por determinações neurofisiológicas é equivocado e afasta o profissional da pesquisa
dos reais determinantes do padrão comportamental exibido pelo cliente. Mesmo que se
demonstre que alguém é portador de alguma alteração anatómica ou neurofisiológica,
resta demonstrar a relação causal e funcional entre o aspecto biológico e o comportamental.
No inicio do estudo, João apresentou um padrão comportamental adaptativo,
independentemente de a comunidade social que o cercava classificar os comportamentos
como indesejáveis ou inadequados, no sentido de que os comportamentos produziam
conseqüências sociais reforçadoras, das quais estava privado. O mundo social de João,
basicamente mãe, padrasto e pai eram insensíveis aos comportamentos adequados e
selecionavam comportamentos que eles próprios consideravam aversivos: eles eram
reforçados negativamente pela suspensão temporária de tais comportamentos de João e
reforçavam positivamente os comportamentos que eram exatamente mais aversivos para
eles. As professoras, por sua vez, não dispunham de técnicas comportamentais para alterar
os comportamentos de João, fortalecidos em casa, que eram emitidos na escola.
Afirmar que os comportamentos inadequados de João eram reforçados
positivamente pode ser, no entanto, um equivoco conceituai. Cresce na Análise do
Comportamento uma critica, provavelmente a partir de um artigo de Michael (1982), sobre
a pseudo-distinção entre reforçamento positivo e negativo. Estamos de acordo com Michael
(1982). João estava privado de afeto e atenção - condição que pode ser apresentada
como aversiva para ele - e emitia comportamentos em alta freqüência e ampla variabilidade,
de tal maneira que algumas classes comportamentais foram selecionadas. Cabe a
questão: João emitia comportamentos de fuga-esquiva que alteravam a condição aversiva
(solidão, indiferença das pessoas com as quais convivia etc.), substituindo-a por
aconchego, carinho, risos, atenção etc., mesmo que, às vezes, a conseqüência social
tivesse topografia aversiva (neste caso estaria sendo reforçado negativamente) ou emitia
tais classes comportamentais que produziam reforço positivo generalizado de natureza
social (neste caso estaria sendo reforçado positivamente)? Michael (1982), sugeriu que
se abandone a distinção "positivo" e "negativo" e se adote o conceito de reforço, sem
qualificá-lo. É praticamente impossível distinguir se os comportamentos de João foram
reforçados positiva ou negativamente ou de ambas as maneiras. Fiquemos com Michael
(1982): os comportamentos foram reforçados, se fortaleceram. Basta!
No presente estudo, os autores optaram pela adoção de procedimentos de
fortalecimento de comportamentos desejados ou considerados "adequados" (o que evita
ou reduz conseqüências aversivas para João), através do manejo de conseqüências
reforçadoras positivas generalizadas. Transformou-se, assim, até onde o estudo foi bem
sucedido, o mundo de contingências coercitivas de João, em um mundo do contingências
reforçadoras positivas. Dois aspectos tornaram os procedimentos amenos: a terapeuta
se baseou no fortalecimento diferencial de respostas já existentes no repertório de João
e as conseqüências foram, preferencialmente, naturais, conforme o procedimento proposto
por Premack. O estudo se preocupou em fortalecer comportamentos desejados de João,
como estratégia para enfraquecer comportamentos indesejados, mas se preocupou
também em torná-lo uma criança mais feliz e mais amada.

2 8 0 hvclyn Cliristin.i I V r « Bdrrrlm c I lélio Josí t/u illn ird i


Boa noticiai A mãe e a atual professora de João retomaram os contatos com a
terapeuta.

Referências

Abreu, C. N. e Gullhardl, H. J. [Org.] (2004). Terapia comportamental e cognltlvo-comportamental:


Práticas clinicas. São Paulo, SP: Roca.
Baer, D. M., Wolf, M. M., Risley, T. R. (1968). Some current dimensions of applied behavior analysis.
Journal o f Applied Behavior Analysis. 1. 91-97.
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição [4* edlçâo). Porto
Alegre, RS: Artmed editora.
Danna, M. F. e Matos, M. A. (1986). Ensinando observação [2* edição]. São Paulo, SP: Edicon.
DSM-IV (1995). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentals [Trad. Dayse Batista] [4*
edição]. Porto Alegre, RS: Artmed editora.
Epstein, R. (1980). Notebooks B. F. Skinner. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentlce-Hall.
Guilhardl. H. J. (2005). Algumas diretrizes para melhor ação terapêutica (não publicado]. Campinas,
SP: ITCR.
Martin, G. e Pear, J. (2006). Behavior modification: What is it and how to do It. River, NJ: Pearson
Education, Inc.
Matos, M. A. (2001). Com que o Behavlorlsmo Radical trabalha. Em: Banaco, R. A. (Org.). Sobre
comportamento e cognição [1* ediçao] (p. 50-56). Santo André, SP: ESETec.
Michael, J. (1975). Positive and negative reinforcement, a distinction that Is no longer necessary; or
a better way to talk about bad things. Behaviorism, 3:33-44. [98]
Premack, D. (1959). Toward empirical behavior laws: I. Positive reinforcement. Psychological Review,
66.219-233.
Sério, T. M. A. P., Andery, M. A., Gioia, P. S. e Micheletto, N. (2004). Controle de estímulos e
comportamento operante: Uma nova introdução [2* edição]. São Paulo, SP: Educ.
Skinner, B. F. (1969). Contingencies o f Reinforcement - a theoretical analysis. New York: Appleton-
Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1991). Questões recentes na análise comportamental. Campinas, SP: Papirus.
Skinner, B. F. (1998). Ciência e comportamento humano [10* edição], São Paulo, SP: Martins Fontes.
Vasconcelos, L. A. e Glmenes, L. S. (2004). Principio de Premack Em: Abreu, C. N. e Gullhardl, H. J.
(Org.). Terapia comportamental e cognltlvo-comportamental: Práticas clinicas (p. 238-
250). São Paulo, SP: Roca.

Sobre Com portumcnlo c CotfnivJo 281


Capítulo 26
Análise de Comportamento e Prática
Cultural ACPC
A experiência do Núcleo de Estudos em
Análise do Comportamento e
Prática Cultural
Joâo Carlos M u n i/ M artinelli'
Marco Antônio Amaral Chcquer
Maria Auxiliadora Coelho Lopes Damá/io
Universidade Vale do Rio Doce'

O Núcleo de Estudos em Análise do Comportamento e Prática Cultural (Núcleo


ACPC) ó um Grupo de Pesquisa criado no ano de 2002, e certificado pela Univale
(Universidade Vale do Rio Doce) no Sistema Lattes do CNPq'. O seu surgimento ocorreu
em anos anteriores a sua certificação, a partir de uma demanda crescente de alunos e
professores pela oferta de uma formação diferenciada em análise do comportamento
(AC) e análise experimental do comportamento (AEC) na instituição (Martinelli, 2004).
O Núcleo ACPC consisto em uma prática cultural voltada para a oferta de
condições para o exercício profissional em um ambiente de formação científica, onde
professores e alunos possam ter suas atividades ocorrendo em um contexto voltado
para a aquisição e manutenção de comportamentos profissionais. Nesse ambiente
tem*se como meta fornecer conseqüências reforçadoras aos comportamentos
adequados ao fortalecimento das práticas ocorridas, como aquelas relacionadas ao
engajamento em atividades científicas como produção, divulgação e aplicação do
conhecimento adquirido e produzido. É premissa do Núcleo ACPC a aplicação de
princípios de análise do comportamento no cotidiano profissional a fim de estabelecer
os comportamentos e prática cultural desejada (Martinelli & Chequer, 2004).
Diversas condições antecedentes podem ser citadas como o contexto existente
no período anterior à criação do Núcleo ACPC (Martinelli, Chequer, Gomes, 2002; 2004);
1. Interesse dos professores em ter sua formação continuada e mantida a partir
da oferta de um ambiente reforçador para seus comportamentos profissionais
e científicos in loco,

' nuctooacpoOunivala br
’ Nòdao d« fc»tucto« #fn AiiMm do Comportuinonto o Prática Cultuml ACPC - UtUvertwdade VWe do Rk> Doo» Ru« Iwad Plnhotro, 2000 -
CEP 3S030 380 Oovamador \fciadaraa - MG Tnl 33 32fl)fl8S0
* C o o m Nio National da DaaaovoMmanto Ciantfflco o Tacnotôfltco - Mlntotérk>da Ciência a Tw:noioyi*

2 8 2 M o l\i r lo * m. M .irtln c lll, M .irc o A n tô n io A . Chequer e M .in .i A u xili.ulor.i C . L l>.im<í/io


2. Interesse dos professores em modificar a atenção até então dada ao
behaviorismo na universidade e no curso de psicologia, envolta em mitos e
discussões que menosprezavam a área e suas contribuições no estudo do
comportamento humano;
3. Interesse de alunos em estudar e dedicar sua formação em análise de
comportamento;
4. Isolamento geográfico da região leste de Minas Gerais, em relação aos centros
produtores de conhecimento em AC e AEC;
5. Ausência de material bibliográfico em análise de comportamento no campus
da UNIVALE;
6. Ausência de publicações no Brasil sobre o estudo de práticas culturais tendo a
análise do comportamento como base para discussão e aplicação em temas
sociais;
7. Região em que se localiza a universidade com demandas para a oferta de
projetos para a solução de problemas sociais existentes.
8. Currículo do curso de psicologia preferencialmente voltado para o ensino da
clínica psicanalltica e existencial humanista, e nas demais disciplinas a
manutenção dessas orientações teóricas para os diversos campos de estudo
na área da psicologia;
9. Disciplinas existentes e relacionadas à análise de comportamento, com carga
horária inferior às demais orientações em psicologia e inexistência de estágios,
pesquisa e extensão na área;
10. Universidade recém-criada, o que possibilitaria investimentos em grupos de pesquisa,
portanto aberta a iniciativas para o desenvolvimento de ambientes científicos;
11. Quase inexistência da prática de pesquisa na universidade e inexistência dessas
no CENCIHUM (Centro de Ciências Humanas - atualmente FHS4) e no curso
de psicologia,
12. Possibilidade de obtenção de financiamento para projetos: Programa BIC-UNIVALE
o FAPEMIG (Fundação do Amparo à Pesquisa do Estado do Minas Gerais);
13. Oferta de ambiente fisico a partir do ano de 1998, para iniciar um programa de
pesquisa na área, decorrente do financiamento de um projeto de pesquisa
financiado pela FAPEMIG;
14. Oportunidade de certificação pela Instituição para composição do Sistema Lattes/
CNPq, o que ocorreu em 2002.
Vê-se acima, que não havia antes da criação do Núcleo ACPC as condições
institucionais ideais à oferta de uma formação abrangente em análise do comportamento
na universidade, bem como aquelas necessárias à realização de pesquisas. Neste
sentido, a criação de um Grupo de Pesquisa e sua relação com a oferta das demais
atividades curriculares foi uma saída encontrada para viabilizar a produção de ambientes
de formação adequados à demanda existente, e divulgar os conhecimentos em análise
do comportamento compatíveis com o desenvolvimento na área, agora tendo o respaldo
da própria instituição e do curso de psicologia para este fim.
Pode-se considerar que apesar de ter ocorrido um avanço na oferta de
publicações na área de análise do comportamento nos últimos 15 anos, e considerável
avanço no ensino e pesquisa na área no país, nem sempre se evidenciou a existência
4FHS - Fuculdado d«i CMnda» Humanas e Sociais

Sobre Com porlam cnlo c Coftnlfdo 2 8 3


de um ambiente profissional adequado ao exercido do ensino da área no curso de
graduação na Univale, onde ainda podia ser observada uma deficiência na oferta de
disciplinas, de projetos relacionados e insuficiente bibliografia para consulta e realização
de pesquisas. No caso, o ensino de análise do comportamento na Univale passou a
ganhar certa notoriedade entre os alunos, e maior investimento da instituição e do curso
de psicologia na promoção não apenas de um ambiente adequado ao exercfcio do
ensino, pesquisa e extensão na área, como também foi possível garantir alguns
investimentos para seu desenvolvimento. Tais aspectos ainda possibilitaram criar meios
para erradicar muito dos mitos cultivados que tendem a excluir as informações produzidas
nessa área como relevantes para o entendimento e a investigação do comportamento
humano, no contexto da psicologia de uma maneira geral. O Núcleo então, passou a
funcionar como pólo integrador de todas as atividades relacionadas à área de analise
do comportamento na instituição, agora tendo a colaboração desta para o fortalecimento
do ensino, pesquisa e extensão.
Diversos objetivos foram estabelecidos no projeto de criação do Núcleo ACPC
que pudessem orientar as atividades e modalidades de atuação, procurando integrar
os interessados pelo tema proposto (Análise do Comportamento e Prática Cultural).
Esses objetivos têm servido para a formulação de regras que funcionam como guias ou
princípios norteadores, que desde então vêm orientando a oferta de projetos e diferentes
formas de inserção dos alunos, professores e comunidade acadêmica e extra-
acadêmica, são eles:
• Promover a partir das atividades acadêmicas cotidianas a relação entre pesquisa,
ensino e extensão;
• Entender a iniciação cientifica como contingência apropriada à formação de
pesquisadores e profissionais de elevado gabarito;
• Divulgar conhecimentos produzidos no âmbito da psicologia, considerados de
utilidade pública;
• Estabelecer um ambiente de formação e referência para os alunos, que passam
a contar com um contexto que poderá contribuir para sua formação profissional;
• Acreditar no valor do intercâmbio cientifico entre áreas, profissionais, e entre o Núcleo
e a comunidade para a promoção de projetos, integrando variáveis de estudo das
diversas áreas do conhecimento e diferentes metodologias na investigação;
• Estimular a integração de profissionais como condição de crescimento
sustentável, pelas condições motivacionais produzidas;
• Elaborar projetos científicos para o desenvolvimento da ciência e da sociedade,
este último respaldado na produção de soluções para questões sociais;
• Promover a psicologia como área de interesse a toda universidade, que tem que
zelar pelos seus produtos e valores, e aqueles da sociedade a qual serve.
O Núcleo partilha a perspectiva de que o comportamento humano tem sua
origem e manutenção a partir da interação entre organismo e meio ambiente, em que
contingências de reforçamento descrevem a funçôo de um organismo que comporta
em um ambiente selecionador, para a ocorrência de comportamentos individuais e
práticas culturais. Neste sentido, um pressuposto na área é de que ao agir sobre o meio
os indivíduos modificam-se em sua totalidade: organismo, comportamento e cultura, e
a partir desses níveis de determinação (bio-operante-cultural) chega-se á noção de que
o homem ó produto e produtor de sua própria história e da cultura na qual vive (Micheleto
& Sério, 1993; Andery & Sério, 1997; Sério, 1997; Micheletto, 1997,1997b; Andery, 1990,

2 8 4 lo<lo C ario* m. M a rtin c lli/ M a rro A n lô n io A . Clicquer e M a ria A uxiliadora C . I.. Pam A /io
1997, 1997b). Tais considerações são utilizadas e fortalecem a idéia de que devemos
ser capazes de planejar ambientes de ensino (Skinner, 1983,1989), adequados aos
objetivos pretendidos na formação académica, em as práticas existentes possam dar
origem às condições necessárias a ocorrência e reforçamento dos comportamentos
de interesse, no caso, os comportamentos profissionais pretendidos.
As práticas do Núcleo ACPC, então, sâo criadas tendo em vista a idéia de que a
formação profissional e a produção cientifica se dão a partir da oferta de ambientes
adequados a sua realização: uma prática contextualizada - onde a participação em
múltiplos ambientes aponta a construção de um repertório variado e singular,
respondendo aos diversos comportamentos necessários à atividade profissional
(Guilhardi, 1988). Neste sentido, os alunos são orientados e motivados a engajarem
nas diversas modalidades de formação propostas pelo Núcleo como sala do aula,
supervisão clinica, grupos de estudo, laboratório de psicologia experimental, palestras
e discussões, trabalho de conclusão de curso [TCC], iniciação cientifica, entre outros.
Além disso, os alunos são orientados a participar em outras atividades que já ganharam
tradição como ambientes formadores como a participação em Congressos e atividades
semelhantes, como os Encontros da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina
Comportamental e da Sociedade Brasileira de Psicologia, quando lhes são indicados
assistir palestras e mesas redondas, realizar contatos profissionais, fazer cursos,
apresentar resultados de pesquisa e seus projetos, seus TCCs, para troca de
informações e aquisição de repertório de divulgação de seus trabalhos.
Os resultados obtidos com a participação nas atividades do Núcleo têm permitido
a diversificação da atuação do profissional formado em psicologia (Martinelli, Leite & Ferraz,
2000; Martinelli, Machado e Chequer, 2004), que passa a encontrar na análise do
comportamento um instrumento de análise e intervenção para a solução de problemas
individuais e coletivos, e a promoção de ambientes e comportamentos de interesse social.
Isso tem se dado a partir da ampliação na oferta de ambientes de formação e apresentação
de temas diversos aos quais se dedicar, permitido aos alunos e futuros profissionais
atuarem ativamente na construção de seu contexto de formação e de atuação, em que o
exercício do uso do conhecimento de forma eficiente depende da presença de contingências
especificas para a produção e manutenção de comportamentos profissionais.
Para efeitos de identificação visual do NUCLEO ACPC, foi desenvolvida uma
logomarca que acompanha todas as atividades e produtos científicos (palestras, artigos,
apresentações, anúncios). Esta foi criada para identificar um grupo em constante
formação, com interesse no acesso a novas idéias e diferentes níveis de participação.
As duas curvas nas laterais, relacionam-se à visão de movimento em um ambiente com
espaços abertos à integração, mostrando que o grupo estará sempre disposto a novas
contribuições, trazendo inovações para a comunidade e inserindo novas metodologias
e profissionais aos projetos.
O uso da cor vermelha explica-
se por sua função de estimulo verbal;
vida, movimento, persistência,
contradição. Enfim, a logomarca
representa um grupo que almeja Cor
expressividade (contingências sociais
no reforçamento de suas práticas),
formado por profissionais, alunos e
demais pessoas interessadas que
buscam adquirir competências e
*w—M —« I«M•IH•U• lu do«
N IW •
AC-PC
raNur*

Sobrr Comportamento f CoRnlvAo 2 8 5


habilidades, onde todos possam participar e envolver-se, transformando projetos
individuais e coletivos em conseqüências positivas para o grupo e para a sociedade.
Um ambiente transformador.
Para organização da produção cientifica enquanto temas para investigação, o Núcleo
propôs linhas de pesquisa que buscam responder aos interesses do grupo, funcionando
como elementos norteadores para as práticas cientificas produzidas, são as seguintes:
"Investigação e estudo do comportamento individual e grupai: ambiente controlado (laboratório)
e ambiente natural"; "Metodologia e métodos em pesquisa comportamental"; “Questões teórico-
filosóficas no behaviorismo e análise do comportamento" e Terapia Comportamental: formação
profissional; avaliação (behavioral assessment)-, métodos e técnicas". Apesar da caracterização
das linhas de pesquisa ser muito ampla, é esperado que com os projetos desenvolvidos e
demandas sociais existentes essas possam com o tempo definir programas de pesquisa
específicos, aumentando o know-how de seus proponentes em temas comuns e com maior
capacidade de intervenção nas áreas a que se dedicam.
As áreas de atuação do núcleo no que se refore às atividades acadêmicas e
comunitárias concentram-se em área de ensino, extensão e ação comunitária e pesquisa.
Na área de ensino, o objetivo é dar suporte e apoio a ações na área de ensino
de análise experimental do comportamento, análise do comportamento e behaviorismo
radical. Pressupõe a promoção da troca de informações entre conteúdos administrados
nas mais variadas áreas de ensino sobre o comportamento humano, no curso de
psicologia, mas também biologia e ciências sociais.
Na área do extensão e ação comunitária, as ações se voltam para o desenvolvimento
de atividades junto á comunidade e espaço universitário de forma a gerar, ampliar e aplicar
os conhecimentos existentes em análise de comportamento, visando a divulgação e
aplicação de tecnologias em prol do bem estar social e construção de repertórios.
Em relação às atividades de produção cientifica há um investimento na área de
pesquisa comportamental; definindo-se também pelo apoio às outras áreas do
conhecimento quando profissionais procuram o Núcleo pelo interesse na produção de
estudos sobre o comportamento humano, baseado no sistema de intercâmbio de
informações. Insere-se neste contexto a divulgação e socialização dos conhecimentos
na comunidade cientifica e sociedade.
No contexto acadêmico, o Núcleo tem como prioridade inserir-se como formador
do massa critica, diversificando as modalidades de participação no ambiente universitário
e na produção da cultura universitária, em que os professores passaram a ter interesse
em compor órgãos colegiados e algumas das instâncias decisórias.
Prevê-se a participação de discentes e docentes intra e interinstitucional, nas
formas do colaboração ou apoio ao desenvolvimento de pesquisas conjuntas; convite
como professor visitante; desenvolvimento de áreas emergentes e troca de know-how
no campo da análise do comportamento e demais área do conhecimento.
Foi implantado um programa de monitoria, tendo como objetivo principal a
promoção da formação diferenciada do discente do curso de psicologia na rotina do
fazer pesquisa e no acompanhamento das atividades dos pesquisadores, o de suas
funções acadêmicas. São oferecidas três vagas por ano, com disponibilidade de 10
horas/semana para dedicação às atividades que consiste em:
• Catalogar e cuidar do acervo da biblioteca do Núcleo;
• Auxiliar na realização de pesquisas, extensão e trabalhos de conclusão de curso;
• Promover grupos de estudos e acompanhamento aos alunos de graduação e pós-
graduação na compreensão, estudo e aplicação da análise do comportamento;

2 8 6 lo,lo Carlos m. M a rtin e lli, M .irc o A n tó n io A . Chequer e M a ria A u xiliadora C , L. P a m .i/io


• Auxiliar na preparação de materiais a serem enviados para Congressos e eventos
similares;
• Preparar e organizar o material a ser indexado na página da internet destinada ao
Núcleo;
• Participar na promoção e organização do eventos ciontlficos;
• Cuidar da organização de documentos;
• Auxiliar na rotina da coordenação do Núcleo, como a criação de agenda de atividades
e forma de uso dos espaços comuns;
• Dar suporte às iniciativas dos alunos e professores do curso de psicologia e demais
cursos, bem como a membros da comunidade que procuram o Núcleo para o
desenvolvimento de projetos e acesso à informação cientifica.
Duas outras modalidades de participação que tem por objetivo promover cultura
acadômica, cientifica e profissional, são os projetos permanentes "Amigos do Núcleo" e
"Clube do Radical Chie". O "Amigos do Núcleo" é um projeto destinado àqueles que se
interessem em compor o Núcleo na forma de colaboração o parcerias, em que
profissionais de outras áreas ou de outras instituições poderiam ser participantes como
colaboradores. E o "Clube do Radical Chie" destinado aos alunos filiados ao núcleo com
interesse em integrar-se na forma de participação na produção cientifica, na divulgação e
intervenção. Outra característica deste clube ó a promoção de cultura de estudo e discussão
em análise do comportamento no meio académico e extra-acadômico.
O "Clube do Radical Chie” em conjunto com os professores, promovem atividades
permanentes denominadas “Café com Ciência" e o "Seminário do Núcleo". O projeto
"Café com Ciência" é destinado à promoção cientifica na forma de debate aberto com a
comunidade acadêmica e extra-acadêmica, geralmente ocorrendo no período vespertino.
O "Seminário do Núcleo" destina-se a promoção de debates e trocas de informações
cientificas tendo como base temas atuais em análise de comportamento e áreas afins, e
conta com a apresentação de palestras realizadas por profissionais e/ou pesquisadores.
Todas as práticas o atividades produzidas no âmbito do Núcleo AC-PC têm
como pressuposto que as conseqüências é que modelam e mantêm o comportamento
cientifico cujo valor que lhe é atribuído deve estar compatível com as transformações
sociais em beneficio do homem e do ambiente no qual interage.
A ênfase está em desenvolver atividades em conjunto com profissionais da área de
psicologia e afins, compatíveis com as linhas de pesquisa, integrando outras especialidades
em projetos realizados ou participar em projetos de origem em outros cursos de referência.
A participação de membros da comunidade é prevista nas modalidades de
produção e aprimoramento de conhecimentos na área de análise do comportamento,
contribuindo para o fortalecimento das linhas de pesquisa e das ações sociais promovidas.
Tem-se avaliado que o Grupo de Pesquisa é uma organização cientifica com fins
promissores, uma vez que pode agregar diversas atividades relacionadas ao ensino,
pesquisa e extensão, funcionando, portanto, como pólo integrador e formador de profissionais
qualificados. Sua existência pode estar associada ao desenvolvimento de comportamentos
profissionais, a partir da aplicação da análise do comportamento para a construção de um
ambiente em que as regras propostas e contingências presentes fortalocem uma formação
diferenciada e mantida pelos produtos gerados. No caso em questão, tornou-se uma solução
para o desenvolvimento cientifico de seus participantes em um ambiente onde as práticas
até então existentes não permitiam o fortalecimento do interesse em análise do
comportamento. Há também dificuldades, mas essa é outra história.

Sobre Comportamento e Cognição 2 8 7


Referências

ANDERY, M.A.PA. (1990) - Uma tentativa de (rejconstrução do mundo: a ciônda do comportamento como
ferramenta de Intervenção. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
ANDERY, M A.P.A. (1997) - A contribuição do behaviorismo radical para uma sociedade voltada para
o futuro. In: R.A.Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição: Aspectoa teóricos,
metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista, Vol.1,
cap. 45:488-499.
ANDERY, M. A. P. A. (1997b) - Algumas notas sobre a contribuição do Behaviorismo Radical para
uma sociedade voltada para o futuro. In: Banaco, R. A. (org), Sobre Comportamento e
cognlçôo: Aspectos teóricos metodológicos e de formação em anéllse do comportamento e
terapia cognitivista (pp. 488 - 502). ESETec -Santo André, SP.
MARTINELLI, J.C.M. (2004) - O curso de psicologia da Unlvale: 1999 a 2001 - um período de
mudanças. I. M. P Souza, de & M. L. C. Torres (org) 15 anoa - A históna aue faz a usicoloaia
na UNIVALE. Editora UNIVALE (pp. 13-20), Governador Valadares, MG.
MARTINELLI, J. C. M.; CHEQUER, M. A. A.& GOMES, E. M .R (2002). Projeto do Núcleo de Estudos em
Análise de Comportamento e Prática Cultural, Universidade Vale do Rio Doce, mimeo.
MARTINELLI, J. C. M.; CHEQUER, M. A. A.& GOMES. E. M .R (2004). Núcleo de Estudos em Análise de
Comportamento e Prática Cultural. In: I. M. P Souza, de & M. L. C. Torres (org) 15 anos - a históna
que faz a psicologia na UNIVALE. Editora UNIVALE (pp. 29-33). Governador Valadares, MG.
MARTINELLI, J. C. M. & CHEQUER, M. A. A. (2004) Análise do comportamento, responsabilidade social
e formação profissional na Univale. In: A. C.Cruvinel; A. L. F.Dias: E. N.Cillo, (Org.). Ciência dc
Comportamento: Conhecer e avançar, v. 4, (pp. 57-71). ESETec-Santo André, SP.
MACHADO, A. R.; MARTINELLI, J. C. M. & CHEQUER, M. A. A. (2004d) . Estudo de seguimento
profissional II A formação profissional. In: Anais do II Simpósio de Pesquisa e Iniciação
Cientifica Editora UNIVALE. Governador Valadares, MG.
MARTINELLI, J. C. M.; MACHADO, A. R. & CHEQUER, M. A. A. (2004). Estudo de Seguimento Profissional
II B: Perfil Profissional. In- XIII Encontro Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina
Comportamental e II ABA. p. Campinas - SP.
MARTINELLI, J.C.M ; LEITE. G.M.; FERRAZ. M.D. (2000) - Estudo de seguimento profissional de
graduados em psicologia com formação em análise comportamental. In: Anais IX Encontro
Brasileiro de Psicoterapia q Medicina Comportamental. p. 32. Campinas, São Paulo.
MICHELETTO, N. (1997) - Bases filosóficas do behaviorismo radical. In: R.A.Banaco (org), Sobre
Comportamento e cogniçio: aspectos teóricos metodológicos e de formação em análise
do comportamento e terapia cognitivista (pp. 29 - 44). ESETec-Santo Andró. SP.
MICHELETTO, N. (1997) - Variação e seleção: as novas possibilidades de compreensão do
comportamento humano. In: R.A.Banaco (org), Sobre Comportamento e cognição: aspectoa
teóricos metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista
(pp. 117 -134). ESETec-Santo André, SP.
MICHELETTO, N. & SÉRIO. T. M. A. Z. (1993). Homem: Objeto ou sujeito para Sklnner? Temas em
Psicologia. Sociedade Brasileira de Psicologia v. 2, pp. 11-22.
SÉRIO, T. M. A. P. (1997) - Por que sou behavlorlsta radical? In: Banaco, R. A. (org), Sobre
Comportamento e cognição: aspectos teóricos metodológicos e de formação em análise
do comportamento e terapia cognitivista (pp. 68 - 78). ESETec-Santo Andró, SP.
SKINNER, B. F. (1989). Ciência e Comportamento Humano. Editora Universidade de Brasília.
SKINNER, B. F. (1971). O Mito da Liberdade. Rio de Janeiro, RJ: Edições Bloch, 1983.
GUILHARDI. H J. {1988) A formação do terapeuta comportamental. Que formação? In: B.Rangó & H.
Lettner, Manual de psicoterapia comportamental. São Paulo: Manole.

2 8 8 Jo«lo Carlos m. M a rtin e lli, M arc o A n tô n io A . C h cq u rr r M a ria A u xiliadora C . I.. P a m á/io


Capítulo 27
Da distância ou da falta de diálogo entre
analistas do comportamento
e educadores: alguns apontamentos1
lodo dos Santos Carmo"
Universidade da Amazônia, Belém-Pará

O titulo deste capitulo pode soar como um exagero para os analistas do


comportamento. Entretanto, não há como negar que um dos maiores obstáculos à
aceitação e entendimento da Análise Experimental do Comportamento (AEC) pelos
educadores é a linguagem hermética e extremamente técnica utilizada pelos analistas
do comportamento. Enquanto ganham terreno linguagens pedagógicas e psicológicas
bastanto sedutoras, facilmente assimiláveis pelos professores e que trazem propostas
ricas de procedimentos eficazes de ensino, a linguagem da AEC abre um espaço quase
intransponível entre analistas do comportamento e leigos. Falamos a respeito das
mesmas coisas, porém com dialetos diferentes.
Em relação ao ensino de habilidades, falamos de treino de repertório, reforço
positivo, reforço negativo, estímulo discriminativo, estimulo aversivo, puniçào, dimensões
de estimulo, esquema de reforçamento continuo, esquemas de reforçamento intermitente
(por razào fixa, razão variável, intervalo fixo, intervalo variável), esquemas complexos,
time out, esvanecimento (fading in e fading out), emparelhamento ao modelo (matching
to sample), procedimento de exclusão, formação de classes de estímulos equivalentes,
etc. Muitos desses termos são de difícil entendimento aos não iniciados e, se servem
muito bem à comunicação entre os cientistas da AEC, deixam a impressão nos leigos
de que se trata de algo distante da realidade escolar e do cotidiano das pessoas.
Acrescente-se que também utilizamos o termo controle, bastanto usual em ciência,
mas que apresenta - juntamente com os termos punição, treino, resposta e estimulo -
uma conotação negativa entre os educadores. Para uma discussão mais ampla acerca
da linguagem dos analistas do comportamento e de sua dificuldade em comunicar
seus conhecimentos para outras comunidades, ver Carmo & Baptista (2003).
No Brasil a abordagem comportamental está associada ao movimento tecnicista
da educação, que predominou durante o regime militar. Naquele período, entre 1964 e
final dos anos 1970, alguns fatos ocorreram e concorreram para a atual visão distorcida
e quase total falta de aceitação das propostas behavioristas entre nós. Houve a
importação de modelos tecnicistas de ensino, em cujas bases encontravam-se
pesquisas comportamentais acerca da aprendizagem e do planejamento de ambientes
de ensino. Aranha (1996, p. 213) informa que "os pressupostos teóricos da tendência
10 [MWHrto tnxtu foi elaborado ■ partk de a f in a i kkMat diecutlde» na Im * de doutorado do auto« (Carmo, 2002) e aprmHintado durante o XIV
Encontro BraitMni da P«teoterapía a MedWna Comportamental, em Campina»/SP, 200R
* Doutor em Educação pala Univeraldade Federal de SAo Cartoe e Profeeaor Titular do Curao de P«teologia da Unlvenldade da Ama/Anla.
Contato«: carnia|«CgunHtna br

Sobre C om portiim rnto c C o g itltfo 2 8 9


tecnícista em educação podem ser encontradas na filosofia positivista e na psicologia
behaviorista". E, adiante, Aranha (1996, p. 213) acrescenta que
"o ensino tecnícista busca a mudança do comportamento do aluno mediante
treinamento, a fim de desenvolver suas habilidades. Por isso privilegia os recursos
da tecnologia educacional, e ncontrando no b ehaviorism o as técnicas de
condicionamento "
Para os analistas do comportamento, as afirmações de Aranha quanto ao
bohaviorismo são inválidas na medida om que não distingue formas diferenciadas de
behaviorismo e reduz a filosofia behaviorista à proposição de técnicas mecanicistas de
controle do comportamento. Se por um lado isto é verdade, por outro lado não ó menos
correto afirmar que os educadores em geral, a partir do final dos anos 1970,
principalmente, foram ensinados a incorporar o discurso de critica e rejeição ao
behaviorismo e, nesse caso, a posição de Aranha ó apenas uma síntese bastante
difundida e amplamente aceita no meio educacional brasileiro.
Paralelamente ao advento do tecnicismo em nosso pais, cresceu o fomento
oficial a projetos de pesquisa educacional de caráter tecnícista, principalmente nos
anos 1970. Pouco antes, com o exílio do Paulo Freire, que durou 14 anos e, portanto,
com a tentativa de apoucar sua proposta revolucionária de alfabetização, houve o
lançamento do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) em 1967, cuja marca
principal foi a simplificação e deturpação do Método Paulo Freire, utilizando deste apenas
as fichas de leitura e outros recursos e técnicas, sem o caráter ideológico, libertador e
de tomada de consciência crítica do oprimido em relação ao opressor que caracterizavam
a proposta de Freire. Dessa forma, podemos arriscar em afirmar que os seguintes
termos, além de outros, passaram a fazer parte de uma mesma classe, no discurso
dos educadores de vanguarda e, por tabela, no discurso dos professores: militarismo,
tecnicismo, repressão, behaviorismo, controle, ditadura militar, mecanicismo. Os
educadores atuais são herdeiros dessa visão à qual está associada a imagem dos
analistas do comportamento.
Assim, falar hoje em behaviorismo radical e AEC, fora do âmbito da comunidade
de analistas do comportamento, é arriscar-se a sofrer severas críticas ou imediata
rejeição por parte de outras comunidades acadêmicas. As críticas, diga-se de passagem,
em sua maioria carecem de maior fundamentação. Muitos educadores nunca leram
textos de Skinner e de outros behavioristas e simplesmente contentam-se com artigos
que criticam o behaviorismo skinneriano e que o desvirtuam, colocando-o no mesmo
patamar das abordagens estímulo-resposta da primeira metade do século passado.
A essas críticas não cabe senão lastimar a imaturidade e despreparo de
profissionais pouco informados; porém, os próprios behavioristas, pela linguagem
hermética e pelo zelo extremo em divulgar suas pesquisas fora da sua comunidade
científica (provavelmente receosos das críticas duras que poderão sofrer de seus pares),
optaram pela falta de diálogo. Esta opção, não deve ser entendida como uma demarcação
política feita pela comunidade dos analistas do comportamento, e sim como decorrência
das características de linguagem dessa comunidade, conforme apresentado
anteriormente. Por outro lado, os acontecimentos históricos recentes, que resumimos
anteriormente, colaboraram com o atual conceito negativo que guarda a Análise do
Comportamento entre os educadores brasileiros.
Numa análise ampla e crítica do impacto das idéias e práticas behavioristas na
educação, Luna (2001) tece reflexões que conduzem - ou deveriam conduzir - os
analistas do comportamento a repensar sua posição diante dos julgamentos
contundentes que recebem. Para Luna (2001), apresentamos muitas falhas que vão

2 9 0 lo<lo do* Siiulos Cirmo


desde um despreparo em divulgar para outras comunidades o que fazemos e sabemos,
utilizando-nos de uma linguagem com claras conotações emocionais negativas, até
uma inabilidade em analisar o sistema educacional como um todo. Para esse autor,
diante das reações contrárias às propostas behavioristas,
“oscilamos entre deixar para lá e acreditar que a eficácia dos resultados falaria
mais alto. O que nào fizemos - como supostos entendidos em analisar contingências
- foi analisar o que estava ocorrendo e planejar um contracontrole adequado,
especialm ente como grupo. Cada um de nós conquistou seu espaço na
universidade, na sua clinica, na literatura especializada, nos congressos, nas
agências de fomento, mas descuidamos de uma atuação que tornasse pública a
demonstração do potencial tecnológico que oferecíamos. Continuamos a conversar
entre nós, como se nada nos pudesse atacar" (Luna, 2001, p. 147).
Ê verdade que existem experiências bem sucedidas de transposição do abismo
criado entre analistas do comportamento e educadores. A proposta de Koller (1972), por
oxemplo, conhecida como Sistema Personalizado de Instrução (SPI), foi amplamente divulgada
o aceita durante um certo período em alguns centros de ensino. No SPI, os pressupostos
behavioristas e a tecnologia comportamental são aproveitados e utilizados no desenvolvimento
de ambientes de ensino que propiciam experiências eficazes de aprendizagem. Algumas das
características do SPI são: respeito ao ritmo próprio de cada aluno; utilização de monitoras
que são alunos da própria classe, mais adiantados em determinados conteúdos quo seus
pares (esses mesmos monitores poderão ser monitorados por outros colegas, mais
adiantados que eles em outros conteúdos); qualquer planejamento deve partir do repertório
inicial do aluno; os conteúdos são divididos em pequenas etapas ou passos, cujo domínio
levará a passos posteriores; em função da presença dos monitores (auxiliares de ensino), o
professor poderá supervisionar o curso e aperfeiçoar a programação de ensino; falhas de
aprendizagem são devidas a falhas na programação.
Temos mais a oferecer, mas esbarramos em outro obstáculo além da linguagem:
talvez devido ao rigoroso "treino" a que fomos submetidos em laboratório, aprendemos
a planejar procedimentos de pesquisa sob um rígido controle de variáveis, dentro de
um ambiente artificial e asséptico. Sabemos como planejar ambientes experimentais e
somos competentes na execução de pesquisas. Essas características são desejáveis
e necessárias no trabalho do analista do comportamento, mas temos conhecimentos
de manuais e artigos científicos, escritos por behavioristas, que tratam do ambiente
escolar como se fosse um grande laboratório. As propostas behavioristas de
procedimentos de ensino são rígidas, sob controle rigoroso do variáveis, como se
fosse possível transpor a prática de laboratório para a prática de sala de aula. Sidman
(1994, p. 534) é bastante sensível a esta dificuldade dos analistas do comportamento e
assim se expressa: "as condições e procedimentos na sala de aula não precisam ser
tão austeras quanto no laboratório" (“Conditions and procedures in the classroom need
not be as austere as in the laboratory"). E nem poderiam ser.
Há uma necessidade mútua de diálogo: analistas do comportamento precisam
aprender a falar uma linguagem próxima dos educadores, sem perder o rigor e
características de sua ciência, e os educadores precisam aprender a olhar sem preconceito
para a produção daqueles. E ganhariam muito se pudessem ter ao seu alcance a rica e
vasta produção comportamental que trata do ensino e da aprendizagem escolar.
Por outro lado, os analistas do comportamento precisamos valorizar e olhar sem
preconceito para a produção dos pesquisadores em educação que se utilizam de métodos,
instrumentos e técnicas não-experimentais. Na formação dos analistas experimentais do
comportamento, há implicitamente uma espécie de rejeição a dados qualitativos e a
métodos considerados "menos" científicos, assim como há uma exaltação e respeito aos

Sobre Comportamento e Cognição t 9 1


dados das chamadas hard sciences raro um comportamentalista que conhece outras
formas de fazer pesquisa, que sabe (no sentido de estar informado sobre) o que é uma
pesquisa etnográfica, que conhece os procedimentos utilizados num estudo de caso,
que diferencia pesquisa-ação de pesquisa participativa, etc. Claro que não propomos
que na formação do analista do comportamento haja uma exigência de domínio de outros
saberes e técnicas. Apenas salientamos a necessidade de aproximação e diálogo, de
troca e respeito, de humildade e curiosidade em relação à produção alheia. Para que Isso
ocorra, a mesma exigência se faz àqueles que adotaram posturas epístemológicas e
metodológicas diferentes da dos analistas do comportamento.

O que temos a oferecer


A Análise do Comportamento nasce com um grande potencial de aplicação à
educação. Particularmente em relação ao ensino formal, os princípios do comportamento
mostram-se esclarecedores das condições sob as quais um ensino pode ser efetivo e
uma aprendizagem pode ser produtiva. Muitos modismos pedagógicos têm surgido ao
longo dos anos, porém o que consideramos básico em todos eles é que os princípios
de aprendizagem subjazem a todas as interações professor-aluno. Teixeira (2000, p.
85) é bastante enfática ao afirmar que
“ensinamos contlngenclando comportamentos e aprendemos submetendo-nos a
contingências de reforçamento. Nôo Importa o grau de conhecimento destas
ocorrências por parte de quem ensina e de quem aprende. Nem Importa a opçáo
teórica e metodológica de especialistas nos campus de estudos correspondentes.
Em qualquer situaçáo, cognitivistas, psicanalistas, humanistas e outros “Istas"
ensinam e aprendem de acordo com a proposição behaviorista radical de Sklnner.
Mesmo aqueles que não identificam os próprios Ism os " que orientam suas ações,
estaráo ensinando e aprendendo de acordo com as condições apontadas por Skinner"
Um tanto ousada em sua afirmação, Teixeira (2000), na verdade, tem fortes
razões para tal, afinal os princípios do comportamento são fatos da vida. Terem sido
descritos por analistas do comportamento não significa que sejam invenções ou
patrimónios exclusivos destes.
Por outro lado, é preciso que os analistas busquem formas alternativas de tornar
popular seus conhecimentos, seja quanto à linguagem utilizada para o leigo, seja quanto
à participação mais efetiva de analistas em eventos científicos na área de educação, sob
pena de continuar a rejeição a tudo o que lembre behaviorismo. A esta situação, Rodrigues
(1999, p. 248) chamou de "oposição generalizada em relação ao behaviorismo". Esta
autora propõe ser necessário um estudo histórico acerca das condições que geraram a
rejeição, aponta a falta de conhecimento como apenas um dos fatores responsáveis pela
oposição generalizada, e sugere que os analistas devem analisar as criticas e não
simplesmente combatê-las. Para um maior aprofundamento acerca dos mitos e equívocos
em torno do behaviorismo radical, bem como a difusão de tais mitos e equívocos nomeio
educacional, consulte-se o trabalho de Rodrigues (2002),
Uma forma de participação no setor educacional é a oferta de um instrumental
teórico e prático que sirva de apoio ao trabalho docente. Evidentemente a vida na sala de
aula apresenta uma interação constante de situações complexas, e não há sequer um
planejamento de ensino que dê conta de prever todas as ocorrências de uma aula. O
professor, entretanto, precisa planejar e todo planejamento parte de informações prévias,
hipóteses e previsões acerca do que e do como será ensinado. Neste sentido, o professor
precisaria adotar uma teoria de ensino e de aprendizagem a fim de nortear sua ação e
sua Interação com os alunos.

2 9 2 lo«lo dos Suntos C.irmo


A Análise do Comportamento tem oferecido muitas contribuições ao entendimento
da aprendizagem e do ensino. Apresenta uma abordagem com coerência interna aos
processos de ensino e de aprendizagem, e dados experimentais (dentro e fora do
laboratório) com diferentes populações de indivíduos (crianças, adolescentes e adultos
"normais"; indivíduos portadores de necessidades educacionais especiais; Indivíduos
com transtornos psiquiátricos; etc.), quo pormitom derivar os princípios do comportamento
o dão suporto à ação profissional, incluindo a ação dos professores. Não defendo a
proposição de um mótodo do ensino comportamontalista. Não é esta uma tarefa para a
Análise do Comportamento. Os princípios do comportamento não foram inventados pelos
ciontistas comportamentais nem criados em laboratórios: são descrições do rogularidades
na interação organismo-ambiente, regularidades observadas em várias espócies,
rogularidades que permitem falar em leis do comportamento. São regularidades, ou
acontocirnontos, que ocorrem no dia-a-dia, em qualquer setor de atividade dos indivíduos.
Não ó, portanto, uma questão de concordar ou discordar.
Um professor construtivista utiliza-se dos mesmos princípios do comportamento
mesmo som o sabor. Diria até quo qualquer professor, indepondonto de qual posição
teórica adota (se adota), sabe por experiência própria que a atonção, o sorriso, a
demonstração de interesse e a valorização de uma ação do aluno, aumenta a
probabilidade de que esta ação venha a ocorrer novamento. Um foodback imediato e
que especifique a ação elogiada ó sempre mais interessante do que um feedback
dado mais tarde, quando o contexto já ó outro. Da mesma forma, um feedback artificial
pode ter um efeito contrário ao que se esperava.
As situações didáticas deveriam, portanto, proporcionar aos alunos a oportunidade
de produzirem descobertas as quais já são naturalmente motivadoras, ao invés do
atividades que dopendam sempre da aprovação final do profossor. Os profossoros sabem,
também, que um “erro" do aluno é uma modida arbitrária porque, a rigor, o orro em si não
existe enquanto ontidade. O aluno está agindo, interagindo no e com o ambiente de
aprendizagem, e suas ações são reguladas pela situação que se apresenta e pelas
conseqüências do suas ações. O aluno transforma as situações quo se lho apresontam
o modifica-so na modida em que essas transformações afetam sou comportamonto. Os
“orros”, nosso sontido, podom servir do dicas para o profossor introduzir novos olomontos
no ambiente de aprendizagem do aluno, a fim de que as interações desse aluno so
aproximem progressivamente de um padrão mais elaborado. Alguns professores “punem”
as ações ou produções "erradas" dos alunos. Outros punem o aluno como um todo,
classificando-os de burros, incompetentes, com dificuldades de aprendizagem.
Podemos falar em situações desafiadoras se com isso quoromos nos referir a
arranjos no ambiento de aprendizagem que aponas "provoquom" ações gerais do aluno
om busca de possíveis soluções o interpretações, o não simplesmente dêem
informações já prontas ao mesmo. O planejamento do ambiente, desde os aspoctos
físicos até os de interação, podem propiciar "atenção" ou “dispersão" em rolação às
atividades propostas. Numa sala de aula om quo os alunos possuem déficit auditivo,
por oxemplo, os estímulos visuais oxorcom uma função controladora bastante
proeminente; assim, estímulos visuais em demasia podom "dosviar a atonção" dos
alunos para alguns aspoctos considerados importantes num determinado instante. Da
mesma forma, um professor quo não interage ws a vis com ossos alunos não pode
roclamar do "falta de interesse" dos mosmos.
Iniciar o ensino de um conteúdo sem ter informações sobre os conhocimontos
iniciais dos alunos o som propiciar situaçõos quo, ao mosmo tompo, motivem o indiquom
aprendizagem por parte dos estudantes, é o mosmo que planejar o fracasso no onsino.

Sobff Comportdincnto c fofln lç.lo 2 9 3


Começar por situações simples, próximas ao aluno, oferecer oportunidades
diversificadas de interação com o objeto de estudo, valorizar as hipóteses, perguntas e
tentativas de soluções, fazem parte de um ambiente motivador de aprendizagem.
Até aqui não falamos numa linguagem comportamentalista, mas tratamos de
alguns princípios do comportamonto o do alguns procedimentos de modificação do
comportamento, válidos para qualquer situação de ensino e de aprondizagem. Um
profossor quo conhece esses princípios e procedimentos, poderá aproveitar esses
elementos no seu planejamento de ensino, qualquer que soja sua abordagem teórica.
É equivocado, portanto, supor que tais princípios e procedimentos sejam uma mera
questão de artificialismo ou mecanicismo.
Os analistas do comportamento interessados na aplicação de seus
conhecimentos ao campo educacional não precisariam tentar convencer quem quer que
soja acerca da validado de sua abordagem. Fazer proselitismo não ó nossa tarefa.
Precisamos, isto sim, sair de nosso círculo e apronder a dialogar numa linguagom leiga,
sem perder o rigor na descrição. Isto ó engajamento político. Já há tontativas bom sucedidas
neste sontido (ver, p. ex., Galvão e Silva, 2005; Luna, 2000; Zanotto, 2000; Matos, 1995).
Em síntese, temos a oferecer a descrição de princípios prosontes na relação
entro organismos e ambientes; técnicas e procedimentos de altoração dosta relação
de forma a aumentar ou diminuir a probabilidade de ocorrência do comportamentos.
Poróm, na tentativa do estroitar o diálogo com os demais educadores, o que ainda nos
falta apronder? Uma tontativa do resposta a esta indagação será apresentada a soguir.

Caminhos a serem (per)seguidos


Luna (1997) tece críticas sérias á produção académica em educação e
psicologia da educação, fora da Análise do Comportamento, destacando que essa
produção fica restrita a três aspectos:
I há um excesso de ênfase na análise de discursos que náo se somam, nem
garantem generalidade de processo algum, continuando-se, por exomplo, a
perguntar a professores, alunos e administradores em geral o que pensam do
problema educacional,

II parece haver, cada vez mais, um caminhar em direçào a problemas que se


configuram como excessivamente molares, cuja relação com as questões mais
prementes e diretas è distante, ou demasiadamente moleculares, o que, fora de
um contexto mais amplo de um programa de pesquisa, resulta em informação
isolada, exemplos destes casos são o número crescente de pesquisas sobre
psico-lingülstlca e semiótica e estudos sobre cotidiano da escola,

III. no conjunto, estes estudos acabam passando a forte sensação de que a


academia, de um modo geral, cria um circulo fechado cujo compromisso maior è
com a produção - e. portanto, com a manutenção do status acadêmico - e náo com
o desenvolvimento de estudos dos quais, a médio e longo prazo, possam vir a ser
derivadas soluções para problemas relevantes; note se que a expectativa não é a
de que cada p e sq uisa vise uma a p licaçã o im e dia ta, m as a de que seu
desenvolvimento contemple a possibilidade desta aplicação’ (Luna, 1997, p. 301).
As considerações de Luna podem ser aplicadas á produção dos behavioristas.
Temos, ainda, muito o que aprender e muito o que valorizar na produção e forma de
produção do outras áreas de pesquisa. Para tanto, precisamos aprondor a:
1. Dialogar com professores, olhar o que se passa em sala do aula e aprender
com os procedimentos dos professores. Estas trôs dimensões no contato com a

2 9 4 lo.lo (los Siintos (,'tirmo


realidade de sala de aula são, no meu entender, fundamentais para qualquer programa
de pesquisa em Análise do Comportamento que pretenda assegurar minimamente
uma doscrição e entondimento do fazor docente. Teixeira (1999, 2001) apresenta alguns
rosultados do um programa de pesquisa sobre aquisição do comportamento numérico
para os numerais de 1 a 10. O programa foi todo baseado no cotidiano escolar de pró-
oscolas e pautou-se nas ações do professor, nas ações dos alunos o nas condições e
situações orn que professores e alunos interagem. As descrições das ações de
professores e alunos trouxeram a vantagem de indicar alguns componentes do
comportamento numérico em pró-escolares vistos na ação pedagógica om sala de
aula. A linguagem não ó restrita a analistas do comportamento o as aplicações do
programa tôm como pré-requisitos alguns comportamentos já adquiridos polo profossor,
como doscrovor os olemontos do um plano do aula, descrover as atividades e
procedimentos didáticos, observar, registrar e avaliar dosompenhos.
2. Trabalhos como os de Toixeira (1999, 2001) abrom possibilidados de diálogo
com áreas de pesquisa e vertentes teórico-metodológicas diferentes da Análise do
Comportamento.
3. Precisamos ir alórn dos repertórios básicos. Até o momento, a maioria dos
estudos comportamontais sobro matomática, loitura o oscrita tom so rostringido a roportórios
elementares. Uma das questões que se coloca é como estes roportórios são aprendidos
e sob quais condições de onsino. Para isto, a Análiso do Comportamento já dispõe de um
corpo teórico suficiente. Outra, a qual considero mais importante, é a descrição operacional
de repertórios matemáticos, simples ou complexos. Em outras palavras, toma-se relevante
idontificar o que um aluno faz quando dizemos que já sabe ler com significado, escrever,
somar, dividir, subtrair, multiplicar, equacionar, derivar funções, etc.
Para o campo do ensino, talvez mais do que ensinar repertórios complexos faz-
se nocossária uma descrição operacional desses repertórios. Essa é uma das formas
que temos de instrumentalizar o trabalho do professor, não importando tanto os
procedimentos metodológicos adotados, desde que este professor esteja ciente do
que está ensinando e do que espera com o procedimento de ensino utilizado.
Enfim, precisamos sair do diálogo aponas com nossos paros e aprondor a olhar
as produções e as proposições dos educadores, da mesma forma que ostes também são
convidados a rever suas posições preconceituosas e aceitar o diálogo com as diferonças,
Procisamos, também, encarar e discutir com maturidade três quostõos cruciais
e que dizem respeito às causas da falta de diálogo entre analistas do comportamonto e
oducadores: 1) sorá que estamos oportunizando o preconceito para com a abordagom
comportamentalista na medida om que não buscamos formas mais adequadas do
diálogo com outras comunidades? 2) em que medida os analistas do comportamonto
estamos agindo com preconceito om relação às outras experiências om educação o,
portanto, criando um abismo entre nós e as demais comunidades? 3) sorá quo criticamos
nos outros as mosmas posturas que ostamos assumindo enquanto grupo? Ou seja,
talvez estejamos agindo com intransigência, falta de conhecimento, falta de diálogo,
criticas infundadas, em relação a outras comunidades.
Para Leslie (1996), apesar de haver indicações claras de que a Análise do
Comportamonto tem sido mais valorizada pelo público em gorai, ainda se destacam
muitos equívocos quanto ao seu entendimento. Isto só será evitado, segundo osta
autora, so for oportunizado aos usuários o comunidade om geral o contato com a filosofia,
os métodos e os achados engendrados por cientistas e profissionais analistas do
comportamento. Isso resultaria em valorização da Análise do Comportamento em função

Sobre (.\>m|M>rl<imento c C'o«nlv<lo 29 5


de que a direção dada ao desenvolvimento desta seria determinada, em parte, pela
própria comunidade mais ampla.
Finalmente, como analistas do comportamento, precisamos assumir nossa
dimensão do educadores e, como tal, aprender a planejar contingências que possibilitem
a ampliação do conhecimento e da aceitação dos princípios do comportamonto, os
quais, conforme sabemos, são válidos em todas as situaçõos cotidianas.

Referências
Aranha, M L A (1996). História da educação Sáo Paulo, SP: Moderna
Carmo, J. S. (2002). Comportamento conceituai numérico: um modelo de rede de relações
equivalentes. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Sáo Carlos, São Carlos.
Carmo, J. S & Baptista, M. Q G. (2003). Comunicação dos conhecimentos produzidos em análise do
comportamento: uma competência a ser aprendida? Estudos de Psicologia, 8(1), 499-503.
Galvâo, O F & Silva, L C. C (2005). Formaçáo de professores: um caminho para viabilizar a análise
do comportamento na educação In: L. C Albuquerque (org), Estudos dos comportamento
(pp 64-81). Belém: EDUFPA
Ketlnr, F (1972) Adeus, mestre! Ciôncia e Cultura, 24 (3), 207-212
Leslie, J. C (1996) Principies of bfíhavloral analysis Amsterdan- Harwood Academic Publishers.
Luna, S V (2001) A crise na educação e o behaviorismo que parte nos cabe nela? temos soluções
a oferecer? In- K Carrara (Org ), Educação, universidade e pesquisa (pp 143-155) Marllla,
SP: Unesp-MarlIla-publicações/FAPESP
Luna, S V. (1997) O analista do comportamento como profissional da educação In: Delitti, M. (Org ).
Sobre comportamento e cognição a prática da análise do comportamento e da terapia
cognltlvo-comportamental, V 2 (pp 300-307). Santo André, SP' ESETec
Matos, M A (1995) Análise de contingências no aprender e no ensinar. In: E S. Alencar (Org.),
Novas contribuições da psicologia aos processos de ensino e de aprendizagem (pp 141-
165). São Paulo, SP Cortez.
Rodrigues, M E. (2002). Behaviorismo radicat. mitos e discordâncias. Cascavel, PR‘ EUNIOESTE.
Rodrigues, M E. (1999) Algumas concepções de profissionais de educação sobre o behaviorismo In1R
R KERBAUY & R C. WIELENSKA (Orgs ), Sobre comportamento e cognição psicologia
comportamental e cognitiva, da reflexão teórica à diversidade da aplicação V 4 (pp. 240-249).
Santo André, SP’ ESETec
Sidman, M (1994). Equivalence relations and behavior a research story Boston, DC' Authors Cooperativa.
Teixeira, A M S, (2001) Componentes verbais do comportamento matemático elementar In'
Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (Org ), Resumos de
Com unicações C ie n tifica s, X E ncontro B ra sile iro de P sicote rap ia e Medicina
Comportamental (p 181) Campinas, SP‘ ABPMC
Teixeira, A M S (2000) Ensinar e aprender: quando? como? e onde? Irv R R KERBAUY (Org.),
Sobre comportamento e cognição conceitos, pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar,
na emoção e no questionamento clinico, V 5 (pp 84-89) Santo André, SP: ESETec.
Teixeira, A M S (1999) Aquisição do comportamento numérico na criança - uma análise
comportamental In: Sociedade Brasileira de Psicologia (Org ), Resumos de Comunicações
Cientificas, XXIX Reunião Anual de Psicologia (pp 70-71) Campinas, SP: SBP
Zanotto, M L B. (2000). Formaçáo de profesores: a contribuição da análise do comportamento São
Paulo: EDUC.

296 lo«!« ilos Santos ("armo


Capítulo 28
Identificação de Estratégias de
Enfrentamento Adotadas por Indivíduos
que Sofreram Amputação1
Michcllc Santana Santos**/ Kenée Mene/es Chaar**/
Fliana Maria Siqueira De Brito**/ Lorena Sabá Fonseca**/
Luciana Costa Pontes**/ Lucynara Barroso Çalo** e
loão dos Santos Carmo***

A amputação ó a retirada da totalidade ou de parte de um membro do corpo cuja


função foi perdida ou que, se não extirpado, pode colocar o paciente em risco de vida. A
retirada do membro ocorre, em geral, através de intervenção cirúrgica. A amputação
atinge um número considerável de pessoas em nosso pais e gora prejuízos pessoais,
como afastamento do trabalho, desemprego. No Estado do Pará, como mostram os
dados obtidos na Unidade de Referência em Reabilitação Física "Demótrio Medrado” e
na Associação Paraense de Portadores de Deficiência (APPD). Entre os anos de 2002
e 2004, 379 pessoas procuraram a Unidade Demétrio Medrado e 113 buscaram a
APPD, todos em busca de reabilitação física, tratamento psicológico, integração social,
empregos e direitos sociais. A situação nesse Estado reflete a situação geral do país.
Oliveira & Bolleli (1999) afirmam que a amputação tem por trás a mutilação, a
incapacidade e o aleijão, e é considerada uma palavra temida que causa terror perante
a possibilidade de mutilação e derrota, provocando assim, diversas implicações ao
indivíduo amputado, tais como retraimento social, discriminação e algumas vezes a
perda do emprego. O indivíduo que sofreu amputação, portanto, precisará da ajuda de
vários profissionais, dentre eles o psicólogo, já que não se pode desconsiderar os
subprodutos emocionais e comportamentais acarretados a este Indivíduo.
De acordo com Bocollini (1990) as conseqüências da amputação são temidas,
faladas e consideradas; a possibilidade da perda de um ou mais membros traz ao
paciente temor em relação ao futuro. Isto porque uma das grandes dificuldades
enfrentadas por estes indivíduos ocorro devido ao preconceito existente na sociedade
em relação aos mesmos. Preconceitos estes que outrora foram por eles próprios
compartilhados, como a pena e a desvalorização pessoal.
A amputação é uma condição que pode afetar o homem em qualquer idade e,
conforme a faixa etária em que a pessoa se encontre, ela terá um tipo de reação a esta
agressão. O passar dos anos pode sinalizar para o indivíduo menor vitalidade, menor
probabilidade de emprego, maior desvalorização social, menor competitividade no mercado
de trabalho. Estas possibilidades são ampliadas no caso de indivíduos amputados.

' frxtn rwtorantii ao trabatto aprmontado durantu o XIV Enoontm BmwMm da PiiimtornfMi o Modtdru Comportamontai, om Cam^rias/SP, 2005
“ Bacharéis am Psicologia |wIh UnlvemldtKJo da Ania/ônéa (UNAMA)
" • Prolessof I Itulai do Curso do P«icx>logta da Univar«dndn da Aina/Ania (UNAMA)

Sobre Comport.im cnlo c CopnifAo 2 9 7


Outro fator, além da idade, que irá influenciar nas reações à amputação é o
tamanho do coto, pois este resultará em maior ou menor funcionalidade do indivíduo,
visto que quanto maior a extensão da perda menor a probabilidade de um funcionamento
adequado em tarefas diárias.
Podemos citar tambóm como fator de influência o da amputação ter se dado
em membros superiores ou inferiores:
A duplicação dos movimentos do membro inferior por uma prótese ó tarefa muito
mais fácil do que a relativa ao membro superior. A blomecânica dos membros
inferiores, suas articulações e movimentos, sua função, são muito mais fáceis de
serem copiados e de serem supridos por prótese. Mesmo nas grandes próteses
como as usadas para a desarticulação coxofemural e hemipelvectomia, (...) a
blomecânica é mais aproximada. (Oliveira & Bolleli, 1999, p. 179)
Oliveira e Bolleli (1999) afirmam quo a amputação não deve ser considerada o fim de
alguma coisa, mas o início de uma nova fase, pois se ela mutilou a imagem corporal, pode
também ter eliminado o perigo de se perder a vida ou deu alívio a um sofrimento intolerável.
Campos (2003) enfatiza que muitos indivíduos demoram a aceitar esta "nova fase" e a perceber
que mosmo sem o membro continuam a viver com suas habilidades e qualidades.
Mesmo diante das perdas e do sofrimento, existem pessoas que após
passarem pelo processo de amputação, apresentam comportamentos de enfrentamento
da situação, passando a lidar adequadamente através de adaptação e busca de
superação das limitações impostas. A este conjunto de habilidades de enfrentamento e
superação de situação adversas a literatura tem chamado de resiliência (Yunes &
Szymanski, 2001). Estes autores acrescentam que a resiliência não deve ser vista
como um atributo fixo da pessoa, e sim como variação individual em resposta ao risco,
visto que os mesmos estressores podem ser experienciados de maneira diferente por
diferentes pessoas. De um ponto de vista analítico-comportamental, podemos traduzir
o termo resiliência para comportamentos resilientes, o que possibilita olhar para a
interação organismo-ambiente, identificar fatores de risco e proteção, descrever
estratégias de enfrentamento (coping) e identificar a variabilidade comportamental.
Rutter (1971, citado por Yunes & Szymanski, 2001, p. 20) acrescenta que "... a
combinação de dois ou mais estressoros podo diminuir a possibilidade de
conseqüências positivas (positive outcomes) no desenvolvimento, e que estressores
adicionais aumentam o impacto de outros ostressores presentes". Rutter ainda afirma
que cada indivíduo responde de maneira individual aos estressores, ou seja, cada
pessoa será afetada diferentemente pela mesma situação. No caso da amputação,
cada indivíduo que passa por esta perda Irá responder de maneira diferente aos
estressores (discriminação social, dificuldade de locomoção, dificuldade de encontrar
emprego...), podendo apresentar comportamentos menos ou mais resilientes.
Cerqueira (2000) destaca que a noção de coping foi alterada ao longo dos anos, e
é entendida hoje como um processo. As estratégias de enfrentamento possuem diferentes
funções, podendo-se dividi-las em estratégias focalizadas no problema e estratégias
focalizadas na emoçào (Lazarus e Folkman, 1984 citado por Cerqueira, 2000). Neves,
Santos e Domingos (2004) esclarecem que a primeira estratégia possibilita alterar a relação
entre indivíduo e ambiente, controlando ou modificando a fonte geradora de estresse;
enquanto a segunda estratégia permite adequar a resposta emocional ao problema no
sentido de que o indivíduo, após avaliação da situação, conclui que nada pode ser feito para
modificar as condiçõos adversas em que se encontra. Neves et al. (2004) citando Gimenes
(1997) apontam outra classificação de estratégias de enfrentamento e apontam as categorias
enfrenatmento comportamental e enfrentamento cognitivo:

2 9 8 M id ic llc S. Santo», Renér M . Cítaar, H ian a M a ria S. I>c Brito, l.orcna S. fo n s a .i/ I uciana C .
1’ ntcs, Lucynara R. C/alo c loAo do* Santos Carm o
As estratégias de enfrentamento comportamentais incluem tentativas de açâo
através de condutas que o indivíduo considera efetivas, como a solução de
problemas, apoio social, relaxamento e busca de prazer' (experiências positivas
através de entretenimento, atividades de lazer etc). Já as estratégias cognitivas
incluem tentativas de enfrentam ento através da cognição, como distração,
reestruturação, minlmização, entre outras.
Segundo Cerqueira (2000, p. 282);
As diferentes estratégias de enfrentamento apresentadas pelas pessoas dependerão
de seus recursos culturais internalizados, de seus valores e crenças, habilidades
sociais, apoio social e recursos materiais. Porém, estes recursos podem não estar
disponíveis, por restrições Impostas tanto por condições Internas (outros valores,
deficiências psicológicas, Intensidade percebida do nlvel de ameaça) como por
externas (exigências institucionais, ausência de recursos materiais)
Apesar dos estudos sobre coping (erem sido produzidos por vertentes cognitivistas,
como podo ser visto na citação do parágrafo anterior, estudar estratégias de enfrentamento
revela-se como central na área de saúde (Miyasaki e Amaral, 1995) e podo ser investigada a
partir de um ponto de vista comportamental. Estratégias de enfrentamento podem ser
entendidas como padrões de fuga e esquiva cuja função é aumentar a probabilidade de
obtenção de reforços positivos e contracontrolar situações aversivas, diminuindo a
probabilidade de ocorrência das mesmas ou mesmo inibindo totalmente sua ocorrência.
Desta maneira, torna-se relevante identificar na história individual quais as
contingências que estão em vigor e que fortalecem comportamentos resilientes. Em outras
palavras, é importante compreender o indivíduo resiliente como alguém que está apoiado por
fatores de proteção (buffers), fatores estes bastante diversificados e que afetam o indivíduo no
sentido de possibilitar a este estratégias de enfrentamento adequadas ao problema que
vivência. Neste sentido, Brandão (1997) afirma que o autoconhocimonto ajuda o indivíduo a
perceber o seu comportamento como fruto de sua história e não como algo inerente a ele,
fazendo com que esta pessoa passe a observar os seus próprios comportamentos.
Sendo assim, os psicólogos que irão trabalhar com individuos amputados devom
ajudá-los a recondicionar estratégias comportamentais para lidar com as novas situações
em sua vida, resultantes da perda de um membro; visto que antes da amputação o indivíduo
já possuía alguns repertórios comportamentais de enfrentamento. A partir do momento em
que ele consegue descrever sua história pessoal como fruto de interações com o ambiente,
poderá analisar o que está influenciando em sua forma de agir, buscando então respostas
mais adaptativas. Para atingir este desiderato, são bastante úteis os grupos de apoio. Segundo
Ponchirolli (1990) o objetivo do grupo de apoio a amputados é levar o paciente a se conscientizar
dos seus problemas e limitações reais para melhor aceitação e adaptação da prótese.
Sabe-se que o comportamento pode ser estabelecido e mantido por contingência ou
modelado e controlado por regras e auto-regras (Skinner, 1974/1993). Pode-se, portanto,
aprender estratégias bem sucedidas de enfrentamento através do fortalecimento de habilidades
produtivas de fuga e esquiva, contracontrole e replanejamento de contingências. Instruções
também são procedimentos válidos que podem gerar respostas adequadas de enfrentamento.
Em outras palavras, estamos nos referindo a auto-controle, conforme Neves et al. (2004, p.
202): “o enfrentamento é considerado uma resposta cujo objetivo é aumentar a percepção do
controle pessoal".
Baseado nestas considerações, o objetivo do presente estudo foi identificar as
principais estratégias de enfrentamento apresentadas por indivíduos que sofreram amputação.
A identificação destas estratégias permite observar de maneira mais especifica as interações
indivlduo-ambiente que são relevantes para o estabelecimento de comportamentos adaptativos
diante de situações adversas, ou seja, comportamentos resilientes.

Sobrr Comportamento e Coflniçtlo m


Método
Participantes: Foram entrevistados dez indivíduos, sendo nove homens e uma
mulher. Os indivíduos possuíam entre dezoito e sessenta e oito anos. Todos os participantes
haviam passado por um processo de amputação de membros inferiores há pelo menos
seis meses. Cada um destes participantes será designado por uma sigla: A1, A2, A3...A10.
Foram entrevistados também quatro profissionais, os quais atendiam diretamente
os amputados entrevistados há, pelo menos, dois meses. Os profissionais eram os
seguintes: P1, nutricionista, com 01 ano de formada, presta orientação alimentar aos
amputados a fim de manterem um peso ideal para utilização da prótese; P2, terapeuta
ocupacional, com 11 anos de formada, trabalha as habilidades motoras e a aceitação da
amputação através de técnicas como espelho e toque, modelagem do coto, exercícios do
equilíbrio; P3, psicóloga, 18 anos de formada, auxilia no restabelecimento da auto-imagem,
aceitação da amputação, auto-estima; PA, fisioterapeuta, 12 anos de formado, orienta e
acompanha o processo de uso da prótese a fim de que esta proporcione conforto e
independência ao indivíduo. As informações quanto às suas atribuições foram fornecidas
pelos profissionais.
Locat A coleta de dados foi realizada na sala da diretoria da Unidade Demétrio
Medrado. Esta Unidade é uma clínica especializada no atendimento de amputados e
desenvolve programas de apoio multidlsciplinar, desde a Identificação da necessidade
de amputação até a indicação e adaptação á prótese. Unidade Demétrio Medrado está
situada em um bairro popular na cidade de Belém, Estado do Pará.
Procedimentos de Coleta de Dados: Foram realizadas entrevistas semi-
estruturadas, a partir de roteiro previamente elaborado composto por questões semi­
abertas. Utilizou-se papel e caneta para a anotação das respostas dos participantes.
Após contato inicial com a direção da Unidade, contataram-se profissionais que
trabalham com indivíduos amputados e pessoas que passaram pelo processo de
amputação na Clínica Demétrio Medrado, indicadas por esses profissionais.
Cada participante leu, discutiu e assinou o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE). Após isso, realizaram-se as entrevistas propriamente ditas na sala
da diretoria da Unidade Demétrio Medrado. Cada entrevista foi transcrita na íntegra e
apresentada aos entrevistados para possíveis correções e modificações.
Procedimento de Análise dos Dados. De posse dos relatos, buscou-se identificar
quais as estratégias de enfrentamento utilizadas por indivíduos que sofreram amputação
e quais os efeitos destas estratégias na vida desses indivíduos. Foram construídos quadros
explicitando as estratégias de enfrentamento mais comumente utilizadas pelas pessoas
que sofreram amputação e se as mesmas estavam sendo resilientes ou não. Identificou-
se, também, os fatores que afetaram o comportamento resiliente dos amputados.

Resultados e Discussão
Relatos dos indivíduos amputados:
A partir dos relatos dos amputados, constatou-se que a maior incidência de
amputação ocorro entre a faixa etária de vinte a sessenta anos. As principais causas
que levaram os indivíduos ao processo de amputação variaram entre diabetes, acidentes
automobilísticos, acidentes de trabalho, osteomelite, tumor maligno e picadas de cobra.
Há um maior índice de membros inferiores amputados.
Conforme pode ser visto no Quadro I, em relação ao tempo que os indivíduos
possuem de amputados, observa-se que há uma variação entre indivíduos amputados

3 0 0 M lc lie llc S. S«infos, Renée M . C'Iw.ir/ H i.in.i M<tri<i S. De Brilo< I orcn.i S. hm srcii, I uci<in«i C .
l’nle*/ I ucyndM R. t/«ilo c lodo do* Sdulos C \irm o
há seis meses, bem como indivíduos amputados há trinta e cinco anos, à época da
coleta de dados (2o semostre de 2004).
Todos os indivíduos relataram em suas entrevistas que no inicio, após a cirurgia, foi
dificil lidar com o fato de que parte do seu corpo foi retirada. A3 foi o único indivíduo que não
conseguiu doscrevor sua autoimagom, sendo elo o que estava amputado a menos tempo (06
mesos). Outros relataram que perceberam a extensão da mudança quo ocorreu em sou corpo,
e que esta trouxe dificuldades para realizar tarefas cotidianas, levando alguns a se aposentarem
do seus empregos e outros a uma limitação na realização de trabalhos temporários.

QUADRO I. Relatos dos amputados quanto ao tempo de amputação e auto-imagom


A1 T em po 5 anos , descreve que sente falta da perna para realizar rush tarefas.

A2 T em po 8 ano« , descreve que sente m uita tristeza, e que procura sair de casa pura se

dlslralr

A3 Tem po 6 m eses , nflo consegue descrever sua aulo -lm agam

A4 Tempo: 20 anos ; descreve que sua vida m udou, que le m algum as dificuldade» com

em prego e vive de ajuda das pessoas.

A5 T em po 3 ano« ; descreve que sua auto-im agem m udou pnra pior, senle dificuldade de

locom oçflo, mas que nunca se revoltou.

A6 íe m p o ' 25 «no« , descreve que vive depressiva, que nunca acertou, que te m vergonha das
pessoas, mas que le m esperança de conseguir um a prrttese.

A7 Tempo: 5 anos ; descreve que sente m uito em te r perdid o a perna.

Afl Tem po: 35 anos , descreve que antes vivia m elh or e que agora sua vida eslA limitada

A9 T em po 6 an os , descreve que ante» tinha sonho de ser jo gador ou m olorisla, ma» hoje em

dia devid o a am putaçfto ele sofre discrim inaçAo e diante disso tenta ser (orle

A10 Tem po: 2 anos , descreve que antes era vigilante e hoje está desem pregado, no In ldc

pensava em m orte, m as agora pensa em viver.

Tristeza (A2, A7) depressão (A6), vergonha (A6), não-aceitação (A6) são
sentimentos comuns no relato dos entrevistados. A10 sinaliza a presença de ideações
suicidas. Comportamentos de fuga e esquiva também são relatados, como "sair de
casa para se distrair" (A2). Nos relatos também são identificadas algumas
conseqüências aversivas, como desemprogo (A4, A10), discriminação (A9), indigência
(A4), limitações (A1, A5, A8, A9)
Por outro lado, alguns entrevistados descrevam comportamentos adaptativos,
como voltar-se para a vida (A10), tentar ser forte (A9), não se revoltar (A5), busca de
distração (A2). Neste último caso, a busca de distração diante de sentimentos de tristeza
ao pensar em sua condição atual pode ser identificado como um indício de
comportamento resiliente, embora possa também nâo passar do mera fuga.
O Quadro II apresenta as respostas dos amputados em relação às estratégias
de onfrentamento por eles utilizadas. Conforme pode ser visto, a maioria dos indivíduos
relatou estratégias adequadas, como: buscar ajuda dos amigos (A1, A4, A9), da família
(A7, A8, A9, A10), da religião (A5, A9, A10), do grupo social de referência (A8). Sair de casa

Sobre Comportamento c Cognifüo 301


e realizar trabalho temporário ou jogar, como forma de distração e sobrevivência foram
relatados por A2 e A4. Novamente A3 não consoguiu relatar qualquer estratégia de
onfrontamonto. Os outros dois não conseguiam tocar no assunto. A6 relata sua expectativa
quanto aos bonofícios que a futura prótese poderá proporcionar.

QUADRO II. Estratégias de enfrentamento utilizadas poios indivíduos amputados.


A1 B uscou ajuda de a m ig o s . U m a a m ig a in dico u a U nidad e D em étrlo M ed ra do .

A? P rocu ra na d istrair pa usa nd o a m a io r p a rte do tn m p o na rua rea liza nd o trab alho s

te m p orário s.

A3 0 paciente nAo co n s e g u e rela ta r as e s tra té gia s utiliza da s, pois sua a m p u ta ç ã o está

m ulto rece nte E ele esp era a p ró te s e pa ra po de r sab er c o m o vai ser a sua vida
<

B uscou ajud a do s am ig os "...E u tenho m ulto a m ig os » )ogo bola"


<

Se apeg ou na religiA o. "„ .T e n h o um p rin cip io ev a ng élic o d e o n d e tiro fo rça ".


<

I A e xp ectativa da pró tese , pa ra »tia poder voltar a sair na rua e ir a ig re ja


<

| S e a p oiar na fa m ília e no b e ne ficio que pa ssou a receber.

A fi Se a p oiar na fa m ília e na co m u n id a d e d o seu interior, qu e a jud a pe s s oa s ne c es s itad as .

A9 Se a p oiar em D eu s, na fa m ília e nos am ig os.

A10 ' A p oiou -s e na religião e na fa m ília

Relatos dos profissionais


Em relação aos profissionais entrevistados, constatou-se que todos eles
trabalham há pelo menos um ano com indivíduos amputados.
Todos os profissionais afirmaram que os indivíduos amputados chegam á
Unidade Demótrio Medrado, acompanhados da família, exceto a Terapeuta Ocupacional
que afirmou que eles chegam sozinhos e muitas vezes não tem nem onde ficar.
Ainda afirmam que os membros inferiores são os mais freqüentemente
amputados e que todos os indivíduos amputados que entram na Unidade passam por
uma equipe muUiprofissional, sendo que cada profissional torá uma importância
específica durante a reabilitação desses indivíduos.
O Quadro III sintetiza as rospostas dos profissionais quanto à auto-imagom e
estratégias de enfrentamento apresentadas pelos amputados. Com exceção de P1
(nutricionista), os demais profissionais relatam que a expectativa da prótese funciona
como estímulo sinalizador de reforçadores positivos no futuro.
Não há uma indicação clara de estratégias de enfrentamento; a família é dtada como
um fator de proteção por P4 (fisioterapeuta). Em geral os amputados não apresentam uma
auto-imagem positiva no início do processo, porém tendem a aceitar sua condição com mais
tranqüilidade á medida que a possibilidade da prótese vai se tomando algo concreto.
Sobre a auto-imagem desses individuos, P2 (terapeuta ocupacional) rolatou
que os pacientes ao entrarem na Unidade, chegam aceitando sua situação atual e
confiantes de que a prótese dará a eles a possibilidade de retornar às sua atividades
habituais. No entanto, P4 (fisioterapeuta) descreve que os indivíduos chegam
dosacreditados, com sua auto-estima baixa, devido perceberem as limitações em sua
vida, o só aprosontam uma molhora na sua auto-imagom após passarom pela equipo
multidisciplinar, com a qual se dá início o processo de pré-protetização.

302 M iito elle S. Santos, Rcnéc M . C liaar, i ll.m.i M a ria S. De Hrlto, I oren.i S. fonseia, l.uciana C .
1’ nleSi I utynara H. C/alo c loJo dos Santo« Carm o
QUADRO III: Rospostas dos profissionais à questão da auto-imagem e das estratégias
de enfrentamento dos indivíduos amputados:
P1 Afirmou que estas perguntas rtâo estavam dentro de sua área de atuação.
P2 "A maioria dos amputados já se aceita, a expectativa da prótese ó multo grande"
P3 "A maioria doa Indivíduos amputados possuem uma boa auto-imagom, são poucos os
que so encontram sem estimulo A expectativa de receber a prótese é uma forma de
enfrentamento, querem a prótese para se reabilitar"
P4 "A auto-imagom da maioria não chega muito boa, não aceitam muito..., os indivíduos se
apóiam na família e na expectativa da prótese para terem uma vida normal".

A questão da auto-imagem vai ser um fator fundamental que influenciará na


estratégia do onfretamonto utilizada por estes indivíduos. Inicialmente a pessoa
amputada procisa aceitar sua nova condição para poder iniciar-se om um processo do
reabilitação. Segundo o P4 alguns indivíduos chegam à Demétrio Medrado bastante
deprimidos, sem aceitarem o fato de terem sido amputados e relatam a este profissional
muitas dificuldades relacionadas com a não aceitação de si próprios. A profissional nos
relatou que eles afirmam tentar se levantarem da cama se apoiando na perna que não
existe mais e assim acabam caindo no chão. E não tem como se iniciar um processo de
reabilitação com a prótese se a pessoa ainda não aceita ter perdido o membro.
Como se vó, a equipo multidisciplinar funciona como grupo de apoio e, como
tal, auxilia o indivíduo a acoitar sua nova condição, ampliando seu autoconhecimento e
ajudando-o a estabolecer estratégias do enfrentamento eficazes ao longo de seu
processo de reabilitação física e emocional.
Com base nas entrevistas, é possível afirmar que, de uma forma geral a maioria
dos amputados apresentou estratégias para lidar com as dificuldades que surgiram a
partir da retirada do membro. As estratégias mais utilizadas por ossos indivíduos, foram
buscar apoio na família, nos amigos e na religião. Em relação à variável família os
indivíduos relataram ter recebido apoio dos parentes e amigos, os quais os ajudaram a
enfrentar as dificuldades existontes. Isto pode ser visto nos relatos dos indivíduos A9 e
A10, quando de forma explícita destacam o fato de que a família, os amigos e Deus são
as causas deles não desistirem. Estão funcionam como fonte de incentivo para superar
as discriminações, limitações e dificuldades cotidianas.
Outra estratégia de enfrentamento relatada tanto pelos profissionais quanto
pelos indivíduos amputados é a expectativa da prótese. Segundo os profissionais a
maioria dos indivíduos amputados chega à Demétrio Medrado desanimados, mas aos
poucos tornam-se motivados om função da preparação para receber a prótese. Os
próprios indivíduos relatam que com a prótese poderão voltar a desempenhar a maioria
das suas atividades anteriores.

Considerações Finais
A amputação gera grandos incortozas o insogurança à possoa amputada. Muitos
relatam que assim que acordam da cirurgia e percebom que uma parto do seu corpo foi
retirada, choram bastante. A amputação está associada à imagem do aleijão, do inválido, do
incapaz, afetando a auto-imagom de uma pessoa que passa a se ver de forma díferento dos
demais. Alguns indivíduos relutam em aceitar o fato de torom sido amputados e acabam
negando também o uso de uma prótese. Ou, mesmo aceitando o fato do torom sido
amputados, náo participam do programa do reabilitação, por vergonha de sair do casa.

Sobre (.'omport.imento e ('ogni(<lo 3 0 3


Assim, os profissionais que irão trabalhar com estes indivíduos devem ajudá-
los a reestruturar a sua nova imagem, para que estes possam participar adequadamente
do processo de reabilitação. A expectativa da mesma funciona como um fator de apoio
para estes indivíduos, que recomeçam a voltar a pensar em fazorem algumas atividades
que antes faziam, mas ficaram “impedidos" por causa do processo de amputação. Por
exemplo, o indivíduo A6 afirmou que com a prótese vai poder voltar a andar na rua e Ir à
igroja, pois dosde sua amputação não queria mais sair do casa o vivia depressiva.
As estratégias de enfrentamento apresentadas pelos entrevistados distribuem-
se entre estratégias de enfrentamento comportamentais e ostratógias do enfrentamento
cognitivas, conforme (Neves et al., 2004). Adotando-se esta classificação, pode-se afirmar
que o primeiro tipo de estratégia foi predominante.
Além da prótese, os indivíduos relataram como estratégia de enfrentamento o
apoio dos parontes e amigos, que ajudam estes a onfrentar as dificuldades existentes
devido à perda do membro, chamando-os para sair, jogar bola e realizarem outras atividades.
Cada indivíduo responde diferentemente à situação de perda do uma parte do
corpo. As reações iniciais de não aceitação, revolta, tristeza, vergonha, podem ser
substituídas por aceitação, segurança, adaptação à nova condição, auto-imagom positiva.
Para isso, conforme temos enfatizado, é fundamontal identificar e ampliar as
possibilidades dos fatores de proteção/apoio. A equipo multidisciplinar apresenta um
papel relevante no condicionamento de estratégias de onfrentamonto adoquadas, desde
o momento em que o indivíduo é recebido até o uso e adaptação à prótese.

Referências
Boccollnl, F (1990) Reabilitação, amputados, amputações e prótese, (pp 7-13) São Paulo: Robe.
Brandão, M. Z S. (1997). Terapia comportamental e análise comportamental da relação terapAutica:
estratégias clinicas para lidar com comportamento de esquiva. Revista Brasileira de Terapia
Comportamental e Cognitiva. 7(2), 179-107.
Campos, B. C. P (2003). As interfaces da atuação do fisioterapeuta e do psicólogo junto ao paciente
no contexto hospitalar. O Mundo da Saúde, 27(3), jul-set.
Cerqueira, A T. A . R (2000). O conceito e metodologia de coping: existe consenso e necessidade? In:
R R Kerbauy (Org ), Sobre comportamento e cognição conceitos, pesquisa e aplicação, a
Anfase no ensinar, na emoção e no questionamento clínico, (pp 279-289). Santo André:
ESETec
Miysaki, M. C. O. S & Amaral, V L A R. (1995). Instituições de saúde. In B. Range (Org ), Psicoterapia
comportamental e cognitiva pesquisa, prática, aplicações e problemas. Campinas: Editorial Psy.
Neves, E M L.; Santos, A. R. R, & Domingos, N M (2004). Estratégias de enfrentamento em
pacientes com câncer In- M. Z. S. Brandão et al (Orgs.), Sobre comportamento e cognição:
estendendo a psicologia comportamental e cognitiva aos contextos da saúde, das
organizações, das relações pais e filhos e das escolas (pp 201-206) Santo André: ESETec.
Oliveira, B M & Bolleli, M C. (1999) Expectativa de prática desportiva após amputação abaixo do
joelho Revista das Faculdades Clarentinas, 8, jan-dez, 177-193.
Ponchirolll, E (1990) Grupo de amputados. In1 Reabilitação; amputados, amputações, prótese.
cap 8, (pp 65-67). São Paulo' Robe.
Sklnner, B F (1993). Sobre o behaviorismo São Paulo: Cultrlx Publicação original de 1974).
Yunes, M A M & Szymanski. H (2001) Residência' noção, conceitos afins e considerações criticas.
In: J, Tavares (org ), Resiliência e educação (pp 13-42). Sâo Paulo: Coriez.

3 0 4 M ic h e lle S. Siintot/ Retire M . t'h iia r( ! li.iii.i M .iriii S. De Brito« I oretjit S, I onset.i; I udiina C .
Pufe*/ I utyn.ir.i H. t/.ilo e lodo ilot S.mlos C .irm o
Capítulo 29
Análise comparativa entre estresse,
Burnout e habilidades sociais de
profissionais de saúde
Karina Mueller'
Su/anc Schmidlin Lòhr*

O ser humano sempre teve que se adaptar às mudanças do ambiente. No


mundo atual, as mudanças da sociedade moderna são rápidas. Isso faz com que o
homem tenha que se adaptar no mesmo ritmo. Nesse contexto o estresse se manifesta.
O estresse é uma resposta do organismo como forma de retornar ao equilíbrio que foi
perturbado pela mudança do ambiente (Lipp e Malagris, 2001).
Devido ao trabalho de cuidar de outras pessoas, os profissionais de saúde
tem que lidar com situações que apresentam estimulos estressores, o que pode
proporcionar um índice de estresse mais elevado do que o de outros profissionais que
não tem como característica essa responsabilidade.
O estresse a que são submetidos os profissionais da saúde, por ser intenso e
contínuo, pode levar a respostas que caracterizam o quadro denominado Síndrome de
Burnout, hoje reconhecido pelo Ministério da Saúde como digno de atenção, por
caracterizar uma perda de interesse, descuido com o trabalho, desejo de se afastar do
trabalho (Pereira e Jimónez, 2003).
Para manejar as inúmeras situações com que se depara no dia-a-dia da
profissão, o profissional da saúde necessita de algumas habilidades técnicas,
específicas de cada profissão, e outras mais amplas, como as habilidades sociais.
Com um manejo socialmente habilidoso, o profissional pode minimizar situações de
impacto e alta carga emocional, comuns no seu dia-a-dia de trabalho.
De acordo com Lipp e Malagris (2001) uma das formas de lidar com o estresse
ó o treino de assertividade. Considerando que a assertividade faz parte dos
comportamentos socialmente habilidosos, observa-se uma relação entre estresse e
habilidades sociais. Na literatura não há pesquisas comparando estresse, habilidades
sociais e Síndrome de Burnout. Recentemente, Oliveira (2003) constatou que estudantes
pré vestibulandos com déficits em habilidades sociais apresentam um nlvel de estresse
mais elevado. Porém estudar a relação dos trôs fatores (estresse, burnout habilidades
sociais) em profissionais de saúde, pode abrir perspectivas interessantes para a
prevenção psicológica.

1Pulcôtoy« mpectaltatA em Pitcotw «pl* CofiiporttnwiUtl e Cognitiva


* Doutora em Psicologia clinica, pfofeaaora ad|unUi daUFPRe tio UnloenP

Sobrr Com port.im rnlo c CoRtilçAo 3 0 5


Síndrome de Burnout
O trabalho faz parte da vida do ser humano desde o inicio da humanidade.
Comunidades primitivas organizavam e mantinham atividades laborais para a sobrevivência.
Ele constitui sociologicamente e psicologicamente uma identidade para o homem.
Com a evolução da humanidade, a atividade laborai sofreu transformação até
chegar ao trabalho que encontramos na sociedade moderna. Em meados do século
passado, com o aumento da força sindical e maior conscientização dos trabalhadores,
houve um impulso nas pesquisas que procuravam investigar a satisfação dos trabalhadores
e sua produtividade. A partir de então iniciaram-se estudos enfocando também qualidade
de vida no trabalho. Qualidade de vida no trabalho não pode ser reduzida somente ao grau
de satisfação do trabalhador e sua produtividade, mas também a condiçGes e estilos de
vida, bem-estar, necessidade humanas e de desenvolvimento social (Cardoso, 1999).
Analisando-se funcionalmente, pode-se perceber que o trabalho tem como
conseqüência a liberação de uma série de reforçadores: renda que proporciona a
sobrevivência do indivíduo, e de acordo com o poder de aquisição decorrente do trabalho
exercido, certo bem-estar; status social; aumento da rede social pelos contatos
estabelecidos no ambiente de trabalho; sensação de produtividado. Por outro lado o
trabalho também pode ser fonte de estimulação aversiva. Silva (2000) aponta para o
problema da pressão das organizações sobre os trabalhadores no que diz respeito à
produtividade e à qualidade no trabalho. O excesso de pressão leva, muitas vezes, a
doenças, insatisfação e desmotivação, o que pode ser evidenciado em queixas de
Fadiga, Distúrbios do Sono, Alcoolismo, Estresse e Síndrome de Burnout.
A Síndrome de Burnout foi descrita pela primeira vez em 1974 pelo psiquiatra
Herbert J. Freudenberg. Ele utilizou o termo, em referência ao estado de esgotamento,
decepção e perda de interesse polo trabalho nas profissões em que há prestação de
serviço a outras pessoas (Silva, 2000). O termo se manteve como o original e, atualmente,
muitos estudos são realizados sobre a Síndrome de Burnout.
O trabalho excessivo ou em condição de alto nível de exigência incide nas
pessoas, cada qual com sua história única de aprendizagem, o que pode gerar diferentes
conseqüências. Quando a resposta às exigências do trabalho corresponde a queixas
de desgaste físico e emocional e a pessoa relata baixo envolvimento como trabalho,
pode-se pensar no diagnóstico da Síndrome de Burnout.
Borges et al (2002) frisam o caráter multidimensional da síndrome, a qual deve
apresentar três componentes: exaustão emocional, diminuição da realização pessoal e
despersonalização.

Estresse
O conceito de estresse é definido por Lipp (1996) como uma reação do organismo
frente a situações que causam irritação, medo, excitação, confusão ou alegria. É
considerado um processo e não uma reação única, pois é causado por alterações físicas
e psicológicas do organismo. Com estudos realizados, a definição foi complementada
por Lipp e Malagris (2001), acrescentando que o estresse é manifestado pela interpretação
do evento como desafiante pelo sujeito. Portanto, a partir da identificação de um evento
desafiante para o indivíduo há uma modificação na homeostase do seu organismo,
envolvendo reações físicas, psicológicas, mentais e hormonais. Após a modificação há
uma necessidade de adaptação para manter o bem estar e preservar a vida.
O endocrinologista Hans Selye é considerado o primeiro estudioso desta reação
do organismo (Lipp e Malagris, 2001). O termo estresse se popularizou e passou a ser
utilizado amplamente no cotidiano da pessoas. Porém, segundo Selye (1959), não é

3 0 6 Karitm M u c lle r t Su/une Schmidlin I õln


uma resposta exclusiva da vida moderna, é o denominador comum de todas as reações
de adaptação no corpo e acompanha a evolução da espécie humana.
O estresse ó um processo e tem suas manifestações classificadas em trôs
fases. De acordo com Lipp e Malagris (2001), a primeira fase chamada de alerta ó onde
ocorre a preparação do organismo para respostas de luta ou fuga, com o objetivo de
sobrevivência. Nesta fase, após a eliminação da adrenalina e o retorno da homeostase,
antes modificada pela presença do estressor, não traz danos ao organismo. Ao contrário,
há um aumento da energia e motivação, o que pode ser benéfico à pessoa, pois sua
produtividade tende a aumentar (Lipp e Malagris, 1998). Se o estressor continua presente
ou ó intenso, o corpo procura trazer novamente o equilíbrio, entra na segunda fase,
chamada de resistência. Quando há o reequillbrio a pessoa acredita estar bem, mas é
comum queixa de sensação de desgaste e problemas com memória. Alguns sintomas
e doenças podem ocorrer nesta fase se a pessoa não tiver um bom controle do estresse,
como herpes simplex, psorlase, hipertensão, diabetes, retração da gengiva, gripe, tontura,
sensação de flutuação e diminuição da libido (Lipp e Malagris, 1998). Se houver
persistência do estressor ou presença de mais estressores e o organismo já esgotou
a reserva de energia adaptativa, a pessoa passa para a fase de exaustão, considerada
a terceira fase do processo. Como o organismo está vulnerável, é comum a manifestação
dos seguintes sintomas e doenças: depressão, ansiedade, dificuldade em tomar
decisões, vontade de fugir, auto dúvida, irritabilidade, hipertensão arterial, úlceras
gástricas, retração das gengivas, psorlase, vitiligo, diabetes (Lipp e Malagris, 1998).
Lipp (2000) ao elaborar um instrumento para avaliar estresse, constatou uma
quarta fase que estaria entre a resistência e exaustão e a chamou de quase exaustão.
Nessa fase há um enfraquecimento do organismo, o que dificulta a adaptação ou
resistência ao estressor. As doenças e sintomas não são tão graves como na fase de
exaustão e a pessoa continua funcionando, o que não ocorre na fase de exaustão.
O processo de estresse é desencadeado por agentes estressores, os quais
podem ser das mais variadas origens, existindo, portanto, diferentes tipos de estresse,
uma vez que este é classificado de acordo com a origem do estressor. Um tipo de estresse
bastante comentado atualmente e de interesso do presente trabalho ó o estresse
ocupacional, ou seja, a resposta de estresse ocasionada pela atividade profissional
A atuação na área da saúde envolve uma série de demandas que facilmente
levam ao estresse ocupacional Um estudo realizado por Goodfellow, Varman, Rees e
Shelly (1997) em módicos e enfermeiros da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um
hospital, os quais responderam a um questionário, mostrou que as fontes de estresse
estavam relacionadas à carreira, à realização profissional e à estrutura organizacional. O
nlvel de estresse encontrado foi maior em enfermeiros do que em médicos. A hipótese
levantada pelos autores para essa diferença é de que os módicos possuem mais
autonomia em seu trabalho e sua jornada diária de trabalho não se resume ao trabalho
hospitalar. Um dado interessante nesta pesquisa era referente a profissionais da saúde
que tinham um parceiro ou filhos, os quais evidenciaram um nlvel de estresse mais baixo.
Ê interessante ressaltar o que Lipp (1997) discute sobre qualidade de vida
quando afirma que, apesar da resistência ao estresse ser variável para as pessoas, o
estresse excessivo interfere negativamente na qualidade de vida do ser humano. Se a
qualidade de vida é decorrente de bom funcionamento nas áreas: social, profissional,
afetiva e saúde, então o estresse em uma das áreas interfere nas outras e influencia na
qualidade de vida. Não se pode esquecer que o ser humano é biopsicossocial e um
conjunto de variáveis contribui para o bom ou mal funcionamento do mesmo.

Sobre Comportamento e Cotfnifdo 3 0 7


Habilidades Sociais
É difícil delimitar uma única área que estude a interação sodal. Sociologia, Antropologia,
Psicologia, até mesmo a Biologia Evolucionária, dedicam-se ao estudo da interação social,
porém o fazem com enfoque diferenciado. Del Prette (1991) aponta que a Psicologia ou a
Sociologia ao trabalhar apenas dentro do enfoque especifico de cada uma das áreas, sem
comunicação entre elas. acarreta em um erro chamado "redudonismo contraproducente". Skinner
contempla os estudos do comportamento social dentro da perspectiva da dôncla natural. Para
ele, a análise do comportamento individual predsa considerar o ambiente sodal do sujeito, pois
é neste ambiente que estão presentes os reforços sociais (atenção, aprovação, afeição e
submissão). O comportamento reforçado sodalmente ó mais variável, flexível e extenso que o
comportamento reforçado no ambiente mecânico.
Habilidades sociais, de acordo com Del Prette e Del Prette (2001a, p. 31), "[...]
refere-se à existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do
indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas das situações
interpessoais ". Uma pessoa pode ser habilidosa, mas não utilizar a habilidade devido
a falhas em outros fatores necessários para haver competência social como não
conseguir fazer uma boa leitura do ambiente, desenvolver crenças disfuncionais ou
apresentar respostas de ansiedade (Del Prette e Del Prette, 2001a).
Na área da saúde, do acordo com Gil ot al (1995), o treinamento om HS tem uma
ampla aplicação em profissionais da saúde. As dificuldades de comunicação são as que
mais resultam em problemas no trabalho destes profissionais, sendo que estas
dificuldades podem ocorrer tanto entre profissionais e usuários, como entre a oquipe. A
eficácia na comunicação entre profissionais e pacientes remete a alguns componentes
como, por exemplo, uma boa escuta do profissional, dar informações e explicações ao
usuário, proporcionar a oportunidade do usuário expressar sentimentos e idéias, realizar
perguntas, demonstrar aceitação das idéias do usuário, manter contato físico adequado,
estabelecer contato visual, proporcionar compatibilidade entre as mensagens verbais e
não verbais, reforçar e motivar o paciente. Já a relação interpessoal eficiente entre a
equipe, principalmente no trabalho de enfermagem, está associada em recusar pedidos,
solicitar ajuda, aceitar críticas, solicitar mais informações quando estas não estão claras,
dar e receber afeto quando se trata de pacientes com dor. Outras habilidades referentes
ao gerenciamento do trabalho são: saber instruir, motivar, validar, aplicar medidas
disciplinares quando necessário, dirigir grupos de trabalho, solicitar participação, delegar
responsabilidades, dirigir reuniões, mediar conflitos, entre outros.
Com base na revisão apontada acima, podemos compreender que as
habilidades sociais, mais especificamente a competência social, é essencial para um
bom trabalho na área da saúde. A pessoa que tem competência social terá que lidar
com várias situações no dia-a-dia potencialmente estressoras. Estresse contínuo pode
levar ao quadro denominado Síndrome de Burnout. Esta seqüência de raciocínio levou
à formulação da pesquisa cujos resultados serão apontados na seqüência.
Pesquisa em Unidades de Saúde
Foram avaliadas 37 pessoas, das quais 9 eram médicos (7 homens e 2 mulheres),
9 enfermeiros (9 mulheres) e 19 técnicos e auxiliares de enfermagem (19 mulheres), os
quais atuam em nove Unidades de Saúde do município de Timbó (com contrato de 40
horas semanais no Posto de Saúde), com idades oscilando entre 25 à 60 anos. Para a
avaliação utilizou-se: Inventário de Sintomas de Stress para adultos de Lipp (ISSL);
Questionário Breve de Burnout (CBB); Inventário de Habilidades Sociais (IHS).
As avaliações foram individuais, ocorreram no local de trabalho de cada
participante, om dois momentos distintos, evitando assim a sobrecarga aos participantes.

3 0 8 Kiiriihi M u cllo r c Su /iin r Schmidlin I ol>r


Os dados obtidos foram trabalhados estatisticamente, utilizando o teste
paramétrico de localização t e a corrolação do Poarson.
Os resultados ao Questionário Breve de Burnout (CBB) apontaram a variável
despersonalização como a de maior pontuação
No Invontário do Habilidades Sociais (IHS) o escore total do invontário teve uma
distribuição homogénea dentro do percontil médio, o que indica que os participantes da
pesquisa apresentam um nivel médio de habilidades sociais, se comparados com a
população om gorai. O fatorial t (habilidade do onfrontamento o auto-afirmação com
risco) e 4 (habilidade de auto-oxposição a desconhecidos e situações novas)
apresentaram oscilações nos resultados, que permitiram agrupar os participantes neste
item em dois grupos: os de freqüências à esquorda da curva que se refere a índices
mais baixos na habilidade de enfrentamento o auto-afirmação com risco e os que
ficaram à diroita, os quais aprosentaram os Índices mais altos em habilidades sociais.
O fatorial 4, auto-exposição a desconhecidos e situações novas, apresenta também
uma situação irregular, com concentração maior no lado direito da curva do histograma,
o que significa um maior número do sujeitos com índices mais altos nosto subgrupo
das habilidades sociais.
Na aplicação do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos do Lipp (ISSL)
foi constatado que 23 (62%) dos sujeitos não apresentaram estresse e 14 (38%)
apresentaram sintomas de estresse. Dos sujeitos que apresentaram estresse, a maior
parte encontrava-se na fase de resistência. A sintomatologia com maior freqüência foi a
psicológica, sendo que 2 sujeitos apresentaram escores iguais para sintomatologia
fisica o psicológica.
A correlação entro os resultados dos três instrumentos aplicados pode ser
visualizada na tabela 1.
Tabela 1 - Correlação do Poarson entre os resultados dos instrumentos de Habilidades
Sociais, Estresse e Burnout

Escore Total
Correlação de Pearson Burnout (Habilidades Estresse
Sociais)
Burnout 1
Escore Total (Habilidades
-0,1471 1
Sociais)
Estresse 0,4736 -0,0240 1

Observa-se que o escoro total das habilidades sociais no IHS em corrolação


com o nível de estresse do ISSL é de -0,0240, o que indica uma correlação inexistente.
O mesmo aconteceu com o escore total do IHS com o nível de burnout no bloco 2
referente ao Burnout do CBB, no qual a correlação foi do -0,1471, sondo também
inexistente. Já o nível de estresse do ISSL com o índice de burnout do CBB apontou uma
correlação de 0,4736 o que indica uma correlação média, ou seja, na população estudada
não se confirmou a hipótose de rolaçôo entro habilidades sociais, síndrome de Burnout
o estresse. A única relação confirmada foi entre estresse e burnout
A literatura (Oliveira,2003, Durán et al, 1995), sugere relação entre habilidades
sociais o estresse. Oliveira (2003) em um estudo com estudantes pró-vestibulandos.
Os estudantes quo apresentaram maior pontuação no IHS, portanto considerados mais

Sobrr C o m porliim rnlo e Co#nlv<Jo 3 0 9


habilidosos socialmente, tinham um monor índice de estresse, já os estudantes com a
menor pontuação no IHS, menos habilidosos socialmente, apresentavam um maior
índice de estresse. O trabalho de Duran, et al (1995) embora não tivesse como objetivo
correlacionar ostresse e habilidades sociais e sim elaborar um treino de habilidades
sociais eficaz, os autores apontaram que profissionais de saúde com habilidades sociais
desenvolvidas tinham ação preventiva quanto ao surgimento de estresse,
Lipp e Malagris (2001) sugerem a utilização do treinos do controle de estresse
o treinos de assertividade (definida como uma das habilidades sociais), como
intervenções importantes para a redução do nível do estresse. Em trabalho anterior,
Lipp (1997), a autora ressaltava que para os estrossores intornos, ou soja, que derivam
de características da própria pessoa, seria importante incluir no plano do controlo de
estresse o treino de assertividade.
Um ponto interessante observado nos resultados ao Inventário de Habilidados Sodais
(IHS) da amostra estudada, foi a polarização, ou soja, divisão em dois grupos, um com
escoros mais altos o outro com escores mais baixos nos sub itens Enfrentamento e Auto-
afirmação com risco (F1) e Auto-exposição a desconhecidos e situações novas (F4). Del
Pretto e Dol Prette (2001b, p.28) citam que o F1 do IHS corresponde à “capacidade de lidar
com situaçôos interpessoais que demandam a afimiaçâo e a defesa do direitos e auto-estima,
com risco potenaal de reação indesejável por parle do interlocutor [...]" enquanto que o F4
indica as habilidades da pessoa em situações sociais com pessoas desconhecidas.
Considerando que profissionais de saúde encontram diariamente pessoas que vem procurar
atendimento, sendo estas a principio desconhecidas, e os profissionais precisam, como
afirmam Gil et al (1995), estar proparados para enfrentar situações conflitivas como: tranqüilizar
um paciente, comunicar notícias ruins, recusar um pedido abusivo, enfrentar pressões, entre
outros. O grupo que apresentou escores baixos nos tópicos citados precisa ser acompanhado
com cautela, pois a dificuldade detectada podo fornecer risco na condução do trabalho na
Unidade do Saúde, já que são habilidades necessárias neste contexto específico. O fato do
escoro total no instrumento estar na média, ó um aspecto positivo, o qual podo componsar as
dificuldades espocíficas detectadas pela apuração mais minuciosa do instrumento.
Os resultados do trabalho que estamos descrevendo não apontaram para as
rolações trazidas na literatura, quanto à correlação ontre habilidades sociais e estresse
o habilidades sociais o burnout. Deve-se ressaltar que um estudo de correlação com
uma amostra pequena ostá sujeito a uma análise estatística menos apurada e para
uma maior diferenciação dos grupos ó necessária uma amostra mais ampla. Para
conclusão mais consistente seria necessário ampliar o presente estudo ou agrupá-lo a
outros estudos de meta análise.
Um estudo realizado por Aiken e Sloane (1997) com profissionais da
enfermagem em hospitais, chegou à conclusão de que o burnout aprosonta uma rolação
maior com as características do ambiente de trabalho, do quo com as características da
possoa. Desta forma, o déficit de habilidades sociais, representado como característica
da pessoa, pode não ser considerado o único ou o fator preponderante para o
desenvolvimento da Síndrome de Burnout, sendo importante levar em conta as
características do ambiente de trabalho dos profissionais participantes do estudo. No
estudo em questão os profissionais atuavam em um município onde o serviço de saúde
ora considerado o carro-chefe da gestão, o que era explicitado a todos os profissionais,
o que pode caracterizar uma pressão do ambiente sobre o profissional.
Segundo Maslach e Leiter (1997), a Síndrome de Burnout ó detormínada por
dificuldades de mtoraçáo da pessoa e seu trabalho, e pode decorror dos seguintes
fatores: sobrecarga de trabalho, falta de controle na rotina de trabalho, gratificação

3 1 0 K.irin.i M u e lle r e Su/anc Sd im id lin l.o ln


insuficiente, desarranjo no grupo de trabalho, ausência de integridade no grupo e valores
divergentes entre as pessoas. Os autores ainda argumentam que os programas de
provonção e intervenção do burnout devem ser pautados na interação sujeito-trabalho e
não somente em um dos componentes.
Outra correlação proposta pelo presente estudo foi entre burnout e estresse.
Hornández (2003), ao fazer um estudo sobro as diforenças nas respostas de estresse
e burnout quanto ao gênero, à profissão (médico e enfermeiro) e aos níveis de atenção
à saúdo a quo os profissionais dirigem a intervenção (primário e secundário), verificou
que houve correlação significativa entro as variáveis do Questionário Breve de Burnout
(CBB) e as variáveis do Inventário do Estresse para Profissionais de Saúde (IEPS). Os
resultados obtidos no estudo quo estamos apresentando mostraram quo houve uma
correlação considerada estatisticamente de grau médio, o que corresponde com
achados da literatura. O ISSL mostra que um pouco mais da metade dos profissionais
de saúde (62%) não apresentou estresse. Obsorvou-se, dentro as fases do estresso,
maior concentração na fase do resistência.
Lipp (2000) verificou que a fase de resistência tendo a ser onde a maioria das
possoas entrevistadas na validação do ISSL se encontravam. Calais, Andrade e Lipp
(2003) posquisando as diferenças de sexo e escolaridade na manifestação de estresse
om adultos jovens, chogaram aos mesmos resultados, o que ó preocupante, pois os
sintomas podem não ser percebidos pelo organismo e a probabilidade da pessoa
adoecer aumenta, devido a alterações fisiológicas ocorridas nesta fase.
Lipp e Malagris (2001) explicam a maior concentração de profissionais de
saúde na fase de resistência em função de que a chegada na última fase do estresse,
á exaustão, só ocorre se o estressor for muito forte o permanente, o que não ocorre no
dia-a-dia do trabalho destes profissionais. Geralmente as pessoas passam pela fase
de alerta e chegam na resistência, mas o quadro não evolui devido a uma adaptação do
organismo com o estressor. Pode-se pensar que o profissionais de saúde avaliados na
pesquisa, que realizamos que apresontaram escores de ostresse classificando-os na
fase de resistência, podem ter se adaptado aos estressoros do suas vidas e, por isso,
permanecem na fase de resistência.
Quanto à sintomatologia de estresse manifestada, a mais prosento foi a
psicológica. Isto indica que, os participantes da pesquisa são mais vulneráveis nesta
área e que quando estressados desenvolvem mais sintomas de um quadro de ansiedade
e de depressão. A diferenciação da sintomatologia pode conduzir ao tratamento mais
adequado (Lipp, 2000). Murta e Tróccoli (2004) descrevem um tratamento desenvolvido
com profissionais de um hospital para o enfrentamento de estresse através de vivências,
ensaio comportamental, relaxamento, roostruturação cognitiva, treino de soluções de
problemas e automonitoramento. O estudo apresentou um resultado satisfatório. Os
profissionais que participaram das sessões relatam sensação de bem estar e satisfação
após o programa. No entanto, o estudo não tinha como objetivo avaliar os níveis de
estresse antes e depois do programa, portanto, não se podo concluir a eficácia do
programa na redução dos niveis de estresse dos profissionais.
O estudo quo desenvolvemos e que foi relatado acima incentivou a discussão
de estratégias para a prevenção de estresse e burnout entre os participantes. Enquanto
pesquisa, sugere-se que novos estudos correlacionais sejam realizados e que, a partir
destes, planos de intervenção e tratamento sejam revistos e aprimorados visando assim
a melhoria na qualidade do vida das pessoas no seu trabalho.

Sobro C om port.i mento c C'o« m Iç<1o 311


Referências
AIKEN, L H SLOANE, D M (1997) Effects of organizational innovatios In aids care on burnout
among urban hospital nurses Work and Occupations, 24
BORGES, L. O.; ARGOLO, J. C T; PEREIRA. A L S.; MACHADO, E A P.. SILVA, W, S (2002). A
slndrome de Burnout e os valores organizacionais: um estudo comparativo em Hospitais
Universitários Psicologia: reflexão e critica, 15(1), 189-200
CALAIS, S. L. ANDRADE, L M. B LIPP, M. E. N (2003) Diferenças de sexo e escolaridade na
manifestação de stress em adultos jovens Psicologia. Reflexào e Crítica, 16(2), 257-263.
CARDOSO, W L. C. D. (1999). Qualidade de vida e trabalho: uma articulação possível In; GUIMARÃES,
L. A M.; GRUBITS, S. (orgs.) Série saúde mental e trabalho São Paulo, Casa do Psicólogo, v 1.
DEL PRETTE, A. (1991). Do estudo de grupos ao estudo dos movimentos sociais: contribuição
possível da Psicologia Psicologia Teoria e Pesquisa, 7(3), 247-253
DEL PRETTE, Z A P DEL PRETTE, A (1996). Habilidades sociais: uma área em desenvolvimento.
Psicologia Reflexão e Crítica, 9(2), 233-255
DEL PRETTE, Z A P DEL PRETTE, A (2001a) Psicologia das relações interpessoais: vivências
para o trabalho em grupo Petrópolis, Vozes
DEL PRETTE, Z. A P DEL PRETTE, A (2001b) [nventário de Habilidados Sociais' Manual de
aplicação, apuração e interpretação São Paulo, Casa do Psicólogo
DURÁN, C N BARRACAN, A T RUBIO, J M L (1995). Entrenamiento en habilidades sociales con
profeslonales de Hnfermerla. In' RODRlGUEZ, F. G RUBIO, J M. L EXPÓSITO, L. J. (orgs.).
Habilidades sociales y salud Madrid, Ediciones Pirâmide.
GIL, F et al (1995). Apllcaciones' la formación de los profesionales de la salud In RODRlGUEZ, F. G.
RUBIO, J M L EXPÓSITO, L. J (orgs) Habilidades sociales y salud Madrid, Ediciones Pirâmide
GOODFELLOW, A VARNAM, R REES, D SHELLEV, M P (1997). Staff stress on the intensive care
unit: a comparison of doctors and nurses Anaesthesia, 52(11), 1037-1041
HERNÁNDEZ, J R (2003) Estrés y burnout en profesionales de la salud de los niveles primário y
secundário de atención Revista Cubana de Salud Pública, 29(2)
LIPP, M E N (1996) Stress: conceitos básicos. In: LIPP, M E N (org.) Pesquisas sobro stress no
Brasil: saúde, ocupações e grupos de risco Campinas, Papirus
LIPP, M E N (1997). Qualidade de vida e sobrevivência' modelo de tratamento comportamental do
stress In1ZAMtGNANl, D R (o rg ) Sobre comportamento e cognição a aplicação da análise
do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental no hospital geral e nos transtornos
psiquiátricos São Paulo- ESETec, v.3.
LIPP, M E. N MALAGRIS, L E N (1998). Manejo do estresse In: RANGÉ, B. (o rg ) Psicoterapia
comportamental e cognitiva: pesquisa, prática aplicações e pmbiemas. Campinas, Editorial Psy.
LIPP, M E N (2000) Manual do inventário de sintomas de stress para adultos de Lipp (ISSL). São
Paulo, Casa do Psicólogo
LIPP, M E N MALAGRIS, L E N (2001) O stress emocional e seu tratamento In RANGÉ, B.
Psicoterapias cognitivo comportamentais um diálogo com a psiquiatria Porto Alegre, Artmed
MASLACH, C LEITER, M P (1997) The truth about burnout: how organizations causo personal
stress and what to do about it San Francisco, Jessey-Bass Publishers
MURTA, S. G. TRÔCCOLI, B. T, (2004) Avaliação de intervenção em estresse ocupacional Psicologia:
Teoria e Pesquisa, 20(1)
OLIVEIRA, L K (2003) Análise comparativa entro habilidades sociais e os níveis de stress em um
grupo de estudantes pré-vestibulandos, Monografia de Conclusão de Curso de Bacharelado
em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos
PEREIRA, A M. T. B JIMÉNEZ, B M (2003) O burnout e o profissional de psicologia Revista
Eletrônica InterAçâo Psy, 1(1), 68-75
SELVE, H (1959). Stress; a tonsáo da vida São Paulo. IBRASA.
SILVA, F P P (2000). Burnout: um desafio à saúde do trabalhador. Psi - Revista de Psicologia
Social e Institucional, 2(1)
SKINNER, B F (1981) Ciôncia e comportamento humano São Paulo, Martins Fontes

3 1 2 K.iriuii M u c llc r c Su/uiu* Sclimidlin I ol»r


- Capítulo 30
A perspectiva biológica do luto
Katsumasa I loshino
UNFSP

Introdução
O luto pode ser definido de diferentes maneiras segundo o aspecto que se quer
enfocar. Em linguagem singela pode ser definido como uma reação à perda, em geral
de uma pessoa, em especial de uma pessoa amada (Parkes, 1998). Por ser uma das
experiências mais marcantes na vida das pessoas, é um tema bastante abordado pela
Psicologia, principalmente em função da freqüência relativamente alta de procura de
auxilio psicoterápico para as complicações do luto.
A perda desencadeadora do luto consiste em deixar de se ter o que tinha, na
maioria das vezes, alguém ou algo do ambiente a quem ou ao qual se tinha vinculo
afetivo. Isto significa que a perda acarreta modificação de uma situação ambiental que
proporcionava bem-estar. O fato de o luto ser reação a uma modificação, geralmente
ambiontal, implica que ele é um conjunto de respostas de interação com o meio. Como
estas interações são comportamentos, o luto e seus problemas podem ser abordados
pela análise comportamental que se fundamenta no neobehaviorismo radical.
É possível que algumas pessoas rejeitem a abordagem do luto em terrnos
comportamentais. Elas argumentam que os processos psicológicos, como o sofrimento
do luto, são as causas das reações comportamentais do enlutado e que, portanto,
deve-se abordar o psicológico e não o comportamento. Esta dicotomia mente-corpo
derivado das pressuposições filosóficas da antiguidade não mais se sustenta frente
aos conhecimentos atuais das neurociências e a insistência em sua manutenção revela
desconhecimento dos avanços tidos nesta área ou questão de fé. O sogundo ponto é a
crítica que muitas pessoas fazem ao behaviorismo e todas as demais posições
correlatas acusando-os de negarem os processos psicológicos que são eminentemente
subjetivos. Estas pessoas desconhecem que o neobehaviorismo radical aborda estes
processos como comportamentos encobertos (privados) e sua obediência aos mesmos
princípios dos comportamentos observáveis.
O reconhecimento de que o luto se processa normalmente em etapas distintas
em diferentes culturas, embora haja discrepâncias no tocante aos detalhes, indica a
possibilidade de que ele serve a uma função adaptativa importante como já havia
apontado Brown & Stoudemire (1983). Estas observações sugerem que o luto humano
seja uma manifestação filogeneticamente adquirida através de mutações sucessivas e
preservada em função da vantagem trazida para a sobrevivência (valor adaptativo). A
abordagem evolutiva do luto recorre a conceitos da Biologia e suscita a questão de
muitos analistas do comportamento de que a Psicologia comportamental deve ser

Sobre Comportamento e Cognição 3 1 3


construída com independência das outras áreas da Ciência para que não seja vitima do
reduclonismo. A essas pessoas ó preciso lembrar que Skinner postulou serem os
comportamentos determinados em parte pela variação e seleção filogenética e apontou
por diversas vezes a necessidade dos dados da fisiologia para a fundamentação dos
processos e conceitos estabelecidos pelo behaviorismo radical (Skinner, 1984).
O presente trabalho aborda os diferentes aspectos do luto em diversas espócies
animais e tenta mostrar que a vertente filogenética da análise comportamental possibilita
o entendimento do luto humano como uma aquisição evolutiva preservada pela sua
função adaptativa e mostra implicitamente que é possível entender o comportamento
de uma maneira mais ampla e coerente sem que exista abismos e incongruências da
demarcação do conhecimento em áreas arbitrariamente divididas e desconexas. A
proposição amplia o poder heurístico da análise comportamental e a consolida como
parte integrante da Ciência, de maneira similar ao desenvolvimento da ffsico-qulmica
que permitiu explicar diversos fenômenos, como o propriedade do hidrogênio e do
oxigênio, que são dois gases, formarem um liquido que é a água com todas as suas
propriedades dos líquidos dentro de uma faixa térmica.

É possível falarmos em Biologia do luto?


Colocando em ordem temporal os elementos da definição de luto temos: aqueles
que amamos, quando são perdidos, nos fazem sofrer. Embora possamos amar, perder e
sofrer sem saber os porquês, podemos nos perguntar o que é biologicamente o amar, o
perder e o sofrer? e descobrir que diversos animais também tem estes sentimentos que
caracterizam o luto. A análise do comportamento se alicerça na análise funcional dos
comportamentos e para isso recorre à determinação da função através da avaliação
detalhada da situação em que eles ocorrem, do comportamento ou conjunto de
comportamentos em si e a conseqüência destes. Tal procedimento decorre do princípio
de que os comportamentos são selecionados ao longo da ontogênse em função das
conseqüências, tal qual ocorre na seleção e preservação de um caráter evolutivo. Esta
similaridade permite que usemos o paradigma da análise funcional também na filogênese
do luto. De fato, podemos dizer que o amar e a perda são os eventos importantes da
situação, as reações do luto correspondem ao comportamento e o sofrer, e a superação
do luto é a conseqüência.

A - A situação desencadeadora do luto


Muitas pessoas, mesmo as eruditas, acreditam que o amor é uma dádiva ou
capacidade exclusivamente humana responsável pela sua felicidade. Um primeiro
problema que surge quando se quer estudar o amor do ponto científico é o significado
correto da palavra. Skinner (1991) chama a atenção para o fato do termo amor englobar
o conteúdo semântico das palavras gregas Eros (amor sexual, parental - derivados da
seleção natural), Philia (philosophia, amar as músicas de Beethoven, etc - derivado de
condicionamentos operantes) e Ágape (render culto a heróis, receber alguém com
alegria, etc - derivado da evolução cultural). O segundo problema é a crença de que o
amor é exclusivamente humano. As pessoas que têm animais de estimação atestam
que cães e gatos têm comportamentos específicos que indicam gostar mais de uma
pessoa que outra. Este reconhecimento das emoções em diferentes animais, como
feita por Darwin, levou a Biologia a utilizar os termos vínculo ou apego para substituir a
palavra amor e evitar a concepção mentalística e antrocêntrica que vigora nas culturas
ocidentais. Bowlby (1984, 1985) é um dos autores pioneiros no estudo do apego e

3 1 4 K.it*um.is»i I loihrno
perda. O termo vinculo indica estabelecer ligação ou posse, e apego conota ligação e
dedicação com inclinação afetuosa relativamente duradoura. São, portanto, termos que
podem ser signos neutros e mais abrangentes para a descrição das diversas relações
comportamentais que se observam entre organismos ou entre um organismo e um
objeto (material ou imaterial). Assim, o termo vinculo e apego são adequados para
descrever as relações da dlade mãe-filhote de macacos, assim como da dlade mãe-
fillho humano. Como se verá adiante, os mecanismos fisiológicos do amor humano e
do apego em animais são comuns e derivados de uma mesma história filogenótica.
As pessoas leigas e mesmo estudiosas acreditam que os vínculos nos animais
não-humanos sejam genética e deterministicamente programados, Isto ó, sejam
comportamentos inatos cuja expressão ó automática em resposta à apresentação do
estimulo eliciador especifico (estlmulos-sinais). Isto não parece ser verdade, pois a adoção
de filhotes de outras espécies ocorre com bastante freqüência no reino animal (Thews,
sem data), mostrando que a potencialidade de criar vínculos é herdada, entretanto, a quem
se vincular ó aprendido. O fato de um cão formar um novo vinculo quando doado de uma
família para outra mostra que, ao menos em parte, o vinculo ó aprendido. Do ponto de vista
da análise do comportamento, existe um elemento reforçador provido filogeneticamente no
amor e o amor é decorrente dos comportamentos conseqüenciados por este reforçamento
(Skinner, 1991). Além do mais, Skinner admite que internamente o reforçador "dá prazer ou
faz sentir-se bem". Os conhecimentos atuais da fisiologia permitem esboçar de que maneira
os eventos neurais promovem a instalação das relações de apego baseada no reforçamento.

1) apego e sua análise funcional.


Os comportamentos de apego ocorrem nas relações mãe-filhote, nas relações
entre pares reprodutivos e nas relações grupais de diversas espécies animais, sendo os
ratos, camundongos, cobaias, ratazanas da pradaria e pintinhos os mais estudados. Está
demonstrado que as respostas do eixo hipotálamo-hipófise-adrenais e do sistema nervoso
simpático que intermedeiam um conjunto de respostas corporais que ajustam o organismo
para emitirem com maior eficácia os comportamentos de enfrentamento em situações
estressantes, são diversas daquelas observadas nos animais com apego,
comparativamente aos animais que apenas relação afiliativa (Hennessy, 1997). Assim, a
presença da mãe inibe a ativação deste eixo no filhote da cobaia (Henessy et al., 2002). Da
mesma maneira, cobaias que formam casais com vinculos secretam menos cortisol
(hormônio das adrenais das glândulas supra-renais) quando separados do grupo, fato quo
não acontece quando os animais são apenas conhecidos de uma mesma colônia (Kaiser
et al„ 2003). Esta redução de resposta no eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal promovida
pelo vinculo social é mediada pela secreção de ocitocina e vasopressina (Carter, 1998), fato
comprovado pelas alterações na capacidade reforçadora dos vínculos e de reconhecimento
social nos animais que sofreram manipulação dos genes da vasopressina e da ocitocina,
ou das proteínas de seus receptores que modificam a função destes hormônios (Young,
2001). Assim, a deleção do gene da ocitocina em camundongos altera o comportamento de
apego aos estímulos sociais (Young, 2002). Eles crescem bem se amamentados por
fêmeas lactantes, mas emitem pouca vocalização ultrassônica se separados das mães.
São mais agressivos quando adultos e eles não reconhecem os coespeclficos da família
mesmo após apresentações sucessivas, embora tenham o sistema olfativo e a memória
não-social intacta. A administração de ocitocina na amígdala (núcleo de células localizado
no interior dos lobos temporais do cérebro) restitui estas perdas (Winslow & Insel (2002).
A ocitocina e a vasopressiva são aparentemente importantes na conexão das
informações sociais ao sistema mesocorticollmbico dopaminégico de prazer,

Sobre Comportamento e Cognição 3 1 5


fundamental para o estabelecimento de vínculos sociais, sendo de particular interesse
o fato deste sistema dopaminórgico desempenhar papel central no vício a drogas (Insel,
2003). As ratazanas da pradaria (Microtus orchrogaster) são monogâmicas e Aragona et
al. (2003) mostraram que a administração de haloperidol (bloqueador da
neurotransmi8são dopaminérgica no sistema nervoso central) bloqueia, enquanto a
apomorfina (liberador de dopamina) induz, a formação de preferência de pares.
Demonstraram, ainda, que a cópula aumenta em 33% a taxa de renovação da dopamina
no núcleo accumbens. Kendrick (2004) mostra que a ocitocina e vasopressina dão
apôgo a ratazanas da pradaria e em carneiros que são espécies em que ocorre alta
densidade de receptores para estes hormônios no sistema mesollmbico de prazer.
Young & Wang (2004) mostram que a ativação concomitante dos receptores de ocitocina
e vasopressina e da dopamina nos centros de prazer mesolimbico durante a cópula
resulta na preferência condicionada do parceiro, observada pela formação de casais.
A existência de mecanismos neurais similares responsáveis pelo apego em
diversas espécies que podem ser manipulados por drogas, manipulações gênicas e lesões
cerebrais mostra claramente que a capacidade de apego humano é uma herança evolutiva.
A observação de que o grito de alarme em uma situação de coleta de alimentos em
um bando de macacos evoca uma corrida da mãe para o topo de uma árvore com o seu
filhote agarrado às costas mostra que a conseqüência deste comportamento de apego ó o
afastamento de uma situação de perigo, portanto, a função evidente é a de proteção. Da
mesma maneira, quando vemos uma leoa trazendo uma caça semiviva de pequeno porte
para os filhotes aos quais tem apego para que eles “brinquem" de caçar e acabem de
mata-la, seguida da conseqüência que é saciar a fome, podemos deduzir que a função é de
aprendizagem do comportamento de caça. Uma cadela no cio atrai uma série de machos
à sua volta e todos tentam a cópula, porém, observa-se que rejeita os machos que vivem
com ela na mesma casa A conseqüência é que ocorre cópula preferencial com machos
desconhecidos. A procura da função mostra que esta contingência tem como função a
prevenção de prole consangüínea. O casal de pingüins mantém fidelidade e macho e
fêmea se revezam no cuidado com o filhote. A conseqüência é o sucesso na procriação. A
análise mostra que a função do vinculo é a de solucionar os problemas de procriação em
um ambiente extremamente inóspito. Quando observamos a invasão do território de uma
matilha de lobos por outra, os ataques dos ocupantes da área, que mantêm vínculos entre
si, são seguidos da expulsão dos invasores. A função, evidentemente, é a defesa dos
recursos de sobrevivência existentes no território. Todos estes exemplos mostram que o
vínculo e o apego são propriedades que garantem a solução dos problemas de sobrevivência
com o auxilio de outro indivíduo. O caminho evolutivo para a sobrevivência garantida na
ajuda ou cooperação de outros membros da mesma espécie pode ser considerado um
dos fatores moduladores para a constituição da vida social em muitas espécies.
Considerado estes dados podemos evidenciar uma primeira conclusão:
O vínculo entre coespeclflcos, reforçado pelo apego (amor), è uma aquisição
filogenética cuja função adaptatlva é a de garantir (através de reforçamentos que
as necessidades de um indivíduo sejam atendidas por outro ou outros e contribuir
para a sobrevivência.
2) o que é perda?
A vida dos organismos transcorre em ambientes onde apenas algumas
características mudam lentamente, como a taxa de oxigênio na atmosfera, a força da
gravidade terrestre, etc. Outras mudanças de curto prazo são visíveis, tal como a variação
diária de luz-escuro. Paralelamente a estas variações, os animais enfrentam variações
nas situações diárias de vida, algumas delas novas e de grande perigo para a
sobrevivência. A saída para caça e alimentação pode ser interrompida pelo aparecimento

3 1 6 I losltino
de um predador, assim como, a possibilidade de quebrar os ossos de um membro em
uma queda acidental. As mudanças constantes e imprevisíveis das situações na vida
dos animais impõem mudanças nas relações de vínculo/apego. Assim, a fuga de
antílopes em diferentes direções desencadeada pela detecção da presença de uma
leoa pode separar mães e filhotes. O reencontro pode demorar além do um tempo
normal e instalar as reações de perda. Se o reencontro ocorre, a perda pode ser
considerada temporária. Se o reencontro não ó possívol, a perda se torna definitiva.
Assim, imprevistos, acidentes, doação de animais domésticos de uma família para
outra, migrações, rompimento de namoro, etc, por possibilitarem reencontro, podem
ser causas das perdas temporárias ou definitivas. A morte ó causa inexorável de perda
dofinitiva, portanto muito temida o determinante de sofrimento, às vezes, excessivo.
Embora seja freqüente a afirmação de que a morto ó inoxplicável, onvelhocimento
e morto são eventos geneticamente programados em diversas espécies animais ou
limitada ambiontalmente quando se trata de espécies que não envelhecem
(Patrício, 1998). A morte quando encarada do ponto de vista individual podo parecer
absurda, entretanto, possui um valor adaptativo para a espécie como um todo quando
analisada do ponto de vista das transformações o mudanças que ocorrem
constantemente no ambiente.
Os organismos se mantém vivos enquanto conseguem garantir um estado de
equilíbrio frente aos fatores e forças desorganizadoras da natureza. Para isto, eles têm
um repertório geneticamente determinado para a solução dos problemas estáveis de
seu ambiente e a capacidade plástica da aprendizagem para enfrentarem diversos
aspectos do ambiente que se modificam ao longo do tempo. As mudanças do ambiente
são imprevisíveis e algumas delas inviáveis para a vida. Isto condiciona a produção de
variabilidade intorindividuais uma das estratégias mais importantes de sobrevivência. A
variabilidade interindividual é garantida pela reprodução sexuada, onde dois indivíduos
diferentes dão origom a um terceiro ou mais indivíduos diforentes deles. Esta variabilidade
é reforçada pela história ontogenética individual e também em escala mais ampla pela
variabilidade cultural (pense-se em culturas altruístas como a japonsoa e individualistas
como a americana). Alguns indivíduos podem ter variação favorável para a solução do
novo problema imposto polo ambiento e sobrevivem, garantindo a continuidade da espécie.
As mudanças que ocorrom na natureza são infinitas e imprevisíveis e isto torna
impossível uma espécie ter variantes para todas estas mudanças e a aprendizagem
podo solucionar o problema. A capacidade de aprendizagem de um indivíduo, no entanto,
é finita devido ao número limitado de neurônios responsáveis pela sua fixação
mnemónica. Assim, é altamente estratégico a renovação daqueles com a capacidde de
memória em declínio por outros com as capacidades a serem ainda usadas. Mostra
isto, a análise da capacidade dos jovens atuais em incorporam os conhecimentos de
informática que é acentuadamento maior que aquela dos idosos, aos quais o advento
da computação representou mudança. Assim, pode-se dizer que os novos variantes
têm possibilidade de solucionar mais facilmente os novos problemas ambientais e
devem ter prioridade para a manutenção da espécie. Uma voz quo os recursos do meio
ambiento para a sobrevivência são limitados, a obsolescência e morte estão
programadas goneticamente para evitar o probloma da superpopulação o exaustão
dos recursos necessários para a continuidado da espécie. A programação biológica
para os organismos serem temporários faz que a morte possa ser antecipada quando
doenças e acidentes imprevisíveis desequilibram irreversivelmente as condições de
equilíbrio (homeostase) do organismo.
A dependência de obtenção das soluções para a sobrevivência a um
coespecífico do apego faz quo a sua perda seja extromamente dramática em alguns

Sobre (.'omporltim enlo e ('ogniftlo 3 1 7


casos. Observações de pingüins órfãos, feitas pelo presente autor na Antártica, mostram
que eles, após uma fase de procura, permanecem encurvados e imóveis na periferia
das colônias de reprodução (pingüineiras), não se importando com as bicadas das
aves do rapina quo deixa sangrando diversos pontos do corpo, dando a impressão de
desamparo profundo. A impossibilidade de continuação da sobrevivência devido à perda
dos cuidados dos pais, da mesma maneira que ocorre om muitas outras espécies,
implica em morte lonta o inexorável. A vocalização ultrassónica desesperada dos ratos
lactentes quando são separados das mães por tempo demorado, o balido plangente
dos cordeiros afastados de suas mãos, o choro da criança que se perdeu da mãe,
revelam que as perdas se constituem em mudanças altamente alarmantes uma vez
que a sobrevivência do remanescente está ern risco. Mudanças alarmantes são,
inogavelmente, situações de estresse.
A análise das perdas leva a uma segunda conclusão que ó:
A perda è uma mudança no ambiente, extremamente estressante quando se trata
de alguem de apego visto colocar em risco a contlnujidde da vida do remanescente.

B - As reações de luto
O luto ó, por definição, uma reação à perda. Vimos que a perda de um coespecifico
de apego, tal como o filhote que perde sua mão, ó uma mudança extremamente
estressante para quem permanece vivo. Assim, pode-se conceber as reações do luto
cotno um conjunto de respostas ao estresse da mudança acarretada pela perda. As
situações de estresse desencadeiam inicialmente um estágio de alarme, seguido do
estágio do resistência e, finalmente, do estágio de falência, se elas são prolongadas.
Esta seqüência de estágios caracteriza a síndrome geral de adaptação, postulada por
Selye que foi o pioneiro no estudo do estresse (Brandão, 2004). Estes estágios são
rápidos e claramente visíveis no hamster dourado macho quando submetidos a uma
mudança repentina devida a sua transposição das condições normais para uma situação
de nado forçado (Michelan & Hoshino, dados não publicados) que ó um método
comportamental preconizado para a indução experimental de depressão om roedores
(Porsolt et al., 1977). Os hamsters apresentam inicialmente um período de enfrentamento
vigoroso para sair da situação, emitindo divorsas tentativas do escape da situação, porém
à medida que as tentativas são frustradas eles passam a apresentar secreção ocular
intensa das glândulas hardorianas indicando um reboto intenso do sistema norvoso
parassimpático o o aparecimento de períodos de imobilidade comportamental indicando
mudança na estratégia comportamental. Esta imobilidade no rato é revertida polo uso do
agentes antidepressivos (Porsolt et al., 1977). O estresse da perda também desencadeia
as reações do luto em estágios ou fases que são basicamente a do alarmo, com negação
da perda e enfrentamento da situação estressante; de aceitação da perda, com sofrimento
e pesar, e de mudança de ostratégia comportamental com as atividades de reorganização
o readaptação á vida. Alguns autores subdividem algumas destas etapas, aumentando o
númoro deles, contudo, sem afetar basicamonte o quadro das reações. É preciso notar
que estas etapas podem ocorrer misturadamente.

1) o estágio do alarmo do luto


É farta a documentação de que a separação experimental ou a porda roal de
parceiros de apego é estressanto. A validade dos modelos animais de separação com
uso do primatas não-humanos é defondida por Rosenblum & Paully, 1987 o por Reite et
al. (1989). Kalin & Carnes (1984) por sua vez, relatam que nos primatas, incluindo os

3 1 8 Kiitsum.is .1 H o sh in o
humanos, as reações á separação são estressantes (Tabela I) e deixam profundas
seqüelas comportamentais o fisiológicas detectáveis na vida adulta (Dauge, 2003; Hofer,
1996; Gilmer & McKinney, 2002). Vô-se na Tabela 1 que a ativação do alerta, do sistema
simpático e do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) tem a função do ajustar o
organismo para dar suporte á emissão de comportamentos com o máximo de eficiência.
Por exemplo, o cortisol secretado pelas adrenais mobiliza metaboliza diferentes
olemontos do organismo para o fornecimonto de material necessário à produção de
enorgia em alta demanda nas situações de estresse.

Tabela 1. Quadro geral do organismo no estágio de estresse do luto.


A tiva çlo no estresse Resultados
Alorta Hlperreatividade sensório-motora (alucinações),
amledade, insônia, depressão
Sistema nervoso Bimpático Alterações cárdío-circulatórias. gástricas
Eixo hipotAlamo-hipôflse-adreníil Depressão de respostas imunológlcas
Comportamentos Procura, chamados, pensamentos invasivos

O estresse envolvo ansiedade e promove alterações nos níveis de monoaminas


do sistema norvoso central. A separação induz alterações nos sistemas aminérgicos do
SNC de primatas e isto faz que parte das características do luto tonha semelhança com
o transtorno do estrosse pós-traumático, um distúrbio do ansiedade. É na fase de
alarme do luto humano que se observam os comportamentos de negação da perda,
procura intensa, às vezes com alucinações de reencontros, episódios de raiva, etc,
pontuados por desenvolvimento de problemas de saúde, como doenças cárdio-
circulatórias. Paralolamente ocorre aumento do risco de dosonvolvimento de depressão
(maior nos viúvos) e risco aumentado do óbito nos dois anos iniciais do luto.
A ativação do eixo HPA ó uma resposta ao estresse e a secreção aumontada de
cortisol das glândulas adrenais na soparação se deve a um aumento inicial na socreção
hipofisária de ACTH por comando hipotalâmico. No macaco esquilo, as adrenais mantêm
a secreção de cortisol elevada dovido a um aumento da responsividade ombora o ACTH
diminua em 1-21 dias (Lyons et al., 1999). Nicolson (2004) diz quo os adultos humanos
que perderam um dos pais antes dos 17 anos têm maior socreção de cortisol embora
não tenham diferenças de depressão ou ansiedade em relação a possoas que não
tiveram tais perdas. A socreção aumentada de cortisol podo ser induzida por música e
luto imaginado, sogundo McCIoory ot al. (2000).
Os glicocorticóides (cortisol em humanos) liberados no estresse deprimem o
sistoma imunológico e o sistema endócrino, fato quo ocorre também no luto (Beutel, 1991).
Este mecanismo é responsável por diversas doonças que surgem com a viuvez, incluindo
a possibilidade de câncer. Irwin et al. (1988) documentou que as viúvas tôm monor número
de células NK (natural killers) no período de luto comparativamente ás não enlutadas. Esta
redução está associada aos sintomas depressivos do luto e não ospecificamente à perda
do marido. Outros trabalhos do grupo indicam quo a secreção aumentada do cortisol não ó
suficiente para explicar as reduções no sistema Imunológico. Segundo Guerra ot al. (2003)
existe um subgrupo do pessoas quo apresenta os efeitos imuno-ondócrinos somente no
período inicial do luto, enquanto outro mostra alterações severas e do longa duração (pessoas
disfóricas o do temporamonto esquivo). McClelland et al. (1991) rolatarn quo há aumento
das células holper-inducer T nos diabéticos em luto recente e supõom que as lembranças
das perdas antos da diabete tenham contribuído para a morto das ilhotas produtoras de
insulina. A depressão do sistema imunológico do onlutado liboraria o controle inibitório

Sobre Comportamento e l'oR ni(ilo 3 1 9


sobra as células neoplásicas potenciais e facilitaria o dosonvolvimonto do câncor (Biondi et
al., 1996). Dados mais recentes de Leonard (2000) permitom formular a hipótese de que a
depressão do enlutado seja causada pela hipoatividade dos receptores de glicocorticoides
nas células do sistema imunologico e no sistema limbico. A depressão se associa com a
ativação de alguns aspectos da imunidade celular que resulta na hipersecreção do citocinas
pro-inflamatórias e hiperatividade do sistema hipotalamo-hipofise-adronal. A ansiedade ó
uma das causas do insônia e há alterações de sono na viuvez que ocorro na velhice (Brown
ot al.,1996). Hall et al. (1998) dizem que o aumento da freqüência de pensamentos intrusivos
do luto ocorre no período de retardo do primeiro estágio de sono (NREM-1) e isto está
relacionado á redução nas células NKC. Estes dados foram questionados polo trabalho de
McDermont ot al. (1997) que só constataram alterações de sono somente associadas ao
luto com depressão,
Quanto a secreções do outras glândulas endócrinas, Lane et al. (1987) afirmam
que haveria uma indução de prolactinemia diferente no enlutado masculino e feminino
após entrevista a respeito do falecido.
A ativação do sistema nervoso simpático ó outra resposta ao estrosse que mobiliza
diversos ajustes viscerais típicas das situações de emergência através da liberação de
adrenalina nas suas terminações sinápticas e pela parte modular das glândulas
suprarrenais. A excreção urinária de catecolaminas (adrenalina e nor-adrenalina) é alta
na fase aguda do luto ou na ameaça de luto em Idosos e isto não está associado á maior
taxa de excreção que advém da depressão desenvolvida pelos idosos (Jacobs et al.,
1986). Os autores interpretam como decorrente da adaptação lenta do sistema simpático
medular das adrenais.O simpático modula a atividade cárdio-circulatória e o luto aumenta
a vulnerabilidade aos ataques cardíacos (Verrier & Mittelman, 1997).
É interessante notar que Beem et al. (1999) mostram evidências de que o
aconselhamento psicológico melhora os parâmetros imunológicos dos enlutados.
Os dados do presente tópico podem ser expressos nos seguintes termos:
O estrosse da perde ativa os diversos sistemas do organismo para dar eficácia ao
organismo para o enfrentamonto da situação. Esta ativação pode levar ò lalência
se o estresse do luto é extremamente intenso e prolongado.

2) o estágio do reconhecimento da perda e posar


A persistência na emissão de respostas ineficazes na solução de um problema,
tal como ocorre em muitos insetos, é pouco adaptativa para ospécies cuja manutenção
e reprodução envolvem altos custos fisiológicos. Assim, a posse de um reportório
comportamental amplo e o aumento na variação sucessiva de respostas é vantajosa
para se encontrar a solução dos problemas. Como vimos, a perda causadora do luto ó
extremamento estressanto se envolve perigo para a consecução dos eventos importantes
da vida. Isto determina a necessidade de fazer tentativas para revertor a porda om
intensidade proporcional à importância do ente perdido. O mecanismo filogenótico para
garantir a preservação da vida do enlutado, extinguindo as tentativas do reversão da
perda e roorganizar a vida aprendendo novas respostas para a ausência daquele quo
se foi, é a incorporação do estágio de reconhecimento da perda e o sofrimento do pesar,
caracterizado pelo desamparo o choro copioso.
Porque o pesar causa sofrimento?
O sofrimento é uma aquisição evolutiva que sinaliza a existência de condições
inadoquadas para a sobrevivência, portanto, experimentada como avorsiva. Panksepp (2003)
é um dos autores que mais se tom dedicado à determinação dos mecanismos corebrais

3 2 0 K .itsum .iw » {» 'h in o


responsáveis pelo sofrimento das perdas sociais. Os dados por ele obtidos mostram que o
sistema opiáceo cerebral, envolvido nos mecanismos da dor-aversão, está implicado também
no sofrimento das perdas sociais, dando sentido literal ao termo "dor do luto". Como se sabe,
o sistema opiáceo cerebral modula a intensidade dolorosa através de substâncias endógenas
e é onde atua a morfina (Brandão, 2004), um derivado do ópio. Assim, fármacos que atuam
nos receptores moleculares opiáceos do subtipo mu reduzem a vocalização do estresse da
separação em pintinhos (Warnick et al., 2005). As neuroimagens funcionais obtidas por
tomografias computorizadas mostram semelhanças quando as pessoas estão com dor
física e quando estão com a dor do pesar. Markowitsch et al. (2003) mostram com técnicas de
ressonância magnética que a reevocação de dados autobiograficos alegres e tristes ativam
circuitos neurais (áreas) diferentes e que o córtex órbitofrontal desempenha papel importante
no processamento das informações carregadas de afeto. A imagem do falecido (tendo pessoas
neutras como controles) e palavras relativas ao evento da morte (tendo controle com palavras
neutras) indicam que há ativação independente da porção posterior do córtex do cíngulo,
partes medial/superior do giro frontal e cerebeto. Outras áreas são ativadas dependendo da
evocação ser feita por fotos ou palavras (Gundel et al., 2003). A lembrança da perda romântica
em mulheres ativa as mesmas áreas ativadas pela tristeza segundo dados de imagens da
ressonância magnética funcional (Najib ot al„ 2004).
O pesar e o seus concomitantes alteram o ajuste cardíaco normal que ocorre no
exercício e deve estar associado à patogenia das doenças cardíacas do luto, constituindo
fator de risco para o desenvolvimento de problemas módicos e psicológicos (Biondi &
Picardi, 1996). Os enlutados apresentam freqüência cardíaca mais alta do que os depressivos
e controles normais. A variabilidade da freqüência cardíaca se correlaciona negativamente
ao grau de depressão dos enlutados. O uso de enfrentamento passivo tem correlação
marginal negativa com a variabilidade da freqüência cardíaca. Os sintomas de ansiedade o
depressão são comuns neste período de pesar. Entretanto, segundo O’Connor et al. (2002),
pesquisas sugerem que existem diferenças importantes entre a depressão e as experiências
depressivas induzidas pelo luto, entre eles o aumento da agitação (restlessness). Estados
de depressão reduzem a atividade do sistema imune e, assim, os problemas de saúde dos
enlutados neste segundo estágio do luto ainda podem se instalar.
As considerações feitas permitem dizer que;
O pesar e sofrimento da perda sáo manifestações elaboradas por mecanismos
nourais comuns em diferentes animais o que foram selecionados e preservados
evolutivamente pela sua função na elaboração do luto.

3) o estágio de reorganização
Esta etapa, chamada também de fase de resolução do luto, é pouco estudada
em relação aos outros estágios. Apesar deste fato, pode-se observar que o estágio de
pesar e choro normalmente não se prolonga indefinidamente e que as pessoas vão
diminuindo os comportamentos relativos aos falecidos e adquirindo outros que os
adaptam à mudança promovida pela perda. Este processo é de extinção de respostas
condicionadas e aquisição de novas respostas. Lichtenstein et al. (1998) relatam que
as viúvas com menos de 70 anos reduzem duradouramente o risco de morte se aprendem
novos conjuntos de circunstâncias que aumentam a capacidade de se auto-administrar
e lhes promovem crescimento psicológico.
Uma das poucas soluções para a perda materna nos filhotes de animais
silvestres que dependem de seus cuidados é a adoção. Como já citado, embora raras,
elas acontecem, A adoção na Macaca nemestrina reduz os sintomas de ansiedade e
depressão da separação materna (Reite et al., 1989).

Sobro Comportamento c Coftnlçío 321


C - As conseqüências dos comportamentos de luto
A análise das conseqüências do estágio de enfrentamento da perda, com os
comportamentos de negação do acontecido e procura intensa do falecido, mostra como
conseqüência o reencontro do ente perdido ou o reatamento do vinculo rompido em
uma parcela dos casos. Ta) conseqüência indica que os comportamentos deste estágio
inicial do luto foram uma aquisição evolutiva selecionada e preservada para reverter as
perdas, tornando-as apenas temporárias. Em outras palavras podemos dizer que as
reações deste estágio constituem um repertório comportamental de resistência à
mudança, ou seja, de defesa contra a perda do elemento de apego que garante a
consecução das soluções aos problemas de sobrevivência.
O estágio de pesar, choro, tristeza e sofrimento, embora possa ser de longa duração,
tem como conseqüência a redução acentuada dos comportamentos de enfrentamento do
estágio anterior, necessária para a instalação de novas estratégias comportamentais
adequadas à situação de ausência do ente perdido. Em humanos é o estágio de constatação
da irreversibllidade da perda em que as crises de choro conferem alívios momentâneos e
culminam na aceitação da perda. O caráter aversivo do pesar, conferido pela ativação do
sistema opiáceo de dor, é significativo uma vez que a dor induz a emissão de diferentes
ensaios comportamentais e seleção daqueles que promovem sua redução ou eliminação.
A emissão de operantes é fundamental para o estágio de reorganização no qual a obtenção
de reforçamentos é necessária para a consolidação de novas aprendizagens e para que o
pesar não evolua para os quadros freqüentes de depressão do luto.
O estabelecimento das funções dos diferentes estágios do luto através de suas
conseqüências utilizando-se o paradigma da análise funcional permite concluir que:
Os comportamentos de luto estão programados biologicamente para serem
emitidos em estágios, com funções seqüenciadas para solucionarem os
problemas das perdas de maneira lógica e não podem, portanto, ser invertidas.
O primeiro estágio do luto é de resistência à mudança (luta contra a modificação
causada pela perda), o segundo de aceitação da perda e o terceiro de adaptação
à nova vida. A aceitação e adaptação às mudanças são aprendizagens. O luto
é, portanto, um processo de extinção de respostas não mais funcionais após a
perda e de aquisição de outras adequadas à nova situação.

O luto complicado
O luto de algumas pessoas pode ser excessivamente demorado, em outras de
inicio retardado e, ainda, com desenvolvimento de doenças orgânicas, distúrbios de
ansiedade, depressão ou outras complicações que afetam de modo anormal o
desempenho de diferentes atividades. Os estudos existentes apontam que as primeiras
experiências da vida, como as separações maternas precoces, são fatores importantes
na ocorrência das complicações do luto.
Jacobs et al. (1987) constataram que a secreção urinária de cortisol livre é alta
em um enlutados humanos que têm aumento da ansiedade pós-luto e sugeriram que
eles podem ser aqueles que tem luto complicado. Lueken (1998) verificou que adultos
que tiveram vínculo familiares baixos ou perda de um dos pais antes dos 16 anos
apresentam maior aumento de pressão arterial e maior taxa de secreção de cortisol
quando submetidos a situações estressantes.
Hofer (1987, 1994) afirma que ocorrem processos regulatórios na fisiologia e
comportamento dos infantes mediados pelas interações sensório-motoras, térmicas e

3 2 2 K.itsum.isu I lo thino
nutrição provida pelas mães e que esses processos regulatórios precoces tem a
propriedade de modelar processos de longo prazo. Os ratos adultos desenvolvem
hipertensão ou úlceras gastricas se foram separados de suas mães no período de
aleitamento. Ainda segundo Hofer (1996), o risco para desenvolvimento das doenças
no luto é aumentado por fatores como o da experiôncia de separações maternas na
infância que modelam a vulnerabilidade ao luto complicado e doenças, fato confirmado
por outros autores (Dauge, 2003) que acrescentam outros fatores como perda, abuso
ou negligência, privação social (Sanchez et al., 2001). Gilmer & McKinney (2003) fazem
uma revisão dos dados derivados de estudos com separação materna precoce.
Ziabreva et al. (2000) relatam que a separação materna induz alterações na
função glutamatórgica (upregulation) do sistema limbico e podem ser um fator implicado
nas alterações comportamentais decorrentes na vida adulta de animais experimentais.
Dauge (2003) revisa o impacto da separação materna no neurodesenvolvlmento dos
processos peptidérgicos do sistema limbico.
O desenvolvimento de quadros depressivos no estágio de pesar do luto
apresenta um aspecto bastante interessante que apesar de meramente especulativo
morece atenção. É fato conhecido que ratos desenvolvem analgesia quando submetidos
a um evento estressante (Pinto-Ribeiro et al., 2004) e esta resposta, baseada na ativação
dos receptores opióides cerebrais, parece ser extremamente adaptativo em uma
situação de emergência onde a prioridade é de fugir ou lutar. A existência de tal
mecanismo ativo para se ignorar a dor, ao menos momentaneamente, leva a pensar se
a perda motivacional, anedonia, hipoatividade e demais manifestações dos quadros
depressivos do luto não tem a função de amenizar o sofrimento dos filhotes cujas
mortes serão lentas, dolorosas e inexoráveis devido à ausência de seus genitores,
como o pingüim que descrevemos. Tal mecanismo não estaria na base da alta correlação
entre depressão, desejo de morte e suicídio?
O luto complicado teria alguma função? A complicação do luto pode ser a expressão
da variabilidade interindividual cuja função é fazer frente à extrema variabilidade que existe
na natureza Considere-se o caso de exagero nas respostas de alarme (negação e procura)
desencadeadas inicialmente pela perda. Este exagero provém de experiências precoces
de separação materna, conforme mostram os trabalhos anteriormente citados. Separações
freqüentes na natureza ocorrem quando os perigos imprevistos aumentam e nestas
condições a intensidade e duração das respostas para reverter as perdas são fundamentais.
Os indivíduos com estas respostas constituem variantes da população que têm maiores
chances de reverter as separações na idade adulta. A alta intensidade das respostas por
tempo longo, em contrapartida, é fator que leva à falência de órgãos e sistemas gerando
doenças e aumento do risco de óbitos que são, r*o fundo, expressão dos processos de
seleção natural. Nesta perspectiva, é compreensível que as complicações no estagio de
pesar sejam de alta intensidade para extinguir a alta intensidade do apego e das respostas
de enfrentamento do estágio anterior. As dificuldades de novas aprendizagens no estágio
de reorganização da vida sem o falecido são conseqüências dos graus de exclusividade e
dependência exercidas pelo elemento de apego.

O conhecimento filogenótico do luto: para que?


Os conhecimentos derivados do estudo filogenótico do luto, como vimos,
ampliam e completam os dados da psicologia, trazendo contribuições para a terapia do
luto. Assim, a caracterização da primeira fase como sendo de reações estressantes à
perda permito entender a semelhança das manifestações do luto com as do transtorno
de estresse pós-traumático, tais como alta ansiedade, insônia, altos índices de cortisol,

Sobre Comportamento e CojjniçJo 3 2 3


etc e serem tratadas de maneira similar a este transtorno (tendo-se o cuidado de não
haver superposição das etapas do luto). A caracterização da etapa subseqüente como
de extinção de respostas pela aceitação dolorosa da perda permite a procura e
incorporação de novas fontes de reforçamento. Contingências estabelecidas no passado
podem complicar o luto e tornar sua evolução anormal, principalmente pelo
desenvolvimento de quadros depressivos e óbito precoce. Os problemas que surgem
na terceira etapa do luto, que é o da reorganização da vida através da aquisição de
novas conlingôncia8 reforçadoras, podem ser encarados e tratados como sendo
transtornos de reajustamento.
Uma outra decorrência do estudo filogenético do luto é, sem dúvida, o avanço
do conhecimento que ele possibilita devido ao poder gerador de novas hipóteses. A
possibilidade de se entender a depressão do luto como um mecanismo de defesa
contra o sofrimento da morte lenta e dolorosa é um exemplo. A possibilidade de que os
lutos complicados sejam expressões da variabilidade necessária para o enfrentamento
das transformações que ocorrem na natureza ó outro exemplo.

Epílogo
A visão geral das considerações efetuadas mostra claramente que a análise da
vertente biológica do luto não só é possível como permite, adicionalmente, uma visão
mais abrangente e unificada desta modalidade de comportamento sem reduzi-lo à
Biologia. Assim, à guisa de epílogo podemos concordar com Biondi & Picardi (1996)
que a necessidade de superar a rígida dicotomia do que é psicológico e biológico é um
mandamento atual. Concepções dualísticas que implicam na determinação do que é
físico e do que é psicológico e vice-versa deve dar lugar a uma concepção sistêmica que
implica em interações mútuas e circulares.

Referências
Aragona, B.J., Liu, V., Curtis, J.T., Stephan, F.K. & Wang, Z. (2003). A critical role for nucleus
accumbens dopamine in partner-preference formation in male prairie voles. J. Neurosci., 23,
3483-3490.
Beem, E.E., Hooijkass, H., Cleiren, M.H., Schut, H.A., Garssen, B., Croon, M.A., Jabaij, L., Goodkln, K.,
Wind, H. & de Vries, M.J. (1999). The immunological and psychological effects of bereavement:
does grief counseling really make a difference? A pilot study. Psychiatry Res., 85, 01-93.
Boutel, M. (1991). Psychobiology of grief and loss processing: recent immuno endrocrinologlc
approaches and findings. Psychother. Psychosom. Med. Psychol., 41, 267-277.
Biondi, M., Constantlnl, A & Parlsl, A (1996). Can loss and grief activate latent neoplasia? A clinical
case of possible Interaction between genetic risk and stress In breast cancer. Psychother.
Psychosom., 65, 102-105.
Biondi, M. & Picardi, A. (1999). Psychological stress and neuroendocrine function In humans: the last
two decades of research. Psychother. Psychosom., 68, 114-150.
Bowlby, J. (1984). Separação, angústia e perda. São Paulo, Martins Fontes.
Bowlby, J. (1985). Perda, tristeza e depressSo. S6o Paulo, Martins Fontes.
Brandão, M.L. (2004). As bases biológic as do comportamento. São Paulo, Editora Pedagógica e
Universitária.
Brown, J.T. & Stoudemire, G.A. (1983). Normal and pathological grief. JAMA, 250, 378-382.
Brown, L.F., Reynolds, CF. 3"1, Monk. T.H., Prigereon, H.G., Dew, M.A., Houck, PR., Mazumdar, S., Buysse,
D.J., Hoch, C.C., Kupfer, D.J. (1996). Sodal rtiythm following late-life spousal bereavement:
assodations with depression and sleep impairment. Psychiatry Res., 62, 161-169.

3 2 4 K.itsum.is .1 I loshino
Carter, C.S. (1998). N e uroendocrine perspe ctive s on social attachm ent and love.
Psychoneuroendocrinology, 23, 779-8818.
Dauge. V. (2003). Neuroblological Impact of separating mothers from newborns In rodents. Med.
Scl., 19, 607-611.
Gilmer, W.S. & McKinney, W.T. (2003). Early experience and depressive disorders: human and non­
human primate studies. J. Affect Disord., 75, 97-113.
Guerra, G., Monti, D., Paneral, A.E., Sacerdote, P., Anderllni, R„ Avanzinl, P., Zaimovic, A, Brambila, F.
& Franceschl, C. (2003). Long-term Immune-endocrine effects of bereavement: relationships
with anxiety levels and mood. Am. J. Psychiatry. 121, 145-158.
Gundel, H,, O'Connor, M.F., Littrell, L., Fort, C. & Lane. R.D. (2003). Functional neuroanatomy of grief:
an FMRI study. Am J. Psychiatry, 160, 1946-1953.
Hennessy , M.B., O' Leary, S.K., Hawke, J.L. & Wilson, S.E. (2002). Social influences on cortisol and
behavioral responses of preweaning, periadolescent, and adult guinea-pigs. Physiol. Behav.,
76, 305-314.
Hennessy, M B. (1997). Hypothalamlc-pltuitary-adrenal responses to brief social separation.
Neusoscl. Biobehav. Rev., 21, 11-29.
Hofer, M.S. (1994). Early relationships as regulators of infant physiology and behavior. Acta Pediatr,
397, 9-18.
Hofer, M.A. (1996). On the nature and consequences ot early loss. Psychosom. Med.. 5fl 570-581.
Hofer, M.A. (1987). Early social relationships: a psychobiologist’s view. Child Dev., 58, 633-647.
Insel , T.R. (2003). The social attachment, an addictive disorder? Physiol. Behav., 79, 351-357.
Irwin, M., Daniels, M., Risch, S.C., Bloom, E. & Weiner, H. (1988). Plasma cortisol and natural killer cell
activity during bereavement. Biol. Psychiatry, 24, 1172-178.
Jacobs, Ss.C., Mason, J.W., Kosten, T.R., Wahby, V., Kasl, S.V., & Ostfeld, A.M. (1986). Bereavement
and catecholamines. J. Psychosom. Res., 30, 489-496.
Jacobs, S.C., Mason, J., Kosten, T.R., Kasl, S.V., Ostefeld, A.M. & Wahby, V. (1987). Urinary free
cortisol and separation anxiety early In the course of bereavement and threatened loss. Biol.
Psychiatry, 22, 148-152.
Kaiser, S., Kirtzeck, M., Hornsch, G. & Sascher, N. (2003). Sex-specific difference in social support
- a study In female guinea pigs. Physiol. Behav., 79, 297-303.
Kalin, N.H. & Carnes, M. (1984). Biological correlates of attachment bond disruption in humans and
nonhuman primates. Prog. Neuropsychopharmncol. Bio. Psychiatry, 8, 459-469.
Kendrick, K.M. (2004). The neurobiology of social bonds. J. Neuroendocrinol., 16, 1007-1008.
Lane, R.S., Jacobs, S.C., Mason, J.W., Wahby, V.S., Kasl, S.V. |& Ostfeld, A M, (1987). Sex differences
in prolactin change during mourning. J. Psychosom Res., 31, 375-383.
Leonard, B. (2000). Stress, depression and the activation of the immune system. World J. Biol.
Psychiatry, 1, 17-25.
Lichtenstein P., Gatz, M. & Berg, S. (1998). A twin study If mortality after spousal bereavement.
Psychol. Med., 28, 635-643.
Luecken, L.J. (1998). Childhood attachment and loss experiences affect adult cardiovascular and
cortisol function. Psychosom. Med., 60, 765-772.
Lyons, D.M., Wang, O..J., Lindley, S.E., Levine, S., Kalin, N.H. & Schatzberg, A.F. (1999). Separation
induced changes in squirrel monkey hypothalamlc-pitultary-adrenal physiology resemble
aspects of hypercotisolism in humans. Psychoneuroendocrinology, 24, 131-142,
Markowitsch, H.J., Vanderkerckhovel, M.M., Lanfermann, H. & Russ. M.O. (2003). Engagement of
lateral and medial prefrontal areas In the ecphory of sad and happy autobiographical
memories. Cortex, 39, 643-665.
McCleery, J.M., Bhagwagar, Z., Smith, K.A., Goodwin, G.M. & Cowen, P.J. (2001). Modelling a loss
event: effect of imagined bereavement on the hypothalamlc-pitultary-adrenal axis. Psychol.
Med., 30, 219-223.

Sobrc C om port.im rnto c (.'oflnifilo 3 2 5


McClelland, D.C., Patel, V., Brown, D., & Kelnef S.O. Jr. (1991). The role of affiliative loss in the
recruitment of helper cells among Insulin-dependent diabetics. Bohav. Med., 17, 5-14.
McDermont, O.D., Prigerson, H.G., Reynolds, C.F. 3"\ Houck, P.R., Dew, M.A.„ Hall, M., Mazumdar, S.,
Buysse, D.J., Hoch, C.C. & Kupfer, D.J. (1997). Sleep In the wake of complicated grief
symptoms: an exploratory study. Biol. Psychiatry, 41, 710-716.
Najib, A., Lorberbaum, J.P., Kose, S., Bohnlng D.E, & George, M.S. (2004). Regional brain activity In
women grieving a romantic relationship breakup. Am. J. Psychiatry, 161, 2245-2256.
N lcolson, N.A. ( 2004). C hildhood parental loss and co rtison levels in adu lt men.
Psychoneuroendocrinology, 29, 1012-118.
O’Connor, M.F., Allen, J.J. & Kaszniak, A.W. (2002). Autonomic and emotion regulation in bereavement
and depression. J. Psychosom. Res., 52. 183-185.
Panksepp, J, (2003). Neuroscience. Feeling the pain of social loss. Science, 302, 237-239.
Parkes, C.M. (1998). Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. Sâo Paulo, Summus Editorial.
Patricio, K.P (1998). Função da longevidade Induzida pela restrição alimentar. Dissertação de
Mestrado. Botucatu, Universidade Estadual Paulista.
Pinto-Ribeiro, F., Almeida, A, Pego, J.M., Cerqueira, J. & Souza, N. (2004). Chronic unpredictable
stress inhibits nociception In male rats. Neuroscl. Lett., 359, 73-76.
Porsolt, RD, Le Plchon, M. & Jalfre, M. (1977). Depression: a new animal model sensitive to
antidepressant treatments. Nature, 266, 730-732.
Relte, M., Kaemlngk, K. & Boccla, M.L.. (1989). Maternal separation In bonnet monkey Infants: altered
attachment and social support. Child Dev., 60, 473-480.
Rosenblum L A. & Paully, G.S. (1987). Primate models of separation-induced depression. Psychiatr.
Clin. North Am., 10, 437-447.
Sanchez, M.M., Ladd, C.O & Plotsky, P.M. (2001). Early adverse experience as a developmental risk
factor for later psychopathology: evidence from rodent and prim ate models. Dev.
Psychopathol., 13, 419-449.
Skinner, B.F.(1984). Sobre o behaviorismo. SSo Paulo, Editora Pensamento-Cultrix.
Skinner, B.F. (1991). Questões recentes da análise comportamental. Campinas, Papirus.
Thews, K. Etologia. Clrculo do Livro, São Paulo, sem data.
Verrier , R.L. & Mittelman, M.A. (1997). Cardiovascular consequences of anger and other stress
states. Baillleres Clin. Neurol., 6, 245-259
Warnlck, J.E., McCurdy, C.R. & Sufka, K.J. (2005). Opioid receptor function in social attachmen in
young domestic fowl. Behav. Brain Res., 160, 277-285.
Winslow, J.T. & Insel, T.R. (2002). The social deficits of the oxytocin knockout mouse. Neuropeptides, 36,
221-229.
Young, L.J. & Wang, Z. (2004). The neurobiology of pair bonding. Nat. Neurosci., 7, 1048-1054.
Young, L.J. (2001).. Oxytocin and vasopression as candidate genes for psychiatric disorders:
lessons from animal models. Am. J. Med. Genet., 105, 53-54.
Young, L.J. (2002). The neurobiology of social recognition, approach, and avoidance. Biol. Psychiatry,
51, 18-26.
Ziebreva, I., Schnabel, R. & Braun, K. (2000). Parental deprivation Induces N-methyl-D-aspartate-
receptor upregulatlon in limbic brain areas of Octodon degus: protective role of the maternal
call. Neural Plast., 7, 233-244.

3 2 6 K.t(*umds<i I lo ih m o
Capítulo 31
Contribuições conceituais do
contextualismo pepperiano para
a compreensão da causalidade
no Behaviorismo Radical'
Kcsler Carrara*
VNESP
Embora, a rigor, as formulações conceituais do contextualismo pepperiano não
alterem os fundamentos eplstemológlcos do Behaviorismo Radical, sua releitura pelos
analistas do comportamento a partir do final dos anos 80 sugere a importância de uma
ênfase especial na identificação das variáveis relevantes do modelo de seleção pelas
conseqüências. Tal ênfase origina-se na idéia prevalente na metáfora contextualista
pepperiana, que frisa a necessidade de análise do comportamento noe com o contexto,
mediante uma ampliação horizontal das variáveis que compõem uma rede de relações
e mediante um aprofundamento vertical da análise, a partir dos conceitos de contexto
histórico e contexto corrente. Originalmente pensada por Pepper como uma hipótese
cosmogônica de análise de - em tese - qualquer realidade fenomênica, o contextualismo,
ainda que não acrescentando teoricamente ou alterando o paradigma behaviorista
radical, corrobora e destaca o olhar machiano do descrever é explicar, na medida em
que oferece escopo mais abrangente para a idéia de ambiente: por exemplo,
provavelmente haja ganhos significativos nas análises funcionais voltadas para as
questões da instalação, desenvolvimento e manutenção de comportamentos pró-éticos,
típicos do delineamento cultural. O modelo explicativo behaviorista contextualista ó
apresentado vinculado á análise da questão da escolha do modelo de relações
funcionais como substituto do modelo clássico de causalidade linear. Discutem-se, no
entorno da relação VI-VD, eventuais funções, no mesmo modelo monista, de variáveis
coadjuvantes à variável independente, enquanto operações que alteram a probabilidade
de ocorrência da variável dependente.
Como já frisaram os autores participantes do Simpósio mencionado (ABPMC,
2005, resumo), o modelo explicativo proposto pelo Behaviorismo Radical parece ser
distinto daquele defendido por outras ciências psicológicas. Mas em que consiste essa
distinção? Possíveis respostas resultam do exame de um dos pivôs da discussão acerca
da explicação científica: o conceito de causalidade. São instigantes as contribuições de
Pepper (1942) para a discussão da causalidade, ainda que não constituísse seu interesse
original. Parecem, de toda forma, compatíveis os conceitos centrais do contextualismo

1Vuntâo prollmlnar foi apruaentada no XIV Encontro Anual da ABPMC, 2000. por ocaaiâo do Slmpò»k)
do qual parlldparatn, também, Carotna Laurentl (Pôa otn Moaoflu e Metodologia daa CMndat da Ul-SCar) a I ouronço de Souza Barba
(Unlvertldede IMrapuera)
’ Programa da Pôe-graduaçâo em Ptlcotogla do Daeenvolviroento e Aprendizagem - FC - UNtSP ■Baum

Sobre Comportamento r Cotfnlçâo 3 2 7


com a concepção machiana de relação funcional em substituição à idéia de relação
causal, o que não deveria constituir novidade para aqueles que tém familiaridade com
discussões teórico-filosóficas do Behaviorismo Radical. Entretanto, a aparente clareza da
posição skinneriana não escapa a um questionamento que se pretende sondar: a relação
funcional seria um aprimoramonto do modelo causal ou uma proposta de eliminação da
causalidade do Behaviorismo Radical? O contextualismo pepperiano torna contundentes
algumas questões com respeito ao confronto entre causalidade e relações funcionais,
chamando a atenção não só para a evidente limitação, em termos de análise, do modelo
tradicional de causa e efeito, mas também para o extraordinário potencial explicativo da
noção de relações funcionais. Isso acaba por fundamentar uma visão molar de
comportamento, o que pode envolver a necessidade de descrição de muitas variáveis
que agem aditivamente às variáveis independentes, compondo o nexo causal
(rigorosamente, as relações funcionais) na Análise do Comportamento. Obviamente, as
questões aqui levantadas não esperam esgotar os problemas que cercam o conceito de
causalidade. No entanto, elas têm o propósito de destacar algumas implicações teóricas
possíveis, trazendo à baila tradições de pensamento filosófico e psicológico imprescindíveis
à interpretação do texto skinneriano. Mais ainda: a discussão da causalidade mostra
também que determinadas concepções filosóficas têm inegáveis implicações para a
prática cientifica do analista do comportamento.
Para compreender as possíveis contribuições de um Behaviorismo
Contextualista, é conveniente pensar mais detidamente nas causas tal como
compreendidas no Behaviorismo Radical. Sabe-se que Skinner identificou-se muito com
os escritos de Mach, físico do século XIX preocupado tanto com a física experimental
quanto com as bases filosóficas e pressupostos da ciência. Mach (1886/1905; 1893/
1960) questionou vários supostos e definições da física newtoniana, inclusive seu
compromisso com a força causal, a definição de massa e tempo absolutos de Newton.
Mach afirmava que quando estudamos uma suposta relação de causa e efeito, não
fazemos mais que descobrir relações funcionais entre eventos. Dizia Mach, genericamente,
quo “não existe nenhuma causa na natureza: a natureza tem somente uma existência
individual; a natureza é simples”. Mach substituiu o conceito de causa pelo de relações
funcionais, sendo tarefa do cientista oferecer uma descrição completa de tais relações.
Em poucas palavras, agora, para Skinner (1974), "descrever é explicar e funções causais
são substituídas por relações funcionais". Uma causa é substituída por uma mudança na
variável independente e um efeito é substituído por uma mudança na variável dependente.
Portanto, causa-efeito se substitui por relações funcionais entre variáveis.
Isso leva a pensar em determinação múltipla ou "causalidade" múltipla. O termo
tem um significado especial na análise do comportamento verbal de Skinner: 1) a força de
uma resposta única pode ser função de mais de uma variável; 2) uma só variável
regularmente afeta mais de uma resposta. Na prática, seria impossível oferecer uma
explicação completa do fenômeno que incluísse todos os fatores que para isso convergem.
Uma questão decorrente do modelo de relações funcionais é o abandono aos
modelos mecanicistas. No modelo mecanicista, leva-se em conta a metáfora da cadeia
causal, em que, como numa máquina, as relações causais são contíguas em termos
de tempo e espaço e onde quaisquer vácuos entre causa e efeito podem ser preenchidos.
Por exemplo, se a aspirina alivia a dor de cabeça é porque ela age de modo encadeado,
através de uma série de estruturas e mecanismos até aliviar a dor. Internamente, seria
satisfeito o requisito da contigüidade e cada poça interna, se funcionar inadequadamente,
é mecanicamente responsável pelo resultado final negativo. O Behaviorismo Radicai,
embora suponha a existência de uma estrutura orgânica intermediando as condições

3 2 8 Kc*ter CtirriiM
ambientais e o comportamento, não se vale da suposição de estruturas mentais internas
como necessárias ou auxiliares para explicar o comportamento Em algumas versões
do cognitivismo é freqüente encontrar a suposição de um sistema complexo de memória,
um sistema de processamento de Informação, um mapa cognitivo, um sistema de
manipulação de símbolos, uma rede semântica e assim por diante. A diferença entre o
que o Behaviorismo Radical supõe como interno o o modo como outras mediações
teóricas o fazem, è o estofo de que são constituídas essas estruturas, já que o
Behaviorismo é monista e fisicalista, enquanto outras mantém explicações dualistas.
O Behaviorismo Radical adota um modelo de seleção pelas conseqüências,
focalizando, portanto, relações funcionais do comportamento com o ambiente (recorda-
se o leitor do clássico exemplo de Isaacs, Thomas & Goldiamnond, publicado em 1966,
sobre um paciente psiquiátrico hospitalizado por 19 anos e que era totalmente não
verbal, e em cujo caso o analista fez uso de um procedimento de reforçamento diferencial
por aproximações sucessivas). O analista não tem que inferir que o reforçador atuou em
uma estrutura interna do paciente (embora, por óbvio, não negue a existência de uma
estrutura orgânica intermediadora) e acaba atuando em função do próprio
comportamento. Um observador externo, não familiarizado com a história de reforçamento
daquele paciente, poderia facilmente fazer inferências (apropriadamente exemplificadas
por Chiesa, 1994) tais como “o paciente, obviamente, gosta do terapeuta" ou "o paciente
se sente suficientemente seguro para falar somente na presença do experimentador".
A cada mudança gradual (observada em cada sessão terapêutica), usando reforçadores,
o terapeuta identifica uma mudança confiável em direção ao comportamento esperado.
Nessa perspectiva, para Skinner (1984), há três níveis fundamentais de seleção
pelas conseqüências: 1) seleção filogenética, na dimensão da Biologia; 2) seleção
ontogenética, na dimensão da Psicologia e 3) seleção cultural, na dimensão da
Antropologia. A seleção ontogenética “se parece com um milhão de anos de seleção
natural ou cem anos de evolução de uma cultura, comprimidos em um período de
tempo muito curto” (p. 484). As relações funcionais entre comportamento e suas
conseqüências se faz, portanto, segundo um modelo não-causal, de modo que cada
comportamento se fortalece, se mantém ou se extingue em função das conseqüências
e de eventos estabelecedores ou, mais genericamente, condições antecedentes de um
determinado contexto.
Feitas as ponderações acerca da opção behaviorista pelas relações funcionais,
em detrimento do conceito de causa, é conveniente descrever, abroviadamente, que espécie
de contextualismo está sendo aqui considerada, para fazer alguma articulação com a Análise
do Comportamento e o Behaviorismo Radical, no âmbito da discussão sobre causalidade.
Trata-se da versão contextualista proposta por Stephon Coburn Pepper, por volta de 1942,
quando ele escreveu o livro World Hypotheses: a study in evidence. Pepper faz al um estudo
analítico de seis tipos de modelos paradigmáticos de explicação dos eventos da natureza:
animismo, misticismo, formismo, mecanicismo, organicismo e contextualismo. Seus
trabalhos foram mais centrados na filosofia moral, intelectual e estética e, embora tivesse
convivido com psicólogos (inclusive Tolman), sua pretensão explicativa não se estendia
originalmente ao campo da Psicologia. O contextualismo, portanto, constituiria uma metáfora
de interpretação teórica da natureza (hipóteses cosmogônicas, para Pepper), entre outras
possíveis. É uma espécie de paradigma filosófico-cientlfico que leva em conta uma rede de
condições sob as quais os fatos acontecem.
Por outro lado, a literatura recente, especialmente a publicada pelo professor
Edward K. Morris, tem reconhecido características contextualistas na Análise do
Comportamento. Quando se fala em relações funcionais, ao invés de causas, há um

Sobrv C ompwUtmvnto « CotfntvSo 3 2 9


reconhecimento implícito da existência de um contexto ambiental em que se dá o
comportamento. Ou seja, existe um conjunto de condições, todas materiais, todas de
natureza física, química, biológica ou social (as trôs últimas redutíveis ao estofo físico),
que servem de moldura para o fluxo do comportamento. Nessa perspectiva de análise
dos fatores determinantes do comportamento, está sempre presente a ídóia de classe de
respostas e de multideterminação. Uma Análise Comporta mental Contextualista implica
procedimentos que tentam sempre aproximar o seu objeto de estudo de um verbo de
ação, mais que de um substantivo. Em outras palavras, analisa-se o estar fazendo, o
estar realizando, o estar agindo, o que representa uma característica dinâmica em
contrapartida a um ato dado como pronto e estático: nesse sentido figurado, a maioria dos
verbos não permite uma análise monolítica, mas relacional e, por isso, contextuai (quem
vai, vai a algum lugar; quem realiza, realiza algo; quem verbaliza, verbaliza sobre...).
Recentemente, exemplos começam a ser encontrados na literatura tentando mostrar, na
prática, como se aplicaria a ênfase contextualista (cf. Odom & Haring, 1995).
Numa Análise Comportamental Contextualista, o contexto organiza-se em
contexto histórico e contexto corrente, cada qual servindo a funções diferentes. A função
do contexto histórico (seja filogenético, seja ontogenético) seria a de estabelecer quais
funções de estimulo e de resposta são passíveis de ocorrência naquela espécie com
aquela história particular. A função do contexto corrente, incluindo privação, instruções,
dimensão fisica, social e biológica das condições presentes quando da interação
organismo-ambiente, seria a de possibilitar efetivamente a ocorrência de certos
comportamentos específicos.
Algumas das características básicas do contextualismo (cf. Hayes, 1988; Hayes
& Hayes, 1992 Carrara, 2005; Carrara & Gonzalez, 1996), além da prioridade à
multideterminação do comportamento, incluem sua rejeição à presença de componentes
mecanicistas no conceito de causalidade. O mecanicismo, obviamente baseado na
metáfora da máquina, atingiria parte do behaviorismo e parte do cognitivismo. No
behaviorismo, estaria presente no Behaviorismo Ortodoxo e no Metodológico. Traços
típicos seriam as tentativas de definir estimulo e resposta, entre outros conceitos,
mediante uma perspectiva atomista, elementarista, reducionista, em detrimento de uma
visão funcional e relacional própria do Behaviorismo Radical. Também ó típica a
concepção de que as partes (ou peças) envolvidas na conduta humana têm significado
em si mesmas (a consciência, a vontade, a memória, a mento) e que, sobretudo, teriam
função causal (na acepção mentalista rejeitada por Skinner).
Nessa perspectiva, algumas das características mais caras à orientação
filosófica do contextualismo incluem a adoção inequívoca da multideterminação do
comportamento: inúmeras variáveis, de campos diferentes (pessoal, social, cultural,
educacional, político, ideológico, econômico, biológico, químico, etc.) concorrem, de
modo geralmente entrelaçado e reticulado (e não linear) para a explanação causal do
fenômeno comportamental.
Para exemplificar pelo óbvio, analisar o simples mover uma perna não é o
mesmo que analisar o caminhar até uma loja para comprar presentes. No mínimo,
porque: 1) os contextos podem ser grandemente diferentes; 2) para o primeiro
comportamento não está especificada uma conseqüência; 3) para o segundo
comportamento está especificado um objetivo, que não deve ser confundido como causa,
no sentido teleológico; o que aumenta a probabilidade do comportamento é a história
de reforçamento; 4) sobretudo, a análise, sob qualquer medida (freqüência, duração,
Intensidade, topografia), do simples movimento da perna, no caso, não assegura a
compreensão do caminhar, porque omite-se a multideterminação contextuai.

3 3 0 K fíte r Carrur.»
Fica claro que a idéia de uma Análise Comportamental Contextualista implica
considerar a unidade psicológica como indivisível e interativa, de modo que não é razoável
tentar explicar o psicológico apenas mediante a análise de eventos particulares: é
indispensável o passo seguinte de análise do todo significativo. Assim, o comportamento
será, sempre, um comportamento-no-contexto e com-o-contexto e não pode ser
compreendido com apelo a ações isoladas das partes ou mecanismos envolvidos na
interação (glândulas, braços, cérebro, cognição, mente, etc,).
Dois cuidados adicionais precisam ser tomados aqui; a) assumir a idéia do ato
no e com o contexto, sem apelo a explicações de mecanismos isolados, não significa
negação à influência de outros nlvels de análise: uma análise comportamental
contextualista não pode prescindir do biológico, do antropológico, do sociológico: b)
assumir uma análise contextualista em que a preocupação é o todo interativo e não as
partes não significa, igualmente, que, ingenuamente, se imagine possível visualizar todo
o repertório comportamental durante todo o tempo e sob todas as circunstâncias somadas.
Reitere-se que devem ser aqui considerados os Inevitáveis cortes temporais e
históricos, mas que, no mínimo, constituem recorte com significado reconhecível: aplique-
se al a Navalha de Occam, o principio da parcimônia. Para dimensionar o tamanho de
qualquer parte do contexto que possa ser analisada sem se perder de vista a idéia de
significado, parece ser imprescindível a perspectiva de funcionalidade (o sentido
comparativo entre o mover a perna e o caminhar até a loja para comprar presentes pode
ser grosseiro exemplo). A análise de contingências, embora deva ganhar em
horizontalidade, não deve prescindir do cuidado com a verticalidade.
Portanto, o que se traz para esta discussão, a rigor, não constitui nenhuma novidade.
Não há mudança conceituai efetiva nem na Análise do Comportamento nem no Behaviorismo
Radical. Entretanto, há um redimensionamento da ônfase a ser dada na análise das relações
entre organismo e ambiente, mediadas pelo comportamento. As pesquisas dos últimos 10
a 15 anos têm começado a mostrar essa preocupação, especialmente na área de controle
de estímulo e relações de equivalência. Por outro lado, a ampliação das análises e as
pesquisas acerca dos conceitos de operações estabelecedoras, relações de equivalência
e metacontingências, por vezes por grupos independentes de pesquisadores, conduzem a
explorar mais profundamente as implicações detalhadas do conjunto de condições sob as
quais o comportamento humano ocorre.
Muitas das implicações para a questão da causalidade a partir de uma dinâmica
contextualista da Análise do Comportamento são absolutamente desconhecidas. Apesar
dos congressos que já se realizaram sobre o tema e do crescente envolvimento de
analistas do comportamento em torno do assunto, nos últimos dez a quinze anos, pouco
existe de óbvio nesse campo. Dessa maneira, embora não se possa afirmar
categoricamente a utilidade de sua adoção, torna-se razoável uma ampliação de
informações a respeito: pesquisas e ensaios teóricos constituem o caminho para que a
Análise do Comportamento defina-se por uma resposta positiva ou negativa ao
contextualismo pepperiano. Antes dessa resposta, ainda há muito que pensar e pesquisar
sobre a questão da causalidade. Entretanto, parece que já nos encontramos em melhor
estágio do que pudesse supor o Princípio da Incerteza (ou da Indeterminação), de
Heisenberg. O principio de Heisenberg, a partir dos seus estudos sobre os quanta,
menciona a impossibilidade, na fisica de partículas, de se determinar, a um só tempo, a
localização física (posição) e a velocidade de pequenas partículas. Que a memória deste
autor não falhe, fica a lembrança dos termos de um artigo, dos anos 60 ou 70, de autoria
do eminente professor Rogério Cezar Cerqueira Leite, um dos físicos mais importantes
do Brasil. O metafórico artigo se intitulava A Epistemologia do Pudim de Banana e dizia

Sobre Comportamento c Cotfmv«k> 331


respeito a essa grande dificuldade metodológica que, embora aponte a imprecisão
necessária das medidas, não exclui, afortunadamente, a possibilidade do estudo das
causas, para alivio mesmo dos racionalistas mais arraigados. É de se acreditar que a
Psicologia está sempre às voltas com questões tão intrincadas quanto essa, com um
agravante: ela não dispõe de um aparato metodológico que seja consensual. As
divergências teórico-filosófioas entre os psicólogos são muito agudas e, com Isso, muitas
vezes resulta grande dificuldade de enxergar qual será nosso argumento salvador. Ficamos
diante de um auto-salvamento paradoxal como o relatado por Karl Friedrich Hieronymus,
o Barão de Münchhausen, um soldado de fortuna alemão, senhor rural de Hanover nos
anos 700, que era dado a contar aventuras impossíveis: tendo entrado, a cavalo, numa
grande extensão de areia movediça e não havendo ninguém em volta para salvá-lo, não
teve dúvidas: respirou profundamente, e com as próprias mãos, segurando nos próprios
cabelos, retirou-se (a si e ao cavalo), do imenso lodaçal.
A verdade ó que a Análise do Comportamento, em suas aplicações práticas,
precisa cada vez mais dar conta de um conjunto intrincado de variáveis que se combinam
de modo reticular para explicar o comportamento. Imagine-se uma situação de ensino
qualquer, onde os alunos não aprendem e, naturalmente, onde o professor não consegue
ensinar. Não bastaria um mero rearranjo das contingências limitadas ao método de
ensino usado nessa sala de aula para tudo transcorrer às mil maravilhas, embora um
rearranjo pontual também possa ser importante. Dado que as variáveis das relações
interpessoais na família, das condições sócio-econômicas, das condições físicas da
escola e tantas outras interferem no comportamento do aluno, a Análise do Comportamento
não pode prescindir de considerá-las, enquanto contexto complexo, enquanto constituintes
de uma rede de relações entre variáveis das quais o comportamento é função. Os
operantes envolvidos na situação de ensino estão, via paradigmática, sob controle das
consoqüôncias que produzem, mas estão, igualmente, sob influência de um conjunto de
condições do contexto histórico e do contexto corrente (ainda que tenhamos a dificuldade
de convencionar quando começa cada um deles). Tais contextos são constituídos de
variáveis arranjadas de forma multivariada e afetam, conforme o modo, esquema ou
formato de rede de entrelaçamento com que ostão articulados, de modo diferencial, os
comportamentos dos indivíduos. Além disso, há contingências "coletivas" (no sentido de
que afetam de modo similar o comportamento de conjuntos de pessoas) embora seja
seguro de que, no limite, ó apenas o organismo individual responde ao contexto.
Espera-se que a dificuldade de análise sugerida seja suficiente para obter a
concordância do leitor acerca da dimensão imensurável da tarefa que se tem pela frente para
compreender os determinantes ou "causas" do comportamento humano. E, diante dessa
tarefa insondável, complexa e desafiadora, crê-se coerente corroborar a sábia recomendação
do professor José Antonio Damásio Abib (1993), acerca da questão da causalidade, de que
devemos, nesse tema, manter um otimismo contido: ainda há muito a fazer, seja mediante
pesquisas empíricas, seja mediante conjecturas teórico-epistemológicas, para consolidar o
alcance do Behaviorismo Radical às causas do comportamento das pessoas.

Referências

Ablb, J.A.D. (1993) “A Psicologia é ciência?" Ciência é articulação do discursos da Filosofia, da


História da Ciência e da Psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 9(3), 465-486,
Carrara, K. (2005) Behaviorismo Radical: critica e metacrltica. Sôo Paulo: Editora UNESP
Carrara, K. & Gonzales, M.H. (1996) Contextualismo e mecaniclsmo: implicações conceituais para
uma análise da Análise do Comportamento. Didática, vol. 31, 199-217.

3 3 2 Kctlcr C .unir.1
Chiesa, M. (1994) Radical Behaviorism: the philosophy and the science. Boston: Authors Cooperative,
Inc., Publishers.
Hayes, S.C. (1988) Contextuallsm and the next wave of behavioral psychology. Behavior Analysis,
vol. 23, n.1, p.7-22.
Hayes, S.C. & Hayes, L.J. (1992) Some clinical Implications of contextualistic behaviorism: the
example of cognition. Behavior Therapy, vol..23, p.225-249.
Isaacs, W., Thomas, J, & Goldlamond, I. (1966) Application of operant conditioning to reinstate verbal
behavior In psychotics. In R. Ulrich, T. StachnlK, J. Mabry (eds.), Control of Human Behavior
(vol 1, p. 199-203). Illinois: Scott Foresman
Mach, E. (1886/1905) The analysis o f sensations and the relation o f the Pyslcal to the Psychical.
Edlçâo revista em 1905.
Mach, E.(1893/1960) The science of mechanics: a critical and historical account o f Its development.
Illinois: Open Court.
Morris, E.K. (1988) Contextuallsm: the world view of behavior analysis. Journal of Experimental
Child Psychology, vol. 46, p. 289-323.
Morris, E.K. (1994) Contextuallsm, Mechanism, and Behavior Analysis: a review and assessment.
Palermo: manuscrito de conferência no II International Congress on Behaviorism and the
Sciences of Behavior, outubro.
Odom, S.L. & Haring, T.G. (1995) Contextualism and Applied Behavior Analysis: Implications for Early
Childhood Education for Children with Disabilities. In R. Gardner III et. allii, Behavior Analysis
in Education. Pacific Grove, California: Brooks/Cole Publishing Co., cap.8, p.88-99.
Pepper, S.C. (1942/1984) World Hypotheses: prolegomena to systematic philosophy and a complete
survey of metaphysics. Los Angeles: University of California Press.
Skinner, B.F. (1974) About Behaviorism. New York: Knopf.
Skinner, B.F. (1984) Cannonlcal papers. The Behavior and Brain Sciences, vol. 7, 511-724

Sobre C om portim cnto c CoRniç.lo 3 3 3


Capítulo 32
Delineamento cultural, Ética e
Behaviorismo Contextualista
Humanista1
Kester Carrara*
Mariana P. Carrara *

Publicações recentes atestam como procedente a aspiração skinneriana de


que o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento poderiam constituir
contribuição conceituai e tecnológica para projetos de amplo alcance social. O
delineamento cultural consolida-se enquanto área de atuação do analista e cresce a
demanda pela participação do psicólogo nos grupos de trabalho para formulação de
políticas públicas. O perfil fundamental a requerer a participação do analista é o mais
básico possível: a existência, em todas essas áreas, de interações das pessoas com
seu ambiente físico e social. A questão central a justificar o papel do psicólogo delineador
cultural é a sua presumida competência para identificar e propor controle de variáveis
que afetam os comportamentos envolvidos em cada atividade abordada. Nessa
perspectiva, cria-se e consolida-se uma nova função para o psicólogo, inclusive com
repercussões no mercado de trabalho: a de consultor cientifico para o desenvolvimento
de projetos que, no limite, implicam alguma forma de controle do comportamento social,
especialmente no contexto da formulação e implementação de políticas públicas. Decorre
disso uma das principais questões com que precisa se envolver o analista do
comportamento ao lidar com o planejamento de culturas; a quem e de que modo
disponibiliza seus serviços profissionais. Para além das normas já estabelecidas
(práticas culturais, legislação e adjacências) o analista delineador, em particular, estará
permanentemente envolvido com os dilemas éticos da prescrição. Como compatibilizar
tecnologia com interesses conflitantes que percorrem as relações entre pessoas e seu
ambiente, no contexto já exemplificado pela formulação e aplicação de novas políticas
públicas? A análise teórica das implicações e limites éticos nos delineamentos culturais,
embora possa encontrar respostas decisivas dentro do próprio Behaviorismo Radical,
talvez possa identificar contribuições interessantes a partir da leitura contextualista
pepperiana da Análise do Comportamento. Por certo, é possivel ressaltar alguns aspectos
compatíveis com seus princípios e pressupostos a partir dos conceitos de hipóteses
cosmogônicas e metáforas-raiz de Pepper (1942). A orientação contextualista tem sido
usada como ênfase para análises funcionais ampliadas no corte vertical e horizontal:

0
1VaniAo fxwfcnkw M aptoMf toda (»*> prtrxxm autor no XIV fcnoontro Anual da ABPMC, 2006. por (xaaiân (I« mow SutifntMdado. ÍOca Política
no Brnhavtommo Radical, da qual participaram, tamt>Am. o* prata d«« Joaé Antonto DairWMo Af*> (ooordanador), Alexandre Dtttrtcti (UFPR) e
Carlo« tduardo Lopa« (UFSCAR)
* Programa d« Pôa graduação am P»ki*)gia do DaaanvoMmanto e Aprendizagem - FC - UNESP • Bauru
' Curtw d» Especialização em Psicologia Clinica Hoapllatar - Hospital d« RoabtktaçAo da Anomalia* Craniofaclala/Cantrlnho - USP • Bauru

3 3 4 Kotier C<irnir.i c M .iri.m .i P. t\irr<ir.i


vale a idéia de contexto histórico e contexto corrente, bem como o mote do comportamento
no e com o contexto, numa perspectiva humanista que exige explorar variáveis "causais"
(leia-se na tradução machiana para "relações funcionais") de amplo espectro, sejam
elas de orientação fisica, biológica, quimica ou social (especialmente sublinhando
conseqüências sociais versus individuais, a curto ou longo prazo, bem como a
identificação de determinantes politicos e ideológicos sempre importantes nas decisões
sobre prescrição de regras para o comportamento coletivo).
Suposta razoável lógica para os argumentos até aqui expostos, o sujeito do
Behaviorismo Radical ó sujeito-no-contexto: a definição de comportamento adotada por
essa filosofia desautoriza uma dicotomização estrita entre homem e ambiente. O sujeito-
no-contexto do Behaviorismo Radical não só age, mas faz-se sujeito a partir das
conseqüências de sua ação. Uma teoria conseqüencialista do sujeito aponta não
somente os efeitos imediatos do comportamento, mas qualquer efeito que dele decorra,
a qualquer tempo. Tal teoria, portanto, trata de um sujeito-moral: um sujeito que constrói
a si, aos outros e à sua cultura através de sua ação, do que não se deve depreender a
idéia de sujeito ativo ou passivo, mas interativo: essa natureza interativa da análise é o
próprio centro lógico da tríplice (quádrupla, qulntupla...) relação de contingências. A
ótica, no Behaviorismo Radical, diz respeito às conseqüências da ação - e, portanto, a
ótico deve ser compreendida, no interior dessa filosofia, como a própria matriz do sujeito-
no-contexto. Os bens da ética behaviorista radical são todas as conseqüências possíveis
da ação do sujeito-no-contexto. De acordo com essa conceituaçào, as principais tarefas
de uma ética conseqüencialista são a harmonização da produção de bens públicos e
privados, visando não apenas a preservação do sujeito, mas, também do outro e das
culturas, assim como a administração da coexistência entre bens (conseqüências)
imediatos e bens passíveis de obtenção a longo prazo (a questão da dimensão temporal
associada a curto e longo prazo, naturalmente, a serem definidas previamente). O sujeito-
moral do Behaviorismo Radical afirma-se em sua plenitude ao buscar delinear contextos
com essas características. Contudo, escolhas complexas se impõem ao analista do
comportamento que assume esse papel. Como já se discutiu na mesa Subjetividade,
Ética e Política no Behaviorismo Radica!, no XIV Encontro da ABPMC, os contextos sociais
são campos de interesses em conflito - com a direta participação de sujeitos-morais
que produzem contextos-morais e por ele são influenciados. Interferindo sobre (ou na
relação entre) contextos-morais e sujeitos-morais, o analista do comportamento não
escapa de estabelecer um confronto com sua própria ótica, ficando inevitavelmente
posta a questão da autoria das prescrições éticas inerentes a qualquer instância de
controle (quem controla quem, como e onde?). Nessa área de intersecção entre a ótica
do cientista e a ótica dos sujeitos implicados no seu tema de pesquisa certamente
residem conflitos. A "ótica do analista" sempre pode ser questionada, sob diversos
aspectos. Seus objetivos são aceitáveis? Como pode ele proceder para que "seus"
objetivos não sejam realmente seus, mas originários de uma lógica de
representatividade da população a que se destinam suas intervenções? Até que ponto
tais objetivos podem se confrontar com os objetivos de outros sujeitos-morais (minorias
segregadas, por exemplo)? Sendo o próprio analista um sujeito-moral, não cabe a
análise preliminar dos contextos-morais que o controlam? Como tentativa de
concretização de uma ótica, o Behaviorismo Radical, ao apresentar-se como filosofia
do ciência, não pode prescindir do dever de considerar suas diretas implicações como
filosofia política - e, como tal, deve fazer-se presente à negociação de conseqüências.
Como antecedentes a qualquer tentativa de exploração da viabilidade de um
Behaviorismo Radical com ênfase no contextualismo, algumas perguntas e
considerações são imprescindíveis: 1) desde o manifesto watsoniano de 1913, pode-

Sobrr Compor1.imrnto e C otfniç.lo 3 3 5


se considerar que o behaviorismo é útil à compreensão dos fenômenos sociais
complexos? 2) As aspirações skinnerianas de uma utopia social (Walden Two, Ciência
e Comportamento Humano, Contingências de Reforçamento no Delineamento da
Cultura, Alóm da liberdade e dignidade, Reflexões sobre Behaviorismo e Sociedade)
explicada e construída pelo behaviorismo radical, estariam se consolidando? 3) O
Behaviorismo Radical e/ou a Análise do Comportamento resistem às criticas genéricas
sobre sua condição de: a) mediação teórica e tecnologia limitadas a eventos individuais;
b) filosofia de ciôncia de pressupostos incompatíveis com a transformação social; c)
atividade científica não reflexiva, utilitarista e corroboradora do status quo vigente ? 4)
mediação teórica que, na formação de psicólogos, tem dedicado um espaço para a
discussão, estudos teóricos sistemáticos, intervenções e pesquisas relacionados a
delineamontos culturais e análise de práticas culturais nos novos currículos?
Respondor satisfatoriamente a todas essas perguntas implica não apenas
descrever algumas dimensões atuais de pesquisa sobre delineamentos culturais, mas
retomar o percurso do Behaviorismo Radical nessa questão. Como já se mencionou,
desde os primórdios do Behaviorismo Clássico (Watson, 1913), a idéia de que a
formulação de uma ciência objetiva e experimental do comportamento permitiria
aplicações em inúmeras áreas da vida cotidiana inspirou diversos behaviorlstas. Não
foi diferente com B. F. Skinner. No entanto, embora revelasse claramente suas conjecturas
a respeito de uma cultura planejada, como em Walden II, Skinner acautelou-se, por
anos a fio, em buscar a consolidação do que designava como princípios básicos da
Análise do Comportamento, antes de recomendar aplicações diretas do corpo de
conhecimentos gerado em laboratório. Salvo tentativas isoladas de aplicação social
abrangente dos pressupostos behavioristas radicais, apenas a partir dos anos 80 (tome-
se em conta que Skinner começou a publicar em 1930) projetos que podem ser
considerados esforços sistemáticos por intervenções culturais significativas podem
ser identificados nos periódicos especializados, como ó possível constatar em Rillo
(2002), a partir de criteriosa análise da autora em relação às mais importantes
publicações da área correlata a delineamentos culturais: Journal of Applied Behavior
Anafysis, Behaviorísts for Social Action Journal, Behaviorists for Social Responsibility e
Behavior Analysis and Social Action. Nota-se que o analista está cada vez mais presente
e preocupado com aplicações genéricas, que gerem regras de amplo alcance o que
funcionem como sinalizadoras de comportamentos compatíveis com o que (no sentido
da busca de mais ampla eqüidade social) possa o termo cidadania significar na
atualidade. Embora seja possfvei encontrar artigos isolados deste o inicio da publicação
do JABA, por exemplo, apenas nos últimos dez anos a proliferação de artigos e projetos
focalizando questões sociais de amplo alcance podem ser identificados.
Por outro lado, não é mera coincidência o aparecimento, a partir de 1988, de
publicações diversas recuperando conceitos essenciais do contextualismo popperiano
enquanto instrumentos que viabilizariam uma análise comportamental mais abrangente
das relações entre organismo e ambiente. A seleção pelas conseqüências, modus
operandl inequívoco do Behaviorismo Radical, encontraria numa análise conceituai
contextualista a possibilidade de se contemplar número mais amplo de variáveis e
variáveis mais amplamente exploradas (variáveis de contexto), via de regra aduzidas
aos efeitos de uma variável Independente selecionada e cuja influência se quer
estabelecer nas suas relações com uma variável dependente. Em outros termos, o
contextualismo de S. C. Pepper (1942), embora na sua versão original não tivesse
qualquer relação com a Psicologia, já que gerado originalmente no cenário da filosofia
estética, é identificado como instrumento conceituai relevante para uma análise mais
competente de contingências, especialmente nas interações sociais mais complexas.

3 3 6 K r ttc r C urr.ir.i f M jr í. t n . i [’. t\ir r .ir .i


Diante de um quadro de desigualdade social hoje prevalente na grande maioria dos
continentes, a Psicologia em geral nâo pode mais se omitir em relação ao inalienável
compromisso de ampliar sua análise para além da clássica individualidade enquanto
objeto de estudo. Parece transparente a necessidade de que os esforços científicos
convirjam para a busca de contribuições sólidas, sistemáticas e replicáveis de condições
de interação social que preservem direitos e deveres inerentes à cidadania. A superada
idéia da neutralidade científica tem representado um ideal duvidoso formulado enquanto
construto ficcional alinhado com o ideal de uma ciência acima de quaisquer outros
empreendimentos mundanos. Hoje, seguramente, o fazer ciôncia compatibiliza-se com
um importante e intransferível papel, o de estar ao lado da educação, da economia, da
política (no molhor sentido que essas expressões possam assumir) para a busca do
maior bem-estar possível para a maioria da população. Com certa segurança, pode-se
convir que, sem nacionalismos exacerbados, sem pontuar conflitos de classe evitáveis,
bem como sem deixar de continuar aperfeiçoando suas técnicas de controlo de variáveis
para assegurar resultados cada vez mais válidos e procedimentos mais transparentes,
é perfeitamente realizável um empreendimento cientlfico-social da Psicologia (e, em
particular, incluindo Análise do Comportamento e Behaviorismo Radical), fundado na
disponibilização de instrumentos conceituais e práticas que permitam também, por
parte das populações mais claramente desprotegidas, o acesso a condições mais
dignas de existência. Condições dessa natureza, naturalmente, implicam uma série de
ações que nâo são típicas ou exclusivas da Psicologia (já que percorrem os campos da
política econômica, da política educacional, da ótica política). Entretanto, uma orientação
psicológica atenta para tais condições que compõem o contexto mais amplo onde
ocorrem as interações, de modo cada vez mais sistemático e competente, parece ser
tarefa e desafio valioso e relevante a ser enfrentado.
É nessa perspectiva e nesse sentido de se assegurar um compromisso com
a viabilização de um acesso mais direto e mais fácil dessa parcela da população ao uso
do conhecimento científico gerado pela Psicologia, que parece possível e, embora exija
cautela, faz-se vislumbrar a oportunidade de que a pesquisa na área das aplicações
sociais em geral e dos delineamentos culturais em particular resulte na ampliação da
compreensão e melhoria das condições de vida das pessoas que vivem atualmente
dentro de contextos sociais altamente deletérios, sob variado aspecto.
Consideradas essas ressalvas aos eventuais empreendimentos científico-
políticos da Psicologia, no âmbito da Análise do Comportamento cabe questionar que
contribuições poderia oferecer um incipiente Behaviorismo Contextualista Humanista,
que reorienta, mas não substitui os pressupostos do Behaviorismo Radical, para o
encaminhamento de teses teóricas na direção já mencionada. Estimar de que maneira
a adjetlvação de contextualista pode ser atribuída à Análise do Comportamento depende
de como são concebidas as unidades conceituais básicas a serem utilizadas como
Instrumento de exame das relações funcionais entre comportamento e suas
conseqüências. Pelo menos duas dessas unidades conceituais estão contidas nas
idéias de contexto e circunstância, conforme já descrito anteriormente (Carrara &
Gonzalez, 1996):
A raiz latina de contexto aponta, obviamente, para a representação de conjunto,
de todo, de totalidade, de ligação entre partes. A etimologia de circunstância
aponta para o caráter do particular, do único, da condição especifica. Naturalmente,
porque se trata aqui de uma análise epistemológlca e nào filológica, ó suficiente
para ficar claro que a Idéia de contexto, na vertente psicológica, estará representando
um conjunto de condições (quer sejam internas ou externas ao organismo, quer
sejam condições físicas, quím icas, biológicas ou socials) sob as quais o

Sobre Comportamento c Cogniçíio 3 3 7


comportamento acontece. Em contrapartida, a idéia de circunstância se fará
acompanhar da representação de uma única condição, num sistema de vinculo
linear em que se desconsidera a implicação de que o próprio modo de interligação
entre condições influi no comportamento sob análise. Em outras palavras, a idéia
de contexto, de todo, de conjunto de condições, aponta para um modo causal mais
amplo e complexo do que a simples soma de circunstâncias Isoladas (p.207).

(...) Na verdade, grande parte dos analistas do comportamento (notadarnente os


' m odificadores" do comportamento) contribuiu para que pechas como as de
positivista, mecanicista, reducionista ou atomista - para exemplificar - recaíssem
sobre qualquer projeto que ousasse ampliar a objetividade cientifica em Psicologia.
Isso se deu através da relflcaçêo do conceito paradigmático da tríplice relação de
contingências e da supersimpllficaçào das condições sob as quais ocorrem os
fenômenos comportamentals nas diversas situações do cotidiano. Por exemplo, ao
se debruçar sobre uma análise funcional qualquer, o analista visualizava: 1) a
instalação de novos comportamentos, ou 2) a eliminação de comportamentos
existentes, ou 3) o aumento ou diminuição, em alguma medida, de um comportamento
especifico (via duração, freqüência, intensidade), ou 4) a correção morfológica de
algum comportamento (quanto à topografia, por exemplo). Para tanto, limitava-se à
procura de circunstâncias particulares (mas raramente reconstruindo toda a sua
trama histórica de conexões) que se apresentavam associadas à ocorrência dos
comportamentos-alvo. Embora naturalmente salva a idéia concreta de relação
funcional entre comportamento e contingências em razão da freqüência de ocorrência
concomitante de ambos, prejudicava-se, especialmente nos casos mais complexos
de causalidade intercruzada, a possibilidade de uma intervenção mais segura e
direta no contexto em que acontecia o comportamento (p.208).
O que ocorria - e ainda se repete, com boa freqüência - é que a análise funcional
acaba ocorrendo com a priorização de uma das possíveis variáveis a influenciar o
comportamento (uma chamada variável independente), resultando conseqüente
elaboração de programa de contingências a partir da mesma. Trata-se, evidentemente,
de um delineamento linear, de execução prática bastante mais simples, mas que pode
deixar fora de consideração uma série de variáveis de contexto, que afetam singularmente
a probabilidade de ocorrência do comportamento. Constituem, via de regra, um conjunto
/de condições que alteram a própria organização do ambiente e, como conseqüência, a
' própria freqüência (ou outra dimensão) do comportamento sob análise. Levado ao
limite, esse formato de construção da análise funcional torna parciais e inconclusivas
as decisões sobre onde, qual seu conteúdo e como manipular variáveis que interferem
no comportamento, ainda que em situações sociais simples. Fora de dúvida, as situações
complexas (especialmente as que implicam contextos sociais institucionais ou de
categorias organizadas) sofrem conseqüências das limitações horizontais ou verticais
(de abrangência ou de profundidade) da análise em curso. A investigação de variáveis
articuladas em rede de relações e responsáveis pela multideterminação comportamental
não é suficientemente praticada. A ênfase mais comum incide sobre variáveis discretas
reconhecidas pela freqüência de ocorrência na situação clinica, por vezes deixando-se
de lado determinantes mais específicos, identificáveis unicamente mediante observação
controlada por parte do terapeuta, da família ou do próprio cliente, devidamente
preparados para tanto. Desafortunadamente, a constatação desse tipo de prática, que
de resto em hipótese alguma poderá ser confundida com uma recomendação ou uma
característica da Análise Aplicada do Comportamento (mesmo porque esta recomenda
e tem desenvolvido pesquisas valiosas que incluem a ampliação do número e tipo de
contingências estudadas), tem contribuído para alguma preocupante superficialidade
de análise que compromete a área e a torna vulnerável à literatura crítica que a adjetiva
de reducionista, superficial e simplista (cf. Carrara, 2005).

3 3 8 Kesfer C\irr<iM «r M urw iK i P. Cirrur«i


Lançar mão do instrumento conceituai do contextualismo pepperiano não
implica inovar teoricamente o Behaviorismo Radical, já que os pressupostos essenciais
deste não mudam. Todavia, na medida em que a proposição de Pepper remete à escolha
de uma entre diversas hipóteses cosmogônicas (mecanicismo, formismo,
contextualismo entre outras) enquanto estratégias de interpretação da realidade, a
escolha do contextualismo como pano de fundo para a análise funcional exige uma
ênfase especial na amplitude dessa mesma análise. Com Cavalcante (1999), "...a
referência ao contextualismo ó útil na medida em que constrói um quadro interessante
para a compreensão das possibilidades e possíveis lacunas da análise do
comportamento enquanto ciência do comportamento" (p.5). Para enfrentar esse quadro
teórico, por um lado auspicioso, mas por outro lado a exigir grande parcimónia, o
instrumento conceituai do contextualismo pode ajudar a identificar que tipo de ênfase é
necessário em cada situação particular.
Na prática, na maioria dos casos a aposta do analista se faz priorizando uma
das variáveis e delineando o controle de contingências a partir da mesma. Salvo em
algumas intervenções muito bem elaboradas, por profissionais experientes
(particularmente na prática clinica e em algumas poucas situações educacionais), a
investigação de variáveis articuladas em rede e responsáveis pela multideterminação
comportamental é pouco praticada. A ênfase mais comum incide sobre variáveis
discretas reconhecidas pela freqüência de ocorrência na situação clinica, por vezes
deixando-se de lado determinantes mais específicos, identificáveis unicamente mediante
observação controlada por parte do terapeuta, da familia ou do próprio cliente,
devidamente preparados para tal. A constatação desse tipo de prática, que de resto em
hipótese alguma poderá ser confundida com uma recomendação ou uma característica
da Análise Aplicada do Comportamento (mesmo porque esta, pela própria natureza de
pressupostos exige e, como conseqüência, têm sido desenvolvidas pesquisas valiosas
que incluem a ampliação do número e tipo de contingências estudadas), tem contribuído
para alguma preocupante superficialidade de análise que compromete a área e a toma
vulnerável à literatura crítica que a adjetiva de reducionista, superficial e simplista. Nessa
perspectiva, Cavalcante (1999) informa que a tentativa de adoção do contextualismo
como referência constitui característica peculiar de um movimento contemporâneo que
tenta recuperar as dimensões analítico-comportamentais na terapia comportamental,
especialmente em situações onde se encontra em jogo a questão do comportamento
verbal. Os relatos verbais são reconhecidos como fonte legítima de informações clínicas,
mas o emprego dos relatos em situação terapêutica tom sido "objeto de interpretações
conflitantes, associadas a leituras também diversas dos princípios que sustentam a
análise do comportamento fundamentada no behaviorismo radical" (p. 2, resumo on­
line). A autora (Cavalcante, 1999) entende que "a referência ao contextualismo ó útil na
medida em que constrói um quadro interessante para a compreensão das possibilidades
e possíveis lacunas da análise do comportamento enquanto ciência do comportamento"
(p.5, resumo on-line). Entretanto, conclui que a apropriação do conjunto de princípios
contextualistas não introduz interpretação verdadeiramente original para o fenómeno
comportamental, nem equaciona satisfatoriamente as noções de análise funcional e
comportamento.
Para enfrentar essa realidade, é possível que se afigurasse descartável o
Instrumento auxiliar do contextualismo pepperiano, uma vez que seguidos à risca os
pressupostos behavíoristas skinnerianos e as descobertas experimentais da AEC, o
panorama prático da área aplicada talvez fosse mais animador, o que não elimina de
todo o auxílio analítico oferecido por enfoques divergentes ou enfoques “auxiliares” ou
"complementares" ao Behaviorismo Radical. De toda maneira, a dificuldade de realizar

Sobre Comportamento e CojjniçJo 3 3 9


tais análises mais avançadas, vertical e horizontalmente, às vezes tem conduzido a
uma outra posição, igualmente preocupante: a de começar a mesclar à Análise Aplicada
do Comportamento um sem-número de modismos terapêuticos de origem incompatível
quanto a pressupostos vitais do Behaviorismo Radical. Não deixa de ser importante a
sensibilidade do analista do comportamento para com as descobertas oriundas de
outros edifícios teóricos. Aliás, tal idéia compatibiliza-se com o propósito desta
comunicação, no sentido de se fazer avançar a discussão sobre a hipótese de
construção de um paradigma unificador da Psicologia, via ciências do comportamento.
Foi o caso do desenvolvimento, ao mesmo tempo dentro da Análise do Comportamento
o também a partir de técnicas originárias de outras abordagens, do conceito de "ensaio
comportamental" que, explicado sob outros princípios, não deixa de ser compatível com
o conceito de “role playing" ou, mais especificamente, inversão de papéis para que o
cliente discrimine com clareza como se comporta diante de certas condições de interação
social. De todo modo, parece que:
Historicamente, duas preocupações fundamentais influenciaram o encaminhamento
da Análise do Comportamento, gradatívamente, para uma tendência que hoje se
poderá passar a denominar de contextualista: a necessidade de uma análise mais
ampla de contingências e uma análise de contingências mais amplas. (Carrara &
Gonzalez, 1996, p. 208)
Reitere-se, por outro lado, a já mencionada possibilidade de que, de algum
modo, uma certa fuga do behaviorismo para abrigos contextualistas dê-se em razão de
um afastamento à pecha de mecanicista. Na análise de Hayes (1988), o mecanicismo
baseia-se em metáfora (da máquina em funcionamento) que atinge tanto o behaviorismo
como o cognitivlsmo, exemplificando-se, no primeiro, pelo modelo watsoniano (e mesmo
skinneriano ou hulliano, nas suas versões preliminares) influenciado pela reflexologia,
enquanto que no segundo mostra-se na metáfora do computador, apoiada nos conceitos
de imput e output, bem como de software e hardware. O mecanicismo seria atribuido ao
behaviorismo por uma suposta tendência deste em formular definições de estímulo e
resposta apoiadas em conceitos atomistas, reducionistas, elementaristas,
molecularistas, tudo em franca oposição e incoerência com o traço de fato proeminente
da AC: a análise funcional. Nessa atribuição de característica mecanicista ao
behaviorismo, também fica implícita a concepção de que as partes envolvidas na
explicação das ações humanas têm um significado em si mesmas, de maneira que as
análises de comportamentos complexos seriam feitas "recortando-se" a realidade sem
mesmo interpretar os episódios simples de comportamento dontro de um cenário
ambiental específico. Também se atribuiu a idéia de que esta seja uma "psicologia
estímulo-resposta" e que seu simplificado paradigma seria S-R, do tipo reflexológico e
construído nos mesmos moldes do condicionamento clássico pavloviano. Todavia,
... ó Importante que se ressalvem, aqui, os riscos de se denominar de modo
absoluto qualquer orientação teórica em Psicologia: atribuída, por exemplo, a
designação de mecanicista ao behaviorismo watsoniano, corre-se o risco de incluir
a l partes de sua obra que foram essencialmente descrltlvo-funclonais e que,
respeitado o contexto histórico de seu trabalho, poderiam ser dispensadas desse
e de outros rótulos. Tais riscos se derivam da impossibilidade de relativização
que qualquer designação taxativa impõe (especialmente as negativas, como a
mecanicista): todo rótulo i absoluto, por certo. Mais prudente será falar, sempre,
em características mecanlcistas ou características contextualistas. (Carrara &
Gonzalez, p. 211).
Fica claro que, se adotada a ótica contextualista, há compatibilidade com o
Behaviorismo Radical no que concerne à multideterminaçâo comportamental. Por outro

3 4 0 K citcr C\irrtiM r M .in .in a P. C irr.ir.i


lado, seria natural uma preocupação em considerar indivisível e interativa a unidade
psicológica, de modo a ficar definitivamente descartada a possibilidade de análise do
"psicológico" (no caso especifico, o comportamental) unicamente mediante avaliação de
eventos particulares. Isso remete, de novo, à simbologia do comportamento no e com o
contexto. A tradicional e inalienável idéia de dasse de respostas corrobora na AEC a concepção
de contexto. Afinal, os efeitos das conseqüências de um operante qualquer não se dão
sobre respostas únicas e isoladas de um conjunto de condições especificas do ambiente.
Ocorrem sobre um conjunto de respostas que exerçam similar impacto funcional.
Uma outra característica de um possível Behaviorismo Contextualista seria
que (Carrara & Gonzalez, 1996):
(...) implica procedimentos que tentam sempre aproximar o seu objeto do estudo
de um verbo, mais que de um substantivo. Em outras palavras, analisa-se o estar
fazendo, o estar realizando, o estar agindo, o que representa uma característica
dinâmica em contrapartida a um ato dado como pronto e estático: nesse sentido
figurado, a maioria dos verbos não permite uma análise monolítica, mas relacional
e, por isso, contextuai (quem vai, vai a algum lugar; quem realiza, realiza algo;
quem verbaliza, verbaliza sobre...), (p. 213).
Conforme constante da proposta inicial de Morris (1988), numa análise
comportamental contextualista o próprio contexto teria duas instâncias de organização:
um contexto histórico e um contexto corrente. No primeiro (cuja natureza pode ser
filogênica ou ontogênica), seriam examinadas quais funções de estimulo e resposta
apresentam-se passíveis de ocorrência naquela determinada espécie, mediante aquela
história de contingências particular. No segundo, o contexto corrente, examina-se a
potencialidade de ocorrência de certos comportamentos particulares nas circunstâncias
atuais. É evidente que o tracejo de uma demarcação entre até onde se estendem,
temporalmente, o contexto corrente e o contexto histórico não está posto e trata-se de
uma questão relevante para tal análise. Por certo, dependerá em parte das finalidades
da análise em questáo. De toda maneira, parece clara na posição assumida por Morris
(1988) a idéia de uma divisão entre contexto histórico individual (ontogênico) e contexto
histórico da espécie (filogenético), de um lado, bem como contexto corrente (privação,
instruções, dimensão física, social e biológica da estimulação presente), de outro.
À pergunta sobre se o contextualismo pode ou não contribuir para um
behaviorismo comprometido eticamente - questão central deste texto - parece ser possível
oferecer uma resposta positiva, todavia não sem algumas dificuldades a serem superadas:
Se se pretende uma orientação teórica mais consistente com a idóia de uma
análise mais prudente e completa do comportamento e, caso o tempo realmente
co nfirm e a re levâ n cia das im p lica çõ es co n te xtu a lista s, os a na lista s do
comportamento precisam rever parte de sua prática e parte de seus pressupostos
teóricos. O exercício que se sugere ó aprimorar a Análise do Comportamento a
partir do substrato teórico promissor que possui e que, se ancorado numa forma
de contextualismo que ela própria poderá dimensionar, tende a oferecer respostas
apropriadas às questões modernamente formuladas pela Psicologia. Muitas das
implicações de uma dinâmica contextualista sâo absolutamente desconhecidas.
Pouco existe de óbvio nesse campo, de modo que embora nâo se possa afirmar
categoricamente a utilidade de sua adoção, torna-se imprescindível uma ampliação
de informações a respeito: pesquisas e ensaios teóricos sâo o caminho para que
a Análise do Comportamento defina-se por uma resposta positiva ou negativa ao
contextualismo. (Carrara & Gonzalez, p. 215).
A partir de 1988, com a "releitura" de alguns escritos de Pepper e a visualização
da possibilidade de que, à luz dessa literatura, fosse possível reorientar a Análise do

Sobre Comportiim enlo c C o fln i^ o 3 4 1


Comportamento quando de seus empreendimentos diante da análise de situações
complexas, especialmente envolvendo comportamentos verbais e eventos privados em
geral no contexto social, mas não apenas estes, consolidou-se o sentido de que as
estratégias de intervenção devem ampliar-se horizontal e verticalmente. Ou seja, possam
gradativamonte dar conta de arranjos de contingências mais amplas e arranjos mais
amplos de contingências. Não se trata, reitere-se, de qualquer pretensa proposta de
substituição de conceitos do Behaviorismo Radical por outro tipo, mas da busca de
recursos conceituais disponíveis na literatura, para reorganizar as ênfases que
historicamente direcionam a abordagem.
Paralelamente, um outro esforço toórico vem sendo produzido
sistematicamente dentro do Behaviorismo Radical. Trata-se da proposta de Ardila (1983)
e outros pesquisadores, no sentido de que o diálogo do Behaviorismo Radical com
outras abordagens também passa pelo caminho da busca de um paradigma unificado
da Psicologia. Tarefa ingente é bem verdade, mas que parece coadunar-se
adequadamente com os desdobramentos da adoção do contextualismo pepperiano.
Naturalmente, as dificuldades são muitas e passam pela inexistência de uma linguagem
comum entre os psicólogos, o que, de resto, coloca à Psicologia uma dificuldade muito
maior na perspectiva de consolidar-se enquanto ciência reconhecida e estável como a
Física e a Biologia, ao que se acresce o fato da numerosidade de variáveis complexas
que entram em seu processo de causalidade, agindo ao modo de rede de relações e
implicando discordâncias por vezes inevitáveis nos debates entre diferentes vertentes
teóricas. Entretanto, parece auspiciosa a via proposta por Ardila, no sentido de que tal
projeto não seja orientado, de inicio, através de uma linguagem acordada, mas da
definição metodológica de parâmetros possíveis de coleta e interpretação de dados
oriundos da natureza humana. Tais dados, hoje, passam pelo consenso da necessidade
de observação controlada e precisa, embora o que sejam tais conceitos para cada ótica
ainda constitua assunto em discussão.
Evidentemente, não se sabe o tempo a transcorrer com tal empreendimento,
porque altamente complexo e certamente fadado a enfrentamentos e resistências muito
profundas. De todo modo, como já assinalou o próprio Skinner, "talvez o comportamento
humano seja a matéria mais difícil á qual se tem aplicado os métodos científicos, de
modo que é natural que um progresso substancial seja lento" (1953, p. 41).
Portanto, na perspectiva ora explorada, pensar um Behaviorismo Radical
Humanista Contextualista não implica afastamento aos cânones skinnerlanos, mas
compartilhamento de uma ênfase especial na questão das prescrições éticas. Trata-se
de valorizar a ampliação do acesso a variáveis determinantes do comportamento (o que
implica pesquisa crescente para identificação e descrição de tais variáveis), ao mesmo
tempo em que dirigir os interesses de pesquisa dos analistas ao campo das relações
sociais complexas, em busca de alternativas concretas de mudança de Influências nos
parâmetros que determinam o comportamento das pessoas em grupo. É nesse sentido
que as pesquisas sobre delineamentos culturais (entendidos como arranjo planejado
e sistemático de contingências - e metacontingências - para situações sociais
complexas) ganham importância e constituem desafio para os analistas, ainda tão
criticados sob a (falsa) concepção de que o behaviorismo não constitui paradigma
capaz de ir além das interações individuais mais simples com o ambiente. E é evidente
que, preliminarmente às intervenções, o analista do comportamento deve confrontar-se
com a já mencionada questão das suas parcerias óticas, no sentido de perguntar-se,
sempre, a quem estará servindo por ocasião de cada projeto de intervenção, de resto
problema não exclusivo do analista, mas de responsabilidade de todo psicólogo. Por

3 4 2 K estfr C ürnir.i t M a rw rw l \ Cdmir.t


certo, estamos sempre diante do questionamento clássico de Ulrich (1975, p, 163):
"Creio que vale a pena ajudar as pessoas e, se for necessário, protegê-las da nossa
ajuda, mas não devemos nos enganar, pensando que temos algo assim como a resposta
final para todos os problemas".

Referências

Ardlla, R. (1983) La Slntesls Experimental Del Comportamiento. interamerícan Psychologist, 58,4-7.


Carrara, K. (2005) Behaviorismo Radical: Critica e Metacrltica, Sâo Paulo: Editora UNESP.
Carrara, K,, Gonzalez, M. H. (1996) Contextuallsmo e mecanicismo: implicações conceituais para
uma análise da Análise do Comportamento. Didática, 31, 199-217.
Cavalcante, S. N. (1999) Análise funcional na terapia comportamental: uma discussão das
recomendações do Behaviorismo Contextualista. Belóm: Universidade Federal do Pará
(dissertação de mestrado).
Hayes, S. C. Contextuallsm and the next wave of Behavioral Psychology. Behavior Analysis, 1988,
23( 1), 7-22.
Pepper, S. C. (1942) World Hypotheses: a study in evidence. Berkeley: University of California
Press, 348p.
Rlllo, M. 0 . (2002) O compromisso do analista do comportamento com as questões socials: uma
análise a partir de publicações. São Paulo: PUCSP (dissertação de mestrado em Psicologia
Experimental).
Skinner, B. F. (1948) Walden I I . New York: McMillan.
Skinner, B.F. (1953) Science and Human Behavior. New York: McMillan.
Ulrich, R. E. Algunas repercusiones morales y éticas de la modificación conductual: una perspectiva
desde dentro Revista Mexicana de Análisis de la Conducta, v.1, p. 137-44, 1975.
Watson, J. B. (1913) Psychology as the behavlorist views it. Psychological Review, v. 20, p. 158-77.

Sobre Comportamento e Cojjnlç3o 3 4 3


Capítulo 33
Delineamentos culturais e práticas
descritas por políticas
públicas: análise conceituai e projetos de
intervenção 1
Kcster Carrara, Alessandra Turini Holsoni-Silva e
Ana Cláudia Moreira Almeida-Vcrdu *

Revelam-se auspiciosas as possibilidades de que a Análise do Comportamento


consolide suas contribuições ao planejamento e implementação de práticas culturais
baseadas nos conceitos e na tecnologia produzidas sob a ótica behaviorista radical.
Nos últimos vinte anos, a literatura tem gradativamente ampliado a comunicação de
resultados de pesquisa que revelam a pertinência do direcionamento de esforços no
sentido de que os princípios científicos da Análise do Comportamento sejam testados
em situações sociais complexas. Várias áreas e exemplos têm sido explorados, todavia
restando inúmeras questões e setores ainda intocados, por vezes suscitando à crítica
a possibilidade de concluir que a mediação teórica behaviorista seja, de fato, insuficiente
ou incapaz de dar conta de fenômenos sociais complexos. Nessa perspectiva, a questão
central deste texto implica, de um lado, considerar teoricamente algumas das principais
variáveis e dificuldades em jogo no trabalho com questões sociais complexas a partir
do behaviorismo e, de outro lado, comunicar, a titulo de exemplo da possibilidade de
atuação no tema, os resultados de algumas pesquisas conduzidas no âmbito de práticas
inclusivas e de planejamento educacional em contextos sócio-culturais.
Focallza-se a idéia de que a intervenção em comportamento de pessoas que
planejam ambientes educacionais - pais e professores, neste caso - pode resultar em
dois tipos de consequências: uma, direta, para os indivlduos-alvo da intervenção e
outra, indireta, para as unidades sócio-culturais em questão. Entre os resultados
encontrados nas pesquisas, pode-se mencionar: 1) a aquisição de habilidades sociais
educativas pelos pais e pelas mães que participaram de um programa de intervenção,
bem como a aferição e descrição, mediante instrumento específico, da melhoria do
repertório social de crianças e adolescentes, seja na redução de comportamentos que
competem com aprendizagens relevantes e significativas para a cultura, seja na aquisição
de competência social; 2) a apresentação de práticas menos segregatórias e mais
inclusivas por membros de uma comunidade escolar; 3) a apresentação de
comportamentos relevantes para a cultura por pessoas com necessidades especiais,
mediante ações diretas junto a essa população e ações intermediadas por agentes
educacionais. As análises destas e de outras pesquisas podem permitir avaliar os

1Versfto prtHimlniu do loxto M n|>TMUtnl»da *»n n«Mnidortd« no XIV Fnuxitro dn ABPMC, 2006, Caotptnaa
0
• Deplo de Pttcok >gtii n Progmrrm d« Pó»-grmkmç*o em Paicologüi do d«*«nvn»vlm*n*o AfXwvJtMQwn, FftUjkJwl« d« CiAnd«! da UNF SP,
Hmkm.SP

3 4 4 K f* lfr Carrara, A lrtian d ra Turini Hol»oni-Silv<i e And ClAuriia M o rrim A lm ad a-W rilu
efeitos de intervenções especificas em contingências entrelaçadas envolvidas no
estabelecimento e manutenção de unidades sócio-culturais, de modo que,
provavelmente, uma das conseqüências finais seria constituída pela promoção de uma
comunidade mais preocupada com direitos humanos e comportamentos pró-éticos e
pró-sociais. Também será apresentado o estado atual de projeto apoiado pela FAPESP
na modalidade de ensino público (proc. 2004/14157-0), que descreve atividades
realizadas com professores e alunos do ensino fundamental, como a instalação,
mudança ou consolidação de comportamentos compatíveis com o desenvolvimento da
cidadania. As pesquisas mencionadas são debatidas sob a ótica das relações entre
delineamentos culturais e políticas públicas, com o auxílio conceituai das
metacontingências.
É inequivoca a influência exercida pelas crescentes o diversificadas demandas
sociais na ampliação da participação de profissionais das classicamonte designadas
ciências humanas na formulação e desenvolvimento de projetos de pesquisa e
intervenção vinculados ao planejamento cultural. Considerada segmento importante
desse conjunto de ciências, a Psicologia tem transposto os limites de sua atuação
prática, demarcados pelas atuações nas áreas clínica, social, organizacional,
educacional. Mais especificamente, de certo modo refletindo as previsões skinnerianas
de Ciência e Comportamento Humano sobre a importância de se estudar o
comportamento no contexto das agências de controle, os analistas têm, nos últimos
tempos, ampliado gradativamente sua produção científica dirigida a questões sociais
importantes para a instalação e desenvolvimento de políticas públicas. O foco dos
delineamentos culturais parece sinalizar aos jovens analistas do comportamento, que
agora consolidam sua formação acadêmica, um campo relevante e inevitável de atuação:
cada vez menos prescindirão, os governos democráticos, na perspectiva do Holland
(1978), das contribuições científicas da Psicologia (e do Bohaviorismo Radical) para o
estabelecimento de procedimentos planejados de conseqüenciação de
comportamentos eleitos para alguma forma pública, transparente e socialmente
acordada de controle.
Desde Walden Two (1948), embora uma novela utópica, Skinner advertiu sobre as
possibilidades do planejamento cultural e das intervenções sociais a partir da Análise do
Comportamento. Dedicou, em Ciência e comportamento humano (1953), os capítulos IV, V
e VI a essa questão, centrando a análise na concepção de agências de controle. Outros
sinais dessa constante e crescente preocupação com questões sociais é a significativa
produção de comunicações de pesquisa veiculada no JABA -_Journal of Applied Behavior
Analysis, desde 1968, assim como o aparecimento de periódicos tomáticos, nos últimos
quinze anos: Behavior Analysis and Social Action, Behaviorists for Social Action Journal e
Behavior and Social (ssues. No Brasil, a recente reunião da ABPMC (XIV, 2005) revelou o
interesse de significativo número de profissionais com tais temas, registrando mais de 80
trabalhos com assuntos de interesse comunitário, questões sociais de variado tipo e temas
ótico-teóricos. Em particular, mais de 20 trabalhos trataram de questões e conceitos
relacionados è análise de práticas culturais. O Conselho Federal de Psicologia, em 1995,
com a instituição de um prêmio monográfico {A Psicologia e a construção da cidadania)
tentara inaugurar uma etapa importante para o avanço das pesquisas com questões sociais
complexas, sem que, contudo, houvesse nos anos subseqüentes uma significativa
ampliação das discussões em eventos científicos. Houve, em contrapartida, uma demanda
social crescente de contribuições da Psicologia para o planejamento cultural e essa
demanda tornou-se coincidente com o avanço de análises conceituais e pesquisas
empíricas sobre práticas culturais, especialmente a partir do behaviorismo radical. No caso
brasileiro e no do outros países em desenvolvimento, tal demanda tem sido ainda mais

Sobro Comportamento e Co#niç«1o 3 4 5


intensa, justamente em função das necessidades correspondentes à implantação de novas
políticas públicas destinadas a pautar comportamentos ótica e politicamente "corretos", ou
seja, em tese compatíveis com o desenvolvimento e consolidação da cidadania. Essa área,
com isso, tem se revelado, além de um renovado campo de pesquisa, um possível e
auspicioso campo de atuação para as novas gerações de analistas do comportamento,
ainda que para o sucesso de tal empreendimento ainda seja necessária atuação consistente
da própria categoria profissional (o que, coerentemente, implicaria atuação decisiva no nlvel
das metacontingôncias).
Nesse sentido, a maioria dos projetos em desenvolvimento na área tem lidado com
o conceito de metacontingôncias tal como proposto por Sigrid Glenn (1986,1988). O conceito
implica a consideração de metacontingôncias como uma unidade complexa de análise do
comportamento e descreve relações funcionais entre classes de operantes e suas
conseqüências. As metacontingôncias funcionariam como um instrumento conceituai
compatível com a Análise do Comportamento e passam a supor um conjunto articulado de
comportamentos apresentados pelo grupo, conjunto esse designado prática cultural. Assim
como na visão skinneriana original, a produção de conseqüências positivas assegura a
sobrevivência das culturas. As metacontingôncias implicariam, todavia, uma relação hierárquica
de conseqüências, mantendo o comportamento individual sob o controle do comportamento
coletivo, ou seja, das conseqüências de longo prazo que descrevem o chamado bem comum.
Está sempre presente, imbricada e articulada com a idéia de metacontingôncias, a perspectiva
ética da análise do comportamento social, dal os sub-temas serem polêmicos e exigirem
discussão intensa sobre o tipo de objetivo pretendido. Apesar das dificuldades de
estabelecimento de finalidades óticas consensuais, algumas práticas têm sido consagradas
como bem da cultura, no sentido skinneriano (ver Abib, 2002). Dentre elas, no Brasil as
pesquisas têm eleito a temática da Educação inclusiva e o desenvolvimento de habilidades
sociais (especialmente compatíveis com preceitos éticos): seriam, atualmente, bens
consensuais, dal ser possível supor relevância aos dados de pesquisa rosultantes de projetos
apoiados e que são descritos na seqüência do presente artigo.

Práticas inclusivas e planejamento educacional


A inclusão pode ser descrita como um fenômeno social complexo, rosultado do
ações que são estabelecidas e mantidas por diferentes agências e agentes, entre elas o
governo, as instituições formadoras de educadores, as escolas, as pessoas com necessidades
educativas ospeciais e suas famílias (Schimidt, 2001). Considera-se pertinente mencionar o
papel da mldia no planejamento e consolidação de uma sociedade inclusiva, pois de acordo
com Skinner (1989) essa agência tem um controle mais efetivo das demais agências
controladoras. Tomando como ponto de partida esse modelo de sociedade inclusiva, pode-
se descrever e compreender o fenômeno da inclusão a partir de ações inter-relacionadas
apresentadas por diversos agentes e agências. Embora cada agência responda a controles
particulares e suas ações tenham conseqüências ou efeitos diferenciados, se todas as
ações adequadas às necessidades de uma cultura forem garantidas, uma conseqüência
final e comum pode ser a promoção de condições sociais menos restritivas e mais inclusivas.
Uma sociedade inclusiva pode ser resultado de ações diretas com a população com
necessidades educacionais especiais, mas também a partir de ações indiretas, intervindo
junto aos segmentos de pessoas que compõem algumas agências de controle como agôncias
educacionais, famílias, agôncias formadoras, mldia e legislação, por exemplo.
Compreende-se, nesta proposta, que ainda que muitas variáveis sejam
determinantes de uma sociedade inclusiva, esta depende também de comportamentos
apresentados por agentes particulares, podendo ser compreendida enquanto um

3 4 6 K o le r Carrdrd, A lru a n d rii Turim Holtonl-Silwt r Ana CIAudict M o m ra Alm ndfl-Vrrdu


produto obtido a partir de práticas culturais particulares. Dessa forma, de acordo com a
proposta apresentada por Glenn (1988), os aspectos que mantém o produto das práticas
culturais apresentadas por uma comunidade, não sâo os mesmos que mantém os
comportamentos individuais apresentados por cada pessoa que compõe os setores
envolvidos na obtenção desse produto. Assim, considera-se pertinente o estudo de
interações comportamentais especificas, também envolvidas na aprendizagem de
comportamentos considerados condizentes com o exercido da cidadania.
Algumas das práticas que evidenciam o exercício da cidadania são: a utilização de
recursos disponibilizados pela cultura; a aprendizagem de práticas que foram estabelecidas
como relevantes para a vida nessa cultura e a apresentação de comportamentos que
forneçam alternativas para problemas que as práticas apresentadas por essa mesma
cultura venham a gerar (Luna, 2001). A exemplo disso, uma das principais características da
pessoa com deficiência mental é um funcionamento do desempenho intelectual
significativamente inferior, com reconhecidos déficits em pelo menos duas áreas do
comportamento adaptativo e, entre esses, a comunicação'. Se uma pessoa apresenta nas
suas relações com o mundo uma necessidade muito evidente de comunicação, a
aprendizagem de práticas adaptativas importantes para a sobrevivência nessa cultura e
aprendidas por essa cultura, não são facilmente acessíveis. Não pelos meios convencionais!
Com base nesses argumentos foi realizado um estudo4 em contexto institucional
que oferece serviço e suporte a pessoas com necessidades educacionais especiais cujo
objetivo foi verificar os efeitos de intervenções em diversos segmentos da instituição (agente
educacional, educandos e seus pais) sobre as relações comunicativas estabelecidas ontre
estes. Contudo, cabe uma consideração: como realizar uma intervenção dentro de uma
instituição sem contrariar os princípios da inclusão? Considera-se neste trabalho que
mesmo em um ambiente protegido (instituição), pode-se identificar níveis diferentes do
participação, desde o mais incluído ao mais segregado. Ou seja, é possível implementar
ações em prol das interações entre as pessoas da instituição, de modo a minimizar
preconceitos e atitudes segregatórias entre elas. Essas habilidades, uma vez desenvolvidas,
podem e devem ser generalizadas para outro ambientes de tal forma que se garanta o
acesso não só a um ambiente mais inclusivo, mas a práticas mais inclusivas.
Participaram deste trabalho quatro educandos com deficiência mental, adultos,
com acentuado comprometimento na comunicação e interações sociais, uma agente
educacional que conduzia as atividades com o grupo de educandos diariamente na
instituição e os pais desses alunos. O relato deste estudo será realizado especificando
contingências que descreverão a situação antecedente de segmento, as ações de
procedimento realizadas e as conseqüências para cada segmento.

Educandos
Avaliação da situação antecedente - Os educandos foram submetidos a uma
avaliação que os expunha a seis figuras que apresentavam cenas de interações em
diversos contextos (Coleção Papel de Carta, Chamat, 1997) e foram solicitados
desempenhos como nomear, descrever e narrar fatos com seqüência lógica e emitir
opiniões. Foram observados desempenhos pobres em todos os desempenhos
avaliados para dois participantes. Para os outros dois, as dificuldades foram registradas
em narrar fatos com seqüência lógica e emitir opiniões Por essa avaliação, aliada às

■Compreende ae. no uxpo ciaste capdukj, o tomio anmunictçèo encurto deecritar de un repertório que preenche oa critôrioa de opteôdio vurtxtl
mti que o comportamento do fulanto (vocal nu uostuMl) Iwn coneequéndea «obre o comportamento do ouvinte (Interlocutor que pode reaponder
por percepçfto auditiva, vtaual ou tátil) a vice vera*. »endo «mbo* eatabeiecidoe n mantido« por contingência» d* i «torço
* fcate «atufo foi poaelvel devido * ootabomçAo de Nédia Duerte Merina, Cemtta Perina e Leuren MermoocN (Boéatata PROEX), fjraduandaa do
curao tio Palcologie da Uneap/Beuru a do apoio financeiro da Prrt Roitoria de Extenaáo Universitária (PHOEX) peie conceaaâo do urna bola«.

Sobre Comporltimenlo e Cotyniftto 3 4 7


solicitações da instituição e da agente educacional constatou-se a necessidade de
intervenção direta em repertórios que envolviam comunicação junto a esse grupo.
Ações junto aos educandos - Foi programado um ensino direto e sistemático em repertórios
comunicativos tais como informar dados pessoais, responder a perguntas, fazer pedidos,
descrever situações, seguir instruções, opinar concordando e discordando, interagir com
membros do grupo e compartilhar atividades (descritas no protocolo de avaliação realizado
com a agente educacional). O ensino foi realizado em 20 sessões, uma por semana,
planejadas a partir da seleção de objetivos culturalmente relevantes, envolvendo uma
programação seqüencial e progressiva. O procedimento instrucional contemplou a seguinte
seqüência: instrução verbal, diálogo e discussão; modelação da habilidade a ensinar, incluindo
modelação de enfrentamento, prática incluindo a representação de papéis e em situações
práticas da instituição, retroalimentação e conseqüência programada. Em cada sessão eram
expostos um resumo da tarefa realizada anteriormente, a apresentação dos objetivos da
sessão, a apresentação dos passos do procedimento e a avaliação individual da atuação.
Conseqüências para as ações dos educandos - Os dados obtidos a partir de registros
individuais e detalhados sessão a sessão possibilitaram uma análise do progresso da
aprendizagem na aquisição e manutenção das habilidades. Os resultados
demonstraram aquisição do repertório ensinado por todos os participantes, embora o
nlvel de complexidade tenha sido bastante diversificado. Uma das participantes (SNA),
inclusive, não apresentava emissões vocais, tendo sido necessário adaptar as tarefas
considerando as suas possibilidades comunicativas (gestuais e visuais) e utilizando-
se do referencial de uma comunicação alternativa (Light, Roberts, Dinamarco, & Greiner,
1998). No caso do participante LED, a ausência de registro de aquisição nas atividades
de "seguir instrução" e "opinar concordando" são em decorrência de faltas por questões
de saúde. Os dados ilustrativos são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1Resultados ilustrativos do desempenho dos participantes durante o


ensino dos repertórios comunicativos treinados em grupo.
Repertórios comunicativos
Participantes Informar Responder Fazor Descrever Sogulr Opinar Opinar
dados a pedidos situações instruções concordando discordando
pessoais perguntas
SNA ✓ ✓ - ✓ ✓ ✓ ✓
MCA - - ✓ ✓ ✓ ✓ ✓
LED ✓ ✓ ✓ ✓ - _ ✓
BND / ✓ ✓ ✓ ✓ ✓ -

Considera-se que tais resultados sejam função das condições planejadas


individualmente para cada participante, em uma primeira instância e de planejamentos
realizados para os demais segmentos, detalhados a seguir.

Agente educacional
Avaliaçào da situação antecedente - Com a agente educacional, a partir de suas principais
queixas em relação ao grupo, foi elaborado um protocolo de avaliação no qual ela emitiria
pareceres sobre o desempenho de cada aluno do grupo, em oito repertórios distintos
(informar dados pessoais, responder a perguntas, fazer pedidos, descrever situações,
seguir instruções, opinar concordando e discordando, interagir com membros do grupo e
compartilhar atividades) considerando uma escala de três pontos (não faz, faz com ajuda,
faz). Na avaliação da agente educacional, foram registradas necessidades de suporte

340 Ke»ler Carrard, Turin! Bolsoni-Sílvn e And ClAudiit Morcird Almcidci-Vcrdu


(indicadas como ‘faz com ajuda’) e necessidade de aprendizagem (indicadas como 'não
faz’) em praticamente todos os repertórios avaliados para todos os participantos.
Ações junto à educadora - A educadora participou das intervenções juntamente com as
pesquisadoras, como colaboradora direta do programa. Inicialmente, percebeu-se uma
dificuldade da mesma em discriminar quais seriam as práticas educativas adequadas
aos objetivos do estudo e, para suprir tal necessidade, planejou-se algumas reuniões
informativas, fora do horário de intervenção com os educandos, sendo uma reunião
para cada bloco de atividades. Durante essas reuniões, além do estabelecimento dos
objetivos da atividade e da descrição dos passos para a sua execução, a agente
educacional foi orientada a dar continuidade ao ensino com o grupo de educandos nos
demais dias da semana em que desenvolvia atividades diversas. Essa prática visava
possibilitar uma consistência no ensino e generalização das habilidades para os
contextos em que as estagiárias não estariam presentes.
Também foi possível ensinar à educadora como selecionar e reforçar
diferencialmente comportamentos adequados, além de modelar sua discriminação em
relação a pequenos avanços comportamentais que os participantes foram apresentando
ao longo das sessões. Essa oportunidade de comunicação com a educadora também se
mostrou importante para que ela pudesse trazer demandas especificas sobre sua atuação,
como por exemplo a necessidade de analisar os casos mais difíceis, tirando dúvidas e
planejando conjuntamente com as pesquisadoras alguns procedimentos de ensino.
Conseqüências para as ações da agente educacional - A educadora passou a relatar
fatos que indicavam avanços nas interações entre os educandos do grupo e entre a
mesma e o grupo relatando a ocorrência de comportamentos ensinados durante a
intervenção e percebendo estes como função de comportamentos apresentados pela
própria educadora. Esse relato é, qualitativamente, bem diferente daqueles registrados
no pré-teste. Além disso, a educadora relatou utilizar-se de estratégias de ensino que
facilitaram a manutenção dos repertórios ensinados.

Pais
Avaliação da situação antecedente - Com os pais constatou-se que havia queixas da
coordenadora da instituição e da agente educacional sobre a pouca participação destes
no contexto educacional, porém não foram relatadas ações que oferecessem condições
ou oportunidades de participação (como reuniões de pais, por exemplo).
Ações junto aos pais - Com os pais, foram programadas duas reuniões, bimestrais,
com o objetivo de favorecer uma aproximação com a instituição, informar sobre o
conteúdo trabalhado durante as sessões. Além disso, houve o fornecimento de
orientações sobre práticas facilitadoras da comunicação e de interações positivas em
ambiente doméstico tais como diretividade, perguntar sobre a tarefa, solicitar atenção,
repetição, sugestão, feedback, informar, comentar, estabelecer limites, contato fisico de
ajuda e demonstrar afeto (Silva, & Salomão, 2002). Tais práticas foram selecionadas
para o trabalho com os pais com o objetivo de oferecer condições para que os
comportamentos desejados, trabalhados diretamente com os alunos, pudessem ser
apresentados também em ambiente doméstico na interação entre pais e filhos.
Conseqüências sobre a ação dos pais - Observou-se uma maior participação dos pais
na instituição e uma preocupação em identificar práticas que facilitam a ampliação do
repertório social e comunicativo dos filhos, o que aumenta a probabilidade de
generalização para o ambiente familiar, uma vez que estavam se propondo a manter
contingências semelhantes às adotadas na instituição.

SobreCompnrtiimrntocCo^niçílo 3 4 9
De maneira geral, observou-se que a aquisição de comportamentos relevantes
para a cultura, como habilidades comunicativas por pessoas com necessidades especiais,
ocorreu nào só como função de ensino direto, mas também por ações apresentadas
junto a agentes de ensino e pais desses educandos.
A promoção dessas múltiplas condições de aprendizagem pôde promover
condições para que um repertório aprendido em uma situação pudesse ser mantido o
generalizado para outras. Teve-se como hipótese que as ações implementadas em um
segmento funcionaram como antecedentes e conseqüentes para as ações dos outros
segmentos. Por exemplo, os educandos passaram a emitir, mais freqüentemente,
comportamentos comunicativos na rotina da instituição pelo suporte oferecido pelo ensino
direto. A educadora passou a reconhecer as habilidades dos educandos e a apresentar
comportamentos que funcionavam como reforço positivo para estes, além de tornar a
rotina Implementada pelo programa de ensino mais sistemática durante a semana. Os
pais passaram a participar mais da rotina da instituição, freqüentando reuniões de pais e
eventos comemorativos, pois essas atividades passaram a ser conseqüenciadas
positivamente pelos próprios membros da instituição. A conseqüência final para esse
conjunto de intervenções foi uma comunicaçôo mais efetiva entre os três segmentos
envolvidos na rotina dessa instituição. Esse conjunto de conseqüências coincide com o
objetivo central da instituição, qual seja, o de promover práticas coerentes com o paradigma
da inclusão.
A proposta de trabalhar com ações indiretas foi fundamentada em Glenn (1991)
que considera que os segmentos de uma comunidade exercem um duplo papel, a saber,
o de agentes de mudança exercendo ações sobre o meio, e o de ambiente para ação de
outros, caracterizando-se como elementos de unidades culturais.
Intervenção junto a pais: problemas de comportamento
Dentre as variáveis que podem influenciar o aparecimento e/ou a manutenção
de problemas do comportamento encontram-se as práticas parentais.
Ao analisar pesquisas com essa temática, chega-se a algumas conclusões:
a) a maioria dos programas de intervenção foi realizado em grupo e com avaliações pró e
pós intervenção (Webster-Stratton, 1994, Dishion & Andrews, 1995, Ruma, Burke &
Thompson, 1996, Pfinner & McBurnett, 1997, Taylor, Schmidt, Popler & Hodgins, 1998,
Cobham, Dadds & Spence, 1998, Brestan, Jacobs, Rayfield & Eyberg, 1999, Sanders,
Markie-Dadds, Tully & Bor, 2000, Peterson, Tremblay, Ewigman & Saldana, 2003);
b) as sessões (variando de 10 a 16 sessões) ocorriam geralmente uma vez por semana
com o tempo variando entre uma hora e duas horas (Webster-Stratton, 1994, Dishion &
Andrews, 1995, Pfinner & McBurnett, 1997, Taylor & cols., 1998, Cobham & cols., 1998,
Brestan & cols., 1999, Sanders & cols., 2000, Peterson & cols., 2003);
c) os procedimentos utilizados foram: relaxamento e reestruturação cognitiva (Cobham &
cols., 1998), vldeotapes (Webster-Stratton, 1994, Ruma & cols., 1996, Taylor & cols., 1998),
audiotapes (Taylor & cols., 1998), role plavings (Taylor & cols., 1998);
d) as habilidades treinadas consideravam:
- comunicação (Webster-Stratton, 1994, Dishion & Andrews, 1995, Ruma & cols., 1996);
- habilidades parentais de manejo de comportamentos, tais como elogiar, dar feedback,
time-out, ignorar (Webster-Stratton, 1994, Dishion & Andrews, 1995, Ruma & cols.,
1996, Brestan & cols., 1999, Jouriles e cols., 2001, Sanders & cols., 2000);
- suporte social (Webster-Stratton, 1994), conflitos e resolução de problemas (Webster-
Stratton, 1994, Ruma & cols., 1996, Jouriles & cols., 2001), enfrentamento (Webster-
Stratton, 1994, Taylor & cols., 1998, Cobham & cols., 1998);

3 5 0 Ke»ter Carrara, Alcismidra Turini HoUoni-Silva e And CIAudid M orrirrt Alm rida-Vrrdu
- autocontrole (Ruma & cols., 1996, Taylor & cols., 1998);
- promover relacionamento positivo e competência social da criança - tempo de
qualidade, conversar com a criança, afeto físico (Sanders & cols., 2000, Jouriles &
cols., 2001) e ouvir atentamente a criança (Brestan e cols., 1999).
A partir dos estudos acima mencionados percebe-se que a maioria dos estudos
estava preocupada em reduzir problemas de comportamento com população clinica,
sendo, portanto, poucos os que relataram trabalhar com essa população antes mesmo
de haver queixas clinicas. Nota-se também que há estudos preocupados em ampliar o
repertório das familias além das habilidades de manejo do comportamento, tais como
comunicação, competência social e suporte social.
Considerando que as interações estabelecidas entre pais e filhos são
evidentemente de natureza social, o campo teórico-prático do Treinamento em Habilidades
Sociais (THS) tem sido utilizado para avaliar repertório parental relacionado a problemas
de comportamento e à competência social de filhos (Del Prette & Del Prette, 1999). Por
exemplo, Bolsoni-Silva (2003) concluiu que habilidades utilizadas para estabelecer limites
(por exemplo, dizer nâo, estabelecer regras, elogiar comportamentos "desejados” e solicitar
mudança de comportamento) são importantes para a avaliação do surgimento e/ou da
manutenção d r problemas de comportamento; por outro lado, parecem ainda mais cruciais
outras habilidades, tais como a expressão de sentimentos e de opiniões, fazer perguntas,
ter consistência nas práticas parentais e concordância parental quanto à forma de educar,
que foram mais relatadas por pais e por mães de crianças sem dificuldades interpessoais
quando comparadas a crianças com indicativos de problemas de comportamento.
Diante dessa literatura, surge a presente pesquisa que pretendeu descrever
efeitos de um procedimento de intervenção, mediante comparações pré e pós-teste,
realizado com pais e com mães sem queixas clinicas.

A população atendida
Participaram do estudo dois pais e onze mães que buscaram atendimento
com a intenção de melhorar as interações com seus filhos. O trabalho foi realizado em
um Centro de Psicologia Aplicada de uma Universidade Estadual em uma cidade do
interior de São Paulo. A Tabela 1 caracteriza a amostra.
Tabela 1 Caracterização dos participantes da pesquisa

CÓDIGO IDADE________ OCUPAÇÃO_______ FILHOS: IDADE/SEXO


P1 -_ Pal
Pai ~Zd
44 FEmpresário
m n r o n À r ln Id n /M * " ’ 116a/M,
14a/M' fín /M 118a/M
R n /M
GRUPO 1 P2 - Mãe 34 Advogada 4a/Fn
P3 - Mâen 50 Cobradora 22a/Fn , 18a/M
P4 - Pai 44 Empresário 8a/Mn , 6a/F
P5 - Mâe 44 Secr Executiva 8a/Mn , 8a/F
P6 - Mâen 39 Advoflad» 4a/M. 5a/F, 7a/F. 10a/M(
GRUPO 2 P7 - Mfle 50 Prof.Universitária 3a/FlV, 20a/M, 23a/F
P8 - Pai 48 Corretor Imóveis 17a/Fn , 18a/M
P9 - Mfle 50 Bancária 17a/Fn , 18a/M
P10 - Mfle 41 Arquiteta 4a/Fn
GRUPO 3 P11 - Mfle 42 Jornalista 1a/F' *
P12 - Mfle 44 Assistente Social 0a/M, 11a/Mn ,11a/M,
15a/M
P13 - Pai 45 Polícia Federai 9a/M. H a/M ^IS a/M .

r> Participantes divorciadas

Sobrr C om poitim cD lo t CoflniçJo 35 1


O instrumento utilizado
Um questionário adaptado do Questionário de Habidades Sociais Educativas Parentais
(QHSE-P, adaptação de Bolsoni-Silva, 2003), que avalia a frequência e variáveis antecedentes e
conseqüentes de diversas habilidades sociais aplicáveis ás práticas educativas. São
mensuradas a freqüência de 14 itens de HSE-P, a que podem ser atribuídos escores de 0 a 2.

A coleta de dados
Para a avaliação dos procedimentos de intervenção foi empregado um
delineamento que utilizou o participante como seu próprio controle (comparações entre
avaliações pró e pós-intervenção). Esse delineamento permite a descrição de efeitos
do procedimento de intervenção no caso de o comportamento mudar após a introdução
da variável independente (o programa de intervenção). As sessões de intervenção
ocorreram no ano de 2004 (1 0 e 2 0 semestres) e no 1 0 semestre de 2005, num total de
20 sessões de intervenções e 8 sessões de avaliação (4 para medidas pré-teste e 4
para pós-teste) através de entrevistas e de inventários, apontados anteriormente.

O tratamento e análise de dados


O tratamento e a análise dos dados teve por objetivo comparar as avaliações pré
e pós-intervenção para cada um dos instrumentos utilizados. Portanto, a seqüência de
tratamento e de análise dos dados foi: a) atribuição de escores para as respostas dadas
pelos participantes, sendo que para as respostas ‘freqüentemente’ (QHSE-P) foi atribuído
o escore 2, para as respostas 'algumas vezes1foi atribuído o escore 1 e para as respostas
‘nunca ou quase nunca’, o escore 0; ao instrumento IHS foram atribuídos escores, conforme
recomendações próprias; b) análise de conteúdo das respostas dadas quanto a situações
antecedentes e conseqüentes; c) organização dos resultados na forma de figuras.

Resultados do Questionário de Habilidades Sociais Educativas


Parentais (QHSE-P)
A Tabela 1 apresenta os escores totais de cada participante do grupo nas
medidas antes e após a intervenção. Já a Tabela 2 indica quais são as estratégias,
utilizadas por eles, para estabelecer limites a seus filhos.

■ Pfó-tetta ■ P ô vteM tt

25

Î 20

1 0 .................................................

5 ............................... - - -

P a rtic ip a n t*»

Figura 1. Escore total do QHSE-P dos participantes, Figura 2. Freqüência de respostas das Estratégias
nas medidas de pré e pós intervenção. Parentais para estabeteoer Limites e reações dos filhos.

352 Keiter Carrara, A lo ta ru lra Turini llolsoni-Silva r Ana CIAudia M oreira Almcida-Verdu
A Figura 1 indica que os participantes, já na primeira avaliação, apresentavam
altos escores em HSE-P, cujos Indices aumentaram para seis dos 13 participantes.
Pela Figura 2 observa-se que a qualidade da interação utilizada para estabelecer
limites também melhorou, uma vez que estratégias como conversar o negociar
aumentaram de freqüência e punições positivas e negativas reduziram. Tais mudanças
parecem ter refletido no comportamento das crianças que passaram a obedecer mais,
além de reduzirem os comportamentos de birras.

Figura 3. Freqüência de co m portam entos Figura 4. Freqüência de comportamentos


“negativos" dos filhos e Reações parentais “positivos" dos filhos e Reações parentais

Ao serem perguntados quais comportamentos os filhos tinham que os pais e/ou


mães julgavam como “negativos" foram mais citados os comportamentos de agressividade
e de desobediência, cujas freqüências reduziram no pós-teste, como aponta a Figura 3.
Interessante notar que os participantes relataram, na primeira avaliação, conversarem el
ou negociarem com seus filhos nessas situações, mas também brigavam, gritavam e/ou
batiam e na segunda avaliação ambas estratégias reduziram, especialmente as punitivas.
Patterson, Reid e Dishion (2002) apontam como crucial que os pais e as mães
ensinem seus filhos a obedecer, pois encontraram comportamentos "indesejados"
mais freqüentemente em filhos que não eram capazes de obedecer. Pacheco, Teixeira
e Gomes (1999) também apontam que a exigência parental e a responsividade às
necessidades dos filhos parecem evitar o surgimento e a manutenção de tais
dificuldades, o que pode ser obtido com habilidades sociais educativas que envolvem
expressividade (sentimentos, opiniões), afetividade (elogios, carinhos) e consistência.
Por outro lado, Sidman (1995) e Skinner (1993/1953) advertem quanto ao uso
de práticas agressivas (por exemplo bater, gritar) que podem gerar ansiedade e baixa
auto-estima, além de ensinarem, aos filhos, modelos agressivos de lidar com conflitos
e a tendência de contra-controlar (por exemplo com desobediência e agressividade).
Pela Figura 4 ò interessante destacar a freqüência baixa de comportamentos
“positivos” quando comparados aos “negativos", o que pode refletir uma tendência
cultural de discriminar e conseqüenciar mais comportamentos que incomodam que
os socialmente habilidosos. De todo modo, os participantes passaram a demonstrar
contentamento mais freqüentemente na segunda avaliação. Esses resultados reiteram

*»obrc Comportamento e C oflnlçío 3 5 3


os achados de BotsonhSilva (2003) à medida que a promoção de habilidades sociais
educativas parentais parece favorecer a redução de problemas de comportamento
em crianças e/ou adolescentes. Tal relação pode haver à medida que, enquanto
agentes controladores (Skinner, 1993/1953), os pais e as mães estabelecem
contingências a seus filhos e, ao agirem de forma socialmente habilidosa, lhes
garantem novos modelos. Adicionalmente, os pais e mães, ao estarem mais atentos
a esses comportamentos, podem conseqüenciar respostas socialmente habilidosas
em seus filhos, os quais, munidos de tais habilidades, podem conseguir atenção e
resolver problemas, sem, contudo, necessitarem de problemas de comportamento
para obter tais reforçadores (Goldiamond, 1974).
Compreende-se, nesta proposta, que ainda que muitas variáveis sejam determinantes
de uma sociedade inclusiva, esta depende também de comportamentos apresentados por
agentes particulares, podendo ser compreendida onquanto um produto obtido a partir de
práticas culturais particulares. Dessa forma, de acordo com a proposta apresentada por
Glenn (1988), os aspectos que mantém o produto das práticas culturais apresentadas por
uma comunidade, não sâo os mesmos que mantém os comportamentos individuais
apresentados por cada pessoa que compõe os setores envolvidos na obtenção desse produto.
De acordo com Todorov, Moreira e Moreira (2005), contingências individuais podem estar, de
alguma forma, relacionadas em uma metacontingêncla, pois o que a define é o fato das
contingências individuais resultarem em uma conseqüência comum para um grupo de
indivíduos que, por sua vez, são diferentes das contingências individuais. Ainda do acordo
com Todorov, Moreira e Moreira (2005), se as contingências individuais se entrelaçam se
entrelaçam ou não é um aspecto que merece ser estudado na análise de uma metacontingência,
porém não pertence à sua definição. Tenha o leitor em consideração, de toda maneira, que,
tendo em vista os limites e a história recente dos conceitos implicados na área de
delineamentos culturais, duas frentes de trabalho estão sempre presentes no planejamento,
na coleta e na interpretação dos dados das pesquisas ora relatadas: a do controle pelos
dados da pesquisa e a do exercício constante de interpretação teórico-epistemológica pautados
pelo Behaviorismo Radical. De todo modo, não há como ter "certeza" de que os conceitos
(como o de metacontingêndas) atualmente vigentes na literatura sejam os melhoros ou os
mais seguros para se interpretar fenômenos sociais a partir de uma visão behaviorista radical.
Não são consensuais os conceitos de metacontingêndas, macrocontingências e
contingências culturais. Resta, contudo, a importância e necessidade de ampliação das
atividades de pesquisadores e reflexões teóricas no contexto do behaviorismo radical para o
avanço da área de delineamentos culturais.
Naturalmente, é preciso considerar como questão coadjuvante na temática dos
delineamentos culturais, a decisão necessária sobre quais seriam, eticamente, os
"aliados" ou “parceiros" do analista do comportamento na busca de soluções para
problemas sociais complexos. Como responder apropriadamente à pergunta de James
Holland sobre se servirão os princípios comportamentais para os revolucionários é
tema transversal da área de delineamentos culturais, mas provavelmente apenas a
própria realização e relato de pesquisas pode ser instrumento eficiente para a avaliação
das correções e equívocos éticos nessa fértil área de pesquisas.
Nessa perspectiva, dentre as inúmeras iniciativas possíveis, procurou-se, no
conjunto de estudos aqui apresentados, absorvendo literatura e esforços anteriores dos
participantes da mesa no campo de habilidades sociais e procedimentos e processos de
inclusão, viabilizar projetos de implantação, desenvolvimento e consolidação de
comportamentos pró-éticos (que, em última instância, são também pró-sociais), com
população acadêmica do Ensino Fundamental. Mais recentemente, no âmbito do processo
de consolidação democrática do país, a ênfase nos conteúdos passou a ceder espaço

3 5 4 Kf»ler Carrara, A lm a m ira Turini Hol»om-Silva t Ana CIAudla M o ra ra Almridfl-Vcrdu


para a ênfase na formação ético-moral destinada a consolidar a formação de cidadãos
melhor qualificados para a participação social dirigida à busca de uma sociedade mais
igualitária e justa. Com isso, os projetos precedentes subsidiam o atual, que implica um
conjunto de procedimentos e medidas com o objetivo central de avaliar o efeito de práticas
educacionais que favoreçam o desenvolvimento da cidadania em escolares do ensino
fundamental, através da consolidação de repertórios de comportamentos pró-éticos diversos
e, particularmente, os que incluam respeito à diversidade. Filmagens, questionários e
inventários registraram o comportamento dos professores, que participaram de
procedimento sistemático destinado a habilitá-los para tal tarefa com os alunos participantes
do projeto. Também dessa pesquisa resultaram dados que corroboram a idéia de que a
Análise do Comportamento pode dirigir seus esforços à identificação, descrição, instalação
e consolidação de repertórios comportamentais pró-éticos e pró-sociais, destinados à
ampliação de habilidades sociais compatíveis com os processos de inclusão e de
fortalecimento da cidadania, no contexto de uma sociedade justa e democrática.

Referências

Abib, J.A.D. (2002) Ética em Sklnner e Metaótica. In H.J.Guilhard! et ale cols. (orys) Sobre
comportamento e cognlçáo. Santo André: ESETec, cap. 13, p. 125-137.
Bolsonl-Sllva, A. T. (2003) Habilidades Sociais Educativas, variáveis contextuais e problemas de
comportamento: comparando pais e mães de pré-escolares. Tese de Doutorado. Rlbelrflo
Preto: Universidade de Sào Paulo.
Brestan, E. V., Jacobs, J. R., Rayfield, A. D. &, Eyberg, S. M. (1999) A consumer satisfaction measure
for parent-child treatments and its relation to measures of child behavior change. Behavior
Therapy, 30. 17-30.
Chamat, L. S. J. (1997) Coleção papel de carta: teste para avaliação das dificuldades de
aprendizagem. Sâo Paulo: Vetor, 1997.
Cohbman, V. E., Dadds, M. R., & Spence, S. H. (1998) The role of parental anxiety In the treatment of
childhood anxiety. Journal of Consultin & Clinical Psychology, 66 (6), 893-905.
Del Protte, Z. A. P., & Del Prette, A. (1999) Psicologia das Habilidades Sociais: Terapia e educação.
Petrópolis: Vozes.
Dlshlon, T. J., & Andrews, D. W. (1995) Preventing escalation in problem behaviors with high-risk
young adolescents: Immediate ane 1-year outcomes. Journal o f Consulting ACIinical
Psychology, 63 (4), 538-548.
Glenn, S. S. (1986) Metacontingencies in Walden Two. Behavior Analysis in Social Action, vol. 7, p. 1-7.
Glenn, S. S. (1988) Contingencies and Metacontingencies: toward a synthesis of behavior analysis
and cultural materialism. The Behavior Analyst, 11, p. 161-179.
Glenn, S. S. (1991) Contingencies and metacontlngencles: Relations among behavioral, cultural, and
biological evolution. In: P. A. Lamal (Org.), Behavioral analysis of societies and cultural
practices (p. 39-73). New York; Hemisphere Publishing Corporation.
Goldlamond, I. (1974) Toward a constructional approach to social problems; Ethical and constitucional
issues raised by applied behavior analysis. Behaviorism, 2, 1-84. (Reimpresso em Behavior
and Social Issues, 11, 108-197, 2002).
Holland, J. G. (1974) Servlrán los princípios conductuales para los revolucionários? In Keller, F.S. e
Ribes, E., Modificaciôn de conducta: aplicaciónes a la educaciôn. México: Editorial Trillas,
p. 265-281.
Light, J. C., Robert, B,, Dlmarco, R., Greiner, N. (1998) Augmentative and Alternative Communication
to support receptive and expressive communication for people with autism. Journal o f
Communication Disorderst 31, 153-180.

Sotorc Comportamento e Cognição 3 5 5


Luna, S. V. (2001) O analista do comportamento como profissional da educaçào. Em M. Delitti (Org.),
Sobre comportamento e cognição: A prática da análise do comportamento e da terapia
cognitivo-comportamental (p. 286-292). Santo André: ESETec Editores Associados.
Jourlles, E. N., McDonald, R., Splller, L„ Norwood, W. D, Swank, P. R., Stephens, N., Ware, H., Buzy,
W. M. (2001) Reducing Conduct Problems Among Children of Battered Women. Journal of
Consulting and Clinical Psychology, 69(5), 774-785.
Pacheco, J. T. B., Teixeira, M. A. P., & Gomes, W. B. (1999) Estilos parentais e desenvolvimento de
habilidades sociais na adolescência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 15 (2), 117-126.
Patterson, G.p Reid, J., & Dlshlon, T. (2002) Antisocial boys. Comportamento anti-soda1. Santo
André: ESETec Editores Associados.
Peterson, L., Tremblay, G., Ewigman, B., & Saldana, L. (2003). Multilevel Selected Primary Prevention
of Child Maltreatment. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 71(3), 601-612.
Pfiffner, L., & McBurnett, K. (1997) Social Skills Training With Parent Generalization: Treatment
Effects for Children With Attention Deficit Disorder. Journal o f Consulting and Clinical
Psychology, 65(5), 749-757.
Ruma, P. R., Burke, R. V., & Thompson, R. W. (1996). Group parent training: Is it effective for children
of all ages? Behavior Therapy, 27, 159-169.
Sanders, M R, Markie-Dadds, C., Tully, L. A. & Bor, W. (2000) The Triple P-Positive Parenting Program:
A comparison of enhanced, standard, and self-directed behavioral family Intervention for
parents of children with early onset conduct problems. Journal o f Consulting and Clinical
Psychology, 68 (4), 624-640.
Schimidt, A. (2001) Metacontingôncias na escola inclusiva. Resumos do X Encontro Brasileiro de
Psicoterapla e Medicina Comportamental, outubro, p. 165.
Sldman, M. (1995) Coerçào e suas implicações. Campinas: Editorial Psy II.
Silva, M. P. V., & Salomão, N. M. R. (2002) Interações verbais e nào-verbais entre mfles-crianças
portadoras de Slndrome de Down e entre mães-crianças com desenvolvimento normal.
Estudos de Psicologia (Natal), 7 (2), 311-323.
Skinner, B. F. (1948) Walden Two. New York: McMillan
Skinner, B. F. (1953) Science and human behavioí. New York: McMilan
Skinner, B F. (1989) Recent issues in the analysis o f behavior. Columbus: Merrill Publishing Company.
Taylor, T. K., Schmidt, F,, Pepler, D. & Hodgins, C. (1998) A comparison ofecletic treatment with
Webster-Stratton's parents and children series in a chldren's mental health center: A
randomized controlled trial. Behavior Therapy, 29, 221-240.
Todorov, J. C., Moreira, M. B., & Moreira, M. (2005) Contingências entrelaçadas e contingências não-
relaclonadas. Em: J. C. Todorov, R. C. Martone e M. B. Moreira (Orgs.). Metacontingôncias:
comportamento, cultura e sociedade. Santo André: ESETec (pp. 55-59).
Webster-Stratton, C. (1994) Advancing videotape parent training: A comparison study. Journal of
Consulting and Clinical Psychology, 62 (3), 583-593.

3 5 6 K r»trr Girrflrd, Alc»»andra Turin! HoUoni-Sllva e An« ClAudia M o rrira Alm rida-Vrrdu
Capítulo 34
A mídia e o desenvolvimento
de crianças e jovens.
Reflexões fundamentais para a Terapia
Analítico-Comportamenta!
Infantil
Lalrcia Abreu Vasconcelos
Universidade de Brasflia

A prolongada exposição diária de crianças e jovens à midia - televisão, filmes e


jogos eletrônicos, especialmente quando dissociada da participação e reflexões dos
pais, constitui uma soma de fatores que tem controlado o desenvolvimento de alguns
padrões de comportamentos de risco em crianças e jovens. Apesar da potencial
contribuição por parte da mldia televisiva, por exemplo, alguns de seus aspectos podem
ser prejudiciais para a audiência, conduzindo à conclusão de que o demasiado tempo
de exposição da criança à televisão torna necessário investigar as relações entre a
midia e a criança, inclusivo com a criação de fóruns do discussão (Guareschi, 1998/
2002). Além de sutilezas do imperialismo cultural (Jempson, 1999/2002), são também
amplamente divulgados, no transcorrer das programações diárias, imagens e conteúdos
sexuais descontextualizados e cenas que retratam violência. A violência pode ser
claramente observada por meio de alguns comportamentos anti-sociais como xingar,
roubar, ferir, matar e seqüestrar, ou ainda, ser demonstrada sutilmente com a transmissão
de valores voltados para a discriminação social, racial ou de gênero. Em 50% dos
programas que apresentam a violência, as cenas são mostradas de forma não
contextualizada, o que tem sido denominado violência gratuita, A porcentagem restante
apresenta brigas, violência racial e outras formas de preconceito, violência urbana,
situações em presídios e guerras (Andi, 2004) (Ver Andery & Sério, 1999, a respeito da
análise da violência a partir do controle aversivo de Sidman; Sidman, 1989/1995).
A população brasileira é formada por 40% de crianças e 12% de jovens. Segundo
o censo de 1991 do IBGE, são 50 milhões de crianças entre 0 e 14 anos (Giacomini Filho,
1998/2002); e, segundo a Agência de Noticias dos Direitos da Criança - Andi (2004), são
21 milhões de jovens entre 12 e 17 anos. Essa parcela significativa da população dedica
grande parte do seu tempo à televisão - a exposição média diária das crianças varia de
três (Carmona, 1998/2002) a quatro horas (Guareschi, 1998/2002), sendo esta também a

Nobre (.'omporl.im rnlo c Coflniçüo 3 5 7


média de exposição dos jovens (Andi, 2004). Assim, percebe-se a necessidade de
investimentos em pesquisas acerca do impacto da midia sobre crianças e jovens, pois a
televisão os insere em diferentes metacontingéncias, tecnológicas e cerimoniais (Sobre
metacontingéncias, ler Todorov, Martone & Moreira, 2005), as quais devem integrar a
análise dos comportamentos sociais emitidos por eles. A Terapia Analítico-
Comportamental Infantil não pode prescindir de análises que envolvam a revolução
alcançada pelos meios de comunicação, a qual se relaciona diretamente com as
mudanças observadas nas interações familiares.
A ampla audiência televisiva sofre as conseqüências adversas da invisibilidade e
da visão distorcida, estabelecidas na televisão, de alguns atores e grupos sociais. Em
outras palavras, alguns estudos denunciam a escassa participação de negros, crianças
e idosos na programação televisiva, o que pode ser constatado também em outros tipos
de mídia como o livro didático (Andi, 2004; Feilitzen, 1999/2000; Moreno 1986/1999). Porém,
esses aspectos parecem mais graves no que tange à televisão porque o acesso a ela é
registrado, no Brasil, em todas as classes sociais, sendo um dos poucos produtos
culturais consumidos pelas classes populares, quando comparada a outros produtos
culturais brasileiros como livros, cinema e teatro (Capparelli, 1998/2002). Portanto, o
desequilíbrio entre a real população brasileira e a sua representação midiática pode
provocar problemas em uma audiência bastante diversificada, seja em razão dos poucos
grupos populacionais efetivamente representados ou em razão da forma como são
identificados e qualificados os demais grupos. Esse desequilíbrio pode dificultar a
autovalorização desses grupos ou o reconhecimento por parle dos demais cidadãos.
Dizemos que a TV apresenta uma visào de mundo adultocôntrica, com estereótipos
sexuais e étnicos; que impõe um estilo de vida baseado em valores individualistas
e competitivos; que apresenta um mundo linear e homogéneo, sem espaço para
diferenças e contradições (Leite, 1998/2002, p. 104-105) (...) O estilo de vida
promovido ó elitista, mesmo em um cenário urbano (Rao, 1999/2002, p. 116) (...)
As crianças sào geralmente invisíveis na midia. exceto quando estãu envolvidas
em um acontecimento especial ou drama sensacionalista. Muito freqüentemente,
a imagem da criança inocente e a do adolescente rebelde e agressivo predominam
na mídia (Feilitzen, 1999/2002, p.40). (...) A participação autêntica e nAo-abusiva
na propaganda ó extremamente rara (Feilitzen, 1999/2002, p.41).
A constatação de que a televisão é o meio de comunicação preferido das crianças
(Ibope, 1995 - Giacomini Filho, 1998/2002) tem resultado na criação e aprimoramento
de programas infantis e em estudos sobre a alta exposição das crianças a outros tipos
de programas. Um exemplo são as investigações sobre os padrões do consumo de
crianças e jovens, com o intuito de proteger esse público alvo facilmente alcançado pela
televisão (Giacomini Filho, 1998/2002). Vale ressaltar que, na história da televisão
brasileira, o interesse comerciai tem sido mais contemplado do que o educativo
(Carmona, 1998/2002). Os possíveis efeitos disso sobre as crianças tornam relevante
garantir que seus direitos como consumidoras sejam respeitados, uma vez que elas
identificam logomarcas antes de serem alfabetizadas e apresentam um alto padrão de
consumo, gastando bilhões de dólares ao ano (Giacomini Filho, 1998/2002). Ademais,
Crippa (1984) apresenta indicadores de uma forte relação entre o que é mostrado no
vídeo e alguns distúrbios infantis. As crianças adotam, em 80%, alguns padrões de
comportamentos apresentados e o índice de ansiedade relacionado ao consumo dos
produtos anunciados é superior a 90%.
As crianças são vulneráveis a mensagens sublimares, propagandas ocultas
presentes no marketing publicitário e em documentários e desenhos animados, sendo
estes o principal produto da programação infantil em todo o mundo (Jempson, 1999/

3 5 8 l .uHciti A breu Vtisconcclos


2002). Os comerciais são considerados pela criança como diversão e, até por volta dos
seis anos de idade, ela não discrimina entre um comercial e um programa. Estudos
mostram que as crianças menores dedicam mais atenção (olham, ouvem e comentam)
a comerciais do que a outros tipos de programação (Rao, 1999/2002). Também ó
importante considerar que crianças assistem a todos os tipos de programas televisivos,
especialmente novelas, noticiários e filmes, e não apenas àqueles dedicados à sua
faixa etária (Giacomini Filho, 1998/2002).
Os programas infantis, por sua vez, precisam de aperfeiçoamento continuo em
busca de um melhor atendimento aos direitos das crianças, contribuindo para o seu
desenvolvimento. Contudo, o objetivo de muitos desses programas ó a formação de
consumidores, tendo apresentadores mais envolvidos com a indústria de consumo do
que com a transmissão da cultura do pais, além de subestimarem a capacidade de
compreensão do seu público (Carmona, 1998/2002; Távola, 1998/2002). Recentemente,
a exposição e a sobrevalorização dos corpos das apresentadoras de programas infantis,
mulheres adultas, implicavam uma espécie de vergonha do ser infantil. Uma infância
adultizada ou adultos infantilizados faziam parte do cenário (Fischer, 1998/2002), assim
como jogos de competição, que não objetivavam unir o brincar ao aprender. Já recursos
lúdicos que possibilitassem reflexões sobre temas variados, nacionais e internacionais,
não tinham espaço nesses programas. A relação entre a televisão e o jovem também
tem sido pesquisada. Por volta da década de 80, a televisão brasileira consolidou
programas específicos para esse público (Andi, 2004), os quais têm sido analisados
quanto ao conteúdo e à forma de interação com os jovens nos programas de auditório.
Vários são os indicadores de que há controle da televisão sobre a criança, o que,
em uma visão analltico-comportamental, significa o efeito de uma determinada fonte de
variáveis (a televisão), em um contexto, sobre o desenvolvimento de alguns padrões de
comportamento (Trata-se de uma concepção diferente daquolas que apresentam controle
como um indicador da eliminação de variabilidade ou de diferenças individuais, produzindo
padrões de comportamentos homogéneos, idênticos, entre diferentes organismos). A
tolevisáo pode controlar o desenvolvimento de valores, necessidades de consumo, padrões
de beleza, conceitos de moda, bem-estar, inteligência, além dos conceitos de criança,
jovem e idoso, entre outros. Mais de 80% do que se fala na família, no trabalho, na escola, na
rua etc. è o que foi apresentado pela mídia (Guareschi, 1998/2002, p. 91). As crianças
reproduzem diálogos de personagens em filmes com precisão (Nilsson, 1999/2000).
Entretanto, ao se analisarem as pesquisas sobre televisão e criança, iniciadas na década
do 50 do século XX, encontram-se problemas metodológicos, da formulação das perguntas
que orientam as pesquisas aos instrumentos e procedimentos utilizados (Guareschi, 1998/
2002). Algumas perguntas mal formuladas têm resultado em relações lineares e simplistas
entre o controle exercido pela televisão sobre os comportamentos de crianças e jovens. Um
estudo de Santory (em Pasquali, 1975), realizado na Venezuela, mostra o controle da televisão
sobre as crianças por meio da observação de determinadas asserções por elas formuladas:
os chineses são 17 vezes piores do que os outros; o homem branco é 11 vezes melhor do
que o negro; o homem rico é bom em 72% dos casos e o pobre é mau em 41% dos casos.
Os efeitos da televisão sobre os indivíduos, assim como os de qualquer outro
produto tecnológico, dependem da forma como é utilizada. Muitas vezes, a televisão é
utilizada como babá eletrônica, sendo essa atitude justificada pela crença equivocada
de que, estando a criança quietinha em sua casa, ela está protegida. Ê impossível
afirmar que a criança está em um ambiente livre de riscos apenas porque está dentro
de casa, se, na verdade, ela está altamente exposta à televisão, internet, filmes ou jogos
eletrônicos, especialmente quando desacompanhada. Não se pode concluir também,

Sobre Comportiimcnlo c CoRnl(ilo 3 5 9


de forma simplista, que depende apenas do telespectador, sobretudo do telespectador
infantil, a escolha dos programas que serão fortalecidos pela sua audiência. A
responsabilidade social e ética das diferentes emissoras ó também um ponto
fundamental para a criação de programações que contribuam para a sobrevivência e o
fortalecimento da cultura de um povo e para o respeito aos direitos das crianças e
jovens. Isso cabe tanto às emissoras públicas (emissoras sem vlnculação direta com
o mercado, embora possam ser controladas pelos interesses políticos dos governos)
e ássegmentadas (emissoras voltadas para públicos específicos, com objetivos
religiosos ou educativos) quanto às comerciais (aquelas cujo objetivo ó vender e buscar
audiência), mesmo porque, ao receberem concessões públicas, estas devem cumprir
os padrões mínimos de qualidade. Para alguns pesquisadores, a televisão pode ter
uma função educativa aliada ao entretenimento (e.g., Pacheco, 1998/2002).
Se 6 para as crianças crescerem apreciando sua própria herança cultural, então
a midia tem a responsabilidade de reconhecer, respeitar e nutrir as culturas com
as quais as crianças estão familiarizadas em suas casas, ê um dos argumentos
mais fortes em favor de uma indústna de produção de midia doméstica saudável,
bem como constitui uma contribuição significativa na direção do reconhecimento
dos direitos da criança. (Jempson, 1999/2002, p. 125).
Legislações locais e nacionais em diferentes países e legislações internacionais
foram estabelecidas voltadas para o conteúdo da mídia visando proteger crianças e
jovens de certos tipos de conteúdo como a violência. A Convenção da ONU sobre os
direitos da criança, adotada em 1989, estabelece, em seu artigo 17, o direito da criança
à informação e seu acesso às fontes, além de tratar da necessidade de "encorajar o
desenvolvimento de orientações apropriadas para proteger a criança de informações e
materiais prejudiciais ao seu bem-estar" (Carlsson & Feilitzen, 1999/2000, p. 12). A
década de 90 foi marcada por importantes documentos nesta direção. Houve a criação
de uma câmara internacional, a Câmara para Crianças e a Violência na Tela, além da
promulgação, no Brasil, do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei No. 8069,
13/07/1990. Em seu capítulo II, artigo 76, o ECA estabelece que as emissoras de rádio e
televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenif,
programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Diante dessa
contribuição jurídica, cabe aos diferentes setores da sociedade atuar de forma a alcançar
as condições ideais preconizadas para garantir o respeito a crianças e jovens.
Profissionais de diferentes áreas que trabalham diretamente com essas populações
podem contribuir com o desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias que favoreçam
o cumprimento dessas leis.
Portanto, diante de todos os potenciais efeitos adversos mencionados e das
inovações jurídicas, há uma demanda pelo planejamento, nos contextos familiares e
escolares, de contingências que promovam o desenvolvimento de uma visão ampla, crítica
e seletiva dos conteúdos e imagens divulgados pela mídia. É nesse ponto que pode se dar
uma das primeiras contribuições do analista do comportamento, enquanto psicólogo clínico
ou escolar, seja orientando pais e professores, seja intervindo junto a crianças ou jovens.
Além disso, o planejamento de tais contingências poderá também fortalecer a cultura familiar
- estimulando a transmissão de sua própria história entre seus membros e favorecendo,
assim, a sobrevivência de valores de cada grupo familiar diante da rápida divulgação das
"novas tendências" ou de tendências "modernas” em diferentes campos.
A Análise do Comportamento pode também voltar-se para o estudo dos efeitos
de diferentes mídias sobre o comportamento de crianças, jovens, pais e professores
(e.g., Mendizabal, 2005). Por meio de consultorias comportamentais, analistas do

3 6 0 Kestcr (.'«trr.ir.i c M .iri.in .i P. C'.irr.ir.i


comportamento podem oferecer diferentes tipos de contribuição como, por exemplo,
orientar produtores e artistas de programas infantis e juvenis e preparar crianças e
jovens para participarem de diferentes programas de televisão. Mesmo no jornalismo,
é exigida uma habilidade diferenciada para entrevistar e ouvir o que é dito por crianças
e jovens. Independentemente do valor jornalístico ou dos objetivos de um documentário,
as crianças devem ter seu bem-estar garantido em todas as fases do processo - antes
da apresentação, no transcorrer do processo de gravação, assim como após a exposição
ao grande público (Jempson, 1999/2002). A criança necessita desenvolver laços de
confiança com o adulto que a entrevistará (Jempson, 1999/2002). Da mesma forma, os
jovens, ao serem entrevistados em programas de auditório, merecem uma sessão
anterior para a discussão dos temas a serem tratados, o que resultaria em respostas
autênticas, porém, desenvolvidas gradualmente e de maneira a reduzir a possibilidade
de experimentarem sua exposição como embaraçosa ou abusiva (Andi, 2004).
A atuação do analista do comportamento poderá se dar ainda na forma como os
conceitos relacionados ao desenvolvimento, à criança e ao jovem são divulgados, tomando-
os mais acessiveis ao público em geral, assim como no estabelecimento de contingências
que promovam o desenvolvimento do repertório comportamental geral, reunindo atividades
lúdicas e recursos variados (estilos musicais, poesia, literatura, artes plásticas, folclore,
história das festas tradicionais, culinária, pontos turísticos do pais, entre tantas outras
possibilidades). Vale ressaltar que os conceitos de criança e jovem, dentre outros, são
produtos sócio-históricos constantemente aperfeiçoados pela ciência.
Cada vez mais, a possibilidade de estar na televisão exerce forte atraçào sobre
as pessoas. Crianças e jovens que trabalham, querem trabalhar ou simplesmente aparecer
em um programa televisivo constituem um grupo que pode precisar da atenção dos
analistas do comportamento, o qual deverá intervir buscando a cooperação dos produtores
o das famílias para prevenir ou modificar eventuais adversidades: Como alterar a rotina
da criança sem arriscar perdas no contexto acadêmico e social? Como dividir seu tempo
entro brincadeiras, escola e as tarefas televisivas? Como prepará-la para os efeitos
adversos que podem surgir após uma ampla exposição ou para a interrupção dessa
exposição? Há outras atividades cotidianas reforçadoras ou apenas as aparições na
televisão? Qual a opinião da criança sobre esta participação? De que forma a família
contribui para a formação desta opinião? Como a família aborda o trabalho de seu filho na
televisão? Essas são algumas das questões que deverão ser consideradas
cuidadosamente em uma avaliação comportamental constante, ao longo das diferentes
fases do trabalho da criança.
Um outro campo de pesquisa, que envolve áreas interdisciplinares, ó a educação
para a mídia. Seu objetivo é desenvolver uma compreensão crítica e informada da
natureza dos meios de comunicação de massa, das técnicas utilizadas, assim como
de seus efeitos. Na educação para a mídia, considera-se que todos os tipos de mídia
são construções a partir de uma realidade e com objetivos específicos. A mídia tem
implicações comerciais e ideológicas associadas com pressuposições de senso
comum - as mensagens voltadas para o consumismo, representação de gênero,
aceitação de autoridade e patriotismo devem ser interpretadas. A mídia também tem
implicações políticas e sociais e se torna importante também ao tratar de eventos
globais como os direitos civis e o terrorismo, por exemplo. É importante considerar que
cada forma de mídia tem seu formato estético peculiar. Portanto, a educação para a
mídia envolve uma leitura dos textos apresentados a partir de diferentes aspectos,
evitando assim, que o aprendiz se mostre apenas contrário ou a favor a uma produção
midiática (Andersen, Duncan & Pungente, 1999/2002). Avançada educação para a mídia

Sobre Comport.im ento e Cotjnlç.lo 361


tem quatro palses como lideres com programas inovadores: Canadá, Austrália, Grã-
Bretanha, África do Sul (Tufte, 1999/2002). No Canadá, as dez províncias tôm educação
para a mfdia como disciplina obrigatória no currículo escolar de escolas elementares e
secundárias, além de ser parte obrigatória nos cursos de Artes e Língua Inglesa
(Andersen, Duncan & Pungente, 1999/2002).
A primeira tentativa reconhecida de se analisar como as crianças são retratadas
na mldia foi o Seminário As crianças hoje em Dia, de 1998, preparado por crianças em
Londres (Children’s Express, 1999/2002). Aproximadamente, metade das noticias dos
Jornais nacionais retratou as crianças como pobres e vulneráveis vitimas. Crianças
bonitas estavam na moda, portanto auxiliavam o governo e a venda de produtos. Os
jornalistas se comportavam como se as crianças devessem apenas ser julgadas ou
elogiadas. O Seminário sugeriu melhorias no trabalho da imprensa: não utilizar
comentários sensacionalistas, pois não representam o ponto de vista da criança;
conversar com um grupo representativo de crianças, já que os pontos de vista das
crianças são tão diversos quanto os dos adultos (Children’s Express, 1999/2002,
p.155,156) e os jornalistas assumem que todas elas pensam a mesma coisa; explicar
os objetivos da entrevista, como e para quem será apresentado; oferecer opções de
onde e como entrevistar (por telefone, individualmente ou em grupos); consultar os
jovens sobre uma gama ampla de questões, pois não se interessam apenas por drogas,
sexo e crime, mas também por previdência social, orçamento, direitos trabalhistas e
exploração (Children's Express, 1999/2002, p. 156).
Se tentarmos dizer a verdade em toda sua complexidade e evitar sucum bir
totalmente ò pressão comercial, poderemos dormir melhor. Quanto mais sensível
e bem pesquisado for o jornalismo que produzimos hoje sobre as crianças e para
elas, mais confiantes poderemos ficar de que seu futuro será melhor. E, se
aprendermos a respeitar os direitos delas, aprenderemos a respeitar os nossos
(Jempson, 1999/2002, p. 135). Ás vezes, as melhores pessoas para entrevistar
crianças são as próprias crianças. Treiná-las em técnicas jornalísticas ó um
investimento para o seu futuro (Jempson, 1999/2002, p. 131).
A educação para a mldia ocorre na medida em que se observa o desenvolvimento
das crianças e jovens, seus interesses, seus medos, seus sonhos, ampliando as
discussões, as alternativas de soluções de problemas, mostrando a diferença entre
mensagens comerciais e os programas. Gradualmente, ó possível tratar de temas
como a importância da interação com os pares, a vida profissional, a sexualidade, entre
várias outras possibilidades. Crianças e jovens podem criar com suas câmaras de
video, ou mesmo encenar, o planejamento, a edição e a apresentação de um telejornal,
conduzindo à compreensão de todas as suas etapas de produção e das tomadas de
decisão ao longo desse processo. A educação para a mldia, com sua continua
desconstrução/construção, auxilia na formação da criança, enquanto cidadã e
consumidora, e enriquece sua compreensão de si mesma, de sua familia, dos grupos
sociais e de diversos temas complexos como sexualidade, educação, política,
globalização e violência (Ver Andersen, Duncan & Pungente, 1999/2002).
A educação para a mldia envolve ainda estudos antropológicos com descrições
dos diferentes tipos de mfdia, etnografias, além de analisar as rápidas mudanças
ocorridas na televisão - da criação do controle remoto, passando pelas televisões a
cabo, ás televisões interativas, as quais unem recursos da informática com a linguagem
audiovisual. A revolução observada na tradicional televisão fragmentada cedeu espaço
para uma multiplicidade de canais e ainda não há previsão dos efeitos do rápido
desenvolvimento dessa tecnologia no futuro (Leite, 1998/2002).

3 6 2 K cítcr C irr.ir.i c M aru in u P. Cdrr.ir.i


As significativas transformações ocorridas no contexto familiar

Do século XX ao XXI, a família tem sido exposta a rápidas e grandes


transformações. Questionamentos foram desenvolvidos a respeito do conceito de criança,
de práticas educativas e sobre o próprio conceito de família. Ao final da década de 80,
grande parte das crianças deixou as brincadeiras de rua dos espaços públicos para
participar de brincadeiras mais solitárias em seus espaços domésticos (Biasoli-Alves,
1997). A participação de pais e mães no mercado de trabalho conduziu a uma outra
alteração marcante na vida das crianças. Inicialmente, elas eram socializadas em um
pequeno grupo social, a família, e, apenas por volta dos seis anos de vida, eram inseridas
em grupos sociais maiores. Entretanto, na década de 80, as crianças foram introduzidas
desde tenra idade em instituições de cuidados infantis, creches e pré-escolas, em
períodos parciais ou integrais (Carvalho, 1997). Na década de 90, o contexto jurídico
brasileiro apresentou o Estatuto da Criança e do Adolescente e, em 2002, o novo Código
Civil Brasileiro, que resultou em uma total equiparação entre o homem e a mulher
dentro da famflia, declarando o não reconhecimento, pelo Estado, da família patriarcal e
autoritária, fruto da revolução industrial (Cezar-Ferreira, 2004). Na década de 90, o
universo mldiático também sofreu uma intensa modificação diante de uma nova ordem
mundial política e econômica. O processo de globalização, os avanços tecnológicos e
as várias alterações na regulamentação do setor de telecomunicações trouxeram efeitos
significativos. A partir destas modificações, em segundos, informações passaram a ser
transmitidas para bilhões de pessoas, interferindo em seus padrões de comportamento.
Dessa forma, o conteúdo da midia e suas conseqüências passaram a ser alvo de
estudos (Gregori, 1999/2000 em Carlsson & Feilitzen, 2000).
A interação da criança com a nova midia desafia os contextos escolares e familiares.
Em diferentes décadas, foi avaliado o impacto dos principais produtos tecnológicos sobre
as gerações do telefone, da televisão, do computador e das novas tecnologias do
comunicação, especialmente a internet, nos anos 60, 70, 80 e 90, respectivamente. O
mundo contemporâneo mostra a urgência do estabelecimento de novas contingências,
que promovam uma visão ampla e critica das milhares de informações recebidas
diariamente. Mesmo o contexto doméstico já está altamente equipado: aparelhos de
televisão com seus multicanais a cabo ou por satélite; computador, com ou sem CD-
ROOM, com ou sem um modem e acesso á Internet; fax, videocassete, DVD e iPod. Nunca
foi tão fácil ter acesso a filmes devido à rápida produção cinematográfica e às facilidades
de distribuição, compra e locação (Ver uma dos maiores projetos multidlsciplinares e
multinacionais sobre a midia, crianças e jovens - Livingstone, Holden & Bovill, 1999/
2002). Toda essa tecnologia da informação doméstica tem modificado significativamente
a freqüência e a qualidade das interações entre os membros familiares.
Analisar a midia envolve, então, fenômenos sociais de larga escala. A mldla
controla diferentes tipos de escolha, da opinião sobre um fato à escolha de candidatos
políticos e de produtos de consumo, sendo classificada como formadora de opinião
(Guerln, 1992). A ciência Análise do Comportamento oferece um instrumental teórico
que possibilita o desenvolvimento de pesquisas nesse campo, nas várias áreas citadas
no transcorrer deste capitulo, abordando diferentes práticas culturais (Ver Martone &
Banaco, 2005). Por sua vez, a Terapia Analltico-Comportamental Infantil precisará,
portanto, integrar análises de metacontingências às de contingências individuais na
busca da compreensão do comportamento. O terapeuta infantil deverá integrar, em
suas avaliações comportamentais durante o processo terapêutico, os tipos de interações

Sobre Comport.im cnlo c Coflnlçáo 3 6 3


existentes entre a criança (o cliente) e os diferentes tipos de midia, especialmente a
televisão, assim como aquelas existentes entre seus membros familiares e a midia.

Referências
Andersen, N., Duncan, B. & Pungente, J. (1999/2002). Educação para a mldla no Canadá. Em C.V.
Feilitzen & U.C. Carlsson (Orgs), A criança e a mtdia. Imagem, educação, participação
(pp. 159-178). Sâo Paulo: Cortez.
Andery, M.A. & Sério, T.M. (1999). A violência urbana: aplica-se à análise da coerção? Em R.A.
Banaco (O rg), Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de
formação em análise do comportamento e terapia cognltivista (pp. 433-444). Santo André:
Esetec.
Andi (2004). Remoto controle. Linguagem, conteúdo e participação nos programas de televisão
para adolescentes. Sôo Paulo: Cortez.
Biasoli-Alves, Z.M.M. (1997). Famílias brasileiras do século XX: Os valores e as práticas de educação
da criança. Temas em Psicologia, 3, 33-49.
Capparelli, S. (1998/2002). TV e criança: a emergência do mercado de bens culturais. Em E.D. Pacheco
(Org.), Televisão, criança, Imaginário e educação (pp. 151-160). Campinas, SP: Paplrus.
Carlsson, U & Feilitzen, C.V. (1999/2000). A criança e a violência na midia. Sâo Paulo: Cortez.
Carmona, B. (1998/2002). Emissão consciente e recepção critica. Em E.D. Pacheco (Org.), Televisão,
criança, Imaginário e educação (pp. 65-67). Campinas, SP: Papirus.
Carvalho, A.M. (1997). O desenvolvimento social da criança e seus contextos de emergência.
Temas em Psicologia, 3, 25-31.
Cezar-Ferrelra, V.A.M. (2004). Uma visão do direito de família: sobre a função do pai aos olhos da lei.
Em E. Polity, M.Z. Setton & S.F., Colombo (Orgs ), Uma visão do direito da família sobre a
função do pai aos olhos da lei. Ainda existe a cadeira do papai? Conversando sobre o
lugar do pai na atualidade, (pp. 70-84). Sâo Paulo: Vetor.
Children's Express (1999/2002). As crianças hoje em dia. Em C.V. Feilitzen & U.C. Carlsson (Orgs ),
A criança e a midia. Imagem, educação, participação (pp. 139-156). São Paulo: Cortez.
Crlppa, A.M. (1984), Publicidade: Uma nova causa de ansiedade nas crianças. Dissertação de
mestrado não publicada, Universidade de Sâo Paulo.
Feilitzen, C.V. (1999/2000). A criança e a violência na tela. Artigos de pesquisa. Introdução. Em U.
Carlsson,& C.V. Feilitzen, A criança e a violência na mldla (pp. 49-60). São Paulo: Cortez.
Feilitzen, C.V. (1999/2002). Educação para a mldla, participação Infantil e democracia, Em C.V.
Feilitzen & U.C. Carlsson (Orgs.), A criança e a midia. Imagem, educação, participação
(pp. 19-42). São Paulo: Cortez.
Fischer, R.M B (1998/2002). A construção de um dlscureo sobre a Infânda na televisão brasileira. Em E.D.
Pacheco (Org ), Televisão, criança, imaginário e educação (pp. 107-116). Campinas, SP: Papirus.
Giacomini Filho, G. (1998/2002). A criança no marketing e na comunicação publicitária. Em E.D. Pacheco
(Org.), Televisão, criança, imaginário e educação (pp. 135-150). Campinas, SP: Papirus.
Guareschl, P.A. (1998/2002). O meio comunicativo e seu conteúdo. Em E.D, Pacheco (Org.), Televisão,
criança, Imaginário e educação (pp. 83-92). Campinas, SP: Paplrus.
Guerin, B. (1992), Behavior analysis and the social construction of knowledge. American Psychologist,
47, 1423-1432.
Jempson, M. (1999/2002). Algumas idéias sobre o desenvolvimento de uma midia favorável á criança.
Em C.V. Feilitzen & U.C. Carlsson (Orgs ), A criança e a midia Imagem, educação, participação
(pp.119-136). São Paulo; Cortez.

3 6 4 I .lórciii A b reu V.uconcelo*


Leite, M. (1998/2002). TV e realidade: Produção social e apropriação pedagógica. Em E.D. Pacheco
(Org.), Televisão, criança, imaginário e educação (pp. 101-105). Campinas, SP: Papirus.
Livingstone, S.; Holden, K.J. & & Bovlll, M. (1999/2002). As crianças e o ambiente da mldia em
mudança. Panorama de um estudo comparativo europeu. Em C.V. Feilitzen & U.C. Carlsson
(Orgs.), A criança e a mldia. Imagem, educação, participação (pp. 45-67). São Paulo: Cortez.
Martone, R.C. & Banaco, R.A. (2005). Comportamento social: A Imprensa como agência e ferramenta
de controle social. Em J.C. Todorov, R.C. Martone & M.B Moreira (Orgs,), Metacontingôncias:
comportamento, cultura e sociedade (pp. 61-80). Santo André: Esetec.
Mendizabal, (2005). Efeitos da exposição a filmes sobre práticas educativas maternas. Dissertação
de mestrado não publicada, Universidade de Brasilia, Brasilia.
Moreno, M. (1986/1999). Como se ensina a ser menina. O sexismo na escola. Campinas, SP:
Moderna.
Nilsson, N.G. (1999/2000). As crianças merecem qualidade. A criança e a violôncia na mldia (pp. 17-
20). São Paulo: Cortez.
Pacheco, E.D. (1998/2002). Televisão, criança, imaginário e educação. Campinas, SP: Papirus.
Pasquali, A. (1975). On the Instrumental use of mass media in América for purposes of dependence.
Caracas: Instituto de investigadones de la comunlcaclón, Unlversidad Central de Venezuela. Mimeo.
Rao, L. (1999/2002) Advogados de uma nova sociedade de consumo. As crianças nos comerciais
da TV. Em C.V Feilitzen & U.C. Carlsson (Orgs.), A criança e a mldia. Imagem, educação,
participação (pp. 109-117). São Paulo; Cortez.
Sldman, M. (1989/1995). Coersão e suas implicações. (M.A. Andery & T.M. Sério, trads.). Campinas,
SP: Editorial Psy
Távola, A. (1998/2002). TV, criança e imaginário. Em E.D. Pacheco (Org.), Televisão, criança,
imaginário e educação (pp. 39-49). Campinas, SP: Papirus.
Todorov, J.C., Martone, R.C. &, Moreira, M.B. (2005). Metacontingôncias: comportamento, cultura e
sociedade. Santo André: Esetec.
Tufte, B. (1999/2002). A educação para a mldia na Europa. Em C.V. Feilitzen & U.C. Carlsson (Orgs.),
A criança e a mldia. Imagem, educação, participação (pp.23&-249). São Paulo: Cortez.

Sobre Comport.im cnto e l ’otfnlv<1o 3 6 5


Capítulo 35
Pesquisa Sobre Interpretação de Sonhos
na Análise de Comportamento
Laiz I Iclcna de Sou/a Ferreira'

O meu interesse no estudo e na apresentação de um modelo de análise de


sonhos sob a perspectiva do Behaviorismo Radical foi despertado com o propósito de
poder demonstrar para outros terapeutas como se pode utilizar o material de sonhos
trazido pelo cliente como um comportamento a ser analisado. Além disso, oferecer a
oportunidade de favorecer uma melhor compreensão desse comportamento ampliando
os recursos de análise e discriminação do cliente de seus próprios comportamentos.
Skinner em sua obra enfatizou a importância da compreensão e do estudo do
comportamento humano com base numa concepção cientifica, que possibilite previsão
e controle do comportamento tendo, portanto, um compromisso na produção de
conhecimento que pudesse beneficiar tanto indivíduos como grupos. Na prática,
terapeutas comportamentais a partir de suas análises têm lidado com o comportamento
verbal de seus clientes, referentes a eventos tanto públicos como privados. Clientes
sonham e comumente perguntam a seus terapeutas sobre o significado de seus sonhos.
Diante disso, a descrição de como um Terapeuta Comportamental, baseado nos
princípios skinnerianos, utilizou o material de sonhos do seu cliente, foi uma escolha
para demonstrar uma prática clínica comportamental.
Esto estudo surgiu a partir de um caso clínico no qual o cliente, logo no início do
processo terapêutico, demonstrou interesse em relatar e interpretar seus sonhos. Não
partiu, portanto, de uma questão de pesquisa, pois o material produzido, durante três
anos, teve como objetivo dar conta de uma queixa. Posteriormente, verificando haver
material suficiente para um estudo, o mesmo foi utilizado com o objetivo de explicitar
como um terapeuta comportamental pode lidar e conceituar eventos privados como o
sonhar, dentro da perspectiva de nossa abordagem, já que, de acordo com Guilhardi
(1994), a transposição das análises skinnerianas para o contexto clínico se tornou uma
tarefa que nós terapeutas temos que enfrentar.
Todo conteúdo trazido por um cliente numa sessão terapêutica é comportamento
verbal descritivo de eventos tanto públicos como privados. Neste caso, a ênfase foi dada
ao relato de sonhos, pelo interesse do cliente e, diante de sua dificuldade em expressar
eventos privados e também de descrever seu histórico de vida, o terapeuta achou
favorável o uso deste material.

'Agrmlovn «o íth iu orientador de mestrado Piof Dr Aittônkw Térzta paio apoio, o o m a n Urto» a KjgaetdM. raapatto a atxxtura a novaa kkUaa,
ImpraMciiMlivata nu nmMzaçia deate eatudo

3 6 6 I .«li/ I lelen.t d r Sou/d f erreira


O estudo dos eventos privados ó uma tarefa que o behaviorista radical considera
requisito essencial para entender o comportamento humano. (Matos, 1995) O terapeuta
comportamental, como os de outras abordagens, frequentemente adota o modelo
médico de atendimento em consultório, realizando análises aplicadas de comportamento
utilizando-se essencialmente de relatos verbais descritivos de pensamentos,
sentimentos, emoções e de outros eventos tanto públicos, quanto privados, que estão
ocorrendo na vida presente de seus clientes, a maioria deles fora do setting terapêutico,
como também de eventos que ocorreram em seu passado. Nesta condição, a
necessidade dessa compreensão se torna ainda mais evidente e para uma análise
correta dos eventos trazidos por um cliente numa sessão terapêutica, os conceitos
devem se ajustar ao mesmo conjunto de leis e princípios utilizados na análise do
comportamento em geral. Neste caso, a interpretação dos sonhos trazidos pelo cliente,
foi realizada considerando-se o relato de sonhos como comportamento verbal descritivo
de eventos privados e, estas análises foram integradas às análises de relatos de outros
comportamentos, tanto públicos como privados do cliente, sendo os relatos de sonhos
utilizados com o mesmo status dos outros materiais.
O sonhar, por suas características especiais, tem sido o comportamento
humano que mais intrigou e fascinou as pessoas desde a antiguidade e, o conhecimento
produzido sobre ele, sempre foi revestido de auras místicas. Tentativas de encontrar
explicações tanto para sua natureza como para seu significado são encontradas em
escritos, inclusive em papiros, que remontam há vários séculos antes de nossa era, a
maioria deles infelizmente perdidos. Nesta época, os sonhos eram vistos como
mensagens das divindades, um enigma a ser decifrado e, portanto, a ênfase era dada
ao problema de sua interpretação.
O ponto de vista pré-científico acerca dos sonhos, adotados pelos povos da
antiguidade, eram embasados em sua concepção de universo e, portanto, eles eram
vistos essencialmente como mensagens dos deuses. Tanto a mitologia grega como a
romana pressupõem uma relação estreita entre humanos e divindades, com
personagens descritos, como supra-humanos, misto de deuses e de homens, bem
como de deuses com características humanas e, os sonhos eram considerados como
uma das formas de comunicação entre os humanos e estas diferentes entidades. Na
visão monoteísta posterior, também eles continuaram sendo considerados da mesma
maneira, uma forma de comunicação entre o Deus único e os homens, o que pode ser
verificado em diversas descrições deste tipo na Bíblia, no Velho Testamento, por exemplo.
Quando Freud os introduz no corpo de conhecimento da Psicologia deparou-
se com o principal problema que o conhecimento a respeito do assunto tinha enfrentado
até então:
■Apesar de muitos milhares de anos de esforço, a compreensão cientifica acerca
dos sonhos, progrediu muito pouco (...) sena um erro supor que a teoria da origem
sobrenatural dos sonhos está destituída de defensores em nossos próprios dias
(...) A alta estima em que ó tida a vida onírica por algumas escolas de filosofia é
nitidamente um eco da natureza divina dos sonhos que era Incontestada na
antiguidade " (Freud, 1900, p. 1,5)
Até Freud, o ponto de vista a respeito dos sonhos se manteve em harmonia
com a visão dualista de universo em geral, na qual eles eram considerados como uma
realidade externa ao indivíduo, ou manifestação de uma segunda natureza. Freud com
o lançamento de seu livro “A Interpretação de Sonhos" apresenta a Psicanálise às
outras ciências. No prefácio de edições posteriores, fica clara a importância que ele
próprio dá ao assunto, quando diz ser a interpretação de sonhos a mais valiosa de

Sobre Comportamento e Cojjnlv<lo 3 6 7


todas as descobertas que ele teve a sorte de fazer. Influenciado pelo pensamento
mentalista de sua época, ele coloca no interior do homem todo um universo, o seu
inconsciente. Esta outra natureza não mais externa ao indivíduo, mas ainda numa
perspectiva dualista, foi tomada durante todo o último século como a causa do
comportamento. No prefácio da terceira edição do livro, comentando sua repercussão,
ele explicita a estreita relação que faz entre os sonhos e esta segunda natureza, dizendo:
da extensão e importância do simbolismo nos sonhos, ou, antes, no pensamento
inconsciente." (Freud, 1900)
O Behaviorismo surgiu no início do século passado justamente como uma
oposição a esta posição mentalista, dualista e causal, predominante da Psicologia na
época. Classicamente a proposta do Behaviorismo se estabelece a partir de 1913,
quando John B. Watson lança o seu famoso manifesto: o objeto de estudo da psicologia
é o comportamento. A psicologia tinha sido até então a ciôncia da vida mental que
deveria ser estudada através da Introspecção, um processo de auto-exame,
posteriormente também relacionado à autoconsciência, emprestado da filosofia que a
vinha utilizando desde a antiguidade clássica. As causas do comportamento eram o
que as pessoas sentiam ou pensavam, portanto, o objeto do estudo era sentimentos e
pensamentos. (Skinner, 1989) A proposta de Watson propunha como objeto de estudo
o comportamento por si mesmo, mas somente o comportamento observável pelo outro,
dando importância à concordância de observadores, com ênfase no procedimento de
medida e operação de acesso de dados. Baseando-se na visão mecanlcista da época,
na qual todo fenômeno deveria ter uma causa e rejeitando a mente como causa, ele
pressupõe que esta deva ser algo externo ao organismo, portanto o Ambiente, ou o
produto da instigação do estimulo. Desta forma, ele também não se liberta da concepção
dualista de homem, mantendo também o modelo causal. (Matos, 1995) Pelas suas
características sua proposta passa a ser conhecida como Behaviorismo Metodológico.
Skinner, até 1945 estudou o comportamento animal utilizando-se de dados que
eram objetivamente e diretamente observados e a partir daí, começou a desenvolver
uma proposta que vem a ser chamada de Behaviorismo Radical. (Guilhardi, 1987) Nela,
ele aceita a introspecção como objeto de estudo, pois rejeita a consciência. Para ele, o
que é estudado via introspecção não é um mundo imaterial, da mente ou a consciência.
A introspecção é comportamento verbal sob controle de eventos internos, comportamento
instalado pela comunidade verbal sob controle de eventos externos. Skinner rejeita a
consciência por adotar uma postura filosófica evolucionista, não aceitando a limitação
imposta pela introspecção ao estudo do comportamento animal. (Matos, 1995) Para
ele, o traço característico exclusivo da espécie humana é o controle operante da
musculatura vocal que foi um passo evolucionário, peculiar e único, que conferiu às
pessoas a possibilidade de iniciar o comportamento dos outros, dizendo-lhes o que
fazer, bem como, mostrando-lhes como fazer. Consequentemente, o que é citado
freqüentemente como uma característica da espécie humana, seja a presença ou
ausência de "consciência" ou “inteligência consciente", bem como o papel
desempenhado pelo cérebro/mente, foi sempre considerado por ele, como um problema
na comparação das espécies. Para Skinner, as outras espécies também são conscientes
no sentido de estarem sob controle de estímulos, sentem dor, vêem luz, ouvem som no
sentido de responderem de forma apropriada: no entanto nenhuma contingência verbal
as torna conscientes no sentido de sentir que estão sentindo, ou saber o que estão
fazendo. Todas as espécies, exceto o homem, se comportam sem saber o que fazem e
presumivelmente isso também era verdadeiro para o homem até surgir uma comunidade
verbal que possibilitasse o comportamento verbal auto-descritivo. (Skinner, 1974,1990)

3 6 8 I.ü !/ \ Iclcn.i dc Soum fcrreírii


Todo comportamento, efetivo ou não, ó em principio inconsciente e inicialmente
não racional, no sentido de que as contingências responsáveis por ele não foram
analisadas, mas pode tornar-se consciente sem se tornar racional, pois uma pessoa
pode saber o que está fazendo, sem saber por que está fazendo. O conhecimento que
o homem tem de si próprio é de origem social e ó inicialmente útil para a comunidade
que propõe perguntas, tornando-se mais tarde importante para a própria pessoa. (Skinner,
1974) A experiência que alguém tem de uma situação é um evento privado e é assim
que Skinner aceita estudar a experiência, como um comportamento privado, portanto,
para ele o estudo dos eventos encobertos inclui-se legitimamente dentro do campo da
Psicologia, como uma ciência do comportamento. (Matos, 1995) Sua proposta é radical
no sentido de aceitar todos os fenômenos comportamentais e por negar radicalmente
a existência de algo que escape ao mundo fisico rompendo, portanto, como modelo
mentalista, dualista e causal. A noção de privacidade para Skinner diz respeito apenas
a uma questão de acesso, tanto o comportamento público quanto o comportamento
privado podem ser interpretados dentro dos conceitos da ciência de análise de
comportamento, pois sua única especificidade consiste em seu caráter de
inacessibilidade à observação. (Matos, 1995) É através do comportamento verbal das
pessoas que podemos ter acesso aos seus comportamentos privados.
Para Skinner (1990), o comportamento humano é produto de três tipos de
variação e seleção. A primeira, a seleção natural é responsável pela evolução da espécie
e, consequentemente, pelo comportamento da espécie; o segundo tipo de variação e
seleção é o comportamento operante, através do qual, variações do indivíduo são
selecionadas por aspectos do meio ambiente que não são estáveis o suficiente para
terem um papel na evolução natural, sendo responsável pelo repertório comportamental
constituído durante toda a vida de um indivíduo; e uma terceira forma de variação e
seleção: a cultura. Culturas que modelam e mantém comportamento operante são
exclusivamente humanas, as sociedades animais têm características semelhantes,
mas são produto de contingências de sobrevivência. Retomando, a evolução cultural
não é um processo biológico, mas um tipo de variação e seleção que ocorreu só na
espécie humana, que parece ter dado um passo evolucionário pecufiar, uma mudança
evolucionária única, quando sua musculatura vocal ficou sob controle operante e quando
o comportamento vocal começou a ser modelado e mantido por suas conseqüências
reforçadoras. Para Skinner, a palavra consciente, usada mais frequentemente que ciente,
significa co-conhecimento, ou “conhecimento com outros", uma alusão às contingências
verbais necessárias para se estar consciente. Numa análise cientifica, histórias de
variação e seleção é que desempenham o papel do iniciador do comportamento, não
há lugar numa análise cientifica do comportamento, para uma mente ou self iniciador
ao qual a introspecção parecia conseguir acesso. Os psicólogos têm analisado
continências de reforçamento, exatamente aquelas responsáveis pelo comportamento,
mas de forma equivocada têm atribuído o comportamento, a um "originador interno".
Nenhum comportamento humano foi tão intensamente usado durante toda a
história do pensamento humano como o sonhar, para justificar uma natureza metafísica
no homem; da mesma forma que, posteriormente os psicanalistas o usaram na
construção da teoria do inconsciente; mas o sonho interpretado à luz das contingências
das quais ele é função e, de acordo com o contexto do indivíduo que sonha, nos dá
condição de adquirir conhecimento a respeito deste indivíduo particular, sem necessidade
de recorrer a causas internas. O sonhar, sendo um comportamento humano é resultado
do intercruzamento de três histórias: genética, pessoal e cultural, portanto um
comportamento de um indivíduo especifico, sendo então o seu sonho e

Sobre l'omporl«imcnlo c CotiniçAo 3 6 9


consequentemente a sua interpretação, única, para o indivíduo que sonha, levando-se
em conta que a interpretação do analista de comportamento é sempre histórica. No
entanto, para certas variáveis em determinados contextos, é possível descrever funções
semelhantes para diferentes indivíduos, pois pertencendo à mesma espécie partilham
das mesmas contingências filogenóticas; se tiveram históricos de vida semelhantes,
podem partilhar de contingências ontogenéticas semelhantes, da mesma forma que
todos os membros de uma mesma comunidade partilham das mesmas contingências
culturais. ( Matos, 1995)
Em seu livro “Comportamento Verbal", Skinner (1957) demonstrou como a
Psicologia poderia contribuir para compreensão do comportamento humano em geral,
através do estudo do comportamento verbal, propondo a análise funcional do
comportamento. Ele o inicia com a frase: "Os homens agem sobre o mundo, modificam-
no e, por sua vez sSo modificados pelas conseqüências de sua ação," explicitando sua
concepção de natureza humana, do homem em relação.
Diferentemente da abordagem estrutural que enfoca as propriedades
gramaticais dos componentes envolvidos nas estruturas do comportamento verbal, a
abordagem operante de Skinner examina as condições, nas quais o comportamento
verbal ocorre e as suas conseqüências. Ele classifica o comportamento verbal em
categorias funcionais, que chamou de operantes verbais.
Ele definiu como tato, um operante verbal no qual uma resposta ó evocada (ou
pelo menos fortalecida) por um objeto particular ou eventos particulares ou, por uma
determinada propriedade de um objeto ou de um evento, especificando quo, pessoas
tateiam estímulos tanto públicos como privados, podendo se utilizar de tatos puros ou
de extensão de tatos. Em relação a estes, ele diz:
"Dois estímulos podem ter um efeito comum sobre um organismo que responde, o
qual serve de mediador para a extensão da r e s p o s t a . A s expressões metafóricas
de um dado falante, ou de um escritor refletem os tipos de estímulos que mais
freqüentemente controlam o seu comportamento " (Skinner, 1957,p. 125)
A extensão metafórica ilustra a extensão do comportamento verbal para eventos
novos, tem como característica lidar com o abstrato a partir do concreto (Catania1999) e, pode
ser provocada pela mediação de uma resposta emocional provocada por dois estímulos.
V\s propriedades das coisas ou dos acontecimentos que subjazem à extensão
metafórica constituem assunto para um estudo empírico. De que forma os elos de
uma cadeia são sem e lh a nte s às séries de e p isó dio s num a 'cadeia de
acontecimentos'? Onde está o homem quando ele está 'no topo do mundo', ou
quando ' sofreu uma queda moral'? De que modo ‘ fechamos nossos olhos à
verdade'? A resposta a tais questões revelará propriedades efetivas do meio,
propriedades importantes para o estudo, não apenas do comportamento verbal,
mas do comportamento humano em geral. A metáfora assim definida aproxima-se
do 'símbolo' freudiano. As propriedades ou condições em virtude das quais algo
pode servir como símbolo de outra coisa são precisamente as propriedades ou
condições responsáveis pela extensão metafórica. O comportamento verbal seria
muito menos eficaz se as extensões metafóricas não fossem possíveis."
Quando uma situação evoca tatos não ampliados, o comportamento nos diz
algo acerca da situação, mas multo pouco acerca do falante, mas as respostas
metafóricas foram adquiridas em outras circunstâncias sobre as quais ,
consequentemente, podemos fazer inferências. (Skinner, 1957, p. 123,125)
Para a compreensão do comportamento verbal de um dado falante,
especialmente quando ele faz uso de uma metáfora, devemos levar em conta que, para

3 7 0 l .ii/ I Iclcn.i dc Sou/a Fcrrelm


Skinner (1974) o ouvinte compreendeu o comportamento do falante quando ó capaz de
dizer as mesmas coisas pelas mesmas razões, ou seja, respondendo aos mesmos
estímulos ou, através de uma análise dos estímulos que controlam aquela determinada
resposta verbal. Um episódio verbal total ó composto pelo comportamento do falante e
do ouvinte juntos e para a sua "compreensão" precisamos encontrar as relações
funcionais que governam esses comportamentos. A análise se volta para o
comportamento do falante e ouvinte individual, baseada na formulação do comportamento
derivada de uma análise experimental rigorosa, sendo sua extensão para o
comportamento verbal um exercício de interpretação. (Skinner, 1957)
O sonhar ó conceituado no behaviorismo radical como comportamento
perceptivo que ocorre durante o sono. "Uma pessoa é modificada pelas contingências
de reforço em que age; ela nôo armazena as contingências ” (Skinner, 1974, 74 ) Não
armazena cópias dos estímulos que desempenharam algum papel nas contingências.
Ela é simplesmente modificada de tal forma que certos estímulos controlam agora
tipos particulares de comportamento perceptivo. A diferença entre o comportamento
durante a vigília e o sono constitui simplesmente uma diferença nas condições de
controle de estímulos. Uma pessoa que se lembra de algo que viu alguma vez, que se
entrega á fantasias ou sonhos, o “ver na ausôncia da coisa vista" em vigília, não está
sob controle de um estímulo presente. O mesmo ocorre durante o sono, quando a
estimulação atual exerce controle mínimo e a história de vida da pessoa e os estados
resultantes de privação e emoção tôm sua oportunidade. (Skinner, 1974)
O relato de sonhos ó comportamento verbal sob controle de estímulos e, como
qualquer outro comportamento deve, portanto, ser interpretado em função da história de
vida do indivíduo que sonha e, à luz das contingências que estão em operação, quando
o comportamento de sonhar, e o de relatar sonhos, ocorre. O relato de sonhos ó um
comportamento verbal que, pela sua linguagem específica pode ser interpretado como
uma descrição metafórica das experiências de um indivíduo que se comporta, em relação
ao seu meio ambiente, interno e, ou externo, ou seja, sob controle de estímulos.
Para Skinner, o que existe para uma pessoa existe, e a evidência disto é o seu
comportamento (Matos, 1994), portanto, sendo o sonhar um comportamento, o conteúdo
de um sonho relatado tem "significado" para a pessoa que sonha, sendo a sua
interpretação simplesmente uma explicação, ou tradução, de seu sentido metafórico à
luz das contingências em operação na vida desta pessoa.
Como os sonhos se manifestam numa linguagem metafórica, geralmente
incompreensível para o indivíduo que sonha, de acordo com Guilhardi (1994), isso
favorece a expressão por parte do cliente de idéias, sentimentos e fantasias que lhe são
aversivas se comunicadas de outra maneira. É importante levar em conta também que,
pela mesma razão geralmente, as pessoas se sentem menos propensas a se
responsabilizar pelo conteúdo de seus sonhos do que de seus outros comportamentos,
o que os desvincula da ameaça de punição e, portanto, da necessidade de esquiva. A
análise funcional dos sonhos favorece também, o acesso à história de vida do cliente,
dando condições para evocar respostas emocionais do cliente nas sessões, que podem
vir a ser modificadas no contexto terapêutico. (Delitti, 2000)
Este estudo teve como objetivos: verificar se o relato de sonhos é material
clínico comportamental com o mesmo status de outros conteúdos trazidos pelos clientes
para uma sessão terapêutica; se o relato de sonhos se incorpora ao conjunto de dados
coletados sobre o cliente e tem significado dentro desse contexto; se a interpretação de
sonhos tem o mesmo status de outras intervenções terapêuticas e se ela se incorpora
ao conjunto de intervenções de um terapeuta comportamental.

Sobre Comportiim cnto c Co^niçJo 371


Método

Participante
Este estudo foi desenvolvido com participante único, que se encontrava em processo
terapêutico de abordagem comportamental. O participante é do sexo feminino, tem segundo
grau completo, magistério. Na época da coleta de dados tinha 53 anos, casado, dois filhos
e não trabalhava fora, era "dona de casa". Tem repertório verbal bem desenvolvido e relatou
interesse na compreensão de seus sonhos, trazendo para a sessão a descrição do primeiro
sonho que havia tido no inicio do processo terapêutico. Nesta sessão, recebeu instruções
para o registro de seus sonhos e executou a tarefa, tendo feito rogistros por escrito de 56
relatos de sonhos, com as referentes interpretações, durante três anos de processo. O
participante declarou que este material poderia ser utilizado tanto por ele mesmo, para
acompanhar o processo, como pelo terapeuta, para a realização de um estudo. Esta
possibilidade foi acordada logo no inicio do registro de sonhos.
O participante que sempre viveu em condição sócioeconômica considerada boa,
quando iniciou o processo, passava por grandes dificuldades financeiras, não tendo
condições de pagar as sessões terapêuticas e se descrevia como muito constrangido com
a situação. O terapeuta aceitou atendê-lo sem remuneração financeira, propondo que juntos
poderiam produzir material para um possível estudo de caso. Possivelmente esta tenha
sido uma operação estabelecedora para que o participante se engajasse no processo com
tal compromisso e fidedignidade. Insistindo que, o objetivo da produção deste material não
foi responder a uma questão de pesquisa e sim dar conta de uma queixa, pois para o
terapeuta teve a função de estratégia para tentar solucionar o problema do cliente e, para o
cliente a função de produção de material para o seu próprio conhecimento, que pudesse,
também, ser usado para um possível estudo. Com o material coletado, o pesquisador se
deu conta ter em mãos um sistema de referências que lhe permitia tratar e analisar as
informações e que poderia servir para responder a uma quostão de posquisa: Como trabalhar
com o material de sonhos no Behaviorismo Radical?

Local
O participante foi atendido em processo terapêutico uma vez por semana, em
clínica particular. A sala de atendimento é isolada, com ausência de ruídos o proporciona
total privacidade. Os atendimentos se deram com o cliente e terapeuta sentados frente
a frente em poltronas, em sessões de duração de 50 minutos.

Material
Caderno contendo o registro de 56 relatos de sonhos, realizados pelo cliente,
logo após o despertar. Registro de 56 relatos de interpretações dos sonhos e, relatos
de comportamentos e análises de comportamentos, feitos durante as sessões
terapêuticas, realizados pelo cliente em sua casa, após as sessões.
Registros por escrito realizados pelo terapeuta, após as sessões, de dados
referentes às dificuldades do cliente: relatos do cliente que exemplifiquem seu problema;
descrições verbais do cliente a respeito de suas dificuldades. Dados a respeito de
relações do cliente com pessoas relevantes em sua vida; histórico de vida do cliente,
com aspectos relacionados com as dificuldades apresentadas, dados de sua história
de reforçamento, conceituação comportamental das dificuldades do cliente e objetivos
comportamentais a serem alcançados.

3 7 2 I <ii/ i iclcn.i dc S o u ai F m clr.i


Para este estudo foram utilizados os relatos de dez, dos 56 relatos de sonhos
registrados por escrito. Foram escolhidos os cinco primeiros relatos de sonhos, por
iniciarem o processo, com o objetivo de demonstrar a seqüência das análises. Como a
freqüência dos relatos de sonhos trazidos para as sessões oscilou, aumentando muito
no inicio e depois foi sendo gradualmente diminuída, foram escolhidos mais dois sonhos
da fase de freqüência em alta, e três da fase de freqüência baixa. O critério de escolha
destes relatos de sonhos para o estudo, discutido com o cliente, foi serem eles indicadores
de pensamentos e sentimentos do cliente a respeito de si próprio, sendo o critério de
exclusão os relatos que envolviam referências muito especificas sobre comportamentos
de pessoas relevantes na vida do clionte, a fim de preservar seu sigilo e anonimato.
Este estudo foi iniciado quando o participante se encontrava em processo
terapêutico, há três anos, relembrando que os dados até esta época já haviam sido
coletados. Continuou em atendimento terapêutico durante o desenvolvimento do estudo,
passando a ser atendido quinzenalmente, quando outros dados foram coletados. Na
presente data, ainda se encontra em processo terapêutico, o que favoreceu o seu
acompanhamento, após o estudo.

Procedimento
O terapeuta, em clinica, realizando análise aplicada de comportamento,
diferentemente de um pesquisador, se comporta em função da demanda de seu cliente,
que vem com uma queixa que precisa ser resolvida. A interação ocorre e os passos do
processo dificilmente podem ser definidos a prlori, como num processo de pesquisa
em laboratório, na qual a função específica do pesquisador é a produção de
conhecimento. O terapeuta procura fazer análises funcionais dos comportamentos de
seu cliente, a partir de suas observações, levando em conta sua história de reforçamento
, bem como as contingências em operação em sua vida presente, sugerindo hipóteses,
ou descrevendo possibilidades, através da descrição de contingências. Estas análises
precisam se aceitas pelo cliente e o terapeuta só pode verificar sua eficácia, se delas
decorrer previsão e controie do seu comportamento. (Guiihardi, 1995) Para poder lidar
com explicações funcionais, o terapeuta necessita coletar informações ao longo do
tempo, ou seja, informações repetidas de um mesmo evento, comparando o
desempenho do cliente consigo mesmo, usando como linha de base a sua história
passada. Quando o terapeuta descreve uma análise funcional do comportamento para
o cliente, ele tem como objetivo produzir uma contingência que poderá funcionar como
estímulo discriminativo, para que o cliente possa vir a manipular as variáveis, das quais
seu comportamento é função. Consequentemente, na prática, o analista de
comportamento formula predições sobre os efeitos das manipulações dessas variáveis
e desses outros comportamentos sobre o comportamento de interesse, mas como não
é ele próprio que as manipula, como ocorre em pesquisa, para testar estas predições,
ele precisa observar se elas ocorrem, quando elas ocorrem, independentemente de
arranjo de operações específicas para tal. O critério de verdade, no entanto, não é só o
comportamento verbal do cliente, descritivo da aceitação das análises realizadas pelo
terapeuta, mas a comprovação de que, ao ficar sob o controle das descrições de
contingências em operação, o cliente consegue a modificação da relação que controla
seu comportamento, que pode ser verificada através da observação de mudanças efetivas
de comportamentos no repertório em geral, do cliente. (Guiihardi, 1995)
Neste estudo, foi tomada como linha de base, a história de reforçamento do cliente,
até o início do processo terapêutico e, para tal, nas primeiras sessões, além da queixa

Sobre Comportamento c CoflniçJo 3 7 3


foram investigados dados sobre o contexto de sua vida atual, dados sobre seu histórico de
vida, tanto através de seu comportamento verbal descritivo, como através da observação de
outros aspectos, tais como, aparência física, tom de voz, as pausas e acelerações da fala,
os gestos, a postura e as expressões fadais, por exemplo. Durante a coleta destes dados
o terapeuta deparou-se com uma dificuldade muito grande do cliente em descrever
verbalmente e de expressar emoções, pois apesar de demonstrar ter repertório verbal bem
desenvolvido, descrevendo seus problemas de forma clara e eficaz relatando enorme
sofrimento, este nâo transparecia em sua topografia, falava sobre si mesmo como se
estivesse relatando os sentimentos e dificuldades de outra pessoa. O cliente se apresentou
com queixa de sintomas físicos e "depressão" e, embora descrevesse eventos que estavam
ocorrendo em sua vida, relacionando-os è queixa, foram necessárias diversas sessões
para que descrevesse seus sentimentos e emoções. Também, esquivava-se
sistematicamente de relatar seu histórico de vida sempre que questionado sobre elo, dizendo
que sua infância não tinha sido muito feliz, mas que isto já tinha sido superado, mudando de
assunto, geralmente passando a descrever seus sintomas físicos. Foi numa destas
primeiras sessões que o participante relatou verbalmente o primeiro sonho que teve após
o início do processo terapêutico, do qual não tinha registro por escrito.
Nesta sessão, o terapeuta instruiu-o a registrar este sonho após o atendimento,
bem como as análises e interpretações do sonho que haviam sido feitas na sessão.
Também o instruiu a registrar por escrito as descrições dos próximos sonhos, logo
após o despertar, mesmo durante a noite, deixando material à mão (lápis e papel), para
que não necessitasse sair da cama, e ao fazê-lo, procurar não entrar em contato com
outros estímulos, tais como levantar-se, sair do local para beber água, por exemplo, ou
executar qualquer tipo de outros comportamentos. Também o instruiu para só registrar
o que se lembrasse sobre o sonho, sem pensar em seu significado, ou tentar analisá-
lo, naquele momento.
O participante poderia trazer para a sessão qualquer conteúdo. Não era
necessário que trouxesse relatos de sonhos, mas quando o fizesse deveria trazê-los
registrados por escrito. Quando o participante trazia relato de sonhos por escrito para a
sessão, fazia a leitura e as interpretações eram íeitas, discutidas entre o terapeuta e o
cliente, relacionando-os a outros comportamentos em vigília que estavam sendo
relatados nas sessões.
O participante foi instruído a registrar por escrito, após as sessões, as
interpretações feitas, as análises de comportamentos realizadas a partir da interpretação
do sonho e, as lembranças de eventos passados que haviam sido relatados durante a
sessão. O objetivo deste procedimento era produzir material para a avaliação do
terapeuta, do que tinha sido apreendido verbalmente pelo cliente, sobre as razões de
seus comportamentos analisados. Quando o cliente relatava o sonho ele descrevia
somente um elemento da tríplice contingência, as respostas; a interpretação do sonho
se correta, descreve as contingências das quais ele é função, ou seja, os seus
antecedentes e seus conseqüentes. Se o cliente concorda com a interpretação, ele
estará tendo consciência de seu comportamento, ou soja, conhecendo as suas razões,
mas para que isto possa ser confirmado é necessário que ele o demonstre, através de
relato verbal de descrições de contingências. Posteriormente procura-se a comprovação
de que ao ficar sob o controle destas descrições o cliente consegue alterar as relações
de controle de seus comportamentos, ou seja, previsão e controle de seus
comportamentos em geral.
O relato das interpretações dos sonhos, das lembranças e dos
comportamentos, registrados por escrito após as sessões, eram trazidas para a sessão

3 7 4 L iiz I Iclcrui d r Sou/d f^rrcird


seguinte, na qual eram lidos e avaliados pelo terapeuta, que verificava omissões, ou
acréscimos no material trazido pelo cliente. Após as sessões, o terapeuta registrava por
escrito os pontos que achasse relevantes na discussão deste material.
As interpretações dos relatos dos sonhos eram realizadas sempre relacionando
seu conteúdo ao relato de eventos da vida do cliente que estavam sendo discutidos nas
sessões, aos relatos de seus comportamentos em vigília, como um comportamento
verbal de sentido metafórico referente aos eventos que o cliente estava vivenciando no
momento, já que, percebeu-se que os comportamentos relatados no sonho ficavam
sob o controle de estímulos discriminativos, fornecidos pelo terapeuta nas sessões.
Após as análises de contingências destes comportamentos o cliente era
incentivado pelo terapeuta a tentar dar respostas diferentes, diante das mesmas
contingências, ou a alterar as contingências, sem que o terapeuta sugerisse
explicitamente comportamentos, ou respostas especificas. Alguns destes eventos foram
espontaneamente registrados por escrito pelo cliente, e trazidos para as sessões. Este
procedimento serviu para ajudar na avaliação de mudanças comportamentais do cliente,
bem como de suas generalizações. Como o terapeuta faz parte do circulo social do
cliente pôde também ter condições de fazer observações diretas de contingências, de
comportamentos do cliente em situações de sua vida cotidiana, como também ao relato
verbal de familiares e amigos, a respeito dos eventos relatados pelo cliente nas sessões
terapêuticas.
Participaram da interpretação do sonho tanto o terapeuta quanto o cliente, ambos
atuando como falante e ouvinte, numa interação dentro do contexto terapêutico, levando-
se em conta que o sonhar é comportamento perceptivo modelado por contingências, e
o relato e interpretação de sonhos são comportamentos verbais. A interpretação de
sonhos realizada numa interação entre duas pessoas (cliente e terapeuta) é sempre
única, não podendo ser generalizada para outros indivíduos. Um determinado evento
que é descrito no relato de sonho por um cliente, não pode necessariamente ser
interpretado da mesma forma para outro cliente, assim como o mesmo evento descrito
pode ser interpretado de forma diferente, por outro terapeuta.
Na interpretação dos sonhos o terapeuta buscou integrar o sonho com outros
comportamentos perseguindo regularidade e ordem, fazendo análise de contingência
do comportamento de sonhar, relacionando-a, às análises funcionais de outros
comportamentos do cliente, tanto públicos como privados, que pertencem à mesma
classe de comportamento, por serem funcionalmente equivalentes, com o objetivo de
permitir que o cliente discriminasse a que contingências ele estava respondendo quando
sonhou e relacionar essa classe de comportamento a outras classes, chegando à
generalização do que modela e/ou mantém seu repertório comportamental.
A análise de contingências do terapeuta é uma análise contextuai, que precisa
ser aceita pelo cliente. (Guilhardi, 1995) A comprovação de que a análise foi correta foi
realizada através da observação dos resultados: de mudanças de comportamentos no
repertório do cliente, ou seja, a comprovação de que o cliente, ao ficar sob o controle das
análises do terapeuta, conseguiu a modificação da relação que controlava o seu
comportamento. Cada análise feita era considerada, portanto, como uma hipótese que
necessitava de comprovação através de observação de mudanças efetivas nos
comportamentos do cliente e, consequentemente, as observações foram sendo
realizadas passo a passo, concomitante às análises de contingências de reforçamento.
Para fazer as análises funcionais dos comportamentos do cliente, levou-se em
conta que, fazer uma análise funcional é tentar identificar a função de um comportamento.

Sobrr Comportdmcnlo c Cognivílo 3 7 5


É fazer uma pesquisa de variáveis, das quais este comportamento é função. Na análise
funcional uma causa é substituida por uma mudança na variável independente (V.l.) e
um efeito é substituído por uma mudança na variável dependente (V.D.). A análise
funcional tenta responder à questão: A que uma pessoa está respondendo (V.l.) quando
se comporta de determinada maneira (V.D.). Para a realização das análises foram
usados os passos básicos descritos por Matos, 1999: 1. Definir precisamente o
comportamento de interesse; 2. Identificar e descrever o efeito comportamental; 3.
Identificar relações ordenadas entre variáveis ambientais e o comportamento de
interesse. Identificar relações entre o comportamento de interesse e outros
comportamentos existentes; 4. Formular predições sobre os efeitos de manipulações
dessas variáveis e desses outros comportamentos sobre o comportamento de interesse;
5. Testar essas predições."
No primeiro passo, definimos o episódio comportamental total e procuramos
identificar as respostas públicas ou encobertas. No segundo, identificamos e
descrevemos os estímulos conseqüentes. No terceiro, os antecedentes e as relações
ordenadas entre eles. (Matos, 1999) É neste ponto que se apresenta a grande dificuldade
de fazer análise funcional do comportamento, num contexto clínico, pois em
comportamentos complexos as respostas não apresentam correspondência ponto a
ponto com os estímulos, ocorrendo generalizações, discriminações e equivalência de
estímulos, que não são processos do organismo e sim relações funcionais entre
condições de estímulos e distribuição de respostas. São estas as relações que
buscamos identificar neste terceiro passo. Para fazer esta identificação, os Estímulos
Antecedentes precisaram ser desmembrados em: História de Reforçamento, Estímulos
Contextuais, Estímulos Condicionais e Estímulos Discriminativos.
Os passos da análise funcional do comportamento de interesse foram
distribuídos no seguinte diagrama;

R&spoatHB Entimulos
rúhhcttx c Incobcrtiis Conaequantos
Kllm ulok V .l
Anleccdcntc»

Na Figura 1, os passos quatro e cinco não fazem parto do diagrama, pois foram
dados posteriormente.

Resultados e Discussão
Este estudo nos permitiu verificar que ocorreram mudanças significativas de
comportamentos tanto públicos quanto privados, generalizadas no repertório total do
cliente. Ocorreram simultaneamente, mudanças no conteúdo dos relatos de sonhos,
que puderam ser relacionadas às mudanças em outras classes de comportamentos,

3 7 6 I «li/ I Irlrn ii <Jr Sou/d Fcrrcir.i


tanto públicos quanto privados, funcionalmente equivalentes. Através das análises destes
comportamentos, foi possível descrever as relações funcionais, na forma de
contingências de reforçamento.
A partir do início do processo, que foi tomado como linha de base, verificou-se
um aumento muito grande na freqüência dos relatos de sonhos trazidos para as sessões
terapêuticas, correspondendo exatamente ao período em que o cliente apresentou maior
dificuldade em expressar e descrever sentimentos e emoções, como também em
descrever o seu histórico de vida. Após o relato e interpretação do 6o sonho, o cliente
trouxe por escrito para a sessão terapêutica, as lembranças de seu histórico de vida,
descrevendo com detalhes três fases de seu passado: a partir dos sete e/ou oito anos
de idade, adolescência e, início da idade adulta, de preparação para o seu casamento,
com a descrição de eventos descritos como aversivos e relacionados, com o conteúdo
e interpretações dos relatos de sonhos já realizados. Na seqüência, ele trouxe para a
sessão, alguns desenhos, bilhetes e cartões que escreveu para os pais e também
uma carta, endereçada ao seu pai, que datam destas fases.
Pudemos também verificar mudanças na freqüência de relatos de sonhos
durante o decorrer do processo terapêutico, descritos na Figura 2.

A Figura 2 Curva de freqüência de Relato de Sonhos.

A Figura 2 nos permite notar o aumento acelerado da freqüência de relatos de


sonhos no início do processo, com uma queda brusca, a partir da sessão de número 24,
que corresponde aproximadamente ao sexto mês do processo. Isto ocorre até a sessão de
número 108, que corresponde aproximadamente a 27 meses de processo e depois
acontecem ainda, oscilações da freqüência, até entrar no período de extinção, que se manteve
durante 12 sessões, ou aproximadamente três meses de processo. Relembrando, como
este cliente ainda se encontra em processo terapêutico, embora a curva de freqüência
termine em 17/ 11/ 2004, ele continua sendo acompanhado, sendo verificado que o
comportamento de relatar sonhos se mantém em extinção, até a presente data.
É no período de maior freqüência de relatos de sonhos, que o cliente vem
a descrever e expressar sentimentos e emoções assim como sua história passada. Isto
nos permite supor, que o uso deste material favoreceu o relato de situações consideradas

Sobrr Comportamento e C ordíçA o 3 7 7


aversivas pelo cliente, possibilitando o acesso do terapeuta a estes eventos, facilitando
suas análises de contingências e, portanto, este material se incorpora ao conjunto de
intervenções de um terapeuta comportamental.
Levando-se em conta ser o aumento da freqüência de um comportamento produto
de reforçamento, podemos supor que o uso do material de sonhos foi reforçador para
este cliente. Como não foi realizado nenhum procedimento especifico para interferir na
freqüência e, a partir de um determinado momento, houve queda da mesma, chegando à
extinção, talvez possamos levantar como hipótese, ser esta inversão tributada às
mudanças no repertório em geral do cliente, especificamente o de análises de seus
comportamentos, o que pode ter tornado o uso deste material dispensável, o que nos
possibilitaria concluir que o material de sonhos teve neste caso, o mesmo status dos
outros materiais trazidos pelo cliente para a sessão terapêutica.
Estes resultados são condizentes com o pressuposto de Guilhardi (1994), de
que os sonhos por se manifestarem numa linguagem metafórica, geralmente
incompreensível para o Indivíduo que sonha, favorecem a expressão de Idéias,
sentimentos e fantasias, que lhe seriam aversivas se comunicadas de outra maneira,
levando-se em conta também, que pelo mesmo motivo, as pessoas geralmente se sentem
menos propensas a se responsabilizar por seus sonhos, do que pelos seus outros
comportamentos, o que os desvincula da ameaça de punição e, portanto, da necessidade
de esquivas. Também condiz com o pressuposto de Delitti (2000), de que a partir da
análise funcional dos sonhos, um terapeuta poderá vir a ter acesso à história de vida do
cliente e também criar condições para evocar respostas emocionais na sessão, que
podem vir a ser modificadas no contexto terapêutico.
Podemos verificar neste estudo também, as mudanças dos conteúdos dos
relatos de sonhos em sua seqüência, comparando-os com as mudanças ocorridas
concomitantemente nos outros comportamentos tanto públicos quanto privados do cliente
no decorrer do processo, confirmando o pressuposto defendido pelo behaviorismo radical
de quo a análise e interpretação de sonhos, como a de qualquer outro comportamento,
deve ser uma análise contextuai. Também, que as análises funcionais do comportamento
feitas pelo terapeuta, favoreceram uma maior compreensão por parte do cliente das
razões de seu comportamento, o que é condizente com a afirmação de Skinner de que, o
auto-conhecimento é de origem social e que quando uma pessoa se torna "consciente de
si mesma", por meio de perguntas que lhe são feitas, fica em melhor posição de prever e
controlar o seu próprio comportamento.
Finalmente, através das análises de contingências dos relatos de sonhos,
podemos verificar vários estímulos discriminativos antecedentes, que controlaram as
respostas, propriedades efetivas do meio, como também as condições responsáveis
pela extensão metafórica, o que é condizente com as afirmações de Skinner a respeito
deste tipo de resposta que, quando uma situação evoca tatos ampliados ela nos diz algo
acerca da situação, embora nos diga muito pouco acerca do falante, pois foram adquiridas
em outras circunstâncias, e sobre as quais, por conseguinte, podemos fazer inferências.

Conclusão
Pode-se verificar através deste estudo, que o sonho pode ser considerado
material clínico comportamental com mesmo status dos outros conteúdos trazidos pelo
cliente, se incorporando ao conjunto de dados coletados, tendo significado dentro deste
contexto. Também, pode-se verificar que a interpretação de sonhos, integrada à análise
funcional dos outros comportamentos do cliente pode vir a ser incorporada ao conjunto

3 7 8 L i l / I Id rrw dc Sou/d frrrcir<j


de intervenções de um terapeuta comportamental.
É importante enfatizar que, os procedimentos utilizados neste estudo são
análises aplicadas de comportamento, que o comportamento de sonhar foi integrado
aos outros conteúdos trazidos pelo cliente, sendo esta uma pesquisa não experimental
sobre relatos verbais e, portanto, não ó possível atribuir ao material analisado, ou mesmo
às intervenções feitas um papel de maior relevância sobre as demais, ou mesmo
sugerir relações causais, já que não foi feito um controle sistemático de variáveis, como
seria esperado numa pesquisa experimental.

Referências

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição (D. G. Souza, trad.)


(4* ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.
Delitti, M. (2000). Relato de Sonhos: como utilizá-los na prática da terapia comportamental. Em R. C.
Wielenska (ed), Sobre o Comportamento e Cognição: Questionando e ampliando a teoria
e as intervenções clinicas e em outros contextos (pp. 204-210), Santo André, SET.
Freud, S (1900). A Interpretação dos sonhos. (J. Salomão, trad ). Edição Standard Brasileira das
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. (Vols. IV e V). Rio de Janeiro: Imago
Editora, 1974.
Gullhardi, H. J. (1987) Curso ministrado no Encontro de Psicologia da Sociedade de Psicologia de
Ribeirão Preto. httD://www.cemp.com.br/textos15.htm. retirado dia 06/03/2003.
Gullhardi, H. J. (1995,). Um Modelo Comportamental de Análise de Sonhos. In B. Range (Eds).
Psicoterapia Comportamental a Cognitiva de Transtornos Psiquiátricos, (pp. 257-267).
Campinas: Editorial Psy.
Matos, M. A. (1995). Behavlorlsmo metodológico e behaviorlsmo radical. In B. Ragé (Eds). Psicoterapia
Comportamental e Cognitiva. Pesquisa, Prática e Aplicações e Problemas, (pp. 27-34).
Campinas: Editorial Psy.
Matos, M. A. (1999). Análise Funcional do Comportamento. Revista Estudos de Psicologia, 16 (3), 8-
18.
Skinner, B. F. (1957). Comportamento Verbal. (M. P. Villalobos, trad.). Sâo Paulo: Cultrix. Ed.
Universidade de Sôo Paulo.
Skinner, B. F. (1974). Sobre o Behaviorismo. (M P. Villalobos, trad.) (9* ed.). Sâo Paulo: Editora
Cultrix.
Sklnner, B. F. (1989). Questões Recentes na Análise do Comportamento. (A. L. Nóri, trad.) (2* ed.).
Campinas. Papirus
Sklnner, B. F. (1990). Can psychology be a science of mind?. American Psychologist, 45 (11), 1206-
1210 .

Sobre Comportamento e C oflnlçío 3 7 9


Capítulo 36
Inclusão escolar sob a perspectiva da
Análise do Comportamento
Leila Bagaiolo (t/SP - Qradual)
Cintia CjutU wtii (USP- QriuIutiU
Claudia Romano ('PUC-SP - Qradual)'

O presente texto tem como objetivo discutir o paradigma da inclusão escolar de


pessoas com desenvolvimento atipico a partir da perspectiva da Análise do
Comportamento. Buscaremos ampliar o significado da palavra Inclusão, analisando
diferentes contextos nos quais ela é usada. Por questões didáticas, o texto será dividido
em duas partes. Na primeira parte (Parte I), discutiremos brevemente a concepção do
inclusão a partir de algumas leis federais: o que elas permitem em termos de inclusão
escolar. Num segundo momento, serão apresentados os conceitos e metodologias da
Análise do Comportamento (Parte II). As autoras não visam, com este texto, esgotar a
discussão sobre todas as variáveis que compõem o significado da inclusão. A discussão
desse termo merece e requer que busquemos muitas outras variáveis, mas pretendemos
dar um ponto de partida e iniciar a construção de um significado mais critico para esse
termo tão citado atualmente.

Parte I: O significado da inclusão a partir de algumas leis.

Uma vez que nosso objetivo é ressignificar a palavra inclusão encontrando os


diferentes contextos nos quais ela é usada, precisamos partir de um significado mais
amplamente difundido para contrapor os possíveis significados que o âmbito legal tem
a nos oferecer. Assim sendo, encontramos no dicionário nossa primeira definição para
o termo inclusão. A palavra incluir é definida nos dicionários da língua portuguesa
como: o ato ou o efeito de incluir; o ato pelo qual um conjunto contém ou inclui outro;
encerrar, fechar dentro de; inserir, introduzir, abranger, compreender; conter em si,
envolver, implicar. Tais significados não nos dizem muito sobre o que deve ser feito em
relação á inclusão escolar, mas nos dizem que incluir significa colocar algo (ou alguém)
dentro de algum lugar.
Precisamos ir além do significado dado pelo dicionário, quando pretendemos
investir na inclusão prática de uma pessoa com desenvolvimento atípico no sistema
educacional. Com o dicionário temos apenas alusão aos comportamentos de levar a
criança à escola e deixá-la lá, em uma espécie de "inclusão espacial"; mas não
encontramos especificamente o que e como fazer para que alguém tenha uma inclusão

' AyrwtwwTKj« n AOPMC, pota oportunldado tio publicar h h tr a M h o Agradecemo*. aÈntíã. o trabalho do fonacriçAo m « M o ti« toxto maltZfRio
por Riifaoln Donlnl

380 Lfild Hdgiilolo, CfntiA l/u ilha n ll e Cldmlia Kom.ino


para além daquela "espacial", no local em questão. Observa-se, portanto, que as
definições da palavra "incluir" encontradas em dicionários são genéricas e não sinalizam
o que ó inclusão em termos sociais e académicos.
Um perigo que deve ser evitado é transpor essa definição do dicionário como
um guia para a prática da inclusão escolar. Se isso ocorrer, estaremos negligenciando
o papel ou a responsabilidade de cada profissional sobre o que cada aluno faz enquanto
fica dentro da escola, e não será reconhecido que cada aluno tem seu próprio repertório
de habilidades e que são necessárias estratégias didáticas especificas para cada
aluno se manter de maneira bem-sucedida no processo de ensino-aprendizagem.
Sendo assim, precisamos recorrer a outras fontes para compor o significado
da inclusão. Uma fonte imprescindível a qual recorrer é a jurídica, pois é o contexto legal
que nos autoriza ou desautoriza a elencar quais comportamentos podemos ter no "ato
ou efeito de incluir". Buscando algumas leis que pudessem descrever mais
detalhadamente este termo, nos deparamos com uma primeira máxima da Constituição:
o acesso á educação é garantido a todos os cidadãos, na escola todos são iguais e as
oportunidades são as mesmas para todos. Porém, essas definições também podem
ser questionadas por serem muito genéricas.
Se realmente houvesse uma suposta igualdade (tanto em relação ao direito de
ter acesso à educação, quanto em relação à noção de que todos são iguais) nem
precisaríamos de uma inclusão. Na verdade, a inclusão só faz sentido se entendemos
que existem diferenças individuais, que cada indivíduo é único e possui características
únicas, sendo necessárias estratégias particulares e especiais de inclusão escolar.
Além disso, esta suposta noção de igualdade pode levar a uma culpabilização dos
alunos que não se enquadram na metodologia vigente e tradicional de ensino: aqueles
que não se adequarem na escola, serão excluídos da mesma ou permanecerão
estigmatizados.
Avançando na nossa pesquisa pela ampliação do significado da palavra
inclusão, dentro das leis, é possível encontrar uma visão mais otimista, menos
preconceituosa e mais detalhada em relação aos alunos portadores de necessidades
especiais. Uma dessas visões está na Declaração de Salamanca (1994), um tratado
internacional que tem validade jurídica em nosso pais enquanto um decreto. Os trechos
que se seguem foram extraídos da mesma:
"Toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade
de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem (...)"
Esse trecho é importante por afirmar que todas as crianças tèm direito à
educação, e que cabe a um outro não especificado (talvez o educador ou à escola)
oferecer oportunidades para que a criança atinja níveis adequados de aprendizagem.
Neste momento, fica implícita a idéia de que as crianças aprendem de maneiras
diferentes e que cabe ao educador se adaptar a cada nlvel, deixando de responsabilizar
a criança pelo nlvel que ela consegue atingir. Veja essa idéia também fortalecida nos
trechos a seguir;
"Cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de
aprendizagem que lhe são próprios (...)"

“Os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados de


modo que tenham em vista toda a gama dessas diferentes características e
necessidades

Sobre C om p ortcim m to c Cofinrç«V> 3 8 1


"Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola
regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança
capaz de satisfazer tais necessidades".

"Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios


mais eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando-se comunidades
acolhedoras, construindo uma sociedade Inclusiva e alcançando educação para
todos; alóm disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das
crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de
todo o sistema educacional".
Nota-se, mais uma vez, que cada criança ó vista a partir de suas particularidades
e devem ser respeitadas por elas. Alóm disso, a Declaração de Salamanca (1994)
prevê acolhimento para tais crianças em escolas regulares e não em escolas que
concentrem e portanto, excluam do convívio, crianças atípicas. Alóm disso há a
preocupação em primar pela qualidade do ensino.
Alóm da Declaração de Salamanca (1994), investigamos alguns documentos
elaborados pelo próprio governo brasileiro que oferecem leis sobre a Educação e que
nos permitem ampliar o significado da palavra inclusão. Por exemplo, temos a Lei n°
9.394, chamada de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN), de 20 de
Dezembro de 1996. Essa lei ó importante, uma vez que nela ó instituída a flexibilização
dos currículos educacionais de modo a adaptá-los e adequá-los às necessidades
individuais. Além disso, é especificado que as técnicas de ensino também podem ser
adaptadas às necessidades particulares dos alunos. O trecho a seguir foi retirado
dessa lei:
"Art. 59 - Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades
especiais:

I - currículos, mótodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos


para atender às suas necessidades".

II - terminalidade especifica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido
para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e
a cele ra ção para co n clu ir em m enor tem po o p rogram a e sc o la r para os
superdotados. ’
Resumindo, tanto a Declaração de Salamanca (1994) quanto a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (1996) apresentam o que nos cabe ser feito, em termos
legais, enquanto educadores. Ainda, esses documentos refutam uma visão romântica (e
pouco crítica) acerca da igualdade entre as pessoas. Ambos assumem que cada indivíduo
é um e deve ser tratado como tal, e que os educadores não devem esperar que a criança
se adapte ao sistema já dado. Isso significa, em termos práticos, que a responsabilidade
educacional está fora da criança; que a responsabilidade está na escola (e em todos que
fazem parte dela). No entanto, ainda podemos encontrar em alguns discursos e práticas
das escolas a concepção de que "algumas crianças são problemáticas".
Ao nosso ver, ao falar de inclusão, não deveríamos ver a criança como um problema,
mas tomar a responsabilidade educacional para um sistema flexível. O que isso significa?
Podemos criar um currículo adaptado, podemos investir em outros mótodos de ensino,
abrindo uma brecha para trazer os conceitos e metodologias da Análise do Comportamento
para uma educação individualizada. O passo seguinte seria analisar quais contingências
devemos planejar para termos uma escola que atenda as individualidades.
Enfim, com o apoio que buscamos nas leis citadas acima, conseguimos ampliar
o significado da palavra inclusão em termos do que podemos fazer no processo inclusivo.

382 Lrild Hdgdiolu, Cftilid tyuílhardí e C laudia Rom ano


Por outro lado, o COMO fazer a indusào não está detalhado naqueles documentos e, por
isso, precisamos recorrer a quem o faça.
É na busca de responder a essas questões acerca do COMO fazer a Inclusão,
que recorremos a Análise do Comportamento para ampliar o significado da palavra
inclusão, através de seus pressupostos teóricos e metodológicos.

Parte II: O significado da inclusão para a Análise do Comportamento


(Conceitos e Metodologias: como fazer) e o Modelo de Inclusão da
Gradual.
Vamos apresentar as variáveis que podem compor o significado da palavra
Inclusão dentro da abordagem comportamental, através de um modelo de Inclusão que
é totalmente pautado nos princípios desta abordagem. Estamos nos referindo ao Modelo
de Inclusão que a Gradual tem adotado ao trabalhar com crianças com desenvolvimento
atípico. Por questões didáticas, apresentaremos esse modelo em cinco passos, que
ocorrem simultaneamente na prática. Ao descrever cada passo estaremos
acrescentando um significado para a palavra inclusão,sempre utilizando o referencial
teórico da análise do comportamento.Os passos são:
Passo 1: Planejar a Intervenção Comportamental Individualizada - ABA (Applied Behavior
Analysis).
Passo 2: Planejar mudanças no material, no ambiente físico e em todas as fontes de
estimulação.
Passo 3: Treinar uma AT (acompanhante terapêutica, tutora, facilitadora) para promover
a generalização do repertório desenvolvido na intervenção comportamental
individualizada na escola.
Passo 4: Integrar a equipe de profissionais, a escola e a família para a execução comum
dos procedimentos.
Passo 5: Replanejar a intervonção comportamental individualizada.

Passo 1: Intervenção Comportamental Individualizada - ABA.


O primeiro passo para o planejamento da inclusão de pessoas com
desenvolvimento atípico ó estruturar uma intervenção comportamental individualizada.
De acordo com o modelo ABAJ, a criança ó atendida por, pelo menos, um professor/
terapeuta (o que ó chamado de atendimento um-a-um, um professor para uma criança);
com freqüência, até dois professores atendem a criança durante a mesma sessão
terapêutica (um realiza a interação com a criança e o outro o registro, que será explicado
adiante). Existem dois tipos de objetivos iniciais da intervenção individual que devem
ser programados para uma criança. Há, de um lado, a maximização de certos repertórios
comportamentais e, de outro lado, a minimização de outros repertórios.
O objetivo relativo à maximização de repertórios implica na construção de um
currículo para o ensino de repertórios pré-acadêmicos, acadêmicos, sociais, verbais e
aqueles observados em atividades de vida diária. Todos esses repertórios são
entrelaçados entre si, mas, ao mesmo tempo, possuem características e controles
comportamentais específicos. E tais repertórios ensinados/ fortalecidos facilitam ou,
pelo menos, são pré-requisitos para o desenvolvimento da criança, maximizando suas
potencialidades em todos os ambientes, inclusive no ambiente escolar.

' A|)f>l»t<l Bnhnvlor Anittynl*

Sobrr Comportumcnto c CotfnlçJo 3 8 3


Já o objetivo relativo à minimização de repertórios envolve o planejamento de
uma série de procedimentos para diminuir a freqüência dos comportamentos disruptivos,
isto ó, aqueles comportamentos que prejudicam a interação da criança com as outras
pessoas ou com o ambiente e que impedem ou dificultam a aprendizagem de novos
comportamentos. Um exemplo de comportamento disruptivo é a estereotipia: se,
enquanto um professor está ensinando algo à criança, a mosma começa a emitir
respostas de “balançar as mãos” (comportamento incompatível com a aprendizagem),
aquilo que o professor está falando e a estimulação que ele está apresentando são
completamente irrelevantes para a criança; a auto-estimulação gerada pelas respostas
estereotipadas ó muito mais relevante. É nesse sentido que a estereotipia é um
comportamento disruptivo; ela dificulta o ensino pelo professor de outros
comportamentos à criança, uma vez que impede que eventos ambientais apresentados
pelo professor venham a exercer controle numa situação de ensino. Outros exemplos
de comportamentos disruptivos são a agressão a outras pessoas e a auto-lesão (nesses
dois casos, as conseqüências geradas por esse tipo de comportamento podem ser
ainda mais graves).
Nas primeiras sessões com a criança, os repertórios comportamentais são
avaliados e, então, são definidos os objetivos ou metas que deverão ser cumpridos
pelo terapeuta junto com a criança. Em outras palavras, conforme descrito anteriormente,
são analisadas as variáveis das quais diferentes comportamentos da criança são função,
e estudados quais são os comportamentos que devem ser minimizados e quais devem
ser maximizados. A avaliação ocorre a partir de técnicas comportamentais de observação
e registro de comportamentos-alvo (1) em diferentes situações (em vários momentos
da rotina na casa da própria criança; em sessões realizadas no consultório; observação
na escola e/ou outros ambientes freqüentados pela pessoa); (2) a partir de testes
diretos de como a criança se comporta perante instruções dadas pelo terapeuta e, (3)
também, mediante a utilização de alguns testes padronizados de avaliação
comportamental. Exemplos desses testes são: o ABLA (Avaliação de Habilidades Básicas
de Aprendizagem3), desenvolvido por Kerr, Meyerson e Flora (1977); o teste de linguagem
proposto por Partington e Sundberg (1998) - ABBLS (Avaliação de Habilidados Básicas
de Linguagem e Aprendizagem4); teste de preferência de estímulos como o proposto
por De Leon e Iwata (1996) e Análise Funcional Experimental, como a proposta por
Iwata, Dorsey, Slifer, Bauman e Richman (1982). De maneira geral, esses e outros
testes formais oferecidos pela Análise do Comportamento mostram-se úteis na
caracterização ou documentação do repertório de entrada da criança, bem como
possibilitam uma posterior documentação após momentos específicos da intervenção.
A partir da avaliação comportamental o terapeuta pode estabelecer objetivos e
metas a serem alcançadas com cada criança. Para tanto, é desenvolvido, para cada
comportamento-alvo, um Programa de ensino específico. Por exemplo, se a criança
apresenta comportamento de birra e foi analisado que esse comportamento é mantido
pela atenção de uma outra pessoa, é desenvolvido um programa com um procedimento
para diminuir a freqüência daquele comportamento e são elaborados procedimentos
para aumentar a freqüência de outros comportamentos que também produzam a atenção
da outra pessoa, mas que sejam mais adaptativos socialmente. Ainda a título de exemplo,
se a criança não imita o que outras pessoas fazem, e uma vez que a imitação é repertório
básico e fundamental para qualquer aprendizado, programas com procedimentos

1Th*> A«»«#ament of Bauc Lonmtny AbUltio»


4 Th« Ataaomenl of B«»lc 1aitguaga and l «amlrtg SMI»
* Nota m aqui que a IntorvançAo coíiiportamaotal é raatüada ptx mala da um profeaional ou tarapaula Confornia (JtocuMrmnoa
adianta, M o )á 6 uma iwogramaçAo da oamtrall/açAo

384 Lefld lirtgrilolo, Clnlía l/uilharrii cCl<tu<lf<i Kommio


específicos são adotados para lhe ensinar esse repertório. Cada programa elaborado
ó impresso e ó público, no sentido que todos os profissionais que trabalham com a
criança tôm acesso ao mesmo. Cada programa ó individualizado para cada criança,
respeitando as peculiaridades de seu repertório comportamental. Os programas
contemplam as diferentes áreas: social, verbal, AVD (atividade do vida diária), pró-
acadômica, acadômica e profissional.
Cada programa, alóm do descrever procedimento de ensino que o terapeuta
deve aplicar, requor uma tecnologia de rogistro ospocífico. O registro garante o controle
do terapeuta sob o que está acontecendo com a criança. O registro do desomponho da
criança ao longo do tempo permite observar as mudanças no mesmo ao longo das
sessões o analisar se o procedimento do ensino está sendo efotivo o está exercendo
controle (aspectos essenciais da prática da Análise do Comportamonto Aplicada, a qual
ó uma abordagem dentro da Psicologia que tem um compromisso com a clôncia, com
a produção de dados objetivos). Alóm disso, o rogistro contínuo contribui para que um
terapeuta observe o que ocorreu em sessões realizadas com a criança por outros
terapeutas9 e continuo o trabalho apropriadamente em sua próxima sessão.
Para o ensino de cada programa utilizamos procedimentos testados e
referendados pela abordagem comportamental. O primeiro procedimento, que embasa
toda a prática comportamental descrita neste capítulo, ó o reforçamento. Segundo Catania
(1999) o reforçamonto se refere tanto á apresentação de conseqüências quando uma
resposta ocorre, quanto ao processo de aumento de respostas que resultam do reforço.
Para esso autor, o reforço ó uma relação em que as conseqüências do responder
tornam o responder mais provável. Ou seja, o reforço faz a resposta reforçada aumentar.
Segundo Catania (1999) o reforço não ó nem o estímulo nem a rosposta, olo nomeia
uma relação entre o comportamento e o ambiente. Reforçar, então seria apresontar
conseqüências quando uma resposta ocorre (respostas são reforçadas, não
organismos). O responder aumenta mediante a operação de reforço.
Por exemplo, se queremos ensinar a uma criança imitar uma rosposta podemos
disponibilizar, após a emissão de cada imitação da criança, um evento supostamente
reforçador para aquela criança (como elogio, carinho, brinquedos: depende da criança
e da ocasião). Se em circunstâncias postoriores for observado um aumento na freqüência
daquelas respostas, pode-se dizer que esse comportamento de imitar está sendo
reforçado e que a conseqüência usada (o elogio, o carinho ou o brinquedo) está
dosemponhando a função de estimulo reforçador para aquela resposta daquela criança.
Skinnor (1953/1998) tambóm explicita ossa idóia:
“A única maneira de dizer se um dado evento è reforçador ou nâo para um dado
organismo sob dadas condições 6 fazer um teste direto Observamos a freqüência
do uma resposta selecionada, depois tornamos um evento a ela contingente e
observamos qualquer mudança na freqüência Se houver mudança, classificamos
o evento como reforçador para o organismo sob as condições existentes... " .
(Skinner, 1998, p 80)
No entanto, sabo-so que o terapeuta podo osperar por muito tempo para que
uma resposta complexa, em sua forma final, seja emitida pela criança para, então,
disponibilizar uma possível conseqüência reforçadora. Por oxomplo, se queremos
roforçar a rosposta de falar “mamão’’ de uma criança, teriamos que esporar que ela
ocorresse, sabondo quo talvez, para uma criança com atraso do fala, ela nunca fosse
emitida onquanto tal. Em função dessa “espera", analistas do comportamonto utilizam
o procedimonto de modelagom de comportamentos. A modelagem ó um procedimento
para gorar novas respostas, reforçando sucessivamente outras respostas que se

Sobre Oomport.imenfo c Cofinlçilo 3 8 5


aproximem dela, cada vez mais estreitamente; ela é baseada no reforço diforencial
(Catania, 1999).
Segundo Kellor e Schoenfeld (1950), o reforço diforencial é um procedimento
para produção de novas respostas, no qual algumas dimonsões daquela resposta são
reforçadas enquanto outras não; o, através de aproximações sucessivas, o
comportamonto ó altorado até atingir a forma ou intonsidado nova. O comportamento
complexo é ensinado através de passos, sendo que em cada passo é modificado o
critério de quais respostas reforçar. Voltando ao exemplo acima, o comportamonto do
verbalizar a palavra "mamão" ô complexo. O ensino dosso comportamento onvolve,
inicialmente, a liberação do conseqüências contingentos às rospostas do emitir os
sons das letras que compõem a palavra; posteriormente, as respostas de emitir os
sons das suas sílabas são roforçadas, de forma que os sons omitidos pela criança
fiquem cada vez mais próximos de “mamãe” e que são reconhocidos pola comunidade
vorbal de maneira geral; o, por fim, são roforçadas as respostas de dizer "mamãe". O
torapouta, na modelagem, modifica do maneira muito gradual o critério polo qual olo
libora o estímulo roforçador contingente à resposta.
Quando o comportamento a ser ensinado onvolve a emissão de uma cadeia de
respostas, sondo que a conseqüência produzida por cada resposta desempenha a
função de estímulo discriminativo para a emissão da próxima resposta e, isso ocorre
até que a última rosposta da cadeia produza a conseqüência final, o procedimento de
task analysis é usado. Esse procedimento é muito descrito na literatura, e consisto na
idontificação das respostas/tarefas que compõem a cadeia e no ensino do cada uma
dessas respostas, uma rosposta de cada vez. Ele é freqüentomonto utilizado no ensino
de atividades de vida diária, tais como tomar banho; analisam-se quais são as rospostas
que a criança deve emitir ao tomar um banho inteiro (tirar a roupa poça por peça, abrir o
chuveiro, rogular a temperatura da água, ontrar no box, etc.), e ensina-se cada resposta.
Geralmento, o ensino é feito usando o encadeamento de trás para frento, isto é, o
terapeuta inicia ensinando a última resposta da cadeia porque é ossa rosposta que
produz a conseqüência reforçadora que deve manter a cadeia inteira, o que
presumivelmonto aumenta a probabilidade da criança engajar-se na tarefa; depois, o
terapeuta ensina a penúltima resposta, e assim sucessivamente, até chegar à primeira
resposta Observa-se, ontão, que a cada passo o procedimento envolve o ensino do
uma resposta; o terapeuta realiza com a criança as rospostas que não foram ensinadas
do início da cadeia até chegar àquela resposta espocifica que será ensinada naquele
passo e para a qual será roalizada a retirada gradual de dicas fornecidas pelo terapouta.
Urna forma do estruturar a situação do onsino descrita na litoratura ó através de
tentativas discrotas (derivado diretamento da Análise Experimental do Comportamento),
e freqüontemente usado no ensino de programas pró-acadômicos, verbais e
acadêmicos propriamente ditos. A tontativa discreta pode ser definida como uma
contingência triplico; um estímulo discriminativo para uma resposta e uma consoqüôncia.
O estímulo discriminativo ó uma instrução, que varia de acordo com o comportamonto
que ostá sendo ensinado em cada programa: podo ser um movimento que a criança
tom que imitar, ou um podido (por exemplo: "por favor, poguo a bola"), ou a aprosontação
do um numeral impresso etc. A criança deve responder à instrução e, em seguida, ó
disponibilizada uma conseqüência. Um exemplo do tontativa discreta é o soguinto: o
terapeuta dá à criança a instrução vocal "Bate palma", a criança responde, ou seja, ela
bate palmas o, em seguida, é disponibilizada uma conseqüência reforçadora.
Geralmente, em cada sessão, é feito com a criança um bloco do novo tentativas discretas
para cada programa de ensino; são feitas três tentativas com cada estímulo diferente

386 l.cilti H.ifl.iiolo, (.'Intui C /uilh iirili r ('la u ih a K o m o no


(por exemplo, no programa de seguir instruções, podom ser troinados os estímulos
"bate palma", “faz tchau" e "manda beijo”), sempre apresentando os estímulos de forma
randomizada (o que previne que outras variáveis controlem o responder, como a ordem
ou a posição dos estímulos). Existem critérios para identificar se a criança está
aprendendo a responder áquoles estímulos treinados com o procedimento adotado
polo terapeuta e quando já ó possívol troinar novos ostímulos. É importante que a
estimulação aprosontada à criança polo terapouta seja mais limpa possível, de modo a
aumentar a probabilidade do que cada estímulo treinado venha efetivamente exercer
controle sobro o comportamonto da criança.
Tanto o uso de tentativas discretas, quanto os procedimentos utilizados na
intervenção comportamental (reforçamento positivo e task analysis) visam que a criança
com desenvolvimento atípico tenha uma história de "aprendizagem sem erro". Crianças
com desenvolvimento atípico que passaram por situações de aprendizagem com erro
não conseguiram ampliar o repertório dessa maneira. Além disso, a aprendizagem
com erros podo criar uma contingência de ensino aversiva, sendo que o erro pode gerar
os mesmos efeitos provenientes da punição.
A punição ó uma oporação contrária ao reforço. As respostas podem ser punidas
pelo término de eventos reforçadores (punição negativa, ou punição por timoout do
reforço positivo), ou pela apresentação do estímulo aversivo (puniçào positiva). A punição
é uma relação em que as conseqüências do responder tornam o responder menos
provável. Ou seja, a punição faz a resposta punida diminuir. Alóm disso, a punição tem
as seguintes características: ela pode afetar outras respostas, além daquelas para as
quais foi programada; tem efeitos transitórios (deixa de ser efetiva quando não é aplicada,
não mantendo seus efeitos sobre o comportamento) e pode ser complicada pelos
efeitos colaterais que gera -respondentes (Catania, 1999).
Para garantir que a aprendizagem não tenha erros e haja um alto nível de
reforçamento positivo a cada tentativa discreta desde o início da aprendizagem, utilizamos
uma hierarquia de dicas. O terapouta apresenta uma tarofa e ajuda a criança a realizá-
la, a partir do dicas que variam de acordo com a criança e com o comportamento
onsinado. A dica pode ser dada pelo movimento do terapeuta de forma física, gestual,
verbal ou com a utilização de outros estímulos visuais (imagens, figuras, símbolos,
objetos). As dicas fornecidas passam das mais intrusivas para as menos intrusivas, de
forma que a ajuda apresentada polo terapouta é retirada gradualmento e a independência
da criança em emitir os comportamentos é promovida (Goldstein e Cisar, 1992; Maurico,
Green e Foxx, 2001).
Ainda em relação à intervenção individualizada, o terapeuta, ao ensinar cada
comportamonto, precisa planejar mudanças no esquema do reforçamento adotado: a
principio, libera conseqüência reforçadora contingentemente à rosposta omitida pela
criança om cada tentativa discreta (esquoma do reforçamento contínuo); mas, á medida
quo o comportamonto já está estabelecido no roportório da criança e precisa ser mantido,
o torapouta aumonta o número do respostas requeridas para que a conseqüência seja
liberada (esquema do reforçamento intermitente). Essa mudança de esquemas de
reforçamento ó fundamontal para a generalização e manutenção dos comportamentos
em outros contoxtos sociais, já que é comum as pessoas reforçarem os comportamentos
umas das outras do maneira intormitonte. O terapeuta planeja a realização das sessões
de atendimento em mais de um local (por exemplo: no consultório, em um parque) de
fonna que comportamentos ensinados em um contexto possam também ser reforçados
em outros contextos. O terapeuta também planeja com os familiares e outras pessoas
situações cotidianas nas quais a criança deve ser encorajada a emitir as respostas

Sobre Comportamento e C'o«niv<lo 3 8 7


onsinadas durante as sessões de intervenção comportamental. So a criança aprondeu
a imitar o comportamento do terapeuta de bater palmas, ela deverá ser encorajada a
imitar esse comportamento emitido por outras pessoas em momentos de "cantar
parabéns" de festas de aniversário, em outras situações de comemoração, durante a
música tocada na oscola etc.
Por fim, pode-se dizer que além da instalação o maximização de repertório
adaptativo, ó fundamental que tais comportamentos apareçam no ambiente natural da
criança (om casa, na oscola otc). Para que isso aconteça ó necessário planojar a
gonoralização dos repertórios aprendidos na intervonção individual para outros contextos.
Somente assim ó que a criança poderá efetivamento se integrar na sociedade. A
generalização, de acordo com Baor, Wolf o Risley (1968) devo ser programada levando-
so em conta quatro aspectos: (1) programar para que comportamentos aprendidos
pela criança com o terapeuta venham a ser emitidos em outros ambientes, (2) para que
os comportamentos aprendidos venham a ser emitidos na rolação com outras pessoas
e (3) para que a criança venha a emitir comportamentos que não foram diretamente
ensinados na intervonção, mas aprendidos em seu ambiente natural o (4) quo os
comportamentos sejam mantidos ao longo do tempo.
Existem várias decisões que são tomadas pelo terapeuta quo possibilitam a
generalização dos comportamentos. Uma delas diz respeito ao rodízio de profissionais
que fazem a intervenção, isso ó importante para que a criança aprenda a se rolacionar
com mais e mais pessoas, ontre olas os professores da escola. Além do rodlzío dos
profissionais ó importante variar os estímulos aprosontados para a criança, as instruções
fornecidas à mesma, modificar o ambiente da intervenção comportamental, tornando-
os çada vez menos artificiais, e mais similar ao ambiente escolar A questão da
generalização estará sondo abordada nos próximos tópicos.
Todos esses procedimentos da intervenção comportamental individualizada,
visam, em última análise, preparar a criança para a inclusão escolar, tornando-a mais
preparada (ou com mais pré-requisitos) para ser bem sucedida na escola. Essa etapa
ô longa e muitas vezes antecede a procura de uma escola, já que um repertório adaptativo
minimo ó uma das chaves do sucesso da inclusão.

Passo 2: Planejar mudanças no material, no ambiente físico e em


todas as fontes de estimulação.
Logo quo a criança inicia a intervenção comportamental, laz-se necessário envolvô-
la num ambiente limpo de estimulaçõos quo possam distrai-la, é importante ter vários
matoriais que possam servir como eventos reforçadores disponivois. Gradualmente esse
setting vai sondo modificado, de modo a ficar semelhante ao ambiente físico da sala do
aula. Isso ocorre quando a criança aprende a responder às estimulações rolovantos
socialmento o fica menos sob controlo do auto-estimulações ou estimulações irrolovantos
para o aprendizado acadômico.
Os estímulos apresentados nas atividades da escola também devom estar
presentes na simulação feita na sala de intervenção comportamental individualizada. Se
a sala de aula está dividida em estações, cada qual voltada para uma atividade, a sala de
intervenção também dove ostar assim dividida; se, na sala do aula, há um tapete no qual
objetos de coordenação são oxplorados, então devom sor colocados um tapete com
objotos na sala de intervenção; se, na parede da sala de aula, são afixados estímulos, tais
como letras, na parede da sala de intervenção também podem ser afixadas lotras; materiais
usados na oscola, tais como lápis, papel e pincel, também são usados no contexto

388 Leílrt Hiiflrtiolo, C lnlia i/uilhard i o C laudia Kom ano


individualizado. A presença, na sala da intervenção, dos estímulos que também estão
presentes na escola contribui para a generalização dos comportamentos aprendidos em
situação individual para o contexto escolar, já que muitos desses estimulos passam a
evocar a emissão das respostas ensinadas à criança.
Por outro lado, o terapeuta também deve planejar, juntamente com os profissionais
que trabalham na escola, mudanças no próprio ambiente ílsico da escola, em seus
materiais e em outros estímulos que lá são usados, de maneira que a criança tenha
maior probabilidade de responder corretamente, tal como observado no atendimento
Individualizado. Por exemplo, muitas crianças dentro do espectro do autismo apresentam
hiperlexla, uma facilidade muito grande para entrar em contato com e identificar números
ou letras; assim, muitas vezes, essas letras e números são usados individualmente
como importantes dicas verbais para o ensino de diferentes comportamentos; sendo
assim, quando o terapeuta vai à escola, é fundamental que ele oriente aos profissionais
ali presentes a também usarem essas dicas na sala de aula, o que acarreta uma mudança
no ambiente físico da mesma. Outro exemplo seria: para fazer uma criança, que não tem
muitas respostas de ouvinte, ficar numa roda ouvindo uma estória, podemos disponibilizar
para ela pranchas tanto com imagens quanto com o texto que se refere a estória contada;
o que permitiria que ela ficasse mais tempo sentada acompanhando a atividade de ouvir
estórias.
Essa estratégia contribui para a generalização e manutenção dos
comportamentos na escola, diminuindo o tempo durante o qual essas dicas / estímulos
antecedentes arbitrários e estímulos reforçadores extrínsecos possam ser necessários.

Passo 3: Treinar uma AT (acompanhante terapêutica, tutora,


fa cilita d o ra ) para prom over a generalização do repertório
desenvolvido na intervenção ABA.

Na escola, o papel da acompanhante terapêutica será tanto de reforçar


(disponibilizar conseqüências que aumentem a freqüência do comportamento), como
também criar ou disponibilizar os estímulos antecedentes e os estímulos discriminativos
quo são a ocasião do responder da criança. Assim sendo, o acompanhante terapêutico
favorece que o comportamonto de aluno, bem como as interações sociais trabalhados
e adquiridas na sessão individualizada ocorram também no ambiente escolar.
O acompanhante deve, portanto, conhecer de perto todos os procedimentos e
conteúdos da intervenção individualizada e deve até participar da mesma. Sua formação
teórica como analista do comportamento deve ser garantida (caso a escola ou a família
indiquem um profissional de outra área para exercer essa função). É o acompanhante
que vai poder propor para a professora mudanças no ambiente físico e até sugerir um
currículo alternativo (previsto por lei). Mesmo não trabalhando com tentativas discretas
para a construção de repertório na escola, o acompanhante é orientado a elaborar
registros de comportamentos específicos para análises funcionais posteriores. Além
desses registros, muitas vezes é importante uma análise a partir de filmagens da
criança na escola.
Resumindo, o acompanhante é quem faz a ponte entre a intervenção
individualizada e a escola, e assim sendo, é ele quem propõe mudanças em ambos os
ambientes para facilitar a generalização. Um exemplo de como a escola muda a
intervenção individualizada seria se a escola está programando uma apresentação de

Sobre C om p ortam ento e C og n ição 3 8 9


uma coreografia, o acompanhante deve sugerir que na intervenção individualizada os
mesmos gestos da coreografia façam parte do programa de imitação. Um exemplo de
como a intervenção individualizada muda a escola seria se a criança aprendeu a prever
sua rotina com um quadro de fotos que sinalizem as mesmas, e isso faz com que ela
seja mais independente e não faça birra para mudar de atividade, a acompanhante
deve levar o mesmo quadro para a escola e usar com toda a classe essa estimulação
adicional para a rotina.
Mais uma vez, a programação da generalização é fundamental porque ela não
ocorre naturalmente, ainda mais para crianças com desenvolvimento atípico cuja gama
de reforçadores é pequena, pelo menos no início da intervenção, e que dificilmente
manteriam seus comportamentos sob controle de conseqüências intrínsecas aos
mesmos e sem conseqüências fornecidas por pessoas previamente orientadas pelo
terapeuta (é possível que posteriormente, à medida que a criança emitir mais e mais
respostas, as conseqüências intrínsecas venham a controlar a emissão dessas
respostas). Sendo assim, o planejamento para que a generalização de comportamentos
ocorra, por exemplo, na escola, requer que o terapeuta seja ouvido pelas pessoas que
lá trabalham e requer que todos formem uma equipe integrada. É um trabalho terapêutico
que não se esgota com a criança, mas sim envolve a família, a escola,...; e não poderia
ser diferente, uma vez que partimos do pressuposto de que o comportamento ó uma
relação entre o indivíduo e o ambiente e que as pessoas que convivem com a criança
são parte importante desse ambiente. E o trabalho realizado pelo terapeuta com a
criança e as outras pessoas que lidam rotineiramente com ela, partindo do que foi
descrito até o momento, aponta para uma definição de inclusão em termos
comportamentais, definição que completa aquela encontrada no dicionário e nas leis.
E tão importante quanto o treinamento da acompanhante terapêutica e sua
atuação na escola ó o planejamento da retirada gradual da mesma, de forma que a
criança passe a se relacionar independentemente com outras pessoas na escola,
tenha seus comportamentos mantidos ao longo do tempo e venha a aprender coisas
novas lá. Assim, o foco do treinamento da acompanhante terapêutica consiste em ensiná-
la a identificar as circunstâncias nas quais ela deve se aproximar da criança, quais
procedimentos ela deve aplicar, e em quais circunstâncias deve se afastar da criança.
Por exemplo, o acompanhante deve identificar quando a criança se engajou na tarefa,
ele pode eventualmente sair de perto fisicamente, e quando começou a agir
disruptivamente, a acompanhante deve se aproximar e fornecer uma dica, da menos
Intrusiva para a mais intrusiva, para a criança voltar a se engajar na tarefa. Portanto,
essa figura que acompanha facilita e promove a independência, ela é uma função
temporária dentro do processo de inclusão.

Passo 4: Integrar a equipe de profissionais, para integridade dos


procedimentos.
A acompanhante terapêutica, os terapeutas e todas as outras pessoas que
lidam com a criança - familiares, fonoaudióloga, profissionais da escola (coordenadora
pedagógica, professor de sala de aula, professor de educação física), etc. - devem se
reunir periodicamente, de maneira a integrar a equipe, conversar a respeito da atuação de
cada um, analisar se as metas estabelecidas previamente foram alcançadas (através
dos registros e das filmagens) e, se não, que mudanças na metodologia de ensino
poderiam ser feitas para alcançá-las (o que pode ser acrescentado e o que pode ser
retirado dos procedimentos), programar juntos o conteúdo que será dado nos próximos

3 9 0 Ludünu Júlio M tirtin s t I líllo José Q u ilh .m li


dias, como a aquisição desse conteúdo será avaliada, e traçar novas metas. Com essas
reuniões, tentamos assegurar que todas as pessoas utilizem estimulações antecedentes
e conseqüências reforçadoras com a criança que sejam coerentes com o programa de
intervenção, condição fundamental para a generalização e manutenção dos
comportamentos nas diferentes situações partilhadas por essas pessoas e a criança.

Passo 5: Replanejar a intervenção comportamental Individualizada - ABA.


Ainda com o objetivo de promover a generalização de comportamentos da
intervenção individual para outros contextos, esta passa por mudanças graduais, as
quais envolvem: a adoção de diferentes esquemas de reforçamento, a qual já foi
mencionada anteriormente; o uso de conseqüências reforçadoras mais naturais; o
esvanecimento da relação um - a - um entre terapeuta e criança, com diferentes
terapeutas fazendo um rodízio no atendimento à mesma criança; e a introdução de
outras crianças nas sessões de intervenção comportamental, preparando cada criança
para estabelecer relações com pares tanto na escola como em outros locais.
A cada objetivo de ensino cumprido, um novo objetivo pode ser estabelecido,
de forma que, cada vez mais, a criança seja incluída em diferentes contextos sociais,
inclusive na escola, apresentando aqueles comportamentos ensinados e agindo cada
vez mais independentemente.
Tanto novos programas devem ser incluidos na terapia, quanto os programas
já aprendidos devem ser levados de forma funcional para ambientes naturais.
Com esses cinco passos podemos dizer que ampliamos o significado da
palavra inclusão apresentando o modelo que tem sido utilizado na Gradual, o qual é
baseado na análise do Comportamento aplicada.
Finalizando, diríamos que, no "dicionário da Gradual" incluir uma criança com
desenvolvimento atípico significa ensinar o repertório comportamental acadêmico, social
e verbal necessário no contexto educacional, integrando-a em todas as atividades, mesmo
que utilizando estimulação especialmente preparada e ajuda de outras pessoas. É
somente com essa intervenção individualizada realizada em conjunto com familiares e
profissionais, que a escola se tornará um espaço democrático, igualitário e mais humano.

Referências

Baer, D. M., Wolf, M. M., & Risley, T. R. (1968). Some current dimensions of applied behavior analysis.
Journal of Applied Behavior Analysis, 1, 91-97.
BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL (1996). Lei de Diretrizes
e Bases da Educação.
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição, Porto Alegre: Artmed.
De Leon, I. G. e Iwata, B (1996). Evaluation of multiple-stimulus presentation format for assessing
relnforcer preferences. Journal of Applied Behavior Analysis, 29, 519-533.
Goldstein, H. E Cisar, C.L. (1982). Prompting interaction during socio-dramatlc play: Teaching scripts
to typical preschoolers and classmates with disabilities. Journal ofAppliod Behavior Analysis,.
25, 265-280.
IWATA. B. A., DORSEY, M.F., SLIFER, K.J., BAUMAN, K. E. e RICHMAN, G. S. (1982). Toward a
functional analysis of self-injury. Analysis and Intervention In Developmantal Disabilities. 2, 3-
20.

Sobre Comport«imenlo c CognivAo 3 9 1


K e lle r . F. s. e SCHOENFELD, w. n. (1968). Princípios da PalcQlofliaLum taxlo alatemátlco-na dõnclfl
do comportamento. São Paulo: Herder.
Kerr, N., Meyerson, L. e Flora, J. A. (1977). The measurement of motor, visual, and auditory
discrimination skills. Rehabilitation Psychology, 24 (Monograph Issue),95^12.
Maurice, C., Green. G. E Foxx, R. M. (2001). Making a diference - Behavioral Intervention for Autism.
Austin, Texas: pro-ed, An International Publisher.
Partington, J. W. e Sundberg, M. L. (1998). The Assessment o f Basic Language and Learning Skills
(The ABLLS) - Scoring Instructions and IEP Development Guide. Califórnia: Behavior
Analysts, Inc.
Skinner, B. F. (1953/1998). Ciência e comportamento humano. Tradução Joâo Carlos Todorov,
Rodolfo Azzl.- 10 edlçâo- São Paulo: Martins Fontes, 1998.
UNESCO. (1994). Declaração de Salamanca e enquadramento da ação: Necessidades educativas
especiais. Procedimentos - Padrões das Nações Unidas para a equalizaçâo de oportunidades
para pessoas portadoras de deficiências. A/RES/48/96, Resolução das Nações Unidas
adotada em Assembléia Geral. Espanha: Salamanca.

392 Lfild Hdfldiolo, Clntid C/uilhardi c Claudia Kortiduo


Os capítulos que compõem os volumes 17 e 18 da coleção
Sobre Comportamento e Cognição oferecem uma amostra
representativa dos trabalhos apresentados no XIV Encontro
Anual da ABPMC, realizado em Campinas em 2005. Os artigos de
pesquisa, de aplicação e de conceitos abrangem o que se tem
produzido no Brasil nas áreas de Análise do Comportamento e
Cognitivo-comportamental. Pode-se dizer que ambas mantêm
preocupações e objetivos comuns, mas, com o passar dos anos,
se afastaram quanto aos pressupostos, metodologia e conceitos
que as caracterizam e as definem. Tal afastamento não constitui
uma perda, mas um refinamento de identidades. Há que se louvar
a convivência harmoniosa de áreas teóricas, procedimentos de
ação profissional e metodologia de investigação que não se
fundem , mas coexistem com o a lte rn a tiva s prósperas,
consistentes e eficientes. Os estudiosos de uma ou outra área
encontrarão nos dois volumes textos inovadores, didáticos e
desafiadores para aprofundar e consolidar conhecimentos, que
aumentam de abrangência e se atualizam anualmente, escritos
pelos mais lídimos representantes da área.

ESETec
www.esetec.com.br

Você também pode gostar